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Exame Nacional para Certificação de

Competências de Jovens e Adultos

ENCCEJA
MR008-19
Expediente

Diretora Editorial Juliana Pivotto


Coordenador Editorial Mari de Barros
Revisão Equipe de Revisão Nova Concursos
Projeto Gráfico Equipe Nova Concursos
Diagramação Janaina Holovatuk Alves

© 2019 - Todos os direitos reservados à

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, especialmente
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184.e.parágrafos,.do.Código.Penal),.com.pena.de.prisão.e.multa,.conjuntamente.com.busca.e.
apreensão.e.indenizações.diversas.(artigos.102,.103,.parágrafo.único,.104,.105,.106.e.107,incisos.
I,.II.e.III,.da.Lei.n..9.610,.de.19/02/1998,.Lei.dos.Direitos.Autorais).

MR008-19
Sumário
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Linguagens e interação humana ..................................................................................................................01
Texto Complementar........................................................................................................................................08
A beleza está nos olhos de quem a vê: literatura.........................................................................................08
As línguas estrangeiras modernas em nossa sociedade.............................................................................08

Matemática
A matemática: uma construção da humanidade......................................................................................01

Ciências Humanas e suas Tecnologias


Cartografias do mundo contemporâneo . ...................................................................................................01

Ciências da Natureza e suas Tecnologias


A ciência como construção humana ...........................................................................................................01

Hora de Praticar
Matemática e suas tecnologias . ...................................................................................................................01
Ciências da natureza e suas tecnologias .....................................................................................................01
Ciências humanas e suas tecnologias...........................................................................................................01
Linguagens códigos e suas tecnologias.........................................................................................................01
Linguagens,
Códigos e suas
Tecnologias
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

fato de estabelecerem relações com outros textos já


LINGUAGENS E INTERAÇÃO HUMANA em circulação, respeitando certa regularidade de
forma, tema e estilo. Não é difícil perceber que as
receitas culinárias se parecem muito umas com as
CONSIDERAÇÕES INICIAIS outras, mesmo que os pratos que ensinam a prepa-
rar sejam diferentes, não é mesmo?
1. Linguagens e produção de sentidos É por isso que se pode falar em gêneros textuais
como famílias de texto que se parecem, que têm ca-
É comum que aconteçam, no dia a dia, confu- racterísticas importantes em comum. Ao longo desta
sões como a da piada lida na seção O que você Unidade, essas ideias serão aprofundadas. Porém,
já sabe? Isso ocorre porque as atividades de lingua- um bom ponto de partida para entender melhor o
gem são complexas, de uma variabilidade incrível, que se faz com a linguagem é ter clareza de que há
e dependem de vários fatores envolvidos na intera- sempre uma intenção comunicativa que coloca o in-
ção comunicativa. divíduo numa atividade social; que sempre são feitas
O primeiro deles tem a ver com o fato de os sen- escolhas ligadas a esse propósito, ao que se espera
tidos dos textos serem produzidos de modo compar- do interlocutor, ao modo como serão organizados os
tilhado entre os interlocutores, ou seja, aqueles com elementos do texto, à situação concreta em que a
quem se fala ou para quem se escreve. pessoa se encontra e aos textos que já estavam no
Muitas coisas não são ditas, contando-se que o mundo antes do que está sendo produzido.
leitor ou ouvinte vai concluir o que se pretendia di-
zer, levando em consideração a situação em que 2. Linguagem verbal, linguagem não verbal, lin-
se encontra, seu conhecimento de mundo, padrões guagens combinadas
culturais, convenções sociais e históricas. Por exem-
plo: quando se pede ao garçom o cardápio, não é Palavras, cores, desenhos, sons e gestos corpo-
preciso explicar que a intenção é ler para escolher, rais ganham sentido quando estão dentro de um
entre os pratos servidos, aquele que mais agrada no texto e, por isso, podem ser chamados de signos, isto
momento... Esse é um dado compartilhado, dispen- é, tornam-se sinais, marcas, símbolos compartilhados
sável nesse contexto. socialmente.
Mas, na piada que você leu, o senhor que che- A palavra, por exemplo, é um signo linguístico
ga ao guichê esperava que o atendente soubesse e o elemento de destaque nas interações pela lin-
que Anastácia era o nome da pessoa que o acom- guagem verbal. Mas, como até mesmo as palavras
panhava, não o do destino da viagem. Para ter mais possuem uma dimensão visual e sonora, é inevitá-
vel que outras linguagens participem dos textos na 1
possibilidades de ser compreendido, o texto precisa
dizer (e deixar de dizer) na medida certa para de- produção dos sentidos, como a linguagem não ver-
terminado interlocutor, em determinada situação. E bal. Em alguns textos, essa integração entre as lin-
o que é um texto? Algo que não é posto no papel guagens se torna o principal recurso para alcançar
também pode ser texto? o interlocutor (como anúncios publicitários, rótulos
A resposta é sim. Toda ação de linguagem que e embalagens de produtos, canções, charges, his-
acontece no mundo pode ser chamada de texto. A tórias em quadrinhos e a aula comentada acima,
palavra texto, em seu sentido original, tem relação entre tantos outros). Nesses casos, foram usadas lin-
com tecido, pano, estofo. Significa obra feita de guagens combinadas.
muitas partes reunidas; partes entrançadas, entrela-
çadas. Como o tecido, que é formado por vários fios GÊNEROS: QUE TEXTO É ESSE?
entrelaçados, um texto é construído a partir de um
conjunto de circunstâncias que o definem: contex- 1. Gêneros textuais: diferentes modos de interação
tos social e cultural; momento histórico; relação en-
Ao marcar as alternativas na primeira pergunta
tre os interlocutores; objetivo e tema da interação.
da seção O que você já sabe?, você sentiu dificul-
No processo de construção dos sentidos de um
dade para diferenciar uma receita culinária de uma
texto, o interlocutor tem um papel fundamental. É
notícia, um poema de um formulário, uma história
ele que, de posse de seus conhecimentos, valores e
em quadrinhos de uma carta pessoal?
crenças, dará o significado ao que vê, ouve ou lê,
Provavelmente, não. Isso ocorreu porque, ao
construindo, em parceria com o produtor do texto,
longo da sua vida, você ampliou o alcance das
os sentidos desse texto na situação determinada em
relações sociais, diversificando cada vez mais as
que ele está sendo visto, ouvido ou lido.
situações de interação social das quais participa e
Outro fator decisivo para a construção dos
aprendendo a reconhecer e fazer uso dos diferentes
sentidos do texto é a inter-relação entre seus vá-
gêneros textuais que existem.
rios elementos internos, linguísticos (palavras, frases,
Também aprendeu, com suas experiências, a
parágrafos etc.) e não linguísticos (imagens, gestos,
agrupá-los, usando critérios variados: onde são en-
cores, sons etc.). Numa aula, por exemplo, o profes-
contrados, o assunto de que tratam, a aparência,
sor conversa com os estudantes, escreve na lousa,
o modo como as linguagens foram usadas etc. São
mostra imagens, faz gestos e sinais, interagindo com
esses critérios que levam você a procurar notícias no
eles. Também é propriedade dos textos, em geral, o
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jornal, e não em livros, que o fazem preencher um duradouros! De repente, aquele ficante das férias
formulário de modo muito diferente do que escre- pode aparecer novamente e se tornar seu namo-
veria uma carta pessoal. E isso acontece com todo rado oficial: repare em quem já está por perto! Se
mundo. Quanto mais se vive, mais se conhece da você já namora firme, seu amado estará atento a
linguagem e dos gêneros que fazem parte da vida. tudo o que acontece com você. Pode ser que pre-
As atividades propostas procurarão demonstrar cise encarar uma DR (discussão de relacionamen-
o que é principal em cada gênero contemplado in- to), mas que só vai aproximá-la ainda mais de seu
teragem por meio deles. príncipe! Se rolar alguma tensão com professores,
Para isso, serão considerados quatro aspectos pais ou pessoas mais velhas, não esquente e fique
principais: suporte, forma, tema e estilo. Sem esque- aberta para o diálogo! É o melhor caminho para re-
cer, é claro, de considerar em que situação os textos solver os conflitos com os coroas!
foram produzidos, sua função social e os interlocuto- Além de se dirigir apenas para meninas, a previ-
res envolvidos. são considera a rotina de uma adolescente: namo-
ros, escola, amizades. A mudança de interlocução se
2. Lendo textos de diferentes gêneros textuais reflete no texto, no enfoque que se dá aos temas, nas
palavras escolhidas, no estilo adotado pelo autor.
Você tem o hábito de ler horóscopo? Acredita O uso dos pontos de exclamação, de palavras e
que a Lua, o Sol e outros planetas podem ter rela- expressões como ficante, DR, príncipe, rolar, coroas
ção com sua vida aqui na Terra? De acordo com faz sentido para leitores, ou melhor, leitoras adoles-
a Astrologia, cada pessoa recebe a influência dos centes, pois expressa um uso da língua que se consi-
astros de modo diferente ao longo do ano. Por isso, dera próprio dessa faixa etária. Entretanto, é possível
o ano é dividido em doze períodos, cada um regi- verificar que, de modo geral, os textos desse gênero
do por um signo do zodíaco. Assim, dependendo do vão ter muitos aspectos em comum:
dia e do mês de nascimento, cada pessoa também
é regida por um signo. O signo de câncer, por exem- • Formato: são textos curtos, geralmente acom-
plo, rege as pessoas que nascem entre 21 de junho panhados de outros onze textos (um para
e 21 de julho. cada signo do zodíaco).
• Tema: ligado à vida profissional, amorosa, fa-
miliar em sintonia com as influências astrais.
• Estilo: marcado pela citação do nome dos pla-
netas que têm destaque naquele dia, as reco-
mendações de como o leitor deve agir, o que
2
deve evitar, em que deve se concentrar; a pre-
sença de verbos no imperativo ou outras formas
que têm o mesmo efeito de dar conselho, orien-
tar, instruir (repare, não esquente, fique aberta).

O horóscopo é um gênero textual que tem como


Agora, veja um texto de outro gênero. Usando
característica principal se dirigir a todas as pessoas
os mesmos critérios (suporte, formato, tema, estilo), é
de um mesmo signo, que podem ser homens, mu-
possível reconhecer as pistas sobre o tipo de intera-
lheres, adultos, jovens ou idosos.
ção que estabelecem.
Os textos desse gênero podem circular em supor-
tes variados, sendo publicados em revistas, jornais e
sites ou até lidos em programas de rádio e televisão. #FicaDica
Apesar de pertencerem à esfera pública, o tema Astrologia: Substantivo feminino (1344)
que apresentam se liga a aspectos da vida pessoal, doutrina, estudo, arte ou prática cujo ob-
amorosa e profissional dos leitores e à interpretação jetivo é decifrar a influência dos astros no
astrológica feita por um especialista no assunto. curso dos acontecimentos terrestres e na
Em relação ao estilo, o autor tem certa liber- vida das pessoas, em suas características
dade para utilizar uma linguagem descontraída psicológicas e em seu destino, explicar o
ou então marcada por um tom místico, buscando mundo e predizer o futuro de povos ou in-
sempre a identificação do leitor. É comum que dê divíduos; uranoscopia.
conselhos, ordens e faça prescrições, por meio do Etimologia gr. astrología, as ‘astrono-
uso dos verbos no imperativo e outras formas com o mia, (posteriormente) astrologia’, pelo
mesmo efeito. Às vezes, o horóscopo é escrito para lat. astrolog a, ae ‘astronomia, a ciência
um público bem específico, como em uma revista dos astros’; ver astr(i/o)- e -logia; f. hist.
para adolescentes, por exemplo. Daí, pode ganhar 1344 astrologia, sXIV estreologia, sXIV es-
estilo particular. trolasia, sXIV estrolosia, 1431 astrellogia,
Observe como poderia ficar a previsão para o sXV estrollazia
mesmo signo se fosse escrita para uma revista femi- Grande Dicionário Houaiss da
nina para jovens: Língua Portuguesa.
Os astros dão a maior força para namoros mais
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Você saberia dizer onde o texto que você leu prego, vendendo ou alugando objetos, oferecen-
é geralmente encontrado? Como chegou a essa do serviços etc. Leia os dois classificados a seguir e
conclusão? O que o faz supor que seja encontrado perceba como a época influencia no modo como
em um dicionário é provavelmente seu repertório de foram escritos.
leitor, que dá pistas para identificar o gênero de tex-
to e sua finalidade.
O texto é um verbete de dicionário, usado para
conhecer o significado, os usos e até a grafia corre-
ta das palavras. O suporte pode ser o livro ou, atual-
mente, a internet ou uma versão eletrônica para ser
instalada no computador.
O formato dos verbetes de dicionário respeita,
com poucas variações, um padrão: apresenta uma
palavra (o que é chamada de “entrada”) e, em se-
guida, os diversos significados que ela pode adquirir
em diferentes contextos.
O verbete, além disso, informa a classe grama-
tical (substantivo feminino), apresenta um sinônimo
(uranoscopia) e a etimologia (ciência que estuda a
origem e evolução das palavras). Como, geralmen-
te, os verbetes aparecem em conjunto nos dicio-
nários (seguindo a ordem alfabética), a repetição
dessa estrutura é o que garante a uniformidade en-
tre eles e o fácil acesso do leitor às informações que
procura. Ao comparar os dois classificados, são identifi-
Ainda mais porque o tema apresentará uma va- cados elementos comuns: os dois foram escritos por
riação enorme por estar sempre vinculado à pala- pessoas que procuravam uma vaga de trabalho, o
vra da entrada. Imagine quantos temas uma obra primeiro, para ser escriturário (escrevente) mercantil
como o Dicionário Eletrônico Houaiss traz em seus ou auxiliar nessa função, o segundo, para ser auxiliar
mais de 228 mil verbetes! de escritório. Ambos poderiam ser publicados em
O estilo é sempre marcado pelo uso da lingua- jornais, o que influencia o formato dos dois textos
gem de forma objetiva, pela presença de termos (quanto mais curtos forem, menos custam ao anun-
técnicos das diversas áreas do conhecimento, da- ciante). 3
dos, classificações e explicações. Isso porque, em Os dois textos começam apresentando as quali-
geral, são dirigidos a um público que está fazendo dades profissionais necessárias, usando uma lingua-
uma pesquisa, querendo informações diretas sobre gem econômica e objetiva, e terminam dando as
o significado ou sobre a grafia de uma palavra, bus- informações para que os interessados estabeleçam
cando esclarecer um conceito ou uma dúvida com contato. O objetivo é o mesmo; o estilo, o suporte
um fim profissional ou escolar. em que poderiam ser publicados são semelhantes.
Além do verbete de dicionário, outros gêneros Então, o que é diferente? Você estranhou a grafia
circulam na esfera escolar e de divulgação de co- das palavras “offerece-se”, “huma”, “apromptar”?
nhecimentos científicos, como os verbetes de enci- Antes do Acordo Ortográfico de 1945, algumas pa-
clopédia e de almanaque, o artigo de divulgação lavras da língua eram escritas desse modo. Outro
científica e o texto didático (como este que você elemento que pode chamar a atenção é o fato de,
lê), entre outros. no primeiro classificado, o contato precisar ser esta-
belecido pessoalmente pelo endereço oferecido.
CONTEXTOS: VARIAÇÕES HISTÓRICAS, SOCIAIS E No segundo, há telefone e endereço de e-mail para
CULTURAIS isso.
Esses elementos vão delineando que a principal
Continuando a conversa sobre gêneros, o enfo- diferença entre os textos é o contexto histórico. Um
que agora será naquilo que é chamado contexto. anúncio é de 1835, o outro poderia ser escrito nos
Você já precisou apresentar e descrever suas qua- dias atuais. A distância de mais de 150 anos determi-
lidades profissionais a fim de concorrer a uma vaga na que os textos apresentem um uso da língua va-
de emprego? Existem vários modos de fazer isso. riado, que as palavras para descrever as qualidades
O mais comum é por meio de conversa com o dos profissionais e as tecnologias à disposição para
próprio empregador ou de um currículo. Também é fazer contato também sejam diferentes.
possível fazer um anúncio nos classificados de jornais As mudanças no estilo de vida e na relação
e revistas. O classificado tem sua origem ligada à his- entre as pessoas, o avanço tecnológico, fatos liga-
tória dos jornais e pode ser considerado um gênero dos à passagem do tempo, exercem influências no
textual. modo como os textos nesse gênero são produzidos.
Desde as primeiras publicações, no século XIX, Do mesmo modo, embora não seja esse o caso
já era possível encontrar pessoas procurando em- dos anúncios classificados, fica fácil perceber como
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a internet, ao favorecer a criação de novos modos lar de cada um.


de interação, propiciou também o surgimento de Com elas convive-se intensamente todos os dias:
novos gêneros, a partir daqueles que já existiam. Al- pela televisão, vê-se, por exemplo, como um terre-
guns estudiosos dizem, por exemplo, que o blog é moto aconteceu do outro lado do planeta, numa
uma reinvenção dos diários pessoais, assim como o cidade distante; pelo rádio, ouve-se um jogo de
e-mail é um novo tipo de carta. futebol, a movimentação dos jogadores, o com-
Afinal, ainda que fiquem evidentes algumas di- portamento das torcidas, o placar final; pelo jornal
ferenças ligadas ao suporte (que passa a ser a tela impresso ou digital, leem-se notícias dos fatos que
do computador), é possível reconhecer no blog e ocorreram em uma cidade, dos eventos políticos e
no e-mail muitas semelhanças, respectivamente, culturais que você não pôde presenciar.
com os diários pessoais e as cartas. Ao longo deste A interação por meio das linguagens pode
Caderno, outros gêneros textuais serão estudados acontecer numa conversa face a face, mas tam-
de modo mais aprofundado. bém pode se estabelecer entre grupos maiores de
Nesta Unidade, porém, você pôde perceber o pessoas, de modo ampliado. Na interlocução esta-
que é um gênero textual, que papel desempenha belecida pelas mídias, o alvo é sempre um público
nas interações por meio da linguagem e viu como amplo. Daí o nome comunicação de massa. Há
são em situações que podem variar muito. Pôde grandes suportes que assumem esse papel: rádio,
também se perguntar sobre o uso de alguns deles, televisão, jornais digitais e impressos, revistas digitais
reproduzindo rotinas textuais familiares e, ao mesmo e impressas, internet. Cada um, de modo diferente,
tempo, propondo variações que sirvam às ativida- de acordo com recursos próprios, interesses e condi-
des concretas realizadas com a linguagem. ções específicas, procura atingir seu público.
No rádio, as mensagens são exclusivamente so-
MÍDIAS E REPRESENTAÇÕES DO MUNDO noras, mesclando sons, palavras e efeitos sonoros
ligados à voz, como timbre, entonação, fluência
1. As mídias etc. Nos programas de rádio, o ouvinte tem aces-
so a temáticas e conteúdos variados por meio de
Tudo o que as pessoas sabem, tudo o que co- músicas, notícias, anúncios publicitários, entrevistas
nhecem do mundo chega por duas vias diferen- e debates. Outra característica do rádio é que as
tes. Uma delas é a observação direta, feita com os transmissões podem ser feitas ao vivo, permitindo a
próprios sentidos (tato, olfato, visão, paladar e au- interação com o ouvinte em tempo real.
dição), quando vivenciam e participam dos acon- Na televisão, os textos verbais, escritos ou fala-
tecimentos. É assim que se aprende qual é a textura dos, mesclam-se às imagens (estáticas e em movi-
4 e o peso da água, qual o formato e os movimentos mento) e aos sons, produzindo um efeito de realida-
da Lua, como se comportam certos animais, plantas de. É comum que os programas, noticiários e anún-
e pessoas. cios sejam gravados, mas é possível estabelecer um
A outra via é aquela que traz informações pro- contato em tempo real com o espectador, como é
venientes da vivência de outras pessoas e que são o caso dos reality shows e programas ao vivo.
acessadas por meio de conversas, livros, revistas, ci- Nos jornais impressos ou mesmo em sites, a lin-
nema, jornal e outros suportes das mídias. guagem verbal tem lugar de destaque, ainda que
seja indissociável de outras linguagens não verbais
na composição de textos de gêneros variados, es-
#FicaDica pecialmente fotografias, charges, cartuns e anún-
Mídias: Do latim midium, significa cios publicitários.
meio. No Brasil, passou- -se a utilizar o Quando as pessoas leem ou ouvem notícias e
termo de acordo com o significado es- reportagens em jornais impressos ou televisivos, elas
tadunidense de media, para designar o raramente refletem sobre o modo como essas lin-
conjunto dos meios de comunicação de guagens foram usadas e como esse uso pensado al-
massa: televisão, rádio, cinema, internet cança os sentidos. É fácil acreditar no que se ouve,
etc. comover-se com o que é visto, aceitar como verda-
de tudo o que é lido. Para lidar de modo inteligente
É interessante notar a tendência de que, con- com tanta informação, é preciso desenvolver um
forme as pessoas se tornam adultas e vão tomando senso crítico que permita avaliar se o que se lê ou
consciência do mundo, a quantidade de informa- se ouve está ou não de acordo com aquilo que se
ções que descobrem de modo direto é menor se pensa e em que se acredita, se deve ser contesta-
comparada àquela que recebem por essa segun- do, aceito ou desprezado.
da via conversando, lendo, assistindo à TV e indo ao Um jeito de aguçar o olhar para fazer leituras
cinema. mais críticas é examinar as informações e os pontos
Basta pensar na enorme quantidade de ima- de vista levando em conta as linguagens emprega-
gens, informações e opiniões com as quais as pes- das, seus recursos e efeitos. O jornal impresso O jornal
soas se deparam em apenas alguns minutos em impresso é bastante difundido e de fácil acesso. Mui-
frente à televisão. Por esse motivo, as mídias têm um ta gente, ao sair de casa, gosta de parar em uma
papel de destaque na sociedade e na vida particu- banca para comprar o jornal, para dar uma olhadi-
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nha nos destaques da primeira página ou ler os jor-


nais que são distribuídos gratuitamente em sinais de #FicaDica
trânsito ou no metrô. Manchete: Título da notícia princi-
Você costuma fazer isso? Nessas publicações, pal, que aparece na primeira página. Se
há um conjunto de textos dos mais variados gêneros uma notícia tratar do assunto de maior
sobre os assuntos mais diversos. Notícias, editoriais, destaque do dia, ela será publicada na
reportagens, crônicas, poemas, charges, informa- primeira página do jornal e terá o título
ções sobre a vida cultural da cidade, propagandas, maior em relação a todos os outros títu-
quadrinhos, horóscopo podem compor um jornal los. Os títulos das demais notícias tam-
voltado para um público bem diversificado. Você já bém são muito importantes no jornal. De-
folheou jornais de grande circulação? Já observou vem ser concisos, conter a informação
como são organizados? Já reparou que recursos são principal da notícia e chamar a atenção
usados na primeira página para chamar a atenção do leitor para que ele queira ler a publi-
do leitor? A primeira página dos jornais impressos traz cação e, claro, comprar o jornal.
os destaques, os resumos das notícias mais importan- Editorial: Gênero textual próprio da
tes, na visão dos editores. esfera jornalística em que o jornal ou a
Os repórteres levam para a redação do jornal revista expressa sua opinião sobre algum
informações sobre diversos acontecimentos. Os edi- acontecimento polêmico ou controver-
tores, responsáveis pela organização das várias pá- so.
ginas que compõem o jornal, escolhem aquelas que Carta do leitor: Gênero textual co-
acham mais importantes para mostrar na primeira mum em veículos da mídia impressa,
página. A edição do jornal que chega às bancas publicado em uma seção do jornal des-
de manhã cedinho é concluída na noite anterior tinada à manifestação dos leitores sobre
(a hora do fechamento da edição é indicada, nor- diversos assuntos, para que comentem
malmente, no canto superior da primeira página, no fatos, opinem, reclamem, façam suges-
cabeçalho). tões etc. É um espaço em que os leitores
Já os jornais de internet, rádio e TV também interagem com aquilo que acontece no
trazem para o público notícias de fatos que estão mundo e com o que é publicado no jor-
acontecendo no momento. O leitor, ouvinte ou te- nal.
lespectador não precisa aguardar o dia seguinte
para saber das novidades.
Em todos os jornais, o principal destaque recebe É possível que o leitor recorra ao jornal para pro-
um título chamado manchete. Outros destaques da 5
curar uma informação ou um texto específico, indo
primeira página recebem títulos menores. Assim, os direto ao caderno em que vai encontrá-lo.
assuntos são tratados brevemente na primeira pági- Por exemplo, se a intenção é saber o resultado
na, mas desenvolvidos nos cadernos, dentro do jor- de uma partida de futebol, o leitor pode seguir dire-
nal. Cada caderno reúne gêneros textuais diversos to para o caderno de esportes. Mas a maioria das
sobre um ou mais assuntos. pessoas começa a leitura do jornal pela primeira pá-
Por exemplo, o primeiro caderno dos jornais Fo- gina e dali segue abrindo as outras, pulando de ca-
lha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo reúne textos derno em caderno, lendo os textos que despertam
que expressam opinião (editoriais do jornal, cartas maior interesse.
dos leitores, tendências e debates), notícias sobre a Em função disso, a primeira página é conside-
política brasileira e de fora do país etc.; no segundo rada um espaço privilegiado para atrair o leitor e
caderno, estão reunidas notícias e artigos sobre a também para perceber, ao analisá-la, alguns usos
economia. Há outros cadernos especiais (de infor- específicos e singulares das linguagens que revelam
mática, cultura, agricultura, turismo etc.), que são as intenções e objetivos de quem produz o jornal.
publicados em determinado dia da semana e que Eugênio Bucci é um jornalista brasileiro e também
variam de jornal para jornal. estudioso de comunicação e mídia.
No trecho que você lerá a seguir, ele reflete so-
bre o poder da imagem e das palavras na primei-
ra página do jornal impresso, apontando alguns de
seus efeitos sobre o leitor:
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sido considerados importantes ao público que o veí-


culo deseja alcançar? Essa seleção já diz muito a
respeito da posição de cada mídia na sociedade
como um todo. Há jornais, por exemplo, que foca-
lizam suas notícias em acontecimentos locais ou de
interesse de determinado grupo social.
Outros que, com o intuito de alcançar um públi-
co mais amplo, privilegiam notícias de interesse na-
cional, dando pouco espaço para acontecimentos
mais regionalizados. Assim, conhecer a posição do
jornal que você lê e o público-alvo a que se dire-
ciona é uma pista para saber qual “mundo” será
retratado nas notícias que produzem e o que será
ignorado.
Depois de um fato ter sua relevância reconhe-
cida por aqueles que trabalham na elaboração
das pautas dos noticiários, começa o processo de
construção do texto, sua escrita e edição. Antes de
chegar aos leitores, os textos escritos pelo jornalista
passarão por editores e redatores que corrigem,
2. As notícias ajustam o tamanho, propõem cortes, complemen-
tações e modificações no texto inicial para que ele
Entre a ocorrência de um fato e o tempo decor- assuma a linguagem padrão daquele jornal e esteja
rido para sua divulgação, seja por rádio, jornal ou de acordo com a ideologia (visões do mundo) que
televisão, há um caminho que envolve muitas pes- ele assume.
soas. Imagine mais ou menos como esse processo É importante pensar em como a linguagem
acontece em um jornal impresso vendido nas ban- determina de que maneira será reproduzida a rea-
cas. lidade. É preciso ter clareza de que a informação
Geralmente, os acontecimentos chegam às não existe em si, independentemente dos seres hu-
redações dos jornais pelos repórteres responsáveis manos, como pode existir uma árvore, a chuva, o
pela cobertura de setores específicos. São os envia- Sol. Por isso, informar implica necessariamente rea-
dos especiais, os correspondentes. Outro caminho é presentar os fatos com palavras, números e imagens
6 por meio dos press releases enviados pelas próprias (fotografias, mapas, gráficos), fazendo escolhas, as-
organizações, pelos órgãos oficiais, pelas empresas, sumindo um ponto de vista sobre eles.
que podem divulgar comunicados oficiais à impren- A realidade é única, mas as representações fei-
sa. Muitas vezes, o repórter precisa consultar alma- tas dela são múltiplas. Num acidente como o inven-
naques, enciclopédias, relatórios. tado, muitos pontos de vista dariam ao caso ênfases
Mais frequente ainda é a necessidade de en- e contornos diferentes: um motorista envolvido dire-
trevistar pessoas envolvidas nos eventos ou espe- tamente no acidente (os motoristas dos caminhões
cialistas em determinados assuntos que não sejam ou alguém que presencie o acidente e fique preso
de domínio de qualquer pessoa, para obter dados no trânsito), um órgão público (a polícia rodoviária,
que complementem a informação que se preten- que deve ter sido chamada ao local) ou privado (a
de divulgar numa notícia. Chama-se fonte tudo o empresa que administra a estrada, responsável por
que fornece informações ao jornalista para que ele organizar o fluxo, prestar socorro e gerenciar as si-
escreva uma notícia ou reportagem. Vale lembrar tuações) e mesmo o jornalista responsável pela co-
também que há agências de notícias responsáveis bertura da situação nas estradas, que passa todo o
pela venda de notícias para todo o mundo, por isso tempo esperando que algo aconteça.
um mesmo fato pode ser divulgado em várias mídias Cada um desses atores sociais falaria do aciden-
ao mesmo tempo. te privilegiando seus interesses, de acordo com suas
Pense num acidente entre dois caminhões que responsabilidades e posição. Muitas vezes, falas das
tenha interrompido, logo pela manhã, o trânsito em pessoas ouvidas pelo repórter são incorporadas ao
uma importante estrada que liga duas grandes ci- texto, e ele constrói a narração dos fatos com co-
dades. Será que esse acontecimento interessaria a mentários das pessoas que entrevistou, sempre se-
um grande número de pessoas? Quem seriam essas lecionando as partes que julga mais convenientes.
pessoas? Será que há relevância para que seja pu- O repórter pode ouvir muita gente, mas nem to-
blicado? Essa é a primeira condição para que um das as vozes aparecerão na notícia ou na reporta-
fato mereça espaço nas páginas do jornal. gem. Também pode acontecer de o depoimento
Quem decide o que deve ou não virar notícia estar inserido na notícia com cortes ou comentários
são os próprios veículos que as divulgam, em sinto- que criem sentido diferente daquele dado pelo en-
nia com o interesse do público que consome as notí- trevistado.
cias. Você pode imaginar quantos acontecimentos Quando se trata do universo jornalístico, o “con-
deixam de ser divulgados pela mídia por não terem trato” que se estabelece com o público leitor é de
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que os fatos ocorreram do modo como são divul-


gados. Isso cria uma ideia de que haverá impar- intencional, a crônica era um sueto, a válvu-
cialidade, ou seja, neutralidade e objetividade na la verdadeira por onde eu me desfatigava de
transmissão dos acontecimentos. Mas sempre que mim. Também é certo que jamais lhe dei maior
há linguagem verbal ou não verbal, há escolhas, e interesse que o momento breve em que, com
as escolhas implicam posicionamento. ela, brincava de escrever. É o que em geral
É possível que uma notícia seja exata, mas não este livro deve representar.
neutra; pode apresentar um equilíbrio, mostrando Os filhos da Candinha já estarão dizendo
vários lados de um acontecimento, mas não é ab- que eu podia escolher outras, ao menos pelo
solutamente imparcial. assunto, mais justificáveis dentro das preocupa-
ções intelectuais de agora. Mas por isso mesmo
3. Autor e fonte que todas, essas como as que vão aqui, foram
escritas no momento de libertação, as mais “sé-
É comum que o nome do jornalista que escre- rias” me desgostam muito, por deficientes e mal
pensadas.
veu a notícia apareça entre o subtítulo e o primeiro
Não representam o que sempre eu quis fa-
parágrafo do texto ou então após a última frase da
zer. No ato de passar a limpo, estas crônicas
notícia. Muitas vezes, junto do nome, coloca- -se de
foram bastante encurtadas e corrigidas. Não
que cidade o escritor enviou o texto. Caso o texto
pude ficar impassível diante de encomprida-
tenha sido fornecido por uma agência de notícias,
mentos de exigência jornalística, bem como
o nome do autor não aparece. Entre as mais conhe-
desta aspiração amarga ao melhor. E também
cidas estão Agência Brasil, Reuters, Agência Estado. fiz várias reposições de linguagem.
Às vezes os jornais e os editores ainda se
Press release arrepelam com a minha gramática desboca-
da, me corrigem, e disso derivam numerosos
Do inglês press (imprensa) release (comunicado, lusismos escorregados nos meus escritos. Bem
documento), são textos preparados especialmente contra meu gosto aliás, pois não tenho a me-
para a imprensa por órgãos públicos, empresas, or- nor pretensão de rivalizar com o português de
ganizações privadas etc. que pretendem divulgar Portugal. Pretensão sensível mesmo em muitos
fatos e informações. escritores “vivos” do Brasil, que os prova néscios
e os torna bem ridículos.
Ideologia
Mário de Andrade
Conjunto de ideias e convicções filosóficas, so- São Paulo, 24/novembro/1942. ANDRADE, Mário de. Adver-
7
ciais e políticas, religiosas etc. que refletem interesses tência. In:_____. Os filhos da Candinha. Rio de Janeiro: Agir,
e compromissos de instituições, grupos e organiza- 2008, p. 27. © Detentores dos direitos autorais de Mário de
ções sociais como, por exemplo, escolas, partidos Andrade, gentilmente cedidos pelas
políticos, redes de televisão, jornais, grupos religiosos, Empresas Ediouro Publicações
ambientalistas, feministas etc.
As crônicas, por também serem textos jornalísti-
CRÔNICAS: O OLHAR DO CRONISTA SOBRE O cos, precisam se adequar à rotina do jornal e, por
MUNDO isso, passam por diversos profissionais, revisores e edi-
tores antes de chegarem ao leitor. A advertência do
1. O trabalho do cronista autor chama a atenção para o enorme desafio de
publicar textos desse gênero.
O texto que você lerá na atividade a seguir faz Diferente do processo mais comum de escrita
parte de uma reunião de crônicas publicada no livro de textos literários, a crônica tem prazos a cumprir,
Os filhos da Candinha. Seu autor, Mário de Andrade tamanho determinado para ocupar a página do
(1893-1945), que fez a seleção das crônicas dessa jornal e a periodicidade que pede um texto novo
coletânea, escreveu uma advertência no prefácio por mês ou, mais comumente, por semana.
da obra. Fora isso, seu leitor, a princípio, também se ca-
racteriza pela rapidez com que consome os textos,
pelo tipo de leitura característica dos jornais, descar-
Advertência
tando-os tão logo tenha em mãos a edição do dia
seguinte.
As crônicas ajuntadas neste livro foram es-
colhidas de preferência entre as mais levianas
2. Breve história da crônica
que publiquei, literatura. Faço assim porque me
parece mais representativo do que foi a crôni-
Desde a Idade Média, a crônica já era a forma
ca para a minha aventura intelectual. Nunca fiz
mais utilizada para o registro de fatos locais – eclip-
dela uma arma de vida, e quando fiz, frequen-
temente agi mal ou errado. ses, coroamentos, uma campanha ou conquista,
No meio da minha literatura, sempre tão glórias de uma casa reinante, novas descobertas,
feitos de um cavaleiro ou de um povo – e de tudo
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o que, aos olhos dos cronistas, pudesse ser digno de falantes brasileiros.
nota. Em outras palavras, é também possível que bra-
No entanto, os relatos dessa época limitavam-se sileiros de regiões diferentes possam ter, em determi-
a registrar os eventos sem lhes aprofundar as cau- nadas situações, alguma dificuldade para se enten-
sas ou lhes dar qualquer interpretação. Só a partir der. Você arriscaria dizer por quê? No livro Pequena
do Renascimento (século XIV), quando a noção de gramática do português brasileiro (2012), os autores
crônica deu lugar à de história, aparecem as primei- Ataliba de Castilho e Vanda Maria Elias dizem que,
ras crônicas que apresentam uma análise mais críti- depois de observar algumas palavras que uma
ca do que relatam e mostram as consequências de pessoa fala ou escreve para outra, é possível dizer
processos históricos. muitas coisas sobre ela: identificar as características
Crônicas assim são as do escritor português Fer- sociais (onde nasceu, nível sociocultural, idade), o
não Lopes, que fornecem um amplo panorama de modo que escolheu para se comunicar (língua fa-
sua época, dos lugares descritos, mas também das lada, língua escrita) e o registro que selecionou (fala
fraquezas ou dos feitos das pessoas. espontânea, fala formalizada).
Em terras brasileiras, na passagem do século XV O que isso significa? Significa que a língua portu-
para o XVI, Pero Vaz de Caminha escreve uma lon- guesa, assim como as outras línguas do mundo, dá
ga carta-crônica ao rei de Portugal, dom Manuel, identidade linguística ao seu falante e pode variar.
relatando a descoberta das novas terras, os deta- Pode haver variação geográfica (brasileiros do Nor-
lhes da viagem, do contato com a gente que vivia te, do Nordeste, do Sudeste, do Centro-Oeste e do
aqui... vê, compara, sente e relata tudo de significa- Sul não falam exatamente do mesmo jeito); pode
tivo que seu olhar permitiu ver por aqui. haver variação em função do segmento social do
Muitos séculos e muitas crônicas depois, final- qual o falante procede (se a pessoa é escolariza-
mente, a crônica assumiu o sentido que lhe é atri- da, ela fala ou escreve de modo diferente de uma
buído hoje. Precisamente em 1800, o Journal des pessoa que não frequentou escolas); pode haver
Débats, em Paris, introduziu a crônica diária, colo- também variação em função dos diferentes graus
cando-a abaixo de uma linha para separá-la da de intimidade entre as pessoas e da situação comu-
parte noticiosa do jornal. Recebeu ali o nome de nicativa (entre familiares usa-se linguagem informal;
feuilleton (pequena folha). Vale lembrar que abaixo no trabalho, dependendo da situação, usa-se uma
dessa linha também saíram mais tarde os capítulos linguagem formal); também pode haver variação
de romances publicados nos jornais (os romances se a modalidade de linguagem usada for a falada
de folhetim). ou a escrita; há também variação: por faixa etária
Aqui no Brasil, muitos escritores cultivaram o gê- (os jovens não falam como as pessoas mais velhas
8 nero; Olavo Bilac, Machado de Assis, Manuel Bandei- e vice-versa); histórica (o português que se fala e se
ra, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector. escreve hoje é diferente do que se falava e se escre-
Alguns como Rubem Braga, Sérgio Porto e Antônio via antigamente).
Maria tornaram-se especialistas nesse gênero. Uma língua, portanto, não existe de forma abso-
Atualmente, autores como Martha Medeiros, luta, e os falantes nativos de regiões diferentes, em
Luis Fernando Verissimo, Antonio Prata, Fabrício Car- contextos variados, lançam mão de variedades que
pinejar, Marcelo Rubens Paiva, José Roberto Torero serão estudadas a seguir.
dão continuidade à tradição da crônica no Brasil.
Nos últimos anos, alguns deles passaram a escre- 1. Variedades linguísticas
vê-las também para publicá-las em blogs na inter-
net. É curioso perceber que, mesmo com as mudan- Ao estudarmos nossa língua materna, não dei-
ças de contexto social e cultural e até mesmo de xamos de estudar também nossa identidade cultu-
suporte, atravessando diferentes épocas, a crônica ral, histórica e social. Graças à língua que falamos
permanece como um gênero sempre presente, que e escrevemos, interagimos, dividimos nossa visão
trata de temas cotidianos, levando o leitor a refletir de mundo, nos sentimos pertencentes a um grupo,
sobre eles, propondo um olhar especial para aquilo a uma comunidade. Graças à língua que falamos,
que, em geral, é visto apenas como trivial. escutamos, lemos e escrevemos, reafirmamos nossa
condição de gente, de sujeito histórico, que vive em
QUEM FALA PORTUGUÊS, SABE PORTUGUÊS... um determinado tempo e espaço.
Como escreve a linguista Irandé Antunes em seu
A língua portuguesa A maioria dos habitantes do livro Muito além da gramática, por um ensino de
Brasil e de Portugal tem a língua portuguesa como línguas sem pedras no caminho (2007), uma língua
língua materna, ou seja, sua primeira língua. Mas um mobiliza crenças, institui e reforça valores. Daí já é
brasileiro, quando ouve um português falar, pode ter possível concluir que estudar uma língua é muito
dificuldades para compreendê-lo. mais do que simplesmente apontar nos textos fala-
A pronúncia, a construção das frases, o sentido dos ou escritos “erros” e “acertos” de gramática. Os
de algumas palavras do português de Portugal são falantes nativos de uma determinada língua fazem
diferentes e podem gerar um questionamento: Se é usos diferenciados dela, ou seja, empregam varie-
português, por que não compreendo? O estranha- dades dessa língua. Cada variedade é legítima, isto
mento pode aumentar quando isso acontece entre é, tem razão de existir, pois é eficiente nas situações
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em que é usada. [...] como [a língua] deve ser, sem considerar


Caso contrário, ela simplesmente não existiria. o que de fato é, o que de fato acontece, so-
É importante frisar que, apesar de a fala ser a utili- bretudo entre os usuários [...] ANTUNES, Irandé.
zação individual da língua, ninguém está “sozinho” Muito além da gramática: por um ensino de lín-
em seu modo de falar. As variedades que existem e guas sem pedras no caminho. São Paulo: Pará-
que podem ser identificadas são frutos de diferentes bola Editorial, 2007, p. 92.
comunidades linguísticas, são sempre geridas coleti-
vamente e têm sua própria gramática, seu conjunto Como a norma culta é a representação do que
de regras de funcionamento. Por exemplo, a comu- seria falar e escrever bem, isto é, “sem erros”, é a va-
nidade linguística de pescadores do Rio Grande do riedade da língua mais prestigiada pelos segmentos
Norte utilizará expressões, canções e piadas que po- mais ricos e escolarizados da população, ainda que
dem se diferenciar das usadas por executivos que seu uso também não seja exatamente o que prevê
trabalham em bancos na Avenida Paulista, em São a gramática normativa.
Paulo (SP). Exemplos assim poderiam se multiplicar. É importante observar que a norma culta se apli-
Desde muito cedo, na primeira infância, interio- ca às situações formais em que se usam a fala e/
riza-se e usa-se com propriedade a gramática da ou a escrita. Como você sabe, em muitas situações
língua falada que se aprende. Qualquer pessoa que sociais, é necessário o uso da linguagem mais forma-
fala uma língua sabe sua gramática mesmo que lizada e convencional.
não tenha consciência disso! (Não existe língua sem Nada impede, no entanto, que você use tam-
gramática!) Mas, se é assim, por que, às vezes, tem- bém a norma culta em contextos de informalidade,
-se a impressão de não saber gramática? Por que é mesmo que possa parecer estranho ou pedante.
comum ouvir alguém dizer que a língua portugue- Já o contrário, isto é, o uso da língua não culta em
sa é “a mais complicada que existe”? Para tentar situações formais, pode ser considerado inadequa-
responder a essas perguntas, é necessário refletir um do, pois, como já visto, a norma culta é a norma
pouco sobre os sentidos da palavra gramática. prestigiada. Percebeu por que é importante estudar
Podem-se chamar de gramática as regras que alguns usos da norma culta na escola? A variedade
definem o funcionamento de determinada língua linguística que se usa com mais frequência pode ser
que vai sendo incorporada de forma intuitiva e na- bem diferente da variedade que se aprende na es-
tural no convívio com os outros, ao participar de ati- cola. É muito importante que a escola ensine a nor-
vidades sociais de uso dessa língua (conversas com ma culta, mas é bem possível que, ao estudar essa
familiares, amigos e pessoas em geral que falam a variedade da língua, você tenha a sensação de
mesma língua). que está aprendendo uma “nova” língua.
Você vai aprendendo alguns aspectos dessa A norma culta é a variedade eleita para ser refe- 9
gramática, ouvindo, falando, escrevendo. Não há rência para alguns gêneros orais e escritos. As leis do
um momento especial nem alguém como um pro- Estado são escritas nessa norma, os artigos científi-
fessor que precise ensiná-la. Mas gramática tam- cos, alguns textos jornalísticos e filosóficos também. É
bém se refere ao conjunto de normas que regulam importante que todos conheçam o funcionamento
o uso da norma culta, que, segundo o linguista Car- dessa variedade.
los Alberto Faraco, é: Isso não significa que ela, por isso, seja “melhor”,
“mais certa”, “mais bonita” nem que você tenha de
[...] a norma linguística praticada, em determi- deixar de usar completamente sua variedade de ori-
nadas situações (aquelas que envolvem certo gem e outras variedades situacionais. Para interagir
grau de formalidade), por aqueles grupos soci- com o mundo, é preciso adequar os usos da língua
ais mais diretamente relacionados com a cultu- às diversas situações. Nas situações formais, convém
ra escrita, em especial por aquela legitimada usar uma linguagem formal; nas situações informais,
historicamente pelos grupos que controlam o há possibilidade de usar outras variedades, depen-
poder social. FARACO, Carlos Alberto. Desem- dendo do contexto.
baraçando alguns nós. In: BAGNO, Marcos Mas não pense que a norma culta de hoje é
(Org.). Linguística da norma. 2. ed. São Paulo: igual à de alguns séculos atrás. Se é uma varieda-
Edições Loyola, 2004, p. 40. de da língua, ela também sofre variações, é móvel
e flexível, e vai incorporando, lentamente, as mu-
A norma culta é a variedade da língua que se danças propostas pelos falantes. Toda língua viva é
aprende na escola e em outras situações da vida realmente dinâmica. É por isso que dicionários e gra-
formal e pública. máticas lançados mais recentemente já incorporam
Apesar de a norma culta ser uma variedade uti- explicações para usos da língua que as gramáticas
lizada em algumas situações e em alguns gêneros, mais antigas recriminam e consideram erros.
muitas vezes não é vista como tal.
A norma culta é vista como norma ideal ou nor- FALAR E ESCREVER
ma-padrão, que corresponderia a um uso da língua
tido como modelo, correto, segundo as regras esti- 1. Português falado, português escrito
puladas pelas gramáticas normativas.
O português falado e o escrito manifestam-se
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em diversos gêneros textuais. Alguns gêneros, como 2. Aprimorando a escrita


conversas formais, conversas telefônicas, conversas
espontâneas, debates em rádio ou TV, entrevistas, Já foi comentado que as modalidades falada
aulas expositivas etc., são gêneros orais. e escrita da língua têm semelhanças e diferenças.
Outros, como bulas de remédio, enunciados de Falou-se de algumas especificidades de cada mo-
questões, artigos científicos, fábulas, romances etc., dalidade: na falada, há o tom, a pronúncia, a ex-
são gêneros escritos. Mas há gêneros em que a mo- pressão facial; na escrita, há os sinais gráficos, a or-
dalidade falada e a escrita aparecem integradas. tografia, a pontuação.
Por exemplo, nas canções, nas piadas, nos contos A ortografia é a maneira convencional de escre-
populares e no noticiário de televisão, observa-se ver as palavras de uma língua. Ao ler a divertida crô-
uma forma escrita que se realiza quase como fala, e nica de Kledir Ramil (1953-) (Tema 1), você viu que,
vice-versa. Isso significa que não há uma separação dependendo da região de que provém o falante,
rígida entre a fala e a escrita, como se tratando de muitas palavras ganham pronúncias diferentes. Para
línguas diferentes. mostrar isso, o autor procurou escrever na crônica as
Mas é importante notar também que cada uma palavras não de acordo com a norma, mas da ma-
dessas modalidades (a falada e a escrita) tem espe- neira como ele acha que são pronunciadas.
cificidades e limites. Nem sempre a escrita consegue Releia um trechinho:
representar no papel características da modalida-
de falada. Como representar na escrita o tom usa-
do ao falar, a pronúncia do português falado por
brasileiros de certa região, os gestos, o movimento
do corpo e dos olhos? Já parou para pensar nisso?
Por outro lado, há coisas que são inerentes ao texto
escrito, só a ele... como a ortografia das palavras e
o uso dos sinais de pontuação.
A fala para o linguista Luiz Antônio Marcuschi, na
obra Da fala para a escrita (2007), “uma forma de
produção textual-discursiva para fins comunicativos
na modalidade oral” é muito mais antiga do que a
escrita.
Faz dez milhões de anos 158 UNIDADE 5 que o
ser humano existe na Terra e apenas 6.000 anos que Na crônica, intencionalmente, o autor não usou
10 a humanidade inventou a escrita. Estudos mostram a convenção ortográfica, para que o leitor perce-
que somente cerca de 106 das milhares de línguas besse mais facilmente as pronúncias diferentes de
faladas no curso da história humana estiveram sub- cada região.
metidas à escrita num grau suficiente para produzir Mas você acha que esse procedimento funcio-
literatura. naria para escrever textos marcados por maior for-
O que esse fato revela? Revela que a linguagem malidade? Você acha que, ao escrever um bilhete,
oral pode sobreviver sem a escrita. Mas, nas últimas um texto de opinião, uma receita, as palavras pode-
décadas, por uma série de fenômenos históricos, a riam ser grafadas sempre da forma como são pro-
língua escrita ficou sendo considerada por alguns nunciadas? Escrever segundo uma convenção orto-
como a única “forma lógica e correta” do uso da gráfica é importante na escola e fora dela também.
língua, a única modalidade da língua digna de ser A maneira correta de escrever é tão valorizada
estudada e ensinada. que muita gente acha que texto bem escrito é texto
Atualmente, graças ao trabalho de alguns pes- que não contém erro ortográfico. A principal conse-
quisadores que se dedicam ao estudo das práticas quência dessa postura? É o medo de errar. Por isso,
sociais orais, a língua falada é também vista como uma estratégia para vencer o medo de escrever e
precioso objeto de estudo. Língua falada e escrita enfrentar o desafio de colocar no papel o que se
têm funções interativas, podem ser ou não coeren- pensa é observar as diferenças entre como se pro-
tes, podem ser ou não coesas e são “colocadas em nunciam as palavras e como são escritas.
cena” com uma intenção. É bastante comum que escritores inexperientes
Importante é perceber que você está inserido se apoiem fortemente na pronúncia para grafar as
em uma sociedade que fala, escuta, lê, escreve. Ter palavras nos textos que produzem.
contato com as múltiplas manifestações da produ- É preciso ficar atento, por exemplo, para não
ção falada e escrita dá condições de vivenciar a trocar o E por I, em palavras como “menino” (já que
coexistência de diversos modos de falar e de usar a na fala é comum a pronúncia minino); não trocar O
língua materna. por U, em palavras como mundo (já que na fala é
O objetivo, ao fazer você refletir sobre algumas comum a pronúncia mundu). Também é comum na
especificidades das modalidades falada e escrita, fala reduzir a pronúncia de certos ditongos.
é ajudá-lo a descobrir caminhos para que seu texto Costuma-se falar mudô, mas na escrita é mudou;
– escrito ou falado – apareça ajustado à situação fala-se caxa e escreve-se caixa; madeira pode ser
comunicativa. pronunciada madera. Também é comum na pro-
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núncia que o R do final dos verbos no infinitivo desa- escritos e ajustá-los às situações que exigem uma es-
pareça: fala-se protegê em vez de proteger; fala-se crita formal, a sugestão é que você aprenda a fazer
dizê em vez de dizer; cantá em vez de cantar etc. quatro ações, para revisar o texto:
É comum também o acréscimo de I em palavras
terminadas pelo fonema /S/ grafados com a letra S • cortar: retirar passagens repetitivas ou expres-
ou Z, por exemplo, faiz (forma pronunciada)/faz (for- sões que podem ser desnecessárias no texto
ma escrita), treis (forma pronunciada)/três (forma escrito.
escrita). Também em sílabas que têm uma estrutura • acrescentar: inserir informações que possam
diferente de consoante + vogal: habitati (forma pro- dar mais clareza ao texto escrito.
nunciada)/habitat (forma escrita). • substituir: trocar termos que possam ser vagos
Dúvidas em relação à ortografia provocadas ou imprecisos por palavras ou expressões mais
pela maneira como são pronunciadas as palavras específicas ou precisas
podem se multiplicar: pode ocorrer troca do L por • inverter: mudar a ordem de expressões ou seg-
R em palavras como problema; troca do LH por I ou mentos do texto escrito para deixar mais claro
por LI (paia/palha, malia/malha); redução de pala- o encadeamento lógico das ideias apresenta-
vras (como abobra/abóbora, arvre/árvore). Além das. Veja como podem funcionar essas ações
da ortografia, outro aspecto que é inerente à mo- de revisão nas atividades a seguir, em que tex-
dalidade escrita é o uso dos sinais de pontuação. tos falados serão transformados em escritos.
Eles são importantes em textos escritos por três
razões fundamentais: razão entonacional, razão ló-
3. Revisando textos
gica e razão expressiva. A razão entonacional tem a
ver com a melodia textual. Os sinais de pontuação
A seguir, você vai ler duas versões (uma falada e
indicam pausas e mudanças na melodia do texto,
outra escrita) de uma entrevista concedida por An-
sinalizando ao leitor a hora de mudar a entonação
tônio Nóbrega (1952-) ao jornalista Fernando Faro,
na leitura.
para um programa apresentado na TV Cultura, em
Se a frase terminar com o sinal de interrogação,
23 de maio de 1996. Leia as duas versões atentando
é preciso ajustar o tom da leitura, para que fique pa-
para as semelhanças e diferenças entre elas (o que
recendo uma pergunta. Uma coisa é ler Vai chover
foi cortado, acrescentado, substituído ou invertido).
hoje. Outra é ler Vai chover hoje?.
Observe que a última palavra da segunda fra-
se (a que termina com um ponto de interrogação)
é pronunciada em tom diferente, pois o sinal indica
que é uma pergunta. A razão lógica tem a ver com 11
a ordem como as ideias vão sendo colocadas.
Em vários gêneros textuais, os sinais de pontua-
ção ajudam a organizar o texto, a evidenciar expli-
cações, a separar os itens de uma lista. Uma vírgula
fora do lugar pode mudar completamente o sentido
do texto; no lugar adequado, torna-o mais claro e
preciso.
A razão expressiva tem a ver com a sinalização
de uma intenção ou estado emotivo. Usam-se os
sinais de pontuação para expressar sentimentos in-
tensos. Colocar no final de uma frase duas excla-
mações pode sinalizar a intensidade de sentimentos
como espanto, admiração, raiva etc., dependendo
do contexto. Escrever duas vezes o sinal de interro-
gação ao final de uma pergunta pode querer ex-
pressar indignação, por exemplo.
Dependendo da forma como são usados os si-
nais de pontuação, carrega-se o texto de expressi-
vidade. Cortar, acrescentar, substituir, inverter... Um #FicaDica
bom modo para você aprimorar os textos escritos é
aprender a revisá-los. São inúmeras as situações em Use canetas de cores diferentes para
que é preciso lançar mão da escrita. E-mails, cartas, assinalar no texto falado o que foi inverti-
respostas às questões, currículo, resumos do que se do, acrescentado e substituído.
ouve em uma reunião ou em uma aula são textos
escritos com que se lida quase diariamente.
Nessas e em outras situações em que é neces- UM LEITOR QUE PENSA E QUE DIZ O QUE PENSA SO-
sário usar a modalidade escrita, é preciso observar BRE O QUE LEU
parágrafos, sinais de pontuação, regras ortográfi-
cas, especificidades da escrita. Para revisar textos 1. O caminho de uma carta de leitor
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Carta argumentativa de leitor e outras cartas de rencia-se de outras publicadas em jornais e revistas
leitor: Qual é a diferença? Há muitas cartas enviadas por causa da sua finalidade e do objeto da sua críti-
pelos leitores que são publicadas nos jornais. Como ca. Da escrita à publicação:
você viu na Unidade 1, algumas delas podem ape- O que acontece nesse caminho? Um dos as-
nas solicitar publicações de matérias de certos te- pectos abordados é o relativo às condições que os
mas; ou cumprimentar o veículo por determinada jornais e as revistas apresentam aos leitores para a
reportagem, pelo aniversário, pela beleza de uma publicação de uma carta. Para esclarecer um pou-
capa etc.; ou, mesmo, apresentar-se ao veículo co mais esse processo, veja o que um editor respon-
como seu leitor assíduo, por exemplo. deu para um leitor quando perguntado sobre o que
Outras cartas são destinadas a queixas e recla- acontece com as cartas quando são enviadas para
mações do leitor sobre serviços prestados por empre- o jornal em que ele trabalha:
sas, sobre atendimentos realizados por instituições di-
versas como escolas, hospitais, órgãos públicos. Ou
tratam de reclamação sobre produtos comprados
e não entregues ao consumidor pela empresa; do
tempo de espera para ser atendido por um médico;
do atraso do recebimento de uma aposentadoria;
da demora na entrega de um certificado de um
curso realizado.
Por causa dessas finalidades, podem ser identifi-
cadas como cartas de reclamação ou cartas de so-
licitação. Quando se trata de carta argumentativa
de leitor, fala-se das cartas nas quais o leitor comen-
ta criticamente – utilizando argumentos – aspectos
como:

• o assunto de matérias publicadas em jornais e


revistas (impressos ou eletrônicos): o leitor apre-
senta uma crítica à posição assumida na ma-
téria lida, concordando ou discordando dessa
posição, total ou parcialmente;
• o tratamento que um determinado veículo dá Esse procedimento do editor, de reduzir a carta
12 com o cuidado de manter a ideia central do leitor
a um assunto em dado momento: o leitor pode
pensar que o assunto foi tratado de modo excluindo informações redundantes, advérbios e
superficial, quando mereceria mais aprofun- adjetivos desnecessários, é comum na mídia impres-
damento; pode avaliar que foi abordado de sa. As cartas de leitor não costumam mesmo ser pu-
modo muito irônico, quando deveria ser trata- blicadas tal como foram escritas: sofrem reduções,
do com seriedade; pode considerar que o as- cortes, simplificações, de acordo com os critérios de
sunto foi discutido de modo exageradamente cada veículo.
aprofundado, quando não era para tanto. O Entre a versão do produtor e a que foi publicada
olho do leitor, aqui, pode estar também no tra- há uma distância considerável.
balho do jornal ou da revista como um todo, Os advérbios são palavras que, fundamental-
pois um mesmo assunto pode ser abordado mente, modificam o sentido do verbo, mas também
em várias seções ou cadernos. Por exemplo, podem reforçar o sentido de um adjetivo, de outro
o caso do preconceito racial nos campos de advérbio e até de uma frase inteira. Por exemplo:
futebol saiu do caderno dos esportes e foi para
os espaços destinados à discussão de proble- • Você me compreendeu mal. (O advérbio mal
mas sociais, políticos, de comportamento, modifica o sentido do verbo compreendeu.)
abrangendo o jornal como um todo; • Ansiosa, teve uma conversa bastante rápida
• diversos procedimentos adotados por esses com o noivo e saiu para a entrevista. (Rápida
veículos no processo de publicação das ma- é o adjetivo de conversa, e o advérbio bastan-
térias: um jornal pode destinar mais espaço a te reforça a ideia desse adjetivo.)
determinado assunto, penalizando outro com • Infelizmente, não havia quarto vago naquele
pouco espaço; pode ignorar certo aconteci- hotel. (O advérbio infelizmente modifica todo
mento e não fazer referência alguma a ele; o sentido da frase.)
pode colocar, ao lado de uma matéria, ima-
gens que não têm nada a ver com ela, mas Do ponto de vista semântico, os advérbios po-
que podem induzir o leitor a fazer interpreta- dem indicar lugar (abaixo, acima, ali, lá, adiante
ções indesejadas a respeito, por exemplo. etc.), tempo (agora, ainda, amanhã etc.), modo
(assim, bem, depressa, devagar, lentamente etc.),
A carta argumentativa de leitor, portanto, dife- intensidade (bastante, demais, menos, mais, muito
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

etc.), afirmação (sim, certamente, realmente etc.), dúvida (acaso, porventura, possivelmente, provavelmen-
te etc.), negação (não, tampouco, jamais), ordem (primeiro, depois, ultimamente etc.).
Os adjetivos são, essencialmente, palavras que modificam os substantivos (seres, ideias, objetos) de dois
modos fundamentais:

• Caracterizando os seres, objetos ou ideias por meio de uma qualidade (inteligência sensível; paciência
invejável; cabelo sedoso), modo de ser (homem simples; pessoas arrogantes; profissionais capazes), as-
pecto ou aparência (tecido amassado; rosto cansado; mãos inchadas), estado (terreno abandonado;
quintal empoeirado).
• Estabelecendo com o substantivo uma relação de tempo, de espaço, de matéria, finalidade, proprie-
dade, procedência etc. (nota mensal; movimento estudantil; carinho materno).

2. A formação de palavras

Muitas palavras da língua portuguesa são formadas a partir de outras. Diz-se que essas que foram forma-
das derivam-se daquelas. As palavras que dão origem a outras são gramaticalmente denominadas primiti-
vas, e as que vieram de outras são conhecidas como derivadas. Por exemplo:

O processo de derivação é uma das maneiras pelas quais acontece a formação das palavras: é quando
pequenas partes denominadas afixos são acrescentadas a uma palavra primitiva, seja no começo ou no fim
dela.
Prefixos são as partes adicionadas no início das palavras, e sufixos são os afixos que se agregam à palavra
no final. Os afixos apresentam possibilidades de sentido que, quando acrescentados às palavras primitivas,
transformam seu significado original.
Os quadros a seguir mostram exemplos desse processo.
13

As palavras também podem ser formadas pelo acréscimo de sufixo e prefixo, por exemplo: deslealmente;
infelizmente.
Mas para que conhecer tudo isso?
Uma das razões é para você saber como proceder quando se deparar com um termo que não conhece:
analisar a sua composição, tomando como referência palavras conhecidas e sabendo das possibilidades
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de sentido colocadas pelos sufixos e prefixos que de Almeida para o Programa de Prevenção
as compõem. Esse é um bom procedimento para ao Preconceito Étnico (Racial) da Prefeitura de
descobrir o seu significado, como você fez com a Barra Mansa (RJ).
palavra lusófono.
Faz algum sentido? Você deve, certamente, ter
PARA BEM ESCREVER: A COERÊNCIA E A COESÃO pensado que não, afinal, rosas não nadam, ainda
DOS TEXTOS mais nas sobrancelhas do chocolate incolor, que
não existe, tampouco tem sobrancelhas, certo?
1. Escrever um texto: O que essa tarefa exige? Pois bem. Agora, complete o texto que acabou
de ler com o trecho apresentado a seguir.
É comum ouvir expressões como: Sua atitude foi
muito coerente ou O rapaz foi incoerente, pois dis- A frase acima faz tanto sentido quanto o pre-
se uma coisa e fez outra. A ideia de coerência está conceito racial. Programa de Prevenção ao
ligada a uma atitude lógica, que não se contradiz, Preconceito Étnico (Racial) da Prefeitura de
ou seja, coerente. Barra Mansa (RJ).
De modo geral, pode-se dizer que escrever um
texto requer dois procedimentos fundamentais, pro- O que lhe parece, agora? O texto anterior ga-
fundamente ligados entre si: estabelecer a coerên- nhou significado?
cia entre as ideias que se apresentam e também Dessa vez você deve ter pensado que sim. Afi-
a coesão entre trechos que compõem o texto. nal, o preconceito racial não faz o menor sentido,
Ambas – coesão e coerência – são características não é mesmo? Tal como o primeiro trecho, quando
essenciais de um texto; sem elas, a escrita de uma lido isoladamente.
sequência de enunciados será apenas um aglome- Esse texto, composto pelos dois trechos, era a
rado de frases. chamada para o Programa de Prevenção ao Pre-
conceito Étnico (Racial), presente no site da Prefeitu-
2. Mas o que é mesmo coerência? ra da Cidade de Barra Mansa (RJ), que o desenvol-
veu a partir de 1º de dezembro de 2006.
Quando alguém fala em coerência, está se re-
ferindo à unidade de sentido que deve ser construí-
da no texto, à relação que precisa ser estabelecida
entre as informações apresentadas, dando-lhe signi-
ficado, de modo que se consolide o tema tratado.
14 A coerência trata, assim, da lógica interna do
texto, isto é, o assunto abordado necessita se man-
ter intacto, sem que haja distorções ou contradi-
ções, de tal forma que as ideias do texto possam ser
compreendidas adequadamente pelo leitor.
O texto 1 que você leu, por exemplo, contém
muitas incoerências, muitos absurdos. Mas, ao co-
nhecer sua fonte, ao saber do que se trata, você
deve ter percebido que é uma anedota, não é mes-
mo? Sendo assim, a desconexão foi intencionalmen-
te planejada para provocar o riso do leitor. Pode-se
dizer, então, que o texto só ganha coerência quan-
do o contexto no qual foi produzido é compreendi- Nesse caso, diferentemente do que aconteceu
do. Caso contrário, é uma sequência de frases sem quando o texto 1 foi lido, a coerência foi estabele-
sentido. cida quando houve a articulação entre os dois tre-
chos, ou seja, as informações internas ao texto é que
3. O que determina a coerência de um texto? foram fundamentais para tanto. Quando o texto é
relacionado ao lugar de publicação e à sua fonte (o
Considerando-se o texto 1, é possível dizer que programa desenvolvido pela prefeitura da cidade),
conhecer as características do contexto de produ- a coerência se consolida.
ção do texto (quem escreveu o texto, para quem
foi escrito, onde foi publicado, qual sua finalidade, 4. Primeiras conclusões
entre outros aspectos) e articular essas informações
com o texto, em si, possibilita a constituição da sua Do estudo feito até o momento, é possível tirar,
coerência. pelo menos, as seguintes conclusões: • A relação
Mas não é só isso. entre o texto e o contexto é estabelecida por quem
Leia o texto a seguir. faz a leitura. Isso quer dizer que o conhecimento do
leitor é fundamental para que ele possa atribuir coe-
“As rosas não nadaram nas sobrancelhas do rência ao que lê.
chocolate incolor” Frase elaborada por Valmir Se o leitor do texto 1 não o reconhecer como
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anedota, quer dizer, como uma piada, vai conside- promove a coesão, mas a substituição de algumas
rá-lo apenas um texto absurdo e sem coerência. palavras por outras: os pronomes as e seu.
Mais uma vez, analise o texto com atenção:
• As informações contidas nos diferentes trechos
de um texto precisam articular- -se, estar co- [...] Há três tipos de células-tronco. As mais co-
nectadas logicamente, pois, sem isso, perde- muns são encontradas na medula do ser hu-
-se o sentido. mano em qualquer idade, mas seu poder de
• Um texto, para ser coerente, precisa ter conti- reprodução e especialização é baixo. Outro
nuidade nas ideias, ou seja, que se articulem tipo são as células-tronco existentes no cordão
sem quebra de sentido. Precisa ter progressão umbilical, mais potentes que as da medula. Mas
nas ideias que apresenta, quer dizer, precisa ir o tipo mais promissor são as células-tronco dos
acrescentando conceitos novos a cada tre- embriões humanos. [...]
cho, unindo-os aos anteriores sem prejudicar o
sentido. Dessa vez, é importante observar que as pala-
vras ressaltadas pertencem a um mesmo campo
semântico. Quer dizer, elas possuem sentidos que
E A COESÃO, O QUE É?
se aproximam, que se relacionam ao tópico em dis-
cussão, fazendo parte de um mesmo campo do co-
1. De que modo a coesão é estabelecida nos
nhecimento. A reiteração ou retomada de sentido
textos?
de palavras como essas também contribui para a
coesão de um texto. Analise o texto pela última vez.
Para melhor compreender essa ideia, leia o tex-
to a seguir.
[...] Há três tipos de células-tronco. As mais co-
muns são encontradas na medula do ser hu-
Texto 1
mano em qualquer idade, mas seu poder de
[...] Há três tipos de células-tronco. As mais co-
reprodução e especialização é baixo. Outro
muns são encontradas na medula do ser hu-
tipo são as células-tronco existentes no cordão
mano em qualquer idade, mas seu poder de
umbilical, mais potentes que as da medula. Mas
reprodução e especialização é baixo. Outro
o tipo mais promissor são as células-tronco dos
tipo são as células-tronco existentes no cordão
embriões humanos. [...]
umbilical, mais potentes que as da medula. Mas
o tipo mais promissor são as células-tronco dos
Se você observou bem, pôde notar que as ex-
embriões humanos. [...] BATALHA da luz, Uma. 15
pressões grifadas foram empregadas no texto para
Veja, Saúde, 2 mar. 2005.
ordenar a apresentação dos três tipos de células-
-tronco anunciados logo no início. Já as duas pa-
Durante a leitura, é possível notar a repetição
lavras em negrito, serviram para indicar a relação
da palavra tipo/tipos e da expressão células-tronco.
estabelecida entre o trecho que vem antes delas e
Essa repetição é um dos recursos que podem ser uti-
o que vem depois; nesse caso, a relação é de opo-
lizados para estabelecer a conexão entre as ideias
sição.
do texto.
2. Conclusões sobre o estabelecimento da coe-
Leia o texto mais uma vez:
são
[...] Há três tipos de células-tronco. As mais co-
muns são encontradas na medula do ser hu-
A análise dos recursos coesivos empregados no
mano em qualquer idade, mas seu poder de
texto 1 permite concluir que a coesão de um texto
reprodução e especialização é baixo. Outro
pode acontecer por meio de:
tipo são as células-tronco existentes no cordão
umbilical, mais potentes que as da medula. Mas
• referência ao que já foi dito anteriormente:
o tipo mais promissor são as células-tronco dos
acontece quando um termo retoma outro
embriões humanos. [...]
dentro do texto, quando reitera algo que já foi
dito antes ou quando uma palavra é substituí-
Desta vez, estão marcadas as palavras empre-
gadas que retomam a ideia de célula-tronco: quan- da por outra que possui com ela alguma rela-
do o texto diz “as mais comuns”, está se referindo às ção semântica;
células-tronco indicadas anteriormente. Da mesma • articuladores textuais (elementos que fazem
forma, quando afirma que “seu poder de reprodu- a coesão dentro das frases e entre trechos do
ção e especialização é baixo”, está mencionando o texto, como o mas do texto 1): são palavras –
poder das células-tronco já citadas antes. Já quan- ou expressões – que determinam quais são as
do o texto afirma: “mais potentes que as da medu- relações existentes entre os trechos do texto,
la”, quer dizer “mais potentes que as células-tronco conectando-os. Alguns exemplos: mas, tam-
da medula”. bém, todavia, porém, de, para, ultimamente,
Nesse caso, não é a repetição de palavras que agora, entre outras.
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Consulte o quadro Articuladores textuais e as re-


lações que estabelecem entre os trechos dos textos,
apresentado a seguir, para ter uma ideia sobre quais
podem ser essas relações e para conhecer a diversi-
dade de articuladores que se pode utilizar.
Além desses recursos, não se pode esquecer
que a ordenação temporal dos acontecimentos
apresentados em um texto também contribui para
melhor compreensão da sequência das ideias e da
relação existente entre elas. Assim, além das expres-
sões que indicam o tempo, a utilização dos tempos
verbais de maneira correta e articulada é recurso
fundamental para a manutenção da coesão do
texto.
Veja o que acontece no miniconto a seguir.

Texto 2

Os acontecimentos, nesse conto, foram enca-


deados tanto pela utilização de várias expressões
que indicam o tempo (Numa noite fria de inverno,
meses depois e quando) quanto pela correlação
dos tempos, ou seja, pela relação entre os tempos
dos verbos empregados, todos eles conjugados no
16 passado (encontrou, estavam, encontraram, con-
versaram, falaram, tocaram, era, estava, foram, es-
tavam).
Ambos os recursos – articuladores e verbos – fo-
ram trabalhados de modo coerente com a ideia
que se pretendia passar, que era contar uma história
acontecida no passado.

RESUMIR PARA ESTUDAR

1. Resumir: O que significa?

Resumir um texto significa sintetizar seu conteúdo


ao essencial, tomando como referência tanto a ne-
cessidade do leitor quanto a finalidade do texto, os
pontos de vista ali expressos, as linhas de raciocínio
utilizadas para abordar o assunto.
Isso quer dizer o seguinte: ler o texto, compreen-
dê-lo e selecionar as informações fundamentais
para compreender o assunto tratado, na perspecti-
va do texto. Essa seleção deve corresponder às ne-
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cessidades do leitor para o qual o resumo é destina- da nossa origem histórica. Para fazer essas inferên-
do. Por exemplo, se for escrito um resumo para um cias todas, certamente o leitor utiliza o seu repertório
leitor que precisa ser informado sobre o que é justiça a respeito da história do Brasil, do que é racismo, de
social, deve-se selecionar do texto lido as informa- que racismo pode existir com relação a diferentes
ções estritamente relacionadas a isso. etnias.
Outros assuntos que o texto abordar precisam Antecipar o conteúdo do texto a partir das rela-
ser deixados de lado. Além disso, o resumo deve ser ções que podem ser estabelecidas entre todas es-
escrito de modo que o leitor consiga ter uma visão sas informações ativa o repertório do leitor sobre o
clara daquilo que o texto contém, mesmo que não assunto, deixando-o mais acessível. Assim, a leitura
leia esse texto. Uma situação muito comum na vida torna-se mais fluente.
escolar é a pesquisa a respeito de assuntos que fa-
zem parte do currículo das diferentes disciplinas.
O POVO BRASILEIRO ROSA
Quando é feita a pesquisa, seja em uma biblio-
teca eletrônica ou física, encontram-se resumos dos
Margarida de Carvalho Rocha
textos e livros de seu acervo, para que o interessado
possa selecionar material útil ao trabalho. Esses re-
Antes da chegada de Cabral, já existiam
sumos devem oferecer ao leitor uma visão clara a
nesta terra aproximadamente seis milhões de
respeito do que o material (livro, revista, artigo, mo-
habitantes, de diferentes povos indígenas. Cada
nografia, tese, reportagem, vídeo etc.) contém e da
povo tinha seus costumes, sua língua, suas cren-
perspectiva adotada para abordá-lo.
ças, seu modo de vida. Os portugueses coloniza-
Em qualquer situação de produção de um re-
dores tinham como objetivo explorar as riquezas
sumo, inclusive em contexto escolar, é fundamental
do Brasil. Chegaram aqui, portanto, pensando
compreender o texto. Essa compreensão requer es-
em ganhar dinheiro e prestígio social.
tudo cuidadoso do conteúdo para que não sejam
Com esse propósito, iniciaram, em 1502, a
cometidos equívocos ao selecionar as informações
exploração do pau-brasil. Embora esta extração
mais importantes, pois são elas que informarão o lei-
tivesse começado dois anos após o descobri-
tor sobre o material que foi fonte do resumo.
mento, a fixação dos portugueses na Colônia
só ocorreu, de fato, com o cultivo da cana-de-
É por isso que resumir é tão importante, em espe-
-açúcar. No século XVI, negros africanos foram
cial na vida acadêmico-escolar: esse processo re-
trazidos à força para trabalhar nas lavouras
quer compreensão, entendimento, estudo aprofun-
como escravos.
dado de um texto. Portanto, é um exercício funda-
Desembarcaram no Brasil negros de diferen- 17
mental na vida acadêmica, em qualquer disciplina.
tes nações africanas. Traziam conhecimentos
Agora, o que é preciso para que um resumo seja
agrícolas de como trabalhar o bronze, o cobre,
bem feito? O que ele deve conter para ser de boa
o ouro e a madeira. Havia também, entre eles,
qualidade? A seguir você se dedicará à resposta a
muitos tecelões, ferreiros e artesãos. Financiados
essas questões.
pelos governos provinciais e imperial, imigrantes
de variadas nacionalidades aqui estiveram. Ita-
2. O que você faz para resumir um texto?
lianos, espanhóis, russos, ucranianos, turcos, sírios,
japoneses e chineses vieram trabalhar no Brasil,
Essa é uma ótima pergunta, não é?
fugindo das guerras ou para conseguir vida me-
Para respondê-la, você vai elaborar um resumo
lhor do que na sua terra. Formou-se, então, no
seguindo passos. O primeiro deles é conhecer bem
Brasil, uma grande mistura racial.
o texto a ser resumido.
O Brasil se tornou um país mestiço. Mas exis-
Analisando as fontes e deduzindo o conteúdo
tem pessoas que não aceitam isso. Se você é
do texto
uma delas, basta investigar os seus antepassa-
Ao conhecer o título do artigo, O povo brasilei-
dos: de onde você veio? E seu avô? E sua avó? E
ro, é possível pensar que se trata de algum assunto
seus bisavós? Nas veias da maioria dos brasileiros
relacionado aos brasileiros como, por exemplo, sua
corre sangue índio, negro e branco. Muitas pes-
formação. Se esse título for articulado à sua fonte,
soas ainda acreditam que, no Brasil, as relações
Almanaque pedagógico afro-brasileiro: uma pro-
raciais são totalmente harmônicas, isto é, vive-
posta de intervenção pedagógica na superação
mos em uma verdadeira “democracia racial”. A
do racismo no cotidiano escolar, há como inferir que
história não é bem assim, não!
a intenção é falar da formação do povo brasileiro,
No início da colonização, a elite brasileira
focalizando, provavelmente, a chegada dos povos
considerava índios e negros como seres inferio-
africanos ao Brasil e a miscigenação, isto é, o pro-
res, enaltecia apenas a sua própria cultura e
cesso de mestiçagem decorrente dessa migração.
desqualificava os valores culturais desses dois
Quando se articula essa ideia à de superação
povos.
do racismo no cotidiano escolar, uma hipótese a se
Houve, sim, miscigenação entre brancos, ne-
levantar é a de que, ao abordar a constituição do
gros e índios, mas isto não impediu que se for-
povo brasileiro pelos africanos, pretende-se tratar do
masse, no Brasil, uma sociedade racista.
racismo contra os negros, e não contra outros povos
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fundamentalmente, dois: os brasileiros são to-


Carregamos, dentro de nós, a herança de dos frutos da mistura dos povos que os consti-
todas as culturas e sabemos, hoje, pelas mais tuíram; a ideia de raça nem sequer encontra
modernas experiências feitas no campo da bio- sustentação biológica e genética;
logia e da genética, que as várias características • o texto se organiza em duas partes fundamen-
externas do ser humano, como a cor da pele, o tais: a primeira apresenta dados históricos sobre
formato do nariz, os pelos são apenas formas de a formação da população brasileira – por po-
adaptação ao ambiente. A estrutura genética é vos indígenas, africanos, europeus e asiáticos –,
idêntica nos vários grupos humanos. Fica a inda- enfatizando que a miscigenação, a mistura de
gação: se, geneticamente, não há como definir todos eles, constituíram o povo brasileiro; a se-
raça, por que existir racismo, então? gunda, além de retomar essa ideia, acrescenta
ROCHA, Rosa Margarida de C. Almanaque
a informação das pesquisas científicas.
pedagógico afro-brasileiro: uma proposta de
intervenção pedagógica na superação do ra-
cismo cotidiano escolar. Belo Horizonte: Mazza Essas são, portanto, as informações que devem
Edições, 2006 constar do resumo. Agora é necessário planejar o tex-
to. Antes, porém, é preciso fazer duas observações.
1ª observação:
3. Analisando a organização interna do texto Um resumo acadêmico-escolar é um texto sobre
para aprofundar a compreensão outro texto. A referência a esse material e ao autor,
quando se elabora um resumo, é fundamental. Leia
Todo texto tem uma organização interna pró- o exemplo a seguir, prestando atenção nas palavras
pria: divide-se em parágrafos, às vezes com subtí- marcadas: os elementos ressaltados em laranja são
tulos, itens, ilustrações, quadros com explicações, aqueles que fazem referência ao autor e ao texto.
entre outros recursos. O texto deste Caderno, por Os que foram marcados de azul indicam o que o
exemplo, contém quadros com dicas, explicações, autor – ou o texto – fazem ao tratar do assunto.
sugestões para o leitor.
O texto que você acabou de ler, O povo brasi- Resumo
leiro, não é diferente. Quando ele é lido, percebe-se
que foi organizado em duas partes: a primeira vai do Anna Rachel Machado
1o ao 6o parágrafo (exatamente metade do texto);
a segunda vai do 7o ao 12o parágrafo. A primeira Leonardo Boff inicia o artigo “A cultura da
18 parte fala da constituição da população brasileira, paz” apontando o fato de que vivemos em uma
mas, ao contrário do que se supõe, não trata ape- cultura que se caracteriza fundamentalmente
nas da chegada dos povos africanos ao País. Ela pela violência. Diante disso, o autor levanta a
aborda a chegada dos portugueses, dos negros e questão da possibilidade de essa violência po-
também de outros povos europeus e asiáticos. der ser superada ou não. Inicialmente, ele apre-
A segunda parte trata de afirmar que o Brasil é senta argumentos que sustentam a tese de que
preconceituoso, apesar de ser um país mestiço, de seria impossível, pois as próprias características
ter sido constituído sob a influência das culturas de psicológicas humanas e um conjunto de forças
todos os povos que aqui chegaram. Alega, ainda, naturais e sociais reforçariam essa cultura da vio-
que muita gente não aceita essa ideia. lência, tornando difícil sua superação. Mas, mes-
Uma possível antecipação realizada pode ter mo reconhecendo o poder dessas forças, Boff
sido confirmada: o texto, de fato, assume a posição considera que, nesse momento, é indispensável
de combate ao racismo. E, em resposta a uma das estabelecermos uma cultura da paz contra a da
perguntas, pode-se dizer que os argumentos que o violência, pois esta estaria nos levando à extin-
texto apresenta para tanto são, basicamente, dois: ção da vida humana no planeta. Segundo o au-
o de que os brasileiros são todos frutos da mistura tor, seria possível construir essa cultura, pelo fato
dos povos que os colonizaram e o de que não é pos- de que os seres humanos são providos de com-
sível definir raça geneticamente. ponentes genéticos que nos permitem sermos
sociais, cooperativos, criadores e dotados de re-
4. Como planejar a textualização do resumo? cursos para limitar a violência e de que a essên-
cia do ser humano seria o cuidado, definido pelo
Este é o momento em que você organizará tudo autor como sendo uma relação amorosa com
o que já sabe sobre o texto para tomar como refe- a realidade, que poderia levar à superação da
rência ao redigir o resumo. Sendo assim, a pergunta violência. A partir dessas constatações, o teólo-
é: O que você sabe sobre o texto? go conclui, incitando-nos a despertar as poten-
Você já sabe que: cialidades humanas para a paz, construindo a
cultura da paz a partir de nós mesmos, tomando
• sua finalidade é convencer o leitor de que o a paz como projeto pessoal e coletivo.
racismo não se justifica; MACHADO, Anna Rachel et al. Resumo. São Paulo:
• os argumentos que apresenta para isso são, Parábola Editorial, 2004
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Esse resumo também poderia começar assim: 5. Planejamento do resumo


O artigo de Leonardo Boff... e, na continuidade
do texto, utilizar expressões como o texto continua..., Uma vez tendo previsto quais informações po-
o texto afirma que, e assim por diante. dem ser excluídas e quais precisam ser considera-
O resumo que você vai elaborar, portanto, preci- das no resumo, ainda que não sejam apresentadas
sa considerar a necessidade de utilizar esse recurso. explicitamente, comece a planejar o seu resumo.
2ª observação: Quando se fala em planejar o resumo, não se trata
Para resumir um texto, você pode utilizar as se- de indicar as informações que ele conterá, pois isso
guintes estratégias: já foi definido, inclusive considerando quais dados
podem ser excluídos.
• Excluir conteúdos que são facilmente deduzí- Esse planejamento se refere à previsão de como
veis, quer dizer, que você acredita que seu lei- o texto será organizado e não às informações que
tor vai compreender porque faz parte do co- conterá; relaciona-se ao modo como serão orga-
nhecimento de mundo dele. nizadas essas informações na etapa da escrita. É o
• Suprimir explicações de afirmações apresenta- momento em que se tomam decisões sobre: Como
das no texto. começar o texto? Em que ordem serão apresenta-
• Eliminar exemplos. das as informações selecionadas?
• Omitir argumentos contra a posição defendida Na escrita haverá referência ao texto ou ao au-
no texto. tor (o artigo lido afirma que... ou o autor afirma...)?
• Utilizar termos mais genéricos como crianças, De que modo o resumo será terminado? Será indi-
para meninos e meninas; animais ou mamíferos, cado para o leitor que o artigo foi organizado em
para gato, cachorro e ovelha. duas partes? Isso ajudaria o leitor a compreender o
texto mais facilmente? A seguir será apresentada
uma possibilidade de organização do resumo. Qual-
Veja os exemplos a seguir e pense: Que estraté-
quer que seja a proposta, é fundamental saber que
gia foi utilizada em cada um?
o planejamento não é “camisa de força” para o seu
texto, podendo ser modificado durante a escrita do
Trecho 1
resumo.
No resumo de um conto podem-se suprimir as
descrições de lugar, de tempo, de pessoas
O DIÁLOGO SEM FIM EXISTENTE ENTRE OS TEXTOS
ou de objetos, se elas não forem condições
necessárias para realização da ação. Por ex-
1. A dialogicidade da linguagem verbal
emplo, se descrever um homem como ciumen- 19
to for relevante para compreender a história na
É comum, quando se está lendo um texto, de
qual ele será o assassino que matará a esposa,
repente parecer que foi encontrado outro texto
então não se pode suprimir essa informação;
dentro do primeiro. Algumas vezes identificam-se
mas, se não for importante, pode. Da mesma
trechos inteiros de textos que são conhecidos, outras
forma, informar que ele é baixo e gordo. Adap-
vezes os trechos não estão lá claramente, com to-
tado de MACHADO, Anna Rachel et al. Resumo.
das as letras, mas são reconhecidos os seus sentidos,
São Paulo: Parábola Editorial, 2004, p. 26.
identificadas suas referências. Isso se deve a uma
característica fundamental da linguagem verbal e
Resumo:
dos textos, que é a dialogicidade.
No resumo de um conto podem-se suprimir as
Ela nada mais é que a constante e permanente
descrições de lugar, de tempo, de pessoas ou de
relação que os textos estabelecem entre si. Essa re-
objetos, se elas não forem condições necessárias
lação pode acontecer:
para realização da ação.
• por causa do assunto de que os textos tratam –
Trecho 2
que pode ser o mesmo;
De manhã, lavou a louça, varreu a casa, tirou o
• por causa do modo como dizem o que têm a
pó e passou a roupa. À tarde, foi ao banco pa-
dizer que pode ser semelhante;
gar contas, retirar talão de cheques e extrato e,
• porque concordam com o que já disse um tex-
à noite, estudou para a prova do dia seguinte.
Adaptado de MACHADO, Anna Rachel et al. to anterior, por isso o trazem para dentro do que
Resumo. São Paulo: Parábola Editorial, 2004, p. se escreve, reproduzindo trechos ou imitando
26. seu formato e sua estrutura, por exemplo;
• porque discordam do que outro texto escrito
Resumo: antes dele disse.
De manhã, fez trabalhos de casa; à tarde, foi ao
banco; e à noite, estudou. De qualquer modo, os textos se relacionam, e
isso pode se tornar mais ou menos perceptível para
um leitor, dependendo da estratégia utilizada pelo
autor ao escrever. Quando essa relação acontece
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

apenas com o conteúdo, pode ficar mais difícil para do seu nascimento. Criada pelo artista plástico Léo
o leitor perceber, pois ele precisa conhecer o texto Santana, a escultura reproduz uma fotografia feita
anterior, ter familiaridade com ele para reconhecê- por Rogério Reis em 1983, publicada na revista Veja,
-lo. Mas, quando essa relação ocorre no nível do que mostra o poeta sentado num banco da praia
texto, quer dizer, quando o anterior é trazido para de Copacabana.
dentro do texto que está sendo lido, a situação é É, hoje, um dos monumentos mais visitados da ci-
diferente, pois fica mais fácil de o texto anterior ser dade. Infelizmente, no entanto, a estátua sofre cons-
identificado. Por outro lado, também é preciso que tantes depredações.
o leitor conheça esse texto anterior ou não será pos-
sível reconhecê-lo.
Quando se fala em conteúdo de um texto, a
referência é o assunto de que trata, as ideias que
contém e que são nele apresentadas. Quando se
fala no modo de dizer o conteúdo, atenta-se para a
forma que um texto assume, que compreende a sua
organização interna, sua estrutura. Por exemplo, a
forma de um poema é a sua organização por meio
de versos e estrofes. Um conto, por outro lado, or-
ganiza-se em texto corrido, como se costuma dizer,
sem divisões em versos e estrofes. No entanto, am-
bos os textos – o poema e o conto – podem tratar
do mesmo tema, do mesmo conteúdo, como uma
desilusão amorosa ou um encontro de amor. Leia os dois textos apresentados a seguir. O texto
1 é o poema No meio do caminho, de Carlos Drum-
2. Carlos Drummond de Andrade: um grande mond de Andrade. O texto 2 é uma notícia publica-
escritor brasileiro da na revista Istoé.

Drummond é um dos maiores poetas do moder-


nismo brasileiro. Mineiro de Itabira, publicou seus pri-
meiros artigos no Diário de Minas, em 1921, e teve
como uma de suas primeiras investidas na literatura
a publicação do conto Joaquim do telhado, com
20 o qual venceu o Concurso da Novela Mineira em
1922. Logo depois, em 1925, fundou A revista, que
acolhia os escritores modernistas e divulgava o mo-
vimento.
Chegou a ser professor em Itabira, mas sua vida
estava mesmo reservada para a poesia. Em 1928,
publicou No meio do caminho, na Revista de Antro-
pofagia de São Paulo (SP), causando um grande im-
pacto na crítica pela repetição presente no poema 4. Um poema infiltrado na notícia
e pelo emprego de tinha em vez de havia. Desde
essa data, não parou mais de escrever, aventuran- Você deve ter notado que o poema de Drum-
do-se também pela prosa. mond No meio do caminho foi escrito antes da notí-
Tornou-se um poeta bastante popular, pois sua cia da revista Istoé. Por isso, foi possível incorporá-lo
poesia era facilmente compreendida pelo público. no título da notícia. No entanto, essa incorporação
Sua observação do cotidiano permitia que retra- não foi uma simples cópia: o verso do poema foi
tasse as pessoas com sensibilidade, ironia e humor, modificado com a substituição da palavra “pedra”
além de certa dose de pessimismo diante da vida. por “ladrão”. Que sentidos esse recurso terá produ-
Drummond faleceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1987, zido na notícia?
exatamente doze dias depois da morte de sua filha, Para responder a essa pergunta, primeiro é pre-
a também escritora Maria Julieta Drummond de An- ciso analisar qual o sentido da palavra “pedra” no
drade. poema. Várias são as possibilidades de interpreta-
ção: pode ser vista como alguma dificuldade da
3. Uma curiosidade muito importante para esse vida que passou a preocupar o eu lírico; pode ser
estudo um problema que surgiu quando ele não esperava
ou quando estava muito cansado e, por isso, ele ti-
Na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, nha dificuldade para identificar; é também possível
está exposta uma estátua do poeta Carlos Drum- compreender que se tratava apenas de uma pedra
mond desde 30 de outubro de 2002. Foi uma home- no caminho mesmo, na qual o eu lírico talvez até te-
nagem que a cidade resolveu prestar a ele – que nha tropeçado, e por isso não esquecia o ocorrido.
lá viveu boa parte de sua vida – pelo centenário Qualquer que seja a ideia, uma coisa é certa:
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a “pedra” parece ser encarada com naturalidade, considerando os saberes do interlocutor;


dentro da normalidade da vida, pois ele usa uma • a relação que há com esse interlocutor (se é
expressão muito comum para referir-se ao que pare- mais ou menos íntima, mais ou menos formal,
cia preocupá-lo. A repetição insistente da ideia de mais ou menos hierarquizada, por exemplo);
“pedra no meio do caminho” marca tanto o não es- • o portador e/ou veículo pelo qual se pretende
quecimento da questão pelo eu lírico quanto a sua fazer circular o texto;
preocupação. • o modo como o texto deve ser editado, cui-
Assim, quando o verso do poema é modificado dado, finalizado (se em papel sulfite A4 ou em
com a substituição de “pedra” por “ladrão”, alguns folha de caderno; se a caneta, a lápis ou digita-
efeitos de sentido são produzidos. É possível dizer do no computador; se pode conter rasuras ou
que a “pedra” deixa de ser um problema indefinido, não; entre outros aspectos).
natural da vida cotidiana, e passa a ser identificada
especificamente com o roubo.
Todo esse conhecimento não foi constituído no
Pelo fato de esse roubo acontecer reiterada-
vazio, mas a partir da conversa com outras pessoas,
mente (já era a quarta vez), acaba assumindo a
de programas de TV e de rádio, da internet, da lei-
mesma peculiaridade da pedra do poema: a recor-
tura de textos impressos, da participação em situa-
rência. Ou seja, o roubo acaba assumindo o sentido
ções de comunicação nas quais houve contato
que tem a pedra no poema de Drummond: o de
com o assunto e com o tipo de interação a ser feita.
uma dificuldade que sempre aparece no caminho,
Dito de outro modo, tudo o que se sabe foi cons-
tantas vezes repetida nos versos do poema.
tituído a partir do contato com o outro, quer esse
De qualquer maneira, na notícia, o lirismo conti-
contato seja oral ou escrito; quer seja presencial ou
do no verso do poema é rompido com a imposição
a distância; quer seja pessoal ou coletivo.
da dura realidade.
Na maioria das vezes, foi a linguagem verbal
que possibilitou e intermediou as situações nas quais
INTERTEXTUALIDADE E INTERDISCURSIVIDADE houve um aprendizado sobre o mundo, as pessoas,
a tecnologia, a ciência, a religião, a arte, o entre-
1. Sim, os textos conversam! tenimento, a política, o consumo e todos os demais
aspectos que compõem a vida cotidiana e, dessa
Acima, foi possível constatar que os textos, in- forma, o repertório pessoal de saberes.
controlavelmente, inevitavelmente, conversam en- Se entendemos que isso acontece com cada
tre si. Incontrolavelmente porque nem sempre os um e com todos nós, e que não vivemos isolados uns
escritores têm completa consciência das escolhas dos outros, é mais fácil compreender que os conhe- 21
que fazem ao escrever, ou seja, as decisões sobre cimentos que as pessoas possuem em determinado
como escrever podem, às vezes, ser tomadas sem momento histórico, em determinada região, em de-
que sejam percebidas. terminado grupo social são – de alguma maneira –
É muito comum que, depois de certo tempo, parecidos, pertencem a um universo semelhante de
quando se volta a um texto escrito, o escritor encon- ideias.
tre palavras que deseja trocar por outras, mais ade- Na atualidade, então, com as possibilidades
quadas. Quando se trata de conversa oral, então, quase ilimitadas de contato com qualquer parte do
isso é muito mais frequente: as palavras escapam. mundo, isso é mais evidente.
E isso é perfeitamente natural no processo. Ine- Conclusão: se é possível aprender sobre tudo
vitavelmente porque a linguagem verbal – ou seja, (ou quase tudo...) por meio dos textos com os quais
a usada para se comunicar falando ou escrevendo se tem contato durante a vida, é claro que aqueles
– é dialógica em sua essência. E o que isso signifi- que forem produzidos por uns vão acabar consti-
ca? Significa que, por um lado, quando se fala ou tuindo os saberes dos outros, do mesmo modo que
se escreve, isso sempre é feito para alguém, como os dos outros constituirão o nosso saber. Os textos já
em um diálogo, ainda que esse alguém seja você lidos pela vida afora, inevitavelmente, vão fazer par-
mesmo. te daqueles que forem produzidos pelo indivíduo,
Por outro lado, nesse momento é ativado todo o seja explicitamente ou não.
conhecimento que se tem sobre o assunto, os textos É esse o princípio da dialogicidade. É essa a na-
e a linguagem, ou seja, acaba-se “conversando” tureza da linguagem. Por isso os textos conversam
com todos os textos já lidos, com todas as situações entre si incontrolável e inevitavelmente.
de comunicação semelhantes já vividas. Tudo isso
constitui o que se pode chamar de “bagagem” de 2. De que modo os textos conversam?
linguagem verbal. Essa “bagagem” contém tudo o
que se sabe sobre os aspectos envolvidos na ativi- Os textos se relacionam abertamente ou de ma-
dade de comunicar por meio dessa linguagem: neira velada, explícita ou implicitamente, de modo
claro ou subentendido. Mas o que isso significa? Isso
• o assunto em si; significa que os textos se comunicam, em primeiro
• o modo como o texto a ser escrito deve ser or- lugar, porque é natureza deles. Assim, se algum bra-
ganizado internamente; sileiro disser para o outro: Fica calmo que tudo vai
• o tipo de linguagem que deve ser empregado,
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dar certo. Deus vai te ajudar, você vai ver!, qualquer


outro brasileiro falante do português compreenderá,
e não perguntará: Quem é esse que você chamou
de Deus? ou Quando é que ele vai ajudar?, ou, ain-
da, Quando foi que ele te disse isso? E por que isso
acontece? Porque esse conhecimento – e essa ma-
neira de dizer – faz parte da cultura do brasileiro. É
importante salientar que se trata de um saber que
independe de religião, pois foi aprendido por meio
dos textos – orais ou escritos – que circulam em casa,
na escola, na igreja, no grupo de amigos, no clube,
no cinema, na música, na literatura e em tantos ou-
tros contextos.
Em segundo lugar, de acordo com Ingedore No segundo caso, ocorre coisa semelhante, só
Koch, linguista estudiosa do assunto, a articulação que sem a explicitação da fonte: um trecho de texto
de um texto com outro também pode acontecer: é incluído ou porque se concorda com o que é dito,
ou porque se discorda, ou, ainda, porque se quer
[...] quando, em um texto, está inserido outro ridicularizá-lo ou colocá-lo em questionamento.
texto (intertexto) anteriormente produzido, Um exemplo desse tipo de intertextualidade é
que faz parte da memória social de uma co- o que aconteceu no título da notícia que relatou
letividade ou da memória discursiva [...] dos o roubo dos óculos da escultura do poeta Carlos
interlocutores. [...] KOCH, Ingedore G. V. et al. Drummond de Andrade. O título No meio do cami-
Intertextualidade: diálogos possíveis. 2. ed. São nho tinha um ladrão remete ao verso do poema No
Paulo: Cortez, 2008, p. 17. meio do caminho, mas não revela sua fonte, quer
dizer, não diz de onde o texto – ou a ideia – foi tirado.
Isso significa que, nesse caso, é preciso que
um texto – ou fragmento dele – seja de fato inse- 3. Intertextualidade e gênero
rido dentro de outro, abertamente, com todas as
letras, estabelecendo algum tipo de conexão. Esse Você já leu um poema de cordel? Já ouviu al-
segundo tipo de relação costuma ser denominado gum sendo cantado ou declamado?
intertextualidade. Segundo Ingedore Koch, esse fe- O cordel é um gênero literário popular cujos
nômeno pode ser realizado de maneira implícita ou textos têm origem em histórias orais que são organi-
22 zadas em versos rimados e, posteriormente, impres-
explícita no texto.
A intertextualidade explícita, segundo a autora, sas em folhetos. Essa impressão, no Brasil, com fre-
seria quando um texto é inserido no próprio texto, quência é ilustrada com xilogravuras (gravuras em
identificando-se a fonte (quem o escreveu, onde e madeira), muitas vezes impressas em poucas cores,
quando foi publicado, em que página estava). Já a quase sempre em preto.
intertextualidade implícita é aquela que acontece O nome cordel vem do fato de que os corde-
quando um fragmento de um texto é inserido em listas, para vender seus folhetos, penduram-nos em
outro texto sem que a sua origem (autor, obra, ano) barbantes ou cordas em locais públicos, como feiras
seja identificada. e praças. No ato da venda, para divulgar seus poe-
No primeiro caso, muitas vezes a inserção de um mas, os cordelistas costumam, ainda, declamá-los
trecho pode ser utilizada como argumento de auto- com entusiasmo e até cantá-los acompanhados de
ridade, quer dizer, o autor do texto está confirmando viola.
uma posição sua, dizendo que aquela outra pessoa São grandes nomes do cordel no Brasil: Zé do
– um especialista no assunto, por exemplo – pensa Jati, Cego Aderaldo, Zé da Luz e Patativa do Assaré
da mesma maneira. (1909-2002), de quem é o poema a seguir:
Outras vezes, pode funcionar para que seja mos-
trada a fragilidade da posição defendida no texto
inserido, servindo como ponte para que o autor do
texto reforce sua opinião que, nesse caso, é contrá-
ria ao intertexto.
Um exemplo desse tipo de intertextualidade, a
explícita, é o que aparece na legenda das fotogra-
fias do poeta Carlos Drummond de Andrade apre-
sentadas no Tema 1, no texto Uma curiosidade muito
importante para esse estudo. Observe que o trecho
entre aspas (“No mar estava escrita uma cidade”),
retirado do poema Mas viveremos, foi apresentado
na legenda acompanhado da fonte.
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Os cordéis são textos que brincam com persona- Leia o texto a seguir. Trata-se de uma notícia pu-
gens míticos. São histórias ouvidas dos antepassados blicada no jornal O Globo, em 2011
– ou bem modernas – e fantasiosas, como Lampião,
o capitão do cangaço, A peleja internética entre
dois cabras da peste e A peleja virtual de uma mu-
lher valente com um cabra cismado; são histórias in-
ventadas agrupando-se personagens improváveis,
como Carta do Satanás a Roberto Carlos, As aven-
turas de Bin Laden no Carnaval da Bahia; com amo-
res possíveis e impossíveis, como A moça roubada;
míticas; de crítica social, que revelam a condição
do sertanejo e da população; entre outras.

23

4. A intertextualidade e o gênero

A notícia relata um acontecimento da cidade


de Riacho Fundo, próxima a Brasília. Por meio dela,
ficou-se sabendo que um delegado de polícia da
cidade resolveu escrever todo o inquérito de um
roubo de moto na forma de cordel. Os trechos escri-
tos em vermelho e reproduzidos a seguir mostram o
modo como esse documento foi registrado.

Se fosse para organizar esse texto em versos, da


maneira como requer o cordel, poderia ficar da se-
guinte forma:
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necessárias e, dessa maneira, não poderá inter-


pretar o texto tal como pretendido pelo autor.
Nesse caso, muito provavelmente, deixará de
perceber nuances de significado no texto, pos-
síveis intenções ocultas do autor, críticas realiza-
das, efeitos de sentido. A compreensão poderá
ser, portanto, mais superficial.
Como é possível observar, o texto é o inquérito • Todo texto, quando incorporado a outro, leva
e o intertexto, o cordel. O delegado tentou transfor- para dentro desse outro seus sentidos. Mas não
mar o inquérito em relato de cordel, modificando- apenas eles: leva também seus valores, seus
-lhe a forma, ou seja, o modo de dizer sobre os fatos preconceitos, as crenças que representa, suas
acontecidos. sofisticações, delicadezas, credibilidade. Trans-
O conteúdo do texto é o de um inquérito co- porta tudo o que a ele está articulado. Por isso,
mum: os relatos, os dados e as especificidades cos- o poema de cordel faria toda a diferença no
tumeiras de um crime, que esse tipo de documento inquérito: se este fosse organizado como poe-
requer que sejam registrados, pois se trata de tomar sia, perderia a objetividade, a imparcialidade,
providências legais a respeito. o compromisso com o real e com a verdade,
O gênero do texto é o que está em jogo na pro- porque o cordel é ficção. Esse processo – não
posta do delegado, que tem um perfil idealista: ele tão complexo assim – é denominado por alguns
quer romper com a rigidez do inquérito, tornando-o teóricos interdiscursividade.
menos árido, e a sua escolha foi pela poesia. No en-
tanto, a instituição não aceitou sua ideia, e ele foi Para concluir, é possível afirmar que intertextua-
orientado a refazer o trabalho. lidade e interdiscursividade andam sempre juntas.
A recusa se deve, evidentemente, à grande rup- Isso porque, quando se leva um texto para o inte-
tura que a mudança da forma provocaria, já que a rior de outro, é inevitável que os valores desse outro
literatura é mais subjetiva e abrandaria a precisão também o acompanhem. No entanto, é fundamen-
requerida a um inquérito policial, assim como a im- tal realizar uma leitura atenta, pois é fácil identificar
parcialidade imprescindível. dentro de um texto o trecho de outro texto que já é
Nesse caso, a intertextualidade – ou seja, a re- seu antigo conhecido.
lação entre o inquérito e o cordel – não acontece O difícil é detectar possíveis alterações de senti-
em função do conteúdo, mas da forma. Mais espe- do que podem ocorrer no texto-base por causa da
24 cificamente, em relação às características do gêne- inclusão desse trecho. Isso nem sempre é percebi-
ro – o poema de cordel –, e não de um poema de do pelo leitor. Embora não se trate da inclusão de
cordel específico. um texto em outro, mas da organização do texto
Acontece que, ao transformar o inquérito em na forma típica de um gênero diferente, pode-se re-
poema, certas características que o texto precisaria tomar o que aconteceu com o inquérito em forma
ter são abandonadas, afetando o conteúdo, con- de cordel: o leitor (a Corregedoria da Polícia Civil)
forme foi dito: perde-se a imparcialidade, a preci- entendeu que essa organização poderia prejudicar
são, a ideia de relato da verdade, pois a literatura a credibilidade do trabalho realizado e, por isso, des-
de cordel traz consigo as marcas da ficção, da sub- qualificou o texto, solicitando que fosse refeito.
jetividade, da emoção. Assim é um texto: tudo o que ele contém mos-
E isso não é adequado a um inquérito, que é típi- tra os valores nos quais está baseado, nos quais a
co da esfera policial, jurídica. De qualquer maneira, opinião do autor se fundamenta, explicitamente ou
esse tipo de intertextualidade, que focaliza a forma não. Se você não enxergar essas pistas, vai perder
dos textos, Ingedore Koch, no livro Intertextualidade: a oportunidade de compreender o texto além da
diálogos possíveis (2008), denomina de estilística. superfície e pode “comprar gato por lebre”: achar
que, só porque está escrito com um português cor-
5. Para terminar, uma síntese reto, é um texto ético, respeitoso. E isso pode não ser
verdade.
Encerrando o estudo da intertextualidade, é im- A intertextualidade é um recurso que pode ser
portante salientar alguns aspectos: utilizado em um texto. E a interdiscursividade decor-
rente dessa intertextualidade consegue ser revela-
• A intertextualidade é um fenômeno que não dora dos reais valores que sustentam as ideias que o
acontece exclusivamente em função da for- texto apresenta.
ma, pois toda alteração relativa a esse aspecto
tem implicações nos sentidos que os textos pas- RECURSOS UTILIZADOS NA ORGANIZAÇÃO INTER-
sam a ter. NA DO TEXTO
• A intertextualidade só é reconhecida pelo leitor
quando ele tenta compreender o texto. Assim, Seleção de palavras, encadeamento das frases
se ele não conseguir conhecer os intertextos, no texto e a compreensão do leitor
talvez não tenha como estabelecer as relações Ao ler os dois textos apresentados, muitas pessoas
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diriam que o segundo é mais fácil de compreender. quais expressões estabelecerão as ligações en-
E as razões não são tão complicadas de entender. tre os diferentes trechos do texto.
Veja por quê. Estude o quadro e compare-o com as
respostas que você deu às questões da Atividade 1. Todas essas tarefas são do escritor, que deve fa-
Há aspectos semelhantes entre suas respostas e as zer escolhas para ajustar o texto às possibilidades de
observações do quadro? compreensão que ele imagina que o leitor possua.
Cada escolha feita tem a chance de tornar a leitura
e a compreensão do texto mais ou menos difíceis
para esse leitor. Mas não é só isso. A ordem em que
se escreve um enunciado, um período, também
pode facilitar ou dificultar a compreensão do leitor.
Você estudará um pouco isso a seguir. Mas, antes,
será feita uma pequena pausa para a discussão de
alguns conceitos fundamentais.

1. Fazendo parênteses para uma pequena, mas


fundamental reflexão

É sempre bom lembrar que um pronome, como


se sabe, tem a função de substituir palavras e ex-
Observe o que acontece no texto 1: pressões, retomando-as no texto. A palavra que, re-
ferida na atividade, é um pronome, mas de um tipo
Uma frase é todo e qualquer enunciado especial: é o pronome relativo, que substitui termos
linguístico, contendo ou não um verbo, que se de uma oração anterior, sejam esses termos uma
define pelo seu propósito comunicativo, que é palavra, uma expressão ou até uma oração inteira.
transmitir um conteúdo satisfatório para a situa- Mas o que é uma oração? Uma oração é uma
ção em que é utilizada, e que pode conter uma frase que contém verbo. Nos exemplos citados, a
ou mais palavras. frase “Fogo!” foi apresentada. Pode-se dizer que é
uma frase, mas não é uma oração, pois não possui
nenhum verbo, apenas um substantivo. Se a frase
O que acontece quando você lê esse texto? É fosse: “Está pegando fogo!”, você teria, então, uma
preciso proceder da seguinte maneira: frase que também é uma oração, pois possui uma 25
locução verbal: está + pegando.
• Como o primeiro que retoma a ideia contida Um pronome relativo não apenas substitui ter-
na expressão enunciado linguístico, pois subs- mos de uma oração anterior, mas articula duas ora-
titui toda a ideia contida nesse trecho, o leitor ções, estabelecendo relação entre elas.
precisa, para compreender o texto, recuperar Por exemplo, observe a seguinte oração:
essa referência, senão o que fica vazio de sen-
tido. Não conhecemos bem aquele aluno que saiu
• Depois, é necessário recuperar a referência do
segundo que: a expressão propósito comunica- Se você a dividisse nas duas orações que a com-
tivo. Se o leitor não fizer isso, não vai compreen- põem, teria:
der o texto.
• Para terminar, o leitor precisa retomar a ideia Não conhecemos bem aquele aluno. Aquele
contida no terceiro que: a palavra frase, apre- aluno saiu.
sentada na primeira linha da definição. Como
se pode ver, não é um processo simples. Pelo Ao comparar as orações, você pode afirmar
menos, é mais complexo do que o que acon- que o pronome relativo que está no lugar da expres-
tece quando se lê o texto 2. Dito de outra ma- são aquele aluno. O pronome, então, a substitui e
neira, o trabalho do leitor é muito mais árduo estabelece uma relação entre a primeira e a segun-
quando se trata do texto 1. Para quem vai es- da oração apresentada no exemplo.
crever um texto, portanto, cabem, pelo menos, Para terminar essa reflexão gramatical, veja o
as seguintes tarefas: conceito de período.
• Selecionar as palavras e expressões que serão Frase, oração e período são ideias muito impor-
empregadas no texto. tantes na reflexão sobre como os textos se organi-
• Escolher os exemplos (ou argumentos, depen- zam internamente. São fundamentais não apenas
dendo do texto) que serão oferecidos para o na produção dos textos, mas também na com-
leitor. preensão deles. Período é um enunciado constituí-
• Decidir de que modo as ideias apresentadas do por uma ou mais orações. Por exemplo:
serão encadeadas: se o texto vai ser dividido
em mais de uma frase ou não, por exemplo; ou O ônibus demorou tanto que passou lotado. Ele
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nem parou no ponto. tórias.


Nesse enunciado, você tem dois períodos: O
ônibus demorou tanto que passou lotado e Ele nem
parou no ponto.
O primeiro período é composto por duas ora-
ções: O ônibus demorou tanto e que passou lotado.
Cada trecho de sentido (oração) possui um verbo:
demorou e passou. Localizando os verbos, você
consegue identificar as orações.
O segundo período é composto de uma única
oração: Ele nem parou no ponto. Esse período é for- Frase 2: Colchas que contavam histórias ela borda-
mado por uma única oração porque possui um úni- va.
co verbo: parou.
Observe os seguintes versos do Hino Nacional
Brasileiro e as três possibilidades de escrevê-los em
outra ordem.

A ordem direta do enunciado, por ser a ordem


típica na língua portuguesa, facilita a compreensão
da frase, pois permite que se antecipe o que vem
a seguir, no encadeamento das ideias, dando ao
leitor maior fluência na compreensão do texto.
Quando se inverte a ordem dos elementos da
frase, rompe-se com o que é regular e cria-se a ex-
pectativa para identificar o que vem a seguir, tor-
nando a leitura menos fluente. Foi o que aconteceu
com o verso do Hino Nacional que você leu no início
2. Uma observação fundamental da atividade.
26 O verso original foi elaborado em ordem inversa,
Os versos do Hino Nacional, assim como ocorre assim como as possibilidades 1 e 2 de reelaboração
em muitas letras de canções e de poemas, foram dele.
escritos em ordem inversa à ordem padrão dos Veja o verso original:
enunciados da língua portuguesa. E isso, certamen-
te, pode ter facilitado ou dificultado a sua leitura e
compreensão.
Mas o que vem a ser ordem padrão dos enun-
ciados?
Trata-se da ordem em que, regularmente, natu- Pode-se observar que há uma inversão da or-
ralmente, as frases são organizadas em uma deter- dem direta, pois o primeiro verso começa com a
minada língua. ação praticada e, só depois, é apresentado quem
Costuma-se denominá-la ordem direta. Em por- pratica a ação. Termina-se a oração – já no segun-
tuguês, diz-se que um enunciado está em ordem do verso – com os complementos da ação realiza-
direta quando os elementos da oração estão orga- da.
nizados da seguinte maneira: Além disso, há uma inversão dos elementos que
compõem quem praticou a ação. A ordem direta
seria as margens plácidas do Ipiranga, e no verso
é apresentado “do Ipiranga as margens plácidas”.
O mesmo acontece com a ordem em que os com-
plementos da ação são apresentados no segundo
verso. A ordem direta seria o brado retumbante de
um povo heroico, mas do verso consta “de um povo
heroico o brado retumbante”.
É fácil identificar a dificuldade que as inversões
realizadas acarretam na compreensão do texto.
Observe os enunciados a seguir. O primeiro está A possibilidade 3 é a que apresenta a ordem di-
na ordem direta e o segundo, na ordem inversa, reta do enunciado: As margens plácidas do Ipiranga
conforme mostra o esquema a seguir. ouviram o brado retumbante de um povo heroico.
Frase 1: Ela bordava colchas que contavam his- Por ela pode- -se compreender mais facilmente os
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sentidos do enunciado, identificando rapidamente


a metáfora presente no primeiro verso (as margens marcha, acelera e dispara. Não se preocupa
de um riacho não ouvem, de fato, não é mesmo? É com os malandros que tentam abordá-lo na es-
só uma imagem criada pelo letrista). Agora, observe trada.
as próximas orações: A neblina prejudica a visão do médico nes-
sa manhã de inverno. Ele aperta o dispositivo de
água, liga o limpador que faz o semicírculo com
seu rastro no para-brisa. Vê no meio da estrada,
ainda distante, um pedestre que finge embria-
guez. O marginal está um tanto desnorteado,
Veja que nos dois enunciados foi acrescenta- meio aéreo, andando sem rumo, em zigue-za-
do um trecho que se “intromete” na frase princi- gue. Parece trazer um porrete na mão.
pal, incluída no meio dela (exemplo 1) e antes dela Dr. Levi será obrigado a diminuir a acelera-
(exemplo 2). ção e a reduzir a marcha. Se o mau elemento
O trecho inserido na ordem regular da frase é as- continuar na pista, terá de frear. Se parar, po-
sim que virou a curva. Veja que, se for retirado esse derá ser assaltado pela décima vez. O carro se
trecho, a frase principal continua com sentido. Esses aproxima do malandro. Ele usa boné com o bico
trechos – que também são frases e orações – são puxado para frente, cobrindo-lhe a testa. Ócu-
chamados de orações intercaladas ou interferentes. los escuros para disfarce, ensaia os cambaleios,
A utilização de orações intercaladas “quebra” o tomba um pouco a cabeça, olha para cima,
fluxo natural do enunciado, forçando o leitor a recu- procura o sol que está aparecendo, sem pressa,
perar o que veio antes delas na leitura para relacio- com má vontade.
nar os trechos e recuperar o sentido. O médico, habituado a salvar vidas, tem ím-
peto de matar. Acelera mais, joga o farol alto na
3. Uma estratégia para surpreender o leitor cara do pilantra, buzina repetidas vezes. O mau-
-caráter faz que procura o acostamento, mas
Compreender as estratégias que os escritores permanece na pista.
utilizam para conduzir a interpretação do leitor é O carro vai atropelar o velhaco. Talvez até
fundamental para que você possa ler os textos com passe por cima dele, se continuar fingindo que
mais profundidade. Além disso, permite que você está bêbado. Menos um para atrapalhar a vida
as utilize quando for produzir seus próprios textos, de gente séria.
tornando-os mais eficientes e definindo melhor seu O esperto pressente o perigo, deve ter adi-
estilo de escrever. vinhado que o automóvel não vai desviar-se 27
A finalidade deste tema é, por um lado, ampliar dele, ouve de novo a buzina, o barulho do motor
o seu repertório de estratégias de organização tex- cada vez mais acelerado. De fato, o carro não
tual e, por outro, possibilitar a você tanto o exercício se desvia de seu intento. Obstinado, segue seu
de identificação e reconhecimento das estratégias rumo. Vai tirar um fino.
no processo de leitura quanto a prática da elabora- O vivaldino é atingido de raspão, cambaleia
ção de um texto utilizando a estratégia estudada. agora de verdade, cai de lado. O cirurgião ouve
Várias são as estratégias empregadas para ga- o baque, sente o impacto do esbarro.
rantir que as ideias do texto sejam sequenciadas de Vê pelo retrovisor interno a vítima caída à
maneira adequada. O texto a seguir apresenta mais beira da estrada. O vidro de trás está embaça-
um exemplo das inúmeras possibilidades existentes. do, mas permite distinguir o vulto, imagem refra-
Leia-o e, depois, responda às questões propostas na tada. Gotas de água escorrem pelo vidro não
área desenvolvendo competências. como lágrimas, e, sim, como bagas de suor pelo
esforço da corrida. Não há piedade, há cansa-
ço.
O homem da favela Dr. Levi nota que o retrovisor externo está tor-
to, danificado. Diminui a marcha, abaixa o vidro
Manoel Lobato lateral, tateia o retrovisor do lado de fora. O es-
pelho está partido, sujo de sangue. O profissional
Dr. Levi dá plantão no Hospital dos Operá- se sente vingado, satisfeito, vitorioso, como se
rios que fica perto de uma favela. Ele é meio co- estivesse saindo do bloco cirúrgico, após delica-
nhecido na favela porque sobe o morro de vez da operação, na qual fica provada a sua frieza,
em quando, em visita médica à Associação dos competência, habilidade. O dom de salvar o se-
Deficientes Visuais. Mesmo assim, já foi assalta- melhante e de também salvar-se.
do nove vezes, sempre de manhã, quando está No dia seguinte, ao cair da tarde, chega o
saindo do pátio em seu carro. Por causa disso, plantonista ao Hospital dos Operários. Toma co-
Dr. Levi anda prevenido. Não compra revólver, nhecimento do acidente. O paciente – algumas
mas, ao deixar o plantão, já vem com a chave fraturas, escoriações – está fora de perigo. Deu
do automóvel na mão, passos rápidos, abre a entrada ontem de manhã, mal havia chegado
porta, entra depressa, liga o motor, engrena a o substituto do Dr. Levi.
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lavras e expressões para referir-se a algo ou alguém,


Na ficha, anotações sobre a vítima: funcio- de modo a dirigir o leitor à constituição da imagem
nário da Associação. Seus pertences: recibo das de um personagem, ou lugar, ou objeto, de forma
mensalidades, uns trocados, óculos e bengala. que se distancie de quem o personagem é, de fato.
Cego. Assim é possível – em determinado momento do tex-
LOBATO, Manoel. O homem da favela. In: LEITE, Al- to – romper a expectativa criada, surpreendendo o
ciene Ribeiro (Org.). O fino do conto. Belo Horizonte: RHJ, leitor.
1989, p. 69-71. Elaboração de um texto empregando a estraté-
gia estudada:
Para você se inspirar, segue o texto Uma vida
4. E como foi possível que o leitor se enganasse
nada fácil. Veja se ele não está replicando, quer di-
tanto?
zer, reproduzindo a estratégia que Manoel Lobato
usou.
Analise, então, as estratégias utilizadas no texto
para que o leitor criasse uma imagem negativa do
personagem identificado como cego ao final do Uma vida nada fácil
texto.
Logo no primeiro parágrafo, é apresentada ao Nayara e Mariana
leitor a informação de que o Dr. Levi dava plantão
no Hospital dos Operários e que era meio conhecido Todos diziam que teríamos vida curta, de
na favela por subir o morro em visita médica à Asso- qualquer jeito. Que era assim mesmo. Faziam até
ciação dos Deficientes Visuais de vez em quando. apostas para ver quanto tempo iríamos durar. Eu
Imediatamente após essa informação, o texto diz e minhas amigas já estávamos acostumadas
que, mesmo assim, ou seja, mesmo sendo conheci- mesmo.
do, o Dr. Levi já havia sido assaltado nove vezes. Percebia quando era de manhã pelo baru-
Essa inclusão, nessa ordem, e com a ênfase da lho. Passos apressados, portas que batiam, sons
expressão “mesmo assim” pode tornar a última infor- estranhos de sirenes. Ficava calada, na expec-
mação recebida mais presente do que a anterior. tativa. Ninguém se movia.
Depois disso, o texto cria o cenário para a confu- Aí ele entrava. Abria a porta, o cadeado
são do médico: a neblina. E acontece a introdução, e nos pegava, de qualquer jeito, com aqueles
na história, do personagem no meio da estrada. Do braços monstruosos, jogando-nos nas suas cos-
segundo parágrafo até o sétimo, as referências fei- tas sem qualquer delicadeza. Era assim que nos
28 tas a ele, as descrições de suas atitudes, tudo con- levava.
tribui para que a imagem construída seja a de um Depois nos colocava em um canto e nos dei-
marginal. São utilizadas expressões como marginal, xava sozinhas, separadas de todos. Não podía-
mau elemento, malandro, pilantra, velhaco, vivaldi- mos nos mexer. Se uma de nós tentasse sair, logo
no, esperto, entre outras. Esse procedimento, aliado vinha alguém para nos mandar de volta pro
à ideia construída socialmente de que um médico canto. A gente ficava arrasada, e se sentia hu-
salva vidas, e não o contrário, vai contribuindo para milhada com todos aqueles olhos em nós, mas
que o leitor suponha que o homem é, de fato, um não podíamos fazer nada.
mau-caráter e vai assaltar o médico. Chamavam-nos de gorduchas, de bolotas,
No oitavo parágrafo, as expressões já começam de redondas. Era duro, muito duro ser motivo de
a mudar de sentido: vítima, vulto. Só nos dois últimos piada para todos. O pior era quando me cha-
parágrafos é que as referências são fiéis à identida- mavam de assimétrica, só por causa do meu de-
de do personagem: paciente, funcionário da Asso- feitinho... Aí eu achava que era demais, mas não
ciação, cego. podia fazer nada.
Os quadros a seguir agrupam as expressões em- Depois, ele escolhia uma de nós – às vezes
pregadas no texto para referir- -se ao personagem mais de uma – para virar saco de pancadas de
todos eles. Vinha um, vinha outro, e eram tapas,
socos, nos batiam sem parar, nos jogavam pra lá
e pra cá, sem dó.
Quando todos iam embora, ele nos coloca-
va de novo naquele quarto escuro. E ali eu fica-
va até o dia seguinte, trancada naquele quarto
que nem janela tinha. Às vezes, nos colocava
presas em sacos, que era pra não nos mexermos.
Acabei me conformando com tudo.
Afinal, não é nada fácil ser uma bola de bas-
quete.

Essa estratégia pode ser identificada como de


Antes de escrever seu texto, leia as sugestões
seleção lexical, ou seja, como a da escolha das pa-
apresentadas:
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• Sugestões de personagens e estratégias possí- nada fácil;


veis: • pense em um antagonista – o “carrasco” – que
– A rotina de um taco de basebol, contada da possa estar “acima de qualquer suspeita”. No
mesma perspectiva que a da bola de basquete – ou texto de Lobato, foi o médico; no outro texto,
seja, como se sofresse bullying. foi o treinador;
– A rotina de um prego (ou de um martelo), con- • faça uma lista de palavras e expressões que
tada como se fosse a rotina de alguém vítima de você possa utilizar para referir-se ao antagonis-
espancamento – no caso do prego – ou de alguém ta;
muito “estourado” e nervoso com outra pessoa – no • pense em um local plausível para a realização
caso do martelo. da história que possa ativar preconceitos nos
– O relato de um pescador tentando fisgar um leitores.
peixe, mas sem falar que é isso que está fazendo,
redigindo o texto como se estivesse seguindo um cri- Depois de planejar, redija seu texto em uma fo-
minoso. lha à parte ou no computador. Antes de finalizá-lo,
– O relato de uma mulher matando um frango leia-o para alguém de suas relações – um amigo,
– à moda antiga, como se faz na roça – para cozi- um parente, o cônjuge, os filhos – e verifique se a sua
nhá-lo para uma festa, dando a impressão de que estratégia deu certo. Se essa pessoa se surpreender,
é uma assassina matando alguém, ou uma canibal é porque funciona. Do contrário, converse com ela
preparando um banquete para a tribo (cenas de e tente descobrir o que está errado. Depois, volte ao
sangue escorrendo do pescoço cortado para fazer seu texto e revise-o, ajustando o que precisar.
o frango à cabidela, por exemplo, podem dar bom
resultado).
– Escrever como se fosse o motorista de um car- TEXTO COMPLEMENTAR
ro que está parado em um semáforo de uma rua
perigosa de São Paulo (SP), à noite, enquanto, na
verdade, fala de um filme que está passando na TV. ORTOGRAFIA DA LÍNGUA PORTUGUESA
– Escrever como se fosse um pai falando do filho
e dos problemas que tem com ele por ser desobe- A escrita padronizada para todos os usuários da
diente, quando, na verdade, está contando a histó- língua portuguesa foi idealizada pelo filólogo bra-
ria de um cão (ou gato) e seu dono. sileiro Antônio Houaiss (1915-1999). Como um dos
– Narrar uma cena de namoro como se fosse ao grandes estudiosos da língua brasileira, ele conside-
vivo, enquanto se trata de um casal que conversa rava imprescindível que todos os países lusófonos ti-
pela internet. 29
vessem uma mesma ortografia.
Se quiser, use alguma dessas sugestões. Mas, Segundo Antônio Houaiss, o acordo seria neces-
com certeza, você deve ter alguma ideia muito me- sário para fixar e delimitar as diferenças existentes
lhor do que essas! entre os falantes da língua, e assim, criar uma comu-
• Lembrete sobre a estratégia textual a ser utiliza- nidade que constituísse uma unidade linguística ex-
da no texto: pressiva, o que proporcionaria a ampliação do pres-
Você sabe que a estratégia de Manoel Lobato tígio linguístico junto aos organismos internacionais.
baseou-se, fundamentalmente: Em consonância com o novo acordo ortográfi-
– na utilização de palavras e expressões que in- co que foi sancionado pelo Presidente da Repúbli-
duzissem o leitor a criar uma imagem equivocada ca (BRASIL, 2008) e entrou em vigor em 01/01/2009,
do personagem vítima; vamos relembrar as mudanças ocorridas e como se
– na condução do leitor, durante a maior parte encontra o alfabeto e a ortografia da Língua Portu-
do texto, para a compreensão de um sentido muito guesa no Brasil.
diferente do que seria apresentado ao final do texto;
– na ativação de preconceitos relativos ao per- 1. O alfabeto com 26 letras
sonagem antagonista da vítima;
– na ativação de preconceitos sobre o local Foram introduzidas as letras “k”, “w” e “y”. Ante-
onde a história se passa. riormente o alfabeto brasileiro era reconhecido com
Sendo assim, você deve planejar a sua produ- 23 letras.
ção utilizando essas ideias como referência.
Então: ABCDEFGH
• selecione o assunto que você vai abordar; • IJKLMNOPQR
decida quem (ou o quê) será a vítima e faça o STUVWXYZ
mesmo com o “carrasco”;
• faça uma lista de palavras que podem ser uti- Perceba que no Brasil, as letras “k”, “w” e “y” já
lizadas na caracterização da vítima, de modo eram constatadas em várias situações. Por exemplo:
que o leitor seja induzido a elaborar uma ima- 1. Na escrita de símbolos de unidades de medi-
gem contrária dela. Você pode retomar a lis- da:
ta que foi feita no estudo do conto de Manoel km (quilômetro), kg (quilograma), W (watt).
Lobato e, também, estudar o conto Uma vida 2. Na escrita de palavras e nomes estrangeiros e
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seus derivados: Mas o que é mesmo ditongo aberto?


Playboy, playground, show, shopping, windsurf, Toda vez que ocorre ditongo, o encontro de
Wagner, William, Wellington, kaiser, kantiano, King duas vogais na sílaba, uma é vogal e a outra é semi-
Kelly, Kátia, Kong, kung fu. vogal. E são classificadas pela posição da língua na
cavidade bucal no momento da emissão dos sons,
2. Trema classificando-se em vogais: abertas, fechadas e re-
duzidas.
A partir do novo acordo acabou o sinal linguísti- Com a língua na posição baixa, produz-se as vo-
co (¨). Não se usa mais o trema (¨) sobre a letra “u” gais de timbre aberto: [a, é, ó]. Com a elevação da
para indicar que ele deve ser pronunciado nos gru- língua, produz-se as vogais de timbre fechado: [ê, ô,
pos gue, gui, que, qui. i, u]. E nas reduzidas, o timbre é quase imperceptível.
Exemplos: Na Língua Portuguesa são consideradas semivogais
• Bilíngüe - bilíngue [/i/ e /u/]. São exemplos de ditongo aberto (quando
• Lingüística - linguística se une uma vogal de timbre aberto a uma semivo-
• Cinqüenta - cinquenta gal ou vice-versa).
• Liqüidificador - liquidifcador Para entender, vamos rever como era o antes e
Permanece o trema nas palavras estrangeiras e o agora após as mudanças na ortografia.
em suas derivadas, principalmente em nomes pró-
prios. Antes Agora
Exemplos: Bündchen, Hübner, hübneriano, Mül-
ler, mülleriano. Alcatéia alcateia
alcalóide alcaloide
3. Palavras paroxítonas com ditongos abertos
androide androide
Para o sistema ortográfico atual, desaparecem apóia (verbo apoiar) apoia
os acentos dos ditongos abertos tônicos que se en- apoio (verbo apoiar) apoio
contram na penúltima sílaba das palavras, ou seja,
nas paroxítonas. Para que você assimile essa regra, bóia boia
precisa entender que na língua portuguesa a pala- colméia colmeia
vra é classificada quanto à posição da sílaba tônica, Coréia Coreia
o que pode determinar acento gráfico ou não. Essa
classificação é simples, no entanto fácil de ser con- estréia estreia
30 fundida. Para classificar corretamente, precisamos geléia geleia
entender que sílaba é o conjunto de um ou mais
heróico heroico
sons pronunciados num único impulso de voz. São
três classificações possíveis: oxítonas, paroxítonas e idéia ideia
proparoxítonas. Para classificar, contamos sempre platéia plateia
de trás para frente.
Oxítona: quando a sílaba mais forte da palavra paranóico paranoico
é a primeira. paleozóico paleozoico
Ex.: português (por – tu – guês).
Observação:
• Paroxítona: é quando a sílaba mais forte da pa- Os nomes de lugares também sofrem alteração.
lavra é a segunda. Escreveremos, portanto, Coreia, Jureia, Boraceia,
Ex.: mudança (mu – dan – ça). Cananeia, Pompeia etc. Entretanto, “Ilhéus” man-
• Proparoxítona: é quando a sílaba mais forte da tém o acento
palavra é a terceira.
MAS PRESTE ATENÇÃO!
Ex.: gramática – (gra - má - ti – ca).
Continuam a ser acentuadas as palavras oxí-
Já compreendemos o que é uma paroxítona.
tonas
Mas o que significa uma palavra ser “ditongo aber-
(última sílaba tônica)
to”?
Para você entender isso, precisa saber o que são
encontros vocálicos. Encontro vocálico é a junção Terminadas em éi, éu e ói.
de duas ou mais vogais dentro das palavras. Os en- Exemplos:
contros vocálicos são divididos em três tipos: diton- • Troféu, chapéu, papéis, herói etc.
go, tritongo e hiato. Às vezes, as vogais se juntam na
mesma sílaba. Nesse caso, pode ocorrer um ditongo 4. Palavras paroxítonas
(duas vogais) ou tritongo (três vogais). O hiato ocor-
re em sílaba separada. Para a particularidade da Nas palavras paroxítonas, não se usa mais o
regra acima descrita para a nova ortografia, vamos acento no “i” e no “u” tônicos quando vierem de-
nos deter na paroxítona com ditongo aberto. pois de um ditongo.
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Exemplos: • Pode é a forma do presente do indicativo, na 3ª


pessoa do singular.
Antes Agora • Exemplo: ontem, ele pôde comparecer na es-
cola, mas hoje ele não pode.
Baiúca Baiuca Observação: é a contextualização que lhe pro-
Bocaiúva Bocaiuva porcionará o significado do vocábulo.
Feiúra Feiura
8. Acento diferencial em “pôr” (verbo)
Cauíla cauila
Permanece o acento diferencial em “pôr” (ver-
Atenção: se a palavra for oxítona e o “i” ou o bo). E lembre-se que “por” preposição não leva
“u” estiverem em posição final (ou seguidos de s), o acento gráfico.
acento permanece inalterado.
Exemplos: Exemplos:
• Tuiuiú, tuiuiús, Piauí. • Vou pôr o preço justo no artesanato feito por
E se o i ou o u forem precedidos de ditongo cres- mim.
cente, o acento permanece. • Ao pôr o livro na prateleira, tenha cuidado para
• Exemplos: guaíba, Guaíra. não amassá-lo.

5. Palavras que terminam em “êem” e “ôo(s)” ACENTOS QUE DIFERENCIAM O SINGULAR DO PLU-
RAL DOS VERBOS TER E VIR E DERIVADOS
Não se usa mais o acento nas palavras que ter-
minam em “êem” e “ôo(s)”. Permanecem os acentos que diferenciam o sin-
Exemplos: gular do plural dos verbos ter e vir, assim como de
seus derivados (manter, deter, reter, conter, convir,
Antes Agora intervir, advir etc.).
Abençôo Abençoo Exemplos:
Crêem (verbo crer) creem • Ele tem três filhos. Eles têm três filhos.
Enjôo Enjoo • Ela vem de ônibus. Elas vêm de ônibus.
• Ele mantém o acordo. Eles mantêm o acordo.
Lêem (verbo ler) leem
31
Vêem (verbo ver) veem Quando tudo parecia simples para compor uma
palavra com apenas um traço, formando assim uma
Vôos voos
palavra composta, surgem regras para o uso do hí-
fen na nova convenção ortográfica.
6. Palavras: para; pela, pelo; polo e pera
Regras muito criticadas pelos linguistas. Para as
mudanças relacionadas ao novo emprego do hí-
Não se usa mais o acento que diferenciava os
fen, foram atribuídas as maiores queixas, entre elas
pares: pára/para; péla/pela, pêlo/pelo; pólo/polo e
a de que a nova regra descaracterizou algumas pa-
pêra/pera.
lavras. Veremos essa unificação de forma bem gra-
dual para que possamos entender bem esse caso.
Exemplos:
Vamos apresentar cada particularidade do hífen
• O guarda pára o trânsito. O guarda para o trân- pela nova reforma ortográfica. E pelas exemplifica-
sito. ções, esperamos que você assimile as alterações
• Viajou para o pólo Norte. Viajou para o polo gráficas para o “uso do hífen”. Mas lembre-se que
Norte. somente a prática levará à competência da escrita.
• O pólo é um jogo antigo. O polo é um jogo an-
tigo. Circunstâncias linguísticas a que se deve o em-
• Ele tem pêlos brancos. Ele tem pelos brancos. prego do hífen:
Comer pêra faz bem. Comer pera faz bem. 1. O hífen passa a ser usado quando o prefixo
termina em vogal e a segunda palavra começa
Atenção: você deverá estar bem atento(a) ao com a mesma vogal
contexto para entender o significado das palavras. Anteriormente, a palavra “micro-ondas “escre-
via-se sem hífen, “microondas”.
7. Acento diferencial em pôde/pode Pela nova regra, escreve-se com hífen porque o
prefixo “micro” termina com a vogal “o”, a mesma
Permanece o acento diferencial em pôde/ vogal com que se inicia o segundo elemento dessa
pode. junção, “ondas”.
Atenção:
• Pôde é a forma do pretérito perfeito do indica- Exemplos:
tivo do verbo poder, na 3ª pessoa do singular. anti-inflamatório, anti-inflacionário, micro-orga-
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nismo, micro-ônibus, micro-ondas. Exemplos:


• Mal-entendido, mal-estar, mal-humorado, mal-
-limpo, mal-intencionado, mal-educado etc.
IMPORTANTE LEMBRAR:
Essa regra padroniza algumas grafias já vi-
gentes antes do acordo ortográfico. Exemplos que não se enquadram nessa regra, por-
tanto são escritos sem hífen:
• Malcriado, malfeito, malformado, maldotado,
Exemplos: malsucedido, malplanejado, maltratado, mal-
• Auto-observação – auto-ônibus – contra-ata- nascido, malfalante etc.
car etc.
• Exceção: tal regra não se aplica aos prefixos 8. Com o prefixo “bem” – usa-se o hífen quando
“-co”, “-pro”, “-re”, mesmo que a segunda pa- a palavra seguinte começar por vogal ou “h”
lavra comece com a mesma vogal que termi-
na o prefixo. Exemplos:
• Coobrigar – coordenar – reeditar – proótico etc. • Bem-estar, bem-aventurado, bem-humorado,
bem-merecido, etc.
2. Com prefixos, usa-se sempre o hífen diante
de palavras iniciadas por “h” Exceção: entretanto, o advérbio “bem” aparece
Exemplos: aglutinado (fusão/união) com o segundo elemento
• Anti-higiênico, sobre-humano, super-homem em alguns compostos:
etc. Exemplos: benfazer, benfeito, benfeitor, benquerer,
• Exceção: subumano. (Nesse caso, a palavra benquisto, benquerença, bendizer, bendito.
humano perde o h).
9. Usa-se o hífen com sufixos de origem tupi-
3. Com os prefixos “sub” e “sob”, usa-se o hífen -guarani que representam formas adjetivas, como
também diante de palavras iniciadas por “r” “açu, guaçu, mirim”
Exemplos: • Capim-açu, abare-guaçu, anda-açu, amoré-
• Sub-raça, sub-regional, sub-ritual, sub-roupa, -guaçu, anajá-mirim, ingá-mirim etc.
sub-rua, sob-roda etc.
10. Usa-se o hífen para ligar duas ou mais pala-
4. Com os prefixos “circum” e “pan”, usa-se o vras que ocasionalmente se combinam, formando
32 hífen diante de palavras iniciadas por “m”, “n”, “h” não propriamente vocábulos, mas encadeamentos
e “vogal” vocabulares
Exemplos: Exemplos:
• Circum-navegação, pan-americano, circum- • Ponte Rio-Niterói, eixo Rio-São Paulo etc.
-hospitalar, pan-helenismo, circum-adjacente,
circum-ambiente, circum-murado, pan-mixia 11. O hífen ainda permanece em palavras com-
etc. postas desprovidas de elemento de ligação, como
também naquelas que designam espécies botâni-
5. Com os prefixos “além, ex, sem, aquém, re- cas e zoológicas
cém, pós, pré, pró e vice”, sempre se usa o hífen Exemplos:
Exemplos: • Azul-escuro, bem-te-vi, couve-flor, guarda-chu-
• Além-túmulo, aquém-mar, ex-aluno, ex-presi- va, erva-doce, pimenta-de-cheiro etc.
dente, ex-hospedeiro, pré-aquecido, pré-his-
tória, pré-vestibular, pós-graduação, pró-euro- NÃO SE EMPREGA MAIS O HÍFEN NOS SEGUINTES
peu, recém-nascido, recém-casado, sem-terra, CASOS
vice-rei.
Para alguns linguistas, o problema não está no
Exceção: com os prefixos pre e re, não se usa o hífen emprego do “hífen” e sim no seu desemprego!
diante de palavras começadas por “e”. Temos que acomodar essas mudanças!
Exemplos:
• Preexistente, preelaborar, reescrever, reedição 1. Em locuções substantivas, adjetivas, prono-
etc. minais, verbais, adverbiais, prepositivas ou conjun-
tivas
6. Na formação de palavras com ab, ob e ad,
usa-se o hífen diante de palavras começadas por Exemplos:
“b”, “d” ou “r” • Fim de semana, café com leite etc.
Exemplos: Exceção:
• Ad-digital, ad-renal, ob-rogar, ab-rogar etc. O hífen ainda permanece em alguns casos, ex-
pressos por:
7. Com o prefixo “mal” usa-se o hífen quando a • Água-de-colônia, água-de-coco, cor-de-rosa,
palavra seguinte começar por vogal, “h” ou “l”
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amor-próprio etc. das mudanças ocorridas na Língua Portuguesa.

2. Não se usa o hífen: quando o prefixo termina OPINIÃO? NO JORNAL TAMBÉM TEM!
em vogal diferente da vogal com que se inicia o
segundo elemento 1. O jornal, a notícia e a opinião
Exemplos:
• Aeroespacial, agroindustrial, antiaéreo, ante- O universo jornalístico caracteriza-se por, funda-
ontem, autoestrada, autoescola, extraescolar, mentalmente, colocar a realidade em pauta – ou
infraestrutura, plurianual, semiaberta, semiesfé- seja, noticiar os acontecimentos de cada dia –, e
rico etc. contribuir para a reflexão a respeito deles. Em um
Exceção para essa regra: jornal, muitos textos circulam: notícias, reportagens,
O prefixo “co” aglutina-se com o segundo ele- editoriais, artigos de opinião, crônicas, anúncios de
mento, mesmo quando este se inicia pela letra “o” propaganda, notas sociais, cartas de leitor e rese-
ou “h”. nhas críticas são alguns deles.
Exemplos: Quando se pensa nas duas finalidades essen-
• Coobrigar, coobrigação, coordenar, cooperar, ciais do jornalismo, é possível destacar as notícias –
cooperação, cooptar, coopositor, coocupan- que são os textos que se relacionam especificamen-
te, coeducação, coeleitor, coelaborado, co- te com os acontecimentos do dia – e os artigos de
participante, contraordem, contraindicação, opinião, que expõem a opinião de distintos jornalis-
coedição, coeducar, cofundador etc. tas a respeito das questões noticiadas quando estas
Observação: no caso do “h” ele deve ser corta- tiverem relevância social, quer dizer, quando forem
do ao aglutinar-se ao prefixo “co”. importantes para a população como um todo e
Exemplos: quando não forem consenso, ou seja, quando pro-
• Coabitação, coerdeiro etc. vocarem polêmicas.
Além dos artigos de opinião, as posições dos
3. Não se usa o hífen quando o prefixo termina próprios veículos de comunicação – como os jornais
em vogal e o segundo elemento começa por con- Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo; as
soante diferente de “r” ou “s” revistas CartaCapital, Veja, Época, Istoé, entre ou-
Exemplos: tros – costumam circular nos editoriais, texto publica-
• Anteprojeto, antipedagógico, autopeça, auto- do logo no início dos veículos. Há comentários e po-
proteção, microcomputador, geopolítica, se- sições sobre questões menos polêmicas que cons-
minovo, semicírculo, semideus etc. tam de comentários opinativos, crônicas, nos blogs
articulados aos veículos, por exemplo. 33
Exceção:
• Com o prefixo vice, usa-se sempre o hífen. Os artigos de opinião – objetos de estudo desta
• Exemplos: vice-secretário, vice-diretor, vice-rei Unidade – são conhecidos como o texto em que o
etc. escritor manifesta sua opinião sobre os assuntos con-
troversos, ainda que essa posição não seja a mesma
4. Quando o prefixo terminar por consoante, do jornal ou da revista. A esse respeito, aliás, sempre
não se usa o hífen se o segundo elemento começar há uma nota publicada com o artigo para deixar
por vogal esse aspecto bastante claro ao leitor.
Exemplos: Esse tipo de produção, como se vê, é sempre as-
• Hiperacidez, hiperativo, interescolar, interes- sinado, assim como os editoriais (manifestação da
tadual, interestelar, superamigo, superaqueci- posição do próprio veículo), as resenhas críticas, as
mento, supereconômico, superexigente, supe- grandes reportagens, por exemplo. Todos esses são
rinteressante, superagitado etc. textos que se preocupam com a análise e a discus-
são dos fatos apresentados nas notícias, e com uma
5. Não se deve usar o hífen em certas palavras exploração ampliada e mais aprofundada deles.
que perderam o sentido de composição Analisando uma notícia Leia a notícia a seguir,
Exemplos: publicada na revista Época em 27 de março de
• Girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, 2014. Ela relata a realização de um estudo de indi-
paraquedas, paraquedista etc. cadores sociais sobre a compreensão que o brasi-
leiro possui a respeito da violência contra mulheres.
6. Não se usa o hífen quando o prefixo termina O relatório desse estudo – intitulado Tolerância
em vogal e o segundo elemento começa por r ou social à violência contra mulheres – apresentou da-
s. Nesse caso, duplicam-se essas letras dos que permitem compreender de que modo o
Exemplos: brasileiro se posiciona com relação ao assunto e faz
• Antissocial, antirreligioso, antirrugas etc. parte de uma pesquisa mais ampla, denominada
Você deve estar se questionando como dominar Sistema de indicadores de percepção social (SIPS).
todas estas informações para sedimentar um apren- Além de aspectos da violência sexual, o estudo
dizado. Para isso é necessário recorrer às pesquisas abordou também questões relativas tanto à violên-
quando surgirem as dúvidas. Ao fazer isso você es- cia doméstica quanto à organização familiar.
tará construindo um novo conhecimento a respeito
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O fato é o mesmo: a divulgação dos resultados


da pesquisa realizada pelo Ipea. As manchetes são
diferentes.

2. A notícia e a informação que apresenta: con-


textualizando um pouco

A pesquisa divulgada na notícia foi realizada


pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
(Ipea). Esse Instituto já teve como objetivo apenas
realizar pesquisas de natureza econômica, como o
próprio nome indica.
Na atualidade, ocupa-se de pesquisas cuja fi-
nalidade é ditar políticas públicas: criação de pro-
gramas, destinação de recursos para esse ou aque-
le setor, contratação ou não de pessoal para esta
ou aquela área, alteração – ou não – do currículo
34 escolar, por exemplo. A notícia relata a divulgação
da pesquisa e comenta seus resultados por meio da
seleção de alguns aspectos que a revista Época –
onde foi publicada – considerou relevantes.
Um desses aspectos foi a metodologia empre-
gada para investigar a opinião das pessoas: a apre-
sentação de frases sobre as quais os entrevistados
tinham que se manifestar, dizendo se concordavam
ou não com ela. Assim como os aspectos do estu-
do, na notícia, foram apresentadas – e comentadas
– apenas as frases que a revista selecionou e que,
certamente, considerou mais impactantes junto ao
leitor.

3. Uma ilusão de neutralidade

Ao ler a notícia, você pode observar que ela é


inteiramente redigida sem a utilização de verbos na
1a pessoa (eu/nós); ao contrário, está sempre em 3a
pessoa (ele, ela): “A mulher deve”; “A maioria acre-
dita”; “São essas as conclusões”; “A pesquisa do
Ipea” são alguns exemplos dessa marca linguística.
Além disso, são usadas expressões como “Segundo
Leia manchetes elaboradas por diferentes veí- o Ipea”; “Para os pesquisadores do Ipea”; “De acor-
culos para a notícia do mesmo acontecimento. do com o Ipea”.
Organizar o texto conjugando o verbo na 3a
pessoa, assim como aproveitar as expressões utili-
zadas no relatório de pesquisa pelo Instituto – todas
elas colocadas entre aspas para indicar que a ex-
pressão não é do autor do texto –, são recursos que
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se costuma empregar quando a intenção é mostrar público; daí a escolha de aspectos mais sensaciona-
distanciamento do fato. É como se a afirmação fos- listas. Uma pesquisa com uma amplitude dessa não
se: são eles que estão dizendo, não é o jornalista ou se reduz a cinco ou seis tópicos, a cinco ou seis res-
o jornal; eu que escrevo não tenho nada com isso. postas, mas a um conjunto muito mais abrangente.
Dito de outra maneira, esses recursos provocam A que conclusão você chega, então? Você
um efeito de neutralidade, de isenção. Quando se pode chegar à ideia de que a notícia está muito
analisam outros aspectos do texto, a ideia de que a longe de ser neutra e imparcial. A questão é simples:
imparcialidade, de fato, não existe é evidente. Veja o fato existe, mas ele não se conta por si; é preciso
alguns exemplos. alguém para fazê-lo. Assim, sempre haverá escolhas
– de conteúdo, de recursos textuais – que serão fei-
• A manchete do texto – A culpa é delas. É o que tas por aqueles que redigem as notícias, por aqueles
pensam os brasileiros sobre a violência contra a que as editam, que possuem intenções específicas
mulher – é elaborada de modo a destacar uma e pessoais.
interpretação bastante contundente – decisiva A visão do fato, portanto, é sempre particular,
e agressiva – da pergunta feita ao pesquisado, ainda que o foco da notícia seja esse fato, e não a
que pedia a ele que dissesse se concorda ou opinião sobre ele. No texto, o que se cria por meio
não com a afirmação “Mulheres que usam rou- de recursos textuais como os identificados é um efei-
pas que mostram o corpo merecem ser ataca- to de neutralidade, necessário à constituição da
das”. Analisando as demais manchetes apre- ideia de credibilidade que um jornal ou uma revista
sentadas na Atividade 1, é possível verificar que pretende.
essa é aquela em que aparece de modo mais Leia o artigo de opinião publicado na revista
explícito a culpa atribuída à mulher pelo estu- Carta Capital, em 30 de março de 2014
pro.
• Observe o subtítulo:

35

Nele, o motivo dessa culpa é ressaltada e refor-


çada com a ideia de que a mulher “não se compor-
ta como deveria”.

• A notícia acrescenta informações externas à


pesquisa, como “A pesquisa do Ipea é apre-
sentada em um momento em que o tema da
violência contra a mulher ganha destaque na
imprensa e na agenda do governo” (5o pa-
rágrafo); “o número de famílias chefiadas por
mulheres, segundo o IBGE, cresceu de 28% para
38% em 2012” (9º parágrafo).

Todas essas observações foram escolhas do re-


dator do texto, enfatizando alguns aspectos e omi-
tindo outros. O movimento crescente ou decrescen-
te de apresentação dos traços de culpabilização
da mulher pelo estupro, inclusive, é escolha delibe-
rada do escritor, voluntária. Mesmo que ele não use
a primeira pessoa, o “eu”, que tornaria clara a sua
posição, e empregue a 3a pessoa do discurso, na
tentativa de se ocultar no texto, como se sua posi-
ção fosse de neutralidade.
Além disso, a seleção dos aspectos a serem di-
vulgados na notícia – e, portanto, os que não mere-
cerão destaque, sendo omitidos – também é feita
por um escritor que deseja que a notícia interesse ao
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

4. Uma opinião mais que explícita


Essa orientação reflete-se no título do texto. O
Como você deve ter percebido, o artigo lido
primeiro segmento do título retrata a questão fun-
na Atividade 2 tem uma relação bastante estreita
damental recortada, que é a da culpabilização da
com a notícia estudada na Atividade 1: ambos refe-
mulher pela violência que ela mesma sofre – “Mulhe-
rem-se aos resultados da pesquisa Tolerância social
res: de vítimas a algozes”. O segundo segmento – “o
à violência contra mulheres, realizada pelo Ipea. A
que a mídia tem a ver com isso?” –, por um lado, re-
notícia cumpre a finalidade de divulgar os resulta-
mete o leitor a um possível papel da mídia na consti-
dos, comentando-os. Já o artigo de opinião objetiva
tuição dessa relação de opressão machista; por ou-
analisar os resultados criticamente, apresentando
tro, pode levar a pensar no papel que a mídia pode
uma posição sobre os aspectos que foram consta-
ter para ressignificar esse caminho.
tados, discutindo-os, avaliando-os, estabelecendo
conexões com a vida das pessoas.
Nessa perspectiva, a opinião na notícia é implíci-
ta, sendo determinada pelos recursos textuais vistos
anteriormente, como a seleção de palavras e de
informações, a organização e gradação dessas in-
formações no texto e a utilização da 3a pessoa do
discurso. No artigo de opinião, não: a opinião está
clara, explícita, na superfície do texto, de modo que
Já no segundo parágrafo, percebe-se que a po-
o leitor sabe exatamente o que o texto defende e
sição assumida é de concordância com os dados
36 por quais razões.
da pesquisa, como uma evidência de situações pe-
las quais as mulheres vêm passando há muito tem-
5. A posição assumida no texto em relação ao
po, mas de crítica à compreensão que os brasileiros
assunto
possuem sobre as razões que provocam tais situa-
ções.
Ao ler o segundo texto, é possível perceber que
ele se organiza em dois eixos de sentido fundamen-
SIM, NO JORNAL TAMBÉM TEM OPINIÃO
tais. De um lado, tem-se o comentário à pesquisa
realizada, aceitando-a como uma evidência das
Este breve estudo permite verificar que, ao con-
situações de violência que as mulheres brasileiras vi-
trário da notícia, no artigo de opinião, a posição a
venciam cotidianamente. Tais situações têm origem
respeito do tema tratado é apresentada de modo
no comportamento machista e sexista que acaba
explícito, com clareza e intencionalidade. Então,
por culpabilizar a mulher pela violência que ela mes-
respondendo – ainda que precocemente – à ques-
ma sofre.
tão colocada no título deste tema, é possível afirmar
Esse comentário não deixa de indicar que, ao
que a opinião no jornal está, por exemplo, nos arti-
mesmo tempo em que há tanta evidência da opres-
gos de opinião.
são da mulher, há também avanços que puderam
Mas, de que modo essa opinião é expressa no
ser constatados na pesquisa, em especial os relacio-
texto? Como um artigo de opinião é tecido, elabo-
nados à rejeição da violência física e simbólica.
rado? De que maneira a manifestação da opinião
De outro lado, tem-se dois aspectos: primeiro, a
vai sendo apresentada ao leitor? Com qual inten-
crítica ao papel que a mídia assume na divulgação
cionalidade?
e na circulação de valores machistas, que enxer-
Essas questões são foco do próximo tema.
gam a mulher como objeto. Em segundo lugar, a in-
dicação de qual deveria ser esse papel, que precisa
O ARTIGO DE OPINIÃO E SEU TECIDO INTERNO
ser ressignificado, repensado: o combate a toda for-
ma de desrespeito ao direito humano.
1. Organização interna do texto
O quadro a seguir sintetiza essa orientação:
O texto Mulheres: de vítimas a algozes, o que
a mídia tem a ver com isso? começa, no primeiro
parágrafo, tratando da pesquisa do Ipea e apre-
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

sentando resultados relacionados a dois aspectos que são o machismo e o comportamento sexista,
fundamentais da discussão que será realizada: o evidenciados na pesquisa do Ipea por conta dos
comportamento sexista da sociedade brasileira e a tipos de resposta que os entrevistados deram às afir-
culpabilização da mulher pela violência que sofre. mações apresentadas pelos pesquisadores. Em pa-
No segundo parágrafo, o texto remete aos da- ralelo, o texto ressalta a importância da mídia, tanto
dos da pesquisa citada, relacionando-os a situações para fazer circular valores machistas quanto para al-
divulgadas na mídia em semanas anteriores (a situa- terar a situação de violência que a mulher vive hoje.
ção de abuso nos trens do metrô), à adolescência A pesquisa acaba sendo o “pano de fundo” para
da autora e até a situações ocorridas na Índia, de essas discussões fundamentais do texto.
modo a constatar o estado de opressão do pensa- A seguir, será apresentada uma síntese esque-
mento machista sobre as mulheres no mundo. mática da organização do texto discutido anterior-
No terceiro, recorre a um exemplo também an- mente. Por meio dessa síntese, será possível analisar
terior à data de divulgação da pesquisa, situação de que modo as ideias vão aparecendo no texto
na qual jovens, em um evento acadêmico, também e como vão sendo relacionadas com o que já foi
são submetidas a pressões similares e à coação – ou dito. Chama-se isso de esquema da progressão das
seja, repressão – e à culpabilização em razão do ideias, quer dizer, esquema de como o texto vai, aos
que vestem. poucos, parágrafo por parágrafo, acrescentando
No quarto parágrafo, o texto recupera a situa- ideias novas àquelas que acabaram de ser discu-
ção atual relativa à realização da Copa do Mundo, tidas.
ressaltando a imagem que os turistas possam ter a Veja como esse esquema é elaborado.
respeito da mulher brasileira em função desse pro-
cedimento sexista, o que pode colocá-la, mais uma
vez, em situação de algoz de si mesma, algoz da
violência que ela mesma sofre pelo comportamen-
to masculino. É a primeira vez que o texto aborda
a discussão sobre o papel da mídia na constituição
da imagem da mulher culpabilizada. Essa aborda-
gem é implícita, quando há referência à criação da
imagem no exterior; e explícita, quando se toca no
papel que a imprensa pode ter na reversão desse
quadro.
O quinto parágrafo apresenta a ideia de que,
apesar do machismo, há avanços da sociedade 37
na criação de dispositivos de defesa e proteção
da mulher, como as leis. Ao mesmo tempo, afirma
que a imprensa precisaria deixar de ser omissa em
relação ao combate a toda sorte de violação de
direitos humanos.
O sexto parágrafo é dedicado a responsabilizar
a mídia pela objetificação da mulher nas mais varia-
das circunstâncias.
Já o sétimo e o oitavo criticam aqueles que
agem como se o comportamento sexista não existis-
se e endossam o processo de culpabilização da mu-
lher, apresentando um exemplo de manifestação
explícita do blogueiro Felipe Moura Brasil (citando-
-o), que compara um assalto a um estupro.
No nono parágrafo, o texto articula todos os
exemplos apresentados anteriormente, reconhe-
cendo-os como evidências do machismo brasileiro
medieval, o grande responsável pelo processo de
culpabilização da mulher – presente no comporta-
mento, inclusive, de outras mulheres.
Os dois últimos parágrafos são elaborados para
apresentar dois reconhecimentos: em primeiro lugar,
a duas ações de repúdio aos resultados da pesquisa
pela mídia impressa e eletrônica; em segundo, con-
siderando que, mesmo em meio a resultados tão de-
sanimadores, a pesquisa aponta que há avanços,
como a rejeição à violência física e simbólica.
Sintetizando, é preciso dizer que o texto busca
focalizar as causas da violência de gênero no país,
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Considerando o contexto no qual o texto foi pu-


blicado – em um dos blogs relacionados à revista
CartaCapital –, é possível estabelecer as considera-
ções a seguir.
A informatização facilita o acesso à informação
e possibilita uma frequentação mais ampliada a
espaços anteriormente apenas impressos. Ou seja,
se antes uma revista impressa poderia apenas ser
acessada quando assinada ou comprada nas ban-
cas, hoje pode ser lida gratuitamente na sua versão
eletrônica, por quem quer que seja. Esse recurso au-
menta o número e os tipos de leitor que podem ter
contato com as matérias publicadas no veículo. No
caso que você está analisando, não apenas o lei-
tor potencial da revista CartaCapital impressa lê o
que é publicado na versão eletrônica da revista e
nos blogs a ela associados, mas um conjunto muito
maior de leitores. Isso coloca para o escritor a neces-
sidade de ampliar seu repertório de estratégias de
convencimento e de recursos que permitem con-
vencer os leitores, ajustando-os a esse público.
O que parece ter ficado evidente é que a auto-
ra – jornalista também com formação em Comuni-
cação Social – considerou fundamentais para con-
vencer esse leitor os seguintes recursos:

• Utilizar basicamente exemplos do cotidiano: tal-


vez, para que seus interlocutores se identificas-
sem com as situações e, assim, se reconheces-
sem como participantes de eventos similares, o
que os aproximaria da reflexão colocada. Essa
escolha por argumentar por meio da aproxima-
38
ção com o cotidiano vivido dos leitores tam-
bém mostra que a autora pode compreender
2. Sistematizando a conversa o machismo não como um conjunto de valores
de um grupo restrito da população, mas esten-
Pode-se dizer, então, que o texto: dido, generalizado. Assim, a referência às situ-
• utiliza-se basicamente da exemplificação para ações igualmente generalizáveis – incluindo o
tentar convencer seu interlocutor, recorrendo, ambiente acadêmico-universitário – poderia
em especial, a situações que aconteceram aproximar mais o leitor da discussão.
anteriormente à divulgação dos dados da pes- • A negociação com esse leitor, mostrando-lhe
quisa (se quiser, volte ao texto e os grife com que, apesar dessas situações tão negativas,
marcador de textos); também há perspectiva de avanço, tanto no
• ao mesmo tempo em que apresenta evidên- que se refere ao modo de pensar do brasileiro
cias de que o modo de o brasileiro interpretar e quanto no que tange ao modo de agir dele.
compreender a violência contra a mulher é ma- Para sustentar a primeira ideia, outros dados
chista, recorre a exemplos que mostram, tanto da pesquisa foram apresentados ao final; para
no que se refere à mídia quanto no que tange sustentar a segunda, as ações dos dois veículos
à própria pesquisa, que tem havido avanços na de comunicação foram comentadas (9º pará-
direção contrária, que é possível assumir uma grafo do texto). Esse recurso – também deno-
posição diferente e menos preconceituosa, minado de operação de negociação pelos
que é viável realizar ações de combate ao des- estudiosos da linguagem – pode ser bastante
respeito do direito da pessoa (se quiser, volte ao eficaz no processo de convencimento e é fre-
texto e os grife com marcador de textos). quentemente empregado.

Certamente, essas escolhas do texto relacio- 3. O uso das aspas no texto e os efeitos de sen-
nam-se com a imagem que a autora possui do seu tido decorrentes
interlocutor: suas crenças, seus valores, suas possibili-
dades de compreensão e a decorrente chance de Um recurso muito empregado no texto foram as
convencimento por meio do emprego deste ou da- aspas, por diferentes razões. Veja o quadro a seguir.
quele recurso discursivo.
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duas formas de utilizar as aspas que são coinciden-


tes. Quais seriam elas? Você acredita que a finalida-
de do uso nos dois textos foi a mesma?
Opinar e argumentar: Dois modos diferentes de
nomear a mesma coisa? Olhando, assim, à primeira
vista, opinar e argumentar parecem ser dois nomes
para um mesmo processo, não é mesmo? Mas, na
verdade, não são. Pense na situação a seguir:

4. Sintetizando

Neste tema, foi analisado o modo de articula-


ção do texto, evidenciando recursos possíveis de se-
rem empregados e a adequação deles em função
tanto das possibilidades de compreensão do leitor
quanto, sobretudo, das chances de convencimento
39
dele. Já se começou a falar em convencer, nego-
ciar, sustentar posição. Mas isso é só o começo.
Retome a notícia e veja a utilização de aspas
empregadas nos parágrafos selecionados.

Analisando essa situação, quando você acha


que o amigo deixou de dar uma opinião e passou
a argumentar?
Se você disse que foi depois que o colega pediu
para ser convencido, acertou!
Qual é a diferença entre cada um desses mo-
mentos?
Na verdade, é bem simples. No primeiro momen-
to, o amigo apenas manifestou sua opinião, sem jus-
tificá-la, sem apresentar grandes análises da situa-
ção. Já no segundo momento, depois que o amigo
disse “Me convença!”, a situação mudou de figura.
Primeiro, o amigo fez uma análise da situação recu-
perando sua finalidade e as intenções do colega
(12º parágrafo). Depois, analisou a maneira como o
colega estava vestido e a imagem que seria neces-
sário passar para atingir seu objetivo, que era ganhar
a confiança dos sogros (14º parágrafo), focalizando
Agora, compare a finalidade de utilização das a inadequaçãodas escolhas que ele havia feito.
aspas da notícia com o que você acaba de analisar Finalmente, sugeriu a opção mais adequada de
no artigo. Você verá que na notícia e no artigo há vestuário para o colega, baseando-se na análise
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que fez da situação e das intenções do outro (16o rada acima para analisar o processo de argumenta-
parágrafo). ção que nela aconteceu.
Em outras palavras, no primeiro momento era
apenas uma troca de opiniões entre colegas; de-
pois, passou a ser um processo de convencimento,
com análise da situação, e argumentação sustenta-
da com base em questões lógicas, ainda que essa
lógica seja baseada no modo de pensar de deter-
minado grupo social e que os argumentos possam
ser contestados.

5. Argumentação

[...] Ação verbal pela qual se leva uma pessoa


e/ou todo um auditório a aceitar uma deter-
minada tese, valendo-se, para tanto, de re-
cursos que demonstrem a consistência dessa
tese. Esses recursos são as verdades aceitas por
uma determinada comunidade, assim como
os valores e os procedimentos por ela consid-
erados corretos ou válidos. Dessa forma, argu-
mentação é um termo que se refere tanto a O Amigo 2, para convencer o Amigo 1 de que
esse ato de convencimento quanto ao con- estava certo, precisou:
junto de recursos utilizados para realizá-lo. Por
isso mesmo, a argumentação sempre parte • analisar a situação (o Amigo 1 precisava ga-
de um objetivo a ser atingido (a adesão à tese nhar a simpatia dos pais da namorada no pri-
apresentada) e lança mão de um conjunto meiro jantar);
de estratégias próprias para isso, levando em • ativar o conhecimento que já tinha a respeito
conta aquilo que faz sentido para quem lê ou do que os pais de uma moça esperam de can-
ouve. Daí a importância de conhecer-se o lei- didatos a futuros maridos (alguém que seja sé-
tor ou o ouvinte: afinal, a título de exemplo, o rio, bem empregado, capaz de sustentar uma
argumento que funciona muito bem para um família, higiênico, que seja independente e au-
40 grupo de estudantes adolescentes não terá o tossuficiente);
mesmo efeito sobre uma comunidade de sen- • ativar o conhecimento que já tinha sobre rou-
horas católicas – e vice-versa. RANGEL, Egon de pas aceitáveis para os pais, que passassem a
Oliveira. O processo avaliatório e a elaboração imagem de um genro adequado;
de “protocolos de avaliação”. Brasília: Semtec/ • relacionar o que já sabia sobre as expectativas
MEC, 2004. Apud RANGEL, Egon et al. Pontos de dos pais com o que conhecia sobre as roupas
vista. Caderno do professor: orientação para e as imagens que estas poderiam passar, para
produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, poder definir a sua posição sobre a vestimenta
p. 39. do Amigo 1;
• explicitar sua posição para o amigo e apresen-
Em uma situação de elaboração de um artigo tar seus argumentos relativos à inadequação
de opinião, por certo, é a argumentação que está do traje para a ocasião.
envolvida, e não a emissão de uma simples opinião.
Dessa forma, uma questão precisa ser respondida
quando se estuda esse gênero e quando se tem a Observe que, nessa situação, os argumentos uti-
intenção de ser competente na produção de um lizados pelo Amigo 2 seguiram a lógica daquilo que
texto como esse. ele imaginava que poderia ser melhor para conven-
cer o Amigo 1. Ou seja, tinha a ver com um certo
6. O que é preciso fazer para argumentar? modo de pensar a respeito de como é melhor se
comportar diante dos pais da namorada quando
Para argumentar, basicamente, é preciso ter se vai conhecê-los e quando se quer impressioná-los
uma posição sobre determinado assunto e ter ar- porque o namoro é sério.
gumentos que possam defendê-lo. Mas não é tão Além desses argumentos, nessa situação ele
simples quanto parece. Argumentar bem implica também poderia ter contado casos que exemplifi-
conhecer bem a situação na qual a argumentação cassem desconfortos provocados pela inadequa-
vai acontecer, pois quanto mais – e melhor – se co- ção dos trajes em contextos similares. Não seria ar-
nhece essa situação, mais adequadas serão as es- gumento adequado se ele tivesse pegado um livro
colhas que precisam ser realizadas para convencer e lido um trecho que oferecesse sustentação para
o outro da sua posição. Para entender melhor esse sua posição. A menos que a intenção fosse criar um
processo, faça um raio X da situação ficcional nar- efeito de humor.
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Portanto, para que os argumentos sejam sele- em discussão no artigo de Mariana Martins é de re-
cionados de maneira apropriada, é preciso analisar levância nacional, no mínimo, e diz respeito a todo
a sua adequação à situação de comunicação, ao brasileiro. E essa é uma característica fundamental
contexto. do artigo de opinião: discutir uma questão polêmi-
ca, controversa, de alcance maior, mais amplo, de
7. A orientação de um artigo de opinião relevância para determinado grupo social.
Assim, há como ter questões polêmicas do tipo:
Mas você deve estar se perguntando: O que A pena de morte pode reduzir a criminalidade?, De-
tudo isso tem a ver com o estudo sobre a leitura e ve-se ou não aprovar a união civil entre homosse-
a escrita de artigos de opinião? É simples: a análise xuais?, A maioridade penal deve ser reduzida para
dessa situação pode dar boas pistas sobre o que fa- 16 anos?, A mulher pode ser culpabilizada pela
zer, como proceder quando for escrever um artigo violência que ela mesma sofre?, que possuem rele-
desses. Algumas das pistas podem ser as seguintes: vância para grupos sociais mais amplos. Da mesma
Quando for escrever um artigo de opinião, é preciso forma, é possível ter questões como: Deve-se ou não
considerar: proibir o uso de celular na sala de aula?, A nossa es-
cola deve ou não adotar uniforme?, O controle do
• o leitor e seus prováveis conhecimentos (sobre atraso às aulas deve ser abolido?, O namoro deve
o assunto, sobre o gênero, por exemplo) – para ou não ser permitido no intervalo das aulas?, Deve-
decidir o que pode funcionar melhor para con- -se ou não manter o horário da sesta no comércio
vencê-lo; da nossa cidade?, que são relevantes e significati-
• as características da situação de comunica- vas para grupos sociais mais reduzidos.
ção em si (se mais ou menos formal; mais ou De um modo ou de outro, um artigo de opinião
menos pessoal; em que esfera acontecerá – não discute questões pessoais, e essa é uma carac-
acadêmica, de consumo, jornalística, escolar, terística fundamental desse gênero: debater ques-
institucional, religiosa, de lazer, legal, policial, tões de relevância social que gerem divergência de
entre outras) – para poder decidir pelo tipo de opinião, que não sejam consensuais. Ou seja, discutir
linguagem que será empregado; questões de interesse social mais amplo, que tenham
• as características do gênero no qual o seu dis- importância para um número maior de pessoas e
curso vai ser organizado (se será artigo de opi- que gerem polêmica, divergência de opiniões. A
nião, carta de reclamação, comentário opina- finalidade dessa discussão é constituir um conjunto
tivo, tese, dissertação etc.); de conhecimento a respeito do assunto, de forma
• a finalidade da situação, que é convencer o que um consenso possa vir a ser construído, organi-
zando as relações sociais em patamares diferentes, 41
outro da sua posição;
• o portador pelo qual esse discurso/texto será mais evoluídos, democráticos e justos.
publicado (jornal, mural, revista, panfleto, por Alguns exemplos de questões polêmicas históri-
exemplo) – para utilizar recursos adequados a cas são, por exemplo: A mulher deve ter o direito de
esse portador (imagens, vídeos, gráficos, info- votar? e O divórcio deve ser uma solução quando a
gráficos, links, citações, por exemplo); convivência de um casal não é mais possível?, entre
• o veículo correspondente ao portador (revista tantos outros.
Leia o texto a seguir, As mentiras sinceras das
Veja, Istoé, CartaCapital, Nova Escola, Piauí,
pesquisas, elaborado por Pedro Burgos e publicado
Caras; jornal O Globo, Folha de S.Paulo, O Esta-
na revista Superinteressante de maio de 2014.
do de S. Paulo, por exemplo) – pois isso permite
identificar o perfil do leitor e do conteúdo que
poderia interessar a ele, assim como os argu-
mentos que poderiam convencê-lo e a lingua-
gem a ser empregada.

Pois é, argumentar não é tão simples assim (mas


também não é tão difícil).

8. A questão controversa no artigo de opinião

Embora seja possível perceber uma relação de


semelhança entre o processo de argumentação fic-
tício dos dois amigos e o relativo ao artigo Mulheres:
de vítimas a algozes, o que a mídia tem a ver com
isso?, há uma diferença fundamental a considerar:
o assunto em discussão. O primeiro trata de uma si-
tuação particular, íntima e pessoal, no qual o que
se discute só tem interesse para os dois envolvidos.
Já no segundo caso, é muito diferente: a questão
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

ção gerada pelo erro do Ipea. Mais especificamen-


te, pode-se dizer que discute a questão: É possível
confiar nas pesquisas? Para respondê-la, ele analisa
problemas envolvidos na produção, na divulgação
e na interpretação das pesquisas e sinaliza alguns
aspectos que podem torná-las mais confiáveis, já
que o seu papel em uma sociedade democrática é
tanto interpretar o real quanto moldar o futuro.
O quadro a seguir sintetiza a questão discutida e
a posição assumida no texto em relação a ela.

42

Esse artigo foi publicado por ocasião da polê-


mica gerada pelo equívoco cometido pelo Ipea
quando da análise dos dados da pesquisa Tolerân-
cia social à violência contra mulheres. O Ipea come-
teu o engano de trocar o resultado de dois gráficos
que se referiam a aspectos diferentes da pesquisa.
Um deles correspondia às respostas apresentadas à
questão: “Mulheres que usam roupas que mostram o
corpo merecem ser atacadas” (com o que 26% dos 10. Orientação argumentativa do texto
entrevistados concordam). O outro dizia respeito às
respostas dadas pelos entrevistados à afirmação: A argumentação do texto parece orientar-se tal
“Mulher que é agredida e continua com o parceiro como esquematizado a seguir:
gosta de apanhar” (com o que 65,1% dos entrevista-
dos concordam).
A divulgação invertida foi feita em março e cor-
rigida em 4 de abril pelo Instituto, que admitiu ter co-
metido um erro relevante.

9. Mais um processo argumentativo em foco

O artigo As mentiras sinceras das pesquisas,


elaborado por Pedro Burgos, discute uma questão
relevante, em especial se for considerada a situa-
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

sificados de modos variados, dependendo do


autor. São apresentados, a seguir, aqueles con-
siderados fundamentais e mais recorrentes nos
artigos de modo geral.
• Argumento de autoridade: trata-se de defen-
der a posição assumida no texto pela inclusão
da palavra de especialistas ou de pessoas de
relevância na área, com credibilidade suficien-
te para convencer o interlocutor. Essa inclusão
acontece por meio do recurso linguístico da ci-
A orientação argumentativa citada correspon-
tação.
de a esse artigo especificamente, portanto não é
regra geral que deve orientar a produção de qual-
quer artigo. O autor, nesse caso, escolheu apresen- Exemplo:
tar sua posição no último parágrafo; mas poderia No livro didático X, as personagens que prati-
ter apresentado logo no começo, por exemplo. Da cam boas ações são sempre ilustradas como
mesma forma, nesse texto, a questão controversa loiras de olhos azuis, enquanto as más são sem-
não foi explicitada, embora não seja raro que isso pre morenas ou negras. Podemos dizer que o
aconteça nos artigos em geral. livro X é racista, pois, segundo o antropólogo
Aliás, basta que você compare a organização Kabengele Munanga, do Museu de Antropo-
interna do artigo anterior com a deste para consta- logia da USP, ilustrações que associam traços
tar que o modo de organizar corresponde às esco- positivos apenas a determinados tipos raciais
lhas pessoais de cada autor, que são decorrentes são racistas. RANGEL, Egon et al. Pontos de vista.
de tudo o que ele considera mais adequado ao Caderno do professor: orientação para produ-
convencimento de seus opositores e dos seus leito- ção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 103.
res.
O fundamental, ao elaborar um artigo, é que • Argumento por evidência (ou provas concre-
haja a presença articulada, relacionada, dos se- tas): trata-se de convencer o interlocutor apresen-
guintes elementos, seja em que ordem for, desde tando evidências relacionadas aos fatos discutidos,
que garanta a coerência das ideias do texto: evidências essas (dados, fatos, imagens) que po-
dem vir de pesquisas, de reportagens, de dados no-
• Apresentação da questão em discussão e sua ticiados, por exemplo.
contextualização, não necessariamente nes- 43
sa ordem. Quando se fala em contextualizar Exemplo:
a questão, isso quer dizer localizá-la nas discus- De acordo com a Pesquisa Nacional por
sões correntes; mostrar o que se pensa a respei- Amostras de Domicílio (PNAD) de 2008, o tele-
to dela, de modo geral, na sociedade; abordar fone, a televisão e o computador estão entre os
acontecimentos importantes relacionados a bens de consumo mais adquiridos pelas famílias
ela. brasileiras. Esses dados mostram que boa parte
• Apresentação da posição que será defendida desses bens de consumo é ligada ao desejo de
no texto. Pode ser no início dele ou em qualquer se comunicar. A presença desses três meios de
comunicação entre os bens mais adquiridos
outro momento, dependendo do movimento
pelos brasileiros é uma evidência desse desejo.
argumentativo que será empregado.
RANGEL, Egon et al. Pontos de vista. Caderno
• Apresentação de argumentos que sustentem a
do professor: orientação para produção de tex-
posição assumida.
tos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 103.
• Antecipação de contra-argumentos – ou argu-
mentos que sustentem posição contrária à do
• Argumento por comparação ou analogia: tra-
texto – em um movimento de consideração do
ta-se de estabelecer comparação entre o assunto/
opositor que tem a finalidade de refutar sua po-
fato/situação que é foco de discussão e outras situa-
sição. Dito de outra maneira, é preciso imaginar ções análogas que possam corroborar com a posi-
o que seu opositor diria para “derrubar” seu ar- ção defendida no texto.
gumento, apresentar o que ele diria e descartar
a ideia dele, mostrando que é insuficiente para Exemplo:
acabar com sua argumentação. A quebra de sigilo nas provas do Enem 2009,
• Negociação de posições com o opositor, sem denunciada pela imprensa, nos faz indagar
abdicar da posição assumida. quem seriam os responsáveis. O sigilo de uma
• Apresentação de conclusão relativa à discus- prova do Enem deve pertencer ao âmbito das
são apresentada. Que tipos de argumento autoridades educacionais – e não da imprensa.
podem ser utilizados em um artigo de opinião? Assim como a imprensa é responsável por seus
Para finalizar, é importante que você conheça próprios sigilos, as autoridades educacionais
tipos de argumento que podem ser utilizados devem ser responsáveis pelo sigilo do Enem.
no processo de argumentação. Eles são clas-
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

RANGEL, Egon et al. Pontos de vista. Caderno cado de trabalho. RANGEL, Egon et al. Pontos
do professor: orientação para produção de tex- de vista. Caderno do professor: orientação para
tos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 103. produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010,
p. 103.
• Argumento por exemplificação: neste caso,
utiliza-se de exemplos representativos da posição • Argumento da competência linguística: trata-
defendida, os quais justificam essa posição e, assim, -se da utilização da variedade linguística adequada
acabam por convencer o interlocutor. na organização, por exemplo, de um discurso, con-
siderando que esta pode convencer o interlocutor
Exemplo: de que o argumentador tem credibilidade suficien-
Vejam os exemplos de muitas experiências te para defender a posição assumida. Quer dizer, é
positivas – Jundiaí (SP), Campinas (SP), São preciso utilizar um tipo de linguagem que diga para
Caetano do Sul (SP), Campina Grande (PB) etc. o ouvinte ou leitor que o autor do texto (oral ou escri-
– sistematicamente ignoradas pela grande im- to) é competente, sabe o que diz, merece credibili-
prensa. Tantos exemplos levam a acreditar que dade. E aqui é importante ressaltar que a variedade
existe uma tendência predominante na grande a ser utilizada deve ser a que pode convencer a au-
imprensa do Brasil de só noticiar fatos negativos. diência específica daquele texto, o leitor concreto
RANGEL, Egon et al. Pontos de vista. Caderno que se quer atingir.
do professor: orientação para produção de tex-
tos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 103. ARGUMENTAR POR ESCRITO: A ELABORAÇÃO DE
UM ARTIGO DE OPINIÃO
• Argumento de princípio ou baseado no con-
senso: neste tipo de argumento, a justificativa apre- Mas o que é mesmo necessário fazer para escre-
sentada para a posição defendida é um princípio, ver um artigo de opinião?
ou seja, uma crença pessoal – que pode ser tam- Com tudo o que foi discutido, é possível dizer que
bém do interlocutor – baseada em uma consta- elaborar um artigo de opinião requer, pelo menos,
tação (lógica, científica, ética, estética etc.) que que você realize as ações apresentadas a seguir:
é aceita como verdadeira e que tenha validade
universal. No processo de argumentação, ao utili- • Recupere o contexto de produção definido
zar esse tipo de argumento, relaciona-se o conjunto para o texto. Ou seja, retome as informações re-
de dados apresentados no princípio e, por meio da lativas a: para quem o texto será escrito; qual é
dedução, cria-se o efeito de comprovação da tese a finalidade do texto; onde o texto vai circular;
44 – por um processo dedutivo –, que pode conven- em que veículo será publicado; de que lugar
cer o interlocutor. É importante ressaltar que não se social você escreverá o texto.
trata de argumentos baseados em lugares-comuns,
carentes de base científica e de validade discutível. Você deve utilizar essas informações para orien-
tar a escrita do seu texto, selecionando os argumen-
Exemplo: tos mais adequados para convencer o interlocutor
A derrubada dos índices de mortalidade infan- previsto; escolhendo a linguagem que considerar
til exige tempo, trabalho coordenado e plane- mais indicada para esse interlocutor compreender
jamento. Ora, o índice de mortalidade infantil o que você vai dizer e também para convencê-lo
de São Caetano do Sul, em São Paulo, foi o que da sua posição; pensando na extensão mais apro-
mais caiu no país. Portanto, São Caetano do Sul priada para o texto, levando em conta o veículo
foi o município do Brasil que mais investiu tempo, em que será publicado; definindo o movimento ar-
trabalho coordenado e planejamento na área. gumentativo que você considerar mais adequado
RANGEL, Egon et al. Pontos de vista. Caderno do para suas intenções e para convencer o interlocu-
professor: orientação para produção de textos. tor; entre outros aspectos.
São Paulo: Cenpec, 2010, p. 103.
• Defina a questão controversa que você discuti-
• Argumento por causa e consequência (ou rá ao elaborar o artigo.
baseado no raciocínio lógico): neste caso, trata-se • Uma vez decidido qual será a questão polêmi-
de propiciar que a tese seja aceita por ser causa ou ca, estabeleça sua posição acerca dela. Para
consequência dos dados apresentados. tanto, faça uma pesquisa e levante artigos,
reportagens, fontes nas quais você possa se in-
Exemplo: formar sobre o assunto. Leia tudo e vá grifan-
Não existem políticas públicas que garantam do aspectos que podem ser considerados na
a entrada dos jovens no mercado de trabalho. discussão, argumentos que possam sustentar as
Assim, boa parte dos recém-formados numa diferentes posições a serem apresentadas em
universidade está desempregada ou subem- seu texto, dados que pareçam interessantes ao
pregada. O desemprego e o subemprego são seu leitor, entre outros aspectos.
uma consequência necessária das dificuldades • Depois de ler e de grifar, organize um quadro
que os jovens encontram de ingressar no mer- com duas colunas: uma para listar os argumen-
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

tos a favor da posição que você vai defender Isso tira a atenção, desfocando-a da compre-
no artigo e outra para os argumentos contrários ensão da posição defendida e da respectiva
a essa posição. O quadro poderá auxiliar na se- adequação dos argumentos em relação a ela;
leção dos argumentos para a defesa da posi- – depois de reler cada trecho, revise-os, utilizan-
ção que escolher posteriormente, inclusive con- do articuladores que representem com clareza
siderando as possibilidades de convencimento as relações que você quer estabelecer entre os
de seus interlocutores. diferentes trechos:
• Utilizando o quadro, selecione – entre todos os
argumentos que encontrou – aqueles que você Verifique as possibilidades de interpretações
acredita que possam ter maior impacto sobre equivocadas do enunciado e reescreva os trechos,
seu interlocutor, tanto para defender a sua po- caso seja necessário;
sição quanto para atacar a contrária à sua,
derrubando-a. – ao selecionar adjetivos para qualificar o leitor,
• Escolha um argumento utilizado pelos opositores os veículos ou a si mesmo, considere o que acredita
da sua posição que você considera importan- ser adequado para convencer seus interlocutores.
te rebater, aquele bastante utilizado por quem Efeitos de muita erudição, de muita técnica, de mui-
defende o contrário: quando for escrever, você ta teoria ou de muita especialização podem não
vai trazê-lo para dentro do seu texto, admitir funcionar como desejado. Às vezes, um recurso que
que pode ser importante e que até existe algo apele para o emocional pode ser mais adequado
bom nele, mas vai contestá-lo definitivamente. ao leitor definido;
• Selecione também os argumentos contrários – infográficos (gráficos com imagens e esque-
que você criticará no texto, refutando a posi- mas, por exemplo) e gráficos (com dados quanti-
ção de seu opositor. tativos) podem ser recursos interessantes para apre-
• Elabore um plano para seu texto, definindo e sentar dados, mas devem ser adequadamente arti-
organizando: culados ao texto;
– dependendo do veículo e do local de circula-
– a maneira como você contextualizará a ques- ção, imagens também podem ser um recurso inte-
tão controversa que vai discutir; ressante no processo argumentativo;
– o movimento argumentativo que considera – indique todas as fontes dos dados que forem
mais adequado tanto para o seu estilo pessoal de apresentados – e procure fontes que tenham credi-
escrever quanto para o convencimento do seu in- bilidade e relevância na área a que a questão con-
terlocutor; troversa se refere. 45
– os argumentos por ordem de força de conven-
cimento e se serão apresentados na ordem cres- Depois de terminar o artigo, releia-o por inteiro e
cente ou não; faça uma revisão final, orientando-se por três aspec-
– a ordem em que você apresentará sua posi- tos: o ajuste do texto ao contexto de produção; se
ção: se logo no início do texto ou se depois, mais está adequado à defesa da posição assumida; se
para o final; está de acordo com as possibilidades de convenci-
– o registro linguístico – a linguagem – que utiliza- mento do interlocutor.
rá em função do leitor, do veículo (revista ou jornal,
impressos, eletrônicos, televisivos ou radiofônicos) e 1. O contexto de produção e a questão contro-
do espaço em que o texto circulará (jornalismo); versa: definindo o caminho
– o modo como terminará o texto;
– um título que seja representativo da questão Uma vez tendo recuperado o que é preciso fa-
polêmica em discussão e/ou da posição que será zer para escrever seu artigo, defina, parte a parte,
defendida no texto; um título que possa interessar ao os aspectos específicos do processo. Comece pela
interlocutor, seduzindo-o para a leitura; definição da questão controversa – ou questão po-
– as estratégias argumentativas que utilizará e os lêmica – a que o texto deverá responder.
recursos textuais a serem empregados (apresenta- Toda a Unidade anterior foi destinada à análise
ção de exemplos, do cotidiano ou não; utilização de textos sobre o tema da pesquisa Tolerância social
de paralelismos – e de que tipo, entre outros). à violência contra as mulheres, realizada pelo Ipea.
Nesse estudo foram considerados os seguintes as-
pectos: o estudo do conteúdo da pesquisa – o que
• Redija seu texto tomando os seguintes cuida- compreendem os brasileiros sobre a violência con-
dos: – use como referência o contexto de pro- tra as mulheres; o fato de o Ipea ter cometido um
dução definido e o plano elaborado para o erro no processo de divulgação dos dados, o que
seu texto, consultando-os durante a redação; colocou em cheque a confiabilidade do brasileiro
– após escrever cada trecho, releia-os, procu- nas pesquisas em geral.
rando deixá-los o mais claro possível para o in- A proposta é que você conserve a mesma te-
terlocutor: evite períodos muito longos e muitas mática. Considerando isso, defina a questão polê-
intercalações, pois colocam a atenção do lei- mica que você gostaria de discutir. São sugeridas as
tor na necessidade de reler para compreender. seguintes:
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

• A pesquisa realizada pelo Ipea representa, de


fato, a posição do brasileiro sobre a violência
contra as mulheres?
• O que diz o seu cotidiano: O brasileiro realmen-
te culpabiliza as mulheres pela violência que
elas sofrem?
• A sociedade brasileira tolera a violência contra
as mulheres? Você pode, é claro, pensar em
outras alternativas. Mas lembre-se: a questão
que você debaterá não corresponde, neces-
sariamente, ao título do seu artigo.

Uma vez definida a questão controversa, espe-


cifique as características do contexto de produção
do seu texto. Você escreverá um artigo de opinião
que discutirá a questão controversa escolhida. Ele
será publicado no jornal Folha de S. Paulo, na seção
Tendências e Debates. Evidentemente, esse é um
contexto simulado, e não real. Mas é a partir dele,
considerando suas características, que você orien-
tará seu texto.
Assim, dê uma olhada no jornal Folha de S. Pau-
lo e conheça a seção indicada. Trata-se de um es-
paço em que são apresentados dois artigos sobre o
mesmo tema, um defendendo uma posição favorá-
vel à questão proposta e outro, uma posição con-
trária. Para tanto, são convidados especialistas de
áreas que tenham afinidades com o conteúdo da
discussão e cuja história indique que têm afinidades
com a posição sugerida do artigo.
A ideia da seção parece ser oferecer ao leitor,
46 de maneira ágil, acesso a opiniões divergentes so-
bre um mesmo assunto. Sobre os resultados da pes-
quisa do Ipea, o jornal Folha de S. Paulo publicou, no
dia 5 de abril de 2014, os textos a seguir. Leia-os, pois
assim você já vai ampliando seu repertório.

2. Ampliação de informações sobre o tema

Uma vez tendo definido a questão controversa


e o contexto de produção, você precisará ampliar
seu repertório sobre o assunto, pois isso o ajudará a
definir uma posição sobre ele ou a consolidar uma
que já possua.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Dessa forma, coloque em um buscador na in-


ternet as indicações do tema – como Pesquisa Ipea
violência contra a mulher – e leia sobre o assunto.
Consulte sites das revistas eletrônicas CartaCapital,
Istoé, Época, Problemas Brasileiros, Veja, por exem-
plo, e de jornais como O Globo, O Estado de S. Pau-
lo, Folha de S. Paulo.
À medida que for lendo, vá marcando nos dife-
rentes textos argumentos que poderão ser utilizados
para defender uma ou outra posição. Quando você O texto a seguir, de Matheus Pichonelli, apresen-
for planejar o texto, ter um repertório de argumentos ta uma discussão muito interessante a respeito da
certamente facilitará o seu trabalho. forma de pensar do brasileiro, analisando a questão
Além disso, observe e anote a maneira como os da violência contra as mulheres desde a época da
textos foram escritos, exemplos que foram apresen- ditadura. O autor indica os prejuízos que ter vivido
tados, comparações realizadas que você possa em- sob um regime como esse – de cerceamento de li-
pregar. Você poderá utilizar essas anotações quan- berdades, de proibições, de violência real e simbóli-
do for organizar o plano do seu texto. ca – por tanto tempo podem ter acarretado para o
Além dos textos já lidos, os materiais que seguem brasileiro. Relaciona esse raciocínio com o modo de
podem contribuir para a ampliação do seu inventá- pensar machista e sexista confirmado na pesquisa,
rio, para sua coleção de textos. apresentando um posicionamento extremamente
O artigo a seguir apresenta dados mais comple- crítico sobre a questão, singular e bastante susten-
tos e detalhados a respeito da amostra e da meto- tado.
dologia da pesquisa realizada pelo Ipea. Pode am-
pliar suas informações sobre esse aspecto e fornecer
a você dados mais abrangentes para utilizar no pro-
cesso de argumentação do seu artigo.

47
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

O texto a seguir, elaborado por Drauzio Varella,


médico conceituado, reconhecido e popular, trata
as questões indicadas pela pesquisa do Ipea a partir
da perspectiva de homem e de médico, apresen-
tando uma posição bastante clara, direta e simples
sobre o assunto. #FicaDica
Lembretes fundamentais para o seu
plano de trabalho: Organize uma pas-
ta com os textos que você ler. Ao ler os
textos, anote o que considerar impor-
tante para colocar no seu artigo poste-
riormente; grife partes que contenham
argumentos interessantes para serem
utilizados por você; assinale também
modos de escrever que o encantaram,
pois você poderá replicá-los ao produzir
o seu artigo.

3. Elaborando um plano para o próprio artigo

48 Elaborar um plano para seu artigo significa pla-


nejar o modo como ele vai ser organizado, indican-
do, parte a parte, o que você incluirá e em que or-
dem. Significa organizar um “esqueleto” para o seu
texto. Um “esqueleto” que será preenchido quando
você escrever o texto, quando, de fato, redigi-lo.
Acima, foi feito o processo contrário: você ela-
borou um “esqueleto” dos textos depois de produ-
zidos. Isso foi feito tanto com o artigo Mulheres: de
vítimas a algozes, o que a mídia tem a ver com isso?,
de Mariana Martins, quanto com o artigo As sinceras
mentiras das pesquisas, de Pedro Burgos. Confira os
quadros Mulheres: de vítimas a algozes, o que a mí-
dia tem a ver com isso? – Esquema geral da progres-
são das ideias no texto e As mentiras sinceras das
pesquisas – Organização interna do texto. Retome
também o esquema da orientação argumentativa
do texto de Pedro Burgos, que consta do subtópico
Orientação argumentativa do texto.
Suponha que a questão controversa que você
escolheu seja a seguinte: Por que a divulgação da
pesquisa do Ipea incomodou tanto: por causa do
erro do Instituto ou do modo de pensar do brasileiro?
Considere também que sua posição seja a seguinte:
por causa de ambos, mas diante dos resultados, o
mais relevante é o modo de o brasileiro pensar sobre
a questão em foco. A partir disso, observe o exem-
plo abaixo:
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Como você vê, basta colocar no papel o que


você está pensando em fazer quando for redigir o
seu texto. Não se trata de redigi-lo nesse momento,
mas de pensar em dois aspectos fundamentais: o
que você vai dizer no seu texto (conteúdo, assunto,
tema), incluindo a direção da sua argumentação, e
o modo como gostaria de redigi-lo.
Considere o plano geral que você acabou de
ler como as anotações daquele suposto estudante.
Você não precisa concordar com elas nem segui-las
para elaborar seu texto. Deve analisá-las criticamen-
te, identificando aspectos que nunca trataria, posi-
ções que não assumiria. Esse é apenas um exemplo
de plano de texto para você ver como é e de que
modo é possível fazê-lo. Deu para perceber que são
apenas as intenções do autor? Não é o texto, ain-
da, apenas as intenções que ele possui. Depois des-
se plano é que o autor vai redigir o texto. O plano é
quase uma lista-lembrete para que o escritor não se
perca na hora de redigir.
Se, por um lado, esse plano deve ser considera-
do um orientador da escrita, por outro, não pode ser 49
compreendido como fixo e imutável. Ao contrário,
esse plano pode mudar a qualquer hora que o es-
critor quiser, pois é ele quem decide como e o que
escreverá.

4. A textualização (escrita) do próprio artigo

Uma vez elaborado o plano geral do seu texto,


você deve, finalmente, redigi-lo. Para tanto, é fun-
damental que recupere o contexto de produção
definido, as anotações sobre os argumentos e re-
cursos textuais que você organizou quando leu os
textos sobre o assunto e o plano geral que elaborou.
Além disso, recupere o tópico que apresenta os
tipos de argumento que podem ser empregados
no texto, para não se esquecer das possibilidades
que você tem. Os exemplos apresentados podem
ser referência de como redigir o texto incluindo os
argumentos.
Coloque esse material a seu lado para que pos-
sa recorrer a ele a qualquer momento que necessi-
tar, e comece a escrever.
Não pense que você, logo de cara, escreverá a
versão final do seu artigo. Ao contrário, considere a
primeira versão como um rascunho.
Depois que terminar, volte ao texto, releia-o e
altere o que achar necessário. Essa será a primeira
versão do seu texto.
Antes de você começar a redigir, leia as orien-
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

tações a seguir. Elas podem ajudá-lo nesse processo dos alguns recursos que você pode utilizar. Analise-
de escrita. -os, veja se combinam com a maneira de escrever
que você aprecia e escolha aqueles que considerar
5. Algumas estratégias argumentativas que po- mais condizentes com seu estilo. São eles:
dem ser utilizadas
• Começar o texto apresentando várias pergun-
Há várias estratégias que podem ser utilizadas tas a respeito do assunto, as quais terão a fun-
na organização do seu texto para que você con- ção tanto de organizar o contexto da questão
siga convencer seus interlocutores da posição que controversa a ser discutida quanto de estruturar
defende. A seguir são indicadas algumas possibilida- a apresentação de argumentos.
des. • Para contextualizar o problema, contar um
caso que seja representativo do cotidiano do
• Qualificar-se diante do leitor como alguém de interlocutor e que se relacione com a questão
credibilidade para defender seu ponto de vista. polêmica.
Exemplo: • Se for coerente com a questão em discussão,
Eu, como professor de uma escola pública; Eu, organizar acontecimentos em uma linha do
como estudante que trabalha; Mulher que sou, que tempo sintetizando a evolução do problema a
tem jornada tripla de trabalho. que se refere.
• Citar veículos de comunicação que tenham
• Identificar-se com o interlocutor, aproximando- credibilidade aos olhos do interlocutor quando
-se dele para criar uma proximidade e provo- se referir à posição defendida no texto.
car uma identificação dele com a sua posição. • Anunciar o modo como vai organizar o texto.
Exemplo: • Colocar uma frase de efeito para encerrar o
Estudantes trabalhadores como nós; Mulheres texto – ou para iniciá-lo.
que somos, que trabalhamos fora, cuidamos dos fi-
lhos e da casa... sabemos bem como essas coisas 7. Recursos linguísticos fundamentais dos arti-
funcionam. gos de opinião

• Qualificar o leitor, valorizando-o, criando uma Quando você redigir seu texto, atente-se aos se-
imagem favorável daquele que o texto deseja guintes aspectos:
convencer: sentindo-se reconhecido, respeita-
do, amplia-se a possibilidade de o interlocutor • Procure organizá-lo na 3a pessoa do singular
50
aproximar-se do texto – e, assim, da posição (ele ou ela) ou 1a do plural (nós): A pesquisa
nele defendida. do Ipea (ela); O Ipea ao divulgar os resultados
Exemplo: (ele); Acreditamos que esse modo de pensar
Tenho certeza de que você, como brasileiro res- (nós).
ponsável, trabalhador, acostumado a sustentar-se • Procure não ser muito imperativo. Use expres-
na esperança de que essa situação vai se modificar sões como é possível que; é provável que;
é capaz de compreender a necessidade de rever- parece que; talvez; não necessariamente, por
mos esse tipo de comportamento, tão desrespeito- exemplo.
so. • Você vai empregar muitos verbos que expres-
sam opinião como O Ipea acredita que; Julga-
• Distanciar o leitor do opositor da ideia que você mos adequado esclarecer que; entre outros. O
vai defender no texto, criando uma imagem bom é você estar preparado para diversificar.
desfavorável dele: essa estratégia acaba por • Os artigos de opinião são, em geral, redigidos
aproximar o leitor do argumentador, o que o utilizando-se os seguintes tempos verbais:
avizinha também da posição defendida no
texto. – Presente do indicativo (ou do subjuntivo) na
Exemplo: apresentação de argumentos e contra-argumen-
Um brasileiro como você, que trabalha de dia e tos: comecemos por apresentar; como sempre
estuda à noite, que se sacrifica para ter condições acontece; É correto afirmar que; é preciso ter claro
razoáveis de vida, não poderia aliar-se ao tipo de que; podemos afirmar que.
pessoa que só tem a si próprio em perspectiva, igno- – Pretérito perfeito e mais-que-perfeito, na apre-
rando aqueles com quem convive. sentação de dados, em relatos para retomada de
histórico da questão, por exemplo: nas pesquisas
6. Alguns recursos textuais que podem ser em- realizadas foram encontrados os seguintes resulta-
pregados dos; a metodologia adotada na pesquisa foi falha;
a ideia que fora apresentada não atendia ao que
Os modos de redigir um texto são tão variados era suficiente para convencê-los na ocasião.
quanto os estilos de cada escritor. Ler esses textos e
prestar atenção nesses modos de escrever pode lhe • Para estabelecer as conexões entre os diferen-
oferecer um bom repertório. A seguir são apresenta-
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

tes segmentos do seu artigo, você precisará uti- F2: – Ali logo fica ah ela. Direita à virar só é, sina-
lizar os articuladores textuais. Fique atento para leiro vida até toda seguir, você de direita à vira novo
selecionar o articulador adequado ao tipo de de. Você daí rua na vai já.
relação que você quer estabelecer entre as Foi possível entender o diálogo? Você conseguiu
partes do texto. No quadro a seguir foram sele- identificar o que o F1 lhe falou? E a resposta dada?
cionados alguns deles, indicando em que oca- Você conhece, como falante da língua portuguesa,
sião podem ser empregados na escrita de um essa organização de frase? Na vida real, você fala-
artigo de opinião. ria assim com um amigo ou algum conhecido falaria
assim com você?
Veja agora:
F1: – Por favor, você poderia me informar onde
fica a rua João Lisboa Guimarães?
F2: – Ah, fica logo ali. É só virar à direita, seguir
toda vida até a sinaleira; depois você vira à direita
de novo.
Daí, você já vai estar na rua. No segundo diálo-
go, dá para saber qual a mensagem que se deseja
passar ou receber? Podemos perceber que há nele
uma conversa entre duas pessoas, por isso pode ser
considerado um diálogo. A primeira pessoa pergun-
ta onde fica a rua João Lisboa Guimarães. O que
ela quer é uma informação. A segunda pessoa res-
ponde que a rua fica perto de onde supostamente
os dois falantes se encontram.
Em seguida, começa a explicar o que é preciso
fazer para chegar até lá. Tudo isso nós entendemos
porque F1 e F2 seguem uma ordem em sua fala. Essa
ordem natural de organização da fala permite que
um compreenda o que o outro diz, estabelecendo
a comunicação.
É importante perceber que essa ordem ou or-
Agora, mãos à obra! Escreva seu texto! Mas vá ganização nada mais é do que uma gramática
internalizada: um conjunto de regras que todo fa- 51
devagar e com paciência. Escrever é um exercício
e, como tal, requer esforço e persistência. lante de uma língua tem interiorizado, desde muito
pequeno, a partir de suas experiências, envolvendo
8. O processo de revisão do texto palavras articuladas como meio de comunicação.
Essa interiorização, a princípio, é inconsciente;
Você deve se lembrar de que a atividade de es- quer dizer, vai se desenvolvendo sem que a criança
crita é um exercício e, como tal, requer persistência. se dê conta.
Isso significa que: é preciso escrever, reler uma vez Você já viu, por exemplo, algum adulto explicar
e identificar o que pode ser melhorado, reescrever regras gramaticais para uma criança a fim de que
considerando essa análise e rever de novo, proce- ela aprenda a falar e tenha consciência desse pro-
dendo da mesma maneira até que o texto possa ser cesso? Nem precisa.
considerado adequado para cumprir sua finalida- No contato diário com os falantes que a cercam
de, que é convencer os interlocutores definidos. (os pais, os familiares, os vizinhos), a criança vai per-
Em outras palavras, o texto é provisório até que cebendo a organização da língua e vai aprenden-
se conclua a última revisão. do a construir suas falas. Por isso, nem mesmo uma
criança que esteja engatinhando pelo mundo das
DAS PALAVRAS AO CONTEXTO palavras construiria uma frase como as do primeiro
diálogo.
1. O que sabem os falantes

Você já parou para pensar por que, quando


deparamos com um amontoado de palavras que
desrespeitam a organização natural da língua, fica-
mos completamente confusos e temos a tendência
de rejeitar o que é falado? Imagine-se na situação VARIEDADES: JEITOS E FALAS DIFERENTES
abaixo. Se alguém (falante 1 – F1) perguntasse para
você (falante 2 – F2): A aparência externa do corpo humano, na sua
F1: – Me onde você por favor João Lisboa pode- opinião, estabelece a diferença (variedade) física
ria Guimarães fica rua a informar? Você daria uma entre um ser e outro? Acreditamos que sim.
resposta como a que segue? Um ser é mais baixo, outro mais alto; um tem
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

olhos grandes, o outro, pequenos. Enfim, existem conhecido como macaxeira em alguns estados
muitas variedades para infinitos corpos, contendo brasileiros, será conhecido como aipim e mandioca
uma mesma organização interna (todos têm cora- em outros.
ção, rim, sangue, veias etc., distribuídos de um mes-
mo modo).
Na língua portuguesa, encontramos algo pare- A LÍNGUA VAI À ESCOLA
cido com isso. Dependendo do lugar onde vive, da
classe social à qual pertença, do nível de escolarida- Se você reparou no subtítulo, deve ter estranha-
de que tenha atingido, de sua família, de sua idade, do algo. O quê? A língua vai à escola?! Mas não são
de seu grupo de amigos, você dará uma aparência os alunos que vão à escola para aprenderem, entre
diferente à sua fala. Ou seja, usará a língua de um outras coisas, a língua materna? O que você acha?
jeito próprio para se comunicar com os outros. Estamos vendo, desde o início deste capítulo, que: a
língua portuguesa possui muitas variedades e todos
os falantes dessa língua já conhecem pelo menos
uma dessas variedades antes de entrarem na esco-
la. Isso quer dizer que, quando você vai à escola,
leva consigo a língua que conhece e, consequente-
mente, a organização dessa língua, sua gramática.
Na região onde você mora, há um jeito próprio O que acontece, porém, é que, na escola, en-
de se falar (há sotaque, há palavras e expressões contra uma outra variedade da língua – a chama-
próprias da região)? da culta padrão – privilegiada e escolhida como
Pense na situação que segue para entender modelo para várias situações de fala e escrita (por
melhor essa questão do jeito. exemplo, atividades científicas, literatura, documen-
Há alguns programas de rádio que são transmi- tos, meios de comunicação como jornais, revistas,
tidos em quase todas as regiões do Brasil (às vezes, televisão).
em todas). Num desses programas, você ouve uma É importante dizer que o privilégio de uma varie-
cozinheira dando a seguinte receita de bolo: dade linguística em lugar de outras se deve sempre
a razões históricas, sociais, culturais e, principalmen-
Bolo de Macaxeira te, econômicas. Isso pode gerar basicamente duas
consequências:
Ingredientes: 1 ½ xícara de macaxeira cozida e
moída no liquidificador; 3 colheres de sopa de mar- - O estudo dessa variedade culta pode levá-lo
52 garina ou manteiga; 2 ovos;1 ½ xícara de açúcar; a entender melhor os mecanismos da língua, suas
6 colheres de sopa de leite de coco; ½ xícara de regras, sua ordem. E esse entendimento permite que
farinha de trigo;1 ½ colher de chá de fermento em você escolha como usar a língua nas mais diferentes
pó; 100g de coco ralado. situações comunicativas. Nesse caso, aprender no-
vas regras e normas é aprender novas possibilidades
Modo de Preparo: Coloque a macaxeira, a de uso da língua.
manteiga, os ovos, o açúcar e o leite de coco no - Esse estudo pode gerar também a ideia de
liquidificador e bata até obter uma massa cremosa que essa variedade, por ter sido escolhida como pa-
(se você não tiver liquidificador, pode bater a mas- drão, seja mais importante, que sua gramática seja
sa à mão). Junte a farinha de trigo, o fermento em a única correta e que, portanto, todas as outras va-
pó e o coco ralado, misturando tudo suavemente. riedades sejam erradas, inferiores a ela. Essa noção
Unte uma forma redonda com um pouco de man- da língua é indesejável, porque leva ao preconceito
teiga ou margarina e despeje a massa. Leve ao for- linguístico: o de que só sabe português quem faz uso
no (temperatura média) por aproximadamente 40 da variedade culta padrão.
minutos.
A ESCRITA E O MUNDO
Você anota a receita, mas, na hora de fazer o
bolo, há um pequeno problema: você não sabe o Você já ouviu falar em línguas ágrafa e gráfi-
que é macaxeira. E, sem esse conhecimento, fica ca? As chamadas línguas ágrafas são aquelas que
impossível realizar a tarefa satisfatoriamente. têm uma tradição exclusivamente oral. Ou seja, são
Para resolver o problema, você poderia recorrer apenas faladas, sem registros escritos. No mundo
a um dicionário, a uma enciclopédia, perguntar a todo, há centenas delas.
alguém que estivesse mais próximo. É bem prová- Nessas línguas, não há a noção de erros grama-
vel que descobrisse que macaxeira é um tubérculo ticais ou de uso inadequado de linguagem como
como a batata: rico em nutrientes; muito bom para nas línguas gráficas.
cozinhar, fazer farinha etc. A noção de erro vem da tradição escrita da lín-
O mais importante, no entanto, é perceber que, gua.
nessa situação, estamos diante de um fato da lín- Com base na observação da língua escrita, prin-
gua: a variedade linguística regional. De uma região cipalmente a literária, é que se passou a estabele-
para outra, os objetos, as pessoas, os alimentos po- cer as normas (mais conhecidas como regras) para
dem receber nomes diferentes. O mesmo alimento
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uso das formas e das construções, considerando-se entre os receptores de um texto. Ou seja, mesmo
errado tudo que não obedecesse a elas. que os interlocutores (quem escreve/ quem lê) uti-
Atualmente, prefere-se observar se o que se usa lizem, no seu dia-a-dia, variedades linguísticas dife-
está adequado (como veremos mais adiante). rentes da culta padrão, se forem alfabetizados, cer-
tamente terão condições de entender a mensagem
desse documento.

Diante da explicação acima, fica mais claro


perceber a que tradição nossa língua materna per- VARIEDADES E CONTEXTOS
tence? Certamente os temas que regem nossa vida
e sociedade são comandados por uma tradição Você já deve ter se dado conta de que há va-
gráfica. Tudo ao nosso redor tem registro escrito. riedades linguísticas também na escrita, ao se depa-
Você já reparou nisso? Se você vai ao médico rar, ao longo da vida, com textos diferentes.
porque está gripado, ele logo lhe dá um papel es- Por exemplo, o bilhete que escreveu para sua
crito: a receita do remédio mais adequado. É claro mãe, dizendo que chegaria mais tarde; o texto do
que ainda há remédios caseiros, passados de mãe jornal de seu bairro, falando sobre a construção de
para filha, oralmente. uma nova escola; a redação que fez para disputar
Mas receita do doutor é escrita. Na escola, você uma vaga num concurso; o contrato de compra/
aprende as normas da escrita, faz trabalhos, copia venda dos bois. Todos são textos diferentes: com
as lições, escreve textos. finalidades diferentes, escritos em contextos (situa-
No final de tudo isso, recebe seus certificados. ções) diferentes e, portanto, com linguagem dife-
Escritos, é lógico. Podemos afirmar, então, que a tra- rente.
dição de nossa língua portuguesa é gráfica, porque Observe os trechos da letra da música Bye, Bye,
nela impera a palavra escrita, que acompanha os Brasil, de Chico Buarque.
nossos passos cotidianos.
Pensemos na seguinte situação: Você é um si-
tiante e vende 50 cabeças de boi para um frigorífico
de sua cidade. Cada cabeça vale duzentos reais. 53
Sendo assim, o valor total da venda é dez mil reais. O
comprador propõe que o pagamento seja feito em
5 prestações de dois mil reais.
Você aceita a proposta, mas precisa se certifi-
car de que os pagamentos serão efetuados. Como
você poderia registrar essa venda e a forma de pa-
gamento, a fim de garantir o recebimento de todo o
dinheiro? Acreditar apenas na palavra do compra-
dor? Mas como provar que os bois foram entregues,
caso o comprador não pague a dívida?
Por conta dessa dúvida e de tantas outras, po-
demos dizer que a escrita surgiu como uma forma
de solução. Pondo por escrito o trato, ambos – você
e o comprador – poderiam ter a garantia de que
receberiam aquilo que lhes cabe.
De que forma, porém, vocês escreveriam isso?
Que variedade linguística vocês utilizariam? Pode-
riam escrever como falam? Vocês teriam que usar
uma variedade da língua portuguesa comum a am-
bos. Quer dizer, teriam que escrever o fato (compra/
venda do gado; valor da negociação/condições
de pagamento) de uma forma clara, possível de ser
lida por ambos e por qualquer pessoa que pegasse
esse texto. O ideal é que ele fosse escrito em uma lin- O que você consegue perceber desse texto?
guagem formal, padrão e, portanto, sem gírias, sem Como foi escrito? É possível dizer algo só lendo o
expressões coloquiais ou regionais. texto? Acreditamos que seja possível, sim. O texto,
Essa linguagem formal, por ser padrão (mode- escrito para ser cantado, apresenta uma lingua-
lo conhecido por todas as pessoas alfabetizadas), gem coloquial, descontraída: o compositor usa gí-
pode superar as possíveis diversidades (diferenças) rias (“pintou” uma chance “legal”/ um “lance” lá na
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capital). Há intimidade entre os interlocutores (quem


fala/quem ouve): na expressão “meu amor” e na
frase “eu tenho saudade da nossa canção”.
O que ele deseja com isso? Falar para o seu
amor como está se sentindo e o que está aconte- UM CASO DE PALAVRA
cendo com ele. É como se ele estivesse conversan-
do com esse amor, via telefone. Por isso, sua lingua- Sabe aquelas oficinas de automóvel, especia-
gem pode ser afetiva, sem as preocupações formais lizadas em reparos de motores, que recebem o
da variedade culta padrão da língua. O contexto nome de “Retífica”? Você já viu, onde mora, esse
da letra de música permite essa descontração. tipo de oficina? Retífica vem do verbo retificar, que
Quando há conhecimento das muitas varieda- significa corrigir.
des que a língua portuguesa apresenta, é possível No caso da oficina de automóveis, é o lugar in-
optar pela variedade que melhor se encaixe ao dicado para corrigir os problemas relacionados ao
contexto. Foi assim com o compositor. Ele, propo- motor. Imagine-se, a partir disso, na seguinte situa-
sitadamente, quis representar a comunicação, via ção: Você tem um carro com problemas. Com mui-
telefone, de um sujeito saudoso de casa e de seu to custo, leva-o até a retífica para ser consertado.
amor. O que ele parece ter percebido? Que ao ten- No final do dia, volta até lá e recebe um bilhete do
tar aproximar sua escrita da “fala ao telefone”, deu mecânico, que já havia saído:
mais realidade ao que queria contar.
Observe agora a situação
Um jovem vai a uma entrevista para uma vaga
de balconista em uma loja de roupas masculinas,
bastante tradicional em sua cidade. Essa loja cos-
tuma atender clientes economicamente abastados
(ou seja, com bastante dinheiro) e de meia idade
(homens com mais de 50 anos). O gerente pede
que ele escreva uma redação dizendo por que de- O mecânico retificou ou ratificou o erro do seu
seja o emprego, quais são suas qualidades para o carro? O que você acha? Você sabe o que ratificar
cargo e seus objetivos. quer dizer? Ratificar quer dizer confirmar.
“Tô precisando liberar adrenalina nesse trampo! Daí a confusão de sentido. Naturalmente, a jul-
Dá uma reciclada nas ideias. Tipo assim... Sei lá. Botá gar pelo contexto do bilhete, o mecânico quis dizer
um bando de coisas maneras no meu modo de que retificou o motor (ele disse que o consertou).
54 pensar. Aí, cê sabe o lance das influências cabeça? Mas empregou mal a palavra ratificar, que, por si só,
Fala sério. Tô super preparado pro cargo. Cê pode indicaria apenas a confirmação de que o carro ti-
me contratar no sossego que, tipo assim, esse cargo nha um problema.
tem tudo a ver comigo. Fala sério!” Na situação acima, o uso inadequado do ver-
O gerente lê o texto e diz que o jovem não serve bo ratificar não atrapalhou propriamente o enten-
para o cargo. dimento do bilhete, pois havia o contexto para ex-
O que há de estranho na situação acima? plicitar (tornar claro) o que o mecânico queria dizer.
Se observarmos bem a situação e a linguagem Essa mesma troca, porém, poderia causar grandes
utilizada no texto, poderemos entender qual a falha transtornos em outras situações. Imagine, por exem-
nessa comunicação. Você percebeu que a loja em plo, a seguinte notícia de um jornal televisivo:
questão é uma loja tradicional, que atende um pú-
blico que tem padrão econômico elevado e que,
provavelmente, deve falar de maneira mais formal,
próxima a uma variedade culta padrão da língua?
O que esse público e o gerente da loja esperam
de um novo funcionário é clareza na fala e formali-
dade para atendê-los.
Como o jovem se apresentou no texto?
“Descolado”: quer dizer, falou de uma maneira
totalmente coloquial, usando muitas gírias (expres-
sões próprias de um grupo específico), o que tornou
muito difícil entender o que realmente estava dizen-
do. Afinal, o que é “botar adrenalina nesse trampo”,
“lance das influências cabeça”? Como o jovem
deveria ter se expressado nesse contexto? Se você
estivesse no lugar dele, escreveria assim?
O problema da situação apresentada não é
exatamente escrever certo ou errado, mas se ade- Se você fosse um desses trabalhadores, como
quar a um determinado contexto, considerando o entenderia essa notícia? Veja que, pelo contexto, os
interlocutor (gerente) e a formalidade da situação. representantes da classe trabalhadora ainda esta-
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vam em negociação com a empresa e, portanto, te saber o nome do autor, o nome do livro, o ano de
ainda tinham esperança de reaver o emprego. sua publicação.
Mas a utilização do verbo ratificar derrubou Depois disso, o que você faria? Poderia continuar
qualquer expectativa boa de negociação. Como a ler o texto. Mas nada o impediria de simplesmente
não havia mais nada na notícia que pudesse con- pensar sobre o trecho lido. Por onde você começa-
textualizar mais claramente o uso desse verbo, as ria? Há várias maneiras de se começar a analisar um
demissões, segundo a notícia, foram confirmadas. texto. Nós podemos começar observando o diálogo
Como você ficaria depois disso? Se precisasse entre duas personagens: Pedro Bala e “ela”, a meni-
do emprego, certamente ficaria desolado, deses- na. Eles conversam sobre uma decisão tomada por
perançoso, triste. Vivenciaria, nesse momento, um ela (“tomar parte do que vocês fizer”).
grande problema: o desemprego. Pois bem. Só que, Mas, há mais coisas, além dessa decisão da
no dia seguinte, você recebe uma convocação menina, que o texto nos fala? O que, por exem-
para voltar a trabalhar, porque, na verdade, o que plo, você pode perceber ? Como as personagens
a empresa fez foi retificar as demissões. falam? O que essa fala pode sugerir? Onde você
Ou seja, ao fazer um balanço de seu caixa, ela acha que eles moram? Como eles parecem viver?
voltou atrás em sua decisão, readmitindo os 260 fun- Acreditamos que sejam pouco instruídas, pela ma-
cionários. Final feliz para você. Porém, nessa situa- neira como falam (“tu tá gozada”; “uns homão”,
ção, a troca do fonema /e/ pelo /a/ causou, mes- “uns menino”) e pobres, por aquilo que falam: vão
mo que momentaneamente, transtornos e sofrimen- para a rua “bater coisas” para conseguirem comi-
tos desnecessários. da. Nessa situação, o texto traz as marcas dessa po-
breza e desse abandono. O uso de uma variedade
linguística não padrão indica que as personagens
estão distantes do ambiente escolar.
O que falam também nos confirma essa hipóte-
se: eles estão nas ruas, “batendo” coisas para con-
seguirem comer e, consequentemente, sobreviver.
PARA ALÉM DO QUE É DITO Não sabemos se esse “bater coisas” quer dizer furtar
ou pedir.
Se você já esteve em uma biblioteca, logo vai De qualquer forma, são “uns menino” lutando
reconhecer essa imagem: um livro aberto numa pela própria vida, sobrevivendo sem a proteção do
página qualquer, sendo lido distraidamente por um adulto, sem a escola, sem a comida da mãe, sem
usuário. Imagine-se como esse usuário, passando os o direito de ser simplesmente “uns menino”. Embo-
olhos por muitos livros e deparando com o seguinte ra, em nenhum momento, o autor do texto nos fale 55
texto: explicitamente (claramente) quais as condições
No dia em que, vestida como um garoto, ela sociais, econômicas e culturais das personagens, é
apareceu na frente de Pedro Bala, o menino come- possível imaginar algumas coisas através do diálo-
çou a rir. Chegou a rolar no chão de tanto rir. Por fim, go que mantêm, de seu comportamento, de suas
conseguiu dizer: necessidades. Ou seja, é possível identificar carac-
terísticas da vida dessas personagens mesmo que
– Tu tá gozada... elas não nos digam com todas as palavras: “somos
Ela ficou triste e Pedro Bala parou de rir. pobres, vivemos na rua, não temos pais que cuidem
– Não tá direito que vocês me dê de comer de nós etc”.
todo dia. Pense um pouco mais sobre as marcas que um
Agora eu tomo parte no que vocês fizer. texto pode trazer. No trecho abaixo, temos uma si-
O assombro dele não teve limites. tuação do romance Vidas Secas, de Graciliano Ra-
– Tu quer dizer... Ela olhava calma, esperando mos.
que ele concluísse a frase. – ...que vai andar
com a gente pela rua, batendo coisas... Em horas de maluqueira Fabiano desejava im-
– Isso mesmo itá-lo: dizia palavras difíceis, truncando tudo, e
– sua voz estava cheia de resolução. convencia-se de que melhorava. Tolice. Via-se
– Tu endoidou... perfeitamente que um sujeito como ele não
– Não sei por quê. tinha nascido para falar certo.
- Tu não tá vendo que tu não pode? Que Seu Tomás da Bolandeira falava bem, estraga-
isso não é coisa pra menina? Isso é coisa pra va os olhos em cima de jornais e livros, mas não
homem. sabia mandar. Esquisitice um homem reme-
– Como se vocês fosse tudo uns homão. É tudo diado ser cortês. Até o povo censurava aque-
uns menino. las maneiras. Mas todos obedeciam a ele. Ah!
AMADO, Jorge. Capitães de areia. São Paulo: Quem disse que não obedeciam?
Círculo do Livro, [19--]. p. 169. RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 3. ed. São Paulo:
Martins, 1974.
Qual a primeira coisa que você faria depois des-
sa leitura descompromissada, solta? Seria interessan- O que o texto diz? O que podemos apreender
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de Fabiano; quer dizer, o que podemos saber dele?


Podemos entender que Fabiano, “em horas de ma- – Estou aqui, Tião, para cumprir a minha pro-
luqueira”, desejava imitar seu Tomás da Bandoleira. messa, trazendo-lhe duas notícias.
Mas por quê? Como Fabiano se sente? Fabiano – Então me fala. – O céu é uma maravilha,
acredita ser sujeito que não nasceu para falar “cer- um colosso, uma beleza. Tem futebol todo dia.
to”. Mas seu Tomás, sim. Segundo Fabiano, seu To- – E a outra?
más é homem letrado que “estragava os olhos” nos – A outra é que você está escalado para jo-
jornais e nos livros. gar no meu time amanhã cedo.
E, portanto, na visão de Fabiano, fala “certo”. DIAS, M. V. R. Humor na Marolândia.
Podemos subentender (pressupor) que Fabiano não
é homem letrado; quer dizer, homem que foi à esco- Esse texto pode ser analisado sob dois pontos
la, que estudou. Essa informação não está no texto, de vista que incluem situações diferentes de in-
mas é facilmente compreendida. É o falar certo de terlocução: a primeira, considerando seu produ-
seu Tomás que Fabiano deseja imitar? Parece que tor e seus potenciais leitores; e a segunda, consi-
sim. Mas não é só isso. Ele se surpreende com a ca- derando os interlocutores Francisco e Sebastião.
pacidade de seu Tomás de ser obedecido sem pre- Para cada uma dessas situações o produtor do
cisar mandar. Seu Tomás “não sabia mandar”. texto tem um objetivo específico que se deter-
Na verdade, Fabiano fica num misto de incredu- mina, não só pela situação, mas também pelo
lidade (atitude de quem não acredita) e admiração gênero textual. Os verbos que sintetizam os ob-
em relação à postura de seu Tomás. Como um “ho- jetivos do produtor nas duas situações propostas
mem remediado pode ser cortês”? são, respectivamente,
”Até o povo censurava aquelas maneiras”. Mas,
mesmo assim, as pessoas obedeciam a ele. Dessa a) entreter e seduzir.
incredulidade e admiração de Fabiano também b) divertir e informar.
podemos inferir (concluir) que a personagem não c) distrair e comover.
está acostumada a ver gente, como seu Tomás, ser d) recrear e assustar.
cortês, educado. Por isso, fica admirado com suas e) alegrar e intimidar.
boas maneiras e sua capacidade de, sem precisar Enem 2012 - Unidades Prisionais/Socioeducativas.
mandar, ver as pessoas obedecerem a ele.
O autor do texto não nos explicou claramente 02. A seguir, você lerá um trecho do livro
isso. Nós é que vamos completando o que ele disse, Grande sertão: Veredas, de Guimarães Rosa
caracterizando a personagem e dando um sentido (1908-1967), escritor que nasceu em Cordisbur-
56 maior para a história de Fabiano. Como se faz isso? go, Minas Gerais. Nesta passagem do livro, o
O que você acha? Podemos dizer que se faz conhe- personagem Riobaldo narra o nascimento de
cendo a língua materna, estudando suas nuances uma criança. Leia em voz alta o trecho, para ter
(diferenças discretas), suas variedades e, sobretudo, o prazer de pronunciar um texto escrito que re-
seu uso nos mais variados tipos de textos. produz a sonoridade da língua que é falada no
norte de Minas Gerais. Preste atenção na cons-
trução das frases, nos sentidos das palavras, na
riqueza do português brasileiro falado.

Grande sertão: Veredas


A língua materna é assunto que nunca se esgo- João Guimarães Rosa
ta. Tanto é que poderíamos passar infinitas horas es-
tudando suas matérias, falando suas palavras, lendo [...]
e escrevendo seus textos e, mesmo assim, não daría- Da mulher – que me chamaram: ela não
mos conta de tudo que ela pode nos proporcionar estava conseguindo botar seu filho no mundo.
na vida. E era noite de luar, essa mulher assistindo num
Porém, estudá-la, observá-la, compará-la conti- pobre rancho. Nem rancho, só um papirí à-toa.
nua sendo o melhor caminho para compreendê-la. Eu fui. Abri, destapei a porta – que era simples
encostada, pois que tinha porta; só não alem-
bro se era um couro de boi ou um tranço de
1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS buriti. Entrei no olho da casa, lua me esperou lá
fora. Mulher tão precisada: pobre que não te-
1. Aquele que morrer primeiro e for para o ria o com que para uma caixa-de-fósforo. E ali
céu deverá voltar à Terra para contar ao outro era um povoado só de papudos e pernósticos.
como é a vida lá no paraíso. Assim ficou combi- A mulher me viu, da esteira em que estava se
nado entre Francisco e Sebastião, amigos inse- jazendo, no pouco chão, olhos dela alumiaram
paráveis e apaixonados pelo futebol. Francisco de pavôres. Eu tirei da algibeira uma cédula de
teve morte súbita e, passado algum tempo, no dinheiro, e falei: – “Toma, filha de Cristo, senho-
meio da noite, sua alma apareceu ao colega: ra dona: compra um agasalho para esse que
– Nossa Senhora, Chico! Você veio mesmo! vai nascer defendido e são, e que deve de se
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chamar Riobaldo...” Digo ao senhor: e foi meni- e) Mário e Felipe são primos. Mário é extrema-
no nascendo. Com as lágrimas nos olhos, aque- mente vaidoso, pretensioso. Felipe é um rapaz
la mulher rebeijou minha mão... Alto eu disse, no calmo e muito simples. Os dois namoraram Te-
me despedir: – “Minha Senhora Dona: um meni- resa na mesma época. Teresa teve uma filha e
no nasceu – o mundo tornou a começar!...” – e entrou na justiça para exigir dos dois primos um
saí para as luas. [...] exame de DNA. O juiz disse que não era neces-
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: Veredas. Rio sário, pois entrou em vigor a lei que converte em
de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 467-468. © Nonada presunção de paternidade a recusa dos homens
Cultural Ltda. em fazer teste de DNA.
Universidade Federal do Paraná (UFPR), 2010. Dispo-
1. O trecho que acabou de ler é narrado em nível em: <http://www.nc.ufpr.br/
1a pessoa. A linguagem utilizada pelo narrador concursos_institucionais/ufpr/ps2010/provas1fase/
assemelha-se à de uma conversa? Justifique sua PS2010gabarito_geral.pdf>
resposta.
2. Guimarães Rosa – o autor do texto – traba- 04. Identifique a ordem em que os períodos
lhou em várias cidades do interior mineiro, sem- devem aparecer, para que constituam um tex-
pre demonstrando profundo interesse pela natu- to coeso e coerente. (Texto de Marcelo Marthe:
reza, pelos sertanejos e, principalmente, pela lin- Tatuagem com bobagem. Veja, 05 mar. 2008, p.
guagem do sertão. O trecho que você leu pode 86.)
comprovar essa afirmação? Por quê? I – Elas não são mais feitas em locais precá-
3. No trecho lido há várias frases que dão um rios, e sim em grandes estúdios onde há cuidado
tom poético ao texto. Escolha duas frases que, com a higiene.
para você, são escritas com toque poético. Jus- II – As técnicas se refinaram: há mais cores
tifique suas escolhas. disponíveis, os pigmentos são de melhor quali-
dade e ferramentas como o laser tornaram bem
03. Entrou em vigor a lei que converte em mais simples apagar uma tatuagem que já não
presunção de paternidade a recusa dos ho- se quer mais.
mens em fazer teste de DNA. Assinale a alternati- III – Vão longe, enfim, os tempos em que o
va cujo texto pode ser concluído coerentemen- conceito de tatuagem se resumia à velha ânco-
te com essa afirmação. ra de marinheiro.
IV – Nos últimos dez ou quinze anos, fazer
a) Sara Mendes deu início a um processo na uma tatuagem deixou de ser símbolo de rebel- 57
justiça, para que Tiago Costa assuma a paterni- dia – de um estilo de vida “marginal”.
dade de seu filho Cássio. Tiago não fez o exame
de DNA, mas assume como muito provável ser Assinale a alternativa que contém a sequên-
ele o pai do menino. Cássio alega que o exame cia correta, em que os períodos devem apare-
não é conclusivo, pois entrou em vigor a lei que cer.
converte em presunção de paternidade a recu-
sa dos homens em fazer teste de DNA. a) II – I – III – IV
b) Adriano é um rapaz muito presunçoso e b) IV – II – III – I
não admite que lhe cobrem nada. A namorada c) IV – I – II – III
lhe pediu um exame de DNA, para esclarecer a d) III – I – IV – II
paternidade de Amanda, sua filha. Adriano disse e) I – III – II – IV
que não faria o exame. A namorada disse que Universidade do Estado de Santa Catarina
toda essa presunção serviria para o juiz atestar a (UDESC), 2008.
paternidade, pois entrou em vigor a lei que con-
verte em presunção de paternidade a recusa 05. O emprego do elemento sublinhado
dos homens em fazer teste de DNA. compromete a coerência da frase:
c) Carlos de Almeida responde processo na
justiça por não querer reconhecer como seu o a) Cada época tem os adolescentes que
filho de Diana Santos, sua ex-namorada. Carlos merece, pois estes são influenciados pelos valo-
se recusou a fazer o exame de DNA, o que per- res socialmente dominantes.
mite ao juiz lavrar a sentença que o indica como b) Os jovens perderam a capacidade de so-
pai da criança, porque entrou em vigor a lei que nhar alto, por conseguinte alguns ainda resistem
converte em presunção de paternidade a recu- ao pragmatismo moderno.
sa dos homens em fazer teste de DNA. c) Nos tempos modernos, sonhar faz muita
d) Alessandro presume que Caio seja seu fi- falta ao adolescente, bem como alimentar a
lho. Sugeriu a Telma um exame de DNA. Telma confiança em sua própria capacidade criativa.
disse não ser necessário, pois entrou em vigor a d) A menos que se mudem alguns paradig-
lei que converte em presunção de paternidade mas culturais, as gerações seguintes serão tão
a recusa dos homens em fazer teste de DNA. conformistas quanto a atual.
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e) Há quem fique desanimado com os jovens de


hoje, porquanto parece faltar-lhes a capacida-
de de sonhar mais alto.
Fundação Carlos Chagas. Concurso Público para
Provimento dos Cargos de Analista Judiciário – Área Judi-
ciária. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, 2007.

06. Indique qual a ordem dos enunciados a 11. A partir das respostas apresentadas nas
seguir – direta ou inversa –, completando o qua- questões 1 e 2, explique que relação você identi-
dro de acordo com o exemplo. Se a oração es- fica entre a escolha de palavras e expressões do
tiver na ordem inversa, reordene-a no espaço texto para referir-se ao homem que estava na
indicado. estrada e a sua surpresa com o final do conto.

12. Além dessas expressões, que outros fato-


res você acredita que podem ter influenciado
a sua percepção? Concentre-se nos aspectos
contidos no texto. Explique.

13. Agora você vai utilizar a mesma estraté-


gia de Manoel Lobato (1925-) na produção de
um texto que provoque o mesmo efeito nos lei-
tores.

14. O trema (¨) foi retirado de algumas pala-


vras, selecione a opção incorreta.

a) frequente
07. Identifique a oração intercalada em b) lingüiça
cada enunciado e reorganize-o, colocando c) müller
essa oração em outra posição. Veja o exemplo. d) sequestro

58 15. Analise o texto:


Cultivar um estilo de vida saudável é extre-
mamente importante para diminuir o risco de
a) Suando em bicas, o pedreiro erguia as pa- infarto, mas também de problemas como mor-
redes com força, habilidade e esperança. te súbita e derrame. Significa que manter uma
b) Creio eu, tudo ficará bem depois do ocor- alimentação saudável e praticar atividade físi-
rido. ca regularmente já reduz, por si só, as chances
de desenvolver vários problemas. Além disso, é
08. Provavelmente, você deve ter ficado sur- importante para o controle da pressão arterial,
preso com o final do texto. Consegue identificar dos níveis de colesterol e de glicose no sangue.
o que foi que, no texto, o levou a se surpreender? Também ajuda a diminuir o estresse e aumentar
a capacidade física, fatores que, somados, re-
09. Para começar sua análise, grife todas as duzem as chances de infarto. Exercitar-se, nesses
palavras e expressões utilizadas no texto para re- casos, com acompanhamento médico e mode-
ferir-se ao homem que se encontrava na estra- ração, é altamente recomendável.
da, de acordo com os parágrafos indicados. Vá ATALIA, M. Nossa vida. Época. 23 mar. 2009.
registrando essas palavras nas colunas do qua-
dro a seguir. As ideias veiculadas no texto se organizam
estabelecendo relações que atuam na constru-
ção do sentido. A esse respeito, identifica-se, no
fragmento, que

a) a expressão “Além disso” marca uma se-


quenciação de ideias.
b) o conectivo “mas também” inicia oração
que exprime ideia de contraste.
10. Identifique, no quadro a seguir, as ima- c) o termo “como”, em “como morte súbita
gens que foram criadas sobre o cego a partir e derrame”, introduz uma generalização.
das palavras empregadas no texto. d) o termo “Também” exprime uma justifica-
tiva.
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e) o termo “fatores” retoma coesivamente DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS


“níveis de colesterol e de glicose no sangue”. RESULTADOS

16. Conforme estudamos na Unidade Sobre Confira aqui os seus resultados!


a coerência textual, é incorreto afirmar:
1. Alternativa correta: b.
a) A coerência é uma conformidade entre Como se trata de uma piada, o objetivo é
fatos ou ideias, própria daquilo que tem nexo, divertir ou alegrar o leitor ou ouvinte. Já conside-
conexão, portanto, podemos associá-la ao pro- rando os interlocutores Francisco e Sebastião, na
cesso de construção de sentidos do texto e à ar- conversa entre eles, Chico informa o outro sobre
ticulação das ideias. como é o céu e sua “escalação” para o jogo do
b) Por serem os sentidos elementos subjeti- dia seguinte.
vos, podemos dizer que a coerência não pode
ser delimitada, pois o leitor é o responsável pela 02.
constituição dos significados do texto. 1. É provável que você tenha respondido
c) A coerência é imaterial e não está na su- que sim, que o trecho tem características de
perfície textual. Compreender aquilo que está uma conversa. Você observou a frase: “Digo ao
escrito dependerá dos níveis de interação entre senhor: e foi o menino nascendo”? O narrador
o leitor, o autor e o texto. Por esse motivo, um dirige-se a um interlocutor a quem ele chama
mesmo texto pode apresentar múltiplas interpre- senhor. A conversa ocorre entre o narrador – um
tações. sertanejo simples – e um homem a quem ele
d) A não contradição, a não tautologia e o conta sua história.
princípio da relevância são elementos básicos 2. Você pode ter observado que Guimarães
que garantem a coerência textual. Rosa explora ao máximo a linguagem oral dos
e) A coerência textual dispensa o uso ade- sertanejos e também os recursos da língua es-
quado dos conectivos, elementos que apenas crita. Há marcas regionais nas palavras que são
colaboram para a estruturação do texto sem usadas, na recriação da fala do sertanejo do in-
apresentar relação direta com a semântica tex- terior de Minas Gerais. O uso de palavras como
tual. papirí, buriti, algibeira etc. é mais comum entre
os sertanejos mineiros.
17. Em sua opinião, houve falha da cozinhei- 3. Há várias passagens que poderiam com-
ra ou da produção do programa (das pessoas provar o toque poético do texto. Alguns exem- 59
que organizam o programa para que ele vá ao plos: “Entrei no olho da casa, lua me esperou lá
ar) ao dar a receita, levando em conta que ele fora” “‘um menino nasceu – o mundo tornou a
passa em quase todas as regiões do país? Por começar!...’ – e saí para as luas”. A sonoridade
quê? das palavras, seu arranjo conferem ao texto um
tom poético que ultrapassa os limites regionais.
18. Veja agora o poema Pronominais, de Os-
wald de Andrade: 03. Alternativa correta: c.
O primeiro passo para responder a essa per-
gunta é compreender o que diz a lei: de modo
simples, seria possível dizer que, se um suposto
pai se recusa a fazer o exame de DNA, é “auto-
maticamente” considerado pai. A alternativa a
não poderia ser a correta porque Cássio, filho de
Sara, ainda é uma criança, não tendo condições
de fazer tal afirmação. A incoerência apresenta-
da na alternativa b se dá pelo uso inadequado
da palavra presunção: a namorada compreen-
de que o namorado está sendo presunçoso,
quer dizer, pretensioso. O sentido da lei é outro:
“ação ou efeito de presumir”. Ainda, a alterna-
tiva d também mostra um erro de interpretação
Em sua opinião, o poema acima e o diálogo do texto da lei, pois Alessandro, por presumir que
Papos, de Luis Fernando Veríssimo, têm alguma o filho seja seu, quer fazer o teste de DNA para
coisa em comum? Sobre o que esses textos fa- confirmar. A mãe é que recusa. Finalmente, a al-
lam? Que ideias eles defendem? ternativa e tem incoerência porque, nesse caso,
os dois pais são suspeitos, e nenhum dos dois se
recusou a fazer HOR o teste de DNA, portanto, o
juiz não poderia fazer tal afirmação.
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04. Alternativa correta: c. 07. A resposta corresponde ao seguinte:


Portanto, a sequência é:
IV – Nos últimos dez ou quinze anos, fazer a) Suando em bicas, o pedreiro erguia as pa-
uma tatuagem deixou de ser símbolo de rebel- redes com força, habilidade e esperança.
dia – de um estilo de vida “marginal”. Possibilidades de reelaboração:
I – Elas não são mais feitas em locais precá- O pedreiro, suando em bicas, erguia as pare-
rios, e sim em grandes estúdios onde há cuida- des com força, habilidade e esperança.
do com a higiene. O pedreiro erguia as paredes com força, ha-
II – As técnicas se refinaram: há mais cores bilidade e esperança, suando em bicas.
disponíveis, os pigmentos são de melhor quali- b) Creio eu, tudo ficará bem depois do ocor-
dade e ferramentas como o laser tornaram bem rido.
mais simples apagar uma tatuagem que já não Possibilidades de reelaboração:
se quer mais. Tudo ficará bem, creio eu, depois do ocor-
III – Vão longe, enfim, os tempos em que o rido.
conceito de tatuagem se resumia à velha ânco- Tudo ficará bem depois do ocorrido, creio
ra de marinheiro. eu.
A primeira parte (IV) é assinalada pela expres-
são “Nos últimos dez ou quinze anos”, que é típica 08. Na leitura desse conto, o que costuma
de um início de parágrafo, situando em determi- surpreender o leitor é o fato de que ele não es-
nado tempo o que se pretende dizer a seguir. A pera que a pessoa atropelada seja um cego,
última, por sua vez, pode ser percebida pela ex- pois ele vai sendo conduzido a acreditar que é
pressão “enfim”, comumente utilizada em frases um assaltante que vai vitimar o Dr. Levi pela dé-
conclusivas e, nesse caso, justifica a sua posição. cima vez.
Como a segunda frase (I) é iniciada pelo prono-
me “elas”, percebe-se a referência às tatuagens, 09. O Quadro de expressões utilizadas ao
assunto introduzido na primeira frase (IV). A ter- longo do texto para referir-se ao homem na es-
ceira (II), por exclusão, acaba assumindo essa trada, apresentado no texto E como foi possível
posição, já que não poderia ser a primeira nem que o leitor se enganasse tanto?, corresponde à
a última, apresentando informações adicionais – resposta esperada nessa questão.
também não poderia ser a segunda frase, pois a
frase I se encaixou melhor nesse local. 10. O quadro Imagens do homem na estrada
60 criadas pelos grupos de palavras, apresentado
05. Alternativa correta: b. no texto E como foi possível que o leitor se enga-
A expressão “por conseguinte” estabelece nasse tanto?, corresponde à resposta esperada
entre o primeiro trecho da frase e o segundo nessa questão.
uma relação de consequência, o que é con-
traditório com a ideia do trecho: não é possível 11. O texto passou sete parágrafos referin-
que os jovens tenham perdido a capacidade de do-se ao homem na estrada como alguém que
sonhar porque estão resistindo ao pragmatismo. poderia – ou que iria – assaltar o médico. Apenas
O contrário é que seria mais adequado. Nesse no 10º e 11º parágrafos as referências são mais
caso, o articulador mais indicado seria embora. isentas, quer dizer, referem-se a ele tal como é.
Uma forma de corrigir esse período poderia ser Por isso, o leitor vai sendo induzido a acreditar
a seguinte: Os jovens perderam a capacidade que aquele homem é uma pessoa, quando, na
de sonhar alto, embora alguns ainda resistam ao verdade, é outra: daí a surpresa no final.
pragmatismo moderno.
12. Você também pode dizer que colabora-
06. A resposta da questão corresponde ao ram para a criação dessa imagem negativa do
que consta do quadro a seguir personagem a imagem de seu antagonista, um
médico (com compromisso de zelar pelo bem
da pessoa, de salvar vidas), que atendia a As-
sociação de Deficientes Visuais em uma favela
(compromissado com os menos favorecidos),
que já havia sido assaltado nove vezes, e que
tem que fazer alguma coisa para isso acabar.
Além disso, há a imagem do morador da favela,
que pode ser preconceituosamente visto como
marginal e mau-caráter.

