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VIOLÊNCIA URBANA NO RIO DE JANEIRO: 1

Memória e fontes de imprensa


URBAN VIOLENCE IN RIO DE JANEIRO:
Memory and press sources
Mariana Dias Antonio 2

Resumo: A memória sobre alguns fenômenos e episódios da violência urbana no


Rio de Janeiro tem sido fortemente influenciada por fontes de imprensa. Entretanto,
a preocupação com a complexidade destas fontes e suas formas de produção e
circulação só foi reincorporada em pesquisas de caráter histórico recentemente.
Neste artigo apresentamos narrativas históricas e sociológicas sobre dois
fenômenos cuja memória tem sido influenciada por discursos de imprensa,
sobretudo do jornal Ultima Hora: a “Operação mata-mendigos” entre 1962 e
1963; e o Esquadrão da Morte entre 1968 e 1969. Posteriormente nos apoiamos em
edições do mesmo jornal para confirmar ou falsear partes dessas narrativas,
revelando inconsistências e suprindo lacunas. Os recortes temporais analisados nos
dois casos não compreendem a totalidade dos eventos e seus desdobramentos, mas
justificam-se pela maior concentração de fontes e sua apropriação na construção
dessas narrativas.
Palavras-Chave: Operação mata-mendigos. Esquadrão da Morte. História.
Imprensa. Violência.

1. Introdução
Há quase um século, Walter Lippmann (1922) apontaria algumas complicações na
mediação entre leitor e acontecimento operada pelos jornais, e seu conceito de
pseudoambiente permitiria tratar de eventuais falhas, ruídos e vieses na construção subjetiva
dos acontecimentos comunicados. Lucy Maynard Salmon (1923) daria um passo adiante,
elencando cuidados ao historiador que se apropria das fontes de imprensa e propondo uma
análise que compreenda diversas facetas da prática jornalística: história da imprensa como
um todo; personalidade do veículo analisado (negócios, hábitos, slogans, nome, credos,
emblemas, modalidades); captação e distribuição de notícias; especialidades dos repórteres e

1
Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação e Memória nas Mídias do 3º. CONEC: Congresso
Nacional de Estudos Comunicacionais da PUC Minas em Poços de Caldas, 30 e 31 de outubro de 2018.
2
Licenciada em História pelo Centro Universitário Dr. Edmundo Ulson (Brasil), mestra e doutoranda em
História pela Universidade Federal do Paraná (Brasil). Membro discente do “NEMED - Núcleo de Estudos
Mediterrânicos” (UFPR/Brasil) e do grupo de pesquisa “Cultura e Poder” (UFPR/Brasil). O presente trabalho
foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) -
Código de Financiamento 001. E-mail: mariana.diasant@gmail.com.

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correspondentes; padrões textuais (entrevistas, editoriais, críticas); ilustrações; publicidade;
autenticidade, veracidade e garantias de credibilidade dos conteúdos.
A proposta de Salmon cairia no esquecimento, mas persiste a busca por uma
História que compreenda profundamente certos processos comunicacionais (BARBOSA;
RIBEIRO, 2011; HERSCHMANN; RIBEIRO, 2008). Tal empreendimento é necessário e
oportuno, uma vez que as fontes de imprensa se apresentam como material farto e de fácil
acesso aos pesquisadores. Se pensarmos na violência urbana no Rio de Janeiro ao longo da
década de 1960, a “Operação mata-mendigos” e o Esquadrão da Morte constituem exemplos
de como os discursos jornalísticos influenciam e contribuem para a memória coletiva. Estes
discursos se apresentam tanto em pesquisas históricas ou sociológicas que utilizam fontes de
imprensa 3 quanto em livros escritos por jornalistas. 4 Mas como as informações colhidas em
velhas páginas de jornal ou relatos de jornalistas foram apropriadas pelos pesquisadores?
Adiante apresentamos a “Operação mata-mendigos” e o Esquadrão da Morte a partir
de historiadores e sociólogos e questionamos as narrativas resultantes frente às fontes de
imprensa, especificamente do jornal Ultima Hora. Para a “Operação mata-mendigos” nos
apoiamos nas obras de John Watson Foster Dulles (2000), Marly Silva da Motta (2001) e
Robert Sterling Rose (2010). Para o Esquadrão da Morte nos apoiamos nas obras de Michel
Misse (1999), Robert Sterling Rose (2010) e David Maciel de Mello Neto (2014).
Salientamos que ambos os fenômenos se estendem para além dos recortes temporais aqui
abordados. Nossa opção por breves recortes e um único periódico visa apresentar detalhes
negligenciados em recortes mais amplos. A escolha do jornal Ultima Hora se justifica pela
forte presença do periódico na literatura, e a escolha dos recortes para cada caso se justifica
pela maior concentração de fontes e sua apropriação por pesquisadores.

