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Islam e o Imperativo Cultural

D
Uma publicação da fundação Nawawi
Por Dr. Umar Faruq Abd-Allah

urante séculos, a civilização islâmica harmonizou formas nativas


de expressão cultural com padrões universais de sua lei sagrada.
Da mesma forma, encontrou o equilíbrio entre a beleza temporária
e a verdade eterna, e desfraldou uma esplêndida variedade de unidade na
diversidade que se estendeu a partir do coração da China às margens do
Atlântico. A jurisprudência islâmica contribuiu para esse gênio criativo. O
Islam se mostrou culturalmente amigável e tolerante ao longo da história e,
nesse sentido, tem sido comparado a um rio cristalino. Suas águas (o Islam)
são puras, doces e revigorantes; mas, sem cor própria, refletem o leito (cultura
nativa) sobre o qual fluem. Na China, o Islam adotou uma aparência chinesa,
enquanto que no Mali, adotou um aspecto africano. Uma relevância cultural
constante em povos distintos, lugares diversos e épocas diferentes formaram a

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Islam e o Imperativo Cultural

base do longo sucesso do Islam como lhes soluções. Quando o leque da


uma civilização universal. A religião diversidade deixa de ser aberto, ele
não se tornou apenas funcional e retém pouco de seu esplendor e
familiar a nível local, mas também plenitude do passado; e onde o rio
atraiu e estimulou dinamicamente a cultural não secou completamente, suas
formação estável de identidades águas raramente fluem de maneira
muçulmanas nativas e permitiu que os cristalina.
muçulmanos estabelecessem raízes Os seres humanos produzem
profundas e fizessem contribuições cultura naturalmente como as aranhas
duradouras onde quer que fossem. tecem a seda, mas ao contrário das teias
Por outro lado, grande parte da das aranhas, as culturas produzidas
retórica islamista 1
contemporânea se pelas pessoas nem sempre são
afasta bastante da antiga sabedoria adequadas, especialmente quando
cultural do Islam, às vezes adotando geradas de maneira inconsciente, em
uma atitude culturalmente predatória. confusão, dentro de condições
Tal retórica e os movimentos desfavoráveis ou sem direção
ideológicos que a apoiam têm sido adequada. Não é de surpreender que os
profundamente influenciados pela imigrantes muçulmanos nos Estados
dialética revolucionária ocidental e por Unidos continuem ligados às terras que
uma recuperação e reinterpretação deixaram para trás, mas raramente ou
perigosamente seletivas das escrituras nunca tragam com eles o padrão
islâmicas. Ao mesmo tempo, porém, o completo das antes ricas culturas do
fenômeno islamista é em grande parte passado, que - se tivessem permanecido
um subproduto do deslocamento intactas - teriam reduzido a sua
cultural grave e da disfunção do mundo motivação para emigrar, para começar.
muçulmano contemporâneo. Os convertidos - majoritariamente afro-
A cultura - seja islâmica ou americanos - são muitas vezes
qualquer outra - fornece a base para a alienados de suas raízes nacionais
estabilidade social, mas, profundas e da sensibilidade cultural
paradoxalmente, ela própria só pode nativa por causa do impacto destrutivo
prosperar em sociedades estáveis e, de ideologias islâmicas culturalmente
inevitavelmente, acaba se predatórias que vêm do exterior.
desintegrando na confusão da ruptura e Mesmo assim, os muçulmanos
da turbulência sociais. Hoje, o mundo na América vêm discretamente
muçulmano conserva vestígios forjando suas próprias identidades
preciosos de seu antigo esplendor culturais nas últimas décadas em torno
cultural, mas na confusão dos nossos de nossas mesquitas, escolas islâmicas,
tempos, a sabedoria do passado nem em casa e nos câmpus universitários 2.
sempre é compreendida e muitas de Alguns desses desdobramentos são
suas regras estabelecidas e seus promissores. A nova geração de
modelos culturais anteriores não muçulmanos americanos produziu
parecem ser relevantes para os vários escritores, poetas, cantores de
muçulmanos e nem parecem oferecer- rap e comediantes excelentes. Fizemos

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Islam e o Imperativo Cultural

experiências com a vestimenta de maneira resoluta, como uma busca


(vestidos especiais de denim, por consciente e uma das principais
exemplo) e cunhamos palavras (como prioridades da nossa comunidade. Este
fun-damentalista) que já fazem parte da não é um problema que se resolverá por
nossa linguagem cotidiana. Os si só com o passar do tempo, nem
casamentos interculturais e inter-raciais podemos deixar que se desenvolva por
têm aumentado e mostram que muitos conta própria. O Islam não só promove,
muçulmanos americanos se consideram mas também exige a criação de uma
agora mais muçulmanos e americanos cultura islâmica nativa próspera nos
do que indianos, paquistaneses, sírios, Estados Unidos, e estabelece
egípcios, etc. De outras maneiras parâmetros bem definidos para sua
também, a nova geração dá sinais de formação e crescimento. Ao assumir
maturidade cultural e está se este compromisso, devemos entender
conectando em níveis positivos, muitas que nossas leis reveladas e nossa longa
vezes inimagináveis para seus pais. história como uma civilização mundial
Muitos deles se sentem confortáveis não constituem uma barreira neste
com sua identidade americana e, ao processo, mas oferecem enormes
mesmo tempo, cultivam um recursos e grande flexibilidade.
entendimento saudável de sua religião,
orgulho do seu passado, conexão com o O que é Cultura?
presente e uma visão positiva do futuro. Geralmente se identifica "cultura" com
Mas, apesar de alguns sinais gosto refinado, ou "alta cultura", como
positivos, grande parte da criação as artes e humanidades. Neste sentido,
cultural que vem ocorrendo nos últimos Matthew Arnold falou de cultura como
anos em torno de mesquitas, escolas, "o melhor que se conheceu e disse no
casas e câmpus universitários têm sido mundo" e "a história do espírito
sem direção, confusa, inconsciente, ou, humano." No entanto, cultura como
o que é ainda pior, subconscientemente conceito antropológico moderno e
forçada por medos irracionais como utilizado neste trabalho, refere-se
resultantes da ignorância da cultura ao padrão integrado completo de
dominante e por uma compreensão comportamento humano e é
superficial e sectária do Islam como infinitamente mais amplo do que
uma religião de identidade apenas suas expressões mais elevadas. 4
contracultural .3
Além do que é puramente instintivo e
Os resultados - especialmente inato, a cultura governa tudo sobre nós
se misturados com a ideologia islamista e até molda nossos atos instintivos e
culturalmente predatória - pode parecer inclinações naturais. É a cultura que
mais um limbo cultural do que o nos torna verdadeiramente humanos,
produto de uma identidade muçulmana nos distinguindo dos animais, que
nativa próspera. muitas vezes mostram comportamentos
O desenvolvimento de uma aprendidos, mas não têm a nossa
identidade cultural muçulmana e capacidade de criação e adaptação às
americana forte deve ser empreendida novas formas culturais. O homem foi