13. Esta atividade requeria que você re-


tomasse o texto de Manoel Lobato e o estudo
realizado, considerando todas as orientações
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go está contando para você de uma viagem que


dadas. Um momento importante é o da leitura fez nas férias. Em meio ao relato, de repente, ele diz
que outra pessoa fará de seu texto: é ela que lhe a frase: “e, quando entramos na estrada, tinha uma
dará pistas a respeito do efeito que o texto pro- pedra no meio do caminho”. As circunstâncias em
duziu no leitor. A reação desse leitor será, portan- que a frase destacada foi dita permitem que você
to, a melhor avaliação do que você escreveu. a compreenda como uma informação.
Se o leitor não reagir com surpresa no final, você A pedra foi um obstáculo inesperado surgido em
já sabe: vai precisar rever o texto, ajustar alguns uma estrada, durante uma viagem. As palavras es-
elementos. Para tanto, converse com esse leitor colhidas por seu amigo para contar esse fato dão à
e veja quando foi que ele descobriu o final; qual frase um sentido específico, que pode ser compro-
foi o momento em que ele percebeu quem, de vado como uma realidade, como algo que aconte-
fato, eram os personagens. Essa indicação dará ceu e que foi vivenciado por quem conta a viagem.
a você as pistas certas para os ajustes necessá- Agora leia a mesma frase em outro texto, combi-
rios. nada com outros elementos:

14. Resposta correta:


Linguiça. Nomes próprios como Müller continua
com o trema, todos os outros perdem.

15. Alternativa “a”.


A expressão “Além disso” estabelece coesão,
dando sequência às ideias ditas anteriormente.

16. Alternativa “e”.


O uso adequado dos conectivos é um impor- O que mudou agora? A frase destacada pode
tante mecanismo de estruturação do texto, seja continuar sendo entendida apenas como uma in-
nos aspectos relacionados à semântica, seja nos formação? O texto agora abre outras possibilidades
aspectos relacionados à sintaxe. Um texto pode de leitura? Que leituras poderiam ser feitas? O fato
ser coerente sem conectivos, contudo, esses de a frase aparecer tantas vezes repetidas provoca
elementos garantem dois movimentos de leitura alguma sensação? Saber que a frase faz parte de
essenciais em uma redação: a retrospecção e a um poema intitulado No meio do caminho, escrito
prospecção. em 1930 pelo poeta Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987), muda algo? Essas são perguntas impor- 61
17. tantes que serão respondidas. Mas antes de conti-
Sugestão de resposta. Sim, pois, como a língua nuar essa conversa, leia o poema na íntegra:
materna apresenta muitas variedades, a produ-
ção do programa deveria ter se preocupado
em esclarecer que o ingrediente ‘macaxeira’
pode receber outros nomes, dependendo da
região onde o ouvinte se encontra.

18. Sugestão de resposta. Sim.


Ambos defendem a ideia de que a língua pode
apresentar variedades, com estruturas diferen-
tes. Se a gramática do professor, do aluno e da
personagem de Veríssimo acreditam ser correta
somente a forma “dê-me”, o bom negro, o bom
branco e a outra personagem de Veríssimo de-
fendem uma outra forma para dizer a mesma
coisa (‘Me dá’). Subentende-se que os auto-
res reconhecem essa segunda forma também
como perfeitamente correta.

A maneira como as frases estão distribuídas no


espaço do papel, o ritmo gerado pela repetição de
A BELEZA ESTÁ NOS OLHOS DE QUEM A algumas palavras e as múltiplas possibilidades de
VÊ: LITERATURA interpretação mostram uma utilização especial da
língua que falamos e escrevemos.
O poema é uma criação artística e, como tal,
TEXTOS LITERÁRIOS, TEXTOS NÃO LITERÁRIOS
é texto planejado para condensar muitos significa-
dos. A frase destacada é repetida tantas vezes que
Imagine a seguinte situação cotidiana: um ami-
surpreende e pode provocar uma sensação diferen-
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te em quem lê o texto. As frases já não reproduzem valorizadas, consideradas do mais alto nível, por isso
apenas uma realidade imediata, mas criam – pela continuam sendo estudadas nas escolas, nas univer-
repetição – uma novidade incomum de uma infor- sidades e, consequentemente, apreciadas por leito-
mação. res de todas as épocas. Há, portanto, muitos fatores
Pedra e caminho vão além de um obstáculo que que são considerados para determinar se um texto é
impede a passagem em uma estrada ou via. Pedra, literário ou não. Retomando ideias importantes.
no poema, pode significar decepções, frustrações,
pode ser interpretada como tudo o que nos atra- 1. A literariedade não está apenas no texto
palha na vida, tudo o que nos impede de realizar o
que almejamos. Caminho, por sua vez, pode signi- Um mesmo texto pode ganhar sentidos distintos
ficar percurso de vida. A seleção e a combinação de acordo com a maneira como a obra é recebida.
das palavras e o toque poético do texto de Carlos Os julgamentos que os leitores – especialistas, críti-
Drummond de Andrade criam outra realidade, mais cos, jornalistas, editores, estudantes etc. – fazem dos
profunda do que a realidade traduzida no discurso textos que leem têm muita relação com o que se
comum do amigo que conta a viagem. considera que é ou não literatura. Todo leitor é um
Em textos literários, é possível notar um uso artís- crítico. Mas o olhar crítico se aperfeiçoa com as prá-
tico da palavra que sugere grandes variedades de ticas de leitura.
interpretações. A linguagem – em sua mais ampla Os textos literários envolvem os gêneros da nar-
variedade – é utilizada em textos literários orais e es- rativa de ficção. Por ficção entende-se aquilo que
critos (em prosa e verso) para produzir os mais varia- está relacionado à invenção, à criação de mundos
dos efeitos de sentido nos leitores e nos ouvintes. Ao possíveis ou totalmente inusitados, à fantasia, ao
pensar sobre literatura, é preciso refletir sobre o texto imaginário. Nesse sentido, toda obra literária torna
literário. presente o universo da ficção: poemas, crônicas,
Uma frase pode ou não ser considerada literária biografias romanceadas, memórias literárias, textos
em função de um conjunto de fatores que passam da literatura infantil, contos, romances, novelas etc.
por quem a diz ou a escreve, pela maneira como é Na ficção, mesmo que um autor inclua em sua
falada, escrita e lida, pela intenção com que é dita obra fatos da vida real, o ato de registrar esses fa-
ou escrita. Um mesmo texto pode ganhar sentidos tos com as palavras faz deles uma criação ficcional,
distintos de acordo com as circunstâncias, com o mesmo que o leitor acredite ser verdadeiro o que
contexto em que é produzido. leu.
Assim, não somente a organização do texto,
mas também o emprego de certos recursos da lin- Prosa
62 guagem (que você aos poucos vai conhecer) con-
tribuem para que um texto seja considerado literá- A palavra prosa vem do latim e significa “discur-
rio. A literariedade de um texto é definida também so contínuo, seguido, em linha reta”. Na linguagem
por elementos externos, como o nome do autor, seu continuada da prosa, há parágrafos. Alguns gêne-
papel e lugar social, e o julgamento do leitor. Lei- ros que se apresentam para os leitores normalmente
tores, editores, críticos e estudiosos da literatura, ao em prosa são o conto, a novela e o romance.
opinarem sobre textos, acabam valorizando ou des-
valorizando determinados livros. Verso
É importante lembrar que os critérios para fun-
damentar a crítica mudam de época para época. Verso é cada linha de um poema. Essa palavra
Mudam tanto ao ponto de uma obra poder ser con- é derivada de versus, do verbo vertere, que signifi-
siderada trágica por uma geração e cômica pela ca “tornar, voltar”. Os versos têm o tamanho que o
geração seguinte. Em determinada época, alguns poeta desejar. Há inúmeros gêneros que são escritos
livros podem fazer muito sucesso e ser fenômeno em versos: sonetos, cordéis, baladas, alguns textos
de vendagem, mas na época seguinte serem igno- teatrais, fábulas em verso, cantigas, epopeias etc.
rados porque deixam de ser vistos como “grandes
obras”. Métrica
Outras podem continuar a ser importantes, às
vezes, mais por razões históricas do que literárias. Em língua portuguesa, a métrica ou a medida
Mas há também um conjunto de obras que espe- do verso é constituída pela contagem do número
cialistas e críticos consideram “clássicas”, por serem de sílabas e disposição dos acentos tônicos que for-
obras importantes que marcam a vida da socieda- mam o verso.
de de diferentes formas. São obras que costumam
ser várias vezes publicadas, lidas, relidas e analisa- DEFINIÇÕES DE LITERATURA
das por estudiosos da literatura e comentadas por
diferentes leitores. Muitas têm sido as tentativas de definir literatura,
Escritores como Machado de Assis, Manuel Ban- sem que se chegue a alguma definição definitiva.
deira, Clarice Lispector, João Guimarães Rosa, Cecí- Pode-se considerar literatura tudo aquilo que tenha
lia Meireles, Carlos Drummond de Andrade e tantos sido escrito, das histórias em quadrinhos aos manuais
outros autores produziram obras que são altamente que ensinam a montar um brinquedo ou colocar
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para funcionar uma máquina. Mas a palavra litera- contrar vários capítulos dedicados a ela, mas com o
tura pode ser usada em um sentido mais restrito. foco na historiografia literária. O que isso quer dizer?
Por exemplo, quando há uma referência aos Quer dizer que, ao estudar, nesses livros, a literatura
textos escritos em certo período histórico, costuma- brasileira, você vai verificar que o Brasil tem uma vas-
-se dizer literatura renascentista, literatura romântica; ta e variada literatura que aparece dividida em dois
ou, quando há uma referência a textos que foram grandes momentos históricos: o período colonial (de
escritos em um certo lugar, fala-se literatura brasilei- 1500 a 1822) e o período nacional (da Independên-
ra, literatura francesa. Num terceiro sentido, entre cia do Brasil até hoje). Esses dois momentos estão
outros possíveis, a palavra literatura está relacio- subdivididos em “escolas literárias”, com datas que
nada à expressão artística e ao mundo da ficção. indicam o início e o fim de cada uma. Cada escola
Literatura é uma das artes, a que é formada pelo literária é definida por um conjunto de característi-
conjunto de textos literários considerados artísticos, cas gerais que funcionam como referências para o
em sua modalidade oral, visual e escrita. estudo das obras. Para que você tenha uma ideia
de como essa divisão costuma ser proposta nos li-
vros didáticos, observe o quadro a seguir, com uma
O que pode a literatura? síntese (incompleta) de algumas escolas literárias ou
estilos de época:
Tzvetan Todorov é um importante teórico de
literatura da atualidade. Filósofo e linguista, nas-
ceu em Sófia, na Bulgária, em 1939. Leia um pe-
queno trecho de seu livro A literatura em perigo
e veja o que pensa esse autor sobre literatura:
“[...] A literatura pode muito. Ela pode nos es-
tender a mão quando estamos profundamente
deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos
outros seres humanos que nos cercam, nos fa-
zer compreender melhor o mundo e nos ajudar
a viver. Não que ela seja, antes de tudo, uma
técnica de cuidados para com a alma; porém,
revelação do mundo, ela pode também, em As escolas literárias do período nacional são:
seu percurso, nos transformar a cada um de nós Romantismo, Realismo/Naturalismo, Simbolismo, Mo-
a partir de dentro. [...]” (Todorov, 2010, p. 76). dernismo. Ao estudar os estilos de época e as esco-
O texto de Todorov fala da importância da las ou movimentos literários, conhecem-se os temas, 63
literatura e de seu papel vital em dizer às pes- os recursos da linguagem literária atribuídos às obras
soas o que são. As verdades dadas pela poesia de cada época e as interpretações da história da
e pela ficção fazem-nas compreender melhor o literatura.
mundo e ajudam-nas a viver. Mas o estudo de textos literários que parte de
TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. 3. ed. Rio
características prévias como as apresentadas no
de Janeiro: Difel, 2010.
quadro pode dar a impressão de que estudar litera-
tura é apenas memorizar nomes e características da
Na escola, a literatura – vista como uma das ar- época de cada escola literária. As produções artís-
tes – é objeto de estudo e, por conseguinte, os tex- ticas do século XVII, por exemplo, que hoje em dia
tos literários são lidos, discutidos, analisados, aprecia- são chamadas barrocas, não eram assim chama-
dos, julgados. Para estudar as obras consideradas das pelos poetas, pintores, escultores, músicos que
literárias pela escola e desenvolver a sensibilidade e as criaram.
agudeza crítica, é preciso ler e analisar os textos pro- Foi só no século XIX que os estudiosos e historia-
duzidos em diferentes contextos, percebendo o que dores construíram a ideia de que as obras criadas no
o texto diz (o conteúdo) e como ele diz (a maneira século XVII seguiam um padrão, com características
como está escrito). comuns, como: informalidade, irracionalismo, con-
Mas é importante frisar que, além do modo traste, deformação, excesso, exuberância.
como o texto está organizado, a sua linguagem, as No entanto, é importante você saber que, para
convenções e ideologias que “coloca em cena”, compreender a estrutura, a função e o valor históri-
há elementos externos que também conferem lite- co dos textos literários, as características genéricas,
rariedade aos textos: nome do autor, mercado edi- como as do quadro apresentado, são insuficientes.
torial, grupo cultural, critérios críticos em vigor. Por Cada obra literária é única e pode ter característi-
isso, pode-se afirmar que a literatura é um fenôme- cas formais e temas diferentes dos que são atribuí-
no cultural e histórico, que pode receber diferentes dos à escola literária a que pertence.
definições em épocas diversas e por vários grupos
sociais. COMO ABORDAR TEXTOS LITERÁRIOS?
Mas como a maioria dos livros didáticos de Lín-
gua Portuguesa direcionados a estudantes do Ensino 1. (Re)construindo sentidos
Médio enfoca a literatura? Nesses livros, você vai en-
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Textos são objetos simbólicos que pedem para


ser interpretados. Não é possível ler sem que ocorra
a interpretação. Mas o que é interpretar? Como in-
terpretar um texto considerado literário?

A palavra ler vem da palavra latina legere, que


tem vários significados. Entre os sentidos que essa
palavra apresenta, destaca-se o de roubar, o de
colher, sentidos que podem ajudar a compreender
um pouco melhor a prática da leitura.
Ao ler, o leitor apropria-se das ideias do autor do
texto, como se as “roubasse” para construir novos PISTAS DOS TEXTOS EM VERSO
sentidos. Faz isso ao refletir sobre os significados das
palavras e expressões, sobre como estão organiza- 1. O texto
das no texto, ao observar certos recursos linguísticos,
sonoros, visuais. O leitor busca pistas que os autores, O sempre amor, de Adélia Prado (1935-), é um
editores e ilustradores deixam nos textos e, sem pedir poema. Um poema é uma obra escrita geralmente
permissão, dá ao texto novos sentidos, constrói ou em versos. Como já visto, verso é o nome que se dá
reconstrói os significados. a cada linha do poema. Um agrupamento de ver-
sos chama-se estrofe.
Texto 1 O poema de Adélia Prado é formado por uma
única estrofe. Nessa estrofe, há repetição de ver-
sos. Uma primeira pista, para ler poemas, é observar
como os versos foram organizados. O que você no-
tou em relação a essa organização? Reparou que
os três primeiros versos se repetem no poema? A
repetição é um recurso usado intencionalmente no
poema O sempre amor.
Chama-se encadeamento a repetição de ver-
so a verso, fonemas, palavras, frases e até um verso
inteiro. Toda repetição gera um ritmo, por isso esse
recurso – o encadeamento – foi muitíssimo usado
64 na poesia medieval e também na poesia moderna,
em versos livres, ou seja, versos que não obedecem
a padrões de métrica ou rima, como os que Adélia
Prado escreveu.
Texto 2 O encadeamento é uma pista. A repetição está
no poema, e os leitores podem percebê-la. Mas,
para interpretar, não basta identificar a repetição, é
preciso ir adiante e perguntar por que a autora, para
definir o amor, lançou mão desse recurso linguístico.
Ao responder a essa questão, é feita uma interpre-
tação. O poema começa com os versos que depois
serão repetidos: “Amor é a coisa mais alegre/amor
é a coisa mais triste”. Há algo que seja mais alegre
do que a coisa “mais alegre”? Há algo que seja mais
triste do que a coisa “mais triste”? É como se o amor
se situasse entre dois extremos.
E os encadeamentos? De que forma esse re-
curso pode ajudar a expressar um sentimento que
é uma força irresistível, muito além do que se pode
controlar, sobre o qual se tem dificuldade de falar?
Se o amor é considerado sentimento indescritível,
nem se todas as palavras do mundo fossem reunidas
se conseguiria descrevê-lo, certo? Adélia Prado, as-
sim, preferiu defini-lo da forma mais econômica pos-
Texto 3 sível, repetindo os versos que estabelecem os dois
extremos para o amor.
Essa é uma interpretação possível para o poe-
ma, mas podem existir outras. Você pensou em al-
guma hipótese para essa repetição? Para interpre-
tar um poema, é preciso formular hipóteses, esta-
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belecer relações entre as ideias apresentadas e os ga, submissão.


diversos recursos da língua e da linguagem utilizados
pelos poetas. É preciso observar a maneira como o 3. Comparando os textos
texto aparece organizado, o gênero escolhido pelo Deu para ter uma ideia de como se podem cons-
autor. truir sentidos lendo textos literários? Se você com-
parasse o texto de Adélia Prado com o de Marina
2. Conotação Colasanti poderia construir novos sentidos. Os dois
textos tratam do amor, mas cada um revela uma
Outro recurso que pode ser observado em um faceta desse sentimento. No texto 2, pode-se dizer
poema é o uso das palavras em sentido conotativo. que o eu lírico se submete ao amor, sem se importar
No poema, há expressões que podem ser interpreta- com a alegria ou a tristeza: “alegre ou triste,/ amor
das de várias maneiras, palavras em que se perce- é coisa que mais quero”. No texto 3, é possível ler a
be um acréscimo de outro significado. prova de amor como uma espécie de submissão,
Quando há um acréscimo de sentido às pala- mas que resulta em uma separação. É possível conti-
vras, elas passam a ter um sentido figurado ou cono- nuar desejando o amor, mesmo depois de vivenciar
tativo. Nos gêneros da esfera literária, é frequente o situações como a que foi narrada no texto 3?
trabalho com o sentido conotativo ou figurado das
palavras. O sentido figurado ou conotativo não sur- AS MIL E UMA HISTÓRIAS
ge apenas com base no contexto em que a palavra
aparece. 1. Contos orais, contos escritos
Depende também do leitor que usa sua expe-
riência e seu conhecimento de mundo para inter- Contar histórias
pretar o texto. Por exemplo, no poema, as palavras
“lanças” e “pedra-sabão” estão no sentido cono- O ato de contar histórias é tão antigo quanto a
tativo. No contexto do poema, o que significa falar necessidade de comunicar e compartilhar as expe-
palavras como “lanças”? O que significa ser de “pe- riências vividas. Histórias contadas ao redor do fogo,
dra-sabão”? Observe que, quando se usa o sentido casos contados por colegas de trabalho, lembran-
conotativo, há, na verdade, uma soma, um acrésci- ças de família narradas durante as refeições, relatos
mo de sentidos que a palavra ganha. de fatos que aconteceram no dia, o capítulo emo-
Pistas dos textos em prosa Para descobrir pistas cionante da novela da TV mostram o quanto as nar-
de textos em prosa é preciso observar detalhes de rativas estão presentes na vida diária.
como o texto está escrito, a fim de buscar o sentido Para dar início a um mergulho no maravilhoso
que está nas entrelinhas. Prova de amor, de Marina mundo ficcional, é importante observar que, às ve- 65
Colasanti (1937-), é um conto que envolve dois per- zes, as palavras história, narrativa e conto aparecem
sonagens – ele e ela. É interessante que os persona- num mesmo sentido. Há também a palavra estória,
gens não tenham nome. Ele e ela podem ser várias que pode ser usada para referir-se exclusivamente
pessoas, e a história, com isso, ganha um caráter às narrativas ou aos contos tradicionais ficcionais.
mais universal. O narrador – quem conta a história Hoje, entretanto, a palavra história é usada tanto
– revela o pedido inusitado que ele faz a ela: que para os acontecimentos históricos (que são docu-
deixe crescer a barba para agradar a ele. O pedi- mentados) como para as narrativas de ficção.
do é estranho, quase impossível de ser realizado por A palavra conto, por sua vez, que vem do verbo
uma mulher, tão estranho que pode ser uma pista. latino computare (contar, calcular), assumiu vários
Mas, no conto, o que era quase impossível torna-se sentidos até se transformar em um gênero literário,
realidade. Repare nas expressões “supremo esforço como a novela e o romance. Desses sentidos, desta-
de amor” e “pela pele fechada feriam caminho”, cam-se o de delinear algo, o de apresentar detalha-
que indicam o sacrifício, a ação desmedida, que damente uma história ou, simplesmente, contá-la. É
ocasionava dor, para atender ao pedido inusitado interessante observar que, em língua portuguesa,
do companheiro. conto serve tanto para designar a forma popular,
O desfecho (o fim da história) também surpreen- folclórica da narrativa oral, quanto o conto literário,
de, pois, quando o impossível se realizou, o homem, que nasce com uma formatação escrita e com au-
indiferente a todos os esforços da companheira toria, de modo geral, definidas.
para atendê-lo, diz apenas que ela não é mais a Em outras línguas, nem sempre é assim. Em inglês,
mesma e a abandona. O que será que o texto quer por exemplo, a palavra tale é usada para o conto
dizer? Que o homem, em uma relação amorosa, é popular e maravilhoso, da tradição oral, enquanto
inconstante? Mesmo com a submissão e o sacrifício a palavra short-story, para as narrativas literárias es-
(a prova de amor) da mulher, o que predomina é a critas por autores que passam a escrever contos a
indiferença? Homens não se comovem com provas partir do século XIX.
de amor? Serão esses os sentidos por trás dessa histó-
ria? Que outros sentidos poderiam ser encontrados? 2. Contos orais, contos escritos
A palavra “barba”, no conto, pode significar
mais do que conjunto de pelos que nascem na face Para continuar a conversa sobre os contos, eles
do homem. Pode significar sacrifício, doação, entre- serão divididos em dois tipos: os contos populares,
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transmitidos pela linguagem oral, e os contos que tem mil e um autores, e a esperta e sábia princesa
nascem com uma formatação escrita. Dessa forma, Shahrazad é um autor coletivo que as conta com
serão lidas e analisadas as antigas narrativas da tra- voz de mulher.
dição oral e os contos escritos a partir do século XIX,
época em que surgem vários autores que escrevem
contos.
Essa divisão aponta para dois jeitos distintos de
narrar uma história: pode ser contada oralmente ou
por escrito. Quando se fala de contos populares, isso
remete ao conto folclórico, à estória, ao causo ma-
ravilhoso ou sobrenatural.
É importante notar que muitos desses contos –
que são contados e recontados no Brasil e no resto
do mundo – são adaptações de narrativas euro-
peias e africanas, que, por sua vez, acredita-se se-
rem provenientes da tradição dos povos da Índia e
de outras tradições antigas. Ao longo dos tempos, à
medida que a escrita foi se tornando hegemônica
nas diferentes sociedades, muitas narrativas transmi-
tidas oralmente ganharam registros escritos.
É importante observar que, quando uma narrati-
va ganha a forma escrita, perde muito do improviso
e de expressões próprias da oralidade. Mas, se os
contos populares não fossem publicados em livros,
hoje, possivelmente, muitos deles não seriam conhe-
cidos.
Durante muito tempo, o conto popular e, pode-
-se dizer, outras formas artísticas orais foram conside-
rados uma produção menor. Atualmente, graças ao
trabalho de pesquisadores, a linguagem oral e tudo
o que a envolve se tornaram objeto de análises e
estudos. O escritor moçambicano Mia Couto (1955-) Ainda segundo Cabrera, Shahrazad é a mais
66 considera a oralidade uma espécie de cidadania, poderosa máquina de matar o tédio e a crueldade
que, conforme nos tornamos adultos, do rei, que sempre assassinava sua acompanhante
de cada noite, à exceção da contista, uma mulher
[...] nos ensinam a perder [...] em nome da amena, apesar de ameaçada. Leia a seguir um bre-
maturidade. BRASIL, Ubiratan. Eterna busca de ve resumo de como essa “máquina de matar o té-
identidade. O Estado de S. Paulo, Caderno 2, 4 dio” começa...
jun. 2006, p. D1. As mil e uma noites começa com a história do rei
Shahriyar e de seu irmão, o rei Shahzaman. Conta-
Felizmente, um número cada vez maior de obras -se que eles resolveram se encontrar depois de vinte
que apresentam antologias de contos populares anos separados. Assim, Shahzaman deixou seu rei-
está sendo publicado, possibilitando ao leitor de nado para visitar Shahriyar.
hoje conhecer histórias tradicionais dos mais varia- Todavia, na primeira noite de viagem, Shah-
dos lugares do mundo e das diferentes culturas que zaman lembrou-se de que havia esquecido um pre-
constituem o Brasil, como os contos populares indí- sente e voltou às pressas a seu palácio. Ao entrar em
genas. seus aposentos, encontrou sua mulher nos braços de
outro homem. Sem hesitar, o rei desembainhou sua
3. A mais sensacional compilação de contos espada e matou os dois.
Abatido, continuou a viagem, mas não conse-
Você já ouviu falar de Ali Babá e os 40 ladrões, guiu expressar alegria ao rever o irmão que não via
de Aladim e a lâmpada maravilhosa e de Simbá, havia 20 anos.
o marujo? Essas histórias, que surgiram no Oriente e O rei Shahriyar, percebendo algo errado, fez de
são contadas nos quatro cantos do mundo, estão tudo para alegrar o rei Shahzaman. Um dia, organi-
no conjunto de livros que formam As mil e uma noi- zou uma caçada com o único objetivo de espantar
tes, a mais sensacional compilação de contos des- a tristeza do irmão. No entanto, tal era o abatimento
de a Idade Média, que, segundo dizem, foi elabora- deste que não teve ânimo para caçar e pediu para
da por centenas de mãos, em dezenas de idiomas, ficar no palácio. O rei Shahriyar foi compreensivo e
em diferentes tempos e lugares. partiu, deixando o irmão. Tristonho, Shahzaman ficou
Conforme afirma o escritor cubano Cabrera In- horas sentado de frente para um jardim.
fante, ao contrário do que acontece com os con- Quando anoiteceu, sem que sua presença fosse
tos contemporâneos na Europa, As mil e uma noites percebida, viu a rainha – esposa do rei Shahriyar –
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chegar a esse jardim e, de uma forma inimaginável, a fatos que acontecem no tempo “presente” da
trair o irmão. narrativa. O clímax do texto é o ponto em que o in-
Depois do que viu, o rei Shahzaman considerou teresse do leitor pelo que pode acontecer se mostra
sua desgraça menor do que a princípio pensara. mais intenso, ou seja, é a parte do enredo em que
Quando o rei Shahriyar voltou da caçada, encon- os acontecimentos centrais ganham o máximo de
trou seu irmão menos abatido. Quis saber o que ha- tensão para os personagens envolvidos.
via acontecido para mudar seu ânimo. Insistiu tanto Dessa forma, o enredo é composto por uma
que Shahzaman contou tudo que vira. exposição (ou introdução, ou apresentação), em
O rei Shahriyar, inconformado, propôs que re- que geralmente são apresentados os fatos iniciais,
nunciassem aos reinos e vagassem pelo mundo até os personagens, algumas indicações de tempo e
que encontrassem outro rei que fosse acometido de espaço; uma complicação – a maior parte da
por um mal ainda maior. Tanto procuraram que en- narrativa, marcada pela tensão entre o desejo do
contraram, e, na volta ao palácio, o rei Shahriyar, personagem principal e algo ou alguém que impe-
depois de punir a rainha, tomou como hábito ficar de a realização desse desejo; o clímax – o momento
noivo de uma virgem e matá-la depois da noite de culminante da história, o momento de maior tensão;
núpcias, para que não pudesse ser traído novamen- o desfecho (ou desenlace, ou conclusão) – a solu-
te. Depois de um tempo, o pânico tomou conta dos ção surpreendente, feliz, trágica, cômica etc. do
súditos, que, para salvar as filhas, fugiam do reino. conflito.
Até que Shahrazad, a filha do ministro, conhe- Algo fundamental que se aplica às narrativas e
cedora da sabedoria dos poetas e das histórias dos está relacionado ao enredo é o conceito de veros-
antigos, ofereceu-se para casar com o rei Shahriyar. similhança, que é a coerência ou lógica interna da
O pai da moça fez de tudo para que ela desis- história. Os fatos narrados, mesmo inventados, de-
tisse da ideia, mas acabou consentindo. Shahrazad, vem decorrer uns dos outros, desenrolar-se de forma
que era muito esperta, combinou com a irmã que que o leitor aceite que possam de fato ter ocorrido.
esta, depois de consumadas as núpcias, deveria en- É muito importante perceber que, para que os fatos
trar no quarto e pedir que contasse uma história ma- sejam verossímeis, eles não precisam ser verdadei-
ravilhosa, para que a noite passasse agradavelmen- ros, ou seja, não precisam ter acontecido na vida
te. O rei, que não conseguia dormir, consentiu que real.
Shahrazad contasse a história, escutando-a atenta- O que torna um texto verossímil é a maneira lógi-
mente... A primeira das mil e uma histórias. ca como as ações são narradas dentro do enredo.
Como as histórias contadas a cada noite nunca Você acha que a história O mercador e o gênio,
terminavam, o rei sempre ficava muito curioso para que você leu, pode ser considerada verossímil, mes-
saber o desfecho delas. As noites foram passando mo que tão fantástica? Recupere a sequência dos 67
e o rei foi ficando cada vez mais seduzido e encan- fatos: o mercador preparou-se para fazer uma lon-
tado, até apaixonar-se por Shahrazad. Ouviu dela ga viagem por uma região inóspita e desértica; na
contos maravilhosos e de horror, de amor e de ódio, volta, “como fizesse muito calor”, correu até um oá-
de medos e de paixões desenfreadas, de atitudes sis, para refrescar-se sob umas árvores. (Nada mais
generosas e de comportamentos cruéis, de delica- natural, não é? Um desvio para fugir do Sol, descan-
deza e de brutalidade. Um repertório fantástico que, sar de tão penosa viagem e alimentar-se.)
até hoje, nenhuma outra obra igualou. O mercador então come as tâmaras, que esta-
vam no alforje. Os caroços são atirados à direita e à
4. Enredo e verossimilhança esquerda (um gesto que qualquer pessoa poderia
fazer, ao comer frutas que têm caroços!) e isso, por
Contos populares e literários se estruturam sobre fim, desencadeia um novo fato. A verossimilhança é
cinco elementos. Uma história é formada por fatos percebida quando um fato se torna causa do outro.
– o enredo –, por personagens que vivem os fatos, Cada fato tem um porquê que acarreta uma
num determinado tempo e lugar (ou espaço). O consequência, o que pode implicar novos fatos
quinto elemento na prosa de ficção é o narrador, para a história.
que faz o leitor conhecer a história a partir de deter-
minado ângulo de visão, de uma perspectiva. LENDO CONTOS
Ao longo desta Unidade, à medida que forem
lidos e analisados os contos, cada um desses ele- 1. Apresentando Machado de Assis
mentos será estudado de modo mais aprofundado,
começando pelo enredo. O enredo é a intriga, a Um dos maiores escritores da literatura brasileira
história que os personagens vivem no desenrolar do é Machado de Assis. Ele nasceu em 1839, no Rio de
conto. Um enredo geralmente tem situação inicial, Janeiro (RJ), filho de uma portuguesa dos Açores e
conflito, clímax e desfecho, mas, é importante ob- de um pintor de parede filho de escravos. Assim, de
servar, os acontecimentos não precisam ser apre- origem humilde, começou a trabalhar muito cedo,
sentados necessariamente nessa ordem. vendendo balas para ajudar na manutenção da
Em alguns contos, o narrador pode utilizar a téc- casa, após a morte dos pais. Mais tarde, trabalhou
nica da retrospectiva, ou flashback, trazendo re- como caixeiro em livraria, tipógrafo e revisor e de-
cordações de acontecimentos passados em meio pois como jornalista e cronista.
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Aos poucos, revelou-se um amante e conhe-


cedor da língua portuguesa. Em poucos anos dedi- do solicitador Borges, com esperança de vê-lo
cados à produção escrita, tornou-se referência na no foro, porque lhe parecia que os procuradores
literatura nacional e desenvolveu um estilo próprio, de causas ganhavam muito. Passava-se isto na
cujo traço mais característico nos contos e roman- Rua da Lapa, em 1870.
ces é a ironia. Esse traço pode ser encontrado na Durante alguns minutos não se ouviu mais
abertura de Várias histórias, livro publicado em 1896, que o tinir dos talheres e o ruído da mastigação.
que reúne diversos contos, entre os quais Uns braços, Borges abarrotava-se de alface e vaca; inter-
que você lerá. No prefácio desse livro, Machado es- rompia-se para virgular a oração com um golpe
creve que não é o tamanho que faz mal aos contos, de vinho e continuava logo calado.
mas a qualidade... E completa: Inácio ia comendo devagarinho, não ousan-
do levantar os olhos do prato, nem para colo-
[...] mas há sempre uma qualidade nos contos, cá-los onde eles estavam no momento em que
que os torna superiores aos grandes romances, o terrível Borges o descompôs. Verdade é que
se uns e outros são medíocres: é serem curtos. seria agora muito arriscado. Nunca ele pôs os
ASSIS, Machado de. Advertência. In:_____.Vári- olhos nos braços de D. Severina que se não es-
as histórias. Disponível em: . Acesso em: 5 set. quecesse de si e de tudo.
2014. Também a culpa era antes de D. Severina
em trazê-los assim nus, constantemente. Usava
Os contos de Machado de Assis, longe de ser mangas curtas em todos os vestidos de casa,
medíocres, constituem uma parte fundamental da meio palmo abaixo do ombro; dali em diante
obra desse autor, um dos mais estudados dentro e ficavam-lhe os braços à mostra. Na verdade,
fora do Brasil. O escritor faleceu em 1908, no Rio de eram belos e cheios, em harmonia com a dona,
Janeiro. Você vai ler agora Uns braços, um dos con- que era antes grossa que fina, e não perdiam
tos mais apreciados por especialistas em literatura a cor nem a maciez por viverem ao ar; mas é
brasileira. justo explicar que ela os não trazia assim por fa-
ceira, senão porque já gastara todos os vestidos
de mangas compridas. De pé, era muito vistosa;
Uns braços andando, tinha meneios engraçados; ele, entre-
tanto, quase que só a via à mesa, onde, além
Machado de Assis Inácio estremeceu, ouvin- dos braços, mal poderia mirar-lhe o busto. Não
do os gritos do solicitador, recebeu o prato que se pode dizer que era bonita; mas também não
68 este lhe apresentava e tratou de comer, debai- era feia. Nenhum adorno; o próprio penteado
xo de uma trovoada de nomes, malandro, ca- consta de mui pouco; alisou os cabelos, apa-
beça de vento, estúpido, maluco. nhou-os, atou-os e fixou-os no alto da cabeça
– Onde anda que nunca ouve o que lhe com o pente de tartaruga que a mãe lhe dei-
digo? Hei de contar tudo a seu pai, para que xou. Ao pescoço, um lenço escuro, nas orelhas,
lhe sacuda a preguiça do corpo com uma boa nada. Tudo isso com vinte e sete anos floridos e
vara de marmelo, ou um pau; sim, ainda pode sólidos.
apanhar, não pense que não. Estúpido! Maluco! Acabaram de jantar. Borges, vindo o café,
– Olhe que lá fora é isto mesmo que você tirou quatro charutos da algibeira, comparou-os,
vê aqui, continuou, voltando-se para D. Severi- apertou-os entre os dedos, escolheu um e guar-
na, senhora que vivia com ele maritalmente, há dou os restantes. Aceso o charuto, fincou os co-
anos. Confunde-me os papéis todos, erra as ca- tovelos na mesa e falou a D. Severina de trinta
sas, vai a um escrivão em vez de ir a outro, troca mil cousas que não interessavam nada ao nosso
os advogados: é o diabo! É o tal sono pesado e Inácio; mas enquanto falava, não o descompu-
contínuo. De manhã é o que se vê; primeiro que nha e ele podia devanear à larga.
acorde é preciso quebrar-lhe os ossos... Deixe; Inácio demorou o café o mais que pôde.
amanhã hei de acordá-lo a pau de vassoura! Entre um e outro gole alisava a toalha, arran-
D. Severina tocou-lhe no pé, como pedindo cava dos dedos pedacinhos de pele imaginá-
que acabasse. Borges espeitorou ainda alguns rios ou passava os olhos pelos quadros da sala
impropérios, e ficou em paz com Deus e os ho- de jantar, que eram dois, um S. Pedro e um S.
mens. João, registros trazidos de festas encaixilhados
Não digo que ficou em paz com os meninos, em casa. Vá que disfarçasse com S. João, cuja
porque o nosso Inácio não era propriamente me- cabeça moça alegra as imaginações católicas,
nino. Tinha quinze anos feitos e bem feitos. Cabe- mas com o austero S. Pedro era demais. A única
ça inculta, mas bela, olhos de rapaz que sonha, defesa do moço Inácio é que ele não via nem
que adivinha, que indaga, que quer saber e não um nem outro; passava os olhos por ali como por
acaba de saber nada. Tudo isso posto sobre um nada. Via só os braços de D. Severina, – ou por-
corpo não destituído de graça, ainda que mal- que sorrateiramente olhasse para eles, ou por-
vestido. O pai é barbeiro na Cidade Nova, e pô- que andasse com eles impressos na memória.
-lo de agente, escrevente, ou que quer que era, – Homem, você não acaba mais? bradou
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de repente o solicitador. – Nada? Parece que cá em casa anda tudo


Não havia remédio; Inácio bebeu a última dormindo! Deixem estar, que eu sei de um bom
gota, já fria, e retirou-se, como de costume, para remédio para tirar o sono aos dorminhocos...
o seu quarto, nos fundos da casa. Entrando, fez E foi por ali, no mesmo tom zangado, fuzi-
um gesto de zanga e desespero e foi depois en- lando ameaças, mas realmente incapaz de as
costar-se a uma das duas janelas que davam cumprir, pois era antes grosseiro que mau. D. Se-
para o mar. Cinco minutos depois, a vista das verina interrompia-o que não, que era engano,
águas próximas e das montanhas ao longe res- não estava dormindo, estava pensando na co-
tituía-lhe o sentimento confuso, vago, inquieto, madre Fortunata. Não a visitavam desde o Natal;
que lhe doía e fazia bem, alguma cousa que por que não iriam lá uma daquelas noites? Bor-
deve sentir a planta, quando abotoa a primeira ges redarguia que andava cansado, trabalha-
flor. Tinha vontade de ir embora e de ficar. Ha- va como um negro, não estava para visitas de
via cinco semanas que ali morava, e a vida era parola, e descompôs a comadre, descompôs o
sempre a mesma, sair de manhã com o Borges, compadre, descompôs o afilhado, que não ia
andar por audiências e cartórios, correndo, le- ao colégio, com dez anos! Ele, Borges, com dez
vando papéis ao selo, ao distribuidor, aos escri- anos, já sabia ler, escrever e contar, não muito
vães, aos oficiais de justiça. Voltava à tarde, jan- bem, é certo, mas sabia. Dez anos! Havia de ter
tava e recolhia-se ao quarto, até a hora da ceia; um bonito fim: – vadio, e o côvado e meio nas
ceava e ia dormir. Borges não lhe dava intimida- costas. A tarimba é que viria ensiná-lo.
de na família, que se compunha apenas de D. D. Severina apaziguava-o com desculpas, a
Severina, nem Inácio a via mais de três vezes por pobreza da comadre, o caiporismo do compa-
dia, durante as refeições. Cinco semanas de soli- dre, e fazia-lhe carinhos, a medo, que eles po-
dão, de trabalho sem gosto, longe da mãe e das diam irritá-lo mais. A noite caíra de todo; ela ou-
irmãs; cinco semanas de silêncio, porque ele só viu o tlic do lampião do gás da rua, que acaba-
falava uma ou outra vez na rua; em casa, nada. vam de acender, e viu o clarão dele nas janelas
“Deixe estar, – pensou ele um dia – fujo daqui da casa fronteira. Borges, cansado do dia, pois
e não volto mais.” era realmente um trabalhador de primeira or-
Não foi; sentiu-se agarrado e acorrentado dem, foi fechando os olhos e pegando no sono,
pelos braços de D. Severina. Nunca vira outros e deixou-a só na sala, às escuras, consigo e com
tão bonitos e tão frescos. A educação que tivera a descoberta que acaba de fazer.
não lhe permitia encará-los logo abertamente, Tudo parecia dizer à dama que era verda-
parece até que a princípio afastava os olhos, de; mas essa verdade, desfeita a impressão do 69
vexado. Encarou-os pouco a pouco, ao ver assombro, trouxe-lhe uma complicação moral
que eles não tinham outras mangas, e assim os que ela só conheceu pelos efeitos, não achan-
foi descobrindo, mirando e amando. No fim de do meio de discernir o que era. Não podia en-
três semanas eram eles, moralmente falando, as tender-se nem equilibrar- -se, chegou a pensar
suas tendas de repouso. Aguentava toda a tra- em dizer tudo ao solicitador, e ele que mandasse
balheira de fora, toda a melancolia da solidão embora o fedelho. Mas que era tudo? Aqui esta-
e do silêncio, toda a grosseria do patrão, pela cou: realmente, não havia mais que suposição,
única paga de ver, três vezes por dia, o famoso coincidência e possivelmente ilusão. Não, não,
par de braços. ilusão não era. E logo recolhia os indícios vagos,
Naquele dia, enquanto a noite ia caindo e as atitudes do mocinho, o acanhamento, as dis-
Inácio estirava-se na rede (não tinha ali outra trações, para rejeitar a ideia de estar enganada.
cama), D. Severina, na sala da frente, recapi- Daí a pouco, (capciosa natureza!) refletindo que
tulava o episódio do jantar e, pela primeira vez, seria mau acusá-lo sem fundamento, admitiu
desconfiou alguma cousa. Rejeitou a ideia logo, que se iludisse, para o único fim de observá-lo
uma criança! Mas há ideias que são da família melhor e averiguar bem a realidade das cousas.
das moscas teimosas: por mais que a gente as Já nessa noite, D. Severina mirava por bai-
sacuda, elas tornam e pousam. Criança? Tinha xo dos olhos os gestos de Inácio; não chegou a
quinze anos; e ela advertiu que entre o nariz e a achar nada, porque o tempo do chá era curto e
boca do rapaz havia um princípio de rascunho o rapazinho não tirou os olhos da xícara. No dia
de buço. Que admira que começasse a amar? seguinte pôde observar melhor, e nos outros oti-
E não era ela bonita? Esta outra ideia não foi mamente. Percebeu que sim, que era amada e
rejeitada, antes afagada e beijada. E recordou temida, amor adolescente e virgem, retido pelos
então os modos dele, os esquecimentos, as dis- liames sociais e por um sentimento de inferiorida-
trações, e mais um incidente, e mais outro, tudo de que o impedia de reconhecer-se a si mesmo.
eram sintomas, e concluiu que sim. D. Severina compreendeu que não havia recear
– Que é que você tem? disse-lhe o solicita- nenhum desacato, e concluiu que o melhor era
dor, estirado no canapé, ao cabo de alguns mi- não dizer nada ao solicitador; poupava-lhe um
nutos de pausa. desgosto, e outro à pobre criança. Já se per-
– Não tenho nada. suadia bem que ele era criança, e assentou de
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o tratar tão secamente como até ali, ou ainda dormira mal a noite, depois de haver andado
mais. E assim fez; Inácio começou a sentir que muito na véspera; estirou-se na rede, pegou em
ela fugia com os olhos, ou falava áspero, quase um dos folhetos, a Princesa Magalona, e come-
tanto como o próprio Borges. De outras vezes, çou a ler. Nunca pôde entender por que é que
é verdade que o tom da voz saía brando e até todas as heroínas dessas velhas histórias tinham
meigo, muito meigo; assim como o olhar geral- a mesma cara e talhe de D. Severina, mas a ver-
mente esquivo, tanto errava por outras partes, dade é que os tinham.
que, para descansar, vinha pousar na cabeça Ao cabo de meia hora, deixou cair o folheto e
dele; mas tudo isso era curto. pôs os olhos na parede, donde, cinco minutos
– Vou-me embora, repetia ele na rua como depois, viu sair a dama dos seus cuidados. O na-
nos primeiros dias. tural era que se espantasse; mas não se espan-
Chegava a casa e não se ia embora. Os bra- tou. Embora com as pálpebras cerradas viu-a
ços de D. Severina fechavam-lhe um parênteses desprender-se de todo, parar, sorrir e andar para
no meio do longo e fastidioso período da vida a rede. Era ela mesma, eram os seus mesmos
que levava, e essa oração intercalada trazia braços.
uma ideia original e profunda, inventada pelo É certo, porém, que D. Severina, tanto não podia
céu unicamente para ele. Deixava-se estar e sair da parede, dado que houvesse ali porta ou
ia andando. Afinal, porém, teve de sair, e para rasgão, que estava justamente na sala da frente
nunca mais; eis aqui como e por quê. ouvindo os passos do solicitador que descia as
D. Severina tratava-o desde alguns dias com escadas. Ouviu-o descer; foi à janela vê-lo sair e
benignidade. A rudeza da voz parecia acaba- só se recolheu quando ele se perdeu ao longe,
da, e havia mais do que brandura, havia desve- no caminho da Rua das Mangueiras. Então en-
lo e carinho. Um dia recomendava-lhe que não trou e foi sentar-se no canapé.
apanhasse ar, outro, que não bebesse água fria Parecia fora do natural, inquieta, quase ma-
depois do café quente, conselhos, lembranças, luca; levantando-se, foi pegar na jarra que esta-
cuidados de amiga e mãe, que lhe lançaram na va em cima do aparador e deixou-a no mesmo
alma ainda maior inquietação e confusão. lugar; depois caminhou até à porta, deteve-se
Inácio chegou ao extremo de confiança de e voltou, ao que parece, sem plano. Sentou-se
rir um dia à mesa, cousa que jamais fizera; e o outra vez cinco ou dez minutos. De repente, lem-
solicitador não o tratou mal dessa vez, porque brou-se que Inácio comera pouco ao almoço e
era ele que contava um caso engraçado, e nin- tinha o ar abatido, e advertiu que podia estar
70 guém pune a outro pelo aplauso que recebe. doente; podia ser até que estivesse muito mal.
Foi então que D. Severina viu que a boca do Saiu da sala, atravessou rasgadamente o corre-
mocinho, graciosa estando calada, não o era dor e foi até o quarto do mocinho, cuja porta
menos quando ria. A agitação de Inácio ia cres- achou escancarada. D. Severina parou, espiou,
cendo, sem que ele pudesse acalmar-se nem deu com ele na rede, dormindo, com o braço
entender-se. para fora e o folheto caído no chão.
Não estava bem em parte nenhuma. Acor- A cabeça inclinava-se um pouco do lado da
dava de noite, pensando em D. Severina. Na porta, deixando ver os olhos fechados, os cabe-
rua, trocava de esquinas, errava as portas, muito los revoltos e um grande ar de riso e de beatitu-
mais que dantes, e não via mulher, ao longe ou de. D. Severina sentiu bater-lhe o coração com
ao perto, que não trouxesse à memória. Ao en- veemência e recuou. Sonhara de noite com ele;
trar no corredor da casa, voltando do trabalho, pode ser que ele estivesse sonhando com ela.
sentia sempre algum alvoroço, às vezes gran- Desde madrugada que a figura do mocinho an-
de, quando dava com ela no topo da escada, dava-lhe diante dos olhos como uma tentação
olhando através das grades de pau da cancela, diabólica. Recuou ainda, depois voltou, olhou
como tendo acudido a ver quem era. dous, três, cinco minutos, ou mais.
Um domingo, – nunca ele esqueceu esse Parece que o sono dava à adolescência de
domingo, – estava só no quarto, à janela, virado Inácio uma expressão mais acentuada, quase
para o mar, que lhe falava a mesma linguagem feminina, quase pueril. “Uma criança!” disse ela
obscura e nova de D. Severina. Divertia-se em a si mesma, naquela língua sem palavras que to-
olhar para as gaivotas, que faziam grandes giros dos trazemos conosco. E esta ideia abateu-lhe
no ar, ou pairavam em cima d’água, ou avoa- o alvoroço do sangue e dissipou-lhe em parte a
çavam somente. O dia estava lindíssimo. turvação dos sentidos. “Uma criança!” E mirou-o
Não era só um domingo cristão; era um lentamente, fartou-se de vê-lo, com a cabeça
imenso domingo universal. Inácio passava-os inclinada, o braço caído; mas, ao mesmo tempo
todos ali no quarto ou à janela, ou relendo um que o achava criança, achava-o bonito, muito
dos três folhetos que trouxera consigo, contos de mais bonito que acordado, e uma dessas ideias
outros tempos, comprados a tostão, debaixo do corrigia ou corrompia a outra.
passadiço do Largo do Paço. De repente estremeceu e recuou assustada:
Eram duas horas da tarde. Estava cansado, ouvira um ruído ao pé, na saleta do engoma-
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do; foi ver, era um gato que deitara uma ti- porque o tratou relativamente bem e ainda lhe
gela ao chão. Voltando devagarinho a espiá-lo, disse à saída:
viu que dormia profundamente. Tinha o sono – Quando precisar de mim para alguma
duro a criança! O rumor que a abalara tanto, cousa, procure-me.
não o fez sequer mudar de posição. E ela con- – Sim, senhor. A Sra. D. Severina...
tinuou a vê-lo dormir, – dormir e talvez sonhar. – Está lá para o quarto, com muita dor de
Que não possamos ver os sonhos uns dos outros! cabeça. Venha amanhã ou depois despedir-se
D. Severina ter-se-ia visto a si mesma na imagi- dela. Inácio saiu sem entender nada. Não en-
nação do rapaz; ter-se-ia visto diante da rede, tendia a despedida, nem a completa mudança
risonha e parada; depois inclinar-se, pegar-lhe de D. Severina, em relação a ele, nem o xale,
nas mãos, levá-las ao peito, cruzando ali os bra- nem nada.
ços, os famosos braços. Inácio, namorado deles, Estava tão bem! Falava-lhe com tanta ami-
ainda assim ouvia as palavras dela, que eram zade! Como é que, de repente... Tanto pensou
lindas, cálidas, principalmente novas, – ou, pelo que acabou supondo de sua parte algum olhar
menos, pertenciam a algum idioma que ele não indiscreto, alguma distração que a ofendera,
conhecia, posto que o entendesse. não era outra cousa; e daqui a cara fecha-
Duas, três e quatro vezes a figura esvaía-se, da e o xale que cobria os braços tão bonitos...
para tornar logo, vindo do mar ou de outra par- Não importa; levava consigo o sabor do sonho.
te, entre gaivotas, ou atravessando o corredor E através dos anos, por meio de outros amo-
com toda a graça robusta de que era capaz. res, mais efetivos e longos, nenhuma sensação
E tornando, inclinava-se, pegava- -lhe outra vez achou nunca igual à daquele domingo, na Rua
das mãos e cruzava ao peito os braços, até que da Lapa, quando ele tinha quinze anos. Ele mes-
inclinando-se, ainda mais, muito mais, abrochou mo exclama às vezes, sem saber que se engana:
os lábios e deixou-lhe um beijo na boca. E foi um sonho! Um simples sonho!
Aqui o sonho coincidiu com a realidade, e ASSIS, Machado de. UASSIS, Machado de. Uns bra-
as mesmas bocas uniram-se na imaginação e ços. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.
fora dela. A diferença é que a visão não recuou, br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_
e a pessoa real tão depressa cumprira o gesto, obra=1967>. Acesso em: 18 ago. 2014 ns braços.
como fugiu até a porta, vexada e medrosa. Dali
passou à sala da frente, aturdida do que fizera,
sem olhar fixamente para nada. Afiava o ouvi- 2. Lendo a obra em seu contexto
do, ia até o fim do corredor, a ver se escutava 71
algum rumor que lhe dissesse que ele acordara, Na historiografia literária, o Realismo é conside-
e só depois de muito tempo é que o medo foi rado o movimento artístico e literário que começa
passando. em 1881, com a publicação de três obras: O mulato,
Na verdade, a criança tinha o sono duro; do escritor UNIDADE 4 131 Aluísio Azevedo; Memó-
nada lhe abria os olhos, nem os fracassos contí- rias póstumas de Brás Cubas e O alienista, ambos de
guos, nem os beijos de verdade. Mas, se o medo Machado de Assis. Esse movimento literário estende-
foi passando, o vexame ficou e cresceu. D. Se- -se até, praticamente, as duas primeiras décadas
verina não acabava de crer que fizesse aquilo; do século XX, quando a Semana de Arte Moderna
parece que embrulhara os seus desejos na ideia em São Paulo marca a mudança de padrões lite-
de que era uma criança namorada que ali es- rários (estéticos) que caracteriza o movimento mo-
tava sem consciência nem imputação; e, meia dernista.
mãe, meia amiga, inclinara-se e beijara-o. Fosse É importante ter em conta, portanto, que, quan-
como fosse, estava confusa, irritada, aborrecida, do você lê a obra de Machado de Assis, lê uma
mal consigo e mal com ele. O medo de que ele obra que foi escrita em outra época, num momento
podia estar fingindo que dormia apontou-lhe em que importantes transformações econômicas,
na alma e deu-lhe um calafrio. Mas a verdade políticas e sociais aconteciam no Brasil: a Monar-
é que dormiu ainda muito, e só acordou para quia, representada por D. Pedro II, entrava em de-
jantar. cadência; a Lei Áurea (a que libertou os escravos),
Sentou-se à mesa lépido. Conquanto achas- de 1888, criava uma nova realidade social no País;
se D. Severina calada e severa e o solicitador tão a mão de obra escrava era, de certa forma, subs-
ríspido como nos outros dias, nem a rispidez de tituída pela mão de obra assalariada; a economia
um, nem a severidade da outra podiam dissipar- voltava-se para o mercado externo, pois estava livre
-lhe a visão graciosa que ainda trazia consigo, da estrutura colonialista.
ou amortecer-lhe a sensação do beijo. Não re- As obras ditas realistas mergulham nesse contex-
parou que D. Severina tinha um xale que lhe co- to econômico, histórico e social e frequentemente
bria os braços; reparou depois, na segunda-feira, revelam o interesse pelo funcionamento e pela or-
e na terça-feira, também, e até sábado, que foi ganização da sociedade. Também vão fundo na
o dia em que Borges mandou dizer ao pai que apresentação dos traços psicológicos dos persona-
não podia ficar com ele; e não o fez zangado, gens – ou seja, traços que são percebidos observan-
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do o interior da pessoa. As atitudes de uma pessoa te, se contar com segurança o dentro das situações
e as declarações que ela faz de si mesma revelam ou o dentro dos personagens – ou seja, tudo o que
traços psicológicos. aconteceu e vai acontecer, tudo o que os persona-
É importante lembrar que leitores do século XXI gens sonham e pensam. Pode acontecer também
são diferentes de leitores do século XIX. O primeiro de a onisciência não ser total, de o narrador conhe-
público machadiano reunia pessoas da elite bur- cer apenas parte do que acontece e se identificar
guesa, que viviam nos principais centros urbanos intimamente com apenas um personagem.
brasileiros e que estavam familiarizadas com os ro- Observe os exemplos:
mances românticos. Por isso, os leitores do século XXI
podem estranhar as palavras raras, o estilo irônico, a Exemplo 1
organização impecável do texto e os tipos de perso- – Narrador em 3a pessoa, do tipo observador
nagens (o que vivem e como se comportam). Garcia, em pé, mirava e estalava as unhas; For-
Em outras palavras, ler um texto escrito em ou- tunato, na cadeira de balanço, olhava para o
tro tempo é um enorme desafio. Lê-lo considerando tecto; Maria Luísa, perto da janela, concluía um
seu contexto, isto é, observando o que traz consigo trabalho de agulha. Havia já cinco minutos que
da sociedade que o gerou ou que quer retratar, é nenhum deles dizia nada. [...] ASSIS, Machado
o que permite viajar no tempo e estabelecer rela- de. A causa secreta.
ções entre a obra lida, a época em que foi escrita e
a atual. A experiência literária não só permite saber Repare como o narrador está fora da história
da vida por meio da experiência do outro, como (3a pessoa) e como apenas observa a atitude dos
também vivenciar essa experiência. personagens, sem contar o que pensam. Observa o
Você vive numa época muito diferente da de que fazem durante os cinco minutos em que ficam
Machado de Assis, mas, graças ao que ele escre- em silêncio. O narrador observador se comporta
veu, pode aproximar-se dela. como uma testemunha, como se fosse uma “máqui-
No conto que você leu, é possível perceber vá- na filmadora” dos fatos. Já o narrador em 3a pessoa
rias características da sociedade do século XIX. Bas- onisciente conhece intimamente os personagens,
ta observar como era o cotidiano de Inácio: traba- tece comentários, sabe dos sentimentos e dos pen-
lhava nos serviços de recado para o Borges, que era samentos, dirigindo o leitor.
solicitador. Durante todo o dia corria pelos cartórios,
encontrava-se com advogados e clientes. Aos do- Exemplo 2
mingos, permanecia o tempo todo em seu quarto.
D. Severina e Inácio, ao que parece, apaixonam-se. – Narrador em 3ª pessoa, do tipo onisciente [...]
72 Mas é amor tímido e velado. Não podia entender-se nem equilibrar-se,
Ele timidamente contemplava os braços desco- chegou a pensar em dizer tudo ao solicitador, e
bertos de D. Severina, que só ficavam assim dentro ele que mandasse embora o fedelho. Mas que
de casa e porque os vestidos de manga longa ti- era tudo? Aqui estacou: realmente, não havia
nham se gastado. Após o beijo, Inácio é obrigado a mais que suposição, coincidência e possivel-
abandonar a casa, por vontade de D. Severina, que mente ilusão. Não, não, ilusão não era. E logo
tinha medo de que Inácio pudesse ter fingido que recolhia os indícios vagos, as atitudes do mocin-
dormia quando foi beijado por ela. Os desejos sufo- ho, o acanhamento, as distrações, para rejeitar
cados, o medo, a vergonha, a consciência vigilante a ideia de estar enganada. [...] ASSIS, Machado
sobrepõem-se à paixão de. Uns braços.

OUTROS ELEMENTOS ESTRUTURAIS DAS NARRATI- Observe como, no exemplo acima, o narrador
VAS está “dentro da cabeça” do personagem, contan-
do o que ele está pensando. Se o narrador participa
1. Narrador da história, ou seja, é um dos personagens, tem-se
uma narração em 1ª pessoa. Observe as palavras
Narrador é quem conta a história. Uma história destacadas. Elas dão pistas do narrador.
pode ser narrada de muitas maneiras: por um nar-
rador não participante ou por um personagem que Exemplo 3
convive com os outros na história narrada. Seja qual – Narrador-personagem, em 1ª pessoa
for o tipo, observando o narrador é possível identifi- Nunca pude entender a conversação que tive
car o foco narrativo, ou seja, o ângulo de visão, o com uma senhora, há muitos anos, contava eu
ponto de vista ou a perspectiva de onde se conta dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Hav-
a história. Tradicionalmente, na teoria literária, o nar- endo ajustado com um vizinho irmos à missa do
rador que está do lado de fora das situações narra- galo, preferi não dormir; combinei que eu iria
das é chamado narrador em 3ª pessoa, pois conta acordá-lo à meia-noite. [...] ASSIS, Machado de.
a história em 3ª pessoa, sem participar dela (é um Missa do galo. (ênfases adicionadas)
ele que fala).
Esse tipo de narrador é observador, se não pene- Repare que o narrador está contando uma his-
trar na subjetividade dos personagens, ou oniscien- tória da qual participa. Os acontecimentos que são
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narrados são vividos por ele. Quando acontece isso, Por exemplo:
ele é chamado de narrador-personagem. “Passava-se isto na Rua da Lapa, em 1870”. Ou
“Inácio demorou o café o mais que pôde”; “Cinco
2. Personagem minutos depois, a vista das águas próximas [...]”;
“Havia cinco semanas que ali morava, e a vida era
Personagem é uma ficção da pessoa humana, sempre a mesma [...]”; “Cinco semanas de solidão,
uma imitação, uma invenção. Às vezes é verossímil, de trabalho sem gosto [...]”; “No fim de três semanas
isto é, graças aos recursos de caracterização (os eram eles, moralmente falando, as suas tendas de
elementos que os autores utilizam para descrever e repouso”; “Um domingo, – nunca ele esqueceu esse
definir o personagem), tem-se a impressão de vida, domingo, – estava só no quarto, à janela [...]”.
configurando-se diante do leitor.
Um autor é capaz de dar a impressão de que o 4. Espaço
personagem que inventou é um ser muito parecido
com as pessoas que conhecemos. Os personagens Espaço é onde acontece a história, os cenários
podem ser contraditórios, cheios de conflitos interio- em que atuam os personagens. Os personagens lite-
res, infinitos em sua riqueza. Dependendo do papel rários atuam em espaços e reagem ao mundo em
que o personagem de ficção ocupa, ele poderá que vivem. Observando o espaço, é possível confi-
ser protagonista – ou seja, terá o papel principal –, gurar traços dos personagens e da própria história.
e seus opositores serão os antagonistas. Se desem- No conto Uns braços, o cenário principal é a casa
penhar um papel secundário, o personagem será do solicitador, sobretudo a sala de jantar e o quarto
chamado coadjuvante, isto é, será auxiliar do per- em que estava hospedado Inácio.
sonagem principal. No conto Uns braços, Inácio e D.
Severina têm o papel principal. A POESIA, A CANÇÃO POPULAR E O POEMA
O solicitador Borges, que no início do conto xin-
ga Inácio, faz papel de personagem antagonista. O 1. A palavra cantada: uma guardiã da memória
personagem também poderá ser linear ou comple-
xo. No primeiro caso, o comportamento do persona- Desde tempos ancestrais, a palavra cantada
gem não costuma mudar e é bastante previsível. Por vem sendo utilizada para manter viva a memória da
exemplo, o herói das novelas de TV (ou o mocinho civilização. Guerreiros descreviam as batalhas em
das histórias de aventuras) é sempre bom, honesto, verso e música para memorizá-las mais facilmente,
justiceiro e altruísta, isto é, é muito generoso com os e as cantavam quando retornavam à sua terra, do-
semelhantes. cumentando o acontecido.
No segundo caso, o comportamento do perso- Poetas percorriam as aldeias cantando – e con- 73
nagem é imprevisível. É capaz de fazer o bem e o tando – suas inúmeras histórias, como maneira de
mal, de ser justo e injusto, de sentir amor e ódio etc. renovar as lembranças e emoções de muitas gera-
Os autores mostram a complexidade do persona- ções.
gem ao leitor de duas maneiras: pelo que fazem (as No Brasil, por exemplo, essa tradição ainda se
ações) e pelo que pensam. Veja o caso de D. Seve- mantém na figura dos violeiros e repentistas nordes-
rina no conto Uns braços. Ela não queria acreditar tinos.
no que estava sentindo. Daí procurar convencer-se As canções populares continuam sendo um
de que Inácio era uma criança. Mas, ao pensar que meio de manifestação das pessoas a respeito das
Inácio podia estar doente, trata de inventar uma múltiplas questões que vivenciam no cotidiano, se-
desculpa para entrar no quarto e beijá-lo. jam elas mais ou menos líricas, mais ou menos ínti-
Depois a personagem não podia acreditar no mas, mais ou menos ácidas: a perda da liberdade
que tinha feito. Ficou confusa, irritada, aborrecida, nas décadas de 1960 e 1970 em razão da ditadura;
mal consigo e mal com ele... Teve medo de Inácio a violência no Rio de Janeiro por conta do combate
estar fingindo que dormia. ao tráfico; o preconceito racial, o abandono e a ex-
ploração do menor; o mau uso do dinheiro público;
3. Tempo o descaso dos políticos com a população; a dor de
um amor rompido, as nuances do relacionamento
O tempo é um elemento central na organização de um casal; as questões enfrentadas cotidiana-
do conto, pois as indicações temporais ajudam na mente pela mulher; a celebração de um aconteci-
organização dos fatos da história. É muito impor- mento
tante em um conto observar como a passagem de É possível dizer, então, que o canto sempre aju-
tempo é sentida pelos personagens. dou as gentes dos mais diferentes tempos e lugares
É possível que um conto de muitas páginas narre a registrar e a se lembrar mais facilmente de sua
apenas os fatos de algumas horas. É interessante ob- própria história. Assim, a palavra cantada pode ser
servar também os casos em que há uma distância considerada uma guardiã coletiva da memória dos
de tempo entre a ocorrência dos acontecimentos povos.
narrados e o momento em que são contados. No E não é difícil entender por quê. Você já tentou
conto Uns braços, há várias expressões que indicam declamar em voz alta, sem cantar, a letra daquela
tempo. sua canção preferida? Não? Se tentar, você verá
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como é difícil dissociar a letra da melodia. Seria pre- da época considerava que elas contrariavam o re-
ciso, repetidas vezes, retomar o canto para poder, gime. Chico Buarque – entre muitos – foi um desses
depois, declamar a letra. De uma canção infantil ao compositores. Para tentar driblar a censura, ele criou
hino nacional, passando pelas mais diversas músicas o personagem Júlio Cesar Botelho de Oliveira, o Juli-
que povoam a vida das pessoas, letra e melodia nho da Adelaide, que compôs apenas três canções:
estão amalgamadas, ajustadas uma à outra de tal Acorda, amor, Jorge Maravilha e Milagre brasileiro,
maneira que romper com isso é mesmo muito difícil. ou seja, sua produção foi mesmo pequena. Como
Os estudiosos da canção afirmam que isso dito no livro Tantas palavras, o personagem era
acontece porque o canto potencializa o grau de
expressividade e significância das palavras quando
articula a sonoridade da fala ao ritmo e à melodia [...] mais falante que prolífico. [...]
WERNECK, Humberto. Chico Buarque: tantas pala-
da canção. Uma natureza encantada O com-
vras. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 85.
positor e pesquisador André Rocha L. Haudenschild,
em seu artigo Palavras encantadas: as transforma-
ções da palavra poética na canção popular brasi- Chico Buarque criou tão bem o falso compositor
leira (Revista Brasileira de Estudos da Canção, n. 4, que ele até tinha um meio- -irmão chamado Leo-
jul.-dez. 2013), chama a canção de palavra encan- nel, parceiro dele nessa canção. A suposta identi-
tada. Recuperando o sentido de encantar, André dade desse compositor foi esclarecida ao público
afirma que a canção é tanto uma poesia maravilha- no início de setembro de 1974, quando Chico fez
da quanto enfeitiçada pela melodia. um acordo com o escritor Mario Prata e com o jor-
Ou seja, a letra, quando se deixa encantar pela nalista Melchíades Cunha Jr., do jornal Última Hora
melodia, ou vice-versa, transforma-se na canção. E (hoje extinto), e concedeu uma longa e hilariante
transformar-se, nesse caso, é tornar-se outro ser, ou- entrevista à edição paulista, como se fosse Julinho
tra coisa, outro objeto. Nesse sentido, letra sozinha da Adelaide. Nela, “contou” toda a história do falso
não é canção, assim como melodia e ritmo isolados compositor, falando de sua família, de suas criações
também não o são. Canção é letra, melodia e ritmo musicais e da relação que tinha com cantores e ou-
enfeitiçados, transmutados um pelo outro, em per- tros compositores. Falou, até, da mais recente inven-
feita articulação e encaixamento a fim de passar a ção de Julinho, na época, que era o samba duplex.
mesma mensagem ao ouvinte.
A canção é um gênero composto por duas ma-
Duplex porque podia ganhar um novo senti-
terialidades distintas, mas indissociáveis: a lingua-
do, se necessário fosse. “Formosa”, por exemplo,
gem musical e a linguagem verbal.
74 de Baden Powell e Vinicius de Moraes, poderia
Leia a canção Acorda, amor, de Leonel Paiva e
transformar-se em “China nacionalista” [...].
Julinho da Adelaide.
WERNECK, Humberto. Chico Buarque: tantas pala-
vras. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 87

Veja, ao abaixo, a imagem e a manchete da


entrevista publicada no jornal. A fotografia que se
pode ver seria de Adelaide, mãe de Julinho. Na ver-
dade, trata-se da fotografia de uma mulher negra
que o pai de Chico encontrou ao acaso em uma
enciclopédia e ofereceu aos entrevistadores.

Ao ler a letra, causou algum estranhamento a


você o verso que diz “Chame o ladrão”, quando o
personagem avisa a companheira que a casa está
sendo invadida? Ele não deveria dizer Chame a po-
lícia?
Pois é. Para começar, é preciso dizer que o ver-
dadeiro compositor dessa canção é Chico Buar-
que de Holanda. Na década de 1970, em virtude
da ditadura militar, muitos compositores tinham suas
canções censuradas ou proibidas porque o governo
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Em 1975, o Jornal do Brasil publicou uma repor- (na 4a estrofe) – tanto para dizer grite por socorro
tagem sobre a censura, desmoralizando a Polícia quanto para pedir que fale sobre o que acontece
Federal da ditadura, e, nela, contava a verdade a nesse regime. Nesses mesmos versos, ao ser cantada
respeito de Julinho da Adelaide. Vinte e quatro anos a palavra “ladrão”, o som é mais agudo e parece
depois, em 1998, Mario Prata escreveu a crônica Ju- imitar a sirene de uma viatura, quase como a que-
linho da Adelaide, 24 anos depois. rer reverter a realidade e pedir por uma polícia que
Se você quiser, pode acessá-la no site Chico exercesse sua função verdadeira, e não subvertida
Buarque no endereço a seguir: (acesso em: 29 ago. pela ditadura: uma polícia que protegesse a popu-
2014). Como você pôde ver, um fato que desenca- lação, e não um regime que não a representasse.
deia outro, que provoca outro, que desperta mais
outro: uma questão de história. 3. Duas conclusões fundamentais sobre a natu-
Mas, retomando a reflexão, agora que você já reza das canções
sabe quem era Julinho da Adelaide e qual o seu pa-
pel na história da canção Acorda, amor, é possível Essa canção, como muitas outras, conta uma
prosseguir com o estudo. Começa a ficar mais cla- história que não foi de um, mas de todo um povo em
ro a você por que o eu lírico da canção chamou determinado momento da História. A rápida análise
o ladrão, e não a polícia? Bom, esclarecendo um feita da letra e da melodia mostra que, quando se
pouco mais: os termos “dura” e “os homens” costu- retoma uma canção desse tipo, é possível reviver
mavam referir-se, na época, à polícia militar, assim momentos tocantes, que mexem com sentimentos,
como “muito escura viatura” se referia aos veículos e, dessa forma, mobilizar a carga emocional corres-
utilizados por ela, que eram pretos (os camburões, pondente a eles. Isso porque tais canções registram
então chamados de brucutus). e vivificam a história de ontem e de hoje.
Isso permite interpretar que se tratava da polí- Além disso, analisar essa canção permite cons-
cia invadindo a casa do eu lírico. Daí o pedido feito tatar o quanto melodia, ritmo e letra estão amal-
para chamar o ladrão. gamados, ligados, misturados, um consolidando os
A crítica, nesse caso, era evidente: a polícia e o sentidos do outro. É só parar para pensar, ouvir com
ladrão haviam trocado de lugar naquela histórica atenção e sentir com o corpo e com o espírito.
ocasião. A polícia, naquele momento, era a ladra
das liberdades individuais, a caçadora dos direitos 4. Finalizando
dos cidadãos, a censora da voz popular. E isso fica
muito mais claro quando se lê e se ouve a 3a estrofe As canções Acorda, amor e Samba de uma
da canção, em que há uma referência clara aos nota só mostram duas maneiras diferentes de a letra
desaparecimentos políticos, comuns na época. articular-se com a melodia. Na primeira canção, a 75
articulação não foi simétrica nem explícita, ou seja,
2. Uma história em que os sentidos não estão o texto não dizia letra por letra, palavra por pala-
apenas na palavra vra, o que estava acontecendo na melodia. Nessa
canção, a melodia integrou o sentido, as emoções
Quando a canção é ouvida, muitos desses sen- despertadas pelo texto e nele contidas.
tidos ficam mais claros, ganham outra substância. Em função dessas emoções, ora o ritmo foi mo-
Veja, a seguir, como isso acontece. De modo geral, dificado e a melodia se tornou mais lenta (como
é possível dizer que a letra é uma grande ironia, e te- na 3a estrofe, quando se fala da possibilidade de
ria tom de brincadeira, um tanto jocoso, brincalhão, desaparecimento do eu lírico), ora recursos foram
exatamente para disfarçar a crítica social que con- acrescentados para criar um efeito que confirmasse
tém. Isso se consolida quando se ouve um samba sentidos da letra (como a sirene incluída no começo
alegre, leve, bem marcado e rápido, “puladinho”, e no final da canção, para confirmar que era a po-
mesmo, nas 1a , 2a e 4a estrofes. lícia mesmo invadindo a casa), ora palavras foram
O ritmo parece dar vida à situação de surpresa, pensadas para criar um efeito de gaguejamento
espanto e desespero – e até um tom de brincadeira por causa do pânico do eu lírico (como nos últimos
– presente na letra. Na 3a estrofe, ao contrário das versos das 1a , 2a e 4a estrofes).
demais, há uma melodia mais contínua, as sílabas se Já na segunda canção, a articulação se deu de
alongam mais no canto. Essa mudança articula-se maneira perfeitamente simétrica, quer dizer, a letra
perfeitamente à letra, que passa a tratar das con- da canção falava uma coisa que a melodia con-
sequências da situação narrada, que poderiam ser, firmava. Por exemplo, a letra dizia que o eu lírico ia
por exemplo, a morte do personagem. cantar uma canção de uma nota só, e a melodia
A melodia consolida, então, o efeito de maior se- fazia isso mesmo; a letra dizia que outras notas pode-
riedade e tristeza com relação ao que a letra diz. Os riam entrar na canção, e isso acontecia mesmo na
versos “Chame, chame, chame/Chame o ladrão, melodia; a letra dizia que a canção estava voltando
chame o ladrão”, quando são ouvidos na canção, para a nota antiga, e a melodia confirmava. Dito
permitem identificar um efeito que seria o corres- em outras palavras, letra e melodia faziam exata-
pondente ao desespero do eu lírico, gaguejando, mente a mesma coisa em vários trechos. Além disso,
sem saber muito o que fazer; esse efeito se intensi- a letra estabelece uma relação entre essa canção
fica quando ao “chame” é acrescentado “clame” e o relacionamento do eu lírico com sua amada.
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Concluindo: a relação entre letra e melodia em UM POEMA, UMA MELODIA, UMA CANÇÃO PARIDA
cada uma das canções é bastante diferente. No
caso de Acorda, amor, não importa se o autor teve Conforme foi dito, o poema que deu origem
a clara intenção de provocar todos os sentidos que à canção foi escrito como um protesto contra os
foram produzidos por cada um dos modos de arti- bombardeios a Hiroxima e a Nagasaki, duas cidades
cular letra e melodia nas canções. O que importa é japonesas, no final da 2a Guerra Mundial. Os EUA,
que essa articulação aconteceu da maneira como no dia 6 de agosto de 1945, temendo a resistência
foi possível perceber, e que isso provocou efeitos de japonesa às forças aliadas, em uma demonstração
sentido que permitiram uma compreensão que não de poderio econômico considerada por alguns
seria possível se a articulação fosse feita de outro completamente desnecessária, explodiu a bomba
modo. Quanto mais bem feita for essa articulação, atômica Little Boy sobre a cidade de Hiroxima, des-
quanto mais coesa for, maiores serão as possibilida- truindo-a completamente.
des de tocar o ouvinte, de mexer com sua emoção. Três dias depois, fez o mesmo com a bomba Fat
Man em Nagasaki. Nesse bombardeio, estima-se
O PARTO DE UMA CANÇÃO que 230 mil pessoas tenham sido atingidas: alguns
atingidos faleceram instantaneamente, e outros, de-
1. Os diferentes modos de criação pois, em razão de queimaduras, radiação e ferimen-
tos graves.
Para começar, é possível dizer que o processo A radioatividade acarretou para os sobreviven-
de criação não é idêntico para diferentes compo- tes queimaduras graves e o desenvolvimento de
sitores. Trata-se de algo muito pessoal, individual e diversas enfermidades na população – como ce-
único. Uma canção pode ter sido criada por mais gueira, surdez, câncer, esterilidade. A vegetação foi
de um compositor. devastada e houve a ocorrência de chuvas ácidas,
Algumas vezes, um faz a letra e outro, a melodia; que contaminaram rios, lagos e plantações. Hiroxi-
outras, os dois escrevem tanto uma quanto a outra; ma – hoje recuperada – ficou totalmente destruída
em outros casos, a letra já existe como poema e um na ocasião.
músico coloca a melodia; ou, então, a melodia já As imagens da catástrofe circularam pelo mun-
está pronta, e uma letra é escrita a partir dela. do todo, fazendo Albert Einstein afirmar que tinha
O que é unânime nesse processo é que, qual- cometido o maior erro da sua vida ao assinar a car-
quer que tenha sido o aspecto a nascer primeiro, a ta ao presidente estadunidense Roosevelt recomen-
canção em si só floresce de fato, como foi dito no dando que fossem construídas as bombas atômicas.
Tema 1, quando ambas, letra e música, passam a
76 coexistir, quando uma já está definitivamente liga- 1. Metáfora
da à outra, articulando-se de maneira intrínseca,
ou seja, intimamente, inseparavelmente. A canção A metáfora é um recurso empregado cotidia-
analisada antes, Acorda, amor, foi composta por namente, sem muita reflexão, de tanto que faz par-
Chico Buarque de Holanda, que a elaborou com- te do modo de pensar das pessoas. Por exemplo,
pleta, a letra e a melodia. Mas ele também teve vá- quando se diz Nossa! Agora que caiu a ficha!, não
rios parceiros, como Tom Jobim – que compôs Sam- significa, de fato, que alguma ficha tenha caído em
ba de uma nota só –, Edu Lobo, Vinicius de Moraes. algum lugar; e sim que, finalmente, alguma coisa foi
compreendida pela pessoa.
2. Um caso particular: o poema que se tornou Na realidade, essa expressão vem da época em
canção que os telefones públicos disponíveis nas ruas da ci-
dade, chamados orelhões, funcionavam com fichas
Vários são os exemplos que ilustram os diferentes que eram compradas e inseridas no receptáculo do
modos de produção de uma canção. Como primei- aparelho. Cada ficha correspondia a alguns minu-
ro exemplo, veja o poema A rosa de Hiroxima, de Vi- tos de uma ligação e demorava um pouco para
nicius de Moraes (1913-1980). Ele foi escrito em 1954, cair dentro do telefone, de modo que começasse
referindo-se ao bombardeamento de Hiroxima (no a valer.
Japão, em 1945), mas só 19 anos depois, em 1973, Fazia até um barulhinho quando isso acontecia.
foi musicado por Gerson Conrad, da banda Secos É por isso que as pessoas que nasceram mais recen-
e Molhados – da qual o cantor Ney Matogrosso fa- temente perderam a origem da expressão, mas a
zia parte –, compondo o repertório do primeiro disco utilizam porque compreendem seu sentido ao anali-
deles. sar o uso que pessoas mais velhas fazem dela.
A canção foi considerada, em 2009, uma das Quando um garoto, ao convidar uma garota
100 maiores músicas brasileiras pela revista Rolling para sair, diz: Gata, que tal uma balada hoje?, ele
Stone, que é uma referência para assuntos relacio- não está pensando que a menina é uma gata de
nados a música. verdade, certo? Mas a elogia porque a considera
bonita, feminina, charmosa como uma gata. Age
do mesmo modo quem diz: Mas ele é um crânio, por
isso passou em primeiro lugar!.
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Esse é um procedimento metafórico; isto é, utili- Há, ainda, outras expressões comuns como che-
zar uma metáfora. que-borracha, voto-camarão, sorriso amarelo, ter
Veja o que aconteceu. No primeiro caso, hou- minhocas na cabeça, borboletas no estômago,
ve a comparação entre a demora da pessoa para morto de vergonha, azul de raiva, roxo de ciúme,
compreender e a demora da ficha do telefone para que também são metafóricas, assim como a utiliza-
cair; no segundo caso, entre garota e gata; e no ter- ção de alguns verbos, como Ela se levantou e me
ceiro, entre garoto inteligente e crânio. Na elabora- fuzilou com o olhar.
ção da frase, as expressões foram substituídas: ago-
ra que eu compreendi foi trocada por agora que 3. A canção no poema, o poema na canção
caiu a ficha; menina, por gata; garoto inteligente,
por crânio. Agora, analise as seguintes expressões: Até o momento, foram analisados, basicamen-
Ele salta como um canguru; Ela é venenosa como te, a letra da canção e o poema original. Neste mo-
uma serpente; Ele é forte como um touro! mento, você voltará sua atenção para a melodia e
O que se pode observar de diferente entre esse a relação que esta estabelece com o poema. Para
procedimento de comparação e o anterior? Se tanto, ouça novamente a canção Rosa de Hiroxima.
você disse que, no primeiro caso, a comparação O primeiro aspecto a considerar é o tom melan-
está subentendida e, no segundo, está explicitada, cólico geral da melodia, que se repete quase mo-
acertou! No primeiro caso, um termo ou expressão nocordicamente, ou seja, sem muita variação. Isso
é simplesmente trocado por outro. Veja: Agora caiu parece coerente com a intenção de olhar de modo
a ficha!; e não Ele demorou, mas agora compreen- reflexivo para uma tragédia como o ataque a Hiro-
deu o que dissemos!. xima, enxergando a gravidade das consequências
No segundo, não: a comparação está escrita que ele teve para a humanidade. Um tom que qua-
com todas as letras: salta como um canguru; vene- se parece dizer: olhe o que aconteceu; olhe o que
nosa como uma serpente; forte como um touro. É provocou; nós fizemos isso conosco.
possível dizer, então, que há dois tipos de procedi- O segundo aspecto a levar em conta é o fato
mento metafórico: aquele que se realiza por meio de a melodia agrupar os versos de dois em dois,
de uma comparação metafórica, e aquele que deixando no final do segundo verso um intervalo
acontece propriamente como metáfora. que, no caso, é ocupado com o prolongamento
da última sílaba. Cantando, é como se os versos
2. Sintetizando ficassem assim: “Pensem nas crianças/mudas tele-
páticaaaaaaaaaas/Pensem nas meninas/cegas
Na comparação metafórica, um elemento é inexataaaaaaaaaaas”. Esse intervalo entre um par
comparado com outro por meio de um conectivo: de versos e outro – que também poderia ser preen- 77
como, tal como, assim como, igual que, que nem, chido com silêncio – é fundamental na melodia, pois
feito, entre outros. Por exemplo: O céu hoje está es- cria um efeito de que a canção está dando espaço
curo como breu. (elemento A: céu; qualidade co- para o ouvinte recriar na sua mente a imagem suge-
mum: escuro; conectivo: como; elemento B: breu). rida pelo texto, reforçando a ideia de que, quando
Quando se trata de metáfora, a qualidade co- o texto diz “pensem”, está querendo dizer vejam, ve-
mum dos elementos comparados e o conectivo jam a imagem do que aconteceu para tomar cons-
não são apresentados na frase. A relação de seme- ciência da crueldade e do horror provocado.
lhança é elaborada pelo leitor. Na frase, acontece Melodia e letra perfeitamente coerentes: é isso
a substituição da qualidade do elemento que está que parece ter indicado também o sucesso da can-
sendo comentado pelo nome de outro elemento ção em relação ao público e à crítica.
que tenha a mesma característica.
Por exemplo: O céu hoje está um breu. (elemen- 4. O estudo da canção: mais alguns detalhes
to A: céu; elemento B: breu), e não O céu hoje está
escuro como um breu. Para terminar o estudo do poema que virou can-
O céu hoje está escuro como um breu. → com- ção, é importante, ainda, ressaltar que na segunda
paração parte do poema acontece um fenômeno muito in-
O céu hoje está um breu. → substituição teressante. Observe:
Todos sabem que o céu não é breu. Mas, mes-
mo sem estar explícito na frase, o céu está sendo
comparado com o breu por estar muito escuro. No
cotidiano, são utilizadas muitas expressões metafó-
ricas:

• Se isso não se resolver até amanhã, vou rodar


a baiana! Por um lado, é possível verificar a repetição da
• Não acredito que ele não veio! Nunca ia imagi- palavra rosa, que só não aparece em três dos ver-
nar que ele iria roer a corda! sos dessa parte. Por outro lado, pode-se constatar a
• E começou a conversar pisando em ovos... repetição do som da letra R (como é pronunciada
em rosa), só não constando dos mesmos três versos.
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Esses recursos utilizados no poema sugerem que o sertão, de Catulo da Paixão Cearense.
leitor atenda à solicitação do eu lírico, presente no As canções contam – e cantam – o povo em
verso “mas oh não se esqueçam”: parece que a re- toda a sua complexidade. Mas não contam da
petição da palavra “rosa” vai colaborar para que mesma maneira. Cantam em diferentes gêneros e
a recomendação seja cumprida. E, também, a re- ritmos, em diferentes estilos.
petição do fonema /R/ cria um efeito de aspereza, E as canções conversam umas com as outras,
de coisa engasgada na garganta, o que é coerente com os poemas, com outros textos – literários ou
com a concepção do poema a respeito da bom- não –, com outras melodias, citando-os, trazendo-os
ba, que é o tópico comentado nessa parte. para dentro de si, imitando-os.
As canções, portanto, são tecidas de múltiplas
vozes, disfarçadas de muitos modos, ritmos e pala-
#FicaDica vras. São vozes com as quais se convive cotidiana-
A repetição de fonemas idênticos mente e que – quer representem os indivíduos ou
ou semelhantes em um texto – como a não – constituem o ser humano, porque ensinam.
que ocorre na segunda parte da can- O que é importante é exatamente saber disso,
ção Rosa de Hiroxima – é um recurso pois, conhecendo essa materialidade, esse jeito de
muito utilizado tanto em poemas como ser das canções, é possível se colocar em um lugar
em texto escritos em prosa, embora seja muito mais privilegiado para compreendê-las, para
mais comum nos primeiros. Trata-se de apreciá-las, e até – por que não? – para elaborá-las.
um recurso que provoca o efeito de re-
forçar algum sentido, de revelar alguma COMO FAZER PARA GOSTAR DE LER LITERATURA?
intenção subjacente ao texto. No caso
do poema lido, a repetição foi de um fo- Você gosta de ler? Muita gente, no Brasil e até
nema correspondente a uma consoante no mundo, não sabe ler. Outros sabem ler, mas não
– o R –, mas isso também acontece com leem nada. É como se não soubessem. Encontramos
fonemas vocálicos. no Brasil muitas pessoas alfabetizadas que não gos-
Esse recurso é chamado de alitera- tam de ler obras literárias.
ção. Normalmente, é mais fácil gostar daquilo que
sabemos fazer bem. Se uma pessoa não entende
5. Uma canção dentro da canção, dentro da aquilo que lê, vai ser difícil ela gostar do texto. Então,
canção a primeira condição para alguém gostar de Literatu-
ra é conhecer bem a língua em que o texto literário
78 As canções, conforme foi dito, podem conver- está escrito.
sar umas com as outras. Essa conversa tem muitos Certos textos são difíceis de entender, porque
modos de acontecer: às vezes, respondem a pro- eles foram escritos há muito tempo. A maneira como
vocações de canções compostas antes; em alguns se escrevia naquela época pode ser bastante dife-
casos, usam versos de outras, dialogando com as rente da atual. O envelhecimento de certas formas
ideias que apresentam. Há também situações em de expressão dificulta ao leitor a compreensão do
que parte da melodia de uma canção é incluída texto. Lembre-se: o passar do tempo pode dificultar
em outra, mesmo sem a letra. Certamente, os efeitos o entendimento do texto.
dessa estratégia são muito interessantes, pois am- Por isso, quando você ler um livro de um autor
pliam – e muito – as possibilidades de interpretação antigo, não se assuste ao encontrar alguma dificul-
do ouvinte. É esse recurso – o diálogo entre diferen- dade de leitura. Às vezes, é melhor recorrer a um
tes canções – que você estudará agora. dicionário ou a uma enciclopédia, para que a pa-
lavra que não compreendemos não atrapalhe mui-
6. De que falam e com quem conversam as to o entendimento do texto. O texto literário possui
canções, afinal? uma certa intenção de ser literário.
Mas não é só intenção, não. O autor desse tex-
Uma canção fala de muitas coisas. Uma can- to conhece muito bem certas normas da comuni-
ção fala de diferentes modos. Uma canção fala cação literária que são também importantes nas
de amor – como Samba de uma nota só; chama à comunidades leitoras da sociedade. Os leitores in-
reflexão sobre problemas mundiais – como Rosa de terpretam o texto literário, utilizando seus conheci-
Hiroxima e Alô, alô, marciano; fala de situações difí- mentos de sociedade, de linguagem, de cultura e
ceis de comunidades específicas – como Bala perdi- de literatura.
da; faz denúncia sobre problemas nacionais – como Às vezes, esses conhecimentos necessários para
Acorda, amor. entender literatura se adquirem com o passar da
Além disso, as canções também contam histó- vida, pois ela nos ensina muita coisa; outras vezes,
rias de personagens – como Marvin, de Nando Reis; eles são adquiridos com o estudo. Juntando a sua
Eduardo e Mônica, do Renato Russo; O menino da experiência de vida com aquilo que você vai apren-
porteira, de Teddy Vieira e Luizinho, gravada por Sér- dendo por aqui, você terá um entendimento melhor
gio Reis; como Romaria, de Renato Teixeira. Falam da Literatura.
de coisas do cotidiano das pessoas – como Luar do Na verdade, quando você lê um texto literário,
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inicia-se uma conversa entre você e esse texto. E a pode ver logo no começo — Um macaco passea-
leitura se transforma em um jogo: surgem pergun- va-se.
tas que o leitor faz e que o texto vai respondendo. O espaço é muito importante na narrativa lite-
Quando o leitor faz, mentalmente, as suas pergun- rária. Ele pode ser um simples pano de fundo, onde
tas e o texto não responde a elas, esse leitor fica as personagens realizam as suas ações, mas pode
surpreso e, às vezes, até decepcionado. Em certas também ser um espelho da personalidade das per-
ocasiões, essa decepção é sinal de que o texto real- sonagens ou até das ações que elas vão praticar.
mente não estava bem escrito. Em outras situações, As ações levam um certo tempo para aconte-
o problema é que o leitor precisa aumentar a sua cer. De acordo com as suas intenções, o narrador
cultura literária. pode desde fazer-nos acompanhar demoradamen-
te a vida de uma personagem até resumir, em pou-
ALARGANDO OS NOSSOS HORIZONTES LITERÁ- cas palavras, longos anos de acontecimentos.
RIOS: MACHADO DE ASSIS Na narrativa que lemos, percebemos que o nar-
rador relata fatos que se desenrolaram em pouco
Para começar, vamos ler um texto, do escritor tempo, talvez alguns minutos, entre o macaco ver
moçambicano Mia Couto, chamado A Fábula do o peixe e esse coitado vir a morrer por ficar fora da
Macaco e do Peixe: água. Na verdade, não sabemos há quanto tempo
o macaco estava passeando.
Às vezes, o narrador valoriza mais as ações e o
tempo que elas levam para acontecer – é o que
chamamos de tempo cronológico; outras vezes, o
narrador considera mais importante a sensação de
tempo que as personagens sentem e estrutura a sua
narrativa em torno desse tempo psicológico. Com
certeza, você já sentiu, em certas ocasiões, que um
minuto (tempo cronológico) parece durar horas (a
sensação do tempo psicológico). A seguir, vamos
ler um conto de Machado de Assis, um importante
escritor que viveu no Brasil do século XIX.
O conto é um tipo específico de narrativa. Ma-
chado é principalmente conhecido por seu estilo de
escrever narrativas. Enquanto você lê, pense no que
acabamos de ver, sobre narrador, espaço e tempo 79
na narrativa.
O texto que você leu é uma narrativa. Narrar é O conto que vamos ler chama-se Cantiga de es-
a mesma coisa que contar, ou seja, apresentar uma ponsais. Esponsais são as cerimônias de casamento,
série de ações em episódios que se sucedem uns ou seja, o noivado e a festa de casamento em que
aos outros. os noivos se tornam esposos. A palavra “esponsais”
Os episódios da narrativa se organizam de um tem a mesma origem que “esposo”.
determinado jeito, que é a maneira pela qual a his-
tória é contada. A isso nós chamamos enredo. Essas
mudanças levam um certo tempo para acontecer:
o macaco vê o peixe enquanto passeia à beira do
rio, o peixe, que está vivo, morre etc. Toda narrati-
va tem personagens que vivem em um mundo não
real, mas possível; um mundo criado por alguém
que narra a história. Esse alguém é o narrador.
No trecho lido, o narrador não é nem o macaco,
nem o peixe e, ainda que não seja personagem da
narrativa, é muito importante dentro do texto. É o
narrador quem fornecerá informações que vão per-
mitir ao leitor a compreensão do texto. Há duas for-
mas de narrar: ou o narrador introduz-se no enredo,
em primeira pessoa, sendo também uma persona-
gem do enredo, ou afasta-se, criando um discurso
em terceira pessoa.
O narrador em primeira pessoa pode ser mais
pessoal, envolvendo-se afetivamente com os acon-
tecimentos. Já o narrador em terceira pessoa con-
segue ser mais objetivo, pois não está tão envolvi-
do com as ações das personagens. A narrativa que
você leu foi narrada em terceira pessoa, como se
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ALARGANDO OS NOSSOS HORIZONTES CULTU- compartilhando de um momento difícil pelo qual o


RAIS: FERNANDO PESSOA poeta está passando.
A ambiguidade permite, no poema, uma rique-
Já se falou bastante de poesia no começo do za de interpretações. Em que sentido poderia o lago
capítulo. Neste momento, outro poeta português, estar mudo? E o eu poético? Por que estaria mudo?
Fernando Pessoa, que viveu no século XX, vai aju- Esses dois sentidos se opõem ou se complementam?
dar-nos a entender ainda melhor que é a poesia. O poeta reflete sobre a sua identidade e questiona
Vamos ler um poema chamado Contemplo o lago o fato de haver construído a sua vida com sonhos. O
mudo. Nome esquisito, não? É que o poeta não deu lago também está imóvel, parado.
nome ao poema, então, quando isso acontece, nós De certa forma, o lago mudo se identificaria
nos referimos ao poema pelo primeiro verso dele. En- com a vida parada do eu poético. Há momentos
tão vamos ler o poema? em que pode ser doloroso dar-se conta de que a
nossa vida não foi ativa, mas ficou parada, perdida
nos sonhos, como um se fosse um lago.
O jogo entre eu mudo e lago mudo, presente
no primeiro verso, reforça esse sentido de leitura que
construímos. É claro que nem todo poema é tão
parado como esse que acabamos de ler. No texto
lírico, existem certas palavras que nos fazem pensar
em um ante e um depois, como na narrativa.
Porém, no poema lírico, a história para contar
não é o mais importante, o mais importante é o sen-
timento do poeta trabalhado pela palavra. Muitas
vezes, o poeta se isola dos acontecimentos do mun-
do. Ele se tranca em um mundo que é só seu. Em
outras ocasiões, são justamente as mudanças que
ocorrem à sua volta, no mundo exterior, que empur-
ram o poeta a escrever. A maioria dos poemas é
escrita em versos e estrofes.
Antes de nos aprofundarmos no poema, tente É o caso do poema Contemplo o lago mudo.
recapitular o que já aprendeu, identificando quan- Alguns poemas, porém, são escritos em prosa, como
tos versos possui o poema, quantas estrofes e qual o texto que você lerá a seguir. As linhas ocupam de
80 o esquema de rimas do poema. Reparou como o um lado ao outro do papel e o texto aparece divi-
que importa para o poeta não é o que acontece no dido em parágrafos. Às vezes, os poemas têm rimas;
lago, mas aquilo que o eu poético sentiu quando viu outras vezes, não.
o lago? A poesia lírica se preocupa principalmente Em outros momentos, texto narrativo e texto lírico
com o mundo interior do eu que escreve o poema: se misturam de tal maneira que é quase impossível
o poeta. separar o que é um e o que é outro. Veja a seguir um
O mundo que está em volta do poeta, com as trecho de um daqueles textos que é quase impossí-
coisas, as pessoas, a sociedade e os acontecimen- vel definir: poema em prosa? Narrativa lírica?
tos históricos, não representa o principal do poema:
o mais importante em um poema lírico é aquilo, no
mundo interior do poeta, com que esse mundo ex-
terior mexe.
As coisas que acontecem no mundo exterior
funcionam como um empurrão para que o poeta
escreva. Na poesia, as palavras carregam-se de sig-
nificações. Muitas vezes, o leitor encontra em uma
palavra do poema uma pluralidade de sentidos que
valorizam o plano artístico do texto.
Os sentidos plurais das palavras no poema se OUTRO AUTOR QUE PERMITE ALARGAR A NOSSA
complementam e enriquecem as diferentes leituras CULTURA LITERÁRIA: MARTINS PENA
realizadas. No verso “contemplo o lago mudo”, o
termo “mudo” pode referir-se tanto ao lago quanto A Literatura é cultura e nela manifestam-se todos
ao eu poético. os temas: amor, ódio, dúvida, união, o poder das pa-
A essa pequena confusão de sentidos chama- lavras... Há inúmeros assuntos para um texto literário!
mos de ambiguidade. Tanto pode ser o eu que está Há textos literários que procuram fazernos rir... e
mudo enquanto contempla o lago, como pode ser com humor, muitas vezes, se criticam os hábitos da
o lago que emudece enquanto o eu poético o con- sociedade, assim diziam os antigos romanos. Talvez
templa. você concorde com eles, principalmente depois de
A personificação do lago transforma-o em con- ler o texto a seguir, retirado da peça Juiz de Paz na
fidente do poeta, como se fosse um companheiro Roça, do escritor brasileiro Martins Pena.
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Este trecho mostra o juiz julgando um caso de pensar que esse problema não é novo no Brasil. Mar-
pessoas simples que moram na roça, no século XIX: tins Pena é um exemplo de um escritor que se sentiu
incomodado com o referido problema no seu tem-
po e no seu espaço/ambiente, transformando-o em
tema de sua obra literária.
A crítica ardida da peça de Martins Pena fazia
as pessoas rirem e pensarem na realidade ao seu
redor.

AUMENTAR A CULTURA LITERÁRIA

Examinamos alguns autores da Literatura escrita.


Ainda poderíamos falar de muitos outros autores e
de muitas outras formas literárias. Aumentar a cultu-
ra literária é um caminho que sempre permite um
avanço.
Ou seja, quanto mais lermos e estudarmos o as-
sunto, maiores serão os nossos horizontes literários.
Todos temos o direito ao texto literário e é muito im-
portante que você o leia; caso contrário, outros o
farão por você e lhe passarão a perna!
Ler Literatura, comentar sobre os textos literários,
construir leituras neles é um prazer e, principalmente,
um direito seu!

Em 1833, Martins Pena escreveu Juiz de Paz da


Roça. Repare no título: Juiz de Paz era um cargo de 1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
grande responsabilidade e poder.
Supunha-se que a pessoa havia estudado muito, 1. Você leu três textos que tratam do mes-
feito até faculdade de Direito e que ela mandava mo tema (A paixão do amor, O sempre amor e
nos outros ao seu redor, ainda mais no século XIX, Prova de amor). Ao relê-los, procure observar as
em que havia poucas oportunidades para as pes- semelhanças e as diferenças entre eles. Repare
soas estudarem. na linguagem utilizada, na sonoridade, no arran- 81
Roça, por outro lado, lembra o campo, um am- jo das palavras. Leia cada texto quantas vezes
biente de pessoas mais simples, que dependiam das você quiser antes de responder às perguntas
ordens vindas da cidade e que, normalmente, não que serão propostas.
tinham tanto estudo como o Juiz de Paz. Esse con-
tato entre campo e cidade ainda rende piadas até - Os três textos apresentados tratam do mes-
hoje. Contudo, é importante reparar na conduta do mo tema. Qual?
Juiz de Paz no texto de Martins Pena. - Como o texto 1 retrata a pessoa apaixona-
Ele é muito mandão e autoritário. Ele não está da?
realmente interessado em resolver os problemas das - Dizem que o amor é cego e surdo. As ideias
pessoas, mas antes prefere se ver livre daqueles que do texto 1 estão em acordo ou em desacordo
vão até ele. Mais ainda, abusa do poder e amea- com essa frase? Justifique a resposta.
ça as pessoas que não fazem o que ele quer, como - Você viu que a seleção e a combinação
quando diz “Sr. Escrivão, não dê anistia a este rebel- das palavras, o toque poético, nos textos podem
de, e mande-o agarrar para soldado”. criar novos sentidos. Escolha um trecho, no tex-
Martins Pena critica o mau uso do poder. O tom to 1, que, para você, foi escrito com um toque
de comédia do texto deixa a crítica mais leve, mas poético.
o leitor, ao ler o texto, pode dar-se conta de que, - No texto 2, como a autora procurou definir
mesmo depois de tanto tempo, o mau uso do poder o amor? O que mais chamou sua atenção nesse
ainda é um tema atual. texto?
Talvez o texto tenha uma escolha vocabular an- - Por que, em sua opinião, em um poema tão
tiquada, o enredo talvez trate de acontecimentos curto como o do texto 2, a autora repetiu os três
que não se veem mais nos dias de hoje, mas o tema primeiros versos?
por detrás do enredo, como, neste caso, o abuso do - O texto 3 conta uma história. É uma história
poder, ainda se mantém atual. comum? O que há de diferente nela? O que é
Isso costuma acontecer muito com os textos li- possível aprender com ela?
terários. Quando pensamos nos muitos casos que - Compare os três textos. Em todos eles o sen-
lemos, hoje em dia, em jornais e revistas, de pessoas timento do amor é visto da mesma forma? Justi-
que abusam do poder e da responsabilidade que fique a resposta.
possuem, fazendo mau uso do seu cargo, podemos - Qual dos três textos, em sua opinião, melhor
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retrata a concepção que você tem de


amor? Por quê?
.
02. Responda às questões a seguir sobre o
texto Uns braços.

a) O conto Uns braços começa com o soli-


citador Borges apresentando Inácio. Como é a
apresentação que esse personagem faz do ra-
paz? Se você reparou, a letra da canção tem vá-
b) No parágrafo 5, o narrador do texto tam- rios versos em que a aliteração acontece. Repita
bém apresenta Inácio. Em que a apresentação várias vezes o 20o e os 23o e 24o versos e analise
do narrador difere da do solicitador? o que ocorre neles, identificando quais sons se
c) Por que Inácio se demora o mais que repetem e que efeitos esse recurso provoca nos
pode na sala? sentidos do texto.
d) No parágrafo 15, D. Severina descobre
que Inácio a ama. O que levou D. Severina a fa- 05. No caso de ser o lago que está mudo,
zer essa descoberta? identifique outro verso em que o poeta usou do
e) No parágrafo 24, o narrador anuncia so- mesmo recurso expressivo:
bre Inácio: “Chegava a casa e não se ia em- a) O lago nada me diz
bora. [...] Deixava-se estar e ia andando. Afinal, b) Não sei se penso em tudo
porém, teve de sair, e para nunca mais; eis aqui c) Não sei se sou feliz
como e por quê”. Esse trecho prepara o leitor d) Por que fiz eu dos sonhos
para qual parte do enredo? Justifique a respos-
ta.
DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
03. Que tal fazer uma leitura do texto intei- RESULTADOS
ro, novamente, para entender ainda melhor o
enredo? Após essa leitura, responda: Se você Confira aqui os seus resultados!
tivesse de escolher uma alternativa que melhor
representasse o tema do conto Uns braços, qual 1.
82 escolheria? - Os três textos, de forma diferente, tratam do
tema amor.
a) O conto trata de um amor entre pessoas - Você pode ter observado, no texto 1, que a
de idades diferentes. autora retrata a pessoa apaixonada como uma
b) O conto trata da gratuidade da paixão. idealizadora da pessoa que é amada. Para ela,
c) O conto trata da luta de um jovem para tudo o que o amado diz soa como música, tudo
vencer na vida. o que o amado faz é justo, o amado não tem
d) O conto mostra que, às vezes, a verdade defeitos.
do sonho é oposta à da realidade. - A frase está em acordo com o texto da
Betty Milan (1944-). Ela escreve que o amor igno-
04. Leia a letra da canção Chuva, suor e cer- ra a feiura, a mentira, a injustiça... ou seja, o amor
veja, de Caetano Veloso (1942-), que faz parte é cego para os defeitos do ser amado. Como o
do álbum Caetano... muitos carnavais... Ouça ser amado é invariavelmente belo, pode dizer
também a canção, encontrando-a em um en- o que quiser, pois tudo soa como música para
dereço da internet onde esteja disponível. quem ama.
- Há muitos trechos que foram escritos com
toque poético, quase que a única maneira de
se falar do amor. Trechos como: “não me faria
ver as mesmas cores ou ouvir assim esta melodia
que só a sua presença ou a presença da sua au-
sência intensifica e faz existir”.
- Muitas respostas são possíveis. É provável
que você tenha escrito, por exemplo, que a au-
tora tentou definir o amor de forma poética. Os
versos repetidos podem ter chamado sua aten-
ção.
- Várias respostas são possíveis. Com pou-
cas palavras e muitas repetições, a autora ten-
tou definir o amor. Com a repetição, ela pode
reiterar para o leitor de que maneira concebe
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o amor; pode dar ritmo ao texto; pode querer enquanto ele sonha que está sendo beijado por
mostrar o que significa falar “palavras como lan- ela, mostra que às vezes o sonho não é o opos-
ças”, que é muito difícil definir o amor. to da realidade. Assim, você deve ter percebi-
- Você pode ter respondido que a história do que o conto trata da gratuidade da paixão,
escrita por Marina Colasanti é incomum. Uma de como os braços de D. Severina despertam o
barba que nasce em rosto feminino? Que nas- amor de Inácio – e de como o amor do rapaz faz
ce por vontade da personagem? Há um conflito despertar o interesse dela.
incomum. É possível aprender várias coisas com
a história: que em uma relação amorosa podem 04. Esperava-se que fosse identificado no
acontecer as coisas mais surpreendentes; que o 20o verso a repetição dos fonemas /ch/, /j/ e /g/
amor leva a realizar atos impossíveis; que a en- nas palavras “chuva”, “ajuda” e “gente”, reme-
trega extrema, a submissão ou sacrifícios podem tendo ao chiado da chuva. De maneira seme-
não adiantar numa relação amorosa; que as lhante, a repetição do fonema /b/ nas palavras
pessoas mudam etc. “embala” e “embola” – articulada à melodia e
- Ao comparar os três textos, você pode ter ao ritmo da canção – remete HOR à embolada
notado que, em cada um, o sentimento amo- humana típica do carnaval baiano.
roso é visto de uma forma. No texto 1, é forte a
ideia de encantamento que leva à idealização 05. Resposta correta: a
do amor (o amor ignora a feiura) e do ser amado
(o ser amado é invariavelmente belo). No texto
2, o eu lírico diz que o amor consegue reunir o
que há de mais alegre e o que há de mais triste, AS LÍNGUAS ESTRANGEIRAS MODERNAS
e ainda assim é o que ele mais quer. No texto 3, o EM NOSSA SOCIEDADE
amor é visto como um sentimento capaz de rea-
lizar o impossível, capaz de romper com a lógica
das coisas, mostrando que as relações amorosas Olá! Hola! Hello! Ciao! Salut!
podem ser surpreendentes.
- A resposta é pessoal. Como você vê o Este capítulo propõe o estudo de Línguas Es-
amor? Como você lida com seus percursos amo- trangeiras Modernas a você, estudante que deseja
rosos? completar sua formação no Ensino Médio. Veja que
falamos em línguas no plural e é isso mesmo: o intui-
02. to não é estudar uma língua em especial, mas sim, 83
a) Você deve ter percebido que a apresen- descobrir caminhos que tornem possível a leitura de
tação que o solicitador Borges faz de Inácio é a pequenos textos em algumas das línguas estrangei-
pior possível. Inácio é chamado de “malandro, ras presentes em nossa sociedade. Nesse sentido,
cabeça de vento, estúpido, maluco”. vamos ler textos com os quais é bem possível que
b) O narrador conta que Inácio tinha 15 você já se tenha deparado em algum momento de
anos, tinha a “cabeça inculta, mas bela, olhos sua vida: o manual de um equipamento eletroele-
de rapaz que sonha, que adivinha, que indaga, trônico, a embalagem de um produto importado,
que quer saber e não acaba de saber nada” e um anúncio em Língua Portuguesa com palavras
andava malvestido. Não é difícil perceber que em língua estrangeira, enfim, textos que nos rodeiam
a apresentação do narrador é mais completa e e que, às vezes, nem sequer são lidos, por nos julgar-
generosa. mos incapazes de entendê-los.
c) Você deve ter respondido que Inácio se
demora à mesa para ficar contemplando os A PRESENÇA DE VÁRIAS LÍNGUAS EM NOSSO CO-
braços de D. Severina. TIDIANO
d) Você pode ter respondido que D. Severi-
na recapitulou o que tinha acontecido no jan- Sem dúvida, você sabe ligar um aparelho toca-
tar; recordou os modos dele (Inácio), os esqueci- -fitas para ouvir uma música e sabe, também, inter-
mentos, as distrações e todos os incidentes. rompê-la no momento em que quiser. Mas será que
e) O narrador prepara o leitor para o conflito, você já percebeu o que está escrito nos botões do
que vai prender sua atenção. aparelho?

03. Alternativa correta: b. power – play – stop


Embora o texto conte a história de Inácio
e D. Severina (o amor entre pessoas de idades Essas palavras não pertencem à Língua Portu-
diferentes) e, também, justifique a presença de guesa, mas nós as dominamos sem hesitar. Veja só
Inácio na casa do solicitador Borges por ques- outra situação bastante corriqueira. Quando você
tões de trabalho (a luta de um jovem para ven- liga seu aparelho de televisão para assistir a um jogo
cer na vida), esses não são o tema central do de futebol da nossa seleção, é bem provável que
conto. O beijo que D. Severina dá em Inácio, queira ver o time marcar muitos gols.
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Você vai ficar aborrecido se um craque perder


um pênalti e vai vibrar com os dribles dos atacantes.
Pois é, mas, apesar de ser uma emoção bem brasi-
leira, na verdade, várias palavras do trecho acima
são, originalmente, inglesas.

football, team, goal, dribble e penalty

São alguns exemplos.


Pois é… Essas palavras já foram incorporadas à
Você sabia que foi o paulista Charles Miller que,
nossa língua a ponto de sequer estranharmos sua
em 1894, trouxe o esporte para o Brasil após ter pas-
presença em nosso cotidiano. Outras, como as que
sado uma temporada estudando na Inglaterra,
vimos anteriormente, parecem invadir, a todo mo-
onde o esporte já era bastante difundido? Se puder,
mento, nossas vidas e, sem percebermos, usamos
converse com pessoas mais velhas sobre isso. Elas
como se fossem nossas.
devem se lembrar de que, até os anos 50, não se
dizia escanteio, mas sim, corner; zagueiro era back e
o goleiro era o (goal) keeper.
PARECE ESTRANHO, MAS NÃO É

Nesta parte, vamos analisar alguns textos para


#FicaDica que você, unindo as experiências e vivências que
Aliás, nos programas de esportes na possui e o conhecimento que tem de sua própria lín-
televisão, há uma verdadeira enxurrada gua materna, possa aprender a encontrar a chave
de palavras estrangeiras sendo utiliza- para ler pequenos textos.
das. Veja se você consegue identificar a Vamos supor que você esteja lendo uma revista
quais esportes se relacionam as seguin- e nela encontre o seguinte texto:
tes palavras da língua inglesa:

a) backhand, slice, set point, smash


b) jab, corner, knockdown, punch
c) cockpit, grid, pole position

E então, conseguiu identificar os esportes?


84 O primeiro grupo relaciona-se ao tênis, esporte
em que temos o Guga, o primeiro brasileiro a ocu-
par a posição de número 1 no ranking mundial (ôpa!
ranking também é uma palavra inglesa).
Estranho, não é? Isso porque se trata de um tex-
O segundo grupo relaciona-se ao boxe, de nos-
to em que há palavras inventadas, que não perten-
sos expoentes Maguila e Popó. O terceiro grupo é
cem ao Português ou a nenhuma outra língua.
da Fórmula 1, de Émerson Fittipaldi, Nelson Piquet,
Apesar disso, releia-o e veja se você consegue
Ayrton Senna e Rubens Barrichello.
identificar o tipo de texto (se é uma receita, um arti-
Agora que você já parou para pensar sobre o
go, um poema ou um anúncio) e o assunto (de que
assunto, vale a pena afirmar que, apesar de você
ele fala). Em seguida, tente reescrevê-lo, substituin-
morar no Brasil e falar português, que é, portanto, a
do as palavras inventadas por palavras de nossa lín-
sua língua materna, você está constantemente em
gua e compare sua versão com a existente no final
contato com outras línguas.
deste capítulo.
O fato de vivermos em uma sociedade plurilín-
Vamos, agora, discutir a relação entre o que
gue, ou seja, na qual participam muitas línguas, não
você acaba de fazer e a leitura de textos em línguas
é E então, conseguiu identificar os esportes? O pri-
estrangeiras. É bem provável que você, mesmo com
meiro grupo relaciona-se ao tênis, esporte em que
alguma dificuldade, tenha conseguido realizar a ta-
temos o Guga, o primeiro brasileiro a ocupar a posi-
refa. Isso ocorre porque, quando lemos, orientamos
ção de número 1 no ranking mundial (ôpa! ranking
nossa atenção para aquilo que entendemos e lida-
também é uma palavra inglesa).
mos com as dúvidas fazendo inferências, ou seja,
O segundo grupo relaciona-se ao boxe, de nos-
tentando adivinhar o significado das palavras a par-
sos expoentes Maguila e Popó. O terceiro grupo é
tir de dicas que encontramos no texto.
da Fórmula 1, de Émerson Fittipaldi, Nelson Piquet,
Além disso, cada tipo de texto está associado a
Ayrton Senna e Rubens Barrichello. algo novo. Tra-
determinadas expectativas de leitura. Quem deseja
ta-se de algo que faz parte da formação de nossa
fazer um bolo pela primeira vez lê uma receita e não
própria língua portuguesa.
um anúncio e, durante a leitura, espera encontrar os
Você certamente conhece as palavras bom-
ingredientes e as respectivas dosagens, o modo de
bom, ressaca e serenata, não é mesmo? Mas você
preparo e algumas dicas sobre como proceder em
sabe de onde elas vêm? Se não sabe, descubra,
cada etapa do processo.
lendo os trechos a seguir:
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Quem deseja encontrar um determinado capí-


tulo de um livro lê o índice e espera encontrar não
só os nomes dos capítulos, como também a nume-
ração das páginas. Quem deseja descobrir o peso e
o prazo de validade de um produto lê sua embala-
gem e direciona sua leitura para os números.
Afinal, peso e validade são ideias expressas nu-
mericamente. Assim, leitor e texto se aproximam e
criam expectativas um em relação ao outro. Por
esse motivo, para ler o texto, você deve ter utilizado
adjetivos bastante positivos, tais como maravilhoso,
delicioso, estonteante, inesquecível. Claro, pois nin-
guém espera ler, em um anúncio, algo como “Ve-
nha jantar em um de nossos restaurantes sujos e hor-
ríveis”.
O anúncio quer vender algo e, por essa razão, Fácil, não é? Principalmente se você se lembrou
a linguagem deve seduzir e atrair o possível com- daquilo que discutimos no campo desenvolvendo
prador. Sempre que você estiver diante de um texto competências 1.
em língua estrangeira, lembre-se de, numa primeira Agora, encontre a palavra acqua na receita.
leitura geral, identificar o tipo de texto e o assunto, Qual o significado dela?
pois isso o ajudará a fazer “previsões”, facilitando a Acqua em Italiano corresponde a água em Por-
compreensão. tuguês. Isso porque a palavra acqua é um COG-
NATO – uma palavra em língua estrangeira muito
VOCÊ PODE LER EM ITALIANO, INGLÊS, FRANCÊS parecida com a correspondente em nossa língua,
pois ambas têm a mesma origem, ou seja, foram
A seguir, você encontra textos em três línguas: formadas a partir da palavra aqua do Latim.
Italiano, Inglês e Francês. Qual deles você deve ler Desta vez, encontre a palavra burro na receita.
para Não é estranho que essa palavra esteja nesse
tipo de texto? Afinal, nós, falantes da Língua Portu-
a) receber um folheto que explica os vários usos guesa, usamos a palavra burro para indicar um ani-
de uma ferramenta? mal de quatro patas, bastante parecido com um
b) saber como fazer funcionar um rádio portátil? cavalo. Entretanto, burro em Italiano é o mesmo que
c) acrescentar uma receita em sua coleção de manteiga em Português. Pois é… Esse é um exem- 85
receitas? plo daquilo que chamamos FALSO COGNATO, ou
seja, uma palavra que parece com outra de nossa
língua, mas tem significado diferente.

SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE AS LÍNGUAS

É bastante comum ouvirmos a seguinte afirma-


ção: “Eu me viro bem em Espanhol, porque se pare-
ce muito com o Português. Na verdade, é só usar as
palavras do Português com a pronúncia do Espanhol
e está tudo resolvido.” Ora, isso não é bem verdade.
De fato, há muitas semelhanças entre essas duas lín-
guas, mas nem tudo é assim tão transparente… Você
saberia dizer o que significa a palavra cuchara? Se
não, descubra lendo as instruções abaixo, tiradas de
uma embalagem de filtro de papel para fazer café.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

E então, você conseguiu descobrir? O fato de b) perfume masculino


saber fazer café utilizando um filtro de papel ajuda c) sabonete perfumado
muito. d) loção de limpeza para peles normais
É o que chamamos conhecimento prévio. Sem-
pre que lemos sobre algo que já conhecemos, é bem Releia as páginas do catálogo e identifique o có-
mais fácil formular hipóteses – fazer previsões e/ou su- digo dos produtos solicitados.
posições – acerca do significado de palavras e ter- Que pistas presentes no catálogo você utilizou
mos presentes no essas duas línguas, mas nem tudo para realizar a tarefa?
é assim tão transparente… Você saberia dizer o que
significa a palavra cuchara? Se não, descubra lendo Vamos discutir um pouco mais sobre isso. Você
as instruções abaixo, tiradas de uma embalagem de provavelmente fez uso das imagens e das palavras
filtro de papel para fazer café. texto. cognatas, não é mesmo? É o caso da diferença en-
Mas, no caso acima, há, ainda, um outro fa- tre toothpaste e toothbrush. Pela imagem, é possível
tor que ajuda a descobrir o significado da palavra associar toothpaste e toothbrush a dentes.
cuchara: são as ilustrações que acompanham as ins- Pela semelhança com o Português, toothpas-
truções. Elas orientam a leitura, criando um contexto te é pasta de dente, ou creme dental. Porém, para
que ajuda o leitor a descobrir significados. decidir se perfume masculino é perfume for men ou
Vale, então, o recado. Sempre que houver ima- perfume for women, você precisa saber a diferença
gens, inicie a leitura a partir delas e, quando o texto entre men e women. Como essas duas palavras fa-
parecer confuso ou difícil de acompanhar, procure zem lembrar apenas a palavra homem e a ilustração
nelas o auxílio para prosseguir com a leitura. não ajuda muito, é necessário encontrar outra alter-
nativa para lidar com esse problema: ou você bus-
VOCÊ É O VENDEDOR ca, naquilo que conhece, expressões que possam
esclarecê-las; ou você conversa com alguém que
Vamos supor que você precisa ampliar sua ren- possa ajudá-lo a estabelecer a diferença entre elas;
da e surge a oportunidade de vender, em suas horas ou você precisará descobrir o que significam em um
livres, produtos de uma empresa multinacional que dicionário. Qual foi a sua estratégia?
acaba de entrar no mercado brasileiro.
As vendas são feitas através de um catálogo que
Para pensar:
contém a especificação de todos os produtos ofe-
Você alguma vez utilizou um dicionário de lín-
recidos pela empresa. Só que, quando você abre o
gua estrangeira?
catálogo, depara-se com um problema: a descrição
86 Sua busca teve sucesso?
dos produtos está em outra língua. Observe as pági-
nas 2 e 3 do catálogo, reproduzidas a seguir, e res-
ponda: que tipo de produtos você irá vender? LENDO NOTÍCIAS

Leia a notícia a seguir e procure indicar

a) em que seção de um jornal ou revista ela po-


deria ser encontrada;
b) quais termos e expressões em línguas estran-
geiras nela estão presentes.

Ao ler a notícia, você deve ter percebido que ela


faz parte de uma coluna assinada por Sissi Magalhães
Ao responder à pergunta, você iniciou um pro- e que está indicada como destaque da semana. Isso
cesso de compreensão geral do texto. Entretanto, revela a importância que é dada à exposição e à
para poder efetuar suas vendas e orientar bem seus artista.
clientes, você precisará saber mais detalhes sobre O público a quem essa notícia se destina é cer-
cada produto. Será preciso, assim, aprofundar sua tamente constituído por artistas plásticos, profissionais
leitura. da área e pessoas que se interessam por arte em ge-
Mãos à obra! Seu primeiro cliente solicitou: ral.
Refletir sobre o lugar ou veículo/mídia em que o
a) creme dental texto se apresenta e a quem ele se destina (seus leito-
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

res) é um dos passos para entendê-lo. cil saber o que você está comendo: tomate, alface,
Outro passo é buscar compreender as intenções cebola…
do autor e os recursos que ele usa para comunicá-las. Você pode estar pensando: mas o que isso tem a
Você assinalou várias palavras e expressões em ver com a presença de produtos culturais estrangei-
línguas estrangeiras presentes no texto, que servem ros em nossa sociedade?
para indicar, por exemplo, quem é Fabiana (uma de- Tem muito a ver! Tecnologias modernas como a
signer), o nome de sua última coleção (Light & Dark), Internet, a TV a cabo, a telefonia e os sistemas de co-
como as cores são utilizadas em seu último trabalho municação em geral aproximam e facilitam o conví-
(ton sur ton) e o local onde será a exposição (Modern vio e as trocas entre culturas.
Gallery). Entretanto, será que não temos, em nossa Para muitos, esse convívio é considerado pre-
língua, palavras e expressões com o mesmo sentido? judicial, fazendo com que as culturas de cada país
O que deve ter levado a autora a usar tantas pala- passem por uma desestruturação, levando ao que se
vras estrangeiras em um texto tão curto? chama uma única cultura global. É como se toda a
Para analisar essa questão, voltamos ao que foi cultura produzida no mundo pudesse assemelhar-se
dito anteriormente: as intenções de quem escreve ou à sopa de legumes batida no liquidificador!
fala. Para outros, porém, o convívio entre as culturas
A artista, ao ser chamada de designer – em vez pode ter efeito inverso, ou seja, a aproximação e o
de desenhista de produto ou projetista – tem sua diálogo podem ser positivos, garantindo e aprofun-
atuação profissional valorizada, já que um designer dando as particularidades e identidades originais de
não só faz o desenho, como também cria algo novo. cada cultura – como no prato de salada!
Além disso, ao batizar sua coleção com um nome em Ao ler os textos a seguir, reflita sobre a posição e
Inglês, a artista deve ter tido a intenção de posicionar as opções dos artistas com relação à sua identidade
seu trabalho em uma esfera mundial, não o restringin- cultural (características próprias da cultura de cada
do ao público brasileiro. É como se o nome pudesse indivíduo).
fazer com que a obra da artista tivesse um caráter
internacional.
O dono da galeria, ao escolher para ela um
nome em Inglês, parece ter tido a mesma intenção.
Com um nome estrangeiro, a galeria abre-se como
um espaço de arte do mundo e para o mundo.
A autora do texto, ao usar esses termos e expres-
sões, marca seu público-leitor como um grupo de
pessoas que têm interesses comuns, circulam nas 87
mesmas rodas sociais e, portanto, compartilham de
uma mesma linguagem, o que dá à autora e a seus
leitores um status social diferenciado. Não se pode
negar o caráter elitista desse uso. Nesse sentido, dizer
“ton sur ton” tem um valor diferente do que teria “tom
sobre tom”. Infelizmente, para alguns, dizer sale em
vez de liquidação e delivery em vez de entrega em
domicílio é “chique” e “diferente”.
Sempre que você vir outros textos – notícias, mar-
cas, nomes de estabelecimentos comerciais, anún-
cios – com termos ou expressões em línguas estran-
geiras, pare e pense nas intenções e significados des-
se uso.

OS PRODUTOS CULTURAIS ESTRANGEIROS

Você certamente conhece produtos culturais


estrangeiros, tais como músicas, filmes, programas
de televisão, entre outros, que circulam em nossa so-
ciedade. Vamos refletir sobre a presença desses pro-
dutos a partir de um exemplo bastante corriqueiro: a
diferença entre tomar uma sopa de legumes batida
no liquidificador e comer um prato de salada.
Na sopa, os ingredientes desmancham-se e for-
mam um todo único no qual, mesmo que o sabor de
um ou outro possa sobressair, torna-se difícil identificar
cada um deles.
No prato de salada, por mais que os ingredientes Na letra da música, você deve ter percebido
estejam juntos, até mesmo picados, é bem mais fá- que, na primeira estrofe, são reproduzidas as críticas
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

sofridas pela artista em relação a um possível aban-


dono de suas raízes culturais: “disseram que eu voltei 1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
americanizada”, “não suporto mais o breque do pan-
deiro”. 01. Não é só nos esportes que notamos a pre-
Na última estrofe, a artista responde às críticas, sença de línguas estrangeiras modernas. Leia as
reafirmando sua origem e, portanto, sua identidade palavras do quadro a seguir. Você certamente já
cultural: “eu digo mesmo eu te amo e nunca I love ouviu algumas delas ou até mesmo as usou. Du-
you” e “eu sou do camarão ensopadinho com chu- rante a leitura, procure identificar se dizem respei-
chu”. É como se dissesse: “convivo sim, conheço sim, to à alimentação, informática ou vestuário.
mas não deixo de ser quem sempre fui”, ou seja, “não
virei uma sopa de legumes!”
Na notícia, observamos que se trata de uma jo-
vem cantora canadense, filha de imigrantes portu-
02. Agora é a sua vez. Com a definição de
gueses, cujo trabalho tem reconhecimento interna-
cognatos e o alerta sobre os falsos cognatos em
cional (ganhadora do prêmio Grammy, que, na mú-
mente, releia os textos e identifique as seguintes
sica, equivale ao Oscar do cinema). O interessante
palavras:
é que a cantora inclui, em seu repertório, um fado
pop – combinação de dois gêneros musicais: o fado,
a) Na receita: cozimento, salgada, vinho e
tipicamente português, e a música pop, tipicamente
abundante.
norte-americana. E uma canção em Inglês, na qual b) No anúncio da ferramenta: trabalhos, facil-
há um trecho em Português. mente e rua.
Assim, na produção de uma única artista, vemos, c) No manual: pressionar, baterias e automa-
ao mesmo tempo, marcas de sua inserção no merca- ticamente.
do cultural mundial e da afirmação de suas origens.
É o prato de saladas de que falamos anteriormente. 03. Releia as instruções (Semelhanças e Dife-
Apesar de o assunto ser bastante complexo, seu renças entre As Línguas e descubra:
senso crítico o ajudará a posicionar-se diante desse
fenômeno tão presente em nossa sociedade. As mú- a) Por que o número 10 aparece duas vezes
sicas que você ouve, os filmes e programas de televi- no primeiro passo das instruções?
são a que você assiste têm, sim, uma força ideológi- b) Como dizemos as palavras tacita e hirvien-
ca que pode passar despercebida. Cabe a você a do em português?
decisão de consumi-los indiscriminadamente, como c) Que instrução adverte o usuário do filtro de
88 se tomasse a sopa, ou avaliá-los de forma crítica e papel sobre o que NÃO deve ser feito?
consciente, reconhecendo intenções e particularida-
des, como se comesse o prato de salada. 04. Com a globalização (integração e supe-
ração de fronteiras econômicas entre países),
DICAS PARA LER TEXTOS EM LÍNGUAS ESTRANGEIRAS passou a ser comum encontrarmos uma grande
diversidade de produtos, cujas embalagens são
Como posso ler textos em línguas estrangeiras? escritas em mais de uma língua (por exemplo, em
Português e em Espanhol). Isso ocorre porque

a) houve um aumento do número de imigran-


tes no Brasil nas últimas décadas.
b) facilita a comercialização de um mesmo
produto em diferentes países.
c) os consumidores, no Brasil, falam e leem
fluentemente em línguas estrangeiras.
d) os produtos importados são mais caros que
os nacionais.

05. Leia o seguinte diálogo ao telefone.


A: Alô, João? É o Marcos. Tudo bem?
B: Tudo bem. O que é que você manda?
A: Será que dá para você passar por aqui
para consertar o meu mouse?
B: Acho melhor você trocar esse seu mouse.
Já é a terceira vez que ele dá problema.
A: É verdade. Será que também dá para fa-
Acredite: você pode, sim, ler vários textos em lín- zer um upgrading no meu hardware?
guas estrangeiras! Basta tentar! Ler também se apren- Do jeito que está não dá mais para trabalhar!
de lendo! Assim, o que é aparentemente difícil pode B: Tudo bem. Vou aí no final da tarde.
tornar-se mais fácil do que você pensa.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

O diálogo se passa entre ANOTAÇÕES


a) um usuário de computador e um técnico
especializado. ________________________________________________
b) um usuário de videocassete e um represen-
tante técnico. _________________________________________________
c) um motorista de táxi e um mecânico.
d) um dono de loja e um marceneiro. _________________________________________________

_________________________________________________

DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS _________________________________________________


RESULTADOS
_________________________________________________
Confira aqui os seus resultados!
_________________________________________________
01. _________________________________________________
Alimentação: chester, diet, cheeseburger,
croûtons, hot dog _________________________________________________
Informática: on line, internet, software, mouse,
site, e-mail, home page _________________________________________________
Vestuário: shorts, legging, stretch, twin-set,
_________________________________________________
jeans, blazer
_________________________________________________
02. Você pode ler em Italiano, Inglês e Francês
_________________________________________________
a) Para receber um folheto que explica os
vários usos de uma ferramenta, você deve ler o _________________________________________________
texto em Francês, intitulado Nouveau: Kremil Multi
Plus polyvalent qu’un couteau suisse; _________________________________________________
b) para fazer funcionar um rádio portátil, você _________________________________________________
deve ler o texto em Inglês, intitulado SOUND Star
FM radio; _________________________________________________ 89
c) para acrescentar uma receita em sua co-
leção, você deve ler o texto em Italiano, intitula- _________________________________________________
do Fusilli spirale mantecati con Asparagi e Filetti di
Sogliola. _________________________________________________

_________________________________________________
I) cozimento = cottura; salgada = salata; vinho
= vino; abundante = abbondante _________________________________________________
II) trabalhos = travaux; facilmente = facile-
ment; rua = rue _________________________________________________
III) pressionar = press; baterias = batteries; au-
tomaticamente = automatically _________________________________________________

_________________________________________________
03. Semelhanças e diferenças entre línguas
Cuchara = colher _________________________________________________
a) O número 10 aparece duas vezes porque
se refere tanto ao tamanho do filtro de papel _________________________________________________
quanto ao tamanho do porta-filtro;
b) tacita = xicrinha; hirviendo = fervendo; _________________________________________________
c) a instrução número 3 adverte que não se
_________________________________________________
deve mexer com a colher para não rasgar o filtro
de papel. _________________________________________________

04. Resposta correta: b _________________________________________________

05. Resposta correta: A _________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

________________________________________________
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

ANOTAÇÕES

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90 _______________________________________________________________________________________________________

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Matemática
Matemática

2. Os números naturais na sociedade e na es-


A MATEMÁTICA: UMA CONSTRUÇÃO cola
DA HUMANIDADE
Os primeiros números que você aprendeu es-
tavam associados a situações de contagem. São
os números utilizados naturalmente para contar a
1. A Matemática e o dia-a-dia quantidade de objetos de uma coleção ou de um
grupo de pessoas: 1, 2, 3, 4, 5, … A esse conjunto
As condições de vida da humanidade se modifi- numérico, os matemáticos acrescentaram o 0 (zero)
caram ao longo do tempo, com o desenvolvimento e o denominaram conjunto dos números naturais,
da agricultura, do comércio, da indústria, do conhe- identificado por IN, cuja representação pode ser fei-
cimento e da tecnologia. E através das consequên- ta pela enumeração de seus elementos – IN = {0, 1,
cias do avanço em todas essas áreas. Apesar de o 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, …} – ou na reta numérica:
homem não ter registrado o que fazia e pensava no
início de sua história, ele precisava resolver proble-
mas de seu dia-a-dia, ligados à sua subsistência. Ao
buscar soluções para eles, o conhecimento mate-
mático começou a ser construído. É usual representar um conjunto numérico em-
pregando marcadores de abertura e de fechamen-
CONJUNTOS NUMÉRICOS to conhecidos como chaves { }.
Por exemplo, para expressar os números naturais
1. Os números na sociedade atual maiores que 10 e menores que 15, nomeia-se o con-
junto usando um símbolo, como a letra “A” (maiús-
Os números governam o mundo, já diziam os cula), e colocam-se seus elementos entre chaves:
matemáticos da Grécia Antiga. Pode-se dizer que,
nos tempos atuais, essa frase é ainda mais verdadei- A = {11, 12, 13, 14}
ra, dado o amplo uso da Matemática em atividades
profissionais e científicas, nos meios de comunica- Se o conjunto for infinito, é impossível expressar
ção e em situações do dia a dia. todos os seus elementos. Nesse caso, usa-se o có-
Só mesmo na imaginação e na fantasia seria digo “...” (reticências), para indicar que o conjun-
possível conceber um mundo sem números, uma to não acaba ali e que existem outros elementos.
vez que eles são empregados para contar, medir, Considere, por exemplo, o conjunto I dos números
expressar datas, idades e endereços; estão presen- ímpares:
1
tes em documentos, no valor das coisas que são
consumidas, em informações de embalagens, nos I = {1, 3, 5, 7, ...}
canais de TV, nas faixas de rádio, nas medidas de
roupas... Há vários significados para os números. Na Emprega-se, portanto, a linguagem matemáti-
escola, eles são estudados em situações de conta- ca para expressar conjuntos numéricos. Veja alguns
gem, medição, cálculo, localização e codificação. exemplos.

• Conjunto dos números pares maiores que 10 e


menores que 20:
A = {12, 14, 16, 18}

• Conjunto dos números da tabuada do 3, maio-


res que 10 e menores que 20:
C = {12, 15, 18}
Observação: diz-se que os números 12, 15 e 18
Toda essa importância justifica a atenção que os são múltiplos de 3.
matemáticos sempre deram ao estudo dos núme-
ros, desde as primeiras contagens, há mais de 10 mil • Conjunto dos divisores de 12:
anos. Mas, se antes bastava conhecer os números D(12) = {1, 2, 3, 4, 6, 12}
como 1, 2, 3, 100, 200 etc. para contar quantidades Atenção! Um número é divisor de outro se a di-
de objetos, hoje o desenvolvimento científico – com visão é exata, ou seja, se não tem resto. Nessa situa-
computadores e satélites de última geração – exige ção, diz-se que o resto é igual a zero. Por exemplo:
o uso de números que expressam, por exemplo, a
ideia de quantidades negativas e fracionárias. Por
causa de sua variedade, os números foram organi-
zados em conjuntos numéricos com base em suas
características e propriedades.
Matemática

3. Características do conjunto lN soantes. Se L é o conjunto das letras, V, o das vogais


e C, o das consoantes:
O conjunto dos números naturais tem muitas ca-
racterísticas. Leia as proposições a seguir, interpre-
te-as e, se possível, exemplifique o que entendeu,
criando outros exemplos além daqueles já forneci-
dos nas explicações.
1) Todo número natural tem um sucessor; a con-
sequência disso é a de que o conjunto dos números
naturais é infinito.
Se n é um número natural, então n + 1 também é
natural. Exemplo: 47 é natural; seu sucessor, 48, tam-
bém o é. Não existe um número natural que seja o Em linguagem matemática, usa-se o símbolo ⊂
maior de todos. Mesmo que se escolha um número para dizer que um conjunto está contido em outro:
natural muito grande, é sempre possível somar 1 a V ⊂ L → lê-se “V está contido em L”, o que sig-
esse número e encontrar outro ainda maior. nifica que toda vogal é uma letra ou ainda que o
2) Há apenas um único número natural que não conjunto das vogais é um subconjunto do conjunto
tem antecessor: é o 0 (zero). das letras.
3) Entre dois números naturais consecutivos não C ⊂ L → lê-se “C está contido em L”, o que signifi-
existe outro número natural. Exemplo: entre 47 e 48 ca que toda consoante é uma letra ou ainda que o
não existe outro número natural. conjunto das consoantes é um subconjunto do con-
4) Adicionando ou multiplicando dois números junto das letras. Mas observe que nenhuma vogal é
naturais quaisquer, obtém-se outro número natural. uma consoante e vice-versa. Diz-se que o conjunto
Em linguagem simbólica, diz-se que: “Se n e m são das vogais e o das consoantes não apresentam ele-
números naturais, então n + m e n ∙ m também são mento comum, ou seja, o conjunto intersecção das
números naturais”. vogais e das consoantes é vazio.
Exemplo: 13 e 47 são números naturais; 13 + 47 e Simbolicamente, expressa-se assim: V ∩ C = ∅.
13 ∙ 47 também são números naturais. Lê-se: a intersecção do conjunto das vogais
Embora essas proposições pareçam óbvias, elas com o conjunto das consoantes não tem elemen-
são fundamentais para compreender outros conjun- tos; é um conjunto vazio.
tos numéricos e servem para caracterizar o conjun-
to dos números naturais; são as propriedades desse ∅ → símbolo utilizado pelos matemáticos
2 conjunto. para expressar o conjunto vazio, ou seja, um
Algumas dessas propriedades, contudo, tam- conjunto que não tem elementos.
bém valem para outros conjuntos numéricos.
De acordo com a proposição 1, se o número a
é um número natural, então a + 1 também é um nú- Entre os subconjuntos dos números naturais, há
mero natural. Em linguagem simbólica, expressa-se: o conjunto dos números pares e o conjunto dos nú-
meros ímpares.
Se a ∊ IN, então (a + 1) ∊ IN. Se P = {0, 2, 4, 6, 8, ...} e I = {1, 3, 5, 7, 9, ...}, diz-se
que P ⊂ IN e que I ⊂ IN.
Isso significa que, partindo do zero e somando Observe ainda que não pode existir um número
unidades uma a uma, é possível “percorrer” todo o que seja ao mesmo tempo par e ímpar, ou seja, se
conjunto IN. um número é natural, ou ele é um número par ou é
um número ímpar.
Pode-se dizer que P ∩ I = ∅ (não existe elemento
#FicaDica na intersecção entre os conjuntos dos números pa-
a ∊ IN → lê-se “a pertence a IN” ou res e ímpares).
“a pertence ao conjunto dos números
naturais”. 5. Números inteiros relativos: representação e
propriedades
4. Subconjuntos de IN
Os números inteiros, que serão chamados sim-
Como você viu anteriormente, o conjunto dos plesmente de “inteiros”, são os elementos do con-
números naturais é infinito e podem-se formar, com junto:
seus elementos, diversos subconjuntos de acordo
com determinadas características.
Um conjunto A é um subconjunto de um con-
junto B se todos os elementos de A também forem
elementos de B.
Um exemplo simples é o conjunto das letras do Usam-se esses números em contextos e proble-
alfabeto latino, que é formado por vogais e con- mas sobre saldos (positivos ou negativos), operações
Matemática

de débito e crédito, no cálculo de dívidas ou para poente 5 é um número inteiro positivo que indica a
indicar uma posição em relação ao zero, como nos quantidade de vezes que a base 2 será multiplicada
casos de temperaturas e altitudes. por ela mesma para obter a potência 32.
Veja outros exemplos:

• 43 = 4 ∙ 4 ∙ 4 = 64
• 107 = 10 ∙ 10 ∙ 10 ∙ 10 ∙ 10 ∙ 10 ∙ 10 = 10.000.000

Relembre algumas regras de potenciação: Em
uma potenciação, se a base é positiva e seu ex-
poente for inteiro positivo, seu resultado será positivo.
Por exemplo:

• 32 = 3 · 3 = 9
• 33 = 3 · 3 · 3 = 27
Se a base da potência é negativa e o seu ex-
poente inteiro positivo for par, então seu resultado
6. Características do conjunto ℤ será positivo; se o expoente inteiro positivo for ímpar,
então seu resultado será negativo. Por exemplo:
Uma das características que distingue o con-
junto ℤ (dos inteiros) do conjunto IN (dos números • (– 2)4 = (– 2) · (– 2) · (– 2) · (– 2) = 16
naturais) é a diferença entre dois números inteiros • (– 3)2 = (– 3) · (– 3) = 9
quaisquer ser sempre um número inteiro, o que não • (– 2)5 = (– 2) · (– 2) · (– 2) · (– 2) · (– 2) = – 32
acontece com os números naturais. Veja os seguin- • (– 3)3 = (– 3) · (– 3) · (– 3) = – 27
tes exemplos.
Os números 5 e 2 são números naturais, isto é, 5 Radiciação em ℤ
∈ IN e 2 ∈ IN; 5 – 2 = 3, que também é um número
natural. Mas não existe número natural que seja o A existência da radiciação em ℤ depende da
resultado da subtração 2 – 5. potenciação, isto é, pode-se escrever que:
Por outro lado, 5 e 2 são números inteiros, isto é, 5
∈ ℤ e 2 ∈ ℤ; e as diferenças 5 – 2 = 3 e 2 – 5 = – 3 são
números inteiros também.
Veja a seguir mais propriedades do conjunto dos
3
números inteiros (ℤ).
1) Todo número inteiro tem um sucessor e um an-
tecessor; consequentemente, diz-se que o conjunto E assim por diante.
dos números inteiros é infinito à direita e à esquerda. Observe que, por não existir potenciação de ex-
Isso significa que, ao se escolher um número inteiro poente par que resulte em número negativo, tam-
qualquer, é sempre possível somar ou subtrair 1 a bém não existe radiciação de número negativo
esse número e o resultado será também um número quando o índice é par.
inteiro.
2) Entre dois números inteiros consecutivos não 8. Elemento oposto
existe outro número inteiro.
3) Adicionando ou subtraindo dois números intei- Outra característica que diferencia o conjun-
ros quaisquer, obtém-se um número inteiro. to IN do conjunto ℤ é a de que todo elemento do
4) Multiplicando dois números inteiros quaisquer, conjunto dos inteiros tem um elemento oposto, isto
obtém-se um número inteiro. é, para cada a ∊ Z existe um elemento –a ∊ ℤ. O ele-
mento oposto também é chamado de simétrico do
número. E a soma de um número com seu simétrico
#Atenção resulta sempre em zero, ou seja, a + (–a) = 0.
Essa propriedade não vale para a
divisão.

(– 5) ÷ 2 e 4 ÷ (– 3) não têm significado em ℤ


O oposto de 3 é – 3; o oposto de – 3 é 3.
7. Potenciação em ℤ Observe na reta numérica que a distância de – 3
ao zero (origem) e de 3 ao zero é a mesma: 3 uni-
A potenciação no conjunto dos números inteiros dades.
é uma operação que envolve a multiplicação de
fatores iguais. Por exemplo: 2 ∙ 2 ∙ 2 ∙ 2 ∙ 2 = 32, que
também pode ser escrito como 25 = 32, em que o ex-
Matemática

9. Operações em ℤ

Os números inteiros são amplamente utilizados no dia a dia e nas várias ciências para representar saldos
bancários, temperaturas, altitudes e outras quantidades. E, tal como no conjunto dos números naturais, é
possível fazer cálculos com inteiros: adições, subtrações, multiplicações e divisões.
Podem-se somar ou subtrair dois números inteiros imaginando-os sobre uma reta numérica ou imaginando
o saldo de uma conta bancária.
No contexto de saldo bancário, o sinal associado ao número indica o estado da conta: se o sinal agre-
gado ao número é “+”, significa que a conta tem saldo positivo e, se o sinal é “–”, significa que a conta tem
saldo negativo; os sinais após os parênteses indicam se o saldo aumentou (+) ou diminuiu (–).
Considere as operações a seguir, seus significados e como se pode obter o resultado.

10. Soma algébrica

Imagine um ônibus que partiu do ponto com 15 passageiros e fez um trajeto passando por 5 paradas. Na
primeira, desceram 5 passageiros e subiram 4; na segunda, subiram 3 passageiros; na terceira, desceram 5
passageiros; na quarta, subiram 4 passageiros e desceram outros 4 passageiros; na quinta e última parada,
desceram 7 passageiros. Quantos passageiros permaneceram no ônibus após a última parada?
Esse sobe e desce pode ser representado por meio de uma expressão numérica do tipo 15 – 5 + 4 + 3 – 5
+ 4 – 4 – 7, que se chama soma algébrica. Não é difícil concluir que 5 passageiros permaneceram no ônibus.
Há várias estratégias para se chegar a esse resultado. A primeira é partir do número inicial e calcular cada
subida e descida ao fim de cada parada.
4 Outra estratégia é operar diretamente sobre a expressão:

15 – 5 + 4 + 3 – 5 + 4 – 4 – 7

Somar todos os números que têm sinal positivo e, em seguida, somar todos os que têm sinal negativo; por
fim, subtrair as duas operações.

11. Regra dos sinais

Levou cerca de mil anos para que os matemáticos aceitassem a existência dos números negativos e for-
mulassem algumas regras de cálculo para eles.
Uma delas tem como objetivo ajudar a definir o sinal que aparecerá no resultado da operação.

Na multiplicação (e na divisão) de números inteiros, utiliza-se a seguinte regra:


Matemática

2 e 3 palmos (barra CD)? Como expressar essa me-


dida?

Veja alguns exemplos resolvidos.


Pela visualização da imagem anterior, é possível
afirmar que a barra mede mais que 2 palmos e me-
nos que 3 palmos. Mas quanto, exatamente? Pro-
blemas desse tipo levaram à invenção das frações
e depois à ideia de número racional, que gerou o
conjunto dos números racionais, representado pelo
símbolo Q
Um número racional é um número que pode ser
expresso como razão entre dois números inteiros, por
exemplo, a/b, em que a e b são inteiros e b ≠ 0.

Solução de equações em IN e em ℤ:
A resolução de determinada equação como x
+ 2 = 4 pode ter ou não solução, dependendo do
conjunto com o qual se está trabalhando.
Essa equação tem solução em IN, pois (2) + 2 =
4, e 2 é um número natural, e ainda tem solução em
ℤ, pois 2 também é um número inteiro. Afinal, ℤ inclui
todos os elementos de IN. Com base nessa definição, pode-se concluir
No entanto, não ocorre o mesmo com a equa- que o conjunto dos racionais inclui todos os núme-
ção x + 2 = 1. ros inteiros, já que podem ser expressos pela razão
5
entre dois números inteiros. A razão mais simples é
a de denominador 1, e há também representações
equivalentes:

Uma importante propriedade do conjunto dos


racionais é a de que todo número racional diferente
Essa equação tem solução em ℤ: x = – 1, que é de zero tem um inverso. Dois números racionais são
um número inteiro, mas não é um número natural, inversos quando o produto entre eles é igual a 1.
pois não existe x ∊ IN que, somado com 2, dê 1. Veja o exemplo:
NÚMEROS RACIONAIS, IRRACIONAIS E REAIS

1. Números racionais: representação e carac-


terísticas

Com a invenção dos números e o desenvol-


vimento de vários sistemas de contagem e de nu-
meração, surgiram problemas envolvendo medidas
que não podiam ser resolvidos com os números in- Como a multiplicação é comutativa, ou seja,
teiros positivos, os únicos conhecidos há milhares de a ordem dos fatores não altera o produto, pode-se
anos. concluir que o inverso de 3/2 é , 2/3.
Por exemplo: como medir barras usando uma Em linguagem matemática: se a/b é um número
unidade de medida determinada, como o compri- racional, seu inverso é b/a, porque 𝑎 𝑏 para
mento de um palmo? Se o comprimento da barra . = 1;
for exatamente 2 palmos (barra AB), não há proble- 𝑏 𝑎
ma, mas e se o comprimento da barra estiver entre que isso seja possível, a e b devem ser diferentes de
Matemática

zero. Essa propriedade será muito útil na resolução de uma sequência de dígitos, o número é chamado
de equações. de dízima periódica.

2. Representação dos números racionais 3. Representação dos números racionais na reta

Os números racionais podem ser representados É possível localizar racionais na reta numérica,
na forma fracionária ou decimal ou ainda como tendo como referência números inteiros.
pontos da reta numérica.
Veja o caso do “meio”:

A reta numérica ajuda a comparar e a ordenar


números racionais. Não há dificuldades para com-
parar dois números naturais ou mesmo dois números
inteiros. Em IN, a comparação de números é simples:

0 < 1 < 2 < 3 < … < 99 < 100 < 101 < ... < 999 < 1.000
< 1.001 < …
Em muitas calculadoras, a separação entre
a parte inteira e a decimal é representada pela mas em ℤ as aparências podem enganar.
vírgula, como ocorre no Brasil. Em outras, essa se- Veja os exemplos:
paração é feita pelo ponto decimal, forma ado-
tada em países de língua inglesa. Exemplo: 0,5 – 34 < 43 34 > – 43 37 < 73 – 37 > – 73
(Brasil) e 0.5 (países de língua inglesa).
Por sua vez, para comparar números em ,é
6 Calculadoras e computadores estão programa- preciso mais do que percepção numérica. Nem
dos para passar um número racional da forma fra- sempre se consegue decidir, só de olhar, qual en-
cionária para a forma decimal, mas nem sempre é tre dois números racionais é o maior. Para fazer essa
possível mostrar todas as casas decimais, uma vez comparação, porém, pode-se usar uma técnica.
que a tela do visor é limitada. Sempre se pode pas- Considere, por exemplo, dois números racionais:
sar um número da forma fracionária para a forma
decimal. Para isso, basta efetuar a divisão corres-
pondente:

Como são números com denominadores dife-


rentes, podem-se escrever frações equivalentes a
cada racional, com o mesmo denominador.

Nos casos anteriores, a representação decimal


dos racionais tem um número finito de casas depois
da vírgula. Esses números são conhecidos como de-
cimais finitos. Mas há racionais cuja representação Portanto,
decimal tem infinitas casas depois da vírgula. Um
exemplo é 1
.
3

se, e somente se, ad ≥ bc.


Isso é válido para quaisquer a, b, c e d naturais
diferentes de zero. Assim:

Quando há repetição periódica de um dígito ou


Matemática

Observe que até aqui todos os conjuntos numéricos estudados são conjuntos ordenados. Isso quer dizer
que, dados dois elementos quaisquer, é possível colocá-los em uma relação de ordem, decidindo se são
iguais, maiores ou menores um em relação ao outro.

NÚMEROS IRRACIONAIS

Existem números cuja representação é decimal, infinita e não periódica. O primeiro desses números foi
descoberto pelos matemáticos gregos há mais de 2.500 anos. No século VI a.C., os matemáticos só conhe-
ciam e admitiam números inteiros – positivos, pois ainda não conheciam os negativos – e as frações que eram
tratadas como razões entre inteiros.
No entanto, eles se depararam com um problema: não sabiam qual número poderia expressar a medida
da diagonal de um quadrado de lado 1. Isso pôde ser resolvido com uma das mais poderosas ferramentas
matemáticas da época: o teorema de Pitágoras.
Pitágoras provou que, se um triângulo é retângulo (isto é, tem um ângulo reto), a soma dos quadrados das
medidas dos lados menores é igual ao quadrado da medida do lado maior.

Aplicando o teorema de Pitágoras para calcular a medida da diagonal do quadrado de lado 1, tem-se:
Matemática

A diagonal do quadrado de lado 1 mede √2 , ros reais é a de que todos eles podem ter um corres-
um número que não pode ser expresso como a ra- pondente na reta numérica e vice-versa.
zão entre dois números inteiros e, portanto, não é um Observe:
número racional.
Esse fato gerou uma crise entre os sábios gregos,
pois, apesar de a diagonal estar lá e poder ser me-
dida, não havia uma unidade de medida que cou-
besse um número exato de vezes no lado do qua-
drado e na diagonal. O conjunto possui subconjuntos e é possível
Hoje, sabe-se que √2 é um exemplo de número estabelecer uma relação de inclusão entre alguns
cuja representação decimal é infinita e não periódi- deles. Veja:
ca. Como esse número não pode ser representado
por uma razão de números inteiros e não é um nú-
mero racional, diz-se que ele é irracional. √2 é um
número irracional e pertence ao conjunto dos nú-
meros irracionais, representado simbolicamente por

Dos pitagóricos até os dias atuais, muitas ques-


tões sobre números irracionais foram levantadas.
Hoje sabe-se que:

• um número irracional tem uma expansão de-


cimal infinita e não periódica, o que torna im-
possível representá-lo por escrito. Só é possível
fazer aproximações racionais, como no caso
de √2 , que pode ser tomado como aproxima-
damente 1,414; 2. Características dos números reais

Daqui em diante, será considerado o con-


junto referência nos estudos desta disciplina, salvo
8 menção contrária. Conheça algumas das principais
características do conjunto dos números reais.
1) Dados dois números reais quaisquer, o resul-
tado da adição, da subtração e da multiplicação
desses números é um número real. Além disso, é
sempre possível dividir um número real por outro nú-
mero real diferente de 0 (zero).
Por exemplo: sejam dois números reais, √(7,) e –
3/5. Então, também são reais os números:
• existem infinitos números irracionais;
• é possível fazer uma correspondência entre os
pontos de uma reta e os números irracionais;
• a raiz quadrada de qualquer número primo
é um número irracional. São irracionais, por
exemplo, os números: √(2,) √3 ,√(5,) √7, √(11,)
√13
2) Dados dois números reais a e b quaisquer,
REUNIÃO DOS NÚMEROS RACIONAIS COM OS IR- com a < b, é sempre possível achar um número real
RACIONAIS x entre a e b, ou seja: a < x < b.
Por exemplo:
1. Números reais
• Entre 4 e 5 existem infinitos números reais, como
Reunindo todos os números racionais e irracio- o número 4,5: 4 < 4,5 < 5
nais, obtém-se o conjunto dos números reais, indica- • Entre – 1 e 0 existem infinitos números, entre eles
do por os números – 0,5 e – 2
..
10
• Entre 1 3 e 1 2 também existem infinitos núme-
ros reais, como o número racional 5 .
.
Uma característica muito importante dos núme-
12
Matemática

• Entre √2, e √3, existem infinitos números reais,


como o número 3
= 1,5.
2

Em , valem as propriedades comutativa e as-


05. Que número multiplicado por 0,8 resulta
sociativa para a adição e a multiplicação, além da
em 1?
propriedade distributiva da multiplicação em rela-
ção à adição. O número 0 (zero) é o elemento neu-
06. Escreva números que sejam maiores que
tro da adição, enquanto o 1 é o elemento neutro da
os racionais dados e menores do que 1.
multiplicação.
4) Com exceção do 0 (zero), todo número real
tem um inverso. O inverso de um número a ≠ 0 é ou-
tro número que, multiplicado por a, resulta em 1.
Por exemplo, o inverso de 3 é 1/3, porque 3 . 1/3
= 1.
Por outro lado, o inverso de 1/5 é o número 5,
pois 1/5 . 5 = 1.
O inverso de um número racional a/b, com a, b
≠ 0, é o racional

1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS

01. Escreva os números racionais a seguir na 07. Compare os números inteiros usando > ou <.
forma decimal (finita ou infinita) 9

08. Compare os números racionais. Use os si-


nais > ou <.

02. Dê a forma fracionária dos racionais a se-


guir:

09. Coloque os números racionais de cada


conjunto em ordem crescente.

03. Descubra que número multiplicado por


4/7 resulta em 1.

04. Dê os inversos dos seguintes racionais:

10. Quantos números inteiros satisfazem simulta-


neamente as desigualdades 2x + 3 ≤ x + 7 ≤ 3x + 1:
Matemática

a) 4
b) 1
c) 3
d) 2
e) 5
07.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-RJ), 2006.

08. Conforme foi explicado no texto Repre-


DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS sentação dos números racionais na reta, a/b ≥
RESULTADOS c/d se, e somente se, ad ≥ bc.

Confira aqui os seus resultados!

01. Para obter a representação decimal, di-


vide-se o numerador pelo denominador da fra- 09. No caso de frações, pode-se dividir o nu-
ção. A calculadora pode ajudar. merador pelo denominador e, assim, encontrar
a) 7 ÷ 5 = 1,4 a representação decimal. Essa é uma maneira
b) 6 ÷ 4 = 1,5 de comparar os números e ordená-los.
c) 12 ÷ 15 = 0,8
d) 40 ÷ 25 = 1,6
e) 15 ÷ 12 = 1,25
f) 2 ÷ 3 = 0,666…

02. Nesse caso, é preciso escrever a fração


decimal correspondente e depois simplificá-la
sempre que possível.
10. Alternativa correta: d.
A dica aqui é desmembrar a inequação em
duas partes:
10 2x + 3 ≤ x + 7 → 2x – x ≤ 7 – 3 → x ≤ 4
x + 7 ≤ 3x + 1 → 7 – 1 ≤ 3x – x → 6 ≤ 2x → 3 ≤ x
Assim, x pode ser 4 ou 3, ou seja, dois núme-
ros inteiros.

03. Para a multiplicação resultar em 1, bas- O DESENVOLVIMENTO DA MATEMÁTICA E OS OU-


ta multiplicar o número pelo seu inverso. Então o TROS CAMPOS DO CONHECIMENTO
número procurado é 7/4 .

04. Todos sabem que, se você deseja ser um fí-


sico ou engenheiro, deveria ser bom em Mate-
mática. Mais e mais pessoas estão descobrindo
que, se desejam trabalhar em certas áreas da
Economia ou Biologia, deveriam rever sua Mate-
mática. A Matemática penetrou na Sociologia,
05. Primeiro escreve-se 0,8 na forma de fra- Psicologia, Medicina e Linguísticas. Sob o nome
ção decimal: 8/10 . Sabendo que para o re- de cliometria, está se infiltrando na História, para
sultado da multiplicação de duas frações ser 1 sobressalto dos mais velhos.
é preciso multiplicar o primeiro fator fracionário DAVIS, Philip J.; KERSH, Reuben. A experiência matemáti-
pelo seu inverso, então o número procurado é ca. Tradução de João Bosco Pitombeira. Rio de Janeiro:
F. Alves, c 1989. 481p. (Coleção Ciência):
The Mathematical experience.

Você já viu que o desenvolvimento da Matemá-


06. A resposta não é única. O que está ex- tica se deve em grande parte à busca de soluções
presso aqui são exemplos de números que satis- para problemas que a humanidade tem enfrentado
fazem os itens: em seu dia-a-dia. Apenas para dar alguns exemplos:

• Que chance tenho em ter meu bilhete sortea-


Matemática

do numa loteria de números? Atualmente, as razões trigonométricas num triân-


• Como fixar as ripas de meu portão? gulo retângulo são apresentadas como na Figura.
• Quantas estampas diferentes posso obter nos
tecidos da tecelagem onde trabalho, se o fun-
do pode ser ou azul ou amarelo e o desenho
pode ser de bolinhas brancas ou de listras pre-
tas ou, ainda, xadrez vermelho?

Questões semelhantes a essa fizeram o homem


pensar nos fenômenos probabilísticos, em questões
geométricas, e nos problemas de contagem, res-
pectivamente. Além desses campos específicos da
Matemática aos quais eles se referem, outros mais
foram desenvolvidos a partir de problemas que en-
volviam números, medidas, álgebra, ligados à reali-
dade da humanidade.
Entretanto, os outros campos do conhecimento
também têm solicitado respostas da Matemática
para solucionar seus problemas específicos, contri-
buindo indiretamente para seu desenvolvimento.
Para citar um exemplo que mostra a Matemá-
tica sendo utilizada em outro campo do conheci-
mento, vamos focalizar nosso olhar na Trigonome-
tria, ramo da Matemática que, até por volta do sé-
culo XVII, desenvolveu-se em decorrência de uma
ligação estreita entre a teoria e a prática. No início
de sua criação, a Trigonometria era um campo da
Matemática no qual os ângulos de um triângulo e as
medidas de seus lados eram relacionados. Onde a, b e c são as medidas dos catetos e da hipotenusa
As razões trigonométricas apareceram inicial- desse triângulo retângulo; a e b seus ângulos agudos; e sen
mente por necessidades da Astronomia, da Agri- (seno), cos (co-seno) e tg (tangente) são razões entre medi-
mensura e da navegação. Posteriormente, por volta das dos lados desse triângulo, como estão descritas acima.
11
dos séculos XVI e XVII, a Trigonometria esteve a ser-
viço da Física para descrever e explicar fenômenos Já no final do século XVII, com o início do de-
periódicos, como por exemplo: senvolvimento do conceito de Função, o estudo da
Trigonometria se ampliou para um campo mais abs-
• o movimento periódico dos planetas, estuda- trato, desligando-se assim das aplicações práticas.
do por Kepler. As razões trigonométricas já eram utilizadas pelos
• o movimento periódico dos pêndulos, estuda- egípcios para resolver problemas de Arquitetura, por
do por Galileu. ocasião das construções das pirâmides. Para manter
• a propagação do som em forma de ondas, es- constante a inclinação das paredes das pirâmides
tudada por Newton. durante a construção, eles mantinham constante o
• a propagação da luz em forma de ondas, es- quociente do “afastamento horizontal” pelo “afas-
tudada por Huyghens. tamento vertical”, que eram medidos com unidades
• a vibração de uma corda de violino, estudada diferentes.
por Mersenne.

Dica!

Triângulo retângulo é o triângulo que tem um ângulo reto (de 90°).


Matemática

Assim, quando eles constatavam que: UMA EXPERIÊNCIA QUE VOCÊ TAMBÉM PODE FA-
ZER

Veja como é possível encontrar a tangente


de um ângulo agudo, experimentalmente. Como
exemplo, vamos determinar a tangente de um ân-
gulo de 35° (indica-se tg 35°), utilizando:
Concluíam que a parede apresentava sempre a
mesma inclinação. Ora, o quociente entre essas me- • Construímos, com a régua e o transferidor, um
didas é nada mais, nada menos, do que uma razão ângulo de 35°.
trigonométrica, conhecida hoje por cotangente do
ângulo de inclinação da parede com o chão. Hoje
em dia mede-se a inclinação de uma reta por uma
razão entre segmentos verticais e horizontais (tan-
gente do ângulo de inclinação), razão essa inversa
da utilizada pelos egípcios para resolverem proble-
mas arquitetônicos.

• Apoiamos o esquadro em um dos lados do ân-


gulo em vários pontos desse lado (por exem-
plo, A, B, C); traçamos perpendiculares a esse
Atualmente, os topógrafos dispõem de instru- lado até encontrar o outro lado em pontos
mentos de medida de ângulo que lhes permitem correspondentes (A’, B’, C’).
determinar medidas por vezes inacessíveis.

12

Desejando saber qual a altura do morro que ti-


nha à sua frente, um topógrafo colocou-se com seu
teodolito a 200m do morro. Ele sabe que a altura do
teodolito é de 1,60m. Posiciona o aparelho que lhe
fornece a medida do ângulo de visada de parte do
morro: 30°. Consulta uma tabela de tangentes e veri-
fica que tg 30° = 0,57. Assim, no triângulo TPM temos:

O que lhe permite calcular h: h = 200 x 0,57 = 114


O topógrafo conclui que o morro tem 114 + 1,60 = Foram construídos, assim, vários triângulos retân-
115,60m de altura. gulos: OAA’, OBB’, OCC’, destacados a seguir
Matemática

minar experimentalmente o seno e o cosseno de


ângulos agudos.

A MATEMÁTICA E SUAS QUESTÕES INTERNAS

Quantas vezes você já deve ter feito a mesma


pergunta que aparece na Figura, não é mesmo?

Muitas vezes aprendemos conceitos matemá-


ticos que, à primeira vista, nada têm a ver com a
realidade em que vivemos.
Posteriormente, percebemos que eles serviram
para construirmos novos conceitos e ideias matemá-
Como ticas que têm grande aplicação em nossa vida. Um
exemplo interessante é o dos números complexos. É
muito comum entrarmos em contato com esse tipo
13
de número por meio de problemas que envolvem
raiz quadrada de número negativo. Veja um proble-
ma famoso a seguir:
em cada triângulo medimos o cateto oposto ao
ângulo de 35° (AA’, BB’, CC’) e o cateto adjacente
a esse ângulo (OA, OB, OC) para encontrarmos o
valor de tg 35°:

Esse problema foi objeto de estudo do mate-


mático italiano Cardano, em 1545, que o conside-
rou “manifestamente impossível, mas mesmo assim
vamos operar”. A equação do segundo grau já era
conhecida no tempo de Cardano: ax2 + bx + c = 0 e
a fórmula que a resolve também:

Calculamos a média aritmética dos valores obti-


dos para expressar o valor mais representativo de tg Onde a, b e c são números reais. Cardano con-
35°, do seguinte modo: cluiu que a equação que resolvia esse problema é
x2 –10 x + 40 = 0 e que

Com um processo semelhante podemos deter-


Matemática

Eram soluções do problema. Entretanto conside- nada tem a ver com ela, mas somente como
rou essas expressões inúteis, pois envolviam números exercício do pensar.
para os quais ainda não tinha sido dado nenhum • aumentar sua cultura.
significado: a raiz quadrada de número negativo.
Nesse tempo, Bombelli, outro matemático italia- USANDO A MATEMÁTICA PARA MODIFICAR O
no, resolveu operar com esses números, mesmo sem MUNDO
dar a eles um significado, imitando o procedimento
que utilizava para operar com números reais. Bom- A todo momento convivemos com uma grande
belli confirma, por exemplo, que a soma e o produto quantidade de objetos, fatos e informações de pro-
dos números e soluções do problema inicial são 10 e cedências e naturezas diversas. Por isso, precisamos
40, respectivamente. Ele operou com esses números compreendê-los, analisá-los, relacioná-los e, muitas
usando as mesmas regras e propriedades dos núme- vezes modificá-los, para tornar melhor a realidade
ros reais que conhecia. em que vivemos.
As raízes quadradas de números negativos con- Os exemplos são tantos, que tropeçamos neles
tinuaram a aparecer nos séculos XVI, XVII e XVIII. Os em nosso dia-a-dia, desde os mais simples, até os
matemáticos manipulavam esses números sem sa- mais complexos:
ber o que significavam, tanto é que os nomes que
tais números receberam na época descreviam bem
esse desconforto: sofísticos, fictícios, impossíveis, mís-
ticos, sem sentido, imaginários (este último perdura
até hoje).
O conjunto desses números só passou a “ter sta-
tus de campo numérico” a partir dos trabalhos de
Gauss, no final do século XVIII e início do século XIX,
quando os números da forma

Onde a e b são números reais, passaram a ser


chamados de números complexos e a ser represen-
tados por um par ordenado de números reais (a, b),
que admitia uma representação geométrica por Você pode notar que essas três situações são de
um ponto no plano. caráter muito diferente. Arrumar os objetos no armá-
rio demanda de você uma habilidade em ocupar
14 o espaço de modo conveniente para que todos os
objetos caibam. Mas não só isso.
É possível que você queira colocar na prateleira
de cima os objetos que usa para escrever (lápis, ca-
derno e livro) e na de baixo os que não utiliza para
esse fim (relógio, tesoura, caixinhas). Isso mesmo,
você classifica os objetos de acordo com o critério
que mais lhe interessa. Já a questão do lixo é mais
complexa, pois sua solução não depende apenas
de você!
Que tal uma campanha de conscientização en-
tre as pessoas que moram no seu quarteirão? Como
fazer isso? Seria bom fazer uma coleta seletiva? As
pessoas sabem o que é isso?
Afinal, o que a Matemática tem a ver com o
Como você pode ver, a criação dos números lixo? Ora, uma campanha de conscientização sobre
complexos não se deveu a nenhum problema do a coleta do lixo pode ser feita com as pessoas que
cotidiano das pessoas, mas sim à necessidade de moram em seu quarteirão. Ela pode ser desenvolvi-
dar um significado a soluções de equações onde da em várias etapas, como, por exemplo: Um grupo
apareciam raízes quadradas de números negativos. de vizinhos interessados em solucionar o problema
E essa é uma questão interna à Matemática! Apren- pode se organizar para fazer essa campanha. Fazer
der sobre os avanços da Matemática que surgiram um levantamento:
em virtude da necessidade de resolver seus proble-
mas internos, contribui para: • do tipo de lixo que é jogado nas ruas (obser-
vando as ruas todos os dias, durante um certo
• desenvolver maneiras particulares de racioci- período estipulado pela equipe, recolhendo e
nar. anotando o lixo encontrado: papéis, casca de
• compreender como um conteúdo matemá- frutas, embalagens, garrafas etc). Para fazer
tico de grande aplicação na realidade foi essa coleta, o grupo de vizinhos deve se munir
criado a partir de outro que, aparentemente, de luvas de borracha, sacos de lixo de 20 li-
Matemática

tros marcados com cores diferentes (azul para lixo do quarteirão em questão: na primeira ta-
papel; verde para vidro; amarelo para latas; bela é fácil perceber que são 90 essas pessoas.
vermelho para plásticos; branco para lixo or- • a previsão sobre as medidas que deverão ser
gânico). tomadas para conscientizar as pessoas que
• de como é feita a coleta de lixo nesse quartei- não conhecem ou não praticam a coleta se-
rão (por caminhão coletor, por cada morador letiva (ao todo 80 moradores do quarteirão).
que queima seu lixo ou leva-o para um depósi- Essas medidas podem ser de vários tipos: fo-
to comunitário etc.); lhetos explicativos, reuniões com os moradores
• sobre o conhecimento que as pessoas têm so- do quarteirão, visitas do grupo de pesquisa a
bre coleta seletiva e se praticam a coleta se- cada casa do quarteirão para explicar sobre
letiva; a coleta de lixo etc.
• sobre os insetos mais frequentes nas casas des-
se quarteirão e na parte externa às moradias;
O grupo de vizinhos poderá encontrar outros
itens que considerar mais convenientes.

De posse desses dados, o grupo poderá arru-


má-los em tabelas, poderá também confeccionar
gráficos para a conscientização dos moradores do
quarteirão, como, por exemplo:

• a confecção de gráficos que possam, por


meio do impacto visual, mostrar aos morado-
res do quarteirão o problema do lixo de forma
imediata. Um cartaz como o seguinte nos mos-
tra que os moradores do quarteirão precisam
ser informados sobre o que é a coleta seletiva
e suas vantagens. 15
Para confeccionar um gráfico desse tipo (gráfi-
co de setores), você precisa mobilizar conhecimen-
tos sobre:

• ângulo, ângulo central.


• setor circular.
• proporcionalidade (entre ângulo central do
setor e o número de moradores que não co-
nhecem ou não praticam coleta seletiva do
lixo).

• os cálculos que por ventura devam ser feitos


para, por exemplo, fazer previsões: se cada
garrafa coletada pesa em média 300g e cada
lata 50g, quantas garrafas e quantas latas fo-
ram coletadas na semana? Se os sacos de lixo
utilizados na coleta suportam em média 20kg,
de quantos sacos vamos precisar para a próxi-
ma semana de coleta?
• a observação de regularidades. A tabela an-
terior mostra que é na sarjeta que se encontra Veja como é possível fazer isso. Dentre os 90
a maior diversidade de lixo. moradores pesquisados, 80 não conhecem ou não
• a verificação de quantos moradores estão en- praticam a coleta seletiva. Isso pode ser registrado
volvidos, direta ou indiretamente, na coleta de assim:
Matemática

quisa sejam mostrados e analisados por elas; nesse


caso, nada melhor do que um gráfico para que per-
cebam clara e imediatamente em que situação se
encontram diante do problema e decidam que ati-
tudes tomar para eliminá-lo.
ou seja, 88,8% dos moradores não conhecem ou Então, combine com alguns amigos interessados
não praticam coleta seletiva. O setor circular que nas vantagens da redução-reutilização reciclagem
corresponde a 88,8% do círculo é determinado por e da coleta seletiva do lixo para desenvolver um
um ângulo central que deve medir 88,8% de 360° , programa de conscientização em seu quarteirão,
que é 0,888 . 360° ≅ 320°. em seu bairro ou em sua escola, como o que foi des-
O valor que se obtém com a calculadora é crito anteriormente.
319,68°, que aproximamos para 320°, para facilitar Caso o grupo tenha algum outro tipo de interes-
a confecção do gráfico com um transferidor. Caso se em promover mudanças em seu bairro, no quar-
o elaborador do gráfico disponha de um microcom- teirão onde mora, no espaço em que trabalha ou
putador e de um programa que faça gráficos, tudo nas instituições que frequenta (igrejas, centros de
fica bem mais fácil. É só alimentar o programa com saúde, por exemplo), é possível promovê-las nos
os dados obtidos na pesquisa que o gráfico sai pron- mesmo moldes da “coleta do lixo”, com as devidas
tinho! adaptações que o próprio grupo fará. Alguns temas
De posse de todo esse material, o grupo de vi- poderão ser escolhidos como motivo de um levan-
zinhos que fez a pesquisa poderá discutir com os tamento estatístico para ser o ponto inicial de tais
demais moradores sobre a questão do lixo daquele mudanças:
quarteirão, no sentido de conscientizá-los a não jo-
gar lixo nas ruas, a praticar a coleta seletiva e, quem • Interesse da comunidade em promover um sá-
sabe, a ampliar esse projeto para outros quarteirões bado cultural, a cada mês, com os “artistas”
do bairro. Eis aí um grupo de vizinhos que usou a Ma- da própria comunidade.
temática para modificar as condições de sua reali- • A vacina contra a gripe e os idosos: funciona
dade, de seu mundo! Você também pode fazer isso! ou não?
• O período de lazer das crianças do bairro:
quem, como e onde promovê-lo e organizá-
-lo?
• O trabalho voluntário: uma opção para qual-
16 quer pessoa.

1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS

01. Imitando Bombelli


Tente encontrar a soma e o produto abaixo:

Dica: Comece por reduzir o consumo. Aprovei-


te produtos que usualmente não costuma utilizar
(como, por exemplo, as folhas da beterraba para
fazer um refogado ou as cascas do abacaxi para 02. Você já operou com os números
um refresco) e depois, sempre que possível, reutilize
as embalagens. Com isso, você estará combatendo
o aumento do lixo, o que facilitará, posteriormente,
a reciclagem.
Agora, represente-os por dois pontos no pla-
PARA VOCÊ INTERVIR EM SUA REALIDADE no. Antes, porém, escreva-os na forma
Você também pode fazer uma campanha de
esclarecimento junto à sua comunidade sobre a
redução – reutilização – reciclagem do lixo. O le-
vantamento de dados sobre essas ações pode ser E construa os dois eixos perpendiculares: o
obtido mediante um questionário que seria aplica- da parte real (onde você vai marcar o número
do às pessoas da comunidade, alvo da tal campa- a) e o da parte imaginária (onde você vai mar-
nha. Para que essa comunidade se conscientize da car o número b).
importância da redução – reutilização – reciclagem
do lixo, é importante que os resultados de sua pes-
Matemática

INTRODUÇÃO ÀS FUNÇÕES: IDEIAS E APLICAÇÕES


DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
USO DA MATEMÁTICA NA REPRESENTAÇÃO DA
RESULTADOS
REALIDADE
Confira aqui os seus resultados!
1. Funções
01.
Primeiras ideias sobre funções

Como você viu anteriormente, a análise e a in-


terpretação de gráficos exploram a relação entre
duas grandezas que variam e são interdependen-
tes. Um bom exemplo disso foi o exercício 2 da Ati-
02. Registrando os números na forma
vidade 1 do tema anterior, no qual três pessoas tra-
balham na mesma empresa. Quando João se dirige
para a empresa, o tempo e a distância percorrida
por ele variam entre si, mantendo uma relação de
dependência: para cada instante de tempo, no in-
tervalo entre 7h e 7h30, corresponde um único valor
relativo à distância percorrida, entre 0 m e 450 m. A
relação entre grandezas que se interdependem se
estabelece entre os elementos de dois conjuntos nu-
méricos de acordo com a premissa: cada elemento
Representando-os no plano cartesiano
do conjunto A corresponde a um único elemento
Como você viu, os números complexos po-
do conjunto B.
dem ser postos na forma onde a e
b são números reais. Nesse caso, quando b = 0,
o número fica reduzido a a, que indica simples-
mente um número real. Isso significa que todo
número real é um número complexo da forma

17

No exemplo do João, o conjunto A é formado


pelos números que representam o tempo (entre 7h
e 7h30), e o conjunto B, pelos números que represen-
tam a distância percorrida (de 0 m a 450 m). Além dis-
so, a distância percorrida varia em função do tempo.
Em determinado instante, João só pode estar
em um ponto do trajeto entre sua casa e o trabalho.
Afinal, uma pessoa não pode estar em dois lugares
ao mesmo tempo. Se, nos primeiros 10 min, João
percorreu a distância de 150 m e, supondo que ele
manteve o mesmo ritmo, então em 1 min ele andou
15 m. Ou seja, ao elemento 7h01 do conjunto A cor-
responde apenas o elemento 15 m do conjunto B.
Analise agora outra situação que envolve rela-
ção entre duas variáveis: a que associa a quantida-
de de litros de combustível em função do preço a
ser pago na bomba. Considere que o preço do litro
de combustível é R$ 2,69. A tabela a seguir indica os
valores a serem pagos em função da quantidade
de combustível.
Matemática

O gráfico associado a essa tabela é uma reta.

18

A tabela pode ser útil para localizar o valor a ser pago por determinada quantidade de litros comprados,
embora isso não seja necessário, uma vez que a bomba do posto de combustível está programada para
informar o valor no visor.
O gráfico possibilita ver que o preço varia proporcionalmente à quantidade de litros e que a relação
entre preço e litros é crescente.
Situações como essas levam à ideia de função.

1. Noção de função

Chama-se função de um conjunto A em um conjunto B qualquer relação entre esses conjuntos que faça
corresponder a cada elemento de A um único elemento de B. Uma função de A em B pode ser representada
por um diagrama de flechas como o seguinte:
Matemática

Nesse diagrama, x representa um elemento do elementos do contradomínio que recebem alguma


conjunto A (conjunto de partida), e y, um elemento correspondência dos elementos do domínio é cha-
do conjunto B (conjunto de chegada). No exemplo mado de imagem da função. Usam-se as seguintes
da variação do preço do combustível em função notações para expressar essas ideias:
da quantidade de combustível, pode-se definir o
conjunto de partida A como o conjunto de núme-
ros reais positivos em que a variável x representa a
quantidade de combustível (litros) e o conjunto de
chegada B como o conjunto de números reais em
que a variável y representa o preço (R$).
A cada valor x de A corresponde um único valor
y em B, tal que y = 2,69x, afinal, na situação apresen-
tada, determinada quantidade de litros não pode
ter dois preços diferentes. A função de A em B é de-
finida por uma lei de correspondência expressa pela Não havendo referência explícita nas funções
fórmula: y = 2,69x. Veja que, para saber quanto você numéricas, será sempre considerado que A e B são
pagará pelo combustível, é preciso saber quanto foi conjuntos de números reais. Você verá ao longo
colocado no tanque. deste Caderno, no aprofundamento do estudo das
Nesse caso, a variável “litros de combustível” é funções, alguns problemas em que será preciso de-
independente e a variável “preço a ser pago” é de- finir D e Im de uma função.
pendente. Você só pode saber quanto pagará se, Representação de pontos, intervalos e regiões
antes, tiver conhecimento de quanto combustível Em geral, representam-se relações entre variáveis
comprou. por meio de gráficos em um plano determinado por
eixos perpendiculares, denominado sistema carte-
siano. Em um sistema cartesiano, o par ordenado (x,
y) é o “endereço” de um ponto. O gráfico de uma
função f de A em B é um conjunto de pares orde-
nados.

Características do sistema cartesiano


19
• A reta horizontal é chamada eixo das abs-
cissas ou eixo Ox, e o número x é a abscissa
do ponto P.
• A reta vertical é chamada eixo das orde-
nadas ou eixo Oy, e o número y é a orde-
nada do ponto P.
Na linguagem simbólica usada pelos matemáti-
• Juntos, os números x e y chamam-se coor-
cos, para que a função fique bem definida, além da
denadas cartesianas do ponto P.
lei de correspondência entre os conjuntos A e B, é
• Os dois eixos determinam o plano cartesia-
necessário definir claramente que conjuntos são es-
no e se encontram no ponto O de coorde-
ses. O conjunto de partida é chamado de domínio
da função e o conjunto de chegada, de contrado- nadas (0, 0), chamado de origem do plano
mínio da função. cartesiano.
No caso da relação entre litros de combustível e
preço na bomba, o conjunto de partida é formado
por números reais positivos, ou seja, x ∊ IR com x ≥
0, uma vez que se pode considerar o líquido uma
grandeza contínua que varia de 0 a infinito, ainda
que infinitos litros de combustível seja possível ape-
nas na imaginação. Quanto ao conjunto de chega-
da, também pode-se aceitar que o preço y varia
no conjunto dos números reais com y ≥ 0. Importan-
te: observe que, apesar de y variar no conjunto dos
números reais, esses valores só podem ser números
racionais, pois o sistema monetário do País só admite
valores com até duas casas decimais (os centavos).
Assim, embora o conjunto de chegada seja um
subconjunto de números reais, y só pode ser um nú- Veja a representação de alguns pontos no siste-
mero racional positivo ou nulo, no caso de “0 litro”, ma cartesiano.
cujo preço seria R$ 0,00. O subconjunto formado por
Matemática

Veja um exemplo de como resolver uma inequa-


ção e expressar sua solução por meio de um interva-
lo na reta.

• Quais são os números reais que satisfazem


a inequação – 7 < 5x + 3 ≤ 23? Na resolução
desse tipo de inequação, aplicam-se as mes-
mas regras usadas na resolução de equações,
mantendo as relações de desigualdade na
maioria das passagens. Acompanhe:

O intervalo procurado é:
O número representado por x indica quantas
unidades o ponto está afastado do eixo vertical: à
direita do eixo, x é positivo (pontos A e D) e, à es-
querda, x é negativo (pontos B e C).
O número representado por y indica quantas
4. Regra de sinais de inequações
unidades o ponto está afastado do eixo horizontal:
acima do eixo, y é positivo (pontos A e B); abaixo, y
é negativo (pontos C e D). FIQUE ATENTO!
A projeção de um ponto sobre o eixo horizontal Ao multiplicar uma inequação por
apresenta a primeira informação e a projeção do um número negativo, as desigualdades
ponto sobre o eixo vertical, a segunda informação se invertem. Veja um exemplo de resolu-
20
sobre o endereço desse ponto. ção de inequação:
12 < –3x ≤ 48 → Para isolar o –x, divi-
2. Pontos dem-se todos os membros por 3.
4 < –x ≤ 16 → Para isolar o x, multipli-
Um ponto qualquer pode ser localizado no re- cam-se todos os membros por –1.
ferencial cartesiano por meio de pares ordenados, –4 < x ≤ –16
como os pontos O(0, 0), P(–3, 4), A(3, –2), B(0, 3), C(2, Observe que a última inequação é
–3), D(–3, –3), E(1, 2) e F(2, –5). Além de pontos, tam- falsa, pois –4 > –16. Portanto, é preciso
bém podem ser representados intervalos de pontos inverter os sinais para que a sentença
em uma reta e regiões no plano cartesiano. continue verdadeira. Assim: –4 > x ≥ –16.

5. Intervalos no plano cartesiano

Observe, ao lado, a localização dos pontos A(–


2, 3) e B(4, 3). Note que os pontos A e B têm a mesma
ordenada e podem determinar um segmento para-
lelo ao eixo das abscissas. Os pontos do segmento
AB são representados pelos pares (x, 3), em que x ∊
IR e –2 ≤ x ≤ 4. Pode-se dizer também que x pertence
ao intervalo real fechado de extremidades –2 e 4,
ou x ∊ [–2; 4].
Matemática

6. Funções

Agora que você já tem noção do que é uma


No gráfico ao lado, os pontos C(2, 5) e D(2, –3)
função – uma lei matemática que relaciona duas
têm a mesma abscissa e podem determinar um seg-
ou mais grandezas que variam uma em função da
mento paralelo ao eixo das ordenadas.
outra –, vai estudar alguns tipos de funções espe-
Os pontos do segmento são representados
ciais. Na Unidade anterior abordou-se uma lei que
pelos pares (2, y), em que y ∊ IR e – 3 ≤ y ≤ 5, ou y ∊
descreve o preço de uma corrida de táxi em rela-
[–3, 5], isto é: y é um número do intervalo real fecha-
ção à distância percorrida. Esse exemplo será reto-
do de extremidades –3 e 5.
mado, imaginando-se agora que, em determinada
cidade, o preço por quilômetro rodado é R$ 3,00 e a
bandeirada, R$ 5,00.
Para um percurso de 6 km, o preço a ser pago
é R$ 3,00 ∙ 6 + R$ 5,00 = R$ 23,00. Mas, se o percurso
for de 12 km, o preço a ser pago é R$ 3,00 ∙ 12 + R$
5,00 = R$ 41,00.

21

Para calcular o preço de outro percurso, multipli-


ca- -se o valor do quilômetro rodado pela distância
percorrida e soma-se à bandeirada. Em linguagem
matemática, basta usar a fórmula p = 3d + 5, em
que p é o preço final que varia em função da distân-
cia percorrida d (em quilômetros).

No gráfico ao lado, a região delimitada pelo


retângulo ABCD é representada pelos pontos (x, y),
em que x e y são números reais que satisfazem as
condições 2 ≤ x ≤ 10 e 1 ≤ y ≤ 4.

Outro exemplo simples é o que relaciona a dis-


tância percorrida por um veículo que se desloca a
uma velocidade constante. Imagine que seja pos-
sível trafegar em uma estrada a uma velocidade
Matemática

constante de 60 km/h. 7. Relação entre os lados de um retângulo com


perímetro constante

Veja algumas relações que são funções de 1º


grau.

• Considere um retângulo de lados x e y.

Imagine a situação de um agricultor que tem


180 m de arame para cercar um canteiro retangular
de modo que a cerca tenha 3 voltas de arame. Divi-
Na primeira hora, esse veículo terá rodado 60 km; dindo o comprimento do arame por 3, obtém-se 60
ao final da segunda hora, terá percorrido 120 km. m, que deve ser o perímetro do canteiro retangular.

Substituindo 60 na fórmula do perímetro (I), tem-


-se:
22 60 = 2(x + y) → dividindo os dois membros por 2,
tem-se que x + y = 30.
Isolando a variável y:
O modelo matemático (ou equação matemá- y = 30 – x (II)
tica) que relaciona a distância (d) percorrida em Observe que, nessas condições, y varia em fun-
função do tempo (t) é d = 60t. Nos dois exemplos, ção de x. Com base na expressão y = 30 – x, é pos-
tem-se uma variável independente e uma variável sível construir uma tabela e encontrar valores para
dependente. Além disso, as fórmulas que determi- y em função de x, para, em seguida, esboçar seu
nam tanto o preço pago no táxi como a distância gráfico.
percorrida por um veículo à velocidade constante
são parecidas.
Atenção!
Como x é considerada a variável
independente, seus valores de entrada
são atribuídos livremente, isto é, você es-
colhe o valor para, depois de aplicá-lo
na função, obter um valor para a variá-
vel dependente y.

No dia a dia, nas atividades profissionais e cientí-


ficas, inúmeros são os fenômenos e as situações que
podem ser modelados e representados por meio de
funções do tipo y = ax + b, cujos coeficientes são
números reais e a ≠ 0. As relações desse tipo são de-
nominadas função polinomial de 1º grau ou função
afim. No entanto, neste Caderno, serão chamadas
simplesmente de funções de 1º grau, como são mais
conhecidas.
Matemática

As extremidades do segmento de reta estão re-


presentadas por bolas vazias, isso porque não existe
um retângulo em que um dos lados mede zero.

Observe que, nesse caso, se o perímetro for fixo,


quando um lado aumenta, o outro tem necessaria-
mente que diminuir.
A relação entre os lados de um retângulo com o
perímetro fixo é uma função de 1º grau. 1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
• Considere um retângulo em que um dos lados 01. Use os sinais de desigualdade para ex-
mede 5 cm. pressar os intervalos a seguir.
Como varia seu perímetro em função da medi-
da do outro lado do retângulo?

P = 2(x + y)
P = 2(x + 5)
P = 2x + 10

Tabela correspondente a essa função:

02. Considere, no plano cartesiano, a região


retangular definida pelos seguintes intervalos:

• – 3 ≤ x ≤ 3
• – 4 ≤ y ≤ 4
Observe na tabela e no gráfico que, como so- Assinale a alternativa que melhor representa
mente um dos lados é fixo e o outro é variável, ao o conjunto dos pontos da região que satisfazem
aumentar o lado variável, o perímetro também au- a condição y = 2x.
menta.
23
• A área de um retângulo em que um dos lados
mede 5 cm é: A = 5x.
• A distância percorrida por um automóvel com
velocidade constante v = 25 km/h em função
do tempo t é: d = 25t.

O que todas essas situações têm em comum é


o fato de que podem ser representadas por meio
de uma expressão algébrica, que é uma função de
1o grau do tipo y = ax + b, com a ≠ 0, e se x varia no
conjunto IR (dos números reais), seu gráfico é uma
reta.

03. O quadro apresenta a produção de al-


godão de uma cooperativa de agricultores en-
tre 1995 e 1999.

O gráfico que melhor representa a área


plantada (AP) no período considerado é:
Matemática

04. As curvas de oferta e de demanda de


um produto representam, respectivamente, as
quantidades que vendedores e consumidores 04. Alternativa correta: b.
estão dispostos a comercializar em função do Se QO = –20 + 4P, QD = 46 – 2P e o preço de
preço do produto. Em alguns casos, essas curvas equilíbrio existe quando QO = QD, H tem-se:
podem ser representadas por retas. Suponha – 20 + 4P = 46 – 2P → 4P + 2P = 46 + 20 → 6P =
que as quantidades de oferta e de demanda 66 → P = 11.
de um produto sejam, respectivamente, repre-
sentadas pelas equações:
EQUAÇÃO DE 2º GRAU

1. Primeira noção sobre equações

Entre todas as equações que se estudam e se


utilizam, as equações de 1º grau são as mais simples.
Em que QO é quantidade de oferta, QD é a
Para solucioná-las, basta realizar algumas opera-
quantidade de demanda e P é o preço do pro-
ções algébricas a fim de isolar e conhecer a incóg-
duto. A partir dessas equações, de oferta e de
nita. Com o objetivo de descobrir o valor do termo
demanda, os economistas encontram o preço
desconhecido, aplicam-se noções como a de ope-
de equilíbrio de mercado, ou seja, quando QO e
ração inversa, entre outras propriedades matemáti-
QD se igualam. Para a situação descrita, qual o
cas. Relembre algumas técnicas de resolução que
valor do preço de equilíbrio?
24 possibilitam encontrar um valor para x que satisfaça
a) 5
as condições do problema a seguir.
b) 11
c) 13
d) 23
e) 33
Enem 2012. Prova azul.

DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
RESULTADOS

Confira aqui os seus resultados!

01. No método a seguir utiliza-se a noção de opera-


a) x ≥ – 2 ção inversa, que possibilita a resolução do problema
b) x < 2 de trás para a frente.
c) – 2 < x < 3

02. Alternativa correta: d.

03. Alternativa correta: a.


A tabela informa que a produtividade é ex-
pressa em kg/hectare. Isso significa que a pro-
dutividade é a razão da produção pela área
plantada, ou seja:
Matemática

Após encontrar uma solução, é necessário ve- De modo geral, uma equação de 2º grau tem o
rificar se o resultado satisfaz todas as condições do seguinte formato:
problema.

• O coeficiente a da variável elevada ao qua-


drado deve ser diferente de 0.
• O coeficiente de x é b.
Esse exemplo simples dá uma ideia de como se • O coeficiente independente da variável é c.
resolvem determinadas equações. Mas, nos fenô- • Métodos de resolução de uma equação de 2º
menos científicos e em situações profissionais, sur- grau
gem tipos de relações mais complexas. Em muitos
casos, essas relações podem envolver dezenas e Há vários métodos para se resolver uma equa-
até centenas de variáveis. Tente resolver o seguinte ção de 2o grau. Para resolver o problema do terreno,
problema: bastou saber calcular √324.
Pedro pretende construir uma casa em um terre- Porém, o método mais comumente utilizado
no quadrado cuja área mede 324 m2. Será possível para resolver uma equação de 2º grau é a aplica-
construir uma casa tendo uma planta baixa no for- ção de uma fórmula, conhecida como fórmula de
mato de um quadrado, cujos lados medem 15 m de Bhaskara, em homenagem ao matemático indiano
comprimento? Bhaskara (1114-1185). Seja a equação ax2 + bx + c
Há várias maneiras de responder a essa questão. = 0, com os coeficientes a, b e c pertencendo aos
Uma delas é descobrir a medida do lado do terreno números reais e com a ≠ 0, então:
quadrado no qual Pedro pretende construir a casa.
Sabendo que para calcular a área de um retân-
gulo multiplicam-se as medidas de seus lados e que,
no caso do quadrado, os lados são iguais, a área
do quadrado é igual ao quadrado da medida dos
lados. Assim, é possível escrever a fórmula completa
como:
A = x2 (I) Observe a seguir a análise dessa fórmula, com
destaque para algumas características da equação 25
Nesse problema, a incógnita é a medida do de 2º grau: a) O coeficiente a tem que ser diferente
lado x. Substituindo 324 na equação (I), tem-se a de zero. Há dois fatos que justificam essa restrição. O
igualdade: primeiro é o de que, se fosse possível a = 0, a equa-
ção se reduziria a uma equação de 1º grau, pois o 0
x2 = 324 (II) (zero) anularia o termo em x2 :

A expressão (II) é uma equação cujo grau da


incógnita é 2. Para resolvê-la, é preciso responder
à pergunta: Qual número, elevado ao quadrado, é O outro motivo é o de que, na fórmula, o deno-
igual a 324? minador 2a seria anulado, e não existe divisão por
zero. b) O sinal ± que aparece no numerador indica
Com base nos conhecimentos sobre potências, que a equação de 2º grau pode ter até duas solu-
quadrados perfeitos e raiz quadrada, é possível en- ções:
contrar o valor x = 18.
• a equação tem duas soluções reais se b2 – 4ac
Verifique que: >0

Logo, em um terreno com essas medidas, é pos-


sível construir a casa nas condições do problema,
uma vez que 15 < 18.
Equações cuja incógnita tem expoente 2 são Exemplo: seja a equação x2 – 5x + 6 = 0.
chamadas de equações de 2º grau. Veja outros A primeira coisa a se fazer é identificar os coefi-
exemplos de equações de 2º grau: cientes da equação:

a=1
b=–5
c=6
Matemática

Substituindo a, b e c na fórmula por seus valores


numéricos, tem-se:

As duas raízes são:

c) Toda equação do tipo ax2 + bx + c = 0 pode


ser escrita na forma (x – x’)(x – x’’) = 0, em que x’ e x’’
Para conferir, basta substituir a incógnita pelos são as raízes da equação.
valores encontrados: Observe o exemplo a seguir: Dada as raízes x’ =
2 e x’’ = 3, pode-se determinar a equação utilizando
22 – 5 ∙ 2 + 6 = 4 – 10 + 6 = 0 → 2 é raiz da equa- a fórmula.
ção;
32 – 5 ∙ 3 + 6 = 9 – 15 + 6 = 0 → 3 também é raiz
da equação.

• se b2 – 4ac = 0, a equação tem uma única so- Conferindo:


lução real. Nesse caso, a fórmula fica reduzida
à expressão:

Veja o exemplo da equação x2 – 6x + 9 = 0. 1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS


Nesse caso, os valores dos coeficientes são a = 1,
b = – 6 e c = 9. Substituindo na fórmula, tem-se: 01. As duas soluções de uma equação do 2º
grau são – 1 e 1/3 . Então a equação é:
a) 3x2 – x – 1 = 0
b) 3x2 + x – 1 = 0
26 c) 3x2 + 2x – 1 = 0
Substituindo x por 3 na equação → 32 – 6 ∙ 3 + 9 = d) 3x2 – 2x – 1 = 0
9 – 18 + 9 = 0, confirma-se que 3 é raiz da equação. e) 3x2 – x + 1 = 0
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
• Se b2 – 4ac < 0, a equação não tem soluções (PUC-RJ), 2005.
reais, pois não existe raiz quadrada de número
negativo no conjunto dos números reais.
DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
Em algumas equações, os coeficientes b e c po- RESULTADOS
dem ser nulos. Nesses casos, a equação é incomple-
ta; esse tipo de equação pode ser resolvido aplican- Confira aqui os seus resultados!
do a fórmula de Bhaskara ou por métodos algébri-
cos mais simples. Veja alguns exemplos: 01. Alternativa correta: c.
Se x’ e x” são duas raízes de uma equação, en-
tão é possível escrever essa equação como (x –
x’)(x – x”) = 0. Como as raízes são –1 e 1/3 então
a equação é

Desenvolvendo a equação, obtém-se:

Outro método de resolução possível é soma


e produto, em que a equação de 2º grau é es-
crita na forma x2 – Sx + P = 0 e S = x’ + x’’ (soma
das raízes) e P = x’ · x’’ (produto entre as raízes).
Matemática

2. A linguagem das sequências

Uma sequência pode ser representada por uma


lista ordenada de números entre parênteses, sepa-
rados por vírgula. A sequência (1930, 1934, 1938,
1950, 1954, 1958, 1962, ..., 2014, ...) indica os anos
SEQUÊNCIAS E REGULARIDADES de Copa do Mundo de futebol masculino, desde o
primeiro campeonato, em 1930, até o ocorrido no
Sequências e leis de formação A palavra se- Brasil em 2014.
quência faz parte do vocabulário usado no dia a
dia e é empregada, por exemplo, para se referir à
“sequência dos capítulos de uma novela” ou à “se-
quência de jogos de um campeonato”. Em geral,
uma “sequência de acontecimentos” sugere um
tipo de ordenação e a ideia de 1o, 2o, 3o, ou seja,
uma associação entre o que está sequenciado e os
números naturais positivos (1, 2, 3, ...). Agora, tente
calcular mentalmente o valor do 100o termo.
Ao longo da história, algumas sequências des-
pertaram a curiosidade e a atenção de matemáti-
cos e de outros cientistas, como astrônomos e eco-
nomistas. Há sequências de muitos tipos, por exem-
plo, a sequência dos múltiplos de 3 (3, 6, 9, 12, ...).

É possível perceber a regularidade dessa se- Nessa sequência, o valor numérico do primeiro
quência e determinar o valor do próximo termo. termo é 1930; do segundo termo, 1934; do terceiro,
Outras sequências progridem seguindo um padrão 1938; do quarto, 1950; e assim por diante. São usa-
constante, mas que, logo nos primeiros termos, já al- dos uma letra minúscula para identificar um termo
cançam quantidades maiores: (1, 2, 4, 8, 16, 32, ...) da sequência e um número subscrito à direita da le-
tra para indicar a posição desse termo.
1. A sequência de números primos 27
Há ainda sequências que, mesmo sendo estuda-
das por matemáticos há mais de 2 mil anos, ainda
hoje guardam mistérios e desafiam as mentes mais
curiosas. Esse é o caso da sequência dos números
primos.
Observe a seguir: Assim:

(2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, ...)

O que instiga os matemáticos é o fato de que


sua maior regularidade é não ter nenhuma regulari-
dade aparente. Para encontrar o valor de determi-
nado termo é necessário utilizar trabalhosos méto-
dos de cálculo. Se o termo for muito grande, como
o milionésimo, descobri-lo é uma tarefa que exige a
utilização de programas de computação. a10 indica o décimo termo e, no caso, refere-se
Um número primo é um número natural que tem ao ano da 10ª Copa do Mundo.
apenas dois divisores: 1 e o próprio número. As Copas do Mundo de futebol masculino e as
O número 9 tem três divisores: (1, 3, 9), portanto, Olimpíadas ocorrem a cada quatro anos – essa é
não é primo; diz-se que 9 é um número composto, a regularidade desses eventos. Mas observe que a
pois pode ser decomposto como 3 ∙ 3; 10 também regularidade da sequência – cada termo é igual ao
é composto, pois pode ser decomposto como 2 ∙ 5, anterior mais 4 (anos) – foi quebrada no quarto ter-
tendo quatro divisores (1, 2, 5, 10). mo. Isso porque, devido à 2ª Guerra Mundial, não
Já o número 13 só tem dois divisores: 1 e o pró- foram realizadas competições nos anos de 1942 e
prio 13, podendo ser decomposto apenas como 1 ∙ 1946. O padrão segundo o qual as Copas são reali-
13; portanto, ele é primo. zadas de 4 em 4 anos foi retomado a partir de 1950,
quando a Copa do Mundo aconteceu no Brasil.
Um dos objetivos do estudo das sequências é
determinar o valor de certo termo. Em geral, isso é
Matemática

possível se a sequência tem um padrão, ou seja, dos números figurados foram os pitagóricos, curiosos
uma regularidade que possa ser expressa por uma em relação à disposição de pedras em configura-
lei de formação ou uma fórmula. ções geométricas na areia.

1. Números quadrados

Em Matemática, número quadrado é um núme-


ro inteiro que pode ser escrito como o quadrado de
Por exemplo, observe a sequência de números outro número inteiro. A sequência desses números é
pares (2, 4, 6, ...). Essa é uma sequência infinita de a mais conhecida entre os números figurados.
números, mas é possível encontrar um padrão para
calcular qualquer número pertencente a ela. Assim:

SEQUÊNCIAS FIGURADAS Sabe-se que, para calcular um termo qualquer


dessa sequência, basta elevar o valor da ordem
1. Números figurados (posição) ao quadrado.
Seja Qn o enésimo termo da sequência dos nú-
Algumas sequências se baseiam em configura- meros quadrados, então Qn é dado por:
ções geométricas de figuras, como é o caso das se-
quências de tipos V e L:

2. Números triangulares
28
Em muitas situações do dia a dia, é comum se
deparar com configurações geométricas triangula-
res, como na arrumação de bolas de bilhar ou de
pilhas de latas.

Os valores numéricos dos termos dessas sequên-


cias são determinados pelo número de quadradi-
nhos de cada figura. O número que você vê abai-
xo delas, no entanto, não são os valores numéricos;
trata-se do número dos termos: primeiro, segundo,
terceiro etc.
A notação utilizada para representar essas se-
quências será a letra a para os termos da sequência
V, e b para representar os termos da sequência L.
Perceba que:

• o quarto termo da sequência V possui 7 qua-


dradinhos, ou seja, a4 = 7; Os números associados a essas configurações –
• o terceiro termo da sequência L possui 6 qua- ou seja, aqueles que podem ser representados na
dradinhos, ou seja, b3 = 6. forma de um triângulo – são chamados números
triangulares. A sequência desses números também
SEQUÊNCIAS E NÚMEROS FIGURADOS foi estudada pelos pitagóricos há mais de 2.500 anos.

Outros tipos de números figurados Entre as várias


sequências muito apreciadas pelos matemáticos,
destacam-se as dos números figurados, que são
aqueles que podem ser representados por um con-
junto de pontos equidistantes, formando uma figura
geométrica. Os primeiros a estudar as regularidades
Matemática

Por meio da contagem das pedras sobre a areia, qualquer an pode ser determinado em função de
os pitagóricos perceberam regularidades na forma- sua posição; em outras palavras: o enésimo termo
ção dos termos da sequência: da sequência é:

(1, 3, 6, 10, 15, ...)

Seja Tn o enésimo número triangular.

Quando se sabe a lei geral de uma sequência,


fica fácil resolver problemas do tipo.

• Calcular o valor numérico do 30º termo:

PROGRESSÕES ARITMÉTICAS E GEOMÉTRICAS


• Determinar a posição do termo cujo valor nu-
Algumas progressões são muito simples, e você mérico é 100:
já as conhece do estudo das primeiras tabuadas,
como é o caso da sequência dos números pares Nesse caso, o que se quer descobrir é o valor de
positivos: n, sabendo que an = 100.
A lei geral do enésimo termo é an = 2n, portan-
(2, 4, 6, 8, ..., a10, a11, ..., an, ...) to, basta resolver a equação 2n = 100 → n = 50, ou
seja, o termo cujo valor numérico é 100 é o que está
Assim, não é difícil determinar o valor numérico na 50ª posição da sequência dos números pares po-
do 5o termo. Considerando que a diferença entre sitivos. Agora considere outras sequências simples
dois termos consecutivos da sequência é 2 e que a4 como a dos números ímpares positivos e a sequên-
= 8, pode-se concluir que a5 = 8 + 2 = 10. cia dos múltiplos de 3 maiores que zero:
Pelo mesmo motivo, sabe-se que a11 = a10 + 2. O
problema nesse caso é que ainda não se conhece
o valor de a10, pois, pela regra anterior, ele depende
29
do termo antecedente a9, que por enquanto tam-
bém é desconhecido.
No entanto, é possível observar outros padrões e
determinar o valor numérico de um termo qualquer O que essas sequências têm em comum com
em função da posição que ele ocupa na sequên- a sequência dos números pares? Para responder,
cia. acompanhe a comparação, de duas em duas:
Observe:
a1 = 2 → dado que é uma sequência dos pares
positivos (o zero não é positivo nem negativo).

Semelhança: a diferença entre dois termos con-


secutivos é 2.
Diferença: cada uma das sequências tem um
primeiro termo diferente. Agora observe a compa-
ração da sequência dos números pares com a se-
quência dos múltiplos positivos de 3:
a10 = a9 + 2, mas também pode ser calculado em
função de sua posição na sequência (décima):

Note que, nas duas sequências, a diferença en-


tre dois termos consecutivos é constante, porém di-
ferente em cada sequência.
Na sequência dos números pares, a diferença
Generalizando, pode-se dizer que um termo entre dois termos consecutivos é an-an-1=2.
Matemática

Na sequência dos múltiplos de 3, essa diferença


é an-an-1=3.

As sequências cuja diferença entre dois termos


consecutivos é constante são chamadas de pro-
gressão aritmética. Também conhecidas como PA,
sendo sua constante denominada razão da PA.
Uma PA fica bem determinada quando se conhece
seu primeiro termo (a1) e sua razão (r). Com esses
elementos, é possível calcular o valor numérico de
qualquer termo em função de sua posição (n) na Lembre-se de que a razão é r = 3.
progressão.

O que se procura saber é quantas vezes é pre-


ciso somar a razão r = 3 para ir do 1º termo até o
11º (a11). Para responder, observe o que acontece
com os quatro termos conhecidos:

Para calcular a5, basta somar ao primeiro termo


4 vezes a razão:

30
Antes de aplicar essas ideias e técnicas, acom-
panhe o estudo da progressão aritmética a seguir,
cujos quatro primeiros termos são conhecidos:
Para determinar o valor numérico do 5º termo,
soma-se 4 vezes (5 – 1 = 4) a razão.
Portanto, para ir de a1 até a11, soma-se 10 vezes
a razão:
Pratique determinando o valor de todos os ter-
mos até o 11º. Para calcular o enésimo termo de
uma PA, usa-se uma fórmula derivada do raciocínio
descrito anteriormente.
Com base nesses dados, é simples determinar o Fórmula do termo geral da PA:
valor do 5º termo:

Observe a aplicação dessa fórmula para resol-


Também é possível determinar o 11º termo, mas, ver outros problemas relativos à mesma sequência:
para isso, seria necessário conhecer o valor numéri-
co do 10o termo, e, para achar o valor do 10º termo, • calcular o valor de a20:
depende-se do valor do 9º termo, e assim por diante.
Mas existe um caminho mais curto e engenhoso
para encontrar o valor do 11º termo
Matemática

Basta substituir na fórmula: ser pago em trigo, deixando todos perplexos e zom-
bando do ingênuo inventor. Mas ele prosseguiu, e
pediu ao rei que lhe pagasse 1 grão de trigo para
a primeira casa do tabuleiro, 2 grãos para a segun-
da casa, 4 para a terceira, 8 para a quarta, e assim
por diante, dobrando o número de grãos para cada
casa sucessiva do tabuleiro.
O rei sorriu ao ouvir o que acreditou ser um pe-
dido modesto. Mas seu sorriso desapareceu na ma-
nhã seguinte quando ouviu de seu secretário de
• determinar a posição n do termo cujo valor nu- Finanças, um contador muito habilidoso, que ele,
mérico é an = 65: o rei, teria de pagar uma quantidade de trigo que
não existia no reino, nem provavelmente no mundo
todo.
A explicação é simples: ao dobrar a quantidade
de grãos de trigo em cada casa, obtém-se uma se-
quência que cresce muito rapidamente à medida
que se avança pelas casas do tabuleiro, formando
uma sequência que, até a 10a casa, tem os seguin-
tes valores numéricos:

(1, 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128, 256, 512, ...)

Substituindo na fórmula, tem-se: Isso quer dizer que a soma de todos os grãos dá
um número que ultrapassa a casa dos quinquilhões:

Esse número é quase impronunciável:


18.446.744.073.709.551.615 grãos de trigo.
A sequência (1, 2, 4, 8, 16, ...) tem uma regulari-
dade: cada termo a partir do 1o é igual ao anterior
multiplicado por um valor constante, que no caso
31
é 2. Qualquer sequência com essa característica
é chamada de progressão geométrica (PG), e, tal
Eliminam-se os parênteses aplicando a proprie- como visto no estudo das progressões aritméticas, as
dade distributiva: PGs também têm uma fórmula do termo geral.
As PGs aparecem em uma variedade de situa-
ções do dia a dia, por exemplo, para descrever o
rendimento de uma aplicação financeira a juros fi-
xos ou para determinar a desvalorização de deter-
minado bem.
Elas também são utilizadas por geógrafos e bió-
logos na previsão e estimativa de populações (de
pessoas ou bactérias) que crescem ou decrescem
a uma taxa fixa.

1. Fórmula do termo geral da PG

Para deduzir a fórmula do termo geral de uma


PG, acompanhe o estudo desta sequência: (3, 6, 12,
PROGRESSÕES GEOMÉTRICAS 24, 48, ..., an). Observe sua regularidade: cada ter-
mo, a partir do 2o, é igual ao anterior multiplicado
Progressão geométrica – início de conversa No por 2.
livro O homem que calculava, de Malba Tahan
(1938), há uma passagem que conta a história do
xadrez, conhecida como Lenda de Sessa. Diz a len-
da que o jogo de xadrez foi inventado para diver-
tir um rei, que, encantado com o jogo, pediu a seu
criador, Sessa, que escolhesse uma recompensa em
ouro e joias.
Sessa, muito humildemente, pediu apenas para
Matemática

Nessa sequência, a constante 2, usada para cessor (q = a2 ÷ a1 = a3 ÷ a2 = ... = 3); e o valor de n


multiplicar um termo a fim de obter o seguinte, é (n = 8).
chamada de razão da PG. Para evitar confusão Substituindo na fórmula do termo geral, tem-se:
com a razão utilizada nas progressões aritméticas,
os matemáticos empregam a letra q (de quocien-
te) para indicá-la, pois, dividindo um termo qualquer
pelo anterior, obtém-se sempre um valor constante:
a razão da PG.
Verifique:

• Como determinar o 1o termo de uma PG de


razão q = 5 em que o 4º termo a4 = 750?
São conhecidos a razão q = 5, n = 4 e a4 = 750.
Substituindo na fórmula do termo geral, obtém-se:

Para saber o valor do 6º termo, basta calcular a6


= a5 ∙ 2, e, como a5 = 48, então a6 = 48 ∙ 2 = 96.
Agora observe a estrutura do 5º termo da PG.
Lembre-se de que a razão q = 2.

• Qual é a razão de uma PG em que o 1º termo


é 5 e o 6º termo é 5.120?

São conhecidos a1 = 5, a6 = 5.120 e o número de


termos n = 6.
32 Substituindo na fórmula, obtém-se:

Portanto, a6 = a1 ∙ 25 = 3 ∙ 32 = 96
Com base na percepção dessa regularidade,
pode-se determinar o valor do 10º termo conhecen-
do o 1o e a razão:

Fatorando 1.024, obtém-se: 1.024 = 210 = (22)5 =


45 .
Agora, pode-se generalizar e expressar.
Fórmula do termo geral da PG:

1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
Observe sua utilização na resolução dos seguin-
tes problemas. 01. Tente encontrar um padrão para a se-
quência de números ímpares, a partir do 3.
• Como determinar o 8o termo da PG (2, 6, 18,
..., an)? 02. Retome as sequências figuradas do tipo
V e L para realizar os exercícios abaixo.
a) Quantos quadradinhos tem o 5º termo da
São conhecidos o primeiro termo (a1 = 2); a ra- sequência V?
zão, que é o quociente entre um termo e seu ante-
Matemática

b) Quantos quadradinhos tem o 5º termo da DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS


sequência L? RESULTADOS
c) Qual termo tem mais quadradinhos: o 6º
termo da sequência V ou o da sequência L? Confira aqui os seus resultados!
d) Escreva a quantidade de quadradinhos
dos 10 primeiros termos da sequência V. 01.
e) Escreva a quantidade de quadradinhos a) Um termo é sempre o dobro do anterior,
dos 10 primeiros termos da sequência L. então os 10 primeiros termos são: (1, 2, 4, 8, 16, 32,
f) Escreva, explicando com suas palavras, 64, 128, 256, 512, ...). Assim, o 10º termo é menor
qual é a regra de formação das sequências V que 1.000.
e L. b) A sequência (7, 14, 21, 28, ...) é uma se-
quência dos múltiplos de 7; logo, seu 10º termo é
03. O termo geral de uma PA é dado por an igual a 7 ∙ 10 = 70: (7, 14, 21, 28, 35, 42, 49, 56, 63,
= 2n – 1. Então, o 3o termo da PA vale: 70, ...). Portanto, o 10º termo dessa sequência é
a) 2 menor que o 10º termo da sequência anterior.
b) 3
c) 4 02.
d) 5 a) Os números que formam a sequência V
e) 6 são (1, 3, 5, 7, ...), ou seja, formam a sequência
dos números ímpares. Portanto, o próximo termo
04. Assinale a alternativa em que a sequên- é 9. Você pode obter esse resultado desenhan-
cia corresponde às medidas dos lados de um do o 5º termo com base no 4º; para se passar de
triângulo retângulo, sabendo que elas formam um termo a outro, acrescentam-se 2 quadradi-
uma PA cuja razão é 3. nhos nas extremidades do V.
a) 3, 6, 9 b) Os números que formam a sequência L
b) 6, 9, 12 são (2, 4, 6, 8, ...), ou seja, formam a sequência
c) 12, 15, 18 dos números pares. Portanto, o próximo termo é
d) 9, 12, 15 10. Você pode obter esse resultado desenhando
e) n.d.a. o 5º termo com o acréscimo de 2 quadradinhos,
em relação ao 4o termo, um em cada extremi-
05. A ANATEL determina que as emissoras de dade do L.
rádio FM utilizem as frequências de 87,9 a 107,9 c) O da sequência L, pois o 6º termo da se- 33
MHz, e que haja uma diferença de 0,2 MHz en- quência V é 11, e o 6º termo da sequência L é
tre emissoras com frequências vizinhas. A cada 12; 12 > 11.
emissora, identificada por sua frequência, é as- d) Para completar a sequência, acrescenta-
sociado um canal, que é um número natural -se 2 ao termo anterior: (1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15,
que começa em 200. Desta forma, à emissora 17, 19). Cada número da sequência representa
cuja frequência é de 87,9 MHz corresponde o o total de quadradinhos do termo ao qual se re-
canal 200; à seguinte, cuja frequência é de 88,1 fere.
MHz, corresponde o canal 201, e assim por dian- e) Para completar a sequência, acrescenta-
te. Pergunta-se: -se 2 ao termo anterior: (2, 4, 6, 8, 10, 12, 14, 16,
a) Quantas emissoras FM podem funcionar 18, 20). Cada número da sequência representa
[na mesma região], respeitando-se o intervalo o total de quadradinhos do termo ao qual se re-
de frequências permitido pela ANATEL? Qual o fere.
número do canal com maior frequência? f) Existe mais de uma possibilidade de res-
b) Os canais 200 e 285 são reservados para posta. Uma delas é: nas duas sequências, cada
uso exclusivo das rádios comunitárias. Qual a termo, a partir do 2º, é igual ao anterior com o
frequência do canal 285, supondo que todas as acréscimo de 2. Na sequência V, o 1º termo é
frequências possíveis são utilizadas? igual a 1; na sequência L, o 1o termo é igual a 2.
Unicamp 2005. Portanto, a fórmula que representa a lei de for-
mação da sequência V é V = 2n e da sequência
06. Em determinada progressão geométrica, L é L = 2n + 1, com n ≥ 1 para ambas.
a razão é maior que 1 e o 1o termo é menor que
0 (zero). Pode-se dizer que essa PG é: 03. Alternativa correta: d.
a) decrescente. a3 = 2 ∙ 3 – 1 = 6 – 1 = 5
b) crescente.
c) constante. 04. Alternativa correta: d.
d) oscilante. Se as medidas dos lados estão em PA, pode-
-se escrever a sequência (x – 3, x, x + 3).
Usando o teorema de Pitágoras (h² = a² + b²)
e resolvendo a equação, tem-se:
Matemática

(x+3)2=x2+(x-3)2→ x2+6x+9=x2+x2-6x=9→ -x2+12x=0


→x2-12x=0→x=0 ou x=12
x≠0, pois a medida do lado de um triângulo tem
de ser um número maior que 0 (zero), portanto
x=12, e os lados do triângulo são (9, 12, 15).

Esse resultado satisfaz o teorema de Pitágo-


ras: 152 = 122 + 92 → 225 = 144 + 81 De modo geral, duas figuras planas são con-
gruentes se for possível sobrepô-las uma à outra,
05. a) Podem funcionar 101 emissoras, e a por meio de algum movimento, como um giro (ro-
que apresenta maior frequência é o canal de tação), uma reflexão ou um deslocamento (transla-
número 300, pois: i. (87,9; 88,1; …; 107,9) é uma ção), fazendo coincidir todos os seus pontos. Veja os
progressão aritmética de primeiro termo a1 = 87,9 exemplos:
e razão r = 0,2.
Assim, 107,9 = 87,9 + (n – 1) ∙ 0,2 → n – 1 = 101.
Logo, essa sequência tem 101 termos.
ii. A sequência (200, 201, 202, …) é uma pro-
gressão aritmética de primeiro termo 200, razão
r = 1.
a101 = 200 + (n – 1) ∙ 1 → a101 = 200 + (101 – 1) ∙
1 → a101 = 200 + 100 → a101 = 300 Observe que é possível sobrepor o F em A, deslo-
Assim, a 101ª emissora é a do canal 300. cando F em determinada direção; o F “espelhado”
b) A frequência do canal 285 é o 86º termo por meio de uma reflexão sobrepõe-se a B; girando
da progressão aritmética das frequências. F em torno do ponto indicado, obtém-se C. A ideia
Vejam: (200, 201, 202, ..., 285), quantos ter- de congruência vale para qualquer figura plana.
mos existem?
an = a1 + (n – 1)r → 285 = 200 + (n – 1) ∙ 1 →
285 – 199 = n → n = 86
e, portanto:
a86 = a1 + 85 ∙ r → a86 = 87,9 + 85 ∙ 0,2 → a86 =
104,9
34 Logo, a frequência que ocupa a 86ª posição
é 104,9.

06. Alternativa correta: a. Imagine um modo de sobrepor a figura F, apre-


Como a razão é um número positivo e o 1o sentada acima, na figura F’, de modo que todos
termo é negativo, o 2o termo será negativo; as- os seus pontos coincidam. Os pontos coincidentes
sim, todos os termos serão negativos. O valor em serão chamados de pontos correspondentes. No
módulo dos termos aumenta, mas, por causa do exemplo, os pontos P e P’ são correspondentes. Po-
sinal negativo, à medida que n cresce, decresce lígonos que têm a mesma forma e as mesmas medi-
o valor de an, ou seja, a PG é decrescente. das angulares e de comprimento são congruentes.
Veja no caso em que a1 = – 2 e razão r = 3
(– 2, – 6, – 18, ...).

RELAÇÕES GEOMÉTRICAS: CONGRUÊNCIA, SEME-


LHANÇA E TEOREMA DE PITÁGORAS

1. Congruência

Retomando o que já estudou no Ensino Fun-


damental, você agora vai recordar o que é con- Porém, para resolver a maioria dos problemas
gruência. Diz-se que dois segmentos que têm me- práticos dessa natureza, basta estudar a congruên-
didas iguais são segmentos congruentes; do mesmo cia de triângulos.
modo, dois ângulos que têm a mesma medida são
ângulos congruentes. 2. Para entender a congruência de triângulos

Na figura a seguir, os triângulos ABC e DEF são


congruentes, pois:
Matemática

Como se pôde observar, dois triângulos são con-


gruentes se, e somente se, tiverem os três lados e os
três ângulos respectivamente congruentes. Marce-
neiros, carpinteiros, matemáticos, físicos, engenhei-
ros, astrônomos e agrimensores resolvem problemas
aplicando alguns casos de congruência.

3. Casos de congruência de triângulos

Dois triângulos podem ter algumas medidas de 35


lados e ângulos iguais, e ainda assim não serem con-
gruentes. Observe alguns casos:

PARA SABER MAIS!

Construção de triângulos

Os triângulos têm aplicações em inúmeras


atividades profissionais, como no caso dos mar-
ceneiros, arquitetos, engenheiros e desenhistas
No entanto, dois triângulos são congruentes técnicos, que precisam saber construí-los com
quando satisfazem as seguintes condições: precisão para fazer plantas de imóveis, projetos
de móveis e outros objetos do dia a dia, além de
construir estruturas rígidas como torres e pontes.

Tales e o caso ALA (Ângulo–Lado–Ângulo) O mé-


todo de Tales para medir a distância de um navio à
praia é uma aplicação do caso ALA.
Observe na imagem que:
Existem vários métodos para construir um
triângulo com base na medida de seus lados ou
de seus ângulos. Os geômetras da Antiguida-
de utilizavam régua e compasso, mas hoje essa
construção pode ser feita com o auxílio de pro-
gramas de computador.
Matemática

Veja um exemplo de como construir um ângulo.


triângulo com base na medida dos seus lados.
A primeira coisa a saber é se pode existir um
triângulo com as medidas disponíveis. Para que
um triângulo exista, a soma da medida dos dois
lados menores deve ser maior que a medida do
lado maior.

Na Antiguidade, tal método também era uti-


lizado para construir um ângulo reto. Esse triân-
gulo é retângulo: a medida do ângulo C é 90°.
Não existe um triângulo cujos lados medem 2
cm, 4 cm e 7 cm, pois 2 + 4 < 7. Mas, se os lados
medem 3 cm, 4 cm e 5 cm, o triângulo existe. 4. Congruências e demonstrações geométricas
Veja como construí-lo:
Os casos de congruência de triângulos são úteis
• trace o segmento AB = 5 cm; para demonstrar propriedades e relações geomé-
• com centro em A e abertura do compasso tricas. A seguir, foram destacados alguns exemplos,
de 3 cm, trace um arco; para que você compreenda como se faz uma de-
monstração matemática.
Os casos LLL, LAL e ALA de congruência de
triângulos são usados para demonstrar alguns teo-
remas da Geometria. Um teorema consiste em uma
afirmação matemática que pode ser provada por
meio de argumentos lógicos.
36 Teorema 1: Os ângulos da base de um triângulo
isósceles têm medidas iguais.
O primeiro a formular e demonstrar essa proposi-
ção foi o geômetra Tales de Mileto, no século VI a.C.
Acompanhe o raciocínio a seguir, que provará
que, dado um triângulo ABC, se AC = BC, então
Considere a correspondência ACB ↔ BCA.

• com centro em B e abertura do compasso


de 4 cm, trace outro arco;

O triângulo ABC pode ser sobreposto sobre si


mesmo, trocando as posições dos vértices A e B,
pois:

• marque o ponto C na intersecção dos dois


arcos;
• ligue os pontos A, B e C para formar o tri-
Como os triângulos ACB e BCA são congruentes,
Matemática

então os ângulos também são congruentes. 5. Figuras semelhantes


Assim, está demonstrado o teorema.
Teorema 2: As duas diagonais de um retângulo No dia a dia ou na conversa com conhecidos
têm medidas iguais e amigos, emprega-se o termo semelhante como
Seja um retângulo ABCD, com sinônimo do adjetivo parecido, como no caso da
Por ser um retângulo, os lados opostos são de comparação das feições de um pai às do filho, ou
mesma medida: AB = CD e AD = BC. quando se tem a sensação de que dois objetos
de tamanhos diferentes têm a mesma aparência,
como um carro e sua miniatura de brinquedo.
No entanto, em Geometria, o termo semelhante
é bem definido: diz-se que uma figura é semelhante
a outra se uma delas puder ser obtida da outra por
Analise os triângulos formados com os vértices meio de uma ampliação ou de uma redução que
desse retângulo. preserve sua forma.
No caso dos polígonos, a forma se mantém se
forem preservados os ângulos e a relação entre os
lados. É o que ocorre no caso destes dois trapézios
isósceles, cujos ângulos da base medem 60°.

Nesses dois trapézios, os ângulos são de mesma


medida e os lados da figura maior medem o dobro
dos lados correspondentes da figura menor.
Dados dois retângulos quaisquer, nem sempre se
tem um caso de semelhança, pois, apesar de qual-
Como os triângulos BAD e CDA são congruentes, quer retângulo sempre ter as mesmas medidas an-
então os lados BD e CA têm medidas iguais. gulares (são todos ângulos retos), há casos em que
Teorema 3: Se dois segmentos se dividem mutua- as medidas dos lados não aumentam na mesma
37
mente ao meio, então os segmentos que ligam as proporção.
extremidades dos segmentos dados têm medidas
iguais.
Por meio do desenho, observe que os ângulos
têm a mesma medida, pois são opos-
tos pelo vértice.

Nos quatro retângulos apresentados, apenas os


retângulos A e D são semelhantes. O retângulo D é
uma ampliação do retângulo A, uma vez que cada
lado mede o dobro dos lados correspondentes em
A.
Mas os retângulos B e C não são semelhantes ao
De acordo com as condições da proposição: retângulo A, pois todos os lados não aumentaram
na mesma proporção.
Tampouco os retângulos B e C são semelhantes
entre si. Observe como é difícil imaginar uma redução
Portanto, os triângulos ACB e DCE são congruen- ou ampliação que coloque um sobre o outro, ainda
tes pela correspondência LAL. Então, que os ângulos internos sejam todos iguais a 90°.
Matemática

Esses exemplos reforçam o fato de que a con- Essas relações são utilizadas para determinar
dição de ter “ângulos de mesma medida” não é medidas desconhecidas em triângulos semelhantes.
suficiente para garantir a semelhança. Figuras se- Veja a seguir um exemplo. Em determinado dia, a
melhantes devem ter também lados proporcionais, luz do sol, inclinada em relação à linha do horizonte,
como em uma fotografia que foi ampliada. produz sombras de um edifício e de um poste pró-
ximo. Sabendo que o poste tem 9 m e sua sombra
mede 6 m, é possível determinar a altura do edifício
com base na medida de sua sombra de 140 m de
comprimento.

Fotos e plantas baixas de residências são exem-


plos de reduções. Imagens reproduzidas em out- Para isso, basta observar que os raios do sol fa-
doors e nas telas de cinema são exemplos de am- zem com o solo um ângulo de mesma medida a e
pliações. Tanto nas reduções como nas ampliações, que, como o edifício e o poste são perpendicu-
a forma é preservada. lares ao solo, sua sombra determina dois triângulos
retângulos semelhantes. Portanto a medida de seus
6. Triângulos semelhantes lados é proporcional.

Observe os três retângulos desenhados a seguir.


38 As medidas dos lados são proporcionais.

Observe que, se retângulos semelhantes são


sobrepostos, como indicado, suas diagonais ficam 7. Teorema de Tales
sobre a mesma linha reta. Esse fato indica que os
triângulos obtidos da decomposição dos retângulos Quando três retas paralelas são cortadas por
por meio das diagonais são semelhantes, pois têm duas retas transversais, os segmentos determinados
ângulos internos congruentes: um ângulo comum, o em uma das transversais são proporcionais aos seg-
ângulo reto e o terceiro ângulo com a medida que mentos determinados na outra.
falta para completar 180°.
Matemática

Diz-se que dois segmentos são comensuráveis O número de quadradinhos verdes somado
quando há uma unidade que cabe um número in- com o número de quadradinhos laranjas é igual ao
teiro de vezes tanto em um como em outro. número de quadradinhos azuis. Em outras palavras,
a área do quadrado construído sobre a hipotenusa
(lado maior) é igual à soma das áreas dos quadra-
dos construídos sobre os catetos (lados menores).
Até aqui, foi feita uma exploração com um triângulo
particular (de lados 3, 4, 5). Mas a relação que se
quer discutir vale para qualquer triângulo retângulo.

8. Relações em triângulos: teorema de Pitágoras

Teorema de Pitágoras – início de conversa No


Egito Antigo, os arquitetos que construíram as fa-
mosas pirâmides tinham de determinar, com certa
precisão, os ângulos retos. Esses ângulos eram fun-
damentais em praticamente todas as construções,
fosse para manter uma parede perpendicular ao
solo, fosse para construir a base de uma pirâmide. Há centenas de provas do teorema de Pitágo-
Para obter o ângulo reto, eles usavam uma corda ras, que foi batizado com esse nome em homena-
com 13 nós equidistantes, criando nela 12 intervalos gem ao filósofo e matemático grego que viveu no
de mesmo comprimento. Depois, juntavam o 1o nó século VI a.C., pois a demonstração de Pitágoras foi
ao 13º . Estacas marcavam o 5º e o 8º nós, determi- considerada a mais bela e engenhosa de sua épo-
nando um triângulo, como indicado na figura. ca.

LOGARITMOS

Introdução ao conceito de logaritmo As opera-


ções aritméticas têm relação entre si, por exemplo:
a subtração é a operação inversa da adição, e a
divisão, a operação inversa da multiplicação.
Para entender melhor o que é uma operação
39
inversa, pense nas seguintes questões:
Por experiência, eles sabiam que um triângulo
construído dessa forma (com lados medindo 3, 4 e • Qual é o número que deve ser somado a 27
5 e com ângulo reto), não importando a dis- para se obter 52?
tância entre dois nós consecutivos, produzia triângu- 27 + n = 52
los semelhantes em que um dos ângulos media 90°. É possível resolver essa equação por meio de
Observe que, ao fazer essa construção, os lados do uma subtração:
triângulo mediam 3, 4 e 5, satisfazendo uma relação n = 52 – 27 → n = 25
curiosa entre as medidas:
• Qual é o número que, multiplicado por 32, é
igual a 512?
32 ∙ m = 512
Para encontrar o valor de m, é preciso dividir 512
Outra maneira de ver essa relação é construir por 32:
quadrados sobre os lados do triângulo retângulo, m = 512 ÷ 32 = 16
como se pode ver na figura a seguir. Observe que
há uma relação entre as áreas dos quadrados cons- Em muitas situações científicas, são definidas
truídos sobre os lados. operações mais complexas a partir das operações
básicas mais simples. Um exemplo é a multiplicação,
que pode ser definida como uma adição de parce-
las iguais. De modo semelhante, define-se a poten-
ciação como uma multiplicação de fatores iguais, o
que muitos chamam de “a quinta operação”.
Matemática

A potenciação apresenta uma particularidade,


pois é uma operação que tem duas operações in- 1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
versas: radiciação e logaritmação.
Veja por quê. Você sabe que 72 = 49. Com base 01. Um observador situado num ponto O,
nessa igualdade, pode-se pensar em três tipos de localizado na margem de um rio, precisa deter-
equação: minar sua distância até um ponto P, localizado
na outra margem, sem atravessar o rio. Para isso
Caso 1. A base e o expoente são conhecidos; o marca, com estacas, outros pontos do lado da
resultado é desconhecido. margem em que se encontra, de tal forma que
72 = x → Para encontrar o valor de x, efetua-se P, O e B estão alinhados entre si e P, A e C tam-
uma potenciação. bém. Além disso, OA é paralelo a BC, OA = 25
Caso 2. O expoente e o resultado são conheci- m, BC = 40 m e OB = 30 m, conforme figura.
dos; a base é desconhecida. A distância, em metros, do observador em O
x2 = 49 → Para encontrar o valor de x, resolve-se até o ponto P, é:
a equação de 2º grau, o que, nesse caso, implica a) 30.
achar √49, ou seja, efetua-se uma radiciação. b) 35.
Caso 3. A base e o resultado são conhecidos; o c) 40
expoente é desconhecido. 7x = 49 → Para encon- d) 45.
trar o valor de x, resolve-se a equação exponencial, e) 50.
uma vez que a incógnita é um expoente. A essa
operação se dá o nome de logaritmação, e diz-se
que o logaritmo de 49 na base 7 é 2, porque 7 eleva-
do ao quadrado é igual a 49.

Veja mais exemplos:

Exemplo 1. 5x = 125 Unesp 2004


Como 53 = 125, isto implica que 5x = 53 e x = 3.
40 Pode-se afirmar que o logaritmo de 125 na base 02.
5 é igual a 3, porque 5 elevado a 3 é igual a 125.
Em linguagem matemática: log5 125 = 3 ↔ 53 =
125.

Exemplo 2.
Qual é o logaritmo de 81 na base 3? Em lingua-
gem matemática:

Fatorando 81, obtém-se

Na figura acima, que representa o projeto


Logaritmo – definição formal de uma escada com 5 degraus de mesma al-
tura, o comprimento total do corrimão é igual a
Você já resolveu alguns exercícios sobre logarit- a) 1,8 m.
mos. Agora veja uma definição formal. b) 1,9 m.
Dados os números reais b (positivo e diferente de c) 2,0 m.
1), N (positivo) e x, que satisfaçam a relação bx = N, d) 2,1 m.
diz-se que x é o logaritmo de N na base b. e) 2,2 m.
Em linguagem matemática, expressa-se essa Enem 2006. Prova amarela
definição da seguinte forma: Sejam 1 ≠ b > 0, e N >
0 com b, N ∊ IR. 03. Seja n = 82log2 15 – log2 45. Então, o valor de n é:
“O logaritmo de N na base b é o número x que a) 52
se deve elevar à base b para se obter N.” b) 83
c) 25
d) 5
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 2003
Matemática

DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
RESULTADOS

Confira aqui os seus resultados!

01. Alternativa correta: e. Para resolver essa questão, é preciso separar o esquema em dois triângu-
los: ∆OPA e ∆BPC e utilizar o conceito de proporcionalidade, pois os triângulos são semelhantes, isto é,
um é redução do outro. Desse modo, tem-se a seguinte proporcionalidade:

Portanto, a distância de O até P é de 50 m.

02.

Alternativa correta: d. Com base na figura, pode-se concluir que o comprimento total do corrimão
equivale a 30 cm + região central (x) + 30 cm. A região central do corrimão é a hipotenusa do triângulo
retângulo cujos catetos medem 24 · 5 cm e 90 cm. Aplicando o teorema de Pitágoras, tem-se:
41

O comprimento total é igual a 30 + x + 30.


Comprimento total = 30 + 150 + 30 = 210 cm = 2,1 m.

03. Alternativa correta: d.

COMBINATÓRIA

1. Introdução à combinatória

Observe a análise de uma senha simples, daquelas de cadeados de bicicleta.


Matemática

O total de combinações possíveis é 26 ∙ 26 ∙ 26 =


17.576.
O raciocínio utilizado para determinar o total de
combinações em um cadeado é semelhante ao
que se emprega na resolução de outros problemas
De acordo com esse sistema, uma senha é um de natureza combinatória.
número que vai de 000 a 999, portanto, para abrir o Veja alguns exemplos.
cadeado, pode-se acertar a senha na primeira ten-
tativa ou ficar tentando até a última combinação; Exemplo 1. Em determinada lanchonete, é pos-
nesse caso, seriam necessárias 1.000 tentativas. sível montar sanduíches escolhendo entre 4 tipos de
Veja como o raciocínio combinatório ajuda a pão e 5 tipos de recheio.
determinar o total de combinações possíveis. Para determinar todas as possibilidades de san-
Para a 1ª posição são possíveis 10 dígitos (de 0 duíches, raciocina-se do seguinte modo:
a 9).

Para a 2ª posição também são possíveis 10 dígi-


tos

42 Total de combinações: 4 ∙ 5 = 20.


Exemplo 2. Numa competição, 3 atletas dispu-
tam os 3 primeiros lugares do pódio.
E, para a 3ª e última posição, são possíveis 10 dí- Quantos são os resultados possíveis? Imagine
gitos que os atletas são A, B e C.
Nesse caso, são 6 os resultados possíveis:

O total de combinações possíveis é 10 ∙ 10 ∙ 10


= 1.000.
Imagine agora um cadeado em que o disco de
possibilidades comporta as 26 letras do alfabeto.

Para chegar a esse resultado por meio do cálcu-


lo, raciocina-se do seguinte modo: os 3 atletas, A, B
e C, têm chances de chegar em 1o lugar. Suponha
que B chegue primeiro:
O número de combinações possíveis de um ca-
deado desse tipo é muito grande. Acompanhe o
cálculo.
Como são 26 as letras do alfabeto, para acertar
a letra de cada disco há 26 possibilidades. Combi-
nando os três discos, tem-se:
Matemática

Agora há apenas 2 possibilidades para o 2º lu- a coluna 2 significa apostar na vitória do time visitan-
gar; suponha que A chegue em seguida. te (e derrota do time da casa).
Há 3 resultados possíveis para o jogo 1 (coluna
1, do meio ou 2); 3 para o jogo 2; 3 para o jogo 3; 3
para o jogo 4; e 3 para o jogo 5.
O total de combinações possíveis, por exemplo,
para os dois primeiros jogos é:
Como só resta um atleta para a última posição,
que é C, o número de possibilidades é 1.

O número total de combinações de chegada


para os 3 atletas às 3 primeiras posições é:

O resultado é um entre os 6 3 ∙ 3 = 9 resultados diferentes


possíveis. Como são 5 jogos, o número de combinações
possíveis é:
Exemplo 3. Nas Copas do Mundo de futebol 3 ∙ 3 ∙ 3 ∙ 3 ∙ 3 = 35 = 243 resultados diferentes.
masculino, 32 equipes são distribuídas em 8 grupos Exemplo 5. Quantos números de 3 algarismos é
com 4 equipes em cada um. Nos grupos, as sele- possível formar com os números 0, 1, 2, 3 e 4? Os nú-
ções jogam entre si. Você sabe quantos jogos são meros que se podem formar são da ordem das cen-
realizados em cada grupo? tenas, portanto devem ser números maiores que 99
Nesse caso, não será feita a combinação listan- e menores que 1.000. Isso quer dizer que o número
do-se os jogos. Para o cálculo de quantos jogos de- não pode começar por 0 (zero), pois nesse caso o
vem ser realizados, será utilizado o raciocínio com- número não seria de 3 dígitos. Por exemplo, um nú-
binatório. mero como 072 é menor que 99.
Acompanhe: Assim, usando o raciocínio combinatório, são
43
apenas 4 as possibilidades para preencher o alga-
• são 4 equipes; rismo das centenas, com os dígitos 1, 2, 3 e 4. Para a
• cada equipe joga com todas as outras do casa das dezenas e das unidades, pode-se escolher
mesmo grupo; qualquer dígito, inclusive o 0 (zero). O total de com-
• portanto, cada equipe faz 3 jogos, pois uma binações possíveis é:
equipe não joga com ela mesma;
• o total de jogos então seria 4 ∙ 3;
• mas um jogo do tipo “equipe A × equipe B” é
o mesmo jogo do tipo “equipe B × equipe A”.
Logo, no cálculo anterior, cada jogo está sen- Total: 100 combinações.
do contado duas vezes;
• para corrigir isso, divide-se o resultado 4 ∙ 3 por 2; Exemplo 6. Quantos são os números pares de 3
dígitos que se podem formar com os números de 1
Exemplo 4. Numa empresa, os funcionários orga- a 6?
nizaram um bolão, do tipo loteria esportiva, em que Este problema é semelhante ao do exemplo 5,
os apostadores devem tentar acertar o resultado de mas a restrição está na casa das unidades, que só
5 jogos. pode ter os algarismos 2, 4 ou 6. Portanto, pode-se
Veja um modelo de cartela com um resultado fazer a combinação raciocinando de trás para fren-
marcado. te, começando pela casa das unidades, que tem 3
possibilidades de preenchimento, enquanto as ca-
sas das dezenas e das centenas têm 6 possibilidades
cada.

Jogar na coluna 1 significa apostar na vitória do


time da casa; jogar na coluna do meio (×) significa O total de combinações possíveis é 108.
apostar no empate entre as duas equipes; e marcar
Matemática

Exemplo 7. As bandeiras de determinados paí- Exemplo 1. De quantas maneiras é possível for-


ses, como a da Itália e a da Alemanha, são forma- mar um número de 4 dígitos usando 1, 2, 3 e 4 sem
das por listras verticais ou horizontais. repeti-los?
Como não se pode repetir dígitos, o número
2.341 pode ser formado, mas o número 3.423, por
exemplo, não, pois nesse caso o dígito 3 se repete.
Para resolver o problema, usa-se o princípio funda-
mental da contagem.
Há 4 possibilidades para a casa do milhar:

Um time de futebol resolveu criar uma bandeira


com 4 listras horizontais de mesma espessura nas co-
res vermelha, amarela e verde. Quantas bandeiras Uma vez escolhida a casa do milhar, sobram 3
diferentes podem ser criadas com essa regra? números para a casa das centenas:

Preenchidas as casas do milhar e da centena,


restam 2 números para a casa das dezenas:

Há 3 possibilidades de escolha para a cor da pri-


meira listra, mas só há 2 possibilidades de cor para a Após a definição de que número ficou na casa
2ª listra, pois, ao se repetir a cor da 1ª listra, haverá das dezenas, só sobra um número para completar e
uma única listra grossa, e as bandeiras têm que ter 4 preencher a casa das unidades.
listras de mesma espessura. Do mesmo modo, a cor O total de maneiras diferentes, portanto, é 4 ∙ 3
44 da 3a listra não pode repetir a cor da 2ª listra, e a 4ª ∙ 2 ∙ 1 = 24.
listra não pode ser da mesma cor da 3ª. Logo, para
determinar todas as possibilidades, basta multiplicar:

Com essas regras, é possível construir 24 bandei-


ras diferentes.

