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2015
ISBN 978-85-02-63541-8
Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira César – São Paulo – SP
CEP 05413-909
PABX: (11) 3613 3000
SAC: 0800 011 7875
De 2ª a 6ª, das 8:30 às 19:30 Direito penal : parte geral / obra coletiva de autoria
www.editorasaraiva.com.br/contato da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia
e Thaís de Camargo Rodrigues. – São Paulo : Saraiva,
2015.
Direção editorial Luiz Roberto Curia
Gerência editorial Thaís de Camargo Rodrigues 1. Direito penal 2. Direito penal - Brasil I. Curia, Luiz
Roberto. II. Rodrigues, Thaís de Camargo. III. Título.
Coordenação geral Clarissa Boraschi Maria
Preparação de originais Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan e CDU-343 (81)
Ana Cristina Garcia (coords.)
Willians Calazans de Vasconcelos de Melo Índice para catálogo sistemático:
Projeto gráfico Isabela Agrela Teles Veras 1. Brasil: Direito penal 343 (81)
Arte e diagramação Isabela Agrela Teles Veras
Claudirene de Moura Santos Silva
Revisão de provas Amélia Kassis Ward e Data de fechamento da edição: 7-7-2015
Ana Beatriz Fraga Moreira (coords.)
Dúvidas?
Rita de Cássia Sorrocha Pereira
Acesse www.editorasaraiva.com.br/direito
Serviços editoriais Elaine Cristina da Silva
Kelli Priscila Pinto Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer
Marília Cordeiro meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
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1. A CIÊNCIA PENAL
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4.4. A lei penal no espaço, 36
4.4.1. Foro competente, 36
4.4.2. Territorialidade da lei penal (CP, art. 5º), 37
4.4.3. Extraterritorialidade da lei penal (CP, art. 7º), 37
4.4.3.1. Condições aplicáveis aos casos de extraterritorialidade
condicionada, 39
4.4.3.2. Extraterritorialidade na Lei de Tortura, 39
4.4.3.3. Princípio do non bis in idem (CP, art. 8º), 39
5. TEORIA DO DELITO
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7. ILICITUDE
!
7.3.4. Classificação, 79
7.4. Legítima defesa, 80
7.4.1. Requisitos, 80
7.4.2. Commodus discessus, 83
7.4.3. Excesso, 83
7.4.4. Classificação, 83
7.4.5. Ofendículos, 84
7.4.6. Diferenças entre legítima defesa e estado de necessidade, 84
7.5. Estrito cumprimento de dever legal, 85
7.6. Exercício regular de direito, 85
8. CULPABILIDADE
9. TEORIA DO ERRO
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Desde a Antiguidade até hoje verificamos grandes mudanças nos
FKHO )RXFDXOW 3X
EOLFDGR RULJLQDO
institutos criminais. Se analisarmos a pena, por exemplo, podemos tra-
PHQWH HP çar a seguinte evolução: perda da paz ou vingança indeterminada, vin-
QD )UDQoD p GH gança limitada pela lei do talião, composição voluntária, composição
GLFDGR j DQiOLVH legal e pena pública (BRUNO, 1956, p. 70 e 71).
GDYLJLOkQFLDHGD Conforme ensina Aníbal Bruno, nas sociedades antigas, onde
SXQLomR TXH VH HQFRQWUDP HP
ainda não havia um órgão que exercesse a autoridade coletiva, o res-
YiULDVHQWLGDGHVHVWDWDLVKRVSLWDLV
peito às normas era baseado no temor religioso ou até mesmo má-
SULV}HV H HVFRODV /HYD j GLVFXV
VmR VREUH RV VXSOtFLRV D WRUWXUD H
gico. E a punição, que era a vingança, visava aplacar a ira dos deuses
DVIRUPDVPRGHUQDVGHSULVmR (BRUNO, p. 66).
A religião sempre esteve muito presente no Direito Penal. Algumas
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normas podem servir de exemplo: Leis de Manu, Índia, sécs. 12 ou 13
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a.C., e Pentateuco ou Torá, dos hebreus, 1250 a.C. Até hoje normas com
%HFFDULD $ cunho religioso são utilizadas pelo Direito Penal de inúmeros países, em
REUD p XP especial os orientais.
PDUFR GR Remontando às sociedades mais primitivas, a vingança privada era
'LUHLWR 3HQDO URPSHQGR FRP D um ato de guerra entre tribos e não uma pena (BRUNO, p. 68). Entre os
DUELWUDULHGDGH H D FUXHOGDGH H
membros do grupo a pena era a expulsão, e essa pena equivalia à pena
DEULQGRDVSRUWDVSDUDRSHUtRGR
de morte, pois dificilmente o indivíduo conseguiria sobreviver fora dos
KXPDQLWiULR
domínios de proteção e cooperação de seu clã.
Procedendo dessa maneira poderia haver a completa dizimação de
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grupos inteiros. Surge, assim, a lei do talião, visando aplicar certa pro-
,!<8578=;!=;<!<89<! porcionalidade ao Direito Penal. Como exemplo, podemos citar o Códi-
;>D;<B! =478EF;! =8! go de Hamurabi, Babilônia, 2.083 a.C.
G96:!G;<H!16I@6A
Da vingança o Direito Penal evoluiu para a composição. Por esse
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método o autor do delito “comprava” a sua liberdade. Em vez da vin-
WUDWD GH XP FULPH
EiUEDUR OHYDQGR
gança de sangue era oferecido um valor suficiente para “cobrir” os danos
j UHÁH[mR VREUH sofridos pela vítima.
SXQLomRHVWDWDOSURSRUFLRQDOLGD
GHHYLQJDQoDSULYDGD
12)%,&%+*+-
3RGHPRVDÀUPDUTXHR'LUHLWR3HQDOVXUJHFRPRKRPHPHRDFRPSDQKD
DWUDYpV GRV WHPSRV 1R LQtFLR HUD DSHQDV XPD UHDOLGDGH VRFLROyJLFD LQVWLQWLYD
1mRKDYLDTXDOTXHUUHJXODPHQWDomRHDSXQLomRSRUXPFULPHHUDEDVHDGDQD
YLQJDQoDSULYDGD$UHDomRGDYtWLPDGHVXDIDPtOLDRXDWpGHVXDWULERRXFOm
DWLQJLDQmRDSHQDVRRIHQVRUPDVWRGRRVHXJUXSRVHPTXDOTXHUSURSRUomR
&RPRSDVVDUGRWHPSRVXUJHDOHLGRWDOLmREDVHDGDQR´ROKRSRUROKRGHQWH
SRUGHQWHµEXVFDQGRHTXLOtEULRHQWUHFULPHHFDVWLJR$RORQJRGRVVpFXORVDHYR
OXomRIRLOHQWD$SHQDVDSyVRVpFXOR;9,,,3HUtRGR+XPDQLWiULRpTXHR'LUHLWR Detalhe do Monólito com
o Código de Hamurabi
3HQDOSDVVDDWRPDURVFRQWRUQRVGRTXHFRQKHFHPRVKRMH (Museu do Louvre, França)
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O Livro V das Ordenações Filipinas, de 1603, foi a legislação
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penal utilizada no Brasil durante o período colonial. Essa legislação
9HMDP DOJXQV H[HPSORV GH refletia o espírito dominante à época, que não distinguia o direito da
FULPHV SUHYLVWRV QDV 2UGHQDo}HV moral e da religião.
)LOLSLQDVGDIRUWHLQÁXrQFLDGDUH
Outra característica das Ordenações é a extrema crueldade das pe-
OLJLmR H GD LQWURPLVVmR GR (VWDGR
QDYLGDSULYDGD nas, que também eram um reflexo da época, duramente combatida por
ō7tWXOR,²'RVKHUHJHVHDSyV Beccaria e outros iluministas.
WDWDV DV SHQDV ² FRUSRUDLV H GH Como se viu acima, a pena para sodomia, por exemplo, era extre-
FRQÀVFR²HUDPGHWHUPLQDGDVSH mamente desumana. O texto original dizia: “Toda a pessoa, de qualquer
ORV MXt]HV HFOHVLiVWLFRV H H[HFXWD
GDVSHORJRYHUQRFLYLO
qualidade que seja, que peccado de sodomia per qualquer maneira comet-
ō 7tWXOR ,,, ² 'RV IHLWLFHLURV
ter, seja queimado, e feito per fogo em pó, para que nunca de seu corpo e
SHQDGHPRUWH sepultura possa haver memória”.
ō 7tWXOR ;,,, ² 'RV TXH FRPH No Brasil temos o exemplo de Tiradentes, que foi condenado à
WHP SHFDGR GH VRGRPLD H FRP morte pelo crime de lesa-majestade, e, após ser enforcado, teve seu cor-
DOLPiULDV SHQD GH PRUWH QD IR
po esquartejado e seus membros fincados em postes e colocados à beira
JXHLUDFRQÀVFRGHEHQVHÀOKRVH
QHWRVFRQVLGHUDGRVLQIDPHV das estradas como “exemplo” para os demais súditos da coroa. Era a in-
ō 7tWXOR ;;9 ² 'R TXH GRUPH timidação pelo terror.
FRP PXOKHU FDVDGD SHQD GH O Direito Penal desse período era visto como primeira ou única
PRUWH opção. As condutas hoje abarcadas por outras áreas do direito, como o
ō7tWXOR;&,9²'RVPRXURVHMX administrativo ou civil, recebiam tratamento penal. Ex. Título LXXXI –
GHXVTXHDQGDPVHPVLQDOSHQD
Dos que dão música de noite (pena de prisão por 30 dias, multa e perda
SHFXQLiULD
dos instrumentos musicais e armas).
!$A)*(B)!( Outra característica que merece ser comentada é a interferência da
qualidade do autor na definição da pena. Ex. Título XXXIII – Dos ru-
*+,-./ 0+12345/
02/ 678/ 9:;/ fiões e mulheres solteiras. A pena era de açoite, multa e degredo para
&:;<./ =>>?@# $# a África. Porém, se o homem fosse escudeiro, a pena seria de multa e
EDVHDGR QD degredo para fora da vila. Resta assim evidente o total desrespeito ao
YLGD GR SROt princípio da igualdade.
WLFR H DWLYLVWD
JD\ +DUYH\ Com a proclamação da independência em 1822 se fez necessária a
0LON TXH IRL R revisão de toda a legislação vigente no país, que era de origem portugue-
SULPHLUR KR sa. Em 1824 foi outorgada a primeira Constituição do Brasil, e em 1830
PRVVH[XDO GH foi promulgado o primeiro Código Criminal brasileiro.
FODUDGRDVHUHOHLWRSDUDXPFDUJR
S~EOLFRQD&DOLIyUQLD2ÀOPHPRV A Constituição de 1824, elaborada sob o ideário liberal e humanis-
WUD D OXWD H R SUHFRQFHLWR VRIULGR ta, trazia em seu art. 179 direitos e garantias individuais que influencia-
SHORVKRPRVVH[XDLVTXDWURVpFXORV ram sobremaneira a elaboração do Código Criminal.
DSyVDV2UGHQDo}HV)LOLSLQDV
O Código de 1830 foi o primeiro código autônomo da América
9%!(C"DE#$% Latina, e de tão elogiado, serviu de modelo para outros códigos, tanto na
América quanto na Europa.
8505F+:GUHODFLRQDPHQWRVH[XDO O projeto aprovado foi de Bernardo Pereira de Vasconcelos, for-
HQWUHSHVVRDVGRPHVPRVH[RRX
mado em Coimbra e atualizado com os ideais do Iluminismo e da Re-
VH[RVRSRVWRVFRPFySXODDQDO
volução Francesa.
02H1205GSHQDTXHFRQVLVWHQR
Uma questão que deu margem a dissídio no Parlamento durante
DIDVWDPHQWR FRPSXOVyULR GD
WHUUD QDWDO SRU WHPSR GHWHUPL a aprovação do projeto foi a pena de morte (na forca). Os conservado-
QDGRRXLQGHWHUPLQDGR res queriam mantê-la no Código, e os liberais, extirpá-la. Venceram os
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8PD ~QLFD FRQGXWD SRGH
JHUDUXPLOtFLWRFLYLOHXPLOtFLWRSH
QDO $ OHVmR FRUSRUDO SRU H[HP
SORpSXQLGDFULPLQDOPHQWHFRP
O controle social pode ser formal e informal. O informal é aquele
D DSOLFDomR GD SHQD GH GHWHQ aplicado pela família, escola, igreja, partido político, opinião pública, vi-
omRRXUHFOXVmRGHSHQGHQGRGD zinhos, clube. Nem sempre será suficiente para solucionar conflitos mais
JUDYLGDGH1DHVIHUDFLYLODYtWLPD complexos ou graves.
SRGH VROLFLWDU XPD LQGHQL]DomR Das necessidades humanas decorrentes da vida em sociedade sur-
GRV YDORUHV SDJRV FRP R WUDWD
ge o Direito, que visa garantir condições indispensáveis à coexistência
PHQWRPpGLFRDRDXWRUGDOHVmR
pacífica.
O fato que contraria a norma legal, ofendendo ou pondo em perigo
um bem jurídico tutelado, é um ilícito jurídico e poderá ter consequên-
cias em vários ramos do Direito.
O Direito Penal constitui uma das espécies do sistema de controle
social formal. Possui regras e princípios especiais, devendo ser utilizado
apenas como ultima ratio, ou seja, para os casos de ofensas graves aos
D&%.EF*4)-&
bens jurídicos fundamentais, os mais sensíveis à sociedade.
!"#$%&' (&#$)G H[SUHVVmR ODWLQD Os princípios penais decorrem da Constituição Federal de 1988
TXHVLJQLÀFD´~OWLPRUHFXUVRµ que deu forma, na República Federativa do Brasil, a um tipo de estado
H97<! 8=:I:7<JG p D VDQomR LP designado como Estado Democrático de Direito.
SRVWDDTXHPFRPHWHRVFULPHV
A Constituição Federal estabelece como fundamento do Estado
SUHYLVWRVHPQRVVRRUGHQDPHQWR
Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). No
MXUtGLFR6mRHODVSULYDWLYDVGHOL
EHUGDGHUHFOXVmRHGHWHQomR art. 5º determina que são invioláveis os direitos à liberdade, à vida, à
UHVWULWLYDV GH GLUHLWR H[ SUHVWD igualdade, à segurança e à propriedade. Dessa forma, a limitação a esses
omRSHFXQLiULDOLPLWDomRGHÀP direitos ou garantias constitucionais somente se justifica quando a ofen-
GHVHPDQDSUHVWDomRGHVHUYL sa ou a ameaça sejam proporcionais à intervenção do Direito Penal e a
oRVjFRPXQLGDGHHPXOWD aplicação da pena ou medida de segurança.
I9K:K<!K9!?9LA=<7B<GpDVDQ
omR LPSRVWD DRV LQLPSXWiYHLV
DUWGR&3
$V PHGLGDV GH VHJXUDQoD VmR
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FXVWyGLD H WUDWDPHQWR SVLTXL
iWULFR RX GH *+,$!'()- &- #%&#&. "#5#"!%6789:;6/!%<=<8;9=>?;:8<?!9!@A7BC9?
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O Direito penal é o ramo do direito público que se encarrega de
K:=9:;6! HMNJ:86G 'LUHLWR FRQFHU
QHQWH jV UHODo}HV MXUtGLFDV GH
selecionar condutas atentatórias aos mais importantes bens jurídicos —
QDWXUH]DS~EOLFD justamente aqueles considerados essenciais para a vida em sociedade —,
sancionando-as com uma pena criminal ou medida de segurança. Tem
por função primordial servir como modelo orientador de condutas ade-
quadas, promovendo o normal funcionamento da vida em sociedade.
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As fontes do direito subdividem-se em fontes materiais, substan-
ciais ou de produção e em fontes formais, de conhecimento ou de cog-
!"
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A analogia é uma forma de suprimento (preenchimento) de
$DQDORJLDYLVDGHL[DUR'LUHL
lacunas (brechas) legislativas. Consiste em “aplicar, a um caso não
WRPDLVMXVWR",PDJLQHDVHJXLQWH
contemplado de modo direto ou específico por uma norma jurídi-
VLWXDomRRDUW,,GR&3DGPL
ca, uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante WHRDERUWRSUDWLFDGRSRUPpGLFR
ao caso não contemplado” (DINIZ, Lei de Introdução às Normas do HP FDVR GH HVWXSUR 1R FDVR GR
Direito Brasileiro, p. 108). Para utilizá-la, portanto, é preciso que se DERUWR UHDOL]DGR SRU HQIHUPHLUR
verifiquem dois pressupostos: 1º) existência de uma lacuna na lei; 2º) KDYHQGR D LPSRVVLELOLGDGH GH
encontro no ordenamento jurídico de uma solução legal semelhante, DWHQGLPHQWRPpGLFRKiRFULPH"
!"
vale dizer, uma regra jurídica que tenha sido estipulada para regular
caso análogo. Funda-se a analogia no princípio ubi eadem legis ratio,
ibi eadem dispositio (onde há a mesma razão legal, aplica-se o mesmo
dispositivo).
Em direito penal, contudo, somente se admite a analogia in bonam
partem, ou seja, aquela utilizada em benefício do sujeito ativo da in-
fração penal. Exemplo: o Código Penal somente autoriza a reação em
estado de necessidade, afastando o caráter criminoso da conduta, se o
sujeito busca afastar um perigo “atual”, nada dispondo sobre a excluden-
te de ilicitude se o agente visava escapar de um perigo “iminente”; este,
contudo, também se considera abrangido pela norma permissiva, por
analogia in bonam partem.
Proíbe-se, de outra parte, a analogia in malam partem, isto é, em
prejuízo do sujeito ativo da infração penal, justamente por importar
a criação de delitos não previstos em lei ou no agravamento da puni-
ção de fatos já disciplinados legalmente, atentando contra o princípio
da legalidade. Acompanhe os exemplos: o art. 63 do CP define como
reincidente aquele que comete crime depois de ter sido condenado
com trânsito em julgado por outro crime, no Brasil ou no estrangeiro.
O art. 7º da Lei das Contravenções Penais, por sua vez, estipula ser
reincidente o agente que pratica uma contravenção penal depois de
ter sido condenado definitivamente por outro crime, no Brasil ou no
estrangeiro, ou por outra contravenção penal no Brasil. Na combina-
ção dos dispositivos nota-se uma lacuna: não é reincidente o autor de
um crime praticado após ter sido ele irremediavelmente condenado
por uma contravenção penal. Em suma, se o agente for condenado de
modo definitivo por uma contravenção penal e, após, cometer outra
contravenção, será reincidente, mas, se praticar um crime, será pri-
mário! Tal omissão do legislador gera uma situação injusta, que não
pode ser corrigida pelo emprego da analogia, causando reincidência
em ambas as situações, sob pena de agravar a punição de um fato sem
3EFGHIJG3I expressa previsão legal.
Há duas espécies de analogia:
9/*'2.$ :.(.; 1ª) analogia “legis”: dá-se com a aplicação de uma norma existente
1.$ !<=>$ 1'(); a um caso semelhante;
?@+$ 1)$ A(7-+$
2ª) analogia “juris”: ocorre quando se baseia num conjunto de nor-
A.(()*+>$ BCCD"$
mas, visando retirar elementos que possibilitem sua aplicabilidade ao
&RQWD D KLVWy
ULD GH 6DQGUR
caso concreto não previsto (p. ex. trata-se do encontro e aplicação de
PRUWRSHODSR princípios gerais do direito).
OtFLD TXDQGR
VHTXHVWURX R !"#"#$%$&'()'*+$,)-./$)$.0$1)2.'0$3'4-5'.0$67(81'5.0
IDPRVR {QLEXV QR 5LR GH -D
O Direito Penal é apenas um dos objetos de estudo das Ciências
QHLUR 0RVWUD D KLVWyULD SRU RXWUR
kQJXORFRQWDQGRDYLGDGH6DQ
Penais. Há a dogmática penal, a criminologia, a política criminal, psi-
GURGHVGHRQDVFLPHQWRDWpRGLD quiatria e psicologia forense, dentre outras.
GRFULPH(VVHROKDUpFRPXPQD Dogmática penal é a “disciplina que se ocupa da interpretação,
FULPLQRORJLD sistematização e desenvolvimento (...) dos dispositivos legais e das
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>32=3?8!%=4@A)UDQFLVFR
GH$VVLV7ROHGR(GLWRUD Os princípios constitucionais possuem a função de orientar, orga-
6DUDLYD 2EUD FOiVVLFD nizar e estruturar o ordenamento jurídico, especialmente quanto a apli-
GLVFXWHSULQFtSLRVHGH
cação do direito e interpretação da norma jurídica.
PDLV WHPDV UHOHYDQWHV
GDGRJPiWLFDSHQDO Neste sentido, aliás, já se disse que “os princípios constitucionais
(tragende Konstitutionsprizipien) e as garantias individuais devem atuar
+9! B39=2;C=39D! 9LFWRU
+XJR 2 SHUVRQDJHP como balizas para a correta interpretação e o justo emprego das normas
SULQFLSDO -HDQ 9DOMHDQ penais, não se podendo cogitar de uma aplicação meramente robotiza-
SUHWHQGHQGR VDFLDU D da dos tipos incriminadores...” (Edilson M. Bonfim e Fernando Capez,
IRPH GH XPD FULDQoD Direito penal: parte geral, p. 114).
IXUWDXPSHGDoRGHSmR
H SRU HVVD UD]mR SDVVD PXLWRV DQRV
Diversos são os princípios de Direito Penal que estão assegurados
SUHVR $SyV YiULDV WHQWDWLYDV GH IXJD na Constituição. Vejamos:
FRQVHJXHDOLEHUGDGHSRUpPSDVVDD a) Princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se do mais
YLGD WRGD VHQGR SHUVHJXLGR SHOR LQV importante dos princípios penais e constitui um dos fundamentos da
SHWRUGHSROtFLD-DYHUW6HXFULPHpXP
República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, III). Proíbe a incriminação
H[HPSORGHDSOLFDomRGRSULQFtSLRGD
LQVLJQLÀFkQFLDHDOHLWXUDGDREUDGHL[D de comportamentos socialmente inofensivos, isto é, que não provoquem
FODUDVXDLPSRUWkQFLDSUiWLFD dano efetivo ou lesão ao corpo social (ex.: incriminar o ato de manifes-
tar publicamente admiração por pessoas queridas). Impede, ademais,
que a aplicação das normas penais ocorra de maneira totalmente divor-
).&'+,'>/>0 ciada da realidade.