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Islam e o Imperativo Cultural

definido como "o animal que fala", "o resultado de valores culturais
animal político", "o animal religioso", particulares e hábitos cívicos, como
etc. Mas tanto a linguagem como a produto de constituições ou órgãos
política, a religião e outras administrativos. Em nossas mesquitas,
características essencialmente humanas escolas e casas, muitos dos problemas
são componentes fundamentais da diários são exemplos claros da
cultura e, acima de tudo, o ser humano dissonância e da confusão culturais.
é um "animal cultural." Geralmente têm pouco a ver com o
A cultura entrelaça tudo o que Islam per se, e muito a ver com o
valorizamos e que precisamos saber - choque de atitudes e expectativas do
crenças, moralidade, expectativas, velho mundo - geralmente autoritárias e
habilidades e conhecimento - dando- patriarcais -, com as complexidades,
lhes uma expressão funcional ao realidades e necessidades bem
integrá-las em uma série de padrões diferentes de nossa sociedade atual.
tradicionalmente eficazes. A cultura Um parâmetro chave para
tem suas origens no mundo da avaliar a cultura é a sua capacidade de
expressão, da linguagem e dos transmitir um sentido unificado do
símbolos. Mas também está relacionada indivíduo e da comunidade e padrões
com as atividades mais rotineiras de de comportamento consistentes e bem
nossas atividades, tais como a coesos. Uma cultura tem "sucesso"
vestimenta e a culinária, e vai muito quando transmite uma identidade
além do mundano, incluindo a religião, operacional, produz coesão social e
a espiritualidade, e as dimensões mais dota os seus membros de conhecimento
profundas das nossas psiques. A cultura e habilidades sociais que lhes permitem
inclui aspectos fundamentos sociais atender com eficácia5 suas necessidades
como a produção de alimentos e individuais e sociais. A identidade e a
distribuição de bens e serviços, a forma coesão social são produtos
como gerimos os negócios, o sistema fundamentais da cultura. Comunidade e
bancário e o comércio; o cultivo da autodeterminação também contribuem
ciência e da tecnologia, bem como para a concretização de uma cultura
todos os ramos do aprendizado, do "bem-sucedida". Na ausência de uma
saber e do pensamento. A vida em cultura islâmica americana integrada e
família e os costumes que cercam o dinâmica, falar sobre nós mesmos
nascimento, o casamento e a morte vêm como uma verdadeira comunidade -
à mente como elementos culturais apesar de nosso imenso talento
óbvios, mas o mesmo vale para as individual e do grande e crescente
relações entre os gêneros, os hábitos número de muçulmanos - ou de
sociais, as habilidades para lidar com as podermos um dia ser capazes de
circunstâncias da vida, a tolerância e a desempenhar um papel efetivo na vida
cooperação - ou a falta delas, e inclui social ou política, é pouco mais do que
superestruturas sociais, como retórico e ilusório.
organização política. Uma democracia Ao definir limites claros do
funcional, por exemplo, é tanto o indivíduo e fornecer uma ideia firme e

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Islam e o Imperativo Cultural

unificada da identidade, uma cultura - nem entre os árabes nem entre os não-
islâmica norte-americana forte árabes - como uma visão de mundo
permitiria uma participação mais culturalmente predatória e estrangeira.
dinâmica entre nós mesmos e com o Em vez disso, a mensagem profética foi
mundo que nos rodeia. Também baseada, desde o início, na distinção
cultivaria a habilidade de lidar com entre o bem, o benéfico e o
realidades sociais complexas e negociar autenticamente humano nas outras
de forma produtiva os papéis que a vida culturas, ao mesmo tempo em que
na sociedade moderna nos obriga a buscava alterar somente o claramente
desempenhar, ao mesmo tempo, prejudicial. A lei profética não destruiu
sustentando um senso unificado, digno e nem eliminou a distinção sobre os
e seguro do que somos e um outros povos, mas tentou polir, cultivar
compromisso consistente com os e nutrir, criando assim uma síntese
valores que defendemos. As pessoas islâmica positiva.
podem se arrepender de regras não Muito do que se tornaria a
cumpridas, mas não de psiques Sunna do Profeta (modelo profético)
fragmentados. A criação de uma psique foi composto de normas culturais
muçulmana sólida nos Estados Unidos árabes pré-islâmicas e o princípio de
está sujeita à criação de uma cultura tolerar e flexibilizar essas práticas -
nativa próspera e bem integrada. Uma tanto entre os árabes como entre os
psique bem integrada e um senso não-árabes em toda a sua diversidade -
unificado de identidade farão da pode ser considerado como uma Sunna
religiosidade islâmica, da verdadeira essencial e suprema do Profeta. Neste
espiritualidade e da perfeição moral sentido, o famoso jurista medieval Abu
autênticas, uma possibilidade Yusuf, compreendeu o reconhecimento
normativa no contexto americano. de normas culturais locais positivas
como uma das marcas da Sunna. O
O Respeito por Outras Culturas: uma jurista de Granada do século XV, Ibn
Sunnah Profética Suprema al-Mawaq, fez uma abordagem
semelhante ao destacar, por exemplo,
O Profeta Muhammad e seus que os códigos de vestimenta do
companheiros não estavam em conflito Profeta não pretendiam se impor sobre
com outros grupos étnicos e culturas do a integridade cultural dos muçulmanos
mundo, mas mantiveram uma não-árabes, que eram livres para
perspectiva honesta, flexível e desenvolver ou manter as suas próprias
geralmente positiva da ampla provisão vestimentas dentro dos parâmetros
social de outros povos e lugares. O gerais da lei sagrada.6
Profeta e seus companheiros não O Alcorão ordenou ao Profeta
concebiam a cultura humana em termos Muhammad aderir às boas práticas e
de polos opostos, nem tampouco costumes dos povos e tomá-los como
faziam uma divisão drástica das referências fundamentais na legislação:
sociedades humanas nas áreas do bem e "Toma-te, Muhammad de indulgência e
do mal absolutos. O Islam não se impôs ordena o que é conveniente e dá de

