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ENCCEJA
MR008-19
Expediente
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, especialmente
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184.e.parágrafos,.do.Código.Penal),.com.pena.de.prisão.e.multa,.conjuntamente.com.busca.e.
apreensão.e.indenizações.diversas.(artigos.102,.103,.parágrafo.único,.104,.105,.106.e.107,incisos.
I,.II.e.III,.da.Lei.n..9.610,.de.19/02/1998,.Lei.dos.Direitos.Autorais).
MR008-19
Sumário
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Linguagens e interação humana ..................................................................................................................01
Texto Complementar........................................................................................................................................08
A beleza está nos olhos de quem a vê: literatura.........................................................................................08
As línguas estrangeiras modernas em nossa sociedade.............................................................................08
Matemática
A matemática: uma construção da humanidade......................................................................................01
Hora de Praticar
Matemática e suas tecnologias . ...................................................................................................................01
Ciências da natureza e suas tecnologias .....................................................................................................01
Ciências humanas e suas tecnologias...........................................................................................................01
Linguagens códigos e suas tecnologias.........................................................................................................01
Linguagens,
Códigos e suas
Tecnologias
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
jornal, e não em livros, que o fazem preencher um duradouros! De repente, aquele ficante das férias
formulário de modo muito diferente do que escre- pode aparecer novamente e se tornar seu namo-
veria uma carta pessoal. E isso acontece com todo rado oficial: repare em quem já está por perto! Se
mundo. Quanto mais se vive, mais se conhece da você já namora firme, seu amado estará atento a
linguagem e dos gêneros que fazem parte da vida. tudo o que acontece com você. Pode ser que pre-
As atividades propostas procurarão demonstrar cise encarar uma DR (discussão de relacionamen-
o que é principal em cada gênero contemplado in- to), mas que só vai aproximá-la ainda mais de seu
teragem por meio deles. príncipe! Se rolar alguma tensão com professores,
Para isso, serão considerados quatro aspectos pais ou pessoas mais velhas, não esquente e fique
principais: suporte, forma, tema e estilo. Sem esque- aberta para o diálogo! É o melhor caminho para re-
cer, é claro, de considerar em que situação os textos solver os conflitos com os coroas!
foram produzidos, sua função social e os interlocuto- Além de se dirigir apenas para meninas, a previ-
res envolvidos. são considera a rotina de uma adolescente: namo-
ros, escola, amizades. A mudança de interlocução se
2. Lendo textos de diferentes gêneros textuais reflete no texto, no enfoque que se dá aos temas, nas
palavras escolhidas, no estilo adotado pelo autor.
Você tem o hábito de ler horóscopo? Acredita O uso dos pontos de exclamação, de palavras e
que a Lua, o Sol e outros planetas podem ter rela- expressões como ficante, DR, príncipe, rolar, coroas
ção com sua vida aqui na Terra? De acordo com faz sentido para leitores, ou melhor, leitoras adoles-
a Astrologia, cada pessoa recebe a influência dos centes, pois expressa um uso da língua que se consi-
astros de modo diferente ao longo do ano. Por isso, dera próprio dessa faixa etária. Entretanto, é possível
o ano é dividido em doze períodos, cada um regi- verificar que, de modo geral, os textos desse gênero
do por um signo do zodíaco. Assim, dependendo do vão ter muitos aspectos em comum:
dia e do mês de nascimento, cada pessoa também
é regida por um signo. O signo de câncer, por exem- • Formato: são textos curtos, geralmente acom-
plo, rege as pessoas que nascem entre 21 de junho panhados de outros onze textos (um para
e 21 de julho. cada signo do zodíaco).
• Tema: ligado à vida profissional, amorosa, fa-
miliar em sintonia com as influências astrais.
• Estilo: marcado pela citação do nome dos pla-
netas que têm destaque naquele dia, as reco-
mendações de como o leitor deve agir, o que
2
deve evitar, em que deve se concentrar; a pre-
sença de verbos no imperativo ou outras formas
que têm o mesmo efeito de dar conselho, orien-
tar, instruir (repare, não esquente, fique aberta).
Você saberia dizer onde o texto que você leu prego, vendendo ou alugando objetos, oferecen-
é geralmente encontrado? Como chegou a essa do serviços etc. Leia os dois classificados a seguir e
conclusão? O que o faz supor que seja encontrado perceba como a época influencia no modo como
em um dicionário é provavelmente seu repertório de foram escritos.
leitor, que dá pistas para identificar o gênero de tex-
to e sua finalidade.
O texto é um verbete de dicionário, usado para
conhecer o significado, os usos e até a grafia corre-
ta das palavras. O suporte pode ser o livro ou, atual-
mente, a internet ou uma versão eletrônica para ser
instalada no computador.
O formato dos verbetes de dicionário respeita,
com poucas variações, um padrão: apresenta uma
palavra (o que é chamada de “entrada”) e, em se-
guida, os diversos significados que ela pode adquirir
em diferentes contextos.
O verbete, além disso, informa a classe grama-
tical (substantivo feminino), apresenta um sinônimo
(uranoscopia) e a etimologia (ciência que estuda a
origem e evolução das palavras). Como, geralmen-
te, os verbetes aparecem em conjunto nos dicio-
nários (seguindo a ordem alfabética), a repetição
dessa estrutura é o que garante a uniformidade en-
tre eles e o fácil acesso do leitor às informações que
procura. Ao comparar os dois classificados, são identifi-
Ainda mais porque o tema apresentará uma va- cados elementos comuns: os dois foram escritos por
riação enorme por estar sempre vinculado à pala- pessoas que procuravam uma vaga de trabalho, o
vra da entrada. Imagine quantos temas uma obra primeiro, para ser escriturário (escrevente) mercantil
como o Dicionário Eletrônico Houaiss traz em seus ou auxiliar nessa função, o segundo, para ser auxiliar
mais de 228 mil verbetes! de escritório. Ambos poderiam ser publicados em
O estilo é sempre marcado pelo uso da lingua- jornais, o que influencia o formato dos dois textos
gem de forma objetiva, pela presença de termos (quanto mais curtos forem, menos custam ao anun-
técnicos das diversas áreas do conhecimento, da- ciante). 3
dos, classificações e explicações. Isso porque, em Os dois textos começam apresentando as quali-
geral, são dirigidos a um público que está fazendo dades profissionais necessárias, usando uma lingua-
uma pesquisa, querendo informações diretas sobre gem econômica e objetiva, e terminam dando as
o significado ou sobre a grafia de uma palavra, bus- informações para que os interessados estabeleçam
cando esclarecer um conceito ou uma dúvida com contato. O objetivo é o mesmo; o estilo, o suporte
um fim profissional ou escolar. em que poderiam ser publicados são semelhantes.
Além do verbete de dicionário, outros gêneros Então, o que é diferente? Você estranhou a grafia
circulam na esfera escolar e de divulgação de co- das palavras “offerece-se”, “huma”, “apromptar”?
nhecimentos científicos, como os verbetes de enci- Antes do Acordo Ortográfico de 1945, algumas pa-
clopédia e de almanaque, o artigo de divulgação lavras da língua eram escritas desse modo. Outro
científica e o texto didático (como este que você elemento que pode chamar a atenção é o fato de,
lê), entre outros. no primeiro classificado, o contato precisar ser esta-
belecido pessoalmente pelo endereço oferecido.
CONTEXTOS: VARIAÇÕES HISTÓRICAS, SOCIAIS E No segundo, há telefone e endereço de e-mail para
CULTURAIS isso.
Esses elementos vão delineando que a principal
Continuando a conversa sobre gêneros, o enfo- diferença entre os textos é o contexto histórico. Um
que agora será naquilo que é chamado contexto. anúncio é de 1835, o outro poderia ser escrito nos
Você já precisou apresentar e descrever suas qua- dias atuais. A distância de mais de 150 anos determi-
lidades profissionais a fim de concorrer a uma vaga na que os textos apresentem um uso da língua va-
de emprego? Existem vários modos de fazer isso. riado, que as palavras para descrever as qualidades
O mais comum é por meio de conversa com o dos profissionais e as tecnologias à disposição para
próprio empregador ou de um currículo. Também é fazer contato também sejam diferentes.
possível fazer um anúncio nos classificados de jornais As mudanças no estilo de vida e na relação
e revistas. O classificado tem sua origem ligada à his- entre as pessoas, o avanço tecnológico, fatos liga-
tória dos jornais e pode ser considerado um gênero dos à passagem do tempo, exercem influências no
textual. modo como os textos nesse gênero são produzidos.
Desde as primeiras publicações, no século XIX, Do mesmo modo, embora não seja esse o caso
já era possível encontrar pessoas procurando em- dos anúncios classificados, fica fácil perceber como
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
o que, aos olhos dos cronistas, pudesse ser digno de falantes brasileiros.
nota. Em outras palavras, é também possível que bra-
No entanto, os relatos dessa época limitavam-se sileiros de regiões diferentes possam ter, em determi-
a registrar os eventos sem lhes aprofundar as cau- nadas situações, alguma dificuldade para se enten-
sas ou lhes dar qualquer interpretação. Só a partir der. Você arriscaria dizer por quê? No livro Pequena
do Renascimento (século XIV), quando a noção de gramática do português brasileiro (2012), os autores
crônica deu lugar à de história, aparecem as primei- Ataliba de Castilho e Vanda Maria Elias dizem que,
ras crônicas que apresentam uma análise mais críti- depois de observar algumas palavras que uma
ca do que relatam e mostram as consequências de pessoa fala ou escreve para outra, é possível dizer
processos históricos. muitas coisas sobre ela: identificar as características
Crônicas assim são as do escritor português Fer- sociais (onde nasceu, nível sociocultural, idade), o
não Lopes, que fornecem um amplo panorama de modo que escolheu para se comunicar (língua fa-
sua época, dos lugares descritos, mas também das lada, língua escrita) e o registro que selecionou (fala
fraquezas ou dos feitos das pessoas. espontânea, fala formalizada).
Em terras brasileiras, na passagem do século XV O que isso significa? Significa que a língua portu-
para o XVI, Pero Vaz de Caminha escreve uma lon- guesa, assim como as outras línguas do mundo, dá
ga carta-crônica ao rei de Portugal, dom Manuel, identidade linguística ao seu falante e pode variar.
relatando a descoberta das novas terras, os deta- Pode haver variação geográfica (brasileiros do Nor-
lhes da viagem, do contato com a gente que vivia te, do Nordeste, do Sudeste, do Centro-Oeste e do
aqui... vê, compara, sente e relata tudo de significa- Sul não falam exatamente do mesmo jeito); pode
tivo que seu olhar permitiu ver por aqui. haver variação em função do segmento social do
Muitos séculos e muitas crônicas depois, final- qual o falante procede (se a pessoa é escolariza-
mente, a crônica assumiu o sentido que lhe é atri- da, ela fala ou escreve de modo diferente de uma
buído hoje. Precisamente em 1800, o Journal des pessoa que não frequentou escolas); pode haver
Débats, em Paris, introduziu a crônica diária, colo- também variação em função dos diferentes graus
cando-a abaixo de uma linha para separá-la da de intimidade entre as pessoas e da situação comu-
parte noticiosa do jornal. Recebeu ali o nome de nicativa (entre familiares usa-se linguagem informal;
feuilleton (pequena folha). Vale lembrar que abaixo no trabalho, dependendo da situação, usa-se uma
dessa linha também saíram mais tarde os capítulos linguagem formal); também pode haver variação
de romances publicados nos jornais (os romances se a modalidade de linguagem usada for a falada
de folhetim). ou a escrita; há também variação: por faixa etária
Aqui no Brasil, muitos escritores cultivaram o gê- (os jovens não falam como as pessoas mais velhas
8 nero; Olavo Bilac, Machado de Assis, Manuel Bandei- e vice-versa); histórica (o português que se fala e se
ra, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector. escreve hoje é diferente do que se falava e se escre-
Alguns como Rubem Braga, Sérgio Porto e Antônio via antigamente).
Maria tornaram-se especialistas nesse gênero. Uma língua, portanto, não existe de forma abso-
Atualmente, autores como Martha Medeiros, luta, e os falantes nativos de regiões diferentes, em
Luis Fernando Verissimo, Antonio Prata, Fabrício Car- contextos variados, lançam mão de variedades que
pinejar, Marcelo Rubens Paiva, José Roberto Torero serão estudadas a seguir.
dão continuidade à tradição da crônica no Brasil.
Nos últimos anos, alguns deles passaram a escre- 1. Variedades linguísticas
vê-las também para publicá-las em blogs na inter-
net. É curioso perceber que, mesmo com as mudan- Ao estudarmos nossa língua materna, não dei-
ças de contexto social e cultural e até mesmo de xamos de estudar também nossa identidade cultu-
suporte, atravessando diferentes épocas, a crônica ral, histórica e social. Graças à língua que falamos
permanece como um gênero sempre presente, que e escrevemos, interagimos, dividimos nossa visão
trata de temas cotidianos, levando o leitor a refletir de mundo, nos sentimos pertencentes a um grupo,
sobre eles, propondo um olhar especial para aquilo a uma comunidade. Graças à língua que falamos,
que, em geral, é visto apenas como trivial. escutamos, lemos e escrevemos, reafirmamos nossa
condição de gente, de sujeito histórico, que vive em
QUEM FALA PORTUGUÊS, SABE PORTUGUÊS... um determinado tempo e espaço.
Como escreve a linguista Irandé Antunes em seu
A língua portuguesa A maioria dos habitantes do livro Muito além da gramática, por um ensino de
Brasil e de Portugal tem a língua portuguesa como línguas sem pedras no caminho (2007), uma língua
língua materna, ou seja, sua primeira língua. Mas um mobiliza crenças, institui e reforça valores. Daí já é
brasileiro, quando ouve um português falar, pode ter possível concluir que estudar uma língua é muito
dificuldades para compreendê-lo. mais do que simplesmente apontar nos textos fala-
A pronúncia, a construção das frases, o sentido dos ou escritos “erros” e “acertos” de gramática. Os
de algumas palavras do português de Portugal são falantes nativos de uma determinada língua fazem
diferentes e podem gerar um questionamento: Se é usos diferenciados dela, ou seja, empregam varie-
português, por que não compreendo? O estranha- dades dessa língua. Cada variedade é legítima, isto
mento pode aumentar quando isso acontece entre é, tem razão de existir, pois é eficiente nas situações
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núncia que o R do final dos verbos no infinitivo desa- escritos e ajustá-los às situações que exigem uma es-
pareça: fala-se protegê em vez de proteger; fala-se crita formal, a sugestão é que você aprenda a fazer
dizê em vez de dizer; cantá em vez de cantar etc. quatro ações, para revisar o texto:
É comum também o acréscimo de I em palavras
terminadas pelo fonema /S/ grafados com a letra S • cortar: retirar passagens repetitivas ou expres-
ou Z, por exemplo, faiz (forma pronunciada)/faz (for- sões que podem ser desnecessárias no texto
ma escrita), treis (forma pronunciada)/três (forma escrito.
escrita). Também em sílabas que têm uma estrutura • acrescentar: inserir informações que possam
diferente de consoante + vogal: habitati (forma pro- dar mais clareza ao texto escrito.
nunciada)/habitat (forma escrita). • substituir: trocar termos que possam ser vagos
Dúvidas em relação à ortografia provocadas ou imprecisos por palavras ou expressões mais
pela maneira como são pronunciadas as palavras específicas ou precisas
podem se multiplicar: pode ocorrer troca do L por • inverter: mudar a ordem de expressões ou seg-
R em palavras como problema; troca do LH por I ou mentos do texto escrito para deixar mais claro
por LI (paia/palha, malia/malha); redução de pala- o encadeamento lógico das ideias apresenta-
vras (como abobra/abóbora, arvre/árvore). Além das. Veja como podem funcionar essas ações
da ortografia, outro aspecto que é inerente à mo- de revisão nas atividades a seguir, em que tex-
dalidade escrita é o uso dos sinais de pontuação. tos falados serão transformados em escritos.
Eles são importantes em textos escritos por três
razões fundamentais: razão entonacional, razão ló-
3. Revisando textos
gica e razão expressiva. A razão entonacional tem a
ver com a melodia textual. Os sinais de pontuação
A seguir, você vai ler duas versões (uma falada e
indicam pausas e mudanças na melodia do texto,
outra escrita) de uma entrevista concedida por An-
sinalizando ao leitor a hora de mudar a entonação
tônio Nóbrega (1952-) ao jornalista Fernando Faro,
na leitura.
para um programa apresentado na TV Cultura, em
Se a frase terminar com o sinal de interrogação,
23 de maio de 1996. Leia as duas versões atentando
é preciso ajustar o tom da leitura, para que fique pa-
para as semelhanças e diferenças entre elas (o que
recendo uma pergunta. Uma coisa é ler Vai chover
foi cortado, acrescentado, substituído ou invertido).
hoje. Outra é ler Vai chover hoje?.
Observe que a última palavra da segunda fra-
se (a que termina com um ponto de interrogação)
é pronunciada em tom diferente, pois o sinal indica
que é uma pergunta. A razão lógica tem a ver com 11
a ordem como as ideias vão sendo colocadas.
Em vários gêneros textuais, os sinais de pontua-
ção ajudam a organizar o texto, a evidenciar expli-
cações, a separar os itens de uma lista. Uma vírgula
fora do lugar pode mudar completamente o sentido
do texto; no lugar adequado, torna-o mais claro e
preciso.
A razão expressiva tem a ver com a sinalização
de uma intenção ou estado emotivo. Usam-se os
sinais de pontuação para expressar sentimentos in-
tensos. Colocar no final de uma frase duas excla-
mações pode sinalizar a intensidade de sentimentos
como espanto, admiração, raiva etc., dependendo
do contexto. Escrever duas vezes o sinal de interro-
gação ao final de uma pergunta pode querer ex-
pressar indignação, por exemplo.
Dependendo da forma como são usados os si-
nais de pontuação, carrega-se o texto de expressi-
vidade. Cortar, acrescentar, substituir, inverter... Um #FicaDica
bom modo para você aprimorar os textos escritos é
aprender a revisá-los. São inúmeras as situações em Use canetas de cores diferentes para
que é preciso lançar mão da escrita. E-mails, cartas, assinalar no texto falado o que foi inverti-
respostas às questões, currículo, resumos do que se do, acrescentado e substituído.
ouve em uma reunião ou em uma aula são textos
escritos com que se lida quase diariamente.
Nessas e em outras situações em que é neces- UM LEITOR QUE PENSA E QUE DIZ O QUE PENSA SO-
sário usar a modalidade escrita, é preciso observar BRE O QUE LEU
parágrafos, sinais de pontuação, regras ortográfi-
cas, especificidades da escrita. Para revisar textos 1. O caminho de uma carta de leitor
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Carta argumentativa de leitor e outras cartas de rencia-se de outras publicadas em jornais e revistas
leitor: Qual é a diferença? Há muitas cartas enviadas por causa da sua finalidade e do objeto da sua críti-
pelos leitores que são publicadas nos jornais. Como ca. Da escrita à publicação:
você viu na Unidade 1, algumas delas podem ape- O que acontece nesse caminho? Um dos as-
nas solicitar publicações de matérias de certos te- pectos abordados é o relativo às condições que os
mas; ou cumprimentar o veículo por determinada jornais e as revistas apresentam aos leitores para a
reportagem, pelo aniversário, pela beleza de uma publicação de uma carta. Para esclarecer um pou-
capa etc.; ou, mesmo, apresentar-se ao veículo co mais esse processo, veja o que um editor respon-
como seu leitor assíduo, por exemplo. deu para um leitor quando perguntado sobre o que
Outras cartas são destinadas a queixas e recla- acontece com as cartas quando são enviadas para
mações do leitor sobre serviços prestados por empre- o jornal em que ele trabalha:
sas, sobre atendimentos realizados por instituições di-
versas como escolas, hospitais, órgãos públicos. Ou
tratam de reclamação sobre produtos comprados
e não entregues ao consumidor pela empresa; do
tempo de espera para ser atendido por um médico;
do atraso do recebimento de uma aposentadoria;
da demora na entrega de um certificado de um
curso realizado.
Por causa dessas finalidades, podem ser identifi-
cadas como cartas de reclamação ou cartas de so-
licitação. Quando se trata de carta argumentativa
de leitor, fala-se das cartas nas quais o leitor comen-
ta criticamente – utilizando argumentos – aspectos
como:
etc.), afirmação (sim, certamente, realmente etc.), dúvida (acaso, porventura, possivelmente, provavelmen-
te etc.), negação (não, tampouco, jamais), ordem (primeiro, depois, ultimamente etc.).
Os adjetivos são, essencialmente, palavras que modificam os substantivos (seres, ideias, objetos) de dois
modos fundamentais:
• Caracterizando os seres, objetos ou ideias por meio de uma qualidade (inteligência sensível; paciência
invejável; cabelo sedoso), modo de ser (homem simples; pessoas arrogantes; profissionais capazes), as-
pecto ou aparência (tecido amassado; rosto cansado; mãos inchadas), estado (terreno abandonado;
quintal empoeirado).
• Estabelecendo com o substantivo uma relação de tempo, de espaço, de matéria, finalidade, proprie-
dade, procedência etc. (nota mensal; movimento estudantil; carinho materno).
2. A formação de palavras
Muitas palavras da língua portuguesa são formadas a partir de outras. Diz-se que essas que foram forma-
das derivam-se daquelas. As palavras que dão origem a outras são gramaticalmente denominadas primiti-
vas, e as que vieram de outras são conhecidas como derivadas. Por exemplo:
O processo de derivação é uma das maneiras pelas quais acontece a formação das palavras: é quando
pequenas partes denominadas afixos são acrescentadas a uma palavra primitiva, seja no começo ou no fim
dela.
Prefixos são as partes adicionadas no início das palavras, e sufixos são os afixos que se agregam à palavra
no final. Os afixos apresentam possibilidades de sentido que, quando acrescentados às palavras primitivas,
transformam seu significado original.
Os quadros a seguir mostram exemplos desse processo.
13
As palavras também podem ser formadas pelo acréscimo de sufixo e prefixo, por exemplo: deslealmente;
infelizmente.
Mas para que conhecer tudo isso?
Uma das razões é para você saber como proceder quando se deparar com um termo que não conhece:
analisar a sua composição, tomando como referência palavras conhecidas e sabendo das possibilidades
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de sentido colocadas pelos sufixos e prefixos que de Almeida para o Programa de Prevenção
as compõem. Esse é um bom procedimento para ao Preconceito Étnico (Racial) da Prefeitura de
descobrir o seu significado, como você fez com a Barra Mansa (RJ).
palavra lusófono.
Faz algum sentido? Você deve, certamente, ter
PARA BEM ESCREVER: A COERÊNCIA E A COESÃO pensado que não, afinal, rosas não nadam, ainda
DOS TEXTOS mais nas sobrancelhas do chocolate incolor, que
não existe, tampouco tem sobrancelhas, certo?
1. Escrever um texto: O que essa tarefa exige? Pois bem. Agora, complete o texto que acabou
de ler com o trecho apresentado a seguir.
É comum ouvir expressões como: Sua atitude foi
muito coerente ou O rapaz foi incoerente, pois dis- A frase acima faz tanto sentido quanto o pre-
se uma coisa e fez outra. A ideia de coerência está conceito racial. Programa de Prevenção ao
ligada a uma atitude lógica, que não se contradiz, Preconceito Étnico (Racial) da Prefeitura de
ou seja, coerente. Barra Mansa (RJ).
De modo geral, pode-se dizer que escrever um
texto requer dois procedimentos fundamentais, pro- O que lhe parece, agora? O texto anterior ga-
fundamente ligados entre si: estabelecer a coerên- nhou significado?
cia entre as ideias que se apresentam e também Dessa vez você deve ter pensado que sim. Afi-
a coesão entre trechos que compõem o texto. nal, o preconceito racial não faz o menor sentido,
Ambas – coesão e coerência – são características não é mesmo? Tal como o primeiro trecho, quando
essenciais de um texto; sem elas, a escrita de uma lido isoladamente.
sequência de enunciados será apenas um aglome- Esse texto, composto pelos dois trechos, era a
rado de frases. chamada para o Programa de Prevenção ao Pre-
conceito Étnico (Racial), presente no site da Prefeitu-
2. Mas o que é mesmo coerência? ra da Cidade de Barra Mansa (RJ), que o desenvol-
veu a partir de 1º de dezembro de 2006.
Quando alguém fala em coerência, está se re-
ferindo à unidade de sentido que deve ser construí-
da no texto, à relação que precisa ser estabelecida
entre as informações apresentadas, dando-lhe signi-
ficado, de modo que se consolide o tema tratado.
14 A coerência trata, assim, da lógica interna do
texto, isto é, o assunto abordado necessita se man-
ter intacto, sem que haja distorções ou contradi-
ções, de tal forma que as ideias do texto possam ser
compreendidas adequadamente pelo leitor.
O texto 1 que você leu, por exemplo, contém
muitas incoerências, muitos absurdos. Mas, ao co-
nhecer sua fonte, ao saber do que se trata, você
deve ter percebido que é uma anedota, não é mes-
mo? Sendo assim, a desconexão foi intencionalmen-
te planejada para provocar o riso do leitor. Pode-se
dizer, então, que o texto só ganha coerência quan-
do o contexto no qual foi produzido é compreendi- Nesse caso, diferentemente do que aconteceu
do. Caso contrário, é uma sequência de frases sem quando o texto 1 foi lido, a coerência foi estabele-
sentido. cida quando houve a articulação entre os dois tre-
chos, ou seja, as informações internas ao texto é que
3. O que determina a coerência de um texto? foram fundamentais para tanto. Quando o texto é
relacionado ao lugar de publicação e à sua fonte (o
Considerando-se o texto 1, é possível dizer que programa desenvolvido pela prefeitura da cidade),
conhecer as características do contexto de produ- a coerência se consolida.
ção do texto (quem escreveu o texto, para quem
foi escrito, onde foi publicado, qual sua finalidade, 4. Primeiras conclusões
entre outros aspectos) e articular essas informações
com o texto, em si, possibilita a constituição da sua Do estudo feito até o momento, é possível tirar,
coerência. pelo menos, as seguintes conclusões: • A relação
Mas não é só isso. entre o texto e o contexto é estabelecida por quem
Leia o texto a seguir. faz a leitura. Isso quer dizer que o conhecimento do
leitor é fundamental para que ele possa atribuir coe-
“As rosas não nadaram nas sobrancelhas do rência ao que lê.
chocolate incolor” Frase elaborada por Valmir Se o leitor do texto 1 não o reconhecer como
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anedota, quer dizer, como uma piada, vai conside- promove a coesão, mas a substituição de algumas
rá-lo apenas um texto absurdo e sem coerência. palavras por outras: os pronomes as e seu.
Mais uma vez, analise o texto com atenção:
• As informações contidas nos diferentes trechos
de um texto precisam articular- -se, estar co- [...] Há três tipos de células-tronco. As mais co-
nectadas logicamente, pois, sem isso, perde- muns são encontradas na medula do ser hu-
-se o sentido. mano em qualquer idade, mas seu poder de
• Um texto, para ser coerente, precisa ter conti- reprodução e especialização é baixo. Outro
nuidade nas ideias, ou seja, que se articulem tipo são as células-tronco existentes no cordão
sem quebra de sentido. Precisa ter progressão umbilical, mais potentes que as da medula. Mas
nas ideias que apresenta, quer dizer, precisa ir o tipo mais promissor são as células-tronco dos
acrescentando conceitos novos a cada tre- embriões humanos. [...]
cho, unindo-os aos anteriores sem prejudicar o
sentido. Dessa vez, é importante observar que as pala-
vras ressaltadas pertencem a um mesmo campo
semântico. Quer dizer, elas possuem sentidos que
E A COESÃO, O QUE É?
se aproximam, que se relacionam ao tópico em dis-
cussão, fazendo parte de um mesmo campo do co-
1. De que modo a coesão é estabelecida nos
nhecimento. A reiteração ou retomada de sentido
textos?
de palavras como essas também contribui para a
coesão de um texto. Analise o texto pela última vez.
Para melhor compreender essa ideia, leia o tex-
to a seguir.
[...] Há três tipos de células-tronco. As mais co-
muns são encontradas na medula do ser hu-
Texto 1
mano em qualquer idade, mas seu poder de
[...] Há três tipos de células-tronco. As mais co-
reprodução e especialização é baixo. Outro
muns são encontradas na medula do ser hu-
tipo são as células-tronco existentes no cordão
mano em qualquer idade, mas seu poder de
umbilical, mais potentes que as da medula. Mas
reprodução e especialização é baixo. Outro
o tipo mais promissor são as células-tronco dos
tipo são as células-tronco existentes no cordão
embriões humanos. [...]
umbilical, mais potentes que as da medula. Mas
o tipo mais promissor são as células-tronco dos
Se você observou bem, pôde notar que as ex-
embriões humanos. [...] BATALHA da luz, Uma. 15
pressões grifadas foram empregadas no texto para
Veja, Saúde, 2 mar. 2005.
ordenar a apresentação dos três tipos de células-
-tronco anunciados logo no início. Já as duas pa-
Durante a leitura, é possível notar a repetição
lavras em negrito, serviram para indicar a relação
da palavra tipo/tipos e da expressão células-tronco.
estabelecida entre o trecho que vem antes delas e
Essa repetição é um dos recursos que podem ser uti-
o que vem depois; nesse caso, a relação é de opo-
lizados para estabelecer a conexão entre as ideias
sição.
do texto.
2. Conclusões sobre o estabelecimento da coe-
Leia o texto mais uma vez:
são
[...] Há três tipos de células-tronco. As mais co-
muns são encontradas na medula do ser hu-
A análise dos recursos coesivos empregados no
mano em qualquer idade, mas seu poder de
texto 1 permite concluir que a coesão de um texto
reprodução e especialização é baixo. Outro
pode acontecer por meio de:
tipo são as células-tronco existentes no cordão
umbilical, mais potentes que as da medula. Mas
• referência ao que já foi dito anteriormente:
o tipo mais promissor são as células-tronco dos
acontece quando um termo retoma outro
embriões humanos. [...]
dentro do texto, quando reitera algo que já foi
dito antes ou quando uma palavra é substituí-
Desta vez, estão marcadas as palavras empre-
gadas que retomam a ideia de célula-tronco: quan- da por outra que possui com ela alguma rela-
do o texto diz “as mais comuns”, está se referindo às ção semântica;
células-tronco indicadas anteriormente. Da mesma • articuladores textuais (elementos que fazem
forma, quando afirma que “seu poder de reprodu- a coesão dentro das frases e entre trechos do
ção e especialização é baixo”, está mencionando o texto, como o mas do texto 1): são palavras –
poder das células-tronco já citadas antes. Já quan- ou expressões – que determinam quais são as
do o texto afirma: “mais potentes que as da medu- relações existentes entre os trechos do texto,
la”, quer dizer “mais potentes que as células-tronco conectando-os. Alguns exemplos: mas, tam-
da medula”. bém, todavia, porém, de, para, ultimamente,
Nesse caso, não é a repetição de palavras que agora, entre outras.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Texto 2
cessidades do leitor para o qual o resumo é destina- da nossa origem histórica. Para fazer essas inferên-
do. Por exemplo, se for escrito um resumo para um cias todas, certamente o leitor utiliza o seu repertório
leitor que precisa ser informado sobre o que é justiça a respeito da história do Brasil, do que é racismo, de
social, deve-se selecionar do texto lido as informa- que racismo pode existir com relação a diferentes
ções estritamente relacionadas a isso. etnias.
Outros assuntos que o texto abordar precisam Antecipar o conteúdo do texto a partir das rela-
ser deixados de lado. Além disso, o resumo deve ser ções que podem ser estabelecidas entre todas es-
escrito de modo que o leitor consiga ter uma visão sas informações ativa o repertório do leitor sobre o
clara daquilo que o texto contém, mesmo que não assunto, deixando-o mais acessível. Assim, a leitura
leia esse texto. Uma situação muito comum na vida torna-se mais fluente.
escolar é a pesquisa a respeito de assuntos que fa-
zem parte do currículo das diferentes disciplinas.
O POVO BRASILEIRO ROSA
Quando é feita a pesquisa, seja em uma biblio-
teca eletrônica ou física, encontram-se resumos dos
Margarida de Carvalho Rocha
textos e livros de seu acervo, para que o interessado
possa selecionar material útil ao trabalho. Esses re-
Antes da chegada de Cabral, já existiam
sumos devem oferecer ao leitor uma visão clara a
nesta terra aproximadamente seis milhões de
respeito do que o material (livro, revista, artigo, mo-
habitantes, de diferentes povos indígenas. Cada
nografia, tese, reportagem, vídeo etc.) contém e da
povo tinha seus costumes, sua língua, suas cren-
perspectiva adotada para abordá-lo.
ças, seu modo de vida. Os portugueses coloniza-
Em qualquer situação de produção de um re-
dores tinham como objetivo explorar as riquezas
sumo, inclusive em contexto escolar, é fundamental
do Brasil. Chegaram aqui, portanto, pensando
compreender o texto. Essa compreensão requer es-
em ganhar dinheiro e prestígio social.
tudo cuidadoso do conteúdo para que não sejam
Com esse propósito, iniciaram, em 1502, a
cometidos equívocos ao selecionar as informações
exploração do pau-brasil. Embora esta extração
mais importantes, pois são elas que informarão o lei-
tivesse começado dois anos após o descobri-
tor sobre o material que foi fonte do resumo.
mento, a fixação dos portugueses na Colônia
só ocorreu, de fato, com o cultivo da cana-de-
É por isso que resumir é tão importante, em espe-
-açúcar. No século XVI, negros africanos foram
cial na vida acadêmico-escolar: esse processo re-
trazidos à força para trabalhar nas lavouras
quer compreensão, entendimento, estudo aprofun-
como escravos.
dado de um texto. Portanto, é um exercício funda-
Desembarcaram no Brasil negros de diferen- 17
mental na vida acadêmica, em qualquer disciplina.
tes nações africanas. Traziam conhecimentos
Agora, o que é preciso para que um resumo seja
agrícolas de como trabalhar o bronze, o cobre,
bem feito? O que ele deve conter para ser de boa
o ouro e a madeira. Havia também, entre eles,
qualidade? A seguir você se dedicará à resposta a
muitos tecelões, ferreiros e artesãos. Financiados
essas questões.
pelos governos provinciais e imperial, imigrantes
de variadas nacionalidades aqui estiveram. Ita-
2. O que você faz para resumir um texto?
lianos, espanhóis, russos, ucranianos, turcos, sírios,
japoneses e chineses vieram trabalhar no Brasil,
Essa é uma ótima pergunta, não é?
fugindo das guerras ou para conseguir vida me-
Para respondê-la, você vai elaborar um resumo
lhor do que na sua terra. Formou-se, então, no
seguindo passos. O primeiro deles é conhecer bem
Brasil, uma grande mistura racial.
o texto a ser resumido.
O Brasil se tornou um país mestiço. Mas exis-
Analisando as fontes e deduzindo o conteúdo
tem pessoas que não aceitam isso. Se você é
do texto
uma delas, basta investigar os seus antepassa-
Ao conhecer o título do artigo, O povo brasilei-
dos: de onde você veio? E seu avô? E sua avó? E
ro, é possível pensar que se trata de algum assunto
seus bisavós? Nas veias da maioria dos brasileiros
relacionado aos brasileiros como, por exemplo, sua
corre sangue índio, negro e branco. Muitas pes-
formação. Se esse título for articulado à sua fonte,
soas ainda acreditam que, no Brasil, as relações
Almanaque pedagógico afro-brasileiro: uma pro-
raciais são totalmente harmônicas, isto é, vive-
posta de intervenção pedagógica na superação
mos em uma verdadeira “democracia racial”. A
do racismo no cotidiano escolar, há como inferir que
história não é bem assim, não!
a intenção é falar da formação do povo brasileiro,
No início da colonização, a elite brasileira
focalizando, provavelmente, a chegada dos povos
considerava índios e negros como seres inferio-
africanos ao Brasil e a miscigenação, isto é, o pro-
res, enaltecia apenas a sua própria cultura e
cesso de mestiçagem decorrente dessa migração.
desqualificava os valores culturais desses dois
Quando se articula essa ideia à de superação
povos.
do racismo no cotidiano escolar, uma hipótese a se
Houve, sim, miscigenação entre brancos, ne-
levantar é a de que, ao abordar a constituição do
gros e índios, mas isto não impediu que se for-
povo brasileiro pelos africanos, pretende-se tratar do
masse, no Brasil, uma sociedade racista.
racismo contra os negros, e não contra outros povos
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
apenas com o conteúdo, pode ficar mais difícil para do seu nascimento. Criada pelo artista plástico Léo
o leitor perceber, pois ele precisa conhecer o texto Santana, a escultura reproduz uma fotografia feita
anterior, ter familiaridade com ele para reconhecê- por Rogério Reis em 1983, publicada na revista Veja,
-lo. Mas, quando essa relação ocorre no nível do que mostra o poeta sentado num banco da praia
texto, quer dizer, quando o anterior é trazido para de Copacabana.
dentro do texto que está sendo lido, a situação é É, hoje, um dos monumentos mais visitados da ci-
diferente, pois fica mais fácil de o texto anterior ser dade. Infelizmente, no entanto, a estátua sofre cons-
identificado. Por outro lado, também é preciso que tantes depredações.
o leitor conheça esse texto anterior ou não será pos-
sível reconhecê-lo.
Quando se fala em conteúdo de um texto, a
referência é o assunto de que trata, as ideias que
contém e que são nele apresentadas. Quando se
fala no modo de dizer o conteúdo, atenta-se para a
forma que um texto assume, que compreende a sua
organização interna, sua estrutura. Por exemplo, a
forma de um poema é a sua organização por meio
de versos e estrofes. Um conto, por outro lado, or-
ganiza-se em texto corrido, como se costuma dizer,
sem divisões em versos e estrofes. No entanto, am-
bos os textos – o poema e o conto – podem tratar
do mesmo tema, do mesmo conteúdo, como uma
desilusão amorosa ou um encontro de amor. Leia os dois textos apresentados a seguir. O texto
1 é o poema No meio do caminho, de Carlos Drum-
2. Carlos Drummond de Andrade: um grande mond de Andrade. O texto 2 é uma notícia publica-
escritor brasileiro da na revista Istoé.
Os cordéis são textos que brincam com persona- Leia o texto a seguir. Trata-se de uma notícia pu-
gens míticos. São histórias ouvidas dos antepassados blicada no jornal O Globo, em 2011
– ou bem modernas – e fantasiosas, como Lampião,
o capitão do cangaço, A peleja internética entre
dois cabras da peste e A peleja virtual de uma mu-
lher valente com um cabra cismado; são histórias in-
ventadas agrupando-se personagens improváveis,
como Carta do Satanás a Roberto Carlos, As aven-
turas de Bin Laden no Carnaval da Bahia; com amo-
res possíveis e impossíveis, como A moça roubada;
míticas; de crítica social, que revelam a condição
do sertanejo e da população; entre outras.
23
4. A intertextualidade e o gênero
diriam que o segundo é mais fácil de compreender. quais expressões estabelecerão as ligações en-
E as razões não são tão complicadas de entender. tre os diferentes trechos do texto.
Veja por quê. Estude o quadro e compare-o com as
respostas que você deu às questões da Atividade 1. Todas essas tarefas são do escritor, que deve fa-
Há aspectos semelhantes entre suas respostas e as zer escolhas para ajustar o texto às possibilidades de
observações do quadro? compreensão que ele imagina que o leitor possua.
Cada escolha feita tem a chance de tornar a leitura
e a compreensão do texto mais ou menos difíceis
para esse leitor. Mas não é só isso. A ordem em que
se escreve um enunciado, um período, também
pode facilitar ou dificultar a compreensão do leitor.
Você estudará um pouco isso a seguir. Mas, antes,
será feita uma pequena pausa para a discussão de
alguns conceitos fundamentais.
5. Palavras que terminam em “êem” e “ôo(s)” ACENTOS QUE DIFERENCIAM O SINGULAR DO PLU-
RAL DOS VERBOS TER E VIR E DERIVADOS
Não se usa mais o acento nas palavras que ter-
minam em “êem” e “ôo(s)”. Permanecem os acentos que diferenciam o sin-
Exemplos: gular do plural dos verbos ter e vir, assim como de
seus derivados (manter, deter, reter, conter, convir,
Antes Agora intervir, advir etc.).
Abençôo Abençoo Exemplos:
Crêem (verbo crer) creem • Ele tem três filhos. Eles têm três filhos.
Enjôo Enjoo • Ela vem de ônibus. Elas vêm de ônibus.
• Ele mantém o acordo. Eles mantêm o acordo.
Lêem (verbo ler) leem
31
Vêem (verbo ver) veem Quando tudo parecia simples para compor uma
palavra com apenas um traço, formando assim uma
Vôos voos
palavra composta, surgem regras para o uso do hí-
fen na nova convenção ortográfica.
6. Palavras: para; pela, pelo; polo e pera
Regras muito criticadas pelos linguistas. Para as
mudanças relacionadas ao novo emprego do hí-
Não se usa mais o acento que diferenciava os
fen, foram atribuídas as maiores queixas, entre elas
pares: pára/para; péla/pela, pêlo/pelo; pólo/polo e
a de que a nova regra descaracterizou algumas pa-
pêra/pera.
lavras. Veremos essa unificação de forma bem gra-
dual para que possamos entender bem esse caso.
Exemplos:
Vamos apresentar cada particularidade do hífen
• O guarda pára o trânsito. O guarda para o trân- pela nova reforma ortográfica. E pelas exemplifica-
sito. ções, esperamos que você assimile as alterações
• Viajou para o pólo Norte. Viajou para o polo gráficas para o “uso do hífen”. Mas lembre-se que
Norte. somente a prática levará à competência da escrita.
• O pólo é um jogo antigo. O polo é um jogo an-
tigo. Circunstâncias linguísticas a que se deve o em-
• Ele tem pêlos brancos. Ele tem pelos brancos. prego do hífen:
Comer pêra faz bem. Comer pera faz bem. 1. O hífen passa a ser usado quando o prefixo
termina em vogal e a segunda palavra começa
Atenção: você deverá estar bem atento(a) ao com a mesma vogal
contexto para entender o significado das palavras. Anteriormente, a palavra “micro-ondas “escre-
via-se sem hífen, “microondas”.
7. Acento diferencial em pôde/pode Pela nova regra, escreve-se com hífen porque o
prefixo “micro” termina com a vogal “o”, a mesma
Permanece o acento diferencial em pôde/ vogal com que se inicia o segundo elemento dessa
pode. junção, “ondas”.
Atenção:
• Pôde é a forma do pretérito perfeito do indica- Exemplos:
tivo do verbo poder, na 3ª pessoa do singular. anti-inflamatório, anti-inflacionário, micro-orga-
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
2. Não se usa o hífen: quando o prefixo termina OPINIÃO? NO JORNAL TAMBÉM TEM!
em vogal diferente da vogal com que se inicia o
segundo elemento 1. O jornal, a notícia e a opinião
Exemplos:
• Aeroespacial, agroindustrial, antiaéreo, ante- O universo jornalístico caracteriza-se por, funda-
ontem, autoestrada, autoescola, extraescolar, mentalmente, colocar a realidade em pauta – ou
infraestrutura, plurianual, semiaberta, semiesfé- seja, noticiar os acontecimentos de cada dia –, e
rico etc. contribuir para a reflexão a respeito deles. Em um
Exceção para essa regra: jornal, muitos textos circulam: notícias, reportagens,
O prefixo “co” aglutina-se com o segundo ele- editoriais, artigos de opinião, crônicas, anúncios de
mento, mesmo quando este se inicia pela letra “o” propaganda, notas sociais, cartas de leitor e rese-
ou “h”. nhas críticas são alguns deles.
Exemplos: Quando se pensa nas duas finalidades essen-
• Coobrigar, coobrigação, coordenar, cooperar, ciais do jornalismo, é possível destacar as notícias –
cooperação, cooptar, coopositor, coocupan- que são os textos que se relacionam especificamen-
te, coeducação, coeleitor, coelaborado, co- te com os acontecimentos do dia – e os artigos de
participante, contraordem, contraindicação, opinião, que expõem a opinião de distintos jornalis-
coedição, coeducar, cofundador etc. tas a respeito das questões noticiadas quando estas
Observação: no caso do “h” ele deve ser corta- tiverem relevância social, quer dizer, quando forem
do ao aglutinar-se ao prefixo “co”. importantes para a população como um todo e
Exemplos: quando não forem consenso, ou seja, quando pro-
• Coabitação, coerdeiro etc. vocarem polêmicas.
Além dos artigos de opinião, as posições dos
3. Não se usa o hífen quando o prefixo termina próprios veículos de comunicação – como os jornais
em vogal e o segundo elemento começa por con- Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo; as
soante diferente de “r” ou “s” revistas CartaCapital, Veja, Época, Istoé, entre ou-
Exemplos: tros – costumam circular nos editoriais, texto publica-
• Anteprojeto, antipedagógico, autopeça, auto- do logo no início dos veículos. Há comentários e po-
proteção, microcomputador, geopolítica, se- sições sobre questões menos polêmicas que cons-
minovo, semicírculo, semideus etc. tam de comentários opinativos, crônicas, nos blogs
articulados aos veículos, por exemplo. 33
Exceção:
• Com o prefixo vice, usa-se sempre o hífen. Os artigos de opinião – objetos de estudo desta
• Exemplos: vice-secretário, vice-diretor, vice-rei Unidade – são conhecidos como o texto em que o
etc. escritor manifesta sua opinião sobre os assuntos con-
troversos, ainda que essa posição não seja a mesma
4. Quando o prefixo terminar por consoante, do jornal ou da revista. A esse respeito, aliás, sempre
não se usa o hífen se o segundo elemento começar há uma nota publicada com o artigo para deixar
por vogal esse aspecto bastante claro ao leitor.
Exemplos: Esse tipo de produção, como se vê, é sempre as-
• Hiperacidez, hiperativo, interescolar, interes- sinado, assim como os editoriais (manifestação da
tadual, interestelar, superamigo, superaqueci- posição do próprio veículo), as resenhas críticas, as
mento, supereconômico, superexigente, supe- grandes reportagens, por exemplo. Todos esses são
rinteressante, superagitado etc. textos que se preocupam com a análise e a discus-
são dos fatos apresentados nas notícias, e com uma
5. Não se deve usar o hífen em certas palavras exploração ampliada e mais aprofundada deles.
que perderam o sentido de composição Analisando uma notícia Leia a notícia a seguir,
Exemplos: publicada na revista Época em 27 de março de
• Girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, 2014. Ela relata a realização de um estudo de indi-
paraquedas, paraquedista etc. cadores sociais sobre a compreensão que o brasi-
leiro possui a respeito da violência contra mulheres.
6. Não se usa o hífen quando o prefixo termina O relatório desse estudo – intitulado Tolerância
em vogal e o segundo elemento começa por r ou social à violência contra mulheres – apresentou da-
s. Nesse caso, duplicam-se essas letras dos que permitem compreender de que modo o
Exemplos: brasileiro se posiciona com relação ao assunto e faz
• Antissocial, antirreligioso, antirrugas etc. parte de uma pesquisa mais ampla, denominada
Você deve estar se questionando como dominar Sistema de indicadores de percepção social (SIPS).
todas estas informações para sedimentar um apren- Além de aspectos da violência sexual, o estudo
dizado. Para isso é necessário recorrer às pesquisas abordou também questões relativas tanto à violên-
quando surgirem as dúvidas. Ao fazer isso você es- cia doméstica quanto à organização familiar.
tará construindo um novo conhecimento a respeito
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
se costuma empregar quando a intenção é mostrar público; daí a escolha de aspectos mais sensaciona-
distanciamento do fato. É como se a afirmação fos- listas. Uma pesquisa com uma amplitude dessa não
se: são eles que estão dizendo, não é o jornalista ou se reduz a cinco ou seis tópicos, a cinco ou seis res-
o jornal; eu que escrevo não tenho nada com isso. postas, mas a um conjunto muito mais abrangente.
Dito de outra maneira, esses recursos provocam A que conclusão você chega, então? Você
um efeito de neutralidade, de isenção. Quando se pode chegar à ideia de que a notícia está muito
analisam outros aspectos do texto, a ideia de que a longe de ser neutra e imparcial. A questão é simples:
imparcialidade, de fato, não existe é evidente. Veja o fato existe, mas ele não se conta por si; é preciso
alguns exemplos. alguém para fazê-lo. Assim, sempre haverá escolhas
– de conteúdo, de recursos textuais – que serão fei-
• A manchete do texto – A culpa é delas. É o que tas por aqueles que redigem as notícias, por aqueles
pensam os brasileiros sobre a violência contra a que as editam, que possuem intenções específicas
mulher – é elaborada de modo a destacar uma e pessoais.
interpretação bastante contundente – decisiva A visão do fato, portanto, é sempre particular,
e agressiva – da pergunta feita ao pesquisado, ainda que o foco da notícia seja esse fato, e não a
que pedia a ele que dissesse se concorda ou opinião sobre ele. No texto, o que se cria por meio
não com a afirmação “Mulheres que usam rou- de recursos textuais como os identificados é um efei-
pas que mostram o corpo merecem ser ataca- to de neutralidade, necessário à constituição da
das”. Analisando as demais manchetes apre- ideia de credibilidade que um jornal ou uma revista
sentadas na Atividade 1, é possível verificar que pretende.
essa é aquela em que aparece de modo mais Leia o artigo de opinião publicado na revista
explícito a culpa atribuída à mulher pelo estu- Carta Capital, em 30 de março de 2014
pro.
• Observe o subtítulo:
35
sentando resultados relacionados a dois aspectos que são o machismo e o comportamento sexista,
fundamentais da discussão que será realizada: o evidenciados na pesquisa do Ipea por conta dos
comportamento sexista da sociedade brasileira e a tipos de resposta que os entrevistados deram às afir-
culpabilização da mulher pela violência que sofre. mações apresentadas pelos pesquisadores. Em pa-
No segundo parágrafo, o texto remete aos da- ralelo, o texto ressalta a importância da mídia, tanto
dos da pesquisa citada, relacionando-os a situações para fazer circular valores machistas quanto para al-
divulgadas na mídia em semanas anteriores (a situa- terar a situação de violência que a mulher vive hoje.
ção de abuso nos trens do metrô), à adolescência A pesquisa acaba sendo o “pano de fundo” para
da autora e até a situações ocorridas na Índia, de essas discussões fundamentais do texto.
modo a constatar o estado de opressão do pensa- A seguir, será apresentada uma síntese esque-
mento machista sobre as mulheres no mundo. mática da organização do texto discutido anterior-
No terceiro, recorre a um exemplo também an- mente. Por meio dessa síntese, será possível analisar
terior à data de divulgação da pesquisa, situação de que modo as ideias vão aparecendo no texto
na qual jovens, em um evento acadêmico, também e como vão sendo relacionadas com o que já foi
são submetidas a pressões similares e à coação – ou dito. Chama-se isso de esquema da progressão das
seja, repressão – e à culpabilização em razão do ideias, quer dizer, esquema de como o texto vai, aos
que vestem. poucos, parágrafo por parágrafo, acrescentando
No quarto parágrafo, o texto recupera a situa- ideias novas àquelas que acabaram de ser discu-
ção atual relativa à realização da Copa do Mundo, tidas.
ressaltando a imagem que os turistas possam ter a Veja como esse esquema é elaborado.
respeito da mulher brasileira em função desse pro-
cedimento sexista, o que pode colocá-la, mais uma
vez, em situação de algoz de si mesma, algoz da
violência que ela mesma sofre pelo comportamen-
to masculino. É a primeira vez que o texto aborda
a discussão sobre o papel da mídia na constituição
da imagem da mulher culpabilizada. Essa aborda-
gem é implícita, quando há referência à criação da
imagem no exterior; e explícita, quando se toca no
papel que a imprensa pode ter na reversão desse
quadro.
O quinto parágrafo apresenta a ideia de que,
apesar do machismo, há avanços da sociedade 37
na criação de dispositivos de defesa e proteção
da mulher, como as leis. Ao mesmo tempo, afirma
que a imprensa precisaria deixar de ser omissa em
relação ao combate a toda sorte de violação de
direitos humanos.
O sexto parágrafo é dedicado a responsabilizar
a mídia pela objetificação da mulher nas mais varia-
das circunstâncias.
Já o sétimo e o oitavo criticam aqueles que
agem como se o comportamento sexista não existis-
se e endossam o processo de culpabilização da mu-
lher, apresentando um exemplo de manifestação
explícita do blogueiro Felipe Moura Brasil (citando-
-o), que compara um assalto a um estupro.
No nono parágrafo, o texto articula todos os
exemplos apresentados anteriormente, reconhe-
cendo-os como evidências do machismo brasileiro
medieval, o grande responsável pelo processo de
culpabilização da mulher – presente no comporta-
mento, inclusive, de outras mulheres.
Os dois últimos parágrafos são elaborados para
apresentar dois reconhecimentos: em primeiro lugar,
a duas ações de repúdio aos resultados da pesquisa
pela mídia impressa e eletrônica; em segundo, con-
siderando que, mesmo em meio a resultados tão de-
sanimadores, a pesquisa aponta que há avanços,
como a rejeição à violência física e simbólica.
Sintetizando, é preciso dizer que o texto busca
focalizar as causas da violência de gênero no país,
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Certamente, essas escolhas do texto relacio- 3. O uso das aspas no texto e os efeitos de sen-
nam-se com a imagem que a autora possui do seu tido decorrentes
interlocutor: suas crenças, seus valores, suas possibili-
dades de compreensão e a decorrente chance de Um recurso muito empregado no texto foram as
convencimento por meio do emprego deste ou da- aspas, por diferentes razões. Veja o quadro a seguir.
quele recurso discursivo.
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4. Sintetizando
que fez da situação e das intenções do outro (16o rada acima para analisar o processo de argumenta-
parágrafo). ção que nela aconteceu.
Em outras palavras, no primeiro momento era
apenas uma troca de opiniões entre colegas; de-
pois, passou a ser um processo de convencimento,
com análise da situação, e argumentação sustenta-
da com base em questões lógicas, ainda que essa
lógica seja baseada no modo de pensar de deter-
minado grupo social e que os argumentos possam
ser contestados.
5. Argumentação
Portanto, para que os argumentos sejam sele- em discussão no artigo de Mariana Martins é de re-
cionados de maneira apropriada, é preciso analisar levância nacional, no mínimo, e diz respeito a todo
a sua adequação à situação de comunicação, ao brasileiro. E essa é uma característica fundamental
contexto. do artigo de opinião: discutir uma questão polêmi-
ca, controversa, de alcance maior, mais amplo, de
7. A orientação de um artigo de opinião relevância para determinado grupo social.
Assim, há como ter questões polêmicas do tipo:
Mas você deve estar se perguntando: O que A pena de morte pode reduzir a criminalidade?, De-
tudo isso tem a ver com o estudo sobre a leitura e ve-se ou não aprovar a união civil entre homosse-
a escrita de artigos de opinião? É simples: a análise xuais?, A maioridade penal deve ser reduzida para
dessa situação pode dar boas pistas sobre o que fa- 16 anos?, A mulher pode ser culpabilizada pela
zer, como proceder quando for escrever um artigo violência que ela mesma sofre?, que possuem rele-
desses. Algumas das pistas podem ser as seguintes: vância para grupos sociais mais amplos. Da mesma
Quando for escrever um artigo de opinião, é preciso forma, é possível ter questões como: Deve-se ou não
considerar: proibir o uso de celular na sala de aula?, A nossa es-
cola deve ou não adotar uniforme?, O controle do
• o leitor e seus prováveis conhecimentos (sobre atraso às aulas deve ser abolido?, O namoro deve
o assunto, sobre o gênero, por exemplo) – para ou não ser permitido no intervalo das aulas?, Deve-
decidir o que pode funcionar melhor para con- -se ou não manter o horário da sesta no comércio
vencê-lo; da nossa cidade?, que são relevantes e significati-
• as características da situação de comunica- vas para grupos sociais mais reduzidos.
ção em si (se mais ou menos formal; mais ou De um modo ou de outro, um artigo de opinião
menos pessoal; em que esfera acontecerá – não discute questões pessoais, e essa é uma carac-
acadêmica, de consumo, jornalística, escolar, terística fundamental desse gênero: debater ques-
institucional, religiosa, de lazer, legal, policial, tões de relevância social que gerem divergência de
entre outras) – para poder decidir pelo tipo de opinião, que não sejam consensuais. Ou seja, discutir
linguagem que será empregado; questões de interesse social mais amplo, que tenham
• as características do gênero no qual o seu dis- importância para um número maior de pessoas e
curso vai ser organizado (se será artigo de opi- que gerem polêmica, divergência de opiniões. A
nião, carta de reclamação, comentário opina- finalidade dessa discussão é constituir um conjunto
tivo, tese, dissertação etc.); de conhecimento a respeito do assunto, de forma
• a finalidade da situação, que é convencer o que um consenso possa vir a ser construído, organi-
zando as relações sociais em patamares diferentes, 41
outro da sua posição;
• o portador pelo qual esse discurso/texto será mais evoluídos, democráticos e justos.
publicado (jornal, mural, revista, panfleto, por Alguns exemplos de questões polêmicas históri-
exemplo) – para utilizar recursos adequados a cas são, por exemplo: A mulher deve ter o direito de
esse portador (imagens, vídeos, gráficos, info- votar? e O divórcio deve ser uma solução quando a
gráficos, links, citações, por exemplo); convivência de um casal não é mais possível?, entre
• o veículo correspondente ao portador (revista tantos outros.
Leia o texto a seguir, As mentiras sinceras das
Veja, Istoé, CartaCapital, Nova Escola, Piauí,
pesquisas, elaborado por Pedro Burgos e publicado
Caras; jornal O Globo, Folha de S.Paulo, O Esta-
na revista Superinteressante de maio de 2014.
do de S. Paulo, por exemplo) – pois isso permite
identificar o perfil do leitor e do conteúdo que
poderia interessar a ele, assim como os argu-
mentos que poderiam convencê-lo e a lingua-
gem a ser empregada.
42
RANGEL, Egon et al. Pontos de vista. Caderno cado de trabalho. RANGEL, Egon et al. Pontos
do professor: orientação para produção de tex- de vista. Caderno do professor: orientação para
tos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 103. produção de textos. São Paulo: Cenpec, 2010,
p. 103.
• Argumento por exemplificação: neste caso,
utiliza-se de exemplos representativos da posição • Argumento da competência linguística: trata-
defendida, os quais justificam essa posição e, assim, -se da utilização da variedade linguística adequada
acabam por convencer o interlocutor. na organização, por exemplo, de um discurso, con-
siderando que esta pode convencer o interlocutor
Exemplo: de que o argumentador tem credibilidade suficien-
Vejam os exemplos de muitas experiências te para defender a posição assumida. Quer dizer, é
positivas – Jundiaí (SP), Campinas (SP), São preciso utilizar um tipo de linguagem que diga para
Caetano do Sul (SP), Campina Grande (PB) etc. o ouvinte ou leitor que o autor do texto (oral ou escri-
– sistematicamente ignoradas pela grande im- to) é competente, sabe o que diz, merece credibili-
prensa. Tantos exemplos levam a acreditar que dade. E aqui é importante ressaltar que a variedade
existe uma tendência predominante na grande a ser utilizada deve ser a que pode convencer a au-
imprensa do Brasil de só noticiar fatos negativos. diência específica daquele texto, o leitor concreto
RANGEL, Egon et al. Pontos de vista. Caderno que se quer atingir.
do professor: orientação para produção de tex-
tos. São Paulo: Cenpec, 2010, p. 103. ARGUMENTAR POR ESCRITO: A ELABORAÇÃO DE
UM ARTIGO DE OPINIÃO
• Argumento de princípio ou baseado no con-
senso: neste tipo de argumento, a justificativa apre- Mas o que é mesmo necessário fazer para escre-
sentada para a posição defendida é um princípio, ver um artigo de opinião?
ou seja, uma crença pessoal – que pode ser tam- Com tudo o que foi discutido, é possível dizer que
bém do interlocutor – baseada em uma consta- elaborar um artigo de opinião requer, pelo menos,
tação (lógica, científica, ética, estética etc.) que que você realize as ações apresentadas a seguir:
é aceita como verdadeira e que tenha validade
universal. No processo de argumentação, ao utili- • Recupere o contexto de produção definido
zar esse tipo de argumento, relaciona-se o conjunto para o texto. Ou seja, retome as informações re-
de dados apresentados no princípio e, por meio da lativas a: para quem o texto será escrito; qual é
dedução, cria-se o efeito de comprovação da tese a finalidade do texto; onde o texto vai circular;
44 – por um processo dedutivo –, que pode conven- em que veículo será publicado; de que lugar
cer o interlocutor. É importante ressaltar que não se social você escreverá o texto.
trata de argumentos baseados em lugares-comuns,
carentes de base científica e de validade discutível. Você deve utilizar essas informações para orien-
tar a escrita do seu texto, selecionando os argumen-
Exemplo: tos mais adequados para convencer o interlocutor
A derrubada dos índices de mortalidade infan- previsto; escolhendo a linguagem que considerar
til exige tempo, trabalho coordenado e plane- mais indicada para esse interlocutor compreender
jamento. Ora, o índice de mortalidade infantil o que você vai dizer e também para convencê-lo
de São Caetano do Sul, em São Paulo, foi o que da sua posição; pensando na extensão mais apro-
mais caiu no país. Portanto, São Caetano do Sul priada para o texto, levando em conta o veículo
foi o município do Brasil que mais investiu tempo, em que será publicado; definindo o movimento ar-
trabalho coordenado e planejamento na área. gumentativo que você considerar mais adequado
RANGEL, Egon et al. Pontos de vista. Caderno do para suas intenções e para convencer o interlocu-
professor: orientação para produção de textos. tor; entre outros aspectos.
São Paulo: Cenpec, 2010, p. 103.
• Defina a questão controversa que você discuti-
• Argumento por causa e consequência (ou rá ao elaborar o artigo.
baseado no raciocínio lógico): neste caso, trata-se • Uma vez decidido qual será a questão polêmi-
de propiciar que a tese seja aceita por ser causa ou ca, estabeleça sua posição acerca dela. Para
consequência dos dados apresentados. tanto, faça uma pesquisa e levante artigos,
reportagens, fontes nas quais você possa se in-
Exemplo: formar sobre o assunto. Leia tudo e vá grifan-
Não existem políticas públicas que garantam do aspectos que podem ser considerados na
a entrada dos jovens no mercado de trabalho. discussão, argumentos que possam sustentar as
Assim, boa parte dos recém-formados numa diferentes posições a serem apresentadas em
universidade está desempregada ou subem- seu texto, dados que pareçam interessantes ao
pregada. O desemprego e o subemprego são seu leitor, entre outros aspectos.
uma consequência necessária das dificuldades • Depois de ler e de grifar, organize um quadro
que os jovens encontram de ingressar no mer- com duas colunas: uma para listar os argumen-
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
tos a favor da posição que você vai defender Isso tira a atenção, desfocando-a da compre-
no artigo e outra para os argumentos contrários ensão da posição defendida e da respectiva
a essa posição. O quadro poderá auxiliar na se- adequação dos argumentos em relação a ela;
leção dos argumentos para a defesa da posi- – depois de reler cada trecho, revise-os, utilizan-
ção que escolher posteriormente, inclusive con- do articuladores que representem com clareza
siderando as possibilidades de convencimento as relações que você quer estabelecer entre os
de seus interlocutores. diferentes trechos:
• Utilizando o quadro, selecione – entre todos os
argumentos que encontrou – aqueles que você Verifique as possibilidades de interpretações
acredita que possam ter maior impacto sobre equivocadas do enunciado e reescreva os trechos,
seu interlocutor, tanto para defender a sua po- caso seja necessário;
sição quanto para atacar a contrária à sua,
derrubando-a. – ao selecionar adjetivos para qualificar o leitor,
• Escolha um argumento utilizado pelos opositores os veículos ou a si mesmo, considere o que acredita
da sua posição que você considera importan- ser adequado para convencer seus interlocutores.
te rebater, aquele bastante utilizado por quem Efeitos de muita erudição, de muita técnica, de mui-
defende o contrário: quando for escrever, você ta teoria ou de muita especialização podem não
vai trazê-lo para dentro do seu texto, admitir funcionar como desejado. Às vezes, um recurso que
que pode ser importante e que até existe algo apele para o emocional pode ser mais adequado
bom nele, mas vai contestá-lo definitivamente. ao leitor definido;
• Selecione também os argumentos contrários – infográficos (gráficos com imagens e esque-
que você criticará no texto, refutando a posi- mas, por exemplo) e gráficos (com dados quanti-
ção de seu opositor. tativos) podem ser recursos interessantes para apre-
• Elabore um plano para seu texto, definindo e sentar dados, mas devem ser adequadamente arti-
organizando: culados ao texto;
– dependendo do veículo e do local de circula-
– a maneira como você contextualizará a ques- ção, imagens também podem ser um recurso inte-
tão controversa que vai discutir; ressante no processo argumentativo;
– o movimento argumentativo que considera – indique todas as fontes dos dados que forem
mais adequado tanto para o seu estilo pessoal de apresentados – e procure fontes que tenham credi-
escrever quanto para o convencimento do seu in- bilidade e relevância na área a que a questão con-
terlocutor; troversa se refere. 45
– os argumentos por ordem de força de conven-
cimento e se serão apresentados na ordem cres- Depois de terminar o artigo, releia-o por inteiro e
cente ou não; faça uma revisão final, orientando-se por três aspec-
– a ordem em que você apresentará sua posi- tos: o ajuste do texto ao contexto de produção; se
ção: se logo no início do texto ou se depois, mais está adequado à defesa da posição assumida; se
para o final; está de acordo com as possibilidades de convenci-
– o registro linguístico – a linguagem – que utiliza- mento do interlocutor.
rá em função do leitor, do veículo (revista ou jornal,
impressos, eletrônicos, televisivos ou radiofônicos) e 1. O contexto de produção e a questão contro-
do espaço em que o texto circulará (jornalismo); versa: definindo o caminho
– o modo como terminará o texto;
– um título que seja representativo da questão Uma vez tendo recuperado o que é preciso fa-
polêmica em discussão e/ou da posição que será zer para escrever seu artigo, defina, parte a parte,
defendida no texto; um título que possa interessar ao os aspectos específicos do processo. Comece pela
interlocutor, seduzindo-o para a leitura; definição da questão controversa – ou questão po-
– as estratégias argumentativas que utilizará e os lêmica – a que o texto deverá responder.
recursos textuais a serem empregados (apresenta- Toda a Unidade anterior foi destinada à análise
ção de exemplos, do cotidiano ou não; utilização de textos sobre o tema da pesquisa Tolerância social
de paralelismos – e de que tipo, entre outros). à violência contra as mulheres, realizada pelo Ipea.
Nesse estudo foram considerados os seguintes as-
pectos: o estudo do conteúdo da pesquisa – o que
• Redija seu texto tomando os seguintes cuida- compreendem os brasileiros sobre a violência con-
dos: – use como referência o contexto de pro- tra as mulheres; o fato de o Ipea ter cometido um
dução definido e o plano elaborado para o erro no processo de divulgação dos dados, o que
seu texto, consultando-os durante a redação; colocou em cheque a confiabilidade do brasileiro
– após escrever cada trecho, releia-os, procu- nas pesquisas em geral.
rando deixá-los o mais claro possível para o in- A proposta é que você conserve a mesma te-
terlocutor: evite períodos muito longos e muitas mática. Considerando isso, defina a questão polê-
intercalações, pois colocam a atenção do lei- mica que você gostaria de discutir. São sugeridas as
tor na necessidade de reler para compreender. seguintes:
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
47
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
tações a seguir. Elas podem ajudá-lo nesse processo dos alguns recursos que você pode utilizar. Analise-
de escrita. -os, veja se combinam com a maneira de escrever
que você aprecia e escolha aqueles que considerar
5. Algumas estratégias argumentativas que po- mais condizentes com seu estilo. São eles:
dem ser utilizadas
• Começar o texto apresentando várias pergun-
Há várias estratégias que podem ser utilizadas tas a respeito do assunto, as quais terão a fun-
na organização do seu texto para que você con- ção tanto de organizar o contexto da questão
siga convencer seus interlocutores da posição que controversa a ser discutida quanto de estruturar
defende. A seguir são indicadas algumas possibilida- a apresentação de argumentos.
des. • Para contextualizar o problema, contar um
caso que seja representativo do cotidiano do
• Qualificar-se diante do leitor como alguém de interlocutor e que se relacione com a questão
credibilidade para defender seu ponto de vista. polêmica.
Exemplo: • Se for coerente com a questão em discussão,
Eu, como professor de uma escola pública; Eu, organizar acontecimentos em uma linha do
como estudante que trabalha; Mulher que sou, que tempo sintetizando a evolução do problema a
tem jornada tripla de trabalho. que se refere.
• Citar veículos de comunicação que tenham
• Identificar-se com o interlocutor, aproximando- credibilidade aos olhos do interlocutor quando
-se dele para criar uma proximidade e provo- se referir à posição defendida no texto.
car uma identificação dele com a sua posição. • Anunciar o modo como vai organizar o texto.
Exemplo: • Colocar uma frase de efeito para encerrar o
Estudantes trabalhadores como nós; Mulheres texto – ou para iniciá-lo.
que somos, que trabalhamos fora, cuidamos dos fi-
lhos e da casa... sabemos bem como essas coisas 7. Recursos linguísticos fundamentais dos arti-
funcionam. gos de opinião
• Qualificar o leitor, valorizando-o, criando uma Quando você redigir seu texto, atente-se aos se-
imagem favorável daquele que o texto deseja guintes aspectos:
convencer: sentindo-se reconhecido, respeita-
do, amplia-se a possibilidade de o interlocutor • Procure organizá-lo na 3a pessoa do singular
50
aproximar-se do texto – e, assim, da posição (ele ou ela) ou 1a do plural (nós): A pesquisa
nele defendida. do Ipea (ela); O Ipea ao divulgar os resultados
Exemplo: (ele); Acreditamos que esse modo de pensar
Tenho certeza de que você, como brasileiro res- (nós).
ponsável, trabalhador, acostumado a sustentar-se • Procure não ser muito imperativo. Use expres-
na esperança de que essa situação vai se modificar sões como é possível que; é provável que;
é capaz de compreender a necessidade de rever- parece que; talvez; não necessariamente, por
mos esse tipo de comportamento, tão desrespeito- exemplo.
so. • Você vai empregar muitos verbos que expres-
sam opinião como O Ipea acredita que; Julga-
• Distanciar o leitor do opositor da ideia que você mos adequado esclarecer que; entre outros. O
vai defender no texto, criando uma imagem bom é você estar preparado para diversificar.
desfavorável dele: essa estratégia acaba por • Os artigos de opinião são, em geral, redigidos
aproximar o leitor do argumentador, o que o utilizando-se os seguintes tempos verbais:
avizinha também da posição defendida no
texto. – Presente do indicativo (ou do subjuntivo) na
Exemplo: apresentação de argumentos e contra-argumen-
Um brasileiro como você, que trabalha de dia e tos: comecemos por apresentar; como sempre
estuda à noite, que se sacrifica para ter condições acontece; É correto afirmar que; é preciso ter claro
razoáveis de vida, não poderia aliar-se ao tipo de que; podemos afirmar que.
pessoa que só tem a si próprio em perspectiva, igno- – Pretérito perfeito e mais-que-perfeito, na apre-
rando aqueles com quem convive. sentação de dados, em relatos para retomada de
histórico da questão, por exemplo: nas pesquisas
6. Alguns recursos textuais que podem ser em- realizadas foram encontrados os seguintes resulta-
pregados dos; a metodologia adotada na pesquisa foi falha;
a ideia que fora apresentada não atendia ao que
Os modos de redigir um texto são tão variados era suficiente para convencê-los na ocasião.
quanto os estilos de cada escritor. Ler esses textos e
prestar atenção nesses modos de escrever pode lhe • Para estabelecer as conexões entre os diferen-
oferecer um bom repertório. A seguir são apresenta-
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tes segmentos do seu artigo, você precisará uti- F2: – Ali logo fica ah ela. Direita à virar só é, sina-
lizar os articuladores textuais. Fique atento para leiro vida até toda seguir, você de direita à vira novo
selecionar o articulador adequado ao tipo de de. Você daí rua na vai já.
relação que você quer estabelecer entre as Foi possível entender o diálogo? Você conseguiu
partes do texto. No quadro a seguir foram sele- identificar o que o F1 lhe falou? E a resposta dada?
cionados alguns deles, indicando em que oca- Você conhece, como falante da língua portuguesa,
sião podem ser empregados na escrita de um essa organização de frase? Na vida real, você fala-
artigo de opinião. ria assim com um amigo ou algum conhecido falaria
assim com você?
Veja agora:
F1: – Por favor, você poderia me informar onde
fica a rua João Lisboa Guimarães?
F2: – Ah, fica logo ali. É só virar à direita, seguir
toda vida até a sinaleira; depois você vira à direita
de novo.
Daí, você já vai estar na rua. No segundo diálo-
go, dá para saber qual a mensagem que se deseja
passar ou receber? Podemos perceber que há nele
uma conversa entre duas pessoas, por isso pode ser
considerado um diálogo. A primeira pessoa pergun-
ta onde fica a rua João Lisboa Guimarães. O que
ela quer é uma informação. A segunda pessoa res-
ponde que a rua fica perto de onde supostamente
os dois falantes se encontram.
Em seguida, começa a explicar o que é preciso
fazer para chegar até lá. Tudo isso nós entendemos
porque F1 e F2 seguem uma ordem em sua fala. Essa
ordem natural de organização da fala permite que
um compreenda o que o outro diz, estabelecendo
a comunicação.
É importante perceber que essa ordem ou or-
Agora, mãos à obra! Escreva seu texto! Mas vá ganização nada mais é do que uma gramática
internalizada: um conjunto de regras que todo fa- 51
devagar e com paciência. Escrever é um exercício
e, como tal, requer esforço e persistência. lante de uma língua tem interiorizado, desde muito
pequeno, a partir de suas experiências, envolvendo
8. O processo de revisão do texto palavras articuladas como meio de comunicação.
Essa interiorização, a princípio, é inconsciente;
Você deve se lembrar de que a atividade de es- quer dizer, vai se desenvolvendo sem que a criança
crita é um exercício e, como tal, requer persistência. se dê conta.
Isso significa que: é preciso escrever, reler uma vez Você já viu, por exemplo, algum adulto explicar
e identificar o que pode ser melhorado, reescrever regras gramaticais para uma criança a fim de que
considerando essa análise e rever de novo, proce- ela aprenda a falar e tenha consciência desse pro-
dendo da mesma maneira até que o texto possa ser cesso? Nem precisa.
considerado adequado para cumprir sua finalida- No contato diário com os falantes que a cercam
de, que é convencer os interlocutores definidos. (os pais, os familiares, os vizinhos), a criança vai per-
Em outras palavras, o texto é provisório até que cebendo a organização da língua e vai aprenden-
se conclua a última revisão. do a construir suas falas. Por isso, nem mesmo uma
criança que esteja engatinhando pelo mundo das
DAS PALAVRAS AO CONTEXTO palavras construiria uma frase como as do primeiro
diálogo.
1. O que sabem os falantes
olhos grandes, o outro, pequenos. Enfim, existem conhecido como macaxeira em alguns estados
muitas variedades para infinitos corpos, contendo brasileiros, será conhecido como aipim e mandioca
uma mesma organização interna (todos têm cora- em outros.
ção, rim, sangue, veias etc., distribuídos de um mes-
mo modo).
Na língua portuguesa, encontramos algo pare- A LÍNGUA VAI À ESCOLA
cido com isso. Dependendo do lugar onde vive, da
classe social à qual pertença, do nível de escolarida- Se você reparou no subtítulo, deve ter estranha-
de que tenha atingido, de sua família, de sua idade, do algo. O quê? A língua vai à escola?! Mas não são
de seu grupo de amigos, você dará uma aparência os alunos que vão à escola para aprenderem, entre
diferente à sua fala. Ou seja, usará a língua de um outras coisas, a língua materna? O que você acha?
jeito próprio para se comunicar com os outros. Estamos vendo, desde o início deste capítulo, que: a
língua portuguesa possui muitas variedades e todos
os falantes dessa língua já conhecem pelo menos
uma dessas variedades antes de entrarem na esco-
la. Isso quer dizer que, quando você vai à escola,
leva consigo a língua que conhece e, consequente-
mente, a organização dessa língua, sua gramática.
Na região onde você mora, há um jeito próprio O que acontece, porém, é que, na escola, en-
de se falar (há sotaque, há palavras e expressões contra uma outra variedade da língua – a chama-
próprias da região)? da culta padrão – privilegiada e escolhida como
Pense na situação que segue para entender modelo para várias situações de fala e escrita (por
melhor essa questão do jeito. exemplo, atividades científicas, literatura, documen-
Há alguns programas de rádio que são transmi- tos, meios de comunicação como jornais, revistas,
tidos em quase todas as regiões do Brasil (às vezes, televisão).
em todas). Num desses programas, você ouve uma É importante dizer que o privilégio de uma varie-
cozinheira dando a seguinte receita de bolo: dade linguística em lugar de outras se deve sempre
a razões históricas, sociais, culturais e, principalmen-
Bolo de Macaxeira te, econômicas. Isso pode gerar basicamente duas
consequências:
Ingredientes: 1 ½ xícara de macaxeira cozida e
moída no liquidificador; 3 colheres de sopa de mar- - O estudo dessa variedade culta pode levá-lo
52 garina ou manteiga; 2 ovos;1 ½ xícara de açúcar; a entender melhor os mecanismos da língua, suas
6 colheres de sopa de leite de coco; ½ xícara de regras, sua ordem. E esse entendimento permite que
farinha de trigo;1 ½ colher de chá de fermento em você escolha como usar a língua nas mais diferentes
pó; 100g de coco ralado. situações comunicativas. Nesse caso, aprender no-
vas regras e normas é aprender novas possibilidades
Modo de Preparo: Coloque a macaxeira, a de uso da língua.
manteiga, os ovos, o açúcar e o leite de coco no - Esse estudo pode gerar também a ideia de
liquidificador e bata até obter uma massa cremosa que essa variedade, por ter sido escolhida como pa-
(se você não tiver liquidificador, pode bater a mas- drão, seja mais importante, que sua gramática seja
sa à mão). Junte a farinha de trigo, o fermento em a única correta e que, portanto, todas as outras va-
pó e o coco ralado, misturando tudo suavemente. riedades sejam erradas, inferiores a ela. Essa noção
Unte uma forma redonda com um pouco de man- da língua é indesejável, porque leva ao preconceito
teiga ou margarina e despeje a massa. Leve ao for- linguístico: o de que só sabe português quem faz uso
no (temperatura média) por aproximadamente 40 da variedade culta padrão.
minutos.
A ESCRITA E O MUNDO
Você anota a receita, mas, na hora de fazer o
bolo, há um pequeno problema: você não sabe o Você já ouviu falar em línguas ágrafa e gráfi-
que é macaxeira. E, sem esse conhecimento, fica ca? As chamadas línguas ágrafas são aquelas que
impossível realizar a tarefa satisfatoriamente. têm uma tradição exclusivamente oral. Ou seja, são
Para resolver o problema, você poderia recorrer apenas faladas, sem registros escritos. No mundo
a um dicionário, a uma enciclopédia, perguntar a todo, há centenas delas.
alguém que estivesse mais próximo. É bem prová- Nessas línguas, não há a noção de erros grama-
vel que descobrisse que macaxeira é um tubérculo ticais ou de uso inadequado de linguagem como
como a batata: rico em nutrientes; muito bom para nas línguas gráficas.
cozinhar, fazer farinha etc. A noção de erro vem da tradição escrita da lín-
O mais importante, no entanto, é perceber que, gua.
nessa situação, estamos diante de um fato da lín- Com base na observação da língua escrita, prin-
gua: a variedade linguística regional. De uma região cipalmente a literária, é que se passou a estabele-
para outra, os objetos, as pessoas, os alimentos po- cer as normas (mais conhecidas como regras) para
dem receber nomes diferentes. O mesmo alimento
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
uso das formas e das construções, considerando-se entre os receptores de um texto. Ou seja, mesmo
errado tudo que não obedecesse a elas. que os interlocutores (quem escreve/ quem lê) uti-
Atualmente, prefere-se observar se o que se usa lizem, no seu dia-a-dia, variedades linguísticas dife-
está adequado (como veremos mais adiante). rentes da culta padrão, se forem alfabetizados, cer-
tamente terão condições de entender a mensagem
desse documento.
vam em negociação com a empresa e, portanto, te saber o nome do autor, o nome do livro, o ano de
ainda tinham esperança de reaver o emprego. sua publicação.
Mas a utilização do verbo ratificar derrubou Depois disso, o que você faria? Poderia continuar
qualquer expectativa boa de negociação. Como a ler o texto. Mas nada o impediria de simplesmente
não havia mais nada na notícia que pudesse con- pensar sobre o trecho lido. Por onde você começa-
textualizar mais claramente o uso desse verbo, as ria? Há várias maneiras de se começar a analisar um
demissões, segundo a notícia, foram confirmadas. texto. Nós podemos começar observando o diálogo
Como você ficaria depois disso? Se precisasse entre duas personagens: Pedro Bala e “ela”, a meni-
do emprego, certamente ficaria desolado, deses- na. Eles conversam sobre uma decisão tomada por
perançoso, triste. Vivenciaria, nesse momento, um ela (“tomar parte do que vocês fizer”).
grande problema: o desemprego. Pois bem. Só que, Mas, há mais coisas, além dessa decisão da
no dia seguinte, você recebe uma convocação menina, que o texto nos fala? O que, por exem-
para voltar a trabalhar, porque, na verdade, o que plo, você pode perceber ? Como as personagens
a empresa fez foi retificar as demissões. falam? O que essa fala pode sugerir? Onde você
Ou seja, ao fazer um balanço de seu caixa, ela acha que eles moram? Como eles parecem viver?
voltou atrás em sua decisão, readmitindo os 260 fun- Acreditamos que sejam pouco instruídas, pela ma-
cionários. Final feliz para você. Porém, nessa situa- neira como falam (“tu tá gozada”; “uns homão”,
ção, a troca do fonema /e/ pelo /a/ causou, mes- “uns menino”) e pobres, por aquilo que falam: vão
mo que momentaneamente, transtornos e sofrimen- para a rua “bater coisas” para conseguirem comi-
tos desnecessários. da. Nessa situação, o texto traz as marcas dessa po-
breza e desse abandono. O uso de uma variedade
linguística não padrão indica que as personagens
estão distantes do ambiente escolar.
O que falam também nos confirma essa hipóte-
se: eles estão nas ruas, “batendo” coisas para con-
seguirem comer e, consequentemente, sobreviver.
PARA ALÉM DO QUE É DITO Não sabemos se esse “bater coisas” quer dizer furtar
ou pedir.
Se você já esteve em uma biblioteca, logo vai De qualquer forma, são “uns menino” lutando
reconhecer essa imagem: um livro aberto numa pela própria vida, sobrevivendo sem a proteção do
página qualquer, sendo lido distraidamente por um adulto, sem a escola, sem a comida da mãe, sem
usuário. Imagine-se como esse usuário, passando os o direito de ser simplesmente “uns menino”. Embo-
olhos por muitos livros e deparando com o seguinte ra, em nenhum momento, o autor do texto nos fale 55
texto: explicitamente (claramente) quais as condições
No dia em que, vestida como um garoto, ela sociais, econômicas e culturais das personagens, é
apareceu na frente de Pedro Bala, o menino come- possível imaginar algumas coisas através do diálo-
çou a rir. Chegou a rolar no chão de tanto rir. Por fim, go que mantêm, de seu comportamento, de suas
conseguiu dizer: necessidades. Ou seja, é possível identificar carac-
terísticas da vida dessas personagens mesmo que
– Tu tá gozada... elas não nos digam com todas as palavras: “somos
Ela ficou triste e Pedro Bala parou de rir. pobres, vivemos na rua, não temos pais que cuidem
– Não tá direito que vocês me dê de comer de nós etc”.
todo dia. Pense um pouco mais sobre as marcas que um
Agora eu tomo parte no que vocês fizer. texto pode trazer. No trecho abaixo, temos uma si-
O assombro dele não teve limites. tuação do romance Vidas Secas, de Graciliano Ra-
– Tu quer dizer... Ela olhava calma, esperando mos.
que ele concluísse a frase. – ...que vai andar
com a gente pela rua, batendo coisas... Em horas de maluqueira Fabiano desejava im-
– Isso mesmo itá-lo: dizia palavras difíceis, truncando tudo, e
– sua voz estava cheia de resolução. convencia-se de que melhorava. Tolice. Via-se
– Tu endoidou... perfeitamente que um sujeito como ele não
– Não sei por quê. tinha nascido para falar certo.
- Tu não tá vendo que tu não pode? Que Seu Tomás da Bolandeira falava bem, estraga-
isso não é coisa pra menina? Isso é coisa pra va os olhos em cima de jornais e livros, mas não
homem. sabia mandar. Esquisitice um homem reme-
– Como se vocês fosse tudo uns homão. É tudo diado ser cortês. Até o povo censurava aque-
uns menino. las maneiras. Mas todos obedeciam a ele. Ah!
AMADO, Jorge. Capitães de areia. São Paulo: Quem disse que não obedeciam?
Círculo do Livro, [19--]. p. 169. RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 3. ed. São Paulo:
Martins, 1974.
Qual a primeira coisa que você faria depois des-
sa leitura descompromissada, solta? Seria interessan- O que o texto diz? O que podemos apreender
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
chamar Riobaldo...” Digo ao senhor: e foi meni- e) Mário e Felipe são primos. Mário é extrema-
no nascendo. Com as lágrimas nos olhos, aque- mente vaidoso, pretensioso. Felipe é um rapaz
la mulher rebeijou minha mão... Alto eu disse, no calmo e muito simples. Os dois namoraram Te-
me despedir: – “Minha Senhora Dona: um meni- resa na mesma época. Teresa teve uma filha e
no nasceu – o mundo tornou a começar!...” – e entrou na justiça para exigir dos dois primos um
saí para as luas. [...] exame de DNA. O juiz disse que não era neces-
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: Veredas. Rio sário, pois entrou em vigor a lei que converte em
de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 467-468. © Nonada presunção de paternidade a recusa dos homens
Cultural Ltda. em fazer teste de DNA.
Universidade Federal do Paraná (UFPR), 2010. Dispo-
1. O trecho que acabou de ler é narrado em nível em: <http://www.nc.ufpr.br/
1a pessoa. A linguagem utilizada pelo narrador concursos_institucionais/ufpr/ps2010/provas1fase/
assemelha-se à de uma conversa? Justifique sua PS2010gabarito_geral.pdf>
resposta.
2. Guimarães Rosa – o autor do texto – traba- 04. Identifique a ordem em que os períodos
lhou em várias cidades do interior mineiro, sem- devem aparecer, para que constituam um tex-
pre demonstrando profundo interesse pela natu- to coeso e coerente. (Texto de Marcelo Marthe:
reza, pelos sertanejos e, principalmente, pela lin- Tatuagem com bobagem. Veja, 05 mar. 2008, p.
guagem do sertão. O trecho que você leu pode 86.)
comprovar essa afirmação? Por quê? I – Elas não são mais feitas em locais precá-
3. No trecho lido há várias frases que dão um rios, e sim em grandes estúdios onde há cuidado
tom poético ao texto. Escolha duas frases que, com a higiene.
para você, são escritas com toque poético. Jus- II – As técnicas se refinaram: há mais cores
tifique suas escolhas. disponíveis, os pigmentos são de melhor quali-
dade e ferramentas como o laser tornaram bem
03. Entrou em vigor a lei que converte em mais simples apagar uma tatuagem que já não
presunção de paternidade a recusa dos ho- se quer mais.
mens em fazer teste de DNA. Assinale a alternati- III – Vão longe, enfim, os tempos em que o
va cujo texto pode ser concluído coerentemen- conceito de tatuagem se resumia à velha ânco-
te com essa afirmação. ra de marinheiro.
IV – Nos últimos dez ou quinze anos, fazer
a) Sara Mendes deu início a um processo na uma tatuagem deixou de ser símbolo de rebel- 57
justiça, para que Tiago Costa assuma a paterni- dia – de um estilo de vida “marginal”.
dade de seu filho Cássio. Tiago não fez o exame
de DNA, mas assume como muito provável ser Assinale a alternativa que contém a sequên-
ele o pai do menino. Cássio alega que o exame cia correta, em que os períodos devem apare-
não é conclusivo, pois entrou em vigor a lei que cer.
converte em presunção de paternidade a recu-
sa dos homens em fazer teste de DNA. a) II – I – III – IV
b) Adriano é um rapaz muito presunçoso e b) IV – II – III – I
não admite que lhe cobrem nada. A namorada c) IV – I – II – III
lhe pediu um exame de DNA, para esclarecer a d) III – I – IV – II
paternidade de Amanda, sua filha. Adriano disse e) I – III – II – IV
que não faria o exame. A namorada disse que Universidade do Estado de Santa Catarina
toda essa presunção serviria para o juiz atestar a (UDESC), 2008.
paternidade, pois entrou em vigor a lei que con-
verte em presunção de paternidade a recusa 05. O emprego do elemento sublinhado
dos homens em fazer teste de DNA. compromete a coerência da frase:
c) Carlos de Almeida responde processo na
justiça por não querer reconhecer como seu o a) Cada época tem os adolescentes que
filho de Diana Santos, sua ex-namorada. Carlos merece, pois estes são influenciados pelos valo-
se recusou a fazer o exame de DNA, o que per- res socialmente dominantes.
mite ao juiz lavrar a sentença que o indica como b) Os jovens perderam a capacidade de so-
pai da criança, porque entrou em vigor a lei que nhar alto, por conseguinte alguns ainda resistem
converte em presunção de paternidade a recu- ao pragmatismo moderno.
sa dos homens em fazer teste de DNA. c) Nos tempos modernos, sonhar faz muita
d) Alessandro presume que Caio seja seu fi- falta ao adolescente, bem como alimentar a
lho. Sugeriu a Telma um exame de DNA. Telma confiança em sua própria capacidade criativa.
disse não ser necessário, pois entrou em vigor a d) A menos que se mudem alguns paradig-
lei que converte em presunção de paternidade mas culturais, as gerações seguintes serão tão
a recusa dos homens em fazer teste de DNA. conformistas quanto a atual.
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
06. Indique qual a ordem dos enunciados a 11. A partir das respostas apresentadas nas
seguir – direta ou inversa –, completando o qua- questões 1 e 2, explique que relação você identi-
dro de acordo com o exemplo. Se a oração es- fica entre a escolha de palavras e expressões do
tiver na ordem inversa, reordene-a no espaço texto para referir-se ao homem que estava na
indicado. estrada e a sua surpresa com o final do conto.
a) frequente
07. Identifique a oração intercalada em b) lingüiça
cada enunciado e reorganize-o, colocando c) müller
essa oração em outra posição. Veja o exemplo. d) sequestro
te em quem lê o texto. As frases já não reproduzem valorizadas, consideradas do mais alto nível, por isso
apenas uma realidade imediata, mas criam – pela continuam sendo estudadas nas escolas, nas univer-
repetição – uma novidade incomum de uma infor- sidades e, consequentemente, apreciadas por leito-
mação. res de todas as épocas. Há, portanto, muitos fatores
Pedra e caminho vão além de um obstáculo que que são considerados para determinar se um texto é
impede a passagem em uma estrada ou via. Pedra, literário ou não. Retomando ideias importantes.
no poema, pode significar decepções, frustrações,
pode ser interpretada como tudo o que nos atra- 1. A literariedade não está apenas no texto
palha na vida, tudo o que nos impede de realizar o
que almejamos. Caminho, por sua vez, pode signi- Um mesmo texto pode ganhar sentidos distintos
ficar percurso de vida. A seleção e a combinação de acordo com a maneira como a obra é recebida.
das palavras e o toque poético do texto de Carlos Os julgamentos que os leitores – especialistas, críti-
Drummond de Andrade criam outra realidade, mais cos, jornalistas, editores, estudantes etc. – fazem dos
profunda do que a realidade traduzida no discurso textos que leem têm muita relação com o que se
comum do amigo que conta a viagem. considera que é ou não literatura. Todo leitor é um
Em textos literários, é possível notar um uso artís- crítico. Mas o olhar crítico se aperfeiçoa com as prá-
tico da palavra que sugere grandes variedades de ticas de leitura.
interpretações. A linguagem – em sua mais ampla Os textos literários envolvem os gêneros da nar-
variedade – é utilizada em textos literários orais e es- rativa de ficção. Por ficção entende-se aquilo que
critos (em prosa e verso) para produzir os mais varia- está relacionado à invenção, à criação de mundos
dos efeitos de sentido nos leitores e nos ouvintes. Ao possíveis ou totalmente inusitados, à fantasia, ao
pensar sobre literatura, é preciso refletir sobre o texto imaginário. Nesse sentido, toda obra literária torna
literário. presente o universo da ficção: poemas, crônicas,
Uma frase pode ou não ser considerada literária biografias romanceadas, memórias literárias, textos
em função de um conjunto de fatores que passam da literatura infantil, contos, romances, novelas etc.
por quem a diz ou a escreve, pela maneira como é Na ficção, mesmo que um autor inclua em sua
falada, escrita e lida, pela intenção com que é dita obra fatos da vida real, o ato de registrar esses fa-
ou escrita. Um mesmo texto pode ganhar sentidos tos com as palavras faz deles uma criação ficcional,
distintos de acordo com as circunstâncias, com o mesmo que o leitor acredite ser verdadeiro o que
contexto em que é produzido. leu.
Assim, não somente a organização do texto,
mas também o emprego de certos recursos da lin- Prosa
62 guagem (que você aos poucos vai conhecer) con-
tribuem para que um texto seja considerado literá- A palavra prosa vem do latim e significa “discur-
rio. A literariedade de um texto é definida também so contínuo, seguido, em linha reta”. Na linguagem
por elementos externos, como o nome do autor, seu continuada da prosa, há parágrafos. Alguns gêne-
papel e lugar social, e o julgamento do leitor. Lei- ros que se apresentam para os leitores normalmente
tores, editores, críticos e estudiosos da literatura, ao em prosa são o conto, a novela e o romance.
opinarem sobre textos, acabam valorizando ou des-
valorizando determinados livros. Verso
É importante lembrar que os critérios para fun-
damentar a crítica mudam de época para época. Verso é cada linha de um poema. Essa palavra
Mudam tanto ao ponto de uma obra poder ser con- é derivada de versus, do verbo vertere, que signifi-
siderada trágica por uma geração e cômica pela ca “tornar, voltar”. Os versos têm o tamanho que o
geração seguinte. Em determinada época, alguns poeta desejar. Há inúmeros gêneros que são escritos
livros podem fazer muito sucesso e ser fenômeno em versos: sonetos, cordéis, baladas, alguns textos
de vendagem, mas na época seguinte serem igno- teatrais, fábulas em verso, cantigas, epopeias etc.
rados porque deixam de ser vistos como “grandes
obras”. Métrica
Outras podem continuar a ser importantes, às
vezes, mais por razões históricas do que literárias. Em língua portuguesa, a métrica ou a medida
Mas há também um conjunto de obras que espe- do verso é constituída pela contagem do número
cialistas e críticos consideram “clássicas”, por serem de sílabas e disposição dos acentos tônicos que for-
obras importantes que marcam a vida da socieda- mam o verso.
de de diferentes formas. São obras que costumam
ser várias vezes publicadas, lidas, relidas e analisa- DEFINIÇÕES DE LITERATURA
das por estudiosos da literatura e comentadas por
diferentes leitores. Muitas têm sido as tentativas de definir literatura,
Escritores como Machado de Assis, Manuel Ban- sem que se chegue a alguma definição definitiva.
deira, Clarice Lispector, João Guimarães Rosa, Cecí- Pode-se considerar literatura tudo aquilo que tenha
lia Meireles, Carlos Drummond de Andrade e tantos sido escrito, das histórias em quadrinhos aos manuais
outros autores produziram obras que são altamente que ensinam a montar um brinquedo ou colocar
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para funcionar uma máquina. Mas a palavra litera- contrar vários capítulos dedicados a ela, mas com o
tura pode ser usada em um sentido mais restrito. foco na historiografia literária. O que isso quer dizer?
Por exemplo, quando há uma referência aos Quer dizer que, ao estudar, nesses livros, a literatura
textos escritos em certo período histórico, costuma- brasileira, você vai verificar que o Brasil tem uma vas-
-se dizer literatura renascentista, literatura romântica; ta e variada literatura que aparece dividida em dois
ou, quando há uma referência a textos que foram grandes momentos históricos: o período colonial (de
escritos em um certo lugar, fala-se literatura brasilei- 1500 a 1822) e o período nacional (da Independên-
ra, literatura francesa. Num terceiro sentido, entre cia do Brasil até hoje). Esses dois momentos estão
outros possíveis, a palavra literatura está relacio- subdivididos em “escolas literárias”, com datas que
nada à expressão artística e ao mundo da ficção. indicam o início e o fim de cada uma. Cada escola
Literatura é uma das artes, a que é formada pelo literária é definida por um conjunto de característi-
conjunto de textos literários considerados artísticos, cas gerais que funcionam como referências para o
em sua modalidade oral, visual e escrita. estudo das obras. Para que você tenha uma ideia
de como essa divisão costuma ser proposta nos li-
vros didáticos, observe o quadro a seguir, com uma
O que pode a literatura? síntese (incompleta) de algumas escolas literárias ou
estilos de época:
Tzvetan Todorov é um importante teórico de
literatura da atualidade. Filósofo e linguista, nas-
ceu em Sófia, na Bulgária, em 1939. Leia um pe-
queno trecho de seu livro A literatura em perigo
e veja o que pensa esse autor sobre literatura:
“[...] A literatura pode muito. Ela pode nos es-
tender a mão quando estamos profundamente
deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos
outros seres humanos que nos cercam, nos fa-
zer compreender melhor o mundo e nos ajudar
a viver. Não que ela seja, antes de tudo, uma
técnica de cuidados para com a alma; porém,
revelação do mundo, ela pode também, em As escolas literárias do período nacional são:
seu percurso, nos transformar a cada um de nós Romantismo, Realismo/Naturalismo, Simbolismo, Mo-
a partir de dentro. [...]” (Todorov, 2010, p. 76). dernismo. Ao estudar os estilos de época e as esco-
O texto de Todorov fala da importância da las ou movimentos literários, conhecem-se os temas, 63
literatura e de seu papel vital em dizer às pes- os recursos da linguagem literária atribuídos às obras
soas o que são. As verdades dadas pela poesia de cada época e as interpretações da história da
e pela ficção fazem-nas compreender melhor o literatura.
mundo e ajudam-nas a viver. Mas o estudo de textos literários que parte de
TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. 3. ed. Rio
características prévias como as apresentadas no
de Janeiro: Difel, 2010.
quadro pode dar a impressão de que estudar litera-
tura é apenas memorizar nomes e características da
Na escola, a literatura – vista como uma das ar- época de cada escola literária. As produções artís-
tes – é objeto de estudo e, por conseguinte, os tex- ticas do século XVII, por exemplo, que hoje em dia
tos literários são lidos, discutidos, analisados, aprecia- são chamadas barrocas, não eram assim chama-
dos, julgados. Para estudar as obras consideradas das pelos poetas, pintores, escultores, músicos que
literárias pela escola e desenvolver a sensibilidade e as criaram.
agudeza crítica, é preciso ler e analisar os textos pro- Foi só no século XIX que os estudiosos e historia-
duzidos em diferentes contextos, percebendo o que dores construíram a ideia de que as obras criadas no
o texto diz (o conteúdo) e como ele diz (a maneira século XVII seguiam um padrão, com características
como está escrito). comuns, como: informalidade, irracionalismo, con-
Mas é importante frisar que, além do modo traste, deformação, excesso, exuberância.
como o texto está organizado, a sua linguagem, as No entanto, é importante você saber que, para
convenções e ideologias que “coloca em cena”, compreender a estrutura, a função e o valor históri-
há elementos externos que também conferem lite- co dos textos literários, as características genéricas,
rariedade aos textos: nome do autor, mercado edi- como as do quadro apresentado, são insuficientes.
torial, grupo cultural, critérios críticos em vigor. Por Cada obra literária é única e pode ter característi-
isso, pode-se afirmar que a literatura é um fenôme- cas formais e temas diferentes dos que são atribuí-
no cultural e histórico, que pode receber diferentes dos à escola literária a que pertence.
definições em épocas diversas e por vários grupos
sociais. COMO ABORDAR TEXTOS LITERÁRIOS?