2. “Operação mata-mendigos” (1962-1963)


Em 1963 a imprensa carioca enfocaria o extermínio de moradores de rua atirados
nos rios Guandu e da Guarda por policiais do Serviço de Repressão à Mendicância (SRM). O
caso teve ampla repercussão em janeiro de 1963, quando uma das vítimas – Olindina Alves

3
Sobre a “Operação Mata-Mendigos”, Cf. Dulles, 2000; Motta, 2001; Rose, 2010. Sobre o Esquadrão da Morte,
Cf. Mello Neto, 2014; Misse, 1999; Rose, 2010.
4
Sobre a “Operação Mata-Mendigos”, Cf. Lacerda; 1978; Louzeiro, 1965; Wainer, 1988. Sobre o Esquadrão da
Morte, Cf. Barbosa, 1971; Barbosa; Monteiro, 1980; Pinheiro Junior; Ribeiro, 1969.

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Jupiaçu – escapou com vida e denunciou seus algozes ao jornal Ultima Hora (DULLES,
2000). Entre as possibilidades para tal “limpeza urbana” especulava-se a visita da rainha
inglesa Elizabeth II ao Brasil e os preparativos para o aniversário de 400 anos da cidade do
Rio de Janeiro, em 1965 (ROSE, 2010).
O governo estadual da Guanabara ordenaria rapidamente a prisão preventiva do
guarda-noturno Pedro Saturnino dos Santos e a expulsão e prisão dos policiais José Mota,
Nilton Gonçalves da Silva, José Prata e Mário Teixeira. Alguns dias depois, o chefe do SRM
Alcino Pinto Nunes também seria preso, acusado como mandante dos crimes (MOTTA,
2001). Mesmo com tais medidas, o governador Carlos Lacerda e sua gestão não tardaram a
aparecer na imprensa, sobretudo no Ultima Hora, jornal de oposição que passou a chamar
Lacerda de “mata-mendigo” (MOTTA, 2001; ROSE, 2010).
Devido à repercussão do caso nas esferas política, administrativa e midiática, uma
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi instalada em fevereiro de 1963 para apurar os
crimes cometidos. Entre seus membros estavam os deputados José Bonifácio Diniz de
Andrada (PSD) e Ib Teixeira (PTB), respectivamente como presidente e vice-presidente da
CPI; Paulo Duque (PR) como relator; Célio Borja (UDN), Everardo Magalhães de Castro
(PDC), Nelson José Salim (PSD), Nina Ribeiro (UDN), Rubem Cardoso (PSP) e Synval
Sampaio (PTB) como membros (DULLES, 2000; MOTTA, 2001).
Ao longo do inquérito parlamentar, indícios do envolvimento de Carlos Lacerda no
crime são apresentados pela oposição, sobretudo pela proximidade do governador com Cecil
de Macedo Borer, nomeado para chefiar o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS)
(MOTTA, 2001). Entre as recomendações que os integrantes da CPI enviaram ao governador
constava a demissão de Borer, que foi negada por Lacerda e desencadeou um pedido de
impeachment. O presidente da comissão negaria o pedido por falta de fundamentação legal
(DULLES, 2000), e somente os policiais diretamente envolvidos no caso foram julgados e
sentenciados à prisão (ROSE, 2010).
A “Operação mata-mendigos” carece de estudos dedicados, usualmente margeando
narrativas sobre outros assuntos com os quais estabelece alguma intertextualidade. A redução
do evento em poucas páginas traz consigo perdas e imprecisões que se evidenciam até
mesmo na leitura comparada dos três livros aqui utilizados. Dulles (2000) indica o início do
inquérito parlamentar em 6 de fevereiro e Motta (2001) em 12 de fevereiro de 1963; Rose