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Islam e o Imperativo Cultural

ombros aos ignorantes".7 Ibn Atiyya, claramente. O Profeta procurou dissipar


um renomado jurista medieval andaluz os temores dos etíopes pela intrusão de
e comentarista do Alcorão, afirmou que Umar e os encorajou a continuar a
este versículo não só defendia a dançar e, conforme relatado em uma
inviolabilidade da cultura nativa, mas das versões desta história verídica, ele
concedia validade plena a tudo o que o os tranquilizou para que prosseguissem
coração do homem considerasse com os seus ritmos e dança, dizendo:
coerente e benéfico, desde que não seja "Ajam como sabem, filhos de Arfida,
claramente rejeitada pela lei revelada. para que os judeus e os cristãos saibam
Para os juristas islâmicos clássicos em que a nossa religião é flexível".8
geral, este versículo é muitas vezes A intervenção do Profeta para
citado como evidência da aceitação das conter Umar deixou claro que os
práticas culturais positivas, e destacou- etíopes não seriam julgados de acordo
se que o que as pessoas geralmente com a condição árabe de Umar, nem
consideram apropriado tende a ser seriam forçados a se adaptarem a ela.
compatível com a sua natureza e seu Os "filhos de Arfida" tinham seus
ambiente, servindo assim suas próprios gostos culturais e usos
necessidades básicas e aspirações convencionais. O fato de terem
legítimas. abraçado o Islam não significava que
A história dos "filhos de seriam obrigados a renunciar à sua
Arfida", uma referência linguística cultura ou se sujeitar aos costumes
árabe familiar aos etíopes, fornece uma árabes. O Profeta permitiu aos
ilustração clara do lugar ocupado pela muçulmanos árabes expressarem
cultura (aqui, é claro, a cultura africana socialmente a sua própria maneira e
negra) na complacência do Profeta. Em estendeu este direito a todos os não-
celebração de uma festa religiosa árabes. Pela sua afirmação dos "filhos
islâmica, um grupo de convertidos de Arfida", o Profeta estabeleceu uma
negros africanos começou a tocar seus Sunna fundamental e um precedente
tambores de couro e a dançar com as jurídico duradouro para o respeito das
suas lanças dentro da mesquita do diferentes tradições étnicas e culturais,
Profeta. Umar ibn al-Khattab, um dos bem como para o reconhecimento das
principais companheiros do Profeta, se necessidades emocionais, dos gostos e
viu obrigado a interferir e a fazê-los das preferências culturais de todos
parar, mas o Profeta interveio em aqueles que abraçaram seus
defesa deles, ordenando a Umar que os ensinamentos.
deixasse e advertindo-o de que se O Profeta cultivou a receptividade
tratava dos "filhos de Arfida", não de e a objetividade para com os outros -
seu povo. O Profeta convidou sua que também foi parte de sua lição a
esposa Aisha para contemplar a dança, Umar, e foi esta receptividade que
a dirigiu para a multidão e a elevou nos permitiu aos seus companheiros
seus ombros de modo que, quando ela reconhecer o lado positivo em outras
se inclinava e pressionava sua culturas, mesmo quando eram não
bochecha contra a do Profeta, podia ver apenas hostis a ascensão do poder

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Islam e o Imperativo Cultural

islâmico, mas também, como foi o caso "bela e excelente").


dos cristãos bizantinos (al-Rum), eram
o inimigo mais formidável do Islam. O Imperativo Cultural no Direito
Quando disseram a Amr ibn al-As, um Islâmico Clássico
companheiro do Profeta e comandante A lei islâmica clássica não falava de
vitorioso nas guerras bizantinas, que o cultura per se, uma vez que este é um
Profeta havia predito que al-Rum conceito comportamental moderno. Em
(especificamente os bizantinos, vez disso, a lei focava no que pode ser
embora, neste contexto, entenda-se que chamado de componentes mais
seja uma referência geral aos europeus) tangíveis e importantes da cultura: o
predominariam no final dos tempos, costume (al-urf) e o uso (al-ada), que
Amr respondeu ao seu informante: todas as escolas de jurisprudência
reconheceram como essenciais para a
“Se você foi honesto com o que
acabou de me dizer, deve saber, aplicação adequada das leis, embora
então, que eles têm quatro com diferentes definições e graus de
excelentes qualidades: são os autoridade.10 No direito islâmico, al-urf
mais pacientes em tempos de e al-ada incluem os aspectos da cultura
discórdia; os mais rápidos em se local que são geralmente considerados
recuperarem das calamidades; os
bons, benéficos ou apenas inofensivos.
mais capazes de reiniciar seus
Em nenhuma das escolas, o respeito às
ataques após a retirada e,
finalmente, são os mais gentis culturas significou uma aceitação
com os pobres, os órfãos e os total.11
fracos. Amr então acrescentou: e A cultura local devia ser
possuem um quinto atributo que avaliada de acordo com as regras
é belo e bom: são os melhores
transcendentais da lei islâmica,
em conter a opressão de seus
envolvendo uma rejeição das práticas
reis.” 9
detestáveis, como o antigo costume
Amr chamou a atenção para as
mediterrâneo dos "crimes de honra" -
características culturais europeias que
que agora voltaram a acontecer no
ele conhecia e considerava compatíveis
contexto da crise cultural
com o ethos do Islam, e desejáveis
contemporânea - ou, no outro extremo,
universalmente como qualidades
a promiscuidade sexual tão
humanas. Esta resposta demonstra seu
predominante na cultura moderna.
entendimento de que a futura
Uma das cinco máximas
proeminência ocidental resultaria de
universais da lei islâmica proclamava:
suas extraordinárias qualidades
"Os usos culturais terão o peso da
culturais, as que a sua mente começou a
lei”.12 Rejeitar um costume e um uso
buscar, logo que ouviu a profecia do
bons não era apenas contraproducente,
Profeta. Quatro vieram de imediato à
mas também acarretava problemas
sua mente; mas a quinta ("eles são os
excessivos e ocasionava danos não
melhores em conter a opressão de seus
justificados ao povo. Outro princípio
reis"), foi uma reflexão posterior, mas
bem conhecido do direito islâmico
foi claramente considerada como a
enfatizou este fato e afirmou o
mais importante (a qualifica como
7
Islam e o Imperativo Cultural

princípio: "Os costumes culturais são a tradicionais. Ele insistiu que a arte de
segunda natureza", o que implica uma ditar julgamentos em harmonia com os
grande dificuldade para o povo agir aspectos positivos da cultura local
contra os costumes estabelecidos, pois satisfazia o objetivo jurídico
seria como desafiar seus instintos fundamental do Islam de garantir o
naturais. Portanto, a aplicação sábia da bem-estar geral da sociedade. No
lei exigia uma ampla adaptação às mesmo espírito, uma autoridade
normas do lugar, que só deveriam ser jurídica posterior, al-Tusuli afirmou: "É
modificadas ou bloqueadas quando obrigatório permitir que as pessoas
absolutamente necessário. Respeitar as mantenham seus costumes, tradições e
regras do lugar significa encontrar aspirações gerais na vida. Promulgar
soluções intermediárias e leva leis que se oponham a isso seria um
necessariamente a amplas semelhanças desvio sério e uma tirania."
culturais. Neste sentido, o direito Os tempos mudam e as
islâmico distinguia entre a imitação culturas viáveis se adaptam. Era um
submissa dos demais (tashabbuh), o consenso entre os pensadores jurídicos
que reflete um senso problemático da islâmicos que as decisões judiciais dos
própria identidade e geralmente era primeiros tempos deviam estar sujeitas
considerada proibida ou censurável, e a a uma constante revisão para garantir
simples ocorrência de semelhança que se mantivessem em linha com as
exterior (mushhabaha), que era exigida, épocas. Um aforismo jurídico
recomendável, ou apenas neutra declarava: "Que ninguém se oponha à
conforme o caso. 13
mudança de regras com a mudança dos
Abd al-Wahhab al-Baghdadi, tempos." Da mesma forma, esse
um juiz de renome e autoridade jurídica consenso legal islâmico renunciava à
importante do século XI, afirmou: "A aplicação sistemática da lei pela
rejeição dos costumes culturais não faz repetição irrefletida dos textos
sentido. Seguir os costumes bons é uma normativos. O jurista sírio ilustre do
obrigação." Al-Sarakhsi, jurista famoso século XIX, Ibn Abidin, advertiu que
da mesma época, enfatizou: "Aquilo qualquer jurista que se apegava
que é estabelecido por bons costumes, cegamente às decisões jurídicas de sua
também é igualmente estabelecido pela escola, sem levar em conta a mudança
prova jurídica sólida", significando dos tempos e das circunstâncias, estaria
assim que a lei islâmica reconhecia destruindo direitos fundamentais e
implicitamente todos os bons aspectos benefícios abrangentes, causando danos
da cultura local. O famoso jurista do que excediam em muito o bem que
século XIV de Granada, al-Shatibi - poderiam realizar. Ibn Abidin afirmou
sem dúvida, uma das mentes mais também que tal cegueira constituía um
brilhantes da história jurídica do Islam ato de opressão e uma grande injustiça.
- advertiu que a incompetência jurídica Al-Qarafi, um jurista de renome do
não poderia impor uma pena mais século XIII, também disse:
severa para uma pessoa do que exigir a Aqueles que ditam sentenças cegamente
renegação de seus costumes e práticas agarrando-se aos textos que aparecem nos

