Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Página 1 de 1
ASSUNTOS:
CONCEITO DE DIREITO
FILOSOFIA DO DIREITO
Para Limongi França, o direito pode ser entendido sobre quatro aspectos: o
primeiro, o direito como o justo; o segundo como regra de direito; o terceiro
como poder de direito e o quarto como sanção de direito.
E, por fim, como sanção de direito, onde se discute o fato de existir ou não
direito sem sanção, isto é, sem a força do poder público ou dos grupos sociais que o
torna obrigatório.
TEXTOS RELACIONADOS
Pela própria acepção da palavra, norma quer dizer regra, regra de direito, e
como toda regra é imperativa, impondo dever e fixando a conduta dos homens em
sociedade.
"(...) a valoração implícita da norma jurídica repousa sempre na própria idéia que
a inspira, indiretamente manifesta, por seu turno, na verdadeira estrutura orgânica que
a mesma obrigatoriamente apresenta - sem qualquer exceção -, dentro do contexto
específico de sua inerente complexidade".
Autêntica, é aquela que emana do próprio poder que fez o ato cujo sentido e
alcance ela declara, ou seja, a que procede do próprio legislador, sob forma de outra
lei e, portanto, com caráter obrigatório.
Judicial, a que deriva dos órgão judiciários (juizes e tribunais). Não tem
caráter obrigatório senão para o caso em concreto, mas serve de diretriz para a
solução dos casos similares (as chamadas jurisprudências).
Gramatical, literal ou "ad litterem", aquela que atende ao texto da lei, à sua
redação, à significação exata das palavras.
Verba cum effectu, sunt accipienda: " Não se presumem, na lei, palavras
inúteis". Literalmente: "Devem-se compreender as palavras como tendo alguma
eficácia".
BIBLIOGRAFIA
Leia mais: http://jus.com.br/artigos/4/direito-como-ciencia#ixzz3MOdyCZkD
http://jus.com.br/artigos/2644/direito-e-ciencia-na-teoria-pura-do-direito-de-hans-kelsen
Direito e Ciência na Teoria Pura do
Direito de Hans Kelsen
Mauro Almeida Noleto
Página 1 de 3»
ASSUNTOS:
POSITIVISMO
ESCOLAS JURÍDICAS
FILOSOFIA DO DIREITO
RESUMO
A ousadia da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, desqualificando a
importância do jusnaturalismo como teoria válida para o Direito e pretendendo dar
caráter definitivo ao monismo jurídico estatal, fez dele o alvo preferido das teorias
críticas no Direito, inconformadas com os déficits éticos do pensamento jurídico assim
purificado e com o consequente desinteresse dos juristas em realizar cientificamente
um Direito atrelado a critérios de legitimidade não apenas formais. Ocorre que,
atuando no marco do paradigma positivista, não poderia ser diferente o projeto
kelseneano: uma ciência das normas que atingisse seus objetivos epistemológicos de
neutralidade e objetividade. Era preciso expulsar do ambiente científico os juízos de
valor, aliás como já o haviam feito as demais disciplinas científicas. O plano da Teoria
Pura era, assim, atingir a autonomia disciplinar para a ciência jurídica. Essa é a grande
importância de seu pensamento, isto é, o seu caráter paradigmático. E se de fato
estamos vivendo um novo momento de transição paradigmática, nada melhor do que
bem compreender as bases desse paradigma que se transforma. Esse é o objetivo
deste texto e para tanto, iremos analisar a formulação de Kelsen, na Teoria Pura, da
relação entre ciência e direito, procurando, a partir de uma perspectiva crítica ao
positivismo que a caracteriza, vislumbrar, ao final, as limitações dessa formulação,
com apoio do que denominei aqui de o viés hermenêutico.
TEXTOS RELACIONADOS
Visto de uma outra forma, portanto, mesmo no marco da teoria pura, o papel
da ciência jurídica até então passivo e descritivo revela-se muito mais justificador do
que se imagina. É que se as proposições da ciência estão sujeitas à verificação de sua
verdade ou falsidade, quando afirmam a validade ou invalidade de uma norma, ainda
que esse exame se pretenda estritamente formal, a resposta daí resultante poderá ser
aplicada ainda que indiretamente, à própria norma. A esse respeito discorre o chileno
Oscar Sarlo:
Pois bem, contra o caráter sistêmico-normativo atribuído ao Direito pelo positivismo, Viehweg
opõe a tópica como método ou estilo típico do raciocínio jurídico, que os antigos chamavam de
prudência. No prefácio à edição brasileira de Tópica e Jurisprudência, Tércio Sampaio Ferraz
Jr. assim descreve as bases da análise de T. Viehweg:
"A estrutura total da jurisprudência, como dissemos mais acima (cf. I, 1), só pode ser
determinada a partir do problema. (...) Ao tomar posição de uma determinada maneira frente ao
problema fundamental (por exemplo, a autonomia privada parece justa), origina-se um conjunto
de questões que se pode determinar com bastante precisão e que baliza o âmbito de uma
disciplina especial, por exemplo, o do direito privado. Toda a organização de uma disciplina
jurídica se faz partindo do problema. Quando se diferenciam certas séries de questões do
modo indicado, agrupam-se ao redor delas as tentativas de resposta do respectivo direito
positivo. Naturalmente, estes quadros de questões não devem ser sobreestimados em sua
constância. Sua formação depende de alguns pressupostos de compreensão que não são
imutáveis. O único efetivamente permanente é a aporia fundamental. Porém, isto não impede
que, com frequência, uma situação de longa duração permita formular certos complexos de
perguntas permanentes. Em suas linhas fundamentais e em suas conexões, têm geralmente
um alto grau de fixidez, do mesmo modo que as soluções. Cabe à Sociologia do Direito a tarefa
de investigar com mais detalhe as relações que aqui existem, ainda que sem cair num
sociologismo todo-poderoso e unilateral."[18]
Na esteira desse raciocínio, certeira, me parece, é a análise de Perelman, para quem Kelsen e
sua teoria pura partem de uma pressuposto equivocado que é a cisão absoluta dos planos
de ser e dever-ser. Ora, fracassado o intento de purificar o objeto, a ciência jurídica deve, pois,
atuar no desenvolvimento de uma racionalidade prática, escapando da tentação relativista que
lhe impõe o positivismo, enquanto procura de critérios e mecanismos razoáveis de decisão. É
que uma conseqüência paradoxal desse relativismo na teoria pura é a equiparação da decisão
do juiz - autorizado pela normatividade a proferir, nos casos concretos, uma norma individual
(sentença) - à decisão do legislador, que também autorizado pela normatividade, cria regras
gerais. Ambos participam da dinâmica do Direito, havendo entre eles apenas uma diferença de
grau. Mas aí, Kelsen é forçado a reconhecer que não é possível para a ciência jurídica
estabelecer qualquer tipo de juízo preventivo acerca das decisões judiciais, pois o juiz assim
como o legislador cria direito novo, condicionados apenas formalmente por uma moldura
normativa.[19] E aqui o paradoxo: como sustentar a idéia de um sistema jurídico unitário e
escalonado de normas em que as decisões que realimentam esse sistema são assim
incontroláveis e, portanto, em probabilidade, contraditórias? Sabendo de antemão que, no
processo criativo (ou dinâmico, como prefere Kelsen) do Direito, a contaminação fático-
axiológica típica do procedimento hermenêutico resulta da relação constante entre autoridades
competentes e cientistas, parece mesmo vã a tentativa purificadora.
