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C O N SC I Ê N C I A P O L Í T I C A E C I D A D A N I A M E D I A D A S
P E L A P A R T I C I P A Ç Ã O P O L Í T I C A : U M E ST U D O D E C A SO
E M P O R T O A L E G R E
1
GISELI PAIM COSTA
C O N SC I Ê N C I A P O L Í T I C A E C I D A D A N I A M E D I A D A S
P E L A P A R T I C I P A Ç Ã O P O L Í T I C A : U M E ST U D O D E C A SO
E M P O R T O A L E G R E
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BANCA EXAMINADORA
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Aos meus pais, Celmiro e Nelcy, pela tranqüilidade e tempo
necessários para o momento de pesquisa, leituras e escrita.
Pelo amor e paciência.
4
É chegada a hora de agradecer...
carinho, o afeto, a importância que cada pessoa teve na nossa vida durante esse percurso.
que temos pelo apoio que familiares, amigos e colegas deram e que, direta ou
nessa trajetória:
A Salvador Sandoval, meu orientador, pelas suas contribuições preciosas que deram
A Soraia que, mais que uma companheira de curso, é uma amiga, sempre presente,
com seu carinho, afeto e apoio, a quem agradeço especialmente suas interlocuções teóricas
Madrid (UCM), acompanhou meu trabalho e contribuiu muito para meu amadurecimento
Aos meus colegas da UCM, María Fernanda, Julian, Diego, Fernanda, Everlan,
5
importantes, mas também momentos de lazer, de descontração, de intercâmbio cultural,
A Cristina, Raúl e Flor, meus amigos espanhóis, que me acolheram com muito
qual tenho vínculo profissional, pela sua compreensão e apoio irrestrito em relação à
realização do Doutorado.
Aos meus amigos e também colegas de trabalho, Chris, Lu, Sônia, Rita, Nilda,
Aos meus amigos Miriam, Gilson, Fernando, Márcia, Anins, Agomar, Carmem,
Zuleika, Jaqueline, Ângela, Janaína,... amigos que, perto ou longe, acompanharam minha
apoiaram sempre.
Aos meus tios e meus primos, pelas suas palavras de apoio, pelo seu carinho e
incentivo, pela compreensão das ausências necessárias em função da tese, agradeço por
A Tereza, Isolde e Jair, minha sogra e meus cunhados, que também fazem parte da
nos apresenta.
uma certa forma eles também “escreveram” essa tese comigo, pois me permitiram - seja
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escrita da tese. Sempre foram o meu porto seguro capazes de agüentar meus momentos de
mais puro stress, angústia e impaciência. Agradeço em especial a minha irmã, Gislaine, e
ao meu marido Cláudio, pelo irrestrito apoio, dedicação e cuidado comigo e com o texto
acadêmico, principalmente nos momentos finais das eternas revisões e ajustes para que a
Aos professores Antonio da Costa Ciampa, Maria Palmira da Silva e Maria Lúcia
Lúcia Carvalho da Silva e ao professor Antonio da Costa Ciampa, que aceitaram o convite
7
RESUMO
Com base nos discursos de nossos entrevistados e nos referenciais teóricos de Sandoval
(1989, 1994, 2001) e Melucci (1989, 1994, 2001, 2004), analisamos as relações entre
consciência política e participação política, inferindo que o exercício da cidadania,
viabilizado pela participação política, compõe um cenário importante para a formação da
consciência política.
Percebemos que as políticas públicas incidem na vida dos indivíduos, no entanto, faz-se
necessário considerarmos os impactos psicopolíticos que interferem no comportamento
político dos mesmos, de forma a entendermos a complexidade da participação política.
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ABSTRACT
This paper presents a study on the formation of political awareness, made possible through
political participation. The study was developed with the inhabitants and workers at
Garbage Recycling Units in some communities in the city of Porto Alegre.
Based on what interviewees said and on the theoretical references by Sandoval (1989,
1994, 2001) and Melucci (1989, 1994, 2001, 2004), we analyzed the correlation between
political awareness and political participation, inferring that the exercise of citizenship,
made possible through political participation, generates an important backdrop for the
formation of political awareness.
We have established that participative forums, among which the Participative Budget
stands out, become important dialogue channels, not to mention that they are decisive for
the configuration of society values allowing individuals to become stronger as social and
political subjects as well as to collectively engage in initiatives that further the exercise of
citizenship, emancipation and quality of life.
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SUMÁRIO
Introdução ........................................................................................................ 13
10
participação política....................................................................................... 104
3. Definindo a participação política a partir do referencial da Psicologia
Política ........................................................................................................... 112
4. Identidade social ou coletiva? O que é definidor na participação política .... 119
11
Capítulo VII. Participação política e consciência política: uma
abordagem psicopolítica ................................................................................. 342
1. A relação entre a participação política e a questão partidária ....................... 348
1.1. A preferência político-partidária e a participação política – a inter-
relação a partir da percepção dos moradores e trabalhadores das
Unidades de Reciclagem 349
2. A comunidade em busca de melhorias .......................................................... 362
3. As diferentes percepções sobre a comunidade .............................................. 367
3.1. Percepção do entorno – pelos moradores e trabalhadores ................... 368
3.2. Percepção de si mesmos – pelos moradores e trabalhadores ............... 372
3.3. Percepção da comunidade – pelos técnicos ......................................... 377
4. Participação política e consciência política: análises finais .......................... 381
4.1. Mudança no comportamento político: alguns indicativos da
consciência política .............................................................................. 383
4.2. Participação política e estigma: algumas interrelações ........................ 387
12
INTRODUÇÃO
Porto Alegre. As questões que abordamos estão relacionadas a aspectos estudados durante
Orçamento Participativo, que inviabilizava as melhorias na comunidade e, por sua vez, era
públicas. E foi justamente esse aspecto que nos alertou para a pesquisa de Doutorado, ou
1
Costa, Giseli Paim. A repercussão da violência social no cotidiano escolar. Dissertação (Mestrado). Porto
Alegre : UFRGS, 2000.
2
Diferenciamos a nomenclatura que usamos – participação política – e a nomenclatura que a Administração
Municipal utiliza – participação popular. A diferenciação que propomos é da ordem dos significados
13
Na proposta da Administração Municipal, buscava-se a superação das dificuldades
No entanto percebemos, que não havia uma relação direta entre a participação e uma
cultura de participação, que pudesse criar raízes suficientemente profundas para garantir
Villasante e Garrido (2002) reconhecem que a experiência de Porto Alegre permite uma
consciência social maior, uma vez que os cidadãos têm condições de detectar as
explicite um modelo global de ciudad, determine y trate de imponer los objetivos y medios
psicopolíticos que estas nomenclaturas têm na vida política da cidade. Para a Prefeitura Municipal de Porto
Alegre, participação popular é a participação dos cidadãos em diversos fóruns de participação, dentre os
quais, o Orçamento Participativo, de modo que a população ajude a decidir sobre as políticas públicas da
cidade, a definindo como sinônimo de participação política. Para nós, a participação popular é a participação
dos indivíduos em diversos fóruns de participação, porém, é uma participação instrumental, que constatamos
através da pesquisa, ser a participação do “garantir direitos” ou do “ganhar coisas”. Já a participação política,
assim como a entendemos, requer engajamento, compromisso, organização e reivindicação. Descrevemos
melhor esta diferenciação no capítulo 7.
14
consenso y la participación como elementos básicos de la planificación estratégica
Sandoval (1989), faz uma distinção entre os fatores da esfera interna e externa, referentes à
controle social.
valores e crenças que permeiam as visões de mundo das pessoas como pressupostos sobre
desenvolver sua capacidade de análise abstrata. O acomodar-se passa a ser uma alternativa
atraente para muitos que não possuem elementos para uma reflexão mais abstrata e crítica
15
No transcorrer de nosso trabalho, contemplamos outros elementos que dizem
constituem sua identidade social e identidade coletiva; como percebem o estigma que lhes
Além das conseqüências destes estigmas para as relações das pessoas entre si e com
organização comunitária são marcados, dentre outros fatores, por uma visão coletiva
De acordo com Norbert Elias e John Scotson (2000), há uma tendência em discutir
o problema da estigmatização social, como se fosse uma simples questão de pessoas que
isso não é suficiente porque equivale discernir, somente no plano individual, algo que não
pode ser entendido sem que se perceba, ao mesmo tempo, no nível de grupo.
não posso, não me autorizo, não sou reconhecido enquanto sujeito da mesma sociedade,
com direito à fala, e as conseqüências deste processo vemos cotidianamente nas opções
que as pessoas fazem para lidar com isso: umas optam pela sujeição, pela opressão; outras,
lutam pela palavra; outras ainda, optam pela violência, manifestada em suas mais diversas
formas.
16
Esse contexto foi determinante na escolha de nossos entrevistados, ou seja, as
comunidades que pesquisamos têm em comum uma Unidade de Reciclagem de Lixo. Este
atores sociais, tanto pela comunidade do entorno quanto por alguns moradores da própria
primeiros grupos silvícolas que habitaram a região até os imigrantes que colonizaram o
e que constituem o cenário desta pesquisa, bem como as pessoas que conhecemos e
entrevistamos, que são os protagonistas desse cenário. Por fim, apresentamos os caminhos
17
apresentação das demandas, os critérios para a distribuição de recursos, e dados sobre a
participação política.
de Lixo em Porto Alegre, bem como as repercussões que esta participação tem, tanto para
a vida das pessoas, como para as políticas públicas da cidade. Discorreremos sobre o
18
trabalhadores de Unidades de Reciclagem de Lixo em Porto Alegre, e de que forma nossos
popular.
para a sua comunidade; se, nessa relação, predomina um movimento mais emancipatório
ou assistencialista.
conclusiva, a análise proposta nessa tese, sobre a relação entre participação política e
Porto Alegre. Acreditamos, outrossim, que o OP, bem como outros fóruns de participação
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CAPÍTULO I
Neste capítulo, descrevemos o cenário da pesquisa, iniciando por uma breve história da
dos dados.
Porto Alegre é a capital do Estado do Rio Grande do Sul, Estado que faz fronteira
com Argentina e Uruguai. E é, de acordo com pesquisas3, uma das melhores cidades do
Brasil para se viver, com uma população de 1.360.590 habitantes, de acordo com o Censo
Porto Alegre é, para quem tem a oportunidade de viver seu cotidiano, uma cidade
dinâmica, pelas oportunidades que oferece tanto no âmbito educacional, cultural como
1- Um pouco de história4
Os grupos silvícolas que habitaram a região onde surgiria Porto Alegre pertenciam
ao grande grupo indígena Guarani. Ao sul, pelas margens do rio Guaybe havia grupos da
3
Fontes: Pesquisa Exame/Revisan, 1996; Pesquisa Sinduscon-RS, 2003.
4
Fonte: Historiadores Walter Spalding, Clóvis Silveira de Oliveira e Ligia Gomes Carneiro.
20
A primeira tentativa dos jesuítas espanhóis de estabelecerem missões na margem
oriental do rio Uruguai ocorreu em 1627, ano em que foram expulsos da região pelos
No século XVII, o Rio Grande do Sul era grande produtor de gado. Por isso,
tropeiros vinham de São Paulo, em busca dessa riqueza. Em suas andanças pelo Rio
Grande usavam certas localidades para seus pousos que, paulatinamente, transformavam-se
Ilha da Madeira, casado com Lucrécia Leme Barbosa, instalou-se, por volta de 1732, nos
Assim o fazendo, Jerônimo de Ornelas conquistou direitos sobre essas terras, recebeu a
como Porto dos Dornelles). Com a chegada dos casais açorianos, na primeira leva de
Capitania de Santa Catarina, o Rei de Portugal autorizou a emigração dos primeiros casais
oriundos das Ilhas dos Açores, naquela época, com excesso de população. O Rio Grande
21
do Sul, todavia, não foi beneficiado, pois aqui ainda ocorriam lutas entre luso-brasileiros e
Escudeiro de Souza, que enviasse ao povoado da Lagoa de Viamão alguns casais que
estavam por chegar ao Brasil. No entanto, Manoel Escudeiro mandou casais já radicados
Foi então que um grupo de açorianos deixou a Vila do Desterro (hoje Florianópolis,
capital de Santa Catarina) em meados de abril de 1751, chegando no porto do Rio Grande,
Manoel Escudeiro selecionou, então, sessenta casais que, com seus filhos, formava um
grupo de aproximadamente 300 pessoas, os quais, no início do ano seguinte, seguiram para
das Ilhas dos Açores. O governo português pretendia, ao incentivar a imigração desses
casais, resolver dois problemas: o primeiro era o das Ilhas dos Açores - que estavam
brasileiro, uma zona considerada vital por se tratar do ponto de encontro entre os domínios
de São Pedro do Sul, em 23 de abril de 1769, não se agradou do local onde estava a capital.
Foi, dessa forma, visitar o Porto dos Casais. Desde então passou a trabalhar para que ali se
instalasse a capital. Em 1771, recebeu a autorização do Vice-Rei para preparar o Porto dos
22
José Marcelino determinou que o Tenente Coronel Antônio da Veiga de Andrada
Porto Alegre por inspiração patriótica portuguesa e religiosa, nome escolhido por Dom
notabilizava-se pela luta entre portugueses e espanhóis pelas fronteiras desses países. Por
cercam a cidade.
provincial. A cidade de Porto Alegre tem o dia 26 de março de 1772 como data oficial de
sua fundação. Foco de constantes disputas entre portugueses e espanhóis, a região foi
pequenas propriedades rurais na região de Porto Alegre. A economia gaúcha, até então
produção de charque, ganhou maior diversificação com a vinda dos imigrantes europeus. A
produção passou a abastecer todo o Estado e foi exportada para as regiões vizinhas.
como a Guerra dos Farrapos, as lutas na fronteira do Brasil e a Guerra do Paraguai. Depois
23
permanecendo sempre no centro dos acontecimentos políticos e sociais do Estado e do
país. Exemplos disto foram a ascensão de Getúlio Vargas, político gaúcho que se tornou
arquitetura e pelo alto índice de qualidade de vida de seus habitantes. Nessa fase de
integração regional, Porto Alegre assume aspectos estratégicos importantes, por situar-se
grande centro de serviços e comércio. Até começos dos anos 80, o município experimentou
um acelerado crescimento populacional, processo este que, combinado com uma forte
vivendo em casebres, sem água potável, sem saneamento tratado ou ruas calçadas, ou seja,
uma enorme dívida social do poder público com uma parte significativa da população. A
24
instituição governamental, totalmente centralizada e antidemocrática, era um obstáculo
Porto Alegre foi administrada pelo Partido dos Trabalhadores por 16 anos, de 1989
Porto Alegre é uma cidade que oferece muitas oportunidades de lazer, muitas
atividades culturais e esportivas, e isso é possível perceber através dos depoimentos dos
entrevistados. Com isso, percebemos uma relação dinâmica com a cidade, ou seja, as
pessoas aproveitam seu tempo livre para participarem de atividades gratuitas que a cidade
oferece e, mesmo aqueles que não aproveitam, reconhecem que a cidade tem uma
preocupação com aspectos de lazer por considerar, de uma certa forma, que isso é
Além disso, Porto Alegre é uma cidade com muitos parques e praças, onde
Desta forma, a população tem opções de aproveitar, gratuitamente, o que a cidade oferece
e, mesmo quando as pessoas não aproveitam estes espaços urbanos, não deixam de
Porto Alegre é uma das melhores cidades brasileiras para se viver5. Tem
5
Fontes: Pesquisa Exame/Revisan, 1996; Pesquisa Sinduscon-RS, 2003.
25
prioridades, no entanto, só foi possível, porque a população decidiu engajar-se na idéia
participativa.
É por esta cidade que circulamos, por suas diferentes regiões, em seus diferentes
A primeira comunidade com a qual fizemos contato foi a Vila Dique. A Vila Dique
nesta região da cidade. É uma comunidade precária no que diz respeito às condições
alimentos que pessoas de diferentes partes da cidade fazem. A maioria dos moradores da
zona norte - onde está situada - é conhecida por ser uma vila de marginais e muito
perigosa por causa dos assaltos a quem não é morador ou trabalhador da vila.
do Aeroporto Internacional Salgado Filho. Esta área foi invadida pelos seus primeiros
retirada da Vila Dique, que está em tramitação há muitos anos, que envolve ações da
para os moradores, mas o dinheiro para a indenização é por conta do Governo do Estado,
6
O mapa da cidade de Porto Alegre, com a indicação da localização das comunidades pesquisadas, encontra-
se no anexo VII.
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que alega não ter verbas. Isso reflete diretamente na participação no Orçamento
Participativo, uma vez que os moradores da Vila Dique não podem demandar moradia,
saneamento, pavimentação, apenas serviços, pois afinal, a vila pode sair dali a qualquer
momento.
Entre as casas, há uma rua, a única que há na Vila. Esta rua é considerada um
atalho, pois dá acesso a uma avenida de grande movimento da zona norte, a avenida
Sertório, e uma avenida que passa pelo aeroporto, a avenida das Indústrias, a qual dá
acesso a BR 116, que conecta Porto Alegre com a região metropolitana. Uma das
contradições é que, mesmo considerando a vila muito perigosa, o movimento de carros por
ali é intenso. Ao longo desta rua, além das casas, estão as entidades/instituições que
Nos fundos das casas, dos dois lados da rua, há valos de esgoto a céu aberto, ou
seja, as casas estão construídas entre o valo e a rua. Como a maioria dos moradores
trabalha com reciclagem de papel em suas casas, o valo serve também como depósito do
lixo que não é comercializado. Torna-se desnecessário lembrar que, com as chuvas, os
valos transbordam - porque também encontramos neles, restos de móveis, animais mortos,
além do lixo oriundo da reciclagem – e as casas, muitas vezes, são inundadas por esta água
separado na frente da casa. Para ter acesso à casa, é preciso, muitas vezes, passar entre o
lixo. Mesmo tendo a Unidade de Reciclagem de Lixo a poucos metros de suas casas, as
pessoas não têm a iniciativa de levar o lixo até a Unidade. Há uma concorrência pelo lixo
7
Carrinheiros são as pessoas que juntam o papel a ser separado com o carrinho. Carroceiros são as pessoas
que juntam o papel a ser separado com a carroça.
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entre carroceiros, carrinheiros e Prefeitura Municipal. Devido a essa concorrência, a
Prefeitura se obrigou a tomar providências no que tange à coleta de lixo seletivo na área
urbana da cidade. Por estas características na sua história, a Vila Dique não tem uma
vida da cidade. Os moradores não querem discutir, querem receber. Exemplo evidente é
que a participação dos moradores da Vila Dique, nas reuniões do Orçamento Participativo,
se dá, na sua grande maioria, pelas famílias que recebem bolsa-auxílio da Prefeitura
Unidade. Eva morava em Santa Rosa, e seus pais em Porto Alegre, na Vila Dique. Em uma
de tantas visitas que fez a seus pais, um dia conheceu Fernando, que já morava na
contrário, não participam. Eva não fez referência de trabalhos de parceria entre a Unidade
que as conhecemos foi uma reunião, apoiada por Sandra, para a constituição de uma chapa
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se de um movimento de algumas mulheres, dentre as quais, nossas entrevistadas, que
com elas, não administrava de uma maneira coletiva, e sim, de modo a atender aos
Vitória estuda no MOVA, é recicladora e trabalha no pátio de sua própria casa. Não
quis se envolver na chapa da oposição, mas estava apoiando o grupo de mulheres. Acredita
também que as pessoas têm que participar, e não venderia seu voto. Diz que as pessoas
Patrícia tem uma história que nos chamou a atenção. É uma mulher de 36 anos que
se separou do marido porque esse bebia, se drogava e não queria trabalhar. Ela veio, com
seus filhos, morar na Vila Dique. Às vezes, trabalha como faxineira, mas seu trabalho
habitual é ser papeleira. Recicla seu lixo no pátio da sua casa, à beira do valo. Patrícia
Comunitário da Vila Floresta, que atende a essa comunidade. Conta que, em uma
determinada reunião, o trabalho proposto para o grupo de mulheres era que cada uma
desenhasse em uma folha qual seria o seu sonho, para depois ser socializado entre todas.
Patrícia relatou que todas as mulheres desenharam casas, carros e outras coisas materiais.
Ela desenhou uma escola e disse que seu sonho era voltar a estudar, pois adorava estudar e
teve que parar porque sua mãe a obrigou a trabalhar. Ela disse que “não adiantava ganhar
coisas dos outros, por que isso não mudava as pessoas por dentro e nem a vontade de
continuar melhorando de vida. Mas a educação sim, podia mudar o pensamento das
dependendo dos outros”. Resulta que, depois dessa reunião, a assistente social conseguiu
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uma vaga para Patrícia terminar seus estudos em uma escola particular perto da Vila
Dique.
Médio. Nos contou que seu sonho é trabalhar na comunidade, se filiar a um partido político
Patrícia conta também que ela, junto com outras mulheres, pressionaram as técnicas
estivesse condicionado à participação nas reuniões do OP, por que as mulheres estavam
sempre dispostas a irem, “com sol ou chuva”, buscar o dinheiro da bolsa, mas nunca
podiam ir às reuniões do OP. Esse fato incomodava muito as mulheres que acreditavam
que é pela participação que se consegue melhorias para a comunidade. Com isso, a
pela comunidade do entorno que estigmatizam estes indivíduos como sendo inferiores,
marginais e perigosos, e pela atitude preconceituosa de muitas pessoas que fazem doações,
porque os moradores da Vila Dique são pobres, carentes e precisam de ajuda. O estigma
Relativamente perto da Vila Dique, está o Aterro da Zona Norte, que é uma
Unidade de Reciclagem de Lixo. O Aterro se diferencia por não estar inserido em uma
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O acesso ao Aterro é feito a pé ou de carro, pois o transporte público mais próximo
BIG, uma grande rede do grupo SONAE no Estado, além de algumas Indústrias e
Neste local, há alguns anos atrás, havia o Lixão da Zona Norte, ou seja, antes de
Porto Alegre iniciar o processo de coleta seletiva, a maioria do lixo recolhido pelos
caminhões de coleta era levado para este Lixão. Nesta época, muitas pessoas viviam do
lixo, não só buscando alimentos para sua sobrevivência como também buscando coisas que
pudessem vender ou usar. A incidência de doenças era alta, assim como a de mortes, não
apenas causadas por doenças, infecções provenientes do contato desorganizado com o lixo,
mas também, como relata algumas pessoas que trabalharam nesta época e nestas
condições, por brigas que se originavam pela disputa de algo de valor que era encontrado.
Valdomiro é filho de Bárbara. Tem 33 anos e há vinte trabalha com reciclagem de papel.
Gosta do que faz, acha sua atividade importante muito mais pelos benefícios à natureza do
que por questões financeiras. Sua mãe, Bárbara, também gosta do que faz, mas revela, pela
sua fala, os preconceitos que sofreu e sofre por ser recicladora. Ela valoriza o seu trabalho,
tem uma consciência ecológica sobre os benefícios da reciclagem para a natureza e para o
homem, reconhece tudo que já adquiriu graças à Reciclagem, mas refere também que é
31
Bárbara relata que seu filho mais novo era muito discriminado na escola. Conta
que, quando seu filho vestia roupas ou tênis novos, seus colegas ficavam comentando que
era coisa que a mãe tinha achado no lixo ou que havia roubado; pois não era possível
comprar coisas boas e novas trabalhando com o lixo. Assim, ela decidiu, junto ao grupo da
Unidade de Reciclagem, fazer uma parceria com a escola, para mudar a concepção que as
escola, bem como dos alunos e professores na Unidade, a reciclagem é tratada com mais
atividades de lazer que Bárbara gosta de praticar é a pescaria, atividade também preferida
por Hélio.
Hélio tem 71 anos e mora na Vila Dique. Apesar de ter uma Unidade de
Reciclagem de Lixo na sua comunidade, prefere trabalhar no Aterro, pois ele fazia parte do
grupo que trabalhava no Lixão e foi um dos responsáveis por negociar com a Prefeitura
reciclagem são agentes da natureza e que todos deviam colaborar com quem está tentando
garantir uma vida mais saudável a todos. Hélio comenta, tranqüilamente, enquanto toma
seu chimarrão, que o dinheiro é importante, mas o futuro das nossas vidas é essencial, e
32
Ainda circulando pela zona norte da cidade, visitamos outro bairro, chamado
Rubem Berta, que está localizado no extremo norte da cidade, quase divisa com Alvorada,
onde vivem pessoas pobres, de classe baixa que, normalmente, têm sua renda proveniente
construções populares que estavam com suas obras paradas. Diante do problema
longo de 1987, estas construções que, àquela época, era o limite do bairro.
1997, a situação das ocupações está regularizada. A comunidade conta com Associação de
Moradores, Clube de Mães, Creches, transporte público, Posto de Saúde, Escolas, enfim, o
Na época das ocupações, o limite do Rubem Berta era estes edifícios, atrás dos
edifícios só havia mato. Hoje, para circular por toda a extensão do bairro, é preciso descer
no final da linha do ônibus - que trafega desde o centro de Porto Alegre até o bairro - e
pegar outro ônibus que se chama alimentadora; ou seja, é um ônibus da mesma empresa,
mas que faz o trajeto na continuidade do bairro que ainda está em processo de melhorias no
É nesta parte do bairro que está situada a Unidade de Reciclagem de Lixo, além de
33
Ruben Berta onde vivem os entrevistados desta comunidade, pessoas como Silvio, Cléia e
Robson.
Silvio vive na comunidade há sete anos. A atividade que mais gosta de praticar nas
suas horas de lazer é tocar violão com amigos. Silvio também destaca a importância do
ecológica. Porém, Silvio destaca que, na própria Unidade de Reciclagem, nem todos os
muitos ainda não têm uma consciência ecológica, porém, ela acredita que o trabalho é
Robson é um trabalhador que traduz, de certa forma, o que Cléia e Silvio comentam
sobre a falta de uma consciência ecológica em relação ao trabalho com a reciclagem. Para
renda pois, na idade que em está, de acordo com ele mesmo, dificilmente conseguiria outro
trabalho.
Do bairro Rubem Berta, nos deslocamos para a Vila dos Papeleiros. A Vila dos
totalidade de seus moradores trabalha com reciclagem de papel, e são chamados, por isso,
de papeleiros. A Vila foi formada por pessoas oriundas do interior do Estado, muitas das
quais agricultores que chegaram na capital em busca de emprego e, não tendo a mão de
obra qualificada que a vida urbana exigia, acabaram trabalhando com reciclagem de papel
nos seus próprios casebres. Hoje em dia, o trabalho é organizado, uma vez que a Vila
34
ganhou, via Orçamento Participativo, uma Unidade de Reciclagem de Lixo, além de
função do incêndio, em março de 2004, que destruiu mais de 70% dos casebres. A Unidade
de Reciclagem, nesta situação específica, teve como objetivo principal, dar condições de
A Vila dos Papeleiros está situada ao longo de uma parte da Avenida Voluntários
da Pátria, que é uma das avenidas de acesso ao centro da cidade. Foi decidido, através do
Orçamento Participativo, que a Vila permanecerá no mesmo local em que está, porém, para
que seja possível a construção das novas casas, as famílias foram transferidas para casas de
região.
A Vila dos Papeleiros conta com algumas lideranças importantes, dentre as quais
Guilhermina valoriza o trabalho, principalmente, por que é o que sabe fazer. Durante a
maior parte da entrevista com Guilhermina, José estava presente e, em algumas perguntas,
ele intercedeu de modo a induzir Guilhermina a responder o que ele estava julgando ser
“certo”. José é, no entanto, uma liderança, e valoriza muito a atividade que exercem.
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Reconhece que, depois do incêndio na Vila dos Papeleiros, a reciclagem passou a
significar muito mais do que consciência ecológica e renda. Passou a significar o elo com a
deveres.
Paulo também é casado, mas sua esposa não trabalha na Unidade. Tem 51 anos e
vive há 22 em Porto Alegre. Como a maioria dos seus vizinhos na Vila dos Papeleiros,
reciclagem de lixo, a possibilidade de trabalho, uma vez que o contexto urbano não lhe
permitia fazer o que sabia, ou seja, trabalhar na agricultura. Paulo participa das reuniões do
OP e, assim como José, acredita que a participação dos moradores é muito importante
Augusto se descobriu líder comunitário “por acaso”, muito por iniciativa de uma religiosa
que trabalhava voluntariamente com a comunidade. Augusto foi escolhido por uma ONG a
que são a mesma Associação. Considera que a comunidade é “uma grande família e ele é o
Saindo da Vila dos Papeleiros em direção a Ilha Grande dos Marinheiros, passamos
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O prédio dos Profetas da Ecologia está situado embaixo da Ponte do Guaíba, um
dos principais pontos turísticos de Porto Alegre. É uma Unidade de Reciclagem de Lixo
alguns problemas com o Irmão Roberto, que se considerava proprietário do prédio onde
negociação e venda e não apenas reciclarem o lixo, de se posicionarem mais diante das
questões referentes ao seu trabalho. O Irmão Roberto, no entanto, não aceitava esta
justificativa de que era dono do prédio, conduziu o trabalho da sua maneira, o que resultou
Grande dos Marinheiros. A Ilha dos Marinheiros, como é comumente chamada, é uma das
muitas Ilhas habitadas de Porto Alegre, consideradas bairros da cidade, apesar de alguns
casas de luxo da classe alta porto-alegrense, que mantêm estas casas para curtir o fim de
semana, e cujo acesso é feito, normalmente, através de lanchas e barcos de luxo. Por outro
lado, encontramos moradores em habitações precárias, algumas partes das Ilhas sem as
37
Nas partes mais centrais e mais habitadas das Ilhas, as condições são melhores, e há uma
público, o cenário que vemos é os muros altos, normalmente, com segurança protegendo as
casas de luxo, e casebres mais precários, carroças cheias de lixo para reciclar disputando
turístico de barco pelo Rio Guaíba, vemos as lanchas, as casas de luxo, cujo acesso por via
terrestre quase não é utilizado por seus moradores, constatamos o distanciamento que vai
além do que os muros de concreto podem separar. Vemos, outrossim, escondidos entre as
árvores, na outra margem do rio, os casebres mais precários das Ilhas, que se assemelham a
palafitas dentro do rio. Essa população não chegou a fazer parte da pesquisa.
Os entrevistados vivem na parte inicial da Ilha dos Marinheiros. Esta parte da Ilha é
povo e não de um determinado partido político, mas, como presidente do Clube de Mães,
distribui cestas básicas e “outras coisas que a comunidade precisa”. Além disso, Nilda vota
de acordo com o que o partido oferece para a comunidade. Fez campanha para Alceu
Collares, do PDT, quando este concorreu a Prefeito de Porto Alegre em 1985. Collares
havia prometido um cargo público para Nilda, na escola em que ela trabalhava e morava,
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lhe dando uma condição de funcionária pública. Nesta mesma campanha eleitoral, Vieira
da Cunha, também do PDT, aposentou seu marido. Estes favoritismos fizeram com que
Nilda fizesse campanha na Ilha para Collares e, como ela mesma diz, ele ganhou aqui na
Ilha graças a mim. Depois que Collares ganhou as eleições municipais, deixou de cumprir
uma série de promessas que havia feito e com isso, provocou o descontentamento de Nilda.
Hoje, de acordo com ela, a depender de mim, Collares não ganha nunca mais aqui na Ilha.
Nilda conta um pouco da sua trajetória na comunidade, dizendo que, quando chegou para
morar lá, odiava aquele lugar, pois não sabia lavar roupa no rio, não sabia viver com uma
série de privações que a vida na Ilha impunha. Mas, com o tempo, aprendeu a viver lá e
comunidade. Mirela é professora na escola estadual que atende a maioria dos alunos.
Porém, tem a idéia de que a comunidade é carente, é pobre, nunca vão deixar de ser o que
são, que não se interessam, que não querem fazer nada do que os professores na escola
propõem. Doralina, ao contrário, trabalha com uma perspectiva emancipatória, acredita que
usados por políticos que querem se promover a partir da pobreza das comunidades, refere
que é uma comunidade que está aprendendo, nesta vivência comunitária, a discernir os
políticos que trabalham de uma forma mais coletiva, com projetos voltados para a
conflitos não são um impedimento para a mobilização, ao contrário, são a força propulsora
da organização comunitária que, mesmo atingindo uma parcela pequena da população das
Ilhas, é significativa.
39
Das Ilhas, nos deslocamos ao Campo da Tuca. O Campo da Tuca está situado na
zona leste de Porto Alegre. O Campo da Tuca também é considerado muito perigoso. Essa
entre bandidos e polícia, pelo fato de muitos traficantes e fugitivos do Presídio Central ali
se refugiarem.
noite, porque o risco de ser atingido por balas perdidas é alto, no entanto, referem que isso
não é uma característica só do Campo da Tuca, todos os lugares estão perigosos hoje em
dia, além disso, em todos os lugares, de acordo com os moradores, há gente boa, honesta e
Comunitária, que tem uma importante líder comunitária, que administra atividades que
Elira, líder comunitária: quando é de interesse as pessoas participam mesmo, quando não
tem muito interesse, tem que insistir muito para que participem, mas mesmo assim, a
participação é boa e a pessoas reconhecem tudo o que melhorou o Campo da Tuca, depois
que a comunidade começou a se mobilizar. Elira, assim como Serlene, Lisiane, Tamires e
40
Taís é uma jovem de 20 anos, vive há onze na comunidade e gosta muito de viver
no Campo da Tuca. Reconhece que é um lugar que tem muitas opções de lazer, estudou até
acredita não ter qualificação para desempenhar outra atividade além de serviços gerais e
reciclagem. Voltou a estudar por causa dos filhos, mas diz que interrompeu por causa da
violência na escola e da falta de professores. Como ela mesma define, vive em função dos
filhos.
Fundamental. Tem 27 anos e adora ficar em casa cuidando dos serviços da casa, dos filhos
e do marido. Está em Porto Alegre há 24 anos e, como a maioria dos entrevistados, sua
família veio para a capital em busca de melhores empregos e escolheram Porto Alegre por
Tutelar na sua região, função que já exerceu em outra ocasião. É uma pessoa bem
financeiras, pois não se trata de uma Universidade pública. No entanto, Serlene pretende
Elira é, assim como Augusto da Vila dos Papeleiros, uma personagem emblemática
deste cenário. É uma mulher de 48 anos que trabalha há muitos anos na comunidade. É
determinada a fazer com que a comunidade cresça, melhore a sua qualidade de vida,
41
muitos anos como presidente da Associação de Bairros, pelo reconhecimento que a
comunidade tem, das ações que Elira promove com a sua equipe de trabalho.
trabalha com a comunidade. Carmem conta que Elira é muito respeitada em função da
maneira como trabalha com a comunidade, a qual reconhece as melhorias que são feitas.
Outra comunidade pesquisada parcialmente8. A Vila Pinto também está situada na zona
leste da cidade. É uma comunidade que está cansada de ser usada para pesquisas, ou seja,
por sua característica de pobre e carente, tornou-se foco das mais diversas atividades
acadêmicas, bem como aos interesses de algumas instituições religiosas que utiliza esta
para a comunidade fez com que as lideranças comunitárias passassem a exigir uma
Helena e Dirce. São mãe e filha e trabalham juntas na comunidade. Helena trabalhava em
outra Unidade de Reciclagem, nos Profetas da Ecologia, e foi a coordenadora que teve
atrito com o irmão Roberto. Ela conta que o Irmão Roberto apoiava suas ações com as
42
vendido e preço, Irmão Roberto começou a interferir no trabalho de Helena, de forma a
impedir que as mulheres fossem autônomas na sua forma de agir. Destarte, Helena saiu da
Unidade Profetas da Ecologia e foi trabalhar com Dirce, sua mãe, na Vila Pinto.
Dirce é uma mulher conhecida na cidade pelo seu trabalho na Vila Pinto, foi
OP, e sempre trabalhou para que se desmistificasse a idéia de que a Vila Pinto era uma vila
de marginais e maloqueiros.
Da zona leste, passamos agora a zona sul da cidade, visitando outras três
Restinga: está situada no extremo sul de Porto Alegre. É um bairro muito populoso
e, hoje em dia, é menos discriminado do que já foi em outras épocas. Por ser um bairro
muito distante da zona central da cidade, e por já ter tido precárias condições de moradia,
saneamento e pavimentação, a Restinga foi, por muito tempo, sinônimo de tudo que não
era bom... as pessoas que assaltavam ou faziam baderna no centro da cidade, só podiam
ser da Restinga. A Restinga, aos poucos, ganhou respeitabilidade diante da cidade, muito
em função das melhorias de condição de vida e do transporte público que aproximou esse
bairro ao centro e a outros bairros. A Restinga, hoje, é um bairro muito organizado, com
uma boa infra-estrutura, que faz com que seus moradores permaneçam no bairro, sem ter
Magda tem 24 anos, estudou até a sétima série do Ensino Fundamental, morou em
outros bairros de Porto Alegre, mas diz que não pretende mais sair da Restinga. Adora o
lugar em que vive. Diz que é um bairro de gente alegre, que está sempre de bem com a
vida e, de acordo com ela, esse comportamento é o que identifica os moradores do bairro
43
Reciclagem, agora não freqüenta, mas reconhece que a Restinga melhorou muito com a
que, coincidentemente, fizemos a entrevista com ela. No dia em que chegamos na Unidade,
Reciclagem para trabalhar na creche. Decidiram que iam fazer um sorteio e pediram que
tirássemos o papel com o nome. Estela foi sorteada. Ela disse que “não foi sorteada, foi
premiada, pois isso iria mudar a sua vida, pois ela já havia trabalhado na creche e gostaria
muito de exercer essa função novamente”. Estela é uma mulher que incentiva seus filhos a
estudar e relata que sua filha de 12 anos canta em um grupo de rock infanto-juvenil que se
visitamos a Unidade, os trabalhadores estavam reunidos para decidir quem iria assumir a
Bruna foi escolhida. É uma mulher tranqüila que diz não se envolver em confusões e
fofocas. Para ela, o que importa é trabalhar. Diz não participar das reuniões do OP, mas
outra comunidade estudada. O Loteamento tem uma história recente, não só em termos de
44
Loteamento está situado entre a reserva ecológica do Morro do Osso e uma avenida de
Pelo fato de ter sido formado por diferentes vilas, a organização comunitária
moradia e aos novos vizinhos. A briga pelo controle do tráfico de drogas entre as diferentes
vilas que para lá foram transferidas influenciava muito nas relações interpessoais. A
impressão de abandono por parte dos órgãos públicos, além disso, provocava problemas
participação dos moradores, isso porque para demandar serviços para a comunidade é
estabelecer e votar as demandas. Para isso, também é necessária a articulação com outras
comunidades.
moradores, de uma certa forma, se propuseram a inserir este aprendizado no seu cotidiano
e a se dar conta que as melhorias de sua condição de vida se dão muito mais pela
de Reciclagem. Morou no Loteamento por muitos anos, mas agora vive em outra
comunidade. Destaca o trabalho da Unidade, a importância que o trabalho tem na vida dos
45
trabalhadores e a possibilidade de desenvolver a consciência ecológica a partir do trabalho
poder público e o fórum a partir do qual a população pode exercer a sua cidadania.
desde que o Loteamento foi construído. Na época da mudança para o Loteamento, ele era o
presidente da Associação, porém, como relata, não podia fazer muita coisa porque a
última comunidade que fez parte da pesquisa. Chama-se Padre Cacique, pois está situada
na avenida Padre Cacique, uma avenida de grande movimento que dá acesso a zona sul da
cidade.
como por exemplo, a Usina do Gasômetro, a orla do Guaíba, o Parque Marinha do Brasil, o
orla, nas praças do centro da cidade ou, por vezes, em albergues municipais.
Os moradores de rua são uma população sofrida, marcada pelo preconceito e pelo
No caso dos moradores da Padre Cacique, percebemos este estigma ainda inscrito
no seu cotidiano, mas também evidenciamos a disponibilidade que eles têm de construir,
serviços. Esta história se deve muito pelo trabalho constante da Assistente Social que
46
Quando chegamos na comunidade, pela Avenida Padre Cacique, que é o acesso
acesso às casas e, à direita, está a administração da Unidade e o depósito, por onde chegam
os caminhões de lixo. Foi neste cenário que entrevistei Roseli, Lauro, Norton e Tatiana.
Roseli se diz uma mulher sofrida, que fugiu de casa, quando adolescente, porque
seus parentes não lhe tratavam bem, não lhe deixavam estudar e ela era obrigada a
trabalhar de faxineira para ajudar nas despesas da casa. Quando Roseli saiu da casa de seus
tios, tinha 12 anos. Veio para Porto Alegre e acabou nas ruas. Na rua, como ela mesma
relata, passou muitas dificuldades e vivenciou diferentes tipos de violência. Hoje, trabalha
na Unidade de Reciclagem, recuperou sua dignidade, pois pode entrar num supermercado e
comprar o que ela quiser, não é mais tratada como marginal, tem a sua casa e vive perto de
dois de seus filhos. Seu maior sonho é conhecer e reconquistar o amor e respeito de seu
primeiro filho, hoje com 17 anos, que deu para a dona da creche em que ela trabalhava na
época, pois não tinha condições de criá-lo. Hoje, Roseli reconhece como foi inconseqüente
e irresponsável, e se diz arrependida do que fez, mas como não pode fazer o tempo voltar
Lauro tem 38 anos, estudou até o primeiro ano do Ensino Médio e morava no
interior do RS, em uma cidade de colonização alemã. Lauro trabalhava em uma conhecida
fábrica de calçados da região. Foi casado e, desse casamento, tem dois filhos. Relata que,
em uma determinada situação, traiu a esposa com uma colega de trabalho em sua casa. Foi
a pior situação que passou em sua vida, porque amava sua esposa, mas sentiu-se
fortemente atraído por sua colega. Arrependeu-se do que fez, principalmente porque seus
filhos presenciaram a cena. Disse que depois dessa situação, resolveu sair de casa e tentar a
47
Lauro não chegou no Rio, voltou para o RS, mas como não se sentia homem o
suficiente para encarar a esposa, filhos e familiares, resolveu ficar em Porto Alegre. Na
capital, sem dinheiro e trabalho, acabou nos albergues e, em seguida, nas ruas. Virou
andarilho, até que conheceu Tatiana, a assistente social que trabalha há muitos anos com
moradores de rua, e que organizou o trabalho com a reciclagem como uma forma de tirar
Lauro passou por problemas com a bebida, ficou internado algumas vezes para
desintoxicação, até que um dia decidiu que não ia mais beber. Voltou para a Unidade de
Reciclagem, disse à Tatiana que queria ter uma vida decente, e desde então, não bebe mais.
Hoje, é coordenador da Unidade de Reciclagem. Disse que deixou as duas casas que tinha
comprado na época em que trabalhava na fábrica de calçados, para seus filhos e ex-esposa.
Eventualmente vê seus filhos, e diz que gosta da vida que leva hoje e não pretende voltar
para o interior.
Padre Cacique pois está cumprindo medidas sócio-educativas. É um rapaz muito quieto
que fala pouco de seu cotidiano. Diz gostar de trabalhar na Unidade, mas porque sabe que
não tem outra coisa pra fazer. Se pudesse, faria outra coisa. Precisa trabalhar porque
andou aprontando umas coisas aí e sabe que tem que estar ali, assim como também precisa
sustentar sua esposa e filho. Norton não soube dizer para que serve o OP, acha que é pra
48
Além dos moradores e técnicos que conheci e entrevistei nestas comunidades,
trabalharam com as comunidades de uma forma direta ou indireta. Estes entrevistados são
Estadual de Educação.
escolher comunidades que tinham Unidades de Reciclagem de Lixo. Essa escolha se deve
apenas pela comunidade do entorno, mas por alguns moradores das próprias comunidades,
como lixerios, maloqueiors e marginais e, portanto, sua vida já esta pré-destinada a viver
9
Os instrumentos da investigação estão nos anexos I a IV.
49
Para facilitar a análise dos dados, as entrevistas, com prévia autorização dos
texto relevantes para a pesquisa. Foi feita também uma categorização dos tópicos
tenha sido trabalhosa, acreditamos que foi necessária para dar conta de um fenômeno tão
realização dessa pesquisa. Acreditamos ser importante o rigor metodológico para garantir a
adequada análise dos dados e aprofundamento do tema ao qual nos propomos estudar nessa
tese.
investigativo, pode ser considerada, em sentido amplo, como analítica; isso porque a
assim como a tarefa de abordar e resolver este fenômeno continuam até a apresentação dos
resultados de investigação.
50
argumentamos que el análisis de los datos es integral a la forma en que las preguntas
son formuladas, se seleccionan los lugares y se recogen los datos (...) En el corazón
de tal proceso hay un conjunto de cuestiones y procedimientos de investigación que
combinados con creatividad e imaginación resulta en el análisis de los datos; un
elemento clave del proceso de investigación que no puede reducirse a pasos y fases.
humanos atuam em relação às coisas baseando-se nos significados que essas tem para eles.
Pode tratar-se de qualquer ente que a pessoa de seu mundo, categorias, instituições, ideais
normativos, atos dos outros, ou qualquer outra situação que um ser humano encontre na
sua vida diária. 2- os significados de tais coisas derivam da interação que a pessoa tem com
processo interpretativo que a pessoa põe em jogo quando estabelece contato com as coisas.
relacionam com a cidade em que vivem, como desenvolvem a percepção sobre o que é ser
cidadão e exercer a cidadania em uma cidade que se intitula inclusiva e cidadã, bem como
51
Para isso, também utilizamos análise documental para complementar nossas
consciência política.
A coleta de dados está circunscrita nos anos de 2003 e 2004. Contudo, não
relação com o OP. Por isso, o discurso de nossos entrevistados se faz tão importante, não
apenas do sentido de historicizar sua relação com processos de participação, mas também
para expressar a rede de significados que nos permite entender a complexidade dessa
participação.
52
os indivíduos e os grupos desde fora, enfocando as minúcias da vida cotidiana, as
quais constituem uma variável complexa e importante para o que se considera como os
sociedade diferente da sua fornece o ponto de partida básico para se entender as condições
A diferença entre trabalhar na própria sociedade de que se faz parte e numa outra
pode levar a diferenças no modo de estabelecer o contato inicial. Benjamin Paul (citado
por Cicourel, 1982:73) comenta que não existe um padrão de inserção em uma nova
53
trabajador sobre el terreno define su propio papel; a veces, se lo definen la situación y la
qué jugadas hará la otra parte, pero las prevé el mejor posible, haciendo sus movimientos
Além da questão da definição de papéis, outra observação que o autor faz sobre o
comunidade que está sendo estudada. Muitos pesquisadores podem ficar tão envolvidos na
sua participação que se hacen nativos. Schwartz e Schwartz afirmam que la variable del
formado de objetos que estão dentro do seu campo de visão, qualquer que seja este meio.
meios de acesso em relação ao grupo a ser estudado, bem como a maneira que esse acesso
afetará sua relação com os sujeitos a serem estudados. Cicourel refere a importância que
Goffman dá a este contato inicial como sendo crucial para qualquer interação social.
mundo construído com significados e símbolos, o que implica a busca desta construção e
54
de seus significados. Por isso, as técnicas qualitativas buscam: entrar dentro do processo de
qualitativa não pode ser entendida sem o entendimento dos supostos filosóficos que a
sustentam.
55
juega un importante papel. Los datos son principalmente no cuantitativos. Tanto
distancia como compromiso: los investigadores son actores que también quieren
experimentar en su interior lo que están estudiando. Los investigadores aceptan la
influencia tanto de la ciencia como de la experiencia personal: utilizan su
personalidad como un instrumento. Los investigadores permiten tanto los
sentimientos como la razón para gobernar sus acciones. Los investigadores crean
parcialmente lo que estudian, por ejemplo, el significado de un proceso o documento.
cujo foco central é a compreensão subjetiva, as percepções das pessoas, dos símbolos e dos
maneira:
Los seres humanos son animales únicos. Lo que los humanos dicen y hacen es
derivado de cómo interpretan su mundo social. (...) la conducta humana depende del
aprendizaje más que del instinto biológico. (...) (los humanos) comunican lo que
aprenden a través de símbolos, el más común de los cuales es el lenguaje (...). La
tarea del investigador, en este contexto, estriba en captar la esencia de este proceso
para interpretar y captar el sentido atribuido a los diferentes símbolos.
Bergh afirma, de acordo com Blumer12, que os significados são produtos sociais
investigador para captar as condutas das pessoas é um elemento central para entender
dependen de cómo los mismos sujetos definen esta situación, ou seja, por mais que estas
definições dependam das estruturas institucionais existentes, dos papéis que os indivíduos
provém das interações sociais. Para o autor, el análisis cualitativo surge de aplicar una
11
Bergh situa que o interacionismo simbólico foi iniciado por Cooley, Mead e seguido e elaborado por
Blumer, Denzin e outros. (In: Alvarez-Gayou, 2003).
12
Blumer, H. Simbolic Interationism, Perspective and Method. Prentice Hall, Englewood, 1969.
56
significados que brotan de la interacción simbólica entre los individuos (in: Alvarez-
Gayou, 2003:15).
anteriormente.
traçarmos um perfil dos mesmos, além de deixá-los mais descontraídos para responder a
entrevista.
esse indivíduo se relaciona com a cidade na qual vive, com os espaços de participação
popular que a cidade oferece, e com as políticas públicas voltadas, principalmente, para as
populações pesquisadas.
fenômeno que nos propusemos estudar, pois acreditamos, como refere Sandoval (1994),
que a análise dos significados de expressão verbal das pessoas é uma tarefa de juntar não
do entrevistado.
57
Toda entrevista é um processo dinâmico multifuncional atravessado pelo contexto
social de uma vida complexa e aberta continuamente às transformações. Por isso, em toda
De acordo com Sierra (In: Cáceres, 1998: 286), além da comunicação verbal, é
códigos presenciais, como por exemplo, gestos, entonação da voz ou movimentos dos
olhos.
Os códigos presenciais são mais eficientes nas funções conotativa e emotiva que
Cáceres, 1998: 293), mantém uma série de relações afetivas que põem em jogo toda uma
complexa rede de relações nas quais se distribui o poder e se criam as identidades coletivas
58
para que o entrevistado devolva, em troca, informação pessoal em forma de descrição,
tudo, a simulação da naturalidade do diálogo. Esta situação criada pelo entrevistador é uma
situação nova para o entrevistado. Neste sentido, ainda que o cenário seja familiar ao
encontro, na medida em que o sujeito entrevistado tem que se enfrentar a sós com uma
pessoa estranha.
desenvolvimento da conversação.
estabelecido nas perguntas das entrevistas que realizamos e que foram confirmadas pelas
Cabe ressaltar que quando nos referimos às categorias de análise, entendemos, como
59
y deben ser sensibilizadoras, es decir, proporcionar al lector la posibilidad de
ver y escuchar vividamente a las personas estudiadas (Alvarez-Gayou, 2003:
93).
Tutelar.
indivíduos fazem em participar – ou não – dos fóruns de participação popular, bem como
O texto da tese está ilustrado pelas falas dos entrevistados13. Nossa intenção foi dar
idéias e opiniões das pessoas vão sendo construídas nas relações, no dia-a-dia, de acordo
com as vivências de cada um. Buscamos, desta maneira, não utilizar as falas de forma
13
A transcrição das falas foi realizada com fidelidade, não tendo sido realizado nenhum tipo de correção
ortográfica ou gramatical. Os nomes das pessoas utilizados ao longo deste trabalho são fictícios de forma a
preservar a identidade de cada um.
60
3.1- Os atores sociais da pesquisa
de 42 entrevistados.
20
15
Homens
Mulheres
10
0
Moradores Técnicos
12
10
0
Homens Mulheres
Recicladores Catadores Faxineira Pres.Clube Atend.Creche Pres.As.Com.
14
Nessa seção, incluímos na categroria “moradores”, os moradores e trabalhadores das Unidades de
Reciclagem de Lixo, pois estamos considerando esses dois grupos como os moradores das comunidades
pesquisadas. Fazemos uma diferenciação entre trabalhadores e moradores, para fins de análise dos dados.
61
Dos técnicos, a representatividade dos entrevistados em relação à Secretaria ou
3,0
2,5
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
Homens Mulheres
5
4
3
2
1
0
Homens Mulheres
62
Estado civil
10
6
Casados
4 Solteiros
0
Homens Mulheres
Idade
0
18-25 26-30 31-40 41-50 51-60 Acima de 61
Homens Mulheres
Escolaridade
0
1 a 4 série 5 a 8 série E.Médio E.Médio E.Superior MOVA
completo incompleto
Homens Mulheres
63
Naturalidade e Motivos da vinda para Porto Alegre
Motivos de Saúde
Questões familiares
Natural de P.Alegre
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Renda familiar
12
10
8
6
4
2
0
1 salário mínimo 2 salários mínimos 3 salários mínimos
Homens Mulheres
64
3.2.2- Técnicos
Idade
2 1
0 0
0
25-30 31-40 41-50
Homens Mulheres
Escolaridade
0
E.Médio E.Superior Pós-Graduação
Homens Mulheres
Naturalidade
0
Porto Guaraciara Santa
Alegre Maria
Homens Mulheres
65
Tempo em que trabalha no setor
21-25 anos
16-20 anos
11-15 anos
7-10 anos
4-6anos
3 anos
0 0,5 1 1,5 2
66
CAPÍTULO II
aprimorador do debate entre o Governo Municipal e a população. Tem sua base legal
prevista na Lei Orgânica Municipal, artigo 116. Incide na esfera de atribuição do Poder
história mostra também a criação dos Conselhos e de outros fóruns de participação que a
15
Fonte: Histórico do Orçamento Participativo de Porto Alegre. Cidade – Centro de Assessoria e Estudos
Urbanos.
67
Ano de 1989
1º gestão da Administração Popular
Gestão: 1989-1992
Prefeito: Olívio Dutra. Vice-prefeito: Tarso Genro
Plataforma principal: democratização das relações entre Estado e Sociedade Civil.
Ausência de recursos para investimentos – Reforma Tributária – potencialização dos
recursos próprios – “quem tem mais, paga mais”. Reformulações do IPTU e ISSQN.
Primeira proposta de Orçamento Participativo: discussão pública do orçamento e
recursos para investimento – coordenado pela Secretaria de Planejamento Municipal.
Proposta da Prefeitura de regionalização do OP em cinco regiões. Debate com as
lideranças comunitárias e sindicais – definição das dezesseis regiões: Ilhas, Humaitá –
Navegantes, Leste, Lomba do Pinheiro, Norte, Nordeste, Partenon, Restinga, Glória,
Cruzeiro, Cristal, Centro-Sul, Extremo-Sul, Eixo-Baltazar, Sul e Centro. 1ª Reunião do
OP, realizada no Sindicato dos Metalúrgicos, zona norte da capital, com duzentos
participantes. Criado o Serviço de Educação de Jovens e Adultos – SEJA16.
Ano de 1990
Aprovação da Lei Orgânica Municipal em 03.10.90. O OP passa a ser coordenado pela
CRC – Coordenação de Relações com a Comunidade. Criação do GAPLAN – Gabinete
de Planejamento responsável pelo planejamento orçamentário, mudando o padrão
tradicional de fazer o orçamento. GAPLAN e CRC estão vinculados diretamente ao
Gabinete do Prefeito. Criação do Conselho Municipal do Plano de Governo e
Orçamento. Critérios para eleição de delegados na 1ª rodada: cinco pessoas = um
delegado. Critérios para distribuição de recursos nas regiões: população carente,
população total, contribuição para a organização da cidade, mobilização popular e
carência de infra-estrutura.
Ano de 1991
Distribuição dos recursos por setor de atividade ao invés da política de concentração dos
investimentos nas áreas de carência máxima. A hierarquização é feita por órgãos da
administração. Dois critérios foram abandonados: o da mobilização popular e o da
importância da região para a organização da cidade. Novo critério: a prioridade da
região. Critérios para a distribuição de recursos: carência de serviços ou infra-estrutura
urbana da região, população em área de carência máxima de serviços ou infra-estrutura
da região, população total e prioridade da região. Criação do Fórum Regional do
Orçamento Participativo – FROP. Aprovada a lei que disciplina a concessão do direito
real de uso aos ocupantes de áreas de propriedade do poder público municipal (Lei nº
242 de 09.01.91). Criação do Conselho Municipal de Educação e do Conselho Municipal
dos Direitos da Criança e do Adolescente. Criação do Programa Municipal de Educação
Infantil – atendimento às crianças de 0 a 6 anos.
16
Atualmente denominado EJA – Educação de Jovens e Adultos
68
Ano de 1992
Reforço das relações com a comunidade: criação do Coordenador Regional do
Orçamento Participativo (CROP). Introdução de sete temas para a hierarquização:
saneamento básico, regularização fundiária, transportes, saúde, organização da cidade,
pavimentação e educação. Multiplicação dos espaços de participação, como os
Conselhos Populares e os Conselhos Tutelares. Criação do Conselho Municipal de Saúde
(CMS). Aprovada a lei que institui o Banco de Terras (Lei nº 269 de 22.01.92).
Ano de 1993
2ª gestão da Administração Popular
Gestão: 1993-1996
Prefeito: Tarso Genro. Vice-prefeito: Raul Pont
Novo nome para a pavimentação: Pavimentação Comunitária. Plano Plurianual
elaborado internamente pelo Governo e apresentado para aprovação do COP. Realização
do Cidade Constituinte17 – Qual a cidade que queremos no futuro? I Congresso da
Cidade – aprovação das diretrizes, projetos e ações da cidade que se deseja. Alterações
no IPTU: aprovado na Câmara de Vereadores a progressividade no tempo (alíquota
progressiva). Aprovada a Lei 312 que regulamenta a função social da propriedade.