(PDJRVWRGHR67)HQIUHQ b) Princípio da legalidade. Não há crime sem lei anterior que o
WRXXPFDVRHPEOHPiWLFRGHDIURQWD defina, nem pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX, e CP,
DR SULQFtSLR GD GLJQLGDGH KXPDQD
art. 1º).
8P SHGUHLUR IRL FRQGHQDGR SRU KR
PLFtGLR TXDOLÀFDGR H FRQWHVWRX VXD c) Princípio da anterioridade da lei penal. A lei penal não retroagi-
VHQWHQoD QR 6XSUHPR DOHJDQGR TXH rá, salvo para beneficiar o réu (CF, art. 5º, XL, e CP, art. 2º).
SHUPDQHFHXDOJHPDGRGXUDQWHWRGR d) Princípio do ne bis in idem. Ninguém pode ser condenado pelo
R MXOJDPHQWR H TXH LVVR OKH FDXVRX
mesmo fato mais de uma vez; além disso, uma única e determinada cir-
FRQVWUDQJLPHQWRDOpPGHWHULQÁXHQ
FLDGR QHJDWLYDPHQWH RV MXUDGRV 2 cunstância fática não pode ser utilizada mais de uma vez, seja para agra-
67)DFROKHXRVDUJXPHQWRVHHGLWRXD var, seja para beneficiar o agente.
6~PXODYLQFXODQWHQ e) Princípio da insignificância ou da bagatela. Foi desenvolvido
por Claus Roxin. Para o autor, a finalidade do Direito Penal consiste na
proteção subsidiária de bens jurídicos. Logo, comportamentos que pro-
)'(0Q/-0)/
duzam lesões insignificantes aos objetos jurídicos tutelados pela norma
+! GHAI@B=4?8! <=! (HJ penal devem ser considerados penalmente irrelevantes. A aplicação do
2=B:=2ID! <32=KL8! <=!
princípio produz fatos penalmente atípicos.
,?@4A=M!N2@B=2D!$OP$#!"#
7ULEXQDO GH 1XUHPEHUJ Na atualidade, a aceitação deste princípio é praticamente unânime.
IRL R 7ULEXQDO 0LOLWDU ,Q A divergência consiste, no mais das vezes, em definir, no caso concreto,
WHUQDFLRQDOFULDGRFRP se a lesão ao bem jurídico foi diminuta (e, portanto, penalmente rele-
D ÀQDOLGDGH GH MXOJDU vante) ou insignificante (logo, atípica).
SULVLRQHLURV GH JXHUUD QD]LVWDV 2 ÀO
PH OHYD j UHÁH[mR VREUH D YLRODomR Ninguém dirá que a subtração de uma folha de papel ou de um
GHSULQFtSLRVSHQDLVHVSHFLDOPHQWHR dente de alho deve ser considerada como crime de furto. Outros pode-
SULQFtSLRGDOHJDOLGDGH rão afirmar, ainda, que a subtração de um objeto avaliado em um quarto
!!
!"#$"%&'($)*+
!"
bem jurídico claramente definido e dotado de um mínimo de relevância
FGHI$J/IFJ social será considerada nula e materialmente inconstitucional. (...). Sem
!"# $%"&'()&%"*#
bem jurídico não existe infração penal” (Edilson M. Bonfim e Fernando
+%'&,-.#+&#/.0# Capez, Direito penal: parte geral, p. 133).
1..2&'*# 34536# i) Princípio da intervenção mínima. Somente se deve recorrer à
2ÀOPHID]XPD intervenção do direito penal em situações extremas, como a última saída
DGDSWDomR GD (ultima ratio). A princípio, portanto, deve-se deixar aos demais ramos
REUD HVFULWD do direito a disciplina das relações jurídicas. A subtração de um pacote
SHOR IUDQFrV de balas em um supermercado, já punida com a expulsão do cliente do
9LFWRU +XJR estabelecimento e com a cobrança do valor do produto ou sua devo-
SXEOLFDGD HP
lução, já foi resolvida por outros ramos do direito, de modo que não
7UDWDVH
necessitaria da interferência do direito penal.
GDKLVWyULDGHXPKRPHPGRVpFXOR
;,;TXHIRLFRQGHQDGRLQMXVWDPHQ j) Princípio da fragmentariedade. Trata-se, na verdade, de uma
WHSRUWHUURXEDGRXPSHGDoRGH característica do direito penal, mencionada por alguns autores também
SmR ÀFDQGR HP FODXVXUD SRU sob a forma de princípio, estabelecendo que as normas penais somente
DQRV 3DVVDGR R WHPSR GH UHFOX se devem ocupar de punir uma pequena parcela, um pequeno fragmen-
VmR R SHUVRQDJHP -HDQ 9DOMHDQ to dos atos ilícitos, justamente aquelas condutas que violem de forma
+XJK -DFNPDQ VDL HP OLEHUGDGH mais grave os bens jurídicos mais importantes.
FRQGLFLRQDO WRUQDQGRVH XP KR k) Princípio da adequação social. O fato deixará de ser típico
PHP KRQUDGR H KRQHVWR SRUpP
quando aceito socialmente. Acompanhe esse exemplo extraído da juris-
FRQWLQXD VRIUHQGR RV UHÁH[RV GDV
prudência: “Contravenção Penal — ‘jogo do bicho’ — Perda do mono-
LQMXVWLoDV VRIULGDV QR SDVVDGR VHQ
pólio do Estado às empresas de comunicações na exploração de jogos e
GRSHUVHJXLGRSHORLQVSHWRU-DYHUW
5XVVHOO &URZH TXH QmR DFUHGLWD loterias aliada a ausência de reprovabilidade na consciência da absoluta
HP VXD UHDELOLWDomR 1R GHFRUUHU maioria dos cidadãos — Punição afastada pela aplicação do princípio
GD WUDPD YHPRV ODFXQDV GR VLVWH da adequação social — Inaplicabilidade do art. 58 do Dec.-Lei 6.259/44.
PDSHQDOHDYLRODomRGHSULQFtSLRV Convence que a adequação social supera contravenção denunciada. Em
FRPR R GD LQWHUYHQomR PtQLPD vez de punir um fato por ser típico, devemos adequá-lo à realidade vi-
KXPDQLGDGH IUDJPHQWDULHGDGH gente, aos costumes sociais, enfim, à consciência coletiva. A lei deveria
SURSRUFLRQDOLGDGHHGDEDJDWHOD ser interpretada pro societate, e, ao que tudo indica, a coletividade não se
interessa pela punição dos ‘bicheiros’. Ao contrário, já inseriu o jogo do
782%99.:*# +%'&; bicho em seu dia a dia” (TARS, RT, 753/699).
,-.#+&#<'8:=9%:#
Tal princípio não tem merecido acolhida da maioria da jurispru-
>6# ?@A8BB:&'*#
dência, uma vez que sua aceitação implicaria a conclusão de que os cos-
5CDE6# 7UDWDVH
tumes teriam força para revogar lei penal, o que é inadmissível em face
GD KLVWyULD GH
do art. 22, I, da CF, e art. 2º, § 1º, da LINDB.
+HQUL &KDUULqUH
3DSLOORQ TXH l) Princípio da humanidade. As normas penais devem sempre dis-
YLYHX QRV DQRV pensar tratamento humanizado aos sujeitos ativos de infrações penais,
GH FRQ vedando-se a tortura, o tratamento desumano ou degradante (CF, art.
GHQDGRDSULVmRSHUSpWXDÀFDQ 5º, III), penas de morte, de caráter perpétuo, cruéis, de banimento ou de
GR UHFOXVR QD *XLDQD )UDQFHVD trabalhos forçados (CF, art. 5º, XLVII).
,OKD GR 'LDER VRE XP VLVWHPD m) Princípio da proporcionalidade. “Quando a criação do tipo
H[WUHPDPHQWHULJRURVRHFUXHO2 penal não se revelar proveitosa para a sociedade, estará ferido o prin-
ÀOPHUHWUDWDRVDEXVRVGRVLVWHPD
cípio da proporcionalidade, devendo a descrição legal ser expurgada de
FDUFHUiULRSRUPHLRGHSHQDVGH
nosso ordenamento jurídico por vício de inconstitucionalidade. Além
VXPDQDVHKXPLOKDQWHV
disso, a pena, isto é, a resposta punitiva estatal ao crime, deve guardar
proporção com o mal infligido ao corpo social” (Edilson M. Bonfim e
Fernando Capez, Direito penal: parte geral, p. 130).
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FLiULRHDHOHFRPSHWHDJXDUGDGD&RQVWLWXLomR)HGHUDO2WULEXQDO
p FRPSRVWR SRU RQ]H 0LQLVWURV EUDVLOHLURV QDWRV HVFROKLGRV GHQWUH
FLGDGmRVFRPPDLVGHHPHQRVGHDQRVGHLGDGHGHQRWiYHO
VDEHUMXUtGLFRHUHSXWDomRLOLEDGDHQRPHDGRVSHOR3UHVLGHQWHGD
5HS~EOLFD DSyV DSURYDomR GD HVFROKD SHOD PDLRULD DEVROXWD GR
6HQDGR)HGHUDO
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idem). Portanto, se aparentemente ocorrer a incidência de mais de um
56789:;<=>6 tipo penal a um mesmo fato, caberá ao intérprete, socorrendo-se dos
,?0',0'/2@UHODFLRQDGRDRSDU princípios da especialidade, consunção, subsidiariedade ou alternativi-
WRSHUtRGRTXHRFRUUHVHJXLGR dade, resolver o conflito, apontando o correto enquadramento.
DRSDUWR Muito embora não exista dispositivo legal tratando do tema ou
consenso doutrinário acerca do assunto (salvo no tocante ao princípio
da especialidade), admitem-se comumente os princípios acima mencio-
nados.
Importante acentuar que só haverá conflito aparente de normas se
houver um só fato ao qual aparentemente se apliquem várias normas
penais incriminadoras (todas vigentes). Na hipótese de serem vários os
fatos, ter-se-á concurso de crimes (arts. 69 a 71 do CP). Além disso, to-
dos os dispositivos penais aparentemente aplicáveis devem estar simul-
taneamente em vigor, caso contrário surgirá um conflito de leis penais
no tempo.
!"#"$"%%&'()*+,(-%./%01,0*(/2(./.0%3!"#$%&"'()!(%$
*"+,-).$-"/"+)!(%4
Dá-se quando existir, entre as duas normas aparentemente inci-
dentes sobre o mesmo fato, uma relação de gênero e espécie. Será espe-
cial e, portanto, prevalecerá a norma que contiver todos os elementos
de outra (a geral), além de mais alguns, de natureza subjetiva ou ob-
jetiva, considerados especializantes. “Toda a ação que realiza o tipo do
delito especial realiza também necessariamente, e ao mesmo tempo,
o tipo do geral, enquanto que o inverso não é verdadeiro” (Jescheck,
Tratado de derecho penal, trad. Mir Puig e Muñoz Conde, Barcelona:
Bosch, 1981, p. 1035, apud Cezar Roberto Bitencourt, Manual de direi-
to penal: parte geral, v. 1, p. 130). Assim, se a mãe mata o filho durante
o parto, sob a influência do estado puerperal, incorre, aparentemente,
nos arts. 121 (homicídio) e 123 (infanticídio). No primeiro, porque
matou uma pessoa; no segundo, porque essa pessoa era seu filho e a
morte se deu no momento do parto, influenciada pelo estado puerpe-
ral. O infanticídio contém todas as elementares do homicídio (“matar”
+ “alguém”), além de outras especializantes (“o próprio filho” + “du-
rante o parto ou logo após” + “sob a influência do estado puerperal”),
o que o torna especial em relação a esse. Percebe-se, então, que toda
ação que realiza o tipo do infanticídio realiza o do homicídio, mas nem
toda ação que se subsume ao homicídio tem enquadramento no tipo
do infanticídio.
Note que esse conflito se resolve abstratamente, isto é, basta a com-
paração entre as duas normas, em tese, para saber qual delas é a especial
e, por via de consequência, a aplicável. Também é interessante notar que
na relação de especialidade é indiferente se a norma especial é mais ou
menos grave. Acrescente-se que a relação de especialidade se dá entre
tipos fundamentais e secundários (ex.: roubo simples — art. 157, caput,
e roubo agravado — art. 157, § 2º).
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A relação de subsidiariedade pressupõe que haja entre as normas *-)01)B(C/D DWR RX HIHLWR GH
aparentemente aplicáveis uma relação de conteúdo a continente. Há FRQVXPLUDEVRUYHU
uma norma mais ampla (norma primária), porque descreve um grau
maior de violação ao bem jurídico, e uma norma menos ampla (norma
subsidiária), pois descreve um grau inferior de violação a esse mesmo
bem. Ensinava Hungria que “a diferença que existe entre especialidade
e subsidiariedade é que, nesta, ao contrário do que ocorre naquela, os
fatos previstos em uma e outra norma não estão em relação de espécie
e gênero, e se a pena do tipo principal (sempre mais grave que a do tipo
subsidiário) é excluída por qualquer causa, a pena do tipo subsidiário
pode apresentar-se como ‘soldado de reserva’ e aplicar-se pelo residuum”
(Comentários ao Código Penal, v. 1, t. 1, arts. 1º a 10, p. 147).
A norma aplicável será sempre a que previr o maior grau de viola-
ção (lei primária). Assim, por exemplo, o crime de estupro (art. 213 do
CP) contém o de constrangimento ilegal (art. 146 do CP). Se alguém
constrange mulher à conjunção carnal, haverá estupro.
Há duas espécies de subsidiariedade:
1ª) expressa: se a norma expressamente declarar que só terá aplica-
ção “se o fato não constituir crime mais grave” (a norma se autoprocla-
ma “soldado de reserva”) — ex.: art. 132 do CP;
2ª) tácita: verifica-se quando o crime definido por uma norma é
elemento ou circunstância legal de outro crime — ex.: art. 304 do CTB
(omissão de socorro em acidente de trânsito) em relação ao homicídio
culposo na direção de veículo automotor, qualificado pela omissão de
socorro (art. 302 c/c o art. 303, parágrafo único, do CTB).
!"#"!"%%&'()*+,(-%./%*-)01)67-%-1%./%/20-'67-%
4!"#$1+2./("2.$*"&+,)-$!",'$1+2./(%-)"5
“Ocorre a relação consuntiva, ou de absorção, quando um fato de-
finido por uma norma incriminadora é meio necessário ou normal fase
de preparação ou execução de outro crime, bem como quando constitui
conduta anterior ou posterior do agente, cometida com a mesma finali-
dade prática atinente àquele crime (...). Os fatos não se apresentam em
relação de espécie e gênero, mas de minus a plus, de conteúdo a conti-
nente, de parte a todo, de meio a fim, de fração a meio” (Damásio de
Jesus, Direito penal: parte geral, v. 1, p. 114). Na síntese de Jiménez de
Asúa, citado por Damásio (idem, ibidem), a consunção se dá:
“a) quando as disposições se relacionam de imperfeição a perfeição
(atos preparatórios puníveis, tentativa — consumação);
b) de auxílio a conduta direta (partícipe — autor);
c) de minus a plus (crimes progressivos);
d) de meio a fim (crimes complexos); e
e) de parte a todo (consunção de fatos anteriores e posteriores) —
antefato e post factum impuníveis”.
!"
Convém deter-se na letra e, em que ocorre a relação de parte a todo,
3456789:;<4 ou a chamada “progressão criminosa”. Em sentido lato, a progressão cri-
!"#$% &$!'!(!)= H[SUHVVmR ODWLQD minosa inclui:
TXHVLJQLILFD´FDPLQKRGRFUL a) Progressão criminosa em sentido estrito: o agente inicia o iter
PHµ criminis com o objetivo de provocar determinada lesão a um bem jurí-
dico; após conseguir seu intento, muda de ideia e busca provocar um
grau maior de violação ao mesmo bem jurídico. Exemplo: o sujeito pre-
tendia lesionar seu desafeto, mas, em meio aos socos e pontapés, decide
tirar-lhe a vida e leva-o a óbito. Só responde pelo homicídio, ficando as
lesões corporais por ele consumidas.
b) Antefactum impunível: quando um fato anterior menos grave é
praticado como meio necessário para a realização de outro (ex.: o porte
de arma em relação ao homicídio cometido com tal instrumento; o cri-
me de falsidade exclusivamente utilizado com o fim de cometer estelio-
nato, nos termos da Súmula 17 do STJ).
c) Post factum impunível: quando o agente, após praticar o fato,
provoca nova violação ao mesmo bem jurídico, pertencente ao mesmo
sujeito passivo (ex.: furto e posterior danificação ou venda do objeto).
!"#"#"$%&'()*+',$-.$./01&(.0'2'-.-1
Este princípio tem lugar nas infrações penais de ação múltipla ou
conteúdo variado, que são aqueles tipos penais que possuem diversos
núcleos (verbos), separados pela conjunção alternativa “ou”.
Quando alguém pratica mais de um verbo do mesmo tipo penal,
num mesmo contexto fático, só responde por um crime (e não pelo
mesmo crime mais de uma vez). Exemplos: a) aquele que expõe à venda
e, em seguida, vende substância entorpecente pratica um só crime de
tráfico ilícito de entorpecentes (Lei n. 11.343/2006, art. 33); b) quem
induz e instiga outrem a se suicidar, vindo a vítima a falecer, incorre
uma só vez no delito de auxílio ao suicídio (art. 122 do CP). Anote-se,
entretanto, que em tais casos o juiz deve considerar a incursão em mais
de uma ação nuclear na dosagem da pena, de modo a exacerbar a sanção
imposta ao agente.
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0+-'67& !"#$! %&'()*+&!,-!)-*.!/-'0*.!'&!+-1/&
$ V~PXOD GR 67) GL] ´D
OHLSHQDOPDLVJUDYHDSOLFDVHDR
Quando várias leis penais que tratam do mesmo assunto de modo
FULPH FRQWLQXDGR RX DR FULPH distinto se sucedem no tempo, deve o intérprete definir qual delas será
SHUPDQHQWH VH D VXD YLJrQFLD p aplicada ao fato. A regra é que a lei que deve ser aplicada é a vigente
DQWHULRU j FHVVDomR GD FRQWLQXL ao tempo da prática do fato criminoso, de acordo com o princípio do
GDGH RX GD SHUPDQrQFLDµ 2X tempus regit actum. Contudo, existem exceções e elas se dividem em re-
VHMDVHFULPHFRPHWLGRQDYLJrQ troatividade (aplicação da lei a fatos cometidos antes da sua vigência
FLDGDOHLPHQRVJUDYHPDVFXMD quando for mais benéfica) e ultra-atividade (a lei penal revogada pode
H[HFXomRVHSURORQJXHDWpDHQ ser aplicada após sua revogação, quando o ilícito praticado durante a sua
WUDGDHPYLJRUGDOHLPDLVJUDYH vigência for sucedido por lei mais severa).
SRGHUi VHU DSOLFDGD HVWD ~OWLPD Confira abaixo as hipóteses de conflito da lei penal no tempo:
1mR Ki QLVVR QHQKXPD YLRODomR
DR SULQFtSLR EDVLODU GD DEVROXWD
Hipótese prática Significado Solução
LUUHWURDWLYLGDGH JUDYRVD 'H IDWR
D OHL PDLV JUDYH HVWi VHQGR DSOL Novatio legis Lei posterior incrimina conduta Irretroatividade
FDGD VLPSOHVPHQWH SRUTXH R FUL incriminadora que era lícita (cria um novo crime)
PHRFRUUHXGXUDQWHVXDYLJrQFLD
Abolitio criminis Lei posterior descriminaliza con- Retroatividade
(PERUDSDUWHGDGRXWULQDGLVFRU dutas, tornando-as atípicas
GH GD V~PXOD HOD DWXDOPHQWH p
SRVLomRPDMRULWiULD Novatio legis in Lei posterior, mantendo a incri- Irretroatividade
pejus minação do fato, torna mais grave
a situação do réu (ex.: aumenta a
pena cominada ao crime)
%84*&.*,0,- Novatio legis in Lei posterior, sem suprimir a in- Retroatividade
mellius criminação do fato, beneficia de
5HFHQWHPHQWH IRL VDQFLR algum modo o agente (ex.: diminui
QDGD D /HL Q GH GH MX a pena cominada ao crime)
QKR GH FRQKHFLGD FRPR
/HL *HUDO GD &RSD )RL GHÀQLGD Em suma, a lei penal mais benéfica retroage para atingir os fatos
FRPRWHPSRUiULDSRUTXHRVWLSRV passados (retroatividade) e a lei revogada será aplicada aos fatos cometi-
SHQDLVSRUHODFULDGRVWLQKDPXP dos durante a sua vigência mesmo quando não estiver mais em vigor e a
SUD]R FHUWR GH YLJrQFLD DWp conduta for regulamentada por lei mais severa (ultra-atividade).
!"#2! )-*.!-3%-/%*&'0*.!-!)-*.!+-1/&454*0.
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!"#$"%&'($)*+
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completado 18 anos de idade (o que ocorre no primeiro minuto de seu
L:E69MPH7:
18º aniversário).
(PVHWUDWDQGRGHFULPHSHU b) Delimitação da lei penal aplicável: nos crimes materiais ou de
PDQHQWH DTXHOH FXMD FRQVXPD resultado, a conduta pode ocorrer num momento, e o resultado, depois.
omRVHSURORQJDQRWHPSRFRPR Exemplo: o agente, pretendendo matar seu desafeto, arquiteta uma em-
RFRUUH FRP R GHOLWR GH H[WRUVmR boscada e, colhendo-o de surpresa, descarrega os projéteis do tambor do
PHGLDQWH VHTXHVWUR ³ DUW revólver, atingindo gravemente a vítima, a qual passa dois meses inter-
GR &3 GHYHVH ID]HU XPD RE nada em hospital, vindo a falecer (consumando o crime de homicídio
VHUYDomR PHVPR WHQGR D DomR qualificado). Imagine que o ofendido tenha sido hospitalizado durante
RX RPLVVmR VH LQLFLDGR DQWHV GD a entrada em vigor da Lei n. 8.930/94 (que transformou o crime de ho-
PDLRULGDGHSHQDOVHRDJHQWHD
micídio qualificado em hediondo). Seria, então, de perguntar: o agente
SURORQJRX FRQVFLHQWHPHQWH DR
responderá pelo homicídio qualificado como crime hediondo ou não?
