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64 ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE

Aspectos institucionais para a adoção da


Educação Interprofissional na formação em
enfermagem e medicina
Institutional aspects for the adoption of Interprofessional Education
in nursing and medical training

Marcelo Viana da Costa1, George Dantas Azevedo2, Maria José Pereira Vilar3

DOI: 10.1590/0103-11042019S105

RESUMO Os marcos teórico-conceituais e metodológicos da Educação Interprofissional


(EIP) em saúde vêm sendo amplamente reconhecidos em todo o mundo como úteis para o
desenvolvimento de competências colaborativas para o efetivo trabalho em equipe. O artigo
teve como objetivo explorar as percepções de estudantes de enfermagem e medicina sobre
os fatores institucionais que interferem na adoção de iniciativas de EIP em seus contextos de
formação. Trata-se de um estudo de caso, que adotou a abordagem qualitativa e a perspectiva
exploratória. Os participantes da pesquisa foram estudantes de enfermagem e medicina de duas
universidades públicas de um estado do Nordeste – uma estadual e outra federal. O grupo focal
foi escolhido para coleta de dados, e foi utilizada a técnica de análise de conteúdo categorial,
observando as fases de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Três
categorias temáticas foram construídas a posteriori: a importância do trabalho em equipe, con-
1 Universidade
textos institucionais para adoção da EIP e desafios para a adoção da EIP. Embora as realidades
Federal
do Rio Grande do Norte pesquisadas apresentem avanços nas mudanças curriculares, como a aproximação do ensino com
(UFRN), Escola Multicampi a realidade dos serviços, a adoção de métodos mais ativos para a formação de sujeitos críticos
de Ciências Médicas,
Programa de Pós- e reflexivos, ainda são notórias as lacunas no desenvolvimento de competências colaborativas.
Graduação em Ensino na
Saúde – Caicó (RN), Brasil.
vianacostam@yahoo.com.br PALAVRAS-CHAVE Educação superior. Instituições acadêmicas. Relações interprofissionais.
2 Universidade

Federal do Rio Grande ABSTRACT The theoretical-conceptual and methodological frameworks of Interprofessional
do Norte (UFRN), Escola Education in Health (IPE) have been widely recognized throughout the world as useful for the
Multicampi de Ciências
Médicas, Programa de Pós- development of collaborative competences for effective teamwork. This article aims to explore
Graduação em Educação, the perceptions of nursing and medical students regarding the institutional factors that interfere
Trabalho e Inovação em
Medicina – Caicó (RN), in the adoption of IPE initiatives in their training contexts. It is a case study, which adopted the
Brasil.  qualitative approach and the exploratory perspective. The research participants were nursing and
3 Universidade Federal medical students from two public universities from a Brazilian Northeastern state – one state and
do Rio Grande do one federal. The focus group was chosen for data collection, and the categorical content analysis
Norte (UFRN), Centro
de Ciências da Saúde, technique was used, observing the phases of pre-analysis, material exploration and treatment of
Programa de Pós- results. Three thematic categories were built a posteriori: the importance of teamwork, the institu-
Graduação em Ensino na
Saúde – Natal (RN), Brasil. tional contexts for the adoption of the IPE and challenges for the adoption of the IPE. Although the

Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative
Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer
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realities researched present advances in curricular changes, such as the approximation of teaching
with the reality of services, the adoption of more active methods for the formation of critical and
reflexive subjects, the gaps in the development of collaborative competences are still notorious.

KEYWORDS Education. Higher, schools. Interprofessional relations.

Introdução buscando dar destaque aos aspectos centrais


da interprofissionalidade, defende que a EIP
A Educação Interprofissional (EIP) vem
sendo discutida, ao longo dos últimos 30 [...] ocorre quando os membros de mais de
anos, como forma de incentivar novas relações uma profissão da saúde e/ou assistência so-
entre os profissionais de saúde, por meio da cial aprendem em conjunto, de forma intera-
colaboração, e, consequentemente, melho- tiva, com o propósito explícito de melhorar a
rar a qualidade dos serviços de saúde. Nesse colaboração interprofissional e/ou a saúde/
período, muitos são os esforços para consolidar bem-estar dos pacientes/clientes5(5).
o debate, superando os equívocos teóricos,
identificar evidências de sua efetividade na Aspecto central dessa definição é a in-
mudança de atitudes e habilidades dos pro- tencionalidade para o desenvolvimento de
fissionais de saúde, transformar a realidade competências colaborativas. Oportunidades
dos sistemas de saúde, construir um marco de aprendizagem entre estudantes ou profis-
teórico e discutir metodologias e estratégias sionais de diferentes categorias devem ser po-
que subsidiem a lógica da EIP1. tencializadas por estratégias intencionalmente
Estudiosos e pesquisadores, a partir de im- planejadas para que a colaboração substitua a
portantes acúmulos históricos, empenharam- tradicional competição existente na formação
-se na construção de uma definição capaz de e no trabalho em saúde.
atender às demandas emergentes no campo Nas definições sobre EIP, é possível per-
da formação dos profissionais da saúde, na ne- ceber a evolução do entendimento de que a
cessidade de superar o grande distanciamento formação do profissional acontece em diversos
entre os profissionais da saúde e no compro- cenários, tanto na realidade da produção dos
misso de melhorar a qualidade da atenção e serviços de saúde quanto nos espaços formais
a qualidade de vida e saúde das pessoas2,3. e informais de formação da força de trabalho
O Center For The Advancement of em saúde, assim como da importância desse
Interprofessional Education (Caipe)4(2), im- processo ser compartilhado pelos atores en-
portante instituição que incentiva e apoia a volvidos, estudantes e/ou profissionais3.
EIP no Reino Unido, defende que a Outro aspecto que chama atenção é que o
amadurecimento do debate permitiu definir a
Educação Interprofissional ocorre quando EIP como pressuposto para o trabalho colabo-
duas ou mais profissões aprendem com, para rativo, colocando na centralidade do processo
e sobre a outra, para melhorar a colaboração as necessidades sociais e de saúde, dos usuá-
e a qualidade dos cuidados. rios; bem como superar o atual modelo de for-
mação em silos profissionais, em que há pouca
Estudo de revisão sistemática, por sua vez, ou nenhuma oportunidade de aprendizagem