Criação da Unidade Financeira Municipal (UFM) como unidade de correção dos tributos
(impostos, taxas e contribuição de melhoria). Criação dos Conselhos Escolares em
19.01.93. Início do projeto “Escola Cidadã”: participação da comunidade nas escolas.
Criação do convênio com creches comunitárias: recursos públicos e gerenciamento da
comunidade. Papel prioritário da Prefeitura na política de Assistência Social do
município articulando ações que se encontravam dispersas.
17
O Projeto Porto Alegre Mais – Cidade Constituinte foi concebido em 1993 na transição da primeira para a
segunda gestão da Administração Popular, como um processo de mobilização e de elevação da consciência
política e social da cidadania. A população deveria ser desafiada a debater e propor projetos, ações e
diretrizes gerais para o desenvolvimento da cidade. Fonte: http://www.portoalegre.rs.gov.br
69
Ano de 1994
Criação das Temáticas: Circulação e Transporte, Saúde e Assistência Social, Educação,
Cultura e Lazer, Desenvolvimento Econômico e Tributação e Organização da Cidade e
Desenvolvimento Urbano. Primeira discussão e aprovação do Regimento Interno18 no
Conselho Municipal do Plano de Governo e Orçamento. Constituição da Comissão
Paritária que coordena e planeja as atividades do Conselho, com quatro representantes do
governo e quatro conselheiros eleitos. Criação da Comissão Tripartite composta por
Governo, Conselho, e Sindicato dos Municipários (SIMPA) que trata sobre o ingresso de
pessoal na administração do município. Início da discussão dos critérios técnicos e gerais
no Conselho de forma sistemática. Redefinição do critério de eleição para delegados:
vinte participantes = um delegado. Parcela dos delegados é tirada também nas reuniões
intermediárias: dez participantes = 1 delegado, na reunião de maior quorum. 1ª
prioridade de toda a cidade: Regularização Fundiária. Plano de Desenvolvimento
Econômico: programas e projetos para dinamização da economia da cidade. Entra em
vigor a lei do IPTU progressivo no tempo e que define as Áreas Urbanas de Ocupação
Prioritária (AUOPS). Inicia-se o processo de municipalização da Saúde – o município se
responsabiliza cada vez mais pelas áreas sociais. Criação do Conselho Municipal de
Transportes Urbanos (COMTU) e do Conselho Municipal do Fundo de Compras
Coletivas (FUNCOMPRAS). Aprovada Lei 315, de 06.01.94, que dispõe sobre o Solo
Criado.
Ano de 1995
Alteração nos critérios gerais do OP: é excluído o critério “população carente da região”. O
Regimento Interno passa a ter formato próprio e é publicado. Comissão Paritária e a
Tripartite constam no Regimento Interno. Criação da Instituição Comunitária de Crédito
(ICC) Portosol. Realização do II Congresso da Cidade: início das discussões sobre a
reformulação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Início da Constituinte Escolar
e reestruturação curricular: ensino por Ciclos de Formação. Criação do Conselho
Municipal de Acesso à Terra e Habitação – COMATHAB (Lei 337 de 10.01.95).
Município credencia-se no Programa Pró-moradia do Governo Federal, aumentando sua
responsabilidade na área habitacional – descentralização da política habitacional. Criação
do Conselho Municipal dos Direitos da Cidadania contra as discriminações e violência
(CMDC), do Conselho Técnico da Vila Tecnológica de Porto Alegre, do Conselho
Municipal de Assistência Social (CMAS) e do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher
(COMDIM). Regulamentação do Fundo Municipal de Desenvolvimento (FMD) (Lei 7592
de 10.01.95). Aprovada a Lei 7593, de 05.12.95, que dispõe sobre a instalação de
escritórios comunitários nas vilas irregulares de Porto Alegre.
18
É o conjunto de regras que determina o funcionamento do OP. A auto-regulação é uma marca fundamental
do Orçamento Participativo. A cada ano, os participantes analisam o Regimento Interno e o modificam,
garantindo um processo dinâmico e em constante aperfeiçoamento.
70
Ano de 1996
Mudança nos nomes dos temas de hierarquização: transporte passa a ser Transporte e
Circulação, e retira-se o termo “comunitária” da Pavimentação. Mudança nos critérios de
eleição para delegados: introdução do sistema de faixas. Introdução de uma tabela de
proporcionalidade no Regimento Interno para a eleição de conselheiros quando tiver
mais de uma chapa. Mudança no nome do Conselho: Conselho Municipal do Orçamento
Participativo. Repercussão internacional do OP: apresentado no Habitat II, em Istambul,
com a participação de conselheiros do OP. Município assume a Secretaria Executiva da
Rede de Cidades do Mercosul. Lei Kandir e FUNDEF – Fundo de Desenvolvimento do
Ensino Fundamental – retiram os recursos do município. Criação do Conselho Municipal
de Ciência e Tecnologia (COMCET), do Conselho Municipal de Agricultura e
Abastecimento (CMAA), do Conselho Municipal do Meio Ambiente (CMS), do
Conselho Municipal do Desporto e do Conselho Municipal de Alimentação Escolar
(COMAE).
Ano de 1997
3ª gestão da Administração Popular
Gestão: 1997-2000
Prefeito: Raul Pont. Vice-prefeito: José Fortunatti
Elaboração do Plano Plurianual com participação popular: discutido nos Fóruns do OP.
Alteração no critério de eleição dos delegados: oito faixas de proporcionalidade. A
rodada passa a ser chamada de Assembléia Geral Popular. Os participantes da 1ª rodada
são identificados para a escolha dos delegados. Introduz-se oficialmente o nome de
“Rodadas Intermediárias”. Criação da Comissão Tripartite II composta pelo Conselho,
Secretaria Municipal de Educação e Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente que trata sobre o convênio das creches comunitárias. Criação da Comissão
de Comunicação do Conselho. Mudança nos critérios gerais (pesos, notas e faixas)
carência do serviço ou infra-estrutura (peso 4 e 5 notas), população total da região (peso
2 e 4 notas) e prioridade temática da região (peso 4 e 5 notas). Novo tema de
hierarquização (total de 8 temas): Assistência Social; Ampliação do tema Regularização
Fundiária que passa a chamar-se Política Habitacional abrangendo: regularização
fundiária, reassentamento, urbanização e unidades habitacionais. 1ª Prioridade de toda a
cidade: Política Habitacional.
Ano de 1998
Alteração no critério de eleição dos delegados: quatro faixas de proporcionalidade.
Conselheiros organizam pauta de reuniões para discutir o seu papel. Novos temas de
hierarquização (total de 12 temas): Áreas de Lazer e Esporte. Desenvolvimento
Econômico e Cultura. O tema Desenvolvimento Econômico tem critérios técnicos
definidos no Regimento Interno. 1ª Conferência de Direitos Humanos. Implantação de
grandes empreendimentos na cidade deve ser submetida às diretrizes do desenvolvimento
econômico. Governo Federal suspende repasses para Estados e Municípios referentes à
moradia e saneamento. Criado o Sistema Municipal de Ensino de Porto Alegre que
implantou o Planejamento e o Orçamento Participativo na Escola Cidadã. 1ª prioridade
de toda a cidade: Pavimentação. Incluído no Regimento Interno a garantia de intérprete
da Língua Brasileira de Sinais – Libras.
71
Ano de 1999
Novo nome do Conselho: Conselho do Orçamento Participativo (COP). Aprovação do
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental que conta com uma representação
mais efetiva das regiões. Incluído no Regimento Interno, artigo tratando sobre as reuniões
dos conselheiros. Porto Alegre ganha o prêmio Prefeito Criança. Identifica-se a
necessidade de divulgar as deliberações e encaminhamentos das reuniões da Comissão
Paritária e da Comissão Tripartite. Inclui-se no Regimento Interno a possibilidade de
constituir Comissão Especial para acompanhar real carência de casa região. 1ª prioridade
de toda a cidade: Saneamento Básico.
Ano de 2000
Alteração no critério de eleição dos delegados: dez participantes = um delegado. Na ficha
de credenciamento do participante das rodadas acrescenta-se a expressão “segmento” ao
qual a pessoa pertence. Para eleição de delegados nas rodadas intermediárias determina-se
reunião específica para este fim. Coordenação do COP substitui a Comissão Paritária,
composta de quatro representantes do governo e oito conselheiros. Introdução dos
critérios técnicos da Assistência Social. Alteração nos critérios gerais: carência de
serviços ou infra-estrutura (peso 4 e 4 notas); prioridade da região (peso 5 e 4 notas).
Criação de nova Temática: Cultura. Inclui-se no Regimento Interno: Obras institucionais
que exigirem recursos orçamentários próprios, ou financiamentos de organismos nacionais
ou internacionais, deverão ser debatidas previamente com a comunidade. 1ª prioridade de
toda a cidade: Política Habitacional. Porto Alegre ganha o prêmio Prefeito Criança. III
Congresso da Cidade – dois eixos de enfoque: gestão participativa e qualidade de vida.
Criação do Centro de Aplicação e Formação de Educadores Populares. Posse do novo
Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental e dos Fóruns Regionais de
Planejamento com a participação das comunidades. Inauguração do Auditório Popular no
Mercado Público – local para as reuniões do Orçamento Participativo. Criação do
Conselho de Segurança Comunitária.
Ano de 2001
4ª gestão da Administração Popular
Gestão: 2001-2004
Prefeito: Tarso Genro. Vice-prefeito: João Verle
Tarso Genro administrou a cidade até o ano de 2002, quando se afastou da administração
na Prefeitura para se candidatar ao Governo do Estado, nas eleições de 2002.
72
Novo tema de hierarquização (total de 13 temas): Saneamento Ambiental; Mudança nos
nomes do tema Política Habitacional para Habitação, e Organização da Cidade para
Iluminação Pública. Inclui-se no Regimento Interno que o conselheiro não pode ser agente
do MOVA. Inclui-se no Regimento Interno que o acompanhamento das obras pode ser
feito pela Comissão de Obras independente de sua fase, o governo deve providenciar o
transporte. Incluído no Regimento Interno a linguagem Braile nas plenárias. Criação da
Tripartite III: discussão das políticas de Assistência Social. Criada no COP a Comissão de
Obras, Habitação e Área Social. Inclui-se nos critérios técnicos da Habitação: necessidade
de um cadastramento junto à comunidade nos casos dos projetos habitacionais, evitando a
grilagem e a venda de terrenos. Inclui-se no Regimento Interno que o governo deverá
responder aos conselheiros(as) das regiões/temáticas as questões levantadas pelos mesmos
nos informes das reuniões. OP – Internet: possibilidade de enviar sugestões via Internet
com análise prévia do governo e sendo obrigatória a avaliação e deliberarão nos Fóruns de
Delegados do OP (www.portoalegre.rs.gov.br/op/default.htm). Discussão da Proposta do
Plano Plurianual pela população em geral, nas instâncias de base do OP, no Plano Diretor
de Desenvolvimento Urbano e Ambiental e Conselhos Setoriais. Criação do Grupo de
Trabalho Modernização do OP – internamente ao governo – para propor melhorias.
Aprovação da proposta de realização de cursos de capacitação sobre o Orçamento
Participativo. Porto Alegre é sede do Fórum Social Mundial.
Ano de 2002
Nos primeiros 14 anos do OP, a população decidiu a distribuição de mais de R$ 1 bilhão e
630 milhões em projetos, obras e serviços. O número de demandas aumenta com a
possibilidade de enviar pela Internet, mas isso não significa um aumento de participação.
Porto Alegre sedia o II Fórum Social Mundial.
Ano de 2003
A cidade contabiliza um aumento na qualidade de vida de seus cidadãos. Divulga os
números das conquistas e títulos que a cidade teve ao longo da Administração Municipal,
via Orçamento Participativo. Porto Alegre sedia o III Fórum Social Mundial.
Ano de 2004
Até 2004, uma média de 50 mil pessoas ao ano, se reuniu nas Assembléias Regionais,
Temáticas e Municipal do Orçamento Participativo. Diminui as demandas enviadas pela
Internet. A cidade continua contabilizando conquistas via OP, apesar do atraso em muitas
obras.
2. Funcionamento Geral19
direta, a aplicação dos recursos em obras e serviços que serão executados pela
19
Fontes: Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Porto Alegre – a capital do Orçamento Participativo.
Material de divulgação. 2002/2003, e www.portoalegre.rs.gov.br. Pesquisa feita em 25.09.05.
73
Administração Municipal. Inicia-se com as reuniões preparatórias, quando a
ao longo dos anos, por decisão dos próprios participantes, visando equacionar os
educativas e produtivas.
teve como objetivo, incentivar a participação dos cidadãos e entidades vinculadas a outros
Temáticas.
importância, das obras e serviços que são discutidas no período de Maio a Julho e pela
74
2.1- Base de Discussão do Orçamento Participativo
nas Temáticas discute e define diretrizes, investimentos e serviços para toda a cidade, isto
TEMÁTICAS
Circulação e Transporte
Saúde e Assistência Social
Educação, Esporte e Lazer
Cultura
Desenvolvimento Econômico, Tributação e Turismo
Organização da Cidade, Desenvolvimento Urbano e Ambiental
REGIÕES BAIRROS
01 – Humaitá – Navegantes - Ilhas Anchieta - Arquipélago (Ilha das Flores, da
Pintada, do Pavão e Ilha Grande dos
Marinheiros*) - Farrapos - Humaitá - Navegantes
- São Geraldo
02 – Noroeste Boa Vista - Cristo Redentor - Higienópolis -
Jardim Itú - Jardim Lindóia - Jardim São Pedro -
Passo D’areia - Santa Maria Goretti - São João -
São Sebastião - Vila Floresta* - Vila Ipiranga
03 – Leste Bom Jesus - Chácara das Pedras - Jardim
Carvalho - Jardim do Salso - Jardim Sabará -
Morro Santana - Três Figueiras - Vila Jardim
04 – Lomba do Pinheiro Agronomia - Lomba do Pinheiro
05 – Norte Sarandi
06 – Nordeste Mário Quintana
07 – Partenon Coronel Aparício Borges – Partenon*
- Santo Antônio - São José - Vila João Pessoa
08 – Restinga Restinga*
09 – Glória Belém Velho - Cascata – Glória
10 – Cruzeiro Medianeira - Santa Tereza
11 – Cristal Cristal
12 – Centro-Sul Camaquã - Campo Novo - Cavalhada* - Nonoai -
Teresópolis - Vila Nova
13 – Extremo-Sul Belém Novo - Chapéu do Sol - Lajeado - Lami -
Ponta Grossa
75
14 – Eixo-Baltazar Passo das Pedras - Rubem Berta*
15 – Sul Espírito Santo - Guarujá - Hípica - Ipanema -
Pedra Redonda - Serraria - Tristeza - Vila
Assunção - Vila Conceição
16 – Centro Auxiliadora - Azenha - Bela Vista - Bom Fim –
Centro* - Cidade Baixa - Farroupilha - Floresta -
Independência - Jardim Botânico - Menino Deus -
Moinhos de Vento - Mont Serrat - Petrópolis -
Praia de Belas* - Rio Branco - Santa Cecília –
Santana
* As comunidades pesquisadas localizam-se nesses bairros.
escrevem na cédula os números das quatro (04) prioridades que consideram mais
20
Fonte: Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Orçamento Participativo 2005. Regimento Interno – Critérios
gerais técnicos e regionais. Elaborado por GRC/GAPLAN. 2004.
76
importantes, em ordem de prioridade (1º, 2º, 3º e 4º lugares), conforme os códigos listados
abaixo.
uma ordem de prioridade para os investimentos anuais de acordo com estes temas e
77
Fundamental, Educação de Jovens e Adultos (Programa SEJA e
Projeto MOVA) e Educação Especial - adaptação de espaços
físicos para atendimento dos portadores de necessidades
educativas especiais.
06 Assistência Social FASC
Este tema tem como objetivo: atender a população na área da
assistência social, através do Atendimento a Crianças e
Adolescentes - SASE, Trabalho Educativo, Abrigagem,
Educação Social e Centros de Juventude; Atendimento à
Família: Programa Família, Apoio e Proteção; Atendimento à
população adulta, Plantão Social, Construção e Reforma de
Abrigos, Casas de Convivência e Albergues; Atendimento ao
Idoso; Atendimento aos Portadores de Deficiência;
reforma/ampliação e/ou implantação de unidades de Assistência
Social (centros, módulos, abrigos, albergues);
construção/reforma/ampliação dos espaços da comunidade
utilizados para os programas do SASE, NASF, Família Cidadã,
Trabalho Educativo.
07 Saúde SMS
Estão incluídos neste tema: reforma, ampliação e construção de
Postos de Saúde; ampliação de serviços na rede básica e
equipamentos e material permanente para os Postos de Saúde.
08 Circulação e Transporte SMT/EPTC
Faz parte deste tema: a construção de rótulas, recuo de transporte
coletivo e/ou área de escape para embarque e desembarque de
passageiros, abrigos e equipamentos de sinalização.
09 Áreas de Lazer SMAM
Tema que tem como objetivos: realizar serviços de manutenção
e conservação de praças e parques e também implantar
equipamentos (recreação infantil, bancos, aparelhos esportivos e
outros) em áreas administradas pela SMAM. Também trata do
Programa Área de Risco que tem como objetivo geral proteger a
população e o meio ambiente dos danos causados pela ocupação
humana em áreas impróprias para moradia.
10 Esporte e Lazer SME
Estão incluídos neste tema: as atividades de esporte e lazer
como: construção de equipamentos esportivos (campos de
futebol, quadras, canchas de bocha e outros) e equipamentos de
lazer (playground e recantos infantis) bem como sua
conservação nas áreas administradas pela SME além da reforma
e ampliação dos Centros Comunitários.
11 Iluminação Pública DIP/SMOV
Este tema trata da iluminação de logradouros públicos do
município no que diz respeito a projetos, implantação e
manutenção. Implantação de novos pontos em ruas, avenidas,
praças, parques, passagens de pedestres e escadarias.
12 Desenvolvimento Econômico, Tributação e Turismo SMIC
Este tema tem como objetivo: o desenvolvimento econômico do
município através dos programas de abastecimento e área rural,
78
programa de ocupação e renda (apoio às iniciativas econômicas
populares), apoio a empreendimentos, urbanização, reforma,
ampliação ou construção de equipamentos turísticos e apoio à
produção e serviços turísticos.
13 Cultura SMC
Este tema está vinculado às atividades de cunho cultural da
cidade: administrando equipamentos culturais (teatros, museus e
outros), desenvolvendo atividades de descentralização da cultura
(Programa Cultural “Pura Aqui”, Oficinas, Festival de Música,
Memória dos Bairros e Festas da Cidade) além de ações, eventos
da cultura (Carnaval, Semana de Porto Alegre, Porto Alegre em
Cena e outros).
14 Saneamento Ambiental DMLU
Estão incluídos, neste tema: o projeto "Bota Fora" (atendimento
em vilas) e o Serviço de Coleta Seletiva, Programa de
Compostagem de Lixo Orgânico e Reforma de Unidades de
Triagem.
79
Ampliação de Serviços na Rede Básica - Juventude -
Portadores de Deficiência
Assistência Social: Atendimento à Criança e ao
Adolescente - Atendimento à Família - Reforma,
ampliação e/ou implantação de Unidades de Assistência
Social - Atendimento à População Adulta - Atendimento
aos Portadores de Deficiência
- Grupos de Convivência da Terceira Idade
- Juventude - Portadores de Deficiência
temática da região. Esses critérios são aplicados para a distribuição de recursos nas três
DMAE, que tem critérios próprios. O cálculo para definir as três primeiras prioridades
regiões são resultado do mesmo cálculo efetuado para encontrar as três primeiras. É
priorizado o atendimento das demandas de regiões que as tenham escolhido entre as suas
80
quatro prioridades temáticas. No caso de haver saldo disponível de recursos depois de
2.6.1- Gerais
GAPLAN/CRC - sob análise prévia), sendo obrigatória sua avaliação e deliberação nos
pelos conselheiros.
2.6.2- Regionais
As regiões podem apresentar até quinze demandas de obras e serviços nas suas
quatro prioridades temáticas e até cinco demandas nos demais temas. As mesmas são
81
2.6.3- Temáticas
todas as regiões. O ano de 1992 foi o primeiro ano em que estas prioridades foram
82
OP 1º Prioridade 2º Prioridade 3º Prioridade
83
2.7.2- Qualidade de vida via Orçamento Participativo
2.7.2.1- Pavimentação
Carência de
Pavimentação em 2003
390 km
690 km
Carência de
Pavimentação em 1988
A recuperação das ruas da cidade foi outra obra conquistada via Orçamento
quatro vezes em primeiro lugar nas demandas da cidade, cinco vezes em segundo lugar e
três vezes em terceiro lugar. Isso representa que as ruas das regiões mais carentes
84
saneamento básico. Desta forma, muitas pavimentações foram precedidas da instalação de
como um dos sete temas a serem hierarquizados pelos cidadãos. Em 1992, 1993 e 1999, foi
escolhido como prioridade para toda a cidade. Em 2001, um novo tema foi acrescido aos
nascidas nas reuniões do OP. Em 2004, se contabilizou, em Porto Alegre, 84% do esgoto
coletado, sendo 27% tratados (em 1989 eram apenas 2% e, com o Projeto Sócio
Ambiental, chegou-se próximo de 77%), e 99,5% das casas com água tratada e de
qualidade. Os 5% das casas não atendidas pelo sistema estão fora da área urbana, ou em
ocupações de áreas de risco mas, mesmo assim, recebem água por caminhões pipa ou de
poços artesianos.
100
80
60
40
20
0
1989 2002 2003 Projeto Sócio
Ambiental
obedeceu a um planejamento contínuo. Em 1992, transporte foi incluído entre as sete áreas
temáticas no OP incluiu circulação e transporte como um dos temas. Naquele ano foi
85
Pública de Transporte e Circulação (EPTC). Estes fatos tiveram decisiva participação nas
melhorias das avenidas, dos corredores de ônibus, do fluxo do trânsito na cidade. Porto
Alegre tem um dos melhores transportes coletivos do país. Operam 1.594 ônibus em 328
linhas, sendo 258 ônibus com ar condicionado e 208 com acessibilidade universal e
2.7.2.4- Saúde
chegaram a 18%.
1989
10,9%
2002
18%
incluída como uma das sete áreas para hierarquização do Orçamento Participativo. No
foi criado o Conselho Municipal de Saúde (CMS). Em 1994, a saúde passou a ser uma das
temáticas do OP. O ano marca o início do processo de municipalização da saúde. Até 1998,
saúde. A partir de então, incorporou ao SUS quarenta e seis unidades dos Governos
Federal e Estadual. Equipou, reformou ou ampliou quarenta delas. A rede é formada por
quarenta e seis unidades de saúde e seis ambulatórios básicos (que constituem a rede de
86
atenção básica), onze centros especializados em saúde, seis ambulatórios especializados e
saúde pública, Porto Alegre tem sessenta e três equipes do Programa de Saúde da Família
operando em quarenta e oito prédios, os quais são chamados Postos de Saúde da Família
(PSF). O Hospital de Pronto Socorro (HPS) foi modernizado e é referência pela excelência
Desde 1995, Porto Alegre conta com a SAMU, o Serviço de Atendimento Móvel de
2.7.2.5- Educação
Jovens e Adultos (SEJA), que alfabetizou 4.223 pessoas. Em 1991, foram criados o
crianças de até seis anos. Em 1992, Educação foi um dos sete temas hierarquizados pelo
OP. Em 1993, teve início o Projeto Escola Cidadã, que abriu a participação da comunidade
nas escolas. No mesmo ano, foram criados os Conselhos Escolares, e começou a ser
primeiras 40 creches atendiam a 2000 crianças. Em 2003, 129 creches atendiam a 8.530
crianças e o convênio foi ampliado e renovado até 2007. Em 1994, Educação passou a ser
havia 92.
87
140
120
100
80
60
40
20
0
1988 2003
de 96,7%.
60.000
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
0
1989 2003
Crianças atendidas pelas Creches Comunitárias Alunos atendidos na Rede Municipal de Ensino
2003 é de 100%. Nenhum bairro tinha coleta seletiva. Porto Alegre é uma cidade na qual
88
2003
100%
1988
85%
População atendida pela Coleta de Lixo Bairros atendidos pela Coleta Seletiva de Lixo
considerada a capital brasileira que mais recicla e que tem o serviço de coleta seletiva
recolher lixo dos arroios e riachos, e colabora com o Programa Guaíba Vive, que tem
recuperado a balneabilidade do Guaíba e sua orla. Porto Alegre tem um milhão de árvores
plantadas em vias públicas e um índice de 16,42 m2 de área verde por habitante, uma das
capitais mais arborizadas do País (em 1989 o índice era 14,39 m2 por habitante). Porto
Alegre tem nove parques públicos, três reservas ambientais e 748 praças – de 1989 para cá
papel prioritário na política de assistência social, articulando ações antes dispersas. Tem
uma rede de serviços que envolve mais de 400 entidades, atuando em todas as etapas da
89
vida, em cada necessidade específica de atendimento. Em 1994, as temáticas do
Assistência Social. Em 1997, Assistência Social passa a ser a oitava área de hierarquização
Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, em 2003, era de 1.705 famílias, conforme ilustra
o gráfico abaixo:
1988 0
refeições gratuitas. São programas para as faixas etárias de até seis anos22, de sete a dezoito
anos23 e para adultos, famílias e idosos24. A Assistência Social, em 2004, passou a ser a
21
O Conselho Municipal dos Direitos da Cidadania foi transformado, em 1999, no Conselho Municipal dos
Direitos Humanos.
22
Programas: Prá-vida, Prá-crescer, Projeto Esperança, Renascer, Pra-nenê, Creches Comunitárias
Conveniadas, Rede Municipal de Ensino e Bolsa Escola.
23
SASE, Programa de Abrigagem e Projeto Travessia nas Escolas, Agente Jovem, Trabalho Educativo.
24
Bandejão, Programa Família Apoio e Proteção, Serviço de Atenção ao Idoso.
90
2.7.2.8- Política Habitacional: Habitação como prioridade25
foi concebida como direito humano, e a moradia digna, como base para a concepção de
que todas as pessoas possuem o direito à cidade e aos seus serviços, como transporte,
Federal, além de financiamentos internacionais, fizeram de Porto Alegre uma das cidades
que mais investe em habitação. Nos últimos dezesseis anos, foram aplicados R$ 300
todas as regiões da cidade. Esse valor pode ser traduzido em número de moradias. Nesse
25
Fonte: Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Habitação é prioridade em Porto Alegre. DEMHAB/GCS,
Junho de 2004.
26
Tem por objetivo integrar na cidade formal, as famílias que vivem de forma irregular. Atua por meio da
legislação, urbanização e da integração dos serviços públicos e comunitários, garantindo a permanência das
famílias na região de origem. Realiza estudo socioeconômico que identifica as principais características da
comunidade, desenvolvendo projetos para atender as suas necessidades fundamentais. Executado em etapas,
o programa divide-se em Levantamento Topográfico Cadastral e Pesquisa Cartorial, apuração das
características gerais da área ocupada, como número de famílias e a titularidade da área; Urbanização,
realização de projeto técnico, necessariamente, aprovado pela comunidade, que verifica a viabilidade de
execução de obras de qualificação, como abertura de ruas e implantação de infra-estrutura; e Titulação,
última etapa do processo, e que garante a posse da área, através de usucapião – em área particular, ou
contrato de concessão do direito real de uso – em área pública.
27
Este Programa qualifica as condições de moradia das famílias que residem em locais impróprios, como
áreas de risco, insalubres ou destinadas ao desenvolvimento da cidade. Destina-se a reassentar famílias em
locais seguros, dignos e projetados de acordo com as necessidades de cada comunidade.
28
Tem por objetivo fomentar a união de famílias para a construção de suas próprias moradias em cooperação.
O DEMHAB realiza ações de educação, formação e capacitação dos associados; presta assessoria técnica,
jurídica, urbana e habitacional; e canaliza o repasse de recursos para projetos de infra-estrutura em forma de
financiamento.
29
São programas que mobilizam as diversas Secretarias e Departamentos da Prefeitura. Viabilizam
financiamentos externos e investimentos próprios municipais para resolver os problemas mais graves de
habitação, saneamento, equipamento cultural e sistema viário.
91
RESUMO DE FAMÍLIAS BENEFICIADAS POR REGIÃO – JUNHO DE 2004
Total de Investimento em 16 anos – R$ 312 milhões
REGIÃO REGULARIZAÇÃO PRODUÇÃO TOTAL DE
FUNDIÁRIA HABITACIONAL FAMÍLIAS
Humaitá/Navegantes/Ilhas* 876 2.083 2.959
Noroeste* 64 164 228
Leste* 7.737 61 7.798
Lomba do Pinheiro 4.741 403 5.144
Norte 1.733 663 2.396
Nordeste* 3.298 4.322 7.620
Partenon* 2.794 350 3.144
Restinga* 542 2.508 3.050
Glória 2.299 238 2.537
Cruzeiro 6.764 917 7.681
Cristal 1.363 21 1.384
Centro-Sul* 1.137 1.660 2.797
Extremo-Sul 284 589 873
Eixo-Baltazar* 751 1.478 2.229
Sul 1.908 195 2.103
Centro* 359 495 854
TOTAL 36.650 16.147 52.797
* Regiões em que se encontram as comunidades pesquisadas
Popular construiu 12 mil unidades. Após a conclusão das três mil casas do Programa
a 15 mil.
30
Programa Integrado Entrada da Cidade é um programa de recuperação urbana que está em execução em
Porto Alegre. Até 2007, a região dos bairros Navegantes, Humaitá e Farrapos será totalmente transformada,
com a implantação de projetos de habitação de interesse social, de infra-estrutura viária, recuperação urbana
e paisagística e criação de novas opções de trabalho e renda. Um investimento total de U$ 55 milhões, com
financiamento internacional do Fonplata – Fundo Financeiro para Desenvolvimento da bacia do Prata – com
sede na Bolívia. O PIEC é uma intervenção simultânea, em 22 vilas populares, de onze secretarias e oito
órgãos municipais. As primeiras 191 casas já foram entregues. Ao todo serão 3.061 unidades, beneficiando
14 mil pessoas. Haverá também obras em dez ruas e avenidas, incluindo a duplicação da avenida Voluntários
da Pátria. O Parque Mascarenhas de Moraes será reequipado e 25 praças recuperadas, mais a construção de
novas praças, loteamentos e um jardim linear, ao longo da Free Way. Novos postos de saúde, escolas, creches
comunitárias e equipamentos de geração de renda fazem parte do programa.
92
Período
1973-1988
7.400
15.000
Período
1989-2003 +
PIEC
Mais do que moradias, foi criada uma política para o setor. Em 1991, foi aprovada a
lei que disciplinou a concessão do direito real de uso (CDRU) aos ocupantes de áreas de
propriedade do poder público municipal. Em 1992, foi aprovada a lei que instituiu o Banco
cidade pelo terceiro ano consecutivo. Porto Alegre tem uma política definida para o setor,
déficit habitacional.
2.7.2.9- Cultura
Assim como todas as políticas da cidade, feitas com a participação dos setores
envolvidos, população e comunidade artística construíram, ao longo dos anos, uma política
para a cultura. Em 1993, o Projeto Descentralização da Cultura espraiou eventos por todas
cultura e lazer passaram a ser uma delas. Em 2000, cultura passa a ser uma temática
exclusiva. Muitas iniciativas incentivaram cada vez mais a cultura: o Fumproarte apoiando
93
Montevidéu, Saint Denis, o Salão Internacional de Desenho para a Imprensa, a utilização
Portosol, para favorecer o micro-crédito para segmentos que não tinham acesso ao crédito
bancário tradicional. A partir de 1997, o Projeto Ações Coletivas incentivou uma série de
Econômico, que tem seus critérios definidos no Regimento Interno. Ao injetar nos últimos
educação, saúde, saneamento, viabilizando uma qualidade de vida para a população porto-
94
2.7.2.11- Tecnologia
mil pessoas por mês, com faixa de um a quatro salários mínimos de renda. Cada usuário
pode ter seu próprio e-mail. A Prefeitura também utiliza a tecnologia da inclusão das
ganharam laboratórios, com 900 computadores que rodam em plataforma livre. São
espaços que atendem 91,3% dos mais de 49 mil alunos da rede municipal. Os centros
públicos só foram possíveis porque existe um trabalho que iniciou com o fortalecimento e
Porto Alegre foi a primeira cidade brasileira a dispor de uma infovia31 desenvolvida por
uma empresa pública. Por este trabalho, a Procempa recebeu autorização da Anatel para
prestar Serviço de Comunicação de Multimídia (SCM). Desde que foi criado o Projeto
Software Livre RS, em 1999, a Prefeitura ajudou a realizar quatro fóruns internacionais do
software livre. Com a migração dos seis mil computadores instalados em órgãos públicos
da Prefeitura ao Software Livre, houve uma redução de custos com licenças para instalação
moderna que está sendo atendida em sintonia com o princípio geral de inclusão social.
31
Anel de cabos recheados de fibras óticas para transmitir dados, sons e imagens.
95
CAPÍTULO III
literatura
A opção de iniciar este capítulo pelo tema da cidadania está relacionada com a
própria perspectiva que a cidade de Porto Alegre oferece para desenvolvermos uma
reflexão sobre a relação da cidade com seus moradores no que diz respeito à construção da
desta forma, que são processos, e como tais, apresentam retrocessos e avanços. Citando
Weber, Oliveira faz referência a um processo de democratização para dar idéia de fluxo e
destaca que esse trabalho é permanente uma vez que estas aquisições são o ponto de
partida para as ampliações, para a ruptura dos limites, em vez de eterno retorno ao
32
No texto da tese, como já referimos, utilizamos o termo participação popular para referir à nomenclatura
usada pela Administração Popular de Porto Alegre no período de 1989 a 2004 em relação à participação dos
porto-alegrenses na vida pública da cidade. E utilizamos o termo participação política para referir a nossa
definição de participação pública dos porto-alegrenses.
96
Da análise em termos nacionais que Oliveira faz33, propomos uma análise da cidade
de Porto Alegre34.
Porto Alegre é uma cidade que mantém seu equilíbrio financeiro35 e apresenta uma
consolidada pela Lei Federal 4.320, de 17 de março de 1964. Na lei orgânica municipal,
artigo 116, inciso 1o 36, está garantida a participação da população, a partir das regiões do
33
O autor refere que, no Brasil, a construção da cidadania e da democracia (...) são permanentemente
destruídos pelo amplo leque dos dominantes, que utilizam para além dos códigos de sociabilidade
anticidadão e antidemocrático, o poder estatal de forma implacável.
34
A pesquisa está circunscrita, como já referimos, ao período de 1989 a 2004, sendo que a coleta de dados
foi realizada nos anos de 2003 e 2004.
35
Fonte: Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Títulos e conquistas. 16 anos de Administração Popular.
2004.
36
Art. 116 – Leis de iniciativa do Prefeito Municipal estabelecerão: I – o plano plurianual; II – as diretrizes
orçamentárias; III – os orçamentos anuais. § 1º – Fica garantida a participação da comunidade, a partir das
regiões do Município, nas etapas de elaboração, definição e acompanhamento da execução do plano
plurianual, de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual. (Lei Orgânica do Município de Porto Alegre,
Título II: Dos Tributos, das Finanças e dos Orçamentos. Capítulo III. Dos Orçamentos).
37
Sociedade civil entendida, de acordo com Bobbio, como a esfera das relações entre os indivíduos, entre os
grupos, entre as classes sociais, que se desenvolvem à margem das relações de poder que caracterizam as
instituições estatais. É o terreno dos conflitos econômicos, ideológicos, sociais e religiosos que o Estado tem
a seu cargo resolver, intervindo como mediador ou suprimindo-os; como a base da qual partem as
solicitações as quais o sistema político está chamado a responder; como o campo das várias formas de
mobilização, de associação e de organização das forças sociais que impelem a conquista do poder político.
97
De acordo com a análise de Oliveira (1998) sobre a construção da cidadania,
partindo de uma trajetória histórica da sociedade brasileira desde os anos 30 até o governo
campo de significados que, em mãos dos dominados, dá eficácia simbólica à luta dos
direitos humanos.
privada dos conteúdos do público e sua redução do novo aos interesses privados:
para Rancière, produz exatamente a anulação da política, posto que essa ...rompe a
de um pressuposto que por definição não tem cabimento ali: a de uma parcela dos sem
98
De acordo com Rancière (1996), podemos entender por política, a reivindicação da
parcela dos que não têm parcela, a da reivindicação da fala, que é, portanto, dissenso em
relação aos que têm direito às parcelas, que é, portanto desentendimento em relação a
como se reparte o todo, entre os que têm parcelas ou partes do todo e os que não têm nada.
Rancière.
possível contar duas ditaduras, a de Vargas entre 1930 e 1945, e a que se seguiu ao Golpe
média de um golpe ou tentativa para cada três anos, desde 1930 até 1990. Ainda de acordo
com Paoli e Oliveira (2000), os esforços de democratização, de uma tentativa de criar uma
esfera pública, de fazer política no Brasil, decorreu quase em sua totalidade, da ação das
classes dominadas.
em que a busca por “harmonia social” justificava a operação de silêncio, o roubo da fala, a
99
questionamento da repartição da riqueza, unificando também categorias diversas de
agora autonomizados e, em geral, tendo invertido sua velha relação com o populismo.
O golpe de Estado de 1964 e toda a sua duração não foram senão o esforço
Brasil, pelo menos desde os anos 30. Tortura, morte, exílio, cassação de direitos, tudo era
por esse quase fascismo, as classes sociais dominadas voltaram a reconstruir a política:
recuperaram suas entidades antes sob intervenção; criaram comitês de luta contra a
terreno das políticas públicas, através dos movimentos populares, criando milhares de
dirigirem, haviam deixado, desde o Golpe de 64, a tarefa dirigente nas mãos das Forças
“democrático”.
Cidadã de 1988, assim denominada por Ulysses Guimarães. Toda a reivindicação anterior
100
ganhou fóruns de direito, na letra da Carta Maior: direito ao trabalho, à auto-organização, à
saúde, à educação, direitos das crianças e dos adolescentes, direito à terra, a uma velhice
digna e respeitada.
Esse período de lutas pela conquista e manutenção do espaço da fala, descrito por
representativas. Nos anos 80, outros movimentos se agregaram, tais como os das mulheres,
pressão direta como prática principal das demandas que compunham sua agenda.
constituído não respondiam aos anseios da sociedade, que vinha de uma larga luta pela
inciso V, parágrafo único: “todo o poder emana do povo que o exerce por meio de
101
organizada. O que está implícito nessa proposta é a contrapartida do que Paoli e Oliveira
(2000) atribuem aos governos ditatoriais ou com características ditatoriais que o Brasil
adverso que, somado a inexperiência que se dava por tratar-se de algo inédito, resultou em
Orçamento Participativo tem um grande impulso. O governo passa a ter recursos para
suas decisões estão sendo respeitadas e resultam em melhorias de suas condições de vida.
sido instrumento importante para mudar, concretamente a cidade, a tornando mais justa e
em um lugar melhor para se viver, como mostram os dados sobre a qualidade de vida via
para que a população possa entender que a participação política é algo que transcende o
102
Alegre no ano de 2002, ilustra, de uma certa forma, o que denominamos de contradições
do OP, ou seja, trata-se de um processo democrático, mas que não garante o efetivo
democracia e as causas de sua decadência, assim como discutir quanto à intervenção dos
cidadãos na vida política e social, nas relações entre os Estados e os poderes econômico e
financeiro mundiais, sobre o que afirma e o que nega a democracia, o direito à felicidade e
103
2- Orçamento Participativo viabilizando o exercício da cidadania a partir da
participação política
Alegre.
dimensões; uma das mais importantes é a que diz respeito à regulação dos direitos e dos
deveres dos indivíduos e dos grupos na sociedade. A cidadania individual remete aos
direitos civis e políticos. Sua construção histórica data dos séculos XVII e XVIII, com o
domínio da natureza pelo homem por meio da tecnologia; e o reino da opinião pública, por
sistema de mercado, em que todos sejam respeitados e tenham garantias mínimas para a
grega, pois diz respeito a uma dimensão cívica em que os cidadãos exercitam virtudes
cívicas e têm, na comunidade em que vivem, sua referência imediata. Por outro lado,
104
direitos para categorias sociais até então excluídas da sociedade, principalmente do ponto
não apenas a inscrição desses direitos em lei; reivindica espaços sócio-políticos sem que,
para isso, tenha que se homogeneizar e perder sua identidade cultural. As categorias de
Gohn (1995) refere que o processo de construção da cidadania no Brasil teve quatro
momentos:
teve sua expressão maior na luta pela independência política da nação. Trata-se da
construção da cidadania coletiva de um povo que, ao reivindicar e lutar por sua libertação
acrescentaram-se outras lutas à luta do “ser nacional”, como a luta pelo trabalho livre.
primeira metade do século XIX restringiam-se à esfera socioeconômica e não política. Não
105
republicano absorveu também essa reivindicação como bandeira de luta. Os abolicionistas
distância do poder com relação à população era enorme. “Ser cidadão” era “ter posses”,
medida pelo número de escravos e, depois da promulgação da Lei de Terras de 1850, ter
também propriedades, adquiridas pela compra e não apenas por posse ou concessão. Os
mínimos de cidadania. Das conquistas realizadas, podemos dizer que passamos a ter uma
cidadania tutelada pelos membros das elites, esclarecidas para a época, ou tutelada por
novos. Apesar de se ter instaurado uma nova ordem, as raízes oligárquicas e elitistas
predominantes, que vieram a dar origem à política dos governadores, restringiram o perfil
dos sujeitos a ter os direitos à cidadania política. Assim que, em 1891, o campo da
cidadania ativa foi limitado, pela decisão da Comissão Constitucional, de excluir mulheres,
mendigos, soldados e os religiosos, além de vetar o voto também aos analfabetos, que
relações entre Estado e sociedade, onde a marginalização do povo do debate público levou
à construção de uma cultura política em que a sociedade era vista como amorfa e difusa, e
106
de luta pela cidadania se amplia. Novas demandas são introduzidas, incorporando algumas
noções de direitos políticos modernos ao lado das demandas para alterar a ordem
conservadora existente. Surge a luta pelo voto das mulheres e outras categorias, a luta
pelos direitos sociais dos trabalhadores, introduzidas no país nos anos 30, por meio da
trabalhador livre para vender sua força de trabalho em um mercado que começava a se
expandir foi construído, graças, muito mais a lutas de várias décadas, originárias dos
populares ou médias da população, do que das elites. Esse contexto de luta levou às
institucional, que objetivava dar conta das transformações que estavam operando no
direitos civis, levava ao exercício dos direitos sociais, por meio da pressão organizada, da
troca do voto pela melhoria coletiva. No entanto, o processo da cidadania nunca foi linear.
Ao contrário, sempre teve avanços e recuos, fluxos e refluxos. Houve períodos em que
ocorreram perdas, retrocessos e até mesmo a supressão de direitos básicos, como nos
golpes de Estado, nos estados de sítio e nos períodos de ditadura militar. Esses casos
ocorreram no século XX, entre 1930-1945 (Getúlio Vargas) e entre 1964-1984 (Regime
Militar).
Nos anos 80, vários militantes de lutas sociais no Brasil, nos anos 60 e 70, aliados a
107
tradicionais que estavam se renovando, em parte, como a Igreja Católica, e foram em busca
destacava a questão dos direitos humanos como básicos, a cidadania se tornou o articulador
As ações coletivas nos anos 70 e 80, no Brasil, foram impulsionadas pelos desejos
construir algo a partir das ações que envolviam os interesses imediatos dos indivíduos e
paradigma de ação social, fundado no desejo de se ter uma sociedade diferente, sem
comunidade, não apenas como um locus geográfico espacial, mas também como uma
dos anos 70 e 80 articularam os valores morais com as carências econômicas, com o desejo
da mudança política. Essas articulações foram indicativas de um novo paradigma das ações
sociais, que se fortaleceu nos anos 90, com o crescimento do plano da moral e o
básicas, que eram direitos sociais dos cidadãos, mas se reivindicou ainda que o
atendimento a essas necessidades tivesse uma qualidade mínima, compatível com uma vida
digna.
nesse fórum, a população não reivindica apenas o atendimento das suas necessidades
38
Gohn (1995) destaca que essas são as mesmas considerações feitas por Offe em seu estudo sobre os
movimentos sociais na Europa.
108
básicas com qualidade – como moradia, saneamento, saúde, educação e trabalho – mas as
violência, degradação do meio ambiente, menores abandonados nas ruas, fome, corrupção.
As lutas sociais dos anos 90 ganham espaço e destaque junto à mídia eletrônica e impressa,
Nos anos 90, o modelo referencial passa a enfatizar os valores da ética e da moral.
Uma nova moral, sem corrupção e com dignidade. A sociedade civil, segundo Gohn
(1995), passou a desacreditar nas políticas, nos políticos e nas ações do Estado em geral.
As ideologias implícitas nas políticas neoliberais dos anos 80 tiveram seus efeitos.
a perder credibilidade.
civil passaram a acreditar cada vez mais na sua capacidade de atuação independente, a
ecologia, paz, não-miséria e outras questões sociais que também passaram a ser objeto de
transformação social futuro. Portanto, o plano da moral e da cultura ganha lugar central nas
ações coletivas.
uma consciência social maior, uma vez que os cidadãos têm condições de detectar as
necessidades locais mais emergentes, aprender a fazer e decidir sobre projetos sustentáveis.
109
Para os autores, a Administração Pública assume um papel orientador e impulsor de
explicite un modelo global de ciudad, determine y trate de imponer los objetivos y medios
Raul Pont, prefeito de Porto Alegre entre 1997 e 2000, que relatou em um encontro,
naquela cidade, que o mais difícil neste processo, no entanto, “é romper com a idéia que as
pessoas têm das instituições, pois há uma tendência a pedir coisas, e temos que construir
espaços aonde as pessoas não vão para pedir e sim para decidir”.
estabelecem entre tais atividades e a vida cotidiana das pessoas e, neste contexto, as redes
110
Percebemos nas falas de nossos entrevistados que, mesmo que tenhamos um
pensamento e ação.
Segundo Gohn (1995), podemos referir, no Brasil, a existência uma cidadania ativa,
uma vez que os conflitos sociais contemporâneos têm encontrado novas formas de se
cidade passou a dispor de uma série de outros canais de interlocução na sociedade. Foram
além de diversos fóruns, comissões, grupos de trabalho e instâncias de decisões, nas mais
variadas áreas39.
39
Alguns desses espaços de interlocução entre Governo Municipal e população, além do Orçamento
Participativo, são: Conselho Político do Governo; Conselho Municipal dos Direitos das Crianças e dos
Adolescentes; Conselho Municipal dos Direitos Humanos; Fórum Permanente das Pessoas Portadoras de
Deficiência; Conselho Municipal de Assistência Social; Conselho Municipal de Saúde; Conselho Municipal
de Acesso a Terra e a Habitação; Conselho Municipal do Meio ambiente; Conselho Municipal de Educação;
Conselho Municipal da Cultura; Conselho Municipal da Agricultura e Abastecimento; Conselho Municipal
de Desenvolvimento Urbano e Ambiental; Conselho Tutelar; Conselho Municipal da Velhice; Conselho
Municipal dos Direitos das Mulheres; Grupo de Trabalho Ante-Racismo; Conselhos Regionais de
Assistência Social; Conselho Municipal de Entorpecentes; Conselhos de Praças e Parques; Conselho
Deliberativo do Departamento Municipal de Água e Esgoto; Conselho Deliberativo do Departamento
Municipal de Limpeza Urbana; Conselho Municipal de Ciência e Tecnologia; Conselho Municipal do
Patrimônio Histórico e Cultural; Conselho Municipal de Contribuintes; Conselho Municipal de
Administração de Pessoal; Conselho Municipal de Esporte; Fórum de Turismo; Fórum Municipal de
Recreação; Fórum Municipal de Futebol.
111
3. Definindo a participação política a partir do referencial da Psicologia
Política
modo manifesto uma maior preocupação pelos problemas de urgência social do que pela
construção teórica da ciência. Assim, a aparição de novas disciplinas se justifica mais pela
acordo com Seoane (1988), faz aproximadamente vinte anos que a literatura científica
Psicologia ser novo, o conteúdo é mais antigo. O autor faz referência à amplitude e
complexidade das abordagens da Psicologia Política, que vão desde o estudo da conduta
relaciona com a conduta política; ocupa-se da aquisição da cultura política através dos
estratégias de negociação política como forma de resolver conflitos. Além disso, também
112
próprios sistemas políticos que, às vezes, se pretendem interpretar desde o ponto de vista
Seoane (1988) recorda alguns trabalhos, a partir dos quais podemos encontrar
antecedentes deste campo de estudo, apesar de não haver a intenção, por parte dos autores,
naquela época, de definir uma nova disciplina. Alguns destes trabalhos se referem a uma
Psicologia Social e Política; Tolman, que escreveu um livro intitulado Drives Toward
War, de 1942, sobre a interpretação psicológica da guerra; um livro escrito por Hans J.
Eysenck em 1954, que se intitulava The Psychology of Politics; Skinner com várias
projetos técnicos do exército. Osgood publicou sobre as estratégias políticas concretas para
Greenstein de que a Psicologia não se ocupava de forma adequada dos problemas políticos,
Seoane (1988) refere que a Psicologia Política dos anos 70 apóia-se em três grandes
temas de estudo, que não constituem, no entanto, o conteúdo fundamental nem exclusivo
da Psicologia Política:
1- o estudo das atitudes sociais que tinha uma tradição de várias décadas e que
cultos;
113
3- a investigação sobre as dimensões psicológicas da conduta do voto, posto que
democráticos ocidentais.
Política, organizado por Jeanne N. Knutson, onde tenta definir, em seus cinco capítulos e
542 páginas, as principais áreas da Psicologia Política. Em 1974, William F. Stone escreve
o que se considera como o primeiro texto acadêmico sobre o assunto. Em 1978, surge
essa Sociedade edita a primeira revista sobre o campo de estudo, a Political Psychology, o
que define, junto com os outros indicadores, o surgimento da disciplina Psicologia Política.
completo dos temas tratados sobre Psicologia Política e, em 1986, Margaret G. Hermann
organiza um livro que pode ser considerado como uma releitura do livro de Knutson.
destes autores precursores de trabalhos sobre a disciplina. Para Knutson (1973, citado por
las necesidades humanas críticas, de forma que pueda realizarse mejor la antigua
promesa de la política de alcanzar una vida satisfactoria. Para Greenstein (1973, citado
por Seoane, 1988), a Psicologia Política tem dois referentes: os componentes psicológicos
114
explicação do político. La actividad política tiene aspectos psicológicos, cuyo estudio
(Política).
Política. (...) la psicología de lo político hace referencia a los intereses del individuo, a sus
Em 1981, o autor utiliza com mais facilidade a expressão Psicologia Política; reconhece
que, além de estudar o ator político, também se pode estudar os efeitos psicológicos dos
política. Para Stone, uma definição compreensiva de Psicologia Política deve incluir tanto
(1986), para quem Psicologia Política es el estudio de lo que sucede cuando interactúan
los fenómenos psicológicos con los políticos. Esta interacción significa que algunas veces
el foco de interés está en los fenómenos psicológicos (...) en otras ocasiones (...) en los
fenómenos políticos (...) y aun en otros casos, (...) en ambas partes (...).
Psicologia Política. Do seu ponto de vista, se pode estabelecer três grandes tipos de
115
fenómenos históricos y colectivos, ya estén representados en individuos o en
comunidades, que constituyen la motivación de un pueblo para organizarse
socialmente y adquirir una identidad propia.
Este corpo teórico ajuda a delimitar os fenômenos a serem estudados neste contexto
política e não de participação política, pois crê que esse segundo termo implica uma
redução das possibilidades de ação, reação e transformação dos fenômenos políticos por
parte dos indivíduos, limitando sua atividade a algumas formas de atuação. A idéia é de
que a participação política pressupõe, muitas vezes, um caráter meramente reativo, ou seja,
Seoane (1988) também refere que o conceito de participação política deve ser
116
institucionais dirigidas a metas e objetivos políticos, e cujo foco central é conseguir
mudanças nas estruturas sociais e políticas que fundamentam o status quo de um sistema
Latina, por exemplo, a autora recorda que o tema teve um tratamento quase nulo ao que ela
atribui a uma visão dominante – que predominou até o final da década dos anos 70 – de
que a participação política versava sobre o ato último da forma mais transcendente da
decisão política, ou seja, o voto, assim como também à afiliação a partidos políticos.
com Sabucedo (In: Seoane, 1988:179) parte de uma identificação prévia do sujeito com o
sistema político em que ele vive, ou seja, o indivíduo se torna capaz de interiorizar normas
e regras presentes neste sistema e desenvolver o tipo de atuações demandadas por ele
mesmo. Em verdade, para o autor, el voto parece ser uma de las conductas políticas más
afirmam que na década de 1980, o Brasil sofreu transformações profundas em sua estrutura
política, tendo o processo eleitoral, em todos seus níveis, um papel muito importante. No
entanto, as eleições não trouxeram melhorias, nem material nem política para a população.
De fato, por um lado, as eleições expressam uma certa participação democrática, porém,
por outro, os resultados concretos estão levando a população a uma certa apatia política. Os
117
desenvolvimento da cidadania, e tentam responder essa questão através de suas
investigações.
formação de grupos sociais com interesses conflitivos e uma estrutura psicossocial onde se
destas representações. A pertença aos diversos grupos e instituições sociais que constrói a
identidade social dos indivíduos, e as alternativas políticas que nascem dos interesses dos
diversos setores sociais, são ambos oriundos das divisões sociais próprias das relações de
procuram o poder para realizar seus interesses sociais. Dessa forma, os autores consideram
desenvolvimento da representatividade social dos partidos, porém não consideram que seja
uma relação simples ou linear, mas uma relação complexa. Não nos interessa aqui abordar
as questões específicas da investigação dos autores, porém é importante ter em conta o fato
118
4. Identidade social ou coletiva? O que é definidor na participação política
chave da realidade subjetiva e, enquanto tal, se encontra em uma relação dialética com a
sociedade. Para os autores, a identidade se forma por processos sociais, que são
determinados pela estrutura social. Uma vez que se cristaliza, a identidade é mantida,
da dialética entre o indivíduo e a sociedade. Por outro lado, os tipos de identidade são
nas teorias mais amplas sobre a realidade, isto deve ser entendido em termos da lógica que
subjaz a esta última. Para os autores, as teorias psicológicas servem para legitimar os
dialética interna contínua entre identidade e seu substrato biológico. El hombre está
convierte para él en la realidad dominante y definitiva. Sus límites los traza la naturaleza,
pero una vez construido, ese mundo vuelve a actuar sobre la naturaleza (Berger e
119
Em uma perspectiva psicanalítica também encontramos uma definição de
identidade. De acordo com Rosa (1998: 123), o conceito de identidade não é indiferente à
embora não referida como tal, pode-se entender como identidade o fenômeno em que
o homem insiste na ilusão de ser único, ilusão necessária para sustentar o narcisismo.
A identidade aparece também como construção imaginária de uma representação
social que mascara a presença do Outro no si mesmo e avaliza sua pertinência no
mundo humano. Desta forma, a identidade surge como sintoma, defesa contra
angústia de não poder saber sobre si, a não ser a partir da imagem, tomada em si
mesma, como metáfora congelada em um único sentido, sem, no entanto, perder sua
propriedade de ser mensagem.
da própria pessoa e a semelhança com outros, entre as peculiaridades da nossa forma de ser
social.
Nas relações interpessoais, nos identificamos com o outro, mas também nos
outro aspecto da identidade que não se refere unicamente à singularidade da pessoa, e sim
pessoal há referência à identidade social. Para Iñiguez (In: Crespo e Soldevilla, 2001: 210)
también a los vínculos o, como decimos en un lenguaje social más contemporáneo, a las
redes.
120
Iñiguez refere-se também à contribuição de Tajfel (1981) como uma das mais
característica sobre o estudo da identidade social, destacando que Tajfel foi capaz de
relevância social, uma teorização da identidade social que mostrou uma concatenação de
social bi-categorial, ainda sabendo que tais contextos são escassos, podem ser abstraídos
com facilidade a contextos mais realistas donde existam simultaneamente grande número
A identidade social será entendida (...) como aquela parcela do autoconceito dum
indivíduo que deriva do seu conhecimento da sua pertença a um grupo (ou grupos)
social, juntamente com o significado emocional e de valor associado àquela pertença
(Tajfel, 1981: 290).