Segundo Menezes Cordeiro, diante da riqueza dos casos concretos, as posturas positivistas e
formalistas se mostram insuficientes. Expõem suas limitações diante das necessidades de
efetiva realização do Direito nas situações mais críticas, quais sejam: a proibição do non
liquet (o juiz é obrigado a decidir) diante das lacunas do ordenamento; a ocorrência cada vez
mais freqüente de conceitos indeterminados, ou normas em branco (urgência, relevância,
ordem pública, relevante valor social ou moral, etc.); as colisões de princípios fundamentais
(privacidade e direito à informação); e, finalmente, "o juspositivismo detém-se perante a
questão complexa, mas inevitável das normas injustas".[20]
"(...) obrigado, pela proibição do non liquet a decidir, o julgador encontrará sempre uma
qualquer solução, mesmo havendo lacuna, conceito indeterminado, contradição de princípios,
ou injustiça grave. Munido, porém, de instrumentação meramente formal ou positiva, o julgador
terá de procurar, noutras latitudes, as bases da decisão. A experiência, a sensibilidade, certos
elementos extra-positivos e, no limite, o arbítrio do subjectivo, serão utilizados. Dos múltiplos
inconvenientes daqui emergentes, dois sobressaem: por um lado, a fundamentação que se
apresente será aparente: as verdadeiras razões da decisão, estranhas aos níveis juspositivos
da linguagem, não transparecem na decisão, inviabilizando o seu controlo; por outro, o
verdadeiro e último processo de realização do Direito escapa à Ciência dos juristas: a decisão
concreta é fruto, afinal, não da Ciência do Direito, mas de factores desconhecidos para ela,
comprometendo, com gravidade, a previsibilidade, a seriedade e a própria justiça de decisão." [21]
Mais uma vez, recorro ao texto dos autores aqui mencionados, para concluir, com Perelman
que:
Não obstante, esse novo viés hermenêutico reúne, a meu ver, as potencialidades para a
reconstrução das bases epistemológicas da ciência jurídica, principalmente porque a partir dele
será possível trazer para a luz aquilo que o brilho da normatividade pura tinha ofuscado: os
dados da experiência histórica, analisados sociologicamente, relevantes para o jurista, na
medida em que resultem na formulação de finalidades éticas, que devam realizar-se
normativamente, no contexto de discursos de poder que, por sua vez, não se furtem a justificar
de forma racional suas decisões.
NOTAS
1. Machado Neto levantou razões de ordem histórico-sociológicas para explicar a atitude do
estrito formalismo de Kelsen: "Se o jusnaturalismo racionalista foi a expressão do mundo
burguês ascendente, o historicismo, a expressão da contra-revolução, o legalismo exegético e
o positivismo sociológico, as ideologias jurídicas do mundo burguês dominante, o relativismo da
teoria pura será o pensamento jurídico solidário com o período de transição e de decadência do
mundo burguês em que vivemos. (...) Fruto de um mundo em que os totalitarismos nascentes
conviviam com o liberalismo democrático mais franco e aberto, a teoria pura do direito devia - a
menos sob pena de ser anacrônica - reconhecer a existência de direitos de diverso conteúdo
político, devia ser uma teoria da ciência jurídica que reconhecesse a existência, ao lado do
direito democrático-liberal, de um direito soviético, um direito fascista, um direito nazista, etc.
MACHADO NETO, A. L. Introdução à Ciência do Direito. 1º V. São Paulo: Saraiva, 1960, p.
183.
2. Segundo Recasen Siches, "El punto de vista lógico-formal del método jurídico de Kelsen no
pretende llegar a la absorción de todos los estudios sobre el Derecho. El proprio Kelsen
reconoce que la posición rigorosamente normativa de su método jurídico, es unilateral y parcial,
y que, por lo tanto, no puede abarcar la totalidad de los ingredientes del fenómeno jurídico."
SICHES, Luis Recasens.Panorama del Pensamiento Jurídico en el Siglo XX. Mexico: Editoria
Porrua, 1963, pp. 149/150.
3. Sobre o conceito de norma fundamental, KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 5ª ed. Trad.
João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1996; para uma visão crítica, consultar o
meu Subjetividade Jurídica - A Titularidade de Direitos em Perspectiva Emancipatória.Porto
Alegre: Sergio Fabris, 1998, p. 58.
10.SARLO, Oscar Luis. Kelsen y Dworkin: Del Concepto a La Concepcion del Derecho in
Revista de Ciencias Sociales. Valparaiso, nº 38. Chile: Universidad de Valparaiso, Facultad de
Derecho y Ciencias Sociales, 1993, pp.364/365.
11.Segundo Perelman, "(...) com o advento do Estado-criminoso que foi o Estado nacional-
socialista, pareceu impossível, mesmo a positivistas declarados, tais como Gustav Radbruch,
continuar a defender a tese de que ’Lei é lei’, e que o juiz deve, em qualquer caso, conformar-
se a ela. Uma Lei injusta, dirá Radbruch, não pertence ao direito." PERELMAN, Chaïm. Lógica
Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 95.
17.Entre nós, vale lembar, além da famosa teoria tridimensional do direito desenvolvida por
Miguel Reale, em perspectiva culturalista, foi Roberto Lyra Filho, hoje reconhecido como
patrono da teoria crítica no Brasil, quem desenvolveu o conceito de direito como "um processo
histórico de legítima organização social da liberdade", afirmando a necessidade de a ciência
jurídica, com o apoio da sociologia e da filosofia jurídicas, voltar-se também para a análise
histórica dos processos sociais em busca daqueles critérios de atualização dos padrões de
justiça (finalidades éticas) e de legitimidade (mecanismos razoáveis de decisão e de aplicação
do direito). Sobre o pensamento de Lyra Filho, consultar LYRA, Doreodó Araújo
(org.). Desordem e Processo - Estudos em Homenagem a Roberto Lyra Filho. Porto Alegre:
Sergio Fabris, 1986; SOUSA Jr., José Geraldo de. Para Uma Crítica da Eficácia do Direito.
Porto Alegre: Sergio Fabris, 1984; NOLETO, Mauro Almeida. Op. Cit.
18.VIEHWEG, Theodore. Op. Cit. pp.91/92.
Leia mais: http://jus.com.br/artigos/2644/direito-e-ciencia-na-teoria-pura-do-direito-de-hans-
kelsen/3#ixzz3MOdOwgLC
http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_pura_do_direito
Esta página precisa ser reciclada de acordo com o livro de estilo (desde abril de 2012).
Sinta-se livre para editá-la para que esta possa atingir um nível de qualidade superior.
Esta página ou secção foi marcada para revisão, devido a inconsistências e/ou dados de confiabilidade duvidosa. Se tem algum
conhecimento sobre o tema, por favor verifique e melhore a consistência e o rigor deste artigo. Pode encontrar ajuda no WikiProjeto Ci
sociais.