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compartilhada, e que acaba por determinar compreender o fenômeno para além das suas
práticas também separadas e isoladas6. características mensuráveis e a capacidade de
Discutir educação e o trabalho interprofissio- compreender, discutir e explorar sensações e
nal retoma a reflexão sobre a centralidade dos experiências existentes nas relações sociais8. A
usuários na elaboração e execução das ações em perspectiva exploratória justifica-se pela inten-
saúde, mostrando-se coerente com o propósito ção de explorar aspectos de um determinado
de fortalecer os sistemas de saúde por meio de fenômeno, principalmente quando ainda não
respostas mais efetivas aos problemas de saúde. se conhece bem os aspectos que o constituem9.
Reaviva o debate em torno do diálogo necessário O estudo foi desenvolvido em duas universi-
entre os diversos campos de conhecimento e dades de um estado do Nordeste – uma estadual
de práticas para o enfrentamento de problemas e outra federal. Entre as duas, há importantes
e necessidades de saúde que se tornam com- diferenças na estrutura, organização, interiori-
plexos em uma dinâmica social que também zação e em relação aos processos de pesquisa,
precisa de múltiplos olhares e ações. ensino e extensão. A escolha foi motivada pelo
Tomando por base a relevância da EIP para fato de que as duas universidades têm tradição
a formação de profissionais de saúde mais na participação em políticas de reorientação da
aptos à colaboração e ao efetivo trabalho em formação profissional em saúde.
equipe, a elaboração deste estudo foi orientada Os participantes da pesquisa foram estudantes
pela seguinte questão norteadora: como estu- de enfermagem e medicina de duas universidades
dantes de enfermagem e medicina percebem públicas localizadas no Nordeste brasileiro. Para
os aspectos institucionais para a adoção da assegurar a confidencialidade dos participan-
EIP em seus contextos de formação? tes, foram utilizados códigos compostos pelas
Dessa forma, o artigo tem como objetivo letras EE – para Estudantes de Enfermagem – e
explorar as percepções de estudantes de en- pelas letras EM – para Estudantes de Medicina
fermagem e medicina sobre os fatores institu- – seguido de um numeral.
cionais que interferem na adoção de iniciativas O grupo focal foi escolhido para coleta de
de EIP em seus contextos de formação. dados por levantar questões relacionadas
com a disponibilidade para a aprendizagem
compartilhada, estereótipos profissionais,
Material e métodos limitações ou dificuldades para o aprendiza-
do interprofissional. Os grupos focais foram
Fundamentado na natureza do problema pes- homogêneos, e esse formato permitiu aos
quisado e nos objetivos estabelecidos, trata-se participantes a oportunidade de fornecer
de um estudo de caso. Embora o estudo tenha informações mais concretas em seus pontos
acontecido com participantes de diferentes de vista sobre estudantes de outras áreas
instituições de ensino, adotam-se como caso profissionais10.
para estudo os aspectos institucionais que A discussão no grupo focal foi conduzida
influenciam na adoção da interprofissiona- pelo moderador, coordenador da pesquisa, e
lidade na formação em enfermagem e medi- por um observador, responsável pelo registro
cina. Dessa forma, considera-se o contexto de atitudes e gestos que possam complementar
institucional como “um sistema delimitado e a observação e análise de conteúdo11-13. Com o
contemporâneo da vida real”7(32). intuito de problematizar a realidade dos ser-
Considerando a classificação em relação à viços de saúde e levantar questões referentes
abordagem e ao alcance dos objetivos, trata-se aos aspectos institucionais que interferem na
de uma pesquisa tanto qualitativa quanto adoção da EIP na formação em saúde para
exploratória. A abordagem qualitativa se o desenvolvimento de competências para o
mostrou adequada na medida em que permite trabalho colaborativo, a discussão nos grupos