Melucci. Melucci refere-se a um processo de construção social por parte dos indivíduos ou
constante transformação, o que rompe a idéia da identidade coletiva como algo que
121
De acordo com o autor, é possível encontrar em uma identidade coletiva, três
elementos:
os fins, os meios e o âmbito da ação coletiva. Este nível cognitivo está presente em uma
série de rituais, práticas e produções culturais que em algumas circunstâncias mostram uma
conflitivas;
2- faz referência a uma rede de relações entre atores que comunicam, influenciam,
interatuam, negociam entre si e tomam decisões. Esta trama de relações pode apresentar
uma grande versatilidade no que diz respeito à organização, modelos de liderança, canais e
tecnologias de comunicação;
sentirem-se parte de um “nós”. Visto que as emoções também formam parte de uma
identidade coletiva, sua significação não pode ser reduzida a um cálculo de custos e
reconstrução;
122
4- os elementos de caráter simbólico, capazes de dar significação social às ações
de todo grupo social, aquilo sobre o qual descansa a especificidade de toda a sociedade;
são convertidos pelos atores sociais em categorias de adstrição e identificação. Através dos
atributos comuns seus membros se auto-identificam e são identificados por outros. São
categorias que tem a particularidade de gerar diferencial frente a outros grupos sociais,
chegam a uma nova definição de sua situação. Esta definição é diferente das que costumam
produzir-se em relações sociais cotidianas porque se orienta até a ação e inclui objetivos,
Uma rede submersa não é apenas uma estrutura de pequenos grupos isolados, dedicados a
informação circulam livremente. Estas redes atuam como laboratórios culturais submersos
partir das interações expressivas de indivíduos que experimentam novos códigos culturais,
se cria entre as tensões geradas pela ineficácia dos meios disponíveis para conseguir
123
objetivos pessoais e coletivos. Como conseqüência dessas tensões e do contínuo contato
com outros atores sociais, se desenvolve uma forte implicação emocional que anima o
indivíduo a compartilhar a identidade coletiva. O autor afirma que estas redes ocultas se
com uma política pública, ou seja, quando se enfrentam com o Estado, o qual provoca a
pela relação com o Estado. E neste caso em específico, podemos entender o Orçamento
motivações que fazem com que uma pessoa se identifique com a causa e,
conseqüentemente, participe.
124
CAPÍTULO IV
para a análise dos dados, como por exemplo, participação política, cidadania, estigma,
Montero (In: D´Adamo; Beaudoux; Montero, 1995) adota a idéia de ação política
em vez de participação política, uma vez que aquela supõe uma concepção do sujeito como
ator, como ser ativo, como construtor da realidade e não como mero reprodutor ante
situações que, de alguma maneira, exige uma resposta de sua parte. Assim, retomando
Kaase y Marsh (1979), Montero entende participação política como todas aquelas
atividades voluntárias e individuais dos cidadãos, que se pretenda que influa direta ou
deve acrescentar uma condição que Sabucedo (In: Seoane,1988) explicita: a união deste
conceito com o conceito de democracia, ou sua inserção nele como uma conseqüência
Portanto, no nível formal, uma democracia deve possuir os canais participativos precisos
para que seja o conjunto de cidadãos o autêntico responsável por seus destinos.
1995), não está, no entanto, muito distante enquanto a conduta resultante e sua inserção em
um sistema. Assim, o peso do conceito está no caráter dinâmico da definição, que supõe
125
tanto a intervenção de um sistema e suas organizações quanto a das pessoas individuais,
cinco países, apresentam uma classificação das formas de participação política segundo
formas convencionais e não convencionais. As formas convencionais têm a ver com ações
que conduzem, de uma ou outra maneira, ao voto, e supõe a afiliação formal ou informal a
vontade de mudar ou transformar uma situação diretamente, ainda que através de modos
democracia e o alcance que deve ter a participação dos cidadãos permitem a existência de
significado da participação dos cidadãos na esfera política e sua implicação com o ideal do
sistema democrático.
caracteriza por sua enorme diversidade de enfoques. Como exemplo, cita diversos estudos
sobre o tema. No estudo de Verba y Nie (1972), todas as ações políticas compartem a
126
Conge (1988) assinala que as discrepâncias entre as numerosas aproximações à
formas ativas versus formas passivas; condutas agressivas versus não agressivas; objetos
Para Conge (1988), participação política tem a ver com as condutas realizadas pelos
conscientização política para a mobilização política, porém, alerta que não deve ser
confundido com a própria participação. Quanto à participação violenta, Conge (1988) usa a
Sabucedo (1989) afirma que a classificação das ações políticas em categorias como
convencional – não convencional ou legal – ilegal, por exemplo, carecem de sentido pelas
seguintes razões:
En primer lugar, ese criterio se plantea desde una perspectiva del status-quo. Y esto
introduce valoraciones que nada tiene que ver con un enfoque científico del
problema. Si no somos lo suficientemente ingenuos como para considerar que las
etiquetas que adscribimos a determinados fenómenos no influyen en la valoración de
los mismos, estaremos de acuerdo en que la utilización de los términos ilegal, no
institucional, etc., suponen una descalificación o cuando menos una opinión no
demasiado positiva de este tipo de actividades (Sabucedo, 1989, p. 199). En segundo
lugar, la división entre actividades convencionales versus no convencionales, está
sujeta a condicionantes sociales que hacen que un modo de participación que resulta
no convencional en un momento determinado, resulte totalmente habitual y aceptado
poco tiempo después (Sabucedo, 1984, p. 64). En tercer lugar, esa clasificación
resulta demasiado elemental, lo que obliga a que acciones que resultan muy
diferentes entre si, como puede ser el caso de las manifestaciones ilegales y la
violencia armada, deban compartir una misma categoría (Sabucedo, 1989:199).
127
Verba e Nie (1972) indicam a atividade na comunidade como uma das categorias
nessa linha, Booth y Seligson (1978) apontam as atividades comunitárias como uma das
formas de atividades políticas. O problema que se coloca com esse tipo de ações na
comunidade é que se não possuem uma clara projeção política, isto é, se carecem de
participação política (Booth y Seligson, 1978, citados por Sabucedo, 1996: 88).
Segundo Conge, portanto, há uma ausência de uma clara dimensão política nesse
da distribuição dos recursos públicos, não podemos falar de participação política, mas sim
realizam, não a intenção que tenham os sujeitos, nem as conseqüências dos mesmos. As
intenções, afirma Conge: podem explicar por que a gente participa (sem considerar o que
conseqüências da participação política (de novo sem ter em conta sua natureza) (Conge,
1988:247).
Para Sabucedo (1996) parece óbvio que o tema das conseqüências da ação deve ser
128
dessas atividades não podem estar determinando sua adsorção à categoria de participação
poderíamos nos deparar com o absurdo de que uma campanha de protesto político, em
deve ser qualificada como participação política se está dirigida a influenciar, de uma
objeto de análise, foram as vinculadas com o processo eleitoral e refere, como exemplos,
No entanto, a partir dos anos 60, se assiste ao incremento de forma de ação política
40
Campbell et al., analizaron la escala de participación política, donde recogen cinco ítems todos ellos
relacionados con las actividades desarrolladas durante las campañas electorales: votar, acudir a mítines,
apoyar económicamente a algún partido o candidato, trabajar para algún partido y convencer a otros para
votar por algún candidato y/o partido determinado (In: Sabucedo, 1996:90).
41
Stone elabora una escala para la medición del compromiso político en el que se alude a actividades muy
semejantes a las propuestas por Campbell et al., y que se sitúan también dentro de esa órbita de
comportamientos estrechamente ligados a la dinámica electoral. Los cinco niveles de participación que
distingue Stone, abarcan desde el votar hasta el desempeño de algún cargo público. Otras actividades a medio
camino de las anteriores serían la participación indirecta, la participación en campañas electorales y el
presentarse como candidato (In: Sabucedo, 1996:90).
129
Esse fato obrigou os pesquisadores a prestarem atenção a essas novas formas de
incidência política. A partir dessa perspectiva, são citados os trabalhos que estabelecem
caso, Sabucedo refere aos trabalhos de Barnes, Kaase et al (1979)42, Milbrath (1981 e
1968)43, Kaase e Marsh (1979)44 e Verba e Nie (1972)45, onde o voto aparece como uma
convencional.
En primer lugar, hay un hecho que parece quedar claramente demostrado en cuanto
aparece de modo consistente en los diversos estudios realizados: el voto es una
conducta política claramente diferenciada del resto de formas de incidencia política;
en segundo lugar, ese acuerdo generalizado sobre ese punto no se hace extensivo al
resto de esta problemática (Sabucedo, 1996: 91).
No que diz respeito à participação política não convencional, o que mais chama a
42
En su trabajo transcultural, los autores aluden los modos convencionales y no convencionales de
comportamiento político. La mayoría de las afirmaciones destinadas a evaluar la participación política
convencional están referidos a circunstancias relacionadas con el proceso electoral. En cuanto a la
participación no convencional se recogen actuaciones como las siguientes: hacer peticiones, manifestaciones
legales, boicots, huelgas ilegales, daños a la propiedad y violencia personal, entre otras.
43
Milbrath también habla de participación política convencional y no convencional, y la lista de situaciones
que reflejan ambos tipos de participación resulta muy similar a la de Barnes y Kaase, si bien es más detallada
en el caso de la participación política convencional y más general en la participación política no
convencional. En otro estudio, el autor asocia la conducta de voto a afirmaciones de claro contenido
patriótico tales como “amo a mi país”, “aunque no esté de acuerdo apoyo mi país en las guerras”, etc.
44
Los autores afirmaban, en su estudio, la posibilidad de transformar su listado de actividades en una escala
tipo Guttman, si bien la ordenación de algunas afirmaciones variaba en algunos países. Sin embargo existía
una excepción a esa unidimensionalidad: el voto. Este tipo de conducta política no se ajustaba a los requisitos
del escalamiento de Guttman, constituyendo una actividad claramente diferenciada de las anteriores.
45
Los autores señalan que la participación política no debe considerarse como um modelo unidimensional,
sino como um modelo compuesto por cuatro factores: actividades en campañas políticas, actividad
comunitaria, contactos con la administración y conducta de voto.
46
Muller clasificó a varias conductas políticas no convencionales junto a las convencionales, en la categoría
de participación democrática y legal; mientras que otras conductas también consideradas no convencionales
en la literatura eran adscritas a la categoría de participación ilegal y agresiva. Queda claro, pues, la naturaleza
130
(1983)47 e Sabucedo e Arce (1991)48. Esse último estudo foi feito pela necessidade de ter
investigação mostram que a variedade de modos de incidência política, não pode ser
legal versus ilegal ou outras, ou seja, há múltiplas maneiras de incidir no processo político,
A partir dessa idéia de Sabucedo e Arce, podemos pensar em outros elementos que
proponho refletir e, para tanto, apresento subsídios teóricos, trata da questão do “estigma”
Scotson.
diferenciada de los distintos tipos de actividades no convencionales. Un grupo de ellas se mueve dentro de la
legalidad, en tanto que otras se enfrentan abiertamente a la misma.
47
Los autores utilizaron el escalamiento multidimensional y el análisis de clusters como estrategia
metodológica para descubrir las dimensiones de la participación política. Los resultados obtenidos muestran
la existencia de dos grupos de conductas claramente diferenciadas: las legales y las ilegales. Pero quizá más
importante que esto, era el hecho de que determinadas actividades no convencionales aparecían situadas en el
grupo de conductas políticas legales. En el otro agrupamiento, el ilegal, se diferenciaba claramente entre las
actividades violentas y las que no lo eran.
48
En esa investigación se les pidió a los sujetos que señalasen la proximidad percibida entre diferentes
modos de participación política. La lista que se le presentó a los sujetos recogía los siguientes estímulos:
votar, acudir a mítines, convencer a otros para votar como uno, enviar cartas a la prensa, manifestaciones
autorizadas y no autorizadas, boicots, huelgas autorizadas y no autorizadas, violencia armada, daños a la
propiedad privada, ocupación de edificios y cortes de tráfico. La lista de acciones políticas era bastante
amplia e incluía las actividades más frecuentes, tanto legales como ilegales. Los resultados alcanzados con
este procedimiento, apuestan por la existencia de cuatro tipos de participación política claramente
diferenciados entre sí: la persuasión electoral (tratan de conductas que están vinculadas a las campañas
electorales, en donde el sujeto es o bien el agente de influencia (convencer a otros para votar como uno) o el
objeto de la misma (acudir a mítines); la participación convencional (conjunto de actividades que tienen
como denominador común el hecho de que se trata de acciones que se mantienen dentro de la legalidad
vigente y que tratan de incidir en el curso de los acontecimientos político-sociales. Ejemplos: votar, enviar
escritos a la prensa y manifestaciones y huelgas autorizadas); la participación violenta (como daños a la
propiedad y violencia armada); y la participación directa pacífica (tratan de actividades que si bien pueden
desbordar el marco de la legalidad establecida no son necesariamente violentas. Ejemplos: ocupación de
edificios, boicots, cortes de tráfico y manifestaciones y huelgas no autorizadas).
131
2. Algumas considerações sobre o “estigma”
Apresento agora o estudo que Elias e Scotson (2000) fizeram sobre os habitantes de
Winston Parva muito antes do que os outros, representando os valores da tradição e da boa
grupo que se auto-percebe e que é reconhecido como uma boa sociedade, mais poderosa e
melhor, uma identidade social construída a partir de uma combinação singular de tradição,
moral para os outros; o termo que completa essa relação é outsiders, ou seja, os não
de carisma grupal, de uma virtude específica que é compartilhada por todos seus membros
e que falta aos outros. Nesses casos, os indivíduos “superiores” podem fazer com que os
humanamente inferiores.
que não se inseriam no grupo e como “os de fora”. Esses recém chegados, por sua vez,
depois de algum tempo, pareciam aceitar, com uma espécie de resignação e perplexidade, a
132
Os autores constataram que, o que permite a esse grupo se afirmar como superior e
lançar um estigma sobre os outros, como pessoas de estirpe inferior, em geral, tem a ver
ver com o grau de coesão das famílias. O sentimento do status de cada um e da inclusão na
Era graças ao seu maior potencial de coesão, assim como a ativação deste pelo
controle social, que os antigos residentes conseguiam reservar para as pessoas de seu
tipo os cargos importantes das organizações locais, como o conselho, a escola ou o
clube, e deles excluir firmemente os moradores da outra área, aos quais, como grupo,
faltava coesão. Assim, a exclusão e estigmatização dos outsiders pelo grupo
estabelecido eram armas poderosas para que esse último preservasse sua identidade
e afirmasse sua superioridade, mantendo os outros firmemente em seu lugar (Elias y
Scotson, 2000: 22).
estigmatização social, como se fosse uma simples questão de pessoas que mostram,
individualmente, um desprezo acentuado por outras pessoas como indivíduos. E isso não é
suficiente por que equivale discernir somente no plano individual algo que não pode ser
entendido sem que se perceba, ao mesmo tempo, em nível de grupo. Há que distinguir a
pode surtir um efeito paralisante nos grupos estigmatizados: dê-se a um grupo uma
reputação ruim e é provável que ele corresponda a essa expectativa (Elias e Scotson,
2000: 30).
que ali haviam crescido e, provavelmente, prosperado juntas. É possível que nem todas
133
gostassem pessoalmente umas das outras, porém, compartilhavam de um intenso
classe inferior de pessoas. Por mais que a situação tivesse se modificado, seu rechaço e a
sua exclusão continuaram a ser parte integrante da imagem que os aldeões tinham de
Winston Parva e deles mesmos. Elas sancionavam a superioridade desses como membros
imigrantes vindos de diferentes partes do país, essa atitude dos aldeões tornava muito mais
difícil do que já era, romper as barreiras que existiam entre eles mesmos, como estranhos, e
desenvolver uma vida comunitária em seu bairro. Relacionada a sua desunião, estava a
incapacidade dos recém-chegados se afirmarem com relação aos residentes mais antigos;
pelo contrário, a maioria parecia aceitar, mesmo que a contra gosto, o status inferior que
resignados com o seu destino, ao mesmo tempo em que sofriam com a má reputação do
Segundo os autores, o descrédito que é atribuído a esses grupos por outros mais
tem em geral, bases profundas na estrutura da personalidade de seus membros, que por ser
parte da sua identidade individual, não é fácil de descartar. Essas raízes profundas na
134
graça ou virtude coletiva que muitos atribuem a si mesmos e que lhes pode ser atribuída
O fato das famílias antigas se conhecerem e terem sólidos vínculos entre si, no
entanto, não significa necessariamente, que elas se estimem. É apenas em relação aos
seguir. Goffman (1988) faz uma referência histórica do conceito de estigma, situando na
época dos gregos a criação do termo, o qual foi criado para referir a sinais corporais com
os quais se buscava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou ruim sobre o status moral
de quem os apresentava. Os sinais eram feitos com incisões ou fogo no seu corpo e
avisavam que o portador era um escravo, um criminoso ou traidor - uma pessoa marcada
que devia ser evitada, especialmente em lugares públicos. Depois, na Era Cristã, dois
níveis de metáfora foram acrescidos ao termo: o primeiro deles referia-se a sinais corporais
da graça divina que tomavam a forma de flores na erupção sob a pele; o segundo, uma
alusão médica a essa alusão religiosa, se referia a sinais corporais de distúrbio físico.
135
As relações sociais nos permitem uma relação com “outras pessoas” previstas sem atenção
primeiros aspectos nos permitem prever sua categoria e seus atributos, sua “identidade
se essa exigência foi atendida ou não, percebemos que fazemos afirmativas em relação ao
Assim podemos pensar, de acordo com Goffman (1988), que nem todos os
atributos indesejáveis estão em questão, mas somente os que estão incongruentes com o
entre atributo e estereótipo, no entanto, propõe a modificação desse conceito, uma vez que
há importantes atributos que em quase toda a nossa sociedade leva ao descrédito. O autor
tirânicas ou não naturais, crenças falsas e rígidas, desonestidade, sendo essas feridas a
136
partir de relatos conhecidos de, por exemplo, vício, alcoolismo, homossexualismo,
3- refere-se aos estigmas tribais de raça, nação e religião, que podem ser
família.
ou seja, um indivíduo que poderia ser facilmente recebido na relação social cotidiana
possui uma característica que se pode impor à atenção e afastar aqueles que o encontra,
destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos seus. Ele possui um estigma,
questão.
As atitudes que nós, normais, temos com uma pessoa com um estigma, e os atos que
empreendemos em relação a ela, são bem conhecidos na medida em que são as
respostas que a ação social benevolente tenta suavizar e melhorar. Por definição, é
claro, acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano. (...)
... fazemos vários tipos de discriminações, através das quais efetivamente, e muitas
vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida. Construímos uma teoria do
estigma, uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que
ela representa, racionando algumas vezes uma animosidade baseada em outras
diferenças, tais como as de classe social (Goffman, 1988:14-5).
que têm relação com o indivíduo não conseguem dar-lhe o respeito e a consideração que os
aspectos não contaminados da sua identidade social os haviam levado a prever e o que ele
havia previsto receber: ele faz eco a essa negativa descobrindo que alguns de seus
137
E, com relação ao indivíduo estigmatizado, o autor analisa os movimentos desse
indivíduo para tentar corrigir o estigma, de maneira direta ou indireta: no primeiro caso,
quando o “conserto” é possível, ocorre transformação do ego, ou seja, “alguém que tinha
secundários” como desculpa pelo fracasso a que chegou por outras razões. O estigmatizado
pode também ver as privações que sofre como uma graça secreta, especialmente devido à
crença de que o sofrimento pode mostrar muito a uma pessoa sobre a vida e sobre as outras
pessoas.
imediata um do outro, seja durante uma conversa, seja na mera presença simultânea em
uma reunião formal. E, para Goffman (1988:23) esses momentos serão aqueles em que
Apesar disto, segundo Goffman (1988), durante os contatos mistos, é provável que
o indivíduo estigmatizado perceba que está “em exibição” e leve sua autoconsciência e
controle sobre a impressão que está causando a extremos e áreas de conduta que supõe que
138
Considerando o que pode enfrentar em uma situação social mista, o indivíduo
Apesar disto, Goffman (1988) recorda que o indivíduo estigmatizado pode tentar
aproximar-se de contatos mistos com agressividade, e isto pode provocar no outro, uma
retraimento e a agressividade, indo de um lado para outro, tornando evidente assim, uma
pesquisadores está geralmente voltado para o tipo de vida coletiva que levam aquelas
pessoas que pertencem a uma categoria particular ou então aquelas pessoas que atuam
São pessoas com estigma, que têm, de início, um pouco mais de oportunidades de
expressar-se, são um pouco mais conhecidas ou mais relacionadas de que seus
companheiros de sofrimento e que, depois de um certo tempo, podem descobrir o
“movimento” absorve todo seu dia e que se converteram em profissionais (Goffman,
1988:35).
Podemos acrescentar que desde que uma pessoa com um estigma particular alcança
uma certa posição financeira, política ou ocupacional, é possível que a ela seja confiada
ou que tentam trabalhar com a questão da autonomia e emancipação e, além disso, são as
139
que estão rompendo o círculo fechado de seus iguais (...) Em segundo lugar, os que
apresentam profissionalmente a opinião de sua categoria pode introduzir certas
parcialidades sistemáticas em sua exposição apenas porque estão demasiadamente
envolvidos no problema para que possam escrever sobre ele.
Cada vez que uma pessoa que tem um estigma particular alcança êxito, seja por
infringir a lei, ganhar um prêmio ou que seja o primeiro em sua categoria, pode tornar-se o
principal motivo de comentários de uma comunidade local (...) todos os que compartem o
estigma da pessoa em questão se tornam acessíveis para os normais que estão mais
situação leva-os facilmente a viver num mundo de heróis e vilãos de sua própria espécie,
sendo a sua relação com esse mundo sublinhada por pessoas próximas, normais ou não,
que lhes trazem notícias do desempenho de indivíduos de sua categoria (Goffman, 1988:
37).
identidade virtual, é possível que nós, os normais, tenhamos conhecimento desse fato antes
que entremos em contato com ele, ou então, que essa discrepância se torne evidente no
momento em que ele nos é apresentado. As identidades social e pessoal são partes, antes de
tudo, dos interesses e definições de outras pessoas em relação ao indivíduo cuja identidade
está em questão.
qual as outras pessoas já construíram sua identificação social e pessoal, porém ele tem uma
140
permite considerar o que o indivíduo pode experimentar a respeito deste estigma e sua
manipulação, e nos leva a dar atenção especial às informações que eles recebem quanto a
essas questões.
conformar a eles, é inevitável que sinta alguma ambivalência com relação a seu próprio eu.
O indivíduo estigmatizado tem uma tendência a estratificar seus pares conforme o grau de
de Alberto Melucci. Os trabalhos de Melucci (1989, 1994) mostram que nossa sociedade
princípios pelos quais se organiza a produção, se estendam às relações sociais que antes
conflitos sociais: o movimento pela reapropriação dos recursos desloca sua luta para um
como um produto da ação social. Uma série de questões que antes se situavam no âmbito
141
pessoal – começa a constituir a substância dos novos conflitos. O que as pessoas
possibilidade de dispor da sua criatividade pessoal, sua vida afetiva e interpessoal e sua
seja, por um lado, as pessoas têm que ter um alto grau de autonomia para poder trabalhar
situações mutáveis passam a ser exigências para realizar eficazmente nosso trabalho. Por
outro lado, os sistemas mais diferenciados têm sérias necessidades de integração e tentam
dos centros de decisão política. Isso motiva as demandas de autonomia que impulsionam
sistemas de controle social, os movimentos reivindicam novos espaços sociais nos quais
sociais. São grupos submersos na vida cotidiana que atuam como plataformas para a busca
da identidade individual e coletiva dos que neles participam. Como já referido, essas áreas
142
desenvolvem novos códigos de comportamento e significação, nos quais se elaboram
(Melucci, 1989).
da qual depende seu potencial de reflexividade para difundir novas idéias na sociedade,
incidir na vida pública e produzir conflitos sociais difíceis de resolver para as instituições
políticas. A atividade reflexiva desses grupos só lhes permite desenvolver uma consciência
de grupo através de processos de interação nos quais se constroem novas definições dos
contrastam com os que as instituições políticas e científicas seguem. Tudo isto ilustra o
denomina identidade coletiva e que tem adquirido uma importância central para o estudo
fruto de um acordo entre seus membros que, com freqüência, permanece implícito
(Melucci,1994).
uma definição compartilhada e interativa, produzida por vários indivíduos (ou por
grupos a um nível mais complexo), que está relacionada com as orientações da sua
ação coletiva e com o campo de oportunidades e constrições na qual esta tem lugar.
Essa identidade está integrada por definições da situação compartilhadas pelos
membros do grupo, e é o resultado de um processo de negociação e laboriosos ajustes
entre distintos elementos relacionados com os fins e meios da ação coletiva com o
entorno. Através desse processo de interação, negociação e conflito sobre as distintas
definições da situação, os membros de um grupo constroem o sentido de nós que
impulsiona os movimentos sociais (In: Johnston, Laraña e Gusfield,1994:17).
143
De acordo com Laraña e Gusfield (1994), há cerca de 25 anos alguns sociólogos
com a identidade de seus membros. Depois, a perspectiva dos novos movimentos sociais
sustentou que a busca coletiva da identidade é um aspecto central em sua formação. Laraña
cita autores como Turner (1969: Turner, Ralph H. The theme of contemporary social
Collective Search for Identity, New York, Holt, Rinehart, and Winston), os quais
interação nas sociedades modernas. Seu argumento era de que as modernas relações sociais
identidade do indivíduo.
De acordo com Laraña (In: Laraña e Gusfield, 1994), na perspectiva dos novos
diferenciado onde seus membros podem sentir-se fortes, e com orientações subculturais
que desafiam o sistema de valores prevalecente na sociedade. Laraña cita Melucci para
realizar sua própria identidade: a possibilidade de dispor da sua criatividade pessoal, sua
vida afetiva e sua existência biológica e interpessoal (Melucci, 1989: 218 In: Laraña e
Gusfield, 1994:11).
144
misma integrada y duradera, que es objeto de constantes ataques y amenazas en las
sociedades modernas (In: Laraña e Gusfield, 1994:12)
2- Sobrecarga de informações,
De acordo com Laraña (In: Laraña e Gusfield, 1994), os quatro fatores costumam
ficar implícitos, assim como a forma em que se interrelacionam para dar lugar a novos
identidade. O autor apresenta três dimensões diferentes da identidade por sua importância
importante para entender como se produz a participação nos movimentos sociais. Este
conceito faz referência, de acordo com Laraña (In: Laraña e Gusfield, 1994), a uma série
de traços pessoais que, apesar de ser resultado de uma combinação entre a herança
biológica e a vida social, são internalizados por aqueles que participam nos movimentos
145
Os psicólogos sociais que tem estudado a formação dos grupos estabelecem uma
pertencimento a um grupo (Tajfel, 1987 e 1981; Turner et al, 1987 In: Laraña e Gusfield,
1994).
O campo dos movimentos sociais se apropriou dos enfoques sobre as regras sociais
piscoanalíticas. Este conceito constitui uma ferramenta para a análise de uma série de fatos
sociológicos da conduta.
chegada de uma certa idade com uma ruptura em um contexto econômico e social que
libera a seus membros de preocupações materiais imediatas e lhes permite proceder a uma
limites e atividades que este desenvolve. Para Melucci (1994), a identidade coletiva é uma
definição compartilhada e interativa produzida por vários indivíduos (ou por grupos a um
146
nível mais complexo) que está relacionada com as orientações da ação e com o campo de
O estigma também está inserido no imaginário social das pessoas no que se refere a
questões geográficas; por exemplo, de acordo com o bairro que uma pessoa vive, já se
estabelece um estigma de que nível econômico e social tem, e as pessoas carregam este
Temos, por exemplo, a situação de muitos entrevistados que vivem nas vilas e
pela percepção de muitos, isso é impossível ou inaceitável, pois “o pobre não tem - ou não
tem que ter - acesso a nada que o rico também tenha”. Nestes casos, sempre se vê o
“pobre” como alguém que é merecedor desse fato, ou por que a instituição está fazendo um
bem para a “população carente”, ou seja, esse indivíduo não é um sujeito de direitos -
dos ricos.
com Ferreira (1975) a palavra origina-se do latim villa e tem como alguns de seus
significados,
Pela sua própria etimologia, já inclui uma significação de algo que é inferior,
excludente, não pertencente a uma lógica formal de urbanidade de uma cidade. Pela sua
147
constituição, passa a se caracterizar por ocupações ilegais, na sua grande maioria causadas
estão situados às margens da cidade, em áreas de risco, e são vistas como esteticamente
inadequadas e incômodas.
A história dos nossos entrevistados é muito similar, ou seja, são pessoas que vieram
do interior do Estado, que trabalhavam na agricultura, que vieram para a capital em busca
ou de formação, e passaram a viver nas vilas, por questões econômicas dentre outras.
Encontraram nas vilas um lugar para residir próximo ao centro da cidade, onde se
ofereciam possibilidades de trabalho informal, trabalho com papel, como catador, biscates,
famílias na capital, uma vez que depositavam nessa, expectativas e desejos de uma vida
melhor.
presença das vilas nos seus locais de origem, as campanhas de higienização e saúde
empresas, demarcou o distanciamento entre pessoas que vivem na mesma região da cidade,
enfim, seja por razões sanitárias, econômicas, políticas, sociais ou estéticas, o fato é que
surgiu a necessidade da transferência das vilas de seus locais de origem (Costa, 2000).
Popular que permitiu um amplo processo de discussão com a sociedade sobre os principais
148
Em termos de reorientação do planejamento urbano como instrumento de
completo aproveitamento dos recursos disponíveis, associando suas ações aos interesses da
população.
o crescimento da cidade com o arquiteto João Moreira Maciel propondo o Plano Geral de
1935/1937, com estudos realizados por Edvaldo Pereira Paiva e Luiz Arthur Ubatuba de
Farias. Em 1938 o urbanista Arnaldo Gladosch foi contratado para elaborar um Plano
Diretor para Porto Alegre. Um ano depois foi criado o Conselho do Plano Diretor - que
atua até os dias de hoje - para o qual o arquiteto apresentava suas idéias. O chamado Plano
149
1993, tendo em vista que o Plano em vigor, encontrava-se defasado e não vinha
capazes de incorporar os movimentos sociais e até mesmo aqueles ainda não organizados,
população, pode ser entendida como um passo importante para a gestão de um novo
cultural e social, e implicando em uma variedade muito ampla de interações, as quais estão
comprometidas com essas trocas. Na década de 70, nos Estados Unidos, o estudo sobre
movimentos sociais está centrado nas atitudes individuais, nos grupos que organizam o
protesto e nas formas de ação que utilizam. Na Europa, são consideradas as causas
150
Os movimentos sociais constituem o elemento dinâmico nos processos que
1994) refere que não está claro se há algo significativamente novo nos movimentos sociais
abandona os sonhos revolucionários a favor de uma reforma radical é a que não se orienta
contra o Estado.
O tema “a sociedade contra o Estado”, não implica em si, algo novo no sentido da
ruptura radical com o passado. Pelo contrário, supõe a continuidade com o que vale a pena
conservar nas instituições, com as normas e com as culturas políticas das sociedades civis
indivíduos desvinculados ou motivados por pressão social são os principais atores nos
ação coletiva.
ação coletiva. Sua análise de mudança estrutural, no entanto, não põe em dúvida o fato da
industrialização não regem o ritmo da ação coletiva e porque não é possível vincular
151
O autor mostra, no entanto, a forma em que a transformação econômica, a
caráter e nas pessoas da ação coletiva. Esses processos facilitam a emergência de novos
de ação específico e mudanças estruturais que tem um efeito sobre a vida diária dos atores
relevantes. Os repertórios das ações coletivas têm a ver com suas formas de associação e o
Do ponto de vista de Laraña e Gusfield (1994), a obra de Tilly mostra que a ação
dentro da sociedade civil, e uma política democrática que subjaz as instituições políticas
século XIX.
os grupos já não podem, com a emergência da sociedade civil moderna, ser tratados como
se estivessem realizados.
152
análise da reflexibilidade dos movimentos sociais se fundamenta em uma concepção dos
sobre assuntos cujo caráter formativo se dava por fatos anteriores ao surgimento do
essas questões na opinião pública quando se dão uma série de condições na sociedade e
Esta concepção dos movimentos contrasta com a que os concebe como personagens
históricos, posto que não dá por feito seu caráter modernizador nem sua contribuição à
justiça social ou à emancipação coletiva. Por ele é mais útil na interpretação dos
movimentos sociais contemporâneos, muitos dos quais não podem abordar-se com essas
fundado o conceito moderno do movimento social. Daí a importância que adquire a análise
sociais.
O conceito que Laraña (1999), propõe tem caráter intermediário já que situa a raiz
significados sobre o risco que promovem organizações sociais e grupos em ação Laraña
(2001). Apesar de que esta última definição tenha sido empregada para designar os
movimentos sociais, o autor amplia a definição em outro estudo, com o sentido de designar
153
a uma variedade de organizações sociais, econômicas e vinculadas às administrações
públicas que se mobilizaram de forma simbólica para promover distintas definições dos
persuasão no qual intervêm distintas organizações e redes sociais, no lugar de ser produto
da “força das coisas” ou a gravidade das ameaças que recaem sobre os cidadãos reflexivos.
sociológico.
sujeito e tempo são unidades materiais indivisíveis que sustentam a realização potencial ou
real de um projeto de vida. Não há, segundo Laraña e Gusfield (1994), destiempo
disponible para la acción social: de tal forma que si no hay tiempo vivido con retraso (...)
tampoco tiene sentido decir que el acto se adelanta al tiempo (...). Por supuesto, las
indagação inicial cujo objeto é questionar a tradição metodológica na ciência social, que
toma a análise post factum como único modelo possível de investigação. Para eles, a
Em efeito, o foco hoje está colocado para que este personagem realize sua obra, essa há de
154
popular, nos processos eleitorais e no sistema de partidos, entre outros. A atuação do
Laraña e Gusfield (1994) sugerem que podemos entender que qualquer ação do
ordem e, portanto, geram espaços para a socialização. O ato cidadão é, segundo os autores,
Com isso, os autores afirmam que depois da crise social do Estado, novos vínculos
Desde o ponto de vista dos autores, esta troca da natureza na política há de ser entendido
por uma psicologia que pretenda ser pensamento social útil em uma sociedade mutável.
155
5. Alguns elementos para definir consciência política
percepção das características que separam a classe com a qual se auto-identifica de outras
classes sociais. Oposição, que é aquela dimensão que focaliza a percepção que o indivíduo
tem da relação entre a sua classe e outras classes, especialmente com respeito à classe
indivíduo tem da sua capacidade de intervenção para alcançar seus interesses. Sandoval
classe.
156
classe, mas também interpretativa enquanto se preste ao exame do declínio de certas
Para Sandoval (1989) devemos avançar nas análises que dão conta apenas de
Sabe-se que os movimentos sociais, enquanto objeto de estudo, foram, durante muito
investigação mais apurada no que se refere à consciência política. De acordo com Sandoval
contexto social é significado pelos indivíduos de acordo com a realidade vivida. Desta
O que é pensado, o que é dito, o que é expresso têm a ver com o contexto no qual as
pessoas vivem, uma vez que este é um campo fértil de significados acerca do que os
grupos vivem. A experiência local, ou seja, aquela mediada por relações próximas, que
157
fazem parte do contexto imediato de relações do indivíduo, e a experiência geral, ou seja,
aquela que faz parte da conjuntura política, econômica, social, cultural do indivíduo, e que
ajudam a constituir seu universo simbólico, são fontes que condicionam e moldam as
relações de classe e vêm afetar a consciência política. Por isso, a estruturação de classe
1994b:60).
No exame da consciência uma distinção inicial deveria ser feita entre ‘organização
do conhecimento’ e ‘estilo cognitivo’ de uma modalidade particular de consciência. O
primeiro termo se associa ao que é conhecido, o segundo ao significado que é
atribuído ao conhecido e vivenciado. (...) ... os indivíduos recorrem a definições
‘gerais’ da realidade (tais como estereótipos, preconceitos, definições de papéis etc.)
para entender as experiências diárias e por sua vez as utilizam como parâmetros para
compreender novas experiências. Essas definições ‘gerais’ são substrato para a
coesão da sociedade. Neste sentido, as definições gerais utilizadas pelo indivíduo
para se orientar no dia-a-dia são parte inerente à hegemonia da sociedade (Sandoval,
1994b:61).
O que fica claro na análise de alguns dados é que, para alguns moradores, a
Sandoval (1989) faz uma distinção entre os fatores da esfera interna e externa, referentes à
histórica de valores e crenças que permeiam as visões de mundo das pessoas como
158
mecanismo seria as restrições da vida cotidiana impostas aos indivíduos que reduzem a
uma alternativa atraente para muitos que não possuem elementos para uma reflexão mais
Além das conseqüências destes estigmas para as relações das pessoas entre si e com
organização comunitária são marcados, dentre outros fatores, por uma visão coletiva
em termos de moradia e/ou trabalho ao local, o que, curiosamente, ainda não é um fator
determinante.
membros da coletividade, que podem ser classificados em dois tipos: categorias e redes
159
O terceiro grupo de fatores estaria relacionado à vida organizativa, ou seja, a
combinação de categorias sociais com redes sociais expressa a noção de grupo no sentido
de sua coesão social que outros conceitos carecem, o que talvez para os moradores, seja
comunidades.
coletivamente, bem como o valor atribuído a essas experiências, o que o autor chama de
engajamento político é algo recente nas pesquisas. Ao mesmo tempo, de acordo com o
autor, o interesse pelos movimentos sociais não levou a pesquisar os fatores que obstruem
perdas que fazem com que as pessoas participem e, de acordo com Sandoval, pensando
que o contrário.
160
prisioneiros em uma cela em que cada prisioneiro tem a opção de cooperar ou trair seu
DILEMA DO PRISIONEIRO
Formas de agir Prisioneiro 1
Prisioneiro 2 Cooperar Trair
Cooperar (A) (B)
+1, +1 -1, +2
Trair (C) (D)
+2, -1 -1, -1
Se cada prisioneiro tem um benefício, e pode optar por colaborar ou trair seu
prisioneiro 1 o trai então, o prisioneiro 2 perderá seu benefício (-1) e prisioneiro 1 conserva
seria trair quando o outro coopera, já que esta estratégia daria maiores ganhos do que
ambos perderem seus benefícios. No meio termo, entre estes dois extremos, fica a
161
estratégia de ambos cooperarem para conservar cada um seu benefício. A partir do Dilema
do Prisioneiro, fica claro que a cooperação não é necessariamente a melhor opção para
dos indivíduos nos movimentos sociais da ótica dos custos e benefícios que uma pessoa de
coletivo de valor de 20 e para isso precisam juntar no mínimo 10 valores para pleitear este
bem, então a mobilização de recursos implicaria em que cada membro do grupo deveria
contribuir com uma quota de 1 valor para juntos reunir o mínimo necessário para
Este modelo apresenta os custos e benefícios que um indivíduo tem, mesmo quando
opta em não contribuir, mas pode beneficiar-se do bem coletivo, uma vez que o bem é
coletiva.
162
A partir da explicação de Sandoval sobre o Dilema da Participação Coletiva,
entendemos que no caso em que todos os indivíduos colaboram, contribuindo 1 valor por
pessoa, cada indivíduo receberá 2 valores com o bem coletivo em troca de sua colaboração
de 1 (célula A).
membros do grupo terão que contribuir 1.1 valores (em lugar do 1 esperado) para
compensar a falta de um membro, onde os 10 valores mínimos tem que ser reunidos entre
nove pessoas e não entre as dez. Se ocorrer de não se ganhar o bem coletivo, cada
indivíduo colaborativo perderá –1.1 da sua contribuição inicial mais –1 do possível ganho
que ele teria se tivesse obtido o bem coletivo. Assim, sua perda seria hipoteticamente de –
2.1 enquanto aquele que não colaborou teria uma perda de 0, uma vez que este último não
moradores que não participam das reuniões por que sabem que, se a comunidade ganhar
alguma melhoria, ele também será beneficiado, sem ter tido o esforço de participar.
recurso para ganhar o bem comum (célula C), e o bem coletivo é conquistado; logo, este
apesar de não ter colaborado individualmente com um investimento próprio, mas que foi
coberto pelos outros novos membros da coletividade. Por outro lado, cada membro, que
contribuiu 1.1 pontos para atingir os 10 mínimos, receberá apenas 0.9 pontos de retorno do
bem coletivo de 2 pontos considerando que dos 2 pontos, eles terão que repor seu 1.1
Neste caso, o indivíduo não colaborativo é quem mais se beneficia do bem obtido e
163
arriscando recursos pessoais no movimento social. Esses indivíduos esperam obter uma
“carona”, Shubik (1970), com a mobilização dos outros se beneficiando dos ganhos dos
outros e conservando seus próprios recursos enquanto os engajados obtêm benefícios, mas
Por último, temos o caso da célula D, onde ninguém colabora e por isso ninguém
recebe benefício algum, mas também as pessoas não arriscam seus recursos no movimento.
Neste caso, os membros da coletividade desejam o bem coletivo, mas ninguém está
disposto a investir recursos próprios para atingir este bem, conseqüentemente, levando a
um imobilismo e perda de possível melhoria individual e grupal, uma vez que o bem só
pode ser obtido coletivamente. Se todos os indivíduos fossem oportunistas como no caso
da célula C, o resultado lógico seria o caso da célula D, onde todos os membros do coletivo
possibilidade de ter alguns benefícios devido ao imobilismo coletivo. Além dos casos do
agrupamentos com pouca ou nenhuma base para a ação coletiva, a falta de coesão social, a
analisar aqueles determinantes da dinâmica interna e externa nos movimentos sociais que
interferem nas formas de participação que as pessoas assumem frente às ações coletivas e
164
De acordo com Sandoval, a explicação determinista da dominação ideológica, seja
na vertente que atribui um poder exagerado ao papel da ideologia das classes dominantes,
objetivo de ser pouco conducente a reflexão mais abstrata e crítica das relações sociais.
convém fazer uma distinção para fins analíticos, entre aqueles fatores de esfera interna
estas duas esferas e seus fatores, Sandoval (1989a) comenta brevemente alguns dos fatores
culturais, que são a expressão histórica de valores e crenças que permeiam as visões de
mundo das pessoas como pressupostos sobre a natureza da sociedade e a naturalidade das
165
Outros mecanismos de controle social são as restrições da vida cotidiana, impostas
abstrata. Considerando que é na vida cotidiana que o indivíduo se envolve nas relações
cotidiana são aspectos importantes para traçar uma compreensão dos obstáculos à
politização.
Neste sentido, a estrutura da vida pode ser caracterizada na seguinte maneira: sua
estereótipos para definir pessoas desconhecidas e predominância dos papéis sociais para
submissão e viver, no movimento social, experiências coletivas que, por sua vez, são
de agir frente a seus problemas, interagir com outras pessoas no âmbito de um esforço
num movimento social ou permanecerem alheios à mobilização. Estes fatores podem ser
166
seguintes: fatores demarcadores das fronteiras dos agrupamentos e da comunidade que
membros em grande medida pertencem em termos de moradia e/ou trabalho local. Fatores
Estes fatores poderiam ser classificados em dois tipos, categorias e redes sociais:
Estas redes sociais são formais e informais, ligam os membros afetiva e funcionalmente
uns aos outros através de laços interpessoais que muitas vezes sobrepõem-se às instituições
locais.
sentido de sua coesão social que outros conceitos carecem. A partir dessa combinação
específica de aspectos de categoria e redes sociais influi nas formas organizativas que se
grupos externos.
167
As ações coletivas dependem em parte da experiência, extensão e capacidade de
aprendem a se organizar, mobilizar recursos e traçar formas de ações coletivas para obter
de um enfoque que explique melhor aquela dinâmica de fatores que conduzem a uma
maior participação num contexto social em que a participação tende estar ausente.
“The Crisis of the Brazilian Labor Movement and the Emergence of Alternative Forms of
Working-Class Contention in the 1990s, elabora um modelo teórico que descreve sete
Assim, a consciência política não pode ser compreendida a partir de si mesma, mas
a partir dos significados que os indivíduos atribuem à realidade social. As sete dimensões
168
solidariedade em que o indivíduo desenvolve laços interpessoais que levam a um
sentimento de coesão social que faz com que o indivíduo se identifique com alguma
a solidariedade grupal e ainda atribuindo valor à reação de outros indivíduos dentro e fora
do grupo. Além desse sentimento, existe a identificação com interesses comuns, ou seja, os
desenvolve com respeito à sociedade em que vive e que expressa, claramente, a ideologia
política e a visão de mundo dos mesmos. Estas podem ser entendidas como a representação
social que os indivíduos constroem sobre a estrutura social, as práticas e finalidades das
169
e grupos sociais que contribuem para estruturar a vida em sociedade.
materiais são opostos aos interesses de outros grupos e como os interesses antagônicos
Sandoval (2001), ocupa um lugar chave na consciência política, pois sustenta a ação
adversários. Ela é expressa no “(...) caráter antagonístico das relações de classe (na
medida em que esses são conflitos de interesse) e no significado que o indivíduo atribui ao
(Sandoval, 1994a:67).
A Eficácia Política é a dimensão que se refere aos sentimentos que as pessoas têm
sobre sua capacidade de intervir em uma situação política. Sandoval (2001) recorre à teoria
da atribuição de Hewstone (1989), que mostra que as pessoas podem dar três tipos de
indivíduo atribui que os eventos são resultantes de forças transcendentais como tendências
nos indivíduos sentimentos de baixa eficácia política, ou seja, quanto mais acreditarem que
os eventos têm como causas as forças transcendentais, mais baixo será o sentimento de
eficácia política frente às ações que possam realizar para transcender as forças da natureza.
170
Esse tipo de interpretação gera reações submissas e conformismo frente às situações de
angústia social.
Uma segunda forma de interpretação pode ser a individual. Neste caso, as pessoas
capacidade da pessoa em lidar com uma situação específica. As pessoas atribuem as causas
social. Em outras palavras, as pessoas procuram soluções individuais para situações sociais
(Sandoval, 2001).
Por fim, a terceira forma de interpretação das motivações e causas sociais atribui a
força às ações de outros indivíduos e/ou grupos. As pessoas acreditam que situações de
angústia social são o resultado das ações de certos grupos ou indivíduos. Isso faz com que
permitem que as pessoas sintam que suas ações contra os responsáveis pela situação de
É por meio dessa interpretação que descobrimos que os indivíduos tornam-se atores
da mudança em suas vidas, ou seja, sentem que são capazes de mudar a sua própria vida e
a vida dos outros. Isto, evidentemente produz um maior sentimento de eficácia política,
pois as pessoas sentem que são capazes de superar os conflitos e a angústia social.
nível de reciprocidade social entre os atores que ele considera como justos. Com base em
Berrington Moore (1978), Sandoval (2001) aponta que a justiça social é expressa por meio
171
indivíduos entendem como uma ruptura da reciprocidade em termos de injustiça sempre
relação equilibrada de reciprocidade e que fazem com que os indivíduos percebam que
essa reciprocidade pode ser violada. Dessa maneira, uma grande parte dos critérios
alguma maneira, deixam de existir ou são violados, se estabelece uma situação de injustiça
Freqüentemente, diz o autor, notamos que toda reivindicação dos movimentos sociais vai
contra uma situação de injustiça, conseqüentemente observamos que, por trás do que as
pessoas falam sobre sua participação nos movimentos sociais, em suas representações, se
ocultam referências à noção de injustiça que servem para legitimar suas reivindicações e
responsabilizar os adversários.
compensar as injustiças que são cometidas contra ele mesmo. Essa dimensão tem as suas
raízes nos estudos de Klandermans (1992) e enfoca três aspectos ou situações que levam os
172
A sétima dimensão do modelo de consciência política de Sandoval (2001) é Metas
dimensão trata de “avaliar” até que ponto as metas e propostas dos movimentos sociais e
das suas lideranças correspondem aos próprios interesses materiais e simbólicos de seus
membros tem provocado sérias mudanças de posturas tanto para as lideranças quanto para
de agir coletivamente quanto Metas de ação coletiva, têm suas bases em alguns teóricos
da escolha racional como Olson (1965), que tem contribuído para o debate sobre os
Sandoval entende que estas escolhas são elementos que se tornam significativos
para o pensamento individual através das suas identidades coletivas; suas crenças, valores
173
justiça e injustiça (Sandoval, 2001:190). Ao mesmo tempo, essas dimensões contribuem
para a tomada de decisão dos indivíduos, o que leva o autor a afirmar que a escolha de
essas metas e estratégias são percebidas como formas relevantes de ação coletiva que
174
CAPÍTULO V
repercussões que esta participação tem tanto para a vida das pessoas como para as políticas
públicas da cidade.
exercício da cidadania. Nossas idéias são ratificadas por muitos de nossos entrevistados,
que dão o seu depoimento sobre o significado que tem, para eles, exercer a cidadania e ser
– e descobrir-se – cidadão.
cidade de Porto Alegre, no que diz respeito às vivências das políticas públicas voltadas
para a população. Entendemos que a participação política é uma via de mão dupla nesta
51
Para a análise dos dados, faremos um comparativo entre as falas dos moradores e dos trabalhadores das
Unidades de Reciclagem. Nossa nomenclatura diz respeito a seguinte classificação: Trabalhadores são os que
vivem nas comunidades entrevistadas e que trabalham nas Unidades de Reciclagem de Lixo, alguns dos
quais são lideranças comunitárias. São denominados também, ao longo do texto, de Recicladores. Moradores
são os que igualmente vivem nas comunidades, mas que não trabalham nas Unidades de Reciclagem, ou são
lideranças comunitárias, ou são papeleiros [são os que recolhem papel com carrinho ou carroça e reciclam em
sua própria casa] ou são moradores que exercem outras atividades profissionais. Entrevistados são os dois
grupos: moradores e trabalhadores.
175
relação, ou seja, ao mesmo tempo em que participa, o cidadão incrementa as políticas
E, por fim, apresentaremos algumas análises iniciais sobre a relação que propomos
no capítulo 7.
utilizado para fazer referência a várias ações públicas, sejam elas individuais ou coletivas.
No capítulo quatro, dessa tese, fizemos uma extensa revisão bibliográfica sobre este
termo. Nesse capítulo de análise, vamos retomar algumas idéias dos autores sobre o que é
participação política, à luz das entrevistas realizadas. Utilizaremos, nesse texto a idéia de
sobre a democracia e o alcance que deve ter a participação dos cidadãos, permite a
o ideal do sistema democrático. A partir desta colocação, referimos que os dois tipos de
176
democracia que trataremos, indiretamente52, ao longo da análise sobre participação
contribuições, já referidas nessa tese, de Verba e Nie (1972) que indicam a atividade na
atividades comunitárias como uma das formas de atividades políticas, desde que essas
tenham uma clara projeção política, ou seja, que para serem qualificadas como participação
política, tem que ter caráter reivindicativo frente às autoridades (Booth y Seligson, 1978,
participação política, desde que esta participação incida sobre a vida pública dos
política que garanta movimentos que beneficiem a comunidade como um todo, o que não
significa também, que as ações políticas sempre tenham que ter um caráter reivindicatório.
Estados;
52
Queremos dizer com isso que não privilegiamos este tema nas entrevistas mas, inevitavelmente, ao falar de
participação política, nossos entrevistados inferem a relação com um governo democrático.
53
Utilizaremos as contribuições de Fernández (in Villasante, 2002), para definir democracia representativa e
participativa. A Democracia representativa tem como paradigma constitutivo, a delegação de poder. Através
do voto, o cidadão elege os representantes que tomarão as decisões sobre os assuntos de interesse da
população. A Democracia participativa entende que o cidadão é membro das instituições políticas da
comunidade, o que pressupõe a participação dos cidadãos na tomada de decisão sobre os assuntos de seu
interesse, resguardando o direito de falar, pensar e decidir.
177
A política se refere ao governo dos Estados, portanto, a participação política
Para este autor, portanto, há a ausência de uma clara dimensão política nesse tipo de
A nossa proposta de análise refuta esta concepção de Conge, uma vez que nossos
é possível, e que as ações coletivas dos indivíduos podem, de fato, incidir em mudanças da
vida da cidade. A cidade não vive apenas as decisões tomadas nos espaços da
autora, a ação política pressupõe uma concepção de indivíduo como ator, como ser ativo,
como construtor da realidade e não como mero reprodutor ou simplesmente aquele que
reage diante de eventos que, de alguma maneira, exige uma resposta. Consideramos a
opinião de Montero, porém, insistimos no uso do termo participação política, para indicar
as ações do indivíduo enquanto ator social, construtor da sua realidade ou cidadão ativo,
178
onde cada tipo de ação ou conjunto de ações terão determinantes diferenciados devido às
Para o autor, o comportamento político não pode ser entendido de uma forma
e as situações que impactam o processo comportamental, pelo qual o ator elabora o tipo de
participação que realiza na arena política, ao mesmo tempo em que se define como ator e
amplitude que tem o conceito de participação política, vamos transcorrer nossa análise,
Ela é acessada quando o indivíduo incide na vida pública da cidade, quando ele é um ator
social no sentido de ter ações concretas que alteram a sua própria vida e a da cidade. A
idéia que apresentamos é que a cidadania, em Porto Alegre, foi se fortalecendo à medida
54
Relembramos o leitor a diferenciação que já fizemos na nota de rodapé 2, quanto a diferenciação da
nomenclatura que usamos – participação política – e da nomenclatura que a Administração Municipal utiliza
– participação popular. A diferenciação que propomos na análise é da ordem dos significados psicopolíticos
que estas nomenclaturas têm na vida política da cidade. Para a Prefeitura Municipal de Porto Alegre,
participação popular é a participação dos cidadãos em diversos fóruns de participação, dentre os quais, o OP,
de modo que a população ajude a decidir sobre as políticas públicas da cidade, a definindo como sinônimo de
participação política. Para nós, a participação popular é a participação dos indivíduos em diversos fóruns de
participação, porém, é uma participação instrumental, que constatamos através da pesquisa, ser a participação
do “garantir direitos” ou do “ganhar coisas”. Já a participação política, assim como a entendemos, requer
engajamento, compromisso, organização e reivindicação.
179
A aquisição da cidadania, como lembra Oliveira (1998), é um processo
de cidadania são o ponto de partida para as ampliações das conquistas. Podemos ilustrar
esta idéia com o movimento que percebemos dos moradores e trabalhadores das Unidades
conseguem garantir moradia, parte-se para novas demandas, como por exemplo, a
Entendemos que este processo [de aquisição da cidadania] está presente na vida dos
descobrissem atores sociais, para que saíssem da esfera da cidadania passiva e passassem a
vivenciar a cidadania ativa. Marcos55 faz um relato que ilustra adequadamente essa
sentido de que a cidadania não é vivenciada por todos da mesma forma, isso se deve às
55
Marcos é o nome fictício de um Conselheiro do OP, morador de uma comunidade; ele não faz parte dos
entrevistados. Seu depoimento está na obra: Organização Não-Governamental Solidariedade. Caminhando
para um mundo novo: OP de Porto Alegre visto pela comunidade. Petrópolis : Vozes, 2003.
180
crenças e valores de sociedade que os indivíduos têm, às diferentes vivências e às
entre suas vivências e suas percepções acerca de vários temas56, para confrontá-las com
seguintes:
pelo fato de terem uma Associação e, com isso, serem uma entidade
do que os trabalhadores;
das Unidades.
trabalhadores têm sobre o que é ser cidadão e o que é exercer a cidadania. A partir destas
56
Refiro às perguntas realizadas nas entrevistas, as quais estão em anexo. Os temas das perguntas têm a ver
com cidadania, vivência na cidade e na comunidade, participação política, relação com entidades
representativas na comunidade e o significado do OP para os porto-alegrenses.
181
1- O “ser cidadão” através da participação política – dando voz aos moradores
e trabalhadores
entendemos cidadania apenas como garantia de direitos fundamentais dos indivíduos, mas
o exercício de uma prática que permite, aos indivíduos, serem atores sociais do processo
político da sua cidade, seja exercendo o direito do voto, seja estendendo o seu
poder público.
diluindo à medida que políticas públicas foram sendo instauradas nas comunidades e,
...é o que eu não era, porque eu não sabia os direitos que eu tinha, eu vivia o mundo
ao redor, depois que eu comecei estas caminhadas eu enxerguei uma luz no fim do
túnel, se o cara for um cidadão, ele tem melhores condições de vida pra ele e pros
outros... um cidadão tem que saber os direitos que ele tem... no começo que ele
começa a participar ele tem uma cidadania, eu fui um cidadão na marra. Busquei a
minha cidadania sem saber o que era a cidadania, hoje eu sei o que é
cidadania...(Augusto, trabalhador da Unidade de Reciclagem)
Participativo. Hoje, Augusto é uma liderança na sua comunidade e procura trabalhar com
182
as crianças no sentido deles perceberem, desde jovens, que a participação é importante
A única comunidade que tem uma associação mirim é a nossa. Ali eu estou formando
umas lideranças para o futuro. Quantas crianças se perdem no tráfico, nas drogas,
na prostituição... aqui tem hip hop...tem atividade que envolve a criançada...
(Augusto, trabalhador da Unidade de Reciclagem)
entrevistados. Nem sempre aquilo que eles referem sobre o conceito de cidadão, é
políticos, a partir dos quais podemos redefinir o que é ser cidadão na sociedade brasileira.
Uma definição que atrela a pessoa ao direito. No entanto, sabemos que no cotidiano dos
cidadãos brasileiros, as palavras são resignificadas a partir das vivências, das histórias, das
relações que são estabelecidas dos indivíduos com outros indivíduos e com o mundo.
De acordo com Teixeira (2001), os direitos são garantidos por leis e estabilizam a
sociedade civil, no entanto, sua efetivação depende da própria sociedade civil, da cultura
política e de sua organização, que deve zelar pela construção de novos direitos de acordo
com novas necessidades e aspirações. O autor afirma que as leis não são suficientes para
evitar a exclusão social, mas podem tornar-se um instrumento de luta contra a dominação,
na medida em que os excluídos tenham acesso aos espaços públicos e possam discutir
183
participação e discussão57 surgiram em Porto Alegre, onde os cidadãos são convidados a
sustentam, seja pelo discurso alienado que possuem, também nos mostram o desejo de
fazer valer estes direitos, o reconhecimento de que é possível ser cidadão para além das
Essa idéia pode ser apresentada por Vitória, Magda, Carolina e Bárbara. Para elas,
ser cidadão...