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Islam e o Imperativo Cultural

livros, sem levar em conta a realidade qual, em sua famosa expedição se


cultural de seu povo, incorrem em um encontrou em um mundo
enorme erro. Atuam em contradição com o completamente diferente a apenas
consenso legal estabelecido e cometem
alguns dias de viagem de sua Veneza
iniquidade e desobediência a Deus, e não
natal. Ibn Batuta, ao contrário,
têm desculpa apesar de sua ignorância;
assumiram a arte de ditar normas legais praticamente nunca deixou a área
sem serem dignos dessa profissão... Sua cultural islâmica que conhecia. Mesmo
adesão cega ao que está escrito em quando suas viagens o levaram para o
compêndios legais é contrária ao Islam e coração da China, as ilhas do Oceano
demonstra uma grande ignorância dos Índico ou a África subsaariana, quase
objetivos essenciais das normas criadas
sempre ele se sentiu em casa. Apesar da
pelos antigos especialistas e grandes
diversidade dos habitantes locais, as
personalidades do passado que alegam
sociedades muçulmanas que ele viu ali
querer imitar.
Estas palavras foram bem refletiam seus próprios instintos
recebidas um século depois ao chegar culturais do Islam ao equilibrar a
aos ouvidos de Ibn Qayyim, um jurista diversidade regional dentro da estrutura
e perito legal importante, que elogiou básica da unidade transcendental da lei
al-Qarafi al ao afirmar o seguinte: revelada.
No plano material, a
Este é um entendimento puro da lei. Quem dita
normas legais para as pessoas simplesmente arquitetura islâmica exemplifica este
com base no que foi transmitido pelos espírito de unidade na diversidade. A
compêndios, independentemente das diferenças mesquita do Profeta era modesta,
de costumes, tradições, épocas, lugares, rústica, sem cúpula e minarete - ambos
condições e circunstâncias especiais de cada foram adicionados mais tarde -, mas ela
situação, se desvia e faz com que os demais se expressava as ideias e propósitos
desviem. Seu crime contra a religião é ainda
básicos de um espírito tão
maior do que o de um médico que prescreve a
elegantemente expressos nas mesquitas
seus pacientes medicamentos de acordo
simplesmente com o que está escrito em um de civilizações islâmicas posteriores.
livro de medicina sobre pacientes com As grandes mesquitas de todas as
anatomias similares, independentemente das regiões do Islam foram capazes de
diferenças climáticas, normativas, das épocas transformar a funcionalidade em beleza
em que vivem e de suas condições físicas. É de uma maneira adequada aos seus
um médico ignorante, mas o outro é um jurista
ambientes físicos e contextos culturais.
ignorante, causando prejuízo muito maior.14
Elas deram plenitude à pedra, à
madeira e a outros itens, usando
Reflexões sobre a História Cultural
Islâmica motivos recorrentes de tradições locais
A unidade dentro da diversidade e transformando-os em manifestações
cultural foi a marca das sociedades da luz divina e em recintos sagrados
islâmicas tradicionais. Por exemplo, facilmente reconhecíveis. As mesquitas
Ibn Batuta, um famoso viajante andaluzes e do norte da África
marroquino do século XIV, visitou combinaram de forma magistral
mais de o dobro de territórios europeus elementos das basílicas romanas com
que seu contemporâneo Marco Polo, o elementos visigodos, tais como o arco

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Islam e o Imperativo Cultural

de ferradura. Os otomanos adotaram as aqueles ao seu redor.


altas estruturas abobadadas e austeras A civilização chinesa cultivou
das primeiras igrejas gregas com os a caligrafia, e os muçulmanos chineses
minaretes esguios como obeliscos, com se preocuparam em preservar esse
base em temas anatólicos. Na China, as legado, enquanto desenvolveram seu
mesquitas incorporaram de maneira próprio estilo caligráfico árabe com
brilhante o antigo simbolismo chinês pincéis de talo de junco, muitas vezes
do sagrado, enquanto que as mesquitas usando a mesma inscrição em chinês
da África Oriental e Ocidental para traduzir ao árabe. Na entrada de
capturaram um espírito distintamente uma mesquita chinesa, por exemplo,
africano graças ao uso de materiais encontramos uma inscrição com os
locais. Da mesma forma, o Taj Mahal, ideogramas kai tian gu jiao (a religião
um mausoléu em forma de mesquita, primordial desde o início do mundo).
fundiu de forma impecável elementos Em vez de nomear sua fé como yisilan
indianos e persas para se tornar uma jiào (a religião do Islam) - que é um
das principais manifestações culturais som estranho e uma construção sem
da Índia muçulmana, expressando de sentido para os falantes dessa língua -,
forma eficiente o ethos subcontinental a cultura islâmica chinesa preferiu
que se tornaria o símbolo da Índia em chamar o Islam de uma maneira que era
todo o mundo. inteligível e intrigante para os outros
O exemplo da antiga cultura habitantes daquela região: qing zhen
islâmica dos muçulmanos étnicos da jiao (a religião do puro e do real). Estas
China (os Hui) é especialmente palavras implicavam que o Islam não
revelador para nós nos Estados Unidos era alheio ao legado de seu povo, mas
hoje, já que floresceu dentro dos limites pertencia ao ethos da antiga China,
do brilhantismo de uma civilização representando o melhor de suas
não-muçulmana. A cultura islâmica tradições religiosas e filosóficas. Qing
chinesa deu poder psicológico aos Hui, (puro) implicava que o Islam era lúcido
permitindo-lhes manter uma ideia e puro, baseado na pureza exterior e na
unitária de si mesmos, adquirir um purificação interior, na autodisciplina, e
controle interpretativo de sua fé e criar na eliminação de desejos e ilusões
uma verdadeira definição islâmica egoístas. Zhen (real) manifestava que
própria, que era autenticamente os ensinamentos islâmicos
muçulmana, mas, ao mesmo tempo, expressavam verdades eternas e
aberta ao espírito chinês que os imutáveis - assuntos universais que
rodeava. A cultura islâmica chinesa não tinham preocupado a tradição chinesa
se desenvolveu por acaso, mas, pelo há milênios, e também que os
contrário, tinha o apoio das mentes muçulmanos cultivavam a própria
muçulmanas chinesas mais criativas. natureza do ser e procuravam viver de
As tradições da China antiga foram acordo com essas verdades da forma
levadas em conta na hora de definir os mais genuína e sincera possível.
muçulmanos e articular o Islam de uma Diferentemente da China, os
forma inteligível e respeitável para muçulmanos na costa leste da África