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foi orientada por algumas questões iniciais: que obedeceu a critérios precisos de escolha,
qual a importância do trabalho em equipe assegurando que os dados se referissem ao
para o trabalho em saúde? Que aspectos da mesmo tema, coletados por meio de técnicas
realidade da formação se aproximam da EIP? iguais em indivíduos semelhantes; e pertinên-
Quais aspectos institucionais facilitam ou di- cia, que possibilitou reconhecer que o corpus
ficultam a EIP? foi adequado aos objetivos do trabalho14.
Em relação ao tamanho e à duração do Na terceira etapa, foi realizada a ‘formu-
grupo, a média foi de oito participantes, e a lação de hipóteses e objetivos’ que assegu-
duração variou de 50 a 80 minutos. A escolha rou realizar algumas afirmações provisórias,
de um pequeno grupo justifica-se pela possi- a partir das fases anteriores. A formulação
bilidade de viabilizar maior interação entre dos objetivos foi feita a partir da seleção das
os participantes, facilitar a comunicação e unidades de análise, por meio do processo
discussão das questões levantadas. de categorização, a posteriori ou empírico,
Foram realizados quatro grupos focais na em que as categorias que emergiram foram
universidade estadual, sendo dois grupos em descritas e discutidas a partir do referencial
cada curso, com um total de 33 participantes. teórico existente12,14.
Na universidade federal, foram realizados dois Já a última etapa foi a preparação do mate-
grupos focais em enfermagem (primeira e rial, antes da análise propriamente dita. Nesse
segunda metade) e um grupo focal com estu- momento, foi feita a numeração dos elemen-
dantes da primeira metade do curso de me- tos do corpus, assim como a identificação das
dicina, totalizando três grupos focais, com 25 unidades de análise, que, para este estudo, foi
participantes nesses grupos. Os grupos focais destacada com cores diferenciadas.
foram gravados e, em seguida, transcritos, As etapas de exploração do material, trata-
compondo o corpus de análise da pesquisa. mento e interpretação dos resultados foram
A realização da técnica de análise respeitou facilitadas pelas etapas, e suas fases, que as
as fases de pré-análise, exploração do material precederam. As unidades de análises foram
e tratamento dos resultados. Na pré-análise, codificadas, decompostas e enumeradas, fa-
foi realizada a leitura flutuante que permitiu cilitando a interpretação desses resultados a
o contato inicial com os documentos, o con- partir dos objetivos propostos pela pesquisa.
teúdo obtido, a partir das falas dos grupos Este estudo foi registrado e aprovado pelo
focais e entrevistas. As transcrições de cada Comitê de Ética do Hospital Universitário Onofre
grupo focal e entrevista foram lidas para obter Lopes da Universidade Federal do Rio Grande
uma imersão no discurso, tendo uma primeira do Norte, por meio do parecer de nº 16.652, que
aproximação das mensagens, argumentações observou os objetivos da pesquisa, riscos e bene-
e justificativas que têm contribuído para uma fícios a que os participantes foram submetidos.
maior clareza das hipóteses, permitindo maior
clareza das principais mensagens12.
Em seguida, procedeu-se à ‘constituição Resultados
do corpus’. Nessa etapa, foi observada a regra
de exaustividade, e foram organizados os Os dados dos grupos focais trouxeram ca-
dados para responder a padrões de validade, racterísticas importantes sobre a realidade
contemplado todos os aspectos levantados na da formação em saúde para a adoção da EIP.
discussão, sem omissão de nenhum aspecto; Assim, o corpus da pesquisa permitiu agrupar
representatividade, que assegurou que os os resultados em categorias temáticas de
dados (mensagens, falas, expressões) fossem análise, subcategorias e unidades de análise,
representativos da totalidade; homogeneidade, conforme sumarizado na tabela 1.

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Tabela 1. Categorias de análise obtidas pelos grupos focais

Categorias Subcategorias Unidades de


análise
Importância do Trabalho em Equipe Atenção Integral 14
Integração de Conhecimentos/Profissionais 15
Dificuldade de Interação na Lógica do Modelo 8
Assistencial
Intensa Hierarquia 5
Os contextos institucionais para a EIP Atividades de Ensino e Extensão 11
Atividades de Ensino/Aprendizagem compartilha- 16
dos sem sistematização
Atividades Interdisciplinares (áreas de conhecimen- 8
to de um único curso)
Corpo Docente reproduz a separação das áreas 21
Iniciativas Individuais (professores ou estudantes) 08
Confusão Conceitual 08
Desafios para a adoção da EIP Espaço Físico/Estrutura Física das Universidades 16
Muita Ênfase na Formação Específica/Modelo 19
Tradicional de Formação
Hierarquia/Cultura dos Papéis Profissionais 09
Estereótipo/Pouco conhecimentos das outras áreas 08

Fonte: Elaboração própria.