Mas como a maioria dos livros didáticos de Lín-
gua Portuguesa direcionados a estudantes do Ensino 1. (Re)construindo sentidos
Médio enfoca a literatura? Nesses livros, você vai en-
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transmitidos pela linguagem oral, e os contos que tem mil e um autores, e a esperta e sábia princesa
nascem com uma formatação escrita. Dessa forma, Shahrazad é um autor coletivo que as conta com
serão lidas e analisadas as antigas narrativas da tra- voz de mulher.
dição oral e os contos escritos a partir do século XIX,
época em que surgem vários autores que escrevem
contos.
Essa divisão aponta para dois jeitos distintos de
narrar uma história: pode ser contada oralmente ou
por escrito. Quando se fala de contos populares, isso
remete ao conto folclórico, à estória, ao causo ma-
ravilhoso ou sobrenatural.
É importante notar que muitos desses contos –
que são contados e recontados no Brasil e no resto
do mundo – são adaptações de narrativas euro-
peias e africanas, que, por sua vez, acredita-se se-
rem provenientes da tradição dos povos da Índia e
de outras tradições antigas. Ao longo dos tempos, à
medida que a escrita foi se tornando hegemônica
nas diferentes sociedades, muitas narrativas transmi-
tidas oralmente ganharam registros escritos.
É importante observar que, quando uma narrati-
va ganha a forma escrita, perde muito do improviso
e de expressões próprias da oralidade. Mas, se os
contos populares não fossem publicados em livros,
hoje, possivelmente, muitos deles não seriam conhe-
cidos.
Durante muito tempo, o conto popular e, pode-
-se dizer, outras formas artísticas orais foram conside-
rados uma produção menor. Atualmente, graças ao
trabalho de pesquisadores, a linguagem oral e tudo
o que a envolve se tornaram objeto de análises e
estudos. O escritor moçambicano Mia Couto (1955-) Ainda segundo Cabrera, Shahrazad é a mais
66 considera a oralidade uma espécie de cidadania, poderosa máquina de matar o tédio e a crueldade
que, conforme nos tornamos adultos, do rei, que sempre assassinava sua acompanhante
de cada noite, à exceção da contista, uma mulher
[...] nos ensinam a perder [...] em nome da amena, apesar de ameaçada. Leia a seguir um bre-
maturidade. BRASIL, Ubiratan. Eterna busca de ve resumo de como essa “máquina de matar o té-
identidade. O Estado de S. Paulo, Caderno 2, 4 dio” começa...
jun. 2006, p. D1. As mil e uma noites começa com a história do rei
Shahriyar e de seu irmão, o rei Shahzaman. Conta-
Felizmente, um número cada vez maior de obras -se que eles resolveram se encontrar depois de vinte
que apresentam antologias de contos populares anos separados. Assim, Shahzaman deixou seu rei-
está sendo publicado, possibilitando ao leitor de nado para visitar Shahriyar.
hoje conhecer histórias tradicionais dos mais varia- Todavia, na primeira noite de viagem, Shah-
dos lugares do mundo e das diferentes culturas que zaman lembrou-se de que havia esquecido um pre-
constituem o Brasil, como os contos populares indí- sente e voltou às pressas a seu palácio. Ao entrar em
genas. seus aposentos, encontrou sua mulher nos braços de
outro homem. Sem hesitar, o rei desembainhou sua
3. A mais sensacional compilação de contos espada e matou os dois.
Abatido, continuou a viagem, mas não conse-
Você já ouviu falar de Ali Babá e os 40 ladrões, guiu expressar alegria ao rever o irmão que não via
de Aladim e a lâmpada maravilhosa e de Simbá, havia 20 anos.
o marujo? Essas histórias, que surgiram no Oriente e O rei Shahriyar, percebendo algo errado, fez de
são contadas nos quatro cantos do mundo, estão tudo para alegrar o rei Shahzaman. Um dia, organi-
no conjunto de livros que formam As mil e uma noi- zou uma caçada com o único objetivo de espantar
tes, a mais sensacional compilação de contos des- a tristeza do irmão. No entanto, tal era o abatimento
de a Idade Média, que, segundo dizem, foi elabora- deste que não teve ânimo para caçar e pediu para
da por centenas de mãos, em dezenas de idiomas, ficar no palácio. O rei Shahriyar foi compreensivo e
em diferentes tempos e lugares. partiu, deixando o irmão. Tristonho, Shahzaman ficou
Conforme afirma o escritor cubano Cabrera In- horas sentado de frente para um jardim.
fante, ao contrário do que acontece com os con- Quando anoiteceu, sem que sua presença fosse
tos contemporâneos na Europa, As mil e uma noites percebida, viu a rainha – esposa do rei Shahriyar –
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chegar a esse jardim e, de uma forma inimaginável, a fatos que acontecem no tempo “presente” da
trair o irmão. narrativa. O clímax do texto é o ponto em que o in-
Depois do que viu, o rei Shahzaman considerou teresse do leitor pelo que pode acontecer se mostra
sua desgraça menor do que a princípio pensara. mais intenso, ou seja, é a parte do enredo em que
Quando o rei Shahriyar voltou da caçada, encon- os acontecimentos centrais ganham o máximo de
trou seu irmão menos abatido. Quis saber o que ha- tensão para os personagens envolvidos.
via acontecido para mudar seu ânimo. Insistiu tanto Dessa forma, o enredo é composto por uma
que Shahzaman contou tudo que vira. exposição (ou introdução, ou apresentação), em
O rei Shahriyar, inconformado, propôs que re- que geralmente são apresentados os fatos iniciais,
nunciassem aos reinos e vagassem pelo mundo até os personagens, algumas indicações de tempo e
que encontrassem outro rei que fosse acometido de espaço; uma complicação – a maior parte da
por um mal ainda maior. Tanto procuraram que en- narrativa, marcada pela tensão entre o desejo do
contraram, e, na volta ao palácio, o rei Shahriyar, personagem principal e algo ou alguém que impe-
depois de punir a rainha, tomou como hábito ficar de a realização desse desejo; o clímax – o momento
noivo de uma virgem e matá-la depois da noite de culminante da história, o momento de maior tensão;
núpcias, para que não pudesse ser traído novamen- o desfecho (ou desenlace, ou conclusão) – a solu-
te. Depois de um tempo, o pânico tomou conta dos ção surpreendente, feliz, trágica, cômica etc. do
súditos, que, para salvar as filhas, fugiam do reino. conflito.
Até que Shahrazad, a filha do ministro, conhe- Algo fundamental que se aplica às narrativas e
cedora da sabedoria dos poetas e das histórias dos está relacionado ao enredo é o conceito de veros-
antigos, ofereceu-se para casar com o rei Shahriyar. similhança, que é a coerência ou lógica interna da
O pai da moça fez de tudo para que ela desis- história. Os fatos narrados, mesmo inventados, de-
tisse da ideia, mas acabou consentindo. Shahrazad, vem decorrer uns dos outros, desenrolar-se de forma
que era muito esperta, combinou com a irmã que que o leitor aceite que possam de fato ter ocorrido.
esta, depois de consumadas as núpcias, deveria en- É muito importante perceber que, para que os fatos
trar no quarto e pedir que contasse uma história ma- sejam verossímeis, eles não precisam ser verdadei-
ravilhosa, para que a noite passasse agradavelmen- ros, ou seja, não precisam ter acontecido na vida
te. O rei, que não conseguia dormir, consentiu que real.
Shahrazad contasse a história, escutando-a atenta- O que torna um texto verossímil é a maneira lógi-
mente... A primeira das mil e uma histórias. ca como as ações são narradas dentro do enredo.
Como as histórias contadas a cada noite nunca Você acha que a história O mercador e o gênio,
terminavam, o rei sempre ficava muito curioso para que você leu, pode ser considerada verossímil, mes-
saber o desfecho delas. As noites foram passando mo que tão fantástica? Recupere a sequência dos 67
e o rei foi ficando cada vez mais seduzido e encan- fatos: o mercador preparou-se para fazer uma lon-
tado, até apaixonar-se por Shahrazad. Ouviu dela ga viagem por uma região inóspita e desértica; na
contos maravilhosos e de horror, de amor e de ódio, volta, “como fizesse muito calor”, correu até um oá-
de medos e de paixões desenfreadas, de atitudes sis, para refrescar-se sob umas árvores. (Nada mais
generosas e de comportamentos cruéis, de delica- natural, não é? Um desvio para fugir do Sol, descan-
deza e de brutalidade. Um repertório fantástico que, sar de tão penosa viagem e alimentar-se.)
até hoje, nenhuma outra obra igualou. O mercador então come as tâmaras, que esta-
vam no alforje. Os caroços são atirados à direita e à
4. Enredo e verossimilhança esquerda (um gesto que qualquer pessoa poderia
fazer, ao comer frutas que têm caroços!) e isso, por
Contos populares e literários se estruturam sobre fim, desencadeia um novo fato. A verossimilhança é
cinco elementos. Uma história é formada por fatos percebida quando um fato se torna causa do outro.
– o enredo –, por personagens que vivem os fatos, Cada fato tem um porquê que acarreta uma
num determinado tempo e lugar (ou espaço). O consequência, o que pode implicar novos fatos
quinto elemento na prosa de ficção é o narrador, para a história.
que faz o leitor conhecer a história a partir de deter-
minado ângulo de visão, de uma perspectiva. LENDO CONTOS
Ao longo desta Unidade, à medida que forem
lidos e analisados os contos, cada um desses ele- 1. Apresentando Machado de Assis
mentos será estudado de modo mais aprofundado,
começando pelo enredo. O enredo é a intriga, a Um dos maiores escritores da literatura brasileira
história que os personagens vivem no desenrolar do é Machado de Assis. Ele nasceu em 1839, no Rio de
conto. Um enredo geralmente tem situação inicial, Janeiro (RJ), filho de uma portuguesa dos Açores e
conflito, clímax e desfecho, mas, é importante ob- de um pintor de parede filho de escravos. Assim, de
servar, os acontecimentos não precisam ser apre- origem humilde, começou a trabalhar muito cedo,
sentados necessariamente nessa ordem. vendendo balas para ajudar na manutenção da
Em alguns contos, o narrador pode utilizar a téc- casa, após a morte dos pais. Mais tarde, trabalhou
nica da retrospectiva, ou flashback, trazendo re- como caixeiro em livraria, tipógrafo e revisor e de-
cordações de acontecimentos passados em meio pois como jornalista e cronista.
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o tratar tão secamente como até ali, ou ainda dormira mal a noite, depois de haver andado
mais. E assim fez; Inácio começou a sentir que muito na véspera; estirou-se na rede, pegou em
ela fugia com os olhos, ou falava áspero, quase um dos folhetos, a Princesa Magalona, e come-
tanto como o próprio Borges. De outras vezes, çou a ler. Nunca pôde entender por que é que
é verdade que o tom da voz saía brando e até todas as heroínas dessas velhas histórias tinham
meigo, muito meigo; assim como o olhar geral- a mesma cara e talhe de D. Severina, mas a ver-
mente esquivo, tanto errava por outras partes, dade é que os tinham.
que, para descansar, vinha pousar na cabeça Ao cabo de meia hora, deixou cair o folheto e
dele; mas tudo isso era curto. pôs os olhos na parede, donde, cinco minutos
– Vou-me embora, repetia ele na rua como depois, viu sair a dama dos seus cuidados. O na-
nos primeiros dias. tural era que se espantasse; mas não se espan-
Chegava a casa e não se ia embora. Os bra- tou. Embora com as pálpebras cerradas viu-a
ços de D. Severina fechavam-lhe um parênteses desprender-se de todo, parar, sorrir e andar para
no meio do longo e fastidioso período da vida a rede. Era ela mesma, eram os seus mesmos
que levava, e essa oração intercalada trazia braços.
uma ideia original e profunda, inventada pelo É certo, porém, que D. Severina, tanto não podia
céu unicamente para ele. Deixava-se estar e sair da parede, dado que houvesse ali porta ou
ia andando. Afinal, porém, teve de sair, e para rasgão, que estava justamente na sala da frente
nunca mais; eis aqui como e por quê. ouvindo os passos do solicitador que descia as
D. Severina tratava-o desde alguns dias com escadas. Ouviu-o descer; foi à janela vê-lo sair e
benignidade. A rudeza da voz parecia acaba- só se recolheu quando ele se perdeu ao longe,
da, e havia mais do que brandura, havia desve- no caminho da Rua das Mangueiras. Então en-
lo e carinho. Um dia recomendava-lhe que não trou e foi sentar-se no canapé.
apanhasse ar, outro, que não bebesse água fria Parecia fora do natural, inquieta, quase ma-
depois do café quente, conselhos, lembranças, luca; levantando-se, foi pegar na jarra que esta-
cuidados de amiga e mãe, que lhe lançaram na va em cima do aparador e deixou-a no mesmo
alma ainda maior inquietação e confusão. lugar; depois caminhou até à porta, deteve-se
Inácio chegou ao extremo de confiança de e voltou, ao que parece, sem plano. Sentou-se
rir um dia à mesa, cousa que jamais fizera; e o outra vez cinco ou dez minutos. De repente, lem-
solicitador não o tratou mal dessa vez, porque brou-se que Inácio comera pouco ao almoço e
era ele que contava um caso engraçado, e nin- tinha o ar abatido, e advertiu que podia estar
70 guém pune a outro pelo aplauso que recebe. doente; podia ser até que estivesse muito mal.
Foi então que D. Severina viu que a boca do Saiu da sala, atravessou rasgadamente o corre-
mocinho, graciosa estando calada, não o era dor e foi até o quarto do mocinho, cuja porta
menos quando ria. A agitação de Inácio ia cres- achou escancarada. D. Severina parou, espiou,
cendo, sem que ele pudesse acalmar-se nem deu com ele na rede, dormindo, com o braço
entender-se. para fora e o folheto caído no chão.
Não estava bem em parte nenhuma. Acor- A cabeça inclinava-se um pouco do lado da
dava de noite, pensando em D. Severina. Na porta, deixando ver os olhos fechados, os cabe-
rua, trocava de esquinas, errava as portas, muito los revoltos e um grande ar de riso e de beatitu-
mais que dantes, e não via mulher, ao longe ou de. D. Severina sentiu bater-lhe o coração com
ao perto, que não trouxesse à memória. Ao en- veemência e recuou. Sonhara de noite com ele;
trar no corredor da casa, voltando do trabalho, pode ser que ele estivesse sonhando com ela.
sentia sempre algum alvoroço, às vezes gran- Desde madrugada que a figura do mocinho an-
de, quando dava com ela no topo da escada, dava-lhe diante dos olhos como uma tentação
olhando através das grades de pau da cancela, diabólica. Recuou ainda, depois voltou, olhou
como tendo acudido a ver quem era. dous, três, cinco minutos, ou mais.
Um domingo, – nunca ele esqueceu esse Parece que o sono dava à adolescência de
domingo, – estava só no quarto, à janela, virado Inácio uma expressão mais acentuada, quase
para o mar, que lhe falava a mesma linguagem feminina, quase pueril. “Uma criança!” disse ela
obscura e nova de D. Severina. Divertia-se em a si mesma, naquela língua sem palavras que to-
olhar para as gaivotas, que faziam grandes giros dos trazemos conosco. E esta ideia abateu-lhe
no ar, ou pairavam em cima d’água, ou avoa- o alvoroço do sangue e dissipou-lhe em parte a
çavam somente. O dia estava lindíssimo. turvação dos sentidos. “Uma criança!” E mirou-o
Não era só um domingo cristão; era um lentamente, fartou-se de vê-lo, com a cabeça
imenso domingo universal. Inácio passava-os inclinada, o braço caído; mas, ao mesmo tempo
todos ali no quarto ou à janela, ou relendo um que o achava criança, achava-o bonito, muito
dos três folhetos que trouxera consigo, contos de mais bonito que acordado, e uma dessas ideias
outros tempos, comprados a tostão, debaixo do corrigia ou corrompia a outra.
passadiço do Largo do Paço. De repente estremeceu e recuou assustada:
Eram duas horas da tarde. Estava cansado, ouvira um ruído ao pé, na saleta do engoma-
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
do; foi ver, era um gato que deitara uma ti- porque o tratou relativamente bem e ainda lhe
gela ao chão. Voltando devagarinho a espiá-lo, disse à saída:
viu que dormia profundamente. Tinha o sono – Quando precisar de mim para alguma
duro a criança! O rumor que a abalara tanto, cousa, procure-me.
não o fez sequer mudar de posição. E ela con- – Sim, senhor. A Sra. D. Severina...
tinuou a vê-lo dormir, – dormir e talvez sonhar. – Está lá para o quarto, com muita dor de
Que não possamos ver os sonhos uns dos outros! cabeça. Venha amanhã ou depois despedir-se
D. Severina ter-se-ia visto a si mesma na imagi- dela. Inácio saiu sem entender nada. Não en-
nação do rapaz; ter-se-ia visto diante da rede, tendia a despedida, nem a completa mudança
risonha e parada; depois inclinar-se, pegar-lhe de D. Severina, em relação a ele, nem o xale,
nas mãos, levá-las ao peito, cruzando ali os bra- nem nada.
ços, os famosos braços. Inácio, namorado deles, Estava tão bem! Falava-lhe com tanta ami-
ainda assim ouvia as palavras dela, que eram zade! Como é que, de repente... Tanto pensou
lindas, cálidas, principalmente novas, – ou, pelo que acabou supondo de sua parte algum olhar
menos, pertenciam a algum idioma que ele não indiscreto, alguma distração que a ofendera,
conhecia, posto que o entendesse. não era outra cousa; e daqui a cara fecha-
Duas, três e quatro vezes a figura esvaía-se, da e o xale que cobria os braços tão bonitos...
para tornar logo, vindo do mar ou de outra par- Não importa; levava consigo o sabor do sonho.
te, entre gaivotas, ou atravessando o corredor E através dos anos, por meio de outros amo-
com toda a graça robusta de que era capaz. res, mais efetivos e longos, nenhuma sensação
E tornando, inclinava-se, pegava- -lhe outra vez achou nunca igual à daquele domingo, na Rua
das mãos e cruzava ao peito os braços, até que da Lapa, quando ele tinha quinze anos. Ele mes-
inclinando-se, ainda mais, muito mais, abrochou mo exclama às vezes, sem saber que se engana:
os lábios e deixou-lhe um beijo na boca. E foi um sonho! Um simples sonho!
Aqui o sonho coincidiu com a realidade, e ASSIS, Machado de. UASSIS, Machado de. Uns bra-
as mesmas bocas uniram-se na imaginação e ços. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.
fora dela. A diferença é que a visão não recuou, br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_
e a pessoa real tão depressa cumprira o gesto, obra=1967>. Acesso em: 18 ago. 2014 ns braços.
como fugiu até a porta, vexada e medrosa. Dali
passou à sala da frente, aturdida do que fizera,
sem olhar fixamente para nada. Afiava o ouvi- 2. Lendo a obra em seu contexto
do, ia até o fim do corredor, a ver se escutava 71
algum rumor que lhe dissesse que ele acordara, Na historiografia literária, o Realismo é conside-
e só depois de muito tempo é que o medo foi rado o movimento artístico e literário que começa
passando. em 1881, com a publicação de três obras: O mulato,
Na verdade, a criança tinha o sono duro; do escritor UNIDADE 4 131 Aluísio Azevedo; Memó-
nada lhe abria os olhos, nem os fracassos contí- rias póstumas de Brás Cubas e O alienista, ambos de
guos, nem os beijos de verdade. Mas, se o medo Machado de Assis. Esse movimento literário estende-
foi passando, o vexame ficou e cresceu. D. Se- -se até, praticamente, as duas primeiras décadas
verina não acabava de crer que fizesse aquilo; do século XX, quando a Semana de Arte Moderna
parece que embrulhara os seus desejos na ideia em São Paulo marca a mudança de padrões lite-
de que era uma criança namorada que ali es- rários (estéticos) que caracteriza o movimento mo-
tava sem consciência nem imputação; e, meia dernista.
mãe, meia amiga, inclinara-se e beijara-o. Fosse É importante ter em conta, portanto, que, quan-
como fosse, estava confusa, irritada, aborrecida, do você lê a obra de Machado de Assis, lê uma
mal consigo e mal com ele. O medo de que ele obra que foi escrita em outra época, num momento
podia estar fingindo que dormia apontou-lhe em que importantes transformações econômicas,
na alma e deu-lhe um calafrio. Mas a verdade políticas e sociais aconteciam no Brasil: a Monar-
é que dormiu ainda muito, e só acordou para quia, representada por D. Pedro II, entrava em de-
jantar. cadência; a Lei Áurea (a que libertou os escravos),
Sentou-se à mesa lépido. Conquanto achas- de 1888, criava uma nova realidade social no País;
se D. Severina calada e severa e o solicitador tão a mão de obra escrava era, de certa forma, subs-
ríspido como nos outros dias, nem a rispidez de tituída pela mão de obra assalariada; a economia
um, nem a severidade da outra podiam dissipar- voltava-se para o mercado externo, pois estava livre
-lhe a visão graciosa que ainda trazia consigo, da estrutura colonialista.
ou amortecer-lhe a sensação do beijo. Não re- As obras ditas realistas mergulham nesse contex-
parou que D. Severina tinha um xale que lhe co- to econômico, histórico e social e frequentemente
bria os braços; reparou depois, na segunda-feira, revelam o interesse pelo funcionamento e pela or-
e na terça-feira, também, e até sábado, que foi ganização da sociedade. Também vão fundo na
o dia em que Borges mandou dizer ao pai que apresentação dos traços psicológicos dos persona-
não podia ficar com ele; e não o fez zangado, gens – ou seja, traços que são percebidos observan-
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do o interior da pessoa. As atitudes de uma pessoa te, se contar com segurança o dentro das situações
e as declarações que ela faz de si mesma revelam ou o dentro dos personagens – ou seja, tudo o que
traços psicológicos. aconteceu e vai acontecer, tudo o que os persona-
É importante lembrar que leitores do século XXI gens sonham e pensam. Pode acontecer também
são diferentes de leitores do século XIX. O primeiro de a onisciência não ser total, de o narrador conhe-
público machadiano reunia pessoas da elite bur- cer apenas parte do que acontece e se identificar
guesa, que viviam nos principais centros urbanos intimamente com apenas um personagem.
brasileiros e que estavam familiarizadas com os ro- Observe os exemplos:
mances românticos. Por isso, os leitores do século XXI
podem estranhar as palavras raras, o estilo irônico, a Exemplo 1
organização impecável do texto e os tipos de perso- – Narrador em 3a pessoa, do tipo observador
nagens (o que vivem e como se comportam). Garcia, em pé, mirava e estalava as unhas; For-
Em outras palavras, ler um texto escrito em ou- tunato, na cadeira de balanço, olhava para o
tro tempo é um enorme desafio. Lê-lo considerando tecto; Maria Luísa, perto da janela, concluía um
seu contexto, isto é, observando o que traz consigo trabalho de agulha. Havia já cinco minutos que
da sociedade que o gerou ou que quer retratar, é nenhum deles dizia nada. [...] ASSIS, Machado
o que permite viajar no tempo e estabelecer rela- de. A causa secreta.
ções entre a obra lida, a época em que foi escrita e
a atual. A experiência literária não só permite saber Repare como o narrador está fora da história
da vida por meio da experiência do outro, como (3a pessoa) e como apenas observa a atitude dos
também vivenciar essa experiência. personagens, sem contar o que pensam. Observa o
Você vive numa época muito diferente da de que fazem durante os cinco minutos em que ficam
Machado de Assis, mas, graças ao que ele escre- em silêncio. O narrador observador se comporta
veu, pode aproximar-se dela. como uma testemunha, como se fosse uma “máqui-
No conto que você leu, é possível perceber vá- na filmadora” dos fatos. Já o narrador em 3a pessoa
rias características da sociedade do século XIX. Bas- onisciente conhece intimamente os personagens,
ta observar como era o cotidiano de Inácio: traba- tece comentários, sabe dos sentimentos e dos pen-
lhava nos serviços de recado para o Borges, que era samentos, dirigindo o leitor.
solicitador. Durante todo o dia corria pelos cartórios,
encontrava-se com advogados e clientes. Aos do- Exemplo 2
mingos, permanecia o tempo todo em seu quarto.
D. Severina e Inácio, ao que parece, apaixonam-se. – Narrador em 3ª pessoa, do tipo onisciente [...]
72 Mas é amor tímido e velado. Não podia entender-se nem equilibrar-se,
Ele timidamente contemplava os braços desco- chegou a pensar em dizer tudo ao solicitador, e
bertos de D. Severina, que só ficavam assim dentro ele que mandasse embora o fedelho. Mas que
de casa e porque os vestidos de manga longa ti- era tudo? Aqui estacou: realmente, não havia
nham se gastado. Após o beijo, Inácio é obrigado a mais que suposição, coincidência e possivel-
abandonar a casa, por vontade de D. Severina, que mente ilusão. Não, não, ilusão não era. E logo
tinha medo de que Inácio pudesse ter fingido que recolhia os indícios vagos, as atitudes do mocin-
dormia quando foi beijado por ela. Os desejos sufo- ho, o acanhamento, as distrações, para rejeitar
cados, o medo, a vergonha, a consciência vigilante a ideia de estar enganada. [...] ASSIS, Machado
sobrepõem-se à paixão de. Uns braços.
OUTROS ELEMENTOS ESTRUTURAIS DAS NARRATI- Observe como, no exemplo acima, o narrador
VAS está “dentro da cabeça” do personagem, contan-
do o que ele está pensando. Se o narrador participa
1. Narrador da história, ou seja, é um dos personagens, tem-se
uma narração em 1ª pessoa. Observe as palavras
Narrador é quem conta a história. Uma história destacadas. Elas dão pistas do narrador.
pode ser narrada de muitas maneiras: por um nar-
rador não participante ou por um personagem que Exemplo 3
convive com os outros na história narrada. Seja qual – Narrador-personagem, em 1ª pessoa
for o tipo, observando o narrador é possível identifi- Nunca pude entender a conversação que tive
car o foco narrativo, ou seja, o ângulo de visão, o com uma senhora, há muitos anos, contava eu
ponto de vista ou a perspectiva de onde se conta dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Hav-
a história. Tradicionalmente, na teoria literária, o nar- endo ajustado com um vizinho irmos à missa do
rador que está do lado de fora das situações narra- galo, preferi não dormir; combinei que eu iria
das é chamado narrador em 3ª pessoa, pois conta acordá-lo à meia-noite. [...] ASSIS, Machado de.
a história em 3ª pessoa, sem participar dela (é um Missa do galo. (ênfases adicionadas)
ele que fala).
Esse tipo de narrador é observador, se não pene- Repare que o narrador está contando uma his-
trar na subjetividade dos personagens, ou oniscien- tória da qual participa. Os acontecimentos que são
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narrados são vividos por ele. Quando acontece isso, Por exemplo:
ele é chamado de narrador-personagem. “Passava-se isto na Rua da Lapa, em 1870”. Ou
“Inácio demorou o café o mais que pôde”; “Cinco
2. Personagem minutos depois, a vista das águas próximas [...]”;
“Havia cinco semanas que ali morava, e a vida era
Personagem é uma ficção da pessoa humana, sempre a mesma [...]”; “Cinco semanas de solidão,
uma imitação, uma invenção. Às vezes é verossímil, de trabalho sem gosto [...]”; “No fim de três semanas
isto é, graças aos recursos de caracterização (os eram eles, moralmente falando, as suas tendas de
elementos que os autores utilizam para descrever e repouso”; “Um domingo, – nunca ele esqueceu esse
definir o personagem), tem-se a impressão de vida, domingo, – estava só no quarto, à janela [...]”.
configurando-se diante do leitor.
Um autor é capaz de dar a impressão de que o 4. Espaço
personagem que inventou é um ser muito parecido
com as pessoas que conhecemos. Os personagens Espaço é onde acontece a história, os cenários
podem ser contraditórios, cheios de conflitos interio- em que atuam os personagens. Os personagens lite-
res, infinitos em sua riqueza. Dependendo do papel rários atuam em espaços e reagem ao mundo em
que o personagem de ficção ocupa, ele poderá que vivem. Observando o espaço, é possível confi-
ser protagonista – ou seja, terá o papel principal –, gurar traços dos personagens e da própria história.
e seus opositores serão os antagonistas. Se desem- No conto Uns braços, o cenário principal é a casa
penhar um papel secundário, o personagem será do solicitador, sobretudo a sala de jantar e o quarto
chamado coadjuvante, isto é, será auxiliar do per- em que estava hospedado Inácio.
sonagem principal. No conto Uns braços, Inácio e D.
Severina têm o papel principal. A POESIA, A CANÇÃO POPULAR E O POEMA
O solicitador Borges, que no início do conto xin-
ga Inácio, faz papel de personagem antagonista. O 1. A palavra cantada: uma guardiã da memória
personagem também poderá ser linear ou comple-
xo. No primeiro caso, o comportamento do persona- Desde tempos ancestrais, a palavra cantada
gem não costuma mudar e é bastante previsível. Por vem sendo utilizada para manter viva a memória da
exemplo, o herói das novelas de TV (ou o mocinho civilização. Guerreiros descreviam as batalhas em
das histórias de aventuras) é sempre bom, honesto, verso e música para memorizá-las mais facilmente,
justiceiro e altruísta, isto é, é muito generoso com os e as cantavam quando retornavam à sua terra, do-
semelhantes. cumentando o acontecido.
No segundo caso, o comportamento do perso- Poetas percorriam as aldeias cantando – e con- 73
nagem é imprevisível. É capaz de fazer o bem e o tando – suas inúmeras histórias, como maneira de
mal, de ser justo e injusto, de sentir amor e ódio etc. renovar as lembranças e emoções de muitas gera-
Os autores mostram a complexidade do persona- ções.
gem ao leitor de duas maneiras: pelo que fazem (as No Brasil, por exemplo, essa tradição ainda se
ações) e pelo que pensam. Veja o caso de D. Seve- mantém na figura dos violeiros e repentistas nordes-
rina no conto Uns braços. Ela não queria acreditar tinos.
no que estava sentindo. Daí procurar convencer-se As canções populares continuam sendo um
de que Inácio era uma criança. Mas, ao pensar que meio de manifestação das pessoas a respeito das
Inácio podia estar doente, trata de inventar uma múltiplas questões que vivenciam no cotidiano, se-
desculpa para entrar no quarto e beijá-lo. jam elas mais ou menos líricas, mais ou menos ínti-
Depois a personagem não podia acreditar no mas, mais ou menos ácidas: a perda da liberdade
que tinha feito. Ficou confusa, irritada, aborrecida, nas décadas de 1960 e 1970 em razão da ditadura;
mal consigo e mal com ele... Teve medo de Inácio a violência no Rio de Janeiro por conta do combate
estar fingindo que dormia. ao tráfico; o preconceito racial, o abandono e a ex-
ploração do menor; o mau uso do dinheiro público;
3. Tempo o descaso dos políticos com a população; a dor de
um amor rompido, as nuances do relacionamento
O tempo é um elemento central na organização de um casal; as questões enfrentadas cotidiana-
do conto, pois as indicações temporais ajudam na mente pela mulher; a celebração de um aconteci-
organização dos fatos da história. É muito impor- mento
tante em um conto observar como a passagem de É possível dizer, então, que o canto sempre aju-
tempo é sentida pelos personagens. dou as gentes dos mais diferentes tempos e lugares
É possível que um conto de muitas páginas narre a registrar e a se lembrar mais facilmente de sua
apenas os fatos de algumas horas. É interessante ob- própria história. Assim, a palavra cantada pode ser
servar também os casos em que há uma distância considerada uma guardiã coletiva da memória dos
de tempo entre a ocorrência dos acontecimentos povos.
narrados e o momento em que são contados. No E não é difícil entender por quê. Você já tentou
conto Uns braços, há várias expressões que indicam declamar em voz alta, sem cantar, a letra daquela
tempo. sua canção preferida? Não? Se tentar, você verá
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como é difícil dissociar a letra da melodia. Seria pre- da época considerava que elas contrariavam o re-
ciso, repetidas vezes, retomar o canto para poder, gime. Chico Buarque – entre muitos – foi um desses
depois, declamar a letra. De uma canção infantil ao compositores. Para tentar driblar a censura, ele criou
hino nacional, passando pelas mais diversas músicas o personagem Júlio Cesar Botelho de Oliveira, o Juli-
que povoam a vida das pessoas, letra e melodia nho da Adelaide, que compôs apenas três canções:
estão amalgamadas, ajustadas uma à outra de tal Acorda, amor, Jorge Maravilha e Milagre brasileiro,
maneira que romper com isso é mesmo muito difícil. ou seja, sua produção foi mesmo pequena. Como
Os estudiosos da canção afirmam que isso dito no livro Tantas palavras, o personagem era
acontece porque o canto potencializa o grau de
expressividade e significância das palavras quando
articula a sonoridade da fala ao ritmo e à melodia [...] mais falante que prolífico. [...]
WERNECK, Humberto. Chico Buarque: tantas pala-
da canção. Uma natureza encantada O com-
vras. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 85.
positor e pesquisador André Rocha L. Haudenschild,
em seu artigo Palavras encantadas: as transforma-
ções da palavra poética na canção popular brasi- Chico Buarque criou tão bem o falso compositor
leira (Revista Brasileira de Estudos da Canção, n. 4, que ele até tinha um meio- -irmão chamado Leo-
jul.-dez. 2013), chama a canção de palavra encan- nel, parceiro dele nessa canção. A suposta identi-
tada. Recuperando o sentido de encantar, André dade desse compositor foi esclarecida ao público
afirma que a canção é tanto uma poesia maravilha- no início de setembro de 1974, quando Chico fez
da quanto enfeitiçada pela melodia. um acordo com o escritor Mario Prata e com o jor-
Ou seja, a letra, quando se deixa encantar pela nalista Melchíades Cunha Jr., do jornal Última Hora
melodia, ou vice-versa, transforma-se na canção. E (hoje extinto), e concedeu uma longa e hilariante
transformar-se, nesse caso, é tornar-se outro ser, ou- entrevista à edição paulista, como se fosse Julinho
tra coisa, outro objeto. Nesse sentido, letra sozinha da Adelaide. Nela, “contou” toda a história do falso
não é canção, assim como melodia e ritmo isolados compositor, falando de sua família, de suas criações
também não o são. Canção é letra, melodia e ritmo musicais e da relação que tinha com cantores e ou-
enfeitiçados, transmutados um pelo outro, em per- tros compositores. Falou, até, da mais recente inven-
feita articulação e encaixamento a fim de passar a ção de Julinho, na época, que era o samba duplex.
mesma mensagem ao ouvinte.
A canção é um gênero composto por duas ma-
Duplex porque podia ganhar um novo senti-
terialidades distintas, mas indissociáveis: a lingua-
do, se necessário fosse. “Formosa”, por exemplo,
gem musical e a linguagem verbal.
74 de Baden Powell e Vinicius de Moraes, poderia
Leia a canção Acorda, amor, de Leonel Paiva e
transformar-se em “China nacionalista” [...].
Julinho da Adelaide.
WERNECK, Humberto. Chico Buarque: tantas pala-
vras. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 87
Em 1975, o Jornal do Brasil publicou uma repor- (na 4a estrofe) – tanto para dizer grite por socorro
tagem sobre a censura, desmoralizando a Polícia quanto para pedir que fale sobre o que acontece
Federal da ditadura, e, nela, contava a verdade a nesse regime. Nesses mesmos versos, ao ser cantada
respeito de Julinho da Adelaide. Vinte e quatro anos a palavra “ladrão”, o som é mais agudo e parece
depois, em 1998, Mario Prata escreveu a crônica Ju- imitar a sirene de uma viatura, quase como a que-
linho da Adelaide, 24 anos depois. rer reverter a realidade e pedir por uma polícia que
Se você quiser, pode acessá-la no site Chico exercesse sua função verdadeira, e não subvertida
Buarque no endereço a seguir: (acesso em: 29 ago. pela ditadura: uma polícia que protegesse a popu-
2014). Como você pôde ver, um fato que desenca- lação, e não um regime que não a representasse.
deia outro, que provoca outro, que desperta mais
outro: uma questão de história. 3. Duas conclusões fundamentais sobre a natu-
Mas, retomando a reflexão, agora que você já reza das canções
sabe quem era Julinho da Adelaide e qual o seu pa-
pel na história da canção Acorda, amor, é possível Essa canção, como muitas outras, conta uma
prosseguir com o estudo. Começa a ficar mais cla- história que não foi de um, mas de todo um povo em
ro a você por que o eu lírico da canção chamou determinado momento da História. A rápida análise
o ladrão, e não a polícia? Bom, esclarecendo um feita da letra e da melodia mostra que, quando se
pouco mais: os termos “dura” e “os homens” costu- retoma uma canção desse tipo, é possível reviver
mavam referir-se, na época, à polícia militar, assim momentos tocantes, que mexem com sentimentos,
como “muito escura viatura” se referia aos veículos e, dessa forma, mobilizar a carga emocional corres-
utilizados por ela, que eram pretos (os camburões, pondente a eles. Isso porque tais canções registram
então chamados de brucutus). e vivificam a história de ontem e de hoje.
Isso permite interpretar que se tratava da polí- Além disso, analisar essa canção permite cons-
cia invadindo a casa do eu lírico. Daí o pedido feito tatar o quanto melodia, ritmo e letra estão amal-
para chamar o ladrão. gamados, ligados, misturados, um consolidando os
A crítica, nesse caso, era evidente: a polícia e o sentidos do outro. É só parar para pensar, ouvir com
ladrão haviam trocado de lugar naquela histórica atenção e sentir com o corpo e com o espírito.
ocasião. A polícia, naquele momento, era a ladra
das liberdades individuais, a caçadora dos direitos 4. Finalizando
dos cidadãos, a censora da voz popular. E isso fica
muito mais claro quando se lê e se ouve a 3a estrofe As canções Acorda, amor e Samba de uma
da canção, em que há uma referência clara aos nota só mostram duas maneiras diferentes de a letra
desaparecimentos políticos, comuns na época. articular-se com a melodia. Na primeira canção, a 75
articulação não foi simétrica nem explícita, ou seja,
2. Uma história em que os sentidos não estão o texto não dizia letra por letra, palavra por pala-
apenas na palavra vra, o que estava acontecendo na melodia. Nessa
canção, a melodia integrou o sentido, as emoções
Quando a canção é ouvida, muitos desses sen- despertadas pelo texto e nele contidas.
tidos ficam mais claros, ganham outra substância. Em função dessas emoções, ora o ritmo foi mo-
Veja, a seguir, como isso acontece. De modo geral, dificado e a melodia se tornou mais lenta (como
é possível dizer que a letra é uma grande ironia, e te- na 3a estrofe, quando se fala da possibilidade de
ria tom de brincadeira, um tanto jocoso, brincalhão, desaparecimento do eu lírico), ora recursos foram
exatamente para disfarçar a crítica social que con- acrescentados para criar um efeito que confirmasse
tém. Isso se consolida quando se ouve um samba sentidos da letra (como a sirene incluída no começo
alegre, leve, bem marcado e rápido, “puladinho”, e no final da canção, para confirmar que era a po-
mesmo, nas 1a , 2a e 4a estrofes. lícia mesmo invadindo a casa), ora palavras foram
O ritmo parece dar vida à situação de surpresa, pensadas para criar um efeito de gaguejamento
espanto e desespero – e até um tom de brincadeira por causa do pânico do eu lírico (como nos últimos
– presente na letra. Na 3a estrofe, ao contrário das versos das 1a , 2a e 4a estrofes).
demais, há uma melodia mais contínua, as sílabas se Já na segunda canção, a articulação se deu de
alongam mais no canto. Essa mudança articula-se maneira perfeitamente simétrica, quer dizer, a letra
perfeitamente à letra, que passa a tratar das con- da canção falava uma coisa que a melodia con-
sequências da situação narrada, que poderiam ser, firmava. Por exemplo, a letra dizia que o eu lírico ia
por exemplo, a morte do personagem. cantar uma canção de uma nota só, e a melodia
A melodia consolida, então, o efeito de maior se- fazia isso mesmo; a letra dizia que outras notas pode-
riedade e tristeza com relação ao que a letra diz. Os riam entrar na canção, e isso acontecia mesmo na
versos “Chame, chame, chame/Chame o ladrão, melodia; a letra dizia que a canção estava voltando
chame o ladrão”, quando são ouvidos na canção, para a nota antiga, e a melodia confirmava. Dito
permitem identificar um efeito que seria o corres- em outras palavras, letra e melodia faziam exata-
pondente ao desespero do eu lírico, gaguejando, mente a mesma coisa em vários trechos. Além disso,
sem saber muito o que fazer; esse efeito se intensi- a letra estabelece uma relação entre essa canção
fica quando ao “chame” é acrescentado “clame” e o relacionamento do eu lírico com sua amada.
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Concluindo: a relação entre letra e melodia em UM POEMA, UMA MELODIA, UMA CANÇÃO PARIDA
cada uma das canções é bastante diferente. No
caso de Acorda, amor, não importa se o autor teve Conforme foi dito, o poema que deu origem
a clara intenção de provocar todos os sentidos que à canção foi escrito como um protesto contra os
foram produzidos por cada um dos modos de arti- bombardeios a Hiroxima e a Nagasaki, duas cidades
cular letra e melodia nas canções. O que importa é japonesas, no final da 2a Guerra Mundial. Os EUA,
que essa articulação aconteceu da maneira como no dia 6 de agosto de 1945, temendo a resistência
foi possível perceber, e que isso provocou efeitos de japonesa às forças aliadas, em uma demonstração
sentido que permitiram uma compreensão que não de poderio econômico considerada por alguns
seria possível se a articulação fosse feita de outro completamente desnecessária, explodiu a bomba
modo. Quanto mais bem feita for essa articulação, atômica Little Boy sobre a cidade de Hiroxima, des-
quanto mais coesa for, maiores serão as possibilida- truindo-a completamente.
des de tocar o ouvinte, de mexer com sua emoção. Três dias depois, fez o mesmo com a bomba Fat
Man em Nagasaki. Nesse bombardeio, estima-se
O PARTO DE UMA CANÇÃO que 230 mil pessoas tenham sido atingidas: alguns
atingidos faleceram instantaneamente, e outros, de-
1. Os diferentes modos de criação pois, em razão de queimaduras, radiação e ferimen-
tos graves.
Para começar, é possível dizer que o processo A radioatividade acarretou para os sobreviven-
de criação não é idêntico para diferentes compo- tes queimaduras graves e o desenvolvimento de
sitores. Trata-se de algo muito pessoal, individual e diversas enfermidades na população – como ce-
único. Uma canção pode ter sido criada por mais gueira, surdez, câncer, esterilidade. A vegetação foi
de um compositor. devastada e houve a ocorrência de chuvas ácidas,
Algumas vezes, um faz a letra e outro, a melodia; que contaminaram rios, lagos e plantações. Hiroxi-
outras, os dois escrevem tanto uma quanto a outra; ma – hoje recuperada – ficou totalmente destruída
em outros casos, a letra já existe como poema e um na ocasião.
músico coloca a melodia; ou, então, a melodia já As imagens da catástrofe circularam pelo mun-
está pronta, e uma letra é escrita a partir dela. do todo, fazendo Albert Einstein afirmar que tinha
O que é unânime nesse processo é que, qual- cometido o maior erro da sua vida ao assinar a car-
quer que tenha sido o aspecto a nascer primeiro, a ta ao presidente estadunidense Roosevelt recomen-
canção em si só floresce de fato, como foi dito no dando que fossem construídas as bombas atômicas.
Tema 1, quando ambas, letra e música, passam a
76 coexistir, quando uma já está definitivamente liga- 1. Metáfora
da à outra, articulando-se de maneira intrínseca,
ou seja, intimamente, inseparavelmente. A canção A metáfora é um recurso empregado cotidia-
analisada antes, Acorda, amor, foi composta por namente, sem muita reflexão, de tanto que faz par-
Chico Buarque de Holanda, que a elaborou com- te do modo de pensar das pessoas. Por exemplo,
pleta, a letra e a melodia. Mas ele também teve vá- quando se diz Nossa! Agora que caiu a ficha!, não
rios parceiros, como Tom Jobim – que compôs Sam- significa, de fato, que alguma ficha tenha caído em
ba de uma nota só –, Edu Lobo, Vinicius de Moraes. algum lugar; e sim que, finalmente, alguma coisa foi
compreendida pela pessoa.
2. Um caso particular: o poema que se tornou Na realidade, essa expressão vem da época em
canção que os telefones públicos disponíveis nas ruas da ci-
dade, chamados orelhões, funcionavam com fichas
Vários são os exemplos que ilustram os diferentes que eram compradas e inseridas no receptáculo do
modos de produção de uma canção. Como primei- aparelho. Cada ficha correspondia a alguns minu-
ro exemplo, veja o poema A rosa de Hiroxima, de Vi- tos de uma ligação e demorava um pouco para
nicius de Moraes (1913-1980). Ele foi escrito em 1954, cair dentro do telefone, de modo que começasse
referindo-se ao bombardeamento de Hiroxima (no a valer.
Japão, em 1945), mas só 19 anos depois, em 1973, Fazia até um barulhinho quando isso acontecia.
foi musicado por Gerson Conrad, da banda Secos É por isso que as pessoas que nasceram mais recen-
e Molhados – da qual o cantor Ney Matogrosso fa- temente perderam a origem da expressão, mas a
zia parte –, compondo o repertório do primeiro disco utilizam porque compreendem seu sentido ao anali-
deles. sar o uso que pessoas mais velhas fazem dela.
A canção foi considerada, em 2009, uma das Quando um garoto, ao convidar uma garota
100 maiores músicas brasileiras pela revista Rolling para sair, diz: Gata, que tal uma balada hoje?, ele
Stone, que é uma referência para assuntos relacio- não está pensando que a menina é uma gata de
nados a música. verdade, certo? Mas a elogia porque a considera
bonita, feminina, charmosa como uma gata. Age
do mesmo modo quem diz: Mas ele é um crânio, por
isso passou em primeiro lugar!.
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Esse é um procedimento metafórico; isto é, utili- Há, ainda, outras expressões comuns como che-
zar uma metáfora. que-borracha, voto-camarão, sorriso amarelo, ter
Veja o que aconteceu. No primeiro caso, hou- minhocas na cabeça, borboletas no estômago,
ve a comparação entre a demora da pessoa para morto de vergonha, azul de raiva, roxo de ciúme,
compreender e a demora da ficha do telefone para que também são metafóricas, assim como a utiliza-
cair; no segundo caso, entre garota e gata; e no ter- ção de alguns verbos, como Ela se levantou e me
ceiro, entre garoto inteligente e crânio. Na elabora- fuzilou com o olhar.
ção da frase, as expressões foram substituídas: ago-
ra que eu compreendi foi trocada por agora que 3. A canção no poema, o poema na canção
caiu a ficha; menina, por gata; garoto inteligente,
por crânio. Agora, analise as seguintes expressões: Até o momento, foram analisados, basicamen-
Ele salta como um canguru; Ela é venenosa como te, a letra da canção e o poema original. Neste mo-
uma serpente; Ele é forte como um touro! mento, você voltará sua atenção para a melodia e
O que se pode observar de diferente entre esse a relação que esta estabelece com o poema. Para
procedimento de comparação e o anterior? Se tanto, ouça novamente a canção Rosa de Hiroxima.
você disse que, no primeiro caso, a comparação O primeiro aspecto a considerar é o tom melan-
está subentendida e, no segundo, está explicitada, cólico geral da melodia, que se repete quase mo-
acertou! No primeiro caso, um termo ou expressão nocordicamente, ou seja, sem muita variação. Isso
é simplesmente trocado por outro. Veja: Agora caiu parece coerente com a intenção de olhar de modo
a ficha!; e não Ele demorou, mas agora compreen- reflexivo para uma tragédia como o ataque a Hiro-
deu o que dissemos!. xima, enxergando a gravidade das consequências
No segundo, não: a comparação está escrita que ele teve para a humanidade. Um tom que qua-
com todas as letras: salta como um canguru; vene- se parece dizer: olhe o que aconteceu; olhe o que
nosa como uma serpente; forte como um touro. É provocou; nós fizemos isso conosco.
possível dizer, então, que há dois tipos de procedi- O segundo aspecto a levar em conta é o fato
mento metafórico: aquele que se realiza por meio de a melodia agrupar os versos de dois em dois,
de uma comparação metafórica, e aquele que deixando no final do segundo verso um intervalo
acontece propriamente como metáfora. que, no caso, é ocupado com o prolongamento
da última sílaba. Cantando, é como se os versos
2. Sintetizando ficassem assim: “Pensem nas crianças/mudas tele-
páticaaaaaaaaaas/Pensem nas meninas/cegas
Na comparação metafórica, um elemento é inexataaaaaaaaaaas”. Esse intervalo entre um par
comparado com outro por meio de um conectivo: de versos e outro – que também poderia ser preen- 77
como, tal como, assim como, igual que, que nem, chido com silêncio – é fundamental na melodia, pois
feito, entre outros. Por exemplo: O céu hoje está es- cria um efeito de que a canção está dando espaço
curo como breu. (elemento A: céu; qualidade co- para o ouvinte recriar na sua mente a imagem suge-
mum: escuro; conectivo: como; elemento B: breu). rida pelo texto, reforçando a ideia de que, quando
Quando se trata de metáfora, a qualidade co- o texto diz “pensem”, está querendo dizer vejam, ve-
mum dos elementos comparados e o conectivo jam a imagem do que aconteceu para tomar cons-
não são apresentados na frase. A relação de seme- ciência da crueldade e do horror provocado.
lhança é elaborada pelo leitor. Na frase, acontece Melodia e letra perfeitamente coerentes: é isso
a substituição da qualidade do elemento que está que parece ter indicado também o sucesso da can-
sendo comentado pelo nome de outro elemento ção em relação ao público e à crítica.
que tenha a mesma característica.
Por exemplo: O céu hoje está um breu. (elemen- 4. O estudo da canção: mais alguns detalhes
to A: céu; elemento B: breu), e não O céu hoje está
escuro como um breu. Para terminar o estudo do poema que virou can-
O céu hoje está escuro como um breu. → com- ção, é importante, ainda, ressaltar que na segunda
paração parte do poema acontece um fenômeno muito in-
O céu hoje está um breu. → substituição teressante. Observe:
Todos sabem que o céu não é breu. Mas, mes-
mo sem estar explícito na frase, o céu está sendo
comparado com o breu por estar muito escuro. No
cotidiano, são utilizadas muitas expressões metafó-
ricas:
Esses recursos utilizados no poema sugerem que o sertão, de Catulo da Paixão Cearense.
leitor atenda à solicitação do eu lírico, presente no As canções contam – e cantam – o povo em
verso “mas oh não se esqueçam”: parece que a re- toda a sua complexidade. Mas não contam da
petição da palavra “rosa” vai colaborar para que mesma maneira. Cantam em diferentes gêneros e
a recomendação seja cumprida. E, também, a re- ritmos, em diferentes estilos.
petição do fonema /R/ cria um efeito de aspereza, E as canções conversam umas com as outras,
de coisa engasgada na garganta, o que é coerente com os poemas, com outros textos – literários ou
com a concepção do poema a respeito da bom- não –, com outras melodias, citando-os, trazendo-os
ba, que é o tópico comentado nessa parte. para dentro de si, imitando-os.
As canções, portanto, são tecidas de múltiplas
vozes, disfarçadas de muitos modos, ritmos e pala-
#FicaDica vras. São vozes com as quais se convive cotidiana-
A repetição de fonemas idênticos mente e que – quer representem os indivíduos ou
ou semelhantes em um texto – como a não – constituem o ser humano, porque ensinam.
que ocorre na segunda parte da can- O que é importante é exatamente saber disso,
ção Rosa de Hiroxima – é um recurso pois, conhecendo essa materialidade, esse jeito de
muito utilizado tanto em poemas como ser das canções, é possível se colocar em um lugar
em texto escritos em prosa, embora seja muito mais privilegiado para compreendê-las, para
mais comum nos primeiros. Trata-se de apreciá-las, e até – por que não? – para elaborá-las.
um recurso que provoca o efeito de re-
forçar algum sentido, de revelar alguma COMO FAZER PARA GOSTAR DE LER LITERATURA?
intenção subjacente ao texto. No caso
do poema lido, a repetição foi de um fo- Você gosta de ler? Muita gente, no Brasil e até
nema correspondente a uma consoante no mundo, não sabe ler. Outros sabem ler, mas não
– o R –, mas isso também acontece com leem nada. É como se não soubessem. Encontramos
fonemas vocálicos. no Brasil muitas pessoas alfabetizadas que não gos-
Esse recurso é chamado de alitera- tam de ler obras literárias.
ção. Normalmente, é mais fácil gostar daquilo que
sabemos fazer bem. Se uma pessoa não entende
5. Uma canção dentro da canção, dentro da aquilo que lê, vai ser difícil ela gostar do texto. Então,
canção a primeira condição para alguém gostar de Literatu-
ra é conhecer bem a língua em que o texto literário
78 As canções, conforme foi dito, podem conver- está escrito.
sar umas com as outras. Essa conversa tem muitos Certos textos são difíceis de entender, porque
modos de acontecer: às vezes, respondem a pro- eles foram escritos há muito tempo. A maneira como
vocações de canções compostas antes; em alguns se escrevia naquela época pode ser bastante dife-
casos, usam versos de outras, dialogando com as rente da atual. O envelhecimento de certas formas
ideias que apresentam. Há também situações em de expressão dificulta ao leitor a compreensão do
que parte da melodia de uma canção é incluída texto. Lembre-se: o passar do tempo pode dificultar
em outra, mesmo sem a letra. Certamente, os efeitos o entendimento do texto.
dessa estratégia são muito interessantes, pois am- Por isso, quando você ler um livro de um autor
pliam – e muito – as possibilidades de interpretação antigo, não se assuste ao encontrar alguma dificul-
do ouvinte. É esse recurso – o diálogo entre diferen- dade de leitura. Às vezes, é melhor recorrer a um
tes canções – que você estudará agora. dicionário ou a uma enciclopédia, para que a pa-
lavra que não compreendemos não atrapalhe mui-
6. De que falam e com quem conversam as to o entendimento do texto. O texto literário possui
canções, afinal? uma certa intenção de ser literário.
Mas não é só intenção, não. O autor desse tex-
Uma canção fala de muitas coisas. Uma can- to conhece muito bem certas normas da comuni-
ção fala de diferentes modos. Uma canção fala cação literária que são também importantes nas
de amor – como Samba de uma nota só; chama à comunidades leitoras da sociedade. Os leitores in-
reflexão sobre problemas mundiais – como Rosa de terpretam o texto literário, utilizando seus conheci-
Hiroxima e Alô, alô, marciano; fala de situações difí- mentos de sociedade, de linguagem, de cultura e
ceis de comunidades específicas – como Bala perdi- de literatura.
da; faz denúncia sobre problemas nacionais – como Às vezes, esses conhecimentos necessários para
Acorda, amor. entender literatura se adquirem com o passar da
Além disso, as canções também contam histó- vida, pois ela nos ensina muita coisa; outras vezes,
rias de personagens – como Marvin, de Nando Reis; eles são adquiridos com o estudo. Juntando a sua
Eduardo e Mônica, do Renato Russo; O menino da experiência de vida com aquilo que você vai apren-
porteira, de Teddy Vieira e Luizinho, gravada por Sér- dendo por aqui, você terá um entendimento melhor
gio Reis; como Romaria, de Renato Teixeira. Falam da Literatura.
de coisas do cotidiano das pessoas – como Luar do Na verdade, quando você lê um texto literário,
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
inicia-se uma conversa entre você e esse texto. E a pode ver logo no começo — Um macaco passea-
leitura se transforma em um jogo: surgem pergun- va-se.
tas que o leitor faz e que o texto vai respondendo. O espaço é muito importante na narrativa lite-
Quando o leitor faz, mentalmente, as suas pergun- rária. Ele pode ser um simples pano de fundo, onde
tas e o texto não responde a elas, esse leitor fica as personagens realizam as suas ações, mas pode
surpreso e, às vezes, até decepcionado. Em certas também ser um espelho da personalidade das per-
ocasiões, essa decepção é sinal de que o texto real- sonagens ou até das ações que elas vão praticar.
mente não estava bem escrito. Em outras situações, As ações levam um certo tempo para aconte-
o problema é que o leitor precisa aumentar a sua cer. De acordo com as suas intenções, o narrador
cultura literária. pode desde fazer-nos acompanhar demoradamen-
te a vida de uma personagem até resumir, em pou-
ALARGANDO OS NOSSOS HORIZONTES LITERÁ- cas palavras, longos anos de acontecimentos.
RIOS: MACHADO DE ASSIS Na narrativa que lemos, percebemos que o nar-
rador relata fatos que se desenrolaram em pouco
Para começar, vamos ler um texto, do escritor tempo, talvez alguns minutos, entre o macaco ver
moçambicano Mia Couto, chamado A Fábula do o peixe e esse coitado vir a morrer por ficar fora da
Macaco e do Peixe: água. Na verdade, não sabemos há quanto tempo
o macaco estava passeando.
Às vezes, o narrador valoriza mais as ações e o
tempo que elas levam para acontecer – é o que
chamamos de tempo cronológico; outras vezes, o
narrador considera mais importante a sensação de
tempo que as personagens sentem e estrutura a sua
narrativa em torno desse tempo psicológico. Com
certeza, você já sentiu, em certas ocasiões, que um
minuto (tempo cronológico) parece durar horas (a
sensação do tempo psicológico). A seguir, vamos
ler um conto de Machado de Assis, um importante
escritor que viveu no Brasil do século XIX.
O conto é um tipo específico de narrativa. Ma-
chado é principalmente conhecido por seu estilo de
escrever narrativas. Enquanto você lê, pense no que
acabamos de ver, sobre narrador, espaço e tempo 79
na narrativa.
O texto que você leu é uma narrativa. Narrar é O conto que vamos ler chama-se Cantiga de es-
a mesma coisa que contar, ou seja, apresentar uma ponsais. Esponsais são as cerimônias de casamento,
série de ações em episódios que se sucedem uns ou seja, o noivado e a festa de casamento em que
aos outros. os noivos se tornam esposos. A palavra “esponsais”
Os episódios da narrativa se organizam de um tem a mesma origem que “esposo”.
determinado jeito, que é a maneira pela qual a his-
tória é contada. A isso nós chamamos enredo. Essas
mudanças levam um certo tempo para acontecer:
o macaco vê o peixe enquanto passeia à beira do
rio, o peixe, que está vivo, morre etc. Toda narrati-
va tem personagens que vivem em um mundo não
real, mas possível; um mundo criado por alguém
que narra a história. Esse alguém é o narrador.
No trecho lido, o narrador não é nem o macaco,
nem o peixe e, ainda que não seja personagem da
narrativa, é muito importante dentro do texto. É o
narrador quem fornecerá informações que vão per-
mitir ao leitor a compreensão do texto. Há duas for-
mas de narrar: ou o narrador introduz-se no enredo,
em primeira pessoa, sendo também uma persona-
gem do enredo, ou afasta-se, criando um discurso
em terceira pessoa.
O narrador em primeira pessoa pode ser mais
pessoal, envolvendo-se afetivamente com os acon-
tecimentos. Já o narrador em terceira pessoa con-
segue ser mais objetivo, pois não está tão envolvi-
do com as ações das personagens. A narrativa que
você leu foi narrada em terceira pessoa, como se
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
Este trecho mostra o juiz julgando um caso de pensar que esse problema não é novo no Brasil. Mar-
pessoas simples que moram na roça, no século XIX: tins Pena é um exemplo de um escritor que se sentiu
incomodado com o referido problema no seu tem-
po e no seu espaço/ambiente, transformando-o em
tema de sua obra literária.
A crítica ardida da peça de Martins Pena fazia
as pessoas rirem e pensarem na realidade ao seu
redor.
o amor; pode dar ritmo ao texto; pode querer enquanto ele sonha que está sendo beijado por
mostrar o que significa falar “palavras como lan- ela, mostra que às vezes o sonho não é o opos-
ças”, que é muito difícil definir o amor. to da realidade. Assim, você deve ter percebi-
- Você pode ter respondido que a história do que o conto trata da gratuidade da paixão,
escrita por Marina Colasanti é incomum. Uma de como os braços de D. Severina despertam o
barba que nasce em rosto feminino? Que nas- amor de Inácio – e de como o amor do rapaz faz
ce por vontade da personagem? Há um conflito despertar o interesse dela.
incomum. É possível aprender várias coisas com
a história: que em uma relação amorosa podem 04. Esperava-se que fosse identificado no
acontecer as coisas mais surpreendentes; que o 20o verso a repetição dos fonemas /ch/, /j/ e /g/
amor leva a realizar atos impossíveis; que a en- nas palavras “chuva”, “ajuda” e “gente”, reme-
trega extrema, a submissão ou sacrifícios podem tendo ao chiado da chuva. De maneira seme-
não adiantar numa relação amorosa; que as lhante, a repetição do fonema /b/ nas palavras
pessoas mudam etc. “embala” e “embola” – articulada à melodia e
- Ao comparar os três textos, você pode ter ao ritmo da canção – remete HOR à embolada
notado que, em cada um, o sentimento amo- humana típica do carnaval baiano.
roso é visto de uma forma. No texto 1, é forte a
ideia de encantamento que leva à idealização 05. Resposta correta: a
do amor (o amor ignora a feiura) e do ser amado
(o ser amado é invariavelmente belo). No texto
2, o eu lírico diz que o amor consegue reunir o
que há de mais alegre e o que há de mais triste, AS LÍNGUAS ESTRANGEIRAS MODERNAS
e ainda assim é o que ele mais quer. No texto 3, o EM NOSSA SOCIEDADE
amor é visto como um sentimento capaz de rea-
lizar o impossível, capaz de romper com a lógica
das coisas, mostrando que as relações amorosas Olá! Hola! Hello! Ciao! Salut!
podem ser surpreendentes.
- A resposta é pessoal. Como você vê o Este capítulo propõe o estudo de Línguas Es-
amor? Como você lida com seus percursos amo- trangeiras Modernas a você, estudante que deseja
rosos? completar sua formação no Ensino Médio. Veja que
falamos em línguas no plural e é isso mesmo: o intui-
02. to não é estudar uma língua em especial, mas sim, 83
a) Você deve ter percebido que a apresen- descobrir caminhos que tornem possível a leitura de
tação que o solicitador Borges faz de Inácio é a pequenos textos em algumas das línguas estrangei-
pior possível. Inácio é chamado de “malandro, ras presentes em nossa sociedade. Nesse sentido,
cabeça de vento, estúpido, maluco”. vamos ler textos com os quais é bem possível que
b) O narrador conta que Inácio tinha 15 você já se tenha deparado em algum momento de
anos, tinha a “cabeça inculta, mas bela, olhos sua vida: o manual de um equipamento eletroele-
de rapaz que sonha, que adivinha, que indaga, trônico, a embalagem de um produto importado,
que quer saber e não acaba de saber nada” e um anúncio em Língua Portuguesa com palavras
andava malvestido. Não é difícil perceber que em língua estrangeira, enfim, textos que nos rodeiam
a apresentação do narrador é mais completa e e que, às vezes, nem sequer são lidos, por nos julgar-
generosa. mos incapazes de entendê-los.
c) Você deve ter respondido que Inácio se
demora à mesa para ficar contemplando os A PRESENÇA DE VÁRIAS LÍNGUAS EM NOSSO CO-
braços de D. Severina. TIDIANO
d) Você pode ter respondido que D. Severi-
na recapitulou o que tinha acontecido no jan- Sem dúvida, você sabe ligar um aparelho toca-
tar; recordou os modos dele (Inácio), os esqueci- -fitas para ouvir uma música e sabe, também, inter-
mentos, as distrações e todos os incidentes. rompê-la no momento em que quiser. Mas será que
e) O narrador prepara o leitor para o conflito, você já percebeu o que está escrito nos botões do
que vai prender sua atenção. aparelho?
res) é um dos passos para entendê-lo. cil saber o que você está comendo: tomate, alface,
Outro passo é buscar compreender as intenções cebola…
do autor e os recursos que ele usa para comunicá-las. Você pode estar pensando: mas o que isso tem a
Você assinalou várias palavras e expressões em ver com a presença de produtos culturais estrangei-
línguas estrangeiras presentes no texto, que servem ros em nossa sociedade?
para indicar, por exemplo, quem é Fabiana (uma de- Tem muito a ver! Tecnologias modernas como a
signer), o nome de sua última coleção (Light & Dark), Internet, a TV a cabo, a telefonia e os sistemas de co-
como as cores são utilizadas em seu último trabalho municação em geral aproximam e facilitam o conví-
(ton sur ton) e o local onde será a exposição (Modern vio e as trocas entre culturas.
Gallery). Entretanto, será que não temos, em nossa Para muitos, esse convívio é considerado pre-
língua, palavras e expressões com o mesmo sentido? judicial, fazendo com que as culturas de cada país
O que deve ter levado a autora a usar tantas pala- passem por uma desestruturação, levando ao que se
vras estrangeiras em um texto tão curto? chama uma única cultura global. É como se toda a
Para analisar essa questão, voltamos ao que foi cultura produzida no mundo pudesse assemelhar-se
dito anteriormente: as intenções de quem escreve ou à sopa de legumes batida no liquidificador!
fala. Para outros, porém, o convívio entre as culturas
A artista, ao ser chamada de designer – em vez pode ter efeito inverso, ou seja, a aproximação e o
de desenhista de produto ou projetista – tem sua diálogo podem ser positivos, garantindo e aprofun-
atuação profissional valorizada, já que um designer dando as particularidades e identidades originais de
não só faz o desenho, como também cria algo novo. cada cultura – como no prato de salada!
Além disso, ao batizar sua coleção com um nome em Ao ler os textos a seguir, reflita sobre a posição e
Inglês, a artista deve ter tido a intenção de posicionar as opções dos artistas com relação à sua identidade
seu trabalho em uma esfera mundial, não o restringin- cultural (características próprias da cultura de cada
do ao público brasileiro. É como se o nome pudesse indivíduo).
fazer com que a obra da artista tivesse um caráter
internacional.
O dono da galeria, ao escolher para ela um
nome em Inglês, parece ter tido a mesma intenção.
Com um nome estrangeiro, a galeria abre-se como
um espaço de arte do mundo e para o mundo.
A autora do texto, ao usar esses termos e expres-
sões, marca seu público-leitor como um grupo de
pessoas que têm interesses comuns, circulam nas 87
mesmas rodas sociais e, portanto, compartilham de
uma mesma linguagem, o que dá à autora e a seus
leitores um status social diferenciado. Não se pode
negar o caráter elitista desse uso. Nesse sentido, dizer
“ton sur ton” tem um valor diferente do que teria “tom
sobre tom”. Infelizmente, para alguns, dizer sale em
vez de liquidação e delivery em vez de entrega em
domicílio é “chique” e “diferente”.
Sempre que você vir outros textos – notícias, mar-
cas, nomes de estabelecimentos comerciais, anún-
cios – com termos ou expressões em línguas estran-
geiras, pare e pense nas intenções e significados des-
se uso.
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I) cozimento = cottura; salgada = salata; vinho
= vino; abundante = abbondante _________________________________________________
II) trabalhos = travaux; facilmente = facile-
ment; rua = rue _________________________________________________
III) pressionar = press; baterias = batteries; au-
tomaticamente = automatically _________________________________________________
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03. Semelhanças e diferenças entre línguas
Cuchara = colher _________________________________________________
a) O número 10 aparece duas vezes porque
se refere tanto ao tamanho do filtro de papel _________________________________________________
quanto ao tamanho do porta-filtro;
b) tacita = xicrinha; hirviendo = fervendo; _________________________________________________
c) a instrução número 3 adverte que não se
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deve mexer com a colher para não rasgar o filtro
de papel. _________________________________________________
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Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
ANOTAÇÕES
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90 _______________________________________________________________________________________________________
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Matemática
Matemática
de débito e crédito, no cálculo de dívidas ou para poente 5 é um número inteiro positivo que indica a
indicar uma posição em relação ao zero, como nos quantidade de vezes que a base 2 será multiplicada
casos de temperaturas e altitudes. por ela mesma para obter a potência 32.
Veja outros exemplos:
• 43 = 4 ∙ 4 ∙ 4 = 64
• 107 = 10 ∙ 10 ∙ 10 ∙ 10 ∙ 10 ∙ 10 ∙ 10 = 10.000.000
•
Relembre algumas regras de potenciação: Em
uma potenciação, se a base é positiva e seu ex-
poente for inteiro positivo, seu resultado será positivo.
Por exemplo:
• 32 = 3 · 3 = 9
• 33 = 3 · 3 · 3 = 27
Se a base da potência é negativa e o seu ex-
poente inteiro positivo for par, então seu resultado
6. Características do conjunto ℤ será positivo; se o expoente inteiro positivo for ímpar,
então seu resultado será negativo. Por exemplo:
Uma das características que distingue o con-
junto ℤ (dos inteiros) do conjunto IN (dos números • (– 2)4 = (– 2) · (– 2) · (– 2) · (– 2) = 16
naturais) é a diferença entre dois números inteiros • (– 3)2 = (– 3) · (– 3) = 9
quaisquer ser sempre um número inteiro, o que não • (– 2)5 = (– 2) · (– 2) · (– 2) · (– 2) · (– 2) = – 32
acontece com os números naturais. Veja os seguin- • (– 3)3 = (– 3) · (– 3) · (– 3) = – 27
tes exemplos.
Os números 5 e 2 são números naturais, isto é, 5 Radiciação em ℤ
∈ IN e 2 ∈ IN; 5 – 2 = 3, que também é um número
natural. Mas não existe número natural que seja o A existência da radiciação em ℤ depende da
resultado da subtração 2 – 5. potenciação, isto é, pode-se escrever que:
Por outro lado, 5 e 2 são números inteiros, isto é, 5
∈ ℤ e 2 ∈ ℤ; e as diferenças 5 – 2 = 3 e 2 – 5 = – 3 são
números inteiros também.
Veja a seguir mais propriedades do conjunto dos
3
números inteiros (ℤ).
1) Todo número inteiro tem um sucessor e um an-
tecessor; consequentemente, diz-se que o conjunto E assim por diante.
dos números inteiros é infinito à direita e à esquerda. Observe que, por não existir potenciação de ex-
Isso significa que, ao se escolher um número inteiro poente par que resulte em número negativo, tam-
qualquer, é sempre possível somar ou subtrair 1 a bém não existe radiciação de número negativo
esse número e o resultado será também um número quando o índice é par.
inteiro.
2) Entre dois números inteiros consecutivos não 8. Elemento oposto
existe outro número inteiro.
3) Adicionando ou subtraindo dois números intei- Outra característica que diferencia o conjun-
ros quaisquer, obtém-se um número inteiro. to IN do conjunto ℤ é a de que todo elemento do
4) Multiplicando dois números inteiros quaisquer, conjunto dos inteiros tem um elemento oposto, isto
obtém-se um número inteiro. é, para cada a ∊ Z existe um elemento –a ∊ ℤ. O ele-
mento oposto também é chamado de simétrico do
número. E a soma de um número com seu simétrico
#Atenção resulta sempre em zero, ou seja, a + (–a) = 0.
Essa propriedade não vale para a
divisão.
9. Operações em ℤ
Os números inteiros são amplamente utilizados no dia a dia e nas várias ciências para representar saldos
bancários, temperaturas, altitudes e outras quantidades. E, tal como no conjunto dos números naturais, é
possível fazer cálculos com inteiros: adições, subtrações, multiplicações e divisões.
Podem-se somar ou subtrair dois números inteiros imaginando-os sobre uma reta numérica ou imaginando
o saldo de uma conta bancária.
No contexto de saldo bancário, o sinal associado ao número indica o estado da conta: se o sinal agre-
gado ao número é “+”, significa que a conta tem saldo positivo e, se o sinal é “–”, significa que a conta tem
saldo negativo; os sinais após os parênteses indicam se o saldo aumentou (+) ou diminuiu (–).
Considere as operações a seguir, seus significados e como se pode obter o resultado.
Imagine um ônibus que partiu do ponto com 15 passageiros e fez um trajeto passando por 5 paradas. Na
primeira, desceram 5 passageiros e subiram 4; na segunda, subiram 3 passageiros; na terceira, desceram 5
passageiros; na quarta, subiram 4 passageiros e desceram outros 4 passageiros; na quinta e última parada,
desceram 7 passageiros. Quantos passageiros permaneceram no ônibus após a última parada?
Esse sobe e desce pode ser representado por meio de uma expressão numérica do tipo 15 – 5 + 4 + 3 – 5
+ 4 – 4 – 7, que se chama soma algébrica. Não é difícil concluir que 5 passageiros permaneceram no ônibus.
Há várias estratégias para se chegar a esse resultado. A primeira é partir do número inicial e calcular cada
subida e descida ao fim de cada parada.
4 Outra estratégia é operar diretamente sobre a expressão:
15 – 5 + 4 + 3 – 5 + 4 – 4 – 7
Somar todos os números que têm sinal positivo e, em seguida, somar todos os que têm sinal negativo; por
fim, subtrair as duas operações.
Levou cerca de mil anos para que os matemáticos aceitassem a existência dos números negativos e for-
mulassem algumas regras de cálculo para eles.
Uma delas tem como objetivo ajudar a definir o sinal que aparecerá no resultado da operação.
Solução de equações em IN e em ℤ:
A resolução de determinada equação como x
+ 2 = 4 pode ter ou não solução, dependendo do
conjunto com o qual se está trabalhando.
Essa equação tem solução em IN, pois (2) + 2 =
4, e 2 é um número natural, e ainda tem solução em
ℤ, pois 2 também é um número inteiro. Afinal, ℤ inclui
todos os elementos de IN. Com base nessa definição, pode-se concluir
No entanto, não ocorre o mesmo com a equa- que o conjunto dos racionais inclui todos os núme-
ção x + 2 = 1. ros inteiros, já que podem ser expressos pela razão
5
entre dois números inteiros. A razão mais simples é
a de denominador 1, e há também representações
equivalentes:
zero. Essa propriedade será muito útil na resolução de uma sequência de dígitos, o número é chamado
de equações. de dízima periódica.
Os números racionais podem ser representados É possível localizar racionais na reta numérica,
na forma fracionária ou decimal ou ainda como tendo como referência números inteiros.
pontos da reta numérica.
Veja o caso do “meio”:
0 < 1 < 2 < 3 < … < 99 < 100 < 101 < ... < 999 < 1.000
< 1.001 < …
Em muitas calculadoras, a separação entre
a parte inteira e a decimal é representada pela mas em ℤ as aparências podem enganar.
vírgula, como ocorre no Brasil. Em outras, essa se- Veja os exemplos:
paração é feita pelo ponto decimal, forma ado-
tada em países de língua inglesa. Exemplo: 0,5 – 34 < 43 34 > – 43 37 < 73 – 37 > – 73
(Brasil) e 0.5 (países de língua inglesa).
Por sua vez, para comparar números em ,é
6 Calculadoras e computadores estão programa- preciso mais do que percepção numérica. Nem
dos para passar um número racional da forma fra- sempre se consegue decidir, só de olhar, qual en-
cionária para a forma decimal, mas nem sempre é tre dois números racionais é o maior. Para fazer essa
possível mostrar todas as casas decimais, uma vez comparação, porém, pode-se usar uma técnica.
que a tela do visor é limitada. Sempre se pode pas- Considere, por exemplo, dois números racionais:
sar um número da forma fracionária para a forma
decimal. Para isso, basta efetuar a divisão corres-
pondente:
Observe que até aqui todos os conjuntos numéricos estudados são conjuntos ordenados. Isso quer dizer
que, dados dois elementos quaisquer, é possível colocá-los em uma relação de ordem, decidindo se são
iguais, maiores ou menores um em relação ao outro.
NÚMEROS IRRACIONAIS
Existem números cuja representação é decimal, infinita e não periódica. O primeiro desses números foi
descoberto pelos matemáticos gregos há mais de 2.500 anos. No século VI a.C., os matemáticos só conhe-
ciam e admitiam números inteiros – positivos, pois ainda não conheciam os negativos – e as frações que eram
tratadas como razões entre inteiros.
No entanto, eles se depararam com um problema: não sabiam qual número poderia expressar a medida
da diagonal de um quadrado de lado 1. Isso pôde ser resolvido com uma das mais poderosas ferramentas
matemáticas da época: o teorema de Pitágoras.
Pitágoras provou que, se um triângulo é retângulo (isto é, tem um ângulo reto), a soma dos quadrados das
medidas dos lados menores é igual ao quadrado da medida do lado maior.
Aplicando o teorema de Pitágoras para calcular a medida da diagonal do quadrado de lado 1, tem-se:
Matemática
A diagonal do quadrado de lado 1 mede √2 , ros reais é a de que todos eles podem ter um corres-
um número que não pode ser expresso como a ra- pondente na reta numérica e vice-versa.
zão entre dois números inteiros e, portanto, não é um Observe:
número racional.
Esse fato gerou uma crise entre os sábios gregos,
pois, apesar de a diagonal estar lá e poder ser me-
dida, não havia uma unidade de medida que cou-
besse um número exato de vezes no lado do qua-
drado e na diagonal. O conjunto possui subconjuntos e é possível
Hoje, sabe-se que √2 é um exemplo de número estabelecer uma relação de inclusão entre alguns
cuja representação decimal é infinita e não periódi- deles. Veja:
ca. Como esse número não pode ser representado
por uma razão de números inteiros e não é um nú-
mero racional, diz-se que ele é irracional. √2 é um
número irracional e pertence ao conjunto dos nú-
meros irracionais, representado simbolicamente por
1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
01. Escreva os números racionais a seguir na 07. Compare os números inteiros usando > ou <.
forma decimal (finita ou infinita) 9
a) 4
b) 1
c) 3
d) 2
e) 5
07.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-RJ), 2006.
Dica!
Assim, quando eles constatavam que: UMA EXPERIÊNCIA QUE VOCÊ TAMBÉM PODE FA-
ZER
12
Eram soluções do problema. Entretanto conside- nada tem a ver com ela, mas somente como
rou essas expressões inúteis, pois envolviam números exercício do pensar.
para os quais ainda não tinha sido dado nenhum • aumentar sua cultura.
significado: a raiz quadrada de número negativo.
Nesse tempo, Bombelli, outro matemático italia- USANDO A MATEMÁTICA PARA MODIFICAR O
no, resolveu operar com esses números, mesmo sem MUNDO
dar a eles um significado, imitando o procedimento
que utilizava para operar com números reais. Bom- A todo momento convivemos com uma grande
belli confirma, por exemplo, que a soma e o produto quantidade de objetos, fatos e informações de pro-
dos números e soluções do problema inicial são 10 e cedências e naturezas diversas. Por isso, precisamos
40, respectivamente. Ele operou com esses números compreendê-los, analisá-los, relacioná-los e, muitas
usando as mesmas regras e propriedades dos núme- vezes modificá-los, para tornar melhor a realidade
ros reais que conhecia. em que vivemos.
As raízes quadradas de números negativos con- Os exemplos são tantos, que tropeçamos neles
tinuaram a aparecer nos séculos XVI, XVII e XVIII. Os em nosso dia-a-dia, desde os mais simples, até os
matemáticos manipulavam esses números sem sa- mais complexos:
ber o que significavam, tanto é que os nomes que
tais números receberam na época descreviam bem
esse desconforto: sofísticos, fictícios, impossíveis, mís-
ticos, sem sentido, imaginários (este último perdura
até hoje).
O conjunto desses números só passou a “ter sta-
tus de campo numérico” a partir dos trabalhos de
Gauss, no final do século XVIII e início do século XIX,
quando os números da forma
tros marcados com cores diferentes (azul para lixo do quarteirão em questão: na primeira ta-
papel; verde para vidro; amarelo para latas; bela é fácil perceber que são 90 essas pessoas.
vermelho para plásticos; branco para lixo or- • a previsão sobre as medidas que deverão ser
gânico). tomadas para conscientizar as pessoas que
• de como é feita a coleta de lixo nesse quartei- não conhecem ou não praticam a coleta se-
rão (por caminhão coletor, por cada morador letiva (ao todo 80 moradores do quarteirão).
que queima seu lixo ou leva-o para um depósi- Essas medidas podem ser de vários tipos: fo-
to comunitário etc.); lhetos explicativos, reuniões com os moradores
• sobre o conhecimento que as pessoas têm so- do quarteirão, visitas do grupo de pesquisa a
bre coleta seletiva e se praticam a coleta se- cada casa do quarteirão para explicar sobre
letiva; a coleta de lixo etc.
• sobre os insetos mais frequentes nas casas des-
se quarteirão e na parte externa às moradias;
O grupo de vizinhos poderá encontrar outros
itens que considerar mais convenientes.
17
18
A tabela pode ser útil para localizar o valor a ser pago por determinada quantidade de litros comprados,
embora isso não seja necessário, uma vez que a bomba do posto de combustível está programada para
informar o valor no visor.
O gráfico possibilita ver que o preço varia proporcionalmente à quantidade de litros e que a relação
entre preço e litros é crescente.
Situações como essas levam à ideia de função.
1. Noção de função
Chama-se função de um conjunto A em um conjunto B qualquer relação entre esses conjuntos que faça
corresponder a cada elemento de A um único elemento de B. Uma função de A em B pode ser representada
por um diagrama de flechas como o seguinte:
Matemática
O intervalo procurado é:
O número representado por x indica quantas
unidades o ponto está afastado do eixo vertical: à
direita do eixo, x é positivo (pontos A e D) e, à es-
querda, x é negativo (pontos B e C).
O número representado por y indica quantas
4. Regra de sinais de inequações
unidades o ponto está afastado do eixo horizontal:
acima do eixo, y é positivo (pontos A e B); abaixo, y
é negativo (pontos C e D). FIQUE ATENTO!
A projeção de um ponto sobre o eixo horizontal Ao multiplicar uma inequação por
apresenta a primeira informação e a projeção do um número negativo, as desigualdades
ponto sobre o eixo vertical, a segunda informação se invertem. Veja um exemplo de resolu-
20
sobre o endereço desse ponto. ção de inequação:
12 < –3x ≤ 48 → Para isolar o –x, divi-
2. Pontos dem-se todos os membros por 3.
4 < –x ≤ 16 → Para isolar o x, multipli-
Um ponto qualquer pode ser localizado no re- cam-se todos os membros por –1.
ferencial cartesiano por meio de pares ordenados, –4 < x ≤ –16
como os pontos O(0, 0), P(–3, 4), A(3, –2), B(0, 3), C(2, Observe que a última inequação é
–3), D(–3, –3), E(1, 2) e F(2, –5). Além de pontos, tam- falsa, pois –4 > –16. Portanto, é preciso
bém podem ser representados intervalos de pontos inverter os sinais para que a sentença
em uma reta e regiões no plano cartesiano. continue verdadeira. Assim: –4 > x ≥ –16.
6. Funções
21
P = 2(x + y)
P = 2(x + 5)
P = 2x + 10
• – 3 ≤ x ≤ 3
• – 4 ≤ y ≤ 4
Observe na tabela e no gráfico que, como so- Assinale a alternativa que melhor representa
mente um dos lados é fixo e o outro é variável, ao o conjunto dos pontos da região que satisfazem
aumentar o lado variável, o perímetro também au- a condição y = 2x.
menta.
23
• A área de um retângulo em que um dos lados
mede 5 cm é: A = 5x.
• A distância percorrida por um automóvel com
velocidade constante v = 25 km/h em função
do tempo t é: d = 25t.
DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
RESULTADOS
Após encontrar uma solução, é necessário ve- De modo geral, uma equação de 2º grau tem o
rificar se o resultado satisfaz todas as condições do seguinte formato:
problema.
a=1
b=–5
c=6
Matemática
É possível perceber a regularidade dessa se- Nessa sequência, o valor numérico do primeiro
quência e determinar o valor do próximo termo. termo é 1930; do segundo termo, 1934; do terceiro,
Outras sequências progridem seguindo um padrão 1938; do quarto, 1950; e assim por diante. São usa-
constante, mas que, logo nos primeiros termos, já al- dos uma letra minúscula para identificar um termo
cançam quantidades maiores: (1, 2, 4, 8, 16, 32, ...) da sequência e um número subscrito à direita da le-
tra para indicar a posição desse termo.
1. A sequência de números primos 27
Há ainda sequências que, mesmo sendo estuda-
das por matemáticos há mais de 2 mil anos, ainda
hoje guardam mistérios e desafiam as mentes mais
curiosas. Esse é o caso da sequência dos números
primos.
Observe a seguir: Assim:
possível se a sequência tem um padrão, ou seja, dos números figurados foram os pitagóricos, curiosos
uma regularidade que possa ser expressa por uma em relação à disposição de pedras em configura-
lei de formação ou uma fórmula. ções geométricas na areia.
1. Números quadrados
2. Números triangulares
28
Em muitas situações do dia a dia, é comum se
deparar com configurações geométricas triangula-
res, como na arrumação de bolas de bilhar ou de
pilhas de latas.
Por meio da contagem das pedras sobre a areia, qualquer an pode ser determinado em função de
os pitagóricos perceberam regularidades na forma- sua posição; em outras palavras: o enésimo termo
ção dos termos da sequência: da sequência é:
30
Antes de aplicar essas ideias e técnicas, acom-
panhe o estudo da progressão aritmética a seguir,
cujos quatro primeiros termos são conhecidos:
Para determinar o valor numérico do 5º termo,
soma-se 4 vezes (5 – 1 = 4) a razão.
Portanto, para ir de a1 até a11, soma-se 10 vezes
a razão:
Pratique determinando o valor de todos os ter-
mos até o 11º. Para calcular o enésimo termo de
uma PA, usa-se uma fórmula derivada do raciocínio
descrito anteriormente.
Com base nesses dados, é simples determinar o Fórmula do termo geral da PA:
valor do 5º termo:
Basta substituir na fórmula: ser pago em trigo, deixando todos perplexos e zom-
bando do ingênuo inventor. Mas ele prosseguiu, e
pediu ao rei que lhe pagasse 1 grão de trigo para
a primeira casa do tabuleiro, 2 grãos para a segun-
da casa, 4 para a terceira, 8 para a quarta, e assim
por diante, dobrando o número de grãos para cada
casa sucessiva do tabuleiro.
O rei sorriu ao ouvir o que acreditou ser um pe-
dido modesto. Mas seu sorriso desapareceu na ma-
nhã seguinte quando ouviu de seu secretário de
• determinar a posição n do termo cujo valor nu- Finanças, um contador muito habilidoso, que ele,
mérico é an = 65: o rei, teria de pagar uma quantidade de trigo que
não existia no reino, nem provavelmente no mundo
todo.
A explicação é simples: ao dobrar a quantidade
de grãos de trigo em cada casa, obtém-se uma se-
quência que cresce muito rapidamente à medida
que se avança pelas casas do tabuleiro, formando
uma sequência que, até a 10a casa, tem os seguin-
tes valores numéricos:
Substituindo na fórmula, tem-se: Isso quer dizer que a soma de todos os grãos dá
um número que ultrapassa a casa dos quinquilhões:
Portanto, a6 = a1 ∙ 25 = 3 ∙ 32 = 96
Com base na percepção dessa regularidade,
pode-se determinar o valor do 10º termo conhecen-
do o 1o e a razão:
1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
Observe sua utilização na resolução dos seguin-
tes problemas. 01. Tente encontrar um padrão para a se-
quência de números ímpares, a partir do 3.
• Como determinar o 8o termo da PG (2, 6, 18,
..., an)? 02. Retome as sequências figuradas do tipo
V e L para realizar os exercícios abaixo.
a) Quantos quadradinhos tem o 5º termo da
São conhecidos o primeiro termo (a1 = 2); a ra- sequência V?
zão, que é o quociente entre um termo e seu ante-
Matemática
1. Congruência
Construção de triângulos
Esses exemplos reforçam o fato de que a con- Essas relações são utilizadas para determinar
dição de ter “ângulos de mesma medida” não é medidas desconhecidas em triângulos semelhantes.
suficiente para garantir a semelhança. Figuras se- Veja a seguir um exemplo. Em determinado dia, a
melhantes devem ter também lados proporcionais, luz do sol, inclinada em relação à linha do horizonte,
como em uma fotografia que foi ampliada. produz sombras de um edifício e de um poste pró-
ximo. Sabendo que o poste tem 9 m e sua sombra
mede 6 m, é possível determinar a altura do edifício
com base na medida de sua sombra de 140 m de
comprimento.
Diz-se que dois segmentos são comensuráveis O número de quadradinhos verdes somado
quando há uma unidade que cabe um número in- com o número de quadradinhos laranjas é igual ao
teiro de vezes tanto em um como em outro. número de quadradinhos azuis. Em outras palavras,
a área do quadrado construído sobre a hipotenusa
(lado maior) é igual à soma das áreas dos quadra-
dos construídos sobre os catetos (lados menores).
Até aqui, foi feita uma exploração com um triângulo
particular (de lados 3, 4, 5). Mas a relação que se
quer discutir vale para qualquer triângulo retângulo.
LOGARITMOS
Exemplo 2.
Qual é o logaritmo de 81 na base 3? Em lingua-
gem matemática:
DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
RESULTADOS
01. Alternativa correta: e. Para resolver essa questão, é preciso separar o esquema em dois triângu-
los: ∆OPA e ∆BPC e utilizar o conceito de proporcionalidade, pois os triângulos são semelhantes, isto é,
um é redução do outro. Desse modo, tem-se a seguinte proporcionalidade:
02.
Alternativa correta: d. Com base na figura, pode-se concluir que o comprimento total do corrimão
equivale a 30 cm + região central (x) + 30 cm. A região central do corrimão é a hipotenusa do triângulo
retângulo cujos catetos medem 24 · 5 cm e 90 cm. Aplicando o teorema de Pitágoras, tem-se:
41
COMBINATÓRIA
1. Introdução à combinatória
Agora há apenas 2 possibilidades para o 2º lu- a coluna 2 significa apostar na vitória do time visitan-
gar; suponha que A chegue em seguida. te (e derrota do time da casa).
Há 3 resultados possíveis para o jogo 1 (coluna
1, do meio ou 2); 3 para o jogo 2; 3 para o jogo 3; 3
para o jogo 4; e 3 para o jogo 5.
O total de combinações possíveis, por exemplo,
para os dois primeiros jogos é:
Como só resta um atleta para a última posição,
que é C, o número de possibilidades é 1.
• AMOR é um anagrama da palavra ROMA. Isso torna possível simplificar determinados cál-
• RAMO é um anagrama da palavra AMOR. culos, por exemplo:
Nesses dois casos, todas as palavras são de nos-
so vocabulário, mas um anagrama não precisa ne-
cessariamente formar uma palavra conhecida, por
exemplo:
PROBABILIDADE
O número de anagramas da palavra GRUPOS é A incerteza Muitas são as situações em que não
720. é possível prever um resultado ou ter certeza de que
Aos problemas em que se têm de agrupar n ele- algo poderá ou não acontecer. É o caso das pre-
mentos em n posições, sem que se repitam elemen- visões do tempo e outros fenômenos da natureza,
tos, dá-se o nome de permutação. como a erupção de vulcões ou a ocorrência de ter-
Esse é o caso deste problema e dos resolvidos remotos, tufões e tsunamis.
nos exemplos 1 e 2. Além dessas, há ainda outras situações cujo re-
Observe que, nos exemplos, foi preciso fazer sultado não pode ser previsto, como sorteios, lança-
uma multiplicação do tipo: mento de dados ou uma simples disputa de “cara
ou coroa”; sequer é possível determinar, logo após
45
a concepção, o sexo de um bebê que vai nascer.
O ramo da Matemática que estuda as leis do acaso
chama-se probabilidade. Analise com atenção a si-
Trata-se do produto de um número natural por tuação descrita a seguir.
todos os seus antecessores, até o 1. Esse tipo de pro- No início de uma partida de futebol, é comum
duto é chamado fatorial do número n e se escreve o juiz jogar uma moeda para o alto, para que o ca-
colocando um ponto de exclamação depois do nú- pitão de cada time decida na sorte quem começa
mero: o jogo.
Ao jogar uma moeda e observar a face voltada
para cima, há apenas dois resultados possíveis: cara
ou coroa. A chance de ocorrer cara ou coroa é a
mesma. Diz-se, portanto, que a probabilidade de
sair cara é a mesma de sair coroa.
Assim,
Generalizando:
Analise agora outra situação. Em uma empre-
sa, o encarregado de uma seção decidiu colocar
em uma urna o nome de todos os funcionários para
sortear quem participaria da comissão da empresa.
Matemática
Quem tem a maior probabilidade de ser sorteado: de-se retirar do saco uma bolinha azul ou uma boli-
um homem ou uma mulher? nha vermelha, mas as cores têm chances diferentes
Para responder a essa questão, é necessário de serem sorteadas por haver um número diferente
saber o número de funcionários e de funcionárias. de bolinhas de cada cor.
Suponha que a seção em que trabalha esse encar-
regado tenha 25 mulheres e 15 homens. Nesse caso, 1. Chances iguais
como você estudará adiante, é mais provável que
seja sorteada uma mulher. Maria vai ter um bebê. Qual é a probabilidade
Entretanto, se o número de homens e mulheres de nascer uma menina? O último Censo Demográ-
for o mesmo, as chances são iguais. E, se o número fico, realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de
de funcionários for maior que o número de funcioná- Geografia e Estatística (IBGE), indicava que a popu-
rias, é mais provável que um homem seja sorteado. lação brasileira do sexo feminino era maior que a do
Em qualquer um dos casos anteriores, o resulta- sexo masculino. Veja a tabela e o gráfico a seguir.
do do sorteio não pode ser previsto com certeza; é
possível avaliar, apenas, qual resultado tem maiores
chances de ocorrer. Não é impossível que um ho-
mem seja sorteado se a seção tiver 5 homens e 35
mulheres, só é mais difícil.
A situação de incerteza também ocorre no lan-
çamento de um dado. Ao jogar um dado com as 6
faces numeradas com pontos e observar a face vol-
tada para cima, quais são os resultados prováveis?
Suponha que seja um dado honesto. A chance de
ocorrer a face com 1 ponto é a mesma de ocorrer a
face com 2, que, por sua vez, é a mesma de ocorrer
a com 3, 4, 5 ou 6 pontos.
Qual é o número de caras esperado, caso você os 4 resultados possíveis, ou seja, sua chance era de
jogue 1.000 vezes a moeda? 1 em 4, ou 25%. Assim, a chance de Maria ganhar a
Se tiver a oportunidade de fazer o experimento aposta era maior.
com moedas honestas, espera-se que a ocorrência
de caras e coroas seja próxima de 50% à medida 3. Probabilidades com dados e sorteios
que se aumenta o número de jogadas. O resulta-
do pode variar, como 495 caras e 505 coroas, ou Agora, você vai aprender a calcular a proba-
502 caras e 498 coroas. Não importa qual número é bilidade, por exemplo, no lançamento de dados.
maior, se o de caras ou o de coroas, é bem provável Como são dados cúbicos, o número de casos possí-
que fique próximo de 500 nos dois casos. veis no lançamento de apenas um dado é 6:
04.
2. Resolvendo o problema
podem alterar o desempenho do automóvel. plique por 8 a velocidade. O que aconteceu com
o tempo? E se quisermos reduzir o tempo pela me-
3. Mais proporcionalidade direta - Quantas pizzas? tade, o que ocorre com a velocidade? Você pode
observar que:
Portanto, podemos dizer que essas duas grande- Multiplicando os termos em cruz, obtemos o
zas variam numa proporcionalidade direta. mesmo resultado. Portanto, se a velocidade média
fosse de 120 km/h, o mesmo percurso seria feito em
Formando a proporção e aplicando a 2 horas.
propriedade 4 . x = 82 . 1, temos:
MAIS PROPORCIONALIDADE INVERSA
Para arredondar os cálculos e evitar a falta de Quanto receberá cada um? Um clube decidiu
pizzas devemos encomendar 21 pizzas. promover uma competição de atletismo entre seus
atletas. E, querendo incentivar e motivar os atletas
OUTRO TIPO DE PROPORCIONALIDADE participantes, ofereceu um prêmio de R$ 600,00 a
ser dividido entre aqueles que fizerem os 100 metros
Um automóvel, deslocando-se a uma velocida- rasos em menos de 13 segundos. Se 2 atletas conse-
de média de 60 km/h, faz um determinado percurso guirem fazer isso, cada um receberá R$ 300,00. E se
em 4h. Em quanto tempo faria esse mesmo percurso, 4 atletas conseguirem, quanto receberá cada um?
se a velocidade média utilizada fosse de 120 km/h?
1. Resolvendo o problema
forma adequada, sem desperdícios. O cálculo
Vamos organizar esses dados: Comparando as da tarifa é progressivo: quanto maior o consumo,
grandezas, número de atletas e valor do prêmio, maior é o preço. A faixa de consumo de água
você pode observar que: por pessoa varia de 150 a 400 litros por dia. Uma
maneira de detectar vazamento é fechar todas
as torneiras e registros da casa e verificar se, no
hidrômetro, aparelho que mede o consumo de
água, ocorre movimento dos números ou do
ponteiro do relógio. Caso isso aconteça, certa-
mente existe vazamento. Por exemplo, um pe-
queno buraco de dois milímetros, do tamanho
da cabeça de um prego, vai desperdiçar em
torno de 3.200 litros de água por dia. Esse volume
é suficiente para o consumo de uma família de
• Quando multiplicamos o número de atletas 4 pessoas, durante 5 dias, incluindo limpeza da
casa, higiene pessoal, preparação de alimentos
por 2, o valor do prêmio fica dividido por dois.
e água para beber.
• Quando dividimos o número de atletas por 2, o
valor do prêmio fica multiplicado por 2.
• O produto entre o número de atletas e o valor Você já observou qual o consumo médio mensal
do prêmio correspondente é sempre o mesmo: de água de sua residência? Que tal dar uma olha-
dinha na última conta para conferir? E o consumo
diário de água por pessoa?
Se em sua casa residem 5 pessoas e o consumo
mensal de água é de 30 m3, podemos fazer os se-
guintes cálculos para obter o consumo médio diário
Portanto, podemos dizer que o número de atle- por pessoa:
tas e o valor do prêmio são grandezas inversamente
proporcionais. Formando a proporção 𝑥 = 1 Como 1 m3 = 1000 litros, então 30 m3 = = 30 000
600 4 litros por mês;
(Observe que invertemos uma das razões) e apli- 30 000 litros : 5 pessoas = 6000 litros por pessoa
cando a propriedade 4 . x = 600 . 1, temos: por mês; 53
6000 litros : 30 dias = 200 litros por pessoa por dia.