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Islam e o Imperativo Cultural

não encontraram uma antiga civilização idioma Bantu. A sabedoria suaíli


de longa tradição literária, mas tribos e aglutinava certos modos de
pessoas vinculadas à beleza de sua comportamento dentro da identidade
língua nativa Bantu, que os muçulmana local, especialmente em
muçulmanos da África Oriental relação à dignidade pessoal, que se
adotaram como própria e usaram como expressava pela cortesia e bom
um poderoso veículo cultural do Islam comportamento. A sabedoria suaíli
com a criação do suaíli (al-sawahiliyya: envolvia qualidades como paciência,
"a linguagem das zonas costeiras"). gentileza e compreensão. A
Durante séculos, os muçulmanos que impaciência, a facilidade de ficar com
falantes de suaíli produziram uma raiva e a ganância - qualidades que os
literatura volumosa e impressionante, muçulmanos suaílies logo detectaram
considerada uma das mais ricas do nos navegadores portugueses durante as
mundo, que ainda não foi totalmente suas primeiras incursões coloniais no
catalogada. século XVI - eram consideradas
Como outros, os muçulmanos infantis, "primitivas" e "não-suaílíes";
falantes de suaíli tinham orgulho do toleráveis em crianças, mas detestáveis
árabe clássico, o cultivaram plenamente em adultos.
e lhe concederam a devida importância, O uso inteligente da língua
especialmente em relação ao ensino e a nativa tem sido um aspecto da cultura
recitação do Alcorão. Mas também islâmica onde quer que florescesse.
empregaram com cuidado o suaíli para Encontramos um processo semelhante
o conhecimento religioso e outros fins na África Ocidental, onde a cultura
culturais, criando assim uma islâmica foi estabelecida, em seus
intelectualidade suaíli em toda a faixa estágios iniciais, em torno do povo
costeira, que atraiu a atenção de Ibn comercial dos Mandinga (Mande-
Batuta durante a sua visita. Ser Dyula), uma comunidade em grande
muçulmano na África Oriental parte agrária e com uma cultura
significava dominar o idioma suaíli, resiliente. Como os muçulmanos da
assimilar a cultura muçulmana suaíli e faixa suaíli, os da África ocidental
aprofundar-se na "sabedoria Suaíli" cultivaram o árabe clássico, mas
(Usuaíli). A fluência na língua suaíli - fizeram uso das ricas línguas regionais
especialmente a um nível literário – como o mandigo, o fula e o hausa,
tornou-se essencial para a plena transformando-as em poderosas armas
integração social e a quintessência de socioculturais.
uma pessoa "civilizada". Os Os muçulmanos de língua Hausa
muçulmanos vindos do exterior que cultivaram sua língua em todos os
não dominavam o suaíli – como Ibn níveis, do folclore e músicas populares
Batuta - eram recebidos como a poesia elegante e a linguagem
convidados de honra, mas não eram acadêmica refinada. Nossos contos
wenyejī ("os que pertencem"), embora tradicionais do coelho e da raposa,
pudessem ganhar essa distinção depois de terem sobrevivido
rapidamente se viessem a dominar o milagrosamente a grande travessia do

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Islam e o Imperativo Cultural

comércio transatlântico de escravos, para explicar os conceitos refinados da


nos evocam as histórias de animais teologia islâmica e do misticismo
típicos do folclore da África ocidental. teofísico.
Estas histórias populares eram muito
antigas, por vezes, remontando ao Para uma Cultura Muçulmana e
período Neolítico, milhares de anos Americana viável
antes de Cristo. Por isso, incluíam Como na faixa suaíli da África e no
mitos e cosmologias inspirados por resto do mundo muçulmano, o Islam
valores e crenças animistas. Em vez de nos Estados Unidos deve tornar-se
rejeitar essas histórias, os muçulmanos wenyejī, ou seja, "algo que pertence".
as readaptaram e tomaram como Deve ser nativo, não no sentido de uma
modelo para Auta ("o bebê da perda de identidade em favor da
família"), um personagem que, como o assimilação total, ou de ser propriedade
Rei Leão, muitas vezes é objeto de exclusiva dos nativos, mas no sentido
inveja, mas, no final se impõe aos seus original da palavra, ou seja, ser natural,
inimigos graças à sua bondade, concebido e desenvolvido a partir de
coragem e boa sorte. Este "bebê da dentro. Sem levar em conta o local de
família" foi transformado em um herói nascimento, os muçulmanos
cultural islâmico que representava um americanos se tornam nativos uma vez
modelo, um paradigma das normas que verdadeiramente "pertençam". O
islâmicas, e ajudou a promover a Islam nos Estados Unidos se tornará
construção de uma visão integrada da nativo somente se for capaz de criar
cultura islâmica nativa na África uma identidade cultural integrada
Ocidental. Histórias populares e confortável consigo mesma e que
poemas didáticos tão simples como funcione naturalmente no mundo que o
"The Song of Old Red Iron Legs” (A rodeia.
Canção das Velhas Pernas de Ferro, Não se pode deixar que uma
em tradução livre) descreviam cultura islâmica próspera se construa
vividamente as realidades teológicas da sem ordem e nem direção, ou de forma
Ressurreição, do Juízo Final, do inconsciente. O processo requer uma
Inferno e do Jardim do Paraíso. Os profunda compreensão do Islam, da
falantes de hausa utilizaram outros história, das ciências humanas e
gêneros poéticos para cantar seus sociais, e deve ser baseado no
louvores ao Profeta Muhammad. Um conhecimento de como se formam
estilo hausa lúcido foi usado para tradições culturais viáveis. É necessário
textos legais específicos, que eram contar com os homens e mulheres com
estudados em conjunto com os mais talento e recursos de nossa
compêndios padrão em árabe e comunidade e liberar nossa imaginação
continham as respostas às perguntas cultural islâmica. Construir uma forte
fundamentais da cultura da África cultura islâmica nos Estados Unidos
Ocidental que não apareciam nos textos requer que se considere o que já está
em árabe. Ao mesmo tempo, se estabelecido, em particular as
desenvolveu um hausa mais refinado iniciativas comunitárias que têm sido