Importância do trabalho em equipe responda às necessidades, sendo independentes


uns dos outros. (EE1).
Nos grupos focais, os estudantes demonstra-
ram boa compreensão da relevância do traba- Os estudantes destacaram com frequência
lho em equipe, reiterando a interação entre os a importância do trabalho em equipe como
profissionais como um elemento importante oportunidade de troca de conhecimentos
para melhorar a qualidade do atendimento e construção de novos conhecimentos, de-
e obtenção de melhores resultados para os monstrando a necessidade de diálogo entre
problemas e necessidades de saúde. A neces- os sujeitos e superando o entendimento da
sidade de uma atenção integral apareceu de equipe que apenas ocupa o mesmo espaço, sem
forma muito frequente nas falas e discussões. a comunicação necessária para a efetivação
do trabalho em equipe. Trouxeram também
Nós já vimos na teoria a importância do trabalho a importância da centralidade do usuário/
em equipe para prestar um serviço mais qua- paciente e da necessidade de um objetivo em
litativo, para melhorar a resolutividade para o comum, capaz de viabilizar a interação entre
usuário, e com a prática, vimos a importância da os diferentes profissionais.
integração dos profissionais nas equipes. (EM1).
Eu acho que quando todos os profissionais que
A assistência ao paciente tem que ser um inte- trabalham em conjunto e priorização por um ob-
gral. Não podemos – enfermagem, medicina, jetivo comum é um trabalho de equipe. E isso é
fisioterapia – nenhuma dessas profissões forne- necessário. (EE2).
cem um atendimento integral ao paciente que

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Eu acho que nenhum trabalho que você vai fazer, ao trabalho multiprofissional. Um pequeno
envolvendo qualquer área, você não consegue fa- grupo de estudantes de medicina afirmou co-
zer sozinho, é preciso que todos colaborem um nhecer o tema, no entanto, durante o debate,
pouco, que todos se comuniquem. Eu acho que demonstraram confusão conceitual, apontan-
a questão fundamental também do trabalho em do o entendimento da multiprofissionalidade,
equipe é a comunicação e uma boa convivência. multidisciplinaridade e interdisciplinaridade
(EM6). como termos sinônimos.

Embora tenha sido possível identificar a ma- Educação Interprofissional?! Este tema, eu nunca
turidade dos estudantes no debate, o diálogo ouvi. (EE5).
como um elemento importante para permitir o
trabalho colaborativo apareceu de forma mais O que vem à mente é a interação entre as profis-
enfática em apenas um grupo. A capacidade sões. (EE3).
de diálogo surge na discussão enquanto com-
petência que varia de acordo com a abertura Trabalho interdisciplinar a gente já escutou [...],
individual e independentemente da categoria mas realmente sermos educados todos juntos de
profissional. Os participantes relataram que há forma interprofissional não! (EM4).
deficiências nas relações entre os diferentes
profissionais, dificultando o trabalho em equipe A pouca aproximação com a discussão não é
na perspectiva da colaboração. suficiente para assegurar que na realidade pes-
quisada não seja adotada nenhuma iniciativa na
A classe médica de uma forma geral [...] é colo- direção do desenvolvimento das competências
cada num pedestal de um lado e os demais pro- colaborativas. Partindo desse pressuposto, os
fissionais do outro lado. Então tem um embate participantes foram estimulados a falar sobre as
muito grande entre os profissionais médicos e as estratégias/ações que tentaram trazer estudantes
demais categorias. (EM8). de cursos diferentes no processo de formação,
como forma de qualificar os estudantes para o
Na equipe, cada profissional tem o seu ponto de trabalho em equipe.
vista. O profissional vê o problema do seu ponto Atividades de ensino e projetos de pesquisa
de vista e cada membro da equipe pode acumu- e de extensão foram citados como experiências
lar o que ele pensa com o que os outros pensam, que aproximam estudantes de diversos cursos.
e eles vão chegar a um bem comum. Porque às Nas falas, foi possível identificar importante
vezes nós somos muito focados no que fazemos variedade de ações e de objetivos. Em alguns
e deixamos de considerar as contribuições dos relatos, percebe-se a intencionalidade da inte-
outros dentro da equipe. (EE6). ração, da troca de experiências e aproximação
entre os sujeitos.