...é poder ter direito de respostas, de dúvidas, de poder perguntar, de falar, ter
...é ter as coisas da gente e ser dono daquilo, mandar e decidir (Carolina,
trabalhadora da Unidade)
Unidade)
57
Trata-se dos seguintes: CMDUA – Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental; Fóruns
regionais de planejamento; Fórum de Delegados; Congressos da Cidade; Conferências Municipais;
Comissões locais; Discussão do Plano Plurianual; Comathab; Conselhos Municipais; Comissões Municipais;
Instituição Comunitária de Crédito; Conselho da Ietinga e Conselho da Vila Tecnológica; Comitê de análise
do impacto socioeconômico dos grandes empreendimentos; Conselho de clientes da Carris; Conselho de
clientes do DMAE; Conselho do Orçamento Participativo; Centros Administrativos Regionais. A
especificação de cada um, encontra-se em anexo.
184
Ser cidadão também é exercer o direito de circular pelos espaços – públicos ou
privados – independente da roupa que veste ou do meio de transporte que utiliza, mas ser
Sair de cabeça erguida, não ter medo, entrar em lugares em que todo mundo tem
direito, entra independentemente do poder aquisitivo, não por que trabalho nisso.
Morador de rua é rejeitado, era visto de outro jeito, é ter os mesmos direitos de
quem tem dinheiro (Helio, trabalhador da Unidade)
... é uma pessoa que ta num serviço, que pode cumprimentar as pessoas, entrar numa
loja e comprar o que tu quer, não ser corrida da loja como se fosse roubar (Roseli,
trabalhadora da Unidade)
Ser cidadão é ser respeitado principalmente pelo que a gente desempenha aqui, até
chegar no patamar que nós chegamos, na seletiva, a gente sofreu muita
discriminação. Então o mínimo de respeito que tem pela gente a respeito do trabalho
acho que isto, é o mínimo pra gente considerar o cidadão porque é horrível tu
chegar em num lugar e ser discriminado (Helio, trabalhador da Unidade).
Consideramos também, na nossa análise, a opinião dos técnicos58 que fizeram parte
da pesquisa. O que pensam e dizem acentua muito as percepções dos nossos entrevistados
Sandra comenta que ser cidadão é estar incluído nos direitos dados à população,
não apenas tomando conhecimento de que as políticas públicas existem, mas que elas
sejam viabilizadas. Para Sandra, existem muitos direitos que existem por luta da população
organizada, você ter estes direitos e inclusive deveres, isso é ser cidadão, no entanto,
Sandra lembra que há muitas pessoas, inclusive na comunidade na qual trabalha, que não
podem acessar certos direitos por falta de documentos. E isso ocorre tanto pela
58
Eventualmente, os técnicos aparecerão na nossa análise para ratificar a opinião de nossos entrevistados,
bem como nossa compreensão sobre o tema.
185
Há muitas pessoas dessa comunidade que vieram do interior e não sabem informar
o hospital em que nasceram ou que seu filho nasceu. Muitos, inclusive, nascem em casa e
não são registrados pelos pais. Assim como há casos de famílias que perdem documentos e
registros de dados sobre sua história de vida em situações de enchentes e/ou incêndio: as
pessoas aqui não têm documentos e então não podem acessar certos direitos, têm pessoas
que não sabem se foram registradas; a cidadania vem dos direitos básicos e fundamentais,
no momento em que você registra um filho, você está dando a ele ingresso à cidadania
(Sandra, técnica).
Outra definição sobre o que é ser cidadão, diz respeito à preocupação com o outro,
com ações mais coletivas, voltadas para a comunidade ou para a sociedade como um todo.
Ser sujeito de direitos é importante para o indivíduo, mas é necessário também que isso se
Serlene e Bruna indicam, nas suas falas, que ser cidadão não é apenas beneficiar-se
cotidiano, as falas seguintes são ilustrativas desta rede de solidariedade que existe em
muitas comunidades:
Ser cidadão é ajudar os outros a ser cidadão, é ter amor ao próximo, é atender as
pessoas, é olhar pras pessoas com amor, com atenção, com carinho, e não com o
nariz empinado (Serlene, moradora).
... é melhorar, acabar com a miséria, desemprego, o certo é cada ser humano ter
moradia e emprego e lazer, é um direito do ser humano (Bruna, trabalhadora da
Unidade).
Valdomiro também acentua que, ser cidadão, é ter ações que beneficiem não apenas
186
...um trabalho que tu desenvolve inclusive não é só pro nosso beneficio, é pro
beneficio do mundo inteiro, nós tamo lidando com a ecologia e eu acho que é isto. É
fazer o máximo possível pra se beneficiar e beneficiar as pessoas também... porque
tu ser cidadão não é só fazer por ti, tu é cidadão ajudando os que precisa também,
acho que muita gente precisa mais do que a gente e então não é só a gente achar que
precisa e sem ajudar as pessoas... (Valdomiro, trabalhador da Unidade)
Para Mirela, ser cidadão é poder garantir os direitos humanos, mas principalmente
exercer a solidariedade, ou seja, cidadão também é aquele que pensa nos interesses
coletivos e trabalha para que os direitos sejam para todos e não apenas para ele.
Cidadão é aquela pessoa que está consciente de tudo que está passando a sua volta,
se doa pra colaborar, em algum momento, com as coisas que estão acontecendo, não
só dando coisas, mas fazendo algo pra colaborar. Outra situação é no momento da
cobrança que você tem que fazer, não é só votar e acabou sua responsabilidade,
você também está atuando como cidadão pra fazer com que as pessoas cresçam
também, porque só entregar tudo de mão beijada, não funciona (Mirela, técnica).
Ser cidadão está, para alguns entrevistados, na dimensão de valores societais que
fazem parte de um ideal de vida em sociedade, ou seja, desejamos viver em uma sociedade
em que haja justiça, honestidade, liberdade, respeito, etc., mas esses valores societais
existem os desonestos, ser digno para não fazer parte do grupo dos que não prestam, ter
orgulho de seu trabalho e de seu sacrifício, mesmo que vivamos em uma sociedade com
diferenças salariais gritantes. Enfim, são discursos de uma ideologia dominante e opressora
que faz com que as pessoas se convençam que as coisas são assim mesmo, então há que se
conformar. Não queremos afirmar, com isso, que não concordamos que devamos viver em
uma sociedade justa, correta, digna, com uma vida baseada em princípios éticos e em um
Cidadão é ser uma pessoa honesta, ter liberdade, dignidade, ser afetivo com o outro,
ter orgulho de sua casa, de seu trabalho, de sua moral, de seu sacrifício (Paulo,
trabalhador da Unidade);
187
É ser uma pessoa de bem, é se dar com todo mundo, não ser arrogante, ser humilde
(José, trabalhador da Unidade);
participa e se sente sujeito ativo e, se percebendo como sujeito ativo, participa. Mesmo que
voltadas para garantir a qualidade de vida de seus cidadãos. Mas podemos inferir que o que
faz a diferença neste movimento dos indivíduos é a dimensão da consciência política desse
cidadão que faz com que ele tenha um entendimento mais ampliado das coisas do mundo e
municipal e os fóruns de participação popular. Com o intento de verificar até que ponto as
políticas públicas realmente fazem a diferença na vida das pessoas, até que ponto as
188
2- O “exercício da cidadania” através da participação política – dando voz aos
moradores e trabalhadores
aproximação entre o que definem como sendo cidadão e o que é, de fato, exercer a
indicativos do exercício daquilo que eles consideram como sendo parte da cidadania.
Bruna e Serlene relatam o que pensam e o que fazem para colocar em prática esse discurso:
Exercer, praticar a cidadania e também passar pros outros, saber usar a cidadania,
saber o que ela é, não adianta eu ter ela só comigo, é ter solidariedade (Serlene,
moradora).
sentido de votar em quem tem projetos para a comunidade, e entender que cada indivíduo
exercer a cidadania, pois, aos poucos, foi se dando conta de que era preciso participar para
conseguir melhorias para a sua comunidade. Nos parece uma lógica perversa, pois de fato,
aqueles que não participam ou os que não se organizam, não conseguem - ou demoram
muito - conquistar suas demandas. De qualquer forma, acreditamos que esse movimento é
Hoje eu sei, antigamente eu não sabia, que um vereador dentro da Câmara é o meu
representante, o Prefeito é o meu representante, exercer a cidadania é procurar
votar certo, votar naquela pessoa que a gente pode dizer assim: “eu vou votar nele
porque ele vai fazer aquilo que eu quero, que eu necessito, ele está a meu serviço,
189
ele vai governar a cidade como cidadão que é, pra melhoria de trabalho, de vida”,
apesar que muita gente vota errado, exercer a cidadania é votar correto, lutar pelos
direitos que a gente tem... (...) ... quando começou as reuniões do OP, eu não sabia
como tratar o prefeito... cheguei no gabinete do Tarso... meu pensamento naquela
época era bem pequeno, eu era tímido, pra mim Prefeito era da altura do Presidente
da República né, não tinha conhecimento, vereador eu já achava que era um baita
homem, que tinha um baita cargo! Bom, aí o Tarso começou a falar, e no momento
da fala dele, ele já começou a me ensinar como eu tinha que caminhar nos caminhos
do governo. Ele disse: “eu não quero ser paternalista”... isso foi o que mais me
chamou atenção na fala dele: “O prefeito não é bonzinho, eu sou um funcionário a
serviço do povo, os papeleiros já têm uma noção do que já está acontecendo, e o
prefeito não pode chegar lá e dizer, oh, eu vou dar uma casa para cada um, eu tenho
que ter pressão da comunidade, se a pressão do entorno for maior, o prefeito vai
pelo entorno, o prefeito vai pela maioria... (Augusto, trabalhador da Unidade)
como lembra o autor, a possibilidade de distinguir-se dos outros, deve ser reconhecida por
esses outros.
A fala de Augusto nos faz pensar então que o indivíduo adquire a sua capacidade
suas potencialidades, nas suas emoções, nas suas opiniões, e que é reconhecido como tal,
prefeito, reivindicar melhorias para a sua comunidade, são situações que vão construindo
discurso do outro.
Patrícia é outro exemplo de quem busca, na sua condição de vida, fortalecer seu
190
quem faz o pobre é o rico... o pobre quer crescer, mas aí o rico acaba tirando do pobre a
ambição, tu não tem que ter inveja do rico e sim a ambição, mas acabam tirando por que é
mais fácil. Para Patrícia, é muito difícil exercer a cidadania quando a pessoa vive ganhando
coisas, quando não tem a chance de caminhar com as próprias pernas (Patrícia,
moradora).
equilíbrio entre a identificação que operamos e aquela realizada pelos outros, entre a
diferença como a afirmamos e como ela é reconhecida pelos outros (Melucci, 2004:50).
fixada pelos outros, muitas vezes anula essa capacidade autônoma de identificação. Trata-
se de uma identidade rotulada, como refere Melucci (2004), em que o indivíduo internaliza
pela condição de mulher, negra, pobre, papeleira, que o outro lhe demarca. Quando ela
refere que quem faz o pobre é o rico, nos remete dizer que essa identidade rotulada
191
entrevistados são exemplos da complexidade desse processo e nos garantem a afirmação de
pertencimento de alguns indivíduos, que faz com que o seu envolvimento na comunidade
seja maior.
Ora, nesta dimensão de entendimento, o indivíduo é capaz de ter ações coletivas onde não
De acordo com Sandoval (2001), a identidade coletiva pode ser entendida como um
um sentimento de coesão social que faz com que ele se identifique com alguma categoria
coletivas, uma vez que, estabelecidos os laços, o compromisso de uns com os outros é
Para Lauro, o exercício da cidadania tem que estar presente no trabalho: é uma
equipe de trabalho, aqui, todos são importantes, um depende do outro, não tem nenhum
melhor que o outro, onde um falta, quebra o trabalho, todo mundo são peças
importantes... (Lauro, trabalhador da Unidade). Ele refere-se a isso para reforçar a idéia
192
rendimentos advindos da venda do material reciclado. Além disso, o grupo se sente mais
Para Hélio, além desse aspecto, há também que se considerar que o trabalho nas
o trabalho deles tem e do bem que faz pela natureza, eles sabem disso, e se consideram
de terem, nas Unidades de Reciclagem, uma fonte de renda, têm também a consciência
pressupõe a comunicação entre as pessoas, pois não basta cada pessoa participar
isoladamente, é preciso ter espírito de grupo, é preciso se perceber como coletivo, e para
de eleição. Sabemos que o exercício do voto também é uma forma de participação política,
mas entendemos essa participação como algo que transcende o ato de votar. Por isso,
quando nossos entrevistados acreditam que o exercício do voto é o que define a cidadania,
193
incidir sobre a vida pública da sua cidade. Trouxemos as falas de Norton, José e Estela
Eu estou fazendo os cursos de liderança e isso cai muito... é um direito que nós
temos, mas tem a ganância dos governantes, das pessoas que governam o país, que
são preparadas pra isso, que chegam em tempos de eleição, e fazem de tudo: beijam
crianças, não importa se suja, porque aquela roupa vai fora mesmo... a maior
esperança é quando há uma eleição, que eu vou exercer a minha cidadania...(José,
trabalhador da Unidade)
...é uma questão do voto, só poder votar já é exercer a cidadania (Estela, moradora).
identificação prévia do sujeito com o sistema político em que ele vive, ou seja, o indivíduo
se torna capaz de interiorizar normas e regras presentes neste sistema e desenvolver o tipo
de atuações demandadas por ele mesmo. Para o autor, o voto parece ser uma das condutas
políticas mais favorecidas pelo sentimento de obrigação cívica, nublando, desta forma, os
ou seja, exercer a cidadania, para além do exercício do voto – que é um direito para todos
algumas pessoas exercem papéis ou ocupam lugares que incomoda a uma determinada
entrevistados denunciam: a idéia de que as vilas de Porto Alegre têm que estar na periferia
da cidade, quanto mais longe, melhor; conviver em espaços públicos com quem é pobre
incomoda; quem participa do OP é gente pobre que precisa ganhar coisas e por isso o rico
não participa.
194
Essa estigmatização de morador de comunidade carente é vivenciado
teoricamente, exigir seus direitos e, concretamente, não ter acesso a esses políticos e cobrar
dos mesmos, coerência entre promessas de campanha e suas ações, ou seja, José denuncia
população participe de diferentes fóruns de participação popular, mas é claro também que
são importantes neste processo mas, na realidade, não serem valorizados enquanto atores
sociais; e para que o OP não se torne também uma forma disfarçada – e legítima – de usar
a população carente:
59
De acordo com a definição utilizada pela Administração Popular.
195
Você é cidadão e como você não tem o direito, a oportunidade de conversar com
alguém que você colocou lá dentro, que você ajudou a colocar ali em cima? Não é
só ganhar a eleição e pronto, que [os políticos] conversassem com aquele que não
conseguiu sentar num banco de faculdade, mas aprendeu na vida, que no dia-a-dia
está aprendendo cada dia mais... (...) ...agora é a hora boa de conseguir tudo, depois
o que passou, passou... a nossa tragédia foi só momento, foi só mídia... passou a
mídia, terminou tudo... a gente não pode comprar nada, é tudo isso que passa pela
cabeça da gente... era humilde o que nós era, mas era o que nós tinha, hoje nem o
humilde nós temos, não temos uma decência (José, trabalhador da Unidade).
A tragédia que José refere-se é o incêndio que destruiu praticamente 70% da vila
em que moravam. Ele conta que, à época do incêndio, muitas pessoas se sensibilizaram
pois eles haviam perdido tudo. As famílias foram imediatamente transferidas para casas de
aluguel até que as casas de passagem60 ficassem prontas, mas José comenta que tudo isso
foi momentâneo, que enquanto a mídia estava colocando a situação deles em destaque, “as
coisas aconteciam”, mas agora é díficil falar em exercer a cidadania se eles não têm o
196
As fragilidades do cotidiano das pessoas nem sempre as permite perceber
pessoas desejam;
participação, da auto-gestão, e;
conseqüentemente, seu status. Mas pode também ser vivenciado como algo que oprime e
imobiliza.
negativo, porque todo preconceito impede a autonomia do homem, ou seja, diminui sua
197
liberdade relativa diante do ato de escolha ao deformar e, conseqüentemente, estreitar a
direitos ou lutar pelos direitos que se tem, é explícita em suas falas. Pensamos que, essa
do ter direitos, tirando esse indivíduo da condição de expectador, daquele que espera
seja, aquele que é responsável pelas conquistas de direitos e aquele que tem obrigações
entrevistados:
sobre os serviços que são prestados. Há atividades que fazem parte da dinâmica de trabalho
do serviço público, no entanto, os cidadãos precisam cumprir com seus deveres também. A
fala de Lígia é ilustrativa dessa idéia de que a relação entre cidadãos e a cidade deve ser de
troca, de parceria:
... você poder trocar com a cidade as coisas, a cidade te dar e você dar pra cidade.
Porto Alegre te oferece uma série de coisas que te favorecem a vida, te oferece uma
cidade organizada pra morar, que tem coleta, água, saneamento, em troca você tem
que fazer a tua parte, que é economizar água, separar o lixo, participar das
discussões políticas que existem, acho que é essa troca da cidade com o cidadão é
que faz com que a cidadania aflore, que ele seja realmente cidadão, que ele saiba
que ela é importante e que ele saiba fazer uso dela (Lígia, técnica).
198
Outros entrevistados remetem à idéia de que não basta ter os elementos para mudar,
é preciso que cada um queira ser agente da sua própria mudança. Não basta os outros – seja
mudem, se a pessoa mesmo não quer mudar. Os relatos de Patrícia e Valdomiro são
...eu que moro no Sarandi, e freqüento outros bairros, e acho que é um lugar muito
violento, muito difícil de viver. Na comunidade é difícil, é muito difícil organizar as
pessoas, até aqui na Unidade é difícil que são 48 pessoas, imagina em uma
comunidade que são mais de 1000 famílias, é difícil, é muito difícil conseguir
alguma coisa... é difícil de convencer as pessoas, até mesmo convencer a pessoa a
uma mudança pra tirar eles de uma rotina do cotidiano, é difícil a convencer as
pessoas a mudar... eu moro ali naquela comunidade, e nunca foi conquistado nada
pra esta comunidade por isso que as pessoas desacreditam, eu conheço bairro aí,
comunidade que há menos de dois anos de existência já tá tudo loteado, já ta tudo
urbanizado, é isto que é a falta deles acreditarem eu acho. Não sabe na realidade o
que é que tão impedindo de conquistas, os benefícios pra comunidade (Valdomiro,
trabalhador da Unidade)
Patrícia refere sobre a esperança que tem de conseguir um emprego, deixar de ser
... tem dias que bate um desânimo, tu tem que tá com a tua casa organizada pra
arrumar lá fora....tem que tá no sangue, tu nasce com aquilo ali, com a vontade de
melhorar de vida, se não nascer, não é o outro que vai injetar, para alguma coisa a
pessoa tem que servir na vida, ninguém está a passeio, se for passeio, é um passeio
de mal gosto. Tu tem que sonhar grande pra poder ir adiante, senão tu te desgosta, e
ficar olhando sempre o mesmo, não dá! Olha a minha visão aqui, é tudo papel... eu
quero sair disso, e dizer que tu vai sair só trabalhando é mentira, se tu não tiver
estudo, tu vai dar toda a tua saúde com sol e chuva e não sai disso... (Patrícia,
moradora).
Ao falar em estar com a casa organizada pra arrumar lá fora, Patrícia nos oferece
elementos para pensar não apenas na questão objetiva a que está se referindo, ou seja, dos
199
serviços domésticos, mas também de uma maneira subjetiva, o que refere todo o tempo da
entrevista, ou seja, que a mudança tem que ser interna, que não basta outros quererem
ajudar se o próprio indivíduo está acomodado, cada um precisa limpar a casa para ter
condições de buscar coisas novas para sua vida. Outro trecho da entrevista de Patrícia
... merece tá num Programa quem tem ambição, por que se tu não tem ambição
aqueles duzentos pila tá bom. Eles dão curso e as pessoas não aproveitam, querem
só saber do dinheiro e das bolsa. Se tu tem ambição, tu sabe que por aquele tempo,
tem que me mexer se não fica num círculo vicioso, tu alimenta o vício. E pro rico
isso é bom, por que ele pensa: “eu dei e não importa para onde foi, importa que eu
estou de bem com Deus” (Patrícia, moradora).
responde-se aquilo que todo mundo diz ou aquilo que se pensa que o outro quer ouvir. Não
Assim é possível perceber que algumas pessoas não têm clareza da amplitude que a
no processo. Lisiane acredita que cidadão, no geral, é o que cumpre seu dever, seu serviço,
trabalha e tem casa. Tamires teve dificuldade de responder o que é ser cidadão, a primeira
reação foi dizer não sei o que é isso aí, depois, pensou um pouco e respondeu: cidadão são
as pessoas que têm liberdade, não é assim? Eu não sei, acho que é a pessoa ter seu
Destaco as falas destas entrevistadas, pois, de certa forma, são coerentes com a sua
200
popular na cidade. E, quando participam, é por obrigação, pelo fato de terem que fazer
Reciclagem. Não se percebe um envolvimento com outras questões, como por exemplo, a
percepção de si como sujeitos ativos do processo, como sujeitos autônomos, com uma vida
pois isso realmente está diluído na vida da cidade61, mas não é algo que faz parte, de fato,
tenhamos os contrastes nos movimentos dos entrevistados. Talvez por isso tenhamos uma
longa caminhada em direção a uma conscientização política. Estes depoimentos nos fazem
pensar que o comportamento político requer ações individuais, mas também coletivas, que
Um exemplo deste contraste está no depoimento de Joana. Joana é uma mulher que,
que reivindica benefícios para a sua comunidade. A conhecemos em uma reunião em que
algumas mulheres62 estavam reunidas para criar uma chapa para concorrer à diretoria da
61
Referimos ao fato de que a Administração Municipal mantém um discurso de que ser cidadão é participar,
é ter direitos, é ter qualidade de vida, etc. Percebemos que, muitas vezes, as pessoas falam sobre isso,
repetem essa idéia sem ter a dimensão e a compreensão do que isso realmente significa. É como vulgarmente
dizemos: “está na boca do povo”, ou ainda “falar da boca para fora”. Na relação entrevistado-entrevistador
percebemos que alguns entrevistados tinham receio de “responder errado” a determinadas questões, então,
inicialmente, diziam que não sabiam ou então davam respostas as quais denominamos “discursos prontos”,
ou seja, é uma resposta que alivia a angústia do “não saber responder”, mas que denuncia um “não fazer” na
vida cotidiana.
62
Moradoras de uma das comunidades pesquisadas. Nenhuma das que estavam presentes à reunião, são
trabalhadoras da Unidade de Reciclagem de Lixo na referida comunidade, a maioria são papeleiras. A
reunião estava acontecendo na creche municipal localizada dentro da comunidade, com o apoio da Assistente
Social que trabalha no Posto de Saúde.
201
administração da atual diretoria, a qual caracterizavam como “assistencialista” e ausente”.
mulheres; depois, durante a entrevista, ela esclareceu que havia ido para acompanhar o que
estava acontecendo, pois gosta de estar por dentro do que acontece na comunidade.
Interessante é que Joana acredita que as pessoas têm que participar, se unir, mas ela
não se inclui nesse discurso. Isso pertence ao outro. Esse mesmo outro que, no sistema de
Para Joana, ser cidadão é ter uma casa, ter coisas pra se alimentar também e
várias outras coisas. Joana nunca foi ao Orçamento Participativo, apesar de considerá-lo
muito importante por que as pessoas conseguem coisas, e a sua relação com a política
sabe assim, duas coisas que eu não presto atenção, não gosto de assistir é política e
jogo...que eu olho por olhar... mas não torço pra Grêmio nem pra Inter, e política é
a mesma coisa. Esse ano, se não comprarem o meu voto eu não vou votar. Vou
vender...eles não ganham nas costa da gente? (...) Olha, se pagarem o IPVA do meu
carro e me deram 500 pila para eu viajar tá bom e vai dar pouco... Vai dar uns 1000
reais (Joana, moradora).
porém, acreditamos que não é a Administração Municipal que é responsável por isso, e
sim, o movimento dos cidadãos, a organização coletiva via lideranças ou trabalhadores das
202
diálogo e outras formas de relação com o poder público, mas isso só foi possível, porque
houve receptividade dos indivíduos, porque houve mobilização, e isso foi gestado nas
atuantes na comunidade e no OP. Para essas pessoas, é impossível afirmar que a vontade
política do governo foi a única responsável pelo processo [do OP]. Não se pode esquecer o
organizar e a lutar para fazer valer as necessidades quase vitais da parte mais carente da
... foi o movimento popular organizado que implantou o processo. Sem ele, o OP
talvez teria surgido mas não teria o resultado que a gente conhece hoje. Porto
Alegre se tornou um exemplo internacional de gestão participativa mas a questão de
base é que tinha uma organização forte. Quando começamos, ninguém sabia como
fazer. A gente sentava com o prefeito, com os secretários, e procurava um caminho.
Os fóruns de delegados não existiam. Tudo passava pelas associações já existentes.
Por exemplo, na Região Leste, tínhamos uma união de vilas onde as pessoas
discutiam as prioridades. Em outro lugar, o debate se desenvolvia nos conselhos
populares (Carlos, morador).
cenário propício para que a participação política seja significada como a possibilidade de
engajamento em ações coletivas, que tragam benefícios para o próprio indivíduo e para a
que é ser cidadão e o que é exercer a cidadania, onde buscamos reafirmar que as
social.
63
Carlos é o nome fictício de um morador de uma comunidade; ele não faz parte dos entrevistados. Seu
depoimento está na obra: Organização Não-Governamental Solidariedade. Caminhando para um mundo
novo: orçamento participativo de Porto Alegre visto pela comunidade. Petrópolis : Vozes, 2003.
203
Dimensão social
Ser cidadão é... Exercer a cidadania é...
...estabelecer relação de
pertencimento ao grupo
...ter atributos pessoais
...ser sujeito de direitos socialmente desejáveis
Dimensão ...vivenciar a emancipação ...votar Dimensão
Social ...reconhecer o outro também ...viver o preconceito individual
como sujeito de direitos ...cumprir direitos
...ter predisposição para a
mudança
...produção de “discursos
prontos”
Dimensão individual
3. A relação com Porto Alegre e com a comunidade... falando das vivências dos
entrevistados
sendo construída por nossos entrevistados, assim como entender as repercussões que esta
participação tem para a vida das pessoas e para as políticas públicas da cidade,
relacionaremos a participação política dos entrevistados com a vida que levam na cidade
de Porto Alegre – bem como em suas comunidades – no que diz respeito às vivências das
políticas públicas voltadas para a população. Entendemos que a participação política é uma
via de mão dupla nesta relação, ou seja, ao mesmo tempo em que participa, o cidadão
políticas públicas da cidade, alimenta a sua confiança enquanto cidadão de direitos e nutre
Porto Alegre é uma cidade que se intitula participativa, que mantém em sua
lazer, o esporte, dando acesso gratuito às populações mais carentes financeiramente. É uma
administração que acredita que estas dimensões da vida do indivíduo não devam ser
elitizadas, que a apropriação cultural amplia a visão de mundo do indivíduo e que isso
204
também é cidadania, pois o lazer, o ócio, os espaços de convivência são prioritários para a
oferece, muitos entrevistados demonstraram conhecer as opções que a cidade oferece, bem
como aproveitá-las em seus momentos de lazer. Todos reconhecem que tem muita coisa
para se fazer em Porto Alegre, é uma cidade que tem um bom transporte público, a frota de
Há uma curiosidade: muitos moradores que moram nas Ilhas, que é um bairro de
Porto Alegre, que está situado depois da ponte do Rio Guaíba, não se consideram
moradores de Porto Alegre. Participam das reuniões do OP, mas não tem a dimensão
administrativa de que as Ilhas fazem parte da cidade de Porto Alegre. Quando perguntada
sobre as atividades que Porto Alegre oferece para seus moradores, Nilda (moradora)
respondeu: Não vou a Porto Alegre, mas penso que deve ter muita agitação por lá. Como
se estivesse referindo-se a outro lugar. O que queremos destacar é que assim com Nilda, há
muitos moradores das Ilhas que fazem essa mesma associação. Nilda é uma mulher atuante
exemplo dos moradores das Ilhas, que as políticas públicas não chegam a todas as regiões
da cidade. Os relatos dos entrevistados, que destacamos, sintetizam suas opções de lazer:
205
Futebol e outras atividades esportivas nas praças (Robson, morador)
Porto Alegre é uma das cidades mais arborizadas do país. Possui 1 milhão de
árvores em vias públicas e 80.038 hectares de áreas verdes64. São inúmeras as Praças e os
Parques na cidade, os quais não são gradeados, onde a população circula livremente, faz
caminhadas, esportes, toma chimarrão, encontra-se com amigos, assiste a algum evento
cultural que normalmente é gratuito, e utiliza biblioteca pública e/ou outros espaços
Unidade).
aos domingos, além de inúmeras atividades esportivas e de lazer que o parque oferece, há
O Parque Marinha do Brasil é um Parque que está à beira do Rio Guaíba, perto da
A Feira do Livro é um evento anual que acontece em uma praça no centro de Porto
Alegre, a Praça da Alfândega. Além da venda de livros, há eventos diversos para o público
infantil e adulto, se instalam bares e praças de alimentação, que acaba sendo, durante o
período da Feira, um local propício para happy hour, além de outras atividades culturais,
206
Na Explanada [praça do bairro], quando tem algum evento (Magda, moradora).
atividades de sua comunidade, muitos preferem ficar nos seus bairros que também
Ir ao Gasômetro nos domingos, pois sempre tem alguma atividade cultural (Pedro,
morador)
à beira do Rio Guaíba, possui um calçadão, que permite aos porto-alegrenses fazerem
caminhadas diárias, ou simplesmente curtir o pôr-do-sol no Guaíba; além disso, nos finais
de semana e feriados, a avenida que circunda esse calçadão, é interrompida para o trânsito
de automóveis, para que as pessoas possam aproveitá-la como área de lazer. Da Usina
Sair, jogar bola; fazia capoeira no Centro Comunitário, mas desisti, fiz até um
... costumo sair para dançar ou ir a um bar pela noite, beber uma cerveja (José,
trabalhador da Unidade).
207
Tocar violão com os amigos e ir no cinema, e no CESMAR - Centro Comunitário
Há os que não costumam sair e aproveitam seus momentos de lazer para descansar:
...não saio, o único lugar que vou é na casa da minha nora que vive na Ilha dos
...em função do papel, nós trabalhamos no sábado também e quando entramos pra
dentro de casa temos roupa pra lavar, casa pra limpar, então o lazer nós não temos
(Patrícia, moradora.)
Porto Alegre oferece muita coisa, porém não aproveito, porque trabalho até nos
entrevistados têm das atividades que a cidade em que vivem, oferece. Essa informação nos
entre sociedade civil e poder público, na viabilização das políticas públicas. Para tanto,
perguntamos aos nossos entrevistados como é viver em Porto Alegre para entender o que
seus cidadãos pensam da cidade em que moram, e das comunidades em que moram. O que
Tentaremos analisar como estas categorias aparecem nos discursos que traduzem as
vivências das pessoas em relação a sua cidade e ao que ela oferece, pois, oferecer
208
participação, a cidadania. É preciso que as pessoas se apropriem disso e vivenciem na
cidade e na comunidade. A impressão que as pessoas têm do lugar onde vivem é definidor
sentimento de pertencimento por sua vez, aumenta a necessidade do cuidado com o que é
Quem não gosta de decidir? Isso faz parte do ser humano. Porém, quando existe a
possibilidade de decidir não só pra ti mas também para e com outras pessoas fica
ainda melhor. Não é uma decisão unilateral, ditatorial mas uma decisão que envolve
toda uma comunidade. Se torna muito mais interessante. Psicologicamente, a gente
se sente valorizado, útil para si mesmo, para sua família e também para a sociedade.
Isso é um sentimento verdadeiro de cidadania. (...) ...esse sentimento não surge de
um dia para o outro, passa por um caminho individual, um crescimento pessoal onde
o OP não é a causa exclusiva, mas certamente ele proporciona uma ampliação nos
horizontes de quem participa (Silmar, morador).
vivem. Apontam para os aspectos positivos, de uma forma geral, ou seja, que Porto Alegre
é uma cidade limpa, organizada, arborizada, com muitos parques, praças, áreas de lazer,
opções gratuitas de lazer e cultura, com projetos voltados para as populações de baixa-
No entanto, é uma cidade que discrimina, que mantém uma política assistencialista
que impede a emancipação dos pobres, que tem violência, desemprego e muitos problemas
sociais. Traremos nossos entrevistados para que manifestem suas opiniões sobre a cidade.
Para Serlene (moradora), viver em Porto Alegre é bom, porque tem esporte, lazer,
209
Bárbara também aproveita pouco as atividades que Porto Alegre oferece, mas acha
importante viver em uma cidade que oferece opções de lazer e de trabalho para seus
cidadãos:
Tem várias coisas, mas a gente não tem conhecimento. É lazer que a gente tem, tem
várias coisas, só que a gente não participa, mas tem. Se eu tivesse como viver no
interior, eu voltava, não gosto daqui por causa da violência, mas o bom daqui é que
a pessoa só fica parado aqui e não ganha o seu dinheiro se não quer trabalhar,
porque tem muita oportunidade, e no interior não é assim (Bárbara, trabalhadora da
Unidade).
Roseli refere o aprendizado que teve vivendo nas ruas de Porto Alegre e que essa
Muito na vida eu aprendi, eu era meio abobada mas aprendi muito nesta Porto
Alegre... às vezes eu vou em Gravataí visitar meus outros filhos, e me perguntam o
que que tem de tão bom, e eu respondo: aqui é o descanso na cabeça, a vida que eu
nunca tive, eu tô tendo, tenho um serviço, tenho uma casa, é só uma peça, mas é
minha, dependo de mim mesma, do meu serviço, se eu quiser sair, eu saio, lá não, lá
tu era afrontada, não podia ter uma amizade, não tinha liberdade, tu não podia
conversar com ninguém, aí pensei: vou tomar uma decisão na minha vida, ou vai ou
racha, pensei antes que eu faça uma besteria... aí vim pra cá... aqui eu tenho a vida
que eu quero, se eu quiser ter uma vida mais ou menos do que esta daqui, eu
consigo... fui pra rua por causa da família... os parentes maltratavam muito, passei
fome, dei dois filhos, porque a gente passava fome, mas agora é diferente...(Roseli,
trabalhadora da Unidade).
Paulo gosta de viver em Porto Alegre pois, segundo ele, para as pessoas que têm
capacidade e interesse em trabalhar, Porto Alegre é uma das cidades que melhor oferece
oportunidades, qualquer um pode juntar lixo, ter uma banca de camelô, qualquer coisa
que tu faz tu ganha dinheiro, é possível viver, é possível sobreviver, tu pode ter teu próprio
210
...pra quem tem estudo é que é melhor pra trabalhar, tem emprego melhor, mais
facilidade. A gente trabalha em cidade pequena é mais difícil porque não tem
emprego como existe em Porto Alegre. Porto Alegre tem obras, lojas, lancherias,
tem diversos trabalhos que pode exercer aqui dentro em Porto Alegre, tem escritório
pra quem tem estudo né e lá fora [no interior] não existe isto há muito tempo. Eu
acho que Porto Alegre pra mim foi muito bom, muita experiência eu tive aqui
(Bárbara, trabalhadora da Unidade)
... oferece muito cinema, opções, diversão, é uma cidade que tá se organizando, mas,
por outro lado, falta opção de trabalho, o desemprego é grande, se tivesse emprego
Porto Alegre seria muito melhor. Tem duas partes: eu adoro Porto Alegre, que não
tem nada a ver com quem tá aí... Tem o Parque Marinha, a Redenção, o Parcão, tem
teatro, a OSPA, tem barzinho à noite, dá pra gente sair, tomar uma cervejinha, uma
porçãozinha de batatas fritas e, embora a segurança esteja ainda meio debilitada,
ainda dá pra sair em Porto Alegre (José, trabalhador da Unidade).
relatar a experiência de conquistas da Vila dos Papeleiros via Orçamento Participativo. Ele
comenta que:
...olha, eu já tive na França, né. França é uma cidade de primeiro mundo e se Porto
Alegre é modelo lá na França, Porto Alegre não tem nada errado e é a primeira do
mundo, eu não troco Paris por Porto Alegre, aqui a gente tem tudo que a gente quer,
calor humano das pessoas, cooperativismo, as pessoas não andam de cara
amarrada, porto-alegrense anda sorrindo, é a melhor cidade do mundo... eu vejo em
outras cidades tanta violência... Porto Alegre não tem violência, como o Rio, São
Paulo, que o pessoal anda se cuidando... em São Paulo a pessoa não pode sair de
noite, estacionar um carro (Augusto, trabalhador da Unidade).
Augusto diz que caiu de pára-quedas na Vila dos Papeleiros, ele trabalhava com
papel e o convidaram para ir morar na vila por que lá ele ia “ter trabalho e moradia”. Faz
seis anos que trabalho com papel, nunca consegui trabalhar numa firma, porque tenho
doze filhos, filhos de três casamentos, sempre trabalhei informal pra conseguir sustentar a
66
Não temos dados – nome, data, organizadores e local de realização. Sabemos que foi em Paris, organizado
por uma ONG brasileira em parceria com entidades internacionais interessadas em conhecer e divulgar a
experiência do OP como exemplo de democracia participativa.
211
família, porque salário de firma não dá. Conta que na terceira semana conseguiu seu
como um sinal, na sexta semana eu achei 400 pila no lixo. Fiquei duas semanas com o
dinheiro no bolso caso aparecesse o dono, pra devolver o dinheiro, mas como não
trabalhador da Unidade).
encontram neste trabalho, uma fonte de renda viável. Talvez por isso esta seja a
representação mais forte da reciclagem de lixo, muito mais do que a questão ambiental. E
talvez por isso alguns moradores pensam que Porto Alegre é uma cidade que oferece
muitas oportunidades, por que, na verdade, há demanda para trabalhar com reciclagem.
Porto Alegre tem 100% de coleta seletiva e há uma cultura de reciclagem na cidade, mas a
A opinião de Adriana reúne dois elementos importantes que são destacados por
nossos entrevistados. É o fato de Porto Alegre ser uma cidade boa de se viver porque
cultura em Porto Alegre. Tendo ou não dinheiro, a pessoa pode se divertir. Isso é muito
importante, isso é qualidade de vida, e outra coisa importante é que existe trabalho, tem o
que fazer, os alunos mesmos dizem: ai, professora, morando aqui fica sem dinheiro quem
Porto Alegre é uma cidade que, a partir da fala de nossos entrevistados, deixa
transparecer suas fragilidades. Denominamos “fragilidades”, aos problemas sociais que são
212
característicos das grandes cidades: violência urbana, desemprego, problemas na saúde
programas.
também refere que é uma cidade que tem muita possibilidade, favorece a pessoa de um
lado, mas por outro, deixa a pessoa muito baseada porque tem muitos programas
texto. Não é apenas o rico – como refere Patrícia – que tira a ambição do pobre; as
cidadania, reforçando aquilo que Melucci (2004) chama de identidade rotulada, ou como
No início também tavam assim, mas a gente mostrou que é sério, é com
trabalho, a Tatiana ajudou muito. Nós não aceitamos doação de alimentos, a doação
é pra criar vagabundo. Quer comer? Trabalha... tem que abrir frente de trabalho e
não com doação, não é que a gente esnoba, até existe lugar que precisa mais, mas
nós temos trabalho, não precisamos e não queremos doação (Lauro, trabalhador da
Unidade).
Norton apresenta os contrastes de Porto Alegre: não é ruim, mas também não é
bom. É bom por que dá pra sair pra passear, como é verão agora, né, tem o Lami, tem as
coisas boas. De ruim tem várias coisas, esgotos que não são muito tampado, muita gente
213
Assim como Robson e Magda confirmam os problemas sociais também expressos
em estatísticas:
...a violência que tá demais, tirando a violência tá tudo bom, eu gosto de morar aqui,
já saí e voltei muitas vezes, não consigo me adaptar em outro lugar...(Robson,
morador);
...tá começando agora este negócio de assalto, de crimes mas que infelizmente não é
só em Porto Alegre, né? (Magda, moradora).
Estela também destaca o que tem de ruim na cidade, mas reforça as coisas boas:
viver em Porto Alegre sempre foi bom, sempre morei aqui, nunca fui pra outro lugar
mais longe então pra mim é bom. O problema é o desemprego, roubo, pessoas que
assaltam, mas em compensação tem de bom as culturas que antes a gente não tinha
e agora tá tendo, canto, essas coisas, e lazer que a gente pode passear e tudo
(Estela, moradora).
isso, pretendemos comparar as políticas públicas que são propostas pela Administração
analisar como os cidadãos se apropriam destes espaços públicos, como inserem em suas
vidas, outros aspectos que não apenas o trabalho, e até que ponto isso tem a ver com
cidadania, até que ponto isso incrementa o sentimento de ser cidadão, e torna-se um
públicas.
atividades para seus moradores com ou sem parceria das Secretarias Municipais.
crianças:
214
...há atividades recreativas com as crianças (Paulo, trabalhador da Unidade);
Depois da tragédia [incêndio], não há, e quando tem alguma atividade é mais pras
crianças (José, trabalhador da Unidade);
É mais pras crianças, pros adultos é uma iniciativa mais individual, de quem quer
sair, ir a um bar (Pedro, morador);
É mais pras crianças, algum jogo de futebol, por exemplo (Guilhermina, moradora).
Investir nas crianças tem vários aspectos: garante vários direitos, dentre eles o de
brincar, que precisa ser vivido na infância, minimiza situações de violência, pois o
uma grande possibilidade de oferecer outra alternativa de vida que não seja as drogas, além
de ser uma atividade educativa e que contribui para a formação destes cidadãos, pois
Tem o projeto verão pra criançada, futebol pras crianças, em parceria com a
Secretaria de Esporte e com as empresas... tem passeios no Zôo, às vezes eu deixo de
sair com a minha família pra tá com as crianças... quantos talentos que são perdidos
pela droga... eu mesmo, quando é que eu imaginei que eu era um líder comunitário!
Se não fosse a dra Edite pra mim acordar, eu taria alienado a puxar carrinho, a
separar minha carga, a vender, a ser explorado. Ela me acordou pra um mundo
diferente, pra um mundo que se o brasileiro soubesse o que ele tem de direito e não
usa nem um terço... hoje uma criança que tem estudo, vai estudar, vai ter um bom
trabalho, ele não vai precisar tá chegando na Prefeitura e pedindo moradia, ele vai
comprar a moradia dele, o carro dele, vai ter um bom serviço... as atividades não
acontecem muito na vila... tem a Multisom, eles pegam quatro, cinco crianças e
pagam escolinha... tem hip hop... a gente perdeu alguns espaço aí, o incêndio deixou
uma reviravolta, o pessoal ficou espalhado, a nossa comunidade é a única
comunidade que tem uma associação mirim, ali eu tô formando uns líderes
futuramente, porque esta diretoria mirim faz alguma panfletagem na rua, define
passeio... (Augusto, trabalhador da Unidade).
215
Há também atividades promovidas pelas entidades que fazem parte da comunidade,
no sentido de que são formadas por pessoas que vivem nesse local, como por exemplo, as
Unidade).
Festa Junina, festa do Dia das Mães, jogos de futebol (Claudiomar, trabalhador da
Unidade).
... sei que há algumas atividades que o Centro Comunitário oferece, mas não sei
quais (Norton, morador.)
Antigamente tinha festa que a creche organizava, que eu saiba, não há nada hoje em
dia (Joana, moradora)
Tem na Esplanada, a Cama Mágica, torneios de vôlei futebol, corrida que eu levo
meus filhos... Tem teatro no SASE, tem dança, tem balé, tem canto também. Acho que
é a Prefeitura que faz porque é lá no Centro Comunitário e no SASE (Estela,
moradora).
Tem alguma coisa no CESMAR, mas eu não participo, não gosto (Robson, morador).
216
Carnaval, Bailes Funks, teatro, cinema (Magda, moradora).
E há entrevistados que não tem conhecimento das atividades que a sua comunidade
oferece, ou que não participa de nada, por isso não sabe, ou que vive em uma comunidade
que realmente não se organiza a ponto de oferecer atividades para seus moradores,
Bárbara, Valdomiro, Eva (trabalhadores da Unidade) e Vitória (moradora), que dizem que
Nossa intenção é investigar como as políticas públicas de lazer e cultura são viabilizadas
e sim apoiar na viabilidade de projetos culturais, esportivos nas comunidades. Sempre que
alguma comunidade, via lideranças ou via OP, organizava alguma atividade para seus
atividades.
DMLU
217
na verdade não é a nossa finalidade, há um setor de assessoria comunitária, mas
todo o trabalho é no sentido de promover a limpeza de um determinado bairro,
comunidade, ou de que num final de semana as pessoas separem todo o seu material,
neste sentido que o DMLU tem trabalho nas comunidades, sempre alguma coisa que
tenha a ver com a limpeza, que esta é a nossa finalidade última... em parceria com
outras Secretarias... em determinados períodos, tipo Semana do Meio Ambiente,
Semana de Porto Alegre e se trabalha junto... Se tem permanentemente um setor de
Educação Ambiental que vai promovendo a educação ambiental em Escolas,
Universidades, Empresas e que tem até um ônibus que faz visita orientada que se
chama Caminho do Lixo... que está à disposição das comunidades...
DEMHAB
a áreas de preservação ambiental, não no sentido de não usar o espaço, mas de saber usar
Secretarias de Saúde
Sandra relata que trabalha com a comunidade tanto com atendimento à comunidade
...a gente faz muitos grupos, voltados pra questão de lazer, pra questão cultural, que
a comunidade participa e tem vinculação com as festas, muitas vezes ajuda a
organizar.... além do trabalho da gente, do dia-a-dia do Posto, tem outras coisas que
a gente participa, a gente trabalha com crianças, tem um grupo de criatividade
infantil, que se trabalha o brincar... grupo de mulheres, onde se discute como elas
estão vivendo, o seu estilo de vida... isso acaba sendo um tema que tá no nosso
trabalho do dia-a-dia e tem outras atividades que a gente acaba se
envolvendo...(Sandra, técnica).
Carmem faz atendimentos de grupos com crianças, adolescentes e adultos, que faz
parte de suas atividades como Assistente Social na Associação Comunitária, além disso,
218
Doralina é psicóloga e trabalha em uma das comunidades estudadas. Ela faz
atendimentos individuais e de grupo com a comunidade. Relata que fazem passeios, fazem
seminários, mas não é a Secretaria que oferece, é iniciativa deles, dos profissionais que
trabalham na comunidade...
... eu percebo que os moradores têm uma dificuldade muito grande de lazer, pra
serem úteis tem que estar trabalhando, então se você tá no lazer, você não tá fazendo
nada, logo, você não é útil e aí a gente programa cinemas, passeios, e é difícil as
pessoas irem... então tem que fazer atividades dentro da comunidade, tipo Ações
Globais que daí as pessoas aderem, aquela coisa de cortar cabelo, fazer pintura que
é algo que eles tem que fazer porque tem esta idéia, de que se tu não tá fazendo algo
que não é trabalho, então você tá perdendo tempo (Doralina, técnica).
Secretarias de Educação
comunidade são iniciativas isoladas das escolas, muito mais que uma parceria via
que a escola faz, mas é uma iniciativa da escola e não da Secretaria de Educação, como
fazer festas e eventos (Adriana, técnica); ...há algumas atividades esportivas e culturais
que a escola oferece, como por exemplo “Os jogos da Escola Cidadã” (Gerci, técnica);
quando tem reuniões da rede, que eu não sei do que se trata, e a escola, que eu saiba não
Podemos inferir algumas hipóteses sobre o fato das pessoas não se inteirarem das
219
não há informação suficiente sobre as atividades que acontecem na
comunidade; ou
confirmam, dada a complexidade dos fatores que compõem a realidade social, comunitária,
identidade coletiva que é construída a partir dessas relações fortalece também a vivência da
carentes”.
220
cidade, dá margem à estigmatização, mas focado na pessoa. A pobreza está localizada mas,
ao mesmo tempo, diluída em meio a tantas outras pessoas, é como se fizesse parte do
qual se atribuem às comunidades mais carentes, adjetivos pejorativos, ou seja, tudo que é
ruim, feio, violento, marginal, bandido, delinqüente, desqualificado, enfim, tudo o que não
presta:
...há preconceito, as pessoas que não vivem na vila, pensam que quem vive na vila
não tem valor, não é só porque são pobres que não têm valor ou educação (Vitória,
moradora).
preconceito que viveu no início, e como, a partir desta vivência de preconceito, superou as
... eu odiava a Ilha, eu não era acostumada no mato, eu era acostumada com luz,
água, a Ilha na época era um mato, os vizinhos era lá um que outro, eram ilheiros
mesmo, eram pescadores, eu era muito discriminada porque eu era mãe solteira e
porque era negra... tinha que levar roupa no rio, eu não sabia lavar roupa no rio,
pra comprar coisas tinha que ir no mercado... eu vim pra cá com 18 anos, aqui na
ilha eu casei, fiquei, vivi três anos com meu primeiro marido, tive dois anos, perdi os
dois, não sabia me defender, não era a mulher que sou hoje, embora que eu vim da
cidade, eu era mais grossa que eles, eu era a “Maria” da casa, era dona de casa, só
que a vida me ensinou, eu chorava dia e noite, fui pra 45 quilos, agora eu amo a
Ilha, porque aqui eu aprendi a ser mulher... já faz 37 anos que tô com o terceiro
marido, tivemos 4 filhos, criei meus 4 filhos trabalhando, aprendi a dizer não,
aprendi a não passar a roupa do marido, a não fazer a vontade do outro, quer ficar
comigo tu fica, eu vou trabalhar. Não tenho mais o meu irmão pra me mandar,
homem nenhum vai me mandar (Nilda, moradora).
221
viver na comunidade, Augusto faz o relato da situação que a sua comunidade viveu,
...na hora de pegar um papel que pára lá na frente, é um arranca rabo, na hora que
chega rancho, eu sou contra dar rancho, mas é que nem piranha, mas na hora de
uma necessidade, todo mundo se ajuda...se caiu alguma coisa para dar, aí é
competição, mas em situação das pessoas serem humanas, de uma família tá mal,
etc...todo mundo tenta ajudar de alguma forma, ou com palavras, nesta situação o
pessoal é muito humano... na hora do incêndio, quando começou a incendiar as
casas, que tava pegando fogo, as pessoas podiam salvar alguma coisa que era seu,
mas a preocupação não era o material, a preocupação, mesmo nestes arranca rabo
que dá, pega rancho, pega aquilo, mas na hora do incêndio, a preocupação deles, do
povo, era acordar quem tava dormindo porque a vida é importante, a competição é
importante, mas a vida também é importante, a vida é muito mais importante... há
um sentimento pela vida... aqui é uma grande família e todo mundo é irmão e aqui
eu sou o pai de todos...(Augusto, trabalhador da Unidade).
viver na comunidade:
... tem as partes boas e as partes ruins: antes de março [em que aconteceu o
incêndio na Vila], era cada um por si, a gente puxava o carrinho da gente, reciclava
no próprio pátio, vendia e cada um por si, era muito individualismo. Era falta de
estrutura, não tinha esgoto, água, luz, o Olívio deu a luz para nós, era um barral...
tinha muito egoísmo, passava um pelo outro, dizia só bom dia e boa tarde, mas
algumas coisas as pessoas não deixavam os outros na mão... e apesar disso a gente
tinha muita amizade, nunca sobre a comunidade, mas outro tipo de coisa, tipo,
fizemos uma Associação, tinha baile à noite, a gente não saía muito por causa da
segurança... depois conseguimos água, luz, se reuniu a própria comunidade para
trazer as melhorias pra cá... eu me dou com todo mundo, em comunidade tem uns
que você se dá mais, outros se dá menos, a gente se empresta dinheiro, pra fazer
churrasquinho junto, conversamos muito depois do incêndio, nos unimos mais, a
gente não pode prever o amanhã, mas pelo menos tem que tentar ser mais realista
pra se sentir um pouco mais fortificado (José, trabalhador da Unidade).
Roseli reconhece que a comunidade em que vive é solidária, mas relata que há
interesses em ajudar o outro, e também o fato de alguns vizinhos cobrarem das pessoas
67
De acordo com os moradores desta comunidade, cerca de 70% das famílias perderam tudo o que tinham,
pois o incêndio começou por volta de uma da manhã e a maioria dos moradores dormia.
222
como se todos tivessem a obrigação de ajudar, e isso não garante a manutenção de redes de
reúnem, mas naquele jeito meio balançado, hoje eu ajudo o fulano, amanhã o fulano me
ajuda, e aí o fulano já me olha de um jeito ruim, às vezes a gente fica meio arisca, de tanto
ajudar às vezes a gente leva tanto pataço que a gente fica meio arisca de ajudar as
característica da sua formação, ou seja, famílias oriundas do interior do Estado, que não se
Olha, eu pelo menos tenho relação com muitas pessoas mas realmente com pessoas
que vieram de fora porque são pessoas mais simples, mais mansa, não tem aquela
coisa de querer brigar, querer matar, querer complicar o vizinho e tal este tipo de
gente. Eu me dô com todo mundo, mas é esta gente de fora, mais calma. (Helio,
trabalhador da Unidade).
Augusto indica, a partir de seu relato que, o olhar do outro sobre a comunidade na
qual vive, é importante para a representação que os moradores criam de sua comunidade:
eu descobri na doutora Edite que ela tinha amor por nós, amor a uma comunidade, como
se fosse uma família dela de menor poder aquisitivo, e eu aprendi a amar esta
comunidade... A gente briga e coisa, mas eu considero a Vila dos Papeleiros uma grande
Esse sentimento de ser percebido pelo outro nos remete a questão identitária que é
defendida por Melucci (2004) e com a qual partilhamos. A identidade, para o autor, define
nossa capacidade de falar e agir, diferenciando-se dos outros e permanecendo nós mesmos.
alicerçar nossa identidade. Assim, nossa identidade pessoal encontra apoio no grupo ao
223
O olhar da doutora Edite sobre a comunidade faz com que Augusto ressignifique
suas percepções sobre a sua comunidade e sobre si mesmo. Percebem-se valores nesta
Nilda é um exemplo disso. Ela se descobriu uma mulher forte, batalhadora, capaz
de viver livre da opressão do irmão ou do marido. Faz questão de contar com foi seu
na qual vive:
emancipação na comunidade. Pensamos que nem sempre ela é possível, por que não
dependência que se estabelece com o poder púbico, pode ser facilmente transferida para as
entidades no bairro. Serlene relata que na comunidade em que vive, a relação é boa, às
224
vezes, a comunidade aposta muito na Associação, coisas que podiam mudar sozinhos, eles
vem procurar a Associação pra ter certeza, pra pedir ajuda (Serlene, moradora).
comunidade é bom, porque aqui somos uma família, somos uma irmandade. Aqui na vila
temos o apoio de várias pessoas e instituições, temos dignidade, apesar daqueles que são
contra nós, tem muita gente que é a favor da gente, que gosta da gente, porque sabe que a
gente sabe conviver, não é só a Igreja São Geraldo e a Santa Rita, tem muita gente que
... é uma vila que tem muito apoio de várias pessoas e instituições, eu preciso de um
médico, eu vou na Santa Casa, eu consulto, vou no Conceição, eu consigo,
Presidente Vargas, Pronto Socorro, a gente é atendido, as pessoas de outras vilas
não conseguem ser atendidos, e nós aqui, através do Santa Marta ou de pessoas que
trabalham junto com a comunidade conseguimos (Paulo, trabalhador da Unidade).
O que Paulo não menciona é que o atendimento que eles recebem é por causa das
políticas públicas que a cidade tem, principalmente com as populações mais carentes. Eles
não são atendidos por que moram na Vila dos Papeleiros, eles são atendidos por que tem
direitos à saúde, a um atendimento digno, como qualquer outro cidadão que não more em
vilas.
sistema de representação sobre as coisas, logo, Paulo acaba reforçando a idéia do benefício
de viver na vila por ter acesso rápido à saúde, pois é esse o significado que atribui a essa
experiência. Ele desloca o significado que poderia ser construído acerca das políticas
225
Viver na comunidade também é viver uma exposição ao risco e aos perigos de
incêndios:
A comunidade não oferece atividades por causa da tragédia, antes tinha mas era
muito pouco, mas mais pra criançada, e depois do incêndio, a coisa tá danada, é só
mesmo ir pro bar e deu. (José, trabalhador da Unidade).
Depois do incêndio alguns foram pra alojamentos emprestado e não deu muito certo
e agora a Prefeitura deu uma bolsa-aluguel, que se recebe pela FASC, R$ 150,00
pra solteiro e R$ 200,00 pra casal. Como as casa de passagem ainda não tão
prontas, a gente tá na indecisão... porque a bolsa-aluguel termina agora, nós
corremo o risco de ficar sem casa, a FASC disse que já fez tudo que tinha que fazer
nestes cinco meses, até concordo, mas não resolvem nada, manda ir pro DEMHAB,
o DEMHAB disse que as casas não tão pronta ainda... e vai ficar pronto só pra
dezembro. A gente tá num mundo que não é mundo, que o dinheiro vai acabar, vai.