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(2010) menciona o pedido de impeachment contra Lacerda sem comentar a negativa de José
Bonifácio Diniz Andrada, algo que apenas Dulles (2000) comentaria; Motta (2001) e Rose
(2010) sinalizam o início da matança de moradores de rua em agosto de 1962, enquanto
Dulles (2000) sinaliza dezembro do mesmo ano.
Quanto ao início do inquérito parlamentar, Dulles (2000) se apoia nos periódicos O
Estado de São Paulo (6, 7 e 13/02/1963, edições não localizadas) e Correio da Manhã
(12/02/1963); mas o autor poderia incorrer em tal equívoco mesmo se utilizasse o Ultima
Hora, pois a edição de 6 de fevereiro de 1963 aponta que a CPI “[...] instituída para apurar os
crimes praticados contra legiões de mendigos, mortos no rio da Guarda ou deportados da
Guanabara, irá até o último mata-mendigo [...]” (ULTIMA HORA, 06/02/1963, p. 7).
Marly Silva da Motta (2001) não sinaliza suas fontes para a informação, mas a
leitura de trechos próximos indica o contato da pesquisadora com os autos do inquérito
parlamentar. Caso a historiadora recorresse ao Ultima Hora, a edição de 13 de fevereiro de
1963 comenta a primeira reunião da CPI ocorrida no dia anterior (ULTIMA HORA,
13/02/1963). A utilização dos autos por Motta demonstra a cautela da pesquisadora mesmo
com um tema periférico em sua obra, bem como a busca por informações que não foram
retransmitidas por jornalistas, mas sua narrativa sinaliza apenas a “instalação” da CPI, sem
mencionar sua criação a partir da Resolução nº 34 de 8 de fevereiro de 1963, também
constante nos autos.
Sobre o pedido de impeachment de Carlos Lacerda, Rose (2010) sinaliza diversas
edições do Ultima Hora entre janeiro e março de 1963 5 e Dulles (2000) sinaliza apenas
edições de março de 1963. 6 Apontada por ambos os autores, a edição de 22 de março
comenta um eventual pedido de impeachment a ser realizado na reunião daquele dia, após a
devolução do ofício que requisitava ao governador o afastamento de Cecil Borer (ULTIMA
HORA, 22/03/2018). No dia seguinte o jornal retifica sua previsão frustrada e comenta a
ausência de decisão sobre o fato por não existir elemento oficial da devolução do ofício
(ULTIMA HORA, 23/03/1963). Edições posteriores não retomam o assunto, de modo que é

5
Respectivamente as edições de 23, 25, 28 e 30/01/1963; 1,4 e 8/02/1963; 4, 11, 12 e 22/03/1963; bem como o
Correio da Manhã de 03/02/1963.
6
Respectivamente as edições de 10, 11, 12, 14, 22 e 23/03/1963; bem como O Estado de São Paulo de 9 e
23/03/1963. O Ultima Hora de 10/03/1963 é indevidamente referenciado, uma vez que o jornal não circulava
aos domingos.

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inconclusiva a observação de Dulles (2000) sobre a fundamentação legal do pedido e apenas
uma análise detalhada dos autos traria maiores esclarecimentos.
Quanto às primeiras mortes de moradores de rua, Motta (2001) sinaliza o Ultima
Hora de 29 de agosto 1962 e Rose (2010) cita apenas a investigação de dois repórteres do
jornal no mesmo período, nos levando a crer que recorreram à mesma fonte. Entretanto, a
reportagem de Amado Ribeiro e Paulo Aghiarian publicada nessa data documenta o percurso
de aproximadamente 300 quilômetros pela Estrada Magé realizado por uma viatura da SRM
que levava moradores de rua para longe da Guanabara numa espécie de “Operação Limpeza”,
supostamente determinada pelo governador, mas sem qualquer referência a execuções
(ULTIMA HORA, 29/08/1962).
O levantamento de edições do periódico nos anos de 1962 e 1963 aponta as
primeiras execuções de moradores de rua pelo SRM em 15 de outubro de 1962, data
confessada pelos implicados José Mota, Pedro Saturnino dos Santos, Anísio Magalhães
Costa, Mário Teixeira e Nilton Gonçalves da Silva durante o inquérito administrativo no
Regimento de Cavalaria Caetano de Faria. Tal confissão seria noticiada em 9 de fevereiro de
1963 (ULTIMA HORA, 09/02/1963).
A primeira denúncia da execução de moradores de rua seria publicada em 23 de
janeiro de 1963, quando a sobrevivente Olindina Alves Jupiaçu acusa os policiais do SRM de
lançá-la no rio da Guarda junto a outras vítimas (ULTIMA HORA, 23/01/1963). Dulles
(2000) utiliza esta edição e comenta o caso de Olindina, mas recorre a uma reportagem de 21
de janeiro de 1963 para sinalizar a descoberta de 12 cadáveres no rio Guandu em dezembro
de 1962. O autor se equivoca ao sinalizar a transformação do SRM num “Pelotão de
Extermínio”, uma vez que a matéria acusa a existência de tal pelotão na Invernada da Olaria
(2ª Subseção de Vigilância) e não faz qualquer referência ao SRM, bem como não menciona
moradores de rua entre os cadáveres encontrados (ULTIMA HORA, 21/01/1963).
Uma particularidade do fundo Ultima Hora do Arquivo Público do Estado de São
Paulo torna o caso nebuloso para o pesquisador incauto, uma vez que seu acervo iconográfico
agrupa num mesmo bloco temático as fotografias da Invernada da Olaria, “Operação mata-