SHUtRGR GH VXD LPSXWDELOLGDGH
SHQDOWHUiDSOLFDomRR&3
Observe que no momento da ação (disparos) o delito não era hediondo,
mas ao tempo do resultado (morte), sim. Qual a solução? Por força do
art. 4º do CP, deve-se considerar o momento da conduta; logo, o agente
não terá de sofrer os efeitos penais gravosos da Lei n. 8.072/90 com a
L796E&M6L&
alteração da Lei n. 8.930/94 (crimes hediondos).
?(@A-B% C10)D,-%
.)% E4014% &(F !"#"$"%&%'()*+,-%.-%/012)%/-3+13(4.-
G(*+4% H42-*B%
IJJK" 'D PHV O agente pratica dois fatos quando menor de 18 anos e um terceiro
PDGLUHWRUDGR quando maior, todos em continuidade delitiva. Aos dois primeiros fatos
GRFXPHQWiULR aplicar-se-á o ECA, e ao último, o CP.
-XVWLoD -Xt]R
UHWUDWD R MXOJD
PHQWRGHDGR
OHVFHQWHVHPFRQÁLWRFRPDOHL
%!"!% &%567%869&5%9:%6;8&<:
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!"#$"%&'($)*+
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autarquias, das empresas públicas, das sociedades de economia mista ou
das fundações instituídas pelo Poder Público;
c) crime contra a administração pública brasileira por quem está a
seu serviço;
d) crime de genocídio, se o agente for brasileiro ou domiciliado
no Brasil.
A extraterritorialidade condicionada ocorre em relação às seguin-
tes infrações:
a) crimes previstos em tratado ou convenção internacional que o
Brasil se obrigou a reprimir;
b) crimes praticados por estrangeiro contra brasileiro, fora do nos-
so território (se não foi pedida ou se foi negada a extradição e se houve
requisição do Ministro da Justiça);
c) crimes praticados por brasileiro;
d) crimes praticados a bordo de navio ou aeronave brasileiros pri-
vados, quando praticados no exterior e ali não forem julgados.
A doutrina costuma apontar uma série de princípios que inspira-
ram o legislador a eleger os casos em que a lei de um país deve ser apli-
cada a fatos que se deram no estrangeiro:
a) Princípio da justiça penal universal ou cosmopolita: refere-se a
hipóteses em que a gravidade do crime ou a importância do bem jurídi-
co violado justificam a punição do fato, independentemente do local em
que praticado e da nacionalidade do agente. Foi adotado nas letras d da
extraterritorialidade incondicionada e a, da condicionada.
b) Princípio real, da proteção ou da defesa: justifica a aplicação
da lei penal brasileira sempre que no exterior se der a ofensa a um bem
jurídico nacional de origem pública. Foi adotado nas letras a até c da
extraterritorialidade incondicionada.
c) Princípio da personalidade ou nacionalidade ativa: como cada
país tem interesse em punir seus nacionais, a lei pátria se aplica aos bra-
sileiros, em qualquer lugar que o crime tenha sido praticado. Foi adota-
do na letra b da extraterritorialidade condicionada.
d) Princípio da personalidade ou nacionalidade passiva: se a víti-
ma for brasileira, nosso país terá interesse em punir o autor do crime. Foi
adotado na letra b da extraterritorialidade condicionada (v. CP, art. 7º).
Obs.: ao contrário do que sustentam alguns autores, esse princípio
não se confunde com o princípio da proteção, que se refere a bens pú-
blicos, o que não ocorre aqui.
e) Princípio da representação ou da bandeira: a lei brasileira se
aplica às embarcações ou aeronaves que carreguem nossa bandeira. Foi
adotado na letra d da extraterritorialidade condicionada.
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!"!"#"$%%&'()*+,-.%/01*234-*.%/'.%2/.'.%)-%
*+,-./-0102
-567/6-77*6'7*/1*)/)-%2'()*2*'(/)/
São as seguintes: 5HFHQWHPHQWH Ki FDVRV Fp
a) entrada do agente no território nacional (condição de procedi- OHEUHVGHGLVFXVVmRGHH[WUDGLomR
bilidade); QR %UDVLO (P IRL DSOLFDGD D
SHQD GH PRUWH D GRLV EUDVLOHLURV
b) ser o fato punível também no país em que cometido;
FRQGHQDGRV SRU WUiÀFR GH GUR
c) estar o crime entre aqueles a que a lei brasileira admite a extra- JDVQD,QGRQpVLD5RGULJR*XODUWH
dição; GH DQRV H 0DUFR 0RUHLUD
d) não ter sido o agente absolvido ou não ter cumprido pena no DQRV2SDtVQHJRXDH[WUDGLomR
estrangeiro; 2 %UDVLO WDPEpP QHJRX D H[WUD
e) não ter sido perdoado e não se tiver extinguido sua punibilidade, GLomR GH &HVDUH %DWWLVWL TXH IRL
FRQGHQDGRQD,WiOLDjSULVmRSHU
segundo a lei mais favorável (condições objetivas de punibilidade).
SpWXD SRU KRPLFtGLR TXDQGR LQ
WHJUDYDRJUXSR3UROHWDULDGRV$U
!"!"#"8%9567/6-77*6'7*/1*)/)-%(/%:-*%)-%;'76<7/ PDGRVSHOR&RPXQLVPR(P
A Lei n. 9.455, de 1997, que tipifica o delito de tortura (“constranger IXJLX SDUD R %UDVLO )RL SUHVR HP
alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofri- $ ,WiOLD SHGLX D H[WUDGLomR
HR67)FRQFRUGRXPDVGHVWDFRX
mento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração
TXH H[WUDGLomR p FRPSHWrQFLD
ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou
GR SUHVLGHQWH GD 5HS~EOLFD (P
omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou
RHQWmRSUHVLGHQWH/XL],Qi
religiosa”), estabelece que seus dispositivos se aplicam “ainda quando o FLR /XOD GD 6LOYD FRQVLGHURX %DW
crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima WLVWLDOYRGHSHUVHJXLomRHQHJRX
brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira” D H[WUDGLomR 2 6XSUHPR YROWRX
(art. 2º). Cuida-se, portanto, de situação de extraterritorialidade prevista DGLVFXWLURFDVRPDVFRQVLGHURX
em lei especial. TXHDGHFLVmRGRSUHVLGHQWHWLQKD
TXHVHUUHVSHLWDGD)RQWH*
!"!"#"#%=7*(2>0*'%)'%!"!#$%&#%!#%'()%?&=@%/76"%ABC
Nas hipóteses de extraterritorialidade incondicionada é possível,
em tese, que o agente responda por dois processos pelo mesmo fato, um
no exterior, outro no Brasil, sobrevindo duas condenações. Se isso ocor-
rer, aplicar-se-á o art. 8º, que se funda no princípio do non bis in idem
(o qual proíbe seja alguém condenado duas vezes pelo mesmo fato).
Sendo assim, a pena cumprida no estrangeiro: a) atenua a pena imposta
no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas; ou b) nela é computada,
quando idênticas (detração).
!"
!"
! "#$%&'()$(*#+&,$
E0E30%*+&' ! ! !&'()*+(!,('-.+/*)(0%!1%!
%
!"#$ 10(+0*%!2+/'3
3DUD HQWHQGHU D WHRULD GR GHOL
WR p LPSRUWDQWH HVWXGDU D VXD
HYROXomR DR ORQJR GRV DQRV 6H Uma das principais características do direito penal reside em sua
IRURVHXSULPHLURFRQWDWRFRPR fragmentariedade. Apesar da multiplicidade de atos ilícitos existentes,
DVVXQWR UHFRPHQGDPRV D OHLWX apenas uma pequena parcela interessa a esse ramo do direito; tal parcela
UD GR FDStWXOR compreende os atos que ofendem de modo mais grave os bens jurídi-
GD REUD .<6A<>!
cos considerados essenciais para o convívio em sociedade. As infrações
B8! 19=89:5! 286<>C#
penais, portanto, correspondem a um pequeno fragmento extraído da
2<=:8!-8=<>*XV
vasta gama de atos ilícitos.
WDYR-XQTXHLUDH
3DWULFLD9DQ]ROLQL
RX SDUD XP HV
WXGR PDLV DSUR !"#4! &%/&+0*%!1+!&(0.+
IXQGDGRDSDU
WLU GR FDStWXOR
Nossa legislação não apresenta, atualmente, um conceito de crime,
GD REUD *=<D
:<B5! B8! 19=89:5! como ocorria nos Códigos anteriores (1830 e 1890). Há tempos o legis-
286<>YROXPH lador se deu conta de que a tarefa de definir esse importante instituto
GH&H]DU5REHU jurídico cabe à doutrina. Os penalistas, então, na tentativa de cumprir
WR%LWHQFRXUW essa árdua missão, apresentam uma série de conceitos, ora enfatizando
o aspecto puramente legislativo (conceitos formais), ora procurando in-
vestigar a essência do instituto (conceitos materiais), ora verificando os
elementos constitutivos do crime (conceitos analíticos).
'*+/FG% Tradicionalmente, os conceitos analíticos têm sido o foco central da
preocupação dos juristas brasileiros.
&(0.+!H)$727Ì3,&2$17,-85Ì',&2
I*85=9<!J9K<=:9B<L "#4#$#!&56789:5!;<:8=9<>!8!?5=;<>
&(0.+!H!)$727Ì3,&2$17,-85Ì',&2&8/3É9(/
Do ponto de vista material, crime pode ser definido como toda
I*85=9<!:=9K<=:9B<L ação ou omissão consciente, voluntária e dirigida a uma finalidade, que
cria um risco juridicamente proibido e relevante a bens considerados
essenciais para a paz e o convívio em sociedade.
Formalmente, crime é a conduta proibida por lei, com ameaça de
pena criminal (prisão, pena alternativa ou multa).
"#4#4#!&56789:5!<6<>@:975
Como se antecipou acima, boa parte de nossa doutrina tem subli-
nhado a importância do conceito analítico. Sob o pretexto de investigar
quais os elementos constitutivos do crime, duas grandes teorias despon-
tam no Brasil, a primeira defendendo que crime é o fato típico, antijurí-
dico (ou ilícito) e culpável (teoria tripartida); a outra sustentando ser tal
ilícito o fato típico e antijurídico (ou ilícito) (teoria bipartida).
Não se pode ignorar a existência de autores asseverando que crime
é o fato típico, antijurídico, culpável e punível. Essa visão, contudo, tem
pouco prestígio na doutrina, porquanto se assenta em uma premissa
!"
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*0'-3 ! ! &%'()*%!+(,*&%!(!-%!(.()(,'-%!
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?@ABC!3DEEF@!GHB!
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ULVWD DOHPmR FULPL A expressão “sistemas penais” é pouco utilizada pela doutrina bra-
QRORJLVWDHUHIRUPD sileira. Muitos preferem referir-se a “teorias penais”. Assim, por exemplo,
GRU GR GLUHLWR LQWHU diz-se com mais frequência “teoria clássica” do que “sistema clássico”. A
QDFLRQDO IRL R SUR
terminologia “sistema”, entretanto, afigura-se mais adequada. Na defi-
SRQHQWH GD HVFROD
nição de Kant, sistema é a “unidade dos múltiplos conhecimentos sobre
MXUtGLFDVRFLROyJLFDHKLVWyULFD'H
DWpIRLSURIHVVRUGH'L
uma ideia” ou “uma totalidade de conhecimentos ordenada sob princí-
UHLWR3HQDOH,QWHUQDFLRQDOGD8QL pios”. Sistema penal, portanto, indica um conjunto de teorias intrinse-
YHUVLGDGHGH%HUOLP camente relacionadas, desenvolvidas durante determinado período da
evolução da dogmática penal.
Atualmente, apontam-se os seguintes sistemas penais:
a) sistema clássico (ou sistema “Liszt/Beling/Radbruch”), que re-
monta ao início do século XX;
b) sistema neoclássico (conhecido também como normativista.
Corresponde ao anterior, acrescido da teoria de Reinhard Frank), sur-
gido em 1907;
c) sistema finalista (ôntico-fenomenológico), difundido a partir
da década de 1930;
d) sistema funcionalista (teleológico-racional), que se divide em:
funcionalismo sistêmico (Jakobs) e teleológico (Roxin), dentro dos
quais se desenvolveu a (moderna) teoria da imputação objetiva.
! ! !%&%'()*!/.5%%&/-!6-0!%&%'()*!
-
!"#4 7.&%8'9:(.&,;93*2:30/<=>
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é o vínculo psicológico que une o autor ao fato praticado, por meio do WLSLFLGDGH
●
GRORRX#
!"#"$"%&'()*+,-%,.%-*-)/0,%+12--*+. FXOSD
Muitas das ideias elaboradas pelos clássicos ainda são defendidas
nos dias de hoje, dentre elas a negação da responsabilidade penal obje-
tiva. Outras, no entanto, foram alvo de críticas e acabaram sendo aper-
feiçoadas. Vejamos:
!"
a) Os autores clássicos entendiam que a ação, em sentido amplo,
subdividia-se em ação em sentido estrito (ex., um fazer) e omissão (não
fazer). Ambas eram consideradas causais (teoria causal ou naturalista da
ação), ou seja, tanto a ação propriamente dita (fazer) quanto a omissão
(não fazer) geravam relações de causa e efeito. A omissão, contudo, não
dá ensejo a relações de causalidade. Trata-se de um nada, e do nada,
nada vem (ex nihilo, nihil). Não se pode dizer que o não agir é causa real
e efetiva de algum evento. Quem não age, quando muito, deixa de inter-
ferir numa relação de causalidade preexistente, mas não cria uma por si
só. A pessoa que assiste a um homicídio praticado por desconhecido e
nada faz, seja por medo, seja por indiferença, não pode ser considerada
responsável pela morte da vítima, a não ser que possua algum dever ju-
rídico de impedir esse resultado (como o policial). Essa pessoa não cria
a relação de causalidade que leva ao óbito, embora possa nela intervir
de algum modo (ex.: gritando por socorro, empurrando o atirador para
que erre o alvo etc.). Ao policial, entretanto, será imputada a responsabi-
lidade criminal pela morte no momento de sua omissão. O que diferen-
cia a pessoa comum do policial nessa situação não é o comportamento,
pois ambos podiam agir e se omitiram, mas o fato de o agente da lei,
diferentemente das demais pessoas, ter o dever jurídico de agir e de evi-
tar o resultado. A omissão penalmente relevante, portanto, não é causal,
mas normativa, é dizer, funda-se na existência de um dever jurídico (ou
normativo) de agir visando afastar o resultado.
b) Os clássicos somente examinam a intenção (dolo) do agente no
âmbito da culpabilidade, ignorando-a quando da verificação da ação.
Ocorre que, ao separarem a intenção da conduta, estão separando, na
teoria, algo indissociável na prática. Todas as pessoas, em função de seus
conhecimentos prévios sobre as relações de causa e efeito, podem ante-
ver, dentro de certos limites, as consequências possíveis de seus atos, diri-
gindo-os a uma finalidade que pretendam atingir. Sabemos que ninguém
age sem ter, por detrás, alguma intenção, por mais singela que seja. O
fato de alguém estar lendo esse texto demonstra que toda ação humana
é dirigida a uma finalidade. Quem pretende a aprovação num exame ou
concurso público (finalidade) sabe que somente com estudo (conduta)
se atinge a meta escolhida. Diante disso, dirige sua ação (estudando) para
alcançar o objetivo a que se propôs (passar no exame). Sendo assim, não
se concebe como a conduta humana penalmente relevante possa ser ana-
lisada sem a intenção que a moveu. Os clássicos incorriam nesse equívo-
co quando reservavam o exame do dolo para a culpabilidade.
c) Como consequência da crítica anterior, essa teoria encontra di-
ficuldades para explicar o crime tentado. Se uma pessoa é flagrada pu-
lando o muro de uma residência, nela adentrando e pondo suas mãos
sobre um objeto, como é possível enquadrar sua ação num tipo penal
sem saber qual sua intenção? Se o fato é típico, independentemente do
exame do dolo (da maneira como sustentam os clássicos), como saber
qual o fato típico praticado? Violação de domicílio ou tentativa de furto?
Será impossível determinar sem perquirir o propósito do agente. Será
!"
!"#$"%&'($)*+
que ele pretendia subtrair aquele objeto que tocou ou somente o admi-
rava para, em seguida, devolvê-lo? Essas considerações são fundamentais
para sabermos qual o fato típico. Sem o exame da intenção, portanto,
não há como descobrir que fato típico houve, e, por vezes, nem sequer
é possível determinar se ocorreu ou não fato típico (como se verá na
próxima crítica).
d) Os elementos subjetivos do injusto. A doutrina havia-se aper-
cebido do fato de que, em determinadas situações, era absolutamente
indispensável examinar a intenção do sujeito (o elemento subjetivo do
injusto) para descobrir se houve crime. Assim, quando um médico passa
suas mãos nas partes pudendas de uma mulher, não temos como saber
se ocorreu algum delito se não analisarmos sua intenção. Se o profissio-
nal estiver realizando um exame ginecológico de rotina, não há ilícito
penal algum, mas se estiver aproveitando-se para dar vazão à sua lascí-
via, ocorre violação sexual mediante fraude (CP, art. 215, com a redação
dada pela Lei n. 12.015, de 2009). O que separa as duas condutas, uma
lícita e outra criminosa, é, tão só, a intenção do sujeito.
e) Para os clássicos, a culpa tem natureza psicológica, quando, na
verdade, tem caráter normativo, já que seu exame demanda um juízo
de valor, por meio da comparação a ser feita pelo juiz entre a conduta
do agente e a de uma pessoa de mediana prudência e discernimento, na
situação em que ele se encontrava.
f) Essa teoria não explica os casos de coação moral irresistível e
obediência hierárquica (em nosso CP, v. art. 22). Se uma pessoa é obri-
gada a produzir um documento falso, sob a mira de uma arma de fogo
municiada, não deve ser condenada pelo crime de falsificação de do-
cumento (não teria cabimento a lei preferir que alguém cedesse a sua
vida a que fabricasse um documento falso). Dessa conclusão ninguém
diverge. Ocorre que, aplicando as teorias sustentadas pelos clássicos, não
há como fundamentar uma decisão absolutória.
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50-6((20+(7
SISTEMA CLÁSSICO
Aspecto objetivo do crime Aspecto subjetivo do
crime
Fato típico (elementos Ilicitude ou Culpabilidade (pressu-
que o compõem) antijuridicidade posto: imputabilidade)
1) Conduta (ação) Estará sempre presen- Subdivide-se em duas
2) Resultado te, salvo quando o fato espécies:
3) Nexo de causalidade típico for praticado a) dolo, ou b) culpa
sob o abrigo de alguma
4) Tipicidade
excludente de ilicitude
(legítima defesa, estado
de necessidade etc.)
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1789:;<=! 0<;9>!
SUR
IHVVRU DOHPmR Muitos dos equívocos acima destacados foram desde logo percebi-
GH GLUHLWR SHQDO dos pela doutrina alemã, que procurou reelaborar alguns conceitos com
H GLUHLWR LQWHUQD vistas a aperfeiçoar a teoria do crime. Nesse sentido, Reinhard Frank re-
FLRQDOIRLXPGRV
formulou a noção de culpabilidade, visando melhor adequá-la aos pro-
SULQFLSDLVUHVSRQ
blemas concretos, notadamente às situações de coação moral irresistível
ViYHLV SHOD UHIRU
e obediência hierárquica. Esse autor vinculou a culpabilidade à ideia de
PDGR&yGLJR3HQDODOHPmR
reprovabilidade, defendendo que só se pode considerar culpável a con-
duta reprovável socialmente, ou seja, digna de censura. A pessoa que
K%K-%+&',) falsifica um documento sob ameaça de morte exercida com emprego de
arma de fogo, embora cometa um crime e aja dolosamente (de modo
'=@A9=! (7BC7<! consciente e voluntário), não tem escolha na situação concreta, pois, se
7! D! E8<78FD! G79;H! não agir dessa forma, morrerá. Em função disso, não se pode exigir do
=7!I7A!F7@JDGH agente comportamento distinto. Como poderíamos condenar alguém
)UDQFLVFR 0XxR] que agiu exatamente como qualquer um agiria em determinada situa-
&RQGH $ REUD ção? Não podemos exigir do réu um comportamento diferente (ou seja,
WUDWD GD UHODomR
que não cometa o crime), quando, na situação em que ele se encontrava,
GH 0H]JHU FRP
teríamos agido do mesmo modo. Nessas situações excepcionais, o réu
D TXHVWmR SROtWL
deve ser absolvido, entendendo-se que sua conduta não foi censurável.
FRFULPLQDOQDFLRQDOVRFLDOLVWD
Estruturalmente, a teoria desenvolvida por Frank resultou na com-
preensão de que a culpabilidade deveria ser composta por um novo ele-
)&'*MN+ mento: a exigibilidade de conduta diversa (só age culpavelmente quem,
na situação concreta, poderia ter-se comportado de outro modo).
(OHPHQWRV GD ,AHJ;L8H8=;=7# Ao lado do novo elemento, havia outros dois conhecidos: dolo ou
QRVLVWHPDQHRFOiVVLFR culpa e imputabilidade (antes vista como pressuposto da culpabilidade,
LPSXWDELOLGDGH passa agora a ser considerada seu elemento).
GRORRXFXOSD Em resumo, de acordo com a teoria de Frank, denominada “psi-
H[LJLELOLGDGH GH FRQGXWD cológico-normativa da culpabilidade” ou “normativa da culpabilidade”,
GLYHUVD uma das bases do sistema neoclássico, a culpabilidade tem os seguintes
elementos: a) imputabilidade; b) dolo ou culpa; c) exigibilidade de con-
duta diversa.