Vai pras casas de passagem os que estão de aluguel... a FASC e o DEMHAB não
fazem reunião com a gente. Ficou aquele medo, se vocês saírem daqui totalmente
vocês perdem o lugar (Pedro, morador).
Na comunidade onde vivo tem situações de risco, de violência, de perigo, mas estou
acostumada, antes não gostava de viver na Vila Dique, agora eu gosto porque somos
nós que fazemos o lugar que a gente vive, depende da educação que a gente tem
(Vitória, moradora).
...é só não se meter em guerra, que é vida boa, mas se se meter, já se rala... me
acostumei no bairro, gosto de lá, conheço tudo lá, tem uns morro pra caminhar, tem
lugar pra ir...(Norton, morador).
Viver aqui é bom, tenho emprego, não me incomodo, não tenho queixa dos meus
vizinhos, tratam bem tudo, eu saio de casa pro serviço, do serviço pra casa, tá bom
onde eu vivo, tá melhorando tudo, negócio de asfalto... Tem crime e assalto, tem uns
barra pesada aí que não dá pra se envolver muito. Mas é bom por que é perto do
serviço (Robson, morador).
...é normal aqui, não tenho que me queixar da Restinga, não é o bairro que faz, são
as pessoas né, e tem posto e vai ter hospital, escola também tem, supermercado,
farmácia, que agora evoluiu bastante, antes não tinha nada disso. O problema é o
roubo também, antigamente tinha muita morte e agora não tem tanto, não é tanto
como antigamente mas tem muito pontos de tráfico de drogas (Estela, moradora).
Na comunidade é a lei do silêncio. A gente tem que saber conviver com esse pessoal.
(Bárbara, trabalhadora da Unidade).
Negativo é que é uma área de risco né! Porque tem valão dos dois lados. Então
aquilo ali é uma contaminação, moscas, mosquito, água poluída, mau cheiro no
226
verão .A Vila Dique precisava ter uma melhor organização... mudar a Vila dali e
colocar num bão lugar que tivesse uma diretoria que trabalhasse em prol da Vila
porque ali precisa Posto de Saúde, área de lazer, precisa muita coisa que não tem, e
que não tem como colocar também, né porque é a própria Prefeitura não tá de
acordo de ajudar porque é área verde... (Helio, trabalhador da Unidade).
famílias que vem do interior do Estado em busca de uma vida melhor, de emprego, etc.
Não tem formação para trabalhar em outra coisa, pois no interior eram do campo, e acabam
e aqui se instalaram nas vilas. Os relatos de Paulo e Bárbara ilustram este contexto:
A vila tem uns 40 e tantos anos... as pessoas vêm do interior, 70% vem do interior
com esperança de vida melhor na cidade grande... lá eles tavam acostumados a
capinar e plantar, chegaram aqui, só tinha asfalto, vai capinar? Não se deram bem,
viraram papeleiro. Fora isso os que nascem para Porto Alegre, já são filho do
pessoal do interior...não tem condições monetárias, cai aqui, fica sem dinheiro...
nunca consegue dinheiro para voltar...os governantes deveriam dar uma assistência
melhor pro pessoal do campo, tudo que tem na tua mesa, vem do campo, eles deixam
o pessoal do campo vir para cá, falta arroz e feijão na tua mesa... (Paulo,
trabalhador da Unidade).
Os moradores vêm de todo Estado... vem do interior e acham que vão encontrar vida
melhor na capital, acham que a capital vai oferecer condição melhor de trabalho...
chega aqui, dá com o nariz na porta e tu chega aqui e o que que sobra? Chegar do
interior e ficar escravo dos outros ... (Bárbara, trabalhadora da Unidade).
momento em que ele participa das reuniões do OP e vê sua comunidade melhorando por
conta desta participação, a identidade coletiva também lhe permite uma sensação de
227
Nestas relações também há o desdobramento de aspectos vivenciados pelos
moradores e trabalhadores no seu cotidiano, que tem a ver com o preconceito, o estigma, a
questão da exposição aos riscos e perigos, mas também do fortalecimento dos laços de
comunidade, traduz e/ou confirma o exercício da cidadania. Quando o indivíduo fala das
atividades que a cidade e a comunidade oferece, está traduzindo o seu conhecimento sobre
as coisas que a cidade oferece, mas isso pode estar “distante” dele e ele pode não
aproveitar. Mas quando esse indivíduo fala do que é viver nesta cidade, ele fala das suas
têm a ver com a sua história de vida nesta cidade e a sua forma de relação com a mesma.
Nos interessava saber como a cidade que se diz inclusiva, cidadã e participativa,
viabiliza oportunidades de uma vida melhor para seus cidadãos. Como, os cidadãos, a
suas vidas e, como, de uma forma implícita, as políticas públicas são vivenciadas e
(moradora): espero vencer na vida, adquirir tudo que eu quero; obviamente, para cada um,
esta expressão tem um significado diferente. Suas representações sobre o que seja
“melhorar de vida” têm a ver com as suas vivências, com a sua cultura, com a sua
educação.
realizações pessoais, têm a ver com a possibilidade de oferecer uma vida melhor para os
228
filhos: ter um lar digno, dar um estudo digno a meus filhos, dar o que não consegui ter na
...penso mais nos meus filhos, quero dar a eles o que eu não tive (Fernando, trabalhador
da Unidade).
...a gente tem que pensar no futuro dos filhos, a minha esperança é os filhos. Futuramente
espero que melhore mais aqui, em termos de política, que ganhe o melhor e quanto a nós,
que continue esse trabalho que é daqui que nós vivemos (Bárbara, trabalhadora da
Unidade).
...espero melhoria cada vez mais tanto pra mim como pros meus filhos...(Estela,
moradora).
realmente “esperar” que algo melhor aconteça, enquanto outros querem ser agentes de sua
história e realmente procuram trabalhar e viver de forma a modificar sua vida, fazendo
com que seu futuro seja diferente a partir do presente. Outros, esperam que o futuro seja
diferente esperando que o futuro chegue. Mas quando este futuro, se torna presente, e há a
constatação de que as coisas estão iguais, e então se projeta novamente o futuro. Sem ter
uma ação hoje, dificilmente, o futuro atenderá as perspectivas das pessoas. Colocar no
outro, ou apenas nele, a responsabilidade de sua vida, ajuda muito pouco que essa vida
melhore.
tempo, o futuro é colocado nos outros e quase sempre esses outros são os filhos. Temos a
sensação de que já se viveu tudo e agora a vida é o presente. O que se faz é pelos filhos e
não por si mesmo. Silvio refere que: ...o meu futuro, eu penso pros meus filhos, eu já não
tenho objetivos por que já tenho 36 anos, não estudei por que não tinha passagem pra ir
pro colégio, mas quero deixar meus filhos bem (Silvio, trabalhador da Unidade).
229
Robson (morador) comenta que deseja melhorar um pouco, pois com esta idade que
não pode ser prazeroso. Trabalho é obrigação, tem seu código, que não é o mesmo do
lazer.
Augusto é um exemplo de quem pensa nos outros, pensa nos seus filhos, nas
crianças da comunidade em que vive, mas não esquece de si; não quer que seus filhos
trabalhem na Reciclagem, também quer que eles tenham uma atividade melhor, no entanto,
Desde que eu comecei a lutar pela vida, já tive altos e baixos, já vendi algodão doce,
depois churros, eu só penso em vencer, já caí muito mas sempre pensei em vencer...
mas com isso agora, eu tô enxergando uma visão da vida melhor pra mim e pra
todos... isso aqui é uma fonte de renda, aqui vai ser uma grande empresa, porque do
jeito que tá caminhando, eu vejo isso aqui um mundo melhor pra todo mundo. Pra
futuro, vejo a gurizada sentadinha no computador né, porque hoje o que vai dar
dinheiro é informática, eu tenho orgulho de ser papeleiro hoje, mas não tenho
orgulho que os meus filhos sejam papeleiros, me orgulho porque busquei a minha
cidadania sendo papeleiro...(Augusto, trabalhador da Unidade).
melhor, mas também o desejo que os filhos trabalhem em outra atividade que não com o
melhorias para as comunidades ou para as Unidades, pela organização que permitiu aos
um lugar limpo, com carteira assinada, com todos os direitos trabalhistas garantidos.
comunidade:
230
... eu não tenho perspectiva nenhuma, porque com este troca-troca, com esta
desesperança, todo mundo criticando, com este preconceito tremendo sobre o
trabalho da gente de reciclador, então a gente se sente só. Meu sonho é ter minha
casa e ter pelo menos a decência de dormir bem, chegar no chuveiro e tomar meu
banho, chegar na mesa e comer nem que seja meu feijão com arroz. Este é meu
sonho, ter a minha casa, que pode ser interrompido de uma hora pra outra ou até
mesmo se prolongar, por que quem tá no poder não se preocupa com quem tá lá
embaixo. Eu não tenho perspectiva, porque hoje eu saio daqui e vou pra uma casa
de passagem, sabe lá quanto tempo vai demorar, então é tanta coisa que a gente tem
para pensar que a gente nem pensou ainda na vida da gente (José, trabalhador da
Unidade).
As pessoas que trabalham nas Unidades de Reciclagem têm uma perspectiva mais
otimista do que os papeleiros, que reciclam o lixo em casa. Pois esses últimos têm
condições de vida precárias e pouco usufruem direitos. São trabalhadores que reciclam lixo
no pátio da sua casa, para chegarmos dentro da casa, é preciso passar por uma montanha de
papel, a convivência com ratos e baratas é permanente. A vida, para esses indivíduos, se
... eu vou me candidatar pra vereadora. Tem que ter um envolvimento, ter feito
alguma coisa pela comunidade. Tu tem que sonhar grande pra poder ir senão tu te
desgosta, e ficar olhando o mesmo... olha a minha visão, é tudo papel, eu quero sair
disso...e dizer que tu vai sair trabalhando é mentira, se tu não tiver estudo, tu vai dar
toda a tua saúde com sol e chuva e não sai disso. Eu tenho um sonho grande, quando
eu morava em Alvorada eu não tinha alternativa, eu era aquilo ali e dali não ia
passar... aí quando eu vim para cá eu sempre sonhei de estudar. Eu suportava tudo
da minha mãe, ter passado fome e tal. Mas a maior revolta que eu tinha com ela foi
ela ter me tirado do colégio, saí pra trabalhar pra ajudar e tal, saí do colégio com
12, tava na 5ª série. Aí eu vim pra cá e entrei nesta bolsa do CECOFLOR: aí numa
reunião, as psicólogas perguntaram pra nós: o que vocês mais queriam hoje? Aí
umas gurias botaram casa, carro, dinheiro, e eu botei voltar a estudar porque se eu
voltasse a estudar, a minha vida ia mudar, sempre acreditei nisso... tanta coisa para
botar, as gurias pedindo coisas, elas disseram ah! E se fossem dar mesmo?! Eu disse
pra elas, gurias, ninguém dá nada pra ninguém, no mínimo o que podem fazer é
ajudar, não é assim, agora se eu estudar, eu vou me comparar, eu vou tá no mesmo
nível delas, e o que elas fizeram? Elas tão aí porque elas estudaram, quem sabe eu
não chego aí onde elas tão, e meu sonho é ser advogada (Patrícia, moradora).
231
Quero trabalhar, porque tenho um filho pra sustentar. Gosto mais ou menos de
trabalhar na Reciclagem. Queria trabalhar na Cootravipa (Cooperativa de Limpeza
Urbana), já fui várias vezes e não consegui pegar, ta ruim deles dar vagas...
(Norton, morador).
cidadão ter um emprego, um salário e poder realizar coisas que garantam a sua dignidade,
gostariam de ter um emprego melhor, mais limpo, com carteira assinada, como o que
As opiniões variam: meu sonho é ter outro trabalho melhor que a reciclagem
...não considero o trabalho com o lixo como um emprego, pois não tenho carteira
assinada, nem garantias, nem direitos... mas se desse pra ficar na reciclagem era bom,
porque é um serviço que a gente conhece (Cléia, trabalhadora da Unidade).
232
Lauro reforça a idéia de Cléia de que é possível melhorar as condições de trabalho
nas Unidades de Reciclagem. Não precisa mudar de trabalho, para mudar de vida. A
história de Lauro e seus colegas é uma história de rua, eles sempre trabalharam com papel
e é o que sabem fazer e dizem gostar do que fazem: como eles sabem muito bem dessa
área, então entramos na área que mais eles sabiam fazer, é uma forma de geração de
eu trabalho desde os 12 anos na reciclagem, o que eu gosto é isso aqui, é o que eu adoro
Unidade).
Hélio gosta de trabalhar na reciclagem até mesmo por que acredita que com a idade
creche comunitária, sua resposta foi bem direcionada, e deixa implícito que o trabalho na
reciclagem não é um bom futuro: meu futuro já tá começando na creche e eu espero que
seja cada vez melhor... porque lá eu vou ser uma educadora né.
Para José, o preconceito é forte demais, e a perspectiva de futuro fica distorcida por
causa disso: ...é outra coisa... tudo vem nesta fase que eu te falei... hoje estamos aqui como
233
5.2- Para os Moradores
A maioria dos moradores que trabalham como papeleiros reconhecem que não tem
um emprego, que estão expostos a todo tipo de risco, de falta de direitos, enfim, dizem que
“isso não é vida”. Suas perspectivas de trabalho é justamente ter um emprego e ser
respeitado.
...ter um emprego, pois trabalho com papel desde que vivo na Vila Dique (Vitória,
moradora).
...quero ter um curso técnico, por que o respeito é outro (Patrícia, moradora).
futuro em termos pessoais e profissionais têm a ver com a participação política, na medida
suas perspectivas de vida e de trabalho tem a ver com a questão da moradia, do trabalho,
que sempre estiveram presentes nas políticas de reassentamento, ora, para se exigir a
visualiza melhor que a participação dá retorno para a vida das pessoas, e que vale a pena
participar para continuar melhorando. Isso fortalece a vida que já se tem – e o que vai
incrementa nas reuniões do OP e nas relações comunitárias, assim como fortalece essas
234
As políticas públicas propostas pela Administração Municipal, seja por iniciativa da
e o acesso a ela. Para que as políticas sejam efetivadas, no entanto, é necessário que haja
receptividade por parte da população. E acreditamos que essa receptividade foi sendo
são propiciadas pelo que a cidade oferece para seus cidadãos, à medida que as pessoas
percebem que as expectativas criadas sobre as coisas estão pautadas nas condições
para melhorar as suas condições de vida, certamente, desejarão uma vida melhor e farão
algo para realizar isso. Ver – e vivenciar – a cidade melhorando, solidifica mais as
perspectivas de vida. Ter uma Unidade de Reciclagem ou uma política de coleta de lixo,
traz a experiência real do trabalho e com isso a perspectiva de realizar coisas que sem
desejado. Nos parece, muitas vezes, que é essa a atitude que se espera da população.
Doralina, no entanto, alerta para o fato de que o exercício da cidadania pode estar em ações
que nem sempre são consonantes às expectativas do poder público. A entrevistada relata
que:
... exercer a cidadania é estar se dando conta disso e se organizando dentro deste
espaço, colocando o que você pensa de uma forma organizada, às vezes, a
organização deles não é aquela que a gente espera né, na Vila dos Papeleiros, por
exemplo, a organização deles era boicotar todo o nosso trabalho, é uma forma de
235
organização, eles estavam muito bem organizados para isso, eles estavam
entendendo e buscando o direito deles, o que eles entediam por direito. Na Ilha, eles
buscam uma organização dentro do espaço que eles estão e batalham por isso...
exercer a cidadania é dizer o que pensa, se expressar, buscar espaço de expressão
pros outros também, isso é organização... (Doralina, técnica).
que diz respeito às políticas de assistência, no entanto, não podemos inferir que não são
através das quais, os indivíduos criam suas redes de significados acerca do mundo. Usamos
apenas, porque percebemos que, de uma certa forma, há diferença nas perspectivas de
quem trabalha nas Unidades e de quem não trabalha, pois, as perspectivas, de uma maneira
geral, tem a ver com as políticas públicas da cidade. É possível inferir que os papeleiros
preconceituoso; isso ficou claro nas entrevistas, até porque quem trabalha nas Unidades de
...tá num início de viver a democracia, tem muita coisa pra melhorar ainda, mas só
o fato de saber que existem caminhos, a gente não faz por eles, e eles sabem que é
eles que tem que caminhar mesmo aprendendo ainda, quebrando a cabeça, Porto
Alegre está aprendendo a vivenciar a democracia, nas eleições agora quem ganhou
foi a democracia, o morador de Porto Alegre já sabe por onde tem que andar pra
dizer o que quer, vai ser muito mais difícil um governo que imponha seu ponto de
236
vista sem escutar a comunidade de Porto Alegre, aqui o povo diz o que pensa
(Doralina, técnica).
Defendemos a idéia de que não basta haver políticas públicas voltadas para as
comunidades, é preciso que as pessoas acreditem que estas políticas são viáveis e, neste
caso, os profissionais que trabalham nas comunidades são importantes personagens para
O trabalho que Tatiana desenvolve na comunidade em que trabalha reflete isso, ela
trabalha com a comunidade desenvolvendo a idéia de cidadania, a partir do que ela acredita
que seja cidadão. Para ela, cidadão é o que pode entrar em qualquer lugar e poder se
bancar, a dignidade é conseqüência, é o cara que tem consciência, sabe em quem vai votar
e por que vai votar, é o que se mantém, que não depende de ninguém, no sentido de
ganhar coisas, é o que trabalha e se banca, se determina, é buscar, é ter esse tipo de
emancipatória, para que os moradores sejam de fato e de direito, cidadãos. Para Doralina,
ser cidadão é a forma de se colocar dentro do lugar que você está, como você se
reconhece, assim como você conhece também o lugar que você está e como você se
movimenta.
Para Mariana, ser cidadão é estar incluído, é ser conhecedor dos seus direitos,
públicas, e a partir desse conhecimento, poder incidir sobre ele, apresentar a sua
reivindicação sobre as coisas que precisa. Mariana destaca que Porto Alegre é uma cidade
que permite a inclusão, que se preocupa com o meio ambiente, que permite o exercício da
237
cidadania, e que isso aumenta o sentimento de pertencimento, pois não se perde as relações
comunidades, por que isso também vai incidir nas questões de violência, a forma como nós
trabalhávamos era uma forma mais inclusiva, onde esse enfrentamento se dava muito
menos pela repressão e muito mais pela valorização dos aspectos positivos.
Com isso, queremos inferir que Porto Alegre é uma cidade que oferece
seus cidadãos. A cultura, em Porto Alegre, se publicizou muito mais. E isso ajudou a
aumentar o nível cultural das pessoas. Tatiana ilustra essa idéia quando relata que uma vez
por mês, os moradores e trabalhadores de uma das Unidades de Reciclagem e ela, vão há
uma churrascaria conhecida da cidade, e eles são tratados como cidadãos e não como ex-
moradores de rua. Há ainda muito que fazer, aprender, aprimorar, mas sem dúvida, essa
por que muitos acreditam que é através destas políticas públicas voltadas à cultura e ao
Falando do que é viver em Porto Alegre, Cristiano refere que é muito bom viver em
Porto Alegre e que se a cidade é hoje o que é, ou seja, uma cidade voltada para a cultura,
existe sem uma população que sustente e valorize isso, tem uma população que tem um
grau de apego à cultura que é bom, é uma cidade arborizada, Porto Alegre tem uma
população que está a altura desta cidade, que construiu esta cidade (Cristiano, técnico).
...saber o que existe a tua disposição, tu exigir do poder público as coisas que tu tens
direito, participar das discussões do que vai ser feito e não vai ser feito, de com
238
quem tu tem que dividir, do que é mais importante fazer naquele momento em função
de que de repente a verba na dá pra tudo, e isso o porto-alegrense aprendeu no OP,
a abrir mão de algumas coisas da sua região em proveito dos outros. O que tem de
negativo na cidade é a violência, que não é uma exclusividade nossa; e de positivo é
que é uma cidade limpa, organizada, bonita, que tem atividade cultural, de lazer, se
tu quer sair tu tem facilidade de transporte pra andar na cidade e pra fora da cidade
(Lígia, técnica).
Diante disso, podemos renomear nosso subtítulo, pois é possível entender que não é
apenas a participação política que fortalece as relações comunitárias, mas essas também
Nos referimos, no início desse capítulo, que nosso objetivo era analisar a
239
Buscamos entender os processos de envolvimento e participação dos nossos
autor não trata de níveis que se sobrepõem uns aos outros, mas dimensões que podem ou
não estar presentes nas ações coletivas. O modelo trata de questões que vão dando suporte
políticas públicas que o beneficiam; que de fato, viabilize o exercício da cidadania, que
garanta direitos pela via da emancipação e da autonomia e que não seja direitos dados, pelo
cenário adequado para a análise sobre a participação política e suas interfaces com a
e significados que são estabelecidos em relação às vivências que os sujeitos têm, sendo que
conseqüências disso para suas vidas. Concluímos que essa aprendizagem viabiliza a
percepção como um ator social e político, que decide e incide sobre a vida pública, um ator
indivíduo luta, conversa, dá a opinião, ele está atuando sobre seu meio, ele é um ator no
240
processo de transformação, e Marcos aponta que esse aprendizado é graças ao OP: ...isso, o
OP nos ensina. Até um certo ponto, nós que participamos do OP nos sentimos meio
vereadores. Claro que é no limite do que nós podemos discutir. Mas as comunidades
decidem o futuro delas. Não nos contentamos com eleger as elites e deixá-as resolver os
política. Inferimos que esse conjunto de ações aos quais Marcos e outros indivíduos têm a
inseridos. Essa aprendizagem ressignifica o entendimento sobre o que é ser cidadão e o que
melhorias, mas tentando engajar as pessoas nos movimentos, para que o status de
necessitado e carente se dilua. E que as pessoas possam se fortalecer enquanto grupo, nesse
movimento, ou seja, que cada indivíduo perceba de uma maneira diferente, a partir de seu
de considerar a relação entre a questão individual e a social, que compõe o contexto que
interfere nas decisões do indivíduo perante suas escolhas individuais e seu engajamento no
241
cidadania é que essa não se restringe aos direitos fundamentais dos indivíduos, mas ao
exercício de uma prática que lhes permite ser atores sociais do processo político da sua
cidade, seja exercendo o direito do voto, seja estendendo o seu envolvimento político a
cidadania é ter os direitos preservados: ser cidadão é ter direitos, poder falar, se
indivíduo, que implica não apenas em ter direito de falar, mas que essa fala seja escutada,
que ele seja percebido enquanto ator social. Não basta que ele tenha o direito de se
manifestar, mas a sua ação tem que ser reconhecida e legitimada pelo outro. Por isso
medida que o indivíduo participa e sua participação é reconhecida pelo outro - seja esse
retroalimenta a participação.
O discurso dos entrevistados nos remete pensar na descoberta que eles estão
fazendo do que é de fato ter direitos e poder acessá-los e exercê-los. A história recente do
nosso país mostra as nuances das conquistas e cassação de direitos. Muitos dos
entrevistados viveram o período de cassação dos direitos na época da ditadura militar, por
isso talvez o discurso de que cidadania é ter direitos seja tão forte, tão presente nas suas
representações do que seja exercer de fato, a cidadania, relacionada hoje, em Porto Alegre,
242
A cidadania, na opinião dos entrevistados, remete a valores societais que fazem
que faz com que as pessoas se convençam da naturalidade dos eventos sociais e, como as
coisas são assim mesmo, então há que se conformar. Destacamos, portanto, o conformismo
implícito na fala dos entrevistados, quando nos dizem que ser cidadão é ser uma pessoa
honesta, ter liberdade, dignidade, ser afetivo com o outro, ter orgulho de sua casa, de seu
trabalho, de sua moral, de seu sacrifício, é ser uma pessoa de bem, é se dar com todo
mundo, não ser arrogante, ser humilde. Já dissemos, nesse texto, que não somos contrários
à idéia de que não seja esse o ideal de sociedade que desejamos enquanto seres sociais,
mas demarcamos o tom conformista das falas que, de uma certa forma, encobre a
possibilidade de ação coletiva, pois, se os eventos sociais são naturais, são dados dessa
forma, então não há que lutar para transformar a realidade social, basta apenas melhorá-la.
propostas políticas realmente voltadas para a comunidade, pois, em nome da carência, dos
excluídos, da corrupção... muitos personagens se elegem muito mais pelo seu estereótipo
Candidatos como “pai dos pobres”, “vassourinha”, “nega diaba”, personagens que
mesmos indicativos do que seja ser cidadão e exercer a cidadania. Isso nos leva a inferir
243
que as políticas públicas estão direcionadas para toda a população, pois há a percepção das
necessidades, há a valorização das coisas que eles tem acesso ou que ainda não tem.
social que faz com que o indivíduo se identifique com alguma categoria social. Quando
Bruna, por exemplo, diz que ser cidadão é dar a mão para alguém, ir no OP, brigar pelos
direitos de todos... ou quando Serlene afirma que exercer a cidadania é também passar
pros outros, saber o que ela é, e não ter ela pra si, é ter solidariedade... nos faz pensar
que, quando o indivíduo consegue colocar em prática um tipo de discurso como esse, ele
está mais próximo da possibilidade de coesão social. Está mais próximo da possibilidade
de se identificar com esse grupo, ou pela necessidade de melhorar, de ensinar o outro que é
possível melhorar, ou então pela força que o grupo vai estabelecendo a medida em que luta
junto. Isso reforça as relações interpessoais, pois há interesses em comum, que podem
Serlene fala de uma experiência real, ou seja, eu descubro o que é ser cidadão, isso
me favorece, logo, para que eu mantenha esse status de cidadania, é preciso que outros
também o tenham, e que outros também reconheçam esse benefício. Por isso não basta eu
Esse benefício, do qual fala Serlene, pode perder a força, pois ele tem
244
público, a iluminação pública, enfim, são benefícios de âmbito coletivo, onde os indivíduos
passam a entender que as ações precisam ser coletivas, isso porque, as pessoas adquirem,
atribuindo valor à reação de outras pessoas dentro e fora do grupo. Além desse sentimento,
está presente na vida de todos os entrevistados. Há pessoas que não conseguem definir o
que seja a cidadania, que repetem aquilo que todos dizem, que ainda não se apropriaram
desse discurso, talvez por que não tenham tido vivências que corroborassem o discurso.
Então, sua dimensão de definição ainda é muito individual, e esse indivíduo ainda não
discursos prontos, dos quais o indivíduo se apropria e repete. Além disso, há a vivência do
245
O indivíduo não se vincula, como uma forma de negar a identidade social
negativa atribuída a seu grupo social. Por isso, mantém suas ações em uma
não se expõe, e não necessita se deparar com a realidade social na qual vive
cidadania, sim, de fato é, mas não é só isso. Mas, para muitos entrevistados exercer a
cidadania é votar, logo, eu exerço a minha cidadania em época de eleição. Isso traz alguns
uma vez cumprida a minha obrigação de votar, acaba meu compromisso, fiz
pela participação política do indivíduo, que tem a ver com o conjunto de vivências que ele
tem no contexto no qual está inserido, como ele atribui significado às relações
246
reconhecido por esse outro, também interfere na forma como esse indivíduo se vincula ao
grupo ao qual pertence, pois o fortalecimento da identidade pessoal pode fazer com que ele
assuma a sua identidade social, mesmo que essa seja desqualificada enquanto grupo social,
Ou seja, tem a ver com o exercício da cidadania, como o indivíduo desenvolve a sua
identidade pessoal e coletiva, como se enxerga e como se identifica com seu grupo de
Pontuamos isso com base em nossa pesquisa. Temos situações de entrevistados que
participam do OP com seu grupo de trabalhadores, não porque mantém uma vinculação
com esse grupo e por que identificam causas reivindicatórias em comum, mas por que são
obrigados. Se esses indivíduos estabelecessem uma identidade coletiva com seu grupo,
certamente, o nível de reivindicação seria mais amplo e constante, todavia eles participam
se esse indivíduo tivesse uma identidade menos fragilizada, teria mais condições de
Por isso percebemos que não há diferença nas respostas dos moradores e dos
247
diferença pela questão da identidade. Ou seja, aqueles indivíduos que têm uma identidade
pessoal autônoma – nos termos de Melucci – têm condições de vincular-se a causas mais
trabalhador ou morador. E, ao mesmo tempo, aqueles que tem uma identidade individual
política, também reforçamos a importância da relação que o cidadão tem com a cidade e
comum nas opiniões dos moradores e dos trabalhadores. A questão da participação implica
consciência política.
fórum de participação popular que obrigou os moradores a manterem outra relação com o
poder público. A partir do OP, a população se deu conta de que, para ter melhorias, não
basta ser bem relacionado ou vender seu voto em época de eleição. O OP trouxe o
que forçadamente, ou seja, a população teve que mudar sua forma de agir.
248
Mudou também a sua forma de se relacionar com a cidade, em termos
comunidade e, da mesma forma sua comunidade teve que se fazer mais presente e ser mais
apenas pela possibilidade de participar, de fazer valer a sua opinião, de se fazer ouvir, mas
porque, com essa participação, se chegou a níveis de qualidade de vida antes inatingíveis
cidadania das pessoas, no momento em que passaram a entender que ser cidadão é ser
responsabilidade e compromisso consigo mesmo e com o outro, seja seu grupo social ou
sua comunidade].
assim como pelas políticas públicas, reconhecem que é uma cidade onde é possível – e
cidadania ativa.
Essas categorias aparecem nos discursos das pessoas e acreditamos que fornecem
elementos para que os indivíduos definam suas crenças e valores de sociedade. Como já
249
cidadania. É preciso que as pessoas se apropriem disso e vivenciem na cidade e na
comunidade.
pertencimento por sua vez, aumenta a necessidade do cuidado com o que é seu, seja
política e a visão de mundo dos mesmos. Estas podem ser entendidas como a representação
social que os indivíduos constroem sobre a estrutura social, as práticas e finalidades das
pessoas que constituem essas categorias. Essas representações são produtos das interações
sociais e da experiência dos indivíduos nos vários grupos, instituições e contextos da vida
em sociedade.
relacionadas com a relação que ele estabelece com a cidade e como vai se apropriando dos
se incluído, ressignifica o que eles pensam sobre cidadania, sobre política, sobre
participação.
muito concreta da cidade em que vivem. Apontam para os aspectos positivos, ou seja, de
250
uma forma geral, Porto Alegre é uma cidade limpa, organizada, arborizada, com muitos
parques, praças, áreas de lazer, opções gratuitas de lazer e cultura, com projetos voltados
para as populações de baixa-renda, dentre outros aspectos. Mas também é uma cidade que
discrimina, que mantém uma política assistencialista que impede a emancipação dos
também está implicado nesse contexto, também faz parte desse cenário. As relações
basta que a participação seja popular, que seja garantida pelos fóruns de participação, mas
é importante que ela incida sobre a vida pública e conseqüentemente, privada desse
indivíduo.
Participar de reuniões na associação, nos conselhos, nos fóruns, custa muito tempo
e tem que ser uma ação voluntária, tempo que tem que ser roubado da vida privada.
longo de nossa pesquisa que a presença do jovem nas discussões do OP é ainda muito
restrita. Dos nossos 30 entrevistados, 3 tem até 25 anos e 27 tem acima de 25 anos. Desses
251
20
15
Trabalhador
10
Morador
5
0
Até 25 anos Acima de 25 anos
Inferimos com isso que o contato com políticas públicas favorece a vivência
política, por que coloca mais a mostra a vivência das crenças e valores societais, demarca
Para os entrevistados, o exercício do voto pode ser significado como algo de muita
importância, pois viveram em períodos da história nacional em que esse direito lhes foi
representantes é ampla. Além disso, identificamos também o fato dos nossos entrevistados
valorizarem políticos que tenham projetos voltados para as suas comunidades no sentido de
eleitoral.
relação ao exercício da cidadania; por terem vivido neste período de cassação de direitos,
hoje reproduzem o silenciamento daquela época, que calou vozes no seu direito à
Não pretendemos classificar nossos entrevistados por idade, referindo que os mais
velhos tem mais potencial de reivindicação que os mais jovens, ou que os mais jovens não
têm espírito de reivindicação pelo fato de não ter vivido na ditadura, e muito menos
queremos inferir que os mais velhos têm opiniões diferentes e que valorizam mais o
252
seria muito reducionista e contraditória à idéia que defendemos de que as representações
são construídas pelas vivências que as pessoas têm ao longo de sua vida, pelas inter-
relações que estabelecem, até por que esse não foi um foco da pesquisa, mas é um dado
destacar, entretanto, que este é um fator que nos chamou atenção nos discursos de nossos
diferentes categorias e grupos sociais que contribuem para estruturar a vida em sociedade.
sociais que revelam o posicionamento político das pessoas. Sendo assim, a participação
pode cristalizar as crenças e valores societais e levar à alienação do indivíduo, como pode
romper com essa estabilidade na medida em que seja capaz de reinterpretar seu cotidiano
por meio de valores e crenças que negam essa alienação. Agregado ao que já dissemos
societais também se configuram nessa relação, com isso, não podemos deixar de considerar
participação política.
A participação política é uma via de mão dupla, por que ao mesmo tempo em que
253
medida que o fluxo dessa via vai fluindo, também vai dando elementos para que o
identidade coletiva com o grupo ao qual pertence e vai desencadeando uma terceira
dimensão do modelo de Sandoval (2001) que consideramos importante neste contexto, que
Essa dimensão é, de acordo com Sandoval (2001), uma dimensão mais instrumental
modo de compensar as injustiças que são cometidas contra ele mesmo. Essa dimensão tem
as suas raízes nos estudos de Klandermans (1992) e enfoca três aspectos que levam os
movimento;
254
politicamente, pode-se dizer que as pessoas seriam mais predispostas a não participar do
nas comunidades, na sua vivência no OP, que são situações que fazem com que o
indivíduo tenha a predisposição a participar, a mudar a sua vida, a dar mais qualidade de
vida ao seu cotidiano. Mas observamos também que, muitos entrevistados entendem que é
importante participar, mas identificamos que essa participação está no outro. Já referimos
isso nesse trabalho, e isso diferencia as atitudes dos que acreditam que participar é
importante e participam de fato, e os que acreditam que participar é importante, mas não
participam, ou seja, não participam por que não tem a predisposição para agir
não há vivência que configure a participação como algo importante para transformar a
realidade social.
moradores e dos trabalhadores das Unidades nestes diferentes contextos. Tínhamos como
pelo fato de terem uma Associação e, com isso, serem uma entidade
do que os trabalhadores;
das Unidades.
255
Acreditamos que, em termos de participação política, há diferença, mas o que
demarca essa diferença não é apenas a vivência de políticas públicas, como antes havíamos
pensado. Essa vivência é elementar, mas há outros fatores, já referidos neste texto, que
interferem nas relações sociais e interpessoais dos indivíduos e que lhes dão base para suas
escolhas.
Perguntamos também se há diferença entre a relação com a cidade nas falas dos
moradores e dos trabalhadores. Neste aspecto, acreditamos que não. O que percebemos é
cidade aproveitando os seus espaços públicos. Percebemos que os que não saem têm
motivos pessoais, e isso faz parte de suas opções de lazer. No entanto, percebemos também
que há informações que não chegam aos porto-alegrenses. Temos elementos, com isso,
para pensar que nossa hipótese não se confirma de todo, pois os grupos de recicladores são
população tinha, muito porque as práticas paternalistas e clientelistas usadas pelo poder
constituído não respondiam aos anseios da sociedade, ou seja, tínhamos uma sociedade que
Ora, nossos entrevistados ilustram, em parte, esse anseio. O que representa por exemplo
dizerem que o OP não é do partido e sim do povo? Significa, no nosso entendimento, que
os canais de interlocução foram apropriados, que participar é muito mais que ir a uma
a vivência é significativa por que o indivíduo vai se fortalecendo enquanto ator social e
político, cria condições de incidir sobre a vida pública, deixa de existir uma concentração
256
de poder por parte do Estado em relação à sociedade civil, o poder passa a ser
compartilhado, mesmo que haja limites nessa intervenção da sociedade civil, o fato é que
está estabelecida aqui uma nova relação de poderes. O Estado controla, mas não
totalmente, o Estado decide, mas tem que compartilhar. Já não é mais possível governar
sem ouvir o que a população precisa e demanda, já não é mais possível governar sem
prestar contas.
caminho sem volta. E, certamente, personagens como Augusto, Elira e Patrícia, que se
de ação coletiva, com base no desejo de uma sociedade diferente, mas não apenas para si,
como também para o outro. Assim como essas categorias são reconfiguradas, também o é a
idéia de comunidade, que deixa de ser um espaço geograficamente definido e passa a ser
visíveis. Nos anos 90, se fortaleceu não apenas a reivindicação das necessidades básicas,
que eram direitos sociais dos cidadãos, mas que o atendimento a essas necessidades tivesse
E é isso que muitos dos nossos entrevistados reivindicam nas suas falas e muitos
deles solicitam nas reuniões do OP. Temos situações de comunidades que já conquistaram
257
demandas, a comunidade passa a reivindicar outros serviços. Assim como há os moradores
que depois de conquistar as demandas que foram solicitar nas reuniões do OP, deixam de
participar.
Cacique e do Campo da Tuca são um exemplo disso. São comunidades que tem
características diferentes, pois a Padre Cacique é uma comunidade pequena que está dentro
faz parte de um bairro bem mais estruturado, é uma comunidade bem populosa. No
entanto, suas histórias se aproximam, no sentido que são comunidades que se descobriram
Acreditamos que a consciência política vai se produzir não por um tipo de atividade
determinada e de uma forma automática, mas pelas relações que se estabelecem entre tais
atividades e a vida cotidiana das pessoas e, neste contexto, as redes sociais e os valores que
mantêm são determinantes. Por isso ressaltamos o conjunto de vivências que o indivíduo
tem na sua vida, nas relações interpessoais que estabelece que, na nossa opinião, formam
individuais e coletivas.
A emancipação é uma palavra que faz parte da história destas comunidades, não
comunidade, que fortalece o indivíduo nas suas relações interpessoais, mas também o
fortalece no seu potencial em relação aos processos políticos, as decisões que lhe dizem
respeito.
258
No entanto, alguns de nossos entrevistados reforçam a postura de tutela, confirmada
por muitos dos técnicos que trabalham com as comunidades e falam da dificuldade que tem
carência material real, que inviabiliza muitas vezes, o discurso emancipatório pois, como
indivíduo tem fome, se convive com ratos, baratas, se está exposto a toda sorte de doenças.
Mas também há que se considerar que a representação coletiva de que o pobre é incapaz,
não tem voz nem vez foi internalizada pela população, não apenas a população pobre, mas
vezes em sua entrevista ela refere que o rico faz o pobre, que tanto o rico como o pobre
ganham com a pobreza, ou como a fala de pessoas que dizem que querem que seus filhos
estudem para que tenham um futuro melhor, pois se tiverem um emprego melhor não
precisam depender do governo pra ganhar coisas... ou como os relatos de tantos moradores
que dizem que em época de eleição vendem seu voto, ou relatam situações de candidatos
que em época de eleição dão churrasco, roupas, cesta básica e com isso compram votos das
pessoas, ou também de pessoas que se beneficiam, ou tendo seu IPVA pago, ou sendo
aposentado como funcionário do governo estadual, enfim, estas são as contradições com as
quais convivemos.
beneficiar da sua própria condição, ou seja, não apenas no sentido de ganhar coisas por ser
pobre, mas no sentido de se descobrirem atores sociais que fazem parte de um contexto do
qual participam outros atores também, e que mesmo guardadas as diferenças sociais e
econômicas, fazem parte do mesmo cenário e gozam dos mesmos direitos, garantidos
259
estamos nos referindo permite às pessoas, a escolha de não quererem ser mais usadas. De
não aceitarem mais a tutela do governo, de não se aceitarem mais na condição de amorfos,
de incapazes. Isso nos traz exemplos de comunidades que “cansaram de serem usados
parceria, ou seja, o pesquisador pode entrar na comunidade e pesquisar, mas sua ação tem
outra categoria de relação interpessoal. É como nos faz lembrar Roseli quando nos relata
que é muito bom poder entrar no supermercado e as pessoas não ficarem olhando como se
ela fosse roubar alguma coisa por que é pobre, é poder comprar o que quiser e pagar com
seu próprio dinheiro, ou é como diz Tatiana, que trabalha em uma das comunidades
pesquisadas, que ser cidadão é se bancar, ou seja, é poder ir numa churrascaria e pagar o
seu rodízio, assim como pagam os que tem muito mais dinheiro que um trabalhador de
Unidade de Reciclagem. Ou é como nos lembra a própria vida da cidade, que permite a
públicos da cidade.
pela relação com o Estado. E neste caso em específico, podemos entender o Orçamento
68
Grifo nosso.
260
movimento aparece ou reaparece. E a participação ocorre porque há sentimentos, valores,
motivações que fazem com que uma pessoa se identifique com a causa e,
conseqüentemente, participe.
Participação Política
Cidadania ativa
OP
A cidadania ativa se contrapõe à cidadania passiva, que representa a transição que vivem
mantendo ao longo de suas relações interpessoais. Quanto mais a vivência da cidadania vai
fortalecida não apenas à medida que a cidadania ativa vai sendo significada pelo indivíduo,
261
mas também nas relações comunitárias, assim, destacamos o papel importante da
individual ou coletivo.
do que é ser cidadão e do que é exercer a cidadania, que implicações estas definições têm
para a vida cotidiana destas pessoas e de que forma isso tudo implica na constituição da
participação política.
262
Capítulo VI
participação tem tanto para a vida das pessoas como para as políticas públicas da cidade.
Clube de Mães.
69
Como já explicamos no capítulo anterior: Trabalhadores são os que vivem nas comunidades entrevistadas e
que trabalham nas Unidades de Reciclagem de Lixo, são denominados também, ao longo do texto, de
Recicladores. Moradores são os que igualmente vivem nas comunidades, mas que não trabalham nas
Unidades de Reciclagem, ou são lideranças comunitárias, ou são papeleiros [são os que recolhem papel com
carrinho ou carroça e reciclam em sua própria casa] ou são moradores que exercem outras atividades
profissionais. Entrevistados são os dois grupos: moradores e trabalhadores.
263
Percorrendo a história da gestão da Administração Popular70, encontramos
elementos para confrontar com nossas entrevistas. Porto Alegre71 se intitula uma cidade
cidade. Além disso, tem construído políticas públicas que materializam melhores
Porto Alegre é uma cidade que busca garantir o acesso pleno e equânime da
renda mínima, apoio à família e geração de renda, atentando para estabelecer ações de
desenvolver um programa que venha ampliar e/ou qualificar os projetos sociais 72.
70
Relembramos o leitor que Administração Popular refere-se especificamente à gestão da Frente Popular na
Prefeitura de Porto Alegre, que tem como slogan “O governo da participação popular”.
71
Fonte: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/cs/default.php?p_secao=3. Pesquisa realizada em 03.02.06.
72
Renda Mínima, Geração de Renda (cooperativas, Ecoturismo, Agricultura Local, Projeto Educação para o
Trabalho e Cidadania, Projeto Ações Coletivas, Projeto Reinserção à Atividade Produtiva; Unidades de
Triagem de resíduos; Incubadoras); Gerências ampliadas vinculadas a reassentamentos.
264
uma constante dentro de uma estratégia de inclusão social (como as ações contra o
um marco de referência para ações mais amplas no sentido de enfrentar a crise social. As
políticas na área cultural, por sua vez, têm incentivado sobremaneira, através de ações
crianças, adolescentes e famílias, sejam garantidos por lei: conquistamos muito nas
políticas de educação e assistência social, mas as políticas para a infância devem ter a
PDDUA73 estão guiadas pelo espírito de uma cidade que possa ser desfrutada por todos os
cidadãos, sem nenhum tipo de discriminação. Está proposto um tipo de planejamento, onde
construção do futuro de Porto Alegre. Busca-se, assim, uma cidade onde todos tenham uma
que as diferentes opiniões possam conviver criando, uma cidade diversificada, capaz de
73
O PDDUA é fruto de um processo participativo e de construção coletiva; atualiza uma série de conceitos e
deixa de ser uma lei essencialmente baseada em normas, como era a lei anterior, para constituir-se num plano
estratégico. Dentre outras inovações, propõe uma cidade mais “miscigenada” onde, com critérios, seja
possível um maior convívio entre as atividades residenciais, industriais, de comércio e de serviços. O
PDDUA procura, ainda, dar um melhor aproveitamento à infra-estrutura que muitos bairros já dispõem,
dentro do conceito de “cidade sustentável” e economicamente viável. Além disto, valoriza a preservação
ambiental e divide a Capital em oito Regiões de Planejamento, ampliando a participação da população nas
questões referentes ao ordenamento urbano. Sobre o histórico e etapas, ver anexo.
Fonte: http://www.portoalegre.rs.gov.br/planeja/manualpddua.pdf e
http://www.portoalegre.rs.gov.br/planeja/proposta.htm
265
enfrentar os desafios existentes, e que seja rica em suas formas de expressão e idéias. E isto
deverá ocorrer pela integração entre os interesses dos proprietários particulares, dos
Essas políticas tratam de temas que estão intrincados na vida da cidade e atingem
(lugares onde as pessoas possam se divertir, passear, buscar atendimento médico, comprar
ou vender e aprender). Estes locais precisam estar espalhados pela cidade de uma maneira
que cada habitante chegue até eles, a partir de suas casas, com facilidade, seja a pé ou de
ônibus. Podem ser constituídos por áreas verdes (praças e parques), ou por edificações,
passageiros, de cargas e sua malha viária, para que possa oferecer rapidez, conforto e
deslocamento. As ruas e avenidas são espaços públicos. Portanto, devem ser usados de
tanto, devem ser reservadas para "circulação" e cada vez menos usadas como
estacionamento.
266
* Uso do solo privado: prevê as regras para as novas construções, quanto ao uso e à
forma dos prédios e aos tipos de parcelamento (divisão de terra) que podem ser feitos na
cidade. Estão propostas, também, formas de controle do número máximo de pessoas que
podem morar ou trabalhar em cada zona da cidade (densificação), sem que haja problemas
investimentos feitos pela Prefeitura e o número de pessoas que vão usufruir as melhorias.
desperdício de dinheiro público. O PDDUA propõe uma cidade que seja econômica e
ambientalmente "sustentável".
seja possível qualificar o território municipal destacando o que de melhor existe em cada
termo ambiental, neste Plano, significa a cidade vista e analisada como um conjunto único,
onde convivem entre si diferentes tipos de cidade, com características bem específicas.
importantes, cujos espaços representativos deverão ter sua ocupação e seu uso preservados
* Produção da cidade: uma cidade deve produzir e, assim, gerar trabalho. É preciso
das áreas onde vivem as pessoas e incentivar a produção de alimentos e criação de animais
Porto Alegre como centro das atividades da Região Metropolitana, bem como redefinir seu
um deve fazer a sua parte. O Município fornece condições e orientações para que as
267
empresas e os proprietários de terra contribuam para o desenvolvimento urbano, reduzindo
o desequilíbrio social, bem como promovendo uma política para a construção de moradias
de baixo custo. Três caminhos básicos orientam a atuação do Município nas questões que
urbano de maneira que, quando forem identificadas mudanças necessárias, tanto pela
Prefeitura, como pela população, o Plano Diretor possa ser readequado. Para poder
participação popular. Assim, está proposta a divisão da cidade em oito Regiões de Gestão
do Planejamento, cada uma agrupando vários bairros. Nelas são elaborados, em conjunto
com o Município, os chamados "Planos de Ação Regional". Para tanto, os cidadãos terão
cidade.
movimento pela sustentabilidade. Isto significa proteção ambiental, equidade social, outro
natureza.
Tendo como pano de fundo este contexto social e político da cidade, procuramos
identificar, em nossos entrevistados, a sua relação com essas políticas, como nossos
268
entrevistados transitam simbólica e concretamente por essa cidade que pretende ser
atribuem e que melhorias reconhecem terem sido adquiridas, via OP, para suas
públicas da cidade.
questões de ensino-aprendizagem que é seu papel, por excelência, mas pela referência que
aprendizagem desses conceitos passa pela escola. Além disso a escola é um espaço
Por isso, entendemos que a relação com essas duas entidades, são esclarecedoras do
a violência. Foram duas perguntas feitas de forma ampla para que os entrevistados
269
pudessem falar sobre o que era significativo para eles. Nossos entrevistados referiram tanto
problemas amplos, de uma dimensão macro, como pequenos problemas, de uma dimensão
micro. Buscamos, nestas manifestações, entender, mais uma vez, a relação com as políticas
atender a população, e até que ponto esses serviços têm a credibilidade e a confiabilidade
as opiniões de quem trabalha nas Unidades e de quem não trabalha, pois, no início da nossa
E, por fim, analisaremos quais as repercussões dos movimentos dos moradores para
as políticas públicas.
Identificamos, a partir das falas dos nossos entrevistados, que nem sempre as
projetos e parcerias. Muitas vezes, são nesses momentos, que as pessoas se paralisam mais
270
do que se mobilizam. Por isso teremos, ao longo da análise, os elementos necessários para
identificar o que faz com que as pessoas participem de ações coletivas ou não.
moradores e trabalhadores
diferentes motivos. Percebemos que, de uma forma geral, um dos conjuntos de razões tem
posto de saúde, escola e diversos serviços. O outro conjunto de razões tem a ver com
aprendizado do que é ser cidadão, e do que é exercer a cidadania. A fala de Augusto ilustra
esses aprendizados:
Não penso que um político sem sentir a pressão vai fazer qualquer coisa para o
povo. Então a gente tem que se mobilizar para que nossos direitos sejam
respeitados. Se a gente soubesse todos os direitos que tem, a vida seria bem melhor.
Aprendi que o povo unido é forte. Aprendi que posso falar. A primeira vez que fiquei
em frente do microfone, me senti tão pequenininho como uma formiguinha no meio
dum monte de elefantes. Mas conhecia a necessidade da minha comunidade, então
decidi botar a timidez de lado e comecei a falar. Falei com o coração, da vida aqui
onde nem um cachorro quer viver. Deu um impacto tão grande. Quanto mais papéis
271
e lixo apanhamos, menos árvores cortadas e rios poluídos... somos os pequenos que
trabalham para a natureza e ela nos agradece... gosto deste trabalho e, pelo OP,
consegui valorizá-lo, nos valorizar como pessoas, como trabalhadores (Augusto,
trabalhador da Unidade).
A moradia sempre foi uma das prioridades do OP, tanto por parte dos moradores
das comunidades, como por parte da Administração Municipal, pela sua política
concebida como direito humano, e a moradia digna, como base para a concepção de que
todas as pessoas possuem o direito à cidade e aos seus serviços, como transporte, saúde,
educação, cultura, esporte, lazer, assistência social, trabalho e renda. Nossos entrevistados
gente (Paulo, trabalhador da Unidade). Para Paulo, a conquista pela moradia é o mais
significativo pois, ao trazer moradia, traz também dignidade de morar bem, além de
Augusto comenta que a moradia foi uma das necessidades de sua comunidade e que
OP é muito importante porque tudo o que já conquistei, essa necessidade foi uma
[necessidade de moradia], mas depois que tiver as casa, tem outras necessidades, como
por exemplo, educação, pra minha gurizada jovem né, eu vou ter o telecentro74, que já
74
São ambientes informatizados, instalados em espaços comunitários, que oferecem acesso gratuito à
Internet e a programas de capacitação. Cada local tem computadores, scanner e impressoras. Três monitores
da comunidade orientam os usuários e realizam oficinas de informática básica. Em média, os telecentros
recebem quase 15 mil pessoas por mês, com faixa de um a quatro salários mínimos de renda. Quem quiser
pode ter seu próprio e-mail.
272
lugar que a pessoa discute, que a pessoa pede o que quer, mas tem que ter muita luta pra
sempre há um movimento em agito... tem reuniões que às vezes junta 200 pessoas. (Nilda,
moradora).
não tinha luz, nem água, isso foi antes do OP, as coisas melhoraram, foi coisa da
Esses depoimentos nos levam a inferir que as políticas são acessadas por todos os
cidadãos e, no caso da nossa pesquisa, tanto pelos moradores quanto pelos trabalhadores
das Unidades. As falas de Augusto e de Nilda nos dão exemplos do que denominamos
anteriormente de efeito mobilizador das políticas públicas, ou seja, quanto mais conquistas
reivindicar suas demandas e para melhorar sua comunidade. Percebemos, no entanto, que
No momento em que se consegue as melhorias, deixam de participar. Essa fala foi mais
...às vezes vou pela Associação dos Recicladores. Acho importante a gente ir pra
saber o que vai acontecer... (Claudiomar, trabalhador da Unidade);
273
...fui delegada 4 anos, pela Associação. OP é muito importante por que tudo que
pede a gente ganha. Agora não tô participando, mas por que não teve gente pra tirar
os delegados. Na época que eu participava, a gente conseguia muita coisa, pra
dentro do Galpão, as maquinarias, o próprio serviço... (Cléia, trabalhadora da
Unidade);
José entende que seja importante participar do OP mas, efetivamente, não vivencia
...já cansei, já fui várias vezes e depois desisti. Ia pela Associação (de Moradores e
Recicladores). O OP é muito importante, eu não entendia o que estavam debatendo,
parei um tempo de ir, depois fui umas duas, três vezes, comecei a entender, aí a
gente ia... e aí a gente parou por causa desta tragédia né... mas se sobrar OP pro
próximo ano, aí a gente volta a ir (José, trabalhador da Unidade).
Quando tem reunião poucos são os que vão, normalmente é o seu Augusto que vai
sozinho, mas acho muito importante esse Participativo aí (Guilhermina, moradora)
Lisiane também mostra a contradição na sua fala, pois, para ela, o OP é importante
para se conseguir coisas que se quer, mas ela não reconhece nenhuma melhoria na região
que mora. Os benefícios do OP são para os outros, não são para todos, são para os que
...é importante por que a gente consegue algumas coisas que a gente quer.
Melhorias eu não sei por que eu nunca vi, eu moro aqui neste canto então o que acontece
lá embaixo a gente não fica sabendo... tem as ruas que abriram, que asfaltaram, mas não
274
... já fui muito. Participei 3 anos, no último ano tiramos 12 delegados, 6 pra Saúde, 6
pra Assistência Social. Tive uma decepção tão grande que o caderninho já veio
pronto pra o próximo ano e quando eles tentavam se manifestar e colocar as
necessidades da população de rua, não dá comunidade, mandavam os delegados
calar a boca... as políticas vêm prontas... o OP beneficiou sim as comunidades com
representações importantes, mas morador de rua não é importante... é só número. O
movimento é uma luta... eles não têm essa perseverança porque a necessidade deles
são todas... tudo é urgente... não tem essa visão... é muita dependência, o
esquecimento é um anestésico (Tatiana, técnica).
Costumava ir, agora parei, não tenho ido porque te falei né... cansei de ir, de
conquistar e não ganhar, isso aí que me deixou meio aborrecido com o OP... a gente
tanto conquistava como ajudava os outros a conquistar o que precisava, porque ali
têm diversas Associações, Associações dos Moradores, de hortifrutigranjeiros,
fruticultores, pescadores ...então a gente ia e eles precisavam, a gente dava o voto
pra eles e quando nós precisava, eles davam os votos pra gente... então a gente
conquistava assim. Só que agora eu conquistei este galpão aí, já fazem anos e não
veio a reforma ainda, então desanima a gente... (Helio, trabalhador da Unidade).
Gerci dá indicativos dos limites da participação no OP, o que também pode estar
vai instaurando na percepção de algumas pessoas. Não é apenas a decepção com o não
atendimento de demandas ou com o atraso nas obras que afasta as pessoas do OP. O
processo funciona, mas para quem participa, o que indica uma lógica perversa, pois,
Isso requer tempo – pois as reuniões são à noite; dinheiro – pois a população não ganha
É uma forma, é legitima, é válida, funciona? Em parte. Funciona pra quem vai, pra
quem tem tempo de ir, pra quem tem disponibilidade. Significa que as maiores
prioridades são atendidas na cidade? Não. Neste sentido não funciona. Os que são
275
articulados conseguem, mas não significa que as maiores prioridades são
atendidas... Aí é uma forma da Administração se isentar de algumas
responsabilidades, ou só há compromisso social se elas participarem! Mas a gente
só aprende a participar se houver condições pra isso, então fica ambivalente:
porque é popular, é democrático, mas se tu não foi então tu não vai ganhar...(Gerci,
técnica).
Valdomiro não faz a crítica que Gerci faz ao processo, mas reforça a idéia de que as
...costumo ir, é muito importante, por que o que a gente conquistou hoje foi por
causa do OP. Hoje, se não participar do Orçamento é muito difícil conseguir, Vou
pela Unidade (Valdomiro).
Além disso, faz parte desse grupo de contradições, algumas situações inusitadas,
mas que demarcam um efeito mobilizador e um efeito paralisante na vida das pessoas que
participam:
Há casais que não levam os filhos, mas se organizam de modo que alguém possa
ficar cuidando das crianças de vários casais para que esses possam participar;
Há famílias em que o casal se separa por que o marido – ou a mulher – chega tarde
das reuniões, e o cônjuge desconfia de traição; ou por que o cônjuge está muito
Há maridos que não deixam as mulheres participarem pois é uma reunião para
276
Destas situações, há os que culpabilizam o OP pelo transtorno que causa em sua
vida privada, e essas pessoas, normalmente, passam a boicotar o processo e, neste caso, o
crescimento pessoal e se tornam cada vez mais estimulados a participarem e, neste caso, o
Estou feliz assim, tão feliz. Já perdi uma família, me separei da mulher por causa
desse trabalho voluntário mas é isso que eu gosto. Minha mãe, outro dia, discutia
com minha namorada sobre o meio de me tirar da política. Mas disse pra elas que é
impossível. Aprendi demais com essa experiência (Carlos, morador).