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mendigos” e Esquadrão da Morte. 7 Adicionalmente, a CPI sobre o extermínio de moradores
de rua também investigaria a Invernada da Olaria, e esta delegacia por vezes figuraria na
imprensa carioca como um Esquadrão da Morte.
Não encontramos nenhuma reportagem no período analisado que vincule o crime em
questão à visita da rainha inglesa ou à comemoração dos 400 anos da cidade do Rio de
Janeiro, mas isso não significa que o argumento de Rose (2010) independa da imprensa
carioca. Tal narrativa consta no livro Do Esquadrão ao Mão Branca, dos jornalistas Adriano
Barbosa e José Monteiro (1980), que comenta o protagonismo do delegado Ariosto Fontana
na investigação criminal do caso. A origem do argumento é inconclusiva, uma vez que nem o
relatório do inquérito criminal menciona a rainha inglesa ou a comemoração. 8

3. Esquadrão da Morte (1968-1969)


O surgimento dos grupos de extermínio denominados pela imprensa como
Esquadrão da Morte remonta à década de 1950, precisamente o ano de 1957, com a criação
do Grupo ou Serviço de Diligências Especiais (GDE/SDE), 9 conforme sugestão de Cecil de
Macedo Borer (então chefe da seção de trânsito da Polícia Civil) ao Chefe da Polícia Federal,
Amaury Kruel. Liderado por Eurípedes Malta de Sá, o grupo tinha como principal objetivo
refrear a crescente onda de crimes que se espalhava pela cidade do Rio de Janeiro (MELLO
NETO, 2014; ROSE, 2010).
O aumento regional da criminalidade coincide com o reordenamento urbano nos
municípios da Baixada Fluminense, ocasionado por dinâmicas populacionais e de
infraestrutura urbana, entre as quais estariam: processos de remoções, levando à ocupação de
encostas de morros e subúrbios; loteamento de antigas lavouras de café, cana-de-açúcar e
laranja; processos de migração intermunicipais e interestaduais; e uma rápida ruptura com as

7
Nossa pesquisa junto ao acervo ocorreu em quatro momentos distintos (21 de janeiro de 2014 / 27 de
novembro de 2014 / 23 de maio de 2016 / 6 e 7 de junho de 2017), de modo que eventualmente as fotografias
podem ter sido reagrupadas ou recatalogadas.
8
O relatório do inquérito criminal n. 16/63 do 36.º DP (Santa Cruz) consta junto aos autos da CPI sobre o caso
sem sua documentação anexa. Os autos da CPI podem ser consultados junto à Assembleia Legislativa do Estado
do Rio de Janeiro.
9
Como apontado por Mello Neto (2014), o Serviço de Diligências Especiais corresponde à Turma Volante de
Repressão a Assaltos a Mão Armada (TVRAMA). Na imprensa predominam os termos SDE ou GDE (Serviço
de Diligências Especiais e Grupo de Diligências Especiais), possivelmente devido à lotação do grupo na Seção
de Diligências Especiais do Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP).