2. Princípio fundamental da contagem Exemplo 2. Imagine 5 atletas que disputam as 5


primeiras posições de uma corrida.
O raciocínio utilizado em todos os problemas Da mesma maneira raciocinada no problema
propostos até aqui utiliza o que se chama de prin- do exemplo anterior, há 5 possibilidades para o 1o
cípio fundamental da contagem (PFC), ou princípio lugar. Após a chegada do campeão, restam 4 pos-
multiplicativo, que poderia ser expresso do seguinte sibilidades para o 2º lugar. Uma vez preenchidos os
modo: dois primeiros lugares, restam 3 atletas disputando o
3o lugar, e, em seguida, 2 para o 4o lugar e apenas
1 para a última posição, uma vez que os outros qua-
tro já chegaram.
O número de resultados possíveis em uma corri-
da com 5 atletas que disputam 5 lugares é, portan-
to, 5 ∙ 4 ∙ 3 ∙ 2 ∙ 1 = 120.
PERMUTAÇÕES
Exemplo 3. Outro tipo de problema envolve o
1. Permutação e fatorial de um número agrupamento de letras para formar palavras, o que
se denomina anagrama. Anagrama é a troca das
Observe alguns exemplos que utilizam conceitos letras de uma palavra para formar uma nova pala-
de permutação e de fatorial. vra, por exemplo:
Matemática

• AMOR é um anagrama da palavra ROMA. Isso torna possível simplificar determinados cál-
• RAMO é um anagrama da palavra AMOR. culos, por exemplo:
Nesses dois casos, todas as palavras são de nos-
so vocabulário, mas um anagrama não precisa ne-
cessariamente formar uma palavra conhecida, por
exemplo:

• A palavra NAMPRBUCEO é um anagrama da Veja que não foi necessário calcular 8 ∙ 7 ∙ 6 ∙ 5 ∙


palavra PERNAMBUCO. 4 ∙ 3 ∙ 2 ∙ 1.
O mesmo ocorre com o cálculo de
Veja como calcular o número de anagramas da
palavra GRUPOS. Um anagrama da palavra GRU-
POS é uma palavra de 6 letras formada pelo arranjo
das letras G, R, U, P, O e S usando todas a letras (por-
tanto, sem repetir nenhuma delas). Ou com a determinação do valor de
Para a inicial da palavra, existem 6 possibilida-
des; 5 para a posição seguinte; 4 para a próxima, e
assim por diante, até a última posição.

PROBABILIDADE
O número de anagramas da palavra GRUPOS é A incerteza Muitas são as situações em que não
720. é possível prever um resultado ou ter certeza de que
Aos problemas em que se têm de agrupar n ele- algo poderá ou não acontecer. É o caso das pre-
mentos em n posições, sem que se repitam elemen- visões do tempo e outros fenômenos da natureza,
tos, dá-se o nome de permutação. como a erupção de vulcões ou a ocorrência de ter-
Esse é o caso deste problema e dos resolvidos remotos, tufões e tsunamis.
nos exemplos 1 e 2. Além dessas, há ainda outras situações cujo re-
Observe que, nos exemplos, foi preciso fazer sultado não pode ser previsto, como sorteios, lança-
uma multiplicação do tipo: mento de dados ou uma simples disputa de “cara
ou coroa”; sequer é possível determinar, logo após
45
a concepção, o sexo de um bebê que vai nascer.
O ramo da Matemática que estuda as leis do acaso
chama-se probabilidade. Analise com atenção a si-
Trata-se do produto de um número natural por tuação descrita a seguir.
todos os seus antecessores, até o 1. Esse tipo de pro- No início de uma partida de futebol, é comum
duto é chamado fatorial do número n e se escreve o juiz jogar uma moeda para o alto, para que o ca-
colocando um ponto de exclamação depois do nú- pitão de cada time decida na sorte quem começa
mero: o jogo.
Ao jogar uma moeda e observar a face voltada
para cima, há apenas dois resultados possíveis: cara
ou coroa. A chance de ocorrer cara ou coroa é a
mesma. Diz-se, portanto, que a probabilidade de
sair cara é a mesma de sair coroa.
Assim,

Note que, na composição de 5!, tem-se 4!:

Generalizando:
Analise agora outra situação. Em uma empre-
sa, o encarregado de uma seção decidiu colocar
em uma urna o nome de todos os funcionários para
sortear quem participaria da comissão da empresa.
Matemática

Quem tem a maior probabilidade de ser sorteado: de-se retirar do saco uma bolinha azul ou uma boli-
um homem ou uma mulher? nha vermelha, mas as cores têm chances diferentes
Para responder a essa questão, é necessário de serem sorteadas por haver um número diferente
saber o número de funcionários e de funcionárias. de bolinhas de cada cor.
Suponha que a seção em que trabalha esse encar-
regado tenha 25 mulheres e 15 homens. Nesse caso, 1. Chances iguais
como você estudará adiante, é mais provável que
seja sorteada uma mulher. Maria vai ter um bebê. Qual é a probabilidade
Entretanto, se o número de homens e mulheres de nascer uma menina? O último Censo Demográ-
for o mesmo, as chances são iguais. E, se o número fico, realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de
de funcionários for maior que o número de funcioná- Geografia e Estatística (IBGE), indicava que a popu-
rias, é mais provável que um homem seja sorteado. lação brasileira do sexo feminino era maior que a do
Em qualquer um dos casos anteriores, o resulta- sexo masculino. Veja a tabela e o gráfico a seguir.
do do sorteio não pode ser previsto com certeza; é
possível avaliar, apenas, qual resultado tem maiores
chances de ocorrer. Não é impossível que um ho-
mem seja sorteado se a seção tiver 5 homens e 35
mulheres, só é mais difícil.
A situação de incerteza também ocorre no lan-
çamento de um dado. Ao jogar um dado com as 6
faces numeradas com pontos e observar a face vol-
tada para cima, quais são os resultados prováveis?
Suponha que seja um dado honesto. A chance de
ocorrer a face com 1 ponto é a mesma de ocorrer a
face com 2, que, por sua vez, é a mesma de ocorrer
a com 3, 4, 5 ou 6 pontos.

Os números sugerem certo equilíbrio entre ho-


mens e mulheres, em torno de 50% para cada sexo. A
diferença de cerca de 2% entre o número de homens
e mulheres na população brasileira é atribuída a fa-
46 tores sociais como violência urbana, acidentes, taba-
gismo, consumo de bebidas alcoólicas etc., e não às
chances de nascimento, que são iguais, ou seja, 50%.

2. Experimentando e medindo frequências

A probabilidade de ocorrência de um evento


pode ser medida e expressa por meio de um nú-
Contextos de lançamento de moedas e dados mero, em geral uma fração ou uma porcentagem.
são imprevisíveis, tais como os contextos que envol- Para compreender melhor como se pode determi-
vem sorteios. Reflita sobre o caso em que foram co- nar esse número, costumam- -se fazer alguns experi-
locadas 10 bolinhas de gude do mesmo tamanho, mentos, por exemplo, lançar uma moeda para cima
sendo 6 azuis e 4 vermelhas, dentro de um saco. e construir uma tabela que indique a quantidade de
caras e de coroas obtidas em 10 jogadas.
Quando o número de jogadas é pequeno, não
é possível notar um padrão, mas, ao aumentar o nú-
mero de jogadas para 20, 30, 50 ou 100 vezes, é pos-
sível perceber uma tendência. Veja, por exemplo,
a tabela a seguir com o registro da ocorrência de
caras e coroas:

Extraindo uma bolinha ao acaso, sem olhar, po-


Matemática

Qual é o número de caras esperado, caso você os 4 resultados possíveis, ou seja, sua chance era de
jogue 1.000 vezes a moeda? 1 em 4, ou 25%. Assim, a chance de Maria ganhar a
Se tiver a oportunidade de fazer o experimento aposta era maior.
com moedas honestas, espera-se que a ocorrência
de caras e coroas seja próxima de 50% à medida 3. Probabilidades com dados e sorteios
que se aumenta o número de jogadas. O resulta-
do pode variar, como 495 caras e 505 coroas, ou Agora, você vai aprender a calcular a proba-
502 caras e 498 coroas. Não importa qual número é bilidade, por exemplo, no lançamento de dados.
maior, se o de caras ou o de coroas, é bem provável Como são dados cúbicos, o número de casos possí-
que fique próximo de 500 nos dois casos. veis no lançamento de apenas um dado é 6:

3. A medida da chance: probabilidade

No caso do lançamento de uma moeda, você


já deve ter observado que, se o número de jogadas
aumentar, a razão entre o número de caras e o total
de lançamentos tende a ficar em torno de 1/2. Diz- A face que representa o número 1 é uma possi-
-se, então, que a probabilidade de dar cara é de “1 bilidade entre seis. Quando se quer se referir à pro-
para 2”, ou 1/2, ou 50%. babilidade de ocorrer um evento E, escreve-se P(E).
O evento “cara” é um dos dois casos prováveis. Em um total de n ocorrências igualmente prováveis,
Simbolicamente, escreve-se: um evento E pode ocorrer de f maneiras diferentes.

Ou seja: 1 chance em 2 possíveis. Ao lançar uma


moeda para o alto, os únicos resultados prováveis Parece complicado, porque a representação se
são cara ou coroa. Se der cara, não dá coroa, e deu por meio de linguagem algébrica. Observe os
vice-versa. exemplos a seguir. As chances de as faces 1, 2, 3, 4,
Imagine duas pessoas, João e Maria, que jogam 5 ou 6 ficarem voltadas para cima são as mesmas;
“cara ou coroa” com duas moedas. João apostou portanto, P(1) = 1/6 (em porcentagem, essa fração
que consegue duas coroas, e Maria apostou que equivale a, aproximadamente, 16,67%).
47
obterá duas faces diferentes da moeda. Quem tem
mais chances de ganhar a aposta?
Veja os casos possíveis:

Utilize essas ideias e a notação P(E) para explorar


algumas situações e determinar a probabilidade de
sua ocorrência.
Exemplo 1. Se em um saco há 5 bolas azuis e 3
vermelhas, extraindo ao acaso uma bola, tem-se:
Total de bolas: 8

Para expressar essa probabilidade em porcenta-


gem, basta dividir 5 por 8. Se você fizer a operação
na calculadora, no visor aparecerá 0,625, que equi-
vale a 62,5%.

Observe que determinar a chance de ocorrên-


cia de um evento depende do fato de saber quais 3 dividido por 8 é igual a 0,375, que equivale a
são as possibilidades de o evento ocorrer no conjun- 37,5%.
to de todos os resultados possíveis.
No caso, Maria tinha 2 chances em 4 resultados
possíveis, ou seja, ela tinha 50% de chances de ga-
nhar, enquanto João só ganharia em 1 caso entre
Matemática

Exemplo 2. Considere uma empresa com 40 fun-


cionários, metade homens e metade mulheres. 1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
a) Qual é a probabilidade de, em um sorteio,
uma mulher ser escolhida para ser representante em 01. Um certo tipo de código usa apenas dois
uma comissão? símbolos, o número zero (0) e o número um (1)
e, considerando esses símbolos como letras, po-
dem-se formar palavras. Por exemplo: 0, 01, 00,
001 e 110 são algumas palavras de uma, duas e
três letras desse código. O número máximo de
palavras, com cinco letras ou menos, que po-
b) Supondo que cada funcionário esteja asso- dem ser formadas com esse código é:
ciado a um número de 1 a 40, qual é a chance de a) 120
ser sorteado um funcionário cujo número é ímpar e b) 62
maior que 25? c) 60
São 7 os números ímpares maiores que 25 e me- d) 20
nores que 40: {27, 29, 31, 33, 35, 37, 39}. e) 10
Unesp 2004.
P(ímpares maiores que 25 e menores que 40) =
7/40 = 0,175, que equivale a 17,5%
c) Em relação ao item b, qual é a chance de ser 02. Com as letras da palavra PROVA podem
sorteado um número primo? Há 12 números primos ser escritos x anagramas que começam por vo-
entre 1 e 40: {2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, 29, 31, 37}. gal e y anagramas que começam e terminam
por consoante. Os valores de x e y são, respec-
tivamente:
a) 48 e 36
b) 48 e 72
Observe que 3/10 é equivalente a 30/100. As- c) 72 e 36
sim, pode-se também expressar a probabilidade por d) 24 e 36
meio de uma porcentagem: há 30% de chance de e) 72 e 24
Universidade Federal Fluminense (UFF), 1997.
um número primo ser sorteado.
Exemplo 3. Em um globo, daqueles de sorteio,
foram colocadas bolinhas numeradas de 1 a 12, e, 03. Considere todos os números inteiros positi-
depois, uma bolinha foi sorteada ao acaso. vos que podem ser escritos permutando-se os al-
48 a) Qual é a probabilidade de sair o número 2? garismos do número 2.341. Quantos dos números
Será que a probabilidade de sair o número 3 é maior considerados são menores que 2.341?
que a de sair o número 2? a) 9
O 2 é uma de 12 possibilidades; o mesmo acon- b) 15
tece com o 3. Isso quer dizer que a probabilidade de c) 27
sair cada número é a mesma, no caso: d) 84
e) 120
Universidade Estadual de Londrina (UEL), 1999.

04.

b) E a probabilidade de sair um número primo,


qual é? Para responder a essa questão, é preciso
conhecer o universo de possibilidades. Nesse caso,
o conjunto de todas as possibilidades é: {1, 2, 3, 4, 5,
6, 7, 8, 9, 10, 11, 12}
Para saber qual é a probabilidade de sair um
número primo, basta listar quantos são os números
primos nas bolinhas: {2, 3, 5, 7, 11}.
Há 5 possibilidades de ocorrência de números
primos em 12 casos possíveis:

Uma das principais causas da degradação


Conhecendo o número de casos favoráveis e o de peixes frescos é a contaminação por bacté-
total de casos, é possível responder a muitas ques- rias. O gráfico apresenta resultados de um estudo
tões sobre probabilidade. acerca da temperatura de peixes frescos vendi-
dos em cinco peixarias. O ideal é que esses pei-
xes sejam vendidos com temperaturas entre 2°C
Matemática

e 4 °C. Selecionando-se aleatoriamente uma O raciocínio para determinar o número de


das cinco peixarias pesquisadas, a probabilida- anagramas que começam e terminam por con-
de de ela vender peixes frescos na condição soante é semelhante.
ideal é igual a: Atente para a primeira e a última letras; há
3 possibilidades de consoantes para a primeira
letra, restando 2 possibilidades para a última:

As possibilidades de preenchimento das três


posições do meio são 3! = 6. Portanto, y = 3 ∙ 3! ∙
2 = 3 ∙ 6 ∙ 2 = 36.
Assim, x = 48 e y = 36.

03. Alternativa correta: a.


Os algarismos a serem permutados são 1, 2,
3 e 4, assim o total de números que podem ser
formados é dado por 4!.
Enem 2007. Prova amarela. 4! = 4 . 3 . 2 . 1 = 24 Desses 24, é preciso ve-
rificar quantos começam por 1, quantos come-
05. André, Beatriz e João resolveram usar çam por 2, por 3 e por 4.
duas moedas comuns, não viciadas, para deci- Começando por 1: 1 ∙ 3 ∙ 2 ∙ 1 = 6
dir quem irá lavar a louça do jantar, lançando as Começando por 2: 1 ∙ 3 ∙ 2 ∙ 1 = 6
duas moedas simultaneamente, uma única vez. Começando por 3: 1 ∙ 3 ∙ 2 ∙ 1 = 6
Se aparecerem duas coroas, André lavará a lou- Começando por 4: 1 ∙ 3 ∙ 2 ∙ 1 = 6
ça; se aparecerem duas caras, Beatriz lavará a Para que o número seja menor que 2.341,
louça; e se aparecerem uma cara e uma coroa, não pode começar nem por 3 nem por 4. Assim,
João lavará a louça. A probabilidade de que excluem- -se 12 números.
João venha a ser sorteado para lavar a louça Restam 12 números, dos quais 6 certamen-
é de: te são menores que 2.341, pois começam por 1.
a) 25%. Resta saber sobre os que iniciam com 2, que são 49
b) 27,5%. listados a seguir:
c) 30%. 2.143
d) 33,3%. 2.134
e) 50%. 2.314
Universidade Federal do Paraná (UFPR), 2012 2.341
2.413
2.431
DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS Desses 6, 3 são menores que 2.341. Sendo as-
RESULTADOS sim, o total dos menores que 2.341 será:
6+3=9
Confira aqui os seus resultados!
04. Alternativa correta: d.
01. Alternativa correta: b. Analisando o gráfico, a única peixaria dispo-
Considerando que, em cada caso, a repeti- nível que atende às condições de temperatura
ção de símbolos é possível, tem-se: é a de número V (2,3 °C); logo, E = 1 entre as
cinco peixarias pesquisadas. Então,

05. Alternativa correta: e.


02. Alternativa correta: a. Chamando de S todos os resultados possíveis
São duas as vogais; logo, há apenas duas op- ao se lançar duas moedas, tem-se: S = {(cara,
ções para a primeira letra, restando 4 letras que cara); (cara, coroa); (coroa, coroa); (coroa,
podem ocupar as demais 4 posições de 4! = 24 cara)} O evento E é “sair uma cara e uma co-
maneiras distintas. Portanto, x = 2 ∙ 24 = 48. Há 48 roa” para que João lave a louça: E = {(cara,
anagramas da palavra PROVA que começam coroa), (coroa, cara)} Logo, a probabilidade de
por vogal. João ser sorteado para lavar a louça será de:
Matemática

entre as grandezas envolvidas: velocidade média e


tempo. Se dobrarmos a velocidade média, o tempo
fica dividido por 2. Se dividirmos por 2 a velocidade
média, o tempo fica multiplicado por 2.
Situação 3: analisando a situação, pode-se con-
cluir que não é possível fazer cálculos e chegar ao
AS GRANDEZAS NO DIA-A-DIA resultado, pois o tempo de resolução e a quantida-
de de testes são grandezas que, nessa situação, in-
1. Analisando a variação de algumas grandezas dependem uma da outra. Ela tanto pode conseguir
resolver todos os testes em um tempo menor do que
Em nosso dia-a-dia, é muito comum necessitar- o previsto, como pode não conseguir resolvê-los
mos comparar grandezas, como os preços no super- dentro do tempo determinado.
mercado, os ingredientes de uma receita, a veloci- Situação 4: não é possível fazer cálculos e che-
dade média e o tempo. E, quando comparamos, gar ao resultado, somente com essas informações,
percebemos que existem situações em que, saben- pois as grandezas altura e idade não variam uma
do como uma das grandezas varia, podemos prever de acordo com a outra em todas as fases da vida,
a variação da outra com o uso de cálculos mate- apenas nas fases iniciais, em que médicos fazem ta-
máticos simples. Informalmente você já conhece e belas e gráficos para acompanhar o crescimento
utiliza esses cálculos. Pretendemos aqui aprimorar de crianças.
esses conhecimentos para que você possa aplicá- Como você pôde perceber, em algumas situa-
-los com mais confiança e consistência. Leia, analise ções é possível comparar a variação das grandezas,
cada situação e responda às perguntas abaixo. De- fazer os cálculos necessários e prever os resultados,
pois, então, confira suas respostas: mas em outras isso não é possível.
No decorrer do capítulo as respostas dadas às si-
tuações acima se tornarão mais claras. Sempre que
achar conveniente, volte a esta página para confe-
rir os resultados.

2. Usando razão para comparar grandezas

Uma das maneiras de comparar duas grandezas


é encontrar a razão entre elas, ou seja, encontrar o
50 quociente entre as medidas dessas grandezas.
Você sabe dizer quantas vezes 10 é maior que
2? E se uma pessoa percorre, de bicicleta, 30 km em
2 horas, você sabe dizer qual foi a velocidade mé-
dia que ela desenvolveu? Para responder a essas
questões você comparou duas grandezas.
Veja como:

1) A razão entre os números 10 e 2 pode ser ex-


#FicaDica pressa por 10 : 2 (10 está para 2) ou , ou seja,
Grandeza é o que pode ser medido,
contado, que pode sofrer aumento ou comparando os números 10 e 2, podemos dizer que
diminuição, como: tempo, velocidade, 10 é 5 vezes maior que 2.
comprimento, superfície, volume, massa, 2) Se Bruno percorre em sua bicicleta 30 km em
capacidade, temperatura, quantidade, 2 horas, qual a razão entre a distância percorrida e
custo etc o tempo? Essa razão, conhecida como velocidade
média, será igual a:

1. Conferindo as respostas De modo geral podemos escrever:

Situação 1: é possível fazer cálculos e chegar ao


resultado, pois existe uma relação matemática en-
tre as grandezas envolvidas: número de pães e cus-
to dos pães. Se dobrarmos o número de pães, do-
bra o custo. Se dividirmos por 3 o número de pães, o
custo também fica dividido por 3. Se multiplicarmos
o número de pães por 27, multiplicaremos também DA RAZÃO À PROPORÇÃO
o custo por 27.
Situação 2: é possível fazer cálculos e chegar 1) A tabela abaixo estabelece uma relação en-
ao resultado, pois existe uma relação matemática tre quantidade e custo aproximado de gasolina:
Matemática

1) Jorge, ao fazer uma viagem de automóvel,


gastou R$ 64,00 com gasolina. Quantos litros de ga-
solina ele consumiu nessa viagem?

Comparando as grandezas quantidade de ga- 1. Resolvendo o problema


solina e custo da gasolina, verifique o que ocorre
com o custo quando dobramos a quantidade de Vamos chamar a quantidade desconhecida de
gasolina. Agora, multiplique por 10 a quantidade gasolina de x, formar uma proporção, aplicar a pro-
de gasolina. O custo ficou multiplicado por quanto? priedade e encontrar esse valor.
E se quisermos reduzir o custo pela metade, o que
ocorre com a quantidade de gasolina? Você pode
observar que:

• Quando dobramos a quantidade de gasolina,


o custo também dobra.
• Quando dividimos por 2 a quantidade de ga-
solina, o custo também fica dividido por 2.
• A razão entre o custo e a quantidade de gaso-
lina correspondente é sempre a mesma:
Portanto, R$ 64,00 equivalem a um consumo de
40 litros de gasolina.
Será que esse é o único modo de resolver esse
problema? Você conhece outro modo? Pense um
Quando isto acontece, dizemos que a quantida- pouco... Na verdade existem vários modos de re-
de de gasolina e o custo da gasolina são grandezas solver esse problema. Um deles seria dividir 64 por 8
diretamente proporcionais e que o valor 1,60 (razão, para saber quantas vezes posso colocar 5 litros de
que corresponde ao preço de 1 litro de gasolina) é gasolina no carro. Essa divisão dá 8. Isso quer dizer
a constante de proporcionalidade. que posso colocar 8 x 5 litros de gasolina, que são
40 litros. Um outro modo é aplicar a constante de
Como as razões são iguais, isto é, proporcionalidade:
51
temos uma proporção, uma igualdade entre duas
razões:
Se você conhece o custo, pode determinar a
quantidade. Assim, como se conhece a quantida-
de, pode-se determinar o custo. Faça os cálculos e
Também podemos escrever: compare o seu resultado com o anterior.
2) Se Jorge percorreu 400 km e gastou 40 litros,
qual o consumo médio de combustível do automó-
vel de Jorge?

2. Resolvendo o problema

Para responder a essa questão você deve se


lembrar de que o consumo médio é dado pela
razão entre o total de quilômetros percorridos e a
Observe uma propriedade muito importante quantidade total de gasolina consumida.
que acontece em todas as proporções:

Logo, o consumo médio do carro de Jorge é de


10 km por litro de gasolina. Em outras palavras, em
média, o carro de Jorge faz 10 km com 1 litro de ga-
Multiplicando os termos em cruz, obtemos o solina.
mesmo resultado. Quando falamos em consumo médio de com-
Vamos utilizar essa propriedade para resolver as bustível do automóvel, estamos considerando que
questões abaixo, ainda relacionadas ao custo da o carro de Jorge não faz exatamente 10 km com
gasolina da tabela dada. exatamente 1 litro de gasolina porque alguns fatores
Matemática

podem alterar o desempenho do automóvel. plique por 8 a velocidade. O que aconteceu com
o tempo? E se quisermos reduzir o tempo pela me-
3. Mais proporcionalidade direta - Quantas pizzas? tade, o que ocorre com a velocidade? Você pode
observar que:

• Quando multiplicamos a velocidade média


por 2, o tempo fica dividido por dois.
• Quando dividimos a velocidade média por 2,
Carlos e Sônia planejam reunir os funcionários o tempo fica multiplicado por 2.
de sua empresa para uma pequena comemora- • O produto entre a velocidade média e o tem-
ção. Para isso vão encomendar pizzas. Supondo po é sempre o mesmo:
que cada pessoa coma 2 pedaços de pizza, e que
cada pizza tamanho grande venha dividida em 8 60 . 4 = 240 120 . 2 = 240 240 . 1 = 240
pedaços, quantas pizzas eles devem encomendar
para servir o total de 82 pessoas? Vamos fazer uma Quando isto acontece, dizemos que a velocida-
tabela para visualizar esta situação: de média e o tempo são grandezas inversamente
proporcionais: à medida que uma grandeza au-
menta, a outra diminui na mesma proporção.
Como as razões entre as velocidades 60 = 1 e
120 2
os tempos correspondentes 4 = 2 são inversas, para
2 1
obtermos uma proporção precisamos inverter uma
Analisando a tabela você pode perceber que: das razões, isto é:

• Quando dobramos a quantidade de pizzas,


dobramos também a quantidade de pessoas.
• Quando dividimos por 2 a quantidade de pi-
zzas, dividimos por 2 também a quantidade de
pessoas. Observe que, após inverter uma das razões, a
• A razão entre o número de pizzas com 8 pe- propriedade importante que acontece em todas as
daços e o número de pessoas que comem 2 proporções continua valendo:
52
pedaços de pizza é sempre a mesma:

Portanto, podemos dizer que essas duas grande- Multiplicando os termos em cruz, obtemos o
zas variam numa proporcionalidade direta. mesmo resultado. Portanto, se a velocidade média
fosse de 120 km/h, o mesmo percurso seria feito em
Formando a proporção e aplicando a 2 horas.
propriedade 4 . x = 82 . 1, temos:
MAIS PROPORCIONALIDADE INVERSA

Para arredondar os cálculos e evitar a falta de Quanto receberá cada um? Um clube decidiu
pizzas devemos encomendar 21 pizzas. promover uma competição de atletismo entre seus
atletas. E, querendo incentivar e motivar os atletas
OUTRO TIPO DE PROPORCIONALIDADE participantes, ofereceu um prêmio de R$ 600,00 a
ser dividido entre aqueles que fizerem os 100 metros
Um automóvel, deslocando-se a uma velocida- rasos em menos de 13 segundos. Se 2 atletas conse-
de média de 60 km/h, faz um determinado percurso guirem fazer isso, cada um receberá R$ 300,00. E se
em 4h. Em quanto tempo faria esse mesmo percurso, 4 atletas conseguirem, quanto receberá cada um?
se a velocidade média utilizada fosse de 120 km/h?

A Tabela 3 mostra a relação entre a velocidade


e o tempo: Comparando as grandezas velocidade
média e tempo, verifique o que ocorre com o tem-
po quando dobramos a velocidade. Agora, multi-
Matemática

1. Resolvendo o problema
forma adequada, sem desperdícios. O cálculo
Vamos organizar esses dados: Comparando as da tarifa é progressivo: quanto maior o consumo,
grandezas, número de atletas e valor do prêmio, maior é o preço. A faixa de consumo de água
você pode observar que: por pessoa varia de 150 a 400 litros por dia. Uma
maneira de detectar vazamento é fechar todas
as torneiras e registros da casa e verificar se, no
hidrômetro, aparelho que mede o consumo de
água, ocorre movimento dos números ou do
ponteiro do relógio. Caso isso aconteça, certa-
mente existe vazamento. Por exemplo, um pe-
queno buraco de dois milímetros, do tamanho
da cabeça de um prego, vai desperdiçar em
torno de 3.200 litros de água por dia. Esse volume
é suficiente para o consumo de uma família de
• Quando multiplicamos o número de atletas 4 pessoas, durante 5 dias, incluindo limpeza da
casa, higiene pessoal, preparação de alimentos
por 2, o valor do prêmio fica dividido por dois.
e água para beber.
• Quando dividimos o número de atletas por 2, o
valor do prêmio fica multiplicado por 2.
• O produto entre o número de atletas e o valor Você já observou qual o consumo médio mensal
do prêmio correspondente é sempre o mesmo: de água de sua residência? Que tal dar uma olha-
dinha na última conta para conferir? E o consumo
diário de água por pessoa?
Se em sua casa residem 5 pessoas e o consumo
mensal de água é de 30 m3, podemos fazer os se-
guintes cálculos para obter o consumo médio diário
Portanto, podemos dizer que o número de atle- por pessoa:
tas e o valor do prêmio são grandezas inversamente
proporcionais. Formando a proporção 𝑥 = 1 Como 1 m3 = 1000 litros, então 30 m3 = = 30 000
600 4 litros por mês;
(Observe que invertemos uma das razões) e apli- 30 000 litros : 5 pessoas = 6000 litros por pessoa
cando a propriedade 4 . x = 600 . 1, temos: por mês; 53
6000 litros : 30 dias = 200 litros por pessoa por dia.

E se em sua casa moram apenas 3 pessoas?


Então, se quatro atletas conseguirem chegar ao Qual o consumo diário de água por pessoa? Esse
fim da corrida no tempo previsto, cada um recebe- valor é razoável? O texto afirma que o consumo mé-
rá um prêmio de R$ 150,00. dio por pessoa varia de 150 a 400 litros de água por
Será que esse é o único modo de resolver esse dia, o que envolve uma grande variação numérica
problema? Você conhece outro modo? Pense um e, com certeza, financeira. Converse com parentes
pouco ... Como o produto entre o número de atletas e amigos e compare os resultados.
e o prêmio é sempre constante e igual a 600, então, Você sabia que a válvula de descarga ao ser
se você conhece o número de atletas, pode deter- acionada gasta de 10 a 30 litros de água, enquanto
minar o valor do prêmio. Da mesma forma, se co- a caixa acoplada ao vaso descarrega apenas 6 li-
nhece o valor do prêmio, pode determinar a quanti- tros de água por vez?
dade de atletas. Faça os cálculos e compare o seu Você economiza água de algum modo? Se não
resultado com o anterior. economiza, já pensou em alguma forma de econo-
mizar?
NO PRÓXIMO SÉCULO, A ÁGUA DOCE SERÁ Você sabia que a vazão de uma torneira é di-
O RECURSO NATURAL MAIS DISPUTADO NA MAIO- retamente proporcional ao tempo em que ela fica
RIA DOS PAÍSES. aberta? Por exemplo, se você escovar os dentes em
5 minutos deixando a torneira aberta, estará gastan-
O Brasil possui 13,7% de toda a água doce do 12 litros de água por dia, quantidade que uma
do planeta e, desse total, 7% encontram-se na pessoa poderia beber durante 6 dias. No entanto, se
região da bacia hidrográfica do rio Paraná, que escovar os dentes de maneira econômica, ou seja,
inclui o rio Tietê. Existe água em abundância, mantendo a torneira fechada e só usando água
mas existe também o desperdício e o compro- quando for necessário, gastará, em média, 1 litro.
metimento dos mananciais. Você sabe quanto A economia será de aproximadamente 11 litros de
custa a água que consumimos? Um real cada água por dia. Pense nisso sempre que for escovar os
mil litros. Parece pouco, mas esse custo poderá dentes, fazer a barba etc.
ser bem mais alto se a água não for utilizada de
Matemática

Além das situações acima, você conhece outras


Para refletir: que envolvam cálculos com porcentagem? Pense
um pouco... Acredito que tenha pensado e respon-
Hoje, quando há algum desperdício pelo uso dido que conhece muitas situações. Pois é, quantas
abusivo de água, ninguém se incomoda. Mas vezes precisamos recorrer à nossa calculadora para
esse comportamento terá de mudar. Economi- conferirmos se a oferta de um determinado produto
zar e conservar a água é fundamental. A cons- vale a pena mesmo. E como é bom sabermos efe-
ciência de que é preciso mudar está crescendo. tuar os cálculos e chegarmos a uma conclusão.
Todos nós sempre dependemos da água. Agora
a água também dependerá de nós, de nossas Vamos analisar algumas situações:
atitudes e comportamentos, de nosso grau de
civilidade. 1) O dono de uma sorveteria, preocupado com
(http://www.tvcultura.com.br/aloescola/ciencias)
a qualidade e a quantidade de seus sorvetes, rea-
lizou uma pesquisa com seus clientes. Dos 180 que
Você pode intervir e mudar essa realidade. Para responderam, constatou que 60% preferem sorvete
isso é preciso ter: de chocolate e o restante prefere os demais sabo-
res.
• Consciência do que está ocorrendo e manter-
-se informado. 1. Resolvendo o problema
• Argumentos consistentes para conversar e in-
formar outras pessoas. a) Dentre os clientes que responderam à pesqui-
• Força de vontade e dedicação para mudar o sa, quantos preferem sorvete de chocolate? Sabe-
que realmente precisa ser mudado. mos que a taxa percentual que representa esse nú-
mero de clientes é 60% do número total de clientes.
PORCENTAGEM E JUROS Então devemos calcular 60% de 180:

Quase todos os dias vemos ou ouvimos a expres-


são por cento, indicando acréscimo ou desconto,
ou noticiando a situação econômica. Também
ocorrem inúmeras operações envolvendo dinheiro,
como empréstimos, aplicações financeiras, compra Portanto 108 clientes preferem sorvete de cho-
e venda, pagamento de impostos etc. Boa parte colate.
54 Você sabia que podemos calcular o percentual
das perdas de dinheiro que as pessoas têm ao fa-
zer negócios depende do cálculo de porcentagens de um número de duas maneiras? Veja o caso de
que estão presentes nessas situações. Por isso, pre- 60% de 180.
cisamos conhecer o conceito matemático de por-
centagem para saber interpretá-lo e aplicá-lo corre-
tamente sempre que for necessário.

Pois é, a forma como os cálculos são efetuados


é uma escolha pessoal. Escolhemos aquela que
achamos mais apropriada, mais conveniente, mas
é interessante saber que existem outras formas de
efetuarmos esses cálculos.
b) Dentre os clientes que responderam à pes-
quisa qual o percentual e o número de clientes que
preferem sorvete de outros sabores?
Se a taxa percentual dos que preferem sorvete
de chocolate é 60% e a taxa que representa o to-
O que significa %? O sinal % é uma abreviação tal de clientes é 100%, então, ao subtrairmos 60% de
da expressão dividido por 100. Lembre-se que lemos 100%, encontramos a taxa de 40%, que representa
30% = 30 por cento = 30/10. os clientes que preferem sorvete de outros sabores.
Porcentagem é uma comparação com 100. Nos Para encontrar o número de clientes que repre-
anúncios acima temos: senta essa taxa percentual, vamos usar o mesmo
Na situação 1, uma taxa percentual de 30% de procedimento do item a:
desconto. Como 30% = 30/100, significa que, em
cada R$ 100,00, haverá um desconto de R$ 30,00.
Na situação 2, uma taxa percentual de aumen-
to de 2%. Como 2% = 2/100, significa que, em cada
R$ 100,00, haverá um aumento de R$ 2,00.
Matemática

Portanto, 72 clientes preferem sorvete de outros de clientes.


sabores.
AUTOMEDICAÇÃO
• Como no item a), utilize a forma decimal para
calcular a porcentagem e confirme o resulta- É bastante frequente entre os brasileiros o
do encontrado. hábito de tomar medicamentos por conta pró-
• Você sabe encontrar o número de clientes pria, por sugestão de amigos ou pessoas não
que preferem sorvete de outros sabores de ou- habilitadas a receitar. Na área de saúde, esse
tra forma? procedimento chama-se automedicação – que
quer dizer “medicar a si mesmo”. Atualmente, a
Vamos pensar juntos... Se o número total de intoxicação por medicamentos é uma ocorrên-
clientes pesquisados é 180 e, destes, 108 preferem cia comum. Em 1998, por exemplo, o Centro de
sorvete de chocolate, e sabemos que os demais Assistência Toxicológica (CEATOX), órgão da Uni-
preferem de outros sabores, podemos efetuar a sub- versidade de São Paulo (USP), registrou 3.211 ca-
tração 180 – 108 para encontrar os 72 clientes que sos de intoxicação, dos quais cerca de 40% pro-
procuramos. vocados por uso de medicamentos. Os farma-
Observe a tabela abaixo para melhor visualizar cêuticos consideram que grande parcela desses
esta situação: casos resulta da automedicação praticada no
país. Segundo dados da Organização Mundial
da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, o
mercado brasileiro dispõe de mais de 32 mil me-
dicamentos – motivo pelo qual o Brasil situa-se
em sexto lugar entre os países consumidores de
medicamentos, respondendo por R$ 14,3 bilhões
c) 99 clientes representam mais ou menos que dos 529 bilhões movimentados no mercado
50% dos clientes que responderam à pesquisa? mundial de medicamentos. No entanto, sabe-se
que, para tratar as mais diversas doenças, cerca
de 420 produtos seriam suficientes.

Observe que:
55
• Quando dividimos por 2 a porcentagem de
clientes, o número de clientes também fica di-
vidido por 2.
• A razão entre a porcentagem de clientes e o Adaptado de www.nib.unicamp.br
número de clientes correspondentes é sempre
a mesma.
• Você costuma se automedicar? Conhece al-
guém que se automedicou? Quais os resulta-
dos obtidos?
• Você sabia que um mesmo remédio, com do-
sagem idêntica, usado durante o mesmo pe-
ríodo de tempo por duas pessoas diferentes,
pode dar excelentes resultados para uma de-
las e não surtir efeito na outra?
• Por que será que existem tantos medicamen-
Portanto, como as grandezas porcentagem de tos no Brasil? 11
clientes e número de clientes variam numa propor- • Será que somente a liberdade que as indús-
cionalidade direta, podemos formar uma propor- trias têm para fabricar, anunciar e vender seus
ção, aplicar a propriedade e encontrar o valor de- produtos justifica esse elevado número de me-
sejado: dicamentos?

O fato de nos automedicarmos com xaropes,


analgésicos, gotas nasais, laxantes e outros medica-
mentos aparentemente “inofensivos” não contribui
também para o crescimento e fortalecimento das
indústrias farmacêuticas? O que você acha que po-
deria ser feito para tentar diminuir esse índice eleva-
do de automedicação?
Portanto, 99 clientes representam 55% do total
Matemática

Para refletir:

A vida saudável não está sempre no balcão


da farmácia. Os cuidados de higiene pessoal e
ambiental, hábitos sadios e qualidade de vida
promovem a saúde. A prática de esportes, ca-
minhadas, alimentação balanceada, lazer e
descanso dão mais sabor e qualidade à vida hu-
mana. Leia mais sobre automedicação. Busque
ideias consistentes para argumentar com outras
pessoas e de alguma forma intervir e mudar essa
realidade nada saudável do consumo exagera-
do e inadequado de medicamentos no Brasil.
Portanto, a taxa de desconto aplicada foi de 8%.
Como no item anterior, será que é possível fazer
Vamos analisar outras situações: os cálculos de outro modo?
O que representa a divisão 6.900 ?
1) Alberto trabalha em uma pequena firma e 7.500
recebe um salário mensal de R$ 800,00. Como fez
alguns cursos de atualização profissional, foi promo- Quanto por cento 6900 representa de 7500?
vido e recebeu um aumento de 15% em seu salário.
Qual será, então, o novo salário de Alberto? Termine os cálculos e compare-os com o resulta-
do obtido acima.
2. Resolvendo o problema Observações importantes: Se a um determinado
valor for aplicado um acréscimo de 10%, podemos
Calculamos 15% de 800 e a seguir somamos ao calcular o novo valor apenas multiplicando o valor
valor inicial de 800, para obtermos o valor do novo inicial por 1,1, pois
salário.

56
Se a um determinado valor for aplicado um des-
conto de 10%, podemos calcular o novo valor ape-
nas multiplicando o valor inicial por 0,9, pois
Você conhece outro modo de resolver esse pro-
blema? Vamos pensar juntos...
Se hoje o salário representa 100% e o aumento
será de 15%, então o novo salário representará 115%
do salário inicial. Lembrando que 115% = 1,15, faça
os cálculos e confira o resultado. Essas observações facilitam muito os nossos cál-
2) Uma revendedora de automóveis anunciou a culos, mesmo os feitos com o uso da calculadora.
venda de um modelo popular usado por R$ 7.500,00. Dada a sua importância, observe alguns exemplos
Percebendo que o interesse dos clientes pelo auto- expostos a seguir:
móvel foi pequeno, decidiu abaixar o preço para
R$ 6.900,00. Qual a taxa de desconto aplicada ao
automóvel?

3. Resolvendo o problema

Obtemos o valor do desconto, em reais, efe-


tuando: R$ 7.500,00 – R$ 6.900,00, e a seguir calcu-
lamos quanto por cento esse valor representa de R$
7.500,00.
Veja como alguns cálculos dos valores expostos
acima foram efetuados:

• Aumento de 10%:
Matemática

• Desconto de 10%: Você pode constatar que, se a camisa custava


R$ 100,00 em janeiro e passou a custar R$ 121,00 em
junho, houve um aumento de R$ 21,00, que equivale
a 21%.
Você conhece outro modo de resolver esse pro-
blema? Esse modo escolhido não é único, existem
• Desconto de 17,5%: diversos procedimentos corretos que levam ao resul-
tado. Você deve escolher a forma que achar mais
apropriada, mais conveniente ao seu modo de in-
terpretar e resolver questões.
Como na situação anterior, aplique dois aumen-
tos sucessivos de 10% sobre os seguintes valores ini-
• Aumento de 100%: ciais:

a) R$ 80,00.
b) R$ 6,00.

Agora compare os resultados obtidos com o do


Aproveite os conceitos utilizados na construção item anterior. O que você pode concluir? Será que
da tabela acima e resolva: Se uma empresa possui dois aumentos sucessivos de 10% equivalem sempre
360 funcionários e 25% deles utilizam transporte pró- a um único aumento de 21%?
prio, qual o número de funcionários dessa empresa Observe que efetuamos os seguintes cálculos:
que utiliza outros meios de transporte?

4. Resolvendo o problema

270 funcionários.

AUMENTOS E DESCONTOS SUCESSIVOS


57
Vamos analisar algumas situações:
2) Algumas lojas de roupas e acessórios costu-
1) Uma loja de material esportivo estava ven- mam fazer no mês de maio uma liquidação dos seus
dendo uma camisa de um time de futebol por R$ artigos de verão para, então, colocar nas vitrines a
100,00 no mês de janeiro e aplicou um aumento de nova coleção de inverno. Flávia, sabendo dessa li-
10% no mês de abril. Como no mês de junho o time quidação, não comprou uma blusa que custava R$
ganhou um torneio e as vendas aumentaram, resol- 50,00 em março. Ela teve sorte, pois, sobre esse valor,
veu aplicar outro aumento de 10%. Qual a porcen- foram aplicados dois descontos sucessivos, um em
tagem total de aumento aplicado à camisa desse abril de 10% e outro em maio de 20%. Qual o des-
time durante esse 1º semestre? conto total aplicado sobre o valor da blusa? Qual o
Alguma situação semelhante a essa já ocorreu valor final da blusa após os descontos?
com você? Será que o aumento foi de 20%? Como
você faria os cálculos para descobrir a porcenta- Resolvendo o problema
gem total do aumento? Pense um pouco...
Resolvendo o problema Como na situação anterior, vamos aplicar os
descontos separadamente: 1º desconto (sobre o
Sobre o valor inicial de R$100,00, vamos aplicar valor inicial):
o 1º aumento:

1º aumento:
100% + 10% = 110% = 1,1;
100 . 1,1 = 110.

Sobre o valor de R$ 110,00, obtido após o primei-


ro aumento, vamos aplicar o 2º aumento: 2º desconto (sobre o valor obtido após o 1º des-
conto):
100% + 10% = 100% = 1,1; 100% - 20% = 80% = 0,8%;
110 . 1,1 = 121. 45 . 0,8 = 36
Se a blusa custava R$ 50,00 em março e passou
Matemática

a custar R$ 36,00 em maio, houve um desconto de OS JUROS NO DIA-A-DIA


R$ 14,00, que equivale a 28%.
Vejamos algumas situações:

1) Uma loja de informática está vendendo um


computador por R$ 2500,00 à vista, ou em 2 parce-
las: R$ 1.500,00 de entrada e R$ 1.500,00 ao fim de 30
dias. O preço desse computador à vista é diferente
Portanto, o desconto total aplicado sobre o va- do preço a prazo, porque estão sendo cobrados ju-
lor da blusa foi 28% (Atenção: o desconto total não ros pelo parcelamento da dívida. Qual será o valor
foi igual à soma dos descontos, ou seja, 30% ) e o do juro mensal que essa loja está cobrando pelo
valor final da blusa após os descontos foi R$ 36,00. parcelamento?
Você saberia encontrar esse desconto total de
outro modo? Pense um pouco... Seria possível apli-
car um desconto único e encontrar o preço final da
blusa?
Observe os cálculos que efetuamos:

50. 0,9 . 0,8


50 . 0,72 = 36

2) Mirella emprestou R$ 300,00 a Juliane, que, de-


pois de 1 mês, devolveu-lhe R$ 315,00. Mirella rece-
beu então, como compensação, R$ 15,00 de juro.

3) Sobre uma mercadoria que custa R$ 200,00


houve um desconto de 20% e depois outro desconto
de 30%, então:

a) Qual a porcentagem final do desconto sobre


essa mercadoria?
58 O juro é uma compensação em dinheiro que a
0,8 . 0,7 = 0,56; empresa ou a instituição financeira cobra por estar
0,56 = 56% e 100% - 56% = 44% parcelando ou financiando uma dívida. Quando o
Portanto, a porcentagem final do desconto so- cliente aplica seu dinheiro em um banco, está em-
bre essa mercadoria será de 44%. prestando esse dinheiro ao banco, e por isso recebe
uma quantia de juro pelo empréstimo. Para conhe-
b) Qual o valor, em reais, do desconto total? cermos melhor as operações que envolvem juros,
vamos ver os principais nomes usados nesses cálcu-
44% de 200 = 0,44 . 200 = 88. los e suas respectivas abreviações:
Portanto, o valor total do desconto é R$ 88,00.
Capital inicial ( C ) - é o dinheiro que se empresta
c) Qual o valor final da mercadoria após os des- ou que se toma emprestado.
contos? Montante ( M ) - é a soma do capital inicial apli-
cado ou tomado emprestado e do juro.
200 – 88 = 112. Tempo ou prazo ( t ) - é o tempo que decorre
Portanto, o valor final da mercadoria é R$ 112,00. desde o início até o final de uma dada operação
financeira.
A ordem em que os descontos ou aumentos são Taxa de juro ( i ) – é a taxa percentual que se
calculados não altera os cálculos, pois 0,8 . 0,7 . x = recebe ou se paga em relação a um dado intervalo
0,7 . 0,8 . x, onde x representa o preço inicial da mer- de tempo.
cadoria. Algumas pessoas erram a solução desse
tipo de problema porque usam a soma. Mas, como Na determinação dos juros:
você pôde observar, utilizamos a multiplicação e
não a soma. • A taxa e o tempo devem estar relacionados
Ao contrário da situação 4, agora você calcula na mesma unidade (dia, mês, ano etc).
os descontos separadamente e depois compara os • Adota-se o chamado prazo comercial, em
resultados encontrados através dos cálculos com o que o mês é considerado como tendo 30 dias
desconto único. e o ano como tendo 360 dias. Existem duas
modalidades ou regimes de juro: simples e
composto.
Matemática

A maioria das operações envolvendo dinheiro 2. Resolvendo o problema


utiliza juros compostos, porque há interesse de se es-
colher um intervalo de tempo menor (dia, mês ou
ano) para que, ao final de cada intervalo, o juro cor-
respondente seja pago. O regime de juros simples
é utilizado com menos freqüência, geralmente nas
operações de curtíssimo prazo.
JUROS SIMPLES – os juros de cada intervalo de
tempo são calculados sempre em relação ao ca- Vitor terá um montante de R$ 2.060,60 após três
pital inicial emprestado ou aplicado e, com isso, o meses de investimento.
valor do juro em cada intervalo é sempre constante. Você se recorda da situação referente a aumen-
Observe a situação abaixo: tos sucessivos? Esse problema tem alguma semelhan-
ça com aquele? Observe os cálculos que fizemos
Vitor aplicou R$ 2.000,00 em um banco que para encontrar o montante ao final de três meses:
paga juro simples de 1% ao mês (a.m). Após 3 meses
de investimento, qual será o saldo final ou montante ((2000 . 1,01) . 1,01) . 1,01 = 2000 . (1,01)3
(capital + juro ) de Vitor?
Com o auxílio de uma calculadora, efetue este
1. Resolvendo o problema cálculo e compare o resultado com o da tabela. Pa-
rece complicado, mas quando entendemos o pro-
Você já resolveu um problema semelhante a cesso, tudo se torna mais simples.
esse anteriormente. A única diferença entre os pro- Vamos voltar à situação sobre as formas de pa-
blemas encontra-se no tempo. Solaine aplicou seu gamento do computador. Como R$ 1.500,00 devem
dinheiro por 1 mês e Vitor por 3 meses. Use os conhe- ser pagos no ato da compra, ou seja, à vista, na ver-
cimentos que possui e os que foram apresentados dade apenas a quantia de R$ 1.000,00 será financia-
nesse capítulo para encontrar o saldo final de Vitor da, pela qual se pagará R$ 1.500,00. Portanto, está
ao final de três meses. sendo cobrado um valor de R$ 500,00 de juro, que
Se você concluiu que Vitor possuirá R$ 2.060,00, corresponde a 50% de R$ 1.000,00. Um absurdo!
acertou. Veja uma das maneiras de encontrar esse Você costuma ficar atento aos juros cobrados
resultado. pelo parcelamento, como no caso acima? Acredi-
tamos que, depois desta leitura, ficará mais atento
Capital (C) = R$ 2.000,00; ainda, pois é muito importante observar nesses pro-
Taxa (i) = 1% a.m; blemas o quanto realmente está sendo financiado,
59
Tempo (t) = 3 meses. para não nos enganarmos nem sermos enganados.
No caso acima, a primeira parcela foi paga à vista,
Veja que a taxa e o tempo estão relacionados logo não se deve fazer incidir juros sobre a mesma.
na mesma unidade: mês Se o financiamento tivesse sido feito em duas vezes
sem entrada, deveriam se fazer incidir juros relativos
a um mês sobre a primeira prestação e relativos a
dois meses sobre a segunda prestação.

3. Vamos analisar outra situação

Dona Vera possui uma televisão muito antiga de


Vitor terá um montante de R$ 2.060,00 após três 14 polegadas, por isso há algum tempo vem juntan-
meses de investimento. do uma certa quantia em dinheiro para comprar
JUROS COMPOSTOS (também conhecido como uma televisão maior e mais moderna. Quando viu
“juros sobre juros”) – os juros de cada intervalo de a oferta de uma televisão de 20 polegadas em 10
tempo são calculados e somados ao capital inicial vezes de R$ 62,20, não pensou em aguardar um
desse intervalo, que por sua vez passam a render ju- pouco mais para comprar uma televisão com uma
ros também. É como funcionam as cadernetas de tela maior e nem sequer fez os cálculos para verificar
poupança. quanto estava pagando de juros.
Observe a situação abaixo:

Suponhamos agora que Vitor tenha aplicado


seus R$ 2.000,00 em um banco que paga juro com-
posto de 1% ao mês (a.m). Então, após 3 meses de
investimento, qual será o saldo final ou montante
(capital + juro ) de Vitor?
Matemática

Antes de comprar um objeto você costuma


verificar se o preço à vista não oferece muito mais 2º mês: Juros: 1% de 529,82 = 5,29.
vantagens do que o parcelamento, mesmo que isso Montante no final do mês (valor anterior + ju-
implique esperar um pouco mais para obter esse ob- ros): 529,82 + 5,29 = 534,31.
jeto? Não se esqueça de que não podemos com- 3º mês: Juros: 1% de 596,51 = 5,96.
parar diretamente uma quantia de dinheiro agora Montante no final do mês (valor anterior + ju-
com uma em outro instante, passado ou futuro. ros): 596,51 + 5,96 = 602,47.

1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS


RESULTADOS
01. Se em cada hora Bruno percorre em sua
bicicleta 15 km, quantos quilômetros percorrerá Confira aqui os seus resultados!
em 5 horas? Em quanto tempo percorrerá 90
km? Se achar necessário, construa uma tabela 01. 75 km e 6 horas.
para organizar esses dados.
02. 150 km.
02. Se Jorge percorre 10 km com 1 litro de ga-
solina, quantos quilômetros ele percorrerá com 03. Tabela de juros compostos:
15 litros de gasolina?

03. Utilize o modo que achar melhor ou mais


simples para continuar os cálculos da tabela aci-
ma, imaginando que Vitor tenha aplicado seu
dinheiro por mais dois meses. 04.
4.1. R$ 63,00.
04. Com base nessas informações, organize 4.2. Resposta: (d).
os dados e responda: 4.3. Ao final do 6º mês, conforme a tabela
4.1. Que valor, em reais, Dona Vera pagou abaixo.
de juros por ter parcelado a TV?

4.2. Quantos por cento, aproximadamente,


60 sobre o preço à vista, Dona Vera pagou de ju-
ros?
a) 12,72%.
b) 17,21%.
c) 10,12%. MATRIZES
d) 11,27%.
1. Introdução às matrizes
4.3. Se até o momento Dona Vera tivesse
conseguido economizar R$ 400,00 e decidisse Para compreender melhor a teoria matemática
não comprar a TV de 20”, e aplicasse todo mês apresentada nesta Unidade, considere um gavetei-
os R$ 62,20 juntamente com os R$ 400,00 em um ro com várias camadas organizadas em colunas:
banco que paga juro composto a uma taxa de
1% ao mês, em quanto tempo ela poderia com-
prar a TV de 29” conforme a figura mostrada?
Iniciamos a organização dos dados na ta-
bela abaixo. Termine os cálculos e encontre a
resposta correta. Os cálculos parecem comple-
xos, mas se você entendeu o processo, que é o
fundamental, com o auxílio de uma calculadora
eles se tornam simples.

Observe que esse gaveteiro tem 5 camadas ho-


rizontais, as linhas, e 6 camadas verticais, as colunas.
Observe como alguns cálculos da tabela fo- Diz-se que é um quadro do tipo 5 × 6 (lê-se: “5 por
ram efetuados: 6”).
1º mês: Juros: 1% de 462,20 = 4,62. Na gaveta da 2ª linha de cima para baixo, que
Montante no final do mês (valor anterior + ju- está na 5a coluna da esquerda para a direita, há
ros): 462,20 + 4,62 = 466,82. uma nota de R$ 100,00. Observe a estrutura desse
Matemática

gaveteiro para indicar o “endereço” da gaveta que


contém a cédula de R$ 50,00.
Com base na descrição do endereço da cédu-
la de R$ 100,00, pode-se dizer que a nota de R$ 50,00
está na 4a linha de cima para baixo, e na 2a coluna
da esquerda para a direita.
Os matemáticos simplificaram a descrição de
endereços como a desse gaveteiro criando um có-
digo que se baseia em duas informações: a linha e a
coluna. Para indicar a localização de uma gaveta,
usa-se uma letra seguida de dois números, corres- Mas não se assuste com essa quantidade de ín-
pondentes à linha e à coluna: dices, linhas e colunas, pois, informalmente, pode-
-se dizer que “uma matriz é um quadro retangular,
• a nota de R$ 100,00 está no cruzamento da 2ª recheado de números ou expressões matemáticas”.
linha com a 5ª coluna; seu endereço pode ser
representado pelo código a25; 2. A matemática das matrizes
• a nota de R$ 50,00 está na 4ª linha com a 2ª
coluna; seu endereço pode ser representado Tal como se faz com números, é possível somar,
pelo código a42. subtrair e multiplicar matrizes, mas não é possível
compará-las, como acontece com os números, ou
Observe que se estabeleceu uma ordem: o pri- seja, não é possível dizer que uma matriz é maior ou
meiro número do código (subscrito ao lado da letra menor que outra, mas é possível dizer se duas matri-
minúscula) indica a linha, e o segundo número, a zes são iguais.
coluna.
Ao quadro retangular formado por linhas e colu- 3. Igualdade de matrizes
nas, como o gaveteiro do exemplo, os matemáticos
chamaram matriz. Para que duas matrizes sejam iguais, elas devem
O conceito matemático de matriz é importante ter o mesmo número de linhas e de colunas e seus
por suas aplicações em diversas áreas do conheci- elementos de mesmo endereço também devem ser
mento, sobretudo como ferramenta para resolver iguais. Considere duas matrizes, A e B:
problemas que recaem em um sistema de equa-
ções lineares, muito utilizadas em problemas na área 61
de Engenharia ou de Economia.
A matriz a seguir tem 2 linhas e 3 colunas; diz-se
que é uma matriz 2 × 3:

Se as matrizes A e B são iguais, os elementos que


estão nas mesmas posições também são iguais:

Confira que são os índices (os “numerozinhos”


subscritos ao lado da letra) que indicam a posição
(o endereço) de cada casa com seu respectivo va-
lor numérico; por exemplo: a23 = 5 indica que o nú-
mero que está na 2ª linha com a 3ª coluna é igual 1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
a 5.
Observe ainda que os elementos da matriz A 01. Na matriz A, indique os valores numéricos
(apresentada acima) são números inteiros, mas, de- dos elementos:
pendendo da situação ou do uso, uma matriz tam-
bém pode ser formada por números reais, como no
exemplo da matriz B a seguir:

Uma matriz A pode ser entendida como um con- 02. Determine os valores dos elementos da
junto m × n de números reais, dispostos em m linhas e matriz B e escreva-a de modo simplificado:
n colunas que formam o quadro a seguir.
Matemática

respeitando a ordem das operações: primeiro,


potências e raízes; depois, multiplicações e divi-
sões, na ordem em que aparecerem; e por fim
adições e subtrações.

03. O Aedes aegypti é vetor transmissor da


dengue. Uma pesquisa feita em São Luís – MA,
de 2000 a 2002, mapeou os tipos de reservatórios
onde esse mosquito era encontrado. A tabela
abaixo mostra parte dos dados coletados nessa
pesquisa.

03. Alternativa correta: e.


Se for mantido o percentual de redução da
população de Aedes aegypti entre 2001 e 2002,
então seja x o número de mosquitos de 2003.
Logo:

REFERÊNCIAS
62 Se mantido o percentual de redução da po-
pulação total de A. aegypti observada de 2001 ENCCEJA, Matemática e Suas Tecnologias: livro
para 2002, teria sido encontrado, em 2003, um do estudante: ensino médio/Coordenação: Zuleika
número total de mosquitos de Felice Murrie. — 2. ed. — Brasília: MEC: INEP,
a) menor que 5.000. 2006. Disponível em: http://download.inep.gov.br/
b) maior que 5.000 e menor que 10.000. educacao_basica/encceja/material_estudo/livro_
c) maior que 10.000 e menor que 15.000. estudante/encceja_matematica_ens_medio.pdf.
d) maior que 15.000 e menor que 20.000. Acesso em 07/01/2019.
e) maior que 20.000. Enem 2007. CEEJAs, Educação de Jovens e Adultos (EJA):
Prova amarela. Mundo do Trabalho Matemática: caderno do es-
tudante. São Paulo: Secretaria de Desenvolvimen-
to Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação
(SDECTI): Secretaria da Educação (SEE), 2014. v. I,
DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
II e III. Disponível em: http://www.ejamundodotra-
RESULTADOS
balho.sp.gov.br/ConteudoCEEJA.aspx?MateriaI-
D=78&tipo=Aluno. Acesso em: 10/01/2019
Confira aqui os seus resultados!

01. Esse é um exercício para identificar os ele-


mentos de uma matriz. Cada termo está no cru-
zamento de uma linha (indicada pelo primeiro
número do endereço) com uma coluna (indica-
da pelo segundo número do endereço).

a) a13 = 0
b) a21 =11
c) a11 = – 5
d) a22 = – 3

02. Para resolver esse exercício, basta cal-


cular os valores numéricos de cada elemento,
Ciências da
Natureza e suas
Tecnologias
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

regularidades e estabelecer relações entre vários


A CIÊNCIA COMO CONSTRUÇÃO fenômenos. Com base nessas relações, buscam-
-se teorias que consigam explicá-los. Esse processo
HUMANA
não é simples nem linear, e constitui uma aventura
pela busca dos melhores modelos que expliquem a
realidade. A Física, assim como as outras ciências, é
CONSIDERAÇÕES INICIAIS uma forma de tentar explicar a realidade.
1. A evolução das “coisas”
3. A ciência na história
O fato de, quase sempre sem aviso, essas “coi- Desde o início da história da humanidade, o ser
sas naturais” nos faltarem em algumas ocasiões, o humano observou a natureza, percebendo a su-
fato de “não estarem lá” quando precisamos de- cessão dos dias e das noites, das estações do ano,
las – e às vezes quando mais precisamos delas – é os ciclos da Lua, as estrelas, os períodos de chuva
uma indicação muito clara de que essas “coisas” e de seca. Aprendeu a dominar o fogo e, aprovei-
pouco têm de “natural”. Na verdade, antes de se- tando os ciclos naturais, passou a cultivar a terra e
rem inventadas, elas não existiam. Ora, se é assim, criar animais, o que lhe permitiu fixar- -se em deter-
se a maior parte daquilo com que nos acostuma- minados territórios, deixando de ser nômade.
mos, daquilo que é a nossa vida cotidiana, nem Ao longo desse tempo, acumulou saberes e
sempre “esteve aí”, você pode perguntar: como é desenvolveu conhecimentos e crenças, o que lhe
que surgiram, com base em que foram criadas? Se possibilitou construir uma cultura na qual os fenô-
o mundo no qual os homens vivem é hoje diferen- menos naturais tinham origem misteriosa, atribuída
te daquele no qual viveram os homens de outras geralmente a deuses, espíritos ou a outras explica-
épocas, como e por que isso ocorreu? O caminho ções animistas.
para responder a essas questões passa pelo conhe-
cimento da História. É por meio dela que podemos
compreender a evolução da humanidade e co- #FICADICA
nhecer os meios e os instrumentos do desenvolvi-
mento das sociedades. Animista é a concepção que parte
A história da ciência é, na verdade, uma par- da hipótese de que tanto os seres vivos
te da história das sociedades humanas. A ciência quanto os sistemas e fenômenos da na-
tem um papel muito importante na direção e no tureza têm alma (do latim anima) e von-
ritmo da história, da mesma forma que a evolução tade própria. 1
da ciência é influenciada e mesmo determinada
pela história do desenvolvimento das sociedades,
ou seja, da política, da economia e da cultura. Embora os povos do Oriente tenham deixado
“Ciência” é uma palavra em alta nas sociedades um vasto legado empírico (conhecimento prático),
ocidentais. Uma lavagem de tapete, um corte de acredita-se que os filósofos gregos tenham sido os
cabelo, um mapa astral; ganham outro estatuto pioneiros na criação de sistemas de explicações
quando se afirma que são científicos. Dessa forma, racionais para os fenômenos naturais, em uma pri-
conhecer como produzimos os conhecimentos meira tentativa de entender e interpretar o mundo
e como esses conhecimentos são transformados desvinculado do pensamento mítico; ou seja, uma
em produtos, em objetos, em instrumentos é mui- tentativa de explicar os fenômenos observados
to importante para a compreensão da sociedade sem recorrer a espíritos, deuses ou outras entidades
contemporânea. Saber como a ciência opera é sobrenaturais, mas apenas a partir de outros ele-
muito importante para entender a função desse mentos presentes na natureza e encadeados logi-
instrumento capaz de contribuir para a melhoria camente.
das condições de vida da humanidade e também O desenvolvimento da linguagem e a especia-
para julgar bons e maus usos que nossa sociedade lização e divisão do trabalho proporcionaram uma
faz da ciência e do conhecimento científico. divisão de classes na antiga sociedade grega. Na
Grécia antiga eram considerados cidadãos ape-
nas os homens livres e que também eram proprie-
2. Como surgem as ciências tários de terras. Esse grupo considerava o trabalho
manual algo degradante, a ser relegado aos es-
Para começar, você estudará por que o co- cravos. Eles assumiram o trabalho intelectual, tido
nhecimento físico não é inato, ou seja, por que não como o mais “nobre”, que permitia desenvolver o
nascemos com ele. O conhecimento é construído conhecimento teórico.
com base em questionamentos sobre aquilo que
se observa. A partir de questionamentos e dúvidas,
podem-se criar hipóteses que expliquem os fenô-
menos naturais, e a racionalização dessas explica-
ções leva à escolha daquela que solucione melhor
as questões. O conhecimento, então, resulta de um
acúmulo de informações que permite identificar
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

construção do conhecimento científico.

Grandezas Grandeza é tudo aquilo que se


pode medir. Mas o que é medir? Medir é comparar
duas grandezas de mesma espécie (por exemplo,
área com área, comprimento com comprimento,
volume com volume, velocidade com velocidade
etc.), tomando uma delas como parâmetro.
Assim, para medir a altura de uma porta, por
exemplo, pode-se tomar como padrão de compri-
mento um palmo e comparar o tamanho do palmo
Associaram o saber fazer (os conhecimentos com o tamanho do objeto a ser medido (no caso, a
práticos ligados aos modos de produção e às ne- altura da porta), verificando quantas vezes a altura
cessidades diárias) ao saber por quê, relacionado da porta é maior ou menor do que o palmo. Para
ao conhecimento teórico. O conhecimento obti- medir a massa de um corpo, é preciso escolher um
do dessa forma foi muito além da esfera empírica, padrão de medida de massa (o quilograma, por
gerada pelas necessidades do dia a dia, associan- exemplo) e comparar a massa a ser medida com
do a esta uma tentativa de explicar como e por esse padrão.
que certos fenômenos aconteciam de uma forma
e não de outra. Essa maneira de questionar e pro-
2 blematizar a realidade, de não aceitar explicações
preestabelecidas, deu origem a uma nova manei-
ra de pensar, dissociada do modo de produção: o
pensamento filosófico.
Os primeiros filósofos lançaram-se à busca de
explicar a origem do mundo e a razão de ser das
coisas, bem como de estabelecer relações de cau-
sa e efeito entre os fenômenos. Assim, iniciaram um
ramo específico da filosofia chamado filosofia na-
tural, que, posteriormente, deu origem à Física, que
passou a se ocupar de explicar os fenômenos do
mundo material. Dessa separação e contradição
entre o concreto e o abstrato, nasceu a divisão do
Universo em dois: o mundo físico, concreto e palpá-
vel, e o mundo das ideias, etéreo e perfeito.
Foi Pitágoras quem lançou uma das ideias mais
marcantes dessa nova filosofia: a de que a beleza
está na simplicidade. Ele acreditava que deveria
haver uma explicação simples para tudo e que
esta poderia ser representada em linguagem ma-
temática, estabelecendo relações numéricas entre
diferentes grandezas. Esse pensamento, de certa
forma, foi a base e a busca da ciência moderna.
O conhecimento físico do mundo se estabele-
ce a partir de relações quantitativas e qualitativas As medidas podem dar para a ciência um ca-
entre as grandezas envolvidas em determinado ráter mais universal. Estabelecidos os padrões de
fenômeno. Faz parte da pesquisa científica identi- medida, elas não dependem mais de fatores cul-
ficar quais são as grandezas importantes e como turais. Isso permite a obtenção de conhecimentos
medi-las. O objetivo deste tema é que você com- mais objetivos sobre a realidade, já que eles in-
preenda o que é uma grandeza, o que é medida dependem da interpretação das pessoas. Se um
e que conheça alguns caminhos seguidos para a objeto mede 1 metro, por exemplo, ele medirá 1
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

metro no Brasil, no Japão ou em qualquer país da


África, independentemente das crenças das pes- ser utilizado em todos os países para realizar
soas envolvidas em sua medição. Por isso, o co- medidas padronizadas, adotando-se uma uni-
nhecimento científico muitas vezes é chamado de dade padrão para cada grandeza física.
conhecimento positivo, pois pretende ser o mais
isento possível da trajetória cultural dos cientistas. Atualmente, com a globalização da econo-
Nessa perspectiva, o conhecimento físico so- mia, o SI tem sido cada vez mais utilizado para
bre a realidade implica, então, tentar minimizar o facilitar as transações comerciais entre diferen-
efeito das crenças pessoais sobre a observação e tes povos que costumavam utilizar sistemas de
a interpretação da realidade. A produção desse medidas diferentes.
conhecimento segue um método, chamado de
método científico. De acordo com esse método,
é fundamental observar a natureza, levantar ques- CIÊNCIA E TECNOLOGIA
tões sobre seu funcionamento e buscar respostas
para essas questões. Para isso, muitas vezes, os físi- 1. Desenvolvimento científico e tecnológico
cos realizam experimentos.
Experimentos constituem-se na reprodução de Nas sociedades atuais, marcadas por novas
fatos observados ou inseridos na natureza, porém formas de produção cultural e de dominação eco-
em um ambiente controlado, como um laborató- nômica, o desenvolvimento científico e a inovação
rio, sob condições determinadas, que permitem tecnológica se fazem indispensáveis. Se é verdade
analisar os efeitos de cada uma das grandezas en- que, a princípio, o desenvolvimento técnico não
volvidas num fenômeno. Além disso, como parte esteve atrelado ao desenvolvimento científico,
do processo, deve-se divulgar, sobretudo à comu- atualmente ciência e tecnologia apresentam-se
nidade científica, o que se fez e o que se descobriu interligadas de tal forma, que é comum se referir a
após a realização do experimento. Essa divulgação elas como uma coisa só, chamada ciência e tec-
pode acontecer pela publicação de artigos em re- nologia (C&T).
vista e jornais científicos reconhecidos internacio- A ciência está ligada a uma busca pelo conhe-
nalmente e pela participação em eventos, como cimento. Embora seja única, ela pode ser pensa-
congressos, simpósios, seminários etc. da como uma composição entre ciência pura e
ciência aplicada. A ciência pura tem por objetivo
a produção de conhecimento em si, enquanto a
ciência aplicada visa, principalmente, a geração
de produtos que melhorem ou facilitem a execu-
3
ção de tarefas, ou seja, é dela que deriva a tec-
nologia.
Assim, a tecnologia está subordinada às de-
mandas de mercado, enquanto a ciência busca,
antes de tudo, o conhecimento como um bem em
si mesmo. As técnicas vinculadas à prática são mui-
to mais antigas do que a ciência (que está ligada
ao desenvolvimento de teorias), sendo provavel-
mente tão antigas quanto a própria humanidade.
Do Paleolítico à Idade dos Metais, das pirâmi-
des egípcias aos castelos medievais e também en-
tre os grandes templos no Oriente, os grandes feitos
da humanidade não foram construídos com base
em princípios físicos, mas por “mestres” que se va-
leram da experiência prática acumulada, e não
de um conhecimento abstrato sobre seu objeto de
Você já pode ter ouvido falar em várias uni- trabalho.
dades de medida de comprimento, como po- O casamento recente entre ciência e tecnolo-
legada (uma TV de 32 polegadas), metro (uma gia pode ser ilustrado com a Revolução Industrial, o
parede de 2 metros de altura), jarda (uma fal- domínio e a aplicação da eletricidade, da biotec-
ta cometida a 2 jardas da grande área), légua nologia, da energia nuclear, da nanotecnologia
(uma cidade a 2 léguas de outra) ou palmo etc. Desde o final do século XVIII, portanto, ciência,
(um buraco com 7 palmos de profundidade). tecnologia e sociedade andam juntas, atreladas
Qual dessas medidas é maior e qual é menor? ao desenvolvimento industrial e à produção de
bens de consumo.
Para evitar confusões com as diversas uni- O que não se pode esquecer, quando se fala
dades de medida, a Conferência Geral de Pe- de produtos tecnológicos, como o tablet, por
sos e Medidas (CGPM) criou o Sistema Interna- exemplo, é que, mais do que um amontoado de
cional de Unidades, conhecido como SI. O SI é fios, plásticos etc., ele é resultado de um processo
um sistema de unidades de medida que pode de fabricação que envolveu desde o trabalhador,
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

que escavou a terra à procura de minérios, que fo- não se refere a estar, por exemplo, em pé ou dei-
ram transformados em fios e outros componentes tado, à frente ou atrás, mas sim à distância em re-
eletrônicos, passando pelo projeto do produto até lação a um referencial. Espaço, ou posição de um
chegar, eventualmente, ao produto final. corpo, é definido como a distância que ele está de
O pensamento científico não se desenvolve determinado ponto, chamado origem, que serve
descolado do seu tempo. Como construção social, de referência para a medida dessa distância. Por-
ele faz parte da cultura. Por isso influencia e é in- tanto, espaço e posição dependem do referencial.
fluenciado por ela. Durante a Revolução Industrial, Assim como você pode estar à direita de uma.
por exemplo, o desenvolvimento das máquinas a
vapor prescindia de um conhecimento mais ela-
borado dos gases, assim como o desenvolvimento
#FICADICA
inicial da metalurgia prescindiu do conhecimento A palavra corpo pode ser usada
da estrutura da matéria. para se referir a qualquer objeto. Por-
Nessa época, foi retomado o modelo atômico, tanto, em Física, a palavra corpo não
que fragmenta a matéria em pedacinhos, cha- significa necessariamente o corpo hu-
mados átomos. Com o avanço do capitalismo em mano.
substituição ao regime feudal, a sociedade assis-
tiu à fragmentação do espaço, com a divisão de 2
grandes feudos e castelos em propriedades priva- . Corpos em movimento
das menores; à fragmentação do tempo, com a
introdução dos relógios e horários de entrada e saí- Diz-se que um corpo está em movimento quan-
da das fábricas e das escolas, por exemplo; à frag- do sua posição varia ao longo do tempo, ou seja,
mentação da produção, com a introdução das à medida que o tempo passa, sua distância em
linhas de produção; e à fragmentação da energia, relação a um dado referencial vai mudando. Des-
com fótons e quanta. sa forma, quando um corpo se desloca, ele vai
O pensamento científico moderno, por sua vez, ocupando sucessivas posições. O conjunto dessas
parte da hipótese de que muitos fenômenos acon- posições é chamado de trajetória. Na figura ao
tecem por acaso, sem motivo aparente. Ele não lado, é possível visualizar a trajetória descrita pelo
garante relações de causa e efeito bem determi- caminhante com base em suas pegadas na areia.
nadas. Por isso, é relativo e fragmentado, parecen- Cada pegada representa, na areia, uma posição
do que uma causa não se relaciona univocamente ocupada pelo caminhante. Assim como a posição,
com os efeitos, e que cada evento acontece de a trajetória também depende do referencial.
4 forma absolutamente independente dos outros.
O pensamento científico influência vários cam-
pos do conhecimento, como o artístico, o espor-
tivo, o social, o econômico e o cultural, entre ou-
tros, a ponto de ser válido afirmar que, atualmente,
a maior parte dos novos produtos é resultado de
pesquisa científica. Entretanto, apesar de todos os
avanços da modernidade, o modo científico de
pensar e agir ainda está longe de ser universal. As-
sim, pode-se dizer, como apontou Tambosi:

A tecnologia já conquistou os corações, mas a


ciência ainda não alcançou as mentes [...].
TAMBOSI, Orlando. O desafio de gerar, aplicar e
divulgar o conhecimento científico.

A DESCRIÇÃO DO MOVIMENTO
Ao medir, ao longo da trajetória, a distância
1. Espaço, velocidade e aceleração que um ponto está da origem, determina-se o seu
espaço. A grandeza espaço é representada pela
Espaço letra S e, no Sistema Internacional de Unidades (SI),
é medida em metros (m). Outras unidades comuns
Para localizar um ponto no espaço, é necessá- para dimensionar o espaço são o quilômetro (km)
rio determinar a(s) distância(s) que ele está de al- e o centímetro (cm). Ao se movimentar, um corpo
gum lugar. Por exemplo, para localizar uma casa descreve uma trajetória, e seus espaços percorri-
numa cidade, é preciso determinar a rua na qual dos vão mudando em relação à origem.
ela está localizada e a que distância ela está do
começo da rua, que é dada pelo número da casa
(veja a figura ao lado).
Dessa forma, é possível determinar a posição
da casa na cidade. Em Física, a palavra posição
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

que ele se movimenta “rapidamente”, mas, se de-


morar “muito tempo” para ele percorrer esse mes-
mo trajeto, significa que o corpo está se deslocando
“lentamente”. A grandeza física que indica se um
corpo está se movendo rápida ou lentamente, de
um lugar para outro, se chama velocidade. A velo-
cidade média (v) de um corpo é definida como a
proporção entre a variação de espaço desse cor-
po (ΔS) e o tempo que ele gastou (Δt) para realizar
essa variação de espaço. Em linguagem matemá-
tica, essa relação é expressa da seguinte forma:

A medida da distância entre seu espaço inicial


(onde ele começou a se movimentar) e seu espa- No Sistema Internacional de Unidades, a velo-
ço final (onde ele parou de se deslocar) é chama- cidade média é medida em m/s (metros por se-
da de variação de espaço, ou espaço percorrido, gundo), mas existem outras unidades usuais, como
sendo representada pelo símbolo ΔS. km/h (quilômetros por hora), nós (muito utilizada na
O símbolo Δ, que parece um triângulo, é a letra navegação) e milhas por hora (mph), usada em
grega maiúscula chamada delta. Dessa forma, a países de língua inglesa. Dizer que um carro está
variação de espaço, simbolizada por ΔS, deve ser com a velocidade de 108 km/h é o mesmo que di-
lida como “delta S”. zer que ele se desloca à velocidade de 30 m/s, ou
Na linguagem matemática, escreve-se que: seja, que o carro percorre a distância 30 metros no
tempo 1 segundo.

4. Velocidade instantânea

Durante um movimento, em geral, a velocida-


de vai mudando. Algumas vezes ela aumenta e, 5
Variação de espaço e distância percorrida Em outras, diminui. O valor que a velocidade tem em
Física, variação de espaço e distância percorrida um determinado momento é a sua velocidade ins-
não são a mesma coisa. A distância percorrida cor- tantânea. O velocímetro, por exemplo, marca a
responde à distância que o móvel percorreu e, por- velocidade instantânea.
tanto, é determinada pela trajetória. Já a variação
de espaço depende apenas de onde começou
e de onde terminou o movimento, independente-
mente da trajetória e da distância percorrida.

5. Aceleração
Nessa imagem, a origem da trajetória é o ponto
zero, e as distâncias até t1 e t2 são, respectivamen- A velocidade de um corpo pode mudar. Se o
te, S1 e S2. A variação de espaço entre t1 e t2 é corpo está parado, por exemplo, e começa a se
igual a ΔS (ΔS = S2 – S1), que nesse caso é igual à movimentar, sua velocidade aumenta, e diz-se que
distância percorrida. ele acelerou. De modo contrário, se um automóvel
está se deslocando, e o motorista pisa no freio, sua
3. Velocidade média velocidade diminui, e diz-se que ele desacelerou.
Em Física, aceleração é definida como a taxa com
Enquanto o tempo vai passando, um corpo que a velocidade de um corpo varia. Na lingua-
pode se mover. Se passar “pouco tempo” para o gem matemática, a aceleração é expressa por:
corpo ir de um ponto a outro do espaço, significa
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Para iniciar, deve-se calcular a variação da


velocidade. Como o carro estava parado, sua ve-
locidade inicial era zero (vi = 0). Após os 20 s, sua
velocidade final era de 2 m/s (vf = 2 m/s). Então, sua
velocidade aumentou de 0 para 2 m/s, ou seja, ela
aumentou 2 m/s (Δv = 2 m/s). Como passaram 20 s
para que isso acontecesse, a aceleração pode ser
A aceleração de um corpo é medida, no Sis-
calculada da seguinte maneira:
tema Internacional de Unidades, em metros por
segundo a cada segundo (m/s2). Para um corpo
que se move no mesmo sentido da trajetória, se a
velocidade aumenta, a variação da velocidade
é positiva (∆v > 0) e sua aceleração também (a >
0). Nesse caso, o corpo acelerou, então tem-se um
LEIS DE NEWTON E SUAS APLICAÇÕES
movimento acelerado. Por outro lado, se a veloci-
dade do corpo diminui, a variação da velocidade
é negativa (∆v < 0), assim como sua aceleração (a 1. Explicando as causas dos movimentos
< 0). Neste caso, o corpo desacelerou, então tem-
-se um movimento retardado. Durante muito tempo a humanidade se per-
guntou por que determinados objetos se movimen-
#FICADICA tavam. A experiência diária mostrou que, para des-
locar um objeto que estivesse parado, era necessá-
O símbolo “>” indica que o número rio aplicar uma força sobre ele. Por isso, chegou- -se
ou algarismo à esquerda do símbolo é à conclusão de que, para manter um movimento,
maior que o da direita. também seria necessária a ação de uma força.
O símbolo “<” indica que o número Mas, durante o período conhecido como Renas-
ou algarismo à esquerda do símbolo é cimento (séculos XIV-XVI), o físico italiano Galileu
menor que o da direita. Galilei modificou a pergunta inicial e passou a se
Ou seja, a > b lê-se: “a é maior que questionar: Por que os corpos em movimento pa-
b”; a < b lê-se: “a é menor que b” ram de se movimentar? O que é necessário fazer
para que um corpo em movimento pare? Galileu
A palavra “aceleração” pode ter diferentes sig- realizou então uma série de experimentos com um
nificados, dependendo do contexto, mas sempre plano inclinado e uma bola.
6 se refere à mudança na velocidade ou na taxa de
variação de algum processo.
Por exemplo, é comum que jornais falem em
“aceleração da economia”, com o sentido de au-
mento do ritmo do crescimento econômico; ou em
“aceleração da aprendizagem”, o que significa di-
minuir o tempo necessário para aprender alguma
coisa. Também é possível falar em “aceleração do
processo de fabricação de um produto”, ou seja,
diminuir o tempo em que um bem é produzido, ele-
vando, assim, a produtividade e o lucro da empresa.

6. Como calcular a aceleração

Suponha que você está com um grupo de


amigos empurrando um carro, que está parado e
com a bateria descarregada. Vocês tentam fazer
Ele percebeu que, quando soltava a bola do
o automóvel “pegar no tranco”. Após empurrarem
alto do plano inclinado, ela descia e, após atingir o
o carro por 20 s, ele atinge uma velocidade de 2
plano horizontal, deslocava-se por mais um trecho
m/s e, com o “tranco”, começa a funcionar. Qual
e depois parava. Em seguida, ele poliu a bola e o
era a aceleração do carro enquanto estava sendo
plano e percebeu que a bola ia mais longe.
empurrado?
Depois, lubrificou ambos e se deu conta de
que, quanto menor fosse o atrito entre a bola e o
plano, mais longe ela iria. Então, concluiu que, se
não houvesse atrito entre a bola e o plano, ela ro-
laria infinitamente, sem parar; ou seja, era a força
de atrito, contrária ao movimento, que fazia a bola
parar.
Com base nessa e em outras ideias do séc. XVII,
o físico Isaac Newton formulou uma teoria, que aju-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

dou a humanidade a explicar uma série de fenômenos conhecidos naquela época, mas que não tinham
ainda uma explicação física, baseada em observações, experimentos e novas hipóteses.
Essa teoria, conhecida como mecânica de Newton, ou mecânica clássica, está estruturada sobre três
leis, chamadas leis de Newton, em homenagem a esse cientista inglês.

2. 1ª lei de Newton – Princípio da inércia

A primeira lei de Newton, também conhecida como princípio da inércia, afirma que se nenhuma for-
ça agir sobre um corpo, ou se a soma das forças que agirem sobre ele (chamada de força resultante) for
nula (igual a zero), então ele não muda de velocidade, ou seja, permanece com sua velocidade vetorial
constante. Em outras palavras, para que a velocidade de um corpo seja alterada, e, consequentemente,
o movimento, é necessário que alguma força atue sobre ele.
Visualização da força resultante e suas consequências Chama-se de força resultante a soma de todas
as forças que atuam em um corpo.

No caso representado na figura, como as forças aplicadas pelas pessoas na corda têm a mesma dire-
ção (horizontal), mas sentidos opostos (a força de 80 N tem sentido da direita para a esquerda e a de 100 N, 7
da esquerda para a direita), a força resultante é de 20 N, na direção horizontal e com sentido para a direita.
Note que, se as duas forças tivessem a mesma intensidade, a força resultante entre elas seria nula e,
consequentemente, nada se moveria.
A tendência que um corpo tem de manter sua velocidade é chamada de inércia. Por isso, uma pessoa
que se mexe pouco ou que tem pouca iniciativa é chamada de inerte.

Essa propriedade da matéria pode ser observada em várias atividades cotidianas. Ela explica por que,
por exemplo, quando se está parado no interior de um ônibus e ele começa a se movimentar, se tem a
sensação de estar sendo jogado para trás, ou, quando um veículo está andando e para repentinamente,
se tem a sensação de ser lançado para frente, ou mesmo quando o automóvel em que se viaja faz uma
curva, e você pode sentir que está sendo lançado para fora dele.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Por isso é muito importante o uso do cinto de se-


gurança. Ele evita que seu corpo continue em mo-
vimento, para frente ou para o lado, e que você se
machuque, caso o veículo faça movimentos muito
bruscos.

2. 2ª lei de Newton

Você viu na 1a lei de Newton o que acontece


quando a força resultante sobre um corpo é nula.
Mas o que acontece, então, quando a força resul-
tante não é nula, ou seja, o que acontece quando
há uma força resultante aplicada em um corpo?
Se não há força resultante agindo em um cor-
po, sua velocidade permanece constante; portan-
to, quando houver uma força resultante, sua velo-
cidade vai variar.
É isso o que afirma a 2ª lei de Newton. Mais do
que isso, ela diz o quanto a velocidade vai variar.
Imagine duas caixas de mesmo tamanho.
Uma delas está vazia e a outra cheia de tijo-
los. Sendo assim, a caixa vazia está muito mais leve Se duas pessoas empurram um bloco de 100
do que a outra. Qual delas será mais fácil de mo- kg sobre uma superfície com atrito desprezível na
vimentar? O que a 2a lei de Newton afirma é que mesma direção, mas em sentidos opostos, com a
a mudança na velocidade de um corpo depende da direita atuando com uma força de 70 N, e a
de sua massa. da esquerda, com uma força de 50 N, qual será a
Quanto maior a massa, maior a sua inércia, ou aceleração adquirida pelo bloco?
seja, maior será a dificuldade de modificar a veloci-
dade do corpo. Sendo assim, é mais fácil movimen-
tar a caixa vazia do que a caixa cheia de tijolos,
não é mesmo? Em linguagem matemática, diz-se
que a mudança na velocidade é inversamente
8 proporcional à massa do corpo.
Para uma força de mesma intensidade, quanto
maior a massa, menor será a variação da velocida-
de. Como a grandeza física que mede a variação
da velocidade é a aceleração, pode-se escrever
que:

Note que, nesse caso, as forças têm sentido


contrário; então a força resultante sobre o bloco
será de 70 – 50 = 20 N, para a esquerda, já que a
pessoa da direita está aplicando mais força. Por-
tanto, de acordo com a 2ª lei de Newton, tem-se
que:

Sabendo que a variação da velocidade dividi-


da pela variação do tempo é igual à aceleração
do corpo é possível escrever a 2ª lei de
Porém, se os dois empurrarem na mesma dire-
Newton, em sua formulação matemática, desta ção e sentido, com as mesmas forças citadas ante-
maneira: riormente, a resultante será 70 + 50 = 120 N, e calcu-
la-se a aceleração:

Por exemplo, se uma força resultante de 400 N


for aplicada em um carro de 1.000 kg, ele vai ad-
quirir qual aceleração? Utilizando a 2ª lei de New-
ton, tem-se:
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Essa força equivale a colocar um bloco com


pouco mais de 1 tonelada (t) sobre essa pessoa.

3. 3ª lei de Newton – Princípio da ação e reação

Você já percebeu que para subir uma escada


você faz força para baixo com as pernas? Que
para fazer exercícios em uma barra você “puxa a
barra para baixo”, mas acaba subindo? E que, ao
andar para frente, você faz força com os pés para
trás, como se estivesse empurrando o chão?
Essas situações parecem contraditórias, pois, ao
fazer força em um sentido, desloca-se para o senti-
do oposto. Como é possível explicar isso?
A resposta para essa questão é dada a par-
Outro exemplo que se pode analisar é o de um tir da 3ª lei de Newton, que afirma que as forças
carro se movimentando a 100 km/h, quando coli- sempre aparecem aos pares. Ela estabelece que a
de contra um muro. Qual é a força que atua sobre toda ação corresponde uma reação. Essa reação
uma pessoa de 80 kg que estiver em seu interior? possui a mesma intensidade e direção, mas sentido
contrário. Ou seja, se um corpo A aplica uma força
sobre um corpo B, então o corpo B também apli-
ca uma força no corpo A, de mesma intensidade,
mesma direção, mas em sentido contrário.

A situação é a seguinte: esse carro, que esta- Observe o exemplo a seguir, no qual uma bola
va em movimento, parou subitamente. Ele foi de bate na parede. Note que as forças de ação e rea-
100 km/h a 0 km/h em aproximadamente 0,2 s. Ini- ção possuem as seguintes características:
cialmente, é preciso transformar a unidade da ve-
locidade de km/h para m/s: 100 km equivalem a
100.000 m, e 1 h equivale a 3.600 s. Então:

Ou seja, o carro vai de 28 m/s a 0 m/s (Δv = 28


m/s) em 0,2 s. Portanto, sua aceleração é de:

Como a massa da pessoa é de 80 kg, a força


aplicada pelo carro nela, durante a colisão, é de:
• têm a mesma intensidade (a força que a bola
aplica na parede tem o mesmo valor da força
que a parede aplica na bola);
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

• têm a mesma direção (as duas forças são ho- da Terra.


rizontais);
• têm sentidos opostos (a bola “empurra” a pa-
rede para a esquerda e a parede “empurra” a
bola para a direita).

Um par de forças de ação e reação nunca se


equilibra (nunca se anula), pois as forças de ação
e reação estão aplicadas em corpos diferentes. No
caso acima, a bola exerce uma força na parede
e a parede faz força na bola. Utilizando a 2a lei de
Newton, é possível perceber que, como a massa
da bola é bem menor do que a da parede, a maior
variação de velocidade acontece na bola, que
Assim, ele pôde concluir que o mesmo aconte-
acaba voltando, enquanto a parede praticamen-
cia com a Lua. Ao mesmo tempo em que ela caía
te não se move.
em direção à Terra, ela andava para o lado, de
A mesma coisa acontece quando uma pessoa
tal maneira que nunca encontraria o solo terrestre,
anda. Sua ação é a de empurrar o chão para trás,
ou seja, ela não colidiria com a Terra porque tinha
então o chão reage e a empurra para frente. Em-
movimento lateral.
bora a força aplicada no chão seja exatamente
Se ela parasse de girar em torno do nosso pla-
a mesma que o chão aplica nos pés, a resultante
neta, a Lua cairia no solo terrestre como uma pedra
não é nula, pois, conforme foi dito anteriormente,
qualquer abandonada no alto de um precipício.
não se podem somar forças que estão atuando em
Newton então analisou o movimento dos planetas
corpos diferentes. Uma pessoa aplica uma força no
e satélites, e observou que todos eles se moviam
chão (ação da pessoa no solo) e o chão aplica
em torno de um corpo central (os satélites em tor-
uma força nela (reação do solo sobre a pessoa).
no do planeta e os planetas em torno do Sol), con-
Como a massa do chão, ou seja, da Terra, é mui-
cluindo que todos deviam se atrair com uma força
to maior do que a de uma pessoa, ele permanece
chamada força gravitacional, que dependia:
praticamente com a mesma velocidade (parado),
enquanto a pessoa vai para frente.
• diretamente da massa dos corpos envolvidos:
4. Lei da gravitação de Newton quanto maior a massa deles, maior seria a for-
10 ça de atração; e
Newton sabia que um corpo jogado para cima • inversamente da distância: quanto mais afas-
subia durante certo tempo e depois caía. Se ele tados estivessem os corpos, menor seria a in-
fosse lançado para cima e para frente, como uma tensidade dessa força.
bala de canhão, além de subir, ele iria para frente,
descrevendo uma trajetória parabólica. Percebeu,
então, que a bala caía na Terra como se estivesse
sendo atraída para ela por uma força.

Utilizando os dados disponíveis, ele percebeu


que a relação com a distância é quadrática, ou
Imaginou, portanto, um experimento no qual seja, a força gravitacional varia com o inverso do
atirava a bala do canhão com velocidades cada quadrado da distância entre os corpos envolvidos.
vez maiores. Como a bala era atraída pela Terra Essa força atua sobre todos os corpos que têm mas-
para baixo, ela acabava caindo, porém, cada vez sa, sejam eles celestes ou terrestres. Em linguagem
mais longe. matemática, pode-se escrever que:
Newton avaliou que, se a bala fosse lançada
cada vez com mais força, cairia cada vez mais lon-
ge, e que, se ela fosse lançada com certa veloci-
dade, seria atraída pela Terra e “cairia” em direção
ao solo, mas nunca chegaria nele, como se ficasse
caindo para sempre, sem alcançar o chão. Dessa
forma, a bala ficaria girando, em órbita, em volta
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Isso explica por que, quando o planeta está bre a superfície da Terra de acordo com a ação
mais próximo do Sol, essa força aumenta e ele da força gravitacional tanto da Lua quanto do Sol,
passa a se deslocar mais rápido enquanto esse au- além da gravitação terrestre. A força gravitacional
mento de aceleração agir sobre ele. “puxa” a água que se concentra na direção do
Da mesma forma, quando o planeta está mais Sol e da Lua. Quando eles estão alinhados, acon-
longe, ele se move mais lentamente em torno do tecem as marés altas mais altas (chamadas maré
Sol. Isso explica a 2ª e a 3ª leis de Kepler1 e por que de sizígia) e, quando estão em quadratura, ou seja,
os planetas mais distantes como Marte, Júpiter e Sa- formando um ângulo de 90º (com a Terra como
turno têm períodos de translação maiores do que a vértice), acontecem as marés altas menores.
Terra, mas Mercúrio e Vênus têm períodos menores.
Por meio da lei da gravidade, Newton conse-
guiu explicar como a Terra pode ser redonda e
estar em movimento e mesmo assim as pessoas,
em qualquer lugar, ainda estarem presas a ela e
não caírem: a força da gravidade entre a Terra e
as pessoas (e tudo o que está em sua superfície) é
suficientemente grande para mantê-las presas ao
solo.
A Terra exerce uma força sobre o que está em
sua volta, puxando tudo “para baixo”, ou melhor,
para o seu centro. Por isso, não faz sentido pensar
que estamos de cabeça para baixo em relação
aos moradores do Japão, por exemplo, pois, num
planeta redondo, todos estão “do lado de cima”
da Terra, relativamente ao centro do planeta.

11
A lei da gravitação universal de Newton per-
mitiu prever a existência de novos planetas no Sis-
tema Solar. Com o desenvolvimento de lunetas e
telescópios cada vez mais potentes, também foi
possível mapear suas trajetórias com mais precisão
e descobrir outro planeta, batizado de Urano. Po-
Isso também permite diferenciar os conceitos rém, Urano nunca era encontrado onde as leis de
de massa e peso. A massa é uma característica do Kepler previam, e alguns astrônomos começaram
corpo que tem um valor universal, ou seja, tem o a desconfiar da existência de outro planeta que,
mesmo valor em qualquer lugar do espaço. Mas o com sua força gravitacional, estaria modificando
peso não. O peso é uma força; é a força que a Ter- a trajetória de Urano. Utilizando as leis de Newton
ra aplica em um corpo que esteja suficientemente sobre gravitação, o astrônomo francês Le Verrier
próximo dela, ou seja, o peso é a força com que calculou onde deveria estar o astro que modifica-
um planeta (no caso, a Terra) puxa um corpo para va a trajetória de Urano, e outros astrônomos loca-
o seu centro. lizaram um novo planeta, Netuno, apontando seus
Portanto, embora a massa de uma pessoa qual- telescópios para o local indicado pelo cientista
quer não mude se ela circular em diferentes astros, francês.
seu peso pode se alterar. Na Lua, por exemplo, ela Com isso, as leis de Newton ganharam definiti-
será seis vezes mais leve, mas, em Júpiter, duas ve- vamente o status de teoria válida para explicar o
zes e meia mais pesada, embora sua massa não se movimento dos corpos. Com a evolução tecnoló-
altere. A força gravitacional, junto com a rotação gica, muitas novidades foram descobertas no céu.
da Terra, também ajuda a entender o fenômeno Atualmente, sabe-se que o Universo é muito
das marés. maior do que aquele conhecido pelos gregos, e
Como a água é fluida, ela pode se deslocar so- mesmo pela humanidade, até a época de Copér-
nico, Galileu, Kepler ou Newton. O modelo helio-
1  Concluiu que as órbitas não eram circulares como se cêntrico é válido para o Sistema Solar, ou seja, o Sol
pensava, mas sim elípticas (ovais). Além disso, concluiu que é uma estrela entre muitas outras e tem seu sistema
a velocidade orbital dos planetas não era constante e que planetário formado pelos planetas Mercúrio, Vê-
existia uma relação matemática entre a distância a que um nus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno,
planeta está do Sol e o período de translação dele.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

cada um com sua(s) lua(s), exceto por Mercúrio e Vênus, que não as têm.
Por sua vez, o Sol faz parte de um conjunto muito grande de estrelas que formam uma galáxia, chama-
da Via Láctea. Esta, por sua vez, é uma entre muitos bilhões de galáxias espalhadas pelo Universo, tudo isso
interligado por meio da força gravitacional.

12

FLUTUAÇÃO

Quando utensílios de cozinha são lavados na pia ou em uma bacia, pode-se perceber que algumas
peças afundam na água e que outras flutuam. Ainda que sejam feitos do mesmo material, garfos e facas
afundam, mas algumas tigelas de alumínio ou de plástico flutuam, se não estiverem cheias de água.

1. Densidade

Diz-se que o ferro é mais pesado que o isopor, mas essa afirmação não é realmente correta. Se houver,
por exemplo, 1 kg de ferro e 1 kg de isopor num mesmo local da Terra, pode-se verificar que os dois têm o
mesmo peso. O que nos dá a impressão de que o ferro é mais pesado do que o isopor é o fato de que o
volume de ferro necessário para obter 1 kg de massa é bem menor do que o volume necessário para obter
a mesma massa de isopor.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

A relação entre a massa e o volume de um cor- do). Essa unidade recebe o nome de pascal (Pa).
po é o que se chama densidade desse corpo. Na
linguagem matemática, pode-se escrever:

As unidades de densidade serão sempre unida-


des de massa divididas por unidades de volume.
No Sistema Internacional de Unidades (SI), utiliza-se
kg/m³. Para medir volume de sólidos, costuma-se 3. Peso de um corpo
utilizar g/cm³ e, para líquidos, g/mL.
Como visto, peso é uma força diferente da
2. Pressão nos sólidos grandeza massa. Sendo uma força, ele pode ser
calculado pela 2ª lei de Newton: o produto da
Por que um prego tem ponta? Por que uma massa pela sua aceleração (F = m x a).
faca, para cortar bem, precisa estar afiada? O Você viu também, que os corpos que caem
efeito de uma força aplicada num corpo depende livremente estão submetidos a uma aceleração,
da área na qual essa força está aplicada. Quan- no caso, a aceleração da gravidade terrestre, que
to menor for essa área, maior será o efeito da for- será representada pela letra g. Matematicamente,
ça. Por isso as facas são afiadas. A força aplicada tem-se:
numa faca afiada se distribui por uma área menor, P=mxg
multiplicando seu efeito. O mesmo acontece com Em que P é a força peso, m é a massa do cor-
um prego. Se ele não for pontudo, fica mais difícil po, e g é a aceleração da gravidade terrestre, que
pregá-lo numa parede, por exemplo. vale aproximadamente 10 m/s2.
É possível calcular a pressão que um tijolo co-
mum, de massa 1,5 kg, exerce sobre o solo quando 13
está apoiado em cada uma de suas faces. A força
que o tijolo vai aplicar na superfície, em qualquer
situação, é o seu peso. Então, a força peso, ou sim-
plesmente o peso do tijolo, é P = m x g. Sendo assim,
P 1 = x ,5 10 = 15 N.

A grandeza física que relaciona o efeito de Se o bloco estiver apoiado na base 1 (ver figu-
uma força com a superfície na qual ela é aplicada ra), a área será 0,21 x 0,05 = 0,0105 m2, e a pressão
chama-se pressão. Na linguagem matemática, po- será
de-se escrever:

Se o bloco estiver apoiado na base 2, a área


será 0,21 x 0,10 = 0,021 m2, e a pressão
No Sistema Internacional de Unidades, a unida-
de de pressão é N/m2 (newton por metro quadra-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Se o bloco estiver apoiado na base 3, a área


será 0,05 x 0,10 = 0,005 m2, e a pressão será

Por exemplo, a pressão exercida pela água,


cuja densidade é de 1.000 kg/m3, numa profundi-
No formalismo matemático, tem-se: dade de 1 m, será

Isso mostra que pontos que estão a uma mes-


ma profundidade apresentam a mesma pressão.
Por isso, a superfície de um líquido em repouso é
sempre horizontal: todos os pontos na superfície es-
4. Pressão nos líquidos ou pressão hidrostática tão sujeitos à mesma pressão. Isso explica também
o princípio dos vasos comunicantes: num conjunto
Observando a figura ao lado, é possível perce- de dois ou mais vasos abertos e interligados, de tal
ber que o filete de água que jorra pelo orifício mais modo que um líquido colocado num deles possa
baixo da garrafa vai mais longe do que aquele que fluir para os outros, sua altura fica igual em todos os
jorra do orifício mais alto. Isso acontece porque na recipientes, independentemente de suas formas ou
parte mais baixa da garrafa a pressão da água é tamanhos.
maior do que a pressão que a água exerce na par-
te mais alta. A pressão que um líquido exerce sobre
uma superfície em certa profundidade depende
de três fatores:

14

5. Prensa hidráulica

Uma aplicação importante da pressão hidros-


tática é a prensa hidráulica. O físico francês Blaise
Pascal verificou que, diferentemente do que ocorre
nos sólidos, nos líquidos a pressão se transmite in-
tegralmente em todas as direções. Isso quer dizer
que, ao se aplicar uma força na plataforma 1 (ver
a figura a seguir).

• da densidade d do líquido: quanto mais denso


o líquido, maior é a pressão que ele exerce;
• da profundidade h dessa superfície: quanto
maior a profundidade, maior a pressão;
• da aceleração da gravidade g: quanto maior
for a aceleração da gravidade, maior será a
pressão do líquido. Pode-se representar tudo
isso na linguagem matemática, escrevendo:

A pressão exercida será transmitida por com-


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pleto à plataforma 2, onde está o carro. Se a pla- xo. O empuxo E é uma força vertical para cima que
taforma 2 tiver, por exemplo, uma área 10 vezes se contrapõe ao peso de parte do corpo imerso no
maior do que a plataforma 1, então a força na pla- líquido, fazendo com que os objetos mergulhados
taforma 2 também será 10 vezes maior, para man- na água pareçam mais leves do que quando estão
ter a pressão do líquido constante, ou seja, uma fora dela.
prensa hidráulica funciona como um multiplicador A força de empuxo depende de três fatores:
de força.
Suponha, por exemplo, que o carro tenha mas- • da densidade d do líquido no qual o corpo
sa de 1 tonelada (t) e que a plataforma 2 tenha está mergulhado: quanto maior a densidade
área de 2 m2 , e que a plataforma 1 tenha área de do líquido, maior o empuxo;
4 cm2 . Qual será a força necessária para elevar • do volume V de líquido deslocado pelo cor-
o carro? Perceba que a força F1 precisa empurrar po imerso (que é igual ao volume da parte
para baixo um volume igual ao volume que é em- do corpo que está imerso no líquido): quanto
purrado para cima. maior o volume imerso no líquido, maior a for-
Inicialmente, acertam-se as unidades de área. ça de empuxo;
Lembre-se de que 1 m = 100 cm, então 4 cm2 = • da aceleração da gravidade g: quanto maior
0,0004 m2; 1 t equivale a 1.000 kg, cujo peso vale P a aceleração gravitacional, maior o empuxo.
= m . 1.000 . 10 = 10.000 N. Assim, como a pressão
nas duas plataformas é a mesma, pode-se escrever
que:

Ou seja, com uma força de 2 N, equivalente à


massa de 200 g, consegue-se levantar um carro de
massa 1 t.

6. Empuxo

Quando um corpo é mergulhado em um líqui- 15


do, ele passa a ocupar o espaço que era preenchi-
Na linguagem matemática, pode-se escrever que:
do pelo líquido, que, assim, é deslocado, dando a
impressão de que aumentou de volume ocupado
pelo líquido (veja a figura). Esse volume deslocado
corresponde ao volume do corpo que ficou imerso
no líquido.

O corpo vai receber do líquido uma pressão A força de empuxo é exercida por qualquer
maior na sua parte mais funda do que na sua parte fluido, não apenas pela água e outros líquidos,
mais próxima da superfície. Portanto, haverá uma mas também pelos gases, como o ar, por exem-
diferença. plo. A mesma força que sustenta um navio no
De pressão entre a parte mais baixa e a mais mar mantém um balão no ar, por exemplo.
alta do corpo imerso no líquido, fazendo com que
o líquido aplique no corpo uma força de baixo Um navio consegue flutuar, mesmo sendo
para cima. Essa força é chamada força de empu- muito mais pesado do que um prego, porque
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

é oco e seu volume é grande. Assim, o volume


de líquido deslocado por ele é muito grande,
o que gera uma grande força de empuxo, por
isso ele flutua. No caso do prego, que é maci-
ço, ele desloca pouca água quando submerso,
gerando pequeno empuxo, por isso ele afunda.

Essa distância do ponto de aplicação da força


em relação ao eixo de rotação é o que se cha-
ma de braço de rotação da força aplicada. Esse
efeito de rotação de uma força é medido por uma
grandeza chamada momento ou torque de uma
força, que pode ser calculado pela expressão ma-
temática:

16 O momento de uma força será medido em N .


m (newton vezes metro), em unidades do Sistema
Se o peso for maior do que o empuxo, o corpo Internacional. Assim, fica claro que, para uma mes-
afunda; se o empuxo for igual ao peso, o corpo flu- ma força aplicada, quanto maior o braço, maior
tua; e, se o empuxo for maior do que o peso, ele será o efeito de rotação dessa força.
lança o corpo para cima.
2. Alavancas
ROTAÇÃO
O mesmo princípio visto na troca de pneus
A rotação é um movimento muito presente em pode ser aplicado para entender o funcionamento
nosso cotidiano. Não apenas as rodas, mas portas, das alavancas.
braços e pernas, planetas e satélites também reali- Alavanca é um objeto rígido, geralmente uma
zam movimentos de rotação. barra de madeira ou metal, que pode girar em tor-
no de um ponto de apoio e que amplia o efeito de
1. Momento ou torque de uma força rotação de uma força, facilitando o deslocamento
de objetos. Tesouras, enxadas, alicates, abridores
Nossa experiência mostra que, para abrir uma de garrafa, nossos braços, pernas e pés são alguns
porta, é muito mais fácil aplicar a força longe de exemplos de alavancas com os quais estamos em
seu ponto de apoio, ou seja, longe das dobradiças. constante interação.
Isso ocorre porque o efeito de rotação de uma for-
ça depende, além da intensidade da força, da dis-
tância em que ela é aplicada em relação ao eixo
de rotação. Por isso, é mais fácil soltar um parafuso
com uma chave de cabo mais comprido (figura ao
lado) do que com uma chave de cabo curto.

Numa alavanca em equilíbrio, conforme a figu-


Ciências da Natureza e suas Tecnologias

ra acima, o momento (torque) gerado pelas forças


aplicadas em cada um dos seus lados tem de ser
o mesmo. Então, pode-se escrever na linguagem
matemática que:

Isso tudo pode ser escrito na linguagem mate-


mática como:
Assim, para mover uma enorme pedra, por
exemplo, utiliza-se uma alavanca, como mostra a
figura ao lado, e, com pouca força, é possível rea-
lizar essa tarefa. Suponha que a pedra tenha uma
massa de 500 kg, ou seja, seu peso é de 5.000 N. Se
o braço da força peso da pedra for de 30 cm e o
braço da força de ação que é feita para mover a No Sistema Internacional de Unidades (SI), a
pedra for de 1,5 m (ou seja, 150 cm), será aplicada unidade de trabalho é N . m (newton vezes me-
uma força de apenas 1.000 N, equivalente ao peso tro), que é chamada de joule (J). Por exemplo, o
de uma massa de 100 kg (e não 500 kg, que é a trabalho realizado por uma pessoa para elevar um
massa da pedra). pacote de 100 g (ou seja, 0,1 kg), cujo peso é de 1
N, do chão até uma altura de 1 m, corresponde a:

No conceito de trabalho, força e distância se


complementam. Ou seja, se for preciso levar uma
caixa pesada do solo até o primeiro andar, pode-
-se levá-la por uma escada, fazendo muita força
numa distância menor, ou por uma rampa, fazen-
do menos força, porém por uma distância maior.
17
2. Trabalho de uma força qualquer

Embora força e deslocamento possam se com-


TRABALHO DE UMA FORÇA pensar, o trabalho realizado por uma força mostra
que, para uma mesma força aplicada, quanto
1. Trabalho de uma força constante maior a distância na qual ela permanece agindo,
maior será a mudança na velocidade. Isso não é
Diferentemente dos outros animais, o ser huma- fácil de perceber apenas por meio das leis de Ne-
no busca adaptar a natureza aos seus interesses, wton.
em vez de apenas se adaptar a ela. A princípio, ele Contudo, nem sempre a força que é aplicada
usava a própria energia, geralmente trabalhando num corpo é constante. Nesse caso, o cálculo do
em grupos. Mais tarde, passou a utilizar a energia trabalho realizado pela força depende de uma
de animais domésticos, e até mesmo a forçar ou- análise de como essa força vai mudando com a
tros seres humanos ao trabalho escravo. distância. Essa variação pode ser ilustrada num
Nos séculos XVII e XVIII, a mão de obra escrava gráfico que representa a variação da força com
e artesanal foi dando lugar ao trabalho assalariado a distância.
e ao uso de máquinas. No gráfico 1, pode-se ver como varia a força
Nessa mesma época, o conceito de trabalho realizada por um elástico à medida que se tenta
de uma força foi definido, até porque o trabalho esticá-lo. Quanto mais se puxa o elástico, mais for-
realizado pelas pessoas passou a ser comprado e, ça contrária ao “puxão” ele exerce, ou seja, essa
por isso, surgiu a necessidade de ser medido. Diz-se força aplicada pelo elástico, conhecida como
que uma força realiza trabalho quando o resultado força elástica, é proporcional a quanto ele estica,
de sua aplicação é o deslocamento de um objeto. como se observa no gráfico 2. Para calcular o tra-
O trabalho realizado por uma força paralela ao balho realizado por essa força elástica, basta cal-
deslocamento depende, então, do valor da força cular a área subentendida entre a linha do gráfico
e também do deslocamento que ela foi capaz de e o eixo x.
produzir. Quanto maior a força, maior será o traba-
lho, e, quanto maior for o deslocamento gerado
pela aplicação dessa força, maior também terá
sido o trabalho realizado pela força.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

a) massa.
b) volume.
c) superfície.
d) capacidade.
e) comprimento.
Enem 2010. Prova azul.

3. O gráfico ao lado modela a distância


percorrida, em km, por uma pessoa em certo
período de tempo. A escala de tempo a ser
1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
adotada para o eixo das abscissas depende
da maneira como essa pessoa se desloca. Qual
1. O ser humano, desde sua origem, em
é a opção que apresenta a melhor associação
sua existência cotidiana, faz afirmações, nega,
entre meio ou forma de locomoção e unidade
deseja, recusa e aprova coisas e pessoas, ela-
de tempo, quando são percorridos 10 km?
borando juízos de fato e de valor por meio dos
quais procura orientar seu comportamento teó-
rico e prático. Entretanto, houve um momento
em sua evolução histórico-social em que o ser
humano começa a conferir um caráter filosófi-
co às suas indagações e perplexidades, ques-
tionando racionalmente suas crenças, valores e
escolhas. Nesse sentido, pode- -se afirmar que
a filosofia
a) é algo inerente ao ser humano desde
sua origem e que, por meio da elaboração
a) Carroça – semana.
dos sentimentos, das percepções e dos anseios
b) Carro – dia.
humanos, procura consolidar nossas crenças e
c) Caminhada – hora.
opiniões.
d) Bicicleta – minuto.
b) existe desde que existe o ser humano,
e) Avião – segundo.
não havendo um local ou uma época espe-
Enem 2008. Prova amarela
cífica para seu nascimento, o que nos autoriza
18 a afirmar que mesmo a mentalidade mítica é
4. No estudo das leis do movimento, ao ten-
também filosófica e exige o trabalho da razão.
tar identificar pares de ação-reação, são feitas
c) inicia sua investigação quando aceita-
as seguintes afirmações.
mos os dogmas e as certezas cotidianas que
I. Ação: A Terra atrai a Lua. Reação: A Lua
nos são impostos pela tradição e pela socieda-
atrai a Terra.
de, visando educar o ser humano como cida-
II. Ação: O pulso do boxeador golpeia o ad-
dão.
versário. Reação: O adversário cai.
d) surge quando o ser humano começa a
III. Ação: O pé chuta a bola. Reação: A bola
exigir provas e justificações racionais que vali-
adquire velocidade.
dam ou invalidam suas crenças, seus valores e
IV. Ação: Sentados numa cadeira, empurra-
suas práticas, em detrimento da verdade reve-
mos o assento para baixo. Reação: O assento
lada pela codificação mítica.
nos empurra para cima.
Universidade Estadual de Goiás (UEG), 2013.
O princípio da ação-reação é corretamen-
te aplicado:
2. A siderúrgica “Metal Nobre” produz diver-
a) somente na afirmativa I.
sos objetos maciços utilizando o ferro. Um tipo
b) somente na afirmativa II.
especial de peça feita nessa companhia tem o
c) somente nas afirmativas I, II e III.
formato de um paralelepípedo retangular, de
d) somente nas afirmativas I e IV.
acordo com as dimensões indicadas na figura
e) nas afirmativas I, II, III e IV.
que segue. O produto das três dimensões indi-
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
cadas na peça resultaria na medida da gran-
Sul (PUC-RS), 2001
deza
5. Em uma passagem do poema Os lusíadas
(canto X, 89) de Luís de Camões (1525-1580),
brilharam os astros. Um belo exemplo da influên-
cia do pensamento científico nas artes. O Sol é
descrito poeticamente como O claro olho do
céu e a Lua, no verso final da estrofe, aparece
sob a denominação de Diana:
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Debaixo deste grande firmamento,


Vês o céu de Saturno, deus antigo;
Júpiter logo faz o movimento,
E Marte abaixo, bélico inimigo;
O claro olho do céu, no quarto assento,
E Vênus, que os amores trazem consigo;
Mercúrio, de eloquência soberana;
Com três rostos, debaixo vai Diana.

Nesta bela e curiosa estrofe, os astros apa-


recem em versos sucessivos. Essa passagem re-
vela que:
a) Camões admitia a concepção prevale-
cente em sua época, segundo a qual a Terra
era fixa e ocupava o centro do Universo.
b) Camões se mostra afinado ao pensamen-
to de Kepler, já descrevendo qualitativamente a) h1.
o sistema de acordo com as leis de Kepler. b) h2.
c) A concepção admitida por Camões en- c) h3.
contra-se de pleno acordo com uma análise d) h4.
qualitativa da lei da gravitação universal de e) h5.
Newton. Enem 2012. Prova azul.
d) Essa descrição de Camões concorda
com a visão de Galileu de que a Terra estaria 8. Um portão está fixo em um muro por duas
em movimento. e) Camões provou através des- dobradiças A e B, conforme mostra a figura,
ses versos a teoria da relatividade. sendo P o peso do portão.
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), 2009.

6. Considere o arranjo da figura, onde um


líquido está confinado na região delimitada pe-
los êmbolos A e B, de áreas a = 80 cm2 e b = 20
cm2, respectivamente. O sistema está em equilí- 19
brio. Despreze os pesos dos êmbolos e os atritos.
Se mA = 4,0 kg, qual o valor de mB?

Caso um garoto se dependure no portão


pela extremidade livre, e supondo que as rea-
ções máximas suportadas pelas dobradiças se-
jam iguais,
a) é mais provável que a dobradiça A arre-
bente primeiro que a B.
a) 4 kg. b) é mais provável que a dobradiça B arre-
b) 16 kg. bente primeiro que a A.
c) 1 kg. c) seguramente as dobradiças A e B arre-
d) 8 kg. bentarão simultaneamente.
e) 2 kg. d) nenhuma delas sofrerá qualquer esforço.
Fuvest 2018.
e) o portão quebraria ao meio, ou nada so-
freria.
7. O manual que acompanha uma ducha Enem 1998. Prova amarela.
higiênica informa que a pressão mínima da
água para o seu funcionamento apropriado é 8. Trabalho resistente
de 20 kPa. A figura mostra a instalação hidráuli- Um carro se desloca numa rua, quando seu
ca com a caixa d’água e o cano ao qual deve motorista avista o farol. Ele aciona os freios, im-
ser conectada a ducha. primindo uma força de 2.000 N para parar os
O valor da pressão da água na ducha está pneus. O gráfico abaixo mostra como varia a
associado à altura força aplicada pelo sistema de freios nos pneus.
Qual foi o trabalho realizado pelos freios até o
carro parar?
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

dade de tempo. Assim, uma pessoa caminharia


10 km em 2 h, ou seja, a uma velocidade de 5
km/h.
Sabe-se que esta é mesmo a velocidade
média de uma pessoa caminhando. Logo, esta
é a resposta correta.
• A alternativa d sugere o minuto como uni-
dade de tempo. Assim, a bicicleta andaria
10 km em 2 min, ou seja, a uma velocidade
de 5 km/min, ou 300 km/h, que se sabe ser
muito alta para esse tipo de veículo.
• A alternativa e sugere como unidade de
tempo o segundo. Assim, o avião percorre-
ria 10 km em 2 s, ou seja, a velocidade do
avião seria de 5 km/s.
DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
RESULTADOS Sabe-se que um avião pode viajar a cerca
de 400 km/h, que seria, fazendo a transforma-
Confira aqui os seus resultados! ção de hora para segundo, 0,11 km/s – bem
menor que os 5 km/s sugeridos pela alternativa.
1. Alternativa correta: d.
O surgimento da filosofia está ligado ao 4. Alternativa correta: d.
abandono das explicações míticas e à raciona- As alternativas I e IV estão corretas. Para
lização da realidade observada. que as alternativas II e III ficassem corretas, de
acordo com as leis de Newton, elas deveriam
2. Alternativa correta: b. estar da seguinte forma:
Nessa questão, é preciso saber diferenciar II. Ação: o pulso do boxeador aplica uma
os conceitos de massa, volume, comprimento força no adversário. Reação: o adversário apli-
e capacidade. ca uma força no pulso do boxeador.
III. Ação: o pé aplica uma força na bola.
• Massa é uma medida da quantidade de Reação: a bola aplica uma força no pé.
20 matéria contida em um objeto ou corpo.
• Comprimento é a distância entre dois pon- 5. Alternativa correta: a.
tos. Pode-se perceber pela ordem dos astros
• Capacidade é quanto cabe em determi- que se trata de um sistema geocêntrico, pois
nado espaço. coloca Saturno mais longe, depois, pela ordem:
• Volume é o espaço que um corpo ocupa. Júpiter, Marte, o Sol (“O claro olho do céu”), Vê-
Esse espaço é expresso em unidades cúbi- nus e Mercúrio e a Lua (Diana).
cas de medida, e envolve sempre, portan-
to, três dimensões. 6.
1. Alternativa correta: c.
O produto proposto pela questão é expres-
so em metros cúbicos, indicando, claramente,
que se trata de volume (no caso, comprimento
× largura × profundidade).
2. Alternativa correta: c.
3. Alternativa correta: c. A diferença de pressão se deve à diferença
Acompanhe a análise das alternativas: de altura entre o nível da água na caixa e o de
saída do cano, que corresponde a h3.
• A alternativa a sugere a semana como uni-
dade de tempo. Assim, a carroça andaria 7. Alternativa correta: a.
Como o portão tende a girar rumo ao solo,
a uma velocidade de 10 km por semana,
ele puxa a dobradiça A e comprime a dobradi-
que é muito baixa, mesmo para esse tipo
ça B. Como as peças resistem mais à compres-
de veículo.
são do que à tração, é mais provável que a do-
• A alternativa b sugere o dia como unidade bradiça A se rompa.
de tempo. Assim, o carro andaria 10 km em Uma explicação possível para saber qual
um pouco mais de 2 dias, ou seja, a uma dobradiça quebra primeiro: se o garoto se de-
velocidade aproximada de 5 km/dia, que, pendurar na extremidade livre, o portão tende-
como se sabe, é irreal. rá a girar no sentido horário, “puxando” primeiro
• A alternativa c sugere a hora como uni- a dobradiça A. A dobradiça B só seria puxada
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

2. O acesso à energia
se a A já não estivesse lá, ou seja, nesse caso,
para a dobradiça B ser puxada (ou forçada), a Todo ser vivo precisa de energia para realizar
dobradiça A teria que estar quebrada. atividades essenciais para sua sobrevivência, como
respiração, movimento, metabolismo, digestão
8. Trabalho resistente etc., pois todas elas consomem energia. Por isso,
Basta calcular a área do gráfico, conforme é preciso se alimentar (os alimentos são o “com-
ilustrado, que resulta em 5.000 J. bustível” do corpo). Quando falta alimento, falta
energia, e, se isso acontecer por muito tempo, o
corpo acaba sucumbindo. Além disso, o ser huma-
no consome energia para melhorar sua qualidade
de vida em hospitais, transporte, meios de comu-
nicação (como computadores e TVs), iluminação,
aquecimento etc. Em sua opinião, todos têm aces-
so à energia no Brasil? O decreto no 7.520, de 8 de
julho de 2011, estabelece, em seu artigo 1o , que:
Fica instituído o Programa Nacional de Univer-
salização do Acesso e Uso da Energia Elétrica – ‘LUZ
PARA TODOS’, para o período de 2011 a 2014, des-
tinado a propiciar o atendimento em energia elétri-
ca à parcela da população do meio rural que não
possui acesso a esse serviço público. Você acha
ENERGIA MECÂNICA que o Estado está cumprindo sua função, como
determina o decreto? Em sua opinião, o que po-
Para se manter vivo, respirar, movimentar-se, deria ser feito para ampliar o acesso da população
ler este texto, pensar e fazer todas as demais ati- brasileira aos benefícios trazidos pela energia elé-
vidades do seu dia a dia, você utiliza energia. Essa trica?
energia é obtida dos alimentos e pode ser usada
de várias formas, dependendo daquilo que se de- 3. Transformação e conservação de energia
seja realizar. Neste tema, você vai estudar o con-
ceito de energia e algumas de suas formas, além A energia não pode ser criada nem destruída,
de analisar como essas diferentes formas podem ou seja, ela se conserva e pode apenas ser transfor-
ser transformadas entre si. mada de uma forma em outra. 21
Por isso, sempre que uma forma de energia é
1. O conceito de energia utilizada para realizar algum trabalho ou qualquer
atividade, pode-se questionar: de onde veio essa
No senso comum, energia pode ter vários signi- energia? Aqui na Terra, praticamente toda energia
ficados, inclusive místicos, como energia negativa, utilizada vem do Sol, sendo a energia nuclear uma
energia dos minerais, energia dos chacras, energia das exceções. O Sol emite uma grande quantida-
vital etc. A ciência associa energia à capacidade de de energia, que atravessa o espaço. Uma parte
que um corpo ou sistema tem de realizar algum dela incide sobre a Terra, sendo nossa fonte primá-
trabalho ou transformar a matéria. Energia é uma ria de energia, que ilumina o planeta, aquece a at-
grandeza física que todo corpo ou sistema material mosfera e viabiliza a vida.
possui. Esse aquecimento também gera os ventos e ali-
Ela pode mudar de forma, ser transmitida e menta o ciclo da água e do carbono, entre outros.
atuar sobre outros sistemas ou corpos, gerando ne- A energia que vem do Sol é absorvida pelas plan-
les processos de transformação. Um aparelho que tas, que realizam fotossíntese, transformando essa
pode ilustrar isso é o ventilador. Quando é ligado, energia solar em energia química. Essa energia quí-
ele transforma a energia elétrica, que recebe da mica é armazenada nas ligações entre as molécu-
tomada, em energia mecânica, que faz as pás da las que as constituem. Essas plantas, por sua vez,
hélice girarem, produzindo o vento. Outro exemplo servem de fonte de energia para outros seres vivos.
é o secador de cabelos: uma parte da energia elé-
trica que chega às casas, por meio dos fios da rede
elétrica, faz aquecer o ar, e outra parte faz as pás
do secador girarem, produzindo o vento.
O vento aquecido gerado pelo secador faz os
cabelos secarem mais rapidamente. A unidade uti-
lizada para medir energia no Sistema Internacional
de Unidades (SI) é o joule ( J), mas também é co-
mum se utilizar o quilowatt-hora (kWh) para medir
energia elétrica; e a caloria (cal), principalmente
para medir energia térmica.
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4. Absorção e reflexão da energia solar que chega à Terra

Por esse motivo, os alimentos podem ser considerados “combustíveis” para os seres vivos. Quando co-
memos, ingerimos esses alimentos e transformamos a energia química armazenada neles em calor, para
regular a temperatura do corpo, e em energia mecânica, que nos permite realizar movimentos voluntários
e involuntários, como andar, manter o sangue circulando, digerir, respirar, ver, ouvir, piscar etc. Se não con-
seguimos consumir toda a energia que ingerimos, começamos a armazenar o que sobrou principalmente
na forma de gorduras, cujo excesso pode fazer mal à saúde.
Outros combustíveis, extraídos da biomassa fóssil ou atual, como o petróleo e seus derivados, o álcool, o
22 biodiesel, entre outros, também têm como fonte a energia que vem do Sol, armazenada nas ligações quí-
micas que se estabelecem entre suas moléculas. Quando o motor de um carro é acionado, por exemplo,
ele transforma a energia química do combustível em energia térmica, que esquenta o motor, e em energia
mecânica, que faz as rodas girarem, movimentando o carro. Pilhas e baterias são objetos que armazenam
energia química e a convertem em energia elétrica.
Se as pilhas estiverem em uma lanterna, por exemplo, essa energia elétrica será transformada em ener-
gia luminosa por meio de uma lâmpada. Já uma célula fotoelétrica (por exemplo, um painel solar) faz a
transformação contrária, convertendo a luz solar em energia elétrica, que depois pode ser transformada
e armazenada em energia química por meio de um carregador de baterias. Dizer que uma pilha descar-
regou significa dizer que ela simplesmente não consegue mais transformar a energia química que estava
nela armazenada em outras formas de energia, como energia elétrica, mecânica ou térmica. Por isso,
sempre que observar algo acontecendo, você pode se questionar: de onde vem a energia para que isso
aconteça?
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5. Energia mecânica: cinética + potencial ENERGIA POTENCIAL GRAVITACIONAL

A energia mecânica é uma das formas de ener- Um objeto abandonado em um ponto mais ele-
gia mais conhecidas e utilizadas pela humanidade. vado em relação a outro ponto cai, porque o pla-
Essa forma de energia está associada ao movi- neta Terra o atrai com uma força chamada de for-
mento ou à possibilidade de produzir algum tipo de ça gravitacional. Por causa da força gravitacional,
movimento. Quando a energia está armazenada a velocidade dos corpos em queda aumenta com
ou acumulada para ser utilizada, como em uma re- aceleração constante (igual ao valor da acelera-
presa ou numa bateria, ela é chamada de energia ção da gravidade da Terra, desprezando-se a resis-
potencial. Quando ela está movimentando algo, é tência do ar). Sendo assim, um objeto, mesmo que
chamada de energia cinética. Em outras palavras, esteja parado, mas a certa distância do solo (ou
a energia cinética está associada ao movimento, nível de referência), tem energia potencial, pois, se
enquanto a energia potencial está associada à ele for solto, entrará em movimento. A energia que
possibilidade de gerar ou modificar um movimento. um corpo tem por estar a certa distância em rela-
ção ao nível de referência é chamada de energia
ENERGIA CINÉTICA potencial gravitacional.

A energia é necessária tanto para iniciar como 1. Grandezas que influem na energia potencial
para manter um movimento. A energia que um gravitacional
corpo possui quando está em movimento é cha-
mada de energia cinética. As principais grandezas A energia potencial gravitacional depende de
que caracterizam a facilidade ou a dificuldade de três fatores (observe a figura ao lado):
um corpo para se movimentar são sua massa e sua
velocidade. Por isso, a energia cinética (Ec) de um • da massa (m) do corpo: quanto maior a mas-
corpo em movimento depende destes dois fatores: sa, maior a energia armazenada por ele;
• da altura (h) do objeto em relação ao solo:
• a massa (m) do corpo; quanto mais alto, maior a energia armazena-
• a velocidade (v) do corpo. da;
• da aceleração da gravidade (g): quanto
Pode-se sintetizar isso na equação: maior a gravidade, mais energia o corpo ar-
mazena.
23

Assim, se um carro de massa 800 kg se movi-


menta com velocidade de 72 km/h (20 m/s), sua
energia cinética (Ec) será de 800.

A representação da energia potencial gravita-


cional é dada pela seguinte equação:
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Quando um corpo está acima do nível de re- ENERGIA POTENCIAL ELÁSTICA


ferência, ele tem energia potencial positiva em
relação a esse nível, mas, se estiver abaixo, terá Outra forma de armazenar energia é utilizar
energia potencial negativa, sendo a referência de objetos flexíveis ou elásticos. Os estilingues usados
escolha livre em cada caso. pelas crianças para lançar objetos têm uma tira de
Para subir com uma caixa em uma escada será borracha, que é um material elástico. Para usá-lo,
necessário que alguém realize um trabalho motor basta colocar um objeto junto à tira de borracha
para a caixa ganhar energia potencial, mas, para e esticá-la, fazendo-a armazenar energia. A essa
descer com esta caixa, será necessário que al- energia armazenada na tira de borracha dá-se o
guém realize um trabalho resistente, para a energia nome de energia potencial elástica. Quando for
gravitacional da caixa diminuir, conforme a caixa solta, antes de retornar ao seu tamanho original, a
desce, mas sem acelerar. A força peso “ajuda” a borracha transfere essa energia potencial elástica
caixa a descer (a força peso realiza trabalho mo- para o objeto (uma pedra, por exemplo) sob a for-
tor na descida), enquanto na subida ela “freia” a ma de energia cinética. Outros sistemas que tam-
caixa (a força peso realiza trabalho resistente na bém podem armazenar energia potencial elástica
subida). são os arcos, as camas elásticas, os colchões em
geral etc.
Exemplo 1:
Uma bola de futebol, cuja massa é de 450 g
(0,450 kg), é chutada para o alto, como mostra a
figura.

CONSERVAÇÃO DA ENERGIA MECÂNICA


24
1. Energia mecânica e sua conservação

Quando um corpo está num local mais alto do


a) Qual é a energia potencial gravitacional da que outro, ele possui energia potencial gravita-
bola nas alturas indicadas em relação ao solo? cional. Essa energia pode ser utilizada para gerar
Como a energia gravitacional é calculada movimento, fazendo o corpo se deslocar do pon-
pela equação Eg = m . g . h, adotando g = 10 m/ to mais alto para o mais baixo. Nesse processo, a
s2 , tem-se: energia potencial gravitacional vai se transforman-
do em energia cinética durante a descida.
• para a altura de 2 m, Eg = 0,450 . 10 . 2 = 9 J; Na parte mais baixa, essa energia potencial
• para a altura de 3 m, Eg = 0,450 . 10 . 3 = 13,5 J; acaba totalmente transformada em energia cinéti-
• para a altura 3,5 m, Eg = 0,450 . 10 . 3,5 = 15,75 J. ca. Portanto, se não houver forças de atrito, a ener-
gia mecânica do sistema será totalmente conser-
b) Qual é a energia potencial da bola na po- vada, ou seja, a soma das energias cinética e po-
sição 3 m em relação à altura de 2 m? Para isso, tencial será sempre a mesma nas diferentes partes
basta subtrair as energias de cada altura, ou seja, do movimento. Nesse caso, o sistema é chamado
Eg3, 2 = 13,5 – 9 = 4,5 J. de conservativo, já que conserva a energia mecâ-
nica.
Exemplo 2: A energia cinética de um corpo pode ser facil-
A figura mostra uma caixa-d’água de 250 L co- mente transformada em outras formas de energia
locada no forro de uma casa a 4 m do solo. Sa- mecânica, como a gravitacional ou a elástica. Se
bendo que a densidade da água é de 1 kg/L, de- você lançar um objeto para o alto, verá que, en-
termine a energia potencial gravitacional armaze- quanto ele sobe, sua velocidade diminui até atingir
nada nessa caixa-d’água. Considere que a massa a altura máxima. Nesse instante, ele para e come-
da caixa-d’água vazia é desprezível e que ela está ça a cair.
completamente cheia.
Como a caixa tem 250 L, então ela tem 250 kg
de água (250 L = 250 kg), e a energia potencial gra-
vitacional armazenada será Eg = m . g . h = 250 . 10
. 4 = 10.000 J ou 10 kJ.
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2. Dissipação da energia mecânica

Quando forças de atrito agem, uma parte da


energia mecânica é dissipada, geralmente trans-
formada em energia térmica (calor) e energia so-
nora (barulho). É o que acontece, por exemplo,
quando você bate palmas ou esfrega as mãos
para aquecê-las. Nesse caso, o sistema é dissipa-
tivo, porque a energia se dissipa e a variação da
energia mecânica (∆Em) corresponde ao trabalho
da força de atrito (rfat), ou seja, ∆Em =rfat, em que
∆Em é a variação entre a energia mecânica final e
a inicial (Ef – Ei).

#FIQUE ATENTO!
O símbolo “Δ” (lê-se “delta”) é utili-
Enquanto o objeto sobe, ocorre a transforma- zado para indicar variação de determi-
ção da energia cinética em potencial gravita- nada grandeza.
cional, e, quando desce, ocorre o inverso, com a
transformação de energia potencial gravitacional
em energia cinética. Por isso, sua velocidade au- GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA
menta durante a queda. Da mesma forma, a ener-
gia cinética de um atleta pode ser transformada Gerar energia elétrica é um desafio constante,
em energia potencial elástica ao, por exemplo, de- principalmente em países em desenvolvimento,
formar uma cama elástica. como o Brasil, cujo consumo energético não para
de crescer. A energia usada para suprir as neces-
sidades da industrialização, que se intensificou a
partir dos anos 1950, veio, na maior parte, de usinas
hidroelétricas (ou hidrelétricas). Mas a necessidade
de diversificar as fontes de energia levou, a partir
dos anos 1960, à construção de várias outras usinas
termoelétricas (ou termelétricas), movidas a ener- 25
gia nuclear ou combustíveis fósseis, como carvão
mineral, óleo diesel e gás natural.

1. Produção de energia elétrica

Exemplo: Para produzir eletricidade em grandes quan-


Um corpo de massa 2 kg é abandonado a par- tidades, utiliza-se um método básico: giram-se as
tir do repouso de uma altura de 1,8 m em relação hélices de uma turbina, que, por sua vez, movimen-
ao solo. Determine a velocidade do corpo ao atin- tam um gerador. É o gerador que transforma ou-
gir o solo. Dado: g = 10 m/s². tras formas de energia em energia elétrica, daí o
Despreze atritos e resistência do ar. seu nome. O que diferencia uma usina de outra é
a fonte de energia que faz essas hélices girarem:

• a energia gravitacional das águas represadas,


que vai gerar a ação das águas em queda
(nas usinas hidroelétricas);
• a energia térmica, que gera a ação do vapor
de água (nas usinas termoelétricas, entre elas,
as usinas nucleares); ou
• a energia cinética dos ventos (nas usinas eó-
licas).
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A energia potencial gravitacional pode ser acumulada em grandes reservatórios de água. Então, se no
percurso de um rio for construída uma barragem que forme um lago alto, a água acumulada armazena-
rá energia potencial gravitacional, que poderá ser convertida em energia elétrica na usina hidroelétrica.
Se for feita uma abertura na barragem, próxima ao fundo do lago, a água vai sair com grande pressão e
jorrar com muita velocidade portanto, com muita energia cinética. Assim, ela movimentará rodas-d’água,
chamadas turbinas, ligadas ao gerador por um eixo. O gerador é a máquina que transforma a energia
cinética da água em energia elétrica, justamente o contrário do que faria um motor elétrico de uma bom-
ba-d’água.

26
2. Temperatura e sensação térmica

Em nosso dia a dia, o conceito de temperatura é associado à sensação térmica de quente e frio, o que
pode gerar estimativas equivocadas de temperatura. A sensação térmica é a percepção da temperatura
pelo indivíduo, que é influenciada pela temperatura ambiente e também por outros fatores, como estado
de saúde, umidade do ar e velocidade do vento. A sensação térmica varia de uma pessoa para a outra,
e até a mesma pessoa pode ter sensações térmicas distintas em uma mesma situação. Assim, a sensação
térmica não é um indicador preciso para decidir a condição térmica em um sistema. O conceito de tem-
peratura será fundamental para isso.

3. Energia térmica

A matéria é constituída de partículas muito pequenas, os átomos, que podem se agrupar em molécu-
las. Estas, por sua vez, estão em constante movimento e possuem, portanto, energia cinética. De forma
simplificada, pode-se dizer que a soma da energia cinética de todas as partículas que constituem um cor-
po é a sua energia térmica. Portanto, a energia térmica é a energia cinética do movimento dos átomos e
moléculas que constituem um corpo.
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A temperatura de um objeto é uma medida O CALOR E SUA PROPAGAÇÃO


de seu estado térmico. Quanto mais alta a tempe-
ratura, mais intenso é o movimento das partículas. 1. Calor
Quanto mais baixa a temperatura, menor é o movi-
mento das partículas. A energia térmica pode ser transferida de um
corpo para outro. Quando ela está passando de
um corpo ou de um lugar para outro, ela recebe
o nome de calor. Na linguagem da Física, calor é
a forma pela qual a energia é transmitida de um
corpo ou de um lugar para outro em função da di-
ferença de temperatura entre eles.
Como o calor também é uma forma de ener-
gia, sua unidade de medida no Sistema Interna-
cional (SI) é o Joule (J). Contudo, historicamente,
a unidade mais utilizada de calor é a caloria (cal)
ou também a quilocaloria (kcal), que equivale a
mil calorias. Atualmente, com a globalização e a
necessidade de padronização imposta pelo co-
mércio internacional, o Joule ou o quilojoule (kJ)
vêm sendo cada vez mais utilizados. Na prática,
adota-se que 1 cal equivale a aproximadamente
4 J (mais exatamente: 4,18 J). Assim, uma refeição
Sendo assim, quando dois corpos com tem- que forneça 2.500 cal., ou 2,5 kcal, tem aproxima-
peraturas diferentes são colocados em contato, damente 10.000 J, ou 10 kJ de energia.
aquele que tem temperatura mais alta transfere
energia térmica para o que está mais frio, até que 2. Princípio fundamental da termologia
a temperatura se equilibre. Quando isso acontece,
o sistema formado por esses dois corpos entra em Quando dois ou mais corpos com tempera-
equilíbrio térmico, ou seja, fica com uma mesma turas diferentes são postos em contato, o sistema
temperatura. Essa energia térmica, que é trans- formado por eles tende ao equilíbrio, ou seja, na-
mitida de um corpo para o outro pela diferença turalmente ocorre uma transferência de energia
de temperatura entre eles, é chamada de calor. térmica entre eles, na forma de calor, até que to-
Portanto, calor é energia trocada por diferença de dos os corpos fiquem com a mesma temperatura. 27
temperatura. A temperatura dos corpos determina a direção do
fluxo de calor entre eles.
4. Zero Kelvin O calor sempre flui espontaneamente do mais
quente (de temperatura mais alta) para o mais frio
Como a temperatura de um corpo está asso- (de temperatura mais baixa). Por isso, a energia tér-
ciada ao movimento de suas moléculas, se toda a mica só pode ser chamada de calor enquanto flui
energia cinética delas fosse retirada, elas perma- de um corpo para o outro. Depois de transferida,
neceriam paradas; então, esse corpo teria a menor volta a ser energia térmica, não podendo mais ser
temperatura possível. Essa temperatura (na prática chamada de calor.
inatingível) na qual as moléculas permanecem pa-
radas corresponde a 0 K (zero Kelvin), ou zero ab- 3. Equilíbrio térmico
soluto. Por isso, na escala Kelvin não existem valores
negativos.

A propagação do calor ocorre quando dois


corpos ou dois pontos do espaço estão com tem-
peraturas diferentes, o calor se propaga de um
corpo para o outro. Essa propagação pode ocor-
O zero absoluto, ou zero Kelvin (0 K), corresponde à menor rer de três formas: por condução, convecção ou
temperatura prevista teoricamente no Universo. A essa tem- radiação.
peratura, as moléculas estariam completamente paradas,
sem movimento e, portanto, sem energia térmica.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Durante o aquecimento da água na panela,


o líquido que está mais perto da fonte de calor se
aquece mais rápido do que aquele que está na
superfície. Uma vez aquecido, o líquido quente fica
menos denso e se desloca para cima, carregando
uma quantidade de calor que vai aquecer a parte
superior da panela.
Ao mesmo tempo, a água mais fria que está na
superfície desce, ocupando o lugar da água quen-
te que subiu. Esse processo é chamado de convec-
ção e ocorre de maneira semelhante na atmosfera,
onde o ar quente sobe e o ar frio desce, distribuindo
o calor, gerando os ventos e movendo o ciclo da
água. Isso também explica por que os aquecedores
são colocados no chão, mas aparelhos de ar-con-
dicionado ficam na parte superior do ambiente, e
congeladores, na parte superior da geladeira.

6. Radiação

4. Condução A radiação é um processo de transferência de


calor no qual a energia térmica transita de uma
A condução só ocorre em meios materiais. região do espaço para outra por meio de ondas
A energia térmica é transferida de uma partícula eletromagnéticas, chamadas de radiação infraver-
(átomo, molécula etc.) para aquelas que estão a melha. Diferente da condução e da convecção, a
sua volta por meio da colisão entre elas. Por isso, a radiação é uma forma de transmissão de calor que
parte do objeto que está próxima da fonte de calor não precisa de meios materiais para ocorrer.
(do fogo, por exemplo) fica mais quente do que Como se dá por ondas eletromagnéticas, ela
aquela que está mais afastada. acontece também no vácuo. Devido à agitação
Quanto à condução térmica, classificam-se os térmica de suas moléculas, todos os corpos emitem
materiais em condutores: aqueles que transmitem continuamente ondas eletromagnéticas na fre-
facilmente o calor por condução; ou isolantes tér- quência do infravermelho, também denominadas
28 micos: aqueles que não transmitem bem o calor. radiação ou irradiação térmica.
As roupas que são usadas em dias frios são feitas
de isolantes térmicos (lã, náilon, lona etc.) a fim de
minimizar as perdas de calor para o meio externo
(já que nosso corpo está mais quente que o am-
biente). Já as panelas são feitas de metal, um bom
condutor térmico.
A grandeza física que caracteriza essa proprie-
dade (ser bom ou mau condutor térmico) é a con-
dutibilidade térmica do material. Quanto maior o
valor da condutibilidade térmica do material, com
mais facilidade o calor é transmitido por ele.

5. Convecção

Assim como a condução, a convecção é uma


forma de transmissão do calor que só ocorre em
meios materiais, no caso deste tipo de transmissão,
entre fluidos (líquidos e gases) –, mas, diferentemen-
te do que ocorre na condução, na convecção a
propagação do calor se dá por meio do movimen-
to do fluido envolvendo também o movimento de
matéria.

7. A garrafa térmica

As garrafas térmicas são recipientes que mini-


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mizam a troca de calor entre o líquido que está em PROPRIEDADES DOS ESTADOS FÍSICOS DA MATÉRIA
seu interior e o meio externo por condução e por
radiação. Para refletir a radiação, elas têm uma Propriedade Sólido Líquido Gás (vapor)
dupla parede interna de vidro, espelhada, com ar
rarefeito entre as duas camadas, o que diminui a Forma Definida Indefinida Indefinida
transmissão de calor por condução. A tampa evita Volume Definido Definido Indefinido
as trocas de calor com o meio externo por ambas Interação Muito forte Forte Fraca
as formas. molecular (pouco
movimento)
Exemplos (à NaCl (sal) H2O (água) H2 (hidrogê-
temperatura C6H12O6 Hg (mercú- nio)
ambiente) (glicose) rio) CO2 (gás
carbônico)

1. Calor sensível e calor latente

O calor fornecido a uma substância pode ser


utilizado para elevar sua temperatura pelo aumen-
to da energia cinética de suas moléculas ou para
reorganizar toda a estrutura molecular do material,
alterando seu estado físico. Nesse caso, sua tempe-
ratura permanece constante até que se complete
a transição. Por isso, podem-se distinguir duas for-
mas de calor: o calor sensível e o calor latente.
O calor trocado entre diferentes substâncias
pode ser sensível, quando sua temperatura varia e
seu estado físico não se altera, ou pode ser latente,
EFEITOS DO CALOR quando sua temperatura permanece constante e
seu estado físico se altera (fusão ou ebulição, ao
1. Mudanças de estado físico da matéria ganhar energia, ou condensação e solidificação,
ao perder energia). Para mudar de estado físico,
O estado físico de uma substância é determi- uma substância precisa estar a uma temperatura
nado pela ligação entre as moléculas que a consti- específica, chamada ponto de fusão (ou solidifica- 29
tuem. Dependendo da maior ou menor associação ção) ou de ponto de ebulição (ou condensação).
entre elas, a matéria é encontrada em três estados No caso da água, para as condições normais de
físicos: sólido, líquido e gasoso. temperatura e pressão (CNTP), essa temperatura é
No estado sólido, as moléculas estão mais pró- de 0 °C para o ponto de fusão (ou solidificação) e
ximas e mais presas entre si do que no estado líqui- de 100 °C para o ponto de vaporização (ou con-
do. Já no estado gasoso, as moléculas que consti- densação).
tuem o gás estão praticamente soltas no espaço.
Quando uma substância muda de estado, sofre
alterações em suas características macroscópicas
(volume, forma etc.) e microscópicas (arranjo das
partículas), mas não em sua composição. Observe
a tabela a seguir, que apresenta alguns exemplos:

2. Calor sensível

Para cozinhar, pode-se colocar água em uma


panela, geralmente à temperatura ambiente, para
esquentar no fogão. Durante algum tempo, a água
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recebe do fogo uma quantidade de calor sensível, 4. Calor latente


fazendo que ela se aqueça. O calor sensível é a
energia térmica utilizada para alterar a energia Quando uma substância está mudando de
cinética das moléculas que compõem a água, al- fase, ela utiliza energia térmica para reorganizar
terando sua temperatura. sua estrutura molecular, mantendo sua temperatu-
ra constante. Chama-se de calor latente a energia
3. Quantidade de calor sensível térmica utilizada para modificar a estrutura mole-
cular de uma substância, sem alterar sua tempe-
Quando é fornecido calor a uma substância e ratura. Quantidade de calor latente A quantida-
ela muda de temperatura, mas continua no mes- de de calor necessária para que uma substância
mo estado, a energia recebida se chama calor mude de fase depende de dois fatores:
sensível. Para produzir uma variação de tempera-
tura em um corpo, a quantidade de calor sensível I. massa do corpo (m): quanto maior a massa,
trocada depende de três fatores: maior será a quantidade necessária de calor para
modificar sua estrutura;
I. massa do corpo (m): quanto maior a massa, II. material que constitui o corpo (L): é diferente
menor será a variação na temperatura; derreter 1 kg de ferro e 1 kg de gelo.
II. calor específico do material, que constitui o Sintetiza-se a relação entre esses fatores na se-
corpo (c): aquecer um 1 kg de água é diferente de guinte equação:
aquecer 1 kg de ferro, por exemplo;
III. variação de temperatura produzida (ΔT):
quanto maior a quantidade de calor envolvida,
maior a variação de temperatura e mais calor será
trocado. Sintetiza-se a relação entre esses fatores
na seguinte equação: O calor latente de mudança de fase do mate-
rial que constitui o corpo (L) informa a quantidade
de energia necessária para alterar o estado físico
da unidade de massa de uma substância. Na reali-
dade, há diferentes calores latentes para diferentes
transições.
Por exemplo, o calor latente na transição do
O calor específico (c) informa se é fácil ou difícil gelo para a água é diferente do calor latente na
30 variar a temperatura de um material. Quanto maior transição da água para o vapor. Quanto maior
o calor específico de uma substância, mais difícil for o calor latente de uma substância, mais difícil
será alterar sua temperatura, ou seja, será neces- será alterar seu estado físico, ou seja, será neces-
sária mais energia para aquecê-la ou resfriá-la. O sária mais energia para alterá-lo. Quando se tem,
calor específico informa também quantas calorias por exemplo, que o calor latente de fusão da água
são necessárias para aquecer (ou resfriar) 1 g de vale 80 cal/g, isso quer dizer que, para derreter (ou
uma substância em 1 °C. Por definição, o calor es- congelar) 1 g de água será preciso fornecer (ou re-
pecífico da água é 1 cal/g . °C, ou seja, é preciso tirar) 80 cal. Já para 1 g de água entrar em ebuli-
1 cal para que 1 g de água seja aquecido a 1 °C. ção será preciso fornecer 539 cal/g.

Exemplo 1: Exemplo 1:
Qual é a quantidade de calor necessária para Qual é a quantidade de calor que deve ser for-
aquecer 200 g de água de 25 °C a 75 °C? A água necida a uma pedra de gelo de 50 g, a 0 °C, para
deve receber ou perder essa quantidade de calor? que ela derreta completamente?
Como Q = m . c . ΔT, então Q = 200 . 1 . (75 – 25) Como Q = m . L, então:
= 200 . 50 = 10.000 cal = 10 kcal. Q = 50 . 80 = 4.000 cal = 4 kcal.
Como a água precisa de energia para se
aquecer, ela recebe calor (representado pelo va- Exemplo 2:
lor positivo de calorias, Q, na equação). Exemplo 2 Qual é a quantidade de calor que deve ser for-
Se forem retiradas 2.500 cal de 50 g de água que necida a uma pedra de gelo de 40 g, a 0 °C, para
está a 80 °C, qual será sua nova temperatura? Reti- que ela se transforme em água a 30 °C?
rar 2.500 cal significa que a água perderá calor, ou Inicialmente será preciso derreter o gelo. Para
seja, a quantidade de calor será negativa (Q será isso, são necessárias 3.200 cal, pois
negativo na equação). Q = m . L = 40 . 80 = 3.200 cal.
Agora, o gelo derreteu e virou água a 0 °C.
Como Q = m . c . ΔT, então: Então, para aquecer essa água a 30 °C, será
necessário: Q = m . c . ΔT = 40 . 1 . (30 – 0) = 40 . 30 =
1.200 cal. Portanto, ao todo serão necessárias 3.200
cal para derreter o gelo mais 1.200 cal para aque-
cer a água de 0 °C a 30 °C, ou seja, 3.200 + 1.200 =
4.400 cal = 4,4 kcal.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

A DILATAÇÃO DOS CORPOS vir música por meio das ondas sonoras, enxergar
com as ondas luminosas, aquecer alimentos com
Quando um corpo recebe calor, suas molécu- as micro-ondas, e também ouvir rádio, assistir à TV e
las passam a vibrar com mais energia e, como con- falar ao telefone com as ondas de alta frequência.
sequência, ocupam mais espaço. Por isso, um dos Mas o que há de comum a todas essas ondas? O
efeitos mais evidentes do aquecimento dos corpos que é uma onda? Uma onda é uma perturbação
é o aumento de tamanho. Esse aumento no volu- (uma modificação) realizada num ponto qualquer
me dos corpos é chamado de dilatação. do espaço, que se propaga para outro local, trans-
portando energia sem transportar matéria.
Como existem vários tipos de onda, costuma-se
classificá-las de acordo com o meio no qual elas
se propagam. Desse modo, com relação à sua
natureza, as ondas podem ser mecânicas ou ele-
tromagnéticas. Apesar de não transportar matéria,
existem ondas que precisam de meios materiais
para se propagar. As ondas do mar, por exemplo,
precisam da água para se propagar, assim como
o som precisa de algum meio (em geral, o ar) para
existir.
Essas ondas são chamadas de ondas mecâni-
cas. As ondas mecânicas, que alternam energia
potencial e energia cinética, se propagam apenas
em meios materiais, nunca no vácuo (ausência de
matéria). As ondas que transportam energia elétri-
A dilatação dos materiais tem sido utilizada in- ca, térmica e luminosa são ondas eletromagnéti-
clusive para a construção de diversos tipos de ter- cas. Diferentemente das ondas mecânicas, além
mômetro. Sólidos, líquidos e gases dilatam- -se de de se propagarem nos meios materiais (como ar,
maneira diversa, de acordo com as características vidro, água etc.), as ondas eletromagnéticas tam-
de cada um. Em geral, os sólidos se dilatam menos bém se propagam no vácuo.
do que os líquidos, e estes menos do que os gases.
A dilatação e a contração térmica dos sólidos
e dos líquidos dependem de três fatores:
I. do tamanho original do objeto (ℓ0): quanto 31
maior o tamanho (ℓ0), maior será a dilatação;
II. do material do qual o objeto é feito: a dila-
tação e a contração térmica apresentam maior
efeito em alguns materiais do que em outros. Essa
facilidade com que uma substância se dilata ou se
contrai é expressa pelo seu coeficiente de dilata-
ção α (lê-se “alfa”). Quanto maior o coeficiente de 2. A formação das ondas
dilatação de um corpo, mais facilmente ele se dila-
ta ou se contrai; Como a energia não pode ser criada nem des-
III. da variação de temperatura do material truída, apenas transformada, você pode se per-
(ΔT): quanto maior a variação de temperatura, guntar: De onde vem a energia que a onda car-
maior a variação no tamanho do objeto. rega? Qual é a fonte de energia de uma onda?
Assim, para uma barra metálica de comprimen- Toda onda tem uma fonte. Uma pedra que cai ou
to inicial ℓ0, a variação de tamanho será: o vento que sopra deformam (perturbam) a super-
Δℓ = ℓ0 . α . ΔT fície da água, funcionando como fonte de energia
Em sólidos e líquidos, varia bem pouco com a que transfere energia cinética para a água, produ-
temperatura. Em gases, o volume cresce linearmen- zindo um pulso. É essa energia que será transporta-
te com a temperatura e decresce com a pressão. da, então, pela onda.
Quando essa fonte realiza um movimento osci-
SOM E ENERGIA SONORA latório, que se repete em intervalos de tempo re-
gulares, a onda produzida é chamada de onda
1. Que onda é essa? periódica. Uma onda periódica é o resultado de
uma sucessão de pulsos com o mesmo formato e a
Quando o assunto é ondas, a primeira ideia que mesma duração, que se repetem em intervalos de
vem à mente são ondas na água, seja no mar, nos tempo regulares.
rios ou nos lagos. Porém, existem várias outras for-
mas e tipos de ondas, algumas que você percebe,
outras que você não consegue ver, ouvir ou sentir.
Você vive mergulhado num mundo de ondas.
Além de se divertir com as ondas do mar, pode ou-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

cide com o período da fonte que produz a onda. A


relação entre frequência e período é:

Comprimento de onda (λ)

Ao se propagar em um meio, um pulso tem ve-


locidade constante. Assim, a distância percorrida
em determinado período também será constante.
O comprimento de onda, representado pela letra
CARACTERÍSTICAS DE UMA ONDA grega λ (lê-se “lambda”), é a distância que a onda
percorre num intervalo de tempo correspondente
1. Amplitude a um período.
Quando uma pedra cai numa superfície líqui-
da, ela produz um pulso que vai se movimentando
na superfície da água. Quanto maior for a energia
transferida pela pedra à superfície, maior será a sua
deformação e, portanto, a altura do pulso.

Velocidade de propagação de uma onda A


velocidade de propagação de uma onda é a velo-
32 cidade de propagação de um pulso qualquer des-
sa onda. Para determinar sua velocidade, portan-
O mesmo acontece com as ondas do mar: to, basta utilizar a definição de velocidade: dividir a
quanto maior a onda, maior a quantidade de ener- distância que o pulso percorreu pelo tempo gasto.
gia que ela transporta. À altura da onda, medida A velocidade de propagação das ondas depende
a partir do ponto que representa a superfície antes de vários fatores, principalmente das característi-
da perturbação, dá-se o nome amplitude. Portan- cas do meio no qual ela está se propagando.
to, a amplitude da onda é definida pelo movimen-
to da fonte que a produz e está associada à ener-
gia da onda.

2. Frequência (f) e período (T) de uma onda


Partindo da definição de comprimento de
A frequência (f) de uma onda mede o número onda (distância que a onda percorre em um pe-
de pulsos produzidos pela fonte em cada segundo. ríodo), percebe-se que existe uma relação entre a
Portanto, a frequência de uma onda é a mesma velocidade (v) e o comprimento de onda (λ):
frequência da fonte que a produz. Já o período
(T) de uma onda é a medida do tempo necessá-
rio para que duas cristas ou dois vales consecuti-
vos passem por um mesmo ponto do espaço. Assim
como a frequência, o período de uma onda coin-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

de ligada à energia e à amplitude de vibração da


onda. Ao que se chama som com volume alto, os
físicos chamam de som com forte ou muita inten-
sidade. Grandes amplitudes de onda dão origem
a sons muito intensos, enquanto pequenas amplitu-
des dão origem a sons pouco intensos.

ONDAS SONORAS

Além de ondas eletromagnéticas, como a luz,


as ondas de rádio e TV e outras, você está mergu-
lhado em um verdadeiro mar de ondas mecânicas
de vibração do ar. Pessoas falando, ronco dos mo-
tores dos automóveis, telefones celulares e alto-fa-
lantes em geral são fontes de um tipo de energia
mecânica bastante familiar, que é a energia so-
nora. Som é uma onda mecânica longitudinal (ou
seja, a oscilação da pressão do ar se dá na mesma A intensidade do som está ligada à quantidade
direção de propagação do som), que se propaga de energia sonora que atravessa uma unidade de
em sólidos, líquidos e gases, mas não se propaga área. Essa intensidade está diretamente vinculada
no vácuo. As frequências audíveis para o ser huma- à amplitude da onda. Quanto menor a intensidade
no variam de 20 Hz a 20.000 Hz. sonora, menores serão a energia e a amplitude da
onda. Se a energia carregada pela onda sonora
for muito pequena, ela não conseguirá sensibilizar
as orelhas e não poderá ser escutada, ou seja, exis-
te um mínimo de energia necessária para que se
possa ouvir um som.
Determina-se, então, o nível de intensidade so-
nora comparando a energia carregada por deter-
minada onda sonora com o mínimo de energia so-
nora necessário para que se possa ouvir esse som. 33
A unidade de medida do nível de intensidade
sonora do Sistema Internacional de Unidades (SI) é
o Bel (B), mas o decibel (dB – um décimo de Bel) é
mais utilizado. Quando um som tem 10 vezes mais
energia do que o outro, ele tem 1 B ou 10 dB a mais.
Quando tem 100 vezes mais energia, ele terá 20 dB
a mais.
1. Como se produz o som
#FIQUE ATENTO!
Todos os sons resultam de vibrações de algum Como a escala B é logarítmica, 100
objeto. Por exemplo, quando você fala, a voz re- vezes mais são 102 vezes mais, portanto,
sulta da vibração das pregas vocais, assim como 2 B, ou seja, 20 dB a mais.
ocorre com as cordas de um violão ou as membra-
nas de um alto-falante. A orelha humana precisa de uma energia míni-
Quando algum objeto vibra de forma comple- ma para vibrar. Essa energia é denominada limiar
tamente desordenada, diz-se que o som produzido de audição (10 dB) e suporta uma energia máxima
é um ruído, um som indesejado. Sons agradáveis (limiar de dor), a partir da qual passa a sentir sensa-
em geral são constituídos por vibrações periódicas; ções desconfortáveis (80 dB).
já ruídos são constituídos por vibrações não perió-
dicas. 80 dB = 8 B, ou seja, 108, 100 milhões de vezes
o limiar de 1 B.
2. Características de uma onda sonora

Os diferentes tipos de som podem ser caracte-


rizados por sua intensidade, altura e timbre. Intensi-
dade do som A intensidade sonora é chamada, no
senso comum, de volume do som. É a propriedade
que permite distinguir os sons fortes (mais intensos)
dos fracos (menos intensos), sendo uma proprieda-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

AUDIÇÃO E FALA

1. A fala humana

Como você viu, para produzir sons, basta fazer


algo vibrar em frequência audível. Pode-se fazer vi-
brar cordas, membranas, palhetas etc., e estas, por
sua vez, fazem vibrar o ar que está a sua volta. A
vibração do ar transmite o som de um local a outro
do espaço.
A fala é um bem social que se constrói indivi-
dualmente. O desenvolvimento da fala e da lin-
guagem em geral foi fundamental para a evolu-
3. Altura ção humana. Por intermédio dela, pode-se ensinar
e aprender muito. A fala, somada à audição, é o
Diferentemente do sentido popular, em que principal instrumento de comunicação da espécie
se confundem as expressões altura, volume e in- humana. A fala resulta de um processo complexo
tensidade sonora, na Física, a altura do som está que envolve a movimentação de aproximada-
ligada exclusivamente a sua frequência. É ela que mente uma dúzia de músculos, de forma articulada
permite distinguir os sons baixos ou graves, de baixa e concomitante.
frequência, dos sons altos ou agudos, ou de alta
frequência. A altura ou o tom de um som depende
apenas da frequência da onda sonora, e é a qua-
lidade do som que permite à orelha distinguir um
som agudo de um som grave.
O som mais baixo (mais grave) que se conse-
gue ouvir corresponde à frequência de 20 Hz, e o
som mais alto (mais agudo), à de 20.000 Hz. A fre-
quência da voz masculina costuma variar entre 100
Hz e 200 Hz, e a da mulher, entre 200 Hz e 400 Hz.
Portanto, a voz do homem costuma ser mais baixa
– mais grave ou mais “grossa”, no senso comum –,
34 enquanto a da mulher costuma ser mais aguda –
mais alta ou “fina”.

1. Os pulmões ficam cheios de ar por meio da


inspiração.
2. O músculo diafragma se movimenta, forçan-
do a subida do ar.
3. O ar passa pela traqueia até chegar à larin-
ge.
4. Na laringe, o ar passa pelas pregas vocais,
antes chamadas “cordas vocais”.
5. As pregas vocais são, na verdade, membra-
nas, que, vibrando pela passagem do ar, produ-
4. Timbre zem sons.
6. A boca, junto com os lábios, a língua e os
As pessoas conseguem distinguir a voz umas dentes, completa o aparelho sonoro, amplificando
das outras ou os sons produzidos por diferentes ins- e modulando o som, que finalmente será emitido,
trumentos musicais, mesmo quando eles emitem a permitindo a comunicação oral.
mesma nota, em função de uma característica das 7. A cavidade nasal ajuda a amplificar os sons
ondas sonoras, denominada timbre. O timbre fun- vindos da laringe
ciona como uma “impressão digital” de um som,
pois depende da fonte sonora e da forma de vi-
2. Vozes humanas
bração que produz o som. Essa diferença na forma
do pulso faz a energia transportada pela onda ser
A voz humana apresenta uma enorme varieda-
diferente, o que possibilita ao cérebro identificar a
de. Cada pessoa tem uma voz. O timbre da voz
fonte da onda de seu timbre.
depende do tamanho e da potência dos pulmões
e até do formato da boca. Contudo, as diferenças
de timbre entre as vozes masculinas, femininas e
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das crianças podem ser explicadas pela formação


das pregas vocais, que definem a frequência com
que a voz será emitida pelas pessoas. Com o enve-
lhecimento, os pulmões, as pregas vocais e outros
órgãos importantes no processo da fala vão se mo-
dificando, o que acarreta a mudança da voz dos
idosos.

LUZ: ENERGIA LUMINOSA

1. Luz: energia luminosa como radiação eletro-


magnética

A visão é o sentido que permite às pessoas in-


3. Audição teragir com objetos mais distantes. O tato e o pa-
ladar necessitam de contato para que possam ser
Para estabelecer comunicação oral com as percebidos, enquanto o olfato e a audição permi-
pessoas, tanto quanto conseguir falar, é importante tem a interação com elementos relativamente pró-
também ouvir. A audição é outro processo huma- ximos. Já a visão possibilita a percepção do que
no que envolve uma série de músculos e um con- se vê diante do nariz até estrelas e galáxias muito
junto complexo de operações, que culmina com distantes, a bilhões de anos-luz da Terra. Isso ocorre
a interpretação do som pelo cérebro. É nele que porque a energia luminosa carregada pela luz é su-
começa a fala e termina a audição. Na audição, ficiente para atravessar toda essa distância e ainda
as ondas sonoras entram pela orelha e chegam ao sensibilizar os olhos. Embora exista muita energia ra-
canal auditivo. diante no Universo, o olho humano reconhece ape-
No fim desse canal, fica a membrana do tím- nas uma parte dela, chamada de luz. Luz é energia 35
pano. Se a onda sonora tiver energia suficiente, a radiante capaz de sensibilizar os olhos, ou seja, é
membrana vibra como um tambor quando atingi- uma radiação eletromagnética que não precisa
da pelas ondas sonoras. O tímpano, por sua vez, de meio material para se propagar e cuja frequên-
transmite essas vibrações a três ossos bem peque- cia se situa entre o infravermelho e o ultravioleta.
nos (martelo, bigorna e estribo, que ficam em uma
parte da orelha, chamada orelha média).
Primeiro, as vibrações chegam ao martelo. Ele
bate na bigorna, que passa sua vibração ao es-
tribo. Aí começa a orelha interna, formada pela
cóclea e pelos canais semicirculares. A cóclea é
um tubo em forma de caracol que recebe as vibra-
ções do estribo e as transforma em impulsos nervo-
sos que são enviados para o cérebro.
O cérebro, baseado nos seus conhecimentos
prévios sobre a realidade do indivíduo, interpreta
o som. A orelha (antes conhecida como ouvido),
fundamental para a audição, é uma estrutura en-
contrada em todos os vertebrados. Ela é a respon-
sável não apenas pela audição, mas também pelo
equilíbrio do corpo. Os canais semicirculares, que
ficam na região da cóclea são responsáveis pelo A luz é uma forma de energia que pode ser pro-
equilíbrio. duzida com base em outras formas de energia. O
Em seu interior há um líquido cujo movimento fogo, por exemplo, transforma a energia química
informa ao cérebro a posição da cabeça, além de em energia térmica e luminosa. O atrito entre duas
mudanças súbitas de velocidade. Isso permite ao superfícies também pode transformar energia me-
corpo perceber, por exemplo, que está caindo. cânica em energia térmica e luminosa. Lâmpadas
são dispositivos que transformam energia elétrica
em energia luminosa. Já os vaga-lumes são insetos
que transformam energia química em energia lu-
minosa.
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CLASSIFICAÇÃO DOS MEIOS ÓPTICOS facilmente observado quando duas pessoas con-
versam e se olham em um espelho.
A luz é uma forma de energia que se propaga
de diferentes maneiras nos diversos meios. Conside-
rando a propagação da luz, classificam-se os meios
como transparentes, translúcidos ou opacos.

1. Meios transparentes

Ao observar uma paisagem rural, é possível vê-


-la com nitidez, pois o ar limpo é um meio que per-
mite a propagação da energia luminosa de forma
ordenada, sem alterar significativamente sua tra-
jetória. Por isso, pode-se dizer que o ar é um meio
transparente.
Meios transparentes são aqueles que permitem
a propagação da luz e a visualização nítida dos
objetos. Através dos meios transparentes, como ar,
água pura e lentes, é possível enxergar nitidamen-
te os objetos. Meios translúcidos Meios translúcidos
são aqueles que espalham a luz em várias direções,
dificultando a visualização dos objetos. Ao obser- APLICAÇÕES
var um objeto através de meios translúcidos, como
nevoeiro, neblina, vidros foscos ou jateados, ar ou 1. Sombras
água turvos, papel de seda etc., é possível ver os
objetos, mas sem nitidez. A formação de sombras é consequência da
propagação retilínea da luz. Sombra é a ausência
2. Meios opacos de luz. É uma região não iluminada que se forma
Para se esconder de alguém, os lugares pro- atrás de um objeto opaco posicionado no cami-
curados são aqueles aonde a luz não chega. Para nho da luz. Quando os objetos envolvidos são as-
isso, o melhor é ficar atrás de objetos que não per- tros, como o Sol e a Lua, ocorre um eclipse.
mitem a passagem da luz. Meios opacos, como
36 madeiras, paredes de alvenaria etc., são alguns 2. Eclipses
meios que não permitem a propagação da luz.
Chama-se eclipse a passagem de um astro
PRINCÍPIOS DA ÓPTICA GEOMÉTRICA pela sombra de outro astro. Aqui na Terra, enxer-
gam-se apenas dois eclipses a olho nu: o eclipse da
1. Propagação retilínea Lua e o eclipse do Sol. Eclipse da Lua Quando a Lua
passa pela sombra da Terra, ela deixa de ser ilumi-
Ao observar a luz passar por entre as árvores nada pelo Sol. Nesse caso, tem-se o eclipse da Lua.
numa floresta, pode-se perceber que a luz se pro-
paga em linha reta. Entretanto, isso só ocorre quan-
do o meio por onde a luz se propaga é transparen-
te. O princípio da propagação retilínea estabelece
que, num meio homogêneo e transparente, a luz se
propaga em linha reta.

2. Independência dos percursos

Com tantas fontes de luz funcionando ao mes-


mo tempo, é fácil imaginar que a luz emitida por
uma fonte acaba encontrando outros feixes de luz ECLIPSE DO SOL
pelo caminho. Observa- -se neste caso uma impor-
tante propriedade das ondas: quando dois feixes Durante o eclipse do Sol, a Lua projeta na Terra
de luz em propagação se encontram, um não in- uma região de sombra e outra de penumbra. Na
terfere na trajetória do outro, ou seja, a trajetória região de sombra, o eclipse é total, enquanto na
de um feixe de luz não é alterada pela trajetória de penumbra ocorre o eclipse parcial.
outro feixe de luz.

3. Reversibilidade

O caminho que um raio de luz percorre não de-


pende do sentido de propagação; esse princípio é
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pelho, eles podem ser planos ou esféricos (cônca-


vos ou convexos), entre outros formatos possíveis.

1. Espelhos planos

Os espelhos planos são relativamente fáceis de


construir e produzem imagens nítidas e do mesmo
tamanho do objeto que está à sua frente, motivo
pelo qual são muito utilizados. A imagem formada
por um espelho plano é virtual, como se estivesse
atrás do espelho. Por isso não é possível projetar a
1. Reflexão da luz imagem gerada por um espelho plano numa pare-
de ou tela.
A reflexão da luz é o retorno da energia lumi-
nosa para a região de onde veio, depois de atin-
gir uma superfície entre dois meios. Ocorre quando
a luz incide sobre a superfície de separação entre
dois meios e não tem energia suficiente para atra-
vessá-la, acontecendo principalmente em superfí-
cies opacas.

2. As leis da reflexão da luz

Quando a luz incide numa superfície que sepa-


ra dois meios e é refletida, podem-se observar dois
fenômenos que sempre acontecem e que são sin-
tetizados em duas leis, chamadas leis da reflexão
da luz.
A primeira lei da reflexão da luz estabelece que
o feixe de luz incidente, a reta normal e o feixe de
luz refletido pertencem a um mesmo plano.
A segunda lei da reflexão da luz estabelece Aplicando as leis da reflexão, como nas ima-
que, durante a reflexão da luz, o ângulo de inci- gens anteriores, conclui-se que a imagem gerada 37
dência î (formado entre = ȓ o feixe de luz incidente por um espelho plano é sempre virtual (formada
e a reta normal) e o ângulo de reflexão ȓ (formado atrás do espelho), direita (mantém o que estava
entre o raio refletido e a reta normal) têm sempre o embaixo no objeto na parte de baixo da imagem
mesmo valor. Matematicamente pode-se escrever: e o que estava em cima no objeto na parte de
î=ȓ cima da imagem), do mesmo tamanho que o ob-
jeto que está à frente do espelho e reversa (troca o
lado direito pelo esquerdo e vice-versa).

ESPELHOS

Todos os dias, milhões de pessoas se olham no


espelho, seja ao ajeitar os cabelos ou ao cuidar dos 2. Espelhos esféricos
dentes. Espelhos são encontrados em carros, trans-
portes coletivos, garagens, e apresentam várias uti- Espelhos esféricos são instrumentos de larga
lidades. aplicação nos mais diversos sistemas que cons-
O que valoriza muito um espelho é sua capaci- tituem o cotidiano. Faróis e retrovisores nos meios
dade de produzir uma boa imagem. São chama- de transporte, espelhos de dentistas e esteticistas,
das de espelhos as superfícies lisas ou polidas nas telescópios etc. são exemplos de instrumentos
quais ocorre a reflexão regular da luz, proporcio- que utilizam a reflexão da luz em superfícies esfé-
nando a formação de imagens nítidas. ricas. Dependendo de sua curvatura, eles podem
Dependendo do formato da superfície do es- ser côncavos ou convexos. Os espelhos convexos
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sempre produzem imagens pequenas e diretas dos


objetos, já os espelhos côncavos podem produzir
vários tipos de imagens.

3. Refração
Exemplo A luz vermelha se propaga em um de-
Lentes, lupas, vidros, e mesmo o arco-íris e o terminado vidro com velocidade de 200.000 km/s.
olho humano, são exemplos de fenômenos asso- Sendo 300.000 km/s a velocidade da luz no vácuo,
ciados à refração. A refração da luz é a passagem determine o índice de refração absoluto do vidro
da luz de um meio para outro com propriedades para a luz vermelha.
físicas distintas. Em geral, ela vem acompanhada
de uma mudança na direção e na velocidade de
propagação da luz. Na trajetória até nossos olhos,
a luz muitas vezes acaba atravessando vários ou-
tros meios, além do ar, como as lentes de óculos ou
38 de contato, a água, o vidro das janelas, celulares
e relógios. Até mesmo dentro de nossos olhos ela 4. Dispersão da luz
atravessa vários meios antes de formar uma ima-
gem. Toda vez que a luz passa de um meio para A luz do Sol ou das lâmpadas que iluminam o
outro, ela sofre uma refração. Índice de refração ambiente é composta de diferentes cores que
A capacidade de um meio deixar a luz passar é constituem a luz branca. Ao atravessar objetos, por
medida por uma grandeza chamada índice de exemplo, prismas ou cristais, a luz branca se separa
refração absoluto. Esse índice é representado pela em várias cores distintas. A dispersão da luz é um
letra n, e estabelece uma proporção entre a velo- caso particular da refração.
cidade da luz no vácuo (c) e a velocidade da luz
no meio (v).

Quanto maior for o índice de refração, menor


será a velocidade da luz no meio e maior será o
seu desvio.
Isso também ocorre quando a luz atravessa
uma mancha de óleo no chão. O arco-íris também
é um exemplo de dispersão da luz nas gotas de
água que compõem a chuva ou no ar próximo a
uma cachoeira.

5. Lentes

As lentes são os instrumentos ópticos de mais


larga aplicação.
Elas podem ser encontradas em óculos, binó-
culos, telescópios, microscópios, máquinas fotográ-
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ficas, lunetas e vários outros aparelhos. Lentes são elementos ópticos transparentes limitados por duas su-
perfícies, sendo pelo menos uma delas esférica.
Em geral, as lentes são de vidro ou acrílico.

6. Tipos de lente

As lentes podem ser convergentes ou divergentes. Elas podem ter diferentes formatos, mas nas lentes
convergentes a borda é sempre mais fina do que o centro. Já as lentes divergentes apresentam as bordas
sempre mais grossas do que o centro.

7. Lentes convergentes

As lentes convergentes concentram o feixe paralelo da luz incidente num ponto, chamado foco da
lente. Assim como os espelhos côncavos, elas podem produzir vários tipos de imagens, sendo que algumas
delas podem ser projetadas numa tela. Por isso, são muito utilizadas em projetores de slides, filmes etc.
39

8. Lentes divergentes

As lentes divergentes espalham a luz no espaço, como se toda luz partisse do ponto chamado foco da
lente. Assim como os espelhos convexos, elas só produzem imagens direitas e menores do que o objeto à
sua frente, e não podem ser projetadas.
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VISÃO E CORES DOS OBJETOS

Além de uma fonte de luz, para que ocorra a


visão, é necessária a presença de um observador.
A luz que você enxerga é aquela que atinge seus
olhos, vinda de alguma fonte de luz, primária ou
secundária. As cores dos objetos são dadas pelas
cores da luz que são refletidas por eles.
Assim, se um objeto iluminado com luz branca
(que é uma mistura equilibrada de todas as cores
de luz) parece branco, é porque ele reflete todas
as cores, e a mistura delas parece branca. É por
isso que as cores mais claras “esquentam” menos:
elas refletem mais energia luminosa. Se um objeto
parece preto quando iluminado com luz branca, é
porque ele absorve todas as cores e pouco reflete.
É por isso que as cores mais escuras “esquen-
tam” mais. Elas absorvem a energia luminosa, trans-
formando-a em energia térmica. Se um objeto pa-
rece vermelho quando iluminado com luz branca,
40 é porque ele absorve todas as cores menos a ver-
melha, que é refletida, sendo a cor captada pelos
olhos de um observador. Se esse objeto for ilumina-
do com luz amarela, por exemplo, ele vai absorvê-
-la e não vai refletir nada, tornando-se negro.
A rigor, são os pigmentos, substâncias coloridas
contidas nos objetos (e que definem suas cores),
que possuem um poder seletor sobre as radiações
luminosas que os atingem. Cada pigmento absor-
ve, reflete ou refrata a luz incidente.
Adicionando pigmentos com características de
seleção diferentes, obtém-se uma maior subtração
de radiações, até o caso da absorção total, que
corresponde à visão do preto. No cotidiano, como os objetos são pintados ou
tingidos com misturas de pigmentos, quando se ilu-
mina um objeto vermelho com luz azul, por exem-
plo, acaba- -se vendo alguma cor, pois, mesmo
sendo vermelho, o material apresenta alguns pig-
mentos de outras cores, que refletem um pouco de
luz.

1. O olho humano

Embora seja bastante complexo, o olho huma-


no se comporta como uma câmera escura que
possui uma lente convergente na sua entrada, fo-
calizando a imagem na retina. Após passar pela
córnea e penetrar no olho pela pupila, que funcio-
na como um diafragma, a luz atravessa o cristalino,
que funciona como uma lente convergente.
O cristalino focaliza e projeta a imagem na
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retina, que é como uma tela dentro do olho. Essa


imagem formada é invertida. Na retina, a imagem
é transformada em sinais elétricos que são transmiti-
dos pelo nervo óptico ao cérebro, o qual interpreta
a imagem corretamente.

Já no astigmatismo, o problema está na má-for-


mação da córnea, o que provoca o espalhamen-
to da luz no olho, gerando várias imagens ou uma
imagem distorcida do mesmo objeto. Nesse caso,
a pessoa enxerga a imagem malformada ou com
“fantasmas”.

Os distúrbios da visão podem ser corrigidos com


2. Distúrbios da visão o uso de lentes. Para a miopia, são indicadas as
lentes divergentes; para a hipermetropia, as lentes
Muitas pessoas apresentam alguma dificuldade convergentes; e, para o astigmatismo, lentes cilín-
para enxergar bem em razão de algum problema dricas corretivas. É comum haver pessoas que pre-
ocular. Dentre esses problemas, os mais comuns cisam utilizar lentes que combinem correção esfé-
são a miopia, a hipermetropia e o astigmatismo, as- rica (de miopia ou hipermetropia) com a correção
sociados a alguma anomalia no globo ocular. cilíndrica do astigmatismo. 41
ELETRICIDADE

1. Carga e interações elétricas

Até o início do século XX, a eletricidade, assim


como o calor, era considerada um fluido, uma subs-
tância que podia passar de um corpo para outro.
Essa interpretação foi modificada pela proposição
de um modelo atômico, esquematicamente ilustra-
do na figura a seguir:
Na miopia, o olho é um pouco mais comprido
do que a média, fazendo a imagem se formar an-
tes da retina. Nesse caso, a pessoa enxerga bem o
que está perto, mas não enxerga o que está longe.

De acordo com esse modelo, os átomos são


No caso da hipermetropia, o olho é um pouco compostos de partículas menores: prótons, com
mais curto do que a média, fazendo a imagem se carga elétrica positiva; elétrons, com carga elétri-
formar depois da retina. Nesse caso, a pessoa en- ca negativa; e nêutrons, com carga elétrica nula.
xerga bem o que está longe, mas não o que está Os prótons e os elétrons têm a mesma quantidade
perto. de carga elétrica. Essas cargas são as responsáveis
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pelas interações elétricas que permitem o funcio-


namento dos diversos aparelhos elétricos, a emis- O poder das pontas Devido à repulsão elé-
são de luz pelas lâmpadas, os relâmpagos, os cho- trica, quando um corpo feito de material con-
ques elétricos etc. dutor elétrico está eletrizado, as partículas em
A unidade de carga elétrica no Sistema Inter- excesso tendem a se afastarem umas das ou-
nacional de Unidades (SI) é o coulomb, representa- tras. Com isso, comumente se acumulam nas
do pela letra C. Entretanto, uma carga de 1 C (um pontas do objeto eletrizado.
coulomb) é muito grande (corresponde a bilhões
de bilhões de elétrons) e, em geral, utilizam-se sub-
múltiplos dessa unidade, como o milicoulomb (mC
– um milésimo de um coulomb) e o microcoulomb
( C – um milionésimo de um coulomb). Observe a
tabela a seguir:

2. Quantização da carga elétrica


Assim, pode-se dizer que 1 C equivale a 1.000
mC ou 1.000.000 µC, ou que 0,20 C equivalem a 200 Como a carga elétrica está associada ao nú-
mC, ou ainda que 30 mC são 30.000 C. Em geral, na mero de prótons e de elétrons, ela tem um valor
matéria, o número de prótons é igual ao número de mínimo que equivale à carga de uma única partí-
elétrons. Por isso, a carga elétrica total de um obje- cula. Foi o físico Robert Millikan, no início do século
to muitas vezes é nula e suas características elétri- XX, quem mediu essa carga mínima e descobriu
cas não são percebidas. Apenas quando o núme- que ela vale 1,6 . 10–19 C. Portanto, a quantidade
ro de prótons é diferente do número de elétrons, a de carga elétrica elementar (e), ou mínima, que
matéria passa a apresentar propriedades elétricas um sistema pode ter vale e = 1,6 . 10–19 C, que é
evidentes. a quantidade de carga que cada elétron e cada
Dessa forma, pode-se dizer que um corpo está próton possui. Para diferenciar as cargas de um e
eletrizado quando o número de prótons que o de outro, diz-se que o elétron tem carga elétrica
compõe é diferente do número de elétrons que negativa (−1,6 . 10− 19 C) e que o próton tem carga
ele possui naquele momento. Se um corpo possui elétrica positiva (+1,6 . 10−19 C).
42 mais prótons do que elétrons, ele terá carga elétri-
ca positiva; se possuir mais elétrons do que prótons, Exemplo:
terá carga elétrica negativa. Quanto maior a dife- Um corpo tem 2 . 1018 . elétrons e 4 . 1018 . pró-
rença entre a quantidade de prótons e elétrons, tons. Dado que a carga elétrica de um elétron (ou
maior será a carga elétrica do corpo, que pode ser de um próton) vale, em módulo (ou seja, desconsi-
medida por meio da força elétrica que essa carga derando o sinal), 1,6 . 10 -19 C, qual é a carga elé-
é capaz de produzir sobre outras cargas. Quando trica total desse corpo? Essa carga total é positiva
duas cargas têm o mesmo sinal, elas se repelem (se ou negativa?
afastam), mas, quando seus sinais são contrários, Inicialmente, deve-se calcular quantos prótons
elas se atraem. a mais do que elétrons há nesse corpo. Para isso,
você pode fazer a subtração 4 . 1018 − 2 . 1018 =
(4 − 2) . 1018 e descobrir que há 2 . 1018 . prótons a
mais. Depois, utilizando uma regra de três, calcule a
carga elétrica total desse corpo, ou seja:

Como há mais prótons do que elétrons, a carga


total é positiva. Aliás, uma carga enorme!

COMO ELETRIZAR UM CORPO

Eletrizar um corpo é um processo que o faz pas-


sar de eletricamente neutro para eletrizado. Como
os elétrons estão na parte mais externa dos áto-
mos, para eletrizar um corpo, é necessário remo-
ver ou adicionar elétrons a ele, pois são os elétrons
que podem se movimentar livremente entre dois
ou mais corpos e, assim, eletrizá-los, carregando a
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carga elétrica de um para o outro. A eletrização 3. Condutores e isolantes


pode ocorrer de três formas: por atrito, contato ou
indução. A repulsão elétrica entre cargas de mesmo sinal
faz elétrons ou prótons em excesso se espalharem
1. Eletrização por atrito sobre a superfície de um corpo. Entretanto, depen-
dendo do material de que este corpo é feito, os
A eletrização por atrito ocorre quando objetos elétrons podem permanecer próximos ou se es-
feitos com materiais distintos são atritados, ou seja, palharem. Essa propriedade distingue os materiais
esfregados um contra o outro. Durante o atrito ocor- condutores dos materiais isolantes elétricos.
re a transferência de elétrons de um objeto para o Chamam-se condutores elétricos os materiais
outro. Nesse processo, o corpo que perde elétrons nos quais a movimentação das cargas elétricas
fica eletrizado positivamente, e aquele que ganha ocorre livremente. Metais, água salgada, grafite e
elétrons fica eletrizado negativamente. o próprio corpo humano são exemplos de condu-
tores elétricos. Por outro lado, borracha, madeira,
plástico, ar, água pura e vidro, entre outros, são
exemplos de isolantes elétricos (também chama-
dos de materiais dielétricos), pois neles as cargas
elétricas não podem se mover com facilidade.
Ao longo do século passado foram identifica-
das duas novas categorias de materiais: os semi-
condutores, cristais de condutividade elétrica que
dependem da exposição à luz e têm larga aplica-
ção na indústria de informática; e os superconduto-
res, materiais que praticamente não oferecem re-
Em ambientes muito secos, é comum perceber sistência ao movimento das partículas carregadas
esse tipo de eletrização. É o que acontece, por de eletricidade, que podem, então, se movimentar
exemplo, em escorregadores e outros brinquedos livremente.
de plástico em praças e em parquinhos. O próprio Com esses materiais será possível construir com-
atrito do ar contra um corpo pode eletrizá-lo, como putadores muito mais rápidos e potentes, além de
acontece com automóveis em movimento ou em trens também muito mais rápidos.
dias de muito vento seco e em ambientes com ar- Um fenômeno bastante comum, muito apre-
-condicionado. sentado em museus de Ciências, ocorre quando
Exemplo: uma pessoa fica isolada do chão (sobre um banco 43
Ao atritar um bastão de vidro com um peda- de madeira, por exemplo) e encosta as mãos em
ço de lã, observou-se que o bastão ficou com uma uma bola metálica eletrizada. As cargas elétricas
carga de 3µ C. Com que carga ficou o pedaço livres que estão na bola passam para a pessoa, que
de lã? Como o vidro ficou com carga positiva, ele está sendo eletrizada por contato. Aos poucos, de-
perdeu elétrons, os quais foram para a lã, que, por vido à repulsão elétrica, os fios de seus cabelos co-
sua vez, ficou com carga elétrica negativa, com o meçam a levantar e a se afastarem uns dos outros,
mesmo valor da carga do bastão, ou seja, a carga como mostra a imagem ao lado.
elétrica do pedaço de lã tornou-se 3 µ C.
Exemplo:
2. Eletrização por contato No contato entre um corpo de material condu-
tor elétrico A, eletrizado positivamente, e outro cor-
Quando um corpo eletrizado é colocado em po B, inicialmente neutro, haverá troca de:
contato com outro corpo inicialmente descarre-
gado e feito de material condutor elétrico, ocorre a) prótons de A para B.
uma transferência de elétrons do corpo eletriza- b) elétrons de A para B.
do para o corpo neutro e, como consequência, o c) elétrons de B para A.
corpo neutro torna-se eletrizado. Em uma situação d) prótons de B para A.
como essa, de eletrização por contato, os corpos e) elétrons de A para B e de B para A.
sempre se eletrizam com cargas de mesmo sinal.
Como as partículas carregadas que se movi-
mentam entre dois ou mais corpos são apenas os
elétrons (e não os prótons), os elétrons do corpo
neutro se movimentarão deste (corpo B) para o
outro (corpo A). Então, o corpo neutro ficará car-
regado positivamente, e o corpo A, que já estava
eletrizado positivamente, continuará assim, porém
com uma quantidade de carga menor; portanto,
a alternativa correta é a c.

4. Eletrização por indução


Ciências da Natureza e suas Tecnologias

A eletrização por indução pode ocorrer mais


facilmente em objetos feitos de material que seja
condutor elétrico. No processo de eletrização por
indução não há contato entre os objetos: um cor-
po B é eletrizado apenas pela aproximação de ou-
tro corpo A previamente eletrizado, sem que haja
contato entre eles.
Com a aproximação do corpo eletrizado (A),
as cargas elétricas do outro corpo (B) vão se sepa-
rar: próximas ao objeto indutor (que já está carre-
gado) vão se concentrar as cargas elétricas de si-
nal contrário à carga de A, que serão atraídas pelo
indutor. Do lado oposto do corpo B vão se concen-
trar as cargas com o mesmo sinal de A, que serão
repelidas pelo indutor, conforme mostra o exemplo
na figura a seguir.
Com isso, enquanto o corpo carregado estiver
próximo, o corpo induzido (B) ficará polarizado, ou
seja, com cargas diferentes em cada um de seus OUTRAS FORMAS DE ELETRIZAÇÃO
lados; mas se for encostado nele outro objeto con-
dutor, que vai “retirar” essas cargas, deixando o Além das formas tradicionais de eletrização,
corpo B com carga de sinal contrário à do corpo A, existem mais algumas que foram descobertas re-
então ele ficará carregado eletricamente. centemente: é possível eletrizar materiais por aque-
cimento ou por pressão.

1. Eletrização por aquecimento

Certos materiais ficam polarizados ao serem


aquecidos, produzindo uma corrente elétrica. Esse
fenômeno é chamado de efeito piroelétrico, e é
mais comum em cristais, como a turmalina. É muito
utilizado na produção de detectores de incêndio.
44
Exemplo: 2. Eletrização por pressão
Depois de pentear os cabelos com um pente
de plástico, alguém percebe que, ao aproximá-lo Outros materiais polarizam-se ao serem com-
de pequenos pedaços de papel que estavam so- primidos, tensionados ou impactados, de forma a
bre a pia, eles foram atraídos pelo pente, mas que, produzir uma corrente elétrica. Esse fenômeno é
logo em seguida, os papeizinhos caíram na pia. chamado de efeito piezoelétrico.
Qual é a explicação para esse fenômeno? Ao atri- É também mais comum em cristais, como a cal-
tar o pente nos cabelos, ocorre a eletrização por cita e o quartzo, e é muito utilizado na produção
atrito, e o pente (assim como os cabelos) fica eletri- de telas sensíveis ao toque, como em aparelhos
camente carregado. Em seguida, quando se apro- celulares e em caixas de autoatendimento para
xima o pente dos pedacinhos de papel, eles ficam bancos, ou ainda em equipamentos mais simples,
polarizados pela indução eletrostática, e as cargas como acendedores de fogão.
de sinal oposto às do pente se deslocam para mais
perto dele, o que gera uma força de atração elé- A CORRENTE ELÉTRICA
trica entre os corpos. Essa força supera o peso dos
pedacinhos de papel e faz o pente atraí-los. Como você viu, os elétrons estão em constante
movimento na matéria: em torno dos átomos, das
5. Raios e para-raios moléculas ou mesmo na estrutura que compõe o
material. Esse movimento é, em geral, desordena-
Em dias de tempestade, o atrito entre o vento do e caótico.
e as nuvens, e entre as próprias nuvens, faz com Quando a ação de um campo elétrico faz com
que elas fiquem eletrizadas (por atrito). Uma vez que esses elétrons passem a se mover de maneira
eletrizadas, as nuvens induzem carga contrária na ordenada, indo coletivamente de um ponto a ou-
superfície da Terra. Essas cargas vão se acumulan- tro do espaço, gera-se uma corrente elétrica. Ou
do até que ocorra uma descarga de elétrons entre seja, é chamado de corrente elétrica o movimento
as nuvens e o solo; esse fenômeno recebe o nome ordenado de um número significativo de partículas
de raio. Veja na figura a seguir como os raios se for- eletricamente carregadas.
mam.
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quantidade de carga elétrica (q) que atravessa


uma superfície em dado intervalo de tempo. For-
malmente é expressa como:

No Sistema Internacional de Unidades (SI), a


corrente elétrica é medida em ampère (A). Assim,
uma corrente elétrica de 1 ampère representa uma
carga elétrica de 1 coulomb passando por uma
dada superfície em 1 segundo (s). Como 1 C cor-
responde a uma carga elétrica bastante elevada,
1 A é uma intensidade de corrente relativamente
alta. Por isso, são utilizadas suas subunidades, como
1. Efeitos da corrente elétrica o miliampère (mA) e o microampère (µA).

Uma vez estabelecida uma corrente elétrica Exemplo:


que passa por um objeto, vários efeitos podem Um fluxo constante de 100 trilhões de elétrons
acontecer: atravessa uma superfície em um intervalo de tem-
po de 5 s. Qual é a carga elétrica total que atra-
• efeito térmico: a passagem da corrente elétri- vessa essa superfície? Qual é a intensidade de cor-
ca por fios, cabos e outros objetos faz que eles rente elétrica que se estabelece? Lembrando que
se aqueçam; 100 trilhões de elétrons são 100.000.000.000.000 de
• efeito magnético: cargas elétricas em movi- elétrons, ou seja, 1014 elétrons, e que cada elétron
mento geram campos magnéticos, como se tem carga de 1,6 . 10-19C, pode-se fazer uma regra
observa nos eletroímãs e em sistemas de arma- de três:
zenamento de dados, como fitas magnéticas,
DVDs, HDs etc.;

45
3. Diferença de potencial (ddp) ou tensão elé-
trica

Para organizar o movimento dos elétrons é ne-


cessário aplicar uma força e realizar trabalho sobre
eles. Essa força tem origem na própria carga elé-
trica, afinal, toda carga é capaz de produzir uma
força sobre outra carga que esteja suficientemente
próxima, seja uma força de atração ou uma força
• efeito luminoso: quando uma corrente elétrica de repulsão.
atravessa um gás, pode ocorrer a emissão de Como a intensidade dessa força varia de um
luz, como em raios, lâmpadas fluorescentes, ponto para outro do espaço (quanto mais longe
TVs de plasma etc. É importante apontar tam- as cargas estiverem uma da outra, menor a inten-
bém que o superaquecimento de um condu- sidade da força), existe uma diferença de valores
tor produz luz, como acontece em lâmpadas entre a força aplicada a uma mesma carga elé-
incandescentes; trica quando ela está próxima e quando ela está
• efeito químico: ao atravessar uma solução distante de outra carga. Pode-se dizer, então, que
eletrolítica, a corrente elétrica pode desenca- ela produz uma diferença de potencial (ddp), tam-
dear reações químicas. É o que acontece nos bém chamada de tensão elétrica ou voltagem (re-
processos de revestimento de um metal com presentada pela letra U).
outro, como na cromação, douração etc.; Sendo assim, a diferença de potencial mede a
• efeito fisiológico: ao atravessar um organismo tendência que uma carga tem de ir de um ponto a
vivo, além dos efeitos térmico e químico, a cor- outro do espaço sob a influência da força elétrica.
rente elétrica também atua sobre os sistemas No Sistema Internacional de Unidades (SI), a
muscular e nervoso, podendo causar graves ddp é medida em volts (V). Em casas e comércios
danos, inclusive a morte. em geral, utiliza-se ddp de 110 V (U = 110 V) ou 220
V (U = 220 V). Nas pilhas mais comuns, essa ddp é
2. Intensidade de corrente elétrica de 1,5 V (U = 1,5 V); já nas baterias de carro é de 12
V (U = 12 V).
A intensidade de corrente elétrica (i) mede a
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4. Instalação elétrica residencial A energia elétrica gerada nas usinas é levada


até as casas por meio de linhas de transmissão (A).
Uma vez que a energia elétrica está disponível Nelas, a tensão elétrica varia entre 10 mil e 15 mil
na rede de transmissão próxima às residências, ela volts. Depois, ela passa por uma estação de trans-
pode ser levada para as casas. Para isso, utilizam-se missão, onde a ddp é elevada a até 500 mil volts
fios de cobre que ligam a residência à rede elétri- e transmitida por longas distâncias, até chegar a
ca local. É possível fazer a ligação com dois ou três uma subestação de distribuição, onde a ddp cai
fios: um deles necessariamente é o neutro, que não para algo em torno de 10 mil volts. Somente então
está ligado a uma ddp; os outros dois vêm da linha ela vai para os consumidores primários (indústrias
de 110 V (na verdade, são 127 V, mas é comum e comércio) ou para os consumidores secundários
dizer 110 V, que corresponde a uma tensão média). (residências), sendo mais uma vez diminuída até
Para uma ligação de 110 V, utiliza-se um fio neutro alcançar a tensão elétrica de consumo (B, C, D).
e outro de 110 V, e, para uma ligação de 220 V, Nas residências, a energia elétrica passa por um
utilizam-se os dois fios de 110 V. quadro de força, onde estão os disjuntores, e é
Usam-se disjuntores para evitar danos aos apa- distribuída por fios e cabos elétricos pelos diversos
relhos e minimizar as possibilidades de sobrecarga ambientes (E).
da rede elétrica residencial. Eles são dispositivos
que se desligam automaticamente quando a cor- GATO NA REDE
rente elétrica é superior a determinado valor. A es-
colha do disjuntor depende do calibre do fio, que,
por sua vez, é escolhido de acordo com a potência
do aparelho que alimentará.
Além disso, uma boa instalação elétrica deve
ter um sistema de aterramento. Esse sistema nada
mais é do que outro fio que percorre a casa e está
ligado diretamente ao solo através de uma barra
de cobre enterrada nela. Daí o nome aterramento.
Esse sistema leva qualquer excesso de carga
elétrica que apareça na instalação elétrica para o
solo, onde é disperso, minimizando a possibilidade
de ocorrência de choques e descargas elétricas na
residência. Por isso, as tomadas têm três pinos: um
46 para o fio terra, e outros dois que se ligam ao 110 V
e/ou ao neutro.

1. Resistência elétrica

Uma tensão elétrica aplicada a um material


condutor, como um fio metálico, gera uma cor-
rente elétrica, que é o movimento ordenado dos
elétrons ao longo do fio: quanto maior for a tensão,
maior será a corrente elétrica. A tabela abaixo ilus-
tra tal situação.
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Como U = R . i , se os valores correspondentes


de U e de i forem conhecidos, será possível calcu-
lar sua resistência. Então, seleciona-se um ponto
qualquer do gráfico: por exemplo, quando a ten-
são elétrica vale 80 V, a corrente elétrica vale 0,2
A. Então, 80 = R . 0,2.

Com base na tabela, pode-se construir o grá-


fico da tensão elétrica (U) em função da corrente
elétrica (i). Observe o gráfico mostrado ao lado.
Tanto pela tabela como pelo gráfico, percebe-se Exemplo 2:
que a corrente elétrica é diretamente proporcional Uma torneira elétrica trabalha numa tensão de
à tensão. Em linguagem matemática, tem-se que: 220 V com uma corrente elétrica de 30 A. Qual é a
resistência elétrica dessa torneira? Solução: como
U = R . i, substituindo os valores, tem-se que 220 =
R . 30, e a resistência R será de aproximadamente:

POTÊNCIA ELÉTRICA E CONSUMO

Medindo a velocidade com que a energia se


transforma Em geral, os aparelhos elétricos são dis-
positivos que transformam energia elétrica em ou-
tras formas de energia. A grandeza que mede a
velocidade dessa transformação é a potência elé-
trica, ou seja, a potência elétrica mede a velocida-
de com que esses aparelhos transformam energia
elétrica em outras formas de energia. Sendo assim, 47
pode-se escrever que:
No Sistema Internacional de Unidades (SI), a re-
sistência elétrica é medida em ohm (Ω), que nada
mais é do que V/A (volts por ampère). A resistência
(R) de um fio se expressa como:

Assim como na mecânica, a potência elétrica


também é medida no Sistema Internacional de Uni-
Exemplo 1: dades (SI) em joules por segundo (J/s), que recebe
O gráfico a seguir mostra a variação da tensão o nome de watt (W). Tal qual as outras unidades de
elétrica em função da corrente para um determi- medida, o watt também tem seus múltiplos e sub-
nado dispositivo. Determine a sua resistência. múltiplos, os mais comuns estão apresentados na
tabela abaixo.

1. Produção e consumo de energia elétrica

A potência depende da energia elétrica pro-


duzida ou consumida e do intervalo de tempo en-
volvido. Veja as tabelas a seguir, relativas à gera-
ção elétrica.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

* Cada megawatt produzido é energia suficiente para aten-


der o consumo de 2 mil pessoas.

Fonte: BRASIL. Empresa de Pesquisa Energética. Balanço


Energético Nacional 2013 - Ano base 2012: relatório síntese.
Rio de Janeiro: EPE, 2013, p. 24.

Analisando o quadro, é possível perceber que


* Cada megawatt produzido é energia suficiente para aten- houve um aumento pouco maior do que 3% no
der o consumo de 2 mil pessoas. Hidroelétricas fornecem consumo energético em 2012, em relação ao ano
mais de 65% da energia gerada no Brasil. As tabelas mostram anterior. Também é possível observar que indústrias
as maiores hidroelétricas do Brasil. Note que sua capacidade e transportes são os setores que mais consumiram
de produção de energia elétrica é medida em milhões de energia, seguidos pelo setor residencial. Percebe-
watts (megawatt – MW). -se, ainda, que a própria geração de energia elétri-
ca consumiu quase 10% da energia obtida, ou seja,
Fonte: PORTAL Brasil. Maiores usinas hidrelétricas do país. é impossível lançar na rede toda a energia elétrica
Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/old/copy_of_ gerada sem nenhuma perda, pois uma parte dela
imagens/sobre/economia/energia/imagens/maiores-usinas- já é consumida durante a produção. Os setores da
-hidreletricas-do-pais/view>. agropecuária e de serviços são os que menos con-
ΔE
sumiram energia.
Como Pot = , também pode ser escrito na for
Δt
48 CIRCUITOS ELÉTRICOS
ma ΔE = Pot . Δt. Assim, se você tiver a potência de
um aparelho medida em quilowatt e o tempo de 1. Circuitos elétricos simples
utilização em horas, basta multiplicar um valor pelo
outro para descobrir quanta energia esse aparelho Para fazer um aparelho elétrico funcionar, é ne-
consumiu durante esse tempo em quilowatt-hora cessário que seja fornecida a ele energia elétrica.
(kWh), que é a unidade comumente utilizada para Se for um eletrodoméstico, você pode conectá-lo
medir o consumo residencial de energia elétrica. à tomada e apertar um botão (interruptor), que
simplesmente completa a ligação entre os diversos
Exemplo: elementos que compõem o circuito elétrico – uma
Ao sair de casa às 5 horas da manhã, Pedro associação de elementos que pode ser percorrida
deixou uma lâmpada de 100 W acesa e só a des- por uma corrente elétrica.
ligou ao retornar para casa, às 20 horas. Qual foi o Todo circuito elétrico tem pelo menos um apa-
consumo de energia elétrica dessa lâmpada? Ini- relho elétrico (lâmpada, geladeira, aparelho de
cialmente, você deve acertar as unidades para o som etc.), uma fonte elétrica (também chamada
cálculo: de gerador), que fornece energia para o sistema
Pot = 100 W = 0,1 kW e Δt = 15 h (das 5 h ao (pode ser uma bateria, uma pilha ou mesmo uma
meio-dia foram 7 h, e mais 8 h do meio-dia às 20 h). tomada ligada à rede elétrica, por exemplo) e
Então, como ΔE = Pot . Δt, substituindo os valores, também fios de ligação (em geral de metal), que
tem-se: ΔE = 0,1 . 15 e ΔE = 1,5 kWh. conectam corretamente as partes do circuito de
forma que ele se feche e a corrente o percorra por
2. Consumo de energia elétrica no Brasil completo.
Para dar mais segurança ao usuário e minimizar
O Brasil é um país em desenvolvimento e apre- desperdícios, os circuitos elétricos costumam apre-
senta um consumo de energia crescente. Todos os sentar, ainda, uma chave de liga-desliga, também
setores da economia nacional consomem energia chamada interruptor. Como o próprio nome indica,
elétrica, em diferentes escalas. O quadro a seguir sua função é fechar ou abrir o circuito elétrico, per-
apresenta o consumo energético por setor no Bra- mitindo ou não a circulação da corrente elétrica
sil, em 2012. nele. É a circulação da corrente elétrica que faz o
aparelho funcionar.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Associação em série Na associação em série,


Além das representações acima, há outras ma- todos os elementos do circuito são percorridos pela
neiras de representar um circuito elétrico, como po- mesma corrente elétrica, mas a tensão fica dividi-
de-se observar nas imagens a seguir. da proporcionalmente entre os diversos elementos
do circuito. Dessa forma, em uma associação de
lâmpadas em série, por exemplo, o brilho dessas
lâmpadas será menor do que se estivessem liga-
das num circuito simples, ou seja, um circuito com
apenas um gerador e uma lâmpada. Além disso,
se uma delas queimar, o circuito todo para de fun-
cionar.

Note que a lâmpada tem dois terminais: um na


extremidade inferior (parte metálica isolada por
um tipo de plástico preto) e outro que está ligado
diretamente na rosca da lâmpada. Cada terminal
precisa ser ligado a um polo diferente de uma pilha
(ou a um terminal diferente de uma tomada).

49
3. Associação em paralelo

Na associação em paralelo, todos os elemen-


tos do circuito ficam submetidos à mesma tensão
elétrica, mas a corrente fica dividida proporcional-
mente entre os diversos elementos do circuito. Por
conta disso, em uma associação de lâmpadas em
paralelo, o brilho delas não se altera, se compara-
do com lâmpadas ligadas em um circuito simples.
Além disso, caso uma delas queime, o circuito con-
tinua funcionando, pois há mais de um caminho
que a corrente elétrica pode percorrer para com-
pletar o circuito.

2. Circuitos elétricos compostos

Os elementos que compõem o circuito podem


estar associados:

• em série, quando só permitem um caminho à


passagem da corrente elétrica;
• em paralelo, quando permitem vários cami-
nhos para a corrente elétrica;
• de forma mista, quando ora impõem um cami-
nho à corrente elétrica e ora não, como ocor-
re na maioria dos casos.
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RADIAÇÃO ELETROMAGNÉTICA

1. O que é radiação?

Os físicos definem radiação como uma forma de transmissão de energia que não depende necessa-
riamente da presença de um meio material, podendo ocorrer também no vácuo. A radiação pode ser de
natureza ondulatória (quando a transmissão da energia ocorre por ondas eletromagnéticas) ou corpuscu-
lar (quando se dá por meio de partículas).

50 Espectro eletromagnético é o conjunto das radiações eletromagnéticas. Quanto maior a energia da


onda, maior sua frequência e menor seu comprimento de onda, o que a torna mais penetrante na matéria.
A radiação ionizante é aquela que possui energia suficiente para ionizar átomos e moléculas, ou seja, para
arrancar seus elétrons, deixando-os positivamente carregados.
As radiações podem ser geradas por fontes naturais ou por mecanismos artificiais, construídos pelo ser
humano. Elas possuem energia variável, desde valores pequenos (10–33 J) até valores muito elevados (10–7
J). As radiações eletromagnéticas se caracterizam por sua frequência e, quanto maior ela for, maior a po-
tência que transportam, ou seja, mais energia levam por unidade de tempo.
As mais conhecidas são: luz visível, infravermelho, ultravioleta, ondas de rádio, micro-ondas, raios X e
raios gama. As radiações corpusculares, ou particuladas, caracterizam-se por: terem carga, massa e velo-
cidade, sendo que as mais conhecidas são as radiações alfa e beta. A primeira (radiação alfa) correspon-
de ao núcleo do elemento Hélio; a segunda (radiação beta) corresponde a elétrons (β– ) ou ao pósitron (
β+ ), uma espécie de “gêmeo positivo” do elétron.
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ENERGIA E FREQUÊNCIA 2. Raios X

A energia transportada por unidade de tempo Raios X são outro tipo bastante conhecido de
por uma onda eletromagnética é diretamente pro- onda eletromagnética. Eles são capazes de atra-
porcional à sua frequência, ou seja, quanto maior for vessar muitas estruturas, como a pele e os músculos
a frequência de uma onda, maior será sua energia. dos seres vivos, e são absorvidos por outras, como
Para as micro-ondas, a frequência está em tor- os ossos. Isso acontece porque os ossos são estrutu-
no de 1 GHz (1 Gigahertz ou 1 . 109 Hz), enquanto ras que têm grande concentração de cálcio, ele-
para os raios gama (γ) a frequência é da ordem de mento capaz de absorver esse tipo de radiação.
30 EHz (30 exahertz ou 30 . 1018 Hz). Em função dessa característica, os raios X são muito
utilizados na medicina para análise das condições
1. Raios ultravioleta dos órgãos internos do corpo humano, diagnóstico
de fraturas, localização e tratamento de tumores
Os raios ultravioleta (UV) constituem parte im- etc. Em Física, os raios são utilizados para analisar a
portante das ondas eletromagnéticas emitidas pelo estrutura atômica da matéria.
Sol e que atingem a Terra. Esses raios têm energia
suficiente para ionizar os átomos da alta atmosfera,
dando origem à ionosfera, onde as ondas de rádio
são refletidas. Devido à sua alta energia, os raios
ultravioletas (assim como os raios gama) também
podem ser utilizados para esterilizar objetos, exter-
minando vários microrganismos.

51

3. Raios gama
Os raios gama ( ) constituem um tipo de radia-
A radiação ultravioleta proveniente do Sol nos ção ionizante bastante energética, capaz de pe-
atinge todos os dias. Os raios UV penetram profun- netrar profundamente na matéria. São ondas ele-
damente em nossa pele e, além do bronzeamento, tromagnéticas com muita energia, produzidas em
quando a exposição ao Sol é exagerada, podem processos nucleares, especialmente aqueles envol-
causar queimaduras na pele, envelhecimento pre- vendo elementos radioativos, ou seja, átomos ins-
coce e provocar alterações genéticas, podendo táveis. São bastante prejudiciais aos tecidos vivos,
até desencadear o desenvolvimento de um cân- podendo destruí-los.
cer de pele. Por isso recomenda-se muito cuidado Devido à sua grande quantidade de energia,
ao se expor ao Sol, além do uso de protetores so- podem causar danos mortais ao núcleo das célu-
lares, que ajudam a pele a bloquear a radiação e las, o que possibilita que sejam utilizados para este-
manter a saúde do indivíduo. rilizar equipamentos médicos e alimentos, eliminan-
do microrganismos.
A radiação gama também é utilizada na me-
dicina para o tratamento de câncer e eliminação
de tumores cerebrais, por meio da radioterapia.
Contudo, sua principal aplicação é na tomografia
por emissão de pósitrons (TEP em português, ou PET
em inglês), na qual vários feixes de raios gama são
lançados em direção a detectores que, posterior-
mente, remontam todo o corpo que será analisa-
do, camada por camada.
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Esse tipo de radiação, ao interagir com algum


corpo, fornece energia às suas moléculas. Estas co-
meçam a vibrar mais intensamente, o que eleva
a temperatura desse corpo. Por esse motivo, a ra-
diação infravermelha é amplamente utilizada em
fisioterapia, para aquecer e relaxar a musculatura
no tratamento de dores reumáticas e traumáticas.
Além disso, a radiação infravermelha vem sen-
do utilizada em termômetros digitais, sistemas de
rede sem fio (wireless) e na localização de pessoas
no escuro, e ainda na produção de sistemas de
alarme em bancos, portas automáticas e elevado-
res, por exemplo. Outras aplicações tecnológicas
52 incluem controles remotos e lasers (em leitores de
CD, leitores de preços em caixas de supermercado
etc.).

5. Microondas

As microondas são ondas eletromagnéticas


não ionizantes de alta frequência, muito utilizadas
em telecomunicações, principalmente em telefo-
nia e TV via satélite. Como a quantidade de infor-
mações transmitidas é proporcional à frequência,
as micro-ondas podem carregar mais informações
do que as ondas de rádio, por apresentarem fre-
quências mais altas. Contudo, diferentemente das
ondas de rádio, elas não sofrem reflexão na atmos-
fera, o que impõe a necessidade do uso de ante-
nas repetidoras ou satélites de comunicação para
4. Infravermelho tal. O forno de micro-ondas é o exemplo mais co-
mum de aplicação tecnológica das ondas eletro-
A radiação infravermelha é emitida por todo e magnéticas. Esse tipo de forno tem um elemento,
qualquer corpo que possua algum tipo de energia chamado magnétron, que produz micro-ondas de
térmica, por menor que seja. Qualquer corpo com uma frequência particular. Elas entram em resso-
temperatura acima do zero absoluto, pois emite nância apenas com a água, transferindo energia
calor e, portanto, infravermelho. Essa é uma ra- cinética para as moléculas de água que existem
diação não ionizante, ou seja, que não consegue nos alimentos, fazendo-as vibrar e girar 3,45 milhões
arrancar elétrons dos átomos. Devido a suas pro- de vezes por segundo (é por esse motivo que mate-
priedades térmicas, o infravermelho tem inúmeras riais sem água, como vidro e porcelana, não aque-
aplicações tecnológicas. cem se não contiverem algo úmido). Toda essa vi-
bração acaba aquecendo os alimentos que estão
no interior do forno.
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resolvida foi: Se cargas elétricas de mesmo sinal se


repelem, então por que os núcleos atômicos, com-
postos de vários prótons, todos com carga positiva,
não explodiam naturalmente? O que manteria es-
sas cargas positivas juntas? Não tardou para que
essa questão fosse respondida.
Em algumas décadas, considerou-se que, além
das forças elétrica, magnética e gravitacional, já
conhecidas, deveria existir outra força, mais inten-
sa, que atuasse atrativamente no sentido contrário
ao da força eletromagnética.
Essa força, responsável pela coesão e estabi-
lidade do núcleo atômico, foi observada experi-
mentalmente e recebeu o nome de força nuclear
forte. Diferente das outras forças conhecidas, ela
era extremamente intensa, mas tinha um raio de
ação muito pequeno, isto é, só atuava em distân-
cias infinitesimais (isto é, infinitamente pequenas).
6. Ondas de rádio
Essa era a razão para os átomos muito grandes,
como os do Urânio e do Plutônio, serem instáveis: a
As ondas de rádio são as que apresentam força nuclear não conseguia segurar todos os com-
maior comprimento de onda e menor frequência, ponentes do núcleo, tornando muitos elementos
portanto, são as que carregam menor energia no pesados (átomos “grandes”) instáveis. Por terem
espectro eletromagnético. essa natureza, eles emitiam, entre outras, as radia-
Como têm comprimentos de onda maiores, ções alfa, beta e gama.
conseguem contornar obstáculos com certa faci-
lidade, se comparadas a outros tipos de radiação
não ionizante. Além disso, elas podem ser refletidas
na ionosfera (camada mais externa da atmosfera),
o que facilita sua transmissão. Por isso foram muito
utilizadas (e ainda são) nas telecomunicações em
geral, uma vez que não têm grande necessidade
de antenas retransmissoras ou satélites de comuni-
cação.
53

2. Fusão e fissão nuclear


FÍSICA NUCLEAR Os núcleos atômicos podem passar por dois ti-
pos de transformação:
1. O núcleo atômico e as forças nucleares
• núcleos muito grandes podem se dividir em nú-
No início do século XX, os físicos adotaram um
cleos menores; e
modelo atômico análogo à estrutura do sistema so-
• núcleos pequenos podem se fundir em um
lar, proposto por Ernest Rutherford. Como já foi vis-
núcleo maior. Em ambos os processos, ocorre
to, considerava-se que os átomos teriam um núcleo
bastante massivo, composto por partículas “pesa- liberação de energia.
das” com carga elétrica positiva (prótons) e outras
com carga elétrica nula (nêutrons), em torno das Quando dois núcleos atômicos pequenos se
quais orbitariam partículas “leves”, com carga elé- aproximam muito, a ponto de provocar sua fusão,
trica negativa (elétrons). ou quando se divide um núcleo grande (induzindo
Assim, na década de 1920, começaram as pes- sua fissão), a estrutura da matéria é modificada e
quisas em física nuclear. A primeira questão a ser novos elementos são produzidos. Em ambos os pro-
cessos, ocorre grande liberação de energia, à qual
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se dá o nome de energia nuclear. mães dos elementos químicos.


Se esses processos ocorrerem em uma sequên-
cia encadeada sem controle, haverá uma explo-
são, o que pode ser usado para originar uma bom-
ba atômica, por exemplo. Por outro lado, quando
se produz fissão nuclear de forma controlada, tem-
-se a liberação gradual de energia, que pode ser
utilizada para gerar energia elétrica em uma usina,
ou mesmo para fins medicinais, como na cura do
câncer ou na esterilização de materiais e alimen-
tos.
No processo de fissão nuclear ocorre a quebra
do núcleo de um átomo instável em dois átomos
menores, pelo bombardeamento de nêutrons. Ao
se dividir em dois, o núcleo original libera energia,
que pode ser utilizada tanto para procedimentos
médicos, na cura de pacientes (o princípio desta
terapia é aniquilar as células cancerosas, ao lado
de células sãs, que se recuperam mais facilmente),
como para gerar energia elétrica.
Já a reação em cadeia resulta em uma bom-
ba atômica, como aquelas lançadas pelos estadu-
nidenses em Hiroshima e Nagasaki, no final da 2a
Guerra Mundial.
Na fusão nuclear, dois núcleos pequenos (ou le-
ves) se juntam para formar um núcleo maior (mais
pesado). A massa do núcleo resultante é ligeira-
mente menor do que a massa dos dois núcleos
iniciais. Portanto, ocorre uma perda de massa nu-
clear. É essa massa “perdida” que gera a energia
liberada na fusão.
Todos eles, dos mais leves até se chegar ao
54 ferro, são produzidos em seu interior, por meio das
reações de fusão nuclear. No centro das estrelas,
núcleos de Hidrogênio fundem-se para formar um
núcleo de Hélio. Em seguida, núcleos de Hélio jun-
tam-se com outros de Hidrogênio para formar o
Lítio, e este se funde a outros, formando todos os
elementos químicos que o ser humano conhece,
até o Ferro. Elementos mais pesados que o Ferro só
se formam em explosões de grandes estrelas, fenô-
meno chamado “supernova”.

Na fissão de um núcleo pesado, ele se divide


em outros dois mais leves, sob a ação de uma par-
tícula (nêutron). Ao se dividir, ele libera mais partí-
culas, que vão colidir com outros átomos pesados
e ajudar a dividi-los. Esses e outros átomos, por sua
vez, liberam mais partículas e, nesse caso, ocorre a
chamada reação em cadeia.
No processo de fusão nuclear ocorre a forma-
ção de um núcleo maior a partir da junção de dois
ou mais núcleos menores. A liberação de energia é
ainda maior que na fissão, permitindo a produção
das chamadas bombas H. Em estrelas jovens como o Sol, a principal fonte
Nesse processo, ocorre uma perda de massa, de energia são as reações de fusão entre núcleos
já que a massa final do núcleo formado é menor de Hidrogênio para formar núcleos de Hélio. Esse
do que a soma das massas dos dois núcleos que processo de fusão ocorre até a formação do ferro.
lhe deram origem; essa diferença é a origem da Elementos mais pesados do que o ferro precisam
energia produzida na fusão nuclear. Esse mesmo de mais energia para serem criados, por isso só sur-
processo é o que ocorre no interior das estrelas e gem em explosões estelares.
lhes fornece energia para brilhar. As estrelas são as
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3. A transformação de matéria em energia


tica – cinética e gravitacional
Durante muito tempo, os físicos pensaram que d) – cinética e elástica – cinética e elástica
matéria e energia seriam elementos da natureza – gravitacional
totalmente diferentes, cuja transmutação de um e) – cinética e elástica – cinética e gravita-
em outro seria impossível. Coube ao físico alemão cional – gravitacional
Albert Einstein unificar as pesquisas de seus colegas Universidade Federal Fluminense (UFF), 2005.
e formular uma teoria que relacionasse de forma
relativamente simples matéria e energia, mostran- 02. Uma das modalidades presentes nas
do que podem ser transformadas uma na outra. olimpíadas é o salto com vara. As etapas de
Ou seja, matéria pode se transformar em energia, e um dos saltos de um atleta estão representadas
energia pode se transformar em matéria. Essa ideia na figura: Desprezando-se as forças dissipativas
pode ser representada em uma equação, conhe- (resistência do ar e atrito), para que o salto atin-
cida como relação de Einstein: ja a maior altura possível, ou seja, o máximo de
energia seja conservada, é necessário que

Exemplo: Determine a energia de repouso as-


sociada a uma massa de 1 kg. Nesse caso, basta
substituir os valores na equação: E = 1 . (3 . 108 ) 2 =
9 . 1016 J, ou seja, 90 milhões de bilhões de joules.
Isso é energia suficiente para evaporar um enorme
lago. Por isso, a energia das bombas nucleares é
medida em megatons, ou seja, em milhões de to-
neladas de dinamite.

1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
55
a) a energia cinética, representada na eta-
01. O salto com vara é, sem dúvida, uma pa I, seja totalmente convertida em energia po-
das disciplinas mais exigentes do atletismo. Em tencial elástica, representada na etapa IV.
um único salto, o atleta executa cerca de 23 b) a energia cinética, representada na eta-
movimentos em menos de 2 segundos. Na últi- pa II, seja totalmente convertida em energia
ma Olimpíada de Atenas a atleta russa, Svetla- potencial gravitacional, representada na eta-
na Feofanova, bateu o recorde feminino, sal- pa IV.
tando 4,88 m. c) a energia cinética, representada na eta-
A figura a seguir representa um atleta du- pa I, seja totalmente convertida em energia po-
rante um salto com vara, em três instantes dis- tencial gravitacional, representada na etapa III.
tintos. d) a energia potencial gravitacional, repre-
sentada na etapa II, seja totalmente convertida
em energia potencial elástica, representada na
etapa IV.
e) a energia potencial gravitacional, repre-
sentada na etapa I, seja totalmente convertida
em energia potencial elástica, representada na
etapa III.
Enem 2011. Prova azul.

03. Na figura abaixo está esquematizado


um tipo de usina utilizada na geração de ele-
Assinale a opção que melhor identifica os tricidade
tipos de energia envolvidos em cada uma das
situações I, II, e III, respectivamente.
a) – cinética – cinética e gravitacional –
cinética e gravitacional
b) – cinética e elástica – cinética, gravita-
cional e elástica – cinética e gravitacional
c) – cinética – cinética, gravitacional e elás-
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No processo de obtenção de eletricida- po para esfriar (à noite), o fenômeno noturno


de, ocorrem várias transformações de energia. (brisa terrestre) pode ser explicado da seguinte
Considere duas delas: I. cinética em elétrica II. maneira:
potencial gravitacional em cinética Analisando a) O ar que está sobre a água se aquece
o esquema, é possível identificar que elas se en- mais; ao subir, deixa uma área de baixa pres-
contram, respectivamente, entre: são, causando um deslocamento de ar do con-
tinente para o mar.
a) I – a água no nível h e II – o gerador e a torre de b) O ar mais quente desce e se desloca do
a turbina distribuição. continente para a água, a qual não conseguiu
reter calor durante o dia.
b) I – a água no nível h e II – a turbina e o gerador.
a turbina c) O ar que está sobre o mar se esfria e dis-
solve-se na água; forma-se, assim, um centro de
c) I – a turbina e o gerador II – a turbina e o gerador. baixa pressão, que atrai o ar quente do conti-
d) I – a turbina e o gerador II – a água no nível h e a nente.
turbina. d) O ar que está sobre a água se esfria,
e) I – o gerador e a torre II – a água no nível h e a criando um centro de alta pressão que atrai
de distribuição, turbina. massas de ar continental.
Enem 1998. Prova amarela. e) O ar sobre o solo, mais quente, é desloca-
do para o mar, equilibrando a baixa tempera-
04. Lord Kelvin (título de nobreza dado ao tura do ar que está sobre o mar.
célebre físico William Thompson, 1824-1907) es- Enem 2002
tabeleceu uma associação entre a energia de
agitação das moléculas de um sistema e a sua 06. Uma lâmina bimetálica de bronze e fer-
temperatura. Deduziu que a uma temperatura ro, na temperatura ambiente, é fixada por uma
de – 273,15ºC, também chamada de zero ab- de suas extremidades, como visto na figura
soluto, a agitação térmica das moléculas de- abaixo. Nessa situação, a lâmina está plana e
veria cessar. Considere um recipiente com gás, horizontal.
fechado e de variação de volume desprezível
nas condições do problema e, por comodida-
de, que o zero absoluto corresponde a – 273 ºC.
É correto afirmar:
56 a) O estado de agitação é o mesmo para
as temperaturas de 100ºC e 100 K.
b) À temperatura de 0 oC o estado de agi-
tação das moléculas é o mesmo que a 273 K. A seguir, ela é aquecida por uma chama
c) As moléculas estão mais agitadas a – 173 de gás. Após algum tempo de aquecimento, a
ºC do que a – 127ºC. forma assumida pela lâmina será mais adequa-
d) A – 32ºC as moléculas estão menos agita- damente representada pela figura:
das que a 241 K.
e) A 273 K as moléculas estão mais agitadas
que a 100ºC.
Fatec 2000

05. Numa área de praia, a brisa marítima Note e adote:


é uma consequência da diferença no tempo O coeficiente de dilatação linear do ferro é:
de aquecimento do solo e da água, apesar de 1,2 × 10–5 °C–1.
ambos estarem submetidos às mesmas condi- O coeficiente de dilatação linear do bronze
ções de irradiação solar. No local (solo) que é: 1,8 × 10–5 °C–1.
se aquece mais rapidamente, o ar fica mais Após o aquecimento a temperatura da lâ-
quente e sobe, deixando uma área de baixa mina é uniforme.
pressão, provocando o deslocamento do ar da
superfície que está mais fria (mar). 07. O ouvido humano consegue ouvir sons
entre 20 Hz e 20.000 Hz aproximadamente. A ve-
locidade do som no ar é aproximadamente 340
m/s. O som mais grave que o ouvido humano é
capaz de ouvir tem comprimento de onda:
a) 1,7 cm
b) 58,8 cm
c) 17 m
Como a água leva mais tempo para es- d) 6.800 m
quentar (de dia), mas também leva mais tem- e) 6.800 km
Fuvest 1991.
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08. A figura abaixo mostra um eclipse solar a) miopia, astigmatismo e hipermetropia.


no instante em que é fotografado em cinco di- b) astigmatismo, miopia e hipermetropia.
ferentes pontos do planeta. c) hipermetropia, miopia e astigmatismo.
d) hipermetropia, astigmatismo e miopia.
e) miopia, hipermetropia e astigmatismo.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP), 2009.

10. A superfície de uma esfera isolante é car-


regada com carga elétrica positiva, concentra-
da em um dos seus hemisférios. Uma esfera con-
dutora descarregada é, então, aproximada da
esfera isolante. Assinale, entre as alternativas
abaixo, o esquema que melhor representa a
distribuição final de cargas nas duas esferas.

Três dessas fotografias estão reproduzidas


abaixo.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul


(UFRGS), 2000

11. Durante as tempestades, normalmente


ocorrem nuvens carregadas de eletricidade.
Uma nuvem está eletrizada quando tem carga
As fotos poderiam corresponder, respecti- elétrica resultante, o que significa excesso ou fal-
vamente, aos pontos: ta de _______, em consequência de _______ en-
a) III, V e II. tre camadas da atmosfera. O para-raios é um
b) II, III e V. metal em forma de ponta, em contato com o
c) II, IV e III. solo, que _______ a descarga da nuvem para o 57
d) I, II e III. ar e deste para o solo. a) energia choque faci-
e) I, II e V. lita b) carga atrito dificulta c) elétrons atração
Enem 2000. facilita d) elétrons atrito facilita e) prótons atrito
dificulta
09. Certo professor de física deseja ensinar a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
identificar três tipos de defeitos visuais apenas ob- Sul (PUC-RS), 1999
servando a imagem formada através dos óculos
de seus alunos, que estão na fase da adolescên- 12. Medidas elétricas indicam que a super-
cia. Ao observar um objeto através do primeiro fície terrestre tem carga elétrica total negativa
par de óculos, a imagem aparece diminuída. O de, aproximadamente, 600.000 coulombs. Em
mesmo objeto observado pelo segundo par de tempestades, raios de cargas positivas, embora
óculos parece aumentado e apenas o terceiro raros, podem atingir a superfície terrestre. A cor-
par de óculos distorce as linhas quando girado. rente elétrica desses raios pode atingir valores de
Através da análise das imagens produzidas por até 300.000 A. Que fração da carga elétrica to-
esses óculos podemos concluir que seus donos tal da Terra poderia ser compensada por um raio
possuem, respectivamente, de 300.000 A e com duração de 0,5 s?

Fuvest 2010. Disponível em: <http://www.fuvest.br/


vest2010/1fase/p1f2010v.pdf>. Acesso em: 14 nov. 2014

13. Chama-se “gato” uma ligação elétrica


clandestina entre a rede e uma residência. Usual-
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mente, o “gato” infringe normas de segurança, e) R$ 230.


porque é feito por pessoas não-especializadas. Enem 2005. Prova amarela
O choque elétrico, que pode ocorrer devido a
um “gato” malfeito, é causado por uma corren- 16. Um circuito é composto por 3 lâmpadas
te elétrica que passa através do corpo humano. idênticas (A, B e C), um interruptor e fios de resis-
Considere a resistência do corpo humano como tência desprezível. A fiação está embutida, sen-
105 Ω para pele seca e 103 Ω para pele molha- do, portanto, invisível, e o circuito é alimentado
da. Se uma pessoa com a pele molhada toca os por uma tomada comum. Quando o interruptor
dois polos de uma tomada de 220 V, a corrente está aberto, as lâmpadas A e B estão acesas e
que a atravessa, em A, é brilham com a mesma intensidade, enquanto a
lâmpada C permanece apagada. Quando o in-
a) 2,2 × 105 terruptor é fechado, o brilho da lâmpada A au-
b) 2,2 × 103 menta, o da lâmpada B diminui, e a lâmpada C
c) 4,5 se acende, ficando com o mesmo brilho que B.
d) 2,2 × 10–1 Escolha, dentre as alternativas abaixo, o es-
e) 2,2 × 10–3 quema de ligação entre as lâmpadas e o inter-
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)/Univer- ruptor que possibilita estas 2 situações:
sidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), 2008.
Disponível em:
<http://www.coperves.ufsm.br/provas/VESTIBU-
LAR_2008_UFSM_UNIPAMPA.pdf>.
Acesso em: 14 nov. 2014.

14. Na maior parte das residências que dis-


põem de sistemas de TV a cabo, o aparelho
que decodifica o sinal permanece ligado sem
interrupção, operando com uma potência
aproximada de 6 W, mesmo quando a TV não
está ligada. O consumo de energia do decodi-
ficador, durante um mês (30 dias), seria equiva-
lente ao de uma lâmpada de 60 W que perma-
58 necesse ligada, sem interrupção, durante Universidade Federal Fluminense (UFF), 2009
a) 6 horas.
b) 10 horas. 17. Considere um equipamento capaz de
c) 36 horas. emitir radiação eletromagnética com compri-
d) 60 horas. mento de onda bem menor que a da radiação
e) 72 horas. ultravioleta. Suponha que a radiação emitida
Fuvest 2009. por esse equipamento foi apontada para um
tipo específico de filme fotográfico e entre o
15. Podemos estimar o consumo de energia equipamento e o filme foi posicionado o pes-
elétrica de uma casa considerando as princi- coço de um indivíduo. Quanto mais exposto à
pais fontes desse consumo. Pense na situação radiação, mais escuro se torna o filme após a
em que apenas os aparelhos que constam da revelação. Após acionar o equipamento e re-
tabela abaixo fossem utilizados diariamente da velar o filme, evidenciou-se a imagem mostra-
mesma forma. Tabela: A tabela fornece a po- da na figura abaixo. Dentre os fenômenos de-
tência e o tempo efetivo de uso diário de cada correntes da interação entre a radiação e os
aparelho doméstico. átomos do indivíduo que permitem a obtenção
desta imagem inclui-se a
a) absorção da radiação eletromagnética
e a consequente ionização dos átomos de cál-
cio, que se transformam em átomos de fósforo.
b) maior absorção da radiação eletromag-
nética pelos átomos de cálcio que por outros
tipos de átomos.
Supondo que o mês tenha 30 dias e que c) maior absorção da radiação eletromag-
o custo de 1 kWh é de R$ 0,40, o consumo de nética pelos átomos de carbono que por áto-
energia elétrica mensal dessa casa é de apro- mos de cálcio.
ximadamente d) maior refração ao atravessar os átomos
a) R$ 135. de carbono que os átomos de cálcio.
b) R$ 165. e) maior ionização de moléculas de água
c) R$ 190. que de átomos de carbono.
d) R$ 210. Enem 2009. Prova azul.
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DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
RESULTADOS

Confira aqui os seus resultados!


08. Alternativa correta: a.
1. Alternativa correta: c. A primeira foto corresponde a um observa-
Na figura I, a atleta está correndo (energia dor próximo de um eclipse total, o que corres-
cinética); na figura II, está em movimento as- ponde ao observador III. A segunda foto corres-
cendente (energia cinética), a uma certa altura ponde a um observador que enxerga boa parte
(energia gravitacional), e a vara está flexionada do Sol, com a Lua ocultando uma pequena par-
(energia elástica); e, na figura III, a atleta está te do seu lado esquerdo, o que corresponde ao
caindo, portanto tem movimento (energia ciné- observador V. A terceira foto corresponde a um
tica), e está em determinada altura (energia observador que enxerga boa parte do Sol, com
gravitacional). a Lua ocultando o seu lado direito, o que corres-
ponde ao observador II.
2. Alternativa correta: c.
A máxima altura ocorre quando toda a ener- 09. Alternativa correta: e.
gia cinética adquirida pelo atleta enquanto cor- A primeira lente é divergente (produz ima-
re for transformada em potencial gravitacional, gem menor), logo o problema é miopia. A se-
sem perdas por atrito ou deformação da vara gunda imagem é maior, logo a lente só pode
ou do colchão. ser convergente, e o problema, hipermetropia. A
terceira imagem é distorcida, portanto a lente é
3. Alternativa correta: d. cilíndrica, e o problema é astigmatismo.

A energia cinética da água faz a turbina gi- 10. Alternativa correta: e.


rar, acionando o gerador; o acúmulo da água A esfera isolante, carregada positivamente
faz sua altura aumentar e, assim, também au- em seu lado direito, vai induzir cargas na esfe-
menta sua energia potencial. A queda dessa ra neutra, polarizando-a. Desta forma, as cargas
água movimentará as turbinas. negativas, atraídas pelas cargas positivas da
esfera que se aproxima, vão se concentrar do
04. Alternativa correta: b. lado esquerdo da esfera condutora, enquanto
a) Incorreta: 100 K é uma temperatura muito as cargas positivas serão repelidas para o outro 59
menor do que 100 ºC. lado.
b) Verdadeira: 0 ºC e 273 K correspondem à
mesma temperatura. 11. Alternativa correta: d.
c) Incorreta: – 173 ºC é mais frio do que – 127 Eletrizar um corpo é um processo que faz
ºC, e as moléculas têm menos energia; logo, se com que ele passe de eletricamente neutro
movimentam menos. para eletrizado. Como os elétrons estão na parte
d) Incorreta: – 32 ºC equivale a 241 K, e as mais externa dos átomos, para eletrizar um cor-
moléculas têm a mesma energia. po, é necessário remover ou adicionar elétrons a
e) Incorreta: 273 K correspondem a 0 º C, que ele, pois são os elétrons que podem se movimen-
é bem menor do que 100 ºC. Logo, as moléculas tar livremente entre dois ou mais corpos e, assim,
estão menos agitadas. eletrizá-los, carregando a carga elétrica de um
para o outro. Uma forma de eletrizar objetos (no
05. Alternativa correta: a. caso, a nuvem) é por atrito, quando elétrons
À noite, a água demora mais para esfriar do são arrancados de um corpo, que fica positivo,
que o continente, ficando mais quente. O ar que e transferidos para outro, que fica negativo. O
está em contato com a água também fica mais para-raios, sendo metálico, é condutor de eletri-
quente e menos denso, portanto sobe, dando cidade, o que possibilita ou facilita a passagem
espaço para o ar frio que vem do continente e da corrente elétrica que se estabelece entre a
gera a brisa noturna, do continente para o mar. nuvem e o solo.

06. Alternativa correta: d. 12. Alternativa correta: c.


Observe os dados apresentados em Note e A intensidade de corrente média i produzi-
adote, na questão. Como o bronze dilata mais da pelo raio é dada pela equação
do que o ferro, a barra vira para baixo. Com isso e os dados da questão,
tem-se que
07. Resposta c.
Som mais grave é aquele de menor frequên-
cia (20 Hz), em oposição ao som mais agudo, de
maior frequência (20.000 Hz). Portanto, como v =
λ. f, substituindo os valores dados:
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

QUÍMICA, NATUREZA E TECNOLOGIA


Assim, a fração da carga elétrica total da A transformação da matéria, a produção de
Terra que poderia ser compensada pelo raio novos materiais, a necessidade de energia nesses
será: processos, as perturbações ambientais com o des-
carte de produtos no ambiente, tudo isso tem a ver
com as transformações químicas.
Em sua história, o ser humano atua sobre o am-
biente e o transforma por meio de seu trabalho,
produz novos materiais, utilizados de acordo com
diferentes finalidades e introduz materiais na natu-
13. Alternativa correta: d. reza.
Como U = R . i, substituindo os valores dados, Dentre os inúmeros processos utilizados pelo
então: homem, vamos destacar processos que envolvem
transformações químicas. Num primeiro momento,
focalizaremos os diferentes materiais envolvidos
nessas transformações e, num segundo momento,
a questão energética.

A QUÍMICA NO COTIDIANO
14. Alternativa correta: e. 1. Propriedades das substâncias químicas
Como Pot = ΔE/Δt, tem-se, para a TV: ΔE =
Pot TV . Δt = 0,006 . 30. 24 = 4,320 kWh. Então, Para executar determinada atividade em casa
para a lâmpada, como Pot = ΔE/Δt, tem-se que ou no trabalho, você precisa escolher a ferramen-
Δt = ΔE/P_(lâmpada_) 4,320/0,060 = 72 h ta certa. Para varrer a casa, uma vassoura ajuda
muito mais do que, por exemplo, um pincel ou uma
15. Alternativa correta: e escova de dentes. Isso porque a vassoura tem pro-
Potência (Pot) = (energia (ΔE))/(tempo (Δt)), priedades, como tamanho das cerdas e compri-
então ΔE = Pot . Δt. Sendo assim, tem-se que o mento do cabo, mais adequadas à aplicação que
consumo (ΔE) será: ar-condicionado 1,5 . 8 = 12 se tem em mente.
kWh; chuveiro = 3,3 .(1/3)= 1,1 kWh; freezer = 0,2 Com as substâncias químicas, acontece o mes-
. 10 = 2 kWh; geladeira = 0,35 . 10 = 3,5 kWh; lâm- mo. Ao preparar uma tinta para pintar paredes, por
60 padas = 0,10 . 6 = 0,6 kWh. Portanto, o consumo exemplo, um químico precisa escolher substâncias
diário total será igual a 12 + 1,1 + 2 + 3,5 + 0,6 = com propriedades indicadas a essa aplicação,
19,2 kWh, e o consumo mensal será igual a 30 . como cor, odor, viscosidade e tempo de secagem.
19,2 = 576 kWh, com um gasto de 576 . 0,40 = R$ Portanto, as escolhas que você faz dependem das
230,40. propriedades (químicas e físicas) que as substân-
Portanto, a alternativa que mais se aproxima cias possuem. São essas propriedades que carac-
do resultado é a alternativa e. terizam as substâncias, ou seja, que permitem dife-
renciá-las e identificá-las.
16. Alternativa correta: c. Da mesma maneira que você distingue uma
Quando o interruptor está aberto, o circuito pessoa a distância por suas características físicas,
é composto “apenas” pelas lâmpadas A e B, li- como altura, cor dos cabelos etc., pode-se iden-
gadas em série e submetidas a mesma tensão tificar uma substância conhecendo suas proprie-
e mesma corrente. Como são idênticas (mesma dades químicas e físicas. Nenhuma substância tem
resistência), terão o mesmo brilho. Com o inter- o mesmo conjunto de propriedades de outra. Na
ruptor fechado, tem-se um circuito misto, com a Química, três propriedades físicas se destacam: a
lâmpada A em série com as lâmpadas B e C, temperatura de fusão, a temperatura de ebulição
que estão em paralelo. Assim, a corrente elétrica e a densidade. Temperaturas de fusão e de ebuli-
que atravessa a lâmpada A é o dobro daque- ção
la que passa por B e C (pois ela se divide igual- Você já estudou, no Ensino Fundamental, que
mente entre as HOR duas, que são idênticas), as substâncias podem se apresentar em três esta-
fazendo com que o brilho delas seja inferior ao dos físicos: o sólido, como o sal de cozinha; o líqui-
da lâmpada A. do, como o álcool; ou o gasoso, como o gás oxigê-
nio. Em nosso planeta a água é encontrada nesses
17. Alternativa correta: b. três estados físicos; além disso, essa substância pas-
A imagem mostrada resulta da interação en- sa de um estado físico para outro naturalmente, isto
tre radiação e matéria. As áreas mais claras cor- é, sem a intervenção direta dos seres humanos. As
respondem aos ossos, que são ricos em cálcio, o mudanças de estado físico de qualquer substância
que permite concluir que houve maior absorção recebem os nomes indicados no diagrama a seguir.
da radiação eletromagnética nos átomos de
cálcio do que nos de outros elementos.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

#FICADICA
Sistema: Qualquer conjunto de ma-
téria que se toma como objeto de es-
tudo. Por exemplo: quando se prepara
a argamassa para determinado fim, o
conjunto de materiais utilizados consis-
te no sistema com o qual se está tra-
balhando. Nesse caso, o sistema é for-
mado por cimento, cal, água, areia,
recipiente para colocar a mistura, um
pedaço de pau para misturá-la e o ar.