Apesar do OP fazer parte da vida da cidade desde 1989, há muitos moradores que
não tem clareza do que seja o OP. Reproduzem o que denominamos de discursos prontos,
ou seja, falam que é importante por que todo mundo fala que é importante. Não podemos
inferir que esta falta de clareza seja por conta da falta de divulgação e de informação.
esse trabalho de base e se passou a tratar o OP como se ele tivesse vida própria, como se
toda a população tivesse pleno conhecimento do que é, como funciona e para que serve o
OP. Acreditamos que, de uma certa forma, isso fragilizou a relação com o OP que passou a
ser visto, por muitos como um instrumento de participação e não como um canal
75
Carlos é o nome fictício de um morador de uma comunidade; ele não faz parte dos entrevistados. Seu
depoimento está na obra: Organização Não-Governamental Solidariedade. Caminhando para um mundo
novo: orçamento participativo de Porto Alegre visto pela comunidade. Petrópolis : Vozes, 2003.
277
trabalho de base, dando o permanente conhecimento e informação sobre as coisas, é grande
...não vou, não sei bem o que é, já ouvi falar... a idéia que tenho é que é pra
melhorar, pra arrumar mais creche, que tem muitas casinhas no morro, então acho
que é pra dar casa pras pessoas... (Norton, morador).
...o OP é importante eu acho, até ontem me falavam disso aí, mas eu nunca fui, é
importante por que... ah, sobre isso eu não sei... (Guilhermina, moradora).
eu nunca fui porque nunca me interessei. Não faz a minha cabeça. Não sei de
melhorias, ouvi moradores de rua falar que é bom porque tu escuta muita coisa, mas
escutar não vai te adiantar, porque eles não vão te dar o que tu quer... (Roseli,
trabalhadora da Unidade).
assistencialista é muito forte, fala dos problemas do OP e das práticas que se perderam ao
278
fã de defender. Acho importante também ter mudado esta visão de que por exemplo,
nós precisamos de uma creche, então vamos procurar o Deputado ou Secretário
tal...nós vamos ter que se organizar, disputar... é um ganho do OP (Sandra, técnica).
ao longo dos anos, reproduzindo um vício de um continuísmo nas suas práticas, como se
todos já tivessem aprendido o que era o OP e não precisasse mais falar sobre o assunto,
ou como se o fato de ir a reuniões fosse suficiente para se conhecer todo o processo. Mas
neste processo é que o OP levou a necessidade, a idéia de organização para todo o lado
da cidade. Este movimento popular forte que tava localizado em algumas áreas da cidade,
construída na vida social. Para o autor: La mayor parte de nuestra experiencia diaria es
una experiencia de grado n, lo cual quiere expresar que acontece en contextos cada vez
más construidos por la información, que es difundida por los medios de comunicación e
internalizada por los individuos, en una suerte de espiral interminable que transforma la
Ainda de acordo com Melucci (2001), a maior parte de nossas atividades cotidianas
são afetadas por estas transformações na esfera da informação, posto que dependem cada
vez mais dela e alimenta a espiral que faz com que a ação social seja cada vez mais
reflexiva. Porém, para que a informação seja reconhecida como recurso crucial e tenha
valor, é necessário que a esfera simbólica da ação humana se faça autônoma a respeito de
termos de conteúdo, o que a converte em um recurso, mas sim, é o nosso domínio dos
códigos que organizam esses signos, as informações e as dá sentido. Para o autor, todo
279
aquello que afecta a nuestra vida personal y relacional depende de nuestra capacidad de
atribuir sentido, de generar significado para nuestros actos, planes, sueños, etc. (Melucci,
2001:67).
afirmar que essa seja a única explicação para o desconhecimento, no entanto, consideramos
modo que possa ser reflexivo, crítico, autônomo no seu pensamento. Que tenha condições
de fazer suas escolhas a partir do seu pensamento e do seu desejo e não de uma forma
tutelada.
autonomia de ação. E a fronteira dessa autonomia pode ser tênue, pois podemos nos
reproduzem a ideologia dominante – porque nesse caso também seria alienação. Nos
perguntamos se, de fato, basta dizer que o OP é importante por que podemos decidir sobre
o dinheiro público, ou por que conquistamos melhorias para a comunidade, para que isso
280
...o Orçamento Participativo é importante pelo fato de que a comunidade dirige o
Unidade).
...tem coisas que fazem e dizem que ficam claras, que a gente fica sabendo o que
...a gente precisa saber o que está acontecendo para reclamar os nossos direitos
(Vitória, moradora).
...é importante por que tu fica informado de tudo que vai acontecer em Porto
Alegre, para onde vai as verbas, fica por dentro de tudo que está acontecendo ou que vai
partir da fala dos nossos entrevistados, que a informação é necessária para que o indivíduo
tenha esclarecimento sobre as coisas da vida pública. Mas não necessariamente o acúmulo
dessa informação fará alguma diferença na sua vida. O indivíduo pode saber do que trata o
processo e, justamente por isso, não querer se envolver; ele pode preferir preservar a sua
vida privada.
Se retomarmos a fala de Carolina, por exemplo, quando ela refere que tem coisas
que fazem e dizem que ficam claras, que a gente fica sabendo o que está acontecendo,
esclarecem coisas sobre os direitos de cada um, inferimos que esse conhecimento pouco
mudará a sua vida, se o nível de informação que ela possa adquirir não for processado de
forma que ela entenda o que representa essa informação para sua vida pública. Não basta
Assim, é possível acreditar que o indivíduo possa ter elementos que contribuam,
dentre outros elementos, para a vivência real de conceitos como cidadania, autonomia,
281
emancipação, ou seja, como refere Montero (2004), que possa ser um ator social
potencialidades, da auto-estima:
... aí por necessidade de uma vida melhor, a doutora Edite me convidou pra ir numa
reunião na Secretaria de Saúde. Antes eu era menos falante, a doutora Edite me
apóia até hoje, ela faz um trabalho comunitário na vila, pensei naquela época:
“vamos lá, eu vou de carro e volto de carro”. Mas ela fez ele falar na reunião, eu
disse bah, a senhora me trouxe, a senhora fala, não, fala o senhor que o senhor é
morador... ela fez a inscrição na marra e eu comecei a falar... meio tímido, e daqui a
pouco virou uma polêmica sobre o que eu tava falando... aí a doutora Edite me
incentivou a ir no OP, aí fomos na primeira reunião, ela me incentivou a falar dos
problemas da vila, aí eu falei da vila, das necessidades, que a gente vivia no meio do
barro, da lama, no meio do lixo, e o que a Prefeitura podia fazer por nós,
“precisamos de moradias melhores”. “A Vila dos Papeleiros foi gerada na reunião
da Saúde, a sementinha começou ali e a gestação foi no OP”. (Augusto, trabalhador
da Unidade).
Augusto continua nos contando sobre como esse processo pessoal teve seus
No OP, eles disseram: pra vocês terem legitimidade dentro deste fórum, vocês têm
que ter uma Associação, e a doutora Edite deu todos os caminhos pra montar uma
associação, ela conhecia o Paulo Guarnieri que era de outra Associação e podia
apoiar a criação da nossa... começamos a fazer reunião... todos acharam que seria
interessante ter uma Associação, começamos a procurar alguém de bastante tempo
na vila, porque eu tinha um ano e pouco de vila, aí apareceu o Pantanal que tinha
uns quinze anos de vila, chegou no dia da eleição, o Pantanal desapareceu bem na
hora da eleição, e todo mundo ali reunido resolveu me escolher. O Pantanal tava
escondido embaixo da cama, porque sabia que era difícil. Quando eu vi, eu era
presidente de uma comunidade! Ele sabia que era difícil e fugiu e eu que não sabia
que era difícil, acabei abraçando. E o que eu faço agora? Vamos a luta, disse a
doutora Edite. Hoje eu sou presidente até às 15:30 da tarde... depois deste horário,
eu sou papeleiro, porque eu tenho família pra sustentar, quando tem reunião do OP,
eu deixo o meu carrinho carregado, vou na reunião, e depois chego aqui às 23hs da
noite aqui... Às vezes tem um amigo que pega o carrinho pra mim e traz pra cá,
quando eu tenho reunião até tarde da noite. (Augusto, trabalhador da Unidade).
282
... e como essa ação coletiva resultou em melhorias para a sua comunidade e como
Nilda, Elira, Valdomiro, Lauro e Serlene são exemplos de pessoas que percebem a
283
A fala de Serlene é significativa para a nossa análise, pois demonstra a
participação popular: conseguir coisas demora, seja conseguir coisas para a comunidade,
comunidade com a qual trabalha, na aprendizagem que esse processo traz para a
construção da cidadania:
284
2. Escola e comunidade: uma parceria ideal ou real?
ideal e o real.
entanto, denunciam a dificuldade que a escola tem de entender seu papel dentro deste
demandas que lhes são feitas. A escola está cristalizada em modelos tradicionais de ensino-
entendem que muitos de seus alunos, filhos de papeleiros ou recicladores, não serão
grande coisa na vida, logo, o mínimo que fizerem já está suficiente. Não há investimento
nas potencialidades do indivíduo e a escola, infelizmente, a cada dia que passa se distancia
das expectativas que os pais colocam nela, de que a escola é importante para que seus
285
referência que as pessoas tiveram... é uma fonte, ela pode se transformar em
desencadeador de várias questões, de Educação Ambiental, dos resíduos sólidos...
de lidar com o lixo... na verdade são prestadores de serviço do planeta... a questão
da preservação, da reutilização do material... a escola pode proporcionar debates
em termos destas questões ambientais... (Mariana, técnica).
coloca na escola é, por isso, muito grande. Espera-se da escola que ela possa dar elementos
para que a comunidade escolar seja crítica, reflexiva, participativa, pois acredita-se que
Conforme pesquisa feita por uma ONG em parceria com a Administração Municipal76,
elaborados e disputados pelas escolas, tendo reunido em 2000, 12.463 pessoas nas
assembléias respectivas.
A maioria das escolas que pesquisamos são municipais, apenas duas são
expressão dos seus avanços e recuos, contendo, inclusive, uma face conservadora e outra
76
De olho no orçamento (Cidade – Centro de Assessoria e Estudos Urbanos, Porto Alegre), ano 5, no 9, dez-
99, p. 3.
14
Fonte: Porto Alegre (1996).
286
Rede Municipal de Ensino propõe a estrutura de três Ciclos de Formação78, tendo cada
ciclo duração de três anos, o que amplia para nove a escolaridade básica obrigatória de
Ensino Fundamental.
se tornar cristalizados pois, à medida que os educandos chegam aos objetivos propostos
para cada ciclo, suas vivências deverão ser enriquecidas com outras informações e
Complexos Temáticos nos Ciclos de Formação. Estes pressupõem uma visão de totalidade
e abrangência, através do olhar particular de cada área do conhecimento, olhar esse que
78
Para um maior detalhamento sobre a relação entre a estrutura curricular por ciclos e as faixas etárias, ver
Porto Alegre (1996), p. 13-25 e 59-64.
15
A concepção de Escola Cidadã é o resultado de um processo de discussão realizado com o conjunto das
escolas da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre, a qual é entendida como espaço vivo e democrático
privilegiado da ação educativa que: garanta a todos o acesso ao ensino de qualidade que favoreça a
permanência do aluno; seja gratuita, laica e pluralista; voltada para o trabalho das classes populares uma vez
que estas têm sido historicamente excluídas dos bens produzidos pela sociedade como um todo; propicie
práticas coletivas de discussão, garantindo a participação de toda a comunidade escolar; viabilize a
descentralização do poder, no que se refere às definições do seu projeto de escola, tanto na relação com o
governo/escola como descentralização das responsabilidades da busca de soluções; contribua, através de
objetivos estratégicos e articulados com outras organizações da comunidade, para a construção de uma
sociedade diferente na justiça social, na igualdade e na democracia; oportunize o acesso ao conhecimento,
sua construção e recriação permanente envolvendo a realidade dos alunos, suas experiências, saberes e
cultura, estabelecendo uma constante relação entre teoria e prática; que tenha espaços de formação para os
educadores, na perspectiva da construção de sujeitos críticos e de investigação permanente da realidade
social, tendo como objetivo a qualificação da ação pedagógica e o resgate de sua cidadania; que busque
superar todo tipo de opressão, discriminação, exploração e obscurantismo de valores éticos de liberdade,
respeito à diferença e à pessoa humana, solidariedade e preservação do ambiente natural (Porto Alegre, 1996,
p. 35).
287
Ciclo e mesmo na escola, no sentido de avançar no entendimento e desenvolvimento do
processo de aprendizagem.
Essa abordagem leva-nos a propor que a avaliação não fique centrada no educando
e no seu desempenho cognitivo, mas que seja um re-olhar sobre o conjunto da
escola, pois as situações de aprendizagem e produção de conhecimento não são
responsabilidades de apenas um dos segmentos da comunidade escolar (...). Isso
aponta para a necessidade de compreender a avaliação como uma ação humana
concreta e contextualizada, portanto, inserida no cotidiano da escola (Porto Alegre,
1996, p. 28).
cada sujeito de um determinado grupo. Entende que esta é uma aprendizagem necessária e
eliminar as barreiras que se criam entre as pessoas para o estabelecimento de uma relação
a prática docente. O seu referencial teórico deve ser produto da construção coletiva dos
que seja um ato político, que objetive a emancipação das camadas populares. E a escola
288
aparece, neste contexto, como o espaço destinado à socialização do saber sistematizado,
saber que tem caráter permanente e que resiste ao tempo. A escola deve efetivar a
partir dos fundamentos da Escola Cidadã, é possível perceber que ela está inserida em um
contexto social cuja filosofia é a de participação, da escola para todos, da inclusão ou não-
interesses e vivências. As falas de Adriana e Doralina anunciam alguns dos problemas que
indivíduo e sociedade que os profissionais e que os alunos têm, que na maioria das vezes
são divergentes, e isso repercute de forma conflitiva no cotidiano da escola; os valores dos
alunos e de seus familiares, que denunciam a fragilidade social e psicológica com a qual,
muitas vezes, os profissionais não conseguem lidar de maneira eficaz; o contexto social no
qual a escola está inserida, e que a remete para uma nova concepção de Educação:
O papel da escola hoje é lutar contra a evasão escolar, porque o meio propicia que
eles optem por não mais ficar na escola, então o papel da escola é fazer com que
eles achem esse lugar viável e necessário para a vida deles... trabalhamos que a
escola não é um trampolim para conseguir um emprego assalariado, numa visão
muito capitalista, de trabalho, fazer com que as comunidades consigam encontrar
alternativas para se auto-gerir... construir possibilidades para trabalhar
coletivamente para que se busquem maneiras de sobreviver... De conquistar
autonomia, de entender que cada um pode fazer sua história e criar possibilidades...
(Adriana, técnica).
... os adolescentes têm um problema sério ali [na escola], eles estão sem uma
referência positiva... eles dizem coisas do tipo: eu sufoquei um gatinho e adorei ver
ele morrer, de se sentir bem, sentir prazer de ver o limite da vida, o limite entre a
vida e a morte, até porque eles testemunham a insegurança pela falta de trabalho do
289
pai e mãe, alcoolismo, violência doméstica e tal... e tem escola que não acredita
neles como criança e adolescente, já partem do pressuposto de que são um bando de
vagabundos mesmo, que carroceiros não tem futuro mesmo... tem situações que
aconteceram na escola, como por exemplo, eles colocarem bixiguinha com água no
ventilador, a escola chamar a polícia por causa de uma briga de duas gurias de 7
anos, tem problema de drogas, que eles trazem de casa, problemas na relação
professor e aluno, professor e professor, pais e professor, então, a escola tá com
problema sério... tem cada história com aquela escola que eu me irrito mas tenho
que atender... (Doralina, técnica).
motivos são diversos: desde a importância dada pelo fato de se ter um futuro melhor, ou de
ter esclarecimento suficiente para lidar com quem tem estudo ou para saber conversar, ou
...a escola serve pra tirar as pessoas das ruas, educando as pessoas, elas não podem
ser ludibriadas, as pessoas com estudo usam palavras que tonteiam o povo, então a
educação ajuda (Silvio, trabalhador da Unidade).
É fundamental. Tanto que tem muitos moradores que se estivessem mais grau de
estudos, não seriam moradores de rua (Lauro, trabalhador da Unidade).
Gerci acredita também que o papel da escola é proporcionar um futuro melhor, mas
que esse futuro seja a construção de uma vida com escolhas autônomas, que o indivíduo
290
É esperado80 da escola que essa cumpra o papel de orientar seus alunos a
comunidades, mesmo que a maioria dos alunos tenha contato, na sua comunidade, com a
reciclagem.
escola levar o lixo seco para ser reciclado, não no sentido de desenvolver consciência
ambiental a partir de uma realidade que está no seu contexto. E por parte das escolas
Augusto comenta da parceria que tem com a escola que atende a maioria dos alunos
escola, para falar sobre a reciclagem: o colégio Camila é o que mais tem alunos
da Unidade).
comunidade na qual está inserida: a escola é bom porque ensina as pessoas a ler pra quem
80
O Regimento Interno da Escola Cidadã prevê que ela ajude a desenvolver indivíduos autônomos,
reflexivos, críticos e conscientes dos problemas sociais, de âmbito local ou mundial. Quando nos referimos é
esperado, queremos dizer que esse é um desdobramento de uma política de educação.
291
não sabe nada. A escola aqui se envolve em algumas atividades da comunidade, mas eu
comunidade? Está muito longe do que se pretende, são poucos os momentos que nos
situação de risco, por exemplo, na história da remoção da Vila Dique... em vez de fazer
Bruna (trabalhadora da Unidade) refere os limites da parceria com a escola. Diz que
alguns professores levam seus alunos na Unidade de Reciclagem para ver como funciona,
Educação Ambiental? Que tipo de percepção têm das pessoas que trabalham na
reciclagem? Será que a escola está conseguindo cumprir seu papel de desenvolver um
que vivem no seu cotidiano? Pelas falas dos entrevistados, certamente, a resposta é não: a
escola é importante porque ensina as crianças a lidar com o lixo, como se cuidar, de vez
em quando tem visita das escolas pra ver como funciona a Reciclagem, buscando
informações pra poder ensinar pros alunos... mas não trazem lixo... (Bruna, trabalhadora
da Unidade).
Para Norton, a escola não tem significado, não percebe que a escola pode fazer
diferença na sua vida. A sua vivência desmonta o discurso da escola. Ele fala que a escola
é importante, muito mais por achar que é isso que a pesquisadora quer ouvir, do que
ação da escola está distante da vida cotidiana de seus alunos: a escola é importante mas até
292
me desinteressei, parei de ir, mas eu tenho meus amigos que já tão terminando, eu sei que
A fala de Patrícia demonstra o problema pelo qual as escolas passam hoje em dia
entende que esse não é seu papel, mas num misto de não saber bem o que fazer, acaba
assumindo papéis que não lhe pertence e acaba esquecendo que seu papel primeiro, é
ensinar: quem educa mesmo é a escola, por que quando tu chega em casa, tu tem pouco
tempo pra ficar com teu filho, pra passar alguma coisa pra ele; até os 5-6 anos tu cria, e
depois tu entrega pra escola e é a escola que cuida do teu filho. Eu disse pra professora:
cria como eu crio em casa (Patrícia, moradora). Como a escola vai educar como ela cria,
Taís também coloca em segundo plano o papel de ensinar, para ela, estando na
escola, a criança não está na rua roubando, traficando ou vagabundeando, além de ter
comida, então já que está lá mesmo, aproveita e já estuda. Como se esse não fosse o
compromisso primeiro da escola. A escola não serve pra estudar, serve pra tirar crianças da
rua, então estando na escola, não importa muito o que estão fazendo lá: pras crianças
principalmente, em vez de estarem na rua roubando pra comer, então vão pra escola, lá
tem comida, tem lanche, então vai lá, come e já estuda... (Taís, trabalhadora da Unidade).
falas de Estela, Cléia, Bárbara e Vitória, são exemplos disso: a escola é muito importante,
porque se não tivessem a escola muitas pessoas iam ser analfabetas porque não estudaram
né. A escola tem o projeto TIM, “pequenos embaixadores”, que as crianças tocam, fazem
...a percepção que as pessoas tem é muito boa, antes as casas eram um chiqueirinho
e agora todas as famílias que se organizaram e procuraram ir à luta e ir atrás de seu
ideal, hoje em dia tem uma casa pra morar (Cléia, trabalhadora da Unidade).
293
...meu filho faz parte de um grupo no colégio que explica como é a reciclagem, por
que no começo ele se sentiu humilhado, por que se ele aparecia com um tênis, os
colegas diziam que não podia ser comprado por que a mãe trabalhava no lixo e ele
sentiu a necessidade de explicar como era o trabalho com o lixo (Bárbara,
trabalhadora da Unidade).
...um sonho de aprender a ler e escrever, porque a gente passa por muita
humilhação (Vitória, moradora).
O modo como as famílias vêem as estruturas escolares mostra as contradições das relações
educação de seus filhos. Outras famílias criticam a escola, sobretudo a escola pública, pela
precária qualidade do ensino, que não prepara para o mercado de trabalho. Ou então
violência. Há famílias que querem apenas um lugar para deixar os filhos durante o dia.
individual. São pais isoladamente preocupados, ou não, com a escola de seus filhos. A
escola, por sua vez, ou reage em conformidade ao que se espera dela ou das críticas que
recebe, ou seja, faz um trabalho que não produz mudanças significativas na vida de seus
um trabalho sério e competente com os alunos, que possa refletir também em suas vidas
fora da escola.
81
Entende-se aqui por espaços públicos, conforme J. Habermas, os espaços nos quais se produz a opinião
pública. Neste sentido, podem ser tanto espaços públicos estatais (formais, tipo parlamento, conselhos
institucionais) como não-estatais (tipo fóruns ou conselhos populares, ou ainda, os espaços regionais e
temáticos do Orçamento Participativo); o que os define é a existência de um público de pessoas produzindo
através da argumentação uma opinião mais ou menos consensual entre os participantes.
294
entanto, esses movimentos são viabilizados pelos técnicos da instituição, o que confirma a
seja em atividades diversas que ocorrem na escola e contam com a presença e auxílio dos
pais e alunos, seja, em atividades de finais de semana, nos projetos de escola aberta à
comunidade. Mas para que a escola constitua-se, de fato, como espaço público, não basta
comunidades e mesmo na cidade para uma relação pró-ativa com a escola, o que só é
real de gerenciamento.
que nos levam a fazer essa afirmação, no entanto, sabemos que não é apenas uma questão
que atribuímos as coisas, por isso a complexidade que envolve esse cenário.
crianças e adolescentes, pois se trata de uma equipe (ou equipes, pois os municípios podem
82
Fonte: http://www.portoalegre.rs.gov.br/conselho_tutelar/default.asp?proj=573&secao=1662
295
ter tantas quantas forem necessárias ou possíveis) autônoma e independente, que cobrará
criminosos à Justiça.
como cidadãos e a família, a sociedade e o Estado são responsáveis pelo atendimento das
conjunto de ações de poder público e da sociedade civil para a garantia dos direitos da
criança e do adolescente.
83
A Lei Federal n.º 8069/90 revolucionou o direito infanto-juvenil, inovando quanto a forma de ver e tratar a
criança e o adolescente, ao adotar a concepção da doutrina da proteção integral. Esta nova visão é baseada
nos direitos próprios e especiais da criança e do adolescente, os quais, na condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento, necessitam de proteção diferenciada, especializada e integral. A nova doutrina, baseada na
total proteção aos direitos infanto-juvenis, tem seu alicerce jurídico e social na Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral da Nações Unidas no dia 20 de novembro de
1989. O Brasil adotou o texto, em sua totalidade, pelo Decreto n.º 99.710 de 21 de novembro de 1990, após
ser ratificado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo n.º 28, de 14 de setembro de 1990. Dessa forma,
o novo instrumento legal volta-se para o desenvolvimento da população jovem do país, garantindo proteção
integral a todas crianças e todos adolescentes.
84
Porto Alegre recebeu por dois anos consecutivos – 1999 e 2000 – o prêmio Prefeito Criança, concedido
pela Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança.
296
Quanto à estrutura, o Conselho Tutelar está vinculado financeira e
do órgão. Conta com uma Equipe de Apoio Operacional encarregada pelas questões
aprovado pela Assembléia Geral da Coordenação dos Conselhos Tutelares. Por não se
constituir órgão de Justiça, o Conselho Tutelar não julga nem processa. Sua tarefa é aplicar
297
Políticas Públicas e Fiscalização. Todas são compostas por um representante de cada
microrregião. Tanto os grupos como as comissões terão sua composição formada conforme
a necessidade.
uma das oito microrregiões tem, dentre as suas atribuições, prestar contas, semestralmente,
Conselhos.
com o Conselho Tutelar, quase sempre está definida por tensões que retardam um trabalho
entrevistados têm com esse Conselho. A maioria pensa, no entanto, que o Conselho Tutelar
...o Conselho Tutelar é um cabide de emprego como está hoje, porque eu conheço
um monte de gente que trabalha com criança e que não se elege a conselheiro...
(Augusto, trabalhador da Unidade).
...se conselho fosse bom ninguém dava, vendia... o Conselho não tira o filho de uma
mãe, mas ajuda... CT é bom pra umas partes, é ruim pra outras... (Roseli,
trabalhadora da Unidade).
... já passei várias vezes pelo Conselho Tutelar, ajudou um pouco né senão de
repente... muitas vezes que eu tava meio descontrolado, eles arrumavam uma coisa
pra eu fazer... estar descontrolado é saí por aí, fazia umas trapalhadas aí... (Norton,
morador).
... nunca tive contato, toda vez que alguém procurou, tem vezes que não foi atendido,
tem toda uma burocracia... (Magda, moradora).
298
Há os que acham que o Conselho estragou as crianças que passaram a ser mais
ousadas: ... uma parte é bom, mas a outra parte, eu acho que eles dão muita ousadia pras
crianças... das crianças se meterem nos assuntos dos adultos, dos pais não poderem
menos participativo do que deveria ser. É uma instância que deveria ter um papel
de problemas sociais que envolvem crianças e adolescentes, mas que, no entanto, não esta
cumprindo esse papel e dá muita ênfase a um papel mais curativo e de modo repressivo.
O Conselho Tutelar está infelizmente pendendo pra uma medida mais curativa, um papel da
punição, da repressão, e é uma lástima porque eles poderiam fazer um trabalho mais
preventivo, ter uma relação melhor com os serviços, entendem as coisas de uma forma muito
fragmentada, agressiva até... que acaba não construindo, que acaba distanciando os
conselheiros dos serviços, tu perde um potencial imenso que é um recurso humano
substancial, são 40 conselheiros que poderiam estar muito mais engajados e contribuindo
pro serviço público... (Mariana, técnica).
... estão na rede... está sendo positiva esta gestão... a gestão passada desarticulou muito...
falta não o conhecimento, mas a paixão pelo trabalho... de entender que se existe limites,
tem que trabalhar estes limites, e a falta deste papel dá um furo muito grande pra rede, dá
uma ansiedade, uma insegurança, uma desproteção pras pessoas... (Doralina, técnica).
A nossa intenção, nessa análise, é mostrar que tanto a escola como o Conselho
Tutelar são instituições que estão desarticuladas da comunidade. E são as que mais
deveriam estar em sintonia com as questões comunitárias. A escola não discute educação
conhecimento. O aprendizado desta forma, fica pela vivência política dos pais, da
299
participação nas reuniões do OP, ou pelo que vêem na televisão e pelos aprendizados
A educação ambiental faz parte de uma política pública que envolve também a
questão da habitação, trabalho, saúde, mas que é totalmente negligenciada pela escola.
Mais grave ainda é o fato de que a escola reproduz uma ideologia dominante que segrega,
que demarca cada vez mais o distanciamento entre as classes sociais. Não acreditamos no
fim do abismo que existe em relação às diferenças sociais, mas podemos minimizar seus
efeitos, podemos melhorar a qualidade de vida de todos, mesmo com a existência das
A escola está aí, teoricamente, para trabalhar a emancipação. Mas isso é discurso e
desejo de alguns, não é realidade. A verdade é que a escola não é parceira em projetos
emancipatórios. Critica as políticas voltadas para isso, não consegue trabalhar e têm
profissionais enraizados em posturas retrógradas que não querem mudar a sua prática, por
dispõem a mudar. Além disso, uma grande parte não vê na educação uma profissão e sim
que o professor tem na sua sala de aula. E, o que é mais grave, uma parte desses
Portanto, fazer o mínimo já está suficiente, pois disso, eles não vão passar nunca mesmo.
Assim, não há como viabilizar projetos sociais, ambientais, que passem por reflexão e
práxis. Os alunos e a família reagem de acordo com o que a escola pensa, assim, não há
direção a esta discussão, pois é onde o conhecimento científico circula, é o lugar da práxis.
300
Mas é necessário estabelecer uma linguagem comum entre pais, alunos e trabalhadores da
educação. Uma tutela excessiva dos professores, por exemplo, pode determinar um viés
muito corporativo na organização da vida escolar. Delegar todo poder aos pais e alunos,
por outro lado, pode gerar uma ditadura do senso comum, retirando do espaço da escola
No entanto, a escola não está conseguindo viabilizar isso, por isso inferimos a
status quo, não desenvolvem consciência, não estimulam a responsabilidade sobre nenhum
processo da vida das pessoas, o que dificulta bem mais o nível de participação coletiva,
ora, se não há comprometimento com seus filhos, com sua família, consigo mesmo, como
Impossível.
301
Iniciamos a apresentação das opiniões, no entanto, com a fala dos técnicos que, por
não morarem nas comunidades, obviamente, têm uma percepção diferente dos moradores,
... eles aprenderam a conhecer diferentes atores sociais, hoje eles sabem, mas antes
não sabiam, o que é o poder legislativo, do município, do Estado, Federal, porque
eles moram dentro de um parque, que não podia ter habitação e tem, então eles têm
que estar discutindo a vida deles com todos esses atores sociais, hoje eles já
conhecem e sabem o que é de responsabilidade de cada um destes atores sociais. A
forma de resolver os problemas, eles aprenderam a discutir entre eles o que eles
querem, a buscar parceria dentro deste entendimento do que cada um pode
contribuir e discutir em conjunto, se tu chega lá na Ilha e tenta resolver um
problema sozinho, tu certamente vai te dar mal, porque já se constituiu um fórum
que é a Rede, e que tem todos os representantes lá, e mais a comunidade, que por ali
passa todas as discussões do que acontece na comunidade, então eles aprenderam a
discutir as coisas em conjunto... acho que a comunidade mesmo já está fazendo
discussão do que é assistência social que assiste e assistência social que emancipa,
eles mesmos não querem assistencialismo e sim emancipação, geração de renda,
autogestão, e este discurso já extrapolou o nosso trabalho, já tá na vida deles... se
isso é bom ou ruim, eu não sei ... (ri) essa fala já está com eles, já pertence a eles,
pode ser que seja um atravessamento da nossa cultura no meio deles, mas eu vejo
como um avanço, eles dizerem que eles não querem só doação, que eles querem
trabalho, ser incluídos, que possam participar mais...Tem muitas Ilhas, Pavão, Ilha
Grande, Pintada, das Flores... cada Ilha tem a sua organização diferente... a Ilha da
Pintada tem o CAR, e cada Ilha tem uma organização própria... e tem uma
rivalidade entre eles... pra eles reivindicarem e garantirem a permanência deles ali,
eles tiveram que entender o que é o Concema pra poder discutir e tal... A
comunidade pressionou pra que a escola permanecesse aberta... a comunidade tá
fazendo este movimento... eles vão em tudo que é espaço pra solicitar uma escola
aberta onde eles podem entrar e os filhos aprender, a escola não quer, é uma
302
relação forçada... tem uma dificuldade muito grande de diálogo com a escola... e é
serio, assim como a família, a escola é um lugar de referência importante pra
criança... (Doralina, técnica).
imediatismo no seu cotidiano, ou seja, as pessoas não buscam soluções ou caminhos que
demandem muito tempo, e sim, ações que resolvam os problemas de uma forma imediata:
Mirela não conhece o movimento dos moradores, sabe definir que a escola não é
procurada para resolver problemas, isso talvez se justifique pelos depoimentos de outros
profissionais que trabalham na mesma comunidade sobre a relação conflituosa que a escola
Buscar a escola pra pedir ajuda não, porque eles têm o SASE que é um núcleo da
Prefeitura, que atende esta população, então eu não sei o que eles fazem. Eu sei o
que a gurizada conta... dizem que é a mesma coisa que aqui, até achei que fossem
mais rígidos, eles são mais cobrados mas respeitam muito aqui os padres, aos
maristas, com os maristas é mais controlado a coisa, mas eles vão pela comida, eles
vão, mas não gostam, mas eles vão...mais nos irmãos maristas do que no SASE
(Mirela, técnica).
seja, o quanto é difícil, hoje, lidar com a questão da violência, por que cada um tem o seu
303
significado para o que seja violência, portanto, estando em lugares diferentes, tendo
vivências diferentes, as pessoas terão definições diferentes para o que seja violência. Isso
dificulta o trabalho, pois é necessário haver sintonia entre o que é dito pelo diferentes
atores sociais para que o trabalho tenha eficácia, caso contrário, a intencionalidade é uma e
... o pessoal quer segurança, quer polícia, mas uma polícia que não bote no paredão,
que trabalhe com educação, tem muito medo de denunciar... tem briga de família
que se matam, como já aconteceu às três da tarde... a violência faz parte do
cotidiano deles e às vezes eles até não se dão conta de que é um problema, de tão
natural que é... é problema quando acaba causando morte ou problema físico sério,
mas te chamar de vagabunda pra eles não é problema, além de que pais que pensam
que educar filhos tem que bater ou deixar assim...eles não sabem como construir
uma relação de educação à base do diálogo... mas o diálogo tem a ver com uma
reflexão e isso é difícil de fazer, e o trabalho pra eles também é uma forma de
educação dos filhos pra não ter a opção pelo crime, porque assim como a gente
disputa a criança com o crime, os pais também... então a estratégia é botar os filhos
a trabalhar... (Doralina, técnica).
tanto em nível individual como em nível coletivo, com o intento de identificar a relação
Violência
Entre família Entre família Polícia ou omissão
criminal/física
304
Cada comunidade, cada indivíduo apresenta uma dinâmica de resolução de
problemas, o que varia também pelo nível de problema. Na grande maioria das respostas,
de uma forma individual, ou seja, problemas do âmbito familiar, são resolvidos entre os
entre elas; se for criminal, chama-se a polícia. Problemas da comunidade são resolvidos via
de problemas:
... resolvemos na união... somos unidos nesta parte... se tiver que resolver, vai todo
mundo, não fica um pra trás, na hora boa a gente quer se unir e na hora que não é
boa não tem que se separar... (Roseli, trabalhadora da Unidade).
... algumas pessoas procuram ajuda, muitos não procuram, muitos já discutem,
outras já procuram conversar “não, vamos sentar e conversar”, a melhor forma de
resolver os problemas é conversar (Valdomiro, trabalhador da Unidade).
...eu mesmo resolvo né, acho que cada um resolve do seu jeito... e muita gente
procura o CESMAR, ali tem médico e tem tudo... (Robson, morador).
...com manifestações, tipo assim: quando não tinha médico no Posto, tinham
crianças doentes, morrendo, aí o povo se uniu, reivindica Posto, médico... a relação
da comunidade com as entidades do bairro é um trabalho importante, pelo menos as
pessoas que eu conheço e me relaciono acham que é importante, buscam parceria
quando precisam (Bruna, trabalhadora da Unidade).
...com assembléia, vem pra uma roda de reunião, tem que sair da reunião pelo
menos com uma solução para ser tentada, através da própria comunidade, auto-
305
organização da própria comunidade, solidariedade entre eles (Lauro, trabalhador
da Unidade).
Assim como há os que buscam soluções mais individuais: as pessoas vão pra uma
psicóloga, assistente social, aqui no Galpão só vem pra procurar emprego. Resolvem os
problemas desse jeito, tem gente que procura psicólogo, assistente social, outras
acho que as pessoas vão pra Associação pedir ajuda. (Tamires, trabalhadora da
Unidade).
qual defende que la comunidad organizada cuenta con herramientas para desarrollar las
(veanse Mugny, 1981 e Paicheler, 1985) hacen de ella una minoría activa (Montero, 2004,
conjunto ações que são organizadas por grupos específicos, membros da comunidade, que
podem ou não contar com o apoio de membros externos a comunidade, e que tem por
problemas, também tem diferentes formas de lidar com a questão da violência. Se for uma
situação de violência social, normalmente se busca ajuda. Se for uma situação de violência
convivência e a sobrevivência.
306
Violência social busca-se ajuda de instituições, profissionais, amigos e vizinhos
violência:
... a gente tem até medo de sair de casa, às vezes tá escuro, às vezes, é 20:30, 21hs
tem tiroteio... se você chama a polícia, eles vêm na tua casa, te matam... (Robson,
morador).
...violência é uma situação bem precária, chamam a polícia, quanto mais polícia dá,
mais violência acontece... (Elira, trabalhadora da Unidade).
comunicação com o poder público são usados para resolver problemas. A comunidade
violência, percebemos também que os problemas da ordem do crime têm que ser resolvidas
pela Segurança Pública, mas e se tratando de outros problemas, há movimento das pessoas
que levam em conta aspectos mais coletivos e de organização comunitária. Inferimos ainda
movimento de ir em busca de, e não apenas esperar que o poder público resolva, quando
307
vida coletiva e, conseqüentemente, na vida pública. Destacamos também que as
instituições são importantes na vida das pessoas, assim como, igualmente importantes, são
acordo com Montero (2004), essa noção tem sido consideradas uma das vias fundamentais
Montero (2004) faz uma distinção da palavra fortalecimento. Para a autora, o uso da
... eu participo sim, pela minha região de trabalho. É importante, por que além das
pessoas estarem lá disputando aquilo que elas acreditam ser importante pra elas,
antes elas estão conversando sobre o que realmente é importante pra elas, estão
saindo do anonimato pra poder se conhecer entre eles e se dar um pouco de poder,
308
porque discutir a questão do orçamento dá uma sensação de empoderamento pra
comunidade e isso é importante no processo de democracia (Mariana, técnica).
importante porque a comunidade tem que dizer o que quer: divide a responsabilidade, a
responsabilidade é de todos, isto tem no OP, se deu certo ou se deu errado é de todos
(Mirela, técnica); o OP faz com que a pessoa amplie sua cidadania. Como o OP é
pouca coisa, eu estou ajudando a decidir sobre o dinheiro da minha cidade (Carmem,
técnica).
busca na resolução de problemas e nem tanto ficar esperando que as coisas aconteçam. Ser
cidadão é também estar incluído, é ter direitos, é ter acesso a esses direitos, portanto, isso
favorece o estabelecimento de uma identidade coletiva de um grupo que está incluído, que
têm nas suas vidas e também de que maneira vivenciam essa política pública. Para isso
além da ecológica; para os que são papeleiros, trabalhar com o lixo, predominantemente, é
309
5.1- A construção das Unidades de Reciclagem de Lixo
2º- o significado que tem o trabalho para a vida do indivíduo, seja ele reciclador ou
morador.
Unidades desde a construção, conhecem total ou parcialmente, sua história. Sabem dizer
por que foi construída, quem construiu, etc. Já a maioria dos recicladores que estão a
menos tempo neste trabalho, não sabe reproduzir, com clareza, a história da construção da
Unidade.
Mas atribuímos isso à questão do significado que tem o trabalho na vida das
pessoas, por que há recicladores que têm menos tempo de serviço, mas se inteiram de onde
tem alguma importância na sua vida: sei que muitos passaram necessidade né, não tinham
o apoio do DMLU, e puxavam lixo das ruas, e traziam pra cá e reciclavam, eles moravam
Robson não conhece a história do local onde trabalha, mas sabe que a Unidade
existe há mais de dez anos na comunidade: da construção sei muito pouco, sei que tem
Reciclagem: parece que estavam num terreno mais pra baixo, com condições precárias de
310
trabalho e aí foram pra este atual prédio... se eu não me engano o DMLU fez este prédio
Bruna, apesar de ser presidente da Associação de uma das Unidades, não conhece
bem a história também: ... eu tô aqui faz três anos... quando eu vim já tava construído...
era mais pra lá, era mais banhado... não sei explicar muito bem... acho que é do DMLU
Adriana é uma técnica que trabalha com a comunidade, através da escola. Seus
comentários ratificam a falta de conhecimento que alguns moradores têm sobre a história e
O que eu sei sobre a Reciclagem de Lixo? Sei que é um grupo pequeno porque o
grupo é fechado, pequeno, não faz questão de abrir as portas do Galpão por
inúmeras coisas, porque estavam cansados de serem pesquisados, de serem cobaias,
de ouvir promessas da própria SMED que não foram cumpridas [promessa do EJA],
então eles vão se fechando, não se envolvem, o grupo só quer se auto-gerir,
conseguir a sobrevivência... e então até os próprios alunos tem pouco conhecimento
de como funciona o galpão, o trabalho, e tal... esse conhecimento não é socializado
na comunidade. Sai um e entra outro por indicação (Adriana, técnica).
organizado com os recicladores que já trabalhavam com o lixo, muitas Unidades fazem
habitacional, estava previsto que não bastava dar condições melhores de moradia para as
pessoas mas, principalmente, condições de trabalho para que eles pudessem permanecer
em seu novo local de moradia. Esta história é reconhecida por muitos trabalhadores.
311
instalou na região, e criado para que as pessoas ficassem no lugar de moradia.
Iniciativa da Igreja Católica, dos Irmãos Maristas e umas pessoas com ações
isoladas e empresas... (Silvio, trabalhador da Unidade).
Tem gente que trabalha no Galpão de Reciclagem e ele nem sabe que benefício tá
dando pra população em geral. Ele não tá sabendo que é um ambientalista, que tá
trabalhando em bem do povo, em bem do ambiente, ele não sabe... ele recebe aquele
troquinho e ele não sabe chegar pra ninguém e dizer para pegar aquela sacolinha,
que tem que botar lá na beira da rua pros caminhão pegar... ele não sabe que não
pode atirar uma sacolinha dentro da água que prejudica a água, que vai entupir os
boeiros. Que vai ainda no Guaíba e nós vai beber essas água aí poluída, que tão
terminando com os peixes. Eu tenho briga danada lá no rio Gravataí... e eu já falei
pra eles quantas vezes... se a pessoa sabe participar, aquele rio não tava podre como
está, porque no verão tu não fica lá perto, fica tudo poluído, os peixe morre tudo, é
uma judiaria, aonde que aquilo ali podia ta alimentando tanta pessoa com aquele
peixe, sabendo que além do peixe ser um alimento, é um fortificante, porque se a
pessoa comer peixe ela tem mais 10 anos de vida e pode pega em qualquer lida...
mas pra te falar da história, foi o seguinte: isso se deu assim porque nós tava
trabalhando precariamente lá embaixo [no lixão], eles [DMLU] trouxeram uns
cestos pra depositar material de tela com palanques e nós trabalhava na chuva,
trabalhava no sol e eu achei que aquilo era prejudicial pro pessoal, eu quero ajudar
o povo, quero que me enxergue trabalhando pra eles. No OP eu comecei a brigar
por eles, discuti e pedi isto aqui [Unidade de Reciclagem], aonde eles chegaram à
conclusão que tinha que construir o Galpão, aí construíram... (Hélio, trabalhador da
Unidade).
cada Unidade. A maioria são grupos fechados em que o(a) presidente escolhe quem vai
trabalhar, na maioria das vezes, seus amigos. Outra forma é propor que os trabalhadores
novos passem por um estágio, é o caso da Unidade em que trabalha Valdomiro: a gente
teve um apoio do DMLU para aprender a lidar com o lixo, a escolha do presidente da
Associação é por eleição, se alguém quer trabalhar aqui, passa por 15 dias de estágio.
312
Mais uma vez aparece a diferença que faz um profissional engajado no movimento
dos moradores: a construção da Unidade aconteceu através da dona Tatiana, ela que
montou, ela que deu a idéia, ela que puxou nós pra dentro....o DMLU conversou com nós,
trazia o lixo pra nós... muitos pegaram, muitos largaram, achavam que não ia dar certo,
mas deu... muitos não tinham fé no troço, a pessoa não vai saber se vai dar certo ou não
... eu sei muita coisa, mas não dá pra dizer assim, o primeiro a ser construído foi o
Galpão... aí o Galpão acabou se envolvendo com o tráfico, e algumas famílias
acabaram tomando conta: a família Azevedo e a família do Gino, e então era difícil
outras famílias entrarem, inclusive a família Azevedo tinha um envolvimento com o
tráfico... aí teve muito trabalho da Matilde, do Carlinhos do DMLU de tentar mexer
naquela estrutura... quando eu cheguei em 99 pra implantar o programa NASF, pra
descentralizar da Assistência, que tinha bastante resistência dentro da instituição...
tinha esta discussão do Galpão, e o Clube de Mães que sempre diziam que estas
mães não queriam nada com nada, tinha a Amália, do PTB, ligada ao Zambiasi, que
vinha trazer muita doação, e uma queixa de não conseguir acessar, e a comunidade
numa participação muito agressiva... e a gente começou a trazer as discussões pra
dentro da rede de proteção da criança e do adolescente... e a comunidade levava os
problemas que tinham e começou a se criar este espaço da rede... a escola tem
muitos problemas sérios... tinha a questão do preconceito racial de professoras em
relação aos alunos negros... depois de uma situação específica (?!) na escola, a
situação foi levada pra rede e foi uma discussão muito interessante, tensa, mas muito
rica, porque discutiam o que era educação pra eles... e isso fortaleceu a rede como
um espaço de discussão de assuntos do cotidiano da comunidade. E, neste meio
tempo, a Nilda também começou a se fortalecer como liderança comunitária... em
99, na Ilha do Pavão, uma família tomava água com açúcar e estavam passando
fome e tal... então eles começaram a receber doação de tudo quanto é lugar do
Estado e a Amália começou a organizar a comunidade para invadir o Clube de
Mães... e aquele dia o pessoal invadiu, e desde este dia, a Nilda resolveu assumir o
Clube de Mães... e ela se fortaleceu, porque a Amália apertou o braço dela, ela
botou um processo e acabou se fortalecendo. Em 2000, veio o Coletivo de Trabalho,
projeto piloto do Estado... por causa do Ministério Público que queria tirar os
porcos mas que tinha que dar um trabalho, no primeiro mês só fizeram o curso, e
depois entraram na fase laboral. Bom, destas 400 pessoas, 20 organizaram a
cooperativa COPAL, desde 2002, mas a discussão deles é sobre autogestão,
desenvolvimento econômico, discutir o cotidiano da comunidade, diferente do Clube
de Mães, e há uma rivalidade entre eles que acabaram sendo representantes da
comunidade, primeiro o Galpão, que era restrita a algumas famílias, depois o Clube
313
de Mães e depois a Copal, e aí começou toda uma discussão dos carroceiros, porque
Porto Alegre é a única capital que tem carroça, e se continuasse as carroças o
Ministério Público ia multar... aí a prefeitura apreendeu 4 combis, porque como não
podia circular de carroça, eles começaram a circular de combi... só que aí o lixo ia
pras cooperativas, da Vila Pinto, e não tinha mais lixo, as cooperativas começaram
a pressionar a Prefeitura pq não tinha lixo pra trabalharem... aí a Prefeitura
começou a discutir que eles eram ladrão de lixo, e isso reativou a Associação de
Carroceiros, que é outra organização forte na Ilha, e fora isso tem as Cooperativas
de Mulheres que estão surgindo de uma forma mais leve, mas que estão organizando
de uma forma bem legal, acho que as lideranças conseguiram entender o que é um
grupo, entender as pessoas e estão conseguindo trabalhar... o espaço na Ilha é um
problema... a Nilda é matriarca, assistencialista, bastante sedutora, a Copal tem
uma organização mais coletiva, discutem em grupo, a Copal não tem sede... a
discussão entre as instituições se dá na rede, que acontece de 15 em 15 dias...
(Doralina, técnica).
Esta questão nos faz entender a importância da Unidade na vida dos nossos
entrevistados, tanto para os que trabalham nas Unidades como para os que não trabalham.
... a importância é 99,9%, aqui é tudo, nós tamos construindo, dando continuidade
pra aquilo que nós perdemos. É um trabalho humilde, mas é digno. A perspectiva é
cada vez ganhar mais... se a gente quiser, a gente transforma o mundo, mas a gente
tem que se unir, sozinho não se vai a lugar nenhum... a reciclagem é o início, meio e
fim de tudo, é muito importante. Esta reciclagem é pra 203 famílias, como a
prefeitura não tem demanda, estamos em 117, e dividimos o Galpão pra quem quer
ganhar sozinho, é quem trabalha nos boxes, são moradores da vila também. Como a
demanda do lixo não tá dando conta, a gente tira a pessoa... quem manda é o lixo, se
tem lixo, tem pessoas trabalhando, se não tem, não tem... (Paulo, trabalhadora da
Unidade).
314
pessoa acha coisa de valor. Se eu achar um anel de ouro, ele é meu, eu achei no lixo.
É lixo trabalhando pro lixo... quando eu comecei trabalhar nesta área aqui, eu tinha
15 anos de idade, praticamente adolescente, agora eu tenho 3 filhos e a perspectiva
de vida é crescer junto com este trabalho, pra dá o melhor pra minha família, é o
que espero tô esperando desde 92 e parece tô desenvolvendo o trabalho que agora
vai sair, eu acho que vai, porque a coleta seletiva, de 5 anos pra cá, ela caiu muito,
cresceram muito as pessoas trabalhando nesta área aí, e a organização
[Administração Municipal] se acomodou muito. Eu acho também que as pessoas
teriam que se organizar melhor pra conseguir mais Galpões e divulgar melhor, só
divulgando a reciclagem cresce... (Valdomiro, trabalhador da Unidade).
quais percebemos que não há grandes articulações com a questão da participação política.
a maior parte vive daqui né... e tem gente que não sabe ler não sabe nada, e eu com
esta idade que eu tô, onde vou arrumar serviço (Robson, morador).
na verdade, é normal, eles sabem que foi feito a Associação pra organizar o
trabalho, as pessoas se cadastraram e tal, eu tô bem contente de trabalhar na
reciclagem, existe uma norma, a gente respeita (Paulo, trabalhador da Unidade)
...acho que é conscientização, não é por que usou e não serve pra mais nada, que o
lixo também não serve mais, o lixo é dinheiro, tem gente que sobrevive do lixo (Taís,
trabalhadora da Unidade).
315
mim, pra comprar roupa, alguma coisa, leite e fralda pro meu filho, de um ano e
pouco (Norton, morador).
É bom por que a gente acolhe as pessoas que estão passando necessidade, quando
tem mais lixo e dá pra chamar mais pessoas pra trabalhar, a gente vai nas casas, vê
se tá passando necessidade e dá trabalho. Alguns respeitam, mas a maioria não
respeita. Roubam o cabo da prensa e lixo também. Quando roubam o cabo da
prensa, tem que comprar outro, aí precisa vender o lixo pra comprar. O DMLU não
ajuda. Aí diminui o salário por que tem que tirar da renda do galpão para repor o
que foi roubado (Fernando, trabalhador da Unidade).
outrem, se colocando assim em um “confortável” lugar de vítima. Como relata Eva, por
exemplo, em relação ao lixo: estamos esperando87 que os lugares que davam lixo voltem a
entregar, pois desde que o DMLU entrou na história, o pessoal parou de dar lixo. Já falei
depredação das Unidades, cabe uma pergunta: por que roubam? Roubam por que as
Unidades se tornam grupos fechados, onde um grupo decide quem vai trabalhar; nem
sempre é o critério de necessidade ou por lista de espera, quase sempre, em alguns lugares,
é por amizade, ou por panelinha, como dizem muitos. Assim, o roubo, a depredação acaba
conduzida.
revoltem contra a administração de algumas Unidades, uma vez que, como as próprias
pessoas referem, nem sempre os que estão trabalhando nas Unidades, precisam, realmente,
trabalhar.
87
Grifo nosso.
316
Os técnicos são incontestáveis sobre a importância que tem a Unidade de
As populações que a gente reassenta, elas já tem uma relação com os resíduos
sólidos no lugar onde moram, muitas vezes é uma importante estratégia de
sobrevivência, não é a única... a idéia de contemplar a questão do trabalho pelas
Unidades, isto é uma estratégia fundamental para manter as pessoas no lugar de
moradia, para que as famílias fiquem. Na política habitacional, eles querem que as
famílias fiquem nos empreendimentos que está se construindo, que a intervenção
seja efetiva, então, pra que eles fiquem, se estabeleçam, desenvolvam a questão do
pertencimento, se sintam integrantes daquele empreendimento, é necessário que a
questão da sobrevivência seja, se não garantida, no mínimo que ela esteja muito
próxima de ser, no mínimo, igual àquilo que ele tinha anteriormente, senão ele vai se
desfazer desta unidade habitacional como muita rapidez. (Mariana, técnica).
...é o ganha pão da gente. A gente faz um favor pra rua, de limpar, contribuir para a
limpeza, as pessoas acham que a gente é desmoralizada por que as pessoas não
gostam de deixar carrinho na frente. Às vezes conversam com o síndico, há síndicos
que vendem, tem gente que compra o lixo, por que a concorrência é grande. A
ganância do ser humano também. Os moradores não colaboraram na reciclagem,
jogam o lixo no valão. (Vitória, moradora).
Mas percebemos que, de uma forma geral, não há consciência ambiental. Mesmo os
o lixo vem de fora, os moradores da vila não reciclam, se reciclam eu não sei.
Algumas pessoas de fora da vila trazem espontaneamente o lixo, mas não é uma
prática de todos. Talvez os recicladores particulares recolham. Não há trabalho de
Educação Ambiental na vila (Carolina, trabalhadora da Unidade);
317
...o lixo é misturado, mesmo trabalhando em uma Unidade de Reciclagem, a gente
não tem consciência, na Nova Minuano, mas na Nova Brasília tem reciclagem. Passa o
tratorzinho, é lixo misturado, não tem a consciência ainda de separar o lixo (Bárbara,
caso de Bruna:
... os maiores ambientalistas que tem somos nós que recolhemos o lixo, porque se
não fosse nós, pra onde é que ia esse lixo? Pros aterros? Não, ia pros rios... aí o que
acontece? Porque a gente tem a nossa camada de ozônio que tem que cuidar, por
causa do meio ambiente, e principalmente a nossa água, é nós, a humanidade, que
tamos fazendo isto... Isto é a maior importância que tem. Pelo menos eu acho pra
mim que além de nós tá limpando o município, tamo limpando as ruas, tamo
ganhando o nosso dinheiro... as pessoas que não conseguem trabalho em outro
lugar, tão ali trabalhando, sobrevivendo e com seu filho no colégio, seu filho na
creche, tão vestindo, tão se alimentando, tão sobrevivendo e eu acho que defendendo
o meio ambiente é a primeira coisa que tem (Helio, trabalhador da Unidade).
...é bom porque daí a sociedade tá mais limpa, o bairro tá mais limpo, porque
antigamente a gente via só lixo na rua, mato, agora tem mais comercio e tudo, né (Cléia,
trabalhadora da Unidade), ou seja, a cidade mais limpa, proporciona não apenas uma
318
Serlene, Silvio e Claudiomar também acreditam nesta função da reciclagem: a
Unidade de Reciclagem é importante pelo fato de não ver o lixo na rua, ter uma vida limpa
e organizada, apesar deles não terem isso bem consciente. É um horror o que tem de
dinheiro ali no arroio, então se a gente conseguir construir isso (Serlene, moradora);
...a reciclagem é importante por que está tirando o lixo e resíduo sólido do ambiente.
E o segundo motivo é pela renda mesmo, são 36 famílias que vivem da reciclagem
(Silvio, trabalhador da Unidade);
...o serviço daqui é muito bonito, por que preserva a natureza e protege as árvores;
no início não gostava muito, a mãe me inscreveu, eu e meus dois irmãos, eles
ficaram umas duas semanas, eu levei a sério e fiquei até hoje. As pessoas reclamam
dos ratos, que o Galpão junta rato, que o vento leva o lixo para frente, reclamam por
causa dos ratos... a maioria traz lixo, mas também trazem lixo podre, nos finais de
semana trazem bicho podre, sofá, etc. (Claudiomar, trabalhador da Unidade);
perceberem que as Unidades de Reciclagem não é um “lixão” e que tem a sua importância
econômica e ambiental: tem os moradores que colaboram. Tem parte que não tem
consciência, acham que isso aqui é um lixão. Idéia de Educação Ambiental. Tem algumas
ações de parceria com a Prefeitura, é mais o boca-a-boca mesmo, tem o curso do papel,
tem ações educativas da FASC para o fórum de Educação, mas é um trabalho muito
vivido pelo fato de trabalharem nas Unidades: ... no bairro tem pessoas que consideram a
gente como lixeiros, a não ser o pessoal que trabalha aqui, que para eles é fantástico, que
é daqui que eles tiram para comer, para sustentar os filhos. É um serviço honesto, igual
aos outros, eles não vêem o Galpão como um trabalho, tem pessoas que nem conhecem
isso daqui. Acham que a gente trabalha no lixo, que ainda estamos no lixão, são poucos os
319
um dia eu estava lá no OP com uma mulher da Vila Respeito e ela ficou dizendo
“ah! Esse pessoal da Vila Dique que fica jogando lixo no valão, aí entope tudo...
mas ela não se dá conta de que o lixo vem de lá, então não somos nós que jogamos
lixo, o lixo é que vem...” (Fernando, trabalhador da Unidade).