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dinâmicas sociais tradicionalmente rurais (MISSE, 1999; MELLO NETO, 2014). Tais fatores
sujeitariam parte da população a meios escusos de sobrevivência e obtenção de renda (que
compreendem desde o subemprego até atividades ilícitas, como pequenos furtos, tráfico de
entorpecentes e jogo do bicho), favorecendo a criação do que Michel Misse denomina como
fantasma social, “[...] um inimigo interno específico cujo perigo será representado como
tanto maior quanto maior for sua incorporação por membros da sociedade” (MISSE, 1999, p.
176), e o conceito de sujeição criminal situa de maneira sui generis o fenômeno. Grosso
modo, a sujeição criminal pode ser entendida como a atribuição de expectativas quanto à
irrecuperabilidade do indivíduo – caso um crime tenha sido praticado – ou um pré-
julgamento deste indivíduo quanto à expectativa de praticar crimes, tornando-o passível de
extermínio. O sujeito criminal conhecido como “marginal” passa a ter maior destaque na
imprensa a partir da década de 1960, emergindo nesse contexto o Esquadrão da Morte como
forma particular de “resolução de problemas” que contava com o apoio da população para
suas práticas.

A « campanha pela pena de morte », desfechada no início dos anos 60 no


parlamento, e que até hoje, volta e meia, reaparece, possui uma ambivalência que
exige um exame mais cuidadoso. À primeira vista, é uma demanda legítima, de um
segmento da população, por uma mudança nas leis que permita o agravamento das
penas, como meio de dissuação criminal. Dado, no entanto, que ela é desfechada
praticamente na mesma época em que aumentam os linchamentos e aparecem os
chamados « esquadrões da morte », passa a comunicar alguma legitimidade às
práticas arbitrárias e punitivas da polícia e de pequenos grupos da população, ao
mesmo tempo em que argumenta pretender controlá-las legalmente (MISSE, 1999,
p. 173).

Pouco tempo após a criação do Grupo de Diligências Especiais, o jornal Ultima


Hora passaria a alcunhá-lo como “comandos suicidas” ou “os suicidas”. O uso do termo
“Esquadrão da Morte” em alusão ao grupo viria apenas em janeiro de 1958, inicialmente no
jornal O Globo (20 de janeiro de 1958), seguido pelo Correio da Manhã (8 de abril de 1958)
e Ultima Hora, sendo este último apenas no ano seguinte (12 de março de 1959) (MELLO
NETO, 2014). Inicialmente ovacionado pela imprensa e apoiado pela população, o grupo
passa a ser duramente criticado após a morte do motorista da TV Tupi Edgar Faria de
Oliveira, em fevereiro de 1958, vindo a desaparecer das manchetes policiais em 1961
(MELLO NETO, 2014).

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A partir de 1960, sob a liderança de Milton de Oliveira Le Cocq, outro grupo
categorizado como Esquadrão da Morte passa a perseguir marginais considerados
irrecuperáveis, obtendo grandes êxitos em capturas e execuções. Entretanto, a morte de
Milton Le Cocq em 27 de agosto de 1964 durante uma perseguição ao bandido “Cara-de-
cavalo” provocaria intensa revolta na classe policial e uma enfática busca por vingança. A
busca se encerra na madrugada de 3 de outubro de 1964, quando o bandido é localizado e
executado com vários tiros (ROSE, 2010). Em 27 de agosto de 1965 seria criada a Scuderie
Detetive Le Cocq, em homenagem ao policial morto, que contaria com vários membros
espalhados pelo Brasil – e até mesmo nos EUA, Portugal e Alemanha – em um curto espaço
de tempo. A organização inicialmente filantrópica também seria referida como um Esquadrão
da Morte (MELLO NETO, 2014; ROSE, 2010).
A desterritorialização do grupo, o avolumamento de cadáveres encontrados e a
cristalização de um modus operandi mais ou menos estável levariam a uma
fantasmagorização do Esquadrão da Morte a partir de 1968 (MELLO NETO, 2014). Os reais
executores enquanto indivíduos são inconclusivos, mas há diversos indícios que sinalizariam
um crime do Esquadrão da Morte, como marcas de enforcamento, manietamento, disparos de
diversos calibres, corpos abandonados em locais desertos, cartazes junto aos corpos e
ligações de “relações públicas” às redações de jornais informando onde encontrar um novo
cadáver (MELLO NETO, 2014; ROSE, 2010). Nesse período o Esquadrão da Morte seria
amplamente noticiado, sobretudo pela imprensa popular. A partir do vasto material
produzido, alguns periódicos ganhariam destaque enquanto fontes para futuras pesquisas, a
exemplo do Ultima Hora.
Debruçado em fontes de imprensa, David Maciel de Mello Neto (2014) aponta
diferentes fases do processo acusatório no contexto do Esquadrão da Morte. Entre 1958 e
1964 a acusação seria operada pela imprensa, contra “policiais matadores” responsáveis pela
execução de “homens de bem”, apresentando-se como problema público e estimulando-se
mecanismos de criminação e incriminação. Este período igualaria o policial homicida ao
marginal, sobretudo com a morte do motorista Edgar Faria de Oliveira. A partir de 1968 a
acusação seria operada pelo próprio Esquadrão da Morte, sem a possibilidade de apontar os
agentes envolvidos (fantasmagorização), buscando a legitimação de discursos que