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Islam e o Imperativo Cultural

bem sucedidas. Devemos identificar os inter-religiosa com toda a sociedade


caminhos mais promissores e corrigir norte-americana. Ao fazer uso dos
os erros. Redirecionar a subcultura das vastos recursos oferecidos pelo legado
mesquitas é o maior desafio, pois já se cultural americano, devemos prestar
tornou algo "natural" para uma minoria atenção especial à rica e muitas vezes
que se faz ouvir e é muito difícil de esquecida herança indígena e hispânica,
reorientar, embora mantenha alienada além das heranças afro-americana e
uma grande parte da comunidade. anglo-americana.
Devemos ser produtores de cultura, não Uma cultura islâmica próspera
consumidores passivos dela. Uma nos Estados Unidos deve construir
cultura muçulmana próspera nos mesquitas que, como aquelas no mundo
Estados Unidos deve oferecer espaço islâmico tradicional, expressam
psicológico para todos os membros completamente a ideia universal da
desta comunidade altamente mesquita de acordo com as normas
heterogênea, adotando desde o início transcendentais do Islam, enquanto que,
uma perspectiva cosmopolita, como um ao mesmo tempo, criam um espaço
leque em nível nacional capaz de sagrado em harmonia com o espírito
refletir nossa rica diversidade interna. nativo e um sentido estético normativo.
O mesmo modelo não se encaixa em Devemos estabelecer clínicas e
todos os casos. Em termos culturais, o hospitais especiais seguindo a melhor
que se considera adequado nos tradição médica da civilização islâmica,
subúrbios, pode não o ser no centro da juntamente com outras instituições que
cidade. O que se encaixa na identidade atendam às necessidades da
afro-americana ou asiático-americana comunidade e se estendam a toda a
nem sempre se adequa aos outros. Mas sociedade americana por meio de
para incluir a todos e promover um serviços sociais e cívicos. Oferecer
verdadeiro sentimento de continuidade aconselhamento é um aspecto
e comunidade entre nós, a nossa cultura fundamental da tradição islâmica, e
deve levar em conta os valores devemos nos tornar participantes ativos
universais e transcendentais do Islam, na busca por soluções para os
ao mesmo tempo em que constrói uma problemas endêmicos da sociedade
matriz ampla de âmbito nacional que moderna, como a dependência de
está em conformidade com todos como drogas, distúrbios psicológicos,
uma chave mestra, seja qual for o seu violência doméstica, entre outros.
grupo étnico ou a classe social. Esta Devemos desenvolver uma cultura
vasta paleta cultural deve deixar espaço sofisticada que inclui a ação política
amplo para cada entidade individual direta, especialmente a partir das bases
desenvolver a sua própria autoimagem e indo até os níveis mais elevados.
e expressão cultural genuína. Deve Nossas instituições educacionais, cada
facilitar uma diversidade dinâmica vez mais numerosas, devem contribuir
interna e promover a compreensão para a criação de uma expressão
mútua entre os diferentes grupos, cultural sólida, projetada para atender
diálogo intercultural e cooperação todas as nossas necessidades

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Islam e o Imperativo Cultural

educacionais. Devemos ir além da humanas e outras disciplinas que


abordagem míope das carreiras fornecem os meios para o
profissionais - geralmente científicas e desenvolvimento criativo de uma
médicas - para garantir a produção de cultura nativa.
estudiosos do Islam genuínos e líderes O desenvolvimento cultural
religiosos qualificados. deve ser intencional e proativo, com
A tradição jurídica do Islam não deve foco em objetivos claros e legítimos
ser vista como um programa de que estejam acompanhados por uma
proibições e restrições exaustivas, mas visão específica de como alcançá-los.
ser relevante para os imperativos Somos inundados pela linguagem,
diários com vista à promoção de uma símbolos, ideias e tecnologia, e nenhum
identidade positiva e uma integração deles é neutro. Devemos definir a nossa
dinâmica na sociedade americana. Não posição em relação a eles, e adotar uma
podemos permanecer fiéis à lei sagrada respostas intelectuais e
se não pudermos ver a floresta para as comportamentais adequadas, se
árvores. Ao mesmo tempo em que quisermos ser vencedores e não
cultivamos conhecimento avançado da vítimas. Acima da construção de mais
língua árabe, devemos - como fizeram mesquitas e instituições, o nosso
outras culturas muçulmanas não-árabes principal objetivo deve ser a
antes de nós - usar a nossa língua constituição de um indivíduo íntegro,
nativa e torná-la o principal veículo de agradável e confiante, educado sobre o
nossa cultura. Devemos continuar a Islam e a cultura, e não apenas capaz de
desenvolver o nosso humor e várias ser pouco mais do que um cidadão
expressões musicais e literárias; mas produtivo e um bom contribuinte, mas
também cultivar o cinema - também um líder da vanguarda cultural
especialmente o de ficção histórica -, o nos Estados Unidos. A cultura é um
teatro e as artes, incluindo design de comportamento integrado e uma cultura
interiores e design de moda. Muitos islâmica que procura ser viável nos
muçulmanos americanos já se tornaram Estados Unidos deve produzir modelos
bem conhecidos no mundo dos esportes abrangentes de pensamento e de
e devem continuar a prover modelos comportamento que permitam a criação
para nós e para o resto da sociedade. de um todo cultural unificado, capaz de
Toda a amplitude de nossa religião, lidar livremente com a modernidade e a
história e tradição intelectual devem tradição, e se movimentar de maneira
estar acessíveis através de traduções de eficaz entre as complexidades da
qualidade com seus comentários e sociedade atual. Uma cultura próspera
outros estudos pesquisados "dá uma mão" aos seus membros
rigorosamente. Os muçulmanos transmitindo habilidades sociais e uma
americanos já contribuem para a vida forte capacidade de resposta a novas
acadêmica do país, que deve continuar situações. (Uma pessoa que cresce em
em todas as áreas, mas especialmente uma cultura que valoriza a
em estudos islâmicos, antropologia, generosidade, por exemplo, saberá
sociologia, psicologia, ciências perfeitamente como receber