Se existir um WikiProjeto mais adequado, por favor corrija esta predefinição. Este artigo está para revisão desde janeiro de 2013.
Este artigo ou se(c)ção cita fontes confiáveis e independentes, mas que não cobrem todo o conteúdo (desde janeiro de 2013).Por
favor, adicione mais referências e insira-as corretamente no texto ou no rodapé. Material sem fontes poderá ser removido.
—Encontre fontes: Google (notícias, livros e acadêmico)
Índice
[esconder]
Referências
Bibliografia[editar | editar código-fonte]
Resumo: O presente trabalho objetiva uma análise epistemológica do terceiro capítulo da obra Teoria
Pura do Direito, Direito e ciência, do jurista austríaco Hans Kelsen. Através da uma breve exposição dos
principais aspectos bibliográficos e das ideias centrais do autor, fazendo referência às suas
características e contribuições ao Direito. Descreve, ainda, o centro de interesse da Teoria Pura, qual
seja a tentativa de conferir à ciência jurídica um método e um objeto próprios, depurando-os de
quaisquer influências da ideologia política e dos elementos da ciência natural. Ao final, expõe e arrazoa
algumas das objeções designadas à concepção de ciência subjacente ao pensamento kelseniano.
Abstract: This work aims to an epistemological analysis of the third chapter of the work of pure Theory
of law, Law and Science, wrote by austrian jurist Hans Kelsen. Through a brief exposure of main
bibliographic aspects and core ideas of the author, referring to their characteristics and contributions to
the law. Describes the Centre of interest of Pure Theory, which is attempting to give the legal science a
method and an object themselves, debugging them any influences from political ideology and the
elements of natural science. In the end, exposes and some of the reasons from a foundation designated
objections to the design of the underlying science kelseniano thinking.
INTRODUÇÃO
O jurista e filósofo austríaco Hans Kelsen, considerado um dos maiores pensadores do século XX, deixou
um vasto legado teórico-literário, do qual se destaca sua obra Teoria Pura do Direito. A importância
desta obra se dá, especialmente, pelo rompimento com os ditames da filosofia jurídica tradicional da
época, a qual, segundo Kelsen, era contaminada com a ideologia política de todos os elementos da
ciência natural. Pretendia o autor, assim, desenvolver uma teoria jurídica pura, ou seja, consciente da
legalidade específica do seu objeto[1].
Neste aspecto, o objetivo do presente trabalho é empreender uma incursão ao pensamento de Kelsen,
em especial na análise da relação entabulada entre ciência e direito proposta pelo autor no capítulo
terceiro de sua obra magna – a Teoria Pura do Direito, considerando sua atuação no paradigma
normativista, apresentando suas diretrizes basilares, bem como uma análise das suas limitações, por
meio de um arrazoado das críticas mais pertinentes recebidas.
Para tanto, antes de se passar à análise da obra referida, notadamente no referido capítulo acerca
do Direito e Ciência, a primeira parte do presente artigo destina-se a descrever breves linhas sobre a
biografia do autor, a qual se justifica pelo auxilio na compreensão de muitas de suas escolhas
metodológicas.
Após, em uma segunda etapa, procura apresentar uma exposição das principais idéias contidas nos
prefácios à primeira e segunda edições, assim como daquelas inseridas no capítulo fulcral do presente
estudo, qual seja o terceiro capítulo de Teoria Pura do Direito – Direito e Ciência. Tendo em conta a
extensão e a importância da obra em apreço, o recorte temático faz com que o objetivo do presente
artigo não assuma a pretensão de esgotar todos os aspectos do pensamento teórico constantes na obra,
mas tão-somente aqueles arrolados no capítulo terceiro, que aborda a relação entre direito e ciência.
Ao final, a terceira parte trata da análise às objeções suscitadas pela doutrina no que pertine à
formulação de Kelsen na determinação de objeto e métodos próprios ao Direito, livre de toda e
qualquer influência da ideologia política e dos elementos da ciência natural, além do normativismo
proposto pelo filósofo austríaco, através de um viés hermenêutico.
Importa salientar que, no período em que Hans Kelsen lecionou junto à Universidade de Viena, esteve
em contato o neopositivismo do chamado “Círculo intelectual de Viena”, os quais exerceram – assim
como Kant – grande influência sobre a obra de Kelsen. A Escola de Viena era caracterizada pela busca da
metodologia perfeita, conforme descreve Schwartz:
“[...] os integrantes do Círculo de Viena acreditavam que as palavras da lei deviam fazer valer as
regras semânticas, isto é, não há na lei letra a mais do que o necessário, pois toda letra de um diploma
legal possui um significado, e, por este motivo, encontra-se em seu corpo. A lei não pode ressentir-se
de vício algum, quanto mais em sua linguagem. Para o Círculo de Viena, a crise da ciência residia no
problema da linguagem. Assim, a descoberta de uma linguagem neutra, capaz de traduzir
perfeitamente o pensamento vigente, resolveria o problema do conhecimento.”[3]
A propósito, pode-se verificar a extensão de tal influência desde as premissas neokantianas, como na
formulação do princípio de pureza, da possibilidade de interlocução do Direito com outras áreas, a
matriz positivista, na rejeição do transcendentalismo e também na noção de escalonado do
ordenamento jurídico no positivismo jurídico kelseniano.
No entanto, adverte Reale acerca do alcance desta influência do Círculo de Viena sobre Kelsen,
referindo que:
“Há duas Escolas de Viena: — uma, a dos neopositivistas, no campo da Filosofia científica; e outra, a de
Kelsen, nos domínios do Direito. Já temos visto, muitas vezes, confusões sobre este ponto, embora se
deva reconhecer que, em certas conseqüências, as duas correntes apresentam, máxime nos últimos
anos, crescentes pontos de contato, assemelhando-se por sua tendência antimetafísica e pelo
empirismo radical.”[4]
No que pertine à obra teórica-literária, verifica-se que Kelsen publicou seu primeiro livro em 1911,
intituladoProblemas capitais da teoria do direito estatal (no original, Hauptprobleme der
Staatsrechsiehre entwickelt aus der Lehre vom Rechtssatze). Com esta obra, sua carreira como teórico
legal começou a ter expressão no meio acadêmico, sendo possível encontrar neste trabalho algumas das
bases da sua teoria pura do direito, as quais seriam aprofundadas em sua obra magna: Teoria Pura do
Direito.
Destarte, tem-se que a obra de maior denodo de Kelsen consiste na já mencionada Teoria Pura do
Direito, uma espécie de condensação de todos os estudos do autor acerca do direito, contando com
quatro edições fundamentais – ou, como insinuam alguns críticos de Kelsen, quatro versões da mesma
obra. Sua primeira edição, intitulada “Reine Rechtslehre” foi publicada em 1934, na cidade de Viena.
Por sua vez, a segunda foi editada pela Universidade de Harvard em 1945, com o nome “General Theory
of Law and State”, e a terceira foi a edição francesa, publicada na Suíça, em 1953, chamada
“Théorie Pure du Droit”. A quarta e definitiva edição foi a chamada segunda edição alemã de “Reine
Rechtslehre”, publicada em 1961, e, assim como a primeira, restou editada na cidade de Viena[5].