Fusão é a passagem do estado sólido para o


líquido, e a do estado líquido para o sólido é a so-
lidificação.
Vaporização é a passagem do estado líquido
para o gasoso, e a do estado gasoso para o líquido
é a condensação.
Sublimação é a mudança do estado físico só-
lido para o gasoso, como ocorre com o gelo seco
(gás carbônico sólido); também é o nome dado ao
processo inverso, ou seja, a passagem do estado
gasoso para o sólido, como quando os vapores da
naftalina encontram uma superfície fria. A tempe-
ratura em que uma substância sofre fusão e aquela
em que há vaporização por ebulição são caracte-
rísticas de cada substância, portanto, importantes
para identificá-las. Para o estudo das temperaturas Para construir o gráfico, que serve para facilitar
de ebulição e fusão, acompanhe a construção de a identificação de regularidades e relações mate- 61
um gráfico de temperatura versus tempo de aque- máticas no experimento, foram utilizados os dados
cimento de uma amostra de água no estado sólido da tabela, lançados em um plano cartesiano em
até chegar ao estado gasoso. que o tempo foi colocado no eixo das abscissas (x),
Observe os dados para a construção do gráfi- e a temperatura, no eixo das ordenadas (y).
co, obtidos com o seguinte procedimento:
#FICADICA
• Cubos de gelo foram retirados do freezer
Plano cartesiano
(amostra de água no estado sólido) e coloca-
Utilizado para localizar pontos que
dos em um recipiente fechado que pudesse
expressam relações entre duas grande-
ser aquecido.
zas. Consiste em dois eixos perpendicu-
• Antes de iniciar o aquecimento, mediu-se a
lares que se cruzam: o eixo horizontal é
temperatura do sistema (que estava a – 20 °C).
denominado eixo das abscissas; o verti-
• Essa temperatura foi anotada na tabela a se-
cal, eixo das ordenadas.
guir.
• Foi registrado também o tempo corresponden-
te a essa temperatura na mesma linha (como
o aquecimento ainda não tinha sido iniciado,
o tempo correspondente à temperatura inicial
é 0 (zero) minuto (min)).
• A cada meio minuto, a temperatura foi medi-
da, e foram anotados na tabela tanto as tem-
peraturas quanto os tempos correspondentes.
• Anotaram-se também observações referentes
à amostra (estado físico).

Uma vez definidos os eixos, foram determinadas as


escalas, que não precisam ser as mesmas – elas vão de-
pender do intervalo de valores obtidos no experimento.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

A escala é uma representação do valor da se liquefez, ou se fundiu. A temperatura pas-


grandeza; por exemplo, 1 unidade no eixo vertical sa a subir novamente, até alcançar 100 °C. A
corresponde a 20 °C, e no eixo horizontal, a 1 mi- terceira curva mostra uma reta ascendente,
nuto. ou seja, a água no estado líquido está sendo
aquecida, e sua temperatura aumenta com o
#FICADICA passar do tempo.
• Após 6 min do início do aquecimento, a água
Grandeza começa a ferver, isto é, entra em ebulição. A
Tudo o que se pode medir. Para ex- temperatura nesse momento é de 100 °C.
pressar uma grandeza, isto é, para dizer • No intervalo de tempo entre 6 e 7,5 min, a
o quanto ela vale, é preciso utilizar uma
água se mantém em ebulição, e observa-se
unidade, que é a referência entre o que
que ela está se vaporizando. A temperatura se
se mede e um padrão estabelecido.
mantém constante, em 100 °C, até que toda a
água passe para o estado gasoso.
• Decorridos 7,5 min do início do aquecimento,
Uma vez determinada a escala, associou-se
toda a água se vaporizou e a temperatura
cada par temperatura-tempo a um ponto no pla-
no cartesiano (em vermelho, no gráfico a seguir). volta a se elevar. O gráfico obtido com os da-
Depois de definidos os pontos, foram traçadas dos do experimento é chamado de curva de
retas (em verde), que representam como a tempe- aquecimento da água.
ratura varia em relação ao tempo de aquecimento.
E se uma amostra de água fosse colocada em
um freezer? Como o processo de resfriamento seria
representado graficamente? Caso o experimento
inverso fosse realizado, ou seja, se uma amostra de
água no estado gasoso fosse resfriada à tempera-
tura de –20 °C, seria obtida uma curva de resfria-
mento da água, com um gráfico semelhante ao
do experimento anterior, cuja temperatura de con-
densação seria 100 °C, e a de solidificação, 0 °C.
Abaixo, você pode ver os possíveis gráficos de
aquecimento e de resfriamento de uma amostra
de água.
62
Agora, acompanhe a análise de cada seção
do gráfico e dos dados obtidos.

• No início do experimento, a água se encontra


resfriada a –20 °C, estando no estado sólido.
Esse é o tempo 0 (zero) do experimento, quan-
do se inicia o aquecimento.
• No intervalo de tempo entre 0 e 1 min, ou
seja, no primeiro minuto de aquecimento,
toda a amostra permanece no estado sólido;
logo, tem-se apenas água sólida, ou “gelo de #FICADICA
água”, no recipiente. A temperatura se eleva Temperatura de fusão (TF) é aquela
de – 20 °C a 0 °C. A primeira curva mostra uma em que uma substância sofre fusão, isto
reta ascendente. é, passa do estado sólido para o líquido.
• No intervalo de tempo entre 1 e 2,5 min, ob- Nas substâncias puras, a temperatura
serva-se que a água sólida (gelo de água) vai de fusão é igual à temperatura de soli-
se fundindo, liquefazendo-se, transformando- dificação (TS), na qual passa do estado
-se em água líquida. Está ocorrendo a fusão, líquido para o sólido.
ou liquefação, da água. Nesse período, a Temperatura de ebulição (TE) é
temperatura não aumenta, permanecendo aquela em que uma substância sofre
a 0 °C. Pode-se observar, em consequência, ebulição, ou seja, passa do estado líqui-
um patamar na segunda curva, ou seja, uma do para o gasoso. No caso das substân-
reta paralela ao eixo x. O calor fornecido está cias puras, a temperatura de ebulição é
sendo usado para fundir a água, e não para igual à de condensação, na qual passa
alterar a temperatura. do estado gasoso para o líquido.
• No intervalo de tempo entre 2,5 min e 6 min,
pode-se observar somente água líquida no re- Como você já sabe, as substâncias apresentam
cipiente; toda a água no estado sólido (gelo) temperaturas de fusão e de ebulição característi-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

cas. Isso significa dizer que cada substância quí-


mica possui temperaturas de fusão e de ebulição
diferentes sob determinada pressão. A tabela a
seguir mostra alguns exemplos dessas propriedades
específicas à pressão de 1 atmosfera (atm). (Ao
longo deste e dos próximos Cadernos, será discuti-
do como essa propriedade específica depende da
pressão ambiente.) Acompanhe a leitura da tabela linha a linha.
Por exemplo, na amostra 1, o volume é de 5,0 cm3,
e a massa, de 13,0 g; portanto, a relação massa
volume é massa é 13 , = 2,6 g/cm3 .
volume 5
Analisando os dados de cada linha, pode-se
perceber que a relação massa/(volume ) nas cin-
co amostras de alumínio apresenta valor próximo a
2,7 g/cm3 , que é a densidade do alumínio a 25 °C.
Os valores obtidos de massa e de volume,
como em todas as medidas, apresentam variações
Uma forma de identificar uma substância pura, que podem ser explicadas pelos erros que talvez
ou apenas substância, é que ela apresenta tempe- tenham sido cometidos durante as medições.
raturas de ebulição e de fusão que a caracterizam Transferindo os dados da tabela para um sis-
e que permanecem constantes durante ambos os tema de eixos cartesianos, obtém- -se o gráfico a
processos, a uma determinada pressão. seguir.

2. Densidade

Você já ouviu falar que uma maneira de iden-


tificar se um ovo está podre é mergulhando-o em
um copo com água? Esse método funciona por-
que o ovo podre é menos denso que a água, en-
quanto o ovo fresco é mais denso. Assim, o ovo
fresco afunda em um copo com água, e o ovo 63
podre flutua.
Assim como é utilizada a densidade para iden-
tificar um ovo podre, as temperaturas de fusão (TF)
e de ebulição (TE), bem como a densidade, são
utilizadas para identificar substâncias. Por esse moti-
A curva que representa o gráfico é uma reta
vo, são denominadas propriedades específicas da
que passa pela origem dos eixos cartesianos (os
matéria. Observe a tabela a seguir, que relaciona
pontos 0:0). Isso significa que as grandezas massa e
a massa e o volume de diferentes amostras de alu-
volume são diretamente proporcionais, isto é, caso
mínio a 25 °C.
uma aumente ou diminua, a outra vai aumentar ou
diminuir na mesma proporção. O gráfico permite a
obtenção de valores de massa e de volume que
não foram medidos, analisando-se a reta que os
relaciona. Assim, nesse exemplo, é possível deter-
minar a massa de qualquer volume entre 0 cm3 e
20 cm3 que não esteja na tabela. A densidade é,
portanto, a relação entre duas grandezas: massa e
volume. A tabela a seguir apresenta a densidade
de diferentes substâncias à temperatura de 25 °C e
a 1 atm de pressão.
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resolver esse problema.

Consultando a tabela, percebe-se que areia,


cascalho e sal de cozinha têm densidades muito
próximas, e a cortiça se destaca com uma densi-
A densidade fornece a massa por unidade de dade bem menor. Uma maneira de separar a corti-
volume de um material. A da água no estado líqui- ça do restante da mistura é pela adição de água a
do é 1,0 g/cm3, isto é, 1,0 cm3 dela apresenta mas- um recipiente que contenha a mistura.
sa de 1,0 g. A densidade do mercúrio é 13,5 g/cm3, Como as densidades do cascalho e da areia são
isto é, 1,0 cm3 dele apresenta massa de 13,5 g. maiores que a da água, e a densidade da cortiça é
Na análise dos dados das densidades, pode-se menor que a da água, após essa adição, a cortiça
verificar que, entre as substâncias relacionadas, o vai flutuar, e o cascalho e a areia irão para o fundo
mercúrio é a mais densa e o gás amônia é a menos do recipiente. Nesse caso, é só retirar a cortiça que
densa. Isso significa que, se você pegar um mes- estará flutuando na água. E o que acontece com
mo volume de ambas as substâncias (1 L ou 1.000 o sal ao se adicionar água à mistura? Como você
L, por exemplo), o mercúrio sempre apresentará a sabe, o sal de cozinha (cloreto de sódio) se dissolve
maior massa. Se, por outro lado, pegar uma mesma na água. Isso acontece graças a uma propriedade
massa de ambas as substâncias, o mercúrio sempre química chamada de solubilidade.
ocupará um volume menor. Essa propriedade o diferencia da areia e do
cascalho, que são insolúveis em água. A solubilida-
3. Tipos de mistura de será estudada mais adiante, mas, por ora, basta
você saber que, sendo o cloreto de sódio solúvel
Na natureza, é raro encontrar substâncias pu- em água, eles formam uma mistura homogênea,
ras. Os materiais produzidos artificialmente também que pode ser separada da areia e do cascalho por
são, em geral, misturas de várias substâncias. A decantação.
64 água que bebemos, por exemplo, mesmo que seja Assim, se a água com sal for vertida em outro
potável, não é pura, porque contém pequenas recipiente, restará, no primeiro, apenas a mistura
quantidades de sais minerais dissolvidos; os objetos de areia e cascalho. A mistura heterogênea de
metálicos, tão comuns no nosso dia a dia, não são areia e cascalho, por sua vez, pode ser separada
compostos de metais puros, mas de uma mistura por peneiração. A propriedade que diferencia es-
de vários deles. Chama-se mistura a união física ses dois materiais é o tamanho de seus grãos (ou
de duas ou mais substâncias, e a maior parte delas granulometria).
pode ser separada por métodos físicos. Há dois ti- Os grãos de areia têm menos de 1 mm de diâ-
pos de mistura. Observe o quadro a seguir. metro médio, e os de cascalho, menos de 1 cm.
Mistura homogênea ou solução: é aquela cujos Usando uma peneira com furos de cerca de 2 mm,
componentes (soluto e solvente) não se distinguem por exemplo, a areia passará pela tela, enquanto
visualmente, ou seja, ela apresenta uma única o cascalho ficará retido. Resta, agora, separar a
fase, que tem as mesmas propriedades por toda a mistura de sal e água. Nesse caso, a diferença de
sua extensão. Por exemplo: ar atmosférico filtrado, temperaturas de ebulição pode ser a chave. Bas-
ligas metálicas e água potável. ta lembrar que, à temperatura ambiente (25 °C), o
Mistura heterogênea: é aquela cujos compo- cloreto de sódio é sólido e a água é líquida.
nentes (ou fases) podem se distinguir visualmente. Confira as temperaturas de fusão e de ebulição
Por exemplo: granito, concreto, mistura de farinha dessas duas substâncias na tabela Temperaturas
e água, água e óleo, água e areia. de fusão e de ebulição de diferentes substâncias
à pressão de 1 atm, apresentada anteriormente.
4. Separação de misturas Para separar substâncias com temperaturas de
ebulição distintas, pode-se utilizar a evaporação ou
Qualquer separação de misturas só é possível a destilação simples. Caso se queira obter apenas
se seus componentes tiverem propriedades dife- o sólido, o cloreto de sódio, pode-se fazer a evapo-
rentes. Até agora, você estudou três propriedades ração da água em um recipiente aberto, para que
físicas importantes: a densidade, a temperatura de o sal permaneça.
fusão e a de ebulição. Como elas poderiam ser uti- Caso se opte pelo líquido, a água, a destilação
lizadas para separar a mistura de areia, cascalho, simples seria recomendável.
cortiça e sal de cozinha? Observe os dados apre-
sentados na tabela a seguir para compreender
como as diferenças de densidade podem ajudar a
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Em uma destilação, a mistura é aquecida em especial em uma transformação química? Você já


um balão de destilação. Quando a temperatura deve ter tomado algum remédio na forma de pasti-
atinge a de ebulição de uma das substâncias pre- lha efervescente. Quando a pastilha é adicionada
sentes, esta começa a vaporizar, e o vapor gerado à água, pode-se observar a liberação de um gás.
sai do balão para o condensador, onde é resfriado
e, como o próprio nome sugere, condensa-se, para
depois ser recolhido em um frasco conhecido por
Erlenmeyer.
No caso da mistura tomada como exemplo
aqui, a água será o destilado (substância recolhida
no Erlenmeyer), e o sal, a substância que restará no
balão de destilação por ter uma temperatura de
ebulição muito mais alta que a da água. Há muitos
métodos para a separação de misturas.
Veja a seguir alguns exemplos.

Esse gás não estava lá antes do contato entre 65


a pastilha e a água, o que indica que ele é uma
substância nova que se formou no sistema. Agora,
acompanhe uma observação experimental. Em
um laboratório, um químico adicionou uma solu-
ção aquosa incolor de nitrato de chumbo a uma
solução também incolor de iodeto de potássio
(veja a figura na página seguinte). Imediatamen-
te, surgiu um sólido amarelo, uma nova substância
que não existia antes da mistura. Se tanto a solução
aquosa de nitrato de chumbo quanto a de iode-
to de potássio são incolores, o surgimento de um
sólido de cor amarela indica a formação de uma
nova substância.

TRANSFORMAÇÕES QUÍMICAS

1. Evidências da ocorrência de uma transforma-


ção química

Até agora, você viu alguns exemplos de trans- Diferentemente de uma transformação física,
formações físicas, como as que ocorrem durante em uma transformação química há a formação de
uma mudança de estado físico ou a separação novas substâncias. Pode-se, então, definir transfor-
dos componentes de uma mistura. O que ocorre de mação química como a transformação de uma ou
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mais substâncias em uma ou mais substâncias di- chama lei da conservação das massas.
ferentes. O que se observou nos dois casos citados Existe até mesmo uma versão popular dessa
anteriormente foi a ocorrência de transformações lei, segundo a qual, na natureza, nada se perde,
químicas, evidenciadas, em um deles, pela libera- nada se cria: tudo se transforma. Alguns anos após
ção de um gás (pastilha efervescente), e, no outro, Lavoisier ter formulado a lei da conservação das
pela formação de um sólido amarelo (reação en- massas, em 1794, outro químico francês, Joseph
tre nitrato de chumbo e iodeto de potássio). Proust (1754-1826), ao realizar experimentos com
Há diferentes maneiras de se verificar a ocor- substâncias puras, concluiu que a composição em
rência de uma transformação química; além da massa dessas substâncias era constante, não im-
formação de um gás, da formação de um sólido e portando a forma como era obtida. Isso significa
da mudança de cor, pode acontecer também li- que as massas dos reagentes e dos produtos envol-
beração ou absorção de calor, emissão de luz, mu- vidas na reação estão sempre em uma proporção
dança de odor, de textura, de resistência mecâ- constante, independentemente das quantidades
nica etc. Um pouco mais sobre as transformações utilizadas.
químicas. A lei, conhecida por lei de Proust ou lei das pro-
As transformações químicas de uma simples fo- porções definidas, diz que cada substância, qual-
gueira ou de fogos de artifício sempre fascinaram quer que seja sua procedência ou forma de obten-
a humanidade. Na Idade Média, muitos se dedica- ção, apresenta a mesma proporção em massa dos
ram ao estudo das transformações; a mais conhe- elementos que a formam.
cida delas é a de metais comuns, como o ferro, em Observe, por exemplo, que a composição da
ouro. Com o tempo, provou-se que obter ouro do água é a mesma, não importando a região onde a
ferro não era real, mas essas pesquisas, aliadas à amostra foi colhida.
curiosidade cada vez maior dos que se dedicavam A tabela a seguir contém dados de um experi-
ao estudo da natureza, levaram a novas descober- mento: a formação da água a partir do gás hidro-
tas sobre as transformações químicas. gênio e do gás oxigênio.
Em 1774, o químico francês Antoine Lavoisier
(1743-1794) pesquisava as combustões (reações de
queima) e a calcinação (aquecimento a alta tem-
peratura), utilizando uma balança para determinar
as massas das substâncias envolvidas nas transfor-
mações.
Além de esclarecer o papel do gás oxigênio
66 nas combustões, seus estudos o levaram à cons-
tatação de que, em uma reação química, quan-
do realizada em um recipiente fechado, a massa
anterior à transformação é igual àquela após a Como se pode notar, os dados apresentados
reação, isto é, a massa se conserva nas transforma- estão de acordo com a constância das massas. No
ções químicas. experimento I, a massa de gás oxigênio que reagiu
Observe, por exemplo, os resultados obtidos na foi de 16 g (32 g – 16 g), e a de gás hidrogênio que
combustão do gás metano (gás natural), um pro- reagiu foi de 2 g, que corresponde a 18 g da total.
cesso que pode ser descrito da maneira apresen- A massa de água formada também foi de 18 g. O
tada adiante. mesmo vale para os outros experimentos. Veja o
O gás metano reage com o gás oxigênio para caso do IV: 80 g de oxigênio reagem com 10 g de
formar gás carbônico e água. As massas envolvidas hidrogênio (15 g – 5 g = 10 g), e a massa dos rea-
nas reações são apresentadas na tabela a seguir. gentes é de 90 g. Após a reação, a massa da água
formada foi de 90 g, também.
Pode-se perceber, ainda, que existem relações
constantes entre as massas dos reagentes, as dos
produtos, e entre as massas de cada reagente e
de cada produto.
Observe: a relação entre as massas de gás oxi-
gênio e gás hidrogênio apresentadas na tabela an-
terior é sempre constante. Você quer verificar?
Nesse caso, todos os reagentes foram transfor-
mados em produtos e verifica-se, pelos dados ex-
perimentais, que, independentemente da quanti-
𝑚𝑜𝑥𝑖𝑔ê𝑛𝑖𝑜 16g
Experimento I: = = 8g
dade de reagentes iniciais, a massa total de pro- 𝑚ℎ𝑖𝑑𝑟𝑜𝑔ê𝑛𝑖𝑜 2g
dutos formados será sempre igual à dos reagentes 𝑚𝑜𝑥𝑖𝑔ê𝑛𝑖𝑜 32g
que sofreram a transformação. Experimento II: = = 8g
Como se comprovou por inúmeros experimen- 𝑚ℎ𝑖𝑑𝑟𝑜𝑔ê𝑛𝑖𝑜 4g
tos, essa observação pode ser generalizada para
transformações químicas em um recipiente fecha- Você pode calcular os valores das relações
do. Tal é sua importância, aliás, que hoje ela se entre as massas de gás oxigênio e gás hidrogênio
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

para os experimentos III e IV, obtendo o mesmo 12 kg de carvão 2 kg de carvão


valor. Tente. Pode-se, ainda, determinar outras pos- =
32 kg de oxigênio massa de oxigênio
síveis relações entre as massas e compará-las nos
quatro experimentos. Observe a seguir outro exem-
plo de relação possível: Então, para calcular a massa de oxigênio, bas-
ta considerar que:

32 kg de oxigênio . 2 kg de carvão
= 8 kg de oxigênio
12 kg de carvão

Conhecer as relações entre as massas das subs- Agora, pense nesta outra questão: Qual seria a
tâncias envolvidas em uma reação química permi- massa de gás carbônico formada na queima de 3
te calcular a massa de um dos produtos da reação kg de carvão?
sabendo-se a massa de um dos reagentes que rea- Utilizando a lei de Lavoisier, a massa de gás car-
giu, ou vai reagir, e supondo-se um rendimento de bônico será igual à soma das massas de carvão e
100%, ou seja, que todo o reagente foi transforma- de oxigênio. Assim, a massa será:
do em produto. 3 kg de carvão + 8 kg de oxigênio = 11 kg de
Observe outro exemplo: durante um churrasco, gás carbônico
a energia necessária para preparar a carne veio Por fim, outra pergunta: Quanta energia seria
da reação de combustão do carvão. gerada pela queima de 3 kg de carvão?
A tabela a seguir fornece as massas do carvão, Como a queima de 12 kg de carvão libera 1.660
do oxigênio e do gás carbônico, substâncias envol- kcal, a queima de 3 kg vai liberar uma quantidade
vidas na reação. de energia proporcional, dada pela relação:

Então, basta considerar que:

67
A análise dos dados coletados mostra a cons-
tância das massas nos três experimentos, e também
da energia liberada para o ambiente na forma de COMBUSTÃO
calor. massa de carvão + massa de oxigênio = mas-
sa de dióxido de carbono Além dessa informação, O que é uma reação de combustão? Pode-se
é possível obter outras: definir uma reação de combustão como aquela
Os dados mostram que existe uma relação entre um combustível e o gás oxigênio, denomina-
constante de 0,37 entre as massas de carvão e de do comburente, em que há formação de novas
oxigênio colocadas para reagir e formar dióxido substâncias e liberação de energia nas formas de
de carbono. Além disso, a energia liberada é pro- luz e calor. As reações de combustão podem ser
porcional à quantidade de carvão queimado. Esse rápidas, como na explosão de um gás confinado,
conhecimento permite prever as quantidades de ou lentas, como na queima do carvão.
carvão e oxigênio para a reação e a quantidade
de energia que se pode obter dela.
Acompanhe a resolução de um problema que
envolve as leis estudadas, conhecidas por leis pon-
derais, por dizerem respeito às massas em uma rea-
ção. Imagine a seguinte situação:

Qual seria a massa necessária de oxigênio para


queimar 3 kg de carvão?
Como a relação entre as massas de carvão e
de oxigênio é constante, é possível dizer que:
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

1. Combustíveis: fonte de energia pores sobem pela torre e encontram temperaturas


cada vez menores.
A energia liberada em uma reação de com- Durante esse processo, as frações vão se con-
bustão pode ser utilizada nas mais variadas aplica- densando nos pratos à medida que atingem suas
ções, seja diretamente, por exemplo, na ilumina- temperaturas de ebulição. Nos pratos inferiores,
ção (lampião, candeeiro, vela) e no aquecimento condensam-se as frações de maiores temperaturas
(caldeiras industriais, aquecedores domésticos a de ebulição, as menos voláteis, porque se conden-
gás), seja indiretamente, por meio da conversão sam com maior facilidade; e nos pratos superiores,
dessa energia em outras formas de energia, como os de menor temperatura de ebulição, conden-
a mecânica (motores de combustão interna dos sam-se as mais voláteis, porque são mais difíceis de
carros) e a elétrica (geradores a diesel e usinas ter- se condensar.
moelétricas). As frações mais voláteis ocupam o topo da co-
Uma infinidade de substâncias pode servir luna de fracionamento, sendo retiradas com facili-
como combustível em reações de combustão. dade. As frações menos voláteis ocupam posições
Observe agora as vantagens e desvantagens mais baixas e, portanto, são recolhidas posterior-
da utilização de alguns tipos de combustível em di- mente. Veja a ilustração ao lado.
ferentes aplicações. Desde o século X, os persas já utilizavam o
querosene (uma fração do petróleo), obtido por
2. Combustíveis derivados do petróleo destilação, para iluminação pública e doméstica.
Atualmente, o petróleo é refinado em várias fra-
Cerca de 80% de toda a energia consumida no ções úteis, como o gás natural, o gás liquefeito de
mundo provém da queima de combustíveis fósseis, petróleo (GLP) – que é envazado em botijões, trans-
que incluem o carvão mineral, o gás natural e o portado com facilidade e extensamente utilizado
petróleo e seus derivados. As reservas de combus- como gás de cozinha –, a gasolina, o óleo diesel e
tíveis fósseis são o resultado de milhões de anos de o asfalto. O gás natural, embora possa ser obtido
ação de altíssimas pressões e temperaturas sobre no refino do petróleo, também pode ser encontra-
restos animais e vegetais enterrados na crosta ter- do em poços subterrâneos, associados ou não a
restre. Em decorrência de sua formação depender reservas de petróleo.
de processos geológicos muito lentos, os combus-
tíveis fósseis são considerados um recurso natural
não renovável.

68

Isso significa que, com o uso intenso, suas reser-


vas tendem a se esgotar e não podem ser recupe-
radas. É considerado o mais limpo dos combustíveis fós-
O petróleo é um minério líquido (por vezes de seis por não conter contaminantes como o enxofre
consistência pastosa) de composição muito com- e por sua queima no geral ser completa, havendo
plexa, formado por um grande número de substân- baixíssima emissão de monóxido de carbono e fuli-
cias. Em estado natural (cru), o petróleo não é mui- gem. É muito utilizado em aquecimento industrial e
to útil. Por isso, ele passa por um processo de refino, doméstico. No Brasil, corresponde a 11,5% de toda
cuja principal etapa é a destilação fracionada. a energia consumida. Essa alta taxa de utilização
Esse processo separa o petróleo em várias fra- se deve à facilidade de transporte (gasodutos) e à
ções conhecidas por nós: o gás liquefeito de petró- grande produção sul-americana (Brasil e Bolívia), o
leo (GLP), o querosene, a gasolina, o diesel e mais que torna seu custo atraente.
uma série de outros produtos.
O petróleo é aquecido e injetado na base de
uma torre de fracionamento de vários metros de
altura que contém uma série de “pratos”. Seus va-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Novas fontes de energia O escoamento da pro-


dução industrial e agrícola no Brasil é feito predo-
minantemente pela malha viária (estradas), o que
leva a um altíssimo consumo de gasolina automoti-
va e óleo diesel.
A falta de um transporte coletivo eficiente nas
cidades brasileiras eleva ainda mais o consumo
desses combustíveis, porque muitas pessoas, quan- Nas últimas duas décadas, a humanidade tem
do podem, optam por utilizar o transporte particular tomado cada vez mais consciência da influência
e individual. Nas grandes cidades, é comum serem que suas atividades rurais, industriais e urbanas
vistos enormes engarrafamentos de carros, muitas exercem sobre o equilíbrio do planeta, e hoje é
vezes, transportando apenas uma pessoa. clara a importância de se buscar fontes de energia
Na cidade de São Paulo, por exemplo, o De- mais sustentáveis, como a hidrelétrica. Isso signifi-
partamento de Trânsito estima que circulam dia- ca optar por fontes de energia renováveis e que
riamente cerca de 7 milhões de veículos. Além da interfiram o mínimo possível no equilíbrio do meio 69
excessiva emissão de gás carbônico para a atmos- ambiente.
fera, a queima desses combustíveis emite gases
como o dióxido de enxofre, o dióxido de nitrogênio
e o monóxido de nitrogênio. Esses gases são res-
ponsáveis pelo fenômeno da chuva ácida, grave
problema no campo e nas cidades, assunto que
será estudado mais adiante no curso de Química.
O dióxido de enxofre é produzido na reação
entre o enxofre presente no combustível e o gás
oxigênio. O óleo diesel produzido no Brasil apresen-
ta uma das mais altas concentrações de enxofre
do mundo, e as entidades de proteção ao meio
ambiente têm pressionado as refinarias a reduzir
tais índices. Os óxidos de nitrogênio são gerados
pela reação entre o gás nitrogênio, presente na at- Atualmente, há várias alternativas de fontes de
mosfera, e o gás oxigênio, no interior dos motores energia renováveis, mas por enquanto elas repre-
de combustão interna. Eles são responsáveis pela sentam apenas cerca de 13% da matriz energética
formação do gás ozônio, que, próximo à superfície mundial, principalmente porque o custo de gera-
terrestre, é um poluente. ção da energia por essas fontes ainda é alto.
A dependência da economia mundial de fon- No Brasil, a utilização de fontes renováveis já
tes fósseis de energia é preocupante, tanto por se chega a 42,4% da matriz energética, isso porque o
tratar de um recurso não renovável, isto é, que vai País apresenta grandes bacias hidrográficas, o que
acabar no futuro, quanto pelos impactos ambien- permite a exploração da energia hidráulica (con-
tais que sua utilização implica. vertida em energia elétrica nas usinas hidrelétricas).
Fonte: BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Resenha
energética brasileira: exercício de 2012.

Alguns países, como Alemanha e China, têm


investido massivamente em outras alternativas (por
exemplo, a energia eólica e a energia solar). Os
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

parques eólicos são formados por centenas de aerogeradores individuais ligados a uma rede de transmis-
são de energia elétrica.
Para que a eletricidade seja gerada, é preciso que no local vente sempre; por isso, ele deve ser esco-
lhido com cuidado. Já a energia solar pode ser utilizada para aquecimento (forma mais usada em residên-
cias) ou para produzir energia elétrica em parques formados por painéis solares.
Essas fontes de energia são viáveis no Brasil, mas atualmente a alternativa que tem sido o foco de inves-
timentos é a biomassa.

Considera-se biomassa todos os derivados renováveis de organismos vivos. Isso inclui o bagaço de
cana, a lenha, o etanol obtido da cana-de-açúcar, o biodiesel e o metano obtidos de biodigestores, por
exemplo. Esses materiais são formados por compostos orgânicos e sofrem reações de combustão, poden-
do substituir os combustíveis fósseis convencionais.
Os combustíveis derivados de biomassa têm duas grandes vantagens diante dos combustíveis fósseis.
70 Uma delas é o fato de sua fonte primária ser renovável; a outra é o menor impacto ambiental, quando sua
produção é bem ou devidamente planejada. Enquanto a queima de combustíveis fósseis libera para a
atmosfera enormes quantidades de carbono que estavam aprisionadas em reservatórios subterrâneos, a
queima de biomassa não altera o equilíbrio do ciclo do carbono, uma vez que as plantações de cana-de-
-açúcar, por exemplo, reabsorvem o CO2 liberado na queima.

Poder calorífico A quantidade de reagentes envolvidos em uma reação pode ser relacionada com a
quantidade de produtos gerados por ela. Da mesma maneira, é possível relacionar a quantidade de rea-
gentes em uma reação de combustão com a quantidade de energia liberada por ela.
A energia liberada em uma reação tem origem nas substâncias que reagem. É o que se chama de
energia química; cada substância tem uma quantidade de energia que pode ou não ser transformada em
calor, luz ou outras formas de energia durante uma reação química.
Assim, a energia liberada em uma reação de combustão depende não só da quantidade de reagen-
tes, mas também da natureza desses reagentes.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Por exemplo, se apenas 1 g do álcool conhe- nitivo, uma hipótese, ou mesmo uma teoria formu-
cido por metanol for queimado, é possível produzir lada com base em evidências experimentais dis-
22.200 J (Joule; lê-se jaule, que é uma unidade de poníveis hoje, pode estar em desacordo com uma
energia) de calor, quantidade de energia neces- nova observação amanhã.
sária para aquecer uma barra de ferro de 1 kg a Comprovada essa observação, novas questões
48 °C. A mesma quantidade de gás hidrogênio, serão levantadas e novas hipóteses serão elabo-
quando queimada, libera 120.802 J, suficiente para radas para dar conta dos fatos apresentados pelo
aquecer a mesma barra de ferro a 263 °C. mundo real. Por isso, a Ciência é dinâmica e, quan-
A propriedade das substâncias relacionada à to mais se sabe, mais perguntas há para se respon-
quantidade de calor produzida em uma reação de der.
combustão é o poder calorífico. Essa propriedade Quando, em uma pesquisa científica, depara-
está vinculada à eficiência energética dos com- -se com um sistema muito complexo ou de difícil
bustíveis. acesso, é comum a tentativa de formular um mo-
Na tabela a seguir, pode-se perceber que a delo teórico dele. Por exemplo, suponha que se
eficiência energética dos derivados de petróleo queira descobrir como uma cafeteira funciona sem
é maior que a de combustíveis derivados da bio- ter acesso a seus mecanismos internos.
massa, como o etanol e a lenha. Essa é uma das A princípio se sabe apenas que, alimentado
vantagens que os derivados de petróleo apresen- com água, café e eletricidade, esse equipamento
tam em relação aos combustíveis obtidos de fontes é capaz de fornecer café. Um primeiro passo pode
renováveis. ser criar um modelo de cafeteira (teórico ou físico)
que seja coerente com as observações experimen-
tais, ou seja, que funcione como uma cafeteira.
Esse modelo nada mais é do que uma hipóte-
se que tenta explicar um fenômeno, ajudando a
fazer mais perguntas sobre ele. Se houver avanço
na investigação e surgir uma nova observação que
contradiga o modelo, é preciso construir um novo,
e o ciclo continua.
O mesmo se aplica quando são levantadas
questões sobre a constituição da matéria. Como
não há recursos tecnológicos para se verificar do
que ela é feita, constroem-se modelos teóricos se-
gundo suas características. A especulação sobre a 71
constituição da matéria é bem anterior à Ciência
CONSTITUIÇÃO DA MATÉRIA moderna. Por volta de 1500 a.C., no Egito, na Índia
e na China, já havia a ideia de que o Universo era
1. A evolução do conceito de átomo constituído por cinco elementos básicos. Na Gré-
cia Antiga, no século V a.C., era consenso que a
Para que você possa se aprofundar um pouco matéria seria formada por quatro elementos: fogo,
nas reações químicas, observe como uma nova vi- água, terra e ar.
são da Ciência sobre a matéria, ao modificar a for- No século IV a.C., os filósofos Leucipo, Demócri-
ma de imaginar o mundo, deu uma enorme contri- to e Epicuro defendiam que havia duas realidades
buição para o desenvolvimento da Química. na natureza: átomos (que significa indivisível em
Os seres humanos carregam uma infinidade de grego) e vácuo (vazio).
conhecimentos sobre tudo o que lhes diz respeito: Acreditava-se, portanto, que as propriedades
quem são, as pessoas que os cercam, o lugar onde das substâncias derivavam diretamente da forma
vivem, as propriedades das coisas, a melhor manei- dos átomos, partículas indivisíveis. Desde a Idade
ra de executar uma tarefa etc. Tais conhecimentos Média até o século XVIII, entre alquimistas como
podem ter sido obtidos das mais variadas formas. Paracelso (1493-1541), era comum a visão de que
Podem ter vindo dos pais, dos filhos, de professores; toda matéria seria composta de três princípios em
ter sido lidos no jornal, em um livro, na internet; ter diferentes proporções, referidos como vida, espírito
sido obtidos por meio de um fenômeno observado e corpo, ou fogo, ar e água, ou animal, vegetal e
e a respeito do qual se tiram as próprias conclusões; mineral, ou ainda mercúrio, enxofre e sal.
ou por investigação e apuração de fatos etc. Nessa época, supunha-se ser possível a trans-
Em Ciências, a maneira de se obter conheci- mutação da matéria, isto é, a transformação de
mento é questionar o que se sabe, colocar à prova um elemento em outro, como a transmutação de
as próprias conclusões e, muitas vezes, olhar de for- chumbo em prata ou ouro. Um grande salto foi
ma diferente dos demais. Não existe uma receita dado entre 1801 e 1803, quando John Dalton (1766-
nem um único método de trabalho em Ciências; 1844) unificou observações experimentais feitas por
o importante é que hipóteses e ideias sejam conti- ele mesmo e teorias científicas vigentes à época,
nuamente reelaboradas e novos modelos explica- como a lei da conservação das massas de Lavoi-
tivos sobre a matéria, formulados. sier e a lei das proporções constantes de Proust, em
Como nenhum conhecimento científico é defi- uma nova teoria sobre a constituição da matéria: a
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

teoria atômica. fórmula da água (H2O) seria HO. Essas suposições,


• De fato, hoje muitos consideram que a teoria atô- embora o tenham levado a um considerável erro
mica desenvolvida por Dalton tenha sido o auge da no cálculo das massas atômicas, contribuíram para
revolução científica que havia ocorrido nas três dé- o avanço da Química.
cadas precedentes. O modelo atômico de Dalton é A ideia de que uma reação é a união ou a se-
totalmente físico. Segundo ele: paração de átomos levou Dalton a imaginar que,
em uma reação entre substâncias formadas por
• os átomos são esferas rígidas e indivisíveis que elementos diferentes, a substância obtida seria
se combinam para formar todas as substân- constituída por “átomos compostos” – unidades for-
cias; madas por um átomo de cada elemento ligado a
• cada átomo de um mesmo elemento químico outro. Esse foi o embrião do conceito de molécula.
tem as mesmas propriedades, como tamanho,
massa e afinidade por outros átomos; 2. Representação de transformações químicas
• cada substância é formada por um ou mais
átomos de um mesmo ou diferentes elemen- Quando se tem uma história para contar ou
tos químicos; uma notícia para dar, pode-se fazê-lo de várias for-
• cada substância é caracterizada por uma pro- mas. É possível, por exemplo, escrever um bilhete
porção constante entre os elementos químicos em uma folha de papel, manifestar-se oralmente
ou, ainda, criar um filme ou uma animação a res-
que a constituem (lei das proporções definidas
peito. E como se expressa que uma transformação
de Proust);
química ocorreu?
• durante uma transformação química, ocorre
A Química tem uma linguagem própria, o que
um rearranjo entre os átomos de uma ou mais significa que ela faz uso de símbolos e termos espe-
substâncias. Dalton definiu um símbolo para ciais para comunicar acontecimentos como uma
cada elemento conhecido em sua época transformação química. Em uma transformação
e combinou-os para representar as fórmulas química, substâncias, que se chamam reagentes,
de substâncias químicas. Observe a imagem transformam-se em novas substâncias, que se cha-
abaixo. mam produtos. Representa-se uma transformação
química escrevendo uma equação na forma:

Reagentes → Produtos

72 Partindo dessas ideias e da descoberta das pro-


porções dos elementos nas substâncias, foi possível
desenvolver uma linguagem apropriada para a
Química: a dos símbolos e das fórmulas. Para repre-
sentar as substâncias que reagem (reagentes) e as
substâncias formadas (produtos), utilizam-se símbo-
los e fórmulas.
Os elementos químicos que compõem as subs-
tâncias são representados por símbolos que con-
têm uma ou duas letras, sendo a primeira sempre
maiúscula e a segunda sempre minúscula: O para
o oxigênio, Fe para o ferro, Mg para o magnésio.
Boa parte dos símbolos dos elementos químicos
deriva de nomes latinos, que muitas vezes coinci-
dem com os nomes em português, mas há exce-
ções, como o símbolo do potássio (K), que deriva
de kalium, e o da prata (Ag), que deriva de argen-
tum.
Com o tempo, você vai acabar memorizando
os símbolos dos elementos químicos, mas, sempre
que necessário, pode consultar uma tabela perió-
dica. Nela, você encontrará os símbolos dos ele-
mentos químicos conhecidos.
As substâncias são representadas por fórmulas
Além disso, ele assumiu arbitrariamente que o químicas que expressam quais elementos fazem
átomo de hidrogênio, o mais leve, teria a massa parte delas, qual é a proporção entre esses ele-
de 1 unidade de massa atômica, e, a partir desse mentos e em que quantidade eles estão presentes
valor, calculou massas atômicas para cada átomo em cada partícula da substância. Alguns exem-
conhecido. Dalton acreditava, por exemplo, que o plos:
gás hidrogênio seria formado por átomos de hidro-
gênio isolados, representados hoje por H, e que a
• H2O – água
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• H2SO4 – ácido sulfúrico Trata-se de uma transformação química em


• C6H9O6 – vitamina C que o estado inicial é o calcário e o estado final é a
• C2H6O – álcool etílico cal viva e o dióxido de carbono ou gás carbônico.
• O2 – gás oxigênio Esquematizando:

Nas fórmulas químicas, os índices subscritos à


direita dos símbolos dos elementos indicam a quan-
tidade em que estão presentes. Por exemplo, cada
Considerando que os elementos são represen-
molécula de vitamina C é formada por seis átomos
tados por símbolos, e as substâncias compostas são
de carbono, nove de hidrogênio e seis de oxigênio.
representadas por fórmulas, como já mencionado,
A imagem ao lado representa uma partícula de
é possível substituir os nomes das substâncias pelas
ácido sulfúrico com os átomos que a formam. Ela
respectivas fórmulas:
também pode ser representada, como você viu,
pela fórmula química H2SO4.

A representação anterior é chamada de equa-


ção química. Percebe-se, assim, ser possível regis-
trar o que sucedeu na calcinação do calcário utili-
zando uma linguagem simbólica, própria da Quími-
ca e que é universal.
Desse modo, a equação química que represen-
ta a calcinação do carbonato de cálcio expressa
uma mensagem entendida pelos químicos de todo
o mundo:
Uma partícula de carbonato de cálcio (cons-
tituída por um átomo de cálcio, um de carbono e
três de oxigênio) se decompõe, após aquecimen-
to, em uma partícula de óxido de cálcio (consti-
A esfera amarela representa o átomo de enxo- tuída por um átomo de cálcio e um de oxigênio)
fre (um, apenas), as esferas vermelhas, os átomos e uma partícula de dióxido de carbono (constituí- 73
de oxigênio (quatro, no total) e as esferas brancas, da por um átomo de carbono e dois de oxigênio).
os átomos de hidrogênio (dois, no total). Usando a linguagem química, essa reação pode
ser escrita como:
3. A linguagem simbólica da Química
CaCO3(s) + calor → CaO(s) + CO2(g)
A Química, como toda ciência, tem uma lin-
guagem própria e convencional por meio da qual Como se vê, o conjunto de informações a res-
os químicos de todo o mundo se comunicam e se peito de dada transformação química, se forneci-
entendem. As substâncias apresentam um número do em linguagem descritiva, pode ser representa-
definido de átomos. do em linguagem simbólica, por meio de uma sim-
Os elementos são representados por símbolos ples equação química. Resumindo:
químicos e as substâncias, por fórmulas. A fórmu- A transformação química é o fato experimen-
la expressa a composição qualitativa e quantitati- tal, e a equação química, o modo convencional
va da partícula de uma dada substância, ou seja, de representá-la. Como se observa, a equação
além de indicar quais elementos a compõem, tam- tem dois membros separados pelo sinal → (lê-se:
bém expressa o número de átomos de cada um produz ou resulta em). No primeiro membro, figu-
deles. Assim, por exemplo, a fórmula CaCO3, que ram os reagentes ou o estado inicial do sistema. No
representa uma partícula de carbonato de cálcio, segundo membro, figuram os resultantes ou produ-
informa também que essa partícula é constituída tos da reação ou o estado final do sistema. As letras
por um átomo de cálcio, um de carbono e três de entre parênteses, ao lado das fórmulas dos partici-
oxigênio (indicados pelo índice 3 no símbolo desse pantes da reação, indicam o estado físico (sólido,
elemento). líquido ou gasoso) de cada um deles.
Portanto, a massa dessa partícula é a soma das
massas dos átomos que a constituem. Considere a 4. Balanceamento de equações
obtenção da cal, que envolve a interação do cal-
cário com o calor, e sua representação por meio Como a massa em uma reação química se
de linguagem descritiva: conserva, a teoria atômica de Dalton admite que
o número de átomos de cada elemento utilizado
no estado inicial deve ser o mesmo encontrado no
estado final, como mostra a imagem ao lado.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Se o número de átomos do mesmo elemento Quantas partículas de NaHCO3 devem ter par-
químico presente nos reagentes não for igual ao ticipado da formação de uma partícula de Na-
número de átomos do mesmo elemento químico 2CO3? Para que haja conservação dos átomos,
nos produtos, deve-se efetuar o seu balancea- tem-se duas partículas de NaHCO3:
mento. Para tanto, quando necessário, introduz-se
antes das fórmulas das substâncias participantes 2 NaHCO3(s) + energia → Na2CO3(s) + H2O(l) +
coeficientes numéricos que permitam igualar o nú- CO2(g)
mero de átomos de cada elemento em ambos os
membros da equação. Essa operação é chamada Outra alternativa seria ter iniciado o balancea-
balanceamento da equação. mento pelos átomos de hidrogênio, porque eles
Como exemplo, observe a equação que repre- também aparecem somente em uma das partícu-
senta a reação entre gás hidrogênio e gás oxigênio las do produto, ou seja, na água.
formando água: Achou difícil? Acompanhe: nos produtos, o ele-
mento hidrogênio está representado somente na
H2(g) + O2(g) → H2O(l) água. Vê-se que nela há dois átomos de hidrogê-
nio.
Note que os átomos representados nos reagen- Em um balanceamento de equação, não se
tes se recombinam para formar os produtos. Isso pode mudar a fórmula da água – por exemplo, em
porque, nas reações químicas, átomos não são vez de escrever H2O, escrever HO –, ou não se esta-
criados nem destruídos (segundo Dalton). Logo, em ria mais representando a água, mas outra substân-
suas representações, isso também não pode ocor- cia qualquer.
rer. Como os átomos não são criados nem destruí-
Observe que há dois átomos de oxigênio nos dos nas transformações químicas, os átomos de hi-
reagentes que formam a molécula O2 e apenas um drogênio da água terão que ser provenientes do
átomo desse elemento no produto, que faz parte hidrogenocarbonato de sódio (NaHCO3, mais co-
da substância H2O, água. Para igualar o número de nhecido como bicarbonato de sódio); não há ou-
átomos de oxigênio, considera-se que se formaram tro jeito.
duas partículas de água e coloca-se o coeficiente Portanto, serão necessárias duas partículas de
2 antes da fórmula H2O (abaixo destacado para fa- NaHCO3. Isso pode ser expresso assim:
cilitar sua observação).
2 NaHCO3(s) + energia → Na2CO3(s) + H2O(l) +
H2(g) + O2(g) → 2 H2O(l) CO2(g)
74
Assim procedendo, passa-se a ter duas partícu- Agora, deve-se conferir se os números dos ou-
las de água e, portanto, dois átomos de oxigênio tros átomos estão corretos.
tanto no primeiro como no segundo membro da Assim, os coeficientes numéricos presentes em
equação. Porém, em duas partículas de água há qualquer equação química balanceada são intro-
quatro átomos de hidrogênio e, nos reagentes – pri- duzidos não apenas para que ela expresse a con-
meiro membro da equação –, na partícula H2, há servação da massa, mas também para indicar a
apenas dois átomos desse elemento. proporção, em termos de partículas, entre os parti-
O que é preciso fazer para completar o ba- cipantes da transformação.
lanceamento dessa equação que representa a Observe mais um exemplo. A queima do gás
formação da água? Quantas partículas de água metano (CH4), conhecido como gás natural, forma
se formam a partir de duas partículas H2? Como se gás carbônico (CO2) e água (H2O), quando com-
pode observar, duas partículas de H2 formam duas pleta. A reação é representada pela equação:
de água:
CH4(g) + O2(g) → CO2(g) + H2O(l)
2 H2(g) + O(g) → 2 H2O(l)
Como se pode observar, a quantidade de áto-
Considere agora o processo de obtenção do mos de oxigênio (O) e hidrogênio (H) não é a mes-
carbonato de sódio a partir do hidrogenocarbona- ma nos reagentes e produtos, sendo necessário ba-
to de sódio, representado pela equação que se- lancear a equação.
gue: Começa-se escolhendo uma das substâncias
para se definir uma quantidade. Nesse caso, a me-
NaHCO3(s) + energia → Na2CO3(s) + H2O(l) + lhor escolha é o metano (CH4), já que todos os áto-
CO2(g) mos de carbono do gás carbônico e de hidrogênio
da água vêm do metano.
Analisando essa representação, verifica-se que Escolhendo o valor 1 para a quantidade de
o número de átomos dos elementos que consti- moléculas de CH4, tem-se um átomo de carbono
tuem os participantes da reação não é o mesmo e quatro de hidrogênio para formar o gás carbôni-
em ambos os membros da equação. Porém, como co, que possui um átomo de carbono em sua mo-
há dois átomos de sódio no produto formado, Na- lécula, e a água, que necessita de dois átomos de
2CO3, eles devem ser provenientes de NaHCO3. hidrogênio em cada molécula. Assim, serão forma-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

das uma molécula de CO2 e duas de H2O: A produção de cal no Brasil, em 2008, foi de 7,3 ∙
106 t. O processo pode ser representado usando
1 CH4(g) + O2(g) → CO2(g) + H2O(l) linguagem descritiva:
1 CH4(g) + O2(g) → 1 CO2(g) + 2 H2O(l)

Agora é preciso acertar as quantidades de áto-


mos de oxigênio. Como as quantidades dos pro-
dutos já estão definidas, o número de átomos de Ou por uma equação química:
oxigênio que formam CO2 e 2 H2O é quatro, forne- CaCO3(s) + energia térmica → CaO(s) + CO2(g)
cidos pelas moléculas do gás oxigênio, O2. A hidratação (reação com a água) da cal
Para fornecer quatro átomos de oxigênio, ne- (CaO) forma a cal apagada ou extinta, ou hidró-
cessita-se de duas moléculas de gás oxigênio: xido de cálcio (Ca(OH)2). Essa reação é fortemen-
te exotérmica, isto é, libera grande quantidade
1 CH4(g) + 2 O2(g) → 1 CO2(g) + 2 H2O(l) de calor. A transformação pode ser representada
usando linguagem descritiva:
Quando o coeficiente de uma equação é 1,
ele não precisa ser representado:

CH4(g) + 2 O2(g) → CO2(g) + 2 H2O(l)

PROCESSOS PRODUTIVOS:
OBTENÇÃO DA CAL E A TABELA PERIÓDICA Ou por uma equação química:

1. Obtenção da cal CaO(s) + H2O(l) → Ca(OH)2(s)

A cal é produzida da calcinação da rocha O hidróxido de cálcio é muito pouco solúvel


calcária, processo em que o material é bastante em água; sua solução aquosa é conhecida como
aquecido, decompondo o CaCO3 (calcário) em água de cal.
CaO (cal) e CO2 (dióxido de carbono). A imagem
mostra um moderno forno no qual a cal é produzi-
#FicaDica
da, na calcinação do carbonato de cálcio, pelo
calor liberado na queima de combustíveis como Os estados físicos das substâncias
carvão, gás natural ou óleo combustível. são representados por (s), que significa 75
sólido; por (l), líquido; (g), gasoso; (v), va-
por; e (aq), dissolvido em água.

1. A importância da cal

Atualmente, a cal é um importante insumo nas


mais variadas atividades humanas: na construção
civil, em argamassas e tintas; na construção de es-
tradas, como estabilizante do solo; na indústria si-
derúrgica, como aglomerante; na metalúrgica, em
diferentes fases da produção de metais. É também
matéria-prima em diversos processos químicos,
como na obtenção de cloreto de cálcio, carbeto
de cálcio e hipoclorito de cálcio, bem como nos
processos de produção de papel, refratários, pneus
e em curtumes. É usada, ainda, na indústria de ali-
mentos como redutora de acidez, ou na agricultu-
ra, para corrigir a acidez do solo e como fonte de
cálcio em fertilizantes.
Está presente também no saneamento básico,
no tratamento da água descartada por residên-
cias e indústrias e na água distribuída à população.
O gráfico a seguir mostra o consumo da cal em di-
ferentes áreas da indústria.
A temperatura nos fornos chega a 1.000 °C
para a total calcinação do calcário. Para 1,8 to-
nelada (t) de rocha calcária, obtém-se 1 t de cal
virgem (CaO), que vai formar 1,3 t de cal hidrata-
da (Ca(OH)2). Nos fornos modernos, o consumo de
energia é da ordem de 1 ∙ 106 kcal/t de cal obtida.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Para a elaboração da primeira tabela de mas-


sas atômicas, adotou-se como referência o áto-
mo de hidrogênio para determinar as massas dos
átomos. A ele foi atribuído o valor de 1 unidade de
massa atômica ou, simplesmente, 1. Por meio de
diversos processos e algumas hipóteses, foi possível
comparar as massas dos átomos de diferentes ele-
mentos e criar a tabela de massas atômicas. Quan-
do se lê que a massa atômica do hidrogênio é 1 e
a do enxofre é 32, significa que a massa do átomo
de enxofre é 32 vezes maior que a do átomo de
hidrogênio, o padrão adotado.
Com a tabela de massas atômicas, os quími-
cos puderam relacionar as massas das substâncias
com o número de partículas a elas associado. As
equações químicas fornecem as proporções entre
o número de partículas (moléculas, por exemplo)
2. Proteção no trabalho que reagem e se formam. Ora, podendo relacionar
a quantidade de partículas com a massa, as equa-
Um grave problema que não está bem equa- ções também forneceriam as proporções entre
cionado no Brasil é a segurança no trabalho. O uso massas de reagentes e de produtos; ao determinar
de equipamentos de segurança e as condições a massa de uma substância, se saberia, também, a
em que o trabalho é realizado são os principais tó- quantidade de partículas existente.
picos polêmicos. Para que você possa entender como relacio-
Veja-se o caso da construção civil: produtos nar a massa com o número de átomos, observe pri-
químicos como a cal, o cimento, as tintas e as co- meiro um exemplo macroscópico.
las devem ser manipulados em locais abertos e Em uma loja, o funcionário precisa determinar
ventilados, e com uso de equipamentos de segu- o número de parafusos enviados em uma grande
rança como máscaras, óculos e luvas para evitar embalagem. Como esse número é muito grande,
doenças respiratórias e problemas de pele, como ele pensou em uma maneira diferente de contar:
dermatoses.
Segundo a Fundação Jorge Duprat Figueiredo • determinou a massa de diferentes amostras
76 de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacen- que continham 20 parafusos. A repetição foi
tro), o uso dos equipamentos de segurança é fun- para ter uma média da massa dos 20 parafu-
damental para a saúde e a proteção do trabalha- sos, obtendo o valor de 50 g;
dor. • determinou a massa de todos os parafusos, en-
As empresas são obrigadas a fornecer todo o contrando o valor de 5 kg.
material de proteção aos funcionários e a zelar por
seu uso, ou seja, garantir que eles cumpram as re- Conhecendo a massa de 20 parafusos e a mas-
gras de segurança e utilizem os equipamentos para sa de todos os parafusos, e considerando que as
a própria proteção. massas deles são praticamente iguais, basta fazer
A cal provoca queimaduras e reage violenta- a proporção:
mente com a água. Deve-se evitar a inalação do
produto e seu contato com a pele ou os olhos. Zelar
pela segurança é, antes de tudo, interesse do pró-
prio trabalhador.

RELAÇÃO ENTRE MASSA E NÚMERO DE PARTÍCU-


LAS
O funcionário descobriu que no pacote havia
Observe a equação a seguir, que representa a 2.000 parafusos. Pode-se usar raciocínio semelhan-
reação da cal com a água: te para os átomos e as moléculas. Segundo o mo-
delo atômico de Dalton, átomos de mesmo ele-
CaO(s) + H2O(l) → Ca(OH)2(s) mento químico apresentam a mesma massa. Se a
massa de um átomo de oxigênio for 16 vezes maior
As equações que representam as reações, que a de um de hidrogênio, essa mesma relação
como a da cal com a água, não servem apenas vale sempre que o número de átomos de hidrogê-
para informar quais são os reagentes e os produtos; nio for igual ao de átomos de oxigênio. Veja:
elas fornecem, ainda, as proporções entre a quan-
tidade de partículas que reagem e que se formam,
e também as relações entre massas de reagentes
e produtos. Para perceber essas relações, basta ter
à mão uma tabela de massas atômicas.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Portanto, caso tenha 1 g de átomos de hidrogênio, que é a massa atômica do hidrogênio em gramas, e
16 g de átomos de oxigênio, que é a massa atômica do oxigênio em gramas, a relação entre elas, será 16.
Desse modo, embora não se saiba quantos átomos há nas amostras, sabe-se que o número de átomos dos
dois elementos é igual. Isso vale para todos os elementos. A tabela a seguir apresenta as massas atômicas
de alguns elementos e algumas relações que podem ser feitas.

A massa atômica de qualquer elemento expressa em gramas apresenta o mesmo número de átomos
(n). Ao conjunto dessas partículas foi dado o nome de mol.

Um mol é o número de átomos existentes em uma amostra de um


elemento qualquer cuja massa, em gramas, é numericamente igual à
massa atômica do elemento. Assim, utilizando um aparelho comum, a
balança, é possível comparar quantidades de átomos por meio de mas-
sas em gramas.
Conhecendo os valores das massas atômicas, é possível calcular a
massa molecular de uma substância. A água é formada por moléculas 77
que apresentam dois átomos de hidrogênio e um átomo de oxigênio.
Como a massa atômica do hidrogênio é 1 e a do oxigênio, 16, e se tem
dois átomos de hidrogênio e um átomo de oxigênio, a massa molecular
da água será 18.
Pode-se calcular a massa molecular de qualquer substância; basta co-
nhecer a massa atômica dos átomos que aparecem em sua fórmula
molecular.
Acompanhe o cálculo das massas moleculares das substâncias repre-
sentadas pelas fórmulas ao lado.

Dados:
massas atômicas → C = 12; H = 1; O = 16; S = 32.

Assim como no caso das massas atômicas, as massas moleculares, quan-


do expressas em gramas, contêm o mesmo número n, só que de molé-
culas. A tabela a seguir mostra essas relações.

O número de moléculas para todas as substâncias, representado por n, é 1 mol. Atualmente, sabe-se o
valor que o mol representa aproximadamente: 6 ∙ 1023 partículas, ou seiscentos sextilhões (600.000.000.000.
000.000.000.000) de partículas. Assim, em:
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

• 1 g de hidrogênio (H) há 1 mol de átomos de H,


ou 6 ∙ 1023 átomos de H.
• 16 g de oxigênio (O) há 1 mol de átomos de O,
ou 6 ∙ 1023 átomos de O.
• 12 g de carbono (C) há 1 mol de átomos de
carbono, ou 6 ∙ 1023 átomos de C. O número de moléculas de água no copo é
• 18 g de água (H2O) há 1 mol de moléculas de 13,9 mol. Só por curiosidade, acompanhe o cálculo
H2O, ou 6 ∙ 1023 moléculas de H2O. de quantas moléculas correspondem aos 13,9 mol
• 44 g de gás carbônico (CO2) há 1 mol de mo- de água:
léculas de CO2, ou 6 ∙ 1023 moléculas de CO2.

A dúzia corresponde a 12 unidades quaisquer:


12 lápis, 12 bananas etc. O mol corresponde a 6 ∙
1023 átomos, ou moléculas, ou qualquer outro tipo x = 13,9 ∙ 6 ∙ 1023 = 8,3 ∙ 1024 moléculas de água,
de partícula que exista em quantidades enormes. ou oito septilhões e trezentos sextilhões (8.300.000.0
A figura a seguir compara 1 mol de diferentes subs- 00.000.000.000.000.000) de moléculas de água.
tâncias. Acompanhe agora o cálculo das massas de di-
ferentes quantidades de matéria das substâncias.

Exemplo:
1: 5 mol de CO2 (gás carbônico)
É necessário determinar a massa molecular de
CO2:
12 + (2 ∙ 16) = 44
A massa molar, isto é, a massa de 1 mol de CO2,
é 44 g. Assim, tem-se:

78 O mol é a unidade usada para a grandeza


quantidade de matéria e fornece o número de par- A massa de 5 mol de CO2 é 220 g.
tículas formadoras de uma amostra. Tanto o nome
quanto a unidade são chamados de mol. A gran- Exemplo 2: 0,25 mol de C2H6O (álcool)
deza massa pode ser medida pela unidade grama, A massa molecular do álcool, C2H6O, é (2 ∙ 12) +
representada por g, e a grandeza quantidade de (6 ∙ 1) + 16 = 46; portanto, a massa molar (massa de
matéria é medida pela unidade mol, representada 1 mol) do álcool é 46 g
por mol.
Quando a massa atômica e a massa molecular
estão expressas em gramas, elas são chamadas de
massa molar.
Observe agora o trabalho com as grandezas
massa e quantidade de matéria. Um copo contém
250 mililitros (mL) de água.
Quantos mols de água há no copo? A massa de 0,25 mol de C2H6O (álcool) é 11,5 g.
Considerando que a densidade da água é 1
g/mL, pode-se determinar sua massa existente no
copo: 250 g (há 1 g em cada mL). A massa mole- #FicaDica
cular da água é encontrada usando sua fórmula e As massas atômicas estão no exercí-
as massas atômicas dos elementos que a formam cio anterior. Não se esqueça de que a
massa molar está em gramas (g); é ne-
H2O → (2 ∙ 1) + 16 = 18 cessário transformar tonelada (t) e qui-
lograma (kg) em grama (g). Para tanto,
Portanto, em 18 g de água (massa molar), tem- considere: 1 t = 1.000 kg e 1 kg = 1.000 g
-se 1 mol de moléculas de água. Como a massa é
proporcional ao número de moléculas:
TABELA PERIÓDICA
18 --------------------- g 1 mol de moléculas de água
250 g -----------------x mol de moléculas de água Classificando os elementos químicos Uma das
primeiras tentativas de classificação dos elemen-
tos reunia-os em dois grupos: metais e não metais,
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

como é mostrado na tabela a seguir.

É possível classificar os elementos segundo diversas características que eles apresentam. O número de
grupos de elementos com características semelhantes vai depender do número de características esco-
lhidas.
A tabela a seguir descreve algumas características dos elementos Ne, Li, Cl, Na, Ar, K e Br. Analisando
as informações fornecidas, é possível classificar esses elementos em três grupos, segundo as semelhanças
observadas entre eles?

79

É provável que você tenha formado três possíveis grupos:

Grupo 1: Li, Na e K
• São bons condutores elétricos e térmicos.
• Reagem com a água, formando o gás hidrogênio.
• Reagem com o cloro, formando substâncias de fórmulas semelhantes: LiCl, NaCl e KCl.
• Reagem da mesma forma com o bromo, formando LiBr, NaBr e KBr.
• Reagem com o hidrogênio, formando LiH, NaH e KH.

Grupo 2: Cl e Br
• São maus condutores elétricos e térmicos.
• Reagem com a água, formando HCl e HBr.
• Reagem com o hidrogênio de forma semelhante, formando HCl e HBr.
• Reagem com Li, Na e K, formando LiCl, LiBr, NaCl, NaBr, KCl e KBr.

Grupo 3: Ne e Ar
• São maus condutores elétricos e térmicos.
• Não reagem com nenhuma das substâncias da tabela.

Com o aumento do número de elementos descobertos, os químicos sentiram a necessidade de organizá-los


em grupos, usando como critério de classificação semelhanças observadas no comportamento químico.

Quando as massas atômicas dos elementos se tornaram conhecidas com mais exatidão, os químicos
procuraram agrupá-los relacionando suas propriedades físicas e químicas com as respectivas massas atô-
micas.
Várias foram as tentativas de classificar os elementos químicos, mas, à medida que trabalhos eram pu-
blicados com novas propostas, novas ideias também surgiam. Até que, em 1869, um químico russo, Dmitri
Ivanovich Mendeleev (1834- -1907), professor da Universidade de São Petersburgo, observou que havia
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

repetição periódica das propriedades químicas e físicas quando os elementos eram ordenados segundo
as massas atômicas crescentes. Enunciou, então, uma lei conhecida sob o nome de lei periódica: as pro-
priedades dos elementos são uma função periódica de suas massas atômicas.
Mendeleev construiu um sistema periódico em que os elementos foram dispostos em colunas verticais
e linhas horizontais, de acordo com as massas atômicas crescentes, e de tal forma que elementos de uma
mesma coluna (família) apresentavam propriedades semelhantes.

1. A tabela periódica moderna

A tabela periódica atual, de acordo com o que foi estabelecido pela União Internacional de Química
Pura e Aplicada (IUPAC, na sigla em inglês), contém 7 linhas horizontais (os períodos) e 18 linhas verticais
(as famílias ou grupos). Nela, os elementos estão dispostos na ordem crescente dos respectivos números
atômicos (número de prótons), assunto que será discutido no Volume 2. Os elementos do mesmo grupo (ou
família) apresentam propriedades semelhantes.

80

Veja alguns exemplos:


Os elementos do grupo 1 (1A), os metais alcalinos, que estão localizados na primeira coluna da tabela
periódica, reagem com água com grande desprendimento de calor, liberando o gás hidrogênio.

2 Li(s) + 2 H2O → 2 LiOH(aq) + H2(g) + energia térmica


2 Na(s) + 2 H2O → 2 NaOH(aq) + H2(g) + energia térmica
2 K(s) + 2 H2O(l) → 2 KOH(aq) + H2(g) + energia térmica
Já os elementos localizados na coluna 17 ou 7A (F, Cl, Br e I), que pertencem à família dos halogênios
(formadores de sal), reagem com o sódio formando substâncias com fórmulas semelhantes e, também,
liberando calor.
2 Na(s) + F2(g) → 2 NaF(s) + energia térmica
2 Na(s) + Cl2(g) → 2 NaCl(s) + energia térmica
2 Na(s) + Br2(l) → 2 NaBr(s) + energia térmica
2 Na(s) + I2(s) → 2 NaI(s) + energia térmica
CaCO3 + 2 HCl → CaCl2 + CO2 + H2O

Qual seria a fórmula do carbonato de magnésio e como se comportaria em relação ao ácido clorídri-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

co? Como o magnésio é da mesma família do cál- dos com seu estudo sobre a fermentação do suco
cio, provavelmente vão apresentar fórmulas e rea- de uva encontram-se na tabela a seguir.
ções semelhantes. Assim, a equação da reação do
carbonato de magnésio (MgCO3) com o ácido é:

MgCO3 + 2 HCl → MgCl2 + CO2 + H2O

Entre as várias regularidades apresentadas pela


tabela periódica, pode-se verificar, analisando a
tabela a seguir, os hidretos de elementos de uma
família, isto é, as substâncias formadas pelo hidro-
gênio e pelos elementos de uma mesma família.
Note que a proporção entre os átomos do elemen-
to e os átomos de hidrogênio é sempre a mesma.
2. Conclusões de Pasteur

Pasteur concluiu, a partir dos resultados de seu


trabalho, que a fermentação causada pelos mi-
crorganismos era responsável pela qualidade do
álcool, da cerveja e de tantos outros produtos, pois
a competição entre os microrganismos é que pro-
duzia um produto bom ou não.
A localização dos elementos na tabela perió- Nas fermentações, os microrganismos alimen-
dica é dada pelas famílias (linhas verticais ou co- tam-se das substâncias contidas no material, os
lunas) e pelos períodos (linhas horizontais). Os pe- carboidratos, transformando-os. Os carboidratos
ríodos são numerados de 1 a 7, sendo o primeiro constituem a maior fonte de energia para grande
formado apenas por dois elementos, o hidrogênio parte dos seres vivos. Eles são encontrados em to-
(H) e o hélio (He). das as células vivas, vegetais e animais, sob a for-
O elemento sódio (Na), por exemplo, está lo- ma de açúcares, amido e celulose. A transforma-
calizado na família 1 (1A) e no terceiro período. O ção pode ser feita diretamente a partir da ação
elemento bromo (Br) está localizado na família 17 de microrganismos ou enzimas sintetizadas por eles.
(7A) e no quarto período. O elemento que está no
primeiro período e na família 18 é o hélio (He). O 81
elemento que está no quinto período e na família #FicaDica
14 (4A) é o estanho (Sn). Enzimas
Substâncias sintetizadas nas células
PROCESSOS PRODUTIVOS: FERMENTAÇÃO que são capazes de aumentar a rapidez
das reações químicas, que seriam muito
1. Fermentação lentas se realizadas nas condições exis-
tentes nos organismos vivos. As enzimas
Durante muito tempo, a fermentação foi prati- atuam, portanto, como catalisadores
cada com pouco conhecimento sobre suas cau- das reações, aumentando a rapidez de-
sas. Somente em 1854, as investigações do cientista las sem serem consumidas.
francês Louis Pasteur permitiram um maior domínio
da fermentação. Esse cientista foi procurado por
um industrial que produzia álcool de beterraba As fermentações envolvem a quebra de molé-
para resolver um problema: a contaminação desse culas mais complexas em outras mais simples. Em
álcool por substâncias indesejáveis. alguns casos, são utilizadas para a obtenção de
As investigações realizadas por Pasteur indica- certos materiais cujos processos químicos usuais são
ram que os processos envolvidos na fermentação difíceis de realizar ou, então, muito dispendiosos,
não eram apenas químicos; “fermentos vivos” tam- como a produção de hormônios e de vitaminas.
bém participavam dela.
Essa ideia era contrária à da época. Sabia-se 2. Obtendo álcool por fermentação
que o levedo era o responsável pela fermentação,
mas ele era considerado um catalisador (substân- De que maneira o álcool é obtido? As experiên-
cia que aumenta a rapidez de uma reação sem cias que serão descritas agora simulam o proces-
ser consumida). Segundo Pasteur, o levedo era um so industrial de obtenção do álcool, cuja matéria-
vegetal microscópico, e o álcool, produto de seu -prima é o caldo de cana-de-açúcar (garapa). É
metabolismo. No entanto, havia uma dúvida: o le- possível realizar os experimentos utilizando materiais
vedo já existia em algum lugar ou era gerado de simples e fáceis de encontrar. Acompanhe os pas-
modo espontâneo? sos a seguir:
Buscando resposta a essa questão, Pasteur rea-
lizou inúmeros experimentos. Alguns resultados obti-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Experimento 1 dos termômetros) das soluções contidas nos frascos


• Coloca-se água de cal (solução de cal dissol- A e B. São feitas leituras da temperatura a cada
vida em água) em um copo até a metade de cinco minutos, registrando as medidas e observan-
sua altura. do o que ocorreu com a água de cal. A tabela que
• Com um canudo de refresco, assopra-se na segue mostra os resultados obtidos.
água de cal. O que será que acontece?

A mistura, que era límpida, fica turva e forma-se


um sólido branco. A reação que ocorre é entre o
gás carbônico expirado durante a respiração e o
hidróxido de cálcio existente na água de cal. Essas
reações são representadas pelas equações:

• Acrescentar cal (CaO) à água: CaO(s) + H2O(l)


→ Ca(OH)2(aq)
• Assoprar na solução: CO2(g) + Ca(OH)2(aq) →
CaCO3(s) + H2O(l)

Como o CaCO3 é pouco solúvel em água, a


solução fica turva. Destampando as garrafas pet para sentir o
odor de seu conteúdo, nota-se que na garrafa pet
Experimento 2 A o cheiro é de álcool, mas não se percebe esse
Preparam-se dois conjuntos semelhantes aos odor na garrafa pet B. Após 48 horas, pode-se ob-
que aparecem na figura a seguir: servar que tanto na garrafa pet A quanto na B há
cheiro de álcool, só que na B ele é bem mais fraco.
Acompanhe a reflexão sobre esses experimentos.
Considere a garrafa pet A, que contém caldo de
cana e fermento. Foram observados sinais de trans-
formação, pois surgiram bolhas e o líquido parecia
ferver. A temperatura subiu 2 °C.
No copo ligado à garrafa pet A, que continha
82 água de cal, a solução ficou turva, formando um
sólido branco semelhante ao do primeiro experi-
mento. Nele, ao se assoprar a água de cal com o
canudo, ocorreu uma reação química, indicada
pela turvação da solução. Essa turvação deve-
-se ao surgimento de um sólido branco, um novo
material. Considerando que o ar expirado contém
Coloca-se 100 mL de caldo de cana na garrafa dióxido de carbono (CO2), a interação entre o gás
pet A e repete-se o processo na garrafa pet B. Esfa- carbônico e a água de cal resultou na formação
rela-se um tablete de fermento de padaria em um do sólido branco, segundo a equação química:
papel limpo e esses farelos são adicionados ape-
nas ao caldo de cana contido na garrafa pet A, CO2(g) + Ca(OH)2(aq) → CaCO3(s) + H2O(l)
sendo espalhados sobre a superfície do líquido. Nos
recipientes menores, que podem ser copos (como Voltando ao segundo experimento, é provável
na figura), coloca-se água de cal até a metade de que, no copo conectado à garrafa pet A, que con-
sua altura e mergulham-se os tubos de borracha, tinha o caldo de cana e o fermento, tenha ocorri-
um em cada recipiente. do a mesma reação; portanto, o gás formado du-
Colocam-se as rolhas com os termômetros e as rante a fermentação deve ser CO2, pois o material
mangueiras nas garrafas pet A e B, tomando o cui- branco que se formou parece ser o mesmo nos dois
dado de manter os bulbos dos termômetros mergu- experimentos.
lhados no líquido. Além do CO2 produzido, também se formou um
Será que se esqueceu de colocar fermento líquido com odor de álcool, indicando a formação
na garrafa pet B? Não, não foi um esquecimento! dessa substância.
Isso foi feito para comparar os resultados dos dois Na garrafa pet B, onde não havia fermento,
conjuntos ou sistemas: o que contém fermento e o após 48 horas sentia-se o odor de álcool, porém
outro que não contém. A garrafa pet B é o “con- de modo muito mais brando que na garrafa pet A.
trole”, isto é, o experimento que será utilizado para Mas atenção: não se deve inalar o conteúdo das
comparar a ação do fermento; por essa razão, não garrafas, visto que a mistura de álcoois formada
pôde recebê-lo. pode incluir o metanol, que é tóxico.
Anotam-se na tabela as temperaturas iniciais Comparando os resultados das garrafas pet A e
(elas podem até ser avaliadas pelo tato, no lugar B em relação ao tempo decorrido para se sentir o
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

odor de álcool, o papel do fermento nesse proces- em casa e de grande importância industrial. Além
so é o de aumentar a rapidez da reação, ou seja, de seu uso como combustível e solvente, é tam-
acelerá-la, uma vez que no fermento existem mi- bém o ingrediente que caracteriza as chamadas
crorganismos que metabolizam o açúcar presente bebidas alcoólicas.
na garapa e o transformam em álcool. De acordo com as regras de nomenclatura
As reações que ocorreram nas garrafas pet A e para compostos orgânicos, seu nome oficial é eta-
B são conhecidas por fermentação. Comparando nol. A fórmula molecular, C2H6O, mostra que a mo-
a fermentação com a combustão do gás de fo- lécula de etanol é um agrupamento de átomos,
gão, em termos de rapidez, a primeira é lenta e a sendo constituída por dois átomos de carbono, seis
segunda combustão é rápida. de hidrogênio e um de oxigênio.
Agora, recorde rapidamente o que você estu- O processo industrial de obtenção do álcool etí-
dou nas Unidades anteriores. A transformação dos lico é semelhante ao utilizado para a elaboração
reagentes em produtos pode ser representada por de bebidas alcoólicas. A produção de álcool, aliás,
uma equação química com dois membros. No pri- foi uma consequência da fabricação destas. Sua
meiro, figuram os reagentes, ou estado inicial. No produção pode se dar através da fermentação de
segundo, aparecem os produtos da transforma- qualquer material rico em carboidratos, como o mi-
ção, ou estado final. lho, a mandioca etc.
No Brasil, a matéria-prima comumente utilizada
na obtenção do álcool é a cana-de-açúcar. Para
extraí-lo do melaço de cana-de-açúcar, é neces-
sário diluir o melaço em água, a fim de que seja
alcançada a melhor concentração de açúcares
O açúcar do caldo de cana é a sacarose, que para a ocorrência da fermentação. Uma levedura
se hidrolisa – interage com a água –, originando a é acrescentada para que a fermentação se inicie.
glicose. Representando a fermentação por equa- Após a fermentação, o álcool é separado por des-
ções, a seguir encontram-se os nomes dos reagen- tilação e apresenta 95% de pureza, isto é, 5% dele é
tes e dos produtos dessa reação: água e 95% é álcool etílico.
Para obter o álcool 100% (álcool absoluto), ou-
tros processos são utilizados, sendo o mais simples a
adição de cal (óxido de cálcio). O óxido de cálcio
não é solúvel no álcool e reage com a água exis-
tente, segundo a equação:
83
CaO(s) + H2O(l) → Ca(OH)2(s)

Como a sacarose é representada pela fórmula Tanto o CaO quanto o Ca(OH)2 são insolúveis
C12H22O11, a glicose, por C6H12O6, o gás carbônico, no álcool e ficam depositados no fundo do frasco
por CO2, e o etanol, por C2H6O, é possível represen- que o contém.
tar as transformações por equações, substituindo A seguir, apresenta-se um fluxograma de dois
os nomes dos reagentes e dos produtos pelas suas processos: um para a extração de açúcar de cana,
respectivas fórmulas: e outro, fermentativo, para a obtenção do álcool.
Processos que levam a cana-de-açúcar ao
açúcar e ao etanol

Embora o processo ocorra em várias etapas,


é possível representar de forma simplificada a fer-
mentação para obter álcool pelas equações an-
teriores.
Vale lembrar que na garrafa pet A obteve-se ál-
cool misturado a outras substâncias, diferentemen-
te, portanto, do álcool encontrado em residências.
Para se obter o álcool usado em casa, seria neces- MEDINDO A CONCENTRAÇÃO DO ÁLCOOL
sário separar os componentes das misturas utilizan-
do os processos de filtração e destilação. Como já estudado, o álcool obtido por desti-
lação fracionada é uma mistura de 95% de álcool
3. A usina de cana-de-açúcar e 5% de água. Para se obter o álcool absoluto, ou
anidro, é necessário retirar os 5% de água presen-
O álcool etílico, conhecido simplesmente como te nele. Isso pode ser realizado misturando-se cal
álcool, é uma substância utilizada com frequência virgem ao álcool e submetendo essa mistura a
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

uma destilação simples. A cal virgem reage com a volvimento em brigas, por exemplo.
água, retirando-a da mistura. Mesmo que nada disso ocorra, os sentidos de
quem ingere bebida alcoólica ficam parcialmen-
CaO(s) + H2O(l) → Ca(OH)2(s) te anestesiados, tornando o ato de dirigir qualquer
veículo extremamente perigoso, visto que a capa-
No Brasil, o álcool é um importante combustí- cidade de reação diante do perigo torna-se mais
vel. A energia liberada em sua queima é responsá- lenta. O bom senso de não dirigir nem operar má-
vel pelo funcionamento de muitos tipos de motor. quinas enquanto o álcool ingerido estiver em ação
Como o álcool pode se misturar com a água em torna a vida de todos melhor e mais segura.
qualquer proporção, é fácil alterar o álcool com-
bustível acrescentando água, porém essa fraude A ENERGIA NAS REAÇÕES QUÍMICAS
pode ser detectada medindo- -se a densidade do
combustível. 1. Reações exotérmicas e endotérmicas
Uma forma fácil de conhecer a quantidade de
álcool existente em uma amostra comercial é de- As reações que acontecem transferindo ener-
terminando a sua densidade, grandeza que indica gia na forma de calor para o ambiente são cha-
a massa de um material que ocupa o volume de 1 madas de reações exotérmicas (exo significa “para
mL. Essa determinação é feita através de aparelhos fora”). Já as reações que retiram energia do am-
chamados alcoômetros (encontrados acoplados à biente na forma de calor são denominadas rea-
bomba em muitos pontos de venda de combus- ções endotérmicas (endo quer dizer “para den-
tível), que, além da densidade, contêm a escala tro”). As unidades utilizadas para a energia são a
Gay-Lussac, o que permite a leitura direta da quan- caloria (cal), a quilocaloria (kcal), o Joule (J) e o
tidade de álcool, em °GL. quilojoule (kJ).
O grau Gay-Lussac (o GL) é a unidade que ex- Uma caloria corresponde à energia necessária
pressa a quantidade de álcool (em mL) contida em para aquecer 1 g de água, elevando sua tempe-
100 mL de solução hidroalcoólica, isto é, a percen- ratura de 14,5 °C para 15,5 °C. As relações entre as
tagem volumétrica de álcool na solução. unidades estão relacionadas a seguir:

A relação existente entre a densidade e a esca-


1 cal = 4,2 J 1 kcal = 1.000 cal 1 kJ = 1.000 J
la Gay-Lussac mostra que as densidades das mistu-
ras homogêneas, as soluções, apresentam valores
No caso da unidade J, a representação é em
intermediários entre a da substância mais densa e
letra maiúscula porque o nome dela foi dado em
84 a da menos densa. Assim, em uma mistura de água
homenagem a James Prescott Joule (1818-1889),
e álcool, a 20 °C, a densidade está entre os valores
físico britânico que descobriu as relações entre o
1,00 g/mL, a da água, e 0,789 g/mL, a do álcool.
calor e o trabalho mecânico.
O valor da densidade vai depender da pro-
Na representação das transformações exotér-
porção entre água e álcool. Quando se tem água
micas, a energia é obtida à medida que os produ-
pura, a densidade da amostra é 1,00 g/mL, e, quan-
tos são formados; portanto, ela pode ser indicada
do a amostra é de álcool puro, se terá 0,789 g/mL.
na equação junto aos produtos. Quando se quei-
ma, por exemplo, 1 mol de metano (gás natural), a
1. O consumo de bebidas alcoólicas
energia liberada é de 890 kJ/mol (890 kJ por mol de
CH4). A equação, já balanceada, representando a
As bebidas alcoólicas podem causar tanto mal energia, fica assim:
quanto as drogas ditas ilícitas, como maconha, co-
caína, crack etc. Muitos não sabem que o álcool CH4(g) + O2(g) → CO2(g) + H2O(l) + 890 kJ
é uma droga que causa dependência física e psi-
cológica, e uma das razões para esse desconhe- A energia é sinalizada junto aos produtos e,
cimento é o fato de ele ser tolerado socialmente. por ser liberada na formação deles, é considerada
Sabe-se que o efeito relaxante e agradável das pri- também um produto.
meiras doses, com o aumento do consumo, pode Por outro lado, nas reações que necessitam de
transformar uma pessoa risonha em alguém violen- energia para ocorrer, as endotérmicas, a energia
to. pode ser representada junto aos reagentes, afinal,
Para digerir um copo de vinho, é necessária para que os reagentes sofram a transformação, é
uma hora – o mesmo tempo que se leva para elimi- necessário que absorvam energia do ambiente.
nar o álcool do organismo ao se beber uma dose Na decomposição do calcário (carbonato de
de um destilado como cachaça, uísque, vodca ou cálcio), por exemplo, formando a cal (CaO) e o
um fermentado, como uma lata de cerveja. Quan- gás carbônico (CO2), é necessário fornecer ener-
do ingerido em grande quantidade ou em peque- gia para que o carbonato de cálcio sofra a de-
nas doses diárias, as chances de se adquirir uma composição. Para decompor 1 mol de carbonato
doença no fígado, um problema de alcoolismo de cálcio, necessita-se de 178 kJ/mol (178 kJ por
ou simplesmente sofrer alterações de humor são mol de CaCO3). A representação da reação pela
aumentadas, o que pode predispor o indivíduo a equação é:
comportamentos sociais inadequados, como o en-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

CaCO3(s) + 178 kJ → CaO(s) + CO2(g)

Uma vez indicada a energia na equação, é


possível realizar cálculos da mesma forma para
que sejam determinados as massas ou o número
de mols envolvidos em certa reação.
Observe o exemplo:
Determine a energia liberada na combustão
de 2,3 g de álcool (C2H6O) utilizando a equação a
seguir:

C2H6O(l) + 3 O2(g) → 2 CO2(g) + 3 H2O(l) + 1.367 kJ


Agora, a equação:
Lê-se assim as informações da equação:
1 mol de C2H6O(l) reage com 3 mol de O2 for- C3H8(g) + 5 O2(g) → 3 CO2(g) + 4 H2O(l) + 2.220 kJ
mando 2 mol de CO2, 3 mol de H2O e liberando
1.367 kJ. A NATUREZA ELÉTRICA DA MATÉRIA, O ÁTOMO E A
Agora, já é possível resolver: ENERGIA ATÔMICA

1. Alguns fenômenos elétricos

Os fenômenos elétricos são conhecidos desde


a Antiguidade. Em 600 a.C., o filósofo grego Tales
de Mileto observou que uma resina natural, o âm-
bar, depois de entrar em atrito com a lã, atraía pe-
Analisando a equação, 1 mol de C2H6O libera nas e cascas de cereais.
1.367 kJ; já 0,05 mol vai liberar uma quantidade de Assim, com a observação dessas forças de
energia proporcional. atração e repulsão, iniciaram-se os primeiros estu-
dos dos fenômenos elétricos. O conhecimento das
características das cargas elétricas foi determinan-
te no desenvolvimento dos modelos atômicos.
Agora, você vai iniciar o estudo sobre os fenô-
menos elétricos realizando alguns experimentos. É 85
recomendável fazê-los em um dia em que a umi-
dade do ar esteja baixa, ou seja, em um dia “seco”.
Você vai precisar de:
A energia liberada por 2,3 g de C2H6O é 68,4 kJ.
• dois bastões de plástico, que podem ser ca-
Observe mais um exemplo: netas esferográficas sem a carga e a tampa;
Utilizando as informações a seguir, represente a • um bastão de vidro;
reação para 1 mol do combustível. Queimando to- • um pedaço de tecido de lã;
talmente 2,2 g do gás propano (C3H8, um dos gases • um pedaço de papel-alumínio;
do GLP), há formação de gás carbônico e água, • uma bolinha de isopor;
além de liberação de 111 kJ. Escreva a equação • linhas de costura;
que indica a combustão completa do gás. • um suporte.
A equação deverá apontar as substâncias en-
volvidas na reação, os valores determinados pela
questão e também a energia liberada para as
quantidades pedidas. A equação seria:

1 C3H8(g) + 5 O2(g) → 3 CO2(g) + 4 H2O(l) + 111 kJ

No balanceamento da equação, nenhuma no-


vidade; atribui-se o valor 1 para o C3H8 (três carbo-
nos e oito hidrogênios) e descobre-se a quantidade
de CO2 (três) e de H2O (quatro).
Para acrescentar a energia envolvida, é preci-
so calcular qual seria seu valor na queima total de 1 Experimento sobre eletrização I
mol de propano. Como são grandezas diretamen- Cubra a bolinha de isopor com uma camada
te proporcionais, pode-se fazer a relação: de papel-alumínio e pendure- -a no suporte, como
mostra a figura ao lado (passo 1).
1 partícula de C3H8 → (3 ∙ 12) + 8 = 44, então 1 Atrite (esfregue) o bastão de vidro com o te-
mol de C3H8 corresponde a 44 g (sua massa molar) cido de lã e aproxime-o da bolinha, sem encostar
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(passos 2 e 3). ca, que foi chamada de carga resinosa; na época,


Observe o que ocorre. Repita o mesmo proce- o bastão era de âmbar, uma resina. Mais tarde, por
dimento com o bastão de plástico (passos 4 e 5). convenção, a carga vítrea passou a ser chamada
Observe o que acontece. carga positiva, e a carga resinosa, carga negativa.
Como você deve ter notado, os dois bastões, Depois do atrito do bastão de vidro com o tecido
quando atritados com o tecido de lã, atraem a bo- de lã, ele adquire cargas positivas e a lã adquire
linha e, depois, a repelem. cargas negativas; no caso do atrito do bastão de
plástico com a lã, ele adquire cargas elétricas ne-
gativas e a lã fica positivamente carregada.
Uma das características das cargas elétricas é
que cargas iguais se repelem e cargas diferentes
se atraem, ou seja, cargas positivas são repelidas
pelas cargas positivas e atraídas pelas cargas ne-
gativas, e vice-versa.
Toda matéria é formada por cargas positivas
e negativas, na mesma quantidade, o que dá o
caráter neutro dos materiais. Assim, ao aproximar
a bolinha dos bastões carregados, ela é eletrizada
e sofre atração pelos bastões, não importando de
que material eles são, como a ilustração a seguir
mostra:

Como pode ser observado na ilustração, a


bolinha está com carga neutra por apresentar o
mesmo número de cargas elétricas positivas e ne-
86 gativas. Ao se aproximar um bastão carregado, as
Experimento sobre eletrização II cargas elétricas da esfera se separam e ela é atraí-
da. Se o bastão estiver carregado positivamente,
Agora, como mostram as figuras da próxima as cargas positivas dele repelem as cargas positivas
página, você deve começar atritando o bastão de da bolinha e atraem suas cargas negativas.
vidro com o tecido de lã (passo 1). Pendure o bas- O mesmo ocorre se você aproximar o bastão
tão de plástico e aproxime dele o bastão de vidro, de plástico (ou a caneta) carregado negativa-
sem encostar (passo 2). Anote o que observou. mente: suas cargas negativas repelem as cargas
Repita o procedimento anterior só que, dessa negativas da bolinha e atraem as positivas. Quan-
vez, deixe o bastão de vidro de lado e utilize um do se afasta da bolinha o bastão (de plástico ou de
outro bastão de plástico. Atrite-o com o tecido de vidro), as cargas se redistribuem e ela recupera sua
lã e aproxime-o do bastão de plástico que está neutralidade. Se qualquer um dos bastões encos-
pendurado no suporte, sem encostar (passos 3 e 4). tar na bolinha, ela vai adquirir a carga dele, sendo,
Observe o que ocorre. então, repelida.

2. O modelo atômico de Thomson (1897)

Se a matéria é formada por átomos e também


por cargas elétricas, é provável que os átomos
apresentem cargas elétricas. Uma série de novos
No primeiro caso, percebe-se que o bastão de experimentos com eletricidade e transformações
vidro atrai o bastão de plástico. No segundo, quan- químicas, como a obtenção do metal alumínio a
do os dois bastões de plástico se aproximam um do partir da bauxita, permitiu aos cientistas identificar
outro, eles se repelem. as cargas elétricas nos átomos e, mais tarde, ca-
racterizá-las.
Como explicar o que ocorre nos experimentos? O modelo atômico até então aceito era o de
Dalton, em que o átomo era considerado uma es-
O fenômeno observado foi explicado já no sé- fera maciça e indivisível, e átomos de um mesmo
culo XVIII, considerando-se que no bastão de vidro elemento apresentavam as mesmas propriedades.
surge uma carga elétrica, que foi chamada de car-
ga vítrea, e no bastão de plástico, uma carga elétri-
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fenômenos estudados e várias características das


substâncias. Um desses novos modelos propostos
para o átomo foi o modelo nuclear de Ernest Ru-
therford. Ernest Rutherford nasceu em 1871 na Nova
Zelândia e graduou-se em Matemática e Ciências
Físicas pela Universidade Canterbury (Christchurch,
Nova Zelândia).
Trabalhou com Thomson em Cambridge, na
Inglaterra, e em 1908 ganhou o Prêmio Nobel de
Química por seus trabalhos sobre radioatividade e
teoria nuclear. O modelo atômico de Rutherford é
bem conhecido e representado em livros de Ciên-
cias, em notícias envolvendo os átomos e nos ar-
tigos de diversas revistas de divulgação científica.
Nesse modelo, ele propôs que o átomo é formado
No entanto, o estudo das interações elétricas por um núcleo, de densidade enorme e carga posi-
na matéria possibilitou e exigiu a alteração do mo- tiva, que possui praticamente toda a massa do áto-
delo de Dalton, acrescentando cargas elétricas ao mo, e por uma eletrosfera onde estão os elétrons,
novo modelo atômico. Nesse contexto, Thomson, girando ao redor do núcleo a distâncias enormes,
cientista que estudava a relação entre alguns fe- proporcionalmente às dimensões dos átomos.
nômenos elétricos e o átomo, propôs o modelo em Para se ter uma ideia da relação entre o volu-
que o átomo seria uma esfera positiva contendo me do núcleo e a região por onde os elétrons giram
corpúsculos de carga elétrica negativa, adaptan- ao seu redor, imagine o núcleo do tamanho de um
do, assim, o modelo atômico de Dalton aos novos grão de areia e os elétrons girando na parte exter-
fenômenos observados. na de um estádio das dimensões do Maracanã. A
figura ao lado mostra como Rutherford imaginou o
átomo, só que o desenho não apresenta a escala
correta, pois a ilustração não caberia no livro.

87

#FicaDica
Joseph John Thomson, físico inglês,
ganhou o Prêmio Nobel de Física em
1906, pela descoberta do elétron. Os Como Rutherford chegou ao modelo nuclear?
estudos realizados por ele não só ca- Rutherford estava estudando o efeito que um fei-
racterizaram o elétron, determinando a xe de partículas, denominadas partículas alfa (α),
relação entre carga elétrica e massa da causaria ao ser dirigido contra uma finíssima folha
partícula, como também o levaram a de ouro. As partículas alfa, como se sabe atual-
concluir que o átomo era formado por mente, são emitidas pelo núcleo de determinados
elementos radioativos que eram, na época, obje-
elétrons distribuídos em uma massa posi-
tos de estudo.
tiva, como as passas em um pudim.
Ele sabia que, em razão de as partículas alfa
apresentarem carga positiva, muita energia, massa
A DESCOBERTA DO NÚCLEO E O MODELO ATÔMI- e tamanho, elas deveriam passar pela folha de ouro
CO DE RUTHERFORD sofrendo poucos desvios, pois considerava que os
átomos eram maciços, como propunha o modelo
de Thomson. Porém, após vários experimentos, ele
1. As radiações e o núcleo atômico
se surpreendeu, pois, embora a maioria das partí-
culas passasse pela folha, algumas sofriam grandes
O estudo das radiações levou os cientistas a
desvios; outras poucas, ao colidir com a folha, não
propor novas estruturas para os átomos, cada vez
passavam e voltavam em direção à fonte de par-
mais complexas e capazes de explicar diversos
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

tículas alfa. Segundo Rutherford, o ocorrido era tão Os estudos sobre a radioatividade identificaram
surpreendente como lançar uma granada contra uma radiação nuclear, a radiação beta, como elé-
uma folha de papel de seda, e ela bater na folha trons lançados do núcleo atômico de Rutherford.
e voltar. Para explicar a presença de elétrons no núcleo,
criou-se a hipótese de que o núcleo atômico deve-
ria apresentar, além do próton, outra partícula de
massa semelhante à do próton, sem carga elétrica
e, provavelmente, formada pela união de um pró-
ton e um elétron.
Em 1932, o físico inglês James Chadwick provou
a existência dos nêutrons, partículas que tinham
quase a mesma massa dos prótons e que não pos-
suíam carga elétrica, como previsto por Rutherford.
Por essa descoberta e por trabalhos importantes
realizados, em 1935, ele ganhou o Prêmio Nobel de
Física. O núcleo atômico era formado, portanto,
por dois tipos de partícula: os prótons, com carga
positiva e massa aproximadamente 2.000 vezes
maior que a dos elétrons; e por nêutrons, sem car-
ga elétrica e com praticamente a mesma massa
dos prótons.
O número de prótons no núcleo, denominado
número atômico e representado pela letra Z, é que
determina a qual elemento químico pertence o
átomo. Assim, os elementos químicos são identifica-
dos pelo número atômico da mesma maneira que
cada brasileiro é identificado por seu Registro Geral
Como o modelo atômico de Thomson não bas- (RG). Cada elemento químico tem seu número atô-
tava para explicar esses fenômenos, Rutherford o mico e cada número atômico corresponde a um
modificou, introduzindo a ideia de que o átomo de- elemento químico.
veria ser formado por um núcleo atômico positivo Dessa forma, elemento químico é o conjunto
no qual se concentrava praticamente toda a mas- de átomos que apresenta o mesmo número atômi-
88 sa do átomo, e os elétrons, com cargas negativas, co ou o mesmo número de prótons no núcleo.
girariam ao redor do núcleo a uma longa distância, O número total de partículas no núcleo atômi-
proporcional às dimensões do átomo. co, ou seja, a soma de prótons e nêutrons, respon-
A ilustração acima mostra o que Rutherford es- sável pela massa do átomo, é denominado número
perava, com base no modelo de Thomson, e o que de massa e representado pela letra A. Um elemen-
ocorreu, levando ao modelo proposto por ele. to químico é identificado apenas pelo número atô-
O modelo nuclear de Rutherford, embora ex- mico (Z), no entanto, os átomos são caracterizados
plicasse suas observações, criava um problema pelo número atômico (Z) e número de massa (A).
físico, pois os estudos desenvolvidos na Física suge- Isso ocorre porque os átomos de um mesmo ele-
riam que uma partícula carregada eletricamente, mento químico não são todos iguais, eles podem
positiva ou negativamente, e em movimento, per- diferir quanto a seu número de massa: são os isóto-
de energia. Então, ao girar em torno do núcleo, o pos do elemento.
elétron perderia energia e se aproximaria dele aos A representação de um átomo leva em conta
poucos, até atingi-lo. Ademais, o modelo de Ruther- esses dois números, o atômico (Z) e o de massa (A).
ford não explicava o fato de os elétrons não “caí- Veja, a seguir, a representação de um átomo de
rem” no núcleo, afinal, como você viu no Tema 1 cloro (Cl):
desta Unidade, cargas elétricas opostas se atraem.
Esse problema foi resolvido apenas mais tarde, com
o modelo atômico de Bohr.

2. O núcleo atômico e os elementos químicos


A letra A corresponde à soma dos prótons e
A descoberta do núcleo atômico por Ruther- nêutrons e a letra Z corresponde ao número de
ford foi o primeiro passo para o desenvolvimento prótons existente no núcleo. Os isótopos de um
de modelos que explicassem a estrutura do núcleo elemento químico diferem no número de nêutrons
e suas características. Já em 1886, o físico alemão existente no núcleo. Átomos isótopos apresentam
E. Goldstein, estudando descargas elétricas em as mesmas propriedades químicas, mas proprieda-
gases, havia descoberto a existência de uma par- des físicas diferentes. Veja a representação de dois
tícula de carga positiva e massa quase 2.000 vezes isótopos do elemento cloro (Cl):
maior que a do elétron, o próton. Rutherford propôs
que o próton estivesse localizado no núcleo.
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Quando, por exemplo, as lâmpadas de lumino-


sos de casas de comércio ou outro tipo de lâmpa-
da emitem cor, o que você observa são radiações
emitidas por meio das transições eletrônicas que
ocorrem nos átomos, ou seja, a energia elétrica for-
necida faz com que elétrons passem para órbitas
mais energéticas (mais afastadas do núcleo). Os
elétrons nunca estão parados, eles se movimentam
constantemente em torno do núcleo e, quando
Nas representações dos isótopos desse elemen- um deles passa para uma órbita menos energética
to, é possível verificar que o primeiro possui 17 pró- (mais próxima do núcleo), emite energia em forma
tons (p+), 17 elétrons (e– ) e 18 nêutrons (n) e que o de luz. A figura ao lado representa o que ocorre
segundo apresenta 17 p+ , 17 e– e 20 n. Portanto, quando um elétron muda de nível de energia.
os átomos de um mesmo elemento não são todos
iguais como Dalton propôs nem são indivisíveis.

O ÁTOMO, AS LIGAÇÕES QUÍMICAS E AS PRO-


PRIEDADES QUÍMICAS

1. O modelo atômico de Niels Bohr

O modelo atômico de Rutherford foi aperfei-


çoado por Niels Bohr (1885-1962), físico dinamar-
quês que, em 1933, a partir de estudos sobre a es-
trutura atômica, propôs os seguintes postulados:

• Os elétrons podem girar em determinadas ór-


bitas ao redor do núcleo sem emitir energia. Es- 2. O átomo de Bohr e a distribuição eletrônica
sas órbitas são chamadas de níveis de energia
ou camadas eletrônicas. A partir do modelo de Bohr, foi possível propor
• Em cada órbita, o elétron apresenta uma uma distribuição dos elétrons nas órbitas ao redor
quantidade de energia. Quanto mais próxi- do núcleo atômico. As regras usadas só valem para
mo do núcleo, menor é a energia do elétron; um conjunto de elementos que segue os postula- 89
quanto mais distante, maior ela é. dos de Bohr, ou seja, uma pequena parte dos ele-
• Quando o átomo absorve certa quantidade mentos químicos conhecidos. As regras para a dis-
de energia, o elétron muda de órbita, afastan- tribuição dos elétrons nas camadas são:
do-se do núcleo.
• Regra 1: Cada nível de energia ou órbita per-
Para que o átomo volte ao estado anterior, o mite um número máximo de elétrons.
elétron deve retornar ao nível do qual saiu; nesse
processo, há liberação da mesma quantidade de
energia.
Observe a representação do modelo atômico
de Bohr. Cada órbita ou nível de energia é repre-
sentado por números ou por letras. As transições • Regra 2: Os elétrons ocupam, primeiro, os níveis
que ocorrem quando um elétron passa de uma ór- mais próximos ao núcleo, os de menor energia.
bita de maior energia para uma de menor energia Veja alguns exemplos:
correspondem a uma radiação emitida pelo áto-
mo.

• Regra 3: A última órbita ou nível de energia


que contém elétrons não pode ter mais que 8
elétrons e a penúltima, 8 ou 18; exceto a K, que
só pode ter 2.
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4. A ligação metálica

Observando a tabela periódica, você perce-


berá que o último nível de energia dos metais apre-
senta um número reduzido de elétrons, de 1 a 3, no
geral. Como os metais são bons condutores elétri-
A tabela periódica (reproduzida no final deste cos, acredita-se que os elétrons da última camada
Caderno) apresenta a distribuição eletrônica dos são atraídos pelos núcleos dos átomos vizinhos, po-
elementos químicos. dendo se deslocar entre os diferentes átomos, tro-
cando de posição todo o tempo e formando o que
3. O modelo atômico de Bohr e as ligações quí- é chamado de nuvem eletrônica (um aglomerado
micas de elétrons em movimento ou “mar de elétrons”).
A transformação dos átomos de metal em íons
Os gases nobres, elementos que se encontram positivos (partículas com carga positiva) e o deslo-
na família 18 ou 8A da tabela periódica, dificil- camento da “nuvem de elétrons” entre os íons posi-
mente estabelecem ligação química com outro tivos formados mantêm os átomos unidos no metal
elemento e não formam ligação consigo mesmos, e também sua neutralidade elétrica.
apresentando-se de forma monoatômica, isto é, Enquanto se desloca de forma desordenada
como átomos isolados. entre os átomos do metal, a nuvem de elétrons não
Qual será a razão disso? Como os gases nobres está conduzindo corrente elétrica; porém, se o me-
são pouco reativos, pode-se afirmar que eles são tal for ligado entre os polos de uma pilha, por exem-
muito estáveis. Qual é a razão dessa estabilidade? plo, os elétrons da nuvem vão se deslocar em dire-
Uma hipótese é que ela esteja associada à forma ção ao polo positivo dela, que, por um processo
como os elétrons estão distribuídos em seus átomos. que será apresentado quando forem estudadas as
Observe as distribuições eletrônicas de cada pilhas, recoloca elétrons no metal pelo polo negati-
um deles. vo, e o processo se repete até a pilha descarregar.
Portanto, a mesma nuvem de elétrons que
mantém os átomos do metal unidos também é res-
ponsável pela condução de corrente elétrica, já
que esta é entendida como cargas elétricas em
movimento orientado.

90

Como você deve ter observado, todos os áto-


mos dos gases nobres apresentam o máximo de
elétrons possível na última órbita ou nível de ener-
gia (oito elétrons – ou dois, no caso do hélio (He)), o
que parece ser a razão de sua estabilidade, isto é,
da característica de praticamente não reagir com
nada.
Pensando dessa forma, é possível perceber que
um átomo estabelece ligação química com outro
átomo para ficar mais estável, adquirindo a mesma
configuração eletrônica de um gás nobre. Ou seja,
tornar-se semelhante a um gás nobre é passar a ter A figura representa o modelo da nuvem eletrô-
a última órbita ou nível de energia completo, com nica em um metal: os elétrons são atraídos pelos
oito elétrons, o que é conhecido como “regra do núcleos dos átomos do metal e formam uma nu-
octeto”. As substâncias simples são formadas por vem desordenada. Observe que a ilustração repre-
átomos de um mesmo elemento químico. senta os núcleos do metal em azul, e os elétrons,
A maior parte dos elementos químicos conhe- em vermelho.
cidos é formada por metais. Por exemplo, o metal Quando os elétrons começam a se deslocar de
ferro é formado apenas por átomos do elemento forma ordenada em uma direção, tem-se a corren-
ferro; o cobre, por átomos do elemento cobre, e te elétrica. Assim, o modelo de ligação metálica
assim por diante. Como os átomos dos metais se explica por que os metais são bons condutores de
unem para formar as substâncias simples, isto é, corrente elétrica. Outra propriedade importante
como, por exemplo, os átomos de cobre se unem dos metais é a maleabilidade, ou seja, a capaci-
para formar o cobre metálico? dade que o metal apresenta de ser moldado.
A nuvem de elétrons, embora mantenha os
átomos unidos, permite que eles deslizem uns sobre
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os outros sem que ocorra separação. composições, isto é, diferentes proporções entre os
Quando é aplicada uma força sobre um peda- metais que as constituem. A seguir há alguns exem-
ço de metal, um conjunto de átomos se desloca plos de composições de ligas metálicas utilizadas
sobre outro, deformando o metal. Dependendo da na sociedade:
força que se aplica, o metal pode ser moldado de
acordo as necessidades do momento. As figuras a
seguir representam a moldagem em metal.

As propriedades das ligas metálicas dependem


dos metais que as compõem e da proporção entre
eles na formação da liga.
5. As ligas metálicas
6. A ligação iônica
Quase sempre ligas metálicas são utilizadas no
lugar dos metais puros, pois apresentam proprieda- Assim como a ligação metálica explica as pro-
des melhores do que as destes últimos. Elas são mais priedades dos metais, a ligação iônica é o modelo
duras, podem ser menos densas e mais resistentes capaz de explicar as propriedades dos compostos
à corrosão. formados por metais e não metais, os chamados
Qual a razão de as ligas apresentarem uma du- compostos iônicos.
reza maior que os metais puros? O modelo da liga- O cloreto de sódio (NaCl), principal componen-
ção metálica também explica isso. te do sal de cozinha, é um composto formado pelo
elemento sódio (Na), um metal, e pelo elemento
cloro (Cl), um não metal. Veja algumas das proprie-
dades do cloreto de sódio:

• é sólido à temperatura ambiente;


• é solúvel em água; 91
• não conduz corrente elétrica no estado sólido;
• quando dissolvido em água, a mistura conduz
corrente elétrica;
• quando no estado líquido, após uma fusão,
conduz corrente elétrica.

As propriedades macroscópicas, aquelas que


se pode verificar a olho nu, indicam possíveis ca-
racterísticas das partículas que formam a substân-
cia. Como você viu, a corrente elétrica é gerada
por cargas elétricas em movimento orientado.
As substâncias iônicas no estado líquido ou dis-
solvidas em água apresentam cargas elétricas que
podem ser submetidas a um movimento ordenado;
já as no estado sólido, como os metais, não apre-
sentam elétrons livres. Não se pode, portanto, usar
o modelo de ligação metálica para explicar por
que o sal de cozinha conduz a corrente elétrica no
estado líquido ou quando solubilizado em água e
Para obter uma liga metálica, dissolve-se um não conduz corrente elétrica no estado sólido.
metal em outro. Normalmente, isso é feito fundindo- Um novo modelo de ligação se faz necessário,
-se os metais e misturando-os. Os átomos dos dife- já que a apresentada para definir os metais não
rentes metais ficam presos uns aos outros também explica as propriedades descritas. O modelo de li-
pela nuvem de elétrons. A razão da maior dureza gação química para compostos com essas carac-
é que os átomos de metais diferentes apresentam terísticas é chamado de ligação iônica.
tamanhos diferentes, o que dificulta o deslizamen- A formação desse tipo de ligação química está
to de uma camada de átomos sobre a outra, tor- relacionada com algumas características dos átomos
nando a liga mais dura. A figura da página anterior envolvidos, como você verá a seguir. No entanto, an-
mostra uma possível estrutura para uma liga metáli- tes, será necessário o aprofundamento de alguns co-
ca. As ligas metálicas podem apresentar diferentes nhecimentos sobre as propriedades periódicas.
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7. Energia de ionização, uma propriedade pe-


riódica

A energia de ionização é a energia necessária


para retirar um elétron do átomo. A energia para
retirar o primeiro elétron do átomo (o que está mais
distante do núcleo) é chamada de primeira ener-
gia de ionização; a energia para retirar o segundo
elétron é chamada segunda energia de ionização;
e assim por diante. A figura a seguir mostra como
a energia de ionização varia na tabela periódica.
Quanto maior o valor da eletronegatividade,
maior a tendência em atrair elétrons, e quanto me-
nor o valor, maior a tendência do elemento para
perder elétrons (eletropositividade).
Analisando a tabela periódica, tente respon-
der: Qual elemento químico deve atrair elétrons
com maior facilidade, o flúor ou o lítio? Se você res-
pondeu o flúor, acertou. A eletronegatividade do
flúor é 4,0 e a do lítio é 1,0. E com relação ao flúor
e ao bromo, qual atrai elétrons com maior facilida-
de? A resposta é novamente o flúor, pois a eletro-
negatividade dele é 4,0 e a do bromo é 2,8. Obser-
ve que o elemento hidrogênio está no centro da
tabela periódica. Ele, no entanto, não é um metal e
apresenta uma eletronegatividade bem maior que
a maioria dos metais.
O cloreto de sódio (NaCl), ou sal comum, é for-
mado pelos elementos sódio e cloro, um metal e
Observe a tabela periódica e tente responder: um não metal, respectivamente. Como já foi visto,
É mais fácil retirar um elétron da última camada do os metais apresentam a tendência de perder elé-
elemento cloro ou do elemento sódio? trons, têm baixa eletronegatividade e baixa ener-
92 Se você respondeu que é mais fácil retirar do gia de ionização.
sódio, você acertou. Para retirar um elétron da úl- Os não metais possuem grande tendência de
tima camada do cloro é necessário fornecer 1.251 atrair elétrons e alta eletronegatividade. Portanto,
kJ/mol. Para arrancar um elétron do sódio é neces- na formação do cloreto de sódio, os átomos de
sário fornecer 496 kJ/mol. E para retirar um elétron sódio podem perder elétrons para os átomos de
do potássio, será necessária uma energia maior cloro, formando íons de cargas opostas que vão
ou menor que 496 kJ/mol? Observe na tabela pe- se atrair e se unir para constituir o cristal de cloreto
riódica como os valores da energia diminuem nas de sódio. Analise as distribuições eletrônicas desses
famílias. Desse modo, é necessário fornecer menos dois elementos:
energia: 419 kJ/mol.
Na representação acima da tabela, as setas in-
dicam como a energia de ionização aumenta. Os
metais são os que apresentam as menores energias
de ionização e, portanto, perdem elétrons com fa-
cilidade.
O sódio possui um elétron na última camada e,
8. Eletronegatividade ao perdê-lo, adquire a mesma configuração ele-
trônica do neônio, um gás nobre, só que se transfor-
Outra propriedade periódica diz respeito à ca- ma em um íon positivo ou cátion, pois passa a ter 11
pacidade que um elemento possui de atrair elé- prótons e 10 elétrons
trons, propriedade característica dos não metais.
Linus Pauling (1901- -1994), químico estadunidense,
criou, por meio de experimentos, uma escala para
quantificar a propriedade apresentada a seguir na
tabela periódica.

O cloro, por sua vez, ao receber o elétron do só-


dio, adquire a mesma configuração eletrônica do
argônio, só que se transforma em um íon negativo
ou ânion, pois passa a ter 17 prótons e 18 elétrons
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no último nível.

Os íons (partículas carregadas eletricamente)


formados se atraem, gerando um cristal. Nesse cris-
Como os íons apresentam a mesma intensida-
tal, os íons se organizam de maneira alternada. As
de de carga elétrica, mas sinais contrários, a pro-
figuras a seguir mostram como os íons de sódio e de
porção entre os íons também será de 1:1 e a fórmu-
cloro se organizam no cloreto de sódio.
la do composto será:

Fórmula mínima: CaO

• O cloreto de bário, sal muito utilizado na me-


talurgia para aumentar a dureza das ligas de
ferro, é formado pelos elementos bário (Ba)
e cloro (Cl). Primeiro, é preciso determinar as
configurações eletrônicas dos elementos en-
volvidos:

A proporção entre os íons, nesse sal, é de 1:1


para que o composto seja eletricamente neutro.
Assim, a representação da fórmula mínima que in- Para adquirir estabilidade, o bário deve perder
dica a menor proporção entre os íons é: dois elétrons, e o cloro, ganhar um.

Fórmula mínima: NaCl

O modelo da ligação iônica explica como os


átomos adquirem estabilidade ao formar íons, que
se atraem e se ligam formando cristais e, também, Para que o composto tenha neutralidade elétri- 93
as propriedades macroscópicas dos compostos. ca, a proporção entre os íons formados deve ser de
A ligação iônica é uma ligação forte e acon- 1:2, pois o Ba2+ apresenta duas cargas positivas, e o
tece entre íons de cargas opostas que estiverem Cl– , apenas uma carga negativa. Assim, a fórmula
próximos um do outro; por esse motivo, os compos- que representa a substância cloreto de bário é:
tos iônicos formados são sólidos à temperatura am- Fórmula mínima: BaCl2
biente e apresentam temperaturas de fusão eleva- Como você já estudou, os íons, átomos com
das. carga elétrica, são chamados de cátions quando
No estado líquido, após fusão, ou dissolvidos em positivos e de ânions quando negativos. Ao escre-
água, os compostos iônicos são bons condutores ver as fórmulas dos compostos iônicos, deve-se
de corrente elétrica porque os íons positivos e ne- colocar primeiro o cátion e depois o ânion: NaCl,
gativos ganham liberdade, podendo se deslocar CaO, BaCl2.
e conduzir corrente elétrica. No estado sólido, não Da mesma forma que o modelo da ligação me-
conduzem corrente elétrica porque os íons estão tálica explica as propriedades dos metais, o mode-
presos, sem mobilidade. lo da ligação iônica também é capaz de explicar
Veja outros exemplos de compostos iônicos: muitas das propriedades que os compostos iônicos
apresentam.
• A cal, já estudada no Volume 1, também é um Uma diferença entre as substâncias iônicas e os
composto iônico. Os elementos cálcio (Ca) e metais é que as substâncias iônicas não são mate-
oxigênio (O), formadores do composto, apre- riais maleáveis, e quebram quando submetidas a
golpes, como você estudará a seguir. Analisando
sentam as seguintes configurações eletrônicas:
o aglomerado de íons que forma o sólido iônico,
percebe-se que os íons positivos e negativos se al-
ternam na estrutura das substâncias iônicas, como
mostra a figura.

Para ficar estável, o cálcio deve perder seus


dois elétrons do último nível e o oxigênio deve ga-
nhar dois elétrons, ficando ambos com 8 elétrons
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algumas características do açúcar comum, a sa-


carose:

• é sólido à temperatura ambiente;


• é solúvel em água;
• não conduz corrente elétrica no estado sólido;
• quando dissolvido em água, a mistura não
conduz corrente elétrica;
• quando no estado líquido, após uma fusão,
não conduz corrente elétrica.
Ao se golpear um sólido iônico, há o desloca-
mento de camadas de íons, que se sobrepõem uns
aos outros, e a atração que os mantém unidos po- Seguindo um raciocínio semelhante ao desen-
derá se transformar em repulsão. volvido para o sal comum, nota-se que o açúcar
comum não é um condutor elétrico em nenhuma
situação, o que dá a entender que as partículas
formadoras do açúcar não apresentam carga elé-
trica. A ligação metálica e a ligação iônica não ex-
plicam as propriedades apresentadas pela sacaro-
se (C12H22O11).
Como os átomos que constituem o açúcar es-
tão ligados? Para entender melhor a ligação que
será estudada, é preciso conhecer a notação de
Lewis, uma representação que facilitará nosso estu-
do. A formação de ligações químicas é a principal
forma de os elementos adquirirem maior estabilida-
de. Pensando dessa forma, em 1923, Gilbert Lewis,
químico estadunidense, desenvolveu os princípios
básicos para as ligações químicas.
Como as ligações envolvem o último nível ele-
Assim, o sólido, em vez de sofrer uma deforma- trônico, ele desenvolveu uma forma prática de re-
ção, como ocorre com os metais, quebra, como presentar os elementos e explicar as ligações entre
pode ser visto na última ilustração da sequência. eles. A notação de Lewis, como é conhecida, re-
94 presenta o elemento químico pelo seu símbolo e os
elétrons da última camada distribuídos à sua volta,
como você pode observar a seguir:

Os átomos do elemento fósforo (P) possuem


cinco elétrons no seu último nível de energia, por-
tanto, não são estáveis como os de um gás nobre.
Os elétrons do último nível de energia é que são res-
ponsáveis pelas ligações químicas entre os elemen-
tos. Agora, será analisada uma substância simples
que apresenta o mesmo tipo de ligação química
Outra característica das substâncias iônicas é que ocorre no açúcar comum.
que todas são compostos, isto é, formadas por mais O gás hidrogênio é formado por moléculas dia-
de um elemento. A razão para isso é que a forma- tômicas, isto é, formadas por dois átomos do ele-
ção de íons positivos (cátions) e negativos (ânions) mento hidrogênio ligados. O átomo de hidrogênio
ocorre em elementos com características diferen- apresenta um elétron no seu único nível de ener-
tes: os cátions são formados a partir de metais e os gia, podendo ser representado por:
ânions, de não metais.

9. A ligação covalente, formadora das moléculas

Você já conhece a ligação química existente Para que o hidrogênio adquira estabilidade, ele
nos metais e suas ligas, a ligação metálica, e tam- necessita de mais um elétron para ficar com uma
bém as ligações existentes nos compostos iônicos, configuração eletrônica semelhante à do gás no-
a ligação iônica. Agora, você vai estudar as liga- bre hélio, que apresenta dois elétrons em seu pri-
ções covalentes, formadoras de moléculas. Analise meiro nível, que também é seu último.
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ligação covalente, como representado a seguir:

Pode-se descrever a ligação utilizando um tra-


ço para representar o par de elétrons compartilha-
do e, assim, tem-se a fórmula estrutural da molécu-
A ligação química que se forma quando os áto- la de flúor:
mos de hidrogênio se aproximam não é formada
por íons, como na ligação iônica, nem há elétrons
livres como nos metais. Os elétrons do hidrogênio,
do último nível, formam pares eletrônicos, e os pa-
res passam a pertencer aos dois átomos sem que b) Gás oxigênio (O2)
haja perda ou ganho de elétrons. A ligação que O átomo do elemento oxigênio possui seis elé-
se estabelece pode ser representada pela figura trons na última camada e necessita de mais dois
acima. elétrons para completá-la, ficando, assim, com
Na molécula de hidrogênio formada, os elé- uma configuração semelhante à do gás nobre
trons da ligação giram ao redor dos dois núcleos neônio.
dos átomos de hidrogênio, mantendo-os presos e
dando estabilidade à molécula. A partícula forma-
da é neutra, pois há, no total, dois prótons e dois
elétrons. Os dois átomos passam a compartilhar
dois elétrons na última camada e a apresentar
uma configuração eletrônica semelhante à do gás
nobre hélio. A molécula do gás hidrogênio pode ser Como cada átomo de oxigênio necessita de
representada pela fórmula de Lewis: dois elétrons para ficar estável, serão necessárias
duas ligações covalentes, e a molécula poderá ser
representada pela seguinte fórmula eletrônica, ou
de Lewis: 95

Na representação, é possível ver os símbolos


dos átomos dos elementos que formam a molécula
e os pares de elétrons que são compartilhados pe-
los átomos que participam da ligação. Outra forma
de representar a molécula é por meio de sua fór-
mula estrutural, que consiste nos símbolos dos áto- Quando há formação de duas ligações cova-
mos dos elementos que formam a molécula e em lentes entre dois átomos, elas são chamadas de
um traço, ilustrando a ligação. dupla ligação, e os elétrons das duas ligações pas-
sam a pertencer aos dois átomos. A representação
utilizando a fórmula estrutural é:

Veja exemplos de outras moléculas e suas liga-


ções. Cada par eletrônico compartilhado é represen-
a) Gás flúor (F2) O gás flúor é formado por dois tado por um traço, e os dois traços indicam a liga-
átomos do elemento flúor, que possui a seguinte ção dupla.
configuração eletrônica: As substâncias moleculares, formadas por mo-
léculas, podem ser representadas de três formas
diferentes. Na ilustração a seguir, veja o exemplo
do gás oxigênio:

Como o flúor apresenta sete elétrons na última


camada, caso dois átomos de flúor compartilhem c) Gás nitrogênio (N2)
um elétron de suas últimas camadas, ficarão com O átomo do elemento nitrogênio possui cinco
a configuração semelhante à do gás neônio; para elétrons na última camada:
que isso ocorra, é necessária a formação de uma
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rações semelhantes às dos gases nobres neônio e


hélio, respectivamente. Observe a seguir:

O nitrogênio necessita de três elétrons a mais


na última camada para completá-la e, assim, fi-
car com configuração semelhante à do gás nobre
neônio.

Assim, a fórmula eletrônica da amônia é:

Três ligações covalentes são formadas entre os


dois átomos, chamadas de tripla ligação, número
máximo possível de ligações entre dois átomos. A
molécula que constitui o gás nitrogênio também
pode ser representada de três formas, veja a seguir: As fórmulas molecular e estrutural são:

Para os compostos moleculares, isto é, as subs-


tâncias formadas por moléculas que possuem mais
de um elemento químico, a formação da ligação
covalente ocorre de maneira similar ao que já foi Em razão das limitações do modelo atômico de
mostrado. Bohr e da regra do octeto, muitas substâncias não
seguem essa regra.
d) Gás carbônico (CO2)
96 Nesse caso, tem-se que avaliar os dois elemen- AS PROPRIEDADES E A ESTRUTURA DAS SUBSTÂN-
tos para verificar quantas ligações são necessárias. CIAS MOLECULARES
O carbono possui quatro elétrons no último nível, e
o oxigênio, seis. Assim, o carbono necessita de qua- Por que o sal comum se dissolve na água e não
tro elétrons para se tornar estável, e o oxigênio, de se dissolve no óleo? O sal comum, o cloreto de só-
dois: dio (NaCl), um composto iônico, dissolve-se com
facilidade na água, mas não se dissolve no óleo.
Tanto a água quanto o óleo são substâncias mole-
culares. A água é formada por moléculas de fórmu-
la H2O, e o óleo vegetal é uma mistura formada por
ácidos graxos, sendo um dos mais comuns o ácido
esteárico.

Como o carbono necessita de quatro elétrons


para completar o último nível, ele precisa formar
quatro ligações, e o oxigênio, duas. Veja, a seguir,
as fórmulas molecular, eletrônica e estrutural. Para que uma substância se dissolva em outra,
é necessário que haja interação entre as partícu-
las. Como o sal é um composto iônico, suas partí-
culas são íons carregados eletricamente que estão
fortemente ligados uns aos outros. Quando o sal se
dissolve na água, as moléculas da água interagem
e) O gás amônia (NH3) com os íons para vencer as forças de atração exis-
A amônia, existente em vários produtos de lim- tentes entre eles, para separá-los e mantê-los se-
peza, é formada por nitrogênio e hidrogênio. Como parados. Isso ocorre porque as moléculas de água
você já estudou nos exemplos anteriores, o nitrogê- são polares, ou seja, embora neutras, as cargas
nio necessita formar três ligações, e o hidrogênio, elétricas não estão distribuídas homogeneamente
uma ligação, para que ambos adquiram configu- pela molécula, que possui uma região parcialmen-
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te positiva e outra parcialmente negativa. A razão polaridade, são apolares, ou seja, não apresentam
da polaridade está na diferença de eletronega- cargas parciais e não conseguem interagir com
tividade do oxigênio e do hidrogênio e na forma as moléculas de água. Saber se uma molécula é
como eles estão ligados para formar a molécula de polar ou apolar não é um trabalho simples, pois a
água. polaridade não depende só dos elementos que
formam as moléculas, depende também de como
os átomos estão arranjados na molécula O gás car-
bônico, por exemplo, é formado pelos elementos
oxigênio e carbono. Embora o oxigênio seja mais
eletronegativo que o carbono, a estrutura linear da
molécula a torna apolar. Veja a seguir.

Como o oxigênio é mais eletronegativo que


o hidrogênio, os elétrons que são compartilhados É possível identificar a polaridade de algumas
pelos átomos são mais fortemente atraídos pelo moléculas sem conhecer sua estrutura nos seguin-
oxigênio, ficando, a maior parte do tempo, mais tes casos:
próximos de seu núcleo. Assim, o oxigênio fica com
carga parcial negativa. Em contrapartida, os áto- • Toda substância simples molecular é formada
mos de hidrogênio ficam parcialmente positivos. por moléculas apolares, pois os átomos que
constituem essas moléculas pertencem a um
mesmo elemento e, portanto, apresentam a
mesma eletronegatividade. As substâncias O2,
N2, I2, P4 etc. são formadas por moléculas apo-
lares.
• Todo composto molecular formado por molé-
culas diatômicas, ou seja, moléculas com ape-
nas dois átomos de elementos diferentes, será
polar, já que elementos diferentes possuem
No processo de dissolução do sal comum em
eletronegatividades diferentes.
água, as moléculas de água estão em movimento 97
por ela estar no estado líquido, e chocam-se con-
tra os íons do sal sólido. Os choques e as interações
entre as moléculas e os íons fazem que os íons se
separem do sólido e fiquem envolvidos pelas molé-
culas de água (processo chamado de solvatação
dos íons).
Após todos os íons serem separados, o sal se dis-
solve totalmente e seus íons não voltam a se unir,
por causa da solvatação, isto é, os íons Na+ e Cl– fi- Na figura da molécula HCl, a seta indica que
cam envolvidos por moléculas de água. o par de elétrons compartilhado está deslocado
para o cloro, que apresenta carga parcial negati-
va, enquanto o hidrogênio apresenta carga parcial
positiva. Já no caso dos compostos moleculares
formados por moléculas com mais de dois átomos,
só é possível saber se eles são polares ou apolares
conhecendo sua estrutura.

No caso do óleo, as moléculas não apresentam


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• Outra característica importante que ajudará a Por que o gelo flutua?


verificar se a substância é formada ou não por A água apresenta uma característica que a di-
moléculas polares ou apolares é seguir uma re- fere da maioria das substâncias: quando se solidi-
gra que, em geral, é verdadeira. O semelhante fica, sua densidade diminui em vez de aumentar,
dissolve o semelhante, isto é, substâncias pola- como ocorre com a maioria das substâncias. Qual
res dissolvem substâncias polares e compostos será a razão desse fenômeno? A explicação está
iônicos, enquanto substâncias apolares dissol- relacionada com a forma que as moléculas se ar-
vem as substâncias apolares (e não dissolvem ranjam na água em estado sólido, o gelo.
substâncias polares e os compostos iônicos). As moléculas de água são polares, como já foi
Sabendo se o solvente é polar ou apolar, é visto, mas sua polaridade é tão grande que, ao
possível determinar se o soluto é polar ou não interagirem com outras moléculas de água, esta-
apenas verificando sua solubilidade. Como belecem a chamada ligação de hidrogênio. Essa
interação é razoavelmente forte e faz que, mesmo
em quase toda regra, há exceções, mas ela
no estado líquido, suas moléculas se desloquem em
sempre funciona como uma indicação.
grupos em decorrência da atração que se estabe-
lece entre o oxigênio de uma molécula e o hidro-
Por que as substâncias moleculares podem se
gênio de outra molécula, como mostra a figura ao
apresentar em qualquer estado físico à temperatu-
lado.
ra ambiente?

Ao contrário dos compostos iônicos, que são


todos sólidos à temperatura ambiente, e dos me-
tais, que são quase todos sólidos (com exceção do
mercúrio, o único metal líquido nessas condições),
as substâncias moleculares podem se apresentar
em qualquer estado físico.
Os estados sólido, líquido e gasoso dependem
das interações entre as partículas formadoras das
substâncias. No caso das moléculas, essa intera-
ção depende de sua polaridade e de sua massa
molecular. Moléculas polares apresentam forte
interação entre si, e moléculas de grande massa,
também. De maneira geral, a massa é a principal
98 característica responsável pelo estado físico.
Comparando moléculas de massa molecular
próxima, a substância formada por moléculas po-
lares deve apresentar temperatura de ebulição
maior que as substâncias formadas por moléculas
apolares. O flúor (F2, com massa molecular de 38),
formado por moléculas apolares, apresenta tem-
peratura de ebulição – 188 °C, e o cloreto de hi-
drogênio (HCl, com massa molecular de 37,5), for-
mado por moléculas polares, temperatura de ebu-
lição – 83 °C. Comparando moléculas apolares, as
de maior massa apresentam as maiores temperatu-
ras de ebulição. Por exemplo, o gás cloro, formado
por moléculas Cl2, apresenta temperatura de ebu-
lição –34 °C, enquanto a temperatura de ebulição
do bromo, formado por moléculas Br2, é 53 °C, e
a temperatura de ebulição do iodo, formado por
moléculas I2, é 184 °C.
Observe que, à temperatura ambiente, o iodo
se apresenta no estado sólido, o cloro, no estado
gasoso, e o bromo, no estado líquido. As molécu- Quando a água congela, suas moléculas se
las de maior massa molecular apresentam maior arranjam no estado sólido, de forma que ocupam
interação por possuírem mais pontos de contato. um volume maior que o volume inicial da água e,
Assim, as substâncias formadas por moléculas apo- como a massa continua a mesma, a densidade do
lares, em geral, apresentam maior temperatura de gelo (0,92 g/cm3 a 0 °C) fica menor que a da água
ebulição quanto maiores forem suas moléculas. líquida (0,99 g/cm3 à mesma temperatura) e, assim,
Como você deve ter notado, existem muitas o gelo flutua na água líquida.
possibilidades, mas as informações dadas anterior- Nos espaços entre as moléculas, não existe ab-
mente permitem prever algumas propriedades das solutamente nada. A estrutura do gelo está repre-
substâncias mediante a análise de suas fórmulas. sentada ao lado.
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Em diversos lugares do mundo, inclusive no Bra-


sil, parte da água utilizada é devolvida à natureza
sem tratamento, diminuindo sua disponibilidade
e encarecendo seu tratamento para uso. As ha-
bitações em áreas próximas a mananciais (fontes
de água superficiais ou subterrâneas usadas para
o abastecimento público) e o uso indiscriminado
As ligações de hidrogênio surgem em algu-
de defensivos agrícolas e fertilizantes contribuem
mas moléculas polares, principalmente naquelas
para poluir esses mananciais. Assim, nosso país já
que apresentam o elemento oxigênio ligado a hi-
apresenta problemas para abastecer a população
drogênio, como a água e o álcool comum (H2O e
com água de boa qualidade.
C2H5OH); nitrogênio ligado a hidrogênio, como na
A água é considerada um bem precioso, pois
amônia (NH3); e o flúor ligado a hidrogênio, como
além de seu papel fundamental em nossas residên-
no fluoreto de hidrogênio (HF).
cias e na hidratação de nosso corpo, várias ativida-
des humanas também a utilizam. A figura a seguir
OCORRÊNCIA DE ÁGUA NO PLANETA TERRA mostra a distribuição do consumo de água em di- 99
versas atividades no Brasil.
A distribuição da água no planeta Terra A água
constitui o mais valioso dos recursos de que o ser hu-
mano dispõe. Estima-se que o volume total de água
no planeta seja de 1,4 bilhão de quilômetros cúbicos,
ou seja, 1,4 · 1021 litro (1.400.000.000.000.000.000.000
litros), que cobrem 3/4 da superfície terrestre e in-
tegram, também, a atmosfera. Desse volume de
água, apenas 2,5% corresponde à água doce, e
só 0,3% da água doce está disponível na superfície
para uso imediato.
Veja o gráfico a seguir.

A água disponível para uso acabaria rapida-


mente caso não existisse o ciclo hidrológico, que
assegura sua renovação contínua, o que faz da
água o principal recurso renovável.

Além de ser bastante reduzido, o volume total 1. O ciclo hidrológico


de água doce disponível para consumo não está
distribuído homogeneamente no mundo. A água é encontrada na natureza nos três esta-
dos físicos: sólido, líquido e gasoso. No ciclo hidro-
lógico, as mudanças de estado físico por evapora-
ção, condensação, solidificação e fusão envolvem
a energia solar e a ação da gravidade. O ciclo hi-
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drológico, representado na figura a seguir, mantém nela. Mesmo a água da chuva não é pura, pois, ao
e renova o suprimento de água em nosso planeta. cair sobre a superfície da Terra, dissolve substâncias
presentes na atmosfera, como os gases dióxido de
carbono (CO2) e o dióxido de enxofre (SO2), além
de alguns sólidos em suspensão.
Entre as substâncias que a água é capaz de dis-
solver também estão as substâncias tóxicas. Além
disso, ela é um ótimo meio para a proliferação
de microrganismos como bactérias, fungos etc. A
água contaminada pode ser, ainda, causadora de
doenças como disenteria infecciosa, leptospirose,
hepatite, esquistossomose e, portanto, é necessário
que a qualidade dela seja monitorada e que ela
passe por processos de tratamento. Existem dois ti-
pos de contaminantes da água, os microbiológicos
e os químicos.
A contaminação microbiológica é causada
pelo descarte indevido de lixo e esgoto nos corpos
de água (rios, represas, lagos etc.). A cólera, a fe-
bre tifoide, a disenteria infecciosa e a leptospirose
são as principais doenças causadas pelo uso de
água contaminada por agentes biológicos.
Na contaminação química, algumas causas
são o uso de defensivos agrícolas, fertilizantes, pro-
O Sol é responsável pela evaporação da água dutos que as indústrias de alguma forma liberam
nos continentes e nos oceanos que, acrescida da na natureza, como solventes e subprodutos de suas
água da evapotranspiração das plantas, forma atividades. Os metais pesados, como o chumbo, o
as nuvens na atmosfera. Sob determinadas con- cádmio, o cromo, o mercúrio, o níquel e o zinco,
dições, a água que se encontra nas nuvens pode são os principais contaminantes químicos. Além
precipitar, em razão da ação da gravidade, na for- de seus efeitos tóxicos, uma vez ingeridos, eles são
ma de chuva, granizo, orvalho e neve. acumulados em nosso organismo, podendo causar
doenças futuras.
100 Além dos metais pesados, solventes orgânicos
#FicaDica como benzeno e tolueno, muito utilizados nas in-
Evapotranspiração dústrias químicas, são potencialmente danosos à
Da água absorvida do solo pelas saúde.
plantas, parte é utilizada em seus pro- O tratamento e o controle da qualidade da
cessos metabólicos, como a fotossínte- água diminuíram as doenças disseminadas por ela
se, e parte evapora das plantas para em muitas regiões de nosso país, mas ainda há mui-
a atmosfera. A água que evapora das to a ser feito para que toda a população receba
plantas pela transpiração é chamada água tratada, de boa qualidade.
de evapotranspiração. Para garantir a potabilidade da água distribuí-
da à população, ela deve, portanto, ser monitora-
da por meio de análises que comprovem sua qua-
A água, ao cair sobre a superfície da Terra, lidade. Além desses controles, a água destinada à
pode fluir até um lago ou rio ou ser absorvida pelo população deve passar por uma estação de trata-
solo formando os aquíferos, reservatórios de água mento. Nos locais em que a população consome
subterrâneos, ou retornar à superfície formando as água de poço, a água deve ser testada regular-
nascentes, pântanos e fontes. Nas regiões muito mente.
frias, a água pode formar grandes massas de gelo,
os glaciais, que, ao derreter, devolvem à superfície 3. Tratamento de água
água no estado líquido.
O calor do Sol, a evapotranspiração, a conden- A água proveniente dos mananciais, ao che-
sação e a precipitação da água pela gravidade gar às estações de tratamento, contém sólidos em
mantêm o ciclo hidrológico e renovam o suprimen- suspensão e microrganismos que se desenvolvem
to de água do planeta. com facilidade em meio aquoso.
As estações de tratamento de água têm papel
2. Alguns contaminantes da água fundamental na prevenção de doenças, sendo um
dos pilares do saneamento básico. O fornecimento
Em razão da capacidade que a água possui de água de qualidade é um direito de toda a po-
de dissolver um grande número de substâncias, ela pulação e um dever do Estado.
se apresenta na natureza na forma de soluções Das 214 estações de tratamento de água da
aquosas, ou seja, com várias substâncias dissolvidas Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Es-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

tado de São Paulo), 28 abastecem a Região Metro- das características físicas, químicas e biológicas do
politana de São Paulo. As restantes fornecem água local.
aos municípios do interior e do litoral do Estado. Você estudará o método utilizado na Região
Atualmente são tratados 111 mil litros de água por Metropolitana de São Paulo pela Sabesp. Esse mé-
segundo. todo é chamado de tratamento por lodos ativados
A água, ao chegar a uma estação de trata- e envolve duas etapas: uma de tratamento da fase
mento, passa por uma grade, que tem por função líquida e outra de tratamento da fase sólida. É um
retirar materiais de grande volume, e recebe uma método biológico, no qual o esgoto bruto é agi-
primeira dose de cloro para eliminar metais e maté- tado e aerado, para que, durante o processo, os
ria orgânica; é a etapa de precloração. microrganismos alimentem-se da matéria orgânica
Em seguida, a água é levada aos tanques de presente no esgoto, fermentando-a.
decantação, onde recebe cal e sulfato de alumí- Dessa forma, diminui-se a carga poluidora e a
nio, um agente coagulante que facilita a aglome- parte sólida é separada. Após o processo de sepa-
ração das partículas sólidas; é a etapa de flocula- ração, a parte líquida (água) é lançada nos rios e
ção. mares ou usada na limpeza pública ou para regar
Do tanque de floculação, a água vai para o jardins, e a parte sólida é enviada aos aterros sani-
tanque de decantação, onde ocorre a separação tários.
da maior parte do sólido existente, que vai para o
fundo do tanque por causa da ação da gravida-
de. O fundo do tanque de decantação é limpo
periodicamente.
Após a decantação, a água é submetida à
filtração, atravessando tanques formados por pe-
dras, areia e carvão antracito (tipo de carvão mi-
neral amplamente utilizado em filtros de tratamen-
to de água). Nessa fase, são retidos os sólidos que
restaram da fase anterior, ou seja, da decantação.

Caso queira aprofundar seu estudo, o site da


Sabesp, sugerido quando se falou de tratamento
de água, é também indicado para que você co-
nheça melhor sobre tratamento de esgoto.
101
A ÁGUA É O NOSSO PRINCIPAL SOLVENTE

1. Soluções e solubilidade

Quando se adiciona certa quantidade de açú-


car (ou sal) à água, o sólido “parece desapare-
cer”, e é comum dizer que ele se dissolveu. O sis-
tema resultante é homogêneo. Não se percebem
as partículas de açúcar, mas a presença dele é
evidenciada pelo sabor adocicado que transmite
à água. O processo de dissolver sólidos em água é
No final, o pH, ou seja, o índice de acidez da chamado dissolução.
água é acertado para os valores entre 6,0 e 9,5, A mistura resultante tem aspecto homogêneo
que são os ideais para o consumo. Além disso, a e é chamada solução. O açúcar, substância que
água recebe mais uma dose de cloro, para garan- se dissolve, recebe o nome de soluto, e a água é
tir que fique isenta de microrganismos patogênicos chamada solvente.
(causadores de doenças), e uma dose de flúor, Quando o açúcar é adicionado à água, no
que ajuda na prevenção de cáries. decorrer da dissolução, moléculas de açúcar disse-
Após o tratamento, a água é armazenada e minam-se nas moléculas de água e entre elas sur-
enviada para reservatórios de bairros para ser en- gem interações de natureza elétrica. Assim, para
caminhada aos domicílios. que um sólido e um líquido formem uma solução,
é necessário que as interações entre partículas de
4. Tratamento de esgoto soluto e partículas de solvente sejam mais intensas
que as interações das partículas de soluto entre si e
Tão importante quanto o tratamento da água das partículas de solvente entre si.
que chega às casas, o tratamento do esgoto é
fundamental para evitar que ele contamine o solo
e, consequentemente, os rios, lagos, águas subter-
râneas, atingindo, dessa forma, os mananciais. Há
várias formas de se tratar o esgoto, dependendo
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

O gráfico mostra a variação da solubilidade de


alguns sais com a temperatura. Como você pode
ver no gráfico, a solubilidade dos sais, em geral, au-
menta com o aumento da temperatura.

As soluções são misturas homogêneas de dois


ou mais componentes e podem ser: sólidas, como
o bronze; líquidas, como o vinagre; ou gasosas,
como o ar atmosférico. A tabela a seguir apresen-
ta alguns exemplos de soluções e seus respectivos
componentes:

No entanto, existem sais cuja solubilidade qua-


se não varia e aqueles cuja solubilidade reduz com
o aumento da temperatura.

2. Unidades de concentração

A composição de uma solução, como já men-


cionado, é chamada de concentração. Ela ex-
pressa a relação entre a quantidade de soluto e
a quantidade total da solução. Serão discutidas
102 agora as diferentes formas de representar as con-
centrações.
As soluções aquosas, em que o solvente é a
água, são as mais importantes para os seres vivos. 3. Concentração comum
É por meio das soluções aquosas que as plantas
retiram seus alimentos do solo. Elas permitem que Uma das maneiras de expressar a concentra-
minerais solúveis em água, como o sulfato de amô- ção é relacionar a quantidade em massa do soluto
nio e o nitrato de amônio, entrem na composição (em miligramas ou em gramas), contida no volume
dos fertilizantes e sejam absorvidos pelas raízes dos de 1 L de solução. Essa relação é conhecida como
vegetais. concentração comum. Quando se representa a
O plasma sanguíneo e os fluidos dos tecidos são concentração de uma solução de açúcar por 5
exemplos de soluções aquosas, assim como a água g/L, significa que em 1 L da solução (água + açú-
ingerida diariamente pelas pessoas é uma solução car) há 5 g de açúcar. Com essa informação, po-
aquosa de sais minerais. É possível dissolver qual- de-se calcular a quantidade de açúcar em qual-
quer quantidade de sólido em determinada quan- quer volume da solução. Por exemplo: em 100 mL
tidade de água? Experiências indicam que não; há da solução, há 0,5 g de açúcar, já que o volume da
um momento em que, ao acrescentar mais sólido solução é dez vezes menor. A quantidade do soluto
a determinada quantidade de água, ele não se é proporcional ao volume da solução.
dissolve mais, ou seja, foi alcançada a quantidade Veja alguns exemplos:
máxima possível de dissolução.
Essa quantidade chama-se solubilidade, é ca- • Em 500 mL de uma solução de NaCl de con-
racterística do soluto e do solvente e depende da centração 3,50 g/L, há 1,75 g de NaCl.
temperatura e da pressão. A solubilidade, portan- • Em 3 L de uma solução de NaOH de concen-
to, é a máxima quantidade de soluto que se pode tração 4 g/L, há 12 g de NaOH.
dissolver em certo volume de solvente a dada tem-
peratura e a dada pressão. A solução que con-
4. Porcentagem em massa e porcentagem em
tém a máxima quantidade de soluto é chamada
de solução saturada. A solubilidade de um sólido volume
depende do solvente utilizado e da temperatura.
Na maioria das vezes, quanto maior a temperatura, Outras formas de representar a concentração
maior a solubilidade. de uma solução podem ser utilizadas dependendo
da necessidade. A porcentagem em volume e a
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

porcentagem em massa são algumas delas. Ob- No preparo de 500 kg de água salgada para
serve alguns exemplos para que essas formas de ser utilizada em um aquário, qual deve ser a mas-
concentração fiquem claras. O primeiro exemplo sa de NaCl necessária para que a solução tenha a
tratará da porcentagem em massa, que é a massa concentração de 3% (m/m)?
do soluto por volume de solução. Como a concentração de NaCl deve ser de 3%
Suponha que em um rótulo de um frasco con- em massa, e a massa da solução é de 500 kg, você
tendo 75 mL de vinagre há a informação: 4% de deve calcular a porcentagem de NaCl da seguinte
ácido acético (m/V). Qual será a massa de ácido forma:
acético contida nesse frasco?
Para responder à questão, você precisa inter-
pretar a informação fornecida, ou seja, a notação
“4% de ácido acético (m/V)”. Ela indica que em
100 mL de vinagre (a solução), 4 g são de ácido
acético (o soluto). Para calcular a quantidade de
ácido acético em 75 mL de vinagre, basta saber
que ela é proporcional ao valor indicado no rótulo: Veja um exemplo de porcentagem:

O álcool vendido atualmente nos supermerca-


Logo, a massa de ácido acético contida em 75 dos e farmácias (álcool 54 ºGL) apresenta concen-
mL de vinagre a 4% de ácido acético (m/V) é 3 g. tração de 54% em volume, o que significa que 54%
Veja outros exemplos utilizando a porcentagem do volume da mistura é álcool e 46% do volume
de massa. da mistura é água. Qual o volume de álcool em
Supondo que a concentração de cloreto de uma amostra de 2 litros de álcool 54% em volume?
sódio (NaCl) em uma amostra de solução salina é Como a porcentagem está em volume, é só deter-
de 3% (m/m), qual a massa de água em 100 g des- minar o equivalente a 54% de 2 litros:
sa solução?
A informação “3% (m/m)” indica que em cada
100 g de solução há 3 g de NaCl, e, como em 100 g
de solução há água e sal e 3 g é da massa de sal, 103
os outros 97% serão água. Portanto:

97% de 100 g (massa total) = 97 g, a massa da OS METAIS, OS ÁCIDOS, AS BASES E OS SAIS


água;
1. O conceito ácido-base de Arrhenius
Sabendo que a densidade da água do mar a
25 °C é 1,025 g/cm3 , qual o volume corresponden- Atualmente, o número de produtos utilizados
te a 100 g dessa amostra de água do mar? Como pela sociedade que apresentam características
a densidade é calculada pela expressão m/V , o ácidas ou básicas é muito grande. Muitos alimentos
valor da massa total dividido pelo volume, tem-se: e produtos de limpeza apresentam essas caracte-
rísticas.

Os ácidos e as bases são conhecidos por to-


dos desde a Antiguidade, mas só em 1887 Svante
Arrhenius, químico sueco, elaborou conceitos que
explicam o comportamento dessas substâncias,
quando publicou a teoria química dos eletrólitos
(Substância que, dissolvida em água, torna a mistu-
ra condutora de corrente elétrica).
Sua hipótese foi a de que os eletrólitos eram for-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

mados por moléculas ativas e inativas. As ativas seriam os íons, responsáveis pela condução de corrente
elétrica, e as inativas, as moléculas, neutras eletricamente.
Os estudos de Arrhenius levaram-no a classificar como ácidos todas as substâncias que dissolvidas em
água reagissem para formar o íon hidrogênio, H+. Além disso, classificou como bases as substâncias que,
em água, formavam o íon hidroxila, OH–. É claro que, além dessas características específicas de cada um,
também há outras propriedades que os diferenciam. Arrhenius definiu substâncias ácidas como aquelas
que em água formam íon H+ e possuem, em comum, outras características como sabor, ação sobre os
indicadores ácido-base etc.
O mesmo vale para as bases: todas as substâncias que em água formam o íon OH– são bases e apre-
sentam ações similares sobre os indicadores.

2. Os ácidos e a ionização

Os ácidos são compostos moleculares por não apresentarem íons, e sim moléculas. Como você já estu-
dou, as moléculas, mesmo as polares, são eletricamente neutras, portanto, não podem conduzir corrente
elétrica. No entanto, os ácidos, apesar de serem moleculares, conduzem eletricidade em água. Por que
isso ocorre? Ao misturar um ácido com a água, suas moléculas interagem com as da água, ocorrendo io-
nização, que é a quebra da molécula do ácido para formar íons.
As moléculas dos ácidos e da água são polares e a interação entre elas produz íons, como mostra a
ilustração a seguir.

104
As moléculas dos ácidos são polares; o hidrogênio, por ser um átomo pouco eletronegativo, fica com
carga parcial positiva, e o restante da molécula, com carga parcial negativa. As moléculas de água tam-
bém são polares, e o oxigênio, por ser muito eletronegativo, fica com carga parcial negativa. Por causa da
interação entre elas, como mostra a ilustração, o átomo de oxigênio liga-se ao átomo de hidrogênio do
ácido, formando o H3O+ (H+) e gerando o íon Cl–. A quebra da ligação entre o hidrogênio e o cloro deixa o
cloro com todos os elétrons da ligação covalente.

Observe as representações das reações de outros ácidos importantes em água:


Ciências da Natureza e suas Tecnologias

As propriedades comuns dos ácidos se devem


ao íon H+ , que é formado quando todos eles in-
teragem com a água. Observando as equações
anteriores, você pode notar que o nome do ácido
depende do ânion (o íon negativo) que se forma
em água. Pelas regras de nomenclatura, quando o
nome do ânion termina com: 3. Propriedades dos ácidos

• ato, essa terminação (sufixo) é substituída por Segundo o conceito de Arrhenius:


ico e acrescenta-se a palavra ácido no início.
No caso dos ácidos que contêm enxofre (S) e • Todos os ácidos são substâncias moleculares
oxigênio (O), além da troca acrescenta-se ur, e, quando puros, ou seja, não dissolvidos em
antes de ico; e, no caso dos ácidos que con- água, não são condutores elétricos. Os ácidos
têm fósforo (P) e oxigênio (O), acrescenta-se são, no entanto, eletrólitos, substâncias que,
or, antes de ico; dissolvidas em água, tornam a mistura condu-
• eto, essa terminação (sufixo) é substituída por tora, pois sofrem ionização, isto é, suas molécu-
ídrico e acrescenta-se a palavra ácido no iní- las se quebram na ligação com o hidrogênio,
cio; formando íons.
• ito, essa terminação (sufixo) é substituída por • Todos os ácidos, quando dissolvidos em água,
oso e acrescenta-se a palavra ácido no início. formam, como cátion (íon positivo), o íon hi-
drônio (H3O+), que é representado de forma
simplificada como (H+).
A tabela a seguir fornece os principais ânions;
sempre que precisar, consulte-a. • Os ácidos reagem com as bases segundo uma
Ao acrescentar átomos de hidrogênio a um reação denominada reação de neutraliza-
ânion, forma-se uma molécula que, na maioria das ção, formando água e um sal que pode ser
vezes, representa um ácido. O número de átomos obtido ao se evaporar a água.
de hidrogênio que deve ser acrescentado corres-
ponde ao valor da carga do ânion. HCl(aq) + NaOH(aq) → NaCl(aq) + H2O(l)

• Os ácidos reagem com vários metais forman-


do o gás hidrogênio e um sal.
105
Zn(s) + H2SO4(aq) → ZnSO4(aq) + H2(g)

• Os ácidos reagem com os carbonatos e hi-


drogenocarbonatos (bicarbonatos) formando
água, gás carbônico e um sal.

CaCO3(s) + 2 HCl(aq) → CaCl2(aq) + H2O(l) +


CO2(g)

2 NaHCO3(s) + H2SO4(aq) → Na2SO4(aq) + 2


H2O(l) + 2 CO2(g)

• •Na presença dos ácidos, os indicadores apre-


sentam uma cor específica. Quando mistura-
dos com algumas substâncias, os ácidos têm
sua cor alterada. Essas substâncias são cha-
madas de indicador ácido-base. Por exemplo,
a fenolftaleína, em presença de ácido, fica in-
color; o tornassol, por sua vez, fica vermelho; o
Os hidrogênios acrescentados aos ânions são azul de bromotimol, amarelo.
os que podem sofrer ionização; os hidrogênios já
existentes no ânion não ionizam. Por exemplo, na As bases de Arrhenius As bases, segundo o con-
reação de ionização do ácido fórmico (HCOOH) ceito de Arrhenius, são substâncias que quando dis-
obtém-se o íon formiato (HCOO– ). Na representa- solvidas em água formam o ânion hidroxila, OH–. A
ção a seguir, pode ser observado que um átomo maioria das bases de Arrhenius é formada de com-
de hidrogênio já existente no ânion formiato não postos iônicos de um cátion derivado de um metal
se ioniza. e o ânion OH–. As bases iônicas sofrem dissociação
iônica, isto é, os íons que estavam presos ao sólido
iônico se separam sob a ação da água. Observe as
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

equações a seguir: Propriedades das bases

Segundo o conceito de Arrhenius, as bases:

• são, em sua maioria, iônicas e, portanto, sóli-


das à temperatura ambiente.
• são capazes de conduzir corrente elétrica no
estado líquido ou quando são dissolvidas em
água.
A tabela a seguir apresenta alguns dos cátions • são eletrólitos, isto é, quando dissolvidas em
mais comuns e suas respectivas cargas. água tornam a mistura condutora de eletrici-
dade.
• reagem com os ácidos para formar água e sal.

NaOH(aq) + HCl(aq) → NaCl(aq) + H2O(l)

• em contato com a gordura, reagem forman-


do sabão.
• em presença de indicadores ácido-base, so-
luções básicas apresentam cores específicas.

As bases deixam a fenolftaleína vermelha, e o


tornassol e o azul de bromotimol ficam azuis. As ba-
ses estudadas até o momento são todas substân-
cias iônicas, no entanto, algumas são moleculares,
como a amônia, NH3. Ao misturar a amônia com a
água, ocorre uma reação de ionização segundo a
equação:

Como você pode verificar, o nome dos cátions


é o mesmo do elemento que lhe deu origem. Ob-
106 serve as fórmulas e os nomes de algumas bases, uti-
lizando a tabela anterior.

• O íon Sr2+ forma a base Sr(OH)2, já que a pro- 4. Os sais e os óxidos


porção entre o Sr2+ e OH– deve ser 1:2 para a
neutralidade elétrica. Para nomear, dá-se o Na natureza, os sais e os óxidos são os principais
nome do íon comum a elas, o hidróxido, acres- recursos para a obtenção de ácidos, bases, metais
centando-se a preposição de e o nome do e também de outros sais e óxidos. Os sais são todos
cátion: compostos iônicos e, junto dos óxidos (compostos
formados por dois elementos em que um deles é o
oxigênio), são as substâncias mais abundantes na
Hidróxido + de + nome do cátion crosta terrestre.
Sr(OH)2: hidróxido de estrôncio Para dar nome aos sais, basta consultar a tabe-
la de cátions e ânions e seguir a regra:
• O elemento ferro forma dois cátions diferentes,
o Fe2+ e o Fe3+, que formarão hidróxidos tam-
bém diferentes. As fórmulas de cada uma das
bases podem ser determinadas analisando-
-se as cargas dos íons: Fe(OH)2 e Fe(OH)3. Para
nomear cada um deles, é necessário indicar
a carga elétrica do íon ferro em algarismo ro-
mano:
A proporção entre o número de cátions e o nú-
mero de ânions é determinada pelas cargas elétri-
cas dos íons; o conjunto iônico deve ser neutro.
• O elemento níquel dá origem a dois cátions, o Óxidos são compostos binários, isto é, formados
Ni2+ e o Ni3+. As fórmulas e os nomes das ba- apenas por dois elementos, sendo um deles o oxi-
ses formadas por esses cátions são: gênio. Existem óxidos iônicos e moleculares. Os óxi-
dos iônicos são aqueles formados por metais, e os
moleculares, por não metais. Muitos óxidos forma-
dos por oxigênio e metais reagem com a água for-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

mando bases. Observe alguns exemplos a seguir:

CaO(s) + H2O(l) → Ca(OH)2(aq)


Na2O(s) + H2O(l) → 2 NaOH(aq)
Fe2O3(s) + 3 H2O(l) → 2 Fe(OH)3(aq)

Os óxidos formados por oxigênio e um não me-


tal, em geral, reagem com a água formando áci-
dos. A seguir, veja alguns exemplos:
2. Corrosão dos metais, uma reação de oxirredu-
ção

5. Propriedades dos sais O ferro é um dos metais mais utilizados pelo ho-
mem no mundo atual. Sua importância é tão gran-
• São todos compostos iônicos. de que é difícil imaginar o que seria da vida nes-
• São eletrólitos, isto é, quando dissolvidos em te planeta sem esse metal. No entanto, é possível
água tornam a mistura condutora de corrente que você já tenha observado que, com bastante
elétrica. frequência, o ferro exposto ao ar ou a ambientes
• São capazes de conduzir corrente elétrica no úmidos, com o passar do tempo, apresenta sinais
estado líquido, isto é, quando aquecidos até de ferrugem (corrosão).
a fusão. O enferrujamento do ferro reduz sua resistência
• Podem ser obtidos da reação entre os metais e durabilidade, tornando-o impróprio para muitos
e os ácidos fins. A ferrugem é uma substância muito diferente
do ferro: é marrom-avermelhada, porosa e quebra-
diça. Trata-se de óxido de ferro hidratado, ou seja,
composto constituído de ferro, oxigênio e água. A
corrosão expressa a tendência do metal de retor-
nar à sua forma de origem, ou seja, a transformar-se
• Podem ser obtidos das reações entre ácidos no óxido do qual foi extraído.
e bases, denominadas reações de neutraliza- Essa corrosão é uma oxidação que ocorre gra-
ção. ças à ação do oxigênio do ar e da umidade. Inicial-
mente, o termo oxidação era utilizado para desig-
nar transformações que envolviam: 107
OS METAIS: SUA IMPORTÂNCIA ECONÔMICA E
COMO SÃO OBTIDOS • O ganho de oxigênio; por exemplo, na com-
bustão do carvão (C), o carbono é oxidado:
1. Os minérios
C(s) + O2(g) → CO2(g)
A importância econômica de um metal está
subordinada a três fatores fundamentais: suas pro- • A perda de hidrogênio; por exemplo, a com-
priedades físicas e químicas, o custo de sua produ-
bustão do sulfeto de hidrogênio (H2S):
ção e sua ocorrência na natureza. Todos os me-
tais conhecidos atualmente são extraídos de seus
2 H2S(g) + O2(g) → 2 H2O(l) + 2 S(s)
respectivos minérios, assim considerados quando
apresentam metal em quantidade economica-
Por outro lado, a redução era utilizada para de-
mente viável para extração.
signar transformações que envolviam:
Os minérios não se distribuem homogeneamen-
te na crosta terrestre; concentram-se em determi-
• A perda de oxigênio:
nadas regiões mais que em outras em razão da
história geológica da Terra. Assim, há países que
possuem determinados metais em abundância, 2 HgO(s) → 2 Hg(l) + O2(g)
e outros que necessitam importá-los. A seguir são O mercúrio perdeu oxigênio, logo, se reduziu.
apresentados alguns minerais e os metais que deles
são extraídos: • O ganho de hidrogênio:

N2(g) + 3 H2(g) → 2 NH3(g)


O nitrogênio se reduziu, pois ganhou hidrogênio.

No entanto, oxidação e redução são proces-


sos que ocorrem simultaneamente. Enquanto uma
espécie se oxida, a outra se reduz. Para entender
o processo, você estudará a obtenção do metal
ferro a partir de seu minério, a hematita (Fe2O3). Ob-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

tenção do metal ferro O ferro é um dos metais mais 3. REATIVIDADE DE METAIS


utilizados para os mais diversos fins. Seu baixo preço
e aplicabilidade o torna indispensável como com- Embora os metais apresentem semelhanças de
ponente estrutural na construção civil, na indústria comportamento em certos aspectos, em outros,
naval, na fabricação de veículos, ferramentas etc. revelam diferenças acentuadas. Assim, por exem-
Os aços são as ligas de ferro mais conhecidas na plo, o metal sódio manifesta maior tendência de
sociedade e de uso mais frequente. Essas ligas me- interagir com o oxigênio do que o ferro. É por cau-
tálicas de ferro com outros elementos, tanto metá- sa dessa característica que o sódio é armazenado
licos quanto não metálicos, conferem a esse ele- imerso em querosene. A combustão do magnésio,
mento propriedades distintas das suas originais (por por exemplo, ocorre com muita rapidez, liberando
exemplo, o aço cromo, que resiste à ferrugem). energia na forma de luz e calor:
A produção de ferro a partir do minério hema-
tita (Fe2O3) ocorre em um processo contínuo de re- 2 Mg(s) + 1 O2(g) → 2 MgO(s) + luz + calor;
dução nos altos-fornos siderúrgicos.
Na goela ou topo do alto-forno, coloca-se a O alumínio, por sua vez, interage com o oxigê-
hematita, o carvão coque e o calcário (CaCO3). nio do ar, formando sobre sua superfície uma ca-
Próximo à base do alto-forno, injeta-se ar quente mada branca de óxido de alumínio que o protege,
sob pressão a uma temperatura de 700 a 1.000 °C. impedindo o prosseguimento da corrosão.
O ouro pode permanecer por um longo tem-
po em contato com o ar sem que seja observada
nenhuma alteração no seu brilho; esse elemento
apresenta resistência e durabilidade.
Na tabela a seguir são apresentadas observa-
ções sobre o comportamento de alguns metais em
relação a certos agentes como água, vapor de
água e solução diluída de HCl.

O carvão coque reage com o oxigênio contido


108 no ar comprimido, produzindo monóxido de carbo-
no (CO); este reduzirá o Fe2O3 ao retirar o oxigênio e
formar o metal ferro (Fe), através das reações:

2 C(s) + 1 O2(g) → 2 CO(g)


Fe2O3(s) + 3 CO(g) → 2 Fe(l) + 3 CO2(g)

O calcário (CaCO3) serve para eliminar até 30%


de sílica (SiO2) do minério de ferro. Impurezas como
essa são retiradas na forma de escória líquida. As observações coletadas na tabela permitem
O ferro fundido (T.F. = 1.530 °C) é recolhido na ordenar os metais segundo a sua tendência em for-
base do forno e, após purificações para eliminar mar o gás hidrogênio (H2) de acordo com a ordem
sulfetos, origina-se o ferro-gusa, principal matéria- decrescente de reatividade, ou seja, daquele que
-prima na fabricação do aço, um dos produtos ob- apresenta maior tendência para o de menor ten-
tidos do ferro de grande utilização industrial. dência em deslocá-lo, isto é, formar o gás H2 a par-
Analisando a reação envolvida no processo tir da reação com água ou com um ácido.
que forma o ferro metálico, percebe-se que tanto A fila de reatividade decrescente é: K, Na, Ca,
o Fe2O3 perde oxigênio, sofrendo redução, quanto Mg, Al, Zn, Fe, Pb, H, Cu, Ag, Au. O elemento H não
o CO ganha oxigênio, sofrendo oxidação: é um metal, mas aparece na fila de reatividade
dos metais porque reage com alguns metais e com
Fe2O3(s) + 3 CO(g) → 2 Fe(l) + 3 CO2(g) outros não, permitindo, assim, a comparação de
sua reatividade com a deles.
Uma vez fabricado o ferro, surge um problema: Por exemplo, os metais que estão antes do ferro
a corrosão. Ela expressa a tendência do metal de na fila são mais reativos que ele, e o ferro é mais
retornar à sua forma de origem, ou seja, de transfor- reativo que todos os outros que o seguem.
mar-se no óxido do qual foi extraído. Para entender
melhor a corrosão dos metais, você estudará a rea- 4. Competição entre metais
tividade dos metais.
Metais diferentes podem apresentar diversas
tendências de reação. Assim, seria possível pensar
que um metal pode competir com outro em re-
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lação à tendência de reagir com ácidos ou com rial de cor marrom avermelhada, porosa e quebra-
compostos que contenham outros metais. diça. Trata-se do óxido hidratado de ferro represen-
Analise o experimento: tado pela fórmula Fe(OH)3 (hidróxido de ferro (III)).
A corrosão do ferro, uma transformação de
Um prego de ferro limpo e polido foi imerso em oxirredução, pode ser explicada por um mecanis-
uma solução azul de sulfato de cobre e lá perma- mo que envolve duas transformações:
neceu por cerca de 48 horas. Após esse período,
observou-se o descoramento da solução, um de- • a de oxidação, em que o ferro (Fe) perde elé-
pósito avermelhado de cobre sobre o prego e mu- trons, transformando-se em Fe2+:
dança na consistência e na massa do prego.
Como explicar o que aconteceu? Será que isso
ocorre com outros metais?

Cada átomo de ferro perdeu 2 elétrons, for-


mando o íon Fe2+.

Essa equação é conhecida por semirreação


de oxidação. Semirreação porque, concomitan-
temente a toda reação de oxidação, ocorre uma
reação de redução, ou seja, para que ocorra uma
Considerando que o soluto sulfato de cobre oxidação, deve ocorrer também uma redução,
é um soluto iônico – e, portanto, constituído pelos como é mostrado a seguir.
íons (Cu2+ e SO42–) – e que, em solução aquosa, os
íons são liberados, como é possível pesquisar qual • a de redução, em que o oxigênio (O2) dissolvi-
das espécies químicas representadas confere a cor do em água recebe elétrons, originando íons
azul à solução de sulfato de cobre: Cu2+ ou SO42–? OH–

A equação que representa o processo de oxir-


Analisando a cor das soluções de outros com- redução é chamada de equação global e é ob-
postos que contêm o íon SO42–, como o Na2SO4, ve- tida somando-se as semirreações de oxidação e 109
rifica-se que a solução é incolor, o que leva à con- redução, respeitando-se o número de elétrons, que
clusão de que a cor azul da solução de CuSO4 é deve ser o mesmo nos dois processos, e cortando-
devida ao íon Cu2+, que em contato com a água -se as espécies que aparecem como reagente em
deixa a mistura azul. Portanto, o descoramento da uma reação e produto na outra.
solução, ao passar de azul para incolor, indica que
os íons Cu2+ não estão mais dissolvidos na água. O
sólido vermelho formado, ao ser analisado, é cobre
metálico. A massa do prego de ferro diminui e na
solução comprova-se a formação do íon Fe2+.
Como explicar a presença de íons Fe2+ no líqui-
do descorado? Como surgiram esses íons? Consi-
derando que a massa do prego diminuiu, pode-se
concluir que a presença de íons Fe2+ na solução Observando as equações, nota-se que os elé-
descorada deve-se à reação entre o metal ferro trons perdidos pelo ferro na oxidação vão reduzir
do prego com os íons de cobre II provenientes do o oxigênio; nas reações de oxirredução, o número
sulfato de cobre. Essa transformação consome o de elétrons perdidos na oxidação deve ser igual ao
metal ferro, o que explica a diminuição de massa número de elétrons ganhos na redução.
do prego. O hidróxido de ferro (II) é oxidado a hidróxido
de ferro (III) (Fe(OH)3). A ferrugem é, na verdade,
uma mistura de compostos de ferro. A tabela a se-
guir apresenta os resultados de um experimento so-
bre a corrosão do ferro.
A fila de reatividade decrescente dos metais, A análise dos resultados permitirá entender me-
vista anteriormente, confirma o resultado do expe- lhor como as reações de oxirredução ocorrem.
rimento: o metal ferro é mais reativo que o metal
cobre.
Agora, será feita a análise da transformação
que ocorre com o ferro exposto ao ar, sofrendo o
processo de corrosão chamado enferrujamento.
O produto da corrosão, a ferrugem, é um mate-
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uma transformação de oxirredução. Essa transfor-


mação envolve a ocorrência simultânea de dois
processos: a oxidação, doação de elétrons por
uma das espécies, e a redução, ganho de elétrons
pela outra espécie. Esse tipo de transformação en-
volve uma transferência de elétrons, da espécie
doadora, para a espécie receptora.
A corrosão do metal é assim: uma transforma-
ção química que envolve um processo de oxirre-
dução.
No início do desenvolvimento desse conceito, a
oxidação foi considerada a reação das substâncias
com o oxigênio, e a redução, a retirada de áto-
mos de oxigênio de uma substância. Atualmente,
o conceito evoluiu e é usado também para outras
reações que não envolvem o elemento oxigênio.
Analisando as reações de oxirredução é possí-
vel perceber que o número de elétrons trocados na
oxidação e na redução deve ser o mesmo. A rea-
ção entre o metal ferro e os íons de cobre II, repre-
sentada pelas equações a seguir, mostra o mesmo
número de elétrons trocados:

O ferro (Fe) é denominado redutor ou agente


A análise dos resultados mostra que o zinco e o redutor, já que, ao perder elétrons, permite que o
magnésio interagem com o oxigênio do ar e com íon Cu2+ reduza ao receber esses elétrons.
a água, protegendo o ferro da corrosão. Cobre e
estanho, ao contrário, apesar de interagirem com
110 o oxigênio do ar e com a água, não protegem o
ferro da corrosão.
Por que isso ocorre? Por que o cobre e o esta- O íon cobre (Cu2+) é denominado oxidante ou
nho, embora reagindo com o oxigênio do ar, não agente oxidante, já que, ao receber elétrons, per-
protegem o ferro da corrosão? Essas observações mite que o ferro oxide, isto é, perca seus elétrons
levam a concluir que o zinco e o magnésio, sendo para o Cu2+.
mais reativos que o ferro, interagem com o ar e com
a água e, desse modo, o protegem da corrosão. As
reações que ocorrem estão a seguir representadas.

Reação global de oxirredução: Fe(s) + Cu2+(aq)


→ Fe2+(aq) + Cu(s)
Cobre e estanho, ao contrário, sendo menos
reativos que o ferro, não podem impedir sua corro- A ENERGIA ELÉTRICA E AS REAÇÕES DE OXIRRE-
são; ao contrário, aceleram o processo. DUÇÃO
É por isso que placas de zinco são acrescenta-
das aos cascos dos navios e substituídas, de tempos 1. As pilhas e as baterias
em tempos, quando já estão bastante corroídas. O
objetivo é a proteção do ferro, impedindo sua cor- As pilhas são um produto doméstico comum
rosão. O zinco é chamado de “metal de sacrifício”, que permite o funcionamento de muitos dos dispo-
pois se sacrifica corroendo-se em favor do ferro. sitivos usados hoje em dia. Mas como elas funcio-
nam?
5. Ampliando o conceito de oxidação e redução Em 1800, Alessandro Volta, físico italiano, inven-
tou a primeira pilha, que ficou conhecida por “pilha
Quando uma lâmina metálica é introduzida em voltaica”. Baseando-se nas investigações de Luigi
uma solução que contém cátions de outro metal Galvani, médico, físico e filósofo italiano, Volta de-
mais reativo que o metal da lâmina, pode ocorrer senvolveu um aparelho capaz de produzir energia
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elétrica. Ele empilhou vários discos de cobre e zin- há alguns potenciais de redução dos principais
co, alternadamente, separados por pedaços de cátions indicados em Volts (nome dado em home-
pano embebidos em uma solução aquosa de áci- nagem a Volta), que é a unidade utilizada, repre-
do sulfúrico (H2SO4(aq)). sentada por V. As setas nos dois sentidos indicam
que as reações podem ocorrer nos dois sentidos,
dependendo das condições e das espécies pre-
sentes. As equações representam a redução (da
esquerda para direita) e, no sentido contrário, a
oxidação.
Quanto maior o potencial de redução, maior a ten-
dência que a espécie apresenta de receber elé-
trons, ou seja, poder ser reduzida. De acordo com o
quadro, o íon que apresenta o maior potencial de
redução é o íon prata (Ag+); ele é a espécie que
pode ser reduzida com maior facilidade.

Veja que o íon lítio (Li+) é a espécie mais difí-


cil de se reduzir (ganhar elétrons), o que significa
que o metal Li é o mais fácil de se oxidar (perder
elétrons), sendo, portanto, o metal mais reativo. O
Como já foi visto, os metais apresentam diferen- íon prata (Ag+) é a espécie mais fácil de se reduzir,
tes reatividades. Assim, mergulhando uma placa logo o metal Ag é o mais difícil de ser oxidado e é
de zinco (Zn) em uma solução com íons Cu2+(aq), o menos reativo.
obtém-se a seguinte reação: Uma espécie que pode ser reduzida facilmen-
te, por exemplo, o íon Ag+, é um poderoso agente
oxidante, pois oxida outra espécie com maior fa-
cilidade. Já uma espécie que se oxida facilmen-
te (como o metal magnésio, por exemplo), é um
O metal zinco oxida, cedendo dois elétrons poderoso agente redutor, pois reduz outra espécie
para o cátion Cu2+, que sofre redução: com facilidade.
Analisando o quadro, é possível dizer que a
espécie que oxida mais facilmente é o metal Li, o
mais forte agente redutor ou redutor e o metal pra- 111
ta (Ag) é o mais fraco redutor. Já o íon Li+ é o mais
fraco agente oxidante ou oxidante e o íon Ag+ é o
mais forte agente oxidante ou oxidante.

O polo negativo da pilha é o metal zinco que


fornece elétrons e é chamado de ânodo (onde
ocorre a oxidação). O polo positivo é a placa de
cobre que recebe os elétrons e é chamado de cá-
todo (onde ocorre a redução). O princípio do fun-
cionamento da pilha está nesse tipo de reação. A A voltagem da pilha é dada pela diferença
pilha pode ser modificada utilizando-se diferentes entre os potenciais de redução das espécies en-
metais no lugar do Zn e do Cu. O que permite o volvidas. Ela é calculada, por convenção, subtrain-
funcionamento delas é a diferença de reatividade do-se o potencial de redução do que apresenta o
desses metais. maior valor de potencial de redução do potencial
daquele que apresenta o menor valor. No caso da
A diferença de reati- pilha de cobre e zinco, tem-se os seguintes poten-
vidade dos metais, ciais de redução:
já estudada no
tema anterior, está
relacionada com o
potencial de redu-
ção que os cátions
metálicos apresen-
tam e que indicam
sua capacidade de
sofrer redução, ou
seja, de receberem
elétrons.
No quadro ao lado,
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2. Pilha comum e pilha alcalina da pilha; o NaOH é um eletrólito melhor que o NH-
4Cl; e o Zn é mais resistente em meio básico do que
O nome pilha é conservado até hoje em fun- em meio ácido.
ção do modo como a primeira pilha foi construí-
da. As pilhas modernas são bem mais compactas 3. Descarte de pilhas e baterias
e eficientes. Foi George Leclanché de Francia que
desenvolveu uma pilha que usava célula de zin-
A mineração, a exploração do petróleo, a ge-
co-carvão que deu origem às pilhas utilizadas até
ração de energia, a produção dos diferentes ma-
hoje, conhecidas por pilha comum ou pilha seca.
teriais utilizados atualmente, enfim, a forma como o
Na pilha seca, o polo positivo é a barra de gra-
planeta é alterado e modificado impacta o meio
fite recoberta por dióxido de manganês (MnO2), e
ambiente. O cuidado com que se deve tratar os re-
o polo negativo é o envoltório de zinco, que está
síduos provenientes da produção industrial, da agri-
conectado com o fundo da pilha.
cultura, das empresas que vivem do turismo etc. é
As reações que ocorrem nessa pilha estão re-
dever de todos: governo, empresas e cidadãos.
presentadas a seguir. No polo negativo, o ânodo,
Atualmente, existem leis que exigem que as in-
ocorre a semirreação de oxidação:
dústrias e as empresas mineradoras e do agrone-
gócio cuidem do manejo dos resíduos e se respon-
sabilizem por ações sobre o ambiente. O dever do
cidadão, além de exigir que o governo fiscalize e
puna quem as desrespeite, é colaborar com a re-
ciclagem, ação que contribui não só com a pre-
No polo positivo, o cátodo, ocorre a semirrea-
servação do meio ambiente, como também com
ção de redução:
a economia, já que beneficia pessoas e entidades
assistenciais que vivem da coleta de material reci-
clável, melhora a economia local e cria novos em-
pregos.
Essa pilha também é conhecida por pilha ácida,
Um problema sério e que só agora tem sido di-
porque a pasta (solução eletrolítica presente no inte-
vulgado, embora de forma tímida, é o que fazer
rior da pilha) contém cloreto de amônio (NH4Cl), que
com as pilhas e baterias, que são utilizadas cada
lhe confere essa característica. No caso das pilhas
vez mais. O descarte desse material no lixo comum
alcalinas, existem algumas modificações que au-
contamina o solo e, em consequência, o lençol
mentam sua eficiência.
freático, com metais pesados que são extrema-
112 O eletrólito utilizado é o NaOH, uma base, que
mente tóxicos. Esse problema pode ser evitado
dá a característica alcalina a ela.
conhecendo-se o que deve ser reciclado e como
As reações que acontecem nesse tipo de pilha
reciclar.
estão a seguir representadas.
De acordo com a resolução do Conama (Con-
selho Nacional do Meio Ambiente), de novembro
de 2010, estão disponíveis postos de coleta de pi-
lhas em pontos de venda como supermercados e
demais varejos. Assim, você poderá descartar pi-
lhas e baterias usadas e ajudar a preservar o meio
ambiente, pois elas terão um fim sustentável, isto é,
os materiais que as formam serão reaproveitados e
não vão para os aterros sanitários ou lixões, evitan-
do, assim, a contaminação do solo.
O papel dos cidadãos na fiscalização é essen-
cial, no entanto, mais importante ainda é que todos
se conscientizem de que também têm responsabi-
lidades com o meio ambiente e não descartem as
pilhas e as baterias no lixo comum.

A ATMOSFERA

1. A composição da atmosfera

Nossa atmosfera não é homogênea – cerca de


80% dos gases que a formam ficam na troposfera,
região mais baixa, que vai do nível do mar até cer-
ca de 15 km de altura. À medida que você se afas-
ta da superfície da Terra, a atmosfera fica cada vez
mais rarefeita, isto é, a concentração dos gases e a
A maior eficiência se deve a três fatores: não há
pressão atmosférica diminuem.
formação de gás amônia que interfira na voltagem
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sendo o argônio o que tem maior participação nes-


sa pequena fração. Do ar atmosférico obtêm-se o
gás oxigênio, o gás nitrogênio e o gás nobre argô-
nio por meio de destilação fracionada. O processo
ocorre por meio das seguintes etapas:

• O ar é purificado pela filtração, que retira as


impurezas sólidas.
• Depois, é levado a um compressor, onde é
comprimido e borbulhado em uma solução
de hidróxido de sódio para se retirar o CO2 exis-
tente, segundo a reação:

• Então, o ar é comprimido novamente, e a


água nele existente, separada.
• Esse ar comprimido passa por trocadores de
calor, é resfriado por expansão a – 185 °C e
liquefeito, indo à coluna de fracionamento
para a destilação fracionada.
• Na torre de destilação, o nitrogênio, que apre-
Acima da troposfera há a estratosfera, que se senta temperatura de ebulição mais baixa,
estende da troposfera até, aproximadamente, 50 vaporiza e sobe pela coluna, deixando o ar
km de altura. Ela concentra cerca de 19% dos ga- líquido enriquecido de oxigênio. O processo
ses existentes na atmosfera e é onde se encontra o continua até a separação total.
gás ozônio, formado da interação entre a radiação • Os gases, assim separados, são engarrafados
ultravioleta do Sol e o gás oxigênio (O2). O gás ozô- sob pressão no estado líquido e comercializa-
nio, formado pela radiação ultravioleta, protege a dos.
Terra, sendo o responsável pela absorção da maior
113
parte dessa radiação, que é nociva a todas as for-
O gás oxigênio é utilizado em diferentes indús-
mas de vida do planeta.
trias, no enriquecimento do ar dos fornos em side-
A mesosfera é a região seguinte e se estende
rúrgicas, na fusão e na redução metalúrgicas, na
até cerca de 80 km acima da estratosfera. Nela,
produção de papel e celulose (como branquea-
os corpos celestes começam a sofrer a ação do
dor), nos processos de corte e solda, na Medicina
atrito, que aumenta à medida que penetram a at-
(no enriquecimento do ar de incubadoras de re-
mosfera terrestre. Se o corpo celeste for pequeno,
cém-nascidos, em tratamentos intensivos, cirurgias,
a ação do atrito consegue até vaporizá-lo, impe-
respiradores de UTIs etc.).
dindo-o de colidir com a superfície da Terra.
O gás nitrogênio é usado na fabricação do gás
Acima da mesosfera tem-se a ionosfera, que
amônia, matéria-prima fundamental para a obten-
vai até cerca de 800 km da superfície da Terra. É
ção de fertilizantes e de ácido nítrico.
formada por plasma, um conjunto de átomos, elé-
Por ser pouco reativo, é utilizado: em tanques
trons e íons positivos, que é considerado o quarto
que armazenam líquidos explosivos; no transporte
estado da matéria, semelhante ao material utiliza-
de alimentos, para evitar a oxidação, o desenvol-
do na fabricação das TVs de plasma. É uma região
vimento de bolor e o aparecimento de insetos; du-
muito importante para as comunicações, já que lá
rante a produção de circuitos integrados existentes
se propagam as ondas de rádio a grandes distân-
em todos os equipamentos eletrônicos; na fabrica-
cias.
ção de borracha e plásticos, para evitar reações
A atmosfera em que você está mergulhado já
indesejáveis; e na conservação das células repro-
foi considerada um dos quatro elementos, respon-
dutivas tanto de seres humanos quanto de outros
sáveis por formar tudo o que existia: ar, água, terra
animais.
e fogo. Hoje, sabe-se que a atmosfera é uma mistu-
O argônio, também obtido das instalações de
ra de gases que podem ser separados e utilizados
fracionamento do ar, é utilizado como gás protetor
em diferentes áreas de atividades humanas, como
nos processos de solda e na indústria de lâmpadas
na Medicina, na indústria e em muitas outras.
e de tubos luminosos. Com exceção do hélio, que
é obtido do gás natural, no qual se apresenta em
2. Recursos obtidos da atmosfera maior concentração, os outros gases nobres, como
o argônio, o criptônio e o xenônio, também são
Nossa atmosfera é formada por 78% de nitrogê- obtidos do fracionamento do ar atmosférico para
nio, 21% de oxigênio e 1% de diversos outros gases, serem utilizados em lâmpadas e na produção de
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atmosfera inerte (que não reage). Atualmente, discutem-se no mundo todo for-
Além de o ar atmosférico ser fonte de substân- mas de minimizar a ação sobre o aquecimento
cias, ele é também fonte de energia, sendo utiliza- global, procurando-se novas fontes de energia que
do desde o século X nos moinhos e, hoje, nos par- não contribuam para o aumento da concentração
ques eólicos na obtenção de energia elétrica. de CO2, como a energia eólica, a energia solar e os
combustíveis verdes, como o álcool e o biodiesel.
3. Efeito estufa e Aquecimento global
4. O modelo cinético molecular
É comum a confusão que se faz entre efeito
estufa e aquecimento global. A atmosfera terres- Para que possa entender melhor os fenômenos
tre é responsável pelo efeito estufa, que mantém que ocorrem na atmosfera, você vai conhecer as
a temperatura média do planeta em torno de 15 leis que regem os gases e o modelo que as explica.
°C. Não fosse ele, essa temperatura seria de aproxi- Acompanhe a discussão de duas variáveis impor-
madamente –21 °C e não haveria água no estado tantes para seu estudo: a pressão e a temperatura.
líquido. Pressão A pressão é a força aplicada por unidade
Toda a energia disponível vem das radiações de área. Suponha que você vai martelar dois pre-
emitidas pelo Sol, a maior parte na forma de radia- gos em uma madeira, um com a ponta perfeita e
ção visível. A atmosfera reflete para o espaço 30% o outro sem ponta.
dessa radiação, 19% é absorvida por ela e cerca Uma boa martelada enterra o primeiro prego
de 51% chega à superfície terrestre. Parte da ener- com facilidade, mas o segundo prego, com a mes-
gia absorvida pela superfície é reemitida na forma ma martelada, provavelmente vai entortar e não
de radiação infravermelha, que atua sobre as mo- penetrará na madeira. Se a força aplicada é a
léculas, aumentando sua energia cinética. Dessa mesma, qual a razão para um prego entrar com
energia reemitida, 10% se perdem no espaço, 90% facilidade na madeira e o outro não? Isso se expli-
são absorvidos pela atmosfera e, desses 90%, 80% ca pelo fato de, no primeiro caso, a força ter sido
são devolvidos à superfície terrestre. A esse fenô- aplicada sobre uma área da madeira menor que a
meno se dá o nome de efeito estufa, em analogia do segundo caso.
às estufas para plantas. A relação entre a força aplicada e a área que
Na atmosfera, a absorção da energia reemi- foi submetida a tal força é a pressão, representada
tida na forma de radiação infravermelha é feita, pela equação em que P é a pressão, F, a força e A,
principalmente, pelos gases CO2 (gás carbônico) e a área em que a força foi aplicada: P = F/A, , mos-
CH4 (gás metano) e pelo vapor de água. O efeito trando que a pressão é diretamente proporcional à
114 estufa garante a vida na Terra por não deixar o pla- força e inversamente proporcional à área Você já
neta gelado. ouviu falar que a pressão atmosférica diminui com
Embora fundamental para a existência de vida, a altitude? A razão disso está na coluna de ar sobre
caso a concentração dos gases responsáveis pelo a superfície da Terra. No nível do mar, a pressão é
efeito estufa aumente, a temperatura média da maior porque há uma coluna de ar maior; em uma
Terra ficará maior que 15 °C, e a esse aumento cha- montanha, a coluna de ar é menor, e também a
ma-se aquecimento global. Um aumento da tem- pressão atmosférica. O gráfico da figura a seguir re-
peratura média causaria uma grande mudança no laciona a pressão atmosférica com a altitude.
clima terrestre: vastas regiões poderiam virar deser-
to; o derretimento das calotas polares aumentaria
o nível do mar, inundando a costa dos continentes;
tufões e furacões seriam mais intensos e frequentes
etc. As atividades vulcânicas e as correntes mari-
nhas são alguns dos fatores naturais que podem
contribuir para o aquecimento global, mas boa
parte dos gases responsáveis pelo efeito estufa,
como o CO2 e o CH4, é lançada na atmosfera por
algumas atividades humanas, aumentando, assim,
suas concentrações e contribuindo para o aqueci-
mento global. As principais fontes antropogênicas Por essa razão, os jogadores, quando vão dis-
(de atividade humana) são a queima dos combus- putar uma partida em um local de grande altitude,
tíveis fósseis, as queimadas, que lançam grandes precisam se adaptar antes do jogo para se acos-
quantidades de CO2 na atmosfera, e a pecuária, tumar com a baixa pressão atmosférica e, conse-
porque o gado produz grandes quantidades de quentemente, com a menor concentração de gás
CH4 durante a digestão. oxigênio.
No Brasil, as principais fontes antropogênicas de A pressão atmosférica, causada pelo peso da
gases estufa são a queima de combustíveis fósseis coluna de ar sobre a superfície da Terra, pode ser
da frota veicular e as queimadas de vegetação – medida por um aparelho chamado barômetro, in-
que emitem principalmente CO2 –, além do grande ventado em 1643 por Torricelli (1608-1647), físico e
rebanho bovino – responsável pela emissão de CH4 matemático italiano.
em grandes quantidades. O funcionamento do aparelho é simples e sua
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precisão é grande. Como mostra a figura ao lado, um de menor temperatura. Já a temperatura está
ele consta de um tubo graduado de 1 m de com- relacionada ao estado de agitação das partículas
primento que é preenchido por mercúrio e inver- que formam os corpos.
tido em um recipiente aberto também contendo Para ficar mais clara a diferença, suponha que
mercúrio. Quando o tubo é invertido, parte do mer- dois recipientes com água, um contendo 1 L e o
cúrio escoa do tubo para o recipiente, até que a outro, 0,5 L, sejam colocados em um fogão de tal
coluna seja equilibrada pela pressão exercida pela forma que fiquem na mesma boca, sob influência
atmosfera. As setas em rosa representam a pressão da mesma chama e por um mesmo intervalo de
exercida pela atmosfera, que equilibra a coluna de tempo. Terminada a experiência, medem-se as
mercúrio. Esta, por sua vez, exerce a mesma pres- temperaturas dos dois recipientes e pode-se notar
são. que a temperatura da água do recipiente com
menos água é maior que a temperatura da água
no recipiente com mais água. A quantidade de ca-
lor transferida para os dois recipientes foi a mesma,
já que estavam sob a influência da mesma chama,
mas as temperaturas anotadas são diferentes. A ex-
periência mostra, portanto, que calor e temperatu-
ra são conceitos diferentes.
Das escalas termométricas existentes, a escala
Celsius é a mais conhecida. É a que se utiliza para
medir a temperatura ambiente e a do nosso corpo,
por exemplo. Outra escala de fundamental impor-
tância para esse estudo é a escala Kelvin, ou es-
cala absoluta, que é proporcional à energia cinéti-
ca média das partículas formadoras dos diferentes
materiais.

O zero absoluto, a menor temperatura possível,


0 K, corresponde a – 273 °C, o que significa que a
escala Celsius e a escala Kelvin diferem em 273 uni-
dades. Portanto, para transformar um valor qual-
quer de temperatura em graus Celsius para Kelvin,
No nível do mar, a coluna graduada de mercú- é só acrescentar 273. Assim, a temperatura 0 °C 115
rio atinge o valor de 76 cm, ou 760 mm. À medida corresponde a 273 K, a temperatura 100 °C corres-
que a altitude aumenta, a coluna diminui, pois mais ponde a 373 K e a menor temperatura possível, o 0
mercúrio desce para o recipiente, uma vez que a K, corresponde a – 273 °C, como já mencionado.
pressão atmosférica diminuiu. Hoje há outros apa-
relhos portáteis que, sem fazer uso de líquido, me- 6. Modelo cinético molecular
dem também a pressão.
Há várias unidades que representam a pressão. Quando você vai a um posto calibrar o pneu
Aqui você trabalhará com duas: milímetros de mer- de um veículo qualquer, pode observar que a adi-
cúrio (mmHg) e atmosfera (atm). A pressão ao nível ção de ar gera um aumento da pressão nas pare-
do mar é de 760 mmHg ou 1 atm, o que significa des internas do pneu. A razão é que a pressão é
que a pressão exercida pela coluna de ar sobre a causada pelo choque das moléculas do gás con-
superfície da Terra no nível do mar é igual à pres- tra as paredes internas do pneu; quanto maior a
são exercida por uma coluna de mercúrio de 760 quantidade de gás, maior também a quantidade
mm de altura. Uma unidade pode ser convertida de choques, que aumentam a pressão.
na outra por uma simples regra de três, já que são Os manuais dos veículos sugerem que o melhor
diretamente proporcionais. Assim, caso você quei- é rodar algum tempo para que o pneu se aqueça
ra transformar 550 mmHg em atm, basta fazer a antes de calibrá-lo, já que a temperatura também
proporção: vai aumentar a pressão. Ao usar uma bomba ma-
nual, pressionando o êmbolo, o volume de ar den-
tro dela diminui e a pressão aumenta, o que faz o
ar passar da bomba para o pneu. Assim, a pressão
depende de diversas variáveis: temperatura, quan-
tidade de gás e volume que o gás ocupa.
As características da atmosfera terrestre e as re-
lações entre pressão, temperatura, volume e quan-
5. Temperatura tidade de moléculas são explicadas pelo modelo
cinético molecular dos gases. Esse modelo surgiu
É comum as pessoas confundirem calor com no final do século XIX, quando a teoria atômica já
temperatura. O calor é energia térmica em trânsito era aceita pela comunidade científica e estava di-
que flui de um corpo de maior temperatura para fundida por toda a Europa. Ele procura explicar as
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propriedades macroscópicas dos gases pelas ca-


racterísticas das partículas que os formam e deter- da força que as mantém unidas, fazendo que se
mina que: separem, ganhem movimento e passem para o
estado líquido.
• um gás é formado por um conjunto de molé- Durante o processo de fusão, se o sólido for
culas em constante movimento; uma substância pura, a temperatura permane-
• não há forças de interação entre as moléculas ce constante, porque toda a energia absorvida
formadoras dos gases; servirá para separar e dar mobilidade às partí-
• o movimento das moléculas é aleatório e de- culas. No estado líquido, as partículas podem se
sordenado; movimentar, permitindo que o líquido flua, mas
• o espaço entre as moléculas é muito maior do ainda há interação entre elas, razão pela qual
há líquidos com viscosidades diferentes, isto é,
que o tamanho de cada uma, portanto, o vo-
que escorrem com maior ou menor facilidade,
lume de um gás depende do número de mo-
como o óleo e a água.
léculas, e não de seu tamanho;
Na ebulição, as substâncias puras apresen-
• as moléculas se chocam entre si e também tam temperatura constante, e isso também
com as paredes do recipiente que contém o ocorre no processo de fusão pela mesma razão.
gás. Esses choques são completamente elásti-
cos, isto é, não há perda de energia neles;
• a velocidade média das moléculas dos gases INICIANDO UMA REAÇÃO
aumenta com o aumento da temperatura;
• a energia cinética média das moléculas dos Sabe-se que uma reação química é um rear-
gases aumenta com o aumento da tempera- ranjo atômico. Em algumas reações, as moléculas
tura. são quebradas para que sejam formadas novas
moléculas; em outras, íons são separados e rearran-
O modelo cinético molecular dos gases é ca- jados de forma diferente.
paz de explicar várias características de gases ou Em todos os tipos de reação química, é neces-
substâncias no estado gasoso. Quando se prepara sário o contato entre os reagentes. Isso significa que
um churrasco, por exemplo, pode-se sentir um odor as partículas formadoras das substâncias que vão
agradável porque substâncias na forma de gás reagir precisam se chocar. No caso de uma rea-
saem da carne e chegam ao nariz. A intensidade ção entre gases, como a que ocorre nos veículos
do odor e a rapidez com que ele é sentido depen- movidos a gás, o gás metano (CH4) reage com o
dem da temperatura ambiente: quanto maior for oxigênio do ar para formar gás carbônico (CO2) e
116
a temperatura, mais intensa e rapidamente o odor água (H2O), e assim liberar a energia que vai mo-
será sentido. ver o veículo.
Outro exemplo é o calor intenso em um in- Para que isso ocorra, as moléculas do metano
cêndio, que pode explodir um botijão de gás. Isso devem se chocar com as do oxigênio, a fim de se
ocorre porque a temperatura aumenta a velocida- transformar. A teoria das colisões explica as rea-
de das moléculas do gás e, consequentemente, ções por meio dos choques entre as moléculas.
a quantidade de choques contra as paredes do Seus postulados são:
recipiente, o que causa aumento da pressão e o
rompimento das paredes do botijão. • para ocorrer uma reação, é necessário que
ocorram choques entre as partículas (molécu-
las, íons ou átomos) dos reagentes;
PARA SABER MAIS! • a colisão provoca o rearranjo dos átomos, for-
mando novas substâncias;
O modelo cinético molecular e os estados • os choques devem ocorrer de tal forma que
sólido e líquido rem energia suficiente e as partículas estejam
em orientação favorável para que o rearranjo
O modelo cinético molecular também pode atômico possa acontecer.
ser utilizado para explicar os estados sólido e
líquido e suas características, lembrando que Para cada reação, há uma energia mínima ne-
nesses dois estados há interações entre partícu- cessária para que os choques deem origem a no-
las e não há choques perfeitamente elásticos. vas substâncias, a chamada energia de ativação.
Nos sólidos, as partículas estão presas umas Segundo a teoria das colisões, um choque efetivo,
às outras por forças de interação. As partículas que dará origem a novas partículas, formará um
(átomos, moléculas ou íons) somente vibram, e composto intermediário de alta energia chamado
não há possibilidade de deslocamento. Quan- complexo ativado, que poderá formar os produtos
do se aquece o sólido, a energia absorvida au- ou voltar a ser reagente.
menta a vibração das partículas e, consequen- As moléculas que apresentam energia inferior à
temente, a temperatura. A partir de determina- energia de ativação não são capazes de reagir; as
da temperatura de fusão (TF), que depende do que apresentam energia igual ou superior podem
sólido, a agitação das partículas vence parte reagir, caso tenham orientação favorável. Essa
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orientação favorável pode ser explicada em um tardando-a. É possível, por exemplo, prolongar a
jogo de bilhar: a tacada pode ter sido perfeita com conservação dos alimentos diminuindo a tempera-
relação à energia depositada, mas, se a orienta- tura do refrigerador, o que retarda as reações de
ção do choque não for a ideal, a bola atingida não decomposição, assim como aumentar a rapidez
vai cair na caçapa. com que o carvão em uma churrasqueira queima
No caso da reação, se a orientação não for fa- fazendo que mais ar circule sobre ele. Um compri-
vorável, o complexo ativado não será formado. A mido efervescente leva mais tempo para reagir na
figura a seguir representa alguns dos possíveis cho- água que um comprimido igual dividido em vários
ques entre moléculas. pedaços.
O que, então, afinal, interfere na rapidez das
reações?

2. Temperatura

A temperatura atua fortemente na rapidez


de uma reação, isto é, o aumento dela acelera a
reação, e sua diminuição, consequentemente, a
retarda. A elevação da temperatura aumenta a
energia cinética média das moléculas reagentes e
o número de colisões; portanto, cresce a probabili-
dade de que se iguale ou se exceda a energia de
ativação. Assim, o aumento da temperatura, além
de elevar o número de colisões, aumenta a ener-
gia delas, e a reação fica mais rápida.
Resumindo: para que ocorra uma reação, os
choques entre as partículas dos reagentes devem 3. Concentração
acontecer de tal forma que gerem energia igual
ou superior à energia de ativação, e as partículas Durante um incêndio, os ventos são um proble-
devem ter uma orientação favorável. ma para os bombeiros. Além de espalhar o fogo
A figura a seguir representa graficamente as com rapidez, são responsáveis por avivar brasas,
energias dos reagentes, dos produtos e do com- formando novas chamas, uma vez que aumentam
plexo ativado. As diferenças entre essas energias a concentração de oxigênio ao substituir o ar satu-
fornecem a energia de ativação e, no caso do rado de fumaça e gás carbônico por um ar mais 117
exemplo do gráfico, a energia que é liberada para rico em gás oxigênio. Isso ocorre porque, em muitos
o ambiente, já que é uma reação exotérmica. casos, o aumento da concentração dos reagen-
tes eleva também a rapidez das reações. Quanto
maior a quantidade de moléculas, maior será o
número de choques e mais rápida a reação. Veja
como isso ocorre na figura abaixo.

Na mistura de gás de cozinha com o ar, por


exemplo, a reação ocorre quando se fornece
energia por meio de uma faísca ou de uma cha- 4. Superfície de contato
ma. Assim, um conjunto de moléculas absorve a
energia fornecida, alcança a energia de ativação As explosões que às vezes ocorrem em marce-
e a reação é iniciada. narias, depósitos de grãos e em alguns postos de
combustíveis devem-se à maior superfície de con-
1. Fatores que interferem na rapidez das reações tato do combustível (pó de madeira, grãos ou ga-
solina no estado gasoso) com o oxigênio do ar. As
Pode-se alterar a rapidez de uma reação de reações de queima nesses três casos são muito rá-
diversas maneiras, tanto acelerando-a como re- pidas, explosivas.
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Um experimento simples para comprovar como 7. Catalisadores


a superfície de contato influi na rapidez é compa-
rar o tempo de reação entre um comprimido efer- Quando se compra massa plástica, o produto
vescente e certa quantidade de água e o tempo vem acompanhado de um pequeno frasco con-
de reação entre um comprimido igual ao primeiro, tendo um líquido com a indicação “catalisador”. O
só que dividido em partes, e a mesma quantidade papel do catalisador é acelerar a reação forman-
de água. Se a superfície de contato é maior, o nú- do um complexo ativado de menor energia. Ao se
mero de choques aumenta, já que uma área maior formar um novo complexo ativado de menor ener-
fica exposta. gia, a nova energia de ativação da reação será
Essa é uma razão de o estado físico de uma menor, aumentando assim o número de partículas
substância também influir na rapidez das reações. com a energia necessária para a reação.
No estado gasoso, a reação se dá mais rapidamen- O automóvel é a principal fonte poluidora da
te do que no estado líquido, e no estado líquido a atmosfera terrestre nos centros urbanos, sendo
reação é mais rápida do que no estado sólido. responsável pela emissão de óxidos de nitrogê-
nio (NOx), hidrocarbonetos (compostos formados
5. Pressão por carbono e hidrogênio), monóxido de carbono
(CO) e outros compostos. Atualmente, os automó-
No caso de reações em que pelo menos um veis apresentam no escapamento, por onde saem
dos reagentes é gasoso, a pressão também pode os gases formados da combustão da gasolina ou
alterar a rapidez. O aumento da pressão, realizado do álcool, uma peça chamada de conversor ca-
por meio da diminuição do volume no recipiente talítico. Veja a figura a seguir, que mostra como ele
onde ocorre a reação, eleva a concentração de funciona.
gases, tendo-se assim um número maior de cho-
ques e maior probabilidade de ocorrer choques
efetivos.
É o caso da queima de um combustível, como
a gasolina, dentro do pistão do motor de um veí-
culo. Em um motor com mau funcionamento, o au-
mento da pressão pela compressão do pistão faz a
mistura gasolina e ar queimar antes de a faísca da
vela acontecer. Para evitar isso, a gasolina contém
substâncias que atuam como antidetonantes, difi-
118 cultando esse processo. Muito utilizado no Brasil, o
álcool (álcool etílico ou etanol) faz o papel de anti-
detonante quando adicionado à gasolina. A figura
a seguir representa o que ocorre ao se aumentar a
pressão sobre a mistura reagente.

Nessa peça encontram-se os catalisadores res-


ponsáveis por acelerar reações entre os gases emi-
tidos e o oxigênio, evitando que se incorporem à
atmosfera. Internamente, o aparelho possui a for-
ma de uma colmeia, para que os gases emitidos
pelo motor e o catalisador tenham a maior superfí-
cie de contato possível. Os conversores catalíticos
diminuem a emissão de parte dos gases poluentes,
transformando CO em CO2, decompondo NOx em
N2 e O2, e transformando os hidrocarbonetos em
CO2 e H2O.
O papel do catalisador é formar um novo com-
plexo ativado que apresente menor energia, dimi-
nuindo assim a energia de ativação para a reação.
6. Presença de luz Quando a catálise é homogênea, como no caso
da massa plástica (catalisador e massa se mistu-
A água oxigenada e vários medicamentos de- ram, formando uma só fase), o catalisador forma
vem ser guardados em locais onde não fiquem com os reagentes o novo complexo ativado de
expostos à luz. Esse procedimento é recomenda- menor energia, e na formação dos produtos é re-
do para diminuir a rapidez de reações aceleradas cuperado, sem ser consumido na reação. Na catá-
pela ação da luz, uma forma de energia que pode lise heterogênea (reagentes e catalisador formam
quebrar as moléculas, facilitando o rearranjo dos mais de uma fase), como a que ocorre nos con-
átomos e acelerando as reações. versores catalíticos, os gases poluentes são absor-
vidos na superfície dos catalisadores e as ligações
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químicas dos gases são enfraquecidas, acelerando


res, atingem muitas pessoas. Para combater o pro-
as reações; nesse caso, o catalisador também é re-
blema, é fundamental que a sociedade mude de
cuperado.
conduta com relação à utilização dos carros como
Uma característica dos catalisadores é que eles
meio de transporte.
participam de uma etapa da reação: a formação
Sendo assim, a troca do transporte individual
do complexo ativado de menor energia. No entan-
pelo transporte público é uma necessidade, não só
to, eles não são consumidos durante a transforma-
para diminuir os congestionamentos monstruosos
ção, sendo recuperados no final do processo.
nos grandes centros urbanos, mas, principalmente,
para diminuir a quantidade de poluentes na atmos-
8. A poluição e o transporte
fera terrestre.
A população deve exigir do poder público um
Nos grandes centros urbanos, é produzida boa
transporte coletivo eficiente, barato e confortável,
parte da poluição que hoje prejudica o meio am-
para que os veículos automotores fiquem reserva-
biente e são emitidos os gases que contribuem
dos apenas para viagens ou para quando seu uso
para o aquecimento global. No caso da poluição
for indispensável. Quando possível, o uso de bicicle-
atmosférica, o grande vilão é o automóvel. A emis-
tas também deve ser considerado.
são de gases poluidores pelos veículos automoti-
vos, mesmo com o uso de conversores catalíticos, é
OS OCEANOS: REGULADORES DO CLIMA TERRES-
cada vez maior, graças ao aumento vertiginoso da
TRE E FONTES DE MATÉRIA-PRIMA
frota de carros, que ainda pode crescer muito mais
nas grandes cidades do Brasil.
1. O calor específico da água e sua importância
Os veículos tanto a gasolina como a álcool e,
principalmente, a diesel são fontes de vários gases no clima terrestre
poluidores, por exemplo, o CO, NO2, SO2, hidrocar-
bonetos, aldeídos e partículas em suspensão dos Quando se vai à praia no verão, nota-se uma
veículos a diesel. Esses gases são lançados direta- característica interessante. Bem cedo, a areia está
mente na atmosfera e reagem formando outras fria e o mar, morno. Com o passar das horas, no
substâncias, também chamadas poluentes primá- entanto, a areia vai esquentando e, por volta do
rios. Muitos desses poluentes vão interagir com os meio- -dia, se você andar sobre ela descalço, pode
gases existentes na atmosfera através das reações até queimar os pés, embora o mar esteja fresco.
fotoquímicas provocadas pela luz solar. Isso ocorre porque, para aquecer a areia, a
O NO2 reage com o oxigênio do ar formando o quantidade de energia necessária para elevar sua
ozônio, que, na troposfera, é o agente poluidor res- temperatura é bem menor que a necessária para
aquecer a água à mesma temperatura.
119
ponsável por doenças pulmonares e pela redução
da fotossíntese.
Os hidrocarbonetos dão origem a radicais li-
vres, partículas extremamente reativas, e a aldeí-
dos, que também reagem formando mais ozônio.
O gás SO2 reage com grande facilidade com o
gás oxigênio do ar e forma o gás SO3. Este, um dos
gases responsáveis pela chuva ácida, reage com
a água presente na atmosfera formando o ácido
sulfúrico (H2SO4).
A atmosfera contribui para espalhar os poluen-
tes e diminuir sua concentração. Os ventos, a to-
pografia e a temperatura são alguns dos fatores
que favorecem a dispersão, porém nem sempre as
condições climáticas são favoráveis. Um fenômeno
comum em nossa atmosfera é a inversão térmica,
que nas grandes cidades representa um grande
problema quando ocorre próximo à superfície da
Terra e se prolonga por um tempo maior.
A temperatura da troposfera diminui com a Percebe-se também que à noite a areia volta a
altitude, o que permite à camada de ar quente, ficar fria e o mar continua morno, pois a areia perde
próxima ao solo, subir por ser menos densa, criando energia na forma de calor mais rapidamente que a
um movimento ascendente que contribui para a água do mar. A razão é que a água, para aumen-
dispersão dos poluentes. Porém, sob determinadas tar sua temperatura, necessita de maior quantida-
condições, uma camada de ar quente fica sobre de de energia que a areia e, portanto, se aquece
uma camada de ar frio, impossibilitando tal movi- mais lentamente. Da mesma forma, a água perde
mento e formando uma espécie de tampa sobre energia mais lentamente que a areia e, à medida
a região, não permitindo a circulação do ar. Nessa que não se tem mais a ação do Sol, a areia esfria
situação, há uma grande concentração de po- mais rapidamente que o mar.
luentes, e as doenças, principalmente as pulmona-
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A propriedade que determina quanto de energia O calor latente de evaporação é a energia ne-
está envolvida no aquecimento ou no resfriamento cessária para evaporar 1 g de qualquer substância,
de uma substância é o calor específico ou a capa- e cada uma apresenta seu valor. Quando a água
cidade calorífica específica. O calor específico da evapora dos oceanos, há transferência de ener-
água é 1,0 cal/g . °C, o que significa que, para elevar gia, na forma de calor, da atmosfera para o vapor
a temperatura de 1 g de água em 1 °C, é necessária de água. A energia fica acumulada na forma de
1 caloria (cal). Esse calor específico elevado é que energia de movimento e potencial nas moléculas
faz dos oceanos um regulador da temperatura no de água.
planeta. Observe a tabela a seguir, que apresenta o O vapor, sendo carregado para outras regiões,
calor específico de algumas substâncias. ao se condensar para formar a chuva, libera a
energia contida no vapor de água na forma de
calor para a atmosfera. O ciclo da água transporta
água e energia para diferentes regiões, contribuin-
do para o controle do clima.
O papel dos oceanos no controle do clima vai
muito além do que se apresentou aqui, o que mos-
tra sua importância. Os fenômenos físicos e quími-
cos ocorrem sempre com absorção ou emissão de
energia; quando absorvem energia, são chama-
dos de processos endotérmicos, e, quando liberam
energia, são chamados de processos exotérmicos.

2. Os oceanos como fonte de recursos

Você já viu a importância dos oceanos para o


Para que você tenha uma ideia da quantidade clima do planeta. Sua relevância para a humani-
de energia envolvida no aquecimento dos ocea- dade, no entanto, vai além: eles são um importan-
nos, o volume de água neles é de aproximada- te meio para o deslocamento de cargas entre as
mente 1,3 . 109 km3 , o que corresponde a 1,3 . 1021 diferentes regiões da Terra, fonte de alimento para
L. Cada litro de água apresenta massa de aproxi- os seres humanos e para muitas outras espécies,
madamente 1 kg, portanto, a massa de água nos além de fontes de matéria-prima.
oceanos é em torno de 1,3 . 1021 kg. Os oceanos são ricos em substâncias das quais
120 Para calcular a energia envolvida no aqueci- os seres necessitam. A água apresenta certas ca-
mento de todo o oceano em 1 °C, será utilizado o racterísticas que a capacitam a dissolver diversos
calor específico da água, que é 1 cal/g . °C ou 1 sais minerais da crosta terrestre e levá-los aos ocea-
kcal/kg . °C. A energia envolvida será: nos, daí sua elevada salinidade. É cada vez maior a
exploração das riquezas existentes, tanto as dissol-
1,3 . 1021 kg . 1 kcal/kg .°C = 1,3 . 1021 kcal/°C vidas nas águas dos oceanos quanto as presentes
no leito marinho.
Essa energia corresponde à energia liberada Atualmente, do mar são obtidos cloreto de só-
na explosão de, aproximadamente, 6,5 . 1010 bom- dio, magnésio, bromo e potássio. Os sais de mag-
bas atômicas iguais às lançadas sobre a cidade de nésio, de potássio e os brometos são retirados da
Hiroshima (Japão) na 2ª Guerra Mundial, uma ener- salmoura obtida na evaporação da água do mar e
gia enorme. Como a capacidade calorífica espe- transformados. No Brasil, em locais de sol intenso e
cífica da água é muito maior que a da atmosfera, com ventos, condições ideais para a evaporação,
os oceanos retêm muito mais energia que ela. a água do mar é recolhida em grandes áreas para
No verão, os oceanos acumulam energia e, no a evaporação e a obtenção dos sais cloreto de só-
inverno, eles a liberam na forma de calor, contri- dio e cloreto de magnésio.
buindo para o controle da temperatura da Terra. O sal cloreto de sódio é a principal substância
As correntes marinhas também contribuem para a retirada do mar. Uma vez obtida, a maior parte des-
distribuição de energia pelo planeta e para a eva- sa substância é utilizada na indústria, por exemplo,
poração e condensação de suas águas. na obtenção do gás cloro e do hidróxido de sódio,
Além do calor específico da água, que indica a pelo processo de eletrólise em meio aquoso, que
energia necessária para aumentar em 1 °C a tem- ocorre apenas quando forçado por uma corrente
peratura de 1 g de água, para a água evaporar, é elétrica, pois a reação não é espontânea. Observe
necessária a absorção de energia, a fim de romper a figura a seguir, que representa o processo.
as forças de atração existentes no estado líquido.
A quantidade de energia absorvida na forma
de calor depende da quantidade de água que
vai evaporar e de outro parâmetro: o calor latente
de evaporação, cujo valor para a água é de 540
cal/g, o que significa que, para evaporar 1 g de
água, são necessárias 540 cal.
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água sofre redução porque ganha elétrons.

A corrente elétrica força a oxidação do Cl− a


gás cloro (Cl2) e a redução da água forma OH− e o
gás H2. O magnésio também é obtido da salmoura
formada na evaporação da água do mar; o clore-
to de magnésio é separado, já que a solubilidade
do sal cloreto de magnésio é diferente da solubili-
dade do sal cloreto de sódio.
O metal magnésio é obtido por eletrólise ígnea
do cloreto de magnésio. Na eletrólise ígnea, o sal é
aquecido até sofrer fusão total, ficando no estado
Nas eletrólises em meio aquoso, o sal é dissol- líquido. Assim, seus íons se separam e ganham mo-
vido em água e, assim, libera os íons, dando-lhes bilidade.
mobilidade. No caso do cloreto de sódio, ao se dis- Como na eletrólise do sal comum, uma corren-
solver na água, ele libera os íons Na+ (aq) e Cl– (aq), te elétrica força a reação representada por:
como mostra a equação a seguir.

Os eletrodos (placas conectadas aos polos po- O bromo é obtido por meio do tratamento da
sitivo e negativo de um gerador ou bateria), em água do mar com cloro, que reage com os íons Br–
contato com a solução, geram a reação represen- (brometos) existentes na água para formar o bro-
tada a seguir. mo (Br2) em mais uma reação de oxirredução:

121

Os íons Cl– (aq) perdem elétrons para o eletro- O mar é rico em muitos elementos e há uma dis-
do positivo, formando o gás cloro. As moléculas de cussão sobre como obter mais recursos dos ocea-
água recebem esses elétrons, formando o íon OH– nos. Sabe-se que há uma enorme quantidade de
(aq) e o gás hidrogênio. nódulos (aglomerados de forma esférica) no leito
dos oceanos, ricos em vários metais como o man-
ganês e o níquel.
Grandes quantidades de petróleo são explora-
Somando-se as três equações: das do subsolo dos oceanos, além de, atualmente,
serem explorados também o diamante e o ouro.
Em um futuro relativamente próximo, haverá tecno-
logia para extrair vários metais dos oceanos, assim
que novos métodos forem descobertos ou aperfei-
çoados, métodos esses capazes de tornar tais ex-
plorações viáveis em termos econômicos.

MOMENTO CIDADANIA

A equação que representa a reação final é: O Brasil possui uma enorme costa e praias
muito bonitas e bem diferentes umas das outras.
A frequência de pessoas nas praias brasileiras
é cada vez maior, o que, muitas vezes, cria um
grande problema: o descarte de lixo nas areias
A eletrólise do sal comum produz soda cáustica ou nas ruas das cidades litorâneas.
(NaOH), gás cloro e gás hidrogênio. Durante a rea- O problema é mais sério ainda quando se
ção, há troca de elétrons entre as espécies reagen- contabiliza a quantidade de lixo recolhido, prin-
tes; portanto, é uma reação de oxirredução. O íon cipalmente após feriados, em praias nas quais a
cloreto sofre oxidação porque perde elétrons, e a prefeitura mantém equipes para coletas.
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ção de íons H+ (aq), que baixam o pH da água das


chuvas.
O que se chama de chuva ácida é uma mistu-
ra que contém os mais diversos poluentes encon-
trados na atmosfera, como os óxidos de enxofre e
os óxidos de nitrogênio, que reagem com água e
formam ácidos. Os dois óxidos são produtos de ati-
vidades humanas, como a queima de combustíveis
fósseis. No caso do SO3 (trióxido de enxofre – criado
a partir da reação de SO2 com O2), tem-se a forma-
ção de ácido sulfúrico quando em contato com a
água:

Observe a figura, que representa como se dá a


formação da chuva ácida.

A imagem acima é do lixo que foi coletado


pelos garis da Comlurb (Companhia Municipal
de Limpeza Urbana – Rio de Janeiro) das areias
da praia de Copacabana, no Rio de Janeiro,
um dia depois do feriado de São Sebastião: 40
toneladas.
Vidros e metais abandonados causam um
problema adicional, pois podem provocar fe-
rimentos. A maior parte do lixo abandonado e
não recolhido vai para o mar.
Os resíduos, principalmente os plásticos,
122 acabam sendo ingeridos por diferentes animais,
causando impactos na população de muitos
deles. O pH da chuva ácida pode ficar entre 4,5 e 2,8,
O papel dos cidadãos, como usuários de um o que pode: causar enormes prejuízos, como a cor-
bem comum, é garantir que o resíduo de tudo rosão de monumentos de mármore e do cimento
que é consumido ou utilizado, e depois descar- das construções; tornar as roupas mais suscetíveis a
tado, tenha um destino correto: as lixeiras das se rasgar; acelerar a corrosão de materiais feitos de
residências ou as coletivas. ferro etc. Além da ação sobre os materiais, a chuva
Vale lembrar também que o problema não ácida afeta ecossistemas sensíveis a mudanças de
se restringe às praias: o lixo descartado em ruas pH.
e sarjetas causa inúmeros problemas: enchen- Não é somente a ação humana que altera o
tes, por entupir bocas de lobo; criação de con- pH da chuva: erupções vulcânicas lançam milhões
dições ideais para a proliferação de insetos e de toneladas de óxido de enxofre na atmosfera, e
ratos; e poluição de rios ou mares quando o lixo relâmpagos e processos biológicos de microrganis-
é levado pelas águas da chuva. mos também contribuem para a formação de óxi-
dos de nitrogênio.

DETERMINANDO O PH 1. O pH do sangue

O pH da chuva Ao contrário do que muitos O organismo humano também é sensível a mu-


pensam, mesmo sem poluição atmosférica, a chu- danças de pH. Todos os processos biológicos que
va é ácida, pois seu pH fica em torno de 5,6. O fato ocorrem nos seres vivos são dependentes do pH.
se deve ao gás carbônico existente na atmosfera, O sangue dos mamíferos deve apresentar pH entre
que, ao se dissolver na água da chuva, forma o 7,35 e 7,45; a diminuição desse valor pode causar
ácido carbônico (H2CO3). A dissolução de CO2 na acidose e o aumento, alcalose; em alguns casos
água dá origem aos equilíbrios: essas alterações levam à morte. Todos os fluidos
biológicos, uns mais e outros menos, são sensíveis a
mudanças de pH.

A formação do ácido carbônico leva à forma-


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2. A hidrólise e o tratamento de água O íon HCO3 – em presença de íons H+ reage


para formar o ácido H2CO3, um ácido fraco, isto é,
Em uma das etapas do tratamento da água pouco ionizado:
servida à população, é acrescentado a ela o sul-
fato de alumínio, que tem a função de ajudar na
decantação de partículas sólidas em suspensão,
antes da filtração. Como isso acontece? Ao se dis-
solver na água, o sulfato de alumínio (Al2(SO4)3) so-
fre dissociação, como representado a seguir:

Os íons HCO3 – retiram íons H+, e sua concentra-


ção fica menor que a concentração dos íons OH–.
A solução, portanto, fica básica.
A água apresenta autoionização, representa- Assim, um sal pode atuar como um ácido ou
da pela equação: uma base. Veja outro exemplo: o nitrato de amônio
(NH4NO3), usado como fonte de nitrogênio para as
plantas em adubos, deixa o solo mais ácido, dimi-
nuindo o pH. Acompanhe a seguir como isso acon-
tece. Ao dissolver o nitrato de amônio em água,
ocorre a dissociação iônica do sal:
O íon Al3+(aq) dá origem a uma base fraca e
pouco solúvel, Al(OH)3, e assim ocorre a hidrólise,
representada pela equação:

O hidróxido de alumínio é um precipitado gela-


tinoso com grande superfície de contato, e seu pa- Os íons NH4+ reagem com os íons OH– para for-
pel é adsorver (aglutinar) as partículas sólidas que mar o NH4OH, uma base fraca, e a concentração
estão em suspensão, aumentando a massa e facili- dos íons OH– (aq) diminui, ficando menor que a
tando a precipitação na decantação. Analisando concentração dos íons H+(aq). A solução, portan-
as duas equações que representam os equilíbrios, to, fica ácida. 123
tem-se:
RECURSOS NÃO RENOVÁVEIS: PETRÓLEO, GÁS
NATURAL E CARVÃO MINERAL

1. Petróleo

O petróleo é um líquido inflamável, oleoso, me-


nos denso que a água e de cor negra. É constituí-
O íon Al3+(aq), do segundo equilíbrio, retira do, principalmente, por uma mistura de vários hi-
íons OH– (aq) do primeiro equilíbrio para formar drocarbonetos – compostos formados por carbono
Al(OH)3(s). Assim, a concentração de íons H+ (aq) e hidrogênio.
fica maior que a concentração de íons OH– (aq),
tornando a solução ácida. 2. Como surgiu o petróleo?
O sal sulfato de alumínio atua como ácido, pois
reage com a água, sofrendo o que se chama de A formação do petróleo remonta a alguns mi-
hidrólise, para formar uma base fraca ao retirar íons lhões de anos.
OH– (aq) da água, tornando-a ácida. Dentre as várias teorias que explicam sua for-
Em várias situações, utiliza-se sal para neutrali- mação, a mais aceita é a de que foi formado
zar ou diminuir a acidez, como no alívio da acidez pela decomposição de restos de organismos que
estomacal com o bicarbonato de sódio (NaHCO3), formam o plâncton das águas doce e salgada. Es-
ou a utilização do carbonato de cálcio (CaCO3) na ses organismos, ao morrerem, acumularam-se no
correção do pH do solo, para diminuir sua acidez. fundo de lagos e mares durante milhões de anos
Agora, observe como age o bicarbonato de e, sob pressão de camadas de sedimentos depo-
sódio em água. Ao dissolver o sal na água, ocorre sitadas sobre eles, movimentos da crosta terrestre,
a dissociação iônica, isto é, a separação dos íons temperatura, ausência de ar e ação de microrga-
formadores do sal: nismos, geraram o petróleo.
O petróleo assim formado migrou pela crosta
terrestre e, em alguns casos, aflorou à superfície, o
que permitiu que antigas civilizações o utilizassem
para fixar blocos em grandes construções, como
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

remédio de uso externo e também para calafetar


barcos. A maior parte do petróleo que migrou pela
crosta acabou presa entre rochas impermeáveis,
formando jazidas. Ao contrário do que muitos pen-
sam, jazidas não são lagos subterrâneos; o petróleo
está localizado entre os grãos que formam as ro-
chas, como água em uma esponja.

Uma vez retirado, o petróleo é armazenado e,


em seguida, distribuído por meio de oleodutos (ca-
nalizações especiais), navios e terminais marinhos
até as refinarias. Nas refinarias, o petróleo é fracio-
nado nos diversos produtos que se conhecem: gás
liquefeito de petróleo, gasolina, querosene, diesel,
óleo combustível etc.
Em geral, em uma jazida, encontra-se água sal-
gada; sobre ela, o petróleo; e, sobre o petróleo, o 3. O petróleo na refinaria
gás natural. Observe a figura acima.
A localização e a extração do petróleo exigem O petróleo é uma mistura complexa de diferen-
um longo estudo de regiões, em geral bacias se- tes hidrocarbonetos formados por moléculas pou-
dimentares, além de muita pesquisa e dinheiro. co polares e, portanto, insolúvel em água. Embora
Como é obtido o petróleo? Na extração desse re- tenha sido utilizado sem nenhum tratamento na An-
curso natural, caso a quantidade de gás existente tiguidade para calafetar barcos e até como remé-
seja grande o suficiente, a própria pressão do gás dio, atualmente o petróleo é separado em frações
124 empurra o petróleo para a superfície; quando não e tem diferentes fins.
há gás suficiente ou a pressão do gás diminui, no A separação das frações do petróleo é feita nas
entanto, é necessário bombear o petróleo para re- refinarias por destilação fracionada. Para isso, ele é
tirá-lo. aquecido e bombeado para a base da coluna de
De todo o petróleo existente em um poço, cer- fracionamento; as frações mais voláteis (as de me-
ca de 50% é retirado, e o restante fica retido na nor temperatura de ebulição) são recolhidas nas re-
rocha, não sendo possível, por enquanto, que seja giões mais altas da coluna e as menos voláteis ficam
retirado sem que isso gere altos custos. O petróleo na parte inferior da coluna de fracionamento.
pode ser explorado em terra ou no mar. Atualmen- A figura a seguir mostra o esquema de uma
te, a Petrobras desenvolve pesquisas e já explora o coluna de fracionamento com as várias frações re-
petróleo na chamada camada do pré-sal. colhidas nas diferentes alturas dela. Observe como
O pré-sal é uma área de reservas petrolíferas essas frações são misturas e sua composição é
que fica sob uma camada de sal existente no sub- apresentada em cada nível da coluna pelo núme-
solo marinho. É assim chamado porque o petróleo ro de átomos de carbono dos hidrocarbonetos que
foi armazenado no subsolo marinho antes de a ca- as formam.
mada salina se formar sobre o depósito.
A exploração de petróleo nas águas da plata-
forma continental envolve tecnologia sofisticada e
também grandes riscos, já que o controle das ope-
rações deve ser rígido para que se evitem aciden-
tes e vazamento da substância no mar. A figura a
seguir mostra um esquema de como seria a cama-
da do pré-sal que está sendo explorada atualmen-
te no Brasil.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Assim, a gasolina é constituída por uma mistura ca. Nesse caso, o metano é classificado como um
de hidrocarbonetos, substâncias formadas por car- recurso renovável.
bono e hidrogênio, que contêm em suas moléculas
de 5 a 10 átomos de carbono; o querosene é for- 5. Carvão mineral
mado por uma mistura de substâncias cujas molé-
culas apresentam de 10 a 16 átomos de carbono; O carvão mineral também é de origem fóssil. Há
o diesel, por sua vez, é constituído por uma mistura milhões de anos, no período carbonífero, florestas fo-
formada por substâncias que contêm de 14 a 20 ram soterradas e sofreram um processo de decom-
átomos de carbono. posição semelhante ao do petróleo, formando o
O petróleo não é apenas fonte de energia; dele carvão. Foi o combustível que permitiu a Revolução
também se obtém matéria-prima para as indústrias Industrial e ainda hoje é muito utilizado como fonte
de plásticos, borracha sintética, tintas e vernizes, de energia.
agrotóxicos, farmacêutica etc. Sendo formado por O processo de formação do carvão pode ser di-
uma enorme quantidade e variedade de hidrocar- vidido em etapas (ou fases). Dependendo das con-
bonetos, a importância do petróleo para a indús- dições e do tempo de fossilização, tem-se a turfa, o
tria química é enorme. linhito, a hulha e o antracito, que constituem as fases
evolutivas do carvão.
4. Gás natural O que possui a maior porcentagem de carbono
é o antracito, e a turfa, a menor. Da destilação seca
O gás natural é uma mistura de hidrocarbone- da hulha, isto é, do aquecimento dessa fase do car-
tos, sendo o gás metano (CH4) seu principal com- vão a 1.000 °C aproximadamente, na ausência de
ponente (70% a 90% da mistura). Sua origem é se- ar e passando por retortas, obtêm-se vários compos-
melhante à do petróleo, podendo ser encontrado tos orgânicos, como benzeno, tolueno, xileno, fenol,
associado ou não a ele, formando grandes depó- naftaleno, cresol, anilina, antraceno, fenantreno e
sitos. piche.
O gás natural é inodoro e menos denso que o O carvão é o recurso não renovável mais abun-
ar; como combustível, é bem menos poluente que dante. É usado na obtenção de energia elétrica, na
os derivados de petróleo e apresenta poder ca- produção do aço e de corantes e na fabricação
lorífico elevado. É também utilizado nas indústrias de explosivos, inseticidas, plásticos, medicamentos e
petroquímica (plásticos, borracha, tintas etc.) e de fertilizantes.
fertilizantes. Muitas termoelétricas utilizam o gás na-
tural na produção de energia elétrica, sendo mais OS BIOCOMBUSTÍVEIS E AS FUNÇÕES OXIGENADAS
eficiente e menos poluente que o óleo combustí- 125
vel e o carvão. Como combustível, é utilizado na Álcoois Quando se fala de álcool no cotidiano,
indústria, nos veículos, na cozinha e na produção faz-se referência ao etanol, um dos muitos álcoois
de energia elétrica. Sua importância é cada vez existentes. Para o químico, álcool é o nome de uma
maior. função química, um conjunto de substâncias dife-
rentes com propriedades semelhantes, assim como
são os ácidos, as bases e os sais. Você está em con-
tato diário com vários álcoois além do etanol. A gli-
cerina, por exemplo, nome comercial do glicerol
(C3H8O3), é um triálcool que possui três grupos –OH
muito utilizado como umectante em doces, sorvetes
e bolos. Ela é solúvel em água e bastante viscosa,
graças às fortes interações entre suas moléculas, por
meio das ligações de hidrogênio.

O gráfico mostra o consumo de gás natural no


País de 1970 a 2008. Dos combustíveis fósseis, o gás O sorbitol (C6H14O6) é usado nas pastas dentais
natural é o menos poluente, pois queima deixando como umectante e edulcorante, isto é, para im-
pouco resíduo. O metano também é formado na pedir que a pasta seque e para lhe conferir sabor
decomposição da matéria orgânica, sendo encon- doce.
trado em pântanos e em lixões e aterros sanitários.
É um recurso energético que pode ser obtido de di-
gestores fabricados especialmente para sua obten-
ção, por meio da fermentação da matéria orgâni-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

O sabor e o buquê das bebidas são dados por


um conjunto de substâncias nelas existente. Uma
delas é o éster, formado na reação entre o álcool e
o ácido resultante da oxidação, representada pela
equação a seguir:

O xilitol (C5H12O5), adoçante natural encontra-


do no milho, é utilizado em balas e gomas de mas-
car como substituto do açúcar.
1. Ácidos carboxílicos

Os ácidos carboxílicos também fazem parte


de nosso cotidiano: no vinagre, o ácido acético
ou etanoico; na laranja, os ácidos cítrico e ascór-
bico; nas formigas, o ácido metanoico ou fórmico,
responsável pela ardência da ferroada; no leite, o
ácido lático. Os ácidos carboxílicos são caracteri-
zados pelo grupo funcional –COOH (carboxila).
Os álcoois, como você pôde observar nos
exemplos apresentados, são compostos orgânicos
que apresentam o grupo –OH ligado a um ou mais
átomos de carbono saturado. Esse mesmo grupo,
quando ligado diretamente ao anel benzênico,
não forma álcool, mas um fenol.
O álcool etílico (C2H6O), ou etanol, é obtido por
fermentação do caldo de cana ou do milho. Mas
tanto ele quanto os demais álcoois podem ser obti-
dos dos hidrocarbonetos ou de seus derivados.

126

A seguir, são apresentados a fórmula do ácido


propanoico e o grupo funcional que caracteriza os
ácidos carboxílicos.

Os álcoois podem sofrer diferentes reações de


oxidação, importantes no metabolismo de alguns
seres e na obtenção de bebidas alcoólicas.
As diferentes reações dependem das condi-
ções da transformação e do tipo de álcool que
será oxidado. Alguns são oxidados formando aldeí-
dos, os quais podem ser oxidados novamente, for- Os ácidos carboxílicos podem apresentar um
mando ácido carboxílico. Nas bebidas alcoólicas, ou mais grupos –COOH ligados a uma cadeia car-
o álcool sofre oxidação formando aldeído, que, bônica, representada por R. Sua fórmula geral é R–
por sua vez, é oxidado a ácido carboxílico. COOH.

Assim como os ácidos inorgânicos, os ácidos


carboxílicos sofrem ionização em água, formando
o íon H+:
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2. Ésteres

Os ésteres são compostos orgânicos que apre-


sentam a fórmula geral:

Os ácidos carboxílicos também reagem com as


bases, formando um sal e água:

Seu grupo funcional é –COO–.


Eles são encontrados na natureza, nos óleos e
nas gorduras, em essências de frutas e flores, na
cera de carnaúba e de abelhas, no tecido do cé-
E reagem, ainda, com os álcoois, formando os rebro etc. Podem ser obtidos da reação entre um
ésteres – outra função química que será estuda- ácido e um álcool – a reação de esterificação –,
da em seguida. Veja abaixo, a representação de como já visto no estudo da reatividade dos ácidos
um ácido carboxílico reagindo com um álcool e carboxílicos:
formando um éster (o grupo funcional é –COO–) e
água.

Há muitos ácidos carboxílicos na natureza. Boa


parte deles é responsável por diversos odores. O
ácido butanoico (C3H7COOH) é responsável pelo Veja alguns ésteres:
odor da manteiga quando está rançosa: 127

3. Óleos e gorduras

Os óleos e as gorduras são triglicerídeos, isto é,


O ácido hexanoico (C5H11COOH) é responsável são ésteres constituídos de três ácidos graxos uni-
pelo cheiro de meias usadas: dos ao glicerol, um triálcool. Os óleos e as gorduras
são fundamentais para nossa alimentação. Além
de fornecerem energia para nossas atividades, au-
xiliam no transporte das vitaminas A, D, E e K, que
são solúveis em gorduras.
Os óleos são líquidos e as gorduras, sólidas ou
pastosas à temperatura de 25 °C. Os óleos apre-
Os ácidos graxos, os quais possuem cadeia sentam uma ou mais insaturações em sua cadeia
carbônica longa e, em geral, um número par de (dupla-ligação); as gorduras, por sua vez, são satu-
átomos de carbono, são obtidos dos óleos vegetais radas e não apresentam ligações duplas.
e das gorduras, o que lhes confere o nome graxo
(gorduroso, oleoso). A figura a seguir representa um
ácido graxo.
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esse nome é que, no processo para se obter a mar-


garina, o óleo vegetal é transformado em gordura
por hidrogenação catalítica.
O hidrogênio reage com o óleo vegetal, que-
brando parte das duplas-ligações existentes nas
moléculas, o que dá origem à gordura. Em uma
das etapas da produção da margarina, a indústria
transforma óleo vegetal (como o óleo de milho) em
gordura por meio da reação de adição, semelhan-
te às reações de adição dos alcenos.
Veja como isso acontece na figura a seguir.

As gorduras, tanto de origem animal quanto ve-


getal, são encontradas em carnes, na manteiga,
no leite e seus derivados, no óleo de coco, no den-
dê etc.
Os óleos monoinsaturados, com apenas uma
dupla-ligação na cadeia carbônica, são encontra-
dos no azeite de oliva, óleo de girassol e de canola,
na azeitona e no abacate. Os óleos poli-insatura-
dos, que possuem duas ou mais duplas-ligações
entre os carbonos da cadeia carbônica, são fun-
damentais na alimentação, por participarem de
funções fisiológicas importantes e por reduzirem o
risco de doenças como câncer, aterosclerose e Durante o processo de transformação do óleo
doenças cardiovasculares. vegetal em gordura vegetal pela reação de hidro-
128 São encontrados no azeite de oliva, no óleo genação (reação de adição), ocorrem rearranjos
de milho, girassol e soja – o ômega-6 – e em peixes na estrutura, formando gordura cis e gordura trans.
como sardinha, atum e salmão, o ômega-3. Embora tenham a mesma fórmula molecular, suas
fórmulas estruturais são diferentes, apresentando
propriedades diversas. São, portanto, compostos
isômeros.
A gordura trans faz mal à saúde e durante mui-
to tempo foi ingrediente de margarinas, biscoitos e
bolos. Hoje se apresenta em concentrações meno-
res ou não existem mais em alguns alimentos.
Observe a seguir as estruturas cis e trans.

4. Gordura vegetal hidrogenada – margarina

No rótulo de um pacote de margarina, pode-se No isômero cis, os hidrogênios ligados aos car-
ler “gordura vegetal hidrogenada”. A razão para bonos com dupla-ligação estão do mesmo lado
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

em relação a ela (cis = mesmo), e, no trans, os hi-


drogênios estão cada um de um lado em relação
à dupla-ligação (trans = ao revés, obliquamente).
Além dos óleos e das gorduras consumidos na
alimentação, as ceras de carnaúba e de abelha
são ésteres formados por um ácido graxo e por um
álcool graxo, de grande cadeia carbônica: Desde a Antiguidade, convive-se com políme-
ros. A celulose existente no algodão das roupas e
nas fibras utilizadas para fabricar cestos, o amido
existente em alimentos tradicionais como o pão, o
milho, a mandioca e a batata, bem como as pro-
teínas das carnes são alguns dos exemplos de po-
límeros com os quais se convive há muito tempo.
5. Biodiesel Nos rótulos dos alimentos industrializados, são
encontradas informações sobre a quantidade de
Outro produto conhecido, obtido de uma rea- carboidratos e proteínas. Esses grupos de substân-
ção cujo nome é transesterificação, é o biodiesel, cias são polímeros que não só estão nos alimentos,
um combustível verde como o álcool, formado na como fazem parte dos organismos vivos.
reação entre um óleo vegetal qualquer e o etanol
ou o metanol, resultando em um novo éster. A rea- 1. Aminas
ção está representada a seguir.
As aminas são bases orgânicas que derivam da
amônia (NH3) pela substituição de um ou mais áto-
mos de hidrogênio por cadeias carbônicas. As ami-
nas de baixa massa molecular, em solução aquo-
sa, formam o íon OH– (aq):

Em presença de ácidos, reagem segundo a


A grande molécula do triglicerídeo (óleo) na equação geral:
reação é transformada em moléculas de ésteres 129
menores, que são os constituintes do biodiesel,
tornando o produto menos viscoso e mais fácil de
queimar. Na produção, além do biodiesel, obtém-
-se glicerina, importante álcool utilizado em alimen- O caráter básico das aminas explica a razão
tos, em cremes hidratantes, na fabricação de trini- de se utilizar limão ou vinagre para lavar as mãos
troglicerina (um explosivo) etc. após a manipulação de peixes. O cheiro do peixe
Todo óleo vegetal, mesmo o óleo usado e reci- se deve a uma amina, a trimetilamina, neutralizada
clado, pode ser usado na produção de biodiesel. quando em contato com limão ou vinagre, pois há
Atualmente, o diesel utilizado no Brasil contém 5% uma reação entre a amina e o ácido cítrico do li-
de biodiesel e é conhecido por B5. Na próxima eta- mão ou o ácido acético do vinagre.
pa de substituição do diesel pelo biodiesel, a por- Essas bases orgânicas reagem com os ácidos
centagem de biodiesel passará a 10% e ele será carboxílicos formando amidas. Observe um exem-
denominado B10. plo:
Segundo alguns pesquisadores, os biocombustí-
veis, além de não contribuírem para o aquecimento
global, poluem um pouco menos que os combustí-
veis fósseis derivados do petróleo. A substituição de
parte do diesel pela mistura diesel e biodiesel leva
também a uma economia de divisas para o País, já
que o diesel costuma ser importado.
As aminas mais importantes são produzidas
POLÍMEROS NATURAIS pela reação de um álcool com a amônia (NH3):
Os aminoácidos são compostos que apresen-
A palavra polímero significa “muitas partes”. As tam os grupos funcionais amino (–NH2) e o grupo
moléculas do polímero contêm centenas de mi- funcional carboxila (–COOH) em um mesmo átomo
lhares de átomos, sendo formadas pela união de de carbono de uma mesma molécula. Essas molé-
moléculas pequenas, denominadas monômeros, culas reagem entre si por meio dos grupos amino e
por meio de ligações covalentes. A figura a seguir carboxila, formando grandes cadeias: as proteínas.
mostra o monômero glicose e o polímero celulose. As aminas mais importantes são produzidas
pela reação de um álcool com a amônia (NH3):
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Os aminoácidos são compostos que apresen-


tam os grupos funcionais amino (–NH2) e o grupo
funcional carboxila (–COOH) em um mesmo átomo
de carbono de uma mesma molécula. Essas molé-
culas reagem entre si por meio dos grupos amino e
carboxila, formando grandes cadeias: as proteínas.

2. Proteínas

As proteínas são macromoléculas formadas


pela união de aminoácidos. Elas possuem uma sé-
rie de funções no organismo humano, atuando, por
exemplo, como catalisadores em diversas reações Na figura acima, os aminoácidos se unem for-
metabólicas, na replicação do DNA, no transporte mando grandes cadeias como as representadas a
de moléculas, na resposta a estímulos etc. A figura seguir.
a seguir apresenta os aminoácidos formadores das
proteínas.

130

Essas grandes cadeias criam pontos de atra-


ção, que as obrigam a se torcer e ficar na forma de
hélice ou de folha pregueada.
As ligações de hidrogênio mantêm a forma de
hélice da cadeia da proteína, chamada de estru-
tura secundária.
As proteínas pertencem à classe dos peptídeos,
pois são formadas por aminoácidos ligados entre si
por ligações peptídicas, que se caracterizam pela
união do grupo amino (–NH2) de um aminoácido
com o grupo carboxila (–COOH) de outro aminoá-
cido, formando uma amida e uma molécula de
água.
A figura a seguir mostra, simplificadamente, a
formação da ligação peptídica e os grupos funcio-
nais que participam dela.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

As cadeias ainda podem sofrer dobramento,


enrolando- -se sobre si mesmas e estabelecendo a
estrutura terciária, como representado a seguir.

As enzimas também são, em geral, proteínas, Os polissacarídeos são polímeros formados por
cuja função é atuar como catalisadores das rea- monossacarídeos. Trata-se de moléculas de gran-
ções biológicas, sendo fundamentais para o bom de massa molecular e grandes cadeias de átomos.
funcionamento do organismo. Como exemplo, O amido existente em vários dos alimentos e a ce-
pode-se citar a enzima pepsina, presente no estô- lulose são alguns exemplos. Veja na figura a seguir
mago e que tem como função acelerar a quebra a estrutura do amido.
de proteínas obtidas na alimentação. Tanto o DNA
como o RNA, responsáveis pelas características de
cada ser humano e pela hereditariedade, estão
associados a proteínas.
As proteínas ingeridas na alimentação são que-
bradas durante a digestão em aminoácidos que 131
são absorvidos e transformados em novas proteí-
nas. Alguns aminoácidos são fabricados em nosso
organismo; outros, só são obtidos pela alimentação
– os chamados essenciais. As principais fontes des- Entre os colchetes, na figura anterior, há a uni-
ses aminoácidos são a carne, o leite e os ovos. dade básica que se repete para formar o amido.
Ela é denominada monômero (no caso do amido,
3. Carboidratos uma molécula de glicose); o conjunto de unidades
básicas forma o polímero.
De todas as biomoléculas, os carboidratos são O amido, ao ser ingerido, é hidrolisado e sepa-
os mais abundantes. Dentre suas várias funções, a rado em moléculas de glicose, que são fontes de
principal é ser fonte de energia, embora também energia. O sangue mantém uma taxa de glicose
tenha função estrutural nas paredes celulares. para transformar em energia imediata quando ne-
Além disso, fazem parte da composição do DNA cessário. A glicose em excesso é convertida em
e do RNA. São formados basicamente por carbo- outro polímero, o glicogênio, que fica armazenado
no, hidrogênio e oxigênio. Alguns deles apresentam no fígado e nos músculos. Quando se necessita de
também os elementos fósforo, enxofre e nitrogênio. energia, primeiro é queimado o açúcar do sangue;
Os carboidratos podem ser classificados quan- depois, o glicogênio é hidrolisado, e as moléculas
to à sua complexidade. Há os monossacarídeos, de glicose resultantes são utilizadas.
que são os açúcares simples que não podem ser
hidrolisados, isto é, não podem reagir com a água,
formando unidades menores. Exemplos desse tipo
de carboidrato são a glicose (C6H12O6) e a frutose
(C6H12O6).
Além dos monossacarídeos, há os oligossacarí-
deos, açúcares compostos que, ao serem hidrolisa-
dos, formam monossacarídeos. Um exemplo deles
é a sacarose (C12H22O11), ou açúcar de cana, um
dissacarídeo formado por uma molécula de glico-
se e uma de frutose, como pode ser observado nas
figuras a seguir.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

O excesso de carboidrato ingerido é transfor- ácidos graxos ou triglicerídeo) e o hidróxido de só-


mado em gordura, já que o organismo só pode ar- dio reagindo e formando o glicerol (ou glicerina) e
mazenar pouco açúcar como glicogênio – a quan- um sal orgânico, que é o sabão.
tidade total de glicogênio no corpo humano é de O hidróxido de potássio é acrescentado para
600 g, aproximadamente. dar maciez ao sabão, reagindo com o óleo ou a
Um carboidrato que serve de tecido de susten- gordura da mesma forma que o hidróxido de sódio.
tação às plantas e que não é digerido pelos seres Na indústria, o sabão e o sabonete são derivados
humanos é a celulose. Sua estrutura não permite de óleos vegetais. Tanto o sabão quanto o sabo-
que sofra hidrólise, o que significa que ela não é nete são obtidos da reação entre os hidróxidos de
metabolizada pelo ser humano. sódio e de potássio e um óleo vegetal, em reações
de saponificação.
A diferença entre o sabão e o sabonete está
no uso de ervas, aromatizantes e hidratantes na
produção deste último, o que não ocorre com o
sabão. O sabão é um sal orgânico, um sal de ácido
graxo, como representado a seguir.