Observe que:
55
• Quando dividimos por 2 a porcentagem de
clientes, o número de clientes também fica di-
vidido por 2.
• A razão entre a porcentagem de clientes e o Adaptado de www.nib.unicamp.br
número de clientes correspondentes é sempre
a mesma.
• Você costuma se automedicar? Conhece al-
guém que se automedicou? Quais os resulta-
dos obtidos?
• Você sabia que um mesmo remédio, com do-
sagem idêntica, usado durante o mesmo pe-
ríodo de tempo por duas pessoas diferentes,
pode dar excelentes resultados para uma de-
las e não surtir efeito na outra?
• Por que será que existem tantos medicamen-
Portanto, como as grandezas porcentagem de tos no Brasil? 11
clientes e número de clientes variam numa propor- • Será que somente a liberdade que as indús-
cionalidade direta, podemos formar uma propor- trias têm para fabricar, anunciar e vender seus
ção, aplicar a propriedade e encontrar o valor de- produtos justifica esse elevado número de me-
sejado: dicamentos?
Para refletir:
56
Se a um determinado valor for aplicado um des-
conto de 10%, podemos calcular o novo valor ape-
nas multiplicando o valor inicial por 0,9, pois
Você conhece outro modo de resolver esse pro-
blema? Vamos pensar juntos...
Se hoje o salário representa 100% e o aumento
será de 15%, então o novo salário representará 115%
do salário inicial. Lembrando que 115% = 1,15, faça
os cálculos e confira o resultado. Essas observações facilitam muito os nossos cál-
2) Uma revendedora de automóveis anunciou a culos, mesmo os feitos com o uso da calculadora.
venda de um modelo popular usado por R$ 7.500,00. Dada a sua importância, observe alguns exemplos
Percebendo que o interesse dos clientes pelo auto- expostos a seguir:
móvel foi pequeno, decidiu abaixar o preço para
R$ 6.900,00. Qual a taxa de desconto aplicada ao
automóvel?
3. Resolvendo o problema
• Aumento de 10%:
Matemática
a) R$ 80,00.
b) R$ 6,00.
4. Resolvendo o problema
270 funcionários.
1º aumento:
100% + 10% = 110% = 1,1;
100 . 1,1 = 110.
Uma matriz A pode ser entendida como um con- 02. Determine os valores dos elementos da
junto m × n de números reais, dispostos em m linhas e matriz B e escreva-a de modo simplificado:
n colunas que formam o quadro a seguir.
Matemática
REFERÊNCIAS
62 Se mantido o percentual de redução da po-
pulação total de A. aegypti observada de 2001 ENCCEJA, Matemática e Suas Tecnologias: livro
para 2002, teria sido encontrado, em 2003, um do estudante: ensino médio/Coordenação: Zuleika
número total de mosquitos de Felice Murrie. — 2. ed. — Brasília: MEC: INEP,
a) menor que 5.000. 2006. Disponível em: http://download.inep.gov.br/
b) maior que 5.000 e menor que 10.000. educacao_basica/encceja/material_estudo/livro_
c) maior que 10.000 e menor que 15.000. estudante/encceja_matematica_ens_medio.pdf.
d) maior que 15.000 e menor que 20.000. Acesso em 07/01/2019.
e) maior que 20.000. Enem 2007. CEEJAs, Educação de Jovens e Adultos (EJA):
Prova amarela. Mundo do Trabalho Matemática: caderno do es-
tudante. São Paulo: Secretaria de Desenvolvimen-
to Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação
(SDECTI): Secretaria da Educação (SEE), 2014. v. I,
DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
II e III. Disponível em: http://www.ejamundodotra-
RESULTADOS
balho.sp.gov.br/ConteudoCEEJA.aspx?MateriaI-
D=78&tipo=Aluno. Acesso em: 10/01/2019
Confira aqui os seus resultados!
a) a13 = 0
b) a21 =11
c) a11 = – 5
d) a22 = – 3
que escavou a terra à procura de minérios, que fo- não se refere a estar, por exemplo, em pé ou dei-
ram transformados em fios e outros componentes tado, à frente ou atrás, mas sim à distância em re-
eletrônicos, passando pelo projeto do produto até lação a um referencial. Espaço, ou posição de um
chegar, eventualmente, ao produto final. corpo, é definido como a distância que ele está de
O pensamento científico não se desenvolve determinado ponto, chamado origem, que serve
descolado do seu tempo. Como construção social, de referência para a medida dessa distância. Por-
ele faz parte da cultura. Por isso influencia e é in- tanto, espaço e posição dependem do referencial.
fluenciado por ela. Durante a Revolução Industrial, Assim como você pode estar à direita de uma.
por exemplo, o desenvolvimento das máquinas a
vapor prescindia de um conhecimento mais ela-
borado dos gases, assim como o desenvolvimento
#FICADICA
inicial da metalurgia prescindiu do conhecimento A palavra corpo pode ser usada
da estrutura da matéria. para se referir a qualquer objeto. Por-
Nessa época, foi retomado o modelo atômico, tanto, em Física, a palavra corpo não
que fragmenta a matéria em pedacinhos, cha- significa necessariamente o corpo hu-
mados átomos. Com o avanço do capitalismo em mano.
substituição ao regime feudal, a sociedade assis-
tiu à fragmentação do espaço, com a divisão de 2
grandes feudos e castelos em propriedades priva- . Corpos em movimento
das menores; à fragmentação do tempo, com a
introdução dos relógios e horários de entrada e saí- Diz-se que um corpo está em movimento quan-
da das fábricas e das escolas, por exemplo; à frag- do sua posição varia ao longo do tempo, ou seja,
mentação da produção, com a introdução das à medida que o tempo passa, sua distância em
linhas de produção; e à fragmentação da energia, relação a um dado referencial vai mudando. Des-
com fótons e quanta. sa forma, quando um corpo se desloca, ele vai
O pensamento científico moderno, por sua vez, ocupando sucessivas posições. O conjunto dessas
parte da hipótese de que muitos fenômenos acon- posições é chamado de trajetória. Na figura ao
tecem por acaso, sem motivo aparente. Ele não lado, é possível visualizar a trajetória descrita pelo
garante relações de causa e efeito bem determi- caminhante com base em suas pegadas na areia.
nadas. Por isso, é relativo e fragmentado, parecen- Cada pegada representa, na areia, uma posição
do que uma causa não se relaciona univocamente ocupada pelo caminhante. Assim como a posição,
com os efeitos, e que cada evento acontece de a trajetória também depende do referencial.
4 forma absolutamente independente dos outros.
O pensamento científico influência vários cam-
pos do conhecimento, como o artístico, o espor-
tivo, o social, o econômico e o cultural, entre ou-
tros, a ponto de ser válido afirmar que, atualmente,
a maior parte dos novos produtos é resultado de
pesquisa científica. Entretanto, apesar de todos os
avanços da modernidade, o modo científico de
pensar e agir ainda está longe de ser universal. As-
sim, pode-se dizer, como apontou Tambosi:
A DESCRIÇÃO DO MOVIMENTO
Ao medir, ao longo da trajetória, a distância
1. Espaço, velocidade e aceleração que um ponto está da origem, determina-se o seu
espaço. A grandeza espaço é representada pela
Espaço letra S e, no Sistema Internacional de Unidades (SI),
é medida em metros (m). Outras unidades comuns
Para localizar um ponto no espaço, é necessá- para dimensionar o espaço são o quilômetro (km)
rio determinar a(s) distância(s) que ele está de al- e o centímetro (cm). Ao se movimentar, um corpo
gum lugar. Por exemplo, para localizar uma casa descreve uma trajetória, e seus espaços percorri-
numa cidade, é preciso determinar a rua na qual dos vão mudando em relação à origem.
ela está localizada e a que distância ela está do
começo da rua, que é dada pelo número da casa
(veja a figura ao lado).
Dessa forma, é possível determinar a posição
da casa na cidade. Em Física, a palavra posição
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
4. Velocidade instantânea
5. Aceleração
Nessa imagem, a origem da trajetória é o ponto
zero, e as distâncias até t1 e t2 são, respectivamen- A velocidade de um corpo pode mudar. Se o
te, S1 e S2. A variação de espaço entre t1 e t2 é corpo está parado, por exemplo, e começa a se
igual a ΔS (ΔS = S2 – S1), que nesse caso é igual à movimentar, sua velocidade aumenta, e diz-se que
distância percorrida. ele acelerou. De modo contrário, se um automóvel
está se deslocando, e o motorista pisa no freio, sua
3. Velocidade média velocidade diminui, e diz-se que ele desacelerou.
Em Física, aceleração é definida como a taxa com
Enquanto o tempo vai passando, um corpo que a velocidade de um corpo varia. Na lingua-
pode se mover. Se passar “pouco tempo” para o gem matemática, a aceleração é expressa por:
corpo ir de um ponto a outro do espaço, significa
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dou a humanidade a explicar uma série de fenômenos conhecidos naquela época, mas que não tinham
ainda uma explicação física, baseada em observações, experimentos e novas hipóteses.
Essa teoria, conhecida como mecânica de Newton, ou mecânica clássica, está estruturada sobre três
leis, chamadas leis de Newton, em homenagem a esse cientista inglês.
A primeira lei de Newton, também conhecida como princípio da inércia, afirma que se nenhuma for-
ça agir sobre um corpo, ou se a soma das forças que agirem sobre ele (chamada de força resultante) for
nula (igual a zero), então ele não muda de velocidade, ou seja, permanece com sua velocidade vetorial
constante. Em outras palavras, para que a velocidade de um corpo seja alterada, e, consequentemente,
o movimento, é necessário que alguma força atue sobre ele.
Visualização da força resultante e suas consequências Chama-se de força resultante a soma de todas
as forças que atuam em um corpo.
No caso representado na figura, como as forças aplicadas pelas pessoas na corda têm a mesma dire-
ção (horizontal), mas sentidos opostos (a força de 80 N tem sentido da direita para a esquerda e a de 100 N, 7
da esquerda para a direita), a força resultante é de 20 N, na direção horizontal e com sentido para a direita.
Note que, se as duas forças tivessem a mesma intensidade, a força resultante entre elas seria nula e,
consequentemente, nada se moveria.
A tendência que um corpo tem de manter sua velocidade é chamada de inércia. Por isso, uma pessoa
que se mexe pouco ou que tem pouca iniciativa é chamada de inerte.
Essa propriedade da matéria pode ser observada em várias atividades cotidianas. Ela explica por que,
por exemplo, quando se está parado no interior de um ônibus e ele começa a se movimentar, se tem a
sensação de estar sendo jogado para trás, ou, quando um veículo está andando e para repentinamente,
se tem a sensação de ser lançado para frente, ou mesmo quando o automóvel em que se viaja faz uma
curva, e você pode sentir que está sendo lançado para fora dele.
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2. 2ª lei de Newton
A situação é a seguinte: esse carro, que esta- Observe o exemplo a seguir, no qual uma bola
va em movimento, parou subitamente. Ele foi de bate na parede. Note que as forças de ação e rea-
100 km/h a 0 km/h em aproximadamente 0,2 s. Ini- ção possuem as seguintes características:
cialmente, é preciso transformar a unidade da ve-
locidade de km/h para m/s: 100 km equivalem a
100.000 m, e 1 h equivale a 3.600 s. Então:
Isso explica por que, quando o planeta está bre a superfície da Terra de acordo com a ação
mais próximo do Sol, essa força aumenta e ele da força gravitacional tanto da Lua quanto do Sol,
passa a se deslocar mais rápido enquanto esse au- além da gravitação terrestre. A força gravitacional
mento de aceleração agir sobre ele. “puxa” a água que se concentra na direção do
Da mesma forma, quando o planeta está mais Sol e da Lua. Quando eles estão alinhados, acon-
longe, ele se move mais lentamente em torno do tecem as marés altas mais altas (chamadas maré
Sol. Isso explica a 2ª e a 3ª leis de Kepler1 e por que de sizígia) e, quando estão em quadratura, ou seja,
os planetas mais distantes como Marte, Júpiter e Sa- formando um ângulo de 90º (com a Terra como
turno têm períodos de translação maiores do que a vértice), acontecem as marés altas menores.
Terra, mas Mercúrio e Vênus têm períodos menores.
Por meio da lei da gravidade, Newton conse-
guiu explicar como a Terra pode ser redonda e
estar em movimento e mesmo assim as pessoas,
em qualquer lugar, ainda estarem presas a ela e
não caírem: a força da gravidade entre a Terra e
as pessoas (e tudo o que está em sua superfície) é
suficientemente grande para mantê-las presas ao
solo.
A Terra exerce uma força sobre o que está em
sua volta, puxando tudo “para baixo”, ou melhor,
para o seu centro. Por isso, não faz sentido pensar
que estamos de cabeça para baixo em relação
aos moradores do Japão, por exemplo, pois, num
planeta redondo, todos estão “do lado de cima”
da Terra, relativamente ao centro do planeta.
11
A lei da gravitação universal de Newton per-
mitiu prever a existência de novos planetas no Sis-
tema Solar. Com o desenvolvimento de lunetas e
telescópios cada vez mais potentes, também foi
possível mapear suas trajetórias com mais precisão
e descobrir outro planeta, batizado de Urano. Po-
Isso também permite diferenciar os conceitos rém, Urano nunca era encontrado onde as leis de
de massa e peso. A massa é uma característica do Kepler previam, e alguns astrônomos começaram
corpo que tem um valor universal, ou seja, tem o a desconfiar da existência de outro planeta que,
mesmo valor em qualquer lugar do espaço. Mas o com sua força gravitacional, estaria modificando
peso não. O peso é uma força; é a força que a Ter- a trajetória de Urano. Utilizando as leis de Newton
ra aplica em um corpo que esteja suficientemente sobre gravitação, o astrônomo francês Le Verrier
próximo dela, ou seja, o peso é a força com que calculou onde deveria estar o astro que modifica-
um planeta (no caso, a Terra) puxa um corpo para va a trajetória de Urano, e outros astrônomos loca-
o seu centro. lizaram um novo planeta, Netuno, apontando seus
Portanto, embora a massa de uma pessoa qual- telescópios para o local indicado pelo cientista
quer não mude se ela circular em diferentes astros, francês.
seu peso pode se alterar. Na Lua, por exemplo, ela Com isso, as leis de Newton ganharam definiti-
será seis vezes mais leve, mas, em Júpiter, duas ve- vamente o status de teoria válida para explicar o
zes e meia mais pesada, embora sua massa não se movimento dos corpos. Com a evolução tecnoló-
altere. A força gravitacional, junto com a rotação gica, muitas novidades foram descobertas no céu.
da Terra, também ajuda a entender o fenômeno Atualmente, sabe-se que o Universo é muito
das marés. maior do que aquele conhecido pelos gregos, e
Como a água é fluida, ela pode se deslocar so- mesmo pela humanidade, até a época de Copér-
nico, Galileu, Kepler ou Newton. O modelo helio-
1 Concluiu que as órbitas não eram circulares como se cêntrico é válido para o Sistema Solar, ou seja, o Sol
pensava, mas sim elípticas (ovais). Além disso, concluiu que é uma estrela entre muitas outras e tem seu sistema
a velocidade orbital dos planetas não era constante e que planetário formado pelos planetas Mercúrio, Vê-
existia uma relação matemática entre a distância a que um nus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno,
planeta está do Sol e o período de translação dele.
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cada um com sua(s) lua(s), exceto por Mercúrio e Vênus, que não as têm.
Por sua vez, o Sol faz parte de um conjunto muito grande de estrelas que formam uma galáxia, chama-
da Via Láctea. Esta, por sua vez, é uma entre muitos bilhões de galáxias espalhadas pelo Universo, tudo isso
interligado por meio da força gravitacional.
12
FLUTUAÇÃO
Quando utensílios de cozinha são lavados na pia ou em uma bacia, pode-se perceber que algumas
peças afundam na água e que outras flutuam. Ainda que sejam feitos do mesmo material, garfos e facas
afundam, mas algumas tigelas de alumínio ou de plástico flutuam, se não estiverem cheias de água.
1. Densidade
Diz-se que o ferro é mais pesado que o isopor, mas essa afirmação não é realmente correta. Se houver,
por exemplo, 1 kg de ferro e 1 kg de isopor num mesmo local da Terra, pode-se verificar que os dois têm o
mesmo peso. O que nos dá a impressão de que o ferro é mais pesado do que o isopor é o fato de que o
volume de ferro necessário para obter 1 kg de massa é bem menor do que o volume necessário para obter
a mesma massa de isopor.
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A relação entre a massa e o volume de um cor- do). Essa unidade recebe o nome de pascal (Pa).
po é o que se chama densidade desse corpo. Na
linguagem matemática, pode-se escrever:
A grandeza física que relaciona o efeito de Se o bloco estiver apoiado na base 1 (ver figu-
uma força com a superfície na qual ela é aplicada ra), a área será 0,21 x 0,05 = 0,0105 m2, e a pressão
chama-se pressão. Na linguagem matemática, po- será
de-se escrever:
14
5. Prensa hidráulica
pleto à plataforma 2, onde está o carro. Se a pla- xo. O empuxo E é uma força vertical para cima que
taforma 2 tiver, por exemplo, uma área 10 vezes se contrapõe ao peso de parte do corpo imerso no
maior do que a plataforma 1, então a força na pla- líquido, fazendo com que os objetos mergulhados
taforma 2 também será 10 vezes maior, para man- na água pareçam mais leves do que quando estão
ter a pressão do líquido constante, ou seja, uma fora dela.
prensa hidráulica funciona como um multiplicador A força de empuxo depende de três fatores:
de força.
Suponha, por exemplo, que o carro tenha mas- • da densidade d do líquido no qual o corpo
sa de 1 tonelada (t) e que a plataforma 2 tenha está mergulhado: quanto maior a densidade
área de 2 m2 , e que a plataforma 1 tenha área de do líquido, maior o empuxo;
4 cm2 . Qual será a força necessária para elevar • do volume V de líquido deslocado pelo cor-
o carro? Perceba que a força F1 precisa empurrar po imerso (que é igual ao volume da parte
para baixo um volume igual ao volume que é em- do corpo que está imerso no líquido): quanto
purrado para cima. maior o volume imerso no líquido, maior a for-
Inicialmente, acertam-se as unidades de área. ça de empuxo;
Lembre-se de que 1 m = 100 cm, então 4 cm2 = • da aceleração da gravidade g: quanto maior
0,0004 m2; 1 t equivale a 1.000 kg, cujo peso vale P a aceleração gravitacional, maior o empuxo.
= m . 1.000 . 10 = 10.000 N. Assim, como a pressão
nas duas plataformas é a mesma, pode-se escrever
que:
6. Empuxo
O corpo vai receber do líquido uma pressão A força de empuxo é exercida por qualquer
maior na sua parte mais funda do que na sua parte fluido, não apenas pela água e outros líquidos,
mais próxima da superfície. Portanto, haverá uma mas também pelos gases, como o ar, por exem-
diferença. plo. A mesma força que sustenta um navio no
De pressão entre a parte mais baixa e a mais mar mantém um balão no ar, por exemplo.
alta do corpo imerso no líquido, fazendo com que
o líquido aplique no corpo uma força de baixo Um navio consegue flutuar, mesmo sendo
para cima. Essa força é chamada força de empu- muito mais pesado do que um prego, porque
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
a) massa.
b) volume.
c) superfície.
d) capacidade.
e) comprimento.
Enem 2010. Prova azul.
2. O acesso à energia
se a A já não estivesse lá, ou seja, nesse caso,
para a dobradiça B ser puxada (ou forçada), a Todo ser vivo precisa de energia para realizar
dobradiça A teria que estar quebrada. atividades essenciais para sua sobrevivência, como
respiração, movimento, metabolismo, digestão
8. Trabalho resistente etc., pois todas elas consomem energia. Por isso,
Basta calcular a área do gráfico, conforme é preciso se alimentar (os alimentos são o “com-
ilustrado, que resulta em 5.000 J. bustível” do corpo). Quando falta alimento, falta
energia, e, se isso acontecer por muito tempo, o
corpo acaba sucumbindo. Além disso, o ser huma-
no consome energia para melhorar sua qualidade
de vida em hospitais, transporte, meios de comu-
nicação (como computadores e TVs), iluminação,
aquecimento etc. Em sua opinião, todos têm aces-
so à energia no Brasil? O decreto no 7.520, de 8 de
julho de 2011, estabelece, em seu artigo 1o , que:
Fica instituído o Programa Nacional de Univer-
salização do Acesso e Uso da Energia Elétrica – ‘LUZ
PARA TODOS’, para o período de 2011 a 2014, des-
tinado a propiciar o atendimento em energia elétri-
ca à parcela da população do meio rural que não
possui acesso a esse serviço público. Você acha
ENERGIA MECÂNICA que o Estado está cumprindo sua função, como
determina o decreto? Em sua opinião, o que po-
Para se manter vivo, respirar, movimentar-se, deria ser feito para ampliar o acesso da população
ler este texto, pensar e fazer todas as demais ati- brasileira aos benefícios trazidos pela energia elé-
vidades do seu dia a dia, você utiliza energia. Essa trica?
energia é obtida dos alimentos e pode ser usada
de várias formas, dependendo daquilo que se de- 3. Transformação e conservação de energia
seja realizar. Neste tema, você vai estudar o con-
ceito de energia e algumas de suas formas, além A energia não pode ser criada nem destruída,
de analisar como essas diferentes formas podem ou seja, ela se conserva e pode apenas ser transfor-
ser transformadas entre si. mada de uma forma em outra. 21
Por isso, sempre que uma forma de energia é
1. O conceito de energia utilizada para realizar algum trabalho ou qualquer
atividade, pode-se questionar: de onde veio essa
No senso comum, energia pode ter vários signi- energia? Aqui na Terra, praticamente toda energia
ficados, inclusive místicos, como energia negativa, utilizada vem do Sol, sendo a energia nuclear uma
energia dos minerais, energia dos chacras, energia das exceções. O Sol emite uma grande quantida-
vital etc. A ciência associa energia à capacidade de de energia, que atravessa o espaço. Uma parte
que um corpo ou sistema tem de realizar algum dela incide sobre a Terra, sendo nossa fonte primá-
trabalho ou transformar a matéria. Energia é uma ria de energia, que ilumina o planeta, aquece a at-
grandeza física que todo corpo ou sistema material mosfera e viabiliza a vida.
possui. Esse aquecimento também gera os ventos e ali-
Ela pode mudar de forma, ser transmitida e menta o ciclo da água e do carbono, entre outros.
atuar sobre outros sistemas ou corpos, gerando ne- A energia que vem do Sol é absorvida pelas plan-
les processos de transformação. Um aparelho que tas, que realizam fotossíntese, transformando essa
pode ilustrar isso é o ventilador. Quando é ligado, energia solar em energia química. Essa energia quí-
ele transforma a energia elétrica, que recebe da mica é armazenada nas ligações entre as molécu-
tomada, em energia mecânica, que faz as pás da las que as constituem. Essas plantas, por sua vez,
hélice girarem, produzindo o vento. Outro exemplo servem de fonte de energia para outros seres vivos.
é o secador de cabelos: uma parte da energia elé-
trica que chega às casas, por meio dos fios da rede
elétrica, faz aquecer o ar, e outra parte faz as pás
do secador girarem, produzindo o vento.
O vento aquecido gerado pelo secador faz os
cabelos secarem mais rapidamente. A unidade uti-
lizada para medir energia no Sistema Internacional
de Unidades (SI) é o joule ( J), mas também é co-
mum se utilizar o quilowatt-hora (kWh) para medir
energia elétrica; e a caloria (cal), principalmente
para medir energia térmica.
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Por esse motivo, os alimentos podem ser considerados “combustíveis” para os seres vivos. Quando co-
memos, ingerimos esses alimentos e transformamos a energia química armazenada neles em calor, para
regular a temperatura do corpo, e em energia mecânica, que nos permite realizar movimentos voluntários
e involuntários, como andar, manter o sangue circulando, digerir, respirar, ver, ouvir, piscar etc. Se não con-
seguimos consumir toda a energia que ingerimos, começamos a armazenar o que sobrou principalmente
na forma de gorduras, cujo excesso pode fazer mal à saúde.
Outros combustíveis, extraídos da biomassa fóssil ou atual, como o petróleo e seus derivados, o álcool, o
22 biodiesel, entre outros, também têm como fonte a energia que vem do Sol, armazenada nas ligações quí-
micas que se estabelecem entre suas moléculas. Quando o motor de um carro é acionado, por exemplo,
ele transforma a energia química do combustível em energia térmica, que esquenta o motor, e em energia
mecânica, que faz as rodas girarem, movimentando o carro. Pilhas e baterias são objetos que armazenam
energia química e a convertem em energia elétrica.
Se as pilhas estiverem em uma lanterna, por exemplo, essa energia elétrica será transformada em ener-
gia luminosa por meio de uma lâmpada. Já uma célula fotoelétrica (por exemplo, um painel solar) faz a
transformação contrária, convertendo a luz solar em energia elétrica, que depois pode ser transformada
e armazenada em energia química por meio de um carregador de baterias. Dizer que uma pilha descar-
regou significa dizer que ela simplesmente não consegue mais transformar a energia química que estava
nela armazenada em outras formas de energia, como energia elétrica, mecânica ou térmica. Por isso,
sempre que observar algo acontecendo, você pode se questionar: de onde vem a energia para que isso
aconteça?
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A energia mecânica é uma das formas de ener- Um objeto abandonado em um ponto mais ele-
gia mais conhecidas e utilizadas pela humanidade. vado em relação a outro ponto cai, porque o pla-
Essa forma de energia está associada ao movi- neta Terra o atrai com uma força chamada de for-
mento ou à possibilidade de produzir algum tipo de ça gravitacional. Por causa da força gravitacional,
movimento. Quando a energia está armazenada a velocidade dos corpos em queda aumenta com
ou acumulada para ser utilizada, como em uma re- aceleração constante (igual ao valor da acelera-
presa ou numa bateria, ela é chamada de energia ção da gravidade da Terra, desprezando-se a resis-
potencial. Quando ela está movimentando algo, é tência do ar). Sendo assim, um objeto, mesmo que
chamada de energia cinética. Em outras palavras, esteja parado, mas a certa distância do solo (ou
a energia cinética está associada ao movimento, nível de referência), tem energia potencial, pois, se
enquanto a energia potencial está associada à ele for solto, entrará em movimento. A energia que
possibilidade de gerar ou modificar um movimento. um corpo tem por estar a certa distância em rela-
ção ao nível de referência é chamada de energia
ENERGIA CINÉTICA potencial gravitacional.
A energia é necessária tanto para iniciar como 1. Grandezas que influem na energia potencial
para manter um movimento. A energia que um gravitacional
corpo possui quando está em movimento é cha-
mada de energia cinética. As principais grandezas A energia potencial gravitacional depende de
que caracterizam a facilidade ou a dificuldade de três fatores (observe a figura ao lado):
um corpo para se movimentar são sua massa e sua
velocidade. Por isso, a energia cinética (Ec) de um • da massa (m) do corpo: quanto maior a mas-
corpo em movimento depende destes dois fatores: sa, maior a energia armazenada por ele;
• da altura (h) do objeto em relação ao solo:
• a massa (m) do corpo; quanto mais alto, maior a energia armazena-
• a velocidade (v) do corpo. da;
• da aceleração da gravidade (g): quanto
Pode-se sintetizar isso na equação: maior a gravidade, mais energia o corpo ar-
mazena.
23
#FIQUE ATENTO!
O símbolo “Δ” (lê-se “delta”) é utili-
Enquanto o objeto sobe, ocorre a transforma- zado para indicar variação de determi-
ção da energia cinética em potencial gravita- nada grandeza.
cional, e, quando desce, ocorre o inverso, com a
transformação de energia potencial gravitacional
em energia cinética. Por isso, sua velocidade au- GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA
menta durante a queda. Da mesma forma, a ener-
gia cinética de um atleta pode ser transformada Gerar energia elétrica é um desafio constante,
em energia potencial elástica ao, por exemplo, de- principalmente em países em desenvolvimento,
formar uma cama elástica. como o Brasil, cujo consumo energético não para
de crescer. A energia usada para suprir as neces-
sidades da industrialização, que se intensificou a
partir dos anos 1950, veio, na maior parte, de usinas
hidroelétricas (ou hidrelétricas). Mas a necessidade
de diversificar as fontes de energia levou, a partir
dos anos 1960, à construção de várias outras usinas
termoelétricas (ou termelétricas), movidas a ener- 25
gia nuclear ou combustíveis fósseis, como carvão
mineral, óleo diesel e gás natural.
A energia potencial gravitacional pode ser acumulada em grandes reservatórios de água. Então, se no
percurso de um rio for construída uma barragem que forme um lago alto, a água acumulada armazena-
rá energia potencial gravitacional, que poderá ser convertida em energia elétrica na usina hidroelétrica.
Se for feita uma abertura na barragem, próxima ao fundo do lago, a água vai sair com grande pressão e
jorrar com muita velocidade portanto, com muita energia cinética. Assim, ela movimentará rodas-d’água,
chamadas turbinas, ligadas ao gerador por um eixo. O gerador é a máquina que transforma a energia
cinética da água em energia elétrica, justamente o contrário do que faria um motor elétrico de uma bom-
ba-d’água.
26
2. Temperatura e sensação térmica
Em nosso dia a dia, o conceito de temperatura é associado à sensação térmica de quente e frio, o que
pode gerar estimativas equivocadas de temperatura. A sensação térmica é a percepção da temperatura
pelo indivíduo, que é influenciada pela temperatura ambiente e também por outros fatores, como estado
de saúde, umidade do ar e velocidade do vento. A sensação térmica varia de uma pessoa para a outra,
e até a mesma pessoa pode ter sensações térmicas distintas em uma mesma situação. Assim, a sensação
térmica não é um indicador preciso para decidir a condição térmica em um sistema. O conceito de tem-
peratura será fundamental para isso.
3. Energia térmica
A matéria é constituída de partículas muito pequenas, os átomos, que podem se agrupar em molécu-
las. Estas, por sua vez, estão em constante movimento e possuem, portanto, energia cinética. De forma
simplificada, pode-se dizer que a soma da energia cinética de todas as partículas que constituem um cor-
po é a sua energia térmica. Portanto, a energia térmica é a energia cinética do movimento dos átomos e
moléculas que constituem um corpo.
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6. Radiação
5. Convecção
7. A garrafa térmica
mizam a troca de calor entre o líquido que está em PROPRIEDADES DOS ESTADOS FÍSICOS DA MATÉRIA
seu interior e o meio externo por condução e por
radiação. Para refletir a radiação, elas têm uma Propriedade Sólido Líquido Gás (vapor)
dupla parede interna de vidro, espelhada, com ar
rarefeito entre as duas camadas, o que diminui a Forma Definida Indefinida Indefinida
transmissão de calor por condução. A tampa evita Volume Definido Definido Indefinido
as trocas de calor com o meio externo por ambas Interação Muito forte Forte Fraca
as formas. molecular (pouco
movimento)
Exemplos (à NaCl (sal) H2O (água) H2 (hidrogê-
temperatura C6H12O6 Hg (mercú- nio)
ambiente) (glicose) rio) CO2 (gás
carbônico)
2. Calor sensível
Exemplo 1: Exemplo 1:
Qual é a quantidade de calor necessária para Qual é a quantidade de calor que deve ser for-
aquecer 200 g de água de 25 °C a 75 °C? A água necida a uma pedra de gelo de 50 g, a 0 °C, para
deve receber ou perder essa quantidade de calor? que ela derreta completamente?
Como Q = m . c . ΔT, então Q = 200 . 1 . (75 – 25) Como Q = m . L, então:
= 200 . 50 = 10.000 cal = 10 kcal. Q = 50 . 80 = 4.000 cal = 4 kcal.
Como a água precisa de energia para se
aquecer, ela recebe calor (representado pelo va- Exemplo 2:
lor positivo de calorias, Q, na equação). Exemplo 2 Qual é a quantidade de calor que deve ser for-
Se forem retiradas 2.500 cal de 50 g de água que necida a uma pedra de gelo de 40 g, a 0 °C, para
está a 80 °C, qual será sua nova temperatura? Reti- que ela se transforme em água a 30 °C?
rar 2.500 cal significa que a água perderá calor, ou Inicialmente será preciso derreter o gelo. Para
seja, a quantidade de calor será negativa (Q será isso, são necessárias 3.200 cal, pois
negativo na equação). Q = m . L = 40 . 80 = 3.200 cal.
Agora, o gelo derreteu e virou água a 0 °C.
Como Q = m . c . ΔT, então: Então, para aquecer essa água a 30 °C, será
necessário: Q = m . c . ΔT = 40 . 1 . (30 – 0) = 40 . 30 =
1.200 cal. Portanto, ao todo serão necessárias 3.200
cal para derreter o gelo mais 1.200 cal para aque-
cer a água de 0 °C a 30 °C, ou seja, 3.200 + 1.200 =
4.400 cal = 4,4 kcal.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
A DILATAÇÃO DOS CORPOS vir música por meio das ondas sonoras, enxergar
com as ondas luminosas, aquecer alimentos com
Quando um corpo recebe calor, suas molécu- as micro-ondas, e também ouvir rádio, assistir à TV e
las passam a vibrar com mais energia e, como con- falar ao telefone com as ondas de alta frequência.
sequência, ocupam mais espaço. Por isso, um dos Mas o que há de comum a todas essas ondas? O
efeitos mais evidentes do aquecimento dos corpos que é uma onda? Uma onda é uma perturbação
é o aumento de tamanho. Esse aumento no volu- (uma modificação) realizada num ponto qualquer
me dos corpos é chamado de dilatação. do espaço, que se propaga para outro local, trans-
portando energia sem transportar matéria.
Como existem vários tipos de onda, costuma-se
classificá-las de acordo com o meio no qual elas
se propagam. Desse modo, com relação à sua
natureza, as ondas podem ser mecânicas ou ele-
tromagnéticas. Apesar de não transportar matéria,
existem ondas que precisam de meios materiais
para se propagar. As ondas do mar, por exemplo,
precisam da água para se propagar, assim como
o som precisa de algum meio (em geral, o ar) para
existir.
Essas ondas são chamadas de ondas mecâni-
cas. As ondas mecânicas, que alternam energia
potencial e energia cinética, se propagam apenas
em meios materiais, nunca no vácuo (ausência de
matéria). As ondas que transportam energia elétri-
A dilatação dos materiais tem sido utilizada in- ca, térmica e luminosa são ondas eletromagnéti-
clusive para a construção de diversos tipos de ter- cas. Diferentemente das ondas mecânicas, além
mômetro. Sólidos, líquidos e gases dilatam- -se de de se propagarem nos meios materiais (como ar,
maneira diversa, de acordo com as características vidro, água etc.), as ondas eletromagnéticas tam-
de cada um. Em geral, os sólidos se dilatam menos bém se propagam no vácuo.
do que os líquidos, e estes menos do que os gases.
A dilatação e a contração térmica dos sólidos
e dos líquidos dependem de três fatores:
I. do tamanho original do objeto (ℓ0): quanto 31
maior o tamanho (ℓ0), maior será a dilatação;
II. do material do qual o objeto é feito: a dila-
tação e a contração térmica apresentam maior
efeito em alguns materiais do que em outros. Essa
facilidade com que uma substância se dilata ou se
contrai é expressa pelo seu coeficiente de dilata-
ção α (lê-se “alfa”). Quanto maior o coeficiente de 2. A formação das ondas
dilatação de um corpo, mais facilmente ele se dila-
ta ou se contrai; Como a energia não pode ser criada nem des-
III. da variação de temperatura do material truída, apenas transformada, você pode se per-
(ΔT): quanto maior a variação de temperatura, guntar: De onde vem a energia que a onda car-
maior a variação no tamanho do objeto. rega? Qual é a fonte de energia de uma onda?
Assim, para uma barra metálica de comprimen- Toda onda tem uma fonte. Uma pedra que cai ou
to inicial ℓ0, a variação de tamanho será: o vento que sopra deformam (perturbam) a super-
Δℓ = ℓ0 . α . ΔT fície da água, funcionando como fonte de energia
Em sólidos e líquidos, varia bem pouco com a que transfere energia cinética para a água, produ-
temperatura. Em gases, o volume cresce linearmen- zindo um pulso. É essa energia que será transporta-
te com a temperatura e decresce com a pressão. da, então, pela onda.
Quando essa fonte realiza um movimento osci-
SOM E ENERGIA SONORA latório, que se repete em intervalos de tempo re-
gulares, a onda produzida é chamada de onda
1. Que onda é essa? periódica. Uma onda periódica é o resultado de
uma sucessão de pulsos com o mesmo formato e a
Quando o assunto é ondas, a primeira ideia que mesma duração, que se repetem em intervalos de
vem à mente são ondas na água, seja no mar, nos tempo regulares.
rios ou nos lagos. Porém, existem várias outras for-
mas e tipos de ondas, algumas que você percebe,
outras que você não consegue ver, ouvir ou sentir.
Você vive mergulhado num mundo de ondas.
Além de se divertir com as ondas do mar, pode ou-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
ONDAS SONORAS
AUDIÇÃO E FALA
1. A fala humana
CLASSIFICAÇÃO DOS MEIOS ÓPTICOS facilmente observado quando duas pessoas con-
versam e se olham em um espelho.
A luz é uma forma de energia que se propaga
de diferentes maneiras nos diversos meios. Conside-
rando a propagação da luz, classificam-se os meios
como transparentes, translúcidos ou opacos.
1. Meios transparentes
3. Reversibilidade
1. Espelhos planos
ESPELHOS
3. Refração
Exemplo A luz vermelha se propaga em um de-
Lentes, lupas, vidros, e mesmo o arco-íris e o terminado vidro com velocidade de 200.000 km/s.
olho humano, são exemplos de fenômenos asso- Sendo 300.000 km/s a velocidade da luz no vácuo,
ciados à refração. A refração da luz é a passagem determine o índice de refração absoluto do vidro
da luz de um meio para outro com propriedades para a luz vermelha.
físicas distintas. Em geral, ela vem acompanhada
de uma mudança na direção e na velocidade de
propagação da luz. Na trajetória até nossos olhos,
a luz muitas vezes acaba atravessando vários ou-
tros meios, além do ar, como as lentes de óculos ou
38 de contato, a água, o vidro das janelas, celulares
e relógios. Até mesmo dentro de nossos olhos ela 4. Dispersão da luz
atravessa vários meios antes de formar uma ima-
gem. Toda vez que a luz passa de um meio para A luz do Sol ou das lâmpadas que iluminam o
outro, ela sofre uma refração. Índice de refração ambiente é composta de diferentes cores que
A capacidade de um meio deixar a luz passar é constituem a luz branca. Ao atravessar objetos, por
medida por uma grandeza chamada índice de exemplo, prismas ou cristais, a luz branca se separa
refração absoluto. Esse índice é representado pela em várias cores distintas. A dispersão da luz é um
letra n, e estabelece uma proporção entre a velo- caso particular da refração.
cidade da luz no vácuo (c) e a velocidade da luz
no meio (v).
5. Lentes
ficas, lunetas e vários outros aparelhos. Lentes são elementos ópticos transparentes limitados por duas su-
perfícies, sendo pelo menos uma delas esférica.
Em geral, as lentes são de vidro ou acrílico.
6. Tipos de lente
As lentes podem ser convergentes ou divergentes. Elas podem ter diferentes formatos, mas nas lentes
convergentes a borda é sempre mais fina do que o centro. Já as lentes divergentes apresentam as bordas
sempre mais grossas do que o centro.
7. Lentes convergentes
As lentes convergentes concentram o feixe paralelo da luz incidente num ponto, chamado foco da
lente. Assim como os espelhos côncavos, elas podem produzir vários tipos de imagens, sendo que algumas
delas podem ser projetadas numa tela. Por isso, são muito utilizadas em projetores de slides, filmes etc.
39
8. Lentes divergentes
As lentes divergentes espalham a luz no espaço, como se toda luz partisse do ponto chamado foco da
lente. Assim como os espelhos convexos, elas só produzem imagens direitas e menores do que o objeto à
sua frente, e não podem ser projetadas.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
1. O olho humano
45
3. Diferença de potencial (ddp) ou tensão elé-
trica
1. Resistência elétrica
49
3. Associação em paralelo
RADIAÇÃO ELETROMAGNÉTICA
1. O que é radiação?
Os físicos definem radiação como uma forma de transmissão de energia que não depende necessa-
riamente da presença de um meio material, podendo ocorrer também no vácuo. A radiação pode ser de
natureza ondulatória (quando a transmissão da energia ocorre por ondas eletromagnéticas) ou corpuscu-
lar (quando se dá por meio de partículas).
A energia transportada por unidade de tempo Raios X são outro tipo bastante conhecido de
por uma onda eletromagnética é diretamente pro- onda eletromagnética. Eles são capazes de atra-
porcional à sua frequência, ou seja, quanto maior for vessar muitas estruturas, como a pele e os músculos
a frequência de uma onda, maior será sua energia. dos seres vivos, e são absorvidos por outras, como
Para as micro-ondas, a frequência está em tor- os ossos. Isso acontece porque os ossos são estrutu-
no de 1 GHz (1 Gigahertz ou 1 . 109 Hz), enquanto ras que têm grande concentração de cálcio, ele-
para os raios gama (γ) a frequência é da ordem de mento capaz de absorver esse tipo de radiação.
30 EHz (30 exahertz ou 30 . 1018 Hz). Em função dessa característica, os raios X são muito
utilizados na medicina para análise das condições
1. Raios ultravioleta dos órgãos internos do corpo humano, diagnóstico
de fraturas, localização e tratamento de tumores
Os raios ultravioleta (UV) constituem parte im- etc. Em Física, os raios são utilizados para analisar a
portante das ondas eletromagnéticas emitidas pelo estrutura atômica da matéria.
Sol e que atingem a Terra. Esses raios têm energia
suficiente para ionizar os átomos da alta atmosfera,
dando origem à ionosfera, onde as ondas de rádio
são refletidas. Devido à sua alta energia, os raios
ultravioletas (assim como os raios gama) também
podem ser utilizados para esterilizar objetos, exter-
minando vários microrganismos.
51
3. Raios gama
Os raios gama ( ) constituem um tipo de radia-
A radiação ultravioleta proveniente do Sol nos ção ionizante bastante energética, capaz de pe-
atinge todos os dias. Os raios UV penetram profun- netrar profundamente na matéria. São ondas ele-
damente em nossa pele e, além do bronzeamento, tromagnéticas com muita energia, produzidas em
quando a exposição ao Sol é exagerada, podem processos nucleares, especialmente aqueles envol-
causar queimaduras na pele, envelhecimento pre- vendo elementos radioativos, ou seja, átomos ins-
coce e provocar alterações genéticas, podendo táveis. São bastante prejudiciais aos tecidos vivos,
até desencadear o desenvolvimento de um cân- podendo destruí-los.
cer de pele. Por isso recomenda-se muito cuidado Devido à sua grande quantidade de energia,
ao se expor ao Sol, além do uso de protetores so- podem causar danos mortais ao núcleo das célu-
lares, que ajudam a pele a bloquear a radiação e las, o que possibilita que sejam utilizados para este-
manter a saúde do indivíduo. rilizar equipamentos médicos e alimentos, eliminan-
do microrganismos.
A radiação gama também é utilizada na me-
dicina para o tratamento de câncer e eliminação
de tumores cerebrais, por meio da radioterapia.
Contudo, sua principal aplicação é na tomografia
por emissão de pósitrons (TEP em português, ou PET
em inglês), na qual vários feixes de raios gama são
lançados em direção a detectores que, posterior-
mente, remontam todo o corpo que será analisa-
do, camada por camada.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
5. Microondas
1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
55
a) a energia cinética, representada na eta-
01. O salto com vara é, sem dúvida, uma pa I, seja totalmente convertida em energia po-
das disciplinas mais exigentes do atletismo. Em tencial elástica, representada na etapa IV.
um único salto, o atleta executa cerca de 23 b) a energia cinética, representada na eta-
movimentos em menos de 2 segundos. Na últi- pa II, seja totalmente convertida em energia
ma Olimpíada de Atenas a atleta russa, Svetla- potencial gravitacional, representada na eta-
na Feofanova, bateu o recorde feminino, sal- pa IV.
tando 4,88 m. c) a energia cinética, representada na eta-
A figura a seguir representa um atleta du- pa I, seja totalmente convertida em energia po-
rante um salto com vara, em três instantes dis- tencial gravitacional, representada na etapa III.
tintos. d) a energia potencial gravitacional, repre-
sentada na etapa II, seja totalmente convertida
em energia potencial elástica, representada na
etapa IV.
e) a energia potencial gravitacional, repre-
sentada na etapa I, seja totalmente convertida
em energia potencial elástica, representada na
etapa III.
Enem 2011. Prova azul.
DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
RESULTADOS
A QUÍMICA NO COTIDIANO
14. Alternativa correta: e. 1. Propriedades das substâncias químicas
Como Pot = ΔE/Δt, tem-se, para a TV: ΔE =
Pot TV . Δt = 0,006 . 30. 24 = 4,320 kWh. Então, Para executar determinada atividade em casa
para a lâmpada, como Pot = ΔE/Δt, tem-se que ou no trabalho, você precisa escolher a ferramen-
Δt = ΔE/P_(lâmpada_) 4,320/0,060 = 72 h ta certa. Para varrer a casa, uma vassoura ajuda
muito mais do que, por exemplo, um pincel ou uma
15. Alternativa correta: e escova de dentes. Isso porque a vassoura tem pro-
Potência (Pot) = (energia (ΔE))/(tempo (Δt)), priedades, como tamanho das cerdas e compri-
então ΔE = Pot . Δt. Sendo assim, tem-se que o mento do cabo, mais adequadas à aplicação que
consumo (ΔE) será: ar-condicionado 1,5 . 8 = 12 se tem em mente.
kWh; chuveiro = 3,3 .(1/3)= 1,1 kWh; freezer = 0,2 Com as substâncias químicas, acontece o mes-
. 10 = 2 kWh; geladeira = 0,35 . 10 = 3,5 kWh; lâm- mo. Ao preparar uma tinta para pintar paredes, por
60 padas = 0,10 . 6 = 0,6 kWh. Portanto, o consumo exemplo, um químico precisa escolher substâncias
diário total será igual a 12 + 1,1 + 2 + 3,5 + 0,6 = com propriedades indicadas a essa aplicação,
19,2 kWh, e o consumo mensal será igual a 30 . como cor, odor, viscosidade e tempo de secagem.
19,2 = 576 kWh, com um gasto de 576 . 0,40 = R$ Portanto, as escolhas que você faz dependem das
230,40. propriedades (químicas e físicas) que as substân-
Portanto, a alternativa que mais se aproxima cias possuem. São essas propriedades que carac-
do resultado é a alternativa e. terizam as substâncias, ou seja, que permitem dife-
renciá-las e identificá-las.
16. Alternativa correta: c. Da mesma maneira que você distingue uma
Quando o interruptor está aberto, o circuito pessoa a distância por suas características físicas,
é composto “apenas” pelas lâmpadas A e B, li- como altura, cor dos cabelos etc., pode-se iden-
gadas em série e submetidas a mesma tensão tificar uma substância conhecendo suas proprie-
e mesma corrente. Como são idênticas (mesma dades químicas e físicas. Nenhuma substância tem
resistência), terão o mesmo brilho. Com o inter- o mesmo conjunto de propriedades de outra. Na
ruptor fechado, tem-se um circuito misto, com a Química, três propriedades físicas se destacam: a
lâmpada A em série com as lâmpadas B e C, temperatura de fusão, a temperatura de ebulição
que estão em paralelo. Assim, a corrente elétrica e a densidade. Temperaturas de fusão e de ebuli-
que atravessa a lâmpada A é o dobro daque- ção
la que passa por B e C (pois ela se divide igual- Você já estudou, no Ensino Fundamental, que
mente entre as HOR duas, que são idênticas), as substâncias podem se apresentar em três esta-
fazendo com que o brilho delas seja inferior ao dos físicos: o sólido, como o sal de cozinha; o líqui-
da lâmpada A. do, como o álcool; ou o gasoso, como o gás oxigê-
nio. Em nosso planeta a água é encontrada nesses
17. Alternativa correta: b. três estados físicos; além disso, essa substância pas-
A imagem mostrada resulta da interação en- sa de um estado físico para outro naturalmente, isto
tre radiação e matéria. As áreas mais claras cor- é, sem a intervenção direta dos seres humanos. As
respondem aos ossos, que são ricos em cálcio, o mudanças de estado físico de qualquer substância
que permite concluir que houve maior absorção recebem os nomes indicados no diagrama a seguir.
da radiação eletromagnética nos átomos de
cálcio do que nos de outros elementos.
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#FICADICA
Sistema: Qualquer conjunto de ma-
téria que se toma como objeto de es-
tudo. Por exemplo: quando se prepara
a argamassa para determinado fim, o
conjunto de materiais utilizados consis-
te no sistema com o qual se está tra-
balhando. Nesse caso, o sistema é for-
mado por cimento, cal, água, areia,
recipiente para colocar a mistura, um
pedaço de pau para misturá-la e o ar.
2. Densidade
TRANSFORMAÇÕES QUÍMICAS
Até agora, você viu alguns exemplos de trans- Diferentemente de uma transformação física,
formações físicas, como as que ocorrem durante em uma transformação química há a formação de
uma mudança de estado físico ou a separação novas substâncias. Pode-se, então, definir transfor-
dos componentes de uma mistura. O que ocorre de mação química como a transformação de uma ou
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mais substâncias em uma ou mais substâncias di- chama lei da conservação das massas.
ferentes. O que se observou nos dois casos citados Existe até mesmo uma versão popular dessa
anteriormente foi a ocorrência de transformações lei, segundo a qual, na natureza, nada se perde,
químicas, evidenciadas, em um deles, pela libera- nada se cria: tudo se transforma. Alguns anos após
ção de um gás (pastilha efervescente), e, no outro, Lavoisier ter formulado a lei da conservação das
pela formação de um sólido amarelo (reação en- massas, em 1794, outro químico francês, Joseph
tre nitrato de chumbo e iodeto de potássio). Proust (1754-1826), ao realizar experimentos com
Há diferentes maneiras de se verificar a ocor- substâncias puras, concluiu que a composição em
rência de uma transformação química; além da massa dessas substâncias era constante, não im-
formação de um gás, da formação de um sólido e portando a forma como era obtida. Isso significa
da mudança de cor, pode acontecer também li- que as massas dos reagentes e dos produtos envol-
beração ou absorção de calor, emissão de luz, mu- vidas na reação estão sempre em uma proporção
dança de odor, de textura, de resistência mecâ- constante, independentemente das quantidades
nica etc. Um pouco mais sobre as transformações utilizadas.
químicas. A lei, conhecida por lei de Proust ou lei das pro-
As transformações químicas de uma simples fo- porções definidas, diz que cada substância, qual-
gueira ou de fogos de artifício sempre fascinaram quer que seja sua procedência ou forma de obten-
a humanidade. Na Idade Média, muitos se dedica- ção, apresenta a mesma proporção em massa dos
ram ao estudo das transformações; a mais conhe- elementos que a formam.
cida delas é a de metais comuns, como o ferro, em Observe, por exemplo, que a composição da
ouro. Com o tempo, provou-se que obter ouro do água é a mesma, não importando a região onde a
ferro não era real, mas essas pesquisas, aliadas à amostra foi colhida.
curiosidade cada vez maior dos que se dedicavam A tabela a seguir contém dados de um experi-
ao estudo da natureza, levaram a novas descober- mento: a formação da água a partir do gás hidro-
tas sobre as transformações químicas. gênio e do gás oxigênio.
Em 1774, o químico francês Antoine Lavoisier
(1743-1794) pesquisava as combustões (reações de
queima) e a calcinação (aquecimento a alta tem-
peratura), utilizando uma balança para determinar
as massas das substâncias envolvidas nas transfor-
mações.
Além de esclarecer o papel do gás oxigênio
66 nas combustões, seus estudos o levaram à cons-
tatação de que, em uma reação química, quan-
do realizada em um recipiente fechado, a massa
anterior à transformação é igual àquela após a Como se pode notar, os dados apresentados
reação, isto é, a massa se conserva nas transforma- estão de acordo com a constância das massas. No
ções químicas. experimento I, a massa de gás oxigênio que reagiu
Observe, por exemplo, os resultados obtidos na foi de 16 g (32 g – 16 g), e a de gás hidrogênio que
combustão do gás metano (gás natural), um pro- reagiu foi de 2 g, que corresponde a 18 g da total.
cesso que pode ser descrito da maneira apresen- A massa de água formada também foi de 18 g. O
tada adiante. mesmo vale para os outros experimentos. Veja o
O gás metano reage com o gás oxigênio para caso do IV: 80 g de oxigênio reagem com 10 g de
formar gás carbônico e água. As massas envolvidas hidrogênio (15 g – 5 g = 10 g), e a massa dos rea-
nas reações são apresentadas na tabela a seguir. gentes é de 90 g. Após a reação, a massa da água
formada foi de 90 g, também.
Pode-se perceber, ainda, que existem relações
constantes entre as massas dos reagentes, as dos
produtos, e entre as massas de cada reagente e
de cada produto.
Observe: a relação entre as massas de gás oxi-
gênio e gás hidrogênio apresentadas na tabela an-
terior é sempre constante. Você quer verificar?
Nesse caso, todos os reagentes foram transfor-
mados em produtos e verifica-se, pelos dados ex-
perimentais, que, independentemente da quanti-
𝑚𝑜𝑥𝑖𝑔ê𝑛𝑖𝑜 16g
Experimento I: = = 8g
dade de reagentes iniciais, a massa total de pro- 𝑚ℎ𝑖𝑑𝑟𝑜𝑔ê𝑛𝑖𝑜 2g
dutos formados será sempre igual à dos reagentes 𝑚𝑜𝑥𝑖𝑔ê𝑛𝑖𝑜 32g
que sofreram a transformação. Experimento II: = = 8g
Como se comprovou por inúmeros experimen- 𝑚ℎ𝑖𝑑𝑟𝑜𝑔ê𝑛𝑖𝑜 4g
tos, essa observação pode ser generalizada para
transformações químicas em um recipiente fecha- Você pode calcular os valores das relações
do. Tal é sua importância, aliás, que hoje ela se entre as massas de gás oxigênio e gás hidrogênio
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
32 kg de oxigênio . 2 kg de carvão
= 8 kg de oxigênio
12 kg de carvão
Conhecer as relações entre as massas das subs- Agora, pense nesta outra questão: Qual seria a
tâncias envolvidas em uma reação química permi- massa de gás carbônico formada na queima de 3
te calcular a massa de um dos produtos da reação kg de carvão?
sabendo-se a massa de um dos reagentes que rea- Utilizando a lei de Lavoisier, a massa de gás car-
giu, ou vai reagir, e supondo-se um rendimento de bônico será igual à soma das massas de carvão e
100%, ou seja, que todo o reagente foi transforma- de oxigênio. Assim, a massa será:
do em produto. 3 kg de carvão + 8 kg de oxigênio = 11 kg de
Observe outro exemplo: durante um churrasco, gás carbônico
a energia necessária para preparar a carne veio Por fim, outra pergunta: Quanta energia seria
da reação de combustão do carvão. gerada pela queima de 3 kg de carvão?
A tabela a seguir fornece as massas do carvão, Como a queima de 12 kg de carvão libera 1.660
do oxigênio e do gás carbônico, substâncias envol- kcal, a queima de 3 kg vai liberar uma quantidade
vidas na reação. de energia proporcional, dada pela relação:
67
A análise dos dados coletados mostra a cons-
tância das massas nos três experimentos, e também
da energia liberada para o ambiente na forma de COMBUSTÃO
calor. massa de carvão + massa de oxigênio = mas-
sa de dióxido de carbono Além dessa informação, O que é uma reação de combustão? Pode-se
é possível obter outras: definir uma reação de combustão como aquela
Os dados mostram que existe uma relação entre um combustível e o gás oxigênio, denomina-
constante de 0,37 entre as massas de carvão e de do comburente, em que há formação de novas
oxigênio colocadas para reagir e formar dióxido substâncias e liberação de energia nas formas de
de carbono. Além disso, a energia liberada é pro- luz e calor. As reações de combustão podem ser
porcional à quantidade de carvão queimado. Esse rápidas, como na explosão de um gás confinado,
conhecimento permite prever as quantidades de ou lentas, como na queima do carvão.
carvão e oxigênio para a reação e a quantidade
de energia que se pode obter dela.
Acompanhe a resolução de um problema que
envolve as leis estudadas, conhecidas por leis pon-
derais, por dizerem respeito às massas em uma rea-
ção. Imagine a seguinte situação:
68
parques eólicos são formados por centenas de aerogeradores individuais ligados a uma rede de transmis-
são de energia elétrica.
Para que a eletricidade seja gerada, é preciso que no local vente sempre; por isso, ele deve ser esco-
lhido com cuidado. Já a energia solar pode ser utilizada para aquecimento (forma mais usada em residên-
cias) ou para produzir energia elétrica em parques formados por painéis solares.
Essas fontes de energia são viáveis no Brasil, mas atualmente a alternativa que tem sido o foco de inves-
timentos é a biomassa.
Considera-se biomassa todos os derivados renováveis de organismos vivos. Isso inclui o bagaço de
cana, a lenha, o etanol obtido da cana-de-açúcar, o biodiesel e o metano obtidos de biodigestores, por
exemplo. Esses materiais são formados por compostos orgânicos e sofrem reações de combustão, poden-
do substituir os combustíveis fósseis convencionais.
Os combustíveis derivados de biomassa têm duas grandes vantagens diante dos combustíveis fósseis.
70 Uma delas é o fato de sua fonte primária ser renovável; a outra é o menor impacto ambiental, quando sua
produção é bem ou devidamente planejada. Enquanto a queima de combustíveis fósseis libera para a
atmosfera enormes quantidades de carbono que estavam aprisionadas em reservatórios subterrâneos, a
queima de biomassa não altera o equilíbrio do ciclo do carbono, uma vez que as plantações de cana-de-
-açúcar, por exemplo, reabsorvem o CO2 liberado na queima.
Poder calorífico A quantidade de reagentes envolvidos em uma reação pode ser relacionada com a
quantidade de produtos gerados por ela. Da mesma maneira, é possível relacionar a quantidade de rea-
gentes em uma reação de combustão com a quantidade de energia liberada por ela.
A energia liberada em uma reação tem origem nas substâncias que reagem. É o que se chama de
energia química; cada substância tem uma quantidade de energia que pode ou não ser transformada em
calor, luz ou outras formas de energia durante uma reação química.
Assim, a energia liberada em uma reação de combustão depende não só da quantidade de reagen-
tes, mas também da natureza desses reagentes.
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Por exemplo, se apenas 1 g do álcool conhe- nitivo, uma hipótese, ou mesmo uma teoria formu-
cido por metanol for queimado, é possível produzir lada com base em evidências experimentais dis-
22.200 J (Joule; lê-se jaule, que é uma unidade de poníveis hoje, pode estar em desacordo com uma
energia) de calor, quantidade de energia neces- nova observação amanhã.
sária para aquecer uma barra de ferro de 1 kg a Comprovada essa observação, novas questões
48 °C. A mesma quantidade de gás hidrogênio, serão levantadas e novas hipóteses serão elabo-
quando queimada, libera 120.802 J, suficiente para radas para dar conta dos fatos apresentados pelo
aquecer a mesma barra de ferro a 263 °C. mundo real. Por isso, a Ciência é dinâmica e, quan-
A propriedade das substâncias relacionada à to mais se sabe, mais perguntas há para se respon-
quantidade de calor produzida em uma reação de der.
combustão é o poder calorífico. Essa propriedade Quando, em uma pesquisa científica, depara-
está vinculada à eficiência energética dos com- -se com um sistema muito complexo ou de difícil
bustíveis. acesso, é comum a tentativa de formular um mo-
Na tabela a seguir, pode-se perceber que a delo teórico dele. Por exemplo, suponha que se
eficiência energética dos derivados de petróleo queira descobrir como uma cafeteira funciona sem
é maior que a de combustíveis derivados da bio- ter acesso a seus mecanismos internos.
massa, como o etanol e a lenha. Essa é uma das A princípio se sabe apenas que, alimentado
vantagens que os derivados de petróleo apresen- com água, café e eletricidade, esse equipamento
tam em relação aos combustíveis obtidos de fontes é capaz de fornecer café. Um primeiro passo pode
renováveis. ser criar um modelo de cafeteira (teórico ou físico)
que seja coerente com as observações experimen-
tais, ou seja, que funcione como uma cafeteira.
Esse modelo nada mais é do que uma hipóte-
se que tenta explicar um fenômeno, ajudando a
fazer mais perguntas sobre ele. Se houver avanço
na investigação e surgir uma nova observação que
contradiga o modelo, é preciso construir um novo,
e o ciclo continua.
O mesmo se aplica quando são levantadas
questões sobre a constituição da matéria. Como
não há recursos tecnológicos para se verificar do
que ela é feita, constroem-se modelos teóricos se-
gundo suas características. A especulação sobre a 71
constituição da matéria é bem anterior à Ciência
CONSTITUIÇÃO DA MATÉRIA moderna. Por volta de 1500 a.C., no Egito, na Índia
e na China, já havia a ideia de que o Universo era
1. A evolução do conceito de átomo constituído por cinco elementos básicos. Na Gré-
cia Antiga, no século V a.C., era consenso que a
Para que você possa se aprofundar um pouco matéria seria formada por quatro elementos: fogo,
nas reações químicas, observe como uma nova vi- água, terra e ar.
são da Ciência sobre a matéria, ao modificar a for- No século IV a.C., os filósofos Leucipo, Demócri-
ma de imaginar o mundo, deu uma enorme contri- to e Epicuro defendiam que havia duas realidades
buição para o desenvolvimento da Química. na natureza: átomos (que significa indivisível em
Os seres humanos carregam uma infinidade de grego) e vácuo (vazio).
conhecimentos sobre tudo o que lhes diz respeito: Acreditava-se, portanto, que as propriedades
quem são, as pessoas que os cercam, o lugar onde das substâncias derivavam diretamente da forma
vivem, as propriedades das coisas, a melhor manei- dos átomos, partículas indivisíveis. Desde a Idade
ra de executar uma tarefa etc. Tais conhecimentos Média até o século XVIII, entre alquimistas como
podem ter sido obtidos das mais variadas formas. Paracelso (1493-1541), era comum a visão de que
Podem ter vindo dos pais, dos filhos, de professores; toda matéria seria composta de três princípios em
ter sido lidos no jornal, em um livro, na internet; ter diferentes proporções, referidos como vida, espírito
sido obtidos por meio de um fenômeno observado e corpo, ou fogo, ar e água, ou animal, vegetal e
e a respeito do qual se tiram as próprias conclusões; mineral, ou ainda mercúrio, enxofre e sal.
ou por investigação e apuração de fatos etc. Nessa época, supunha-se ser possível a trans-
Em Ciências, a maneira de se obter conheci- mutação da matéria, isto é, a transformação de
mento é questionar o que se sabe, colocar à prova um elemento em outro, como a transmutação de
as próprias conclusões e, muitas vezes, olhar de for- chumbo em prata ou ouro. Um grande salto foi
ma diferente dos demais. Não existe uma receita dado entre 1801 e 1803, quando John Dalton (1766-
nem um único método de trabalho em Ciências; 1844) unificou observações experimentais feitas por
o importante é que hipóteses e ideias sejam conti- ele mesmo e teorias científicas vigentes à época,
nuamente reelaboradas e novos modelos explica- como a lei da conservação das massas de Lavoi-
tivos sobre a matéria, formulados. sier e a lei das proporções constantes de Proust, em
Como nenhum conhecimento científico é defi- uma nova teoria sobre a constituição da matéria: a
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Reagentes → Produtos
Se o número de átomos do mesmo elemento Quantas partículas de NaHCO3 devem ter par-
químico presente nos reagentes não for igual ao ticipado da formação de uma partícula de Na-
número de átomos do mesmo elemento químico 2CO3? Para que haja conservação dos átomos,
nos produtos, deve-se efetuar o seu balancea- tem-se duas partículas de NaHCO3:
mento. Para tanto, quando necessário, introduz-se
antes das fórmulas das substâncias participantes 2 NaHCO3(s) + energia → Na2CO3(s) + H2O(l) +
coeficientes numéricos que permitam igualar o nú- CO2(g)
mero de átomos de cada elemento em ambos os
membros da equação. Essa operação é chamada Outra alternativa seria ter iniciado o balancea-
balanceamento da equação. mento pelos átomos de hidrogênio, porque eles
Como exemplo, observe a equação que repre- também aparecem somente em uma das partícu-
senta a reação entre gás hidrogênio e gás oxigênio las do produto, ou seja, na água.
formando água: Achou difícil? Acompanhe: nos produtos, o ele-
mento hidrogênio está representado somente na
H2(g) + O2(g) → H2O(l) água. Vê-se que nela há dois átomos de hidrogê-
nio.
Note que os átomos representados nos reagen- Em um balanceamento de equação, não se
tes se recombinam para formar os produtos. Isso pode mudar a fórmula da água – por exemplo, em
porque, nas reações químicas, átomos não são vez de escrever H2O, escrever HO –, ou não se esta-
criados nem destruídos (segundo Dalton). Logo, em ria mais representando a água, mas outra substân-
suas representações, isso também não pode ocor- cia qualquer.
rer. Como os átomos não são criados nem destruí-
Observe que há dois átomos de oxigênio nos dos nas transformações químicas, os átomos de hi-
reagentes que formam a molécula O2 e apenas um drogênio da água terão que ser provenientes do
átomo desse elemento no produto, que faz parte hidrogenocarbonato de sódio (NaHCO3, mais co-
da substância H2O, água. Para igualar o número de nhecido como bicarbonato de sódio); não há ou-
átomos de oxigênio, considera-se que se formaram tro jeito.
duas partículas de água e coloca-se o coeficiente Portanto, serão necessárias duas partículas de
2 antes da fórmula H2O (abaixo destacado para fa- NaHCO3. Isso pode ser expresso assim:
cilitar sua observação).
2 NaHCO3(s) + energia → Na2CO3(s) + H2O(l) +
H2(g) + O2(g) → 2 H2O(l) CO2(g)
74
Assim procedendo, passa-se a ter duas partícu- Agora, deve-se conferir se os números dos ou-
las de água e, portanto, dois átomos de oxigênio tros átomos estão corretos.
tanto no primeiro como no segundo membro da Assim, os coeficientes numéricos presentes em
equação. Porém, em duas partículas de água há qualquer equação química balanceada são intro-
quatro átomos de hidrogênio e, nos reagentes – pri- duzidos não apenas para que ela expresse a con-
meiro membro da equação –, na partícula H2, há servação da massa, mas também para indicar a
apenas dois átomos desse elemento. proporção, em termos de partículas, entre os parti-
O que é preciso fazer para completar o ba- cipantes da transformação.
lanceamento dessa equação que representa a Observe mais um exemplo. A queima do gás
formação da água? Quantas partículas de água metano (CH4), conhecido como gás natural, forma
se formam a partir de duas partículas H2? Como se gás carbônico (CO2) e água (H2O), quando com-
pode observar, duas partículas de H2 formam duas pleta. A reação é representada pela equação:
de água:
CH4(g) + O2(g) → CO2(g) + H2O(l)
2 H2(g) + O(g) → 2 H2O(l)
Como se pode observar, a quantidade de áto-
Considere agora o processo de obtenção do mos de oxigênio (O) e hidrogênio (H) não é a mes-
carbonato de sódio a partir do hidrogenocarbona- ma nos reagentes e produtos, sendo necessário ba-
to de sódio, representado pela equação que se- lancear a equação.
gue: Começa-se escolhendo uma das substâncias
para se definir uma quantidade. Nesse caso, a me-
NaHCO3(s) + energia → Na2CO3(s) + H2O(l) + lhor escolha é o metano (CH4), já que todos os áto-
CO2(g) mos de carbono do gás carbônico e de hidrogênio
da água vêm do metano.
Analisando essa representação, verifica-se que Escolhendo o valor 1 para a quantidade de
o número de átomos dos elementos que consti- moléculas de CH4, tem-se um átomo de carbono
tuem os participantes da reação não é o mesmo e quatro de hidrogênio para formar o gás carbôni-
em ambos os membros da equação. Porém, como co, que possui um átomo de carbono em sua mo-
há dois átomos de sódio no produto formado, Na- lécula, e a água, que necessita de dois átomos de
2CO3, eles devem ser provenientes de NaHCO3. hidrogênio em cada molécula. Assim, serão forma-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
das uma molécula de CO2 e duas de H2O: A produção de cal no Brasil, em 2008, foi de 7,3 ∙
106 t. O processo pode ser representado usando
1 CH4(g) + O2(g) → CO2(g) + H2O(l) linguagem descritiva:
1 CH4(g) + O2(g) → 1 CO2(g) + 2 H2O(l)
PROCESSOS PRODUTIVOS:
OBTENÇÃO DA CAL E A TABELA PERIÓDICA Ou por uma equação química:
1. A importância da cal
Portanto, caso tenha 1 g de átomos de hidrogênio, que é a massa atômica do hidrogênio em gramas, e
16 g de átomos de oxigênio, que é a massa atômica do oxigênio em gramas, a relação entre elas, será 16.
Desse modo, embora não se saiba quantos átomos há nas amostras, sabe-se que o número de átomos dos
dois elementos é igual. Isso vale para todos os elementos. A tabela a seguir apresenta as massas atômicas
de alguns elementos e algumas relações que podem ser feitas.
A massa atômica de qualquer elemento expressa em gramas apresenta o mesmo número de átomos
(n). Ao conjunto dessas partículas foi dado o nome de mol.
Dados:
massas atômicas → C = 12; H = 1; O = 16; S = 32.
O número de moléculas para todas as substâncias, representado por n, é 1 mol. Atualmente, sabe-se o
valor que o mol representa aproximadamente: 6 ∙ 1023 partículas, ou seiscentos sextilhões (600.000.000.000.
000.000.000.000) de partículas. Assim, em:
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
Exemplo:
1: 5 mol de CO2 (gás carbônico)
É necessário determinar a massa molecular de
CO2:
12 + (2 ∙ 16) = 44
A massa molar, isto é, a massa de 1 mol de CO2,
é 44 g. Assim, tem-se:
É possível classificar os elementos segundo diversas características que eles apresentam. O número de
grupos de elementos com características semelhantes vai depender do número de características esco-
lhidas.
A tabela a seguir descreve algumas características dos elementos Ne, Li, Cl, Na, Ar, K e Br. Analisando
as informações fornecidas, é possível classificar esses elementos em três grupos, segundo as semelhanças
observadas entre eles?
79
Grupo 1: Li, Na e K
• São bons condutores elétricos e térmicos.
• Reagem com a água, formando o gás hidrogênio.
• Reagem com o cloro, formando substâncias de fórmulas semelhantes: LiCl, NaCl e KCl.
• Reagem da mesma forma com o bromo, formando LiBr, NaBr e KBr.
• Reagem com o hidrogênio, formando LiH, NaH e KH.
Grupo 2: Cl e Br
• São maus condutores elétricos e térmicos.
• Reagem com a água, formando HCl e HBr.
• Reagem com o hidrogênio de forma semelhante, formando HCl e HBr.
• Reagem com Li, Na e K, formando LiCl, LiBr, NaCl, NaBr, KCl e KBr.
Grupo 3: Ne e Ar
• São maus condutores elétricos e térmicos.
• Não reagem com nenhuma das substâncias da tabela.
Quando as massas atômicas dos elementos se tornaram conhecidas com mais exatidão, os químicos
procuraram agrupá-los relacionando suas propriedades físicas e químicas com as respectivas massas atô-
micas.
Várias foram as tentativas de classificar os elementos químicos, mas, à medida que trabalhos eram pu-
blicados com novas propostas, novas ideias também surgiam. Até que, em 1869, um químico russo, Dmitri
Ivanovich Mendeleev (1834- -1907), professor da Universidade de São Petersburgo, observou que havia
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
repetição periódica das propriedades químicas e físicas quando os elementos eram ordenados segundo
as massas atômicas crescentes. Enunciou, então, uma lei conhecida sob o nome de lei periódica: as pro-
priedades dos elementos são uma função periódica de suas massas atômicas.
Mendeleev construiu um sistema periódico em que os elementos foram dispostos em colunas verticais
e linhas horizontais, de acordo com as massas atômicas crescentes, e de tal forma que elementos de uma
mesma coluna (família) apresentavam propriedades semelhantes.
A tabela periódica atual, de acordo com o que foi estabelecido pela União Internacional de Química
Pura e Aplicada (IUPAC, na sigla em inglês), contém 7 linhas horizontais (os períodos) e 18 linhas verticais
(as famílias ou grupos). Nela, os elementos estão dispostos na ordem crescente dos respectivos números
atômicos (número de prótons), assunto que será discutido no Volume 2. Os elementos do mesmo grupo (ou
família) apresentam propriedades semelhantes.
80
Qual seria a fórmula do carbonato de magnésio e como se comportaria em relação ao ácido clorídri-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
co? Como o magnésio é da mesma família do cál- dos com seu estudo sobre a fermentação do suco
cio, provavelmente vão apresentar fórmulas e rea- de uva encontram-se na tabela a seguir.
ções semelhantes. Assim, a equação da reação do
carbonato de magnésio (MgCO3) com o ácido é:
odor de álcool, o papel do fermento nesse proces- em casa e de grande importância industrial. Além
so é o de aumentar a rapidez da reação, ou seja, de seu uso como combustível e solvente, é tam-
acelerá-la, uma vez que no fermento existem mi- bém o ingrediente que caracteriza as chamadas
crorganismos que metabolizam o açúcar presente bebidas alcoólicas.
na garapa e o transformam em álcool. De acordo com as regras de nomenclatura
As reações que ocorreram nas garrafas pet A e para compostos orgânicos, seu nome oficial é eta-
B são conhecidas por fermentação. Comparando nol. A fórmula molecular, C2H6O, mostra que a mo-
a fermentação com a combustão do gás de fo- lécula de etanol é um agrupamento de átomos,
gão, em termos de rapidez, a primeira é lenta e a sendo constituída por dois átomos de carbono, seis
segunda combustão é rápida. de hidrogênio e um de oxigênio.
Agora, recorde rapidamente o que você estu- O processo industrial de obtenção do álcool etí-
dou nas Unidades anteriores. A transformação dos lico é semelhante ao utilizado para a elaboração
reagentes em produtos pode ser representada por de bebidas alcoólicas. A produção de álcool, aliás,
uma equação química com dois membros. No pri- foi uma consequência da fabricação destas. Sua
meiro, figuram os reagentes, ou estado inicial. No produção pode se dar através da fermentação de
segundo, aparecem os produtos da transforma- qualquer material rico em carboidratos, como o mi-
ção, ou estado final. lho, a mandioca etc.
No Brasil, a matéria-prima comumente utilizada
na obtenção do álcool é a cana-de-açúcar. Para
extraí-lo do melaço de cana-de-açúcar, é neces-
sário diluir o melaço em água, a fim de que seja
alcançada a melhor concentração de açúcares
O açúcar do caldo de cana é a sacarose, que para a ocorrência da fermentação. Uma levedura
se hidrolisa – interage com a água –, originando a é acrescentada para que a fermentação se inicie.
glicose. Representando a fermentação por equa- Após a fermentação, o álcool é separado por des-
ções, a seguir encontram-se os nomes dos reagen- tilação e apresenta 95% de pureza, isto é, 5% dele é
tes e dos produtos dessa reação: água e 95% é álcool etílico.
Para obter o álcool 100% (álcool absoluto), ou-
tros processos são utilizados, sendo o mais simples a
adição de cal (óxido de cálcio). O óxido de cálcio
não é solúvel no álcool e reage com a água exis-
tente, segundo a equação:
83
CaO(s) + H2O(l) → Ca(OH)2(s)
Como a sacarose é representada pela fórmula Tanto o CaO quanto o Ca(OH)2 são insolúveis
C12H22O11, a glicose, por C6H12O6, o gás carbônico, no álcool e ficam depositados no fundo do frasco
por CO2, e o etanol, por C2H6O, é possível represen- que o contém.
tar as transformações por equações, substituindo A seguir, apresenta-se um fluxograma de dois
os nomes dos reagentes e dos produtos pelas suas processos: um para a extração de açúcar de cana,
respectivas fórmulas: e outro, fermentativo, para a obtenção do álcool.
Processos que levam a cana-de-açúcar ao
açúcar e ao etanol
uma destilação simples. A cal virgem reage com a volvimento em brigas, por exemplo.
água, retirando-a da mistura. Mesmo que nada disso ocorra, os sentidos de
quem ingere bebida alcoólica ficam parcialmen-
CaO(s) + H2O(l) → Ca(OH)2(s) te anestesiados, tornando o ato de dirigir qualquer
veículo extremamente perigoso, visto que a capa-
No Brasil, o álcool é um importante combustí- cidade de reação diante do perigo torna-se mais
vel. A energia liberada em sua queima é responsá- lenta. O bom senso de não dirigir nem operar má-
vel pelo funcionamento de muitos tipos de motor. quinas enquanto o álcool ingerido estiver em ação
Como o álcool pode se misturar com a água em torna a vida de todos melhor e mais segura.
qualquer proporção, é fácil alterar o álcool com-
bustível acrescentando água, porém essa fraude A ENERGIA NAS REAÇÕES QUÍMICAS
pode ser detectada medindo- -se a densidade do
combustível. 1. Reações exotérmicas e endotérmicas
Uma forma fácil de conhecer a quantidade de
álcool existente em uma amostra comercial é de- As reações que acontecem transferindo ener-
terminando a sua densidade, grandeza que indica gia na forma de calor para o ambiente são cha-
a massa de um material que ocupa o volume de 1 madas de reações exotérmicas (exo significa “para
mL. Essa determinação é feita através de aparelhos fora”). Já as reações que retiram energia do am-
chamados alcoômetros (encontrados acoplados à biente na forma de calor são denominadas rea-
bomba em muitos pontos de venda de combus- ções endotérmicas (endo quer dizer “para den-
tível), que, além da densidade, contêm a escala tro”). As unidades utilizadas para a energia são a
Gay-Lussac, o que permite a leitura direta da quan- caloria (cal), a quilocaloria (kcal), o Joule (J) e o
tidade de álcool, em °GL. quilojoule (kJ).
O grau Gay-Lussac (o GL) é a unidade que ex- Uma caloria corresponde à energia necessária
pressa a quantidade de álcool (em mL) contida em para aquecer 1 g de água, elevando sua tempe-
100 mL de solução hidroalcoólica, isto é, a percen- ratura de 14,5 °C para 15,5 °C. As relações entre as
tagem volumétrica de álcool na solução. unidades estão relacionadas a seguir:
87
#FicaDica
Joseph John Thomson, físico inglês,
ganhou o Prêmio Nobel de Física em
1906, pela descoberta do elétron. Os Como Rutherford chegou ao modelo nuclear?
estudos realizados por ele não só ca- Rutherford estava estudando o efeito que um fei-
racterizaram o elétron, determinando a xe de partículas, denominadas partículas alfa (α),
relação entre carga elétrica e massa da causaria ao ser dirigido contra uma finíssima folha
partícula, como também o levaram a de ouro. As partículas alfa, como se sabe atual-
concluir que o átomo era formado por mente, são emitidas pelo núcleo de determinados
elementos radioativos que eram, na época, obje-
elétrons distribuídos em uma massa posi-
tos de estudo.
tiva, como as passas em um pudim.
Ele sabia que, em razão de as partículas alfa
apresentarem carga positiva, muita energia, massa
A DESCOBERTA DO NÚCLEO E O MODELO ATÔMI- e tamanho, elas deveriam passar pela folha de ouro
CO DE RUTHERFORD sofrendo poucos desvios, pois considerava que os
átomos eram maciços, como propunha o modelo
de Thomson. Porém, após vários experimentos, ele
1. As radiações e o núcleo atômico
se surpreendeu, pois, embora a maioria das partí-
culas passasse pela folha, algumas sofriam grandes
O estudo das radiações levou os cientistas a
desvios; outras poucas, ao colidir com a folha, não
propor novas estruturas para os átomos, cada vez
passavam e voltavam em direção à fonte de par-
mais complexas e capazes de explicar diversos
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
tículas alfa. Segundo Rutherford, o ocorrido era tão Os estudos sobre a radioatividade identificaram
surpreendente como lançar uma granada contra uma radiação nuclear, a radiação beta, como elé-
uma folha de papel de seda, e ela bater na folha trons lançados do núcleo atômico de Rutherford.
e voltar. Para explicar a presença de elétrons no núcleo,
criou-se a hipótese de que o núcleo atômico deve-
ria apresentar, além do próton, outra partícula de
massa semelhante à do próton, sem carga elétrica
e, provavelmente, formada pela união de um pró-
ton e um elétron.
Em 1932, o físico inglês James Chadwick provou
a existência dos nêutrons, partículas que tinham
quase a mesma massa dos prótons e que não pos-
suíam carga elétrica, como previsto por Rutherford.
Por essa descoberta e por trabalhos importantes
realizados, em 1935, ele ganhou o Prêmio Nobel de
Física. O núcleo atômico era formado, portanto,
por dois tipos de partícula: os prótons, com carga
positiva e massa aproximadamente 2.000 vezes
maior que a dos elétrons; e por nêutrons, sem car-
ga elétrica e com praticamente a mesma massa
dos prótons.
O número de prótons no núcleo, denominado
número atômico e representado pela letra Z, é que
determina a qual elemento químico pertence o
átomo. Assim, os elementos químicos são identifica-
dos pelo número atômico da mesma maneira que
cada brasileiro é identificado por seu Registro Geral
Como o modelo atômico de Thomson não bas- (RG). Cada elemento químico tem seu número atô-
tava para explicar esses fenômenos, Rutherford o mico e cada número atômico corresponde a um
modificou, introduzindo a ideia de que o átomo de- elemento químico.
veria ser formado por um núcleo atômico positivo Dessa forma, elemento químico é o conjunto
no qual se concentrava praticamente toda a mas- de átomos que apresenta o mesmo número atômi-
88 sa do átomo, e os elétrons, com cargas negativas, co ou o mesmo número de prótons no núcleo.
girariam ao redor do núcleo a uma longa distância, O número total de partículas no núcleo atômi-
proporcional às dimensões do átomo. co, ou seja, a soma de prótons e nêutrons, respon-
A ilustração acima mostra o que Rutherford es- sável pela massa do átomo, é denominado número
perava, com base no modelo de Thomson, e o que de massa e representado pela letra A. Um elemen-
ocorreu, levando ao modelo proposto por ele. to químico é identificado apenas pelo número atô-
O modelo nuclear de Rutherford, embora ex- mico (Z), no entanto, os átomos são caracterizados
plicasse suas observações, criava um problema pelo número atômico (Z) e número de massa (A).
físico, pois os estudos desenvolvidos na Física suge- Isso ocorre porque os átomos de um mesmo ele-
riam que uma partícula carregada eletricamente, mento químico não são todos iguais, eles podem
positiva ou negativamente, e em movimento, per- diferir quanto a seu número de massa: são os isóto-
de energia. Então, ao girar em torno do núcleo, o pos do elemento.
elétron perderia energia e se aproximaria dele aos A representação de um átomo leva em conta
poucos, até atingi-lo. Ademais, o modelo de Ruther- esses dois números, o atômico (Z) e o de massa (A).
ford não explicava o fato de os elétrons não “caí- Veja, a seguir, a representação de um átomo de
rem” no núcleo, afinal, como você viu no Tema 1 cloro (Cl):
desta Unidade, cargas elétricas opostas se atraem.
Esse problema foi resolvido apenas mais tarde, com
o modelo atômico de Bohr.
4. A ligação metálica
90
os outros sem que ocorra separação. composições, isto é, diferentes proporções entre os
Quando é aplicada uma força sobre um peda- metais que as constituem. A seguir há alguns exem-
ço de metal, um conjunto de átomos se desloca plos de composições de ligas metálicas utilizadas
sobre outro, deformando o metal. Dependendo da na sociedade:
força que se aplica, o metal pode ser moldado de
acordo as necessidades do momento. As figuras a
seguir representam a moldagem em metal.
no último nível.
Você já conhece a ligação química existente Para que o hidrogênio adquira estabilidade, ele
nos metais e suas ligas, a ligação metálica, e tam- necessita de mais um elétron para ficar com uma
bém as ligações existentes nos compostos iônicos, configuração eletrônica semelhante à do gás no-
a ligação iônica. Agora, você vai estudar as liga- bre hélio, que apresenta dois elétrons em seu pri-
ções covalentes, formadoras de moléculas. Analise meiro nível, que também é seu último.
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te positiva e outra parcialmente negativa. A razão polaridade, são apolares, ou seja, não apresentam
da polaridade está na diferença de eletronega- cargas parciais e não conseguem interagir com
tividade do oxigênio e do hidrogênio e na forma as moléculas de água. Saber se uma molécula é
como eles estão ligados para formar a molécula de polar ou apolar não é um trabalho simples, pois a
água. polaridade não depende só dos elementos que
formam as moléculas, depende também de como
os átomos estão arranjados na molécula O gás car-
bônico, por exemplo, é formado pelos elementos
oxigênio e carbono. Embora o oxigênio seja mais
eletronegativo que o carbono, a estrutura linear da
molécula a torna apolar. Veja a seguir.
drológico, representado na figura a seguir, mantém nela. Mesmo a água da chuva não é pura, pois, ao
e renova o suprimento de água em nosso planeta. cair sobre a superfície da Terra, dissolve substâncias
presentes na atmosfera, como os gases dióxido de
carbono (CO2) e o dióxido de enxofre (SO2), além
de alguns sólidos em suspensão.
Entre as substâncias que a água é capaz de dis-
solver também estão as substâncias tóxicas. Além
disso, ela é um ótimo meio para a proliferação
de microrganismos como bactérias, fungos etc. A
água contaminada pode ser, ainda, causadora de
doenças como disenteria infecciosa, leptospirose,
hepatite, esquistossomose e, portanto, é necessário
que a qualidade dela seja monitorada e que ela
passe por processos de tratamento. Existem dois ti-
pos de contaminantes da água, os microbiológicos
e os químicos.
A contaminação microbiológica é causada
pelo descarte indevido de lixo e esgoto nos corpos
de água (rios, represas, lagos etc.). A cólera, a fe-
bre tifoide, a disenteria infecciosa e a leptospirose
são as principais doenças causadas pelo uso de
água contaminada por agentes biológicos.
Na contaminação química, algumas causas
são o uso de defensivos agrícolas, fertilizantes, pro-
O Sol é responsável pela evaporação da água dutos que as indústrias de alguma forma liberam
nos continentes e nos oceanos que, acrescida da na natureza, como solventes e subprodutos de suas
água da evapotranspiração das plantas, forma atividades. Os metais pesados, como o chumbo, o
as nuvens na atmosfera. Sob determinadas con- cádmio, o cromo, o mercúrio, o níquel e o zinco,
dições, a água que se encontra nas nuvens pode são os principais contaminantes químicos. Além
precipitar, em razão da ação da gravidade, na for- de seus efeitos tóxicos, uma vez ingeridos, eles são
ma de chuva, granizo, orvalho e neve. acumulados em nosso organismo, podendo causar
doenças futuras.
100 Além dos metais pesados, solventes orgânicos
#FicaDica como benzeno e tolueno, muito utilizados nas in-
Evapotranspiração dústrias químicas, são potencialmente danosos à
Da água absorvida do solo pelas saúde.
plantas, parte é utilizada em seus pro- O tratamento e o controle da qualidade da
cessos metabólicos, como a fotossínte- água diminuíram as doenças disseminadas por ela
se, e parte evapora das plantas para em muitas regiões de nosso país, mas ainda há mui-
a atmosfera. A água que evapora das to a ser feito para que toda a população receba
plantas pela transpiração é chamada água tratada, de boa qualidade.
de evapotranspiração. Para garantir a potabilidade da água distribuí-
da à população, ela deve, portanto, ser monitora-
da por meio de análises que comprovem sua qua-
A água, ao cair sobre a superfície da Terra, lidade. Além desses controles, a água destinada à
pode fluir até um lago ou rio ou ser absorvida pelo população deve passar por uma estação de trata-
solo formando os aquíferos, reservatórios de água mento. Nos locais em que a população consome
subterrâneos, ou retornar à superfície formando as água de poço, a água deve ser testada regular-
nascentes, pântanos e fontes. Nas regiões muito mente.
frias, a água pode formar grandes massas de gelo,
os glaciais, que, ao derreter, devolvem à superfície 3. Tratamento de água
água no estado líquido.
O calor do Sol, a evapotranspiração, a conden- A água proveniente dos mananciais, ao che-
sação e a precipitação da água pela gravidade gar às estações de tratamento, contém sólidos em
mantêm o ciclo hidrológico e renovam o suprimen- suspensão e microrganismos que se desenvolvem
to de água do planeta. com facilidade em meio aquoso.
As estações de tratamento de água têm papel
2. Alguns contaminantes da água fundamental na prevenção de doenças, sendo um
dos pilares do saneamento básico. O fornecimento
Em razão da capacidade que a água possui de água de qualidade é um direito de toda a po-
de dissolver um grande número de substâncias, ela pulação e um dever do Estado.
se apresenta na natureza na forma de soluções Das 214 estações de tratamento de água da
aquosas, ou seja, com várias substâncias dissolvidas Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Es-
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tado de São Paulo), 28 abastecem a Região Metro- das características físicas, químicas e biológicas do
politana de São Paulo. As restantes fornecem água local.
aos municípios do interior e do litoral do Estado. Você estudará o método utilizado na Região
Atualmente são tratados 111 mil litros de água por Metropolitana de São Paulo pela Sabesp. Esse mé-
segundo. todo é chamado de tratamento por lodos ativados
A água, ao chegar a uma estação de trata- e envolve duas etapas: uma de tratamento da fase
mento, passa por uma grade, que tem por função líquida e outra de tratamento da fase sólida. É um
retirar materiais de grande volume, e recebe uma método biológico, no qual o esgoto bruto é agi-
primeira dose de cloro para eliminar metais e maté- tado e aerado, para que, durante o processo, os
ria orgânica; é a etapa de precloração. microrganismos alimentem-se da matéria orgânica
Em seguida, a água é levada aos tanques de presente no esgoto, fermentando-a.
decantação, onde recebe cal e sulfato de alumí- Dessa forma, diminui-se a carga poluidora e a
nio, um agente coagulante que facilita a aglome- parte sólida é separada. Após o processo de sepa-
ração das partículas sólidas; é a etapa de flocula- ração, a parte líquida (água) é lançada nos rios e
ção. mares ou usada na limpeza pública ou para regar
Do tanque de floculação, a água vai para o jardins, e a parte sólida é enviada aos aterros sani-
tanque de decantação, onde ocorre a separação tários.
da maior parte do sólido existente, que vai para o
fundo do tanque por causa da ação da gravida-
de. O fundo do tanque de decantação é limpo
periodicamente.
Após a decantação, a água é submetida à
filtração, atravessando tanques formados por pe-
dras, areia e carvão antracito (tipo de carvão mi-
neral amplamente utilizado em filtros de tratamen-
to de água). Nessa fase, são retidos os sólidos que
restaram da fase anterior, ou seja, da decantação.
1. Soluções e solubilidade
2. Unidades de concentração
porcentagem em massa são algumas delas. Ob- No preparo de 500 kg de água salgada para
serve alguns exemplos para que essas formas de ser utilizada em um aquário, qual deve ser a mas-
concentração fiquem claras. O primeiro exemplo sa de NaCl necessária para que a solução tenha a
tratará da porcentagem em massa, que é a massa concentração de 3% (m/m)?
do soluto por volume de solução. Como a concentração de NaCl deve ser de 3%
Suponha que em um rótulo de um frasco con- em massa, e a massa da solução é de 500 kg, você
tendo 75 mL de vinagre há a informação: 4% de deve calcular a porcentagem de NaCl da seguinte
ácido acético (m/V). Qual será a massa de ácido forma:
acético contida nesse frasco?
Para responder à questão, você precisa inter-
pretar a informação fornecida, ou seja, a notação
“4% de ácido acético (m/V)”. Ela indica que em
100 mL de vinagre (a solução), 4 g são de ácido
acético (o soluto). Para calcular a quantidade de
ácido acético em 75 mL de vinagre, basta saber
que ela é proporcional ao valor indicado no rótulo: Veja um exemplo de porcentagem:
mados por moléculas ativas e inativas. As ativas seriam os íons, responsáveis pela condução de corrente
elétrica, e as inativas, as moléculas, neutras eletricamente.
Os estudos de Arrhenius levaram-no a classificar como ácidos todas as substâncias que dissolvidas em
água reagissem para formar o íon hidrogênio, H+. Além disso, classificou como bases as substâncias que,
em água, formavam o íon hidroxila, OH–. É claro que, além dessas características específicas de cada um,
também há outras propriedades que os diferenciam. Arrhenius definiu substâncias ácidas como aquelas
que em água formam íon H+ e possuem, em comum, outras características como sabor, ação sobre os
indicadores ácido-base etc.
O mesmo vale para as bases: todas as substâncias que em água formam o íon OH– são bases e apre-
sentam ações similares sobre os indicadores.
2. Os ácidos e a ionização
Os ácidos são compostos moleculares por não apresentarem íons, e sim moléculas. Como você já estu-
dou, as moléculas, mesmo as polares, são eletricamente neutras, portanto, não podem conduzir corrente
elétrica. No entanto, os ácidos, apesar de serem moleculares, conduzem eletricidade em água. Por que
isso ocorre? Ao misturar um ácido com a água, suas moléculas interagem com as da água, ocorrendo io-
nização, que é a quebra da molécula do ácido para formar íons.
As moléculas dos ácidos e da água são polares e a interação entre elas produz íons, como mostra a
ilustração a seguir.
104
As moléculas dos ácidos são polares; o hidrogênio, por ser um átomo pouco eletronegativo, fica com
carga parcial positiva, e o restante da molécula, com carga parcial negativa. As moléculas de água tam-
bém são polares, e o oxigênio, por ser muito eletronegativo, fica com carga parcial negativa. Por causa da
interação entre elas, como mostra a ilustração, o átomo de oxigênio liga-se ao átomo de hidrogênio do
ácido, formando o H3O+ (H+) e gerando o íon Cl–. A quebra da ligação entre o hidrogênio e o cloro deixa o
cloro com todos os elétrons da ligação covalente.
5. Propriedades dos sais O ferro é um dos metais mais utilizados pelo ho-
mem no mundo atual. Sua importância é tão gran-
• São todos compostos iônicos. de que é difícil imaginar o que seria da vida nes-
• São eletrólitos, isto é, quando dissolvidos em te planeta sem esse metal. No entanto, é possível
água tornam a mistura condutora de corrente que você já tenha observado que, com bastante
elétrica. frequência, o ferro exposto ao ar ou a ambientes
• São capazes de conduzir corrente elétrica no úmidos, com o passar do tempo, apresenta sinais
estado líquido, isto é, quando aquecidos até de ferrugem (corrosão).
a fusão. O enferrujamento do ferro reduz sua resistência
• Podem ser obtidos da reação entre os metais e durabilidade, tornando-o impróprio para muitos
e os ácidos fins. A ferrugem é uma substância muito diferente
do ferro: é marrom-avermelhada, porosa e quebra-
diça. Trata-se de óxido de ferro hidratado, ou seja,
composto constituído de ferro, oxigênio e água. A
corrosão expressa a tendência do metal de retor-
nar à sua forma de origem, ou seja, a transformar-se
• Podem ser obtidos das reações entre ácidos no óxido do qual foi extraído.
e bases, denominadas reações de neutraliza- Essa corrosão é uma oxidação que ocorre gra-
ção. ças à ação do oxigênio do ar e da umidade. Inicial-
mente, o termo oxidação era utilizado para desig-
nar transformações que envolviam: 107
OS METAIS: SUA IMPORTÂNCIA ECONÔMICA E
COMO SÃO OBTIDOS • O ganho de oxigênio; por exemplo, na com-
bustão do carvão (C), o carbono é oxidado:
1. Os minérios
C(s) + O2(g) → CO2(g)
A importância econômica de um metal está
subordinada a três fatores fundamentais: suas pro- • A perda de hidrogênio; por exemplo, a com-
priedades físicas e químicas, o custo de sua produ-
bustão do sulfeto de hidrogênio (H2S):
ção e sua ocorrência na natureza. Todos os me-
tais conhecidos atualmente são extraídos de seus
2 H2S(g) + O2(g) → 2 H2O(l) + 2 S(s)
respectivos minérios, assim considerados quando
apresentam metal em quantidade economica-
Por outro lado, a redução era utilizada para de-
mente viável para extração.
signar transformações que envolviam:
Os minérios não se distribuem homogeneamen-
te na crosta terrestre; concentram-se em determi-
• A perda de oxigênio:
nadas regiões mais que em outras em razão da
história geológica da Terra. Assim, há países que
possuem determinados metais em abundância, 2 HgO(s) → 2 Hg(l) + O2(g)
e outros que necessitam importá-los. A seguir são O mercúrio perdeu oxigênio, logo, se reduziu.
apresentados alguns minerais e os metais que deles
são extraídos: • O ganho de hidrogênio:
lação à tendência de reagir com ácidos ou com rial de cor marrom avermelhada, porosa e quebra-
compostos que contenham outros metais. diça. Trata-se do óxido hidratado de ferro represen-
Analise o experimento: tado pela fórmula Fe(OH)3 (hidróxido de ferro (III)).
A corrosão do ferro, uma transformação de
Um prego de ferro limpo e polido foi imerso em oxirredução, pode ser explicada por um mecanis-
uma solução azul de sulfato de cobre e lá perma- mo que envolve duas transformações:
neceu por cerca de 48 horas. Após esse período,
observou-se o descoramento da solução, um de- • a de oxidação, em que o ferro (Fe) perde elé-
pósito avermelhado de cobre sobre o prego e mu- trons, transformando-se em Fe2+:
dança na consistência e na massa do prego.
Como explicar o que aconteceu? Será que isso
ocorre com outros metais?
elétrica. Ele empilhou vários discos de cobre e zin- há alguns potenciais de redução dos principais
co, alternadamente, separados por pedaços de cátions indicados em Volts (nome dado em home-
pano embebidos em uma solução aquosa de áci- nagem a Volta), que é a unidade utilizada, repre-
do sulfúrico (H2SO4(aq)). sentada por V. As setas nos dois sentidos indicam
que as reações podem ocorrer nos dois sentidos,
dependendo das condições e das espécies pre-
sentes. As equações representam a redução (da
esquerda para direita) e, no sentido contrário, a
oxidação.
Quanto maior o potencial de redução, maior a ten-
dência que a espécie apresenta de receber elé-
trons, ou seja, poder ser reduzida. De acordo com o
quadro, o íon que apresenta o maior potencial de
redução é o íon prata (Ag+); ele é a espécie que
pode ser reduzida com maior facilidade.
2. Pilha comum e pilha alcalina da pilha; o NaOH é um eletrólito melhor que o NH-
4Cl; e o Zn é mais resistente em meio básico do que
O nome pilha é conservado até hoje em fun- em meio ácido.
