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FOI HÁ 62 ANOS

Pedro Pezarat Correia

O dia 8 de junho pouco ou nada dirá à grande maioria do povo


português. No entanto, há 62 anos, neste mesmo dia, registava-se
um dos acontecimentos mais marcantes da hipocrisia do salazarismo
e da tenebrosa ditadura do Estado Novo. Devia ter sido o dia da
realização de eleições para a presidência da República. Acabou por
ser o dia que culminou uma violenta limitação de direitos e repressão
na campanha eleitoral da oposição, uma monumental fraude da
consulta eleitoral, uma flagrante e mesquinha manipulação e viciação
dos resultados que levaram Américo Tomás ao poder. E foi também
o dia que iniciou uma sórdida perseguição ao candidato da oposição
Humberto Delgado e seus apoiantes que não se conformaram com a
trama criminosa de que foram vítimas. Perseguição que prosseguiu
até ao assassinato do general às mãos de uma brigada da PIDE, 7
anos depois.

O 25 de Abril, como lhe competia, recuperou postumamente a honra


e a carreira de Humberto Delgado. Fez-lhe justiça. Justiça que ficou
incompleta ao deixar impunes os criminosos responsáveis porque
tudo isto fosse possível, e ao permitir que o julgamento dos autores
materiais pelo assassinato resultasse num ato bem à medida da farsa
eleitoral com que tudo começara. Uma lamentável fraude judicial a
somar-se à anterior fraude política.

A campanha eleitoral de Humberto Delgado, pela enorme


mobilização popular que suscitara, fez tremer Salazar e o
salazarismo. Por isso viria a ser a última eleição presidencial por
sufrágio direto. As seguintes, até ao 25 de Abril, passaram a ser por
sufrágio indireto através de um colégio eleitoral com base nos
deputados à Assembleia Nacional e procuradores à Câmara
Corporativa que, nomeados pelo regime ou em eleições legislativas
igualmente fraudulentas e viciadas, eram todos escolhidos pelo
partido único da União Nacional e careciam da mínima legitimidade
representativa.

As encenações eleitorais tinham outro efeito perverso. Eram


aproveitadas pelo regime e seus agentes de repressão para
identificar os dirigentes da oposição e meros simpatizantes que
saiam para as ruas envolvidos nas campanhas e, assim, se
expunham à repressão e perseguição, não apenas política, mas nas
suas carreiras profissionais e nos locais de trabalho ou onde
exerciam as mais diversas atividades culturais e associativas. As
campanhas eleitorais constituíam, para o regime, o processo de
recenseamento dos seus adversários.

Em 8 de Junho de 1958 Humberto Delgado e a oposição democrática


foram derrotados pela ditadura salazarista. Não pelo voto mas pelo
seu aparelho repressivo. Sem dúvida. Mas o seu sacrifício não foi em
vão. A vitória, 16 anos depois, em 25 de Abril de 1974, deve-lhes
muito. A oposição consciencializou-se, percebeu que o derrube do
fascismo não passaria pela participação em manobras eleitorais
viciadas. E deixou de ter ilusões acerca da hipócrita solidariedade
das democracias dos países ocidentais. Por outro lado, os jovens
militares que apoiaram Delgado, os “capitães de Delgado”,
organizaram-se no Movimento Militar Independente (MMI) que
promoveu uma campanha de consciencialização e mobilização dos
seus camaradas e tentou, sem êxito, alguns levantamentos militares.

A guerra colonial que Salazar promoveu e desencadeou para


preservar o regime, dispersando os seus membros e abrindo espaço
à manipulação de um fervor patrioteiro, criou um clima que não foi
favorável ao MMI. Retardou o surgimento das condições subjetivas
que levam os militares a intervir na política (Finer, Samuel, The man
on horseback, Penguin, Middlessex 1976). Mas o prosseguimento da
guerra alimentou a sua própria denúncia e cavou a sepultura do
regime. A herança do MMI, ainda que não de forma totalmente
consciente, passou aos seus jovens camaradas da nova geração, os
“capitães de Abril”, que a guerra ajudara a emergir. Eis o grande
paradoxo do Estado Novo: a guerra em que, para sobreviver, se
lançara, acelerou o seu derrube E os “capitães de Delgado, agora
“coronéis de Abril”, lá estavam a dizer presente.

Há efemérides que importa não deixar em claro. Principalmente


agora quando andam por aí umas releituras da história. O 8 de junho
de 1958 é uma delas.

8 de junho de 2020

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