O sal formado é solúvel em água e ocorre a


separação (dissociação do íon Na+ (aq) do ânion,
como a imagem sugere). A cadeia carbônica é
pouco polar e interage com a gordura; já o grupo
–COO– é polar e interage com a água. O sabão
forma com a gordura pequenos glóbulos, de tal for-
ma que a parte pouco polar das moléculas do sa-
bão fique voltada para as gotículas de gordura, e a
parte polar, para a água, permitindo, assim, que a
A celulose compõe o que se chama de fibras gordura se misture com a água na lavagem, como
132 dos alimentos. Embora não seja metabolizada, é representado pela figura ao lado.
fundamental na formação do bolo alimentar, facili- O sabão também diminui a tensão superficial
tando a digestão e o trânsito intestinal. da água, tornando mais fácil a interação da água
com a gordura.
PRODUTOS DE HIGIENE

1. O sabão e o sabonete

Os óleos vegetais e as gorduras reagem com


bases, originando um sal e álcool. Essa reação é
denominada reação de saponificação. O sal for-
mado é um sal de ácido graxo, que você conhe-
ce por sabão. Em alguns locais, é comum os mo-
radores prepararem o sabão aquecendo gordura
de porco com soda cáustica (hidróxido de sódio)
e cinzas (que contêm hidróxido de potássio). A mis-
tura é aquecida até virar uma pasta, que pode ser
moldada e, ao esfriar, endurece, formando o sa-
bão.
A reação de saponificação está representada
a seguir.
Para que o sabão possa atuar, é necessário
que se dissolva na água, para liberar seus íons, que
agirão sobre a gordura e a água. Quando a água
do local é chamada de água dura, a eficiência do
sabão já não é a mesma. A razão para isso é que o
ânion do sabão responsável por suas propriedades
vai formar um sal insolúvel com os íons Ca2+ e Mg2+
existentes em excesso na água dura, impedindo a
ação do sabão ao impossibilitar que a sua extre-
A equação representa a gordura (triéster de midade polar forme ligações de hidrogênio com a
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

água. A equação dessa reação está representada pois, além do material detergente, muitas outras
a seguir. substâncias são acrescentadas para melhorar sua
ação: agentes removedores de manchas ou bran-
queadores ópticos e bioquímicos, cuja ação é real-
çar o branco das roupas; agentes de suspensão;
agentes modificadores de espuma etc.
Mesmo os detergentes biodegradáveis devem
ser utilizados sem desperdício. Usar os detergentes
sem diluí-los antes em água, além de tornar mais
A água dura não produz espuma, porque os difícil retirá-los de pratos, talheres e copos, causará
sais reagem com o sabão resultando em um preci- mais problemas ao meio ambiente, pois para de-
pitado insolúvel. Nos locais em que a água é dura, gradá-los os microrganismos consomem oxigênio
isto é, rica em íons Ca2+ e Mg2+, o sabão é substituí- da água, causando problemas para a vida existen-
do por detergentes e xampus. te nesse meio. Além disso, os detergentes liberam
muitos íons fosfato, que contribuem para a proli-
2. Detergentes e xampus feração de algas, contaminando o corpo d’água
que os recebe. O correto é diluir o detergente em
Detergentes e xampus são emulsionantes (subs- um recipiente antes de utilizá-lo na pia.
tâncias capazes de misturar substâncias pouco po- Um experimento fácil de ser feito mostra como
lares com água), como sabões e sabonetes, mas o detergente e o sabão diminuem a tensão super-
produzidos de derivados de petróleo. Sua vanta- ficial da água. Graças às ligações de hidrogênio,
gem sobre os sabões é que agem tanto na água as moléculas de água formam uma película na
dura quanto na água comum. Há vários tipos de superfície do líquido que permite aos insetos ca-
detergente que atuam diminuindo a tensão super- minharem sobre a água ou uma agulha ou lâmina
ficial da água para permitir a solubilização das gor- de barbear ficarem sobre ela sem afundar. Veja na
duras. imagem.
Da mesma forma que o sabão, os detergentes
são formados por moléculas anfipáticas, isto é, que
apresentam em suas estruturas moleculares uma
cadeia carbônica pouco polar e uma extremidade
com um grupo funcional polar, o que permite a in-
teração tanto com a gordura quanto com a água.
Um dos problemas que os detergentes causam é 133
que muitos não são biodegradáveis como o sabão.
Durante a limpeza, resíduos de sabão ou de
detergente são descartados e vão para um corpo
d’água (lago, rio etc.). O sabão é biodegradável,
por isso os microrganismos existentes na água se
encarregarão de decompô-lo, evitando seu acú-
mulo na água e consequente poluição. Já os de-
tergentes podem ou não ser biodegradáveis. A fi-
gura a seguir representa um detergente que não é
biodegradável.
Agora, faça este experimento:

• Em uma bacia, coloque água e, cuidadosa-


mente, uma agulha ou lâmina de barbear so-
bre a sua superfície, de modo que esse objeto
fique flutuando.
O ânion desse tipo de detergente apresenta • Coloque um pouco de detergente na água e
uma cadeia carbônica com ramificações, que não observe o que ocorre com a agulha ou a lâ-
pode ser atacada pelos microrganismos – não é, mina.
portanto, biodegradável.
Já os detergentes, que apresentam cadeias Ao diminuir a tensão superficial, tanto a agulha
carbônicas normais, sem ramificação, são metabo- quanto a lâmina afundam, e a água aumenta sua
lizados pelos microrganismos – são biodegradáveis. capacidade de molhar ou interagir com o que for
misturado a ela. A figura representa as interações
na tensão superficial da água.

Os detergentes podem se apresentar na for-


ma líquida ou em pó. Sua fórmula não é simples,
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

substâncias que atuam como filtros solares, poden-


do ser físicos ou químicos. Os filtros solares físicos,
como o óxido de titânio (sólido branco), refletem
parte da luz solar; já os filtros solares químicos absor-
vem parte das radiações – suas moléculas absor-
vem a radiação UV. O fator de proteção solar indi-
ca o tempo que uma pessoa pode ficar exposta ao
Sol antes de a pele ficar vermelha, isto é, se o fator
de proteção é 15, significa que o tempo de expo-
sição ao Sol pode ser 15 vezes maior que o tempo
de exposição sem o uso do protetor. Como a resis-
tência da pele ao Sol varia de pessoa para pessoa,
o tempo de exposição permitido depende da pele
de cada uma.

O sabão e os detergentes são chamados de


tensoativos, por diminuírem a tensão superficial da
água, facilitando misturas.

3. Perfumes, cremes, loções e pastas dentais

Os perfumes são soluções formadas por óleos


essenciais obtidos de plantas ou animais, responsá-
veis pela fragrância, um solvente e um fixador para
prolongar o odor. A indústria farmacêutica desen-
volve fragrâncias artificiais para substituir as de ori-
134 gem vegetal ou animal a fim de baratear processos As pastas dentais possuem detergentes, ama-
e preservar espécies em risco de extinção. ciantes, umectantes, essências, sais de flúor e abra-
As essências que ajudam a compor os perfu- sivos. Os detergentes existentes na pasta dental e
mes são utilizadas também em sabonetes, pastas os abrasivos, em geral o óxido de titânio, são tão
dentais, cremes, loções etc. Os detergentes são in- poderosos que essa pasta pode ser utilizada para
gredientes de cremes e pastas dentais. limpar mãos sujas de graxa, sendo melhor e menos
Para combater o ressecamento da pele, há agressiva à pele que os solventes orgânicos, como
cremes hidratantes, cuja função é reter a sua umi- a aguarrás.
dade, mantendo-a hidratada e evitando a perda
excessiva de água. A maioria contém lanolina,
que atua como umectante por ser uma mistura de
ácidos graxos e seus ésteres (gorduras), ou seja, é
formada por moléculas com grandes cadeias pou-
co polares e uma extremidade polar que interage
com a água, diminuindo sua evaporação. Além da
lanolina, são utilizados como umectantes o glicerol,
o colesterol e o ácido palmítico.

Os umectantes são usados também em sabo-


netes, amaciantes de roupas e alguns alimentos,
como pães e bolos. Os sais de flúor são colocados para proteger os
Os protetores solares são cremes que contêm dentes das cáries. As pastas dentais contêm tam-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

bém bicarbonato de sódio e hidróxido de magné-


sio, para diminuir a acidez da boca e proteger ain- um grupo de elementos. Determine as fórmulas
da mais os dentes. dos óxidos dos outros elementos indicados.

1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS

01. Produtos de limpeza, indevidamente


guardados ou manipulados, estão entre as prin- 05. O processo de fermentação do caldo
cipais causas de acidentes domésticos. Leia o de cana é bastante complexo, mas pode ser
relato de uma pessoa que perdeu o olfato por representado pela seguinte equação:
ter misturado água sanitária, amoníaco e sa-
bão em pó para limpar um banheiro:

“A mistura ferveu e começou a sair uma fu-


maça asfixiante. Não conseguia respirar e meus
olhos, nariz e garganta começaram a arder de Determine a massa de álcool obtida na fer-
maneira insuportável. Saí correndo à procura mentação de 5 kg de C6H12O6.
de uma janela aberta para poder voltar a res-
pirar.” 06. A 25 °C, as massas específicas do etanol
e da água, ambos puros, são 0,8 g cm–3 e 1,0
O trecho sublinhado poderia ser reescrito, g cm–3, respectivamente. Adicionando 72 g de
em linguagem científica, da seguinte forma: água pura a 928 g de etanol puro, obteve-se
a) As substâncias químicas presentes nos uma solução com 1 208 cm3 de volume. Assina-
produtos de limpeza evaporaram. le a opção que expressa a concentração desta
b) Com a mistura química, houve produção solução em graus Gay-Lussac (°GL).
de uma solução aquosa asfixiante.
c) As substâncias sofreram transformações a) 98
pelo contato com o oxigênio do ar. b) 96
d) Com a mistura, houve transformação quí- c) 94 d) 93
mica que produziu rapidamente gases tóxicos. e) 72
e) Com a mistura, houve transformação quí- Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), 2011
mica, evidenciada pela dissolução de um sóli-
do.
135
07. A gasolina é uma mistura, mas será re-
Enem 2003. Prova amarela. presentada aqui como formada por uma só
substância, o octano (C8H18(l)). Na combustão
02. Se os motores de carros que usam etanol total do octano, forma-se apenas gás carbô-
como combustível estiverem bem regulados, nico (CO2(g)) e água (H2O(l)). Na queima total
a sua combustão poderá ocorrer segundo a de 22,8 g de gasolina, há liberação de 1.094 kJ.
equação: Represente a queima total de 1 mol de octano,
apresentando a energia que seria liberada na
C2H5OH(g) + O2(g) → CO2(g) + H2O(g) + reação.
energia
08. A aceitação histórica da ideia de que a
Porém, se estiverem mal regulados, a com- matéria é composta de átomos foi lenta e gra-
bustão ocorrerá de forma incompleta: dual. Na Grécia antiga, Leucipo e Demócrito são
lembrados por terem introduzido o conceito de
C2H5OH(g) + O2(g) → CO(g) + H2O(g) + átomo, mas suas propostas foram rejeitadas por
energia. outros filósofos e caíram no esquecimento. No
final do século XVIII e início do século XIX, quan-
Faça o balanceamento dessas duas equa- do as ideias de Lavoisier ganhavam aceitação
ções, comparando-as e explicando em que di- generalizada, surgiu a primeira teoria atômica
ferem. moderna, proposta por ________. Essa teoria
postulava que os elementos eram constituídos
03. Determine o número de mol para a mas- de um único tipo de átomo, enquanto que as
sa de 50 g das substâncias: substâncias compostas eram combinações de
diferentes átomos segundo proporções deter-
a) NO2 minadas. Quase cem anos depois, estudos com
b) CH4 raios catódicos levaram J. J. Thomson à desco-
c) H2O berta do ________, uma partícula de massa mui-
to pequena e carga elétrica ________, presente
04. O fragmento da classificação periódica em todos os materiais conhecidos. Alguns anos
apresentado fornece as fórmulas dos óxidos de depois, por meio de experimentos em que uma
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fina folha de ouro foi bombardeada com par- a) permite que toda água seja devolvida
tículas alfa, Rutherford chegou à conclusão de limpa aos mananciais.
que o átomo possui em seu centro um ________ b) diminui a quantidade de água adquirida
pequeno, porém de massa considerável. e comprometida pelo uso industrial.
c) reduz o prejuízo ambiental, aumentando
As palavras que preenchem as lacunas cor- o consumo de água.
reta e respectivamente estão reunidas em d) torna menor a evaporação da água e
mantém o ciclo hidrológico inalterado.
a) Dalton – elétron – negativa – núcleo e) recupera o rio onde são lançadas as
b) Bohr – cátion – positiva – elétron águas utilizadas.
c) Dalton – nêutron – neutra – próton Enem 2003
d) Bohr – fóton – negativa – ânion
e) Dalton – próton – positiva – núcleo 13. A obtenção de água doce de boa qua-
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do lidade está se tornando cada vez mais difícil
Sul (PUC-RS), 2012. Disponível em: devido ao adensamento populacional, às mu-
<http://www.cneconline.com.br/exames-educa- danças climáticas, à expansão da atividade
cionais/vestibular/provas/rs/puc-rs/2012/ industrial e à poluição. A água, uma vez cap-
2o-semestre-fase-unica/puc-rs-2012-2-prova-com- tada, precisa ser purificada, o que é feito nas
pleta-2o-dia-c-gabarito.pdf> estações de tratamento. Um esquema do pro-
cesso de purificação é:
09. A fórmula mínima do cloreto de bário é
BaCl2. Quais informações ela fornece?

10. Ao comparar-se os íons K+ e Br– com os


respectivos átomos neutros de que se origina- Em que as etapas B, D e F são:
ram, pode- -se verificar que B – adição de sulfato de alumínio e óxido
de cálcio,
a) houve manutenção da carga nuclear de D – filtração em areia,
ambos os íons. F – fluoretação.
b) o número de elétrons permanece inalte-
rado. Assim sendo, as etapas A, C e E devem ser,
136 c) o número de prótons sofreu alteração em respectivamente,
sua quantidade.
d) ambos os íons são provenientes de áto- a) filtração grosseira, decantação e clora-
mos que perderam elétrons. ção.
e) o cátion originou-se do átomo neutro a b) decantação, cloração e filtração gros-
partir do recebimento de elétrons. seira.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul c) cloração, neutralização e filtração gros-
(UFRGS), 2001 seira.
d) filtração grosseira, neutralização e de-
11. O sódio, Na, reage com o cloro, Cl2, cantação.
dando cloreto de sódio, segundo a reação re- e) neutralização, cloração e decantação.
presentada pela equação química: Fuvest 2009

2 Na + Cl2 → 2 NaCl 14. Você tem diante de si um frasco com


um pó branco que pode ser um dos seguintes
Baseando-se nestas informações e na Clas- sais: cloreto de sódio (NaCl), carbonato de só-
sificação Periódica, escreva: dio (Na2CO3) e carbonato de cálcio (CaCO3).
Num livro de Química você encontrou as se-
a) A equação química que representa a guintes informações:
reação entre o potássio, K, e o cloro.
b) A equação química que representa a a) “Todos os carbonatos em presença de
reação entre o cálcio, Ca, e o bromo, Br2. ácido clorídrico apresentam efervescência.”
Unicamp 1994 b) “Todos os carbonatos são insolúveis, com
exceção dos carbonatos dos metais alcalinos
12. Considerando os custos e a importân- (Li, Na, K, Rb e Cs) e de amônio (NH4+ ).”
cia da preservação dos recursos hídricos, uma c) “Todos os cloretos são solúveis, com ex-
indústria decidiu purificar parte da água que ceção dos cloretos de chumbo, prata e mer-
consome para reutilizá-la no processo industrial. cúrio.”
De uma perspectiva econômica e ambiental,
a iniciativa é importante porque esse processo Dispondo apenas de recipientes de vidro,
água e ácido clorídrico, como você faria para
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identificar o sal? a) Somente o lítio, pois ele possui o menor


potencial de redução.
15. Ferramentas de aço podem sofrer corro- b) Somente o cobre, pois ele possui o maior
são e enferrujar. As etapas químicas que corres- potencial de redução.
pondem a esses processos podem ser represen- c) Somente o potássio, pois ele possui po-
tadas pelas equações: tencial de redução mais próximo do magnésio.
d) Somente o cobre e o zinco, pois eles so-
Fe + H2O + ½ O2 → Fe(OH)2 frem oxidação mais facilmente que o alumínio.
Fe(OH)2 + ½ H2O + ¼ O2 → Fe(OH)3 e) Somente o lítio e o potássio, pois seus po-
Fe(OH)3 + n H2O → Fe(OH)3·nH2O (ferrugem) tenciais de redução são menores do que o do
alumínio.
Uma forma de tornar mais lento esse pro- Enem 2012. Prova Azul.
cesso de corrosão e formação de ferrugem é
engraxar as ferramentas. Isso se justifica porque 17. O gráfico abaixo ilustra o resultado de
a graxa proporciona um estudo sobre o aquecimento global. A cur-
a) lubrificação, evitando o contato entre as va mais escura e contínua representa o resulta-
ferramentas. do de um cálculo em que se considerou a soma
b) impermeabilização, diminuindo seu con- de cinco fatores que influenciaram a tempera-
tato com o ar úmido. tura média global de 1900 a 1990, conforme
c) isolamento térmico, protegendo-as do mostrado na legenda do gráfico. A contribui-
calor ambiente. ção efetiva de cada um desses cinco fatores
d) galvanização, criando superfícies metá- isoladamente é mostrada na parte inferior do
licas imunes. gráfico.
e) polimento, evitando ranhuras nas super-
fícies.
Enem 2004. Prova amarela.

16. O boato de que os lacres das latas de


alumínio teriam um alto valor comercial levou
muitas pessoas a juntarem esse material na ex-
pectativa de ganhar dinheiro com sua venda.
As empresas fabricantes de alumínio esclare- 137
cem que isso não passa de uma “lenda urba-
na”, pois ao retirar o anel da lata, dificulta-se a
reciclagem do alumínio. Como a liga do qual é
feito o anel contém alto teor de magnésio, se
ele não estiver junto com a lata, fica mais fácil
ocorrer a oxidação do alumínio no forno. A ta-
bela apresenta as semirreações e os valores de
potencial padrão de redução de alguns metais:

Os dados apresentados revelam que, de


1960 a 1990, contribuíram de forma efetiva e
Fonte: www.sucatas.com positiva para aumentar a temperatura atmos-
férica:
Com base no texto e na tabela, que metais
poderiam entrar na composição do anel das la- a) aerossóis, atividade solar e atividade vul-
tas com a mesma função do magnésio, ou seja, cânica.
proteger o alumínio da oxidação nos fornos e b) atividade vulcânica, ozônio e gases es-
não deixar diminuir o rendimento da sua reci- tufa.
clagem? c) aerossóis, atividade solar e gases estufa.
d) aerossóis, atividade vulcânica e ozônio.
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e) atividade solar, gases estufa e ozônio. d) o petróleo é um recurso energético distri-


Enem 2007. buído homogeneamente, em todas as regiões,
independentemente da sua origem.
18. Uma dona de casa acidentalmente dei- e) o petróleo é um recurso não renovável
xou cair na geladeira a água proveniente do a curto prazo, explorado em áreas continentais
degelo de um peixe, o que deixou um cheiro de origem marinha ou em áreas submarinas.
forte e desagradável dentro do eletrodomésti- Enem 2000. Prova amarela
co. Sabe-se que o odor característico de pei-
xe se deve às aminas e que esses compostos 20. As “margarinas” e os chamados “cre-
se comportam como bases. Na tabela são lis- mes vegetais” são produtos diferentes, comer-
tadas as concentrações hidrogeniônicas de al- cializados em embalagens quase idênticas. O
guns materiais encontrados na cozinha, que a consumidor, para diferenciar um produto do
dona de casa pensa em utilizar na limpeza da outro, deve ler com atenção os dizeres do ró-
geladeira. tulo, geralmente em letras muito pequenas. As
figuras que seguem representam rótulos desses
dois produtos.

Dentre os materiais listados, quais são apro-


priados para amenizar esse odor? Uma função dos lipídios no preparo das
massas é torná-las mais macias. Uma pessoa
a) Álcool ou sabão. que, por desatenção, use 200 g de creme ve-
b) Suco de limão ou álcool. getal para preparar uma massa cuja receita
c) Suco de limão ou vinagre. pede 200 g de margarina, não obterá a con-
d) Suco de limão, leite ou sabão. sistência desejada, pois estará utilizando uma
138 e) Sabão ou carbonato de sódio/barrilha. quantidade de lipídios que é, em relação à re-
Enem 2012. Prova azul. comendada, aproximadamente

19. Para compreender o processo de ex- a) o triplo.


ploração e consumo dos recursos petrolíferos, b) o dobro.
é fundamental conhecer a gênese e o proces- c) a metade.
so de formação do petróleo descritos no texto d) um terço.
abaixo. e) um quarto.
Enem 2004. Prova amarela.
“O petróleo é um combustível fóssil, origina-
do provavelmente de restos de vida aquática 21. A pele humana, quando está bem hidra-
acumulados no fundo dos oceanos primitivos e tada, adquire boa elasticidade e aspecto ma-
cobertos por sedimentos. O tempo e a pressão cio e suave. Em contrapartida, quando está res-
do sedimento sobre o material depositado no secada, perde sua elasticidade e se apresenta
fundo do mar transformaram esses restos em opaca e áspera. Para evitar o ressecamento da
massas viscosas de coloração negra denomi- pele é necessário, sempre que possível, utilizar
nadas jazidas de petróleo.” hidratantes umectantes, feitos geralmente à
(Adaptado de TUNDISI. Usos de energia. São Paulo: base de glicerina e polietilenoglicol:
Atual Editora, 1991.)

As informações do texto permitem afirmar


que:

a) o petróleo é um recurso energético reno-


vável a curto prazo, em razão de sua constante
formação geológica.
b) a exploração de petróleo é realizada
apenas em áreas marinhas.
c) a extração e o aproveitamento do pe-
tróleo são atividades não poluentes dada sua A retenção de água na superfície da pele
origem natural. promovida pelos hidratantes é consequência
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da interação dos grupos hidroxila dos agentes 1 C6H12O6 → 2 C2H6O + 2 CO2


umectantes com a umidade contida no am-
biente por meio de Verifique que, ao escolher o coeficiente 1 para
C6H12O6, o coeficiente de C2H6O deve ser 2 a
a) ligações iônicas. fim de que o número de hidrogênios continue
b) forças de London. 12. Para completar os carbonos, é necessário
c) ligações covalentes. o coeficiente 2 para o CO2. Conhecendo a
d) forças dipolo-dipolo. proporção entre o número de mols, calcula-se
e) ligações de hidrogênio. aquela entre as massas usando a massa atômi-
Enem 2011 ca dos elementos formadores das substâncias:

C6H12O6 → (6 ∙ 12) + (12 ∙ 1) + (6 ∙ 16) = 180 g/mol


DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS C2H6O → (2 ∙ 12) + (6 ∙ 1) + (1 ∙ 16) = 46 g/mol
RESULTADOS CO2 → (1 ∙ 12) + (2 ∙ 16) = 44 g/mol

Confira aqui os seus resultados! 1 C6H12O6 → 2 C2H6O + 2 CO2


180 g 2 ∙ 46 = 92 g 2 ∙ 44 = 88 g
01. Alternativa correta: d.
O que ocorreu evidencia uma reação quí- Segundo a equação, 1 mol de glicose (180 g)
mica, pois houve a formação de um gás tóxico formou 92 g de álcool. Como as massas são
ao se misturar os produtos de limpeza. proporcionais:

02. 1 C2H5OH(g) + 3 O2(g) → 2 CO2(g) + 3 180 g de glicose --------------- 92 g de álcool


H2O(g) 5 kg de glicose ----------------- x kg de álcool
92 g
1 C2H5OH(g) + 2 O2(g) → 2 CO(g) + 3 H2O(g) x = 5 kg ∙ ≅ 2,6 kg
92 g 180 g
Ao balanceá-las, nota-se que a segunda
usou menos oxigênio na combustão; portanto, A massa de álcool obtida é de 2,6 kg, aproxi-
os produtos foram diferentes. A combustão re- madamente.
presentada pela primeira equação é total, e a
representada pela HOR segunda, incompleta 06. Alternativa correta: b.
ou parcial, porque a quantidade de gás oxigê- Como se sabe, o grau Gay-Lussac é a uni- 139
nio foi menor. dade que expressa a quantidade de álcool,
em mL, contida em 100 mL de solução hidroal-
03. coólica, isto é, a porcentagem volumétrica de
a) 50 g de NO2 álcool na solução. Você pode ter feito este
50𝑔 cálculo do volume de álcool utilizado, usando
= 1,09 mol de NO2 para isso a massa e a densidade do álcool:
46 g/mol
928 g
𝑉álcool = = 1.160 cm3
b) 50 g de CH4 0,8 g/cm3
50𝑔
= 3,1 mol de CH4 Agora, é só calcular o grau Gay-Lussac:
16 g/mol
1.160 cm3
°GL = ∙ 100 = 96 °GL
c) 50 g de H2O 1.208cm 3
50𝑔
= 2,8 mol de H2O 07. É preciso determinar a energia libera-
18 g/mol
da por 1 mol de octano para acrescentá-la à
04. equação; portanto, calcula-se a massa molar
do octano e comparam-se as massas envolvi-
das com a energia liberada:

Cálculo da massa de 1 partícula de C8H18


→ (8 ∙ 12) + 18 = 114; portanto, 1 mol de C8H18
As fórmulas dos óxidos de elementos de apresenta massa de 114 g.
uma mesma família guardam as mesmas pro-
porções entre os átomos. Como 22,8 g de C8H18 libera 1.094 kJ, pode-
-se calcular quanto de energia será liberada
05. Em primeiro lugar, deve-se verificar a quando há queima 1 mol de C8H18.
equação e garantir que ela esteja balancea-
da. Aqui escolheu-se a glicose para se atribuir o 22,8 g de C8H18 ------------------------- 1.094 kJ
coeficiente 1 e encontrar os outros: 114 g de C8H18 ---------------------------x kJ
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1.094
de cálcio (CaCO3). Para diferenciar as outras
x = 114 ∙ = = 5.470 kJ duas possibilidades, seria necessário misturá-lo
22,8
com ácido clorídrico. O carbonato de sódio
(Na2CO3) apresenta efervescência ao ser mis-
A equação balanceada é: turado com esse ácido, já o cloreto de sódio
(NaCl) não apresenta essa característica.
1 C8H18(l) + 12,5 O2(g) → 8 CO2(g) + 9 H2O(l)
+ 5.470 kJ 15. Alternativa correta: b.
Para evitar que o ferro enferruje, deve-se
08. Alternativa correta: a. evitar seu contato com o oxigênio do ar e é o
A teoria atômica foi proposta por Dalton, J. que ocorre quando se cobre o metal com gra-
J. Thomson foi quem descobriu o elétron, que xa, pois ela não permite o contato da ferramen-
possui carga negativa, e Rutherford propôs a ta com o oxigênio do ar.
existência do núcleo atômico, ocupando um
volume muito pequeno no átomo, mas respon- 16. Alternativa correta: e.
sável por sua massa. Para que um metal atue como metal de sa-
crifício, ele deve apresentar um potencial de re-
09. A fórmula mínima do cloreto de bário dução menor que o do metal que vai proteger.
fornece os elementos formadores da substân-
cia (bário e cloro) e a proporção entre os íons, 17. Alternativa correta: e.
1 Ba2+ para 2 Cl– para a neutralidade elétrica do Analisando o gráfico, percebe-se que ape-
composto. nas a atividade solar, os gases do efeito estufa e
o ozônio sofreram aumento de concentração,
10. Alternativa correta: a. contribuindo assim para o aquecimento global.
A formação de íons se dá por perda de elé-
trons para formar cátions como o K+ ou por ga- 18. Alternativa correta: c.
nho de elétrons no caso dos ânions como o Br– ; Tanto o vinagre quanto o suco de limão são
o número de prótons (carga nuclear) não sofre ácidos e reagem com as aminas, neutralizan-
alteração na formação dos íons. do-as e eliminando o odor.

10. Alternativa correta: a. 19. Alternativa correta: e.


140 A formação de íons se dá por perda de elé-
trons para formar cátions como o K+ ou por ga- O petróleo é um recurso não renovável a
nho de elétrons no caso dos ânions como o Br– ; curto prazo, porque leva milhões de anos para
o número de prótons (carga nuclear) não sofre se formar, e é explorado em determinadas re-
alteração na formação dos íons. giões mais viáveis, por exemplo, áreas submari-
nas e continentais de origem marinha.
11. a) 2 K + Cl2 → 2 KCl
A equação é parecida, pois o potássio (K) 20. Alternativa correta: c.
é da mesma família do sódio (Na), reagindo e Em 200 g de margarina há 65% de lipídios,
formando compostos semelhantes. que correspondem a 130 g. No creme vegetal,
b) Ca + Br2 → CaBr2 há 35%, que correspondem a 70 g de lipídios.
Como o cálcio é da família 2 (2A), o produ- A quantidade é, portanto, aproximadamente a
to formado está na relação de 1:2 entre cálcio metade da recomendada.
e bromo. O bromo pertence à mesma família
do cloro (Cl). 21. Alternativa correta: e.
A interação entre moléculas que apresen-
12. Alternativa correta: b. tam o grupo –OH se dá por ligação de hidro-
A principal função de reutilizar água é dimi- gênio.
nuir seu consumo.

13. Alternativa correta: a. COMPREENDENDO O ORGANISMO HUMANO BIO-


A primeira etapa (A) é uma filtração gros- LOGIA
seira para evitar que grandes objetos cheguem
à estação de tratamento. Após a adição dos 1. O que é preciso para se ter saúde?
floculantes (B), há a decantação (C). A etapa
(E) é a adição de cloro para a desinfecção. Você tem saúde? O que pensou imediatamen-
te? Não tenho nenhuma doença, logo, estou sau-
14. O sal pode ser identificado a partir de dável. Mas será que ter saúde significa apenas não
sua solubilidade testando-o em água. O único estar doente? O que é preciso para se ter saúde e,
sal que não se dissolve em água é o carbonato portanto, uma melhor qualidade de vida? Há mui-
tos fatores que podem influenciar essa condição,
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como, por exemplo, as suas características indivi- tribuem para uma má distribuição de renda, situa-
duais. ção que leva à grande desigualdade social da po-
Um idoso não tem as mesmas condições de pulação e que precisará ser resolvida.
saúde de um jovem. Uma mulher grávida enfrenta
uma situação diferente de uma pessoa que está INTERDEPENDÊNCIA DOS SERES VIVOS
passando por momentos de estresse, ou de outra
que herdou de seus pais uma tendência para ter 1. Relações tróficas: cadeias e teias alimentares
diabete. Além disso, as condições pessoais de hi-
giene também são importantes para a manuten- Imagine que você está caminhando por um
ção da saúde. Mas não são apenas as caracte- campo com árvores não muito próximas umas das
rísticas próprias de cada um que interferem nesse outras e com o capim tomando conta do chão en-
processo. tre uma árvore e outra. Nesse ambiente, convivem
Uma nutrição correta é fundamental para o pássaros, gafanhotos, formigas, serpentes, roedores
crescimento, para se ter um organismo saudável e e uma série de outros animais, além das próprias ár-
para ajudar a nos proteger contra algumas doen- vores e do capim. Alguns desses seres alimentam-se
ças. Quem mora em um local sem água tratada, de outros, por exemplo: um gavião alimenta-se de
esgoto, coleta de lixo e sujeito a enchentes não uma serpente; uma serpente, de um roedor.
tem as mesmas chances de quem vive em um bair- Agora, imagine compor uma sequência de se-
ro bem equipado. O que é necessário para viver res vivos na qual se indica quem é o alimento de
melhor? Sem dúvida, uma boa educação, condi- quem: o capim é o alimento do gafanhoto; o gafa-
ções de segurança e um emprego com salário que nhoto é o alimento do roedor; o roedor é o alimen-
lhe permita ter uma casa e levar uma vida digna. to da serpente; a serpente é o alimento do gavião.
O trabalho precisa trazer satisfação, ficar num Essa sequência pode ser representada de forma
ambiente limpo e sem poluição e dar uma folga gráfica e recebe o nome de cadeia alimentar.
para a prática de esportes e para se divertir, por- Veja como essa cadeia alimentar é descrita:
que, afinal, ninguém é de ferro. Mas nada disso será
suficiente para se ter saúde se faltarem atendimen-
to médico, vacinas, remédios, programas eficien-
tes contra doenças como a dengue e a AIDS, por
exemplo, e a possibilidade de fazer exames pre- Observe que o gafanhoto come o capim, as-
ventivos. Citamos algumas condições que influem sim como a serpente come o roedor, porém a seta
na saúde de uma pessoa. aponta do capim para o gafanhoto e do roedor
Algumas são relacionadas a ações individuais, para a serpente. Isso ocorre porque a seta indica 141
mas há outras que dependem do poder público e o caminho da matéria e da energia que cada ser
que cabe a ele provê-las, como defende a Cons- vivo da cadeia obtém quando se alimenta. Assim,
tituição de 1988. Vamos entender melhor como al- quando um gafanhoto se alimenta das folhas do
gumas dessas condições que citamos podem afe- capim, parte da matéria e da energia presentes no
tar nossa saúde e o que é preciso fazer, tanto em capim passa para o corpo do gafanhoto.
termos individuais como coletivos, para obtê-la? Da mesma forma, quando a serpente se ali-
menta do roedor, parte da matéria e da energia
2. Brasil: um país de grandes contrastes afinal, que presentes no corpo do roedor passa para o corpo
país é este? da serpente. As relações alimentares que os seres
vivos que convivem em determinado ambiente es-
Brasil tem conseguido muitos progressos nesses tabelecem entre si são chamadas relações tróficas.
últimos anos. Somos uma nação em desenvolvi- A palavra trófica (do grego trophos, que significa
mento, mas que tem a décima economia do mun- “alimento”).
do. Para se ter uma idéia do que afirmamos, basta Seres autotróficos e heterotróficos Olhando para
verificar o número de domicílios que tem acesso a a cadeia alimentar que você acabou de analisar,
serviços essenciais e bens de consumo, atualmen- do capim até o gavião, é possível perguntar: E o
te: televisão-87%; geladeira84%; telefone-53%. capim, como ele obtém a matéria e a energia de
Fazemos parte de um clube seleto de países que precisa para sobreviver? Como ele se alimen-
que conseguem fabricar aviões, lançar satélites, ta? Existiria um ser vivo que poderia ser colocado
construir hidrelétricas e explorar petróleo em águas antes do capim nessa cadeia alimentar?
profundas. Recentemente, foi anunciado que cien- Os animais (como os seres humanos, os maca-
tistas brasileiros decifraram o genoma (conjunto de cos e os insetos) têm de ingerir partes de outros se-
genes) de uma bactéria ataca os laranjais. Só os res vivos para obter a matéria e a energia necessá-
Estados Unidos e a Europa haviam chegado tão rias ao seu organismo para sua sobrevivência. Essa
longe no campo da engenharia genética. Estamos matéria e energia vêm de algumas substâncias
entre os países com maior crescimento científico presentes no corpo do ser vivo que lhes serve de
nos últimos 5 anos. Conseguimos clonar um bezer- alimento. O capim, no entanto, é uma planta, e as
ro que foi chamado de “Penta”, em homenagem plantas, assim como alguns outros seres vivos, têm a
ao nosso maior orgulho. Mas, apesar de todo esse capacidade de produzir as substâncias orgânicas
avanço, ainda temos alguns problemas que con- de que precisam para se alimentar.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Por isso, as plantas, as algas e algumas espécies podem se interligar, formando uma teia. Assim,
de bactérias são chamadas de seres autotróficos chama-se teia alimentar a representação gráfica
(do grego autos, “próprio”, e trophos, “alimento”). das relações tróficas (alimentares) entre os seres
Ou seja, seres que produzem o próprio alimento. vivos que habitam determinado ambiente. Veja a
Já os animais, os fungos e muitos microrganismos, seguir um exemplo de teia alimentar que ocorre na
como a ameba, são chamados de seres heterotró- região do Pantanal.
ficos (do grego hetero, “diferente”, e trophos, “ali-
mento”), pois obtêm as substâncias orgânicas para
sua alimentação do corpo de outros seres vivos.
Retomando a discussão sobre o capim na cadeia
alimentar, pode-se perguntar:
De que maneira ele obtém energia e matéria
para sobreviver? Como ele é uma planta, realiza
fotossíntese, ou seja, é um ser vivo autotrófico, que,
portanto, produz o próprio alimento. É por isso que
não há um ser vivo antes dele na cadeia alimen-
tar. E o alimento produzido pelo capim serve não só
para ele mesmo, como também para o gafanhoto,
que dele se alimenta.

#FicaDica
Fotossíntese: O processo por meio do
qual as plantas, algas e algumas espé-
cies de bactérias produzem o próprio ali-
mento é a fotossíntese, uma sequência
de reações químicas na qual esses seres
vivos produzem substâncias orgânicas 3. Níveis tróficos e os decompositores
(glicídios) a partir de substâncias inor-
gânicas (gás carbônico e água) e da Toda cadeia alimentar tem início em um ser
energia luminosa (geralmente a luz solar, vivo autotrófico: uma planta, uma alga ou mesmo
mas pode ser também iluminação arti- uma bactéria. Esse ser vivo é responsável pela fa-
142 ficial). Esses glicídios, ou açúcares (prin- bricação do alimento que flui por toda a cadeia
cipalmente sacarose e amido), são o alimentar, razão pela qual ele é chamado de pro-
alimento para a planta e também a ma- dutor, e os outros seres vivos da cadeia, de consu-
téria-prima com a qual ela constrói seu midores. Observe mais uma vez a cadeia alimentar
corpo. Nesse alimento fica armazenada, do início deste tema.
na forma de energia química, parte da
energia luminosa usada na reação. Veja
uma representação da fotossíntese: Gás
carbônico + água + energia luminosa →
glicídio + gás oxigênio. Nessa cadeia, o capim é o produtor e os ani-
mais (gafanhoto, roedor, serpente e gavião) são os
consumidores. Cada ser vivo da cadeia alimentar
pertence a um nível trófico diferente. O produtor,
que sempre inicia a cadeia, pertence ao primeiro
nível trófico. Esse é o caso do capim no exemplo de
cadeia apresentado. No segundo nível trófico está
o ser vivo que se alimenta diretamente do produ-
tor e por isso é chamado de consumidor primário;
no terceiro nível trófico, o ser vivo que se alimenta
do consumidor primário, ou seja, o consumidor se-
cundário; e assim por diante Portanto, no exemplo
2. Teias alimentares de cadeia alimentar apresentado, os níveis tróficos
são:
Anteriormente, você estudou como é possível
compor uma cadeia alimentar em um ambiente • capim: primeiro nível trófico – produtor;
de campo com árvores espaçadas, capim e ani- • gafanhoto: segundo nível trófico – consumidor
mais, como gafanhotos, pássaros, serpentes etc. primário;
Agora, é preciso considerar que um mesmo animal • roedor: terceiro nível trófico – consumidor se-
pode servir de alimento a vários outros ou até se cundário;
alimentar de vários seres vivos diferentes. • serpente: quarto nível trófico – consumidor ter-
Isso significa que diversas cadeias alimentares ciário;
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

• gavião: quinto nível trófico – consumidor qua- A existência da floresta, no entanto, mantém
ternário. naquele ambiente uma umidade que não existiria
sem a floresta. Ou seja, as enormes árvores que a
4. Os decompositores formam e que fazem parte daquela comunidade
biológica promovem ali a retenção de água e o
Se você já caminhou por uma região de mata aumento de umidade. Sem a floresta, a água po-
ou de uma grande floresta, provavelmente perce- deria se mover para outras regiões, transformando
beu que o solo fica coberto de folhas, galhos, fru- uma área anteriormente úmida em um deserto.
tos e sementes que caem das árvores. Por que esse Os biólogos chamam de ecossistema a esse
material todo não se acumula no chão, formando conjunto formado por uma comunidade biológica
montanhas de folhas, pedaços de galhos, frutos e em interação com as condições do ambiente que
sementes ao longo do tempo? ela habita. Os seres vivos que compõem a comu-
E mesmo os troncos de grandes árvores que nidade biológica são os componentes bióticos (vi-
morrem e caem, o que acontece com eles? Quan- vos) do ecossistema.
do os produtores e os consumidores dos vários níveis As condições ambientais, como a intensidade
tróficos morrem, o corpo deles serve de alimento a da luz solar, a umidade, a temperatura e a presen-
certos fungos e bactérias e também a alguns inse- ça de determinadas substâncias, são os compo-
tos e vermes. Ao se alimentarem, esses seres vivos nentes abióticos (não vivos). Um ecossistema pode
decompõem a matéria orgânica dos restos mortos ser um pequeno lago, no qual convivem peixes,
de plantas e animais, fezes etc. Por essa razão, são anfíbios e aves e que é visitado por diversos animais
denominados decompositores. à procura de água. Pode ser também uma floresta
O processo de decomposição garante a reci- ou um ambiente entre o rio e o mar, como o man-
clagem dos elementos químicos que formavam os guezal.
corpos que foram decompostos. Os decomposito- O conjunto de todos os ecossistemas do plane-
res vivem em todos os lugares na superfície do pla- ta Terra, estejam eles em continentes, ilhas, monta-
neta: no solo, no ar e mesmo nos ambientes aquá- nhas, grandes planícies, lagos ou oceanos, recebe
ticos. o nome de biosfera.
Você já deve ter acompanhado o processo de
apodrecimento de uma fruta esquecida na cozi-
nha ou a formação de bolor sobre o pão. Nos dois
casos, o que está ocorrendo é a ação de fungos
decompositores, que são o próprio bolor.
143

Fluxo de energia nos níveis tróficos de um ecos-


sistema
Em todos os ecossistemas, é possível estabe-
lecer cadeias e teias alimentares que descrevem
as relações tróficas existentes nesses ambientes.
Como você viu no tema anterior:

• para existir, os seres vivos precisam de matéria


e energia;
• toda cadeia alimentar tem início em um ser
vivo autotrófico, ou seja, que produz o próprio
alimento, por meio da fotossíntese.
POPULAÇÕES, COMUNIDADES E ECOSSISTEMAS
Em um ecossistema, os seres autotróficos da co-
Uma população é um conjunto de seres vivos munidade biológica captam a energia da luz so-
da mesma espécie. Por exemplo: há população lar e com ela produzem substâncias nas quais essa
de sucuris, de jabuticabeiras, de cavalos, de caná- energia luminosa fica armazenada, agora na for-
rios-da-terra, de seres humanos etc. As diversas po- ma de energia química. Quando um consumidor
pulações que convivem em um mesmo ambiente primário se alimenta de um ser autotrófico, como
formam uma comunidade biológica. um ratinho-do-cerrado alimentando-se de frutas, a
Os seres vivos de uma comunidade biológica energia contida no alimento permite a sobrevivên-
interagem entre si e também com as condições do cia do consumidor primário. Parte dessa energia é
ambiente em que vivem. A exuberância da Flores- usada para produzir novas substâncias orgânicas,
ta Amazônica, por exemplo, está relacionada com que ficam em seu corpo.
o fato de ela se localizar na região mais iluminada Também quando um consumidor secundário se
e quente do planeta, a região equatorial. alimenta de um consumidor primário, como uma
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coruja-buraqueira alimentando-se do ratinho-do- gasta para se manter viva.


-cerrado, ele utiliza as substâncias do corpo deste Desse modo, em um ecossistema de mata,
último como fonte de energia. Da mesma forma, como o cerradão, apesar de haver muitas plantas,
quando um consumidor terciário se alimenta do ou seja, muita matéria orgânica disponível, a quan-
consumidor secundário, como uma cobra alimen- tidade de consumidores primários é bem menor, e
tando-se dos ovos da coruja-buraqueira, parte da a de animais carnívoros, como o gato-do- -mato, a
energia presente no ovo da coruja (consumidor se- onça-parda, a onça-pintada e o gavião, é menor
cundário) vai para o corpo da cobra (consumidor ainda.
terciário).

Esse processo de transferência de energia en-


tre os níveis tróficos em qualquer ambiente termina
sempre que um dos membros da cadeia morre e
seu corpo apodrece pela ação dos organismos de-
compositores. Parte da energia contida no corpo
que está apodrecendo vai para os decompositores
e parte se dissipa no ambiente na forma de calor. 2. Ecossistemas aquáticos
Portanto, em um ecossistema, a transferência
de energia entre os níveis tróficos segue sempre o Nos ecossistemas de terra firme (aqueles que se
mesmo sentido, começando nos produtores e ter- desenvolvem sobre o solo dos continentes e ilhas),
minando nos decompositores. Essa transferência toda teia alimentar começa com os seres vivos pro-
tem início com a captação da energia luminosa dutores, ou seja, as plantas, que realizam fotossín-
pelos seres produtores, continua passando de um tese e produzem o próprio alimento, fornecendo
144 nível trófico para outro por meio dos consumidores energia para os seres vivos de todos os demais ní-
e termina com a ação dos decompositores. Quan- veis tróficos da teia.
do um pássaro se alimenta de um inseto que come E nos ecossistemas aquáticos, quem são os or-
plantas, a energia da luz solar que passou das plan- ganismos produtores? Nos rios, lagos e mares, os
tas para o inseto e ficou armazenada nas substân- produtores são, principalmente, algumas espécies
cias orgânicas de seu corpo agora pode ser utiliza- de bactérias e algas microscópicas.
da pelo pássaro. Esses seres microscópicos vivem nas camadas
O mesmo acontece se esse pássaro servir de de água próximas à superfície, pois necessitam da
alimento para um pássaro maior, como o gavião; luz solar para realizar fotossíntese.
ou seja, todos os componentes dessa cadeia ali- Juntas, as bactérias e as algas formam o fitoplânc-
mentar vivem da energia da luz solar captada pe- ton, também chamado de plâncton fotossintetizante.
los seres produtores, que são autotróficos, como as Um exemplo de ecossistema marinho muito im-
plantas. Os seres humanos também fazem parte de portante são os recifes de corais.
cadeias e de teias alimentares e utilizam a energia Um recife de corais é uma grande estrutura resis-
da luz solar contida nos alimentos, sejam plantas, tente à ação das ondas, constituída pela sedimen-
animais ou seus produtos, como ovos e leite. tação de esqueletos de diversas gerações de corais.

1. A energia em cada nível trófico A


#FicaDica
O longo de uma cadeia alimentar, a energia Plâncton: População de seres mi-
presente em cada nível trófico é sempre menor do croscópicos que flutua nas águas de rios,
que a energia do nível anterior. Isso acontece por- lagos e mares. Ela é formada pelo fito-
que todo ser vivo gasta parte da energia de seus plâncton e pelo zooplâncton (pequenos
alimentos com o funcionamento de seu próprio animais que se alimentam do fitoplânc-
organismo, diminuindo também a quantidade de ton e, por isso, são os consumidores pri-
matéria orgânica disponível para o nível trófico se- mários). A principal característica dos
guinte. seres vivos que constituem o plâncton é
Por exemplo, em uma planta, em média, 85% o fato de que eles não têm capacidade
da energia que ela capta do Sol fica disponível de se deslocar autonomamente, sendo
em suas moléculas, na forma de matéria orgânica, carregados pelas correntes de água.
para os consumidores primários; os outros 15% ela
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necessária à sobrevivência de todos os seres vivos


da Terra, pois participa da maioria dos processos
que neles ocorrem. Aqui, a descrição desse ciclo
se inicia pela água que é absorvida pelas raízes das
plantas. Essa água participa do funcionamento do
organismo vegetal de duas formas: na fotossíntese
e na respiração.

Os corais são animais invertebrados que pos-


suem um pequeno esqueleto de carbonato de
cálcio (calcário) e vivem sobre rochas e outros co-
rais. Quando eles morrem e suas partes orgânicas
se decompõem, sobram os esqueletos, que vão se
acumulando uns sobre os outros, formando recifes.
Há uma rica biodiversidade em um recife de corais.
Os corais modificam o ambiente onde se de-
senvolvem, principalmente pela formação de es- Na fotossíntese, as moléculas de água são des-
queletos de carbonato de cálcio. Esses esqueletos montadas e os átomos de oxigênio se unem dois
se acumulam e tornam-se pontos de apoio para o a dois, formando moléculas de gás oxigênio (O2),
crescimento de futuras gerações de corais, além que, geralmente, vão para a atmosfera. Veja uma
de formar novos hábitats para muitas outras espé- representação da fotossíntese:
cies.

3. Ciclos biogeoquímicos em um ecossistema 145


Em um ecossistema, a comunidade biológica
permanece o tempo todo utilizando substâncias
presentes no ambiente. Essas substâncias são incor-
poradas ao organismo de cada ser vivo e, depois
que ele morre, o material que compõe seu corpo
é decomposto por fungos e bactérias, e os ele- Na respiração, as plantas utilizam substâncias
mentos químicos que formavam esse corpo voltam orgânicas que, ao reagirem com o gás oxigênio,
para o ambiente. Isso também acontece quando produzem gás carbônico, água e energia. Por meio
o ser vivo perde alguma parte do corpo, por exem- dessa transformação, a imensa maioria dos seres
plo, quando é atacado por um predador ou sofre vivos, tanto os produtores como os consumidores,
algum ferimento. inclusive os seres humanos, obtém energia para sua
Como esse é sempre um caminho fechado, sobrevivência.
que inclui organismos vivos e componentes da at- Em todos os casos, o gás carbônico produzido
mosfera, do solo e das rochas, os cientistas deram na respiração vai para a atmosfera. Veja uma re-
o nome de ciclos biogeoquímicos aos trajetos per- presentação da respiração:
corridos por alguns elementos químicos que estão
presentes no corpo dos seres vivos. Entre esses ele-
mentos químicos, os mais importantes são o carbo-
no, o oxigênio e o nitrogênio.
A água, apesar de não ser um elemento quími-
co, e sim uma substância composta por dois áto-
mos de hidrogênio e um de oxigênio (H2O), tam-
bém realiza um ciclo muito importante para a so-
brevivência de todos os seres vivos do planeta. As plantas, que absorvem água pelas raízes, a
perdem por transpiração. Os animais, que obtêm
4. O ciclo da água água bebendo-a e comendo alimentos que a con-
têm, também a perdem pela transpiração, além
A importância do ciclo da água está direta- de eliminá-la na urina e nas fezes.
mente ligada ao fato de que essa substância é Já a água líquida que está na superfície do pla-
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neta, em rios, lagos e mares, e nos organismos vivos 6. Combustíveis fósseis


passa para a atmosfera pela evaporação e pela
transpiração, processo que os cientistas chamam Os combustíveis fósseis, como o carvão mine-
de evapotranspiração. ral, o gás natural e os derivados de petróleo, são
Essa água no estado de vapor mistura-se com o compostos por substâncias que contêm muito car-
ar e se move com ele até passar por: bono. Eles têm esse nome porque se originam da
fossilização dos corpos de seres vivos que viveram
• condensação, voltando a ser água líquida na há centenas de milhões de anos (especialmente
forma de chuva; ou organismos do plâncton) e passaram por um pro-
• solidificação, transformando-se em gelo e cesso de decomposição em ambiente com pouco
neve. ou nenhum oxigênio, entre camadas de rochas im-
permeáveis, em condições específicas de pressão
Muitos autores consideram que há dois ciclos e temperatura, transformando-se, após todo esse
da água: o grande ciclo da água, que inclui os se- tempo, em petróleo, carvão mineral ou gás.
res vivos; e o pequeno ciclo da água, que envolve
apenas as transformações da água entre a atmos-
fera e a superfície do planeta (rios, lagos e mares).

5. O ciclo do carbono

Esses combustíveis são utilizados em automó-


146 veis, caminhões, navios, trens e aviões, e sua quei-
ma afeta o ciclo do carbono, aumentando a quan-
tidade de gás carbônico presente na atmosfera e,
em consequência, o efeito estufa.

7. Ciclos do oxigênio e do nitrogênio


Os átomos de carbono estão presentes no gás
carbônico, cujo nome químico é dióxido de car-
A atmosfera é o principal reservatório de oxi-
bono (CO2), produzido na respiração. Ele também
gênio para os seres vivos. Nela, esse elemento quí-
está presente nas moléculas orgânicas que fazem
mico aparece nas moléculas de gás oxigênio (O2),
parte do organismo de qualquer ser vivo.
de dióxido de carbono, ou gás carbônico (CO2), e
Basicamente, no ciclo do carbono, o átomo de
de água (H2O), entre outros. Além de também es-
carbono presente no gás carbônico da atmosfera
tar envolvido na fotossíntese e na respiração, o ci-
passa para as substâncias orgânicas dos seres vivos
clo do oxigênio está relacionado com a existência
(açúcares, amido, proteínas, óleos e gorduras) e
da camada de ozônio (O3) na atmosfera terrestre,
volta para a atmosfera, por meio da produção de
como você vai ver na próxima Unidade.
gás carbônico na respiração.
Apesar de existir gás nitrogênio (N2) em alta
Como você viu no ciclo da água, na reação
quantidade no ar, a grande maioria dos seres vi-
de fotossíntese, o carbono do gás carbônico pas-
vos, incluindo todos os animais, não consegue usar
sa para as moléculas de açúcares, com as quais
essa substância diretamente. Para que o nitrogênio
as plantas produzem amido e outras substâncias.
seja utilizado, é necessária a ação de alguns tipos
Na respiração, que também foi tratada no ciclo da
de bactérias, chamadas de bactérias fixadoras de
água, os seres vivos obtêm energia pela reação de
nitrogênio.
moléculas orgânicas que contêm carbono, com
Tais bactérias são capazes de usar o gás nitro-
gás oxigênio.
gênio do ar para produzir substâncias orgânicas
Dessa reação, forma-se o gás carbônico, que
nas quais estão presentes átomos de nitrogênio.
contém o átomo de carbono que era parte das
Esse processo é conhecido como fixação de nitro-
moléculas orgânicas e é liberado na atmosfera ou
gênio. O ciclo desse elemento químico envolve vá-
na água, no caso de peixes, plantas e outros seres
rios outros processos com a participação de outros
que vivem em ambientes aquáticos.
tipos de bactérias, algumas delas decompositoras.
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ECOLOGIA As relações ecológicas ainda podem ser:

A palavra ecologia tem origem em dois termos • harmônicas: aquelas em que as populações
gregos: oikos, que significa “casa”, e logia, “estudo”. envolvidas se beneficiam ou pelo menos ne-
Ela foi utilizada pela primeira vez em 1866, pelo bió- nhuma delas se prejudica, como é o caso da
logo alemão Ernst Haeckel (1834-1919), referindo-se colônia e da protocooperação;
à área da Biologia que estuda as relações entre os • desarmônicas: aquelas em que uma das po-
seres vivos e o ambiente onde habitam. Compreen- pulações é prejudicada e a outra beneficiada,
der o funcionamento da natureza em todos os seus como é o caso da competição e do predatis-
aspectos torna-se cada vez mais importante. mo. O esquema a seguir é um resumo dessas
A Ecologia oferece conhecimentos que podem informações.
ajudar a humanidade a enfrentar os desafios de
produzir alimentos e energia para todos e, ao mes-
mo tempo, minimizar os impactos ambientais que
as atividades humanas têm causado nos ecossiste-
mas de todo o planeta.
Por isso, a Ecologia tornou-se uma área de co-
nhecimentos multidisciplinares, na qual a Biologia,
a Física, a Geografia e a Química contribuem para
a compreensão dos processos naturais e daqueles
provocados pelas atividades humanas. Além disso,
Economia, Agronomia e Ciências Sociais também
colaboram na tentativa de entender as complexas
relações que a humanidade estabelece com os
outros seres vivos em toda a biosfera terrestre.

1. Relações ecológicas
2. Sucessão ecológica
Em uma comunidade biológica, diversas popu-
lações convivem e interagem, estabelecendo rela- Observe as duas fotografias a seguir, que mos-
ções ecológicas entre si. Os estudiosos diferenciam tram áreas de florestas que foram desmatadas. Em
dois tipos de relações ecológicas: relação à área desmatada, qual é a principal dife-
rença entre elas? 147
• relações intraespecíficas: as que ocorrem en-
tre indivíduos de uma mesma população, ou
seja, da mesma espécie;
• relações interespecíficas: as que ocorrem en-
tre indivíduos de espécies diferentes.

Por exemplo, os jacarés que vivem em um mes-


mo lago no Pantanal competem por alimento e es-
tabelecem uma relação intraespecífica.
Quando uma onça se alimenta de uma capi- A diferença é que o desmatamento, na primei-
vara, ocorre uma relação interespecífica, em que ra imagem, acabou de ocorrer, e, na segunda,
a onça é o predador e a capivara é a presa. ocorreu há meses. Nesse último caso, as árvores fo-
O quadro a seguir é um resumo de como os ram retiradas e, em seguida, o terreno foi abando-
ecologistas definem as relações ecológicas intraes- nado, permitindo que as plantas voltassem a cres-
pecíficas e as interespecíficas. cer. Observe que não é mais possível ver o solo nu,
como na outra imagem.
O crescimento de plantas que está ocorrendo
na área desmatada é o início de um processo de-
nominado sucessão ecológica. No caso da floresta,
essa sucessão tem início com gramíneas e arbustos,
que são chamados de plantas pioneiras, por serem
as primeiras a habitar a área. Em seguida, surgem
plantas de pequeno porte e, depois, árvores maio-
res, compondo uma floresta intermediária, até que
se forme no local uma floresta semelhante à ante-
rior.
Enquanto a sucessão ecológica ocorre, a co-
munidade de seres vivos que habita aquela área
vai se alterando, até que o ecossistema se reequi-
libre e volte a ter plantas e animais, como anfíbios,
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répteis, aves e mamíferos, tal como acontecia an- ecológica, o tamanho da destruição será cada vez
tes do desmatamento. maior, e o ecossistema poderá desaparecer.
Portanto, o processo de sucessão ecológica se
completa quando a comunidade chega a um equi- INTERFERÊNCIA HUMANA NOS CICLOS BIOGEO-
líbrio e as diversas populações que a compõem fi- QUÍMICOS NATURAIS
cam relativamente estáveis ao longo do tempo. Os
biólogos chamam essa condição de comunidade O crescimento da população mundial e o au-
clímax. Em lugares desabitados (por exemplo, uma mento vertiginoso da fabricação de bens de con-
grande duna de areia na praia), pode ocorrer uma sumo têm como consequência uma série de im-
sucessão ecológica primária, isto é, uma sucessão pactos nos ciclos biogeoquímicos que ocorrem em
que tem início em uma área desabitada. toda a biosfera.
Quando a sucessão ocorre em um local que já Entre os impactos que mais preocupam os am-
foi habitado, como no caso da área desmatada, bientalistas estão aqueles relacionados com o ciclo
ela é chamada de sucessão ecológica secundária. da água. A água é sem dúvida a substância mais
indispensável para a sobrevivência de todos os or-
ganismos, e, para os seres humanos, é preciso que
ela seja potável.
Como em muitas cidades o esgoto recolhido
das residências e instalações comerciais e indus-
triais é jogado em rios, represas e lagos sem ne-
nhum tratamento, a poluição das águas só tem
aumentado. Uma das piores consequências dessa
poluição é que a obtenção de água potável tem
se tornado cada vez mais difícil e cara, pois ela pre-
cisa passar por processos cada vez mais sofistica-
dos para se tornar própria ao consumo.

148

1. O Mar de Aral: intervenção humana e modifi-


cação da paisagem

Na fronteira entre dois países da Ásia, o Caza-


quistão e o Uzbequistão, está ocorrendo uma in-
No caso de uma sucessão primária sobre lava crível transformação da paisagem, decorrente do
solidificada, os liquens são importantes organismos desaparecimento de uma extensa parte de um
pioneiros, por suportarem condições adversas, mo- mar interior, um grande lago de água salgada, o
dificando o ambiente e criando condições para Mar de Aral. Esse é um caso de interferência huma-
que plantas pioneiras, como algumas gramíneas, na no ambiente, alterando intensamente o ciclo
possam ocupar uma pequena área; a presença da água na região. Observe as imagens a seguir:
dessas plantas permite o acúmulo de materiais
para a vinda de arbustos maiores, criando con-
dições para a chegada de alguns insetos; estes
atraem pássaros; e assim uma nova comunidade
vai se estabelecendo no local.
Compreender o que é e como ocorre a suces-
são ecológica em um ecossistema é uma referên-
cia importante para avaliar o poder de recupera-
ção de um ambiente quando parte dele é destruí-
da.
O processo de sucessão ecológica de um ecos-
sistema tem um ritmo próprio, o que impõe limites. Esse lago de água salgada possui dois afluentes,
Se a destruição é mais rápida do que a sucessão os rios Amu Darya e Syr Darya, cujas águas eram
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responsáveis pela manutenção do nível do Mar de


Aral até os anos 1960. Depois, porém, a poluição
e o uso sem controle dessas águas para irrigação
e abastecimento fizeram a vazão dos rios diminuir
muito. Isso trouxe como consequência a redução
do nível da água do lago, pois a evaporação da
água ficou mais intensa do que a reposição feita
pelos dois rios. A prática da pesca, antes comum
na região, tornou-se impossível, provocando prejuí-
zo para a população local.

Apesar de ainda serem lançadas substâncias


poluentes nas águas desse córrego, peixes de pe-
queno porte e outras espécies retornaram ao curso
d’água, graças à população local, que promoveu
movimentos de reivindicação para que houvesse
a recuperação da capacidade hidráulica do cór-
rego.
Além das reivindicações, os moradores do en-
torno do Córrego das Corujas desenvolveram um
projeto de revitalização do local, que incluiu: a
As transformações do Mar de Aral constituem limpeza do córrego, a revitalização da área verde
um dos maiores impactos ambientais ocorridos no ao seu redor com a utilização de espécies da flora
mundo em todo o século XX e revelam as drásti- nativa, a elaboração de uma horta comunitária, a
cas consequências que a intervenção humana implantação de caminhos e equipamentos para
pode provocar, reduzindo importantes fontes de uso público.
água para as pessoas. A intervenção humana não Assim, a implantação do projeto levou a me- 149
só pode reduzir a quantidade de água disponível, lhorias no meio físico, diminuindo a ocorrência de
como também é responsável por grande parte das enchentes, além de trazer para a região melhorias
doenças transmitidas pela água, como é o caso sociais e econômicas (instalação de restaurantes,
das intestinais. supermercados, farmácias etc.), aumento da segu-
rança local e, sobretudo, a possibilidade de apro-
2. Córrego das Corujas, um exemplo de reversão priação do espaço pela população que o utiliza
dos impactos negativos da intervenção humana para seu lazer.
Fonte: OLIVEIRA, Eduardo Mendes de et al. Aplicação do
Muitas iniciativas no mundo todo têm mitigado desenho ambiental para a bacia do Córrego das Corujas:
os impactos negativos causados pela intervenção potencialidades e limitações na implantação de um parque
humana, resultando em projetos de educação am- linear. Revista Labverde, São Paulo, jun. 2012
biental e recuperação de mananciais, rios e córre-
gos. 3. A diminuição da camada de ozônio
Nas grandes cidades, muitas comunidades e
grupos de moradores organizam e utilizam conheci- Como você viu, o elemento químico oxigênio
mentos de pesquisadores e especialistas de univer- está presente em substâncias que fazem parte da
sidades para promover melhorias nas condições de biosfera – como a água (H2O), o gás oxigênio (O2)
moradia e na qualidade do ambiente da região. e o dióxido de carbono, ou gás carbônico (CO2)
Um bom exemplo desse movimento de recupe- – todas elas presentes na respiração de plantas e
ração de ambientes urbanos é o que aconteceu animais.
no Córrego das Corujas, situado no limite entre a Os átomos de oxigênio podem se combinar
Vila Madalena e a Vila Beatriz, dois bairros da zona dois a dois, formando moléculas de gás oxigênio;
oeste da cidade de São Paulo. quando três átomos de oxigênio se combinam, eles
formam uma molécula de gás ozônio, ou simples-
mente ozônio (O3).
Na estratosfera, uma camada da atmosfe-
ra que vai dos 15 km aos 40 km de altitude, existe
grande quantidade de gás ozônio, que, por suas
propriedades, consegue filtrar parte dos raios ultra-
violeta emitidos pelo Sol, impedindo-os de chegar
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até a superfície terrestre. epidemia de peste bubônica, conhecida também


Desde o fim dos anos 1970, os cientistas têm como peste negra, dizimou cerca de 25 milhões de
constatado uma diminuição da camada de ozô- europeus em uma de suas aparições, na metade
nio, o que tem permitido que maior quantidade do século XIV (alguns autores falam em até 75 mi-
de raios ultravioleta atinja a superfície. O excesso lhões, da população da Europa).
dessa radiação pode ser prejudicial aos seres vivos, Antes disso, a peste já havia matado pelo me-
em particular aos seres humanos. Pesquisas científi- nos 5 milhões de pessoas na Ásia. A obra a seguir,
cas constataram que a diminuição da camada de do pintor belga Pieter Bruegel (1525-1569), intitula-
ozônio decorre da reação química entre esse gás e da O triunfo da morte (1562), representa de manei-
átomos de cloro (Cl). ra um tanto fantástica o que ocorreu naquela épo-
A molécula de ozônio se desmonta ao reagir ca e revela, de certa forma, o terror que assolou a
com átomos de cloro e produz novas moléculas de Europa.
gás oxigênio. E de onde vêm os átomos de cloro? Observe como a morte ataca indiscriminada-
Eles têm origem em um grupo de substâncias de- mente a população em geral: nobres (veja uma
nominadas clorofluorcarbonetos (CFCs), que são figura real no canto esquerdo inferior do quadro),
constituídas por distintas combinações desses áto- mães e filhos (na parte inferior, quase ao centro,
mos: uma mulher caída com uma criança nos braços,
ao lado de um cão), apaixonados (figuras no canto
CFCl3, CF2Cl2 ou C2F3Cl3. inferior direito), mulheres, homens, carroças cheias
de mortos.
Quando as moléculas de CFC absorvem raios
ultravioleta, elas liberam átomos de cloro, que po-
dem reagir com o ozônio. Os CFCs eram usados
como propelente (Gás utilizado para movimentar
um foguete ou expelir o conteúdo de uma lata de
aerossol (tinta ou inseticida, por exemplo)) em latas
de aerossóis e também como gás refrigerador, em
geladeiras e aparelhos de ar-condicionado.
Entretanto, em razão do efeito destruidor da
camada de ozônio que protege o planeta da ra-
diação ultravioleta, o uso dessas substâncias foi
proibido na maioria dos países, inclusive no Brasil. O
150 gás ozônio pode se formar também junto à superfí-
cie terrestre, em decorrência, sobretudo, da polui-
ção atmosférica causada pelos escapamentos de
automóveis e caminhões, podendo trazer dificul-
dades respiratórias.
Esse ozônio é o resultado de reações químicas
entre os gases poluentes e o oxigênio do ar. Desde 2. Mas qual seria a causa da doença?
a década de 1980, uma série de iniciativas toma-
das por órgãos internacionais levou as indústrias de À época, muitos acreditavam que era castigo
todo o mundo a diminuir intensamente o uso de ga- divino, aproximação do fim do mundo, estrangei-
ses que destroem a camada de ozônio, principal- ros, envenenamento de água pelos judeus ou men-
mente os CFCs utilizados no sistema de refrigeração digos, explicações surgidas da imaginação e do
de geladeiras e aparelhos de ar-condicionado. preconceito, que sempre justificavam massacres.
Atualmente, a quantidade desses gases lança- A ilustração ao lado mostra um médico típico
dos na atmosfera é bem menor do que no início da Idade Média, com roupas longas e pesadas,
dos anos 1990. Mesmo com essa diminuição, o “bu- luvas, botas e uma máscara. No interior dessa es-
raco” na camada de ozônio pouco diminuiu, pois pécie de bico havia ervas aromáticas, talvez para
gases como os CFCs podem ficar ativos na atmos- protegê-lo dos vapores que supostamente causa-
fera de 80 a 100 anos. Porém, as ações de redução riam a doença ou apenas para suportar o cheiro
da emissão de CFCs podem efetivamente contri- dos mortos que ficavam nas ruas.
buir para amenizar o problema. Os olhos eram cobertos com um tecido verme-
lho, que afugentaria o mau-olhado. A varinha na
QUALIDADE DE VIDA DAS POPULAÇÕES HUMANAS: mão direita servia tanto para verificar se o paciente
SAÚDE INDIVIDUAL E COLETIVA estava vivo como para perfurar os bubões.

1. A história de uma doença: a peste negra

Para iniciar o estudo sobre saúde, você vai re-


fletir sobre um de seus aspectos, uma situação de
doença, analisando como os conhecimentos cien-
tíficos alteraram o rumo de uma calamidade. A
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Os linfonodos são órgãos do sistema imune que contêm


grande quantidade de células de defesa do organismo.
Linfonodos inflamados são sinal de que existe algum tipo de
infecção em certa região do corpo e que está ocorrendo
uma reação do organismo tentando se defender de um mi-
crorganismo. É isso que o médico pesquisa quando apalpa
o pescoço, as axilas e a virilha do paciente
durante uma consulta.

3. A peste desvendada

No fim do século XIX, a peste bubônica atingiu


Hong Kong, na Ásia. Lá, em 1894, o médico suíço
naturalizado francês Alexandre Yersin (1863-1943)
concluiu que a doença era causada por uma bac-
téria, após a análise microscópica dos bubões.
Essa bactéria recebeu o nome de Yersinia pes-
tis. Contudo, ainda faltava descobrir como se dava
o contágio, o que ocorreu em 1911, graças a outro
médico francês, Paul-Louis Simond (1858-1947). Ele
descobriu que diversos tipos de roedores eram por-
tadores da bactéria, mas não a transmitiam, fican-
do o contágio a cargo das pulgas, consideradas
então os vetores da doença, uma vez que pica-
vam tanto os roedores como os seres humanos.

A peste bubônica causa, entre outros sintomas, #FicaDica


a inflamação dos linfonodos (também conhecidos Vetor: Ser vivo responsável pela trans-
como gânglios linfáticos ou ínguas), especialmente missão de determinada doença infec-
na região das axilas e da virilha. ciosa por meio do transporte do agente
Essas inflamações são chamadas de bubões, infeccioso (vírus, bactéria etc.) de um ser
daí o nome da doença. Seguem-se, então, dores vivo para outro. Geralmente é um inseto, 151
nos membros e nas costas, febre alta, manchas como a pulga do rato, no caso da peste
escuras em diversas regiões da pele (motivo pelo bubônica, e o mosquito Aedes aegypti,
qual a doença era denominada peste negra na no caso da dengue.
época em que atingiu a Europa no século XIV), de-
lírio e, na falta de tratamento, morte, em cerca de
cinco dias. Durante a Idade Média, a grande aglomera-
ção de pessoas nos centros urbanos e as condições
precárias de higiene (que naquela época não
eram consideradas fatores associados às doenças)
favoreciam o “convívio” dos seres humanos com os
roedores e com as pulgas.
Dessa forma, fica fácil entender as razões da
disseminação da peste bubônica pelo mundo.
Hoje, essa doença é facilmente tratada com al-
guns tipos de antibióticos (medicamentos utilizados
para o tratamento de infecções provocadas por
bactérias), desde que o paciente seja prontamen-
te atendido.
No Brasil, não são registrados casos de peste
bubônica em seres humanos desde 2005. Ainda as-
sim, o controle da doença tem sido feito por meio
da captura e análise de animais que podem portar
a bactéria, especialmente ratos. Isso permite uma
reflexão:
Além da ausência do organismo causador de
uma doença, que outros fatores são importantes
para a manutenção da saúde da população?
Nesse caso, é possível perceber claramente que
alguns desses fatores são a coleta e a disposição
adequadas do lixo, bem como a coleta e o trata-
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mento de esgoto. muitas doenças, contribuindo para a qualidade de


vida da população.
4. Os avanços da ciência e as doenças Por exemplo, a varíola, também conhecida
como bexiga em algumas regiões do País, causada
Observe os dados apresentados nas tabelas 1 e por um vírus, é considerada a única doença erradi-
2, que indicam, respectivamente, as principais cau- cada até o momento na história da humanidade,
sas de morte em 1901 no município de São Paulo e graças a campanhas de vacinação coordenadas
em 2012 no mundo. pela OMS em todo o mundo, na década de 1960; o
último caso registrado no mundo foi em 1977.

AFINAL, O QUE É SAÚDE?

1. Para além do bem-estar físico...

Em 7 de abril de 1948, a Organização Mundial


da Saúde (OMS) definiu saúde como um estado de
completo bem-estar físico, mental e social, e não
apenas a ausência de doença ou moléstia. Esse dia
passou a ser considerado o Dia Mundial da Saúde.
No entanto, tal definição foi objeto de muitas
críticas, especialmente porque parece algo inatin-
gível e um tanto abstrato, pois é difícil caracterizar
o que é bem-estar. Além disso, tecnicamente, já
não se separa mais bem-estar físico do mental e do
social. Afinal, não se pode separar o indivíduo de
seu contexto social, econômico e ambiental.
Você já deve ter ouvido falar de como o es-
tresse mental provoca alterações na saúde, com
o aparecimento de sintomas físicos ou a redução
da capacidade de defesa do organismo contra
agentes infecciosos. Também as diversas formas de
poluição ambiental e a falta de saneamento bá-
152 sico estão associadas ao aumento significativo de
doenças nos grandes centros urbanos.

Observe que as principais causas de óbito


em São Paulo, no início do século passado, foram
doenças consideradas hoje de tratamento relativa-
mente fácil, entre elas diarreia e algumas doenças
respiratórias, como asma, bronquite e pneumonia.
Atualmente, algumas dessas doenças não
aparecem entre as principais causas de morte no
mundo ou caíram em porcentagem, mas diarreia
e outras disenterias ainda são relevantes na morta-
lidade infantil, apesar da tendência de queda nos
números. Tal como o controle de casos de peste
bubônica no Brasil, muitas doenças têm sido trata-
das graças a avanços da ciência.
O desenvolvimento de microscópios, o sur-
gimento de vacinas, de antibióticos e de novos
remédios, o conhecimento sobre os ciclos das
doenças, suas formas de contágio, a melhoria do
saneamento básico e das técnicas agrícolas que
permitiram uma alimentação melhor, entre outros
avanços possibilitados pelo trabalho de inúmeros
cientistas, permitiram o combate e o controle de
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mento, em determinada região), alfabetização e


taxa de matrículas na educação básica e superior.

2. Índice de Desenvolvimento Humano

Até os anos 1980, o único critério para avaliar o


desenvolvimento de um país era medir o valor de
tudo o que o país produzia em um ano, o Produ-
to Interno Bruto (PIB). O Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH) é uma medida do progresso de um
povo que procura ir além de questões puramen-
te econômicas, baseando-se em três dimensões
do desenvolvimento humano: renda, educação e
saúde.
Publicado pela primeira vez em 1990, o IDH foi
criado por dois economistas: Mahbub ul Haq, pa-
quistanês, e Amartya Sen, indiano, ganhador do
A saúde não é obtida apenas por meio do com- Prêmio Nobel de Economia de 1998. Seu cálculo é
bate às doenças ou com a melhoria dos conheci- feito anualmente e divulgado no Relatório de De-
mentos médicos. Não se trata de um fenômeno iso- senvolvimento Humano, produzido pela Organiza-
lado, mas reflete a conjuntura social, econômica, ção das Nações Unidas (ONU).
política, cultural e até mesmo histórica. Depende Embora seja um importante parâmetro para os
da época, de crenças e até de concepções reli- governantes, cabe salientar que se trata de uma
giosas. medida resumida, pois aspectos como democra-
Com uma definição tão ampla, dizer que se cia e sustentabilidade ficam fora do cálculo.
está com saúde torna-se difícil, pois a condição do
ser humano é dinâmica; o corpo se adapta conti- 3. Uma classificação para as doenças
nuamente a situações externas e internas.
Assim, é possível perder esse equilíbrio dinâmico Existe uma Classificação Internacional para as
de vez em quando, principalmente se alguns cui- Doenças (CID) que as agrupa segundo característi-
dados forem negligenciados. Qualidade da água cas comuns (por exemplo, sintomas, motivação de
consumida, tratamento de esgoto (ambos compo- consultas, mortalidade) e as codifica, alimentando
nentes do saneamento básico), moradia, possibili- as análises estatísticas e orientando a tomada de 153
dade de obtenção de alimentos e acesso à medi- decisões sobre a saúde pública da população de
cina preventiva são alguns fatores que determinam determinada região.
o padrão de saúde da população. Esses códigos têm grande significado para
quem é da área médica, pois padronizam a comu-
nicação entre os profissionais da saúde. Vale des-
tacar, porém, que nem sempre os cientistas con-
cordam com a forma de diagnosticar um tipo de
doença, sem falar no fato de que, diante de novas
descobertas da ciência, a classificação das doen-
ças fica sujeita a mudanças.
Enfim, é muito difícil encontrar uma boa classi-
ficação para os tipos de doenças existentes, por-
que, muitas vezes, uma doença tem mais de uma
Isso também é saúde: causa. Ainda assim, para fins didáticos, e de manei-
ra simplificada, as doenças podem ser classificadas
em dois grupos:

• doenças infecciosas: são causadas por um


agente patogênico, como vírus, bactérias,
protozoários e vermes. Podem ser transmitidas
diretamente entre as pessoas (doenças infec-
tocontagiosas) ou indiretamente, por meio de
um vetor (como no caso da dengue).
Não é à toa que o Índice de Desenvolvimento • doenças não infecciosas: não são causadas
Humano (IDH), medido pelo Programa das Nações por um agente patogênico nem transmitidas
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), é calcula- para outras pessoas. Essas doenças são ainda
do com base em indicadores de renda per capita, mais difíceis de classificar, pois algumas têm
longevidade (número de anos que o indivíduo po- múltiplas causas. Além dessa classificação, há
derá viver, em média, desde o momento do nasci- outras possíveis, como as citadas a seguir:
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• doenças hereditárias: associadas ao código sos se manifestam. Em outras palavras, epidemia é


genético (responsável pelas características de um grande aumento do número de casos de uma
cada indivíduo), são transmitidas de pais para doença, em um curto espaço de tempo, em uma
filhos, podem ou não se manifestar logo após população qualquer. Nas comunidades da Pré-his-
o nascimento e nem sempre é fácil diagnos- tória, provavelmente não existiam epidemias, pois
ticá-las; doenças congênitas (de nascença): os seres humanos viviam em pequenos bandos, ha-
resultam de acidentes que ocorrem durante vendo contágio apenas nessas populações.
o desenvolvimento do embrião, levando às Quando eles começaram a viver em socieda-
chamadas malformações embrionárias; geral- des organizadas, as epidemias passaram a ocorrer.
mente essas malformações têm múltiplas cau- Alguns fatores são indispensáveis para a incidência
sas ou causas desconhecidas; de uma epidemia, como a presença do agente
• doenças degenerativas (decorrentes da ve- patogênico e a existência de um grande número
de pessoas sensíveis à doença, ou seja, sem imu-
lhice): nesse grupo, podem ser considerados
nidade. Uma epidemia em proporções mundiais,
alguns tipos de câncer, a perda de audição
como a aids, é classificada como pandemia.
e o mal de Alzheimer. Existem, porém, doen-
As pequenas epidemias são chamadas de sur-
ças degenerativas que não estão associadas
tos, podendo ocorrer em apenas uma cidade, um
à idade, tendo outras origens, inclusive here- bairro ou mesmo uma escola. Certas doenças são
ditárias; restritas a algumas áreas ou regiões, geralmente as-
• doenças causadas por substâncias que agri- sociadas a um vetor para sua disseminação.
dem o corpo: mercúrio, chumbo e metanol Nesse caso, fala-se em endemias. Dois exem-
são algumas dessas substâncias, pois podem plos de doenças endêmicas são a esquistossomose
causar intoxicações. Na fase embrionária, di- e a malária. A esquistossomose, também conhe-
ferentes substâncias, que incluem o fumo (ta- cida como barriga-d’água, é provocada por um
baco), o álcool e outras drogas, podem estar verme platelminto. Essa doença só existe onde vive
associadas a doenças congênitas; um tipo de caramujo essencial para o desenvolvi-
• doenças causadas pela falta de algum nu- mento de uma etapa da vida do verme causador
triente (carenciais): incluem, por exemplo, a da doença.
anemia (falta de ferro na alimentação, afe- Já a malária ocorre em áreas tropicais onde
tando a quantidade de hemoglobina presen- vive o mosquito que a transmite (gênero Anophe-
te nos glóbulos vermelhos do sangue, o que les). Veja a distribuição dos casos dessa doença
leva a uma deficiência no transporte de oxi- endêmica no mapa a seguir.
154 gênio para todas as células do corpo, provo-
cando fraqueza, emagrecimento em alguns
casos etc.) e o escorbuto (falta de vitamina C,
causando inflamação das gengivas e perda
de dentes);
• doenças de origem mental (psiquiátricas): mui-
tas vezes não têm explicação clara, como a
síndrome do pânico (transtorno de ansiedade
que causa medo intenso, impedindo a pessoa
de conviver socialmente), a anorexia (distúrbio
alimentar caracterizado pela recusa da pes-
soa em alimentar-se adequadamente por se
achar muito acima do peso) e o autismo (al-
teração na capacidade de comunicação e A malária só existe nas regiões indicadas do
interação social que, para alguns autores, não globo. Apesar disso, dada a extensão dessas re-
é sequer considerada doença). giões, muitas pessoas ficam expostas à doença
e ocorre um grande número de casos no mun-
4. Epidemias, pandemias, surtos e endemias do: cerca de 550 milhões de pessoas infectadas
por ano. Atualmente, alguns problemas de saúde
Para muitas pessoas, a ideia de epidemia pode são tratados como epidemias, embora não sejam
estar associada aos eventos que se contam sobre doenças transmissíveis. Isso se deve ao aumento da
a peste negra ou àqueles filmes nos quais há um incidência de casos nos últimos anos, fazendo que
grande número de mortos, muito sofrimento e a as autoridades tracem políticas públicas de reme-
procura desesperada por um remédio ou vacina diação da situação. É o caso do abuso do álcool
contra uma doença transmissível. No entanto, é e de outras drogas, do tabagismo, da obesidade e
preciso tratar o assunto de maneira mais cuidado- até da violência.
sa.
A definição de epidemia está relacionada a QUALIDADE DE VIDA DAS POPULAÇÕES HUMANAS:
dois aspectos: o número de casos de determinada PROMOÇÃO DA SAÚDE E A SAÚDE
doença e o intervalo de tempo em que esses ca-
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1. Alimentos, nutrientes e saúde Também chamados de açúcares ou carboidra-


tos, os glicídios são divididos em três grupos:
Atualmente, muito se discute sobre a neces-
sidade de adotar uma alimentação equilibrada • monossacarídeos: são considerados os açú-
para manter um peso corporal saudável. Ainda cares mais simples. Fazem parte desse grupo
assim, a população brasileira vem mostrando uma a glicose (principal molécula energética do
tendência crescente de aumento de peso, acima organismo, composta por seis átomos de car-
do que seria benéfico à saúde. bono) e as pentoses (contêm cinco átomos de
Entre as causas do excesso de peso, um dos fa- carbono e compõem o material genético);
tores que parecem interferir é a melhora da renda • dissacarídeos: são compostos pela união de
da população nas últimas décadas, associada ao dois monossacarídeos. O açúcar que se usa
acesso a mais produtos industrializados, como bis- no dia a dia é o dissacarídeo sacarose, que,
coitos recheados e refrigerantes. quando digerido, forma os monossacarídeos
O que esses alimentos contêm que aumentam glicose e frutose; o dissacarídeo presente no
o peso da população? Alimento é tudo aquilo que leite é a lactose;
se come, ou seja, a comida que é ingerida. Os ali-
• polissacarídeos: são constituídos pela união de
mentos são feitos de diversas moléculas, conhecidas
diversos monossacarídeos, especialmente a
como biomoléculas. No sistema digestório humano,
glicose. O amido, principal substância de re-
as biomoléculas são divididas em moléculas meno-
res, que podem ser assimiladas pelo organismo. serva das plantas, e a celulose, que compõe
Transformadas em moléculas menores, elas a estrutura das células vegetais, são exemplos
atravessam a parede do intestino e entram na cor- de polissacarídeos.
rente sanguínea, para, então, serem distribuídas,
pelo sangue, a todas as células do corpo. Essas
moléculas (e outras substâncias pequenas que não
passam por essa transformação, como os sais mi-
nerais e as vitaminas), obtidas do meio ambiente e
que são capazes de atravessar a parede do intesti-
no, são importantes para o organismo e devem ser
repostas periodicamente.
Elas também são chamadas de nutrientes. A trans-
formação em moléculas menores é feita com a parti-
cipação de substâncias produzidas no organismo, as 155
enzimas.
Observe, na ilustração a seguir, os órgãos que
participam da digestão:

2. Proteínas

São grandes moléculas constituídas por molé-


culas menores chamadas aminoácidos. Têm tama-
nhos e formas muito diferentes, que dependem da
quantidade e da ordem dos aminoácidos em sua
molécula.

AS PRINCIPAIS BIOMOLÉCULAS

1. Glicídios
As proteínas têm diversas funções no organis-
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mo, entre elas as de enzimas, de transporte de gás


oxigênio (a hemoglobina) e de defesa do organis-
mo (anticorpos).

#FicaDica
O prato de arroz e feijão do brasilei-
ro, tão conhecido e apreciado, é capaz
de fornecer todos os aminoácidos essen-
ciais na mesma refeição. Além disso, o
arroz é uma importante fonte de carboi-
dratos (glicídios).

Existem 20 aminoácidos diferentes, 12 deles são


produzidos pelo corpo humano e 8 devem ser ob-
tidos por meio da alimentação, denominados ami- 4. Ácidos graxos saturados e insaturados
noácidos essenciais.
Ácidos graxos são moléculas constituídas por
3. Lipídios cadeias de átomos de carbono ligados a átomos
de hidrogênio.
Esse grupo de biomoléculas é composto por De acordo com algumas de suas ligações, eles
uma variedade de estruturas químicas diferentes, podem ser classificados em:
que têm funções diversas e importantes no orga-
nismo. • saturados: localizados principalmente na gor-
Os lipídios são biomoléculas formadas, princi- dura animal; quando consumidos em excesso,
palmente, por átomos de oxigênio, hidrogênio e favorecem algumas doenças, como a ateros-
carbono, mas também por outros elementos, entre clerose (deposição de placas de gordura no
eles o fósforo. interior de vasos sanguíneos);
A maioria dos lipídios não é solúvel em água, • insaturados: presentes nos óleos de origem ve-
e sim em solventes orgânicos, como álcool, éter getal, como o de milho e o de girassol, e de
e benzina. Cerca de 30% das calorias obtidas por origem animal, encontrados em alguns peixes,
meio da alimentação diária provêm dos lipídios. como a sardinha e o salmão; quando consu-
156 midos em porções moderadas, são benéficos
à saúde.
• fosfolipídios: são compostos por duas molécu-
las de ácidos graxos presas a uma molécula
de glicerol e contêm um grupo fosfato. Esses
lipídios se organizam, formando as membranas
das células de todos os seres vivos;
• esteroides: são lipídios mais complexos e seu
principal representante é o colesterol, produ-
zido no fígado. Além de também fazer parte
das membranas das células, dessa molécula
são formados os hormônios sexuais masculino
(testosterona) e feminino (progesterona) e a
vitamina D.
Três lipídios merecem destaque:

• triglicerídeos: também chamados de triglicé- PARA SABER MAIS!


rides, são representados pelas gorduras (mo-
léculas de origem animal, principalmente) e Colesterol bom e ruim
óleos (moléculas de origem vegetal, em espe-
Do colesterol necessário ao organismo hu-
cial). São formados por três moléculas de áci-
mano, 70% são produzidos no fígado, e os ou-
dos graxos ligadas a uma molécula de glicerol
tros 30% devem ser obtidos por meio da alimen-
e têm função energética e de reserva de ali-
tação.
mentos. Veja o esquema a seguir: No sangue, o colesterol é transportado atra-
vés de lipoproteínas, que podem ser de baixa
densidade (em inglês, low density lipoprotein,
ou LDL) e de alta densidade (em inglês, high
density lipoprotein, ou HDL).
A LDL transporta colesterol em direção aos
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realizar suas funções, seja para permitir o movimen-


tecidos, mas, quando em excesso, deposita-o to (células musculares, por exemplo), seja para
nas paredes dos vasos sanguíneos, causando produzir algo (suco pancreático, por exemplo) ou
arteriosclerose, que pode provocar vários pro- simplesmente gerar novas células.
blemas, entre eles o enfarte do coração. Por Essa energia é obtida dos alimentos ingeridos.
isso é chamada de “mau colesterol”. A necessidade diária de energia varia de acordo
Já a HDL, conhecida como “bom coleste- com a idade, sexo e atividade que a pessoa exer-
rol”, retira o colesterol do sangue e o transporta ce. A quantidade de energia é medida pela uni-
para o fígado, onde forma a bile. Esta, então, é dade quilocalorias (kcal), embora se costume usar
lançada no intestino delgado, participando da o termo calorias. Se quiser calcular quantas calorias
digestão dos lipídios. você precisa por dia, utilize a “calculadora” ofere-
Apesar das designações “bom” e “mau cida no seguinte endereço:
colesterol”, só existe um tipo dessa molécula, o SAÚDE em Movimento. Calculador de calorias.
que varia é a lipoproteína que o transporta.
SAÚDE E SANEAMENTO BÁSICO
5. Outros nutrientes importantes
1. Higiene e saúde
As vitaminas e os sais minerais, embora não so-
fram transformações no sistema digestório, porque
Quando alguém fala sobre hábitos de higiene,
já são suficientemente pequenos para serem assi-
o que vem a sua mente? Tomar banho? Lavar as
milados, também são fundamentais para a saúde.
mãos? Sem dúvida, esses são hábitos da maior im-
Eles são necessários em pequenas quantidades,
portância. Mas o que eles têm a ver com doenças?
mas sua falta causa certos tipos de doenças no or-
Para iniciar a discussão sobre isso, pense na lava-
ganismo (doenças carenciais). Por isso, são conhe-
gem das mãos antes das refeições e na escovação
cidos como nutrientes reguladores.
dos dentes.
Por exemplo, a falta de vitamina C provoca
Cáries são doenças infecciosas bacterianas.
escorbuto, cujos sintomas são sangramento nas
Na boca existem inúmeras bactérias, mas apenas
gengivas e inflamação das articulações. Como
algumas causam cáries. Elas são capazes de pro-
tratamento, basta ingerir frutas cítricas, ricas nessa
duzir ácidos a partir dos restos de alimentos, espe-
vitamina, como laranja e limão. A falta de ferro na
cialmente dos carboidratos (açúcares), e de aderir
alimentação provoca anemia ferropriva, cujo prin-
à superfície dos dentes, formando a placa bacte-
cipal sintoma é o cansaço, por falta de distribuição
adequada de oxigênio.
riana ou biofilme. 157
Os ácidos produzidos por essas bactérias re-
Carnes vermelhas e fígado são recomendados
tiram os minerais do esmalte que reveste o dente
para regularizar o nível de ferro no organismo. Exis-
(veja na ilustração ao lado), facilitando o desenvol-
tem vitaminas em carnes e ovos, mas suas princi-
vimento de uma cavidade.
pais fontes são as frutas, os legumes e as verduras.

A água é a substância mais abundante nos se-


res vivos. Embora muitos cientistas não a classifiquem
como um nutriente, sua importância é muito gran-
de, por sua propriedade de dissolver muitas substân-
cias, que podem ser transportadas através de todo
o organismo e dentro das células. Ela cria, também,
um ambiente ideal para que ocorram as principais
reações químicas das células, além de ser uma das
A escovação adequada dos dentes, após cada
fontes de sais minerais para o organismo.
refeição, retira o biofilme de bactérias e evita o de-
senvolvimento das cáries. Uma dieta com restrição
5. Calorias
de açúcar, especialmente de doces, contribui para
a prevenção dessa doença.
As células do corpo precisam de energia para
Se os dentes forem mal escovados, as bactérias
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

se desenvolvem e, além das cáries, podem provo- mos causadores de doenças. Além dos agrotóxicos
car inflamações nas gengivas, facilitando a entrada utilizados no cultivo desses vegetais, a água usada
das bactérias na corrente sanguínea. Isso pode levar para regá-los pode estar contaminada por micror-
ao crescimento dessas bactérias em certas regiões ganismos como a bactéria causadora da cólera, o
do coração, provocando uma doença cardíaca protozoário causador da amebíase ou ovos de ver-
conhecida como endocardite bacteriana. Além mes parasitas, entre eles a lombriga (Ascaris lumbri-
disso, há aumento do risco de formação de coágu- coides).
los sanguíneos (trombos) e de placas de gordura nos Mas o que há de comum entre todas essas
vasos (ateromas). doenças? Como elas são transmitidas de pessoa
para pessoa? Uma das respostas possíveis diz respei-
to ao saneamento básico.

2. O saneamento básico

As cidades antigas eram construídas, quase sem-


pre, próximas a rios, lagos e mares. Além de servir
como meio de transporte, os cursos d’água eram a
forma mais simples de a população se livrar de seus
dejetos, ou seja, dar destino ao esgoto.
Esse é um bom sistema, mas só é adequado
para populações muito pequenas. A matéria orgâ-
nica lançada nas águas (principalmente fezes e uri-
na) é rapidamente transformada pelos organismos
decompositores, deixando o ambiente relativamen-
te preservado. Isso, porém, não evita a propagação
de doenças.
Em grandes centros urbanos, os resultados desse
sistema são desastrosos. Pense, por exemplo, no que
ocorre no Rio Tietê ao passar pela região da Gran-
de São Paulo. Saneamento básico é o conjunto de
medidas tomadas com o objetivo de preservar e
modificar o ambiente para prevenir doenças. Dessa
158 maneira, melhora-se a qualidade de vida da popu-
lação, ao promover a saúde.
Atualmente, esse conceito foi ampliado e com-
preende também medidas de saneamento am-
biental com o propósito de conservação, tais como
tratamento da água e a coleta e destinação do
A lavagem das mãos antes das refeições, por esgoto.
sua vez, parece uma medida de higiene mais ino-
cente, apenas para tirar a sujeira. No entanto, di-
versas doenças podem chegar pelas mãos. Muitas
bactérias e protozoários formam estruturas de resis-
tência, chamadas cistos, que podem contaminar as
pessoas pelas mãos. É o caso das bactérias causa-
doras da cólera e de outras disenterias, assim como
de alguns vírus. Quando você aproxima suas mãos
da boca, pode ingerir os organismos patogênicos.
Daí a importância de lavar as mãos antes das refei-
ções. Também é essencial lavar as mãos em outros
casos: antes e depois de entrar em contato com
uma pessoa doente, depois de usar o banheiro,
depois de tocar em áreas com as quais muitas pes-
soas têm contato, como maçanetas e corrimões de
escadas e apoios e bancos de transporte público.
Mesmo que você não tenha contato direto com es-
ses microrganismos, outra pessoa que tenha tido e
não lavou as mãos pode cumprimentá-lo ou deixar No Brasil, o saneamento básico é um direito uni-
as formas de resistência desses seres vivos em um ob- versal assegurado pela Constituição e cujas diretri-
jeto, por exemplo. zes foram estabelecidas pela Lei federal no 11.445,
A não lavagem de frutas e verduras que serão de 5 de janeiro de 2007.
consumidas in natura, ou seja, sem cozimento, tam- Assim, todos devem ter acesso ao abastecimen-
bém pode ser a porta de entrada para microrganis- to de água segundo um padrão de qualidade esta-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

belecido e em quantidade adequada, bem como serviços; a participação social exige que se acom-
à coleta e tratamento do esgoto. Aqui, você vai co- panhe o que vem sendo oferecido e se reivindique
nhecer um pouco mais sobre o abastecimento de serviços de qualidade.
água tratada e a coleta de esgoto. Apesar de o saneamento ser chamado de bási-
co, referindo-se, portanto, a um serviço essencial, a
3. O abastecimento de água Pesquisa Nacional de Esgotamento Sanitário (PNES),
realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
O abastecimento de água é caracterizado: tatística (IBGE) em 2008, mostrou que cerca de 45%
dos municípios brasileiros ainda não contavam, na-
• pela captação de água da natureza, seja de quele ano, com um serviço adequado de coleta de
lençóis subterrâneos (ou freáticos), seja de rios esgoto.
ou lagos; É possível concluir, então, que a promoção da
• pelo tratamento para torná-la potável; e saúde refere-se à combinação de políticas públicas
• pela sua distribuição à população. voltadas à saúde (como as de saneamento básico
e de um sistema de saúde adequado), à ação co-
Se a água possui substâncias que modificam o munitária e à ação individual. Em outras palavras, a
padrão de potabilidade, ela é considerada poluída; promoção da saúde trabalha com a ideia de res-
se contém microrganismos causadores de doenças, ponsabilização múltipla.
é considerada contaminada.
A BIODIVERSIDADE E OS DESAFIOS DA CLASSIFI-
4. Esgoto CAÇÃO BIOLÓGICA

Esgoto são as águas que têm suas característi- 1. Sistemas de classificação e classificação bio-
cas alteradas após a utilização humana. Além de lógica
restos de lavagem de diferentes tipos, que modifi-
cam as características químicas, a água de esgoto Sempre que há um conjunto muito grande de
contém dejetos humanos e representa um veículo objetos, máquinas, utensílios ou mesmo seres vivos,
de transmissão de doenças causadas por vírus, bac- é preciso que exista uma forma de organizar todos
térias, protozoários e vermes. É o caso da cólera e os itens desse conjunto. Isso é importante tanto para
da lombriga, citadas anteriormente. Muitas dessas encontrar facilmente cada um deles como para
bactérias provocam diarreia (disenteria), importante compreender a variedade e os tipos de itens pre-
causa de mortalidade. sentes nesse conjunto.
No caso dos supermercados, os itens são organi- 159
5. Saneamento, informação e promoção da saú- zados por categorias de acordo com sua utilidade:
de produtos de limpeza, produtos de higiene pessoal,
alimentos em conserva, alimentos refrigerados, ali-
Muitas vezes, por falta de conhecimento ou mentos frescos, doces, utensílios domésticos etc. A
de serviço público adequado, a população lança imensa variedade de seres vivos do planeta sempre
seus dejetos diretamente sobre o solo ou em cursos intrigou os seres humanos, que desde tempos muito
d’água, criando situações favoráveis à transmissão antigos procuram organizar esses seres em sistemas
de doenças. de classificação. Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), fi-
O saneamento básico deve passar também pelo lósofo da Grécia Antiga, propôs vários sistemas de
acesso à informação e à educação, especialmente classificação de seres vivos.
para que a população conheça os riscos envolvidos Ele agrupava as plantas em três grupos, utilizan-
na deposição inadequada do esgoto e possa exigir do o tamanho como critério de classificação: ervas,
e fiscalizar os serviços de coleta e tratamento. arbustos e árvores. Também dividia os animais em
A Constituição determina que a responsabilida- aquáticos, aéreos e terrestres, utilizando o ambiente
de pelo saneamento básico seja de competência como critério de classificação. Esse tipo de classifi-
comum da União, dos Estados e dos municípios. cação mostrou-se inadequado. No caso dos ani-
Cabe à União instituir políticas públicas nacionais e mais, por exemplo, agrupá-los em aéreos (todos os
garantir a maior parte dos recursos investidos. Os Es- que voam) cria um grupo que contém seres tão di-
tados devem se concentrar na prestação dos servi- ferentes como um gavião e uma mosca doméstica.
ços exigidos tanto no caso de tratamento da água É quase tão estranho quanto misturar sal e sapato
como no de coleta e tratamento do esgoto. Já os em um supermercado!
municípios, por meio das prefeituras, têm a incum- Entre os séculos XVI e XVII, vários sistemas de
bência de determinar planos de saneamento bási- classificação biológica foram criados. E foi no sé-
co, mas, principalmente, a de envolver a comunida- culo XVIII que surgiu na Europa um sistema que, em
de na discussão de suas necessidades. grande parte, é usado até hoje. O criador desse sis-
A participação social garante a todos as infor- tema foi o médico e naturalista sueco Carl von Linné
mações necessárias sobre a qualidade e sobre a (1707-1778), conhecido como Lineu, a forma de seu
gestão desses serviços, que são direitos garantidos nome em português.
por lei. No entanto, não se trata apenas de esperar Em 1735, Lineu publicou a 1a edição de sua
que as autoridades constituídas apresentem esses obra Sistema natural (Systema naturae), na qual di-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

vidiu todos os seres em três reinos: mineral, vegetal


e animal. Segundo ele, as classificações devem se
basear em características estruturais e anatômicas,
como a forma e a divisão do corpo, a distribuição
dos membros e a posição dos órgãos internos.
No caso das plantas, por exemplo, Lineu anali-
sou a anatomia geral dos corpos e também o for-
mato das flores e frutos para estabelecer um critério
de classificação desses seres vivos.

2. Taxonomia

Taxonomia é o nome dado aos estudos sobre a


classificação dos seres vivos. A unidade de classifi-
cação biológica é denominada categoria taxonô-
mica. No sistema organizado por Lineu, a categoria
taxonômica básica é a espécie. Assim, os cães, os Como é formada por duas palavras, essa ma-
seres humanos e os coqueiros são exemplos de três neira de compor o nome científico ficou conhecida
espécies biológicas diferentes. como nomenclatura binomial e é utilizada em todo
A partir dessa categoria taxonômica básica, a o mundo, independentemente da língua adotada
espécie biológica, Lineu agrupou espécies seme- em cada país. Isso facilita muito a comunicação en-
lhantes em um novo grupo chamado de gênero. Se- tre os cientistas.
guindo esse princípio de criar categorias taxonômi- Veja a classificação biológica da onça-pintada,
cas cada vez mais abrangentes, gêneros semelhan- feita com base nas categorias taxonômicas estabe-
tes são agrupados em famílias; famílias semelhantes lecidas por Lineu há mais de 250 anos e ainda usa-
são agrupadas em ordens; ordens semelhantes são das pelos biólogos:
agrupadas em classes; classes semelhantes são
agrupadas em filos; e os filos são agrupados em rei- • Espécie: Panthera onça.
nos. • Gênero: Panthera. Além da onça-pintada,
pertencem a esse gênero: leão, tigre, leopar-
do etc.
• Família: Felidae (felinos). Além dos animais do
160 gênero Panthera, pertencem a essa família:
gatos domésticos, gatos selvagens, jaguatiri-
cas, onças-pardas, guepardos, linces etc.
• Ordem: Carnivora (carnívoros). Além dos ani-
mais da família Felidae, pertencem a essa or-
dem: ursos, lobos, cães, raposas, coiotes etc.
• Classe: Mammalia (mamíferos). Além dos ani-
3. Nomenclatura binomial mais da ordem Carnivora, pertencem a essa
classe: carneiros, cavalos, gorilas, seres huma-
Lineu permaneceu vários anos aperfeiçoando nos etc.
seu sistema de classificação e na 10a e última edi- • Filo: Chordata. Além dos animais da classe
ção de seu livro, em 1758, propôs uma forma para Mammalia, pertencem a esse filo: peixes, an-
escrever o nome científico de qualquer ser vivo. O fíbios, répteis e aves.
nome de todo ser vivo é composto de duas pala- • Reino: Animalia. Além dos animais do filo Chor-
vras escritas em latim, considerada a língua culta na data, pertencem a esse reino: águas- -vivas,
época em que Lineu desenvolveu seus trabalhos. lombrigas, minhocas, insetos, aranhas, caran-
A primeira palavra é o gênero, ou o nome gené- guejos, estrelas-do-mar etc.
rico da espécie, que, acompanhada da segunda
palavra, indica a espécie, ou nome específico. Por
exemplo, o nome científico da espécie à qual per-
tencem os gatos é Felis catus. O nome genérico é
sempre iniciado com letra maiúscula e o nome es-
pecífico, com letra minúscula. Além disso, o nome
científico deve ser escrito em itálico, ou sublinhado,
para ficar destacado no texto.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

na ideia de isolamento reprodutivo, ou seja, duas


espécies diferentes que convivem em ambiente na-
tural não se cruzam porque estão isoladas reprodu-
tivamente, por motivos físicos (um é muito maior do
que o outro, ou muito diferente), comportamentais
ou genéticos.
Existe também o isolamento geográfico: às ve-
zes, duas espécies diferentes não se cruzam em con-
dições naturais porque não vivem perto uma da ou-
tra. Porém, mesmo sendo espécies diferentes, se elas
forem colocadas juntas podem se cruzar e dar ori-
gem a descendentes. Nesse caso, biologicamente,
considera-se que essas duas espécies são diferentes
e estão isoladas geograficamente uma da outra. Em
um zoológico, por exemplo, é possível cruzar um ti-
gre (Panthera tigris) com uma leoa (Panthera leo) e
produzir um híbrido chamado de tigon, mistura dos
nomes tiger e lion, “tigre” e “leão” em inglês.
No entanto, o cruzamento entre tigres e leões
não ocorre na natureza, porque os tigres habitam
florestas na Índia e na China, e os leões vivem nas
4. O conceito biológico de espécie savanas africanas. Apesar dos esforços de vários
cientistas, o conceito de espécie ainda causa mui-
Como você viu, a categoria taxonômica básica tas discussões.
do sistema de classificação biológica é a espécie. No caso do conceito biológico de espécie aqui
Mas o que é uma espécie biológica? Nos anos 1940, apresentado, uma de suas maiores limitações é o
alguns biólogos propuseram uma definição de espé- fato de que só é válido para as espécies com re-
cie que ficou conhecida como conceito biológico produção sexuada. Em casos como o das bactérias,
de espécie. que apresentam reprodução assexuada, esse con-
Um de seus formuladores, o biólogo alemão Ernst ceito não se aplica e as espécies precisam ser deter-
Mayr (1904-2005), descreveu: minadas por outros critérios de comparação.

Espécie é um grupo de populações cujos in- A EVOLUÇÃO E A CLASSIFICAÇÃO BIOLÓGICA 161


divíduos, em condições naturais, são capazes MODERNA
de se cruzar e produzir descendentes férteis,
estando reprodutivamente isolados de outras O sistema de classificação biológica passou
espécies. MAYR, Ernst apud AMABIS, José Maria- por grandes transformações em consequência das
no; MARTHO, Gilberto R. Fundamentos da Biolo- ideias evolucionistas, que têm como primeiros auto-
gia Moderna. 4. ed. São Paulo: Moderna, 2006. res os biólogos britânicos Alfred Russel Wallace (1823-
p. 695. 1913) e Charles Darwin (1809-1882). Darwin, em seu
livro A origem das espécies, publicado pela primeira
Essa definição procura ser mais precisa do que vez em 1859, apresentou um modelo científico por
aquela desenvolvida por Lineu no século XVIII. De meio do qual é possível explicar como as inúmeras
acordo com ela, são da mesma espécie os indiví- espécies de seres vivos puderam surgir na Terra, a
duos que conseguem se cruzar e produzir descen- partir de um primeiro ser vivo que, hoje se sabe, co-
dentes férteis. Por exemplo, o cavalo (Equus cabal- meçou a se diversificar cerca de 3,5 bilhões de anos
lus) e o jumento (Equus asinus) são animais muito pa- atrás.
recidos. Eles pertencem ao mesmo gênero, Equus, Com base na ideia de que toda espécie de
porém são de espécies diferentes. ser vivo tem origem em uma espécie anterior que
Quando ocorre o cruzamento de um jumento se modificou, os sistemas de classificação biológica
com uma égua ou de uma jumenta com um ca- passaram a considerar que indivíduos que perten-
valo, nasce um mulo, também chamado de mula cem a um mesmo gênero devem ser parentes mais
ou burro (Equus africanus asinus). Esse animal é um próximos do que aqueles que pertencem a gêne-
híbrido estéril. ros diferentes. Da mesma forma, se dois indivíduos
pertencem a uma mesma família, por exemplo, a
dos felinos (família Felidae), eles devem ser parentes
mais próximos entre si do que em relação aos ursos,
que pertencem à família Ursidae.
Atualmente, os estudos sobre os sistemas de clas-
sificação biológica levam em conta diversos critérios
comparativos para estabelecer o grau de parentes-
co entre as diferentes espécies. Parte-se sempre da
O conceito biológico de espécie está baseado ideia de que, se duas espécies biológicas são muito
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

parecidas e pertencem a um mesmo gênero, então terial denominado citoplasma, no qual se encon-
elas também podem ser muito próximas evolutiva- tram partes da própria célula, inclusive seu material
mente, ou seja, devem ter surgido na mesma época. genético (DNA). Existem seres unicelulares, formados
Essa área de trabalho é conhecida pelos cientis- por uma única célula, como as bactérias e as eu-
tas como sistemática e inclui os estudos de Taxono- glenas; e seres multicelulares, formados por muitas
mia, de Paleontologia (estudo dos fósseis), de Gené- células, como todas as plantas e os animais, entre
tica, de Bioquímica e de todos os dados que possam eles os seres humanos. Com o aperfeiçoamento dos
contribuir para confirmar as relações de parentesco microscópios, foi possível ver que algumas células
entre as espécies estudadas, a fim de fazer a melhor possuem um núcleo, no qual fica o material genéti-
classificação biológica possível. co, separado do citoplasma.
Sem dúvida, a sistemática é uma área de estu- Outras, mais simples, não possuem núcleo e o
dos que confirma o fato de que a ciência está sem- seu material genético fica mergulhado no citoplas-
pre em transformação e de que o conhecimento ma. Células sem núcleo organizado são denomina-
científico avança com o surgimento de novas des- das procarióticas, e células com núcleo, eucarióti-
cobertas, possibilitando que novas ideias substituam cas – nomes relacionados ao envoltório do núcleo
aquelas que se mostraram pouco eficientes ou ina- celular, chamado de carioteca (do grego karyon,
dequadas para explicar os fenômenos. “núcleo”).
A CLASSIFICAÇÃO BIOLÓGICA E OS CINCO REINOS 1. Vírus
Com base nos trabalhos de Lineu, as classifica- Os vírus, que causam doenças como a gripe e
ções biológicas passaram a dividir todos os seres vi- o sarampo, são seres mais simples que uma célula
vos em dois grupos, o reino vegetal (Plantae) e o rei- e, por isso, são chamados de acelulares (não pos-
no animal (Animalia). E, conforme os novos conhe- suem estrutura celular). Sua estrutura básica é uma
cimentos científicos eram produzidos, as limitações cápsula de proteínas dentro da qual se encontra o
dessa forma de classificação em dois reinos foram material genético, DNA ou RNA.
aparecendo. Como os vírus não possuem estrutura celular e
A descoberta dos microrganismos, possibilitada precisam parasitar outras células para realizar sua re-
pelo uso dos microscópios no século XVII, revelou produção e propagação, eles não são classificados
uma grande diversidade de novas espécies de se- em nenhum dos cinco reinos, ou seja, não são con-
res vivos cuja classificação no sistema de dois reinos siderados seres vivos nesse sistema de classificação.
era muito difícil. Um exemplo desses microrganismos E, embora não haja consenso entre os cientistas
difíceis de classificar como vegetal ou animal é a eu- sobre isso, também é preciso problematizar sob ou-
162
glena, que, hoje se sabe, realiza fotossíntese, uma tro ponto de vista, uma vez que há diferentes for-
característica que era considerada exclusiva das mas de vírus com organização e material genético
plantas, e consegue se movimentar, uma caracterís- muito distintos (DNA dupla fita, DNA simples fita, RNA
tica que era considerada exclusiva dos animais. Ou- simples fita, RNA dupla fita), o que dificultaria propor
tra contribuição importante permitida pelos micros- uma classificação única, nos moldes dos reinos até
cópios foi a compreensão de que todos os seres vi- então conhecidos. Você conhecerá mais sobre os
vos são formados por uma estrutura básica, a célula. vírus neste tema.

A célula está envolvida completamente pela


membrana plasmática e é preenchida por um ma-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Protista e Fungi. Os reinos Plantae e Animalia serão


estudados com mais detalhes na próxima Unidade.
Reino Monera Esse reino contém todos os organis-
mos unicelulares com células procarióticas e é divi-
dido em dois sub-reinos: o das bactérias e o das ar-
queas. Quando o reino Monera foi criado, em 1956,
todos os seres a ele pertencentes eram chamados
de bactérias.
No entanto, com o avanço das análises da
constituição química dos seres desse reino, ficou cla-
ro que havia dois grupos diferentes: o das bactérias
e o das arqueas.
Você vai conhecer um pouco sobre cada um
desses grupos agora.

1. Bactérias

As bactérias não são visíveis a olho nu, por isso


a descoberta desses seres está relacionada à cria-
ção dos primeiros microscópios. Embora o primeiro
microscópio tenha sido criado no fim do século XVI,
somente em meados do século XVII as bactérias fo-
Com os novos avanços na fabricação dos mi- ram observadas pela primeira vez pelos construtores
croscópios, no século XIX, vários “pequenos ani- desses microscópios.
mais” foram descobertos e os biólogos passaram a Por muito tempo, os cientistas estudaram as bac-
chamá-los de protozoários (de protos, que significa térias e outros microrganismos por curiosidade, até
“primeiros” em grego, e zoários, que se refere a “ani- que, na segunda metade do século XIX, o médico
mais”). alemão Robert Koch (1843-1910) descobriu que
Esse grupo reunia todos os seres vivos unicelula- uma doença do gado era causada por bactérias.
res heterotróficos (que ingerem alimento). Em 1866, Na mesma época, na França, o pesquisador fran-
o zoólogo alemão Ernst Haeckel (1834-1919) criou cês Louis Pasteur (1822-1895) demonstrou que uma
um reino no qual reuniu todos os protozoários, que doença que atacava larvas de bicho-da-seda tam-
chamou de Protista. A partir daí, os protozoários dei- bém era causada por um microrganismo. 163
xaram de ser considerados “pequenos animais”, Com base nessas observações, muitos estudio-
pois já não pertenciam ao reino dos animais. sos passaram a achar que todas as bactérias trans-
Nesse sistema de classificação, todos os seres vi- mitiam doenças. No entanto, pesquisas posteriores
vos unicelulares eram considerados protistas, inclusi- mostraram que, embora esses seres vivos sejam os
ve as bactérias. mais abundantes da biosfera terrestre, apenas uma
No entanto, quando os microscópios possibilita- minoria é causadora de doenças.
ram distinguir células procarióticas e eucarióticas, foi Várias espécies de bactérias vivem no tubo di-
constatado que as bactérias são formadas por cé- gestório do ser humano, algumas das quais ajudam
lulas procarióticas, diferentemente dos protozoários, a produzir vitaminas. Nas fezes humanas, sem levar
que são compostos de células eucarióticas. Assim, em conta a água, mais da metade da matéria fecal
em 1956, surgiu o reino Monera, no qual foram colo- é constituída por bactérias ou restos de bactérias.
cados os seres vivos unicelulares com células proca- Em relação ao tamanho, as bactérias são seres
rióticas, como as bactérias. vivos muito pequenos, com o comprimento, em mé-
Em 1969, foi criado, por fim, o reino Fungi, para dia, de 1 milésimo de milímetro, ou 1 milionésimo de
abrigar os fungos, que antes eram parte do reino metro, que corresponde a 1 micrômetro, ou 1 µm (µ
Protista. Na década de 1980, as biólogas estaduni- é a letra grega “mi”, que representa 1 milionésimo,
denses Lynn Margulis (1938-2011) e Karlene Schwartz ou seja, µm é a unidade de medida metro dividida
(1936- ) reorganizaram alguns aspectos da classifica- por 1 milhão).
ção dos protistas, propondo um novo reino, o Protoc-
tista, que, além de todos os protozoários (seres uni-
celulares heterotróficos com células eucarióticas),
inclui também as algas unicelulares e multicelulares;
estas são consideradas plantas na classificação em
cinco reinos.
A ideia dessas biólogas foi aceita, porém o nome
do reino continuou a ser Protista. nomes científicos.

OS REINOS MONERA, PROTISTA E FUNGI

Você vai conhecer agora os reinos Monera,


Ciências da Natureza e suas Tecnologias

A maioria das bactérias, além da membrana


celular, apresenta uma parede externa que as pro-
tege de agressões do ambiente. Existem também
bactérias que possuem flagelos, isto é, estruturas
que lembram pelos e que possibilitam o movimen-
to da bactéria, impulsionando-a e promovendo seu
deslocamento.

2. Reprodução das bactérias

As bactérias geralmente se reproduzem de for-


ma assexuada. Cada uma delas pode se dividir em
duas por um processo chamado de divisão biná-
ria. As duas bactérias descendentes são idênticas
à primeira e podem se dividir também pelo mesmo
processo, que dura aproximadamente 20 minutos.
Antes de se dividir, o cromossomo da bactéria se
duplica, formando dois cromossomos idênticos ao
primeiro. A partir dessa duplicação, os dois cromos-
somos idênticos se afastam um do outro e, em segui-
da, a membrana de cada célula nova se completa,
provocando a separação das duas bactérias-filhas.

Outra característica das células bacterianas é


que elas podem ter diferentes formatos e se juntar
constituindo colônias. As bactérias com formato
esférico são chamadas de cocos. Dois cocos com-
põem um diplococo; oito cocos formam um cubo
denominado sarcina; cocos alinhados são chama-
dos de estreptococos; e assim por diante.
As bactérias com formato de bastonete são
nomeadas de bacilos; as com formato de vírgula,
164 de vibrião; e as com formato espiralado, de espirilo.
Veja alguns desses formatos e colônias na ilustração
acima.

#FicaDica
Cromossomo: Molécula de DNA, em
forma de fios, na qual se encontram as
informações necessárias ao controle do
funcionamento da célula, inclusive sua
reprodução. No cromossomo estão lo-
calizados os genes de todo ser vivo. Um
gene é um segmento da molécula de
DNA que possui uma informação gené-
tica.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

goria taxonômica válida.


Na classificação em cinco reinos adotada aqui,
o reino Protista reúne os protozoários e as algas, to-
dos seres vivos com células eucarióticas. Protozoá-
rios são seres unicelulares heterotróficos, ou seja, in-
gerem alimento para obter nutrientes orgânicos. Vi-
vem em água doce, água salgada, regiões lodosas
e em terra úmida, como as amebas, por exemplo.

Esses locais, por suas condições, costumam ser Já as algas são seres unicelulares ou multicelula-
chamados de ambientes extremos. Muitos cientistas res autotróficos, pois obtêm nutrientes orgânicos por
acreditam que as arqueas vivem neles porque sur- meio da fotossíntese. Vivem em água salgada, em
giram na Terra cerca de 3,5 bilhões de anos atrás, água doce ou em superfícies úmidas.
quando as condições ambientais em todo o plane-
ta eram semelhantes às desses lugares.
As arqueas são parecidas com as bactérias em
seus aspectos gerais. No entanto, sua parede celular
é feita de substâncias diferentes da parede celular
das bactérias, e esses microrganismos são muito di-
ferentes geneticamente. Alguns biólogos afirmam 165
que as bactérias são tão distintas das arqueas quan-
to os seres humanos são das plantas.

3. Domínios: novas categorias taxonômicas

Os estudos dos seres vivos com células procarió- REINO FUNGI


ticas e daqueles com células eucarióticas têm mos-
trado que essa divisão é muito antiga e refere-se a 1. Fungos
seres muito diferentes entre si. Por isso, em 1990, foi
proposta uma nova categoria taxonômica superior Há vários tipos de fungos. Seus principais repre-
a reino, o domínio. Em razão dessa proposta, passa- sentantes são os cogumelos, as orelhas-de-pau, os
ram a existir três domínios: Archaea, Bacteria e Eu- bolores e as leveduras ou os fermentos. Todos são
karya. seres heterotróficos com células eucarióticas. Exis-
Veja no quadro a correspondência entre a clas- tem algumas espécies de fungos unicelulares, mas a
sificação em cinco reinos e os três novos domínios. maioria é multicelular.

4. Reino Protista

Esse é um reino cuja classificação biológica é


muito questionada entre os cientistas. Alguns não
admitem mais sua validade, porque o reino abran-
ge seres vivos de origens muito distintas. Esses cientis-
tas utilizam a palavra protista como um conjunto de
seres vivos, mas não consideram protista uma cate-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

3. Vírus, um ser vivo diferente

Os vírus são seres vivos que não possuem organi-


zação celular. A estrutura básica de um vírus é uma
cápsula de proteínas dentro da qual se encontra
seu material genético (DNA ou RNA). Os vírus são
menores que a menor bactéria e podem ter tama-
nho entre 20 e 300 milionésimos de milímetro.
Por serem tão pequenos, só é possível observá-
-los por meio de microscópio eletrônico. Os vírus só
estão em atividade quando invadem as células de
Os fungos têm uma importância ecológica muito um ser vivo, onde passam a se multiplicar, utilizando
grande, relacionada com o fato de que a maioria as substâncias presentes no citoplasma da célula
deles se alimenta de cadáveres e outros restos de hospedeira.
seres vivos, principalmente animais e plantas. Outros Por esse motivo, são considerados parasitas in-
fungos, como os bolores, provocam o apodrecimen- tracelulares obrigatórios. Levando em conta esse
to e a decomposição de frutas, pães e outros tipos fato e também que eles são acelulares, muitos cien-
de alimentos. É por meio de sua alimentação que tistas não os consideram um ser vivo.
os fungos, assim como as bactérias heterotróficas, Vírus podem atacar as células de qualquer ser
decompõem a matéria orgânica nos ecossistemas, vivo – uma bactéria, um protozoário, uma planta ou
possibilitando a reciclagem dos átomos de variados um animal –, frequentemente causando doenças.
elementos químicos que entram na composição do Cada espécie de vírus parasita células específicas
corpo de plantas e animais. de outros seres vivos. Na célula invadida, novos vírus
se formam. Eles saem da célula, em geral matando-
2. Liquens -a, e infectam outras.
Liquens são associações entre fungos e algas
que crescem sobre troncos de árvores, rochas ou
mesmo cimento. Nessa associação, chamada de
mutualismo, a alga (autotrófica) realiza fotossíntese
e fornece substâncias orgânicas para o fungo (hete-
rotrófico) se alimentar. O fungo, por sua vez, além de
166 fornecer abrigo, mantém o ambiente úmido e com
alguns minerais importantes para a alga. Existem
também liquens formados pela associação de fun-
gos com cianobactérias (bactérias que realizam fo-
tossíntese), que substituem as algas no fornecimento
de nutrientes orgânicos para os fungos.

4. Doenças causadas por microrganismos

Várias doenças humanas são provocadas pela


presença de vírus, bactérias, fungos ou protozoários
no organismo. Veja os exemplos de algumas delas:

• Doenças causadas por vírus: gripe, sarampo,


catapora, dengue, raiva, hepatite, febre ama-
rela, herpes e aids.
• Doenças causadas por bactérias: cólera,
pneumonia bacteriana, meningite, tétano,
hanseníase (lepra), gangrena, cárie dentária,
gonorreia, cancro mole e sífilis (as últimas três
são doenças sexualmente transmissíveis – DSTs).
• Doenças causadas por fungos: micoses, que
ocorrem na pele e podem provocar a forma-
ção de lesões, e infecções pulmonares, quan-
do os fungos chegam aos pulmões.
• Doenças causadas por protozoários: doen-
ça de Chagas, malária, giardíase, amebíase,
leishmaniose, alguns tipos de pneumonia e to-
xoplasmose.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

ros animais não aquáticos. Atualmente, todos os


animais dependem, direta ou indiretamente, das
plantas para sobreviver. As plantas são seres vivos
autotróficos (que produz o próprio alimento), que
realizam fotossíntese, são multicelulares e possuem
células eucarióticas.
As células das plantas possuem uma parede
celular que envolve a membrana, protegendo a
célula. Essa parede celular é feita de celulose, subs-
tância produzida pela planta a partir dos açúcares
sintetizados na fotossíntese, e é uma característica
importante das células vegetais.

AS PLANTAS E OS ANIMAIS

1. A diversidade e a classificação das plantas

Observe a fotografia ao lado, tirada no interior


da Mata Atlântica. Essa é uma boa forma de perce-
ber a diversidade de espécies de plantas que existe
no ecossistema brasileiro. No entanto, nosso planeta
nem sempre foi assim. Imagine que, usando as infor-
mações obtidas dos registros fósseis, você chegue à
Terra de 500 milhões de anos atrás.

167
Do ponto de vista ambiental, as plantas têm pa-
pel muito importante para a disponibilidade do gás
oxigênio que existe no ar e que é fundamental para
a respiração. Esse gás é produzido pela planta, por
meio da fotossíntese, e é liberado para a atmosfera
ou para a água, no caso de algumas plantas aquá-
ticas.
As fotografias a seguir mostram alguns exemplos
da diversidade de plantas. Nelas estão representa-
dos todos os grupos que você vai estudar em segui-
da.

Nela, há vida nos ambientes aquáticos, porém


os continentes e as ilhas são desertos, ou seja, não
há seres vivos ocupando ambientes secos em terra
firme. Os cientistas acreditam que as primeiras plan-
tas terrestres tenham surgido de algas que come-
çaram a viver em terra firme em ambientes muito
úmidos. Dessas primeiras espécies, as plantas foram
se tornando cada vez mais independentes do meio
aquático para viver e se reproduzir e, assim, pude-
ram ocupar praticamente todos os continentes ter-
restres e ilhas.
A evolução das plantas em terra firme criou o
ambiente propício para que surgissem os primei-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

2. A classificação das plantas


Plantas avasculares vivem em ambientes muito
Existem plantas muito diferentes entre si, consi- úmidos, como beiras de córregos e pedras próximas
derando-se desde o tamanho e os locais em que a quedas-d’água, já que dependem de respingos
são encontradas até as formas de se reproduzir e de de água para se reproduzir. Em seu ciclo de vida,
conduzir a água em seu interior. A área da Biologia para que a fecundação ocorra, é preciso que uma
que estuda todos esses tipos de plantas é a Botâ- gota de água carregue a célula sexual masculina
nica. Você verá, agora, como os botânicos (estu- até um local bem próximo no qual ela possa encon-
diosos das plantas) organizam a classificação das trar uma célula sexual feminina, dando origem a
plantas. uma nova planta.
A primeira diferenciação que se costuma fazer
entre as plantas é separar aquelas que têm tubos 3. Plantas vasculares
para o transporte de água em seu interior e aque-
las que não os têm. Em Botânica, utiliza-se o termo As plantas vasculares têm um conjunto de vasos
vaso para se referir aos tubos que conduzem líquidos que transporta água com sais minerais dissolvidos
no interior das plantas. Aquelas que não têm vasos das raízes em direção às folhas. Também possuem
168 condutores de líquidos são chamadas de avascu- outro conjunto de vasos que transporta a água com
lares (do grego a, que indica negação, e do latim os açúcares produzidos na fotossíntese e outras subs-
vasculum, pequeno tubo). tâncias orgânicas das folhas para as demais partes
As plantas vasculares são aquelas que contêm da planta. A água com sais minerais, que é absorvi-
vasos condutores de líquidos. Apesar de não serem da pelas raízes das plantas, chama-se seiva bruta, e
consideradas categorias taxonômicas pelos botâ- a água com açúcares e substâncias orgânicas que
nicos, essa divisão continua a ser utilizada, pois fa- sai das folhas, seiva elaborada.
cilita o estudo das plantas. Plantas avasculares Exis- Essas plantas costumam apresentar três partes:
tem três grupos de plantas avasculares, conhecidas
como briófitas (do grego brion, que significa “mus- • raízes: são geralmente subterrâneas e têm a
go”): os musgos, as hepáticas e os antóceros. função de fixar a planta no solo e absorver
Essas plantas são sempre pequenas, em geral água com sais minerais dissolvidos (seiva bru-
não passam de 5 cm. Isso porque a água precisa ta).
fluir através de suas células para atingi-las comple- • caule: sustenta as folhas e contém os vasos
tamente, já que são plantas sem vasos para o trans- que conduzem a seiva bruta das raízes para
porte de água. Elas não têm caule, tronco nem raí- as folhas e a seiva elaborada das folhas para
zes. Fixam-se no solo, em rochas ou sobre troncos por as raízes.
meio de grupos de pelos parecidos com pequenas • folhas: ficam sempre dispostas de forma a re-
raízes, chamados de rizoides, que não absorvem ceber luz, a fonte de energia para a realiza-
água e servem apenas para fixação. ção da fotossíntese.

Há dois grupos de plantas vasculares: o grupo


daquelas que produzem sementes e o daquelas
que não as produzem. Entre as plantas que produ-
zem sementes, existem as que produzem sementes
nuas (não contidas em frutos), como os pinheiros; e
aquelas que produzem sementes que se encontram
em frutos, como o abacateiro e o xique-xique.
Você vai estudar a seguir os grupos de plantas
vasculares:
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

• plantas que não produzem sementes, chama-


das de pteridófitas (do grego pteris, que signifi-
ca “feto de vegetal”);
• plantas que produzem sementes, que se sub-
dividem em: plantas que produzem sementes
nuas (não contidas em frutos), chamadas de
gimnospermas (do grego gumnós, que signi-
fica “nu”, e sperma, “semente”); plantas que
produzem sementes e frutos, chamadas de
angiospermas (do grego aggeîon, que signifi-
ca “vaso”, e sperma, “semente”).

4. Pteridófitas

Pteridófitas são plantas vasculares que não pro-


duzem sementes, como as samambaias, as aven-
cas e o licopódio. Essas plantas, como as briófitas,
também dependem da água para que aconteça a
fecundação, ou seja, a fusão da célula sexual mas-
culina com a célula sexual feminina. Isso ocorre por-
que a célula sexual masculina precisa de uma fina As plantas gimnospermas apresentam uma carac-
lâmina de água para se deslocar até o local onde terística nova em relação às briófitas e pteridófitas, o
se encontra a célula sexual feminina. que as tornou independentes da água em estado líqui-
do para a reprodução. Como você estudou, nas brió-
fitas e pteridófitas, a célula sexual masculina depende
de água para alcançar a célula sexual feminina; já as
gimnospermas têm órgãos reprodutores próprios.
Os órgãos reprodutores das gimnospermas são
chamados de estróbilos. No estróbilo masculino,
formam-se os grãos de pólen, onde se produzem
as células reprodutoras (ou células sexuais) mascu-
linas, ou gametas masculinos. No estróbilo feminino,
encontram-se as células reprodutoras femininas, ou 169
gametas femininos.
Para que a fecundação aconteça, é preciso
que os grãos de pólen atinjam o estróbilo feminino.
Esse processo de transporte dos grãos de pólen, co-
nhecido como polinização, pode ocorrer, por exem-
plo, pelo vento, pela água ou por alguns tipos de
insetos e aves, que, ao se alimentarem, tocam os
grãos de pólen, que ficam grudados em seu corpo,
e os levam para outras plantas.
5. Gimnospermas Uma vez no estróbilo feminino, o grão de pólen
se desenvolve e encontra o óvulo feminino, ocorren-
Gimnospermas são plantas vasculares que pro- do a fecundação e a formação das sementes. A
duzem sementes nuas, como os pinheiros, que exis- pinha é o estróbilo feminino do pinheiro-do-paraná;
tem em países de clima frio e lembram árvores de nela estão os pinhões, que são as sementes.
Natal. Outro exemplo é o pinheiro-do-paraná ou
araucária (Araucaria angustifolia), árvore típica das
regiões Sul e Sudeste do Brasil. Uma árvore adulta
dessa espécie pode atingir 50 m e ter um tronco do
diâmetro de 2,5 m.
Por possuir madeira de boa qualidade, o pinhei-
ro-do-paraná é protegido por leis desde o tempo do
Império (século XVIII), mas isso não foi suficiente para
preservar sua população, a ponto de, atualmente,
botânicos e ambientalistas estarem preocupados
com sua possível extinção.
Muitos pinheiros-do-paraná estavam presentes
em partes da Mata Atlântica, que já está devasta-
da nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Outra carac-
terística dessa árvore é possuir uma semente muito
nutritiva, conhecida como pinhão.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Para ocorrer a fecundação e iniciar a formação


de uma nova planta, antes é preciso que um grão
de pólen chegue ao pistilo por meio do processo de
polinização, já explicado. Muitas plantas dependem
do vento para que os grãos de pólen se despren-
dam do estame e sejam transportados para um pisti-
lo. Existem também aquelas cujas flores são visitadas
por insetos, pássaros e outros animais, que podem
ser os agentes da polinização.
Por exemplo, uma abelha, ao visitar uma flor,
toca o estame com grãos de pólen, que grudam
em seu corpo. Quando essa abelha visita outra flor,
algum grão de pólen preso a seu corpo pode se
prender ao pistilo, e a polinização ocorre. O grão
de pólen fica no estigma do pistilo. Nesse local, ele
germina, formando um tubo chamado de tubo po-
línico, que cresce no estilete até chegar ao ovário,
onde está o óvulo, e a fecundação acontece.
Após a fecundação, o zigoto, formado pela
união dos gametas masculino e feminino, transfor-
ma-se em semente, na qual se encontram o em-
brião da nova planta e também reservas nutritivas
para seus primeiros dias de vida. Conforme a semen-
te se desenvolve, o ovário se transforma em fruto,
que, em geral, envolve a semente, como nos casos
do abacate e do feijão.

170 6. Angiospermas

A grande maioria das plantas pertence ao gru-


po das angiospermas, plantas vasculares que produ- O quadro a seguir traz um resumo sobre os dife-
zem frutos com sementes e que têm nas flores seus rentes grupos de plantas que você estudou, com o
órgãos reprodutivos. As flores contêm partes mascu- número estimado de espécies no mundo.
linas, que produzem os grãos de pólen, os estames,
e partes femininas, que produzem óvulos, os pistilos.
Em algumas plantas, pode haver flores somente
masculinas e flores somente femininas; existem tam-
bém aquelas que combinam as partes masculinas e
femininas na mesma flor.

O REINO ANIMALIA

1. Os animais e sua classificação

Cerca de 2 milhões de espécies biológicas di-


ferentes, de todos os reinos, já foram catalogadas.
Alguns cientistas, porém, acreditam que há muitos
outros milhões de espécies. O estudo publicado em
2011, pela revista PLOS Biology, estima a existência
de 8,7 milhões de espécies convivendo no planeta
atualmente. Desse número, em torno de 1,3 milhão
pertence ao reino Animalia.
Os animais podem ser muito pequenos, como
alguns vermes que vivem na terra úmida e que são
quase invisíveis, ou muito grandes, como um elefan-
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te africano. Existem animais que vivem em lugares quentes, como em alguns desertos, e aqueles que habitam
lugares gelados, como nas regiões polares.
A grande diversidade biológica dos animais está relacionada com o fato de que esses seres vivos se
adaptaram a todos os ambientes da Terra: na água, na terra firme e no ar.

2. Invertebrados e vertebrados

Os animais são organismos multicelulares (que têm muitas células com funções distintas), com células eu-
carióticas (que possuem núcleo definido por uma membrana) e heterotróficos (que não produzem o próprio
alimento). Uma característica comum a quase todos eles; é a boca, utilizada para a ingestão de alimentos.
No entanto, existem animais muito simples, por exemplo, as esponjas, que não possuem boca. Neles, peque-
nas partículas de alimento são absorvidas diretamente pelas células.
Os animais costumam ser divididos em dois grupos: vertebrados e invertebrados. Essa classificação não
é considerada válida pelos sistemas de classificação biológica atuais. No entanto, por ser muito conhecida
popularmente, continua sendo usada. Vertebrados são os animais que possuem vértebras, não presentes nos
invertebrados.
Os seres humanos possuem vértebras na coluna vertebral e, portanto, fazem parte desse grupo. Na classi-
ficação biológica utilizada por muitos estudiosos, o reino Animalia está dividido em 35 filos, e todos os animais
vertebrados e também alguns invertebrados estão em um único filo, o Chordata. Os outros 34 filos reúnem
animais invertebrados, que representam 95% da diversidade animal.

3. A diversidade entre os invertebrados

Apenas para ter uma ideia de como são os invertebrados, você vai conhecer alguns que pertencem aos
oito filos mais estudados. As fotografias a seguir mostram exemplos de animais que pertencem a esses filos.

171
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É importante lembrar que esses são exemplos de 6. Como os vertebrados obtêm energia
um representante de cada filo de animal inverte-
brado. Esses filos contêm vários representantes, e as Os animais são seres vivos heterotróficos e obtêm
diferenças entre eles podem ser grandes. É o caso energia por meio da ingestão de alimentos, com ex-
dos artrópodes, que, além dos insetos, como o be- ceção das esponjas, que não têm boca e se alimen-
souro, a mosca e a borboleta, reúnem animais com tam de partículas orgânicas em suspensão na água.
patas articuladas, como a aranha, o caranguejo, o No caso dos vertebrados, os alimentos são ingeridos
camarão, a lagosta, o escorpião, o carrapato, entre pela boca e digeridos ao longo do tubo digestório,
muitos outros. que termina no ânus, por onde são eliminados os
Os insetos pertencem à classe Insecta, que cons- materiais não absorvidos pelo organismo (fezes). Os
titui o grupo de seres vivos mais numeroso que se co- resultados da digestão são os nutrientes que podem
nhece, com mais de 900 mil espécies catalogadas. ser absorvidos nos intestinos, passando para a cor-
rente sanguínea.
4. Os vertebrados Dessa maneira, o sistema digestório se relaciona
com o sistema circulatório. Os vertebrados possuem
Os animais vertebrados são aqueles que pos- um sistema circulatório fechado, isto é, um conjunto
suem coluna vertebral e pertencem ao filo Chor- de vasos sanguíneos que transportam o sangue do
data. Embora alguns cordados não apresentem coração para todas as partes do organismo, as ar-
vértebras, mais de 95% dos animais desse filo são térias, e vasos que transportam o sangue de todas
vertebrados. Entre os vertebrados existem os peixes as partes de volta para o coração, as veias. Toda a
(ex. cavalo-marinho, tubarão, raia, robalo, pirarucu), energia de que um vertebrado precisa para o fun-
os anfíbios (ex. sapo, rã, salamandra), os répteis (ex. cionamento de seu organismo é obtida dentro de
lagarto, tartaruga, jabuti, jacaré, serpente), as aves cada célula que forma seu corpo.
(ex. galinha, seriema, gavião, beija-flor, pinguim) e Geralmente, essa energia é gerada por meio
os mamíferos (ex. tatu, carneiro, búfalo, macaco, de uma série de reações químicas, chamada de
boto, baleia, ser humano). respiração celular. Esse processo ocorre entre subs-
tâncias orgânicas vindas dos alimentos e o gás oxi-
5. Os vertebrados e o corpo humano gênio, e ambos são transportados para cada célula
do corpo pelo sistema circulatório. Por isso, no corpo
Você vai estudar agora as principais caracterís- humano, as artérias vão se ramificando e ficando
ticas dos animais vertebrados, tendo como principal cada vez mais finas, até se tornarem vasos capilares
exemplo o corpo humano. O primeiro aspecto a ser (da grossura de fios de cabelo), para que cheguem
172 destacado entre os vertebrados é o esqueleto. Tra- bem próximas a cada uma das células que com-
ta-se de um endoesqueleto (do grego éndon, que põem o organismo.
significa “dentro”), que fica por dentro do animal, Além de energia, outros produtos da respiração
diferentemente do esqueleto de parte dos inverte- celular são a água e o gás carbônico. Esse gás passa
brados como os artrópodes, o qual envolve exter- do interior da célula para o sangue e é levado para
namente todo o corpo e, por isso, é chamado de os pulmões, onde será eliminado do organismo. No
exoesqueleto (do grego ékso, que significa “fora”). corpo humano, é nos pulmões que o sangue obtém
Um caranguejo, por exemplo, tem um esqueleto gás oxigênio e elimina gás carbônico para o ar.
externo bem evidente. No caso dos vertebrados, o Os vertebrados de terra firme e que respiram ar
esqueleto, além de ser interno, contém um conjunto possuem pulmões; isso inclui os répteis e as aves. To-
de vértebras que forma a coluna vertebral. dos os mamíferos possuem pulmões, inclusive os que
vivem na água, como a baleia, o golfinho, o boto e
o peixe-boi. Já os peixes respiram por meio de brân-
quias, que ficam logo atrás da cabeça e são órgãos
especializados em trocas gasosas no ambiente
aquático.
Os anfíbios, como os sapos e as rãs, são verte-
brados que nascem respirando por brânquias e
são chamados de girinos. Depois, amadurecem e
se transformam em sapos e rãs adultos, que respi-
ram tanto pelo pulmão como pela pele (respiração
cutânea). No interior das células, as inúmeras trans-
formações químicas que ocorrem o tempo todo,
para gerar energia e produzir proteínas, por exem-
plo, têm como subproduto algumas substâncias
que, por serem tóxicas, precisam ser eliminadas do
organismo. Esse processo de eliminação chama-se
O esqueleto interno dos vertebrados está direta- excreção, e os rins são os órgãos que realizam a ta-
mente relacionado com um conjunto de músculos, refa de tirar do sangue as substâncias que precisam
o que dá a esses animais grande capacidade de ser excretadas, denominadas excretas.
movimento. No corpo humano, as excretas são eliminadas
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pelo suor, mas também pela urina, pelo sistema excretor, do qual faz parte a bexiga. E veja que é o sistema
circulatório novamente que transporta as substâncias até os rins para serem excretadas. Os rins funcionam
como um tipo de filtro.
Integração e controle no organismo dos vertebrados O organismo humano, como o de todos os vertebra-
dos, é composto de diversos sistemas e órgãos. Veja a ilustração a seguir.

Esses sistemas e órgãos devem funcionar de maneira coordenada. Para isso, existem dois outros sistemas
que têm a função de comunicação, integração e coordenação entre órgãos e células de todo o organis-
mo: o sistema nervoso e o sistema endócrino, que não está na ilustração. Os nervos são a via mais rápida de 173
comunicação entre as partes do corpo, especialmente a comunicação com o cérebro, principal órgão do
sistema nervoso.
Todos os movimentos dos músculos são controlados pelo cérebro, que se comunica com eles pelos ner-
vos. O sistema nervoso está relacionado, também, com o funcionamento de células e órgãos que são espe-
cializados em perceber o ambiente e que constituem o sistema sensorial, que também não está destacado
na ilustração.
As orelhas são órgãos especializados em perceber sons e manter o equilíbrio do corpo; os olhos são ór-
gãos especializados em perceber a luz; no nariz há células especializadas em perceber odores; na língua
existem células especializadas em perceber sabores; e na pele, em todo o corpo, há células especializadas
em perceber pressão ao toque. São os órgãos dos sentidos: audição, visão, olfato, paladar e tato. Nos olhos,
por exemplo, a luz entra no olho e é captada pela retina, que possui células que transformam os impulsos
luminosos em impulsos nervosos.
O nervo óptico leva esses impulsos até o cérebro, formando as imagens. O outro sistema que promove
integração entre órgãos e células do organismo é o sistema endócrino. Esse sistema funciona por meio de
mensageiros químicos que se deslocam pelo corpo no sangue, os hormônios. Os hormônios são substâncias
produzidas por determinadas células, e estas os liberam no sangue para que alterem o funcionamento de
outras células.
Glândulas endócrinas são conjuntos de células especializadas em produzir e liberar determinado hor-
mônio no sangue. Por exemplo, nas mulheres, o ciclo menstrual é controlado por hormônios produzidos pela
glândula hipófise e por outros produzidos nos ovários. Nos homens, hormônios produzidos nos testículos e na
hipófise estimulam o desenvolvimento sexual, o início da produção de esperma e a manifestação de carac-
terísticas sexuais secundárias, como pelos, voz e forma do corpo. Existem hormônios que regulam o cresci-
mento, outros que regulam parte do funcionamento do fígado etc.

7. Reprodução dos vertebrados

Em todos os vertebrados, há hormônios que estão diretamente relacionados aos processos reprodutivos.
São eles que provocam o amadurecimento dos órgãos genitais masculinos e femininos, para que a reprodu-
ção possa ocorrer. A fecundação, união do gameta masculino com o feminino, ocorre de maneiras diferen-
tes nos diversos vertebrados.
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Ela pode ser interna, quando o macho coloca os organismos vivos de estrutura celular mais simples
os espermatozoides (gametas masculinos) no inte- que se conhecem. Como você já sabe, bactérias
rior do corpo da fêmea para que eles alcancem o são organismos unicelulares com células procarióti-
óvulo (gameta feminino) e a fecundação ocorra, cas, ou seja, o material genético (DNA, um tipo de
ou externa, que só acontece em ambiente aquáti- ácido nucleico) encontra-se no citoplasma sem ser
co, entre muitas espécies de peixes ósseos, como a delimitado por um envoltório nuclear.
tilápia, e entre os anfíbios. Nessas espécies, a fêmea
coloca os óvulos em alguma superfície e o macho
libera espermatozoides junto a eles para que a fe-
cundação ocorra.
Nos peixes cartilaginosos, como os tubarões, nos
répteis, nas aves e nos mamíferos, inclusive seres hu-
manos, a fecundação é interna. Depois da fecun-
dação, pode se formar um ovo que é colocado no
ambiente. Esse é o caso das galinhas, que, como to-
das as aves, são consideradas ovíparas, pois botam
ovos.
Os tubarões e outros peixes, assim como muitas
espécies de serpentes, ficam com seus ovos dentro
do corpo, que só são liberados no momento em que
os filhotes nascem. Esses vertebrados são chamados
de ovovivíparos. Nos casos dos ovíparos e dos ovovi-
víparos, as reservas alimentares para que o embrião
se desenvolva estão no interior do próprio ovo. Nos O material genético é responsável pelo controle
seres humanos, e em quase todos os mamíferos, que das funções da célula e tem capacidade de dupli-
são considerados vivíparos, o embrião se fixa às pa- car-se; portanto, relaciona-se com a reprodução da
redes internas do útero da mãe e nasce depois de célula.
passar pelo desenvolvimento embrionário. Ele também é responsável pela determinação
Durante esse tempo, ele recebe alimento e gás das características dos indivíduos de uma dada es-
oxigênio do organismo materno, através do cordão pécie. Acredita-se que a estrutura dos primeiros se-
umbilical. Esse cordão também serve para trazer res vivos tenha sido bastante semelhante à de uma
para o corpo da mãe as excretas produzidas pelo arquea atual: membrana plasmática (composta de
174 embrião. proteínas e lipídios), citoplasma (no qual se encon-
tram água, aminoácidos e sais minerais, entre outras
ORIGEM E EVOLUÇÃO DA VIDA substâncias) e o material genético (constituído por
um ácido nucleico).
1. O que é exclusivo dos seres vivos
PARA SABER MAIS!
Para entender as ideias sobre a origem dos se-
res vivos, é bastante útil compreender quais são suas Compostos orgânicos e inorgânicos
características exclusivas, isto é, o que possuem em
comum e o que os diferencia dos elementos não vi- Todos os elementos vivos e não vivos de nos-
vos do ambiente. so planeta são constituídos por átomos de ele-
A análise das características exclusivas dos seres mentos químicos que se unem formando molé-
vivos permitiu à ciência levantar hipóteses sobre a culas.
origem da vida na Terra, ou seja, como surgiram os Nos materiais que compõem os seres vivos,
primeiros seres vivos nas condições do planeta primi- no entanto, certos elementos químicos estão
tivo. A lista dessas características é extensa, por isso presentes em maior proporção do que na ma-
você vai estudar três delas que são comuns a todos téria inanimada. Esses elementos químicos – car-
os seres vivos. bono (C), hidrogênio (H), oxigênio (O), nitrogênio
São elas: (N), fósforo (P) e enxofre (S) – unem-se em dife-
rentes combinações para formar as moléculas
• a necessidade de alimento (geração de ener- que constituem os seres vivos: proteínas, carboi-
gia); dratos, lipídios e ácidos nucleicos. Tais moléculas,
• a capacidade de reprodução; que são próprias dos seres vivos e contêm o ele-
• o fato de serem formados por células (uma ou mento carbono, são chamadas de moléculas
mais) que são constituídas basicamente por orgânicas ou compostos orgânicos.
moléculas orgânicas, como carboidratos, lipí- Os compostos mais relacionados com a ma-
dios, proteínas e ácidos nucleicos. téria não viva são chamados de inorgânicos. Na
matéria não viva, os elementos mais abundantes
Uma das imagens apresentadas anteriormente são o oxigênio (O), o silício (Si) e o alumínio (Al),
mostra bactérias. Na atualidade, as bactérias são formando compostos menos complexos do que
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Supõe-se que, da mesma forma que esses aglo-


os orgânicos. Note, porém, que compostos inor- merados de proteínas se formaram, também se for-
gânicos como a água e os sais minerais também maram aglomerados de outros tipos de moléculas
são constituintes importantes dos seres vivos. orgânicas.
Assim, sistemas constituídos por uma membra-
na de lipídios e proteínas envolvendo moléculas de
As moléculas orgânicas já existiam no ambien-
ácido nucleico seriam os ancestrais das primeiras
te? Se não existiam, como se formaram? E como as
células. Note que, contendo ácido nucleico, esses
substâncias orgânicas (lipídios, proteínas, ácidos nu-
sistemas teriam capacidade de reprodução, já que
cleicos) se organizaram para formar a membrana e
alguns ácidos nucleicos se replicam, característica
o material genético?
essencial dos seres vivos.
As teorias sobre a origem da vida mais aceitas
Agora você vai analisar a questão da necessi-
na atualidade consideram a hipótese de que não
dade de alimento e de como se deu sua obtenção.
havia moléculas orgânicas no início da formação
Você já sabe que os seres vivos atuais podem ser di-
de nosso planeta e que as primeiras dessas molé-
vididos em dois grupos: os autotróficos, capazes de
culas surgiram de compostos inorgânicos que exis-
sintetizar o próprio alimento a partir de compostos
tiam na atmosfera primitiva da Terra. Essa hipótese,
inorgânicos do ambiente; e os heterotróficos, que,
conhecida como hipótese da origem por evolução
incapazes de fazer essa síntese, necessitam buscar
química, foi proposta, no século XIX, pelo biólogo in-
alimento consumindo outros seres vivos.
glês Thomas Huxley (1825-1895) e retomada, na dé-
A maioria dos organismos autotróficos existentes
cada de 1920, por dois cientistas que trabalharam
realiza a fotossíntese como forma de produção de
independentemente, o bioquímico russo Aleksander
alimento. Como teriam sido os primeiros organismos
Oparin (1894-1980) e o biólogo inglês John Haldane
vivos: autotróficos ou heterotróficos? Para essa per-
(1892-1964).
gunta, há duas hipóteses:
Ela afirma que as condições da atmosfera leva-
ram à formação das primeiras moléculas orgânicas
• hipótese heterotrófica: afirma que os primeiros
a partir de compostos inorgânicos. As moléculas
seres vivos seriam organismos heterotróficos
orgânicas, assim formadas, foram arrastadas pela
que usavam moléculas orgânicas acumula-
água das chuvas para os mares quentes e rasos
dessa época, onde teriam se agregado, formando das nos mares e lagos primitivos como fonte
coacervados. de energia. Para degradar essas moléculas e
obter energia, eles deveriam realizar processos
simples como a fermentação. Esses primeiros
#FicaDica seres heterotróficos teriam originado linhagens 175
Coacervados: Aglomerado de molé- de seres autotróficos.
culas de proteína que formam um glóbu- • hipótese autotrófica: considera que a quan-
lo envolto por uma película de água. tidade de matéria orgânica presente no am-
biente seria insuficiente para sustentar a vida
até o surgimento dos organismos autotróficos
Experimentos realizados em 1953 pelo químico e que, portanto, estes teriam de ter surgido pri-
estadunidense Stanley Miller (1930-2007) deram for- meiro.
ça à hipótese da origem por evolução química. Ele
construiu um simulador das supostas condições da Acredita-se que os primeiros seres autotróficos
Terra primitiva (presença dos gases metano, hidro- não aproveitavam a luz do Sol para obter energia,
gênio, amônia e carbônico e de vapor-d ’água, e sim a energia liberada de reações químicas entre
além de muitas descargas elétricas, já que os raios compostos de enxofre e ferro, supostamente abun-
eram frequentes na época) e, com ele, conseguiu dantes nas rochas da Terra primitiva. Assim, esses se-
sintetizar aminoácidos (Substância considerada a res vivos seriam quimiossintetizantes e, segundo essa
unidade mínima na construção das proteínas) a par- hipótese, teriam dado origem aos fotossintetizantes.
tir de compostos inorgânicos. A descoberta, em 1977, das fontes termais sub-
marinas tem contribuído para validar essa hipótese.
Nesses locais, situados nas fendas do assoalho sub-
marino, vivem arqueas quimiossintetizantes que são
as produtoras de uma rica teia alimentar.

#FicaDica
Quimiossintetizantes: Bactéria que
realiza a quimiossíntese, processo que,
em vez de luz solar, usa a energia libera-
da em uma reação química – nesse caso,
entre compostos de enxofre e ferro.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

2. As ideias sobre a origem da vida também evo- Louis Pasteur provou que a biogênese é válida tam-
luíram bém para os microrganismos. Pasteur esterilizou um
meio de cultura (caldo nutritivo), fervendo-o em fras-
A hipótese da origem por evolução química, dis- cos previamente preparados: seu gargalo tinha sido
cutida até agora, é a mais aceita atualmente pela aquecido, esticado e curvado. Esses frascos, que fi-
comunidade científica. Entretanto, é importante sa- caram conhecidos como frascos pescoço de cisne,
lientar que ela é fruto de várias descobertas feitas permitiam que o caldo nutritivo não fosse contami-
ao longo do tempo, o que significa que as hipóteses nado por microrganismos existentes no ar, pois estes
atuais substituíram outras do passado e poderão, no ficavam retidos na curva do gargalo.
futuro, ser substituídas novamente, caso haja novas Ao verificar que, mesmo depois de muito tempo,
descobertas e evidências. não surgiam microrganismos no caldo nutritivo dos
Do ponto de vista histórico, as ideias mais anti- frascos esterilizados e intactos, Pasteur comprovou
gas sobre a origem da vida consideram que os seres que o caldo não poderia gerar microrganismos. De
vivos foram criados por uma divindade, um princí- outro lado, ao abrir os frascos e permitir o contato
pio que é denominado criacionismo. O criacionis- dos microrganismos presentes no ar com o caldo nu-
mo relaciona-se com a suposição de que os seres tritivo, o cientista constatou que eles se reproduziam,
vivos não sofreram mudanças, permanecendo os concluindo que os microrganismos só podem origi-
mesmos desde sua criação, o que é chamado de nar-se de microrganismos preexistentes.
fixismo.
Na verdade, essas ideias têm valor para muitas
pessoas ainda hoje, pois estão associadas à religiosi-
dade. Outra hipótese, em que muitos cientistas acre-
ditavam, até meados do século XIX, é a da geração
espontânea ou abiogênese. Segundo essa ideia, os
seres vivos seriam gerados espontaneamente a par-
tir de matéria não viva, por exemplo, vermes que se
desenvolveriam a partir de cadáveres. Essa ideia era
muito aceita, pois desde a Antiguidade acreditava-
-se que da matéria inanimada poderia surgir vida
por um misterioso “princípio vital”.
A falta de uma cultura de realização de expe-
rimentos com rigor científico, entre os estudiosos da
176 época, pode explicar por que a ideia da abiogêne-
se perdurou por tanto tempo. Contudo, com o uso
cada vez maior de experimentações, ela começou
a ser contestada por partidários da biogênese, hipó-
tese que defende que seres vivos se originam ape-
nas de outros seres vivos preexistentes.

3. A confirmação da biogênese

A descoberta dos organismos microscópicos 4. Panspermia


trouxe de volta a ideia da abiogênese para expli-
car a origem desses seres, pois como ainda não se Por fim, é possível citar uma última hipótese para
conheciam os mecanismos de reprodução desses explicar a origem da vida na Terra, a panspermia, se-
seres vivos, era possível supor que eles surgiriam de gundo a qual as moléculas orgânicas ou mesmo se-
matéria inanimada. res vivos teriam sido trazidos do espaço pelos corpos
Para provar que a biogênese valia também celestes que atingiam nosso planeta. A panspermia
para os microrganismos, os cientistas precisavam foi proposta entre o fim do século XIX e o início do XX,
adotar um procedimento semelhante àquele usa- mas voltou a ser considerada recentemente, com a
do por Redi. Isso quer dizer que eles tinham de ob- descoberta de moléculas orgânicas em cometas.
ter um meio de cultura sem microrganismos, isolá-lo
do contato com o ambiente externo e verificar se o A EVOLUÇÃO DAS ESPÉCIES
meio de cultura daria origem a microrganismos.
Caso isso não acontecesse, significaria que mi- 1. Lamarck e Darwin
crorganismos também não podem surgir de matéria
inanimada, mas apenas de outros microrganismos A ideia de que os seres vivos se modificam ao
preexistentes. No entanto, essa era uma tarefa mais longo do tempo e de que as espécies atuais são
complicada, já que esses seres não são visíveis a descendentes de espécies ancestrais que deixaram
olho nu e estão por toda parte, aumentando mui- de existir vem sendo discutida desde o século XVIII e,
to a possibilidade de contaminação dos meios de nessas discussões, dois naturalistas se destacaram: o
cultura. francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) e o britâ-
Apenas por volta de 1860, o cientista francês nico Charles Darwin.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

e foi influenciado pelas ideias de Lamarck, a adap-


tação era uma ideia central para compreender a
origem e a evolução das espécies. Entretanto, sua
teoria explicou de forma diferente o processo pelo
qual as espécies se adaptavam às condições am-
bientais. Em sua obra A origem das espécies, Darwin
lançou a ideia de seleção natural, um mecanismo
pelo qual os seres vivos evoluem e dão origem a
novas espécies. De maneira resumida, as ideias de
Darwin são as seguintes:

Para Lamarck, os seres vivos se originariam, por Note que, para Lamarck, uma nova caracterís-
geração espontânea, da matéria não viva e se tica surgiria conforme a necessidade imposta pelo
transformariam ao longo do tempo, aumentando ambiente, ao passo que para Darwin alguns indiví-
sua complexidade. Esse seria um poder inerente à duos já apresentariam essa característica e ela seria
vida que faria com que os órgãos se desenvolvessem favorecida, ou não, pelas condições do ambiente.
e se aperfeiçoassem. Portanto, estruturas e órgãos
do corpo dos seres vivos poderiam se desenvolver 2. Comparando as ideias de Lamarck e Darwin
ou se atrofiar de acordo com a maior ou a menor 177
necessidade de uso dessas estruturas ou órgãos. Um dos exemplos de comparação entre as
Esse processo é conhecido hoje como lei do ideias de Lamarck e Darwin diz respeito ao desenvol-
uso e desuso. Dessa forma, Lamarck explicava, por vimento do pescoço das girafas. A imagem a seguir
exemplo, a ausência de pernas nas serpentes atuais mostra a diferença entre as explicações que esses
como decorrente da adaptação de ancestrais à dois naturalistas teriam dado sobre essa questão.
vida rastejante. A falta de necessidade de uso das Observe-a com atenção.
pernas teria levado à atrofia gradual até o desapa-
recimento desses órgãos. Note que, para Lamarck,
os indivíduos que tivessem órgãos atrofiados ou de-
senvolvidos poderiam transmitir essa característica a
seus descendentes, de maneira que ocorreria uma
transformação gradual na própria espécie.
Esse mecanismo ficou conhecido como lei dos
caracteres adquiridos. Qualquer pessoa que pratica
exercícios físicos (ou conhece alguém que pratica)
sabe que essa prática leva ao desenvolvimento da Lamarck explicaria que os ancestrais das girafas
musculatura. No entanto, filhos de atletas ou de fisi- teriam pescoço curto e se alimentariam de vegeta-
culturistas não recebem essa herança de seus pais e ção rasteira. A diminuição dessa vegetação levaria
não nascem com seus músculos mais desenvolvidos os indivíduos a buscar alimento nas árvores mais al-
do que os de outras crianças. Esse ponto represen- tas e, por isso, a esticar o pescoço, desenvolvendo,
tou uma fragilidade na teoria de Lamarck, que não consequentemente, essa musculatura. Esse maior
chegou a abalar a hipótese mais aceita na época, desenvolvimento seria transmitido aos descendentes
a do criacionismo. e, após algum tempo, a população de girafas teria
De outro lado, Lamarck teve o mérito de cha- apenas indivíduos de pescoço longo.
mar a atenção para o fato de que as mudanças E como Darwin explicaria esse mesmo fato? Para
que ocorrem nos seres vivos são fruto de interações esse naturalista, em determinada população, have-
entre eles e o ambiente, de modo que, ao longo do ria indivíduos de pescoço curto e outros de pescoço
tempo, esses seres podem se adaptar às variações longo. Uma modificação no ambiente que resultasse
das condições ambientais. na eliminação da vegetação rasteira seria desfavo-
Também para Charles Darwin, que conheceu rável aos indivíduos de pescoço curto, já que eles
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

dificilmente alcançariam a folhagem das copas das significa “olhar” para o parentesco entre as diferentes
árvores. espécies de seres vivos.
Com isso, morreriam antes de poder reproduzir-se. E como é possível “olhar” para esse parentesco?
Já os indivíduos de pescoço longo teriam vantagem, Além das características físicas aparentes, descober-
sobreviveriam mais tempo e poderiam reproduzir-se, tas recentes sobre o material genético e sobre como
transmitindo a característica a seus descendentes. são determinadas e transmitidas as características
dos seres vivos têm sido muito importantes para dirigir
3. Além de Darwin esse olhar. Esse novo olhar faz, por vezes, que espe-
cialistas revejam as classificações existentes.
Antes de publicar A origem das espécies, Dar- Nos estudos de classificação e evolução dos se-
win coletou muitas informações por meio de obser- res vivos, a noção de espécie biológica tem muita
vações e experimentos, pois tinha interesse em mos- importância e ainda é objeto de discussão entre os
trar um bom número de evidências que conferissem cientistas. Segundo a definição proposta por Ernst
credibilidade a sua teoria, uma vez que sabia que se Mayr, espécie é o conjunto dos membros de uma
tratava de um assunto extremamente polêmico, que população naturalmente capazes de se cruzar (ou
lhe renderia muitas críticas. com potencial para se cruzar) e gerar descendentes
No entanto, ele reconhecia também as limita- férteis. Essa definição também considera que há iso-
ções de sua teoria. Por exemplo, Darwin não conse- lamento reprodutivo entre os indivíduos de espécies
guiu explicar a origem das diferenças entre indivíduos diferentes.
de uma população nem mesmo os mecanismos de O que isso quer dizer? Isolamento reprodutivo
transmissão dessas variações de uma geração a ou- significa que existem mecanismos que impedem o
tra. cruzamento entre seres de espécies diferentes ou o
Nessa época, o trabalho do monge agostiniano desenvolvimento de descendentes desse cruzamen-
austríaco Gregor Mendel (1822- -1884), que seria con- to (veja a seguir no Para saber mais). Apesar de suas
siderado o pai da Genética, já havia sido publicado limitações (por exemplo, os organismos que se repro-
(1866), mas passou despercebido por Darwin. O pró- duzem principalmente de forma assexuada não são
prio Darwin tinha a publicação de Mendel, mas apa- considerados), essa definição tem grande valor no
rentemente não a leu. estudo da evolução, pois ajuda a compreender, em
Só muitos anos mais tarde, a partir de 1900, com linhas gerais, como se dá a origem de novas espé-
a redescoberta do trabalho de Mendel, é que os me- cies, também chamada de especiação.
canismos de transmissão das características hereditá-
rias começaram a ser desvendados e, com a con- 2. Como surgem as espécies?
178 tribuição de diversos cientistas, chegou- -se ao que
hoje é conhecido como neodarwinismo ou teoria
sintética da evolução.
O neodarwinismo utiliza-se das descobertas sobre
os genes (sequência de DNA responsável pela deter-
minação de uma ou mais características de um ser
vivo e pela transmissão dessas características) e sobre
o DNA (sigla, em inglês, de ácido desoxirribonucleico,
substância da qual são compostos os genes) para ex-
plicar a teoria da evolução justamente naquilo que
Darwin não pôde explicar. Descobriu-se que os genes
são os responsáveis pela transmissão das característi-
cas hereditárias, e que as diferenças que se verificam
nos indivíduos de uma mesma espécie são decor-
rentes de alterações nesses genes – conhecidas por
mutações. Quando as mutações ocorrem em genes
presentes nas células reprodutoras (no caso da repro-
dução sexuada), elas são transmitidas de uma gera-
ção a outra.
Os mecanismos que levam a essas alterações
serão aprofundados na próxima Unidade, mas já é
importante saber que a base da evolução dos seres
vivos é a variabilidade genética.

ORIGEM DAS ESPÉCIES E EVOLUÇÃO HUMANA

1. Classificação dos seres vivos e evolução

Ao responder às questões anteriores, você deve


ter lembrado o que aprendeu na Unidade 1 sobre a
classificação dos seres vivos. Atualmente, classificar
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Como você já viu, os indivíduos de uma popula-


ção apresentam diferenças em suas características.
As características com vantagem adaptativa são se-
lecionadas pelo ambiente e transmitidas a descen-
dentes, de maneira que passam a ser mais frequen-
tes na população.
Ao longo do tempo, portanto, os indivíduos dessa
população vão se modificando. Essas modificações
em uma população podem se acumular de tal for-
ma que seus indivíduos serão bastante diferentes da-
queles da população original.
Quando as modificações acumuladas em uma
população são tão grandes em relação àquela que
lhes deu origem, de forma que os indivíduos das duas
populações não podem mais se intercruzar, formam-
-se duas novas espécies.

O fato de não poder mais haver cruzamento en-


tre indivíduos das duas espécies, o isolamento repro-
dutivo é a marca da especiação. Esses eventos po-
dem ocorrer, por exemplo, quando duas populações
são separadas por uma barreira geográfica, como EVOLUÇÃO NO DIA A DIA
um rio, uma montanha ou um oceano. Observe a
ilustração ao lado. 1. Seleção artificial
Após certo tempo, caso as duas populações en-
trem em contato, há duas possibilidades: Há milhares de anos, o ser humano tem domes-
I. os indivíduos das duas populações se acasalam ticado animais, plantas e outros seres vivos para seu
e geram descendentes férteis (subespécies); ou uso. Ao domesticá-los, também se promove o desen-
II. o intercruzamento não é mais possível (duas es- volvimento de diferentes variedades ou raças, uma
pécies diferentes). vez que se selecionam os cruzamentos que serão rea-
Mas por que as diferenças nas características se lizados, escolhendo os indivíduos que possuem ca-
acumulam dessa forma? Lembre-se de que, segun- racterísticas que interessam, de maneira que a prole
do a teoria de Darwin, é o ambiente que seleciona mantenha essas características e elas se tornem fre- 179
as características mais adaptativas dos indivíduos de quentes na população de seres vivos domesticados.
uma população.
E o que ocorre se determinada população se se-
parar em dois grupos, e cada grupo ocupar um am-
biente com condições diferentes, como aconteceu
em um dos casos da ilustração? Ocupando ambien-
tes diferentes e estando sujeitos a condições diferen-
tes, esses dois grupos terão características diferentes
selecionadas.
Em cada ambiente e para cada população, ao
longo do tempo, acumulam-se diferentes modifica-
ções, produzindo, talvez, isolamento reprodutivo. Esse
isolamento, por sua vez, caracteriza a especiação.

3. Anagênese e cladogênese

Há dois processos que geram a diversificação de


espécies:

• anagênese: conjunto de transformações gra- Essa prática é conhecida como seleção artificial
duais na população de determinada espécie, e, com ela, é possível, por exemplo, obter animais
o que a torna mais adaptada a seu ambiente. que produzam mais leite, carne ou lã, ou, ainda, plan-
• cladogênese: nesse processo, duas popula- tas que tenham mais sementes.
ções, originadas de uma população ancestral Outros exemplos de seleção artificial incluem a
comum, se modificam originando espécies di- obtenção de alimentos de sabor mais agradável ao
ferentes. paladar humano ou com maior concentração de
determinado nutriente, além de selecionar as me-
lhores características físicas de cães e cavalos para
competições. Se a seleção artificial traz vantagens
econômicas, também é certo que há desvantagens.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Ao selecionar apenas os cruzamentos que interes- Essa última subordem, à qual pertence o ser
sam ao ser humano, a variabilidade genética entre humano, encontra-se subdividida em vários grupos,
os indivíduos nas populações de organismos domesti- abrigando os macacos do Novo Mundo (sagui, ma-
cados diminui. Lembre-se de que é justamente a va- caco-prego etc.), os macacos do Velho Mundo (ba-
riabilidade genética que possibilita a adaptação dos buíno, mandril etc.) e os antropoides (macacos sem
seres vivos ao ambiente e sua evolução. cauda, como o gibão, o gorila, o chimpanzé, o bo-
Ao realizar a seleção artificial, o ser humano pode, nobo, o orangotango, além do ser humano).
por exemplo, favorecer organismos pouco resistentes Com exceção do gibão, todos os demais antro-
a certas doenças. Os antibióticos são um exemplo de poides compartilham com o ser humano uma mes-
como a seleção artificial pode voltar-se contra o ser ma família, a Hominidae (hominídeos).
humano. Observe, no quadro a seguir, a classificação da
Esses medicamentos são substâncias químicas espécie humana entre os primatas.
que eliminam bactérias sensíveis a elas. Algumas des-
sas bactérias são causadoras de diversas infecções,
entre elas inflamações de garganta e orelhas. Quan-
do uma pessoa faz uso de um antibiótico, está mo-
dificando o ambiente onde vivem essas populações
de bactérias que deseja eliminar, pois introduz nesse
ambiente (o corpo) uma substância que não existia.
Ao modificá-lo, no entanto, são selecionados in-
divíduos que apresentam mutações e que, por isso,
se tornam resistentes à substância. Indivíduos resis-
tentes sobrevivem e transmitem suas mutações aos
descendentes. Promove-se, portanto, o crescimento
de populações resistentes às drogas utilizadas, que,
consequentemente, perdem sua eficácia.

EVOLUÇÃO BIOLÓGICA E CULTURAL HUMANA

1. Desdobramentos da teoria de Darwin

Darwin foi mal compreendido na época da pu-


180 blicação de suas ideias sobre a evolução humana,
o que gerou uma interpretação equivocada de que
o ser humano seria descendente direto de macacos,
como o gorila ou o chimpanzé.
Depois de aprender sobre a origem das espécies,
é fácil compreender que Darwin pretendia mostrar
que os seres humanos, gorilas e chimpanzés teriam
um ancestral comum. Embora não dispusesse dos
registros fósseis que existem hoje, ele chegou à con- Como você viu anteriormente, a classificação
clusão de que esse ancestral comum teria vivido na atual dos seres vivos reflete o parentesco evolutivo
África (continente onde vivem chimpanzés e gorilas entre eles. Isso significa que o ser humano comparti-
atuais), prevendo que vestígios de ancestrais huma- lha um ancestral comum com todos os demais prima-
nos seriam encontrados nesse continente. tas atuais ou extintos. Você vai, agora, conhecer mais
O que dizem as pesquisas atuais? A previsão de sobre a história da evolução humana.
Darwin se confirmou? Para saber a resposta dessas
perguntas, você vai conhecer um pouco mais sobre 2. A evolução dos primatas
a evolução humana. Antes, no entanto, é importante
saber que, mesmo contando com muito mais evidên- As evidências científicas, que se têm até o mo-
cias do que Darwin, o estudo da evolução humana mento, mostram que os primeiros primatas surgiram
ainda é foco de grande discussão entre os cientistas. há cerca de 70 milhões de anos (fim do período
A cada nova descoberta que se realiza, hipóte- Cretáceo ou Cretácico) e se adaptaram à vida nas
ses são confirmadas ou reformuladas. Vale ressaltar florestas, que, nessa época, estavam em expansão.
que a discordância e/ou a mudança de hipóteses e Nesse ambiente, possuíam modo de vida arborícola,
a reformulação de teorias fazem parte do trabalho e ou seja, ocupavam principalmente a copa das árvo-
do princípio da ciência, que não possui verdades ab- res, onde encontravam alimento (insetos, frutos e fo-
solutas. Segundo a classificação atual, a espécie hu- lhas) e proteção contra os principais predadores, que
mana (Homo sapiens) pertence à classe dos mamífe- viviam no solo.
ros e à ordem primata, que está subdividida em três A expansão dos primatas levou ao aparecimento
subordens: Prossimii (prossímios, como o lêmure e o de ancestrais dos prossímios, dos tarsídeos (ou tarsifor-
lóri), Tarsiiformes (tarsiformes, como o társio) e Anthro- mes) e dos símios ou macacos, entre 58 milhões e 37
poidea (antropoides, como os símios ou macacos). milhões de anos atrás. Finalmente, entre 23 milhões e
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14 milhões de anos, teriam surgido os ancestrais dos ferentes. Segundo a hipótese mais aceita pelos cien-
antropoides. tistas, foram essas mudanças de vegetação e clima
que permitiram o aparecimento dos primeiros hominí-
deos. Enquanto no lado oeste do continente africa-
no continuaram a existir florestas exuberantes, o lado
leste, sob a influência do clima mais quente e seco,
passou a ser ocupado por savanas arbóreas.
O processo de expansão das savanas ocorreu en-
tre 4 milhões e 2,5 milhões de anos atrás. As savanas
arbóreas são um tipo de vegetação em que as ár-
vores se encontram distantes entre si (diferentemente
de uma floresta) e há vegetação rasteira, constituída
por gramíneas. Foi nesse ambiente das savanas que
surgiram os primeiros primatas hominídeos, segundo
essa hipótese.

5. A evolução dos hominídeos

Até recentemente, os registros fósseis apontavam


os australopitecos (gênero Australopithecus) como
os hominídeos mais antigos, tendo surgido há cerca
de 4 milhões de anos. Outras descobertas, porém,
mostram espécies mais antigas na linhagem que deu
3. O surgimento dos hominídeos origem ao ser humano: Ardipithecus ramidus (entre
5,8 milhões e 5,2 milhões de anos), Orrorin tugenen-
Como você viu, o local de surgimento dos an- sis (aproximadamente 6 milhões de anos) e Sahelan-
cestrais dos antropoides parece ter sido as florestas, thropus tchadensis (entre 7 milhões e 6 milhões de
mais especificamente as florestas tropicais africanas. anos, conforme o quadro a seguir).
Sabe- -se, por meio de estudos geológicos, que há
aproximadamente 8 milhões de anos ocorreram mo-
vimentos das placas tectônicas que levaram à for-
mação de uma cadeia de montanhas, modificando
o clima no lado leste da África, que ficou mais quente 181
e seco.

4. Placas tectônicas

Grandes blocos rochosos que dividem a litosfera


(camada externa da Terra). No manto, o movimento
do magma impulsiona as placas tectônicas, fazendo
que elas se afastem, se choquem ou deslizem lateral-
mente. Esses movimentos são responsáveis por vários
fenômenos, como formação de cadeias de monta-
nhas, terremotos, vulcanismo e deriva continental.

No entanto, é sobre os australopitecos que exis-


tem mais informações. Sabe-se, por exemplo, que
esse foi um grupo bastante diversificado e que vá-
rias de suas espécies coexistiram (viveram na mesma
época) e, provavelmente, competiram entre si pelos
recursos do ambiente.
Acredita-se também que muitas dessas espécies
eram bípedes, caminhando eretas ou semieretas. To-
das ainda dependiam das árvores para proteger- -se
e alimentar-se, mas devem ter complementado sua
alimentação com a carniça de carcaças abando-
nadas por predadores, como leões ou leopardos.
O clima na África, entretanto, continuou sofrendo
alterações, tornando-se ainda mais seco (no Hemis-
fério Norte, iniciava-se o período glacial), e, no lugar
A cadeia de montanhas formada nessa movi- das savanas arbóreas, instalaram-se savanas arbus-
mentação representou uma barreira geográfica que tivas, vegetação ainda mais aberta, o que levou à
delimitou dois ambientes de clima e vegetação di- diminuição da quantidade de abrigos possíveis para
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

os australopitecos. dida aqui como o processo de transmissão de conhe-


Esse fato fez que eles ficassem mais expostos a cimentos e tradições de uma geração a outra.
predadores, levando à extinção a maioria das espé- Outro comportamento importante para a evo-
cies de australopitecos. Entre 2,4 milhões e 2 milhões lução cultural é o período de cuidado com a prole,
de anos atrás, das espécies que sobreviveram, supõe- que, nas sociedades humanas, é particularmente
-se que alguma tenha dado origem ao gênero Homo longo se comparado a outros primatas. A invenção
(certos pesquisadores apontam para Australopithe- da escrita por meio de desenhos, como os hieróglifos
cus garhi como possível ancestral de nosso gênero). egípcios, por volta de 3.500 a.C. garantiu outro passo
O gênero Homo contou com diversas espécies importante na transmissão cultural.
que coexistiram entre si e também com alguns aus- A espécie humana não depende apenas da se-
tralopitecos, em certos momentos de sua história leção natural para se adaptar ao ambiente, apesar
evolutiva (observe o quadro a seguir): Homo habilis de estar se transformando o tempo todo, como qual-
(atualmente considerado Australopithecus habilis), quer ser vivo. Estamos expostos a diversas modifica-
Homo rudolfensis, Homo erectus, Homo ergaster, ções ambientais para as quais os indivíduos de nossa
Homo neanderthalensis (ou Homo sapiens neander- espécie conseguem se adaptar, uma vez que modifi-
thalensis, como alguns pesquisadores sugerem) e, por camos o ambiente de acordo com as necessidades,
fim, Homo sapiens são algumas dessas espécies. em razão da nossa grande capacidade de criação
As tendências na evolução do gênero Homo fo- tecnológica. Sobretudo a partir da Revolução Indus-
ram o aperfeiçoamento do modo de andar bípede trial, essas modificações, em especial causadas pelos
(bipedalismo) e a postura ereta, bem como o cresci- seres humanos, têm se intensificado de tal forma que
mento do volume craniano, que se relaciona com o muitas outras espécies não têm tido condições de se
aumento do cérebro e da inteligência. A postura ere- adaptar a elas.
ta deu liberdade às mãos e, com isso, essas espécies, Talvez os próximos passos dessa evolução cultural
gradualmente, puderam se aperfeiçoar na fabrica- estejam ligados ao desafio de manter a espécie hu-
ção e no uso de ferramentas. mana preservando as demais, sem esgotar os recur-
Além disso, outras características importantes per- sos de nosso planeta.
mitiram sua sobrevivência e dispersão pelo ambiente,
como o uso e o controle do fogo, o aproveitamento A ORGANIZAÇÃO CELULAR DOS SERES VIVOS
de peles de animais como vestimentas e, sobretudo,
a capacidade de comunicação, base da vida so- 1. Os primeiros seres vivos: os organismos unice-
cial. lulares

182 Nosso planeta tem aproximadamente 4,6 bilhões


de anos. Sua superfície era muito quente e levou
cerca de 600 milhões de anos para resfriar até for-
mar uma “casca”, a crosta terrestre. Depois, a água
começou a se depositar na superfície, dando início
à formação dos atuais oceanos. Foi nesse cenário,
acredita-se, que surgiram as primeiras formas de vida,
há cerca de 3,5 bilhões de anos.
Segundo a hipótese mais aceita atualmente pe-
los cientistas, os primeiros seres vivos eram autotrófi-
cos, ou seja, capazes de produzir o próprio alimento
por meio de reações químicas, realizadas com subs-
tâncias inorgânicas existentes no meio. Esses seres
eram muito simples.
6. A evolução cultural Estavam separados do meio externo por uma
membrana plasmática e eram capazes de produzir
Acredita-se que o Homo sapiens tenha surgido novos seres iguais a eles mesmos, graças a um ma-
entre 200 mil e 150 mil anos atrás, na África, de linha- terial genético, os ácidos nucleicos. Acredita-se que
gens de Homo ergaster (entre 1,8 milhão e 1 milhão esses seres eram semelhantes às atuais bactérias.
de anos). Essa espécie, diferentemente de todas as
demais do mesmo gênero que se extinguiram, sobre- 2. Organismos procarióticos e eucarióticos
viveu e espalhou-se da África para a Ásia e Europa,
depois para a Austrália e, entre 14 mil e 11 mil anos As bactérias atuais pertencem ao reino Monera
atrás, para o continente americano. (assunto também abordado no Volume 2). São orga-
O grande desenvolvimento do cérebro, tendên- nismos com célula procariótica, cujo material gené-
cia evolutiva dos hominídeos, está relacionado com tico (DNA) fica espalhado no citoplasma, sem estar
habilidades comportamentais que permitiram a so- delimitado por um envoltório, ou seja, não existe um
brevivência e a dispersão dos seres humanos. núcleo organizado, conforme se pode ver na ima-
Entre essas habilidades é possível citar o desen- gem a seguir.
volvimento da linguagem. Esse fato, por sua vez, foi
relevante para o desenvolvimento da cultura, enten-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

#FicaDica
Os cloroplastos: Presentes apenas
nas células vegetais e nas algas, os clo-
roplastos são responsáveis pela fotossín-
tese, processo de produção de energia.
Eles são verdes por causa da presença
de clorofila. São delimitados por uma es-
trutura formada por membranas lipopro-
teicas (compostas por lipídios e proteí-
nas) e, em seu interior, há um líquido de-
nominado estroma. Uma célula vegetal
geralmente possui 40 a 50 cloroplastos.

Na figura abaixo, estão representadas duas célu-


Já as células eucarióticas são aquelas que têm o las eucarióticas atuais, com algumas de suas princi-
material genético separado do citoplasma e locali- pais estruturas internas.
zado no interior de um núcleo. O modelo autogêni-
co, apresentado a seguir, foi proposto para explicar
o surgimento dessas células. Segundo esse modelo,
é provável que as células eucarióticas tenham se ori-
ginado de células procarióticas. Analise o esquema:

183

Ao longo da evolução das células procarióticas,


a membrana de algumas delas foi sofrendo invagina-
ções (dobras para o interior do citoplasma), que aca-
baram separando o material genético (DNA) do res-
to do citoplasma, protegendo-o e conferindo a essas 3. Os organismos multicelulares
células uma vantagem evolutiva, selecionando-as.
Essas células, além de apresentarem núcleo, fica- Durante os 2 bilhões de anos que se seguiram ao
ram com um sistema de membranas internas interli- surgimento dos primeiros seres vivos, o planeta foi po-
gando todas as suas partes, dando origem a estru- voado por organismos unicelulares. Apesar de serem
turas membranosas que foram adquirindo diferentes mais complexos internamente e maiores que os seres
funções com o passar do tempo. procarióticos, os organismos unicelulares eucarióticos
Esse verdadeiro sistema de distribuição de subs- não podiam crescer indefinidamente, pois existe um
tâncias dentro das células eucarióticas possibilitou limite de proporcionalidade entre a superfície exter-
que elas ficassem muito maiores do que suas ances- na, a absorção de nutrientes e o volume interno de
trais. Além disso, outras estruturas foram sendo incor- uma célula que dificulta a distribuição interna de
poradas às células eucarióticas, como as mitocôn- substâncias.
drias e os cloroplastos. Foi assim que surgiram os primeiros seres organi-
zados a partir da união de várias células. Há cerca
de 1 bilhão de anos, alguns microrganismos eucarió-
ticos formaram agregados de células, com alguma
associação entre elas, e começaram a funcionar em
conjunto.
É possível entender essa etapa por meio de uma
analogia com um representante das algas verdes
atuais, do gênero Volvox, que pode ser visto na fo-
tografia.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

• a membrana plasmática, que envolve a cé-


Essa alga é formada por 500 a 50 mil células, que lula;
estão dispostas ao redor de uma esfera oca. Cada • o núcleo, que é a figura circular em destaque,
célula liga-se às mais próximas por prolongamentos mais ou menos no meio da célula; e
do citoplasma. Nessa alga colonial, há uma divisão • o citoplasma, que é o espaço localizado en-
de trabalho. As colônias-filhas estão voltadas para a
tre a membrana e o núcleo, corresponde ao
reprodução, e as demais, para a obtenção de nu-
“recheio”, isto é, o citosol, e as organelas que
trientes e locomoção (os flagelos são estruturas em
estão nele mergulhadas.
forma de chicote que movimentam essa colônia no
meio aquoso).
A membrana plasmática é composta de fos-
Algumas perguntas surgem: Seria essa uma das
folipídios e proteínas. Além de envolver e oferecer
etapas da formação dos seres multicelulares, tam-
proteção à célula, ela controla, até certo ponto, a
bém chamados de pluricelulares? Qual seria a van-
entrada e saída de substâncias. Algumas substâncias
184 tagem evolutiva de um organismo multicelular? A
conseguem passar diretamente pela membrana,
primeira pergunta ainda não tem uma resposta con-
como ocorre com os gases oxigênio e carbônico e,
clusiva dos cientistas; a segunda, por sua vez, já foi
em parte, como acontece com a água; outras são
esclarecida. A ameba, que você viu na abertura des-
mediadas por proteínas presentes na estrutura, com
ta Unidade, é um microrganismo constituído de uma
ou sem gasto de energia. Bactérias, fungos, algas e
única célula, que realiza todas as funções necessárias
plantas têm mais um envoltório externo permeável,
a sua existência.
além da membrana plasmática, chamado parede
Já os seres multicelulares possuem diversas cé-
celular.
lulas, que desempenham funções diferentes. Como
No caso de algas e plantas, esse envoltório é
cada tipo de célula é especializado em apenas al-
constituído, principalmente, de celulose. O núcleo
gumas tarefas, há uma utilização mais eficiente e
contém o material genético, o DNA. As informações
econômica de energia. Outra vantagem é que, com
genéticas que resultam em todas as características
mais células, um organismo pode ter um tamanho
físicas e fisiológicas de um organismo estão contidas
maior, o que favorece a competição por alimento e
nas moléculas de DNA.
aumenta a sua chance de explorar ambientes dife-
Fatores ambientais como alimentação, exposi-
rentes.
ção ao Sol e tabagismo podem interferir nessas ca-
Além disso, a interação entre as células possibilita
racterísticas.
a formação de tecidos, os quais se dispõem em ór-
gãos e sistemas, propiciando uma regulação maior
5. Organelas citoplasmáticas
do ambiente interno do organismo multicelular. Você
conhecerá mais sobre as partes da célula que permi-
tem sua especialização no próximo tema. Como você viu, o citoplasma é o espaço locali-
zado entre a membrana plasmática e o envoltório do
núcleo. Basicamente, ele é composto de um fluido
4. As principais estruturas de uma célula
chamado citosol e de diversas estruturas mergulha-
das nesse fluido.
Na fotografia a seguir, é possível observar as prin-
O citosol é constituído principalmente de água
cipais estruturas de uma célula:
(cerca de 80%), além de diversas substâncias, como
sais minerais, aminoácidos, açúcares, ácidos graxos,
nucleotídeos etc. A figura da próxima página repre-
senta uma célula animal hipotética, isto é, um exem-
plo que não existe exatamente assim, mas que con-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

tém as estruturas que serão discutidas aqui. Em cada quadro você pode ler a função das organelas (também
chamadas de organoides), estruturas internas da célula que desempenham um papel específico, como se
fossem pequenos órgãos, daí o nome delas.

185

6. Células secretoras do pâncreas e células sanguíneas

O pâncreas é uma glândula responsável por duas funções: produzir e lançar dois hormônios no sangue (insu-
lina e glucagon, os quais controlam os níveis de açúcar no sangue) e produzir algumas das enzimas que agem
na digestão, no intestino delgado. É essa segunda função que você vai conhecer agora.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Para produzir as enzimas digestivas (lembre-se, enzimas são proteínas), as células do pâncreas precisam
de matéria-prima, os aminoácidos. Os aminoácidos chegam ao pâncreas através do sangue. Para conseguir
entrar nas células, eles são “ajudados” por certas proteínas que existem na membrana plasmática. Uma vez
dentro das células, alguns aminoácidos permanecem no citoplasma, mas outros chegam ao retículo endoplas-
186 mático rugoso, onde serão utilizados na produção de proteínas. Veja o infográfico a seguir.

Outro exemplo são as células sanguíneas – hemácias e leucócitos –, mencionadas no começo deste tema.
Elas são produzidas no interior de alguns ossos do corpo, em uma região chamada de medula vermelha dos
ossos. Durante sua formação, as hemácias (ou glóbulos vermelhos) perdem o núcleo e praticamente todas as
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

organelas citoplasmáticas. Ao final da divisão celular, as duas células-filhas


Pode parecer estranho uma célula não possuir devem possuir a mesma quantidade de material ge-
núcleo nem organelas, mas essa estrutura tem mui- nético da célula inicial. Nessa fase, cada cromosso-
to a ver com sua função: transporte de gás oxigênio mo se duplica. No caso do ser humano, há 46 cro-
para todas as células do corpo. Esse gás é transporta- mossomos, portanto, depois da multiplicação, têm-se
do ligado a uma proteína denominada hemoglobi- 46 cromossomos duplicados.
na, que recheia todo o citoplasma da hemácia. Após essa preparação, a célula, com seu mate-
Dessa forma, o espaço que seria ocupado por rial genético duplicado, finaliza algumas atividades e
estruturas como o núcleo e as mitocôndrias contém prepara-se para a divisão celular (fase G2) e inicia a
hemoglobina, tornando essa célula mais eficiente divisão propriamente dita, conhecida como mitose.
no transporte de gás oxigênio. Já os leucócitos (ou
glóbulos brancos) se diferenciam em diversos tipos,
cada um com uma função específica. Por exemplo,
alguns leucócitos, chamados linfócitos B, são respon-
sáveis pela produção de anticorpos, que são um tipo
de proteína.
Analisando o citoplasma dessas células, observa-
-se boa quantidade de retículo endoplasmático rugo-
so, justamente a organela responsável pela síntese de
proteínas. A conclusão que se pode tirar dessas breves
explicações sobre as funções de algumas células é que Você já deve ter ouvido falar em células-tron-
cada uma, dependendo de sua função, terá maior ou co. Essas células estão presentes em embriões e em
menor quantidade de certas organelas, ou seja, uma alguns tecidos como ossos, músculos e sangue. Elas
estrutura própria para desempenhar sua função. possuem a capacidade de se dividir e dar origem
a outros tipos de células, ou seja, têm capacidade
DIVISÕES CELULARES de se especializar. Por esse motivo, os cientistas têm
cada vez mais investido em pesquisas sobre células-
Você um dia já foi uma única célula (célula-ovo -tronco, visando recuperar tecidos danificados por
ou zigoto). Essa célula, depois de incontáveis divisões doenças ou traumas.
celulares, formou um ser com trilhões (trilhões, isso
mesmo!) de células que depois se transformaram e se MITOSE
especializaram, constituindo, por exemplo, a superfí-
cie do corpo, a parede interna da boca, a raiz dos 1. As fases da mitose 187
cabelos. Nesse exato momento essas células ainda
estão se dividindo. A cicatrização, o crescimento das crianças e a
No caso dos organismos multicelulares, como os reposição de células velhas acontecem graças a um
seres humanos, por exemplo, é pela multiplicação de tipo de divisão celular: a mitose. Esse tipo de divisão
suas células que eles crescem, substituem células ve- celular apresenta quatro fases: prófase, metáfase,
lhas e repõem células danificadas ou mortas. Para os anáfase e telófase. O material genético (os cromos-
organismos unicelulares, como as bactérias e os pro- somos) já foi duplicado na interfase. Agora, ocorrerá
tozoários, a divisão celular é a forma de reprodução. a separação desse material em duas células-filhas,
de forma igual. Acompanhe o esquema.
1. A interfase e a divisão celular

O ciclo celular corresponde ao período entre o


final da divisão de uma célula e o início de uma nova
divisão. Na maior parte do tempo, a célula está de-
sempenhando suas funções vitais, em uma fase cha-
mada de interfase.
É nela que uma célula do pâncreas produz o
suco pancreático. Essa fase prepara as condições da
célula para iniciar uma divisão celular propriamente
dita, a mitose ou a meiose, como você vai estudar
nos próximos temas. A interfase é o período do ciclo
celular em que a célula aumenta seu volume, tama-
nho e número de organelas.
Nela, a célula não só cumpre suas atividades vitais,
como também reúne condições para poder se dividir
e originar células-filhas. Essa fase da interfase é conhe-
cida como G1, conforme o esquema da Atividade 1.
A partir desse momento, inicia-se a fase conhecida
como S, na qual ocorre a duplicação do material ge-
nético, que está organizado em cromossomos.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

2. As células reprodutivas
#FicaDica
Na reprodução sexuada, ocorre a fecundação Diploide: Célula do corpo que possui
(união) de duas células reprodutivas, os gametas, um par de cromossomos de cada tipo,
provenientes dos pais. A união dos gametas forma formada a partir da união de duas célu-
uma célula única, chamada de célula-ovo ou zigoto. las haploides (gametas) dos progenitores
Normalmente, os gametas de machos e fêmeas são (pai e mãe). É simbolizada por 2n.
diferentes. Haploide
Na espécie humana, por exemplo, os gametas Célula reprodutora que possui ape-
masculinos são os espermatozoides, produzidos no nas um cromossomo de cada tipo, ge-
homem em seus testículos; e os gametas femininos, rada na meiose das células diploides de
os óvulos, produzidos na mulher em seus ovários. A cada um dos progenitores (pai e mãe). É
produção das células de reprodução – óvulos e es- simbolizada por n.
permatozoides – ocorre graças a um tipo de divisão
celular chamado meiose.

188

A meiose apresenta semelhanças com a mito-


se, porém é mais longa. Tal como a mitose, existe o
período de interfase, no qual se dá a duplicação do
material genético (fase S). Como você pode ver na fi-
gura da página anterior, a grande diferença, porém,
é que nela ocorrem duas divisões sucessivas do ma- PARA SABER MAIS!
terial genético, enquanto na mitose ocorre apenas
uma. Gametogênese
Assim, durante a divisão meiótica, os pares de cro-
mossomos são separados primeiro e, depois, os cro- Dá-se o nome de gametogênese à formação
mossomos duplicados se dividem. No final, de uma dos gametas. Analisando a figura da página 35,
célula diploide, que contém 46 cromossomos, nos é possível perceber que, ao final da meiose, for-
ovários da mulher ou nos testículos do homem, são mam-se quatro células iguais. Na gametogênese
formados gametas haploides, com 23 cromossomos, humana, isso é um pouco diferente.
os óvulos e os espermatozoides, respectivamente. No caso dos espermatozoides, ao final serão
Ao se juntarem na formação da célula-ovo, refa- formadas quatro células com a metade do nú-
zem-se os 46 cromossomos, ou seja, 23 pares de cro- mero de cromossomos (23), que sofreram uma
mossomos. A célula-ovo vai sofrer divisões celulares especialização, perdendo boa parte do citoplas-
mitóticas sucessivas até formar o embrião; portanto, ma e desenvolvendo um flagelo, que será utili-
todas as células do corpo terão os 46 cromossomos, zado para a locomoção até atingir o óvulo. Na
número comum à espécie humana. A figura a seguir gametogênese feminina, ao término da meiose,
ajuda a ilustrar melhor esse processo. quatro células-filhas são formadas.
Entretanto, três dessas células, chamadas de
células (ou corpúsculos) polares, são menores e
não servem para a fecundação. Assim, apenas
um óvulo permanece. Geralmente, um óvulo é li-
berado para fecundação a cada ciclo menstrual
da mulher. A menstruação só ocorrerá se esse
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

-se pensar na primeira célula do indivíduo, a célula-o-


óvulo não for fecundado. vo (ou zigoto), que se formou da união dos gametas.
Além de formar quantidades diferentes de A existência dos gametas indicava que havia uma
células reprodutoras, a produção dos gametas diferença entre as células destinadas à reprodução
das mulheres é feita somente na vida embrioná- (células reprodutivas, os gametas) e as demais cé-
ria, ao passo que nos homens a produção dos lulas do corpo (células somáticas, do grego soma,
espermatozoides começa na puberdade e con- “corpo”), o que a pangênese não distinguia.
tinua por toda a vida. A esse processo de união de gametas deu-se o
nome de fecundação ou fertilização. Em 1865, um
monge austríaco chamado Gregor Mendel (1822-
3. Hereditariedade e concepções pré-mendelianas
1884), com os novos conhecimentos da época, fez
experimentos com cruzamentos de ervilhas e chegou
As características são passadas dos progenito-
ao que hoje se considera a base da Genética.
res (como os pais) para os descendentes (como os
O cruzamento programado de algumas varieda-
filhos), ou seja, as características são herdadas, cons-
des de ervilhas e a contagem de seus descendentes
tituindo a hereditariedade. O modo como ocorre a
permitiram a formulação de duas leis, as famosas 1a
transmissão dessas características tem sido um ques-
e 2a leis de Mendel.
tionamento do ser humano desde os tempos mais
Você verá a 1a lei a seguir. Mendel acreditava
remotos.
que os organismos carregavam em suas células fa-
Na Antiguidade, alguns filósofos já haviam sugeri-
tores hereditários provenientes de seus progenitores,
do explicações para a hereditariedade, mas apenas
pois estes se originavam do pai e da mãe (no caso
no século XIX os cientistas começaram a encontrar
das plantas, das partes feminina e masculina).
respostas mais adequadas, até chegar ao conheci-
Como se tratava de dois progenitores, os fatores
mento atual. Por exemplo, o filósofo grego Hipócra-
hereditários deveriam aparecer aos pares nos des-
tes (460-377 a.C.), considerado o “pai da Medicina”,
cendentes. Já para formar as células reprodutivas
acreditava que as características eram herdadas de
dos organismos (gametas), que se juntavam para for-
pais para filhos por meio de fluidos do corpo, como
mar o descendente, era necessário que esses fatores
sangue e sêmen, explicação conhecida como pan-
se separassem.
gênese.
Dessa forma, os gametas formados na reprodu-
Mesmo na Grécia Antiga, já havia filósofos que
ção carregariam um fator de cada par, entre vários
criticavam a pangênese. Aristóteles (384-322 a.C.)
fatores hereditários existentes nos indivíduos. Dessa
defendia uma base física da hereditariedade: todas
forma, Mendel propôs uma lei que ficou conhecida
as partes do corpo de uma pessoa formariam pe-
como a 1a lei de Mendel ou lei da segregação: cada 189
queníssimas partículas hereditárias (as gêmulas), que
caráter é determinado por um par de fatores heredi-
circulariam pelo organismo através do sangue e che-
tários que se separam (segregam) durante a forma-
gariam ao sêmen dos pais. Na reprodução, o sêmen
ção dos gametas; e apenas um fator hereditário vai
do pai e o da mãe, com as respectivas gêmulas, se
para cada gameta.
uniriam e formariam o feto, ou seja, o novo ser seria
No caso das ervilhas, Mendel cruzava as varie-
originado a partir das características contidas nas
dades levando em conta seus estados possíveis. Por
gêmulas provenientes de seus pais.
exemplo, em relação à textura da semente, ele po-
Essa ideia persistiu por muito tempo (até o fim do
dia cruzar ervilhas lisas e rugosas, em diferentes com-
século XIX). Para Aristóteles, a simples semelhança de
binações, e analisar os resultados desses cruzamen-
pais e filhos não era prova da pangênese, pois carac-
tos. Veja o quadro a seguir.
terísticas como a voz, os cabelos, as unhas e o movi-
mento não poderiam provir de gêmulas.
Assim, as semelhanças entre pais e filhos não se
restringiriam à estrutura corporal (na produção de
gêmulas), mas poderiam abranger outras caracte-
rísticas além das puramente físicas, como as modu-
lações da voz e o jeito de andar. Além disso, como
seria possível que plantas mutiladas produzissem des-
cendência perfeita?

4. Mendel e os fatores hereditários

A pangênese só começou a deixar de ser aceita


depois de várias descobertas acerca do desenvolvi-
mento dos seres vivos. A teoria celular, estudada na
Unidade 1, propiciou que se soubesse algo que hoje
parece muito simples, mas que foi decisivo para en-
tender o desenvolvimento dos seres multicelulares: o
fato de que todos os tecidos são constituídos de célu-
las e que estas provêm de outras células.
Levando em conta a origem dos tecidos, podia-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Mendel explicou seus resultados da seguinte ma-


neira: como os fatores hereditários estavam aos pares
nos indivíduos, e os parentais eram puros, ao forma-
rem os gametas para a geração seguinte, cada um
dos parentais contribuiu com um fator hereditário de
um tipo.
Em F1, esses fatores hereditários dos pais se junta-
ram na formação dos filhos e, conforme o exemplo,
um fator informava a textura lisa e o outro informava
a rugosa, e os filhos apresentavam os dois fatores di-
ferentes, ou seja, esses filhos eram híbridos para esses
190 fatores. Atualmente, os híbridos são chamados hete-
rozigotos e os indivíduos puros, homozigotos.
No exemplo, a textura rugosa não aparece na
geração F1 e só volta a aparecer na geração F2. Por
isso, Mendel considerou esse fator hereditário reces-
sivo (entrou em recesso em uma geração), e o fator
5. Os resultados de Mendel
que apareceu em todas as gerações (a textura lisa),
dominante. Os cientistas convencionaram represen-
Mendel partia sempre de cruzamentos entre indi-
tar os fatores hereditários com letras: os fatores domi-
víduos que ele chamava de puros, ou seja, de indiví-
nantes com maiúsculas e os recessivos com minúscu-
duos que, se fossem cruzados entre si, dariam sempre
las. Normalmente, a letra utilizada é a da caracterís-
a mesma descendência. Ele cruzava indivíduos puros
tica recessiva; no caso da textura das sementes das
(denominados parentais – P) para determinada va-
ervilhas seria a letra r, já que a característica recessiva
riedade (quanto à textura da semente da ervilha, por
é rugosa.
exemplo), só que de estados diferentes (por exemplo,
Dessa maneira, todos os indivíduos possuem pares
lisa ou rugosa).
de fatores hereditários para determinada característi-
Quando fazia isso, a primeira geração de des-
ca representados por pares de letras. Para entender
cendentes (F1) aparecia apenas com uma forma da
a proporção encontrada por Mendel em F2, deve-
variedade, ou seja, uma das variedades “desapare-
-se lembrar que os fatores hereditários (que estão aos
cia” na primeira descendência. No entanto, quando
pares nos indivíduos) se separam, tornando-se unitá-
Mendel cruzava os indivíduos de F1 entre si, o resul-
rios na formação dos gametas, como visto no estudo
tado era que nasciam plantas com os dois estados
da meiose.
da variedade novamente (F2). Além disso, a única
Assim, há possibilidades diferentes de combina-
forma da variedade que havia aparecido em F1 sur-
ções desses gametas na formação do zigoto. Por
gia em F2, em maior número que a outra, na propor-
exemplo, no caso das ervilhas da geração parental,
ção aproximada de 3:1, ou seja, de 75%:25%. Veja o
os gametas formados têm apenas os fatores R (pai
exemplo a seguir.
com ervilhas lisas) e r (pai com ervilhas rugosas); assim,
os filhos só podem ser Rr.
No caso dos filhos de F1, os pais podem formar
gametas com R ou com r, e é dessas combinações
que resultam as proporções encontradas em F2.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Repare que basta possuir um fator dominante para casos, outro elemento fundamental na manifestação
que se manifeste a característica dominante. Para a dos genes: o ambiente.
forma recessiva se manifestar, é necessário que haja Por exemplo, na espécie humana, a cor da pele
dois fatores recessivos no indivíduo. é determinada geneticamente e, mesmo que duas
Acompanhe o quadro de cruzamentos possíveis pessoas tenham exatamente o mesmo genótipo, isso
e seus resultados. não indica que têm o mesmo fenótipo, pois os genes
que controlam a produção do pigmento melanina
são influenciados pelo ambiente, ou seja, pelo estí-
mulo dos raios solares. Quanto mais tempo o orga-
nismo ficar exposto ao Sol, maior o estímulo para a
produção de melanina na quantidade máxima que
o genótipo permite. É por isso que a pele muda de
tonalidade ao longo do ano.

8. Genes nos cromossomos

Na década de 1920, os cientistas chegaram à


Os trabalhos de Mendel só foram reconhecidos conclusão de que os fatores hereditários de Mendel,
em 1900, infelizmente depois de sua morte (1884), e os genes, estavam localizados nos cromossomos. A
substituíram de modo definitivo a ideia de heredita- partir de então, os cientistas começaram a adotar
riedade por meio dos fluidos pela de hereditariedade essa ideia, primeiro para organismos como as mos-
por fatores hereditários, que viriam a ser chamados cas-das-frutas, as drosófilas, depois para os mais dife-
mais tarde de genes. rentes grupos de organismos.
A hipótese de que os genes estavam localiza-
6. Genes dos nos cromossomos decorreu dos cruzamentos
experimentais que realizaram. Quando apareciam
Mendel estava mesmo certo: havia fatores here- mutações nas moscas cultivadas em laboratório,
ditários e eles se localizavam nos cromossomos. Com os cientistas promoviam cruzamentos específicos e
novos estudos sobre hereditariedade, novos termos localizavam os genes para essas mutações nos cro-
foram propostos. Entre eles estava o termo gene, que mossomos. Estava surgindo a genética moderna.
substituiu a expressão fator hereditário, proposta por
Mendel, e que será utilizado aqui de agora em dian-
te. 191
O conceito de gene tem passado por muitas
modificações à medida que novas descobertas são
feitas. Atualmente, os cientistas estão discutindo no-
vos conceitos para os genes, pois eles são muito mais
complexos do que se imaginava. Os genes são estru-
turas responsáveis pelas características hereditárias,
ou seja, por todas as características que um indivíduo
herda dos pais ou antecessores.
Esses genes podem ter variações. Por exemplo,
no caso das ervilhas que Mendel estudou, as semen-
tes poderiam apresentar dois tipos de textura: lisa
(condicionada por uma forma dominante) ou rugosa
(condicionada por uma forma recessiva do gene). O Atualmente, vários projetos estão mapeando os
conjunto de genes de um ser vivo é conhecido como genes nos cromossomos pela leitura direta do DNA,
genoma. isto é, sem a necessidade de fazer cruzamentos pre-
ferenciais. Isso facilitou muito o estudo da Genética,
7. Genes e o ambiente sobretudo nos seres humanos.

A constituição genética de um indivíduo para 9. Cromossomos sexuais e autossomos


uma característica é chamada de genótipo. No
caso das ervilhas de Mendel, o genótipo para ervilhas Na espécie humana existem 23 pares de cromos-
rugosas foi representado por rr, e o genótipo para as somos presentes em células não reprodutivas (células
ervilhas lisas, por RR ou Rr. As características observá- somáticas). Esses pares de cromossomos apresentam
veis nos indivíduos, que resultam da interação entre formas e tamanhos diferentes. No entanto, cada par
genótipo e ambiente, são denominadas fenótipo. possui dois cromossomos de tamanho e forma iguais,
No caso das ervilhas de Mendel, o tipo de textu- com exceção de um par, em que os cromossomos
ra da semente – lisa ou rugosa – constitui o fenótipo. possuem formas diferentes.
Pode parecer, então, que determinado genótipo vai Esse par de cromossomos está relacionado, entre ou-
gerar um fenótipo específico, mas nem sempre é as- tras características, com a determinação do sexo (par de
sim. Os cientistas perceberam que existe, em muitos cromossomos sexuais). Os demais pares de cromossomos,
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

chamados cromossomos autossômicos (ou autossomos), 11. Outros mecanismos de determinação do sexo
estão relacionados com outras características.
A imagem, à esquerda, mostra uma célula huma- Além do sistema XY dos mamíferos, existem outros
na com seus 46 cromossomos. À direita, estão repre- mecanismos de determinação do sexo. Por exemplo,
sentados os 23 pares de cromossomos, que os cientis- em muitas aves e mariposas, o sistema é conhecido
tas chamam de cariótipo. Observe que há 22 pares como ZW. Embora os princípios sejam semelhantes, o
(1 a 22) de tamanho e forma idênticos, os autosso- par de cromossomos sexuais do macho é ZZ, e o par
mos, e um par de cromossomos sexuais, que estão da fêmea é ZW.
relacionados com a determinação do sexo. Em alguns insetos, como percevejos e gafanho-
Quando os cromossomos desse par são do tipo X tos, o sistema é conhecido como X0, no qual a fêmea
(XX), o indivíduo é do sexo feminino; quando os cro- tem um par de cromossomos sexuais (XX), e o macho,
mossomos desse par são um do tipo X e outro do tipo apenas um cromossomo sexual (X0).
Y (XY), então o sexo é masculino. É por isso que se Efeitos ambientais também determinam o sexo
considera que os gametas masculinos determinam, de algumas espécies, como no caso de crocodilos
ao acaso, o sexo da criança. Note que os cromosso- e tartarugas. Nos crocodilos, se os ovos forem incu-
mos X e Y têm tamanho e forma diferentes, mas mes- bados em temperaturas abaixo de 30 o C, eclodirão
mo assim formam um par. preferencialmente fêmeas, e, acima de 33 o C, ma-
chos. Nas tartarugas, as temperaturas mais baixas ge-
ram machos, e as mais altas, fêmeas.

12. Daltonismo na espécie humana

Os cromossomos X e Y, apesar de formarem pa-


res, são bem diferentes, sendo o X bem maior que o
Y. Alguns genes que estão posicionados na região
superior do cromossomo X não têm correspondência
no cromossomo Y, como mostra a figura a seguir.

10. Herança de genes em cromossomos sexuais

Como você viu, na espécie humana e nos mamí-


192 feros de modo geral, um par de cromossomos está re-
lacionado com as características sexuais. A compo-
sição desse par de cromossomos determina de qual
sexo será o indivíduo. Retorne às imagens anteriores
e veja, no cariótipo, como são os cromossomos X e
Y. Essa diferença entre os cromossomos do par sexual
determina padrões de herança um pouco diferentes
dos que você viu até agora.
No sistema XX/XY, os gametas formados por ma-
chos e por fêmeas serão diferentes. Você deve re-
cordar que na meiose há separação dos pares de
cromossomos e, depois, dos próprios cromossomos
que estão duplicados. Nas fêmeas, que possuem dois
cromossomos X, em cada gameta formado existirá,
em condições normais, sempre um cromossomo X. Já Genes localizados na porção do cromossomo X
os machos, por serem XY, formarão metade de seus que não têm correspondência no cromossomo Y não
gametas com o cromossomo X e outra metade com formam pares, manifestando-se, portanto, com ape-
o cromossomo Y. nas um exemplar do gene. Assim, haverá diferença
entre a presença de determinados fenótipos entre
homens (apenas um exemplar do gene em seu úni-
co cromossomo X) e mulheres (pares de genes, um
em cada cromossomo X). Essa diferença provoca o
daltonismo.
O daltonismo é um distúrbio em que o indivíduo
é incapaz de enxergar determinadas cores. A visão
de cores (comum à maioria das pessoas) depende
da presença de pigmentos nas células receptoras da
retina do olho: vermelho, verde e roxo.
A não produção dos pigmentos causa ceguei-
ra para essas cores. Os casos mais comuns de dal-
tonismo são aqueles em que não há produção dos
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

pigmentos vermelho e verde. Nesse caso, o gene gue do receptor tentam neutralizar aqueles glóbulos
responsável pelo daltonismo é recessivo e está locali- vermelhos, que são considerados corpos estranhos
zado no cromossomo X. O homem recebe o cromos- no organismo, ocorrendo, então, a coagulação ou
somo X de sua mãe e não o transmite para os filhos, aglutinação sanguínea.
apenas para as filhas, ou seja, cada mulher recebe No sistema ABO, há dois tipos de antígenos: o aglu-
um cromossomo X do pai e outro da mãe. Pode-se tinogênio A e o aglutinogênio B, proteínas presentes
concluir que filhos homens de pais daltônicos não na superfície dos glóbulos vermelhos. Os anticorpos,
herdam essa anomalia do pai, e, sim, da mãe. presentes no plasma, que reagem a esses aglutino-
A mãe pode ser daltônica ou não, porém por- gênios são, respectivamente, a aglutinina anti-A e a
tadora do gene recessivo que causa o daltonismo. aglutinina anti-B. Esses anticorpos são chamados de
Se é portadora, independentemente de como seja aglutininas e são anticorpos naturais, isto é, a pessoa
o pai, seus filhos homens têm 50% de chance de ser que os possui nasce com eles, pois são determinados
daltônicos. Para que uma menina seja daltônica, seu geneticamente, como você verá a seguir.
pai necessariamente tem de ser daltônico e sua mãe Observe, no quadro a seguir, os aglutinogênios e
pode ser daltônica ou simplesmente portadora. Tudo as aglutininas dos tipos sanguíneos do sistema ABO.
isso faz que o daltonismo seja mais comum em ho-
mens que em mulheres.

13. Hemofilia na espécie humana

A hemofilia é uma doença que impede a coagu-


lação adequada do sangue. Sua forma mais comum,
conhecida como hemofilia A, tem o mesmo padrão
genético presente no daltonismo, isto é, trata-se de Com base nesses dados, é possível concluir quais
uma doença recessiva ligada ao cromossomo X. são as transfusões possíveis entre os grupos sanguíneos
Os hemofílicos podem ter sangramentos graves do sistema ABO. Primeiro, cada tipo sanguíneo pode
(hemorragias) com apenas pequenos ferimentos. No receber sangue do mesmo tipo. Quem tem sangue
entanto, é mais comum ocorrerem sangramentos es- tipo A, por exemplo, possui em seu plasma a aglutini-
pontâneos e frequentes dentro dos músculos ou das na anti-B, o que inviabiliza receber qualquer hemácia
articulações, causando sequelas que podem levar a que apresente em sua superfície o aglutinogênio B,
incapacidades físicas irreversíveis. O tratamento dos pois haveria aglutinação do sangue. Assim, quem é
hemofílicos consiste em receber os produtos respon- tipo A não pode receber sangue tipo B, nem tipo AB.
sáveis pela coagulação sanguínea diretamente no Quem tem sangue tipo B, por possuir aglutinina an- 193
sangue (via intravenosa). ti-A, não pode receber sangue tipo A, nem tipo AB.
Os produtos coaguladores são derivados do plas- Contudo, tanto o tipo A como o B podem rece-
ma sanguíneo humano ou de técnicas mais avança- ber sangue tipo O. Aliás, qualquer grupo sanguíneo
das de Biotecnologia. Em casos de intensos sangra- pode receber sangue tipo O, porque este não possui
mentos, os hemofílicos também recebem transfusões aglutinogênios nos glóbulos vermelhos, não havendo
sanguíneas. a possibilidade, portanto, de aglutinação.
Por isso, o sangue tipo O é considerado o doador
GENÉTICA HUMANA E SAÚDE universal. No caso do sangue tipo AB, por não possuir
aglutininas em seu plasma, ele pode receber qual-
1. Grupos sanguíneos (ABO e Rh): transfusão e in- quer hemácia de outros tipos sanguíneos, uma vez
compatibilidade que nunca haverá aglutinação, motivo pelo qual é
considerado receptor universal.
Como você viu no tema anterior, a hemofilia e No entanto, o tipo AB só pode ser doado para
o daltonismo estão relacionados aos cromossomos indivíduos também AB, pois seus aglutinogênios rea-
sexuais. No entanto, a grande maioria das caracte- giriam com as aglutininas dos outros tipos sanguíneos;
rísticas observadas nos organismos deve-se a genes afinal, o tipo AB possui os dois aglutinogênios (A e B).
localizados em cromossomos não sexuais, os autosso- O quadro a seguir mostra as possibilidades de transfu-
mos. Alguns genes autossômicos estão associados à são sanguínea entre pessoas, considerando o sistema
formação de determinadas características observa- ABO.
das no sangue.
O chamado sistema ABO de grupos sanguíneos
abrange quatro grupos: A, B, AB e O. Nas transfusões
de sangue, as incompatibilidades sanguíneas decor-
rem de uma reação entre os glóbulos vermelhos do
sangue doador com os anticorpos existentes no plas-
ma sanguíneo do receptor. Nas transfusões, o princí-
pio é o mesmo. A genética do sistema ABO Os tipos sanguíneos
Quando o sangue do receptor reconhece glóbu- do sistema ABO (A, B, AB e O) correspondem a quatro
los vermelhos estranhos (antígenos) no sangue trans- fenótipos. Essa característica é determinada por um
fundido (do doador), os anticorpos existentes no san- único gene com três variações: I A, I B e i. Assim, as
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possibilidades para a formação de pares de genes, outros animais que seguem os padrões de herança
ou genótipos, são: IAIA, IAi, IBIB, IBi, IAIB, ii. mendeliana, estudados anteriormente, é o albinismo.
A forma do gene I A determina a existência do O albinismo manifesta a ausência de pigmentação
aglutinogênio A; a forma do gene I B, a presença do nos indivíduos.
aglutinogênio B; e a forma do gene i, a ausência de O pigmento ausente é a melanina, produzida no
qualquer aglutinogênio. próprio organismo e responsável pela cor da pele,
dos cabelos e dos olhos. A ausência de produção
• Quem possui o genótipo IAIA ou I Ai produz de melanina leva os indivíduos a ter uma pele mui-
apenas o aglutinogênio A; portanto, é do tipo to clara, pelos e cabelos amarelados e olhos muito
A. sensíveis à luz, por causa da falta de pigmento na íris.
• Quem possui o genótipo IBIB ou I Bi produz ape-
nas o aglutinogênio B; portanto, é do tipo B.
• Quem possui o genótipo IAIB produz aglutino-
gênios A e B; portanto, é do tipo AB.
• Quem possui o genótipo ii não produz aglutino-
gênios; portanto, é do tipo O.

No quadro a seguir estão representados os tipos Há quatro formas conhecidas de albinismo. Na


sanguíneos para o sistema ABO e seus possíveis ge- forma mais comum, chamada entre os cientistas de
nótipos. albinismo tirosinase-negativo, os indivíduos albinos
possuem duas cópias recessivas do gene para a pro-
dução do pigmento melanina (aa), e indivíduos nor-
mais apresentam pelo menos um gene dominante
para a produção de melanina (AA ou Aa).

194

Os genes IA e IB são dominantes e o gene ii é


recessivo. E no genótipo IAIB? Qual é o gene domi-
nante? Esse é um caso de codominância, em que as
duas formas do gene para a produção dos aglutino- O heredograma ao lado mostra o caso de uma
gênios se manifestam ao mesmo tempo, produzindo família com três indivíduos albinos (afetados). Note
tanto o aglutinogênio A como o B (tipo AB). que é possível nascer filhos albinos de casais normais.
Como isso é possível? No caso, os indivíduos 6 e 7 ne-
2. O sistema Rh cessariamente herdaram um gene a de seus pais e
passaram para um de seus filhos; portanto, os indiví-
Outro sistema de grupos sanguíneos muito utiliza- duos 6 e 7 são Aa.
do é o sistema Rh. Nesse caso, há dois tipos de gru-
pos sanguíneos: Rh+ (Rh positivo) e Rh– (Rh negativo). 4. O albinismo e a expressão de genes
A genética do sistema Rh é relativamente simples.
Trata-se de um par de genes, que podem ser R e r, Os genes fornecem as informações para as ca-
sendo R dominante sobre r. racterísticas dos indivíduos, mas como são processa-
Assim, as pessoas Rh+, ou seja, que possuem uma das essas informações? Os genes estão nos cromos-
proteína chamada de fator Rh em seus glóbulos ver- somos, que se localizam no núcleo das células. Os
melhos, podem ter os genótipos RR ou Rr, e as pes- cromossomos são principalmente constituídos do áci-
soas Rh são rr e não possuem o fator Rh. do nucleico conhecido como DNA (sigla em inglês
Em uma transfusão sanguínea, as pessoas Rh+ de ácido desoxirribonucleico).
podem receber sangue tipo Rh+ e Rh–. No entanto, O DNA é considerado a molécula da vida, pois é
quem é Rh– só pode receber sangue tipo Rh–; se re- nele que estão as informações genéticas, os genes.
ceber Rh+, ocorrerá aglutinação de seus glóbulos As informações contidas no DNA são traduzidas em
vermelhos. proteínas nas células. As proteínas são substâncias
responsáveis por diversas características do ser vivo,
3. O albinismo: um caso de herança mendeliana direta ou indiretamente. Um tipo de proteína forma-
da nos seres vivos são as enzimas, substâncias respon-
Uma das características dos seres humanos e de sáveis por muitas reações químicas que ocorrem nas
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células (metabolismo celular). entrada para uma família que necessita de aconse-
As enzimas ajudam a transformar determinadas lhamento genético. No entanto, o serviço é ofereci-
substâncias em outras. Voltando ao caso dos albinos, do em poucas unidades de saúde, faltam profissio-
a não produção de melanina é condicionada, gene- nais disponíveis e sua política de implantação no SUS
ticamente, por genes recessivos. Se o indivíduo tiver o ainda não está em pleno funcionamento.
genótipo aa, ele não produz melanina, ou seja, quem
tem o genótipo aa não produz a enzima responsável BIOTECNOLOGIA
pela transformação da tirosina em melanina.
Essa é a forma pela qual o fenótipo albino se ma- O que é Biotecnologia? A Convenção sobre Di-
nifesta – pela não formação de uma enzima especí- versidade Biológica das Nações Unidas, em 1992, de-
fica – e isso é condicionado geneticamente. Outra finiu que Biotecnologia é
doença, a fenilcetonúria, também é decorrente do
mau funcionamento de uma enzima que faz parte [...] qualquer aplicação tecnológica que utilize
da mesma via metabólica relacionada ao albinismo. sistemas biológicos, organismos vivos, ou seus
derivados, para fabricar ou modificar produtos
5. Transplantes ou processos para utilização específica. BRASIL.
Ministério do Meio Ambiente. Convenção sobre
Os transplantes são cada vez mais comuns como Diversidade Biológica, p. 9.
procedimentos médicos. Trata-se de implantar um ór-
gão, tecido ou parte deles de uma pessoa doadora Pode-se dizer que os cientistas que fazem uso da
em um paciente, o receptor. Esses transplantes mui- Biotecnologia em seus laboratórios modificam partes
tas vezes são feitos para tentar recuperar a função dos seres vivos para que estes possam produzir algo
perdida por algum órgão ou tecido. São exemplos os que seja útil à sociedade. Dessa modificação são
transplantes de rim, de fígado, de coração, de me- criadas novas substâncias, formas de produção e até
dula óssea, entre outros. mesmo novas espécies. Quais são as técnicas que a
Um dos grandes fatores que impedem o sucesso Biotecnologia utiliza? As tecnologias que usam o ma-
de um transplante é a possibilidade de rejeição do terial genético dos seres vivos como matéria- -prima
receptor ao órgão transplantado. Essa rejeição está estão resumidas a seguir.
muitas vezes ligada à incompatibilidade que pode
ocorrer entre os tecidos do receptor e do doador. 1. Aplicações da Biotecnologia Identificação de
A maioria dos casos de rejeição a implantes ad- pessoas pelo DNA (teste de DNA)
vém do reconhecimento, por parte do sistema imu-
nológico do paciente, de substâncias que existem Uma descoberta feita no início da década de 195
na superfície das células do órgão transplantado. O 1970 permitiu uma verdadeira revolução nas técni-
sistema imunológico do paciente reconhece o órgão cas de Biotecnologia. Trata-se das enzimas de restri-
transplantado como um “inimigo” e tenta combatê- ção, que nada mais são que moléculas existentes em
-lo, daí a rejeição. certas bactérias que têm a capacidade de cortar o
DNA em pontos específicos. Dessa forma, as bacté-
6. Importância e acesso ao aconselhamento ge- rias podem se proteger da invasão de alguns vírus,
nético “picotando” seu DNA.
Os cientistas viram nas enzimas de restrição uma
Um casal que deseja ter filhos pode mapear cer- ferramenta importante, pois foi possível cortar qual-
tas doenças genéticas preexistentes em suas famílias, quer DNA em pontos conhecidos e comparar os frag-
por meio do aconselhamento genético. Trata-se de mentos formados em termos de tamanho. Se dois or-
uma consulta feita com especialistas, geralmente ganismos forem exatamente iguais em seu DNA, no
biólogos, médicos ou biomédicos, que analisam o caso de gêmeos idênticos, por exemplo, todos os
heredograma do casal. fragmentos formados com o uso de enzimas de res-
Ao analisar estes esquemas, a equipe de espe- trição devem ter tamanhos idênticos entre os dois in-
cialistas consegue estimar a chance de o casal ter divíduos.
um filho com determinada doença. Assim, pode-se comparar o tamanho dos frag-
Além dessa análise, os profissionais do aconse- mentos de determinada sequência de DNA entre in-
lhamento genético fornecem informações sobre a divíduos diferentes. Isso tem sido usado em casos de
doença, diagnóstico, prognóstico, tratamentos, pos- determinação de paternidade, de identificação de
sibilidade de testes genéticos para pacientes e fami- vítimas em acidentes, de suspeitos, por meio de ves-
liares em risco, ou seja, tudo o que estiver ao alcance tígios deixados no local do crime, tais como sangue,
dos especialistas para orientar e apoiar as pessoas in- fios de cabelo, sêmen etc.
teressadas, a fim de permitir que elas tomem decisões Na figura da página seguinte, está representada
relativas à concepção ou não dessa criança. a técnica para a obtenção de dados em amostras
O acesso ao aconselhamento genético no Brasil de DNA. O gel (um tipo de material gelatinoso) é co-
ainda está longe do ideal. Muitas famílias que pos- locado em uma bandeja de acrílico e uma espécie
suem casos de doenças genéticas nem sequer sa- de pente realiza furos nele, formando “poços”, onde
bem da existência desse serviço. são colocadas as amostras de DNA, lado a lado, uma
O Sistema Único de Saúde (SUS) é o caminho de em cada poço. Essas amostras são tratadas com en-
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zimas de restrição, que vão cortar a fita do DNA em


locais específicos e formar fragmentos. Vale lembrar que, em caso de gêmeos idênticos
Na bandeja, o gel é banhado por uma solução- (univitelinos), os padrões eletroforéticos serão idênti-
-tampão, que permitirá submetê-lo a uma corrente cos. Contudo, essa é uma exceção, pois as sequên-
elétrica, possibilitando, assim, o deslocamento dos cias de DNA são únicas para cada indivíduo, e isso
fragmentos de DNA, já que estes possuem carga elé- é o que justifica usar a eletroforese para obter uma
trica negativa e migrarão para o polo oposto com evidência.
carga elétrica positiva. Como os fragmentos têm
tamanhos diferentes, os maiores migram mais lenta- 2. Tecnologias de Engenharia genética e DNA re-
mente do que os menores. Esse processo é conheci- combinante
do como eletroforese.
Depois de um tempo, a corrente é desligada e é Essas tecnologias promovem mudanças no patri-
feita uma coloração específica no gel para mostrar mônio genético de um ser vivo. Um exemplo é a inclu-
as “bandas”, que nada mais são que os fragmentos são de um gene humano em uma bactéria para que
de DNA de diferentes tamanhos. Na ilustração, as esta fabrique o que é determinado pelo gene. Com
amostras foram tratadas com as enzimas de restrição isso, a bactéria pode produzir em escala industrial um
1 e 2, primeiro separadamente e depois juntas. Os produto que seja de interesse para os seres humanos,
padrões resultantes são uma espécie de identidade como a insulina (veja o quadro Organismos transgêni-
genética daquele indivíduo. cos) e o hormônio de crescimento humano, que, em
algumas pessoas, por falhas genéticas, acabam não
sendo produzidos em quantidades adequadas.

3. Organismos transgênicos

Organismo transgênico ou organismo geneti-


camente modificado (OGM) é aquele que tem seu
material genético alterado em laboratório, introdu-
zindo-se nele um ou mais genes de outro organismo.
Um dos primeiros exemplos de organismo transgênico
é a bactéria Escherichia coli, que foi geneticamente
transformada para produzir insulina humana.
Observe a figura a seguir. Inicialmente, isola-se o
196 RNAm responsável pela produção da insulina huma-
na e, a partir dele, depois de um tratamento com cer-
tas enzimas, é sintetizada a molécula de DNA corres-
Para exemplificar um teste de DNA, imagine que pondente (DNAc). Essa molécula de DNA é inserida
um criminoso deixou vestígios de seu sangue na cena na molécula de DNA circular existente na bactéria,
do crime. Inicialmente, coletam-se as amostras de conhecida como plasmídeo, e a bactéria passa a
sangue encontradas no local do crime e, também, conter o gene que sintetiza a insulina humana. Então,
as dos suspeitos. Depois, o DNA dessas amostras é iso- estimula-se a bactéria a se replicar diversas vezes e,
lado e dele são feitas cópias (amplificação), caso a no meio de cultura onde vive, é produzida a insulina
quantidade de DNA seja insuficiente para a análise. humana, que é separada por processos bioquímicos
Em seguida, as amostras de DNA são tratadas e utilizada na produção de medicamentos usados
com enzimas de restrição e, posteriormente, subme- por diabéticos.
tidas à eletroforese. As bandas formadas são, então,
comparadas. No caso da figura ao lado, o suspeito
2 possui o mesmo padrão eletroforético (de bandas)
da amostra de sangue da cena do crime e, portanto,
é apontado como o criminoso.
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4. Terapia gênica 8. Melhoramento de espécies domesticadas por


meio de cruzamentos e seleção
É um método no qual se insere material genético
em uma célula para modificar seu genoma com a Várias raças de cavalos, gado e cães, bem como
finalidade de “curar” um defeito genético. Um exem- de espécies de plantas usadas na alimentação,
plo dessa terapia é o tratamento da fibrose cística, como milho, arroz, feijão e laranja, foram criadas por
uma doença genética fatal que ataca órgãos como meio de cruzamentos preferenciais entre indivíduos
pulmões, pâncreas, fígado e intestino ainda na fase selecionados artificialmente de acordo com carac-
da infância. O grande desafio está em como fazer terísticas consideradas interessantes.
que o gene sem defeito substitua o gene defeituoso
dentro da célula. Alguns vírus (vetores) estão sendo 9. Utilização de microrganismos na fabricação e
usados para realizar esse transporte, mas ainda não processamento de alimentos
há notícias de um vetor eficiente que tenha elimina-
do a doença totalmente. Essa é uma ação humana milenar, já que, para
obter alimentos como queijo, iogurte, pão, coalha-
5. Métodos de cultura de células e tecidos da, vinho e vinagre, é necessária a ação de alguns
microrganismos como certas bactérias e fungos. O
Permitem, por exemplo, guardar partes de plan- iogurte é um exemplo de que a Biotecnologia já vem
tas e animais úteis ao ser humano para que sejam re- sendo empregada desde tempos remotos, quando
cuperadas caso alguma variedade desapareça por ainda não se sabia que ela “existia”.
alguma catástrofe. A cultura de tecidos também é Tipos rudimentares de iogurte eram produzidos
utilizada para acompanhar o crescimento, por exem- por pastores que domesticavam animais mamíferos
plo, de células com suspeita de serem cancerosas. (camelas, búfalas, cabras, ovelhas e vacas) para uti-
A análise do crescimento dessas células em meio de lizar o leite, que era, posteriormente, armazenado em
cultura possibilita a determinação de sua natureza marmitas de barro. Nelas, o leite fermentava e pro-
cancerosa ou não. duzia o iogurte. Essa fermentação também ocorria
Outro exemplo acontece na cultura de células quando pastores, no deserto da Turquia, armazena-
sanguíneas (glóbulos brancos) de um paciente para vam o leite em bolsas feitas de pele de cabra.
análise de seus cromossomos. Durante a divisão des- O contato dessas bolsas com o corpo do camelo
sas células no meio de cultura é possível verificar se o as aquecia, o que propiciava a ação das bactérias
indivíduo é portador de alguma síndrome, por exem- (Lactobacillus), responsáveis pela fermentação do
plo pela presença de um cromossomo a mais, como leite, transformando-o em iogurte. Até o guerreiro
é o caso da síndrome de Down (trissomia do 21). mongol Gêngis Khan alimentava seu exército com io- 197
gurte e ainda o usava como conservante natural de
6. Técnicas avançadas de separação e isola- carne e outros alimentos, que ficavam mergulhados
mento de produtos naturais nele.

Muitas espécies de animais e vegetais apresen- 10. Controle de doenças por meio de vacinas
tam substâncias que podem ser utilizadas em diferen-
tes ramos da indústria. Para que essas substâncias se- Desde a primeira vacina contra a varíola, criada
jam extraídas, são empregadas técnicas de separa- pelo médico inglês Edward Jenner (1749-1823) em
ção e isolamento. Um exemplo desta técnica é a ex- 1796, as técnicas de obtenção de vacinas progre-
tração de produtos de interesse médico de animais diram muito. Hoje, muitas delas são feitas utilizando
marinhos, como duas substâncias de uma esponja trechos do próprio DNA de vírus, bactérias, fungos
jamaicana que compõem o AZT, medicamento usa- ou parasitas. Esse DNA é incorporado em bactérias,
do no combate à aids. que passam a produzir trechos desse DNA. Como são
apenas partes de DNA, não há perigo de ter produ-
7. Técnicas de fertilização in vitro, transferência de tos que causem algum mal. Esses produtos (proteínas
embrião e clonagem não virulentas) são usados para fabricar as vacinas.