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apresentassem a vítima como passível de extermínio e evitando os mecanismos de
incriminação.
Uma análise mais detalhada de edições do Ultima Hora compreendidas entre os
anos de 1968 e 1969 revela um cenário um pouco mais complexo. Sustentam-se as
afirmações sobre a fantasmagorização do grupo e evasão dos mecanismos de incriminação
(através deste mesmo efeito), mas a operação do processo acusatório e a busca por
legitimação de discursos podem ser apresentadas de outra forma. A análise de matérias e
fotografias confirma as tentativas de construção da vítima enquanto criminosa e exterminável
operadas pelo Esquadrão da Morte através de cartazes ou ligações telefônicas às redações de
jornais. Entretanto, nota-se um segundo processo acusatório operado pela imprensa contra o
grupo, ainda que seja difícil sinalizar indivíduos específicos devido à fantasmagorização.
A matéria “DEVASSA NO ESQUADRÃO” (Ultima Hora, 12/10/1968) apresenta
vários elementos que contrapõem a síntese do autor sobre o período. Noticia-se a indicação
do promotor Rodolfo Avena, do I Tribunal do Júri, para investigar crimes atribuídos à
polícia, com destaque para os do Esquadrão da Morte. Na descrição das vítimas não constam
termos demeritórios, sendo uma delas “aluno do Científico do Colégio Pedro II”, e outra um
“pacato operário”. O jornal apresenta o parecer de Jurandir Manfredini, diretor do Serviço
Nacional de Doenças Mentais, para quem haveria “indícios de ‘sadismo homossexual’ na
ação dos criminosos”. O promotor declara que todos os crimes ocorridos na Guanabara
seriam investigados, alegando que “[o] Ministério Público não pune apenas os favelados”,
além de endossar as palavras de Jurandir Manfredini. A matéria também critica os delegados
da Baixada Fluminense por negarem informações à imprensa com o propósito de acobertar e
proteger os criminosos.
O exemplo acima não figura sozinho entre as edições do Ultima Hora que fazem
referência ao Esquadrão da Morte entre 1968 e 1969. O grupo também é descrito como: uma
“praga” com “crimes sem precedentes” (Ultima Hora, 23/11/1968); “organização maldita”
(Ultima Hora, 22/02/1969); “pessoas inescrupulosas” e com “os métodos mais requintados e
sanguinários de eliminação do sêr humano” (Ultima Hora, 08/03/1969); entre outros. As
vítimas podem figurar como: “regenerado” (Ultima Hora, 03/10/1968), “comerciante”
(Ultima Hora, 22/02/1969), “evangelista”, “recuperado” (Ultima Hora, 07/07/1969), entre
outros. As denúncias das práticas de extermínio podem ser encontradas até mesmo em textos