Contextos institucionais para adoção Nós temos duas disciplinas que são feitas para essa
da EIP integração. São estudantes de fisioterapia, nutrição,
farmácia, medicina e enfermagem e serviço social às
A maioria dos participantes afirmou nunca ter vezes. Estes estudantes se encontram em um esta-
ouvido falar sobre a EIP. Quando instigados belecimento de saúde e pensam juntos sobre como
a falar sobre a aproximação com o debate da agir nessa comunidade. (EE1).
EIP, os estudantes, apesar de mostrarem pouco
conhecimento da discussão, tentaram explicá- Um dos lugares que a gente mais aprendeu [...]
-la a partir do prefixo ‘inter’. Na discussão, foi participar do Programa de Educação pelo
fizeram referência à interdisciplinaridade e Trabalho em Saúde (PET), que tinha alunas de

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enfermagem também. A gente teve que se unir, esperando eles terminarem e então começamos
teve que colaborar um com o outro e nisso algu- nosso atendimento. (EE11).
mas visões foram quebradas, tanto deles quanto
da gente. (EM6). Na semana passada nós estávamos fazendo uma
intervenção com uma criança no leito e chegaram
As iniciativas sistematizadas de aprendiza- estudantes de fisioterapia. Eles ficaram esperan-
gem compartilhada mencionadas pelos parti- do terminarmos a intervenção para entrar. Os co-
cipantes ainda estão fundamentadas na lógica nhecimentos de enfermagem estavam conosco e
multidisciplinar e multiprofissional, refletindo o conhecimento de fisioterapia estava depois da
as grandes dificuldades para realizar a inte- porta e não conseguimos articular. (EE14).
ração entre as diferentes profissões. A inexis-
tência de ações intencionais e sistematizadas Durante a faculdade de medicina não é explora-
podem ser entendidas como barreiras para a do, eu sinto essa necessidade gritante no nosso
incorporação dos marcos teórico-conceituais curso, trabalhar mesmo de uma forma mais in-
e metodológicos da EIP. tegrada. (EM7).

Eu estava pensando... Eu não vejo nenhum mo- Também apareceu nas falas que nos mo-
mento de nossa formação contribuir para este mentos em que os estudantes se encontram
trabalho em equipe... (EE11). por acaso ou coincidência, por dividirem os
mesmos espaços de aulas práticas, a intera-
Eu não vejo uma preocupação, desde o início da ção encontra fortes barreiras estruturais e
faculdade, em trabalhar em equipe. Na verdade culturais. Mencionaram também que, quando
[...] você passa a considerar o ser humano de acontece, é por iniciativa individual dos estu-
uma forma geral, de uma forma holística, mas dantes. Destacam o interesse que essa intera-
em nenhum momento passaram pra gente como ção acontecesse como um processo natural na
trabalhar em equipe. (EM7). efetivação do trabalho em saúde.

E o que eu acho também, em relação ao currí- Realmente, se não fosse a minha iniciativa, não
culo da gente, que falta muito. A gente é muito haveria articulação. Não teria essa interação mú-
ignorante sobre o que o outro faz, sobre o que tua. (EE2).
o fisioterapeuta faz, quais são as atribuições do
fisioterapeuta, do enfermeiro, do fonoaudiólogo. A interação que existiu foi iniciativa dos estudan-
(EM8). tes. (EM7)

Os estudantes expõem dois aspectos da rea- Essa articulação é muito mais favorecida em
lidade: dificuldades na implementação de ini- estágio supervisionado. Mas depende de cada
ciativas sistematizadas e ausência completa de aluno. (EE12).
ações que objetivem a interação de estudantes
de diferentes cursos para desenvolver compe- A realidade apresentada pelos participantes
tências colaborativas. Os participantes relatam dos grupos focais é complexa e chama a atenção
que o encontro com outros estudantes, muitas para a atuação docente no processo de formação.
vezes, acontece por acaso e sem planejamento, As relações entre os professores de diferentes
dificultando ainda mais o fortalecimento das departamentos apareceram como um aspecto
relações interpessoais e interprofissionais. que caminha na contramão da formação de com-
petências para o trabalho colaborativo.
No leito quando chegamos, o paciente esta-
va com os estudantes de medicina, ficamos Eu acho que o grande problema é que não

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estamos sendo formados para trabalhar em diferente, transformando o debate do tra-