A pecuária brasileira tem se modificado muito 11. Controle biológico


com essas técnicas. Hoje é possível, por exemplo, re-
tirar de vacas abatidas ovócitos (células que dão ori- Trata-se de um processo natural de controle de
gem ao óvulo) e fertilizá-los in vitro (fecundação fora populações de pragas por meio de seus inimigos na-
do organismo materno, em condições de laborató- turais. São utilizados no controle biológico seres vivos
rio). Em seguida, os embriões formados, em seu está- como algumas bactérias, insetos predadores e para-
gio inicial, são bipartidos, dobrando a produção de sitoides. Por exemplo, no controle biológico da bro-
embriões (clones). Estes, então, são implantados em ca- -da-cana-de-açúcar (Diatrea saccharalis), que
vacas receptoras e nelas se desenvolvem. É possível se alimenta da cana-de-açúcar, utiliza-se a vespa
obter até 36 bezerros de uma mesma vaca doadora Cotesia flavipes que parasita as lagartas dessa pra-
por ano, três vezes mais que com as técnicas de ferti- ga, impedindo seu desenvolvimento.
lização tradicionais. Outra forma de controle biológico é feita libe-
rando machos estéreis de uma praga, de modo que
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estes, ao tentar se reproduzir, não produzirão descen-


dentes, diminuindo assim sua população. Atualmen- 1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
te, a praga agrícola lagarta-do-cartucho, que come
o milho e suas folhas, tem sido controlada com o uso 01. O inseticida DDT, de uso proibido no Brasil,
de um bioinseticida feito de um vírus que ataca a la- é acumulado ao longo das cadeias alimentares,
garta. sendo absorvido pelos produtores, passando para
O vírus foi modificado geneticamente para ma- os consumidores primários, desses para os consu-
tar a lagarta rapidamente. Essa modificação consistiu midores secundários e assim por diante. Após a
em introduzir no vírus genes de aranhas e escorpiões utilização ilegal de DDT, em uma plantação, foi
que produzem um veneno letal para a lagarta. avaliada a porcentagem da substância acumu-
lada na cadeia alimentar a seguir:
12. Benefícios e riscos da Biotecnologia
alfaces → insetos → sapos
A Biotecnologia pode gerar muitos benefícios à
humanidade, entre eles: Espera-se obter a menor e a maior concen-
tração de DDT, respectivamente, em:
• novas vacinas;
• novos tratamentos médicos; a) alfaces e insetos.
• novos medicamentos; b) sapos e insetos.
• plantas mais produtivas e resistentes; c) insetos e sapos.
• animais mais produtivos; d) insetos e alfaces.
e) alfaces e sapos.
• novos sistemas de controle de pragas;
Pasusp, 2009.
• soluções para a conservação da biodiversida-
de;
02. A China contra os pardais
• novas técnicas de identificação de pessoas, [...] em 1958, enquanto colocava em ação
de espécies e de variedades. No entanto, há seus planos para o Grande Salto à Frente, Mao
também riscos em relação às técnicas de Bio- deflagrou uma ampla campanha de combate
tecnologia. aos pardais. A ave era um dos alvos da chamada
• Campanha das Quatro Pestes, que pretendia eli-
Algumas questões têm sido discutidas, como a minar também os ratos, as moscas e os mosquitos,
impossibilidade de prever o impacto de organismos considerados inimigos públicos pelo líder chinês.
modificados no ambiente e nos seres humanos. Além Mao dizia que cada pardal, ciscando nas planta-
198 disso, é importante que se reflita sobre algumas ques- ções, consumia 4 quilos de grãos por ano.
tões. [...] os chineses, então, saíram às ruas e co-
meçaram a caça aos pardais. Seus ninhos eram
• Qual é o limite aceitável para a manipulação destruídos, os ovos quebrados e os filhotes mortos.
de material genético humano? [...] A campanha foi um retumbante fracas-
• Qual é o limite aceitável para a “escolha” de so. Não se levou em conta que os pardais, além
genes dos filhos? de comer grãos, se alimentam também de inse-
• A ciência caminha para um “melhoramento” tos, e que uma de suas iguarias prediletas são os
da espécie humana (eugenia)? gafanhotos. A população de gafanhotos se mul-
• A clonagem de pessoas é aceitável? tiplicou pelos campos chineses, arruinando plan-
• É aceitável o uso de embriões humanos para a tações e causando desequilíbrio ao ecossistema.
obtenção de células-tronco?
• É seguro recriar espécies ou vírus já extintos? Relacionando esse episódio com uma ca-
• Como controlar o uso adequado dessas novas deia alimentar, é correto afirmar que
tecnologias?
• É correto patentear genes e organismos? a) os pardais podem ser considerados como
• O acesso a essas tecnologias pode gerar mais consumidores de 1a e de 2a ordens.
desigualdades nas sociedades? Não há dúvi- b) os ratos podem ser considerados somente
da de que a Biotecnologia trouxe e trará be- como consumidores de 2a ordem.
nefícios à humanidade. c) os gafanhotos podem ser considerados
como consumidores de 1a e de 2a ordens.
Não se deve, porém, simplesmente aceitar a im- d) o homem pode ser considerado somente
posição de novas tecnologias porque existem e es- como consumidor de 2a ordem.
tão disponíveis. É preciso analisar essa questão com e) todos os consumidores envolvidos podem
bastante cuidado, levando em conta vários aspec- ser considerados de 2a ordem.
tos (sociais, econômicos, políticos, éticos, morais), Mackenzie, 2012
para tomar uma posição consciente.
03. Considerando a quantidade total de ma-
téria orgânica presente em diferentes seres vivos
de uma floresta, a sequência decrescente corre-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

ta é a indicada por: 06. Houve uma grande elevação do número


de casos de malária na Amazônia que, de 30 mil
a) carnívoros, plantas e decompositores. casos na década de 1970, chegou a cerca de
b) herbívoros, plantas e decompositores. 600 mil na década de 1990. Esse aumento pode
c) plantas, carnívoros e herbívoros. ser relacionado a mudanças na região, como
d) herbívoros, carnívoros e plantas.
e) plantas, herbívoros e carnívoros. a) as transformações no clima da região de-
Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Puc- correntes do efeito estufa e da diminuição da ca-
camp)/FCC, 2005. mada de ozônio.
b) o empobrecimento da classe média e a
04. O controle biológico, técnica emprega- consequente falta de recursos para custear o
da no combate a espécies que causam danos e caro tratamento da doença.
prejuízos aos seres humanos, é utilizado no com- c) o aumento na migração humana para fa-
bate à lagarta que se alimenta de folhas de algo- zendas, grandes obras, assentamentos e garim-
doeiro. Algumas espécies de borboleta deposi- pos, instalados nas áreas de floresta.
tam seus ovos nessa cultura. A microvespa Tricho- d) as modificações radicais nos costumes dos
gramma sp. introduz seus ovos nos ovos de outros povos indígenas, que perderam a imunidade na-
insetos, incluindo os das borboletas em questão. tural ao mosquito transmissor.
Os embriões da vespa se alimentam do conteú- e) a destruição completa do ambiente na-
do desses ovos e impedem que as larvas de bor- tural de reprodução do agente causador, que o
boleta se desenvolvam. Assim, é possível reduzir levou a migrar para os grandes centros urbanos.
a densidade populacional das borboletas até Enem 2003. Prova amarela
níveis que não prejudiquem a cultura. A técnica
de controle biológico realizado pela microvespa 07. Atletas devem ter uma alimentação rica
Trichogramma sp. consiste na: em proteínas e carboidratos. Assim devem con-
sumir preferencialmente os seguintes tipos de ali-
a) introdução de um parasita no ambiente mentos, respectivamente:
da espécie que se deseja combater.
b) introdução de um gene letal nas borbole- a) verduras e legumes pobres em amido.
tas, a fim de diminuir o número de indivíduos. b) óleos vegetais e verduras.
c) competição entre a borboleta e a micro- c) massas e derivados de leite.
vespa para a obtenção de recursos. d) farináceos e carnes magras. e) carnes ma- 199
d) modificação do ambiente para selecionar gras e massas.
indivíduos melhor adaptados. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
e) aplicação de inseticidas a fim de diminuir (PUC-RJ) 2010.
o número de indivíduos que se deseja combater.
Enem 2011. Prova azul. 08. A cárie dental resulta da atividade de
bactérias que degradam os açúcares e os trans-
05. Durante as estações chuvosas, aumentam formam em ácidos que corroem a porção mine-
no Brasil as campanhas de prevenção à dengue, ralizada dos dentes. O flúor, juntamente com o
que têm como objetivo a redução da prolifera- cálcio e um açúcar chamado xilitol, age inibindo
ção do mosquito Aedes aegypti, transmissor do esse processo. Quando não se escovam os den-
vírus da dengue. Que proposta preventiva pode- tes corretamente e neles acumulam-se restos de
ria ser efetivada para diminuir a reprodução des- alimentos, as bactérias que vivem na boca ade-
se mosquito? rem aos dentes, formando a placa bacteriana
ou biofilme. Na placa, elas transformam o açúcar
a) Colocação de telas nas portas e janelas, dos restos de alimentos em ácidos, que corroem
pois o mosquito necessita de ambientes cobertos o esmalte do dente formando uma cavidade,
e fechados para a sua reprodução. que é a cárie. Vale lembrar que a placa bacteria-
b) Substituição das casas de barro por casas na se forma mesmo na ausência de ingestão de
de alvenaria, haja vista que o mosquito se repro- carboidratos fermentáveis, pois as bactérias pos-
duz na parede das casas de barro. suem polissacarídeos intracelulares de reserva.
c) Remoção dos recipientes que possam Disponível em: <http://www.diariodasaude.com.br>.
acumular água, porque as larvas do mosquito se
desenvolvem nesse meio. cárie 1. destruição de um osso por corrosão
d) Higienização adequada de alimentos, vis- progressiva.
to que as larvas do mosquito se desenvolvem nes- *cárie dentária: efeito da destruição da estru-
se tipo de substrato. tura dentária por bactérias.
e) Colocação de filtros de água nas casas, HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico. Versão 1.0.
visto que a reprodução do mosquito acontece Editora Objetiva, 2001 (adaptado)
em águas contaminadas.
Enem 2011. Prova azul. A partir da leitura do texto, que discute as
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

causas do aparecimento de cáries, e da sua rela- b) apenas I, II, IV e V


ção com as informações do dicionário, conclui-se c) £ apenas I, II, III e V
que a cárie dental resulta, principalmente, de d) todas
e) apenas II e IV
a) falta de flúor e de cálcio na alimentação Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR),
diária da população brasileira. 2004
b) consumo exagerado do xilitol, um açúcar,
na dieta alimentar diária do indivíduo. 11. Um pesquisador estudou uma célula ao
c) redução na proliferação bacteriana quan- microscópio eletrônico, verificando a ausência
do a saliva é desbalanceada pela má alimenta- de núcleo e de compartimentos membranosos.
ção. Com base nessas observações, ele concluiu que
d) uso exagerado do flúor, um agente que a célula pertence a
em alta quantidade torna-se tóxico à formação
dos dentes. a) uma bactéria.
e) consumo excessivo de açúcares na ali- b) uma planta.
mentação e má higienização bucal, que contri- c) um animal.
buem para a proliferação de bactérias. d) um fungo.
Enem 2010. Prova azul. e) um vírus.
Fuvest 2001
09. No ano de 1500, os portugueses já se re-
feriam ao Brasil como a “Terra dos Papagaios”, 12. Na evolução dos vegetais, o grão de pó-
incluindo nessa designação os papagaios, araras len surgiu em plantas que correspondem, atual-
e periquitos. Estas aves pertencem a uma mesma mente, ao grupo dos pinheiros. Isso significa que o
família da ordem Psittaciformes. Dentre elas, po- grão de pólen surgiu antes
de-se citar:
a) dos frutos e depois das flores.
b) das flores e depois dos frutos.
c) das sementes e depois das flores.
d) das sementes e antes dos frutos.
e) das flores e antes dos frutos.
Fuvest 2011
200
13. Em certos locais, larvas de moscas, criadas
em arroz cozido, são utilizadas como isca para
pesca. Alguns criadores, no entanto, acreditam
O grupo de aves relacionadas compreende que essas larvas surgem espontaneamente do ar-
roz cozido, tal como preconizado pela teoria da
a) 3 espécies e 3 gêneros. geração espontânea. Essa teoria começou a ser
b) 9 espécies e 3 gêneros. refutada pelos cientistas ainda no século XVII, a
c) 3 espécies de uma única família. partir dos estudos de Redi e Pasteur, que mostra-
d) 9 espécies de um mesmo gênero. ram experimentalmente que
e) 3 espécies de uma única ordem.
Unesp 2003 a) seres vivos podem ser criados em laboratório.
b) a vida se originou no planeta a partir de
10. Analise as afirmações relacionadas a seres microrganismos.
dos Reinos Monera, Protista e Fungi. c) o ser vivo é oriundo da reprodução de ou-
I. A associação das bactérias do gênero Rhi- tro ser vivo preexistente.
zobium com as leguminosas dá origem a uma d) seres vermiformes e microrganismos são
simbiose de alto valor econômico e ecológico. evolutivamente aparentados.
II. Penicillium notatum é um representante do e) vermes e microrganismos são gerados pela
reino Fungi, do qual Alexander Fleming extraiu um matéria existente nos cadáveres e nos caldos nu-
importante antibiótico, conhecido por penicilina. tritivos, respectivamente.
III. As micorrizas constituem um grupo de bac- Enem 2012. Prova Azul
térias que realizam a fixação do nitrogênio da at-
mosfera. 14. Há três milhões de anos, os ancestrais dos
IV. O reino Fungi apresenta espécies comestí- seres humanos ainda passavam grande parte
veis e espécies tóxicas para o homem. de suas vidas nas árvores. Mas, de acordo com
V. As bactérias são seres procariontes, portan- um novo estudo, é possível que naquela época
to classificadas no reino Monera. eles já caminhassem como bípedes. Há mais de
30 anos foi descoberto em Laetoli, na Tanzânia,
Estão corretas: um rastro de pegadas fósseis depositadas há 3,6
a) apenas I, II e III milhões de anos e preservadas em cinzas vulcâni-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias

cas. A importância dessas pegadas para o estu- A importância dessa inovação tecnológica
do da evolução humana tem sido intensamente para a comunidade científica se deve à
debatida desde então. As pegadas, que mostra- a) possibilidade de sequenciar os genomas
vam clara evidência de bipedalismo, a habilida- de bactérias para serem usados como recepto-
de para caminhar na posição vertical –, haviam ras de cromossomos artificiais.
sido produzidas, provavelmente, por indivíduos b) capacidade de criação, pela ciência,
da única espécie bípede que vivia naquela área de novas formas de vida, utilizando substâncias
na época: os Australopithecus afarensis. Essa es- como carboidratos e lipídios.
pécie inclui Lucy, um dos fósseis de hominídeos c) possibilidade de produção em massa da
mais antigos encontrados até hoje e cujo esque- bactéria Mycoplasma capricolum para sua distri-
leto é o mais completo já conhecido. buição em ambientes naturais.
Agência FAPESP, 22/3/2010 d) possibilidade de programar geneticamen-
te microrganismos ou seres mais complexos para
De acordo com o texto, produzir medicamentos, vacinas e combustíveis.
a) As pegadas fósseis encontradas na Tanzâ- e) capacidade da bactéria Mycoplasma ca-
nia eram de indivíduos da espécie Homo sapiens. pricolum de expressar suas proteínas na bactéria
b) O homem evoluiu a partir de macacos sintética e estas serem usadas na indústria.
que viviam em árvores. Enem 2011.
c) Os Australopithecus afarensis caminhavam
na posição vertical.
d) Lucy é o mais antigo fóssil da espécie Homo DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
sapiens já encontrado. RESULTADOS
e) Lucy e os da sua espécie não tinham habili-
dade para caminhar na posição vertical. Confira aqui os seus resultados!
Pasusp 2010
01. Alternativa correta: e.
15. Em famílias constituídas a partir da união O texto da questão informa que o inseticida
de primos em primeiro grau, é mais alta a ocor- DDT “é acumulado ao longo das cadeias alimen-
rência de distúrbios genéticos, em comparação tares, sendo absorvido pelos produtores, passan-
com famílias formadas por casais que não têm do para os consumidores primários, destes para
consanguinidade. os consumidores secundários e assim por diante”.
Essa é a caracterização do conceito de bioacu- 201
a) A que se deve essa maior ocorrência de mulação, no qual a concentração de produtos
distúrbios genéticos em uniões consanguíneas? persistentes vai aumentando a cada nível trófico.
b) A fenilcetonúria (FCU) é um distúrbio gené- Portanto, o acúmulo é menor nas alfaces (pro-
tico que se deve a uma mutação no gene que dutores, primeiro nível trófico) e maior nos sapos
expressa a enzima responsável pelo metabolismo (consumidores secundários, terceiro nível trófico
do aminoácido fenilalanina. Na ausência da en- da cadeia sugerida).
zima, a fenilalanina se acumula no organismo e
pode afetar o desenvolvimento neurológico da 02. Alternativa correta: a.
criança. Esse distúrbio é facilmente detectado no Os pardais são consumidores de 1a e de 2a
recém-nascido pelo exame do pezinho. No caso ordens porque se alimentam das sementes das
de ser constatada a doença, a alimentação des- plantas (seres autotróficos) e dos gafanhotos
sa criança deve ser controlada. Que tipos de ali- (consumidores primários, que se alimentam de
mento devem ser evitados: os ricos em carboidra- plantas).
tos, lipídios ou proteínas? Justifique.
Unicamp 2010
03. Alternativa correta: e.
A matéria orgânica diminui conforme o nível
16. Um instituto de pesquisa norte-americano
trófico aumenta
divulgou recentemente ter criado uma “célula
sintética”, uma bactéria chamada de Mycoplas-
04. Alternativa correta: a.
ma mycoides. Os pesquisadores montaram uma
A microvespa Trichogramma sp. é um para-
sequência de nucleotídeos, que formam o único
sita da borboleta, pois se alimenta de seus ovos.
cromossomo dessa bactéria, o qual foi introduzi-
do em outra espécie de bactéria, a Mycoplasma
05. Alternativa correta: c.
capricolum. Após a introdução, o cromossomo
As fêmeas do mosquito Aedes aegypti depo-
da M. capricolum foi neutralizado e o cromosso-
sitam seus ovos na água, onde as larvas se de-
mo artificial da M. mycoides começou a geren-
senvolvem. Para evitar a reprodução do vetor,
ciar a célula, produzindo suas proteínas.
removem-se os locais com acúmulo de água, o
GILBSON, D. G. et al. Creation of a bacterial cell con-
que, consequentemente, diminui a quantidade
trolled by a chemically synthesized genome. Science, v.
de casos de dengue.
329, 2010 (adaptado
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06. Alternativa correta: c. O ser humano não evoluiu diretamente do


A questão permite entender que a adminis- macaco, mas de um ancestral comum entre eles.
tração da saúde pública não pode se preocupar Esse ancestral deu origem a nossa espécie e a to-
apenas com o combate direto à doença. Nesse das as outras, existentes e que foram extintas, do
caso, percebe-se que a migração à procura de grupo dos primatas (alternativa b). Por fim, Lucy
emprego e melhores condições de vida, em uma não é da espécie Homo sapiens e provavelmen-
área onde existe uma doença endêmica, pode te tinha postura bípede (alternativas d e e).
elevar o número de casos.
15.
07. Alternativa correta: e. a) Como os cônjuges apresentam um an-
Dos alimentos citados, os únicos que contêm cestral comum, seu patrimônio genético é mais
proteínas são as carnes, o leite e seus derivados. semelhante entre si do que entre cônjuges não
Os carboidratos são todos os que contêm farinha aparentados. Assim, sempre entre primos de pri-
de trigo, como as massas e os alimentos fariná- meiro grau a chance de ocorrência de um gene
ceos. Óleos são ricos em lipídios e os alimentos deletério (que prejudica a saúde) e recessivo em
vegetais, como verduras e legumes, são pobres dose dupla (provindo, portanto, de cada um dos
em amido, mas são fontes de vitaminas e sais mi- primos) nos descendentes é elevada.
nerais. b) Como a fenilalanina é um aminoácido e
seu acúmulo no organismo leva à fenilcetonúria,
08. Alternativa correta: e. as substâncias constituídas por aminoácidos é
Os restos de açúcares são fermentados pelas que devem ser evitadas – no caso, as proteínas
bactérias causadoras da cárie dentária, facilitan- ricas em fenilalanina, presentes em carne, ovos e
do o desenvolvimento dessa doença. A escova- leite.
ção inadequada dos dentes HORA não retira o
biofilme de bactérias, nem os restos de alimentos 16. Alternativa correta: d.
Ao receber genes de uma bactéria sintéti-
09. Alternativa correta: b. ca, a bactéria original passa a ser um organismo
No quadro há nove espécies diferentes, como transgênico, que terá a expressão dos genes in-
se pode ver pelos nomes científicos, e apenas três troduzidos, que podem ser de importância mé-
gêneros: Ara, Amazona e Aratinga. dica, por exemplo, na produção de hormônios
humanos.
202 10. Alternativa correta: b.
A afirmação III está incorreta, pois as micorri-
zas são associações existentes entre certas bac-
térias e as raízes de plantas (como as legumino-
sas) e são capazes de fixar o gás nitrogênio den-
tro das células e não na atmosfera, como está
sendo afirmado.

11. Alternativa correta: a.


O único ser vivo dessa lista com estrutura ce-
lular e que não apresenta núcleo é a bactéria.
Plantas, animais e fungos são formados por célu-
las que possuem núcleo, e os vírus não possuem
estrutura celular.

12. Alternativa correta: e.


Os pinheiros são gimnospermas que não pro-
duzem flores ou frutos. Por isso, eles surgiram antes
das flores e dos frutos.

13. Alternativa correta: c.


Os experimentos de Redi e de Pasteur refu-
taram a ideia de que os seres vivos podiam ser
gerados de matéria inanimada (abiogênese) e
conseguiram evidências para a biogênese, que
defende que um ser vivo só pode originar-se de
outro preexistente.

14. Alternativa correta: c.


O texto trata de ancestrais de Homo sapiens
e não de indivíduos dessa espécie (alternativa a).
Ciências Humanas e
suas Tecnologias
Ciências Humanas e suas Tecnologias

de terra, ou se são rodovias principais ou estradas


CARTOGRAFIAS DO MUNDO secundárias.
Em alguns mapas, as cidades aparecem repre-
CONTEMPORÂNEO
sentadas por pontos, indicando sua localização.
Em outros casos, elas estão representadas por cír-
culos de diferentes tamanhos para indicar, entre
A LINGUAGEM DOS MAPAS outros fatores, quantidade de população em cada
área urbana. As cores ou hachuras (traços verticais,
A linguagem cartográfica moderna integra o horizontais ou diagonais) servem, em geral, para
campo das linguagens visuais, ou seja, utiliza símbo- identificar áreas como a de um determinado culti-
los, sinais gráficos e faz uso próprio das cores. Uma vo ou a vegetação de uma região. Portanto, para
vez conhecidos seus principais elementos (título, representar cada fenômeno, devem-se escolher
legenda e toponímia – nome do lugar), um mapa símbolos ou cores correspondentes.
poderá ser lido e entendido por qualquer pessoa,
isto é, a linguagem cartográfica é universal. Projeção cartográfica
O mapa pode ser definido como uma repre-
sentação plana, simplificada e convencional da Os mapas são construídos segundo uma proje-
superfície terrestre, em sua totalidade ou em partes ção cartográfica. Cada projeção busca resolver o
dela. Muitos mapas foram produzidos para atender problema de representar a superfície curva da Ter-
a interesses, como os dos Estados nacionais ou do ra no plano, uma vez que os mapas são feitos em
poder econômico. folha de papel ou em tela de computador.
Nenhuma projeção reproduz perfeitamente no
Observe o mapa a seguir plano a superfície curva; sempre haverá alguma
distorção na forma, nas distâncias ou nos tamanhos
e nas proporções das áreas representadas. Para
representar o globo terrestre, foram desenvolvidas
diversas projeções cartográficas.
Para fazer a transposição da superfície curva
para a plana (que é a do mapa), os cartógrafos
desenvolveram técnicas de projeção da esfera ter-
restre. Essas projeções foram feitas sobre um cilin-
dro, um cone ou diretamente no plano.
Deve-se observar que não existem projeções 1
cartográficas livres de deformações. Mercator foi
um importante cartógrafo do século XVI. Ele nas-
ceu no território que hoje é a Bélgica e, em 1569,
publicou um mapa-múndi em 18 folhas, que ficou
conhecido como projeção de Mercator.
Seu mapa-múndi, que é uma projeção cilíndri-
ca, popularizou-se, pois foi a primeira representa-
ção do mundo feita depois que os europeus am-
Funções e elementos dos mapas pliaram seus conhecimentos sobre os continentes
africano, asiático e americano. A projeção de Mer-
Entre as principais funções dos mapas estão as cator apresenta distorções no tamanho das terras
de orientação e localização de pontos na superfí- emersas, como no caso da Groenlândia, que, ape-
cie terrestre. Eles podem retratar a distribuição de sar de ser menor que a América do Sul, aparece
fenômenos geográficos diversos: áreas naturais, bem maior nessa projeção.
fluxos de mercadorias, crescimento da população,
avanço do desmatamento, entre outros.
É possível citar outras funções, tais como rela-
cionar fenômenos, conhecer limites entre países,
auxiliar na construção de obras públicas e na pre-
servação ambiental. Há também mapas ligados à
representação do poder, seja de países, seja de
grupos econômicos.
O importante é que, para cada tipo de evento,
deve-se utilizar uma determinada forma de repre-
sentação. De acordo com suas características, os
fenômenos podem ser anotados na forma de pon-
to, linha ou área. Assim, um mapa de rodovias é
constituído basicamente de linhas de diversas co-
res, que indicam o traçado e a condição de cada
estrada, isto é, se ela é, por exemplo, asfaltada ou
Ciências Humanas e suas Tecnologias

Mercator sabia que haveria distorções desse


tipo, pois ele considerou os meridianos como retas #FicaDica
paralelas, e não como linhas curvas que se encon- Paralelo
tram nos polos. Mas manteve ângulos e formas, Círculo completo que cruza os meri-
mesmo quando as aumentava, criando um mapa dianos em ângulos retos. O círculo má-
adequado a navegações marítimas. ximo é o da Linha do Equador (0°) (veja
Os mapas podem ter projeções equivalentes mapa a seguir).
(não alteram as áreas), conformes (não alteram Latitude
formas e ângulos, como a de Mercator) ou equi- Distância medida em graus da Linha
distantes (representam os comprimentos de modo do Equador a um ponto qualquer para o
uniforme). norte ou para o sul.
Longitude
Distância medida em graus do Me-
ridiano de Greenwich a um ponto qual-
quer para leste ou para oeste.

Sistemas de coordenadas são encontrados


2 também nos guias de ruas das cidades ou no sis-
tema GPS (Sistema de Posicionamento Global, em
português), existente em aparelhos instalados em
alguns veículos, em telefones celulares e tablets.
Em deslocamentos pelas cidades, guias e GPS
são muito eficientes para localizar pontos e definir
trajetos.
Coordenadas geográficas
Sistemas de orientação nos mapas
As coordenadas geográficas são um importan-
te elemento presente nos mapas. São as linhas ima- Os mapas, de modo geral, trazem uma rosa dos
ginárias que, em mapas e globos terrestres, resul- ventos com as direções cardeais ou colaterais, por
tam dos cruzamentos entre os paralelos, no sentido exemplo, ou uma seta indicando a direção norte.
leste-oeste, e os meridianos, no sentido norte-sul. Isso serve para dispor a orientação no mapa e si-
Esses cruzamentos auxiliam na orientação e permi- tuar qualquer ponto em relação a outro.
tem a localização de qualquer ponto na superfície
terrestre com precisão, por meio das latitudes e das
longitudes.
O município de São Paulo, por exemplo, loca-
liza-se nas coordenadas geográficas: 23o 32’51” S
(lê-se latitude sul) e 46o 38’10” O (lê-se longitude
oeste).
Ciências Humanas e suas Tecnologias

Nomes de lugares e fontes dos mapas AS VARIÁVEIS VISUAIS E A REPRESENTAÇÃO CAR-


TOGRÁFICA
Observe também que nos mapas há nomes.
São nomes próprios de municípios, países, serras, Você viu no Tema 1 que as informações podem
oceanos, mares, continentes etc. Esse elemento ser implantadas nos mapas pelo uso de pontos,
recebe o nome de toponímia, palavra de origem linhas e áreas. Para cada um desses três tipos de
grega (topos = lugar + ónoma = nome). É importan- representação são escolhidos e utilizados determi-
te lembrar que o mapa também tem autoria, pois é nados símbolos ou formas gráficas. Isso envolve as
produzido por alguém ou alguma instituição. chamadas variáveis visuais dos mapas. Elas orien-
Assim, é sempre conveniente observar a fonte e tam o olhar e são essenciais para realizar a leitura.
a autoria do mapa, bem como a data de sua pu- A seguir, serão apresentados alguns exemplos.
blicação, informações normalmente anotadas na Uma das variáveis visuais é a forma dos símbolos
parte inferior dos mapas. ou dos sinais escolhidos para uma representação
qualquer. Por exemplo, as cidades podem ser re-
A escala cartográfica presentadas com pontos (pequenos círculos, geral-
mente na cor preta) em um mapa de escala pe-
A escala cartográfica pode ser registrada com quena (como o mapa-múndi). Em outras situações,
números (1:5.000; 1:450.000.000 etc.) ou na forma determinados locais que possuem certas qualida-
gráfica (uma barra horizontal com medidas apro- des ganham pontos em forma de símbolos, como o
ximadas em metros ou quilômetros). Ela se refere desenho de um avião (para aeroportos) ou de um
à relação de proporção entre o espaço e sua re- navio (para portos).
presentação no mapa e mantém a relação entre Isso ajuda a identificar e a separar objetos que
a medida de um objeto ou lugar representado no são diferentes (porto, aeroporto, fábrica etc.). Há
papel e sua medida real. também formas para representar fenômenos im-
Define, portanto, o grau de redução da super- plantados em linhas. Assim, em um mapa de redes
fície para que possa ser representada na folha do de transportes, por convenção, as linhas contínuas
mapa ou na tela do computador. Mapas com es- pintadas de vermelho são usadas para mostrar o
calas grandes têm um grau menor de redução da traçado das rodovias, e as linhas pretas com traços
realidade. Neles, podem-se observar mais detalhes perpendiculares, para mostrar as ferrovias. Ou, no
do lugar representado. É o caso das plantas, como caso da representação de áreas, cores ou hachu-
aquelas utilizadas na construção de casas. ras são utilizadas para separar áreas distintas.
Em mapas com escalas pequenas há uma O quadro a seguir mostra modos de implantar
grande redução da superfície. Por isso, não é pos- informações nas representações cartográficas 3
sível verificar os detalhes dos lugares representados
(veja mapa ao lado). Em compensação, neles po-
de-se ter uma grande área representada, como
acontece nos mapas-múndi.
Além das escalas grandes e das escalas peque-
nas, existem também escalas cartográficas inter-
mediárias, por exemplo, entre 1:50.000 e 1:100.000.
Essas escalas são utilizadas, em geral, para fazer
o que na linguagem cartográfica é chamado de Outra importante variável visual é a cor, que sal-
carta. Um exemplo são as cartas topográficas do ta à vista no primeiro instante. Há mapas com áreas
IBGE, que representam elementos naturais, como (como os países) pintadas de cores diferentes. O
rios e elevações do terreno (chamadas de curvas que isso quer dizer? Nesse caso, as cores também
de nível, indicam as variações de altitude), e ele- são usadas para separar elementos. Em mapas de
mentos humanos, como estradas, fazendas, cida- divisão política, elas indicam o contorno e a área
de-sede de um município etc. dos países, delimitando claramente seus territórios.
Vale lembrar também que escala cartográfi- A cor pode ser usada ainda com base na variá-
ca não é o mesmo que escala geográfica. Ambas vel valor, que expressa a intensidade do fenôme-
estão presentes nos estudos de Geografia. Como no. Em mapas que contêm apenas tons da mesma
você viu, a escala cartográfica implica uma rela- cor (como os mapas de população que utilizam
ção de proporção e medidas entre a realidade e a diferentes tons de verde), o tom mais escuro indica
sua representação. maior intensidade do fenômeno; por oposição, o
A escala geográfica, por sua vez, refere-se à tom mais claro é usado em áreas em que o fenô-
abrangência espacial dos fenômenos em diferen- meno é menos intenso.
tes situações: o deslocamento das pessoas de casa Outra variável visual é o tamanho. Em um mes-
para o trabalho em um município é um evento de mo mapa, pode haver círculos ou retângulos de
escala geográfica local; já os fluxos financeiros ou diferentes tamanhos que se referem ao mesmo
de bens realizados no mercado mundial são situa- fenômeno, tal como a quantidade de população
ções que envolvem a escala geográfica planetária urbana. Os círculos maiores representam os núcleos
ou global. mais populosos e os menores, os menos populosos.
Ciências Humanas e suas Tecnologias

A figura a seguir mostra algumas variáveis vi- nos. Cores, símbolos e outros sinais são usados, nes-
suais. ses casos, para identificar e diferenciar os elemen-
tos no mapa.

Mapas quantitativos

Toda vez que um mapa apresenta o mesmo


símbolo com tamanhos diferentes, é possível, de
imediato, relacionar isso à representação de dife-
rentes quantidades. Essa é a característica essen-
cial dos mapas quantitativos. Assim, há sempre um
símbolo gráfico (círculo, quadrado etc.) ou pictóri-
co (desenhos ou ícones de armas nucleares, exérci-
tos, dinheiro, navios etc.) que, disposto em diferen-
tes tamanhos, indica quantidades diversas.
Os dados quantitativos também podem ser
combinados com outras formas de representação
de fenômenos, como será apresentado mais adian-
te. Existem outros mapas quantitativos, como os de
pontos de contagem. Um exemplo é o dos mapas
de densidade demográfica (habitantes por km2 ).
Neles, são assinaladas diferentes quantidades de
pontinhos em porções da superfície, indicando
áreas de grande concentração de pessoas (com
maior quantidade de pontos) ou aquelas de baixo
povoamento (com menor quantidade de pontos).

Mapas ordenados

Por que ordenado? Porque, pela disposição


Por que é importante conhecer as variáveis das cores, ele estabelece uma determinada or-
visuais? Porque elas são essenciais na leitura e na dem quanto ao fenômeno representado. Um ele-
4 interpretação de mapas dos tipos: qualitativos, mento muito importante é o resultado visual que
quantitativos, ordenados e dinâmicos. É o que será esse mapa apresenta.
visto a seguir. Ele utiliza tons da mesma cor (no caso, o azul)
para representar um mesmo fenômeno (taxas de
Mapas qualitativos fecundidade). Então, quanto mais escuro o tom
de azul, maior é o número de filhos por mulher; por-
O mapa apresentado na atividade anterior é tanto, maior é a intensidade do fenômeno. Inver-
do tipo qualitativo. Em geral, o mapa qualitativo samente, quanto mais claro o tom de azul, menos
procura mostrar não só a existência e a localiza- intenso é o fenômeno. Neste caso, o número de fi-
ção de fenômenos, mas também sua diversidade lhos por mulher é menor.
interna. Assim, o fenômeno estudado é o mesmo: Desse modo, é possível perceber, em largas fai-
as línguas oficiais de países da África. xas do planeta, países com baixa taxa de fecundi-
Mas as cores ressaltam as diferenças e a diver- dade, como o Japão, a China, a Rússia, a Austrália,
sidade: a cor azul indica países que têm o inglês o Canadá e boa parte da Europa, e países com
como língua oficial; a marrom, a língua francesa; taxa de fecundidade elevada, como o Afeganis-
a laranja, a língua portuguesa; e a amarela, a lín- tão, o Iêmen e os da África central.
gua árabe. Observe que esse mapa traz também
hachuras, que são os traçados diagonais ou hori- Mapas dinâmicos ou de movimento
zontais. É um recurso que usa as mesmas cores para
mostrar combinações do fenômeno – no caso, paí- A grande migração transatlântica, final do séc.
ses com pelo menos duas línguas oficiais. XIX – início do séc. XX. Esse é um ótimo exemplo de
Há, ainda, os pequenos círculos, que assinalam mapa dinâmico, que representa fluxos ou movi-
países com uma ou mais línguas locais. Outros ma- mentos no espaço associados, entre outros fatores,
pas qualitativos bem conhecidos são os de vege- à circulação de pessoas, bens, serviços ou informa-
tação, relevo ou divisão política. Da mesma forma, ções. Para representá-los, é comum o uso de setas
mapas de recursos minerais, em que cada minério de diferentes larguras, da origem ao destino.
é representado por um símbolo gráfico. Uma con- As larguras diferentes referem-se ao item quan-
sulta a atlas geográficos pode ajudar a confirmar tidade; portanto, nessas representações gráficas,
essas informações. combinam-se diversos dados quantitativos. Outros
Assim, os mapas qualitativos destacam a exis- mapas dinâmicos ou de movimento mostram tam-
tência, a localização e a diversidade de fenôme- bém a evolução temporal de um dado fenômeno,
Ciências Humanas e suas Tecnologias

utilizando um jogo ou uma coleção de mapas da que há um quadro de crescente integração entre
mesma superfície em períodos distintos. mercados, pessoas e países. Nele, empresas ou
Temas comuns nesse tipo de mapa são os da grupos ampliam sua escala de atuação no espaço
evolução do desmatamento, da urbanização ou mundial. Esse ponto será retomado mais adiante.
dos níveis de concentração demográfica. Nem Como ressalta o geógrafo Milton Santos, isso foi pos-
sempre os mapas trazem todos os elementos estru- sível, entre outras razões, por causa das inovações
turais. Dependendo do que está representado, a tecnológicas na informática, na microeletrônica e
ideia é que eles não fiquem carregados com mui- nas telecomunicações.
tas informações, pois isso pode dificultar a análise. A primeira inovação, a da informática, refere-se
Assim, alguns mapas desta Unidade dispensaram a uma verdadeira revolução, com o uso generali-
coordenadas geográficas ou nomes de lugares. zado de computadores. O desenvolvimento da mi-
croeletrônica possibilitou a construção de circuitos
Anamorfoses eletrônicos e componentes muito pequenos que
são instalados em computadores, celulares e má-
Existem, ainda, outros mapas que trazem olha- quinas industriais, assim como em automóveis, ele-
res distintos. Entre eles estão as anamorfoses. O trodomésticos e brinquedos.
nome anamorfose significa “disforme” ou “fora da As transmissões via satélite e o uso de cabos de
forma”. Também denominadas cartogramas, as fibra óptica permitiram, por sua vez, a rápida trans-
anamorfoses distorcem propositalmente o fundo missão de informações a distância, ampliando o
do mapa para evidenciar um fenômeno. Assim, as alcance das telecomunicações. Hoje, pode-se as-
anamorfoses mudam as formas e as proporções sistir pela TV ou pela internet a algo que está ocor-
das áreas representadas, de acordo com a rela- rendo no mesmo instante em diferentes lugares do
ção entre superfícies e quantidades. planeta. Esses avanços cada vez mais se integram
Portanto, representações como essa rompem ao espaço geográfico e à vida social, criando o
com as heranças da cartografia que “naturalizam” que Milton Santos chamou de meio técnico-cientí-
os mapas. fico-informacional.
Significa que o espaço geográfico passou a
incorporar progressivamente as inovações tecno-
lógicas. Isso pode ser percebido em infraestruturas
de telecomunicações (torres, cabos, antenas etc.),
usos de tecnologia “de ponta” nas fábricas e fa-
zendas modernas ou nos chamados edifícios “inte-
ligentes” das grandes metrópoles. 5
Nesse último caso, as tecnologias permitem,
por exemplo, reduzir o consumo de água e ener-
gia, aproveitar melhor a iluminação natural e dimi-
nuir custos e desperdícios. Nesse contexto, ganha
destaque uma mercadoria especial, a informação,
difundida pela internet ou pelas redes globais de
comunicação (agências de notícias, portais de
bancos de dados, redes de televisão etc.).
No mapa acima, de população mundial, é pos- Ela é essencial para que empresas globais e paí-
sível observar que as formas e proporções dos terri- ses possam tomar decisões, enviar ordens ou rea-
tórios foram alteradas. Evidenciam-se, por exemplo, lizar investimentos. Vive-se nos dias de hoje o que
a China (em verde) e a Índia (em amarelo-escuro), passou a se chamar sociedade da informação, na
os dois países mais populosos do planeta. qual se produz e se consome vorazmente informa-
ções. Inovações nos meios de transporte também
GLOBALIZAÇÃO, UMA NOVA FACE DO MUNDO podem ser incluídas nesse conjunto.
ATUAL O uso de modernos aviões, trens e navios de
carga permite o envio de bens por longas distân-
O surgimento da globalização cias em tempo mais curto. Evidentemente, tais me-
didas têm contrapartida social: muitas vezes preju-
O debate em torno de visões sobre a globali- dicam regiões, setores econômicos ou sociedades
zação e seus principais elementos tem sido intenso inteiras.
nos últimos anos. Nesse processo, ainda em cons-
trução, são muitos os pontos de vista e divergên-
cias. Levando isso em conta, pode-se dizer que
ela se refere a uma aceleração nos fluxos de bens,
pessoas, serviços e informações, que hoje circulam
mais livremente e ultrapassam fronteiras nacionais.
Isso precisa ser avaliado criticamente.
Por exemplo, nem todos os trabalhadores imi-
grantes podem circular livremente. Mas é inegável
Ciências Humanas e suas Tecnologias

tando seus veículos a preferências ou demandas lo-


#FicaDica cais. Desse modo, no México, elas produzem carros
As divisões e classificações regionais pequenos e econômicos e, na Austrália, picapes e
agrupam países de acordo com ca- utilitários. São os chamados mercados personaliza-
racterísticas comuns, entre as quais os dos. As empresas escolhem criteriosamente os lo-
níveis de desenvolvimento econômico cais de instalação de suas unidades produtivas. E
e social. São frequentes classificações elas têm motivos para isso.
como norte/sul; países ricos/países po- Um deles, talvez o principal, está ligado aos
bres; Primeiro, Segundo e Terceiro Mun- baixos salários nos países procurados. Os ganhos,
dos; países desenvolvidos/países em de- porém, podem aumentar também com as conces-
senvolvimento (ou subdesenvolvidos), sões oferecidas por governos locais que, por sua
cada qual organizada por critérios dife- vez, têm interesses na atração de novas empresas
rentes. Mas todas elas têm vantagens e e novos investimentos. Muitas vezes, uma grande
imperfeições e sofreram mudanças ao empresa já sai ganhando com as isenções fiscais
longo do tempo. do país que vai receber sua nova fábrica. Isso se
refere à participação dos Estados nacionais no ce-
nário global, com políticas industriais e atração de
A ação das empresas globais Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE).
Quando se examinam setores como o automo-
Foi visto o exemplo da organização de uma bilístico, o de produtos de informática ou o de má-
grande empresa global ou transnacional. Para quinas e equipamentos industriais, pode-se verificar
compreender por que as empresas globais são que suas fábricas operam no novo sistema produti-
também chamadas de transnacionais, primei- vo, chamado de produção flexível.
ramente é preciso compreender o conceito de As unidades, atualmente, são intensivas em tec-
empresa multinacional. Multi significa “vários”, nologia, com robôs e outras máquinas informatiza-
“muitos”. Assim, multinacionais são empresas que das que desempenham o trabalho de várias pes-
possuem sede em seus países de origem, mas que soas.
também têm muitas filiais em outros países. Desse modo, nesse sistema produtivo, as fá-
Portanto, ainda que operem em muitos países, bricas são mais enxutas, com quadro reduzido de
as multinacionais têm uma origem nacional. O pre- funcionários. Distintas, portanto, da grande empre-
fixo trans quer dizer “além de”, como na palavra sa industrial de décadas anteriores, com dezenas
transcender (“ir além de”, “ultrapassar o limite”). As de milhares de operários. As empresas de hoje têm
6 empresas transnacionais seriam, portanto, entida- apenas algumas centenas de trabalhadores, que
des que ultrapassam os limites nacionais, indepen- podem produzir mais do que as antigas unidades,
dentemente de suas origens. que operavam no regime fordista.
Apesar de instalar suas unidades em vários
territórios nacionais, a empresa transnacional tem
#FicaDica
como objetivo atingir a escala global. Assim, suas
unidades espalhadas pelo mundo integram uma Fordismo
mesma rede global, criada e organizada pela em- Sistema produtivo criado pelo em-
presa. Várias corporações já transferiram, inclusive, presário estadunidense Henry Ford, fun-
sedes administrativas ou científicas para fora do dador da montadora de automóveis
país de origem, embora ainda mantenham alguns Ford. Baseia-se na produção em massa
laços e vínculos com seu território. de um único ou de poucos produtos,
A montadora japonesa mostrada no mapa ins- no uso da linha de montagem e na
talou centros de pesquisa e desenvolvimento cien- especialização de cada trabalhador,
tífico-tecnológico em outros países, como a França que deve desempenhar apenas uma
e os Estados Unidos. Não significa, entretanto, que tarefa das etapas de produção. Henry
não haja ordem ou hierarquia nessa distribuição: os Ford também voltou sua atenção para
comandos para as unidades ficam concentrados o consumo, aumentando os salários e a
na sede da empresa. oferta de créditos para converter cada
Mesmo assim, muitas empresas passaram a ter operário em consumidor.
vínculo mais frágil com seu país de origem. O mes-
mo se dá com os bens que elas fabricam, como o
automóvel. Parte das peças e componentes é fa-
bricada em uma unidade, em certo país; os aces-
sórios são fabricados em outro; e a montagem final
é feita em um terceiro. Este último, por sua vez, ex-
porta os bens prontos para outros países.
Assim se organiza a produção do chamado
carro mundial. Essas montadoras também costu-
mam “ficar de olho” nos mercados nacionais com
potencial de crescimento (como o do Brasil), adap-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

Para que uma empresa se instale em um país, do mundo. Como comportam margens de risco,
há também exigências quanto à infraestrutura. Os as operações podem ser um desastre para países,
locais precisam contar com telecomunicações, empresas ou investidores.
fontes de energia, estradas em boas condições e Crises ocorridas nos últimos anos tiveram as fi-
posição estratégica, próxima de portos e aeropor- nanças como protagonistas, como a de 2008, que
tos, por exemplo. teve início nos Estados Unidos e se espalhou para o
A atual produção global de mercadorias é resto do mundo, com efeitos percebidos até hoje
viabilizada por meio das sucessivas inovações nos Foi visto que indivíduos e grupos podem utilizar
meios de transporte, nas comunicações e nas infor- as tecnologias modernas de comunicação e infor-
mações. Esses elementos compõem as redes geo- mação para diversos fins, por exemplo, para mobi-
gráficas globais, que estão por trás da produção lizar pessoas em torno de causas comuns. Desde os
global de mercadorias. Elas não devem ser confun- anos 1990, muitos movimentos protestam contra a
didas com as redes sociais da internet, pois as redes globalização.
geográficas são um modo de organizar o espaço. Grupos, fóruns e organizações passaram a se
Não são espaços contíguos, e sim formadas organizar para as mais diversas finalidades, utilizan-
por pontos, linhas e nós, como uma rede de pesca. do mensagens em SMS, e-mails e redes sociais. Esse
Nessa disposição espacial, os pontos e nós são as tipo de mobilização ocorreu, por exemplo, durante
fábricas, e as linhas são os fluxos de mercadorias a crise econômica iniciada em 2008, nos Estados
e informações entre as unidades. Nesses sistemas, Unidos, com o movimento Occupy Wall Street, e
fábricas e centros de pesquisa e de gestão perten- também durante o Fórum Social Mundial.
centes a um mesmo conglomerado podem estar
localizados em países ou continentes diferentes. Globalização e desemprego
Processos similares ocorrem também no setor
de serviços, a começar pela própria informática, Em função da crise econômica mundial ocor-
com a produção de softwares em diferentes paí- rida a partir de 2008, diversas empresas globais re-
ses. Nas empresas industriais, essa rede tem uma solveram fechar fábricas e demitir trabalhadores.
estrutura física implantada nos territórios (fábricas, Como elas atuam em escala global, suas decisões
pátios, galpões de armazenagem, escritórios etc.), provocam desemprego e turbulências econômicas
o que a distingue de outro importante ator global, mundo afora.
o sistema financeiro global. A conexão e os fluxos Há, nesses casos, uma relação direta entre o seu
entre as unidades vão configurar a rede de cada modo de operar e o aumento do desemprego ou
empresa. a transferência de empregos. Mas é sempre bom
lembrar que o desemprego também pode resultar 7
O sistema financeiro global de políticas econômicas nacionais, uma atribuição
dos governantes dos países.
O sistema financeiro é composto por instituições É importante considerar ainda que, além de
e operadores que lidam diariamente com a com- fechar as fábricas de uma mesma empresa, tais si-
pra e a venda de ações em bolsas de valores, tí- tuações atingem outras companhias a ela associa-
tulos públicos e privados, fundos de investimento, das. É comum que as unidades das empresas glo-
créditos imobiliários etc. Na arena global, esse sis- bais operem com a terceirização, isto é, a empresa
tema movimenta trilhões de dólares todos os dias. principal repassa etapas do processo produtivo a
O sistema financeiro global se caracteriza por não outras empresas menores, que se responsabilizam,
necessitar, em boa parte, de atividades territoriali- por exemplo, pela fabricação de peças e compo-
zadas (ou seja, implantadas fisicamente nos territó- nentes.
rios), como ocorre com as fábricas. É comum também que tarefas como limpeza,
Para muitas operações, basta um agente, um manutenção e alimentação sejam terceirizadas
computador conectado à internet, determinadas pela firma principal. Não raro, o trabalho terceiri-
informações e o recebimento de mensagens em zado é mais precário e instável, embora em muitos
uma praça financeira, mesmo estando ela situada casos o trabalhador tenha carteira assinada e direi-
do outro lado do planeta (como a bolsa de valo- tos trabalhistas assegurados. Há perdas visíveis nas
res de Tóquio em relação à de São Paulo). Desse cidades que sediam as fábricas, pois trabalhadores
modo, os fluxos e as aplicações podem circular nas demitidos poderão se deslocar ou deixar de consu-
redes informatizadas sem se fixarem em um territó- mir bens, afetando a economia local. Isso interfere
rio. na arrecadação de impostos.
Outro dado importante é que os fluxos de in- Um exemplo conhecido é o de Detroit (EUA), ci-
vestimentos podem ocorrer ininterruptamente, 24 dade polo de montadoras de automóveis que hoje
horas por dia. Ao anoitecer, um operador de Nova está em franca decadência demográfica e eco-
Iorque já pode fazer operações na Bolsa de Tóquio nômica. Certas empresas globais transferem unida-
ou de Shangai. des para outros países, seja porque os salários serão
Apesar de global, esse sistema também tem mais baixos no lugar de destino ou porque terão
uma hierarquia: é conhecido o fato de que pra- vantagens na instalação. Transfere-se, assim, todo
ças financeiras como Nova Iorque, Londres e Tó- o sistema produtivo e, com isso, os empregos. Esse
quio concentram mais da metade das transações traço perverso da globalização não se dá apenas
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em períodos de crise. pamentos, alimentação etc. Quem trabalha em


É comum que haja deslocamento industrial casa pode ser solicitado a qualquer momento – si-
(que alguns chamam de deslocalização) de acor- tuação que invade sua vida privada e pode aca-
do com circunstâncias e interesses dos agentes. bar ampliando sua jornada de trabalho.
Isso também tem ocorrido no Brasil, com algumas
diferenças. O município de São Paulo, por exem- CONFLITOS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
plo, deixou de sediar algumas das fábricas que ha-
via em seu território. Elas se transferiram para outros Um mundo formado por Estados nacionais
municípios da Região Metropolitana, para o interior
do Estado de São Paulo ou para outros Estados da O mapa apresentado na página anterior mos-
federação – processo conhecido como desindus- tra a divisão política do mundo, ou seja, o mundo
trialização. O mesmo ocorreu na aglomeração in- dividido segundo a extensão dos territórios e as
dustrial do ABCD. fronteiras de Estados nacionais. Os territórios dife-
Mas isso não significa, necessariamente, de- rem bastante quanto à extensão territorial: a Rússia
cadência econômica. São Paulo é uma metrópo- tem 17 milhões de km2 (quase o dobro do tamanho
le global que cada vez mais concentra sedes de do Brasil, que também é muito extenso), e Andorra
grandes empresas e serviços modernos. A capital tem apenas 468 km2 (menos de 1/3 da área do mu-
paulista não é mais o espaço das fábricas, mas do nicípio de São Paulo).
comando dessa produção. As inovações tecnoló- A Organização das Nações Unidas (ONU) tem,
gicas em curso desde os últimos anos do século XX atualmente, 193 países- -membros. Não entram na
já haviam provocado ajustes na estrutura das em- lista o Vaticano (sede da Igreja Católica), Taiwan
presas, das atividades e do mercado de trabalho. (considerado uma província rebelde pela China)
A regra foi a demissão de pessoas, como ocor- e os Territórios Palestinos (que desde 2012 possuem
reu com os bancos, que, com a informatização dos status de observadores). Existem ainda muitos terri-
seus serviços e com o uso da internet, fecharam tórios coloniais, que não são independentes: Guia-
agências. O mesmo aconteceu com fábricas e na Francesa, Groenlândia, algumas ilhas da Ocea-
certos setores da agricultura moderna, que substi- nia e da América Central, entre outros.
tuíram o trabalho humano por máquinas. Hoje, no O que são Estados nacionais? Como eles se for-
Brasil, já existem políticas e programas para inserir maram e como se organizam? O que isso tem a ver
novamente essas pessoas no mercado de trabalho. com guerras e conflitos internos? Basicamente, um
Tanto em países ricos como em países em de- Estado nacional é formado por um Estado, uma ou
senvolvimento houve absorção de parte dos traba- mais nações, um território e um governo.
8 lhadores excedentes dos setores primário e secun- O Estado refere-se à organização do poder po-
dário pelo setor terciário da economia, em especial lítico da sociedade nacional. Ele é regido por leis
nos serviços. Trata-se de um subsetor amplo, com e possui instituições permanentes, como o Poder
diferentes níveis de qualificação para o trabalho. Executivo e o Poder Legislativo. É frequente apa-
Mas, mesmo com essa absorção de trabalhadores, recerem na TV ou na internet imagens de policiais
não é possível que todos voltem a ter empregos. atuando em manifestações ou das forças armadas
Em face da atual crise global, Espanha, Grécia, (exército, marinha e aeronáutica) vigiando frontei-
Itália e Portugal são países que vivem o drama do ras.
desemprego de forma intensa. Nesses países, há O que isso quer dizer? Significa que a socieda-
casos de pessoas que ocultam de seus currículos de autoriza cada Estado a usar a força em certas
sua formação para conseguir empregos. situações, seja para manter a paz social interna e
E nem sempre os novos empregos atendem aos proteger fronteiras, seja para fazer guerra com ou-
direitos trabalhistas, reforçando o trabalho informal tro país. Evidentemente, tais atribuições deveriam
ou o trabalho precário. Muitos trabalhadores tive- ser levadas adiante quando os direitos dos cida-
ram de mudar de ramo ou buscar nova formação dãos estão ameaçados.
e novos cursos de qualificação profissional para fu- Os Estados podem enviar também represen-
gir do desemprego. Essa mudança pode se consti- tantes à ONU e às embaixadas de países, estabele-
tuir em uma nova “janela” de oportunidades, mas cendo relações diplomáticas. Em um mesmo Esta-
também pode revelar outra face da mesma histó- do nacional podem existir diferentes nações, cada
ria. Outra situação que não tem necessariamente qual com sua identidade cultural, língua ou origens
vínculo direto com o desemprego foi o surgimento próprias e distintas das demais.
e a ampliação do teletrabalho ou trabalho a dis- Não é raro que uma dessas comunidades quei-
tância. ra mais autonomia ou mesmo se separar do Estado
Ele se tornou possível, sobretudo, por causa do nacional ao qual está vinculada, ainda mais quan-
avanço de novas tecnologias de comunicação, do ocorre o enfraquecimento, com o decorrer do
em particular da internet e da telefonia. Nesses ca- tempo, dos laços culturais originais da comunida-
sos, o trabalhador não precisa se deslocar para a de. Portanto, os grupos se valem da ideia de que
empresa todos os dias, ainda que muitas tarefas existe uma identidade nacional e que isso deve se
exijam o cumprimento de horários e metas. traduzir em poder político, por exemplo, criando
Além disso, o trabalhador deve arcar com cus- um novo Estado nacional.
tos de água, eletricidade, telefone, materiais, equi- O caso da Espanha pode ajudar a entender
Ciências Humanas e suas Tecnologias

melhor essa questão. Os bascos, que vivem ao Guerra Fria, superpotências e conflitos no mundo
norte do território espanhol, congregam um povo
com língua e história comuns. Essa comunidade se Os Estados Unidos da América (EUA) e a União
estende também ao sudoeste da França. Durante das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) foram
décadas, os bascos buscaram se separar da Espa- os dois grandes vitoriosos na 2ª Guerra Mundial. No
nha, e grupos como o ETA (Pátria Basca e Liberda- pós- -guerra, predominou o poder e a influência
de, em português) usaram de violência para atingir dessas superpotências.
esse fim. No período conhecido como Guerra Fria, cada
No nordeste do país, a Catalunha, cuja capital uma liderava um bloco de países, com regimes e
é Barcelona, também luta por mais autonomia, e ideologias distintos: capitalistas, com os EUA à fren-
muitos de seus habitantes acreditam que seria me- te, e socialistas, liderados pelos soviéticos. O socia-
lhor se ali fosse criado um novo país, independente lismo real, como era chamado, baseava-se em
da Espanha. Existem ainda países que tinham au- uma economia planificada e num regime de parti-
tonomia política e identidade cultural, mas foram do político único.
dominados. É o caso do Tibete, invadido e anexa- Aos poucos, o poder dos conselhos populares
do pela China em 1951. Até hoje os tibetanos lutam (sovietes), criados na Revolução Russa de 1917, que
para manter tradições culturais e libertar-se do do- estabeleceu o regime socialista no país, foi sendo
mínio chinês. retirado. Sob o governo de Josef Stalin (1924-1953),
O mundo está em constante movimento e isso os opositores foram perseguidos, presos ou mortos.
se reflete no mapa-múndi. As divisões políticas e as A organização do socialismo na URSS passou
extensões territoriais mudam o tempo todo, resul- por diversas modificações enquanto vigorou, entre
tado de conquistas e dominações, insatisfações e os anos de 1917 e 1991. O capitalismo, por sua vez,
anseios de emancipação política. mesmo cedendo a algumas reivindicações dos tra-
O século XX ficou marcado por dois grandes balhadores por direitos sociais, não abandonou sua
conflitos mundiais (a 1ª e a 2ª Guerra Mundial), tor- busca incessante por lucros e mercados, tornando
nando-se um dos períodos da história humana com a desigualdade social e econômica um elemento
maior número de mortos. Somente na 2ª Guerra, permanente do sistema.
estima-se que morreram mais de 60 milhões de pes- Tendo sido os dois blocos (capitalista e socialis-
soas. ta) assim constituídos, seguiu-se um período de per-
Arrasadas pelas guerras, as potências capitalis- manente tensão no mundo.
tas europeias necessitaram de ajuda externa (em Mesmo sem confronto armado entre os países-
especial, dos EUA) para se reerguerem, ao mesmo -líderes, ambos participaram direta ou indiretamen-
tempo que, aos poucos, foram perdendo domínios te de outros conflitos, cada qual apoiando um dos 9
coloniais. Inúmeras lutas de libertação colonial ti- lados. Sem pretender esgotar o tema, podem-se
veram lugar entre os anos 1950 e 1990. Em alguns apresentar, resumidamente, alguns destaques:
países, isso aconteceu antes, como no caso da Ín-
dia, que se libertou do domínio colonial britânico • Juntamente com Europa ocidental e Canadá,
em 1947. os EUA efetivaram a criação da Organização
Nesse processo, o mapa-múndi político nova- do Tratado do Atlântico Norte (Otan), pacto
mente se modificou: surgiram novos Estados inde- político-militar de defesa dos interesses capita-
pendentes na África e na Ásia. Povos foram reuni- listas, atuando principalmente contra avanços
dos ou separados por fronteiras estabelecidas ou socialistas. A URSS criou o Pacto de Varsóvia,
reforçadas pelos colonizadores. As linhas retas, co- ao lado de países socialistas do Leste Europeu
muns nas novas fronteiras nacionais estabelecidas (Polônia, Alemanha Oriental, Tchecoslová-
na África, são exemplos do resultado desse proces- quia, Hungria e outros).
so que culminou com muitos conflitos no final do • Estadunidenses e soviéticos investiram pesa-
século XX e início do XXI. damente em efetivos militares e armas, em
especial as nucleares. O poder de destruição
das bombas atômicas foi ampliado, e bases
de lançamento de mísseis de longo alcance
foram criadas. Ambos desenvolveram equi-
pamentos para a exploração espacial, com
o lançamento de satélites artificiais e missões
espaciais. Tais iniciativas ficaram conhecidas,
respectivamente, como corrida armamentista
e corrida aeroespacial.
Ciências Humanas e suas Tecnologias

seria multipolar, com múltiplos centros de poder no


mundo. Os que defendem a tese de uma ordem
unipolar afirmam que os estadunidenses teriam fi-
cado mais livres para defender seus interesses geo-
políticos. Nos anos 1990, eles continuaram a desen-
volver sucessivas ações militares, pressionaram go-
vernos ou colaboraram para destituí-los.
Aqueles que apoiam a ideia de uma ordem
multipolar dizem que a Rússia, potência militar e
principal herdeira do aparato militar aeroespacial
soviético, também estava interferindo em conflitos
pelo mundo (como no Cáucaso, instável região ao
sul da Rússia). Eles ainda lembram que, nos anos
seguintes, além da União Europeia e do Japão,
começaram a se destacar também as chamadas
economias emergentes: China, Índia e Brasil.
Desse modo, o final da Guerra Fria não trouxe
• Um momento de grande tensão foi a crise dos paz nem desarmamento. Alguns conflitos se encer-
mísseis, em 1962. Mísseis com ogivas nucleares raram e outros surgiram, com novos atores e novas
foram instalados pela URSS em Cuba, aliado motivações. Os equipamentos militares se sofistica-
soviético localizado a apenas 180 km dos EUA. ram, assim como os meios de se obter e usar infor-
Um ataque aos estadunidenses teria retalia- mações. Os gastos militares nunca cessaram nos
ções, com alto risco de conflito nuclear e efei- países e, em muitos casos, até aumentaram.
to desastroso para a humanidade. Nenhum
conflito foi deflagrado, e o período seguinte foi #FicaDica
chamado de coexistência pacífica, durante o
qual os dois lados assinaram acordos de redu- Geopolítica
ção de armas estratégicas. Dimensão espacial das relações de
poder, de controle de territórios e uso,
• Os soviéticos criaram vínculos com países re-
ainda que eventual, de forças armadas
cém-saídos de guerras de libertação colonial,
entre Estados nacionais
como Angola e Moçambique. Para barrar o
avanço comunista na Ásia, os EUA invadiram
10 o Vietnã, em um longo e sangrento conflito
Refletindo sobre conflitos no mundo atual
que terminou com a vitória dos partidários do
comunismo, apoiados pela URSS e pela China. Os dados do mapa acima trazem reflexões so-
Outro episódio com características similares bre a escalada dos conflitos no mundo. Embora em
foi a Guerra da Coreia, que só terminou com menor número, persistem tensões interestatais (en-
a divisão do país em Coreia do Norte, comu- tre países). É o caso, por exemplo, da disputa entre
nista, e Coreia do Sul, capitalista e aliada do Coreia do Norte e Coreia do Sul, que se prolonga
Ocidente. Até hoje, há um foco de tensão na desde os anos 1950: os primeiros, pobres e socia-
região, com ameaças de uso de armas atômi- listas, apoiados pela China, ameaçam com armas
cas pelos norte-coreanos. nucleares a Coreia do Sul, capitalista, aliada do
• Ao longo dos anos 1980, os soviéticos ocupa- Ocidente. Paquistão e Índia, por sua vez, disputam
ram o Afeganistão. A intervenção buscava sal- a Caxemira, região de maioria islâmica ao norte do
var o então regime pró-socialista e evitar insta- território indiano.
bilidades em um país situado em suas fronteiras A tensão entre esses dois países é agravada
na Ásia central. Depois de anos de conflito, os pelo fato de que ambos têm armas nucleares. Há
soviéticos saíram derrotados por combatentes também movimentos separatistas na Chechênia,
apoiados pelo Ocidente. na Geórgia, em Mianmar e nas Filipinas, envolven-
do grupos nacionais em luta pela emancipação e
Após instabilidades no campo econômico, as pela criação de países independentes. Portanto,
reformas implementadas na URSS ao longo dos um rápido exame dos episódios revela que hoje
anos 1980 não foram suficientes para evitar a der- predominam conflitos internos, embora sempre te-
rocada do regime em 1991. Ela foi precedida, em nham em torno de si alguma participação ou inte-
1989, pela queda do Muro de Berlim, na Alemanha, resse estrangeiro.
que havia sido erguido nos anos 1960 pelo regime Esses conflitos podem ter a configuração de
comunista alemão oriental. Em vista disso, segui- violentas guerras civis, como na Líbia e na Síria
ram-se intensos debates sobre a natureza da “nova após 2011, ou rebeliões populares, como no Egito
ordem mundial” que se instalava. e na Tunísia, que contestavam governos instalados
Para alguns, haveria uma ordem unipolar, ou há décadas no poder. Esse mapeamento propicia
seja, de predominância político-militar de uma úni- reflexões sobre o significado dos conflitos atuais. A
ca superpotência: os Estados Unidos. Para outros, paz não é simplesmente a ausência de guerras.
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O Zimbábue, por exemplo, não está em guerra fraestruturas, atividades econômicas e patrimônios
com outro país nem vive conflito interno, mas Ro- históricos.
bert Mugabe governa o país desde 1980, reelegen- Muitas vezes, vítimas dos conflitos são obrigadas
do-se com fortes suspeitas de fraudes. Não há guer- a se refugiar em outros países, passando a viver em
ra, mas o país vive uma verdadeira crise humanitá- abrigos precários e superlotados. Segundo o Alto-
ria. Nos conflitos atuais, cresce a participação dos -Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
grupos identificados como terroristas, não ligados (ACNUR), agência da Organização das Nações
oficialmente a nenhum país. Unidas (ONU) para refugiados, apenas no ano de
Eles mantêm bases de treinamento em diversos 2011, aproximadamente 4,3 milhões de pessoas fo-
territórios e usam meios de comunicação para arti- ram forçadas a se deslocar em função de conflitos,
cular suas ações. São grupos transnacionais, como guerras ou perseguição política em todo o mundo.
a Al Qaeda, organizados em redes globais que ul-
trapassam fronteiras. Sua ação não pode ser ana- Primavera Árabe: causas e desdobramentos
lisada da mesma forma que os conflitos do século
XX: não são confrontos entre dois ou mais exércitos A partir de 2010, uma série de manifestações
regulares nacionais. Deve-se assinalar a presença populares tomou conta de países de maioria árabe
de interesses e formas de intervenção das grandes e/ou muçulmanos na chamada Primavera Árabe.
potências nos conflitos. Elas surgiram em regimes autoritários, isto é, países
Os EUA, por exemplo, são uma espécie de “po- sem liberdades políticas e governados com “mão
lícia do mundo”: sempre intervêm quando acham de ferro” por ditadores que ficaram décadas no
que seus interesses econômicos e projetos geopolí- poder. Boa parte dessas sociedades vinha sendo
ticos estão em risco. As guerras e os conflitos arma- também fortemente afetada pelo desemprego,
dos são danosos para as sociedades. pela pobreza e pela falta de perspectivas para sua
Muitos morrem com os bombardeios ou vítimas população.
da fome e de doenças. Os confrontos devastam Em 2011, as rebeliões levaram à deposição de
ambientes e destroem cidades, plantações, in- Ben Ali na Tunísia. A seguir, grandes manifestações
fraestruturas, atividades econômicas e patrimônios na Praça Tahrir, no Cairo, e em outras cidades der-
históricos. Muitas vezes, vítimas dos conflitos são rubaram Hosni Mubarak, que governava o Egito
obrigadas a se refugiar em outros países, passando desde 1981.
a viver em abrigos precários e superlotados. Após o período de transição, foram realizadas
Segundo o Alto-Comissariado das Nações Uni- eleições no Egito, com a escolha de Mohamed
das para Refugiados (ACNUR), agência da Orga- Mursi, do grupo islâmico Irmandade Muçulmana.
nização das Nações Unidas (ONU) para refugiados, Em uma associação inédita entre militares – que 11
apenas no ano de 2011, aproximadamente 4,3 mi- nunca deixaram o poder – e a oposição política,
lhões de pessoas foram forçadas a se deslocar em Mursi foi retirado do cargo e preso em seguida. Em
função de conflitos, guerras ou perseguição políti- parte, isso se deveu à recusa da maioria da popu-
ca em todo o mundo em guerra com outro país lação em ter um governo pautado por orientações
nem vive conflito interno, mas Robert Mugabe go- religiosas. Contudo, essa deposição contraria prin-
verna o país desde 1980, reelegendo-se com fortes cípios democráticos elementares. A instabilidade
suspeitas de fraudes. no Egito é considerada motivo de preocupação
Não há guerra, mas o país vive uma verdadeira mundial.
crise humanitária. Nos conflitos atuais, cresce a par- O país exerceu nos últimos anos o papel de
ticipação dos grupos identificados como terroristas, representar interesses do mundo árabe, atuando
não ligados oficialmente a nenhum país. Eles man- como mediador em Israel e nas potências ociden-
têm bases de treinamento em diversos territórios e tais. Na Líbia, uma sangrenta guerra civil levou à
usam meios de comunicação para articular suas deposição e à execução de Muamar Kadafi, que
ações. baseava seu poder nas ricas reservas de petróleo
São grupos transnacionais, como a Al Qaeda, do país. Os rebeldes contrários a Kadafi contaram
organizados em redes globais que ultrapassam com apoio militar da Otan (leia-se, Estados Unidos
fronteiras. Sua ação não pode ser analisada da e França – essa última é uma grande importadora
mesma forma que os conflitos do século XX: não do petróleo líbio).
são confrontos entre dois ou mais exércitos regula- A Líbia não tinha exército estruturado e influen-
res nacionais. Deve-se assinalar a presença de inte- te no governo, como acontecia no Egito, ou recor-
resses e formas de intervenção das grandes potên- tes religiosos importantes, como no caso de países
cias nos conflitos. do Golfo Pérsico, entre os quais, o Barein. Ela apre-
Os EUA, por exemplo, são uma espécie de “po- sentava, porém, identidades tribais e divergências
lícia do mundo”: sempre intervêm quando acham profundas entre as três províncias do país, quase
que seus interesses econômicos e projetos geopolí- sempre manipuladas por Kadafi durante os 40 anos
ticos estão em risco. As guerras e os conflitos arma- em que esteve no poder.
dos são danosos para as sociedades. O desafio atual é restaurar a estabilidade políti-
Muitos morrem com os bombardeios ou vítimas ca, ameaçada pela existência de diversas milícias
da fome e de doenças. Os confrontos devastam armadas, e reconstruir a unidade nacional.
ambientes e destroem cidades, plantações, in- As revoltas atingiram também Argélia e Marro-
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cos e, no Golfo Pérsico, Barein, Omã e Iêmen. Na entre líderes da Organização para a Libertação da
Argélia, no Marrocos e em Omã foram feitas refor- Palestina (OLP) e governantes de Israel, assim como
mas políticas e econômicas para conter os protes- tentativas de acordos de paz.
tos. No Iêmen, o presidente Abdullah Saleh tam- Mas ainda há inúmeros fatores a superar: o gru-
bém foi deposto, após 33 anos no poder. po Hamas exerce forte oposição aos acordos, e
No Barein, os confrontos se deram entre os xiitas, os governos de Israel seguem instalando colônias
que eram minoria, e os sunitas, que estavam no po- judaicas na Cisjordânia. Outros casos a mencionar
der. Houve forte repressão aos revoltosos, apoiada na conflituosa região do Oriente Médio são os do
pela Arábia Saudita – que, por sua vez, foi palco de Iraque, Irã e Afeganistão e do povo curdo. Os dois
manifestações menores, ocorridas também no Irã, primeiros envolveram-se em uma guerra que durou
na Jordânia, no Kuwait e no Iraque. A situação na oito longos anos (1980-1988). O Iraque ainda sofre
Síria se configurou em 2012 e 2013 como tragédia efeitos das Guerras do Golfo (1990-1991 e 2003), li-
humanitária. Aliada da URSS, depois Rússia, e tam- deradas pelos EUA, que, por sua vez, mantiveram
bém do Irã, a Síria é governada desde 1970 pela efetivos militares no território iraquiano até 2011.
família Al-Assad. Nesse percurso, o líder Saddam Hussein foi de-
O pai, Hafez, chegou ao poder com um golpe posto, condenado e executado, e houve acirra-
de estado. Desde essa época, os sírios se envolve- mento dos conflitos entre xiitas e sunitas, que se de-
ram em inúmeros conflitos. Bashar, filho de Hafez, senrolam até hoje. O Irã corresponde à antiga Pér-
assumiu o poder no ano de 2000, à frente de um sia. É um país muçulmano, de maioria xiita, mas de
Estado fortemente armado e com numeroso exér- população não árabe. Tornou-se Estado teocrático
cito. (ou seja, baseado em preceitos religiosos) em 1979,
O país foi atingido por levantes populares em com a revolução dos aiatolás, líderes islâmicos. Nos
2011, que logo se converteram em confronto ar- últimos anos, os iranianos viveram sob governo con-
mado entre grupos rebeldes, formados por amplo servador, que procurou desafiar o Ocidente e calar
leque de facções que têm apoio do Ocidente e opositores internos. A situação do país é assunto de
também por ativistas ligados à Al Qaeda, e o go- debates e fóruns internacionais, pois há suspeitas
verno, que conta com o apoio interno de minorias de que os iranianos estejam desenvolvendo um
islâmicas e cristãs e, no plano externo, do Irã, da programa nuclear secreto.
Rússia e da China. Os alvos preferenciais seriam Israel (que tam-
Russos e chineses vetaram sistematicamente bém tem armas nucleares) e o Ocidente. Em 2013,
sanções à Síria na ONU. As sanções são um meca- a eleição de um novo governante foi vista como
nismo adotado em relações internacionais para uma possibilidade de facilitar a visita de inspetores
12 pressionar regimes políticos ou governantes em si- da ONU para fiscalizar o programa nuclear do país.
tuações de crise. Isso foi estabelecido em acordo provisório que per-
Uma das sanções – o mesmo que pena ou pu- mite o acesso dos inspetores às instalações daque-
nição – existentes é a do embargo econômico, tipo le país.
de bloqueio das trocas comerciais realizadas pelo O Afeganistão ainda tem tropas dos EUA em
país alvo das medidas. No caso sírio, após negocia- seu território. País de grande diversidade cultural,
ções envolvendo a ONU, os EUA e a Rússia, a Síria ele convive há três décadas com invasões estran-
aceitou eliminar seu arsenal de armas químicas, fei- geiras, golpes de estado e atentados, desde a in-
tas com gases letais para os seres humanos. tervenção da URSS nos anos 1970. Em 1996, o grupo
As medidas ocorreram após denúncias de uso extremista Talibã conquistou Cabul, a capital, e ga-
dessas armas pelo exército sírio em 2013. Registrou- nhou poder. Dois anos depois, controlava 90% do
-se a morte de mais de 110 mil sírios e 2 milhões de país, implantando ali um opressivo regime baseado
refugiados (10% da população) entre 2011 e mea- em sua visão da sharia (a lei islâmica).
dos de 2013. Sírios em fuga abrigaram-se, sobretu- Esse quadro afetou em especial mulheres e ati-
do, na Turquia, no Líbano, no Iraque e na Jordânia. vistas políticos, com repressão, mortes, condena-
ções arbitrárias, censuras à imprensa e à produção
Conflitos e tensões no Oriente Médio artística. O regime caiu em 2001, com os ataques
dos EUA e aliados. Estes acusavam o Talibã de abri-
Entre os diferentes conflitos e tensões em curso gar Osama bin Laden, líder da Al Qaeda, e outros
no Oriente Médio, sobressai a luta entre palestinos e membros dessa organização terrorista. Posterior-
israelenses, uma das mais duradouras e complexas mente, os estadunidenses permaneceram no país,
em todo o mundo. Recuando um pouco no tempo, mais uma vez ocupando e controlando territórios,
é possível ver que as disputas entre eles surgiram segundo seus interesses geopolíticos.
com a criação do Estado de Israel em 1948, como Após o período conflituoso, as tropas estrangei-
deliberação da ONU pela morte de milhões de ju- ras ainda permaneceram no país, mas houve a es-
deus na 2ª Guerra Mundial. À época, a proposta colha de um líder moderado. A partir do território
era de partilha da Palestina, área sob controle bri- afegão, em 2011, uma missão estadunidense che-
tânico. gou ao Paquistão. Lá, capturou e executou Osa-
A partir daí, sucederam-se conflitos, ataques ma bin Laden. Mesmo com a retirada de soldados
mútuos e medidas israelenses de expansão territo- estrangeiros, o retorno à vida normal está distante
rial, embora tenham sido muitas as conversações e o Talibã continua atuando, agora como milícia
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insurgente. Há ainda muitos refugiados, abrigados cia e respeito aos direitos humanos.
em boa parte no Paquistão.
Note-se a posição estratégica do território afe- ÁGUA: USOS E ABUSOS
gão, situado em uma encruzilhada próxima da Rús-
sia e da China e com extensas fronteiras com Irã Os dados mostram que a água doce disponí-
e Paquistão. Os curdos formam uma antiga e nu- vel representa apenas uma pequena parcela do
merosa comunidade nacional, mas que não con- total da água no mundo. Ela está em rios, lagos,
seguiu formar um país independente nos arranjos solos, subsolos e nos próprios seres vivos (ou biota).
feitos após a 1ª Guerra Mundial. Outra parte não está disponível, como é o caso de
Na época, o Curdistão integrava o Império Oto- geleiras e da neve, mas a água no estado sólido é
mano, desfeito após o conflito. Atualmente, quase fundamental, pois na época do degelo ela derrete
40 milhões de curdos vivem espalhados pela Tur- e se dirige aos rios e lagos, abastecendo-os.
quia, pela Síria, pelo Irã e pelo Iraque, além dos que O Brasil é privilegiado: segundo a Agência Na-
migraram para a Europa. cional de Águas (ANA), o país dispõe de 12% das
reservas de água doce da Terra. A água doce que
Outros conflitos no mundo circula no mundo é sempre a mesma, em igual
quantidade. Há regiões que naturalmente são se-
Outros conflitos também ocorrem na África, ao cas, como os desertos na África ou a região semiá-
sul do Saara. Por ora, vale a pena fazer alguns regis- rida do sertão nordestino, no Brasil. Mas a escassez
tros sobre a região: é agravada pelos seres humanos, que às vezes
usam a água de forma insustentável. Como são es-
• Ainda preocupam situações como as da So- ses usos? É possível separá-los em dois tipos:
mália, da República Democrática do Congo
(RDC) e do Mali. A Somália está hoje dilacera- • usos que consomem, comprometem ou gas-
da e sem comando político e é alvo da ação tam água (irrigação, certos usos industriais e
de grupos terroristas e piratas nas costas do em residências etc.);
Oceano Índico. A RDC viveu nos anos 1990 • usos que não consomem ou gastam água
e no início do século XXI sangrentos conflitos (geração hidrelétrica, pesca, turismo, hidrovias
políticos, com quase 4 milhões de mortos, o etc.). Contudo, como será visto, a maioria dos
maior número já registrado em conflitos após a usos pode, em alguma medida, causar impac-
2ª Guerra Mundial. No Mali, aproximadamen- tos ambientais e sociais.
te metade do território foi tomado por grupos
rebeldes. 13
De modo geral, quem mais usa água é a agri-
• Alguns países da África Subsaariana têm dado cultura, que responde por algo em torno de 69% do
exemplos de superação de seus graves pro- consumo global de água doce. O restante é divi-
blemas políticos, econômicos e sociais, entre dido entre indústrias (21%) e uso doméstico (10%).
eles, a África do Sul, com o fim do apartheid Nesse quadro, é preciso dizer que há usos que com-
(palavra da língua dos bôeres, os colonizado- prometem outros usos. No Brasil e em outros países
res, que significa separação, em português), em desenvolvimento, a coleta e o tratamento de
regime de segregação racial que durou déca- esgotos são precários e levam ao uso de rios, cór-
das. A luta foi liderada por Nelson Mandela e regos, lagos, baías, estuários e manguezais como
outros ativistas. Melhorias sociais e econômicas locais de despejo de esgotos.
e certa estabilidade política são observadas Esse uso contamina a água, que poderia ser
na África do Sul, Angola, Gana, Quênia e Tan- usada para o abastecimento ou mesmo para pes-
zânia. ca, lazer ou transporte. Tais impactos são frequen-
• Burundi e Moçambique criaram programas tes principalmente em países pobres da África,
efetivos de prevenção de doenças. Segundo Ásia e América Latina. Diversas publicações trazem
o relatório O Estado da População Mundial diagnósticos e medidas sobre usos que comprome-
de 2011, publicado pela ONU, há registros de tem a qualidade das águas.
queda no número de infectados pelo vírus HIV O relatório Cuidando das águas, publicado no
Brasil pelo PNUMA e pela ANA, apresenta uma lis-
entre 2001 e 2012 em Botsuana, na Costa do
ta extensa de comprometimento da qualidade da
Marfim, em Eritreia, na Etiópia, no Gabão, em
água ou de interrupções no seu ciclo natural. Se-
Gana e em outros países.
guem-se alguns exemplos:
Não há soluções fáceis e de curto prazo para
• As atividades agrícolas, industriais e de minera-
conflitos como os citados. Eles se somam a desa-
ção geram diversos contaminantes das águas
fios como a ação das redes terroristas e os circuitos
do crime organizado global, que geram violência superficiais e subterrâneas. Entre eles, estão
e provocam mortes. Os chefes de Estado devem compostos orgânicos, metais (zinco, cobre,
buscar soluções diplomáticas, evitando o uso das arsênio etc.) ou nutrientes em excesso (como
armas. Organizações sociais também têm papel a nitrogênio e fósforo de origem agrícola ou de-
cumprir, pressionando governos por mais democra- jetos domésticos e industriais), provocando a
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proliferação de algas que consomem oxigênio Outra medida é ampliar os sistemas de prote-
da água. ção de áreas de mananciais, criando reservas am-
• O DDT já foi um pesticida muito usado na agri- bientais que impeçam a destruição da vegetação
cultura. Mesmo proibido em vários países, ele e de nascentes de água.
permanece em rios, lagos, sedimentos e nas Nas cidades, é essencial também desenvolver
águas subterrâneas. Isso provoca a prolifera- planos de despoluição de mananciais de água e
ção de doenças, a morte de plantas e da fau- reverter a excessiva pavimentação do solo, pois
na aquática e a sobrecarga nos ecossistemas, isso impede a infiltração de água e aumenta o es-
incluindo os litorâneos e oceânicos. coamento superficial. Os países devem também
• A erosão e a sedimentação, somadas, podem criar rigorosos programas de controle do uso de
alterar a vazão e a velocidade das águas dos agrotóxicos e de resíduos industriais.
rios. Isso prejudica ambientes de procriação Na agricultura, pode-se adotar a irrigação por
gotejamento, que gasta menos água. O agrotóxi-
de espécies e leva à concentração de conta-
co pode ser substituído progressivamente por técni-
minantes em sedimentos finos.
cas como o controle biológico de pragas, que utili-
• O aumento da temperatura da água (em es-
za, entre outros meios, insetos que comem as larvas
pecial como decorrência do uso industrial) e
que atacam os cultivos.
o aumento da salinidade (por uso agrícola, in- Diversos programas da Organização das Na-
dustrial ou deposição de sais na superfície em ções Unidas (ONU) apoiam iniciativas que buscam
função de perfurações no solo, com bombe- preservar os recursos hídricos em muitos países do
amento – caso da extração de petróleo) são mundo, como a conservação dos solos e a cap-
outros fatores que provocam alterações nos tação da água da chuva no meio rural na Nica-
ambientes. rágua; o ecossaneamento (separação de resíduos
• A introdução de espécies exóticas de plantas humanos e o uso deles na compostagem agríco-
e animais pode alterar o consumo de água ou la) na China, na Índia e em vários países da África;
a umidade do ar em certos locais. ou ainda a revitalização das bacias hidrográficas
• A compactação do solo por máquinas agríco- como a do Rio Nairóbi, no Quênia, e do Rio Danú-
las ou rebanhos cria obstáculos à infiltração e bio, que atravessa a Europa central.
ao abastecimento de lençóis subterrâneos de No Brasil, há recuperação de bacias com re-
água. plantio de matas ciliares, como no Rio São Francis-
• O corte de matas deixa os solos desprotegidos co. Isso ajuda a evitar a erosão das margens dos
e acelera a erosão. Barragens e reservatórios rios e seu assoreamento. Alguns países também já
14 de usinas hidrelétricas não contaminam a adotaram medidas para punir com multas pesadas
água, mas alteram o fluxo dos rios e dificultam quem compromete os recursos hídricos.
a adaptação de espécies aquáticas. Entre eles estão Holanda e Colômbia. É impor-
tante destacar que os países devem formular tam-
Gestão sustentável da água bém acordos sobre o uso de rios que atravessam
as fronteiras. Isso pode evitar disputas pela água,
Existem inúmeras maneiras de conter a degra- como nos casos do Rio Jordão (entre Israel, Síria e
dação dos recursos hídricos e elevar a oferta de Jordânia) e do Rio Colorado, que passa pelos EUA
água de qualidade para as populações. Há reco- até chegar à fronteira com o México.
mendações feitas desde a Rio-92 em campanhas
e conferências mundiais sobre a água (como a de Biosfera: aspectos naturais e ação humana
1977).
Vários países aprovaram leis de proteção da Ao tratar de biosfera, fala-se de plantas, ani-
água, entre eles o Brasil. Portanto, o País já possui mais e solos e suas múltiplas interações, entre si e
um sistema nacional de gestão dos recursos hídri- com o meio físico. O mapa Florestas originais e flo-
cos. É preciso levar em conta, antes de tudo, que restas remanescentes da Atividade 1 mostra que as
a quantidade de água que circula na natureza é florestas correm riscos. Hoje, as atenções estão vol-
sempre a mesma. tadas às florestas tropicais, de grande biodiversida-
Assim, qualquer comprometimento do recurso de, que sofrem com queimadas e desmatamentos.
vai resultar em perturbações na oferta e na qua- A Organização das Nações Unidas (ONU) tem
lidade da água. Entre as recomendações estão feito sucessivos alertas sobre a devastação dessas
a de reduzir o consumo e o desperdício e realizar florestas, mas essa degradação já se deu, em boa
controle permanente da qualidade da água. Além medida, em florestas temperadas e boreais (ou tai-
disso, universalizar os sistemas de saneamento bási- gas). De menor biodiversidade, elas foram devasta-
co (coleta e tratamento de esgotos, redes de água das para se obter lenha, madeira para construções
e coleta de lixo), que são decisivos para evitar o e dar lugar a assentamentos humanos.
comprometimento de rios, córregos e lagos. Nesse Elas são mais extensas na Suécia, na Noruega e
quesito, o Brasil ainda precisa avançar muito: pou- na Finlândia. O que se perde com o desmatamen-
co mais da metade dos domicílios tem rede de es- to e as alterações nos biomas? Além da redução
gotos, mas aproximadamente 80% do que é cole- da biodiversidade, espécies animais sofrem com
tado não é tratado. a perda de seu habitat, como o orangotango das
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matas da Indonésia, os felinos e outros animais de para conservar florestas como meio de garantir ali-
grande porte de florestas tropicais e savanas ou, mentos às populações, com a “floresta em pé”.
ainda, os peixes de água doce e os pássaros. As convenções sobre o clima devem buscar
Há outros agravantes: a vegetação deixa de avanços na proteção de florestas, já que quei-
oferecer os chamados serviços ambientais, que madas agravam o efeito estufa. Cabe aos países
contribuem para a vida e o equilíbrio natural. As criar unidades de conservação (parques, reservas,
florestas tropicais armazenam carbono, ajudam a estações ecológicas) e terras indígenas, proteger
regular o clima (evapotranspiração, temperatura populações tradicionais e estimular a conservação
etc.) e protegem o solo. ambiental. E também aprovar leis e sistemas de
Manguezais, matas e estuários são criatórios fiscalização para punir responsáveis por impactos
de espécies marinhas, filtram a água e são pousos ambientais.
de aves migratórias. Conforme a ONU, são várias
as categorias de serviços oferecidos por biomas e BRASIL, UMA HISTÓRIA TERRITORIAL
ecossistemas: reguladores de funções vitais (con-
trole das chuvas, regulação dos estoques de car- Desde o início da colonização, vários fatores
bono etc.), de provisão (oferta de madeira, peixes, possibilitaram a expansão do território da América
plantas medicinais etc.) ou de suporte (garantia de portuguesa e sua efetiva exploração econômica.
processos essenciais, como a formação de solos e Após curto período de extração do pau-brasil, ain-
o crescimento de plantas). da no século XVI, a cana-de- -açúcar – recém-in-
Entre as áreas com elevada biodiversidade que troduzida na faixa litorânea nordestina, que apre-
precisam de proteção por abrigar espécies endê- sentava solos e clima favoráveis – tornou-se a pri-
micas e pelos riscos que correm estão algumas meira base econômica e o primeiro grande produ-
florestas da Indonésia, de Madagáscar, da África to de exportação da colônia, o que a transformou
central e da Amazônia, e a Mata Atlântica brasilei- no principal produtor mundial de açúcar.
ra, além das matas dos Andes tropicais e da Amé-
rica Central, as savanas africanas, e o cerrado e a
caatinga encontrados no Brasil.
Entre essas espécies está a seringueira, endêmi-
ca da Amazônia, da qual se extrai o látex.

15

O sistema açucareiro funcionava nos engenhos


de cana, que operavam à base de trabalho es-
cravo: no começo, com indígenas e, mais tarde,
com africanos trazidos de seus lugares de origem à
força. Isso permitiu a instalação de um comércio –
Grande parte das espécies do planeta está em lucrativo por um lado e aviltante por outro, por se
florestas úmidas da América do Sul: são 21 mil tipos tratar de comércio de seres humanos e pelo trata-
de plantas na Amazônia, 932 na caatinga (380 en- mento cruel dispensado aos escravizados.
dêmicas) e 6 mil tipos de árvore no cerrado. Vale notar que os primeiros grupos de escravi-
Estudos sobre a Mata Atlântica registraram 450 zados africanos chegaram ao Brasil ainda no sécu-
espécies de árvores e arbustos em um único trecho lo XVI. A pecuária, por sua vez, difundiu-se no ser-
de 10.000 m2 no sul da Bahia. Assim como em ou- tão nordestino. A criação de gado bovino, introdu-
tras questões, o combate ao desmatamento e à zida pelos portugueses, oferecia carne seca, leite,
degradação dos biomas e das coberturas vegetais couro e animais que eram utilizados como força de
também não tem soluções fáceis e imediatas. tração em engenhos situados no litoral. Nos sécu-
A Convenção sobre Diversidade Biológica ofe- los XVII e XVIII, essa produção abasteceu a região
rece princípios que são referência para os fóruns central da colônia (atuais Estados da região Cen-
mundiais e para as políticas nacionais. Além dela, tro-Oeste) e as regiões situadas ao sul (atual Sudes-
existe o Fórum da ONU sobre florestas e iniciativas te), incluindo vilas e cidades de Minas Gerais.
do FAO (Fundo das Nações Unidas para Agricultura A pecuária colaborou, assim, para expandir os
e Alimentação, em português), que propõe ações limites territoriais da colônia, fixando-se, até os dias
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de hoje, como importante atividade econômica, mesmo após a decadência de atividades centrais, como
a produção de cana-de-açúcar. Nesse movimento de expansão das fronteiras, vale destacar as expedi-
ções dos bandeirantes em busca de metais preciosos e da captura de indígenas para serem usados como
escravos. Partindo da vila de São Paulo, os bandeirantes viajavam, entre outros trechos, por rios navegáveis
da bacia do Rio Paraná, alcançando terras da atual região Centro-Oeste.
Os séculos XVII e XVIII, em especial, foram marcados pela exploração do ouro e de pedras preciosas
em Minas Gerais e no Brasil central. Acompanhando as mudanças no eixo econômico do território colonial,
causadas por essa exploração, houve a transferência da capital federal de Salvador (BA) para o Rio de
Janeiro (RJ), em 1763. Nas últimas décadas do século XIX, já no período do Brasil Independente, o comando
econômico passou em definitivo para o Sudeste, com a economia baseada na produção e na exportação
do café (ver mapa acima).
Essa mudança de comando foi acompanhada pela imigração e pela criação ou crescimento de cida-
des – inicialmente no Vale do Paraíba, no Rio de Janeiro, e depois no oeste paulista. Os temas da imigração
e da economia cafeeira serão retomados nas próximas Unidades. No final do século XIX e início do século
XX, o norte do País vivenciou uma fase próspera com o surto da borracha.
O território nacional ingressou no século XX unificado e definido, já com as fronteiras atuais, mas com
desequilíbrios regionais. Ao longo do período colonial e também após a independência, houve a concen-
tração de atividades, pessoas e núcleos urbanos na faixa oriental. Só ocorreu maior articulação interna nas
últimas décadas do século XX, por meio da economia urbano-industrial e do estabelecimento de rodovias
e fluxos econômicos entre as regiões do País.
Esse percurso contribuiu para criar a imagem do Brasil como um “arquipélago”, ou seja: as regiões
funcionando como “ilhas” com poucas ligações entre si. Um arquipélago econômico, mas também geo-
gráfico. Como se pode observar na coleção de mapas a seguir, os anos 1890 e 1940 apresentam núcleos
econômicos isolados e, nos anos 1990, os centros econômicos já se inter-relacionam.

16

TERRITÓRIO BRASILEIRO E POVOAMENTO: HISTÓRIA INDÍGENA

Os índios reagiram de formas diversas à presença dos colonizadores e à chegada de [outros] inva-
sores, como os holandeses e franceses. Veja abaixo algumas das formas de reação.
Ciências Humanas e suas Tecnologias

Alianças com os colonizadores Povos indígenas

O apoio indígena foi decisivo para o triunfo Em pleno século XXI a grande maioria dos
da colonização portuguesa. Com este apoio, brasileiros ignora a imensa diversidade de povos
entretanto, as lideranças indígenas tinham seus indígenas que vivem no país. Estima-se que, na
próprios objetivos: lutar contra seus inimigos tra- época da chegada dos europeus, fossem mais
dicionais, que, por sua vez, também se aliavam de 1.000 povos, somando entre 2 e 4 milhões de
aos inimigos dos portugueses (franceses e ho- pessoas. Atualmente encontramos no território
landeses) por idênticas razões. Abaixo estão brasileiro 241 povos, falantes de mais de 150
exemplos das alianças [...]: línguas diferentes. Os povos indígenas somam,
segundo o Censo IBGE 2010, 896.917 pessoas.
• Guerreiros temiminós liderados por Arari- Destes, 324.834 vivem em cidades e 572.083 em
boia se aliaram aos portugueses para der- áreas rurais, o que corresponde aproximada-
rotar os franceses na baía de Guanabara, mente a 0,47% da população total do país.
em 1560, que recebiam apoio dos Tamoios A maior parte dessa população distribui-se
• Chefe tupiniquim Tibiriçá, valioso para o por milhares de aldeias, situadas no interior de
avanço português na região de São Vicen- 695 Terras Indígenas, de norte a sul do territó-
te e no planalto de Piratininga, combatia rio nacional. Falar, hoje, em povos indígenas no
rivais da própria “nação” Tupiniquim e os Brasil significa reconhecer, basicamente, seis
“Tapuias” Guaianás, além de escravizar os coisas:
Carijó para os portugueses. [...]
• O potiguar Felipe Camarão, a mais notável • Nestas terras colonizadas por portugueses,
das lideranças indígenas no contexto das onde viria a se formar um país chamado
guerras pernambucanas contra os holande- Brasil, já havia populações humanas que
ses no século XVII. Camarão combateu os ocupavam territórios específicos;
flamengos [holandeses], os Tapuias e os pró- • Não sabemos exatamente de onde vie-
prios “potiguares” que, ao contrário dele, se ram; dizemos que são “originárias” ou “na-
bandearam para o lado holandês [...]. tivas” porque estavam por aqui antes da
ocupação europeia;
Resistência aos colonizadores • Certos grupos de pessoas que vivem atu-
almente no território brasileiro estão his-
Alguns grupos moveram inúmeros ataques toricamente vinculados a esses primeiros 17
aos núcleos de povoamento portugueses. Den- povos;
tre estes, os Aymoré, posteriormente chamados • Os índios que estão hoje no Brasil têm uma
de Botocudos, foram um permanente flagelo longa história, que começou a se diferen-
para os colonizadores durante o século XVI, na ciar daquela da civilização ocidental ain-
Bahia. Entre os episódios célebres de resistência da na chamada “pré-história” (com flu-
ou represália, ficaram registrados: xos migratórios do “Velho Mundo” para a
América ocorridos há dezenas de milhares
• o do donatário da Bahia, Francisco Pereira de anos); [...]
Coutinho, devorado pelos Tupiniquim, em • Como todo grupo humano, os povos in-
1547; dígenas têm culturas que resultam da
• o do jesuíta Pero Correa, devorado pelos história de relações que se dão entre os
Carijó, nas bandas de São Vicente, em próprios homens e entre estes e o meio
1554; ambiente; uma história que, no seu caso,
• o do primeiro bispo do Brasil, D. Pedro Fer- foi (e continua sendo) drasticamente alte-
nandes Sardinha, em 1556, devorado pelos rada pela realidade da colonização;
Caeté, após naufragar no litoral nordesti- • A divisão territorial em países (Brasil, Vene-
no. Alianças com invasores contra os colo- zuela, Bolívia etc.) não coincide, necessa-
nizadores “Nações” inteiras optaram por se riamente, com a ocupação indígena do
aliarem aos inimigos dos portugueses. Por espaço; em muitos casos, os povos que
exemplo: hoje vivem em uma região de fronteiras
• os Tamoio, no Rio de Janeiro, fortes aliados internacionais já ocupavam essa área an-
dos franceses nas guerras dos anos 1550-60; tes da criação de divisões entre os países;
• os Potiguar, boa parte deles resistiu com é por isso que faz mais sentido dizer povos
os franceses durante algum tempo na Pa- indígenas no Brasil do que do Brasil. [...]
raíba e atual Rio Grande do Norte, e por INSTITUTO Socioambiental. Povos indígenas no Brasil.
ocasião das invasões holandesas em Per-
nambuco [...].
IBGE. Brasil: 500 anos
Ciências Humanas e suas Tecnologias

Quilombos e quilombolas escapar, foi capturado no dia 20 de novembro


de 1695; executado, teve a cabeça exposta
Ao percorrer o Brasil, o leitor encontrará nos em praça pública.
estados de Mato Grosso, Maranhão, Bahia, Mi- Era uma advertência: escravos deviam
nas Gerais e até na Amazônia localidades cha- obedecer, e não desafiar o sistema escravista.
madas Quilombo, Quilombinho ou Quilombola. Os invasores encontraram [no quilombo] casas,
Trata-se de comunidades originalmente consti- ruas, capelas, estátuas, estábulos e até toscas
tuídas por negros fugidos, instaladas, hoje, nas construções [...]; além das plantações [...], en-
áreas onde houve luta e resistência contra a contraram também fundições e oficinas.
escravidão. Os conhecimentos que os índios detinham
Palmares foi o maior quilombo colonial, nas- sobre o fabrico de cerâmicas e redes, o proces-
cido no bojo das guerras do açúcar; e antes samento da mandioca e técnicas de pesca fo-
dele, contudo, movimentos de resistência já ram muito importantes para dar autonomia ao
tinham se esboçado na própria África. [...] No quilombo. Mas Palmares não foi único. Tampou-
Nordeste, desde os fins do século XVI, foram co Zumbi. [Nas Minas Gerais, onde se descobriu
registradas fugas de escravos. Sabia-se, en- ouro] [...] a drenagem sistemática de escravos
tão, que os fugitivos se concentravam na área para trabalhar nas lavras provocou o mesmo
que se estendia entre o norte do curso inferior tipo de resistência, e os quilombos começaram
do rio São Francisco, em Alagoas, às vizinhan- a se multiplicar na região. [...]
ças do cabo São Agostinho, em Pernambuco.
Tratava-se de uma região acidentada, cober-
ta de mata tropical onde abundava a palmei-
ra pindoba, daí o nome: Palmares. Em 1602, a
primeira expedição punitiva, comandada por
Bartolomeu Bezerra, tentou pôr um fim a esses
ajuntamentos de fugidos. [...] Em 1675, [Palma-
res Grande, serra da Barriga, Alagoas] contava
com cerca de 10 mil habitantes [...].
[...] Entre 1670 e 1678, o quilombo foi gover-
nado por Ganga Zumba, ou o Grande Senhor
[...]. [Em um ataque desfechado por Manoel A INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA:
Lopes em 1675,] a resistência fora organizada PERCURSOS E PERSPECTIVAS
18
com grande brilho pelo sobrinho de Ganga
Zumba, Zumbi. Seu nome em banto, nzumbi, Diversos registros indicam restrições a ativida-
referia-se ao seu provável papel de guerreiro des industriais, impostas por Portugal, que era a
e líder espiritual na comunidade. [...] Em 1685, metrópole, durante o período colonial. Assim, até
o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho as primeiras décadas do século XIX, havia apenas
pedia autorização para conquistar os indígenas uma pequena fabricação para o mercado interno,
da capitania de Pernambuco. Em vez de usá- como fiação, peças de vestuário, utensílios domés-
-lo contra os bugres [indígenas], as autoridades ticos e a proveniente de curtumes.
decidiram lançá-lo contra Palmares. [...] O alvo Nas últimas décadas do século XIX, por meio de
era a destruição do quilombo que resistia havia incentivos fiscais, como isenção ou redução de ta-
cem anos. [...] xas de serviços de água e até doação de terrenos,
surgiram diversas tecelagens, em especial no Rio
de Janeiro. Nos primeiros anos do século XX, com
a crise econômica de 1929 e o declínio nas ven-
das do café, principal produto nacional, os capitais
disponíveis passaram a ser aplicados na atividade
industrial, sobretudo nas fábricas tradicionais. Foi
a primeira fase da industrialização nacional. Até
1940, 54% da produção nacional estava concen-
trada nos setores têxtil e alimentício.
O primeiro grande salto na indústria nacional
ocorreu durante a Era Vargas (1930-1945). Gover-
nando com plenos poderes, sobretudo após 1937,
quando foi aprovada uma nova Constituição, Var-
gas afastou as elites agrárias do poder e estimulou
Em fevereiro de 1694, depois de 42 dias si- a industrialização no País com base na forte inter-
tiado, a cerca real do Macaco [que protegia o venção do Estado. Nesse contexto autoritário, ele
quilombo] caiu. Milhares de quilombolas morre- criou indústrias de base, como siderúrgicas, de ci-
ram, outros tantos foram capturados e vendidos mento e de energia. Surgiram o Conselho Nacional
para fora da capitania. Zumbi, que conseguira do Petróleo (CNP, 1938), a Companhia Siderúrgica
Nacional (CSN, 1941), a Companhia Vale do Rio
Ciências Humanas e suas Tecnologias

Doce (1942) e outras. e aeroportos) e em energia nuclear.


A Petrobras iniciou suas operações em 1953, O Programa Nacional do Álcool (Proálcool)
durante o segundo período Vargas (1951-1954). No teve origem nesse período, mas foi abandonado
campo do trabalho, unificaram-se as leis trabalhis- quando os preços internacionais do petróleo se es-
tas com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tabilizaram. Ao longo das décadas de 1990 e 2000,
em 1943. Esse salto modernizador concentrou-se no o álcool converteu-se em alternativa energética
eixo Rio-São Paulo, valendo-se das bases industriais por ser um biocombustível renovável à base de
já existentes e da presença de migrantes de várias cana-de-açúcar, cuja escala de produção brasi-
regiões, em especial os que trabalhavam no cultivo leira é única no mundo. Proliferaram indústrias mul-
do café. tinacionais no País, em especial no Sudeste, mas
Consolidou-se, assim, o comando econômico seguindo um modelo dependente de tecnologias
do Sudeste, em um quadro marcado por fortes importadas. Os militares se pautaram também pelo
desequilíbrios regionais. De 1956 a 1960, o gover- desenvolvimento regional e por projetos de efetiva
no Juscelino Kubitschek acelerou a transformação “conquista” territorial, sobretudo da Amazônia.
econômica e social no País. Com o Plano de Me- Alguns programas, como a construção da ro-
tas, cujo lema era “50 anos em 5”, baseado em seu dovia Transamazônica e os projetos de coloniza-
modelo desenvolvimentista, Kubitschek substituiu a ção previstos para suas margens, fracassaram. Já
importação de mercadorias pela produção indus- no Nordeste, o projeto do Polo Petroquímico de
trial interna. Camaçari, município próximo a Salvador (BA), foi
A chegada de multinacionais (montadoras de bem-sucedido. Hoje, estão agregados a ele outros
veículos, principalmente) e investimentos em ener- setores, como o automobilístico, o de papel e celu-
gia e transportes contribuíram com a implantação lose, o têxtil, entre outros.
do Plano de Metas. Brasil: perspectivas atuais para a produção
industrial O Brasil ingressou no século XXI com um
parque industrial diversificado e com setores que
se destacaram, como o aeronáutico. Ao longo dos
anos 1990, houve esforço para controlar a inflação
no País e estimular investimentos na indústria, no
agronegócio e em serviços modernos.
Apesar da concentração de indústrias no Su-
deste, verifica-se certa descentralização industrial
no País, iniciada na década de 1970 e que está em
marcha ainda hoje. Novas fábricas instalaram- -se 19
em Estados como Ceará, Bahia e Pernambuco.
A região Sul, mais próxima de países que inte-
gram o Mercosul, também registrou crescimento
Nesse contexto de internacionalização da eco- industrial. Em parte, esses deslocamentos vêm se
nomia, dinamizou-se e diversificou-se a produção dando em razão da busca de força de trabalho
industrial com financiamentos estatais e privados, mais barata e das facilidades para instalação das
tanto internos como estrangeiros, o que gerou cres- novas unidades, como isenção de impostos, ob-
cimento econômico e um novo passo na moderni- tenção de terrenos em posição geográfica privile-
zação do País. giada e acesso a tecnologias e infraestruturas de
A nova capital, Brasília, foi construída, assim comunicação e informação.
como extensas rodovias, ampliando a integração Algumas incertezas têm surgido nos últimos
físico-territorial e a articulação do mercado nacio- anos. Mesmo com divergências de opinião, analis-
nal. Iniciou-se a transição de um país agrário e rural tas alertam que os investimentos e a inovação tec-
para um país urbano-industrial. nológica na indústria têm sido insuficientes, afetan-
O otimismo daquele período, entretanto, não do os índices de produtividade. Isso se torna mais
se traduziu em benefícios sociais. Houve crescimen- preocupante por causa da forte competição por
to do Produto Interno Bruto (PIB), mas não a distri- mercados na globalização.
buição de riquezas, reforçando desigualdades so- Alguns setores sofrem com a concorrência ex-
ciais e desequilíbrios regionais no País. A partir de terna, como o têxtil e o de vestuário, e há carência
1964, após o golpe que derrubou o presidente João de força de trabalho especializada para diferentes
Goulart (1919-1976), o Brasil ingressou no sombrio setores. Por sua vez, diversas montadoras de auto-
período da Ditadura Militar. móveis têm procurado o País para instalar novas
Forte repressão, mortes e prisões de opositores e unidades, embora hoje, nesse setor, as unidades in-
controle de liberdades individuais marcaram o pe- dustriais sejam em geral mais enxutas e funcionem
ríodo, que durou até 1985. No campo econômico, à base de uso intensivo de tecnologias.
os militares mantiveram a substituição de importa- Além disso, elas também têm claros interesses
ções, com empréstimos internacionais (elevando a em usar força de trabalho mais barata e obter be-
dívida externa do País) e o estímulo à produção em nefícios fiscais dos Estados e municípios, gerando,
setores como siderurgia e aeronáutica, e investiram por isso, menos empregos que nas décadas pas-
na construção de infraestrutura (tais como estradas sadas.
Ciências Humanas e suas Tecnologias

A PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA BRASILEIRA:


#FicaDica ESPAÇOS, SETORES E ATIVIDADES
As indústrias podem ser classificadas
em três grandes grupos, de acordo com Brasil, celeiro agrícola: benefícios, controvér-
o tipo de mercadoria que produzem. sias, desafios Diferentemente do período colonial,
Assim, elas podem ser de: em que havia dependência de apenas um grande
• bens de consumo – produzem bens bem de exportação, fosse o açúcar ou o café, di-
a ser adquiridos por consumidores recionado para alguns países da Europa, o Brasil é,
finais. Dividem-se em: duráveis (au- na atualidade, um celeiro agrícola mundial. O País
tomóveis, motocicletas, geladeiras é líder na venda de diversos produtos, como açú-
etc.) e não duráveis (alimentos, car, feijão, café e laranja.
roupas, bebidas). Há também os Destaca-se também na produção de soja e
semiduráveis (alguns eletrodomés- carne bovina. Os resultados atuais estão associa-
ticos, calçados e outros); dos ao intenso processo de modernização do cam-
• bens de capital – fabricam máqui- po no País, em que os cultivos passaram a contar
com insumos industriais diversos, como fertilizantes,
nas, instrumentos e equipamentos
defensivos, sementes melhoradas e a introdução
que serão aproveitados por outros
de máquinas agrícolas sofisticadas (tratores, se-
ramos industriais;
meadeiras, colheitadeiras, ordenhadeiras mecâni-
• bens intermediários – geram ma-
cas, equipamentos para irrigação etc.).
térias-primas processadas ou bens O trabalho da Empresa Brasileira de Pesquisa
manufaturados utilizados por ou- Agropecuária (Embrapa) é fundamental para o
tros ramos industriais (derivados de desenvolvimento tecnológico da agropecuária
petróleo, peças e componentes brasileira. Com unidades espalhadas pelo território,
para computadores, açúcar e adi- ela desenvolveu espécies adaptadas às condições
tivos para fábricas de alimentos, de cada local, estudos sobre correção de solos
chapas de ferro ou aço e outros). (como no Cerrado), projetos de máquinas e instru-
mentos agrícolas e muitas outras atividades.
No Brasil, desenvolveu-se e consolidou-se um
Outro aspecto a ser mencionado é a dificul- importante setor de processamento industrial dos
dade de implantar ou aperfeiçoar novas infraes- bens produzidos no campo. São as agroindústrias,
truturas no País. Elas estão diretamente ligadas à que processam, entre outros produtos, laranja, ca-
capacidade de agilizar a articulação entre unida- na-de-açúcar, soja, carne bovina, suína e de fran-
20 des produtivas, como oferta de energia, estradas e go, couro e outros.
comunicações. O resultado foi a adoção de novas tecnologias
Portanto, trata-se de um aspecto “espacial”, já nos cultivos, com altos ganhos de produtividade.
que envolve o transporte e a circulação de bens, Segundo um informe do ano de 2013 da Embrapa,
criando fluxos no espaço. Entre as pendências exis- a produção de grãos cresceu por volta de 400%,
tentes nas infraestruturas citadas, estão as ferrovias enquanto a área cultivada aumentou aproxima-
Norte-Sul e a Transnordestina, que vêm sendo cons- damente 80% entre os anos de 1972 e 2013.
truídas há anos, mas ainda não foram concluídas. Assim como em outros setores, a maior parte
A infraestrutura de transportes, altamente centrada das inovações beneficiou, sobretudo, os produtores
em rodovias, não atende às demandas nacionais. capitalizados (grandes produtores, empresas rurais,
Assim, os gargalos em estradas e portos encarecem o chamado agronegócio e os que participam da
a produção e a exportação de bens. comercialização das safras), que têm condições
A isso, somam-se demandas sociais ainda não de cultivar grãos e outros bens de exportação em
atendidas, como os casos de moradia e transportes extensas áreas e com forte mecanização. A mo-
públicos urbanos. É importante lembrar que parte dernização tem, assim, um lado perverso.
das dificuldades econômicas e sociais deu-se em A expansão dos cultivos deu-se sobre uma es-
função dos efeitos da crise econômica mundial trutura fundiária (distribuição e propriedade das
ocorrida após 2008, a qual provocou a retração terras) profundamente marcada pela concentra-
dos mercados internacionais e dos investimentos ção nas mãos de poucos proprietários. Muitos pe-
diretos em setores produtivos. quenos agricultores enfrentam dificuldades para
A descoberta de novas reservas de petróleo e escoar a produção ou para obter financiamentos.
gás natural no litoral do Sudeste, na camada do Com isso, são obrigados a vender suas proprieda-
pré-sal, pode estimular o setor energético e as ca- des ou a se tornar assalariados rurais ou urbanos,
deias produtivas de subprodutos dos combustíveis reforçando ainda mais a concentração fundiária.
fósseis. Mas será preciso avaliar quais benefícios isso O avanço dos cultivos também vem causando
poderá trazer à população e à economia do País impactos em biomas importantes como o Cerra-
nos próximos anos. do (estima-se em 40% a perda de suas coberturas
naturais) e a Amazônia. Isso tem se dado apesar
de haver um imenso estoque de outras terras dis-
poníveis no País que poderiam levar ao aumento
Ciências Humanas e suas Tecnologias

da produção, sem que se avançasse um palmo de De forma geral, há no Brasil demanda por me-
terra sequer sobre essas áreas de grande biodiver- lhores condições nos sistemas de armazenamento
sidade. e transporte da produção agrícola. São novos re-
Além disso, são frequentes os conflitos de terra cordes de safras a cada ano, mas com as mesmas
no País, vitimando pequenos agricultores, indíge- estruturas para armazenagem e transporte (realiza-
nas ou quilombolas. Não é por outra razão que pro- do muitas vezes em rodovias precárias e de pista
liferaram nas últimas décadas movimentos sociais única), o que eleva os custos finais.
organizados no campo, que ocupam fazendas e Assim como no caso da produção industrial,
terras improdutivas e exigem reforma agrária (basi- no Brasil também existe um gargalo no escoamen-
camente, distribuir terras e dar ao agricultor condi- to da produção agrícola pelos principais portos,
ções de produzir). como Santos (SP) e Paranaguá (PR). Nesses portos,
A violência e o trabalho escravo, seja em con- ocorrem longas filas de caminhões em rodovias
dições rudimentares como em certas carvoarias no próximas ou restrições ao embarque nos navios.
Mato Grosso do Sul ou na produção moderna em Para a agricultura, em geral, esperam-se, portanto,
São Paulo, ainda são frequentes no campo, quase melhorias nos sistemas de circulação, em especial
sempre com exploração ou morte de trabalhado- a expansão de ferrovias e hidrovias, ideais para o
res rurais e líderes sindicais. transporte de cargas.
Mesmo em um quadro de extrema desigual- Do mesmo modo, anseia-se pelo fornecimento
dade social, a agricultura familiar, entendida aqui de serviços básicos às comunidades rurais, já que
como aquela que se desenvolve em pequenas muitas ainda não têm acesso a educação, ele-
propriedades e que utiliza principalmente a força tricidade ou abastecimento de água. Além dos
de trabalho da própria família, tem sido muito pro- aspectos já mencionados, é importante destacar
dutiva. que a melhoria das condições de vida e trabalho
Ela responde pela maior parte (74,4%) do pes- no campo no Brasil passa pela justa e equitativa
soal ocupado no campo e, apesar de utilizar ape- distribuição de terras.
nas 24,3% das áreas rurais produtivas, é a que mais Ademais, os pequenos agricultores precisam ter
produz alimentos no País. mais acesso a créditos, à assistência técnica rural
Nos últimos anos, o conceito de agricultura fa- e a políticas de preços mínimos para poderem se
miliar se ampliou no Brasil, em especial em face dos manter. As mortes, a violência no campo e o re-
programas de financiamento e das leis aprovadas. gime de trabalho em condições análogas às da
Por exemplo, a Lei federal no 11.326, de 24 de julho escravidão, resquícios de um Brasil colonial e escra-
de 2006, que fixa diretrizes para o setor, estabelece, vista, devem ser punidos com rigor.
além do que foi descrito anteriormente, que tam- Comércio e serviços no Brasil O setor terciário da 21
bém são beneficiários de programas de créditos e economia corresponde às atividades de comércio
assistência à agricultura familiar as comunidades e prestação de serviços. Diferentemente do setor
quilombolas, os pescadores, os criadores de pei- primário (agropecuário) e secundário (industrial), o
xes e outras espécies aquáticas, os extrativistas, as terciário não produz objetos.
populações ribeirinhas e até mesmo certos grupos No caso dos serviços, quem paga por eles tem
indígenas, como os que participam de projetos de acesso a um meio, um suporte ou uma conveniên-
conservação ambiental. cia para atender determinadas necessidades. Des-
Os gráficos a seguir representam a participação sa forma, contratar um técnico para consertar o
da agricultura familiar na produção agropecuária computador, uma pessoa que realize serviços do-
e de alimentos no Brasil. Os dados estão represen- mésticos ou consultar um médico são relações co-
tados em gráficos de “pizza” (círculos com propor- merciais do setor terciário.
ções) e de barras, e ambos mostram percentuais. Em economias modernas, o setor terciário, so-
bretudo os serviços, tem apresentado grande ca-
pacidade de absorver excedentes de força de tra-
balho dos demais setores. Um segmento que vem
tendo grande crescimento no Brasil é o de turismo,
que mobiliza inúmeros trabalhadores (guias turísti-
cos, tradutores e intérpretes etc.) e atividades (ho-
telaria, locação de veículos, construção civil, com-
panhias aéreas etc.). O setor de serviços também é
essencial no apoio a atividades produtivas, sejam
elas agropecuárias ou industriais. É cada vez mais
frequente, por exemplo, encontrar empregados de
setores administrativos ou técnicos de informática
em fazendas.
Esse setor vem ganhando muita importância
nos últimos anos diante dos avanços da informáti-
ca, da internet e das telecomunicações em geral.
Surgiram, e ainda surgem, novas empresas e subse-
tores, como os de softwares (programas e aplicati-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

vos para computadores, telefones celulares, tablets micas demográficas, como a estrutura etária (dis-
etc.), de comércio eletrônico, portais de notícias, tribuição da população em faixas de idade), a
empresas de design gráfico e muitas outras. Trata- esperança ou expectativa de vida (número médio
-se de um segmento em plena expansão, tanto no de anos que se espera que vivam os membros da
Brasil como no mundo. população, com base no ano de nascimento) e a
condição feminina (referente ao papel e à partici-
BRASIL: DINÂMICAS DEMOGRÁFICAS E SOCIAIS pação da mulher na vida social).

Dinâmicas demográficas A transição demográfica no Brasil

Para entender o comportamento demográfico Se você conversar com familiares, amigos e vi-
de um país, é preciso levar em conta o que ocorre zinhos, poderá constatar que hoje já não são tão
com a natalidade, a mortalidade e as migrações, frequentes famílias com grande número de filhos,
elementos centrais da análise demográfica. Assim, dada a queda nas taxas de fecundidade no País.
a demografia envolve estudos e levantamentos es- Conforme o Censo Demográfico do IBGE (Resulta-
tatísticos sobre esses pontos. Os dados costumam dos gerais da amostra, 2010), em 1940 a média era
ser expressos em taxas. de 6,1 filhos por mulher e passou a 1,9 filho por mu-
Além disso, a estrutura populacional de um país lher em 2010. A população brasileira aumentou em
pode ser analisada com base na classificação e na números absolutos, mas houve queda na natalida-
distribuição das pessoas em categorias como sexo, de e na fecundidade. Portanto, a população bra-
idade e estado civil. Deve-se considerar também sileira está crescendo, mas a um ritmo menor que
que os estudos populacionais procuram relacionar nas décadas passadas.
taxas e dados estatísticos a fatores de ordem so-
cial, política, econômica, cultural, ou às dinâmicas
do espaço geográfico, de modo a entender o que
estaria motivando determinado fluxo migratório.
Para compreender os fundamentos da análise
demográfica, serão estudados os indicadores com
os quais ela trabalha.

• A natalidade refere-se ao número de nascidos


vivos em um período e local. Mantém estreita
22 relação com a fecundidade (número médio
de filhos das mulheres em idade reprodutiva,
basicamente dos 15 aos 49 anos) e a fertilida-
de (capacidade reprodutiva de mulheres e
homens em uma população). Geralmente, a
natalidade é expressa pelo número de nasci-
dos vivos por grupo de mil habitantes.
• A mortalidade refere-se ao número de óbitos
em uma população, em um dado período.
Geralmente, ela é expressa pelo número de
óbitos por grupo de mil habitantes. É importan-
te saber o número de óbitos e suas causas em
recém-nascidos (neonatal), no primeiro ano
de vida (infantil) e na população adulta. Para
interpretar as taxas de mortalidade dos re-
cém-nascidos, é necessário considerar fatores
como as condições do parto e a assistência à
mulher. No caso da fase infantil, itens como sa-
neamento e atendimento médico devem ser Comparando-se as pirâmides etárias, você per-
observados. E, no caso da vida adulta, pesam cebe que a projeção para 2020 ainda apresenta
as condições de vida e de trabalho, o acesso uma base larga, o que indica número elevado de
à saúde, a maior ou menor exposição à violên- crianças e jovens. Mas, em relação à pirâmide do
cia e outros. período de 1970, ela está bem mais larga nas faixas
• As migrações, por sua vez, dizem respeito à etárias intermediárias e um pouco mais larga nas
entrada e à saída de pessoas em um deter- faixas correspondentes aos idosos. Isso reflete, em
minado local e período. Os imigrantes são os boa medida, o processo chamado de transição
que chegam a uma cidade, uma região ou demográfica.
um país; emigrantes são os que partem. Ele é caracterizado por fases que vão de situa-
ções de crescimento populacional expressivo até
fases posteriores de estabilização ou, até mesmo,
Há, ainda, outros elementos centrais das dinâ-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

de estagnação do crescimento. Nessas últimas fa- para 74,6 anos (sendo 71,0 anos para os homens e
ses, às quais o Brasil começa a chegar, há redução 78,3 anos para as mulheres).
das taxas de natalidade e um crescimento natural De forma geral, isso mostra avanços no acesso
ou vegetativo relativamente pequeno da popula- à saúde (consultas, exames, medicamentos etc.),
ção. à previdência social, ao saneamento básico etc.
Processos como esse vêm ocorrendo há mais Mesmo que o sistema de saúde ainda tenha de-
tempo e de forma mais intensa em países da Eu- ficiências graves, mortes prematuras têm sido evi-
ropa (Itália, França, Espanha e outros), cujas taxas tadas e doenças graves vêm sendo tratadas. O
de crescimento estão abaixo das necessárias para aumento da longevidade, combinado com suces-
a reposição populacional. Ou seja, o número de sivas quedas nas taxas de natalidade e fecundida-
nascimentos não está sendo suficiente para man- de, resulta no gradativo envelhecimento da popu-
ter as populações ou propiciar seu crescimento lação.
em termos absolutos. Há várias explicações para Com isso, é muito provável que nas próximas
o processo de transição demográfica no Brasil. Eis décadas o Brasil tenha uma “janela de oportunida-
algumas: des” com a presença massiva de jovens e adultos
no mercado de trabalho, gerando a capacidade
• Houve significativa mudança na condição das de sustentar os demais membros da população.
mulheres na sociedade nas últimas décadas. Contudo, estima-se que no futuro a sociedade bra-
Elas ingressaram no mercado de trabalho e sileira tenha de se preocupar mais com o atendi-
passaram a exercer funções tradicionalmente mento aos idosos, que representarão percentual
destinadas apenas aos homens. Hoje, as mu- mais elevado no conjunto da população.
lheres estão mais escolarizadas e muitas são Desse modo, o desafio seria, em vez de construir
pessoas de referência da família (antes cha- creches e escolas de educação infantil, ampliar
madas de “chefes de família”). Não são mais ofertas de saúde, assistência social, lazer e cultura
donas de casa dedicadas a cuidar do lar e para os idosos.
dos filhos em tempo integral. Nesse contexto, Migrações no Brasil Registros mostram que a po-
muitas delas tendem a adiar ou suspender a pulação brasileira sempre foi muito móvel. No sé-
culo XX, em especial na segunda metade, as más
maternidade. Colabora também para essa
condições de vida no campo e o avanço da in-
situação o amplo acesso a métodos anticon-
dustrialização e da urbanização provocaram fortes
cepcionais, o que não ocorria em décadas
fluxos migratórios.
anteriores.
De forma geral, a partir dos anos 1950 e 1960,
• A partir das décadas de 1960 e 1970, o Brasil eram movimentos de longa distância e entre re-
conheceu um vigoroso processo de urbaniza-
23
giões, sobretudo do Nordeste para grandes cida-
ção. Há muito mais pessoas morando nas cida- des do Sudeste, como São Paulo e Rio de Janeiro.
des. Nelas, a tendência é de as pessoas terem Houve também fluxos de sulistas para as áreas de
menor número de filhos, por causa do ritmo fronteiras agrícolas no Centro-Oeste e no sul da
de vida e dos elevados custos para cuidar de Amazônia (veja infográficos a seguir).
uma criança e manter a família, entre outros
motivos. Ao contrário do comportamento de
tempos atrás, quando vigorava no campo a
ideia de que quanto mais filhos, mais pessoas
para colaborar no trabalho agrícola.

É possível notar também uma queda nas taxas


de mortalidade infantil. Os dados são importantes,
pois mostram que houve melhorias nas condições
de vida da população, entre elas, nos serviços mé-
dicos e no saneamento básico. Mas isso ainda varia
entre as regiões. Segundo o Censo Demográfico de
2010, a taxa mais alta de mortalidade infantil é a
de Alagoas (46,4 por mil) e a mais baixa é a do Rio
Grande do Sul (12,7 por mil). Ainda há muito que
fazer: em Macapá (AP), apenas 3% da área do
município tem rede de esgotos. Segundo o Instituto
Trata Brasil, que acompanha a evolução desse ser- A partir de 1990, mudaram a natureza, a dire-
viço em relação à população atendida, números ção e a intensidade dos fluxos (veja mapa da próxi-
similares também são encontrados em municípios ma página). Eles passaram a ser de curta distância
como Nova Iguaçu (RJ), Belém (PA), Jaboatão dos e entre Estados da mesma região. Chamaram a
Guararapes (PE), Rio Branco (AC) e Canoas (RS). atenção também as migrações de retorno, como
Por outro lado, cresce a expectativa de vida o caso de migrantes nordestinos que voltam para
no Brasil. Em 1990, a média era de 62,3 anos. Vin- sua região de origem.
te anos depois, passou para 73,5 anos e, em 2012, Existem ainda fluxos sazonais, que acontecem
Ciências Humanas e suas Tecnologias

quando alguém trabalha parte do ano em uma cidade e a outra metade do ano no lugar de origem,
como ocorre na colheita de cana-de-açúcar e na construção civil.

24

Nos séculos XIX e XX, o Brasil recebeu milhões de imigrantes, como italianos, espanhóis e japoneses. Nos
anos 1980 e 1990, vieram chineses, coreanos e grupos originários de países africanos de língua portuguesa,
como Angola e Moçambique.
Nas décadas seguintes, chegaram imigrantes de países vizinhos, em especial da Bolívia. Nas últimas
décadas do século XX, em um quadro de crise econômica e dificuldades para conseguir empregos, o mo-
vimento se inverteu: brasileiros emigraram em busca de novas oportunidades.
Os principais destinos foram Estados Unidos, Paraguai, Japão, Reino Unido e Portugal. Os emigrantes se
originam principalmente dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná.
Contudo, com a forte crise econômica ocorrida a partir de 2008, muitos brasileiros emigrados retorna-
ram e se somaram a novos imigrantes que se dirigiram para o Brasil. Nos últimos anos, sobretudo após 2010,
ano em que ocorreu um forte terremoto no Haiti, muitos imigrantes daquele país ingressaram no Brasil, por
conexões que passam pelo Panamá e pelo Peru até a entrada pelas fronteiras no Estado do Acre.

Composição da população segundo a cor

O resultado das matrizes étnico-culturais da sociedade brasileira (indígenas, europeus e afrodescen-


dentes) foi a constituição de uma formação social marcada pela mistura, pela diversidade e, também,
pela desigualdade de oportunidades, afetando em especial indígenas e afrodescendentes.
A cada década, o Censo Demográfico do IBGE afere a composição da população pela cor ou “raça”.
A identificação de cada um é autodeclarada, ou seja, é o cidadão que indica sua cor.
Os dados de 2010 trazem uma grande novidade: pela primeira vez na história do Brasil, pretos e pardos
(designação do Censo) alcançaram mais de 50% da população, com 43,1% de pardos e 7,6% de pretos.
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nas metropolitanas. Nesse ponto, é essencial com-


preender o que é uma metrópole.
Proveniente do grego, o termo significa “cida-
de-mãe”. Mas uma metrópole não é só uma gran-
de cidade. Ela é também um núcleo que concen-
tra pessoas, empresas e poder político- -econômi-
co, com grande capacidade de irradiar influências
pelo território.
Observe a seguir a distribuição da população
urbana no Brasil e verifique a concentração popu-
lacional nas metrópoles.

Para pesquisadores, esse resultado pode es-


tar ligado ao resgate e à valorização da história e
cultura africana e afro-brasileira nos últimos anos,
feitos por movimentos sociais e políticas públicas. É
provável que, em vista disso, os afrodescendentes
estejam se declarando mais como pretos ou par-
dos, reafirmando suas origens e sua identidade.
Mas os afrodescendentes ainda sofrem com
as desigualdades e a discriminação no mundo do
trabalho e no acesso à educação. Esse grupo tam- 25
bém é o que mais sofre com a violência no País.
O Censo Demográfico 2010 apurou também
que atualmente há aproximadamente 900 mil indí-
genas no Brasil, dos quais 517.383 vivem em aldeias
nos parques e terras indígenas e o restante em ci- Há no Brasil duas principais metrópoles: São
dades ou áreas rurais. Paulo e Rio de Janeiro, que exercem forte influên-
A maior concentração está na região Norte, cia sobre o território nacional. Somadas, elas con-
em especial no Amazonas. A boa notícia é que tam com mais de 30 milhões de pessoas e apro-
vem ocorrendo crescimento populacional entre a ximadamente 35% do PIB nacional. Juntas, essas
maior parte dos grupos indígenas, mas ainda são duas metrópoles nacionais e o corredor urbano
grandes as dificuldades desses povos para sobrevi- que as une formam uma megalópole, ou seja, uma
ver e garantir suas terras. grande mancha urbana, com elevada concentra-
ção de recursos, situações de junção física das ci-
Brasil: de país agrário e rural a urbano-industrial dades (conurbação) e capacidade de comando
e de exercer influências diversas na escala mundial.
A partir da década de 1940, o Brasil passou Esse papel também é exercido, de forma ainda
de País agrário e rural a urbano- -industrial. Assim, mais intensa, por outras megalópoles globais, como
atualmente, de cada dez brasileiros, pouco mais Nova Iorque-Filadélfia (EUA), Londres-Paris (Europa
de oito vivem em cidades que podem variar em ocidental) e Tóquio-Osaka (Japão). Dada a neces-
extensão ou em número de habitantes. sidade de integrar serviços de infraestrutura e de
Embora esse processo seja mais intenso no Cen- abastecimento nessas grandes manchas urbanas,
tro-Sul, em todas as regiões as taxas de população nos anos 1970, foi criada no Brasil a designação re-
urbana ultrapassaram a marca dos 70% – similares gião metropolitana (RM). Com isso, o governo fe-
às taxas de vários países desenvolvidos, que tam- deral cria delimitações oficiais para estabelecer um
bém são muito urbanizados. novo sistema de gestão dessas grandes cidades.
Outro dado essencial refere-se à distribuição A nova Constituição Federal, de 1988, deu aos
territorial da população urbana: parcelas impor- Estados autonomia para identificar e criar RMs e as
tantes estão nas grandes cidades. Há, portanto, chamadas Regiões Integradas de Desenvolvimento
uma urbanização marcada pela metropolização, (RIDEs). Esse conjunto envolve as RMs de São Pau-
ou seja, a constituição de extensas manchas urba- lo e do Rio de Janeiro e também outros conjuntos,
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como as RMs de Campinas, da Baixada Santista e


de cidades do Vale do Paraíba. c. Metrópole – Manaus, Belém, Fortaleza, Reci-
Veja alguns dados sobre esse assunto na tabela fe, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia e
a seguir. Porto Alegre, com população variando de 1,6
(Manaus) a 5,1 milhões (Belo Horizonte), cons-
tituem o segundo nível da gestão territorial. [...]
2. Capital regional – são 70 centros que,
como as metrópoles, também se relacionam
com o estrato superior da rede urbana. Com
capacidade de gestão no nível imediatamente
inferior ao das metrópoles, têm área de influên-
cia de âmbito regional, sendo referidas como
destino, para um conjunto de atividades, por
grande número de municípios. Este nível tem
três subdivisões: Capital regional A (11 cidades,
com medianas de 955 mil habitantes [...]); Ca-
Uma característica das grandes manchas me- pital regional B (20 cidades, com medianas de
tropolitanas é a existência de situações de conur- 435 mil habitantes [...]); Capital regional C (39
bação. Isso não ocorre em todas, mas, onde ocor- cidades com medianas de 250 mil habitantes
re, a mancha urbana acaba ultrapassando limites [...]).
municipais, formando uma única e grande cidade. 3. Centro sub-regional – 169 centros com
É justamente para administrar problemas co- atividades de gestão menos complexas [...];
muns a todos os municípios que integram essas têm área de atuação mais reduzida, e seus
grandes manchas urbanas (transportes, rede viária, relacionamentos com centros externos à sua
coleta de lixo etc.) que foram criadas as RMs. própria rede dão-se, em geral, apenas com as
Algumas cidades como Fortaleza (CE), Cam- três metrópoles nacionais. Com presença mais
pinas (SP) e Brasília (DF) também registraram gran- adensada nas áreas de maior ocupação do
de crescimento populacional e aumento do seu Nordeste e do Centro-Sul, e presença mais es-
peso econômico nos últimos anos. Crescem ainda parsa nas Regiões Norte e Centro-Oeste, estão
no País as cidades médias (entre 100 mil e 500 mil subdivididos em grupos: a. Centro sub-regional
habitantes), como Dourados (MS), Barreiras (BA) e A – constituído por 85 cidades, com medianas
Marabá (PA). de 95 mil habitantes [...]; e b. Centro sub-regio-
26 Além disso, observa-se um deslocamento, ain- nal B – constituído por 79 cidades, com media-
da pequeno, de pessoas que saem das metrópoles nas de 71 mil habitantes [...].
para viver em cidades menores, como Florianópolis 4. Centro de zona – 556 cidades de menor
(SC) e as do interior paulista. porte e com atuação restrita à sua área ime-
Leia o texto a seguir sobre a organização da diata; exercem funções de gestão elementa-
rede urbana do País. res. [...]
5. Centro local – as demais 4.473 cidades
cuja centralidade e atuação não extrapolam
Redes e hierarquia urbana no Brasil os limites do seu município, servindo apenas aos
seus habitantes, têm população dominante-
No topo da hierarquia urbana, 12 metrópo- mente inferior a 10 mil habitantes [...].
les comandam redes urbanas. As redes são di- IBGE. IBGE mostra a nova dinâmica da
ferenciadas em termos de tamanho, organiza- rede urbana brasileira.
ção e complexidade e apresentam interpene-
trações, pela ocorrência de vinculação a mais
de um centro, resultando em dupla ou tripla in- Como a urbanização nacional foi acelerada
serção na rede. Um bom exemplo é Florianópo- e concentrada, logo surgiram problemas. Talvez o
lis, que integra as áreas de Curitiba e de Porto mais grave seja o do acesso aos terrenos urbanos.
Alegre, e o de Natal, nas redes comandadas No capitalismo, os mais ricos ficam com terrenos
por Recife e Fortaleza. [...] mais valorizados, e aos pobres restam terrenos em
1. Metrópoles – Os 12 principais centros ur- piores condições.
banos do País, com grande porte, fortes relacio- Assim, muitos (incluindo a maioria dos migran-
namentos entre si e, em geral, extensa área de tes) foram viver em periferias mal assistidas e dis-
influência direta. Têm três subníveis: a. Grande tantes dos centros, em conjuntos habitacionais
metrópole nacional – São Paulo, o maior con- precários, favelas, cortiços ou modestas casas de
junto urbano do País, com 19,5 milhões de ha- alvenaria construídas muitas vezes pelos próprios
bitantes, em 2007, e no primeiro nível da gestão moradores. Essas áreas sofrem também com falta
territorial; b. Metrópole nacional – Rio de Janei- de infraestrutura, serviços públicos e áreas verdes.
ro e Brasília, com população de 11,8 milhões e O IBGE calcula o déficit habitacional em pelo
3,2 milhões em 2007, respectivamente, também menos 5,5 milhões de moradias no País (que envol-
estão no primeiro nível da gestão territorial. [...] veria aproximadamente 30 milhões de pessoas).
Outra questão é a da ampliação das redes de sa-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

neamento básico, em especial a coleta e o trata- Isso já é um indicativo do avanço que houve nessas
mento de esgoto e de lixo. áreas, mas também do que pode ser melhorado.
A excessiva impermeabilização do solo e a Examinando-se os dados da Pesquisa Nacional
construção de edificações em áreas de risco po- por Amostra de Domicílios (PNAD) com atenção,
dem causar enchentes e deslizamentos, o que pode-se ver que, apesar do aumento do IDHM en-
ocorre com frequência em cidades como São tre 1991 e 2010, ainda existem grandes diferenças
Paulo (SP), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador regionais quanto ao desenvolvimento humano. En-
(BA) e Florianópolis (SC). quanto o município de São Caetano (SP), líder do
Como parte dos empregos e serviços está con- ranking nacional, apresenta resultados similares aos
centrada nas áreas centrais, surge também o de- de países desenvolvidos, outros pequenos municí-
safio da mobilidade espacial. É conhecido o fato pios do Norte e do Nordeste estão no patamar de
de que milhões de pessoas são obrigadas a se des- baixo desenvolvimento humano, segundo os crité-
locar diariamente para seus empregos utilizando rios adotados pela ONU. Houve melhora geral no
transporte precário ou insuficiente, perdendo até acesso à educação, mas ainda há um contingente
quatro horas por dia. expressivo de pessoas de mais de 15 anos que não
Contribui para esse quadro a opção feita pelo sabem ler nem escrever.
País em privilegiar o automóvel, o que afeta os Os dados do gráfico Evolução da taxa de anal-
transportes coletivos e gera congestionamentos. fabetismo no Brasil – 1993-2012 (exercício 2 da Ati-
Pode-se dizer que apenas nas últimas décadas vidade 1) mostram um pequeno aumento no per-
houve investimentos consistentes em redes de me- centual de pessoas nessa condição no período
trô, que, entretanto, custam caro e demoram a fi- entre 2011 e 2012. Pode ser apenas uma variação
car prontas, e em vias expressas para ônibus. estatística, mas pode também representar recuo
Algumas cidades também passam por um pro- nas políticas para a educação de jovens e adultos
cesso de deterioração de seus centros antigos. e estagnação na diminuição do número de pes-
Entre outras razões, essa deterioração se dá pelo soas dessa faixa etária que não completaram os
abandono desses locais, diante dos investimentos estudos.
e das atividades concentrados em novos subcen-
tros apoiados no comércio e nos serviços. Apesar
dos problemas, diversos pesquisadores apontam
soluções urbanas criativas e eficientes criadas em
algumas cidades brasileiras, o que revela o poten-
cial humano das cidades para resolver os próprios
problemas. Entre elas, a expansão de ciclovias, a 27
coleta seletiva de lixo e a promoção da participa-
ção popular na aplicação de recursos públicos (o
chamado “orçamento participativo”).
Nesse aspecto, cada cidade deve procurar
identificar seus problemas e se mobilizar para en-
contrar soluções.

Os dados na área de educação preocupam


quando se considera a cor ou a “raça”. Por exem-
INDICADORES SOCIAIS: plo, o acesso de pretos e pardos ao Ensino Superior
O DESAFIO DAS DESIGUALDADES NO BRASIL é bem mais baixo do que os da categoria “bran-
ca”. Ou seja, há quase universalização do acesso à
As condições de vida do brasileiro: desafios educação básica, mas há desigualdade de aces-
so ao Ensino Superior. Quanto aos serviços essen-
Os dados apresentados na Atividade 1 deste ciais, houve melhoria em todos os quesitos (abas-
tema mostram que houve significativa melhoria de tecimento de água, coleta de lixo e esgotos etc.).
alguns índices no País. Eles apontam para maior Mas ainda se está muito longe do ideal no aten-
longevidade, acesso à educação e crescimento dimento dos domicílios por redes de coleta e trata-
da renda, aumentando o IDH nos municípios. mento de esgotos. Isso é decisivo para garantir a
Os resultados de 2011 e 2012 mostram, além da saúde em faixas de renda mais baixas e mais ex-
evolução nesses índices, aumento do acesso a ser- postas à contaminação de rios, córregos e lagos
viços essenciais, como os de saneamento básico. por esgotos domésticos e industriais, assim como
Ciências Humanas e suas Tecnologias

para conter a degradação ambiental, sobretudo paralelo 23 °S.


em áreas urbanas. A renda do brasileiro também A chamada Zona de Convergência Intertropi-
merece considerações. Houve melhora significati- cal (ZCIT) e as zonas de altas pressões atmosféricas
va na renda média nacional. Entretanto, ela ainda (ou anticiclones, ar descendente), na faixa equa-
está concentrada nas mãos dos mais ricos. torial, e de baixas pressões (ciclones, de ar ascen-
Em 2011, segundo a PNAD, a renda real do tra- dente), na faixa subtropical, têm grande importân-
balho dos 1% mais ricos era 84 vezes superior à dos cia na definição do clima. A ZCIT corresponde ao
10% mais pobres. Essa desigualdade também ocor- encontro de ventos alísios na faixa equatorial. São
re nos grupos segundo a cor ou “raça”. Segundo o ventos de grande escala, com origem em zonas de
Censo 2010, entre os grupos de renda média men- alta pressão atmosférica situadas sobre o oceano,
sal de até ½ salário mínimo, 29,6% eram brancos, ou seja, nas quais a pressão atmosférica sobre a su-
9,7% eram pretos e 58,8% eram pardos. perfície leva ao deslocamento do ar.
Assim, uma radiografia das condições sociais
atuais revela que as melhorias e os avanços ainda
precisam ser melhor distribuídos, de modo a com-
bater mais efetivamente a pobreza e a desigualda-
de. Pesquisadores indicam que muitos pobres são
dependentes dos programas de transferência de
renda (sobretudo do governo federal).
Mesmo que esses programas ajudem a comba-
ter a pobreza extrema e a redução da mortalidade
infantil, é preciso ir além, ampliando as oportunida-
des para que essas pessoas sejam capazes de ge-
rar renda própria de maneira autônoma.
Garantir ensino, saúde, moradia e saneamen-
to básico de qualidade são formas de combater
a pobreza. E isso depende bastante de uma atua-
ção organizada da sociedade. No Brasil, atender
plenamente esses direitos humanos fundamentais
está entre os principais desafios do século XXI.

BRASIL: RECURSOS NATURAIS E QUESTÕES AM-


28 BIENTAIS
No hemisfério Sul, eles sopram de sudeste a no-
Os domínios climáticos brasileiros roeste e, no hemisfério Norte, de nordeste a sudoes-
te, favorecendo a penetração de massas de ar no
O Brasil é um país de dimensões continentais. continente (observe o esquema acima).
Ele está localizado, em sua maior parte, em área O “giro” ou a rotação em sentido horário ou an-
tropical, na qual a radiação solar é mais intensa, ti-horário é resultado da força de Coriolis. O nome
além de ser dotado de grande diversidade natu- vem do pesquisador francês Gustave de Coriolis
ral. É bom lembrar que as manifestações do clima (1792-1843).
associam-se à circulação atmosférica (movimento Ele verificou que, em um sistema de rotação
de massas de ar e entradas de frentes quentes ou (como no do planeta Terra), há uma força que afe-
frias), a fatores geográficos (como latitude, altitude, ta de maneira diferente os movimentos nos hemis-
correntes oceânicas e proximidade do mar), além férios. Em razão da forma esférica da Terra, a força
do tipo de cobertura vegetal. de Coriolis produz um sentido no hemisfério Sul e o
sentido oposto no hemisfério Norte. Por causa des-
Brasil, um país tropical? sa força, camadas de ar entram em movimento de
rotação originando, por exemplo, ciclones e movi-
Dizer que o Brasil é tropical é um bom ponto mentos das correntes oceânicas.
de partida, mas sua diversidade climática é bem No verão, um “braço” da ZCIT forma cordões
maior do que se imagina. persistentes de nebulosidade e calor que vão do
O fato de o País estar em latitudes baixas (pró- Atlântico Sul ao sul da Amazônia. Tal sistema provo-
ximo à Linha do Equador) e médias (na faixa inter- ca chuvas intensas de verão no Sudeste e em par-
tropical, entre a Linha do Equador e o Trópico de te do Centro-Oeste. Assim, nas regiões Norte e Nor-
Capricórnio) tem claros efeitos climáticos: predomi- deste e em boa parte do Brasil central e oriental, as
nam climas quentes e úmidos, de tipo equatorial e médias de temperatura situam-se acima dos 22 °C.
tropical e com subtipos variados. No Sul, região do País que está na zona tempe-
Em geral, as temperaturas ficam acima dos 18 rada, as temperaturas são mais baixas, com inver-
°C, e a amplitude térmica (diferença entre tempe- nos mais rigorosos que no restante do território. As
ratura máxima e mínima) é pequena nas regiões chuvas são abundantes em boa parte da Amazô-
situadas entre a Linha do Equador e o paralelo 20 nia, em função da ação das massas de ar Equato-
°S. A cidade de São Paulo, por exemplo, está no riais (mEa e mEc), e nas regiões Sudeste e Sul e no
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litoral, por causa da massa Tropical atlântica (mTa). são sobre a região, que impede a ação de massas
As massas de ar são grandes porções ou ca- equatoriais, tropical atlântica e frentes polares. A
madas de ar que possuem condições relativamen- corrente marinha fria do Atlântico Sul, procedente
te homogêneas (ou uniformes) quanto a pressão, da costa sul-africana, e o relevo (caso do Planalto
temperatura e umidade. São diretamente influen- da Borborema) funcionam igualmente como bar-
ciadas pelas regiões nas quais se formam (pola- reira à entrada de massas de ar oceânicas mais
res, tropicais, equatoriais) e decisivas para a com- úmidas no interior da região.
preensão dos fenômenos climáticos. Podem-se, assim, identificar no Brasil quatro
Na região Norte há uma distribuição heterogê- grandes domínios climáticos, com variações regio-
nea de umidade: no noroeste do Estado do Ama- nais e sazonais (ou seja, conforme as estações do
zonas, região em que se localizam municípios como ano): equatorial, tropical, subtropical e semiárido.
o de São Gabriel da Cachoeira, a média anual de Esses domínios se associam a uma maior ou menor
chuvas supera os 2.500 mm; já em Rio Branco, ca- presença de água, tipos de coberturas vegetais e
pital do Estado do Acre, a média anual fica entre espécies de animais.
2.000 mm e 2.500 mm. A porção Centro-Sul do País É nesse delicado equilíbrio que se dão as ações
é a mais afetada pela massa Polar atlântica (mPa), humanas.
um “braço” da massa de ar polar.
Ao atingir a latitude do Rio da Prata (entre Ar- O Brasil das águas
gentina e Uruguai), a mPa divide-se em dois ramos:
continental e atlântico. O primeiro adentra o con- O território nacional conta com aproximada-
tinente pelas calhas dos rios da Prata, Paraguai e mente 12% da água doce disponível no planeta,
Paraná, e produz quedas de temperatura no inver- presente em rios de grande volume de água, como
no. Pode atingir o Centro-Oeste e a Amazônia, por os da Amazônia, e em diferentes regiões hidrográ-
meio de um fenômeno conhecido como “friagem”. ficas.
No inverno, há neve nas serras gaúcha e cata- Mas, assim como em outras partes do mundo, a
rinense. O “braço” atlântico segue pela fachada água aqui também está desigualmente distribuída.
litorânea e provoca chuvas e quedas de tempe- Essa diferença na distribuição de recursos hídricos
ratura, mas vai perdendo força conforme se apro- está associada às dinâmicas climáticas e ao regi-
xima das latitudes mais baixas (ou seja, mais próxi- me de chuvas. Mas a disponibilidade e o acesso à
mas da Linha do Equador). água potável estão igualmente ligados ao modo
A mTa, por sua vez, origina-se em centros de como os rios, os córregos e os lagos são usados. O
alta pressão subtropical no Oceano Atlântico. mapa a seguir mostra as regiões hidrográficas do
Como foi visto, no verão, carregada de umidade e País. 29
calor e atraída por baixas pressões no continente,
a mTa avança sobre o oceano e produz chuvas e
temperaturas mais altas no Sudeste e em parte do
Centro-Oeste. No Sudeste, as serras litorâneas, ver-
dadeiros paredões do relevo, como a Serra do Mar,
funcionam como barreiras naturais, retêm umidade
e provocam chuvas locais – por sinal, as médias de
chuva mais elevadas do País, podendo chegar até
4.000 mm.
Isso favoreceu a formação, ali, de densas flo-
restas tropicais, com escarpas de serra florestadas.
Nas áreas sob influência de climas tropicais, há uma
delimitação entre estação seca (abril a setembro)
e chuvosa (outubro a março), mas, há singularida-
des regionais. No litoral nordestino, por exemplo,
as chuvas ocorrem de março a agosto, dada a in-
tensificação das massas de ar úmidas que vêm do
leste.
No Pantanal, situado na larga depressão do
Paraguai, o clima é quente e menos úmido, in-
fluenciado por baixas pressões atmosféricas e pela
massa Tropical continental (mTc). Deve-se destacar
também a mancha semiárida do sertão nordestino.
As chuvas ali são escassas e irregulares, com
médias que não ultrapassam 400 mm em alguns
pontos. Com a alta insolação e as médias térmicas
elevadas, há perda de água por evaporação, ge-
rando escassez de água. São múltiplas as causas
desse fenômeno.
Entre elas, está a ação da zona de alta pres-
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Os números disponibilizados pela Agência Na- da faixa litorânea, associada às chuvas de barreira
cional de Águas (ANA) e pela Agência Nacional no litoral.
de Energia Elétrica (ANEEL) sobre os recursos hídri- Contudo, originalmente, ela avançava para o
cos no Brasil impressionam. Por exemplo, a bacia interior, sofrendo influências da altitude e dos cli-
do Rio Amazonas é a mais extensa do mundo, com mas continentais.
6,1 milhões de km2, dos quais 63% estão presentes Assim como as florestas da Amazônia, a Mata
no território brasileiro. Atlântica é densa, com árvores altas (embora vá-
Essa bacia hidrográfica contribui com pouco rias espécies amazônicas sejam maiores) e troncos
mais de 70% da água disponível no País. Outras re- recobertos por epífitas – plantas que se alojam nos
giões hidrográficas com rios extensos e caudalosos troncos de outras, como orquídeas, certos tipos de
são a do Tocantins, cujos rios principais são o Ara- bromélias e outras.
guaia e o Tocantins, e a do São Francisco, cujo rio A Mata Atlântica se associa também a outras
mais importante, o São Francisco, é a principal fon- coberturas, como as do litoral (manguezais, estuá-
te de água de comunidades do semiárido. rios, dunas, praias) ou a mata de Araucária, típica
Deve-se destacar também a extensão e o po- da faixa subtropical. No semiárido está a Caatinga,
tencial de aproveitamento dos rios Paraná e Para- uma espécie de mata seca que perde suas folhas
guai, nas respectivas regiões hidrográficas. Além nos períodos de estiagem e possui folhas grossas e
de regiões e bacias hidrográficas e diversos rios espinhos como adaptação à seca.
caudalosos, o País conta com dois grandes aquífe- Há porções com caatinga arbórea mais densa
ros: Alter do Chão, na região Norte, e Guarani, no e outras mais arbustivas e com forte presença de
Centro-Sul, que se estende por Uruguai, Argentina cactáceas.
e Paraguai. São duas importantes reservas de água
doce situadas no subsolo.
Um aquífero não é um rio subterrâneo, mas um
conjunto formado por camadas arenosas que ar-
mazenam água e são recobertas por rochas.

30

No Cerrado, que apresenta variação de espé-


cies, porte e densidade da vegetação, um traço
marcante é a presença de árvores tortuosas, com
Os biomas e a biodiversidade brasileira folhas grossas e troncos de cortiça espessa.
Com as estações seca e chuvosa bem defini-
Foi estudado no Volume 1 que os biomas são das, espécies arbóreas desenvolveram raízes que
comunidades, de larga extensão, de plantas, ani- podem medir mais de 15 m para que, assim, retirem
mais e micro-organismos que se inter-relacionam, água de grandes profundidades.
identificando-se em escala regional ou planetária, Entre as teses que explicam as formas das espé-
como florestas ou savanas. cies típicas do Cerrado está a pobreza de nutrien-
Observando imagens, percebe-se visualmente tes naturais nos solos, como o cálcio. Esse elemento
um aspecto mais ou menos homogêneo em cada ajuda a fortalecer a resistência dos tecidos vege-
um deles. Em sua extensão, um bioma reflete as tais e o desenvolvimento das raízes.
condições climáticas dominantes e possui história
e evolução próprias. As formas de relevo também
contribuem para acentuar a diversidade natural.
No Brasil, há seis biomas continentais, sendo o maior
o da Amazônia.
A Caatinga é o único exclusivamente brasileiro,
pois os demais ocorrem também em outros países.
É importante destacar a variedade de formações
vegetais em cada bioma. Assim, na Amazônia é
possível identificar tipos de florestas (igapós, quase
sempre inundadas, matas de várzea, de inunda-
ção periódica, matas de terra firme, sem inunda-
ção) e manchas de cerrado e campos. No território brasileiro, existem faixas de transi-
A Mata Atlântica, por sua vez, é uma típica flo- ção entre os biomas, nas quais se combinam es-
resta pluvial (ou seja, ligada ao regime de chuvas) pécies de plantas e animais de dois ou mais deles.
Ciências Humanas e suas Tecnologias

Em algumas classificações, essas faixas são chamadas de ecótonos. Isso mostra a extrema biodiversidade
dos biomas brasileiros, colocando o Brasil no grupo dos países megadiversos, ao lado de China, Colômbia,
República Democrática do Congo (RDC), México e Indonésia.
A flora e a fauna brasileiras são das mais ricas e variadas do planeta. Estudos sobre a Mata Atlântica
registraram em um único hectare (10 mil m2) mais de 450 espécies de árvores ou arbustos. A concentração
de mamíferos no País é a maior do mundo, com 514 espécies. Das espécies de anfíbios aqui encontradas
(517), mais da metade é endêmica, ou seja, são espécies exclusivas do Brasil.
Os biomas abrigam comunidades de fauna e permitem sua reprodução. As plantas ajudam a fazer
a regulação climática, emitindo vapor-d’água para a atmosfera por meio da evaporação e da transpi-
ração. A vegetação diminui os rigores da radiação solar, protege os solos e garante o escoamento e a
infiltração da água.
Nos cerrados, por exemplo, as matas ciliares (ou galerias), que acompanham o curso dos rios, evitam a
erosão das margens e o assoreamento dos cursos d’água. O assoreamento é o preenchimento do leito dos
rios com sedimentos, o que diminui sua profundidade e dificulta o livre fluxo da água e de certas atividades,
como a navegação.
Toda essa riqueza, que tem valor em si mesma, pode representar também a oferta de bens como frutos,
seivas, óleos vegetais, raízes e animais, com uma infinidade de usos. Entre esses usos, está a geração de
alimentos e medicamentos. Isso só acentua a importância da proteção ambiental no País.

Unidades do relevo brasileiro

O relevo integra os domínios naturais e exerce importante papel nas dinâmicas climáticas e na distri-
buição das formas de vida. Várias classificações foram propostas, para que as unidades de relevo fossem
mais bem conhecidas. A proposta que segue foi criada por Jurandyr L. S. Ross, que identifica três unidades
básicas (planaltos, planícies e depressões), distintas entre si não apenas pela altitude, mas também pelos
processos que lhes deram origem.
Com isso, percebe-se, entre outras características, que a maior parte do território brasileiro é constituída
por planaltos e depressões, unidades nas quais o processo de erosão predomina sobre o processo de de-
posição de sedimentos.

31

A QUESTÃO DO DESMATAMENTO NO BRASIL

A expressão gestão sustentável significa gerir os recursos naturais de modo a não esgotá-los ou não
comprometê-los, considerando os efeitos da exploração econômica intensiva e predatória. Não compro-
meter recursos vitais significa mantê-los para as gerações futuras.
Ciências Humanas e suas Tecnologias

Essa é uma das bases do conceito de desen-


volvimento sustentável, aprovado na Conferência
para o Meio Ambiente de 1992, a Rio-92. Atualmen-
te, muitos preferem falar em sustentabilidade, que
elimina a palavra desenvolvimento, para desvin-
cular a ideia da concepção de desenvolvimento
capitalista.
O desmatamento no Brasil, por exemplo, é um
problema que remonta aos anos iniciais da colo-
nização da América portuguesa, primeiro com a
extração do pau-brasil e depois com a retirada das
coberturas vegetais originais para dar lugar a cul-
tivos de cana-de-açúcar em diferentes áreas da
colônia.
O mesmo se pode dizer da pecuária, que avan-
çou para o sertão nordestino e outras áreas interio-
res. Mas foi no século XX que o corte e a queimada
de porções das florestas e de outras coberturas fo-
ram mais intensos, com a expansão da agropecuá-
ria modernizada sobre os biomas originais. É mais comum que tudo se inicie pela extração
seletiva da madeira, com a retirada de árvores no-
O desafio do desmatamento no Brasil bres. Depois, vem o corte dos sub-bosques – árvo-
res menores e arbustos que são sacrificados para
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espa- a abertura de clareiras e pequenas estradas mais
ciais (INPE) indicam que aproximadamente 18% difíceis de detectar por avião ou imagens de sa-
das florestas da Amazônia Legal foram removidas. télite. Em seguida, vêm etapas de degradação
A área mais afetada é o chamado Arco do Desma- progressiva, com o ressecamento das plantas e a
tamento, uma larga faixa em semicírculo do oeste ocorrência das queimadas. Por fim, é feito o cha-
do Maranhão ao Acre, passando por Pará, Tocan- mado corte raso, com a derrubada para criar pas-
tins, Mato Grosso, Rondônia e sul do Amazonas. tos e plantações, entre outros.
Com efeito, nas últimas décadas, a região Nor- As queimadas nos variados biomas respondem
te foi palco de frentes de colonização agrícola, por aproximadamente 75% das emissões de gases
32 com estímulos à ida de pequenos agricultores para de efeito estufa no Brasil. Como são coberturas ve-
a região, além da construção de hidrelétricas (Tu- getais maduras, armazenam grande quantidade
curuí, Balbina etc.) e rodovias (Belém-Brasília, Tran- de gás carbônico.
samazônica, Cuiabá-Santarém) e a exploração de A situação da Mata Atlântica é a mais dramá-
ricas jazidas minerais, tais como a Serra dos Carajás, tica entre todos os biomas. Como as frentes de co-
no sudeste do Pará. Some-se a isso a expansão da lonização se deram a partir do litoral, ela foi sendo
agropecuária comercial moderna, do garimpo e sistematicamente retirada, inclusive para uso de
da ação, muitas vezes ilegal, de madeireiros. lenha e madeira para construções. Depois, vieram
Entre 2008 e 2012, com a intensificação de pro- os campos agrícolas e a urbanização. Desse modo,
gramas de fiscalização e compromissos do Brasil conforme dados do INPE e do SOS Mata Atlântica,
em conferências internacionais, houve uma signi- que publicou e atualiza anualmente um atlas sobre
ficativa diminuição nos desmatamentos. Mas, em o bioma, restam apenas 8,5% da cobertura vegetal
2013, eles voltaram a crescer na Amazônia. original desse bioma.
As maiores altas foram no Mato Grosso e em Ro- Ainda é possível recuperar parte da cobertura
raima. Isso revela que algumas áreas ainda estão perdida por reflorestamento ou regeneração natu-
vulneráveis. Mato Grosso e Pará são os Estados que ral. Após estabilização da perda de matas, houve
mais tiveram áreas desmatadas. Também correm aumento do desmatamento no bioma entre 2011
riscos áreas protegidas como Parques Nacionais e e 2012. Só nesse período, a perda foi equivalente
Terras Indígenas. a 235 mil km2, ou 23 mil campos de futebol, sendo
Mesmo assim, as Unidades de Conservação a maior em Minas Gerais, por causa da ação de
(UCs) e as áreas habitadas ou utilizadas por povos carvoarias (cujo produto é usado pela indústria si-
indígenas e outras populações tradicionais, como derúrgica) e do plantio de eucaliptos. Bahia, Piauí
comunidades quilombolas e ribeirinhas, ainda são e Paraná lideram também o ranking.
um dos obstáculos à exploração predatória. Em Os Estados que mais preservaram a Mata Atlân-
geral, a floresta não é desmatada de uma só vez. tica no período foram Espírito Santo, Rio de Janeiro
e Mato Grosso do Sul.
Os remanescentes do bioma em áreas urba-
nas, como os da Grande São Paulo, estão também
sob forte ameaça, sobretudo pelo avanço de em-
preendimentos imobiliários – não raro, desrespei-
tando as leis. Eles eliminam árvores e arbustos e re-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

duzem ainda mais o abrigo da fauna. tipos de uso, como pesquisa, educação ambien-
Além disso, o que restou nessas áreas são frag- tal ou turismo ecológico. Entre elas, estão o parque
mentos da mata. Separados entre si, não formam nacional, a reserva biológica, a estação ecológica
corredores ecológicos, faixas de matas interligadas e os refúgios da vida silvestre.
que permitiriam a disseminação de sementes de • Unidades de uso sustentável: buscam conci-
plantas ou o trânsito de animais. liar proteção natural e usos sustentáveis, como a
A situação do Cerrado e da Caatinga é igual- coleta e o processamento de bens (látex, casta-
mente preocupante. No caso do primeiro, em ra- nha-do-pará, açaí e outros), atividades realizadas
zão da expansão da agricultura moderna (grãos com a floresta “em pé”.
para exportação), da pecuária e das carvoarias Entre elas, estão: reserva extrativista, floresta na-
no Brasil central, restam apenas 51,5% da cobertura cional, reserva particular do patrimônio nacional e
primária ou secundária desse bioma. outras. Somadas, as UC hoje abrangem 1,5 milhão
A Caatinga distribui-se pelo sertão nordestino, de km2, ou pouco menos de 18% do território na-
região com enorme biodiversidade e uma das cional. Desse total, 520 mil km2 são áreas de prote-
áreas semiáridas mais povoadas do mundo. A área ção integral.
total de remanescentes de caatinga está entre O Brasil conta, ainda, com parques nacionais
56% e 62,9%. Em qualquer um desses cenários a si- marinhos, como o de Fernando de Noronha. Como
tuação é dramática, já que as populações depen- já foi visto, as terras indígenas e as comunidades
dem bastante dos recursos locais. quilombolas colaboram, a seu modo, para a pre-
Diferentemente de outros biomas, na Caatinga, servação, já que, em regra, são usadas para ativi-
a supressão das coberturas vegetais é mais pulveri- dades de baixo impacto ambiental.
zada, afetando diferentes pontos em pequena es-
cala. A retirada da cobertura se deve em especial
à busca por carvão vegetal e lenha para uso do-
méstico ou industrial (casos de gesso, cal, cerâmica
e ferro-gusa).
Os ecossistemas associados ao bioma Mata
Atlântica também estão em risco no Brasil. Os man-
guezais, verdadeiros berçários de espécies mari-
nhas, estão ameaçados pela expansão imobiliária
e pela carência de saneamento básico. Da Mata
de Araucárias restam cerca de 1% da cobertura
original, espalhada pelo Sul e pelo Sudeste. Toda 33
essa situação provoca grave perda de serviços
ambientais.

Unidades de Conservação e proteção ambiental


no Brasil Em 1965, foi aprovado o Código Florestal brasi-
leiro, prevendo um conjunto de medidas bastante
A situação dos biomas brasileiros é preocupan- restritivas, tais como a obrigação de manter a co-
te, mas o País já dispõe de muitas leis e mecanismos bertura vegetal de pelo menos ¼ das propriedades
de proteção ambiental. A sociedade deve exigir e rurais. Mesmo assim, ele foi seguidamente desres-
o Estado deve assegurar que tais medidas se tor- peitado nas décadas posteriores.
nem efetivas e tenham a fiscalização necessária. Isso levou parlamentares, governos e entidades
Em 1937, foi criado o primeiro Parque Nacional do de produtores agrícolas a propor mudanças na lei
País, o de Itatiaia, na Serra da Mantiqueira, entre (em vez de fazer valer os termos da legislação exis-
Rio de Janeiro e Minas Gerais. tente).
Mas o Sistema Nacional de Unidades de Con- As propostas de mudanças foram objeto de
servação da Natureza (SNUC) só começou a tomar um acalorado debate entre 2010 e 2012, quando
corpo nas décadas de 1990 e anos iniciais do sé- o novo Código foi aprovado. Para ativistas e pes-
culo XXI. Em 2000, foi aprovada a lei que o criou. quisadores, a nova lei é um retrocesso. Entre outras
Essas unidades visam a proteger áreas naturais com razões, porque anistiou os que desmatavam e tor-
características especiais, conservar plantas e ani- nou mais flexível a exploração das Áreas de Preser-
mais, recursos genéticos, formas de trabalho, e pro- vação Permanente (APPs), ambientes frágeis e que
mover o uso sustentável dos recursos contidos nes- devem ser protegidos (várzeas, mangues, encostas
sas áreas. Devem recuperar também ecossistemas íngremes, topos de morros etc.).
degradados, propiciar a pesquisa e a educação As APPs também foram excluídas do cálculo da
ambiental. chamada reserva legal, a fração do ambiente na-
São doze categorias de Unidades de Conserva- tural que deve ser mantida em propriedades.
ção (UC), geridas pelos governos federal, estaduais O documento validou ainda atividades agríco-
e municipais. As categorias estão organizadas em: las em APPs anteriores a 2008, o que pode ser uma
• Unidades de proteção integral: protegem am- espécie de senha para esse tipo de ação continuar
bientes e recursos, e nelas só são permitidos alguns ocorrendo. Parte das medidas ficou condicionada
Ciências Humanas e suas Tecnologias

a levantamentos de um Cadastro Ambiental Rural, Xingu (PA). Estudiosos apontam que essa fon-
ainda a ser feito. Parte das mudanças pode ser ex- te depende de chuvas regulares para produzir
tremamente danosa em áreas urbanas, nas quais energia, o que pode gerar problemas. Por sua
as APPs não são respeitadas, com resultados bem vez, recomendam a criação das Pequenas
conhecidos: mortes e destruição como consequên- Centrais Hidrelétricas (PCH), que causam me-
cias de enchentes e deslizamentos frequentes. nor impacto ambiental.
Não é raro que vereadores mudem leis locais • Etanol versus combustíveis fósseis: o etanol é
de zoneamento, ferindo leis maiores, para permitir uma alternativa ao uso da gasolina, pois causa
a implantação de novos empreendimentos imobi- menos poluição e é renovável. Também evita,
liários. Assim, a efetiva proteção ambiental no Bra- dentro do País, os efeitos das oscilações que o
sil depende da postura vigilante e fiscalizadora da preço do petróleo sofre no mercado mundial,
sociedade. já que é uma alternativa ao uso de combustí-
veis fósseis. Contudo, a expansão dos cultivos
PERSPECTIVAS ENERGÉTICAS E
114 UNIDADE 4 pode deslocar lavouras de ali-
QUESTÕES AMBIENTAIS NO BRASIL
mentos. Mas, agora que o Brasil conta com as
reservas do pré-sal, há uma tendência para a
Matriz energética é o conjunto de fontes pri-
“carbonificação” da matriz e perturbações na
márias (usadas diretamente da natureza, como a
hidráulica) e secundárias (derivados de petróleo, produção de etanol. É importante notar que o
por exemplo) de um país. Os dados mostram que petróleo produz inúmeros derivados, o que difi-
a matriz brasileira está apoiada nos combustíveis culta sua substituição. Porém, talvez o principal
fósseis (petróleo e derivados, gás), no uso de deri- ponto seja o de que ambos (etanol e gasoli-
vados da cana e na geração hidrelétrica, a qual, na) são gerados para abastecer veículos. Isso
aliás, responde por mais de ¾ da oferta de energia reforça o papel proeminente do automóvel,
elétrica no País. em detrimento de opções como trens e me-
O Brasil também é o segundo maior produtor trô, movidos a eletricidade, e ônibus, movidos
mundial de hidreletricidade, atrás apenas da Chi- a eletricidade, diesel ou biodiesel. Deve ser
na. Não é por outra razão que o País é conhecido lembrado que a produção de cana-de-açú-
como “a Arábia Saudita da geração hidrelétrica”. car para gerar etanol está concentrada no
Além disso, o Brasil é um dos poucos países do mun- Sudeste (sobretudo no Estado de São Paulo),
do que dispõem de um combustível automotivo à muitas vezes com precarização das relações
base de biomassa vegetal (o etanol produzido a de trabalho.
34 partir da cana-de-açúcar), que é renovável e me- • Fontes limpas e renováveis: o Brasil apresen-
nos poluente. ta as condições naturais necessárias para
O etanol é uma fonte utilizada em larga escala implantar fontes limpas e renováveis como a
e uma alternativa à gasolina. Quais são os benefí- solar (dada a intensa radiação solar em áreas
cios e os custos ambientais e sociais dessas opções, tropicais) e a eólica (devido aos ventos regula-
levando em conta também a recente descoberta res a 50 m de altura no litoral nordestino e na
de reservas de petróleo no subsolo oceânico, na região Sul) para gerar energia elétrica. Investi-
chamada camada do pré-sal? Eis alguns pontos mentos têm sido feitos, mas a participação das
que configuram transformações importantes no es- energias renováveis n a oferta interna ainda é
paço geográfico nacional e no setor energético:
pequena: a eólica, por exemplo, responde por
apenas 1,7% da oferta de eletricidade. Outras
• Energia hidrelétrica: opção renovável, apro-
alternativas poderiam ter mais estímulos, como
veita o potencial de rios e bacias do País. Há
a energia das marés e o uso da biomassa (ba-
emissão de gases estufa por meio do metano
gaço de cana, restos vegetais) para gerar ele-
expelido pela água que passa nas turbinas e
tricidade, como já ocorre em usinas de açúcar
por meio do gás carbônico emitido pelas plan-
e etanol no Estado de São Paulo.
tas que se decompõem às margens dos reser-
vatórios, mas em proporção menor que a de As demandas ambientais e sociais no Brasil indi-
outras fontes. A Amazônia tem o maior poten- cam que devem ser valorizadas as fontes energéti-
cial, mas a maior capacidade instalada está cas que evitam emissões de gases estufa, os quais
no Sudeste e no Sul, sobretudo no Rio Paraná. podem causar perturbações climáticas. Também é
Esse tipo de energia usa a água dos rios sem preciso rever o “modelo” rodoviário, centrado no
gastá-la e é renovável, mas não está livre de automóvel individual, que gera congestionamen-
impactos. As barragens mudam a dinâmica tos, poluição atmosférica e grandes transforma-
dos rios e das formas de vida; os reservatórios ções urbanas, com a sistemática construção de
alagam áreas verdes e deslocam populações, pontes, túneis e viadutos. O carro é um consumidor
inclusive indígenas. Isso ocorreu com usinas de voraz de espaço. Além disso, os setores industrial e
grande porte, como as de Tucuruí (PA), So- de transporte, juntos, consomem aproximadamen-
bradinho (BA) e Itaipu (PR). Hoje, há intenso te 65% da energia gerada no País. Portanto, devem
debate sobre Belo Monte, nova usina no Rio pagar por essa energia de forma correspondente.
Ciências Humanas e suas Tecnologias

REGIONALIZAÇÃO DO ESPAÇO MUNDIAL o tempo. Em 1957, a Organização para a Coopera-


ção e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em re-
Classificações regionais de países: uma revisão latório, procurou atenuar o termo subdesenvolvido,
adotando em seu lugar país em desenvolvimento.
Examinar classificações regionais é uma ferra- Atualmente, o termo é frequente na imprensa,
menta útil para saber mais sobre características e em pesquisas acadêmicas e em documentos de
condições de países e as relações entre eles. Al- órgãos como o Programa das Nações Unidas para
gumas classificações foram utilizadas no passado o Desenvolvimento (PNUD), o qual, com ressalvas,
recente, em especial após a 2ª Guerra Mundial também fala em Norte e Sul.
(1939-1945), como Norte/Sul e Primeiro, Segundo As classificações regionais receberam críticas,
e Terceiro Mundos. E outras ainda são adotadas, porque tendiam a reunir países em grandes conjun-
como Países desenvolvidos/em desenvolvimento. tos, como se formassem um todo homogêneo, sem
Em regra, baseiam-se em critérios econômicos e, diferenças internas. Hoje, é notório o crescimento
como qualquer classificação, possuem possibilida- econômico e o maior destaque no cenário mundial
des e limites, especialmente se forem consideradas de países como China, Índia, Brasil, Rússia, Turquia,
as transformações econômicas e as dinâmicas glo- México, África do Sul e outros. Essas dinâmicas mos-
bais das últimas duas décadas. tram, portanto, que as classificações não são fixas,
Nos três casos, os países estão agrupados se- imutáveis.
gundo níveis de desenvolvimento. Na designação Elas precisam ser revistas para acompanhar as
Norte/Sul, estariam no Norte países exportadores transformações mundiais. Além disso, há desigual-
de bens industrializados, de maior valor no merca- dades sociais em toda parte, seja no Sul ou no Nor-
do mundial, e importadores de bens primários, pro- te. Basta ver a condição, muitas vezes, precária de
duzidos e exportados pelos países do Sul. Essa clas- grupos imigrantes e seus descendentes na Europa
sificação reflete a histórica exploração de territórios ocidental ou os bolsões de pobreza que existem
do Sul nas fases de colonização, mas não capta nas grandes cidades estadunidenses.
mudanças recentes, como a ascensão econômica Por outro lado, países com fortes desigualdades
de países deste último grupo. sociais, como Índia e Brasil, contam com bolsões
Denomina-se Primeiro Mundo os países ricos, de excelência econômica e de elevado padrão
que possuem características como: crescimen- de vida. A ideia de “país em desenvolvimento”
to constante do Produto Interno Bruto (PIB); forte também pode conduzir, de forma errônea, à ideia
mercado interno; industrialização, urbanização e de que todos devem trilhar o mesmo caminho, bus-
desenvolvimento científico-tecnológico elevados; cando tornar-se “desenvolvidos”, com base em
e economia diversificada. Em geral, apresentam uma ideologia capitalista que tem os países ricos 35
boas condições sociais, como o acesso à saúde e como “modelo”. Cada país, sociedade ou região
à educação. possui, no quadro das relações internacionais, per-
Entretanto, essa classificação também apresen- cursos históricos próprios.
ta algumas limitações: embora seja a região mais Além disso, caso o nível de produção e con-
urbanizada do planeta, a América Latina não faz sumo atualmente vigente nos chamados países
parte do chamado Primeiro Mundo, o que pode desenvolvidos se tornasse universal, o impacto am-
dar a entender que esse não é um critério valoriza- biental seria imenso. Por isso, alguns autores questio-
do para essa classificação. nam o próprio conceito de desenvolvimento, que,
São classificados como Segundo Mundo os paí- em termos históricos, não considerou o paradigma
ses de economia planificada ou socialistas, ou seja, ambiental.
com economia centralmente planejada e gerida
pelo Estado, propriedade coletiva dos meios de
produção e regime de partido político único.
Esse conjunto de países foi representativo até o
início da década de 1990, período em que o país-
-líder, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS), começou a se dissolver. Mas ainda existem
remanescentes que mantiveram tais característi-
cas, pelo menos parcialmente, como Cuba, Coreia
do Norte e China.
O termo Terceiro Mundo deriva da expressão
usada pelo demógrafo francês Alfred Sauvy (1898-
1990), que falava em Terceiro Estado para se referir
aos pobres e marginalizados da França no perío-
do da Revolução Francesa, no final do século XVIII.
Portanto, era utilizado para designar o conjunto dos
países pobres ou explorados pelos países ricos. Qualquer que seja a denominação, o que se
As expressões desenvolvido e subdesenvolvido, recomenda é seu uso criterioso e cuidadoso, sem-
muito usadas após a 2ª Guerra Mundial e a desco- pre considerando a diversidade e as diferenças
lonização na África e na Ásia, foram mudando com internas entre os países. Levando em conta esses
Ciências Humanas e suas Tecnologias

pontos, esta Unidade e o próprio Volume adotam lando a persistência de um fosso profundo entre os
os termos usados pelo PNUD: países em desenvolvi- países – estão Chade, Moçambique, Níger e Repú-
mento e países desenvolvidos. blica Democrática do Congo (RDC).
Mais que uma proposta de divisão regional, o
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) IDH pretende oferecer subsídios a fim de que os
países desenvolvam políticas para melhorar a vida
As insuficiências das classificações regionais de- da população e persigam as metas dos Objetivos
rivam também dos critérios adotados. Tradicional- de Desenvolvimento do Milênio (ODM), elaborados
mente, eles se baseiam apenas em critérios eco- pela ONU em 2000. Mas nem mesmo o IDH abran-
nômicos, como o PIB ou o PIB per capita, ou seja, o ge todos os itens que levariam ao desenvolvimento
valor total do PIB a cada ano dividido pelo número humano, como se pode observar no texto a seguir.
de habitantes de um país. Vale lembrar que o PIB é
a soma (em valores monetários) de tudo o que um
Países desenvolvidos, países industrializados
país produz em um dado período.
Em 1990, o PNUD lançou um novo conjunto de
Os países desenvolvidos são aqueles em
indicadores, traduzido pelo Índice de Desenvol-
que a maioria da população tem acesso à sa-
vimento Humano, o IDH. Calculado e publicado
tisfação de todas as necessidades vitais, bem
anualmente, o IDH vai além dos resultados econô-
como a certo conforto e à educação. O termo
micos de cada sociedade. Medido de zero a um
aproxima-se do de países industrializados, que
(quanto mais próximo de um, maior é o desenvolvi-
designa os países cuja economia baseia-se prin-
mento humano), ele leva em conta:
cipalmente nas atividades industriais (em oposi-
ção às economias dependentes da produção
• uma vida longa e saudável (saúde), medida
agrícola e de matérias-primas). Essa noção não
pela expectativa de vida; é isenta de arbitrariedade, dado que serve, so-
• o acesso ao conhecimento e à educação, bretudo, para designar “os países mais industria-
medido por: a) média de anos da escolariza- lizados do mundo” que se reúnem no G-8. Se o
ção dos adultos, realizada durante a vida por critério principal discriminador, por muito tempo
pessoas a partir de 25 anos; b) expectativa de utilizado para qualificar os países desenvolvidos,
anos de escolaridade para crianças na idade foi o Produto Interno Bruto (PIB), hoje convém
de iniciar a vida escolar, ou seja, o número to- raciocinar principalmente em função do nível
tal de anos de escolaridade que uma criança de desenvolvimento humano. O Programa das
pode esperar receber; Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
36 • o padrão de vida (renda), medido pela Ren- [...] considera que os países desenvolvidos são
da Nacional Bruta (RNB) per capita convertida aqueles cujo IDH é superior ou igual a 0,8. Em
para dólares internacionais usando as taxas de 2007, havia, de acordo com essa definição, 70
Paridade de Poder de Compra (PPC). países desenvolvidos no mundo (principalmen-
te os países da Europa, da América do Norte,
A PPC é utilizada para efetuar comparações in- do Leste asiático e da Oceania). [...]
ternacionais entre o nível de poder das diferentes DURAND, Marie-Françoise et al. Atlas da mundialização:
moedas nacionais. compreender o espaço mundial contemporâneo. São
Paulo: Saraiva, 2009, p. 156.

Blocos econômicos regionais: a diversidade das


regionalizações

Diversas organizações de integração regional


políticas ou econômicas foram criadas após a 2ª
Guerra Mundial. Isso está associado à Guerra Fria
e aos processos de descolonização. No primeiro
caso, porque, após o conflito mundial, formou-se
um conjunto que reunia países socialistas, lidera-
dos pela URSS. No segundo caso, com a desco-
lonização, novos países independentes surgiram,
ampliando possibilidades de criar mecanismos de
integração regional.
Nesse quadro, foram estabelecidos também or-
ganismos multilaterais, reunindo países para coor-
Os países que lideram o ranking do IDH alcan-
denar ações e buscar formas de cooperação em
çaram equilíbrio entre desempenho econômico e
diversos campos (econômico, político, defesa, re-
condições de vida da população, como Noruega,
solução de conflitos etc.). São exemplos a ONU,
Austrália, Holanda e Nova Zelândia, além, é claro,
fundada em 1945, e a Organização dos Estados
de potências como Estados Unidos, Alemanha e
Americanos (OEA), criada em 1948.
Japão. Entre os que apresentam baixo IDH – reve-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

Nas últimas décadas do século XX, acelerou-se


o processo de criação de órgãos de integração União econômica e monetária – é o estágio
regional, que aqui são chamados de blocos eco- mais avançado de um processo de integração
nômicos regionais. Eles são, em primeiro lugar, asso- regional. Trata-se de um mercado comum em
ciações entre Estados soberanos. Portanto, organis- que se aprofunda a livre circulação e a inte-
mos supranacionais ou supraestatais que supõem gração e em que os países adotam políticas
algum nível de transferência de soberania. de desenvolvimento e intercâmbio comuns e
Significa dizer que cada país, por livre escolha, uma mesma moeda, esta sob o controle de um
transfere aos órgãos centrais do bloco do qual par- Banco Central único. Nesta fase há importantes
ticipa o papel de coordenar ou estabelecer deter- transferências de soberania, dos Estados para
minadas políticas. Assim, em regra, esses órgãos sur- organismos políticos do bloco. Um exemplo é o
gem para retirar entraves às trocas comerciais en- da União Europeia na fase atual. Nela, o Banco
tre os países-membros e destes com outros países Central europeu define as diretrizes e executa
e blocos. Portanto, cada bloco formula e aprova políticas monetárias no âmbito do bloco.
seus regulamentos internos e formas de inserção no FONSECA, Fernanda P. et al. Geografia: um olhar sobre
mercado global. o espaço mundial. São Paulo: AJS, 2012, p. 115.
Quanto aos graus de integração, os blocos
existentes são muito diferentes entre si. Alguns são
Os blocos cumprem também outras funções
puramente áreas de livre comércio (como o Naf-
além da econômica. Uma delas é a de natureza
ta), outros pretendem realizar a união monetária
política, que envolve a manutenção da paz, da se-
(como Cedeao e Uemoa, na África) e outros são,
gurança e da estabilidade política dos países-mem-
ainda, organismos que promovem fóruns de diálo-
bros. Esse é um dos objetivos centrais, por exemplo,
go e coordenação quanto a questões políticas ou
da Comunidade para o Desenvolvimento da África
de cooperação militar (casos da União Africana e
Austral (SADC, em inglês), que envolve países dila-
do Conselho de Cooperação do Golfo).
cerados, até recentemente, por sangrentas guer-
Do ponto de vista econômico ou, mais estrita-
ras civis e conflitos internos, como Angola e África
mente, comercial, distinguem-se quatro modalida-
do Sul.
des de integração regional (leia o texto da próxima
Em regra, os blocos definem em seus estatu-
página). No próximo tema, serão tratados aspectos
tos internos as condições para o ingresso de novos
específicos de alguns importantes blocos econômi-
membros. A estabilidade política é uma delas, va-
cos e seus principais desafios e perspectivas.
lorizando sistemas democráticos de representação
política. Cabe também a cada país ter as contas
Modalidades de integração regional no mun- públicas em ordem. Interessa para o bloco, nesses 37
do atual casos, preservar a estabilidade econômica, fiscal e
política de cada um de seus integrantes.
Área ou zona de livre comércio – prevê a
redução ou eliminação de barreiras ou tarifas
alfandegárias entre os países-membros. Porém,
cada um deles mantém seus próprios sistemas
tarifários em relação a terceiros. (Exemplos:
Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico
– Apec e o Acordo de Livre Comércio da Amé-
rica do Norte – Nafta.)
União aduaneira (ou alfandegária) – é um
estágio de integração mais avançado que o
primeiro, em que os países-membros estabele-
cem e adotam uma tarifa externa comum, a
chamada TEC. (Exemplo: atual estágio do Mer-
cosul, [embora este ainda não conte com uma No continente americano, em especial na
zona de livre circulação de mercadorias].) América do Sul, há um projeto de afirmar a auto-
Mercado comum – além da TEC e do livre nomia e a identidade regional – sul-americana e
comércio de bens, existe a livre circulação de latino-americana – diante da hegemonia e da pre-
fatores de produção (capitais, serviços, mão de sença histórica dos Estados Unidos. Mas os blocos
obra) no interior do bloco sem restrições. Nesta econômicos da região ainda enfrentam impasses
fase, é importantíssima a coordenação de po- e obstáculos para dinamizar as relações econômi-
líticas econômicas mais amplas. A mobilidade cas entre os países-membros, como é o caso do
de mão de obra também exige prévia compa- Mercosul.
tibilização entre os países quanto aos sistemas Por sua vez, a África, no contexto atual, não
de contratação de trabalhadores, previdência pode mais ser vista como sinônimo de guerras,
social, seguro-desemprego e outros. (Exemplo: fome e doenças. Países como África do Sul, Mo-
União Europeia na fase anterior à da união eco- çambique, Angola e Sudão vêm registrando forte
nômica e monetária). crescimento econômico, os dois últimos em razão
da exploração de suas elevadas reservas de petró-
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leo. Esses e outros países também vêm recebendo ropeia, março de 2014, que mostra as adesões que
investimentos estrangeiros diretos, sobretudo chine- ocorreram até essa data. Repare nos tons de azul,
ses. nas outras cores utilizadas e nas datas da legenda.
Pesquisas indicam, ainda, ascensão social em
diversos deles, com aumento expressivo do consu-
mo de bens, como televisores e telefones celulares,
e com a elevação de padrões de renda média.
Mesmo assim, ainda existem desafios gigantes-
cos, como as contendas étnico- -culturais, políticas
e territoriais; a inserção da África na economia glo-
bal em condição de dependência e muitas preca-
riedades em quesitos como infraestrutura urbana,
moradia, alimentação, acesso à saúde e à água
potável. As instituições regionais asiáticas, por sua
vez, ainda necessitam de maior consolidação e
criação de mecanismos para enfrentar problemas
transnacionais.
Existem iniciativas de aproximação da Asean
com a China e a Índia, gigantes econômicos e
demográficos da Ásia, sem os quais não é possível
pensar nos destinos daquele continente. E, atual-
mente, há economias em franco crescimento na
região, como a do Vietnã. Assim, cabe a cada blo-
co assegurar a estabilidade política e econômica
dos países-membros e atenuar dificuldades advin-
das das diferenças entre seus componentes.
O desafio atual é, também, o de compatibilizar
os interesses específicos de cada bloco, diante de
um mercado global cada vez mais competitivo.

A construção da União Europeia (UE) Em 1985, foi assinado o Acordo de Schengen,


que eliminou as fronteiras internas em favor de uma
38 A ideia de criar um espaço europeu integrado fronteira externa única. A integração foi aprofun-
não é nova. Alguns embriões da integração surgi- dada com o Tratado de Maastricht, de 1992, que
ram no continente logo após a 2ª Guerra Mundial, estabeleceu o Parlamento e a cidadania europeus.
com a criação do Benelux (1944), acordo de coo- Com isso, foi criada a União Europeia (UE), área
peração entre Bélgica, Holanda e Luxemburgo, de livre circulação de bens, pessoas, serviços e ca-
e da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço pitais, e união econômica e monetária mútua. Ins-
(Ceca), em 1951, com seis fundadores: França, Itá- tituiu-se o passaporte único e, a partir de 1999, o
lia, a então Alemanha Ocidental, mais os países do euro (€), moeda que não é adotada por todos os
Benelux. integrantes do bloco.
A integração surgiu e se consolidou na Europa O mapa O emaranhado europeu, março 2014
como forma de superar rivalidades históricas e bus- mostra os países-membros até essa data, os que
car estabilidade política. Avaliava-se que, ao longo aderiram à zona do euro e ao Espaço Schengen e,
do século XIX e da primeira metade do século XX, o também, os candidatos a ingressar no bloco.
equilíbrio entre potências (Alemanha, Reino Unido Os círculos azuis indicam os que participam da
e França) não havia sido bem-sucedido. Assim, elas Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan),
não foram capazes de evitar as guerras, os conflitos entidade de cunho político-militar e de defesa, que
e a violência que devastaram o continente em di- conta com a presença dos Estados Unidos da Amé-
versas oportunidades. rica (EUA).
Desse modo, a ideia de um grande espaço in-
terno de livre circulação de bens, pessoas, capitais
e informações, e sem restrições no trânsito entre as
fronteiras dos países-membros, criaria maior inter-
dependência e reciprocidade, afastando a possi-
bilidade de novas guerras e disputas.
Nesse quadro, foram criadas as bases para a
assinatura do Tratado de Roma, em 1957, forman-
do a Comunidade Econômica Europeia (CEE). Ao
longo dos anos, países foram sendo integrados ao
bloco até chegar aos 28 atuais.
O último a ingressar foi a Croácia, em 2013. Ob-
serve o mapa Ampliações sucessivas da União Eu-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

Em estágio bastante aprofundado de integração, ainda não alcançado por outros blocos regionais, as
estruturas da UE contam com diversas instituições. Entre elas, além do Parlamento Europeu e do Conselho
da Europa, estão:
39
• Comissão Europeia – com 28 comissários, um por país, é um órgão que propõe leis ao Parlamento e ao
Conselho europeus, busca garantir o cumprimento de leis e gera os fundos e orçamentos de todo o
bloco. Representa a UE em negociações com outros países e blocos.
• Banco Central Europeu – responde pelas políticas relativas ao euro.
• Tribunais e banco de investimentos (financia obras em países-membros) – comitês que representam sub-
-regiões e, ainda, dezenas de agências com tarefas específicas.

Essa estrutura de integração regional permitiu ao bloco se tornar a maior potência comercial do pla-
neta, respondendo por aproximadamente 1/3 do comércio mundial. Mas não significa que o bloco não
tenha desafios.
Ao longo de 2011, a UE se viu diante do debate sobre a crise econômica iniciada em 2008 nos Estados
Unidos e que se expandiu para países do bloco europeu. Isso se deu por causa da situação de países como
Irlanda, Espanha, Portugal e, em especial, Grécia.
Com a crise, esses países revelaram elevado comprometimento de suas reservas monetárias e incapa-
cidade de efetuar o pagamento de suas dívidas. Nesse contexto, a Grécia recebeu aportes financeiros do
bloco e de bancos internacionais. Isso foi feito para evitar turbulências no euro, pois a economia grega não
era tão estável e forte quanto a de outros países da UE, como a Alemanha.
Em contrapartida, o governo grego se comprometeu a reduzir gastos, sanear as contas públicas e con-
ter os salários – essa última medida gerou fortes protestos no país. Entre o final de 2013 e o início de 2014,
a UE foi pivô de uma rebelião popular na Ucrânia. Debatia-se na ex-república soviética a adoção de um
amplo acordo com o bloco, proposta rechaçada pelo então presidente Viktor Yanukovich. Contra a von-
tade de boa parte dos ucranianos, ele defendia a aproximação com a Rússia. Foi então deposto e fugiu
em fevereiro de 2014.
A seguir, formou-se um governo de coalizão e foi marcada uma nova eleição, da qual saiu vitorioso
Petro Poroshenko, pró-ocidental, ou seja, favorável à aproximação com a UE. Em meio à tensão entre o
governo ucraniano e os separatistas pró-russos que atuam no leste do país, a Península da Crimeia decla-
rou independência e, logo depois, foi anexada pela Rússia. Os movimentos separatistas são, também, um
desafio a ser enfrentado com cautela na UE.
Outra questão que causa preocupação no espaço europeu envolve a efetiva integração de imigran-
tes à cidadania europeia. Países têm oscilado entre políticas mais ou menos restritivas à entrada de no-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

vos contingentes populacionais, sobretudo frente O mapa a seguir localiza os países do Mercosul,
à pressão da xenofobia e de ações extremistas de Estados associados e também a União de Nações
neonazistas. Sul-americanas (Unasul), entidade de caráter políti-
co criada em 2007.
Integração regional no continente americano:
Mercosul e Nafta

Os processos de regionalização e formação


de organismos de integração nas Américas ocor-
reram em dois momentos distintos. Primeiramente,
nos anos 1960, a ideia de integração foi estimulada
por entidades de pesquisas como a Comissão Eco-
nômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
Desse quadro resultaram iniciativas como o
Mercado Comum Centro-Americano (MCCA), a
Comunidade Andina (CAN) e outras associações
econômicas. Já em um segundo momento, no pe-
ríodo pós-Guerra Fria e de redemocratização na re-
gião, surgiram dois importantes blocos: o Mercosul
e o Nafta. O Mercosul foi criado após a assinatu-
ra do Tratado de Assunção, em 1991, e tem como
membros permanentes o Brasil, a Argentina, o Pa-
raguai e o Uruguai. Em 2006, foram iniciadas as ne-
gociações para o ingresso da Venezuela, decisão
aprovada em 2013.
Conforme dados oficiais de 2012, são Estados
associados ou participam das reuniões do Merco-
sul: a Bolívia, o Chile, o Peru, a Colômbia, o Equa-
dor, a Guiana e o Suriname.
O Mercosul resulta, antes de tudo, da supera-
ção de rivalidades históricas entre brasileiros e ar-
gentinos, que são as duas maiores economias do
40 bloco. Entre os objetivos principais (oficiais) estão:
O Mercosul foi instituído em um período em que
a maior parte dos países da América Latina recusa-
1. A livre circulação de bens, serviços e fa-
va a proposta de criação de um amplo espaço de
tores produtivos entre os países, através, entre
livre comércio composto por países das Américas
outros, da eliminação dos direitos alfandegários
do Norte, Central e do Sul, a Área de Livre Comér-
e restrições não tarifárias à circulação de mer-
cio das Américas (Alca) – ideia lançada em 1990
cadorias e de qualquer outra medida de efeito
pelo então presidente dos Estados Unidos, George
equivalente;
Bush, mas abandonada em definitivo anos depois.
2. O estabelecimento de uma tarifa externa
O Nafta resultou da decisão dos Estados Unidos
comum e a adoção de uma política comer-
de, finalmente, participarem desse tipo de organi-
cial comum com relação a terceiros Estados
zação, em um contexto no qual cada vez mais blo-
ou agrupamentos de Estados e a coordenação
cos estavam sendo criados. Assim, em 1988, o país
de posições em foros econômico-comerciais
assinou um acordo com o Canadá, estendido ao
regionais e internacionais;
México em 1992.
3. A coordenação de políticas macroeco-
Contudo, é apenas um acordo de livre comér-
nômicas e setoriais entre os Estados Partes: de
cio que dispõe sobre tarifas e produtos entre os três
comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal,
países-membros. Portanto, não prevê livre circula-
monetária, cambial e de capitais, de serviços,
ção de pessoas, não delibera sobre fatores econô-
alfandegária, de transportes e comunicações
micos e não busca instituir uma tarifa externa co-
e outras que se acordem –, a fim de assegurar
mum.
condições adequadas de concorrência entre
São flagrantes as assimetrias econômicas e as
os Estados Partes;
relações desiguais no Nafta, em face do porte da
4. O compromisso dos Estados Partes de har-
economia estadunidense, a maior do planeta, em
monizar suas legislações, nas áreas pertinentes,
relação à dos dois outros membros. No plano ex-
para lograr o fortalecimento do processo de in-
terno, sobretudo quanto aos Estados Unidos, não
tegração.
houve grandes mudanças, o que ajuda, em parte,
MERCOSUL. Em poucas palavras. Disponível em: <http://
a explicar a dificuldade que muitos latino-america-
www.mercosur.int/show?contentid=5908&channel=se-
nos têm para ingressar no território estadunidense.
cretaria>
Muitos o fazem de forma clandestina, subme-
tendo-se a condições bastante adversas nas fron-
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teiras com o México. Até mesmo um muro foi ergui- congressos, feiras, exposições ou convenções.
do entre Tijuana (norte do México) e San Diego (sul Outro exemplo é Roterdã, metrópole da Ho-
dos Estados Unidos), na fronteira. landa que há muito tempo demonstra sua força
Isso pode ser benéfico para os dois países, já econômica. Sozinha, ela é responsável por 30% do
que passam a ter um mercado cativo para seus Produto Interno Bruto (PIB) do país. Situada no litoral
produtos. Mas aí está uma fonte de críticas ao Mer- holandês, às margens da foz do Rio Reno, ali funcio-
cosul: muitos advertem que seus países-membros na um dos portos mais movimentados do mundo.
precisam firmar novos acordos comerciais com As indústrias no seu entorno reforçam a atividade
parceiros de fora do bloco, sob pena de ficarem portuária.
excluídos de mercados importantes. Outros grandes portos e importantes espaços
É o que fazem, por exemplo, vizinhos tais como de trocas estão no leste asiático, impulsionados,
Chile, Peru e México ou a gigante China. Em 2014, especialmente, pela vigorosa economia chine-
foram retomadas as negociações entre Mercosul e sa (Shangai, Shenzhen e Hong Kong), pela Coreia
UE para firmar um grande acordo comercial entre do Sul (Busan), por Cingapura, entre outros países.
ambos. Ocorre também uma articulação entre as grandes
Ao se confirmar, esse acordo deverá prever metrópoles para que essas trocas possam criar uma
facilidades e reduções ou isenções de impostos e verdadeira rede global. Muitas vezes, os fluxos e as
taxas sobre vendas de produtos e poderá criar a relações – sobretudo econômicas e financeiras –
maior área comercial do planeta. Contudo, o Mer- de algumas delas são mais fortes com outras me-
cosul enfrenta problemas de instabilidade política trópoles situadas em países diferentes do que com
no Paraguai, com a deposição, em 2013, do pre- localidades próximas.
sidente eleito, e na Venezuela, palco de grandes Além disso, as metrópoles apresentam diversas
manifestações de rua e enfrentamentos entre par- situações de conurbação, que é a junção física dos
tidários do governo e oposicionistas. espaços das cidades, criando grandes manchas
No caso do Paraguai, a deposição de Fernan- urbanas, bastante integradas. Muitas vezes, essa
do Lugo causou a suspensão temporária do país junção se dá entre metrópoles e núcleos urbanos
do Mercosul, que voltou ao bloco em 2014, após a do seu entorno, formando as chamadas megaló-
eleição do presidente Horacio Cartes. poles. Boa parte desses grandes conjuntos urbanos
Outro desafio se dá na escala da América do formam verdadeiras regiões urbanas.
Sul. Estão em marcha, ainda que em ritmo lento, Entre as principais megalópoles estão as de
obras de integração físico-territorial sul-americana. Nova Iorque-Filadélfia (EUA), Londres (Inglaterra)-
Por exemplo, novas interligações por rodovias e fer- -Paris (França) e Tóquio-Osaka (Japão). Das mega-
rovias entre os oceanos Atlântico e Pacífico e entre lópoles consideradas secundárias, pode-se men- 41
grandes áreas urbano-industriais (do eixo Rio-São cionar o grande conjunto urbano que vai do eixo
Paulo a Buenos Aires), além de portos no Pacífico Rio-São Paulo a Buenos Aires (Argentina), o de Bei-
(Peru, Chile). Isso pode dinamizar as economias dos jing-Shangai (China) e as grandes manchas urba-
países e viabilizar exportações. nas em torno de Chicago e Los Angeles (EUA).
Há também outros eixos de integração em se- As metrópoles são espaços de concentração
tores de comunicações e energia, além de meios de atividades fundamentais para a economia do
de transporte, como as hidrovias. mundo contemporâneo.
Em diversos casos, o próprio tamanho da man-
Metrópoles e megalópoles cha urbana e a concentração de pessoas e ativi-
dades exigem investimentos que dinamizam sua
Metrópoles são, em regra, cidades de médio economia. São exemplos disso os meios de trans-
e grande porte que concentram recursos de toda porte, que estão sempre exigindo novos aportes de
ordem e irradiam influências em diversas escalas. recursos para garantir a mobilidade urbana.
Um dado importante da globalização refere-se à
multiplicação das relações e interações (econômi- QUESTÕES URBANAS: POBREZA E MORADIAS
cas, culturais, políticas, sociais etc.) em escala pla-
netária. Os dados mostram que houve queda no per-
O que isso significa? Várias dessas cidades pos- centual de pessoas vivendo em favelas nos países
suem grandes portos e aeroportos, importantes en- em desenvolvimento em relação ao total de po-
troncamentos rodoviários e ferroviários e avança- pulação urbana. No entanto, teve aumento nos
dos sistemas de comunicação, pelos quais passam números absolutos de todos os que vivem em mo-
fluxos de bens, pessoas e informações. radias precárias.
Além disso, as metrópoles são sedes de grandes Aproximadamente 200 milhões de pessoas que
empresas, bolsas de valores, órgãos governamen- vivem em favelas conheceram melhorias, o que
tais, fábricas, universidades, centros de pesquisa, atende a compromissos dos países que buscam
empresas de comunicação (TV, jornais, revistas, atingir as metas dos Objetivos de Desenvolvimento
provedores de internet etc.), agências de publi- do Milênio (ODM), estabelecidos pela ONU. Uma
cidade e outras. Não é por outra razão que São delas fala em melhorar a vida de 100 milhões de
Paulo, por exemplo, recebe milhões de visitantes pessoas que vivem em assentamentos precários
do próprio Brasil e estrangeiros que participam de até 2020.
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Mas o número dos que vivem em más condi- políticas públicas estabelecidas há pelo menos cin-
ções ainda é muito alto: quase 1 bilhão de pessoas, co décadas.
ou 1/7 da população mundial. A ONU mostra tam- Assim, diversas cidades situadas nesses países
bém que, em termos absolutos, a África Subsaaria- contam com ciclovias sinalizadas, exclusivas (que
na é a região com a maior população vivendo em não disputam espaço com veículos motorizados),
favelas, quase 200 milhões de pessoas. com piso adequado e segurança. Tem sido propos-
Em seguida, vêm: sul da Ásia, com 190,7 mi- ta a expansão desse meio de transporte em cida-
lhões; Ásia do Leste, com 189,6 milhões; América des de diversos países, entre os quais os da América
Latina e Caribe, com 110,7 milhões; e Sudeste Asiá- Latina Uma experiência pioneira de Curitiba está
tico, com 88,9 milhões. Em outras partes do mundo disseminada por dezenas de países: a do sistema
os números são bem menores. BRT (Bus Rapid Transit).
Trata-se de ônibus articulados que circulam em
pistas exclusivas e com pontos de parada que são
verdadeiras estações de embarque e desembar-
que. Eles já existem, como indica estudo da ONU,
na China e em cidades dos Estados Unidos, do Ca-
nadá e de diversos países da América Latina e da
Europa ocidental.
Outros sistemas coletivos são o metrô e os trens
rápidos. Os primeiros, em regra, são subterrâneos e
podem interligar a malha urbana de modo rápido e
eficiente. As redes mais antigas estão nos países de-
senvolvidos, nos quais foram instaladas mais cedo.
Cidades como Londres, Shangai e Beijing possuem
redes de metrô com mais de 400 km de linhas. Ou-
tros metrôs extensos são os de Tóquio, Paris, Nova
Iorque, Madri, entre outros.
No entanto, em diversos países em desenvolvi-
O Brasil também integra essa lista. Apesar da mento, o sistema ainda precisa se expandir – consi-
redução ocorrida nos últimos anos, segundo esta- derando que ele custa caro e demora alguns anos
tísticas do Censo Demográfico 2010 e informações para ficar pronto. Comparativamente, o metrô de
territoriais do Instituto Brasileiro de Geografia e Es- São Paulo, o maior do Brasil, possui pouco mais de
42 tatística (IBGE), aproximadamente 11 milhões de 70 km de linhas, enquanto Seul, na Coreia do Sul, é
brasileiros vivem ainda nos ditos “aglomerados sub- um exemplo de uma rede maior, moderna, rápida
normais”. Ou seja, moradias ou edificações precá- e eficiente, com, aproximadamente, 290 km de li-
rias e provisórias: favelas, cortiços, acampamentos nhas. Uma situação agravante é a forte dissemina-
em ocupações etc. Quase 1/3 desse total está na ção de veículos automotores, como o automóvel
região Sudeste, em especial nas grandes cidades particular. Apesar de proporcionar vantagens para
do País. algumas pessoas, o predomínio do transporte indi-
A pobreza urbana e a vida em favelas signifi- vidual não é recomendável em grandes cidades.
cam também dificuldades de acesso a água potá- O automóvel se “apropria” do espaço, trans-
vel, coleta e tratamento de esgotos e de lixo, entre porta menos pessoas, gera poluição tanto atmos-
outros serviços. Vielas estreitas, esburacadas e com férica quanto sonora e congestiona as vias. Assim,
esgoto a céu aberto são comuns nessas áreas. No o desafio é conter a expansão do automóvel e in-
Leste Europeu, por exemplo, vilas e cidades defi- vestir de modo consistente em sistemas coletivos,
nham com a emigração dos mais jovens. buscando as opções mais adequadas a cada país.
Na Moldávia e na Romênia, são comuns vi- É preciso também expandir redes e melhorar a
larejos com maioria de idosos e crianças, muitos qualidade dos serviços, em especial em países em
deles vivendo sem qualquer assistência. Questões desenvolvimento. Nos desenvolvidos, as restrições
urbanas: mobilidade e acessibilidade O transporte ao automóvel deveriam integrar um quadro de
não motorizado compreende deslocamentos a pé, busca de alternativas energéticas eficientes, reno-
com bicicletas e veículos que usam a tração ani- váveis e limpas.
mal – esse último é cada vez mais raro nas cidades.
Em alguns países em desenvolvimento, esse tipo Questões urbanas: meio ambiente e qualidade
de transporte acaba tendo papel central pela falta de vida
ou precariedade de transportes públicos, como é
o caso de Senegal e Camarões. Mas é uma opção As questões ambientais ganharam destaque a
viável para trajetos curtos, desde que haja investi- partir da década de 1970, com a realização, em
mentos em calçadas e passeios próprios para isso. Estocolmo (Suécia), da primeira conferência sobre
As bicicletas são muito comuns em países asiáticos, o tema, em 1972. O “divisor de águas” foi a Rio-92,
mas foi na Europa, sobretudo na Alemanha, na Ho- que firmou o conceito de desenvolvimento susten-
landa e na Dinamarca, que elas se disseminaram tável e estabeleceu uma série de princípios e di-
como meio de transporte urbano, em razão das retrizes sobre biodiversidade, mudanças climáticas,
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cuidados com a água, disposição de resíduos e risco” para se referir a essas áreas, que acabam
efeitos do consumo predatório. sendo habitadas pelos mais pobres, que não têm
Novas conferências e fóruns setoriais vêm se opções viáveis de moradia.
dando desde aquela época para dispor metas e A intensiva pavimentação do solo urbano, por
práticas sobre as questões ambientais. Nesse qua- sua vez, dificulta a infiltração das águas e acelera
dro, as cidades têm papel central, diante da cons- o processo de escoamento superficial, provocan-
tatação de que elas concentravam e ainda con- do inundações nos períodos de chuvas mais fortes.
centram agravos ambientais que afetam especial- Tais processos podem ser observados em diversas
mente as populações mais pobres ou vulneráveis. cidades da América Latina, da Ásia e da África.
Ao serem instaladas, as cidades integram um sítio Isso significa que nem sempre esses núcleos estão
urbano com características peculiares. O sítio ur- preparados para enfrentar episódios de extremos
bano se refere à configuração natural do local em climáticos. A disposição e o processamento final do
que a cidade se instala e que, de alguma forma, lixo são outros grandes desafios urbanos.
condiciona seu crescimento. A deposição incorreta ou a retirada irregular de
Por exemplo, em relevo montanhoso, como La resíduos agrava problemas de inundações nos pi-
Paz (Bolívia); em faixa litorânea, caso de Salvador cos de maior precipitação, além de oferecer riscos
(BA); ou próximo a um grande rio, como Manaus à saúde. Cidades brasileiras apresentam exemplos
(AM) – Rio Amazonas – e Cairo (Egito) – Rio Nilo. O negativos dessa prática.
uso e a ocupação do solo urbano não devem des-
considerar as características do sítio urbano, sob ESPAÇO, CULTURA E IDENTIDADES CULTURAIS
pena de sofrerem impactos ambientais e sociais e
terem seus recursos naturais e humanos compro- A palavra cultura vem do latim colere, que quer
metidos. dizer “cultivar”. Ao longo do tempo, ela foi adqui-
Um dos agentes da degradação ambiental ur- rindo o significado de obra humana. Ou seja, a pro-
bana é o setor de empreendimentos imobiliários, dução de cultura é um dos atributos humanos que
que, burlando leis urbanísticas, ocupa áreas vulne- distinguem o ser humano dos outros seres vivos. O
ráveis como encostas e fundos de vale. Isso tam- texto de Roberto DaMatta destaca alguns significa-
bém ocorre por causa da falta de políticas públicas dos do termo cultura encontrados em nossa socie-
de habitação e urbanismo, levando os mais pobres dade. Segundo o autor, cultura é a “maneira de vi-
a ocuparem de modo informal essas áreas. ver total de um grupo, sociedade, país ou pessoa”.
Portanto, para cada grupo humano identifica-
do, cada um com sua história, existiria uma cultura
particular. E, como diz o autor, todas as culturas de- 43
vem ser analisadas em “pé de igualdade” com as
demais. Em seu texto, o autor recusa teorias “evolu-
cionistas” de cultura. Para essas teorias, as socieda-
des consideradas “primitivas” deveriam evoluir até
chegar ao padrão considerado ideal, o da moder-
na sociedade ocidental.
Os europeus, criadores dessa teoria, julgavam
as demais culturas do mundo com base em suas
próprias referências e as classificavam segundo
estágios de “evolução”. É conhecido o relato de
portugueses que aportaram no Brasil em 1500, sur-
presos ao se deparar com indígenas nus e de cor-
pos enfeitados. Porém, se cada cultura produz suas
práticas e seus valores, conclui-se que não existem
culturas superiores e inferiores, como acreditavam
os evolucionistas.
Trata-se de algo comum em cidades brasileiras, Elas são apenas diferentes; expressam a diversi-
nas quais Áreas de Preservação Permanente (APP), dade dos modos de vida e da relação que cada
tais como topos de morros, encostas etc., são to- grupo estabelece com os lugares em que vive. As-
madas por casas, prédios e outras edificações. Por sim, os espaços e as paisagens também resultam
isso, é imperativo aprovar e aplicar leis para res- da produção cultural.
tringir essas práticas Entre as consequências mais Atualmente, cada vez mais as chamadas pai-
imediatas desse tipo de ocupação dos territórios sagens culturais são reconhecidas em valor e im-
urbanos estão a supressão de coberturas vegetais, portância para o povo que as gerou e para a hu-
a eliminação de nascentes de água e a alteração manidade. Um exemplo é o das paisagens culturais
dos cursos d’água. do Rio de Janeiro, uma singular combinação entre
A retirada de vegetação cria instabilidades nas morros, praias e obras humanas, as quais foram re-
encostas e nos topos de morros, gerando desliza- conhecidas pela Organização das Nações Unidas
mentos e soterramento de casas e espaços públi- para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
cos. No Brasil, é conhecida a expressão “áreas de As culturas têm, em regra, um povo e um espa-
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ço de origem, mas não são estáticas. Elas mudam truindo aos poucos a ideia de identidade e de
constantemente, por meio de inúmeras trocas e pertencimento nacional, algo a ser compartilhado
contatos entre diferentes povos. As culturas rece- pelas respectivas sociedades.
beram e recebem influências externas a todo mo- Mas, quase sempre, tais processos foram mar-
mento. cados por violentos embates e por resistências de
Por exemplo, a língua portuguesa falada no diferentes povos, culturas e identidades. Em muitos
Brasil é repleta de palavras de origem indígena e casos, o grupo dominante ou vencedor terminou
africana, fruto do contato ao longo dos séculos. por impor aos demais grupos e culturas sua língua,
Tais trocas e influências se intensificaram muito com seus valores, seus limites territoriais. Portanto, cada
os avanços nas telecomunicações, sobretudo a in- país possui muitas diferenças culturais internas.
ternet. Porém, é importante lembrar que há uma Assim foi a formação de países como Espanha,
difusão desigual das técnicas e tecnologias. Canadá e Reino Unido, que agregaram distintos
Assim, as novidades são apropriadas diferente- povos e culturas. Hoje, regiões, províncias ou povos
mente por cada grupo social. Esse quadro coloca desses países reivindicam mais autonomia ou que-
para cada um de nós a questão da identidade cul- rem se separar do Estado nacional no qual estão
tural: Quem somos? A qual cultura pertencemos ou inseridos, formando um país novo e independente
com quais culturas nos identificamos? Com as de (Catalunha e País Basco, na Espanha; Quebec, no
âmbito local, nacional ou global? Teríamos múlti- Canadá; Escócia, no Reino Unido; além de muitos
plas identidades? outros).
O que é ser brasileiro, japonês ou alemão? São No quadro das relações internacionais, tem
questões em aberto e que serão desenvolvidas sido muito frequente explicar alguns conflitos como
neste mesmo tema. Veja no texto a seguir a defini- se fossem questões culturais. Assim foi com o massa-
ção da Unesco para a expressão diversidade cultu- cre de membros da etnia tútsi pelos hútus em Ruan-
ral e perceba a importância desse conceito para o da, na década de 1990, evento frequentemente
reconhecimento das diferentes identidades. analisado como conflito étnico-cultural. Isso tam-
bém aconteceu com o genocídio cometido pelas
forças sérvias na atual Bósnia-Herzegovina, durante
Diversidade cultural, identidades culturais: os conflitos na antiga Iugoslávia, também nos anos
desafios 1990.
Ou, ainda, no caso do atual Sudão do Sul,
A diversidade cultural é, antes de mais com violentos conflitos entre duas etnias distintas,
nada, um fato: existe uma grande variedade os dinka e os nuer. Mas, em todos esses eventos,
de culturas que é possível distinguir rapidamen- pode-se verificar a existência de interesses que vão
44 te a partir de observações etnográficas, mesmo muito além de uma disputa étnica.
se os contornos que delimitam uma determina- No caso de Ruanda, as fortes disputas pelo po-
da cultura se revelem mais difíceis de identificar der político; na antiga Iugoslávia, a pretensão da
[...]. A consciência dessa diversidade parece Sérvia de manter a unidade nacional sob seu co-
até estar sendo banalizada, graças à globali- mando político; no caso do Sudão do Sul, o fato de
zação dos intercâmbios e à maior receptivida- o país criado em 2011 possuir ricas reservas de pe-
de mútua das sociedades. Apesar dessa maior tróleo. A “indústria” cultural Os pesquisadores ale-
tomada de consciência não garantir de modo mães Max Horkheimer (1885-1973) e Theodor Ador-
algum a preservação da diversidade cultural, no (1903-1969) formularam, nos anos 1940, a ideia
contribuiu para que o tema obtivesse maior no- de indústria cultural para se referir à produção em
toriedade. [...] massa de bens culturais.
Todas as tradições vivas estão submetidas Ao contrário do que ocorre com a cultura po-
à contínua reinvenção de si mesmas. A diver- pular, os produtos da indústria cultural são merca-
sidade cultural, tal como a identidade cultural, dorias criadas para consumo de massa. Entre eles,
estriba-se na inovação, na criatividade e na re- figuram filmes de cinema – sobretudo dos Estados
ceptividade a novas influências. [...] A questão Unidos –, programas de rádio e TV, publicações,
das identidades – nacionais, culturais, religio- moda e entretenimento etc.
sas, étnicas, linguísticas, baseadas no gênero O consumo em larga escala desses bens des-
ou em formas de consumo – adquire cada vez viou o olhar da sociedade e reduziu seu senso críti-
mais importância para as pessoas e grupos que co. Além disso, padronizou gostos e ocasionou uma
encaram a globalização e a mudança cultu- homogeneidade cultural. Seria, então, uma forma
ral como ameaça às suas crenças e modos de de dominação, um exercício de poder baseado
vida. [...] na lógica capitalista de mercado. Tais questões
UNESCO. Investir na diversidade cultural e no diálogo permanecem vivas e continuam a gerar debates,
intercultural: relatório mundial da Unesco, resumo. Brasí- dada a intensidade do consumismo atual.
lia, 2011, p. 3–6. Em seu dinamismo, as sociedades, culturas e
identidades precisam levar em conta esses aspec-
É importante observar que a formação dos Es- tos, verificando em que medida podem ou querem
tados nacionais baseou-se no estabelecimento de proteger seu repertório cultural e, ao mesmo tem-
certa uniformidade cultural. Cada país foi cons- po, adaptar-se de modo flexível às mudanças.
Ciências Humanas e suas Tecnologias

RELIGIÕES NO MUNDO ATUAL: UM MAPEAMENTO declarações sobre a diversidade cultural aprova-


das na ONU. Do mesmo modo, deixar de professar
Os mapas expostos na Atividade 3 mostram a uma religião também é um direito humano, e há
distribuição de religiões no mundo. Os muçulma- muitas pessoas que declaram não possuir ou seguir
nos, ou adeptos do islamismo, estão concentrados religião alguma: são os ateus e os agnósticos. Para
no Oriente Médio, no Leste Asiático, no norte da essas pessoas, as explicações sobre o mundo e a
África e na África ocidental. A Indonésia é o país vida podem se pautar por comprovações científi-
que tem o maior número de adeptos. Já os judeus cas, por exemplo. Assim, não baseiam seus precei-
se concentram no Estado de Israel e muitos encon- tos existenciais em visões religiosas.
tram-se também na América Latina (sobretudo na Uma realidade triste no que diz respeito às re-
Argentina). ligiões é que há, na história, inúmeros registros de
O cristianismo aparece representado em três conflitos violentos, mortes, perseguições e segrega-
grandes correntes: católicos, ortodoxos e protes- ção em função delas. É comum que atitudes ex-
tantes – os primeiros com forte concentração na tremistas sejam associadas a uma ou outra religião.
América Latina e na Europa, sendo que o Brasil é Existem organizações terroristas, como a Al Qaeda,
o país com maior número de católicos (aproxima- e outras da Ásia central, que fazem sua leitura par-
damente 123 milhões, segundo o Censo 2010 do ticular do Corão (o livro sagrado do Islã), sendo as-
IBGE). sim consideradas islâmicas radicais.
O cristianismo ortodoxo, por sua vez, se concen- Há também fundamentalistas cristãos que pro-
tra na Rússia e no Leste Europeu. Já as correntes movem massacres e perseguições em nome de
protestantes localizam-se na Europa, na América sua fé. É o caso dos grupos que condenam ou ata-
do Norte (sobretudo nos EUA) e na África Subsaaria- cam homossexuais em diversos países. Mas isso não
na. A análise dos mapas nos permite verificar que, significa que todo muçulmano seja “terrorista” ou
somadas as três correntes, o cristianismo é a religião que todo cristão seja intolerante.
que tem o maior número de adeptos, com mais de
2 bilhões de pessoas. Em seguida, está o islamismo, ÁFRICA: MARCAS DO PASSADO, DESAFIOS CON-
com aproximadamente 1,5 bilhão de seguidores. TEMPORÂNEOS
Em menor número, está o judaísmo. Essas três
religiões, embora disseminadas em menor ou maior África pré-colonial: diversidade natural e socio-
grau pelo mundo, têm em comum a sua origem no cultural
Oriente Médio. É importante saber que outras re-
ligiões como o hinduísmo, o budismo, o taoismo e Os diversos grupos africanos se distribuíram pe-
religiões populares surgiram e se disseminaram na los variados compartimentos naturais do continen- 45
Índia, na China, no Japão e no Sudeste Asiático. te, a eles se adaptando e criando seus modos de
Em menor número, o espiritismo se disseminou por vida – do imenso Deserto do Saara, ao norte, às
alguns países do mundo. florestas tropicais e savanas da África Subsaariana.
Existem ainda a umbanda e o candomblé, pre- O Rio Nilo, por exemplo, que nasce no lago Vi-
sentes no Brasil, que, assim como outras religiões, tória, ao sul, e deságua no Mar Mediterrâneo, ao
revelam a influência de crenças de origem africa- norte, tornou-se rota de comércio e povoamento.
na. Como no caso das línguas, as religiões não se Às suas margens, milênios antes da era cristã, er-
restringem a uma dada área, região ou grupo de gueram-se grandes civilizações, como o Egito Anti-
países. Com as migrações ao longo do tempo, os go, e viveram povos como os cushitas, os ahemitas,
adeptos se espalham. Muitos se convertem a uma os núbios e outros que habitaram os atuais Sudão
religião, mesmo que ela não seja a predominante e Etiópia
em seu país ou sua cultura de origem.
Além disso, as religiões mudam ou se adaptam
também em face das influências externas. As fron-
teiras religiosas são, portanto, muito flexíveis. O sin-
cretismo religioso é a fusão de elementos de duas
ou mais religiões. No Brasil, há um forte sincretismo
afro-católico em que se combinam elementos ca-
tólicos e cultos de origem africana.
Para evitar punições e poder cultuar suas divin-
dades e tradições, africanos escravizados criavam
correspondências entre os santos católicos e suas
divindades. Por exemplo, no candomblé, Iansã é a
deusa dos ventos e tempestades. Sua correspon-
dente no catolicismo é Santa Bárbara.
As práticas religiosas são comuns aos seres hu-
manos desde os tempos mais remotos. Escolher
uma religião e praticá-la ou optar por outra duran-
te a vida é um direito incondicional, expresso na
Declaração Universal dos Direitos Humanos e em
Ciências Humanas e suas Tecnologias

Outros rios, como o Congo e o Zambeze, cum- escravidão não era bem uma novidade. Diversas
priram também esse papel. Às margens do Rio Ní- sociedades ao longo da história conheceram-na
ger, também conhecido como Rio Oiá, conviveram bem de perto, entre elas, a grega e a egípcia na
povos como os bambaras, os haussás, os iorubás e Antiguidade. Mas nada se compara em números
os fons. Esses dois últimos influenciaram profunda- e duração ao intenso comércio de seres humanos
mente a cultura brasileira por causa do tráfico de (principalmente de africanos) praticado pelos co-
africanos escravizados ocorrido entre a América lonizadores europeus do século XV ao XIX.
portuguesa e o Golfo do Benin, no período com- Na África pré-colonial, alguém podia se tornar
preendido entre os séculos XVII e XIX. escravo por pertencer a um grupo vencido em
O norte da África (atuais Líbia, Tunísia, Argélia uma guerra, tornando-se cativo. Ou, ainda, por
e Marrocos) foi habitado ao longo do tempo por deixar de pagar dívidas ou transgredir regras de
berberes, pastores e comerciantes nômades do convivência social. Era comum escravizar mulhe-
deserto que, a partir do século VII, receberam forte res, tanto para tarefas domésticas como para levá-
influência árabe-muçulmana. Outros grupos, como -las aos haréns de soberanos.
os tuaregues, cruzavam o deserto do Mediterrâneo Mas indivíduos também podiam deixar de ser
ao sul, até cidades como Tombouctou, no atual escravos por terem habilidades especiais, como
Mali. Tais movimentos contribuíram para difundir o aptidão para cálculos ou para o artesanato e a
Islã na África ocidental e ao sul do Saara. Na Áfri- construção. Assim, as sociedades africanas não
ca ocidental, sucederam-se, segundo datas esti- eram baseadas no sistema escravista.
madas, impérios como os de Gana (século VI a XI), Foi na América colonial que esse processo
Mali (século XIII a XV) e Songai (século XV a XVI). ocorreu de maneira profunda, em que a atividade
Neles, as cidades se situavam nos entroncamentos econômica, os territórios e a própria manutenção
das rotas de caravanas e concentravam artesãos da sociedade estavam apoiados no trabalho es-
e comerciantes. As trocas comerciais e culturais cravo, fosse em regiões dos atuais Estados Unidos,
eram mantidas por populações islâmicas e não is- fosse na América Central ou do Sul, sobretudo na
lâmicas. América portuguesa. A chaga da escravidão, uma
Os impérios acumulavam riquezas, como o ouro grande tragédia da humanidade, iniciou-se com a
das minas nos rios Senegal e Níger, tinham exérci- chegada dos europeus ao continente africano, a
tos, possuíam estruturas administrativas e controla- partir do século XV.
vam rotas comerciais. O declínio desses impérios O tráfico de seres humanos passou a fazer parte
ocorreu, basicamente, por causa de disputas inter- de um complexo sistema de relações entre euro-
nas e com vizinhos. peus e alguns grupos dominantes ou chefes políti-
46 Na África ocidental, havia ainda as civilizações cos africanos, envolvendo intensas trocas de bens.
iorubá (atual Nigéria), mandinga e fula, ou os rei- Os portugueses estiveram à frente desse negócio,
nos de Daomé (hoje, Benin) e Axânti (atuais Gana obtendo africanos escravizados em troca de bebi-
e Costa do Marfim). Várias civilizações e reinos se das destiladas do Brasil, tecidos originados da Índia,
desenvolveram também na África central e meri- contas de vidro de Veneza (Itália), armas, pólvora,
dional. cavalos, barras de ferro etc.
Entre eles, os bantos (ou bantus), um mosaico O tabaco da Bahia também era apreciado por
de povos que tinham línguas e cultos religiosos as- comerciantes africanos, enquanto marfim e madei-
semelhados; e o reino do Congo e grupos da costa ra seguiam da África para a Europa. Aos poucos,
oriental que falavam o suaíli, língua geral com in- os europeus utilizaram portos existentes e instalaram
fluência do árabe e de idiomas do Oceano Índico. outros, criaram fortificações – como a de São Jorge
Mais ao sul, viviam grupos diversos e habitantes de da Mina, no Golfo de Benin, na África ocidental –
reinos como o Zulu, no leste da atual África do Sul. e estabeleceram negociações com grupos locais.
Mas não significa que, nesse contexto de amplia-
ção do sistema escravista, não tenha havido re-
sistência de povos à presença estrangeira. Visan-
do melhores resultados, os europeus fomentaram
guerras de conquista entre povos locais, armaram-
-se bem e se impuseram à força.
Por sua vez, grupos locais aliaram-se a estran-
geiros para resolver disputas com grupos rivais. Os
portugueses foram os pioneiros no comércio de afri-
canos escravizados, seguidos por holandeses, fran-
ceses, ingleses e espanhóis.
Depois, brasileiros, estadunidenses e cubanos
entraram nesse comércio. Entre as regiões forne-
cedoras de africanos escravizados entre os séculos
Drama africano: o tráfico de escravos e suas re- XVII e XIX estavam as da costa da Mina, ou Golfo
percussões de Benin, e a do litoral de Angola (Luanda, Cabin-
da, Benguela). No século XIX, o tráfico de africanos
Quando se deu sobre o continente africano, a escravizados da costa oriental (atual Moçambi-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

que) para o Brasil ganhou relevância.


Na costa da Mina, entre os grupos locais envolvidos no tráfico estavam os reinos de Daomé e Oió. Na
costa angolana, os portugueses estabeleceram alianças com grupos imbangalas. Mas foi também em
Angola que ocorreu um dos maiores focos de resistência, comandados por líderes como a rainha Jinga,
do reino do Dongo, que lutaram contra os portugueses por aproximadamente um século a partir de 1580.
O mapa a seguir mostra as regiões africanas envolvidas diretamente no tráfico e os portos e feitorias
controlados por europeus para embarcar os escravos em direção às Américas.

47

Os africanos vendidos como escravos eram de grupos, nações ou etnias distintas. Em grande parte,
foram identificados de modo errôneo ou simplificado. Os malês, por exemplo, eram um grupo, na maioria
islamizado, que no século XIX esteve reunido em um movimento político em Salvador (BA), que ficou conhe-
cido como “revolta dos malês”.
Outro caso é o dos iorubás, que foram chamados de “nagôs” pelos europeus. A denominação “banto”
incluía um enorme número de povos da África austral que tinham elementos linguísticos em comum. Além
disto, o tráfico negreiro identificava os africanos como meras mercadorias, atribuindo-lhes nomes de acor-
do com o lugar de origem ou do porto de embarque.
Assim, alguns eram chamados de “cabinda”, “congo”, “benguela”, “quiloa”, “rebolo” , entre outros.
Nas terras americanas, os africanos que foram escravizados viveram todo tipo de infortúnio. Sofreram trata-
mento cruel e desumano, muitas vezes trabalhando até a morte.
A expectativa de vida entre eles era muito baixa e grande parte foi separada da família ou do grupo
de origem. Por volta de 1830, a população estimada de negros e mestiços no Brasil era de 4 a 5,3 milhões,
aproximadamente 70% dos habitantes.
Essa situação provocou resistência ora pacífica ora violenta à escravidão. Mulheres escravas evitavam
ter filhos, por exemplo. Alguns grupos enfrentavam os senhores de escravos e fugiam. Os escravos que con-
seguiam sobreviver, muitas vezes, se refugiavam em quilombos e estabeleciam uma forma organizada de
resistência à escravidão.
A proibição do tráfico de escravos no século XIX não eliminou a escravidão por completo. Ela perdurou,
em formas análogas, até o século XX, com a participação de europeus e de alguns chefes africanos, em
regiões da Índia e do Oceano Pacífico, levada por colonizadores europeus. Relações de trabalho seme-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

lhantes à escravidão permaneceram também em partido e ocupado pelos europeus em sua quase
cultivos de cacau em São Tomé e Príncipe, e nas totalidade. As exceções foram a Etiópia e a Libéria.
minas de ouro e diamantes comandadas por ingle- Os colonizadores se apropriaram dos territórios para
ses no que é atualmente parte da África do Sul e fincar suas bases, explorar riquezas minerais e im-
do Zimbábue. Até hoje, o trabalho escravo precisa plantar cultivos.
ser combatido no mundo, o que inclui algumas si- O interesse maior era pilhar o continente e ex-
tuações vigentes no Brasil. portar suas riquezas para o mercado europeu e
No País, também é conhecido o fato de os ne- mundial. Prova disso é o traçado das ferrovias, que
gros receberem salários inferiores aos dos brancos, interligavam áreas interiores aos portos de exporta-
mesmo ocupando cargos semelhantes. Além dis- ção. Tais processos foram decorrência da Confe-
so, a incidência de pobreza é maior entre as po- rência de Berlim e de uma série de tratados e acor-
pulações preta e parda (conforme a classificação dos posteriores que estabeleceram, por exemplo,
usada pelo IBGE). No Brasil e em grande parte da que cada país colonizador deveria informar aos
América permanece o inegável e riquíssimo legado demais sobre novas ocupações de territórios.
afrodescendente: nas artes, na língua, nos cultos Outro acordo se referia ao princípio da “ocu-
religiosos, na composição étnica das populações e pação efetiva”, discutido na conferência, mas que
no mundo do trabalho. só ganhou amplitude com a partilha de áreas in-
Como exemplos, podem ser citados ritmos e teriores do continente. O princípio da “ocupação
danças, como o samba, o frevo, o lundu e o ma- efetiva” garantiu a posse de terras aos europeus
culelê. no continente. A Itália, por exemplo, passou a par-
ticipar dessa divisão. Embora, ao longo do tempo,
Partilha da África: um novo sistema de explora- houvesse mudanças na disposição territorial dos
ção colonial impérios coloniais no continente, a Conferência de
Berlim não garantiu uma divisão igualitária.
Ávidos por recursos e matérias-primas e sob as Os franceses e os ingleses, principalmente,
demandas do capitalismo industrial, os europeus apropriaram-se de largas faixas da África usando
promoveram uma nova corrida colonial na África, a força ou negociando acordos com chefes locais.
no final do século XIX e ao longo do século XX. Essa Espanhóis, portugueses, italianos, alemães e belgas
nova fase teve a Conferência de Berlim como mar- ficaram com fatias menores. O novo sistema colo-
co fundamental. nial foi bastante distinto do anterior.
Chefes de Estado se reuniram na capital ale- Antes, tratava-se de organizar o comércio de
mã, entre 1884 e 1885, e traçaram estratégias para seres humanos que seriam explorados nas colônias
48 ocupar, colonizar e explorar a África. Imaginavam da América. Agora, a exploração ocorria no pró-
ter esse direito, dada a sua presença em diversas prio continente, com a instituição de trabalho as-
regiões africanas. Os portugueses, por exemplo, ha- salariado ou manutenção de condições similares à
viam criado, no século XV, fortalezas e vilas para escravidão.
administração colonial ao longo da costa atlân- O objetivo era extrair e exportar riquezas como
tica: em Luanda e Benguela (que ficam na atual ouro, diamantes, metais, marfim, borracha e outros.
Angola), Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Entre as províncias minerais estavam as bacias do
Príncipe. Congo (atual República Democrática do Congo) e
Além disso, penetraram no interior de Angola e a do sul (atuais África do Sul, Zâmbia e Zimbábue).
Moçambique e montaram fortalezas ao longo dos Os nativos tinham de trabalhar em cultivos de
rios Cuanza e Zambeze. Havia também colônias algodão, tabaco, café, amendoim e cacau ou na
de holandeses na África do Sul e a presença bri- coleta do óleo de dendê, e empresas comerciais
tânica no Egito. Durante muito tempo, os europeus europeias participavam da construção de ferrovias.
mantiveram-se na faixa litorânea, para garantir o A ideologia contida nos discursos dos europeus era
comércio transoceânico. Para permanecerem no de que tinham uma missão “civilizatória” diante de
território, precisaram lidar com a resistência de gru- “tribos” que viviam em “estado selvagem”.
pos locais e com as dificuldades de adaptação às Nesse contexto, foram estabelecidos novos pa-
condições naturais. drões na administração pública e na educação,
Porém, com a industrialização, a urbanização e além da expansão de religiões cristãs e das línguas
a estruturação de grandes corporações industrial- dos colonizadores. Impostos e tributos eram cobra-
-financeiras e de mercados de consumo em países dos de indivíduos, famílias e chefes de grupos, com
da Europa (Reino Unido, França, Bélgica, Holan- anuência ou subordinação de populações locais.
da etc.) e nos EUA, deu-se a nova corrida para a Um dos resultados da colonização da África
África, levando à sua partilha, na fase conhecida consistiu na forma imprudente como foram esta-
como imperialista ou neocolonialista. belecidas as fronteiras coloniais. Quase sempre,
estudiosos apontavam que eram limites artificiais,
Nova corrida colonial: a exploração direta da verdadeiros reinos da “linha reta” que não respeita-
África vam a abrangência do território dos povos e teriam
separado membros do mesmo grupo ou juntado
Conforme pode ser observado no mapa Co- grupos rivais.
lônias africanas, 1914, o continente africano foi re- O que são esses reinos da “linha reta”? São as
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linhas de fronteira traçadas pelos europeus e que do Senegal após a independência, e Julius Nyere-
podem ser verificadas no mapa Colônias Africanas, re, da Tanzânia, que dirigiu seu país após a desco-
1914. lonização, ajudando a fundar a Organização para
a Unidade Africana (atual União Africana).
África: desafios e perspectivas Mas, sem dúvida, a maior dessas lideranças foi
de Nelson Mandela (1918-2013). Ele ficou preso por
Importantes questões a serem enfrentadas na 27 anos na África do Sul, em pleno regime do apar-
África estão no campo político. Mas a elas se so- theid. Comandado por descendentes de britânicos
mam graves problemas sociais, sobretudo a fome e holandeses, era um regime de segregação ofi-
e os surtos de doenças contagiosas. cial, instituído em 1948.
Essa situação é agravante em países da África Durante sua vigência, negros foram confina-
Subsaariana, dada a situação de vulnerabilidade dos em subúrbios de cidades ou territórios e não
que se encontram frente à desnutrição, à insegu- podiam circular livremente. Sequer podiam sentar
rança alimentar e à proliferação de epidemias. Em ao lado dos brancos em ônibus ou usar o mesmo
vários casos, as áreas mais afetadas são justamente banheiro público.
as que foram palco de conflitos armados nas últi-
mas décadas.
Ao mesmo tempo, nesses países (Somália, Su-
dão, Chade, República Centro-Africana, Guiné-
-Bissau, RDC, entre outros) estão a maior parte dos
campos de refugiados. Em países como Angola,
Moçambique, Sudão, RDC e Chade, por sua vez,
há gerações de mutilados por minas terrestres.
A África, em especial a parte meridional, pos-
sui elevados índices de pessoas portadoras de HIV/
aids. As taxas mais altas de adultos e crianças que
contraíram o vírus estão registradas na África do
Sul, em Moçambique e no Zimbábue. Os índices
também são graves na Namíbia, em Botsuana e na
Suazilândia.
Há, ainda, programas de prevenção bem-su-
cedidos, como os desenvolvidos em Uganda. Os
serviços públicos de saúde não são satisfatórios na 49
maior parte do continente, com exceção de Tuní-
sia, Egito e África do Sul, que apresentam índices
melhores. Além disso, alguns países do continente
têm passado por surtos de cólera, malária e ebola.
No plano econômico, a África está em grande Mandela foi libertado em 1990 e liderou a opo-
parte à margem dos principais fluxos econômicos sição negra nas negociações com o presidente
globais. As exceções são a África do Sul e países branco da época, Frederik Willem de Klerk (1936-).
que produzem petróleo – ainda assim, eles estão Em função disso, Mandela e de Klerk recebe-
quase sempre na condição de exportadores de ram o Prêmio Nobel da Paz de 1993. No ano seguin-
matérias-primas. A presença de investimentos chi- te, Mandela tornou-se presidente nas primeiras elei-
neses tem sido cada vez maior, mas basicamente ções multirraciais do país. Portanto, mesmo diante
estão voltados para a exploração de riquezas na- de conflitos e cisões sociais, as lideranças obtiveram
turais, como petróleo e minérios. sucesso na transição política. Nos anos seguintes, o
Dados do Índice de Desenvolvimento Humano bispo Desmond Tutu (1931-) liderou a Comissão da
(IDH) de 2014 mostram que os países com o me- Verdade e da Reconciliação, criada para expor
nor desenvolvimento no ranking são do continente publicamente episódios de racismo e violência, co-
africano. A ascensão da África O continente vem locando negros e brancos racistas frente a frente.
oferecendo notáveis exemplos de reconstrução A comissão não tinha o objetivo de punir, mas
política, econômica e social. Há também diversos de expor as feridas do passado e preparar um futu-
programas sociais em andamento, em boa parte ro de convivência étnico-racial. Hoje, o país figura
levados à frente por agências da Organização das entre os chamados países emergentes e participa
Nações Unidas (ONU). de fóruns do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e Áfri-
A busca de soluções não envolve respostas fá- ca do Sul – em inglês, South África) e de outros gru-
ceis ou soluções de curtíssimo prazo. Mas existem pos que reúnem países em desenvolvimento.
perspectivas políticas e projetos sociais concretos Além disso, o país lidera perspectivas de coope-
em andamento. Nas últimas décadas, diversas lide- ração regional no âmbito da Comunidade da Áfri-
ranças políticas tiveram uma atuação inspiradora ca Meridional para o Desenvolvimento (SADC, na
na defesa dos direitos e liberdades fundamentais. sigla em inglês). O Prêmio Nobel da Paz de 2011 foi
Entre essas lideranças, são exemplos o poeta e concedido a lideranças africanas. Entre elas, duas
escritor Léopold Sédar Senghor, primeiro presidente mulheres: a presidente da Libéria, Ellen Johnson Sir-
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leaf, primeira mulher eleita como chefe de Estado borado novas visões sobre o desenvolvimento eco-
em um país do continente; e sua compatriota, a nômico e social autônomo da África. Recusam-se,
ativista de direitos humanos Leymah Gbowee. assim, imagens “exóticas” e de “compaixão pela
Além delas, a militante antigoverno, Tawakel África”, e destaca-se a importância de construir um
Karman, do Iêmen, país do Oriente Médio, recebeu continente moderno que não esteja baseado em
a honraria. Os anos de 2010 e 2011 marcaram gran- modelos importados e que valorize as culturas lo-
des transformações políticas e sociais em países do cais e nacionais.
norte da África, no que foi chamado de Primavera
Árabe. Rebeliões sociais na Tunísia, no Egito e na
Líbia destituíram ditadores que estavam havia dé- 1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
cadas no poder.
Apesar dos rumos ainda incertos, os efeitos des- 01. Indique os elementos do mapa que es-
ses episódios foram sentidos até mesmo em países tão numerados de 1 a 6.
do Golfo Pérsico. Além do desafio de reorganizar as
instituições políticas, superar conflitos e estabelecer 02. População mundial
a paz, as sociedades africanas têm de enfrentar
graves questões sociais:

• Em vários países africanos, a maioria da popu-


lação vive na zona rural. Em vista disso, a Orga-
nização das Nações Unidas para Alimentação
e Agricultura (FAO-ONU) desenvolve um projeto
de hortas comunitárias que já alcançou mais de
300 locais em 38 países do continente. Esse pro-
jeto visa valorizar a agricultura familiar, as inicia-
tivas sustentáveis e a inclusão social de jovens.
• Segundo o documento Cidades Verdes na
África, publicado em 2013 pela FAO-ONU, na Chamada por muitos de “deformação”, a
África Subsaariana, 200 milhões de habitantes representação cartográfica acima, na verda-
urbanos vivem com menos de 2 dólares por de, altera o fundo de carta convencional, que
dia, 180 milhões não têm saneamento ade- mede distâncias em metros ou quilômetros. De
quado e 50 milhões usam água não potável. acordo com o geógrafo Jacques Lévy, trata-se
50 A Organização Mundial da Saúde (OMS) in- de recurso utilizado para evidenciar diferenças,
dica também que, nessa região, 22,5 milhões de modo que as superfícies de fundo de carta
de pessoas contraíram o vírus do HIV/aids. Esse sejam sensíveis às realidades ou temas repre-
quadro tem motivado a elevação de doações sentados. A representação em questão é co-
internacionais (de países, empresas e indivídu- nhecida como:
os), que passaram de US$ 15,5 bilhões no ano a) Carta topográfica.
2000 para US$ 38,7 bilhões em 2007, segundo b) Sistema de posicionamento global.
a Organização para a Cooperação e o De- c) Anamorfose.
senvolvimento Econômico (OCDE). O desafio d) Representação em escala grande.
é que os recursos cheguem de fato às comu- Viagem do Conhecimento/National Geographic, 2010
nidades e se convertam em atividades produ-
tivas que gerem empregos, sem ficar apenas 03. Um celular novo, um televisor cheio de re-
como ajuda. Já houve avanços na queda da cursos, um notebook mais leve – depois de certo
mortalidade infantil e aumento na taxa de al- tempo, todos têm necessidade ou vontade de
fabetização de crianças, jovens e adultos. comprar novos produtos para substituir os que fica-
• A ONU também organiza fundos de ajuda ram obsoletos. Surge, então, um problema: o que
para os países do Sahel, região ao sul do De- fazer com os eletrônicos antigos? Na maioria das
vezes o destino é o lixo. Com isso, a montanha de
serto do Saara, afetados nos últimos anos por
resíduos eletrônicos cresce em alta velocidade.
secas prolongadas e migrações. É uma estra-
No Brasil, a luz amarela já acendeu há al-
tégia que inclui projetos para Burkina Faso, Ca-
gum tempo. Após muita discussão, a Política
marões, Chade, Gâmbia, Mali, Mauritânia, Ní- Nacional de Resíduos Sólidos prevê que as em-
ger, Nigéria e Senegal, para melhor lidar com presas sejam obrigadas a recolher e dar des-
as causas crônicas da crise. tino adequado a seus produtos, enquanto o
governo e os consumidores não podem fazer
Outros programas envolvem estratégias de descaso do assunto. Seria também proibida a
cooperação e garantia de segurança alimentar eliminação de resíduos onde possa haver con-
entre os países onde a língua oficial é o português, taminação da água ou do solo.
com a participação do Brasil e de Portugal. Fonte: JORDÃO, Priscila. A rota do lixo.
Uma nova geração de escritores, artistas, pes- Revista Exame, março de 2010
quisadores, cineastas e ativistas africanos tem ela-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

As medidas citadas buscam, pela primeira de. Uma série de manifestações eclode na Tu-
vez, distribuir a responsabilidade sobre o des- nísia e, como uma epidemia, o vírus libertário
carte dos resíduos entre: começa a se espalhar pelos países vizinhos,
a) Fabricantes e ONGs. derrubando em seguida o presidente do Egi-
b) Ambientalistas e Estado. to, Hosni Mubarak. Sites e redes sociais – como
c) Setor privado, poder público e sociedade. o Facebook e o Twitter – ajudaram a mobilizar
d) Empresas, poder estadual e trabalhado- manifestantes do norte da África a ilhas do Gol-
res rurais. fo Pérsico.
Viagem do Conhecimento/ SEQUEIRA, C. D.; VILLAMEA, L. A epidemia da Liber-
National Geographic, 2010 dade. Istoé Internacional. 2 mar. 2011 (adaptado)

04. Estamos testemunhando o reverso da Considerando os movimentos políticos men-


tendência histórica da assalariação do traba- cionados no texto, o acesso à internet permitiu
lho e socialização da produção, que foi carac- aos jovens árabes
terística predominante na era industrial. A nova a) reforçar a atuação dos regimes políticos
organização social e econômica baseada nas existentes.
tecnologias da informação visa à administra- b) tomar conhecimento dos fatos sem se
ção descentralizadora, ao trabalho individua- envolver.
lizante e aos mercados personalizados. As no- c) manter o distanciamento necessário a
vas tecnologias da informação possibilitam, ao sua segurança.
mesmo tempo, a descentralização das tarefas d) disseminar vírus capazes de destruir pro-
e sua coordenação em uma rede interativa de gramas de computadores. e) difundir ideias re-
comunicação em tempo real, seja entre con- volucionárias que mobilizaram a população.
tinentes, seja entre os andares de um mesmo Enem 2011. Prova azul.
edifício.
CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: 06. A irrigação da agricultura é responsável
Paz e Terra, 2006 (adaptado). pelo consumo de mais de 2/3 de toda a água
retirada dos rios, lagos e lençóis freáticos do
No contexto descrito, as sociedades viven- mundo. Mesmo no Brasil, onde achamos que
ciam mudanças constantes nas ferramentas de temos muita água, os agricultores que tentam
comunicação que afetam os processos produ- produzir alimentos também enfrentam secas
tivos nas empresas. Na esfera do trabalho, tais periódicas e uma competição crescente por 51
mudanças têm provocado água.
a) o aprofundamento dos vínculos dos ope- MARAFON, G. J. et al. O desencanto da terra: pro-
rários com as linhas de montagem sob influên- dução de alimentos, ambiente e sociedade. Rio de
cia dos modelos orientais de gestão. Janeiro: Garamond, 2011.
b) o aumento das formas de teletrabalho
como solução de larga escala para o proble- No Brasil, as técnicas de irrigação utilizadas
ma do desemprego crônico. na agricultura produziram impactos socioam-
c) o avanço do trabalho flexível e da ter- bientais como
ceirização como respostas às demandas por a) redução do custo de produção.
inovação e com vistas à mobilidade dos inves- b) agravamento da poluição hídrica.
timentos. c) compactação do material do solo.
d) a autonomização crescente das máqui- d) aceleração da fertilização natural.
nas e computadores em substituição ao traba- e) redirecionamento dos cursos fluviais.
lho dos especialistas técnicos e gestores. Enem 2012. Prova azul.
e) o fortalecimento do diálogo entre ope-
rários, gerentes, executivos e clientes com a 07. Torna-se claro que quem descobriu a
garantia de harmonização das relações de tra- África no Brasil, muito antes dos europeus, fo-
balho. ram os próprios africanos trazidos como escra-
Enem 2011 vos. E esta descoberta não se restringia apenas
ao reino linguístico, estendia-se também a ou-
05. No mundo árabe, países governados há tras áreas culturais, inclusive à da religião. Há
décadas por regimes políticos centralizadores razões para pensar que os africanos, quando
contabilizam metade da população com menos misturados e transportados ao Brasil, não demo-
de 30 anos; desses, 56% tem acesso à internet. raram em perceber a existência entre si de elos
Sentindo-se sem perspectivas de futuro e diante culturais mais profundos.
da estagnação da economia, esses jovens incu- SLENES, R. Malungu, ngoma vem! África coberta e
bam vírus sedentos por modernidade e democra- descoberta do Brasil. Revista USP, n. 12, dez./jan./fev.
cia. Em meados de dezembro, um tunisiano de 1991-92 (adaptado).
26 anos, vendedor de frutas, põe fogo no próprio
corpo em protesto por trabalho, justiça e liberda- Com base no texto, ao favorecer o contato
Ciências Humanas e suas Tecnologias

de indivíduos de diferentes partes da África, a ex- 10. Resultados da Pesquisa Nacional por
periência da escravidão no Brasil tornou possível a Amostra de Domicílios (PNAD) 2011, publicada
a) formação de uma identidade cultural afro- pelo IBGE em setembro de 2012, revelam que
-brasileira. cerca de 5,6 milhões de brasileiros deixaram a
b) superação de aspectos culturais africanos pobreza entre 2009 e 2011. No período, a pro-
por antigas tradições europeias. porção de pobres caiu de 23,9% para 20,6% – ou
c) reprodução de conflitos entre grupos étni- de 45,9 milhões para 40,5 milhões de pessoas. A
cos africanos. renda mensal do trabalho dos 10% mais pobres
d) manutenção das características culturais deu um salto de 29,2%. A PNAD mostra também
específicas de cada etnia. e) resistência à incor- que a proporção de domicílios atendidos por
poração de elementos culturais indígenas. rede coletora de esgotos em dois anos aumen-
Enem 2012. Prova azul. tou de 52,5% para 54,9%, ritmo que, se mantido,
deverá atingir a meta de universalização desse
08. A partir dos anos 70, impõe-se um movimen- serviço apenas daqui a duas décadas.
to de desconcentração da produção industrial, Com base nos dados, é correto afirmar que
uma das manifestações do desdobramento da o quadro econômico-social no Brasil nos anos
divisão territorial do trabalho no Brasil. A produção recentes tem sido marcado pela combinação
industrial torna-se mais complexa, estendendo-se, entre:
sobretudo, para novas áreas do Sul e para alguns a) Melhoria significativa no saneamento bá-
pontos do Centro-Oeste, do Nordeste e do Norte. sico e expansão do desemprego e da desigual-
SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e socieda- dade social.
de no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2002 b) Eliminação da pobreza e do desempre-
(fragmento) go e melhoria de indicadores de saneamento
básico.
Um fator geográfico que contribui para o tipo c) Melhorias na renda dos mais pobres e len-
de alteração da configuração territorial descrito tos avanços na expansão de serviços de sanea-
no texto é: mento básico.
a) Obsolescência dos portos. d) Intensificação da concentração de ren-
b) Estatização de empresas. da e universalização dos sistemas de sanea-
c) Eliminação de incentivos fiscais. mento básico.
d) Ampliação de políticas protecionistas. Viagem do Conhecimento/National Geographic,
52 e) Desenvolvimento dos meios de comuni- 2012/2013.
cação.
Enem 2012. Prova azul. 11.

09. O censo de 2010 do IBGE consagrou Santos


(SP) como a cidade brasileira de maior proporção
de mulheres em sua população: 54,25% dos 419 mil
habitantes. [...] As mulheres, sem acordo prévio ou
planejamento, se revelam dispostas a subverter a
velha ordem social, projetando-se como protago-
nistas na chefia da família, nas atividades culturais,
no mercado de trabalho. [...] No mercado de pei-
xes [...] um microcosmo da sociedade santista, as
mulheres (nove delas) administram as finanças e se
relacionam com o público na venda do pescado,
enquanto os homens (cinco) fazem o serviço de
limpeza dos peixes e do chão.
Fonte: National Geographic Brasil, edição nº 138,
setembro 2011, pág. 30.