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Islam e o Imperativo Cultural

convidados, mesmo os que chegam de religião, de nós mesmos e de nossa


madrugada). Para nos permitir superar comunidade, mas também desenvolver
os problemas diários e todos os uma psicologia social saudável que
assuntos relacionados com a nossa fornece autoridade sem autoritarismo,
identidade, uma cultura muçulmana continuidade e tradição sem
próspera nos Estados Unidos geraria conformidade cega. Uma psicologia
um espaço psicológico generoso, nos social muçulmana americana bem-
libertando para concentrarmos nas sucedida deve ser o núcleo da nossa
preocupações mais importantes de cultura, como acontece com os grupos
nossa existência e do desenvolvimento sociais mais prósperos ao nosso redor.
civilizado. A nossa própria psicologia social deve
A cultura nos permite ter permitir uma participação ativa e
certeza de quem, onde e o que somos. dinâmica tanto de homens como de
Os muçulmanos americanos que estão mulheres em igualdade de condições.
seguros de si mesmos já deram o Deve ser realmente transparente,
primeiro passo para se tornar modelos identificar os problemas de maneira
de comportamento para seus filhos e os honesta, facilitar o diálogo e buscar
demais, e irradiam um senso de direção soluções reais baseando-se no respeito
e credibilidade. As identidades que se mútuo, na cooperação e no pensamento
consolidam sobre uma profunda coletivo, saudavelmente enraizada no
contradição cultural são facilmente passado, mas com uma visão
jogadas em um estado de confusão e inteligente do futuro.
dúvida. A verdadeira religiosidade e a
espiritualidade profunda exigem Conclusão
consistência e estabilidade interiores, Muitos em nossa comunidade hoje
que só são possíveis se estiverem olham para a cultura com receio, mas
inseridas em uma forte ligação cultural. têm apenas uma vaga noção do que
Quando os adultos estão confusos sobre realmente é a cultura e o papel
si mesmos e vivem estilos de vida fundamental que desempenha na
contraditórios (uma pessoa no trabalho existência do ser humano. Para eles,
e outra completamente diferente em "cultura" é uma palavra cheia de
casa), têm pouco a transmitir aos seus conotações negativas; algo perigoso,
filhos, que provavelmente estarão ainda inerentemente problemático e "não-
mais confusos, o que é uma situação islâmico" (um neologismo islamista
muito perigosa na cultura da juventude profundamente contraditório).
de hoje. Concebem cultura como uma
Acima da formação de uma substância tóxica que deve
identidade, uma cultura islâmica necessariamente ser purificada, porque
próspera nos Estados Unidos serviria em suas mentes Islam e cultura são
de base para o desenvolvimento social mutuamente excludentes. Alguns até
e a autodeterminação da comunidade. acreditam ingenuamente e sem
Mas isso requer não só assumir um qualquer perspectiva histórica, que o
controle interpretativo de nossa patrimônio cultural islâmico, como o

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Islam e o Imperativo Cultural

Taj Mahal, por exemplo, foi uma das Criar uma identidade
principais causas do declínio e queda muçulmana própria nos Estados Unidos
do Islam. Sua forma de pensar é o é uma tarefa árdua e complicada, que
reflexo do mal-estar geral da era requer integridade pessoal e um
moderna e da desintegração das profundo conhecimento e compreensão.
culturas islâmicas tradicionais, Mas a tarefa não pode ser ignorada sem
deixando em seu rastro uma alienação grandes riscos e os perigos de um
existencial crônica e uma disfunção fracasso são extremamente
cultural. Tal fobia cultural é devastadores. O fracasso ao criar uma
inadmissível à luz da jurisprudência cultura islâmica próspera nos Estados
islâmica clássica e é a antítese de mais Unidos não só ameaça a nossa
de um milênio de culturas islâmicas existência futura, mas também constitui
nativas prósperas e de uma civilização uma traição indesculpável à confiança
universal. divina e a perda de uma oportunidade
Devemos insistir na sabedoria histórica única de fazer o Islam
tradicional da lei islâmica e funcionar nos Estados Unidos. Nossa
desconstruir a paranoia contracultural lei sagrada exige que assumamos esta
entre nós. Se não controlarmos e tarefa. O trabalho que temos pela frente
reorientarmos a religião de identidade é uma questão de ijtihad verdadeiro,
contracultural que está se compromisso moral e criatividade
desenvolvendo inconscientemente em dinâmica. No espírito dos grandes
torno de muitas das nossas mesquitas, juristas do passado, qualquer falha de
escolas, casas e câmpus universitários, nossa parte seria uma "injustiça e
ela comprometerá a ascensão do Islam desobediência a Deus," exceto que, no
nos Estados Unidos. Quanto àqueles nosso caso, o "grande erro" que
que estão imersos neste paradigma cometemos não pertence a uma
contracultural, explicar a jurisprudência disposição jurídica isolada ou a casos
islâmica tolerante em relação a cultura muito particulares, mas ao declínio de
e falar sobre a criação de uma cultura toda uma comunidade. Há um dito
islâmica nos Estados Unidos, mandinga que proclama: "O mundo é
geralmente desperta uma profunda antigo, mas o futuro brota do passado."
ansiedade, medos subconscientes e Precisamos engendrar uma cultura
dúvidas implacáveis. A convicção de islâmica americana que nos dê a
que a lei islâmica estabelece liberdade de ser nós mesmos. E para
parâmetros para que se possa produzir sermos nós mesmos, devemos ter um
um desenvolvimento cultural nativo senso adequado de continuidade com o
raramente dissipa estes receios, porque que existiu no passado, o que existe, e
não estão enraizados na racionalidade, o que provavelmente continuará a
mas em um substrato do subconsciente existir. Apenas no contexto de uma
que foi treinado - às vezes desde a presença cultural viável podemos
infância - em noções erradas e em confiar em um futuro islâmico brilhante
falsos valores universais de uma nos Estados Unidos que brote da
ideologia estrangeira. riqueza de nosso passado.

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Islam e o Imperativo Cultural

nativos americanos e vietnamitas. A "contracultura"