Note-se que o sistema neoclássico tem como pilares, além da nova
teoria da culpabilidade citada, a teoria causal ou naturalista da ação
(oriunda do sistema clássico, até então inalterada).
Com isso percebe-se que Frank solucionou apenas um dos proble-
mas encontrados no sistema clássico, justamente a necessidade de ex-
plicar lógica e juridicamente a absolvição nos casos de coação moral
irresistível e obediência hierárquica; as demais críticas, no entanto, sub-
sistiam.
Procurou-se, ainda, resolver a questão do erro de proibição (o qual
ocorre quando uma pessoa pratica um ato desconhecendo totalmente
que a lei o proíbe; p. ex., alguém se apodera de um relógio perdido na
rua acreditando ter o direito de se apropriar do bem, com base no dito
!"
!"#$"%&'($)*+
popular “achado não é roubado”, desconhecendo que a lei pune esse ato,
que configura o crime de apropriação de coisa achada — art. 169, pará-
grafo único, II, do CP). No sistema anterior não havia solução satisfató-
ria para tal situação. Com o escopo de dar uma resposta a esse proble-
ma, alguns autores integrantes do sistema neoclássico “ressuscitaram”
a teoria do dolus malus e, com uma roupagem atualizada para a época,
criaram o chamado “dolo híbrido ou normativo”. Trata-se do dolo que
exige a presença de três elementos: consciência, vontade e consciência da
ilicitude do comportamento. Assim, aquele que age sem ter consciência
da ilicitude de sua conduta não age dolosamente. No exemplo acima
proposto, o agente seria absolvido por falta de dolo. Tal solução, todavia,
não ficou isenta de questionamentos.
Ao afirmar que o dolo contém a consciência da ilicitude, corre-se
o sério risco de tornar impunes criminosos habituais e demais delin-
quentes profissionais. Imagine uma pessoa criada numa grande favela,
que não teve acesso à educação e viveu no meio da violência e da mar-
ginalidade como se isso fosse o normal. É possível que ela não veja mal
algum na venda de certa quantidade de droga para se sustentar. Pode
até considerar esse comportamento correto, segundo seus padrões in-
dividuais. Esse sujeito, então, nunca seria punido criminalmente pelo
tráfico de drogas que cometesse, pois a falta de consciência individual
da ilicitude conduziria, consoante a teoria acima exposta, à ausência de
dolo em suas condutas.
!"!"#"$$%&'()*$+*'$&,&)&-.*'$+*$/01)&$2303$*'$
4-&*/,5''1/*'6
SISTEMA NEOCLÁSSICO
Aspecto objetivo do crime Aspecto subjetivo do
crime
Fato típico (elementos Ilicitude ou Culpabilidade (elemen-
que o compõem) antijuridicidade tos que a compõem)
1) Conduta Estará sempre presente, 1) Imputabilidade
2) Resultado salvo quando o fato 2) Dolo ou culpa
3) Nexo causal típico for praticado 3) Exigibilidade de
sob o abrigo de alguma conduta diversa
4) Tipicidade
excludente de ilicitude
(legítima defesa, estado
de necessidade etc.)
$!"7$ 898:;<=$>9?=@98:=$AB=?8$C;@D;@E
!"
traída de lições da psicologia, Welzel percebe que a finalidade constitui a
()*+,-. espinha dorsal da conduta humana.
$ WHRULD ÀQDOLVWD GH :HO]HU Como já se destacou acima, as pessoas, em função de seus conheci-
´UHWLUDµ !"#"# $# $%#&' GD FXOSDEL mentos prévios sobre as relações de causa e efeito, podem antever, dentro
OLGDGHHDWRUQDFRPSRQHQWHGR de certos limites, as consequências possíveis de seus atos, dirigindo-os a
IDWRWtSLFR uma finalidade que pretendam atingir. Ninguém age sem ter, por detrás,
alguma intenção, por mais singela que seja. Sendo assim, não se concebe
como a conduta humana penalmente relevante possa ser analisada sem
a intenção que a moveu (esse o fundamento da teoria finalista da ação).
Os clássicos incorriam nesse equívoco quando reservavam o exame do
dolo para a culpabilidade, e foi justamente isso que Welzel corrigiu.
O dolo, elemento indicativo da intenção perseguida pelo agente,
não pode ser analisado somente no âmbito da culpabilidade, de modo
destacado da ação ou omissão a que se vinculou. Se a finalidade é a
alma da conduta humana, ele deve ser analisado em conjunto na teoria
do crime.
Como consequência, o penalista mencionado passou a sustentar
que o dolo e a culpa deveriam fazer parte do fato típico, e não da culpa-
bilidade. Assim, graficamente:
SISTEMA FINALISTA
Fato típico (elementos Ilicitude ou Culpabilidade (elemen-
que o compõem) antijuridicidade tos que a compõem)
1) Conduta DOLOSA (...) 1) Imputabilidade
OU CULPOSA 2) (...)
2) Resultado 3) Exigibilidade de con-
3) Nexo causal duta diversa
4) Tipicidade
Hans Welzel notou, também, que o dolo deve possuir apenas dois
elementos: consciência e vontade (“dolo natural” ou “dolo neutro”). A
consciência da ilicitude deve ser retirada do dolo e mantida na culpabi-
lidade, mas não como consciência atual (individual), e sim como cons-
ciência potencial da ilicitude, como se explicará mais adiante.
Dolo e culpa, como se observa, deslocaram-se para o fato típico, o
que motivou o surgimento de um fato típico de crime doloso e outro de
crime culposo.
Interessante notar que o próprio Welzel afirmava não ter trazido
nenhum elemento novo à estrutura do crime, apenas os teria distribuí-
do corretamente.
As ideias desse autor resultaram em duas novas teorias: teoria fi-
nalista da ação e teoria normativa pura da culpabilidade, os pilares do
sistema finalista.
Antes de prosseguir, convém uma última e breve advertência: rotu-
lar alguém de “clássico” ou “finalista”, portanto, equivale a identificá-lo
como seguidor da teoria causal da ação e psicológica da culpabilidade
ou da teoria finalista da ação e normativa pura da culpabilidade.
!"
!"#$"%&'($)*+
7HRULDÀQDOLVWDGDDomR
!"#$%&$'(')
Sustenta que a ação não é mero acontecer causal, mas sim um acon-
tecer final. A finalidade está sempre presente porque o homem, graças ao 1R %UDVLO RV ~QLFRV FULPHV MXO
seu saber causal (conhecedor das leis da causa e efeito), pode direcionar JDGRVSHOR7ULEXQDOGR-~ULVmRRV
sua ação para a produção de um resultado querido. Ação e finalidade GRORVRV FRQWUD D YLGD KRPLFtGLR
são inseparáveis. A teoria causal, ao separar o dolo da ação, separa juri- LQIDQWLFtGLRDERUWRHLQGX]LPHQWR
dicamente o que é inseparável no mundo real. Acompanhe o exemplo a LQVWLJDomRRXDX[tOLRDVXLFtGLR
(VWUXWXUDGRFULPHQRVLVWHPDÀQDOLVWD
!"#"$"%"&'()*&)+,-.*
Graças à teoria finalista, foi possível diferenciar um fato típico de
crime doloso e outro de crime culposo (afinal, o dolo e a culpa saíram
da culpabilidade e se agregaram ao fato típico, ao lado da conduta, que
pode ser dolosa ou culposa).
FATO TÍPICO
Crime doloso Crime culposo
Conduta dolosa Conduta voluntária
Resultado voluntário (nos crimes Resultado involuntário
materiais)
Nexo de causalidade (entre conduta Nexo de causalidade (entre conduta
e resultado, nos crimes materiais) e resultado)
Tipicidade Tipicidade
Quebra do dever de cuidado obje-
tivo (imprudência, negligência ou
imperícia)
Previsibilidade objetiva do resultado
!"
!"#"$"$"%&'()(*+,-
<&=>?@A
No âmbito da ilicitude, destaca-se a seguinte inovação: com a im-
&RQWH~GR GD 89.:+;*.*/+/'% portância conferida à finalidade da conduta, passou-se a sustentar que
QR)LQDOLVPR todas as causas excludentes de ilicitude possuem um elemento subjeti-
LPSXWDELOLGDGH vo, ao lado dos requisitos objetivos exigidos por lei. Assim, na legítima
H[LJLELOLGDGH GH FRQGXWD defesa, além da existência de uma agressão injusta, atual ou iminente, a
GLYHUVD direito próprio ou alheio, que se refute moderadamente com os meios
SRWHQFLDO FRQVFLrQFLD GD necessários (CP, art. 25), é preciso que a pessoa aja com a intenção de
LOLFLWXGH defender-se ou de defender terceiro.
CDCEDA&=8< !"#"$"."%/+'012('(,1,-
Como se viu, a retirada do dolo e da culpa da culpabilidade pro-
3DUD DSURIXQGDU moveu sua reestruturação, passando ela a conter os seguintes elementos:
RV FRQKHFLPHQ a) imputabilidade; b) exigibilidade de conduta diversa; e c) potencial
WRVVREUHRFRP consciência da ilicitude.
SOH[R XQLYHUVR
Segundo a teoria de Welzel, todos os elementos da culpabilidade
#$% !"#$%&'#'(%)
têm natureza normativa, porquanto implicam um juízo de valor (daí o
(* VXJHULPRV
89.:+;*.*/+/'B% nome teoria normativa pura da culpabilidade).
GH'DYLGH3DLYD O elemento potencial consciência da ilicitude não constitui, pro-
&RVWD7DQJHULQR(GLWRUD6DUDLYD priamente, uma novidade. De fato, foi ele destacado do dolo, onde se
encontrava até então. No sistema anterior, o dolo compunha-se de cons-
ciência e vontade (elementos psicológicos), e consciência da ilicitude
(elemento normativo) (“dolo híbrido ou normativo”). A partir do fi-
nalismo, passou a conter somente os dois primeiros elementos (“dolo
natural” ou “neutro”). A consciência da ilicitude, por sua vez, permane-
ceu na culpabilidade, porém não como consciência atual, mas potencial.
Com outras palavras, a simples falta de compreensão acerca do caráter
ilícito do fato não mais é suficiente para isentar o agente de respon-
sabilidade penal. Quando isso ocorrer, justificar-se-á tão somente uma
redução da pena. Só haverá isenção total da pena quando a pessoa, além
de desconhecer a ilicitude de comportamento, nem sequer possuir con-
dições, em função da realidade em que viveu e foi criada, de alcançar tal
compreensão. Da mesma forma: se o sujeito não sabia que agia ilicita-
mente, mas tinha condições de sabê-lo, merecerá uma pena menor; se,
contudo, essa pessoa, por mais inteligente e atenta que fosse, nunca teria
tido condições de perceber a ilicitude do comportamento, não respon-
derá criminalmente pelo ato. Nossa legislação adotou essa sistemática,
como se constata no art. 21 do CP.
!"#"$"%&'()*+%,(-*+.%/+%+01(%23',,'.,%'%
4',-5'-67
A teoria social da ação pode ser enquadrada dentro do sistema
finalista, uma vez que incorpora boa parte de seus postulados. Foi con-
cebida visando suplantar o conceito finalista e, por essa razão, agregou
um elemento até então inexistente ao conceito de ação, qual seja, a
!"
!"#$"%&'($)*+
!"#$! %&%'()*!+,-.&/-*0&%'*
"#$#1#!&234567895
No direito penal moderno tem-se travado um debate ainda sem so-
lução definitiva: deve a dogmática penal ser entendida à luz da função
(missão) do direito penal (funcionalismo) ou deveria ela ser estruturada
a partir de dados empíricos (causalismo e finalismo)?
A última opção, além de ser aquela tradicionalmente aceita, tem a
seu favor a segurança jurídica que advém de seus critérios bem definidos
(ação, nexo causal, dolo e culpa). Contra ela se aduz a injustiça de algu-
mas de suas soluções (ex.: regressus ad infinitum), adotadas em nome da
“harmonia do sistema”.
A primeira revoluciona o direito penal e propõe que mais impor-
tante que a “beleza estética” do sistema é a busca de soluções justas.
É a mais aceita na Europa e tem ganhado corpo na América Latina.
Pesa contra ela a crítica de que se apoia em critérios fluidos, por vezes
não delimitados completamente (ex.: risco permitido). Essa concepção
é denominada funcionalismo, isto é, a tese segundo a qual a dogmática
deve ser interpretada à luz da função do direito penal. No seu contexto
é que se deu o desenvolvimento da teoria da imputação objetiva: “A im-
putação objetiva, ao considerar a ação típica uma realização de um ris-
co permitido dentro do alcance do tipo, estrutura o ilícito à luz da fun-
ção do direito penal. Esta teoria utiliza-se de valorações constitutivas da
ação típica (risco não permitido, alcance do tipo), abstraindo de suas
variadas manifestações ônticas” (Claus Roxin, Sobre a fundamentação
político-criminal do sistema penal, in Estudos de direito penal, trad. Luís
Greco, p. 79-80).
Seus principais seguidores são Claus Roxin (funcionalismo racional-
-teleológico) e Günther Jakobs (funcionalismo sistêmico). Esses penalis-
tas divergem, entretanto, quanto à função do direito penal, o que reflete
decisivamente em seu modo de pensar a dogmática penal (embora sejam
ambos adeptos da teoria da imputação objetiva, com pequenas variações).
A grande distinção entre as teorias de Roxin e Jakobs funda-se no
fato de que aquele propõe limitações expressas ao direito de punir esta-
tal, o que não se vê neste.
!"
Comparem-se, abaixo, as palavras de cada um dos citados autores:
45678
Roxin: “Os limites da faculdade estatal de punir só podem resultar da
C>+)D%8.E2=QDVFL finalidade que tem o direito penal no âmbito do ordenamento estatal.
GR HP (...). Penso que o direito penal deve garantir os pressupostos de uma
HP +DPEXUJR p convivência pacífica, livre e igualitária entre os homens, na medida
XP GRV PDLV LQÁX em que isso não seja possível através de outras medidas de controle
HQWHVGRJPiWLFRV sociopolíticas menos gravosas” (Claus Roxin, Que comportamentos
GR GLUHLWR SHQDO pode o Estado proibir sob ameaça de pena? Sobre a legitimação das
DOHPmR WHQGR proibições penais, in Estudos de direito penal, trad. Luís Greco, p. 32).
FRQTXLVWDGR UHSXWDomR QDFLR Complementa o autor: “... a finalidade do direito penal (...) é carac-
QDO H LQWHUQDFLRQDO QHVVH UDPR terizada como ‘proteção subsidiária de bens jurídicos’. São chamados
eGHWHQWRUGHLQ~PHURVGRXWRUD bens jurídicos todos os dados que são pressupostos de um convívio
GRV KRQRUiULRV H Mi SURIHULX SD pacífico entre os homens, fundado na liberdade e na igualdade; e sub-
OHVWUDVQR%UDVLO sidiariedade significa a preferência de medidas sociopolíticas menos
FG=*H19% I+J./DK% gravosas” (p. 35).
QDVFLGRHP0|Q
FKHQJODGEDFK Jakobs: “... a garantia jurídico-penal da norma deve garantir a segu-
HP rança de expectativas”. Nesse sentido, “a pena deve reagir mediante
p% FDWHGUiWLFR um comportamento que não possa ser interpretado como compatível
HPpULWRGH'LUHL com um modelo de mundo esboçado pela norma” (Günther Jakobs,
WR3HQDOH)LORVRÀDGR'LUHLWRSHOD A proibição de regresso nos delitos de resultado, in Fundamentos do
8QLYHUVLGDGHGH%RQQ$OHPDQKD direito penal, trad. André Luís Callegari, p. 93). Em outras palavras, “a
e DXWRU GR SROrPLFR OLYUR !"#$"%&' finalidade da pena é a manutenção estabilizada das expectativas so-
($)*+',&'-)"."/&)HLQGVWUDIUHFKW ciais dos cidadãos. Essas expectativas são o fundamento das normas,
ou seja, dos modelos de conta orientadores do contato social. A pena,
consequentemente, tem a função de contradizer e desautorizar a deso-
bediência da norma. O direito penal, portanto, protege a validade das
normas e essa validade é o ‘bem jurídico do direito penal’” (Enrique
Bacigalupo, Direito penal: parte geral, trad. André Estefam, p. 184).
!"#"$"%&'()*+,-.%./01*23+
@&@A&76BC4
6REUH D LPSX
!"#"$"%"&'()*+,-(
WDomR REMHWLYD A imputação objetiva constitui uma teoria, fundada em sua con-
UHFRPHQGDPRV
cepção moderna por Claus Roxin, por meio da qual se sustenta que um
69+*+:.%:1%;2912*.%
resultado só pode ser atribuído a quem realizou um comportamento ge-
<1=+> YRO GH
&H]DU5REHUWR%L rador de um risco relevante e proibido, que se produziu neste resultado.
WHQFRXUW (GLWRUD Luís Greco a define como “o conjunto de pressupostos que fazem
6DUDLYD de uma causação uma causação típica, a saber, a criação e realização
de um risco não permitido em um resultado” (A teoria da imputação
5'%<+=.9+'+%:+% objetiva — uma introdução, in Claus Roxin, Funcionalismo e imputação
61.92+%:+%&'()*+? objetiva no direito penal, p. 15).
,-.% 7/01*23+ GH
/XtV*UHFR
!"#"$"$"&./,0+1
Há uma “genealogia oficial” da imputação objetiva, construída por
seu criador (Claus Roxin), que assim se segue:
!"
!"#$"%&'($)*+
!"#"$"%"&&'()*+,+(,-./&01&2341-./&03&51(*14,0103&
61+32,14
Claus Roxin procura elaborar uma teoria geral da imputação obje-
tiva, aplicável aos crimes materiais. Para o autor, a imputação objetiva
deve substituir a relação de causalidade, abandonando-se o “dogma da
causalidade”. No Brasil, Damásio de Jesus segue a mesma orientação.
Para Günther Jakobs, contudo, não há como abrir mão de um míni-
mo de causalidade material na aferição da responsabilidade penal. A im-
putação objetiva serviria, então, para restringir o alcance do nexo causal
fundado na teoria da equivalência. É a opinião, entre outros, de Enrique
Bacigalupo e Juarez Tavares.
Vê-se, portanto, que, enquanto Roxin propõe a substituição da re-
lação de causalidade material pela imputação objetiva, Jakobs assevera
que não se deve abrir mão da relação de causalidade física, servindo a
imputação objetiva como uma espécie de freio.
!!
Parece-nos que, em face de nosso ordenamento jurídico, notada-
mente por conta do art. 13, caput, do CP, deve-se preferir a concepção
de Jakobs.
“A sequência da comprovação da imputação objetiva exige que, de
início, se estabeleça uma relação de causalidade entre o resultado tí-
pico (por exemplo, interrupção do estado de gravidez, no crime de
aborto) e uma determinada ação. Em seguida, deve-se verificar: 1º)
se essa ação no momento de sua execução constituía um perigo ju-
ridicamente proibido (se era socialmente inadequada); e 2º) se esse
perigo é o que se realizou no resultado típico produzido” (v. Enrique
Bacigalupo, Direito penal: parte geral, trad. André Estefam, p. 248).
,QVXÀFLrQFLDGDVWHRULDVWUDGLFLRQDLV
A relação de imputação objetiva dá-se quando for possível atribuir
a alguém a criação de um risco juridicamente proibido e relevante e a
produção de um resultado jurídico, como consequência daquele.
A preocupação central da teoria é identificar os critérios jurídicos
para que alguém possa ser considerado o responsável por determina-
do resultado jurídico, não do ponto de vista meramente causal (relação
causa-efeito), mas sob um aspecto valorativo, vale dizer, quando é justo
considerar alguém como o verdadeiro responsável por determinada le-
são ou ameaça de lesão a algum bem jurídico.
A teoria da imputação objetiva (na concepção que adotamos) bus-
ca restringir o alcance no nexo de causalidade, fundado na teoria da
equivalência dos antecedentes, cuja extensão conduz a situações injustas
e, às vezes, absurdas: afirmar a existência de nexo de causalidade entre a
ação do vendedor de uma arma de fogo (ou até do fabricante!) e a morte
provocada com o tiro do revólver configura demasiado exagero.
Tradicionalmente, apesar da existência da relação de causalidade,
diz a doutrina que nem o vendedor nem o fabricante respondem pela
morte, pela falta de imputação subjetiva (ex.: falta de dolo). A solução
proposta é justa, mas não resolve todas as situações. E se o vendedor
agisse com dolo? Imagine que A, pretendendo matar B, conhecido polí-
tico, dirija-se à loja de C para comprar um revólver (apresentando toda
a documentação necessária). O vendedor C, coincidentemente, toma
conhecimento da intenção de A, porque o ouve conversando ao tele-
fone. Ao vender a arma de fogo, o comerciante C deseja e espera que o
crime se consume, já que considera o político B um corrupto. Pois bem,
!"
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!"#"$"!"%&'()*+,'%-)*./01'
A relação de imputação objetiva constitui elemento do fato típi-
co (elemento normativo implícito), cuja função é servir como critério
limitador à relação de causalidade material. Serve para barrar aquelas
situações injustas, em que a aplicação rigorosa da teoria da equivalência
dos antecedentes conduz a soluções absurdas.
O sistema funcionalista, dentro do qual se insere a teoria da impu-
tação objetiva, opõe-se ao finalismo quanto ao seu método. Ontologicis-
ta (ou empírico) neste e normatizante naquele.
Esquematicamente, o fato típico, nessa nova concepção, conteria os
seguintes elementos: a) conduta (dolosa ou culposa); b) resultado (nos
!"
crimes materiais ou de resultado); c) nexo de causalidade (nos crimes
materiais ou de resultado); d) tipicidade; e) imputação objetiva (ele-
mento normativo implícito), o qual se desdobra no exame da criação de
um risco proibido e na realização do risco no resultado.
A ilicitude e a culpabilidade não são afetadas dentro do novo sis-
tema. É certo, porém, que muitos problemas penais que antes eram so-
lucionados sob o prisma da licitude passam a ser tratados, com a apli-
cação da teoria da imputação objetiva, como fatos atípicos (é o caso da
violência desportiva, das intervenções cirúrgicas e do consentimento do
ofendido).