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opinativos (Ultima Hora, 15/07/1969). Apesar de minoritários, casos como estes não são
estatisticamente insignificantes, e a vinculação de juízos negativos ao grupo e positivos a
algumas vítimas dificulta a legitimação das práticas de extermínio perante a opinião pública,
de modo que as fontes sinalizam um cenário mais complexo que a síntese previamente
apresentada, e apenas uma análise mais detalhada das formas de obtenção, preparo e
circulação do conteúdo noticioso nos permitiria maiores esclarecimentos.
Tais aspectos não foram negligenciados por Mello Neto (2014), que dedica várias
páginas à história, estrutura organizacional, profissionais e práticas de redação no Ultima
Hora, mas restrições de acervo podem ter induzido um acesso indireto a padrões do
supracitado período. A Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional não contempla edições do
jornal publicadas na segunda metade da década de 1960, e o uso desta plataforma pode ter
levado o autor a projetar linearmente um padrão mantido em 1964-1965 ou traçar padrões
gerais da imprensa a partir de periódicos menos enfáticos sobre o Esquadrão da Morte (como
o Jornal do Brasil e o Correio da Manhã). Poucas edições do Ultima Hora no período 1968-
1969 figuram em seu corpo de fontes, sendo inconclusiva a forma de acesso. Um acervo
alternativo seria o fundo Ultima Hora do Arquivo Público do Estado de São Paulo, onde
pudemos encontrar mais de 100 edições do jornal com alguma menção ao Esquadrão da
Morte nos anos de 1968 e 1969, e trabalhos que se utilizam desse corpo de fontes evidenciam
a coexistência de processos acusatórios distintos e a ambivalência axiológica nas páginas do
periódico (ANTONIO, 2017; LEITÃO 2017).

4. Considerações Finais
Narrativas específicas sobre a “Operação mata-mendigos” e o Esquadrão da Morte
ainda são escassas no âmbito acadêmico, apesar de certo progresso recente quanto ao
Esquadrão da Morte. Usualmente esses dois fenômenos parasitam narrativas maiores sobre
criminalidade, violência e repressão ou sobre a história política e administrativa do Rio de
Janeiro. Ao confrontarmos algumas dessas narrativas com as notícias do período, seja de
maneira pontual ou seriada, fica evidente o valor e a complexidade do registro jornalístico
para a construção ou contestação de uma memória coletiva.
Salienta-se que os conteúdos jornalísticos aqui abordados não devem ser lidos como
registros fidedignos de um fato ocorrido, tendo em vista as eventuais estratégias retóricas e

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mercadológicas potencialmente adotadas, como é o caso do sensacionalismo, da hipérbole e
da frequente oposição política que acompanha o Ultima Hora ao longo de sua história.
Salienta-se também que parte do conteúdo aqui apresentado resulta de pesquisas ainda em
andamento, podendo sofrer eventuais retificações no futuro.
O confronto contínuo de diversas fontes, trabalhos e relatos sincrônicos ou
diacrônicos evidencia diversos ruídos e lacunas em memórias muitas vezes bem
estabelecidas. Nesse contexto ficam evidentes os papéis de diversos atores num cenário
diacrônico de convergência e monitoramento. Quem disponibiliza quais informações, para
qual público, em qual meio e a partir de quais materiais? Jornalistas, arquivistas,
historiadores e sociólogos se sucedem na construção de determinadas memórias, num
processo com diversas possibilidades de ruído ou censura: eventos ou detalhes não
noticiados; acervos perdidos, degradados ou destruídos; levantamentos lacunares de fontes. A
atenção desses agentes também se remodela em diferentes momentos históricos: o que é
noticiável; quais documentos são dignos de preservação; quais eventos são dignos de um
estudo histórico ou sociológico. Questões como essas no âmbito historiográfico confirmam a
percepção da História como uma relação comunicacional, quando não um encadeamento de
relações comunicacionais.

Referências
ANTONIO, Mariana Dias. O sensacionalismo no jornal Ultima Hora-RJ: Sinais e ícones do Esquadrão da
Morte (1968-1969). 2017. Dissertação (Mestrado em História), Setor de Ciências Humanas, Universidade
Federal do Paraná, Curitiba, 2017. 268p.
BARBOSA, Adriano. Esquadrão da Morte - um mal necessário? São Paulo: Mandarino, 1971.
BARBOSA, Adriano; MONTEIRO, José. Do Esquadrão ao Mão Branca. Rio de Janeiro: Jaguaribe Gráfica e
Editora. 1980.
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DULLES, John W. F. Carlos Lacerda. A vida de um lutador. trad. Daphne F. Rodger. Rio de Janeiro: Nova
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HERSCHMANN, Micael; RIBEIRO, Ana Paula Goulart (org.). Comunicação e história: interfaces e novas
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