ção do modo como a primeira pilha foi construí-
da. As pilhas modernas são bem mais compactas 3. Descarte de pilhas e baterias
e eficientes. Foi George Leclanché de Francia que
desenvolveu uma pilha que usava célula de zin-
A mineração, a exploração do petróleo, a ge-
co-carvão que deu origem às pilhas utilizadas até
ração de energia, a produção dos diferentes ma-
hoje, conhecidas por pilha comum ou pilha seca.
teriais utilizados atualmente, enfim, a forma como o
Na pilha seca, o polo positivo é a barra de gra-
planeta é alterado e modificado impacta o meio
fite recoberta por dióxido de manganês (MnO2), e
ambiente. O cuidado com que se deve tratar os re-
o polo negativo é o envoltório de zinco, que está
síduos provenientes da produção industrial, da agri-
conectado com o fundo da pilha.
cultura, das empresas que vivem do turismo etc. é
As reações que ocorrem nessa pilha estão re-
dever de todos: governo, empresas e cidadãos.
presentadas a seguir. No polo negativo, o ânodo,
Atualmente, existem leis que exigem que as in-
ocorre a semirreação de oxidação:
dústrias e as empresas mineradoras e do agrone-
gócio cuidem do manejo dos resíduos e se respon-
sabilizem por ações sobre o ambiente. O dever do
cidadão, além de exigir que o governo fiscalize e
puna quem as desrespeite, é colaborar com a re-
ciclagem, ação que contribui não só com a pre-
No polo positivo, o cátodo, ocorre a semirrea-
servação do meio ambiente, como também com
ção de redução:
a economia, já que beneficia pessoas e entidades
assistenciais que vivem da coleta de material reci-
clável, melhora a economia local e cria novos em-
pregos.
Essa pilha também é conhecida por pilha ácida,
Um problema sério e que só agora tem sido di-
porque a pasta (solução eletrolítica presente no inte-
vulgado, embora de forma tímida, é o que fazer
rior da pilha) contém cloreto de amônio (NH4Cl), que
com as pilhas e baterias, que são utilizadas cada
lhe confere essa característica. No caso das pilhas
vez mais. O descarte desse material no lixo comum
alcalinas, existem algumas modificações que au-
contamina o solo e, em consequência, o lençol
mentam sua eficiência.
freático, com metais pesados que são extrema-
112 O eletrólito utilizado é o NaOH, uma base, que
mente tóxicos. Esse problema pode ser evitado
dá a característica alcalina a ela.
conhecendo-se o que deve ser reciclado e como
As reações que acontecem nesse tipo de pilha
reciclar.
estão a seguir representadas.
De acordo com a resolução do Conama (Con-
selho Nacional do Meio Ambiente), de novembro
de 2010, estão disponíveis postos de coleta de pi-
lhas em pontos de venda como supermercados e
demais varejos. Assim, você poderá descartar pi-
lhas e baterias usadas e ajudar a preservar o meio
ambiente, pois elas terão um fim sustentável, isto é,
os materiais que as formam serão reaproveitados e
não vão para os aterros sanitários ou lixões, evitan-
do, assim, a contaminação do solo.
O papel dos cidadãos na fiscalização é essen-
cial, no entanto, mais importante ainda é que todos
se conscientizem de que também têm responsabi-
lidades com o meio ambiente e não descartem as
pilhas e as baterias no lixo comum.
A ATMOSFERA
1. A composição da atmosfera
atmosfera inerte (que não reage). Atualmente, discutem-se no mundo todo for-
Além de o ar atmosférico ser fonte de substân- mas de minimizar a ação sobre o aquecimento
cias, ele é também fonte de energia, sendo utiliza- global, procurando-se novas fontes de energia que
do desde o século X nos moinhos e, hoje, nos par- não contribuam para o aumento da concentração
ques eólicos na obtenção de energia elétrica. de CO2, como a energia eólica, a energia solar e os
combustíveis verdes, como o álcool e o biodiesel.
3. Efeito estufa e Aquecimento global
4. O modelo cinético molecular
É comum a confusão que se faz entre efeito
estufa e aquecimento global. A atmosfera terres- Para que possa entender melhor os fenômenos
tre é responsável pelo efeito estufa, que mantém que ocorrem na atmosfera, você vai conhecer as
a temperatura média do planeta em torno de 15 leis que regem os gases e o modelo que as explica.
°C. Não fosse ele, essa temperatura seria de aproxi- Acompanhe a discussão de duas variáveis impor-
madamente –21 °C e não haveria água no estado tantes para seu estudo: a pressão e a temperatura.
líquido. Pressão A pressão é a força aplicada por unidade
Toda a energia disponível vem das radiações de área. Suponha que você vai martelar dois pre-
emitidas pelo Sol, a maior parte na forma de radia- gos em uma madeira, um com a ponta perfeita e
ção visível. A atmosfera reflete para o espaço 30% o outro sem ponta.
dessa radiação, 19% é absorvida por ela e cerca Uma boa martelada enterra o primeiro prego
de 51% chega à superfície terrestre. Parte da ener- com facilidade, mas o segundo prego, com a mes-
gia absorvida pela superfície é reemitida na forma ma martelada, provavelmente vai entortar e não
de radiação infravermelha, que atua sobre as mo- penetrará na madeira. Se a força aplicada é a
léculas, aumentando sua energia cinética. Dessa mesma, qual a razão para um prego entrar com
energia reemitida, 10% se perdem no espaço, 90% facilidade na madeira e o outro não? Isso se expli-
são absorvidos pela atmosfera e, desses 90%, 80% ca pelo fato de, no primeiro caso, a força ter sido
são devolvidos à superfície terrestre. A esse fenô- aplicada sobre uma área da madeira menor que a
meno se dá o nome de efeito estufa, em analogia do segundo caso.
às estufas para plantas. A relação entre a força aplicada e a área que
Na atmosfera, a absorção da energia reemi- foi submetida a tal força é a pressão, representada
tida na forma de radiação infravermelha é feita, pela equação em que P é a pressão, F, a força e A,
principalmente, pelos gases CO2 (gás carbônico) e a área em que a força foi aplicada: P = F/A, , mos-
CH4 (gás metano) e pelo vapor de água. O efeito trando que a pressão é diretamente proporcional à
114 estufa garante a vida na Terra por não deixar o pla- força e inversamente proporcional à área Você já
neta gelado. ouviu falar que a pressão atmosférica diminui com
Embora fundamental para a existência de vida, a altitude? A razão disso está na coluna de ar sobre
caso a concentração dos gases responsáveis pelo a superfície da Terra. No nível do mar, a pressão é
efeito estufa aumente, a temperatura média da maior porque há uma coluna de ar maior; em uma
Terra ficará maior que 15 °C, e a esse aumento cha- montanha, a coluna de ar é menor, e também a
ma-se aquecimento global. Um aumento da tem- pressão atmosférica. O gráfico da figura a seguir re-
peratura média causaria uma grande mudança no laciona a pressão atmosférica com a altitude.
clima terrestre: vastas regiões poderiam virar deser-
to; o derretimento das calotas polares aumentaria
o nível do mar, inundando a costa dos continentes;
tufões e furacões seriam mais intensos e frequentes
etc. As atividades vulcânicas e as correntes mari-
nhas são alguns dos fatores naturais que podem
contribuir para o aquecimento global, mas boa
parte dos gases responsáveis pelo efeito estufa,
como o CO2 e o CH4, é lançada na atmosfera por
algumas atividades humanas, aumentando, assim,
suas concentrações e contribuindo para o aqueci-
mento global. As principais fontes antropogênicas Por essa razão, os jogadores, quando vão dis-
(de atividade humana) são a queima dos combus- putar uma partida em um local de grande altitude,
tíveis fósseis, as queimadas, que lançam grandes precisam se adaptar antes do jogo para se acos-
quantidades de CO2 na atmosfera, e a pecuária, tumar com a baixa pressão atmosférica e, conse-
porque o gado produz grandes quantidades de quentemente, com a menor concentração de gás
CH4 durante a digestão. oxigênio.
No Brasil, as principais fontes antropogênicas de A pressão atmosférica, causada pelo peso da
gases estufa são a queima de combustíveis fósseis coluna de ar sobre a superfície da Terra, pode ser
da frota veicular e as queimadas de vegetação – medida por um aparelho chamado barômetro, in-
que emitem principalmente CO2 –, além do grande ventado em 1643 por Torricelli (1608-1647), físico e
rebanho bovino – responsável pela emissão de CH4 matemático italiano.
em grandes quantidades. O funcionamento do aparelho é simples e sua
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
precisão é grande. Como mostra a figura ao lado, um de menor temperatura. Já a temperatura está
ele consta de um tubo graduado de 1 m de com- relacionada ao estado de agitação das partículas
primento que é preenchido por mercúrio e inver- que formam os corpos.
tido em um recipiente aberto também contendo Para ficar mais clara a diferença, suponha que
mercúrio. Quando o tubo é invertido, parte do mer- dois recipientes com água, um contendo 1 L e o
cúrio escoa do tubo para o recipiente, até que a outro, 0,5 L, sejam colocados em um fogão de tal
coluna seja equilibrada pela pressão exercida pela forma que fiquem na mesma boca, sob influência
atmosfera. As setas em rosa representam a pressão da mesma chama e por um mesmo intervalo de
exercida pela atmosfera, que equilibra a coluna de tempo. Terminada a experiência, medem-se as
mercúrio. Esta, por sua vez, exerce a mesma pres- temperaturas dos dois recipientes e pode-se notar
são. que a temperatura da água do recipiente com
menos água é maior que a temperatura da água
no recipiente com mais água. A quantidade de ca-
lor transferida para os dois recipientes foi a mesma,
já que estavam sob a influência da mesma chama,
mas as temperaturas anotadas são diferentes. A ex-
periência mostra, portanto, que calor e temperatu-
ra são conceitos diferentes.
Das escalas termométricas existentes, a escala
Celsius é a mais conhecida. É a que se utiliza para
medir a temperatura ambiente e a do nosso corpo,
por exemplo. Outra escala de fundamental impor-
tância para esse estudo é a escala Kelvin, ou es-
cala absoluta, que é proporcional à energia cinéti-
ca média das partículas formadoras dos diferentes
materiais.
orientação favorável pode ser explicada em um tardando-a. É possível, por exemplo, prolongar a
jogo de bilhar: a tacada pode ter sido perfeita com conservação dos alimentos diminuindo a tempera-
relação à energia depositada, mas, se a orienta- tura do refrigerador, o que retarda as reações de
ção do choque não for a ideal, a bola atingida não decomposição, assim como aumentar a rapidez
vai cair na caçapa. com que o carvão em uma churrasqueira queima
No caso da reação, se a orientação não for fa- fazendo que mais ar circule sobre ele. Um compri-
vorável, o complexo ativado não será formado. A mido efervescente leva mais tempo para reagir na
figura a seguir representa alguns dos possíveis cho- água que um comprimido igual dividido em vários
ques entre moléculas. pedaços.
O que, então, afinal, interfere na rapidez das
reações?
2. Temperatura
A propriedade que determina quanto de energia O calor latente de evaporação é a energia ne-
está envolvida no aquecimento ou no resfriamento cessária para evaporar 1 g de qualquer substância,
de uma substância é o calor específico ou a capa- e cada uma apresenta seu valor. Quando a água
cidade calorífica específica. O calor específico da evapora dos oceanos, há transferência de ener-
água é 1,0 cal/g . °C, o que significa que, para elevar gia, na forma de calor, da atmosfera para o vapor
a temperatura de 1 g de água em 1 °C, é necessária de água. A energia fica acumulada na forma de
1 caloria (cal). Esse calor específico elevado é que energia de movimento e potencial nas moléculas
faz dos oceanos um regulador da temperatura no de água.
planeta. Observe a tabela a seguir, que apresenta o O vapor, sendo carregado para outras regiões,
calor específico de algumas substâncias. ao se condensar para formar a chuva, libera a
energia contida no vapor de água na forma de
calor para a atmosfera. O ciclo da água transporta
água e energia para diferentes regiões, contribuin-
do para o controle do clima.
O papel dos oceanos no controle do clima vai
muito além do que se apresentou aqui, o que mos-
tra sua importância. Os fenômenos físicos e quími-
cos ocorrem sempre com absorção ou emissão de
energia; quando absorvem energia, são chama-
dos de processos endotérmicos, e, quando liberam
energia, são chamados de processos exotérmicos.
Os eletrodos (placas conectadas aos polos po- O bromo é obtido por meio do tratamento da
sitivo e negativo de um gerador ou bateria), em água do mar com cloro, que reage com os íons Br–
contato com a solução, geram a reação represen- (brometos) existentes na água para formar o bro-
tada a seguir. mo (Br2) em mais uma reação de oxirredução:
121
Os íons Cl– (aq) perdem elétrons para o eletro- O mar é rico em muitos elementos e há uma dis-
do positivo, formando o gás cloro. As moléculas de cussão sobre como obter mais recursos dos ocea-
água recebem esses elétrons, formando o íon OH– nos. Sabe-se que há uma enorme quantidade de
(aq) e o gás hidrogênio. nódulos (aglomerados de forma esférica) no leito
dos oceanos, ricos em vários metais como o man-
ganês e o níquel.
Grandes quantidades de petróleo são explora-
Somando-se as três equações: das do subsolo dos oceanos, além de, atualmente,
serem explorados também o diamante e o ouro.
Em um futuro relativamente próximo, haverá tecno-
logia para extrair vários metais dos oceanos, assim
que novos métodos forem descobertos ou aperfei-
çoados, métodos esses capazes de tornar tais ex-
plorações viáveis em termos econômicos.
MOMENTO CIDADANIA
A equação que representa a reação final é: O Brasil possui uma enorme costa e praias
muito bonitas e bem diferentes umas das outras.
A frequência de pessoas nas praias brasileiras
é cada vez maior, o que, muitas vezes, cria um
grande problema: o descarte de lixo nas areias
A eletrólise do sal comum produz soda cáustica ou nas ruas das cidades litorâneas.
(NaOH), gás cloro e gás hidrogênio. Durante a rea- O problema é mais sério ainda quando se
ção, há troca de elétrons entre as espécies reagen- contabiliza a quantidade de lixo recolhido, prin-
tes; portanto, é uma reação de oxirredução. O íon cipalmente após feriados, em praias nas quais a
cloreto sofre oxidação porque perde elétrons, e a prefeitura mantém equipes para coletas.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
DETERMINANDO O PH 1. O pH do sangue
1. Petróleo
Assim, a gasolina é constituída por uma mistura ca. Nesse caso, o metano é classificado como um
de hidrocarbonetos, substâncias formadas por car- recurso renovável.
bono e hidrogênio, que contêm em suas moléculas
de 5 a 10 átomos de carbono; o querosene é for- 5. Carvão mineral
mado por uma mistura de substâncias cujas molé-
culas apresentam de 10 a 16 átomos de carbono; O carvão mineral também é de origem fóssil. Há
o diesel, por sua vez, é constituído por uma mistura milhões de anos, no período carbonífero, florestas fo-
formada por substâncias que contêm de 14 a 20 ram soterradas e sofreram um processo de decom-
átomos de carbono. posição semelhante ao do petróleo, formando o
O petróleo não é apenas fonte de energia; dele carvão. Foi o combustível que permitiu a Revolução
também se obtém matéria-prima para as indústrias Industrial e ainda hoje é muito utilizado como fonte
de plásticos, borracha sintética, tintas e vernizes, de energia.
agrotóxicos, farmacêutica etc. Sendo formado por O processo de formação do carvão pode ser di-
uma enorme quantidade e variedade de hidrocar- vidido em etapas (ou fases). Dependendo das con-
bonetos, a importância do petróleo para a indús- dições e do tempo de fossilização, tem-se a turfa, o
tria química é enorme. linhito, a hulha e o antracito, que constituem as fases
evolutivas do carvão.
4. Gás natural O que possui a maior porcentagem de carbono
é o antracito, e a turfa, a menor. Da destilação seca
O gás natural é uma mistura de hidrocarbone- da hulha, isto é, do aquecimento dessa fase do car-
tos, sendo o gás metano (CH4) seu principal com- vão a 1.000 °C aproximadamente, na ausência de
ponente (70% a 90% da mistura). Sua origem é se- ar e passando por retortas, obtêm-se vários compos-
melhante à do petróleo, podendo ser encontrado tos orgânicos, como benzeno, tolueno, xileno, fenol,
associado ou não a ele, formando grandes depó- naftaleno, cresol, anilina, antraceno, fenantreno e
sitos. piche.
O gás natural é inodoro e menos denso que o O carvão é o recurso não renovável mais abun-
ar; como combustível, é bem menos poluente que dante. É usado na obtenção de energia elétrica, na
os derivados de petróleo e apresenta poder ca- produção do aço e de corantes e na fabricação
lorífico elevado. É também utilizado nas indústrias de explosivos, inseticidas, plásticos, medicamentos e
petroquímica (plásticos, borracha, tintas etc.) e de fertilizantes.
fertilizantes. Muitas termoelétricas utilizam o gás na-
tural na produção de energia elétrica, sendo mais OS BIOCOMBUSTÍVEIS E AS FUNÇÕES OXIGENADAS
eficiente e menos poluente que o óleo combustí- 125
vel e o carvão. Como combustível, é utilizado na Álcoois Quando se fala de álcool no cotidiano,
indústria, nos veículos, na cozinha e na produção faz-se referência ao etanol, um dos muitos álcoois
de energia elétrica. Sua importância é cada vez existentes. Para o químico, álcool é o nome de uma
maior. função química, um conjunto de substâncias dife-
rentes com propriedades semelhantes, assim como
são os ácidos, as bases e os sais. Você está em con-
tato diário com vários álcoois além do etanol. A gli-
cerina, por exemplo, nome comercial do glicerol
(C3H8O3), é um triálcool que possui três grupos –OH
muito utilizado como umectante em doces, sorvetes
e bolos. Ela é solúvel em água e bastante viscosa,
graças às fortes interações entre suas moléculas, por
meio das ligações de hidrogênio.
126
2. Ésteres
3. Óleos e gorduras
No rótulo de um pacote de margarina, pode-se No isômero cis, os hidrogênios ligados aos car-
ler “gordura vegetal hidrogenada”. A razão para bonos com dupla-ligação estão do mesmo lado
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
2. Proteínas
130
As enzimas também são, em geral, proteínas, Os polissacarídeos são polímeros formados por
cuja função é atuar como catalisadores das rea- monossacarídeos. Trata-se de moléculas de gran-
ções biológicas, sendo fundamentais para o bom de massa molecular e grandes cadeias de átomos.
funcionamento do organismo. Como exemplo, O amido existente em vários dos alimentos e a ce-
pode-se citar a enzima pepsina, presente no estô- lulose são alguns exemplos. Veja na figura a seguir
mago e que tem como função acelerar a quebra a estrutura do amido.
de proteínas obtidas na alimentação. Tanto o DNA
como o RNA, responsáveis pelas características de
cada ser humano e pela hereditariedade, estão
associados a proteínas.
As proteínas ingeridas na alimentação são que-
bradas durante a digestão em aminoácidos que 131
são absorvidos e transformados em novas proteí-
nas. Alguns aminoácidos são fabricados em nosso
organismo; outros, só são obtidos pela alimentação
– os chamados essenciais. As principais fontes des- Entre os colchetes, na figura anterior, há a uni-
ses aminoácidos são a carne, o leite e os ovos. dade básica que se repete para formar o amido.
Ela é denominada monômero (no caso do amido,
3. Carboidratos uma molécula de glicose); o conjunto de unidades
básicas forma o polímero.
De todas as biomoléculas, os carboidratos são O amido, ao ser ingerido, é hidrolisado e sepa-
os mais abundantes. Dentre suas várias funções, a rado em moléculas de glicose, que são fontes de
principal é ser fonte de energia, embora também energia. O sangue mantém uma taxa de glicose
tenha função estrutural nas paredes celulares. para transformar em energia imediata quando ne-
Além disso, fazem parte da composição do DNA cessário. A glicose em excesso é convertida em
e do RNA. São formados basicamente por carbo- outro polímero, o glicogênio, que fica armazenado
no, hidrogênio e oxigênio. Alguns deles apresentam no fígado e nos músculos. Quando se necessita de
também os elementos fósforo, enxofre e nitrogênio. energia, primeiro é queimado o açúcar do sangue;
Os carboidratos podem ser classificados quan- depois, o glicogênio é hidrolisado, e as moléculas
to à sua complexidade. Há os monossacarídeos, de glicose resultantes são utilizadas.
que são os açúcares simples que não podem ser
hidrolisados, isto é, não podem reagir com a água,
formando unidades menores. Exemplos desse tipo
de carboidrato são a glicose (C6H12O6) e a frutose
(C6H12O6).
Além dos monossacarídeos, há os oligossacarí-
deos, açúcares compostos que, ao serem hidrolisa-
dos, formam monossacarídeos. Um exemplo deles
é a sacarose (C12H22O11), ou açúcar de cana, um
dissacarídeo formado por uma molécula de glico-
se e uma de frutose, como pode ser observado nas
figuras a seguir.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
1. O sabão e o sabonete
água. A equação dessa reação está representada pois, além do material detergente, muitas outras
a seguir. substâncias são acrescentadas para melhorar sua
ação: agentes removedores de manchas ou bran-
queadores ópticos e bioquímicos, cuja ação é real-
çar o branco das roupas; agentes de suspensão;
agentes modificadores de espuma etc.
Mesmo os detergentes biodegradáveis devem
ser utilizados sem desperdício. Usar os detergentes
sem diluí-los antes em água, além de tornar mais
A água dura não produz espuma, porque os difícil retirá-los de pratos, talheres e copos, causará
sais reagem com o sabão resultando em um preci- mais problemas ao meio ambiente, pois para de-
pitado insolúvel. Nos locais em que a água é dura, gradá-los os microrganismos consomem oxigênio
isto é, rica em íons Ca2+ e Mg2+, o sabão é substituí- da água, causando problemas para a vida existen-
do por detergentes e xampus. te nesse meio. Além disso, os detergentes liberam
muitos íons fosfato, que contribuem para a proli-
2. Detergentes e xampus feração de algas, contaminando o corpo d’água
que os recebe. O correto é diluir o detergente em
Detergentes e xampus são emulsionantes (subs- um recipiente antes de utilizá-lo na pia.
tâncias capazes de misturar substâncias pouco po- Um experimento fácil de ser feito mostra como
lares com água), como sabões e sabonetes, mas o detergente e o sabão diminuem a tensão super-
produzidos de derivados de petróleo. Sua vanta- ficial da água. Graças às ligações de hidrogênio,
gem sobre os sabões é que agem tanto na água as moléculas de água formam uma película na
dura quanto na água comum. Há vários tipos de superfície do líquido que permite aos insetos ca-
detergente que atuam diminuindo a tensão super- minharem sobre a água ou uma agulha ou lâmina
ficial da água para permitir a solubilização das gor- de barbear ficarem sobre ela sem afundar. Veja na
duras. imagem.
Da mesma forma que o sabão, os detergentes
são formados por moléculas anfipáticas, isto é, que
apresentam em suas estruturas moleculares uma
cadeia carbônica pouco polar e uma extremidade
com um grupo funcional polar, o que permite a in-
teração tanto com a gordura quanto com a água.
Um dos problemas que os detergentes causam é 133
que muitos não são biodegradáveis como o sabão.
Durante a limpeza, resíduos de sabão ou de
detergente são descartados e vão para um corpo
d’água (lago, rio etc.). O sabão é biodegradável,
por isso os microrganismos existentes na água se
encarregarão de decompô-lo, evitando seu acú-
mulo na água e consequente poluição. Já os de-
tergentes podem ou não ser biodegradáveis. A fi-
gura a seguir representa um detergente que não é
biodegradável.
Agora, faça este experimento:
1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
fina folha de ouro foi bombardeada com par- a) permite que toda água seja devolvida
tículas alfa, Rutherford chegou à conclusão de limpa aos mananciais.
que o átomo possui em seu centro um ________ b) diminui a quantidade de água adquirida
pequeno, porém de massa considerável. e comprometida pelo uso industrial.
c) reduz o prejuízo ambiental, aumentando
As palavras que preenchem as lacunas cor- o consumo de água.
reta e respectivamente estão reunidas em d) torna menor a evaporação da água e
mantém o ciclo hidrológico inalterado.
a) Dalton – elétron – negativa – núcleo e) recupera o rio onde são lançadas as
b) Bohr – cátion – positiva – elétron águas utilizadas.
c) Dalton – nêutron – neutra – próton Enem 2003
d) Bohr – fóton – negativa – ânion
e) Dalton – próton – positiva – núcleo 13. A obtenção de água doce de boa qua-
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do lidade está se tornando cada vez mais difícil
Sul (PUC-RS), 2012. Disponível em: devido ao adensamento populacional, às mu-
<http://www.cneconline.com.br/exames-educa- danças climáticas, à expansão da atividade
cionais/vestibular/provas/rs/puc-rs/2012/ industrial e à poluição. A água, uma vez cap-
2o-semestre-fase-unica/puc-rs-2012-2-prova-com- tada, precisa ser purificada, o que é feito nas
pleta-2o-dia-c-gabarito.pdf> estações de tratamento. Um esquema do pro-
cesso de purificação é:
09. A fórmula mínima do cloreto de bário é
BaCl2. Quais informações ela fornece?
1.094
de cálcio (CaCO3). Para diferenciar as outras
x = 114 ∙ = = 5.470 kJ duas possibilidades, seria necessário misturá-lo
22,8
com ácido clorídrico. O carbonato de sódio
(Na2CO3) apresenta efervescência ao ser mis-
A equação balanceada é: turado com esse ácido, já o cloreto de sódio
(NaCl) não apresenta essa característica.
1 C8H18(l) + 12,5 O2(g) → 8 CO2(g) + 9 H2O(l)
+ 5.470 kJ 15. Alternativa correta: b.
Para evitar que o ferro enferruje, deve-se
08. Alternativa correta: a. evitar seu contato com o oxigênio do ar e é o
A teoria atômica foi proposta por Dalton, J. que ocorre quando se cobre o metal com gra-
J. Thomson foi quem descobriu o elétron, que xa, pois ela não permite o contato da ferramen-
possui carga negativa, e Rutherford propôs a ta com o oxigênio do ar.
existência do núcleo atômico, ocupando um
volume muito pequeno no átomo, mas respon- 16. Alternativa correta: e.
sável por sua massa. Para que um metal atue como metal de sa-
crifício, ele deve apresentar um potencial de re-
09. A fórmula mínima do cloreto de bário dução menor que o do metal que vai proteger.
fornece os elementos formadores da substân-
cia (bário e cloro) e a proporção entre os íons, 17. Alternativa correta: e.
1 Ba2+ para 2 Cl– para a neutralidade elétrica do Analisando o gráfico, percebe-se que ape-
composto. nas a atividade solar, os gases do efeito estufa e
o ozônio sofreram aumento de concentração,
10. Alternativa correta: a. contribuindo assim para o aquecimento global.
A formação de íons se dá por perda de elé-
trons para formar cátions como o K+ ou por ga- 18. Alternativa correta: c.
nho de elétrons no caso dos ânions como o Br– ; Tanto o vinagre quanto o suco de limão são
o número de prótons (carga nuclear) não sofre ácidos e reagem com as aminas, neutralizan-
alteração na formação dos íons. do-as e eliminando o odor.
como, por exemplo, as suas características indivi- tribuem para uma má distribuição de renda, situa-
duais. ção que leva à grande desigualdade social da po-
Um idoso não tem as mesmas condições de pulação e que precisará ser resolvida.
saúde de um jovem. Uma mulher grávida enfrenta
uma situação diferente de uma pessoa que está INTERDEPENDÊNCIA DOS SERES VIVOS
passando por momentos de estresse, ou de outra
que herdou de seus pais uma tendência para ter 1. Relações tróficas: cadeias e teias alimentares
diabete. Além disso, as condições pessoais de hi-
giene também são importantes para a manuten- Imagine que você está caminhando por um
ção da saúde. Mas não são apenas as caracte- campo com árvores não muito próximas umas das
rísticas próprias de cada um que interferem nesse outras e com o capim tomando conta do chão en-
processo. tre uma árvore e outra. Nesse ambiente, convivem
Uma nutrição correta é fundamental para o pássaros, gafanhotos, formigas, serpentes, roedores
crescimento, para se ter um organismo saudável e e uma série de outros animais, além das próprias ár-
para ajudar a nos proteger contra algumas doen- vores e do capim. Alguns desses seres alimentam-se
ças. Quem mora em um local sem água tratada, de outros, por exemplo: um gavião alimenta-se de
esgoto, coleta de lixo e sujeito a enchentes não uma serpente; uma serpente, de um roedor.
tem as mesmas chances de quem vive em um bair- Agora, imagine compor uma sequência de se-
ro bem equipado. O que é necessário para viver res vivos na qual se indica quem é o alimento de
melhor? Sem dúvida, uma boa educação, condi- quem: o capim é o alimento do gafanhoto; o gafa-
ções de segurança e um emprego com salário que nhoto é o alimento do roedor; o roedor é o alimen-
lhe permita ter uma casa e levar uma vida digna. to da serpente; a serpente é o alimento do gavião.
O trabalho precisa trazer satisfação, ficar num Essa sequência pode ser representada de forma
ambiente limpo e sem poluição e dar uma folga gráfica e recebe o nome de cadeia alimentar.
para a prática de esportes e para se divertir, por- Veja como essa cadeia alimentar é descrita:
que, afinal, ninguém é de ferro. Mas nada disso será
suficiente para se ter saúde se faltarem atendimen-
to médico, vacinas, remédios, programas eficien-
tes contra doenças como a dengue e a AIDS, por
exemplo, e a possibilidade de fazer exames pre- Observe que o gafanhoto come o capim, as-
ventivos. Citamos algumas condições que influem sim como a serpente come o roedor, porém a seta
na saúde de uma pessoa. aponta do capim para o gafanhoto e do roedor
Algumas são relacionadas a ações individuais, para a serpente. Isso ocorre porque a seta indica 141
mas há outras que dependem do poder público e o caminho da matéria e da energia que cada ser
que cabe a ele provê-las, como defende a Cons- vivo da cadeia obtém quando se alimenta. Assim,
tituição de 1988. Vamos entender melhor como al- quando um gafanhoto se alimenta das folhas do
gumas dessas condições que citamos podem afe- capim, parte da matéria e da energia presentes no
tar nossa saúde e o que é preciso fazer, tanto em capim passa para o corpo do gafanhoto.
termos individuais como coletivos, para obtê-la? Da mesma forma, quando a serpente se ali-
menta do roedor, parte da matéria e da energia
2. Brasil: um país de grandes contrastes afinal, que presentes no corpo do roedor passa para o corpo
país é este? da serpente. As relações alimentares que os seres
vivos que convivem em determinado ambiente es-
Brasil tem conseguido muitos progressos nesses tabelecem entre si são chamadas relações tróficas.
últimos anos. Somos uma nação em desenvolvi- A palavra trófica (do grego trophos, que significa
mento, mas que tem a décima economia do mun- “alimento”).
do. Para se ter uma idéia do que afirmamos, basta Seres autotróficos e heterotróficos Olhando para
verificar o número de domicílios que tem acesso a a cadeia alimentar que você acabou de analisar,
serviços essenciais e bens de consumo, atualmen- do capim até o gavião, é possível perguntar: E o
te: televisão-87%; geladeira84%; telefone-53%. capim, como ele obtém a matéria e a energia de
Fazemos parte de um clube seleto de países que precisa para sobreviver? Como ele se alimen-
que conseguem fabricar aviões, lançar satélites, ta? Existiria um ser vivo que poderia ser colocado
construir hidrelétricas e explorar petróleo em águas antes do capim nessa cadeia alimentar?
profundas. Recentemente, foi anunciado que cien- Os animais (como os seres humanos, os maca-
tistas brasileiros decifraram o genoma (conjunto de cos e os insetos) têm de ingerir partes de outros se-
genes) de uma bactéria ataca os laranjais. Só os res vivos para obter a matéria e a energia necessá-
Estados Unidos e a Europa haviam chegado tão rias ao seu organismo para sua sobrevivência. Essa
longe no campo da engenharia genética. Estamos matéria e energia vêm de algumas substâncias
entre os países com maior crescimento científico presentes no corpo do ser vivo que lhes serve de
nos últimos 5 anos. Conseguimos clonar um bezer- alimento. O capim, no entanto, é uma planta, e as
ro que foi chamado de “Penta”, em homenagem plantas, assim como alguns outros seres vivos, têm a
ao nosso maior orgulho. Mas, apesar de todo esse capacidade de produzir as substâncias orgânicas
avanço, ainda temos alguns problemas que con- de que precisam para se alimentar.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
Por isso, as plantas, as algas e algumas espécies podem se interligar, formando uma teia. Assim,
de bactérias são chamadas de seres autotróficos chama-se teia alimentar a representação gráfica
(do grego autos, “próprio”, e trophos, “alimento”). das relações tróficas (alimentares) entre os seres
Ou seja, seres que produzem o próprio alimento. vivos que habitam determinado ambiente. Veja a
Já os animais, os fungos e muitos microrganismos, seguir um exemplo de teia alimentar que ocorre na
como a ameba, são chamados de seres heterotró- região do Pantanal.
ficos (do grego hetero, “diferente”, e trophos, “ali-
mento”), pois obtêm as substâncias orgânicas para
sua alimentação do corpo de outros seres vivos.
Retomando a discussão sobre o capim na cadeia
alimentar, pode-se perguntar:
De que maneira ele obtém energia e matéria
para sobreviver? Como ele é uma planta, realiza
fotossíntese, ou seja, é um ser vivo autotrófico, que,
portanto, produz o próprio alimento. É por isso que
não há um ser vivo antes dele na cadeia alimen-
tar. E o alimento produzido pelo capim serve não só
para ele mesmo, como também para o gafanhoto,
que dele se alimenta.
#FicaDica
Fotossíntese: O processo por meio do
qual as plantas, algas e algumas espé-
cies de bactérias produzem o próprio ali-
mento é a fotossíntese, uma sequência
de reações químicas na qual esses seres
vivos produzem substâncias orgânicas 3. Níveis tróficos e os decompositores
(glicídios) a partir de substâncias inor-
gânicas (gás carbônico e água) e da Toda cadeia alimentar tem início em um ser
energia luminosa (geralmente a luz solar, vivo autotrófico: uma planta, uma alga ou mesmo
mas pode ser também iluminação arti- uma bactéria. Esse ser vivo é responsável pela fa-
142 ficial). Esses glicídios, ou açúcares (prin- bricação do alimento que flui por toda a cadeia
cipalmente sacarose e amido), são o alimentar, razão pela qual ele é chamado de pro-
alimento para a planta e também a ma- dutor, e os outros seres vivos da cadeia, de consu-
téria-prima com a qual ela constrói seu midores. Observe mais uma vez a cadeia alimentar
corpo. Nesse alimento fica armazenada, do início deste tema.
na forma de energia química, parte da
energia luminosa usada na reação. Veja
uma representação da fotossíntese: Gás
carbônico + água + energia luminosa →
glicídio + gás oxigênio. Nessa cadeia, o capim é o produtor e os ani-
mais (gafanhoto, roedor, serpente e gavião) são os
consumidores. Cada ser vivo da cadeia alimentar
pertence a um nível trófico diferente. O produtor,
que sempre inicia a cadeia, pertence ao primeiro
nível trófico. Esse é o caso do capim no exemplo de
cadeia apresentado. No segundo nível trófico está
o ser vivo que se alimenta diretamente do produ-
tor e por isso é chamado de consumidor primário;
no terceiro nível trófico, o ser vivo que se alimenta
do consumidor primário, ou seja, o consumidor se-
cundário; e assim por diante Portanto, no exemplo
2. Teias alimentares de cadeia alimentar apresentado, os níveis tróficos
são:
Anteriormente, você estudou como é possível
compor uma cadeia alimentar em um ambiente • capim: primeiro nível trófico – produtor;
de campo com árvores espaçadas, capim e ani- • gafanhoto: segundo nível trófico – consumidor
mais, como gafanhotos, pássaros, serpentes etc. primário;
Agora, é preciso considerar que um mesmo animal • roedor: terceiro nível trófico – consumidor se-
pode servir de alimento a vários outros ou até se cundário;
alimentar de vários seres vivos diferentes. • serpente: quarto nível trófico – consumidor ter-
Isso significa que diversas cadeias alimentares ciário;
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
• gavião: quinto nível trófico – consumidor qua- A existência da floresta, no entanto, mantém
ternário. naquele ambiente uma umidade que não existiria
sem a floresta. Ou seja, as enormes árvores que a
4. Os decompositores formam e que fazem parte daquela comunidade
biológica promovem ali a retenção de água e o
Se você já caminhou por uma região de mata aumento de umidade. Sem a floresta, a água po-
ou de uma grande floresta, provavelmente perce- deria se mover para outras regiões, transformando
beu que o solo fica coberto de folhas, galhos, fru- uma área anteriormente úmida em um deserto.
tos e sementes que caem das árvores. Por que esse Os biólogos chamam de ecossistema a esse
material todo não se acumula no chão, formando conjunto formado por uma comunidade biológica
montanhas de folhas, pedaços de galhos, frutos e em interação com as condições do ambiente que
sementes ao longo do tempo? ela habita. Os seres vivos que compõem a comu-
E mesmo os troncos de grandes árvores que nidade biológica são os componentes bióticos (vi-
morrem e caem, o que acontece com eles? Quan- vos) do ecossistema.
do os produtores e os consumidores dos vários níveis As condições ambientais, como a intensidade
tróficos morrem, o corpo deles serve de alimento a da luz solar, a umidade, a temperatura e a presen-
certos fungos e bactérias e também a alguns inse- ça de determinadas substâncias, são os compo-
tos e vermes. Ao se alimentarem, esses seres vivos nentes abióticos (não vivos). Um ecossistema pode
decompõem a matéria orgânica dos restos mortos ser um pequeno lago, no qual convivem peixes,
de plantas e animais, fezes etc. Por essa razão, são anfíbios e aves e que é visitado por diversos animais
denominados decompositores. à procura de água. Pode ser também uma floresta
O processo de decomposição garante a reci- ou um ambiente entre o rio e o mar, como o man-
clagem dos elementos químicos que formavam os guezal.
corpos que foram decompostos. Os decomposito- O conjunto de todos os ecossistemas do plane-
res vivem em todos os lugares na superfície do pla- ta Terra, estejam eles em continentes, ilhas, monta-
neta: no solo, no ar e mesmo nos ambientes aquá- nhas, grandes planícies, lagos ou oceanos, recebe
ticos. o nome de biosfera.
Você já deve ter acompanhado o processo de
apodrecimento de uma fruta esquecida na cozi-
nha ou a formação de bolor sobre o pão. Nos dois
casos, o que está ocorrendo é a ação de fungos
decompositores, que são o próprio bolor.
143
5. O ciclo do carbono
A palavra ecologia tem origem em dois termos • harmônicas: aquelas em que as populações
gregos: oikos, que significa “casa”, e logia, “estudo”. envolvidas se beneficiam ou pelo menos ne-
Ela foi utilizada pela primeira vez em 1866, pelo bió- nhuma delas se prejudica, como é o caso da
logo alemão Ernst Haeckel (1834-1919), referindo-se colônia e da protocooperação;
à área da Biologia que estuda as relações entre os • desarmônicas: aquelas em que uma das po-
seres vivos e o ambiente onde habitam. Compreen- pulações é prejudicada e a outra beneficiada,
der o funcionamento da natureza em todos os seus como é o caso da competição e do predatis-
aspectos torna-se cada vez mais importante. mo. O esquema a seguir é um resumo dessas
A Ecologia oferece conhecimentos que podem informações.
ajudar a humanidade a enfrentar os desafios de
produzir alimentos e energia para todos e, ao mes-
mo tempo, minimizar os impactos ambientais que
as atividades humanas têm causado nos ecossiste-
mas de todo o planeta.
Por isso, a Ecologia tornou-se uma área de co-
nhecimentos multidisciplinares, na qual a Biologia,
a Física, a Geografia e a Química contribuem para
a compreensão dos processos naturais e daqueles
provocados pelas atividades humanas. Além disso,
Economia, Agronomia e Ciências Sociais também
colaboram na tentativa de entender as complexas
relações que a humanidade estabelece com os
outros seres vivos em toda a biosfera terrestre.
1. Relações ecológicas
2. Sucessão ecológica
Em uma comunidade biológica, diversas popu-
lações convivem e interagem, estabelecendo rela- Observe as duas fotografias a seguir, que mos-
ções ecológicas entre si. Os estudiosos diferenciam tram áreas de florestas que foram desmatadas. Em
dois tipos de relações ecológicas: relação à área desmatada, qual é a principal dife-
rença entre elas? 147
• relações intraespecíficas: as que ocorrem en-
tre indivíduos de uma mesma população, ou
seja, da mesma espécie;
• relações interespecíficas: as que ocorrem en-
tre indivíduos de espécies diferentes.
répteis, aves e mamíferos, tal como acontecia an- ecológica, o tamanho da destruição será cada vez
tes do desmatamento. maior, e o ecossistema poderá desaparecer.
Portanto, o processo de sucessão ecológica se
completa quando a comunidade chega a um equi- INTERFERÊNCIA HUMANA NOS CICLOS BIOGEO-
líbrio e as diversas populações que a compõem fi- QUÍMICOS NATURAIS
cam relativamente estáveis ao longo do tempo. Os
biólogos chamam essa condição de comunidade O crescimento da população mundial e o au-
clímax. Em lugares desabitados (por exemplo, uma mento vertiginoso da fabricação de bens de con-
grande duna de areia na praia), pode ocorrer uma sumo têm como consequência uma série de im-
sucessão ecológica primária, isto é, uma sucessão pactos nos ciclos biogeoquímicos que ocorrem em
que tem início em uma área desabitada. toda a biosfera.
Quando a sucessão ocorre em um local que já Entre os impactos que mais preocupam os am-
foi habitado, como no caso da área desmatada, bientalistas estão aqueles relacionados com o ciclo
ela é chamada de sucessão ecológica secundária. da água. A água é sem dúvida a substância mais
indispensável para a sobrevivência de todos os or-
ganismos, e, para os seres humanos, é preciso que
ela seja potável.
Como em muitas cidades o esgoto recolhido
das residências e instalações comerciais e indus-
triais é jogado em rios, represas e lagos sem ne-
nhum tratamento, a poluição das águas só tem
aumentado. Uma das piores consequências dessa
poluição é que a obtenção de água potável tem
se tornado cada vez mais difícil e cara, pois ela pre-
cisa passar por processos cada vez mais sofistica-
dos para se tornar própria ao consumo.
148
3. A peste desvendada
2. Proteínas
AS PRINCIPAIS BIOMOLÉCULAS
1. Glicídios
As proteínas têm diversas funções no organis-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
#FicaDica
O prato de arroz e feijão do brasilei-
ro, tão conhecido e apreciado, é capaz
de fornecer todos os aminoácidos essen-
ciais na mesma refeição. Além disso, o
arroz é uma importante fonte de carboi-
dratos (glicídios).
se desenvolvem e, além das cáries, podem provo- mos causadores de doenças. Além dos agrotóxicos
car inflamações nas gengivas, facilitando a entrada utilizados no cultivo desses vegetais, a água usada
das bactérias na corrente sanguínea. Isso pode levar para regá-los pode estar contaminada por micror-
ao crescimento dessas bactérias em certas regiões ganismos como a bactéria causadora da cólera, o
do coração, provocando uma doença cardíaca protozoário causador da amebíase ou ovos de ver-
conhecida como endocardite bacteriana. Além mes parasitas, entre eles a lombriga (Ascaris lumbri-
disso, há aumento do risco de formação de coágu- coides).
los sanguíneos (trombos) e de placas de gordura nos Mas o que há de comum entre todas essas
vasos (ateromas). doenças? Como elas são transmitidas de pessoa
para pessoa? Uma das respostas possíveis diz respei-
to ao saneamento básico.
2. O saneamento básico
belecido e em quantidade adequada, bem como serviços; a participação social exige que se acom-
à coleta e tratamento do esgoto. Aqui, você vai co- panhe o que vem sendo oferecido e se reivindique
nhecer um pouco mais sobre o abastecimento de serviços de qualidade.
água tratada e a coleta de esgoto. Apesar de o saneamento ser chamado de bási-
co, referindo-se, portanto, a um serviço essencial, a
3. O abastecimento de água Pesquisa Nacional de Esgotamento Sanitário (PNES),
realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
O abastecimento de água é caracterizado: tatística (IBGE) em 2008, mostrou que cerca de 45%
dos municípios brasileiros ainda não contavam, na-
• pela captação de água da natureza, seja de quele ano, com um serviço adequado de coleta de
lençóis subterrâneos (ou freáticos), seja de rios esgoto.
ou lagos; É possível concluir, então, que a promoção da
• pelo tratamento para torná-la potável; e saúde refere-se à combinação de políticas públicas
• pela sua distribuição à população. voltadas à saúde (como as de saneamento básico
e de um sistema de saúde adequado), à ação co-
Se a água possui substâncias que modificam o munitária e à ação individual. Em outras palavras, a
padrão de potabilidade, ela é considerada poluída; promoção da saúde trabalha com a ideia de res-
se contém microrganismos causadores de doenças, ponsabilização múltipla.
é considerada contaminada.
A BIODIVERSIDADE E OS DESAFIOS DA CLASSIFI-
4. Esgoto CAÇÃO BIOLÓGICA
Esgoto são as águas que têm suas característi- 1. Sistemas de classificação e classificação bio-
cas alteradas após a utilização humana. Além de lógica
restos de lavagem de diferentes tipos, que modifi-
cam as características químicas, a água de esgoto Sempre que há um conjunto muito grande de
contém dejetos humanos e representa um veículo objetos, máquinas, utensílios ou mesmo seres vivos,
de transmissão de doenças causadas por vírus, bac- é preciso que exista uma forma de organizar todos
térias, protozoários e vermes. É o caso da cólera e os itens desse conjunto. Isso é importante tanto para
da lombriga, citadas anteriormente. Muitas dessas encontrar facilmente cada um deles como para
bactérias provocam diarreia (disenteria), importante compreender a variedade e os tipos de itens pre-
causa de mortalidade. sentes nesse conjunto.
No caso dos supermercados, os itens são organi- 159
5. Saneamento, informação e promoção da saú- zados por categorias de acordo com sua utilidade:
de produtos de limpeza, produtos de higiene pessoal,
alimentos em conserva, alimentos refrigerados, ali-
Muitas vezes, por falta de conhecimento ou mentos frescos, doces, utensílios domésticos etc. A
de serviço público adequado, a população lança imensa variedade de seres vivos do planeta sempre
seus dejetos diretamente sobre o solo ou em cursos intrigou os seres humanos, que desde tempos muito
d’água, criando situações favoráveis à transmissão antigos procuram organizar esses seres em sistemas
de doenças. de classificação. Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), fi-
O saneamento básico deve passar também pelo lósofo da Grécia Antiga, propôs vários sistemas de
acesso à informação e à educação, especialmente classificação de seres vivos.
para que a população conheça os riscos envolvidos Ele agrupava as plantas em três grupos, utilizan-
na deposição inadequada do esgoto e possa exigir do o tamanho como critério de classificação: ervas,
e fiscalizar os serviços de coleta e tratamento. arbustos e árvores. Também dividia os animais em
A Constituição determina que a responsabilida- aquáticos, aéreos e terrestres, utilizando o ambiente
de pelo saneamento básico seja de competência como critério de classificação. Esse tipo de classifi-
comum da União, dos Estados e dos municípios. cação mostrou-se inadequado. No caso dos ani-
Cabe à União instituir políticas públicas nacionais e mais, por exemplo, agrupá-los em aéreos (todos os
garantir a maior parte dos recursos investidos. Os Es- que voam) cria um grupo que contém seres tão di-
tados devem se concentrar na prestação dos servi- ferentes como um gavião e uma mosca doméstica.
ços exigidos tanto no caso de tratamento da água É quase tão estranho quanto misturar sal e sapato
como no de coleta e tratamento do esgoto. Já os em um supermercado!
municípios, por meio das prefeituras, têm a incum- Entre os séculos XVI e XVII, vários sistemas de
bência de determinar planos de saneamento bási- classificação biológica foram criados. E foi no sé-
co, mas, principalmente, a de envolver a comunida- culo XVIII que surgiu na Europa um sistema que, em
de na discussão de suas necessidades. grande parte, é usado até hoje. O criador desse sis-
A participação social garante a todos as infor- tema foi o médico e naturalista sueco Carl von Linné
mações necessárias sobre a qualidade e sobre a (1707-1778), conhecido como Lineu, a forma de seu
gestão desses serviços, que são direitos garantidos nome em português.
por lei. No entanto, não se trata apenas de esperar Em 1735, Lineu publicou a 1a edição de sua
que as autoridades constituídas apresentem esses obra Sistema natural (Systema naturae), na qual di-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
2. Taxonomia
parecidas e pertencem a um mesmo gênero, então terial denominado citoplasma, no qual se encon-
elas também podem ser muito próximas evolutiva- tram partes da própria célula, inclusive seu material
mente, ou seja, devem ter surgido na mesma época. genético (DNA). Existem seres unicelulares, formados
Essa área de trabalho é conhecida pelos cientis- por uma única célula, como as bactérias e as eu-
tas como sistemática e inclui os estudos de Taxono- glenas; e seres multicelulares, formados por muitas
mia, de Paleontologia (estudo dos fósseis), de Gené- células, como todas as plantas e os animais, entre
tica, de Bioquímica e de todos os dados que possam eles os seres humanos. Com o aperfeiçoamento dos
contribuir para confirmar as relações de parentesco microscópios, foi possível ver que algumas células
entre as espécies estudadas, a fim de fazer a melhor possuem um núcleo, no qual fica o material genéti-
classificação biológica possível. co, separado do citoplasma.
Sem dúvida, a sistemática é uma área de estu- Outras, mais simples, não possuem núcleo e o
dos que confirma o fato de que a ciência está sem- seu material genético fica mergulhado no citoplas-
pre em transformação e de que o conhecimento ma. Células sem núcleo organizado são denomina-
científico avança com o surgimento de novas des- das procarióticas, e células com núcleo, eucarióti-
cobertas, possibilitando que novas ideias substituam cas – nomes relacionados ao envoltório do núcleo
aquelas que se mostraram pouco eficientes ou ina- celular, chamado de carioteca (do grego karyon,
dequadas para explicar os fenômenos. “núcleo”).
A CLASSIFICAÇÃO BIOLÓGICA E OS CINCO REINOS 1. Vírus
Com base nos trabalhos de Lineu, as classifica- Os vírus, que causam doenças como a gripe e
ções biológicas passaram a dividir todos os seres vi- o sarampo, são seres mais simples que uma célula
vos em dois grupos, o reino vegetal (Plantae) e o rei- e, por isso, são chamados de acelulares (não pos-
no animal (Animalia). E, conforme os novos conhe- suem estrutura celular). Sua estrutura básica é uma
cimentos científicos eram produzidos, as limitações cápsula de proteínas dentro da qual se encontra o
dessa forma de classificação em dois reinos foram material genético, DNA ou RNA.
aparecendo. Como os vírus não possuem estrutura celular e
A descoberta dos microrganismos, possibilitada precisam parasitar outras células para realizar sua re-
pelo uso dos microscópios no século XVII, revelou produção e propagação, eles não são classificados
uma grande diversidade de novas espécies de se- em nenhum dos cinco reinos, ou seja, não são con-
res vivos cuja classificação no sistema de dois reinos siderados seres vivos nesse sistema de classificação.
era muito difícil. Um exemplo desses microrganismos E, embora não haja consenso entre os cientistas
difíceis de classificar como vegetal ou animal é a eu- sobre isso, também é preciso problematizar sob ou-
162
glena, que, hoje se sabe, realiza fotossíntese, uma tro ponto de vista, uma vez que há diferentes for-
característica que era considerada exclusiva das mas de vírus com organização e material genético
plantas, e consegue se movimentar, uma caracterís- muito distintos (DNA dupla fita, DNA simples fita, RNA
tica que era considerada exclusiva dos animais. Ou- simples fita, RNA dupla fita), o que dificultaria propor
tra contribuição importante permitida pelos micros- uma classificação única, nos moldes dos reinos até
cópios foi a compreensão de que todos os seres vi- então conhecidos. Você conhecerá mais sobre os
vos são formados por uma estrutura básica, a célula. vírus neste tema.
1. Bactérias
#FicaDica
Cromossomo: Molécula de DNA, em
forma de fios, na qual se encontram as
informações necessárias ao controle do
funcionamento da célula, inclusive sua
reprodução. No cromossomo estão lo-
calizados os genes de todo ser vivo. Um
gene é um segmento da molécula de
DNA que possui uma informação gené-
tica.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
Esses locais, por suas condições, costumam ser Já as algas são seres unicelulares ou multicelula-
chamados de ambientes extremos. Muitos cientistas res autotróficos, pois obtêm nutrientes orgânicos por
acreditam que as arqueas vivem neles porque sur- meio da fotossíntese. Vivem em água salgada, em
giram na Terra cerca de 3,5 bilhões de anos atrás, água doce ou em superfícies úmidas.
quando as condições ambientais em todo o plane-
ta eram semelhantes às desses lugares.
As arqueas são parecidas com as bactérias em
seus aspectos gerais. No entanto, sua parede celular
é feita de substâncias diferentes da parede celular
das bactérias, e esses microrganismos são muito di-
ferentes geneticamente. Alguns biólogos afirmam 165
que as bactérias são tão distintas das arqueas quan-
to os seres humanos são das plantas.
4. Reino Protista
AS PLANTAS E OS ANIMAIS
167
Do ponto de vista ambiental, as plantas têm pa-
pel muito importante para a disponibilidade do gás
oxigênio que existe no ar e que é fundamental para
a respiração. Esse gás é produzido pela planta, por
meio da fotossíntese, e é liberado para a atmosfera
ou para a água, no caso de algumas plantas aquá-
ticas.
As fotografias a seguir mostram alguns exemplos
da diversidade de plantas. Nelas estão representa-
dos todos os grupos que você vai estudar em segui-
da.
4. Pteridófitas
170 6. Angiospermas
O REINO ANIMALIA
te africano. Existem animais que vivem em lugares quentes, como em alguns desertos, e aqueles que habitam
lugares gelados, como nas regiões polares.
A grande diversidade biológica dos animais está relacionada com o fato de que esses seres vivos se
adaptaram a todos os ambientes da Terra: na água, na terra firme e no ar.
2. Invertebrados e vertebrados
Os animais são organismos multicelulares (que têm muitas células com funções distintas), com células eu-
carióticas (que possuem núcleo definido por uma membrana) e heterotróficos (que não produzem o próprio
alimento). Uma característica comum a quase todos eles; é a boca, utilizada para a ingestão de alimentos.
No entanto, existem animais muito simples, por exemplo, as esponjas, que não possuem boca. Neles, peque-
nas partículas de alimento são absorvidas diretamente pelas células.
Os animais costumam ser divididos em dois grupos: vertebrados e invertebrados. Essa classificação não
é considerada válida pelos sistemas de classificação biológica atuais. No entanto, por ser muito conhecida
popularmente, continua sendo usada. Vertebrados são os animais que possuem vértebras, não presentes nos
invertebrados.
Os seres humanos possuem vértebras na coluna vertebral e, portanto, fazem parte desse grupo. Na classi-
ficação biológica utilizada por muitos estudiosos, o reino Animalia está dividido em 35 filos, e todos os animais
vertebrados e também alguns invertebrados estão em um único filo, o Chordata. Os outros 34 filos reúnem
animais invertebrados, que representam 95% da diversidade animal.
Apenas para ter uma ideia de como são os invertebrados, você vai conhecer alguns que pertencem aos
oito filos mais estudados. As fotografias a seguir mostram exemplos de animais que pertencem a esses filos.
171
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
É importante lembrar que esses são exemplos de 6. Como os vertebrados obtêm energia
um representante de cada filo de animal inverte-
brado. Esses filos contêm vários representantes, e as Os animais são seres vivos heterotróficos e obtêm
diferenças entre eles podem ser grandes. É o caso energia por meio da ingestão de alimentos, com ex-
dos artrópodes, que, além dos insetos, como o be- ceção das esponjas, que não têm boca e se alimen-
souro, a mosca e a borboleta, reúnem animais com tam de partículas orgânicas em suspensão na água.
patas articuladas, como a aranha, o caranguejo, o No caso dos vertebrados, os alimentos são ingeridos
camarão, a lagosta, o escorpião, o carrapato, entre pela boca e digeridos ao longo do tubo digestório,
muitos outros. que termina no ânus, por onde são eliminados os
Os insetos pertencem à classe Insecta, que cons- materiais não absorvidos pelo organismo (fezes). Os
titui o grupo de seres vivos mais numeroso que se co- resultados da digestão são os nutrientes que podem
nhece, com mais de 900 mil espécies catalogadas. ser absorvidos nos intestinos, passando para a cor-
rente sanguínea.
4. Os vertebrados Dessa maneira, o sistema digestório se relaciona
com o sistema circulatório. Os vertebrados possuem
Os animais vertebrados são aqueles que pos- um sistema circulatório fechado, isto é, um conjunto
suem coluna vertebral e pertencem ao filo Chor- de vasos sanguíneos que transportam o sangue do
data. Embora alguns cordados não apresentem coração para todas as partes do organismo, as ar-
vértebras, mais de 95% dos animais desse filo são térias, e vasos que transportam o sangue de todas
vertebrados. Entre os vertebrados existem os peixes as partes de volta para o coração, as veias. Toda a
(ex. cavalo-marinho, tubarão, raia, robalo, pirarucu), energia de que um vertebrado precisa para o fun-
os anfíbios (ex. sapo, rã, salamandra), os répteis (ex. cionamento de seu organismo é obtida dentro de
lagarto, tartaruga, jabuti, jacaré, serpente), as aves cada célula que forma seu corpo.
(ex. galinha, seriema, gavião, beija-flor, pinguim) e Geralmente, essa energia é gerada por meio
os mamíferos (ex. tatu, carneiro, búfalo, macaco, de uma série de reações químicas, chamada de
boto, baleia, ser humano). respiração celular. Esse processo ocorre entre subs-
tâncias orgânicas vindas dos alimentos e o gás oxi-
5. Os vertebrados e o corpo humano gênio, e ambos são transportados para cada célula
do corpo pelo sistema circulatório. Por isso, no corpo
Você vai estudar agora as principais caracterís- humano, as artérias vão se ramificando e ficando
ticas dos animais vertebrados, tendo como principal cada vez mais finas, até se tornarem vasos capilares
exemplo o corpo humano. O primeiro aspecto a ser (da grossura de fios de cabelo), para que cheguem
172 destacado entre os vertebrados é o esqueleto. Tra- bem próximas a cada uma das células que com-
ta-se de um endoesqueleto (do grego éndon, que põem o organismo.
significa “dentro”), que fica por dentro do animal, Além de energia, outros produtos da respiração
diferentemente do esqueleto de parte dos inverte- celular são a água e o gás carbônico. Esse gás passa
brados como os artrópodes, o qual envolve exter- do interior da célula para o sangue e é levado para
namente todo o corpo e, por isso, é chamado de os pulmões, onde será eliminado do organismo. No
exoesqueleto (do grego ékso, que significa “fora”). corpo humano, é nos pulmões que o sangue obtém
Um caranguejo, por exemplo, tem um esqueleto gás oxigênio e elimina gás carbônico para o ar.
externo bem evidente. No caso dos vertebrados, o Os vertebrados de terra firme e que respiram ar
esqueleto, além de ser interno, contém um conjunto possuem pulmões; isso inclui os répteis e as aves. To-
de vértebras que forma a coluna vertebral. dos os mamíferos possuem pulmões, inclusive os que
vivem na água, como a baleia, o golfinho, o boto e
o peixe-boi. Já os peixes respiram por meio de brân-
quias, que ficam logo atrás da cabeça e são órgãos
especializados em trocas gasosas no ambiente
aquático.
Os anfíbios, como os sapos e as rãs, são verte-
brados que nascem respirando por brânquias e
são chamados de girinos. Depois, amadurecem e
se transformam em sapos e rãs adultos, que respi-
ram tanto pelo pulmão como pela pele (respiração
cutânea). No interior das células, as inúmeras trans-
formações químicas que ocorrem o tempo todo,
para gerar energia e produzir proteínas, por exem-
plo, têm como subproduto algumas substâncias
que, por serem tóxicas, precisam ser eliminadas do
organismo. Esse processo de eliminação chama-se
O esqueleto interno dos vertebrados está direta- excreção, e os rins são os órgãos que realizam a ta-
mente relacionado com um conjunto de músculos, refa de tirar do sangue as substâncias que precisam
o que dá a esses animais grande capacidade de ser excretadas, denominadas excretas.
movimento. No corpo humano, as excretas são eliminadas
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
pelo suor, mas também pela urina, pelo sistema excretor, do qual faz parte a bexiga. E veja que é o sistema
circulatório novamente que transporta as substâncias até os rins para serem excretadas. Os rins funcionam
como um tipo de filtro.
Integração e controle no organismo dos vertebrados O organismo humano, como o de todos os vertebra-
dos, é composto de diversos sistemas e órgãos. Veja a ilustração a seguir.
Esses sistemas e órgãos devem funcionar de maneira coordenada. Para isso, existem dois outros sistemas
que têm a função de comunicação, integração e coordenação entre órgãos e células de todo o organis-
mo: o sistema nervoso e o sistema endócrino, que não está na ilustração. Os nervos são a via mais rápida de 173
comunicação entre as partes do corpo, especialmente a comunicação com o cérebro, principal órgão do
sistema nervoso.
Todos os movimentos dos músculos são controlados pelo cérebro, que se comunica com eles pelos ner-
vos. O sistema nervoso está relacionado, também, com o funcionamento de células e órgãos que são espe-
cializados em perceber o ambiente e que constituem o sistema sensorial, que também não está destacado
na ilustração.
As orelhas são órgãos especializados em perceber sons e manter o equilíbrio do corpo; os olhos são ór-
gãos especializados em perceber a luz; no nariz há células especializadas em perceber odores; na língua
existem células especializadas em perceber sabores; e na pele, em todo o corpo, há células especializadas
em perceber pressão ao toque. São os órgãos dos sentidos: audição, visão, olfato, paladar e tato. Nos olhos,
por exemplo, a luz entra no olho e é captada pela retina, que possui células que transformam os impulsos
luminosos em impulsos nervosos.
O nervo óptico leva esses impulsos até o cérebro, formando as imagens. O outro sistema que promove
integração entre órgãos e células do organismo é o sistema endócrino. Esse sistema funciona por meio de
mensageiros químicos que se deslocam pelo corpo no sangue, os hormônios. Os hormônios são substâncias
produzidas por determinadas células, e estas os liberam no sangue para que alterem o funcionamento de
outras células.
Glândulas endócrinas são conjuntos de células especializadas em produzir e liberar determinado hor-
mônio no sangue. Por exemplo, nas mulheres, o ciclo menstrual é controlado por hormônios produzidos pela
glândula hipófise e por outros produzidos nos ovários. Nos homens, hormônios produzidos nos testículos e na
hipófise estimulam o desenvolvimento sexual, o início da produção de esperma e a manifestação de carac-
terísticas sexuais secundárias, como pelos, voz e forma do corpo. Existem hormônios que regulam o cresci-
mento, outros que regulam parte do funcionamento do fígado etc.
Em todos os vertebrados, há hormônios que estão diretamente relacionados aos processos reprodutivos.
São eles que provocam o amadurecimento dos órgãos genitais masculinos e femininos, para que a reprodu-
ção possa ocorrer. A fecundação, união do gameta masculino com o feminino, ocorre de maneiras diferen-
tes nos diversos vertebrados.
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Ela pode ser interna, quando o macho coloca os organismos vivos de estrutura celular mais simples
os espermatozoides (gametas masculinos) no inte- que se conhecem. Como você já sabe, bactérias
rior do corpo da fêmea para que eles alcancem o são organismos unicelulares com células procarióti-
óvulo (gameta feminino) e a fecundação ocorra, cas, ou seja, o material genético (DNA, um tipo de
ou externa, que só acontece em ambiente aquáti- ácido nucleico) encontra-se no citoplasma sem ser
co, entre muitas espécies de peixes ósseos, como a delimitado por um envoltório nuclear.
tilápia, e entre os anfíbios. Nessas espécies, a fêmea
coloca os óvulos em alguma superfície e o macho
libera espermatozoides junto a eles para que a fe-
cundação ocorra.
Nos peixes cartilaginosos, como os tubarões, nos
répteis, nas aves e nos mamíferos, inclusive seres hu-
manos, a fecundação é interna. Depois da fecun-
dação, pode se formar um ovo que é colocado no
ambiente. Esse é o caso das galinhas, que, como to-
das as aves, são consideradas ovíparas, pois botam
ovos.
Os tubarões e outros peixes, assim como muitas
espécies de serpentes, ficam com seus ovos dentro
do corpo, que só são liberados no momento em que
os filhotes nascem. Esses vertebrados são chamados
de ovovivíparos. Nos casos dos ovíparos e dos ovovi-
víparos, as reservas alimentares para que o embrião
se desenvolva estão no interior do próprio ovo. Nos O material genético é responsável pelo controle
seres humanos, e em quase todos os mamíferos, que das funções da célula e tem capacidade de dupli-
são considerados vivíparos, o embrião se fixa às pa- car-se; portanto, relaciona-se com a reprodução da
redes internas do útero da mãe e nasce depois de célula.
passar pelo desenvolvimento embrionário. Ele também é responsável pela determinação
Durante esse tempo, ele recebe alimento e gás das características dos indivíduos de uma dada es-
oxigênio do organismo materno, através do cordão pécie. Acredita-se que a estrutura dos primeiros se-
umbilical. Esse cordão também serve para trazer res vivos tenha sido bastante semelhante à de uma
para o corpo da mãe as excretas produzidas pelo arquea atual: membrana plasmática (composta de
174 embrião. proteínas e lipídios), citoplasma (no qual se encon-
tram água, aminoácidos e sais minerais, entre outras
ORIGEM E EVOLUÇÃO DA VIDA substâncias) e o material genético (constituído por
um ácido nucleico).
1. O que é exclusivo dos seres vivos
PARA SABER MAIS!
Para entender as ideias sobre a origem dos se-
res vivos, é bastante útil compreender quais são suas Compostos orgânicos e inorgânicos
características exclusivas, isto é, o que possuem em
comum e o que os diferencia dos elementos não vi- Todos os elementos vivos e não vivos de nos-
vos do ambiente. so planeta são constituídos por átomos de ele-
A análise das características exclusivas dos seres mentos químicos que se unem formando molé-
vivos permitiu à ciência levantar hipóteses sobre a culas.
origem da vida na Terra, ou seja, como surgiram os Nos materiais que compõem os seres vivos,
primeiros seres vivos nas condições do planeta primi- no entanto, certos elementos químicos estão
tivo. A lista dessas características é extensa, por isso presentes em maior proporção do que na ma-
você vai estudar três delas que são comuns a todos téria inanimada. Esses elementos químicos – car-
os seres vivos. bono (C), hidrogênio (H), oxigênio (O), nitrogênio
São elas: (N), fósforo (P) e enxofre (S) – unem-se em dife-
rentes combinações para formar as moléculas
• a necessidade de alimento (geração de ener- que constituem os seres vivos: proteínas, carboi-
gia); dratos, lipídios e ácidos nucleicos. Tais moléculas,
• a capacidade de reprodução; que são próprias dos seres vivos e contêm o ele-
• o fato de serem formados por células (uma ou mento carbono, são chamadas de moléculas
mais) que são constituídas basicamente por orgânicas ou compostos orgânicos.
moléculas orgânicas, como carboidratos, lipí- Os compostos mais relacionados com a ma-
dios, proteínas e ácidos nucleicos. téria não viva são chamados de inorgânicos. Na
matéria não viva, os elementos mais abundantes
Uma das imagens apresentadas anteriormente são o oxigênio (O), o silício (Si) e o alumínio (Al),
mostra bactérias. Na atualidade, as bactérias são formando compostos menos complexos do que
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
#FicaDica
Quimiossintetizantes: Bactéria que
realiza a quimiossíntese, processo que,
em vez de luz solar, usa a energia libera-
da em uma reação química – nesse caso,
entre compostos de enxofre e ferro.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
2. As ideias sobre a origem da vida também evo- Louis Pasteur provou que a biogênese é válida tam-
luíram bém para os microrganismos. Pasteur esterilizou um
meio de cultura (caldo nutritivo), fervendo-o em fras-
A hipótese da origem por evolução química, dis- cos previamente preparados: seu gargalo tinha sido
cutida até agora, é a mais aceita atualmente pela aquecido, esticado e curvado. Esses frascos, que fi-
comunidade científica. Entretanto, é importante sa- caram conhecidos como frascos pescoço de cisne,
lientar que ela é fruto de várias descobertas feitas permitiam que o caldo nutritivo não fosse contami-
ao longo do tempo, o que significa que as hipóteses nado por microrganismos existentes no ar, pois estes
atuais substituíram outras do passado e poderão, no ficavam retidos na curva do gargalo.
futuro, ser substituídas novamente, caso haja novas Ao verificar que, mesmo depois de muito tempo,
descobertas e evidências. não surgiam microrganismos no caldo nutritivo dos
Do ponto de vista histórico, as ideias mais anti- frascos esterilizados e intactos, Pasteur comprovou
gas sobre a origem da vida consideram que os seres que o caldo não poderia gerar microrganismos. De
vivos foram criados por uma divindade, um princí- outro lado, ao abrir os frascos e permitir o contato
pio que é denominado criacionismo. O criacionis- dos microrganismos presentes no ar com o caldo nu-
mo relaciona-se com a suposição de que os seres tritivo, o cientista constatou que eles se reproduziam,
vivos não sofreram mudanças, permanecendo os concluindo que os microrganismos só podem origi-
mesmos desde sua criação, o que é chamado de nar-se de microrganismos preexistentes.
fixismo.
Na verdade, essas ideias têm valor para muitas
pessoas ainda hoje, pois estão associadas à religiosi-
dade. Outra hipótese, em que muitos cientistas acre-
ditavam, até meados do século XIX, é a da geração
espontânea ou abiogênese. Segundo essa ideia, os
seres vivos seriam gerados espontaneamente a par-
tir de matéria não viva, por exemplo, vermes que se
desenvolveriam a partir de cadáveres. Essa ideia era
muito aceita, pois desde a Antiguidade acreditava-
-se que da matéria inanimada poderia surgir vida
por um misterioso “princípio vital”.
A falta de uma cultura de realização de expe-
rimentos com rigor científico, entre os estudiosos da
176 época, pode explicar por que a ideia da abiogêne-
se perdurou por tanto tempo. Contudo, com o uso
cada vez maior de experimentações, ela começou
a ser contestada por partidários da biogênese, hipó-
tese que defende que seres vivos se originam ape-
nas de outros seres vivos preexistentes.
3. A confirmação da biogênese
Para Lamarck, os seres vivos se originariam, por Note que, para Lamarck, uma nova caracterís-
geração espontânea, da matéria não viva e se tica surgiria conforme a necessidade imposta pelo
transformariam ao longo do tempo, aumentando ambiente, ao passo que para Darwin alguns indiví-
sua complexidade. Esse seria um poder inerente à duos já apresentariam essa característica e ela seria
vida que faria com que os órgãos se desenvolvessem favorecida, ou não, pelas condições do ambiente.
e se aperfeiçoassem. Portanto, estruturas e órgãos
do corpo dos seres vivos poderiam se desenvolver 2. Comparando as ideias de Lamarck e Darwin
ou se atrofiar de acordo com a maior ou a menor 177
necessidade de uso dessas estruturas ou órgãos. Um dos exemplos de comparação entre as
Esse processo é conhecido hoje como lei do ideias de Lamarck e Darwin diz respeito ao desenvol-
uso e desuso. Dessa forma, Lamarck explicava, por vimento do pescoço das girafas. A imagem a seguir
exemplo, a ausência de pernas nas serpentes atuais mostra a diferença entre as explicações que esses
como decorrente da adaptação de ancestrais à dois naturalistas teriam dado sobre essa questão.
vida rastejante. A falta de necessidade de uso das Observe-a com atenção.
pernas teria levado à atrofia gradual até o desapa-
recimento desses órgãos. Note que, para Lamarck,
os indivíduos que tivessem órgãos atrofiados ou de-
senvolvidos poderiam transmitir essa característica a
seus descendentes, de maneira que ocorreria uma
transformação gradual na própria espécie.
Esse mecanismo ficou conhecido como lei dos
caracteres adquiridos. Qualquer pessoa que pratica
exercícios físicos (ou conhece alguém que pratica)
sabe que essa prática leva ao desenvolvimento da Lamarck explicaria que os ancestrais das girafas
musculatura. No entanto, filhos de atletas ou de fisi- teriam pescoço curto e se alimentariam de vegeta-
culturistas não recebem essa herança de seus pais e ção rasteira. A diminuição dessa vegetação levaria
não nascem com seus músculos mais desenvolvidos os indivíduos a buscar alimento nas árvores mais al-
do que os de outras crianças. Esse ponto represen- tas e, por isso, a esticar o pescoço, desenvolvendo,
tou uma fragilidade na teoria de Lamarck, que não consequentemente, essa musculatura. Esse maior
chegou a abalar a hipótese mais aceita na época, desenvolvimento seria transmitido aos descendentes
a do criacionismo. e, após algum tempo, a população de girafas teria
De outro lado, Lamarck teve o mérito de cha- apenas indivíduos de pescoço longo.
mar a atenção para o fato de que as mudanças E como Darwin explicaria esse mesmo fato? Para
que ocorrem nos seres vivos são fruto de interações esse naturalista, em determinada população, have-
entre eles e o ambiente, de modo que, ao longo do ria indivíduos de pescoço curto e outros de pescoço
tempo, esses seres podem se adaptar às variações longo. Uma modificação no ambiente que resultasse
das condições ambientais. na eliminação da vegetação rasteira seria desfavo-
Também para Charles Darwin, que conheceu rável aos indivíduos de pescoço curto, já que eles
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
dificilmente alcançariam a folhagem das copas das significa “olhar” para o parentesco entre as diferentes
árvores. espécies de seres vivos.
Com isso, morreriam antes de poder reproduzir-se. E como é possível “olhar” para esse parentesco?
Já os indivíduos de pescoço longo teriam vantagem, Além das características físicas aparentes, descober-
sobreviveriam mais tempo e poderiam reproduzir-se, tas recentes sobre o material genético e sobre como
transmitindo a característica a seus descendentes. são determinadas e transmitidas as características
dos seres vivos têm sido muito importantes para dirigir
3. Além de Darwin esse olhar. Esse novo olhar faz, por vezes, que espe-
cialistas revejam as classificações existentes.
Antes de publicar A origem das espécies, Dar- Nos estudos de classificação e evolução dos se-
win coletou muitas informações por meio de obser- res vivos, a noção de espécie biológica tem muita
vações e experimentos, pois tinha interesse em mos- importância e ainda é objeto de discussão entre os
trar um bom número de evidências que conferissem cientistas. Segundo a definição proposta por Ernst
credibilidade a sua teoria, uma vez que sabia que se Mayr, espécie é o conjunto dos membros de uma
tratava de um assunto extremamente polêmico, que população naturalmente capazes de se cruzar (ou
lhe renderia muitas críticas. com potencial para se cruzar) e gerar descendentes
No entanto, ele reconhecia também as limita- férteis. Essa definição também considera que há iso-
ções de sua teoria. Por exemplo, Darwin não conse- lamento reprodutivo entre os indivíduos de espécies
guiu explicar a origem das diferenças entre indivíduos diferentes.
de uma população nem mesmo os mecanismos de O que isso quer dizer? Isolamento reprodutivo
transmissão dessas variações de uma geração a ou- significa que existem mecanismos que impedem o
tra. cruzamento entre seres de espécies diferentes ou o
Nessa época, o trabalho do monge agostiniano desenvolvimento de descendentes desse cruzamen-
austríaco Gregor Mendel (1822- -1884), que seria con- to (veja a seguir no Para saber mais). Apesar de suas
siderado o pai da Genética, já havia sido publicado limitações (por exemplo, os organismos que se repro-
(1866), mas passou despercebido por Darwin. O pró- duzem principalmente de forma assexuada não são
prio Darwin tinha a publicação de Mendel, mas apa- considerados), essa definição tem grande valor no
rentemente não a leu. estudo da evolução, pois ajuda a compreender, em
Só muitos anos mais tarde, a partir de 1900, com linhas gerais, como se dá a origem de novas espé-
a redescoberta do trabalho de Mendel, é que os me- cies, também chamada de especiação.
canismos de transmissão das características hereditá-
rias começaram a ser desvendados e, com a con- 2. Como surgem as espécies?
178 tribuição de diversos cientistas, chegou- -se ao que
hoje é conhecido como neodarwinismo ou teoria
sintética da evolução.
O neodarwinismo utiliza-se das descobertas sobre
os genes (sequência de DNA responsável pela deter-
minação de uma ou mais características de um ser
vivo e pela transmissão dessas características) e sobre
o DNA (sigla, em inglês, de ácido desoxirribonucleico,
substância da qual são compostos os genes) para ex-
plicar a teoria da evolução justamente naquilo que
Darwin não pôde explicar. Descobriu-se que os genes
são os responsáveis pela transmissão das característi-
cas hereditárias, e que as diferenças que se verificam
nos indivíduos de uma mesma espécie são decor-
rentes de alterações nesses genes – conhecidas por
mutações. Quando as mutações ocorrem em genes
presentes nas células reprodutoras (no caso da repro-
dução sexuada), elas são transmitidas de uma gera-
ção a outra.
Os mecanismos que levam a essas alterações
serão aprofundados na próxima Unidade, mas já é
importante saber que a base da evolução dos seres
vivos é a variabilidade genética.
3. Anagênese e cladogênese
• anagênese: conjunto de transformações gra- Essa prática é conhecida como seleção artificial
duais na população de determinada espécie, e, com ela, é possível, por exemplo, obter animais
o que a torna mais adaptada a seu ambiente. que produzam mais leite, carne ou lã, ou, ainda, plan-
• cladogênese: nesse processo, duas popula- tas que tenham mais sementes.
ções, originadas de uma população ancestral Outros exemplos de seleção artificial incluem a
comum, se modificam originando espécies di- obtenção de alimentos de sabor mais agradável ao
ferentes. paladar humano ou com maior concentração de
determinado nutriente, além de selecionar as me-
lhores características físicas de cães e cavalos para
competições. Se a seleção artificial traz vantagens
econômicas, também é certo que há desvantagens.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
Ao selecionar apenas os cruzamentos que interes- Essa última subordem, à qual pertence o ser
sam ao ser humano, a variabilidade genética entre humano, encontra-se subdividida em vários grupos,
os indivíduos nas populações de organismos domesti- abrigando os macacos do Novo Mundo (sagui, ma-
cados diminui. Lembre-se de que é justamente a va- caco-prego etc.), os macacos do Velho Mundo (ba-
riabilidade genética que possibilita a adaptação dos buíno, mandril etc.) e os antropoides (macacos sem
seres vivos ao ambiente e sua evolução. cauda, como o gibão, o gorila, o chimpanzé, o bo-
Ao realizar a seleção artificial, o ser humano pode, nobo, o orangotango, além do ser humano).
por exemplo, favorecer organismos pouco resistentes Com exceção do gibão, todos os demais antro-
a certas doenças. Os antibióticos são um exemplo de poides compartilham com o ser humano uma mes-
como a seleção artificial pode voltar-se contra o ser ma família, a Hominidae (hominídeos).
humano. Observe, no quadro a seguir, a classificação da
Esses medicamentos são substâncias químicas espécie humana entre os primatas.
que eliminam bactérias sensíveis a elas. Algumas des-
sas bactérias são causadoras de diversas infecções,
entre elas inflamações de garganta e orelhas. Quan-
do uma pessoa faz uso de um antibiótico, está mo-
dificando o ambiente onde vivem essas populações
de bactérias que deseja eliminar, pois introduz nesse
ambiente (o corpo) uma substância que não existia.
Ao modificá-lo, no entanto, são selecionados in-
divíduos que apresentam mutações e que, por isso,
se tornam resistentes à substância. Indivíduos resis-
tentes sobrevivem e transmitem suas mutações aos
descendentes. Promove-se, portanto, o crescimento
de populações resistentes às drogas utilizadas, que,
consequentemente, perdem sua eficácia.
14 milhões de anos, teriam surgido os ancestrais dos ferentes. Segundo a hipótese mais aceita pelos cien-
antropoides. tistas, foram essas mudanças de vegetação e clima
que permitiram o aparecimento dos primeiros hominí-
deos. Enquanto no lado oeste do continente africa-
no continuaram a existir florestas exuberantes, o lado
leste, sob a influência do clima mais quente e seco,
passou a ser ocupado por savanas arbóreas.
O processo de expansão das savanas ocorreu en-
tre 4 milhões e 2,5 milhões de anos atrás. As savanas
arbóreas são um tipo de vegetação em que as ár-
vores se encontram distantes entre si (diferentemente
de uma floresta) e há vegetação rasteira, constituída
por gramíneas. Foi nesse ambiente das savanas que
surgiram os primeiros primatas hominídeos, segundo
essa hipótese.
4. Placas tectônicas
#FicaDica
Os cloroplastos: Presentes apenas
nas células vegetais e nas algas, os clo-
roplastos são responsáveis pela fotossín-
tese, processo de produção de energia.
Eles são verdes por causa da presença
de clorofila. São delimitados por uma es-
trutura formada por membranas lipopro-
teicas (compostas por lipídios e proteí-
nas) e, em seu interior, há um líquido de-
nominado estroma. Uma célula vegetal
geralmente possui 40 a 50 cloroplastos.
183
tém as estruturas que serão discutidas aqui. Em cada quadro você pode ler a função das organelas (também
chamadas de organoides), estruturas internas da célula que desempenham um papel específico, como se
fossem pequenos órgãos, daí o nome delas.
185
O pâncreas é uma glândula responsável por duas funções: produzir e lançar dois hormônios no sangue (insu-
lina e glucagon, os quais controlam os níveis de açúcar no sangue) e produzir algumas das enzimas que agem
na digestão, no intestino delgado. É essa segunda função que você vai conhecer agora.
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
Para produzir as enzimas digestivas (lembre-se, enzimas são proteínas), as células do pâncreas precisam
de matéria-prima, os aminoácidos. Os aminoácidos chegam ao pâncreas através do sangue. Para conseguir
entrar nas células, eles são “ajudados” por certas proteínas que existem na membrana plasmática. Uma vez
dentro das células, alguns aminoácidos permanecem no citoplasma, mas outros chegam ao retículo endoplas-
186 mático rugoso, onde serão utilizados na produção de proteínas. Veja o infográfico a seguir.
Outro exemplo são as células sanguíneas – hemácias e leucócitos –, mencionadas no começo deste tema.
Elas são produzidas no interior de alguns ossos do corpo, em uma região chamada de medula vermelha dos
ossos. Durante sua formação, as hemácias (ou glóbulos vermelhos) perdem o núcleo e praticamente todas as
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
2. As células reprodutivas
#FicaDica
Na reprodução sexuada, ocorre a fecundação Diploide: Célula do corpo que possui
(união) de duas células reprodutivas, os gametas, um par de cromossomos de cada tipo,
provenientes dos pais. A união dos gametas forma formada a partir da união de duas célu-
uma célula única, chamada de célula-ovo ou zigoto. las haploides (gametas) dos progenitores
Normalmente, os gametas de machos e fêmeas são (pai e mãe). É simbolizada por 2n.
diferentes. Haploide
Na espécie humana, por exemplo, os gametas Célula reprodutora que possui ape-
masculinos são os espermatozoides, produzidos no nas um cromossomo de cada tipo, ge-
homem em seus testículos; e os gametas femininos, rada na meiose das células diploides de
os óvulos, produzidos na mulher em seus ovários. A cada um dos progenitores (pai e mãe). É
produção das células de reprodução – óvulos e es- simbolizada por n.
permatozoides – ocorre graças a um tipo de divisão
celular chamado meiose.
188
Repare que basta possuir um fator dominante para casos, outro elemento fundamental na manifestação
que se manifeste a característica dominante. Para a dos genes: o ambiente.
forma recessiva se manifestar, é necessário que haja Por exemplo, na espécie humana, a cor da pele
dois fatores recessivos no indivíduo. é determinada geneticamente e, mesmo que duas
Acompanhe o quadro de cruzamentos possíveis pessoas tenham exatamente o mesmo genótipo, isso
e seus resultados. não indica que têm o mesmo fenótipo, pois os genes
que controlam a produção do pigmento melanina
são influenciados pelo ambiente, ou seja, pelo estí-
mulo dos raios solares. Quanto mais tempo o orga-
nismo ficar exposto ao Sol, maior o estímulo para a
produção de melanina na quantidade máxima que
o genótipo permite. É por isso que a pele muda de
tonalidade ao longo do ano.
chamados cromossomos autossômicos (ou autossomos), 11. Outros mecanismos de determinação do sexo
estão relacionados com outras características.
A imagem, à esquerda, mostra uma célula huma- Além do sistema XY dos mamíferos, existem outros
na com seus 46 cromossomos. À direita, estão repre- mecanismos de determinação do sexo. Por exemplo,
sentados os 23 pares de cromossomos, que os cientis- em muitas aves e mariposas, o sistema é conhecido
tas chamam de cariótipo. Observe que há 22 pares como ZW. Embora os princípios sejam semelhantes, o
(1 a 22) de tamanho e forma idênticos, os autosso- par de cromossomos sexuais do macho é ZZ, e o par
mos, e um par de cromossomos sexuais, que estão da fêmea é ZW.
relacionados com a determinação do sexo. Em alguns insetos, como percevejos e gafanho-
Quando os cromossomos desse par são do tipo X tos, o sistema é conhecido como X0, no qual a fêmea
(XX), o indivíduo é do sexo feminino; quando os cro- tem um par de cromossomos sexuais (XX), e o macho,
mossomos desse par são um do tipo X e outro do tipo apenas um cromossomo sexual (X0).
Y (XY), então o sexo é masculino. É por isso que se Efeitos ambientais também determinam o sexo
considera que os gametas masculinos determinam, de algumas espécies, como no caso de crocodilos
ao acaso, o sexo da criança. Note que os cromosso- e tartarugas. Nos crocodilos, se os ovos forem incu-
mos X e Y têm tamanho e forma diferentes, mas mes- bados em temperaturas abaixo de 30 o C, eclodirão
mo assim formam um par. preferencialmente fêmeas, e, acima de 33 o C, ma-
chos. Nas tartarugas, as temperaturas mais baixas ge-
ram machos, e as mais altas, fêmeas.
pigmentos vermelho e verde. Nesse caso, o gene gue do receptor tentam neutralizar aqueles glóbulos
responsável pelo daltonismo é recessivo e está locali- vermelhos, que são considerados corpos estranhos
zado no cromossomo X. O homem recebe o cromos- no organismo, ocorrendo, então, a coagulação ou
somo X de sua mãe e não o transmite para os filhos, aglutinação sanguínea.
apenas para as filhas, ou seja, cada mulher recebe No sistema ABO, há dois tipos de antígenos: o aglu-
um cromossomo X do pai e outro da mãe. Pode-se tinogênio A e o aglutinogênio B, proteínas presentes
concluir que filhos homens de pais daltônicos não na superfície dos glóbulos vermelhos. Os anticorpos,
herdam essa anomalia do pai, e, sim, da mãe. presentes no plasma, que reagem a esses aglutino-
A mãe pode ser daltônica ou não, porém por- gênios são, respectivamente, a aglutinina anti-A e a
tadora do gene recessivo que causa o daltonismo. aglutinina anti-B. Esses anticorpos são chamados de
Se é portadora, independentemente de como seja aglutininas e são anticorpos naturais, isto é, a pessoa
o pai, seus filhos homens têm 50% de chance de ser que os possui nasce com eles, pois são determinados
daltônicos. Para que uma menina seja daltônica, seu geneticamente, como você verá a seguir.
pai necessariamente tem de ser daltônico e sua mãe Observe, no quadro a seguir, os aglutinogênios e
pode ser daltônica ou simplesmente portadora. Tudo as aglutininas dos tipos sanguíneos do sistema ABO.
isso faz que o daltonismo seja mais comum em ho-
mens que em mulheres.
possibilidades para a formação de pares de genes, outros animais que seguem os padrões de herança
ou genótipos, são: IAIA, IAi, IBIB, IBi, IAIB, ii. mendeliana, estudados anteriormente, é o albinismo.
A forma do gene I A determina a existência do O albinismo manifesta a ausência de pigmentação
aglutinogênio A; a forma do gene I B, a presença do nos indivíduos.
aglutinogênio B; e a forma do gene i, a ausência de O pigmento ausente é a melanina, produzida no
qualquer aglutinogênio. próprio organismo e responsável pela cor da pele,
dos cabelos e dos olhos. A ausência de produção
• Quem possui o genótipo IAIA ou I Ai produz de melanina leva os indivíduos a ter uma pele mui-
apenas o aglutinogênio A; portanto, é do tipo to clara, pelos e cabelos amarelados e olhos muito
A. sensíveis à luz, por causa da falta de pigmento na íris.
• Quem possui o genótipo IBIB ou I Bi produz ape-
nas o aglutinogênio B; portanto, é do tipo B.
• Quem possui o genótipo IAIB produz aglutino-
gênios A e B; portanto, é do tipo AB.
• Quem possui o genótipo ii não produz aglutino-
gênios; portanto, é do tipo O.
194
células (metabolismo celular). entrada para uma família que necessita de aconse-
As enzimas ajudam a transformar determinadas lhamento genético. No entanto, o serviço é ofereci-
substâncias em outras. Voltando ao caso dos albinos, do em poucas unidades de saúde, faltam profissio-
a não produção de melanina é condicionada, gene- nais disponíveis e sua política de implantação no SUS
ticamente, por genes recessivos. Se o indivíduo tiver o ainda não está em pleno funcionamento.
genótipo aa, ele não produz melanina, ou seja, quem
tem o genótipo aa não produz a enzima responsável BIOTECNOLOGIA
pela transformação da tirosina em melanina.
Essa é a forma pela qual o fenótipo albino se ma- O que é Biotecnologia? A Convenção sobre Di-
nifesta – pela não formação de uma enzima especí- versidade Biológica das Nações Unidas, em 1992, de-
fica – e isso é condicionado geneticamente. Outra finiu que Biotecnologia é
doença, a fenilcetonúria, também é decorrente do
mau funcionamento de uma enzima que faz parte [...] qualquer aplicação tecnológica que utilize
da mesma via metabólica relacionada ao albinismo. sistemas biológicos, organismos vivos, ou seus
derivados, para fabricar ou modificar produtos
5. Transplantes ou processos para utilização específica. BRASIL.
Ministério do Meio Ambiente. Convenção sobre
Os transplantes são cada vez mais comuns como Diversidade Biológica, p. 9.
procedimentos médicos. Trata-se de implantar um ór-
gão, tecido ou parte deles de uma pessoa doadora Pode-se dizer que os cientistas que fazem uso da
em um paciente, o receptor. Esses transplantes mui- Biotecnologia em seus laboratórios modificam partes
tas vezes são feitos para tentar recuperar a função dos seres vivos para que estes possam produzir algo
perdida por algum órgão ou tecido. São exemplos os que seja útil à sociedade. Dessa modificação são
transplantes de rim, de fígado, de coração, de me- criadas novas substâncias, formas de produção e até
dula óssea, entre outros. mesmo novas espécies. Quais são as técnicas que a
Um dos grandes fatores que impedem o sucesso Biotecnologia utiliza? As tecnologias que usam o ma-
de um transplante é a possibilidade de rejeição do terial genético dos seres vivos como matéria- -prima
receptor ao órgão transplantado. Essa rejeição está estão resumidas a seguir.
muitas vezes ligada à incompatibilidade que pode
ocorrer entre os tecidos do receptor e do doador. 1. Aplicações da Biotecnologia Identificação de
A maioria dos casos de rejeição a implantes ad- pessoas pelo DNA (teste de DNA)
vém do reconhecimento, por parte do sistema imu-
nológico do paciente, de substâncias que existem Uma descoberta feita no início da década de 195
na superfície das células do órgão transplantado. O 1970 permitiu uma verdadeira revolução nas técni-
sistema imunológico do paciente reconhece o órgão cas de Biotecnologia. Trata-se das enzimas de restri-
transplantado como um “inimigo” e tenta combatê- ção, que nada mais são que moléculas existentes em
-lo, daí a rejeição. certas bactérias que têm a capacidade de cortar o
DNA em pontos específicos. Dessa forma, as bacté-
6. Importância e acesso ao aconselhamento ge- rias podem se proteger da invasão de alguns vírus,
nético “picotando” seu DNA.
Os cientistas viram nas enzimas de restrição uma
Um casal que deseja ter filhos pode mapear cer- ferramenta importante, pois foi possível cortar qual-
tas doenças genéticas preexistentes em suas famílias, quer DNA em pontos conhecidos e comparar os frag-
por meio do aconselhamento genético. Trata-se de mentos formados em termos de tamanho. Se dois or-
uma consulta feita com especialistas, geralmente ganismos forem exatamente iguais em seu DNA, no
biólogos, médicos ou biomédicos, que analisam o caso de gêmeos idênticos, por exemplo, todos os
heredograma do casal. fragmentos formados com o uso de enzimas de res-
Ao analisar estes esquemas, a equipe de espe- trição devem ter tamanhos idênticos entre os dois in-
cialistas consegue estimar a chance de o casal ter divíduos.
um filho com determinada doença. Assim, pode-se comparar o tamanho dos frag-
Além dessa análise, os profissionais do aconse- mentos de determinada sequência de DNA entre in-
lhamento genético fornecem informações sobre a divíduos diferentes. Isso tem sido usado em casos de
doença, diagnóstico, prognóstico, tratamentos, pos- determinação de paternidade, de identificação de
sibilidade de testes genéticos para pacientes e fami- vítimas em acidentes, de suspeitos, por meio de ves-
liares em risco, ou seja, tudo o que estiver ao alcance tígios deixados no local do crime, tais como sangue,
dos especialistas para orientar e apoiar as pessoas in- fios de cabelo, sêmen etc.
teressadas, a fim de permitir que elas tomem decisões Na figura da página seguinte, está representada
relativas à concepção ou não dessa criança. a técnica para a obtenção de dados em amostras
O acesso ao aconselhamento genético no Brasil de DNA. O gel (um tipo de material gelatinoso) é co-
ainda está longe do ideal. Muitas famílias que pos- locado em uma bandeja de acrílico e uma espécie
suem casos de doenças genéticas nem sequer sa- de pente realiza furos nele, formando “poços”, onde
bem da existência desse serviço. são colocadas as amostras de DNA, lado a lado, uma
O Sistema Único de Saúde (SUS) é o caminho de em cada poço. Essas amostras são tratadas com en-
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
3. Organismos transgênicos
Muitas espécies de animais e vegetais apresen- 10. Controle de doenças por meio de vacinas
tam substâncias que podem ser utilizadas em diferen-
tes ramos da indústria. Para que essas substâncias se- Desde a primeira vacina contra a varíola, criada
jam extraídas, são empregadas técnicas de separa- pelo médico inglês Edward Jenner (1749-1823) em
ção e isolamento. Um exemplo desta técnica é a ex- 1796, as técnicas de obtenção de vacinas progre-
tração de produtos de interesse médico de animais diram muito. Hoje, muitas delas são feitas utilizando
marinhos, como duas substâncias de uma esponja trechos do próprio DNA de vírus, bactérias, fungos
jamaicana que compõem o AZT, medicamento usa- ou parasitas. Esse DNA é incorporado em bactérias,
do no combate à aids. que passam a produzir trechos desse DNA. Como são
apenas partes de DNA, não há perigo de ter produ-
7. Técnicas de fertilização in vitro, transferência de tos que causem algum mal. Esses produtos (proteínas
embrião e clonagem não virulentas) são usados para fabricar as vacinas.
cas. A importância dessas pegadas para o estu- A importância dessa inovação tecnológica
do da evolução humana tem sido intensamente para a comunidade científica se deve à
debatida desde então. As pegadas, que mostra- a) possibilidade de sequenciar os genomas
vam clara evidência de bipedalismo, a habilida- de bactérias para serem usados como recepto-
de para caminhar na posição vertical –, haviam ras de cromossomos artificiais.
sido produzidas, provavelmente, por indivíduos b) capacidade de criação, pela ciência,
da única espécie bípede que vivia naquela área de novas formas de vida, utilizando substâncias
na época: os Australopithecus afarensis. Essa es- como carboidratos e lipídios.
pécie inclui Lucy, um dos fósseis de hominídeos c) possibilidade de produção em massa da
mais antigos encontrados até hoje e cujo esque- bactéria Mycoplasma capricolum para sua distri-
leto é o mais completo já conhecido. buição em ambientes naturais.
Agência FAPESP, 22/3/2010 d) possibilidade de programar geneticamen-
te microrganismos ou seres mais complexos para
De acordo com o texto, produzir medicamentos, vacinas e combustíveis.
a) As pegadas fósseis encontradas na Tanzâ- e) capacidade da bactéria Mycoplasma ca-
nia eram de indivíduos da espécie Homo sapiens. pricolum de expressar suas proteínas na bactéria
b) O homem evoluiu a partir de macacos sintética e estas serem usadas na indústria.
que viviam em árvores. Enem 2011.
c) Os Australopithecus afarensis caminhavam
na posição vertical.
d) Lucy é o mais antigo fóssil da espécie Homo DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
sapiens já encontrado. RESULTADOS
e) Lucy e os da sua espécie não tinham habili-
dade para caminhar na posição vertical. Confira aqui os seus resultados!
Pasusp 2010
01. Alternativa correta: e.
15. Em famílias constituídas a partir da união O texto da questão informa que o inseticida
de primos em primeiro grau, é mais alta a ocor- DDT “é acumulado ao longo das cadeias alimen-
rência de distúrbios genéticos, em comparação tares, sendo absorvido pelos produtores, passan-
com famílias formadas por casais que não têm do para os consumidores primários, destes para
consanguinidade. os consumidores secundários e assim por diante”.
Essa é a caracterização do conceito de bioacu- 201
a) A que se deve essa maior ocorrência de mulação, no qual a concentração de produtos
distúrbios genéticos em uniões consanguíneas? persistentes vai aumentando a cada nível trófico.
b) A fenilcetonúria (FCU) é um distúrbio gené- Portanto, o acúmulo é menor nas alfaces (pro-
tico que se deve a uma mutação no gene que dutores, primeiro nível trófico) e maior nos sapos
expressa a enzima responsável pelo metabolismo (consumidores secundários, terceiro nível trófico
do aminoácido fenilalanina. Na ausência da en- da cadeia sugerida).
zima, a fenilalanina se acumula no organismo e
pode afetar o desenvolvimento neurológico da 02. Alternativa correta: a.
criança. Esse distúrbio é facilmente detectado no Os pardais são consumidores de 1a e de 2a
recém-nascido pelo exame do pezinho. No caso ordens porque se alimentam das sementes das
de ser constatada a doença, a alimentação des- plantas (seres autotróficos) e dos gafanhotos
sa criança deve ser controlada. Que tipos de ali- (consumidores primários, que se alimentam de
mento devem ser evitados: os ricos em carboidra- plantas).
tos, lipídios ou proteínas? Justifique.