Oportuno referir, neste aspecto, que a edição alemã 1961 registra um maior aprofundamento
substancial em diversos pontos e um refinamento nas noções básicas de sua teoria pura, inclusive
chegando a modificar alguns de seus posicionamentos inicialmente sustentados quando da edição de
1934.
Oportuno ressaltar, neste aspecto, que esta pureza sugerida por Kelsen não se cinge ao objeto do
estudo, mas igualmente enquanto método, conforme anota Moreira:
O princípio da pureza aplica-se portanto tanto ao método como ao objeto do estudo, ou seja é instituto
instrumental e delimitador da ciência jurídica, significando que a premissa básica desta é o enfoque
normativo. O direito para o jurista deveria ser encarado como norma (e não como fato social ou
como valor transcendental [7].”
Corrobora com a tese aludida, a própria manifestação de Kelsen no prefácio à primeira edição, quando
afirma ser seu objetivo formular uma teoria pura do direito, i.e., purificada de toda ideologia política e
dos elementos de ciência natural, consciente da legalidade específica do seu objeto[8].
Esclarece, ainda, que sua luta se trata, de fato, pela relação entre ciência jurídica e a política, pela
rigorosa separação entre elas, pela renúncia ao costume de, invocando-se a égide da ciência do Direito
e, apelando a uma suposta objetividade, advogar postulados políticos de caráter deveras subjetivo[9].
E isso implica a diferenciação entre a Teoria Pura do Direito e a ciência jurídica tradicional, a qual com
muita propriedade elucida Wolkmer, afirmando que:
“Nisso resulta a diferença entre a Teoria Pura do Direito e a ciência jurídica tradicional, que,
consciente ou inconscientemente, ora em maior ora em menor grau, tem um caráter ‘ideológico’. [...]
Precisamente, através desta sua tendência antiideológica revela-se a teoria pura do direito como
verdadeira ciência do Direito. Com efeito, a ciência tem, como conhecimento, a intenção imanente de
desvendar seu objeto. A ‘ideologia’, porém, encobre a realidade enquanto [...] a desfigura.” [10]
Note-se, portanto, que a importância da teoria pura do direito formulada por Kelsen consiste
justamente no rompimento com os paradigmas até então adotados no período, o jusnaturalismo, assim
como o realismo jurídico, através do estabelecimento de uma ciência jurídica autônoma e neutra de
quaisquer influências político, morais, sociais e de outras ciências. Na mesma medida, o autor sugere
uma ciência do direito alicerçada em proposições normativas que descrevem sistematicamente o
direito, ou seja, nas palavras de Rocha, “propõe uma ciência do direito como uma metalinguagem
distinta de seu objeto”[11].
Sem embargo, afere-se que este ideal de ciência pura restou delineado no capítulo terceiro de Teoria
pura do direito, possuindo como uma de suas diretrizes epistemológicas fundamentais o dualismo
kantiano, entre ser e dever ser, no qual os juízos de realidade e juízos de valor restam contrapostos.
Seguindo a orientação neo-kantiana, Kelsen elegeu a edificação de um sistema jurídico centrado
exclusivamente no mundo do dever ser. No entanto, tal escolha, conforme assinala Rocha, “acarretou a
superestimação dos aspectos lógicos constitutivos da teoria pura, em detrimento dos suportes fáticos do
conhecimento”[12].
Na presente seção serão apontadas, brevemente, as principais idéias de Kelsen acerca do Direito e a
ciência, as quais foram articuladas no terceiro capítulo de sua obra magna, de igual nomenclatura –
Direito e ciência.
O autor inicia o supramencionado capítulo esclarecendo que o objeto da ciência jurídica cinge-se nas
normas jurídicas, sendo a conduta humana apenas quando configurar conteúdo da norma jurídica. Isso
porque, em suas palavras, afirma que:
“A ciência jurídica procura apreender o seu objeto. ‘juridicamente’, isto é, do ponto de vista do
Direito. Apreender algo juridicamente não pode, porém, significar senão apreender algo como Direito,
o que quer dizer: como norma jurídica ou conteúdo de uma norma jurídica, como determinado através
de uma norma jurídica.”[13]
No que concerne à conduta humana, observa o pensador austríaco, enfatizando que esta apenas o será
objeto da ciência jurídica quando configurar o próprio conteúdo da norma jurídica seja enquanto
pressuposto ou consequência, representando assim uma interpretação normativa destes fatos de
conduta.
Logo, para compreender a teoria do ordenamento jurídico proposta por Hans Kelsen, necessária se faz
traçar a distinção entre norma jurídica (Rechtsnorm) e proposição jurídica (Rechtssatz).
Com efeito, tem-se que as normas jurídicas não são juízos, nem tampouco traduzem, diretamente,
nenhum comando ou imperativo. Isso porque, a norma é logicamente indicativa e de estrutura
hipotética, uma vez que se limita a ligar um fato condicionante a uma conseqüência – a sanção –, sem
enunciar qualquer juízo a respeito do valor moral ou político dessa conexão. Assim, se a lei natural
discorrer que: se A é, B tem de ser; a lei jurídica, por seu turno, irá declarar: se A é, B deve ser, sendo
que a ligação "deve ser" significa uma forma de conexão inequívoca com a do nexo entre causa efeito.
Note-se que o sentido deste ato é diverso do sentido da proposição jurídica, juízo hipotético, descreve
as relações constituídas, através das normas jurídicas, entre os fatos por elas determinados, ou seja,
descreve o Direito. Importa, ainda, trazer à baila, que a forma de exteriorização do enunciado,
entretanto, não é essencial; o que importa, realmente, é o seu sentido. A norma jurídica, editada pela
autoridade, tem caráter prescritivo e se configura em manifestação de um ato de vontade, enquanto a
proposição jurídica, emanada da doutrina, tem natureza descritiva e decorre de ato de conhecimento.
A função significativa de uma norma jurídica, portanto, não é enunciar, porém prescrever determinado
comportamento humano, i.e., impor um dever[14].
Mister destacar, ainda, a observação de que Kelsen situa as normas jurídicas no plano da validade,
atraindo para estas a aplicação dos princípios lógicos, em especial o princípio da não contradição e as
regras da concludência do raciocínio. Isso se dá, uma vez que tais princípios são aplicáveis unicamente a
proposição cujo resultado seja falso ou verdadeiro – e as proposições da ciência jurídica enquanto
prescrições são válidas ou inválidas.
Daí, possível compreender a crítica do pensador austríaco às proposições de uma teoria metafísica do
direito e sua observação de que, limitada às descrições normativas, à ciência jurídica não cabe
investigar a eficácia da norma, mas tão somente se pronunciar acerca de sua validade formal, ou se
possui vigência. Isso porque, ao discorrer se determinada norma é ou não vivenciada como regra social,
estaria emitindo juízos referentes à ordem do ser, juízos sobre a realidade, o que fere seu propósito de
pureza[15].
A concepção normativista e seu ideal de pureza formulados por Kelsen tem como uma de suas bases a
diferenciação entre lei da natureza e norma jurídica. Isso porque, no mundo do ser (Sein), na natureza
os sistemas de elementos estão interligados entre como causa e efeito, isto é, pelo princípio da
causalidade, que prescreve que “quando é A, B também é (ou será)”. A relação entre pressuposto e
conseqüência está expressa na lei natural, não é produzida[16].