equipe. O que custa o professor de uma disciplina balho em equipe em quimera.
sentar com o professor de fisioterapia e tentar ar-
ticular as agendas de ações para ser feito juntos? O sistema [de saúde] não pensa de forma multi-
Vemos isso dentro de faculdade. Muitas vezes fa- profissional. Então, nós nunca seremos multipro-
zemos um trabalho duas vezes, porque a equipe fissionais. A mentalidade de sistema é este e não
diz que é interdisciplinar, mas não consegue se temos como ir contra. Não adianta gastar trinta
sentar para discutir. Vemos as diferenças dentro aulas falando de uma equipe multiprofissional, se
da equipe da mesma disciplina. Nós ainda não quando vamos lá, você não vê multiprofissional.
estamos sendo formados por uma equipe. Então, Na sala de aula vemos de uma forma superficial.
o profissional não sai preparado para trabalhar Aprendemos mesmo é na realidade. (EM1).
em equipe. Apesar do discurso de equipe. (EE10).
Temos no início, as partes teóricas. Professores
Os professores são muito desarticulados. Até dizem que o cuidado deve ser centrado no pa-
mesmo os que estão em um mesmo departamen- ciente. Tem a iniciativa. É o começo. Mas quando
to. A gente percebe essa desarticulação nas pro- vamos para os serviços, percebemos que é di-
vas. Em disciplinas compartilhadas a gente sabe ferente. Ficamos entre fazer o que aprendemos
quem elaborou cada questão. (EM15). ou fazer como conseguimos ver na realidade
dos serviços de saúde. Nós achamos que vamos
colocar tudo que aprendemos em prática, mas
Desafios para a adoção da EIP quando chegamos lá, temos que nos moldar um
pouco. (EE4).
Os relatos dos estudantes desenham uma re-
alidade de importantes pontos positivos para A estrutura física, frequentemente, apare-
a adoção da EIP, como abordagem para a reo- ceu como um dos elementos que prejudica a
rientação da formação em saúde. No entanto, interação entre estudantes de diferentes cursos
quando narram as experiências vivenciadas, com o objetivo de aprendizagem compartilha-
expõem importantes desafios para que as re- da. Ambas as realidades apresentam limitações
alidades avancem na perspectiva da formação importantes da estrutura física que acentuam
de profissionais mais aptos ao trabalho cola- os problemas já relatados. As faculdades têm
borativo na produção dos serviços de saúde. edifícios próprios e em estruturas separadas,
As iniciativas, apesar de apresentarem pro- muitas vezes distantes, prejudicando o diálogo
blemas com a execução, constituem-se como entre estudantes e professores.
espaços potentes para a construção de estra-
tégias baseadas na EIP. No entanto, muitos O departamento de medicina está muito longe. A
desafios foram relatados pelos estudantes. farmácia também. Eu acho que isso faz com que
Diante dos aspectos que emergiram na técnica seja mais difícil. Como posso falar com alguém,
de coleta dos dados, as dificuldades mencio- se eu nem mesmo o conheço? (EE4).
nadas são de diversas esferas e evidenciam a
necessidade de pensar o papel da universidade. A gente tem o nosso prédio que é nomeado facul-
Um importante desafio trazido por es- dade de ciências da saúde e só funciona o curso
tudantes de medicina foi a desarticulação de medicina. (EM5).
entre teoria e prática. De acordo com os
participantes, o debate que acontece em sala Outro grande desafio relatado nos grupos
de aula aborda alguns pontos por ocasião de é a identidade profissional e os papéis estabe-
aulas práticas, mas a realidade vivenciada lecidos historicamente. Assim, o debate sobre
pelos estudantes nos serviços de saúde é a profissionalização ganha espaço como uma

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maneira de entender como as profissões ad- variedade de definições para esse tipo de
quirem identidades que acabam definindo, trabalho. Em todas as definições, entretanto,
também, as possibilidades de relações com reiteram a interação entre os profissionais
outras profissões. como prerrogativa para atender às comple-
Estudantes do Curso de Medicina reco- xas e dinâmicas necessidades de saúde, em
nhecem que há uma barreira cultural para tempos atuais16.
o diálogo com outros grupos profissionais. A essência desse trabalho, em que a colabo-
Essa barreira é legitimada tanto pela categoria ração assume papel central, coloca o usuário
como por usuários que atribuem à ação uni- dos serviços, e suas necessidades, como funda-
profissional, segundo relatos, maior confiança mental no processo de produção dos serviços
no atendimento. Estabelecer diálogos com de saúde. A complexidade e a natureza dos pro-
outros profissionais pode expressar insegu- blemas e necessidades dos usuários sugerem a
rança profissional. necessidade de complementariedade, a partir
Estudantes de enfermagem também referem da comunicação, para compartilhar experiên-
a existência de resistências entre os estudan- cias e conhecimentos, capazes de orientar a
tes de medicina e enfermagem. Eles também tomada de decisões, para o enfrentamento dos
afirmam que a naturalização da hierarquia e problemas apresentados17. Pesquisas recentes
de relações verticais existe na própria equipe indicam que o trabalho em equipe na pers-
de enfermagem. pectiva de colaboração favorece a segurança
do paciente, a partir da centralidade de suas
Nós não vamos negar que existe entre os médi- necessidades5,18.
cos um certo preconceito de dizer que precisa de Tomando por base essa problemática,
uma segunda opinião de outro profissional que estudos e experiências vivenciadas em diver-
não seja médico. Isso é fato. (EM2). sos países defendem a EIP como importante
instrumento para a mudança do foco das prá-
Existem certas formações que isola o profissional, ticas profissionais, superando modelos cen-
como se apenas o trabalho de uma categoria pro- trados em suas especificidades, como forma
fissional fosse melhor. Nós encontramos resistên- de possibilitar processos de aprendizagem
cias. Isso é uma visão limitada que não permite a compartilhados, capazes de estimular a me-
articulação do nosso trabalho. (EE3). lhoria das competências colaborativas19.
A EIP em saúde almeja criar, no processo de
aprendizagem, condições para melhorar as re-
lações entre membros de diferentes profissões,
Discussão superando a dificuldade histórica de comuni-
cação, possibilitando a formação de sujeitos
Embora se reconheça a necessidade de estabe- aptos a trabalharem de forma colaborativa, na
lecer limites às profissões, o cenário atual, de atenção à saúde das pessoas. A EIP se cons-
grandes e importantes transformações, demanda titui, então, como proposta de superação do
um novo profissionalismo em que os profissionais modelo de formação, pautado da perspectiva
estejam aptos ao trabalho em equipe e compro- multiprofissional ou uniprofissional5, que tem
metidos com o fortalecimento dos sistemas de apresentado muitas limitações na formação de
saúde e capazes de estabelecer novas relações profissionais capazes de atender às demandas
entre os usuários dos serviços de saúde15. que emergem no contexto atual.
O entendimento dos participantes de- Dentre as barreiras ou desafios, está a ne-
monstra a aproximação com a literatura cessidade de pensar a logística e o reconhe-
em torno dos benefícios e necessidade cimento da importância de um planejamento
de trabalho em equipe, embora haja uma rigoroso e a necessidade de recursos para a