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+-92(05%:5;'(
Roxin afirma que a imputação objetiva possui as seguintes linhas
mestras (que correspondem a três níveis de imputação): criação de um
risco relevante e proibido + realização do risco no resultado + resultado
dentro do alcance do tipo.
!"#"$"%"&'()*+,-&./&01&()23-&(/4/5*67/&/&8(-)9).-
Para que exista imputação objetiva o agente tem de produzir (ou au-
mentar) um risco relevante e proibido, caso contrário (i. e., riscos irrele-
vantes, permitidos ou diminuídos), ter-se-á um fato penalmente atípico.
a) Riscos irrelevantes
Os riscos gerais da vida são irrelevantes penalmente. Quem se apro-
veita de tais riscos não pode ser considerado como responsável pelo re-
sultado. Este não será obra sua, mas desses riscos gerais da vida (ex.:
aquele que instiga alguém a praticar um esporte radical ou a fazer uma
viagem de carro numa estrada perigosa não pode ser responsabilizado
pela morte da pessoa, ainda que tenha desejado esse resultado).
b) Riscos permitidos
A criação de riscos permitidos afasta a imputação objetiva do re-
sultado (e, como consequência, a responsabilidade penal). Assim, por
exemplo, os riscos autorizados em face de sua utilidade social, como o
decorrente do tráfego de automóveis (de acordo com as regras de trânsi-
to), a correta utilização da lex artis (no caso da Medicina, da Engenharia
etc.), a prática de esportes, entre outros.
Também se entendem por risco permitido as situações às quais se
aplica o princípio da confiança:
I) confiança de que a conduta de terceiros realizada na sequência
será conforme o direito. Exemplo: o motorista que conduz pela via pre-
ferencial confia que o outro irá aguardar sua passagem; se isso não acon-
tece, não se pode imputar àquele que trafegava na via principal respon-
sabilidade alguma pelo acidente, ainda que fosse possível a ele evitá-lo,
por exemplo, dando a passagem ao outro motorista;
II) confiança de que aquele que realizou uma conduta preceden-
te cumpriu corretamente seu papel. Exemplo: o médico que utiliza um
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7/&1(29*8)0/
Quando houver a criação de um risco relevante e proibido, será pre-
ciso verificar se ele efetivamente se produziu no resultado, a fim de que
este possa ser imputável objetivamente ao autor.
a) Causas imprevisíveis (cursos causais extraordinários) Não se
pode imputar a alguém um resultado quando o agente não tinha con-
trole sobre o desenrolar causal dos acontecimentos. O responsável pelo
atropelamento de um pedestre não responde pela morte deste se ela se
deu por conta de um incêndio no hospital. Esta hipótese é expressamen-
te solucionada em nosso CP, no art. 13, § 1º.
b) Riscos que não tiveram nenhuma influência no resultado (que
teriam ocorrido de qualquer maneira)
Quando se verifica que o resultado teria ocorrido de qualquer
modo, ainda que o agente empregasse a diligência recomendada, não
se pode imputar a este objetivamente o resultado produzido. Exemplo:
o fabricante de um pincel com pelo de cabra deixa de fornecer equipa-
mentos adequados de proteção individual a seus funcionários que vêm a
contrair uma infecção letal; comprova-se, posteriormente, que se tratava
de um bacilo até então desconhecido, cujo contágio seria inevitável, ain-
da que todos os equipamentos e normas técnicas de segurança fossem
observados.
c) Resultados não compreendidos no fim de proteção da norma
É preciso verificar qual a finalidade da norma de cuidado, vale dizer,
o que ela visava proteger. Para que haja imputação objetiva, será preciso
que o agente tenha produzido um resultado compreendido dentro do
fim de proteção da norma. Exemplo: há uma norma que exige dos ciclis-
tas, durante à noite, que se utilizem de um farol. Essa norma tem como
finalidade evitar acidentes pessoais. Se dois ciclistas andam com farol
apagado, e o que vai à frente é abalroado por um caminhão, não se pode
imputar esse resultado ao outro ciclista, ainda que se demonstrasse que
o fato de ele ter utilizado o farol evitaria a morte do ciclista que seguia
à frente. A norma de proteção visa evitar acidentes pessoais, e não de
terceiros.
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3',*
Há casos em que, mesmo tendo-se verificado a realização de um
risco proibido no resultado, constata-se que, no caso concreto, “o al-
cance do tipo, o fim de proteção da norma inscrita no tipo (ou seja, da
proibição de matar, ferir, danificar etc.) não compreende resultados da
espécie do ocorrido, isto é, quando o tipo não for determinado a im-
pedir acontecimentos de tal ordem. Esta problemática é relevante em
especial nos delitos culposos” (Claus Roxin, Funcionalismo e imputação
objetiva no direito penal, trad. Luís Greco, p. 352). Em termos de crimes
dolosos, há três hipóteses em que se aplica o critério ora exposto: a)
autocolocação dolosa em perigo; b) heterocolocação consentida em pe-
rigo; c) âmbito de responsabilidade de terceiros.
a) Autocolocação dolosa em perigo
A vítima que se coloca dolosamente numa situação de perigo ex-
clui, com essa atitude, a responsabilidade de terceiros pelas lesões que
vier a sofrer. Exemplo: a pessoa que pratica contato sexual desprotegida
com um portador do vírus HIV, ciente dessa circunstância, afasta a res-
ponsabilidade do parceiro decorrente do contágio venéreo.
b) Heterocolocação consentida em perigo
A mesma solução se aplica quando a vítima consente em que ou-
trem a coloque numa situação de perigo, como no caso de quem pede
carona a um motorista visivelmente embriagado, vindo a ferir-se num
acidente automobilístico.
c) Responsabilidade de terceiros
A responsabilidade de terceiros no resultado afasta a imputação ob-
jetiva de quem deu início ao processo causal. É o caso do erro médico.
Para Roxin, quando o erro substitui o perigo gerado, só o médico res-
ponde pelo resultado (ex.: a morte do paciente por choque anafilático
afasta a responsabilidade pelo óbito de quem havia lesionado o falecido).
Quando, por outro lado, o erro não impede a realização do resultado, é
preciso distinguir se o médico agiu com culpa leve (hipótese em que
haverá responsabilidade do médico e da pessoa que havia provocado as
lesões no falecido) ou culpa grave (só o médico responde).
!"#"$"%&%'()*+,-./%/012+'3,%425*67/%8,9/04
Günther Jakobs estrutura a teoria da imputação objetiva a partir
das seguintes premissas:
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(*)'.010.%)*/)-.31+./3.%)*/('0.-101
Jakobs afirma que a imputação, enquanto forma, isto é, a tarefa de
determinar quando alguém deve responder por seus atos, sempre acom-
panhou a humanidade, como já se via no exemplo bíblico de Adão e Eva,
!"
!"#$"%&'($)*+
!"#"$"%"&'&()*+,+)&-)(.,/&012,&2.-()-
Todo contato social gera algum risco, sendo este inerente à vida
em sociedade. Isso se vê num simples aperto de mão (que pode trans-
mitir germes), no ato de servir uma comida (que pode estar estraga-
da), em atitudes como deixar que os filhos pequenos brinquem com
os amigos, servir bebidas alcoólicas, fabricar carros, produzir bens de
consumo etc.
A eliminação desses riscos é absolutamente impossível, sob pena de
engessar a sociedade. O que se deve esperar das pessoas, nesse sentido,
não é a total eliminação de riscos (algo inatingível), mas que cumpram
corretamente seu papel social. Assim, não se pode impedir que um bar-
man sirva bebidas alcoólicas a seus fregueses, mas pode-se exigir dele
que não o faça a menores de 18 anos. É impossível impedir a fabricação
de carros, mas pode-se exigir de seus fabricantes que observem as nor-
mas técnicas e os construam dentro dos padrões de segurança. Não há
como evitar que restaurantes sirvam comida, mas é possível estabelecer
a obrigatoriedade de observarem condições mínimas de higiene.
!"#"$"3"&&4&.567+,89)&):;1+.<,&1*=)(,&
,61*,-&()56)2+,51*+)-&>71&<.)/,5&
?1+125.*,?)&6,61/&-)(.,/
Não se pode exigir de um mecânico que, mesmo sabendo que o
dono do automóvel costuma andar em alta velocidade, deixe de con-
sertá-lo. Seu papel social consiste em arrumar os defeitos dos veículos,
mantendo-os dentro de suas especificações regulares, nada mais que
isso. Não se pode atribuir a esse mecânico, que se limitou a exercer seu
papel social, a responsabilidade pela morte do proprietário do veículo
num acidente de trânsito.
Um barman que serve bebida alcoólica a um motorista não pode ser
responsabilizado pelo acidente automobilístico posteriormente causado,
já que se limitou a cumprir seu papel social.
!"#"$"$"&@7*?,51*+)-&?,&.567+,89)&):;1+.<,
A imputação objetiva assenta-se nas premissas acima resumidas e
não se fará presente, segundo Jakobs, nas hipóteses abaixo:
!"
1ª) Criação de um risco permitido
Aquele que realiza um risco permitido não pode responder juridi-
camente pelo resultado produzido.
O risco permitido dá-se nas seguintes situações:
a) normas jurídicas que autorizam comportamentos perigosos (ex.:
regras de trânsito, práticas desportivas autorizadas, normas técni-
cas de atividades industriais);
b) fatos socialmente adequados (ex.: um passeio de automóvel
com amigos, o ato de levar um adolescente a um passeio numa
montanha);
c) lex artis: a observação das regras técnicas de determinada ativi-
dade, como a Medicina ou a Engenharia;
d) autorizações contidas em normas extrapenais. Jakobs desenvolve,
ainda, conceitos de compensação do risco e de variabilidade do risco.
A compensação de um risco pode ser levada em conta quando a
lei não estabelece determinado padrão (porque, se o faz, é justamente
por não admitir nenhum tipo de compensação). Assim, se um motorista
conduz seu automóvel sob efeito de álcool acima do limite permitido,
não pode compensar essa atitude por sua experiência ao volante.
A variabilidade do risco significa que o mesmo comportamento
produtor de risco pode variar conforme o papel social do agente. Uma
mãe que trata a ferida do filho com um pano não esterilizado não come-
te delito, ainda que isso resulte num agravamento da lesão. Um médico,
contudo, não pode agir da mesma maneira, sob pena de responder pe-
nalmente por sua conduta.
2ª) Princípio da confiança
Na vida em sociedade, as pessoas não podem ser obrigadas a des-
confiar das demais, supondo constantemente que os outros não cumpri-
rão seu papel. Daí a exclusão da responsabilidade penal quando alguém
agiu na confiança de que o outro o cumpriu (ou cumpriria).
O princípio da confiança (que para Roxin faz parte do conceito de
risco permitido) também se projeta de duas formas, como visto acima.
3ª) Proibição do regresso
Por este princípio, uma conduta lícita não gera responsabilidade
por atos ilícitos praticados posteriormente por terceiros. O motorista
de táxi que conduz um passageiro até o seu destino não pode ser res-
ponsabilizado pelas atitudes deste (ex.: matar alguém), ainda que tenha
conhecimento delas no trajeto.
4ª) Capacidade da vítima
O consentimento do ofendido a agressões a bens jurídicos a ele per-
tencentes deve excluir a responsabilidade penal, quando a vítima tinha
capacidade para entender e anuir com a lesão. Assim, por exemplo, aque-
le que realiza um contato sexual voluntário com uma pessoa portadora
do vírus HIV, ciente dessa circunstância, e, conscientemente, não toma
!"
!"#$"%&'($)*+
C789.,+:0$04;(D
!"#"!"$$%&'()(*+,-$(*.)($/01&*$($2,304-$*0$ .&<,EGH'DPiVLR
50*.(1.0$6,$.(0)&,$6,$&789.,+:0$04;(.&<, GH -HVXV (GLWRUD
Diversas diferenças poderiam ser apontadas entre as teorias da im- 6DUDLYD
putação objetiva sustentadas por Claus Roxin e Gunther Jakobs; duas
delas, entretanto, merecem destaque:
a) A missão da causalidade material
Roxin constrói uma teoria geral da imputação objetiva para os cri-
mes materiais, de modo a substituir a relação de causalidade, abando-
nando-se o que ele denomina “dogma da causalidade”.
Jakobs, por sua vez, sustenta que não há como abandonar um míni-
mo de causalidade na aferição da responsabilidade penal, de modo que
a imputação objetiva serviria para restringir o alcance do nexo causal.
b) Os níveis de imputação objetiva
A “principal peculiaridade do sistema de Roxin em face da doutrina
dominante” é a “existência de um terceiro nível de imputação, a saber,
o alcance do tipo” (Luís Greco, A teoria da imputação objetiva — uma
introdução, in Claus Roxin, Funcionalismo e imputação objetiva no di-
reito penal, p. 116).
A maioria dos autores define a imputação objetiva em dois níveis:
a criação de um risco proibido e relevante e sua realização no resultado.
Jakobs, de sua parte, estrutura o risco juridicamente relevante e
proibido em quatro subníveis: risco permitido, princípio da confiança,
proibição do regresso e capacidade da vítima.
!"#"="$/(>),-$(1.),?6,-$6,$&789.,+:0$04;(.&<,$
@%,7A-&0$6($2(-9-B
Não há imputação objetiva (e o fato será atípico) quando: a) o su-
jeito não criou o risco com sua conduta; b) o risco, embora criado pela
conduta, era permitido ou irrelevante (princípio da insignificância); c)
o risco criado não produziu resultado jurídico (o que conduz à atipici-
dade ou à responsabilização pelo crime na forma tentada); d) não há
relação direta entre a conduta, o risco criado e o resultado ocorrido (ex.:
atropelamento culposo e morte por infecção hospitalar. Pela doutrina
tradicional, o agente responde pelo resultado, considerado como dentro
do desdobramento causal esperado de sua conduta. Pela teoria da im-
putação objetiva, a morte não será imputada ao motorista, pela falta de
relação direta entre sua conduta e o evento fatal).
Haverá, porém, imputação objetiva se o sujeito aumentou o risco
ao bem jurídico ou extrapolou o risco juridicamente permitido (ex.:
entende-se tradicionalmente não configurar crime a conduta daquele
que polui águas já corrompidas; com a teoria, há crime, pois o sujeito
aumentou o risco ao bem jurídico).
!"
!"#"$"%"&'()*+,-)./&012)3)0(4/
A teoria da imputação objetiva enseja a admissão de uma série de
princípios:
a) Princípio da confiança: uma pessoa não pode ser punida quan-
do, agindo corretamente e na confiança de que o outro também assim
se comportará (i. e., cumprirá o seu papel), dá causa a um resultado
não desejado (ex.: o médico que confia em sua equipe não pode ser res-
ponsabilizado pela utilização de uma substância em dose equivocada,
se para isso não concorreu; o motorista que conduz seu automóvel cui-
dadosamente confia que os pedestres se manterão na calçada e somente
atravessarão a rua quando não houver movimento de veículos, motivo
pelo qual não comete crime se atropela um transeunte que se precipita
repentinamente para a via trafegável).
b) Princípio da insignificância: quando a conduta do agente pro-
duzir lesões insignificantes aos bens jurídicos, o fato será penalmente
atípico (ex.: furto de uma caixa de fósforos).
c) Princípio da proibição do regresso: uma conduta inicialmente
lícita não pode conduzir à responsabilização do agente por resultados
ilícitos posteriores cometidos por terceiros (ex.: venda de um veículo
automotor posteriormente utilizado em atropelamento).
d) Princípio da autorresponsabilidade ou das “ações a próprio
risco”: aquele que, de modo livre e consciente, e sendo inteiramente res-
ponsável por seus atos, realiza comportamentos perigosos e produz re-
sultados lesivos a si mesmo arcará totalmente com as consequências de
seus atos, não se admitindo qualquer tipo de imputação a pessoas que o
tenham eventualmente motivado a praticar tais condutas perigosas (ex.:
agente que incentiva desafeto a praticar “esportes radicais”).
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WRV FRP D OHLWXUD GR DUWLJR ´2 Fato típico é o fato humano que se adequa perfeitamente ao tipo
TXH p D WLSLFLGDGH SHQDO KRMHµ penal. O fato típico consubstancia o primeiro dos elementos estruturais
GH 3DXOR 4XHLUR] GLVSRQtYHO HP do delito e sua composição varia em função da espécie de crime.
KWWSHPSRULRGRGLUHLWRFRPEU Nos dolosos são: a) conduta dolosa; b) resultado (nos crimes ma-
RTXHHWLSLFLGDGHSHQDOKRMH teriais); c) nexo causal (nos crimes materiais); d) tipicidade; e) relação
de imputação objetiva (elemento normativo implícito do fato típico).
Nos culposos, por outro lado: a) conduta voluntária; b) resultado
involuntário; c) nexo causal; d) tipicidade; e) relação de imputação ob-
jetiva (elemento normativo implícito do fato típico); f) quebra do dever
de cuidado objetivo; g) previsibilidade objetiva.
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&ODVVLÀFDomRGRVFULPHVTXDQWRDR
!"#$%&'()*/$!,(-.)
a) De dano ou de lesão: quando a consumação exige efetiva lesão
ao bem tutelado. Exemplos: homicídio (CP, art. 121), lesão corporal (CP,
art. 129), furto (CP, art. 155).
b) De perigo: caso a consumação se dê apenas com a exposição do
bem jurídico a uma situação de risco. Exemplos: perigo de contágio ve-
néreo (CP, art. 130), perigo à vida ou saúde de outrem (CP, art. 132).
Estes se subdividem em crimes de perigo concreto (o risco deve
ser demonstrado) e de perigo abstrato (a prática da ação ou omissão
gera uma presunção absoluta de que o bem jurídico sofreu um risco).
Há polêmica na doutrina acerca da constitucionalidade dos crimes de
perigo abstrato. Para Luiz Flávio Gomes, tais delitos seriam inconstitu-
cionais por violação ao princípio da ofensividade (nullum crimen sine
injuria) (Princípio da ofensividade no direito penal). Fernando Capez, por
outro lado, entende subsistir a “possibilidade de tipificação de crimes de
perigo abstrato em nosso ordenamento legal, como legítima estratégia
!"
de defesa do bem jurídico contra agressões em seu estado embrionário,
1+-(2.'3%0+
reprimindo-se a conduta antes que ela venha a produzir um perigo con-
!"#$%&%"' (%#)' *+,' #"#4 p XPD creto ou dano efetivo”. Afirma o autor que se trata de “cautela reveladora
H[SUHVVmR ODWLQD TXH VLJQLÀFD de zelo do Estado em proteger adequadamente certos interesses” (Con-
´VHPDTXDOQmRµ sentimento do ofendido e violência desportiva: reflexos à luz da teoria da
imputação objetiva, p. 87). Na jurisprudência predomina amplamente o
entendimento no sentido da constitucionalidade de tais delitos (v. STJ,
HC 23.969/RJ, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 9-9-2003, Informativo
STJ, n. 183).
!"#$! %&'()*+!,&!-(./('0,(,&
Dispõe o art. 13, caput, parte inicial, do CP: “O resultado, de que de-
pende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa”.
O resultado a que alude o dispositivo é o naturalístico ou material, isto é,
a modificação no mundo exterior provocada pela conduta.
A grande maioria dos tipos penais não se limita a descrever uma
ação ou omissão, exigindo também, para fins de consumação, que ocor-
ra um resultado material. Nesses casos, o art. 13 condiciona a existência
do crime à constatação de um liame causal entre a conduta e o resultado
por ela supostamente produzido.
Nexo de causalidade consiste justamente nesse vínculo ou liame
que une a conduta ao resultado nos crimes materiais.
Várias teorias se preocupam em definir o critério para constatar o
nexo causal:
a) teoria da equivalência dos antecedentes ou da conditio sine qua
non: sustenta que todo fator que de forma direta ou indireta exerceu
alguma influência no resultado deve ser considerado como sua causa;
b) teoria da causalidade adequada: apenas se reputa causa do
resultado a circunstância mais adequada a produzi-lo, segundo um
juízo de probabilidade (ou “prognose póstuma-objetiva”: verifica-se
se um homem dotado de conhecimentos medianos poderia antever o
resultado como provável ou possível na situação em que o agente se
encontrava);
c) teoria da imputação objetiva do resultado: defende que a cau-
salidade natural, fundada na teoria da equivalência dos antecedentes,
leva a exageros que devem ser limitados pela verificação da existência
de relação de imputação objetiva entre a conduta e o resultado. Além da
causalidade material, portanto, é preciso que a atitude do agente tenha
produzido um risco juridicamente relevante e proibido ao bem jurídico.
Nosso CP adotou expressamente a teoria da equivalência dos ante-
cedentes (art. 13, caput, parte final), ao estabelecer: “Considera-se causa
a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. Tudo
o que contribuir para o resultado, portanto, deve ser considerado sua
!"
!"#$"%&'($)*+
!"#"$"%&'()')%*+,+-*+-.+)%+%/-*+,+-*+-.+)
Determinados fatores podem interpor-se no nexo de causalidade
entre a conduta e o resultado, de modo a influenciar no liame causal.
Tais fatores são chamados de “concausas” ou simplesmente “causas”,
como prefere atualmente a maioria dos autores.
Dividem-se em causas dependentes e independentes. Aquelas são
as que se originam na conduta do agente e se inserem dentro da sua
linha de desdobramento causal natural, esperado. Trata-se daquilo que
normalmente acontece (quod plerumque accidit), constituindo, assim,
!"
decorrências corriqueiras da conduta (ex.: a morte por choque hemor-
3456789 rágico subsequente a um ferimento perfuroinciso profundo configura
evento esperado; para a jurisprudência, a morte em virtude de infecção
D!"#$!%"!"#!&"'(%)!*+,)+#
-,.+/+,.+,)+" VHPSUH URPSHP
hospitalar é considerada decorrência esperada de uma internação). As
R QH[R FDXVDO GH PRGR TXH R independentes, de sua parte, são as que, originando-se ou não da condu-
DJHQWH QXQFD UHVSRQGHUi SHOR ta, produzem por si sós o resultado e configuram algo que normalmente
UHVXOWDGR VRPHQWH SHORV DWRV não acontece. São eventos inusitados, inesperados (ex.: uma pequena
SUDWLFDGRVE!"#$!%"!"#0+(!)-1!2 ferida incisa, normalmente, não é capaz de levar à morte, mas isso pode
*+,)+# -,.+/+,.+,)+" QmR URP ocorrer se a vítima for hemofílica).