Nesta perspectiva, cumpre-se destacar a lição de Rocha, o qual traz à baila, com muita propriedade,
esta dicotomia fundamental entre ser e dever ser no pensamento de Hans Kelsen, in verbis:
“A TPD (Teoria Pura do Direito) tem, como uma de suas diretrizes basilares, o dualismo metodológico
Kantiano, entre ser/dever ser. [...] Como sabemos, entre os juízos de realidade e os juízos de valor,
Kelsen, fiel à tradição relativista do neo-Kantismo, de Marburgo, optou pela construção de um sistema
jurídico centrado unicamente no mundo do dever ser. Tal ênfase, acarretou a superestimação dos
aspectos lógicos constitutivos nas análises Kelsenianas, em detrimento dos suportes fáticos do
conhecimento.”[17]
A conduta humana se situa no mundo do dever ser (Sollen), devendo ser entendida como ordem
normativa da conduta dos homens entre si, estando sob a égide do princípio da imputação, em virtude
da qual se atribui uma conseqüência em razão da prática de determinado ato. O esquema estrutural das
normas jurídicas e morais, constituindo-se numa proposição, é diverso daquele das leis físico-naturais,
na medida em que, como afirma Kelsen[18], “quando é A, B deve ser”, inclusive por força do princípio
da imputação. Sua relação de pressuposto e consequência se dá por meio de uma norma posta pelos
homens, porém independente de toda a intervenção desta espécie, ou seja, com interferência e
definição a partir da vontade e liberdade humanas.
Com efeito, verifica-se que a norma jurídica não preceitua um juízo de valor, todavia apenas comina
uma sanção ou conseqüência no caso de se preferir conduta contrária à juridicamente devida. Como
adverte Reale, o “fazer é algo que não pertence ao campo estritamente jurídico: — quando um homem
pratica certo ato, age por motivos que não são jurídicos.”[19].
Para Kelsen, a norma jurídica possui uma estrutura lógica com a forma do dever ser lógico, consistente
na imputação de uma conseqüência a um suposto fato. Nessa perspectiva, constata-se que o autor apoia
sua teoria no denominado princípio da imputação. Tendo por base a liberdade, que existe dentro da
sociedade e essencial para as relações humanas, tornando-se requisito indispensável da imputação, o
princípio da imputação caracteriza-se como uma relação normativa ou de imputação, cujos elos desta
série imputativa são limitados.
Gize-se que a sobredita liberdade se refere ao homem, como personalidade jurídica ou moral, livre e,
portanto, responsável. A imputação encontra seu ponto terminal na conduta do homem, interpretada
como ato meritório, como pecado ou ilícito. Segundo Kelsen, “sua vontade é causa de efeitos, mas não
é ela mesma o efeito das causas.”[20], concluindo o autor que não se imputa algo ao homem porque ele
é livre; mas ao contrário, o homem é livre porque se lhe imputa algo.
De outra banda, o princípio da causalidade está atrelado a uma relação causal, cuja base se fulcra
nanecessidade. A cadeia de causa e efeito é interminável, pois na natureza toda causa pressupõe como
efeito uma outra causa; e todo efeito deve ser considerado como causa de um outro efeito concreto.
Note-se que o homem enquanto parte da natureza não é livre, ou seja, sua conduta, considerada como
fato natural, é por força de uma lei da natureza, causada por outros fatos.
Por conseguinte, um indivíduo será moral ou juridicamente responsável por um evento quando
provocado pelo seu ato de vontade ou pela omissão de um ato de vontade que evitaria tal evento,
estando a imputação e a liberdade ligadas essencialmente entre si. O homem é livre porque esta sua
conduta determina à imputação, ainda que seja casualmente determinada. Por isso, não há que se falar
em contradição entre causalidade da ordem natural e a liberdade sob a ordem moral ou jurídica, tendo
em conta que a primeira é uma ordem do ser e as outras são ordens do dever ser, e apenas podem haver
contradições no que pertine um ser e um ser, ou entre um dever ser e um dever ser, enquanto objeto de
asserções ou enunciados[21].
Na segunda edição de Teoria Pura do Direito, Hans Kelsen buscou aprofundar muitos de seus
posicionamentos adotados na primeira edição da obra em apreço, por vezes redefinindo conceitos
estabelecidos como por outras vezes recolocando-os, a fim de evitar mal entendidos que motivavam
repúdio à sua teoria, mas especialmente buscou esclarecer muitas das críticas sofridas.
Em particular no que se refere ao capítulo em análise – Direito e ciência, Kelsen arrazoou acerca da tese
suscitada por seus opositores, na qual a possibilidade de uma ciência normativa é posta em questão sob
o argumento deque o conceito de dever ser, cuja expressão é a norma, seria sem sentido ou se
constituiria em mera ilusão ideológica.
Com efeito, na construção de uma ciência do Direito, efetuada através da identificação de objeto
próprio de estudo do Direito, o qual depurou de toda e qualquer variável que não pertença ao Direito,
Kelsen tece uma distinção fundamental entre a Sociologia do Direito, cujo objeto foca-se nos fenômenos
paralelos da natureza e não no próprio Direito, ou seja, nos fatos da ordem do ser, e a Teoria Pura do
Direito, a qual se ocupa das normas jurídicas, destinada a descrever o "dever ser" da norma. A Ciência
Normativa, por seu turno, é aquela que descreve o Direito como sistema de normas, no qual o dever ser
é expresso na norma.
Logo, ao se referir que se trata de ilusão ideológica, significa que impossível uma ciência jurídica
normativa ou apenas possível enquanto compreendida como sociologia jurídica. Nesta ótica, os atos
jurídicos são tomados apenas na sua facticidade, não levando em conta o sentido específico do teor que
aparecem. Todavia, afere-se que a Teoria Sociológica jurídica ocupa-se unicamente com os fatos da
ordem do ser, não colocando em relação as normas válidas. Em outros termos, descreve uma conexão
causal entre quaisquer fatos políticos ou econômicos e atos produtores de direito, assim como entre
atos produtores de direito e a conduta humana por eles visada – quando motivada pela representação da
intenção de um ato –.
No entanto, conforme explicita Kelsen, a proposição jurídica que descreve o direito não se cinge em
mero significado de uma conexão funcional específica. Isso porque, na imputação há conexão funcional
distinta daquela decorrente do nexo causal, vez que os fatos que a imputação jurídica conexiona entre
si são diversos, na medida em que a imputação jurídica liga o fato, determinado pela ordem jurídica,
com a consequência fixada pela mesma ordem jurídica.
Portanto, ao se considerar o direito como ideologia, tem-se que este não seria exigível, ou seja, que as
normas jurídicas não seriam aplicáveis, assim como considerar-se-iam equivocadas, uma vez que a
ideologia é por si mesma equivocada. Destarte, esta formulação acaba por distanciar-se da neutralidade
apregoada pelo autor em sua teoria pura do direito, de forma que, nas palavras de Wolkmer, “[...] toda
e qualquer sistematização jurídica que não seja a ‘teoria pura normativa’ [...] resulta em formulações
ideológicas.”[22] Tal ilusão possui vez, contudo, quando, com o dever ser jurídico, se afirme um valor
moral absoluto.