Reciclagem é a garantia para alguns trabalhadores ou até mesmo moradores poderem fazer
fornece:
Não tem Clube de Mães... tavam fazendo uma organização, mas com o incêndio
parou tudo, mas com o pessoal tudo junto, organizado, vai ter um Clube de Mães, o
pessoal vai tá mais unido até... tem mulheres com interesse. É uma associação só...
sou filiado a FARGS (Federação da Associação de Recicladores do RS), tive o
privilégio também de ser a primeira Associação filiada a FARGS. A nossa aqui é
Associação de Reciclagem Ecológica Vila dos Papeleiros, porque toda a vila são
recicladores, todos são papeleiros... A maioria das pessoas busca a Associação pra
dar comprovante de endereço, pra várias coisas... (Augusto, trabalhador da
Unidade).
320
A Unidade de Reciclagem também melhora a auto-estima das pessoas pela
pois a gente nunca trabalhou na vida, quando surgiu esse Galpão, foi uma felicidade total,
a gente tem o dinheirinho, eu nunca tinha trabalhado na reciclagem, é uma coisa muito
boa... o Galpão é uma coisa muito boa, mas muito boa mesmo... É interessante observar o
quanto o trabalho permite a esta mulher recuperar a sua auto-estima, a sua história, o seu
desejo de reencontrar o seu filho e reparar seus erros do passado. Roseli continua:
... a importância é grande porque a gente, trabalhando aqui, não leva lixo para
dentro das casas, por causas dos ratos, também é bom pra saúde da gente... antes,
era moradia e lixo no mesmo tempo e agora o lixo fica retirado da casa da gente
(Paulo, trabalhador da Unidade).
Tatiana destaca que o grupo, quando está articulado, consegue desenvolver um bom
trabalho, mesmo sem a ajuda do poder público. Tatiana destaca o movimento que os
valorizam mais, se identificam mais e passam a desenvolver a importância que isso tem
A reciclagem aqui se criou sem ter nada de órgão técnico nenhum. Depois de dois
anos teve um namoro com o DMLU, as outras Unidades foram montadas pelo
DMLU, tanto que a nossa é a referência pela auto-organização. A gente não quer
cair na mesmice da alienação, nosso trabalho é diferente de todas as outras
Unidades e não queremos o modelo do poder público, porque não funciona. A única
coisa que temos do poder público é o lixo que eles colocam aqui dentro... (Tatiana,
técnica).
321
E Roseli ratifica esse movimento de autonomia que as pessoas desenvolveram em
relação a seu trabalho e as suas vidas, com a ajuda da assistente social que trabalha na
comunidade:
Concluímos então que há alguns trabalhadores que são mais articulados, assim como
Unidades faz parte de uma política de trabalho e habitacional. Mas há cidadãos que não
entendem dessa forma. Nos perguntamos: o que faz com que eles participem, ou que esta
Unidade, que tem consciência ambiental, assim como os que não tem muita escolaridade e
também trabalham na Unidade mas não tem consciência ambiental. É possível inferir que
pode haver relação não entre o tipo de trabalho, necessariamente, mas entre o nível de
consciência.
Quanto ao preconceito, este é vivenciado tanto pelos grupos que trabalham nas
carência, a falta e a necessidade de participar, pois os grupos que não precisam, não
322
participam. Assim, se estabelece que quem precisa ir ao OP é “pobre”, é “população
trabalhadores são organizados para defender seus direitos e suas demandas. Esta
organização tem limites. Mas acredito que o estigma também é conveniente. É conveniente
Nessa seção vamos dar continuidade à análise das entrevistas, com vistas na formação
da consciência política, tendo como pano de fundo da nossa análise, a repercussão dos
Perguntamos aos técnicos88, os quais trabalham nas Secretarias Municipais que têm
políticas públicas voltadas para as comunidades, qual a repercussão dos movimentos dos
moradores para as políticas públicas da cidade, para que pudéssemos entender o quanto o
323
de encarar o trabalho, de levar a vida, então a gente tenta trabalhar com estas
diferenças... (Lígia, técnica do DMLU89).
Não sei se todas as políticas conseguiram clarear pra comunidade durante este
tempo de governo, mas os Conselhos né, que são garantidos em lei e a comunidade
já entende o que é fazer parte de um Conselho, pelo menos dentro do Conselho da
Assistência Social isso tá bem claro, então tem algumas coisas que já está se
garantindo pra próxima gestão via Conselho, porque tem um poder junto a gestão
para que a comunidade não fique tão refém de uma gestão pública, a não ser que se
manipule o Conselho, mas aqui em Porto Alegre não vai mais ser possível fazer,
porque o pessoal já tem clareza do que é um Conselho Municipal que define e
discute política pública, estes espaços o pessoal já está se organizando... acho que
Porto Alegre entendeu isso (Doralina, psicóloga da FASC90).
população mais carente, mas principalmente são mantidas pelos movimentos desta
população:
89
DMLU: Departamento Municipal de Limpeza Urbana
90
FASC: Fundação de Assistência Social e Comunitária, órgão vinculado à Prefeitura Municipal.
91
DEMHAB: Departamento Municipal de Habitação
92
GRC: Gabinete de Relações Comunitárias
324
Carmem comenta que as políticas públicas são importantes, que muita coisa mudou
em Porto Alegre, devido à participação dos moradores, mas que ainda há muito o que
mudar, há muito para ser feito. Carmem percebe as comunidades muito passivas ainda: nas
que unidos mudariam toda essa coisa que tem o Brasil, não se sujeitariam às políticas de
assistencialismo. Quem trabalha com essas políticas não tem interesse de trabalhar a
Tatiana não acredita que o movimento dos moradores repercuta nas políticas
públicas, pois ela trabalha com uma população de ex-moradores de rua, e sua experiência
de conquista de melhorias se deu muito mais por outro tipo de pressão – via protestos na
mídia, ou trabalho em parceria com ONGs que deram visibilidade ao movimento – do que
pelo movimento em si. Ao contrário, Tatiana conta que, a depender da participação dos
Até acredito que no início, era diferente, que dava certo, mas hoje?!... e não tem
nenhuma política pública direcionada para esta população, não vejo trabalho
nenhum na área social, esta é a política de Porto Alegre para a população de rua?!
O que se lutou muito foi por transporte público na área de saúde para dar
assistência para eles na rua, e a SAMU não atende eles porque contamina as
ambulâncias, se brigou muito, nem que fosse uma combi, essa demanda se lutou
muito e não conseguimos. No FSM, deixamos de participar lá porque é muito oba-
oba, o Fórum são discussões vazias. O que mudou nestes 4 anos?! ... o que fizemos?
Trouxemos as pessoas pra cá. Veio gente do Canadá, da Espanha... as pessoas
conheceram o trabalho aqui, onde o trabalho acontece. Esse ano vamos fazer a
mesma coisa, até eu vou participar porque a Rosinha me convidou pra falar sobre
Economia Solidária. A Assistência Social, Educação, Saúde, Moradia... não podem
ser descolados. Cada Secretaria trabalha como se tivessem um prefeito diferente.
Estudar dá uma visão de vida diferente, os livros ainda são a tua viagem... a doença
do pobre é a carência, é do olhar, do ouvir, tem que ter médicos comunitários
porque não é medicação que cura, é a atenção que cura... o Brasil tem carência de
moradia, tu resolve moradia, tu tá resolvendo vários problemas... o problema é que
as políticas são fragmentadas (Tatiana, assistente social da Associação dos
Recicladores).
325
Defendemos a idéia de que as políticas públicas existem e são propostas tanto pelo
governo municipal, pois como refere Cristiano, um governo sério tem que ter propostas,
quanto pela comunidade. Muitas destas políticas foram gestadas e aprimoradas nos fóruns
... a existência do OP, experiência reconhecida e tal, a sua existência não se deve com
a chegada da Frente Popular em 88 na Prefeitura de Porto Alegre. Em Porto Alegre
tem a ver com uma organização popular e comunitária que começou muito antes de
88, na verdade, no início da década de 80, que foi um período forte de organização
popular em todo o Brasil, tanto o movimento sindical como o movimento urbano
comunitário e popular... ela foi mais organizada do que os outros, não cabe o
comparativo com outras capitais, mas teve, sem dúvida, uma forte organização
popular e comunitária que criou as Associações de Moradores e outras associações
organizadas, que passou a definir ou interferir no destino dos recursos da cidade,
então isso já estava colocado antes, e foi esta forte organização popular que foi
responsável inclusive pela eleição de uma nova proposta em 88, “coragem de mudar”
“a inversão de prioridades” isso chega ao governo muito em função do movimento
popular organizado que deu sustentação a isso, que comprou esta proposta, que
comprou esta idéia. Então com esta nova proposta política, com este movimento
popular, foi o que contribuiu, não é mérito só do governo, de uma proposta política
do governo, mas é mérito de uma realidade social bem importante da cidade, mas era
um movimento organizado e mobilizado que fazia ações bem importantes, coisas
simples, que exigiam uma mobilização frente popular no governo de certa forma, este
espaço do OP, com tudo que isso tem de bom, produziu, isso teve um reflexo na forma
das comunidades se organizar, no mínimo deve nos preocupar, hoje temos uma
realidade de falta de vida orgânica democrática, de reunir a sua diretoria, de fazer
uma assembléia para depois escutar a opinião dos moradores, isso é o que falta na
cidade hoje, em regra as associações, estão esvaziadas/comandadas nem pela sua
diretoria, mas por alguém/membro da diretoria que define as coisas da diretoria.
Muitas vezes os delegados do OP não são frutos de uma reunião dos moradores, são
frutos de um ofício que o presidente determina, talvez consulte mais um outro da
diretoria. Falta vida orgânica real... tem no governo não mais um inimigo mas tem
parceiro no governo então basta se organizar, tu garante conquistas para tua
comunidade, melhorias de condição de vida sem aquele desgaste de energia que em
outros momentos já existiu, mas isso debilitou muito a organização popular em Porto
Alegre do ponto de vista orgânico, mobilização e democracia. Isto que o OP
representa do Governo em relação à sociedade de transparência de abrir... isto não
está indo até a ponta lá nas comunidades do ponto de vista das suas organizações,
das suas associações, Clube de Mães, seja o que for esta democracia, transparência e
abertura das questões para decidir em conjunto, lá na ponta não está indo, é mais na
326
mão de um e dois que conhecem e dominam o processo. Hoje temos pouquíssimas
regiões que tem necessidades/demandas e não participam do OP. O OP tem uma
história de levar comunidades sem nenhuma tradição de participação, organização
comunitária, que tinha aversão à questão da política e que se mobilizaram. Podemos
perguntar qual é a finalidade que tem essa participação? Ta, ela pode ser muito
pragmática, mas acho que isso é um avanço da situação anterior de ficar esperando
que um dia alguém faça alguma coisa (Cristiano, técnico do GRC).
6.2- O papel do OP
indivíduo a uma consciência do lugar em que ocupa e do papel que desempenha no cenário
político-administrativo da cidade.
assembléias para decidir os investimentos que serão realizados na cidade a cada ano. O OP
as mesmas.
Por outro lado, esse processo não é perfeito e há políticas que não são
implementadas, mesmo com a participação dos moradores, como é o caso dos moradores
de rua. Por que isso acontece? Não há interesse por parte do poder público? Não dá
327
moradores de rua? Falta uma participação? Falta organização adequada? Depende do
das demandas, além da burocracia do sistema público. E não há como negar que o voto das
pessoas, e cada um teve a sua vivência a partir do lugar que ocupa neste cenário:
que, por ter conseguido coisas, continuam participando por acreditar que
esse é o caminho.
processo, ou por que não acreditam que esse seja o caminho de se conseguir
conquistadas para o bairro beneficiarão esse indivíduo, mesmo que ele não
328
participe, ou por que pertencem a uma classe economicamente alta e que
...o OP necessita uma implicação forte, uma disponibilidade. Tem que ser aberto
para pontos de vista que discordam totalmente do que a gente pensa e as pessoas
[da classe média e alta] não estão preparadas para isso, para essa nova divisão de
poder, essa convivência. Também não temos tantas necessidades. Mas mesmo
quando temos, a classe média e alta prefere usar outras vias, como por exemplo, as
federações profissionais (Renata, moradora).
Ou seja, demarca que os espaços de reivindicação popular são para quem precisa
conquistar coisas. Demarca também que a classe média não tem a mesma disponibilidade
Por outro lado, há também uma lógica perversa nessa participação, ou seja, a classe
média acaba se beneficiando das melhorias conquistadas pelas classes populares, que
participam do OP, isso porque nos bairros convivem pessoas pertencentes a diferentes
participa.
definidos que ainda não participam: os excluídos – os que não tem nada, nem condições de
Porto Alegre, os delegados dessa região, por iniciativa própria, produziram e distribuíram
93
Renata é o nome fictício de uma moradora de Porto Alegre; ela não faz parte dos entrevistados. Seu
depoimento está na obra: Organização Não-Governamental Solidariedade. Caminhando para um mundo
novo: orçamento participativo de Porto Alegre visto pela comunidade. Petrópolis : Vozes, 2003.
329
seis mil convites aos moradores de edifícios da região. Nos convites94, estava escrito o
seguinte: “Como nós, você utiliza água tratada, esgoto pluvial esgoto cloacal... Utiliza o
transporte coletivo ou, se tem carro, a pavimentação das ruas, a sinalização e iluminação
das mesmas... Talvez utilize as praças e parques da cidade, uma escola pública ou um
posto de saúde... Como nós, você precisa de segurança, de energia elétrica e de uma
Porém, há uma diferença muito importante. Nós utilizamos e decidimos sobre estes
serviços e investimentos, você apenas os utiliza. Queremos a sua participação, pois não é
justo que a gente decida por você, sem pelo menos lhe fazer um convite a participar destas
decisões. Venha, traga suas idéias, reclamações ou necessidades. Você será muito bem-
vindo!”. Resultado: seis pessoas compareceram a uma primeira reunião e depois não
retornaram mais.
outros fóruns, a política passa de algo distante para algo próximo, que depende de vontades
democracia participativa pode ser potencializada e a política ter um novo espaço na vida de
consciente do cidadão na construção das decisões políticas. É através de sua aplicação que
a gestão do Estado poderá passar, cada vez mais, da elite governante para a base popular.
94
Fonte: Organização Não-Governamental Solidariedade. Caminhando para um mundo novo: orçamento
participativo de Porto Alegre visto pela comunidade. Petrópolis : Vozes, 2003.
330
No entanto, nos perguntamos se basta para uma sociedade – ou mais concretamente
para uma localidade – tornar-se democrática, que exista a participação popular na definição
dos investimentos públicos? Esta participação pode provocar uma mudança na tradicional
Assim, passamos a falar de uma cultura política a ser redimensionada pelos sujeitos
Com isto, podemos dizer que a participação popular precisa ir além de um instrumento
instituições que regulam a vida dos sujeitos é pressuposto para forjar uma sociedade
a nossa diversidade cultural, étnica, social. Levou a população a um nível de diálogo que
cultura política e na forma de gerir a coisa pública, trouxe também a possibilidade de uma
invés de se propor a conhecer apenas um suposto universal para poucos, passar a conhecer
Seja como for, a cidade tem o enfoque da qualidade de vida, tem construído
as ações da cidadania.
331
O que descrevemos sobre o processo do OP nos remete a identificar a dimensão de
A Eficácia Política refere-se aos sentimentos que as pessoas têm sobre sua
atribuição de Hewstone (1989), que mostra que as pessoas podem dar três tipos de
seja, quanto mais acreditarem que os eventos têm como causas as forças transcendentais,
mais baixo será o sentimento de eficácia política frente às ações que possam realizar para
das ações de certos grupos ou indivíduos. Isso faz com que essas pessoas acreditem nas
situação. Dessa maneira, essas formas de motivações permitem que as pessoas sintam que
suas ações contra os responsáveis pela situação de angústia social podem ter um efeito de
mudança social. É por meio dessa interpretação que descobrimos que os indivíduos
332
tornam-se atores da mudança em suas vidas, ou seja, sentem que são capazes de mudar a
Elira demonstra essa idéia a partir de sua fala, para ela, o OP é importante, a
política é fundamental, é onde o indivíduo exerce a sua cidadania, coloca o que a sua
compromisso consigo mesmo e com os outros, fazendo com que o engajamento com a
pode ter para entender o macro e para entender o micro que envolvam a população de
as suas decisões são respeitadas e transformadas em ação, mais fortificados serão na crença
da eficácia política que suas ações têm e, conseqüentemente, terão mais capacidade e
ocorrer com o OP nos últimos anos, ou seja, alguns vícios do tipo: atraso nas obras,
organização de umas comunidades que não tinham como base a solidariedade e por votos,
333
conquistavam coisas que outras comunidades não conquistavam, traz um sentimento de
impotência frente ao processo do OP, e isso tira a força do sentimento de eficácia política.
Hoje nós temos jovens aqui que se preparam para o vestibular, para ir à
universidade ou que fazem cursos técnicos. Isso é a influência do OP que melhorou a
qualidade de vida e deu novas esperanças. Quando a gente morava na Vila das
Placas, tinha dificuldade até para conseguir um emprego. Se um jovem dava como
endereço a vila, sua ficha ia para baixo dos outros candidatos. Agora isso mudou.
As pessoas sentem orgulho de dizer que moram no condomínio dos Anjos e muitas já
encontraram um trabalho. O OP faz com que, além das demandas, as comunidades
resolvam seus problemas internos. As pessoas se dão conta que, unidas, se tornam
mais fortes e que têm que respeitar os outros. Ninguém mais tem essas reações
violentas como antes, essas posições radicais, porque a gente se acostuma a debater,
discutir, confrontar opiniões. Assim, algumas pessoas que não se enxergavam mais
por causa de uma briga já antiga, voltam a se cumprimentar, a bater um papo.
Antes, a esquina da rua só servia pra tomar cachaça e falar mal dos outros. Hoje a
gente continua tomando uma cachaça, mas também troca idéias e discute as
questões da comunidade, com respeito (Rodrigo, morador).
compromisso do governo de fazer o que a população decide são fundamentais para romper
uma cidadania ativa e mobilizada. Em Porto Alegre, hoje em dia, os cidadãos conhecem e
decidem sobre os recursos públicos e se transformam, desta maneira, cada vez mais, em
sujeitos de seu próprio futuro. A ação direta exercida através do Orçamento Participativo
95
Rodrigo é o nome fictício de um morador de uma comunidade; ele não faz parte dos entrevistados. Seu
depoimento está na obra: Organização Não-Governamental Solidariedade. Caminhando para um mundo
novo: orçamento participativo de Porto Alegre visto pela comunidade. Petrópolis : Vozes, 2003.
96
Sociedade civil entendida, de acordo com Bobbio, como a esfera das relações entre os indivíduos, entre os
grupos, entre as classes sociais, que se desenvolvem à margem das relações de poder que caracterizam as
instituições estatais. É o terreno dos conflitos econômicos, ideológicos, sociais e religiosos que o Estado tem
a seu cargo resolver, intervindo como mediador ou suprimindo-os; como a base da qual partem as
solicitações as quais o sistema político está chamado a responder; como o campo das várias formas de
mobilização, de associação e de organização das forças sociais que impelem a conquista do poder político.
334
Além disso, sua população ocupa espaços de participação e debate, define recursos
e cria políticas para cada uma das áreas de interesse coletivo. Diretrizes, leis, ações
(2001) que trata das metas e ações do movimento social. Essa dimensão se refere ao grau
interesses e sentimentos de eficácia política. Esta dimensão trata de “avaliar” até que ponto
as metas e propostas dos movimentos sociais e das suas lideranças correspondem aos
posturas tanto para as lideranças quanto para as pessoas comuns. Essa dimensão produz, ao
de agir coletivamente quanto Metas e ações do movimento social, têm suas bases em
alguns teóricos da escolha racional como Olson (1965), que tem contribuído para o debate
335
fazem uma escolha dos elementos significativos que influenciam sua participação e o seu
Sandoval entende que estas escolhas são elementos que se tornam significativos
para o pensamento individual através das suas identidades coletivas; suas crenças, valores
para a tomada de decisão dos indivíduos, o que leva o autor a afirmar que a escolha de
essas metas e estratégias são percebidas como formas relevantes de ação coletiva que
estratégias que viabilizam a ação coletiva. Valdomiro identifica o OP dessa forma, para
Lígia tem uma relação distanciada com o OP enquanto moradora, ou seja, não
participa do OP para reivindicar coisas para a sua comunidade, mas participa enquanto
trabalhadora:
... eu moro no centro, fui algumas vezes, não vou pra reivindicar coisas pra mim,
mas acompanho mais onde o pessoal das Unidades participam, até porque a gente
incentiva que vão, porque a gente sabe que aquele é o canal... É importante, com
esse grupo que a gente trabalha é fundamental, embora nem tudo aconteça pelo OP,
as coisas mais importantes acontecem, por exemplo: estas Unidades que já existem,
as melhorias que tem que ser feitas, elas tem que ser reivindicadas no OP, a
quantidade de dinheiro que vai ser investido, isso é definido no OP, então é
fundamental que eles participem porque os equipamentos, por mais bem cuidados
que sejam, acabam tendo problemas, e então tem que ser repostos, consertados, os
prédios, a mesma coisa, então se não for pelo OP não acontece nada (Lígia,
técnica).
336
Pela experiência de Porto Alegre, as políticas públicas da cidade viabilizam o
medida em que essa população se utiliza dessas políticas como um direito e não como um
Nos parece óbvio que o discurso e as práticas assistencialistas são fortes, até mesmo
desejadas e intencionalmente colocadas na relação com a sociedade civil, talvez, por isso,
tenhamos moradores que sustentam essa prática. No entanto, o comportamento político dos
De qualquer forma, pela definição dos moradores do que é ser cidadão e o que é
indivíduos.
Essa reflexão nos leva a associar o movimento dos moradores com a dimensão de
relação ao modo como os interesses simbólicos e materiais são opostos aos interesses de
adversários coletivos na sociedade. Essa dimensão, para Sandoval (2001), ocupa um lugar
chave na consciência política, pois sustenta a ação coletiva, visto que, sem a noção de um
337
adversários. Ela é expressa no ...caráter antagonístico das relações de classe - na medida
(Sandoval, 1994b:67).
essa parcela percebe que lhe falta coisas que para outros não falta, os adversários se tornam
diminuir as diferenças.
indivíduos, a necessidade de acessar direitos sim, mas também que é preciso ter deveres;
que a cidadania pressupõe estes dois aspectos que, na verdade, se complementam. O que
podemos inferir, com isso, é o fato de que esse pode ser um elemento que obscurece a
assistencialista.
que esses direitos tem que ser dados por outrem é mais convincente do que o entendimento
que os direitos tem que ser garantidos, pois esse verbo pressupõe a ação do indivíduo
também, enquanto o verbo dar, implica na ação do outro muito mais do que a do indivíduo
que espera.
Podemos inferir que a participação de muitos grupos é, por isso, restrita a reuniões
necessárias para garantir os direitos, mas essa participação não se amplia para além das
reuniões. Por isso, lembramos de tantos depoimentos onde os entrevistados referem que o
338
Orçamento Participativo é importante “porque as pessoas ganham casas” ou “porque eles
Augusto com a fala do Prefeito quando esse disse que não era bonzinho, nem paternalista
e que não podia dizer que ia dar casas para os papeleiros sem que esses se organizassem
De uma certa forma, essa idéia acaba sendo reforçada pela própria Administração
Municipal, através de suas Secretarias. Mesmo que haja um discurso de emancipação dos
seus cidadãos, principalmente os de baixa renda, a prática guarda nas suas entrelinhas, uma
postura paternalista. Por isso talvez, Cristiano tenha dito que trabalhamos pouco isso se
com o coletivo.
jogo das ações coletivas como um modo de compensar as injustiças que são cometidas
contra ele mesmo. Para Sandoval (1989), em geral, os indivíduos são mais predispostos a
nas comunidades, na sua vivência no OP, que são situações que fazem com que o
339
indivíduo tenha a predisposição a participar, a mudar a sua vida, a dar mais qualidade de
vida ao seu cotidiano. A identidade coletiva também influencia as escolhas das ações
coletivas.
relação entre a participação política e as políticas públicas da cidade, no sentido que elas se
indivíduo tem de perceber-se como ator político. E, por sua vez, isso dá ao indivíduo
Participação Política
Relações OP e
Políticas Públicas
Consciência Cidadania
Política Ativa
340
Nesse capítulo, analisamos a repercussão do movimento dos moradores para as
políticas públicas da cidade. Consideramos a opinião dos técnicos que trabalham nas
dessas políticas, bem como de nossos entrevistados. Destacamos a relação com o OP,
Municipal, como um espaço para reivindicar por melhorias para a comunidade, para
resolver alguns problemas de âmbito comunitário, para decidir sobre as políticas públicas e
indivíduos.
consciência política se forma pela vivência que o indivíduo tem na sua realidade social.
341
Capítulo VII
participação tem tanto para a vida das pessoas como para as políticas públicas da cidade.
Reciclagem de Lixo em Porto Alegre, e de que forma nossos entrevistados interagem com
nestas comunidades, seja pelos fóruns de participação popular. Neste capítulo de análise,
entrevistados têm e o movimento por busca de melhorias para a sua comunidade; se, nessa
opinião que eles pensam que o entorno têm em relação às comunidades. Nosso intuito é
entender de que forma essa vivência de preconceito interfere na participação política das
pessoas.
342
E, por fim, retomaremos, de uma forma mais conclusiva, a análise iniciada no
quinto capítulo, sobre a relação entre participação política e consciência política. Para
tanto, é conveniente que investiguemos, de forma mais apurada, o que entendemos por
acordo com a realidade vivida. Desta forma, a consciência não é um mero espelhamento
O que é pensado, o que é dito, o que é expresso têm a ver com o contexto no qual as
pessoas vivem, uma vez que este é um campo fértil de significados. A experiência local -
aquela mediada por relações próximas, que fazem parte do contexto imediato de relações
econômica, social, cultural do indivíduo, e que ajudam a constituir seu universo simbólico,
são fontes que condicionam e moldam as relações de classe e vêm afetar a consciência
classes sociais;
343
Oposição, que é aquela dimensão que focaliza a percepção que o indivíduo
dominação.
denomina de:
interesses.
nossos entrevistados, ou seja, entendemos que a questão identitária é fundamental para que
o indivíduo se diferencie enquanto ser autônomo em relação a outro grupo social, mas
também em relação a outros indivíduos dentro de seu próprio grupo. Essa diferenciação lhe
elementos para sustentar sua ação coletiva em prol das melhorias para a sua vida. É o que
permite ao indivíduo perceber que ser pobre, carente, vileiro, não é uma condição natural;
que é possível qualificar a sua condição de vida; que é possível acessar os direitos
compreender a dinâmica do contexto social no qual está inserido, bem como entender a
344
configuração das relações de poder, para que tenha condições de incidir sobre essa
realidade.
individual e coletiva – para transformar a sua realidade social e romper com o status quo.
Sandoval (1989), faz uma distinção entre os fatores da esfera interna e externa, referentes à
histórica de valores e crenças que permeiam as visões de mundo das pessoas como
mecanismo seria as restrições da vida cotidiana impostas aos indivíduos que reduzem a
ser uma alternativa atraente para muitos que não possuem elementos para uma reflexão
345
Sandoval (1989) destaca os fatores que impulsionam os indivíduos a participarem
mobilizam para solicitar demandas no OP, mas são demandas relacionadas ao trabalho. A
fragmentação se torna visível no sentido de que não há a participação no OP, por parte
desses mesmos grupos, para solicitar melhorias para a sua comunidade. Nesse sentido,
concordamos com Sandoval ao apontar para o fato de que compartilhar o local de moradia
importante para estimular as ações coletivas. Exemplificamos o que acontece nas reuniões
346
do OP: os grupos precisam se articular para que as demandas sejam votadas, ou seja, o
comunidade tem que ser unida para conseguir um investimento, mas cada conquista pode
princípio que tem que estar presente tanto entre os membros da mesma comunidade, como
Isso é a teoria do umbigo, a gente olha só pro umbigo e esquece a barriga. A gente
trabalhou muito pra mudar essa cultura. Claro que tu vai no OP pra conseguir um
melhoramento, reformar o que já foi feito ou avançar no que ainda falta. Porém, a
partir do momento que tu não ganha, mas que um outro vai ganhar, sempre penso
que é mais uma conquista da população e o ano seguinte vou tentar de novo. Na
verdade, nem todo mundo aceita isso. Então tem um certo conflito que tem que
administrar. Tu tem que convencer, articular os grupos, puxar pra cá e pra lá. Mas
pouco a pouco conseguimos trabalhar com mais solidariedade (Rafael, morador).
melhorias nas comunidades. A situação descrita a seguir, por Ivan98, ilustra nossa
afirmação:
... somos contra essa idéia que quem tem mais delegados vai ter mais força e
conquistar tudo. Fiscalizamos isso. Nossa utopia sempre foi de buscar uma outra
cultura, sempre foi que as comunidades sentem à mesa para fazer uma discussão de
alto nível e buscar a unidade. Por exemplo, todas vão se organizar e trabalhar
juntas para a demanda de uma, de forma bem sistemática para ter mais peso. É aqui
onde entra o segredo da história: a negociação. Alguns precisam de uma escola e
97
Rafael é o nome fictício de um morador de uma comunidade; ele não faz parte dos entrevistados. Seu
depoimento está na obra: Organização Não-Governamental Solidariedade. Caminhando para um mundo
novo: orçamento participativo de Porto Alegre visto pela comunidade. Petrópolis : Vozes, 2003.
98
Ivan é o nome fictício de um morador de uma comunidade; ele não faz parte dos entrevistados. Seu
depoimento está na obra: Organização Não-Governamental Solidariedade. Caminhando para um mundo
novo: orçamento participativo de Porto Alegre visto pela comunidade. Petrópolis : Vozes, 2003.
347
outros de uma creche? Vamos discutir o que é mais emergencial e dentro dessa
discussão a gente vai abrir mão de uma coisa para conquistar uma outra. Isso
implica consciência e sensibilidade de cada um (Ivan, morador).
indivíduos para a mobilização, também permite que se adquira elementos para a formação
da consciência política, uma vez que essa não é, como já referimos, um mero espelhamento
partido político de sua preferência. Nossa intenção é investigar a relação com o poder
público e quais os argumentos dos moradores para definir a sua participação política,
popular por influência partidária, ou seja, participam por obrigação, por que
348
o Nossos entrevistados participam do OP e de outros fóruns de participação
político;
fazer a pergunta, portanto, é a de investigar até que ponto a participação é - ou pode ser -
parte de um discurso panfletário, ou realmente é algo que foi apropriado pela população.
queremos investigar até que ponto não é feita essa vinculação e até que ponto os
entrevistados enxergam o OP desatrelado do PT. Isso por que percebemos que há uma
99
Os cidadãos de uma forma geral, a mídia impressa e televisiva, e a própria Administração Municipal.
Dependendo de onde vem, essa associação pode ter um caráter pejorativo ou não. Em épocas eleitorais,
principalmente, se distribuía nos Comitês do Partido, um adesivo para carros escrito: OPTEI. Em alguns
adesivos se destacavam as consoantes OP e, em outros, as consoantes PT. Cabe acrescentar também que, a
atual Administração Municipal, tinha como principal promessa de governo, manter o OP, com o slogan:
“Manter o que está bom [referindo-se principalmente ao OP] e mudar o que precisa”.
349
aversão ao OP de quem não é militante ou simpatizante do Partido dos Trabalhadores, e
muitas vezes, a não participação é uma forma de boicotar o trabalho, muito mais do que
relação à participação política. Para Lígia, a participação política dos moradores está
mobilização comunitária:
as pessoas têm idéia que quem define são as pessoas... então eles se decepcionaram
com os candidatos que não votaram os projetos deles, porque eles votam em bloco...
tem algumas pessoas que votam nas pessoas e algumas pessoas que estão entendendo
que existem propostas políticas e que eles são enganados muitas vezes, são usados e
enganados. Então alguns começaram a cobrar bastante do PT, porque eles estão se
dando conta, que não tem uma clareza dos partidos pra vida deles... eles querem
definir o que que eles querem pra vida deles, então quando for bom pra comunidade é
bom pra eles, eles vão tensionar dentro dos partidos as melhorias que eles querem,
mas tem alguns que estão se definindo pelo PT, em número maior, estão agora
decepcionados com algumas coisas que se sentiram usados, mas também tem clareza
de quanto já foram usados politicamente, eles tem isso bem claro, mas também sabem
como se usar disso também e às vezes eles tem uma percepção bem maior do que a
gente....então eles tão se definindo pelo partido da comunidade... Quanto à
participação política, a referência deles é diferente da minha, a deles é de abandono,
eles aprenderam a viver desta forma, é abandono da família, das instituições, do
Estado... ouvem muito não, então eles vão se constituindo desta forma, então a forma
deles se colocarem como pessoa na sociedade, como cidadão, é bastante agressiva,
de colocar medo, ou de tensionar, eles já tem a idéia de que pra buscar algo pra eles,
tem que estar tensionando, tem que batalhar por isso, então quem tá num processo de
busca de inclusão, quem já aderiu a um processo de organização, já fora da
organização aceita em comum, já coloca uma reação de medo pra ti, vai se colocando
como provocando assim medo pra se colocar numa relação de poder, pra adquirir o
que tá buscando, ou burlando algumas regras, e por outro lado, quem tá organizado,
tem a clareza, conhece bem os serviços, conhecem a gente, e tem claro o quanto eles
350
precisam estar unidos pra batalhar por aquilo que eles querem, então a forma deles
batalhar é de resistência, por esta sensação de abandono, de resistir e existir dentro
de um espaço, então a forma de organização é bem intencionada, é de tensionar, de
busca de parcerias, mas a partir disso, de estar colocando a crítica, de estar dizendo
o que não está bom, mais por essa via do que elogiando, dizendo o quanto tá bom pra
conseguir o que quer (Doralina, técnica).
Passamos agora a analisar as respostas dos nossos entrevistados, considerando sua
entendemos que há um nível de compreensão dos processos psicopolíticos que faz com que
o indivíduo entenda que a participação política pode incidir sobre mudanças na sua vida;
que a conquista de melhorias tem a ver com um direito que lhe pertence e não com um
favor que o poder público lhe faz; e que ele desempenha um papel de ator social e não de
Augusto consegue indicar esse tipo de compreensão. Ele identifica que o trabalho
que a Prefeitura faz nas comunidades, nada mais é que sua obrigação para com a
comunidade com paternalismo pelo fato de serem moradores de vila. Pelo contrário, a
garantir melhorias:
... eu tinha uma baita bronca com o entorno, porque eles falavam dos papeleiros... já
que eu não podia brigar com o entorno, porque eles têm dinheiro, eles têm isso, tem
aquilo e eu não tenho nada, eu vou ir pro lado deles, começar a fazer uma política
de boa vizinhança... comecei a trabalhar aqui a minha gurizada pra não andar na
avenida rasgando saco, que isso é uma reclamação que eles tinham... a gente tá aqui
fazendo um trabalho pra conseguir uma moradia melhor, então em vez de vocês
rasgar saco, vocês amarrem este saco que tá aberto, pra mostrar pro povo aqui que
351
nós somos gente, somos papeleiros, mas somos educados... e a gurizada começou a
ir por mim... não rasgavam saco, não faziam baderna... tinha uma boa parceria com
eles, veio certificado de vizinho nota dez... fui mostrando que os papeleiros não eram
isso, não eram aquilo... então eles pararam de pressionar a Prefeitura e eu aqui
pressionando a Prefeitura a mil... o que resultou? Resultou em 213 moradias, 2
quadras de esporte, uma creche pra 80 crianças, este Galpão, mas aquele lá de
lambuja, que aquele é nosso porque tem muita gente que precisa trabalhar... 40
bolsa-auxílio pro pessoal aí desassistido... essa Prefeitura, se eu falar dela, eu sou
um baita falador, porque ela nos acudiu muito no incêndio, eu tava preocupado com
o fogo aqui né... o fogo começou a uma e pouco, duas e pouco tava toda a Prefeitura
aqui, desde o Prefeito, todo mundo... eu sinto que eles fazem porque é aquilo que a
gente tem direito... a gente tem um carisma com eles... não é pra agradar... e o que
eles fizeram pros papeleiros até hoje, é uma obrigação bem feita... a gente tem
direito a moradia melhor, a trabalho, não adianta ter moradia e não ter um trabalho
pra manter ela.... eles dão a moradia e uma condição de trabalho... (Augusto,
trabalhador da Unidade).
sente presa ao PT. Ela conta que, foi na Administração Municipal, que aprendeu a ler e
escrever [no EJA100], que aprendeu o que é política, o que é cidadania e o que é participar,
mas não se sente na obrigação de votar no PT por causa disso; pensa que tem o direito de
apoiar e votar em quem ela acha que fará mais pela comunidade:
...eu acompanho todas as entrevistas...e ele não ratiou, ele afirmou uma coisa do
começo ao fim... ele não fez que nem o Alceu Collares, que disse que quem mandava
era ele... e este não, ele afirmou do começo ao fim a mesma coisa, que ele vai
continuar com o OP e se ele vai continuar com o OP, vai ter demanda com ele, o OP
não é do partido, é do povo, é o povo que vai, é o povo que busca, eu consegui muita
coisa aqui... eu digo eu, porque eu ia sozinha, mas eu não ia sozinha, eu ia
representando o Clube de Mães... todos nós se demos bem... o único que eu tive
atrito foi com o presidente da Associação dos Carroceiros... tivemos um atrito
fechado, é uma briga interna, sem discussão, sem baixaria... Quando eu abro a
minha boca, eu falo o certo... não adianta nós fazer barraco, tem que marcar uma
reunião com eles, quando a gente vai pedir alguma coisa a gente pede independente
de partido. E o Fogaça, eu vou cobrar dele, ele vai sofrer na minha mão, porque ele
ganhou dentro da Ilha e ele vai ter que olhar pela Ilha. Este ano ele ganhou, porque
eles esquecem da gente (Nilda, moradora).
100
Educação de Jovens e Adultos.
352
...depende, na vila aparece todos os partidos. O nosso pessoal tem uma expectativa
sempre na mudança. Tem uma tendência a se filiar a se agregar com aquele que
propõe mudança independente do partido... observam muito o que a pessoa propõe
de mudança na nossa vida e a garantia que esse candidato pode dar pra que a gente
permaneça onde estamos (José, trabalhador da Unidade).
Hoje é o Lula, comecei a votar pelo PMDB, na época da arena, depois defini o PT, e
sou filiado e não vou me escabelar, matar um por causa do partido. Porque eu penso
que se aquele partido que chegar, trabalhar e governar, e a situação melhorar pro
povo, ele vai ser digno, vai ter uma dignidade, não é aquele partido que vem buscar
o teu voto e depois te dá um pontapé na bunda do cara. Se lutar pelas nossas
pessoas velhinhas, nossos idosos, pessoas que não tem da onde tirar condições de
trabalhar, os beneficientes [deficientes] e ele apoiar, ele é um partido digno... aqui a
maior parte é por aquele partido que apóia a comunidade, mas tem as pessoas que
se ilude com o que recebem, com os que dão coisas: se eu te dou uma carroça, você
vota em mim... são muito fácil, se ilude muito ligeiro, não tem estudo, nunca teve
numa sala de aula, então a pessoa ilude, as pessoas não tem consciência que agora
tá começando a desenvolver uma idéia diferente pra conseguir melhorias, mas tem
que ter paciência, tem que lutar. Não adianta querer tudo de uma hora pra outra,
por mais estúpido que a gente seja, vai chegar uma hora que a gente vai ter que
entender como a gente vai conseguir as coisas. Tem que pressionar, mas com
dignidade. (Paulo, trabalhador da Unidade).
acabou e muito ainda se tem pra aprender mas, apesar disso, tem uma prática
as pessoas vão sempre pedir coisas no Clube de Mães... eu dou as coisas para
muitas pessoas, mas também vou cuidando pra ver até que ponto não é
provalecimento. Não é o prefeito que sabe, é a comunidade; quem sabe dos
problemas da comunidade é a própria comunidade “tal época, tal OP eu consegui
isso” é tão gostoso dizer isso (Nilda, moradora).
353
Cléia refere que tem sua preferência política, independente das melhorias que o
Ao ser perguntada sobre a participação política, Elira fala de seu aprendizado, como
muitos moradores que não compreendem a importância desse processo para a vida das
comunidades:
Para Serlene, a sua participação política foi sendo construída e fortalecida, à medida
que seu bairro foi melhorando. Para ela, isso é definição de participação política, ou seja, a
possibilidade que o indivíduo tem de incidir sobre a sua realidade social, transformando-a e
se transformando. Para Serlene, todo esse processo se deve ao PT, e esse é seu argumento
354
conseguir as coisas juntos, porque a gente sempre construiu que se não tiver todo
mundo junto a gente não consegue. Eu prefiro o PT, porque conseguimos construir
muito do que se tem aí com a Administração Municipal na comunidade. Tem
determinados políticos que oferecem churrasco, comida, há três meses da eleição, e
tem gente que aceita isso... mas tem os que tem consciência da sua preferência.
(Serlene, moradora).
Vitória deseja uma comunidade mais participativa, mas reconhece que é difícil
O pessoal não se une, não são unidos, tinha uma facção entre os de baixo e os de
cima, as pessoas reclamavam, uns queriam dividir a vila. Uns pagavam para fazer
parte da Associação e esses é que tinham direito a doações, etc. Pedro (um dos
presidentes) morreu e o Nicolau assumiu com churrasco, trazendo ônibus pras
pessoas de fora votarem nele, ele se mudou e agora não tem Associação presente.
Não se faz nada por que a vila vai sair (Vitória, moradora).
Todo mundo tem que participar junto, não adianta ir 30 e o resto ficar em casa, não
adianta uma rua ir a outra não ir. Convida o teu amigo, sempre tem alguém que
convidar, mas na hora, vai meia dúzia, para melhorar o bairro tem que ir todo
mundo. Não é toda a comunidade que vai no OP, tem gente que mora há bem mais
tempo aqui e ainda não sabe, ainda não entrou na cabeça o que é uma comunidade
(Taís, trabalhadora da Unidade).
coletiva: o governo estadual não tá grande coisa até agora, quem tem que cobrar é o povo.
O Rigotto prometeu e não fez nada até agora... Trabalhando, se esforçando, falando e
reclamando... não se pode deixar levar pelos outros... A maioria dos moradores não tem
grau de instrução, então eles vão pro lado fácil, onde tá vindo, eles vão, não tem uma
355
Vitória reafirma o que Bruna comenta de sua comunidade, de que muitos ainda se
levam por promessas eleitoreiras: ... eu votei no Lula, mal ou bem ainda conseguiu fazer
alguma coisa, de vereda ele não vai conseguir fazer tudo, eu ainda acredito que ele vai
conseguir fazer mais coisas até o final do mandato. A maioria vota pelas promessas dos
não interessa se tem defeito, ou se não tem – esse é meu partido e não vou mudar... tudo é
Unidade).
política se dá a partir das representações que as pessoas vão construindo e que as levam a
agir politicamente. A comunidade é uma instância importante, porque permite que estas
mobilize e se organize.
Alguns técnicos relataram que essa era uma preocupação em seu trabalho, ou seja,
fortalecer a comunidade para que ela pudesse ser, de fato, um espaço de organização
A Secretaria a qual Mariana está vinculada, por exemplo, não trabalha com os
moradores no sentido de abordar diretamente a questão política, apesar dela achar que as
... tenho alguma dificuldade de identificar isso, porque esta nunca foi uma tônica,
uma preocupação técnica como profissional, a questão política passa ser discutida,
a importância da participação na política, na política de implementação destes
serviços, mas na questão partidária, a gente não aborda... eu percebo que a própria
Administração Popular ao fortalecer, implementar, ao criar instrumentos e fóruns
onde esta participação é valorizada ela não é apenas uma fachada, isso aproxima da
questão partidária também, mas tem que fazer esta diferenciação: uma coisa é esta
Administração Pública, dos serviços públicos e outra coisa é uma opção partidária,
356
acho que isso não faz parte do período de trabalho, desenvolver atividades neste
sentido...(Mariana, técnica).
processo:
... são importantíssimas e fundamentais neste processo. Apesar de que algumas que
tem dificuldades de entender o seu papel real no coletivo. Há posturas mais
conservadoras de participação que tem estratégia assistencialista e muitas vezes em
benefício próprio. Os agentes públicos deveriam investir nesta discussão, para que a
comunidade não fique refém da liderança, tem que dar o empoderamento pra
comunidade e a liderança tem que ter o espírito coletivo acima do interesse
individual. O importante é que o OP proporcionou a consolidação de um espaço de
participação popular onde garante as reivindicações das comunidades, tu define o
orçamento, o investimento público, a partir do olhar daquele que está sendo
beneficiado, isso envolve, tu possibilita que aquele cidadão se veja envolvido
também no não atendimento, porque ele tem que compreender que existe um limite
neste investimento, a discussão disso, possibilitou que as pessoas se apropriem desta
discussão e também acontece o reconhecimento das prioridades, reconheçam as
necessidades vizinhas e que possam fazer os seus ajustes diante disso... (Mariana,
técnica).
Roseli é desacreditada em relação à política, pensa que não ajuda em nada, e vota
por obrigação, não por acreditar que vá alterar alguma coisa em sua vida. Tem uma
relação passiva em relação à participação política que, para ela, se resume ao dia de
votação eleitoral: partido político pra mim é zero, não ajuda nada, só política, pra mim
político não existiria... eu votei mas me arrependi, eu votei no Raul, mas eu não sei o que
me levou a votar nele, quem sabe mudaria alguma coisa né... não sabe se vai mudar
alguma coisa... até o outro partido entrar muita coisa vai ter que rolar, a gente não leva
Norton também demonstra, pela sua postura, que sua concepção de participação
política tem a ver com o voto: meu partido político? Não sei, até esqueci em quem eu
votei... foi no Fogaça eu acho que eu votei... primeira vez que eu votei... votei no Fogaça
357
porque ele ia fazer, parece que ia arrumar o campo nosso lá, mas por enquanto não fez
Robson não faz relação entre partido político e OP, tampouco à participação. Ele se
diz do PMDB e do PT, não tenho nem candidato ainda, escolho na proposta... isso aí a
gente não pode escolher muito né, tem que fechar os olhos e ir... aqui tem um pessoal que
tem um monte de faixa da Maria Celeste e Mauro Pinheiro (PT), mas é dividido...
(Robson, morador);
Lisiane é outra entrevistada que tem dificuldade de definir sua preferência político-
uns votaram no Fogaça, outros no Raul... acho que é dividido... eu votei no PT por que
tinha uma tia que trabalhava ali e eu votei pra ajudar ela (Lisiane, trabalhadora da
Unidade).
Tamires e Guilhermina também não fazem suas escolhas pelas plataformas políticas
dos candidatos: ... não votava antes, aí pensei, por que não votar. Eu não tenho tempo pra
Unidade).
...de política eu não entendo, olha, eu não dou muita importância pra isso, eu votei...
o Fogaça aqui deu muito pouquinho, porque os outros aí incentivava muito o
pessoal pra votar no pessoal do PT, vinham e diziam que tinha que votar no PT...
(Guilhermina, moradora).
101
A informação de Norton sobre a vida política da cidade é muito restrita. Ele não tem conhecimento de que
o Fogaça só iria assumir a Prefeitura dia 01 de Janeiro de 2005.
358
participação política e aumenta a necessidade de manter o discurso assistencialista do
receber coisas.
que as pessoas têm sobre os processos, sobre as suas vivências, que ajudam a sustentar esse
discurso assitencialista:
O que não tem para essas pessoas é consciência, saber que ele pode ser autônomo...é
fácil, mas entrar na cabeça de alguém que é complicado... se chegar alguém falando
bonito, aí tu tem credibilidade, não precisa nem convencer eles, mas eles têm a
credibilidade, é só ter o dom da palavra. Ele vai me dar madeira... isso é direito, não
é favor... esse tipo de coisa que eu sinto que não vamos conseguir tão cedo. Todos os
programas eu cortei... eu não encaminho ninguém para nenhum programa
assistencialista, para mim é assistencialista, isto é atrelar cada vez mais o pobre,
alienar mais o pobre, porque ele é dependente sim, é uma forma de alienar pessoas;
votei e exigi projeto, “não quero cargo de confiança”, mas cada pessoa que for
trabalhar contigo exige um projeto e dá um prazo para esse projeto ser executado”...
nosso problema é o continuísmo...dá um galeto e pronto. Se essa população miserável
soubesse a força que tem, mudava o país, porque ela é alienada... os caras sabem. E
relação ao nosso governo, estou com mais esperança, com um governo de oposição
partidária, não oposição de trabalho... porque eu fui muito boicotada, tudo que
puderam fazer para destruir o meu trabalho, fizeram... não conseguiram porque eu
tenho uma personalidade muito forte e um objetivo...sou de luta... e tenho muitos
parceiros...???? dentro da RBS... eu vou acreditar...espero que não seja mais uma
mentira política... que ele disse que tem propostas... o que é bom fica, o que não tá
ruim vai ser melhorado... eu tô acreditando...(Tatiana, técnica).
no depoimento delas. Adriana, no entanto, atenta para o fato de que é necessário dar uma
formação de base para as pessoas, não adianta esperar um comportamento que as pessoas
...é muito pequena ainda pelo pouco grau de instrução que eles tem, não imaginam a
força política que eles, como número, teriam. Confiam muito nas entidades que eles
tem. Associações de Bairro, Igreja, que possam representá-los politicamente como
ser humanos, eles não se vem como política atuante que possa decidir o rumo da sua
vida... eles têm uma visão assistencialista, esperam ganhar as coisas, não é uma
comunidade articulada politicamente falando, eles não tem força política porque
não conseguem trabalhar em grupo, não tem articulação comunitária. Também
existe uma desmotivação geral, as vezes que eles tentaram se organizar, eles
fracassaram...não criaram afeto por aquele local então não se organizam... o nosso
trabalho tem sido de delimitar os papéis, isso é da nossa alçada... (Gerci, técnica).
359
...a participação é na base do se tu me dá alguma coisa eu voto em ti, participação
política na comunidade é assim... são muito individualistas. Do que o município vem
propondo, o pessoal se acha um pouco usado... são usados como cobaia... já teve
vários movimentos... a comunidade não se organiza pra nada porque foi muito
abandonada quando se organizou, é uma comunidade retirante, não foi feita pra
ficar assim... houve movimento pelo OP pra conseguir coisas, saneamento, casa,
etc... estas questões ficam claras... existe esta desmotivação... eles sabem que não
vão permanecer aqui, a Prefeitura nunca vai dar melhoria pra esta zona porque é
uma zona que vai desaparecer... Têm que ter uma vontade política, sem isso, sem
que as pessoas que estão no poder entendem que tem que ter um trabalho de base,
dar apoio, apoiar antes de cobrar a participação, não vai mudar isso. O
fundamental seria investir em educação, criar canais de diálogo entre a comunidade
e a administração local, que não existe, apesar de se veicular uma gestão
democrática através de processos supostamente democráticos, não existe canais,
veículos que cheguem até essas comunidades - tentar mobilizá-las ou organizá-las
ou se auto-gestionar - ou não é legitimo, na comunidade não existe isso. Apesar de
tudo isso, acho que o OP, embora tenha problema, é um canal, é um dos canais que
se criou pra ouvir a população, coisa que até então não existia. É um movimento e é
importante que as pessoas possam participar de alguma forma dos processos de
onde mora, mas tem que mudar algumas coisas (Adriana, técnica).
Para Silvio, a participação política tem a ver com o voto. Ele comenta que o voto
deveria ser facultativo, e essa é a forma de demonstrar sua insatisfação com a política: o
voto deveria ser facultativo, antes eu achava legal ir votar, agora não... eu agora voto na
Patrícia indica que a participação política extrapola o ato de votar. Ao falar de sua
politicamente, de uma maneira consciente, e não trocando sua participação por doações:
outra coisa que o povo faz errado, larga na mão de um presidente e não faz, não fica ali
para saber se o presidente vai passar adiante... não acompanha mais nada, não cobra
mais nada... o problema é que o erro de um faz o outro também cometer erros. Para evitar
a frustração, o sofrimento, Patrícia “contra-ataca”: ...eu escolho pelos olhos. Esse vai me
roubar, eu voto nele, porque se ele me roubar eu já sabia. Porque se eu votar em um que
não vai me roubar e ele roubar, eu vou ficar decepcionada (Patrícia, moradora).
360
O discurso da participação está presente no discurso dos entrevistados, mas a
participação é quase sempre externa, são os outros que têm que se unir, são os outros que
têm que participar: ... o pessoal tem que se unir que daí consegue as coisas (Joana,
moradora), mas eu102 estar presente neste discurso é mais difícil. As pessoas preferem não
que o indivíduo tem, de desenvolver uma consciência sobre a realidade social na qual está
inserido. Muitos são filhos de recicladores, os pais trabalham na reciclagem e eles não
sabem reciclar. Reciclam o que é do outro, mas não o que é seu. Reciclam por que é
trabalho, e desse trabalho tiram seu sustento, mas não reciclam porque tem consciência que
♦ Não se valorizam, pelo fato de não terem uma auto-estima forte o suficiente
que esse modo de relação é comum nas comunidades carentes. O que reforça a idéia para
alguns, que é conveniente ser pobre, ser necessitado, pois se ganha coisas, além das
pessoas se sentirem olhadas, percebidas, independente do tipo de olhar que lhes é dado: ...
é bom viver aqui na Dique, porque tem auxílio para quem tá desempregado, é difícil
102
Grifo nosso.
361
conseguir emprego..... tem mais saída pra serviço, tem a Ceasa, eles dão serviço pra quem
...temos umas ONGs que ajudam bastante, tem distribuição de cesta básica, tem um
colégio pra quem não sabe ler, tem muitos projetos, mas eles vão trazer os projetos
quando tiver a vila pronta. O pessoal ajuda muito a Vila dos Papeleiros, recebemos
muitas doações, a LBV traz coisas, tem umas quantas ONGs que ajudam, distribuem
roupa, comida... pedem pro pessoal fazer uma fila e distribuem. É uma vila muito
ajudada (Pedro, morador).
paradoxal, porque se trata, para cada um de nós, de perceber-se semelhante aos outros
indivíduo pode ter elementos para desenvolver uma consciência crítica, pois se diferencia
do outro de uma forma mais autônoma, mas se reconhece como um ator social. E podemos
inferir também que o indivíduo pode, na diferenciação, manter-se alienado, sem ter
362
Doralina, por exemplo, fala de um trabalho de fortalecimento psíquico do
... discutir a partir do que eles trazem, eles buscam muito a informação e às vezes a
gente fica trabalhando muito no abstrato, que eu penso uma coisa e eles pensam
outra, e acho que falta técnica pra trabalhar o concreto, mas não uma coisa
infantilizada, tipo mandar fazer um desenho e tal... mas com um projeto que a gente
tem que se chama farmacinha comunitária, tu parte de algo concreto que é as
plantas que tu vai manipular, vai conhecer e transformar aquilo em um remédio, e
às vezes tu vai estar resgatando uma história, um conhecimento da tua mãe, da tua
avó, e que tu não dava tanta importância, e importância que extrapola tua própria
família, a partir de algo concreto tu trabalha varias coisas dentro de um grupo... e
fora que tu acaba, pela palavra, tu acaba ficando em uma situação de poder, como
se tu tivesse o poder sobre a vida do outro. (Doralina, técnica).
consegue o que quer, se tiver uma montanha na frente, eles removem ela, se tiver uma
jamanta atolada, eles desatolam ela, quer dizer, a união faz a força... (Augusto,
trabalhador da Unidade).
Mesmo os moradores que não tem uma participação política muito efetiva,
correr atrás das coisas que a gente quer pra comunidade... (Roseli, trabalhadora da
Unidade).
...Forma de conseguir melhorias? Se unir, estudar né, se une e conversa pra ver o
que tá acontecendo... (Norton, morador).
...Melhorias pra comunidade? Tem que ir a luta, caminhar, enfrentar estes homens,
se ajuntar, falar com vereador, prefeito por que senão, não sai nada, só promessa...
(Claudiomar, trabalhador da Unidade).
363
...as melhorias acontecem se unindo e indo à luta, o movimento tem um lado ruim
nele, por que parte para a violência ... reivindicar tem que ser de forma passiva,
educada... Fazer parceria com a Prefeitura via OP, precisa se unir mais, mas é
difícil, por que para fazer isso, basta alguém fazer a frente. Falta tempo, dinheiro, as
coisas são difíceis para todos. (Silvio, trabalhador da Unidade).
Para Bruna, a melhor forma de ter melhorias é ter mais oportunidade pra emprego
mesmo né... acho que é fazer uma comissão e ir à luta, falar com os que podem e ver se
Ou como refere Patrícia, tem que ter uma liderança forte, ter um cara que vai
brigar pela comunidade e ter uma boa equipe e a comunidade se envolver, se fazer
Valdomiro e Bárbara mostram que as comunidades ainda têm muito que fazer para
melhorar, no entanto, há problemas que atingem outras instâncias e nem sempre depende
da participação direta das pessoas: é mais por que não tem segurança, a minha vila
continua necessitada, é uma vila péssima. Cada presidente que pega não faz nada
atividade do líder, com a qual concordamos. Para a autora, não se trata de atribuir
comunitário supõe que todos os membros da comunidade são conscientes das mesmas
364
…el mayor beneficio que se puede derivar de esa condición de pertenencia,
identificación, historia común, elementos de vida compartidos y compromiso no sólo
con la comunidad, sus expectativas y sus aspiraciones, sino además con la
organización que actúa como representante activa de ella, es la amplia comprensión
y conocimiento acerca de las necesidades de la comunidad, acerca de las
capacidades y limitaciones de muchos de sus miembros, de los recursos en su poder
y de los recursos a obtener (Montero, 2004, p. 95).