SHP R QH[R FDXVDO PRWLYR SRU Em se tratando de causas dependentes, o agente responderá por
TXHRDJHQWHVHDFRQKHFLDRX todos os seus desdobramentos.
VH HPERUD QmR D FRQKHFHQGR
Quanto às causas independentes, é preciso distinguir entre as cau-
SRGLD SUHYrOD UHVSRQGH SHOR
UHVXOWDGR VDOYR QD FDXVD VXSHU
sas absoluta e as relativamente independentes da conduta do agente.
YHQLHQWH 1) Causas absolutamente independentes: são as que produzem por
si sós o resultado e não têm qualquer origem ou relação com a conduta
praticada pelo sujeito. Como nesse caso o resultado ocorreria de qual-
quer maneira, com ou sem o comportamento realizado, fica totalmente
afastado o nexo de causalidade, motivo por que o agente não responderá
pelo resultado.
Subdividem-se em preexistentes (se anteriores à conduta do agen-
te), concomitantes (quando ocorrem ao mesmo tempo) ou superve-
nientes (se posteriores).
Exemplos:
a) efetuar disparos de arma de fogo, com intenção homicida, em
pessoa que falecera minutos antes (causa preexistente);
b) atirar em pessoa que, no exato momento do tiro, sofre ataque
cardíaco fulminante que não guarda relação alguma com o disparo
(causa concomitante);
c) ministrar veneno na comida da vítima, que, antes que a peçonha
faça efeito, vem a ser atropelada (causa superveniente; nesse caso, o agen-
te só responde pelos atos praticados, ou seja, por tentativa de homicídio).
Lembre-se de que em todas as causas absolutamente independentes
ficará afastada a relação de causalidade entre a conduta do sujeito e o
resultado produzido, razão pela qual o sujeito apenas responderá pelos
atos praticados, não sendo possível imputar-lhe o resultado final (nos
exemplos acima: a morte da vítima).
2) Causas relativamente independentes: são as que, somadas à con-
duta do agente, produzem o resultado. De regra, não se exclui o nexo de
causalidade, de forma que o resultado poderá ser atribuído ao agente,
que por ele responderá.
Também se subdividem em preexistentes, concomitantes ou super-
venientes.
Exemplos de causas relativamente independentes: a) Efetuar feri-
mento leve, com instrumento cortante, num hemofílico, que sangra até
a morte (a hemofilia é a causa preexistente que, somada à conduta do
agente, produziu a morte). Note que nesse exemplo se pressupõe que o
!"
!"#$"%&'($)*+
! !%&'(!')*+,-!%&'&.&/+/)!)!!
!"#$ +/)01+23(!%4'&.+
"#$#5#!.6789:;6
Tipicidade é a relação de subsunção entre um fato concreto e um
B(.+C1,DE&(
tipo penal previsto abstratamente na lei. Trata-se de uma relação de en-
caixe, de enquadramento. É o adjetivo que pode ou não ser dado a um <=><=7?@6ApDDomRRXHIHLWR
fato, conforme ele se enquadre ou não na lei penal. GH VXEVXPLU LVWR p LQFOXLU DO
JXPD FRLVD HP DOJR PDLRU
O conceito de tipicidade, como se concebe modernamente, pas-
&RPRGHÀQLomRMXUtGLFDFRQÀ
sou a ser estruturado a partir das lições de Beling (1906), cujo maior JXUDVHDVXEVXQomRTXDQGRR
mérito foi distingui-la da antijuridicidade e da culpabilidade. Seus FDVR FRQFUHWR VH HQTXDGUD j
ensinamentos, entretanto, foram aperfeiçoados até que se chegasse à QRUPDOHJDOHPDEVWUDWR
concepção vigente.
Jiménez de Asúa sistematizou essa evolução, dividindo-a em três
fases:
1ª) Fase da independência (Beling — 1906): a tipicidade possuía
função meramente descritiva, completamente separada da ilicitude e da
culpabilidade (entre elas não haveria nenhuma relação). Trata-se de ele-
mento valorativamente neutro. Sua concepção não admitia o reconheci-
mento de elementos normativos ou subjetivos do tipo.
!"
2ª) Fase do caráter indiciário da ilicitude ou da ratio cognoscendi
&5;<=>6
(Mayer — 1915): a tipicidade deixa de ter função meramente descriti-
va, representando um indício da antijuridicidade. Embora se mantenha,
4&56%5789:6
admite-se ser uma indício da outra. Pela teoria de Mayer, praticando-se
um fato típico, ele se presume ilícito. Essa presunção, contudo, é relativa,
FRQGXWD 5HVXO 7LSLFL
pois admite prova em contrário. Além disso, a tipicidade não é valorati-
DomRRX WDGR #$#%
RPLVVmR 1H[R vamente neutra ou descritiva, de modo que se torna admissível o reco-
FDXVDO nhecimento de elementos normativos e subjetivos do tipo penal.
3ª) Fase da ratio essendi da ilicitude (Mezger — 1931): Mezger atri-
bui ao tipo função constitutiva da ilicitude, de tal forma que, se o fato
for lícito, será atípico. A ilicitude faz parte da tipicidade. O tipo penal do
homicídio não seria matar alguém, mas matar alguém fora das hipóteses
de legítima defesa, estado de necessidade etc.
Concepção dominante: a de Mayer.
!"#"$"%&'()*+,-.%/0123+
É o mesmo que tipicidade, ou seja, a relação de subsunção entre o
fato e a norma penal. Há quem pense de modo diverso, afirmando que
tipicidade seria a mera correspondência formal entre o fato e a norma,
enquanto a adequação típica, a correspondência que levaria em conta
não apenas uma relação formal de justaposição, mas a consideração de
outros requisitos, como o dolo ou a culpa.
Há duas modalidades de adequação típica:
1ª) Adequação típica por subordinação imediata ou direta: dá-se
quando a adequação entre o fato e a norma penal incriminadora é ime-
diata, direta; não é preciso que se recorra a nenhuma norma de extensão
do tipo. Exemplo: alguém efetua dolosamente vários disparos contra a
vítima — esse fato se amolda diretamente ao tipo penal incriminador
do art. 121 do CP.
2ª) Adequação típica por subordinação mediata ou indireta: o en-
quadramento fato/norma não ocorre diretamente, exigindo-se o recurso
a uma norma de extensão para haver subsunção total entre fato concreto
e lei penal. Exemplo: se alguém, com intenção homicida, efetua vários
disparos de arma de fogo contra outrem e foge, sendo a vítima socorrida
e salva a tempo, esse fato não se amolda ao tipo penal do art. 121 (não
houve morte). Também não se enquadra no art. 129 (lesões corporais)
porque o sujeito agiu com animus necandi (o art. 129 pressupõe animus
laedendi). Seria o fato atípico? Não. Para que ocorra o perfeito enqua-
dramento da conduta com a norma, contudo, será preciso recorrer a
uma norma de extensão; no caso, o art. 14, II, que descreve a tentativa.
O mesmo se verifica quando alguém empresta arma de fogo a um ho-
micida, que a utiliza posteriormente para cometer o crime. Sua conduta
não encontra correspondência direta com o art. 121 do CP. Novamente
é preciso, então, socorrer-se de uma norma de extensão; nesse caso, o art.
!"
!"#$"%&'($)*+
!"#"$"%&'(')'*+*,%)-./0-1+.2,
Trata-se de um dos aspectos da tipicidade penal, que se subdividiria
em tipicidade legal (adequação do fato com a norma penal, segundo
uma análise estritamente formal) e tipicidade conglobante. Por meio
desta, deve-se verificar se o fato, que aparentemente viola uma norma
penal proibitiva, não é permitido ou mesmo incentivado por outra nor-
ma jurídica (como no caso das intervenções médico-cirúrgicas, violên-
cia desportiva, estrito cumprimento de um dever legal etc.). Não teria
sentido, dentro dessa perspectiva, afirmar que a conduta do médico que
realiza uma cirurgia no paciente viola a norma penal do art. 129 do CP
(não ofenderás a integridade corporal alheia) e, ao mesmo tempo, aten-
de ao preceito constitucional segundo o qual a saúde é um direito de
todos (não é lógico dizer que ele viola uma norma e obedece a outra, ao
mesmo tempo).
Por meio da tipicidade conglobante (análise conglobada do fato
com todas as normas jurídicas, inclusive extrapenais), situações consi-
deradas tradicionalmente como típicas, mas enquadráveis nas excluden-
tes de ilicitude (exercício regular de um direito ou estrito cumprimento
de um dever legal), passariam a ser tratadas como atípicas, pela falta de
tipicidade conglobante. Com a adoção da teoria da imputação objetiva,
tais resultados (atipicidade de fatos então considerados típicos, porém
lícitos) são atingidos sem necessidade dessa construção, que se torna su-
pérflua.
%!"!% 3454
!"
)1.234+ !"#$! %&'()
LPSUXGrQFLD O crime culposo está previsto no artigo 18, II, do Código Penal
*+,)'-,),./!
,.!%0-*.! QHJOLJrQFLD Brasileiro com a seguinte redação:
%&'(+/+ LPSHUtFLD
Art. 18 — Diz-se o crime:
(...)
II — culposo, quando o agente deu causa ao resultado por impru-
dência, negligência ou imperícia.
!"
! "#$%$&'()
-*('45& !"#$! %&'%()*&+!*(&,)-.
'5&! ;<! %,)6(# $%&'()# )# *&+)# ,#
-.&+/0&()#123 Trata-se da contrariedade do fato com o ordenamento jurídico (en-
HVWDGRGHQHFHVVLGDGH foque puramente formal ou “ilicitude formal”), por meio da exposição
OHJtWLPDGHIHVD a perigo de dano ou da lesão a um bem jurídico tutelado (enfoque ma-
H[HUFtFLRUHJXODUGHXPGLUHLWR terial ou “ilicitude material”).
HVWULWRFXPSULPHQWRGHXPGH A antijuridicidade da conduta deve ser apreciada objetivamente,
YHUOHJDO
vale dizer, sem se questionar se o sujeito tinha consciência de que agia
de forma ilícita. Por essa razão, pode perfeitamente ser considerada ilí-
cita eventual conduta de um inimputável, ainda que ele não tenha ca-
pacidade de avaliar a antijuridicidade de seu comportamento. Ele pode
cometer, portanto, um fato típico e antijurídico (mas não receberá pena
por ausência de culpabilidade).
A doutrina classifica a ilicitude em genérica e específica. Aquela
corresponde à contradição do fato com a norma abstrata, por meio da
afetação a algum bem jurídico. Esta consiste na ilicitude presente em
determinados tipos penais, os quais empregam termos como “sem justa
causa”, “indevidamente”, “sem autorização ou em desacordo com deter-
minação legal ou regulamentar”. Na verdade, dessas, só a primeira real-
mente trata-se de ilicitude. A chamada antijuridicidade específica nada
mais é do que uma designação equivocada para determinados elemen-
tos normativos de alguns tipos penais.
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Diz o CP no art. 24: “Considera-se em estado de necessidade quem
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pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua von- 0'RVWRLHYVNL
tade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo 8P GRV PDLR
sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”. UHV URPDQFHV
A situação de necessidade pressupõe, antes de tudo, a existência de GH WRGRV RV
um perigo (atual) que ponha em conflito dois ou mais interesses legíti- WHPSRV QDU
mos, que, pelas circunstâncias, não podem ser todos salvos (na legítima UD D KLVWyULD
defesa, como se verá adiante, só existe um interesse legítimo). Um deles, GR HVWXGDQWH
5DVN{OQLNRYTXHYHQGRVHQDPL
pelo menos, terá de perecer em favor dos demais. O exemplo caracterís-
VpULDDVVDVVLQDXPDYHOKDXVXUiULD
tico é o da “tábua de salvação”: após um naufrágio, duas pessoas se veem
HQmRFRQVHJXHOLYUDUVHGRSHVR
obrigadas a dividir uma mesma tábua, que somente suporta o peso de
GRUHPRUVR3DUDUHÁHWLU5DVN{OQL
uma delas. Nesse contexto, o direito autoriza um deles a matar o outro, NRYDJLXDFREHUWDGRSHOR!"#$%&'
se isso for preciso para salvar sua própria vida. %!'(!)!""*%$%!*
"#$#$!</=8242;04
Há requisitos vinculados à situação de necessidade, que justificam
a excludente, e outros ligados à reação do agente. Entre os primeiros
!!
temos: a) existência de um perigo atual; b) perigo que ameace direi-
*+,-./0
to próprio ou alheio; c) conhecimento da situação justificante; d) não
6REUH R HVWDGR GH QHFHVVLGDGH provocação voluntária da situação de perigo. Com relação à reação do
HPVtQWHVHWHPRV agente, temos: a) inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado (pro-
!"#$%&%'(&) porcionalidade dos bens em confronto); b) inevitabilidade do perigo; c)
D3HULJRDWXDO inexistência do dever legal de enfrentar o perigo.
E$PHDoD D GLUHLWR SUySULR a) Perigo atual
RXDOKHLR Perigo é a probabilidade de dano. Embora a lei só se refira ao perigo
F&RQKHFLPHQWR GD VLWXD atual, deve-se admitir o estado de necessidade quando iminente o peri-
omRMXVWLÀFDQWH go (analogia in bonam partem). Não se admite a excludente, entretanto,
G3HULJRQmRSURYRFDGRYR quando passado o perigo ou quando este ainda está por vir.
OXQWDULDPHQWHSHORVXMHLWR
b) Ameaça a direito próprio ou alheio
H,QH[LJLELOLGDGHGRVDFULItFLR
GR EHP DPHDoDGR SULQ Age em estado de necessidade não somente quem salva direito pró-
FtSLR GD SRQGHUDomR GH prio (ex.: a “tábua de salvação”) mas também quem defende direito de
EHQV terceiro (ex.: médico que quebra sigilo profissional revelando que um
I,QHYLWDELOLGDGHGRSHULJR paciente é portador do vírus HIV para salvar terceira pessoa que seria
J,QH[LVWrQFLDGHGHYHUOHJDO contaminada). A excludente, ademais, aplica-se quaisquer que sejam os
GH DUURVWDU R SHULJR DUW direitos em jogo. Se o interesse for tutelado pelo ordenamento jurídico,
poderá ser protegido diante de uma situação de necessidade.
&ODVVLÀFDomR c) Conhecimento da situação justificante
(VWDGRGHQHFHVVLGDGHGH
É fundamental que o sujeito tenha plena consciência da existência
IHQVLYR
do perigo e atue com o fim de salvar direito próprio ou alheio. Por essa
(VWDGR GH QHFHVVLGDGH
razão, o médico que realiza aborto por dinheiro não age em estado de
DJUHVVLYR
necessidade, mesmo se constatando, após, a existência de risco atual à
(VWDGRGHQHFHVVLGDGHMXV
WLÀFDQWH
vida da gestante.
(VWDGR GH QHFHVVLGDGH H[ d) Perigo não provocado voluntariamente pelo sujeito
FXOSDQWH O provocador do perigo não pode beneficiar-se da excludente, a não
(VWDGRGHQHFHVVLGDGHSUy ser que o tenha gerado involuntariamente. Em outras palavras, aque-
SULR le que por sua vontade produz o perigo não poderá agir em estado de
(VWDGR GH QHFHVVLGDGH GH necessidade. Provocar voluntariamente significa provocar dolosamen-
WHUFHLUR te. Dessa forma, se o agente provocou culposamente o perigo, poderá
(VWDGR GH QHFHVVLGDGH ser beneficiado pela excludente. Há quem entenda de maneira diversa,
UHDO
equiparando a provocação voluntária tanto à dolosa como à culposa.
(VWDGRGHQHFHVVLGDGHSX Argumenta-se que o provocador do risco teria sempre o dever jurídico
WDWLYR
de impedir o resultado (i. e., salvar o bem alheio em detrimento do seu),
independentemente de dolo ou culpa, com base no art. 13, § 2º, c, do CP.
Esse dispositivo, contudo, não se aplica ao estado de necessidade, pelo
princípio da especialidade; isso porque o art. 24, § 1º, do CP estipula que
só não pode alegar estado de necessidade quem tem o dever legal de en-
frentar o perigo (situação retratada no art. 13, § 2º, a, do CP). Portanto,
das pessoas arroladas no art. 13, § 2º, somente aquela da alínea a não
pode agir amparada pela excludente; já as demais (letras b e c) podem.
e) Inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado (princípio da
ponderação de bens)
!"
!"#$"%&'($)*+
&ODVVLÀFDomR
a) Estado de necessidade defensivo: a conduta do sujeito que age
em necessidade se volta contra a coisa de que provém o perigo — se o
perigo foi causado por alguém, contra este é que se dirige a conduta, le-
sionando um bem de sua titularidade (ex.: um náufrago disputa a tábua
de salvação com outro, que é o responsável pelo afundamento do navio).
b) Estado de necessidade agressivo: a conduta do sujeito que age
em necessidade se volta contra outra coisa, diversa daquela que originou
o perigo, ou contra terceiro inocente (ex.: um náufrago disputa a tábua
de salvação com outro, sendo que ambos não tiveram nenhuma respon-
sabilidade no tocante ao afundamento do navio).
A distinção acima não tem relevância para o direito penal (ambos
excluem a ilicitude), mas repercute na órbita cível. O sujeito que age em
estado de necessidade agressivo deverá reparar o dano causado ao ter-
ceiro inocente pela sua conduta, tendo direito de regresso contra o cau-
sador do perigo. O reconhecimento do estado de necessidade defensivo,
por outro lado, afasta até mesmo a obrigação de reparar o dano causado
pelo crime (a sentença penal que o reconhecer impedirá eventual ação
civil ex delicto).
!"
c) Estado de necessidade justificante: afasta a ilicitude da conduta.
F*G&+,)&F,
d) Estado de necessidade exculpante: exclui a culpabilidade do
)29:8! ;2! 9<= agente (não foi adotado pelo CP).
WDU GLUHomR e) Estado de necessidade próprio: salva-se bem próprio.
;2! >82?! /@A4= f) Estado de necessidade de terceiro: salva-se bem alheio.
9<@A2BC! 0DDE##
g) Estado de necessidade real: é aquele definido no art. 24 do CP.
(P &DQWRQ
QR 0LVVLVVLSL
h) Estado de necessidade putativo: trata-se do estado de necessida-
GRLV EUDQFRV de imaginário (afasta o dolo — art. 20, § 1º, do CP, ou a culpabilidade
HVSDQFDP H — art. 21 do CP, conforme o caso).
HVWXSUDP XPD
PHQLQD QHJUD GH GH] DQRV (OHV
VmR SUHVRV PDV TXDQGR HVWmR !"#$! %&'()*+,!-&.&/,
VHQGROHYDGRVDRWULEXQDOSDUDWHU
RYDORUGDVXDÀDQoDGHFUHWDGD
R SDL GD JDURWD 6DPXHO / -DFN Diz o CP, no art. 25: “Entende-se em legítima defesa quem, usando
VRQ GHFLGH ID]HU MXVWLoD FRP DV moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou
SUySULDV PmRV H PDWD RV GRLV QD iminente, a direito seu ou de outrem”.
IUHQWH GH GLYHUVDV WHVWHPXQKDV Trata-se de um dos mais bem desenvolvidos e elaborados institutos
DOpP GH DFLGHQWDOPHQWH IHULU VH do direito penal. Sua construção teórica surgiu vinculada ao instinto de
ULDPHQWH XP SROLFLDO 3DUD UHÁHWLU$# sobrevivência (“matar para não morrer”) e, por via de consequência,
VHULDRFDVRGH!"#$%&'()!*#+#,)!*)! atrelada ao crime de homicídio. Atualmente, permite-se seu reconheci-
-./0)% mento como meio de tutelar qualquer direito, não somente a vida ou a
integridade física.
"#$#0!1234565786
São os seguintes: a) existência de uma agressão; b) atualidade ou
iminência da agressão; c) injustiça dessa agressão; d) agressão contra
direito próprio ou alheio; e) conhecimento da situação justificante (ani-
mus defendendi); f) uso dos meios necessários para repeli-la; g) uso mo-
derado desses meios. Vejamos abaixo:
a) Agressão
É sinônimo de ataque, ou seja, a conduta humana que lesa ou expõe
a perigo bens jurídicos tutelados. A mera provocação não dá ensejo à
defesa legítima. Ao reagir a uma provocação por parte da vítima, o agen-
te responderá pelo crime, podendo ser reconhecida em seu favor uma
atenuante genérica (CP, art. 65, III, b) ou um privilégio, como no crime
de homicídio (CP, art. 121, § 1º).
A agressão deve ser humana. Contra agressão de animal cabe esta-
do de necessidade (a não ser que alguém provoque deliberadamente o
animal, de modo que ele sirva como instrumento do ataque de um ser
humano).
b) Atualidade ou iminência
Atual é a agressão presente, que está em progressão, que está acon-
tecendo. Iminente, quando está prestes a se concretizar. “A legítima de-
fesa não se funda no temor de ser agredido nem no revide de quem já o
foi” (Noronha). Reação contra agressão passada é vingança; em vez de
!"
!"#$"%&'($)*+
!"
aquele que defende direito próprio (legítima defesa própria) ou alheio
(legítima defesa de terceiro).
e) Elemento subjetivo — conhecimento da situação justificante
Constitui requisito fundamental para a existência da excludente. O
agente deve ter total conhecimento da existência da situação justificante
para que seja por ela beneficiado. “A legítima defesa deve ser objetiva-
mente necessária e subjetivamente orientada pela vontade de defender-
-se” (Cezar Roberto Bitencourt, Manual de direito penal, v. 1, p. 264).