No que concerne à negação do dever ser, i.e., do conceito do dever ser como algo sem sentido,
equivaleria declarar que os atos de produção jurídica apenas podem ser conhecidos como meios de
provocar uma determinada conduta dos indivíduos a quem se dirigem tais atos. Em outras palavras, o
sentido jurídico positivo torna-se equivalente ao sentido moral. Consequentemente, perde-se o próprio
sentido na afirmação de que algo “deve ser”. Entretanto, aquilata-se que tal posição encontra óbice no
fato de que as normas são imperativas.
A tese formulada por Hans Kelsen, na qual defende uma ciência do Direito, com objeto próprio de
estudo do Direito e livre de toda e qualquer influência da ideologia política e dos elementos da ciência
natural, bem como sua proposição de que o Direito deveria ser apreendido como norma e não como fato
social ou como valor transcendental, foi recepcionada na época de sua publicação com grande polêmica
e ressalva.
Uma das críticas cardiais sofridas por Kelsen diz respeito à denúncia de que sua teoria seria deveras
reducionista quanto ao objeto jurídico e a natureza puramente normativa ventiladas pelo autor, de
forma a olvidar as dimensões sociais e valorativas, relegando o fenômeno jurídico a uma mera forma
normativa. De fato, a cientificidade e pureza propaladas pelo mestre normativista não deixam, também
elas, de serem consideradas ideologias por si próprias, uma vez que transforaram-se em instrumentos de
legitimação de inúmeras ordens político jurídicas[23].
Para Warat, o caráter idealista da teoria pura de Kelsen, sob a égide epistemológica, se denota a partir
da não-diferenciação entre o idealismo – ou metafísica – e o positivismo, uma vez que, para o referido
autor, este seria tão-somente uma forma de idealismo, afirmando que:
“[...] Sustenta-se que Kelsen sofre influência de uma dupla fonte de inspiração em suas idéias
metodológicas vertebrais: Kant e o positivismo científico, respectivamente redefinidos pelo
neokantismo e o positivismo lógico. A fusão de algumas idéias do kantismo com outras do positivismo
determinou um processo dialético entre ambas as posturas, cuja síntese é a teoria pura do Direito. Isto
é, um pensamento relativamente distante e reformulado dos pressupostos indicados. Quaisquer que
sejam as variantes introduzidas nas diversas versões da teoria pura, durante a longa vida de Kelsen, o
saldo teórico não deixa de ser um pensamento idealista, e isto porque, tanto o processo positivista do
conhecimento (em sua forma experimental ou em sua modalidade lógica) como o racionalismo (em sua
forma pré-gnoseológica e dogmática ou transcendental) têm como base a mesma problemática
epistemológica, definem a mesma temática fundamental e ao mesmo tempo evitam possíveis relações
da teoria com a realidade.
Por razões epistemológicas, sustento a tese de que o positivismo é uma forma de idealismo, porquanto
diacronicamente define sua problemática através de um movimento duplo: racional e empírico,
conceitual e referencial, que, aceitando sua dialética, ao mesmo tempo está desprezando tanto o
idealismo puro como o empirismo ingênuo. Conseqüentemente, temos como síntese um idealismo
crítico que não admite um conhecimento exclusivamente processado pelo pensamento sem fazer
referência à experiência para constituir a razão em fator determinante do conhecimento a partir da
experiência; e um positivismo lógico, que se distancia dos dados sensíveis, desembocando em um
conceitualismo vazio e formal, que se conforma com um controle sintático da realidade.
A Teoria pura do Direito, ao ser reduzida a um conceitualismo presente tanto no idealismo crítico como
no positivismo lógico, consegue eliminar de sua problemática a discussão sobre os fatores co-
determinantes da realidade jurídica, como também sobre o papel social e político do Direito e as
dimensões ideológicas dos diversos discursos enquanto prática jurídica concreta.”[24]
Importa trazer à baila, ainda, outra objeção fundamental em Kelsen, qual seja a impossibilidade de
proceder com a separação rígida entre o mundo do ser e do dever ser, concebidos como categorias
ontológicas radicalmente distintas. Isso porque, entre ser e dever ser existe um nexo de implicação e
polaridade, o que torna compreensível a complementariedade dialética própria do Direito, mantendo-
se, porém, infenso a qualquer apreensão deste tipo.
Logo, o embasamento lançado pelo filósofo, de um formalismo normativista abstrato, vai de encontro
com um dos fundamentos inerentes à essência do próprio Direito: a matéria social regulada. De fato,
tem-se que a ciência jurídica deve se ocupar na elaboração de uma racionalidade prática na definição
de critérios e mecanismos razoáveis de decisão, sob pena de recair no relativismo imposto pelo
positivismo.
Na esteira desse raciocínio, certeira é a lição de Reale, que enfrenta com muita propriedade tal
questão, argumentando que:
“Ora, é impossível focalizar-se o problema da funcionalidade de dever ser e ser, como assunto de
Teoria do Direito, sem necessariamente se ultrapassar a esfera da Lógica Jurídica, ou seja, sem se
correlacionar o que está prescrito na norma jurídica in abstracto com o que ela efetivamente
representa no plano concreto dos comportamentos humanos.
À margem desta questão, não é demais repetir duas observações fundamentais, que se completam: — é
verdade que do mundo do ser não se pode passar para o dever ser, porque aquilo que é não se
transforma naquilo que deve ser; a recíproca, porém, não é verdadeira, porque o dever ser, que jamais
possa ou venha a ser, é sonho, é ilusão, é quimera, não é dever ser propriamente dito. Quando
reconhecemos que algo deve ser, não é admissível que jamais venha a ser de algum modo. Um dever
ser que nunca se realize parcialmente é uma abstração sem sentido. O que acontece, porém, é que, por
outro lado, jamais o dever ser poderá converter-se totalmente em ser. Para que haja dever ser, é
necessário que o ser jamais o esgote totalmente [...]”.[25]
Vislumbra-se, portanto, o caráter de distanciamento da realidade que assume o filósofo austríaco, por
sua proposição de que o direito deve ser encarado como juízo hipotético formalmente elaborado
composto por dois elementos ligados pela cópula do dever ser, a despeito da necessária postura que os
sistemas jurídicos, na qualidade de conjuntos de premissas mutáveis, devem conservar de uma textura
abertura em relação à constante atualização das questões relacionadas à sociedade e a justiça.
Em que pese às censuras pela impossibilidade prática de separação do ser e dever ser, urge-se destacar
a oportuna anotação de Rocha, no sentido de que Kelsen não nega a complexidade do mundo, tendo
como escopo a investigação por uma metalinguagem para elaboração de uma teoria capaz de reduzir a
complexidade social, argumentando que:
“Kelsen, ao contrário do que pensam seus críticos apressados, por filiar-se à tradição da "teoria do
conhecimento", assume como inevitável a complexidade do mundo em si. Para ele, o social (e o direito)
são devido as suas heteróclitas manifestações constituídas por aspectos políticos, éticos, religiosos,
psicológicos e históricos. E a esse respeito não cabe ao cientista do direito nada comentar. A função do
cientista é a construção de um objeto analítico próprio e distinto destas influências. A partir desta
constatação é que Kelsen vai procurar, assim como Kant, depurar essa diversidade e elaborar uma
"ciência do direito". Ou seja, na teoria pura uma coisa é o direito, outra distinta é a ciência do direito.