Achar que a mudança está no outro. Como refere Valdomiro: cada presidente que
pega na faz nada, mas diante dessa colocação, nos perguntamos: O que a comunidade está
acontecem pela união, pela reivindicação, pela participação, como então esses princípios
que, enquanto o indivíduo esperar que outro indivíduo faça alguma coisa para mudar,
sempre haverá um outro – real ou imaginário – para responsabilizar pelo não fazer.
individuo está inserido, e repercutem em diferentes dimensões de sua vida. O calar-se por
causa do tráfico, é o mesmo calar-se para melhorar sua vida: há que se conformar com o
contexto das drogas e da violência urbana, e há que se conformar em viver em uma vila
péssima, sem qualidade de vida condizente com os direitos que os cidadãos têm.
365
Nesse sentido, apresentamos a vivência de Serena103. A experiência da participação
a colocou em um lugar de ator social na vida pública, e fez com que isso repercutisse na
sua vida privada: ...tinha medo demais de falar errado, dizer besteiras. Ela conta que,
lentamente, foi se sentindo mais segura e com essa vivência, decidiu voltar a estudar.
Como delegada do OP, foi escolhida para fazer um curso sobre Direitos Humanos e acabou
se separando do marido: queria deixá-lo, mas não tinha coragem, graças a tudo isso,
soube onde ir, como ser ajudada e consegui decidir a minha vida (Serena, moradora).
disfarce da auto-proteção – tem que saber conviver com esse pessoal – denuncia um não
melhor forma de conseguir melhorias, acho que indo nas reuniões do OP, com
manifestações. Melhorias que já tivemos do OP: o asfalto nas ruas, creche que o Galpão
conseguiu, o colégio, a creche que tá começando, os discursos que eles tão dando pros
avançou pelas reivindicações do OP, melhorias para Serlene, é tudo o que representa
objetiva e subjetivamente a participação no OP: ... enquanto tiver um governo que dê para
brigar pelo Orçamento, a gente consegue de tudo. Com esta forma de administrar, quando
a gente consegue administrar junto, a gente vai conseguir terminar algumas coisas na
103
Serena é o nome fictício de uma moradora de uma comunidade; ela não faz parte dos entrevistados. Seu
depoimento está na obra: Organização Não-Governamental Solidariedade. Caminhando para um mundo
novo: orçamento participativo de Porto Alegre visto pela comunidade. Petrópolis : Vozes, 2003.
366
Elira, que é moradora da mesma comunidade, concorda com Serlene, mas também
Associação Comunitária, a Associação foi fundada há 26 anos, teve uma comissão um ano
anterior que foi muita resistência. Quando a Tuca não existia nem no mapa da cidade,
Entendemos que, quanto mais o indivíduo percebe as melhorias pelas quais foi
coletivo e individual. E incrementa toda a discussão sobre cidadania, entendendo que não é
melhorias – ou o desejo delas – a uma postura paternalista por parte do poder público. São
indivíduos que não conseguem desenvolver uma consciência política sobre os processos de
participação política e cidadania ativa, e mantém uma relação alienada e conformista com
o poder público.
Perguntamos aos entrevistados qual a percepção que eles têm de si mesmos e o que
pensam sobre a percepção que os outros, que não moram nas comunidades, têm deles.
Pensamos nestas questões como uma forma de investigar a vivência do preconceito. Até
porque estamos tratando de grupos que conseguem se organizar para reivindicar coisas, são
367
3.1- Percepção do entorno – pelos moradores e trabalhadores
um emprego no centro da cidade e quando dei meu endereço, perdi o emprego no mesmo
ao pensamento preconceituoso de que tudo que não presta está nas vilas, que marginal e
ladrão moram em vilas, logo, todos que moram lá não prestam também. Esta percepção é
bem real para os moradores que moram nas comunidades pesquisadas, ou seja, eles sabem
que as pessoas do entorno pensam isso, mas alertam para o fato de que nem todos os que
moram nas vilas são bandidos, também há gente honesta, que trabalha e é de bem.
Enxergam como marginais, inclusive motorista de táxi não entra lá na vila por que
tem medo. Somos reconhecidos como as menores pessoas, por ser pobres e pelas
pessoas mesmo que moram ali e fazem atos... e às vezes vem de outras vilas mesmo e
ali matam, roubam, tiroteiam e aí as vilas ficam difamadas como marginais,
faveleiros. A maioria é trabalhador. (Bárbara, trabalhadora da Unidade).
A vila fica difamada por causa dos pontos de droga, a comunidade da volta tem uma
visão ruim e agrupam todo mundo. (Pedro, morador).
Já deixei de receber uma mensagem ao vivo, não vieram porque era na Tuca
(Lisiane, trabalhadora da Unidade).
Se eu convido as pessoas pra vir na minha casa, alguns dizem: ah não! Na Tuca eu
não vou, tem tiroteio, ladrão... mas isso tem em todo o lugar... (Taís, trabalhadora
da Unidade).
Tem algumas pessoas que tem até medo de vir pra Restinga. Mas antes escutavam
que assaltaram e mataram fulana, falavam na Restinga e as pessoas nem queriam
saber. (Bruna, trabalhadora da Unidade).
Mora na Dique, é tudo gente que não presta. Só podia ser maloqueiro da Dique...
Há preconceito. Nas lojas também, não pode abrir conta por que não tem carteira
assinada... No shopping, também as pessoas ficam por perto, deixam a gente
368
sestroso, ficam cuidando. Isso magoa a gente, a gente não tem dinheiro para colégio
particular e o tratamento é diferenciado. (Vitória, moradora).
A fala de Vitória nos remete pensar também que o entendimento que ela tem é
distorcido e exacerbado pelo preconceito vivenciado, ela não pode abrir conta por que não
tem carteira assinada, mas isso não é porque ela mora em vila, mas por que é uma
Joana também reforça a idéia de que as pessoas têm uma visão muito distorcida de
quem mora nas vilas: a opinião é péssima [sobre a Vila Dique] em relação ao comércio, o
pessoal não entrega a mercadoria por que os da ponta roubam os caminhões das lojas. As
lojas não entregam, Arno, Arapuá não entregam, por que o pessoal do início da Dique
Apesar disso, gostam de morar na vila, pela conveniência de morar sem pagar luz,
água, e outras obrigações tributárias: ... não paga água, luz, tem área verde, gostam daqui,
os que podem, saem mas voltam por que gostam da vila (Joana, moradora).
Ela confirma que há um grupo de meninos que assaltam os caminhões e isso é conhecido
por todos e por isso as lojas não fazem entregas: a dificuldade é só com os meninos que
roubam, mas todos se dão bem, às vezes jogam pedra no galpão (Vitória, moradora).
Tamires relata que o sentimento que as pessoas têm em relação ao lugar que eles
moram, também é sentido por eles quando eles se deslocam pra outra comunidade
desconhecida: quando a gente chega numa outra vila, a gente tem medo, acho que é assim,
Unidade).
369
bagunceiro, muito festeiro, muito alegre, então quando alguém vê um povo assim dizem
...não gosta da gente porque eles fazem muita baderna, muita coisa o que acontece
cai tudo na gente, aí uns pagam pelos outros, aqueles que não tem nada a ver pagam
por aqueles que fazem (Pedro, morador).
mundo a sua volta, vivem o seu mundo, numa postura de esperar que as coisas aconteçam
ou de simplesmente viver cada dia: acho que eles acham bom, né, é que nem todos são
preconceituosa, também denuncia que a pobreza é conveniente tanto para o pobre como
Tem muita gente que ganha vantagem em cima do pobre, se promove e depois nem
lembra mais de quem foi... Alguns concordam com a idéia preconceituosa, mas não
fazem nada e não resolve nada, é cada um por si e Deus pra todos... No final do ano,
na Dique, não precisaria o negócio da fome zero, ninguém passa fome. Bah, tu mora
naquele bairro que é muito perigoso, a maioria dos que tão lá, não são bandido, são
trabalhador, tem gente de bem... (Patrícia, moradora).
Se eu saio suja, todo mundo ajuda, me dão cesta básica, me dão roupa, comida... se
eu me arrumar e sair, ninguém dá nada, se eu tô bem vestida ele não dá, é muito
mais vantajoso ser um mendigo porque daí ganha coisas, eu suja e outra pessoa
limpa, aí quem ganha é a que tá suja.... (Patrícia, moradora).
porque uns trazem doações... nos remete a pensar que o nível de entendimento que ela tem
é que não sente o preconceito por que as pessoas trazem coisas, o não trazer, o não olhar, o
não perceber é preconceito... por que há uma queixa por que nem todos trazem e nem todos
ajudam.
Sandra trabalha na Vila Dique há muitos anos. Ela fala com propriedade sobre a
370
autonomia, a participação, a emancipação. Sandra comenta que muitos não querem mudar,
Tem uma coisa que tem a ver, que é a forma como estas pessoas se vêem na
sociedade... se alguém der qualquer coisa pra eles, eles se ajoelham... a gente tem
trabalhado (com outras entidades que trabalham lá na vila) no sentido de que as
pessoas parem de dar coisas pra eles, porque você só prejudica, é claro que as
pessoas têm necessidades imediatas, mas é uma preocupação muito de quem não
conhece esta realidade. Ninguém morre de fome na Vila Dique, nem numa cidade
como Porto Alegre, mas dar coisas, distribuindo cestas básicas, faz com que a visão
de inserção que as pessoas tem da sociedade é que “os bondosos vem e dão coisas
pra eles, e os maus não dão coisas pra eles”, e isso é excluir, no Natal é chocante...
as pessoas vêm, param seu carro aqui, ou porque fizeram promessas, ou porque são
boas de coração (ironizando), ou querem ter um Natal mais perto de Jesus
(ironizando). Então como as crianças atacam o carro, eles passam e jogam, porque
tem medo, então elas não saem de dentro do carro, e jogam, elas querem doar e tem
medo, então elas querem dar pra nós e tem medo... e as pessoas da vila, por sua vez,
reagem exatamente assim, se você organiza um tipo de ação, as pessoas passam a
atacar, a exigir que recebam e se você tenta propor que façam alguma coisa pra
receber, existe um rechaço...é uma visão ruim que as pessoas têm, então entra a
questão política... qualquer candidato que vier e oferecer cesta básica, as pessoas
dão o seu voto e o seu agradecimento eterno... aquele cara é bom... mas o Deputado
tal vai dar isso ou aquilo pra gente. E é como eles votam, em quem eles votam, em
alguém que vai fazer pra eles... é assim que eles se vêem: é uma posição de vítima e
de exclusão... “eu fui no posto consultei e não tinha remédio pra tomar (dado) então
eu não tomei remédio, bom, tem o agravante de que não tem dinheiro, mas a questão
é que não foi discutido que eu podia buscar e tal...” Na época de eleição dá muita
raiva, porque tem partidos que vem dar coisas, outros vem fazer discussão... e as
pessoas perguntam “o que que tu vai me dar”. A sociedade reforça este tipo de
exclusão, por exemplo, a política de bolsa, de você incluir as pessoas em políticas de
bolsa, está no caminho errado, eu entendo isso (do Governo querer fazer alguma
coisa), mas enquanto você tiver dando coisas pra umas pessoas, ou incluir as
pessoas numa bolsa porque elas são pobres, ou porque são desnutridas, enquanto
você tiver isso como critério pra incluir essas pessoas para ganhar alguma coisa,
você está excluindo, mas quem faz as políticas não está aqui, e não entende isso...
(Sandra, técnica).
Há uma idéia reforçada pelo entorno de que pobre tem que morar à margem da
cidade. O ideal é que estejam afastados do centro, para que as pessoas não precisem se
deparar com o fracasso da sociedade pela qual todos somos responsáveis. Esse preconceito
371
motivou uma das críticas que o Governo Municipal sofreu em relação à política
cidade. É o que acontece com a Vila dos Papeleiros, por exemplo, na qual a vivência do
preconceito é forte:
Quem não conhece, não sabe o trabalho que a gente faz ali, é como se fosse um
bando de marginais, não enxergam a gente como gente... Tinha uns amigos que
falavam dos papeleiros, e eles não sabiam que eu era papeleiro e que morava na
vila, e um dia desafiei os caras para ir na vila... e eles chegaram lá e todo mundo
tava trabalhando numa sexta-feira à noite e eles disseram bah! o que que a gente
pensa de um povo que a gente não conhece! Os que fazem baderna são os que se
infiltram no nosso meio porque a polícia não entra. Porque se a polícia entrasse
mais seguido dentro das vilas, não seria o quadro que eles pensam... Uma coisa que
eu não posso controlar mas eu sou contra é quem vem traficar... que é um cara que
vem de fora e fica ganhando dinheiro... se a polícia tá sabendo que eles traficam ali,
a nossa segurança tem uma falha neste sentido... parece até que eles tão ganhando
um troquinho com isso aí... (Augusto, trabalhador da Unidade).
um marginal, agora enxergam como a pessoa que trabalha, que tem uma vida tranqüila,
antes tinham medo da gente, agora até cumprimentam a gente, antigamente a gente ficava
arisca também, mas o que é que eu fiz? A gente pensava. Por que esta gente tá nos
olhando assim? No comércio, eles nos tratam melhor, atendem muito bem... hoje as
respostas foram bem variadas, desde respostas de âmbito mais individual até a percepção
372
enquanto uma comunidade. Nilda justifica as críticas ao seu trabalho assistencialista,
dizendo que as pessoas não entendem, ou seja, na percepção dela, ela está correta e se há
alguém que a critica, o problema está no outro e não na sua ação: as pessoas que fazem
críticas do meu trabalho, são pessoas sofridas, que não entendem e que não sabem do meu
trabalho na comunidade (Nilda, moradora). Até por que ela, como presidente do Clube de
A comunidade pede bastante ajuda... quando a gente tem a gente dá... nós atendemos
a mãe, o adolescente, a criança e o bebê... tem a Pastoral da Criança, da Saúde...
são pessoas que querem melhorar, querem aprender, hoje eles sabem que a Entidade
está com as portas abertas e eles querem aprender, eles sabem que não se ganha
nada, a gente dá uma sacola de comida... no começo a gente chamava dando, aí
depois eu acho que se ensinar a pescar é melhor... “Pra trabalhar com a
comunidade tu tem que gostar, primeiro tu tem que gostar de ti... pra depois tu
trabalhar com a comunidade, se tu gostar de ti tu vai gostar do serviço que tu faz e
aí tu vai gostar da comunidade...” (Nilda, moradora).
Muitos se percebem como pessoas dignas, trabalhadoras, até por que hoje, eles têm
um trabalho e tem moradia, ou seja, as políticas públicas são responsáveis pela percepção
positiva das pessoas, pela auto-estima elevada: acho que a maior parte se enxerga como eu
me enxergo, digno, batalhador, um lutador, um cara digno, mas nem todos pensam como
...aqui na Restinga tem marginal, tem ladrão, mas isso tem em tudo que é lugar...
se o povo for civilizado, vai se dar bem e vai ser sempre civilizado, se eu for ladrão, vou
é de fazer, faz mesmo... Quem mora aqui, mora há 50 anos, é difícil não se conhecer
373
população... hoje a visão mudou um pouco... antes só chamavam os papeleiros de
maloqueiros, “então porque os papeleiros iam se arrumar, se cuidar se eram
maloqueiros mesmo”, mas a gente começou a passar a visão de que a gente trabalha
para a nossa mãe Natureza, que a nossa mãe Natureza está desgastada, a gente está
contribuindo para a sociedade, fazendo um trabalho de grande importância não só
pra Porto Alegre mas para o mundo, que está virado só em edifício, prédios e lixo!
Agora não, a gente recicla o lixo... se a gente não reciclasse o papelão eram mais
árvores cortadas, a nossa bauxita, que é um minério ruim de extrair, a gente recicla
as latinhas e o nosso papeleiro sabe disso... hoje já tem a consciência ambiental e
tem a econômica também porque dali ele tira o sustento da sua família... (Augusto,
trabalhador da Unidade).
... é uma comunidade muito batalhadora, com esperança de que os filhos, através do
estudo, se tornem pessoas melhores, com mais chance de trabalho, melhor moradia,
de forma geral, a comunidade é muito correta, muito justa nas suas leis e tem um
respeito muito grande em relação à escola (Adriana, técnica).
do abandono:
374
Não me envolvo muito, fico muito dentro de casa, agora acho que antes as pessoas
até tinham medo de sair pra rua (Estela, moradora).
Na rua era outra coisa, aqui é uma coisa muito boa... lá na rua a gente sofre muito,
na rua você aprende a roubar: eu roubava, eu cheirava, eu fumava, eu bebia... a
dona Tatiana fez eu parar, eu brigava, ela foi uma mãe para gente... se a gente parar
pra pensar, muita coisa ela ensinou para gente. (Roseli, trabalhadora da Unidade).
(Valdomiro, trabalhador da Unidade), tanto pelas pessoas do entorno, como pelas pessoas
da própria comunidade; ... a gente se dá com todo mundo não tenho nada que reclamar.
Reclamei para não entupir o arroio, o bueiro, as pessoas não colaboram, tem que
continuar jogando lixo no arroio...Tem muitos que juntam, trazem o lixo já separado e
de não ter classe, mas para a comunidade, isso é sinônimo de festa, de alegria, de estar de
bem com a vida: acho que as pessoas são bem agitadas, quem não é assim, não consegue
viver aqui na Restinga, é festa e festa, sempre tem movimento, sempre tem evento, se você
não gosta de barulho não consegue viver assim, não se adapta. (Magda, moradora).
na maioria dos casos, comentam que a comunidade poderia ser mais unida, que poderia
a percepção é boa, mas poderia ser mais unida. Poderiam se articular mais. Quando
a gente se torna uma liderança, não tem mais lazer, falta companheirismo, falta
união, ou seja, a comunidade deixa tudo pras lideranças, não ajudam. Há
movimentos individuais pra resolver problemas, se tornam coletivos se há uma
liderança que organize (Silvio);
375
... é que tem isso também das pessoas conseguir emprego e daí a dica para outro ir
roubar. É a gente aqui dentro que tem que mudar esse conceito Aqui quem tem mais,
se sente o dono quem tem mais, não tem lixo no pátio. Esta comunidade dá nos
nervos. São muito descansados. A vida deles é receber... a maioria não quer se
envolver com os problemas da comunidade (Patrícia, moradora).
difícil fazer com que as pessoas entendam a importância de colaborar, de forma que todos
... hoje se sentem bem, antigamente não davam seu endereço de morador da Tuca ou
não gostavam de quem era morador da Tuca. Tem a característica dos que moram
da rua D pra baixo, são os moradores mais antigos da vila que por si só são os
brigões, que reclamam, que não participam, que tu passa pela rua deles, e eles vão
te reclamar um monte de coisas, cobram, mas se for um momento difícil, se estamos
com problemas, esses vem em peso para defender as propostas da comunidade. O
pessoal da rua D pra cima, que é o pessoal mais novo, que se acham os melhores, já
tem mais conservadores, batizaram uma área da Tuca de cantos, que é o pessoal
mais pobre que tem carroceiros... esses são mais de participar da festa social,
reuniões ou pra uma festividade, quando tem uma autoridade ajudam, participam,
mas é diferente, é um outro nível de participação. E tem o grupo do esporte que é
muito forte, que tem nove grupos, mas atuantes mesmo são cinco grupos. (Elira,
moradora).
... tem uma camada que ainda não conseguiu perceber o crescimento das coisas
boas e que eles podem tirar proveito ainda dos espaços que a comunidade oferece,
não tem a clareza que a gente enquanto dirigente tem do crescimento, aconteceu
muita coisa boa, só o fato das pessoas irem pra faculdade, das pessoas sonharem e
realizarem ...(Serlene, moradora).
com a comunidade é tanta, que eles acabam esquecendo deles mesmos, mas são atitudes
que valem a pena para melhorar a situação da comunidade e também é uma forma de
trabalhar sua auto-estima, pois estas lideranças se tornam importantes para a comunidade, e
tem uma respeitabilidade e credibilidade que é conveniente para as lideranças: ... a gente
desenvolve tanto as questões comunitárias que a gente até esquece da gente, mais tá junto,
376
muito a questão consciência, integração, mas aos poucos a gente vai fazendo (Silvio,
trabalhador da Unidade).
envolve ações coletivas, ações que revertam benefícios para a comunidade, para o coletivo
e não apenas benefícios individuais. Sendo assim, afirmamos que a organização dos
* seja pelos que não participam, mas que forçam uma atitude do poder público de
* seja com os que não acreditam e não participam por razões partidárias, ou por
interesses de manter o status quo de vileiros para continuar garantindo o círculo vicioso
das doações.
árduo e as pessoas que trabalham com a comunidade – no caso de Montero, quem faz
psicologia comunitária – tem que estar conscientes que, precisamente por que é um
processo cujos atores principais são as pessoas da comunidade, não depende dos planos,
desejos ou interesses dos profissionais: ...el tiempo del proceso no necesariamente coincide
377
Analisemos, primeiramente, a fala de Lígia:
... para que os moradores se sintam representados, se não se sentem por aqueles
líderes, colocar outros. É sempre fortalecer a necessidade de que aquela
comunidade tenha uma forma de organização, representativa, o mais legítima
possível, para que todos os processos sejam respeitados. Sempre se trabalha neste
sentido, tentando aprimorar, quando tem reassentamento que tem diferentes
comunidades, fazemos trabalho mais diferenciado tentando aproximá-los e criar
vínculos, com visitas orientadas, encontros... para que já possa ir se acostumando,
se interando, e depois de reassentados, fazemos atividades mais intensas no sentido
de criar uma associação entre aqueles que foram reassentados. (Mariana, técnica).
geográfico. É uma vila que está para ser deslocada a, no mínimo, quinze anos. Não é
378
possível demandar obras porque é uma moradia provisória, os moradores estão em uma
área de risco, e é uma população que tem um discurso e uma postura assistencialista muito
forte. A Vila Dique é um reduto para campanhas eleitoreiras conhecida na zona norte da
cidade. Os moradores trocam com grande facilidade seu voto por comida, roupa, ou
qualquer outro tipo de doações. Sandra mostra um pouco da radiografa da Vila Dique:
É uma comunidade muito pobre, extremamente pobre, uma das mais pobres de Porto
Alegre, porque eles realmente vivem à margem da cidadania, a maioria das pessoas,
a grande maioria mesmo vive na informalidade, a nível de trabalho, de direitos, eles
não acessam direitos fundamentais que a gente tem e eles não tem. No lazer por
exemplo, eles não acessam os direitos de lazer comum a qualquer comunidade de
Porto Alegre, e com isso vem o atraso cultural... a grande maioria veio do interior e
se adaptou na cidade e se adaptou a uma cultura de sub-cidadão, eles não se
adaptaram aquela idéia de você morar em uma cidade grande e por isso ter direitos,
participar, estar incluído. É uma população que se caracteriza pela exclusão e esta
exclusão vem da sua origem desde que eles vieram pra cá eles já vieram numa
situação de exclusão, eles nunca fizeram parte desta cultura, e com tudo isso vem as
outras coisas, eles são desorganizados, não tem uma cultura de organização, de
lutar pelas suas coisas, não buscam isso. Já houve tentativa de trabalho com eles no
entendimento do que representa a Reciclagem para uma cidade como Porto Alegre,
mas eles não sentem isso, eles não vêem isso, eu vejo isso, pra eles é sobrevivência...
até o lixo não tem pra todo mundo... até pra você catar você tem que ter
determinados recursos... você nao pode sair da Vila Dique e trazer papel nas
costas... tem que ter um mínimo de condições mesmo para ser catador... e aqui tem
famílias assim: há famílias que catam no lixo do vizinho... o vizinho ganha 10
centavos e você ganha um décimo disso ou a possibilidade de ter um prato de
comida... a gente dá uma importância para reciclagem, mas eles não têm essa
visão... a gente já trabalhou muitas vezes com a questão de limpeza da vila, em
parceria com o DMLU, de trabalhar com Educação Ambiental... as pessoas não
cuidam, viver no lixo é um costume, e isso é uma exigência minha e não deles. Então
o pessoal da saúde procura trabalhar como as pessoas percebem o seu ambiente...
as pessoas não reciclam, as pessoas atiram o seu lixo no valão... e o lixo que vem
pra reciclar, o que não é reciclado, é deixado ali no rio... eles não entendem da
mesma maneira que eu entendo... é dramático porque a saída não é só de fora, é
também interna deles, você conseguir mudar esta visão para quem está numa
miséria desgraçada, é complicado...(Sandra, técnica).
Para Mirela, a comunidade com a qual ela trabalha, é muito carente, dependente e
submissa. Tem uma visão muito negativa, mas talvez, realista, da comunidade:
Sempre sabem lidar, tem um espírito de só receber como se as pessoas estão fazendo
um favor. O que é da comunidade não é meu, então eu posso destruir. Eles não tem
379
um espírito de cuidado, de coletivo, acham que o profissional tá ali e eles tem que
falar o que eles querem! ... a comunidade é muito carente, por mais que eles estejam
aqui na segunda Ilha, pertíssimo do centro, tem crianças que não vão ao centro, que
não tem conhecimento tão muito bitoladas no trabalho (reciclagem) e esse mundinho
da escola. Por um lado eu vejo muita violência, mas também é uma forma de
proteção. Eles se protegem antes de serem agredidos, eles já agridem, que é o que a
gente sofre aqui, mas você vê com o tempo, pessoas carinhosas, amorosas, gratos
pelo trabalho que a gente faz, pela atenção que a gente procura dar pros filhos e
pros netos. Mas é muito carente, financeiramente, culturalmente, eles não tem nada
pra fazer aqui, se não é a gurizada, se não é a escola, eles não tem nada pra fazer...
tem um clube, que eles vão à noite, não é um clube, é um salão que normalmente tem
festas, imagina o que são as festas, e é por isso que tem um monte de gurias
grávidas... perdemos muito nossas alunas aqui...(Mirela, técnica).
Doralina, que trabalha na mesma comunidade, tem uma visão um pouco diferente.
investimento que se faz nessa comunidade. Se eu penso que eles são carentes, pobres, uns
coitados que não querem nada com nada, a probabilidade de eu não investir nesta
comunidade por que eles não vão mudar mesmo, é muito grande! Por outro lado, se eu
mudança, meu trabalho estará direcionado para despertar isso na comunidade, mesmo que
eu tenha dificuldades, mesmo que tenha resistências, mesmo que eu não consiga atingir a
todos:
Cada dia é diferente, a comunidade é bem dinâmica, assim como a gente, a relação
é de constituição, de troca, a proposta é sempre de mudança, a partir daquilo que se
quer mudar, às vezes o que a gente quer mudar não é o que eles querem mudar e
vice-versa, mudança de algumas coisas que se identifica junto que não tá legal né...
a imagem, por exemplo, de que lá na Ilha são vagabundos ou ficar apanhando
dentro de casa, então se trabalha em cima disso, então há uma transformação de
todos (comunidade e trabalhador social) neste processo, a percepção da
comunidade não dá pra ter, o que tem é uma vontade de trabalhar junto, sentimento
de impotência, de mudança, de dificuldade de enfrentar estas mudanças em comum;
medo que as pessoas tem de enfrentar estas mudanças. Relação da FASC com as
entidades: a política precisa ser construída com os representantes... é diferente, lá
na Ilha, nós da FASC estamos dentro da comunidade, então estamos bem mais
próximos, na Farrapos é mais institucional, o público é mais apático então é uma
relação de pedir mais do que estar trocando... e na Farrapos não é a comunidade
380
que vai, discute e vai representar a comunidade, a Farrapos tem um representante
que se diz representante e na verdade não é. ... me angustio do que vai acontecer
com o meu trabalho... de como isso vai ser multiplicado e tal... é um peso ser esse
profissional que também é frágil, que também sentem tem dificuldade, etc... Na Vila
dos Papeleiros, a relação é bem individualista, bah! eu sei onde tu mora, eu vou
botar fogo na tua casa... muito impregnada a idéia de que eu sou maloqueiro, sou
vagabundo mesmo, todo mundo tem medo de mim, então tu também vai ter... e eles
tem ganhos com isso também, porque eles estão aqui no centro, eles se sustentam
muito bem neste lugar, e aí é difícil tu mexer pra mudar... ali eles são muito bem
organizados, é bem claro, os lugares de poder diferenciados, eles se construíram
assim... então tem uma organização bem clara, não é só a questão de vitima, mas
pra eles tem uma organização bem definida (Doralina, técnica).
A alienação não é apenas por parte dos moradores, também pode ser por parte dos
... como esse ano minha turma são os pequenos, a minha turma e toda dá até gosto,
esse ano dá para dizer “a elite da Dique”, eles vem vestidinhos, vem com tudo, com
merendinhas, com salgadinhos, tu olha e não diz que mora lá, e tem aqueles outros
mais pobrezinhos né, e aquele que puxa coisa do lixo, vem sujinho, mas a maioria
são fofinho (Mercedes, técnica).
popular, pois entendemos que há uma diferença fundamental não apenas em termos de
OP, além de viabilizar a gestão compartilhada de modo que a população ajude a decidir
381
estabelecimento de metas para ações coletivas, tampouco implica compromisso com os
outros em termos de busca por melhorias para a comunidade. Para nós, esses elementos
diferenciam a participação popular da política, pois a participação popular pode ser apenas
conseqüentemente, nas ações coletivas. Para nós, a participação popular não implica em
382
ou seja, as pessoas participam dos fóruns e do OP para conseguir coisas. Há uma
conseguir o que se precisa. Identificamos, portanto, que a relação com as políticas públicas
da cidade é de assistencialismo, ou seja, é o Governo tem que prover, mas, uma vez que a
participação é condição para conseguir coisas, então os indivíduos participam até esse
limite.
OP, mas esses são canais de interlocução com o poder público e outras instituições/ONGs
para além do conseguir coisas. A participação política fornece elementos para a formação
ativa.
política
participação popular, autonomia, o partido que levou isso para a população perde as
Administração Municipal, o partido político que lhes proporcionou todo esse aprendizado.
ampla: há várias razões que pelas quais isso aconteceu. E não é nosso objetivo, nesta tese,
383
de opções que levaram ao resultado das urnas e, principalmente porque é a justificativa que
Na verdade, Augusto denuncia a perda da confiança, talvez o mesmo sentimento que tenha
Além da perda de confiança, o que queremos destacar da fala de Augusto é que ele
indica que o outro candidato não agrediu, as pessoas estão cansadas das baixarias na
política, não se toleram mais o jogo de ficar acusando o outro; foi assim no Estado,
enquanto Tarso brigava com Britto, Rigotto manteve um discurso plácido, que o levou a
vitória nas eleições para o governo do Estado. As propostas de campanha não eram tão
convincentes como demonstrou ser seu caráter. Ora, as pessoas não aprenderam a ter
104
Comentário dos entrevistados e divulgado em pesquisas na mídia impressa.
384
aprenderam isso, certamente esses valores vão buscar nos candidatos. Nossos entrevistados
também afirmam isso, muitos votam pela proposta do candidato e não tanto pelo partido
político.
Não entraremos na questão das siglas partidárias, mas sabemos que o movimento
professor, com uma carreira política consistente, poeta, compositor de músicas dedicadas a
Porto Alegre, inclusive, que utilizou a mesma estratégia de Rigotto, ou seja, não atacou e
não respondeu às críticas, além disso, prometeu que não ia tirar o OP. Ora, uma população
que estava conseguindo ver os vícios do partido, os vícios do OP, que estava demandando
moradores, a opção consciente que eles fizeram e, de uma certa forma, a insatisfação com
... sobre a mudança de partido nas eleições municipais... é difícil te dizer isso, do
ponto de vista da minha carreira funcional, eu tenho vários medos, porque trata-se de
compromissos absolutamente diferenciados, muito mais pro mercado, muito mais
com serviços privatizados, muito mais pra um rechaçamento do serviços públicos, do
ponto de vista de políticas públicas, tenho receio de que a gente tenha retrocesso na
construção das políticas, porque você pode ter brilhantismo na proposta, mas ela não
vai ser efetiva se ela não tiver uma construção por parte daqueles que são o público
alvo destes projetos.... que estes fóruns, que estas instâncias de participação popular
385
que não tenham a mesma valoração e acabem por isso se esvaziando e acabem se
extinguindo naturalmente sem que haja um decreto pra isso... ponto de vista de
moradora da cidade, eu tenho a impressão de que talvez porque nós não tenhamos
conseguido traduzir pra aqueles que não são beneficiados pelas políticas públicas, a
importância do trabalho com as camadas populares... dar este empoderamento... A
cidade fez essa opção, queria mudar, queria sangue novo, eu acho que talvez a cidade
tenha condições de no próximo período perceber exatamente que opção foi essa. Eu
não sei se isso tá muito claro, houve essa questão de lidar com esse imaginário de
mudança, que mudança é bom talvez algumas pessoas tenham e é claro né, nós temos
que considerar que uma parte da população se sente agredida, não concorda com
esta política, não se sente contemplada, e acha errado... tem que deixar de trabalhar
com esses vagabundos etc... o ideal pra determinada parcela da população é que a
população marginalizada das vilas sejam jogadas na periferia da cidade, onde tu
implementar uma política diferente dessa, efetivamente, tu entra em conflito com
determinadas camadas da população, então evidentemente não agradava a todos...
(Mariana, técnica).
... parece que aquele slogan do Fogaça: fica o que tá bom, muda o que não tá,
pegou. Eles vão cobrar isso, acho que tem a insegurança e preocupação, é normal
no momento de transição, mas teve um fortalecimento do movimento comunitário e
eles sabem o seu lugar agora. O próximo governo vai ter uma oposição bastante
forte dentro de partidos e olhares bastante precisos da comunidade, pra garantir o
que já tinham e mudar o que não tá bom, e é isso que eu tenho ouvido. (Doralina,
técnica).
decepção com a atitude do partido nas eleições estaduais, quebrando o voto de confiança
que a população tinha dado ao partido. Percebemos também que as pessoas deixam de
discutir política por associar isso com a questão partidária. Por isso, é comum escutarmos
frases do tipo: futebol e política eu não discuto; eu não gosto de política; política não serve
pra nada.
depoimento que ilustra o que normalmente acontece nas escolas, ou seja, os professores
não se manifestam politicamente, tampouco, discutem política na sala de aula: ... percebi
muito pouco na época da campanha, tem o porteiro que é filiado a algum partido, ele
386
trabalhou um pouco, muito superficial, os alunos não falavam de política. Nos
perguntamos como desencadear a participação política sem discuti-la – a escola, que é uma
instituição que deveria tratar assuntos do cotidiano das pessoas, acaba negligenciando
política... desta forma, o aprendizado da participação política fica por conta de outras
instâncias, como por exemplo, no caso do OP, assim, os que não tem acesso, os que não
... até quando se falava em política, os alunos achavam que eu estava defendendo
algum partido, mas não é, eu estava mostrando algumas posições, plataformas, a
gente evita como funcionário público ficar falando, a escola pede que a gente evite
falar muita coisa, por que pode estar influenciando... eu vim com um adesivo e uma
aluna me perguntou se eu ia votar nesse partido, não era a minha intenção ficar
influenciando, por ética, procuro não misturar... na minha disciplina eu digo que
eles têm que assistir a um telejornal, é o tema de casa e vale nota, aí eles reclamam
por que é o horário de outros programas... tudo é mais importante do que aprender
alguma coisa... (Mirela, técnica).
Mirela destaca a percepção que tem da comunidade, que pensa que eles são muito
passivos e desmobilizados: ... o que eu ganhar contigo, eu voto em ti, aqui aconteceu com
a direção da escola. Se eu tiver vantagens eu voto em ti. Porque eles são muito pobres,
eles não tem nada, eles não tem nada a perder. Aqui eles esperam muito tudo “vinde a
mim”. Porque a água lá pra cima é carregada por caminhão pipa, eles não têm água
encanada, vejo um grupo que é bem estruturado, que é o pessoal da limpeza. Com esse
significados que as pessoas formam sobre a participação política, que trata do estigma.
porque é muito forte no cotidiano deles, tanto entre eles mesmos, como vindo do entorno.
387
Acreditamos, contudo, que a identidade social de pobres é conveniente para quem é pobre -
por que ganha com isso, e para quem é rico - porque pode deduzir suas despesas do
Imposto de Renda, além de ficar de bem com a sua consciência, como dizem os
entrevistados.
o indivíduo vai ter. Já referimos, nessa tese, que a participação popular em si, já permite
uma atribuição pejorativa de quem participa, ou seja, o povo. E a tradução de povo, nesse
dessa participação. Sendo assim, o estigma está impresso não apenas em uma contexto
relação ao grupo ao qual pertencem, mas esse estigma está impresso também em um
contexto da participação.
seja, o grupo antigo na comunidade – se afirmar como superior e lançar um estigma sobre
os outsiders – ou seja, o grupo dos recém chegados – como pessoas de estirpe inferior, em
comunidade, ou seja, tem a ver com o grau de coesão das famílias. O sentimento do status
comunitárias.
principalmente, a questões sociais e econômicas. E podemos perceber isso não apenas nas
relações entre quem mora e quem não mora nas comunidades, mas também dentro das
388
aquisitivo e os que tem trabalho – por isso esses têm um status – e há os que não tem
condições nem disponibilidade de manter esse status, e por isso são estigmatizados.
Os próprios dados do OP confirmam que os dois grupos que não participam são a
provavelmente, seu estigma para ganhos secundários como desculpa pelo fracasso a que
chegou por outras razões. O estigmatizado pode também ver as privações que sofre como
uma graça secreta, especialmente devido à crença de que o sofrimento pode mostrar muito
Goffman aborda a questão dos “contatos mistos”, que são os momentos em que os
imediata um do outro, tanto durante uma conversa, como na mera presença simultânea em
uma reunião formal. E, para Goffman (1988:23) esses momentos serão aqueles em que
No nosso contexto de pesquisa, esses momentos dos quais refere Goffman, se dão,
na maioria das vezes, nas reuniões do OP. Por isso o OP é uma instância de tensão, no
complexidade desses elementos, por isso, acreditamos que utilizar o modelo de consciência
partir disso, identificar a diferenciação que já fizemos nesse capítulo de análise, daquilo
que denominamos participação política – que não é o mesmo que participação popular.
389
Nos estudos sociológicos sobre pessoas estigmatizadas, o interesse dos
pesquisadores está geralmente voltado para o tipo de vida coletiva que levam aquelas
pessoas que pertencem a uma categoria particular ou então aquelas pessoas que atuam
São pessoas com estigma, que têm, de início, um pouco mais de oportunidades de
expressar-se, são um pouco mais conhecidas ou mais relacionadas de que seus
companheiros de sofrimento e que, depois de um certo tempo, podem descobrir o
“movimento” absorve todo seu dia e que se converteram em profissionais (Goffman,
1988:35).
Em uma perspectiva psicopolítica, podemos dizer que nosso interesse é
compreender de que forma esse estigma é significado a ponto de interferir na vida política
indivíduos sustentam essa identidade social e, por isso, não conseguem se mobilizar
coletivamente.
dimensões da consciência política. Já foi dito que a consciência política se forma pelo
tem, e esse estigma pode ser um elo para a participação: o indivíduo participa porque é
pobre, marginal e necessita moradia... e, ao mesmo tempo em que participa, tem reforçado
o estigma, por que quem precisa reivindicar é quem não tem, ou seja, o pobre, o marginal,
Ao mesmo tempo, o fato de não ir ao OP também pode ser entendido como um não
querer misturar-se, por que não se identificam com esse grupo, logo, não vêem motivos de
390
estar lutando por uma causa comum, por isso não participam. Assim, o estigma de pobre
Serlene comenta que, na sua comunidade, algumas pessoas ainda não conseguiram
se engajar nos grupos que lutam por melhorias na comunidade: ... tem uma camada que
ainda não conseguiu perceber o crescimento das coisas boas e que eles podem tirar
proveito ainda dos espaços que a comunidade oferece, não tem a clareza que a gente
enquanto dirigente tem do crescimento, aconteceu muita coisa boa, só o fato das pessoas
Serlene valoriza as ações coletivas que os indivíduos são capazes de realizar para
inatingível. Agora, com o cenário do qual fazem parte, melhorado, as pessoas tem
Retomamos o que nos diz Augusto, sobre o preconceito que as pessoas que não
moram na comunidade têm dos que vivem na comunidade, para destacar a vivência
permanente do preconceito: ...quem não conhece, não sabe o trabalho que a gente faz ali, é
como se fosse um bando de marginais, não enxergam a gente como gente... Tinha uns
amigos que falavam dos papeleiros, e eles não sabiam que eu era papeleiro e que morava
na vila, e um dia desafiei os caras para ir na vila... e eles chegaram lá e todo mundo tava
trabalhando numa sexta-feira à noite e eles disseram bah! o que que a gente pensa de um
preconceituosa, não apenas em relação a si mesmos, mas no âmbito coletivo. A fala desses
391
dois entrevistados ilustra o que Tajfel (1981) refere sobre a relação dos indivíduos e sua
seu conjunto (tais como o seu estatuto, riqueza ou pobreza, cor da pele ou capacidade para
atingirmos os seus fins) atingem todo o seu significado quando relacionadas com a
diferenças. A privação econômica, por exemplo, adquire toda a sua importância nas
com outros grupos, a definição de um grupo (nacional, racial, ou outro) não tem sentido, ao
menos que existam outros grupos à sua volta. Um grupo torna-se grupo no sentido em que
conhecimento que ele tem de que pertence a determinados grupos sociais, juntamente com
o significado emocional e de valor que ele atribui a essa pertença só podem ser definidos
através dos efeitos das categorizações sociais que dividem o meio social do indivíduo no
De acordo com Tajfel (1981), se um grupo não oferece condições adequadas para a
essa função de proteger a identidade social dos seus membros, se conseguir manter a sua
392
é preciso criar, adquirir e, talvez, lutar por essa distinguibilidade através de várias formas
de ação social relevante. Noutras condições ainda, alguns ou quase todos os indivíduos de
processos de mudança social objetiva, na esperança de que possam conduzir a uma genuína
grupo que atualmente é definido sobretudo pelos seus atributos negativos quando
requer estudar as várias formas de agir como parte de uma seqüência de ações coletivas
que constituem esse fenômeno político. Nesse sentido, o enfoque deveria ser interativo ao
analisar as relações entre as diferentes formas de agir como partes de um processo político
de participação.
quando Sandoval (1994a) chama a atenção para o fato de que ainda se desconhece aspectos
393
fundamentais explicativos das mobilizações populares e os determinantes implícitos na
Além das conseqüências destes estigmas para as relações das pessoas entre si e com
organização comunitária são marcados, dentre outros fatores, por uma visão coletiva
manutenção dessa condição, mas também há a insatisfação dessa condição por aqueles que
desejam realmente mudar, ter um status diferente do que o de vileiro, que participam
porque se acreditam personagens importantes nesse cenário e que não se permitem mais
consciência política de Sandoval (2001), que trata dos sentimentos e justiça e injustiça.
avalia se estes acordos representam um nível de reciprocidade social entre os atores que ele
considera como justos. Com base em Berrington Moore (1978), Sandoval (2001) aponta
que a justiça social é expressa por meio dos sentimentos de reciprocidade entre obrigações
em termos de injustiça sempre que sentirem que o equilíbrio das relações de reciprocidade
forem ameaçados.
O nosso entendimento acerca dessa dimensão faz com que reforcemos a nossa
percepção sobre o movimento dos entrevistados, ou seja, à medida que o indivíduo percebe
que ser pobre, carente, vileiro, não é uma condição natural, que é possível qualificar a sua
independente de classe social, ele tem elementos para sustentar sua ação coletiva em prol
das melhorias para a sua vida, ele tem condições de compreender a dinâmica do contexto
394
social no qual está inserido, bem como entender a configuração das relações de poder, para
manutenção dessas redes. Quando a vila onde morava foi praticamente destruída pelo
não perderem o direito de voltarem a construir as suas casas nesse local. Percebemos que
associações querem um parque, um shopping... pra eles nós semos menos que lixo... então
pra garantir o espaço, nós nos dividimos, um pessoal ficou em barraca e tal... são umas 50
uma relação equilibrada de reciprocidade e que fazem com que os indivíduos percebam
que essa reciprocidade pode ser violada. Dessa maneira, uma grande parte dos critérios
alguma maneira, deixam de existir ou são violados, se estabelece uma situação de injustiça
Freqüentemente, diz o autor, notamos que toda reivindicação dos movimentos sociais vai
contra uma situação de injustiça, conseqüentemente, observamos que, por trás do que as
pessoas falam sobre sua participação nos movimentos sociais, em suas representações, se
395
ocultam referências à noção de injustiça que servem para legitimar suas reivindicações e
responsabilizar os adversários.
onde as pessoas foram agindo de maneira a minimizar as situações de injustiça social das
quais eram vítimas. Entendemos, entretanto, que a reivindicação para resolver uma
situação de injustiça precisa ser percebida como uma injustiça, caso contrário, não se
sustenta por muito tempo. É o que nos faz inferir que a participação política via OP se dá
representações do indivíduo. Rememoramos a fala de Serlene sobre isso: ... enquanto tiver
um governo que dê para brigar pelo Orçamento, a gente consegue de tudo. Com esta
forma de administrar, quando a gente consegue administrar junto, a gente vai conseguir
terminar algumas coisas na Tuca e outras nós vamos brigar muito ainda.
comunidade na qual vive, pois lhe traz o sentimento de minimizar as situações de injustiça
em que vivem.
coletivas dos indivíduos e das comunidades, nos remete inferir, mais uma vez a dimensão
coletivamente. Como já foi dito, essa é uma dimensão mais instrumental e se refere à
Essa dimensão tem as suas raízes nos estudos de Klandermans (1992) e enfoca três
396
participação ou não no movimento; a segunda diz respeito à percepção dos ganhos ou
terceira refere-se à percepção dos riscos físicos que implicam o engajamento em ações
– a participação é voluntária, ou seja, o custo da ida às reuniões é por conta dos indivíduos.
Logo, os indivíduos levam em conta até que ponto vale a pena gastar dinheiro e tempo. A
tendência é que, quando esses indivíduos pensam que não vale a pena, deixam de
participar, mesmo porque, não participando, eles acabam sendo beneficiados, caso alguém
probabilidade de participar. Muitos entrevistados relatam esse fato, ou seja, as pessoas vão
as dificuldades e limites do processo. Outros, desistem de participar por acreditar que esse
processo não trará nenhum tipo de contribuição e benefício para a sua vida.
397
CAPÍTULO VIII
confundir nosso leitor quanto aos significados importantes sobre a questão da participação
Essa necessidade foi desencadeada pelo fato de que pensávamos que havia
refutadas.
398
Percebemos, a partir do que disseram nossos entrevistados que, a participação
popular, assim como define a Administração Municipal, não garante o que chamamos
pretendemos, nesse trabalho, ser reducionistas, mas enunciaremos algumas hipóteses que
de cidadania, etc;
Recicladores, fazendo parte das reuniões do OP, isso não garante que os
Acreditamos, por isso, que as políticas públicas são importantes, que o efeito
399
Nos propusemos, ao longo dessa análise de dados, apresentar a idéia de que a
participação política é atravessada pela consciência política. Entendemos com isso que, à
espontânea, visto que o cotidiano impõe sobre as pessoas uma forma de pensar imediatista
Sandoval (1994) acredita que é necessária uma ruptura desta rotina cotidiana para
que possa emergir outras modalidades de consciência política, uma vez que visões de
nossos entrevistados, a qual nos faz inferir que, de fato, é importante uma ruptura com a
rotina cotidiana de modo que o indivíduo possa perceber o mundo de uma forma reflexiva.
400
Ao considerarmos diferentes aspectos que estão presentes no cotidiano dos nossos
atividades desempenhadas pelos indivíduos. Este cotidiano aparece, muitas vezes, como
natural, como a realidade do aqui e agora, guiado pelo senso comum. Se o indivíduo se
propõe a desafiar a realidade do natural deverá se propor também a alterar sua lógica do
senso comum para uma lógica teórica ou filosófica. Em geral, as pessoas tendem a viver
reciclam seu próprio lixo. Não há a compreensão de que a reciclagem é fundamental para a
pode ser percebido como natural, sem a necessidade de um posicionamento, e não como
espontânea das normas sociais e das estruturas definidoras do cotidiano. Essa alienação
401
encontra possibilidades de inserção na rotina cotidiana uma vez que pressupõe a ausência
O que alguns de nossos entrevistados vivem é um misto de não querer e não saber
submissão.
cotidiano que nossos entrevistados constroem seus significados, como o que é ser cidadão
maneira como vivem as políticas públicas. Esse foi um aspecto que detectamos no
são vivenciadas como algo do campo dos direitos, como uma possibilidade de ampliar a
ações coletivas.
se perceber como um ator político, e transformar a realidade social. Isso porque se trata de
402
percepção da realidade social as quais são passíveis de análise sistemática. Em outras
palavras, o esquema teórico proposto pelo autor, como ele próprio sugere, permite uma
hipóteses levantadas em outras seções dessa tese. Ao longo da pesquisa, percebemos dois
grupos distintos, no que diz respeito à participação política: o grupo dos que freqüentam do
403
visando a busca por melhorias sem aprofundar a questão da reflexão sobre os processos
políticos;
popular, justamente pelo partido político que incentiva a participação; e demonstram isso
participação popular, não por causa de algum partido político em específico, mas porque
não são engajados politicamente, e pensam que se envolver com política é perder tempo.
Reafirmamos, a partir dessas constatações, que as ações têm sua base nas vivências
que os indivíduos possuem ao longo de sua vida e de como ressignificam o seu cotidiano
através da ruptura que fazem com o seu cotidiano e, por isso, conseguem perceber as
indivíduo tem em relação ao seu grupo e que lhe permite criar e manter redes de
solidariedade e reciprocidade, assim como nos sentimentos de eficácia política que ele
atribui as suas ações coletivas, seja as metas e ações que estabelece para sustentar a
organização comunitária ou o movimento dos moradores das comunidades junto aos fóruns
de participação popular.
404
Outras ações relevantes são as crenças e valores societais que o indivíduo constrói
identificação dos adversários visíveis fazem com que os indivíduos percebam os interesses
sentimentos de justiça e injustiça social são expressos por meio dos sentimentos de
pesquisa, não há diferença entre os trabalhadores e moradores, pelo fato dos primeiros
estarem mais expostos a políticas públicas que os segundos. A diferença está na formação
da consciência política desses indivíduos, que os fazem mais engajados - ou não - nas
ações coletivas. Pelo exposto acima, ratificamos que o modelo de consciência política de
entrevistados.
reivindicações e opiniões, além de ser decisivo para a configuração de valores societais que
permitem aos indivíduos se fortalecerem enquanto atores sociais e políticos, bem como se
e a qualidade de vida.
405
nas ações e nos engajamentos dos indivíduos nessas políticas, assim como tampouco se
muito mais complexo do que as boas intenções do poder público podem conter. Nem
resolvido”.
beneficiam das políticas de uma forma individual ou coletiva. A questão que levantamos é
que essa interação apresenta diferentes níveis, ou seja, desde o mais instrumental, ou seja,
o participar por participar, pela “obrigação”, pela troca de benefícios e vantagens, até a
participação pela crença de que essa representa uma maneira de conquistar e garantir
Nesse sentido, afirmamos a relevância desse estudo para compreendermos que não
406
Ressaltamos, de igual modo, os indicativos de novas perspectivas de pesquisa nesse
Municipal de Porto Alegre, não garante engajamento em ações coletivas, não garante a
consciência política capaz de fazer com que esse indivíduo continue participando em
407
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415
ANEXOS
416
ANEXO I: Questionário com moradores
Dados pessoais
Nome: ________________________________________________________________
Idade: _________________________________________________________________
Profissão: ______________________________________________________________
Estado civil: ____________________________________________________________
Escolaridade: ___________________________________________________________
Naturalidade: ___________________________________________________________
Tempo em que mora na comunidade: ________________________________________
Onde vivia antes – cidade e/ou bairro de Porto Alegre: __________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Razões que o levou a vir para Porto Alegre e/ou escolher este bairro: _______________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Observações: ___________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
417
ANEXO II: Questionário com técnicos
Local:_________________________________________________________________
Data:__________________________________________________________________
Dados pessoais
Nome: ________________________________________________________________
Idade: _________________________________________________________________
Profissão: ______________________________________________________________
Escolaridade: ___________________________________________________________
Naturalidade: ___________________________________________________________
Secretaria ou Departamento em que trabalha: __________________________________
Tempo em que trabalha neste setor: _________________________________________
Cargo ou função: ________________________________________________________
Observações: ___________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
418
ANEXO III: Entrevista com moradores
1- Quais as atividades culturais, esportivas e de lazer que Porto Alegre oferece (durante a
semana e nos fins de semana) que você costuma aproveitar?
2- Quais as programações culturais que a comunidade organiza e/ou oferece para seus
moradores?
3- Quais as suas perspectivas de vida? (Em termos de expectativas e possibilidades de
realizações pessoais)
4- Quais as perspectivas de trabalho?
5- O que é ser cidadão?
6- O que é exercer a cidadania?
7- Como é viver em Porto Alegre?
8- Quais os pontos positivos e negativos de morar em Porto Alegre?
9- Como é viver em seu bairro/em sua comunidade?
10- Quais os pontos positivos e negativos de morar nesta comunidade?
11- Costuma ir ao Orçamento Participativo?
12- Acha o Orçamento Participativo importante? Porque?
13- Como acha que as pessoas que não moram aqui os vêem?
14- Como acha que as pessoas que vivem aqui se enxergam?
15- Como as pessoas se relacionam entre si na comunidade?
16- Como percebe a comunidade na qual vive?
17- Qual o papel / importância da Unidade de Reciclagem de Lixo para os moradores?
18- Como é a relação da comunidade com a Associação de Bairro, Associação dos
Recicladores, ou outras entidades comunitárias?
19- Como a comunidade resolve os seus problemas?
20- Qual a preferência político-partidária?
21- Qual a melhor forma, na sua opinião, de conseguir as melhorias que se deseja para a
comunidade?
22- Como se deu a construção da Unidade de Reciclagem de Lixo, a Associação de
Moradores e a Associação das Unidades de Reciclagem nesta Comunidade?
23- Na sua opinião, qual o papel da escola nesta comunidade? E de uma forma geral?
24- A escola participa das atividades da comunidade? Intervém nos seus problemas? De
que forma?
25- Como é vista e trabalhada a questão da violência nesta comunidade?
419
ANEXO IV: Entrevista com técnicos
1- Quais as atividades culturais, esportivas e de lazer que Porto Alegre oferece (durante a
semana e nos fins de semana) que você costuma aproveitar?
2- Quais as programações culturais, esportivas e de lazer que a Secretaria/Departamento
em que você trabalha organiza e/ou oferece para as comunidades?
3- Qual a percepção que você tem das comunidades?
4- Como você entende/identifica a participação política destes moradores?
5- O que é ser cidadão?
6- O que é exercer a cidadania?
7- Como é viver em Porto Alegre?
8- Quais os pontos positivos e negativos de morar em Porto Alegre?
9- Como as comunidades resolvem, na sua opinião, os problemas que enfrentam?
10- Qual a melhor forma, na sua opinião, de conseguir as melhorias que se deseja/que são
necessárias para as comunidades?
11- Costuma ir ao Orçamento Participativo? Na sua região de moradia ou trabalho?
12- Acha o Orçamento Participativo importante? Porque?
13- Qual a repercussão do movimento dos moradores para as políticas públicas da
Administração Municipal ?
14- Como é a relação desta Secretaria/Departamento com as entidades representativas da
comunidade (Associação de Bairros, Clube de Mães e Unidades de Reciclagem de Lixo?
15- Como se deu a construção das Unidades de Reciclagem de Lixo de cada comunidade?
16- Como se deu a construção da Associação de Moradores de cada comunidade?
17- Qual o papel / importância da Unidade de Reciclagem de Lixo para os moradores?
18- Como se deu a construção das Associações das Unidades de Recicladores de cada
comunidade?
19- Como você percebe a preferência político-partidária dos moradores de cada
comunidade?
20- Na sua opinião, qual o papel da escola nesta comunidade? E de uma forma geral?
21- A escola participa das atividades da comunidade? Intervém nos seus problemas? De
que forma?
22- Como é vista e trabalhada a questão da violência nesta comunidade?
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Anexo V
Prezado(a) Senhor(a),
Atenciosamente
___________________________________________
Giseli Paim Costa
Doutoranda em Psicologia Social/PUCSP
End.: Av. Dom Claudio J.G. Ponce de Leão, 34/408
Vila Ipiranga, 91370-70. Porto Alegre
E-mail: giselipc@terra.com.br
F: (051)9961-5471
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Anexo VI
Prezado(a) Senhor(a),
___________________________________________
Giseli Paim Costa
Doutoranda em Psicologia Social/PUCSP
End.: Av. Dom Claudio J.G. Ponce de Leão, 34/408
Vila Ipiranga, 91370-70. Porto Alegre
E-mail: giselipc@terra.com.br
F: (051)9961-5471
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Anexo VII
Mapa da cidade de Porto Alegre com as especificações das regioes do OP.
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