Unicamp 2010
03. Alternativa correta: e.
A matéria orgânica diminui conforme o nível
16. Um instituto de pesquisa norte-americano
trófico aumenta
divulgou recentemente ter criado uma “célula
sintética”, uma bactéria chamada de Mycoplas-
04. Alternativa correta: a.
ma mycoides. Os pesquisadores montaram uma
A microvespa Trichogramma sp. é um para-
sequência de nucleotídeos, que formam o único
sita da borboleta, pois se alimenta de seus ovos.
cromossomo dessa bactéria, o qual foi introduzi-
do em outra espécie de bactéria, a Mycoplasma
05. Alternativa correta: c.
capricolum. Após a introdução, o cromossomo
As fêmeas do mosquito Aedes aegypti depo-
da M. capricolum foi neutralizado e o cromosso-
sitam seus ovos na água, onde as larvas se de-
mo artificial da M. mycoides começou a geren-
senvolvem. Para evitar a reprodução do vetor,
ciar a célula, produzindo suas proteínas.
removem-se os locais com acúmulo de água, o
GILBSON, D. G. et al. Creation of a bacterial cell con-
que, consequentemente, diminui a quantidade
trolled by a chemically synthesized genome. Science, v.
de casos de dengue.
329, 2010 (adaptado
Ciências da Natureza e suas Tecnologias
A figura a seguir mostra algumas variáveis vi- nos. Cores, símbolos e outros sinais são usados, nes-
suais. ses casos, para identificar e diferenciar os elemen-
tos no mapa.
Mapas quantitativos
Mapas ordenados
utilizando um jogo ou uma coleção de mapas da que há um quadro de crescente integração entre
mesma superfície em períodos distintos. mercados, pessoas e países. Nele, empresas ou
Temas comuns nesse tipo de mapa são os da grupos ampliam sua escala de atuação no espaço
evolução do desmatamento, da urbanização ou mundial. Esse ponto será retomado mais adiante.
dos níveis de concentração demográfica. Nem Como ressalta o geógrafo Milton Santos, isso foi pos-
sempre os mapas trazem todos os elementos estru- sível, entre outras razões, por causa das inovações
turais. Dependendo do que está representado, a tecnológicas na informática, na microeletrônica e
ideia é que eles não fiquem carregados com mui- nas telecomunicações.
tas informações, pois isso pode dificultar a análise. A primeira inovação, a da informática, refere-se
Assim, alguns mapas desta Unidade dispensaram a uma verdadeira revolução, com o uso generali-
coordenadas geográficas ou nomes de lugares. zado de computadores. O desenvolvimento da mi-
croeletrônica possibilitou a construção de circuitos
Anamorfoses eletrônicos e componentes muito pequenos que
são instalados em computadores, celulares e má-
Existem, ainda, outros mapas que trazem olha- quinas industriais, assim como em automóveis, ele-
res distintos. Entre eles estão as anamorfoses. O trodomésticos e brinquedos.
nome anamorfose significa “disforme” ou “fora da As transmissões via satélite e o uso de cabos de
forma”. Também denominadas cartogramas, as fibra óptica permitiram, por sua vez, a rápida trans-
anamorfoses distorcem propositalmente o fundo missão de informações a distância, ampliando o
do mapa para evidenciar um fenômeno. Assim, as alcance das telecomunicações. Hoje, pode-se as-
anamorfoses mudam as formas e as proporções sistir pela TV ou pela internet a algo que está ocor-
das áreas representadas, de acordo com a rela- rendo no mesmo instante em diferentes lugares do
ção entre superfícies e quantidades. planeta. Esses avanços cada vez mais se integram
Portanto, representações como essa rompem ao espaço geográfico e à vida social, criando o
com as heranças da cartografia que “naturalizam” que Milton Santos chamou de meio técnico-cientí-
os mapas. fico-informacional.
Significa que o espaço geográfico passou a
incorporar progressivamente as inovações tecno-
lógicas. Isso pode ser percebido em infraestruturas
de telecomunicações (torres, cabos, antenas etc.),
usos de tecnologia “de ponta” nas fábricas e fa-
zendas modernas ou nos chamados edifícios “inte-
ligentes” das grandes metrópoles. 5
Nesse último caso, as tecnologias permitem,
por exemplo, reduzir o consumo de água e ener-
gia, aproveitar melhor a iluminação natural e dimi-
nuir custos e desperdícios. Nesse contexto, ganha
destaque uma mercadoria especial, a informação,
difundida pela internet ou pelas redes globais de
comunicação (agências de notícias, portais de
bancos de dados, redes de televisão etc.).
No mapa acima, de população mundial, é pos- Ela é essencial para que empresas globais e paí-
sível observar que as formas e proporções dos terri- ses possam tomar decisões, enviar ordens ou rea-
tórios foram alteradas. Evidenciam-se, por exemplo, lizar investimentos. Vive-se nos dias de hoje o que
a China (em verde) e a Índia (em amarelo-escuro), passou a se chamar sociedade da informação, na
os dois países mais populosos do planeta. qual se produz e se consome vorazmente informa-
ções. Inovações nos meios de transporte também
GLOBALIZAÇÃO, UMA NOVA FACE DO MUNDO podem ser incluídas nesse conjunto.
ATUAL O uso de modernos aviões, trens e navios de
carga permite o envio de bens por longas distân-
O surgimento da globalização cias em tempo mais curto. Evidentemente, tais me-
didas têm contrapartida social: muitas vezes preju-
O debate em torno de visões sobre a globali- dicam regiões, setores econômicos ou sociedades
zação e seus principais elementos tem sido intenso inteiras.
nos últimos anos. Nesse processo, ainda em cons-
trução, são muitos os pontos de vista e divergên-
cias. Levando isso em conta, pode-se dizer que
ela se refere a uma aceleração nos fluxos de bens,
pessoas, serviços e informações, que hoje circulam
mais livremente e ultrapassam fronteiras nacionais.
Isso precisa ser avaliado criticamente.
Por exemplo, nem todos os trabalhadores imi-
grantes podem circular livremente. Mas é inegável
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Para que uma empresa se instale em um país, do mundo. Como comportam margens de risco,
há também exigências quanto à infraestrutura. Os as operações podem ser um desastre para países,
locais precisam contar com telecomunicações, empresas ou investidores.
fontes de energia, estradas em boas condições e Crises ocorridas nos últimos anos tiveram as fi-
posição estratégica, próxima de portos e aeropor- nanças como protagonistas, como a de 2008, que
tos, por exemplo. teve início nos Estados Unidos e se espalhou para o
A atual produção global de mercadorias é resto do mundo, com efeitos percebidos até hoje
viabilizada por meio das sucessivas inovações nos Foi visto que indivíduos e grupos podem utilizar
meios de transporte, nas comunicações e nas infor- as tecnologias modernas de comunicação e infor-
mações. Esses elementos compõem as redes geo- mação para diversos fins, por exemplo, para mobi-
gráficas globais, que estão por trás da produção lizar pessoas em torno de causas comuns. Desde os
global de mercadorias. Elas não devem ser confun- anos 1990, muitos movimentos protestam contra a
didas com as redes sociais da internet, pois as redes globalização.
geográficas são um modo de organizar o espaço. Grupos, fóruns e organizações passaram a se
Não são espaços contíguos, e sim formadas organizar para as mais diversas finalidades, utilizan-
por pontos, linhas e nós, como uma rede de pesca. do mensagens em SMS, e-mails e redes sociais. Esse
Nessa disposição espacial, os pontos e nós são as tipo de mobilização ocorreu, por exemplo, durante
fábricas, e as linhas são os fluxos de mercadorias a crise econômica iniciada em 2008, nos Estados
e informações entre as unidades. Nesses sistemas, Unidos, com o movimento Occupy Wall Street, e
fábricas e centros de pesquisa e de gestão perten- também durante o Fórum Social Mundial.
centes a um mesmo conglomerado podem estar
localizados em países ou continentes diferentes. Globalização e desemprego
Processos similares ocorrem também no setor
de serviços, a começar pela própria informática, Em função da crise econômica mundial ocor-
com a produção de softwares em diferentes paí- rida a partir de 2008, diversas empresas globais re-
ses. Nas empresas industriais, essa rede tem uma solveram fechar fábricas e demitir trabalhadores.
estrutura física implantada nos territórios (fábricas, Como elas atuam em escala global, suas decisões
pátios, galpões de armazenagem, escritórios etc.), provocam desemprego e turbulências econômicas
o que a distingue de outro importante ator global, mundo afora.
o sistema financeiro global. A conexão e os fluxos Há, nesses casos, uma relação direta entre o seu
entre as unidades vão configurar a rede de cada modo de operar e o aumento do desemprego ou
empresa. a transferência de empregos. Mas é sempre bom
lembrar que o desemprego também pode resultar 7
O sistema financeiro global de políticas econômicas nacionais, uma atribuição
dos governantes dos países.
O sistema financeiro é composto por instituições É importante considerar ainda que, além de
e operadores que lidam diariamente com a com- fechar as fábricas de uma mesma empresa, tais si-
pra e a venda de ações em bolsas de valores, tí- tuações atingem outras companhias a ela associa-
tulos públicos e privados, fundos de investimento, das. É comum que as unidades das empresas glo-
créditos imobiliários etc. Na arena global, esse sis- bais operem com a terceirização, isto é, a empresa
tema movimenta trilhões de dólares todos os dias. principal repassa etapas do processo produtivo a
O sistema financeiro global se caracteriza por não outras empresas menores, que se responsabilizam,
necessitar, em boa parte, de atividades territoriali- por exemplo, pela fabricação de peças e compo-
zadas (ou seja, implantadas fisicamente nos territó- nentes.
rios), como ocorre com as fábricas. É comum também que tarefas como limpeza,
Para muitas operações, basta um agente, um manutenção e alimentação sejam terceirizadas
computador conectado à internet, determinadas pela firma principal. Não raro, o trabalho terceiri-
informações e o recebimento de mensagens em zado é mais precário e instável, embora em muitos
uma praça financeira, mesmo estando ela situada casos o trabalhador tenha carteira assinada e direi-
do outro lado do planeta (como a bolsa de valo- tos trabalhistas assegurados. Há perdas visíveis nas
res de Tóquio em relação à de São Paulo). Desse cidades que sediam as fábricas, pois trabalhadores
modo, os fluxos e as aplicações podem circular nas demitidos poderão se deslocar ou deixar de consu-
redes informatizadas sem se fixarem em um territó- mir bens, afetando a economia local. Isso interfere
rio. na arrecadação de impostos.
Outro dado importante é que os fluxos de in- Um exemplo conhecido é o de Detroit (EUA), ci-
vestimentos podem ocorrer ininterruptamente, 24 dade polo de montadoras de automóveis que hoje
horas por dia. Ao anoitecer, um operador de Nova está em franca decadência demográfica e eco-
Iorque já pode fazer operações na Bolsa de Tóquio nômica. Certas empresas globais transferem unida-
ou de Shangai. des para outros países, seja porque os salários serão
Apesar de global, esse sistema também tem mais baixos no lugar de destino ou porque terão
uma hierarquia: é conhecido o fato de que pra- vantagens na instalação. Transfere-se, assim, todo
ças financeiras como Nova Iorque, Londres e Tó- o sistema produtivo e, com isso, os empregos. Esse
quio concentram mais da metade das transações traço perverso da globalização não se dá apenas
Ciências Humanas e suas Tecnologias
melhor essa questão. Os bascos, que vivem ao Guerra Fria, superpotências e conflitos no mundo
norte do território espanhol, congregam um povo
com língua e história comuns. Essa comunidade se Os Estados Unidos da América (EUA) e a União
estende também ao sudoeste da França. Durante das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) foram
décadas, os bascos buscaram se separar da Espa- os dois grandes vitoriosos na 2ª Guerra Mundial. No
nha, e grupos como o ETA (Pátria Basca e Liberda- pós- -guerra, predominou o poder e a influência
de, em português) usaram de violência para atingir dessas superpotências.
esse fim. No período conhecido como Guerra Fria, cada
No nordeste do país, a Catalunha, cuja capital uma liderava um bloco de países, com regimes e
é Barcelona, também luta por mais autonomia, e ideologias distintos: capitalistas, com os EUA à fren-
muitos de seus habitantes acreditam que seria me- te, e socialistas, liderados pelos soviéticos. O socia-
lhor se ali fosse criado um novo país, independente lismo real, como era chamado, baseava-se em
da Espanha. Existem ainda países que tinham au- uma economia planificada e num regime de parti-
tonomia política e identidade cultural, mas foram do político único.
dominados. É o caso do Tibete, invadido e anexa- Aos poucos, o poder dos conselhos populares
do pela China em 1951. Até hoje os tibetanos lutam (sovietes), criados na Revolução Russa de 1917, que
para manter tradições culturais e libertar-se do do- estabeleceu o regime socialista no país, foi sendo
mínio chinês. retirado. Sob o governo de Josef Stalin (1924-1953),
O mundo está em constante movimento e isso os opositores foram perseguidos, presos ou mortos.
se reflete no mapa-múndi. As divisões políticas e as A organização do socialismo na URSS passou
extensões territoriais mudam o tempo todo, resul- por diversas modificações enquanto vigorou, entre
tado de conquistas e dominações, insatisfações e os anos de 1917 e 1991. O capitalismo, por sua vez,
anseios de emancipação política. mesmo cedendo a algumas reivindicações dos tra-
O século XX ficou marcado por dois grandes balhadores por direitos sociais, não abandonou sua
conflitos mundiais (a 1ª e a 2ª Guerra Mundial), tor- busca incessante por lucros e mercados, tornando
nando-se um dos períodos da história humana com a desigualdade social e econômica um elemento
maior número de mortos. Somente na 2ª Guerra, permanente do sistema.
estima-se que morreram mais de 60 milhões de pes- Tendo sido os dois blocos (capitalista e socialis-
soas. ta) assim constituídos, seguiu-se um período de per-
Arrasadas pelas guerras, as potências capitalis- manente tensão no mundo.
tas europeias necessitaram de ajuda externa (em Mesmo sem confronto armado entre os países-
especial, dos EUA) para se reerguerem, ao mesmo -líderes, ambos participaram direta ou indiretamen-
tempo que, aos poucos, foram perdendo domínios te de outros conflitos, cada qual apoiando um dos 9
coloniais. Inúmeras lutas de libertação colonial ti- lados. Sem pretender esgotar o tema, podem-se
veram lugar entre os anos 1950 e 1990. Em alguns apresentar, resumidamente, alguns destaques:
países, isso aconteceu antes, como no caso da Ín-
dia, que se libertou do domínio colonial britânico • Juntamente com Europa ocidental e Canadá,
em 1947. os EUA efetivaram a criação da Organização
Nesse processo, o mapa-múndi político nova- do Tratado do Atlântico Norte (Otan), pacto
mente se modificou: surgiram novos Estados inde- político-militar de defesa dos interesses capita-
pendentes na África e na Ásia. Povos foram reuni- listas, atuando principalmente contra avanços
dos ou separados por fronteiras estabelecidas ou socialistas. A URSS criou o Pacto de Varsóvia,
reforçadas pelos colonizadores. As linhas retas, co- ao lado de países socialistas do Leste Europeu
muns nas novas fronteiras nacionais estabelecidas (Polônia, Alemanha Oriental, Tchecoslová-
na África, são exemplos do resultado desse proces- quia, Hungria e outros).
so que culminou com muitos conflitos no final do • Estadunidenses e soviéticos investiram pesa-
século XX e início do XXI. damente em efetivos militares e armas, em
especial as nucleares. O poder de destruição
das bombas atômicas foi ampliado, e bases
de lançamento de mísseis de longo alcance
foram criadas. Ambos desenvolveram equi-
pamentos para a exploração espacial, com
o lançamento de satélites artificiais e missões
espaciais. Tais iniciativas ficaram conhecidas,
respectivamente, como corrida armamentista
e corrida aeroespacial.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
O Zimbábue, por exemplo, não está em guerra fraestruturas, atividades econômicas e patrimônios
com outro país nem vive conflito interno, mas Ro- históricos.
bert Mugabe governa o país desde 1980, reelegen- Muitas vezes, vítimas dos conflitos são obrigadas
do-se com fortes suspeitas de fraudes. Não há guer- a se refugiar em outros países, passando a viver em
ra, mas o país vive uma verdadeira crise humanitá- abrigos precários e superlotados. Segundo o Alto-
ria. Nos conflitos atuais, cresce a participação dos -Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
grupos identificados como terroristas, não ligados (ACNUR), agência da Organização das Nações
oficialmente a nenhum país. Unidas (ONU) para refugiados, apenas no ano de
Eles mantêm bases de treinamento em diversos 2011, aproximadamente 4,3 milhões de pessoas fo-
territórios e usam meios de comunicação para arti- ram forçadas a se deslocar em função de conflitos,
cular suas ações. São grupos transnacionais, como guerras ou perseguição política em todo o mundo.
a Al Qaeda, organizados em redes globais que ul-
trapassam fronteiras. Sua ação não pode ser ana- Primavera Árabe: causas e desdobramentos
lisada da mesma forma que os conflitos do século
XX: não são confrontos entre dois ou mais exércitos A partir de 2010, uma série de manifestações
regulares nacionais. Deve-se assinalar a presença populares tomou conta de países de maioria árabe
de interesses e formas de intervenção das grandes e/ou muçulmanos na chamada Primavera Árabe.
potências nos conflitos. Elas surgiram em regimes autoritários, isto é, países
Os EUA, por exemplo, são uma espécie de “po- sem liberdades políticas e governados com “mão
lícia do mundo”: sempre intervêm quando acham de ferro” por ditadores que ficaram décadas no
que seus interesses econômicos e projetos geopolí- poder. Boa parte dessas sociedades vinha sendo
ticos estão em risco. As guerras e os conflitos arma- também fortemente afetada pelo desemprego,
dos são danosos para as sociedades. pela pobreza e pela falta de perspectivas para sua
Muitos morrem com os bombardeios ou vítimas população.
da fome e de doenças. Os confrontos devastam Em 2011, as rebeliões levaram à deposição de
ambientes e destroem cidades, plantações, in- Ben Ali na Tunísia. A seguir, grandes manifestações
fraestruturas, atividades econômicas e patrimônios na Praça Tahrir, no Cairo, e em outras cidades der-
históricos. Muitas vezes, vítimas dos conflitos são rubaram Hosni Mubarak, que governava o Egito
obrigadas a se refugiar em outros países, passando desde 1981.
a viver em abrigos precários e superlotados. Após o período de transição, foram realizadas
Segundo o Alto-Comissariado das Nações Uni- eleições no Egito, com a escolha de Mohamed
das para Refugiados (ACNUR), agência da Orga- Mursi, do grupo islâmico Irmandade Muçulmana.
nização das Nações Unidas (ONU) para refugiados, Em uma associação inédita entre militares – que 11
apenas no ano de 2011, aproximadamente 4,3 mi- nunca deixaram o poder – e a oposição política,
lhões de pessoas foram forçadas a se deslocar em Mursi foi retirado do cargo e preso em seguida. Em
função de conflitos, guerras ou perseguição políti- parte, isso se deveu à recusa da maioria da popu-
ca em todo o mundo em guerra com outro país lação em ter um governo pautado por orientações
nem vive conflito interno, mas Robert Mugabe go- religiosas. Contudo, essa deposição contraria prin-
verna o país desde 1980, reelegendo-se com fortes cípios democráticos elementares. A instabilidade
suspeitas de fraudes. no Egito é considerada motivo de preocupação
Não há guerra, mas o país vive uma verdadeira mundial.
crise humanitária. Nos conflitos atuais, cresce a par- O país exerceu nos últimos anos o papel de
ticipação dos grupos identificados como terroristas, representar interesses do mundo árabe, atuando
não ligados oficialmente a nenhum país. Eles man- como mediador em Israel e nas potências ociden-
têm bases de treinamento em diversos territórios e tais. Na Líbia, uma sangrenta guerra civil levou à
usam meios de comunicação para articular suas deposição e à execução de Muamar Kadafi, que
ações. baseava seu poder nas ricas reservas de petróleo
São grupos transnacionais, como a Al Qaeda, do país. Os rebeldes contrários a Kadafi contaram
organizados em redes globais que ultrapassam com apoio militar da Otan (leia-se, Estados Unidos
fronteiras. Sua ação não pode ser analisada da e França – essa última é uma grande importadora
mesma forma que os conflitos do século XX: não do petróleo líbio).
são confrontos entre dois ou mais exércitos regula- A Líbia não tinha exército estruturado e influen-
res nacionais. Deve-se assinalar a presença de inte- te no governo, como acontecia no Egito, ou recor-
resses e formas de intervenção das grandes potên- tes religiosos importantes, como no caso de países
cias nos conflitos. do Golfo Pérsico, entre os quais, o Barein. Ela apre-
Os EUA, por exemplo, são uma espécie de “po- sentava, porém, identidades tribais e divergências
lícia do mundo”: sempre intervêm quando acham profundas entre as três províncias do país, quase
que seus interesses econômicos e projetos geopolí- sempre manipuladas por Kadafi durante os 40 anos
ticos estão em risco. As guerras e os conflitos arma- em que esteve no poder.
dos são danosos para as sociedades. O desafio atual é restaurar a estabilidade políti-
Muitos morrem com os bombardeios ou vítimas ca, ameaçada pela existência de diversas milícias
da fome e de doenças. Os confrontos devastam armadas, e reconstruir a unidade nacional.
ambientes e destroem cidades, plantações, in- As revoltas atingiram também Argélia e Marro-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
cos e, no Golfo Pérsico, Barein, Omã e Iêmen. Na entre líderes da Organização para a Libertação da
Argélia, no Marrocos e em Omã foram feitas refor- Palestina (OLP) e governantes de Israel, assim como
mas políticas e econômicas para conter os protes- tentativas de acordos de paz.
tos. No Iêmen, o presidente Abdullah Saleh tam- Mas ainda há inúmeros fatores a superar: o gru-
bém foi deposto, após 33 anos no poder. po Hamas exerce forte oposição aos acordos, e
No Barein, os confrontos se deram entre os xiitas, os governos de Israel seguem instalando colônias
que eram minoria, e os sunitas, que estavam no po- judaicas na Cisjordânia. Outros casos a mencionar
der. Houve forte repressão aos revoltosos, apoiada na conflituosa região do Oriente Médio são os do
pela Arábia Saudita – que, por sua vez, foi palco de Iraque, Irã e Afeganistão e do povo curdo. Os dois
manifestações menores, ocorridas também no Irã, primeiros envolveram-se em uma guerra que durou
na Jordânia, no Kuwait e no Iraque. A situação na oito longos anos (1980-1988). O Iraque ainda sofre
Síria se configurou em 2012 e 2013 como tragédia efeitos das Guerras do Golfo (1990-1991 e 2003), li-
humanitária. Aliada da URSS, depois Rússia, e tam- deradas pelos EUA, que, por sua vez, mantiveram
bém do Irã, a Síria é governada desde 1970 pela efetivos militares no território iraquiano até 2011.
família Al-Assad. Nesse percurso, o líder Saddam Hussein foi de-
O pai, Hafez, chegou ao poder com um golpe posto, condenado e executado, e houve acirra-
de estado. Desde essa época, os sírios se envolve- mento dos conflitos entre xiitas e sunitas, que se de-
ram em inúmeros conflitos. Bashar, filho de Hafez, senrolam até hoje. O Irã corresponde à antiga Pér-
assumiu o poder no ano de 2000, à frente de um sia. É um país muçulmano, de maioria xiita, mas de
Estado fortemente armado e com numeroso exér- população não árabe. Tornou-se Estado teocrático
cito. (ou seja, baseado em preceitos religiosos) em 1979,
O país foi atingido por levantes populares em com a revolução dos aiatolás, líderes islâmicos. Nos
2011, que logo se converteram em confronto ar- últimos anos, os iranianos viveram sob governo con-
mado entre grupos rebeldes, formados por amplo servador, que procurou desafiar o Ocidente e calar
leque de facções que têm apoio do Ocidente e opositores internos. A situação do país é assunto de
também por ativistas ligados à Al Qaeda, e o go- debates e fóruns internacionais, pois há suspeitas
verno, que conta com o apoio interno de minorias de que os iranianos estejam desenvolvendo um
islâmicas e cristãs e, no plano externo, do Irã, da programa nuclear secreto.
Rússia e da China. Os alvos preferenciais seriam Israel (que tam-
Russos e chineses vetaram sistematicamente bém tem armas nucleares) e o Ocidente. Em 2013,
sanções à Síria na ONU. As sanções são um meca- a eleição de um novo governante foi vista como
nismo adotado em relações internacionais para uma possibilidade de facilitar a visita de inspetores
12 pressionar regimes políticos ou governantes em si- da ONU para fiscalizar o programa nuclear do país.
tuações de crise. Isso foi estabelecido em acordo provisório que per-
Uma das sanções – o mesmo que pena ou pu- mite o acesso dos inspetores às instalações daque-
nição – existentes é a do embargo econômico, tipo le país.
de bloqueio das trocas comerciais realizadas pelo O Afeganistão ainda tem tropas dos EUA em
país alvo das medidas. No caso sírio, após negocia- seu território. País de grande diversidade cultural,
ções envolvendo a ONU, os EUA e a Rússia, a Síria ele convive há três décadas com invasões estran-
aceitou eliminar seu arsenal de armas químicas, fei- geiras, golpes de estado e atentados, desde a in-
tas com gases letais para os seres humanos. tervenção da URSS nos anos 1970. Em 1996, o grupo
As medidas ocorreram após denúncias de uso extremista Talibã conquistou Cabul, a capital, e ga-
dessas armas pelo exército sírio em 2013. Registrou- nhou poder. Dois anos depois, controlava 90% do
-se a morte de mais de 110 mil sírios e 2 milhões de país, implantando ali um opressivo regime baseado
refugiados (10% da população) entre 2011 e mea- em sua visão da sharia (a lei islâmica).
dos de 2013. Sírios em fuga abrigaram-se, sobretu- Esse quadro afetou em especial mulheres e ati-
do, na Turquia, no Líbano, no Iraque e na Jordânia. vistas políticos, com repressão, mortes, condena-
ções arbitrárias, censuras à imprensa e à produção
Conflitos e tensões no Oriente Médio artística. O regime caiu em 2001, com os ataques
dos EUA e aliados. Estes acusavam o Talibã de abri-
Entre os diferentes conflitos e tensões em curso gar Osama bin Laden, líder da Al Qaeda, e outros
no Oriente Médio, sobressai a luta entre palestinos e membros dessa organização terrorista. Posterior-
israelenses, uma das mais duradouras e complexas mente, os estadunidenses permaneceram no país,
em todo o mundo. Recuando um pouco no tempo, mais uma vez ocupando e controlando territórios,
é possível ver que as disputas entre eles surgiram segundo seus interesses geopolíticos.
com a criação do Estado de Israel em 1948, como Após o período conflituoso, as tropas estrangei-
deliberação da ONU pela morte de milhões de ju- ras ainda permaneceram no país, mas houve a es-
deus na 2ª Guerra Mundial. À época, a proposta colha de um líder moderado. A partir do território
era de partilha da Palestina, área sob controle bri- afegão, em 2011, uma missão estadunidense che-
tânico. gou ao Paquistão. Lá, capturou e executou Osa-
A partir daí, sucederam-se conflitos, ataques ma bin Laden. Mesmo com a retirada de soldados
mútuos e medidas israelenses de expansão territo- estrangeiros, o retorno à vida normal está distante
rial, embora tenham sido muitas as conversações e o Talibã continua atuando, agora como milícia
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insurgente. Há ainda muitos refugiados, abrigados cia e respeito aos direitos humanos.
em boa parte no Paquistão.
Note-se a posição estratégica do território afe- ÁGUA: USOS E ABUSOS
gão, situado em uma encruzilhada próxima da Rús-
sia e da China e com extensas fronteiras com Irã Os dados mostram que a água doce disponí-
e Paquistão. Os curdos formam uma antiga e nu- vel representa apenas uma pequena parcela do
merosa comunidade nacional, mas que não con- total da água no mundo. Ela está em rios, lagos,
seguiu formar um país independente nos arranjos solos, subsolos e nos próprios seres vivos (ou biota).
feitos após a 1ª Guerra Mundial. Outra parte não está disponível, como é o caso de
Na época, o Curdistão integrava o Império Oto- geleiras e da neve, mas a água no estado sólido é
mano, desfeito após o conflito. Atualmente, quase fundamental, pois na época do degelo ela derrete
40 milhões de curdos vivem espalhados pela Tur- e se dirige aos rios e lagos, abastecendo-os.
quia, pela Síria, pelo Irã e pelo Iraque, além dos que O Brasil é privilegiado: segundo a Agência Na-
migraram para a Europa. cional de Águas (ANA), o país dispõe de 12% das
reservas de água doce da Terra. A água doce que
Outros conflitos no mundo circula no mundo é sempre a mesma, em igual
quantidade. Há regiões que naturalmente são se-
Outros conflitos também ocorrem na África, ao cas, como os desertos na África ou a região semiá-
sul do Saara. Por ora, vale a pena fazer alguns regis- rida do sertão nordestino, no Brasil. Mas a escassez
tros sobre a região: é agravada pelos seres humanos, que às vezes
usam a água de forma insustentável. Como são es-
• Ainda preocupam situações como as da So- ses usos? É possível separá-los em dois tipos:
mália, da República Democrática do Congo
(RDC) e do Mali. A Somália está hoje dilacera- • usos que consomem, comprometem ou gas-
da e sem comando político e é alvo da ação tam água (irrigação, certos usos industriais e
de grupos terroristas e piratas nas costas do em residências etc.);
Oceano Índico. A RDC viveu nos anos 1990 • usos que não consomem ou gastam água
e no início do século XXI sangrentos conflitos (geração hidrelétrica, pesca, turismo, hidrovias
políticos, com quase 4 milhões de mortos, o etc.). Contudo, como será visto, a maioria dos
maior número já registrado em conflitos após a usos pode, em alguma medida, causar impac-
2ª Guerra Mundial. No Mali, aproximadamen- tos ambientais e sociais.
te metade do território foi tomado por grupos
rebeldes. 13
De modo geral, quem mais usa água é a agri-
• Alguns países da África Subsaariana têm dado cultura, que responde por algo em torno de 69% do
exemplos de superação de seus graves pro- consumo global de água doce. O restante é divi-
blemas políticos, econômicos e sociais, entre dido entre indústrias (21%) e uso doméstico (10%).
eles, a África do Sul, com o fim do apartheid Nesse quadro, é preciso dizer que há usos que com-
(palavra da língua dos bôeres, os colonizado- prometem outros usos. No Brasil e em outros países
res, que significa separação, em português), em desenvolvimento, a coleta e o tratamento de
regime de segregação racial que durou déca- esgotos são precários e levam ao uso de rios, cór-
das. A luta foi liderada por Nelson Mandela e regos, lagos, baías, estuários e manguezais como
outros ativistas. Melhorias sociais e econômicas locais de despejo de esgotos.
e certa estabilidade política são observadas Esse uso contamina a água, que poderia ser
na África do Sul, Angola, Gana, Quênia e Tan- usada para o abastecimento ou mesmo para pes-
zânia. ca, lazer ou transporte. Tais impactos são frequen-
• Burundi e Moçambique criaram programas tes principalmente em países pobres da África,
efetivos de prevenção de doenças. Segundo Ásia e América Latina. Diversas publicações trazem
o relatório O Estado da População Mundial diagnósticos e medidas sobre usos que comprome-
de 2011, publicado pela ONU, há registros de tem a qualidade das águas.
queda no número de infectados pelo vírus HIV O relatório Cuidando das águas, publicado no
Brasil pelo PNUMA e pela ANA, apresenta uma lis-
entre 2001 e 2012 em Botsuana, na Costa do
ta extensa de comprometimento da qualidade da
Marfim, em Eritreia, na Etiópia, no Gabão, em
água ou de interrupções no seu ciclo natural. Se-
Gana e em outros países.
guem-se alguns exemplos:
Não há soluções fáceis e de curto prazo para
• As atividades agrícolas, industriais e de minera-
conflitos como os citados. Eles se somam a desa-
ção geram diversos contaminantes das águas
fios como a ação das redes terroristas e os circuitos
do crime organizado global, que geram violência superficiais e subterrâneas. Entre eles, estão
e provocam mortes. Os chefes de Estado devem compostos orgânicos, metais (zinco, cobre,
buscar soluções diplomáticas, evitando o uso das arsênio etc.) ou nutrientes em excesso (como
armas. Organizações sociais também têm papel a nitrogênio e fósforo de origem agrícola ou de-
cumprir, pressionando governos por mais democra- jetos domésticos e industriais), provocando a
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proliferação de algas que consomem oxigênio Outra medida é ampliar os sistemas de prote-
da água. ção de áreas de mananciais, criando reservas am-
• O DDT já foi um pesticida muito usado na agri- bientais que impeçam a destruição da vegetação
cultura. Mesmo proibido em vários países, ele e de nascentes de água.
permanece em rios, lagos, sedimentos e nas Nas cidades, é essencial também desenvolver
águas subterrâneas. Isso provoca a prolifera- planos de despoluição de mananciais de água e
ção de doenças, a morte de plantas e da fau- reverter a excessiva pavimentação do solo, pois
na aquática e a sobrecarga nos ecossistemas, isso impede a infiltração de água e aumenta o es-
incluindo os litorâneos e oceânicos. coamento superficial. Os países devem também
• A erosão e a sedimentação, somadas, podem criar rigorosos programas de controle do uso de
alterar a vazão e a velocidade das águas dos agrotóxicos e de resíduos industriais.
rios. Isso prejudica ambientes de procriação Na agricultura, pode-se adotar a irrigação por
gotejamento, que gasta menos água. O agrotóxi-
de espécies e leva à concentração de conta-
co pode ser substituído progressivamente por técni-
minantes em sedimentos finos.
cas como o controle biológico de pragas, que utili-
• O aumento da temperatura da água (em es-
za, entre outros meios, insetos que comem as larvas
pecial como decorrência do uso industrial) e
que atacam os cultivos.
o aumento da salinidade (por uso agrícola, in- Diversos programas da Organização das Na-
dustrial ou deposição de sais na superfície em ções Unidas (ONU) apoiam iniciativas que buscam
função de perfurações no solo, com bombe- preservar os recursos hídricos em muitos países do
amento – caso da extração de petróleo) são mundo, como a conservação dos solos e a cap-
outros fatores que provocam alterações nos tação da água da chuva no meio rural na Nica-
ambientes. rágua; o ecossaneamento (separação de resíduos
• A introdução de espécies exóticas de plantas humanos e o uso deles na compostagem agríco-
e animais pode alterar o consumo de água ou la) na China, na Índia e em vários países da África;
a umidade do ar em certos locais. ou ainda a revitalização das bacias hidrográficas
• A compactação do solo por máquinas agríco- como a do Rio Nairóbi, no Quênia, e do Rio Danú-
las ou rebanhos cria obstáculos à infiltração e bio, que atravessa a Europa central.
ao abastecimento de lençóis subterrâneos de No Brasil, há recuperação de bacias com re-
água. plantio de matas ciliares, como no Rio São Francis-
• O corte de matas deixa os solos desprotegidos co. Isso ajuda a evitar a erosão das margens dos
e acelera a erosão. Barragens e reservatórios rios e seu assoreamento. Alguns países também já
14 de usinas hidrelétricas não contaminam a adotaram medidas para punir com multas pesadas
água, mas alteram o fluxo dos rios e dificultam quem compromete os recursos hídricos.
a adaptação de espécies aquáticas. Entre eles estão Holanda e Colômbia. É impor-
tante destacar que os países devem formular tam-
Gestão sustentável da água bém acordos sobre o uso de rios que atravessam
as fronteiras. Isso pode evitar disputas pela água,
Existem inúmeras maneiras de conter a degra- como nos casos do Rio Jordão (entre Israel, Síria e
dação dos recursos hídricos e elevar a oferta de Jordânia) e do Rio Colorado, que passa pelos EUA
água de qualidade para as populações. Há reco- até chegar à fronteira com o México.
mendações feitas desde a Rio-92 em campanhas
e conferências mundiais sobre a água (como a de Biosfera: aspectos naturais e ação humana
1977).
Vários países aprovaram leis de proteção da Ao tratar de biosfera, fala-se de plantas, ani-
água, entre eles o Brasil. Portanto, o País já possui mais e solos e suas múltiplas interações, entre si e
um sistema nacional de gestão dos recursos hídri- com o meio físico. O mapa Florestas originais e flo-
cos. É preciso levar em conta, antes de tudo, que restas remanescentes da Atividade 1 mostra que as
a quantidade de água que circula na natureza é florestas correm riscos. Hoje, as atenções estão vol-
sempre a mesma. tadas às florestas tropicais, de grande biodiversida-
Assim, qualquer comprometimento do recurso de, que sofrem com queimadas e desmatamentos.
vai resultar em perturbações na oferta e na qua- A Organização das Nações Unidas (ONU) tem
lidade da água. Entre as recomendações estão feito sucessivos alertas sobre a devastação dessas
a de reduzir o consumo e o desperdício e realizar florestas, mas essa degradação já se deu, em boa
controle permanente da qualidade da água. Além medida, em florestas temperadas e boreais (ou tai-
disso, universalizar os sistemas de saneamento bási- gas). De menor biodiversidade, elas foram devasta-
co (coleta e tratamento de esgotos, redes de água das para se obter lenha, madeira para construções
e coleta de lixo), que são decisivos para evitar o e dar lugar a assentamentos humanos.
comprometimento de rios, córregos e lagos. Nesse Elas são mais extensas na Suécia, na Noruega e
quesito, o Brasil ainda precisa avançar muito: pou- na Finlândia. O que se perde com o desmatamen-
co mais da metade dos domicílios tem rede de es- to e as alterações nos biomas? Além da redução
gotos, mas aproximadamente 80% do que é cole- da biodiversidade, espécies animais sofrem com
tado não é tratado. a perda de seu habitat, como o orangotango das
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matas da Indonésia, os felinos e outros animais de para conservar florestas como meio de garantir ali-
grande porte de florestas tropicais e savanas ou, mentos às populações, com a “floresta em pé”.
ainda, os peixes de água doce e os pássaros. As convenções sobre o clima devem buscar
Há outros agravantes: a vegetação deixa de avanços na proteção de florestas, já que quei-
oferecer os chamados serviços ambientais, que madas agravam o efeito estufa. Cabe aos países
contribuem para a vida e o equilíbrio natural. As criar unidades de conservação (parques, reservas,
florestas tropicais armazenam carbono, ajudam a estações ecológicas) e terras indígenas, proteger
regular o clima (evapotranspiração, temperatura populações tradicionais e estimular a conservação
etc.) e protegem o solo. ambiental. E também aprovar leis e sistemas de
Manguezais, matas e estuários são criatórios fiscalização para punir responsáveis por impactos
de espécies marinhas, filtram a água e são pousos ambientais.
de aves migratórias. Conforme a ONU, são várias
as categorias de serviços oferecidos por biomas e BRASIL, UMA HISTÓRIA TERRITORIAL
ecossistemas: reguladores de funções vitais (con-
trole das chuvas, regulação dos estoques de car- Desde o início da colonização, vários fatores
bono etc.), de provisão (oferta de madeira, peixes, possibilitaram a expansão do território da América
plantas medicinais etc.) ou de suporte (garantia de portuguesa e sua efetiva exploração econômica.
processos essenciais, como a formação de solos e Após curto período de extração do pau-brasil, ain-
o crescimento de plantas). da no século XVI, a cana-de- -açúcar – recém-in-
Entre as áreas com elevada biodiversidade que troduzida na faixa litorânea nordestina, que apre-
precisam de proteção por abrigar espécies endê- sentava solos e clima favoráveis – tornou-se a pri-
micas e pelos riscos que correm estão algumas meira base econômica e o primeiro grande produ-
florestas da Indonésia, de Madagáscar, da África to de exportação da colônia, o que a transformou
central e da Amazônia, e a Mata Atlântica brasilei- no principal produtor mundial de açúcar.
ra, além das matas dos Andes tropicais e da Amé-
rica Central, as savanas africanas, e o cerrado e a
caatinga encontrados no Brasil.
Entre essas espécies está a seringueira, endêmi-
ca da Amazônia, da qual se extrai o látex.
15
de hoje, como importante atividade econômica, mesmo após a decadência de atividades centrais, como
a produção de cana-de-açúcar. Nesse movimento de expansão das fronteiras, vale destacar as expedi-
ções dos bandeirantes em busca de metais preciosos e da captura de indígenas para serem usados como
escravos. Partindo da vila de São Paulo, os bandeirantes viajavam, entre outros trechos, por rios navegáveis
da bacia do Rio Paraná, alcançando terras da atual região Centro-Oeste.
Os séculos XVII e XVIII, em especial, foram marcados pela exploração do ouro e de pedras preciosas
em Minas Gerais e no Brasil central. Acompanhando as mudanças no eixo econômico do território colonial,
causadas por essa exploração, houve a transferência da capital federal de Salvador (BA) para o Rio de
Janeiro (RJ), em 1763. Nas últimas décadas do século XIX, já no período do Brasil Independente, o comando
econômico passou em definitivo para o Sudeste, com a economia baseada na produção e na exportação
do café (ver mapa acima).
Essa mudança de comando foi acompanhada pela imigração e pela criação ou crescimento de cida-
des – inicialmente no Vale do Paraíba, no Rio de Janeiro, e depois no oeste paulista. Os temas da imigração
e da economia cafeeira serão retomados nas próximas Unidades. No final do século XIX e início do século
XX, o norte do País vivenciou uma fase próspera com o surto da borracha.
O território nacional ingressou no século XX unificado e definido, já com as fronteiras atuais, mas com
desequilíbrios regionais. Ao longo do período colonial e também após a independência, houve a concen-
tração de atividades, pessoas e núcleos urbanos na faixa oriental. Só ocorreu maior articulação interna nas
últimas décadas do século XX, por meio da economia urbano-industrial e do estabelecimento de rodovias
e fluxos econômicos entre as regiões do País.
Esse percurso contribuiu para criar a imagem do Brasil como um “arquipélago”, ou seja: as regiões
funcionando como “ilhas” com poucas ligações entre si. Um arquipélago econômico, mas também geo-
gráfico. Como se pode observar na coleção de mapas a seguir, os anos 1890 e 1940 apresentam núcleos
econômicos isolados e, nos anos 1990, os centros econômicos já se inter-relacionam.
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Os índios reagiram de formas diversas à presença dos colonizadores e à chegada de [outros] inva-
sores, como os holandeses e franceses. Veja abaixo algumas das formas de reação.
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O apoio indígena foi decisivo para o triunfo Em pleno século XXI a grande maioria dos
da colonização portuguesa. Com este apoio, brasileiros ignora a imensa diversidade de povos
entretanto, as lideranças indígenas tinham seus indígenas que vivem no país. Estima-se que, na
próprios objetivos: lutar contra seus inimigos tra- época da chegada dos europeus, fossem mais
dicionais, que, por sua vez, também se aliavam de 1.000 povos, somando entre 2 e 4 milhões de
aos inimigos dos portugueses (franceses e ho- pessoas. Atualmente encontramos no território
landeses) por idênticas razões. Abaixo estão brasileiro 241 povos, falantes de mais de 150
exemplos das alianças [...]: línguas diferentes. Os povos indígenas somam,
segundo o Censo IBGE 2010, 896.917 pessoas.
• Guerreiros temiminós liderados por Arari- Destes, 324.834 vivem em cidades e 572.083 em
boia se aliaram aos portugueses para der- áreas rurais, o que corresponde aproximada-
rotar os franceses na baía de Guanabara, mente a 0,47% da população total do país.
em 1560, que recebiam apoio dos Tamoios A maior parte dessa população distribui-se
• Chefe tupiniquim Tibiriçá, valioso para o por milhares de aldeias, situadas no interior de
avanço português na região de São Vicen- 695 Terras Indígenas, de norte a sul do territó-
te e no planalto de Piratininga, combatia rio nacional. Falar, hoje, em povos indígenas no
rivais da própria “nação” Tupiniquim e os Brasil significa reconhecer, basicamente, seis
“Tapuias” Guaianás, além de escravizar os coisas:
Carijó para os portugueses. [...]
• O potiguar Felipe Camarão, a mais notável • Nestas terras colonizadas por portugueses,
das lideranças indígenas no contexto das onde viria a se formar um país chamado
guerras pernambucanas contra os holande- Brasil, já havia populações humanas que
ses no século XVII. Camarão combateu os ocupavam territórios específicos;
flamengos [holandeses], os Tapuias e os pró- • Não sabemos exatamente de onde vie-
prios “potiguares” que, ao contrário dele, se ram; dizemos que são “originárias” ou “na-
bandearam para o lado holandês [...]. tivas” porque estavam por aqui antes da
ocupação europeia;
Resistência aos colonizadores • Certos grupos de pessoas que vivem atu-
almente no território brasileiro estão his-
Alguns grupos moveram inúmeros ataques toricamente vinculados a esses primeiros 17
aos núcleos de povoamento portugueses. Den- povos;
tre estes, os Aymoré, posteriormente chamados • Os índios que estão hoje no Brasil têm uma
de Botocudos, foram um permanente flagelo longa história, que começou a se diferen-
para os colonizadores durante o século XVI, na ciar daquela da civilização ocidental ain-
Bahia. Entre os episódios célebres de resistência da na chamada “pré-história” (com flu-
ou represália, ficaram registrados: xos migratórios do “Velho Mundo” para a
América ocorridos há dezenas de milhares
• o do donatário da Bahia, Francisco Pereira de anos); [...]
Coutinho, devorado pelos Tupiniquim, em • Como todo grupo humano, os povos in-
1547; dígenas têm culturas que resultam da
• o do jesuíta Pero Correa, devorado pelos história de relações que se dão entre os
Carijó, nas bandas de São Vicente, em próprios homens e entre estes e o meio
1554; ambiente; uma história que, no seu caso,
• o do primeiro bispo do Brasil, D. Pedro Fer- foi (e continua sendo) drasticamente alte-
nandes Sardinha, em 1556, devorado pelos rada pela realidade da colonização;
Caeté, após naufragar no litoral nordesti- • A divisão territorial em países (Brasil, Vene-
no. Alianças com invasores contra os colo- zuela, Bolívia etc.) não coincide, necessa-
nizadores “Nações” inteiras optaram por se riamente, com a ocupação indígena do
aliarem aos inimigos dos portugueses. Por espaço; em muitos casos, os povos que
exemplo: hoje vivem em uma região de fronteiras
• os Tamoio, no Rio de Janeiro, fortes aliados internacionais já ocupavam essa área an-
dos franceses nas guerras dos anos 1550-60; tes da criação de divisões entre os países;
• os Potiguar, boa parte deles resistiu com é por isso que faz mais sentido dizer povos
os franceses durante algum tempo na Pa- indígenas no Brasil do que do Brasil. [...]
raíba e atual Rio Grande do Norte, e por INSTITUTO Socioambiental. Povos indígenas no Brasil.
ocasião das invasões holandesas em Per-
nambuco [...].
IBGE. Brasil: 500 anos
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da produção, sem que se avançasse um palmo de De forma geral, há no Brasil demanda por me-
terra sequer sobre essas áreas de grande biodiver- lhores condições nos sistemas de armazenamento
sidade. e transporte da produção agrícola. São novos re-
Além disso, são frequentes os conflitos de terra cordes de safras a cada ano, mas com as mesmas
no País, vitimando pequenos agricultores, indíge- estruturas para armazenagem e transporte (realiza-
nas ou quilombolas. Não é por outra razão que pro- do muitas vezes em rodovias precárias e de pista
liferaram nas últimas décadas movimentos sociais única), o que eleva os custos finais.
organizados no campo, que ocupam fazendas e Assim como no caso da produção industrial,
terras improdutivas e exigem reforma agrária (basi- no Brasil também existe um gargalo no escoamen-
camente, distribuir terras e dar ao agricultor condi- to da produção agrícola pelos principais portos,
ções de produzir). como Santos (SP) e Paranaguá (PR). Nesses portos,
A violência e o trabalho escravo, seja em con- ocorrem longas filas de caminhões em rodovias
dições rudimentares como em certas carvoarias no próximas ou restrições ao embarque nos navios.
Mato Grosso do Sul ou na produção moderna em Para a agricultura, em geral, esperam-se, portanto,
São Paulo, ainda são frequentes no campo, quase melhorias nos sistemas de circulação, em especial
sempre com exploração ou morte de trabalhado- a expansão de ferrovias e hidrovias, ideais para o
res rurais e líderes sindicais. transporte de cargas.
Mesmo em um quadro de extrema desigual- Do mesmo modo, anseia-se pelo fornecimento
dade social, a agricultura familiar, entendida aqui de serviços básicos às comunidades rurais, já que
como aquela que se desenvolve em pequenas muitas ainda não têm acesso a educação, ele-
propriedades e que utiliza principalmente a força tricidade ou abastecimento de água. Além dos
de trabalho da própria família, tem sido muito pro- aspectos já mencionados, é importante destacar
dutiva. que a melhoria das condições de vida e trabalho
Ela responde pela maior parte (74,4%) do pes- no campo no Brasil passa pela justa e equitativa
soal ocupado no campo e, apesar de utilizar ape- distribuição de terras.
nas 24,3% das áreas rurais produtivas, é a que mais Ademais, os pequenos agricultores precisam ter
produz alimentos no País. mais acesso a créditos, à assistência técnica rural
Nos últimos anos, o conceito de agricultura fa- e a políticas de preços mínimos para poderem se
miliar se ampliou no Brasil, em especial em face dos manter. As mortes, a violência no campo e o re-
programas de financiamento e das leis aprovadas. gime de trabalho em condições análogas às da
Por exemplo, a Lei federal no 11.326, de 24 de julho escravidão, resquícios de um Brasil colonial e escra-
de 2006, que fixa diretrizes para o setor, estabelece, vista, devem ser punidos com rigor.
além do que foi descrito anteriormente, que tam- Comércio e serviços no Brasil O setor terciário da 21
bém são beneficiários de programas de créditos e economia corresponde às atividades de comércio
assistência à agricultura familiar as comunidades e prestação de serviços. Diferentemente do setor
quilombolas, os pescadores, os criadores de pei- primário (agropecuário) e secundário (industrial), o
xes e outras espécies aquáticas, os extrativistas, as terciário não produz objetos.
populações ribeirinhas e até mesmo certos grupos No caso dos serviços, quem paga por eles tem
indígenas, como os que participam de projetos de acesso a um meio, um suporte ou uma conveniên-
conservação ambiental. cia para atender determinadas necessidades. Des-
Os gráficos a seguir representam a participação sa forma, contratar um técnico para consertar o
da agricultura familiar na produção agropecuária computador, uma pessoa que realize serviços do-
e de alimentos no Brasil. Os dados estão represen- mésticos ou consultar um médico são relações co-
tados em gráficos de “pizza” (círculos com propor- merciais do setor terciário.
ções) e de barras, e ambos mostram percentuais. Em economias modernas, o setor terciário, so-
bretudo os serviços, tem apresentado grande ca-
pacidade de absorver excedentes de força de tra-
balho dos demais setores. Um segmento que vem
tendo grande crescimento no Brasil é o de turismo,
que mobiliza inúmeros trabalhadores (guias turísti-
cos, tradutores e intérpretes etc.) e atividades (ho-
telaria, locação de veículos, construção civil, com-
panhias aéreas etc.). O setor de serviços também é
essencial no apoio a atividades produtivas, sejam
elas agropecuárias ou industriais. É cada vez mais
frequente, por exemplo, encontrar empregados de
setores administrativos ou técnicos de informática
em fazendas.
Esse setor vem ganhando muita importância
nos últimos anos diante dos avanços da informáti-
ca, da internet e das telecomunicações em geral.
Surgiram, e ainda surgem, novas empresas e subse-
tores, como os de softwares (programas e aplicati-
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vos para computadores, telefones celulares, tablets micas demográficas, como a estrutura etária (dis-
etc.), de comércio eletrônico, portais de notícias, tribuição da população em faixas de idade), a
empresas de design gráfico e muitas outras. Trata- esperança ou expectativa de vida (número médio
-se de um segmento em plena expansão, tanto no de anos que se espera que vivam os membros da
Brasil como no mundo. população, com base no ano de nascimento) e a
condição feminina (referente ao papel e à partici-
BRASIL: DINÂMICAS DEMOGRÁFICAS E SOCIAIS pação da mulher na vida social).
Para entender o comportamento demográfico Se você conversar com familiares, amigos e vi-
de um país, é preciso levar em conta o que ocorre zinhos, poderá constatar que hoje já não são tão
com a natalidade, a mortalidade e as migrações, frequentes famílias com grande número de filhos,
elementos centrais da análise demográfica. Assim, dada a queda nas taxas de fecundidade no País.
a demografia envolve estudos e levantamentos es- Conforme o Censo Demográfico do IBGE (Resulta-
tatísticos sobre esses pontos. Os dados costumam dos gerais da amostra, 2010), em 1940 a média era
ser expressos em taxas. de 6,1 filhos por mulher e passou a 1,9 filho por mu-
Além disso, a estrutura populacional de um país lher em 2010. A população brasileira aumentou em
pode ser analisada com base na classificação e na números absolutos, mas houve queda na natalida-
distribuição das pessoas em categorias como sexo, de e na fecundidade. Portanto, a população bra-
idade e estado civil. Deve-se considerar também sileira está crescendo, mas a um ritmo menor que
que os estudos populacionais procuram relacionar nas décadas passadas.
taxas e dados estatísticos a fatores de ordem so-
cial, política, econômica, cultural, ou às dinâmicas
do espaço geográfico, de modo a entender o que
estaria motivando determinado fluxo migratório.
Para compreender os fundamentos da análise
demográfica, serão estudados os indicadores com
os quais ela trabalha.
de estagnação do crescimento. Nessas últimas fa- para 74,6 anos (sendo 71,0 anos para os homens e
ses, às quais o Brasil começa a chegar, há redução 78,3 anos para as mulheres).
das taxas de natalidade e um crescimento natural De forma geral, isso mostra avanços no acesso
ou vegetativo relativamente pequeno da popula- à saúde (consultas, exames, medicamentos etc.),
ção. à previdência social, ao saneamento básico etc.
Processos como esse vêm ocorrendo há mais Mesmo que o sistema de saúde ainda tenha de-
tempo e de forma mais intensa em países da Eu- ficiências graves, mortes prematuras têm sido evi-
ropa (Itália, França, Espanha e outros), cujas taxas tadas e doenças graves vêm sendo tratadas. O
de crescimento estão abaixo das necessárias para aumento da longevidade, combinado com suces-
a reposição populacional. Ou seja, o número de sivas quedas nas taxas de natalidade e fecundida-
nascimentos não está sendo suficiente para man- de, resulta no gradativo envelhecimento da popu-
ter as populações ou propiciar seu crescimento lação.
em termos absolutos. Há várias explicações para Com isso, é muito provável que nas próximas
o processo de transição demográfica no Brasil. Eis décadas o Brasil tenha uma “janela de oportunida-
algumas: des” com a presença massiva de jovens e adultos
no mercado de trabalho, gerando a capacidade
• Houve significativa mudança na condição das de sustentar os demais membros da população.
mulheres na sociedade nas últimas décadas. Contudo, estima-se que no futuro a sociedade bra-
Elas ingressaram no mercado de trabalho e sileira tenha de se preocupar mais com o atendi-
passaram a exercer funções tradicionalmente mento aos idosos, que representarão percentual
destinadas apenas aos homens. Hoje, as mu- mais elevado no conjunto da população.
lheres estão mais escolarizadas e muitas são Desse modo, o desafio seria, em vez de construir
pessoas de referência da família (antes cha- creches e escolas de educação infantil, ampliar
madas de “chefes de família”). Não são mais ofertas de saúde, assistência social, lazer e cultura
donas de casa dedicadas a cuidar do lar e para os idosos.
dos filhos em tempo integral. Nesse contexto, Migrações no Brasil Registros mostram que a po-
muitas delas tendem a adiar ou suspender a pulação brasileira sempre foi muito móvel. No sé-
culo XX, em especial na segunda metade, as más
maternidade. Colabora também para essa
condições de vida no campo e o avanço da in-
situação o amplo acesso a métodos anticon-
dustrialização e da urbanização provocaram fortes
cepcionais, o que não ocorria em décadas
fluxos migratórios.
anteriores.
De forma geral, a partir dos anos 1950 e 1960,
• A partir das décadas de 1960 e 1970, o Brasil eram movimentos de longa distância e entre re-
conheceu um vigoroso processo de urbaniza-
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giões, sobretudo do Nordeste para grandes cida-
ção. Há muito mais pessoas morando nas cida- des do Sudeste, como São Paulo e Rio de Janeiro.
des. Nelas, a tendência é de as pessoas terem Houve também fluxos de sulistas para as áreas de
menor número de filhos, por causa do ritmo fronteiras agrícolas no Centro-Oeste e no sul da
de vida e dos elevados custos para cuidar de Amazônia (veja infográficos a seguir).
uma criança e manter a família, entre outros
motivos. Ao contrário do comportamento de
tempos atrás, quando vigorava no campo a
ideia de que quanto mais filhos, mais pessoas
para colaborar no trabalho agrícola.
quando alguém trabalha parte do ano em uma cidade e a outra metade do ano no lugar de origem,
como ocorre na colheita de cana-de-açúcar e na construção civil.
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Nos séculos XIX e XX, o Brasil recebeu milhões de imigrantes, como italianos, espanhóis e japoneses. Nos
anos 1980 e 1990, vieram chineses, coreanos e grupos originários de países africanos de língua portuguesa,
como Angola e Moçambique.
Nas décadas seguintes, chegaram imigrantes de países vizinhos, em especial da Bolívia. Nas últimas
décadas do século XX, em um quadro de crise econômica e dificuldades para conseguir empregos, o mo-
vimento se inverteu: brasileiros emigraram em busca de novas oportunidades.
Os principais destinos foram Estados Unidos, Paraguai, Japão, Reino Unido e Portugal. Os emigrantes se
originam principalmente dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná.
Contudo, com a forte crise econômica ocorrida a partir de 2008, muitos brasileiros emigrados retorna-
ram e se somaram a novos imigrantes que se dirigiram para o Brasil. Nos últimos anos, sobretudo após 2010,
ano em que ocorreu um forte terremoto no Haiti, muitos imigrantes daquele país ingressaram no Brasil, por
conexões que passam pelo Panamá e pelo Peru até a entrada pelas fronteiras no Estado do Acre.
neamento básico, em especial a coleta e o trata- Isso já é um indicativo do avanço que houve nessas
mento de esgoto e de lixo. áreas, mas também do que pode ser melhorado.
A excessiva impermeabilização do solo e a Examinando-se os dados da Pesquisa Nacional
construção de edificações em áreas de risco po- por Amostra de Domicílios (PNAD) com atenção,
dem causar enchentes e deslizamentos, o que pode-se ver que, apesar do aumento do IDHM en-
ocorre com frequência em cidades como São tre 1991 e 2010, ainda existem grandes diferenças
Paulo (SP), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador regionais quanto ao desenvolvimento humano. En-
(BA) e Florianópolis (SC). quanto o município de São Caetano (SP), líder do
Como parte dos empregos e serviços está con- ranking nacional, apresenta resultados similares aos
centrada nas áreas centrais, surge também o de- de países desenvolvidos, outros pequenos municí-
safio da mobilidade espacial. É conhecido o fato pios do Norte e do Nordeste estão no patamar de
de que milhões de pessoas são obrigadas a se des- baixo desenvolvimento humano, segundo os crité-
locar diariamente para seus empregos utilizando rios adotados pela ONU. Houve melhora geral no
transporte precário ou insuficiente, perdendo até acesso à educação, mas ainda há um contingente
quatro horas por dia. expressivo de pessoas de mais de 15 anos que não
Contribui para esse quadro a opção feita pelo sabem ler nem escrever.
País em privilegiar o automóvel, o que afeta os Os dados do gráfico Evolução da taxa de anal-
transportes coletivos e gera congestionamentos. fabetismo no Brasil – 1993-2012 (exercício 2 da Ati-
Pode-se dizer que apenas nas últimas décadas vidade 1) mostram um pequeno aumento no per-
houve investimentos consistentes em redes de me- centual de pessoas nessa condição no período
trô, que, entretanto, custam caro e demoram a fi- entre 2011 e 2012. Pode ser apenas uma variação
car prontas, e em vias expressas para ônibus. estatística, mas pode também representar recuo
Algumas cidades também passam por um pro- nas políticas para a educação de jovens e adultos
cesso de deterioração de seus centros antigos. e estagnação na diminuição do número de pes-
Entre outras razões, essa deterioração se dá pelo soas dessa faixa etária que não completaram os
abandono desses locais, diante dos investimentos estudos.
e das atividades concentrados em novos subcen-
tros apoiados no comércio e nos serviços. Apesar
dos problemas, diversos pesquisadores apontam
soluções urbanas criativas e eficientes criadas em
algumas cidades brasileiras, o que revela o poten-
cial humano das cidades para resolver os próprios
problemas. Entre elas, a expansão de ciclovias, a 27
coleta seletiva de lixo e a promoção da participa-
ção popular na aplicação de recursos públicos (o
chamado “orçamento participativo”).
Nesse aspecto, cada cidade deve procurar
identificar seus problemas e se mobilizar para en-
contrar soluções.
litoral, por causa da massa Tropical atlântica (mTa). são sobre a região, que impede a ação de massas
As massas de ar são grandes porções ou ca- equatoriais, tropical atlântica e frentes polares. A
madas de ar que possuem condições relativamen- corrente marinha fria do Atlântico Sul, procedente
te homogêneas (ou uniformes) quanto a pressão, da costa sul-africana, e o relevo (caso do Planalto
temperatura e umidade. São diretamente influen- da Borborema) funcionam igualmente como bar-
ciadas pelas regiões nas quais se formam (pola- reira à entrada de massas de ar oceânicas mais
res, tropicais, equatoriais) e decisivas para a com- úmidas no interior da região.
preensão dos fenômenos climáticos. Podem-se, assim, identificar no Brasil quatro
Na região Norte há uma distribuição heterogê- grandes domínios climáticos, com variações regio-
nea de umidade: no noroeste do Estado do Ama- nais e sazonais (ou seja, conforme as estações do
zonas, região em que se localizam municípios como ano): equatorial, tropical, subtropical e semiárido.
o de São Gabriel da Cachoeira, a média anual de Esses domínios se associam a uma maior ou menor
chuvas supera os 2.500 mm; já em Rio Branco, ca- presença de água, tipos de coberturas vegetais e
pital do Estado do Acre, a média anual fica entre espécies de animais.
2.000 mm e 2.500 mm. A porção Centro-Sul do País É nesse delicado equilíbrio que se dão as ações
é a mais afetada pela massa Polar atlântica (mPa), humanas.
um “braço” da massa de ar polar.
Ao atingir a latitude do Rio da Prata (entre Ar- O Brasil das águas
gentina e Uruguai), a mPa divide-se em dois ramos:
continental e atlântico. O primeiro adentra o con- O território nacional conta com aproximada-
tinente pelas calhas dos rios da Prata, Paraguai e mente 12% da água doce disponível no planeta,
Paraná, e produz quedas de temperatura no inver- presente em rios de grande volume de água, como
no. Pode atingir o Centro-Oeste e a Amazônia, por os da Amazônia, e em diferentes regiões hidrográ-
meio de um fenômeno conhecido como “friagem”. ficas.
No inverno, há neve nas serras gaúcha e cata- Mas, assim como em outras partes do mundo, a
rinense. O “braço” atlântico segue pela fachada água aqui também está desigualmente distribuída.
litorânea e provoca chuvas e quedas de tempe- Essa diferença na distribuição de recursos hídricos
ratura, mas vai perdendo força conforme se apro- está associada às dinâmicas climáticas e ao regi-
xima das latitudes mais baixas (ou seja, mais próxi- me de chuvas. Mas a disponibilidade e o acesso à
mas da Linha do Equador). água potável estão igualmente ligados ao modo
A mTa, por sua vez, origina-se em centros de como os rios, os córregos e os lagos são usados. O
alta pressão subtropical no Oceano Atlântico. mapa a seguir mostra as regiões hidrográficas do
Como foi visto, no verão, carregada de umidade e País. 29
calor e atraída por baixas pressões no continente,
a mTa avança sobre o oceano e produz chuvas e
temperaturas mais altas no Sudeste e em parte do
Centro-Oeste. No Sudeste, as serras litorâneas, ver-
dadeiros paredões do relevo, como a Serra do Mar,
funcionam como barreiras naturais, retêm umidade
e provocam chuvas locais – por sinal, as médias de
chuva mais elevadas do País, podendo chegar até
4.000 mm.
Isso favoreceu a formação, ali, de densas flo-
restas tropicais, com escarpas de serra florestadas.
Nas áreas sob influência de climas tropicais, há uma
delimitação entre estação seca (abril a setembro)
e chuvosa (outubro a março), mas, há singularida-
des regionais. No litoral nordestino, por exemplo,
as chuvas ocorrem de março a agosto, dada a in-
tensificação das massas de ar úmidas que vêm do
leste.
No Pantanal, situado na larga depressão do
Paraguai, o clima é quente e menos úmido, in-
fluenciado por baixas pressões atmosféricas e pela
massa Tropical continental (mTc). Deve-se destacar
também a mancha semiárida do sertão nordestino.
As chuvas ali são escassas e irregulares, com
médias que não ultrapassam 400 mm em alguns
pontos. Com a alta insolação e as médias térmicas
elevadas, há perda de água por evaporação, ge-
rando escassez de água. São múltiplas as causas
desse fenômeno.
Entre elas, está a ação da zona de alta pres-
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Os números disponibilizados pela Agência Na- da faixa litorânea, associada às chuvas de barreira
cional de Águas (ANA) e pela Agência Nacional no litoral.
de Energia Elétrica (ANEEL) sobre os recursos hídri- Contudo, originalmente, ela avançava para o
cos no Brasil impressionam. Por exemplo, a bacia interior, sofrendo influências da altitude e dos cli-
do Rio Amazonas é a mais extensa do mundo, com mas continentais.
6,1 milhões de km2, dos quais 63% estão presentes Assim como as florestas da Amazônia, a Mata
no território brasileiro. Atlântica é densa, com árvores altas (embora vá-
Essa bacia hidrográfica contribui com pouco rias espécies amazônicas sejam maiores) e troncos
mais de 70% da água disponível no País. Outras re- recobertos por epífitas – plantas que se alojam nos
giões hidrográficas com rios extensos e caudalosos troncos de outras, como orquídeas, certos tipos de
são a do Tocantins, cujos rios principais são o Ara- bromélias e outras.
guaia e o Tocantins, e a do São Francisco, cujo rio A Mata Atlântica se associa também a outras
mais importante, o São Francisco, é a principal fon- coberturas, como as do litoral (manguezais, estuá-
te de água de comunidades do semiárido. rios, dunas, praias) ou a mata de Araucária, típica
Deve-se destacar também a extensão e o po- da faixa subtropical. No semiárido está a Caatinga,
tencial de aproveitamento dos rios Paraná e Para- uma espécie de mata seca que perde suas folhas
guai, nas respectivas regiões hidrográficas. Além nos períodos de estiagem e possui folhas grossas e
de regiões e bacias hidrográficas e diversos rios espinhos como adaptação à seca.
caudalosos, o País conta com dois grandes aquífe- Há porções com caatinga arbórea mais densa
ros: Alter do Chão, na região Norte, e Guarani, no e outras mais arbustivas e com forte presença de
Centro-Sul, que se estende por Uruguai, Argentina cactáceas.
e Paraguai. São duas importantes reservas de água
doce situadas no subsolo.
Um aquífero não é um rio subterrâneo, mas um
conjunto formado por camadas arenosas que ar-
mazenam água e são recobertas por rochas.
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Em algumas classificações, essas faixas são chamadas de ecótonos. Isso mostra a extrema biodiversidade
dos biomas brasileiros, colocando o Brasil no grupo dos países megadiversos, ao lado de China, Colômbia,
República Democrática do Congo (RDC), México e Indonésia.
A flora e a fauna brasileiras são das mais ricas e variadas do planeta. Estudos sobre a Mata Atlântica
registraram em um único hectare (10 mil m2) mais de 450 espécies de árvores ou arbustos. A concentração
de mamíferos no País é a maior do mundo, com 514 espécies. Das espécies de anfíbios aqui encontradas
(517), mais da metade é endêmica, ou seja, são espécies exclusivas do Brasil.
Os biomas abrigam comunidades de fauna e permitem sua reprodução. As plantas ajudam a fazer
a regulação climática, emitindo vapor-d’água para a atmosfera por meio da evaporação e da transpi-
ração. A vegetação diminui os rigores da radiação solar, protege os solos e garante o escoamento e a
infiltração da água.
Nos cerrados, por exemplo, as matas ciliares (ou galerias), que acompanham o curso dos rios, evitam a
erosão das margens e o assoreamento dos cursos d’água. O assoreamento é o preenchimento do leito dos
rios com sedimentos, o que diminui sua profundidade e dificulta o livre fluxo da água e de certas atividades,
como a navegação.
Toda essa riqueza, que tem valor em si mesma, pode representar também a oferta de bens como frutos,
seivas, óleos vegetais, raízes e animais, com uma infinidade de usos. Entre esses usos, está a geração de
alimentos e medicamentos. Isso só acentua a importância da proteção ambiental no País.
O relevo integra os domínios naturais e exerce importante papel nas dinâmicas climáticas e na distri-
buição das formas de vida. Várias classificações foram propostas, para que as unidades de relevo fossem
mais bem conhecidas. A proposta que segue foi criada por Jurandyr L. S. Ross, que identifica três unidades
básicas (planaltos, planícies e depressões), distintas entre si não apenas pela altitude, mas também pelos
processos que lhes deram origem.
Com isso, percebe-se, entre outras características, que a maior parte do território brasileiro é constituída
por planaltos e depressões, unidades nas quais o processo de erosão predomina sobre o processo de de-
posição de sedimentos.
31
A expressão gestão sustentável significa gerir os recursos naturais de modo a não esgotá-los ou não
comprometê-los, considerando os efeitos da exploração econômica intensiva e predatória. Não compro-
meter recursos vitais significa mantê-los para as gerações futuras.
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duzem ainda mais o abrigo da fauna. tipos de uso, como pesquisa, educação ambien-
Além disso, o que restou nessas áreas são frag- tal ou turismo ecológico. Entre elas, estão o parque
mentos da mata. Separados entre si, não formam nacional, a reserva biológica, a estação ecológica
corredores ecológicos, faixas de matas interligadas e os refúgios da vida silvestre.
que permitiriam a disseminação de sementes de • Unidades de uso sustentável: buscam conci-
plantas ou o trânsito de animais. liar proteção natural e usos sustentáveis, como a
A situação do Cerrado e da Caatinga é igual- coleta e o processamento de bens (látex, casta-
mente preocupante. No caso do primeiro, em ra- nha-do-pará, açaí e outros), atividades realizadas
zão da expansão da agricultura moderna (grãos com a floresta “em pé”.
para exportação), da pecuária e das carvoarias Entre elas, estão: reserva extrativista, floresta na-
no Brasil central, restam apenas 51,5% da cobertura cional, reserva particular do patrimônio nacional e
primária ou secundária desse bioma. outras. Somadas, as UC hoje abrangem 1,5 milhão
A Caatinga distribui-se pelo sertão nordestino, de km2, ou pouco menos de 18% do território na-
região com enorme biodiversidade e uma das cional. Desse total, 520 mil km2 são áreas de prote-
áreas semiáridas mais povoadas do mundo. A área ção integral.
total de remanescentes de caatinga está entre O Brasil conta, ainda, com parques nacionais
56% e 62,9%. Em qualquer um desses cenários a si- marinhos, como o de Fernando de Noronha. Como
tuação é dramática, já que as populações depen- já foi visto, as terras indígenas e as comunidades
dem bastante dos recursos locais. quilombolas colaboram, a seu modo, para a pre-
Diferentemente de outros biomas, na Caatinga, servação, já que, em regra, são usadas para ativi-
a supressão das coberturas vegetais é mais pulveri- dades de baixo impacto ambiental.
zada, afetando diferentes pontos em pequena es-
cala. A retirada da cobertura se deve em especial
à busca por carvão vegetal e lenha para uso do-
méstico ou industrial (casos de gesso, cal, cerâmica
e ferro-gusa).
Os ecossistemas associados ao bioma Mata
Atlântica também estão em risco no Brasil. Os man-
guezais, verdadeiros berçários de espécies mari-
nhas, estão ameaçados pela expansão imobiliária
e pela carência de saneamento básico. Da Mata
de Araucárias restam cerca de 1% da cobertura
original, espalhada pelo Sul e pelo Sudeste. Toda 33
essa situação provoca grave perda de serviços
ambientais.
a levantamentos de um Cadastro Ambiental Rural, Xingu (PA). Estudiosos apontam que essa fon-
ainda a ser feito. Parte das mudanças pode ser ex- te depende de chuvas regulares para produzir
tremamente danosa em áreas urbanas, nas quais energia, o que pode gerar problemas. Por sua
as APPs não são respeitadas, com resultados bem vez, recomendam a criação das Pequenas
conhecidos: mortes e destruição como consequên- Centrais Hidrelétricas (PCH), que causam me-
cias de enchentes e deslizamentos frequentes. nor impacto ambiental.
Não é raro que vereadores mudem leis locais • Etanol versus combustíveis fósseis: o etanol é
de zoneamento, ferindo leis maiores, para permitir uma alternativa ao uso da gasolina, pois causa
a implantação de novos empreendimentos imobi- menos poluição e é renovável. Também evita,
liários. Assim, a efetiva proteção ambiental no Bra- dentro do País, os efeitos das oscilações que o
sil depende da postura vigilante e fiscalizadora da preço do petróleo sofre no mercado mundial,
sociedade. já que é uma alternativa ao uso de combustí-
veis fósseis. Contudo, a expansão dos cultivos
PERSPECTIVAS ENERGÉTICAS E
114 UNIDADE 4 pode deslocar lavouras de ali-
QUESTÕES AMBIENTAIS NO BRASIL
mentos. Mas, agora que o Brasil conta com as
reservas do pré-sal, há uma tendência para a
Matriz energética é o conjunto de fontes pri-
“carbonificação” da matriz e perturbações na
márias (usadas diretamente da natureza, como a
hidráulica) e secundárias (derivados de petróleo, produção de etanol. É importante notar que o
por exemplo) de um país. Os dados mostram que petróleo produz inúmeros derivados, o que difi-
a matriz brasileira está apoiada nos combustíveis culta sua substituição. Porém, talvez o principal
fósseis (petróleo e derivados, gás), no uso de deri- ponto seja o de que ambos (etanol e gasoli-
vados da cana e na geração hidrelétrica, a qual, na) são gerados para abastecer veículos. Isso
aliás, responde por mais de ¾ da oferta de energia reforça o papel proeminente do automóvel,
elétrica no País. em detrimento de opções como trens e me-
O Brasil também é o segundo maior produtor trô, movidos a eletricidade, e ônibus, movidos
mundial de hidreletricidade, atrás apenas da Chi- a eletricidade, diesel ou biodiesel. Deve ser
na. Não é por outra razão que o País é conhecido lembrado que a produção de cana-de-açú-
como “a Arábia Saudita da geração hidrelétrica”. car para gerar etanol está concentrada no
Além disso, o Brasil é um dos poucos países do mun- Sudeste (sobretudo no Estado de São Paulo),
do que dispõem de um combustível automotivo à muitas vezes com precarização das relações
base de biomassa vegetal (o etanol produzido a de trabalho.
34 partir da cana-de-açúcar), que é renovável e me- • Fontes limpas e renováveis: o Brasil apresen-
nos poluente. ta as condições naturais necessárias para
O etanol é uma fonte utilizada em larga escala implantar fontes limpas e renováveis como a
e uma alternativa à gasolina. Quais são os benefí- solar (dada a intensa radiação solar em áreas
cios e os custos ambientais e sociais dessas opções, tropicais) e a eólica (devido aos ventos regula-
levando em conta também a recente descoberta res a 50 m de altura no litoral nordestino e na
de reservas de petróleo no subsolo oceânico, na região Sul) para gerar energia elétrica. Investi-
chamada camada do pré-sal? Eis alguns pontos mentos têm sido feitos, mas a participação das
que configuram transformações importantes no es- energias renováveis n a oferta interna ainda é
paço geográfico nacional e no setor energético:
pequena: a eólica, por exemplo, responde por
apenas 1,7% da oferta de eletricidade. Outras
• Energia hidrelétrica: opção renovável, apro-
alternativas poderiam ter mais estímulos, como
veita o potencial de rios e bacias do País. Há
a energia das marés e o uso da biomassa (ba-
emissão de gases estufa por meio do metano
gaço de cana, restos vegetais) para gerar ele-
expelido pela água que passa nas turbinas e
tricidade, como já ocorre em usinas de açúcar
por meio do gás carbônico emitido pelas plan-
e etanol no Estado de São Paulo.
tas que se decompõem às margens dos reser-
vatórios, mas em proporção menor que a de As demandas ambientais e sociais no Brasil indi-
outras fontes. A Amazônia tem o maior poten- cam que devem ser valorizadas as fontes energéti-
cial, mas a maior capacidade instalada está cas que evitam emissões de gases estufa, os quais
no Sudeste e no Sul, sobretudo no Rio Paraná. podem causar perturbações climáticas. Também é
Esse tipo de energia usa a água dos rios sem preciso rever o “modelo” rodoviário, centrado no
gastá-la e é renovável, mas não está livre de automóvel individual, que gera congestionamen-
impactos. As barragens mudam a dinâmica tos, poluição atmosférica e grandes transforma-
dos rios e das formas de vida; os reservatórios ções urbanas, com a sistemática construção de
alagam áreas verdes e deslocam populações, pontes, túneis e viadutos. O carro é um consumidor
inclusive indígenas. Isso ocorreu com usinas de voraz de espaço. Além disso, os setores industrial e
grande porte, como as de Tucuruí (PA), So- de transporte, juntos, consomem aproximadamen-
bradinho (BA) e Itaipu (PR). Hoje, há intenso te 65% da energia gerada no País. Portanto, devem
debate sobre Belo Monte, nova usina no Rio pagar por essa energia de forma correspondente.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
pontos, esta Unidade e o próprio Volume adotam lando a persistência de um fosso profundo entre os
os termos usados pelo PNUD: países em desenvolvi- países – estão Chade, Moçambique, Níger e Repú-
mento e países desenvolvidos. blica Democrática do Congo (RDC).
Mais que uma proposta de divisão regional, o
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) IDH pretende oferecer subsídios a fim de que os
países desenvolvam políticas para melhorar a vida
As insuficiências das classificações regionais de- da população e persigam as metas dos Objetivos
rivam também dos critérios adotados. Tradicional- de Desenvolvimento do Milênio (ODM), elaborados
mente, eles se baseiam apenas em critérios eco- pela ONU em 2000. Mas nem mesmo o IDH abran-
nômicos, como o PIB ou o PIB per capita, ou seja, o ge todos os itens que levariam ao desenvolvimento
valor total do PIB a cada ano dividido pelo número humano, como se pode observar no texto a seguir.
de habitantes de um país. Vale lembrar que o PIB é
a soma (em valores monetários) de tudo o que um
Países desenvolvidos, países industrializados
país produz em um dado período.
Em 1990, o PNUD lançou um novo conjunto de
Os países desenvolvidos são aqueles em
indicadores, traduzido pelo Índice de Desenvol-
que a maioria da população tem acesso à sa-
vimento Humano, o IDH. Calculado e publicado
tisfação de todas as necessidades vitais, bem
anualmente, o IDH vai além dos resultados econô-
como a certo conforto e à educação. O termo
micos de cada sociedade. Medido de zero a um
aproxima-se do de países industrializados, que
(quanto mais próximo de um, maior é o desenvolvi-
designa os países cuja economia baseia-se prin-
mento humano), ele leva em conta:
cipalmente nas atividades industriais (em oposi-
ção às economias dependentes da produção
• uma vida longa e saudável (saúde), medida
agrícola e de matérias-primas). Essa noção não
pela expectativa de vida; é isenta de arbitrariedade, dado que serve, so-
• o acesso ao conhecimento e à educação, bretudo, para designar “os países mais industria-
medido por: a) média de anos da escolariza- lizados do mundo” que se reúnem no G-8. Se o
ção dos adultos, realizada durante a vida por critério principal discriminador, por muito tempo
pessoas a partir de 25 anos; b) expectativa de utilizado para qualificar os países desenvolvidos,
anos de escolaridade para crianças na idade foi o Produto Interno Bruto (PIB), hoje convém
de iniciar a vida escolar, ou seja, o número to- raciocinar principalmente em função do nível
tal de anos de escolaridade que uma criança de desenvolvimento humano. O Programa das
pode esperar receber; Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
36 • o padrão de vida (renda), medido pela Ren- [...] considera que os países desenvolvidos são
da Nacional Bruta (RNB) per capita convertida aqueles cujo IDH é superior ou igual a 0,8. Em
para dólares internacionais usando as taxas de 2007, havia, de acordo com essa definição, 70
Paridade de Poder de Compra (PPC). países desenvolvidos no mundo (principalmen-
te os países da Europa, da América do Norte,
A PPC é utilizada para efetuar comparações in- do Leste asiático e da Oceania). [...]
ternacionais entre o nível de poder das diferentes DURAND, Marie-Françoise et al. Atlas da mundialização:
moedas nacionais. compreender o espaço mundial contemporâneo. São
Paulo: Saraiva, 2009, p. 156.
leo. Esses e outros países também vêm recebendo ropeia, março de 2014, que mostra as adesões que
investimentos estrangeiros diretos, sobretudo chine- ocorreram até essa data. Repare nos tons de azul,
ses. nas outras cores utilizadas e nas datas da legenda.
Pesquisas indicam, ainda, ascensão social em
diversos deles, com aumento expressivo do consu-
mo de bens, como televisores e telefones celulares,
e com a elevação de padrões de renda média.
Mesmo assim, ainda existem desafios gigantes-
cos, como as contendas étnico- -culturais, políticas
e territoriais; a inserção da África na economia glo-
bal em condição de dependência e muitas preca-
riedades em quesitos como infraestrutura urbana,
moradia, alimentação, acesso à saúde e à água
potável. As instituições regionais asiáticas, por sua
vez, ainda necessitam de maior consolidação e
criação de mecanismos para enfrentar problemas
transnacionais.
Existem iniciativas de aproximação da Asean
com a China e a Índia, gigantes econômicos e
demográficos da Ásia, sem os quais não é possível
pensar nos destinos daquele continente. E, atual-
mente, há economias em franco crescimento na
região, como a do Vietnã. Assim, cabe a cada blo-
co assegurar a estabilidade política e econômica
dos países-membros e atenuar dificuldades advin-
das das diferenças entre seus componentes.
O desafio atual é, também, o de compatibilizar
os interesses específicos de cada bloco, diante de
um mercado global cada vez mais competitivo.
Em estágio bastante aprofundado de integração, ainda não alcançado por outros blocos regionais, as
estruturas da UE contam com diversas instituições. Entre elas, além do Parlamento Europeu e do Conselho
da Europa, estão:
39
• Comissão Europeia – com 28 comissários, um por país, é um órgão que propõe leis ao Parlamento e ao
Conselho europeus, busca garantir o cumprimento de leis e gera os fundos e orçamentos de todo o
bloco. Representa a UE em negociações com outros países e blocos.
• Banco Central Europeu – responde pelas políticas relativas ao euro.
• Tribunais e banco de investimentos (financia obras em países-membros) – comitês que representam sub-
-regiões e, ainda, dezenas de agências com tarefas específicas.
Essa estrutura de integração regional permitiu ao bloco se tornar a maior potência comercial do pla-
neta, respondendo por aproximadamente 1/3 do comércio mundial. Mas não significa que o bloco não
tenha desafios.
Ao longo de 2011, a UE se viu diante do debate sobre a crise econômica iniciada em 2008 nos Estados
Unidos e que se expandiu para países do bloco europeu. Isso se deu por causa da situação de países como
Irlanda, Espanha, Portugal e, em especial, Grécia.
Com a crise, esses países revelaram elevado comprometimento de suas reservas monetárias e incapa-
cidade de efetuar o pagamento de suas dívidas. Nesse contexto, a Grécia recebeu aportes financeiros do
bloco e de bancos internacionais. Isso foi feito para evitar turbulências no euro, pois a economia grega não
era tão estável e forte quanto a de outros países da UE, como a Alemanha.
Em contrapartida, o governo grego se comprometeu a reduzir gastos, sanear as contas públicas e con-
ter os salários – essa última medida gerou fortes protestos no país. Entre o final de 2013 e o início de 2014,
a UE foi pivô de uma rebelião popular na Ucrânia. Debatia-se na ex-república soviética a adoção de um
amplo acordo com o bloco, proposta rechaçada pelo então presidente Viktor Yanukovich. Contra a von-
tade de boa parte dos ucranianos, ele defendia a aproximação com a Rússia. Foi então deposto e fugiu
em fevereiro de 2014.
A seguir, formou-se um governo de coalizão e foi marcada uma nova eleição, da qual saiu vitorioso
Petro Poroshenko, pró-ocidental, ou seja, favorável à aproximação com a UE. Em meio à tensão entre o
governo ucraniano e os separatistas pró-russos que atuam no leste do país, a Península da Crimeia decla-
rou independência e, logo depois, foi anexada pela Rússia. Os movimentos separatistas são, também, um
desafio a ser enfrentado com cautela na UE.
Outra questão que causa preocupação no espaço europeu envolve a efetiva integração de imigran-
tes à cidadania europeia. Países têm oscilado entre políticas mais ou menos restritivas à entrada de no-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
vos contingentes populacionais, sobretudo frente O mapa a seguir localiza os países do Mercosul,
à pressão da xenofobia e de ações extremistas de Estados associados e também a União de Nações
neonazistas. Sul-americanas (Unasul), entidade de caráter políti-
co criada em 2007.
Integração regional no continente americano:
Mercosul e Nafta
teiras com o México. Até mesmo um muro foi ergui- congressos, feiras, exposições ou convenções.
do entre Tijuana (norte do México) e San Diego (sul Outro exemplo é Roterdã, metrópole da Ho-
dos Estados Unidos), na fronteira. landa que há muito tempo demonstra sua força
Isso pode ser benéfico para os dois países, já econômica. Sozinha, ela é responsável por 30% do
que passam a ter um mercado cativo para seus Produto Interno Bruto (PIB) do país. Situada no litoral
produtos. Mas aí está uma fonte de críticas ao Mer- holandês, às margens da foz do Rio Reno, ali funcio-
cosul: muitos advertem que seus países-membros na um dos portos mais movimentados do mundo.
precisam firmar novos acordos comerciais com As indústrias no seu entorno reforçam a atividade
parceiros de fora do bloco, sob pena de ficarem portuária.
excluídos de mercados importantes. Outros grandes portos e importantes espaços
É o que fazem, por exemplo, vizinhos tais como de trocas estão no leste asiático, impulsionados,
Chile, Peru e México ou a gigante China. Em 2014, especialmente, pela vigorosa economia chine-
foram retomadas as negociações entre Mercosul e sa (Shangai, Shenzhen e Hong Kong), pela Coreia
UE para firmar um grande acordo comercial entre do Sul (Busan), por Cingapura, entre outros países.
ambos. Ocorre também uma articulação entre as grandes
Ao se confirmar, esse acordo deverá prever metrópoles para que essas trocas possam criar uma
facilidades e reduções ou isenções de impostos e verdadeira rede global. Muitas vezes, os fluxos e as
taxas sobre vendas de produtos e poderá criar a relações – sobretudo econômicas e financeiras –
maior área comercial do planeta. Contudo, o Mer- de algumas delas são mais fortes com outras me-
cosul enfrenta problemas de instabilidade política trópoles situadas em países diferentes do que com
no Paraguai, com a deposição, em 2013, do pre- localidades próximas.
sidente eleito, e na Venezuela, palco de grandes Além disso, as metrópoles apresentam diversas
manifestações de rua e enfrentamentos entre par- situações de conurbação, que é a junção física dos
tidários do governo e oposicionistas. espaços das cidades, criando grandes manchas
No caso do Paraguai, a deposição de Fernan- urbanas, bastante integradas. Muitas vezes, essa
do Lugo causou a suspensão temporária do país junção se dá entre metrópoles e núcleos urbanos
do Mercosul, que voltou ao bloco em 2014, após a do seu entorno, formando as chamadas megaló-
eleição do presidente Horacio Cartes. poles. Boa parte desses grandes conjuntos urbanos
Outro desafio se dá na escala da América do formam verdadeiras regiões urbanas.
Sul. Estão em marcha, ainda que em ritmo lento, Entre as principais megalópoles estão as de
obras de integração físico-territorial sul-americana. Nova Iorque-Filadélfia (EUA), Londres (Inglaterra)-
Por exemplo, novas interligações por rodovias e fer- -Paris (França) e Tóquio-Osaka (Japão). Das mega-
rovias entre os oceanos Atlântico e Pacífico e entre lópoles consideradas secundárias, pode-se men- 41
grandes áreas urbano-industriais (do eixo Rio-São cionar o grande conjunto urbano que vai do eixo
Paulo a Buenos Aires), além de portos no Pacífico Rio-São Paulo a Buenos Aires (Argentina), o de Bei-
(Peru, Chile). Isso pode dinamizar as economias dos jing-Shangai (China) e as grandes manchas urba-
países e viabilizar exportações. nas em torno de Chicago e Los Angeles (EUA).
Há também outros eixos de integração em se- As metrópoles são espaços de concentração
tores de comunicações e energia, além de meios de atividades fundamentais para a economia do
de transporte, como as hidrovias. mundo contemporâneo.
Em diversos casos, o próprio tamanho da man-
Metrópoles e megalópoles cha urbana e a concentração de pessoas e ativi-
dades exigem investimentos que dinamizam sua
Metrópoles são, em regra, cidades de médio economia. São exemplos disso os meios de trans-
e grande porte que concentram recursos de toda porte, que estão sempre exigindo novos aportes de
ordem e irradiam influências em diversas escalas. recursos para garantir a mobilidade urbana.
Um dado importante da globalização refere-se à
multiplicação das relações e interações (econômi- QUESTÕES URBANAS: POBREZA E MORADIAS
cas, culturais, políticas, sociais etc.) em escala pla-
netária. Os dados mostram que houve queda no per-
O que isso significa? Várias dessas cidades pos- centual de pessoas vivendo em favelas nos países
suem grandes portos e aeroportos, importantes en- em desenvolvimento em relação ao total de po-
troncamentos rodoviários e ferroviários e avança- pulação urbana. No entanto, teve aumento nos
dos sistemas de comunicação, pelos quais passam números absolutos de todos os que vivem em mo-
fluxos de bens, pessoas e informações. radias precárias.
Além disso, as metrópoles são sedes de grandes Aproximadamente 200 milhões de pessoas que
empresas, bolsas de valores, órgãos governamen- vivem em favelas conheceram melhorias, o que
tais, fábricas, universidades, centros de pesquisa, atende a compromissos dos países que buscam
empresas de comunicação (TV, jornais, revistas, atingir as metas dos Objetivos de Desenvolvimento
provedores de internet etc.), agências de publi- do Milênio (ODM), estabelecidos pela ONU. Uma
cidade e outras. Não é por outra razão que São delas fala em melhorar a vida de 100 milhões de
Paulo, por exemplo, recebe milhões de visitantes pessoas que vivem em assentamentos precários
do próprio Brasil e estrangeiros que participam de até 2020.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Mas o número dos que vivem em más condi- políticas públicas estabelecidas há pelo menos cin-
ções ainda é muito alto: quase 1 bilhão de pessoas, co décadas.
ou 1/7 da população mundial. A ONU mostra tam- Assim, diversas cidades situadas nesses países
bém que, em termos absolutos, a África Subsaaria- contam com ciclovias sinalizadas, exclusivas (que
na é a região com a maior população vivendo em não disputam espaço com veículos motorizados),
favelas, quase 200 milhões de pessoas. com piso adequado e segurança. Tem sido propos-
Em seguida, vêm: sul da Ásia, com 190,7 mi- ta a expansão desse meio de transporte em cida-
lhões; Ásia do Leste, com 189,6 milhões; América des de diversos países, entre os quais os da América
Latina e Caribe, com 110,7 milhões; e Sudeste Asiá- Latina Uma experiência pioneira de Curitiba está
tico, com 88,9 milhões. Em outras partes do mundo disseminada por dezenas de países: a do sistema
os números são bem menores. BRT (Bus Rapid Transit).
Trata-se de ônibus articulados que circulam em
pistas exclusivas e com pontos de parada que são
verdadeiras estações de embarque e desembar-
que. Eles já existem, como indica estudo da ONU,
na China e em cidades dos Estados Unidos, do Ca-
nadá e de diversos países da América Latina e da
Europa ocidental.
Outros sistemas coletivos são o metrô e os trens
rápidos. Os primeiros, em regra, são subterrâneos e
podem interligar a malha urbana de modo rápido e
eficiente. As redes mais antigas estão nos países de-
senvolvidos, nos quais foram instaladas mais cedo.
Cidades como Londres, Shangai e Beijing possuem
redes de metrô com mais de 400 km de linhas. Ou-
tros metrôs extensos são os de Tóquio, Paris, Nova
Iorque, Madri, entre outros.
No entanto, em diversos países em desenvolvi-
O Brasil também integra essa lista. Apesar da mento, o sistema ainda precisa se expandir – consi-
redução ocorrida nos últimos anos, segundo esta- derando que ele custa caro e demora alguns anos
tísticas do Censo Demográfico 2010 e informações para ficar pronto. Comparativamente, o metrô de
territoriais do Instituto Brasileiro de Geografia e Es- São Paulo, o maior do Brasil, possui pouco mais de
42 tatística (IBGE), aproximadamente 11 milhões de 70 km de linhas, enquanto Seul, na Coreia do Sul, é
brasileiros vivem ainda nos ditos “aglomerados sub- um exemplo de uma rede maior, moderna, rápida
normais”. Ou seja, moradias ou edificações precá- e eficiente, com, aproximadamente, 290 km de li-
rias e provisórias: favelas, cortiços, acampamentos nhas. Uma situação agravante é a forte dissemina-
em ocupações etc. Quase 1/3 desse total está na ção de veículos automotores, como o automóvel
região Sudeste, em especial nas grandes cidades particular. Apesar de proporcionar vantagens para
do País. algumas pessoas, o predomínio do transporte indi-
A pobreza urbana e a vida em favelas signifi- vidual não é recomendável em grandes cidades.
cam também dificuldades de acesso a água potá- O automóvel se “apropria” do espaço, trans-
vel, coleta e tratamento de esgotos e de lixo, entre porta menos pessoas, gera poluição tanto atmos-
outros serviços. Vielas estreitas, esburacadas e com férica quanto sonora e congestiona as vias. Assim,
esgoto a céu aberto são comuns nessas áreas. No o desafio é conter a expansão do automóvel e in-
Leste Europeu, por exemplo, vilas e cidades defi- vestir de modo consistente em sistemas coletivos,
nham com a emigração dos mais jovens. buscando as opções mais adequadas a cada país.
Na Moldávia e na Romênia, são comuns vi- É preciso também expandir redes e melhorar a
larejos com maioria de idosos e crianças, muitos qualidade dos serviços, em especial em países em
deles vivendo sem qualquer assistência. Questões desenvolvimento. Nos desenvolvidos, as restrições
urbanas: mobilidade e acessibilidade O transporte ao automóvel deveriam integrar um quadro de
não motorizado compreende deslocamentos a pé, busca de alternativas energéticas eficientes, reno-
com bicicletas e veículos que usam a tração ani- váveis e limpas.
mal – esse último é cada vez mais raro nas cidades.
Em alguns países em desenvolvimento, esse tipo Questões urbanas: meio ambiente e qualidade
de transporte acaba tendo papel central pela falta de vida
ou precariedade de transportes públicos, como é
o caso de Senegal e Camarões. Mas é uma opção As questões ambientais ganharam destaque a
viável para trajetos curtos, desde que haja investi- partir da década de 1970, com a realização, em
mentos em calçadas e passeios próprios para isso. Estocolmo (Suécia), da primeira conferência sobre
As bicicletas são muito comuns em países asiáticos, o tema, em 1972. O “divisor de águas” foi a Rio-92,
mas foi na Europa, sobretudo na Alemanha, na Ho- que firmou o conceito de desenvolvimento susten-
landa e na Dinamarca, que elas se disseminaram tável e estabeleceu uma série de princípios e di-
como meio de transporte urbano, em razão das retrizes sobre biodiversidade, mudanças climáticas,
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cuidados com a água, disposição de resíduos e risco” para se referir a essas áreas, que acabam
efeitos do consumo predatório. sendo habitadas pelos mais pobres, que não têm
Novas conferências e fóruns setoriais vêm se opções viáveis de moradia.
dando desde aquela época para dispor metas e A intensiva pavimentação do solo urbano, por
práticas sobre as questões ambientais. Nesse qua- sua vez, dificulta a infiltração das águas e acelera
dro, as cidades têm papel central, diante da cons- o processo de escoamento superficial, provocan-
tatação de que elas concentravam e ainda con- do inundações nos períodos de chuvas mais fortes.
centram agravos ambientais que afetam especial- Tais processos podem ser observados em diversas
mente as populações mais pobres ou vulneráveis. cidades da América Latina, da Ásia e da África.
Ao serem instaladas, as cidades integram um sítio Isso significa que nem sempre esses núcleos estão
urbano com características peculiares. O sítio ur- preparados para enfrentar episódios de extremos
bano se refere à configuração natural do local em climáticos. A disposição e o processamento final do
que a cidade se instala e que, de alguma forma, lixo são outros grandes desafios urbanos.
condiciona seu crescimento. A deposição incorreta ou a retirada irregular de
Por exemplo, em relevo montanhoso, como La resíduos agrava problemas de inundações nos pi-
Paz (Bolívia); em faixa litorânea, caso de Salvador cos de maior precipitação, além de oferecer riscos
(BA); ou próximo a um grande rio, como Manaus à saúde. Cidades brasileiras apresentam exemplos
(AM) – Rio Amazonas – e Cairo (Egito) – Rio Nilo. O negativos dessa prática.
uso e a ocupação do solo urbano não devem des-
considerar as características do sítio urbano, sob ESPAÇO, CULTURA E IDENTIDADES CULTURAIS
pena de sofrerem impactos ambientais e sociais e
terem seus recursos naturais e humanos compro- A palavra cultura vem do latim colere, que quer
metidos. dizer “cultivar”. Ao longo do tempo, ela foi adqui-
Um dos agentes da degradação ambiental ur- rindo o significado de obra humana. Ou seja, a pro-
bana é o setor de empreendimentos imobiliários, dução de cultura é um dos atributos humanos que
que, burlando leis urbanísticas, ocupa áreas vulne- distinguem o ser humano dos outros seres vivos. O
ráveis como encostas e fundos de vale. Isso tam- texto de Roberto DaMatta destaca alguns significa-
bém ocorre por causa da falta de políticas públicas dos do termo cultura encontrados em nossa socie-
de habitação e urbanismo, levando os mais pobres dade. Segundo o autor, cultura é a “maneira de vi-
a ocuparem de modo informal essas áreas. ver total de um grupo, sociedade, país ou pessoa”.
Portanto, para cada grupo humano identifica-
do, cada um com sua história, existiria uma cultura
particular. E, como diz o autor, todas as culturas de- 43
vem ser analisadas em “pé de igualdade” com as
demais. Em seu texto, o autor recusa teorias “evolu-
cionistas” de cultura. Para essas teorias, as socieda-
des consideradas “primitivas” deveriam evoluir até
chegar ao padrão considerado ideal, o da moder-
na sociedade ocidental.