O direito é a linguagem objeto e a ciência do direito a meta-linguagem: dois planos lingüísticos
diferentes”.[26]
Afere-se, portanto, o intransponível argumento de que o Direito é indissociável da comunicação com
outros ramos e ciências, em particular a ética, na medida em que se dirige à conduta social do homem
no complexo da realidade social e se coaduna, enquanto caráter de valor, na qual sua fonte comum
axiológica é próprio homem. Assim sendo, tem-se que superada a tese do filósofo austríaco na qual o
Direito deveria se limitar às descrições normativas, posto que o jurista quando procede com a
imputação, acaba necessariamente por compreender a norma aplicando sua interpretação.
Nessa direção, desdobram-se as posições de Viehweg e Perelman. Para Viehweg[27], o sistema jurídico,
isto é, o Direito efetivo – realidade normativa passível de descrição científica, segundo orienta Kelsen –
é algo desde logo impuro, corrompido pela interpretação do jurista, que é um tipo de pensamento que
deve, conforme Viehweg, mover-se dentro do estilo da tópica.
Perelman[28], por seu turno, também comunga a opinião de que a teoria pura articulada por Hans
Kelsen é maculada, pois depende de decisões, de atos de vontade, que não se fundam em direito, mas
se justificam por considerações de ordem política ou moral.
Corrobora o argumento suscitado, igualmente, a questão acerca da validade e eficácia das normas
jurídicas, as quais dependem para serem consideradas válidas em um sistema jurídico de sua
constatação prática e vivência social. Ou seja, um sistema jurídico existe, enquanto tal, unicamente
como realidade social, que por sua vez consiste no fato que a população aceita e obedece a certas
normas.
Em complementação, importa ressaltar que a estrutura lógica da norma não se confunde com sua
existência real e concreta. Isso porque, a norma não se esgota como estrutural formal ou, nas palavras
do mestre austríaco, trata-se de uma pura proposição lógica de natureza ideal. Mas, ao revés, afigura
como momento culminante da experiência jurídica, com existência real, no tempo e espaço, com
finalidades e valores implícitos.
A objeção última que se estabelece na teoria de pureza do Direito, diz respeito ao fracasso da tentativa
da matriz analítica, na qual se classifica o ideal kelseniano, em elaborar uma linguagem pura para o
direito. Isso porque, adotando-se a classificação propedêutica de Rocha das matrizes teórico-jurídicas
de acordo com a sua inserção semiótica, contempla-se que a teoria kelseniana encontra guarida na
filosofia analítica enquanto desdobramento da sintaxe, em consequência de seu postulado de uma
ciência do direito alicerçada em proposições normativas que descrevem sistematicamente o objeto
direito, ou seja, através da análise lógico formal das normas jurídicas[29].
Entretanto, verifica-se que tal matriz segue uma postura de neutralidade no tocante aos seus aspectos
políticos, provocando conseqüências teóricas graves, devido a sua incapacidade de pensar uma
complexidade social mais ampla.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A despeito das críticas formuladas à teoria de pureza apregoada por Hans Kelsen, tem-se que inegável a
importância e genialidade de seu pensamento na determinação das construções lógico-formais da
Ciência Jurídica, em especial no rompimento de paradigmas vigentes em sua época, desqualificando o
direito natural como teoria válida do Direito, além das inumeráveis contribuições na seara da
dogmática, tais como na reformulação dos conceitos e objetivo do próprio Direito fomentados por suas
ideias revolucionárias.
Nem demais notar, desde logo, que a problemática em torno do objetividade científica do direito
atualmente se encontra no cerne de discussões do chamado neopositivismo ou pós-positivismo, em
particular considerando as novas abordagens epistemológicas acerca do direito e sua ciência, com
notável acento na hermenêutica jurídica, e contando com o desenvolvimento da filosofia da linguagem e
da argumentação jurídica. Logo, afere-se que o tema ainda persiste fascinante quanto controvertido.
Nesta perspectiva, a tomada de uma posição ligada ao normativismo e ao Estado pode se tornar
extremamente limitada. Na lição de Rocha “não se pode assim continuar mantendo uma noção de
racionalidade no Direito ao se insistir no ideal kelseniano”[30].
A guisa de conclusão, impõe-se destacar a necessidade premente de se produzir uma epistemologia
construtivista que tenha como fundamento a temática da pluralidade social, partindo-se da premissa da
complexidade do mundo em si, dos paradoxos e riscos, a fim de tentar superar – ou ao menos contornar
– a crise instaurada no Direito e suas instituições. Isso porque, a crise do Direito não se insurge de mera
deficiência em sua estrutura tradicional, contudo, ao revés, tal crise emerge de igual forma da ausência
de integração dos seus pressupostos dogmáticos e as necessidades decorrentes da sociedade globalizada
– os chamados novos direitos.
Referências bibliográficas
DINIZ, Maria Helena. Conceito de norma jurídica como problema de essência. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2009.
NOLETO, Mauro Almeida. Direito e Ciência na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen. Jus Navigandi,
Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: <http://jus.uol.com.br /revista/texto/2644>. Acesso
em: 10 jul. 2011.
MOREIRA, Felipe Kern. A ciência do Direito em Hans Kelsen: Abordagem filosófico-crítica. In: Âmbito
Jurídico, Rio Grande, 7, 30 nov. 2001 [Internet]. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id =5516>. Acesso em 11 jul.
2011.
WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
Notas:
[1] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2009, p. XI.
[4] REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. 5. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 458.
[6] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2009, p. 79.
[8] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2009, p. XI.
[9] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2009, p. XII.
[10] WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 164.
[13] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2009, p. 79.
[14] DINIZ, Maria Helena. Conceito de norma jurídica como problema de essência. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 69.
[16] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2009, p. 100.
[18] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2009, p. 100.
[19] REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. 5. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 461.
[20] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2009, p. 104.
[21] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2009, p. 110.
[22] WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 164.
[23] WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 166.
[25] REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. 5. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 469.
[26] ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e democracia. 2. ed. São Leopoldo: Unisinos, 2003,
p. 72,
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?
n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10999
Publicado por Marcus Valério Saavedra Guimarães De Souza (extraído pelo JusBrasil) - 3 anos atrás
2
Por Marcus Valério Saavedra Guimarães de Souza*
O conceito de ciência tem sido objeto, ao longo do tempo, de uma gama variada de
interpretações. Contudo, hodiernamente, Ciência, sem ser apenas um conceito que expressa a
validade global de seus postulados, designa o próprio objeto de sua investigação.
O vocábulo, portanto, implica a descrição evolucionista dos fenômenos do mundo objetivo.
Nesse contexto, é o Direito uma Ciência? Tem-se concebido a disciplina como Ciência Social
Hermenêutica, embora, numa ótica mais acurada, tal classificação se ostente muito singela.
Com efeito, ao contrário das outras ciências sociais, o Direito se particulariza por via de
exteriorizar uma mundividência ideal, que se traduz, em linguagem prática, no dever-se, além
de ser uma ciência de cunho eminentemente axiológico.