Com base no texto, conclui-se que, no Brasil:


a) As funções subalternas permanecem reser-
vadas às mulheres no mercado de trabalho. Um viajante saiu de Araripe, no Ceará, per-
b) As mulheres vêm conquistando espaços no correu, inicialmente, 1000 km para o sul, depois
mundo do trabalho e na vida social e cultural do país. 1000 km para o oeste e, por fim, mais 750 km
c) Minoria da população, as mulheres estão para o sul. Com base nesse trajeto e no mapa
impedidas de ingressar no mercado de trabalho. acima, pode-se afirmar que, durante seu per-
d) Há hoje um predomínio de mulheres em curso, o viajante passou pelos estados do Cea-
cargos de chefia e ocupações mais valorizadas. rá,
Viagem do Conhecimento/National Geographic, 2011. a) Rio Grande do Norte, Bahia, Minas Ge-
rais, Goiás e Rio de Janeiro, tendo visitado os
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ecossistemas da Caatinga, Mata Atlântica e Com base nos dados representados no grá-
Pantanal. Encerrou sua viagem a cerca de 250 fico, considere as afirmações a seguir:
km da cidade de São Paulo. I – Marcados por grande emigração no pas-
b) Rio Grande do Norte, Bahia, Minas Gerais, sado, diversos países da União Europeia conver-
Goiás e Rio de Janeiro, tendo visitado os ecos- teram- -se em destino de imigrantes de diferen-
sistemas da Caatinga, Mata Atlântica e Cerra- tes partes do mundo.
do. Encerrou sua viagem a cerca de 750 km da II – Diante da proximidade geográfica e das
cidade de São Paulo. afinidades culturais, a maior parte dos imigran-
c) Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Goiás tes que chegam aos países da atual União Eu-
e São Paulo, tendo visitado os ecossistemas da ropeia vem hoje do Leste Europeu, em especial
Caatinga, Mata Atlântica e Pantanal. Encerrou de ex- -repúblicas soviéticas.
sua viagem a cerca de 250 km da cidade de III – Os imigrantes têm se revelado um mo-
São Paulo. tor do crescimento populacional em países da
d) Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Goiás União Europeia. Entretanto, as atuais dificulda-
e São Paulo, tendo visitado os ecossistemas da des econômicas em alguns desses países po-
Caatinga, Mata Atlântica e Cerrado. Encerrou dem reforçar a xenofobia.
sua viagem a cerca de 750 km da cidade de IV – Em razão da demanda por mão de
São Paulo. obra, vários países da atual União Europeia es-
e) Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Goiás timularam a presença de imigrantes nos anos
e São Paulo, tendo visitado os ecossistemas da 1950 e 1960. Por exemplo, a França recebeu
Caatinga, Mata Atlântica e Cerrado. Encerrou muitos marroquinos e argelinos e a Alemanha
sua viagem a cerca de 250 km da cidade de recrutou milhares de trabalhadores turcos.
São Paulo.
Fuvest 2011. Sobre o tema em questão, está correto o
que foi afirmado em:
12. Sobre a distribuição e disponibilidade de a) I, II, III e IV.
água no Brasil, é correto afirmar que: b) II, III e IV.
a) Há grande oferta de água no país, mas c) I, II e III.
ela está distribuída desigualmente pelo território. d) I, III e IV.
b) Apesar de se localizar em área tropical, o Viagem do Conhecimento/National Geographic, 2012.
Brasil apresenta baixa oferta do recurso.
c) Das bacias hidrográficas do país, ape- 15. O tráfico de escravos no Atlântico foi um 53
nas a Amazônica conta com grande oferta de empreendimento colossal, com tentáculos por
água. toda parte nas Américas, de Boston a Buenos
d) Devido ao clima úmido, há abundância de Aires. Seu epicentro, contudo, foi a colônia por-
água nas diversas bacias hidrográficas brasileiras. tuguesa no Brasil. Para cada africano desem-
Viagem do Conhecimento/National Geographic, 2011. barcado na América do Norte britânica, 12 pi-
savam em solo brasileiro, a maioria levada a mi-
13. Sob o chamado processo de globaliza- nas de ouro e engenhos de açúcar e usada em
ção, é correto afirmar que, no momento atual: trabalhos brutais que matavam um terço deles
a) as disparidades econômicas e sociais en- em cinco anos. A cana dura e viscosa era cei-
tre países ricos e pobres vêm diminuindo. fada sob sol escaldante. O preparo do açúcar
b) persiste o controle de acesso aos territórios, requeria longa fervura em caldeiras fumegan-
em especial para imigrantes de países pobres. tes. Não admira que a escravaria logo desse
c) as novas tecnologias de comunicação e um jeito de escapar, criando o mais conheci-
informação suprimiram todas as fronteiras entre do dos quilombos, Palmares, que, no auge, em
os países. meados do século 17, controlava mais de 25 mil
d) pessoas, mercadorias, serviços e informa- quilômetros quadrados nas montanhas do lito-
ções hoje circulam livremente pelo planeta. ral norte de Alagoas.
Viagem do Conhecimento/National Geographic, 2008. Fonte: National Geographic Brasil, edição n. 145, p. 76,
abril de 2012.
14.
O tráfico de escravos para a América, esta-
belecido a partir do século 16:
a) Restringiu-se ao Brasil, que teve maior ne-
cessidade de mão de obra para a lavoura ca-
navieira em constante expansão.
b) Provocou a fuga em massa de escravos
que não se adaptavam ao clima tropical das
Américas.
c) Alimentou o sistema escravista com base
indígena na América espanhola, especialmen-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

te na atividade aurífera. 08. Alternativa correta: e.


d) Levou muitos escravos a buscar quilom- A maior densidade de meios de comunica-
bos na tentativa de escapar da exploração e ção, que contribuem para ampliar e acelerar
das duras condições de trabalho. fluxos de bens, pessoas e informações, atrai in-
Viagem do Conhecimento/National Geographic, 2012. vestimentos e unidades produtivas para H uma
dada porção do território.

DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS 09. Alternativa correta: b.


RESULTADOS O exemplo de Santos mostra avanços nas
conquistas das mulheres no Brasil, tanto no mun-
Confira aqui os seus resultados! do do trabalho como na vida social e cultural.

01. 10. Alternativa correta: c.


1 Título. Os dados da PNAD 2011 mostram que a ren-
2 Toponímia. da dos mais pobres melhorou, H mas o avanço
3 Orientação: norte. em áreas como a coleta de esgotos foi discreto.
4 Escala.
5 Legenda. 11. Alternativa correta: e.
6 Fonte e autoria do mapa. Por meio das coordenadas geográficas for-
necidas pelo enunciado, é possível observar
02. Alternativa correta: c. que o itinerário do viajante passa por Estados
Você deve ter percebido que o mapa desta das regiões Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e
atividade é uma anamorfose, uma vez que as novamente Sudeste. Para chegar à resposta, é
formas dos continentes sofreram propositalmen- preciso considerar que cada quadrícula mede
te deformações para evidenciar diferenças nas 250 km, conforme a escala gráfica do mapa.
quantidades da população dos países do mun-
do. Para entender melhor esse instrumento car- 12. Alternativa correta: a.
tográfico, volte ao texto Anamorfoses. O Brasil possui grande oferta de água, com
rios extensos e grandes aquíferos, mas ela é de-
03. Alternativa correta: c. sigualmente distribuída pelo território, pois de-
De acordo com o texto, o descarte de lixo pende das dinâmicas climáticas e do regime
54 eletrônico é responsabilidade tanto do poder de chuvas nas diferentes regiões.
público como das empresas e da sociedade
em geral. 13. Alternativa correta: b.
A despeito da globalização e da acelera-
04. Alternativa correta: c. ção de fluxos de toda ordem, ainda persistem
No texto Globalização e desemprego, você barreiras e controle de acesso a territórios,
viu que o trabalho flexível é uma tendência da restringindo a livre circulação de pessoas, por
globalização, caracterizado pela descentrali- exemplo, para imigrantes africanos e latino-a-
zação e terceirização (que repassam tarefas a mericanos que pretendem ingressar, trabalhar
indivíduos e pequenas empresas). Ele é, portan- e viver em países da UE.
to, uma resposta às novas formas de organiza-
ção social com base nas tecnologias da infor- 14. Alternativa correta: d.
mação. A Europa já foi grande emissora de migran-
tes e hoje é receptora. Isso também ocorreu
05. Alternativa correta: e. por causa da busca de força de trabalho no
A internet foi uma ferramenta utilizada para passado recente, caso dos estímulos à ida de
mobilizar as populações. argelinos para a França nas décadas de 1950 e
1960. O esquema mostra que a maior parte dos
06. Alternativa correta: e. imigrantes atuais vem, pela ordem, da Ásia, das
A retirada excessiva de água dos rios pode Américas, do Leste Europeu e da África. Assim,
mudar o fluxo e a velocidade dos cursos fluviais, a afirmação II é a única que está incorreta.
alterando o regime hídrico, o que causa impac-
tos no meio ambiente e provoca a escassez de 15. Alternativa correta: d.
água potável. Dentre as opções, é a única correta, já que
o tráfico não se restringiu ao Brasil, assentou-se
07. Alternativa correta: a. na mão de obra africana e se caracterizou pe-
O texto citado ajudou você a perceber que las fugas e resistências ao longo do período co-
o contato entre diferentes grupos H de origem lonial, o que levou à formação de quilombos,
africana originou a identidade cultural afro-bra- conforme você estudou neste tema.
sileira.
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OS PRIMEIROS TEMPOS DA HUMANIDADE E AS PRIMEIRAS CIVILIZAÇÕES

O surgimento da agricultura na Pré-história

A maior parte do tempo da existência humana foi caracterizada pela vida nômade. O que isso sig-
nifica? Que até dominarem as técnicas agrícolas, grupos humanos tinham de garantir diariamente sua
sobrevivência buscando alimentos disponíveis na natureza. Esses grupos de caçadores e coletores percor-
riam longas distâncias em busca de raízes, frutos, sementes, mel, ovos, entre outros alimentos. Além disso,
pescavam e caçavam animais selvagens.
Para realizar essas atividades, eles desenvolveram técnicas e instrumentos específicos, como lanças,
flechas, machados, arpões e anzóis. O trabalho, assim como o alimento, era dividido entre os membros do
grupo e todos participavam das tarefas voltadas à sobrevivência. Há aproximadamente 10 mil anos, con-
tudo, alguns grupos começaram a mudar seu modo de vida.
Eles passaram a cultivar plantas e criar animais, o que possibilitou aos seres humanos produzir o próprio
alimento. Para isso, fixaram-se em territórios adequados para a agricultura. Estudos arqueológicos mostram
que o uso intensivo da agricultura ocorreu em diferentes regiões do planeta, como no Oriente Próximo
(Síria, Palestina, Egito e Mesopotâmia), na Ásia (China e Índia), na América (México e Peru) e na Oceania
(Papua-Nova Guiné), como pode ser observado no mapa da página seguinte.
Em decorrência de uma dieta mais nutritiva, houve aumento da população e o surgimento das primei-
ras aldeias. Foi nesse momento que os humanos organizaram-se em pequenas comunidades. As aldeias
mais antigas tinham hortas cultivadas e moradias construídas de pedra ou de barro, em cujo interior havia
utensílios de cerâmica e variadas ferramentas de outros materiais.
Em seu conjunto, essas transformações, que ocorreram no período Neolítico, compreendem a chama-
da Revolução Agrícola.

55

A vida nas primeiras cidades A agricultura passou a ser praticada em regiões nas quais havia água de
rios e terras férteis. Em algumas regiões do planeta, sociedades foram se desenvolvendo nos vales de gran-
des rios, como do Rio Nilo (no nordeste da África), dos rios Tigre e Eufrates (na região da Mesopotâmia, que
fica no Oriente Médio), do Rio Indo (na Índia) e do Rio Amarelo (na China).
Os achados arqueológicos indicam que uma das mais antigas ocupações sedentárias ocorreu na Me-
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sopotâmia (atual Iraque). Nessa região, surgiram Imposto à região mesopotâmica por Hamurabi,
as primeiras aldeias isoladas, formadas pelo povo rei do Império Babilônio, esse código tratava de di-
sumério, por volta de 6 mil anos atrás, e que viviam versos temas relacionados à vida privada, familiar
da criação de animais e do cultivo de plantas. As e profissional, além de estabelecer punições para
terras eram férteis e, ao longo dos séculos, a pro- diversos tipos de delito.
dução de alimentos foi crescendo em decorrência Na região do Rio Nilo, no nordeste do continen-
do desenvolvimento de novas técnicas agrícolas, te africano, por volta de 3100 a.C. também organi-
como a irrigação, a adubagem, o uso do arado e zou-se um Estado centralizado. Por meio da incor-
de carroças à tração animal. poração de aldeias independentes, formaram-se
Por causa desse aumento da produção agríco- inicialmente dois reinos, reunidos depois sob um
la, as comunidades passaram a produzir alimentos mesmo governo.
além da sua necessidade de consumo imediata. O rei Menés, do Alto Egito (localizado mais ao
Como resultado, elas construíram locais para esto- sul, na direção das nascentes do Rio Nilo), conquis-
car esse excedente agrícola. O estoque de alimen- tou o reino do Baixo Egito (no delta do Rio Nilo, no
tos (grãos, como trigo, cevada e arroz) possibilitou extremo nordeste da África), unificando em um úni-
o início das trocas de produtos (grãos, cerâmica, co império todas as comunidades da região. Me-
azeite, ovelhas, queijos, tecidos etc.) e o desenvol- nés é considerado o primeiro faraó do Egito. Com
vimento do comércio entre aldeias próximas. ele, iniciou-se um período de quase 3 mil anos de
Assim, os mercados se tornaram os locais de en- governo centralizado, caracterizado por ser uma
contro dos produtores e consumidores. Esses cen- monarquia teocrática.
tros comerciais deram origem às cidades e uma A monarquia existe quando o governante é um
parte da população deixou o campo e as ativida- rei. Nesse sistema, geralmente o chefe de Estado
des agrícolas para morar nos centros urbanos e se recebe o poder herdando-o de sua família, e seu
dedicar ao comércio e ao artesanato. Mas não foi governo é para a vida toda, ou seja, é vitalício. Mas
apenas na região da Mesopotâmia que as cidades na Antiguidade oriental havia uma característica
surgiram. comum à maioria dos governos daquela época.
No vale do Rio Nilo, onde hoje se localiza o Egi- Além de serem monarquias, seus reis eram con-
to, por exemplo, elas também se expandiram e se siderados divindades (como no Egito Antigo) ou re-
destacaram, por suas atividades econômicas bas- presentantes dos deuses (como na Mesopotâmia).
tante variadas e que geravam riquezas. Em am- Assim, eram monarquias teocráticas (do grego
bas as sociedades que se desenvolveram nessas theos = deus; kratos = poder), pois o poder político
regiões surgiu uma divisão social do trabalho, com era confirmado pelo poder religioso.
56 trabalhadores especializados, não só voltados para O faraó, como era conhecido o governante no
a agricultura e para o comércio, mas também para Egito Antigo, administrava a produção do exce-
a circulação de mercadorias, proteção das cida- dente agrícola e cobrava impostos da população.
des e administração do excedente agrícola. Para isso, seu governo tinha um grande número de
Começaram a se formar sociedades com hie- funcionários, como os escribas, os cobradores de
rarquias, nas quais uns mandavam mais que outros. impostos, os sacerdotes e os militares, que forma-
A diferença entre as pessoas, com riqueza e fun- vam a elite da sociedade egípcia.
ções distintas, deu origem a novas relações de po- Abaixo deles estava a maioria da população,
der entre os membros da sociedade. os trabalhadores que prestavam serviços variados
Desse modo, os camponeses produziam os ali- ao governo, trabalhando em pedreiras, minas, ofi-
mentos, os artesãos fabricavam utensílios e os co- cinas de artesanato, obras públicas ou nos campos
merciantes compravam e vendiam os produtos dos agrícolas. A maior parte desse grupo era de cam-
camponeses e artesãos. E uma elite concentrava o poneses, responsáveis pela produção de alimentos
poder político, isto é, determinava as regras e leis a para o Egito. Havia também escravos, na maioria
serem seguidas por todos e organizava e adminis- prisioneiros de guerra, originários dos povos con-
trava a produção e a distribuição de alimentos e quistados pelos exércitos do faraó.
mercadorias. As obras públicas do Egito Antigo são muito co-
Faziam parte desse grupo privilegiado os gover- nhecidas ainda hoje, pois marcaram a história das
nantes, os sacerdotes, os militares e os funcionários antigas civilizações, seja pelo tamanho, pelo signi-
públicos. Nessa época, chamada de Antiguidade ficado ou pelas técnicas utilizadas. As famosas pi-
(ou Idade Antiga), o governo das primeiras cida- râmides de Gizé, as tumbas dos faraós, a esfinge,
des era exercido por um rei. Algumas delas eram os obeliscos e os templos dos deuses egípcios são
independentes em termos políticos, e por isso são registros da organização social e do trabalho na-
chamadas de cidades-estado. quela época.
Além de concentrar as funções de chefe po-
lítico, militar e religioso, era o rei quem impunha a
coleta de impostos, garantia proteção dos ataques
externos e controlava de forma rígida a população
da cidade por meio de leis. Datam desse período
os primeiros códigos legislativos, como o Código de
Hamurabi, um dos mais conhecidos.
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CIDADANIA, IMPÉRIO E ESCRAVIDÃO NA ANTI- aboliu a escravidão por dívidas e limitou a exten-
GUIDADE são das propriedades agrárias, impedindo assim o
exagerado enriquecimento dos eupátridas e o em-
Atenas e a democracia pobrecimento cada vez maior dos atenienses que
entregavam suas terras para pagar dívidas.
Inicialmente, deve-se considerar que as cida- Com isso, abria-se caminho para uma nova for-
des gregas como Atenas, Esparta, Olímpia, Delfos, ma de organização política em Atenas, na qual um
Corinto, Éfeso e Mileto, entre muitas outras, eram número muito maior de atenienses poderia interfe-
cidades-estado. Elas eram chamadas de pólis pe- rir nas decisões públicas por meio da participação
los gregos. Cada pólis funcionava como um Estado nas assembleias populares, que discutiriam os gran-
independente, organizado segundo suas próprias des temas da vida econômica e política da cida-
leis, moedas e divindades que protegiam a cidade. de: era a democracia.
No mesmo território viviam a comunidade dos As mudanças feitas pelo legislador Sólon abri-
cidadãos e também aqueles que não eram cida- ram ainda mais espaço para novos ataques aos
dãos, como era o caso de escravos e estrangeiros, grupos mais conservadores da aristocracia, consti-
que não gozavam de direitos políticos. A pólis teve tuída por grandes proprietários de terras. Os tiranos
sua origem demarcada entre fins do século IX a.C. conseguiram firmar-se no poder, permanecendo à
e início do século VIII a.C. frente do governo de Atenas até 527 a.C.
O território da pólis era muito mais extenso do O tirano Pisístrato defendeu a ampliação dos
que o espaço da cidade. Assim, Atenas e Esparta direitos das famílias camponesas. Procurou apro-
possuíam um território do qual sua população tirava fundar as reformas propostas por Sólon e concedeu
seus meios de subsistência. Porém, a comunidade terras aos camponeses, isentando-os também do
política, na qual as decisões políticas eram toma- pagamento de impostos. Com sua morte, seu filho
das pelos cidadãos, limitava-se ao espaço urbano. Hípias assumiu o poder e governou até 510 a.C.
Para ser cidadão e poder participar não bastava Nesse ano, Clístenes, que era um arconte (isto é,
nascer ou viver no território de Atenas e Esparta. representante da aristocracia), derrotou Hípias e
Apenas aqueles considerados descendentes promoveu as reformas que por fim estabeleceram
dos fundadores da pólis é que tinham direito à ci- a democracia.
dadania e podiam participar das decisões políti- Em suma, ocorreu, ao longo do tempo, a am-
cas. pliação do conceito de cidadão e, portanto, da
atuação dos atenienses na vida política da cida-
Atenas de-estado. Com Sólon, em 594 a.C., houve uma or-
ganização censitária da sociedade, e a cidadania, 57
Entre os séculos IX e VI a.C., Atenas foi domina- portanto, deixou de ser definida pelo pertencimen-
da por governos aristocráticos, ou seja, uma elite to à aristocracia. Com Clístenes, em 509 a.C., a par-
política e econômica que controlava o poder. No ticipação dos cidadãos tornou-se independente
início, Atenas era governada por um rei. do critério de renda. A democracia ganhou ainda
A partir do século VII a.C., foi criado um grupo mais força no governo de Péricles.
de conselheiros chamados arcontes que exerce- Em 451 a.C., ele definiu que os cidadãos ate-
riam o papel de governantes. Eles eram ricos pro- nienses com direito à participação na vida política
prietários de terras que representavam as famílias seriam todos os homens com mais de 18 anos, filhos
aristocráticas. Elas formavam a camada mais alta de pai e mãe atenienses. A Eclésia, assembleia de
da sociedade ateniense e eram conhecidas como cidadãos, reunia-se duas vezes por ano na ágora
eupátridas, o pequeno grupo que dominava a (praça pública) para discutir e tomar decisões so-
maior parte das terras e concentrava riqueza e po- bre as questões fundamentais da cidade.
der em suas mãos. Na democracia ateniense, além da Eclésia,
Ainda no século VII a.C., a vida política de cida- havia a Bulé, também chamada de Conselho dos
des como Atenas começou a se transformar com 500. Ela era composta por 500 cidadãos atenienses
o surgimento dos governos dos tiranos. Eles tinham de cada uma das 50 tribos em que a cidade esta-
origem aristocrática também, mas adotaram medi- va dividida, levando em conta o litoral e o interior.
das que favoreceram os grupos mais pobres, como O quadro a seguir apresenta os grupos sociais que
a diminuição da concentração de riqueza nas viviam em Atenas nesse período, conhecido como
mãos da aristocracia. Para ganhar maior legitimi- Clássico.
dade política, os tiranos poderiam tomar medidas
populares, como a partilha de terras. No século VI
a.C., outras reformas contribuíram para transformar
a organização da vida política em Atenas.
Uma das mais importantes foi liderada por Só-
lon, a partir de 594 a.C. Como legislador, ele propôs
a ampliação dos poderes da Eclésia, a assembleia
popular de cidadãos atenienses. Sua proposta pro-
curava reduzir os constantes conflitos entre os eu-
pátridas e os demais cidadãos atenienses. Sólon
Ciências Humanas e suas Tecnologias

minaram os governos aristocráticos, sendo a disci-


plina militar uma das mais importantes preocupa-
ções da elite política espartana.
Esparta foi fundada no século IX a.C. pelos dó-
rios, povo com grande força militar que ocupou a
região e ficou conhecido pela sua agressividade
em combate. Os povos conquistados pelos dórios
foram transformados em escravos, denominados
de hilotas.
Os hilotas eram propriedade do Estado e exer-
ciam funções diversas, desde o trabalho na agri-
cultura até a realização de tarefas relacionadas à
vida doméstica e à produção artesanal. No outro
extremo da divisão social estavam os esparciatas,
cidadãos que recebiam terras do Estado a ser culti-
vadas pelos hilotas e detinham os direitos políticos.
Esparta era governada, de maneira bastante cen-
tralizada, pela Gerúsia, composta por 28 membros
com mais de 60 anos.
A organização do Estado espartano estava vol-
tada à preparação para a guerra e o respeito à
hierarquia. Em Esparta, assim como em outras cida-
des-estado, havia os hoplitas, soldados fortemente
armados que se organizavam nos combates em
fileiras maciças, dificultando a ação das tropas ini-
migas. Os militares espartanos deveriam servir ao
Estado ao longo de toda a vida.
Essa intensa militarização permitiu que Esparta
expandisse suas fronteiras ainda no século VIII a.C.,
quando conquistou várias cidades da região do
Peloponeso. Parte dos habitantes dos locais con-
quistados era transformada em periecos, categoria
58 social que não se tornaria hilota, mas deveria pres-
Os gregos eram politeístas, isto é, acreditavam tar serviços militares, além de dedicar-se ao comér-
em vários deuses. Na parte alta de Atenas, localiza- cio e ao artesanato.
va-se a Acrópole, o santuário religioso da cidade,
onde ficava um grande monumento de mármore,
o Partenon, em homenagem à deusa Atena, que
deu nome à cidade e era considerada sua prote-
tora.
A riqueza da cidade de Atenas começou a se
constituir ainda no século VIII a.C., quando ela já
tinha começado o processo de conquista de ou-
tras cidades, fundando colônias. Essas colônias,
além de serem dominadas pelo governo atenien-
se, tinham de pagar impostos, ceder navios para
a guerra e enviar escravos para os atenienses. Es-
sas cidades também eram obrigadas a fornecer
produtos que poderiam faltar em Atenas em de-
terminados períodos, como o trigo, e seus habitan-
tes ainda eram obrigados a outras imposições, tais
como usar o grego como língua e cultuar os deuses
atenienses.
Durante o governo de Péricles (461-429 a.C.),
Atenas viveu o auge da sua democracia. Foi tam-
bém o período de maior expansão territorial, o que
garantiu recursos para, por exemplo, construir vá-
rios templos, entre os quais o Partenon.

A disciplina militar de Esparta

Diferentemente do que ocorreu em Atenas, em


Esparta não se adotou a democracia. Nela, predo-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

As disputas entre Atenas e Esparta resultaram conhecida. Acredita-se que os etruscos teriam se
em vários conflitos entre essas duas cidades-esta- estabelecido na Península Itálica (parte da atual
do. A partir do século V a.C., com a grande expan- Itália) ainda no século XI a.C.
são territorial ateniense, a rivalidade entre as duas Eles desenvolveram a agricultura e a produ-
cidades se ampliou. O fortalecimento da pólis rival ção artesanal na região da Etrúria, além de terem
era visto pelos espartanos como uma ameaça. conseguido expandir seus domínios. Não havia ini-
Essa tensão culminou na Guerra do Peloponeso cialmente uma unidade política entre os etruscos,
(431-404 a.C.). que viviam em cidades-estado independentes. As
Para ampliar sua força militar, os espartanos cidades etruscas se organizavam em monarquias,
criaram a Liga do Peloponeso, que reunia as cida- e foram reis etruscos que governaram Roma entre
des aliadas a Esparta. Atenas, por sua vez, na luta os anos 753 a.C. e 509 a.C. No século VII a.C., os
contra os invasores persas, já havia criado a Liga chefes etruscos que dominaram a Península Itálica
de Delos, que reunia as cidades a ela aliadas. Essas trouxeram a cultura grega e oriental para a região.
duas grandes forças militares se enfrentaram mais
de uma vez no século V a.C., mas a partir de 431
a.C. iniciou-se um longo processo de guerra em
que cada lado tentava dominar cidades aliadas
dos inimigos e ampliar seus próprios domínios, enfra-
quecendo o poderio do rival. A guerra se estendeu
até 404 a.C., quando os atenienses foram obriga-
dos a reconhecer a superioridade espartana e a
baixar as armas.
Nos anos que se seguiram, Atenas, Esparta e
outras pólis gregas estavam enfraquecidas em fun-
ção desses conflitos e tiveram de enfrentar outros
inimigos externos. Com isso, acabaram sendo do-
minadas pela Macedônia, localizada ao norte (ver
mapa a seguir).

59

O mapa mostra a região ocupada pelos etrus-


cos e sua expansão pela Península Itálica. O go-
verno romano nesse período era chefiado pelo rei,
que era também o chefe religioso e principal repre-
sentante da justiça. Além do rei, existia o Senado,
Primeiro, as cidades gregas foram conquistadas que nesse período monárquico era um conselho de
pelas forças do rei macedônico Filipe II, que inva- anciãos, ou seja, formado pelos homens mais ricos
diu Atenas em 337 a.C. Com a morte de Filipe II, e mais velhos de Roma, muitos dos quais já tinham
seu filho Alexandre ampliou os domínios do Império ocupado funções de administração no governo ro-
Macedônico, conquistando o Egito e derrotando mano.
os persas. Graças a essa expansão do Império, a Ele criava as leis e tinha o direito de vetar deci-
cultura grega acabou difundida para todas as ter- sões reais. Por fim, havia a Cúria, uma assembleia
ras conquistadas. de cidadãos que deveria confirmar as propostas
feitas pelo rei e pelo Senado.
As origens de Roma e sua organização social Para ser senador, era necessário pertencer às
famílias mais importantes da aristocracia romana e
O que teria feito de Roma uma cidade rica e ter reconhecido destaque.
poderosa? Como se organizava sua vida política? O cargo de senador era vitalício. No início da
Como era a vida cotidiana? E o trabalho? A histó- República, que você verá mais adiante, havia
ria de Roma nos seus primeiros séculos, sobretudo 300 senadores. Já no período imperial, depois da
entre os séculos VIII e VI a.C., esteve ligada à dos República, eram mais de mil. A escolha dos sena-
etruscos, povo cuja origem não é suficientemente dores envolvia um complexo processo eleitoral. A
Ciências Humanas e suas Tecnologias

população de Roma era dividida em centúrias,


conforme informava o censo que se realizava, e
os eleitores das centúrias mais ricas votavam pri-
meiro. Dependendo da diferença entre os candi-
datos, a eleição poderia ser decidida sem que os
grupos mais pobres chegassem a votar.
Com o surgimento da República Romana, o Se-
nado, sob o domínio de integrantes das camadas
mais ricas, passou a ser o centro do poder. Nesse
período, ser cidadão significava possuir direitos po-
líticos que não eram concedidos a todos os roma-
nos, especialmente aos grupos mais empobrecidos
e sem ligação com os nobres considerados funda-
dores de Roma.
Em 509 a.C., entretanto, os romanos colocaram
fim ao domínio etrusco, com a deposição do rei
Tarquínio, acusado pelos cidadãos de governar de
maneira tirânica e absoluta. Esse episódio marcou
o fim da monarquia e a fundação da República
Romana.
O grupo social que liderou a fundação da Re-
pública em Roma foi o dos patrícios, proprietários Conforme o direito romano, o escravo, assim
de terras que dominavam o Senado. como ocorria na Grécia Antiga, era uma peça, um
Nas suas terras, eles exerciam a pecuária, man- equipamento utilizado na produção que poderia
tinham vinhas e produziam gêneros agrícolas, in- ser comprado, vendido ou alugado. O dono de um
cluindo o cultivo de oliveiras para a produção de escravo poderia puni-lo quando julgasse neces-
azeite. A produção estava organizada em proprie- sário e o escravo poderia ser julgado pelo Estado
dades nas quais viviam camponeses, escravos e com mais rigor, dependendo do crime.
clientes. Estes últimos eram pessoas protegidas pe- O senhor também poderia libertar seu escra-
los patrícios, devendo- -lhes obrigações econômi- vo, se quisesse, e era possível a um liberto se tornar
cas e pessoais. cidadão romano. O escravo deveria ser mantido
O cliente não só deveria trabalhar para o pa- pelo senhor em relação às suas necessidades bási-
60 trício como também deveria expressar as mesmas cas, incluindo vestimenta e alimentação.
opiniões políticas de seu protetor. Além desses gru- Um escravo poderia receber pagamento por
pos sociais, havia ainda os plebeus, população livre serviços realizados ou até mesmo ter um negócio,
que não tinha direitos políticos plenos. mas parte do que ganhasse deveria ficar para o
Nesse grupo da plebe se inseriam, além dos senhor. Os escravos domésticos tinham mais chan-
camponeses já citados, artesãos e comerciantes, ce de receber benefícios, enquanto os escravos do
que eram considerados desqualificados para a campo viviam em piores condições.
vida política, pois não estavam ligados às famílias
mais tradicionais de Roma, que seriam as fundado- As disputas sociais em Roma durante sua expan-
ras da cidade. são territorial
Por último, na República Romana existiam os
escravos, que, como acontecia na Grécia Antiga, Na República Romana foi criada a Magistratu-
eram em grande parte populações escravizadas ra, que realizava a administração do império e de
nas guerras. Porém, a partir do século V a.C., muitos seus domínios. Essa instituição era dominada pelos
camponeses que contraíram dívidas com os patrí- patrícios, uma vez que só esses grandes proprietá-
cios começaram a se tornar escravos por dívida. rios de terra e de origem nobre poderiam ocupar o
Eles só deixariam de ser escravos quando liquidas- cargo de senador.
sem a importância devida. Além dela, existiam diferentes assembleias,
Assim como em Atenas e Esparta, os escravos que participavam da organização administrativa
eram parte essencial do sistema econômico roma- de Roma. Para compor a assembleia, os cidadãos
no. Eles estavam presentes em um grande conjunto votavam nos candidatos indicados por um magis-
de atividades, que se estendia da agricultura à pe- trado. Ao longo da história romana, as lutas sociais
cuária, da produção artesanal às obras públicas, garantiram a conquista de direitos e a ampliação
além dos serviços domésticos. da participação política dos plebeus.
Enfim, eles eram a base da produção de ri- Se no início da República Romana eram ape-
quezas e da realização de serviços da sociedade nas os patrícios que ocupavam os principais car-
romana. As imagens a seguir mostram a presença gos, com o decorrer do tempo foram sendo criados
de escravos em várias atividades econômicas da novos espaços políticos que eram ocupados pelos
sociedade romana. plebeus. É o caso do tribuno da plebe, um magis-
trado que defendia os interesses populares.
Além disso, foram criadas leis, como a proibi-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

ção da escravidão por dívidas, que diminuíram a


exploração dos plebeus. Com isso, evitava-se que
as dificuldades econômicas enfrentadas pelos ple-
beus provocassem a perda da liberdade.
A constante tensão entre os patrícios e a plebe,
pelo maior reconhecimento dos direitos dos ple-
beus, resultou também na criação da Lei das Doze
Tábuas. Conforme explica o historiador Pedro Paulo
Funari:

Por volta de 450 a.C., os plebeus consegui-


ram que as leis segundo as quais as pessoas
seriam julgadas fossem registradas por escrito,
numa tentativa de evitar injustiças do tempo
em que as leis não eram escritas e os cônsules,
sempre da nobreza de sangue, administravam
a justiça como bem entendiam, conforme suas
conveniências. O conjunto de normas final-
mente redigidas foi chamado “A Lei das Doze
Tábuas”, que se tornou um dos textos funda-
mentais do Direito romano, uma das principais
heranças romanas que chegaram até nós. A
publicação dessas leis, na forma de tábuas que
qualquer um podia consultar, [...] foi importan-
te, pois o conhecimento das “regras do jogo”
da vida em sociedade é um instrumento favo-
rável ao homem comum e potencialmente limi-
tador da hegemonia e arbítrio dos poderosos.
As Doze Tábuas não chegaram completas até
nós, mas possuímos fragmentos como os seguin-
tes: “quem tiver confessado uma dívida, terá No século I a.C., com a expansão imperial, cres-
trinta dias para pagá-la; quando um contrato ceu o número de escravos e de grandes proprieda-
é firmado, suas cláusulas são vinculantes, de- des, ampliando-se também os conflitos sociais e a 61
vendo ser cumpridas; se um patrão frauda um desigualdade. Muitos camponeses que não tinham
cliente, que seja amaldiçoado”. terras ocupavam os centros urbanos em busca de
FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma.
trabalho.
São Paulo: Contexto, 2002, p. 83.
Para solucionar essa situação, o tribuno da ple-
be Tibério Graco apresentou em 133 a.C. na As-
sembleia Tribuna uma proposta que redistribuía as
A expansão romana terras públicas em favor dos cidadãos empobreci-
dos. Tibério propôs também que recursos do Tesou-
Ao longo da República, Roma ampliou seus do- ro financiassem essa reforma agrária.
mínios para grande parte do mundo conhecido até Os senadores não conseguiram impedir a apro-
então. Os povos que se submetiam a Roma pode- vação da reforma, mas Tibério Graco foi assassina-
riam ser transformados em cidadãos, mas aqueles do. Em 122 a.C., seu irmão Caio Graco, também
que resistiam ao poder romano tinham sua popula- tribuno da plebe, propôs uma ampliação da pro-
ção escravizada quando derrotada pelo poderoso posta de Tibério.
exército de Roma. Defendia a venda de trigo com preço mais
Todo cidadão romano deveria participar do baixo para a população pobre e a distribuição de
exército, que era gigantesco, com mais de 300 mil terras em áreas distantes para acomodar aqueles
homens. O exército era necessário para cuidar de que não tinham terras. Caio Graco também foi as-
uma imensa população dominada e ampliar ainda sassinado e as disputas entre a plebe e os patrícios
mais o território. Ele era dividido em legiões e cada tornaram-se ainda mais acirradas.
uma delas era comandada por um general, que Nesse contexto de crise social, fortaleceu-se o
era uma figura de destaque na sociedade. poder de militares de destaque. Em 82 a.C., o ge-
neral Sula tornou-se ditador, um tipo de governante
escolhido para esse cargo político em situações de
instabilidade, com poderes para legislar e reorgani-
zar o governo.
Como Sula foi incapaz de dar soluções para a
crise, teve início uma guerra civil em Roma, amplia-
da pela revolta de escravos liderada por Espárta-
co, no século I a.C.
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Em meio à crise, o general Júlio César, bem-


-sucedido nas guerras, discursava em favor das
massas empobrecidas. Em 60 a.C., foi formado um
novo governo, que se chamaria Primeiro Triunvirato,
composto pelo próprio Júlio César, que comandou
a Gália (que corresponde aproximadamente aos
atuais norte da Itália e sul da França); por Pompeu,
que governou Roma e o Egito; e por Crasso, a quem
coube a Ásia Menor (parte da atual Turquia). Em 52
a.C., Crasso faleceu e o Senado decidiu transfor-
mar Pompeu no único cônsul, que deteria o poder.
Em resposta, Júlio César pôs seu exército em mar-
cha contra Pompeu, venceu seu oponente e trans-
formou-se, no ano de 49 a.C., em ditador vitalício.
No entanto, em 44 a.C., Júlio César foi assas-
sinado dentro do próprio Senado pelos opositores
do governo ditatorial. Formou-se então o Segundo
Triunvirato, com Marco Antônio, Lépido e Otávio.
Contudo, a guerra civil se manteve e os conflitos
pela disputa do poder também. Em 27 a.C., Otávio
enfrentou o exército de Marco Antônio e o derro-
tou, transformando-se em imperador de Roma sob
o título de Augusto.
Antes disso, Otávio tinha acusado Lépido de Nesse contexto, ganhou força o cristianismo,
traição e conseguiu afastá-lo do triunvirato. A partir que, no ano de 313 d.C., deixou de ser uma religião
de então, vários imperadores se sucederam à fren- proibida em Roma. Nas últimas décadas do século
te do governo romano. IV, Roma já não tinha capacidade para controlar
fronteiras tão extensas e foi invadida por povos ini-
migos, vindos de fora dos territórios do Império e de-
nominados pelos romanos de bárbaros.
Eles vinham do norte e do leste da Europa – os
chamados povos germânicos, como os godos, os
62 visigodos, os lombardos, os vândalos, os anglos, os
saxões, os hérulos – e também do continente asiá-
tico, como os hunos, que aos poucos foram domi-
nando várias regiões romanas. Aliadas à crise do
século IV, essas invasões contribuíram para o fim do
império. Como resultado dessa desagregação de
Roma, a Europa sofreu profundas alterações socio-
políticas e econômicas.

Os limites de Roma cresceram ainda mais no


período imperial, como pode ser observado no
mapa da página seguinte. Durante o Império, até
250 d.C., Roma viveu um período de paz interna,
que ficou conhecido como pax romana. Mas após
esse período houve várias crises, guerras civis e re-
dução da capacidade de expansão imperial.
Entre as razões das crises estavam a diminuição
do contingente de escravos, que eram a base da
vida econômica; as várias rebeliões nas províncias,
dificultando a manutenção do império; e a guerra
civil, relacionada com disputas pelo poder no Se-
nado e pelo posto de imperador.

A CRIAÇÃO DE UMA NOVA VIDA SOCIAL E POLÍTI-


CA NA EUROPA E DE UM IMPÉRIO NA IDADE MÉDIA

Os povos germânicos e a formação de um novo


Ciências Humanas e suas Tecnologias

império A crise do Império Romano permitiu que os Organizados em comunidades nômades e


chamados povos bárbaros, que migravam do nor- guerreiras, os hunos penetraram no território euro-
te e do leste da Europa, invadissem vários de seus peu. Chefiados por Átila, em 441, dominaram a Gá-
domínios. Aos poucos, foram abalando o próprio lia, passando a cobrar tributos da população. Após
poder imperial, que, em 476, foi enfim derrubado a morte de seu chefe, em 453, parte dos hunos foi
pelos germânicos. Mas quem seriam os bárbaros? dominada pelos germânicos e outra parte dirigiu-
Para gregos e romanos, bárbaros eram os povos -se para a região da atual Bulgária, onde fundaram
por eles dominados e todos aqueles que, por serem o reino búlgaro. Já os francos, entre os séculos IV e
estrangeiros, não falavam grego ou latim. V, instalaram-se na região da atual Bélgica e tam-
Os visigodos, também de origem germânica, bém em parte da atual Alemanha.
vindos do Leste Europeu, dominaram a maior par- Até o século V, eles foram aliados dos roma-
te do atual território da Espanha e impuseram sua nos, quando o imperador Clóvis se converteu ao
autoridade na região. Já os francos conquistaram cristianismo e fortaleceu a dinastia merovíngia, ou
a Gália, na atual França, enquanto os ostrogodos seja, dos descendentes de Meroveu, avô de Clóvis.
tomaram parte da Península Itálica. Ainda durante o século V, Clóvis conseguiu expan-
Os germânicos não possuíam homogeneidade dir seus domínios até a Gália, em uma região que
étnica, isto é, não eram um único povo. Habitavam compreendia parte das atuais França, Alemanha
principalmente a região norte da Europa, sem que e Bélgica, incluindo o vale do Rio Reno. No século
houvesse, entretanto, um poder centralizado. Eram VII, após o fim da dinastia dos merovíngios, surgiu a
populações seminômades, que chegaram a prati- dinastia carolíngia (dos descendentes do rei Carlos
car uma economia de troca com os romanos, aos Martel), que em meados do século VIII consolidou o
quais enviavam madeiras, peles e âmbar em troca seu poder na Gália, substituindo os merovíngios. Em
de produtos de consumo mais imediato. 751, o carolíngio Pepino, o Breve, tornou-se impera-
Além dos visigodos, francos, ostrogodos e ger- dor dos francos, com o apoio do papa.
mânicos, outros povos invadiram o território roma- A contribuição de Pepino para a expulsão dos
no. No século IV, por exemplo, os hunos, vindos do lombardos (outro povo bárbaro) de Roma resultou
centro da Ásia, apoderaram-se de parte das terras em uma aliança entre a Igreja Católica e a dinas-
dos germânicos. Isso pressionou os germânicos a tia carolíngia, que permitiu o fortalecimento polí-
ocupar novas áreas na Europa central. O mapa a tico e ampliou os domínios carolíngios na Europa.
seguir traz representações de algumas das rotas de Formou-se, assim, um império, unido politicamente,
deslocamento realizadas pelos povos chamados em meio à fragmentação que caracterizava o pe-
bárbaros. ríodo medieval até aquele momento.
Naquela época, a guerra pela conquista de 63
terras e domínios era constante. Nesse sentido,
#FicaDica manter-se em guerra era também uma estratégia
Seminômade para defender o território. As terras conquistadas
Aquele que organiza sua morada seriam distribuídas aos aliados do rei vitorioso, crian-
em determinado lugar por uma tempo- do um complexo sistema de alianças que envolvia
rada, mas migra de tempos em tempos, a fidelidade daquele que recebia a terra em rela-
não estabelecendo assim uma moradia ção àquele que a deu.
fixa. Com a morte de Pepino, o Breve, subiu ao trono
Âmbar seu filho Carlos Magno, que se tornou rei dos fran-
Resina fóssil que pode ser usada cos em 768. Para continuar a ampliar suas fronteiras
para fazer ornamentos, como colares, e defender seu território, Carlos Magno criou um
brincos etc. exército bem equipado, com cavalos e armas de
guerra. Instituiu também postos militares e nomeou
governadores em cada um dos territórios conquis-
tados.
O Império Carolíngio era dividido em 600 con-
dados, sendo cada um administrado por um con-
de, que era um homem de confiança escolhido
pelo imperador.
Os condados eram territórios que englobavam
grandes extensões de terra e núcleos urbanos (vilas
e cidades). Já os territórios de fronteiras, em regiões
vizinhas, como na Península Ibérica e na Bretanha,
eram chamados marcas.
Elas eram governadas por marqueses, que ti-
nham mais poder e autonomia que os condes,
em razão da importância da defesa desses terri-
tórios para conter as invasões externas. Os condes
e marqueses constituíam laços de fidelidade com
o imperador, fortalecendo os domínios imperiais.
Ciências Humanas e suas Tecnologias

Dentro do império, a religião cristã foi difundida e o O feudalismo e a sociedade medieval


paganismo foi combatido.
Os pagãos eram aqueles que não seguiam a Com a crise e a queda do Império Romano do
fé cristã. Também foram construídos igrejas e mo- Ocidente, ocorreu uma grande redução na circu-
nastérios para garantir a presença da Igreja em to- lação de produtos, pessoas e mercadorias na Eu-
das as regiões do império. Em 800, Carlos Magno ropa, o que resultou na queda das atividades eco-
foi consagrado imperador pelo papa Leão III, isto nômicas. Como resultado da chegada dos povos
é, seu poder foi reconhecido pela Igreja como legí- bárbaros e a perda de domínios, o Império Roma-
timo perante Deus, fortalecendo a aliança entre a no deixou de trazer produtos e novos trabalhadores
dinastia carolíngia e a Igreja Católica. das regiões conquistadas, reduzindo suas possibili-
dades de gerar riqueza. Nesse contexto, houve um
processo de ruralização.
Devido à falta de opções de sobrevivência e
à fragilidade militar dos romanos para conter as in-
vasões bárbaras, a vida no campo se tornou uma
opção para que as pessoas pudessem, ao menos,
manter a subsistência por meio de atividades agrí-
colas.
Assim, entre os séculos V e X, período chama-
do de Alta Idade Média, ocorreu na Europa uma
redução do nível das atividades comerciais e pro-
dutivas, prevalecendo uma economia agrícola,
que, aos poucos, foi se organizando com base em
grandes domínios senhoriais. Eles eram divididos em
duas partes: reserva senhorial e mansos.
A primeira delas era explorada diretamente
pelo proprietário, o senhor feudal. Nela ficavam a
moradia da família do senhor, os estábulos, os ce-
leiros e o moinho. A segunda parte, os mansos ser-
vis, eram pequenas faixas de terra ocupadas por
camponeses, que viviam nos domínios do senhor e
produziam apenas o suficiente para a subsistência.
64 Em um domínio senhorial poderia haver cente-
nas de mansos, que formavam a unidade produti-
va do sistema feudal. Nesses domínios, produzia-se
quase tudo que era necessário para a sobrevivên-
Para ampliar a eficiência na administração do cia da comunidade local, incluindo alimentos, mo-
seu império, Carlos Magno criou escolas nas quais bília, ferramentas e vestuário. Com isso, as ativida-
se ensinava Latim, Aritmética, Música, Geometria e des econômicas foram muito reduzidas, recorren-
Astronomia. Esse processo foi chamado de Renas- do-se ao mercado apenas quando não era possí-
cimento Carolíngio, pois, após um período de gran- vel produzir internamente algum utensílio.
de atividade intelectual ocorrido na Antiguidade, O domínio senhorial também podia ser deno-
retomava-se a possibilidade de desenvolvimento minado de feudo. Esse era o nome utilizado para
do conhecimento na chamada Idade Média. designar um benefício que foi concedido por um
Com a morte de Carlos Magno, em 814, o co- senhor a um nobre cavaleiro. Nesse caso, o senhor,
mando foi assumido por seu filho Luís, o Piedoso, que poderia ser um nobre ou mesmo um rei, con-
para quem o império deveria ser a congregação cedia a outro nobre uma extensão de terra em tro-
dos povos cristãos. Após a morte de Luís, em 840, ca da prestação de serviços militares e ajuda em
seus filhos passaram a disputar a sucessão do trono, casos de necessidade.
gerando conflitos que resultariam na fragmenta- Havia um juramento de fidelidade, no qual o
ção do Império Carolíngio. Foi necessário celebrar cavaleiro (aquele que recebia a doação e passa-
o Tratado de Verdun, em 843, para pôr fim ao con- va a ser chamado de vassalo) se comprometia a
flito, dividindo as terras em três partes. Com a mor- ser fiel ao senhor (aquele que doava e que passava
te dos filhos de Luís, os novos herdeiros disputaram a ser chamado de suserano) em troca do feudo
mais uma vez o trono, gerando outras divisões inter- recebido.
nas do território. Além de terras, o feudo poderia ser a doação
O império só foi reunificado em 881, com Carlos, do direito de cobrar um pedágio ou qualquer outro
o Gordo. No entanto, após sua morte, em 887, o im- privilégio que permitisse ao vassalo obter riquezas.
pério voltaria a se fragmentar em vários reinos inde- Essas relações de poder entre membros da nobre-
pendentes, não tendo mais uma unidade política. za, que consolidavam alianças político-militares,
eram chamadas de relações de suserania e vassa-
lagem, ou ainda feudo-vassálicas. Em caso de des-
cumprimento das obrigações estabelecidas nessas
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relações, ocorria o confisco do feudo por traição.


Não se pode deixar de fazer referência à importância que a Igreja Católica exercia nesse contexto
europeu. Além de participar ativamente das decisões políticas de muitos reinos, era ela quem ditava as
regras de conduta da vida social.
Os católicos acreditavam que desobedecer às leis impostas pela Igreja poderia impedir a obtenção da
desejada salvação após a morte, pois teriam ingressado no mundo do pecado. Na sociedade medieval
havia basicamente três grandes grupos sociais que viviam sob rígida ordem hierárquica e com limitadas
possibilidades de mobilidade social: o clero, os nobres e os camponeses. No topo da hierarquia social esta-
va o clero, que incluía os padres, os bispos e todos os membros da Igreja Católica, sendo o papa sua maior
liderança.
Em seguida, vinham os nobres, que eram proprietários de importantes porções de terra, como era tam-
bém a Igreja, e tinham como principal função defender seus domínios e os domínios de seu suserano, além
de conquistar novas terras. Por fim, os trabalhadores encontravam-se na base da sociedade, devendo
obediência aos nobres e ao clero.
Os camponeses e artesãos eram a grande maioria da população, mas tinham menos direitos. Assim,
eles acabavam por desenvolver uma relação de dependência em relação aos seus senhores, os nobres,
donos das terras das quais eles precisavam para viver.
Por isso, nesse período ocorreu a formação de uma sociedade de ordens ou uma sociedade de es-
tamentos. O clero era a primeira ordem, a nobreza a segunda e os camponeses e outros trabalhadores
compunham a terceira ordem.
A ideia de ordem indicava também que as posições não poderiam ser mudadas: um camponês não
poderia nunca se tornar um nobre, nem vice-versa. Havia, portanto, aqueles que tinham nascido para orar,
os que haviam nascido para guerrear e aqueles destinados a trabalhar.
Os religiosos, como muitos padres, bispos e cardeais, tinham origem na nobreza, mas alguns padres
também poderiam vir dos grupos mais pobres da população. Porém, quando entravam para a vida religio-
sa, não poderiam mais se deslocar para outros grupos, isto é, um padre não se tornaria nobre ou camponês.
O clero tinha suas divisões: o papa, os cardeais e os bispos formavam o alto clero, enquanto os padres
faziam parte do baixo clero, embora houvesse a possibilidade de ascensão dentro do clero católico.

65
Ciências Humanas e suas Tecnologias

No entanto, essa situação não era totalmente Os judeus que viviam em terras cristãs durante a
imutável e havia momentos em que os camponeses Idade Média passaram por um longo processo de
se rebelavam contra a ordem social. No século XIV, marginalização e perseguição. Em alguns lugares,
por exemplo, ocorreram as jacqueries, na região houve a criação de leis que limitavam os direitos
do atual norte da França, quando os “jacques” dos judeus de se casarem com cristãos ou até mes-
(maneira como eram chamados os camponeses), mo de se converterem ao cristianismo. Em algumas
em um contexto de crise do sistema feudal, revol- regiões da Europa, eles foram proibidos de adquirir
taram-se com as decisões tomadas pela nobreza. propriedades da Igreja e prestar serviços na admi-
Os nobres desejavam ampliar ainda mais a explo- nistração das cidades. Além disso, em certos pe-
ração sobre os trabalhadores rurais, que realizaram ríodos, a perseguição aos judeus se tornou mais
vários protestos e ataques contra seus senhores. intensa, incluindo ataques violentos contra as co-
Entretanto, essas revoltas populares foram repri- munidades judaicas.
midas e a situação de exploração no campo con- Muitos foram expulsos de onde viviam e preci-
tinuou nos séculos seguintes. Os camponeses que saram buscar abrigo em novas terras ou outros rei-
dependiam das terras dos senhores para viver eram nos. Essas perseguições se tornaram especialmente
chamados servos. Eles tinham várias obrigações em intensas durante a época das Cruzadas.
relação ao senhor, isto é, eram obrigados a pagar Apesar disso, os judeus desempenhavam um
taxas (em produtos ou serviços) pelo uso da terra e papel econômico importante para a sociedade
dos equipamentos e pela proteção senhorial. medieval. Eram eles que realizavam atividades fi-
A talha definia que parte da produção do ser- nanceiras, como empréstimos ou financiamentos
vo deveria ser entregue ao proprietário. Também de empreendimentos comerciais.
poderia ser exigida a corveia, que era a obrigação Os cristãos reprovavam esse tipo de atividade,
de realizar trabalhos gratuitos nas terras do senhor já que as consideravam como indignas ou mesmo
alguns dias da semana. Além disso, os camponeses pecaminosas. Por isso, os judeus recebiam autori-
tinham de pagar tributos como a mão-morta e as zação das autoridades, como os reis, para praticá-
banalidades. A primeira era cobrada caso um filho -las. Por sua vez, os muçulmanos expandiam seus
de camponês continuasse a viver nas terras que o territórios desde o século VII, inspirados pelo islamis-
pai ocupava antes de morrer. mo e seu profeta fundador, Maomé. Nascido em
As segundas eram cobradas pelo uso das ins- 570, na cidade de Meca, na Península Arábica, ele
talações do senhor, tais como moinho e fornos. As defendia a existência de um único deus, Alá (Deus,
obrigações servis eram uma forma de exploração em árabe).
do trabalho dos camponeses. Esses passavam a Conforme o número de seguidores de Maomé
66 vida produzindo para seus senhores e não conse- aumentava, eles começaram a sofrer persegui-
guiam acumular riquezas ou mudar sua condição ções dos sacerdotes locais. Os comerciantes de
social. Meca também tinham medo de que o islamismo
As terras de um determinado reino poderiam afetasse o rico comércio gerado pelos peregrinos
pertencer ao rei, à Igreja ou algum nobre, mas fiéis às religiões locais. Por isso, em 622, Maomé e
não aos camponeses, que eram explorados pelos seus seguidores foram expulsos de Meca, episódio
senhores e não podiam abandonar o feudo para conhecido como Hégira.
trabalhar em outro lugar; portanto, apesar de livres, Alguns anos depois, a partir da cidade de Me-
estavam presos à terra. Os camponeses consti- dina (antiga Yatreb), o islamismo se fortaleceu e
tuíam a mão de obra essencial que impulsionava conseguiu se difundir pela Península Arábica. Para
o sistema feudal. registrar os princípios religiosos da nova religião, as-
sim como os códigos de conduta de seus seguido-
As Cruzadas: disputas entre cristãos e muçulma- res, foi escrito o Corão, livro sagrado do islamismo.
nos O século VIII foi um período de grande expan-
são para os árabes, que conquistaram territórios ao
Durante a Idade Média, como você já viu, a norte do continente africano e ao sul da Europa, na
Igreja Católica tinha grande importância política e Península Ibérica. Dominaram também grande par-
também exercia forte controle sobre as regras da te do Oriente Médio e estenderam seus domínios
vida social, definindo as condutas morais conside- até a Índia. Esse processo de expansão ajudou a
radas adequadas aos indivíduos. espalhar a religião muçulmana pelo mundo.
Para a Igreja, todos aqueles que não seguis- Os muçulmanos dominaram importantes rotas
sem o cristianismo poderiam estar associados ao de comércio no Mar Mediterrâneo e com o Orien-
pecado. Assim, os povos que professavam outras te. A partir do século X, quando a Europa começa-
religiões eram considerados inimigos dos cristãos. va a ampliar sua vida comercial (conforme você
Entre eles estavam os adeptos do islamismo e do ju- vai estudar na Unidade 4), os conflitos entre cristãos
daísmo. Cristãos, muçulmanos e judeus alternaram, e muçulmanos ficaram ainda mais evidentes. Em
ao longo de centenas de anos, momentos de coe- 1095, o papa Urbano II anunciou o que ficou co-
xistência pacífica com épocas de intensos confli- nhecido como a Primeira Cruzada.
tos. Contudo, as razões dos enfrentamentos nunca As Cruzadas eram expedições organizadas
foram exclusivamente religiosas, envolvendo tam- contra os inimigos dos cristãos, fossem eles muçul-
bém questões comerciais e disputas por territórios. manos, povos pagãos ou de qualquer orientação
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religiosa que não fosse a cristã. Aqueles que participassem das Cruzadas receberiam a indulgência (o
perdão de seus pecados), além de terem o direito de saquear os bens dos povos derrotados. Assim, os
peregrinos, ou cruzados, eram atraídos pela promessa do paraíso após a morte ou de conquista de terras
durante a vida.

Nas oito Cruzadas ocorridas, muitos nobres, e até mesmo reis, participaram das expedições. A Primeira
Cruzada, ocorrida entre 1096 e 1099, teve como objetivo a retomada de Jerusalém, cidade considerada
sagrada para os cristãos e que estava sob domínio dos muçulmanos.
Os cristãos conseguiram retomá-la temporariamente, tendo sido essa a única empreitada bem-sucedi-
da. A última Cruzada, liderada pelo rei francês Luís IX em 1270, tinha o objetivo de lutar contra os muçulma-
nos na Tunísia. Contudo, ela foi encerrada no mesmo ano do falecimento do rei, vítima de uma epidemia.
Em reconhecimento aos seus trabalhos em nome da fé cristã, o rei acabou sendo canonizado como
São Luís. Em mais de dois séculos de expedições ao Oriente, as Cruzadas não conseguiram recuperar o
controle de Jerusalém, exceto por aquele breve momento durante a Primeira Cruzada.
Por sua vez, as Cruzadas contribuíram para o fortalecimento das rotas de comércio entre Ocidente e
Oriente, uma vez que nesse período foi constante o fluxo de mercadorias do Oriente para o Ocidente. As
Cruzadas ajudaram também a criar novas rotas que viabilizaram a ampliação do comércio.

67

RENASCIMENTO COMERCIAL, URBANO E CULTURAL

O Renascimento comercial e urbano

O período medieval caracterizou-se por um conjunto de aspectos, como: economia agrícola, mão
de obra servil, fraco comércio, sociedade baseada no nascimento e poder dos nobres. Esse conjunto de
características começou a mudar a partir dos séculos XI e XII, quando novas técnicas de plantio foram
adotadas, ocasionando um aumento da produção agrícola.
Naquela época, a Europa passava por um momento de crescimento populacional, motivado pelo
desenvolvimento da agricultura, pela diminuição das guerras e pela queda nas taxas de epidemias em
seu território. Nos campos, os servos passaram a usar o arado de ferro – mais eficiente do que o de madeira
no preparo da terra –, a seleção de grãos, a rotação trienal – sistema de rodízio das culturas para evitar o
esgotamento do solo e aumentar a área de cultivo –, além dos moinhos de vento ou d’água, usados para
moer os grãos em maior quantidade.
Cavalos e bois passaram a ser usados para puxar o arado. Todas essas inovações técnicas contribuíram
para o aumento na produção de gêneros alimentícios. Isso proporcionou uma dieta mais nutritiva e, con-
sequentemente, a diminuição da mortalidade e uma melhoria da qualidade de vida da população rural.
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Com o excedente agrícola, as trocas de produ- Retomada das ideias da Antiguidade Clássica
tos ficaram mais frequentes e, consequentemente, as
atividades comerciais retomaram sua dinâmica, pro- Quando a população vivia, em sua maioria,
porcionando o desenvolvimento das feiras comer- no campo e dependia das atividades agrícolas,
ciais medievais nas proximidades dos castelos e, mais o conhecimento necessário para essas atividades
tarde, o crescimento dos mercados nas cidades. era adquirido na prática cotidiana e pela tradição
Nessa época, tais centros de comércio eram familiar e da comunidade.
chamados burgos e eles foram a origem de muitas Os camponeses não frequentavam escolas.
cidades medievais. Ainda que o comércio nunca Eles aprendiam com suas próprias experiências a
tenha deixado de existir, no início da Idade Média cultivar plantas e a criar animais.
as atividades mercantis haviam entrado em declí- Nessa época, o saber letrado era monopoliza-
nio, isto é, perdido importância. do pela Igreja. As poucas escolas existentes eram
voltadas à educação religiosa. Aqueles que pre-
tendiam se dedicar às atividades da Igreja fre-
quentavam as escolas monásticas, quase sempre
localizadas nas áreas rurais. Nesses locais, apren-
dia-se a ler e escrever, estudava-se o latim (língua
oficial da Igreja) e também as “sete artes liberais”:
Gramática, Retórica, Lógica, Aritmética, Geome-
tria, Astronomia e Música. Tais conhecimentos eram
fundamentais para a formação dos clérigos.
Com o Renascimento comercial e urbano, a
população dos burgos passou a necessitar de ou-
tros conhecimentos. Ou seja, os burgueses preci-
savam ser capacitados para as novas atividades
econômicas, bem como para administrar as cida-
des. Nesse contexto, surgiram as escolas urbanas
e as universidades, voltadas ao ensino laico, isto é,
à capacitação da população burguesa para ler,
escrever e saber contar, além de realizar estudos
Depois, na chamada expansão feudal, com a jurídicos.
retomada da produção do excedente agrícola, Nessas instituições de ensino, a razão era valori-
68 os mercados passaram a receber cada vez mais zada, assim como a fé. As disciplinas eram divididas
produtos. Da mesma forma, a população urbana em quatro “faculdades”: Artes (as sete artes libe-
foi crescendo, já que as atividades nos burgos – o rais), Teologia (estudo das coisas divinas), Medicina
comércio e o artesanato – representavam novas e Direito. A primeira universidade europeia surgiu
possibilidades econômicas e sociais. em Bolonha (Itália), em 1088, seguida por outras,
Embora a maioria da população ainda vivesse como a de Módena (Itália), em 1175, as de Paris e
nas áreas rurais, dependendo dos feudos e de seus Montpellier (França), Cambridge e Oxford (Inglater-
senhores, muitos servos, com a venda de parte da ra) e Coimbra (Portugal) no século XIII, as de Floren-
sua produção, conseguiram deixar o campo para ça, Pisa e Viena (Itália) no século XIV e outras mais.
viver nas cidades, ou então compraram terras e tor- As cidades passaram a ser, além de centros
naram-se pequenos proprietários ou camponeses econômicos, políticos e religiosos, também centros
assalariados. de produção de cultura, divulgando novos conhe-
Nos burgos, a população vivia das atividades cimentos artísticos e científicos, cada vez mais des-
mercantis – compra e venda de produtos agríco- vinculados do controle da Igreja.
las e artesanais. Estes eram produzidos pelos arte- No fim do século XIV, em algumas cidades da
sãos que lá viviam: sapateiros, alfaiates, padeiros, Europa, sobretudo nas da Península Itálica, em que
marceneiros, ferreiros, pedreiros, tecelões e tantos o comércio havia prosperado e enriquecido seus
outros. representantes, a produção cultural foi muito in-
Quem vivia nesses centros urbanos era chama- tensa. Por meio do patrocínio de alguns indivíduos
do de burguês. Como consequência das transfor- da burguesia, chamados mecenas, muitos pesqui-
mações econômicas, também ocorreram mudan- sadores, intelectuais e artistas destacaram-se com
ças sociais. Se antes a sociedade medieval era de- obras nas áreas da literatura, pintura, escultura, ar-
terminada pelo nascimento, praticamente dividida quitetura, matemática e astronomia, entre outras.
entre nobres (os proprietários das terras) e servos (os Essa efervescência artística e cultural teve seu
trabalhadores do campo que não possuíam terras), auge nos séculos XV e XVI e ficou conhecida como
nesse período de transformações surgiu um novo Renascimento.
grupo social, a burguesia.
Suas atividades econômicas abriram caminho Nova visão de mundo
para a transição do feudalismo para o capitalismo
e representaram novas possibilidades de ascensão Os pensadores renascentistas buscavam com-
social. preender de maneira racional a relação do ser hu-
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mano com a natureza. Quer dizer, a explicação do mundo não seria mais feita pelas “leis divinas”, ou seja,
pela vontade de Deus, mas pelas leis da natureza. Eles diziam que a matemática era a “linguagem da
natureza” e, portanto, a natureza poderia ser estudada e seus fenômenos demonstrados.
O pensamento foi deixando de ser exclusivamente teocentrista (a ideia de que Deus era o centro de
tudo) para se tornar antropocentrista (em que o ser humano era o centro das preocupações), mesmo com
o combate da Igreja às ideias consideradas contrárias aos dogmas religiosos. Um exemplo dessa mudança
de pensamento foi Galileu Galilei, pensador italiano que retomou entre os séculos XVI e XVII as polêmicas
teses de Nicolau Copérnico. Galileu, com o uso da luneta, sustentou a teoria de que era o Sol, e não a Terra,
o centro do universo.
Essa afirmação contrapôs um dos principais dogmas da Igreja, o geocentrismo (a ideia de que a Terra é
o centro do universo), e foi responsável pela condenação de Galileu, que, temendo a morte, foi obrigado
a renegar sua teoria. Nessa época, pensadores que contestaram os dogmas da Igreja foram julgados pelos
tribunais da própria Igreja, conhecidos como Tribunais do Santo Ofício ou Inquisição.
Nessa época, a capacidade de pensar era cada vez mais valorizada e a compreensão do mundo era
fruto do pensamento racional do ser humano.
Isso não significa que os homens do Renascimento eram antirreligiosos ou deixaram de acreditar em
Deus. Eles desejavam apenas valorizar a capacidade criativa do ser humano. Assim como o pensamento
greco-romano, eles enalteciam a dignidade humana, a beleza e o conhecimento. Por isso, esses pensado-
res do Renascimento eram chamados de humanistas.
No Renascimento, filósofos e pensadores da Antiguidade Clássica, como Aristóteles e Platão, foram
retomados, os manuscritos gregos e latinos foram estudados e suas ideias serviram de estímulo para a cria-
ção de novos saberes. A valorização das capacidades humanas coincidia com os ideais da burguesia, isto
é, do “novo homem” que surgia, que dependia de seus conhecimentos para garantir um lugar na antiga
sociedade medieval.
Nas artes, técnicas de desenho e pintura inovaram as representações ao criar:

• a perspectiva, que dava a ideia de tridimensionalidade às imagens, ou seja, uma ilusão de profundidade;

69

• os efeitos de luz e sombra, que davam volume às formas, tornando as imagens mais realistas.
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Além dos temas bíblicos e mitológicos, também A FORMAÇÃO DOS ESTADOS MODERNOS
surgiram os retratos, destacando a representação E O CAPITALISMO COMERCIAL
do burguês.
O capitalismo comercial e o mercantilismo Du-
rante a Alta Idade Média (séculos V a X), apesar de
existir o comércio, essa atividade não era o cen-
tro da vida econômica. A economia feudal estava
baseada, predominantemente, na atividade rural
para subsistência do feudo. Mas, no início da Baixa
Idade Média (séculos XI a XIII), quando a produção
agrícola passou a crescer, foi possível gerar exce-
dentes que podiam ser comercializados em merca-
dos e fora dos feudos. Isso fortaleceu o comércio
e impulsionou a transformação do sistema feudal.
Desde o final da Baixa Idade Média (séculos XIII
a XV), apontava-se para a formação de um novo
sistema econômico, baseado não mais na agricul-
tura de subsistência, mas nas relações mercantis e
na circulação de moedas.
Nesse contexto, os comerciantes passaram a
assumir uma importância cada vez maior na orga-
nização econômica da sociedade. A maioria deles
vivia em função das feiras, em torno das quais no-
vos centros urbanos surgiam, unindo-se às antigas
cidades em processo de expansão. Essas cidades
eram também chamadas de burgos, e seus habi-
tantes, de burgueses.
No início da Idade Moderna, esse momento de
grande desenvolvimento comercial, iniciado no fi-
nal da Idade Média, foi acompanhado e também
impulsionado por transformações no terreno polí-
tico. Isto é, em um processo que durou do século
70 XII até o século XVIII, as monarquias foram centrali-
zando seu poder político na unificação do governo
em determinado território, possibilitando a origem
Relevo decorativo hexagonal, parte de uma série dos Estados-nação – assunto que você estudará no
que descreve os praticantes das artes e das ciências. texto O absolutismo.
Museu da Ópera do Duomo, Florença (Itália). Para colocar em prática essa centralização, foi
essencial que os monarcas desenvolvessem formas
Na arquitetura, o estilo renascentista deu impor- de acumular riquezas para sustentar esses Estados.
tância ao projeto racional, pautado pela simetria Para isso, eles começaram a associar-se aos co-
e pelas formas geométricas, consideradas a base merciantes (burgueses), procurando alternativas
da beleza na época. Para as edificações, muitos de expansão econômica e enriquecimento, via
equipamentos e técnicas foram criados e desafios comércio. Assim, neste período, os Estados nacio-
foram superados em construções que marcaram a nais adotaram o absolutismo como sistema político
paisagem de várias cidades europeias, como Flo- e o mercantilismo como sistema econômico, com
rença, Milão e Roma, na Península Itálica. Assim, na o objetivo de concentrar o poder político e gerar
construção civil, o planejamento das obras ficou mais riqueza por meio do comércio.
sob a responsabilidade dos arquitetos. Mas o que era o mercantilismo? Qual era seu
objetivo? Como ele era praticado? O sistema mer-
cantilista era composto de um conjunto de práticas
econômicas, marcadas pela forte interferência dos
Estados nacionais, que buscavam se fortalecer e
enriquecer praticando atividades comerciais.
Assim, o sistema mercantilista se organizou no
período de transição do feudalismo para o capi-
talismo, momento em que houve o surgimento da
burguesia, o fortalecimento das cidades como en-
trepostos comerciais e o renascimento comercial
na Europa, quando as moedas voltaram a interme-
diar as trocas entre produtos e serviços. O ato de
comprar e vender tornou-se a principal atividade
econômica e o caminho para o enriquecimento
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da burguesia mercantil, isto é, aquela que tinha ao acúmulo de metais preciosos. Uma das formas
sua fonte de renda baseada no mercado ou no de influenciar a balança comercial era taxar os
comércio. produtos importados, tornando-os mais caros que
O mercantilismo é compreendido por alguns os nacionais e desestimulando a importação. Essa
economistas como a fase inicial do capitalismo, prática é chamada de protecionismo.
caracterizada pela acumulação de riquezas que Mas como conseguir vender muito para outras
possibilitaram o posterior desenvolvimento indus- regiões se todos os Estados tinham o mesmo obje-
trial. Por isso, esse sistema econômico é conhecido tivo? Criando monopólios comerciais. Os Estados
como capitalismo comercial. europeus passaram a dominar outros territórios – as
colônias – e as inseriram na lógica mercantilista.
Nessa relação, as colônias só podiam fazer co-
mércio com suas metrópoles, isto é, tanto a venda
de matérias-primas coloniais quanto a compra de
manufaturas deveriam ser feitas apenas entre a co-
lônia e a sua respectiva metrópole.

#FicaDica
Monopólio
Privilégio concedido a um indivíduo,
grupo, empresa, ou mesmo a um gover-
no, para explorar um determinado tipo
de atividade econômica, como a fabri-
cação ou a venda de uma mercado-
ria, a realização de um tipo de serviço,
entre outras atividades. O monopólio se
tornou um elemento importante para o
desenvolvimento do capitalismo e o en-
riquecimento da burguesia.

Era o exclusivo comercial metropolitano. As


colônias abasteciam os mercados metropolitanos,
que revendiam os produtos aos mercados estran- 71
Por estarem em processo de consolidação do geiros na Europa por preços muito mais altos. Outra
poder, as monarquias que governavam os novos estratégia do Estado-nação para influenciar a ba-
Estados nacionais precisavam de uma economia lança comercial era incentivar a produção manu-
forte, que lhes garantisse o sustento da burocra- fatureira, voltada a abastecer o mercado interno
cia estatal e do exército, a participação em novos e, desse modo, diminuir a dependência de produ-
empreendimentos de exploração comercial e o fi- tos provenientes do exterior. Esse processo se aliava
nanciamento de guerras. A ideia de riqueza que ao protecionismo, que criava barreiras à entrada
vigorava naquele contexto estava baseada no de bens importados.
acúmulo de metais preciosos (especialmente ouro Mas o que era a manufatura? Como ela trans-
e prata). formou o modo de produção e a vida dos traba-
Quanto mais moedas um Estado tivesse circu- lhadores na Europa? A manufatura apareceu no
lando em seu território ou guardadas no tesouro século XV e, segundo muitos historiadores, foi a pri-
nacional, mais rico e forte ele era considerado. meira forma de produção capitalista.
Conhecida como metalismo, essa ideia norteava a
política econômica implantada pelas monarquias
absolutistas, que interferiam diretamente na manei-
ra como o comércio deveria acontecer.
Para atingir seu objetivo de acumulação de ri-
quezas, os Estados tinham de adotar práticas mer-
cantilistas que favorecessem a entrada de moedas
em seu território. Para conseguir isso, vendiam mui-
tos produtos para o mercado externo. Surgia, en-
tão, a concepção de exportar para outros locais
o máximo de mercadorias possível, evitando, ao
mesmo tempo, a importação, ou seja, a compra
de produtos vindos de fora.
A ideia principal dessa relação entre importa-
ção e exportação era fazer entrar no território mais
moedas do que saíam. Com isso, o Estado teria
uma balança comercial favorável, que o levaria
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Foi construída a partir de uma nova forma de como os ducados, condados e marquesados, que
organização do trabalho, em que artesãos, ante- eram territórios governados por nobres feudais. Por-
riormente isolados em suas oficinas, foram reunidos tanto, não havia os países como existem hoje.
em um mesmo local, trabalhando juntos, de forma Atualmente, o mundo está organizado em paí-
padronizada e em série, sob as ordens do proprie- ses, que também podem ser chamados de Estados
tário das ferramentas e das matérias-primas. Essa nacionais. Esses Estados, por meio de seus diferen-
nova forma de organização da produção desen- tes governos, desempenham várias funções e ativi-
volveu-se muito com o surgimento da divisão do dades, como: zelar pelo direito de seus cidadãos,
trabalho nos estabelecimentos manufatureiros. organizando a justiça e a segurança; investir em
Essa divisão do trabalho em diversas atividades infraestrutura pública (transporte, comunicação,
mais simples possibilitou a especialização dos tra- energia); oferecer saúde, educação e saneamen-
balhadores em determinadas partes do processo to básico à população; preservar o meio ambiente;
de produção, viabilizando a introdução de novas manter as fronteiras seguras; cuidar das relações di-
ferramentas que agilizavam o trabalho. Como resul- plomáticas com outros países; e discutir e elaborar
tado, a produtividade cresceu – passou-se a produ- as políticas públicas.
zir mais em menos tempo –, mas aos trabalhadores Os países, ou Estados nacionais, são compostos
couberam tarefas mais repetitivas e simplificadas. de um Estado (poder político), uma nação (deter-
Uma das consequências dessa nova organiza- minada pelos grupos sociais que vivem no país) e
ção da produção é que o artesão, que antes co- um território (espaço determinado). Mas essa for-
nhecia todas as etapas da fabricação do produto, ma de organizar o Estado e essa definição atual
passou a conhecer apenas uma, pois as demais de suas funções são, de uma perspectiva histórica,
tarefas passaram a ser atribuídas a outros traba- bastante recentes.
lhadores. O trabalhador deixou, portanto, de ter Foi na Idade Moderna que nasceram os Estados
a compreensão do processo de trabalho em seu nacionais, que mais tarde formaram países, como
conjunto. Ele se tornou parte de uma engrenagem França, Inglaterra, Portugal e Espanha. Antes disso,
mais ampla, na qual a produção e o produto final ao longo do período medieval, o poder político
não eram mais seus e não dependiam mais somen- permaneceu nas mãos da nobreza. Ela governa-
te dele, mas representavam o resultado de um tra- va suas propriedades, e seu poder poderia ser mais
balho coletivo e organizado pelo proprietário. Por abrangente ou mais fragmentado, dependendo
exemplo, se anteriormente o artesão deveria deter das disputas sucessórias que dividiam os territórios
o conhecimento para produzir um sapato desde a entre os nobres.
concepção até a execução final, depois o traba- A partir do século XII, as monarquias, com o
72 lhador se tornou um “especialista” apenas em co- apoio da burguesia, foram centralizando seu po-
locar pregos na sola do sapato. der e unificando o governo em territórios cada vez
Com isso, ficou mais fácil substituir um trabalha- maiores. Foi esse processo que deu origem aos Es-
dor por outro, devido à simplicidade da tarefa a tados nacionais. Como visto no Volume 1, a terra
ser executada, possibilitando a diminuição do seu deixou de ser o centro da vida econômica, dando
pagamento. lugar ao comércio, que se expandia e se tornava
uma grande fonte de riqueza. A burguesia, que fi-
cava cada vez mais poderosa economicamente
por causa do comércio, necessitava de transfor-
mações políticas para continuar sua expansão.
E por quê? Durante o feudalismo, havia muitas
guerras entre a nobreza, o que gerava insegurança
para a livre circulação de mercadorias e prejudica-
va, portanto, o comércio. Além disso, cada senhor
feudal cobrava uma série de impostos sobre as
mercadorias dos burgueses e cunhava a sua pró-
pria moeda, atrapalhando o comércio.
Nesse sentido, interessava à burguesia que hou-
vesse um governo centralizado, capaz de prote-
ger a propriedade e dar segurança à circulação
de mercadorias em todo o território sobre o qual
governasse. Além disso, para a burguesia era im-
portante que existisse uma unificação da econo-
mia com uma única moeda válida e somente uma
O absolutismo instituição cobradora de impostos em um mesmo
território.
A Europa, durante a Antiguidade e a Idade Mé- Foi assim que a burguesia passou a usar seu po-
dia, esteve organizada de diferentes maneiras – em der econômico para fortalecer o rei, ajudando-o a
cidades-estado (a pólis grega), em impérios (como centralizar seu poder político, de forma a unificar
o Romano e o Carolíngio), em reinos (como os dos a economia por meio da unificação político- -terri-
francos e dos anglo-saxões) e em divisões menores, torial, que acabaria por dar origem ao Estado na-
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cional. po social com importante poder econômico, con-


O rei, então, passou a exercer seu poder de for- cedendo suporte ao poder centralizado do rei.
ma independente dos senhores feudais, tornando- Isso obrigava os reis a contemplar também os
-se o soberano absoluto do território que governa- interesses burgueses, ainda que os burgueses não
va. Para isso, ele passou a contar com um exército tivessem poder político nem os privilégios concedi-
permanente e com uma burocracia estatal que o dos somente à nobreza.
auxiliava a colocar em prática suas resoluções. Além do mais, as necessidades da burguesia in-
Diferentemente da forma de exercer o poder teressavam igualmente ao Estado. Em um contexto
político no período medieval, o Estado moderno econômico de consolidação do capitalismo – e de
passou a organizar regras mais gerais de aplicação crise do feudalismo –, os reis tornaram-se, ao lado
das leis e das medidas de governo, isto é, passou a da burguesia, financiadores de empreendimentos
criar leis que valiam para todo o território. Esse pro- comerciais, buscando participar dos lucros que as
cesso se consolidou de forma bastante lenta, mas atividades mercantis proporcionavam e, assim, fa-
possibilitou a ampliação do poder do governo para vorecer o fortalecimento do poder real e o enrique-
controlar as relações entre pessoas dentro dos limi- cimento do Estado nacional.
tes geográficos do Estado.
Com isso, o monarca passava a governar para
todos os seus súditos, não apenas de acordo com
os interesses dos nobres. Outra mudança se deu
em relação ao exército. Se antes as forças militares
eram particulares e dependiam dos cavaleiros no-
bres, agora o exército era do rei, pago pelo Estado,
e devia proteger todos que viviam no seu território.
O poder da Igreja também passou a se subor-
dinar ao poder do rei. Houve a implantação de um
sistema fiscal e tributário, com crescente arrecada-
ção de impostos, imprescindíveis à manutenção
da estrutura estatal, como o pagamento dos fun-
cionários públicos e dos soldados.
A consolidação dos Estados-nação na maior
parte da Europa durou oito séculos e contou com
a criação de leis e símbolos para cada nação. Um exemplo dessa parceria foi a realização das
Desse modo, esses Estados forjaram suas pró- grandes navegações, viagens comerciais financia- 73
prias identidades. Fazem parte desse processo a das pelo Estado. Assim, o rei garantia os privilégios
adoção dos idiomas nacionais e a criação de ban- aristocráticos e, ao mesmo tempo, contemplava os
deiras, hinos, moedas e sistemas de pesos e medi- interesses econômicos da classe burguesa mercan-
das. Os primeiros Estados modernos foram organi- til e manufatureira. Com o tempo, a burguesia exi-
zados com base nas monarquias nacionais, tendo giria não só que seus interesses econômicos fossem
o absolutismo como forma de governo, no qual o contemplados, mas que também pudesse gover-
rei governava de forma soberana e absoluta. Ele nar e deter o poder político.
não dividia seu governo nem devia satisfações a
ninguém; o rei era a lei. As reformas religiosas na Europa
As monarquias absolutistas marcaram o perío-
do denominado Antigo Regime (séculos XV a XVIII). Movimentos protestantes O cristianismo se ex-
O absolutismo não se instalou da mesma maneira pandiu a partir da Palestina, no Oriente Médio, du-
em todos os Estados modernos europeus – como rante o período de dominação romana (do século
Portugal, Espanha e França. No entanto, apesar I ao V), para outras regiões, graças ao trabalho de
das particularidades de cada Estado, havia carac- evangelizadores que divulgaram a doutrina cristã
terísticas comuns a essas monarquias absolutistas. juntamente a ações de caridade e de auxílio es-
Inicialmente, o poder dos reis foi justificado como piritual.
sendo uma “vontade de Deus”. O rei era, portanto, A religião ganhou muitos adeptos em sua ex-
a maior autoridade na sociedade. pansão pelos antigos territórios do Império Romano,
O poder real era hereditário, soberano e, na pois se propunha universal – aberta a todos, sem
maioria dos casos, não dependia de um parlamen- distinção – e igualava todos os seguidores, qual-
to, embora o monarca pudesse indicar um para quer que fosse sua origem social.
auxiliá-lo. As monarquias absolutistas garantiram a No século IV, mais de trezentos anos depois da
continuidade do poder da nobreza, como no pe- morte de Jesus Cristo, o imperador romano Cons-
ríodo medieval. Os principais cargos e funções do tantino converteu-se ao cristianismo, que, em 391,
Estado eram ocupados pela nobreza, gerando o tornou-se a religião oficial do Império. A partir de
fortalecimento político desse grupo. Porém, os reis então, a Igreja começou a assumir feições impe-
não governavam apenas pensando na manuten- riais, com hierarquia, territórios e exércitos próprios.
ção dos privilégios da aristocracia feudal, pois, Desse modo, ela se aproximou, cada vez mais, dos
como já visto antes, a burguesia tornara-se um gru- poderes mundanos (relativos ao mundo material
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e sensorial, e não ao mundo religioso) e começou que a salvação da alma era obtida sem a necessi-
a se espalhar por toda a Europa, muitas vezes por dade de boas ações; bastava acreditar na própria
meio da força e não só da caridade e da ajuda fé. Já os calvinistas entendiam que a salvação da
espiritual. alma era predestinada por Deus, ou seja, os seres
Com a queda do Império Romano do Ociden- humanos já nasciam destinados a serem salvos ou
te e o início da Idade Média na Europa, a Igreja, condenados – o sucesso pessoal e profissional seria
graças ao trabalho de conversão dos povos ger- o sinal da escolha divina.
mânicos que haviam invadido o Império, não só so- Essa ideia tornou possível o desenvolvimento
breviveu como passou a ser a principal instituição de uma nova ética (novos valores) em relação ao
espiritual do continente, perseguindo e eliminando mundo do trabalho. Para os calvinistas, a prosperi-
as demais crenças e religiões. dade era bem vista, e o lucro e a riqueza não eram
Entre o final do século XV e no início do XVI, condenados, ao contrário do que acreditavam os
no contexto do renascimento comercial e urbano católicos. Portanto, trabalhar muito e prosperar era
(que você estudou no Volume 1), muita riqueza foi também uma maneira de se aproximar da benção
produzida, mercadorias de luxo e produtos exóticos divina.
podiam ser comprados, e a elite burguesa e a no- É importante destacar que, para os calvinistas,
breza reuniam-se em torno de interesses comuns. trabalhar e ter sucesso eram situações diferentes e
Nesse cenário de luxo e riqueza, havia dentro da opostas à “vida mundana” que criticavam em rela-
Igreja uma parcela de religiosos do clero que foi ção a alguns sacerdotes da Igreja Católica. Isto é,
acusada de se distanciar dos fundamentos da reli- os calvinistas defendiam o trabalho como forma de
gião cristã, preocupando-se mais com os prazeres louvar a Deus e praticar a fé, mas se opunham ao
mundanos e em interferir na política e na econo- luxo e à ostentação.
mia dos diferentes Estados, de maneira a privilegiar Muitos católicos, no entanto, não acolhiam os
os interesses do alto clero. protestantes, vistos como hereges por questiona-
Muitos nobres e comerciantes (a burguesia) rem os dogmas da Igreja Católica. Além disso, na
estavam descontentes com essa interferência da medida em que países em guerra aderiam a reli-
Igreja. Além disso, as ideias humanistas desenvolvi- giões protestantes, reforçava-se a intolerância en-
das durante o Renascimento ofereciam subsídios tre os diferentes tipos de cristãos.
para a crítica à teologia cristã, tal como pregada Com isso, muitos embates religiosos acontece-
na época. Foi nesse contexto que aconteceu a Re- ram na Europa, como o Massacre da Noite de São
forma Protestante, iniciada por Martinho Lutero, um Bartolomeu na França, em 1572, quando católicos
monge e professor de teologia da Saxônia (parte dizimaram milhares de protestantes (chamados na
74 da atual Alemanha). França de huguenotes), ou a perseguição aos ca-
As opiniões defendidas por Lutero propunham tólicos na Inglaterra pelo rei Henrique VIII, que rom-
uma reforma interna da Igreja Católica e, por cau- peu com a Igreja Católica em 1534, criando sua
sa de seus protestos contra o que vinha ocorrendo própria igreja protestante, a Igreja Anglicana.
na Igreja, acabou rompendo com a instituição e Essa ruptura resultou em morte e fuga de mui-
criando uma nova corrente cristã, o protestantismo. tos católicos, confisco de terras da Igreja Católica
Com esse rompimento, foi dado o primeiro pas- e dos nobres católicos e destruição de templos e
so para a liberdade religiosa de interpretação das bibliotecas monásticas.
escrituras sagradas e do próprio dogma cristão. A
partir de então, inúmeras religiões protestantes sur-
giram pela Europa. Entre as mais importantes estão
o luteranismo (fundada por Lutero) e o calvinismo
(fundada por João Calvino).
As religiões protestantes defendiam algumas
ideias em comum, como a oposição à venda do
perdão aos pecados. Essa prática era chamada
de indulgência e era feita frequentemente pela
Igreja Católica na época. Além disso, as religiões
protestantes defendiam que os cristãos eram
iguais, portanto negavam a santidade do papa e
de membros do clero e diziam que não havia ne-
cessidade de intermediários entre Deus e seus fiéis,
o que significava retirar o poder da Igreja em tradu-
zir a palavra divina.
Dessa forma, cada um poderia interpretar livre- O século XVI marcou, então, uma ruptura inter-
mente as sagradas escrituras, mas isso não dispen- na na cristandade, com religiões que traçaram ca-
sava, em muitas religiões protestantes, a existência minhos diferentes (protestantes e católicos) a partir
de um sacerdote. de uma base cristã comum.
Apesar dessas características em comum, as
religiões protestantes tinham diferenças importan-
tes entre si. Os luteranos, por exemplo, defendiam
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A Contrarreforma ou Reforma Católica O MUNDO EM REVOLUÇÃO: TRANSFORMAÇÕES


SOCIAIS E POLÍTICAS NOS SÉCULOS XVIII E XIX
A Igreja Católica reagiu à Reforma Protestante
com uma reforma interna. Esse movimento de re- O capitalismo e as primeiras fábricas Na Unida-
pensar algumas práticas dos religiosos e reafirmar de 1 deste Volume você viu que a atividade comer-
os fundamentos católicos ficou conhecido como cial substituiu a agricultura como centro da econo-
Contrarreforma, ou Reforma Católica. Entre 1545 mia na Europa ao longo do século XV, inaugurando
e 1563, ocorreu o Concílio de Trento, uma reunião a primeira fase do capitalismo: a comercial.
das autoridades católicas que decidiu impor me- No século XVIII, o capitalismo sofreu mudanças
didas moralizantes que renovassem a imagem da e transformou o mundo ao seu redor. Essas mudan-
Igreja e a reaproximasse de seus fiéis. Incapaz de ças impulsionaram o início de uma nova fase desse
conter a adesão às novas religiões, os católicos sistema: o capitalismo industrial. A partir desse mo-
buscaram reforçar a disciplina dos padres – exigin- mento, o controle da economia passou dos comer-
do que cumprissem o celibato e o voto de pobreza ciantes aos grandes industriais, donos dos meios de
– e tentaram impedir os abusos que alguns deles produção, como as máquinas e as fábricas.
cometiam, como a venda de indulgências, que foi, A Revolução Industrial, como é conhecido esse
então, proibida. Também foi reafirmada a autorida- processo, foi fruto de um longo período de transfor-
de do papa e o caráter sagrado do clero católico. mação das relações sociais de produção. Iniciada
Criada no século XIII, a Inquisição, como ficaram na Inglaterra, ela se espalhou, nos séculos seguin-
conhecidos os Tribunais do Santo Ofício, buscava tes, para outros países da Europa e do mundo.
reprimir práticas consideradas heréticas, isto é, não Mas o que significou a Revolução Industrial para
católicas. Assim, no contexto da Contrarreforma, as sociedades humanas? Por que ela começou na
ela voltou a agir em nome da fé católica. Muitas Inglaterra? Quais foram os principais setores econô-
vezes, os acusados eram interrogados e, a fim de micos atingidos por essa revolução? Quais foram as
confessarem seus pecados, eram torturados. Além modificações no processo de trabalho e nas condi-
de sofrerem castigos físicos e psicológicos, podiam ções de vida dos trabalhadores?
ser banidos da sociedade (excomungados) ou até
mesmo condenados à morte na fogueira.

75

Durante a década de 1780, a Revolução In-


dustrial surgiu na Inglaterra. Tratou-se de uma gi-
gantesca alteração na capacidade produtiva
das sociedades humanas. Tornou-se possível uma
multiplicação rápida e contínua na produção de
mercadorias.
O ponto de partida da Revolução Industrial se
deu na indústria têxtil, seguida pela construção das
ferrovias e pelo desenvolvimento da indústria pe-
sada. Esse processo começou na Inglaterra, pois o
país reunia certas condições que incentivaram a
transformação. A busca pelo lucro havia se torna-
do o principal motivo das atividades econômicas.
Houve também importantes mudanças na agri-
cultura, provocadas pelo cercamento das terras
comuns, que teve base em leis que determinaram
a expulsão dos camponeses de suas terras. As ter-
ras comuns foram incorporadas por grandes pro-
prietários privados e destinadas à pastagem de
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ovelhas para a produção de lã, material utilizado produção, como viria a ocorrer no capitalismo.
pela nascente indústria têxtil. Durante muito tempo,
enquanto os camponeses ainda podiam utilizar as Em geral, um artesão que produzia um sapato
terras comuns para produzir, a agricultura foi essen- cuidava de todas as etapas do processo: corte e
cialmente uma atividade de subsistência. tratamento do couro, criação do solado, colagem
Com os cercamentos, eles foram forçados a mi- e polimento. Isso significa que o sapato era feito
grar para as cidades, processo que se intensificou por uma só pessoa que dominava todas as etapas
nos séculos XVII e XVIII. Os camponeses, sem recur- da produção. Entre os séculos XVI e XVIII, houve
sos nem propriedades para montar seus próprios um período de transição, da produção artesanal,
negócios, tiveram de vender sua força de trabalho predominante na Idade Média, para a produção
em troca de um pagamento, tornando-se, assim, industrial, que se desenvolveu na Inglaterra.
trabalhadores assalariados. Essa crescente oferta Esse período intermediário é baseado na pro-
de trabalhadores estimulou a expansão da econo- dução manufatureira, na qual vários trabalhado-
mia industrial. Portanto, esse foi um dos elementos res, sob o controle de um mesmo capitalista, eram
importantes para o início do processo de industriali- reunidos em uma oficina para a produção de um
zação da Inglaterra. bem. Foi a manufatura que introduziu a divisão do
Além dessas mudanças, também ocorreram trabalho no sistema de produção. Os artesãos, que
transformações no processo produtivo. Houve um antes faziam o produto por inteiro, passaram a tra-
significativo avanço tecnológico que levou ao balhar com outros artesãos em uma oficina, onde
aperfeiçoamento das máquinas e ao aumento da cada um cuidava de uma parte da produção.
produção. Com a expansão da atividade indus- Assim, produzia-se mais rápido. No exemplo do
trial, o maquinário passou a ser concentrado na fá- sapato, o processo produtivo foi fracionado: um
brica, espaço no qual os trabalhadores eram reuni- cortava o couro, outro juntava o couro com pregos
dos para trabalhar como operadores de máquinas. ou cola, um terceiro fazia o polimento e um quarto
A concentração do operário na fábrica foi es- botava os cadarços. No capitalismo, o trabalhador
sencial para que o proprietário estabelecesse uma se tornou responsável apenas pela realização de
disciplina para o trabalho e passasse a determinar uma tarefa específica, com operações iguais e re-
o controle de seu tempo. Esses fatores também petidas, simplificando o seu trabalho e tornando-o
contribuiram com a Revolução Industrial. mais rápido.
Outra importante inovação técnica da Revo- Com isso, o trabalhador podia ser substituído
lução Industrial que ocorreu na indústria têxtil foi com mais facilidade. Afinal, não é qualquer pessoa
a máquina a vapor rotativa, de James Watt. Essa que sabe fazer um sapato inteiro, mas a grande
76 máquina elevou significativamente a produtivi- maioria é capaz de enfiar cadarços nele. Como
dade na indústria de tecidos utilizando o carvão o trabalhador poderia ser facilmente substituído, o
como combustível. O carvão foi a principal fonte valor do seu trabalho era menor do que o de um
de energia industrial do século XIX e também um artesão, o que contribuiu para que cada trabalha-
importante combustível doméstico. A necessidade dor recebesse um salário mais baixo. Essa crescen-
de transportar o carvão das minas para a indústria te divisão do trabalho acentuou-se na Revolução
têxtil influenciou o desenvolvimento das ferrovias, Industrial que, como foi visto, ocorreu a partir da
que constituíram um estímulo importantíssimo para década de 1780. A grande mudança em relação
o crescimento de outros setores industriais, como o ao período manufatureiro é que ocorreu uma revo-
do ferro. lução nos meios de produção.
O crescimento da produção industrial na Ingla-
terra foi gigantesco nesse período. Uma das ima- O lucro e o modo de produção capitalista
gens mais representativas das mudanças que a in-
dústria causou no ambiente urbano daquela épo- Mas como essa forma de produzir pode gerar
ca é a que mostra as cidades com indústrias e suas mais lucros para o capitalista? Mesmo tendo pro-
chaminés, que saturavam o ar de fumaça preta, duzido algo que possua certo valor no mercado,
resultado da queima de carvão. os trabalhadores só vão receber como salário uma
Isso causava uma série de doenças respiratórias pequena parte do valor produzido. O restante fará
que afetavam os trabalhadores e os moradores dos parte do lucro do capitalista, que poderá investi-lo
centros urbano-industriais. A partir da Revolução In- em sua fábrica, ampliando seu capital. Toda rique-
dustrial, os problemas ambientais se intensificaram za que existe só pode ser gerada por meio do tra-
e são hoje uma grande preocupação mundial. balho, pois é ele que transforma uma matéria-pri-
ma, um recurso natural ou um conhecimento em
O processo de trabalho no modo de produção um produto ou serviço a ser vendido.
capitalista: da manufatura à Revolução Industrial Dessa forma, mesmo que o dono da fábrica de
sapatos junte o couro, a cola, o fio do cadarço, a
Nas oficinas de produção da Idade Média não tesoura e a máquina de costurar em uma sala, não
havia proprietários e empregados, mas mestres e lucrará nada com isso, até que alguém trabalhe e
aprendizes. Nelas, uma pessoa mais experiente transforme tudo isso em um sapato para ser comer-
deveria ensinar e cuidar da qualidade do que foi cializado. Assim, para ter lucro, o capitalista precisa
produzido. Entretanto, não existia uma divisão da comprar todos os materiais necessários para fabri-
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car uma mercadoria, as ferramentas para traba- até mulheres grávidas tinham a mesma carga ho-
lhá-los e a força do trabalho de alguém. rária que os outros trabalhadores. A maioria dos pa-
A fim de obter lucro, o capitalista (o proprietá- trões contratava um número maior de mulheres e
rio do negócio) tem de vender sua mercadoria por crianças, pois elas recebiam um salário menor que
um determinado valor. Para isso, o primeiro passo o dos homens adultos. Não havia uma legislação
é saber quanto vai gastar com os materiais, as fer- que regulasse as condições de trabalho. O objetivo
ramentas ou máquinas e os salários dos trabalha- de tudo isso era aumentar o lucro dos capitalistas.
dores. No século XIX, a grande exploração a que os tra-
No exemplo da fabricação de sapatos, o valor balhadores eram submetidos resultou na criação
do sapato será igual à soma do valor do couro, da de associações operárias, que começariam a con-
cola, do fio do cadarço, da tesoura, da máquina testar a exploração nas fábricas. Ocorreram muitas
de costurar e do trabalho do empregado. Portan- greves e conflitos, que resultaram na elaboração
to, o trabalho é que dá o valor ao produto fabrica- de leis que estipularam regras para o trabalho as-
do. Esse valor, o do produto final, é sempre maior salariado.
do que a simples soma dos valores dos materiais e
ferramentas, pois nele consta também o valor do A INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS DA
trabalho realizado pelo empregado. AMÉRICA E A REVOLUÇÃO FRANCESA
O nome disso é trabalho incorporado. E o lucro
do capitalista, como se dá? Segundo o exemplo O liberalismo e a independência estadunidense
da fabricação de sapatos, imagine que o sapato Se a Revolução Industrial representou o triunfo do
seja vendido a R$ 50,00. Se os meios de produção capitalismo no âmbito econômico, a independên-
(o couro, a cola, o fio do cadarço, a tesoura, a cia dos EUA e a Revolução Francesa contribuíram
máquina de costura) custaram juntos R$ 20,00, en- para a consolidação do projeto burguês no âmbito
tão sobraram R$ 30,00. O trabalhador recebe uma político e ideológico.
parte disso na forma de salário (por exemplo, R$ A corrente de ideias econômicas, políticas e
10,00). A outra parte é o lucro do dono da fábrica filosóficas que embasou esse projeto chama-se li-
(R$ 20,00). beralismo. O liberalismo é uma ideologia burguesa,
Portanto, quanto mais trabalhadores, mais pro- quer dizer, constitui um conjunto de ideias formula-
dução e maior o lucro para o capitalista, mas o tra- das com base nos interesses e valores da burguesia.
balhador continuará ganhando R$ 10,00. Isso gera O liberalismo expressa princípios e teorias polí-
grandes diferenças entre as duas classes. Assim, o ticas que têm como ponto principal a defesa da
tempo do trabalhador foi dividido em duas partes: propriedade privada e das liberdades civis, políti-
uma para produzir o valor que pagará seu salário e cas e econômicas. 77
a outra para gerar o lucro do dono da fábrica. Os primeiros pensadores liberais surgiram na In-
E por que o dono da fábrica pode se apropriar glaterra do século XVII, em um contexto de trans-
assim do trabalho de seu funcionário? Porque ele formações políticas (com o fim do absolutismo na
é o proprietário de tudo: dos meios de produção e Inglaterra e o deslocamento do poder político para
também do próprio trabalho do seu empregado, já o Parlamento) e econômicas (como o desenvolvi-
que é ele quem paga os salários. O empregado só mento do capitalismo inglês já a caminho da Revo-
se submete a isso porque não é dono de nada, a lução Industrial). Essas transformações favoreceram
não ser do seu próprio trabalho. o surgimento das ideias liberais.
Por isso, pode-se dizer que a propriedade priva- Entre os principais representantes do pensa-
da dos meios de produção é a fonte do lucro e da mento liberal inglês estão John Locke e Adam Smith.
exploração do trabalho no capitalismo. Ou, ainda, Para Locke, todos os seres humanos nascem iguais
é possível afirmar que o lucro é a diferença entre o e vão se diferenciando conforme suas experiências
que o capitalista gasta para produzir (incluindo o de vida, diretamente relacionadas à sua condição
valor pago ao trabalhador e os demais custos de social. Esse pensamento entrava em choque com
produção) e o valor da mercadoria produzida. Esse as ideias que sustentavam as monarquias absolutis-
processo, do qual o capitalista obtém o lucro, cha- tas da Europa, que defendiam a superioridade dos
ma-se mais-valia e é a forma de enriquecimento do reis e nobres diante das outras pessoas.
capitalista. No pensamento desenvolvido por Locke, se
Para aumentá-la, ele precisa pagar menos aos todos nascem iguais, também têm direitos iguais.
trabalhadores e, sempre que possível, fazê-los pro- Nesse sentido, todos os seres humanos teriam direi-
duzir mais. to à propriedade, que deveria ser protegida legal-
mente inclusive de interferências de autoridades.
As condições de trabalho nas fábricas Já Smith defendia a maior liberdade individual
possível nas relações econômicas, pois considera-
As condições de trabalho nas primeiras fábricas va que a livre competição e a livre concorrência
eram as piores possíveis. As jornadas de trabalho se no mercado representavam o melhor caminho
estendiam por até 18 horas diárias e erros cometi- para o desenvolvimento econômico. Segundo ele,
dos pelos trabalhadores durante o processo produ- os mais competentes para oferecer aos consumi-
tivo podiam ser punidos com castigos físicos. Muitas dores o que eles queriam e para produzir os melho-
crianças, que chegavam a ter 8 anos de idade, e res produtos e serviços sobreviveriam; os demais se-
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riam extintos. Por isso, ele se opunha ao monopólio, Como o desenvolvimento do pensamento ilumi-
ou seja, ao fato de que somente um país, pessoa nista se relaciona com o processo de independência
ou empresa pudesse explorar uma determinada dos EUA?
atividade econômica.
Para ele, quanto menor fosse a intervenção do O pensamento iluminista estava relacionado à
governo, melhor estaria a sociedade. Outra escola lógica dos interesses da burguesia. Desse modo, a
filosófica que, apesar de não ser liberal, contribuiu livre competição, bem como a defesa da proprie-
para a consolidação do pensamento político dos dade e da liberdade, eram importantes aliados da
revolucionários estadunidenses e franceses foi o ilu- expansão do capitalismo, uma vez que a amplia-
minismo francês. ção do capital e dos lucros dependia também de
Entre seus principais representantes estão Jean- as empresas terem cada vez mais possibilidades de
-Jacques Rousseau, que reforçou a ideia de que ampliarem seus negócios sem barreiras.
todos os seres humanos nascem livres e que para Além disso, a liberdade dos indivíduos e o de-
viver em sociedade devem estabelecer um contra- senvolvimento do capitalismo se chocavam com a
to social baseado no interesse comum; e Montes- falta de liberdade das colônias da América inglesa,
quieu e Voltaire, que defendiam o uso da razão, do que eram dominadas pela lógica do monopólio da
conhecimento e da ciência para a compreensão metrópole sobre a colônia.
da realidade. Os colonos não eram livres para negociarem
Eles defendiam também princípios de igualda- com quem quisessem e deveriam seguir sem con-
de e de liberdade, condenando a escravidão e a testar as regras impostas pela metrópole. Antes da
dominação colonial. Afinal, como poderiam existir independência, os EUA eram formados por 13 colô-
escravos se todos nascem livres e iguais em direi- nias inglesas espalhadas no leste do atual território
tos? Na prática, o iluminismo estava diretamente estadunidense.
ligado à superação das estruturas feudais. Nas colônias do sul, predominava a economia
Algumas de suas formulações estavam com- agrícola baseada no trabalho escravo e no sistema
prometidas com os interesses da burguesia e pode- de monocultura, produzindo principalmente taba-
riam ser sintetizadas nos seguintes princípios: co, algodão, índigo (uma tintura com tonalidade
azulada) e arroz.
• individualismo: o ser humano existe primeira- Era um modelo de produção agrícola pare-
mente como indivíduo livre, que tem direitos cido com aquele das colônias espanholas e da
naturais e independentes da posição de cada colônia portuguesa na América. Já na chamada
um na sociedade; região central, prevaleciam as atividades urbanas
78 • liberdade individual, política e econômica: os e comerciais. Nas colônias do norte, região deno-
seres humanos nascem livres por natureza, ten- minada Nova Inglaterra, desenvolviam-se a pesca
do cada um o direito de se desenvolver como e a produção de alguns manufaturados, além do
indivíduo e prosperar economicamente. Nesse comércio
sentido, os direitos à livre expressão e à asso- As várias colônias, apesar das diferenças nas
ciação dos indivíduos devem estar garantidos. formas de organização econômica e social, uni-
A liberdade política significa poder participar ram-se contra a metrópole britânica nas décadas
das decisões sobre a pública, comum a todos, de 1760 e 1770, época em que a Inglaterra tentou
impor às suas colônias novos impostos que contri-
seja de forma direta, ingressando na política,
buíssem para recuperar as finanças do reino. Um
seja de maneira indireta, votando para esco-
exemplo foi a Lei do Chá, criada em 1773, que de-
lher seus representantes. Já a liberdade eco-
finia que todo o comércio de chá, uma bebida po-
nômica significa deixar que o mercado regule
pular entre os ingleses, deveria ocorrer por meio de
a economia (livre mercado) por meio da lei comerciantes britânicos.
da oferta e da procura, diminuindo a partici- Para tanto, a metrópole criou um monopólio
pação do Estado; que impedia a livre concorrência, defendida pe-
• igualdade perante a lei: para os iluministas los liberais. Essas medidas reforçaram o desejo de
(pensadores do iluminismo), os seres humanos muitos colonos, especialmente o de negociantes e
nascem livres e iguais, não devendo haver pri- comerciantes, de não mais terem de prestar contas
vilégios de uns sobre outros. A igualdade, en- à metrópole.
tretanto, refere-se aos direitos, ou seja, as pes- Nesse contexto, ganharam força nas colônias
soas nascem livres e iguais em direitos. inglesas os escritos iluministas e liberais que defen-
diam a liberdade, a livre concorrência e o fim do
Isso não significa que todos serão sempre iguais, monopólio e da dominação colonial. Em 1776, em
pois existiriam aqueles que alcançariam maiores 4 de julho, os colonos optaram pela ruptura defini-
conquistas tornando-se mais ricos, assim como os tiva ao divulgar a Declaração de Independência.
que herdariam essa riqueza. A todos, entretanto, Assim, as colônias britânicas transformaram-se nos
deveriam ser garantidos os mesmos direitos, por lei, Estados Unidos da América.
para competir na sociedade. A decisão de se separar da metrópole deu iní-
cio à Guerra de Independência, que só terminou
em 1783, quando a Inglaterra reconheceu a inde-
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pendência das colônias revoltosas. Entre as lideran- com a ocorrência de más colheitas, que elevaram
ças intelectuais do movimento de independência o preço dos alimentos e espalharam a fome pelo
estavam Thomas Jefferson e Benjamin Franklin, que reino. Como resultado, o desemprego chegou a ní-
se tornaram também porta-vozes do pensamento veis muito altos.
iluminista. A crise obrigou o rei a buscar uma solução
negociada. Para isso, convocou a reunião dos Es-
tados-Gerais, na qual todos os três estados foram
chamados a discutir e a apresentar soluções para
os problemas franceses. Os representantes do ter-
ceiro estado propuseram que a reunião fosse con-
vertida em uma Assembleia Nacional Constituinte,
com o propósito de criar uma Constituição para a
França e diminuir o poder do rei absolutista Luís XVI.
O conflito com o rei agravou-se no período que
se sucedeu, uma vez que não foram feitas conces-
sões para melhorar as condições de vida de mi-
lhões de camponeses e dos desempregados nas
cidades francesas, e a reforma tributária, exigida
pela burguesia, não era admitida pela nobreza,
que temia perder seus benefícios.
Em julho de 1789, uma grande milícia popular
A Revolução Francesa A Revolução Francesa invadiu e derrubou a Bastilha, uma prisão que deti-
pôs fim ao chamado Antigo Regime, em que pre- nha os inimigos políticos do rei, e os deputados do
valeciam o absolutismo e as relações de servidão. terceiro estado se fecharam na Assembleia e pro-
Com isso, ajudou a consolidar na França, e depois clamaram uma Constituinte. Esse foi o marco inicial
em grande parte da Europa, o Estado burguês e os da Revolução Francesa. Na sequência, prefeituras
direitos liberais. e castelos foram invadidos pelos revolucionários.
Essa revolução foi fruto da aliança histórica en- Os camponeses reivindicavam a redução dos
tre as duas classes antagônicas do capitalismo, o impostos e a abolição de direitos feudais que ainda
qual ainda encontrava entraves feudais para se existiam.
desenvolver: a burguesia, que já detinha o poder
econômico, mas agora almejava também o poder
político, e a classe trabalhadora, que queria usufruir 79
de seus direitos como cidadãos livres e iguais, com
o fim da servidão.
Essas duas classes uniram-se contra a nobreza
e o clero, que resistiram para não perder seus pri-
vilégios. Na primeira metade do século XVIII, a so-
ciedade francesa estava dividida em três partes,
chamadas à época de “estados”. O primeiro esta-
do era composto pelo clero e o segundo estado,
pela nobreza. A maior parte da população france-
sa, constituída por camponeses, artesãos e comer-
ciantes, era chamada de terceiro estado.
O terceiro estado era o maior pagador de im-
postos do reino francês, sendo a nobreza a grande
beneficiária dos recursos públicos. Nobres rece-
biam generosas pensões do governo e eram tam-
bém grandes proprietários de terras da França.
O terceiro estado também compreendia os
grandes comerciantes, conhecidos como burgue- A Assembleia Nacional, em meio ao clima revo-
ses, que, embora tivessem acumulado muita rique- lucionário, divulgou a Declaração dos Direitos dos
za, não tinham privilégios políticos, pois eram a no- Homens e do Cidadão. Inspirada nos ideais liberais
breza e o clero que tinham influência direta sobre e iluministas, ela definia que todos nascem livres e
o rei. iguais em direitos.
Com isso, havia uma grande desigualdade Em junho de 1791, Luís XVI tentou fugir da Fran-
social, sendo que grande parte dos camponeses ça em direção à Áustria, que era uma monarquia
vivia em condições miseráveis. Para agravar a si- absolutista, para buscar apoio na luta contra os re-
tuação, a França havia participado de três guerras volucionários. Capturado, ganhou fama de traidor
na primeira metade do século XVIII, fazendo com entre a população.
que os gastos do Estado aumentassem de maneira O líder revolucionário Maximilien de Robespierre
desproporcional em relação aos recursos que tinha pediu a sua deposição. Em setembro de 1791, o rei
disponível. Na década de 1780, a crise se ampliou foi obrigado a jurar obediência à Constituição. Na
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Assembleia, os deputados se dividiram: os chama- queriam destruir as forças revolucionárias na Fran-


dos jacobinos defendiam a criação de uma repú- ça. Entre essas forças estrangeiras, uma das mais
blica francesa. importantes era a Áustria, local de nascimento da
Outros defendiam uma monarquia constitucio- rainha francesa Maria Antonieta e principal refúgio
nal, em que o rei obedeceria à Constituição. Já os dos nobres franceses que conseguiram fugir.
chamados girondinos, representantes dos interesses Quando os jacobinos voltaram à cena política,
da alta burguesia francesa, formada por banquei- em 1799, temia-se uma nova radicalização da re-
ros e por ricos comerciantes, mesmo defendendo volução. Por isso, sob a liderança de Napoleão, foi
a revolução, temiam que a participação popular articulado um golpe militar, que ficou conhecido
pudesse interferir no rumo de seus negócios. como Golpe de 18 Brumário, em que ele tomou o
Ligados aos jacobinos, havia ainda os sans-cu- poder na França.
lottes, grupo popular da periferia de Paris, a capital Napoleão foi transformado no primeiro-cônsul
da França, que lutou em defesa da igualdade e da França com poderes ditatoriais. Em 1804, ele se
da fraternidade, radicalizando a disputa política na autodenominou imperador da França e recebeu
sociedade francesa. Em agosto de 1792, o rei foi forte apoio de parte da burguesia e dos campo-
destituído e, com o fim da monarquia na França, foi neses, que ainda alimentavam esperanças de ver
fundada a República. algumas das ideias da Revolução concretizadas.
Uma nova Constituição foi formulada, e a As- Napoleão iniciou também um processo de
sembleia passou a se chamar Convenção. Um expansão externa, tornando a França, em pou-
novo calendário foi instituído. Liberdade, igualdade co tempo, a maior potência imperial da Europa,
e fraternidade eram as palavras de ordem da Re- tendo apenas a força do império britânico em seu
pública. Luís XVI, preso desde a tentativa de fuga, caminho. Algumas regiões foram ocupadas direta-
foi julgado e considerado culpado pela Conven- mente pelo governo francês.
ção por ter conspirado com nações estrangeiras Em outros lugares, Napoleão estabeleceu um
para restabelecer o absolutismo na França. poder indireto, empossando governantes de sua
Sua pena, e de sua esposa, a rainha Maria An- confiança para dirigir o país.
tonieta, foi a condenação à morte na guilhotina. Observe no mapa a seguir as conquistas de
Nessa nova fase da Revolução Francesa, que ficou Napoleão Bonaparte. O grande poderio militar de
conhecida como período do Terror, radicalizaram- Napoleão, que se opunha à força econômica e in-
-se os ideais revolucionários. dustrial da Inglaterra, provocou a união de outras
Todos os suspeitos de agir contra a revolução nações contra a França. Áustria, Rússia, Inglaterra
poderiam ser presos, julgados e condenados à e Prússia uniram-se contra o imperador e o derro-
80 morte. O clima de terror que se instaurou provocou taram, depois de muito conflito, em 1814. Com a
forte reação dos que discordavam dos rumos que derrota, a monarquia foi restaurada na França, sob
a revolução tomava. Robespierre também acabou o governo de Luís XVIII, irmão de Luís XVI.
sendo deposto, preso e guilhotinado em julho de
1794, assim como dezenas de outros líderes jacobi-
nos. Mais uma vez, foi redigida uma nova Constitui-
ção, que foi adotada em 1795.
Tratava-se de uma reação conservadora, que
limitou o direito de voto àqueles que pagavam im-
postos e eram alfabetizados. Esse novo governo,
com grande presença dos girondinos, passaria a
ser chamado de Diretório.

Na representação, Napoleão como imperador aparece


com a coroa de louros na cabeça, simbolizando a vitória
de um general, como no tempo dos imperadores romanos.
Foi nesse contexto que começou a ter desta- [ JeanAuguste-Dominique Ingres. Napoleão I sobre o trono
que Napoleão Bonaparte, militar com importante imperial, 1806.]
papel na luta contra as forças estrangeiras que
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81
Nesse mesmo ano, foi realizado o Congresso de Viena visando reformular as fronteiras da Europa após a
derrota de Napoleão. Porém, em 1815, ele conseguiu organizar um exército e retomar o governo da Fran-
ça, no qual permaneceu por mais 100 dias.
Quando tentou destruir o exército formado pela coligação dos países inimigos, na Bélgica, Napoleão
foi mais uma vez freado pelas tropas adversárias. Dessa vez, foi exilado na ilha de Santa Helena, na costa
africana, onde faleceu em 1821. A derrota de Napoleão marca o fim da Revolução Francesa, mas não o
fim dos ideais revolucionários.
O lema “liberdade, igualdade e fraternidade” espalhou-se pelo mundo incentivando revoltas e revo-
luções em muitos lugares. Na América Latina, os ideais revolucionários influenciaram bastante as lutas por
independência, inclusive no Brasil.
A noção de que todo ser humano é um cidadão com direitos, a instituição de governos republicanos
em que a vontade do povo deve ser soberana, as liberdades civis e políticas, a igualdade entre os homens
perante a lei e a ideia de uma justiça igual para todos são ideais que ajudaram e ajudam a organização
política e social dos países até os dias de hoje.

LUTAS DOS TRABALHADORES NO SÉCULO XIX

Trabalhadores lutam por direitos no século XIX As inovações desencadeadas a partir da Revolução
Industrial, com o desenvolvimento científico e tecnológico, trouxeram muitos benefícios para a humanida-
de, como a fotografia, o telégrafo, o telefone, a ferrovia a vapor, a energia elétrica, entre tantas outras
criações.
No entanto, o saldo dessas mudanças não foi totalmente positivo. O desenvolvimento do capitalismo e
a imposição de seu modo de produção obrigaram os trabalhadores a aceitar novas relações de trabalho
e de condições de vida que aumentaram sua exploração e levaram muitos à miséria.
A classe operária, portanto, passou a reivindicar melhores condições de vida e de trabalho nas fábri-
cas, surgidas havia algumas décadas nas grandes cidades da Inglaterra, da França e da atual Alemanha.
Diante das péssimas condições em que trabalhavam – longas jornadas sem descanso, salários baixíssimos
e nenhum direito trabalhista –, os trabalhadores criaram, no século XIX, o movimento operário. Ele buscava
organizar a luta por melhores condições de trabalho e por direitos trabalhistas, formando associações, sin-
dicatos e até partidos políticos.
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Além disso, no mesmo período, muitos pensa- tar ao máximo o lucro do capitalista. Esse lucro era
dores passaram a criticar o sistema capitalista e a obtido pela mais-valia, ou seja, o trabalhador rece-
propor formas alternativas de organização da so- bia apenas uma pequena parte da riqueza produ-
ciedade e das relações de trabalho. Baseando-se zida, transformada em salário, enquanto o capita-
nas lutas do movimento operário e nessas críticas lista ficava com o restante, como foi estudado no
ao capitalismo, os operários começaram a vislum- Tema 1 desta Unidade. Sendo assim, a lógica da
brar a possibilidade de não só lutar por melhorias produção capitalista buscava explorar ao máximo
no mundo do trabalho, mas, mais do que isso, lutar o trabalhador, fazendo-o produzir mais pelo menor
para mudar a própria sociedade. custo.
Eles buscavam torná-la mais justa e igualitária, Como a submissão do trabalhador ocorria pelo
retomando alguns ideais da Revolução Francesa fato de o capitalista deter a propriedade privada
ainda não concretizados. Socialismo, comunismo dos meios de produção, era contra ela que Marx
e anarquismo: novos ideais em defesa dos traba- e Engels se colocavam, a favor do seu fim. Defen-
lhadores Vários autores elaboraram críticas à socie- diam, portanto, que as terras, os recursos naturais,
dade burguesa capitalista. Alguns, sob a influência as ferramentas, as máquinas, as fábricas etc. fos-
das ideias iluministas, defendiam o progresso como sem desapropriadas dos capitalistas e passassem
caminho para a felicidade; outros desenvolveram para a propriedade comum ou coletiva dos traba-
ideias socialistas e defendiam a luta dos trabalha- lhadores.
dores pela conquista da igualdade social e econô- Isso se chamaria socialização dos meios de pro-
mica e pela tomada do poder do Estado. dução e representaria o fim da desigualdade en-
Os ideais socialistas serviram de referência para tre os homens, já que tudo seria de todos. Para isso
as lutas dos trabalhadores no século XIX e conti- ocorrer, Marx e Engels defendiam que os operários
nuam sendo parâmetro para muitos movimentos realizassem uma revolução e acabassem com o
sociais nos dias de hoje. Os chamados socialistas controle que a burguesia tinha sobre a sociedade,
utópicos propunham a criação de um novo siste- provocando, dessa forma, a superação do capi-
ma de ordem social que eles consideravam per- talismo. Essa era a chamada luta entre as classes
feito, no qual a industrialização seria favorável aos sociais. Marx e Engels afirmavam que a classe do-
trabalhadores. minante burguesa, além de controlar a produção
Entre suas propostas estavam a formação de econômica, dominava as instituições políticas e
comunidades, como fazendas coletivistas agroin- ideológicas.
dustriais, nas quais não haveria classes ociosas (que Ou seja, era a burguesia que organizava a so-
não trabalhavam) que explorassem os trabalhado- ciedade e o Estado de acordo com suas necessi-
82 res, os empresários seriam socialmente responsá- dades, de maneira que as leis fossem todas favo-
veis, o individualismo daria lugar aos interesses co- ráveis aos interesses dos capitalistas e os meios de
letivos, os frutos do trabalho seriam compartilhados informação fossem usados para justificar sua ideo-
por todos, as jornadas de trabalho seriam reduzidas logia liberal.
e haveria creche para as crianças e moradias para Para a superação do capitalismo e a constru-
os operários. ção da sociedade dos trabalhadores, Marx e En-
Seus principais teóricos foram Claude de Saint- gels defendiam o avanço em direção ao comunis-
-Simon, Robert Owen e Charles Fourier. Com o tem- mo. Para chegar ao comunismo, seria necessário
po, outros pensadores socialistas chegaram à con- passar por uma etapa de transição: o socialismo.
clusão de que não seria possível superar os proble- No socialismo, o Estado seria tomado pelos traba-
mas dos trabalhadores com o apoio dos burgueses, lhadores e administrado por eles, formando a “dita-
pois o próprio capitalismo seria o problema, não os dura do proletariado”.
capitalistas. Assim, seria impossível a construção de Nessa fase, os trabalhadores usariam o poder
uma sociedade mais justa e igualitária sem a luta do Estado para tomar dos capitalistas a proprieda-
de classes (a luta entre burgueses e operários, entre de dos meios de produção (as terras, os recursos
patrões e empregados). naturais, as ferramentas, as máquinas, as fábricas
Por isso, os socialistas utópicos foram criticados etc.) para que fossem administrados pelo Estado
por essa nova corrente do socialismo, denominada socialista a favor dos interesses dos trabalhadores.
socialismo científico, que considerava essas ideias O Estado também seria usado para reorgani-
inatingíveis e, portanto, condenadas à utopia. zar os serviços públicos em favor dos trabalhado-
O socialismo científico foi fundado e desenvol- res, oferecendo, gratuitamente e com qualidade,
vido por Karl Marx e Friedrich Engels na segunda saúde, educação, moradia, saneamento, cultura
metade do século XIX. Eles elaboraram uma crítica etc. Quando esse ideal fosse atingido, diziam Marx
científica ao capitalismo e também algumas pro- e Engels, o Estado poderia ser extinto para dar lu-
postas para sua superação e para a construção da gar à sociedade comunista, em que a proprieda-
futura sociedade dos trabalhadores, que passaria de dos meios de produção seria comum a todos
pelo socialismo até chegar ao seu estágio final, o (e não privada), não existiriam mais classes sociais
comunismo. em oposição (haveria somente trabalhadores), e o
Entre as críticas ao capitalismo, eles diziam que governo não seria mais feito por políticos e funcio-
se tratava de um sistema baseado na exploração nários públicos.
do trabalhador e com o único objetivo de aumen- A sociedade seria governada pelos trabalha-
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dores, por meio da participação de todos em asso- indo contra os interesses dos liberais franceses.
ciações e cooperativas. Em 1830, essa situação levou à eclosão de re-
voluções liberais, nas quais a burguesia, os traba-
lhadores e os estudantes se rebelaram e ergueram
barricadas nas ruas. O rei foi deposto, mas o go-
verno foi entregue a um novo rei, que governava
de acordo com os interesses da alta burguesia. Esse
acontecimento estimulou outros movimentos revo-
lucionários no continente europeu nas décadas se-
guintes. Em meados do século XIX, a Europa foi pal-
co de levantes em favor da liberdade das nações.
Esses levantes tinham como pano de fundo a
situação de exclusão política, econômica e social
dos trabalhadores, que achavam que sua situa-
ção de miséria e opressão se dava por causa da
dominação que sofriam de governos estrangeiros.
Por isso, esses movimentos eram chamados de na-
cionalistas. Eles se espalharam por diversos países,
Já para os anarquistas, o Estado era nocivo e como a Áustria, a Hungria e a França, e pelos ter-
desnecessário. Afirmavam, como Marx e Engels, ritórios que mais tarde se tornariam a Itália e a Ale-
que ele era utilizado pela burguesia para manter manha.
a dominação sobre o restante da sociedade. A Esses levantes defendiam a participação políti-
diferença é que os anarquistas achavam que na ca dos excluídos e lutavam pela consolidação de
revolução não seria necessário tomar o poder do parlamentos e Constituições e por nações livres. Em
Estado para uma transição, mas sim destruí-lo de 1848, os movimentos nacionalistas atingiram seu
uma vez. ápice, com uma série de manifestações que ficou
Assim, defendiam a ideia de uma sociedade conhecida como Primavera dos Povos. Iniciada na
sem Estado, baseada na ação espontânea dos in- França, espalhou-se também por regiões das atuais
divíduos, na autodisciplina e na autogestão, de for- Suíça, Alemanha, Itália e Áustria, entre outras.
ma que não haveria a necessidade de governan- Os principais estímulos a essas manifestações
tes impondo leis ao resto da população, uma vez foram: expansão do liberalismo e do nacionalismo,
que cada um governaria a si mesmo em comum reivindicações do movimento operário, crise eco-
acordo com os outros. nômica (que provocou o fechamento de fábricas 83
Entre as propostas dos anarquistas estavam o e o aumento do desemprego) e crise na produ-
fim da propriedade privada – que seria substituída ção agrícola (que provocou a alta no preço dos
pela propriedade coletiva dos trabalhadores –, a alimentos). Somando-se às reivindicações popula-
ampliação da liberdade individual e a abolição res, a burguesia almejava o fim definitivo das mo-
imediata do Estado, que para eles era apenas uma narquias e a instalação de governos constitucionais
instituição de repressão, não importava quem o es- de caráter liberal.
tivesse governando. Os trabalhadores, por sua vez, queriam o fim da
Entre seus principais representantes na época exploração que sofriam e a instauração de uma
estavam Pierre-Joseph Proudhon e Mikhail Baku- sociedade mais igualitária. As manifestações se ra-
nin. Esses pensadores, socialistas e anarquistas, que dicalizaram no momento em que trabalhadores e
viveram na mesma época, criticavam o modelo socialistas começaram a protestar contra o desem-
capitalista, mas discordavam quanto à forma de prego, os baixos salários e as péssimas condições
superá-lo. de vida e a reivindicar o direito à greve, a redução
No entanto, suas ideias concordavam com a da jornada de trabalho e melhores condições de
necessidade de se construir uma sociedade mais vida.
igualitária, na qual os trabalhadores não fossem O movimento operário na época, já mostrando
mais explorados pela burguesia dominante. capacidade de luta e influenciado pelos pensado-
res socialistas e anarquistas, radicalizou os protes-
Revoltas que sacudiram a Europa tos. Barricadas tomaram as ruas de Paris, com os
revoltosos exigindo melhores condições de vida e
Com o fim do Império Napoleônico, a França igualdade social e política.
havia se tornado novamente uma monarquia, com Com essa radicalização, a burguesia, antes
o rei Luís XVIII assumindo o trono em 1814, contra a aliada dos trabalhadores contra a nobreza, ficou
vontade dos camponeses, dos trabalhadores urba- temerosa de que os movimentos sociais populares
nos e da maior parte da burguesia. acabassem com o capitalismo e, por decorrência,
Após a morte do rei, em 1824, subiu ao poder com seu poder. Assim, os capitalistas voltaram-se
Carlos X, representante do absolutismo, que dese- contra os trabalhadores, apoiando a repressão do
java restabelecer o poder e os privilégios da monar- governo às manifestações.
quia e da Igreja, perdidos com a Revolução Fran- Em todos os países pelos quais as revoltas se
cesa. Ele buscou centralizar o poder em suas mãos, espalharam, houve forte repressão. Na França,
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formou-se um governo republicano conservador, ser maior que o de um operário, foram extintos o
com a eleição, por meio do sufrágio universal mas- exército e a polícia e o povo passou a formar suas
culino, de Luís Bonaparte, sobrinho de Napoleão próprias milícias para fazer a segurança.
Bonaparte. Em 1851, Luís Bonaparte deu um golpe Em maio de 1871, após quase dois meses da
de Estado, dissolveu a Assembleia e declarou-se im- Comuna no poder, as tropas republicanas que go-
perador, com o nome de Napoleão III. Governou vernavam o restante da França conseguiram reto-
até 1870, quando a França foi derrotada em uma mar o controle de Paris. Nos dias de batalha, que
guerra contra a Prússia (reino ao leste da França, ficaram conhecidos como “semana sangrenta”, as
que daria origem à atual Alemanha), pondo fim ao barricadas dos revoltosos foram fortemente ataca-
Segundo Império e dando início à Terceira Repúbli- das e milhares de mortes foram registradas.
ca francesa. Dezenas de milhares de pessoas foram presas e
Apesar de os movimentos revolucionários terem deportadas. A violência do exército contra os tra-
sido derrotados, eles abalaram a Europa para sem- balhadores da Comuna foi brutal e tinha um pro-
pre. As elites dominantes sabiam que as mudanças pósito: as classes dominantes – monarquistas e bur-
viriam, se não pela negociação com os trabalha- gueses –, queriam deixar claro para todos os traba-
dores, por meio da revolução. Com isso, muitos lhadores do mundo que o povo seria massacrado
governos cederam a algumas reivindicações dos caso se rebelasse.
trabalhadores, entre elas o sufrágio universal mas- No entanto, se a Comuna tinha acabado, suas
culino. ideias continuavam vivas. As experiências de mobi-
A Comuna de Paris Novamente, a França foi lização dos trabalhadores ocorridas no século XIX
palco de revoltas. Em 1870, o governo provisório continuaram ecoando e encontraram contextos
que havia se formado não foi aceito pela popu- favoráveis para que novas revoluções socialistas
lação. Era um governo burocrático e corrupto, de- acontecessem, em outros continentes, ao longo do
testado pelos trabalhadores, e que tinha iniciado e século XX.
perdido uma guerra contra a Prússia, deixando os
franceses humilhados.
Como resposta a essa situação, entre março e
maio de 1871, trabalhadores formaram a Comuna
de Paris, um autogoverno eleito por voto popular
e que incluía anarquistas, republicanos extremistas,
comunistas e socialistas. A Comuna foi a primei-
ra experiência mundial de um governo socialista.
84 Seus participantes – os comunardos – defendiam
a igualdade, a justiça e a liberdade, valores que
seriam conquistados pela mobilização e pela luta
popular.
Nos quase dois meses que durou essa experiên-
cia, os trabalhadores realizaram mudanças sociais
radicais, nunca vistas na história. O termo “comu- INDEPENDÊNCIAS NA AMÉRICA
na” está associado àquilo que é “comum a todos”
e também a “comunidade” e “comunismo”. Como você já estudou, a América foi con-
Foi com esse espírito coletivo que os comunar- quistada pelos europeus a partir de fins do século
dos governaram e instituíram inúmeras mudanças XV. Espanhóis, portugueses, ingleses, holandeses e
na cidade de Paris, como: controle operário da franceses se aventuraram a buscar riquezas nessas
produção, com instalação de cooperativas; redu- terras, dominando e eliminando grande parte dos
ção da jornada de trabalho e legalização dos sin- povos indígenas que aqui viviam antes de sua che-
dicatos; reorganização do sistema de transportes, gada.
que se tornou gratuito para todos; distribuição das Os europeus instalaram na América sistemas de
residências vazias para moradia popular e proibi- produção que geravam muitos lucros para a me-
ção da especulação imobiliária; instituição de um trópole. Para alguns lugares, como no Brasil, foram
plano de previdência social destinado a todos os trazidos africanos escravizados, que trabalhariam
cidadãos; fim da construção de ruas que agredis- na produção de açúcar, na mineração e em mui-
sem os espaços verdes e as áreas de convivência tas outras atividades. Para explorar suas colônias,
na cidade; estabelecimento de uma educação de acordo com os princípios do capitalismo comer-
pública, laica, gratuita, obrigatória e universal (para cial, os Estados europeus estimularam o desenvol-
homens e mulheres); e proclamação da igualdade vimento de atividades econômicas nas terras con-
de direitos entre homens e mulheres. quistadas.
A organização do Estado e da política também Com isso, uma elite latifundiária e comercial
foi radicalmente alterada. Acabou-se com a buro- prosperou em terras americanas e, tal como a bur-
cracia, todos os membros da administração públi- guesia europeia, essa elite começou a vislumbrar a
ca e os que estivessem governando podiam perder possibilidade de assumir o poder político dos territó-
seu mandato a qualquer momento, o salário dos rios que já controlavam economicamente.
funcionários públicos e governantes não poderia No século XVIII, as revoluções Industrial e Fran-
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cesa trouxeram uma série de transformações radi-


cais na economia, na política e na sociedade do
continente europeu. As ideias liberais e iluministas
ganhavam cada vez mais fôlego no mundo oci-
dental. Essas transformações logo influenciariam o
destino das Américas. Do ponto de vista econômi-
co, o capitalismo industrial exigia, para o seu desen-
volvimento, a expansão dos mercados consumido-
res de produtos industrializados, o que pressupunha
um livre comércio entre todos os Estados e uma
mão de obra assalariada com poder de consumo.
Nesse sentido, algumas práticas mercantilistas
do antigo sistema colonial começaram a ser ques-
tionadas, como a exclusividade comercial entre
colônia e metrópole, que era um entrave ao livre
comércio, e a própria escravidão, que impedia o
desenvolvimento de um mercado consumidor de
produtos industriais, uma vez que os escravos não
eram assalariados e, por isso, não podiam comprar
mercadorias. Já no campo político e ideológico, as
ideias liberais condenavam a escravidão e propu-
nham sistemas de governo constitucionais.
Esses processos históricos foram intensificados
com as Guerras Napoleônicas, que impulsionaram
os movimentos de libertação das colônias america- Foi somente em 1821 que a independência
nas. Quando Napoleão invadiu a Espanha e depôs ocorreu de fato, quando Agustín de Iturbide, um
o rei Carlos IV, em 1808, parte das elites agrárias da oficial criollo do exército espanhol no México, que
América espanhola, chamadas de criollos, passou deveria lutar contra os rebeldes, juntou-se a um
a questionar o domínio colonial e a exigir mudanças grupo de colonos e proclamou a independência
nas relações entre a colônia e a metrópole. Com a do México, concedendo direitos iguais a espanhóis
derrota de Napoleão, em 1814, o rei espanhol vol- e criollos.
tou ao trono e tentou reprimir os movimentos que Na região das atuais Colômbia e Venezuela,
questionavam a ordem nas colônias americanas. havia um grande contraste social nos primeiros 85
Diante disso, essa elite criolla, inspirada nas anos do século XIX. A população de origem africa-
ideias liberais e objetivando o controle político de na, indígena ou mestiça vivia nas piores condições
suas terras e sua autonomia comercial, iniciou uma possíveis, enquanto as pessoas de origem europeia
série de revoltas em favor da independência des- tinham privilégios e condições de vida muito me-
ses territórios. Contudo, os movimentos de contes- lhores.
tação na América Latina eram anteriores às Guer- Até mesmo o casamento era proibido entre a
ras Napoleônicas. população considerada branca e os indígenas,
Na colônia francesa do Haiti, já em 1791, em mestiços e afrodescendentes. Em 1809, a junta go-
plena Revolução Francesa, houve uma rebelião vernativa da Capitania Geral da Venezuela, da
de escravos contra a população local de origem qual fazia parte Simon Bolívar, decidiu por conce-
europeia. Eles tomaram o governo e decretaram der os mesmos direitos a espanhóis e à elite criolla.
o fim da escravidão na colônia e a independência Foram abolidos os impostos sobre os gêneros de
do Haiti em 1804. Na América espanhola, o criollo primeira necessidade e foi proibido o tráfico negrei-
Francisco Mirando liderou uma revolta contra o do- ro. Em meio às ocorrências de fuga de escravos,
mínio espanhol na Capitania Geral da Venezuela. começou a ganhar força também a rebelião de
E, a partir de 1810, guerras civis irromperam em escravos e indígenas contra a população branca
outras colônias espanholas. Esse período, portan- proprietária de terras.
to, é caracterizado pela crescente tensão entre os Todo esse movimento propiciou o início do pro-
criollos e as autoridades coloniais espanholas. Já no cesso de independência do que viriam a ser depois
México, a mais rica entre as colônias espanholas, os a Venezuela, a Colômbia e o Equador. Em 1813,
criollos protestavam contra a Coroa por causa da sob a liderança de Simon Bolívar, Caracas (na Ve-
limitação que sofriam em sua autonomia política. nezuela) foi tomada e, em 1819, Bogotá (na Co-
Desde 1810, liderados por sacerdotes católicos lômbia).
influenciados pelas ideias iluministas, como Miguel Assim, constituiu-se uma nação que unia a Ve-
Hidalgo, o povo mexicano tentava sua indepen- nezuela e a Colômbia e que se denominaria Grã-
dência, associada à realização de reformas sociais -Colômbia, da qual passaram a fazer parte Guaya-
que melhorassem as condições de vida dos mesti- quil (atual Equador) e o Panamá. Bolívar, que ficou
ços e indígenas. Os criollos, contudo, recuaram em conhecido como “o Libertador”, assumiu a presi-
seu apoio a esses grupos, temendo o crescimento dência da nova república que se fundava naquele
de suas reivindicações. momento e persistiu até 1830, quando foi dividida
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em três novos países: Colômbia, Equador e Vene- As elites da região de Minas Gerais, por estarem
zuela. Simon Bolívar também participou do proces- envolvidas com as atividades mineradoras, encon-
so de independência da Bolívia, que fazia parte travam-se insatisfeitas com a crescente cobrança
do Vice-Reinado do Rio da Prata, juntamente com de impostos por parte da metrópole. Já na Bahia,
territórios que hoje são da Argentina e do Paraguai. além da insatisfação da elite local, houve uma mo-
Em 1824, liderou a campanha militar que derro- bilização popular maior, propondo mudanças po-
tou os apoiadores do domínio espanhol, ajudando líticas e sociais.
aqueles que combatiam pela independência do No entanto, nenhum dos dois movimentos teve
Alto Peru, nome pelo qual era conhecida a região sucesso e foram duramente reprimidos. O processo
da atual Bolívia. Com a vitória do movimento, foi que culminaria de forma definitiva na independên-
proclamada a República da Bolívia, da qual Bolívar cia do Brasil teve início com a chegada da família
foi o primeiro presidente, em 1825. real, que, ameaçada pelas Guerras Napoleônicas,
refugiou-se na colônia em 1808.
Em 1806, o imperador francês Napoleão Bo-
naparte decretou o Bloqueio Continental, que
proibiu as nações europeias de manter relações
comerciais com os portos ingleses. O objetivo de
Napoleão era sufocar a economia da Inglaterra.
Os países que não cumprissem a regra sofre-
riam represália militar francesa. Portugal, que man-
tinha forte relação econômica e comercial com a
Inglaterra, não acatou a imposição de Napoleão.
Em resposta, as tropas francesas invadiram Portu-
gal, tal qual ocorrera com a Espanha. Como as for-
ças portuguesas não tinham condições de derrotar
o exército de Napoleão, o príncipe regente portu-
guês – e futuro rei d. João VI – e seu conselho de
Estado decidiram deixar o reino antes que os inva-
sores chegassem, transferindo a sede do governo
Em Buenos Aires, sede do Vice-Reinado do Rio para o Brasil, pois assim o reino seria mantido.
da Prata, viviam negociantes que realizavam o Assim, em fins de novembro de 1807, a família
tráfico negreiro, o comércio da prata, a produção real e muitos funcionários reais levantaram ânco-
86 de couro e carne bovina. Assim como ocorreu nas ra em direção ao Rio de Janeiro, que seria a nova
outras regiões da América espanhola, a elite criolla sede do império português. Com a chegada da fa-
local queria ampliar sua participação política para mília real, no começo de 1808, muitas casas foram
poder tomar decisões econômicas que lhe fossem desocupadas na capital da colônia para abrigar
mais favoráveis. os nobres lusitanos. A cidade ganhou uma gran-
Contudo, temendo a participação popular, a de importância a partir daquele momento, uma
elite de Buenos Aires, assim como ocorreu no Mé- vez que deixou de ser uma cidade colonial para
xico, não apoiou de imediato um processo de in- se tornar a capital do império. D. João VI declarou
dependência. Isso só ocorreu quando José Artigas, a abertura dos portos às nações amigas em troca
militar uruguaio, liderou um levante popular para do apoio militar da Inglaterra. Isso quis dizer que,
derrubar o governador espanhol do Vice-Reinado dali em diante, o Brasil não estava mais obrigado a
do Rio da Prata. Com isso, mobilizaram-se forças realizar o comércio apenas com Portugal, pois seus
para realizar a independência de Buenos Aires, mercados estavam abertos às outras nações ami-
com a presença de San Martín, militar aliado de gas mediante o pagamento de impostos definidos
Bolívar que participou também dos processos de pela Coroa.
independência do Peru e do Chile. Em 1810, com a publicação dos Tratados de
A independência de Buenos Aires efetivou-se Comércio e Livre Navegação, a Inglaterra teve li-
em 1816, após a derrota definitiva dos espanhóis. vre acesso aos portos brasileiros e passou a pagar
Observe, a seguir, o mapa da América Latina com tarifas mais baixas que outros países. Como resulta-
as datas de independência de cada país em rela- do, a Inglaterra passou a ter grande influência so-
ção a suas antigas metrópoles. bre a economia brasileira.
Os produtos industrializados ingleses eram ven-
A independência do Brasil e o Primeiro Reinado didos com preços baixos no mercado brasileiro, o
que enfraquecia o desenvolvimento das manufa-
Na segunda metade do século XVIII, a insatis- turas nacionais e dificultava o investimento em ati-
fação de muitos colonos com a metrópole portu- vidades produtivas de valor mais elevado ou ren-
guesa se manifestou em movimentos como a In- tável. Isso fez com que o Brasil passasse a ser cada
confidência Mineira (1788-1789) e também na cha- vez mais dependente da Inglaterra.
mada Conjuração Baiana, ocorrida em 1798, que Mesmo após a independência, essa relação se
propunham as independências das capitanias de manteve, e os britânicos passaram a exercer uma
Minas Gerais e da Bahia, respectivamente. espécie de pressão econômica que impunha limi-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

tes à autonomia do governo brasileiro.

Desde 1810, Napoleão já não mais ocupava


Portugal. Entretanto, d. João VI decidiu permane-
cer no Brasil, para manter a união territorial do rei-
no com a antiga colônia. No entanto, a situação
social e econômica em Portugal não estava boa.
Além disso, os negociantes do reino começa-
ram a questionar as medidas adotadas pela Coroa
portuguesa, que, embora beneficiassem a burocra-
cia do reino instalada no Rio de Janeiro, afetavam
seus interesses econômicos em relação ao território
colonial. Tais divergências tornaram-se insustentá-
veis em 1820, resultando na Revolução Liberal do
Assim, pode-se dizer que a submissão econô- Porto, em Portugal.
mica a países estrangeiros – primeiro a Portugal e O movimento defendia a instalação de uma
monarquia constitucional, em que o rei deveria go-
87
depois à Inglaterra – e a superexploração do tra-
balho de muitos, por meio da escravidão, para sus- vernar sob uma Constituição, como havia ocorrido
tentar a riqueza de poucos, foram características na Revolução Francesa. Defendia também a volta
que marcaram a história brasileira desde o período do rei a Portugal para fazer o juramento a Cons-
colonial e pouco mudaram com a independência tituição que seria elaborada. Por fim, os rebeldes
do Brasil. exigiam a recriação do pacto colonial, para que
Ainda que independente em termos políticos, o Brasil voltasse a ser uma colônia, como fora até
o Brasil continuava economicamente dependen- 1808. Diante de tal situação, a família real se viu na
te e socialmente desigual. Apesar da submissão e necessidade de retornar para Portugal, sob o risco
da dependência econômica houve avanços. Pois, de perder o trono caso não tomasse o controle da
com a transferência da Corte portuguesa para o situação em Lisboa. D. João VI e sua família par-
Rio de Janeiro, também foram ampliados os servi- tiram em abril de 1821, deixando Pedro, seu filho,
ços públicos da nova capital, melhorando os siste- como príncipe regente do Brasil.
mas de abastecimento de água e de fornecimento A metrópole tomou medidas restritivas à auto-
e produção de alimentos. nomia comercial e administrativa brasileira, restau-
Criaram-se a Academia de Belas Artes, o Jar- rando os antigos privilégios portugueses. O retorno
dim Botânico, a Biblioteca Real, o Banco do Brasil das instituições administrativas do reino a Portugal
entre outras instituições e edificações destinadas a era visto como uma ameaça pelas elites latifundiá-
satisfazer a Corte portuguesa. Em 1815, o Brasil dei- ria e comercial brasileiras, cujos negócios haviam se
xou de ser uma colônia portuguesa e foi considera- tornado lucrativos com a suspensão das restrições
do um reino, criando-se o Reino Unido de Portugal, metropolitanas e o exercício do livre comércio.
Brasil e Algarves. Nesse contexto é que começaram a ocorrer as
articulações pela independência do Brasil, com o
apoio daqueles que defendiam a manutenção do
livre comércio sem a interferência da metrópole:
comerciantes, proprietários de terras e traficantes
de escravos.
Para impor suas ideias, buscaram no príncipe
regente Pedro um aliado, uma vez que ele man-
tinha grande proximidade com o trono português
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– uma tentativa de não perder os vínculos políticos a divisão dos poderes entre Executivo, Judiciário e
e dinásticos que o Brasil ainda tinha com Portugal. Legislativo, como então ocorria em várias nações
Em setembro de 1821, as Cortes portuguesas orde- europeias consideradas modernas.
naram a volta de Pedro a Portugal. No entanto, instituiu no Brasil um quarto poder,
Mas o príncipe regente adiou sua viagem até denominado Moderador, que permitia ao impera-
que, em janeiro de 1822, declarou que ficaria no dor vetar projetos e decisões dos outros poderes.
Brasil, desrespeitando as ordens das Cortes. Esse Na prática, portanto, o imperador tinha maior po-
episódio ficou conhecido como o Dia do Fico. No der, causando um desequilíbrio político na nova
que parecia ser um ato heroico, o príncipe selava nação. Para as lideranças políticas liberais, isso sig-
um acordo com as elites brasileiras contra o domí- nificou que o imperador governava em bases abso-
nio colonial português. lutistas. Para outros setores da sociedade, a grande
A ruptura definitiva com Portugal veio quando presença de portugueses na burocracia de Estado
a metrópole anunciou que enviaria tropas por- mantinha vivo o medo da recolonização.
tuguesas ao Brasil para obrigar Pedro a retornar A situação de d. Pedro I se agravou com a
a Lisboa. José Bonifácio, conselheiro próximo ao Guerra Cisplatina, que teve início em 1825 e persis-
príncipe regente, defendeu uma ruptura imediata tiu até 1828, levando à independência da Provín-
com Portugal, fortalecendo o projeto em favor da cia Cisplatina. Apesar de ter sido anexada ao Brasil
declaração de independência. Assim, em 7 de se- por d. João VI em 1821, essa antiga província espa-
tembro de 1822, quando o príncipe estava em São nhola não se identificava com o império português.
Paulo, nas margens do Rio Ipiranga, ele anunciou a Por isso, organizou um movimento que resultou na
independência. sua independência, com a criação do Uruguai.
Esse ato desencadeou a chamada Guerra de Em 1830, houve eleições legislativas, das quais
Independência, em que províncias contrárias à apenas uma pequena parte da população parti-
separação do Brasil de Portugal resistiram à pro- cipou, uma vez que somente homens com maior
clamação da independência, lutando contra as renda e propriedades eram votantes. Nessas elei-
tropas imperiais. O primeiro país a reconhecer a ções, os resultados foram desfavoráveis a d. Pedro
independência do Brasil foram os EUA, em 1824. I, já que na Câmara foram eleitos mais deputados
Portugal a reconheceu apenas em 1825. Essa for- críticos a sua postura autoritária.
ma de fazer a independência, com o filho do rei de Vários jornalistas redigiram uma carta ao im-
Portugal assumindo o trono brasileiro, foi articulada perador exigindo reformas para solucionar a crise
pela elite proprietária brasileira. econômica que atingia o Império e propondo mu-
Assim como as elites criollas da América espa- danças na estrutura política. Bastante pressionado,
88 nhola, ela queria evitar a participação popular. Por d. Pedro I mudou o seu ministério, nomeando vários
isso, preferiu um processo que evitasse movimentos brasileiros. A medida não surtiu efeito, e os depu-
de reivindicação das classes populares. Realizada tados liberais pediram a abdicação do imperador.
a independência, d. Pedro I foi coroado imperador Sem saber como reagir à crise e sem força polí-
do Brasil, evento que dá início ao Primeiro Reinado. tica para reprimir a população que se organizava,
Para grande parte da população trabalhadora, d. Pedro I renunciou em 7 de abril de 1831. Seu filho,
não ocorreram mudanças significativas, uma vez que depois seria coroado como d. Pedro II, foi o seu
que a independência não trouxe transformações sucessor natural.
sociais efetivas para o país, apenas a ruptura políti-
ca com Portugal. OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DO IMPÉRIO E DA
Ainda assim, era uma ruptura vista com descon- REPÚBLICA VELHA NO BRASIL
fiança pela elite brasileira, uma vez que o novo im-
perador era filho do rei de Portugal. A permanência O 2º Reinado Café, ferrovias e trabalho livre
da escravidão e também do tráfico negreiro era o
sinal mais claro de que as mudanças sociais não Para compreender o processo social e econô-
tinham ocorrido. O Brasil continuava a ser um país mico do 2o Reinado, é fundamental entender o
exportador de produtos agrícolas, que poderiam desenvolvimento da cafeicultura no Rio de Janei-
ter bom preço no mercado internacional, por cau- ro e em São Paulo durante o período imperial, já
sa do uso do trabalho escravo. que o café foi a principal fonte de riqueza do País
Em maio de 1823, foi organizada a Assembleia durante esse período e também no início da Re-
Constituinte, que seria responsável pela criação da pública. Relacionados a essa atividade econômica
primeira Constituição do Brasil. Logo após a sua ins- estão a criação das primeiras ferrovias brasileiras e
talação, começaram a surgir as primeiras dificulda- o estímulo para a vinda de trabalhadores livres, que
des. Colocou-se em discussão um projeto de inspi- substituiriam os trabalhadores escravizados nas la-
ração liberal, que limitava o poder do imperador, o vouras.
qual deveria respeitar as decisões do Parlamento. Além disso, foi por meio da economia cafeeira
D. Pedro I reagiu e dissolveu a Assembleia. que o Brasil permaneceu inserido, naquele período
Alguns deputados foram presos e outros expul- da história, no sistema capitalista internacional. Nas
sos do Brasil. No ano seguinte, em 1824, o imperador primeiras décadas do século XIX, a produção de
outorgou uma Constituição que centralizava o po- café no Brasil começou a crescer.
der em suas mãos. Essa Constituição estabeleceu Primeiro na região do Vale do Paraíba, no Es-
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tado do Rio de Janeiro, e, depois, estendendo-se o custo para escoar o produto até o porto. Em 1867,
paulatinamente em direção a São Paulo. Em mea- foi inaugurada a ferrovia Santos-Jundiaí, para trans-
dos do século XIX, a produção de café já se des- portar o café do interior de São Paulo para o porto
tacava na região que era então denominada de de Santos, onde era embarcado para a Europa.
Oeste Paulista. Veja no mapa a seguir o avanço da
produção de café até o começo do século XX.
A produção cafeeira no Brasil ocorria inicial-
mente em grandes fazendas que utilizavam mão
de obra escrava. Quase toda a produção era ex-
portada para a Europa. Nos anos 1840, o café já
era o principal produto agrícola de exportação,
superando inclusive o açúcar.
Com isso, os cafeicultores ganharam influência
política e grande parte das decisões governamen-
tais passou a priorizar seus interesses. O crescimento
da cafeicultura, entretanto, enfrentou o problema
da crise da escravidão no País. Desde os anos 1830,
a Inglaterra pressionava o Brasil para que acabasse
com o tráfico negreiro, iniciando, assim, o processo
de abolição da escravatura. Um primeiro acordo
para o fim do tráfico negreiro foi assinado em 1831,
mas não foi efetivamente cumprido pelo Brasil. Nos
anos 1840, a Inglaterra intensificou a pressão. Em
1845, o Parlamento inglês aprovou uma lei que fi-
cou conhecida como Bill Aberdeen, que autoriza-
va a captura de embarcações que carregassem
africanos com a finalidade de serem escravizados. A segunda mudança relacionava-se com a
aprovação da Lei de Terras, de 1850, que trans-
formava a terra em mercadoria e evitava que tra-
balhadores livres e libertos se tornassem pequenos
proprietários, obrigando-os a trabalhar como assa-
lariados ou colonos nas fazendas.
Os principais beneficiados foram, assim, os ca- 89
feicultores paulistas, que exigiam a colaboração
do Estado para organizar a vinda de trabalhadores
europeus, de modo a substituir os trabalhadores es-
cravizados. Tornada mercadoria, a terra passou a
ser acessível apenas àqueles que dispusessem de
dinheiro para comprá-la, o que não era o caso dos
imigrantes.
Por isso, a Lei de Terras colaborou para a con-
centração de terra e impediu que pequenos pro-
dutores tivessem acesso a ela. A terceira mudan-
ça que permitiu o fim do tráfico negreiro era exa-
Para os britânicos, grandes produtores de mer- tamente o estímulo à vinda de imigrantes para o
cadorias industrializadas, não interessava a manu- Brasil, a partir dos anos 1850. Já nos anos 1840, co-
tenção da escravatura, uma vez que, para expan- meçaram a chegar as primeiras levas de europeus
dir seu mercado consumidor, era preciso ampliar que iriam trabalhar na agricultura brasileira, mas foi
o mercado de trabalhadores livres que recebiam a partir do final da década de 1870 que a imigra-
salários. ção ganhou força.
Países como o Brasil, que tinha mais da meta- Em 1871, foi aprovada a Lei do Ventre Livre,
de da população escravizada, não constituíam que tornava livre todo filho de escrava que nas-
mercados consumidores em larga escala para os cesse depois da data de promulgação da lei. No
ingleses, algo importante naquele momento de entanto, ela também garantia a possibilidade de o
expansão do capitalismo industrial. Nesse contex- fazendeiro explorar a criança como escrava até os
to, o Brasil aboliu efetivamente o tráfico negreiro 21 anos de idade.
em 1850, ano em que foi criada a lei que tornava A outra opção seria libertá-la quando comple-
esse comércio ilegal, conhecida como Lei Eusébio tasse 8 anos de idade, mediante uma indenização
de Queirós. Com a lei em vigor, foram necessárias do governo. Ou seja, embora a lei desse um passo
algumas mudanças no contexto social, político e para abolir a escravidão, propunha que esse pro-
econômico. cesso ocorresse de modo gradual, já que todos
A primeira delas foi a construção de ferrovias aqueles que tinham nascido antes de 1871 conti-
que facilitassem o transporte do café e reduzissem nuariam a ser escravos. Em 1885, outra lei promul-
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gada no processo de transição do trabalho escra- decorrência da radicalização do movimento aboli-


vo para o trabalho livre foi a Lei dos Sexagenários, cionista e do apoio que ele recebia de alguns seto-
que libertava os escravos com 60 anos de idade ou res da opinião pública, especialmente das classes
mais. Mas a lei tinha pouco valor efetivo, pois pou- médias urbanas das grandes cidades.
quíssimos escravos viviam até essa idade. Fugas, alforrias compradas e outras estratégias
Nesse contexto, em que a pressão para abolir agenciadas pelos abolicionistas e também pelos
a escravidão se tornava cada vez mais intensa, a próprios escravos apressaram o fim da escravidão,
despeito das tentativas do governo e dos latifun- que já estava condenada no plano internacional
diários para estender ao máximo sua permanência, desde o fim da guerra civil estadunidense, vencida
os cafeicultores paulistas, financiados pelo governo pelo norte antiescravocrata.
da província (divisão política da época, que daria Além desses aspectos, outros também foram
lugar aos atuais Estados), estimularam a vinda de fundamentais para o fim do escravismo no Brasil. A
novos imigrantes europeus. utilização de imigrantes pelos setores mais dinâmi-
Desse modo, foi criada em 1886 a Sociedade cos da cafeicultura do chamado Oeste Paulista sig-
Promotora da Imigração para agenciar os traba- nificava que os fazendeiros haviam encontrado na
lhadores e organizar seu transporte até o porto de imigração uma solução para o problema da mão
Santos. De lá, eles seguiam para a Hospedaria de de obra. O acúmulo de fugas levou inúmeros fa-
Imigrantes, em São Paulo, da qual saíam para tra- zendeiros a buscar soluções de compromisso com
balhar em fazendas de café. Nas fazendas, eles re- os escravos, ou seja, a alforria condicionada à per-
cebiam um salário anual para cuidar de um bloco manência na fazenda.
de cafezais. No início de 1888, no entanto, os cafeicultores
Foram muitos os conflitos relacionados às condi- paulistas já haviam conseguido subsídio estatal
ções de trabalho e aos valores pagos aos imigran- para financiar a imigração de trabalhadores eu-
tes, que eram em sua maioria italianos, espanhóis, ropeus. Somente nesse ano, entraram dezenas de
alemães e portugueses. Já no século XX, também milhares de italianos no País. Erradicada em muitos
começaram a chegar imigrantes japoneses. municípios brasileiros, a escravidão já não era de-
fendida pela maioria dos proprietários de terra da
região mais próspera da cafeicultura, pois dificulta-
va a plena integração dos imigrantes nas fazendas.

90

Diante da pressão pelo fim da escravidão, da


imposição da Inglaterra e do grande fluxo de tra-
Nos anos 1870, o movimento abolicionista já ti- balhadores imigrantes para a cafeicultura, em 13
nha ganhado força no Brasil. Seus integrantes, por de maio de 1888 foi assinada pela princesa Isabel a
meio de atos e comícios, defendiam a abolição chamada Lei Áurea, que libertava todos os escra-
imediata da escravidão, sem indenização aos fa- vos a partir daquela data, sem direito de indeniza-
zendeiros que tivessem de abrir mão de seus escra- ção aos proprietários.
vos. O fim da escravidão intensificou, como será
Em 1883, Joaquim Nabuco, político importante visto a seguir, a crise da monarquia, que no ano
no período, lançou o livro O abolicionismo, que de- seguinte seria derrubada com a Proclamação da
fendia que qualquer negociação de seres huma- República. Com isso, realizou- -se também a aspira-
nos seria crime. Em 1884, a campanha ganhou mais ção europeia da criação de um mundo de traba-
força com a abolição da escravidão na província lhadores assalariados que pudessem se transformar
do Ceará. Em São Paulo, o abolicionista Antônio em consumidores dos produtos industriais europeus,
Bento liderou o grupo denominado de Caifases, especialmente ingleses.
que planejava, financiava e auxiliava fugas de es- A vinda maciça de imigrantes trabalhadores
cravos. para certas regiões do Brasil, sobretudo para o Su-
Depois de retirados das fazendas, eles eram deste, desempenhou papel significativo no desen-
levados ao Quilombo do Jabaquara, em Santos, volvimento capitalista nacional. Em primeiro lugar,
local que chegou a receber milhares de escravos. porque a imigração permitiu a expansão do traba-
Essas fugas, que causavam prejuízos aos pro- lho livre, fundamento para a constituição do ope-
prietários, tornaram-se comuns a partir de 1887, em rariado urbano. Como trabalhador assalariado, o
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imigrante possuía poder aquisitivo, o que significa- pouco competitivo em relação ao do vizinho Uru-
va possibilidade de adquirir bens, até então limita- guai. Esgotadas as negociações, intensificou-se o
da às classes sociais mais altas. conflito armado entre forças rebeldes e as do go-
Por fim, essa classe de assalariados dinamizou verno, em 1836.
as atividades produtivas e o mercado interno, o Os conflitos se estenderam até 1845, envolven-
que possibilitou, décadas mais tarde, a intensifica- do também parte da província de Santa Catarina,
ção da industrialização no Brasil. As instabilidades na qual foi fundada a República Juliana. Em 1845,
políticas que precederam o 2o Reinado Quando d. iniciou-se nova negociação que resultou na rein-
Pedro I renunciou ao trono, em 1831, seu filho Pe- corporação do Rio Grande do Sul e de Santa Cata-
dro, seu sucessor, tinha apenas 5 anos de idade. rina ao Império. Na província do Grão-Pará (atuais
Por isso, foi necessário estabelecer uma regên- Pará, Amazonas, Amapá e Roraima), ocorreu a Ca-
cia, ou seja, uma ou mais pessoas, chamadas de banagem.
regentes, governariam o Brasil enquanto o impera- Desde a independência, o poder na província
dor não completasse a maioridade, 18 anos de ida- era disputado pelas elites locais, constituídas princi-
de, conforme determinava a Constituição brasileira palmente de comerciantes, produtores rurais e pro-
de 1824. Assim, após a abdicação de d. Pedro I, prietários de terra. De um lado, estavam aqueles
constituiu-se a Regência Trina Provisória, composta que defendiam o governo centralizado nas mãos
de três membros indicados pelo Senado. Ainda em do imperador e, do outro, os adeptos da monar-
1831, foi instituída a Regência Trina Permanente. quia constitucional que limitava a autoridade do
Deve-se considerar que nesse período havia Poder Executivo.
uma grande cisão política entre os liberais modera- O primeiro grupo era composto, em sua maioria,
dos e os liberais exaltados. Ainda que não formas- por produtores e negociantes de origem portugue-
sem partidos políticos, esses grupos defendiam po- sa, enquanto o outro grupo, constituído por produ-
sicionamentos particulares e divergentes. tores e comerciantes brasileiros, possuía apoio da
Os liberais moderados defendiam a monarquia população que vivia em cabanas na beira dos rios.
constitucional, em que o monarca governava res- Esses cabanos culpavam os portugueses por
peitando a Constituição; já os exaltados lutavam a suas dificuldades econômicas. Em 1836, os rebeldes
favor de reformas modernizadoras, não descartan- controlavam boa parte do Pará, havendo grande
do a adoção de um regime republicano federalis- participação de indígenas e negros que se rebe-
ta, como o colocado em prática nos Estados Uni- lavam contra sua condição social de explorados.
dos da América (EUA). Por fim, havia ainda o grupo Essa foi a primeira insurreição popular em que as
dos restauradores, que propunha o retorno de d. classes sociais mais baixas da população consegui-
Pedro I ao trono. ram ocupar o poder de toda uma província. 91
Do ponto de vista econômico, nenhum dos No entanto, com a intervenção das forças mi-
grupos defendia transformações radicais, ainda litares do governo central, a cidade de Belém foi
que alguns liberais exaltados chegassem a criticar retomada pelas forças imperiais. Entre 1837 e 1840,
a manutenção da escravidão. Porém, tanto para a rebelião ainda teve fôlego no interior da provín-
os exaltados como para os moderados deveria ser cia, mas a revolta acabou sendo definitivamente
garantido o direito de propriedade. derrotada.
As lutas políticas desses grupos e as demandas Além dessas revoltas, aconteceu ainda, em
sociais da população brasileira, espalhada por um 1835, uma rebelião de escravos em Salvador, na
imenso e diverso território, tornaram o período bas- província da Bahia. Os líderes do movimento eram
tante tenso do ponto de vista político e social. Em os malês, como eram conhecidos os africanos mu-
um contexto dominado pelo trabalho escravo e çulmanos que viviam na Bahia.
pela grande presença dos latifúndios monoculto- Os motivos da revolta, que vinha sendo plane-
res, restavam poucas opções para os homens livres jada desde 1834, relacionavam-se ao desconten-
pobres. Eles não tinham acesso à terra e não existia tamento com o tratamento dado pelas autorida-
um mercado de trabalho constituído para essa po- des locais à comunidade islâmica, religião de mui-
pulação. tos escravos vindos de algumas regiões da África. A
Diversas revoltas ocorreram. Em várias provín- chamada mesquita da Vitória foi destruída, e mes-
cias, era a própria adesão ao Estado brasileiro que tres muçulmanos, que tinham a função de transmi-
ainda estava em questão. Considerando os rumos tir o conhecimento sobre o islã, foram presos.
da política conduzida pelo governo central, em Houve conflitos na cidade, nos quais festas is-
que medida as demandas políticas locais se viam lâmicas foram dissolvidas com violência por au-
contempladas? No Rio Grande do Sul, ocorreu a toridades locais. Entre os objetivos dos líderes do
Farroupilha (1835-1845), liderada por proprietários movimento estava a abolição da escravatura e a
de gado, conhecidos como estancieiros, que de- africanização da Bahia, a ponto de se defender a
sejavam ter maior autonomia política para poder morte dos brancos.
realizar seus negócios sem pagar os impostos defini- O plano da rebelião, entretanto, foi descober-
dos pelo governo central. to um dia antes da data prevista. Os rebeldes en-
Parte do problema se relacionava com novos traram em conflito com as forças imperiais e não
impostos criados sobre o charque (carne bovina conseguiram impor a vitória. Apesar do fracasso do
seca e salgada), que o tornavam comercialmente movimento, ele se tornou símbolo do temor das eli-
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tes de uma rebelião escrava. ca Em 1864, teve início a Guerra do Paraguai, na


Os revoltosos foram condenados a vários tipos qual Brasil, Uruguai e Argentina formaram a Tríplice
de sentenças, desde a prisão até a pena de mor- Aliança para derrotar as forças militares do Para-
te. Nesse período, ocorreram ainda a Sabinada, na guai, país presidido por Solano López.
Bahia, em 1837, e a Balaiada, no Maranhão, entre O conflito se relacionava diretamente com
1838 e 1841. A primeira colocava a possibilidade de a disputa pelo controle político da região do Rio
a província separar-se do Império. A Bahia já vinha da Prata, economicamente estratégico por dar
sendo palco de várias revoltas, desde a Indepen- acesso ao Oceano Atlântico. O livre trânsito nos
dência. rios Paraguai, Uruguai e Prata garantiria à província
Esse movimento era apoiado por pequenos co- do Mato Grosso a possibilidade de ter uma saída
merciantes, funcionários públicos e artesãos que direta para o mar. Por esse caminho, seria possível
criticavam a má administração da província e a também escoar produtos ingleses comercializados
transferência de recursos para o governo central, o a partir do Brasil.
que impedia a ampliação dos investimentos locais.
Depois de cercarem Salvador, as tropas do gover-
no reconquistaram a cidade, deixando um saldo
estimado de quase 2 mil mortos.
A Balaiada relacionava-se com os conflitos lo-
cais entre liberais e conservadores, que disputavam
o poder, embora defendessem interesses econô-
micos em comum: não se opunham à escravidão
nem propunham reformas que beneficiassem efeti-
vamente a população miserável do Maranhão.
A essa disputa de poder somava-se a grande
tensão social existente na província, que vivia as
consequências do declínio da economia algodoei-
ra, o que fez com que a pobreza da população
local se agravasse ainda mais.
Além disso, muitos escravos eram trabalhadores
urbanos, especializados em tarefas como constru-
ção e carpintaria. Nas cidades, a proximidade en-
tre escravos e a população pobre, que encontrava
92 dificuldades para sobreviver, aumentava o temor
de que esses diferentes grupos marginalizados ini-
ciassem uma rebelião social.
O movimento foi ganhando ares de confronto
racial (havia o incentivo à morte dos brancos) e
de protesto da população miserável. A elite local
passou a temer o crescimento das manifestações
e apoiou a repressão ao movimento. Aproximada-
mente 8 mil homens lutaram contra os rebeldes,
que foram definitivamente derrotados em 1841.
Em meio a muitas instabilidades políticas e rei-
vindicações locais em 1834 os deputados e sena-
dores decidiram, por meio de um ato adicional que ARRUDA, José Jobson de A. Atlas histórico básico.
reformaria a Constituição vigente, que a regência São Paulo: Ática, 2008, p. 42. Mapa original.
deixaria de ser trina para ser una. Desse modo, ha-
veria apenas um governante. Foi essencial para a Tríplice Aliança o apoio da
Era uma tentativa de fortalecer o Poder Execu- Inglaterra, que financiou os armamentos necessá-
tivo diante das várias revoltas que ocorriam no País. rios para os combates. Ao se preparar para a guer-
Em 1835, o padre Diogo Antônio Feijó, de orienta- ra, o Brasil recorreu ao Exército, mas também aos
ção liberal, venceu as eleições para regente. No “voluntários da pátria”, estudantes e outros civis
entanto, não foi capaz de resistir aos conflitos e, em que inicialmente se candidataram a lutar na guer-
1837, passou a regência para o conservador Pedro ra.
de Araújo Lima. Nesse contexto, já se articulava, Mais tarde, entretanto, a convocação passou
contudo, um movimento liderado pelos liberais que a ser compulsória, gerando grande desgaste ao
defendia a antecipação da maioridade de d. Pe- governo brasileiro. Houve também a participação
dro II, que acabou sendo aprovada pela Câmara de muitos escravos, sendo que alguns foram for-
dos Deputados em 1840. çados a se alistar e outros combateram em troca
Como resultado, o imperador assumiu o trono da promessa de alforria dada pelo governo. Várias
com 14 anos de idade, encerrando o período re- batalhas foram travadas pelas forças da Marinha
gencial e dando início efetivamente ao 2º Reinado. e do Exército da Tríplice Aliança contra as tropas
O fim do Império e a Proclamação da Repúbli- paraguaias.
Ciências Humanas e suas Tecnologias

A longa duração da guerra, por sua vez, provo- representantes da monarquia tivessem força para
cava grande desgaste para a monarquia brasileira, reagir. Com o apoio do movimento republicano,
e os custos dos conflitos eram maiores do que o go- que já se fazia presente desde os anos 1870, e dos
verno poderia suportar. cafeicultores, os militares impuseram um golpe de
Assim, depois de 1868, o Brasil ampliou os esfor- Estado e assumiram o poder.
ços para pôr fim à questão, promovendo uma cha- Foi criado um governo provisório sob a lideran-
cina, que levou à morte parte significativa da po- ça do marechal Deodoro da Fonseca. D. Pedro II
pulação paraguaia. Ainda assim, a guerra só teve deixou o Brasil com seus familiares em direção à Eu-
fim em 1870, com a morte do presidente paraguaio ropa, falecendo em 1891, em Paris.
Solano López.

A longa duração da guerra, seus enormes cus-


tos, a convocação forçada de civis e a crise do
sistema escravista colocaram a própria monarquia
brasileira em xeque.
Ainda que tenha vencido a guerra, o governo
imperial não conseguiu evitar as críticas por sua
postura autoritária na convocação de civis para
lutar e pela incapacidade de solucionar o conflito 93
rapidamente.
Parte das críticas à monarquia passou a ser fei-
ta pelo próprio exército, que, apesar da crescente
importância política após seus intensos esforços na
guerra, não se via politicamente representado.
Dessa maneira, os militares denunciavam os
privilégios, a corrupção e a incompetência admi-
nistrativa imperial. O que tornava ainda mais frá-
gil a situação da monarquia era o fato de que os
cafeicultores já não eram mais grandes aliados do O BRASIL REPUBLICANO: A CHAMADA REPÚBLICA
governo imperial. VELHA
Alguns deles já não estavam interessados na
manutenção da escravidão, e sim no financiamen- Em 1889, a República foi proclamada por um
to da imigração europeia, que desejavam que golpe militar no Brasil. Nesse sentido, não se pode
viesse diretamente dos cofres do governo da pro- afirmar que tenha sido um movimento popular. Na
víncia de São Paulo. Ou seja, passava a ser mais realidade, ela foi feita sem a participação do povo,
interessante para os cafeicultores a criação de ainda que a insatisfação da população com a mo-
uma república federalista, na qual o governo local narquia fosse evidente nos últimos anos do Império.
pudesse ter mais autonomia para investir na vinda Mas em que medida a república atenderia às
de novos imigrantes sem precisar negociar com o aspirações dos trabalhadores pobres das diversas
governo central. regiões do País? E as dos escravos recém-libertos?
Havia outras forças sociais além dos cafeiculto- A república no Brasil se traduziu em maior participa-
res do Oeste Paulista, como os republicanos do Rio ção popular e desenvolvimento da democracia?
de Janeiro, apoiados por parte dos militares, que Você estudará a 1ª República brasileira, também
também consideravam que o governo imperial já chamada República Velha.
não atendia suas demandas econômicas e políti- Ela se estendeu até 1930 e foi marcada pela
cas. Essa insatisfação abriu espaço para um golpe forte presença dos cafeicultores no poder, sem efe-
militar que articulou a queda do imperador. tivamente construir uma sociedade democrática.
Nesse contexto, em 15 de novembro de 1889 Ao contrário, criou um modelo oligárquico, no qual
foi proclamada a República no Brasil, sem que os o governo se colocava como legítimo e exclusivo
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representante dos interesses dos cafeicultores. Em influente que poderia definir o acesso a empregos,
1930, por meio de mais um golpe de Estado, che- prestar favores e criar dificuldades para quem não
gou ao poder Getúlio Vargas, que permaneceu estivesse do seu lado na política. Ele era essencial
como presidente do Brasil até 1945. para o processo eleitoral do período, pois foi criado
A Era Vargas foi um período agitado no que um sistema em que candidatos dos governos esta-
se refere às lutas dos trabalhadores, que fizeram duais contavam com o apoio político local para se
muitas greves e protestos e reivindicaram melhores eleger.
condições de trabalho. Foi uma época também O mesmo ocorria com deputados e senadores,
de proposições mais radicais de transformação da que precisavam do apoio do coronel. Essa prática
sociedade, defendidas pelos movimentos comu- eleitoral, em que o eleitor era coagido, ou seja, for-
nistas e anarquistas no Brasil. Parte desse período çado a votar no candidato do coronel, é que se
também compreendeu um governo ditatorial, cha- denominou de voto de cabresto.
mado de Estado Novo. Vale ressaltar que o coronel era também, em
A República do Café com Leite Imediatamente geral, um proprietário de terras que se articulava
após a Proclamação da República, foi instaurado ao sistema político. Por meio dessa articulação, ele
um governo provisório, no qual o marechal Hermes garantia a manutenção da estrutura social e fun-
da Fonseca era o presidente. Foi necessário criar diária na qual predominavam os latifúndios, que,
uma nova Constituição para o País, promulgada em sua maioria, eram monocultores e utilizavam
em 1891. Inspirada no modelo federalista dos EUA, mão de obra superexplorada.
ela concedia maior autonomia às províncias, que O coronelismo correspondia a práticas de
se transformaram nos Estados da federação. controle político típicas das primeiras décadas do
Cada Estado poderia tomar certas decisões so- Brasil republicano, de forma a manter a situação
bre a vida econômica e política local sem que o econômica e a organização do trabalho sempre
governo central precisasse autorizá-las. Esse cami- favoráveis aos interesses da elite latifundiária local,
nho satisfazia o desejo das elites regionais. Em São da qual faziam parte os coronéis. Desse modo, per-
Paulo, particularmente, os cafeicultores alcança- cebe-se que as eleições nesse período não satisfa-
ram o objetivo de que o governo estadual finan- ziam à vontade popular e aos interesses dos traba-
ciasse a vinda de novos imigrantes europeus para lhadores e que tampouco se tratava efetivamente
trabalhar em suas lavouras de café. de um Estado democrático.
A primeira Constituição da República previa Ao contrário, considera-se a 1ª República como
também eleições diretas para a presidência e para um período marcado pelo Estado oligárquico, ou
o parlamento. No entanto, o voto seria aberto, isto seja, governado por poucos e para poucos. Em
94 é, não seria secreto, e isso possibilitava muitos des- especial, eram governos dominados por grandes
vios no processo eleitoral. Os eleitores eram todos proprietários, que conseguiam eleger presidentes,
os brasileiros do sexo masculino com mais de 21 governadores e deputados alinhados com seus in-
anos e alfabetizados, o que abrangia uma porcen- teresses. A força desse grupo oligárquico fica evi-
tagem muito pequena da população. Quer dizer, dente ao se verificar o conjunto de presidentes que
mesmo havendo voto direto para o parlamento e governaram o País entre 1889 e 1930.
para a presidência, apenas uma minoria da popu- Dos 13 presidentes do Brasil nesse período, sete
lação tinha o direito de escolher seus representan- estavam diretamente ligados aos interesses dos
tes. grandes proprietários de São Paulo e de Minas Ge-
Com isso, a grande maioria da população, rais, em especial dos grupos ligados com a produ-
composta de mulheres, trabalhadores rurais e ur- ção de café. Essas oligarquias tinham grande for-
banos, ex- -escravos, pobres e analfabetos, estava ça, porque os dois Estados eram os mais populosos,
excluída da vida política, ficando à mercê da elite o que lhes proporcionava uma grande bancada
branca e latifundiária, que acabava por definir os eleitoral.
rumos econômicos e da organização do trabalho e Esse sistema ficou conhecido como política
da produção em todo o País de acordo com seus do café com leite, uma alusão à elite cafeiculto-
interesses. A corrupção no sistema eleitoral foi uma ra paulista e ao Estado de Minas Gerais, já que os
das marcas da 1ª República. mineiros, além de produzirem café, eram também
Foi nesse contexto que surgiu a expressão “voto grandes produtores de leite. Mas como os cafeicul-
de cabresto”. Como o voto era aberto, criava- -se tores eram favorecidos? Em 1906, estabeleceu-se o
a possibilidade de controlar e manipular os votos Convênio de Taubaté, o qual definiu que o governo
dos eleitores. Todo tipo de favor era prometido aos compraria parte da produção do café para regu-
que votassem em determinado candidato. lar os preços no mercado e também desvalorizaria
Ao mesmo tempo, aqueles que não votassem a moeda nacional quando fosse necessário, para
no candidato preferido da liderança política local que os cafeicultores recebessem mais dinheiro bra-
– o chamado coronel – poderiam ser vítimas de sileiro em uma venda para o mercado externo.
sanções, isto é, de punições e até de ações vio- Quem perdia com essas práticas? O resto da
lentas. Para garantir o cumprimento das ameaças, população, pois o governo estava utilizando recur-
capangas do coronel vigiavam os eleitores na hora sos públicos para financiar o café em detrimento
de votar. Mas quem era o coronel? de investimentos em setores que poderiam bene-
Era uma figura de expressão local, uma pessoa ficiar, entre outros, pequenos proprietários de ter-
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ras ou trabalhadores urbanos. Além disso, quando defendia a introdução da jornada de trabalho de
a moeda nacional era desvalorizada, o lucro dos oito horas diárias, a libertação de grevistas presos e
cafeicultores aumentava, mas o custo dos bens de o livre direito de associação.
consumo importados, que eram a maioria nesse A greve só foi encerrada depois que parte das
período, ficava mais caro. reivindicações foi atendida. No mesmo ano, outra
Levando em consideração que os salários dos greve atingiu várias categorias e grande parte dos
trabalhadores eram muito baixos, era mais difícil trabalhadores do Rio de Janeiro. As greves e as
comprar os produtos de que precisavam para viver. mobilizações conduzidas pelos anarcossindicalistas
Foi nesse período que teve início o desenvolvimen- prosseguiram por toda a década de 1920, sendo
to industrial brasileiro. Desde os anos 1880, começa- sempre duro o conflito com as autoridades, que
ram a se instalar as primeiras indústrias de bebidas, claramente não atuavam na defesa dos direitos
fósforos, chapéus e tecidos no País. No entanto, dos trabalhadores.
ainda eram bastante incipientes se comparadas às Os grupos sociais que, de alguma forma, diver-
indústrias de países europeus no mesmo período. É giam dos caminhos e proposições do grupo oligár-
importante lembrar que foram os recursos obtidos quico eram duramente reprimidos. Essa repressão
na cafeicultura que permitiram o investimento na gerava conflitos violentos e não abria espaço para
indústria nacional. mediações ou diálogos.
As grandes fortunas construídas com a expor-
tação do café puderam ser utilizadas também na
criação de bancos, que financiaram a atividade
industrial. O desenvolvimento da indústria possibili-
tou o crescimento dos centros urbanos, principal-
mente na região Sudeste, já que as indústrias foram
instaladas nesses centros, atraindo os trabalhado-
res que vinham do interior, de outros Estados ou de
fora do País. São Paulo, principal área de desen-
volvimento industrial, viu sua população aumentar
rapidamente entre fins do século XIX e os primeiros
anos do século XX.
Em 1872, a cidade tinha aproximadamente 31
mil habitantes e, em 1900, já eram cerca de 240
mil pessoas, quase oito vezes mais (cf. FUNDAÇÃO
Seade. São Paulo outrora e agora. Disponível em: . 95
Acesso em: 28 jan. 2015). Crise da 1ª República e o início da Era Vargas
As condições de trabalho nas fábricas que se
instalaram em cidades como São Paulo e Rio de Na década de 1920, as críticas ao governo
Janeiro, entretanto, eram as piores possíveis. As jor- oligárquico intensificaram-se com a presença do
nadas de trabalho chegavam a 13, 14 e 15 horas movimento tenentista. Os tenentes formavam um
por dia (cf. DECCA, Maria Auxiliadora de. grupo de oficiais de baixa patente que criticavam
Indústria, trabalho e cotidiano: Brasil – 1889 a a maneira como o governo republicano estava po-
1930. São Paulo: Atual, 1991, p. 36) e os castigos fí- liticamente organizado.
sicos eram admitidos quando um trabalhador co- As críticas formuladas pelos tenentes recebiam
metia algum erro na produção. Os salários eram apoio de parte da classe média e das oligarquias
miseráveis, e muitas crianças eram contratadas por que não estavam ligadas à cafeicultura. Entre as
salários ainda menores que os dos adultos. Nesse principais bandeiras de luta dos tenentes estavam
contexto, foram criadas as primeiras organizações a liberdade de imprensa, a moralização do Legis-
operárias para protestar contra as más condições lativo, uma maior independência do Judiciário e o
de trabalho, as longas jornadas de trabalho e os combate à corrupção e à fraude eleitoral.
baixos salários. Em 1922, oficiais de baixa patente sublevaram-
Entre os operários organizados, havia uma signi- -se, isto é, rebelaram-se, no Forte de Copacabana,
ficativa presença dos anarcossindicalistas, que, em na cidade do Rio de Janeiro. Nessa sublevação,
1908, criaram a Confederação Operária Brasileira alguns oficiais foram mortos e outros foram presos
(COB), cuja finalidade era organizar greves e mobi- pelas forças do governo. O fracasso do movimento
lizações de trabalhadores de várias categorias. não fez cessar as pretensões dos tenentes, que em
As greves eram reprimidas com violência, pois 1924 planejaram um conjunto de revoltas em todo
se considerava que as questões sociais deveriam o País.
ser tratadas como caso de polícia. A repressão às Nesse mesmo ano, iniciou-se uma revolta em
greves levava trabalhadores à prisão, sendo co- São Paulo, mas não houve sucesso. Posteriormen-
mum também as agressões físicas. Em 1917, o sa- te, tenentistas paulistas e gaúchos se uniram para
pateiro José Iñeguez Martinez foi morto em um con- formar a Coluna Prestes-Miguel Costa. Seu objetivo
fronto com os policiais, o que ampliou a mobiliza- era propagar uma revolução, propondo à popu-
ção operária. Ainda nesse ano, foi organizada uma lação que lutasse por reformas políticas e sociais
greve geral de trabalhadores em São Paulo, a qual contra a exploração por parte da oligarquia que
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dominava o poder. tado nas eleições de 1929, Getúlio Vargas, tomou o


Entre 1925 e 1927, aproximadamente mil ho- poder no Rio de Janeiro. Encerrava- -se a 1ª Repú-
mens viajaram por mais de 25 mil quilômetros utili- blica e o período de predomínio dos cafeicultores
zando táticas de guerrilha para estimular a revolu- na política brasileira. Tinha início a Era Vargas, que
ção, conseguindo, assim, fragilizar o governo oligár- se estendeu até 1945.
quico. Os tenentes contribuíram para que a crítica
e a oposição à oligarquia no poder se ampliasse.
Além disso, no final da década de 1920, vários as-
pectos fizeram com que a 1ª República entrasse
em crise, abrindo espaço para transformações ain-
da mais profundas.
Havia, inicialmente, um descontentamento por
parte das oligarquias dos outros Estados, que não
se viam beneficiadas por um governo que tinha
como principal objetivo atender às demandas da
cafeicultura. Além disso, mesmo dentro da oligar-
quia cafeeira ocorriam disputas internas.
Em 1929, o presidente Washington Luís, que era
paulista, indicou um candidato à sua sucessão que
não agradou aos aliados mineiros, causando uma
cisão na chamada política do café com leite, que
propunha um candidato de consenso entre as
duas oligarquias.
Nesse contexto, os oligarcas mineiros se aliaram
aos gaúchos e paraibanos, formando a Aliança Li- O MUNDO DIVIDIDO E A ERA VARGAS
beral, e lançaram Getúlio Vargas como candidato
em oposição ao dos paulistas, que era Júlio Prestes. A formação do fascismo e do nazismo
Em sua campanha, a Aliança Liberal afirmava
que governaria para todos os brasileiros e não só A assinatura do Tratado de Versalhes (1919) e
para os cafeicultores. Seus integrantes propunham os demais acordos estabelecidos para alcançar a
a criação de alguns mecanismos de proteção aos paz com o fim da 1ª Guerra Mundial não conse-
trabalhadores, como lei de férias e regulamenta- guiram evitar o surgimento de novas disputas en-
96 ção do trabalho de menores de idade. tre as principais potências político-econômicas da
As eleições foram vencidas por Júlio Prestes, época. No início da década de 1920, os problemas
mas o seu resultado foi contestado pela Aliança Li- econômicos e sociais enfrentados pela Europa ge-
beral, que alegava corrupção eleitoral. A situação raram uma grande instabilidade política em diver-
da oligarquia tornava-se ainda mais difícil com a sos países, entre os quais, a Itália.
crise econômica que assolava o País desde a que- Os italianos haviam saído da guerra abalados,
bra da bolsa de Nova Iorque (EUA), em 1929. com um saldo de centenas de milhares de mortos,
Com isso, os preços do café despencaram no a economia desestabilizada e a população empo-
mercado internacional, uma vez que ele era co- brecida. Essa tensão social fortaleceu projetos polí-
mercializado na bolsa estadunidense. Em meio a ticos radicais, como o fascismo.
essa crise, os cafeicultores reivindicavam maiores Em 1921, foi fundado, sob a liderança de Benito
subsídios, enquanto o governo temia os efeitos ne- Mussolini, o Partido Nacional Fascista, que defendia
gativos que tais medidas poderiam ter em ano elei- o nacionalismo e combatia o comunismo e a de-
toral, já que a oligarquia estava sob forte crítica. mocracia. Os fascistas recebiam apoio da classe
Com o País em crise, a Aliança Liberal, que média italiana e de setores conservadores e pre-
questionava o resultado das eleições, aliou-se aos tendiam acabar com a influência política que os
tenentes para criar uma frente de luta contra a socialistas exerciam em diversos âmbitos da socie-
oligarquia que se mantinha no poder. Em julho de dade italiana.
1930, ocorreu o assassinato de João Pessoa, can- Em 1927, foi publicada a Carta del Lavoro (“Car-
didato à vice-presidência na chapa de Getúlio ta do Trabalho”), que apresentava os princípios da
Vargas. Embora as razões do crime estivessem rela- doutrina de Mussolini. A Carta estava inserida em
cionadas a conflitos locais, o fato foi utilizado para uma política interna dos fascistas de tentar conter
ampliar a ação contra o governo oligárquico. o avanço do comunismo italiano. Setores conser-
Definiu-se por uma intervenção militar que im- vadores enxergavam no Partido Comunista e no
pedisse a posse de Júlio Prestes. Os revoltosos con- movimento operário organizado uma ameaça aos
seguiram controlar os governos da Paraíba, Per- interesses da burguesia industrial.
nambuco, Minas Gerais e Rio Grande do Sul e, por Do ponto de vista político e moral, o comunis-
fim, forçaram a deposição do presidente Washin- mo era visto como uma afronta à Igreja e outras ins-
gton Luís, que já não tinha apoio suficiente para tituições conservadoras. Além disso, a Carta defen-
governar. dia o princípio do corporativismo, segundo o qual
Assim, em outubro de 1930, o candidato derro- cabia ao Estado regulamentar as relações entre
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trabalhadores e empresários, bem como a ativida- Estado, aumentou o nível de emprego e estimulou
de sindical dos trabalhadores. o crescimento econômico. Tanto os nazistas como
Enquanto Benito Mussolini, o Duce (“chefe”, em os fascistas utilizaram uma intensa propaganda,
italiano), chegava ao poder na Itália fascista e for- para garantir o amplo apoio das massas.
mava um governo nacionalista e extremamente O apelo à família, à pátria e à prosperidade
autoritário, na Alemanha ocorria o fortalecimento foi usado para reunir diferentes setores sociais. O
do nazismo. Com a derrota da Alemanha na 1ª Estado foi implacável e passou a vigiar, perseguir
Guerra, o país mergulhou em uma grave crise so- e prender pessoas consideradas subversivas, isto é,
cial, econômica e política. que questionavam o governo. Protestos foram proi-
O aumento assustador do desemprego, a infla- bidos. Manifestações públicas só eram toleradas se
ção e a desvalorização da moeda (o marco ale- prestassem reverência.
mão) levaram a população à miséria. A situação Sindicatos e associações de classe foram atre-
política alemã estava dividida entre partidos de lados à burocracia do Estado. Nos primeiros anos
posições ideológicas bem diversas. do nazifascismo na Alemanha e na Itália, centenas
Havia os conservadores, do Partido Nacional de opositores dos dois regimes foram presos e mor-
Alemão e do Partido Popular Alemão; ao centro, tos.
havia o Partido Social-Democrata Alemão e um
partido dissidente; e à esquerda, o Partido Comu- 2ª Guerra Mundial
nista Alemão. Com o fim do império, organizou-se
um governo parlamentarista social-democrata, Comandados pelo líder Adolf Hitler, os alemães
chamado de República de Weimar (1919-1933). iniciaram em 1938 a sua expansão, invadindo e
Nesse contexto, foi fundado em 1920 um novo anexando a Áustria e a Tchecoslováquia (cujo ter-
partido, de extrema-direita, o Partido Nacional-So- ritório hoje encontra-se dividido entre República
cialista dos Trabalhadores Alemães, também co- Tcheca e Eslováquia).
nhecido como Partido Nazista, termo originário da Em setembro de 1939, as tropas alemãs invadi-
abreviação da palavra alemã Nationalsozialist (em ram a Polônia. Como resposta, a França e a Grã-
português, “nacional-socialista”). -Bretanha declararam guerra aos nazistas – era o
Em 1921, a liderança do partido foi assumida início da 2ª Guerra Mundial. A Alemanha nazista e
por Adolf Hitler, ex-cabo do exército na 1ª Guerra. seus aliados conquistaram outras regiões da Euro-
Com ele, o discurso partidário passou a ser mais pa, como a Noruega, a Bélgica, a Iugoslávia (que
extremado e revanchista. Apoiados pelo discurso corresponde hoje a vários países no sudeste da Eu-
extremamente nacionalista, os nazistas defendiam ropa) e a Grécia, além de parte da França, que só
a superioridade da raça ariana (supostos ancestrais foi desocupada em 1944. 97
brancos dos alemães) e o antissemitismo (persegui- No caso da França, a parte não ocupada pe-
ção aos judeus), eram contra as instituições de- los alemães passou a ser governada pelo marechal
mocráticas e liberais, combatiam o comunismo e Henri Philippe Pétain, que colaborava com os nazis-
apoiavam o expansionismo militar alemão. tas. Os interesses de expansão econômica e territo-
O Partido Nazista foi visto por muitos alemães rial da Alemanha, da Itália e do Japão, que haviam
como um caminho para a recuperação da esta- motivado esses países a participar da 1ª Guerra,
bilidade econômica nacional e, por combater o não haviam sido contemplados.
comunismo, foi fortemente apoiado pela burguesia Por isso, eles se uniram em prol desses mesmos
alemã na época, que temia uma revolução social interesses na 2ª Guerra. É nesse sentido que a 2ª
tal como ocorrera na Rússia. Guerra Mundial pode ser explicada como uma
Em 1933, Hitler foi escolhido primeiro-ministro continuação da primeira, pois ela ainda era uma
pelo presidente Paul von Hindenburg, e sua ascen- guerra imperialista.
são ao poder consolidou-se no ano seguinte, quan- Assim, os países se articularam e se organizaram
do se tornou a autoridade máxima da Alemanha, o em dois blocos antagônicos: de um lado, o Eixo,
Führer (“líder”, em alemão). formado por Alemanha, Itália e Japão; de outro, os
A crise econômica na Alemanha, causada pe- Aliados, com França, Grã-Bretanha e, poucos anos
los altos custos de guerra que o país tinha de pa- depois, URSS e EUA. Em 1941, as tropas alemãs ata-
gar, e que haviam sido estabelecidos pelo Tratado caram a URSS, quebrando um pacto de não agres-
de Versalhes, enfraqueceu o liberalismo e a livre são assinado em 23 de agosto de 1939.
concorrência, estimulando a intervenção do Esta- Esse pacto foi um acordo entre Hitler e Stálin,
do em diversos setores da economia. com o objetivo de garantir a ambos conquistas
Além disso, a situação do país foi agravada territoriais na Europa Oriental sem que precisassem
pela crise capitalista de 1929, que afetou direta- se enfrentar. No entanto, os alemães tinham outros
mente a vida dos trabalhadores, aumentou o de- objetivos.
semprego, contribuiu para a desindustrialização Hitler pretendia ocupar Moscou e destruir o
e provocou a fragilização da democracia liberal comunismo soviético, sistema visto pelos alemães
alemã. Quando Hitler chegou ao poder, assumiu o como uma ameaça à expansão nazista no Leste
controle de diversos setores da economia, incenti- Europeu. Os conflitos se desenvolveram ao longo
vou as indústrias de base e de armas, dinamizou o dos anos, com avanços das tropas nazistas segui-
comércio e o fomento à indústria, controlada pelo dos de reações das tropas aliadas. Os alemães so-
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freram uma expressiva derrota contra os russos, na


Batalha de Stalingrado.
Após dois anos de conflito pelo controle da ci-
dade, entre 1942 e 1943, os nazistas foram vencidos
pelas tropas soviéticas, que assumiram a ofensiva e
determinaram a derrota alemã nos anos seguintes.

No entanto, os conflitos ainda continuaram no


Oriente. As pretensões expansionistas japonesas
ameaçavam o poder das potências ocidentais em
suas áreas coloniais. Depois de anos de conflitos
nas ilhas do Pacífico, para pôr fim à ameaça japo-
A entrada dos EUA na guerra, em 9 de dezem- nesa e sob o pretexto de encerrar a guerra, os EUA
bro de 1941, fortaleceu as tropas aliadas contra os fizeram uso pela primeira vez de uma arma nuclear.
países do Eixo. É importante destacar que não hou- Lançaram duas bombas atômicas sobre as
ve combates em território estadunidense, exceto o cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em
ataque japonês à base naval de Pearl Harbor, no agosto de 1945, que mataram de imediato mais de
Oceano Pacífico, em 7 de dezembro de 1941, que 100 mil pessoas (cf. ARAUJO, Braz. Hiroshima e Na-
levou os EUA a declarar guerra ao Eixo. gasaki: paradoxos da estratégia. Revista USP, n. 26,
98 Com seu território preservado, após a guerra São Paulo, jun./ago. 1995, p. 76).
os EUA não precisaram investir na reconstrução As cidades atacadas ficaram praticamente em
do país, o que permitiu que os recursos financeiros ruínas, e o imperador Hirohito anunciou a rendição
fossem direcionados para seus aliados na Europa. do Japão. Chegava ao fim a 2ª Guerra Mundial,
Com o ingresso dos EUA na guerra, sua indústria bé- com um saldo total estimado de aproximadamen-
lica passou a funcionar a todo o vapor, benefician- te 50 milhões de mortos, entre civis e militares.
do economicamente o país.
O fornecimento de armamentos poderosos fa-
voreceu a vitória dos Aliados. Por meio da chama-
da “Política da Boa Vizinhança”, o governo do pre-
sidente Franklin Roosevelt conclamou vários países
do continente americano a aderir ao esforço de
guerra, incluindo o Brasil.
Com o objetivo de libertar a capital francesa,
ocupada pelos nazistas desde 1940, desembarcou
nas praias da Normandia (norte da França), no dia
6 de junho de 1944, um grande contingente de sol-
dados, acompanhados de milhares de aviões e na-
vios. Essa data ficou conhecida como o Dia D e foi
decisiva para o desfecho dos conflitos na Europa.
Nos meses seguintes, várias cidades alemãs fo-
ram bombardeadas, destruídas e tomadas pelos
Aliados. Na Itália, os fascistas perderam o poder,
com a captura de Mussolini e seu fuzilamento pelas Para substituir a Liga das Nações, criada ao final
tropas de resistência italianas, em abril de 1945. da 1ª Guerra, foi fundada em outubro de 1945 a
Nesse mesmo mês, tropas soviéticas cercaram Organização das Nações Unidas (ONU), reunindo
Berlim, capital alemã e centro das operações mi- representantes de dezenas de países. O objetivo
litares dos nazistas. Em maio do mesmo ano, logo era encontrar uma forma de manter a paz entre as
após o suicídio de Hitler, os nazistas anunciaram sua nações, criando tratados e acordos diplomáticos e
rendição. A guerra terminava na Europa. impedindo novas guerras mundiais. Com sede em
Nova Iorque (EUA), a ONU continua atuando nesse
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sentido, ainda que ela não consiga resolver alguns aprovação de uma nova Constituição para o País.
conflitos contemporâneos. A elite econômica paulista via também com
desconfiança a nova estratégia econômica, que
ASCENSÃO DE GETÚLIO E OS NOVOS RUMOS DO não colocava a cafeicultura no centro dos investi-
BRASIL mentos do governo. Em 1931, os paulistas se rebe-
laram contra a nomeação de um interventor em
Depois que Vargas assumiu o poder, um de seus São Paulo que não tinha qualquer afinidade com
primeiros objetivos foi aumentar o poder de decisão a orientação política dos cafeicultores do Estado.
do governo federal, limitando o poder dos Estados Em março de 1932, São Paulo rompeu com o
e reduzindo a influência das oligarquias locais. Para governo federal e decidiu apelar para uma solu-
tanto, foram nomeados interventores nos Estados, ção armada. O conflito se iniciou em 9 de julho de
indicados pelo presidente. Com isso, o governante 1932 e tinha como objetivo um ataque relâmpago
estadual passava a ser um subordinado direto do à sede do governo federal, obrigando Vargas a
governo federal. Esse processo relaciona-se tam- deixar o cargo.
bém com o fortalecimento do processo de indus- O plano fracassou devido à frágil formação mi-
trialização em detrimento da atividade agrícola, litar dos paulistas, que também não tiveram apoio
em especial a cafeicultura. dos outros Estados. Apesar da derrota, ao término
A partir da crise do café em 1929, e sua queda do conflito um novo interventor foi nomeado para
no mercado internacional, o capital industrial co- o Estado, e o governo definiu-se pela criação de
meçou a ganhar cada vez mais força na econo- uma Assembleia Constituinte.
mia nacional, ainda que o País continuasse depen- O resultado foi a Constituição de 1934, que
dente das atividades agrárias voltadas para a ex- confirmou a ampliação dos poderes do governo
portação. Após 1930, Getúlio Vargas preocupou-se federal adotada no Governo Provisório e restringiu
em estimular a diversificação econômica do País. o poder dos governos estaduais. Foi criada tam-
A fim de não depender de uma economia ba- bém a Justiça Eleitoral, para impedir as fraudes nas
seada na monocultura, ele defendeu a expansão eleições, e a Justiça do Trabalho, que deveria reali-
de outras culturas agrícolas, a ampliação do setor zar a proteção do trabalhador.
de transportes e a implementação de condições Definiram-se a existência de um salário mínimo,
infraestruturais para o desenvolvimento industrial. a jornada de trabalho de 8 horas diárias e o direi-
Com relação à cafeicultura, o governo assumiu to a férias remuneradas. Ficou proibido o trabalho
o controle dessa atividade econômica, que estava para menores de 14 anos. Também garantiu- -se o
em crise desde 1929 por causa da redução do pre- direito ao voto feminino, que já tinha sido estabe-
ço e do mercado consumidor. O governo federal lecido em 1932 com a criação do Código Eleitoral, 99
não só comprou parte dos estoques como promo- mas ainda não estava no texto constitucional.
veu a queima deles para sustentar o preço do café Inspirado no que acontecia no fascismo italia-
no mercado internacional. no, o Estado varguista se colocou como mediador
Retomando as promessas de campanha da das relações entre capital e trabalho. Ele deveria
Aliança Liberal, Vargas criou o Ministério do Tra- intermediar os interesses de trabalhadores e empre-
balho, Comércio e Indústria, que tinha como fina- sários, evitando o conflito. O momento vivido em
lidade desenvolver a indústria no País e criar uma todo o mundo era de muita tensão, devido à crise
legislação de proteção ao trabalhador, embora re- do liberalismo e ao fortalecimento do nazifascismo
primisse duramente os movimentos reivindicatórios na Europa.
e as organizações do movimento operário. Vargas foi acusado de simpatizar com as pro-
Começava a se desenhar o que seria a tôni- postas dos líderes italianos e alemães. No Brasil, ins-
ca do governo Vargas: se, de um lado, o governo talou-se um movimento de caráter nazifascista de-
adotava uma lógica de proteção e criação de be- nominado integralismo. Ao mesmo tempo, crescia
nefícios para o trabalhador, por outro, assumia uma a força dos comunistas, que tinham como uma de
postura autoritária, reprimindo os movimentos dos suas lideranças o ex-tenente Luís Carlos Prestes. Em
trabalhadores se contrários às suas orientações. 1935, os comunistas planejaram o que ficou conhe-
Nos primeiros anos do governo Vargas, foi criada a cido como Intentona Comunista.
carteira profissional e foram tomadas medidas no A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
sentido de regulamentar a jornada de trabalho. (URSS), que fornecia as diretrizes de ação para os
Foram criados também os institutos de aposen- trabalhadores e comunistas em vários países, de-
tadoria e pensões, as indenizações por demissão finiu que aquele seria um momento propício para
sem justa causa e o seguro em caso de acidente o desencadeamento de uma revolução comunista
de trabalho. Em 1932, em oposição a Vargas, ocor- no Brasil.
reu a chamada Revolução Constitucionalista, em A estratégia de luta envolvia a mobilização de
São Paulo. militares em Natal (RN), Recife (PE) e no Rio de Ja-
A elite paulista derrotada por Vargas não neiro. Mas a falta de coordenação do movimento,
aceitava o centralismo do governo federal e a li- com lideranças separadas por grandes distâncias,
mitação da autonomia política. Diferentes grupos facilitou a reação do governo.
políticos paulistas, dos mais progressivos aos mais Vários rebeldes foram presos, incluindo Prestes.
conservadores, defendiam a saída de Vargas e a Vargas utilizou o suposto avanço comunista e a
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presença dos integralistas como pretexto para de- ros, que condenava o regime ditatorial. Houve
cretar estado de sítio, ou seja, ampliar os poderes também mobilização estudantil pela volta da de-
do governo federal em situação de risco. mocracia. Em meio à pressão política, Vargas defi-
Com isso, poderia empreender maior vigilân- niu que haveria eleições presidenciais em 1945.
cia e agir para que seus inimigos perdessem força. Ao mesmo tempo, porém, alguns aliados esti-
Em 1938, haveria eleições presidenciais, mas antes mularam a criação do movimento queremista, que
disso, em 1937, Vargas articulou um golpe de Esta- tinha como lema “Queremos Getúlio”. Temendo
do. O pretexto para o golpe veio da existência do novas tentativas de Vargas de permanecer no po-
suposto Plano Cohen: um plano a ser executado der, a oposição articulou um golpe de Estado que
para um novo levante comunista. o depôs, terminando, em outubro de 1945, com o
Na verdade, tratava-se de um documento for- Estado Novo.
jado pelos militares, que seria utilizado como justi-
ficativa para o golpe que se arquitetava. Desse A GUERRA FRIA
modo, o Congresso Nacional definiu que o País es-
taria em estado de guerra e foram suspensas as ga- Modelos opostos de mundo
rantias constitucionais dos cidadãos. Getúlio anun-
ciou que uma nova Constituição seria elaborada e O fim da 2ª Guerra Mundial foi imediatamente
que, a partir daquele momento, o Poder Executivo marcado por uma nova política bipolar que se-
seria muito mais forte, colocando o País sob dita- ria centrada, durante décadas, em torno de dois
dura. grandes polos de poder: EUA e URSS. De um lado,
Iniciava-se, assim, o período que ficou conheci- os EUA defendiam o capitalismo, argumentando
do como Estado Novo. Durante esse período, não ser o sistema que melhor representava os valores
haveria eleições para o Poder Legislativo nem para democráticos e os princípios da liberdade econô-
governadores. mica.
Além da perseguição aos seus inimigos políti- Do outro lado, a URSS defendia que a estraté-
cos, foi criado por Vargas o Departamento de Im- gia socialista era a única resposta ao domínio da
prensa e Propaganda (DIP). Por meio desse órgão, crescente burguesia internacional e a solução para
toda produção cultural e jornalística seria controla- os problemas gerados pela desigualdade social e
da pelo governo. Ainda no Estado Novo foram cria- pelas contradições do capitalismo. A região que
das as chamadas leis trabalhistas, organizadas na melhor representou a divisão e o embate entre as
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), lançada duas ideologias foi a Europa.
em 1943. Essa rivalidade começou ainda sobre os destro-
100 Tratava-se de uma legislação que sistematizava ços da Alemanha derrotada e com a divisão de
o conjunto de leis já criadas em relação ao trabalho seu território em quatro zonas de ocupação. Três
desde 1930. Confirmava a existência de um salário zonas, administradas cada uma por EUA, Grã-Bre-
mínimo no País, direitos como férias remuneradas e tanha e França, formaram a Alemanha Ocidental,
jornada de trabalho máxima de 48 horas semanais. que era capitalista. A zona administrada pela URSS
Os sindicatos permaneceriam sob o controle e tornou-se a Alemanha Oriental, que seguia o socia-
a tutela do Estado por meio do Ministério do Tra- lismo.
balho. O Estado colocava-se no papel de defensor Os EUA, para aumentarem sua influência na
dos direitos do trabalhador, não sendo, em con- Alemanha Ocidental e em outros países da Euro-
trapartida, admitida nenhuma organização autô- pa, adotaram uma política de ajuda econômica:
noma dos trabalhadores; todos deveriam seguir as o Plano Marshall. O objetivo do plano era enviar bi-
regras definidas pelo governo. Em 1942, o Brasil en- lhões de dólares para reconstruir e revitalizar a eco-
trou na 2ª Guerra Mundial ao lado dos Aliados. Isso nomia dos países aliados.
parecia contraditório, uma vez que Vargas indica- A Alemanha dividida ficou no centro das ten-
va estar sempre mais próximo do eixo nazifascista. sões entre capitalismo e socialismo, tornando-se
No entanto, depois de muitas negociações, uma vitrine dos dois modelos para o mundo.
que incluíam investimentos no Brasil, especialmente Enquanto o lado capitalista exaltava o progres-
a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, so, o consumo, o livre mercado e a liberdade de
no Rio de Janeiro, o governo decidiu se aliar aos expressão, os socialistas do leste alemão mostra-
EUA. Durante o conflito, houve um forte estímulo ao vam o crescimento industrial em torno de uma eco-
desenvolvimento da indústria nacional, uma vez nomia planificada, ou seja, exaltavam um modelo
que se tornou mais difícil importar bens manufatu- no qual o Estado controlava os meios de produção
rados dos países em guerra. e estabelecia metas do que e como produzir. A
Com isso, parte da produção industrial foi desti- propaganda de ambos mostrava trabalhadores fe-
nada a esses países ou, ainda, a outros países que lizes dos dois lados.
ficaram sem receber as mercadorias europeias e
estadunidenses, abrindo uma brecha para a pe-
netração de novos fornecedores. A partir de 1943,
iniciou-se no Brasil um movimento político contrário
à permanência de Vargas no poder.
Nesse ano, foi lançado o Manifesto dos Minei-
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macarthismo e foi responsável pela criação de um


clima de delação, histeria e perseguição política
em vários setores. Dezenas de artistas, intelectuais,
professores, jornalistas e sindicalistas foram presos,
processados ou perderam seus empregos durante
a década de 1950.
O Partido Comunista estadunidense foi perse-
guido. Na política externa, em nome da manuten-
ção de suas áreas de influência e para combater
possíveis revoluções comunistas, o governo dos EUA
concedeu apoio político e econômico a diversos
regimes autoritários em várias partes do mundo, in-
clusive no Brasil, no Chile e na Argentina, entre as
décadas de 1960 e 1980, período das ditaduras la-
tino-americanas.
O governo soviético, ao mesmo tempo que
defendia a igualdade social e a restrição da pro-
priedade privada, era representado por uma elite
luxuosa que se organizava em torno do Partido Co-
O bloqueio de Berlim foi determinante para a
munista, o único partido permitido no país. Enquan-
criação de uma Organização de Defesa Militar por
to isso, a população era obrigada a seguir um re-
parte da Europa ocidental. Porém, Bélgica, Países
gime centralizado e autoritário, que impunha com
Baixos, Luxemburgo, França e Grã-Bretanha, países
mão de ferro o controle pelo partido.
que formavam a organização, acreditavam que a
Qualquer oposição à política vigente era con-
participação dos EUA era inevitável, uma vez que
siderada traição e passível de julgamento, prisão
esses países não conseguiriam enfrentar o poderio
e execução. Entre os anos 1930 e 1950, milhares
militar soviético.
de soviéticos de várias repúblicas que formavam
Assim, em 1949, foi criada, em Washington, ca-
o país foram enviados para prisões ou deportados
pital dos EUA, a Organização do Tratado do Atlân-
para campos de trabalho forçado na Sibéria. Tra-
tico Norte (Otan), que mais tarde contaria com
balhadores do campo foram obrigados a migrar
a participação de outros países. Em resposta, em
para as cidades industriais, e intelectuais passaram
1955 foi assinado o Pacto de Varsóvia, uma alian-
a desempenhar trabalhos em minas de carvão.
ça militar composta pela URSS e por países socia-
Embora houvesse grande tensão militar entre os 101
listas do Leste Europeu, conhecidos à época, pelas
lados capitalista e socialista, nunca houve um en-
nações ocidentais, como os países da Cortina de
frentamento militar entre EUA e URSS. A diplomacia
Ferro.
desses dois países, visando à ampliação de suas
O tratado assinado em Varsóvia, capital da Po-
áreas de influência, passou a traçar e reordenar no-
lônia, determinava o alinhamento, o compromisso
vas alianças de cooperação política, econômica e
e a ajuda mútua entre os países-membros. Após fir-
militar em todo o mundo, como o apoio concedido
mar essa aliança, a URSS manteve um rígido contro-
a movimentos ocorridos na Europa, Ásia, África e
le político sobre o lado oriental alemão e os países
América Latina.
socialistas do Leste Europeu, além de incitar proces-
Em Cuba, por exemplo, após a tomada do po-
sos revolucionários em todos os continentes, com
der em 1959, a revolução de orientação socialista
o objetivo de expandir o comunismo pelo mundo.
liderada por Fidel Castro e Che Guevara enfren-
Em 13 de agosto de 1961, o governo socialis-
tou uma série de dificuldades, em decorrência do
ta alemão, com receio da ampliação dos conflitos
fracasso das primeiras medidas de estatização da
sociais e do crescimento incontornável do fluxo de
produção agrícola.
pessoas para a Alemanha Ocidental, decidiu cons-
Por isso, em meados da década de 1960, o go-
truir uma estrutura de concreto que atravessava a
verno revolucionário aceitou a ajuda econômica
cidade de Berlim.
soviética e entrou na zona de influência de Mos-
O muro passou a simbolizar, de fato, a divisão
cou.
entre ocidente e oriente europeus. A divisão do
A experiência do socialismo cubano, que avan-
país representou um dos marcos da Guerra Fria.
çava na execução de políticas sociais, como saú-
Contudo, havia muitas contradições entre a ideo-
de e educação, e que combateu com eficiência
logia defendida e a política praticada por cada
o imperialismo dos EUA, serviu de inspiração para
uma dessas superpotências.
o surgimento de vários movimentos revolucionários
O governo estadunidense, que se autopro-
nas Américas Central e do Sul.
clamava defensor de valores democráticos, fo-
O alcance dessa estratégia chegou à África,
mentou, por meio dos serviços de espionagem, a
no momento em que a política externa da URSS
investigação e a devassa da vida de milhares de
passou a apoiar movimentos de libertação e inde-
cidadãos estadunidenses ou de estrangeiros que
pendência das ex-colônias europeias, a exemplo
viviam no país, acusando-os de comunistas ou sim-
de Argélia, Angola e Moçambique, nos anos 1960 e
patizantes. Essa política, liderada pelo senador re-
1970. O mesmo ocorreu na Ásia, com o apoio eco-
publicano Joseph McCarthy, ficou conhecida por
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nômico e militar destinado à independência da desde que o governo estadunidense fizesse o mes-
Indochina, região formada pelo Laos, Camboja e mo em relação aos mísseis instalados na Turquia. O
Vietnã. Esse último país foi o local de uma das mais episódio da Crise dos Mísseis motivou a assinatura,
importantes disputas militares ocorridas durante a em 1963, de um acordo que proibia testes nuclea-
Guerra Fria. res, exceto aqueles realizados em bases subterrâ-
Os movimentos nacionalistas e socialistas viet- neas.
namitas conquistaram a libertação do país em Anos depois, as potências nucleares aprova-
1954, após uma guerra de independência que du- ram o Tratado de Não Proliferação de Armas Nu-
rou quase dez anos. Porém, a França não reconhe- cleares (TNP) com o objetivo de barrar a corrida
ceu a independência de sua ex-colônia e solicitou armamentista. Segundo o Tratado, aos países não
aos EUA apoio militar para recolonizar a região. nucleares caberia o compromisso de não receber
Após alguns anos de guerra contra os france- a transferência, o controle, a fabricação ou a aqui-
ses, o Vietnã foi temporariamente dividido em dois: sição de qualquer arma nuclear ou outro engenho
o norte passou a ser comandado pelo socialista Ho explosivo.
Chi Minh, enquanto o sul, apoiado pela França e O medo de ambos em relação à ampliação
pelos EUA, era governado pelo imperador Bao Dai. das áreas de influência mobilizou uma forte pro-
Temendo a ofensiva dos socialistas norte-viet- paganda ideológica, veiculada nos meios de co-
namitas e a influência da China comunista, os EUA municação. Os governos, não só o estadunidense
passaram a financiar um governo pró-ocidente ou o soviético, divulgavam a superioridade de sua
no sul, que ficou caracterizado por ser autoritário economia e de seu modo de vida.
e centralizador. Enquanto isso, o líder socialista Ho
Chi Minh recebeu apoio soviético para resistir e or-
ganizar grupos de guerrilhas contra o governo sul-
-vietnamita.
No período em que permaneceu no país, a
presença militar dos EUA sofreu críticas veementes.
Finalmente, em 1973, as tropas estadunidenses dei-
xaram o Vietnã e três anos depois o país seria reu-
nificado.
Se, durante toda a Guerra Fria, não houve um
único enfrentamento armado entre as superpotên-
cias, o mesmo não pode ser dito em relação aos
102 países que estavam sob a área de influência dos
blocos, como foi o episódio da Guerra do Vietnã.
Antes disso, a Guerra da Coreia (1950-1953) havia
representado um desses momentos de enfrenta-
mento militar.
Os conflitos se iniciaram quando a Coreia do
Norte, que era parte do bloco comunista, invadiu
a Coreia do Sul, que era capitalista. Dias depois, Os países da chamada Cortina de Ferro inves-
os EUA, temendo uma intervenção soviética e chi- tiam em uma forte propaganda interna que pro-
nesa na região, aprovaram o envio de tropas para metia assegurar uma justiça social, particularmen-
apoiar os sul-coreanos. A guerra resultou em um te em benefício dos operários, que tinham pleno
sangrento conflito que durou três anos. A Crise dos acesso a educação, saúde e moradia. Enquanto
Mísseis de Cuba, em 1962, foi considerada um dos isso, os países capitalistas mostravam uma realida-
eventos que poderiam ter culminado em um em- de de pleno emprego, liberdade de imprensa e
bate direto entre as duas superpotências. consumo, além de grandes avanços tecnológicos.
Em 1961, os EUA haviam financiado uma tenta- Pelo menos era essa a ênfase da propaganda po-
tiva fracassada de invadir Cuba usando refugiados lítica dos dois blocos, mas o fato é que problemas
políticos cubanos que se exilaram nos EUA após a sociais existiam em ambos os lados.
revolução socialista de 1959. Em meados dos anos 1960, vários países passa-
Depois desse episódio, e para responder à ins- ram a não se sujeitar mais à política das duas super-
talação de mísseis estadunidenses em países alia- potências e começaram a compor um bloco de
dos, os soviéticos começaram a instalar em Cuba países que ficou conhecido como “não alinhados”.
mísseis com potencial nuclear apontados para os Egito, Índia e Iugoslávia, entre outros, passaram a
rivais, a fim de dissuadir Washington de tentar in- defender uma neutralidade diante dos conflitos
vadir a ilha outra vez. O presidente John Kennedy que envolviam os blocos socialista e capitalista.
entendeu o ato como uma declaração de guerra, Em 1979, a URSS adotou uma postura mais ex-
pois não poderia admitir uma ameaça armamen- pansionista e ocupou o Afeganistão, país vizinho
tista tão próxima a seu território. na Ásia central. Em pouco tempo, foi deflagrada
As negociações diplomáticas duraram 13 dias, uma guerra que duraria 10 anos. Os extensos gastos
até que, em 28 de outubro, Nikita Kruchev, líder so- soviéticos com armas na região, além da ajuda en-
viético, concordou em retirar os mísseis de Cuba, viada a países aliados, tornaram-se insustentáveis
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para um país que era burocratizado e tinha uma entrou em ruínas. O fim da URSS deu início à inde-
economia planificada centrada nos interesses do pendência dos países que a formavam, ao mesmo
Estado. Isso colaborou bastante para intensificar as tempo que outros países do Leste Europeu intensifi-
insatisfações sociais e os problemas políticos no in- caram processos internos de abertura política.
terior da URSS. O fim da Guerra Fria trouxe uma série de im-
A combinação da crise econômica com a plicações para a geopolítica e para a situação
insatisfação política e social contribuiu para o es- econômica e social da Europa. Geopoliticamente,
gotamento desse modelo. Um exemplo desse es- houve a desintegração da Iugoslávia e do territó-
gotamento foi um acidente nuclear na cidade de rio soviético, além da separação da Tchecoslová-
Chernobil (na atual Ucrânia), em 1986. O cultivo da quia. Socioeconomicamente, o fim da Guerra Fria
região foi perdido, aumentando a fome e obrigan- permitiu a contestação do Estado de bem-estar
do os soviéticos a importar comida. social adotado por muitos países europeus, o que
Centenas de trabalhadores tiveram de se des- culminou na perda de muitos direitos trabalhistas e
locar para outras regiões da URSS. Quando Mikhail sociais.
Gorbachev, o último líder soviético, assumiu o po- Durante a Guerra Fria, por causa da ameaça
der na URSS, ele iniciou uma série de mudanças constante da ascensão comunista na Europa, em
que seriam responsáveis pela abertura política e função de suas promessas de vida mais justa para
econômica do país. os trabalhadores, os governos de muitos países ca-
As reformas chamadas perestroika (reestrutura- pitalistas europeus assumiram medidas sociais vol-
ção) e glasnost (transparência) atingiram também tadas para os trabalhadores. Com isso, desenvolve-
os países do bloco, especialmente a Alemanha ram um Estado que garantia a todos os cidadãos
Oriental. As reformas soviéticas, que estabeleciam uma série de direitos sociais e trabalhistas, como
a redução de gastos militares e de ajuda econô- saúde e educação públicas de qualidade, prote-
mica a aliados, tornaram a situação dos alemães ção contra o desemprego, excelentes condições
orientais cada dia mais difícil. de trabalho, altos salários e boa aposentadoria,
As reformas também envolveram a ampliação entre outros direitos. Esse modelo de Estado ficou
das liberdades políticas, fato que contribuiu para o conhecido como welfare state, ou Estado de bem-
fortalecimento dos protestos contra o regime. Após -estar social.
um ano de revoltas populares que exigiam tam- Após o fim da ameaça comunista, os países ca-
bém reformas e abertura, o governo da Alemanha pitalistas não tinham mais a necessidade de aten-
Oriental, em 9 de novembro de 1989, anunciou a der as reivindicações dos trabalhadores e, por isso,
abertura das fronteiras da capital, Berlim, e do país. o welfare state europeu começou a ser desmonta-
O ato político culminou com a queda do muro do, segundo as orientações neoliberais. 103
de Berlim, um dos principais símbolos da Guerra
Fria. Ainda em 1989, os EUA e instituições financei- A DITADURA NO BRASIL A PARTIR DE 1964
ras, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e
o Banco Mundial, reunidos em Washington, formu- A ruptura do Estado de Direito e a derrota da de-
laram uma série de medidas econômicas que nor- mocracia no Brasil
teariam os rumos estratégicos de reformas sociais e
econômicas que deveriam ser adotadas na Améri- A primeira tarefa do alto escalão militar foi esco-
ca Latina. Essas reformas impunham uma adesão à lher o presidente do País. O instrumento legal para
política econômica liberal, em curso na Inglaterra isso foi o Ato Institucional no 1 (AI-1), que estabele-
desde o final da década de 1970 e nos EUA desde cia eleições indiretas para o Executivo, atribuindo
o início dos anos 1980. ao Congresso a função de Colégio Eleitoral para
Essa política, chamada de neoliberalismo, tem escolher o novo presidente, e previa a suspensão
como ideia central que os Estados adotem a me- e a cassação de alguns mandatos de políticos no
nor intromissão possível na economia, com base âmbito federal, estadual e municipal, por até dez
no conceito de livre mercado – isto é, um mercado anos.
que regula a si mesmo, sem intervenções. Isso signi- Os parlamentares que não tiveram os seus direi-
fica que os governos devem abrir mão de empre- tos suspensos ou cassados referendaram a escolha
sas públicas, de estabelecer uma legislação traba- do nome do marechal Humberto de Alencar Cas-
lhista rígida ou de controlar as ações de empresas tello Branco para presidente do Brasil.
individuais.
Na prática, isso resulta na perda de direitos dos Os atos institucionais
trabalhadores e na diminuição na oferta de servi-
ços públicos, como educação, saúde e assistên- Os atos institucionais representaram o instru-
cia social, já que para os neoliberais esses serviços mento jurídico de que as Forças Armadas precisa-
deveriam ser oferecidos pelo mercado, por insti- vam para reformar a estrutura do Estado e o sistema
tuições privadas. A consequência é que somente político brasileiro. O novo regime pretendia mudar
pessoas com alto poder aquisitivo teriam acesso a as instituições do País, centralizando cada vez mais
esses serviços, aumentando, portanto, a desigual- o poder nas mãos do Executivo e limitando a força
dade entre os mais ricos e os mais pobres. do Congresso, de modo a impedir que as reformas
Em 1991, a união das 15 repúblicas socialistas defendidas pelos setores da esquerda, por melho-
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res condições de trabalho e melhor distribuição da Muitos foram presos e morreram nos porões da dita-
riqueza no País, fossem realizadas. dura, após sofrerem torturas.
Logo após a promulgação do AI-2, as eleições
indiretas foram instituídas e passaram a ser realiza- A relação do governo com os trabalhadores
das por voto nominal e com aprovação de maioria
absoluta do Congresso Nacional. A medida mais Os órgãos repressores aumentaram a fiscaliza-
significativa representou um golpe para a plurali- ção sobre os sindicatos. Centenas deles foram fe-
dade partidária: a dissolução dos partidos políticos chados. No campo ou na cidade, a nova organiza-
existentes no Brasil e a implantação do bipartida- ção sindical, obediente ao governo, tinha a função
rismo. de evitar greves e desmobilizar qualquer auto-or-
Dois novos partidos políticos foram criados em ganização dos trabalhadores.
1965 e extintos em 1979: a Aliança Renovadora Na- O governo fez importantes mudanças para fa-
cional (Arena), que passou a apoiar o governo, e o vorecer os interesses dos capitalistas, mas, ao mes-
Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que aos mo tempo, anunciava que as medidas buscavam
poucos se caracterizaria como o partido de opo- ampliar os direitos dos trabalhadores, como a cria-
sição. ção do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
Com o AI-3, aprovado em 1966, a eleição dos (FGTS), em 1966 – que aumentou a responsabilida-
governadores e dos prefeitos de capitais passou a de dos empregadores no pagamento de indeni-
ser indireta, por meio das Assembleias Legislativas zações trabalhistas em relação às demissões sem
de cada Estado. Castello Branco convocou nova- justa causa, porém, em contrapartida, eliminou a
mente o Congresso em 1967, para aprovar uma estabilidade no emprego, incentivando a rotativi-
nova Constituição que incorporava toda a legisla- dade da mão de obra.
ção dos atos aprovados antes dessa data. 13 de Até 1968, embora a vigilância e a repressão
dezembro de 1968, promulgação do Ato Institucio- sobre os trabalhadores continuassem, principal-
nal no 5 (AI-5) mente dentro das fábricas, elas não impediram a
Em 1967, com a posse do marechal “linha-du- realização de algumas greves, como as já citadas
ra” Arthur da Costa e Silva, que sucedeu Castello em Contagem e Osasco. Após a promulgação do
Branco, houve maior endurecimento do regime mi- AI-5, a mobilização operária praticamente desapa-
litar. Ao mesmo tempo, no ano seguinte, cresceram receu.
também as manifestações que exigiam a abertura A ditadura militar intensificou o tratamento poli-
política. cial que já era dado ao movimento operário e aos
Destacaram-se nesse período a Marcha dos trabalhadores em geral. Investigações, prisões arbi-
104 Cem Mil, que reuniu artistas, intelectuais, estudan- trárias, tortura, sequestros e assassinatos não foram
tes, jornalistas e trabalhadores, todos empunhando raros, fossem contra líderes ou contra o trabalhador
faixas contra a ditadura, além das duas grandes comum.
greves, em Contagem (MG) e Osasco (SP). Outro Os militares e a questão agrícola O regime mi-
incidente foi a tentativa da realização do Congres- litar tratou de revogar uma das medidas mais po-
so da União Nacional dos Estudantes (UNE). A enti- lêmicas anunciadas por Jango: a proposta de re-
dade estava na clandestinidade desde 1964 e, em forma agrária de terras improdutivas. O Estatuto da
outubro de 1968, resolveu reunir-se em Ibiúna (SP). Terra foi formulado no final de 1964 e afirmava que
O Congresso, no entanto, foi cercado pelos apenas os latifúndios comprovadamente improdu-
militares e centenas de estudantes foram presos, tivos poderiam ter suas terras redistribuídas.
incluindo as principais lideranças do movimento es- Com isso, buscou-se frear a mobilização política
tudantil, com o objetivo de desarticulá-lo. Em 13 de daqueles que defendiam a reforma agrária e to-
dezembro de 1968, o governo fechou o Congresso dos os movimentos de luta por terra e por melhores
Nacional e outras casas legislativas e promulgou o condições de trabalho foram reprimidos com vio-
AI-5. Foram nomeados interventores – governado- lência, por meio de perseguição, tortura e morte
res e prefeitos – escolhidos diretamente pelo gover- de seus militantes.
no militar. Durante todo o período militar, houve incenti-
O AI-5 suspendeu o habeas corpus – que é o vo e financiamento de políticas de colonização
direito de ir e vir sem ser preso –, decretou estado agrária, com deslocamentos de famílias e até de
de sítio e instituiu a censura prévia a jornais e pro- populações para as chamadas fronteiras agrícolas.
gramas de rádio e televisão. Nesse período, pro- Nelas, visava-se a produção baseada na grande
fessores universitários e funcionários públicos foram propriedade de terra e voltada, sobretudo, ao mer-
demitidos e aposentados compulsoriamente. cado externo. Por isso, a concentração fundiária se
A partir da promulgação desse ato, um forte elevou significativamente no período.
aparelho repressivo foi montado nos Estados para Em diversas partes do Brasil, o agronegócio era
identificar e prender aqueles que ainda realizavam favorecido diretamente pelo governo, por meio de
atividades consideradas subversivas no País (isto é, uma série de incentivos fiscais e de crédito facilita-
todas aquelas que contestavam o governo ou o sis- do. Vastos territórios antes destinados à produção
tema econômico e político existente). de alimentos para o mercado interno foram ocu-
Lideranças de vários setores que questionavam pados por programas de expansão agropecuária
a ditadura acabaram no exílio ou na luta armada. para exportação.
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As contradições do regime: do milagre econômi- radas pelo metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva. Um
co à abertura política dos capítulos mais importantes que marcaram o fim
da ditadura no Brasil foi a Lei da Anistia, aprovada
Retomar o crescimento econômico fazia parte pelo
do planejamento estratégico dos militares. A fina- Congresso e sancionada, em 1979, pelo gene-
lidade da nova política econômica era dar con- ral João Figueiredo, último presidente militar. Com
tinuidade à integração ao capitalismo mundial. ela, vários presos e exilados políticos foram perdoa-
Para isso, era necessário atrair o capital estrangeiro dos. A principal característica da lei foi o seu cará-
para o País. ter amplo, geral e irrestrito, ou seja, foram anistia-
Assim, favoreceu-se a entrada de multinacio- dos todos aqueles que cometeram crimes políticos,
nais estadunidenses, alemãs e japonesas. Até os se- incluindo os repressores e torturadores do regime,
tores considerados estratégicos (indústrias de base entre os anos de 1961 e 1979. Diretas Já!
e agronegócio) passaram a sofrer a influência e a Em 1983, o deputado Dante de Oliveira apre-
ingerência de instituições estrangeiras. O governo sentou uma emenda constitucional, propondo a
do general Emílio Garrastazu Médici, que substituiu realização de eleições diretas para presidente.
Costa e Silva em 1969, foi responsável tanto pelo Para pressionar a aprovação da emenda, o movi-
chamado “milagre econômico” como pela intensi- mento das Diretas Já! mobilizou diferentes setores
ficação da tortura e do desaparecimento de opo- da sociedade civil e conseguiu reunir milhões de
sitores ao regime. pessoas em todo o País.
O milagre econômico recebeu esse nome por- Apesar de tudo, a emenda não conseguiu o
que a economia cresceu muito entre 1969 e 1973. número de votos necessários no Congresso para ser
Foi também nesse período que o emprego foi favo- aprovada. O presidente seguinte, Tancredo Neves,
recido com o investimento em obras de infraestru- era civil, mas não foi eleito pelo voto popular. Tan-
tura, fundamentais para alavancar o crescimento credo morreu antes de tomar posse, e a presidên-
industrial e do agronegócio. cia passou para o seu vice, José Sarney.
O desenvolvimento de diversos setores da eco- Acabava, assim, a ditadura militar no Brasil.
nomia brasileira, porém, não levaram a uma me-
lhoria das condições de vida dos trabalhadores.
Além disso, o baixo crescimento do mercado inter-
no, resultado de uma política de desenvolvimento
que concentrava a renda, proporcionou, entre ou-
tras coisas, o aumento do preço dos produtos e o
arrocho salarial. 105
Coube ao governo seguinte, com o general Er-
nesto Geisel na presidência, o papel de conter os
efeitos da crise internacional, que chegou ao Bra-
sil em meados de 1974, causada por uma crise no
preço do petróleo.
Pressionado por setores do capital nacional, ins-
tituições da sociedade civil e parte da classe mé-
dia, Geisel temia o agravamento da insatisfação
dos trabalhadores, em decorrência da crise econô-
mica. Seu mandato foi marcado por uma abertura
política, ainda que lenta, gradual e segura, con-
forme ele mesmo considerava. Entretanto, pessoas
ainda eram torturadas e mortas.
Os avanços ficaram por conta da reorganiza-
ção dos movimentos sociais, que passaram a lutar A RETOMADA DA DEMOCRACIA NO BRASIL
pela libertação e anistia de presos políticos e exila-
dos. Houve movimentos de donas de casa contra Novos desafios econômicos e políticos
a carestia, de mulheres que se engajaram pela vol-
ta dos exilados, de religiosos, artistas de televisão e Com a queda da URSS e o fim da Guerra Fria,
cantores ou simplesmente de pessoas comuns que teve início, na década de 1990, um grande avanço
agora passavam a lutar por democracia. do que se denominou de globalização, e que dura
As mobilizações ressurgiram com mais força até hoje. Esse processo pode ser considerado parte
quando os sindicatos conseguiram se organizar do próprio desenvolvimento do capitalismo.
novamente em 1978. A crise econômica, acirrada Ocorreu, assim, uma potencialização da ca-
pela falência do milagre econômico, favoreceu a pacidade de produzir e distribuir produtos em uma
organização sindical. Os efeitos da crise – a reces- escala mundial. Portanto, carros de uma mesma
são, o aumento dos preços e o do desemprego – montadora podem, por exemplo, ser montados em
atingiram em cheio as famílias mais pobres, os ope- diferentes países e vendidos em várias partes do
rários e a classe média. Marcantes foram as greves mundo.
operárias do ABC paulista, iniciadas em 1978 e lide- Mais que isso, um mesmo veículo pode ser mon-
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tado com peças produzidas em diferentes partes


do planeta. Para o capitalista, a decisão de produ-
zir e distribuir em um lugar ou outro passou a se re-
lacionar com possíveis vantagens que ele pudesse
obter em fazê-lo nesse ou naquele país.
Uma característica importante do período da
globalização foi o grande desenvolvimento das
telecomunicações, que permitiram o controle do
processo produtivo e dos negócios em escala mun-
dial, sem que necessariamente uma empresa tives-
se estrutura física e trabalhadores em determinado
local.
Durante a globalização, ocorreu o fenômeno
da hipercomunicação, no qual a informação está
disponível para todo o mundo de modo quase ins-
tantâneo.
Quanto aos governos, eles se tornaram cada
vez mais dependentes da economia internacional
Em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a
e dos órgãos de decisão internacionais, como a
nova Constituição, que consagrava a volta da de-
Organização Mundial do Comércio (OMC). Cada
mocracia ao País. Foram definidos os direitos civis,
vez mais, vêm sendo definidos blocos econômicos
políticos e sociais dos cidadãos.
regionais que estão se transformando em áreas de
A Constituição de 1988 foi fruto de uma série
livre comércio, como a União Europeia, o Mercosul
de negociações e disputas políticas entre setores
e o Acordo de Livre Comércio da América do Norte
diversos da sociedade, incluindo movimentos so-
(Nafta, na abreviação em inglês), que reúne Cana-
ciais e partidos de diferentes tendências. Por isso,
dá, EUA e México.
ela teve como base princípios que contemplavam
No Brasil, em 1985, com a eleição de Tancredo
tanto a influência do pensamento liberal como a
Neves, que morreu antes de assumir a presidência
dos movimentos trabalhistas e social-democratas.
da república, inaugurou-se o período denominado
Entre as várias conquistas sociais que a Consti-
Nova República. O governo de José Sarney, do Par-
tuição previu estão: a manutenção dos direitos tra-
tido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB),
balhistas contidos na CLT; a possibilidade de terras
reunia políticos que apoiaram o governo ditatorial.
serem desapropriadas para fins de reforma agrária,
106 Uma das tarefas colocadas ao Congresso Na-
mediante o pagamento de indenização aos seus
cional era a instalação de uma Assembleia Consti-
proprietários; e a perspectiva de saúde e educa-
tuinte, formada por deputados e senadores eleitos
ção públicas que fossem universais e de qualidade.
em 1986, que elaboraria a nova Constituição do
Entre os direitos civis, foram retomadas as liber-
País.
dades de expressão e manifestação de ideias. En-
O grande desafio de Sarney era o controle da
tre os direitos políticos, a liberdade de escolher seu
inflação, que continuou crescendo ao longo de
representante por meio do voto e de participar di-
1985, fechando o ano em 235,1%. A situação insus-
reta e indiretamente do governo.
tentável fez o governo lançar ainda em fevereiro
Eleições diretas e a construção da democra-
desse ano o Plano Cruzado.
cia Em 1989, houve a primeira eleição presidencial
Foi criada uma nova moeda, o cruzado, que
direta desde 1960. Concorreram 22 candidatos à
substituiria o cruzeiro. Além disso, foi estabelecido
presidência. A eleição precisou ir para o segundo
um congelamento de preços, e os salários só se-
turno, disputado pelos dois candidatos mais vota-
riam reajustados cada vez que a inflação atingisse
dos: Fernando Collor de Mello, do Partido da Re-
20% (cf. BELLUZZO, Luiz G.; ALMEIDA, Júlio G. de.
construção Nacional (PRN), e Luiz Inácio Lula da
Depois da queda. Rio de Janeiro: Civilização
Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT).
Brasileira, 2002, p. 142). Inicialmente, a população
Collor recebeu apoio de banqueiros, dos meios
aprovou a medida, uma vez que se viu beneficiada
de comunicação e de grandes empresários que
pelo congelamento de preços. Entretanto, muitos
temiam a vitória de um candidato de esquerda,
produtos começaram a sumir das prateleiras, pois
acusado por eles de aderir ao comunismo. Nas
as empresas alegavam que teriam prejuízo se os
eleições do segundo turno, Collor venceu a corri-
vendessem pelos preços estabelecidos.
da presidencial com uma pequena vantagem em
Em fins de 1986, o governo federal lançou o Pla-
relação a Lula.
no Cruzado II, mas não teve sucesso em conter a in-
O governo de Collor começou com uma nova
flação, que chegou a 1.782,9% em 1989. Os preços
estratégia de combate à inflação, o Plano Collor,
sofriam reajustes praticamente diários, e o valor do
que pretendia também reduzir o déficit público.
dinheiro só poderia ser protegido por aqueles que
Várias empresas estatais foram extintas e subsídios
realizavam aplicações bancárias que ofereciam
estatais foram cortados.
reajustes diários.
Para diminuir o número de funcionários que
ficariam desempregados, o governo promoveu
programas de incentivo de demissões voluntárias
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e realocação de pessoas para outras estatais. A moeda, o real. Em julho de 1994, o real passou a cir-
moeda voltou a ser o cruzeiro e foi definido um novo cular. O novo plano econômico trouxe maior aber-
congelamento de preços. Seguindo uma política tura comercial para o exterior, ampliando o acesso
neoliberal, optou-se por diminuir a participação do a bens importados.
Estado na economia e abrir o País para o mercado Além disso, conseguiu fazer com que os preços
exterior, reduzindo os impostos de importação. parassem de crescer no mercado interno; conse-
Em linhas gerais, houve mais demissões, au- quentemente, houve um período de maior estabi-
mento do desemprego e terceirização da mão de lidade econômica. Para os trabalhadores, ainda
obra. No contexto da globalização, colocava-se o que a estabilização representasse a possibilidade
Brasil no rumo da economia mundial, abrindo sua de recuperação do poder de compra, uma vez
economia e favorecendo o ingresso de grandes que a inflação não desvalorizaria o valor dos salá-
empresas mundiais no mercado brasileiro. rios recebidos, na prática, o grande aumento das
O risco iminente era de aumentar o sucatea- importações resultou em crescimento do desem-
mento da indústria nacional e o desemprego, uma prego. Ocorreu também um grande arrocho sala-
vez que a abertura permitiria a entrada de muitos rial no setor público e privado, com correções sala-
produtos importados que competiriam com preços riais sendo realizadas abaixo da inflação.
mais baixos em relação aos nacionais. Uma das Nesse contexto de implementação do Plano
medidas mais polêmicas do Plano Collor foi o que Real, em abril de 1994, Fernando Henrique Cardo-
ficou conhecido como confisco da poupança. so (FHC) deixou o Ministério da Fazenda para lan-
Todos os saques foram limitados a um valor çar-se candidato à presidência. O candidato da
máximo e o restante seria bloqueado e devolvido oposição era, outra vez, Luiz Inácio Lula da Silva. O
depois de 18 meses da oficialização do confisco, sucesso do Plano Real fez com que FHC fosse eleito
o que não aconteceu. O Plano Collor não obteve no primeiro turno das eleições.
sucesso. Ao final de 1990, a inflação alta persistiu, O primeiro governo de FHC (1995-1998) foi mar-
totalizando 1.476,6% no ano. cado pela continuidade de reformas que visavam
Em 1992, houve uma segunda tentativa com o garantir a estabilidade econômica no País. Seguin-
Plano Collor II, que também não foi bem-sucedido do o modelo econômico neoliberal, defendeu a
(cf. BELLUZZO, Luiz G.; ALMEIDA, Júlio G. de. Depois privatização de muitas empresas estatais e o fim
da queda. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, do monopólio do petróleo e das telecomunica-
2002, p. 142). Além da crise econômica, no início ções. Em 1997, foi aprovado no Congresso o fim do
daquele mesmo ano de 1992 surgiram denúncias monopólio sobre o refino do petróleo e, em 1998,
de irregularidades no governo. várias empresas de telecomunicações foram priva-
O presidente foi acusado de ter enriquecido tizadas. 107
de maneira ilícita, por meio de contratações sem Ocorreram também privatizações de empresas
licitação pública e do beneficiamento de aliados federais e estaduais do setor elétrico. Em geral, es-
com empréstimos do Banco do Brasil em condições sas privatizações tiveram impacto negativo sobre o
não permitidas. emprego. Em 1998, após intensa negociação com
As denúncias levaram à instalação de uma o Congresso para que fosse aprovada a emenda
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Con- constitucional que permitisse a sua reeleição, FHC
gresso Nacional. Nesse contexto, com o apoio de disputou nova eleição com Lula.
parte da imprensa e das emissoras de TV, a União O presidente venceu novamente, ainda que a
Nacional dos Estudantes (UNE) passou a estimular oposição criticasse o grande arrocho salarial ocor-
a saída de jovens às ruas para protestar contra a rido naqueles anos, o excesso de privatizações e o
corrupção e defender o impeachment de Collor, crescente endividamento do Estado. No segundo
ou seja, a sua remoção do cargo de presidente. governo de FHC (1999-2002), a dívida pública acu-
Os jovens que saíram às ruas, com os rostos pin- mulou grande crescimento e aumentou a dispari-
tados, ficaram conhecidos como “caras-pintadas”. dade de renda entre os mais ricos e os mais pobres
Ainda nesse ano, a Associação Brasileira de Impren- no País.
sa (ABI) apresentou o pedido de impeachment de O desemprego atingiu níveis elevados e cres-
Collor. O Congresso acatou a abertura do processo centes nesse período. Esses resultados provocaram
em setembro de 1992 e, em outubro, Collor foi afas- críticas contra as políticas neoliberais de abertura
tado do cargo e substituído pelo vice- -presidente, para o mercado, sobretudo por resultarem em re-
Itamar Franco. O então presidente Itamar Franco dução de emprego e concentração de renda no
indicou o líder do Partido da Social Democracia Brasil e em muitos outros países. Nas eleições pre-
Brasileira (PSDB), Fernando Henrique Cardoso, para sidenciais de 2002, novamente Luiz Inácio Lula da
o Ministério da Fazenda. Silva foi candidato, e José Serra, do PSDB, foi o pre-
O ministro ficaria encarregado de articular um sidenciável apoiado pelo governo.
plano de estabilização econômica. A inflação era Nesse contexto, o Plano Real já não era um
considerada um grande mal para o País, na medi- grande trunfo do governo para vencer as eleições,
da em que corroía o poder de compra dos salários e o Partido dos Trabalhadores havia estabelecido
e dificultava o crescimento econômico. Em feverei- um arco de alianças mais amplo para conseguir
ro de 1994, foi anunciado o Plano Real, que previa chegar pela primeira vez ao poder.
o corte de despesas públicas e a criação de outra
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econômica e controle da inflação.