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obtenção dos resultados esperados; os dese- de atividades muito distintas e que são
nhos curriculares se apresentam como outra construídos no interior das faculdades ou
barreira, na medida em que estão organizados, a departamentos21, sem a necessária articu-
partir das necessidades de formação específica lação ou diálogo, o que pode ser visto nas
de cada profissão, exigindo maior esforço para duas universidades estudadas.
a negociação e flexibilidade desses desenhos; a A realidade estudada indica a existência
cultura atual que reforça os limites profissionais de momentos, planejados e não planejados,
e o diálogo e interação entre as diferentes cate- nos quais estudantes de diferentes cursos se
gorias profissionais e as relações de aprendiza- unem, mas que têm se aproximado muito mais
gem muito focadas em perspectivas tradicionais da perspectiva multiprofissional. As inicia-
que pouco contribuem para a efetivação da tivas existentes são poucas, ou inexistentes,
colaboração e interação20. e sofrem com a falta de planejamento, que
Ponto fundamental para discutir o con- culmina na reprodução do modelo tradicio-
texto das realidades pesquisadas para a nal de formação, formando indivíduos pouco
adoção da EIP é o apoio institucional às comprometidos com a transformação do atual
iniciativas que se estimulam mudanças nos cenário da educação e da atenção à saúde.
níveis macro, meso e micro da realidade21. As atuais políticas de reforma do processo
Aspectos dos domínios micro e médio podem de formação dos profissionais de saúde têm
comprometer seriamente as iniciativas imple- possibilitado a inserção dos estudantes de
mentadas, o que aponta para a compreensão todas as áreas nos serviços de saúde, consi-
de que as mudanças devem acontecer em um derando espaço adequado para a formação
processo articulado e planejado, em exaustão, de profissionais mais críticos e reflexivos.
para garantir impacto nos problemas da for- No entanto, a realidade marcada pela forte
mação profissional em saúde20,22. divisão do trabalho não estimula, na aca-
Da mesma forma, apesar da existência demia, a construção de competências para
de políticas (nível macro) que incentivem o trabalho colaborativo. O professor pode
a reorientação da formação profissional em aproveitar os espaços da realidade concreta
saúde, há importantes lacunas na adoção para criar um espaço adequado para a cola-
de estratégias (domínio médio) capazes de boração entre os estudantes. Para tanto, o
superar as relações estabelecidas no traba- professor precisa incorporar a importância
lho em saúde, como relatado pelos partici- da EIP para a obtenção das transformações
pantes da pesquisa, que podem minimizar necessárias23, nas realidades estudadas.
as barreiras impostas pelas estruturas físicas Já em relação à dimensão micro, merece
nos contextos pesquisados. discussão o processo de construção de iden-
Percebe-se, então, a importância dos as- tidades profissionais que acaba por delinear
pectos do domínio meso21 para a efetivação papéis, valores e atitudes que vão muito
das mudanças. Estudantes sentem a neces- além da educação e processos de formação24.
sidade de maiores estímulos à construção A sociedade incorpora essas identidades,
de novas competências, a fim de avançar fortalecendo ainda mais as barreiras ao
na formação interprofissional. No entanto, diálogo. Este processo contribui para que
não é tarefa simples elaborar atividades o diálogo e a interação se tornem cada vez
interprofissionais porque envolve grandes mais difíceis. As identidades profissionais,
esforços para superar não apenas a barreira historicamente construídas, edificam bar-
física, mas também pensar em estratégias reiras fortes para a interação interprofis-
possíveis, diante das especificidades de sional25,26. É interessante notar que as falas
cada curso: número de estudantes, dife- dos estudantes mantêm aderência com a
rentes desenhos curriculares, cronograma literatura.