Numa circunstância analítica mais profunda e objetiva, a ciência do Direito, trabalha com
fenômenos sociais, aplicando um complexo sistema interpretativo-descritivo de fatos sociais,
não limitado à mera valoração dos mesmos, num extenso processo de normas. Indo além da
interpretação e revisando a própria norma, concebe Segunda norma, desta feita, de natureza
aplicativa.
São, portanto, dois os momentos interpretativos por que o Direito transita. Num primeiro, assim
como as demais ciências, e tendo como estrutura o trinômio fato/valor/norma, constitui o
processo legislativo de concepção da norma in abstratum.
Para estes cientistas, o Direito nada mais é do que um instrumento da Ciência Política, que tem
como objeto de investigação a harmônica convivência em sociedade, a manutenção da paz
social, utilizando a imposição da ordem estabelecida.
Eros Roberto Grau, citado por FRIEDE (Friede, 1999), leciona: "o Direito não se constitui
propriamente em uma ciência". Para esse autor, o Direito é estudado e descrito, sendo, pois,
mero objeto de uma ciência, a Ciência do Direito.
Segundo ainda a ótica do referido estudioso, o Direito é normativo, não descritivo, mas
prescritivo. Disso se depreende que, mesmo quando uma norma jurídica descreve certa coisa
ou situação, ainda assim é prescritivo, isto é, ela descreve para prescrever.
Como decorrência, tem-se que a ciência jurídica não é como à primeira vista parece,
normativa. Mas, como toda e qualquer ciência, descritiva.
Impera, por isso, um conceito diverso entre Direito e Ciência do Direito. Esta descreve,
prescrevendo como, porque e quando o Direito.
Embora nem sempre os estudiosos do Direito percebam, o certo é que essa oposição é da
mais alta importância, por isso que muita vez este fato é causa primeira de numerosos
conceitos falaciosos.
Por isso mesmo que se têm, de um lado, os princípios do Direito e, de outro, os princípios da
Ciência do Direito.
Afirma Friede (Friede, 1999), que o Direito é uma invenção do homem, "um produto cultural".
É lógico que o abalizado autor se refere ao Direito, enquanto elemento integrante da cultura, e
sem pretensão filosófica. De maneira bem didática, o renomado preceptor ensina que o Direito
legítimo não é constituído somente pelo poder, assim como não deve a vontade do Estado
prevalecer como fonte desse mesmo Direito.
Em síntese, viu-se o Direito em face de sua qualidade de ciência, em consonância com esse
conceito, passando pela diferença existente entre o Direito propriamente dito e a ciência do
Direito, chegando-se, por fim, à menção superficial aos elementos constitutivos do Direito.
Nesse trabalho, que não tem a pretensão de profundidade, mas de simples noções
elementares, nem por isso pode olvidar a importância, posição e pensamento de Paulino
Jacques sobre a matéria ora sob enfoque, notadamente quanto à liquidez universal dos
princípios do Direito.
As idéias de Jacques chamaram a atenção para um possível equívoco em que estão a incorrer
os defensores da ciência do direito, como ramo científico independente.
É evidente que o Direito não possui princípios de validez universal, justamente por ser, como
fez questão de assinalar Fried, que ele é produto da cultura e, portanto, criação do homem.
Não há dúvida de que o que mais caracteriza uma ciência, é, exatamente, a aceitação geral e
universal dos seus postulados, das suas "leis"(leis da Química, da Física, da Biologia, etc.).
Efetivamente, o Direito não conta com leis, entenda-se, postulados, que tenham validade
universal, valendo repetir, por absoluta e imperativa pertinência, que nada há de geral nos
princípios gerais do Direito.
Assim sendo, o Direito não pode se autodefinir, rigorosamente falando, de ciência, justamente
porque, a exemplo de outros ramos do conhecimento social, não ostenta princípios de
reconhecida validade universal a lhe ensejar, legitimamente, a denominação de ciência.
Sob o enfoque classificatório adotado por Reis Friede, (1999), a ciência pode ser Natural,
Instrumental e Social, esta, de particular interesse para o presente estudo.
A Ciência hermenêutica do Direito, à sua vez, tem duas etapas interpretativas, sendo que a
primeira, que é comum às demais ciências e, privativa do Poder Legislativo, no caso do Direito.
Na primeira fase interpretativa, o Direito enquanto Ciência estuda o fato, atribuindo ao mesmo
uma valoração intrínseca.
O fato assim perquirido se preocupa com o conjunto axiológico de valores de uma dada
sociedade, no tempo e no espaço, chegando, assim à noção da norma, como expressão ideal
do universo do dever-ser.
Paulino Jacques, referência de Reis Friede, pretende impor uma universal validade de
aceitação dos postulados, como requisito indispensável para se caracterizar uma ciência.
Contudo, atualmente, ciência pressupõe uma moderna concepção, a qual se inspira no próprio
objeto de sua investigação, ou dizer, na procura constante e permanente da verdade quanto à
completa explicação evolucionista dos fenômenos naturais e sociais.
universais, muito menos permanentes, haja vista que os fenômenos sociais que os presidem
são dotados de maior complexidade que os fenômenos naturais, campo ocupacional de outras
ciências.
Não resta dúvida de que há uma tendência universalizante e aproximativa das concepções, a
exemplo dos conceitos e conclusões trabalhadas seja pela Física, seja pela Química, pela
astronomia.
Justiça, enquanto concepção axiológica, um valor intrínseco do Direito, vem sofrendo nítido
processo de universalização, inobstante as inúmeras culturas e bem assim os mais diferentes
estágios evolutivos dos inúmeros grupamentos humanos.
De forma que ciência deve ser considerada como uma busca; não como uma verdade
absoluta, até porque já hoje é aceita a chamada "verdade" relativa, vale dizer, verdades de
aceitação limitada ou restrita.
Como ciência social hermenêutica, o Direito ainda se isola como uma ciência de projeção de
um mundo ideal, por isso que se enquadra como ciência de natureza essencialmente valorativa
ou axiológica.
Fundado nos princípios axiológicos, ocupa-se o Direito, mais do que qualquer outra ciência, de
um intrincado e complexo sistema de mensuração factual, inclusive de matrizes intrínsecos,
especialmente a idealização da segurança prática das relações jurídicas e da incessante busca
do ideal de justiça, ainda que de modo heterogênico, através dos mais diversos segmentos do
Direito.
Com o tempo, com a expansão do Direito Romano, de grande influência no Direito Bárbaro,
houve a universalização do conceito de Jurisprudência, acabando por miscigenar-se ao Direito
Germânico.
Desse processo restou que, à míngua de nomenclatura mais ajustada, aliada mais à ausência
da noção de ciência, terminou por se espraiar a tradicional denominação de Ciência do Direito.
Muitas são as contradições e as discussões sobre o tema, como se depreende da progressiva
leitura da obra de Reis Friede, (in Ciência do Direito, Norma, Interpretação e Hermenêutica
Jurídica). O certo é que o assunto está longe de ser esgotado, e o consenso parece estar
distante, dadas as desencontradas e divergentes opiniões dos estudiosos do problema.