Os europeus, criadores dessa teoria, julgavam
as demais culturas do mundo com base em suas
próprias referências e as classificavam segundo
estágios de “evolução”. É conhecido o relato de
portugueses que aportaram no Brasil em 1500, sur-
presos ao se deparar com indígenas nus e de cor-
pos enfeitados. Porém, se cada cultura produz suas
práticas e seus valores, conclui-se que não existem
culturas superiores e inferiores, como acreditavam
os evolucionistas.
Trata-se de algo comum em cidades brasileiras, Elas são apenas diferentes; expressam a diversi-
nas quais Áreas de Preservação Permanente (APP), dade dos modos de vida e da relação que cada
tais como topos de morros, encostas etc., são to- grupo estabelece com os lugares em que vive. As-
madas por casas, prédios e outras edificações. Por sim, os espaços e as paisagens também resultam
isso, é imperativo aprovar e aplicar leis para res- da produção cultural.
tringir essas práticas Entre as consequências mais Atualmente, cada vez mais as chamadas pai-
imediatas desse tipo de ocupação dos territórios sagens culturais são reconhecidas em valor e im-
urbanos estão a supressão de coberturas vegetais, portância para o povo que as gerou e para a hu-
a eliminação de nascentes de água e a alteração manidade. Um exemplo é o das paisagens culturais
dos cursos d’água. do Rio de Janeiro, uma singular combinação entre
A retirada de vegetação cria instabilidades nas morros, praias e obras humanas, as quais foram re-
encostas e nos topos de morros, gerando desliza- conhecidas pela Organização das Nações Unidas
mentos e soterramento de casas e espaços públi- para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
cos. No Brasil, é conhecida a expressão “áreas de As culturas têm, em regra, um povo e um espa-
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ço de origem, mas não são estáticas. Elas mudam truindo aos poucos a ideia de identidade e de
constantemente, por meio de inúmeras trocas e pertencimento nacional, algo a ser compartilhado
contatos entre diferentes povos. As culturas rece- pelas respectivas sociedades.
beram e recebem influências externas a todo mo- Mas, quase sempre, tais processos foram mar-
mento. cados por violentos embates e por resistências de
Por exemplo, a língua portuguesa falada no diferentes povos, culturas e identidades. Em muitos
Brasil é repleta de palavras de origem indígena e casos, o grupo dominante ou vencedor terminou
africana, fruto do contato ao longo dos séculos. por impor aos demais grupos e culturas sua língua,
Tais trocas e influências se intensificaram muito com seus valores, seus limites territoriais. Portanto, cada
os avanços nas telecomunicações, sobretudo a in- país possui muitas diferenças culturais internas.
ternet. Porém, é importante lembrar que há uma Assim foi a formação de países como Espanha,
difusão desigual das técnicas e tecnologias. Canadá e Reino Unido, que agregaram distintos
Assim, as novidades são apropriadas diferente- povos e culturas. Hoje, regiões, províncias ou povos
mente por cada grupo social. Esse quadro coloca desses países reivindicam mais autonomia ou que-
para cada um de nós a questão da identidade cul- rem se separar do Estado nacional no qual estão
tural: Quem somos? A qual cultura pertencemos ou inseridos, formando um país novo e independente
com quais culturas nos identificamos? Com as de (Catalunha e País Basco, na Espanha; Quebec, no
âmbito local, nacional ou global? Teríamos múlti- Canadá; Escócia, no Reino Unido; além de muitos
plas identidades? outros).
O que é ser brasileiro, japonês ou alemão? São No quadro das relações internacionais, tem
questões em aberto e que serão desenvolvidas sido muito frequente explicar alguns conflitos como
neste mesmo tema. Veja no texto a seguir a defini- se fossem questões culturais. Assim foi com o massa-
ção da Unesco para a expressão diversidade cultu- cre de membros da etnia tútsi pelos hútus em Ruan-
ral e perceba a importância desse conceito para o da, na década de 1990, evento frequentemente
reconhecimento das diferentes identidades. analisado como conflito étnico-cultural. Isso tam-
bém aconteceu com o genocídio cometido pelas
forças sérvias na atual Bósnia-Herzegovina, durante
Diversidade cultural, identidades culturais: os conflitos na antiga Iugoslávia, também nos anos
desafios 1990.
Ou, ainda, no caso do atual Sudão do Sul,
A diversidade cultural é, antes de mais com violentos conflitos entre duas etnias distintas,
nada, um fato: existe uma grande variedade os dinka e os nuer. Mas, em todos esses eventos,
de culturas que é possível distinguir rapidamen- pode-se verificar a existência de interesses que vão
44 te a partir de observações etnográficas, mesmo muito além de uma disputa étnica.
se os contornos que delimitam uma determina- No caso de Ruanda, as fortes disputas pelo po-
da cultura se revelem mais difíceis de identificar der político; na antiga Iugoslávia, a pretensão da
[...]. A consciência dessa diversidade parece Sérvia de manter a unidade nacional sob seu co-
até estar sendo banalizada, graças à globali- mando político; no caso do Sudão do Sul, o fato de
zação dos intercâmbios e à maior receptivida- o país criado em 2011 possuir ricas reservas de pe-
de mútua das sociedades. Apesar dessa maior tróleo. A “indústria” cultural Os pesquisadores ale-
tomada de consciência não garantir de modo mães Max Horkheimer (1885-1973) e Theodor Ador-
algum a preservação da diversidade cultural, no (1903-1969) formularam, nos anos 1940, a ideia
contribuiu para que o tema obtivesse maior no- de indústria cultural para se referir à produção em
toriedade. [...] massa de bens culturais.
Todas as tradições vivas estão submetidas Ao contrário do que ocorre com a cultura po-
à contínua reinvenção de si mesmas. A diver- pular, os produtos da indústria cultural são merca-
sidade cultural, tal como a identidade cultural, dorias criadas para consumo de massa. Entre eles,
estriba-se na inovação, na criatividade e na re- figuram filmes de cinema – sobretudo dos Estados
ceptividade a novas influências. [...] A questão Unidos –, programas de rádio e TV, publicações,
das identidades – nacionais, culturais, religio- moda e entretenimento etc.
sas, étnicas, linguísticas, baseadas no gênero O consumo em larga escala desses bens des-
ou em formas de consumo – adquire cada vez viou o olhar da sociedade e reduziu seu senso críti-
mais importância para as pessoas e grupos que co. Além disso, padronizou gostos e ocasionou uma
encaram a globalização e a mudança cultu- homogeneidade cultural. Seria, então, uma forma
ral como ameaça às suas crenças e modos de de dominação, um exercício de poder baseado
vida. [...] na lógica capitalista de mercado. Tais questões
UNESCO. Investir na diversidade cultural e no diálogo permanecem vivas e continuam a gerar debates,
intercultural: relatório mundial da Unesco, resumo. Brasí- dada a intensidade do consumismo atual.
lia, 2011, p. 3–6. Em seu dinamismo, as sociedades, culturas e
identidades precisam levar em conta esses aspec-
É importante observar que a formação dos Es- tos, verificando em que medida podem ou querem
tados nacionais baseou-se no estabelecimento de proteger seu repertório cultural e, ao mesmo tem-
certa uniformidade cultural. Cada país foi cons- po, adaptar-se de modo flexível às mudanças.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Outros rios, como o Congo e o Zambeze, cum- escravidão não era bem uma novidade. Diversas
priram também esse papel. Às margens do Rio Ní- sociedades ao longo da história conheceram-na
ger, também conhecido como Rio Oiá, conviveram bem de perto, entre elas, a grega e a egípcia na
povos como os bambaras, os haussás, os iorubás e Antiguidade. Mas nada se compara em números
os fons. Esses dois últimos influenciaram profunda- e duração ao intenso comércio de seres humanos
mente a cultura brasileira por causa do tráfico de (principalmente de africanos) praticado pelos co-
africanos escravizados ocorrido entre a América lonizadores europeus do século XV ao XIX.
portuguesa e o Golfo do Benin, no período com- Na África pré-colonial, alguém podia se tornar
preendido entre os séculos XVII e XIX. escravo por pertencer a um grupo vencido em
O norte da África (atuais Líbia, Tunísia, Argélia uma guerra, tornando-se cativo. Ou, ainda, por
e Marrocos) foi habitado ao longo do tempo por deixar de pagar dívidas ou transgredir regras de
berberes, pastores e comerciantes nômades do convivência social. Era comum escravizar mulhe-
deserto que, a partir do século VII, receberam forte res, tanto para tarefas domésticas como para levá-
influência árabe-muçulmana. Outros grupos, como -las aos haréns de soberanos.
os tuaregues, cruzavam o deserto do Mediterrâneo Mas indivíduos também podiam deixar de ser
ao sul, até cidades como Tombouctou, no atual escravos por terem habilidades especiais, como
Mali. Tais movimentos contribuíram para difundir o aptidão para cálculos ou para o artesanato e a
Islã na África ocidental e ao sul do Saara. Na Áfri- construção. Assim, as sociedades africanas não
ca ocidental, sucederam-se, segundo datas esti- eram baseadas no sistema escravista.
madas, impérios como os de Gana (século VI a XI), Foi na América colonial que esse processo
Mali (século XIII a XV) e Songai (século XV a XVI). ocorreu de maneira profunda, em que a atividade
Neles, as cidades se situavam nos entroncamentos econômica, os territórios e a própria manutenção
das rotas de caravanas e concentravam artesãos da sociedade estavam apoiados no trabalho es-
e comerciantes. As trocas comerciais e culturais cravo, fosse em regiões dos atuais Estados Unidos,
eram mantidas por populações islâmicas e não is- fosse na América Central ou do Sul, sobretudo na
lâmicas. América portuguesa. A chaga da escravidão, uma
Os impérios acumulavam riquezas, como o ouro grande tragédia da humanidade, iniciou-se com a
das minas nos rios Senegal e Níger, tinham exérci- chegada dos europeus ao continente africano, a
tos, possuíam estruturas administrativas e controla- partir do século XV.
vam rotas comerciais. O declínio desses impérios O tráfico de seres humanos passou a fazer parte
ocorreu, basicamente, por causa de disputas inter- de um complexo sistema de relações entre euro-
nas e com vizinhos. peus e alguns grupos dominantes ou chefes políti-
46 Na África ocidental, havia ainda as civilizações cos africanos, envolvendo intensas trocas de bens.
iorubá (atual Nigéria), mandinga e fula, ou os rei- Os portugueses estiveram à frente desse negócio,
nos de Daomé (hoje, Benin) e Axânti (atuais Gana obtendo africanos escravizados em troca de bebi-
e Costa do Marfim). Várias civilizações e reinos se das destiladas do Brasil, tecidos originados da Índia,
desenvolveram também na África central e meri- contas de vidro de Veneza (Itália), armas, pólvora,
dional. cavalos, barras de ferro etc.
Entre eles, os bantos (ou bantus), um mosaico O tabaco da Bahia também era apreciado por
de povos que tinham línguas e cultos religiosos as- comerciantes africanos, enquanto marfim e madei-
semelhados; e o reino do Congo e grupos da costa ra seguiam da África para a Europa. Aos poucos,
oriental que falavam o suaíli, língua geral com in- os europeus utilizaram portos existentes e instalaram
fluência do árabe e de idiomas do Oceano Índico. outros, criaram fortificações – como a de São Jorge
Mais ao sul, viviam grupos diversos e habitantes de da Mina, no Golfo de Benin, na África ocidental –
reinos como o Zulu, no leste da atual África do Sul. e estabeleceram negociações com grupos locais.
Mas não significa que, nesse contexto de amplia-
ção do sistema escravista, não tenha havido re-
sistência de povos à presença estrangeira. Visan-
do melhores resultados, os europeus fomentaram
guerras de conquista entre povos locais, armaram-
-se bem e se impuseram à força.
Por sua vez, grupos locais aliaram-se a estran-
geiros para resolver disputas com grupos rivais. Os
portugueses foram os pioneiros no comércio de afri-
canos escravizados, seguidos por holandeses, fran-
ceses, ingleses e espanhóis.
Depois, brasileiros, estadunidenses e cubanos
entraram nesse comércio. Entre as regiões forne-
cedoras de africanos escravizados entre os séculos
Drama africano: o tráfico de escravos e suas re- XVII e XIX estavam as da costa da Mina, ou Golfo
percussões de Benin, e a do litoral de Angola (Luanda, Cabin-
da, Benguela). No século XIX, o tráfico de africanos
Quando se deu sobre o continente africano, a escravizados da costa oriental (atual Moçambi-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
47
Os africanos vendidos como escravos eram de grupos, nações ou etnias distintas. Em grande parte,
foram identificados de modo errôneo ou simplificado. Os malês, por exemplo, eram um grupo, na maioria
islamizado, que no século XIX esteve reunido em um movimento político em Salvador (BA), que ficou conhe-
cido como “revolta dos malês”.
Outro caso é o dos iorubás, que foram chamados de “nagôs” pelos europeus. A denominação “banto”
incluía um enorme número de povos da África austral que tinham elementos linguísticos em comum. Além
disto, o tráfico negreiro identificava os africanos como meras mercadorias, atribuindo-lhes nomes de acor-
do com o lugar de origem ou do porto de embarque.
Assim, alguns eram chamados de “cabinda”, “congo”, “benguela”, “quiloa”, “rebolo” , entre outros.
Nas terras americanas, os africanos que foram escravizados viveram todo tipo de infortúnio. Sofreram trata-
mento cruel e desumano, muitas vezes trabalhando até a morte.
A expectativa de vida entre eles era muito baixa e grande parte foi separada da família ou do grupo
de origem. Por volta de 1830, a população estimada de negros e mestiços no Brasil era de 4 a 5,3 milhões,
aproximadamente 70% dos habitantes.
Essa situação provocou resistência ora pacífica ora violenta à escravidão. Mulheres escravas evitavam
ter filhos, por exemplo. Alguns grupos enfrentavam os senhores de escravos e fugiam. Os escravos que con-
seguiam sobreviver, muitas vezes, se refugiavam em quilombos e estabeleciam uma forma organizada de
resistência à escravidão.
A proibição do tráfico de escravos no século XIX não eliminou a escravidão por completo. Ela perdurou,
em formas análogas, até o século XX, com a participação de europeus e de alguns chefes africanos, em
regiões da Índia e do Oceano Pacífico, levada por colonizadores europeus. Relações de trabalho seme-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
lhantes à escravidão permaneceram também em partido e ocupado pelos europeus em sua quase
cultivos de cacau em São Tomé e Príncipe, e nas totalidade. As exceções foram a Etiópia e a Libéria.
minas de ouro e diamantes comandadas por ingle- Os colonizadores se apropriaram dos territórios para
ses no que é atualmente parte da África do Sul e fincar suas bases, explorar riquezas minerais e im-
do Zimbábue. Até hoje, o trabalho escravo precisa plantar cultivos.
ser combatido no mundo, o que inclui algumas si- O interesse maior era pilhar o continente e ex-
tuações vigentes no Brasil. portar suas riquezas para o mercado europeu e
No País, também é conhecido o fato de os ne- mundial. Prova disso é o traçado das ferrovias, que
gros receberem salários inferiores aos dos brancos, interligavam áreas interiores aos portos de exporta-
mesmo ocupando cargos semelhantes. Além dis- ção. Tais processos foram decorrência da Confe-
so, a incidência de pobreza é maior entre as po- rência de Berlim e de uma série de tratados e acor-
pulações preta e parda (conforme a classificação dos posteriores que estabeleceram, por exemplo,
usada pelo IBGE). No Brasil e em grande parte da que cada país colonizador deveria informar aos
América permanece o inegável e riquíssimo legado demais sobre novas ocupações de territórios.
afrodescendente: nas artes, na língua, nos cultos Outro acordo se referia ao princípio da “ocu-
religiosos, na composição étnica das populações e pação efetiva”, discutido na conferência, mas que
no mundo do trabalho. só ganhou amplitude com a partilha de áreas in-
Como exemplos, podem ser citados ritmos e teriores do continente. O princípio da “ocupação
danças, como o samba, o frevo, o lundu e o ma- efetiva” garantiu a posse de terras aos europeus
culelê. no continente. A Itália, por exemplo, passou a par-
ticipar dessa divisão. Embora, ao longo do tempo,
Partilha da África: um novo sistema de explora- houvesse mudanças na disposição territorial dos
ção colonial impérios coloniais no continente, a Conferência de
Berlim não garantiu uma divisão igualitária.
Ávidos por recursos e matérias-primas e sob as Os franceses e os ingleses, principalmente,
demandas do capitalismo industrial, os europeus apropriaram-se de largas faixas da África usando
promoveram uma nova corrida colonial na África, a força ou negociando acordos com chefes locais.
no final do século XIX e ao longo do século XX. Essa Espanhóis, portugueses, italianos, alemães e belgas
nova fase teve a Conferência de Berlim como mar- ficaram com fatias menores. O novo sistema colo-
co fundamental. nial foi bastante distinto do anterior.
Chefes de Estado se reuniram na capital ale- Antes, tratava-se de organizar o comércio de
mã, entre 1884 e 1885, e traçaram estratégias para seres humanos que seriam explorados nas colônias
48 ocupar, colonizar e explorar a África. Imaginavam da América. Agora, a exploração ocorria no pró-
ter esse direito, dada a sua presença em diversas prio continente, com a instituição de trabalho as-
regiões africanas. Os portugueses, por exemplo, ha- salariado ou manutenção de condições similares à
viam criado, no século XV, fortalezas e vilas para escravidão.
administração colonial ao longo da costa atlân- O objetivo era extrair e exportar riquezas como
tica: em Luanda e Benguela (que ficam na atual ouro, diamantes, metais, marfim, borracha e outros.
Angola), Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Entre as províncias minerais estavam as bacias do
Príncipe. Congo (atual República Democrática do Congo) e
Além disso, penetraram no interior de Angola e a do sul (atuais África do Sul, Zâmbia e Zimbábue).
Moçambique e montaram fortalezas ao longo dos Os nativos tinham de trabalhar em cultivos de
rios Cuanza e Zambeze. Havia também colônias algodão, tabaco, café, amendoim e cacau ou na
de holandeses na África do Sul e a presença bri- coleta do óleo de dendê, e empresas comerciais
tânica no Egito. Durante muito tempo, os europeus europeias participavam da construção de ferrovias.
mantiveram-se na faixa litorânea, para garantir o A ideologia contida nos discursos dos europeus era
comércio transoceânico. Para permanecerem no de que tinham uma missão “civilizatória” diante de
território, precisaram lidar com a resistência de gru- “tribos” que viviam em “estado selvagem”.
pos locais e com as dificuldades de adaptação às Nesse contexto, foram estabelecidos novos pa-
condições naturais. drões na administração pública e na educação,
Porém, com a industrialização, a urbanização e além da expansão de religiões cristãs e das línguas
a estruturação de grandes corporações industrial- dos colonizadores. Impostos e tributos eram cobra-
-financeiras e de mercados de consumo em países dos de indivíduos, famílias e chefes de grupos, com
da Europa (Reino Unido, França, Bélgica, Holan- anuência ou subordinação de populações locais.
da etc.) e nos EUA, deu-se a nova corrida para a Um dos resultados da colonização da África
África, levando à sua partilha, na fase conhecida consistiu na forma imprudente como foram esta-
como imperialista ou neocolonialista. belecidas as fronteiras coloniais. Quase sempre,
estudiosos apontavam que eram limites artificiais,
Nova corrida colonial: a exploração direta da verdadeiros reinos da “linha reta” que não respeita-
África vam a abrangência do território dos povos e teriam
separado membros do mesmo grupo ou juntado
Conforme pode ser observado no mapa Co- grupos rivais.
lônias africanas, 1914, o continente africano foi re- O que são esses reinos da “linha reta”? São as
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linhas de fronteira traçadas pelos europeus e que do Senegal após a independência, e Julius Nyere-
podem ser verificadas no mapa Colônias Africanas, re, da Tanzânia, que dirigiu seu país após a desco-
1914. lonização, ajudando a fundar a Organização para
a Unidade Africana (atual União Africana).
África: desafios e perspectivas Mas, sem dúvida, a maior dessas lideranças foi
de Nelson Mandela (1918-2013). Ele ficou preso por
Importantes questões a serem enfrentadas na 27 anos na África do Sul, em pleno regime do apar-
África estão no campo político. Mas a elas se so- theid. Comandado por descendentes de britânicos
mam graves problemas sociais, sobretudo a fome e holandeses, era um regime de segregação ofi-
e os surtos de doenças contagiosas. cial, instituído em 1948.
Essa situação é agravante em países da África Durante sua vigência, negros foram confina-
Subsaariana, dada a situação de vulnerabilidade dos em subúrbios de cidades ou territórios e não
que se encontram frente à desnutrição, à insegu- podiam circular livremente. Sequer podiam sentar
rança alimentar e à proliferação de epidemias. Em ao lado dos brancos em ônibus ou usar o mesmo
vários casos, as áreas mais afetadas são justamente banheiro público.
as que foram palco de conflitos armados nas últi-
mas décadas.
Ao mesmo tempo, nesses países (Somália, Su-
dão, Chade, República Centro-Africana, Guiné-
-Bissau, RDC, entre outros) estão a maior parte dos
campos de refugiados. Em países como Angola,
Moçambique, Sudão, RDC e Chade, por sua vez,
há gerações de mutilados por minas terrestres.
A África, em especial a parte meridional, pos-
sui elevados índices de pessoas portadoras de HIV/
aids. As taxas mais altas de adultos e crianças que
contraíram o vírus estão registradas na África do
Sul, em Moçambique e no Zimbábue. Os índices
também são graves na Namíbia, em Botsuana e na
Suazilândia.
Há, ainda, programas de prevenção bem-su-
cedidos, como os desenvolvidos em Uganda. Os
serviços públicos de saúde não são satisfatórios na 49
maior parte do continente, com exceção de Tuní-
sia, Egito e África do Sul, que apresentam índices
melhores. Além disso, alguns países do continente
têm passado por surtos de cólera, malária e ebola.
No plano econômico, a África está em grande Mandela foi libertado em 1990 e liderou a opo-
parte à margem dos principais fluxos econômicos sição negra nas negociações com o presidente
globais. As exceções são a África do Sul e países branco da época, Frederik Willem de Klerk (1936-).
que produzem petróleo – ainda assim, eles estão Em função disso, Mandela e de Klerk recebe-
quase sempre na condição de exportadores de ram o Prêmio Nobel da Paz de 1993. No ano seguin-
matérias-primas. A presença de investimentos chi- te, Mandela tornou-se presidente nas primeiras elei-
neses tem sido cada vez maior, mas basicamente ções multirraciais do país. Portanto, mesmo diante
estão voltados para a exploração de riquezas na- de conflitos e cisões sociais, as lideranças obtiveram
turais, como petróleo e minérios. sucesso na transição política. Nos anos seguintes, o
Dados do Índice de Desenvolvimento Humano bispo Desmond Tutu (1931-) liderou a Comissão da
(IDH) de 2014 mostram que os países com o me- Verdade e da Reconciliação, criada para expor
nor desenvolvimento no ranking são do continente publicamente episódios de racismo e violência, co-
africano. A ascensão da África O continente vem locando negros e brancos racistas frente a frente.
oferecendo notáveis exemplos de reconstrução A comissão não tinha o objetivo de punir, mas
política, econômica e social. Há também diversos de expor as feridas do passado e preparar um futu-
programas sociais em andamento, em boa parte ro de convivência étnico-racial. Hoje, o país figura
levados à frente por agências da Organização das entre os chamados países emergentes e participa
Nações Unidas (ONU). de fóruns do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e Áfri-
A busca de soluções não envolve respostas fá- ca do Sul – em inglês, South África) e de outros gru-
ceis ou soluções de curtíssimo prazo. Mas existem pos que reúnem países em desenvolvimento.
perspectivas políticas e projetos sociais concretos Além disso, o país lidera perspectivas de coope-
em andamento. Nas últimas décadas, diversas lide- ração regional no âmbito da Comunidade da Áfri-
ranças políticas tiveram uma atuação inspiradora ca Meridional para o Desenvolvimento (SADC, na
na defesa dos direitos e liberdades fundamentais. sigla em inglês). O Prêmio Nobel da Paz de 2011 foi
Entre essas lideranças, são exemplos o poeta e concedido a lideranças africanas. Entre elas, duas
escritor Léopold Sédar Senghor, primeiro presidente mulheres: a presidente da Libéria, Ellen Johnson Sir-
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leaf, primeira mulher eleita como chefe de Estado borado novas visões sobre o desenvolvimento eco-
em um país do continente; e sua compatriota, a nômico e social autônomo da África. Recusam-se,
ativista de direitos humanos Leymah Gbowee. assim, imagens “exóticas” e de “compaixão pela
Além delas, a militante antigoverno, Tawakel África”, e destaca-se a importância de construir um
Karman, do Iêmen, país do Oriente Médio, recebeu continente moderno que não esteja baseado em
a honraria. Os anos de 2010 e 2011 marcaram gran- modelos importados e que valorize as culturas lo-
des transformações políticas e sociais em países do cais e nacionais.
norte da África, no que foi chamado de Primavera
Árabe. Rebeliões sociais na Tunísia, no Egito e na
Líbia destituíram ditadores que estavam havia dé- 1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS
cadas no poder.
Apesar dos rumos ainda incertos, os efeitos des- 01. Indique os elementos do mapa que es-
ses episódios foram sentidos até mesmo em países tão numerados de 1 a 6.
do Golfo Pérsico. Além do desafio de reorganizar as
instituições políticas, superar conflitos e estabelecer 02. População mundial
a paz, as sociedades africanas têm de enfrentar
graves questões sociais:
As medidas citadas buscam, pela primeira de. Uma série de manifestações eclode na Tu-
vez, distribuir a responsabilidade sobre o des- nísia e, como uma epidemia, o vírus libertário
carte dos resíduos entre: começa a se espalhar pelos países vizinhos,
a) Fabricantes e ONGs. derrubando em seguida o presidente do Egi-
b) Ambientalistas e Estado. to, Hosni Mubarak. Sites e redes sociais – como
c) Setor privado, poder público e sociedade. o Facebook e o Twitter – ajudaram a mobilizar
d) Empresas, poder estadual e trabalhado- manifestantes do norte da África a ilhas do Gol-
res rurais. fo Pérsico.
Viagem do Conhecimento/ SEQUEIRA, C. D.; VILLAMEA, L. A epidemia da Liber-
National Geographic, 2010 dade. Istoé Internacional. 2 mar. 2011 (adaptado)
de indivíduos de diferentes partes da África, a ex- 10. Resultados da Pesquisa Nacional por
periência da escravidão no Brasil tornou possível a Amostra de Domicílios (PNAD) 2011, publicada
a) formação de uma identidade cultural afro- pelo IBGE em setembro de 2012, revelam que
-brasileira. cerca de 5,6 milhões de brasileiros deixaram a
b) superação de aspectos culturais africanos pobreza entre 2009 e 2011. No período, a pro-
por antigas tradições europeias. porção de pobres caiu de 23,9% para 20,6% – ou
c) reprodução de conflitos entre grupos étni- de 45,9 milhões para 40,5 milhões de pessoas. A
cos africanos. renda mensal do trabalho dos 10% mais pobres
d) manutenção das características culturais deu um salto de 29,2%. A PNAD mostra também
específicas de cada etnia. e) resistência à incor- que a proporção de domicílios atendidos por
poração de elementos culturais indígenas. rede coletora de esgotos em dois anos aumen-
Enem 2012. Prova azul. tou de 52,5% para 54,9%, ritmo que, se mantido,
deverá atingir a meta de universalização desse
08. A partir dos anos 70, impõe-se um movimen- serviço apenas daqui a duas décadas.
to de desconcentração da produção industrial, Com base nos dados, é correto afirmar que
uma das manifestações do desdobramento da o quadro econômico-social no Brasil nos anos
divisão territorial do trabalho no Brasil. A produção recentes tem sido marcado pela combinação
industrial torna-se mais complexa, estendendo-se, entre:
sobretudo, para novas áreas do Sul e para alguns a) Melhoria significativa no saneamento bá-
pontos do Centro-Oeste, do Nordeste e do Norte. sico e expansão do desemprego e da desigual-
SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e socieda- dade social.
de no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2002 b) Eliminação da pobreza e do desempre-
(fragmento) go e melhoria de indicadores de saneamento
básico.
Um fator geográfico que contribui para o tipo c) Melhorias na renda dos mais pobres e len-
de alteração da configuração territorial descrito tos avanços na expansão de serviços de sanea-
no texto é: mento básico.
a) Obsolescência dos portos. d) Intensificação da concentração de ren-
b) Estatização de empresas. da e universalização dos sistemas de sanea-
c) Eliminação de incentivos fiscais. mento básico.
d) Ampliação de políticas protecionistas. Viagem do Conhecimento/National Geographic,
52 e) Desenvolvimento dos meios de comuni- 2012/2013.
cação.
Enem 2012. Prova azul. 11.
ecossistemas da Caatinga, Mata Atlântica e Com base nos dados representados no grá-
Pantanal. Encerrou sua viagem a cerca de 250 fico, considere as afirmações a seguir:
km da cidade de São Paulo. I – Marcados por grande emigração no pas-
b) Rio Grande do Norte, Bahia, Minas Gerais, sado, diversos países da União Europeia conver-
Goiás e Rio de Janeiro, tendo visitado os ecos- teram- -se em destino de imigrantes de diferen-
sistemas da Caatinga, Mata Atlântica e Cerra- tes partes do mundo.
do. Encerrou sua viagem a cerca de 750 km da II – Diante da proximidade geográfica e das
cidade de São Paulo. afinidades culturais, a maior parte dos imigran-
c) Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Goiás tes que chegam aos países da atual União Eu-
e São Paulo, tendo visitado os ecossistemas da ropeia vem hoje do Leste Europeu, em especial
Caatinga, Mata Atlântica e Pantanal. Encerrou de ex- -repúblicas soviéticas.
sua viagem a cerca de 250 km da cidade de III – Os imigrantes têm se revelado um mo-
São Paulo. tor do crescimento populacional em países da
d) Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Goiás União Europeia. Entretanto, as atuais dificulda-
e São Paulo, tendo visitado os ecossistemas da des econômicas em alguns desses países po-
Caatinga, Mata Atlântica e Cerrado. Encerrou dem reforçar a xenofobia.
sua viagem a cerca de 750 km da cidade de IV – Em razão da demanda por mão de
São Paulo. obra, vários países da atual União Europeia es-
e) Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Goiás timularam a presença de imigrantes nos anos
e São Paulo, tendo visitado os ecossistemas da 1950 e 1960. Por exemplo, a França recebeu
Caatinga, Mata Atlântica e Cerrado. Encerrou muitos marroquinos e argelinos e a Alemanha
sua viagem a cerca de 250 km da cidade de recrutou milhares de trabalhadores turcos.
São Paulo.
Fuvest 2011. Sobre o tema em questão, está correto o
que foi afirmado em:
12. Sobre a distribuição e disponibilidade de a) I, II, III e IV.
água no Brasil, é correto afirmar que: b) II, III e IV.
a) Há grande oferta de água no país, mas c) I, II e III.
ela está distribuída desigualmente pelo território. d) I, III e IV.
b) Apesar de se localizar em área tropical, o Viagem do Conhecimento/National Geographic, 2012.
Brasil apresenta baixa oferta do recurso.
c) Das bacias hidrográficas do país, ape- 15. O tráfico de escravos no Atlântico foi um 53
nas a Amazônica conta com grande oferta de empreendimento colossal, com tentáculos por
água. toda parte nas Américas, de Boston a Buenos
d) Devido ao clima úmido, há abundância de Aires. Seu epicentro, contudo, foi a colônia por-
água nas diversas bacias hidrográficas brasileiras. tuguesa no Brasil. Para cada africano desem-
Viagem do Conhecimento/National Geographic, 2011. barcado na América do Norte britânica, 12 pi-
savam em solo brasileiro, a maioria levada a mi-
13. Sob o chamado processo de globaliza- nas de ouro e engenhos de açúcar e usada em
ção, é correto afirmar que, no momento atual: trabalhos brutais que matavam um terço deles
a) as disparidades econômicas e sociais en- em cinco anos. A cana dura e viscosa era cei-
tre países ricos e pobres vêm diminuindo. fada sob sol escaldante. O preparo do açúcar
b) persiste o controle de acesso aos territórios, requeria longa fervura em caldeiras fumegan-
em especial para imigrantes de países pobres. tes. Não admira que a escravaria logo desse
c) as novas tecnologias de comunicação e um jeito de escapar, criando o mais conheci-
informação suprimiram todas as fronteiras entre do dos quilombos, Palmares, que, no auge, em
os países. meados do século 17, controlava mais de 25 mil
d) pessoas, mercadorias, serviços e informa- quilômetros quadrados nas montanhas do lito-
ções hoje circulam livremente pelo planeta. ral norte de Alagoas.
Viagem do Conhecimento/National Geographic, 2008. Fonte: National Geographic Brasil, edição n. 145, p. 76,
abril de 2012.
14.
O tráfico de escravos para a América, esta-
belecido a partir do século 16:
a) Restringiu-se ao Brasil, que teve maior ne-
cessidade de mão de obra para a lavoura ca-
navieira em constante expansão.
b) Provocou a fuga em massa de escravos
que não se adaptavam ao clima tropical das
Américas.
c) Alimentou o sistema escravista com base
indígena na América espanhola, especialmen-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
A maior parte do tempo da existência humana foi caracterizada pela vida nômade. O que isso sig-
nifica? Que até dominarem as técnicas agrícolas, grupos humanos tinham de garantir diariamente sua
sobrevivência buscando alimentos disponíveis na natureza. Esses grupos de caçadores e coletores percor-
riam longas distâncias em busca de raízes, frutos, sementes, mel, ovos, entre outros alimentos. Além disso,
pescavam e caçavam animais selvagens.
Para realizar essas atividades, eles desenvolveram técnicas e instrumentos específicos, como lanças,
flechas, machados, arpões e anzóis. O trabalho, assim como o alimento, era dividido entre os membros do
grupo e todos participavam das tarefas voltadas à sobrevivência. Há aproximadamente 10 mil anos, con-
tudo, alguns grupos começaram a mudar seu modo de vida.
Eles passaram a cultivar plantas e criar animais, o que possibilitou aos seres humanos produzir o próprio
alimento. Para isso, fixaram-se em territórios adequados para a agricultura. Estudos arqueológicos mostram
que o uso intensivo da agricultura ocorreu em diferentes regiões do planeta, como no Oriente Próximo
(Síria, Palestina, Egito e Mesopotâmia), na Ásia (China e Índia), na América (México e Peru) e na Oceania
(Papua-Nova Guiné), como pode ser observado no mapa da página seguinte.
Em decorrência de uma dieta mais nutritiva, houve aumento da população e o surgimento das primei-
ras aldeias. Foi nesse momento que os humanos organizaram-se em pequenas comunidades. As aldeias
mais antigas tinham hortas cultivadas e moradias construídas de pedra ou de barro, em cujo interior havia
utensílios de cerâmica e variadas ferramentas de outros materiais.
Em seu conjunto, essas transformações, que ocorreram no período Neolítico, compreendem a chama-
da Revolução Agrícola.
55
A vida nas primeiras cidades A agricultura passou a ser praticada em regiões nas quais havia água de
rios e terras férteis. Em algumas regiões do planeta, sociedades foram se desenvolvendo nos vales de gran-
des rios, como do Rio Nilo (no nordeste da África), dos rios Tigre e Eufrates (na região da Mesopotâmia, que
fica no Oriente Médio), do Rio Indo (na Índia) e do Rio Amarelo (na China).
Os achados arqueológicos indicam que uma das mais antigas ocupações sedentárias ocorreu na Me-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
sopotâmia (atual Iraque). Nessa região, surgiram Imposto à região mesopotâmica por Hamurabi,
as primeiras aldeias isoladas, formadas pelo povo rei do Império Babilônio, esse código tratava de di-
sumério, por volta de 6 mil anos atrás, e que viviam versos temas relacionados à vida privada, familiar
da criação de animais e do cultivo de plantas. As e profissional, além de estabelecer punições para
terras eram férteis e, ao longo dos séculos, a pro- diversos tipos de delito.
dução de alimentos foi crescendo em decorrência Na região do Rio Nilo, no nordeste do continen-
do desenvolvimento de novas técnicas agrícolas, te africano, por volta de 3100 a.C. também organi-
como a irrigação, a adubagem, o uso do arado e zou-se um Estado centralizado. Por meio da incor-
de carroças à tração animal. poração de aldeias independentes, formaram-se
Por causa desse aumento da produção agríco- inicialmente dois reinos, reunidos depois sob um
la, as comunidades passaram a produzir alimentos mesmo governo.
além da sua necessidade de consumo imediata. O rei Menés, do Alto Egito (localizado mais ao
Como resultado, elas construíram locais para esto- sul, na direção das nascentes do Rio Nilo), conquis-
car esse excedente agrícola. O estoque de alimen- tou o reino do Baixo Egito (no delta do Rio Nilo, no
tos (grãos, como trigo, cevada e arroz) possibilitou extremo nordeste da África), unificando em um úni-
o início das trocas de produtos (grãos, cerâmica, co império todas as comunidades da região. Me-
azeite, ovelhas, queijos, tecidos etc.) e o desenvol- nés é considerado o primeiro faraó do Egito. Com
vimento do comércio entre aldeias próximas. ele, iniciou-se um período de quase 3 mil anos de
Assim, os mercados se tornaram os locais de en- governo centralizado, caracterizado por ser uma
contro dos produtores e consumidores. Esses cen- monarquia teocrática.
tros comerciais deram origem às cidades e uma A monarquia existe quando o governante é um
parte da população deixou o campo e as ativida- rei. Nesse sistema, geralmente o chefe de Estado
des agrícolas para morar nos centros urbanos e se recebe o poder herdando-o de sua família, e seu
dedicar ao comércio e ao artesanato. Mas não foi governo é para a vida toda, ou seja, é vitalício. Mas
apenas na região da Mesopotâmia que as cidades na Antiguidade oriental havia uma característica
surgiram. comum à maioria dos governos daquela época.
No vale do Rio Nilo, onde hoje se localiza o Egi- Além de serem monarquias, seus reis eram con-
to, por exemplo, elas também se expandiram e se siderados divindades (como no Egito Antigo) ou re-
destacaram, por suas atividades econômicas bas- presentantes dos deuses (como na Mesopotâmia).
tante variadas e que geravam riquezas. Em am- Assim, eram monarquias teocráticas (do grego
bas as sociedades que se desenvolveram nessas theos = deus; kratos = poder), pois o poder político
regiões surgiu uma divisão social do trabalho, com era confirmado pelo poder religioso.
56 trabalhadores especializados, não só voltados para O faraó, como era conhecido o governante no
a agricultura e para o comércio, mas também para Egito Antigo, administrava a produção do exce-
a circulação de mercadorias, proteção das cida- dente agrícola e cobrava impostos da população.
des e administração do excedente agrícola. Para isso, seu governo tinha um grande número de
Começaram a se formar sociedades com hie- funcionários, como os escribas, os cobradores de
rarquias, nas quais uns mandavam mais que outros. impostos, os sacerdotes e os militares, que forma-
A diferença entre as pessoas, com riqueza e fun- vam a elite da sociedade egípcia.
ções distintas, deu origem a novas relações de po- Abaixo deles estava a maioria da população,
der entre os membros da sociedade. os trabalhadores que prestavam serviços variados
Desse modo, os camponeses produziam os ali- ao governo, trabalhando em pedreiras, minas, ofi-
mentos, os artesãos fabricavam utensílios e os co- cinas de artesanato, obras públicas ou nos campos
merciantes compravam e vendiam os produtos dos agrícolas. A maior parte desse grupo era de cam-
camponeses e artesãos. E uma elite concentrava o poneses, responsáveis pela produção de alimentos
poder político, isto é, determinava as regras e leis a para o Egito. Havia também escravos, na maioria
serem seguidas por todos e organizava e adminis- prisioneiros de guerra, originários dos povos con-
trava a produção e a distribuição de alimentos e quistados pelos exércitos do faraó.
mercadorias. As obras públicas do Egito Antigo são muito co-
Faziam parte desse grupo privilegiado os gover- nhecidas ainda hoje, pois marcaram a história das
nantes, os sacerdotes, os militares e os funcionários antigas civilizações, seja pelo tamanho, pelo signi-
públicos. Nessa época, chamada de Antiguidade ficado ou pelas técnicas utilizadas. As famosas pi-
(ou Idade Antiga), o governo das primeiras cida- râmides de Gizé, as tumbas dos faraós, a esfinge,
des era exercido por um rei. Algumas delas eram os obeliscos e os templos dos deuses egípcios são
independentes em termos políticos, e por isso são registros da organização social e do trabalho na-
chamadas de cidades-estado. quela época.
Além de concentrar as funções de chefe po-
lítico, militar e religioso, era o rei quem impunha a
coleta de impostos, garantia proteção dos ataques
externos e controlava de forma rígida a população
da cidade por meio de leis. Datam desse período
os primeiros códigos legislativos, como o Código de
Hamurabi, um dos mais conhecidos.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
CIDADANIA, IMPÉRIO E ESCRAVIDÃO NA ANTI- aboliu a escravidão por dívidas e limitou a exten-
GUIDADE são das propriedades agrárias, impedindo assim o
exagerado enriquecimento dos eupátridas e o em-
Atenas e a democracia pobrecimento cada vez maior dos atenienses que
entregavam suas terras para pagar dívidas.
Inicialmente, deve-se considerar que as cida- Com isso, abria-se caminho para uma nova for-
des gregas como Atenas, Esparta, Olímpia, Delfos, ma de organização política em Atenas, na qual um
Corinto, Éfeso e Mileto, entre muitas outras, eram número muito maior de atenienses poderia interfe-
cidades-estado. Elas eram chamadas de pólis pe- rir nas decisões públicas por meio da participação
los gregos. Cada pólis funcionava como um Estado nas assembleias populares, que discutiriam os gran-
independente, organizado segundo suas próprias des temas da vida econômica e política da cida-
leis, moedas e divindades que protegiam a cidade. de: era a democracia.
No mesmo território viviam a comunidade dos As mudanças feitas pelo legislador Sólon abri-
cidadãos e também aqueles que não eram cida- ram ainda mais espaço para novos ataques aos
dãos, como era o caso de escravos e estrangeiros, grupos mais conservadores da aristocracia, consti-
que não gozavam de direitos políticos. A pólis teve tuída por grandes proprietários de terras. Os tiranos
sua origem demarcada entre fins do século IX a.C. conseguiram firmar-se no poder, permanecendo à
e início do século VIII a.C. frente do governo de Atenas até 527 a.C.
O território da pólis era muito mais extenso do O tirano Pisístrato defendeu a ampliação dos
que o espaço da cidade. Assim, Atenas e Esparta direitos das famílias camponesas. Procurou apro-
possuíam um território do qual sua população tirava fundar as reformas propostas por Sólon e concedeu
seus meios de subsistência. Porém, a comunidade terras aos camponeses, isentando-os também do
política, na qual as decisões políticas eram toma- pagamento de impostos. Com sua morte, seu filho
das pelos cidadãos, limitava-se ao espaço urbano. Hípias assumiu o poder e governou até 510 a.C.
Para ser cidadão e poder participar não bastava Nesse ano, Clístenes, que era um arconte (isto é,
nascer ou viver no território de Atenas e Esparta. representante da aristocracia), derrotou Hípias e
Apenas aqueles considerados descendentes promoveu as reformas que por fim estabeleceram
dos fundadores da pólis é que tinham direito à ci- a democracia.
dadania e podiam participar das decisões políti- Em suma, ocorreu, ao longo do tempo, a am-
cas. pliação do conceito de cidadão e, portanto, da
atuação dos atenienses na vida política da cida-
Atenas de-estado. Com Sólon, em 594 a.C., houve uma or-
ganização censitária da sociedade, e a cidadania, 57
Entre os séculos IX e VI a.C., Atenas foi domina- portanto, deixou de ser definida pelo pertencimen-
da por governos aristocráticos, ou seja, uma elite to à aristocracia. Com Clístenes, em 509 a.C., a par-
política e econômica que controlava o poder. No ticipação dos cidadãos tornou-se independente
início, Atenas era governada por um rei. do critério de renda. A democracia ganhou ainda
A partir do século VII a.C., foi criado um grupo mais força no governo de Péricles.
de conselheiros chamados arcontes que exerce- Em 451 a.C., ele definiu que os cidadãos ate-
riam o papel de governantes. Eles eram ricos pro- nienses com direito à participação na vida política
prietários de terras que representavam as famílias seriam todos os homens com mais de 18 anos, filhos
aristocráticas. Elas formavam a camada mais alta de pai e mãe atenienses. A Eclésia, assembleia de
da sociedade ateniense e eram conhecidas como cidadãos, reunia-se duas vezes por ano na ágora
eupátridas, o pequeno grupo que dominava a (praça pública) para discutir e tomar decisões so-
maior parte das terras e concentrava riqueza e po- bre as questões fundamentais da cidade.
der em suas mãos. Na democracia ateniense, além da Eclésia,
Ainda no século VII a.C., a vida política de cida- havia a Bulé, também chamada de Conselho dos
des como Atenas começou a se transformar com 500. Ela era composta por 500 cidadãos atenienses
o surgimento dos governos dos tiranos. Eles tinham de cada uma das 50 tribos em que a cidade esta-
origem aristocrática também, mas adotaram medi- va dividida, levando em conta o litoral e o interior.
das que favoreceram os grupos mais pobres, como O quadro a seguir apresenta os grupos sociais que
a diminuição da concentração de riqueza nas viviam em Atenas nesse período, conhecido como
mãos da aristocracia. Para ganhar maior legitimi- Clássico.
dade política, os tiranos poderiam tomar medidas
populares, como a partilha de terras. No século VI
a.C., outras reformas contribuíram para transformar
a organização da vida política em Atenas.
Uma das mais importantes foi liderada por Só-
lon, a partir de 594 a.C. Como legislador, ele propôs
a ampliação dos poderes da Eclésia, a assembleia
popular de cidadãos atenienses. Sua proposta pro-
curava reduzir os constantes conflitos entre os eu-
pátridas e os demais cidadãos atenienses. Sólon
Ciências Humanas e suas Tecnologias
As disputas entre Atenas e Esparta resultaram conhecida. Acredita-se que os etruscos teriam se
em vários conflitos entre essas duas cidades-esta- estabelecido na Península Itálica (parte da atual
do. A partir do século V a.C., com a grande expan- Itália) ainda no século XI a.C.
são territorial ateniense, a rivalidade entre as duas Eles desenvolveram a agricultura e a produ-
cidades se ampliou. O fortalecimento da pólis rival ção artesanal na região da Etrúria, além de terem
era visto pelos espartanos como uma ameaça. conseguido expandir seus domínios. Não havia ini-
Essa tensão culminou na Guerra do Peloponeso cialmente uma unidade política entre os etruscos,
(431-404 a.C.). que viviam em cidades-estado independentes. As
Para ampliar sua força militar, os espartanos cidades etruscas se organizavam em monarquias,
criaram a Liga do Peloponeso, que reunia as cida- e foram reis etruscos que governaram Roma entre
des aliadas a Esparta. Atenas, por sua vez, na luta os anos 753 a.C. e 509 a.C. No século VII a.C., os
contra os invasores persas, já havia criado a Liga chefes etruscos que dominaram a Península Itálica
de Delos, que reunia as cidades a ela aliadas. Essas trouxeram a cultura grega e oriental para a região.
duas grandes forças militares se enfrentaram mais
de uma vez no século V a.C., mas a partir de 431
a.C. iniciou-se um longo processo de guerra em
que cada lado tentava dominar cidades aliadas
dos inimigos e ampliar seus próprios domínios, enfra-
quecendo o poderio do rival. A guerra se estendeu
até 404 a.C., quando os atenienses foram obriga-
dos a reconhecer a superioridade espartana e a
baixar as armas.
Nos anos que se seguiram, Atenas, Esparta e
outras pólis gregas estavam enfraquecidas em fun-
ção desses conflitos e tiveram de enfrentar outros
inimigos externos. Com isso, acabaram sendo do-
minadas pela Macedônia, localizada ao norte (ver
mapa a seguir).
59
65
Ciências Humanas e suas Tecnologias
No entanto, essa situação não era totalmente Os judeus que viviam em terras cristãs durante a
imutável e havia momentos em que os camponeses Idade Média passaram por um longo processo de
se rebelavam contra a ordem social. No século XIV, marginalização e perseguição. Em alguns lugares,
por exemplo, ocorreram as jacqueries, na região houve a criação de leis que limitavam os direitos
do atual norte da França, quando os “jacques” dos judeus de se casarem com cristãos ou até mes-
(maneira como eram chamados os camponeses), mo de se converterem ao cristianismo. Em algumas
em um contexto de crise do sistema feudal, revol- regiões da Europa, eles foram proibidos de adquirir
taram-se com as decisões tomadas pela nobreza. propriedades da Igreja e prestar serviços na admi-
Os nobres desejavam ampliar ainda mais a explo- nistração das cidades. Além disso, em certos pe-
ração sobre os trabalhadores rurais, que realizaram ríodos, a perseguição aos judeus se tornou mais
vários protestos e ataques contra seus senhores. intensa, incluindo ataques violentos contra as co-
Entretanto, essas revoltas populares foram repri- munidades judaicas.
midas e a situação de exploração no campo con- Muitos foram expulsos de onde viviam e preci-
tinuou nos séculos seguintes. Os camponeses que saram buscar abrigo em novas terras ou outros rei-
dependiam das terras dos senhores para viver eram nos. Essas perseguições se tornaram especialmente
chamados servos. Eles tinham várias obrigações em intensas durante a época das Cruzadas.
relação ao senhor, isto é, eram obrigados a pagar Apesar disso, os judeus desempenhavam um
taxas (em produtos ou serviços) pelo uso da terra e papel econômico importante para a sociedade
dos equipamentos e pela proteção senhorial. medieval. Eram eles que realizavam atividades fi-
A talha definia que parte da produção do ser- nanceiras, como empréstimos ou financiamentos
vo deveria ser entregue ao proprietário. Também de empreendimentos comerciais.
poderia ser exigida a corveia, que era a obrigação Os cristãos reprovavam esse tipo de atividade,
de realizar trabalhos gratuitos nas terras do senhor já que as consideravam como indignas ou mesmo
alguns dias da semana. Além disso, os camponeses pecaminosas. Por isso, os judeus recebiam autori-
tinham de pagar tributos como a mão-morta e as zação das autoridades, como os reis, para praticá-
banalidades. A primeira era cobrada caso um filho -las. Por sua vez, os muçulmanos expandiam seus
de camponês continuasse a viver nas terras que o territórios desde o século VII, inspirados pelo islamis-
pai ocupava antes de morrer. mo e seu profeta fundador, Maomé. Nascido em
As segundas eram cobradas pelo uso das ins- 570, na cidade de Meca, na Península Arábica, ele
talações do senhor, tais como moinho e fornos. As defendia a existência de um único deus, Alá (Deus,
obrigações servis eram uma forma de exploração em árabe).
do trabalho dos camponeses. Esses passavam a Conforme o número de seguidores de Maomé
66 vida produzindo para seus senhores e não conse- aumentava, eles começaram a sofrer persegui-
guiam acumular riquezas ou mudar sua condição ções dos sacerdotes locais. Os comerciantes de
social. Meca também tinham medo de que o islamismo
As terras de um determinado reino poderiam afetasse o rico comércio gerado pelos peregrinos
pertencer ao rei, à Igreja ou algum nobre, mas fiéis às religiões locais. Por isso, em 622, Maomé e
não aos camponeses, que eram explorados pelos seus seguidores foram expulsos de Meca, episódio
senhores e não podiam abandonar o feudo para conhecido como Hégira.
trabalhar em outro lugar; portanto, apesar de livres, Alguns anos depois, a partir da cidade de Me-
estavam presos à terra. Os camponeses consti- dina (antiga Yatreb), o islamismo se fortaleceu e
tuíam a mão de obra essencial que impulsionava conseguiu se difundir pela Península Arábica. Para
o sistema feudal. registrar os princípios religiosos da nova religião, as-
sim como os códigos de conduta de seus seguido-
As Cruzadas: disputas entre cristãos e muçulma- res, foi escrito o Corão, livro sagrado do islamismo.
nos O século VIII foi um período de grande expan-
são para os árabes, que conquistaram territórios ao
Durante a Idade Média, como você já viu, a norte do continente africano e ao sul da Europa, na
Igreja Católica tinha grande importância política e Península Ibérica. Dominaram também grande par-
também exercia forte controle sobre as regras da te do Oriente Médio e estenderam seus domínios
vida social, definindo as condutas morais conside- até a Índia. Esse processo de expansão ajudou a
radas adequadas aos indivíduos. espalhar a religião muçulmana pelo mundo.
Para a Igreja, todos aqueles que não seguis- Os muçulmanos dominaram importantes rotas
sem o cristianismo poderiam estar associados ao de comércio no Mar Mediterrâneo e com o Orien-
pecado. Assim, os povos que professavam outras te. A partir do século X, quando a Europa começa-
religiões eram considerados inimigos dos cristãos. va a ampliar sua vida comercial (conforme você
Entre eles estavam os adeptos do islamismo e do ju- vai estudar na Unidade 4), os conflitos entre cristãos
daísmo. Cristãos, muçulmanos e judeus alternaram, e muçulmanos ficaram ainda mais evidentes. Em
ao longo de centenas de anos, momentos de coe- 1095, o papa Urbano II anunciou o que ficou co-
xistência pacífica com épocas de intensos confli- nhecido como a Primeira Cruzada.
tos. Contudo, as razões dos enfrentamentos nunca As Cruzadas eram expedições organizadas
foram exclusivamente religiosas, envolvendo tam- contra os inimigos dos cristãos, fossem eles muçul-
bém questões comerciais e disputas por territórios. manos, povos pagãos ou de qualquer orientação
Ciências Humanas e suas Tecnologias
religiosa que não fosse a cristã. Aqueles que participassem das Cruzadas receberiam a indulgência (o
perdão de seus pecados), além de terem o direito de saquear os bens dos povos derrotados. Assim, os
peregrinos, ou cruzados, eram atraídos pela promessa do paraíso após a morte ou de conquista de terras
durante a vida.
Nas oito Cruzadas ocorridas, muitos nobres, e até mesmo reis, participaram das expedições. A Primeira
Cruzada, ocorrida entre 1096 e 1099, teve como objetivo a retomada de Jerusalém, cidade considerada
sagrada para os cristãos e que estava sob domínio dos muçulmanos.
Os cristãos conseguiram retomá-la temporariamente, tendo sido essa a única empreitada bem-sucedi-
da. A última Cruzada, liderada pelo rei francês Luís IX em 1270, tinha o objetivo de lutar contra os muçulma-
nos na Tunísia. Contudo, ela foi encerrada no mesmo ano do falecimento do rei, vítima de uma epidemia.
Em reconhecimento aos seus trabalhos em nome da fé cristã, o rei acabou sendo canonizado como
São Luís. Em mais de dois séculos de expedições ao Oriente, as Cruzadas não conseguiram recuperar o
controle de Jerusalém, exceto por aquele breve momento durante a Primeira Cruzada.
Por sua vez, as Cruzadas contribuíram para o fortalecimento das rotas de comércio entre Ocidente e
Oriente, uma vez que nesse período foi constante o fluxo de mercadorias do Oriente para o Ocidente. As
Cruzadas ajudaram também a criar novas rotas que viabilizaram a ampliação do comércio.
67
O período medieval caracterizou-se por um conjunto de aspectos, como: economia agrícola, mão
de obra servil, fraco comércio, sociedade baseada no nascimento e poder dos nobres. Esse conjunto de
características começou a mudar a partir dos séculos XI e XII, quando novas técnicas de plantio foram
adotadas, ocasionando um aumento da produção agrícola.
Naquela época, a Europa passava por um momento de crescimento populacional, motivado pelo
desenvolvimento da agricultura, pela diminuição das guerras e pela queda nas taxas de epidemias em
seu território. Nos campos, os servos passaram a usar o arado de ferro – mais eficiente do que o de madeira
no preparo da terra –, a seleção de grãos, a rotação trienal – sistema de rodízio das culturas para evitar o
esgotamento do solo e aumentar a área de cultivo –, além dos moinhos de vento ou d’água, usados para
moer os grãos em maior quantidade.
Cavalos e bois passaram a ser usados para puxar o arado. Todas essas inovações técnicas contribuíram
para o aumento na produção de gêneros alimentícios. Isso proporcionou uma dieta mais nutritiva e, con-
sequentemente, a diminuição da mortalidade e uma melhoria da qualidade de vida da população rural.
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Com o excedente agrícola, as trocas de produ- Retomada das ideias da Antiguidade Clássica
tos ficaram mais frequentes e, consequentemente, as
atividades comerciais retomaram sua dinâmica, pro- Quando a população vivia, em sua maioria,
porcionando o desenvolvimento das feiras comer- no campo e dependia das atividades agrícolas,
ciais medievais nas proximidades dos castelos e, mais o conhecimento necessário para essas atividades
tarde, o crescimento dos mercados nas cidades. era adquirido na prática cotidiana e pela tradição
Nessa época, tais centros de comércio eram familiar e da comunidade.
chamados burgos e eles foram a origem de muitas Os camponeses não frequentavam escolas.
cidades medievais. Ainda que o comércio nunca Eles aprendiam com suas próprias experiências a
tenha deixado de existir, no início da Idade Média cultivar plantas e a criar animais.
as atividades mercantis haviam entrado em declí- Nessa época, o saber letrado era monopoliza-
nio, isto é, perdido importância. do pela Igreja. As poucas escolas existentes eram
voltadas à educação religiosa. Aqueles que pre-
tendiam se dedicar às atividades da Igreja fre-
quentavam as escolas monásticas, quase sempre
localizadas nas áreas rurais. Nesses locais, apren-
dia-se a ler e escrever, estudava-se o latim (língua
oficial da Igreja) e também as “sete artes liberais”:
Gramática, Retórica, Lógica, Aritmética, Geome-
tria, Astronomia e Música. Tais conhecimentos eram
fundamentais para a formação dos clérigos.
Com o Renascimento comercial e urbano, a
população dos burgos passou a necessitar de ou-
tros conhecimentos. Ou seja, os burgueses preci-
savam ser capacitados para as novas atividades
econômicas, bem como para administrar as cida-
des. Nesse contexto, surgiram as escolas urbanas
e as universidades, voltadas ao ensino laico, isto é,
à capacitação da população burguesa para ler,
escrever e saber contar, além de realizar estudos
Depois, na chamada expansão feudal, com a jurídicos.
retomada da produção do excedente agrícola, Nessas instituições de ensino, a razão era valori-
68 os mercados passaram a receber cada vez mais zada, assim como a fé. As disciplinas eram divididas
produtos. Da mesma forma, a população urbana em quatro “faculdades”: Artes (as sete artes libe-
foi crescendo, já que as atividades nos burgos – o rais), Teologia (estudo das coisas divinas), Medicina
comércio e o artesanato – representavam novas e Direito. A primeira universidade europeia surgiu
possibilidades econômicas e sociais. em Bolonha (Itália), em 1088, seguida por outras,
Embora a maioria da população ainda vivesse como a de Módena (Itália), em 1175, as de Paris e
nas áreas rurais, dependendo dos feudos e de seus Montpellier (França), Cambridge e Oxford (Inglater-
senhores, muitos servos, com a venda de parte da ra) e Coimbra (Portugal) no século XIII, as de Floren-
sua produção, conseguiram deixar o campo para ça, Pisa e Viena (Itália) no século XIV e outras mais.
viver nas cidades, ou então compraram terras e tor- As cidades passaram a ser, além de centros
naram-se pequenos proprietários ou camponeses econômicos, políticos e religiosos, também centros
assalariados. de produção de cultura, divulgando novos conhe-
Nos burgos, a população vivia das atividades cimentos artísticos e científicos, cada vez mais des-
mercantis – compra e venda de produtos agríco- vinculados do controle da Igreja.
las e artesanais. Estes eram produzidos pelos arte- No fim do século XIV, em algumas cidades da
sãos que lá viviam: sapateiros, alfaiates, padeiros, Europa, sobretudo nas da Península Itálica, em que
marceneiros, ferreiros, pedreiros, tecelões e tantos o comércio havia prosperado e enriquecido seus
outros. representantes, a produção cultural foi muito in-
Quem vivia nesses centros urbanos era chama- tensa. Por meio do patrocínio de alguns indivíduos
do de burguês. Como consequência das transfor- da burguesia, chamados mecenas, muitos pesqui-
mações econômicas, também ocorreram mudan- sadores, intelectuais e artistas destacaram-se com
ças sociais. Se antes a sociedade medieval era de- obras nas áreas da literatura, pintura, escultura, ar-
terminada pelo nascimento, praticamente dividida quitetura, matemática e astronomia, entre outras.
entre nobres (os proprietários das terras) e servos (os Essa efervescência artística e cultural teve seu
trabalhadores do campo que não possuíam terras), auge nos séculos XV e XVI e ficou conhecida como
nesse período de transformações surgiu um novo Renascimento.
grupo social, a burguesia.
Suas atividades econômicas abriram caminho Nova visão de mundo
para a transição do feudalismo para o capitalismo
e representaram novas possibilidades de ascensão Os pensadores renascentistas buscavam com-
social. preender de maneira racional a relação do ser hu-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
mano com a natureza. Quer dizer, a explicação do mundo não seria mais feita pelas “leis divinas”, ou seja,
pela vontade de Deus, mas pelas leis da natureza. Eles diziam que a matemática era a “linguagem da
natureza” e, portanto, a natureza poderia ser estudada e seus fenômenos demonstrados.
O pensamento foi deixando de ser exclusivamente teocentrista (a ideia de que Deus era o centro de
tudo) para se tornar antropocentrista (em que o ser humano era o centro das preocupações), mesmo com
o combate da Igreja às ideias consideradas contrárias aos dogmas religiosos. Um exemplo dessa mudança
de pensamento foi Galileu Galilei, pensador italiano que retomou entre os séculos XVI e XVII as polêmicas
teses de Nicolau Copérnico. Galileu, com o uso da luneta, sustentou a teoria de que era o Sol, e não a Terra,
o centro do universo.
Essa afirmação contrapôs um dos principais dogmas da Igreja, o geocentrismo (a ideia de que a Terra é
o centro do universo), e foi responsável pela condenação de Galileu, que, temendo a morte, foi obrigado
a renegar sua teoria. Nessa época, pensadores que contestaram os dogmas da Igreja foram julgados pelos
tribunais da própria Igreja, conhecidos como Tribunais do Santo Ofício ou Inquisição.
Nessa época, a capacidade de pensar era cada vez mais valorizada e a compreensão do mundo era
fruto do pensamento racional do ser humano.
Isso não significa que os homens do Renascimento eram antirreligiosos ou deixaram de acreditar em
Deus. Eles desejavam apenas valorizar a capacidade criativa do ser humano. Assim como o pensamento
greco-romano, eles enalteciam a dignidade humana, a beleza e o conhecimento. Por isso, esses pensado-
res do Renascimento eram chamados de humanistas.
No Renascimento, filósofos e pensadores da Antiguidade Clássica, como Aristóteles e Platão, foram
retomados, os manuscritos gregos e latinos foram estudados e suas ideias serviram de estímulo para a cria-
ção de novos saberes. A valorização das capacidades humanas coincidia com os ideais da burguesia, isto
é, do “novo homem” que surgia, que dependia de seus conhecimentos para garantir um lugar na antiga
sociedade medieval.
Nas artes, técnicas de desenho e pintura inovaram as representações ao criar:
• a perspectiva, que dava a ideia de tridimensionalidade às imagens, ou seja, uma ilusão de profundidade;
69
• os efeitos de luz e sombra, que davam volume às formas, tornando as imagens mais realistas.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Além dos temas bíblicos e mitológicos, também A FORMAÇÃO DOS ESTADOS MODERNOS
surgiram os retratos, destacando a representação E O CAPITALISMO COMERCIAL
do burguês.
O capitalismo comercial e o mercantilismo Du-
rante a Alta Idade Média (séculos V a X), apesar de
existir o comércio, essa atividade não era o cen-
tro da vida econômica. A economia feudal estava
baseada, predominantemente, na atividade rural
para subsistência do feudo. Mas, no início da Baixa
Idade Média (séculos XI a XIII), quando a produção
agrícola passou a crescer, foi possível gerar exce-
dentes que podiam ser comercializados em merca-
dos e fora dos feudos. Isso fortaleceu o comércio
e impulsionou a transformação do sistema feudal.
Desde o final da Baixa Idade Média (séculos XIII
a XV), apontava-se para a formação de um novo
sistema econômico, baseado não mais na agricul-
tura de subsistência, mas nas relações mercantis e
na circulação de moedas.
Nesse contexto, os comerciantes passaram a
assumir uma importância cada vez maior na orga-
nização econômica da sociedade. A maioria deles
vivia em função das feiras, em torno das quais no-
vos centros urbanos surgiam, unindo-se às antigas
cidades em processo de expansão. Essas cidades
eram também chamadas de burgos, e seus habi-
tantes, de burgueses.
No início da Idade Moderna, esse momento de
grande desenvolvimento comercial, iniciado no fi-
nal da Idade Média, foi acompanhado e também
impulsionado por transformações no terreno polí-
tico. Isto é, em um processo que durou do século
70 XII até o século XVIII, as monarquias foram centrali-
zando seu poder político na unificação do governo
em determinado território, possibilitando a origem
Relevo decorativo hexagonal, parte de uma série dos Estados-nação – assunto que você estudará no
que descreve os praticantes das artes e das ciências. texto O absolutismo.
Museu da Ópera do Duomo, Florença (Itália). Para colocar em prática essa centralização, foi
essencial que os monarcas desenvolvessem formas
Na arquitetura, o estilo renascentista deu impor- de acumular riquezas para sustentar esses Estados.
tância ao projeto racional, pautado pela simetria Para isso, eles começaram a associar-se aos co-
e pelas formas geométricas, consideradas a base merciantes (burgueses), procurando alternativas
da beleza na época. Para as edificações, muitos de expansão econômica e enriquecimento, via
equipamentos e técnicas foram criados e desafios comércio. Assim, neste período, os Estados nacio-
foram superados em construções que marcaram a nais adotaram o absolutismo como sistema político
paisagem de várias cidades europeias, como Flo- e o mercantilismo como sistema econômico, com
rença, Milão e Roma, na Península Itálica. Assim, na o objetivo de concentrar o poder político e gerar
construção civil, o planejamento das obras ficou mais riqueza por meio do comércio.
sob a responsabilidade dos arquitetos. Mas o que era o mercantilismo? Qual era seu
objetivo? Como ele era praticado? O sistema mer-
cantilista era composto de um conjunto de práticas
econômicas, marcadas pela forte interferência dos
Estados nacionais, que buscavam se fortalecer e
enriquecer praticando atividades comerciais.
Assim, o sistema mercantilista se organizou no
período de transição do feudalismo para o capi-
talismo, momento em que houve o surgimento da
burguesia, o fortalecimento das cidades como en-
trepostos comerciais e o renascimento comercial
na Europa, quando as moedas voltaram a interme-
diar as trocas entre produtos e serviços. O ato de
comprar e vender tornou-se a principal atividade
econômica e o caminho para o enriquecimento
Ciências Humanas e suas Tecnologias
da burguesia mercantil, isto é, aquela que tinha ao acúmulo de metais preciosos. Uma das formas
sua fonte de renda baseada no mercado ou no de influenciar a balança comercial era taxar os
comércio. produtos importados, tornando-os mais caros que
O mercantilismo é compreendido por alguns os nacionais e desestimulando a importação. Essa
economistas como a fase inicial do capitalismo, prática é chamada de protecionismo.
caracterizada pela acumulação de riquezas que Mas como conseguir vender muito para outras
possibilitaram o posterior desenvolvimento indus- regiões se todos os Estados tinham o mesmo obje-
trial. Por isso, esse sistema econômico é conhecido tivo? Criando monopólios comerciais. Os Estados
como capitalismo comercial. europeus passaram a dominar outros territórios – as
colônias – e as inseriram na lógica mercantilista.
Nessa relação, as colônias só podiam fazer co-
mércio com suas metrópoles, isto é, tanto a venda
de matérias-primas coloniais quanto a compra de
manufaturas deveriam ser feitas apenas entre a co-
lônia e a sua respectiva metrópole.
#FicaDica
Monopólio
Privilégio concedido a um indivíduo,
grupo, empresa, ou mesmo a um gover-
no, para explorar um determinado tipo
de atividade econômica, como a fabri-
cação ou a venda de uma mercado-
ria, a realização de um tipo de serviço,
entre outras atividades. O monopólio se
tornou um elemento importante para o
desenvolvimento do capitalismo e o en-
riquecimento da burguesia.
Foi construída a partir de uma nova forma de como os ducados, condados e marquesados, que
organização do trabalho, em que artesãos, ante- eram territórios governados por nobres feudais. Por-
riormente isolados em suas oficinas, foram reunidos tanto, não havia os países como existem hoje.
em um mesmo local, trabalhando juntos, de forma Atualmente, o mundo está organizado em paí-
padronizada e em série, sob as ordens do proprie- ses, que também podem ser chamados de Estados
tário das ferramentas e das matérias-primas. Essa nacionais. Esses Estados, por meio de seus diferen-
nova forma de organização da produção desen- tes governos, desempenham várias funções e ativi-
volveu-se muito com o surgimento da divisão do dades, como: zelar pelo direito de seus cidadãos,
trabalho nos estabelecimentos manufatureiros. organizando a justiça e a segurança; investir em
Essa divisão do trabalho em diversas atividades infraestrutura pública (transporte, comunicação,
mais simples possibilitou a especialização dos tra- energia); oferecer saúde, educação e saneamen-
balhadores em determinadas partes do processo to básico à população; preservar o meio ambiente;
de produção, viabilizando a introdução de novas manter as fronteiras seguras; cuidar das relações di-
ferramentas que agilizavam o trabalho. Como resul- plomáticas com outros países; e discutir e elaborar
tado, a produtividade cresceu – passou-se a produ- as políticas públicas.
zir mais em menos tempo –, mas aos trabalhadores Os países, ou Estados nacionais, são compostos
couberam tarefas mais repetitivas e simplificadas. de um Estado (poder político), uma nação (deter-
Uma das consequências dessa nova organiza- minada pelos grupos sociais que vivem no país) e
ção da produção é que o artesão, que antes co- um território (espaço determinado). Mas essa for-
nhecia todas as etapas da fabricação do produto, ma de organizar o Estado e essa definição atual
passou a conhecer apenas uma, pois as demais de suas funções são, de uma perspectiva histórica,
tarefas passaram a ser atribuídas a outros traba- bastante recentes.
lhadores. O trabalhador deixou, portanto, de ter Foi na Idade Moderna que nasceram os Estados
a compreensão do processo de trabalho em seu nacionais, que mais tarde formaram países, como
conjunto. Ele se tornou parte de uma engrenagem França, Inglaterra, Portugal e Espanha. Antes disso,
mais ampla, na qual a produção e o produto final ao longo do período medieval, o poder político
não eram mais seus e não dependiam mais somen- permaneceu nas mãos da nobreza. Ela governa-
te dele, mas representavam o resultado de um tra- va suas propriedades, e seu poder poderia ser mais
balho coletivo e organizado pelo proprietário. Por abrangente ou mais fragmentado, dependendo
exemplo, se anteriormente o artesão deveria deter das disputas sucessórias que dividiam os territórios
o conhecimento para produzir um sapato desde a entre os nobres.
concepção até a execução final, depois o traba- A partir do século XII, as monarquias, com o
72 lhador se tornou um “especialista” apenas em co- apoio da burguesia, foram centralizando seu po-
locar pregos na sola do sapato. der e unificando o governo em territórios cada vez
Com isso, ficou mais fácil substituir um trabalha- maiores. Foi esse processo que deu origem aos Es-
dor por outro, devido à simplicidade da tarefa a tados nacionais. Como visto no Volume 1, a terra
ser executada, possibilitando a diminuição do seu deixou de ser o centro da vida econômica, dando
pagamento. lugar ao comércio, que se expandia e se tornava
uma grande fonte de riqueza. A burguesia, que fi-
cava cada vez mais poderosa economicamente
por causa do comércio, necessitava de transfor-
mações políticas para continuar sua expansão.
E por quê? Durante o feudalismo, havia muitas
guerras entre a nobreza, o que gerava insegurança
para a livre circulação de mercadorias e prejudica-
va, portanto, o comércio. Além disso, cada senhor
feudal cobrava uma série de impostos sobre as
mercadorias dos burgueses e cunhava a sua pró-
pria moeda, atrapalhando o comércio.
Nesse sentido, interessava à burguesia que hou-
vesse um governo centralizado, capaz de prote-
ger a propriedade e dar segurança à circulação
de mercadorias em todo o território sobre o qual
governasse. Além disso, para a burguesia era im-
portante que existisse uma unificação da econo-
mia com uma única moeda válida e somente uma
O absolutismo instituição cobradora de impostos em um mesmo
território.
A Europa, durante a Antiguidade e a Idade Mé- Foi assim que a burguesia passou a usar seu po-
dia, esteve organizada de diferentes maneiras – em der econômico para fortalecer o rei, ajudando-o a
cidades-estado (a pólis grega), em impérios (como centralizar seu poder político, de forma a unificar
o Romano e o Carolíngio), em reinos (como os dos a economia por meio da unificação político- -terri-
francos e dos anglo-saxões) e em divisões menores, torial, que acabaria por dar origem ao Estado na-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
e sensorial, e não ao mundo religioso) e começou que a salvação da alma era obtida sem a necessi-
a se espalhar por toda a Europa, muitas vezes por dade de boas ações; bastava acreditar na própria
meio da força e não só da caridade e da ajuda fé. Já os calvinistas entendiam que a salvação da
espiritual. alma era predestinada por Deus, ou seja, os seres
Com a queda do Império Romano do Ociden- humanos já nasciam destinados a serem salvos ou
te e o início da Idade Média na Europa, a Igreja, condenados – o sucesso pessoal e profissional seria
graças ao trabalho de conversão dos povos ger- o sinal da escolha divina.
mânicos que haviam invadido o Império, não só so- Essa ideia tornou possível o desenvolvimento
breviveu como passou a ser a principal instituição de uma nova ética (novos valores) em relação ao
espiritual do continente, perseguindo e eliminando mundo do trabalho. Para os calvinistas, a prosperi-
as demais crenças e religiões. dade era bem vista, e o lucro e a riqueza não eram
Entre o final do século XV e no início do XVI, condenados, ao contrário do que acreditavam os
no contexto do renascimento comercial e urbano católicos. Portanto, trabalhar muito e prosperar era
(que você estudou no Volume 1), muita riqueza foi também uma maneira de se aproximar da benção
produzida, mercadorias de luxo e produtos exóticos divina.
podiam ser comprados, e a elite burguesa e a no- É importante destacar que, para os calvinistas,
breza reuniam-se em torno de interesses comuns. trabalhar e ter sucesso eram situações diferentes e
Nesse cenário de luxo e riqueza, havia dentro da opostas à “vida mundana” que criticavam em rela-
Igreja uma parcela de religiosos do clero que foi ção a alguns sacerdotes da Igreja Católica. Isto é,
acusada de se distanciar dos fundamentos da reli- os calvinistas defendiam o trabalho como forma de
gião cristã, preocupando-se mais com os prazeres louvar a Deus e praticar a fé, mas se opunham ao
mundanos e em interferir na política e na econo- luxo e à ostentação.
mia dos diferentes Estados, de maneira a privilegiar Muitos católicos, no entanto, não acolhiam os
os interesses do alto clero. protestantes, vistos como hereges por questiona-
Muitos nobres e comerciantes (a burguesia) rem os dogmas da Igreja Católica. Além disso, na
estavam descontentes com essa interferência da medida em que países em guerra aderiam a reli-
Igreja. Além disso, as ideias humanistas desenvolvi- giões protestantes, reforçava-se a intolerância en-
das durante o Renascimento ofereciam subsídios tre os diferentes tipos de cristãos.
para a crítica à teologia cristã, tal como pregada Com isso, muitos embates religiosos acontece-
na época. Foi nesse contexto que aconteceu a Re- ram na Europa, como o Massacre da Noite de São
forma Protestante, iniciada por Martinho Lutero, um Bartolomeu na França, em 1572, quando católicos
monge e professor de teologia da Saxônia (parte dizimaram milhares de protestantes (chamados na
74 da atual Alemanha). França de huguenotes), ou a perseguição aos ca-
As opiniões defendidas por Lutero propunham tólicos na Inglaterra pelo rei Henrique VIII, que rom-
uma reforma interna da Igreja Católica e, por cau- peu com a Igreja Católica em 1534, criando sua
sa de seus protestos contra o que vinha ocorrendo própria igreja protestante, a Igreja Anglicana.
na Igreja, acabou rompendo com a instituição e Essa ruptura resultou em morte e fuga de mui-
criando uma nova corrente cristã, o protestantismo. tos católicos, confisco de terras da Igreja Católica
Com esse rompimento, foi dado o primeiro pas- e dos nobres católicos e destruição de templos e
so para a liberdade religiosa de interpretação das bibliotecas monásticas.
escrituras sagradas e do próprio dogma cristão. A
partir de então, inúmeras religiões protestantes sur-
giram pela Europa. Entre as mais importantes estão
o luteranismo (fundada por Lutero) e o calvinismo
(fundada por João Calvino).
As religiões protestantes defendiam algumas
ideias em comum, como a oposição à venda do
perdão aos pecados. Essa prática era chamada
de indulgência e era feita frequentemente pela
Igreja Católica na época. Além disso, as religiões
protestantes defendiam que os cristãos eram
iguais, portanto negavam a santidade do papa e
de membros do clero e diziam que não havia ne-
cessidade de intermediários entre Deus e seus fiéis,
o que significava retirar o poder da Igreja em tradu-
zir a palavra divina.
Dessa forma, cada um poderia interpretar livre- O século XVI marcou, então, uma ruptura inter-
mente as sagradas escrituras, mas isso não dispen- na na cristandade, com religiões que traçaram ca-
sava, em muitas religiões protestantes, a existência minhos diferentes (protestantes e católicos) a partir
de um sacerdote. de uma base cristã comum.
Apesar dessas características em comum, as
religiões protestantes tinham diferenças importan-
tes entre si. Os luteranos, por exemplo, defendiam
Ciências Humanas e suas Tecnologias
75
ovelhas para a produção de lã, material utilizado produção, como viria a ocorrer no capitalismo.
pela nascente indústria têxtil. Durante muito tempo,
enquanto os camponeses ainda podiam utilizar as Em geral, um artesão que produzia um sapato
terras comuns para produzir, a agricultura foi essen- cuidava de todas as etapas do processo: corte e
cialmente uma atividade de subsistência. tratamento do couro, criação do solado, colagem
Com os cercamentos, eles foram forçados a mi- e polimento. Isso significa que o sapato era feito
grar para as cidades, processo que se intensificou por uma só pessoa que dominava todas as etapas
nos séculos XVII e XVIII. Os camponeses, sem recur- da produção. Entre os séculos XVI e XVIII, houve
sos nem propriedades para montar seus próprios um período de transição, da produção artesanal,
negócios, tiveram de vender sua força de trabalho predominante na Idade Média, para a produção
em troca de um pagamento, tornando-se, assim, industrial, que se desenvolveu na Inglaterra.
trabalhadores assalariados. Essa crescente oferta Esse período intermediário é baseado na pro-
de trabalhadores estimulou a expansão da econo- dução manufatureira, na qual vários trabalhado-
mia industrial. Portanto, esse foi um dos elementos res, sob o controle de um mesmo capitalista, eram
importantes para o início do processo de industriali- reunidos em uma oficina para a produção de um
zação da Inglaterra. bem. Foi a manufatura que introduziu a divisão do
Além dessas mudanças, também ocorreram trabalho no sistema de produção. Os artesãos, que
transformações no processo produtivo. Houve um antes faziam o produto por inteiro, passaram a tra-
significativo avanço tecnológico que levou ao balhar com outros artesãos em uma oficina, onde
aperfeiçoamento das máquinas e ao aumento da cada um cuidava de uma parte da produção.
produção. Com a expansão da atividade indus- Assim, produzia-se mais rápido. No exemplo do
trial, o maquinário passou a ser concentrado na fá- sapato, o processo produtivo foi fracionado: um
brica, espaço no qual os trabalhadores eram reuni- cortava o couro, outro juntava o couro com pregos
dos para trabalhar como operadores de máquinas. ou cola, um terceiro fazia o polimento e um quarto
A concentração do operário na fábrica foi es- botava os cadarços. No capitalismo, o trabalhador
sencial para que o proprietário estabelecesse uma se tornou responsável apenas pela realização de
disciplina para o trabalho e passasse a determinar uma tarefa específica, com operações iguais e re-
o controle de seu tempo. Esses fatores também petidas, simplificando o seu trabalho e tornando-o
contribuiram com a Revolução Industrial. mais rápido.
Outra importante inovação técnica da Revo- Com isso, o trabalhador podia ser substituído
lução Industrial que ocorreu na indústria têxtil foi com mais facilidade. Afinal, não é qualquer pessoa
a máquina a vapor rotativa, de James Watt. Essa que sabe fazer um sapato inteiro, mas a grande
76 máquina elevou significativamente a produtivi- maioria é capaz de enfiar cadarços nele. Como
dade na indústria de tecidos utilizando o carvão o trabalhador poderia ser facilmente substituído, o
como combustível. O carvão foi a principal fonte valor do seu trabalho era menor do que o de um
de energia industrial do século XIX e também um artesão, o que contribuiu para que cada trabalha-
importante combustível doméstico. A necessidade dor recebesse um salário mais baixo. Essa crescen-
de transportar o carvão das minas para a indústria te divisão do trabalho acentuou-se na Revolução
têxtil influenciou o desenvolvimento das ferrovias, Industrial que, como foi visto, ocorreu a partir da
que constituíram um estímulo importantíssimo para década de 1780. A grande mudança em relação
o crescimento de outros setores industriais, como o ao período manufatureiro é que ocorreu uma revo-
do ferro. lução nos meios de produção.
O crescimento da produção industrial na Ingla-
terra foi gigantesco nesse período. Uma das ima- O lucro e o modo de produção capitalista
gens mais representativas das mudanças que a in-
dústria causou no ambiente urbano daquela épo- Mas como essa forma de produzir pode gerar
ca é a que mostra as cidades com indústrias e suas mais lucros para o capitalista? Mesmo tendo pro-
chaminés, que saturavam o ar de fumaça preta, duzido algo que possua certo valor no mercado,
resultado da queima de carvão. os trabalhadores só vão receber como salário uma
Isso causava uma série de doenças respiratórias pequena parte do valor produzido. O restante fará
que afetavam os trabalhadores e os moradores dos parte do lucro do capitalista, que poderá investi-lo
centros urbano-industriais. A partir da Revolução In- em sua fábrica, ampliando seu capital. Toda rique-
dustrial, os problemas ambientais se intensificaram za que existe só pode ser gerada por meio do tra-
e são hoje uma grande preocupação mundial. balho, pois é ele que transforma uma matéria-pri-
ma, um recurso natural ou um conhecimento em
O processo de trabalho no modo de produção um produto ou serviço a ser vendido.
capitalista: da manufatura à Revolução Industrial Dessa forma, mesmo que o dono da fábrica de
sapatos junte o couro, a cola, o fio do cadarço, a
Nas oficinas de produção da Idade Média não tesoura e a máquina de costurar em uma sala, não
havia proprietários e empregados, mas mestres e lucrará nada com isso, até que alguém trabalhe e
aprendizes. Nelas, uma pessoa mais experiente transforme tudo isso em um sapato para ser comer-
deveria ensinar e cuidar da qualidade do que foi cializado. Assim, para ter lucro, o capitalista precisa
produzido. Entretanto, não existia uma divisão da comprar todos os materiais necessários para fabri-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
car uma mercadoria, as ferramentas para traba- até mulheres grávidas tinham a mesma carga ho-
lhá-los e a força do trabalho de alguém. rária que os outros trabalhadores. A maioria dos pa-
A fim de obter lucro, o capitalista (o proprietá- trões contratava um número maior de mulheres e
rio do negócio) tem de vender sua mercadoria por crianças, pois elas recebiam um salário menor que
um determinado valor. Para isso, o primeiro passo o dos homens adultos. Não havia uma legislação
é saber quanto vai gastar com os materiais, as fer- que regulasse as condições de trabalho. O objetivo
ramentas ou máquinas e os salários dos trabalha- de tudo isso era aumentar o lucro dos capitalistas.
dores. No século XIX, a grande exploração a que os tra-
No exemplo da fabricação de sapatos, o valor balhadores eram submetidos resultou na criação
do sapato será igual à soma do valor do couro, da de associações operárias, que começariam a con-
cola, do fio do cadarço, da tesoura, da máquina testar a exploração nas fábricas. Ocorreram muitas
de costurar e do trabalho do empregado. Portan- greves e conflitos, que resultaram na elaboração
to, o trabalho é que dá o valor ao produto fabrica- de leis que estipularam regras para o trabalho as-
do. Esse valor, o do produto final, é sempre maior salariado.
do que a simples soma dos valores dos materiais e
ferramentas, pois nele consta também o valor do A INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS DA
trabalho realizado pelo empregado. AMÉRICA E A REVOLUÇÃO FRANCESA
O nome disso é trabalho incorporado. E o lucro
do capitalista, como se dá? Segundo o exemplo O liberalismo e a independência estadunidense
da fabricação de sapatos, imagine que o sapato Se a Revolução Industrial representou o triunfo do
seja vendido a R$ 50,00. Se os meios de produção capitalismo no âmbito econômico, a independên-
(o couro, a cola, o fio do cadarço, a tesoura, a cia dos EUA e a Revolução Francesa contribuíram
máquina de costura) custaram juntos R$ 20,00, en- para a consolidação do projeto burguês no âmbito
tão sobraram R$ 30,00. O trabalhador recebe uma político e ideológico.
parte disso na forma de salário (por exemplo, R$ A corrente de ideias econômicas, políticas e
10,00). A outra parte é o lucro do dono da fábrica filosóficas que embasou esse projeto chama-se li-
(R$ 20,00). beralismo. O liberalismo é uma ideologia burguesa,
Portanto, quanto mais trabalhadores, mais pro- quer dizer, constitui um conjunto de ideias formula-
dução e maior o lucro para o capitalista, mas o tra- das com base nos interesses e valores da burguesia.
balhador continuará ganhando R$ 10,00. Isso gera O liberalismo expressa princípios e teorias polí-
grandes diferenças entre as duas classes. Assim, o ticas que têm como ponto principal a defesa da
tempo do trabalhador foi dividido em duas partes: propriedade privada e das liberdades civis, políti-
uma para produzir o valor que pagará seu salário e cas e econômicas. 77
a outra para gerar o lucro do dono da fábrica. Os primeiros pensadores liberais surgiram na In-
E por que o dono da fábrica pode se apropriar glaterra do século XVII, em um contexto de trans-
assim do trabalho de seu funcionário? Porque ele formações políticas (com o fim do absolutismo na
é o proprietário de tudo: dos meios de produção e Inglaterra e o deslocamento do poder político para
também do próprio trabalho do seu empregado, já o Parlamento) e econômicas (como o desenvolvi-
que é ele quem paga os salários. O empregado só mento do capitalismo inglês já a caminho da Revo-
se submete a isso porque não é dono de nada, a lução Industrial). Essas transformações favoreceram
não ser do seu próprio trabalho. o surgimento das ideias liberais.
Por isso, pode-se dizer que a propriedade priva- Entre os principais representantes do pensa-
da dos meios de produção é a fonte do lucro e da mento liberal inglês estão John Locke e Adam Smith.
exploração do trabalho no capitalismo. Ou, ainda, Para Locke, todos os seres humanos nascem iguais
é possível afirmar que o lucro é a diferença entre o e vão se diferenciando conforme suas experiências
que o capitalista gasta para produzir (incluindo o de vida, diretamente relacionadas à sua condição
valor pago ao trabalhador e os demais custos de social. Esse pensamento entrava em choque com
produção) e o valor da mercadoria produzida. Esse as ideias que sustentavam as monarquias absolutis-
processo, do qual o capitalista obtém o lucro, cha- tas da Europa, que defendiam a superioridade dos
ma-se mais-valia e é a forma de enriquecimento do reis e nobres diante das outras pessoas.
capitalista. No pensamento desenvolvido por Locke, se
Para aumentá-la, ele precisa pagar menos aos todos nascem iguais, também têm direitos iguais.
trabalhadores e, sempre que possível, fazê-los pro- Nesse sentido, todos os seres humanos teriam direi-
duzir mais. to à propriedade, que deveria ser protegida legal-
mente inclusive de interferências de autoridades.
As condições de trabalho nas fábricas Já Smith defendia a maior liberdade individual
possível nas relações econômicas, pois considera-
As condições de trabalho nas primeiras fábricas va que a livre competição e a livre concorrência
eram as piores possíveis. As jornadas de trabalho se no mercado representavam o melhor caminho
estendiam por até 18 horas diárias e erros cometi- para o desenvolvimento econômico. Segundo ele,
dos pelos trabalhadores durante o processo produ- os mais competentes para oferecer aos consumi-
tivo podiam ser punidos com castigos físicos. Muitas dores o que eles queriam e para produzir os melho-
crianças, que chegavam a ter 8 anos de idade, e res produtos e serviços sobreviveriam; os demais se-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
riam extintos. Por isso, ele se opunha ao monopólio, Como o desenvolvimento do pensamento ilumi-
ou seja, ao fato de que somente um país, pessoa nista se relaciona com o processo de independência
ou empresa pudesse explorar uma determinada dos EUA?
atividade econômica.
Para ele, quanto menor fosse a intervenção do O pensamento iluminista estava relacionado à
governo, melhor estaria a sociedade. Outra escola lógica dos interesses da burguesia. Desse modo, a
filosófica que, apesar de não ser liberal, contribuiu livre competição, bem como a defesa da proprie-
para a consolidação do pensamento político dos dade e da liberdade, eram importantes aliados da
revolucionários estadunidenses e franceses foi o ilu- expansão do capitalismo, uma vez que a amplia-
minismo francês. ção do capital e dos lucros dependia também de
Entre seus principais representantes estão Jean- as empresas terem cada vez mais possibilidades de
-Jacques Rousseau, que reforçou a ideia de que ampliarem seus negócios sem barreiras.
todos os seres humanos nascem livres e que para Além disso, a liberdade dos indivíduos e o de-
viver em sociedade devem estabelecer um contra- senvolvimento do capitalismo se chocavam com a
to social baseado no interesse comum; e Montes- falta de liberdade das colônias da América inglesa,
quieu e Voltaire, que defendiam o uso da razão, do que eram dominadas pela lógica do monopólio da
conhecimento e da ciência para a compreensão metrópole sobre a colônia.
da realidade. Os colonos não eram livres para negociarem
Eles defendiam também princípios de igualda- com quem quisessem e deveriam seguir sem con-
de e de liberdade, condenando a escravidão e a testar as regras impostas pela metrópole. Antes da
dominação colonial. Afinal, como poderiam existir independência, os EUA eram formados por 13 colô-
escravos se todos nascem livres e iguais em direi- nias inglesas espalhadas no leste do atual território
tos? Na prática, o iluminismo estava diretamente estadunidense.
ligado à superação das estruturas feudais. Nas colônias do sul, predominava a economia
Algumas de suas formulações estavam com- agrícola baseada no trabalho escravo e no sistema
prometidas com os interesses da burguesia e pode- de monocultura, produzindo principalmente taba-
riam ser sintetizadas nos seguintes princípios: co, algodão, índigo (uma tintura com tonalidade
azulada) e arroz.
• individualismo: o ser humano existe primeira- Era um modelo de produção agrícola pare-
mente como indivíduo livre, que tem direitos cido com aquele das colônias espanholas e da
naturais e independentes da posição de cada colônia portuguesa na América. Já na chamada
um na sociedade; região central, prevaleciam as atividades urbanas
78 • liberdade individual, política e econômica: os e comerciais. Nas colônias do norte, região deno-
seres humanos nascem livres por natureza, ten- minada Nova Inglaterra, desenvolviam-se a pesca
do cada um o direito de se desenvolver como e a produção de alguns manufaturados, além do
indivíduo e prosperar economicamente. Nesse comércio
sentido, os direitos à livre expressão e à asso- As várias colônias, apesar das diferenças nas
ciação dos indivíduos devem estar garantidos. formas de organização econômica e social, uni-
A liberdade política significa poder participar ram-se contra a metrópole britânica nas décadas
das decisões sobre a pública, comum a todos, de 1760 e 1770, época em que a Inglaterra tentou
impor às suas colônias novos impostos que contri-
seja de forma direta, ingressando na política,
buíssem para recuperar as finanças do reino. Um
seja de maneira indireta, votando para esco-
exemplo foi a Lei do Chá, criada em 1773, que de-
lher seus representantes. Já a liberdade eco-
finia que todo o comércio de chá, uma bebida po-
nômica significa deixar que o mercado regule
pular entre os ingleses, deveria ocorrer por meio de
a economia (livre mercado) por meio da lei comerciantes britânicos.
da oferta e da procura, diminuindo a partici- Para tanto, a metrópole criou um monopólio
pação do Estado; que impedia a livre concorrência, defendida pe-
• igualdade perante a lei: para os iluministas los liberais. Essas medidas reforçaram o desejo de
(pensadores do iluminismo), os seres humanos muitos colonos, especialmente o de negociantes e
nascem livres e iguais, não devendo haver pri- comerciantes, de não mais terem de prestar contas
vilégios de uns sobre outros. A igualdade, en- à metrópole.
tretanto, refere-se aos direitos, ou seja, as pes- Nesse contexto, ganharam força nas colônias
soas nascem livres e iguais em direitos. inglesas os escritos iluministas e liberais que defen-
diam a liberdade, a livre concorrência e o fim do
Isso não significa que todos serão sempre iguais, monopólio e da dominação colonial. Em 1776, em
pois existiriam aqueles que alcançariam maiores 4 de julho, os colonos optaram pela ruptura defini-
conquistas tornando-se mais ricos, assim como os tiva ao divulgar a Declaração de Independência.
que herdariam essa riqueza. A todos, entretanto, Assim, as colônias britânicas transformaram-se nos
deveriam ser garantidos os mesmos direitos, por lei, Estados Unidos da América.
para competir na sociedade. A decisão de se separar da metrópole deu iní-
cio à Guerra de Independência, que só terminou
em 1783, quando a Inglaterra reconheceu a inde-
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pendência das colônias revoltosas. Entre as lideran- com a ocorrência de más colheitas, que elevaram
ças intelectuais do movimento de independência o preço dos alimentos e espalharam a fome pelo
estavam Thomas Jefferson e Benjamin Franklin, que reino. Como resultado, o desemprego chegou a ní-
se tornaram também porta-vozes do pensamento veis muito altos.
iluminista. A crise obrigou o rei a buscar uma solução
negociada. Para isso, convocou a reunião dos Es-
tados-Gerais, na qual todos os três estados foram
chamados a discutir e a apresentar soluções para
os problemas franceses. Os representantes do ter-
ceiro estado propuseram que a reunião fosse con-
vertida em uma Assembleia Nacional Constituinte,
com o propósito de criar uma Constituição para a
França e diminuir o poder do rei absolutista Luís XVI.
O conflito com o rei agravou-se no período que
se sucedeu, uma vez que não foram feitas conces-
sões para melhorar as condições de vida de mi-
lhões de camponeses e dos desempregados nas
cidades francesas, e a reforma tributária, exigida
pela burguesia, não era admitida pela nobreza,
que temia perder seus benefícios.
Em julho de 1789, uma grande milícia popular
A Revolução Francesa A Revolução Francesa invadiu e derrubou a Bastilha, uma prisão que deti-
pôs fim ao chamado Antigo Regime, em que pre- nha os inimigos políticos do rei, e os deputados do
valeciam o absolutismo e as relações de servidão. terceiro estado se fecharam na Assembleia e pro-
Com isso, ajudou a consolidar na França, e depois clamaram uma Constituinte. Esse foi o marco inicial
em grande parte da Europa, o Estado burguês e os da Revolução Francesa. Na sequência, prefeituras
direitos liberais. e castelos foram invadidos pelos revolucionários.
Essa revolução foi fruto da aliança histórica en- Os camponeses reivindicavam a redução dos
tre as duas classes antagônicas do capitalismo, o impostos e a abolição de direitos feudais que ainda
qual ainda encontrava entraves feudais para se existiam.
desenvolver: a burguesia, que já detinha o poder
econômico, mas agora almejava também o poder
político, e a classe trabalhadora, que queria usufruir 79
de seus direitos como cidadãos livres e iguais, com
o fim da servidão.
Essas duas classes uniram-se contra a nobreza
e o clero, que resistiram para não perder seus pri-
vilégios. Na primeira metade do século XVIII, a so-
ciedade francesa estava dividida em três partes,
chamadas à época de “estados”. O primeiro esta-
do era composto pelo clero e o segundo estado,
pela nobreza. A maior parte da população france-
sa, constituída por camponeses, artesãos e comer-
ciantes, era chamada de terceiro estado.
O terceiro estado era o maior pagador de im-
postos do reino francês, sendo a nobreza a grande
beneficiária dos recursos públicos. Nobres rece-
biam generosas pensões do governo e eram tam-
bém grandes proprietários de terras da França.
O terceiro estado também compreendia os
grandes comerciantes, conhecidos como burgue- A Assembleia Nacional, em meio ao clima revo-
ses, que, embora tivessem acumulado muita rique- lucionário, divulgou a Declaração dos Direitos dos
za, não tinham privilégios políticos, pois eram a no- Homens e do Cidadão. Inspirada nos ideais liberais
breza e o clero que tinham influência direta sobre e iluministas, ela definia que todos nascem livres e
o rei. iguais em direitos.
Com isso, havia uma grande desigualdade Em junho de 1791, Luís XVI tentou fugir da Fran-
social, sendo que grande parte dos camponeses ça em direção à Áustria, que era uma monarquia
vivia em condições miseráveis. Para agravar a si- absolutista, para buscar apoio na luta contra os re-
tuação, a França havia participado de três guerras volucionários. Capturado, ganhou fama de traidor
na primeira metade do século XVIII, fazendo com entre a população.
que os gastos do Estado aumentassem de maneira O líder revolucionário Maximilien de Robespierre
desproporcional em relação aos recursos que tinha pediu a sua deposição. Em setembro de 1791, o rei
disponível. Na década de 1780, a crise se ampliou foi obrigado a jurar obediência à Constituição. Na
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81
Nesse mesmo ano, foi realizado o Congresso de Viena visando reformular as fronteiras da Europa após a
derrota de Napoleão. Porém, em 1815, ele conseguiu organizar um exército e retomar o governo da Fran-
ça, no qual permaneceu por mais 100 dias.
Quando tentou destruir o exército formado pela coligação dos países inimigos, na Bélgica, Napoleão
foi mais uma vez freado pelas tropas adversárias. Dessa vez, foi exilado na ilha de Santa Helena, na costa
africana, onde faleceu em 1821. A derrota de Napoleão marca o fim da Revolução Francesa, mas não o
fim dos ideais revolucionários.
O lema “liberdade, igualdade e fraternidade” espalhou-se pelo mundo incentivando revoltas e revo-
luções em muitos lugares. Na América Latina, os ideais revolucionários influenciaram bastante as lutas por
independência, inclusive no Brasil.