Nesses anos, entre 2002 e 2010, houve grande
redução do desemprego, que atingiu a menor
taxa do período em 2010.
Nas eleições presidenciais de 2010, a ministra
da Casa Civil do governo Lula, Dilma Rousseff, foi
escolhida como candidata do PT à presidência.
Mais uma vez, o candidato do PSDB, dessa vez José
Serra, surgiu como principal opositor, embora Mari-
na Silva, candidata do Partido Verde (PV), também
tenha obtido uma votação expressiva.
No segundo turno, Dilma Rousseff foi vitoriosa.
Em sua campanha eleitoral, Dilma defendeu a
continuidade dos programas sociais do governo
Lula e o investimento no Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), lançado ainda no segundo
governo Lula.
Esse programa tem como foco obras de infraes-
Lula teve a preferência do eleitorado e foi vi- trutura, como estradas, energia elétrica e ferrovias,
torioso no segundo turno, sendo o primeiro ex-líder além de investimentos em moradias, com o progra-
operário a ser eleito presidente na história do País. ma Minha Casa, Minha Vida.
Lula iniciou seu governo fortemente comprometido
com a resolução dos problemas sociais mais graves
do País, como o combate à miséria e à fome. Foi 1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
criado o programa Fome Zero, ainda em 2003, que
atendeu às pessoas que viviam em condição de 01. Segundo Aristóteles, “na cidade com o
maior vulnerabilidade social, por meio de um siste- melhor conjunto de normas e naquela dotada
ma de transferência de renda que atingiu milhões de homens absolutamente justos, os cidadãos
de famílias. Esses e outros programas sociais foram não devem viver uma vida de trabalho trivial ou
unificados no programa Bolsa Família, que se tor- de negócios – esses tipos de vida são desprezí-
nou o mais importante programa social do governo veis e incompatíveis com as qualidades morais
Lula. –, tampouco devem ser agricultores os aspiran-
Ele consiste em oferecer bolsas para pessoas em tes à cidadania, pois o lazer é indispensável ao
108 desenvolvimento das qualidades morais e à
situação de vulnerabilidade, com o compromisso
de que os filhos frequentem a escola. Em 2006, últi- prática das atividades políticas”.
mo ano do primeiro governo Lula, 11,1 milhões de VAN ACKER, T. Grécia. A vida cotidiana na
famílias recebiam o benefício, o que representava cidade-Estado. São Paulo: Atual, 1994
uma em cada cinco famílias brasileiras, aproxima-
damente (cf. ROCHA, Sônia. O programa Bolsa Fa- O trecho, retirado da obra Política, de Aris-
mília: evolução e efeitos sobre a pobreza.). O pro- tóteles, permite compreender que a cidadania
grama acabou injetando recursos significativos na a) possui uma dimensão histórica que deve
economia de regiões muito pobres, fazendo surgir ser criticada, pois é condenável que os políticos
novas oportunidades para a abertura de peque- de qualquer época fiquem entregues à ociosi-
nos negócios e empregos. Em 2006, houve novas dade, enquanto o resto dos cidadãos tem de
eleições presidenciais, nas quais Geraldo Alckmin, trabalhar.
do PSDB, colocou-se como principal candidato da b) era entendida como uma dignidade pró-
oposição. pria dos grupos sociais superiores, fruto de uma
No entanto, no segundo turno da eleição, Lula, concepção política profundamente hierarqui-
candidato à reeleição, teve uma ampla vantagem zada da sociedade.
de votos em relação a Alckmin. c) estava vinculada, na Grécia Antiga, a
A vitória eleitoral de Lula se deveu, em parte, uma percepção política democrática, que le-
ao sucesso de seus programas sociais, os quais te- vava todos os habitantes da pólis a participa-
riam ajudado milhões de pessoas a deixar a extre- rem da vida cívica.
ma pobreza e ascender socialmente. O segundo d) tinha profundas conexões com a justiça,
mandato de Lula foi de alta popularidade, dentro razão pela qual o tempo livre dos cidadãos de-
e fora do País, e grande adesão ao Bolsa Família. veria ser dedicado às atividades vinculadas aos
Ao longo dos dois governos presididos por Lula, tribunais.
ocorreu a ascensão da chamada classe C, ou e) vivida pelos atenienses era, de fato, restri-
seja, além de um grande contingente de pessoas ta àqueles que se dedicavam à política e que
ter deixado a miséria, dezenas de milhões de bra- tinham tempo para resolver os problemas da
sileiros passaram a ter importante participação no cidade.
mercado de consumo, impulsionando a economia Enem 2009. Prova azul.
durante o período de manutenção da estabilidade
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02. A religião em Roma Antiga era essencial- Igreja Ortodoxa de Constantinopla, significou
mente politeísta e o ritual mais importante era o um reforço político-militar para o Império Roma-
culto ao Imperador. Contudo, a partir do século no do Oriente.
I, muitos se negavam a admitir seu caráter divi- c) Com a conversão de Clóvis, de acordo
no e, por isso, ameaçavam o Estado e passa- com a orientação da Igreja de Roma, o reino
vam a ser perseguidos. Tratava-se: franco tornou-se o primeiro Estado germânico
a) dos bárbaros invasores. sob influência papal.
b) dos escravos, reféns de guerra. d) A conversão de Clóvis ao cristianismo
c) de estrangeiros que preferiam cultuar levou o reino franco a um prolongado conflito
seus próprios deuses. religioso, uma vez que a maioria dos seus inte-
d) dos primeiros cristãos. grantes manteve-se fiel ao paganismo.
e) dos judeus. e) A conversão de Clóvis ao cristianismo
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), permitiu à dinastia franca merovíngia a anexa-
2013. Exame de seleção para cursos técnicos. ção da Itália a seus domínios e a submissão do
poder pontifício à autoridade monárquica.
03. Durante a República Romana, a escra- Fundação Getúlio Vargas, São Paulo (FGV-SP), 2004.
vidão aumentou consideravelmente sua im-
portância na sociedade e na economia, con- 05. Atendendo ao apelo do papa Urbano
tribuindo para a crescente dependência da II, em 1095, a Europa cristã organizou uma sé-
República Romana em relação à mão de obra rie de expedições militares conhecidas como
escrava. A dependência da mão de obra es- Cruzadas, cujos objetivos declarados eram a
crava na República Romana devia-se: conquista da Terra Santa de Jerusalém, a ajuda
a) à expansão das grandes propriedades aos bizantinos e a união da cristandade contra
e ao aniquilamento da pequena propriedade os muçulmanos. Apesar das oito Cruzadas, rea-
rural. lizadas entre 1096 e 1270, nenhum desses objeti-
b) às guerras de conquista empreendidas vos foi plenamente alcançado. Por outro lado,
por Roma, as quais contribuíram decisivamente como destaca o medievalista Jacques Le Goff,
para o predomínio dessa relação de trabalho. os comerciantes foram os grandes ganhadores
c) à inexistência de mão de obra livre e ao da expansão cristã do século XII. No contexto
desinteresse da população pelos trabalhos ma- da Europa feudal, as Cruzadas contribuíram
nuais. para a
d) aos conflitos entre patrícios e plebeus na a) conquista, pelos árabes, de territórios cris- 109
luta pela terra. tãos na Península Ibérica.
e) à necessidade de ampliação da oferta b) dinamização dos contatos comerciais
de mão de obra para o desenvolvimento do entre o Oriente e o Ocidente.
artesanato. c) ampliação das áreas feudalizadas pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul nobreza guerreira vitoriosa.
(UFRGS), 2011. d) dizimação dos campos de cultivo pelas
epidemias da peste negra.
04. “O sacerdote, tendo-se posto em con- e) expansão do Império Bizantino sobre as
tato com Clóvis, levou-o pouco a pouco e se- áreas mediterrânicas.
cretamente a acreditar no verdadeiro Deus, Fatec 2012, 2º semestre.
criador do Céu e da Terra, e a renunciar aos
ídolos, que não lhe podiam ser de qualquer aju- 06. A Reforma foi um movimento religioso
da, nem a ele nem a ninguém [...] O rei, tendo ocorrido no século XVI, marcado pelo surgimen-
pois confessado um Deus todo-poderoso na to de novas religiões cristãs. Dentre suas conse-
Trindade, foi batizado em nome do Pai, do Fi- quências, observamos:
lho e do Espírito Santo e ungido do santo Crisma a) uma grande ruptura na Igreja Católica,
com o sinal-da-cruz. Mais de três mil homens do levando ao retrocesso de práticas, como a usu-
seu exército foram igualmente batizados [...].” ra e os juros nas regiões onde foi adotado o lu-
São Gregório de Tours. A conversão de Clóvis. Historiae teranismo.
Eclesiasticae Francorum. Apud PEDRERO-SÁNCHES, b) o aumento da interferência da Igreja Ca-
M.G., História da Idade Média. Textos e testemunhas. tólica em questões políticas, nos países que se
São Paulo, Ed.Unesp, 2000, p. 44-45. tornaram calvinistas.
c) o surgimento da Igreja Anglicana na In-
A respeito dos episódios descritos no texto, é glaterra, que adotou o calvinismo e criou um
correto afirmar: novo papa, para se tornar o chefe da nova
a) A conversão de Clóvis ao arianismo per- igreja.
mitiu aos francos uma aproximação com os d) a reação da Igreja Católica, para tentar
lombardos e a expansão do seu reino em dire- acabar com o avanço do movimento, promo-
ção ao Norte da Itália. vendo guerras religiosas contra os países protes-
b) A conversão de Clóvis, segundo o rito da tantes e revendo alguns de seus dogmas.
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e) a tentativa da Igreja Católica de se for- clarecido.


talecer novamente, promovendo uma reorga- c) Tanto nos EUA quanto na França, as te-
nização da Instituição e reafirmando princípios ses iluministas sustentavam a luta pelo reconhe-
tradicionais. cimento dos direitos considerados essenciais à
Escola Preparatória de Cadetes do Exército dignidade humana.
(Espcex), 2010. d) Por ter sido pioneira, a Revolução Fran-
cesa exerceu forte influência no desencadea-
07. Na imagem do início do século XX, iden- mento da independência norte-americana.
tifica-se um modelo produtivo cuja forma de or- e) Ao romper o Pacto Colonial, a Revolução
ganização fabril baseava-se na Francesa abriu o caminho para as independên-
a) autonomia do produtor direto. cias das colônias ibéricas situadas na América.
b) adoção da divisão sexual do trabalho. Enem 2007. Prova amarela.
c) exploração do trabalho repetitivo.
d) utilização de empregados qualificados. 09. É uma ideia grandiosa pretender formar
e) incentivo à criatividade dos funcionários. de todo o Novo Mundo uma única nação com
Enem 2012. Prova azul. um único vínculo que ligue as partes entre si e
com o todo. Já que tem uma só origem, uma só
língua, mesmos costumes e uma só religião, de-
veria, por conseguinte, ter um só governo que
confederasse os diferentes Estados que have-
rão de se formar; mas tal não é possível, porque
climas remotos, situações diversas, interesses
opostos e caracteres dessemelhantes dividem
a América.
(Simón Bolívar. Carta da Jamaica [06.09.1815].
Simón Bolívar: política, 1983.)

O texto foi escrito durante as lutas de inde-


pendência na América Hispânica. Podemos di-
zer que,
a) ao contrário do que afirma na carta, Bolí-
110 var não aceitou a diversidade americana e, em
sua ação política e militar, reagiu à iniciativa
autonomista do Brasil.
08. Em 4 de julho de 1776, as treze colônias b) ao contrário do que afirma na carta, Bo-
que vieram inicialmente a constituir os Estados lívar combateu as propostas de independência
Unidos da América (EUA) declaravam sua inde- e unidade da América e se empenhou na ma-
pendência e justificavam a ruptura do Pacto nutenção de sua condição de colônia espa-
Colonial. Em palavras profundamente subversi- nhola.
vas para a época, afirmavam a igualdade dos c) conforme afirma na carta, Bolívar defen-
homens e apregoavam como seus direitos ina- deu a unidade americana e se esforçou para
lienáveis: o direito à vida, à liberdade e à busca que a América Hispânica se associasse ao Brasil
da felicidade. Afirmavam que o poder dos go- na luta contra a hegemonia norte-americana
vernantes, aos quais cabia a defesa daqueles no continente.
direitos, derivava dos governados. Esses concei- d) conforme afirma na carta, Bolívar acei-
tos revolucionários que ecoavam o Iluminismo tou a diversidade geográfica e política do con-
foram retomados com maior vigor e amplitude tinente, mas tentou submeter o Brasil à força
treze anos mais tarde, em 1789, na França. militar hispano-americana.
Emília Viotti da Costa. Apresentação da coleção. In: e) conforme afirma na carta, Bolívar de-
Wladimir Pomar. Revolução Chinesa. São Paulo: UNESP, clarou diversas vezes seu sonho de unidade
2003 (com adaptações). americana, mas, em sua ação política e militar,
reconheceu que as diferenças internas eram in-
Considerando o texto acima, acerca da in- superáveis.
dependência dos EUA e da Revolução France- Unesp 2013.
sa, assinale a opção correta.
a) A independência dos EUA e a Revolução 10. Art. 92. São excluídos de votar nas As-
Francesa integravam o mesmo contexto histó- sembleias Paroquiais:
rico, mas se baseavam em princípios e ideais I. Os menores de vinte e cinco anos, nos
opostos. quais não se compreendam os casados, e Ofi-
b) O processo revolucionário francês identi- ciais militares que forem maiores de vinte e um
ficou-se com o movimento de independência anos, os Bacharéis Formados e Clérigos de Or-
norte-americana no apoio ao absolutismo es- dens Sacras.
Ciências Humanas e suas Tecnologias

IV. Os Religiosos, e quaisquer que vivam em tinacionais americanas nas regiões de grande
Comunidade claustral. interesse estratégico dos Estados Unidos.
V. Os que não tiverem de renda líquida d) Fundamentar organizações internacio-
anual cem mil réis por bens de raiz, indústria, co- nais, como a ONU, a OEA e a OTAN, que se tor-
mércio ou empregos. naram grandes instrumentos de execução da
Constituição Política do Império do Brasil (1824). política externa americana durante a Guerra
Disponível em: https://legislação.planalto.gov.br. Fria.
e) Vigiar e impedir que simpatizantes de
A legislação espelha os conflitos políticos ideologias de esquerda ocupassem cargos de
e sociais do contexto histórico de sua formula- liderança e influência no funcionalismo público,
ção. A Constituição de 1824 regulamentou o no governo, nas universidades, nos meios de
direito de voto dos “cidadãos brasileiros” com comunicação e nas grandes corporações eco-
o objetivo de garantir nômicas americanas.
a) o fim da inspiração liberal sobre a estrutu- Pontifícia Universidade Católica do Paraná
ra política brasileira. (PUC-PR), 2009.
b) a ampliação do direito de voto para
maioria dos brasileiros nascidos livres. 13. A campanha pelo restabelecimento das
c) a concentração de poderes na região eleições diretas para presidente da República
produtora de café, o Sudeste brasileiro. do Brasil, em 1984, intitulada “Diretas Já!”,
d) o controle do poder político nas mãos a) tentava garantir que o primeiro presiden-
dos grandes proprietários e comerciantes. te pós-regime militar fosse escolhido, em 1985,
e) a diminuição da interferência da Igreja pelo Colégio Eleitoral.
Católica nas decisões político-administrativas. b) defendia a continuidade dos militares no
Enem 2011. Prova azul. poder, desde que fossem escolhidos pelo voto
direto dos brasileiros.
11. Fugindo à luta de classes, a nossa orga- c) foi a primeira mobilização pública de
nização sindical tem sido um instrumento de membros da sociedade civil brasileira desde o
harmonia e de cooperação entre o capital e o golpe militar de 1964.
trabalho. Não se limitou a um sindicalismo pura- d) reuniu diferentes partidos políticos em
mente “operário”, que conduziria certamente a torno da aprovação de emenda constitucional
luta contra o “patrão”, como aconteceu com que reintroduzia o voto direto para presidente.
outros povos. e) teve sucesso, pois contou com apoio ofi- 111
FALCÃO, W. Cartas sindicais. In: Boletim do Ministério do cial da Igreja Católica, dos sindicatos, das for-
Trabalho, Indústria e Comércio. Rio de Janeiro, 10 (85), ças armadas e do partido situacionista.
set. 1941 (adaptado). Unesp 2011.

Nesse documento oficial, à época do Esta- 14. Movimento dos Caras-Pintadas


do Novo (1937-1945), é apresentada uma con-
cepção de organização sindical que
a) elimina os conflitos no ambiente das fá-
bricas.
b) limita os direitos associativos do segmen-
to patronal.
c) orienta a busca do consenso entre traba-
lhadores e patrões.
d) proíbe o registro de estrangeiros nas enti-
dades profissionais do país.
e) desobriga o Estado quanto aos direitos e
deveres da classe trabalhadora.
Enem 2012. Prova azul.

12. Durante a Guerra Fria, desenvolveu-se,


nos Estados Unidos, uma ideologia conhecida
como macartismo. Essa ideologia tinha como
objetivo:
a) Caracterizar as bases da política externa
dos Estados Unidos para a América Latina de-
pois da Revolução Cubana. O movimento representado na imagem, do
b) Definir os fundamentos da doutrina geo- início dos anos de 1990, arrebatou milhares de
política dos Estados Unidos para as Américas e jovens no Brasil. Nesse contexto, a juventude,
para a região do oceano Pacífico. movida por um forte sentimento cívico,
c) Definir os princípios da presença das mul- a) aliou-se aos partidos de oposição e orga-
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nizou a campanha Diretas Já. sou uma ruptura interna na Igreja Católica,
b) manifestou-se contra a corrupção e pres- originando novas religiões cristãs. Uma conse-
sionou pela aprovação da Lei da Ficha Limpa. quência foi a reação da Igreja Católica, que, a
c) engajou-se nos protestos relâmpago e partir do Concílio de Trento, promoveu reformas
utilizou a internet para agendar suas manifesta- morais e comportamentais entre o clero, julgou
ções. suspeitos de heresia nos tribunais da Inquisição
d) espelhou-se no movimento estudantil de e buscou expandir a fé católica com novas or-
1968 e protagonizou ações revolucionárias ar- dens religiosas, como a ordem dos jesuítas.
madas.
e) tornou-se porta-voz da sociedade e in- 07. Alternativa correta: c.
fluenciou no processo de impeachment do en- Como resultado de seus estudos sobre a in-
tão presidente Collor. dustrialização ocorrida na Europa durante o sé-
Enem 2011. Prova Azul. Foto: © Eder Chiodetto/ culo XIX, você pôde conhecer algumas carac-
Folhapress terísticas típicas desse processo, entre as quais
a mostrada pela imagem desta atividade, que
registra operários de uma indústria repetindo o
DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS mesmo movimento necessário à fabricação de
RESULTADOS parte do produto.

Confira aqui os seus resultados! 08. Alternativa correta: c.


Pela associação entre a Revolução France-
01. Alternativa correta: e. sa e a Independência dos EUA, você poderia
O texto informa que para ser cidadão era concluir que ambos os movimentos apoiavam-
necessário um certo tipo de vida, na qual o -se nas teses iluministas, que defendiam direitos
tempo livre e o lazer estavam incluídos, mas iguais a todos.
não as tarefas produtivas. Ou seja, a cidadania
estava restrita às camadas mais privilegiadas 09. Alternativa correta: e.
da população ateniense, o que excluía vastas Os movimentos coordenados por Bolívar
parcelas HORA dessa população. visavam unificar os territórios americanos, cons-
tatação que você poderia ter percebido pelo
02. Alternativa correta: d. conteúdo do texto citado na atividade.
112 Foram os primeiros cristãos que recusaram o
culto ao imperador e as religiões politeístas ro- 10. Alternativa correta: d.
manas. É possível que você tenha percebido que
o Art. 92 da Constituição de 1824 deixava cla-
03. Alternativa correta: b. ra a restrição dos direitos políticos a uma parte
As guerras de expansão possibilitaram a da população, isto é, àquela que possuía de-
conquista de um número crescente de escra- terminada renda líquida anual, na sua maioria
vos, fazendo com que a estrutura econômica formada por latifundiários e ricos comerciantes.
e social de Roma dependesse cada vez mais
desse tipo de relação de trabalho. 11. Alternativa correta: c.
Você poderia ter visto no texto que durante
04. Alternativa correta: c. o governo Vargas os sindicatos permaneceram
O rei Clóvis foi o primeiro líder germânico a sob o controle e a tutela do Estado, que assu-
se converter à fé cristã, dando início à consoli- mia o papel de defesa dos direitos do trabalha-
dação da cristandade no continente europeu. dor. Em contrapartida, não admitia nenhuma
organização autônoma dos trabalhadores, de
05. Alternativa correta: b. forma que sobrou para os sindicatos o papel de
Como você pôde estudar no texto As Cru- negociar com os patrões, buscando consensos.
zadas: disputas entre cristãos e muçulmanos,
essa atividade apresentou o tema das pere- 12. Alternativa correta: e.
grinações para Jerusalém e os resultados disso Conforme você pôde ler no texto Modelos
para o comércio depois da época das Cruza- opostos de mundo, macarthismo foi o nome
das. Você poderia lembrar que as rotas comer- com que ficou conhecida a política estaduni-
ciais entre a Europa e o Oriente Médio se con- dense de espionagem e investigação de milha-
solidaram nesse período, em especial as que res de pessoas acusadas de comunistas ou sim-
circulavam pelo Mar Mediterrâneo, originando patizantes. Muitas pessoas foram processadas,
uma retomada do comércio na região. presas ou perderam seus empregos por conta
dessas investigações.
06. Alternativa correta: e.
Você viu que a Reforma protestante cau- 13. Alternativa correta: d.
O movimento pelas eleições diretas uniu a
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é dito. Trata-se da exigência de rigor e demonstra-


sociedade brasileira na defesa de uma emen- ção que é típica dessa forma de conhecer e pen-
da constitucional que garantisse o restabeleci- sar sobre as coisas, isto é, do pensamento filosófico.
mento do voto direto nas eleições presidenciais. Por outro lado, há também quem diga que não
são apenas filósofos que podem produzir conheci-
14. Alternativa correta: e. mento filosófico. Mas, afinal, o que é Filosofia? Ou,
Amparado pela leitura do texto, você estu- melhor ainda, onde ela acontece? Nas universida-
dou que o movimento dos caras-pintadas re- des? Nas ruas? Quem faz a Filosofia acontecer?
presentou as insatisfações não apenas dos es- Como?
tudantes, mas de toda a sociedade, e foi mar- Para tentar responder a essas perguntas, é pre-
cante no processo de impeachment de Collor ciso examinar a longa história da Filosofia no Oci-
em 1992. dente, que remonta há muitos séculos. Tales de
Mileto, considerado um dos primeiros filósofos oci-
dentais, é o precursor de uma série de pensadores
DESCOBRINDO A FILOSOFIA que tentaram compreender e dar explicações ra-
cionais aos fenômenos do Universo. Esses pensado-
Filosofia é uma palavra grega formada de duas res, chamados de filósofos físicos ou pré-socráticos,
outras: philo e sophia. Philo deriva da palavra philia, buscavam explicar racionalmente os fenômenos
que quer dizer “amor”, “amizade”. Sophia significa físicos e a origem do Universo sem recorrer aos mi-
“sabedoria”, “conhecimento”. Então, filosofia é um tos, pois, para eles, era preciso avançar além das
termo que significa “amor ao conhecimento”. histórias que associavam os fenômenos do Universo
Essa definição é atribuída a Pitágoras de Samos, aos deuses.
filósofo grego da Antiguidade. Há uma tradição de
longa data, segundo a qual, em certa ocasião, ao
ser chamado de sábio (sophós) por um interlocutor #FicaDica
(acredita-se que tenha sido Lêon, tirano da cidade Tales nasceu na cidade de Mile-
de Fliús), Pitágoras teria reagido recusando o referi- to, na Grécia, viveu entre 624-546 a.C.
do título e se autodenominando amante ou amigo e é considerado o primeiro pensador
da sabedoria (philosophos). ocidental a estabelecer uma análise
Assim, filósofo é aquele que é amigo da sabe- científica do mundo. O que impulsiona-
doria, a ama e a deseja, estabelecendo com ela va Tales nas suas investigações era um
uma relação de amizade. A Filosofia seria, portan- descontentamento com as respostas
to, a busca do saber, do conhecimento, da verda- baseadas nos mitos para explicar os fe-
de. Essa busca é a atividade do filósofo. E ele a rea-
113
nômenos naturais do dia a dia. Tales era
liza por meio da reflexão, como você verá adiante. produtor e comerciante de azeitonas e
azeite; tinha, portanto, motivações ma-
Conhecendo a atitude filosófica teriais e comerciais para buscar explica-
ções científicas para a realidade física.
A atitude filosófica pode ser descrita como Pode-se compreender, assim, que Tales
aquela que não se contenta com o que pa- procurava por explicações que possuís-
rece natural. Na rotina diária, por exemplo, as sem um encadeamento lógico, que pu-
pessoas são muitas vezes levadas a fazer várias dessem ser racionalmente explicadas.
coisas em pouco tempo e se queixam porque
não vencem as obrigações que haviam plane- Em linhas gerais, os mitos são narrativas que re-
jado. lacionam a origem das coisas, suas funções e mo-
dos de funcionamento aos poderes e vontades de
divindades que agiriam sobre os seres humanos e
A atitude filosófica interroga não só o que se sobre a natureza.
chama de obrigação (O que é uma obrigação? Tais narrativas são transmitidas oralmente, ao
Quem a determinou? Com quais critérios?), mas longo das gerações. Ao tentar romper com essa
também como o indivíduo a encara (De que for- maneira de compreender e explicar a realidade,
ma a tarefa seria feita? Contando com quais es- os filósofos pré-socráticos observavam os fenôme-
tratégias?), além de se preocupar com os motivos nos que aconteciam ao seu redor, levantando hi-
que levam o indivíduo a se sentir mal quando não póteses explicativas, por meio do uso da razão.
consegue cumprir com o planejado (De onde vem A atitude filosófica tende a observar criteriosa-
esse sentimento? Qual a sua causa?). mente o mundo ao seu redor, isto é, nos mínimos
Mais ainda, questiona também o tempo – afi- detalhes e com um método predefinido, tendo
nal, o que ele é? É possível dizer, então, que a ati- como objetivo construir uma interpretação rigorosa
tude filosófica, ao indagar sobre a natureza, a rea- do que acontece, sem se satisfazer, por exemplo,
lidade, a economia, as relações, os sentimentos e apenas com o conhecimento ancorado na crença
as amizades, tem a ver com a reflexão, porque ela de que seres ou fenômenos sobrenaturais interfe-
é exatamente o pensamento que pondera sobre rem na organização do Universo.
o próprio pensamento. Há quem diga que em Fi- O filósofo pode desconstruir, portanto, alguns
losofia é importante fundamentar tudo aquilo que
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dogmas ou crenças, porque defende o questiona- biente que ele pensou a respeito dos motivos que
mento constante em lugar de aceitar uma respos- levavam às inundações do rio Nilo ou que previu
ta pronta, dada pela fé. Certamente as narrativas a ocorrência de um eclipse solar. Também ponde-
míticas ou a religião não são as únicas áreas em rou acerca da origem do mundo, enunciando que
relação às quais se deve ter uma atitude crítica, tudo é feito de água. Muitas pessoas se perguntam
sem mencionar que nem toda vivência religiosa é (e você não deve ser exceção) qual é a utilidade
necessariamente acrítica. prática da Filosofia. Tales pode ser um bom exem-
plo de como responder a essa questão.
Por conta da sua forte capacidade de obser-
Acrítico
vação, tornou-se um homem muito bem-sucedido,
Aquele que aceita qualquer ideia sem
pois soube aproveitar os conhecimentos que acu-
questionar.
mulou sobre os movimentos da natureza e sobre os
homens, que ele via como parte da natureza, para
É possível tanto encontrar a atitude filosófica na enriquecer. Enquanto a maioria das pessoas credi-
ação religiosa (quando, por exemplo, uma pessoa tava aos deuses as boas colheitas (que por sua vez
questiona suas próprias crenças) quanto observar estimulavam o comércio, fazendo-as ter mais far-
posturas doutrinárias no procedimento científico tura), Tales notou que o clima, com suas variações
(quando, por exemplo, um cientista crê cegamen- meteorológicas, era o que, de fato, influenciava a
te nos seus procedimentos, sem levar em conta que qualidade delas.
eles podem estar equivocados). Afinal, não existe Conta-se que Tales, por meio de suas observa-
uma barreira intransponível entre Filosofia, Ciência, ções, previu que a colheita de azeitonas de deter-
Religião e a vida do indivíduo comum. minado ano seria farta. Antes da temporada em
Todas essas modalidades de conhecimento po- que elas seriam colhidas e transformadas em azei-
dem se debruçar sobre as mesmas questões, en- te, Tales alugou todas as prensas. Então, quando
contrando respostas que lhes são próprias e ade- todos estavam precisando delas para produzir o
quadas aos seus métodos de investigação. É muito óleo, ele pôde cobrar o preço que julgou adequa-
mais fácil fazer uma afirmação em público quando do, obtendo muitos lucros.
se sabe que outras pessoas já ouviram aquilo antes Esse é apenas um exemplo, que precisa, no en-
e estão propensas à concordância. Se alguém diz, tanto, ser questionado, para que não se caia no
por exemplo, “O Brasil é o país do futebol”, prova- erro de considerar que a Filosofia tem sempre de
velmente poucas pessoas vão questionar ou duvi- apresentar uma utilidade prática imediata e, de
dar, pois é uma frase que já conquistou sua aceita- preferência, voltada para a obtenção de ganhos
114 ção no cotidiano cultural do brasileiro, assim como financeiros. Tales também desenvolveu um teore-
as piadinhas ou os ditos populares. ma matemático (teorema de Tales), que você es-
Isso é chamado de senso comum, ou seja, algo tudou (ou ainda vai estudar!) em Matemática.
compreendido facilmente sem uma base científi- Se você pesquisar a história de disciplinas como
ca, e cuja facilidade de absorção está fundamen- a Matemática, a Química, a Física e a Biologia, verá
tada no fato de que esse discurso é aceito ampla- que em seu início houve sempre um filósofo. Isso
mente no meio social, ou seja, é reconhecido, revi- porque a Filosofia busca os fundamentos, a essên-
sitado e repetido muitas vezes em diversos setores cia, o conceito e, por isso mesmo, ajuda a definir o
da sociedade. É importante ter bastante claro que objeto de cada campo do conhecimento. Então,
a atitude filosófica requer de cada um vontade, achar a Filosofia inútil é condenar uma porção de
disposição interna para a descoberta e o entendi- coisas importantes à inutilidade. Nesse caso, é pre-
mento das ideias, dos pensamentos, da realidade. ciso cuidado! Essa noção de Filosofia como busca
Trata-se de um questionamento sincero e interessa- da essência, do conceito, parece chocar-se com a
do em compreender algo. ideia trabalhada O que é Filosofia?, apresentando
Atitude filosófica é mais do que “dar sua opi- a Filosofia como exercício reflexivo.
nião” repetindo palavras. Filosofar requer um pro- Não se trata de uma contradição, mas de co-
fundo comprometimento com a escuta, com o nhecer outra perspectiva do que ela é, além de
pensar, com a reflexão e com o desejo de desco- perceber que há mais de uma definição para o ter-
brir novas ideias e pontos de vista cultivando, no mo. Como você viu, a própria definição de Filosofia
processo, o respeito às diferenças. Para aprender, já é uma questão filosófica.
é necessário ter humildade e respeito por tudo
aquilo que pode ensinar. A História da Filosofia
E a Filosofia, ao priorizar a busca do saber por
meio da razão, ao exigir que as opiniões, a realida- A História da Filosofia, assim como a História ge-
de diária e as experiências particulares sejam anali- ral, foi convencionalmente dividida em períodos.
sadas criticamente, ensina que é possível aprender Esse tipo de divisão serve para que se compreenda
com os livros, com a natureza, com o meio ambien- melhor o que aconteceu, percebendo semelhan-
te e, principalmente, consigo mesmo. ças e diferenças em comparação a outras épocas.
Esses períodos são apenas um referencial didá-
Tales, por exemplo, era um observador da na- tico, podendo aparecer de maneiras distintas nos
tureza. Foi reparando nas sutis mudanças do am- diversos materiais que tratam do assunto, diferindo
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também de acordo com opiniões particulares de de conciliação entre fé e razão; a relação entre re-
cada pesquisador. A Filosofia faz parte da História; ligião e política, Igreja e Estado. Santo Agostinho e
ela não é algo abstrato, imune aos conflitos, inte- São Tomás de Aquino estão entre os representantes
resses, necessidades de cada momento histórico. mais importantes desse período.
Afinal, é em função de circunstâncias históricas
determinadas, buscando responder aos problemas Filosofia na Idade Moderna
concretos trazidos por elas, que os filósofos se pro-
puseram a refletir e a produzir suas obras. A Idade Moderna é um período que teve seu
início no século XIV e seu final em meados do sécu-
lo XVIII. Correspondeu a um contexto no qual o mo-
delo medieval de aliança entre monarquia e Igreja
estava desgastado, ao passo que a burguesia co-
meçava a apresentar-se como uma força política
cada vez mais expressiva.
Essa época foi também marcada pelas gran-
des descobertas e conquistas territoriais decorren-
tes da expansão marítima, o que inaugurou um
longo período de colonização de “terras virgens”
e acordos comerciais bastante agressivos entre as
nações europeias dominantes – foi um contexto de
intensas transformações culturais.
O pensamento filosófico desse período foi pau-
tado pelo questionamento sobre o homem como
sujeito de conhecimento, isto é, um ser que age
A obra Escola de Atenas é um afresco (técnica com base em suas capacidades racionais, e sobre
de pintura em paredes ou tetos em gesso ou cal a realidade como um sistema composto de meca-
úmidos) que retrata um encontro imaginário entre nismos de funcionamento que podem, portanto,
filósofos da Antiguidade Clássica. ser plenamente conhecidos.
Ela simboliza a busca da verdade e da sabe- É desse período o atual modelo de pensamen-
doria. Ao centro, Platão e Aristóteles representam a to científico, que toma como base a ideia de que
própria Filosofia e seus esforços em compreender o todo conhecimento válido advém da Ciência e de
mundo material e a natureza. Filósofos como Herá- tudo o que ela é capaz de produzir e transformar,
clito, Euclides, Pitágoras, Zoroastro e Ptolomeu tam- tendo em vista melhorias da sociedade e da vida 115
bém estão na obra. Esse afresco foi pintado pelo humana. Convém afirmar que esse é um modelo já
artista italiano Rafael Sanzio (1453-1520), que viveu em crise. Foram representativos na Idade Moderna
muitos séculos depois da Antiguidade. Sanzio foi filósofos como Francis Bacon, René Descartes, Gali-
um dos principais artistas do Renascimento. leu Galilei, Thomas Hobbes, John Locke, Isaac New-
Uma das características centrais do período re- ton, entre outros. Posteriormente, mas ainda nesse
nascentista foi a valorização da cultura e da filoso- período, surgiu a Filosofia da Ilustração, ou Iluminis-
fia da Antiguidade, que havia ficado “esquecida” mo, que foi marcada pela ascensão da burguesia
por muito tempo. ao poder político.
Desenvolveu-se, sobretudo, nos séculos XVIII e
Filosofia na Idade Média XIX e tem como cerne a crença no poder da razão
como requisito fundamental à liberdade, à felicida-
A Idade Média é um período compreendido de e à autonomia, diante do poder centralizado
entre o século VII e o século XIV. Nesse momento, a da monarquia e dos dogmas da Igreja Católica. O
sociedade europeia estava dividida em estamen- movimento iluminista de ordem filosófica, política,
tos sociais estratificados, ou seja, havia pouquíssi- social, econômica e cultural afirma que, por meio
ma, praticamente nenhuma, mobilidade entre os do poder da razão, o homem e a civilização evo-
grupos sociais, e as pessoas estavam submetidas luirão.
ao governo e ao domínio de um Estado monárqui- Como representantes desse período é possível
co, basicamente construído sobre a aliança entre citar Voltaire, Diderot, Rousseau e Kant, entre ou-
as famílias nobres e o clero. tros.
O clero dava sustentação ideológica e justifica-
va o domínio dos nobres, funcionando ao mesmo Filosofia na Idade Contemporânea
tempo como órgão repressor e mediador entre o
homem comum (plebeu) e as intenções de seus Compreende o final do século XVIII (Revolução
governantes. Talvez por conta dessa estrutura so- Francesa, 1789) até os dias atuais. Reflete, entre ou-
cial, o discurso religioso possuía fundamental impor- tros temas, sobre o modo de produção capitalista
tância, o que está refletido na filosofia da época. e a ideia de progresso ininterrupto, além de como
Dentre os principais problemas que se ocupou opera a Ciência, dos avanços da técnica e das
a Filosofia medieval destacam- -se: a busca de pro- transformações da cultura. Nesse momento, a Filo-
vas racionais da existência de Deus; a possibilidade sofia questiona as possibilidades da razão, que por
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muito tempo foi defendida como condição de realização máxima dos homens.
O período contemporâneo avalia que a razão nem sempre levou os seres humanos a uma boa condi-
ção ética, política, social, e por isso interroga seu próprio conceito – exemplo disso está na obra de Theodor
W. Adorno e Hannah Arendt.
Por outro lado, outros filósofos seguem acreditando que é preciso repensar para onde se quer ir, qual o
destino que a humanidade deseja alcançar e, desse modo, otimizar o uso da razão em prol de transforma-
ções sociais que auxiliem no desenvolvimento pleno do indivíduo. É o caso de Friedrich Hegel e Karl Marx,
que podem ser citados como filósofos importantes do período.
É importante ressaltar que os temas e autores mencionados acima não refletem a totalidade do pensa-
mento filosófico produzido ao longo da História. Aliás, isso seria impossível de fazer aqui. O objetivo, no pre-
sente momento, é apenas ilustrar alguns dos muitos caminhos percorridos pela Filosofia, pelo pensamento
filosófico, em cada um dos períodos nos quais ela foi convencionalmente dividida.
Vale lembrar também que os temas que predominam num determinado momento são, muitas vezes,
retomados em outros, não havendo, portanto, uma rígida separação ou isolamento entre esses períodos.
Alguns desses temas serão estudados no decorrer do curso.

As áreas de investigação da Filosofia

Depois do contato inicial que você teve com a produção filosófica ao longo da História, é interessante
compreender quais são as áreas de investigação da Filosofia.
Aqui elas são apresentadas em agrupamentos temáticos, campos de investigação que estão associa-
dos por possuírem os mesmos objetos de pesquisa e análise. Esses campos são importantes para que inves-
tigadores, pesquisadores e estudantes possam se localizar e associar modelos de pensamento, livros que se
relacionam e, dessa forma, conhecer o que é ou já foi produzido sobre um mesmo tema, com o objetivo
de ampliar seu repertório.
Você já reparou que as áreas de conhecimento são divididas segundo a ênfase dada ao objeto que
elas estudam? Por exemplo, a Biologia estuda os seres vivos; a Linguística, as regras de funcionamento da
língua; a Matemática, os cálculos, as medições do espaço, os problemas lógicos e as diversas operações
numéricas. E quanto à Filosofia, o que ela estuda? Será que ela ajuda a entender o que se passa no mundo,
por exemplo? Pensando nessas perguntas, observe a tirinha a seguir.

116

Na tirinha, a personagem Lucy é desafiada por Charlie Brown a pensar em uma afirmação que ela mes-
ma havia acabado de fazer e sobre a qual, aparentemente, nem parou para refletir. Charlie Brown faz uso
de um instrumento muito importante para a Filosofia: o questionamento, a problematização.
Questionar é fundamental, pois permite o exercício da imaginação, do raciocínio e da busca de coe-
rência de ideias. Dentre outros tantos instrumentos do filosofar, a problematização também permitiu que os
diversos filósofos, ao longo de muitos séculos de História, produzissem suas filosofias, que podem ser conhe-
cidas ainda hoje.
É muito tempo, não é mesmo? Foram muitos os temas discutidos pela Filosofia ao longo de todo esse
tempo. Alguns desapareceram, enquanto outros foram sistematizados e aprimorados. Mas, afinal de con-
tas, quais seriam as áreas de investigação da Filosofia?
A seguir, você observará algumas dessas áreas.

• Estética ou Filosofia da Arte Estuda o que é Arte, o que é o belo, o gosto artístico, as ideias que levam à
produção artística e à criação, além das relações entre a Arte e outras esferas da vida humana, como
a sociedade, a política, a ética, ao longo dos tempos e em diferentes contextos e culturas.
• Teoria do conhecimento (epistemologia) A epistemologia é a parte da Filosofia que estuda as diferentes
formas de conhecimento. Observa criticamente como o conhecimento é construído, quais são os seus
métodos e qual o seu alcance e potencial. Discute as relações da Filosofia com a Ciência, quando
analisa, por exemplo, quais devem ser os procedimentos que fundamentam uma experiência científica.
• Lógica Volta-se para os raciocínios considerados corretos e verdadeiros, debruçando- -se sobre argu-
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mentos e sobre o bom encadeamento de diferenças entre a forma como se manifesta esse
ideias; analisa as formas e regras do pensa- conhecimento popular e o científico. Os profetas
mento: como um pensamento pode ser de- aprenderam a ler os sinais da natureza de modo
monstrado e por que ele pode ser falso ou ver- empírico, ou seja, através da experiência adquirida
dadeiro. no dia a dia; já os cientistas e os meteorologistas,
• Metafísica Avalia tudo aquilo que não possui para poder prever o tempo, necessitam fazer ex-
realidade física ou materialidade concreta, perimentos que simulem os fenômenos naturais e
ocupando-se do princípio e dos fundamentos comprovem as explicações acerca do comporta-
de todos os seres. A palavra metafísica vem mento do clima.
do grego: meta quer dizer “além”, e phýsis sig- A controvérsia entre essas duas formas de co-
nifica “natureza”. Os conceitos de alma e de nhecimento torna-se ainda mais interessante quan-
Deus, por exemplo, dentre outros muitos assun- do se leva em conta que, no Ceará, o índice de
acerto dos profetas é maior do que o dos cientistas.
tos, são objeto de discussão da Metafísica.
O senso comum pode também surgir dessa sa-
• Ética Reflete acerca dos valores, da ação e
bedoria popular, mas se realiza mais por repetição
da atitude dos homens, bem como é respon-
do que por conhecimento profundo de algum fe-
sável pela investigação das bases da justiça
nômeno. Ele se manifesta na reprodução de jar-
e da melhor adequação do indivíduo ao seu gões socialmente aceitos, ideias que se tornam co-
meio social. Conceitos como vontade, respon- muns porque muitas pessoas as repetem, e a cada
sabilidade, liberdade, dever e obrigação são repetição tendem a se tornar ainda mais comuns.
exemplos de temas discutidos pela Ética. Para ilustrar esse fenômeno do senso comum, foi in-
• Filosofia política Ocupa-se dos princípios e fun- serida a sátira que o cartunista Andrício de Souza
damentos de diferentes sistemas de governo. faz na tirinha
Reflete acerca de conceitos como Estado, po-
der, autoridade, direito, lei, justiça, regimes po-
líticos, ideias de conservadorismo, revolução,
dominação, ideologia e autoritarismo, entre
outros.

AS RELAÇÕES ENTRE A FILOSOFIA E OUTRAS FOR-


MAS DE CONHECIMENTO

Compreendendo o senso comum 117


Os idiotas da classe média a respeito desses
Entende-se como senso comum o conjunto de discursos tão frequentemente ditos e escutados no
crenças, opiniões, valores, gostos, preferências, cotidiano. O objetivo do cartunista é, até com al-
modos de pensar e agir que uma comunidade tem guma agressividade, denunciar a força desses dis-
por verdadeiro e partilha durante determinado cursos, que proliferam comportamentos preconcei-
tempo. O senso comum é um “saber” que resulta tuosos e opiniões sem fundamento como se fossem
da experiência de vida individual e coletiva. conhecimento.
Os hábitos e costumes, as tradições e rituais, os Por isso, é importante que se saiba distinguir es-
ditos e provérbios, as opiniões populares são habi- ses dois modelos de conhecimento popular, de for-
tualmente referidos como manifestações do senso ma que se possa apreender a sabedoria contida
comum. É possível se perguntar se há diferença en- no senso comum, mas também criticá-lo quando
tre o senso comum e a sabedoria popular. for o caso de contestar uma certeza bastante acei-
A sabedoria popular pode ser entendida como ta e socialmente reconhecida como verdade.
a expressão do saber que é proveniente da rela- O senso comum está espalhado por toda a
ção com a natureza, com o meio ambiente e com sociedade, o que quer dizer que está presente no
a comunidade na qual se está inserido. Esse tipo de dia a dia, faz parte da rotina. Está nas manchetes
sabedoria popular não tem necessariamente vín- de jornais, nas piadas “prontas” recebidas da TV e
culo com a Ciência ou com o processo de apren- repetidas em rodinhas de conversa, nos temas co-
dizagem escolar. Não é difícil encontrar exemplos muns de esportes, política e notícias importantes da
de sábios populares, portadores dessa erudição ocasião. Como exemplo, é possível citar um jargão
ancestral, conhecedores das ervas medicinais, da muito frequente na cultura brasileira. Quem já não
culinária regional e do comportamento do clima e ouviu a expressão “Filho de peixe, peixinho é”?
da natureza em dadas localidades. A frase é muito usada para expressar a expec-
No sertão brasileiro, por exemplo, existem indiví- tativa que se tem de alguém que, por ser filho(a)
duos conhecidos como “profetas do tempo”, que de uma pessoa com habilidades notáveis ou ruins,
se orientam através de um enorme conhecimento possa também desempenhar tão bem ou tão mal
do ambiente para se prevenir e enfrentar as longas a mesma função ou adquirir os dons ou defeitos
temporadas de seca. de outro de forma natural, apenas por ser seu des-
Tomando o exemplo dos “profetas do tempo”, cendente. Não existe necessariamente uma prova
é possível observar aspectos curiosos acerca das concreta de que o descendente será igual ao seu
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progenitor, mas acredita-se nisso. tas-rapsodos, acreditava-se que a tarefa desses


Para a Filosofia, no entanto, o problema é se contadores lhes tinha sido atribuída pelos deuses.
acomodar nessa opinião superficial, impedindo-se Os mais famosos desses poetas foram Homero
de explorar outras perspectivas, outras formas de e Hesíodo, que, além de narrarem oralmente os mi-
discussão, outros pontos de vista. Assim, sempre que tos, também os reuniram e registraram por escrito.
se tem um primeiro contato com algo ou alguém, Seria possível citar muitos mitos da cultura gre-
é imensa a probabilidade de que, diante do des- ga, cujos personagens talvez você já conheça: Ha-
conhecido, o senso comum seja mobilizado: “Ah, des e Perséfone, Perseu e Medusa, Dédalo e Ícaro,
você é brasileiro? Deve saber dançar muito bem!”. Eco e Narciso etc. Além desses personagens, você
O senso comum e a sua aprendizagem são já ouviu falar de Afrodite? Na mitologia grega, que
condições necessárias para a socialização dos tem uma visão antropomórfica dos deuses, Afrodite
membros de uma comunidade, funcionando é a deusa da beleza.
como um mecanismo regulador do pensamento e Há muitas versões para o mito de sua origem, e
da ação. Do ponto de vista da Ciência e da Filo- elas aludem aos diferentes sentimentos que os ho-
sofia, as crenças de senso comum são superficiais mens daquela época experimentaram diante do
e/ou falíveis, ou seja, é frequente ao senso comum que é o belo.
não resistir a um exame crítico minucioso, de forma A versão de Homero, mais convencional, con-
que o fato de ser aceito e repetido amplamente, ta que Afrodite é filha de Zeus (deus dos deuses) e
por um grande número de pessoas, não representa Dione (deusa-mãe). Já a versão do poeta Hesíodo
nenhuma garantia de que fale em nome de uma você pode conhecer a seguir.
ideia verdadeira.
Já a Filosofia, em si, convida à exploração das
O nascimento de Afrodite
ideias de outra forma, muitas vezes tratando dos
mesmos assuntos, mas, diferentemente do senso
Urano era o deus do céu e todas as noites
comum, buscando justificativas que sustentam as
vinha cobrir Gaia, a deusa da terra. Do encon-
opiniões, investigando as causas e as consequên-
tro de Urano com Gaia geraram-se vários des-
cias, procurando por comprovações. Enfim, a Filo-
cendentes, entre eles os Titãs. Todas as noites,
sofia tenta analisar os fenômenos questionando ao
sem cessar, o céu encontrava-se com a terra
máximo o senso comum.
e a fecundava, gerando incessantemente des-
É, então, um desafio para o estudante de Filoso-
cendentes. Como Urano não cessava de cobrir
fia investigar as ideias e opiniões do senso comum,
Gaia, os filhos por eles gerados não podiam nas-
indagando, duvidando, problematizando sempre
cer. Essa situação deixava Gaia furiosa, que en-
118 suas aparentes certezas. Muitas vezes, as pessoas
tão elaborou um plano para se livrar e também
repetem aquilo que escutam nas novelas, nos jor-
a seus filhos. Cronos, um de seus filhos, conheci-
nais etc., simplesmente porque sabem que serão
do como o deus do tempo, resolveu aceitar o
aceitas pela maior parte das pessoas. Isso não sig-
desafio proposto por sua mãe. De posse de um
nifica que se deve rejeitar todo senso comum – o
arpão e ainda dentro do ventre dela, esperou
que, como você viu, é impossível.
por Urano. Quando este penetrou Gaia, a mão
No entanto, deve-se perceber como o senso
de Cronos atingiu a genitália do pai, castran-
comum opera e em que medida pode representar
do-o. Os restos da genitália de Urano caíram no
um conhecimento superficial de determinado as-
mar e se misturaram com a espuma das ondas.
sunto.
Dessa espuma emergiu uma deusa, a mais bela
de todas, de nome Afrodite. A deusa flutuou
MITO E RELIGIÃO
por um tempo nas águas do mar até atingir a
ilha de Chipre. Ao caminhar pela ilha, as flores
Entendendo sobre mito
começaram a se abrir, exalando um intenso
perfume, e todos os animais se curvaram diante
Os mitos são narrativas que se valem de ele-
dela por sua extrema beleza. Dizem que é pela
mentos sobrenaturais e fantásticos para explicar a
beleza de Afrodite que nasceu o mais profundo
origem do Universo e dos fenômenos naturais (cos-
dos sentimentos: o amor.
mogonia), da humanidade, do destino, dos senti-
mentos e dos deuses (teogonia).
Presentes em diferentes culturas, essas histórias Além dos registros escritos, os elementos e as
foram transmitidas de geração em geração atra- documentações acerca dos mitos também são
vés dos tempos, principalmente por meio da nar- acessíveis atualmente por meio das manifestações
rativa oral. Na cultura grega, como em muitas ou- artísticas, como pintura, escultura, dança, canto e
tras, os mitos foram a base da educação por um música em geral.
longo período e cumpriram função importante na
formação moral da comunidade, ensinando e pro-
pagando valores tidos como adequados.
Além disso, como eram histórias “contadas”,
os ouvintes conferiam poder aos narradores, que
transmitiam seus saberes. Conhecidos como poe-
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#FicaADica
Santo Agostinho
Nascido em 354 d.C. numa província
romana no norte da África, foi um filóso-
fo e teólogo que se dedicou a estudar
principalmente a relação entre o bem
e o mal. Buscou entender o mal como
a ausência de bem; o mal não poderia
ser compreendido como uma criação
de Deus, mas como falta ou deficiência
de algo que caracterizaria o bem.
Converteu-se ao cristianismo em
386, e sua obra, posterior a essa data,
foi pautada por um teor altamente cris-
tão e filosófico. Tornou-se bispo em 395
Entendendo a religião e continuou sua obra até sua morte, aos
75 anos, em 430 d.C., quando houve
Você já ouviu a frase “Sobre futebol, política e as invasões bárbaras na região do nor-
religião não se discute”? Você concorda com ela? te da África, onde residia e exercia sua
Debater os assuntos que afetam a vida das pessoas carreira sacerdotal.
é uma forma de buscar compreendê-los melhor Além disso, Santo Agostinho é co-
para se posicionar sobre eles com consciência, res- nhecido por ter ensinado retórica em Mi-
peitando os diferentes pontos de vista. lão e Roma, locais em que teve contato
O filósofo não aceita que haja limites para o com o neoplatonismo cristão. Escreveu
debate e para a construção da dúvida. Deve-se importantes obras, sendo uma das prin-
investigar então: De onde vem a religião? E que his- cipais Sobre a livre escolha da vontade
tória é essa de que não se pode discutir sobre isso? (De libero arbitrio), que trata do motivo
pelo qual Deus dá aos homens o livre-ar-
Pode-se entender que sentimento religioso é bítrio, que depois pode ser usado para
como se chama a sensação de fazer parte de um realizar o mal.
todo, de uma inteligência superior, de uma realida-
de que existe para além da vida material, concreta 119
e objetiva. Pode ser a crença em um deus ou em O estudo de uma religião do ponto de vista ra-
vários. Pode ser o entendimento de que esse todo cional é chamado de Teologia; um teólogo, assim,
do qual se faz parte é a própria natureza, ou pode procura entender por meio da razão o conteúdo
ser a elaboração acerca de como será a existên- dos dogmas, dos preceitos que embasam uma reli-
cia após a morte ou além da vida terrena. gião. A Teologia, ainda, pode se dedicar a estudos
É importante considerar que o sentimento reli- comparativos entre várias religiões.
gioso é anterior às religiões em si, uma vez que elas Existe uma área da Filosofia (Filosofia da reli-
são instituições dogmáticas, ou seja, que organi- gião) que, de maneira geral, procura entender o
zam a fé por meio de princípios que se traduzem papel da fé na experiência humana, mas que, ao
em práticas individuais e de grupo, como alguns contrário da Teologia, estuda as religiões vendo-as
rituais. “de fora”, sem estar atrelada a nenhuma delas.
A maneira de entender e manifestar essa rela-
ção é própria de cada indivíduo, segundo suas vi- Entendendo a Ciência
vências sociais e seu contexto cultural. É importante
levar em conta que a religião representa uma for- A palavra ciência designa o conhecimento
ma de conhecimento que se caracteriza por uma que inclui sua garantia de validade, significa uma
crença em verdades que são obtidas de modo di- prática que investiga sistematicamente a realida-
vino ou sobrenatural, e que por isso pode ser con- de e a produção de saber. Nesta Unidade, foram
siderada infalível. Suas evidências não podem ser abordadas várias outras formas de conhecimento.
comprovadas, sendo geralmente relegadas à fé Em especial, quando se tratou de senso co-
ou crença pessoal. mum, mito e religião, foi chamada a sua atenção
É por isso que o conhecimento religioso precisa ao cuidado que é preciso manter para não dimi-
basear-se em dogmas para sustentar as crenças, nuir esses saberes diante do status do pensamento
uma vez que estas não podem ser refutadas nem científico, já que muitas vezes se assume como ver-
submetidas à análise científica. Santo Agostinho, dade absoluta (isto é, aquela verdade incontestá-
um dos principais filósofos da Igreja Católica do sé- vel e, por isso, a única a ser aceita) somente aquilo
culo IV d.C., propôs a ideia de que religião significa que pode ser comprovado pela Ciência. Muitas
“religar-se”, reunião com uma força cósmica maior vezes, a Ciência detém o título de proclamadora
e alheia à vida do homem pela retidão, fé e devo- da verdade inquestionável, uma vez que ela se
ção. propõe objetiva, neutra e submetida a critérios de
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comprovação – o que quer dizer que as hipóteses maco, ao falar de coisas que são dadas por natu-
são testadas e experimentadas, aceitas ou rejeita- reza, cita uma pedra que, por natureza, cai.
das e, portanto, fundamentadas de acordo com Por mais que se tente adestrá-la, jogando-a
critérios aceitos pelos membros da comunidade para cima diversas vezes, ela jamais “aprenderá” a
científica. subir e sempre cairá, necessariamente. Conforme
No entanto, esse papel da Ciência é questioná- afirma a filósofa Marilena Chaui, as ações humanas
vel, dado que, mesmo quando se pretende “neu- são sempre escolhas e nunca necessidades, porém
tra”, ou seja, quando o sujeito que investiga crê que suas consequências são variáveis: podem tanto ser
pode observar e analisar seus objetos de maneira positivas quanto negativas, seja para o indivíduo ou
imparcial, não é possível afirmar que esse tipo de para as demais pessoas.
conhecimento não sofra a influência do contexto, O dilema colocado pelo exemplo do taxista –
da cultura, dos interesses políticos, entre outros. que tem de decidir se devolve o dinheiro esqueci-
O que se pode dizer de específico sobre o co- do pelo passageiro ou não – expõe que o ser hu-
nhecimento científico é o seu método de investi- mano, além de ter vontade deliberativa, é um ser
gação da realidade, ou seja, o levantamento de misto, dotado de vontade racional e tendências
hipóteses e a verificação delas por meio de obser- irracionais.
vação, análise e interpretação. Essa maneira de Pode haver contradição entre o que a vontade
conhecer é aquela que a Ciência entende como quer e o impulso incita; tome como exemplo a fra-
o caminho mais adequado para chegar ao que é se que você já deve ter dito ou ouvido: “Se eu tives-
verdadeiro. se pensado melhor, não teria agido por impulso”.
A Filosofia da Ciência, por seu turno, analisa o O dilema se torna ainda mais complexo por-
próprio método científico e o questiona, eviden- que, para Aristóteles, as tendências irracionais do
ciando que até mesmo a Ciência se baseia em homem não seriam involuntárias. Para o filósofo, a
crenças, isto é, na fé de que esse é o melhor mé- vontade humana racional seria capaz de contra-
todo de conhecer, o que traz repúdio aos demais riar a vontade irracional. Já para Sócrates e Platão,
tipos de conhecimento. Assim, o senso comum, o seus predecessores, a contestação violenta ocorre-
mito ou a religião são frequentemente vistos como ria porque o sujeito desconhece a virtude.
ingenuidades, folclore ou crendices, o que não é As ações humanas referem-se a um futuro que
certo. também é contingente, ou seja, um futuro incerto
Para concluir, é necessário ressaltar que você que nem sempre depende de escolhas para acon-
pôde passar de maneira mais aprofundada por al- tecer. As tendências irracionais voluntárias mencio-
gumas formas de conhecimento, analisando seu nadas são denominadas por paixão (páthos).
120 vínculo e sua relação com a Filosofia, bem como no Antes de se aprofundar nesse conceito, você
que se diferenciam. É importante a percepção de será convidado a explorar um pouco mais o que
que são outros tipos de conhecimento, com carac- são as tendências irracionais voluntárias. Quando
terísticas, procedimentos e fundamentos que lhes alguém faz algo voluntariamente, o feito depende
são próprios. O senso comum, o mito, a religião, a da vontade dessa pessoa; não é uma ação reali-
Ciência e a Filosofia têm suas especificidades. zada de maneira forçada. Fazer algo irracional de
Todos são importantes do ponto de vista cultural forma decidida significa considerar que a raciona-
e social. Tendo passado por essa análise, pode-se, lidade humana é uma capacidade, ou seja, que é
por fim, afirmar que a Filosofia pode se ocupar dos possível escolher exercer a racionalidade ou não.
demais tipos de conhecimento, fazendo deles ob- O indivíduo pode, por exemplo, torturar alguém
jeto de sua reflexão numa área conhecida como ou ser cruel, comportando-se de modo irracional,
epistemologia ou teoria do conhecimento. embora tenha a capacidade racional. Já a pai-
xão pode ser definida como a inclinação natural
SER HUMANO: SER ÉTICO de buscar o prazer e fugir da dor. Nesse sentido, é
possível dizer que ela é um elemento constitutivo
A ética, a virtude e os homens virtuosos da ação humana, que deve, portanto, ser conside-
rada pela ética.
A situação sobre a qual você ponderou na se- A paixão também pode ser vista como um es-
ção O que você já sabe? é ilustrativa do campo tado de passividade, de quanto o ser humano é
ético, que busca conhecer não somente o que é o capaz de ser afetado pelo sofrimento, pelo ciúme,
bem, mas também como alguém se torna bom do pelo medo e por outros tantos sentimentos. Nesse
ponto de vista da sociedade em que vive. caminho, a dor, o ódio e a vingança também são
O cenário analisado tem a intenção de mostrar considerados paixões, pois designam emoções que
que o campo da ética é prático, ou seja, refere- afetam intensamente o exercício da razão.
-se à alternativa de decidir, o que quer dizer que Explica-se, assim, por que a paixão é um impor-
as ações humanas são possíveis, não necessárias. tante elemento a ser levado em conta pelas inves-
Para compreender ainda melhor, pense no oposto: tigações éticas e por que ela deve ser educada.
na natureza, as ações são exigências universais e Para Aristóteles, sendo a ética uma teoria, uma re-
necessárias – por exemplo, o fogo, qualquer fogo flexão sobre a prática, ela deveria examinar e de-
(universal), sempre esquenta (necessário). O filóso- terminar o fim a ser buscado. Esse exame responde
fo grego Aristóteles, na obra intitulada Ética a Nicô- à finalidade da ética.
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Para o filósofo, a felicidade seria o intuito da


ação moral, o conteúdo do bem ético. Assim disse [...] Aquele que foge a (e tem medo de)
Aristóteles: tudo e não persevera em nada torna-se medro-
so, e o que, em geral, não tem medo de nada
precipita-se sempre em todas as direções. [...]
Toda a perícia e todo o processo de investi- Ou seja, a temperança e a coragem são des-
gação, do mesmo modo todo o procedimento truídas pelo excesso e pelo defeito. Mas são
prático e toda a decisão, parecem lançar-se conservadas pelo meio entre esses dois extre-
para um certo bem. É por isso que tem sido dito mos.
acertadamente que o bem é aquilo por que ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução: Antônio de
tudo anseia. Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009, p. 43.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução: Antônio de
Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009, p. 17.
Assim, a virtude é regida pela busca contínua
do equilíbrio, atentando para que as ações não se
Para o filósofo grego, um bem seria valorizado tornem viciosas, nem pelo excesso, nem pela falta.
pelo quão autossuficiente ele é. Assim, a felicidade
seria um bem melhor do que a riqueza, a honra e PRECONCEITO
a inteligência, pois esses bens não têm valor por si
mesmos, são bens que servem para que outros pos- Preconceito, discriminação e intolerância
sam ser alcançados.
A felicidade, por sua vez, seria um bem em si Preconceito é, de forma geral, considerar que
mesmo, um bem que diz respeito à excelência; a já se conhece alguém ou algo de antemão, sem o
felicidade é a excelência da vida realizada. Per- devido exame, sem rigor e análise. Independente-
ceba que Aristóteles refletiu acerca de alguns ele- mente de corresponder às opiniões favoráveis ou
mentos – a vontade, o futuro, o desejo – que per- desfavoráveis, por serem emitidas sem uma investi-
manecem atuais para a vida ética, seja individual gação cuidadosa, o preconceito opera com base
ou coletivamente. em padronizações.
Seu objetivo era pensar como alguém pode se Para ilustrar com um exemplo cotidiano: nas ci-
tornar virtuoso, sendo a virtude um hábito, uma dis- dades, vários imóveis já foram invadidos e rouba-
posição contínua para agir racionalmente: dos por pessoas que estavam “bem-vestidas”; mui-
tas testemunhas, inclusive, afirmaram com surpresa
que os membros da quadrilha não tinham “cara de
Mais ainda: é a disposição para escolher ladrão”. São assaltantes trajando terno e gravata 121
a “justa medida”, o “meio-termo” (mesóthes), que, pela sua aparência, conseguem adentrar ca-
pelo qual uma pessoa dotada de sabedoria sas, prédios, bancos e joalherias.
prática escolhe a média entre dois extremos Perceba que a forma como se vestem não
(por excesso ou por carência). chama a atenção para os atos que cometem. Re-
ARANHA, Maria Lúcia; MARTINS, Maria Helena. Temas flita: Por que será que isso acontece? Tente ponde-
de Filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2005, p. 227 rar sobre o que acontece com a imaginação das
pessoas quando veem
Justa medida ou meio-termo (em grego, mesó-
thes) é o conceito que descreve a ação virtuosa
dos homens, aquela que se situa entre os extremos,
também chamados de vícios, tanto do excesso
como da falta.
De acordo com esse conceito, o exagero, bem
como a carência, traz desequilíbrio. O ideal, então,
é o equilíbrio. Para confirmar essa ideia bastante
material de interpretação da ação humana, Aristó-
teles utilizou exemplos práticos: se uma pessoa co-
mer pouco, ficará com pouca energia e adoece-
rá; todavia, se comer demasiadamente, o excesso
de alimentação também causará doenças.
O ideal seria alimentar-se de maneira equilibra-
da, em espaços de tempo igualmente equilibra-
dos. O mesmo serve para exercícios físicos, que,
em equilíbrio, conseguem tornar uma pessoa mais um indivíduo trajando terno e gravata e sobre qual
forte, mas tanto em falta como em excesso podem seria a reação delas ao descobrir que ele é, na ver-
acarretar males à saúde. dade, um assaltante. Por que as pessoas têm essa
surpresa, ainda que momentânea? Nesse cenário,
é possível observar vários preconceitos, entre eles
os produzidos pelo julgamento que parte da apa-
rência.
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O assunto é amplo e complexo, pois é necessá- tolerado que determinado povo sofra todo tipo de
rio considerar que a prática preconceituosa pode violência e privação, sendo forçado à escravidão,
estar presente em distinções, exclusões e segrega- ao êxodo ou até ao extermínio.
ção (separação) em função da raça, classe, gêne-
ro, credo, idade, trabalho etc.
Para problematizar ainda mais, pense que o #FicaADica
julgamento pela aparência talvez também pare- Êxodo
ça positivo; é possível julgar alguém pela aparên- Emigração em massa; saída de ha-
cia sem conhecer essa pessoa de fato, tendo dela bitantes de um local para outro.
uma imagem positiva, mesmo que não correspon-
da à realidade. Infelizmente, há muitos exemplos de utilização
Quando alguém é abordado por uma pessoa dessa argumentação para justificar casos indignos
bem-vestida, de terno, bem-arrumada, falando aos seres humanos. Dois deles são a escravidão
bem etc., tende a ter uma atitude receptiva, uma africana e o nazismo alemão. Essas intolerâncias
boa impressão. No entanto, pode se tratar de uma raciais têm gravíssimas consequências.
pessoa desonesta e corrupta, como no exemplo ci- No Brasil, o preconceito racial, fruto de mais de
tado anteriormente. Assim, o julgamento seria pre- três séculos de escravidão, pode ser observado nas
conceituoso, ainda que a pessoa afetada por ele escolas e universidades, no mercado de trabalho
não fosse discriminada. e na desigualdade econômica. Por outro lado, o
Em relação à discriminação, a tensão entre gru- ódio contra o povo judeu, relativo ao nazismo, ex-
pos com diferenças de ordem cultural, social, eco- terminou cerca de 6 milhões de pessoas, sob a justi-
nômica, entre outras, se faz presente no campo da ficativa de que precisavam ser mortas em favor da
ação e das atitudes. Quando uma pessoa, por se superioridade da raça ariana.
enquadrar em algum tipo de grupo que pode ser
alvo de preconceito, é impedida de ter acesso a CIDADANIA
determinado direito ou, então, encontra dificulda-
des ou constrangimentos deliberados ao usufruir A cidadania na História
dele, considera-se que ela foi discriminada, por ter
sido tratada de forma diferente do que acontece- A ideia de cidadania existe há muito tempo,
ria com outra pessoa de outro grupo. tendo se transformado ao longo da História. Uma
No mercado de trabalho, sabe-se que os salá- maneira de compreender melhor esse conceito é
rios de homens brancos são maiores que os de ho- observar como ele aparece em diferentes situa-
122 mens negros, e estes também recebem menos que ções históricas. Outra forma é investigar como a
mulheres brancas. As mulheres negras são as que cidadania é reconhecida no dia a dia.
têm o menor contracheque. Há diversos estudos Para muitos, exercer a cidadania está dire-
que abordam o tema, no qual operam ao menos tamente ligado ao direito de voto, de eleger um
dois preconceitos, o de gênero e o de cor. representante. Para outros, a ideia imediata que a
palavra cidadania evoca é a de uma ligação com
algum lugar, a noção de pertencimento a determi-
nada nação ou território – por exemplo, as pessoas
que possuem dupla cidadania são consideradas
cidadãs de dois países, estando sujeitas aos direitos
e deveres referentes a dois territórios nacionais: o
de origem e o que as acolheu.
Ambos os entendimentos estão corretos, mas
A tabela anterior apresenta rendimentos men- o conceito é ainda mais abrangente do que isso.
sais padronizados por 40 horas de trabalho em Na Grécia Antiga, o que caracterizava seu regime
setembro de 1998. Observe a diferença dos rendi- político como democrático era a cidadania, que
mentos entre os grupos. Será que essa diferença, representava o direito à participação política na
que chega a ser de 60%, mantém-se até hoje? pólis. Os cidadãos podiam eleger representantes e
Também é importante que você repare que a dis- opinar diretamente sobre as questões públicas.
criminação é maior em relação à etnia do que ao Entretanto, para a cultura grega, esses direitos
gênero. estavam restritos apenas aos homens livres que fos-
Ou seja, as mulheres brancas, discriminadas por sem adultos e filhos de pais gregos. As mulheres, os
serem mulheres, ainda sofrem menos no que diz res- jovens, os estrangeiros e os escravos (que, juntos,
peito ao salário do que os homens negros, discrimi- formavam a maior parte da população) não ti-
nados pela sua etnia. nham acesso à cidadania. Pode-se afirmar, então,
Em relação ao racismo, há algo ainda mais que se tratava de uma democracia escravista.
grave e específico que merece uma reflexão crí- Chama-se esse tipo de situação de oligarquia,
tica. Em certos casos, algumas pessoas entendem governo no qual apenas um pequeno grupo muito
que as capacidades e os direitos dos seres huma- restrito de indivíduos possui poder e governa para
nos devem variar segundo suas diferenças étnicas, benefício próprio. Embora, por definição, a oligar-
aceitando-se, por exemplo, que seja socialmente quia e a democracia sejam contraditórias, pode-se
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perceber que, ao longo da História, é comum que dania realiza-se no próprio exercício dos direitos e
a primeira seja uma característica da segunda, de deveres do cidadão e que ela é fundamental para
forma que a organização política oligárquica traz, a luta e a conquista de uma sociedade melhor.
mesmo para um regime democrático, uma enorme
desigualdade e muitas injustiças sociais, caracterís- Direitos e deveres do brasileiro
ticas pouco associadas ao sentido ideal que se dá
para a palavra cidadania.
Você pode estar imaginando que o conceito
mudou bastante desde a Antiguidade grega, de
acordo com as transformações linguísticas, cultu-
rais, tecnológicas de cada local e época que utili-
za o conceito em novas estruturas sociais.
Durante os séculos que se seguiram, já na cha-
mada Idade Média, outra forma de organização
foi bastante comum no território europeu: o abso-
lutismo. Empreendidos pelas famílias monárquicas
(nobres) e apoiados pela Igreja Católica, os gover-
nos absolutistas concentravam todo o poder na
figura do monarca (rei), e os homens e as mulhe-
res comuns (súditos) pouco podiam fazer além de
trabalhar, pagar impostos e obedecer ao governo.
Isso mudou a partir da Revolução Francesa, quan-
do a burguesia tirou o poder da monarquia, trans-
formando radicalmente a forma de organização Cidadania: pertencer ao lugar, apropriar-se do
política e social. espaço
A conquista de direitos por iniciativa popular foi
uma mudança radical oriunda dessa revolução: a Cidadania significa possuir direitos, entre eles:
cidadania estava ao alcance de qualquer pessoa, ter acesso a condições que garantam de forma
como prevê a Declaração dos direitos do homem digna a própria existência, um bom salário, mora-
e do cidadão (1789), documento que define que dia segura, educação, saúde e transporte de qua-
os direitos individuais e coletivos dos homens são lidade; apropriar-se do espaço público; participar
universais. É claro que escrever no papel não sig- de maneira ativa da organização político-social e
nifica dar garantia de que assim será em todos os exigir seus direitos. 123
lugares e para todas as pessoas. A presença da ci- Cidadania significa também ter deveres, como
dadania representava a existência de direitos e a os de zelar pelo direito alheio, ter a responsabilida-
possibilidade de ampliá-los mediante a participa- de coletiva pela própria comunidade, participar
ção política. das decisões, ajudando a construir as regras e a
Mais recentemente, a cidadania foi vinculada cumpri-las. Diz-se que os franceses da época da Re-
à conquista dos direitos humanos: a Declaração volução Francesa tinham muito orgulho de se cum-
Universal dos Direitos Humanos (1948) apresenta a primentar como cidadãos (“Olá, cidadão, como
ideia de que todo ser humano é livre e deve pos- vai?” “Boa tarde, cidadão! Vou bem, e você?”).
suir uma vida digna. Redigido após a 2a Guerra Isso porque, por muitos séculos, viveram como
Mundial, o documento afirma que os cidadãos são servos, depois como súditos de um monarca, sem
iguais perante a lei, devendo estar protegidos das direitos, sem participação, sem autoestima nem or-
muitas formas de violência e barbárie, como tortu- gulho. Viviam sem nenhum poder de decisão sobre
ras, crimes de guerra, exploração, escravidão etc. sua vida ou sobre a própria comunidade, muitas
Desse modo, o cidadão possui sempre direito a vezes sofrendo interferências arbitrárias e até vio-
um julgamento adequado caso seja acusado de lentas por parte de seus governantes, sem ter a
algum crime. Além disso, também tem o direito de quem recorrer ou como se defender.
expressar suas ideias e de contribuir para a políti- Essa situação retoma a ideia do texto anterior,
ca vigente. Mas todos esses direitos necessitam de no qual foi citada a noção de pertencimento a
uma participação ativa, de uma reivindicação e determinado lugar. O cidadão tem orgulho de sua
de um exercício, do contrário seriam somente par- cidadania, do lugar em que vive e que ajudou a
tes esquecidas de uma legislação, sem efeito práti- construir, inspira-se com o sentimento de soberania
co na vida das pessoas. de sua nação, em certa medida se orgulha do es-
Pode-se concluir que o cidadão é um sujeito de paço ao qual pertence e sente, em reciprocida-
direitos e de deveres, e a cidadania efetiva-se na de, que esse espaço lhe pertence e que, portanto,
medida da participação cidadã, quando o indiví- pode ser transformado pela ação cidadã de cada
duo se envolve na discussão, decisão e realização um.
do que é comum, exigindo direitos, cumprindo de- Para os brasileiros, especificamente, esse senti-
veres, não sobrepondo interesses particulares aos mento deve ser cultivado com muito apreço, pois
coletivos. o País tem um longo histórico de abusos decorren-
Assim, é possível também afirmar que a cida- tes de seu passado colonial, o que incluiu um dos
Ciências Humanas e suas Tecnologias

maiores períodos de escravidão da História (1530-


1888), além de um quadro de corrupção muito gra- #FicaADica
ve no campo político. Capitalismo
Segundo um relatório de 2013 da organização Modelo econômico no qual a pro-
Transparência Internacional sobre o quanto a po- dução e distribuição de materiais, pro-
pulação de um país percebe a existência de cor- dutos e riquezas são propriedade priva-
rupção nele, o Brasil figura como o 72º colocado da e têm a finalidade de gerar lucro.
no ranking entre os 177 países analisados. Isso quer Pertinente
dizer que, embora o Brasil tenha muitos casos de Apropriado; esperado; ajustado;
corrupção, a população brasileira não está entre que faz referência a alguma coisa e
as que notam mais a existência desse fenômeno. que, portanto, é adequado – por exem-
A somatória desses fatores – o passado colonial plo, em nossa cultura, é pertinente que
e a corrupção – contribui para um panorama so- os convidados não usem branco em
cial em que o acesso à cidadania é limitado, po- um casamento. Também pode signifi-
tencializado pela grande concentração de recur- car algo muito relevante, importante – é
sos (riqueza, terras ou influência) na mão de pou- pertinente levar sempre sua carteira de
cas pessoas. identidade consigo.
Dessa forma, percebe-se que existe um usufru-
to de direitos garantido a determinadas classes so-
ciais, grupos que possuem acesso e recursos, con- OS TRÊS PODERES NO BRASIL
forme os exemplificados, e desfrutam de mais facili-
dades para adequarem-se socialmente. Enquanto No Brasil, os três poderes se organizam da se-
isso, o cidadão comum possui maior probabilidade guinte forma:
de ser lesado ou alvo de injustiças, a despeito de
seus direitos conquistados. • O Poder Executivo: sua função é ser respon-
O sociólogo britânico Thomas Marshall (1893- sável pela administração da República. Seus
1981), em seu livro Cidadania, classe social e status, representantes são: prefeito (em âmbito muni-
afirmou que cidadania é um status conferido a al- cipal); governador (em âmbito estadual); pre-
guém que pertence a determinado grupo social. sidente (em âmbito federal).
O sujeito considerado cidadão deve se guiar por • O Poder Legislativo: sua função é elaborar e
meio dos seus direitos e dos seus deveres. Para o aprovar as leis que determinam a funcionali-
autor, cada grupo social determina os direitos e de- dade do Estado. É representado pela Câmara
124 veres vigentes que têm de ser seguidos. dos Parlamentares, e os vereadores, deputados
Eles servem de parâmetro entre a maneira estaduais e federais são aqueles que votam e
como as pessoas agem na realidade e qual é o deliberam a aprovação das leis, respeitando
ideal de cidadão que o grupo mantém. Marshall as instâncias municipais, estaduais e federais,
usa o conceito de status para comentar a relação
respectivamente. Já o Senado funciona como
entre classe social e cidadania. Status, em linhas
uma espécie de “conselho” supremo do Esta-
gerais, pode ser entendido como a situação de al-
do. É possível afirmar que cabe aos senadores
guém em determinada sociedade ou a medida de
“zelar” pela República. É função do Senado,
prestígio de um indivíduo.
Para o autor, a cidadania tem sido uma insti- por exemplo, processar e julgar a presidência,
tuição em desenvolvimento no contexto europeu, os ministros e os comandantes das Forças Ar-
inclusive nascida de revoluções burguesas desde a madas e fiscalizar as contas e os gastos públi-
segunda metade do século XVII. Então, é claro que cos, entre outras atividades.
seu crescimento coincide com o desenvolvimento • O Poder Judiciário: sua função é julgar, aplicar
do capitalismo, que, em suas palavras, é o sistema a lei em casos objetivos, fazê-la ser cumprida
não de igualdade, mas de desigualdade. e fiscalizar os demais poderes. Sua representa-
Daí seu espanto, pois, para Marshall, o conceito ção máxima é a figura do juiz, mas há muitas
de cidadania e o sistema capitalista são radical- subdivisões no Poder Judiciário, de forma que
mente antagônicos, estando em guerra permanen- existem outros fiscais de diversos cargos que
te, anulando-se de forma irreconciliável. Conclui-se transitam em áreas como a federal, a traba-
dessa contradição que a cidadania é pertinente lhista, a penal, a eleitoral etc.
ao mundo contemporâneo capitalista.
Nascida de sua primeira concepção – as re- Como as leis se tornam leis?
voluções burguesas – que, em teoria, pretendiam
garantir a todos igualdade perante o Estado de- Você sabe qual é o caminho para que um
mocrático e acesso irrestrito aos seus direitos indivi- projeto de lei se torne uma lei ou para que uma lei
duais, a noção de cidadania opera em realidades possa ser modificada? Antes que uma lei exista, é
um tanto diferentes e está submetida a uma socie- preciso que seja feito um projeto de lei. Esse proje-
dade de classes, cuja desigualdade é característi- to poderá ser proposto por diferentes personagens
ca essencial. que atuam na política: por um deputado ou sena-
dor, por comissões da Câmara ou do Senado, pelo
Ciências Humanas e suas Tecnologias

presidente da República, pelo Poder Judiciário, proprietários, os trabalhadores podem a qualquer


pelo procurador-geral da República ou por inicia- momento deixar de produzir, isto é, os trabalhado-
tiva popular. res são “livres” para vender sua força de trabalho
Depois de proposto conforme os procedimen- para quem bem quiser. Esse seria o argumento usa-
tos adequados, é preciso que seja votado. Apenas do pelos proprietários dos meios de produção.
depois de votada é que uma lei pode ser aprova- No entanto, essa suposta “liberdade”, na prá-
da e passar a vigorar. Para que ela seja aprova- tica, é falsa, pois a mudança de patrão, isto é, de
da, é fundamental que a sociedade se mobilize, comprador da força de trabalho, não alteraria as
escolhendo bem aqueles que a representarão em regras das relações de produção capitalistas.
situações de apresentação e voto dos projetos de Por isso se afirma que esse raciocínio é enga-
lei, ou seja, vereadores, deputados estaduais, fede- noso e esconde que nesse sistema de produção o
rais e senadores. Finalmente, não se pode deixar trabalhador terá imensa dificuldade em encontrar
de considerar o interesse dos parlamentares e dos um ofício no qual sua força de trabalho não seja
partidos políticos, pois são eles que efetivamente explorada pelo patrão.
podem propor mudanças. Segundo Marx, essa tensão sempre está pre-
Na instância federal, por exemplo, para que as sente onde existe o modo de produção capitalista,
leis possam existir, há comissões técnicas que ava- resultando disso – como um efeito colateral dessa
liam os projetos de lei. Cada projeto tem um relator, forma de organização – uma sociedade de clas-
responsável por dar um parecer sobre o projeto – ses, dividida na luta entre a burguesia (classe capi-
o que quer dizer que ele pode sugerir mudanças, talista) e o proletariado (classe trabalhadora).
além de aprovar ou rejeitar o conteúdo.
Qualquer projeto deve passar pela Comissão
de Constituição e Justiça que avalia se ele está de
acordo com a Constituição Federal. Alguns proje-
tos são aprovados nas próprias comissões, outros
seguem para análise do plenário, ou seja, são vota-
dos. Depois de aprovado pela Câmara, o projeto
segue para o Senado.
Por fim, deve ser sancionado pelo presidente,
que também pode vetá-lo, seja em partes (isto é,
modificando ou excluindo partes com as quais não
concorda), seja no todo (ou seja, recusando que a
nova lei entre em vigor). Nesse caso, o veto presi- 125
dencial precisa ser confirmado pelos parlamenta-
res em votação secreta. Assim, tem-se um equilíbrio
entre os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo.

CAPITALISMO, LUTA DE CLASSES E LIBERDADE

As relações de produção no capitalismo se dão


entre dois protagonistas: de um lado, a classe ca-
pitalista, formada pelos proprietários dos meios de
produção, e, do outro, a classe proletária – proleta-
riado ou classe trabalhadora –, formada por aque-
les que não possuem meios de produção, mas
apenas a própria mão de obra, isto é, sua força de A IDEOLOGIA COMO FORMA DE DOMINAÇÃO
trabalho, que vendem aos capitalistas em troca de
um salário. Os proprietários dos meios de produção Marx definiu a ideologia segundo as relações
apropriam-se também do produto gerado pelo es- de dominação determinadas pelos modos de pro-
forço dos trabalhadores. dução e pela formação de classes sociais, afirman-
Dessa maneira, ocorrem tensões inevitáveis, do que a ideologia poderia beneficiar a classe so-
uma vez que os interesses dos proletários e dos ca- cial dominante. Isso porque, em sua visão, tal classe
pitalistas são completamente divergentes. Marx no- tiraria proveito da ideologia – aqui compreendida
meou essa tensão como luta de classes: enquanto como o conjunto de ideias que produzem falsa
os proletários produzem as condições para o bem- consciência da realidade, contribuindo com a
-estar dos proprietários resistindo à exploração ca- criação de símbolos e discursos para a ocultação
pitalista, os capitalistas acumulam riquezas explo- das relações de exploração e, consequentemente,
rando o trabalho dos proletários. para sua manutenção.
Os trabalhadores, muitas vezes, podem reivindi- Nesse sentido, para se manter, a ideologia se
car melhores condições para impedir a exploração esconde nas crenças morais, religiosas ou no senso
do trabalho, mas os proprietários afirmarão que o comum. A ideia “As pessoas são para o que nas-
que fazem é legítimo e que os trabalhadores não cem” é uma dessas crenças.
são obrigados a aceitar aquelas condições. Para os Quando alguém acredita que nasceu com
Ciências Humanas e suas Tecnologias

uma “inclinação”, “dons” ou “aptidões” dado por lei, o que não significa a garantia de uma igualda-
um deus ou determinados geneticamente, podem- de efetiva, material. Prestar atenção a esse ponto
-se justificar desigualdades que talvez passem des- é um modo de questionar e criticar a Declaração
percebidas. Por exemplo, o que faz alguém ser um Universal dos Direitos Humanos.
médico bem-sucedido? Tal fato estaria ligado às Além disso, é importante considerar os momen-
suas “aptidões naturais” ou ao conjunto de condi- tos em que as declarações foram redigidas – uma
ções sociais e históricas pelas quais e nas quais se em 1789, ano da Revolução Francesa, e outra em
construiu a sua trajetória de vida? 1948, logo após o término da 2a Guerra Mundial –,
Quando uma pessoa almeja ser médica, mas momentos emblemáticos nos quais os seres huma-
não consegue, seria por falta de condições mate- nos, de forma geral, lutaram por melhores condi-
riais, por não ter tido acesso à educação, ou por- ções de vida, econômica e politicamente falando,
que ela não teria nascido para isso? Por meio de e por ferramentas que pudessem garantir que os
exemplos como esse, você pode identificar e pen- indivíduos fossem tratados com dignidade, ao con-
sar sobre as ideologias. trário do que estava sendo vivido por muitas pes-
soas até então.
DIREITOS HUMANOS: UM POUCO DE HISTÓRIA A Declaração de 1948 trouxe muitos avanços
e permitiu, por exemplo, que genocídios fossem jul-
Os Direitos Humanos, conforme conhecidos gados, que comissões da verdade fossem instau-
atualmente, fazem referência ao documento ofi- radas para avaliar casos de torturas e assassinatos
cialmente intitulado Declaração Universal dos Di- por parte do Estado, como ocorreu nas ditaduras
reitos Humanos, cujo primeiro artigo foi citado na militares brasileira e chilena no século XX. Contudo,
seção O que você já sabe?. Esse documento foi ela tem algumas limitações.
elaborado e publicado em 1948 pela Organização Seu primeiro artigo nem sempre é concretizado.
das Nações Unidas (ONU) e tinha como objetivo É possível, por exemplo, relacionar dados econômi-
atualizar a ideia de direitos básicos e universais, ou cos que mostram a diferença entre crianças nas-
seja, que podem ser estendidos a todo e qualquer cidas em determinada localidade possuindo muito
ser humano. mais oportunidades do que aquelas nascidas em
O momento histórico pedia por essa declara- outro lugar.
ção, dado que o mundo ainda se recuperava do Pode-se falar dessa diferença também entre
choque sofrido pelas atrocidades cometidas du- nações, porém há meios de ponderar que isso tal-
rante a 2a Guerra Mundial (1939-1945). Nesse sen- vez aconteça na mesma cidade, o que quer dizer
tido, pode-se dizer que o novo contexto histórico que esse documento é uma referência que procu-
126 exigia uma revisão das ações cometidas pelos ho- ra garantir elementos universais, mas que ainda, in-
mens, de modo que os seus pensamentos e ações felizmente, não se efetivou para todos e todas.
fossem colocados em xeque.
Mas esse não foi o primeiro documento com INDÚSTRIA CULTURAL E CONDUTAS MASSIFICADAS
o objetivo de sensibilizar a humanidade como um
todo quanto ao direito de dignidade, liberdade, A indústria cultural
igualdade etc. Antes, no ano da Revolução Fran-
cesa (1789), foi publicada a Declaração dos direi- As novelas são um exemplo de produto da in-
tos do homem e do cidadão. dústria cultural. Isso porque são programas que
Esse documento é considerado o alicerce das apresentam esquemas simplificados da vida, ou
ideias defendidas pelos revolucionários burgueses, seja, tratam da existência como algo plano, como
conforme você estudou nas Unidades anteriores, se viver se resumisse a alguma rotina que simples-
bem como uma garantia de que os direitos por eles mente se segue, sem tensões, indagações, dificul-
conquistados permaneceriam vigentes pelos próxi- dades, dúvidas...
mos anos da República francesa, servindo, inclusi- Além disso, são programas que não são fei-
ve, de modelo para a emancipação de outros paí- tos por aqueles que os consomem. Isso não quer
ses e elaboração de outros projetos republicanos. dizer que todos que assistem a novelas deveriam
É necessário lembrar que a intenção da Decla- frequentar o set de filmagens e, de alguma forma,
ração Universal dos Direitos Humanos é estabelecer participar da gravação, mas sim que o público que
pontos em comum entre as pessoas de todas as assiste aos programas (realizados com o intuito de
culturas, de maneira que – independentemente do ser plenamente entendidos por qualquer pessoa) é
país em que se nasceu ou da língua que se fale – composto por espectadores que recebem passiva-
a dignidade seja garantida, evitando certas priva- mente uma mercadoria produzida por alguém que
ções e violências (como a tirania ou a tortura). tem como objetivo principal o lucro, ou seja, trata-
Também é fundamental perceber que a ideia -se de um produto cujo valor é apenas comercial,
de igualdade é a de garantir os mesmos direitos, um valor de mercado.
ou seja, quando a declaração afirma que todos O produtor de uma novela não se preocupa
nascem iguais, isso não quer dizer que as pessoas – talvez com algumas exceções – em respeitar a
devem ser iguais, mas que precisa haver igualdade liberdade dos artistas (roteirista, diretor, atores); sua
no respeito às diferenças. Desse modo, nota-se que única preocupação consiste em saber quantas
a igualdade é uma igualdade formal, perante a pessoas a novela atingirá e quão grande será a
Ciências Humanas e suas Tecnologias

audiência. Nessa lógica, a novela é produzida de comportamento da cultura de massa, impondo às


modo industrial, da mesma forma como se fabrica pessoas formas de consumo sem que elas perce-
um carro ou uma geladeira, e, nesse sentido, ela bam. Por isso, é necessário esclarecer dois aspectos
nada mais é que um produto de consumo. da indústria cultural:
É claro que as novelas são apenas um exem-
plo entre os muitos produtos da mídia produzidos • As necessidades do consumidor são continu-
industrialmente. Seguindo a análise da telenovela, amente incentivadas, especialmente pelos
pode-se dizer que ela é produzida em série, o que meios de comunicação de massa. Esse con-
significa que há uma verdadeira “fábrica” de no- sumidor é levado a pensar que sempre precisa
velas, que produz uma seguida da outra, manten- de algo. Por isso, os produtos feitos por essa in-
do as fórmulas parecidas, com poucas mudanças dústria são perecíveis, embora isso não signifi-
no enredo e no perfil dos personagens, e que é des- que necessariamente que eles quebrem ou se
tinada a ser consumida como entretenimento. estraguem, mas se impõe a percepção de que
Isso significa que os trabalhadores que a “con- eles estão ultrapassados, o que se denomina
feccionam” ou “fabricam” (o roteirista, o diretor, o obsolescência percebida. O resultado é que,
cinegrafista e os atores) responsabilizam-se apenas novamente, os produtos precisam ser compra-
por uma parte do produto, não compreendendo o
dos. O produto que substitui o anterior pode
todo da produção.
até possuir uma novidade aparente, mas em
Desse modo, a novela pode ser produzida de
essência é o mesmo. Um exemplo na atualida-
maneira mais rápida a partir de um modelo repro-
de são os aparelhos celulares que atraem as
dutível e, em última instância, trocada por dinheiro.
Nesse caso, não se paga diretamente para assistir atenções em função de um “novo” aplicativo,
à novela, especialmente se ela for transmitida por um “novo” visual, uma “nova” função.
um canal de televisão aberto, mas sabe-se que • Em geral, a indústria cultural trabalha com o
os anunciantes pagam por ela, associando seus gosto médio das pessoas, com o ponto de se-
produtos aos assuntos veiculados ou simplesmente melhança, ou seja, com o que agradaria a to-
financiando a produção em troca de merchandi- dos, porque não corresponde a ninguém par-
sing. ticularmente. Os programas são feitos para o
Além disso, o acesso a esse produto cultural “espectador médio”; as revistas, para o “leitor
ocorre pela televisão, que é um meio de comuni- médio”; as músicas, para o “ouvinte médio”. O
cação de massa, ou seja, o alcance desse produto “gosto médio” consiste em suprimir as carac-
é imenso, uma vez que milhares de pessoas podem terísticas particulares de determinada obra ou
consumi-lo ao mesmo tempo. Os filósofos Theodor do artista que a cria, oferecendo ao final um 127
Adorno e Max Horkheimer, no livro Dialética do es- produto de amplo alcance e de fácil “diges-
clarecimento: fragmentos filosóficos (1947), debru- tão”, que todos podem consumir sem ter de se
çaram-se sobre esse processo de transformação esforçar para compreender.
da cultura em mercadoria, que chamaram de in-
dústria cultural.
Assim, a produção na indústria cultural passa
Essa indústria é um mecanismo do sistema po-
por um processo de estudo, criação, incentivo de
lítico e econômico capitalista, cuja finalidade é
tendências e de práticas comportamentais, as cha-
produzir “bens” culturais – filmes, livros, música po-
madas “modas”. Pode-se perceber isso em muitos
pular, programas de TV etc. Trata-se de uma estra-
casos. Tome como exemplo a música caipira, que
tégia de controle social, ou seja, de determinar os
possui elementos folclóricos e regionais muito fortes,
padrões de gosto das pessoas e até mesmo seus
desde os temas cantados, passando pelo sotaque
desejos e anseios.
dos músicos, até a forma de afinar e tocar a viola.
Quando a cultura se transforma em indústria,
Todavia, quando transformada no fenômeno
ou seja, é produzida em série como qualquer outra
milionário dos shows de música sertaneja, já não
coisa, ela se torna mero produto a ser trocado por
se encontram elementos propriamente sertanejos
dinheiro, com vistas ao lucro. O consumo e o lucro,
(do sertão), mas uma miscelânea de estilos musi-
mandatários da produção, exigem que o produto
cais pop, além de bandas de apoio com muitos
tenha o maior alcance possível, exatamente para
músicos e dançarinos no palco; os artistas já não
que os ganhos sejam maximizados. É por isso que
apresentam o típico sotaque ao cantar, suas ves-
na indústria cultural as mercadorias são todas pro-
timentas refletem influências do country estaduni-
duzidas seguindo as mesmas orientações: produtos
dense (camisa xadrez, artefatos de couro etc.), os-
padronizados que atendam às necessidades ime-
tentando aspectos de uma cultura dominante, nes-
diatas e correspondam ao gosto médio do consu-
se caso a cultura country dos Estados Unidos, cuja
midor.
abrangência e alcance indicam o poder que ela
Para Adorno e Horkheimer, os receptores das
exerce sobre as pessoas, fazendo que se vistam, se
mensagens dos meios de comunicação de massa
comportem e cantem as músicas que a expressam.
seriam vítimas dessa indústria, pois, além de terem
o gosto padronizado, seriam induzidos a consu-
mir produtos de baixa qualidade. Por essa razão,
pode-se dizer que a indústria cultural determina o
Ciências Humanas e suas Tecnologias

elemento a democratizar a cultura, ou seja, possi-


#FicaADica bilitar que todos tenham acesso às mesmas coisas.
Digestão A perspectiva da Filosofia é, acima de tudo,
Processo de digerir, que, em seu problematizar e questionar suas próprias perspec-
sentido mais comum, significa uma das tivas.
funções biológicas do ser vivo, que é a
de transformar os alimentos em partícu- Quem é a massa?
las menores que possam ser absorvidas
pelo organismo. Em sentido conotativo Há muitas situações em que se identifica uma
ou figurado, que é o que está sendo multidão: a aglomeração de pessoas que assistem
usado no texto, significa que uma infor- a um show, que frequenta parques, que vai acom-
mação, produto ou mensagem podem panhar seus times nos estádios de futebol, que bus-
ser comparados a um alimento. Quan- ca no transporte público uma forma de transitar
do um indivíduo recebe uma informa- pela cidade.
ção, ela é “digerida” pela razão e facil- Em uma metrópole, é fácil acompanhar a for-
mente compreendida. mação de uma multidão – um grupo de pessoas
Miscelânea reunidas que casualmente se encontra em busca
Conjunto confuso por possuir varie- de objetivos comuns: divertir-se em um show, des-
dades de um mesmo elemento ou de frutar de um parque, torcer pelo time, locomover-
vários elementos; algo que não se con- -se. Em muitas ocasiões, utiliza-se o termo massa
segue colocar em categorias ou classi- como sinônimo de multidão. Mas, diferentemente
ficar. das multidões, a denominação “massa” refere-se a
Ostentar uma grande quantidade de indivíduos, aglomera-
Exibir-se mostrando algo de valor dos ou não, que compartilham sistemas de crenças
econômico ou vangloriar-se de um ou hábitos que são praticados coletivamente.
dote, qualidade pessoal ou ação rea- Perceba que as pessoas podem estar cada
lizada; revelar-se para os demais de uma em sua casa, assistindo a um programa de
maneira exibicionista ou com extrema televisão, ou seja, não há aglomeração física, mas
vaidade. ainda assim estão todas reunidas na mesma ativi-
dade de serem espectadores. Usa-se o termo mas-
sa para designar:
Na obra Indústria cultural: o esclarecimento
128 como mistificação das massas (1947), de Adorno e
Horkheimer, os autores procuram desvendar o fun- [...] um número indeterminado de pessoas
cionamento da indústria cultural, apontando algu- (quanto mais, melhor) despidas de suas carac-
mas de suas falhas e consequências negativas. terísticas individuais – de classe, etnia, região e
Segundo eles, a padronização e alienação dos até mesmo de país – e que são tratadas como
indivíduos, a limitação da imaginação e da espon- um todo razoavelmente homogêneo, para o
taneidade, a inibição da atividade intelectual e a qual a produção é direcionada.
ARANHA, Maria Lúcia; PIRES, Maria Helena. Temas de
perda da individualidade são as falhas e conse-
Filosofia. 7. ed. São Paulo: Moderna, 2005, p. 56.
quências negativas da indústria cultural.
A padronização da indústria abarca os indiví-
duos que se integram a esse contexto na forma de Assim, o conceito de massa adquire também
consumidores, sendo eles também padronizados, um contexto específico, refere- -se ao contexto do
na medida em que não há mais particularidades: consumo. É por isso que massa é o grupo de pes-
todos têm os mesmos desejos, os mesmos quereres, soas para quem determinado produto – seja ele de
os mesmos anseios, os mesmos sonhos. E, na pers- limpeza, de vestuário, eletrodoméstico, cultural – é
pectiva da indústria cultural, desejos, quereres, an- destinado.
seios e sonhos podem ser comprados. É por isso também que esse conceito diz res-
peito a um grande conjunto de pessoas sem levar
em consideração aquilo que elas poderiam ter de
particular, de próprio, de individual, uma vez que o
universo é o da compra e venda.
Ao considerar que o gosto das pessoas é ad-
quirido com o tempo por meio de sua cultura, a
produção cumpre com maior facilidade a função
de conquistar os indivíduos, propondo a eles gos-
tos, vontades e sonhos semelhantes.
Cabe à Filosofia e à atitude filosófica investigar Muitas vezes, pode-se pensar que os produtos
não somente em que medida a indústria cultural correspondem àquilo que as pessoas desejam,
pode ser responsável por padronizar as pessoas em mas o estudo do conceito de massa aponta para
termos “médios”, mas também analisar a possibili- o contrário: as pessoas são levadas a desejar aquilo
dade de que essa mesma indústria possa ser um que é antecipadamente produzido para satisfazer
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o desejo criado. É necessário então atentar para o intenções do processo industrial de padronizações
fato de que, quando se fala em cultura de massa, de hábitos, costumes e crenças, é preciso que haja
tem-se em vista a cultura que é produzida para a um bom combustível para que as pessoas sintam-
massa, isto é, para uma maioria. -se estimuladas a comprar o tempo todo.
A cultura de massa não se refere especifica- A alienação aparece aqui como algo que im-
mente nem à cultura popular, ou seja, à cultura pulsiona a reprodução de pensamentos, ideias e
produzida por e para o povo (a cultura tradicio- comportamentos propagados pela indústria cul-
nal de um lugar), nem à cultura erudita, ou seja, à tural, e a pessoa não questiona por que compra
cultura de uma elite. Contudo, convém esclarecer coisas das quais não necessita. Esse conjunto de
que o caráter elitista da cultura erudita não é intrín- pensamentos e atitudes padronizados, com o tem-
seco a ela, isto é, não é a cultura propriamente dita po, torna-se ideologia, pois estimula determinados
que é de elite. jeitos de se vestir, de ser, de se comunicar, que ge-
O que confere a certa cultura o caráter elitista é ralmente respondem ao interesse de uma emissora
a forma restrita, privilegiada e privada de como ela de televisão, de um grupo econômico ou político.
é apropriada. Ou seja, trata-se de uma cultura eli- Por exemplo, quando há um movimento de tra-
tista porque somente algumas poucas pessoas têm balhadores, como uma greve ou protesto por me-
acesso a ela. No momento em que o acesso a essa lhores condições de vida e salário, é comum que
cultura passa a ser feito de forma democratizada, tais movimentos sejam veiculados como “ação de
ela deixa de ser elitista para se tornar popular. baderneiros”. Na medida em que alguém, como
A escola e os centros culturais e artísticos muitas um espectador de televisão, aceita sem questionar
vezes tornam-se veículos para que haja a demo- as informações que recebe, pode-se dizer que está
cratização da cultura erudita. A cultura de massa alienado, uma vez que ele se distancia dos próprios
tem por principal atrativo a fácil identificação, o pensamentos ou da possibilidade de pensar por si
que quer dizer que ideias, histórias e anseios são próprio.
apresentados e oferecidos ao sujeito e ele se sen- A alienação pode instalar o conformismo e a
te identificado: “É isso mesmo que eu penso”, “Foi indiferença tanto para os próprios problemas quan-
isso mesmo que eu trilhei”, “É isso mesmo que eu to para determinadas situações sociais. No sentido
quero”; o sujeito sente-se pertencente ao grupo na proposto aqui, alienação, portanto, refere-se ao
medida em que reconhece que os outros possuem estado em que uma pessoa perde a capacidade
os mesmos interesses. de pensar por si própria, na medida em que recebe
Quando imersa nesse universo, a pessoa não informações “prontas” dos telejornais, dos progra-
terá dificuldade em encontrar semelhantes e, por mas de TV, reproduzindo tudo o que vê e ouve, sem
isso, se sentirá reconhecida pelos outros e poderá questionar ou sem refletir criticamente a respeito. 129
também reconhecê-los. A essas ações, pensamen- As pessoas trabalham para viver ou vivem para
tos, desejos e formas de vida denominam- -se con- trabalhar? O termo ócio tem origem na palavra
dutas massificadas. latina otium, que significa lazer, repouso. Negócio,
por sua vez, deriva de negotium, palavra que ex-
ALIENAÇÃO põe a negação do ócio (neg = não, otium = lazer).
O sentido latino de ócio já estava na palavra
grega scholé, que também significa descanso,
tempo livre. Significava, além disso, estudo, na me-
dida em que um homem, por não ter de trabalhar
para sua subsistência, pode se ocupar voluntaria-
mente de uma ação. Pode-se perceber o sentido
de scholé em escola, o lugar de estudo.
Na Grécia Antiga, a escola era o lugar privile-
giado do ócio, o lugar daqueles que podiam se
dedicar à ginástica, aos jogos, à música e à litera-
tura. Era, portanto, um lugar para pessoas ociosas,
isto é, que não precisavam trabalhar para garantir
o próprio sustento, visto que se beneficiavam do
trabalho de escravos. Vale lembrar que a Grécia,
na Antiguidade, foi, durante muito tempo, uma so-
ciedade escravista. Hoje o ócio é associado a uma
imagem negativa de folga, preguiça, “falta do que
fazer”, como é possível comprovar com o provér-
bio: “O ócio é o pai de todos os vícios”.
É difícil precisar quando exatamente o ócio ad-
quiriu essa imagem negativa. Uma possibilidade é
a máxima “Deus ajuda a quem cedo madruga”,
que representa uma relação entre o trabalho e o
“enobrecimento” da alma por meio de um discurso
Considerando que o consumo é o núcleo das religioso.
Ciências Humanas e suas Tecnologias

Durante o processo de industrialização, essa cultivados na China, levados à Índia até aparece-
máxima foi resgatada pela burguesia a fim de fazer rem em Roma.
que o ser humano dedicasse sua vida inteiramente Segundo o professor, o fato de saber todo o
ao trabalho. Percebe-se que tal entendimento de itinerário que as frutas percorreram antes de che-
“ócio” relaciona-se ao pecado ou ao sentimento gar à mesa torna-as mais interessantes e, por con-
de indignidade, tendo como fim a exploração do sequência, mais saborosas. Essa passagem do livro
trabalho do povo. comentada por Woodhouse é importante para
desfazer possíveis equívocos, entendendo que o
ócio não é inação (falta de ação), preguiça, des-
perdício de tempo.
No livro, Russell defende o ócio como momen-
to de formação mental, e sua má compreensão,
em certa medida proposital, reforça a ideia de que
as atividades desejáveis são somente aquelas as-
sociadas à produtividade e ao subsequente lucro.
Com isso, Russell faz sua defesa por uma jornada de
Para resgatar um sentido anterior a esse, é pre- quatro horas de trabalho.
ciso qualificar o ócio como criativo, digno e produ- O filósofo procura mostrar como as jornadas de
tivo, se não do ponto de vista fabril, certamente do trabalho poderiam ser reduzidas graças aos avan-
ponto de vista humano. ços tecnológicos, sendo que os salários não sofre-
Em alguns casos, o trabalho e o dever podem riam alteração. Tendo suas necessidades básicas
vir acompanhados de um sentimento de desâni- satisfeitas, todas as pessoas poderiam ocupar-se de
mo; por exemplo, quando você é acometido pelo outras atividades ociosas.
desejo de não trabalhar e fazer outra coisa, ainda Russell não esquece que os trabalhadores têm
que você não possa. Em geral, esse desejo também tempo livre, mas aponta que esse tempo normal-
é visto, muitas vezes, como sinônimo de preguiça. mente é passivo, pois, em razão da exaustão, as
Mas, há quem diga que “o indivíduo se faz pelo tra- pessoas optam por ver ou ouvir algo e não fazer
balho”. Desenvolvendo um pouco mais essa ideia: (ativamente) nada.

[...] o ser humano se faz pelo trabalho, porque


ao mesmo tempo que produz coisas, torna-se
humano, constrói a própria subjetividade. De-
130 senvolve a imaginação, aprende a se relacio-
nar com os demais, a enfrentar conflitos, a exigir
de si mesmo a superação de dificuldades. Enfim,
com o trabalho ninguém permanece o mesmo,
porque ele modifica e enriquece a percepção
do mundo e de si próprio. ARANHA, Maria Lúcia;
MARTINS, Maria Helena. Filosofando: introdução
à Filosofia. São Paulo: Moderna, 2009, p. 67

Ou seja, é preciso ponderar a respeito de a que


tipo de trabalho se refere para que a percepção
sobre ele possa ser compreendida.
O que é claro é a existência de uma contradi-
ção entre o trabalho como atividade emancipa-
dora, que faz que o sujeito se sinta útil, se reconhe-
ça e se sinta ocupando um lugar no mundo, e o
trabalho exclusivamente como condição para so-
breviver. Nesse último caso, o trabalho é visto como
um meio para “ganhar dinheiro”. Essa contradição
fica ainda maior ao pensar que há trabalhos mais Outro aspecto importante que também se rela-
prestigiados e valorizados que outros, que há até ciona com o presente tema é o já tratado desen-
mesmo trabalhos em que a ocupação principal do volvimento da individualidade. Russell explica que
trabalhador é organizar o trabalho alheio. o ócio potencializa a reflexão, que, por sua vez,
Na edição brasileira do livro Elogio ao ócio, de estimula ainda mais o desenvolvimento, ao passo
Bertrand Russell (1872–1970), os artigos presentes na que a atividade fabril nas sociedades modernas
obra são precedidos por uma introdução escrita tem contribuído para a inibição da criatividade, vis-
pelo professor Howard Woodhouse, que comenta to que as ocupações são repetitivas e entediantes.
sobre o texto Conhecimento “inútil” (o segundo O ócio aponta para as diferentes possibilidades
texto da coletânea). Nesse texto, ele relembra os do ser, enquanto o trabalho segue a linha da ho-
relatos de Russell a respeito da chegada dos pês- mogeneidade.
segos e damascos ao Ocidente, após terem sido Para finalizar, o filósofo defende que o ócio de-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

veria ser um direito de todos e não um privilégio de


alguns. Isso significa que, além de trabalhar para
sobreviver, todos deveriam ter tempo livre para
usufruir do lazer, da cultura, de atividades que pu-
dessem trazer não apenas diversão, mas também a
possibilidade de aprimorar o conhecimento de si e
do mundo. Isso não poderia estar ligado ao poder
aquisitivo das pessoas nem às restrições impostas
por barreiras geográficas e econômicas, por exem-
plo. Basta você refletir:
No bairro em que você mora há espaços de
lazer e cultura? Se existem, há uma programação
variada? Todos podem pagar para frequentá-los
(quando e se forem pagos)? São de fácil aces-
so? Se a maioria das suas respostas for negativa, o
direito ao ócio, como defendido por Russell, está
prejudicado, prevalecendo como privilégio para
pequenos grupos com melhores oportunidades e
maior poder aquisitivo. Atualmente, há quem diga
que esse modelo de trabalhador, incapaz de pen-
sar criativamente, já não é aquele desejado e ne-
cessitado pelas grandes corporações.
A complexidade dos processos produtivos exi- Em seu livro Eichmann em Jerusalém: um relato
ge um trabalhador com outro perfil, capaz de pen- sobre a banalidade do mal (1963), a filósofa desen-
sar, de tomar decisões rapidamente, de resolver volveu sua teoria na tentativa de compreender a
problemas, de ser criativo, de trabalhar em equipe maldade praticada pelos homens. Lembre-se de
e integrado às novas tecnologias. Mas, por outro que “banal” significa trivial, comum, desimportan-
lado, a internet, que facilita o trabalho, aproximan- te.
do distâncias, permitindo ao empregado realizar Pode-se dizer, por exemplo, que um filme é ba-
tarefas de sua própria casa, acaba exigindo uma nal porque é bobo, não acrescenta nada; que não
disponibilidade quase integral do trabalhador, se deve brigar porque o motivo é banal, ou seja, o
dado que a todo momento ele pode (ou deve) es- motivo não justifica uma briga; ou ainda que não
tar disponível para contato e subsequente solução se deve perder tempo com banalidades, pois elas 131
de problemas. são insignificantes.
Como então um mal pode ser banal? Em 1997,
A BANALIDADE DO MAL no Brasil, cinco jovens assassinaram o índio Galdino
Jesus dos Santos. Você se lembra? Galdino estava
Compreender significa enfrentar em Brasília para discutir a situação da terra de seu
povo no sul da Bahia.
A discussão empreendida por Hannah Arendt Ao voltar para onde estava hospedado, ele se
gira em torno da ideia de que a banalidade do mal perdeu e dormiu em um ponto de ônibus. Às 5 ho-
é consequência de uma ação impensada, aliena- ras, os jovens atearam fogo nele, que teve 95% do
da e conivente, que propaga um tipo de normali- corpo queimado e morreu em seguida. No julga-
dade, de hábito insensível. Esse mal faz ignorar as mento, os assassinos se defenderam afirmando que
vítimas e pode se instalar tanto em regimes totalitá- fora uma brincadeira. Hannah Arendt encontrou-
rios quanto democráticos. -se diante de um enigma assim quando escreveu
A pensadora acompanhou o julgamento do a tese da banalidade do mal, questionando como
oficial nazista Adolf Eichmann e ficou impressiona- alguém que praticou um mal não se considera cul-
da com a ausência de convicções por parte do pado.
acusado, um homem que havia sido responsável Para que você possa compreender melhor a
pela deportação de incontáveis vítimas para os tese da banalidade do mal, é preciso entender o
campos de concentração e que, apesar disso, contexto em que ela foi formulada. Em 1961, Han-
considerava-se inocente, argumentando que ape- nah Arendt embarcou de Nova Iorque para Jeru-
nas havia cumprido ordens. salém, para acompanhar o que seria o maior julga-
Hannah Arendt desenvolveu então sua hipóte- mento de um carrasco nazista depois do Tribunal
se explicativa: a banalidade do mal. de Nuremberg.
O réu era Adolf Eichmann, encontrado na Ar-
gentina pela polícia secreta de Israel (Mossad). Em
maio de 1960, ele fora sequestrado pelos oficiais
dessa unidade especial e levado para Jerusalém.
Só então o governo de Israel anunciou que o havia
descoberto no país latino- -americano, escondido
sob a falsa identidade de Ricardo Klemente, um
Ciências Humanas e suas Tecnologias

funcionário da Mercedes-Benz. do cumprimento de ordens.


Essa barbaridade torna-se banal porque não
tem uma motivação política, ética, ideológica. Ei-
#FicaADica chmann decidia e enviava as pessoas em um trem
Carrasco para campos de extermínio como se isso fosse algo
Indivíduo responsável pela execu- comum, ordinário e, por isso, banal.
ção de alguém condenado à morte ou É importante dizer que a ausência de motiva-
à tortura. Em sentido figurado, é alguém ção não o isenta e não o torna inocente; a com-
capaz de atos terríveis ou de atormentar plexidade é justamente entender que sujeito era
pessoas; algoz, verdugo são sinônimos. esse, que não era um inimigo patológico dos ju-
deus, nem um sádico mórbido ou um monstro de-
É ainda necessário explicar que, durante o re- pravado, mas terrível, horrivelmente normal. Arendt
gime nazista, Eichmann coordenava as atividades caracterizou a personalidade de Eichmann como
práticas de implementação da “solução final”, medíocre, um sujeito que cumpria com zelo e efi-
termo que se refere ao projeto nazista de eliminar ciência as ordens que recebia, sem questioná-las,
toda a população judaica dos territórios conquista- considerando desonesto não executar o trabalho
dos pela Alemanha. De seu escritório em Berlim, Ei- que lhe fora dado.
chmann organizava as rotas de trens que seguiam A pensadora afirma que, ao cumprir ordens,
para os campos de extermínio, identificando os de- sentado à sua mesa de escritório, Eichmann acre-
portados. ditava que permanecia “de mãos limpas”.
Era ele quem despachava homens e mulheres Afinal, era como se, diretamente, ele não fizes-
de origem judaica, homossexuais, ciganos, teste- se mal a ninguém; ao contrário, ele estaria honran-
munhas de Jeová, entre outros, considerados infe- do o seu trabalho, sendo apenas um cumpridor
riores ou prejudiciais para os alemães “puros”, para dos seus deveres. Era um funcionário extraordinário,
os campos de concentração e de extermínio, tais mas um homem ordinário, incapaz de pensar por si
como Auschwitz, Dachau e Treblinka. próprio, de separar o bem do mal e que, pelo seu
A filósofa, que foi a Jerusalém como enviada comprometimento profissional, se considerava ino-
da revista New Yorker e acompanhou diariamente cente. Conforme observou Arendt:
as sessões do julgamento, esperava encontrar um
ser monstruoso, alguém malévolo, com sede de
sangue, sem nenhum sentimento de bem-querer [...] era um homem que não parava para
pelo ser humano, ou seja, um assassino frio, disposto refletir. Ele não tinha perplexidades e nem per-
a matar qualquer um que se interpusesse entre ele guntas, apenas atuava, apenas obedecia. Seu
132 desejo de agir corretamente, de ser um funcio-
e seus objetivos.
No entanto, espantou-se ao deparar com um nário eficiente, de ser aceito e reconhecido
perfil burocrata, um marido dócil, um pai dedica- dentro da hierarquia, o tornou um burocrata
do, alguém que se julgava um bom cidadão, cum- insensível [...].
SOUKI, Nádia. Hannah Arendt e a banalidade do mal.
pridor de seus deveres. Arendt, cujo nome significa
Extensão. Cadernos da Pró-reitoria de Extensão da PUC
enfrentar, dedicou-se sem ressalvas a enfrentar
Minas, v. 8, n. 26, p. 53, ago, 1998
esse dilema.
Como um indivíduo que participou ativamen-
te de um sistema que aniquilou milhares de vítimas
não se sente responsável pelo que fez? Em seu tex- Atrocidade
to, ela transcreve a declaração de inocência do Atitude cuja prática é considerada desu-
acusado: mana, cruel e sádica, normalmente envolven-
do muito sofrimento e vítimas fatais.
Patológico
Com o assassinato dos judeus não tive nada Algo contrário do normal, do comum e
a ver. Nunca matei um judeu, nem um não-ju- considerado doentio. Sádico Adjetivo atribuí-
deu – nunca matei nenhum ser humano. Nunca do ao personagem histórico Marquês de Sade
dei uma ordem para matar fosse um judeu fosse e corresponde àquele que sente prazer com o
um não-judeu; simplesmente não fiz isso. sofrimento alheio e, muitas vezes, pratica o mal
Adolf Eichmann, 1961. Apud ARENDT, Hannah. Ei- para obter esse prazer.
chmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade Mórbido
do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 33. Relativo a doença; débil, doentio, insalubre;
que se relaciona com coisas sombrias, estra-
Foi na tentativa de responder a essa questão nhas.
que a pensadora desenvolveu a tese da banalida- Medíocre
de do mal, que explica como um mal praticado Sem grandes qualidades ou destaque; que
por uma personalidade condicionada, sem convic- corresponde à média; banal, precário.
ção, faz desse indivíduo, por isso mesmo, alguém Perplexidade
capaz das maiores atrocidades sem se responsabi- Admiração, espanto, desconforto diante
lizar por elas, pois, para a pessoa, trata-se apenas de uma situação.
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Eichmann foi considerado culpado e sentencia- Para isso, pode-se pensar em uma educação
do à morte por enforcamento, em Israel. As análises que ocorre nos espaços não escolares (como a
de Arendt são fundamentais porque alertam para que ocorre na família, em comunidades religiosas,
a propensão dos seres humanos a fazer parte de centros culturais, espaços de lazer, ONGs etc.) ou
um grupo, aderindo a ele sem reflexão, assumindo, escolares, que se referem às instituições educacio-
sem pensar, as ideias, opiniões e deveres que po- nais propriamente ditas. Quaisquer que sejam os
dem levar a males extremos. espaços educativos, o compromisso com o tipo de
É um perigo atual se você levar em conta o nú- cidadão que se quer formar é essencial.
mero de pessoas que vivem de forma acrítica. Se- Contudo, é importante refletir sobre o papel
gundo a filósofa, o desumano se esconde em cada que a educação escolar pode assumir para cum-
ser humano. CONTINUAR A PENSAR E INTERROGAR A prir o compromisso com a formação de cidadãos
SI PRÓPRIO SOBRE OS ATOS, AS NORMAS É A ÚNICA mais sensíveis, autônomos, colaborativos, dentre
CONDIÇÃO DE NÃO SER TRAGADO POR ESSE MAL. outras características.
Em nossa cultura, é possível afirmar que o pa-
EDUCANDO-SE SOBRE A EDUCAÇÃO pel da escola é transmitir às novas gerações os
conhecimentos que a humanidade acumulou ao
O ponto de partida para refletir sobre a educa- longo dos tempos. Nesse sentido, aprender os feitos
ção é compreender que a atividade educacional de outros seres humanos, no passado (sejam eles
ocorre em todas as esferas da vida humana, entre positivos ou negativos), pode ajudar o indivíduo a
familiares, entre amigos, em relações afetivas, en- compreender o presente e a planejar o curso do
tre colegas de trabalho, no contato entre diferen- futuro, além de permitir conhecer do que é forma-
tes classes sociais, etnias, faixas etárias e línguas. do e como pode-se localizar e participar do mundo
Contudo, essa afirmação não indica que toda público.
ação educativa é espontânea, como se pudes- Aprender o que se sabe sobre as ciências e suas
se ser simplesmente descoberta pela intuição ou descobertas possibilita uma melhor compreensão
como se as pessoas aprendessem apenas pelo do mundo, mas também desperta o desejo de ser
convívio cotidiano. Toda cultura possui também cientista, por exemplo. O conhecimento adquirido
formas de organizar os “estudos”, ou seja, tem for- na escola tem muitas funções, pois pode auxiliar na
mas diferentes de transmitir os saberes pela relação compreensão e transformação do próprio indiví-
de ensino e aprendizagem. duo e da sociedade na qual ele vive, bem como
Essas formas podem ser diferentes e cumprir ajudá-lo a aprender uma nova profissão, a falar
o papel de transmissão de determinados conhe- outra língua, a ampliar as formas de se comunicar
cimentos e práticas, de acordo com a demanda na própria língua, a conviver com outras pessoas, 133
cultural de cada ambiente. entre tantas outras possibilidades.
Normalmente, a educação está inserida em A Filosofia pode contribuir para a construção
determinado tipo de cultura e fundamenta-se nes- de outras maneiras de você olhar para o mundo e
sa cultura para formar indivíduos. Assim, por exem- para si mesmo. Ela promove um exercício de pen-
plo, uma sociedade cuja cultura exige caçadores samento por meio do qual é possível refletir critica-
precisará, com sua educação, formar indivíduos mente sobre tudo o que está estabelecido, utilizan-
aptos para a caça. do o questionamento e a dúvida como instrumen-
Essa lógica se aplica a toda cultura, mas, no tos em todos os aspectos do saber e do agir.
caso de sociedades multiculturais como a brasileira Diante desses argumentos, é importante pensar
– edificadas em um contexto urbano muito popu- nas relações da educação com o mundo do traba-
loso, que é mediado por tecnologias em constan- lho. É muito comum escutar frases do tipo “Menino,
te transformação –, cabe ao educador e a todo estude! Se não estudar, você não será ninguém na
indivíduo refletir com bastante rigor sobre que tipo vida!”. Ocorre que um dos sentidos “escondidos”
de ser humano é necessário ou desejável formar, nas entrelinhas dessa frase pode ser “Estude, para
ou seja, que qualificações a sociedade exige que ter um bom emprego e concorrer no mercado de
esses indivíduos tenham. trabalho”.
Nossa sociedade necessita de indivíduos aptos
a lutar, a combater, a trabalhar? Pessoas sensíveis,
empáticas, produtivas, agressivas? É muito impor-
tante refletir sobre isso, tendo a certeza de que
cada um contribui para formar, educar e reforçar
determinados tipos de conduta e hábitos culturais
à medida que os aceita, incentiva, reproduz ou
mesmo ao ignorá-los.
Há, assim, uma situação urgente e de imensa
importância: é essencial observar que tipo de cida- A finalidade da educação não pode se encer-
dão a educação em geral tem como objetivo for- rar na inserção do estudante no mercado de traba-
mar, além de buscar a consciência de que tipo de lho. A educação como garantia de emprego não
educação é estabelecida nas sociedades e como é a única ou a melhor opção para a construção de
ela se propõe realizar seus objetivos. uma sociedade que preze por princípios como justi-
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ça, igualdade de oportunidades, pessoas solidárias Nessa relação, existem duas situações: a da
umas com as outras. Historicamente, observa-se criança, que representa a possibilidade do novo
que o acesso à educação pública ou privada, por e de uma transformação social, e a da chama-
exemplo, pode determinar se uma pessoa poderá da “nova geração” entrando em contato com
ou não cursar uma universidade, qual universidade um novo mundo, possibilitado pela própria prática
será, com quais círculos sociais ela conviverá, que educativa. Desse encontro entre novas pessoas e
poder aquisitivo terá e em quais espaços sociais novos ambientes, imagina-se que saiam novas pos-
poderá morar, circular, alimentar-se, vestir-se, diver- sibilidades, novos sistemas de relação, novas situa-
tir-se, entre tantas outras coisas. ções de convívio e de organização social e política.
No Brasil, ainda há uma divisão oligárquica do Entretanto, não é isso o que acontece. A pensa-
poder, de maneira que poucos grupos detêm privi- dora afirmou que havia uma incoerência na orga-
légios, facilidades e maior alcance para seus recur- nização da educação, de forma que socialmente
sos e influência. Para essa camada privilegiada, é se estimula um discurso no qual o mundo pertence
interessante que a educação seja voltada exclusi- aos jovens e onde as novas gerações carregam a
vamente ao mercado de trabalho, de forma que “chave” para o futuro, mas que, na realidade, o
a massa formada pelo sistema de ensino dê con- que muitas vezes a escola faz é privar esses jovens
tinuidade à estrutura que já está estabelecida. Por de qualquer possibilidade de transformação do
outro lado, uma educação crítica é aquela que mundo que já está organizado para eles.
repensa as bases de sua sociedade, considerando Isso ocorre porque se entende que cabe ape-
transformações estruturais no modo como suas ati- nas ao adulto educador a autoridade e a qualifica-
vidades são desenvolvidas. ção necessária para determinar quais capacida-
É aquela que se traduz no compromisso de for- des são fundamentais para que esses jovens apren-
mar pessoas capazes de melhorar os espaços em dam, bem como a maneira que isso será realizado.
que vivem, de ter autonomia sobre a própria vida, Segundo Arendt, a educação vigente nos Estados
de ter consciência de seus gostos e talentos, de Unidos, na década de 1950, era conservadora e
agir de maneira cooperativa e solidária com as ou- servia apenas para manter a ordem vigente. A filó-
tras pessoas, por exemplo. sofa explicava que a política era feita por pessoas
Assim, é preciso que se indague também qual a mais velhas, que já se acreditavam educadas, sem
finalidade da educação escolar institucionalizada. que houvesse lugar para os jovens, que poderiam
Isso implica questionar a maneira como a escola contribuir para que novas maneiras de pensar e de
forma seus estudantes. Forma pessoas críticas ou fazer política fossem apresentadas e pensadas.
conformadas com a sociedade? Forma pessoas Toda e qualquer ideia, comportamento ou
134 que conseguem enxergar e mudar os processos de modo de expressão da juventude eram vistos como
dominação das classes trabalhadoras pelas elites? “rebeldia” e “inconsequência”, de forma que tudo
Para pensar (e agir) sobre essas questões, é preciso o que vinha dos jovens era desqualificado.
reconhecer a educação e a escola como um meio Nesse sentido, os mais velhos não se compro-
de questionar o status quo, a ordem vigente, e de metiam com a educação das gerações mais jo-
construir, em conjunto com outras pessoas, outros vens, que eram vistas como ameaça e não como
modos de ser, reconhecendo umas às outras, e possibilidade de mudança e de novos jeitos de
maneiras de se relacionar. pensar, instaurando uma crise.
Nesse sentido, a educação se constitui não
apenas como um meio de obter um bom trabalho, Segundo Arendt:
com bom salário, para consumir tudo aquilo que se
deseja, mas um direito, de todas as pessoas, como
um meio de viver em sociedade, pacificamente e Sempre que, em questões políticas, o são
com dignidade. juízo humano fracassa [...] nos deparamos com
uma crise; pois essa espécie de juízo é, na reali-
Entendendo a crise da educação: educar é as- dade, aquele senso comum em virtude do qual
sumir responsabilidade nós [...] nos movemos. [...] Em toda crise, é des-
truída uma parte do mundo, alguma coisa co-
Hannah Arendt escreveu, em 1958, um texto mum a todos nós.
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São
que procurava analisar a crise na educação esta-
Paulo: Perspectiva, 2007, p. 227bre a banalidade do
dunidense durante a década de 1950. Chamado
mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 33.
Crise na educação, ele foi publicado no livro inti-
tulado Entre o passado e o futuro, junto com outros
escritos da autora. O que a pensadora apontou é que uma crise
Você é convidado a refletir sobre algumas pas- desconstrói aquilo que se compartilhava como cul-
sagens desse texto, observando principalmente a tura comum, estabelecendo uma não diferencia-
atualidade dessas ideias e como elas podem aju- ção entre os indivíduos e levando-os a estranhar,
dar a compreender a educação, no contexto his- temer e desconfiar daqueles com quem, juntos, de-
tórico e social brasileiro. Arendt debateu a função veriam construir a sociedade que compartilham e
da educação tradicional, escolarizada, e como na qual habitam.
ela afeta aquilo que se identifica como “o novo”. Com base nisso, analisar essa crise na educa-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

ção é ler suas incongruências, perceber quais con- investido do poder e autoridade referentes à
tradições colaboram para tais situações. disciplina que ministra, ele próprio perderia a
O modelo de escolarização estadunidense necessidade de aprimorar seus conhecimen-
analisado por Arendt dispunha de muitas ferramen- tos, baseando sua atividade educacional
tas para fazer que a desigualdade socioeconômi- muito mais na autoridade que já lhe é de an-
ca fosse vista como algo “natural”. Por exemplo, a temão dada do que no exercício de desco-
adoção do uso de uniformes escolares determina- berta e aprendizagem em conjunto com seus
va que os estudantes deveriam trajar roupas espe- estudantes;
cíficas em seu cotidiano escolar e a submissão dos • uma possível estratégia para a superação dos
estudantes a provas e testes avaliativos determina- efeitos dessa crise, já que só seria possível co-
va sua aprovação ou reprovação. nhecer, saber, aprender sobre determinada
Essas eram formas de “esconder” as desigual- coisa fazendo essa coisa. Então, na medida
dades, porque, pelo uso do uniforme, aparente-
do possível, incentivar a substituição do apren-
mente, todos são “iguais”. No caso da avaliação,
dizado pelo fazer seria premente na educa-
o fato de um estudante ter uma nota alta ou bai-
ção, conforme afirmou Arendt:
xa passaria a ser responsabilidade exclusiva dessa
pessoa, como se os fatores econômicos não inci-
dissem sobre o acesso de um estudante a livros e [...] de tal modo que ele não transmitisse,
jornais, que poderiam favorecer a aquisição de co- como se dizia, “conhecimento petrificado”,
nhecimento, por exemplo. mas, ao invés disso, demonstrasse constante-
Assim, o desempenho escolar seria fruto exclusi- mente como o saber é produzido.
vo do mérito individual de cada um, deixando para ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São
trás questões econômicas que também estão en- Paulo: Perspectiva, 2007, p. 232.
volvidas no processo de educação. Naquele mo-
mento, se alguém não tivesse bom desempenho
Diante do apresentado, a pensadora sugeriu
nas provas porque não tinha dinheiro para com-
refletir sobre o papel do educador. Trata-se de pro-
prar os livros, isso não ficava evidente.
por posturas de autoridade que cada educador
A “culpa” pela nota “ruim” era única e exclu-
poderá desempenhar em sala de aula, ou seja,
siva do estudante e de sua família, que não podia
um posicionamento que justifique sua autoridade
comprar os materiais, por “não terem se esforçado
e não que se sustente em uma autoridade a priori,
o suficiente”. Com o tempo, os estudantes que não
baseada na própria formação do professor ou em
tinham bom desempenho eram rotulados como
seu cargo como “mestre do saber”.
aqueles que não tinham “inclinação natural” para 135
Sua autoridade não deve ser em decorrência
os estudos.
apenas de uma qualificação, medida pelo quan-
Ainda sobre a tendência de tornar as desigual-
to o professor “possui” de conhecimento, e sim por
dades naturais, a autora ressalta que:
meio da reflexão que pode fazer acerca daquilo
que ensina, ou seja, a responsabilidade do conhe-
[...] o que torna a crise educacional [...] cimento que ele entrega:
tão particularmente aguda é o temperamento
político do país, que espontaneamente peleja Qualquer pessoa que se recuse a assumir a
para igualar ou apagar tanto quanto possível responsabilidade coletiva pelo mundo não de-
as diferenças entre jovens e velhos, entre dota- veria ter crianças, e é preciso proibi-la de tomar
dos e pouco dotados, entre crianças e adultos parte em sua educação.
e, particularmente, entre alunos e professores. ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Paulo: Perspectiva, 2007, p. 239.
Perspectiva, 2007, p. 229

Dessa maneira, a autora explicou que o ele-


Ao questionar essas ideias, a autora propôs
mento crucial para a educação é assumir “respon-
que toda educação deve conter, no cerne da sua
sabilidade pelo mundo” e que essa responsabili-
ação, a responsabilidade de questionar e autoa-
dade deve ser abraçada não só pelo educador,
valiar constantemente a que e a quem ela serve e
mas também pelo educando na relação de en-
quais suas intenções. Hannah Arendt apontou três
sino-aprendizagem, ou seja, é a responsabilidade
pressupostos básicos que deveriam ser levados em
coletiva que todos possuem pelo mundo.
consideração nos processos educativos.
Assim, tanto o educador quanto o educando
São eles:
podem ativamente contribuir para um aprimora-
mento da comunidade onde vivem e atuam, bus-
• a consideração de que o mundo da criança
cando juntos formas de melhorar suas relações e
seria uma sociedade autônoma, governada
desenvolver suas capacidades.
pelas próprias crianças, na qual o educador
deveria intervir somente para auxiliar;
• uma possível negligência que pode se mani-
festar na atuação do professor, uma vez que,
Ciências Humanas e suas Tecnologias

THEODOR ADORNO: EDUCAR PARA EVITAR O MAL ção desenvolve o que é anticivilizatório, ou seja,
contra a própria civilização. Pode-se perceber a
concretização dessa teoria no genocídio e nas
A exigência que Auschwitz não se repita é a bombas atômicas, pois milhões de pessoas são as-
primeira de todas para a educação. sassinadas de forma planejada no seio da própria
ADORNO, T. W. Educação após Auschwitz. In: Edu- civilização.
cação e emancipação. Tradução: Wolfgang Leo Maar. É importante perceber que as bombas atômi-
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 119. cas lançadas pelos Estados Unidos sobre o Japão
ilustram que o anticivilizatório também se desenvol-
Assim começa o texto Educação após Ausch- veu naqueles que lutavam contra o nazifascismo
witz (1965), de Theodor Adorno. Essa frase já reve- (era o caso dos Estados Unidos).
la a principal preocupação do filósofo no que diz Ao mesmo tempo que a sociedade se relacio-
respeito à educação: uma educação após as tra- na de modo racional com o desenvolvimento e
gédias da 2a Guerra Mundial deve ser uma educa- com a descoberta de novas tecnologias, também
ção engajada na obrigação de evitar a repetição tende à irracionalidade na aplicação de muitos
daqueles horrores, como o campo de Auschwitz. desses instrumentos – como foi o caso da bomba
O texto faz uma reflexão sobre a educação em atômica.
um contexto bastante preciso. Logo no início, Ador- É por isso que Adorno diz que há algo de de-
no forneceu o ponto no qual se buscou centrar, sesperador na capacidade racional do pensamen-
afirmando que é no estado de consciência e de to que se concretiza, por exemplo, no assassinato
inconsciência das pessoas que reside a possibilida- planejado de centenas de milhares de pessoas. A
de de repetição da barbárie do Holocausto. Para o consciência do que o ser humano é capaz de fazer
filósofo, a consciência e a inconsciência referem-se é fundamental para que se decida (não) fazer.
à reflexão do sujeito, a quanto ele conhece de si, Assim, a educação deve ser direcionada à au-
seus motivos, potencialidades, limitações. torreflexão crítica, ou seja, deve contribuir para que
Adorno também oferece outros elementos as pessoas sejam capazes de pensar a respeito das
para procurar pelas condições que possibilitaram a próprias atitudes, dos próprios pensamentos, dos
ocorrência de Auschwitz, que, por ter sido o maior juízos que são feitos sobre o outro. Essa seria uma
dos campos de extermínio, tornou-se referência ge- forma de trabalhar, conscientemente, com os mo-
neralizante aos campos de extermínio e suas práti- tivos que mobilizam as pessoas à intolerância, à
cas, condições bárbaras e desumanas que, portan- violência, à tortura e ao assassinato; portanto, seria
to, não podem persistir. Se determinados elementos essa uma educação que conhece suas potenciali-
136 possibilitaram aquelas ocorrências, esses elementos dades e também seus limites.
devem ser extintos; caso sua presença se mante- A educação após Auschwitz deveria se preo-
nha, a possibilidade de repetição daqueles males cupar com a formação do indivíduo, conduzindo-o
permanece. a pensar sobre si mesmo, sobre seus pensamentos,
É por isso que, para Adorno, é necessário conti- sentimentos e ações em relação a si e aos outros.
nuar falando sobre o assunto porque as condições Dessa forma, os seres humanos não seriam facil-
que possibilitam a ocorrência de Auschwitz ainda mente convencidos a integrar uma massa de pes-
existem. E é também por isso que você é convida- soas resolvidas a destruir, eliminar ou dominar outras
do a ler um texto escrito há mais de 50 anos e que, pessoas, que seriam reconhecidas como outro ser
mesmo assim, permanece atual. Isso porque, para humano, acima de qualquer diferença que possa
entender o que levou tais atrocidades a aconte- colocar as pessoas em lugares, opiniões ou ideias
cerem, é preciso, primeiro, entender como tudo opostas ou divergentes.
surgiu, para que, dessa forma, seja possível estar Ainda que não valorizassem essa particularida-
consciente de que tipo de ideias e atitudes podem de do outro, poderiam resistir aos sedutores apelos
levar a situações tão desumanas. de participação do coletivo intolerante (disposta a
dominar, julgar, destruir ou eliminar), pois não se iria
querer participar de uma atrocidade apenas para
É preciso reconhecer os mecanismos que fazer valer as ideias, pensamentos e convicções do
tornam as pessoas capazes de cometer tais seu grupo.
atos [perseguir e assassinar], é preciso revelar O filósofo problematizou aspectos que são va-
tais mecanismos a eles próprios [aos que per- lorizados pela educação tradicional, como a se-
seguiram e assassinaram], procurando impedir veridade, a disciplina, a força, a capacidade de
que se tornem novamente capazes de tais atos, resistir à dor. Ele argumenta que em tais aspectos se
na medida em que se desperta uma consciên- esconderiam potenciais para infligir sofrimento ao
cia geral acerca desses mecanismos. outro, como a vingança.
ADORNO, T. W. Educação após Auschwitz. In: Edu-
cação e emancipação. Tradução: Wolfgang Leo Maar. Disse Adorno:
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 121

Adorno citou Sigmund Freud (1856-1939) e afir-


mou que é preciso entender que a própria civiliza-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

O elogiado objetivo de “ser duro” de uma Levando isso em consideração, qual das
tal educação significa indiferença contra a dor respostas abaixo é a correta?
em geral. [...] Quem é severo consigo mesmo a) O senso comum corresponde à populari-
adquire o direito de ser severo também com os zação e à massificação das descobertas cientí-
outros, vingando-se da dor cujas manifestações ficas após uma ampla divulgação.
precisou ocultar e reprimir. Tanto é necessário b) O senso comum corresponde aos conhe-
tornar consciente esse mecanismo quanto se cimentos produzidos individualmente e que ain-
impõe a promoção de uma educação que da não passaram por uma validação científica.
não premia a dor e a capacidade de suportá- c) O senso comum pode ser considerado
-la [...]. Dito de outro modo: a educação preci- um sinônimo da ignorância da população e
sa levar a sério o que já de há muito é do co- uma justificativa para o atraso econômico.
nhecimento da filosofia: que o medo não deve d) O senso comum corresponde a um co-
ser reprimido. nhecimento não científico utilizado como solu-
ADORNO, T. W. Educação após Auschwitz. In. Edu- ção para os problemas cotidianos, geralmente
cação e emancipação. Tradução: Wolfgang Leo Maar. ele é pouco elaborado e sem um conhecimen-
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 128-129. to profundo.
e) O senso comum e o conhecimento cien-
tífico correspondem a duas formas de entendi-
Assim, ele apontou para a importância da edu- mento excludentes e possuidoras de fronteiras
cação na primeira infância, uma educação que intransponíveis.
não estimulasse a falta de medo. Ou seja, diante Universidade Estadual do Oeste do Paraná
de uma realidade como aquela em que ele vivia (UniOeste), 2011.
(ou como a que você vive hoje?), é completamen-
te compreensível que se sinta medo, pois é uma si- 02.
tuação, de fato, assustadora. “– O que significa exatamente essa expres-
Ainda é importante ressaltar que Adorno, o são antiquada: ‘virtude’? – perguntou Sebas-
mesmo filósofo que criticou a atuação dos meios tião.
de comunicação de massa, refletiu sobre as possi- – No sentido filosófico, compreende-se por
bilidades positivas desses meios, como transmissões virtude aquela atitude de, na ação, deixar-se
esclarecedoras pela televisão sobre as causas da guiar pelo bem próprio ou pelo bem alheio – es-
intolerância, firme na convicção de que, se esses clareceu o senhor Barros.
motivos forem conscientes, as pessoas teriam mais – O bem alheio? – perguntou Sebastião.
possibilidades de resistir aos apelos coletivos de in- 137
– Sim – disse o senhor Barros. – É verdade
citação da violência. que a coragem e a moderação são virtudes,
Finalmente, a educação após Auschwitz é um em primeiro lugar, para consigo mesmo, mas
modelo de educação que visa à formação da au- também há outras virtudes, como a benevolên-
tonomia, isto é, o desenvolvimento do sujeito que cia, a justiça e a seriedade ou confiabilidade,
não depende apenas das ordens de outras pes- ou seja, a qualidade de ser confiável, que são
soas, mas que é capaz de refletir. disposições orientadas para o bem dos outros.”
Coerente com seus dizeres, Adorno foi lúcido TUGENDHAT, Ernst; VICUÑA, Ana Maria; LÓPES, Celso.
em relação às causas da intolerância em geral e O livro de Manuel e Camila: diálogos sobre moral. Trad.
do antissemitismo em particular, sabendo que por de Suzana Albornoz. Goiânia: Ed. da UFG, 2002. p. 142.
trás disso há pressupostos sociais e políticos. Desse
modo, ele seguiu mirando aquilo que a educação Com base no texto, é correto afirmar:
poderia fazer, ao problematizar esses pressupostos, a) As ações virtuosas são reguladas por leis
discuti-los e torná-los mais nítidos. positivas, determinadas pelo direito, indepen-
Ainda que não se trate de evitar todas as cau- dentemente de um princípio de bem moral.
sas, a educação após Auschwitz seria a educação b) A virtude limita-se às ações que envol-
para a conscientização daquilo que o ser humano vem outras pessoas; em relação a si próprio a
é capaz de fazer. ação é independente de um princípio de bem.
c) A ação virtuosa é orientada por princí-
1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS pios externos que determinam a qualidade da
ação.
01. Os discursos ou as teorias científicas são d) Ser virtuoso significa guiar suas ações por
desenvolvidos através de um conjunto de técni- um bem, que pode ser tanto em relação a si
cas e de experimentos no intuído de compreen- próprio quanto em relação aos outros.
der ou resolver um problema anteriormente e) As virtudes são disposições desvinculadas
apresentado. As Ciências Sociais, por exemplo, de qualquer orientação, seja para o bem, seja
possui entre as suas diferentes missões o objetivo para o mal.
Universidade Estadual de Londrina (UEL), 2004
de investigar os problemas sociais que vivencia-
mos durante o nosso cotidiano.
03. De acordo com a teoria de Marx, a desi-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

gualdade social se explica DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS


a) pela distribuição da riqueza de acordo RESULTADOS
com o esforço de cada um no desempenho de
seu trabalho. Confira aqui os seus resultados!
b) pela divisão da sociedade em classes so-
ciais, decorrente da separação entre proprietá- 01. Alternativa correta: d.
rios e não proprietários dos meios de produção. Levando em consideração o que foi ana-
c) pelas diferenças de inteligência e habili- lisado no texto Compreendendo o senso co-
dades inatas dos indivíduos, determinadas bio- mum, a alternativa correta apresenta as carac-
logicamente. terísticas do senso comum: conhecimento não
d) pela apropriação das condições de científico, superficial e presente no cotidiano.
trabalho pelos homens mais capazes em con-
textos históricos, marcados pela igualdade de 02. Alternativa correta: d.
oportunidades. Conforme o texto descreve, o ser virtuoso
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), 2000. é aquele que é guiado pelo bem próprio ou
pelo bem alheio. As demais alternativas estão
05. Em “Educação Após Auschwitz” Theodor incorretas, uma vez que uma ação virtuosa
Adorno diz: não pode ser explicada pela obediência às
Tudo isso tem a ver com um pretenso ideal leis, como afirma a alternativa a, já que ela é
que desempenha um papel relevante na edu- resultado de uma decisão. Uma ação virtuosa
cação tradicional em geral: a severidade. Esta também não se limita ao bem comum, fazendo
pode até mesmo remeter a uma afirmativa de o sujeito abdicar do próprio bem, como afirma
Nietzsche, por mais humilhante que seja e em- a alternativa b. Por fim, as ações virtuosas não
bora ele na verdade pensasse em outra coisa. podem depender de uma avaliação externa,
Lembro que durante o processo sobre Ausch- como aponta a alternativa c, porque cabe a
witz, em um de seus acessos, o terrível Boger cada um avaliar as próprias ações e, por meio
culminou num elogio à educação baseada na do uso de sua própria consciência, refletir sobre
força e voltada à disciplina. Ela seria necessária o que é HORA certo ou errado, conforme alter-
para constituir o tipo de homem que lhe pare- nativa e.
cia adequado. Essa ideia educacional da seve-
ridade, em que irrefletidamente muitos podem 03. Alternativa correta: b.
138 até acreditar, é totalmente equivocada. Segundo o filósofo Karl Marx, a divisão da
ADORNO, Theodor. Educação Após Auschwitz. In: Edu- sociedade em classes sociais HORA (proprietá-
cação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2000 rios e não proprietários) seria a causa de toda
[ desigualdade social.
A partir deste texto, podemos afirmar que:
I. o erro formativo que gerou Auschwitz foi a 04. Alternativa correta: b.
falta de disciplina para suportar a dor e o medo. Conforme estudado, a indústria cultural
II. resistir ao medo, não demonstrar a dor, diz respeito à produção industrial da cultura,
enfim, ser rijo, não implica necessariamente em que passa a ter preço e a ser vendida como
uma boa formação. qualquer outro produto. Para tanto, a indústria
III. a severidade e o castigo físico são ainda cultural incentiva e determina as necessidades
apanágios [atributos] de uma boa formação. dos consumidores, influenciando-os a consumir
IV. a exteriorização do medo e da dor deve contínua e irrefletidamente. Quanto às demais
ser valorizada na formação do indivíduo. alternativas, é possível afirmar que:
A alternativa a é incorreta pois trata a indús-
Assinale a alternativa CORRETA. tria cultural como um dado da natureza, algo
a) Somente as afirmativas I, II e IV são cor- que não depende exclusivamente da ação e
retas. do planejamento humano, o que é falso. A pro-
b) Somente as afirmativas I, III e IV são cor- dução cultural não só é fruto da ação humana,
retas. como atende a diretrizes e intenções políticas e
c) Somente as afirmativas II e IV são corre- econômicas.
tas. A alternativa c é incorreta dado que a in-
d) Todas as afirmativas são incorretas. dústria cultural não só interfere, mas em grande
e) Somente a afirmativa III é correta. medida determina as necessidades do ser hu-
UFSC/UFFS. Concurso público – Filosofia da Educação, mano.
2009. Disponível em: Acesso em: 9 set. 2014 As alternativas d (A indústria cultural faz
com que o indivíduo reflita sobre o que neces-
sita, não desejando lucro) e e (A indústria cultu-
ral prioriza a heterogeneidade [diferenças] de
cada cultura) são incorretas pois afirmam exa-
tamente o oposto do que se observa na reali-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

seguinte questão: Por que nos tornamos diferentes,


dade. Conforme você estudou neste tema, a ou formamos grupos diferentes, na sociedade em
indústria cultural pode fazer que o indivíduo não que vivemos? Essa indagação permite pensar so-
reflita sobre o que necessita e prioriza a massifi- bre um conceito essencial para a Sociologia, que
cação e a homogeneização de cada cultura, funcionou como mola propulsora para o desenvol-
e não suas diferenças. vimento dessa ciência: o conceito de classes so-
ciais.
05. Alternativa correta: c. O estudo desse conceito remete a um pensa-
A educação excessivamente disciplina- dor de fundamental importância na construção do
da, que premia aquele que suporta a dor e o pensamento sociológico: Karl Marx (1818-1883). An-
medo, foi criticada por Adorno por formar um tes de aprofundar sobre o que Marx compreendia
sujeito insensível, o que o levaria a tolerar, por como classe social, é necessário retomar a reflexão
exemplo, injustiças. feita no início deste tema sobre o que você obser-
Nesse mesmo sentido, Adorno condenou vou em diferentes grupos com os quais se relaciona
a severidade desmedida e o castigo físico. Por cotidianamente: o da comunidade em que vive e
consequência, as afirmativas II e IV estão corre- o do espaço em que trabalha.
tas, conforme analisado no texto Theodor Ador- Pense nas centenas de pessoas à sua volta, co-
no: educar para evitar o mal. nhecidas ou desconhecidas, que de alguma forma
Com relação às afirmativas incorretas (I fazem parte do seu cotidiano: pessoas que você
e III), é possível dizer que a proposição I está nota nos ônibus ou nos carros, que trabalham no
incorreta porque se refere ao fato de que a supermercado ou nas lojas, ou que estão fazendo
educação excessivamente disciplinada, que compras, ou ainda em qualquer outra situação ou
premia aquele que suporta a dor e o medo, foi cena que faça parte do seu dia a dia. Essas pes-
criticada por Adorno, dado que, para o autor, soas são todas iguais?
isso deixaria o sujeito insensível, o que o levaria a Todas têm os mesmos interesses, preferências
tolerar, por exemplo, injustiças. Já a proposição ou os mesmos hábitos? Sabe-se que não. E sabe-
III, que comenta sobre o castigo físico, também -se ainda que as diferenças podem acontecer por
está incorreta porque Adorno condenava a se- diversos fatores. Mas como a Sociologia responde
veridade desmedida e o castigo físico. a essas perguntas? Não existe uma resposta única.
Ao longo do desenvolvimento dessa ciência, diver-
sos pensadores e sociólogos se dedicaram, e ainda
O CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA se dedicam, ao estudo dessas relações estabeleci-
SOCIOLOGIA das em sociedade. 139
Agora retome, com a intenção de compreen-
Há na Sociologia algo de muito cativante: ela der parte da teoria marxista, uma categoria ana-
analisa os fenômenos que ocorrem na sociedade, lítica fundamental do pensamento sociológico: a
constrói perguntas para a realidade e procura des- classe social.
vendá-los. Mas a observação e a análise do que Marx viveu em um momento de profundas
ocorre na sociedade são feitas a partir de métodos transformações da sociedade, por isso seus pensa-
científicos. mentos e reflexões sempre foram orientados pela
Pense no trabalho do biólogo: ele analisa, por observação dessa realidade em mudança. Esse
exemplo, um tipo de inseto e sabe que as condi- período histórico analisado por ele foi justamente
ções climáticas podem fazer com que se reprodu- o da consolidação do sistema capitalista, que alte-
za ou que desapareça. Não é assim que observa- rou a organização da sociedade, sobretudo a for-
mos que há mais pernilongos no verão do que no ma de organização do trabalho imposta pelo novo
inverno? modo de produção capitalista.
O trabalho do sociólogo busca analisar um con- Como fruto dessas transformações mais amplas,
texto mais amplo no qual ocorrem os fenômenos que foram ao mesmo tempo econômicas, políticas,
sociais, os quais são construídos por meio de mui- sociais e culturais, a organização dos indivíduos e as
tas variáveis. Como, então, analisar o desempre- relações construídas na sociedade também muda-
go? Será necessário compreender, por exemplo, ram. Como visto anteriormente, observou-se nesse
a situação da economia no Brasil e no mundo: as momento histórico um forte fluxo de trabalhadores
empresas, de um modo geral, estão empregando que deixavam o campo e se dirigiam para as cida-
ou demitindo? des em busca de trabalho.
Esses trabalhadores estão, ou não, organizados O mercado de trabalho, com o desenvolvimen-
em sindicatos? As empresas estão mais terceirizan- to cada vez maior das indústrias, também se modi-
do do que contratando diretamente os funcioná- ficava e, simultaneamente, alterava a organização
rios? São perguntas construídas para tentar com- dos indivíduos nos ambientes de trabalho e fora
preender de forma aprofundada determinado fe- deles.
nômeno social. As observações de Marx a respeito dessa reali-
dade o levaram a construir uma série de argumen-
A sociedade de classes tações e conceitos sobre a sociedade capitalista
que mostravam as desigualdades sociais provo-
Você vai iniciar este estudo refletindo sobre a
Ciências Humanas e suas Tecnologias

cadas pelos caminhos adotados pelo capitalismo, comportamento por parte da sociedade reflete-se
principalmente em relação ao que acontecia no nas oportunidades de emprego e nas condições
mundo do trabalho. Um dos conceitos utilizados de vida na atualidade.
com mais intensidade por esse autor para explicar Contudo, adotou-se um padrão comportamen-
como essas desigualdades eram construídas foi o tal, por parte significativa da população brasileira,
de classe social. que tenta esconder o preconceito. Pergunte a um
Resumindo, pode-se dizer que Marx entendia vizinho ou a um amigo se ele se considera precon-
que as classes sociais eram segmentos da popula- ceituoso em relação, por exemplo, aos negros ou
ção que se formavam por causa de desigualdades às mulheres. A resposta que a sociedade espera,
sociais, de algum conflito de interesse. Segundo e que provavelmente será dada, é sempre “não”.
Marx, existiam basicamente duas classes. Mas, em geral, na prática isso não se concretiza.
De um lado, os operários, trabalhadores, tam-
bém denominados proletariado, que, naquele DESIGUALDADE DE GÊNERO
contexto de transformação do mundo do traba-
lho, possuíam apenas sua própria força de trabalho É comum ouvir diariamente que a sociedade é
para vender, ou seja, vendiam aquilo que sabiam machista, que as mulheres são sempre as que cui-
fazer e eram pagos por isso. dam da casa, dos filhos, dos enfermos etc. Desde a
De outro, em oposição aos trabalhadores, esta- Grécia Antiga era negada a participação das mu-
vam aqueles que possuíam os meios de produção lheres na sociedade.
e que, portanto, tinham as condições necessárias Essa situação foi combatida por mulheres de
para poder comprar a força de trabalho dos de- todo o mundo que exigiam o direito ao voto. Foi na
mais indivíduos; estes seriam os capitalistas, que Nova Zelândia, em 1893, que se registrou a primeira
compunham a burguesia. Assim, no pensamento conquista das mulheres para votarem. No Brasil, fo-
de Marx, a estrutura do modo de produção capi- ram muitas lutas até a obtenção legal desse direito.
talista produz duas classes principais, a burguesia Foi somente em 1932 que o então presidente Ge-
e o proletariado, que possuem interesses opostos, túlio Vargas, pelo Decreto no 21.076, apontou que
portanto entram permanentemente em conflito, todos os cidadãos acima de 21 anos e indepen-
compondo o que ele denominou luta de classes. dentemente do sexo teriam direito ao voto.
Embora tenha exposto o conflito entre duas Contudo, às pessoas acima de 60 anos e às
classes fundamentais, que estariam em permanen- mulheres, o voto era facultativo. Em relação ao tra-
te oposição, Marx não descartou a existência de balho, também não foi diferente para as mulheres.
outras classes. Em algumas obras se refere a classes Apesar de as mulheres pobres sempre terem traba-
140 intermediárias, como a classe média, identifican- lhado para garantir sua sobrevivência e a da famí-
do-as como pequenos comerciantes, pequenos fa- lia, isso não era bem-visto pela sociedade.
bricantes, artesãos etc. É importante compreender Nos anos 1930, os julgamentos morais afetavam
que, para o pensamento marxista, essa estrutura de diretamente as mulheres – às quais era destinada a
sociedade está diretamente ligada à forma como vida doméstica, enquanto aos homens, a vida pú-
a sociedade capitalista organiza seu processo de blica. Para que elas pudessem exercer algum tipo
produção, seu modo de produção. de atividade pública, era preciso a permissão dos
Por isso, para o filósofo, a divisão entre a clas- maridos, pais ou irmãos.
se dominante (burguesia) e a classe trabalhadora
(proletariado) é resultado das relações estabe- VIOLÊNCIA
lecidas pelo modo de produção capitalista, cujo
objetivo é explorar o trabalho, produzir mercado- A violência na formação do Estado brasileiro
rias, comercializá-las e obter lucro. Nesse sentido,
é diferente das relações sociais estabelecidas por A violência não é algo exclusivo do mundo
outros modos de produção, em outros momentos contemporâneo. Trata-se de uma prática antiga,
históricos – como a escravidão, por exemplo, modo presente nas mais diversas sociedades e concreti-
de produção que tinha outras características, e a zada de diferentes formas. O que se entende por
relação de dominação e sujeição vigorava entre violência também está intimamente ligado às prá-
senhores e escravos. ticas e às relações desenvolvidas por diferentes
sociedades, em distintos momentos históricos, fruto
DESIGUALDADE RACIAL da conjugação de aspectos sociais, econômicos e
políticos.
Foi possível compreender até aqui que os mais Um exemplo é o da prática violenta de açoi-
ricos detêm maior poder econômico e, portanto, tar os negros escravizados no tronco, considerada
têm acesso aos bens culturais e à educação de socialmente aceitável no período da escravidão
qualidade. Algumas vezes, já são herdeiros de pro- no Brasil. Naquela época, os senhores de escravos
priedades, de meios de produção e, portanto, po- tinham legitimidade, dada sua condição de “do-
dem viver da exploração do trabalho de outros. nos”, para usar a violência física como forma de
Tal constatação se desdobra em diversos tipos punição.
de desigualdade. Em nosso passado escravocrata, Mas pode-se falar também do período me-
criou-se e alimentou-se o preconceito racial. Esse dieval, época em que predominavam sangrentas
Ciências Humanas e suas Tecnologias

guerras; ou ainda citar os longos séculos da brutal


dominação europeia no território da América do numerosos grupos indígenas, vitimizados ao lon-
Sul, que resultou na dizimação de diferentes popu- go desse processo de colonização e expansão
lações indígenas que habitavam a região. territorial, levado a cabo pelo Estado luso-brasi-
Outro exemplo é o próprio processo de coloni- leiro e por particulares.
zação vivenciado pelo Brasil, que marcou profun- Por outro lado, a instituição da escravidão,
damente a formação da Nação. Você já estudou implicando uma dominação violenta, física e
na Unidade anterior como a colonização e a es- simbólica, atingiu os índios e depois, principal-
cravidão estão na raiz da construção das desi- mente, a mão de obra africana que, durante
gualdades sociais enfrentadas até os dias atuais. A quase quatro séculos, foi objeto do tráfico.
discussão da violência encontra-se também forte- Milhões de indivíduos, provindos de diferen-
mente vinculada a esses processos que marcaram tes regiões e culturas africanas, foram trazidos
nossa história. para o território brasileiro, dentro de um sistema
Diversos sociólogos e antropólogos brasileiros de divisão de trabalho internacional, no qual
que estudam a temática no Brasil buscam, nesse as grandes plantations, produzindo açúcar e
percurso histórico, respostas para compreender a café, entre outros, e os metais preciosos cons-
configuração do fenômeno da violência tal como tituíram a contribuição desse lado do Atlântico
ela se manifesta hoje na sociedade brasileira. Sul (Alencastro, 1979).
Um deles, o antropólogo Gilberto Velho (1945- Inegavelmente, formou-se uma socieda-
-2012), dedicou grande parte de seus estudos ao de complexa e heterogênea que, a par da
tema da violência urbana. Uma das questões cen- dimensão de exploração e iniquidade social,
trais de seu pensamento foi refletir sobre como a apresentou extraordinárias facetas de rica inte-
violência urbana está intimamente relacionada ração e troca socioculturais. As diferentes cultu-
ao processo de formação das nossas cidades, de ras ameríndias e africanas, mesmo violentadas
acordo com o processo histórico, político e econô- e fragmentadas, participaram intensamente da
mico que preponderou em nosso país. formação da sociedade nacional como mos-
Para entender mais sobre as reflexões de Gil- traram, entre outros, Gilberto Freyre (1933) e Sér-
berto Velho, é importante ler o texto a seguir, de gio Buarque de Holanda (1958).
sua autoria. Lembre-se de assinalar as palavras cujo A contribuição europeia básica veio por
significado você desconhece para depois pesqui- meio dos portugueses, com sua ação político-
sá-las no dicionário. -administrativa expandindo e ocupando o terri-
tório, trazendo também a língua e o repertório
cultural católico-ibérico. Outros europeus incor- 141
#FICADICA poraram-se, de modos diferenciados, como os
Violência urbana espanhóis, italianos, alemães, e diversos outros
Tipo de violência associada ao con- grupos étnicos. Mais tarde, a partir do início do
texto e à dinâmica da vida nas cidades. século, chegaram os japoneses, principalmente
Ao falar desse fenômeno, é importante para São Paulo.
considerar as características formado- A incorporação dessas minorias foi reple-
ras do espaço urbano, como o movi- ta de episódios de arbitrariedade e violência,
mento de saída das pessoas do campo com situações de exploração e discriminação
em direção aos centros urbanos, o que (Seyferth, 1998). Assim, a colonização mercan-
provocou o crescimento acelerado das tilista, o imperialismo, o coronelismo, o regime
grandes cidades, muitas vezes sem pla- das oligarquias antes e depois da independên-
nejamento, levando a um crescimento cia, tudo isso somado a um Estado marcado
desordenado. pelo autoritarismo burocrático, contribuiu de-
cisivamente para a vertente de violência que
atravessa a história do país.
O desafio da violência Gilberto Velho [...] No Brasil, além de uma rotina de domi-
nação com mecanismos conhecidos de exer-
A violência, em diversas formas, foi variá- cício da força física como a tortura, fenômeno
vel fundamental na constituição da sociedade bastante generalizado, não são poucos os epi-
brasileira. A ocupação europeia do hoje terri- sódios ou situações de conflito com luta aberta,
tório brasileiro foi feita mediante a destruição produzindo mortos, feridos e vítimas em geral.
de centenas de culturas indígenas e da morte Limitando-nos ao Brasil independente e às con-
de milhões de ameríndios. Fosse pelo confronto flagrações internas menciona- -se, por exem-
direto em combate, fosse por doenças, escra- plo, a Guerra dos Farrapos, a Balaiada, a Ca-
vidão e desorganização de sua vida social, os banagem, a Revolução Federalista, Canudos,
índios brasileiros foram, em grande parte, dizi- Contestado, os movimentos de 1924 e 1932, e
mados. assim por diante. O Estado Novo e o regime mili-
Por intermédio das pesquisas de antropó- tar levaram bem longe o exercício do poder de
logos e arqueólogos, sabe-se, atualmente, da governos centrais autoritários e antidemocráti-
grande diversidade e riqueza sociocultural dos cos [...].
Ciências Humanas e suas Tecnologias

nas sobre a violência física, mais evidente para as


No entanto, o panorama atual apresenta pessoas, mas também sobre outras formas de vio-
algumas características que alteram e agra- lência: a psicológica e a simbólica. É fundamental
vam o quadro tradicional. Por ocasião das co- reiterar a importância da análise sociológica sobre
memorações dos 500 anos do Descobrimento o fenômeno da violência, buscando desnaturali-
do Brasil não há mais como disfarçar ou tentar zar práticas que, muitas vezes, podem ser tão sutis
diminuir a gravidade do fenômeno da violência ou estar de tal forma arraigadas em determinada
na sociedade brasileira contemporânea. Em cultura e sociedade que acabam passando por
muitas sociedades há violência. Existem guer- “normais”, “naturais” ou sendo consideradas desse
ras, conflitos étnico-religiosos e banditismo. modo no dia a dia.
Nem sempre as fronteiras entre essas mani- No entanto, já foi observado que a violência
festações são claras, havendo misturas de to- não pode ser considerada dessa maneira, mas
dos os tipos como na Colômbia, para ficar por como algo construído socialmente, com base nas
perto de nós. Mas no Brasil, sem guerra civil ex- práticas e na história de cada cultura, de cada so-
plícita, atingimos, especialmente nas grandes ciedade e, portanto, passíveis de mudanças. Não
cidades, com repercussões para quase todo o se objetiva fornecer aqui uma definição exata do
território nacional, uma situação na qual a cri- termo violência, pois esse é um fenômeno bastante
minalidade campeia com seu séquito sinistro complexo, que vem sendo amplamente estudado
de assassinatos, sequestros, assaltos, roubos e e debatido por diferentes áreas do conhecimento,
tráfico de drogas e armas. inclusive pela Sociologia.
A urbanização acelerada, com o cresci- O propósito é estudá-la em diferentes dimen-
mento desenfreado das cidades, as fortes as- sões e reconhecer as possíveis formas de violência
pirações de consumo, em boa parte frustradas, vivenciadas pelos indivíduos e sociedades sem, no
dificuldades no mercado de trabalho e confli- entanto, ter a pretensão de esgotar as possibilida-
tos de valores são algumas variáveis que con- des de análise. Para melhor compreender algumas
correm para tanto. [...] das manifestações de violência na atualidade,
Referências bibliográficas pode-se, inicialmente, destacar a definição dada
ALENCASTRO, Luis Felipe de. La traite négrière et pela antropóloga Alba Zaluar:
l’unité nationale brésilienne. Revue Française d’Histoire
d’Outre-Mer, v. 66, n. 244-245, p. 395-419, 1979.
FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala: formação [...] Violência vem do latim violentia, que re-
da família brasileira sob o regime da economia patriar- mete a vis (força, vigor, emprego de força física
cal. Rio de Janeiro: José Olympio, 1933. ou os recursos do corpo para exercer sua for-
142 ça vital). Essa força torna-se violência quando
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e frontei-
ras. Rio de Janeiro: José Olympio, 1958. ultrapassa um limite ou perturba acordos táci-
SEYFERTH, G. Algunas consideraciones sobre identi- tos e regras que ordenam relações, adquirin-
dades étnicas y racismo en Brasil. Revista de Cultura Bra- do carga negativa ou maléfica. É, portanto, a
sileña, Madrid, Embajada de Brasil en España, p. 69-84, percepção do limite ou da perturbação (e do
marzo, 1998. sofrimento que provoca) que vai caracterizar o
ato como violento, percepção essa que varia
VELHO, Gilberto. O desafio da violência. Estudos Avan- cultural e historicamente. [...]
çados, São Paulo, v. 14, n. 39, maio/ago. 2000, p. 56-60. ZALUAR, Alba. Violência e crime. In: MICELI,
Sérgio (Org.).

É possível encaminhar, então, a análise na se- O que ler na ciência social brasileira (1970-
guinte direção: a violência vivenciada atualmente 1995). São Paulo: Sumaré/Anpocs, 1999, v. 1, p. 28.
em nossas cidades, presente em todos os Estados Essa definição auxilia na reflexão sobre o tema. Na
brasileiros, não é apenas uma questão circunstan- sequência, há informações para que você possa
cial e, portanto, não é conveniente tratá-la como compreender três possíveis expressões da violência
resultado imediato ou fruto somente dos problemas – a física, a psicológica e a simbólica –, discutindo
sociais da vida moderna. algumas de suas formas de manifestação em nossa
Ao contrário, ao relacionar os temas desigual- sociedade. Em primeiro lugar, para compreender o
dade e violência, pode-se perceber que essas que seja violência física e psicológica, você encon-
questões foram construídas e sedimentadas duran- tra no quadro a seguir as principais características
te a formação da nação brasileira. Assim, o próprio de cada uma.
contexto social de desigualdades que vivenciamos
pode ser, por si só, considerado uma forma de vio-
lência.

RECONHECENDO DIFERENTES FORMAS DE VIOLÊN-


CIA

Neste tema você vai estudar e refletir não ape-


Ciências Humanas e suas Tecnologias

nhado/a, indignado/a e com raiva. A humilha-


ção causa dor, tristeza e sofrimento.
E o que é assédio moral no trabalho?
É a exposição dos trabalhadores e trabalha-
doras a situações humilhantes e constrangedo-
ras, repetitivas e prolongadas durante a jorna-
da de trabalho e no exercício de suas funções,
sendo mais comuns em relações hierárquicas
autoritárias e assimétricas, em que predominam
Violência doméstica condutas negativas, relações desumanas e aé-
ticas de longa duração, de um ou mais chefes
O fenômeno da violência doméstica é uma dirigidas a um ou mais subordinado(s), desesta-
realidade no Brasil. Os estudos sobre esse tipo de bilizando a relação da vítima com o ambiente
violência ganharam força no País a partir dos anos de trabalho e a organização, forçando-a a de-
1980, acompanhando o processo de redemocra- sistir do emprego.
tização. De acordo com os estudiosos do tema, Assédio Moral no Trabalho.
violência doméstica pode ser definida como aque-
la realizada dentro de casa, por qualquer um dos
membros que ali habitam, tendo ou não laços fa- O assédio moral é, portanto, uma situação em
miliares. que há uma intencional deterioração das condi-
Os casos mais comuns são de ocorrências de ções de trabalho, nas quais as chefias exercem um
atos de violência dos homens contra as mulheres, papel negativo sobre os subordinados. Em geral, a
mas também ocorre com frequência a violência pessoa que sofre o assédio moral fica isolada, não
contra crianças e jovens, contra idosos e até mes- participando das atividades da empresa. Segundo
mo contra homens. o site, a humilhação não é assédio moral porque
Dentro do conceito de violência doméstica esse tipo de assédio carrega em si algumas carac-
é possível falar tanto de violência física como de terísticas:
violência psicológica. As manifestações de violên-
cia física são relatadas com mais frequência e ofi- 1. repetição sistemática
cialmente denunciadas e registradas pelos órgãos 2. intencionalidade (forçar o outro a abrir
competentes responsáveis, que prestam atendi- mão do emprego)
mento e auxílio às vítimas, como delegacias espe- 3. direcionalidade (uma pessoa do grupo é 143
cializadas no atendimento às mulheres ou mesmo escolhida como bode expiatório)
hospitais e prontos-socorros. 4. temporalidade (durante a jornada, por
Já a violência psicológica, que pode se ma- dias e meses)
nifestar por meio de pressões, ameaças, gestos e 5. degradação deliberada das condições
palavras agressivas, é mais difícil de ser reportada, de trabalho
sendo muitas vezes apenas relatada com episódios Assédio Moral no Trabalho.
de agressão física, mas pode ser motivo de proces-
so judicial.
Pesquisas realizadas permitiram identificar as es-
Assédio moral e sexual tratégias utilizadas pelo agressor, ou seja, por aque-
le que pratica o assédio moral:
Outros exemplos que levam a refletir sobre for-
mas de violência psicológica são o assédio moral • Escolher a vítima e isolar do grupo.
e o assédio sexual, fenômenos associados ao mun- • Impedir de se expressar e não explicar o
do do trabalho e que, muito recentemente, vêm porquê.
sendo reconhecidos nas mais diversas instâncias • Fragilizar, ridicularizar, inferiorizar, menos-
(jurídica, sindical etc.) como violência contra o tra- prezar em frente aos pares.
balhador e a trabalhadora. Mas o que é assédio • Culpabilizar/responsabilizar publicamente,
moral? Você já ouviu falar nesse termo? De acordo podendo os comentários de sua incapa-
com o site Assédio moral no trabalho, humilhação
cidade invadir, inclusive, o espaço familiar.
e assédio moral são diferentes.
• Desestabilizar emocional e profissionalmen-
te. A vítima perde sua autoconfiança e o
O que é humilhação? interesse pelo trabalho.
[...] É um sentimento de ser ofendido/a, me- • Destruir a vítima (desencadeamento ou
nosprezado/a, rebaixado/a, inferiorizado/a, agravamento de doenças preexistentes).
submetido/a, vexado/a, constrangido/a e ul- A destruição da vítima engloba vigilância
trajado/a pelo outro/a. É sentir-se um ninguém, acentuada e constante. A vítima se isola
sem valor, inútil. Magoado/a, revoltado/a, per- da família e amigos, passando muitas ve-
turbado/a, mortificado/a, traído/a, envergo- zes a usar drogas, principalmente o álcool.
Ciências Humanas e suas Tecnologias

a dois anos de detenção.


• Livrar-se da vítima, que é forçada a pedir O MTE recomenda que, nesses casos, a pessoa
demissão ou é demitida, frequentemente, assediada deve:
por insubordinação.
• Impor ao coletivo sua autoridade para au-
mentar a produtividade. [...]
Assédio Moral no Trabalho • Dizer claramente não ao assediador
• Contar para os(as) colegas o que está
acontecendo
As consequências do assédio moral – conside- • Reunir provas, como bilhetes, presentes e
rado uma forma de violência psicológica – para a outras
saúde são muitas. Em entrevistas com pessoas que • Arrolar colegas que possam ser testemu-
sofreram assédio moral, a médica Margarida Barre-
nhas
to identificou que homens e mulheres reagem de
• Relatar o acontecido ao setor de recursos
modo diferente a agressões. Veja as respostas da-
humanos
das à pesquisa:
• Relatar o acontecido ao Sindicato
• Registrar a ocorrência na Delegacia da
Mulher e, na falta dessa, em uma delega-
cia comum
• Registrar o fato na Superintendência Re-
gional do Trabalho e Emprego [...]
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Assédio moral
e sexual no trabalho. Brasília: MTE, ASCOM, 2009. p. 37.

Violência simbólica e a escola

Por fim, você vai refletir a respeito da instituição


escolar para discutir sobre o conceito de violência
simbólica. Para refletir sobre o assunto, é preciso
primeiramente pensar a respeito do conceito de
capital cultural, formulado pelo sociólogo francês
144 Pierre Bourdieu.
O capital cultural é tudo aquilo que se apren-
de e que forma o conjunto de conhecimentos das
pessoas. Ele tem a ver não apenas com o que é es-
tudado na escola, mas principalmente com aquilo
que se aprende e se conhece por intermédio da
família e das outras instituições frequentadas na in-
Por sua vez, o assédio sexual, outra forma de
fância ou já na fase adulta (por exemplo: a igreja,
violência psicológica, pode ser considerado uma
a associação de bairro, os eventos culturais do gru-
maneira de coação que ocorre, principalmente,
po social etc.).
com mulheres. O Ministério do Trabalho e Empre-
Segundo Bourdieu, a classe dominante transfor-
go (MTE) reuniu uma comissão de ética e elabo-
ma em “privilégio” o que seria um direito – o acesso
rou uma cartilha para esclarecer o que são assédio
de todos aos bens culturais produzidos pela socie-
moral e assédio sexual. Para o MTE, assédio sexual
dade –, buscando legitimá-lo com as ideias de mé-
no ambiente de trabalho:
rito, direito natural, herança cultural e dom, todos
tratados como dados naturais, embora sejam cons-
[...] consiste em constranger colegas por truções sociais.
meio de cantadas e insinuações constantes Então, despreza as outras classes por terem um
com o objetivo de obter vantagens ou favo- capital cultural diferente e por não terem “capaci-
recimento sexual. Essa atitude pode ser clara dade” de acessar o capital cultural mais valorizado
ou sutil; pode ser falada ou apenas insinuada; no sistema capitalista.
pode ser escrita ou explicitada em gestos; pode Esse tipo de desprezo pela cultura do outro é o
vir em forma de coação, quando alguém pro- que Bourdieu chamou de violência simbólica. Um
mete promoção para a mulher, desde que ela exemplo: quando a classe dominante define que
ceda; ou, ainda, em forma de chantagem. só terá acesso a melhores condições de vida quem
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. souber falar mais de um idioma, ela contribui para
Assédio moral e sexual no trabalho. Brasília: MTE, reafirmar a desigualdade.
ASCOM, 2009, p. 32. Afinal, a única classe que tem meios financei-
ros para aprender outro idioma é a própria classe
dominante. Assim, ela se mantém com as melhores
É importante saber que o assédio sexual é crime
condições de vida, ou seja, se mantém no poder.
previsto na Lei no 10.224, de 2001, com pena de um
Ciências Humanas e suas Tecnologias

A violência simbólica se impõe não porque usa a Brasil durante os anos 1970, em especial pela Igreja
violência física ou psicológica, mas pelo fato de ter Católica entre os adeptos da Teologia da Liberta-
meios para convencer as pessoas de que determi- ção, uma corrente do catolicismo situada à esquer-
nado grupo ou cultura é inferior a outro(a) e que a da na política e que luta contra as injustiças sociais.
relação de dominação precisa ser mantida para o 2. Sociedade de massas (entre os anos 1940 e
bem da ordem social. 1950) – corrente cujo principal expoente foi Erich
Para Bourdieu, um dos principais meios para a Fromm (1900-1980), psicanalista, filósofo e sociólogo
ação da violência simbólica é a escola. Em suas alemão, que compreendia que as manifestações
palavras: coletivas são fruto de profundo descontentamento
da população. A ponderação que faz, contudo, é
sobre o comportamento que surge nos movimentos
[...] o sistema escolar cumpre uma função
de massa que, para ele, são heroicos ou violentos.
de legitimação cada vez mais necessária à
Tanto o heroísmo como a violência são resultado
perpetuação da “ordem social” uma vez que a
da perda do uso da razão.
evolução das relações de força entre as classes
3. Sociopolítica (anos 1950) – representada
tende a excluir de modo mais completo a im-
principalmente pelo sociólogo alemão Rudolf He-
posição de uma hierarquia fundada na afirma-
berle (1896-1991), que, atuando nos Estados Unidos,
ção bruta e brutal das relações de força.
construiu sua teoria sobre os movimentos sociais,
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas.
mas restrita aos relacionados à classe operária. Na
São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 311.
compreensão sociopolítica (aquela que articula as
questões sociais e as políticas), os movimentos so-
O QUE SÃO MOVIMENTOS SOCIAIS? ciais surgem do descontentamento individual.
4. Funcionalista (anos 1950) – liderada pelo
Movimentos sociais podem ser compreendidos sociólogo Talcott Parsons (1902-1979), adepto do
como as ações, de caráter coletivo, que reivindi- funcionalismo, centrou suas análises na função
cam direitos para a população ou para segmentos exercida pelos indivíduos na sociedade. Nessa cor-
dela, como trabalhadores, mulheres, negros, LGBTs rente, os movimentos sociais são compreendidos
etc. como algo que surge quando os costumes que até
O sociólogo francês Alain Touraine (1925-) con- então eram suficientes para explicar a realidade
sidera que o avanço da industrialização propiciou tornam-se ultrapassados e geram inquietação na
a consolidação do movimento operário e, com população ou em parte dela. Tal percepção se ali-
base nele, outros novos foram organizados, como nha ao pensamento de Émile Durkheim, à medida
o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que, para os adeptos dessa linha de pensamento, 145
o Movimento Negro, o movimento feminista, entre a ordem social deve existir de modo permanente e
outros. qualquer sinal que procure romper com essa ordem
social deve ser rapidamente controlado. Observe
que nessa corrente não se estabelece relação en-
tre o social e o político, predominando apenas o
conformismo e o pensamento acrítico em relação
à ideia do papel que cada um assume na socie-
dade.

#FICADICA
Funcionalismo
Corrente que compreende que
cada um exerce determinado papel
na sociedade, com vistas a alcançar al-
gum tipo de equilíbrio.

Algumas correntes teóricas buscaram com- Alain Touraine trouxe, nos anos 1970, importante
preender melhor os movimentos sociais: contribuição à Sociologia ao discutir os movimen-
tos sociais. Para ele, um movimento social se cons-
1. Escola de Chicago (final dos anos 1940) – de- titui quando:
senvolveu a ideia de que os movimentos sociais
exercem papel educativo na população, pois é a Há algum elemento comum que interligue
participação que colabora de forma decisiva na os participantes, além da identificação de um
constituição da consciência política. Essa linha de opositor idêntico a todos os participantes.
pensamento influenciou a noção de formação de
líderes para atuarem nos movimentos, os quais te-
riam a função de organizar as massas de modo a Por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores
elevar o patamar de vida da população mais ca- Sem Terra:
rente. Essa concepção foi bastante difundida no
Ciências Humanas e suas Tecnologias

• elemento comum que os une: desejo de im- 1883) foi um dos pensadores que contribuiu de for-
plantar a reforma agrária e distribuição de ter- ma efetiva para as reflexões sobre o trabalho no
ras improdutivas; sistema capitalista. No livro O capital (1867), Marx
• opositor: proprietários de terras improdutivas e afirma que, quando o ser humano transforma a na-
governos que mantêm as políticas que favore- tureza, ao mesmo tempo modifica a si próprio. Mas
cem esses proprietários. como seria esse processo de transformação do ho-
mem pelo trabalho? Leia o exemplo a seguir, que
Algumas conclusões: pode ajudá-lo nessa reflexão.
Imagine-se fazendo uma mesa com uma tora
• a organização da população em movimentos de madeira para seu uso pessoal. O que você sen-
sociais é o despertar da consciência de seu tiria ao contemplar o objeto que produziu? Prova-
papel como sujeito das transformações políti- velmente, ficaria satisfeito com sua produção. Para
cas e sociais; fazer a mesa, você precisou: pensar no que faria
• os movimentos sociais não estão desvincula- (planejar), cortar, lixar a madeira, montar a mesa,
dos das questões relativas às classes sociais, pintar...
Nesse momento, você também se modificou,
pois são, frequentemente, expressões das de-
pois descobriu, por exemplo, uma forma mais prá-
sigualdades de toda sorte produzidas no con-
tica para cortar a madeira, percebeu que pode
texto do sistema capitalista.
trabalhar com pintura em madeira, já que o que
fez ficou muito bom, e principalmente se deu conta
Mas como esses movimentos se expressam na
de que planejar foi importante para obter um bom
sociedade brasileira? Esse é o assunto da próxima
resultado.
atividade.
E se você fosse transformar a terra para produzir
alimento? Seria preciso conhecer a terra e a neces-
O QUE É TRABALHO?
sidade de adubação, a melhor maneira de arar,
reconhecer as sementes ou mudas, a quantidade
Natureza e trabalho
ideal de água e de luz do Sol para a planta crescer,
o tempo de podar (ou não) e como podar para a
Pode-se definir o trabalho como um processo
muda continuar viva e produtiva.
de transformação da natureza. Assim, por meio do
Também seria preciso saber a época do ano
trabalho:
mais adequada para o plantio ou a colheita, e
como reproduzir as sementes e as mudas.
146 O trabalho no modo de produção capitalista
A Sociologia foi compreendida como ciência em
um momento de grandes transformações da socie-
dade.
Essas mudanças podem ser observadas con-
siderando-se aspectos variados, mas as questões
relacionadas ao mundo do trabalho são um dos
principais focos de estudo da Sociologia. Se ao
analisar o conceito de trabalho é possível pensar
que ele é um fenômeno associado à relação ho-
mem/natureza, ao analisar o trabalho no contex-
to das mudanças ocorridas nas sociedades com
a consolidação do modo de produção capitalis-
ta, outras indagações se colocam, especialmente
para a análise sociológica do trabalho: além de ser
um modo pelo qual os homens se relacionam com
a natureza e a transformam, o trabalho modificou-
-se até chegar à forma que adquiriu na sociedade
capitalista.
Para Marx, o trabalho no capitalismo passou a
ser o que ele denomina de trabalho produtivo, ou
seja, aquele trabalho que produz mais-valia.
Outra característica central do processo de
produção capitalista é a produção de mercado-
rias. Atente para o fato de que, no sistema capi-
talista, o próprio trabalho se torna uma mercado-
ria, na medida em que os trabalhadores passam a
vender sua força de trabalho, aquilo que sabem ou
Esses são alguns exemplos da ação do ser hu-
que se dispõem a fazer. Acompanhe o raciocínio:
mano alterando a natureza em benefício próprio.
como os trabalhadores não são proprietários dos
Essa ação é denominada trabalho.
meios de produção, a alternativa que têm para so-
Como você já estudou em, Karl Marx (1818-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

breviver é vender sua força de trabalho.


No processo de acumulação de riquezas, os O termo trabalho, como você viu no tema
detentores de terras, máquinas e equipamentos se anterior, é mais amplo e refere-se à energia e
utilizam do que Marx denomina relação de explo- ao esforço humano aplicados na realização de
ração, pois tiram o máximo proveito do tempo que determinada tarefa ou atividade, com o intui-
cada trabalhador destina à produção de merca- to específico de promover uma transformação,
dorias. como a realizada pelo homem em relação à
As análises desenvolvidas por Marx levam, en- natureza, produzindo bens e/ou serviços, de
tão, a uma compreensão da sociedade capitalista acordo com as necessidades humanas.
como uma estrutura baseada na constante luta de Já o emprego, que surge com o próprio ca-
classes: de um lado, os trabalhadores explorados e, pitalismo, quando o trabalhador passa a ven-
de outro, aqueles que se apropriam do excedente der sua força de trabalho, é uma dimensão
produzido e, assim, acumulam riqueza. econômica que o trabalho adquire em função
As características do emprego nos dias atuais da relação entre o trabalhador e quem o con-
Antes de iniciar uma discussão relativa às carac- trata e da forma de contratação estabelecida.
terísticas do emprego na atualidade, é essencial
esclarecer a relevância, para a Sociologia, em
estudar essa temática. Para muitos sociólogos, o Um dos assuntos mais importantes no mun-
trabalho tem importância central na dinâmica da do do trabalho diz respeito ao tipo de contrato a
sociedade e nas relações sociais que nela se de- que cada trabalhador é submetido. E a forma de
senvolvem. contratação afeta diretamente a vida pessoal de
Essa centralidade está diretamente associada cada um.
às questões tratadas no tema anterior, que busca-
ram caracterizar o trabalho tal como ele se consti- Emprego formal
tuiu e se definiu no modo de produção capitalista.
A forma como a própria sociedade se organizou, e O emprego formal é aquele que possui regis-
ainda se organiza, com base nas transformações tro em carteira profissional ou Carteira de Trabalho.
que se sucederam desde a Revolução Industrial e Nela, a empresa deve sempre anotar, nas páginas
em outras mudanças na organização do trabalho, próprias para o “contrato de trabalho”, o nome da
tem implicações diretas na vida em sociedade, na empresa, o número do CNPJ (que é o Cadastro
família, na escola etc. Nacional da Pessoa Jurídica na Receita Federal),
Como foi estudado anteriormente, uma das o endereço da empresa, a espécie de estabele-
grandes mudanças ocorridas nesse momento histó- cimento (comércio, indústria etc.), o cargo para o
147
rico é a própria transformação da força de traba- qual o trabalhador está sendo contratado, o códi-
lho do homem em mercadoria, já que ele passou a go da sua ocupação na Classificação Brasileira de
vendê-la aos proprietários dos meios de produção Ocupações (CBO), a data de admissão, o número
para garantir a sua sobrevivência. do registro, assim como o número da folha ou ficha
Essas transformações também exigiram que o do Livro de Registro de Empregados, e a remunera-
Estado passasse a elaborar leis e normas para re- ção do trabalhador.
gular esse mercado de trabalho em formação. Ao O conjunto das informações citadas precisa
longo da história, o mercado de trabalho passou constar obrigatoriamente na Carteira de Trabalho,
por mudanças significativas, incluindo a conquista pois esses dados compõem o registro do emprego
por parte dos trabalhadores de diversos direitos vin- para o qual o trabalhador está sendo contratado.
culados ao trabalho. E, principalmente, porque só assim seus direitos se-
Portanto, para analisar o conjunto dessas trans- rão assegurados.
formações e suas implicações para os trabalha- A remuneração especificada na Carteira de
dores do ponto de vista da Sociologia, neste tema Trabalho é chamada de salário bruto, ou seja, é o
você vai conhecer um pouco mais sobre as carac- total do salário pago pelo empregador, sem con-
terísticas do trabalho na atualidade. Esse conteúdo siderar os descontos obrigatórios que deverão ser
também é importante por tratar de uma questão aplicados. Poucas pessoas realmente sabem o que
muito presente no cotidiano da maioria das pes- esses descontos significam e para que servem, mas
soas: seja para quem está à procura do primeiro é muito importante conhecê-los, pois têm relação
emprego, para quem está à procura de outro tra- direta com os direitos conquistados pelos trabalha-
balho ou até mesmo para aqueles que querem dores e também com os deveres como cidadãos.
aprender uma nova ocupação. Um dos descontos principais é o do Instituto Na-
cional do Seguro Social (INSS). É com a reserva cria-
da por esse dinheiro que o governo remunera as
Trabalho e emprego aposentadorias, auxílios-doença e outras formas de
Antes de seguir sua leitura, é importante que auxílio ao trabalhador. Ou seja, é uma contribuição
você possa diferenciar trabalho e emprego. Na exigida pelo governo, mas que deve retornar em
linguagem cotidiana, muitas vezes, as duas pa- benefícios e direitos ao próprio trabalhador. Além
lavras são utilizadas com o mesmo sentido. Mas, do INSS, outros descontos comuns são o do Imposto
para a Sociologia, elas têm significados diferentes. de Renda (IR) e o do seguro-saúde.
Ciências Humanas e suas Tecnologias

Algumas empresas pagam parte do custo men- Entre as pessoas que trabalham dessa forma
sal desse seguro, ficando a outra parte por conta estão os pedreiros, eletricistas, diaristas, cuidadores
do funcionário. Além disso, podem ser desconta- de crianças ou de idosos e vendedores porta a por-
das do salário algumas taxas referentes a benefí- ta (como os de cosméticos e outros produtos).
cios que a empresa ofereça, como vale-transporte, O trabalho por conta própria, também cha-
vale-alimentação, vale-refeição etc. Embora esses mado trabalho autônomo, foi bastante estimula-
benefícios, como o próprio nome diz, tenham de do pelas políticas públicas quando o desemprego
ser pagos pelo empregador, é comum o funcioná- cresceu e a situação econômica do País levou as
rio ter parte dessa contribuição descontada de seu empresas, de forma geral, a demitir e a diminuir o
salário. número de postos de trabalho como forma de re-
dução de custos, para fazer frente à forte concor-
rência que se estabeleceu no mundo.
PEC das Domésticas Foi uma crise de emprego deflagrada nos anos
1970, em função da crise do petróleo, e agravada
Foi aprovada, em março de 2013, uma até os anos 1990. Nesse período, houve uma mu-
nova proposta de regulamentação do trabalho dança profunda no que se chama “base técnica
doméstico. Conhecida como PEC das Domésti- do trabalho”, que passou a ser a microeletrônica.
cas, é considerada um avanço e uma conquis- Para melhor compreender o significado dessa si-
ta para esses trabalhadores, em sua esmaga- tuação, pense no surgimento dos computadores.
dora maioria composta por mulheres. Como eram realizados alguns trabalhos antes
A nova lei definiu algumas mudanças que e depois dessa nova tecnologia? Pense em como
entraram em vigor a partir da data de sua apro- uma carta, um documento, um jornal ou revista de-
vação, enquanto outras dependem de novas morava a chegar a um país localizado em outro
regulamentações. As alterações que estão em continente. A correspondência entre as empresas
vigência desde o início de 2013 são as seguin- e as transações financeiras também eram mui-
tes: “[...] Salário mínimo fixado em lei, nacional- to demoradas antes do desenvolvimento da mi-
mente unificado; a irredutibilidade salarial, salvo croeletrônica e da comunicação em rede.
o disposto em Acordo ou Convenção Coletiva Essas transformações alteraram a produção
de Trabalho; a licença à gestante de 120 dias; de mercadorias e a vida cotidiana dos trabalha-
a proteção do salário na forma da lei, consti- dores. Atualmente, existe um esforço considerável
tuindo crime sua retenção dolosa; 13o salário por parte do governo brasileiro para que os autô-
com base na remuneração integral ou no valor nomos se formalizem. Formalizar-se quer dizer que,
da aposentadoria; jornada de trabalho de 44 mesmo trabalhando por conta própria, o trabalha-
148 horas semanais e não superior a oito horas diá- dor autônomo tem o seu registro como contribuinte
rias; o direito ao repouso semanal remunerado, da Previdência Social e alguns dos seus direitos são
preferencialmente aos domingos; hora extra; garantidos, como aposentadoria, auxílio-doença e
férias anuais remuneradas com direito a ¹∕3 do auxílio-acidente, da mesma forma que os empre-
salário; [...] licença-paternidade de cinco dias; gados com carteira assinada.
aviso-prévio; redução dos riscos inerentes ao Um dos principais programas do governo para
trabalho; aposentadoria e integração à Previ- esse fim é o do Microempreendedor Individual
dência Social; reconhecimento de convenções (MEI), por meio do qual os trabalhadores autôno-
e acordos coletivos de trabalho; proibição de mos podem se formalizar de maneira bastante sim-
diferença de salários por motivo de sexo, idade, ples e pagando uma taxa fixa por mês, a título de
cor ou estado civil; proibição de qualquer discri- impostos.
minação no tocante a salário e de critérios de
admissão do trabalhador portador de deficiên- A terceirização
cia; proibição de trabalho noturno, perigoso ou
insalubre a menores de 18 anos e de qualquer Outra forma de trabalho em que os trabalhado-
trabalho a menores de 16 anos, salvo na condi- res têm perdido seus direitos surgiu há alguns anos e
ção de aprendiz, a partir de 14 anos”. ganhou força especialmente nas últimas décadas.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego.
Trata- -se da terceirização, na qual o trabalho pode
ser formal, mas há perda significativa de direitos.
Trabalho por conta própria Por exemplo: o caso dos bancários. Essa catego-
ria profissional, graças à ação dos sindicatos e da
Existe ainda outra situação de trabalho bastan- organização de trabalhadores, conquistou direitos
te comum: aquele realizado por “conta própria”. que vão além dos que constam na CLT.
Muitas pessoas conseguem gerar renda trabalhan- Entre eles estão os valores do vale-refeição, se-
do por conta própria, em funções para as quais guro- -saúde, piso salarial etc. Por isso, os bancos,
se qualificaram ou, por vezes, justamente por não principalmente a partir da década de 1990, pas-
terem alguma qualificação que permita a entrada saram a terceirizar serviços e demitir os trabalha-
no mercado de trabalho. Esse é um cenário muito dores. Você deve estar pensando: mas alguém vai
comum na área de prestação de serviços e no co- continuar fazendo o mesmo serviço? Sim, vai. No
mércio. entanto, as empresas que passam a prestar servi-
Ciências Humanas e suas Tecnologias

ços aos bancos vão contratar pessoal com salários


menores e, como não são bancários, não possuem
os mesmos direitos que os demais trabalhadores da
categoria.
Assim, o serviço prestado pode ser mais barato
e, com isso, os bancos reduzem seus custos. Existem
outras áreas de trabalho em que isso é muito fre-
quente.
Por exemplo, a maioria das equipes de limpe-
za, de segurança ou de serviços gerais que atuam
em empresas privadas e públicas é terceirizada e
não goza dos mesmos benefícios e direitos que os
funcionários contratados pela empresa dentro da
qual exercem as suas funções.

TRABALHO DAS MULHERES

A mulher no mercado de trabalho

Desde a Grécia Antiga, por exemplo, em Ate- As mulheres, portanto, assumiram postos de
nas, berço da democracia, as mulheres não faziam trabalho e comprovaram que sua capacidade ia
parte da ágora. No mundo contemporâneo, o di- além das tarefas domésticas. Esse fato foi importan-
reito ao voto feminino foi resultado de muitas lutas te para o desenvolvimento do trabalho feminino,
em vários países do mundo e também não foi dife- contudo deve-se reconhecer que a história trouxe
rente em relação à sua participação no mercado desdobramentos observados até hoje.
de trabalho. Na Sociologia, analisa-se a participa- A diferenciação de papéis entre os sexos acar-
ção da mulher na sociedade sob vários ângulos retou uma atribuição de valor e de reconhecimen-
que não somente o do trabalho. to social ao trabalho realizado pelas mulheres mui-
Como e por que, historicamente, as mulheres to distinta em relação ao trabalho praticado pelos
e os homens foram se responsabilizando por dife- homens. É papel da Sociologia “desnaturalizar” os
rentes atividades no interior das sociedades? Aos fenômenos sociais. E isso acontece também em re-
homens caberia prover a família em termos finan- lação à participação da mulher na sociedade e no
ceiros; e à mulher seria destinado o papel de cuidar mundo do trabalho. 149
da família, dos filhos, dos que ficam doentes e de
todas as demais tarefas domésticas. Desnaturalizando o trabalho feminino: a “dona
Essa forma de pensar alimentou a ideia de que de casa” trabalha?
haveria um “destino biológico” que deixava uma
herança: aos homens, o espaço público, a vida Você também deve ter percebido que há ain-
produtiva; e às mulheres, o espaço privado e a da muitas diferenciações entre o papel do homem
vida reprodutiva. Isso tudo trouxe também a ideia e o da mulher na sociedade. Estas estão presentes
da não participação das mulheres nos espaços pú- tanto nas famílias como nas empresas.
blicos, pois elas deveriam se dedicar inteiramente Não há, frequentemente, igualdade na atribui-
ao ambiente familiar. ção de tarefas domésticas entre homens e mulhe-
Veja alguns aspectos que marcam essa traje- res, ficando a casa, os filhos, os doentes e os idosos
tória. sob a responsabilidade das mulheres. É importante
A ideia de o espaço doméstico ser feminino era refletir sobre a relação entre ser mulher e a posição
acompanhada pela alegação de incapacidade que cabe a ela na família e nas empresas. O traba-
das mulheres para o desempenho na vida produ- lho realizado no espaço privado, ou seja, nos lares,
tiva. muitas vezes não é reconhecido e acaba sendo
Assim, a sociedade não via com bons olhos uma sobrecarga de atividade para as mulheres,
uma mulher exercendo algumas atividades profis- em especial para aquelas que acumulam trabalho
sionais. Mas, ao longo da história, houve uma forte remunerado e funções no espaço doméstico.
contradição: no momento da 2a Guerra Mundial, Essa situação está, pouco a pouco, sendo alte-
os homens das nações envolvidas no conflito fo- rada, e são exemplos disso a entrada maciça das
ram alistados para servir ao país e seguiram para o mulheres no mercado de trabalho e o aumento do
combate. Porém, a indústria bélica necessitava se nível de escolaridade delas, que hoje já é maior
desenvolver e continuar produzindo armas e muni- que o dos homens. Mas ainda é fundamental uma
ções para atender esse conflito. conscientização da sociedade sobre a equivalên-
Se os homens, antes trabalhadores, estavam cia de papéis entre homens e mulheres, em função
em campo de guerra, quem poderia trabalhar nes- de muitas desigualdades que ainda persistem.
sa indústria? As mulheres.
Ciências Humanas e suas Tecnologias

Compreendendo o pleno emprego


mulheres ingressaram de modo mais destacado
A análise de alguns economistas trouxe para o no mercado de trabalho. Após décadas desse
noticiário um conceito desconhecido por grande fato, pode-se afirmar que,
parte da população brasileira: o pleno emprego. a) depois das cotas femininas dos partidos
Até então, o pleno emprego era pouco menciona- políticos, houve um equilíbrio de gênero na in-
do, dadas as características históricas que acom- dicação de líderes, pois as mulheres passaram
panharam o País desde a sua formação e, princi- a candidatar-se a cargos eletivos em todo o
palmente, nos anos de crise mais forte. mundo.
Compreender esse conceito não é tarefa fá- b) mesmo quando possuem a mesma esco-
cil, pois apenas uma simples definição pode levar laridade que os homens, recebem salários mais
a um entendimento equivocado. Falou-se no noti- baixos e não chegam, na mesma proporção
ciário, nos anos de 2012 e 2013, que o Brasil estava que eles, a postos de comando em empresas.
próximo de atingir o pleno emprego. Quem assim c) apesar do aumento da participação fe-
o compreendeu se referia ao alcance de níveis de minina no mercado de trabalho, ela é menor
desemprego abaixo dos 4%. Esse é, para parte dos no segmento informal, como evidencia a ca-
economistas, o indicador que configura a situação rência de empregadas domésticas nos grandes
de pleno emprego. Outros o definem como um centros urbanos.
ponto de equilíbrio entre a procura e a oferta de d) ainda que elas tenham se tornado mais
emprego. Para compreensão do conceito é preci- independentes, falta-lhes experiência em car-
so considerar, em primeiro lugar, as muitas diferen- gos de gestão, em função dos afazeres domés-
ças que predominam no Brasil. ticos que predominam em seu cotidiano.
O mercado de trabalho brasileiro é bastante e) depois da queda das taxas de natalida-
heterogêneo, ou seja, apresenta muitas variações: de, elas passaram a ser estimuladas a abando-
o emprego é diferente entre as regiões e há ain- nar suas atividades profissionais, para aumentar
da forte presença de trabalhadores sem registro o crescimento populacional.
em carteira, mesmo que tenha crescido o trabalho Fundação Getúlio Vargas (FGV) /Escola de Economia
formal, o trabalho registrado. Portanto, se existem de São Paulo (EESP) 2011.
pessoas sem direitos vinculados ao trabalho, isto é,
uma parcela de pessoas que não são registradas, 03. Fugindo à luta de classes, a nossa orga-
é incoerente falar em pleno emprego. nização sindical tem sido um instrumento de
Veja um exemplo: as estatísticas que se transfor- harmonia e de cooperação entre o capital e o
150 maram em notícia em 2012 indicavam que pessoas trabalho. Não se limitou a um sindicalismo pura-
com nível superior completo não teriam problema mente “operário”, que conduziria certamente a
em obter emprego. Porém, não se mencionou se luta contra o “patrão”, como aconteceu com
esses trabalhadores encontravam emprego nas outros povos.
áreas em que foram formados. FALCÃO, W. Cartas sindicais. In: Boletim do Ministério do
Note-se que, de toda maneira, a economia nos Trabalho, Indústria e Comércio. Rio de Janeiro, 10 (85),
anos recentes tem registrado crescimento do tra- set. 1941 (adaptado).
balho formal e esse é um momento propício para
que seja retomado o caminho de reivindicações Nesse documento oficial, à época do Esta-
salariais, com vistas à melhoria das condições de do Novo (1937-1945), é apresentada uma con-
trabalho e de vida. cepção de organização sindical que
a) elimina os conflitos no ambiente das fá-
bricas.
1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS b) limita os direitos associativos do segmen-
to patronal.
01. De acordo com a teoria de Marx, a de- c) orienta a busca do consenso entre traba-
sigualdade social se explica a) pela distribuição lhadores e patrões.
da riqueza de acordo com o esforço de cada d) proíbe o registro de estrangeiros nas enti-
um no desempenho de seu trabalho. b) pela dades profissionais do país.
divisão da sociedade em classes sociais, decor- e) desobriga o Estado quanto aos direitos e
rente da separação entre proprietários e não deveres da classe trabalhadora.
proprietários dos meios de produção. c) pelas Enem 2012. Prova azul.
diferenças de inteligência e habilidades inatas
dos indivíduos, determinadas biologicamente.
d) pela apropriação das condições de traba- DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
lho pelos homens mais capazes em contextos RESULTADOS
históricos, marcados pela igualdade de oportu-
nidades. Confira aqui os seus resultados!
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), 2000.
01. Alternativa correta: b.
02. Desde meados dos anos 1960, as mu- Ela expressa corretamente o pensamento
Ciências Humanas e suas Tecnologias

marxista, tal como foi visto no texto que discute ANOTAÇÕES


a importância do conceito de classe social no
pensamento marxista.
________________________________________________
02. Alternativa correta: b.
Como você estudou no texto desta Unida- _________________________________________________
de, as mulheres ainda ocupam menos cargos
de chefia e recebem salários menores que os _________________________________________________
homens mesmo tendo a mesma posição.
03. Alternativa correta: c. _________________________________________________
Isso porque durante o Estado Novo houve a _________________________________________________
conquista dos direitos associados ao trabalho,
mas os sindicatos permaneceram sob a tutela _________________________________________________
do Estado. Importante destacar que a garantia
desses direitos foi resultado da luta dos traba- _________________________________________________
lhadores e não um ato de benesse por parte do
governo. Destaque-se que vários direitos foram _________________________________________________
obtidos, mas os sindicatos foram regulamenta- _________________________________________________
dos de forma a permanecerem submissos ao
Estado. _________________________________________________

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REFERÊNCIAS
_________________________________________________
ENCCEJA, Ciências Humanas e Suas Tecnolo-
gias: livro do estudante: ensino médio/Coordena- _________________________________________________
ção: Zuleika de Felice Murrie. — 2. ed. — Brasília: _________________________________________________
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br.pdf. Acesso em 10/02/2019. _________________________________________________
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Mundo do Trabalho História: caderno do estudan-
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nômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (SDECTI):
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dante. São Paulo: Secretaria de Desenvolvimen-
to Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação _________________________________________________
(SDECTI): Secretaria da Educação (SEE), 2015. v. I,
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do do Trabalho Filosofia: caderno do estudante. São
Paulo: Secretaria de Desenvolvimento Econômico, _________________________________________________
Ciência, Tecnologia e Inovação (SDECTI): Secretaria da
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Mundo do Trabalho Sociologia: caderno do estu-
dante. São Paulo: Secretaria de Desenvolvimen- _________________________________________________
to Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação
(SDECTI): Secretaria da Educação (SEE), 2015. v. I, _________________________________________________
II e III. Disponível em: http://www.ejamundodotra-
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D=79&tipo=Aluno. Acesso em: 10/01/2019
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Ciências Humanas e suas Tecnologias

ANOTAÇÕES

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152 _______________________________________________________________________________________________________

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Hora de Praticar
Hora de Praticar

30 dias. Por dia, cada gato consome 35 g de ração


MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS e cada cão consome 70 g. A compra das rações
é feita em um dos estabelecimentos a seguir (I, II, III
ou IV), em sacos fechados (sem fracionamento) de
2 000 g de ração para gatos e de 5 000 g de ração
1. (ENCCEJA – MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS –
para cães, e os preços praticados, por saco de ra-
PROVA AMARELA – INEP – 2017) Uma indústria fará
ção, em cada estabelecimento, são:
um investimento na aquisição de novas máquinas
I. Ração para gatos: R$ 13,00; Ração para cães: R$
para a produção de uma peça. Para isso, foi solici-
24,00.
tado aos seus gerentes de produção que escolhes-
II. Ração para gatos: R$ 10,00; Ração para cães:
sem um modelo de máquina que apresentasse a
R$ 26,00.
menor probabilidade de produzir peças defeituo-
III. Ração para gatos: R$ 8,00; Ração para cães: R$
sas. Ao analisarem as quatro opções de compra de
29,00.
máquinas (I, II, III e IV), os gerentes elaboraram o
IV. Ração para gatos: R$ 17,00; Ração para cães:
quadro.
R$ 23,00.
No dia anterior à hospedagem, o administrador do
hotel verifica que já possui 1 450 g de ração para
gatos e 2 200 g de ração para cães. Ele decide uti-
lizar a ração já existente, efetuando uma compra,
em quantidades mínimas suficientes, e em um mes-
mo estabelecimento, do que falta para atender à
necessidade para os 30 dias de hospedagem dos
animais. A compra deverá ser feita no estabeleci-
A quantidade de peças produzidas, a cada
mento que ofereça o menor custo total.
minuto, com ou sem defeito, é sempre constante.
Qual máquina deve ser escolhida pelos gerentes
Em qual estabelecimento deverão ser compradas
de produção?
as rações?
a) I
a) I
b) II
b) II
c) III
c) III
d) IV
d) IV
1
2. (ENCCEJA – MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS
4. (ENCCEJA – MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS –
– PROVA AMARELA – INEP – 2017) Um jardineiro tra-
PROVA AMARELA – INEP – 2017) Um banco analisou
balha na colocação de um gramado no quintal
o perfil de um cliente e ofereceu-lhe um emprés-
de um terreno retangular, ao redor de uma casa,
timo de R$ 10 000,00, podendo escolher uma das
conforme ilustrado na figura. Foram gastos 120 mi-
propostas a seguir:
nutos de trabalho para a colocação do gramado
I. Empréstimo com taxa de juros simples de 10% ao
na região quadrada sombreada. Considere que o
ano, a ser pago integralmente após
jardineiro continuará trabalhando no mesmo ritmo
15 anos.
até a conclusão da obra, sem interrupções, execu-
II. Empréstimo com taxa de juros simples de 11% ao
tando áreas iguais em tempos iguais.
ano, a ser pago integralmente após
16anos.
III. Empréstimo com taxa de juros simples de 20% ao
ano, a ser pago integralmente após 6 anos.
IV. Empréstimo com taxa de juros simples de 25% ao
ano, a ser pago integralmente após 5 anos.
A proposta que gera o menor valor a pagar ao tér-
mino do empréstimo é a

a) I.
Nessas condições, o jardineiro concluirá o trabalho
b) II.
em quantos minutos?
c) III.
d) IV.
a) 200
b) 210
5. (ENCCEJA – MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS –
c) 270
PROVA AMARELA – INEP – 2017) O prefeito de uma
d) 300
cidade decidiu ampliar o número de creches nos
bairros mais populosos, começando por aquele
3. (ENCCEJA – MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS
que apresenta o maior número de crianças de 0 a
– PROVA AMARELA – INEP – 2017) Um hotel para ani-
2 anos. As informações sobre os quatro bairros mais
mais hospedará 5 gatos e 10 cães pelo período de
Hora de Praticar

populosos desse município são as seguintes: Nessas condições, o período de um dia em que
houve a maior variação de aumento do nível de
• O bairro I possui 6 500 habitantes, sendo que ruídos foi de
15% desse total são crianças de 0 a 2 anos.
• O bairro II possui 7 800 habitantes, sendo que a) segunda-feira para terça-feira.
12% desse total são crianças de 0 a 2 anos. b) quinta-feira para sexta-feira.
• O bairro III possui 9 000 habitantes, sendo que c) sexta-feira para sábado.
11% desse total são crianças de 0 a 2 anos. d) sábado para domingo.
• O bairro IV possui 10 600 habitantes, sendo que
9% desse total são crianças de 0 a 2 anos. 8. (ENCCEJA – MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS
– PROVA AMARELA – INEP – 2017) Uma empresa
solicitou a uma gráfica um orçamento para a
Nas condições apresentadas, a ampliação do nú-
impressão de panfletos de propaganda. A gráfica
mero de creches começará no bairro
apresentou à empresa os seguintes valores:
a) I.
b) II.
c) III.
d) IV.

6. (ENCCEJA – MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS


– PROVA AMARELA – INEP – 2017) Segundo dados
de um relatório produzido pela Organização das
Nações Unidas (ONU), cerca de 1, 24 milhões de
pessoas morreram em acidentes rodoviários em
Foi explicitado no orçamento que, para qualquer
todo o mundo no ano de 2010.
quantidade de panfletos, o preço P da impressão
Disponível em: http://expresso.sapo.pt.
é diretamente proporcional ao número q de
Acesso em: 14 ago. 2014. Adaptado.
panfletos impressos.
A expressão algébrica que relaciona o preço, em
Outra forma de constar, nesse relatório, a
real, da impressão (P) e a quantidade de panfletos
quantidade de pessoas que morreram em
impressos (q) é
acidentes rodoviários em todo o mundo no ano de
2 2010 é
a)
a) 1 milhão e 24 pessoas.
b) 1 milhão e 24 000 pessoas.
c) 1 milhão e 240 000 pessoas.
b)
d) 1 milhão e 24 000 000 pessoas

7. (ENCCEJA – MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS –


PROVA AMARELA – INEP – 2017) Um técnico de som
c)
fez uma pesquisa, durante uma semana, medindo
os níveis de ruídos, em decibel, provocados pelas
propagandas feitas por carros de som na cidade
a) O gráfico apresenta os dados coletados na
d)
pesquisa.

9. (ENCCEJA – MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS –


PROVA AMARELA – INEP – 2017) Uma família agrupa
seu gasto mensal em dois referenciais: Gastos
residenciais (custos para manter a casa) e Gastos
extras (custos pessoais e com diversão e lazer). O
gráfico ilustra o gasto mensal da família, em real,
em quatro meses, segundo os referenciais citados.
Hora de Praticar

produção registrada ano a ano.


Nessas condições, constatou-se que a média anual
de canetas produzidas no período, em milhão, é
igual a

a) 7,5.
b) 7,8.
c) 9,0.
d) 10,5.

12. (ENCCEJA – MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS


– PROVA AMARELA – INEP – 2017) O projeto de uma
escada com 5 degraus apresenta as seguintes
especificações: todos os degraus apresentam a
mesma altura, o ângulo de inclinação da escada é
Em qual dos meses apresentados a família gastou de 30° com relação ao chão e o comprimento da
menos? escada éde180 cm, conforme a figura.
Considere:
a) Julho
b) Agosto
c) Setembro
d) Outubro

10. (ENCCEJA – MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS


– PROVA AMARELA – INEP – 2017) O proprietário de
uma loja paga a seus vendedores um salário fixo de
R$ 1 500,00. Com o objetivo de motivá-los e valorizá-
los, também paga a cada um deles um adicional
de 10% sobre o valor das vendas efetuadas por
cada um durante o mês. A medida, em centímetro, da altura de cada
A expressão algébrica que permite determinar o degrau é igual a
salário mensal total (y) de cada vendedor dessa
loja, em função das suas vendas mensais (x), é a) 90. 3
b) 36.
a) y =150 + x c) 31.
b) y- 150 + 0,lx d) 18.
c) y = 1 500 + 0,1x
d) y = 1 500x + 10 GABARITO
1. B
11. (ENCCEJA – MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS 2. D
– PROVA AMARELA – INEP – 2017) O diagrama de 3. A
colunas mostra a produção de canetas, em milhão, 4. C
entre os anos 2007 e 2011. 5. C
6. C
7. A
8. D
9. C
10. C
11. B
12. D

CIÊNCIAS DA NATUREZA E SUAS


TECNOLOGIAS

1. (ENCCEJA –CIÊNCIAS DA NATUREZA E SUAS


TECNOLOGIAS – PROVA ROSA – INEP – 2017) Para
diminuir a emissão de gases poluentes, os veículos
O setor de controle de qualidade da empresa visa automotores possuem equipamentos providos de
aferir os motivos que levaram às distorções entre substâncias capazes de converter monóxido de
a produção média esperada, nesse período, e a carbono em dióxido de carbono.
Hora de Praticar

A substância que desempenha essa função é o

a) inibidor.
b) redutor.
c) promotor.
d) catalisador.

2. (ENCCEJA –CIÊNCIAS DA NATUREZA E SUAS Entre a primeira e a quarta camada, o número de


TECNOLOGIAS – PROVA ROSA – INEP – 2017) O refrações ocorridas é
gráfico ilustra o desempenho do atleta canadense
Donavan Bailey, em termos de sua velocidade a) 1.
instantânea, numa corrida de100m rasos nos Jogos b) 2.
Olímpicos de Atlanta, 1996. c) 3.
d) 4.

5. (ENCCEJA –CIÊNCIAS DA NATUREZA E SUAS


TECNOLOGIAS – PROVA ROSA – INEP – 2017) Dengue
e chikungunya são doenças que possuem sintomas
semelhantes, tais como febre alta e fortes dores de
cabeça. Além disso, a forma de transmissão é a
mesma entre as duas doenças.
Disponível em: http://g1.globo.com.
Acesso em: 19 set. 2014. Adaptado.

Uma medida que pode proporcionar a redução


da disseminação dessa nova doença é
Em qual intervalo de tempo a magnitude da
aceleração média do atleta foi maior? a) aplicar vacina na população.
b) combater o vetor da doença.
a) Entre 0se1s. c) evitar contato direto com pessoas doentes.
b) Entre 3se4s. d) distribuir remédios pela rede pública de saú-
c) Entre 5se6s. de.
4 d) Entre 7se8s.
6. (ENCCEJA –CIÊNCIAS DA NATUREZA E SUAS
3. (ENCCEJA –CIÊNCIAS DA NATUREZA E SUAS TECNOLOGIAS – PROVA ROSA – INEP – 2017) Os
TECNOLOGIAS – PROVA ROSA – INEP – 2017) xampus comercializados no mercado com a
Técnicas de melhoramento do solo possibilitam o propriedade de serem antirresíduo prometem
cultivo em solos antes inadequados. Um agricultor uma limpeza profunda dos cabelos e do couro
deseja aumentar a área cultivada para uma cabeludo. Esses produtos possuem pH alcalino
região de sua propriedade cujo problema é o solo e fazem com que as cutículas dos fios se abram,
encharcado. facilitando a remoção de resíduos (sujeiras, cremes
Em um solo com esse problema, deve ser utilizada etc.).
a técnica de O pH desses xampus apresenta um valor mais
próximo de
a) calagem.
b) irrigação. a) 0,0.
c) adubação. b) 3,5.
d) drenagem. c) 7,0.
d) 8,5.
4. (ENCCEJA –CIÊNCIAS DA NATUREZA E SUAS
TECNOLOGIAS – PROVA ROSA – INEP – 2017) Num 7. (ENCCEJA –CIÊNCIAS DA NATUREZA E SUAS
exame de ultrassonografia, ondas sonoras, na TECNOLOGIAS – PROVA ROSA – INEP – 2017) Muitos
faixa de frequência do ultrassom, são emitidas em acidentes de trânsito são provocados por pessoas
direção a uma parte do corpo do paciente. Essas que dirigem sob o efeito de bebida alcoólica. Uma
ondas sofrem reflexão, refração e dispersão quando das possibilidades de confirmar o consumo de
atravessam os tecidos com características físicas álcool pelo motorista é submetê-lo ao bafômetro.
diferentes até que se possa produzir uma imagem Esse aparelho tem como objetivo
a partir delas. O quadro indica a velocidade de
propagação dessas ondas ao atravessarem quatro a) identificar o tipo de bebida ingerida.
camadas distintas de tecidos humanos durante um b) calcular quando o álcool foi ingerido.
exame. c) determinar a concentração de álcool no san-
gue.
Hora de Praticar

d) reconhecer os efeitos do álcool no compor- qual propriedade da onda sonora?


tamento do condutor.
a) velocidade.
8. (ENCCEJA –CIÊNCIAS DA NATUREZA E SUAS b) frequência.
TECNOLOGIAS – PROVA ROSA – INEP – 2017) Em uma c) intensidade.
sala, instalou-se corretamente um spot, mostrado d) comprimento de onda.
na figura, para duas lâmpadas. Para testar a
instalação, rosqueou-se nos bocais duas lâmpadas 10. (ENCCEJA – CIÊNCIAS DA NATUREZA E SUAS
com especificações 100W-127V. A rede elétrica da TECNOLOGIAS – PROVA ROSA – INEP – 2017) Em
casa é compatível com as lâmpadas utilizadas. um laboratório, o professor pede a seu aluno
que retire da estante um frasco contendo ácido
pentanodioico poli-insaturado para seguir com
o procedimento do experimento. Na estante
encontram-se os seguintes ácidos, com suas
respectivas fórmulas:

Ao ligar o interruptor, a potência total, em watt, do O frasco que corresponde à solicitação é o


conjunto de duas lâmpadas brilhando é de
a) A.
a) 100. b) B.
b) 127. c) C.
c) 200. d) D.
d) 254. 5
11. (ENCCEJA – CIÊNCIAS DA NATUREZA E SUAS
9. (ENCCEJA –CIÊNCIAS DA NATUREZA E SUAS TECNOLOGIAS – PROVA ROSA – INEP – 2017) A figura
TECNOLOGIAS – PROVA ROSA – INEP – 2017) Afigura mostra uma etiqueta de eficiência energética
alerta para a Campanha Nacional de Saúde emitida pelo Inmetro para um veículo leve, com
Auditiva que tem como um dos lemas a seguinte tanque de 40 litros, e que pode utilizar tanto gasolina
frase: “MP3 players: abaixe o volume ou diminua sua quanto álcool como fonte de combustível.
audição para sempre”. O objetivo da campanha é
conscientizar as pessoas sobre os danos à audição
que podem ser causados por atos como ouvir
música alta no fone de ouvido.

Disponível em: www.tecmundo.com.br.


Acesso em: 14 set. 2014. Adaptado.

A unidade que aparece na figura relaciona-se com


Hora de Praticar

A diferença de autonomia do veículo, em km, entre a) atuação da liderança nacional.


a situação de maior e a de menor consumo é de b) pressão das entidades sindicais.
c) organização de partidos políticos.
a) 56 km. d) ampliação da participação cidadã.
b) 60 km.
c) 104 km. 2. (ENCCEJA – CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS
d) 116 km. TECNOLOGIAS – PROVA AZUL – INEP – 2017) A Lei
n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) transforma
12. (ENCCEJA –CIÊNCIAS DA NATUREZA E SUAS o ordenamento jurídico brasileiro, expressa o
TECNOLOGIAS – PROVA ROSA – INEP – 2017) Um necessário respeito aos direitos humanos das
removedor de maquiagem bifásico é composto mulheres e tipifica as condutas criminosas. Além
de duas substâncias diferentes no mesmo disso, essa lei modifica, significativamente, a
frasco. Quando agitado, os líquidos se misturam conduta civil e penal em termos de investigação,
temporariamente, mas instantes depois já procedimentos, apuração e solução para os casos
começam a se separar em duas fases distintas. de violência doméstica contra a mulher.
Qual propriedade desses líquidos é responsável Disponível em: www.observe.ufba.br.
pela ordem de separação observada? Acesso em: 21 ago. 2013. Adaptado.

a) Massa. A referida lei constitui um instrumento para


b) Volume.
c) Densidade. a) estabilizar as estatísticas de conflito familiar.
d) Viscosidade. b) implantar os núcleos de apoio psicossocial.
c) reduzir os índices de agressão doméstica.
GABARITO d) ampliar as técnicas de investigação criminal.
1. D
2. A 3. (ENCCEJA – CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS
3. D TECNOLOGIAS – PROVA AZUL – INEP – 2017) Nos
4. B principais centros urbanos do Brasil, os movimentos
5. B populares passaram a desenvolver ações
6. D contestatórias a partir da metade dos anos 1970,
7. C tendo por eixo a posse da terra e o acesso aos
8. C serviços urbanos.
6 9. C BAIERLE, S. A explosão da experiência de um novo princípio
10. A ético-político nos movimentos populares urbanos em Porto
11. C Alegre. In: ALVAREZ, S.; DAGNINO, e); ESCOBAR, a) (Org.).
12. C Cultura e política nos movimentos sociais latino-americanos.
Belo Horizonte: UFMG, 2000. Adaptado.

CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS Os objetivos da mobilização dos grupos citados


TECNOLOGIAS estão associados à busca de

a) auxílio de obras de caridade.


1. (ENCCEJA – CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS b) obtenção de favores do Estado.
TECNOLOGIAS – PROVA AZUL – INEP – 2017) Nós c) garantia de exercício da cidadania.
temos que mudar. Um novo governador com os d) reconhecimento de privilégio de classe.
mesmos brasileiros não poderá fazer nada. Sim, creio
que isso encaixa muito bem em tudo o que anda 4. (ENCCEJA – CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS
nos acontecendo: desculpamos a mediocridade TECNOLOGIAS – PROVA AZUL – INEP – 2017) A Zona
mediante programas de televisão francamente Franca de Manaus foi inicialmente idealizada
tolerantes com o fracasso. É a indústria da desculpa como Porto Livre, em 1957. Dez anos mais tarde, em
e da estupidez. Decidi procurar o responsável, não 1967, o modelo foi reformulado e foram instituídos
para castigá-lo, senão para exigir-lhe que melhore incentivos fiscais para implantação de um polo
seu comportamento e que não se faça de surdo, de industrial, comercial e agropecuário. Há incentivos
desentendido. Sim, decidi procurar o responsável tributários, com redução ou isenção de tributos
e estou seguro de que o encontrarei quando me federais, estaduais e municipais, além da venda de
olhar no espelho. terrenos a preços simbólicos no parque industrial de
RIBEIRO, J. U. Precisa-se de matéria-prima para construir um Manaus, com completa infraestrutura de serviços
país. Jornal do Meio Ambiente, 14 nov. 2005. Adaptado. sanitários, energia e comunicações.
MIRANDA, R. N. Zona Franca de Manaus: desafios e
A reflexão do autor destaca que a modificação vulnerabilidades. Disponível em: www12.senado.gov.br.
dos panoramas social e político brasileiro depende Acesso em: 3 ago. 2014. Adaptado.
basicamente da
Hora de Praticar

A ação estatal mencionada teve como objetivo o(a) para essa faixa da população brasileira, são
a) valorização da matéria-prima amazônica. resultados da
b) estímulo do desenvolvimento regional.
c) assimilação das populações indígenas. a) ausência de crédito para financiamento es-
d) aproveitamento do conhecimento tradicio- tudantil.
nal. b) redução do número de linhas de pesquisas
acadêmicas.
5. (ENCCEJA – CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS c) manutenção da qualidade das universidades
TECNOLOGIAS – PROVA AZUL – INEP – 2017) do setor privado.
d) reprodução das desigualdades de oportuni-
dades educacionais.

7. (ENCCEJA – CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS


TECNOLOGIAS – PROVA AZUL – INEP – 2017) A
definição mais aceita para desenvolvimento
sustentável é o desenvolvimento capaz de suprir as
necessidades da geração atual, sem comprometer
a capacidade de atender às necessidades das
futuras gerações. É o desenvolvimento que não
esgota os recursos para o futuro. Essa definição
surgiu na Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, criada pelas Nações Unidas para
discutir e propor meios de harmonizar dois objetivos:
o desenvolvimento econômico e a conservação
ambiental.
Disponível em: www.wwf.org.br. Acesso em: 5 jun. 2014.

Nenhuma região no mundo, hoje, encarna A iniciativa que atende ao modelo de


melhor do que o Oriente Médio o trabalho mal- desenvolvimento citado no texto é o(a)
acabado realizado ao final da Primeira Guerra
Mundial. Depois da queda do Império Otomano, a) incentivo à pesca industrial.
fronteiras arbitrárias foram traçadas por potências b) uso de combustíveis fósseis.
imperialistas, como Reino Unido e França, com c) promoção da agricultura orgânica. 7
base unicamente nos seus interesses. d) desativação de usinas hidrelétricas.
Disponível em: http://oglobo.globo.com.
Acesso em: 8 ago. 2014. 8. (ENCCEJA – CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS
TECNOLOGIAS – PROVA AZUL – INEP – 2017)
Dadas as informações, uma consequência da
reconfiguração socioespacial dessa região é a Todo dia é dia de índio
Preconceitos em nossa sociedade nutrem
a) instabilidade política. estereótipos sobre as populações indígenas.
b) desigualdade social. O resultado é um jeito de enxergar os
c) semelhança cultural. índios, condenando-os a serem “primitivos”
d) dependência energética. ou considerando que o fato de os nossos
contemporâneos usarem celulares, aparelhos de
6. (ENCCEJA – CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS televisão ou computadores os torna “menos índios”.
TECNOLOGIAS – PROVA AZUL – INEP – 2017) Como se mais de 500 anos de contatos entre os
índios e a sociedade não indígena não tivessem
consequências e fosse possível esperar que os
atikuns, terenas, xavantes, baniwas, kaingangs
e tantos outros apresentem comportamentos e
cultura material semelhantes aos de seus ancestrais.
SILVA, G. J. Revista de História da Biblioteca Nacional, n. 82,
jul. 2012. Adaptado.

O preconceito descrito no texto reforça a

a) separação de tribos locais.


b) exclusão de grupos minoritários.
c) preservação das identidades regionais.
d) valorização das inovações tecnológicas.
As diferenças quanto ao acesso ao ensino superior,
Hora de Praticar

9. (ENCCEJA – CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS O impacto da obra literária mencionada está


TECNOLOGIAS – PROVA AZUL – INEP – 2017) No relacionado ao fato de ter chamado a atenção
final do século XIX e nas duas primeiras décadas para a
do século XX, o processo de conhecimento sobre
futebol, tanto na Argentina quanto no Brasil, a) divisão partidária da sociedade brasileira.
ocorreu de uma maneira múltipla e complementar. b) formação política do exército nacional.
Ao mesmo tempo que as elites praticavam com a c) migração forçada dos camponeses nordes-
bola nos colégios, as camadas populares jogavam tinos.
nos terrenos baldios, construindo seus laços com o d) situação sociocultural do interior do país.
esporte.
SANTOS, R. P. Entre rivais: futebol, racismo e modernidade no 12. (ENCCEJA – CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS
Rio de Janeiro e em Buenos Aires (1897-1924). TECNOLOGIAS – PROVA AZUL – INEP – 2017) A
Rio de Janeiro: Mauad, 2012. Adaptado. queima da cana-de-açúcar para colheita traz
sérias consequências, tais como: desequilíbrios na
Ao comentar o desenvolvimento do futebol em dois flora e fauna; diminuição da qualidade do ar nas
países, o texto chama a atenção para o aspecto cidades e o aumento do efeito estufa, bem como
do(a) a destruição da camada de ozônio. No entanto, a
mecanização da colheita pode gerar desastrosos
a) A falta de preparação física. impactos sociais. Uma máquina colhedora substitui
b) atuação dos governos locais. cerca de 100 trabalhadores, e como consequência,
c) distanciamento das classes sociais. decerto ocorrerá um aumento significativo do
d) importância da influência estrangeira. número de pessoas desempregadas no país, além
de contribuir para a diminuição da qualidade social
10. (ENCCEJA – CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS dessa mão de obra carente de postos de trabalhos
TECNOLOGIAS – PROVA AZUL – INEP – 2017) na sociedade.
Criado em 1961 para evitar que os moradores da MARTINS, M. S. R. Os impactos sociais e econômicos da
Alemanha Oriental, comunista, se mudassem para mecanização da colheita da cana-de-açúcar.
a Alemanha Ocidental, capitalista, o Muro de Disponível em: www.portaldoagronegocio.com.br.
Berlim repartiu a cidade em duas durante a Guerra Acesso em: 5 dez. 2012.
Fria. Até que, em 1989, o governo da Alemanha
Oriental anunciou que seus cidadãos poderiam No texto, são analisados dois efeitos possíveis
cruzar o muro para visitar a parte ocidental, o que da mecanização na agricultura, um positivo
8 era proibido antes. e outro negativo, os quais estão relacionados,
Disponível em: http://revistagalileu.globo.com. Acesso em: respectivamente, ao(à)
11 ago. 2014.
a) natureza e ao consumo.
A permissão citada no texto simbolizou o fim de um b) clima e à produção.
período marcado pela c) ambiente e ao emprego.
d) poluição e à tecnologia.
a) divisão política mundial.
b) fragilidade militar europeia. GABARITO
c) convivência étnica pacífica. 1. D
d) integração econômica internacional. 2. C
3. C
11. (ENCCEJA – CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS 4. B
TECNOLOGIAS – PROVA AZUL – INEP – 2017) Em 5. A
1897, ocorreu um conflito armado que opôs a 6. D
população de Canudos, no interior da Bahia, e 7. C
o recém-criado governo da República. Enviado 8. B
como repórter à região conflagrada, o engenheiro 9. C
Euclides da Cunha lá permaneceu durante as três 10. A
semanas finais do conflito, tendo presenciado o 11. D
dramático desfecho da guerra, com o massacre 12. C
dos sertanejos. Cinco anos mais tarde, publicou
o livro Os sertões, que se tornou um clássico, com
implicações ainda mais amplas do que o evento LINGUAGENS CÓDIGOS E SUAS
histórico narrado. TECNOLOGIAS
LIMA, N. T. Campo e cidade: veredas do Brasil moderno. In:
BOTELHO, a); SCHWARCZ, L. M. (Org.). Agenda brasileira:
temas de uma sociedade em mudança. 1. (ENCCEJA – LINGUAGENS CÓDIGOS E SUAS
São Paulo: Cia. das Letras, 2011. Adaptado. TECNOLOGIAS – PROVA BRANCA – INEP – 2017)
Hora de Praticar

A internet formal e baseado na estrutura da gramática.


d) linguagem no sentido do discurso da escrita,
Sites de relacionamento, serviços de mensagem em que as expressões devem ser corretamen-
instantânea, salas de bate-papo, fóruns, blogs e te prescritas pelas regras gramaticais.
logs e mais logs, todos tinham algo a dizer e tudo
estava lá para quem quisesse saber. Muitos dizem 3. (ENCCEJA – LINGUAGENS CÓDIGOS E SUAS
que a internet encurtou o mundo, mas a sensação TECNOLOGIAS – PROVA BRANCA – INEP – 2017)
que tenho é de que ela deixou o mundo maior,
muito maior, com ela se vai mais longe. Você pode Seja uma pessoa menos ocupada
usá-la para o que quiser, pode ser praticamente
quem quiser, pode tentar se descobrir dentro dela Desde cedo aprendemos que é preciso “ralar” pra
ou simplesmente pode viver completamente sem ter sucesso, que Deus ajuda quem cedo madruga,
ela. e por aí vai. Mas acredite: os que mais “ralam” nem
Disponível em: http://sociedaderacionalista.org. Acesso em: sempre se tornam os melhores. Claro que é preciso
13 set. 2013. investir tempo para se tornar bom em algo. Mas o
principal não é trabalhar horas a fio, e sim ter foco
O advento da internet modificou a sociedade e no tipo certo de trabalho. Se você vive ocupado,
as possibilidades de relação humana. A partir da está fazendo algo errado.
leitura do texto, destaca-se o aspecto da Diversos estudos mostram isso há muito tempo. Por
exemplo, uma análise feita por psicólogos alemães
a) fonte de informações temporárias. sobre a rotina de violinistas da Universidade das
b) descoberta de meios conversacionais. Artes de Berlim, 1993. Eles dividiram os alunos em
c) comunicação regulada entre os lugares. dois grupos de acordo com sua habilidade: os de
d) aproximação entre pessoas e conhecimento. “elite” e os “medianos”. Os dois grupos dedicaram
em média 50 horas por semana ao estudo do violino.
2. (ENCCEJA – LINGUAGENS CÓDIGOS E SUAS Só que os medianos praticavam aleatoriamente ao
TECNOLOGIAS – PROVA BRANCA – INEP – 2017) longo do dia, enquanto os de elite concentravam
seu trabalho em dois períodos fixos: manhã e tarde.
A linguagem dos jovens Quanto melhor o violinista, mais rígida era a divisão
entre trabalho e lazer. Os melhores dormiam uma
O uso do “internetês” e o exagero do gerúndio no hora a mais e dedicavam mais tempo à diversão.
dia a dia de universitários preocupam os professores No fim das contas, os mais habilidosos eram os mais
de língua portuguesa. Junto com o surgimento dos relaxados. 9
comunicadores instantâneos (chats on-line, blogs, NEWPORT, c) Superinteressante, n. 10, ago. 2013.
MSN, ICQ), surgiu também uma linguagem típica
da internet. Ela é caracterizada pela agilidade e Textos veiculados em jornais e revistas podem
facilidade de escrita e, por isso, é composta quase ter diferentes finalidades, como divertir, desafiar,
que inteiramente por abreviações — ou podemos comentar, entre outras. Nesse texto, a referência
até dizer por códigos. Aliás, se uma pessoa que ao estudo realizado pelos psicólogos alemães tem
não está acostumada a conversar em chats on- como objetivo
line se deparar com a frase a seguir, dificilmente a) divulgar a importância da pesquisa para a
conseguirá entender muita coisa: “Pq vc naum ciência.
xego na hr q eu t fiei?” Traduzindo, seria: “Por que b) avaliar problemas sociais decorrentes do tra-
você não chegou na hora em que eu te falei?”. balho.
Esse é o chamado “internetês”, a linguagem típica c) criticar o estilo de vida dos grupos estudados.
usada para se comunicar na internet. d) convencer o leitor a mudar de atitude.
Disponível em: www.universia.com.br.
Acesso em: 2 maio de 2010. 4. (ENCCEJA – LINGUAGENS CÓDIGOS E SUAS
TECNOLOGIAS – PROVA BRANCA – INEP – 2017)
A preocupação dos professores de língua
portuguesa se dá em razão da formação de um
linguajar próprio da internet (o “internetês”), que
enfatiza a

a) comunicação e ignora as regras de grafia,


esquecendo a necessidade de exercitar uma
modalidade da linguagem formal, culta.
b) conversação entre as pessoas que estão mais
próximas e por isso não atendem a correção
gramatical.
c) formalidade das conversas realizadas na in- O outdoor Chuchurek, elaborado a partir do
ternet, que exigem dos usuários um linguajar diálogo com o filme Shrek, para divulgar o produto
Hora de Praticar

e atrair clientes, utiliza a criatividade e o humor na a) a imitação da linguagem de outros povos ga-
relação estabelecida entre o(a) rante o desenvolvimento da nação.
b) os neologismos válidos para a preservação
a) lugar de origem e o lugar de destino do chu- da língua são os oriundos do próprio idioma.
chu. c) as palavras antigas são desnecessárias na
b) sucesso do personagem e o produto anun- língua corrente porque pertencem a outra
ciado. época.
c) imagem do chuchu e a palavra estrela. d) as inovações no vocabulário devem ser acei-
d) nome da empresa e o objetivo do texto. tas para que a língua expresse a nacionalida-
de do povo.
5. (ENCCEJA – LINGUAGENS CÓDIGOS E SUAS
TECNOLOGIAS – PROVA BRANCA – INEP – 2017) 7. (ENCCEJA – LINGUAGENS CÓDIGOS E SUAS
TECNOLOGIAS – PROVA BRANCA – INEP – 2017)

A tirinha de Antônio Cedraz apresenta uma


variedade linguística da língua portuguesa
evidenciada no texto em função do(a)

a) caracterização das personagens.


b) simplicidade do vocabulário.
c) grafia das palavras.
d) assunto do texto.

6. (ENCCEJA – LINGUAGENS CÓDIGOS E SUAS


TECNOLOGIAS – PROVA BRANCA – INEP – 2017)
10 A língua é a nacionalidade do pensamento
como a pátria é a nacionalidade do povo. Não
é obrigando-a a estacionar que hão de manter
e polir as qualidades que porventura ornem uma
língua qualquer; mas sim fazendo que acompanhe
o progresso das ideias e se molde às novas
tendências do espírito. Ao utilizar a xilogravura, técnica que faz uso de
Criar termos necessários para exprimir os inventos blocos de madeira para impressão, Kikukawa Elzan,
recentes, assimilar-se aqueles que, embora atento aos padrões estéticos de sua época, estava
oriundos de línguas diversas, sejam indispensáveis, interessado em
e sobretudo explorar as próprias fontes, veios
preciosos onde talvez ficaram esquecidas muitas a) demonstrar a elegância das vestimentas usa-
pedras finas, essa é a missão das línguas cultas e das no século XIX.
seu verdadeiro classicismo. b) reproduzir a vida tranquila da mulher campo-
Quanto à frase ou estilo, também não se pode nesa.
imobilizar quando o espírito, de que ela é expressão, c) demonstrar a beleza dos ideogramas.
varia com os séculos de aspirações e hábitos. Sem d) reproduzir a simplicidade feminina.
o arremedo vil da locução alheia e a imitação dos
estrangeiros, devem as línguas aceitar algumas 8. (ENCCEJA – LINGUAGENS CÓDIGOS E SUAS
novas maneiras de dizer, graciosas e elegantes, TECNOLOGIAS – PROVA BRANCA – INEP – 2017)
que não repugnem ao seu gênio e organismo. Morte de lutador de MMA reabre discussão sobre
ALENCAR, J. Língua e progresso. In: CARDOSO, W.; CUNHA, perda de peso
c) Português através de textos: estilística e gramática Um laudo preliminar do Instituto Médico Legal
histórica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978. Adaptado. (IML) apontou que Feijão, 26, sofreu um acidente
vascular cerebral hemorrágico, agravado por
De acordo com o texto, para sua preservação esforço excessivo ou doença preliminar. Ele estava
e sobrevivência, a língua deve acompanhar o na sauna e tentava perder peso para lutar no
progresso. A respeito dessa dinâmica nas formas de Shooto, torneio que aconteceria ontem, no Rio, e
expressão das línguas, o autor considera que foi cancelado.
Folha de São Paulo, 2 out. 2013. Adaptado.
Hora de Praticar

O fato apresentado na reportagem evidencia Os transportes públicos, em geral, divulgam


que a prática do esporte nem sempre é sinônimo mensagens a seus usuários. Nessa mensagem, o
de saúde. Descartando-se a possibilidade desse objetivo é
acontecimento ter se agravado por doenças
preliminares, conclui-se que isso acontece em a) apontar para o local das portas de saída.
função da b) orientar para atitudes em caso de incêndio.
c) alertar contra a descida de trens em movi-
a) fragilidade do acompanhamento clínico nos mento.
treinamentos. d) informar sobre procedimentos em caso de
b) falta de seletividade observada nas cargas emergência.
genéticas dos atletas.
c) obrigação dos atletas em superar seus limites 12. (ENCCEJA – LINGUAGENS CÓDIGOS E SUAS
físicos nos esportes competitivos. TECNOLOGIAS – PROVA BRANCA – INEP – 2017)
d) influência provocada em atletas praticantes
de esportes de lutas por abalos emocionais.

9. (ENCCEJA – LINGUAGENS CÓDIGOS E SUAS


TECNOLOGIAS – PROVA BRANCA – INEP – 2017)

Por meio das tarjas pretas bordadas sobre os


retratos, a artista Rosana Paulino denuncia a

a) condição social das mulheres negras.


b) falta de inovação nas artes visuais.
c) tortura física durante a escravidão. No texto, a frase “Pedala comigo por mais saúde
d) limitação da fotografia como forma de críti- para as crianças primeiro” sugere que o leitor deve 11
ca social.
a) praticar ciclismo com o autor do texto.
10. (ENCCEJA – LINGUAGENS CÓDIGOS E SUAS b) lutar por brincadeiras mais saudáveis na in-
TECNOLOGIAS – PROVA BRANCA – INEP – 2017) fância.
Ladies and Gentlemen, welcome aboard [...]. c) incentivar as crianças à prática de atividades
Place all carry-on baggage in the overhead físicas.
compartments or under the seat in front of you. It d) posicionar-se à frente de seus filhos ao andar
is prohibited to smoke, and the use of electronic de bicicleta.
equipment and cellular phones is restricted. Please
refer to the safety card or to the flight attendant. GABARITO
Thanks. 1. D
Disponível em: http://issuu.com. Acesso em: 15 set. 2013. 2. A
3. D
O texto traz orientações que geralmente são 4. B
ouvidas em 5. C
6. D
a) embarque em aviões. 7. A
b) abertura de conferências. 8. C
c) recepção de grupos turísticos. 9. A
d) início de espetáculos musicais. 10. A
11. D
11. (ENCCEJA – LINGUAGENS CÓDIGOS E SUAS 12. C
TECNOLOGIAS – PROVA BRANCA – INEP – 2017)
Hora de Praticar

ANOTAÇÕES

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