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74 COSTA MV, AZEVEDO GD, VILAR MJP

A literatura e a realidade pesquisada com vistas a superar as fortes barreiras es-


destacam questões que merecem atenção tabelecidas para a melhoria das relações e
no debate sobre a EIP: relações de poder, que interações interprofissionais.
ganham força pela hierarquia profissional, e A inserção e o fortalecimento do tema nos
relações de gênero, que estiveram presentes contextos das instituições de ensino superior
nos debates sobre as interações entre médicos pesquisadas não implicam apenas a adoção
e enfermeiros27. O processo de formação, que do termo, de forma indiscriminada, nos do-
se configura como instrumento útil para alcan- cumentos oficiais. Não pode se configurar
çar as transformações necessárias, deve rever como modismo, ou como mera condiciona-
a maneira como as relações hierárquicas vêm lidade em processos de avaliação. Exige um
sendo abordadas e de que forma as especifici- comprometimento desde os formuladores
dades das categorias profissionais justificam das atuais políticas de saúde até a atuação
esse formato de relações28. de estudantes e professores, nos espaços de
Estudos mostram que estudantes da área da ensino e aprendizagem.
saúde que participam de atividades, na pers- Não se trata de uma tarefa simples, pelas
pectiva da EIP, desenvolvem melhor habili- fortes barreiras culturais incorporadas no
dades de comunicação e trabalho em equipe, âmbito na universidade, das categorias pro-
dispõem de mais clareza sobre os papéis dos fissionais e da própria sociedade. A EIP
diversos profissionais que compõem a equipe evidencia a necessidade de discutir a forte
e se mostram mais aptos no gerenciamento ideia de hierarquia, a histórica soberania
de conflitos que possam surgir na dinâmica de áreas de conhecimentos ou de categorias
do trabalho em saúde29. No que diz respeito profissionais e a urgência em (re)situar os
às relações de poder, é possível dizer que a sujeitos, atribuindo-lhes centralidade, o
dificuldade de diálogo e trabalho colabora- que não é estranho para o sistema de saúde
tivo foi tomando forma ao longo da história, brasileiro, pensado a partir da integralidade,
legitimada pela ideia de superioridade de uma universalidade e equidade. Aspectos esses
profissão sobre a outra30. muito presentes na realidade de formação
Pontos como respeito, conhecimento dos demonstrada nesta pesquisa a partir da per-
papéis dos colegas de trabalho e hierarquia são cepção dos estudantes participantes.
vistos, ainda, como problemáticos, reforçando As iniciativas existentes nas duas uni-
ainda mais a necessidade de pensar em estraté- versidades, induzidas pelas atuais políti-
gias, no processo de formação, que estimulem cas ou pelo acúmulo histórico em torno
e incentivem novos hábitos e atitudes para o do processo de reorientação da formação
efetivo trabalho em equipe. profissional em saúde, devem ser fortaleci-
das e aperfeiçoadas para assegurarem uma
formação profissional sob novas bases; e as
Considerações finais instituições devem se constituir enquanto
espaço legítimo de construção coletiva de
Embora a realidade apresente importantes novos projetos de universidade, de socie-
avanços nas mudanças curriculares, como a dade e de saúde. Dessa forma, e, por tudo
aproximação do ensino com a realidade dos que foi debatido aqui, é que se acredita no
serviços e a adoção de métodos mais ativos potencial da EIP e no trabalho colaborativo
para a formação de sujeitos críticos e reflexi- como ferramentas necessárias para esses
vos, ainda são notórias as lacunas no desen- projetos.
volvimento de competências colaborativas. É mister inserir o debate sobre EIP nas
A EIP se apresenta como abordagem útil, e atuais políticas de reorientação da formação
necessária, para as realidades pesquisadas, profissional em saúde, bem como expandir

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Aspectos institucionais para a adoção da Educação Interprofissional na formação em enfermagem e medicina 75

essa pesquisa para explorar outras realidades Colaboradores


e assegurar a consolidação da discussão, como
compromisso político, na busca de profissio- Costa MV (0000-0002-0573-0622)* con-
nais mais aptos à colaboração e dispostos a tribuiu para a concepção, o planejamento, a
enfrentarem, coletivamente, os problemas análise e a interpretação dos dados; revisão
apresentados pela sociedade atual. crítica do conteúdo; e aprovação da versão
É essencial, portanto, que os ideais que final do manuscrito. Azevedo GD (0000-0002-
fundamentam Sistema Único de Saúde (SUS) 7447-7712)* contribuiu para a concepção, a
estimulem compromisso com a ampliação do análise e a interpretação dos dados; revisão
debate em EIP na realidade brasileira, como crítica do conteúdo; e aprovação da versão
um aliado importante para a superação de final do manuscrito. Vilar PJP (0000-0002-
problemas históricos, que comprometem se- 8765-8571)* contribuiu para a concepção, o
riamente a qualidade da atenção à saúde no planejamento, a análise e a interpretação dos
enfrentamento das complexas e dinâmicas dados; revisão crítica do conteúdo; e aprovação
necessidades de saúde da população. da versão final do manuscrito. s

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