A noção de que todo ser humano é um cidadão com direitos, a instituição de governos republicanos
em que a vontade do povo deve ser soberana, as liberdades civis e políticas, a igualdade entre os homens
perante a lei e a ideia de uma justiça igual para todos são ideais que ajudaram e ajudam a organização
política e social dos países até os dias de hoje.
Trabalhadores lutam por direitos no século XIX As inovações desencadeadas a partir da Revolução
Industrial, com o desenvolvimento científico e tecnológico, trouxeram muitos benefícios para a humanida-
de, como a fotografia, o telégrafo, o telefone, a ferrovia a vapor, a energia elétrica, entre tantas outras
criações.
No entanto, o saldo dessas mudanças não foi totalmente positivo. O desenvolvimento do capitalismo e
a imposição de seu modo de produção obrigaram os trabalhadores a aceitar novas relações de trabalho
e de condições de vida que aumentaram sua exploração e levaram muitos à miséria.
A classe operária, portanto, passou a reivindicar melhores condições de vida e de trabalho nas fábri-
cas, surgidas havia algumas décadas nas grandes cidades da Inglaterra, da França e da atual Alemanha.
Diante das péssimas condições em que trabalhavam – longas jornadas sem descanso, salários baixíssimos
e nenhum direito trabalhista –, os trabalhadores criaram, no século XIX, o movimento operário. Ele buscava
organizar a luta por melhores condições de trabalho e por direitos trabalhistas, formando associações, sin-
dicatos e até partidos políticos.
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Além disso, no mesmo período, muitos pensa- tar ao máximo o lucro do capitalista. Esse lucro era
dores passaram a criticar o sistema capitalista e a obtido pela mais-valia, ou seja, o trabalhador rece-
propor formas alternativas de organização da so- bia apenas uma pequena parte da riqueza produ-
ciedade e das relações de trabalho. Baseando-se zida, transformada em salário, enquanto o capita-
nas lutas do movimento operário e nessas críticas lista ficava com o restante, como foi estudado no
ao capitalismo, os operários começaram a vislum- Tema 1 desta Unidade. Sendo assim, a lógica da
brar a possibilidade de não só lutar por melhorias produção capitalista buscava explorar ao máximo
no mundo do trabalho, mas, mais do que isso, lutar o trabalhador, fazendo-o produzir mais pelo menor
para mudar a própria sociedade. custo.
Eles buscavam torná-la mais justa e igualitária, Como a submissão do trabalhador ocorria pelo
retomando alguns ideais da Revolução Francesa fato de o capitalista deter a propriedade privada
ainda não concretizados. Socialismo, comunismo dos meios de produção, era contra ela que Marx
e anarquismo: novos ideais em defesa dos traba- e Engels se colocavam, a favor do seu fim. Defen-
lhadores Vários autores elaboraram críticas à socie- diam, portanto, que as terras, os recursos naturais,
dade burguesa capitalista. Alguns, sob a influência as ferramentas, as máquinas, as fábricas etc. fos-
das ideias iluministas, defendiam o progresso como sem desapropriadas dos capitalistas e passassem
caminho para a felicidade; outros desenvolveram para a propriedade comum ou coletiva dos traba-
ideias socialistas e defendiam a luta dos trabalha- lhadores.
dores pela conquista da igualdade social e econô- Isso se chamaria socialização dos meios de pro-
mica e pela tomada do poder do Estado. dução e representaria o fim da desigualdade en-
Os ideais socialistas serviram de referência para tre os homens, já que tudo seria de todos. Para isso
as lutas dos trabalhadores no século XIX e conti- ocorrer, Marx e Engels defendiam que os operários
nuam sendo parâmetro para muitos movimentos realizassem uma revolução e acabassem com o
sociais nos dias de hoje. Os chamados socialistas controle que a burguesia tinha sobre a sociedade,
utópicos propunham a criação de um novo siste- provocando, dessa forma, a superação do capi-
ma de ordem social que eles consideravam per- talismo. Essa era a chamada luta entre as classes
feito, no qual a industrialização seria favorável aos sociais. Marx e Engels afirmavam que a classe do-
trabalhadores. minante burguesa, além de controlar a produção
Entre suas propostas estavam a formação de econômica, dominava as instituições políticas e
comunidades, como fazendas coletivistas agroin- ideológicas.
dustriais, nas quais não haveria classes ociosas (que Ou seja, era a burguesia que organizava a so-
não trabalhavam) que explorassem os trabalhado- ciedade e o Estado de acordo com suas necessi-
82 res, os empresários seriam socialmente responsá- dades, de maneira que as leis fossem todas favo-
veis, o individualismo daria lugar aos interesses co- ráveis aos interesses dos capitalistas e os meios de
letivos, os frutos do trabalho seriam compartilhados informação fossem usados para justificar sua ideo-
por todos, as jornadas de trabalho seriam reduzidas logia liberal.
e haveria creche para as crianças e moradias para Para a superação do capitalismo e a constru-
os operários. ção da sociedade dos trabalhadores, Marx e En-
Seus principais teóricos foram Claude de Saint- gels defendiam o avanço em direção ao comunis-
-Simon, Robert Owen e Charles Fourier. Com o tem- mo. Para chegar ao comunismo, seria necessário
po, outros pensadores socialistas chegaram à con- passar por uma etapa de transição: o socialismo.
clusão de que não seria possível superar os proble- No socialismo, o Estado seria tomado pelos traba-
mas dos trabalhadores com o apoio dos burgueses, lhadores e administrado por eles, formando a “dita-
pois o próprio capitalismo seria o problema, não os dura do proletariado”.
capitalistas. Assim, seria impossível a construção de Nessa fase, os trabalhadores usariam o poder
uma sociedade mais justa e igualitária sem a luta do Estado para tomar dos capitalistas a proprieda-
de classes (a luta entre burgueses e operários, entre de dos meios de produção (as terras, os recursos
patrões e empregados). naturais, as ferramentas, as máquinas, as fábricas
Por isso, os socialistas utópicos foram criticados etc.) para que fossem administrados pelo Estado
por essa nova corrente do socialismo, denominada socialista a favor dos interesses dos trabalhadores.
socialismo científico, que considerava essas ideias O Estado também seria usado para reorgani-
inatingíveis e, portanto, condenadas à utopia. zar os serviços públicos em favor dos trabalhado-
O socialismo científico foi fundado e desenvol- res, oferecendo, gratuitamente e com qualidade,
vido por Karl Marx e Friedrich Engels na segunda saúde, educação, moradia, saneamento, cultura
metade do século XIX. Eles elaboraram uma crítica etc. Quando esse ideal fosse atingido, diziam Marx
científica ao capitalismo e também algumas pro- e Engels, o Estado poderia ser extinto para dar lu-
postas para sua superação e para a construção da gar à sociedade comunista, em que a proprieda-
futura sociedade dos trabalhadores, que passaria de dos meios de produção seria comum a todos
pelo socialismo até chegar ao seu estágio final, o (e não privada), não existiriam mais classes sociais
comunismo. em oposição (haveria somente trabalhadores), e o
Entre as críticas ao capitalismo, eles diziam que governo não seria mais feito por políticos e funcio-
se tratava de um sistema baseado na exploração nários públicos.
do trabalhador e com o único objetivo de aumen- A sociedade seria governada pelos trabalha-
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dores, por meio da participação de todos em asso- indo contra os interesses dos liberais franceses.
ciações e cooperativas. Em 1830, essa situação levou à eclosão de re-
voluções liberais, nas quais a burguesia, os traba-
lhadores e os estudantes se rebelaram e ergueram
barricadas nas ruas. O rei foi deposto, mas o go-
verno foi entregue a um novo rei, que governava
de acordo com os interesses da alta burguesia. Esse
acontecimento estimulou outros movimentos revo-
lucionários no continente europeu nas décadas se-
guintes. Em meados do século XIX, a Europa foi pal-
co de levantes em favor da liberdade das nações.
Esses levantes tinham como pano de fundo a
situação de exclusão política, econômica e social
dos trabalhadores, que achavam que sua situa-
ção de miséria e opressão se dava por causa da
dominação que sofriam de governos estrangeiros.
Por isso, esses movimentos eram chamados de na-
cionalistas. Eles se espalharam por diversos países,
Já para os anarquistas, o Estado era nocivo e como a Áustria, a Hungria e a França, e pelos ter-
desnecessário. Afirmavam, como Marx e Engels, ritórios que mais tarde se tornariam a Itália e a Ale-
que ele era utilizado pela burguesia para manter manha.
a dominação sobre o restante da sociedade. A Esses levantes defendiam a participação políti-
diferença é que os anarquistas achavam que na ca dos excluídos e lutavam pela consolidação de
revolução não seria necessário tomar o poder do parlamentos e Constituições e por nações livres. Em
Estado para uma transição, mas sim destruí-lo de 1848, os movimentos nacionalistas atingiram seu
uma vez. ápice, com uma série de manifestações que ficou
Assim, defendiam a ideia de uma sociedade conhecida como Primavera dos Povos. Iniciada na
sem Estado, baseada na ação espontânea dos in- França, espalhou-se também por regiões das atuais
divíduos, na autodisciplina e na autogestão, de for- Suíça, Alemanha, Itália e Áustria, entre outras.
ma que não haveria a necessidade de governan- Os principais estímulos a essas manifestações
tes impondo leis ao resto da população, uma vez foram: expansão do liberalismo e do nacionalismo,
que cada um governaria a si mesmo em comum reivindicações do movimento operário, crise eco-
acordo com os outros. nômica (que provocou o fechamento de fábricas 83
Entre as propostas dos anarquistas estavam o e o aumento do desemprego) e crise na produ-
fim da propriedade privada – que seria substituída ção agrícola (que provocou a alta no preço dos
pela propriedade coletiva dos trabalhadores –, a alimentos). Somando-se às reivindicações popula-
ampliação da liberdade individual e a abolição res, a burguesia almejava o fim definitivo das mo-
imediata do Estado, que para eles era apenas uma narquias e a instalação de governos constitucionais
instituição de repressão, não importava quem o es- de caráter liberal.
tivesse governando. Os trabalhadores, por sua vez, queriam o fim da
Entre seus principais representantes na época exploração que sofriam e a instauração de uma
estavam Pierre-Joseph Proudhon e Mikhail Baku- sociedade mais igualitária. As manifestações se ra-
nin. Esses pensadores, socialistas e anarquistas, que dicalizaram no momento em que trabalhadores e
viveram na mesma época, criticavam o modelo socialistas começaram a protestar contra o desem-
capitalista, mas discordavam quanto à forma de prego, os baixos salários e as péssimas condições
superá-lo. de vida e a reivindicar o direito à greve, a redução
No entanto, suas ideias concordavam com a da jornada de trabalho e melhores condições de
necessidade de se construir uma sociedade mais vida.
igualitária, na qual os trabalhadores não fossem O movimento operário na época, já mostrando
mais explorados pela burguesia dominante. capacidade de luta e influenciado pelos pensado-
res socialistas e anarquistas, radicalizou os protes-
Revoltas que sacudiram a Europa tos. Barricadas tomaram as ruas de Paris, com os
revoltosos exigindo melhores condições de vida e
Com o fim do Império Napoleônico, a França igualdade social e política.
havia se tornado novamente uma monarquia, com Com essa radicalização, a burguesia, antes
o rei Luís XVIII assumindo o trono em 1814, contra a aliada dos trabalhadores contra a nobreza, ficou
vontade dos camponeses, dos trabalhadores urba- temerosa de que os movimentos sociais populares
nos e da maior parte da burguesia. acabassem com o capitalismo e, por decorrência,
Após a morte do rei, em 1824, subiu ao poder com seu poder. Assim, os capitalistas voltaram-se
Carlos X, representante do absolutismo, que dese- contra os trabalhadores, apoiando a repressão do
java restabelecer o poder e os privilégios da monar- governo às manifestações.
quia e da Igreja, perdidos com a Revolução Fran- Em todos os países pelos quais as revoltas se
cesa. Ele buscou centralizar o poder em suas mãos, espalharam, houve forte repressão. Na França,
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formou-se um governo republicano conservador, ser maior que o de um operário, foram extintos o
com a eleição, por meio do sufrágio universal mas- exército e a polícia e o povo passou a formar suas
culino, de Luís Bonaparte, sobrinho de Napoleão próprias milícias para fazer a segurança.
Bonaparte. Em 1851, Luís Bonaparte deu um golpe Em maio de 1871, após quase dois meses da
de Estado, dissolveu a Assembleia e declarou-se im- Comuna no poder, as tropas republicanas que go-
perador, com o nome de Napoleão III. Governou vernavam o restante da França conseguiram reto-
até 1870, quando a França foi derrotada em uma mar o controle de Paris. Nos dias de batalha, que
guerra contra a Prússia (reino ao leste da França, ficaram conhecidos como “semana sangrenta”, as
que daria origem à atual Alemanha), pondo fim ao barricadas dos revoltosos foram fortemente ataca-
Segundo Império e dando início à Terceira Repúbli- das e milhares de mortes foram registradas.
ca francesa. Dezenas de milhares de pessoas foram presas e
Apesar de os movimentos revolucionários terem deportadas. A violência do exército contra os tra-
sido derrotados, eles abalaram a Europa para sem- balhadores da Comuna foi brutal e tinha um pro-
pre. As elites dominantes sabiam que as mudanças pósito: as classes dominantes – monarquistas e bur-
viriam, se não pela negociação com os trabalha- gueses –, queriam deixar claro para todos os traba-
dores, por meio da revolução. Com isso, muitos lhadores do mundo que o povo seria massacrado
governos cederam a algumas reivindicações dos caso se rebelasse.
trabalhadores, entre elas o sufrágio universal mas- No entanto, se a Comuna tinha acabado, suas
culino. ideias continuavam vivas. As experiências de mobi-
A Comuna de Paris Novamente, a França foi lização dos trabalhadores ocorridas no século XIX
palco de revoltas. Em 1870, o governo provisório continuaram ecoando e encontraram contextos
que havia se formado não foi aceito pela popu- favoráveis para que novas revoluções socialistas
lação. Era um governo burocrático e corrupto, de- acontecessem, em outros continentes, ao longo do
testado pelos trabalhadores, e que tinha iniciado e século XX.
perdido uma guerra contra a Prússia, deixando os
franceses humilhados.
Como resposta a essa situação, entre março e
maio de 1871, trabalhadores formaram a Comuna
de Paris, um autogoverno eleito por voto popular
e que incluía anarquistas, republicanos extremistas,
comunistas e socialistas. A Comuna foi a primei-
ra experiência mundial de um governo socialista.
84 Seus participantes – os comunardos – defendiam
a igualdade, a justiça e a liberdade, valores que
seriam conquistados pela mobilização e pela luta
popular.
Nos quase dois meses que durou essa experiên-
cia, os trabalhadores realizaram mudanças sociais
radicais, nunca vistas na história. O termo “comu- INDEPENDÊNCIAS NA AMÉRICA
na” está associado àquilo que é “comum a todos”
e também a “comunidade” e “comunismo”. Como você já estudou, a América foi con-
Foi com esse espírito coletivo que os comunar- quistada pelos europeus a partir de fins do século
dos governaram e instituíram inúmeras mudanças XV. Espanhóis, portugueses, ingleses, holandeses e
na cidade de Paris, como: controle operário da franceses se aventuraram a buscar riquezas nessas
produção, com instalação de cooperativas; redu- terras, dominando e eliminando grande parte dos
ção da jornada de trabalho e legalização dos sin- povos indígenas que aqui viviam antes de sua che-
dicatos; reorganização do sistema de transportes, gada.
que se tornou gratuito para todos; distribuição das Os europeus instalaram na América sistemas de
residências vazias para moradia popular e proibi- produção que geravam muitos lucros para a me-
ção da especulação imobiliária; instituição de um trópole. Para alguns lugares, como no Brasil, foram
plano de previdência social destinado a todos os trazidos africanos escravizados, que trabalhariam
cidadãos; fim da construção de ruas que agredis- na produção de açúcar, na mineração e em mui-
sem os espaços verdes e as áreas de convivência tas outras atividades. Para explorar suas colônias,
na cidade; estabelecimento de uma educação de acordo com os princípios do capitalismo comer-
pública, laica, gratuita, obrigatória e universal (para cial, os Estados europeus estimularam o desenvol-
homens e mulheres); e proclamação da igualdade vimento de atividades econômicas nas terras con-
de direitos entre homens e mulheres. quistadas.
A organização do Estado e da política também Com isso, uma elite latifundiária e comercial
foi radicalmente alterada. Acabou-se com a buro- prosperou em terras americanas e, tal como a bur-
cracia, todos os membros da administração públi- guesia europeia, essa elite começou a vislumbrar a
ca e os que estivessem governando podiam perder possibilidade de assumir o poder político dos territó-
seu mandato a qualquer momento, o salário dos rios que já controlavam economicamente.
funcionários públicos e governantes não poderia No século XVIII, as revoluções Industrial e Fran-
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em três novos países: Colômbia, Equador e Vene- As elites da região de Minas Gerais, por estarem
zuela. Simon Bolívar também participou do proces- envolvidas com as atividades mineradoras, encon-
so de independência da Bolívia, que fazia parte travam-se insatisfeitas com a crescente cobrança
do Vice-Reinado do Rio da Prata, juntamente com de impostos por parte da metrópole. Já na Bahia,
territórios que hoje são da Argentina e do Paraguai. além da insatisfação da elite local, houve uma mo-
Em 1824, liderou a campanha militar que derro- bilização popular maior, propondo mudanças po-
tou os apoiadores do domínio espanhol, ajudando líticas e sociais.
aqueles que combatiam pela independência do No entanto, nenhum dos dois movimentos teve
Alto Peru, nome pelo qual era conhecida a região sucesso e foram duramente reprimidos. O processo
da atual Bolívia. Com a vitória do movimento, foi que culminaria de forma definitiva na independên-
proclamada a República da Bolívia, da qual Bolívar cia do Brasil teve início com a chegada da família
foi o primeiro presidente, em 1825. real, que, ameaçada pelas Guerras Napoleônicas,
refugiou-se na colônia em 1808.
Em 1806, o imperador francês Napoleão Bo-
naparte decretou o Bloqueio Continental, que
proibiu as nações europeias de manter relações
comerciais com os portos ingleses. O objetivo de
Napoleão era sufocar a economia da Inglaterra.
Os países que não cumprissem a regra sofre-
riam represália militar francesa. Portugal, que man-
tinha forte relação econômica e comercial com a
Inglaterra, não acatou a imposição de Napoleão.
Em resposta, as tropas francesas invadiram Portu-
gal, tal qual ocorrera com a Espanha. Como as for-
ças portuguesas não tinham condições de derrotar
o exército de Napoleão, o príncipe regente portu-
guês – e futuro rei d. João VI – e seu conselho de
Estado decidiram deixar o reino antes que os inva-
sores chegassem, transferindo a sede do governo
Em Buenos Aires, sede do Vice-Reinado do Rio para o Brasil, pois assim o reino seria mantido.
da Prata, viviam negociantes que realizavam o Assim, em fins de novembro de 1807, a família
tráfico negreiro, o comércio da prata, a produção real e muitos funcionários reais levantaram ânco-
86 de couro e carne bovina. Assim como ocorreu nas ra em direção ao Rio de Janeiro, que seria a nova
outras regiões da América espanhola, a elite criolla sede do império português. Com a chegada da fa-
local queria ampliar sua participação política para mília real, no começo de 1808, muitas casas foram
poder tomar decisões econômicas que lhe fossem desocupadas na capital da colônia para abrigar
mais favoráveis. os nobres lusitanos. A cidade ganhou uma gran-
Contudo, temendo a participação popular, a de importância a partir daquele momento, uma
elite de Buenos Aires, assim como ocorreu no Mé- vez que deixou de ser uma cidade colonial para
xico, não apoiou de imediato um processo de in- se tornar a capital do império. D. João VI declarou
dependência. Isso só ocorreu quando José Artigas, a abertura dos portos às nações amigas em troca
militar uruguaio, liderou um levante popular para do apoio militar da Inglaterra. Isso quis dizer que,
derrubar o governador espanhol do Vice-Reinado dali em diante, o Brasil não estava mais obrigado a
do Rio da Prata. Com isso, mobilizaram-se forças realizar o comércio apenas com Portugal, pois seus
para realizar a independência de Buenos Aires, mercados estavam abertos às outras nações ami-
com a presença de San Martín, militar aliado de gas mediante o pagamento de impostos definidos
Bolívar que participou também dos processos de pela Coroa.
independência do Peru e do Chile. Em 1810, com a publicação dos Tratados de
A independência de Buenos Aires efetivou-se Comércio e Livre Navegação, a Inglaterra teve li-
em 1816, após a derrota definitiva dos espanhóis. vre acesso aos portos brasileiros e passou a pagar
Observe, a seguir, o mapa da América Latina com tarifas mais baixas que outros países. Como resulta-
as datas de independência de cada país em rela- do, a Inglaterra passou a ter grande influência so-
ção a suas antigas metrópoles. bre a economia brasileira.
Os produtos industrializados ingleses eram ven-
A independência do Brasil e o Primeiro Reinado didos com preços baixos no mercado brasileiro, o
que enfraquecia o desenvolvimento das manufa-
Na segunda metade do século XVIII, a insatis- turas nacionais e dificultava o investimento em ati-
fação de muitos colonos com a metrópole portu- vidades produtivas de valor mais elevado ou ren-
guesa se manifestou em movimentos como a In- tável. Isso fez com que o Brasil passasse a ser cada
confidência Mineira (1788-1789) e também na cha- vez mais dependente da Inglaterra.
mada Conjuração Baiana, ocorrida em 1798, que Mesmo após a independência, essa relação se
propunham as independências das capitanias de manteve, e os britânicos passaram a exercer uma
Minas Gerais e da Bahia, respectivamente. espécie de pressão econômica que impunha limi-
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– uma tentativa de não perder os vínculos políticos a divisão dos poderes entre Executivo, Judiciário e
e dinásticos que o Brasil ainda tinha com Portugal. Legislativo, como então ocorria em várias nações
Em setembro de 1821, as Cortes portuguesas orde- europeias consideradas modernas.
naram a volta de Pedro a Portugal. No entanto, instituiu no Brasil um quarto poder,
Mas o príncipe regente adiou sua viagem até denominado Moderador, que permitia ao impera-
que, em janeiro de 1822, declarou que ficaria no dor vetar projetos e decisões dos outros poderes.
Brasil, desrespeitando as ordens das Cortes. Esse Na prática, portanto, o imperador tinha maior po-
episódio ficou conhecido como o Dia do Fico. No der, causando um desequilíbrio político na nova
que parecia ser um ato heroico, o príncipe selava nação. Para as lideranças políticas liberais, isso sig-
um acordo com as elites brasileiras contra o domí- nificou que o imperador governava em bases abso-
nio colonial português. lutistas. Para outros setores da sociedade, a grande
A ruptura definitiva com Portugal veio quando presença de portugueses na burocracia de Estado
a metrópole anunciou que enviaria tropas por- mantinha vivo o medo da recolonização.
tuguesas ao Brasil para obrigar Pedro a retornar A situação de d. Pedro I se agravou com a
a Lisboa. José Bonifácio, conselheiro próximo ao Guerra Cisplatina, que teve início em 1825 e persis-
príncipe regente, defendeu uma ruptura imediata tiu até 1828, levando à independência da Provín-
com Portugal, fortalecendo o projeto em favor da cia Cisplatina. Apesar de ter sido anexada ao Brasil
declaração de independência. Assim, em 7 de se- por d. João VI em 1821, essa antiga província espa-
tembro de 1822, quando o príncipe estava em São nhola não se identificava com o império português.
Paulo, nas margens do Rio Ipiranga, ele anunciou a Por isso, organizou um movimento que resultou na
independência. sua independência, com a criação do Uruguai.
Esse ato desencadeou a chamada Guerra de Em 1830, houve eleições legislativas, das quais
Independência, em que províncias contrárias à apenas uma pequena parte da população parti-
separação do Brasil de Portugal resistiram à pro- cipou, uma vez que somente homens com maior
clamação da independência, lutando contra as renda e propriedades eram votantes. Nessas elei-
tropas imperiais. O primeiro país a reconhecer a ções, os resultados foram desfavoráveis a d. Pedro
independência do Brasil foram os EUA, em 1824. I, já que na Câmara foram eleitos mais deputados
Portugal a reconheceu apenas em 1825. Essa for- críticos a sua postura autoritária.
ma de fazer a independência, com o filho do rei de Vários jornalistas redigiram uma carta ao im-
Portugal assumindo o trono brasileiro, foi articulada perador exigindo reformas para solucionar a crise
pela elite proprietária brasileira. econômica que atingia o Império e propondo mu-
Assim como as elites criollas da América espa- danças na estrutura política. Bastante pressionado,
88 nhola, ela queria evitar a participação popular. Por d. Pedro I mudou o seu ministério, nomeando vários
isso, preferiu um processo que evitasse movimentos brasileiros. A medida não surtiu efeito, e os depu-
de reivindicação das classes populares. Realizada tados liberais pediram a abdicação do imperador.
a independência, d. Pedro I foi coroado imperador Sem saber como reagir à crise e sem força polí-
do Brasil, evento que dá início ao Primeiro Reinado. tica para reprimir a população que se organizava,
Para grande parte da população trabalhadora, d. Pedro I renunciou em 7 de abril de 1831. Seu filho,
não ocorreram mudanças significativas, uma vez que depois seria coroado como d. Pedro II, foi o seu
que a independência não trouxe transformações sucessor natural.
sociais efetivas para o país, apenas a ruptura políti-
ca com Portugal. OS CAMINHOS E DESCAMINHOS DO IMPÉRIO E DA
Ainda assim, era uma ruptura vista com descon- REPÚBLICA VELHA NO BRASIL
fiança pela elite brasileira, uma vez que o novo im-
perador era filho do rei de Portugal. A permanência O 2º Reinado Café, ferrovias e trabalho livre
da escravidão e também do tráfico negreiro era o
sinal mais claro de que as mudanças sociais não Para compreender o processo social e econô-
tinham ocorrido. O Brasil continuava a ser um país mico do 2o Reinado, é fundamental entender o
exportador de produtos agrícolas, que poderiam desenvolvimento da cafeicultura no Rio de Janei-
ter bom preço no mercado internacional, por cau- ro e em São Paulo durante o período imperial, já
sa do uso do trabalho escravo. que o café foi a principal fonte de riqueza do País
Em maio de 1823, foi organizada a Assembleia durante esse período e também no início da Re-
Constituinte, que seria responsável pela criação da pública. Relacionados a essa atividade econômica
primeira Constituição do Brasil. Logo após a sua ins- estão a criação das primeiras ferrovias brasileiras e
talação, começaram a surgir as primeiras dificulda- o estímulo para a vinda de trabalhadores livres, que
des. Colocou-se em discussão um projeto de inspi- substituiriam os trabalhadores escravizados nas la-
ração liberal, que limitava o poder do imperador, o vouras.
qual deveria respeitar as decisões do Parlamento. Além disso, foi por meio da economia cafeeira
D. Pedro I reagiu e dissolveu a Assembleia. que o Brasil permaneceu inserido, naquele período
Alguns deputados foram presos e outros expul- da história, no sistema capitalista internacional. Nas
sos do Brasil. No ano seguinte, em 1824, o imperador primeiras décadas do século XIX, a produção de
outorgou uma Constituição que centralizava o po- café no Brasil começou a crescer.
der em suas mãos. Essa Constituição estabeleceu Primeiro na região do Vale do Paraíba, no Es-
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tado do Rio de Janeiro, e, depois, estendendo-se o custo para escoar o produto até o porto. Em 1867,
paulatinamente em direção a São Paulo. Em mea- foi inaugurada a ferrovia Santos-Jundiaí, para trans-
dos do século XIX, a produção de café já se des- portar o café do interior de São Paulo para o porto
tacava na região que era então denominada de de Santos, onde era embarcado para a Europa.
Oeste Paulista. Veja no mapa a seguir o avanço da
produção de café até o começo do século XX.
A produção cafeeira no Brasil ocorria inicial-
mente em grandes fazendas que utilizavam mão
de obra escrava. Quase toda a produção era ex-
portada para a Europa. Nos anos 1840, o café já
era o principal produto agrícola de exportação,
superando inclusive o açúcar.
Com isso, os cafeicultores ganharam influência
política e grande parte das decisões governamen-
tais passou a priorizar seus interesses. O crescimento
da cafeicultura, entretanto, enfrentou o problema
da crise da escravidão no País. Desde os anos 1830,
a Inglaterra pressionava o Brasil para que acabasse
com o tráfico negreiro, iniciando, assim, o processo
de abolição da escravatura. Um primeiro acordo
para o fim do tráfico negreiro foi assinado em 1831,
mas não foi efetivamente cumprido pelo Brasil. Nos
anos 1840, a Inglaterra intensificou a pressão. Em
1845, o Parlamento inglês aprovou uma lei que fi-
cou conhecida como Bill Aberdeen, que autoriza-
va a captura de embarcações que carregassem
africanos com a finalidade de serem escravizados. A segunda mudança relacionava-se com a
aprovação da Lei de Terras, de 1850, que trans-
formava a terra em mercadoria e evitava que tra-
balhadores livres e libertos se tornassem pequenos
proprietários, obrigando-os a trabalhar como assa-
lariados ou colonos nas fazendas.
Os principais beneficiados foram, assim, os ca- 89
feicultores paulistas, que exigiam a colaboração
do Estado para organizar a vinda de trabalhadores
europeus, de modo a substituir os trabalhadores es-
cravizados. Tornada mercadoria, a terra passou a
ser acessível apenas àqueles que dispusessem de
dinheiro para comprá-la, o que não era o caso dos
imigrantes.
Por isso, a Lei de Terras colaborou para a con-
centração de terra e impediu que pequenos pro-
dutores tivessem acesso a ela. A terceira mudan-
ça que permitiu o fim do tráfico negreiro era exa-
Para os britânicos, grandes produtores de mer- tamente o estímulo à vinda de imigrantes para o
cadorias industrializadas, não interessava a manu- Brasil, a partir dos anos 1850. Já nos anos 1840, co-
tenção da escravatura, uma vez que, para expan- meçaram a chegar as primeiras levas de europeus
dir seu mercado consumidor, era preciso ampliar que iriam trabalhar na agricultura brasileira, mas foi
o mercado de trabalhadores livres que recebiam a partir do final da década de 1870 que a imigra-
salários. ção ganhou força.
Países como o Brasil, que tinha mais da meta- Em 1871, foi aprovada a Lei do Ventre Livre,
de da população escravizada, não constituíam que tornava livre todo filho de escrava que nas-
mercados consumidores em larga escala para os cesse depois da data de promulgação da lei. No
ingleses, algo importante naquele momento de entanto, ela também garantia a possibilidade de o
expansão do capitalismo industrial. Nesse contex- fazendeiro explorar a criança como escrava até os
to, o Brasil aboliu efetivamente o tráfico negreiro 21 anos de idade.
em 1850, ano em que foi criada a lei que tornava A outra opção seria libertá-la quando comple-
esse comércio ilegal, conhecida como Lei Eusébio tasse 8 anos de idade, mediante uma indenização
de Queirós. Com a lei em vigor, foram necessárias do governo. Ou seja, embora a lei desse um passo
algumas mudanças no contexto social, político e para abolir a escravidão, propunha que esse pro-
econômico. cesso ocorresse de modo gradual, já que todos
A primeira delas foi a construção de ferrovias aqueles que tinham nascido antes de 1871 conti-
que facilitassem o transporte do café e reduzissem nuariam a ser escravos. Em 1885, outra lei promul-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
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imigrante possuía poder aquisitivo, o que significa- pouco competitivo em relação ao do vizinho Uru-
va possibilidade de adquirir bens, até então limita- guai. Esgotadas as negociações, intensificou-se o
da às classes sociais mais altas. conflito armado entre forças rebeldes e as do go-
Por fim, essa classe de assalariados dinamizou verno, em 1836.
as atividades produtivas e o mercado interno, o Os conflitos se estenderam até 1845, envolven-
que possibilitou, décadas mais tarde, a intensifica- do também parte da província de Santa Catarina,
ção da industrialização no Brasil. As instabilidades na qual foi fundada a República Juliana. Em 1845,
políticas que precederam o 2o Reinado Quando d. iniciou-se nova negociação que resultou na rein-
Pedro I renunciou ao trono, em 1831, seu filho Pe- corporação do Rio Grande do Sul e de Santa Cata-
dro, seu sucessor, tinha apenas 5 anos de idade. rina ao Império. Na província do Grão-Pará (atuais
Por isso, foi necessário estabelecer uma regên- Pará, Amazonas, Amapá e Roraima), ocorreu a Ca-
cia, ou seja, uma ou mais pessoas, chamadas de banagem.
regentes, governariam o Brasil enquanto o impera- Desde a independência, o poder na província
dor não completasse a maioridade, 18 anos de ida- era disputado pelas elites locais, constituídas princi-
de, conforme determinava a Constituição brasileira palmente de comerciantes, produtores rurais e pro-
de 1824. Assim, após a abdicação de d. Pedro I, prietários de terra. De um lado, estavam aqueles
constituiu-se a Regência Trina Provisória, composta que defendiam o governo centralizado nas mãos
de três membros indicados pelo Senado. Ainda em do imperador e, do outro, os adeptos da monar-
1831, foi instituída a Regência Trina Permanente. quia constitucional que limitava a autoridade do
Deve-se considerar que nesse período havia Poder Executivo.
uma grande cisão política entre os liberais modera- O primeiro grupo era composto, em sua maioria,
dos e os liberais exaltados. Ainda que não formas- por produtores e negociantes de origem portugue-
sem partidos políticos, esses grupos defendiam po- sa, enquanto o outro grupo, constituído por produ-
sicionamentos particulares e divergentes. tores e comerciantes brasileiros, possuía apoio da
Os liberais moderados defendiam a monarquia população que vivia em cabanas na beira dos rios.
constitucional, em que o monarca governava res- Esses cabanos culpavam os portugueses por
peitando a Constituição; já os exaltados lutavam a suas dificuldades econômicas. Em 1836, os rebeldes
favor de reformas modernizadoras, não descartan- controlavam boa parte do Pará, havendo grande
do a adoção de um regime republicano federalis- participação de indígenas e negros que se rebe-
ta, como o colocado em prática nos Estados Uni- lavam contra sua condição social de explorados.
dos da América (EUA). Por fim, havia ainda o grupo Essa foi a primeira insurreição popular em que as
dos restauradores, que propunha o retorno de d. classes sociais mais baixas da população consegui-
Pedro I ao trono. ram ocupar o poder de toda uma província. 91
Do ponto de vista econômico, nenhum dos No entanto, com a intervenção das forças mi-
grupos defendia transformações radicais, ainda litares do governo central, a cidade de Belém foi
que alguns liberais exaltados chegassem a criticar retomada pelas forças imperiais. Entre 1837 e 1840,
a manutenção da escravidão. Porém, tanto para a rebelião ainda teve fôlego no interior da provín-
os exaltados como para os moderados deveria ser cia, mas a revolta acabou sendo definitivamente
garantido o direito de propriedade. derrotada.
As lutas políticas desses grupos e as demandas Além dessas revoltas, aconteceu ainda, em
sociais da população brasileira, espalhada por um 1835, uma rebelião de escravos em Salvador, na
imenso e diverso território, tornaram o período bas- província da Bahia. Os líderes do movimento eram
tante tenso do ponto de vista político e social. Em os malês, como eram conhecidos os africanos mu-
um contexto dominado pelo trabalho escravo e çulmanos que viviam na Bahia.
pela grande presença dos latifúndios monoculto- Os motivos da revolta, que vinha sendo plane-
res, restavam poucas opções para os homens livres jada desde 1834, relacionavam-se ao desconten-
pobres. Eles não tinham acesso à terra e não existia tamento com o tratamento dado pelas autorida-
um mercado de trabalho constituído para essa po- des locais à comunidade islâmica, religião de mui-
pulação. tos escravos vindos de algumas regiões da África. A
Diversas revoltas ocorreram. Em várias provín- chamada mesquita da Vitória foi destruída, e mes-
cias, era a própria adesão ao Estado brasileiro que tres muçulmanos, que tinham a função de transmi-
ainda estava em questão. Considerando os rumos tir o conhecimento sobre o islã, foram presos.
da política conduzida pelo governo central, em Houve conflitos na cidade, nos quais festas is-
que medida as demandas políticas locais se viam lâmicas foram dissolvidas com violência por au-
contempladas? No Rio Grande do Sul, ocorreu a toridades locais. Entre os objetivos dos líderes do
Farroupilha (1835-1845), liderada por proprietários movimento estava a abolição da escravatura e a
de gado, conhecidos como estancieiros, que de- africanização da Bahia, a ponto de se defender a
sejavam ter maior autonomia política para poder morte dos brancos.
realizar seus negócios sem pagar os impostos defini- O plano da rebelião, entretanto, foi descober-
dos pelo governo central. to um dia antes da data prevista. Os rebeldes en-
Parte do problema se relacionava com novos traram em conflito com as forças imperiais e não
impostos criados sobre o charque (carne bovina conseguiram impor a vitória. Apesar do fracasso do
seca e salgada), que o tornavam comercialmente movimento, ele se tornou símbolo do temor das eli-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
A longa duração da guerra, por sua vez, provo- representantes da monarquia tivessem força para
cava grande desgaste para a monarquia brasileira, reagir. Com o apoio do movimento republicano,
e os custos dos conflitos eram maiores do que o go- que já se fazia presente desde os anos 1870, e dos
verno poderia suportar. cafeicultores, os militares impuseram um golpe de
Assim, depois de 1868, o Brasil ampliou os esfor- Estado e assumiram o poder.
ços para pôr fim à questão, promovendo uma cha- Foi criado um governo provisório sob a lideran-
cina, que levou à morte parte significativa da po- ça do marechal Deodoro da Fonseca. D. Pedro II
pulação paraguaia. Ainda assim, a guerra só teve deixou o Brasil com seus familiares em direção à Eu-
fim em 1870, com a morte do presidente paraguaio ropa, falecendo em 1891, em Paris.
Solano López.
representante dos interesses dos cafeicultores. Em influente que poderia definir o acesso a empregos,
1930, por meio de mais um golpe de Estado, che- prestar favores e criar dificuldades para quem não
gou ao poder Getúlio Vargas, que permaneceu estivesse do seu lado na política. Ele era essencial
como presidente do Brasil até 1945. para o processo eleitoral do período, pois foi criado
A Era Vargas foi um período agitado no que um sistema em que candidatos dos governos esta-
se refere às lutas dos trabalhadores, que fizeram duais contavam com o apoio político local para se
muitas greves e protestos e reivindicaram melhores eleger.
condições de trabalho. Foi uma época também O mesmo ocorria com deputados e senadores,
de proposições mais radicais de transformação da que precisavam do apoio do coronel. Essa prática
sociedade, defendidas pelos movimentos comu- eleitoral, em que o eleitor era coagido, ou seja, for-
nistas e anarquistas no Brasil. Parte desse período çado a votar no candidato do coronel, é que se
também compreendeu um governo ditatorial, cha- denominou de voto de cabresto.
mado de Estado Novo. Vale ressaltar que o coronel era também, em
A República do Café com Leite Imediatamente geral, um proprietário de terras que se articulava
após a Proclamação da República, foi instaurado ao sistema político. Por meio dessa articulação, ele
um governo provisório, no qual o marechal Hermes garantia a manutenção da estrutura social e fun-
da Fonseca era o presidente. Foi necessário criar diária na qual predominavam os latifúndios, que,
uma nova Constituição para o País, promulgada em sua maioria, eram monocultores e utilizavam
em 1891. Inspirada no modelo federalista dos EUA, mão de obra superexplorada.
ela concedia maior autonomia às províncias, que O coronelismo correspondia a práticas de
se transformaram nos Estados da federação. controle político típicas das primeiras décadas do
Cada Estado poderia tomar certas decisões so- Brasil republicano, de forma a manter a situação
bre a vida econômica e política local sem que o econômica e a organização do trabalho sempre
governo central precisasse autorizá-las. Esse cami- favoráveis aos interesses da elite latifundiária local,
nho satisfazia o desejo das elites regionais. Em São da qual faziam parte os coronéis. Desse modo, per-
Paulo, particularmente, os cafeicultores alcança- cebe-se que as eleições nesse período não satisfa-
ram o objetivo de que o governo estadual finan- ziam à vontade popular e aos interesses dos traba-
ciasse a vinda de novos imigrantes europeus para lhadores e que tampouco se tratava efetivamente
trabalhar em suas lavouras de café. de um Estado democrático.
A primeira Constituição da República previa Ao contrário, considera-se a 1ª República como
também eleições diretas para a presidência e para um período marcado pelo Estado oligárquico, ou
o parlamento. No entanto, o voto seria aberto, isto seja, governado por poucos e para poucos. Em
94 é, não seria secreto, e isso possibilitava muitos des- especial, eram governos dominados por grandes
vios no processo eleitoral. Os eleitores eram todos proprietários, que conseguiam eleger presidentes,
os brasileiros do sexo masculino com mais de 21 governadores e deputados alinhados com seus in-
anos e alfabetizados, o que abrangia uma porcen- teresses. A força desse grupo oligárquico fica evi-
tagem muito pequena da população. Quer dizer, dente ao se verificar o conjunto de presidentes que
mesmo havendo voto direto para o parlamento e governaram o País entre 1889 e 1930.
para a presidência, apenas uma minoria da popu- Dos 13 presidentes do Brasil nesse período, sete
lação tinha o direito de escolher seus representan- estavam diretamente ligados aos interesses dos
tes. grandes proprietários de São Paulo e de Minas Ge-
Com isso, a grande maioria da população, rais, em especial dos grupos ligados com a produ-
composta de mulheres, trabalhadores rurais e ur- ção de café. Essas oligarquias tinham grande for-
banos, ex- -escravos, pobres e analfabetos, estava ça, porque os dois Estados eram os mais populosos,
excluída da vida política, ficando à mercê da elite o que lhes proporcionava uma grande bancada
branca e latifundiária, que acabava por definir os eleitoral.
rumos econômicos e da organização do trabalho e Esse sistema ficou conhecido como política
da produção em todo o País de acordo com seus do café com leite, uma alusão à elite cafeiculto-
interesses. A corrupção no sistema eleitoral foi uma ra paulista e ao Estado de Minas Gerais, já que os
das marcas da 1ª República. mineiros, além de produzirem café, eram também
Foi nesse contexto que surgiu a expressão “voto grandes produtores de leite. Mas como os cafeicul-
de cabresto”. Como o voto era aberto, criava- -se tores eram favorecidos? Em 1906, estabeleceu-se o
a possibilidade de controlar e manipular os votos Convênio de Taubaté, o qual definiu que o governo
dos eleitores. Todo tipo de favor era prometido aos compraria parte da produção do café para regu-
que votassem em determinado candidato. lar os preços no mercado e também desvalorizaria
Ao mesmo tempo, aqueles que não votassem a moeda nacional quando fosse necessário, para
no candidato preferido da liderança política local que os cafeicultores recebessem mais dinheiro bra-
– o chamado coronel – poderiam ser vítimas de sileiro em uma venda para o mercado externo.
sanções, isto é, de punições e até de ações vio- Quem perdia com essas práticas? O resto da
lentas. Para garantir o cumprimento das ameaças, população, pois o governo estava utilizando recur-
capangas do coronel vigiavam os eleitores na hora sos públicos para financiar o café em detrimento
de votar. Mas quem era o coronel? de investimentos em setores que poderiam bene-
Era uma figura de expressão local, uma pessoa ficiar, entre outros, pequenos proprietários de ter-
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ras ou trabalhadores urbanos. Além disso, quando defendia a introdução da jornada de trabalho de
a moeda nacional era desvalorizada, o lucro dos oito horas diárias, a libertação de grevistas presos e
cafeicultores aumentava, mas o custo dos bens de o livre direito de associação.
consumo importados, que eram a maioria nesse A greve só foi encerrada depois que parte das
período, ficava mais caro. reivindicações foi atendida. No mesmo ano, outra
Levando em consideração que os salários dos greve atingiu várias categorias e grande parte dos
trabalhadores eram muito baixos, era mais difícil trabalhadores do Rio de Janeiro. As greves e as
comprar os produtos de que precisavam para viver. mobilizações conduzidas pelos anarcossindicalistas
Foi nesse período que teve início o desenvolvimen- prosseguiram por toda a década de 1920, sendo
to industrial brasileiro. Desde os anos 1880, começa- sempre duro o conflito com as autoridades, que
ram a se instalar as primeiras indústrias de bebidas, claramente não atuavam na defesa dos direitos
fósforos, chapéus e tecidos no País. No entanto, dos trabalhadores.
ainda eram bastante incipientes se comparadas às Os grupos sociais que, de alguma forma, diver-
indústrias de países europeus no mesmo período. É giam dos caminhos e proposições do grupo oligár-
importante lembrar que foram os recursos obtidos quico eram duramente reprimidos. Essa repressão
na cafeicultura que permitiram o investimento na gerava conflitos violentos e não abria espaço para
indústria nacional. mediações ou diálogos.
As grandes fortunas construídas com a expor-
tação do café puderam ser utilizadas também na
criação de bancos, que financiaram a atividade
industrial. O desenvolvimento da indústria possibili-
tou o crescimento dos centros urbanos, principal-
mente na região Sudeste, já que as indústrias foram
instaladas nesses centros, atraindo os trabalhado-
res que vinham do interior, de outros Estados ou de
fora do País. São Paulo, principal área de desen-
volvimento industrial, viu sua população aumentar
rapidamente entre fins do século XIX e os primeiros
anos do século XX.
Em 1872, a cidade tinha aproximadamente 31
mil habitantes e, em 1900, já eram cerca de 240
mil pessoas, quase oito vezes mais (cf. FUNDAÇÃO
Seade. São Paulo outrora e agora. Disponível em: . 95
Acesso em: 28 jan. 2015). Crise da 1ª República e o início da Era Vargas
As condições de trabalho nas fábricas que se
instalaram em cidades como São Paulo e Rio de Na década de 1920, as críticas ao governo
Janeiro, entretanto, eram as piores possíveis. As jor- oligárquico intensificaram-se com a presença do
nadas de trabalho chegavam a 13, 14 e 15 horas movimento tenentista. Os tenentes formavam um
por dia (cf. DECCA, Maria Auxiliadora de. grupo de oficiais de baixa patente que criticavam
Indústria, trabalho e cotidiano: Brasil – 1889 a a maneira como o governo republicano estava po-
1930. São Paulo: Atual, 1991, p. 36) e os castigos fí- liticamente organizado.
sicos eram admitidos quando um trabalhador co- As críticas formuladas pelos tenentes recebiam
metia algum erro na produção. Os salários eram apoio de parte da classe média e das oligarquias
miseráveis, e muitas crianças eram contratadas por que não estavam ligadas à cafeicultura. Entre as
salários ainda menores que os dos adultos. Nesse principais bandeiras de luta dos tenentes estavam
contexto, foram criadas as primeiras organizações a liberdade de imprensa, a moralização do Legis-
operárias para protestar contra as más condições lativo, uma maior independência do Judiciário e o
de trabalho, as longas jornadas de trabalho e os combate à corrupção e à fraude eleitoral.
baixos salários. Em 1922, oficiais de baixa patente sublevaram-
Entre os operários organizados, havia uma signi- -se, isto é, rebelaram-se, no Forte de Copacabana,
ficativa presença dos anarcossindicalistas, que, em na cidade do Rio de Janeiro. Nessa sublevação,
1908, criaram a Confederação Operária Brasileira alguns oficiais foram mortos e outros foram presos
(COB), cuja finalidade era organizar greves e mobi- pelas forças do governo. O fracasso do movimento
lizações de trabalhadores de várias categorias. não fez cessar as pretensões dos tenentes, que em
As greves eram reprimidas com violência, pois 1924 planejaram um conjunto de revoltas em todo
se considerava que as questões sociais deveriam o País.
ser tratadas como caso de polícia. A repressão às Nesse mesmo ano, iniciou-se uma revolta em
greves levava trabalhadores à prisão, sendo co- São Paulo, mas não houve sucesso. Posteriormen-
mum também as agressões físicas. Em 1917, o sa- te, tenentistas paulistas e gaúchos se uniram para
pateiro José Iñeguez Martinez foi morto em um con- formar a Coluna Prestes-Miguel Costa. Seu objetivo
fronto com os policiais, o que ampliou a mobiliza- era propagar uma revolução, propondo à popu-
ção operária. Ainda nesse ano, foi organizada uma lação que lutasse por reformas políticas e sociais
greve geral de trabalhadores em São Paulo, a qual contra a exploração por parte da oligarquia que
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trabalhadores e empresários, bem como a ativida- Estado, aumentou o nível de emprego e estimulou
de sindical dos trabalhadores. o crescimento econômico. Tanto os nazistas como
Enquanto Benito Mussolini, o Duce (“chefe”, em os fascistas utilizaram uma intensa propaganda,
italiano), chegava ao poder na Itália fascista e for- para garantir o amplo apoio das massas.
mava um governo nacionalista e extremamente O apelo à família, à pátria e à prosperidade
autoritário, na Alemanha ocorria o fortalecimento foi usado para reunir diferentes setores sociais. O
do nazismo. Com a derrota da Alemanha na 1ª Estado foi implacável e passou a vigiar, perseguir
Guerra, o país mergulhou em uma grave crise so- e prender pessoas consideradas subversivas, isto é,
cial, econômica e política. que questionavam o governo. Protestos foram proi-
O aumento assustador do desemprego, a infla- bidos. Manifestações públicas só eram toleradas se
ção e a desvalorização da moeda (o marco ale- prestassem reverência.
mão) levaram a população à miséria. A situação Sindicatos e associações de classe foram atre-
política alemã estava dividida entre partidos de lados à burocracia do Estado. Nos primeiros anos
posições ideológicas bem diversas. do nazifascismo na Alemanha e na Itália, centenas
Havia os conservadores, do Partido Nacional de opositores dos dois regimes foram presos e mor-
Alemão e do Partido Popular Alemão; ao centro, tos.
havia o Partido Social-Democrata Alemão e um
partido dissidente; e à esquerda, o Partido Comu- 2ª Guerra Mundial
nista Alemão. Com o fim do império, organizou-se
um governo parlamentarista social-democrata, Comandados pelo líder Adolf Hitler, os alemães
chamado de República de Weimar (1919-1933). iniciaram em 1938 a sua expansão, invadindo e
Nesse contexto, foi fundado em 1920 um novo anexando a Áustria e a Tchecoslováquia (cujo ter-
partido, de extrema-direita, o Partido Nacional-So- ritório hoje encontra-se dividido entre República
cialista dos Trabalhadores Alemães, também co- Tcheca e Eslováquia).
nhecido como Partido Nazista, termo originário da Em setembro de 1939, as tropas alemãs invadi-
abreviação da palavra alemã Nationalsozialist (em ram a Polônia. Como resposta, a França e a Grã-
português, “nacional-socialista”). -Bretanha declararam guerra aos nazistas – era o
Em 1921, a liderança do partido foi assumida início da 2ª Guerra Mundial. A Alemanha nazista e
por Adolf Hitler, ex-cabo do exército na 1ª Guerra. seus aliados conquistaram outras regiões da Euro-
Com ele, o discurso partidário passou a ser mais pa, como a Noruega, a Bélgica, a Iugoslávia (que
extremado e revanchista. Apoiados pelo discurso corresponde hoje a vários países no sudeste da Eu-
extremamente nacionalista, os nazistas defendiam ropa) e a Grécia, além de parte da França, que só
a superioridade da raça ariana (supostos ancestrais foi desocupada em 1944. 97
brancos dos alemães) e o antissemitismo (persegui- No caso da França, a parte não ocupada pe-
ção aos judeus), eram contra as instituições de- los alemães passou a ser governada pelo marechal
mocráticas e liberais, combatiam o comunismo e Henri Philippe Pétain, que colaborava com os nazis-
apoiavam o expansionismo militar alemão. tas. Os interesses de expansão econômica e territo-
O Partido Nazista foi visto por muitos alemães rial da Alemanha, da Itália e do Japão, que haviam
como um caminho para a recuperação da esta- motivado esses países a participar da 1ª Guerra,
bilidade econômica nacional e, por combater o não haviam sido contemplados.
comunismo, foi fortemente apoiado pela burguesia Por isso, eles se uniram em prol desses mesmos
alemã na época, que temia uma revolução social interesses na 2ª Guerra. É nesse sentido que a 2ª
tal como ocorrera na Rússia. Guerra Mundial pode ser explicada como uma
Em 1933, Hitler foi escolhido primeiro-ministro continuação da primeira, pois ela ainda era uma
pelo presidente Paul von Hindenburg, e sua ascen- guerra imperialista.
são ao poder consolidou-se no ano seguinte, quan- Assim, os países se articularam e se organizaram
do se tornou a autoridade máxima da Alemanha, o em dois blocos antagônicos: de um lado, o Eixo,
Führer (“líder”, em alemão). formado por Alemanha, Itália e Japão; de outro, os
A crise econômica na Alemanha, causada pe- Aliados, com França, Grã-Bretanha e, poucos anos
los altos custos de guerra que o país tinha de pa- depois, URSS e EUA. Em 1941, as tropas alemãs ata-
gar, e que haviam sido estabelecidos pelo Tratado caram a URSS, quebrando um pacto de não agres-
de Versalhes, enfraqueceu o liberalismo e a livre são assinado em 23 de agosto de 1939.
concorrência, estimulando a intervenção do Esta- Esse pacto foi um acordo entre Hitler e Stálin,
do em diversos setores da economia. com o objetivo de garantir a ambos conquistas
Além disso, a situação do país foi agravada territoriais na Europa Oriental sem que precisassem
pela crise capitalista de 1929, que afetou direta- se enfrentar. No entanto, os alemães tinham outros
mente a vida dos trabalhadores, aumentou o de- objetivos.
semprego, contribuiu para a desindustrialização Hitler pretendia ocupar Moscou e destruir o
e provocou a fragilização da democracia liberal comunismo soviético, sistema visto pelos alemães
alemã. Quando Hitler chegou ao poder, assumiu o como uma ameaça à expansão nazista no Leste
controle de diversos setores da economia, incenti- Europeu. Os conflitos se desenvolveram ao longo
vou as indústrias de base e de armas, dinamizou o dos anos, com avanços das tropas nazistas segui-
comércio e o fomento à indústria, controlada pelo dos de reações das tropas aliadas. Os alemães so-
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sentido, ainda que ela não consiga resolver alguns aprovação de uma nova Constituição para o País.
conflitos contemporâneos. A elite econômica paulista via também com
desconfiança a nova estratégia econômica, que
ASCENSÃO DE GETÚLIO E OS NOVOS RUMOS DO não colocava a cafeicultura no centro dos investi-
BRASIL mentos do governo. Em 1931, os paulistas se rebe-
laram contra a nomeação de um interventor em
Depois que Vargas assumiu o poder, um de seus São Paulo que não tinha qualquer afinidade com
primeiros objetivos foi aumentar o poder de decisão a orientação política dos cafeicultores do Estado.
do governo federal, limitando o poder dos Estados Em março de 1932, São Paulo rompeu com o
e reduzindo a influência das oligarquias locais. Para governo federal e decidiu apelar para uma solu-
tanto, foram nomeados interventores nos Estados, ção armada. O conflito se iniciou em 9 de julho de
indicados pelo presidente. Com isso, o governante 1932 e tinha como objetivo um ataque relâmpago
estadual passava a ser um subordinado direto do à sede do governo federal, obrigando Vargas a
governo federal. Esse processo relaciona-se tam- deixar o cargo.
bém com o fortalecimento do processo de indus- O plano fracassou devido à frágil formação mi-
trialização em detrimento da atividade agrícola, litar dos paulistas, que também não tiveram apoio
em especial a cafeicultura. dos outros Estados. Apesar da derrota, ao término
A partir da crise do café em 1929, e sua queda do conflito um novo interventor foi nomeado para
no mercado internacional, o capital industrial co- o Estado, e o governo definiu-se pela criação de
meçou a ganhar cada vez mais força na econo- uma Assembleia Constituinte.
mia nacional, ainda que o País continuasse depen- O resultado foi a Constituição de 1934, que
dente das atividades agrárias voltadas para a ex- confirmou a ampliação dos poderes do governo
portação. Após 1930, Getúlio Vargas preocupou-se federal adotada no Governo Provisório e restringiu
em estimular a diversificação econômica do País. o poder dos governos estaduais. Foi criada tam-
A fim de não depender de uma economia ba- bém a Justiça Eleitoral, para impedir as fraudes nas
seada na monocultura, ele defendeu a expansão eleições, e a Justiça do Trabalho, que deveria reali-
de outras culturas agrícolas, a ampliação do setor zar a proteção do trabalhador.
de transportes e a implementação de condições Definiram-se a existência de um salário mínimo,
infraestruturais para o desenvolvimento industrial. a jornada de trabalho de 8 horas diárias e o direi-
Com relação à cafeicultura, o governo assumiu to a férias remuneradas. Ficou proibido o trabalho
o controle dessa atividade econômica, que estava para menores de 14 anos. Também garantiu- -se o
em crise desde 1929 por causa da redução do pre- direito ao voto feminino, que já tinha sido estabe-
ço e do mercado consumidor. O governo federal lecido em 1932 com a criação do Código Eleitoral, 99
não só comprou parte dos estoques como promo- mas ainda não estava no texto constitucional.
veu a queima deles para sustentar o preço do café Inspirado no que acontecia no fascismo italia-
no mercado internacional. no, o Estado varguista se colocou como mediador
Retomando as promessas de campanha da das relações entre capital e trabalho. Ele deveria
Aliança Liberal, Vargas criou o Ministério do Tra- intermediar os interesses de trabalhadores e empre-
balho, Comércio e Indústria, que tinha como fina- sários, evitando o conflito. O momento vivido em
lidade desenvolver a indústria no País e criar uma todo o mundo era de muita tensão, devido à crise
legislação de proteção ao trabalhador, embora re- do liberalismo e ao fortalecimento do nazifascismo
primisse duramente os movimentos reivindicatórios na Europa.
e as organizações do movimento operário. Vargas foi acusado de simpatizar com as pro-
Começava a se desenhar o que seria a tôni- postas dos líderes italianos e alemães. No Brasil, ins-
ca do governo Vargas: se, de um lado, o governo talou-se um movimento de caráter nazifascista de-
adotava uma lógica de proteção e criação de be- nominado integralismo. Ao mesmo tempo, crescia
nefícios para o trabalhador, por outro, assumia uma a força dos comunistas, que tinham como uma de
postura autoritária, reprimindo os movimentos dos suas lideranças o ex-tenente Luís Carlos Prestes. Em
trabalhadores se contrários às suas orientações. 1935, os comunistas planejaram o que ficou conhe-
Nos primeiros anos do governo Vargas, foi criada a cido como Intentona Comunista.
carteira profissional e foram tomadas medidas no A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
sentido de regulamentar a jornada de trabalho. (URSS), que fornecia as diretrizes de ação para os
Foram criados também os institutos de aposen- trabalhadores e comunistas em vários países, de-
tadoria e pensões, as indenizações por demissão finiu que aquele seria um momento propício para
sem justa causa e o seguro em caso de acidente o desencadeamento de uma revolução comunista
de trabalho. Em 1932, em oposição a Vargas, ocor- no Brasil.
reu a chamada Revolução Constitucionalista, em A estratégia de luta envolvia a mobilização de
São Paulo. militares em Natal (RN), Recife (PE) e no Rio de Ja-
A elite paulista derrotada por Vargas não neiro. Mas a falta de coordenação do movimento,
aceitava o centralismo do governo federal e a li- com lideranças separadas por grandes distâncias,
mitação da autonomia política. Diferentes grupos facilitou a reação do governo.
políticos paulistas, dos mais progressivos aos mais Vários rebeldes foram presos, incluindo Prestes.
conservadores, defendiam a saída de Vargas e a Vargas utilizou o suposto avanço comunista e a
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presença dos integralistas como pretexto para de- ros, que condenava o regime ditatorial. Houve
cretar estado de sítio, ou seja, ampliar os poderes também mobilização estudantil pela volta da de-
do governo federal em situação de risco. mocracia. Em meio à pressão política, Vargas defi-
Com isso, poderia empreender maior vigilân- niu que haveria eleições presidenciais em 1945.
cia e agir para que seus inimigos perdessem força. Ao mesmo tempo, porém, alguns aliados esti-
Em 1938, haveria eleições presidenciais, mas antes mularam a criação do movimento queremista, que
disso, em 1937, Vargas articulou um golpe de Esta- tinha como lema “Queremos Getúlio”. Temendo
do. O pretexto para o golpe veio da existência do novas tentativas de Vargas de permanecer no po-
suposto Plano Cohen: um plano a ser executado der, a oposição articulou um golpe de Estado que
para um novo levante comunista. o depôs, terminando, em outubro de 1945, com o
Na verdade, tratava-se de um documento for- Estado Novo.
jado pelos militares, que seria utilizado como justi-
ficativa para o golpe que se arquitetava. Desse A GUERRA FRIA
modo, o Congresso Nacional definiu que o País es-
taria em estado de guerra e foram suspensas as ga- Modelos opostos de mundo
rantias constitucionais dos cidadãos. Getúlio anun-
ciou que uma nova Constituição seria elaborada e O fim da 2ª Guerra Mundial foi imediatamente
que, a partir daquele momento, o Poder Executivo marcado por uma nova política bipolar que se-
seria muito mais forte, colocando o País sob dita- ria centrada, durante décadas, em torno de dois
dura. grandes polos de poder: EUA e URSS. De um lado,
Iniciava-se, assim, o período que ficou conheci- os EUA defendiam o capitalismo, argumentando
do como Estado Novo. Durante esse período, não ser o sistema que melhor representava os valores
haveria eleições para o Poder Legislativo nem para democráticos e os princípios da liberdade econô-
governadores. mica.
Além da perseguição aos seus inimigos políti- Do outro lado, a URSS defendia que a estraté-
cos, foi criado por Vargas o Departamento de Im- gia socialista era a única resposta ao domínio da
prensa e Propaganda (DIP). Por meio desse órgão, crescente burguesia internacional e a solução para
toda produção cultural e jornalística seria controla- os problemas gerados pela desigualdade social e
da pelo governo. Ainda no Estado Novo foram cria- pelas contradições do capitalismo. A região que
das as chamadas leis trabalhistas, organizadas na melhor representou a divisão e o embate entre as
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), lançada duas ideologias foi a Europa.
em 1943. Essa rivalidade começou ainda sobre os destro-
100 Tratava-se de uma legislação que sistematizava ços da Alemanha derrotada e com a divisão de
o conjunto de leis já criadas em relação ao trabalho seu território em quatro zonas de ocupação. Três
desde 1930. Confirmava a existência de um salário zonas, administradas cada uma por EUA, Grã-Bre-
mínimo no País, direitos como férias remuneradas e tanha e França, formaram a Alemanha Ocidental,
jornada de trabalho máxima de 48 horas semanais. que era capitalista. A zona administrada pela URSS
Os sindicatos permaneceriam sob o controle e tornou-se a Alemanha Oriental, que seguia o socia-
a tutela do Estado por meio do Ministério do Tra- lismo.
balho. O Estado colocava-se no papel de defensor Os EUA, para aumentarem sua influência na
dos direitos do trabalhador, não sendo, em con- Alemanha Ocidental e em outros países da Euro-
trapartida, admitida nenhuma organização autô- pa, adotaram uma política de ajuda econômica:
noma dos trabalhadores; todos deveriam seguir as o Plano Marshall. O objetivo do plano era enviar bi-
regras definidas pelo governo. Em 1942, o Brasil en- lhões de dólares para reconstruir e revitalizar a eco-
trou na 2ª Guerra Mundial ao lado dos Aliados. Isso nomia dos países aliados.
parecia contraditório, uma vez que Vargas indica- A Alemanha dividida ficou no centro das ten-
va estar sempre mais próximo do eixo nazifascista. sões entre capitalismo e socialismo, tornando-se
No entanto, depois de muitas negociações, uma vitrine dos dois modelos para o mundo.
que incluíam investimentos no Brasil, especialmente Enquanto o lado capitalista exaltava o progres-
a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, so, o consumo, o livre mercado e a liberdade de
no Rio de Janeiro, o governo decidiu se aliar aos expressão, os socialistas do leste alemão mostra-
EUA. Durante o conflito, houve um forte estímulo ao vam o crescimento industrial em torno de uma eco-
desenvolvimento da indústria nacional, uma vez nomia planificada, ou seja, exaltavam um modelo
que se tornou mais difícil importar bens manufatu- no qual o Estado controlava os meios de produção
rados dos países em guerra. e estabelecia metas do que e como produzir. A
Com isso, parte da produção industrial foi desti- propaganda de ambos mostrava trabalhadores fe-
nada a esses países ou, ainda, a outros países que lizes dos dois lados.
ficaram sem receber as mercadorias europeias e
estadunidenses, abrindo uma brecha para a pe-
netração de novos fornecedores. A partir de 1943,
iniciou-se no Brasil um movimento político contrário
à permanência de Vargas no poder.
Nesse ano, foi lançado o Manifesto dos Minei-
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nômico e militar destinado à independência da desde que o governo estadunidense fizesse o mes-
Indochina, região formada pelo Laos, Camboja e mo em relação aos mísseis instalados na Turquia. O
Vietnã. Esse último país foi o local de uma das mais episódio da Crise dos Mísseis motivou a assinatura,
importantes disputas militares ocorridas durante a em 1963, de um acordo que proibia testes nuclea-
Guerra Fria. res, exceto aqueles realizados em bases subterrâ-
Os movimentos nacionalistas e socialistas viet- neas.
namitas conquistaram a libertação do país em Anos depois, as potências nucleares aprova-
1954, após uma guerra de independência que du- ram o Tratado de Não Proliferação de Armas Nu-
rou quase dez anos. Porém, a França não reconhe- cleares (TNP) com o objetivo de barrar a corrida
ceu a independência de sua ex-colônia e solicitou armamentista. Segundo o Tratado, aos países não
aos EUA apoio militar para recolonizar a região. nucleares caberia o compromisso de não receber
Após alguns anos de guerra contra os france- a transferência, o controle, a fabricação ou a aqui-
ses, o Vietnã foi temporariamente dividido em dois: sição de qualquer arma nuclear ou outro engenho
o norte passou a ser comandado pelo socialista Ho explosivo.
Chi Minh, enquanto o sul, apoiado pela França e O medo de ambos em relação à ampliação
pelos EUA, era governado pelo imperador Bao Dai. das áreas de influência mobilizou uma forte pro-
Temendo a ofensiva dos socialistas norte-viet- paganda ideológica, veiculada nos meios de co-
namitas e a influência da China comunista, os EUA municação. Os governos, não só o estadunidense
passaram a financiar um governo pró-ocidente ou o soviético, divulgavam a superioridade de sua
no sul, que ficou caracterizado por ser autoritário economia e de seu modo de vida.
e centralizador. Enquanto isso, o líder socialista Ho
Chi Minh recebeu apoio soviético para resistir e or-
ganizar grupos de guerrilhas contra o governo sul-
-vietnamita.
No período em que permaneceu no país, a
presença militar dos EUA sofreu críticas veementes.
Finalmente, em 1973, as tropas estadunidenses dei-
xaram o Vietnã e três anos depois o país seria reu-
nificado.
Se, durante toda a Guerra Fria, não houve um
único enfrentamento armado entre as superpotên-
cias, o mesmo não pode ser dito em relação aos
102 países que estavam sob a área de influência dos
blocos, como foi o episódio da Guerra do Vietnã.
Antes disso, a Guerra da Coreia (1950-1953) havia
representado um desses momentos de enfrenta-
mento militar.
Os conflitos se iniciaram quando a Coreia do
Norte, que era parte do bloco comunista, invadiu
a Coreia do Sul, que era capitalista. Dias depois, Os países da chamada Cortina de Ferro inves-
os EUA, temendo uma intervenção soviética e chi- tiam em uma forte propaganda interna que pro-
nesa na região, aprovaram o envio de tropas para metia assegurar uma justiça social, particularmen-
apoiar os sul-coreanos. A guerra resultou em um te em benefício dos operários, que tinham pleno
sangrento conflito que durou três anos. A Crise dos acesso a educação, saúde e moradia. Enquanto
Mísseis de Cuba, em 1962, foi considerada um dos isso, os países capitalistas mostravam uma realida-
eventos que poderiam ter culminado em um em- de de pleno emprego, liberdade de imprensa e
bate direto entre as duas superpotências. consumo, além de grandes avanços tecnológicos.
Em 1961, os EUA haviam financiado uma tenta- Pelo menos era essa a ênfase da propaganda po-
tiva fracassada de invadir Cuba usando refugiados lítica dos dois blocos, mas o fato é que problemas
políticos cubanos que se exilaram nos EUA após a sociais existiam em ambos os lados.
revolução socialista de 1959. Em meados dos anos 1960, vários países passa-
Depois desse episódio, e para responder à ins- ram a não se sujeitar mais à política das duas super-
talação de mísseis estadunidenses em países alia- potências e começaram a compor um bloco de
dos, os soviéticos começaram a instalar em Cuba países que ficou conhecido como “não alinhados”.
mísseis com potencial nuclear apontados para os Egito, Índia e Iugoslávia, entre outros, passaram a
rivais, a fim de dissuadir Washington de tentar in- defender uma neutralidade diante dos conflitos
vadir a ilha outra vez. O presidente John Kennedy que envolviam os blocos socialista e capitalista.
entendeu o ato como uma declaração de guerra, Em 1979, a URSS adotou uma postura mais ex-
pois não poderia admitir uma ameaça armamen- pansionista e ocupou o Afeganistão, país vizinho
tista tão próxima a seu território. na Ásia central. Em pouco tempo, foi deflagrada
As negociações diplomáticas duraram 13 dias, uma guerra que duraria 10 anos. Os extensos gastos
até que, em 28 de outubro, Nikita Kruchev, líder so- soviéticos com armas na região, além da ajuda en-
viético, concordou em retirar os mísseis de Cuba, viada a países aliados, tornaram-se insustentáveis
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para um país que era burocratizado e tinha uma entrou em ruínas. O fim da URSS deu início à inde-
economia planificada centrada nos interesses do pendência dos países que a formavam, ao mesmo
Estado. Isso colaborou bastante para intensificar as tempo que outros países do Leste Europeu intensifi-
insatisfações sociais e os problemas políticos no in- caram processos internos de abertura política.
terior da URSS. O fim da Guerra Fria trouxe uma série de im-
A combinação da crise econômica com a plicações para a geopolítica e para a situação
insatisfação política e social contribuiu para o es- econômica e social da Europa. Geopoliticamente,
gotamento desse modelo. Um exemplo desse es- houve a desintegração da Iugoslávia e do territó-
gotamento foi um acidente nuclear na cidade de rio soviético, além da separação da Tchecoslová-
Chernobil (na atual Ucrânia), em 1986. O cultivo da quia. Socioeconomicamente, o fim da Guerra Fria
região foi perdido, aumentando a fome e obrigan- permitiu a contestação do Estado de bem-estar
do os soviéticos a importar comida. social adotado por muitos países europeus, o que
Centenas de trabalhadores tiveram de se des- culminou na perda de muitos direitos trabalhistas e
locar para outras regiões da URSS. Quando Mikhail sociais.
Gorbachev, o último líder soviético, assumiu o po- Durante a Guerra Fria, por causa da ameaça
der na URSS, ele iniciou uma série de mudanças constante da ascensão comunista na Europa, em
que seriam responsáveis pela abertura política e função de suas promessas de vida mais justa para
econômica do país. os trabalhadores, os governos de muitos países ca-
As reformas chamadas perestroika (reestrutura- pitalistas europeus assumiram medidas sociais vol-
ção) e glasnost (transparência) atingiram também tadas para os trabalhadores. Com isso, desenvolve-
os países do bloco, especialmente a Alemanha ram um Estado que garantia a todos os cidadãos
Oriental. As reformas soviéticas, que estabeleciam uma série de direitos sociais e trabalhistas, como
a redução de gastos militares e de ajuda econô- saúde e educação públicas de qualidade, prote-
mica a aliados, tornaram a situação dos alemães ção contra o desemprego, excelentes condições
orientais cada dia mais difícil. de trabalho, altos salários e boa aposentadoria,
As reformas também envolveram a ampliação entre outros direitos. Esse modelo de Estado ficou
das liberdades políticas, fato que contribuiu para o conhecido como welfare state, ou Estado de bem-
fortalecimento dos protestos contra o regime. Após -estar social.
um ano de revoltas populares que exigiam tam- Após o fim da ameaça comunista, os países ca-
bém reformas e abertura, o governo da Alemanha pitalistas não tinham mais a necessidade de aten-
Oriental, em 9 de novembro de 1989, anunciou a der as reivindicações dos trabalhadores e, por isso,
abertura das fronteiras da capital, Berlim, e do país. o welfare state europeu começou a ser desmonta-
O ato político culminou com a queda do muro do, segundo as orientações neoliberais. 103
de Berlim, um dos principais símbolos da Guerra
Fria. Ainda em 1989, os EUA e instituições financei- A DITADURA NO BRASIL A PARTIR DE 1964
ras, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e
o Banco Mundial, reunidos em Washington, formu- A ruptura do Estado de Direito e a derrota da de-
laram uma série de medidas econômicas que nor- mocracia no Brasil
teariam os rumos estratégicos de reformas sociais e
econômicas que deveriam ser adotadas na Améri- A primeira tarefa do alto escalão militar foi esco-
ca Latina. Essas reformas impunham uma adesão à lher o presidente do País. O instrumento legal para
política econômica liberal, em curso na Inglaterra isso foi o Ato Institucional no 1 (AI-1), que estabele-
desde o final da década de 1970 e nos EUA desde cia eleições indiretas para o Executivo, atribuindo
o início dos anos 1980. ao Congresso a função de Colégio Eleitoral para
Essa política, chamada de neoliberalismo, tem escolher o novo presidente, e previa a suspensão
como ideia central que os Estados adotem a me- e a cassação de alguns mandatos de políticos no
nor intromissão possível na economia, com base âmbito federal, estadual e municipal, por até dez
no conceito de livre mercado – isto é, um mercado anos.
que regula a si mesmo, sem intervenções. Isso signi- Os parlamentares que não tiveram os seus direi-
fica que os governos devem abrir mão de empre- tos suspensos ou cassados referendaram a escolha
sas públicas, de estabelecer uma legislação traba- do nome do marechal Humberto de Alencar Cas-
lhista rígida ou de controlar as ações de empresas tello Branco para presidente do Brasil.
individuais.
Na prática, isso resulta na perda de direitos dos Os atos institucionais
trabalhadores e na diminuição na oferta de servi-
ços públicos, como educação, saúde e assistên- Os atos institucionais representaram o instru-
cia social, já que para os neoliberais esses serviços mento jurídico de que as Forças Armadas precisa-
deveriam ser oferecidos pelo mercado, por insti- vam para reformar a estrutura do Estado e o sistema
tuições privadas. A consequência é que somente político brasileiro. O novo regime pretendia mudar
pessoas com alto poder aquisitivo teriam acesso a as instituições do País, centralizando cada vez mais
esses serviços, aumentando, portanto, a desigual- o poder nas mãos do Executivo e limitando a força
dade entre os mais ricos e os mais pobres. do Congresso, de modo a impedir que as reformas
Em 1991, a união das 15 repúblicas socialistas defendidas pelos setores da esquerda, por melho-
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res condições de trabalho e melhor distribuição da Muitos foram presos e morreram nos porões da dita-
riqueza no País, fossem realizadas. dura, após sofrerem torturas.
Logo após a promulgação do AI-2, as eleições
indiretas foram instituídas e passaram a ser realiza- A relação do governo com os trabalhadores
das por voto nominal e com aprovação de maioria
absoluta do Congresso Nacional. A medida mais Os órgãos repressores aumentaram a fiscaliza-
significativa representou um golpe para a plurali- ção sobre os sindicatos. Centenas deles foram fe-
dade partidária: a dissolução dos partidos políticos chados. No campo ou na cidade, a nova organiza-
existentes no Brasil e a implantação do bipartida- ção sindical, obediente ao governo, tinha a função
rismo. de evitar greves e desmobilizar qualquer auto-or-
Dois novos partidos políticos foram criados em ganização dos trabalhadores.
1965 e extintos em 1979: a Aliança Renovadora Na- O governo fez importantes mudanças para fa-
cional (Arena), que passou a apoiar o governo, e o vorecer os interesses dos capitalistas, mas, ao mes-
Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que aos mo tempo, anunciava que as medidas buscavam
poucos se caracterizaria como o partido de opo- ampliar os direitos dos trabalhadores, como a cria-
sição. ção do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
Com o AI-3, aprovado em 1966, a eleição dos (FGTS), em 1966 – que aumentou a responsabilida-
governadores e dos prefeitos de capitais passou a de dos empregadores no pagamento de indeni-
ser indireta, por meio das Assembleias Legislativas zações trabalhistas em relação às demissões sem
de cada Estado. Castello Branco convocou nova- justa causa, porém, em contrapartida, eliminou a
mente o Congresso em 1967, para aprovar uma estabilidade no emprego, incentivando a rotativi-
nova Constituição que incorporava toda a legisla- dade da mão de obra.
ção dos atos aprovados antes dessa data. 13 de Até 1968, embora a vigilância e a repressão
dezembro de 1968, promulgação do Ato Institucio- sobre os trabalhadores continuassem, principal-
nal no 5 (AI-5) mente dentro das fábricas, elas não impediram a
Em 1967, com a posse do marechal “linha-du- realização de algumas greves, como as já citadas
ra” Arthur da Costa e Silva, que sucedeu Castello em Contagem e Osasco. Após a promulgação do
Branco, houve maior endurecimento do regime mi- AI-5, a mobilização operária praticamente desapa-
litar. Ao mesmo tempo, no ano seguinte, cresceram receu.
também as manifestações que exigiam a abertura A ditadura militar intensificou o tratamento poli-
política. cial que já era dado ao movimento operário e aos
Destacaram-se nesse período a Marcha dos trabalhadores em geral. Investigações, prisões arbi-
104 Cem Mil, que reuniu artistas, intelectuais, estudan- trárias, tortura, sequestros e assassinatos não foram
tes, jornalistas e trabalhadores, todos empunhando raros, fossem contra líderes ou contra o trabalhador
faixas contra a ditadura, além das duas grandes comum.
greves, em Contagem (MG) e Osasco (SP). Outro Os militares e a questão agrícola O regime mi-
incidente foi a tentativa da realização do Congres- litar tratou de revogar uma das medidas mais po-
so da União Nacional dos Estudantes (UNE). A enti- lêmicas anunciadas por Jango: a proposta de re-
dade estava na clandestinidade desde 1964 e, em forma agrária de terras improdutivas. O Estatuto da
outubro de 1968, resolveu reunir-se em Ibiúna (SP). Terra foi formulado no final de 1964 e afirmava que
O Congresso, no entanto, foi cercado pelos apenas os latifúndios comprovadamente improdu-
militares e centenas de estudantes foram presos, tivos poderiam ter suas terras redistribuídas.
incluindo as principais lideranças do movimento es- Com isso, buscou-se frear a mobilização política
tudantil, com o objetivo de desarticulá-lo. Em 13 de daqueles que defendiam a reforma agrária e to-
dezembro de 1968, o governo fechou o Congresso dos os movimentos de luta por terra e por melhores
Nacional e outras casas legislativas e promulgou o condições de trabalho foram reprimidos com vio-
AI-5. Foram nomeados interventores – governado- lência, por meio de perseguição, tortura e morte
res e prefeitos – escolhidos diretamente pelo gover- de seus militantes.
no militar. Durante todo o período militar, houve incenti-
O AI-5 suspendeu o habeas corpus – que é o vo e financiamento de políticas de colonização
direito de ir e vir sem ser preso –, decretou estado agrária, com deslocamentos de famílias e até de
de sítio e instituiu a censura prévia a jornais e pro- populações para as chamadas fronteiras agrícolas.
gramas de rádio e televisão. Nesse período, pro- Nelas, visava-se a produção baseada na grande
fessores universitários e funcionários públicos foram propriedade de terra e voltada, sobretudo, ao mer-
demitidos e aposentados compulsoriamente. cado externo. Por isso, a concentração fundiária se
A partir da promulgação desse ato, um forte elevou significativamente no período.
aparelho repressivo foi montado nos Estados para Em diversas partes do Brasil, o agronegócio era
identificar e prender aqueles que ainda realizavam favorecido diretamente pelo governo, por meio de
atividades consideradas subversivas no País (isto é, uma série de incentivos fiscais e de crédito facilita-
todas aquelas que contestavam o governo ou o sis- do. Vastos territórios antes destinados à produção
tema econômico e político existente). de alimentos para o mercado interno foram ocu-
Lideranças de vários setores que questionavam pados por programas de expansão agropecuária
a ditadura acabaram no exílio ou na luta armada. para exportação.
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As contradições do regime: do milagre econômi- radas pelo metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva. Um
co à abertura política dos capítulos mais importantes que marcaram o fim
da ditadura no Brasil foi a Lei da Anistia, aprovada
Retomar o crescimento econômico fazia parte pelo
do planejamento estratégico dos militares. A fina- Congresso e sancionada, em 1979, pelo gene-
lidade da nova política econômica era dar con- ral João Figueiredo, último presidente militar. Com
tinuidade à integração ao capitalismo mundial. ela, vários presos e exilados políticos foram perdoa-
Para isso, era necessário atrair o capital estrangeiro dos. A principal característica da lei foi o seu cará-
para o País. ter amplo, geral e irrestrito, ou seja, foram anistia-
Assim, favoreceu-se a entrada de multinacio- dos todos aqueles que cometeram crimes políticos,
nais estadunidenses, alemãs e japonesas. Até os se- incluindo os repressores e torturadores do regime,
tores considerados estratégicos (indústrias de base entre os anos de 1961 e 1979. Diretas Já!
e agronegócio) passaram a sofrer a influência e a Em 1983, o deputado Dante de Oliveira apre-
ingerência de instituições estrangeiras. O governo sentou uma emenda constitucional, propondo a
do general Emílio Garrastazu Médici, que substituiu realização de eleições diretas para presidente.
Costa e Silva em 1969, foi responsável tanto pelo Para pressionar a aprovação da emenda, o movi-
chamado “milagre econômico” como pela intensi- mento das Diretas Já! mobilizou diferentes setores
ficação da tortura e do desaparecimento de opo- da sociedade civil e conseguiu reunir milhões de
sitores ao regime. pessoas em todo o País.
O milagre econômico recebeu esse nome por- Apesar de tudo, a emenda não conseguiu o
que a economia cresceu muito entre 1969 e 1973. número de votos necessários no Congresso para ser
Foi também nesse período que o emprego foi favo- aprovada. O presidente seguinte, Tancredo Neves,
recido com o investimento em obras de infraestru- era civil, mas não foi eleito pelo voto popular. Tan-
tura, fundamentais para alavancar o crescimento credo morreu antes de tomar posse, e a presidên-
industrial e do agronegócio. cia passou para o seu vice, José Sarney.
O desenvolvimento de diversos setores da eco- Acabava, assim, a ditadura militar no Brasil.
nomia brasileira, porém, não levaram a uma me-
lhoria das condições de vida dos trabalhadores.
Além disso, o baixo crescimento do mercado inter-
no, resultado de uma política de desenvolvimento
que concentrava a renda, proporcionou, entre ou-
tras coisas, o aumento do preço dos produtos e o
arrocho salarial. 105
Coube ao governo seguinte, com o general Er-
nesto Geisel na presidência, o papel de conter os
efeitos da crise internacional, que chegou ao Bra-
sil em meados de 1974, causada por uma crise no
preço do petróleo.
Pressionado por setores do capital nacional, ins-
tituições da sociedade civil e parte da classe mé-
dia, Geisel temia o agravamento da insatisfação
dos trabalhadores, em decorrência da crise econô-
mica. Seu mandato foi marcado por uma abertura
política, ainda que lenta, gradual e segura, con-
forme ele mesmo considerava. Entretanto, pessoas
ainda eram torturadas e mortas.
Os avanços ficaram por conta da reorganiza-
ção dos movimentos sociais, que passaram a lutar A RETOMADA DA DEMOCRACIA NO BRASIL
pela libertação e anistia de presos políticos e exila-
dos. Houve movimentos de donas de casa contra Novos desafios econômicos e políticos
a carestia, de mulheres que se engajaram pela vol-
ta dos exilados, de religiosos, artistas de televisão e Com a queda da URSS e o fim da Guerra Fria,
cantores ou simplesmente de pessoas comuns que teve início, na década de 1990, um grande avanço
agora passavam a lutar por democracia. do que se denominou de globalização, e que dura
As mobilizações ressurgiram com mais força até hoje. Esse processo pode ser considerado parte
quando os sindicatos conseguiram se organizar do próprio desenvolvimento do capitalismo.
novamente em 1978. A crise econômica, acirrada Ocorreu, assim, uma potencialização da ca-
pela falência do milagre econômico, favoreceu a pacidade de produzir e distribuir produtos em uma
organização sindical. Os efeitos da crise – a reces- escala mundial. Portanto, carros de uma mesma
são, o aumento dos preços e o do desemprego – montadora podem, por exemplo, ser montados em
atingiram em cheio as famílias mais pobres, os ope- diferentes países e vendidos em várias partes do
rários e a classe média. Marcantes foram as greves mundo.
operárias do ABC paulista, iniciadas em 1978 e lide- Mais que isso, um mesmo veículo pode ser mon-
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e realocação de pessoas para outras estatais. A moeda, o real. Em julho de 1994, o real passou a cir-
moeda voltou a ser o cruzeiro e foi definido um novo cular. O novo plano econômico trouxe maior aber-
congelamento de preços. Seguindo uma política tura comercial para o exterior, ampliando o acesso
neoliberal, optou-se por diminuir a participação do a bens importados.
Estado na economia e abrir o País para o mercado Além disso, conseguiu fazer com que os preços
exterior, reduzindo os impostos de importação. parassem de crescer no mercado interno; conse-
Em linhas gerais, houve mais demissões, au- quentemente, houve um período de maior estabi-
mento do desemprego e terceirização da mão de lidade econômica. Para os trabalhadores, ainda
obra. No contexto da globalização, colocava-se o que a estabilização representasse a possibilidade
Brasil no rumo da economia mundial, abrindo sua de recuperação do poder de compra, uma vez
economia e favorecendo o ingresso de grandes que a inflação não desvalorizaria o valor dos salá-
empresas mundiais no mercado brasileiro. rios recebidos, na prática, o grande aumento das
O risco iminente era de aumentar o sucatea- importações resultou em crescimento do desem-
mento da indústria nacional e o desemprego, uma prego. Ocorreu também um grande arrocho sala-
vez que a abertura permitiria a entrada de muitos rial no setor público e privado, com correções sala-
produtos importados que competiriam com preços riais sendo realizadas abaixo da inflação.
mais baixos em relação aos nacionais. Uma das Nesse contexto de implementação do Plano
medidas mais polêmicas do Plano Collor foi o que Real, em abril de 1994, Fernando Henrique Cardo-
ficou conhecido como confisco da poupança. so (FHC) deixou o Ministério da Fazenda para lan-
Todos os saques foram limitados a um valor çar-se candidato à presidência. O candidato da
máximo e o restante seria bloqueado e devolvido oposição era, outra vez, Luiz Inácio Lula da Silva. O
depois de 18 meses da oficialização do confisco, sucesso do Plano Real fez com que FHC fosse eleito
o que não aconteceu. O Plano Collor não obteve no primeiro turno das eleições.
sucesso. Ao final de 1990, a inflação alta persistiu, O primeiro governo de FHC (1995-1998) foi mar-
totalizando 1.476,6% no ano. cado pela continuidade de reformas que visavam
Em 1992, houve uma segunda tentativa com o garantir a estabilidade econômica no País. Seguin-
Plano Collor II, que também não foi bem-sucedido do o modelo econômico neoliberal, defendeu a
(cf. BELLUZZO, Luiz G.; ALMEIDA, Júlio G. de. Depois privatização de muitas empresas estatais e o fim
da queda. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, do monopólio do petróleo e das telecomunica-
2002, p. 142). Além da crise econômica, no início ções. Em 1997, foi aprovado no Congresso o fim do
daquele mesmo ano de 1992 surgiram denúncias monopólio sobre o refino do petróleo e, em 1998,
de irregularidades no governo. várias empresas de telecomunicações foram priva-
O presidente foi acusado de ter enriquecido tizadas. 107
de maneira ilícita, por meio de contratações sem Ocorreram também privatizações de empresas
licitação pública e do beneficiamento de aliados federais e estaduais do setor elétrico. Em geral, es-
com empréstimos do Banco do Brasil em condições sas privatizações tiveram impacto negativo sobre o
não permitidas. emprego. Em 1998, após intensa negociação com
As denúncias levaram à instalação de uma o Congresso para que fosse aprovada a emenda
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Con- constitucional que permitisse a sua reeleição, FHC
gresso Nacional. Nesse contexto, com o apoio de disputou nova eleição com Lula.
parte da imprensa e das emissoras de TV, a União O presidente venceu novamente, ainda que a
Nacional dos Estudantes (UNE) passou a estimular oposição criticasse o grande arrocho salarial ocor-
a saída de jovens às ruas para protestar contra a rido naqueles anos, o excesso de privatizações e o
corrupção e defender o impeachment de Collor, crescente endividamento do Estado. No segundo
ou seja, a sua remoção do cargo de presidente. governo de FHC (1999-2002), a dívida pública acu-
Os jovens que saíram às ruas, com os rostos pin- mulou grande crescimento e aumentou a dispari-
tados, ficaram conhecidos como “caras-pintadas”. dade de renda entre os mais ricos e os mais pobres
Ainda nesse ano, a Associação Brasileira de Impren- no País.
sa (ABI) apresentou o pedido de impeachment de O desemprego atingiu níveis elevados e cres-
Collor. O Congresso acatou a abertura do processo centes nesse período. Esses resultados provocaram
em setembro de 1992 e, em outubro, Collor foi afas- críticas contra as políticas neoliberais de abertura
tado do cargo e substituído pelo vice- -presidente, para o mercado, sobretudo por resultarem em re-
Itamar Franco. O então presidente Itamar Franco dução de emprego e concentração de renda no
indicou o líder do Partido da Social Democracia Brasil e em muitos outros países. Nas eleições pre-
Brasileira (PSDB), Fernando Henrique Cardoso, para sidenciais de 2002, novamente Luiz Inácio Lula da
o Ministério da Fazenda. Silva foi candidato, e José Serra, do PSDB, foi o pre-
O ministro ficaria encarregado de articular um sidenciável apoiado pelo governo.
plano de estabilização econômica. A inflação era Nesse contexto, o Plano Real já não era um
considerada um grande mal para o País, na medi- grande trunfo do governo para vencer as eleições,
da em que corroía o poder de compra dos salários e o Partido dos Trabalhadores havia estabelecido
e dificultava o crescimento econômico. Em feverei- um arco de alianças mais amplo para conseguir
ro de 1994, foi anunciado o Plano Real, que previa chegar pela primeira vez ao poder.
o corte de despesas públicas e a criação de outra
Ciências Humanas e suas Tecnologias
02. A religião em Roma Antiga era essencial- Igreja Ortodoxa de Constantinopla, significou
mente politeísta e o ritual mais importante era o um reforço político-militar para o Império Roma-
culto ao Imperador. Contudo, a partir do século no do Oriente.
I, muitos se negavam a admitir seu caráter divi- c) Com a conversão de Clóvis, de acordo
no e, por isso, ameaçavam o Estado e passa- com a orientação da Igreja de Roma, o reino
vam a ser perseguidos. Tratava-se: franco tornou-se o primeiro Estado germânico
a) dos bárbaros invasores. sob influência papal.
b) dos escravos, reféns de guerra. d) A conversão de Clóvis ao cristianismo
c) de estrangeiros que preferiam cultuar levou o reino franco a um prolongado conflito
seus próprios deuses. religioso, uma vez que a maioria dos seus inte-
d) dos primeiros cristãos. grantes manteve-se fiel ao paganismo.
e) dos judeus. e) A conversão de Clóvis ao cristianismo
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), permitiu à dinastia franca merovíngia a anexa-
2013. Exame de seleção para cursos técnicos. ção da Itália a seus domínios e a submissão do
poder pontifício à autoridade monárquica.
03. Durante a República Romana, a escra- Fundação Getúlio Vargas, São Paulo (FGV-SP), 2004.
vidão aumentou consideravelmente sua im-
portância na sociedade e na economia, con- 05. Atendendo ao apelo do papa Urbano
tribuindo para a crescente dependência da II, em 1095, a Europa cristã organizou uma sé-
República Romana em relação à mão de obra rie de expedições militares conhecidas como
escrava. A dependência da mão de obra es- Cruzadas, cujos objetivos declarados eram a
crava na República Romana devia-se: conquista da Terra Santa de Jerusalém, a ajuda
a) à expansão das grandes propriedades aos bizantinos e a união da cristandade contra
e ao aniquilamento da pequena propriedade os muçulmanos. Apesar das oito Cruzadas, rea-
rural. lizadas entre 1096 e 1270, nenhum desses objeti-
b) às guerras de conquista empreendidas vos foi plenamente alcançado. Por outro lado,
por Roma, as quais contribuíram decisivamente como destaca o medievalista Jacques Le Goff,
para o predomínio dessa relação de trabalho. os comerciantes foram os grandes ganhadores
c) à inexistência de mão de obra livre e ao da expansão cristã do século XII. No contexto
desinteresse da população pelos trabalhos ma- da Europa feudal, as Cruzadas contribuíram
nuais. para a
d) aos conflitos entre patrícios e plebeus na a) conquista, pelos árabes, de territórios cris- 109
luta pela terra. tãos na Península Ibérica.
e) à necessidade de ampliação da oferta b) dinamização dos contatos comerciais
de mão de obra para o desenvolvimento do entre o Oriente e o Ocidente.
artesanato. c) ampliação das áreas feudalizadas pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul nobreza guerreira vitoriosa.
(UFRGS), 2011. d) dizimação dos campos de cultivo pelas
epidemias da peste negra.
04. “O sacerdote, tendo-se posto em con- e) expansão do Império Bizantino sobre as
tato com Clóvis, levou-o pouco a pouco e se- áreas mediterrânicas.
cretamente a acreditar no verdadeiro Deus, Fatec 2012, 2º semestre.
criador do Céu e da Terra, e a renunciar aos
ídolos, que não lhe podiam ser de qualquer aju- 06. A Reforma foi um movimento religioso
da, nem a ele nem a ninguém [...] O rei, tendo ocorrido no século XVI, marcado pelo surgimen-
pois confessado um Deus todo-poderoso na to de novas religiões cristãs. Dentre suas conse-
Trindade, foi batizado em nome do Pai, do Fi- quências, observamos:
lho e do Espírito Santo e ungido do santo Crisma a) uma grande ruptura na Igreja Católica,
com o sinal-da-cruz. Mais de três mil homens do levando ao retrocesso de práticas, como a usu-
seu exército foram igualmente batizados [...].” ra e os juros nas regiões onde foi adotado o lu-
São Gregório de Tours. A conversão de Clóvis. Historiae teranismo.
Eclesiasticae Francorum. Apud PEDRERO-SÁNCHES, b) o aumento da interferência da Igreja Ca-
M.G., História da Idade Média. Textos e testemunhas. tólica em questões políticas, nos países que se
São Paulo, Ed.Unesp, 2000, p. 44-45. tornaram calvinistas.
c) o surgimento da Igreja Anglicana na In-
A respeito dos episódios descritos no texto, é glaterra, que adotou o calvinismo e criou um
correto afirmar: novo papa, para se tornar o chefe da nova
a) A conversão de Clóvis ao arianismo per- igreja.
mitiu aos francos uma aproximação com os d) a reação da Igreja Católica, para tentar
lombardos e a expansão do seu reino em dire- acabar com o avanço do movimento, promo-
ção ao Norte da Itália. vendo guerras religiosas contra os países protes-
b) A conversão de Clóvis, segundo o rito da tantes e revendo alguns de seus dogmas.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
IV. Os Religiosos, e quaisquer que vivam em tinacionais americanas nas regiões de grande
Comunidade claustral. interesse estratégico dos Estados Unidos.
V. Os que não tiverem de renda líquida d) Fundamentar organizações internacio-
anual cem mil réis por bens de raiz, indústria, co- nais, como a ONU, a OEA e a OTAN, que se tor-
mércio ou empregos. naram grandes instrumentos de execução da
Constituição Política do Império do Brasil (1824). política externa americana durante a Guerra
Disponível em: https://legislação.planalto.gov.br. Fria.
e) Vigiar e impedir que simpatizantes de
A legislação espelha os conflitos políticos ideologias de esquerda ocupassem cargos de
e sociais do contexto histórico de sua formula- liderança e influência no funcionalismo público,
ção. A Constituição de 1824 regulamentou o no governo, nas universidades, nos meios de
direito de voto dos “cidadãos brasileiros” com comunicação e nas grandes corporações eco-
o objetivo de garantir nômicas americanas.
a) o fim da inspiração liberal sobre a estrutu- Pontifícia Universidade Católica do Paraná
ra política brasileira. (PUC-PR), 2009.
b) a ampliação do direito de voto para
maioria dos brasileiros nascidos livres. 13. A campanha pelo restabelecimento das
c) a concentração de poderes na região eleições diretas para presidente da República
produtora de café, o Sudeste brasileiro. do Brasil, em 1984, intitulada “Diretas Já!”,
d) o controle do poder político nas mãos a) tentava garantir que o primeiro presiden-
dos grandes proprietários e comerciantes. te pós-regime militar fosse escolhido, em 1985,
e) a diminuição da interferência da Igreja pelo Colégio Eleitoral.
Católica nas decisões político-administrativas. b) defendia a continuidade dos militares no
Enem 2011. Prova azul. poder, desde que fossem escolhidos pelo voto
direto dos brasileiros.
11. Fugindo à luta de classes, a nossa orga- c) foi a primeira mobilização pública de
nização sindical tem sido um instrumento de membros da sociedade civil brasileira desde o
harmonia e de cooperação entre o capital e o golpe militar de 1964.
trabalho. Não se limitou a um sindicalismo pura- d) reuniu diferentes partidos políticos em
mente “operário”, que conduziria certamente a torno da aprovação de emenda constitucional
luta contra o “patrão”, como aconteceu com que reintroduzia o voto direto para presidente.
outros povos. e) teve sucesso, pois contou com apoio ofi- 111
FALCÃO, W. Cartas sindicais. In: Boletim do Ministério do cial da Igreja Católica, dos sindicatos, das for-
Trabalho, Indústria e Comércio. Rio de Janeiro, 10 (85), ças armadas e do partido situacionista.
set. 1941 (adaptado). Unesp 2011.
nizou a campanha Diretas Já. sou uma ruptura interna na Igreja Católica,
b) manifestou-se contra a corrupção e pres- originando novas religiões cristãs. Uma conse-
sionou pela aprovação da Lei da Ficha Limpa. quência foi a reação da Igreja Católica, que, a
c) engajou-se nos protestos relâmpago e partir do Concílio de Trento, promoveu reformas
utilizou a internet para agendar suas manifesta- morais e comportamentais entre o clero, julgou
ções. suspeitos de heresia nos tribunais da Inquisição
d) espelhou-se no movimento estudantil de e buscou expandir a fé católica com novas or-
1968 e protagonizou ações revolucionárias ar- dens religiosas, como a ordem dos jesuítas.
madas.
e) tornou-se porta-voz da sociedade e in- 07. Alternativa correta: c.
fluenciou no processo de impeachment do en- Como resultado de seus estudos sobre a in-
tão presidente Collor. dustrialização ocorrida na Europa durante o sé-
Enem 2011. Prova Azul. Foto: © Eder Chiodetto/ culo XIX, você pôde conhecer algumas carac-
Folhapress terísticas típicas desse processo, entre as quais
a mostrada pela imagem desta atividade, que
registra operários de uma indústria repetindo o
DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS mesmo movimento necessário à fabricação de
RESULTADOS parte do produto.
dogmas ou crenças, porque defende o questiona- biente que ele pensou a respeito dos motivos que
mento constante em lugar de aceitar uma respos- levavam às inundações do rio Nilo ou que previu
ta pronta, dada pela fé. Certamente as narrativas a ocorrência de um eclipse solar. Também ponde-
míticas ou a religião não são as únicas áreas em rou acerca da origem do mundo, enunciando que
relação às quais se deve ter uma atitude crítica, tudo é feito de água. Muitas pessoas se perguntam
sem mencionar que nem toda vivência religiosa é (e você não deve ser exceção) qual é a utilidade
necessariamente acrítica. prática da Filosofia. Tales pode ser um bom exem-
plo de como responder a essa questão.