Imagine a seguinte situação e questione se houve ou não legítima defesa:
A pretende vingar-se de seu inimigo B e passa a andar armado. Certo
dia, avista-o. Ocorre que somente enxerga sua cabeça, pois B se encon-
tra atrás de um muro alto. A não sabe o que está acontecendo do outro
lado do muro. Como tencionava matar seu desafeto, saca sua arma e
efetua um disparo letal na cabeça de B. Posteriormente, apura-se que,
do outro lado do muro, B também estava com uma arma em punho,
prestes a matar injustamente C. Constata-se, ainda, que o tiro disparado
por A salvou a vida de C. Enfim, A deve ou não ser condenado? Agiu em
legítima defesa de terceiro? Não, uma vez que só age em legítima defesa
(e isso vale para as demais excludentes de antijuridicidade) quem tem
conhecimento da situação justificante e atua com a finalidade/intenção
de defender-se ou defender terceiro.
Presentes os requisitos vistos até então, tem-se uma situação de le-
gítima defesa, de modo que a repulsa contra a agressão será lícita. No
entanto, a reação deve pautar-se pelo necessário e suficiente para salvar
o direito ameaçado ou lesionado. Excedendo-se, extrapola o agente os
limites da defesa, acarretando excesso, pelo qual o sujeito responderá,
se no tocante a ele atuar dolosa ou culposamente (CP, art. 23, parágrafo
único).
f) Meios necessários
É o meio menos lesivo que se encontra à disposição do agente, po-
rém hábil a repelir a agressão. Havendo mais de um meio capaz de evi-
tar o ataque ao alcance do sujeito, deve ele optar pelo menos agressivo.
Evidentemente essa ponderação, fácil de ser feita com espírito calmo e
refletido, pode ficar comprometida no caso concreto, quando o ânimo
daquele que se defende encontra-se totalmente envolvido com a situa-
ção. Por isso que se diz, de forma uníssona, que a necessidade dos meios
(bem como a moderação, que se verá em seguida) não pode ser aferida
segundo um critério milimétrico, mas sim tendo em vista o calor dos
acontecimentos. Assim, exemplificativamente, a diferença de porte físico
legitima, conforme o caso, agressão com arma.
g) Moderação
Não basta a utilização do meio necessário, é preciso que esse meio
seja utilizado moderadamente. Trata-se da proporcionalidade da reação,
a qual deve dar-se na medida do necessário e suficiente para repelir o
ataque. Como já lembrado, a moderação no uso dos meios necessários
deverá ser avaliada levando-se em conta o caso concreto.
!"
!"#$"%&'($)*+
!"#"$"%!"##"$%&'$(&)*&&%&
Consiste na fuga do local, evitando a agressão que ensejaria a le-
gítima defesa. O CP não exige que a agressão causadora da legítima
defesa seja inevitável, de modo que o agente não está obrigado a pro-
curar uma cômoda fuga do local, em vez de repelir a agressão injusta.
Em outras palavras, ainda que tenha o sujeito condições de retirar-se
ileso do local, evitando a agressão, agirá em legítima defesa se optar
por ali permanecer e reprimir a agressão injusta, atual ou iminente, a
direito seu ou de outrem, desde que o faça moderadamente e use dos
meios necessários.
!"#"&"%'()*++,
Trata-se da desnecessária intensificação de uma conduta inicial-
mente legítima. Predomina na doutrina o entendimento de que o ex-
cesso decorre tanto do emprego do meio desnecessário como da falta
de moderação (nesse sentido, entre outros, Julio F. Mirabete, Manual de
direito penal: parte geral, v. 1, p. 183; Fernando Capez, Curso de direito
penal: parte geral, v. 1, p. 237).
Há duas formas de excesso:
a) intencional ou voluntário, quando o agente tem plena consciên-
cia de que a agressão cessou e, mesmo assim, prossegue reagindo visando
lesar o bem do agressor; nesse caso, o agente responderá pelo resultado
excessivo a título de dolo (é o chamado “excesso doloso”);
b) não intencional ou involuntário, o qual se dá quando o sujeito,
por erro na apreciação da situação fática, supõe que a agressão ainda
persiste e, por conta disso, continua reagindo sem perceber o excesso
que comete. Se o erro no qual incorreu for evitável (i. e., uma pessoa de
mediana prudência e discernimento não cometeria o mesmo equívoco
no caso concreto), o agente responderá pelo resultado a título de culpa,
se a lei previr a forma culposa (“excesso culposo”). Caso, contudo, o erro
seja inevitável (qualquer um o cometeria na mesma situação), o sujeito
não responderá pelo resultado excessivo, afastando-se o dolo e a culpa
(“excesso exculpante” ou “legítima defesa subjetiva”).
&ODVVLÀFDomR
a) Legítima defesa recíproca: é a legítima defesa contra legítima de-
fesa (inadmissível, salvo se uma delas ou todas forem putativas);
b) legítima defesa sucessiva: é a reação contra o excesso;
c) legítima defesa real: é a que exclui a ilicitude;
d) legítima defesa putativa: é a imaginária, trata-se de modalidade
de erro (CP, arts. 20, § 1º, ou 21);
e) legítima defesa própria: quando o agente salva direito próprio;
f) legítima defesa de terceiro: quando o sujeito defende direito
alheio;
!"
g) legítima defesa subjetiva: dá-se quando há excesso exculpante
(decorrente de erro inevitável);
h) legítima defesa com aberratio ictus: o sujeito, ao repelir a agressão
injusta, por erro na execução, atinge bem de pessoa diversa da que o agredia.
Exemplo: A, para salvar sua vida, saca uma arma de fogo e atira em direção
ao seu algoz, B; no entanto, erra o alvo e acerta C, que apenas passava pelo
local. A agiu sob o abrigo da excludente e deverá ser absolvido criminalmen-
te; na esfera cível, contudo, deverá responder pelos danos decorrentes de sua
conduta contra C, tendo direito de regresso contra B, seu agressor.
!"#"$"%&'()*+,-./0
Compreendem todos os instrumentos empregados regularmente, de
maneira predisposta (previamente instalada), na defesa de algum bem ju-
rídico, geralmente posse ou propriedade. Há autores que distinguem os
ofendículos da defesa mecânica predisposta. Os primeiros seriam apara-
tos visíveis (cacos de vidro nos muros, pontas de lança etc.); os segundos,
ocultos (cercas eletrificadas, armadilhas etc.). De qualquer modo, a juris-
prudência recomenda que o aparato seja sempre visível e inacessível a ter-
ceiros inocentes (em se tratando de defesa mecânica predisposta, é preciso
a existência de alguma advertência visível, p. ex., “cuidado, cão bravo” ou
“atenção, cerca eletrificada”, além da inacessibilidade a terceiros inocen-
tes). Presentes esses requisitos, o titular do bem protegido não responderá
criminalmente pelos resultados lesivos dele decorrentes. Quando atingir
o agressor, terá agido em legítima defesa (preordenada); se atingir terceiro
inocente, será absolvido com base na legítima defesa putativa.
Embora haja dissenso doutrinário a respeito da natureza jurídica
dos ofendículos (legítima defesa ou exercício regular de um direito),
prevalece o entendimento de que sua preparação configura exercício re-
gular de um direito, e sua efetiva utilização diante de um caso concreto,
legítima defesa preordenada. Pela teoria da imputação objetiva, no en-
tanto, a instalação dos ofendículos constitui fato atípico, pois se trata de
exposição de bens jurídicos a riscos permitidos.
'LIHUHQoDVHQWUHOHJtWLPDGHIHVDHHVWDGR
*(%)(,(001*2*(
a) A legítima defesa pressupõe agressão, e o estado de necessidade,
perigo;
b) nela, só há uma pessoa com razão; no estado de necessidade,
todos têm razão, pois seus interesses ou bens são legítimos;
c) há legítima defesa ainda quando evitável a agressão, mas só há
estado de necessidade se o perigo for inevitável;
d) não ocorre legítima defesa contra ataque de animal (salvo quan-
do ele foi instrumento de uma agressão humana), mas existe estado de
necessidade nessas situações.
!"
!"#$"%&'($)*+
!"#5! %6%(+7+)*!(%3,24(!0%!0)(%)'*
Todo aquele que exerce um direito assegurado por lei não prati-
ca ato ilícito. Quando o ordenamento jurídico, por meio de qualquer
de seus ramos, autoriza determinada conduta, sua licitude reflete-se na
!"
seara penal, configurando excludente de ilicitude: exercício regular de
um direito (CP, art. 23, III). A esfera de licitude penal, obviamente, só
alcança os atos exercidos dentro do estritamente permitido. O agente
que inicialmente exerce um direito, mas o faz de modo irregular, trans-
bordando os limites do permitido, comete abuso de direito e responde
pelo excesso, doloso ou culposo (não se podendo excluir a possibilidade
do excesso exculpante).
Interessante assinalar que a excludente pode fundar-se não só em
normas jurídicas mas também nos costumes, como ocorre no caso dos
conhecidos trotes acadêmicos. É certo, por óbvio, que os trotes, se exces-
sivos, constituirão crime.
Os exemplos mais comuns de incidência da excludente em apreço
são:
a) intervenção médico-cirúrgica (a intervenção cirúrgica não prati-
cada por profissional habilitado apenas será autorizada em casos de es-
tado de necessidade); note que o médico deverá colher o consentimento
do paciente, ou de seu representante, se menor, somente se podendo
cogitar de cirurgia independentemente de autorização do paciente nos
casos de estado de necessidade;
b) violência desportiva, desde que o esporte seja regulamentado
oficialmente e a lesão ocorra de acordo com as respectivas regras;
c) desforço imediato na defesa da posse;
d) flagrante facultativo (CPP, art. 301), que constitui a faculdade
conferida por lei a qualquer do povo de prender quem esteja em situa-
ção de flagrante delito.
Imputação objetiva
Cabe enfatizar que, segundo a teoria da imputação objetiva, o exer-
cício regular de um direito deixa de existir como excludente de ilicitude,
sendo suas hipóteses tratadas no âmbito do fato típico, como afastado-
ras da relação de imputação objetiva, tendo em vista que o risco criado
pelo agente nesses casos seria um risco permitido.
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%)'(2,*(%, ! ! &'%()*&+!',*-.(/,!(!0-'1,2('*&!
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2V GRLV ÀOPHV DEDL[R PRVWUDP DV
PD]HODVGRVLVWHPDFDUFHUiULREUD
VLOHLUR GHVWLQDGR Trata-se do pressuposto necessário para a aplicação de uma pena ao
DRV FRQVLGHUDGRV agente que cometeu um crime (fato típico e antijurídico). Dá-se quando
LQLPSXWiYHLV WUD
o sujeito for imputável, detiver possibilidade de compreensão da ilici-
oDQGR XP SDUD
tude de sua conduta e se puder dele exigir comportamento diferente na
OHORFRPRPXQGR
GDVGURJDV
situação em que se encontrava. Embora haja autores que sustentem ser
a culpabilidade requisito do crime, não é essa a conclusão que decorre
9BFGH!DE!7E?E!%@I
AEJ@K+! DBLEJMH! do exame de nossa legislação, a qual afirma, nas hipóteses de falta de
DE! 6@NK! 9HD@OPQR+! culpabilidade, ser o agente isento de pena (v. CP, arts. 21, 22, 26 e 28),
5SST# em vez de declarar não haver crime, como faz no caso das excludentes
2E>! OH<E! OMH! U! de ilicitude (v. CP, art. 23).
3HGOOR+! DBLEJMH! No sistema clássico, a culpabilidade era vista como mero vínculo
DE! 2@>LH! 6B<@+! psicológico entre autor e fato, por meio do dolo e da culpa, que eram
5SS"#! suas espécies (teoria psicológica da culpabilidade). No sistema neoclás-
&! (K?L@OGH! OH! 'BI sico, agregou-se a ela a noção de reprovabilidade, resultando no entendi-
OGH+! DBLEJMH! DE!
mento de que a culpabilidade somente ocorreria se o agente fosse impu-
2BCHV! 0HL<@O+!
tável, agisse dolosa ou culposamente e se se pudesse dele exigir compor-
$WXT#! 2 ORQJD ID]
XPD UHOHLWXUD GD
tamento diferente (teoria psicológico-normativa ou normativa da cul-
REUD GH .HQ .H pabilidade). Já se tratava de um grande avanço, mas o aperfeiçoamento
VH\ FRP R HQIR definitivo só veio com o sistema finalista, pelo qual ela se compunha de
TXH QD UHDO VLWX imputabilidade, possibilidade de compreensão da ilicitude da conduta e
DomR GDV SHVVRDV TXH YLYHP HP de exigir do agente comportamento distinto (teoria normativa pura da
XP VDQDWyULR 1DUUD D KLVWyULD GH culpabilidade).
XPKRPHPTXHFRPHWHXPFULPH
A teoria normativa pura, hoje prevalente, subdivide-se em: teoria
PDVGHYLGRDVHXFRPSRUWDPHQ
limitada e teoria extremada da culpabilidade, as quais são absolutamen-
WR SDVVD R SHUtRGR GH UHFOXVmR
HPXPVDQDWyULR1RGHFRUUHUGR te coincidentes em todos os seus postulados, salvo no tocante à natureza
ÀOPHpDERUGDGDDUtJLGDURWLQDD das descriminantes putativas.
TXHRVSDFLHQWHVVmRVXEPHWLGRV
FRP LQWHQVR XVR GH PHGLFDPHQ
WRV H KXPLOKDo}HV R TXH UHIRUoD
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ação de inimputabilidade para cometer o crime, considerando que, no
momento da conduta, terá afastada a capacidade de autodeterminar-se?
É o caso do sujeito que voluntariamente se deixa hipnotizar para o fim
de cometer o crime, ou se embriaga com esse mesmo propósito. Aplica-
se a teoria da actio libera in causa (ação livre na causa), pela qual o agente
responde pelo resultado produzido, uma vez que, ao se autocolocar no
estado de inimputabilidade, tinha plena consciência do que fazia. Im-
portante advertir que o sujeito só responderá pelo crime se na causa
(ação livre) estiver presente o dolo ou a culpa ligados ao resultado. Em
outras palavras, o resultado posterior que se pretende imputar ao agente
deve ter sido, ao menos, previsível quando da ação livre (hipnose ou
embriaguez, p. ex.).
Como ensina Damásio de Jesus: “A moderna doutrina penal não
aceita a aplicação da teoria da actio libera in causa à embriaguez comple-
ta, voluntária ou culposa e não preordenada, em que o sujeito não pos-
sui previsão, no momento em que se embriaga, da prática do crime. Se o
sujeito se embriaga prevendo a possibilidade de praticar o crime e acei-
tando a produção do resultado, responde pelo delito a título de dolo. Se
ele se embriaga prevendo a possibilidade do resultado e esperando que
ele não se produza, ou não o prevendo, mas devendo prevê-lo, responde
pelo delito a título de culpa. Nos dois últimos casos, é aceita a aplicação
da teoria da actio libera in causa. Diferente é o primeiro caso, em que o
sujeito não desejou, não previu, nem havia elementos de previsão da
ocorrência do resultado” (Direito penal: parte geral, v. 1, p. 513).
a) Doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou re-
tardado (CP, art. 26)
A doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou re-
tardado, se aliada à falta de capacidade de compreender o caráter ilícito
do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, produz a
inimputabilidade.
Três são os requisitos: biológico (a causa, ou seja, a doença mental
etc.); psicológico (o efeito, ex., a supressão das capacidades de entendi-
mento ou autodeterminação); temporal (ocorrência dos requisitos an-
teriores no exato momento da conduta).
O sujeito que, nessa hipótese, praticar um crime será absolvido.
Trata-se de absolvição imprópria, pois a ele se aplicará uma medida de
segurança.
Se, por outro lado, presente a causa, o agente não tiver suprimida
mas simplesmente diminuída a capacidade de entender o caráter ilícito
do fato ou de autodeterminar-se, aplica-se o parágrafo único do art. 26
(“semi-imputável”). A ele poderá ser imposta a pena pelo crime pratica-
do, diminuída de 1 a 2/3, ou uma medida de segurança (art. 98), confor-
me se afigure mais adequado ao juiz, em função da necessidade ou não
!"#$%&'()*" de especial tratamento curativo.
O silvícola inadaptado ao convívio com a civilização, assim como o
+,-./01-2pTXHRXTXHPQDVFH
surdo-mudo alijado da cultura, pode enquadrar-se no art. 26, caput ou
RXYLYHQDVHOYDVHOYDJHP
parágrafo único, de acordo com o caso concreto.
!"
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!"
O adolescente (pessoa com mais de 12 e menos de 18 anos comple-
tos) que pratica um fato definido como crime ou contravenção penal
incorre, nos termos do ECA, em ato infracional, sujeito às chamadas
medidas socioeducativas (internação, semiliberdade etc.).
“O limite de idade deve ser fixado de acordo com a regra do art. 10,
1ª parte: ‘O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo’. Se o fato
é cometido no dia em que o sujeito comemora 18 anos, responde por
crime, pois não se indaga a que hora completa a maioridade penal. A
partir do primeiro instante do dia do aniversário surge a maioridade”
(Damásio de Jesus, Direito penal: parte geral, v. 1, p. 506).
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,$&(4%$&-89330-$:&
Erro, em direito penal, corresponde a uma falsa percepção da rea-
!""#$%&$'()#$*$!""#$
%&$ +"#(,(-.#/$ ,/& lidade, que tanto pode incidir sobre situação fática prevista como ele-
;/<$%&=(4/%2(&>06 mentar ou circunstância do crime (erro de tipo) como sobre a ilicitude
2/+-(*%25& ?,02(%$& da conduta (erro de proibição). Conforme lição clássica de Hans Welzel,
@$%$0A$B a pessoa que subtrai coisa de outra, acreditando ser sua, encontra-se em
erro de tipo (não sabe que subtrai coisa alheia); contudo, se acredita ter
>'!5:;4 o direito de subtrair coisa alheia, como o caso do credor em relação ao
devedor inadimplente, há erro de proibição; ou, ainda, na lição de Da-
!F)GH(&F$%&$&""#$%&$I()# másio de Jesus, quando alguém tem cocaína em casa, na crença de que
!"##$%&'():& 3*4,0A0,/63/& /1& /%%(& constitui outra substância, inócua (ex.: talco), comete erro de tipo (art.
,/&20'(&'%&*'+'%(,-*&/&.$*+'##'/-B 20); mas se souber da natureza da substância, a qual mantém por supor
$C&&!""#$ %&$ I()#$ (JH"(K(JL%#"& D$%2B& equivocadamente que o depósito não é proibido, incide no erro de proi-
EF5& &(.01C:& ?G/1'8(3:& -(+2%$0%& bição (art. 21).
-$3$1/+2(& -(1& '/33($& -$3$6
O erro de tipo dá-se quando o equívoco recai sobre situação fática
,$5& ,/3-(+./-/+,(& -(1'8/6
2$1/+2/& (& 1$2%01H+0(& $+2/%0(%&
prevista como elemento constitutivo do tipo legal de crime (art. 20 do CP).
A980,(&D(&$7/+2/&+I(&3/%9&-(+6 Nele, o agente realiza concretamente todos os elementos de um tipo
30,/%$,(&4J7$1(&K&$%2B&ELM&,(& penal incriminador, sem, contudo, o perceber. Ele até sabe que uma atitu-
;#CN&3*42%$0%&-(03$&$8./0$5&3*'(+6 de como a que pratica configura, em tese, ilícito penal, porém não percebe
,(6$& '%O'%0$& D+I(& (-(%%/& (& -%06 o que está fazendo, pois algum dado da realidade (que constitui elemento
1/&,/&)*%2(&K&$%2B&PMM&,(&;#CB do tipo) refoge à sua percepção. Exemplo: um aluno, ao final da aula, inad-
4C&&!""#$ %&$ I()#$ )&"K(FF(M#& D$%2B& EF5& vertidamente, coloca em sua pasta um livro de um colega, pensando ser o
Q&PRC:&?G/1'8(:&+*1$&-(1$%-$& seu. Esse aluno tem plena noção de que a subtração de coisa alheia móvel
,(& 0+2/%0(%5& *1$& '/33($& S& -(+6
é crime; acredita equivocadamente, todavia, que o bem lhe pertence.
,/+$,$&/&'%(1/2/&$(&T*0<&U*/5&
U*$+,(& -*1'%0%& $& '/+$5& 0%9& Além da estudada acima, há outras modalidades de delito putativo
1$2968(B&#$33$,(&-/%2(&2/1'(5& ou crime imaginário, que são:
(& /3-%0AI(& $8/%2$& (& 1$7032%$,(& a) Delito putativo por erro de proibição: o sujeito realiza um fato
,/&U*/&$U*/8/&%S*&/329&'%/32/3& que, na sua mente, é proibido pela lei criminal, quando, na verdade, sua
$&3/%&3(82(B&V(&,0$&3/7*0+2/5&(&T*0<& ação não caracteriza ilícito penal algum. Exemplo: incesto.
-$10+.$&'(%&*1$&%*$&/3-*%$&/&
b) Delito putativo por obra do agente provocador: dá-se quando o
3/&/+-(+2%$&-(1&3/*&$87(<5&U*/&
8/A$& $& 1I(& $(3& 4(83(3& ,/& 1$6
agente pratica uma conduta delituosa induzido por terceiro, o qual assegura
+/0%$&%/'/+20+$B&W&T*0<5&3*'(+,(& a impossibilidade fática de o crime se consumar. Exemplo: policial à paisa-
U*/&/329&'%/32/3&$&3/%&$8A/T$,(5& na finge-se embriagado para chamar a atenção de um ladrão, que decide
3$-$& ,/& *1$& $%1$5& 1$2$+,(6 roubá-lo; ao fazê-lo, contudo, é preso em flagrante (v. Súmula 145 do STF).
6(N&$'*%$63/5&/1&3/7*0,$5&U*/&(&
1(%2(& 20+.$& +(3& 4(8&3(3& $'/+$3&
*1&408./2/&,/&,/3-*8'$3&D8/7J206
1$&,/)/3$&'*2$20A$CB
$01D$ !884$7!$'6+4$!99!536>E$!$>367!5'>E
2&',$%1():& -(1'%//+,/& (& /%%(&
3(4%/& (& (4T/2(& 1$2/%0$85& (& /%%(& O erro de tipo pode ser: a) essencial, que se subdivide em erro de
+$& /G/-*XI(& /& (& /%%(& 3(4%/& (& tipo incriminador e permissivo; b) acidental, compreendendo o erro so-
+/G(&-$*3$8B bre o objeto material, o erro na execução e o erro sobre o nexo causal.