NOTAS do hidalgo, por outro lado, era baseada na negação da


1. O termo "islamista" não deve ser confundido com humanidade do Outro e, portanto, era culturalmente
"islâmico" ou "extremista". Uso-o para me referir predatória e potencialmente genocida.
a vários movimentos revivalistas do século XX 4. Não há um consenso geral entre os antropólogos sobre
altamente politizados com interpretações o significado de cultura. Dada a origem do termo no
essencialistas do Islam, que geralmente defendem contexto do colonialismo ocidental, este tem tido uma
os fins de um partido ou estado como a principal
história atribulada e às vezes até tem sido associado
ou única abordagem possível do Islam. Os
ao poder, desigualdade, dominação cultural e racismo.
islamistas tendem ao literalismo, mas escolhem
Tradicionalmente, o projeto antropológico foi
seletivamente os textos que seguem, geralmente
contradizendo interpretações consolidadas dentro acompanhado pela expansão colonial à custa dos
da erudição tradicional islâmica. Com uma visão povos indígenas, o que foi muito facilitado pelo
predatória da tradição islâmica e da cultura estudo das culturas desses povos, que se tornou uma
humanística moderna, sua atitude geral em grande preocupação para estudiosos da matéria
relação à cultura implica o erro grave de durante os anos 1960 e 1970. Na atualidade, os
considerar a tecnologia moderna como antropólogos de maior prestígio são muito cautelosos
"culturalmente" neutra, sem parar para pensar ao se referirem a cultura em termos relacionados com
sobre seus fundamentos sociológicos, poder, desigualdade e questões similares.
especialmente as implicações das habilidades, das
suposições e das expectativas necessárias para 5. A cultura por si mesma pode ser qualquer coisa e não
desenvolvê-la. tem um conteúdo específico. Uma cultura deve ser
julgada de acordo com suas próprias características e
2. O desenvolvimento de "subculturas" dentro da
seu sucesso é possível, dependendo do que deseja
cultura de matriz maior é natural e, de fato, a
alcançar. Se, por exemplo, o nosso objetivo como
cultura dominante muitas vezes produz subculturas
muçulmanos nos Estados Unidos é ocupar um lugar
que são perfeitamente viáveis. Para certos
na sociedade desse país com um sentido unificado de
indivíduos e grupos, uma identidade cultural
identidade, o sucesso da nossa cultura será medido de
consolidada só será possível pelo pertencimento a
acordo com o grau de concretização desse propósito.
uma subcultura adequada ou que está associada
com um grupo de subculturas dentro da dominante. 6. Devo expressar aqui os meus agradecimentos para
Em função da diversidade da nossa comunidade, o meus antigos colegas e professores Shaykh Abdallah
panorama geral de uma cultura islâmica funcional ben Bayyah e Dr. Khaldoun al-Ahdab; a maioria das
nos Estados Unidos requer uma boa coordenação referências clássicas tomei de meu amigo, colega e
entre uma matriz cultural dominante e uma antigo aluno Dr. Adil Abd al-Qadir Quta, Al-Urf, 2
variedade de subculturas claramente definidas. vols, (Meca: al-Maktaba al-Makkiyya, 1997). A
maioria das citações posteriores pode ser encontrada
3. É provável que o termo "contracultura" nos remeta à
em suas fontes originais consultando as seguintes
contracultura dos anos 1960 nos Estados Unidos. No
referências em Quta: 1:58-77, 129, 138-141, 180-181,
entanto, a "contracultura" que tenho em mente é mais
208-211. Eu também gostaria de expressar minha
parecida com a do hidalgo (literalmente “filho de
dívida intelectual e profunda gratidão aos doutores
algo”) - cavalheiro da baixa nobreza castelhana -, que
Sherman Jackson, Timothy Winter, Ingrid Mattson e
desempenhou um papel importante não só no
Sulayman Nyang, entre outros, pelas melhores ideias
extermínio de judeus e muçulmanos na Península
e expressões neste trabalho.
Ibérica, e dos nativos americanos do Novo Mundo,
mas também no desenvolvimento do nacionalismo e 7. Alcorão 7: 199. Tradução do Dr. Helmi Nasr. O prof.
do racismo do Ocidente. A identidade do cavalheiro Samir Hayek traduz o versículo: "Conserva-te
se baseava na negação do Outro, especialmente o indulgente, encomenda o bem e foge dos insipientes".
Outro judeu ou muçulmano na Espanha muçulmana e 8. Esta história aparece em Bukhari e Muslim, as fontes
em Portugal. O hidalgo se definia não em termos do mais fidedignas sobre a tradição profética; a
que era, mas em termos do que não era. Um hidalgo referência final é tomada a partir de Musnad al-
era intrinsicamente nobre porque não era muçulmano Humaydi.
e nem judeu e, além disso, detestava as ocupações e 9. Transmitido em Muslim.
ofícios relacionados a eles. A contracultura dos anos
10. As escolas Hanafi e Maliki, de cujos juristas tomamos
1960 nos Estados Unidos era positiva no sentido de
a maioria das citações, deram uma grande importância
que afirmava a humanidade do Outro, como negros,

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Islam e o Imperativo Cultural

à cultura. De acordo com a escola Maliki, podemos muçulmanos tentem uma aproximação com os judeus
aceitar a autoridade de normas culturais para e os cristãos, muitas vezes ouvimos muçulmanos hoje
especificar ou restringir as disposições legais gerais citando o seguinte versículo do Alcorão: "Nem os
contrárias com base na preferência jurídica (istihsan). judeus, nem os cristãos, jamais estão satisfeitos
Nas terras islâmicas orientais durante o período contigo, a menos que abraces os seus credos."
clássico, um homem que aparecia em público com a (Alcorão 2: 120). O versículo foi dirigido ao Profeta
cabeça descoberta mostrava uma falta de virtude e pessoalmente no período de formação da revelação e
geralmente sua declaração perante o juiz era rejeitada. faz referência aos sentimentos das comunidades
No entanto, a norma cultural na zona ocidental árabes de judeus e cristãos em relação a ele e a sua
(Andaluzia) era que os homens aparecessem em insistência de que ele os seguisse e não fundasse uma
público com a cabeça descoberta. De acordo com esse nova dispensação universal. Fazer generalizações
costume, a lei Maliki na Península Ibérica não sobre este versículo para excluir todas as relações
considerava aparecer em público com a cabeça positivas entre as fés abraâmicas em todos os
descoberta como uma violação da integridade pessoal. contextos possíveis é errado e desmente relações
11. Uma aceitação cega de normas culturais não só é harmoniosas que normalmente existiram entre as três
contrária à lei islâmica, mas também se opõe à criação religiões na civilização islâmica.
cultural na qual devemos nos engajar. Tanto na lei 14. Estas duas citações são de Adil Quta, al-Urf , 1: 64-
islâmica quanto na antropologia moderna, não é 65.
possível a aceitação de novos modos culturais sem
fazer uma análise crítica das mesmas, com base na
nossa concepção de cultura e nos objetivos que
queremos alcançar por meio dela.
12. As cinco máximas (al-qawaid al-kulliyyat al-khams)
foram o resultado de um consenso entre todas as
escolas, e são as seguintes:
- "As questões são julgadas pelos seus objetivos” (al-
umur bi-maqasidiha).
- "A certeza não pode ser eliminada pela dúvida" (al-
yaqin la yazul bi-'l-shakk), geralmente invocada como
referência especial a princípios islâmicos, tais como
algo é considerado como permitido a menos que se
prove o contrário, que se supõe a inocência até que a
culpa seja provada, etc.
- "A dificuldade levará ao alívio” (al-mashaqqa tajlib
al-taysir), significando que a lei não poderá exigir de
maneira válida qualquer coisa que as pessoas sejam
incapazes de realizar sem dificuldade excessiva.
- "O dano será removido" (al-darar yuzal), que
invalida as regras que levam a danos, mesmo que
sejam tecnicamente legítimas.
- "Os usos culturais têm força de lei" (al-ada
muhakkama). Esta máxima é também lida como “al -
ada muhkama", ou seja, “os usos culturais são
definitivos", o que implica que o costume tem
autoridade semelhante aos preceitos textuais
fundamentais da lei.
13. As injunções relativas a diferenciação de judeus e
cristãos se incluíam nesta categoria e se enquadravam
em um contexto histórico particular. Já se fez
referência à opinião de Ibn al-Mawaq. Como prova
baseada em premissas de que é inútil que os

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