Por conta da sua forte capacidade de obser-
Acrítico
vação, tornou-se um homem muito bem-sucedido,
Aquele que aceita qualquer ideia sem
pois soube aproveitar os conhecimentos que acu-
questionar.
mulou sobre os movimentos da natureza e sobre os
homens, que ele via como parte da natureza, para
É possível tanto encontrar a atitude filosófica na enriquecer. Enquanto a maioria das pessoas credi-
ação religiosa (quando, por exemplo, uma pessoa tava aos deuses as boas colheitas (que por sua vez
questiona suas próprias crenças) quanto observar estimulavam o comércio, fazendo-as ter mais far-
posturas doutrinárias no procedimento científico tura), Tales notou que o clima, com suas variações
(quando, por exemplo, um cientista crê cegamen- meteorológicas, era o que, de fato, influenciava a
te nos seus procedimentos, sem levar em conta que qualidade delas.
eles podem estar equivocados). Afinal, não existe Conta-se que Tales, por meio de suas observa-
uma barreira intransponível entre Filosofia, Ciência, ções, previu que a colheita de azeitonas de deter-
Religião e a vida do indivíduo comum. minado ano seria farta. Antes da temporada em
Todas essas modalidades de conhecimento po- que elas seriam colhidas e transformadas em azei-
dem se debruçar sobre as mesmas questões, en- te, Tales alugou todas as prensas. Então, quando
contrando respostas que lhes são próprias e ade- todos estavam precisando delas para produzir o
quadas aos seus métodos de investigação. É muito óleo, ele pôde cobrar o preço que julgou adequa-
mais fácil fazer uma afirmação em público quando do, obtendo muitos lucros.
se sabe que outras pessoas já ouviram aquilo antes Esse é apenas um exemplo, que precisa, no en-
e estão propensas à concordância. Se alguém diz, tanto, ser questionado, para que não se caia no
por exemplo, “O Brasil é o país do futebol”, prova- erro de considerar que a Filosofia tem sempre de
velmente poucas pessoas vão questionar ou duvi- apresentar uma utilidade prática imediata e, de
dar, pois é uma frase que já conquistou sua aceita- preferência, voltada para a obtenção de ganhos
114 ção no cotidiano cultural do brasileiro, assim como financeiros. Tales também desenvolveu um teore-
as piadinhas ou os ditos populares. ma matemático (teorema de Tales), que você es-
Isso é chamado de senso comum, ou seja, algo tudou (ou ainda vai estudar!) em Matemática.
compreendido facilmente sem uma base científi- Se você pesquisar a história de disciplinas como
ca, e cuja facilidade de absorção está fundamen- a Matemática, a Química, a Física e a Biologia, verá
tada no fato de que esse discurso é aceito ampla- que em seu início houve sempre um filósofo. Isso
mente no meio social, ou seja, é reconhecido, revi- porque a Filosofia busca os fundamentos, a essên-
sitado e repetido muitas vezes em diversos setores cia, o conceito e, por isso mesmo, ajuda a definir o
da sociedade. É importante ter bastante claro que objeto de cada campo do conhecimento. Então,
a atitude filosófica requer de cada um vontade, achar a Filosofia inútil é condenar uma porção de
disposição interna para a descoberta e o entendi- coisas importantes à inutilidade. Nesse caso, é pre-
mento das ideias, dos pensamentos, da realidade. ciso cuidado! Essa noção de Filosofia como busca
Trata-se de um questionamento sincero e interessa- da essência, do conceito, parece chocar-se com a
do em compreender algo. ideia trabalhada O que é Filosofia?, apresentando
Atitude filosófica é mais do que “dar sua opi- a Filosofia como exercício reflexivo.
nião” repetindo palavras. Filosofar requer um pro- Não se trata de uma contradição, mas de co-
fundo comprometimento com a escuta, com o nhecer outra perspectiva do que ela é, além de
pensar, com a reflexão e com o desejo de desco- perceber que há mais de uma definição para o ter-
brir novas ideias e pontos de vista cultivando, no mo. Como você viu, a própria definição de Filosofia
processo, o respeito às diferenças. Para aprender, já é uma questão filosófica.
é necessário ter humildade e respeito por tudo
aquilo que pode ensinar. A História da Filosofia
E a Filosofia, ao priorizar a busca do saber por
meio da razão, ao exigir que as opiniões, a realida- A História da Filosofia, assim como a História ge-
de diária e as experiências particulares sejam anali- ral, foi convencionalmente dividida em períodos.
sadas criticamente, ensina que é possível aprender Esse tipo de divisão serve para que se compreenda
com os livros, com a natureza, com o meio ambien- melhor o que aconteceu, percebendo semelhan-
te e, principalmente, consigo mesmo. ças e diferenças em comparação a outras épocas.
Esses períodos são apenas um referencial didá-
Tales, por exemplo, era um observador da na- tico, podendo aparecer de maneiras distintas nos
tureza. Foi reparando nas sutis mudanças do am- diversos materiais que tratam do assunto, diferindo
Ciências Humanas e suas Tecnologias
também de acordo com opiniões particulares de de conciliação entre fé e razão; a relação entre re-
cada pesquisador. A Filosofia faz parte da História; ligião e política, Igreja e Estado. Santo Agostinho e
ela não é algo abstrato, imune aos conflitos, inte- São Tomás de Aquino estão entre os representantes
resses, necessidades de cada momento histórico. mais importantes desse período.
Afinal, é em função de circunstâncias históricas
determinadas, buscando responder aos problemas Filosofia na Idade Moderna
concretos trazidos por elas, que os filósofos se pro-
puseram a refletir e a produzir suas obras. A Idade Moderna é um período que teve seu
início no século XIV e seu final em meados do sécu-
lo XVIII. Correspondeu a um contexto no qual o mo-
delo medieval de aliança entre monarquia e Igreja
estava desgastado, ao passo que a burguesia co-
meçava a apresentar-se como uma força política
cada vez mais expressiva.
Essa época foi também marcada pelas gran-
des descobertas e conquistas territoriais decorren-
tes da expansão marítima, o que inaugurou um
longo período de colonização de “terras virgens”
e acordos comerciais bastante agressivos entre as
nações europeias dominantes – foi um contexto de
intensas transformações culturais.
O pensamento filosófico desse período foi pau-
tado pelo questionamento sobre o homem como
sujeito de conhecimento, isto é, um ser que age
A obra Escola de Atenas é um afresco (técnica com base em suas capacidades racionais, e sobre
de pintura em paredes ou tetos em gesso ou cal a realidade como um sistema composto de meca-
úmidos) que retrata um encontro imaginário entre nismos de funcionamento que podem, portanto,
filósofos da Antiguidade Clássica. ser plenamente conhecidos.
Ela simboliza a busca da verdade e da sabe- É desse período o atual modelo de pensamen-
doria. Ao centro, Platão e Aristóteles representam a to científico, que toma como base a ideia de que
própria Filosofia e seus esforços em compreender o todo conhecimento válido advém da Ciência e de
mundo material e a natureza. Filósofos como Herá- tudo o que ela é capaz de produzir e transformar,
clito, Euclides, Pitágoras, Zoroastro e Ptolomeu tam- tendo em vista melhorias da sociedade e da vida 115
bém estão na obra. Esse afresco foi pintado pelo humana. Convém afirmar que esse é um modelo já
artista italiano Rafael Sanzio (1453-1520), que viveu em crise. Foram representativos na Idade Moderna
muitos séculos depois da Antiguidade. Sanzio foi filósofos como Francis Bacon, René Descartes, Gali-
um dos principais artistas do Renascimento. leu Galilei, Thomas Hobbes, John Locke, Isaac New-
Uma das características centrais do período re- ton, entre outros. Posteriormente, mas ainda nesse
nascentista foi a valorização da cultura e da filoso- período, surgiu a Filosofia da Ilustração, ou Iluminis-
fia da Antiguidade, que havia ficado “esquecida” mo, que foi marcada pela ascensão da burguesia
por muito tempo. ao poder político.
Desenvolveu-se, sobretudo, nos séculos XVIII e
Filosofia na Idade Média XIX e tem como cerne a crença no poder da razão
como requisito fundamental à liberdade, à felicida-
A Idade Média é um período compreendido de e à autonomia, diante do poder centralizado
entre o século VII e o século XIV. Nesse momento, a da monarquia e dos dogmas da Igreja Católica. O
sociedade europeia estava dividida em estamen- movimento iluminista de ordem filosófica, política,
tos sociais estratificados, ou seja, havia pouquíssi- social, econômica e cultural afirma que, por meio
ma, praticamente nenhuma, mobilidade entre os do poder da razão, o homem e a civilização evo-
grupos sociais, e as pessoas estavam submetidas luirão.
ao governo e ao domínio de um Estado monárqui- Como representantes desse período é possível
co, basicamente construído sobre a aliança entre citar Voltaire, Diderot, Rousseau e Kant, entre ou-
as famílias nobres e o clero. tros.
O clero dava sustentação ideológica e justifica-
va o domínio dos nobres, funcionando ao mesmo Filosofia na Idade Contemporânea
tempo como órgão repressor e mediador entre o
homem comum (plebeu) e as intenções de seus Compreende o final do século XVIII (Revolução
governantes. Talvez por conta dessa estrutura so- Francesa, 1789) até os dias atuais. Reflete, entre ou-
cial, o discurso religioso possuía fundamental impor- tros temas, sobre o modo de produção capitalista
tância, o que está refletido na filosofia da época. e a ideia de progresso ininterrupto, além de como
Dentre os principais problemas que se ocupou opera a Ciência, dos avanços da técnica e das
a Filosofia medieval destacam- -se: a busca de pro- transformações da cultura. Nesse momento, a Filo-
vas racionais da existência de Deus; a possibilidade sofia questiona as possibilidades da razão, que por
Ciências Humanas e suas Tecnologias
muito tempo foi defendida como condição de realização máxima dos homens.
O período contemporâneo avalia que a razão nem sempre levou os seres humanos a uma boa condi-
ção ética, política, social, e por isso interroga seu próprio conceito – exemplo disso está na obra de Theodor
W. Adorno e Hannah Arendt.
Por outro lado, outros filósofos seguem acreditando que é preciso repensar para onde se quer ir, qual o
destino que a humanidade deseja alcançar e, desse modo, otimizar o uso da razão em prol de transforma-
ções sociais que auxiliem no desenvolvimento pleno do indivíduo. É o caso de Friedrich Hegel e Karl Marx,
que podem ser citados como filósofos importantes do período.
É importante ressaltar que os temas e autores mencionados acima não refletem a totalidade do pensa-
mento filosófico produzido ao longo da História. Aliás, isso seria impossível de fazer aqui. O objetivo, no pre-
sente momento, é apenas ilustrar alguns dos muitos caminhos percorridos pela Filosofia, pelo pensamento
filosófico, em cada um dos períodos nos quais ela foi convencionalmente dividida.
Vale lembrar também que os temas que predominam num determinado momento são, muitas vezes,
retomados em outros, não havendo, portanto, uma rígida separação ou isolamento entre esses períodos.
Alguns desses temas serão estudados no decorrer do curso.
Depois do contato inicial que você teve com a produção filosófica ao longo da História, é interessante
compreender quais são as áreas de investigação da Filosofia.
Aqui elas são apresentadas em agrupamentos temáticos, campos de investigação que estão associa-
dos por possuírem os mesmos objetos de pesquisa e análise. Esses campos são importantes para que inves-
tigadores, pesquisadores e estudantes possam se localizar e associar modelos de pensamento, livros que se
relacionam e, dessa forma, conhecer o que é ou já foi produzido sobre um mesmo tema, com o objetivo
de ampliar seu repertório.
Você já reparou que as áreas de conhecimento são divididas segundo a ênfase dada ao objeto que
elas estudam? Por exemplo, a Biologia estuda os seres vivos; a Linguística, as regras de funcionamento da
língua; a Matemática, os cálculos, as medições do espaço, os problemas lógicos e as diversas operações
numéricas. E quanto à Filosofia, o que ela estuda? Será que ela ajuda a entender o que se passa no mundo,
por exemplo? Pensando nessas perguntas, observe a tirinha a seguir.
116
Na tirinha, a personagem Lucy é desafiada por Charlie Brown a pensar em uma afirmação que ela mes-
ma havia acabado de fazer e sobre a qual, aparentemente, nem parou para refletir. Charlie Brown faz uso
de um instrumento muito importante para a Filosofia: o questionamento, a problematização.
Questionar é fundamental, pois permite o exercício da imaginação, do raciocínio e da busca de coe-
rência de ideias. Dentre outros tantos instrumentos do filosofar, a problematização também permitiu que os
diversos filósofos, ao longo de muitos séculos de História, produzissem suas filosofias, que podem ser conhe-
cidas ainda hoje.
É muito tempo, não é mesmo? Foram muitos os temas discutidos pela Filosofia ao longo de todo esse
tempo. Alguns desapareceram, enquanto outros foram sistematizados e aprimorados. Mas, afinal de con-
tas, quais seriam as áreas de investigação da Filosofia?
A seguir, você observará algumas dessas áreas.
• Estética ou Filosofia da Arte Estuda o que é Arte, o que é o belo, o gosto artístico, as ideias que levam à
produção artística e à criação, além das relações entre a Arte e outras esferas da vida humana, como
a sociedade, a política, a ética, ao longo dos tempos e em diferentes contextos e culturas.
• Teoria do conhecimento (epistemologia) A epistemologia é a parte da Filosofia que estuda as diferentes
formas de conhecimento. Observa criticamente como o conhecimento é construído, quais são os seus
métodos e qual o seu alcance e potencial. Discute as relações da Filosofia com a Ciência, quando
analisa, por exemplo, quais devem ser os procedimentos que fundamentam uma experiência científica.
• Lógica Volta-se para os raciocínios considerados corretos e verdadeiros, debruçando- -se sobre argu-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
mentos e sobre o bom encadeamento de diferenças entre a forma como se manifesta esse
ideias; analisa as formas e regras do pensa- conhecimento popular e o científico. Os profetas
mento: como um pensamento pode ser de- aprenderam a ler os sinais da natureza de modo
monstrado e por que ele pode ser falso ou ver- empírico, ou seja, através da experiência adquirida
dadeiro. no dia a dia; já os cientistas e os meteorologistas,
• Metafísica Avalia tudo aquilo que não possui para poder prever o tempo, necessitam fazer ex-
realidade física ou materialidade concreta, perimentos que simulem os fenômenos naturais e
ocupando-se do princípio e dos fundamentos comprovem as explicações acerca do comporta-
de todos os seres. A palavra metafísica vem mento do clima.
do grego: meta quer dizer “além”, e phýsis sig- A controvérsia entre essas duas formas de co-
nifica “natureza”. Os conceitos de alma e de nhecimento torna-se ainda mais interessante quan-
Deus, por exemplo, dentre outros muitos assun- do se leva em conta que, no Ceará, o índice de
acerto dos profetas é maior do que o dos cientistas.
tos, são objeto de discussão da Metafísica.
O senso comum pode também surgir dessa sa-
• Ética Reflete acerca dos valores, da ação e
bedoria popular, mas se realiza mais por repetição
da atitude dos homens, bem como é respon-
do que por conhecimento profundo de algum fe-
sável pela investigação das bases da justiça
nômeno. Ele se manifesta na reprodução de jar-
e da melhor adequação do indivíduo ao seu gões socialmente aceitos, ideias que se tornam co-
meio social. Conceitos como vontade, respon- muns porque muitas pessoas as repetem, e a cada
sabilidade, liberdade, dever e obrigação são repetição tendem a se tornar ainda mais comuns.
exemplos de temas discutidos pela Ética. Para ilustrar esse fenômeno do senso comum, foi in-
• Filosofia política Ocupa-se dos princípios e fun- serida a sátira que o cartunista Andrício de Souza
damentos de diferentes sistemas de governo. faz na tirinha
Reflete acerca de conceitos como Estado, po-
der, autoridade, direito, lei, justiça, regimes po-
líticos, ideias de conservadorismo, revolução,
dominação, ideologia e autoritarismo, entre
outros.
#FicaADica
Santo Agostinho
Nascido em 354 d.C. numa província
romana no norte da África, foi um filóso-
fo e teólogo que se dedicou a estudar
principalmente a relação entre o bem
e o mal. Buscou entender o mal como
a ausência de bem; o mal não poderia
ser compreendido como uma criação
de Deus, mas como falta ou deficiência
de algo que caracterizaria o bem.
Converteu-se ao cristianismo em
386, e sua obra, posterior a essa data,
foi pautada por um teor altamente cris-
tão e filosófico. Tornou-se bispo em 395
Entendendo a religião e continuou sua obra até sua morte, aos
75 anos, em 430 d.C., quando houve
Você já ouviu a frase “Sobre futebol, política e as invasões bárbaras na região do nor-
religião não se discute”? Você concorda com ela? te da África, onde residia e exercia sua
Debater os assuntos que afetam a vida das pessoas carreira sacerdotal.
é uma forma de buscar compreendê-los melhor Além disso, Santo Agostinho é co-
para se posicionar sobre eles com consciência, res- nhecido por ter ensinado retórica em Mi-
peitando os diferentes pontos de vista. lão e Roma, locais em que teve contato
O filósofo não aceita que haja limites para o com o neoplatonismo cristão. Escreveu
debate e para a construção da dúvida. Deve-se importantes obras, sendo uma das prin-
investigar então: De onde vem a religião? E que his- cipais Sobre a livre escolha da vontade
tória é essa de que não se pode discutir sobre isso? (De libero arbitrio), que trata do motivo
pelo qual Deus dá aos homens o livre-ar-
Pode-se entender que sentimento religioso é bítrio, que depois pode ser usado para
como se chama a sensação de fazer parte de um realizar o mal.
todo, de uma inteligência superior, de uma realida-
de que existe para além da vida material, concreta 119
e objetiva. Pode ser a crença em um deus ou em O estudo de uma religião do ponto de vista ra-
vários. Pode ser o entendimento de que esse todo cional é chamado de Teologia; um teólogo, assim,
do qual se faz parte é a própria natureza, ou pode procura entender por meio da razão o conteúdo
ser a elaboração acerca de como será a existên- dos dogmas, dos preceitos que embasam uma reli-
cia após a morte ou além da vida terrena. gião. A Teologia, ainda, pode se dedicar a estudos
É importante considerar que o sentimento reli- comparativos entre várias religiões.
gioso é anterior às religiões em si, uma vez que elas Existe uma área da Filosofia (Filosofia da reli-
são instituições dogmáticas, ou seja, que organi- gião) que, de maneira geral, procura entender o
zam a fé por meio de princípios que se traduzem papel da fé na experiência humana, mas que, ao
em práticas individuais e de grupo, como alguns contrário da Teologia, estuda as religiões vendo-as
rituais. “de fora”, sem estar atrelada a nenhuma delas.
A maneira de entender e manifestar essa rela-
ção é própria de cada indivíduo, segundo suas vi- Entendendo a Ciência
vências sociais e seu contexto cultural. É importante
levar em conta que a religião representa uma for- A palavra ciência designa o conhecimento
ma de conhecimento que se caracteriza por uma que inclui sua garantia de validade, significa uma
crença em verdades que são obtidas de modo di- prática que investiga sistematicamente a realida-
vino ou sobrenatural, e que por isso pode ser con- de e a produção de saber. Nesta Unidade, foram
siderada infalível. Suas evidências não podem ser abordadas várias outras formas de conhecimento.
comprovadas, sendo geralmente relegadas à fé Em especial, quando se tratou de senso co-
ou crença pessoal. mum, mito e religião, foi chamada a sua atenção
É por isso que o conhecimento religioso precisa ao cuidado que é preciso manter para não dimi-
basear-se em dogmas para sustentar as crenças, nuir esses saberes diante do status do pensamento
uma vez que estas não podem ser refutadas nem científico, já que muitas vezes se assume como ver-
submetidas à análise científica. Santo Agostinho, dade absoluta (isto é, aquela verdade incontestá-
um dos principais filósofos da Igreja Católica do sé- vel e, por isso, a única a ser aceita) somente aquilo
culo IV d.C., propôs a ideia de que religião significa que pode ser comprovado pela Ciência. Muitas
“religar-se”, reunião com uma força cósmica maior vezes, a Ciência detém o título de proclamadora
e alheia à vida do homem pela retidão, fé e devo- da verdade inquestionável, uma vez que ela se
ção. propõe objetiva, neutra e submetida a critérios de
Ciências Humanas e suas Tecnologias
comprovação – o que quer dizer que as hipóteses maco, ao falar de coisas que são dadas por natu-
são testadas e experimentadas, aceitas ou rejeita- reza, cita uma pedra que, por natureza, cai.
das e, portanto, fundamentadas de acordo com Por mais que se tente adestrá-la, jogando-a
critérios aceitos pelos membros da comunidade para cima diversas vezes, ela jamais “aprenderá” a
científica. subir e sempre cairá, necessariamente. Conforme
No entanto, esse papel da Ciência é questioná- afirma a filósofa Marilena Chaui, as ações humanas
vel, dado que, mesmo quando se pretende “neu- são sempre escolhas e nunca necessidades, porém
tra”, ou seja, quando o sujeito que investiga crê que suas consequências são variáveis: podem tanto ser
pode observar e analisar seus objetos de maneira positivas quanto negativas, seja para o indivíduo ou
imparcial, não é possível afirmar que esse tipo de para as demais pessoas.
conhecimento não sofra a influência do contexto, O dilema colocado pelo exemplo do taxista –
da cultura, dos interesses políticos, entre outros. que tem de decidir se devolve o dinheiro esqueci-
O que se pode dizer de específico sobre o co- do pelo passageiro ou não – expõe que o ser hu-
nhecimento científico é o seu método de investi- mano, além de ter vontade deliberativa, é um ser
gação da realidade, ou seja, o levantamento de misto, dotado de vontade racional e tendências
hipóteses e a verificação delas por meio de obser- irracionais.
vação, análise e interpretação. Essa maneira de Pode haver contradição entre o que a vontade
conhecer é aquela que a Ciência entende como quer e o impulso incita; tome como exemplo a fra-
o caminho mais adequado para chegar ao que é se que você já deve ter dito ou ouvido: “Se eu tives-
verdadeiro. se pensado melhor, não teria agido por impulso”.
A Filosofia da Ciência, por seu turno, analisa o O dilema se torna ainda mais complexo por-
próprio método científico e o questiona, eviden- que, para Aristóteles, as tendências irracionais do
ciando que até mesmo a Ciência se baseia em homem não seriam involuntárias. Para o filósofo, a
crenças, isto é, na fé de que esse é o melhor mé- vontade humana racional seria capaz de contra-
todo de conhecer, o que traz repúdio aos demais riar a vontade irracional. Já para Sócrates e Platão,
tipos de conhecimento. Assim, o senso comum, o seus predecessores, a contestação violenta ocorre-
mito ou a religião são frequentemente vistos como ria porque o sujeito desconhece a virtude.
ingenuidades, folclore ou crendices, o que não é As ações humanas referem-se a um futuro que
certo. também é contingente, ou seja, um futuro incerto
Para concluir, é necessário ressaltar que você que nem sempre depende de escolhas para acon-
pôde passar de maneira mais aprofundada por al- tecer. As tendências irracionais voluntárias mencio-
gumas formas de conhecimento, analisando seu nadas são denominadas por paixão (páthos).
120 vínculo e sua relação com a Filosofia, bem como no Antes de se aprofundar nesse conceito, você
que se diferenciam. É importante a percepção de será convidado a explorar um pouco mais o que
que são outros tipos de conhecimento, com carac- são as tendências irracionais voluntárias. Quando
terísticas, procedimentos e fundamentos que lhes alguém faz algo voluntariamente, o feito depende
são próprios. O senso comum, o mito, a religião, a da vontade dessa pessoa; não é uma ação reali-
Ciência e a Filosofia têm suas especificidades. zada de maneira forçada. Fazer algo irracional de
Todos são importantes do ponto de vista cultural forma decidida significa considerar que a raciona-
e social. Tendo passado por essa análise, pode-se, lidade humana é uma capacidade, ou seja, que é
por fim, afirmar que a Filosofia pode se ocupar dos possível escolher exercer a racionalidade ou não.
demais tipos de conhecimento, fazendo deles ob- O indivíduo pode, por exemplo, torturar alguém
jeto de sua reflexão numa área conhecida como ou ser cruel, comportando-se de modo irracional,
epistemologia ou teoria do conhecimento. embora tenha a capacidade racional. Já a pai-
xão pode ser definida como a inclinação natural
SER HUMANO: SER ÉTICO de buscar o prazer e fugir da dor. Nesse sentido, é
possível dizer que ela é um elemento constitutivo
A ética, a virtude e os homens virtuosos da ação humana, que deve, portanto, ser conside-
rada pela ética.
A situação sobre a qual você ponderou na se- A paixão também pode ser vista como um es-
ção O que você já sabe? é ilustrativa do campo tado de passividade, de quanto o ser humano é
ético, que busca conhecer não somente o que é o capaz de ser afetado pelo sofrimento, pelo ciúme,
bem, mas também como alguém se torna bom do pelo medo e por outros tantos sentimentos. Nesse
ponto de vista da sociedade em que vive. caminho, a dor, o ódio e a vingança também são
O cenário analisado tem a intenção de mostrar considerados paixões, pois designam emoções que
que o campo da ética é prático, ou seja, refere- afetam intensamente o exercício da razão.
-se à alternativa de decidir, o que quer dizer que Explica-se, assim, por que a paixão é um impor-
as ações humanas são possíveis, não necessárias. tante elemento a ser levado em conta pelas inves-
Para compreender ainda melhor, pense no oposto: tigações éticas e por que ela deve ser educada.
na natureza, as ações são exigências universais e Para Aristóteles, sendo a ética uma teoria, uma re-
necessárias – por exemplo, o fogo, qualquer fogo flexão sobre a prática, ela deveria examinar e de-
(universal), sempre esquenta (necessário). O filóso- terminar o fim a ser buscado. Esse exame responde
fo grego Aristóteles, na obra intitulada Ética a Nicô- à finalidade da ética.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
O assunto é amplo e complexo, pois é necessá- tolerado que determinado povo sofra todo tipo de
rio considerar que a prática preconceituosa pode violência e privação, sendo forçado à escravidão,
estar presente em distinções, exclusões e segrega- ao êxodo ou até ao extermínio.
ção (separação) em função da raça, classe, gêne-
ro, credo, idade, trabalho etc.
Para problematizar ainda mais, pense que o #FicaADica
julgamento pela aparência talvez também pare- Êxodo
ça positivo; é possível julgar alguém pela aparên- Emigração em massa; saída de ha-
cia sem conhecer essa pessoa de fato, tendo dela bitantes de um local para outro.
uma imagem positiva, mesmo que não correspon-
da à realidade. Infelizmente, há muitos exemplos de utilização
Quando alguém é abordado por uma pessoa dessa argumentação para justificar casos indignos
bem-vestida, de terno, bem-arrumada, falando aos seres humanos. Dois deles são a escravidão
bem etc., tende a ter uma atitude receptiva, uma africana e o nazismo alemão. Essas intolerâncias
boa impressão. No entanto, pode se tratar de uma raciais têm gravíssimas consequências.
pessoa desonesta e corrupta, como no exemplo ci- No Brasil, o preconceito racial, fruto de mais de
tado anteriormente. Assim, o julgamento seria pre- três séculos de escravidão, pode ser observado nas
conceituoso, ainda que a pessoa afetada por ele escolas e universidades, no mercado de trabalho
não fosse discriminada. e na desigualdade econômica. Por outro lado, o
Em relação à discriminação, a tensão entre gru- ódio contra o povo judeu, relativo ao nazismo, ex-
pos com diferenças de ordem cultural, social, eco- terminou cerca de 6 milhões de pessoas, sob a justi-
nômica, entre outras, se faz presente no campo da ficativa de que precisavam ser mortas em favor da
ação e das atitudes. Quando uma pessoa, por se superioridade da raça ariana.
enquadrar em algum tipo de grupo que pode ser
alvo de preconceito, é impedida de ter acesso a CIDADANIA
determinado direito ou, então, encontra dificulda-
des ou constrangimentos deliberados ao usufruir A cidadania na História
dele, considera-se que ela foi discriminada, por ter
sido tratada de forma diferente do que acontece- A ideia de cidadania existe há muito tempo,
ria com outra pessoa de outro grupo. tendo se transformado ao longo da História. Uma
No mercado de trabalho, sabe-se que os salá- maneira de compreender melhor esse conceito é
rios de homens brancos são maiores que os de ho- observar como ele aparece em diferentes situa-
122 mens negros, e estes também recebem menos que ções históricas. Outra forma é investigar como a
mulheres brancas. As mulheres negras são as que cidadania é reconhecida no dia a dia.
têm o menor contracheque. Há diversos estudos Para muitos, exercer a cidadania está dire-
que abordam o tema, no qual operam ao menos tamente ligado ao direito de voto, de eleger um
dois preconceitos, o de gênero e o de cor. representante. Para outros, a ideia imediata que a
palavra cidadania evoca é a de uma ligação com
algum lugar, a noção de pertencimento a determi-
nada nação ou território – por exemplo, as pessoas
que possuem dupla cidadania são consideradas
cidadãs de dois países, estando sujeitas aos direitos
e deveres referentes a dois territórios nacionais: o
de origem e o que as acolheu.
Ambos os entendimentos estão corretos, mas
A tabela anterior apresenta rendimentos men- o conceito é ainda mais abrangente do que isso.
sais padronizados por 40 horas de trabalho em Na Grécia Antiga, o que caracterizava seu regime
setembro de 1998. Observe a diferença dos rendi- político como democrático era a cidadania, que
mentos entre os grupos. Será que essa diferença, representava o direito à participação política na
que chega a ser de 60%, mantém-se até hoje? pólis. Os cidadãos podiam eleger representantes e
Também é importante que você repare que a dis- opinar diretamente sobre as questões públicas.
criminação é maior em relação à etnia do que ao Entretanto, para a cultura grega, esses direitos
gênero. estavam restritos apenas aos homens livres que fos-
Ou seja, as mulheres brancas, discriminadas por sem adultos e filhos de pais gregos. As mulheres, os
serem mulheres, ainda sofrem menos no que diz res- jovens, os estrangeiros e os escravos (que, juntos,
peito ao salário do que os homens negros, discrimi- formavam a maior parte da população) não ti-
nados pela sua etnia. nham acesso à cidadania. Pode-se afirmar, então,
Em relação ao racismo, há algo ainda mais que se tratava de uma democracia escravista.
grave e específico que merece uma reflexão crí- Chama-se esse tipo de situação de oligarquia,
tica. Em certos casos, algumas pessoas entendem governo no qual apenas um pequeno grupo muito
que as capacidades e os direitos dos seres huma- restrito de indivíduos possui poder e governa para
nos devem variar segundo suas diferenças étnicas, benefício próprio. Embora, por definição, a oligar-
aceitando-se, por exemplo, que seja socialmente quia e a democracia sejam contraditórias, pode-se
Ciências Humanas e suas Tecnologias
perceber que, ao longo da História, é comum que dania realiza-se no próprio exercício dos direitos e
a primeira seja uma característica da segunda, de deveres do cidadão e que ela é fundamental para
forma que a organização política oligárquica traz, a luta e a conquista de uma sociedade melhor.
mesmo para um regime democrático, uma enorme
desigualdade e muitas injustiças sociais, caracterís- Direitos e deveres do brasileiro
ticas pouco associadas ao sentido ideal que se dá
para a palavra cidadania.
Você pode estar imaginando que o conceito
mudou bastante desde a Antiguidade grega, de
acordo com as transformações linguísticas, cultu-
rais, tecnológicas de cada local e época que utili-
za o conceito em novas estruturas sociais.
Durante os séculos que se seguiram, já na cha-
mada Idade Média, outra forma de organização
foi bastante comum no território europeu: o abso-
lutismo. Empreendidos pelas famílias monárquicas
(nobres) e apoiados pela Igreja Católica, os gover-
nos absolutistas concentravam todo o poder na
figura do monarca (rei), e os homens e as mulhe-
res comuns (súditos) pouco podiam fazer além de
trabalhar, pagar impostos e obedecer ao governo.
Isso mudou a partir da Revolução Francesa, quan-
do a burguesia tirou o poder da monarquia, trans-
formando radicalmente a forma de organização Cidadania: pertencer ao lugar, apropriar-se do
política e social. espaço
A conquista de direitos por iniciativa popular foi
uma mudança radical oriunda dessa revolução: a Cidadania significa possuir direitos, entre eles:
cidadania estava ao alcance de qualquer pessoa, ter acesso a condições que garantam de forma
como prevê a Declaração dos direitos do homem digna a própria existência, um bom salário, mora-
e do cidadão (1789), documento que define que dia segura, educação, saúde e transporte de qua-
os direitos individuais e coletivos dos homens são lidade; apropriar-se do espaço público; participar
universais. É claro que escrever no papel não sig- de maneira ativa da organização político-social e
nifica dar garantia de que assim será em todos os exigir seus direitos. 123
lugares e para todas as pessoas. A presença da ci- Cidadania significa também ter deveres, como
dadania representava a existência de direitos e a os de zelar pelo direito alheio, ter a responsabilida-
possibilidade de ampliá-los mediante a participa- de coletiva pela própria comunidade, participar
ção política. das decisões, ajudando a construir as regras e a
Mais recentemente, a cidadania foi vinculada cumpri-las. Diz-se que os franceses da época da Re-
à conquista dos direitos humanos: a Declaração volução Francesa tinham muito orgulho de se cum-
Universal dos Direitos Humanos (1948) apresenta a primentar como cidadãos (“Olá, cidadão, como
ideia de que todo ser humano é livre e deve pos- vai?” “Boa tarde, cidadão! Vou bem, e você?”).
suir uma vida digna. Redigido após a 2a Guerra Isso porque, por muitos séculos, viveram como
Mundial, o documento afirma que os cidadãos são servos, depois como súditos de um monarca, sem
iguais perante a lei, devendo estar protegidos das direitos, sem participação, sem autoestima nem or-
muitas formas de violência e barbárie, como tortu- gulho. Viviam sem nenhum poder de decisão sobre
ras, crimes de guerra, exploração, escravidão etc. sua vida ou sobre a própria comunidade, muitas
Desse modo, o cidadão possui sempre direito a vezes sofrendo interferências arbitrárias e até vio-
um julgamento adequado caso seja acusado de lentas por parte de seus governantes, sem ter a
algum crime. Além disso, também tem o direito de quem recorrer ou como se defender.
expressar suas ideias e de contribuir para a políti- Essa situação retoma a ideia do texto anterior,
ca vigente. Mas todos esses direitos necessitam de no qual foi citada a noção de pertencimento a
uma participação ativa, de uma reivindicação e determinado lugar. O cidadão tem orgulho de sua
de um exercício, do contrário seriam somente par- cidadania, do lugar em que vive e que ajudou a
tes esquecidas de uma legislação, sem efeito práti- construir, inspira-se com o sentimento de soberania
co na vida das pessoas. de sua nação, em certa medida se orgulha do es-
Pode-se concluir que o cidadão é um sujeito de paço ao qual pertence e sente, em reciprocida-
direitos e de deveres, e a cidadania efetiva-se na de, que esse espaço lhe pertence e que, portanto,
medida da participação cidadã, quando o indiví- pode ser transformado pela ação cidadã de cada
duo se envolve na discussão, decisão e realização um.
do que é comum, exigindo direitos, cumprindo de- Para os brasileiros, especificamente, esse senti-
veres, não sobrepondo interesses particulares aos mento deve ser cultivado com muito apreço, pois
coletivos. o País tem um longo histórico de abusos decorren-
Assim, é possível também afirmar que a cida- tes de seu passado colonial, o que incluiu um dos
Ciências Humanas e suas Tecnologias
uma “inclinação”, “dons” ou “aptidões” dado por lei, o que não significa a garantia de uma igualda-
um deus ou determinados geneticamente, podem- de efetiva, material. Prestar atenção a esse ponto
-se justificar desigualdades que talvez passem des- é um modo de questionar e criticar a Declaração
percebidas. Por exemplo, o que faz alguém ser um Universal dos Direitos Humanos.
médico bem-sucedido? Tal fato estaria ligado às Além disso, é importante considerar os momen-
suas “aptidões naturais” ou ao conjunto de condi- tos em que as declarações foram redigidas – uma
ções sociais e históricas pelas quais e nas quais se em 1789, ano da Revolução Francesa, e outra em
construiu a sua trajetória de vida? 1948, logo após o término da 2a Guerra Mundial –,
Quando uma pessoa almeja ser médica, mas momentos emblemáticos nos quais os seres huma-
não consegue, seria por falta de condições mate- nos, de forma geral, lutaram por melhores condi-
riais, por não ter tido acesso à educação, ou por- ções de vida, econômica e politicamente falando,
que ela não teria nascido para isso? Por meio de e por ferramentas que pudessem garantir que os
exemplos como esse, você pode identificar e pen- indivíduos fossem tratados com dignidade, ao con-
sar sobre as ideologias. trário do que estava sendo vivido por muitas pes-
soas até então.
DIREITOS HUMANOS: UM POUCO DE HISTÓRIA A Declaração de 1948 trouxe muitos avanços
e permitiu, por exemplo, que genocídios fossem jul-
Os Direitos Humanos, conforme conhecidos gados, que comissões da verdade fossem instau-
atualmente, fazem referência ao documento ofi- radas para avaliar casos de torturas e assassinatos
cialmente intitulado Declaração Universal dos Di- por parte do Estado, como ocorreu nas ditaduras
reitos Humanos, cujo primeiro artigo foi citado na militares brasileira e chilena no século XX. Contudo,
seção O que você já sabe?. Esse documento foi ela tem algumas limitações.
elaborado e publicado em 1948 pela Organização Seu primeiro artigo nem sempre é concretizado.
das Nações Unidas (ONU) e tinha como objetivo É possível, por exemplo, relacionar dados econômi-
atualizar a ideia de direitos básicos e universais, ou cos que mostram a diferença entre crianças nas-
seja, que podem ser estendidos a todo e qualquer cidas em determinada localidade possuindo muito
ser humano. mais oportunidades do que aquelas nascidas em
O momento histórico pedia por essa declara- outro lugar.
ção, dado que o mundo ainda se recuperava do Pode-se falar dessa diferença também entre
choque sofrido pelas atrocidades cometidas du- nações, porém há meios de ponderar que isso tal-
rante a 2a Guerra Mundial (1939-1945). Nesse sen- vez aconteça na mesma cidade, o que quer dizer
tido, pode-se dizer que o novo contexto histórico que esse documento é uma referência que procu-
126 exigia uma revisão das ações cometidas pelos ho- ra garantir elementos universais, mas que ainda, in-
mens, de modo que os seus pensamentos e ações felizmente, não se efetivou para todos e todas.
fossem colocados em xeque.
Mas esse não foi o primeiro documento com INDÚSTRIA CULTURAL E CONDUTAS MASSIFICADAS
o objetivo de sensibilizar a humanidade como um
todo quanto ao direito de dignidade, liberdade, A indústria cultural
igualdade etc. Antes, no ano da Revolução Fran-
cesa (1789), foi publicada a Declaração dos direi- As novelas são um exemplo de produto da in-
tos do homem e do cidadão. dústria cultural. Isso porque são programas que
Esse documento é considerado o alicerce das apresentam esquemas simplificados da vida, ou
ideias defendidas pelos revolucionários burgueses, seja, tratam da existência como algo plano, como
conforme você estudou nas Unidades anteriores, se viver se resumisse a alguma rotina que simples-
bem como uma garantia de que os direitos por eles mente se segue, sem tensões, indagações, dificul-
conquistados permaneceriam vigentes pelos próxi- dades, dúvidas...
mos anos da República francesa, servindo, inclusi- Além disso, são programas que não são fei-
ve, de modelo para a emancipação de outros paí- tos por aqueles que os consomem. Isso não quer
ses e elaboração de outros projetos republicanos. dizer que todos que assistem a novelas deveriam
É necessário lembrar que a intenção da Decla- frequentar o set de filmagens e, de alguma forma,
ração Universal dos Direitos Humanos é estabelecer participar da gravação, mas sim que o público que
pontos em comum entre as pessoas de todas as assiste aos programas (realizados com o intuito de
culturas, de maneira que – independentemente do ser plenamente entendidos por qualquer pessoa) é
país em que se nasceu ou da língua que se fale – composto por espectadores que recebem passiva-
a dignidade seja garantida, evitando certas priva- mente uma mercadoria produzida por alguém que
ções e violências (como a tirania ou a tortura). tem como objetivo principal o lucro, ou seja, trata-
Também é fundamental perceber que a ideia -se de um produto cujo valor é apenas comercial,
de igualdade é a de garantir os mesmos direitos, um valor de mercado.
ou seja, quando a declaração afirma que todos O produtor de uma novela não se preocupa
nascem iguais, isso não quer dizer que as pessoas – talvez com algumas exceções – em respeitar a
devem ser iguais, mas que precisa haver igualdade liberdade dos artistas (roteirista, diretor, atores); sua
no respeito às diferenças. Desse modo, nota-se que única preocupação consiste em saber quantas
a igualdade é uma igualdade formal, perante a pessoas a novela atingirá e quão grande será a
Ciências Humanas e suas Tecnologias
o desejo criado. É necessário então atentar para o intenções do processo industrial de padronizações
fato de que, quando se fala em cultura de massa, de hábitos, costumes e crenças, é preciso que haja
tem-se em vista a cultura que é produzida para a um bom combustível para que as pessoas sintam-
massa, isto é, para uma maioria. -se estimuladas a comprar o tempo todo.
A cultura de massa não se refere especifica- A alienação aparece aqui como algo que im-
mente nem à cultura popular, ou seja, à cultura pulsiona a reprodução de pensamentos, ideias e
produzida por e para o povo (a cultura tradicio- comportamentos propagados pela indústria cul-
nal de um lugar), nem à cultura erudita, ou seja, à tural, e a pessoa não questiona por que compra
cultura de uma elite. Contudo, convém esclarecer coisas das quais não necessita. Esse conjunto de
que o caráter elitista da cultura erudita não é intrín- pensamentos e atitudes padronizados, com o tem-
seco a ela, isto é, não é a cultura propriamente dita po, torna-se ideologia, pois estimula determinados
que é de elite. jeitos de se vestir, de ser, de se comunicar, que ge-
O que confere a certa cultura o caráter elitista é ralmente respondem ao interesse de uma emissora
a forma restrita, privilegiada e privada de como ela de televisão, de um grupo econômico ou político.
é apropriada. Ou seja, trata-se de uma cultura eli- Por exemplo, quando há um movimento de tra-
tista porque somente algumas poucas pessoas têm balhadores, como uma greve ou protesto por me-
acesso a ela. No momento em que o acesso a essa lhores condições de vida e salário, é comum que
cultura passa a ser feito de forma democratizada, tais movimentos sejam veiculados como “ação de
ela deixa de ser elitista para se tornar popular. baderneiros”. Na medida em que alguém, como
A escola e os centros culturais e artísticos muitas um espectador de televisão, aceita sem questionar
vezes tornam-se veículos para que haja a demo- as informações que recebe, pode-se dizer que está
cratização da cultura erudita. A cultura de massa alienado, uma vez que ele se distancia dos próprios
tem por principal atrativo a fácil identificação, o pensamentos ou da possibilidade de pensar por si
que quer dizer que ideias, histórias e anseios são próprio.
apresentados e oferecidos ao sujeito e ele se sen- A alienação pode instalar o conformismo e a
te identificado: “É isso mesmo que eu penso”, “Foi indiferença tanto para os próprios problemas quan-
isso mesmo que eu trilhei”, “É isso mesmo que eu to para determinadas situações sociais. No sentido
quero”; o sujeito sente-se pertencente ao grupo na proposto aqui, alienação, portanto, refere-se ao
medida em que reconhece que os outros possuem estado em que uma pessoa perde a capacidade
os mesmos interesses. de pensar por si própria, na medida em que recebe
Quando imersa nesse universo, a pessoa não informações “prontas” dos telejornais, dos progra-
terá dificuldade em encontrar semelhantes e, por mas de TV, reproduzindo tudo o que vê e ouve, sem
isso, se sentirá reconhecida pelos outros e poderá questionar ou sem refletir criticamente a respeito. 129
também reconhecê-los. A essas ações, pensamen- As pessoas trabalham para viver ou vivem para
tos, desejos e formas de vida denominam- -se con- trabalhar? O termo ócio tem origem na palavra
dutas massificadas. latina otium, que significa lazer, repouso. Negócio,
por sua vez, deriva de negotium, palavra que ex-
ALIENAÇÃO põe a negação do ócio (neg = não, otium = lazer).
O sentido latino de ócio já estava na palavra
grega scholé, que também significa descanso,
tempo livre. Significava, além disso, estudo, na me-
dida em que um homem, por não ter de trabalhar
para sua subsistência, pode se ocupar voluntaria-
mente de uma ação. Pode-se perceber o sentido
de scholé em escola, o lugar de estudo.
Na Grécia Antiga, a escola era o lugar privile-
giado do ócio, o lugar daqueles que podiam se
dedicar à ginástica, aos jogos, à música e à litera-
tura. Era, portanto, um lugar para pessoas ociosas,
isto é, que não precisavam trabalhar para garantir
o próprio sustento, visto que se beneficiavam do
trabalho de escravos. Vale lembrar que a Grécia,
na Antiguidade, foi, durante muito tempo, uma so-
ciedade escravista. Hoje o ócio é associado a uma
imagem negativa de folga, preguiça, “falta do que
fazer”, como é possível comprovar com o provér-
bio: “O ócio é o pai de todos os vícios”.
É difícil precisar quando exatamente o ócio ad-
quiriu essa imagem negativa. Uma possibilidade é
a máxima “Deus ajuda a quem cedo madruga”,
que representa uma relação entre o trabalho e o
“enobrecimento” da alma por meio de um discurso
Considerando que o consumo é o núcleo das religioso.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Durante o processo de industrialização, essa cultivados na China, levados à Índia até aparece-
máxima foi resgatada pela burguesia a fim de fazer rem em Roma.
que o ser humano dedicasse sua vida inteiramente Segundo o professor, o fato de saber todo o
ao trabalho. Percebe-se que tal entendimento de itinerário que as frutas percorreram antes de che-
“ócio” relaciona-se ao pecado ou ao sentimento gar à mesa torna-as mais interessantes e, por con-
de indignidade, tendo como fim a exploração do sequência, mais saborosas. Essa passagem do livro
trabalho do povo. comentada por Woodhouse é importante para
desfazer possíveis equívocos, entendendo que o
ócio não é inação (falta de ação), preguiça, des-
perdício de tempo.
No livro, Russell defende o ócio como momen-
to de formação mental, e sua má compreensão,
em certa medida proposital, reforça a ideia de que
as atividades desejáveis são somente aquelas as-
sociadas à produtividade e ao subsequente lucro.
Com isso, Russell faz sua defesa por uma jornada de
Para resgatar um sentido anterior a esse, é pre- quatro horas de trabalho.
ciso qualificar o ócio como criativo, digno e produ- O filósofo procura mostrar como as jornadas de
tivo, se não do ponto de vista fabril, certamente do trabalho poderiam ser reduzidas graças aos avan-
ponto de vista humano. ços tecnológicos, sendo que os salários não sofre-
Em alguns casos, o trabalho e o dever podem riam alteração. Tendo suas necessidades básicas
vir acompanhados de um sentimento de desâni- satisfeitas, todas as pessoas poderiam ocupar-se de
mo; por exemplo, quando você é acometido pelo outras atividades ociosas.
desejo de não trabalhar e fazer outra coisa, ainda Russell não esquece que os trabalhadores têm
que você não possa. Em geral, esse desejo também tempo livre, mas aponta que esse tempo normal-
é visto, muitas vezes, como sinônimo de preguiça. mente é passivo, pois, em razão da exaustão, as
Mas, há quem diga que “o indivíduo se faz pelo tra- pessoas optam por ver ou ouvir algo e não fazer
balho”. Desenvolvendo um pouco mais essa ideia: (ativamente) nada.
Eichmann foi considerado culpado e sentencia- Para isso, pode-se pensar em uma educação
do à morte por enforcamento, em Israel. As análises que ocorre nos espaços não escolares (como a
de Arendt são fundamentais porque alertam para que ocorre na família, em comunidades religiosas,
a propensão dos seres humanos a fazer parte de centros culturais, espaços de lazer, ONGs etc.) ou
um grupo, aderindo a ele sem reflexão, assumindo, escolares, que se referem às instituições educacio-
sem pensar, as ideias, opiniões e deveres que po- nais propriamente ditas. Quaisquer que sejam os
dem levar a males extremos. espaços educativos, o compromisso com o tipo de
É um perigo atual se você levar em conta o nú- cidadão que se quer formar é essencial.
mero de pessoas que vivem de forma acrítica. Se- Contudo, é importante refletir sobre o papel
gundo a filósofa, o desumano se esconde em cada que a educação escolar pode assumir para cum-
ser humano. CONTINUAR A PENSAR E INTERROGAR A prir o compromisso com a formação de cidadãos
SI PRÓPRIO SOBRE OS ATOS, AS NORMAS É A ÚNICA mais sensíveis, autônomos, colaborativos, dentre
CONDIÇÃO DE NÃO SER TRAGADO POR ESSE MAL. outras características.
Em nossa cultura, é possível afirmar que o pa-
EDUCANDO-SE SOBRE A EDUCAÇÃO pel da escola é transmitir às novas gerações os
conhecimentos que a humanidade acumulou ao
O ponto de partida para refletir sobre a educa- longo dos tempos. Nesse sentido, aprender os feitos
ção é compreender que a atividade educacional de outros seres humanos, no passado (sejam eles
ocorre em todas as esferas da vida humana, entre positivos ou negativos), pode ajudar o indivíduo a
familiares, entre amigos, em relações afetivas, en- compreender o presente e a planejar o curso do
tre colegas de trabalho, no contato entre diferen- futuro, além de permitir conhecer do que é forma-
tes classes sociais, etnias, faixas etárias e línguas. do e como pode-se localizar e participar do mundo
Contudo, essa afirmação não indica que toda público.
ação educativa é espontânea, como se pudes- Aprender o que se sabe sobre as ciências e suas
se ser simplesmente descoberta pela intuição ou descobertas possibilita uma melhor compreensão
como se as pessoas aprendessem apenas pelo do mundo, mas também desperta o desejo de ser
convívio cotidiano. Toda cultura possui também cientista, por exemplo. O conhecimento adquirido
formas de organizar os “estudos”, ou seja, tem for- na escola tem muitas funções, pois pode auxiliar na
mas diferentes de transmitir os saberes pela relação compreensão e transformação do próprio indiví-
de ensino e aprendizagem. duo e da sociedade na qual ele vive, bem como
Essas formas podem ser diferentes e cumprir ajudá-lo a aprender uma nova profissão, a falar
o papel de transmissão de determinados conhe- outra língua, a ampliar as formas de se comunicar
cimentos e práticas, de acordo com a demanda na própria língua, a conviver com outras pessoas, 133
cultural de cada ambiente. entre tantas outras possibilidades.
Normalmente, a educação está inserida em A Filosofia pode contribuir para a construção
determinado tipo de cultura e fundamenta-se nes- de outras maneiras de você olhar para o mundo e
sa cultura para formar indivíduos. Assim, por exem- para si mesmo. Ela promove um exercício de pen-
plo, uma sociedade cuja cultura exige caçadores samento por meio do qual é possível refletir critica-
precisará, com sua educação, formar indivíduos mente sobre tudo o que está estabelecido, utilizan-
aptos para a caça. do o questionamento e a dúvida como instrumen-
Essa lógica se aplica a toda cultura, mas, no tos em todos os aspectos do saber e do agir.
caso de sociedades multiculturais como a brasileira Diante desses argumentos, é importante pensar
– edificadas em um contexto urbano muito popu- nas relações da educação com o mundo do traba-
loso, que é mediado por tecnologias em constan- lho. É muito comum escutar frases do tipo “Menino,
te transformação –, cabe ao educador e a todo estude! Se não estudar, você não será ninguém na
indivíduo refletir com bastante rigor sobre que tipo vida!”. Ocorre que um dos sentidos “escondidos”
de ser humano é necessário ou desejável formar, nas entrelinhas dessa frase pode ser “Estude, para
ou seja, que qualificações a sociedade exige que ter um bom emprego e concorrer no mercado de
esses indivíduos tenham. trabalho”.
Nossa sociedade necessita de indivíduos aptos
a lutar, a combater, a trabalhar? Pessoas sensíveis,
empáticas, produtivas, agressivas? É muito impor-
tante refletir sobre isso, tendo a certeza de que
cada um contribui para formar, educar e reforçar
determinados tipos de conduta e hábitos culturais
à medida que os aceita, incentiva, reproduz ou
mesmo ao ignorá-los.
Há, assim, uma situação urgente e de imensa
importância: é essencial observar que tipo de cida- A finalidade da educação não pode se encer-
dão a educação em geral tem como objetivo for- rar na inserção do estudante no mercado de traba-
mar, além de buscar a consciência de que tipo de lho. A educação como garantia de emprego não
educação é estabelecida nas sociedades e como é a única ou a melhor opção para a construção de
ela se propõe realizar seus objetivos. uma sociedade que preze por princípios como justi-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
ça, igualdade de oportunidades, pessoas solidárias Nessa relação, existem duas situações: a da
umas com as outras. Historicamente, observa-se criança, que representa a possibilidade do novo
que o acesso à educação pública ou privada, por e de uma transformação social, e a da chama-
exemplo, pode determinar se uma pessoa poderá da “nova geração” entrando em contato com
ou não cursar uma universidade, qual universidade um novo mundo, possibilitado pela própria prática
será, com quais círculos sociais ela conviverá, que educativa. Desse encontro entre novas pessoas e
poder aquisitivo terá e em quais espaços sociais novos ambientes, imagina-se que saiam novas pos-
poderá morar, circular, alimentar-se, vestir-se, diver- sibilidades, novos sistemas de relação, novas situa-
tir-se, entre tantas outras coisas. ções de convívio e de organização social e política.
No Brasil, ainda há uma divisão oligárquica do Entretanto, não é isso o que acontece. A pensa-
poder, de maneira que poucos grupos detêm privi- dora afirmou que havia uma incoerência na orga-
légios, facilidades e maior alcance para seus recur- nização da educação, de forma que socialmente
sos e influência. Para essa camada privilegiada, é se estimula um discurso no qual o mundo pertence
interessante que a educação seja voltada exclusi- aos jovens e onde as novas gerações carregam a
vamente ao mercado de trabalho, de forma que “chave” para o futuro, mas que, na realidade, o
a massa formada pelo sistema de ensino dê con- que muitas vezes a escola faz é privar esses jovens
tinuidade à estrutura que já está estabelecida. Por de qualquer possibilidade de transformação do
outro lado, uma educação crítica é aquela que mundo que já está organizado para eles.
repensa as bases de sua sociedade, considerando Isso ocorre porque se entende que cabe ape-
transformações estruturais no modo como suas ati- nas ao adulto educador a autoridade e a qualifica-
vidades são desenvolvidas. ção necessária para determinar quais capacida-
É aquela que se traduz no compromisso de for- des são fundamentais para que esses jovens apren-
mar pessoas capazes de melhorar os espaços em dam, bem como a maneira que isso será realizado.
que vivem, de ter autonomia sobre a própria vida, Segundo Arendt, a educação vigente nos Estados
de ter consciência de seus gostos e talentos, de Unidos, na década de 1950, era conservadora e
agir de maneira cooperativa e solidária com as ou- servia apenas para manter a ordem vigente. A filó-
tras pessoas, por exemplo. sofa explicava que a política era feita por pessoas
Assim, é preciso que se indague também qual a mais velhas, que já se acreditavam educadas, sem
finalidade da educação escolar institucionalizada. que houvesse lugar para os jovens, que poderiam
Isso implica questionar a maneira como a escola contribuir para que novas maneiras de pensar e de
forma seus estudantes. Forma pessoas críticas ou fazer política fossem apresentadas e pensadas.
conformadas com a sociedade? Forma pessoas Toda e qualquer ideia, comportamento ou
134 que conseguem enxergar e mudar os processos de modo de expressão da juventude eram vistos como
dominação das classes trabalhadoras pelas elites? “rebeldia” e “inconsequência”, de forma que tudo
Para pensar (e agir) sobre essas questões, é preciso o que vinha dos jovens era desqualificado.
reconhecer a educação e a escola como um meio Nesse sentido, os mais velhos não se compro-
de questionar o status quo, a ordem vigente, e de metiam com a educação das gerações mais jo-
construir, em conjunto com outras pessoas, outros vens, que eram vistas como ameaça e não como
modos de ser, reconhecendo umas às outras, e possibilidade de mudança e de novos jeitos de
maneiras de se relacionar. pensar, instaurando uma crise.
Nesse sentido, a educação se constitui não
apenas como um meio de obter um bom trabalho, Segundo Arendt:
com bom salário, para consumir tudo aquilo que se
deseja, mas um direito, de todas as pessoas, como
um meio de viver em sociedade, pacificamente e Sempre que, em questões políticas, o são
com dignidade. juízo humano fracassa [...] nos deparamos com
uma crise; pois essa espécie de juízo é, na reali-
Entendendo a crise da educação: educar é as- dade, aquele senso comum em virtude do qual
sumir responsabilidade nós [...] nos movemos. [...] Em toda crise, é des-
truída uma parte do mundo, alguma coisa co-
Hannah Arendt escreveu, em 1958, um texto mum a todos nós.
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São
que procurava analisar a crise na educação esta-
Paulo: Perspectiva, 2007, p. 227bre a banalidade do
dunidense durante a década de 1950. Chamado
mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 33.
Crise na educação, ele foi publicado no livro inti-
tulado Entre o passado e o futuro, junto com outros
escritos da autora. O que a pensadora apontou é que uma crise
Você é convidado a refletir sobre algumas pas- desconstrói aquilo que se compartilhava como cul-
sagens desse texto, observando principalmente a tura comum, estabelecendo uma não diferencia-
atualidade dessas ideias e como elas podem aju- ção entre os indivíduos e levando-os a estranhar,
dar a compreender a educação, no contexto his- temer e desconfiar daqueles com quem, juntos, de-
tórico e social brasileiro. Arendt debateu a função veriam construir a sociedade que compartilham e
da educação tradicional, escolarizada, e como na qual habitam.
ela afeta aquilo que se identifica como “o novo”. Com base nisso, analisar essa crise na educa-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
ção é ler suas incongruências, perceber quais con- investido do poder e autoridade referentes à
tradições colaboram para tais situações. disciplina que ministra, ele próprio perderia a
O modelo de escolarização estadunidense necessidade de aprimorar seus conhecimen-
analisado por Arendt dispunha de muitas ferramen- tos, baseando sua atividade educacional
tas para fazer que a desigualdade socioeconômi- muito mais na autoridade que já lhe é de an-
ca fosse vista como algo “natural”. Por exemplo, a temão dada do que no exercício de desco-
adoção do uso de uniformes escolares determina- berta e aprendizagem em conjunto com seus
va que os estudantes deveriam trajar roupas espe- estudantes;
cíficas em seu cotidiano escolar e a submissão dos • uma possível estratégia para a superação dos
estudantes a provas e testes avaliativos determina- efeitos dessa crise, já que só seria possível co-
va sua aprovação ou reprovação. nhecer, saber, aprender sobre determinada
Essas eram formas de “esconder” as desigual- coisa fazendo essa coisa. Então, na medida
dades, porque, pelo uso do uniforme, aparente-
do possível, incentivar a substituição do apren-
mente, todos são “iguais”. No caso da avaliação,
dizado pelo fazer seria premente na educa-
o fato de um estudante ter uma nota alta ou bai-
ção, conforme afirmou Arendt:
xa passaria a ser responsabilidade exclusiva dessa
pessoa, como se os fatores econômicos não inci-
dissem sobre o acesso de um estudante a livros e [...] de tal modo que ele não transmitisse,
jornais, que poderiam favorecer a aquisição de co- como se dizia, “conhecimento petrificado”,
nhecimento, por exemplo. mas, ao invés disso, demonstrasse constante-
Assim, o desempenho escolar seria fruto exclusi- mente como o saber é produzido.
vo do mérito individual de cada um, deixando para ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São
trás questões econômicas que também estão en- Paulo: Perspectiva, 2007, p. 232.
volvidas no processo de educação. Naquele mo-
mento, se alguém não tivesse bom desempenho
Diante do apresentado, a pensadora sugeriu
nas provas porque não tinha dinheiro para com-
refletir sobre o papel do educador. Trata-se de pro-
prar os livros, isso não ficava evidente.
por posturas de autoridade que cada educador
A “culpa” pela nota “ruim” era única e exclu-
poderá desempenhar em sala de aula, ou seja,
siva do estudante e de sua família, que não podia
um posicionamento que justifique sua autoridade
comprar os materiais, por “não terem se esforçado
e não que se sustente em uma autoridade a priori,
o suficiente”. Com o tempo, os estudantes que não
baseada na própria formação do professor ou em
tinham bom desempenho eram rotulados como
seu cargo como “mestre do saber”.
aqueles que não tinham “inclinação natural” para 135
Sua autoridade não deve ser em decorrência
os estudos.
apenas de uma qualificação, medida pelo quan-
Ainda sobre a tendência de tornar as desigual-
to o professor “possui” de conhecimento, e sim por
dades naturais, a autora ressalta que:
meio da reflexão que pode fazer acerca daquilo
que ensina, ou seja, a responsabilidade do conhe-
[...] o que torna a crise educacional [...] cimento que ele entrega:
tão particularmente aguda é o temperamento
político do país, que espontaneamente peleja Qualquer pessoa que se recuse a assumir a
para igualar ou apagar tanto quanto possível responsabilidade coletiva pelo mundo não de-
as diferenças entre jovens e velhos, entre dota- veria ter crianças, e é preciso proibi-la de tomar
dos e pouco dotados, entre crianças e adultos parte em sua educação.
e, particularmente, entre alunos e professores. ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Paulo: Perspectiva, 2007, p. 239.
Perspectiva, 2007, p. 229
THEODOR ADORNO: EDUCAR PARA EVITAR O MAL ção desenvolve o que é anticivilizatório, ou seja,
contra a própria civilização. Pode-se perceber a
concretização dessa teoria no genocídio e nas
A exigência que Auschwitz não se repita é a bombas atômicas, pois milhões de pessoas são as-
primeira de todas para a educação. sassinadas de forma planejada no seio da própria
ADORNO, T. W. Educação após Auschwitz. In: Edu- civilização.
cação e emancipação. Tradução: Wolfgang Leo Maar. É importante perceber que as bombas atômi-
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 119. cas lançadas pelos Estados Unidos sobre o Japão
ilustram que o anticivilizatório também se desenvol-
Assim começa o texto Educação após Ausch- veu naqueles que lutavam contra o nazifascismo
witz (1965), de Theodor Adorno. Essa frase já reve- (era o caso dos Estados Unidos).
la a principal preocupação do filósofo no que diz Ao mesmo tempo que a sociedade se relacio-
respeito à educação: uma educação após as tra- na de modo racional com o desenvolvimento e
gédias da 2a Guerra Mundial deve ser uma educa- com a descoberta de novas tecnologias, também
ção engajada na obrigação de evitar a repetição tende à irracionalidade na aplicação de muitos
daqueles horrores, como o campo de Auschwitz. desses instrumentos – como foi o caso da bomba
O texto faz uma reflexão sobre a educação em atômica.
um contexto bastante preciso. Logo no início, Ador- É por isso que Adorno diz que há algo de de-
no forneceu o ponto no qual se buscou centrar, sesperador na capacidade racional do pensamen-
afirmando que é no estado de consciência e de to que se concretiza, por exemplo, no assassinato
inconsciência das pessoas que reside a possibilida- planejado de centenas de milhares de pessoas. A
de de repetição da barbárie do Holocausto. Para o consciência do que o ser humano é capaz de fazer
filósofo, a consciência e a inconsciência referem-se é fundamental para que se decida (não) fazer.
à reflexão do sujeito, a quanto ele conhece de si, Assim, a educação deve ser direcionada à au-
seus motivos, potencialidades, limitações. torreflexão crítica, ou seja, deve contribuir para que
Adorno também oferece outros elementos as pessoas sejam capazes de pensar a respeito das
para procurar pelas condições que possibilitaram a próprias atitudes, dos próprios pensamentos, dos
ocorrência de Auschwitz, que, por ter sido o maior juízos que são feitos sobre o outro. Essa seria uma
dos campos de extermínio, tornou-se referência ge- forma de trabalhar, conscientemente, com os mo-
neralizante aos campos de extermínio e suas práti- tivos que mobilizam as pessoas à intolerância, à
cas, condições bárbaras e desumanas que, portan- violência, à tortura e ao assassinato; portanto, seria
to, não podem persistir. Se determinados elementos essa uma educação que conhece suas potenciali-
136 possibilitaram aquelas ocorrências, esses elementos dades e também seus limites.
devem ser extintos; caso sua presença se mante- A educação após Auschwitz deveria se preo-
nha, a possibilidade de repetição daqueles males cupar com a formação do indivíduo, conduzindo-o
permanece. a pensar sobre si mesmo, sobre seus pensamentos,
É por isso que, para Adorno, é necessário conti- sentimentos e ações em relação a si e aos outros.
nuar falando sobre o assunto porque as condições Dessa forma, os seres humanos não seriam facil-
que possibilitam a ocorrência de Auschwitz ainda mente convencidos a integrar uma massa de pes-
existem. E é também por isso que você é convida- soas resolvidas a destruir, eliminar ou dominar outras
do a ler um texto escrito há mais de 50 anos e que, pessoas, que seriam reconhecidas como outro ser
mesmo assim, permanece atual. Isso porque, para humano, acima de qualquer diferença que possa
entender o que levou tais atrocidades a aconte- colocar as pessoas em lugares, opiniões ou ideias
cerem, é preciso, primeiro, entender como tudo opostas ou divergentes.
surgiu, para que, dessa forma, seja possível estar Ainda que não valorizassem essa particularida-
consciente de que tipo de ideias e atitudes podem de do outro, poderiam resistir aos sedutores apelos
levar a situações tão desumanas. de participação do coletivo intolerante (disposta a
dominar, julgar, destruir ou eliminar), pois não se iria
querer participar de uma atrocidade apenas para
É preciso reconhecer os mecanismos que fazer valer as ideias, pensamentos e convicções do
tornam as pessoas capazes de cometer tais seu grupo.
atos [perseguir e assassinar], é preciso revelar O filósofo problematizou aspectos que são va-
tais mecanismos a eles próprios [aos que per- lorizados pela educação tradicional, como a se-
seguiram e assassinaram], procurando impedir veridade, a disciplina, a força, a capacidade de
que se tornem novamente capazes de tais atos, resistir à dor. Ele argumenta que em tais aspectos se
na medida em que se desperta uma consciên- esconderiam potenciais para infligir sofrimento ao
cia geral acerca desses mecanismos. outro, como a vingança.
ADORNO, T. W. Educação após Auschwitz. In: Edu-
cação e emancipação. Tradução: Wolfgang Leo Maar. Disse Adorno:
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 121
O elogiado objetivo de “ser duro” de uma Levando isso em consideração, qual das
tal educação significa indiferença contra a dor respostas abaixo é a correta?
em geral. [...] Quem é severo consigo mesmo a) O senso comum corresponde à populari-
adquire o direito de ser severo também com os zação e à massificação das descobertas cientí-
outros, vingando-se da dor cujas manifestações ficas após uma ampla divulgação.
precisou ocultar e reprimir. Tanto é necessário b) O senso comum corresponde aos conhe-
tornar consciente esse mecanismo quanto se cimentos produzidos individualmente e que ain-
impõe a promoção de uma educação que da não passaram por uma validação científica.
não premia a dor e a capacidade de suportá- c) O senso comum pode ser considerado
-la [...]. Dito de outro modo: a educação preci- um sinônimo da ignorância da população e
sa levar a sério o que já de há muito é do co- uma justificativa para o atraso econômico.
nhecimento da filosofia: que o medo não deve d) O senso comum corresponde a um co-
ser reprimido. nhecimento não científico utilizado como solu-
ADORNO, T. W. Educação após Auschwitz. In. Edu- ção para os problemas cotidianos, geralmente
cação e emancipação. Tradução: Wolfgang Leo Maar. ele é pouco elaborado e sem um conhecimen-
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 128-129. to profundo.
e) O senso comum e o conhecimento cien-
tífico correspondem a duas formas de entendi-
Assim, ele apontou para a importância da edu- mento excludentes e possuidoras de fronteiras
cação na primeira infância, uma educação que intransponíveis.
não estimulasse a falta de medo. Ou seja, diante Universidade Estadual do Oeste do Paraná
de uma realidade como aquela em que ele vivia (UniOeste), 2011.
(ou como a que você vive hoje?), é completamen-
te compreensível que se sinta medo, pois é uma si- 02.
tuação, de fato, assustadora. “– O que significa exatamente essa expres-
Ainda é importante ressaltar que Adorno, o são antiquada: ‘virtude’? – perguntou Sebas-
mesmo filósofo que criticou a atuação dos meios tião.
de comunicação de massa, refletiu sobre as possi- – No sentido filosófico, compreende-se por
bilidades positivas desses meios, como transmissões virtude aquela atitude de, na ação, deixar-se
esclarecedoras pela televisão sobre as causas da guiar pelo bem próprio ou pelo bem alheio – es-
intolerância, firme na convicção de que, se esses clareceu o senhor Barros.
motivos forem conscientes, as pessoas teriam mais – O bem alheio? – perguntou Sebastião.
possibilidades de resistir aos apelos coletivos de in- 137
– Sim – disse o senhor Barros. – É verdade
citação da violência. que a coragem e a moderação são virtudes,
Finalmente, a educação após Auschwitz é um em primeiro lugar, para consigo mesmo, mas
modelo de educação que visa à formação da au- também há outras virtudes, como a benevolên-
tonomia, isto é, o desenvolvimento do sujeito que cia, a justiça e a seriedade ou confiabilidade,
não depende apenas das ordens de outras pes- ou seja, a qualidade de ser confiável, que são
soas, mas que é capaz de refletir. disposições orientadas para o bem dos outros.”
Coerente com seus dizeres, Adorno foi lúcido TUGENDHAT, Ernst; VICUÑA, Ana Maria; LÓPES, Celso.
em relação às causas da intolerância em geral e O livro de Manuel e Camila: diálogos sobre moral. Trad.
do antissemitismo em particular, sabendo que por de Suzana Albornoz. Goiânia: Ed. da UFG, 2002. p. 142.
trás disso há pressupostos sociais e políticos. Desse
modo, ele seguiu mirando aquilo que a educação Com base no texto, é correto afirmar:
poderia fazer, ao problematizar esses pressupostos, a) As ações virtuosas são reguladas por leis
discuti-los e torná-los mais nítidos. positivas, determinadas pelo direito, indepen-
Ainda que não se trate de evitar todas as cau- dentemente de um princípio de bem moral.
sas, a educação após Auschwitz seria a educação b) A virtude limita-se às ações que envol-
para a conscientização daquilo que o ser humano vem outras pessoas; em relação a si próprio a
é capaz de fazer. ação é independente de um princípio de bem.
c) A ação virtuosa é orientada por princí-
1. DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS pios externos que determinam a qualidade da
ação.
01. Os discursos ou as teorias científicas são d) Ser virtuoso significa guiar suas ações por
desenvolvidos através de um conjunto de técni- um bem, que pode ser tanto em relação a si
cas e de experimentos no intuído de compreen- próprio quanto em relação aos outros.
der ou resolver um problema anteriormente e) As virtudes são disposições desvinculadas
apresentado. As Ciências Sociais, por exemplo, de qualquer orientação, seja para o bem, seja
possui entre as suas diferentes missões o objetivo para o mal.
Universidade Estadual de Londrina (UEL), 2004
de investigar os problemas sociais que vivencia-
mos durante o nosso cotidiano.
03. De acordo com a teoria de Marx, a desi-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
cadas pelos caminhos adotados pelo capitalismo, comportamento por parte da sociedade reflete-se
principalmente em relação ao que acontecia no nas oportunidades de emprego e nas condições
mundo do trabalho. Um dos conceitos utilizados de vida na atualidade.
com mais intensidade por esse autor para explicar Contudo, adotou-se um padrão comportamen-
como essas desigualdades eram construídas foi o tal, por parte significativa da população brasileira,
de classe social. que tenta esconder o preconceito. Pergunte a um
Resumindo, pode-se dizer que Marx entendia vizinho ou a um amigo se ele se considera precon-
que as classes sociais eram segmentos da popula- ceituoso em relação, por exemplo, aos negros ou
ção que se formavam por causa de desigualdades às mulheres. A resposta que a sociedade espera,
sociais, de algum conflito de interesse. Segundo e que provavelmente será dada, é sempre “não”.
Marx, existiam basicamente duas classes. Mas, em geral, na prática isso não se concretiza.
De um lado, os operários, trabalhadores, tam-
bém denominados proletariado, que, naquele DESIGUALDADE DE GÊNERO
contexto de transformação do mundo do traba-
lho, possuíam apenas sua própria força de trabalho É comum ouvir diariamente que a sociedade é
para vender, ou seja, vendiam aquilo que sabiam machista, que as mulheres são sempre as que cui-
fazer e eram pagos por isso. dam da casa, dos filhos, dos enfermos etc. Desde a
De outro, em oposição aos trabalhadores, esta- Grécia Antiga era negada a participação das mu-
vam aqueles que possuíam os meios de produção lheres na sociedade.
e que, portanto, tinham as condições necessárias Essa situação foi combatida por mulheres de
para poder comprar a força de trabalho dos de- todo o mundo que exigiam o direito ao voto. Foi na
mais indivíduos; estes seriam os capitalistas, que Nova Zelândia, em 1893, que se registrou a primeira
compunham a burguesia. Assim, no pensamento conquista das mulheres para votarem. No Brasil, fo-
de Marx, a estrutura do modo de produção capi- ram muitas lutas até a obtenção legal desse direito.
talista produz duas classes principais, a burguesia Foi somente em 1932 que o então presidente Ge-
e o proletariado, que possuem interesses opostos, túlio Vargas, pelo Decreto no 21.076, apontou que
portanto entram permanentemente em conflito, todos os cidadãos acima de 21 anos e indepen-
compondo o que ele denominou luta de classes. dentemente do sexo teriam direito ao voto.
Embora tenha exposto o conflito entre duas Contudo, às pessoas acima de 60 anos e às
classes fundamentais, que estariam em permanen- mulheres, o voto era facultativo. Em relação ao tra-
te oposição, Marx não descartou a existência de balho, também não foi diferente para as mulheres.
outras classes. Em algumas obras se refere a classes Apesar de as mulheres pobres sempre terem traba-
140 intermediárias, como a classe média, identifican- lhado para garantir sua sobrevivência e a da famí-
do-as como pequenos comerciantes, pequenos fa- lia, isso não era bem-visto pela sociedade.
bricantes, artesãos etc. É importante compreender Nos anos 1930, os julgamentos morais afetavam
que, para o pensamento marxista, essa estrutura de diretamente as mulheres – às quais era destinada a
sociedade está diretamente ligada à forma como vida doméstica, enquanto aos homens, a vida pú-
a sociedade capitalista organiza seu processo de blica. Para que elas pudessem exercer algum tipo
produção, seu modo de produção. de atividade pública, era preciso a permissão dos
Por isso, para o filósofo, a divisão entre a clas- maridos, pais ou irmãos.
se dominante (burguesia) e a classe trabalhadora
(proletariado) é resultado das relações estabe- VIOLÊNCIA
lecidas pelo modo de produção capitalista, cujo
objetivo é explorar o trabalho, produzir mercado- A violência na formação do Estado brasileiro
rias, comercializá-las e obter lucro. Nesse sentido,
é diferente das relações sociais estabelecidas por A violência não é algo exclusivo do mundo
outros modos de produção, em outros momentos contemporâneo. Trata-se de uma prática antiga,
históricos – como a escravidão, por exemplo, modo presente nas mais diversas sociedades e concreti-
de produção que tinha outras características, e a zada de diferentes formas. O que se entende por
relação de dominação e sujeição vigorava entre violência também está intimamente ligado às prá-
senhores e escravos. ticas e às relações desenvolvidas por diferentes
sociedades, em distintos momentos históricos, fruto
DESIGUALDADE RACIAL da conjugação de aspectos sociais, econômicos e
políticos.
Foi possível compreender até aqui que os mais Um exemplo é o da prática violenta de açoi-
ricos detêm maior poder econômico e, portanto, tar os negros escravizados no tronco, considerada
têm acesso aos bens culturais e à educação de socialmente aceitável no período da escravidão
qualidade. Algumas vezes, já são herdeiros de pro- no Brasil. Naquela época, os senhores de escravos
priedades, de meios de produção e, portanto, po- tinham legitimidade, dada sua condição de “do-
dem viver da exploração do trabalho de outros. nos”, para usar a violência física como forma de
Tal constatação se desdobra em diversos tipos punição.
de desigualdade. Em nosso passado escravocrata, Mas pode-se falar também do período me-
criou-se e alimentou-se o preconceito racial. Esse dieval, época em que predominavam sangrentas
Ciências Humanas e suas Tecnologias
É possível encaminhar, então, a análise na se- O que ler na ciência social brasileira (1970-
guinte direção: a violência vivenciada atualmente 1995). São Paulo: Sumaré/Anpocs, 1999, v. 1, p. 28.
em nossas cidades, presente em todos os Estados Essa definição auxilia na reflexão sobre o tema. Na
brasileiros, não é apenas uma questão circunstan- sequência, há informações para que você possa
cial e, portanto, não é conveniente tratá-la como compreender três possíveis expressões da violência
resultado imediato ou fruto somente dos problemas – a física, a psicológica e a simbólica –, discutindo
sociais da vida moderna. algumas de suas formas de manifestação em nossa
Ao contrário, ao relacionar os temas desigual- sociedade. Em primeiro lugar, para compreender o
dade e violência, pode-se perceber que essas que seja violência física e psicológica, você encon-
questões foram construídas e sedimentadas duran- tra no quadro a seguir as principais características
te a formação da nação brasileira. Assim, o próprio de cada uma.
contexto social de desigualdades que vivenciamos
pode ser, por si só, considerado uma forma de vio-
lência.
A violência simbólica se impõe não porque usa a Brasil durante os anos 1970, em especial pela Igreja
violência física ou psicológica, mas pelo fato de ter Católica entre os adeptos da Teologia da Liberta-
meios para convencer as pessoas de que determi- ção, uma corrente do catolicismo situada à esquer-
nado grupo ou cultura é inferior a outro(a) e que a da na política e que luta contra as injustiças sociais.
relação de dominação precisa ser mantida para o 2. Sociedade de massas (entre os anos 1940 e
bem da ordem social. 1950) – corrente cujo principal expoente foi Erich
Para Bourdieu, um dos principais meios para a Fromm (1900-1980), psicanalista, filósofo e sociólogo
ação da violência simbólica é a escola. Em suas alemão, que compreendia que as manifestações
palavras: coletivas são fruto de profundo descontentamento
da população. A ponderação que faz, contudo, é
sobre o comportamento que surge nos movimentos
[...] o sistema escolar cumpre uma função
de massa que, para ele, são heroicos ou violentos.
de legitimação cada vez mais necessária à
Tanto o heroísmo como a violência são resultado
perpetuação da “ordem social” uma vez que a
da perda do uso da razão.
evolução das relações de força entre as classes
3. Sociopolítica (anos 1950) – representada
tende a excluir de modo mais completo a im-
principalmente pelo sociólogo alemão Rudolf He-
posição de uma hierarquia fundada na afirma-
berle (1896-1991), que, atuando nos Estados Unidos,
ção bruta e brutal das relações de força.
construiu sua teoria sobre os movimentos sociais,
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas.
mas restrita aos relacionados à classe operária. Na
São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 311.
compreensão sociopolítica (aquela que articula as
questões sociais e as políticas), os movimentos so-
O QUE SÃO MOVIMENTOS SOCIAIS? ciais surgem do descontentamento individual.
4. Funcionalista (anos 1950) – liderada pelo
Movimentos sociais podem ser compreendidos sociólogo Talcott Parsons (1902-1979), adepto do
como as ações, de caráter coletivo, que reivindi- funcionalismo, centrou suas análises na função
cam direitos para a população ou para segmentos exercida pelos indivíduos na sociedade. Nessa cor-
dela, como trabalhadores, mulheres, negros, LGBTs rente, os movimentos sociais são compreendidos
etc. como algo que surge quando os costumes que até
O sociólogo francês Alain Touraine (1925-) con- então eram suficientes para explicar a realidade
sidera que o avanço da industrialização propiciou tornam-se ultrapassados e geram inquietação na
a consolidação do movimento operário e, com população ou em parte dela. Tal percepção se ali-
base nele, outros novos foram organizados, como nha ao pensamento de Émile Durkheim, à medida
o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que, para os adeptos dessa linha de pensamento, 145
o Movimento Negro, o movimento feminista, entre a ordem social deve existir de modo permanente e
outros. qualquer sinal que procure romper com essa ordem
social deve ser rapidamente controlado. Observe
que nessa corrente não se estabelece relação en-
tre o social e o político, predominando apenas o
conformismo e o pensamento acrítico em relação
à ideia do papel que cada um assume na socie-
dade.
#FICADICA
Funcionalismo
Corrente que compreende que
cada um exerce determinado papel
na sociedade, com vistas a alcançar al-
gum tipo de equilíbrio.
Algumas correntes teóricas buscaram com- Alain Touraine trouxe, nos anos 1970, importante
preender melhor os movimentos sociais: contribuição à Sociologia ao discutir os movimen-
tos sociais. Para ele, um movimento social se cons-
1. Escola de Chicago (final dos anos 1940) – de- titui quando:
senvolveu a ideia de que os movimentos sociais
exercem papel educativo na população, pois é a Há algum elemento comum que interligue
participação que colabora de forma decisiva na os participantes, além da identificação de um
constituição da consciência política. Essa linha de opositor idêntico a todos os participantes.
pensamento influenciou a noção de formação de
líderes para atuarem nos movimentos, os quais te-
riam a função de organizar as massas de modo a Por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores
elevar o patamar de vida da população mais ca- Sem Terra:
rente. Essa concepção foi bastante difundida no
Ciências Humanas e suas Tecnologias
• elemento comum que os une: desejo de im- 1883) foi um dos pensadores que contribuiu de for-
plantar a reforma agrária e distribuição de ter- ma efetiva para as reflexões sobre o trabalho no
ras improdutivas; sistema capitalista. No livro O capital (1867), Marx
• opositor: proprietários de terras improdutivas e afirma que, quando o ser humano transforma a na-
governos que mantêm as políticas que favore- tureza, ao mesmo tempo modifica a si próprio. Mas
cem esses proprietários. como seria esse processo de transformação do ho-
mem pelo trabalho? Leia o exemplo a seguir, que
Algumas conclusões: pode ajudá-lo nessa reflexão.
Imagine-se fazendo uma mesa com uma tora
• a organização da população em movimentos de madeira para seu uso pessoal. O que você sen-
sociais é o despertar da consciência de seu tiria ao contemplar o objeto que produziu? Prova-
papel como sujeito das transformações políti- velmente, ficaria satisfeito com sua produção. Para
cas e sociais; fazer a mesa, você precisou: pensar no que faria
• os movimentos sociais não estão desvincula- (planejar), cortar, lixar a madeira, montar a mesa,
dos das questões relativas às classes sociais, pintar...
Nesse momento, você também se modificou,
pois são, frequentemente, expressões das de-
pois descobriu, por exemplo, uma forma mais prá-
sigualdades de toda sorte produzidas no con-
tica para cortar a madeira, percebeu que pode
texto do sistema capitalista.
trabalhar com pintura em madeira, já que o que
fez ficou muito bom, e principalmente se deu conta
Mas como esses movimentos se expressam na
de que planejar foi importante para obter um bom
sociedade brasileira? Esse é o assunto da próxima
resultado.
atividade.
E se você fosse transformar a terra para produzir
alimento? Seria preciso conhecer a terra e a neces-
O QUE É TRABALHO?
sidade de adubação, a melhor maneira de arar,
reconhecer as sementes ou mudas, a quantidade
Natureza e trabalho
ideal de água e de luz do Sol para a planta crescer,
o tempo de podar (ou não) e como podar para a
Pode-se definir o trabalho como um processo
muda continuar viva e produtiva.
de transformação da natureza. Assim, por meio do
Também seria preciso saber a época do ano
trabalho:
mais adequada para o plantio ou a colheita, e
como reproduzir as sementes e as mudas.
146 O trabalho no modo de produção capitalista
A Sociologia foi compreendida como ciência em
um momento de grandes transformações da socie-
dade.
Essas mudanças podem ser observadas con-
siderando-se aspectos variados, mas as questões
relacionadas ao mundo do trabalho são um dos
principais focos de estudo da Sociologia. Se ao
analisar o conceito de trabalho é possível pensar
que ele é um fenômeno associado à relação ho-
mem/natureza, ao analisar o trabalho no contex-
to das mudanças ocorridas nas sociedades com
a consolidação do modo de produção capitalis-
ta, outras indagações se colocam, especialmente
para a análise sociológica do trabalho: além de ser
um modo pelo qual os homens se relacionam com
a natureza e a transformam, o trabalho modificou-
-se até chegar à forma que adquiriu na sociedade
capitalista.
Para Marx, o trabalho no capitalismo passou a
ser o que ele denomina de trabalho produtivo, ou
seja, aquele trabalho que produz mais-valia.
Outra característica central do processo de
produção capitalista é a produção de mercado-
rias. Atente para o fato de que, no sistema capi-
talista, o próprio trabalho se torna uma mercado-
ria, na medida em que os trabalhadores passam a
vender sua força de trabalho, aquilo que sabem ou
Esses são alguns exemplos da ação do ser hu-
que se dispõem a fazer. Acompanhe o raciocínio:
mano alterando a natureza em benefício próprio.
como os trabalhadores não são proprietários dos
Essa ação é denominada trabalho.
meios de produção, a alternativa que têm para so-
Como você já estudou em, Karl Marx (1818-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Algumas empresas pagam parte do custo men- Entre as pessoas que trabalham dessa forma
sal desse seguro, ficando a outra parte por conta estão os pedreiros, eletricistas, diaristas, cuidadores
do funcionário. Além disso, podem ser desconta- de crianças ou de idosos e vendedores porta a por-
das do salário algumas taxas referentes a benefí- ta (como os de cosméticos e outros produtos).
cios que a empresa ofereça, como vale-transporte, O trabalho por conta própria, também cha-
vale-alimentação, vale-refeição etc. Embora esses mado trabalho autônomo, foi bastante estimula-
benefícios, como o próprio nome diz, tenham de do pelas políticas públicas quando o desemprego
ser pagos pelo empregador, é comum o funcioná- cresceu e a situação econômica do País levou as
rio ter parte dessa contribuição descontada de seu empresas, de forma geral, a demitir e a diminuir o
salário. número de postos de trabalho como forma de re-
dução de custos, para fazer frente à forte concor-
rência que se estabeleceu no mundo.
PEC das Domésticas Foi uma crise de emprego deflagrada nos anos
1970, em função da crise do petróleo, e agravada
Foi aprovada, em março de 2013, uma até os anos 1990. Nesse período, houve uma mu-
nova proposta de regulamentação do trabalho dança profunda no que se chama “base técnica
doméstico. Conhecida como PEC das Domésti- do trabalho”, que passou a ser a microeletrônica.
cas, é considerada um avanço e uma conquis- Para melhor compreender o significado dessa si-
ta para esses trabalhadores, em sua esmaga- tuação, pense no surgimento dos computadores.
dora maioria composta por mulheres. Como eram realizados alguns trabalhos antes
A nova lei definiu algumas mudanças que e depois dessa nova tecnologia? Pense em como
entraram em vigor a partir da data de sua apro- uma carta, um documento, um jornal ou revista de-
vação, enquanto outras dependem de novas morava a chegar a um país localizado em outro
regulamentações. As alterações que estão em continente. A correspondência entre as empresas
vigência desde o início de 2013 são as seguin- e as transações financeiras também eram mui-
tes: “[...] Salário mínimo fixado em lei, nacional- to demoradas antes do desenvolvimento da mi-
mente unificado; a irredutibilidade salarial, salvo croeletrônica e da comunicação em rede.
o disposto em Acordo ou Convenção Coletiva Essas transformações alteraram a produção
de Trabalho; a licença à gestante de 120 dias; de mercadorias e a vida cotidiana dos trabalha-
a proteção do salário na forma da lei, consti- dores. Atualmente, existe um esforço considerável
tuindo crime sua retenção dolosa; 13o salário por parte do governo brasileiro para que os autô-
com base na remuneração integral ou no valor nomos se formalizem. Formalizar-se quer dizer que,
da aposentadoria; jornada de trabalho de 44 mesmo trabalhando por conta própria, o trabalha-
148 horas semanais e não superior a oito horas diá- dor autônomo tem o seu registro como contribuinte
rias; o direito ao repouso semanal remunerado, da Previdência Social e alguns dos seus direitos são
preferencialmente aos domingos; hora extra; garantidos, como aposentadoria, auxílio-doença e
férias anuais remuneradas com direito a ¹∕3 do auxílio-acidente, da mesma forma que os empre-
salário; [...] licença-paternidade de cinco dias; gados com carteira assinada.
aviso-prévio; redução dos riscos inerentes ao Um dos principais programas do governo para
trabalho; aposentadoria e integração à Previ- esse fim é o do Microempreendedor Individual
dência Social; reconhecimento de convenções (MEI), por meio do qual os trabalhadores autôno-
e acordos coletivos de trabalho; proibição de mos podem se formalizar de maneira bastante sim-
diferença de salários por motivo de sexo, idade, ples e pagando uma taxa fixa por mês, a título de
cor ou estado civil; proibição de qualquer discri- impostos.
minação no tocante a salário e de critérios de
admissão do trabalhador portador de deficiên- A terceirização
cia; proibição de trabalho noturno, perigoso ou
insalubre a menores de 18 anos e de qualquer Outra forma de trabalho em que os trabalhado-
trabalho a menores de 16 anos, salvo na condi- res têm perdido seus direitos surgiu há alguns anos e
ção de aprendiz, a partir de 14 anos”. ganhou força especialmente nas últimas décadas.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego.
Trata- -se da terceirização, na qual o trabalho pode
ser formal, mas há perda significativa de direitos.
Trabalho por conta própria Por exemplo: o caso dos bancários. Essa catego-
ria profissional, graças à ação dos sindicatos e da
Existe ainda outra situação de trabalho bastan- organização de trabalhadores, conquistou direitos
te comum: aquele realizado por “conta própria”. que vão além dos que constam na CLT.
Muitas pessoas conseguem gerar renda trabalhan- Entre eles estão os valores do vale-refeição, se-
do por conta própria, em funções para as quais guro- -saúde, piso salarial etc. Por isso, os bancos,
se qualificaram ou, por vezes, justamente por não principalmente a partir da década de 1990, pas-
terem alguma qualificação que permita a entrada saram a terceirizar serviços e demitir os trabalha-
no mercado de trabalho. Esse é um cenário muito dores. Você deve estar pensando: mas alguém vai
comum na área de prestação de serviços e no co- continuar fazendo o mesmo serviço? Sim, vai. No
mércio. entanto, as empresas que passam a prestar servi-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Desde a Grécia Antiga, por exemplo, em Ate- As mulheres, portanto, assumiram postos de
nas, berço da democracia, as mulheres não faziam trabalho e comprovaram que sua capacidade ia
parte da ágora. No mundo contemporâneo, o di- além das tarefas domésticas. Esse fato foi importan-
reito ao voto feminino foi resultado de muitas lutas te para o desenvolvimento do trabalho feminino,
em vários países do mundo e também não foi dife- contudo deve-se reconhecer que a história trouxe
rente em relação à sua participação no mercado desdobramentos observados até hoje.
de trabalho. Na Sociologia, analisa-se a participa- A diferenciação de papéis entre os sexos acar-
ção da mulher na sociedade sob vários ângulos retou uma atribuição de valor e de reconhecimen-
que não somente o do trabalho. to social ao trabalho realizado pelas mulheres mui-
Como e por que, historicamente, as mulheres to distinta em relação ao trabalho praticado pelos
e os homens foram se responsabilizando por dife- homens. É papel da Sociologia “desnaturalizar” os
rentes atividades no interior das sociedades? Aos fenômenos sociais. E isso acontece também em re-
homens caberia prover a família em termos finan- lação à participação da mulher na sociedade e no
ceiros; e à mulher seria destinado o papel de cuidar mundo do trabalho. 149
da família, dos filhos, dos que ficam doentes e de
todas as demais tarefas domésticas. Desnaturalizando o trabalho feminino: a “dona
Essa forma de pensar alimentou a ideia de que de casa” trabalha?
haveria um “destino biológico” que deixava uma
herança: aos homens, o espaço público, a vida Você também deve ter percebido que há ain-
produtiva; e às mulheres, o espaço privado e a da muitas diferenciações entre o papel do homem
vida reprodutiva. Isso tudo trouxe também a ideia e o da mulher na sociedade. Estas estão presentes
da não participação das mulheres nos espaços pú- tanto nas famílias como nas empresas.
blicos, pois elas deveriam se dedicar inteiramente Não há, frequentemente, igualdade na atribui-
ao ambiente familiar. ção de tarefas domésticas entre homens e mulhe-
Veja alguns aspectos que marcam essa traje- res, ficando a casa, os filhos, os doentes e os idosos
tória. sob a responsabilidade das mulheres. É importante
A ideia de o espaço doméstico ser feminino era refletir sobre a relação entre ser mulher e a posição
acompanhada pela alegação de incapacidade que cabe a ela na família e nas empresas. O traba-
das mulheres para o desempenho na vida produ- lho realizado no espaço privado, ou seja, nos lares,
tiva. muitas vezes não é reconhecido e acaba sendo
Assim, a sociedade não via com bons olhos uma sobrecarga de atividade para as mulheres,
uma mulher exercendo algumas atividades profis- em especial para aquelas que acumulam trabalho
sionais. Mas, ao longo da história, houve uma forte remunerado e funções no espaço doméstico.
contradição: no momento da 2a Guerra Mundial, Essa situação está, pouco a pouco, sendo alte-
os homens das nações envolvidas no conflito fo- rada, e são exemplos disso a entrada maciça das
ram alistados para servir ao país e seguiram para o mulheres no mercado de trabalho e o aumento do
combate. Porém, a indústria bélica necessitava se nível de escolaridade delas, que hoje já é maior
desenvolver e continuar produzindo armas e muni- que o dos homens. Mas ainda é fundamental uma
ções para atender esse conflito. conscientização da sociedade sobre a equivalên-
Se os homens, antes trabalhadores, estavam cia de papéis entre homens e mulheres, em função
em campo de guerra, quem poderia trabalhar nes- de muitas desigualdades que ainda persistem.
sa indústria? As mulheres.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
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ANOTAÇÕES
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Hora de Praticar
Hora de Praticar
a) I.
Nessas condições, o jardineiro concluirá o trabalho
b) II.
em quantos minutos?
c) III.
d) IV.
a) 200
b) 210
5. (ENCCEJA – MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS –
c) 270
PROVA AMARELA – INEP – 2017) O prefeito de uma
d) 300
cidade decidiu ampliar o número de creches nos
bairros mais populosos, começando por aquele
3. (ENCCEJA – MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS
que apresenta o maior número de crianças de 0 a
– PROVA AMARELA – INEP – 2017) Um hotel para ani-
2 anos. As informações sobre os quatro bairros mais
mais hospedará 5 gatos e 10 cães pelo período de
Hora de Praticar
populosos desse município são as seguintes: Nessas condições, o período de um dia em que
houve a maior variação de aumento do nível de
• O bairro I possui 6 500 habitantes, sendo que ruídos foi de
15% desse total são crianças de 0 a 2 anos.
• O bairro II possui 7 800 habitantes, sendo que a) segunda-feira para terça-feira.
12% desse total são crianças de 0 a 2 anos. b) quinta-feira para sexta-feira.
• O bairro III possui 9 000 habitantes, sendo que c) sexta-feira para sábado.
11% desse total são crianças de 0 a 2 anos. d) sábado para domingo.
• O bairro IV possui 10 600 habitantes, sendo que
9% desse total são crianças de 0 a 2 anos. 8. (ENCCEJA – MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS
– PROVA AMARELA – INEP – 2017) Uma empresa
solicitou a uma gráfica um orçamento para a
Nas condições apresentadas, a ampliação do nú-
impressão de panfletos de propaganda. A gráfica
mero de creches começará no bairro
apresentou à empresa os seguintes valores:
a) I.
b) II.
c) III.
d) IV.
a) 7,5.
b) 7,8.
c) 9,0.
d) 10,5.
a) inibidor.
b) redutor.
c) promotor.
d) catalisador.
A ação estatal mencionada teve como objetivo o(a) para essa faixa da população brasileira, são
a) valorização da matéria-prima amazônica. resultados da
b) estímulo do desenvolvimento regional.
c) assimilação das populações indígenas. a) ausência de crédito para financiamento es-
d) aproveitamento do conhecimento tradicio- tudantil.
nal. b) redução do número de linhas de pesquisas
acadêmicas.
5. (ENCCEJA – CIÊNCIAS HUMANAS E SUAS c) manutenção da qualidade das universidades
TECNOLOGIAS – PROVA AZUL – INEP – 2017) do setor privado.
d) reprodução das desigualdades de oportuni-
dades educacionais.
e atrair clientes, utiliza a criatividade e o humor na a) a imitação da linguagem de outros povos ga-
relação estabelecida entre o(a) rante o desenvolvimento da nação.
b) os neologismos válidos para a preservação
a) lugar de origem e o lugar de destino do chu- da língua são os oriundos do próprio idioma.
chu. c) as palavras antigas são desnecessárias na
b) sucesso do personagem e o produto anun- língua corrente porque pertencem a outra
ciado. época.
c) imagem do chuchu e a palavra estrela. d) as inovações no vocabulário devem ser acei-
d) nome da empresa e o objetivo do texto. tas para que a língua expresse a nacionalida-
de do povo.
5. (ENCCEJA – LINGUAGENS CÓDIGOS E SUAS
TECNOLOGIAS – PROVA BRANCA – INEP – 2017) 7. (ENCCEJA – LINGUAGENS CÓDIGOS E SUAS
TECNOLOGIAS – PROVA BRANCA – INEP – 2017)
ANOTAÇÕES
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