!"
!"#$"%&'($)*+
!"#"$%&''(%)*%+,-(%*..*/0,12
EF&DNOJ
É o que retira do agente a capacidade de perceber que pratica deter-
minado crime. Pode ser inevitável ou evitável. Em função dele, o sujeito crê &''(%)*%+,-(%,/0',3,/1)('P%%
não cometer ilícito algum (como no exemplo da pessoa que guarda cocaína #$%&'()*+#$(&($,$-$./&#(*0((
em casa acreditando tratar-se de açúcar) ou, ao menos, que comete outro %'#%0.)/1.%'&)(2*(/'3*(2$('.40)/*
crime, diverso do que efetivamente pratica (p. ex., alguém ofende a digni-
dade de uma pessoa desconhecendo que se trata de funcionário público
5)%0)67$,(( ;$.%<7$,=((
no exercício de sua função; apenas se dá conta, nesse caso, de uma situação
*0(8.$7'/67$,9(( 8.$)%0)67$,((
ensejadora de crime de injúria — art. 140 do CP, por ele respondendo, e
!"#$%&'('' *0(57'/67$,9(!"#$%&'
não por desacato — art. 331 do CP).
)&*&#&+(+!'' (')&*&#&+(+!''
O erro de tipo essencial, seja ele evitável ou não, sempre exclui o +,$,-(',%'' +,$,-(.'/!01&)!'('
dolo. Quando inevitável dolo, afasta a culpa. Tal erro ocorre quando o #%$*,-(: *%2&34,'*,0''
equívoco (ex., a falsa percepção da realidade) no qual o agente incor- #%$*('-!'5,%6!0''
reu seria cometido por qualquer pessoa de mediana prudência e dis- *0!6&-4,'$!7($:
cernimento, na situação em que ele se encontrava. Exemplo: o caçador
atira contra um arbusto ferindo uma pessoa que se fazia passar por
animal bravio. O erro essencial pode, ainda, ser evitável, caso pudesse
ter sido evitado por alguém de mediana prudência e discernimento.
Embora afaste o dolo, enseja a punição por crime culposo, se previsto
em lei. Exemplo: o caçador atira contra uma pessoa há poucos metros
de distância porque, estando sem os seus óculos, a confundiu com um
animal1.
!"#"#"%%&''(%)*%+,-(%,/0',3,/1)('%41'+"%#56%!"#$%7%*%
-*'3,..,8(%41'+"%#56%9%$:7"%;,<*'*/=1
O erro de tipo essencial subdivide-se, ainda, em erro de tipo incri-
minador e erro de tipo permissivo:
a) erro de tipo incriminador: a falsa percepção da realidade incide
sobre situação fática prevista como elementar ou circunstância de tipo
penal incriminador (daí o nome);
b) erro de tipo permissivo: o erro recai sobre os pressupostos fáticos
de uma causa de justificação (ex., excludente de ilicitude, que se encon-
tra em tipos penais permissivos).
% % &?@ABCBDEDF&?%GHFEFBIE?%&%E?%
;
%!"> F&JABE?%&KFA&CE;E%&%LBCBFE;E%;E%
@HLGEMBLB;E;&
!"
duas espécies de descriminantes putativas: por erro de tipo e por erro
+-%367' de proibição:
,:;<=>?>@A@B:;!CDBAB>EA;
a) por erro de tipo: dá-se quando o equívoco incide sobre os pres-
supostos de fato da excludente;
(VSpFLHV
b) por erro de proibição: verifica-se quando a falsa percepção da
#$%!(F=! :==F! G:! B>CFH% &'()*% +,#-(
&.% .% *+,/0.1.% 2-12&*% ).34*% .)%
realidade incide sobre os limites legais (normativos) da causa de justifi-
54*)),5.)6.)% &*% 7#6.% &#% *819,(
cação. O agente sabe exatamente o que está fazendo, percebe toda a si-
&*-6*: tuação; desconhece, no entanto, que a lei proíbe sua conduta. Pensa que
age de forma correta, quando, na verdade, sua conduta é errada, proibi-
3$%!(F=! :==F! G:! C=F>I>JKFH YHULÀFD
()*%+,#-&.%#%7#9)#%5*41*5;<.%
da, censurada pelo ordenamento penal. É o chamado erro de proibição
&#% 4*#92&#&*% 2-12&*% ).34*% .)%
indireto, que será estudado dentro da culpabilidade. Exemplo: “Um ofi-
92=26*)% 9*>#2)% ?-.4=#620.)$% &#% cial de justiça realiza uma penhora. O executado, por erro, supõe que a
FDXVDGHMXVWLÀFDomR([HPSOR diligência é injusta e reage em imaginária legítima defesa. O erro deriva
,=%*8*1,6#&.%4*#>*%@%5*-A.( não da má apreciação das circunstâncias do fato, mas de incorreta con-
UDIHLWDSRUXPRÀFLDOGHMXVWLoD sideração da qualidade da agressão. Esta existe, mas é justa. O executado
5.4% *-6*-&B(9#C% *+,20.1#&#( a supõe injusta. Aplica-se o art. 21: se o erro é invencível, há exclusão da
=*-6*C%2-D,)6#: culpabilidade, se vencível, não há exclusão da culpabilidade e sim dimi-
1DWXUH]DMXUtGLFD nuição de pena” (Damásio de Jesus, Novas questões criminais, p. 136).
E$%%F#4#% #% 6*.42#% *864*=#&#% &#% A natureza jurídica das descriminantes putativas varia de acordo
1,95#3292&#&*C% #=3#)% 1.-)62( com a teoria da culpabilidade adotada (extremada ou limitada, que são
6,*=%*44.%&*%54.232;<.: variações da teoria normativa pura da culpabilidade). São teorias que
G$%%F#4#%#%6*.42#%92=26#&#%&#%1,95#( coincidem em praticamente todos os pontos, exceto em um: justamente
3292&#&*C%#%&*)142=2-#-6*%5,6#( sobre a natureza das descriminantes putativas.
WLYD SRU HUUR GH WLSR FRQÀJXUD Para a teoria extremada, todas as descriminantes putativas, seja as
*44.%&*%625.C%*%#%.,64#C%*44.%&*% que incidam sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação,
54.232;<.: seja as que recaiam sobre os limites autorizadores de uma excludente de
ilicitude, são tratadas como erro de proibição (só haveria, portanto, des-
H*.42#% #&.6#&#% 5*9.% IFJ% 92=2( criminantes putativas por erro de proibição). Já para a teoria limitada da
6#&#% &#% 1,95#3292&#&*% ?26*=% culpabilidade, quando o erro do agente recai sobre os pressupostos fáticos,
EK%&#%L85.)2;<.%&*%M.620.)%&#%
há erro de tipo (erro de tipo permissivo), ao passo que, se incidir sobre os
F#46*%N*4#9%&.%IF$:
limites autorizadores, há erro de proibição (erro de proibição indireto).
Nosso CP adotou a teoria limitada da culpabilidade (v. item 17 da
Exposição de Motivos da Parte Geral do CP).
Em resumo: a) teoria extremada da culpabilidade — as descrimi-
nantes putativas sempre têm natureza de erro de proibição; b) teoria
limitada da culpabilidade — se o equívoco reside na má apreciação de
circunstância fática, há erro de tipo; se incidir nos requisitos normativos
da causa de justificação, erro de proibição.
! &&'!(&')'*+,'!('&!-%&*%.&'/!
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%&&'!0'1&%!'!'12%-'/!%&&'!0'1&%!
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!!
Diferença entre o erro sobre a pessoa e a aberratio ictus (erro na
+*&134-
execução): “O erro sobre a pessoa surge no momento da formação
#$%&%'$()*+,-&%-./$'(&%-&%0'$1 da vontade e nisso se distingue da aberratio ictus, que surge no mo-
+$2-.-&% 23&% 4&'% 0'$/.(+&% $5% *$.% mento da execução da vontade” (Paulo José da Costa Júnior, Comen-
6&5&% 6'.5$% 6)*0&(&% &)% 4&'% 5$1 tários ao Código Penal, p. 380-382, apud Luiz Flávio Gomes, Erro de
2&(% 7',/$% 8)$% ,% 6&2-)+,% $5% (.9% tipo e erro de proibição, p. 126). Além disso, no erro sobre a pessoa,
23&% ($% ,0*.6,% ,% '$7',% -&% ,'+:% ;<:% a vítima visada nem sequer chega a ser ameaçada com a conduta do
=>$50*&?%&%,7$2+$%,+.',%2,%/@+.5,% agente.
$%23&%,%,6$'+,9%,+.27.2-&%,0$2,(%
)5,% /.-',A,:% B0*.6,2-&1($% ,% '$1
2ª) Aberratio criminis (resultado diverso do pretendido) — art. 74
7',%-&%,'+:%;<9%-$/$'.,%'$(0&2-$'% do CP
(&5$2+$%0$*&%'$()*+,-&9%($%0'$/.(1 Pressuposto: o erro do agente também está nos meios executórios.
+,% ,% 4&'5,% 6)*0&(,:% C6&''$% 8)$% No entanto, em vez de atingir pessoa diversa da pretendida, acaba por
23&%DE%6'.5$%-$%-,2&%6)*0&(&%2&%
atingir bem jurídico diverso do pretendido (daí o nomen iuris: resultado
FG9%-$%5&-&%8)$%.((&%.50*.6,'.,%,%
23&% '$(0&2(,H.*.I,A3&% -&% ,7$21
diverso do pretendido).
+$:%J$(($%6,(&9%,%$*$%-$/$%($'%.51 Exemplo: o agente atira uma pedra contra uma vidraça e acerta
0)+,-,%)5,%+$2+,+./,%H',26,%-$% uma pessoa (só responde por lesão corporal culposa, ficando absorvida
D&5.6@-.&:%#$%,((.5%23&%4&(($9%)5% a tentativa de dano).
4,+&% ,+@0.6&% K-,2&% 6)*0&(&L% ,H1
(&'/$'.,% )5% 4,+&% +@0.6&% K+$2+,+./,%
Espécies:
-$%D&5.6@-.&L: a) com unidade simples ou resultado único: só atinge o bem jurídi-
co diverso do pretendido; para falar em aberratio criminis pressupõe-se
que o bem jurídico diverso tenha sido atingido por erro (leia-se: culpa),
pois, se houve dolo, ainda que eventual, deve o agente responder pelo
crime na forma dolosa, não se aplicando o art. 74;
— consequência: só responde pelo resultado produzido e, mesmo
assim, se previsto como crime culposo;
b) com unidade complexa ou resultado duplo: atinge o bem jurí-
dico que almejava e outro, diverso do pretendido, por erro na execução;
— consequência: concurso formal.
! ! &'()*+,-!,./&%'-!,-!0%&*&1,.,-!
%
!"#$ 2!"#$$!%&'()$&*&+&,-
!""
!"#$"%&'($)*+
-lhe que não realize ato de ofício; amedrontado, omite-se; depois, per-
cebe que a carta era endereçada a outro funcionário com atribuição
semelhante à sua. Responde o agente por prevaricação? A resposta é
negativa, devendo aplicar-se os princípios relativos ao erro de proibição
(CP, art. 21).
O agente, supondo existente uma ordem, não manifestamente ile-
gal, de superior hierárquico, pratica uma conduta. Na verdade, contu-
do, a ordem não foi dada. Responde pelo crime cometido? Não pode
ser aplicado o art. 22 porque não havia ordem. É o caso de aplicar o art.
21: erro de proibição. O agente supôs que sua conduta era lícita porque
agiu na crença de que havia uma ordem de autoridade superior, a qual
lhe pareceu legal (e cuja ilegalidade, à vista do homem médio, não era
manifesta).
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Considere uma pessoa humilde, que não teve seu nascimento regis-
trado em cartório, acreditando ter 17 anos, quando, na verdade, possui
18 (circunstância apurada mediante perícia). Também aqui devem ser
aplicados os princípios relativos ao erro de proibição.
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!"#$%&$'(') ./01/. !%+!)$*%.).+%2)+!3(*"#(
$%&'(&)*+),-.'/-012-1'3(&)4
5.1-.'160+728'9:),&'(191,&8')&;&' Uma infração penal, na grande maioria das vezes, é obra de uma
(1912:)5&<' (&2' 1,+657.-&=' >' (.-4 só pessoa. Casos há, entretanto, em que várias pessoas reúnem esforços,
2:',:'1,+657.-&'31.5='?#"',&'@A<'*&-' materiais ou intelectuais, com o fim de cooperar para o mesmo delito.
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Como regra, os crimes podem ser praticados por uma só pessoa
,-9(-B6-)1'1B:)19')&'C2/-5&'(-;-6=
ou por várias, em coautoria ou participação (v. item 10.4, abaixo). Tais
delitos denominam-se unissubjetivos, monossubjetivos ou de concurso
(*)+,-%
eventual.
D:99165:49:' E+:8' )&' (.-2:' ,:' Outros, contudo, apenas podem ser cometidos por várias pessoas
.-F18' :2' E+:' B:9:' &' *15&' ,:' &9' reunidas; são casos em que a pluralidade de sujeitos ativos aparece como
(&)5:),&.:9'9:.:2'9+G:-5&9'15-;&9':'
condição para a existência do ilícito penal. Esses crimes chamam-se plu-
B199-;&9'1'+2'9H'5:2B&8')%&'IJ';-&4
rissubjetivos ou de concurso necessário. Neles, não se fala em coautoria
61K%&' 1&' B.-)(LB-&' ,1' 165:.-,1,:8'
B&-9' &' ,:6-5&' B.:99+BM:' 10.:99M:9'
ou participação, pois todos os concorrentes são considerados autores do
.:(LB.&(19',&9'.-F&9&98':8'B&.51)5&8' crime. A doutrina subdivide-os em: a) crimes plurissubjetivos de con-
&(&..:2'6:9M:9'1'/:)9'16I:-&9= dutas paralelas (ex.: CP, art. 288 — associação criminosa); b) de condu-
tas convergentes (ex.: CP, art. 235 — bigamia); e c) de condutas contra-
!"#$%&$'(') postas (ex.: CP, art. 137 — rixa ).
N' 5:&.-1' +)-5J.-1' 3@A8' 1.5=' ?O8' De qualquer modo, quando mais de uma pessoa concorre para a
!"#$%<' 0+1.,1' B.&*+),1' .:61K%&' mesma infração penal, fala-se em codelinquência, concurso de agentes
(&2'1'5:&.-1',1':E+-;16P)(-1',&9' ou concurso de pessoas.
1)5:(:,:)5:9'3@A8'1.5='!Q8'!"#$%<8'
9:0+),&'1'E+16'9:'(&)9-,:.1'(1+4
91' ,&' .:9+651,&' 5&,&' :' E+16E+:.'
. *. )%#$(&.).#)5"$&$*%&.'%.!%+!"#&%.
*15&.' E+:' B1.1' :6:' 5:)I1' (&)5.-4 ./014 ').6)&&%(&
/+L,&8' 1-),1' E+:' 2-)-212:)5:='
R:'2&,&'9:2:6I1)5:8'1'-)*.1K%&'
(&)9-,:.149:'B.&,+5&',1'(&),+51'
,:' (1,1' +28' -),:B:),:)5:2:)4
Há três teorias a respeito do tema: 1ª) monista, monística ou unitá-
5:' ,&' 15&' B.15-(1,&8' ,:9,:' E+:' ria; 2ª) dualista ou dualística; e 3ª) pluralista ou pluralística.
:6:'5:)I1'5-,&'160+21'.:6:;C)(-1' A primeira, adotada como regra em nossa legislação (CP, art. 29,
(1+916'B1.1'&'.:9+651,&= caput), determina que todo aquele que concorre para o crime responde
pelas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. Assim,
L$L3$%*)!( exemplificativamente, respondem pelo crime de latrocínio (CP, art. 157,
!789:;<=>7?. @. 39>. § 3º, última figura) tanto o agente que empunha a arma e efetua o dis-
A9. %=BC:>DCEF7. paro quanto o que, ciente de tudo, limita-se a dar-lhe cobertura (v. TJSP,
!=>8>:7?CG. 39>. :1. RT, 776/576).
/41HI0J. 40/K8' ,:' Já para a teoria dualista, os coautores incorrem em determinado
@:S1.' D&/:.5&' T-4 crime, e os partícipes, em outro.
5:)(&+.5' :' A1+6&'
Não foi adotada em nossa legislação, embora se possa afirmar que
@791.' T+915&8' U,-4
o art. 29, § 1º, que trata da participação de menor importância, pos-
5&.1' V1.1-;1=' R:' 21):-.1' ,-,J5-4
(1'1'&/.1'5.1S'(&2:)5J.-&9'W'X:-8'
sui solução assemelhada à proposta pela presente teoria (o autor será
1/&.,1),&' &9' B&)5&9' ,:' 21-&.' enquadrado diretamente no tipo penal incriminador, p. ex., art. 121, e
.:6:;C)(-18' (&)5.-/+-),&' B1.1' :94 aquele que contribuiu de modo reduzido, no 121 c/c o art. 29, § 1º, im-
(61.:(:.'19'165:.1KM:9')&.215-;19' pondo-se-lhe pena menor).
9&/.:'&'5:21=' Na visão da última delas, ou seja, da pluralista, para cada agente,
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Dessas, o CP adotou a teoria restritiva: autor, portanto, será aquele
')30,-. que praticar a ação nuclear; coautores, os que cooperarem na execução
do delito; partícipes, por fim, todas as pessoas que prestarem auxílio
$%&'( %)%*+,-( .%( +'/0121+'3
45-(6-(2/1*%(.%(,'0/-2761-8(!"#$%& moral (induzimento ou instigação) ou material. A doutrina, porém, sus-
'() "*) +,-",') .(%/$'( 69( :;9<=;>( tenta deva ser aceita no Brasil a teoria do domínio do fato como solução
?@A>( B%,'0-/( C161D0/-( E%-+-,.-( .%( aos casos de autoria mediata.
F//G.'( B'+-D-( HI%D%*J'/K'.-/(
2-6L-2'.-(.-(@AMNO9(P=(H.-1DO(2-/3
UpXV TXH ÀQGDUDP DSHQDGRV SRU
,'0/-2761->( 0G.-( 2-*( -( 'G)7,1-( .%(
!"#$%! &'()*+*&',-.
G*(0%/2%1/-(/QG>(2-6.%6'.-(2-*-(
162G/D-(6'D(D'64R%D(.-('/09(<S;(.-( Todo aquele que, mesmo não praticando a conduta descrita no tipo
TM>(H999O('K16.-(2-*-(*-0-/1D0'(.-( penal, coopera com o crime responde pelas penas a este cominadas, sen-
J'6.-U9(@/%2V-(.'(N*%60'9 do considerado seu partícipe.
Na participação, o procedimento de adequação típica não se dá di-
+*034')3+' retamente, ou seja, o ato do partícipe não se enquadra no tipo incrimi-
nador. O art. 121 do CP, isoladamente considerado, pune quem mata al-
5676896! 4:;<= guém, mas não aquele que, por exemplo, lhe empresta a arma do crime.
8>;6?! @>7>A>@B! Essa ação, entretanto, também é penalmente relevante por força do art.
CB7! 2D68E:F! GH= 29 do CP (norma de extensão pessoal da figura típica).
I7>;J?! "KLM$( W( Discute-se a natureza jurídica da participação. A conduta nela
ÀOPH WUDWD GD
substanciada, inequivocamente, é acessória em relação à do autor, de tal
V1D0X/1'(.%(F,%)>(
forma que o partícipe só será punido se o autor também o for (v. art. 31
,7.%/( .%( G*'(
do CP). O nível dessa acessoriedade, entretanto, é controverso:
K'6KG%(.%(.%3
,16YG%60%D( ( YG%( *'0'*>( /-GJ'*( a) teoria da acessoriedade mínima: a conduta do autor precisa ser,
%( %D0G+/'*( '0Q( D%/%*( +/%D-D9( W( pelo menos, típica, a fim de que se puna o partícipe (crítica: se alguém
ÀOPH p XP H[HPSOR ULFR GH FRQ induzir uma pessoa à prática de um homicídio em legítima defesa, co-
FXUVRGHSHVVRDVFRPDÀQDOLGDGH meterá crime);
.%(2-*%0%/(2/1*%D>(',Q*(.'('6Z,13 b) teoria da acessoriedade limitada: exige que a conduta do autor
D%(.%(YG%D0R%D(*-/'1D(D-J/%(-D(1*3
seja típica e ilícita (é a melhor teoria);
+G,D-D(.%D0/G01L-D(.-(D%/(VG*'6-9(
c) teoria da acessoriedade extrema: a conduta do autor deve ser tí-
pica, ilícita e culpável (crítica: quando se induz menor a matar, ninguém
responde pelo crime — o menor, por ser inimputável; o partícipe, por-
que auxiliou numa conduta sem culpabilidade);
d) teoria da hiperacessoriedade: sustenta que o fato deve ser típico,
ilícito e culpável, acrescentando que o partícipe responderá pelas agra-
vantes e atenuantes pessoais do autor.
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! ! .80,9,7.:;'!-*!(*+'8!
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!"#$6 ,(7'80<+!9,.!*!-'/'1.(*+0*!
-,10,+0.
a) CP, art. 29, § 1º: ao agente que tiver participação de menor impor-
tância, a pena pode ser diminuída de 1/6 a 1/3. Advirta-se que o disposi-
tivo só se aplica aos partícipes, não aos coautores. Exemplo: o agente que,
ciente da intenção homicida de alguém, limita-se a indicar-lhe o local
para a aquisição de uma arma, pratica conduta que, embora tenha algu-
ma relevância causal, pode ser considerada como participação de me-
nor importância.
b) CP, art. 29, § 2º: se o agente quis participar de crime menos gra-
ve, ser-lhe-á aplicada a pena deste, que será aumentada da metade se o
resultado mais grave era previsível. Exemplo: duas pessoas combinam
praticar um furto e uma delas, sem o conhecimento da outra, leva con-
sigo uma arma de fogo, que vem a ser utilizada, matando o ofendido. O
atirador comete latrocínio, e o comparsa, furto qualificado pelo concur-
so de duas pessoas.
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