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O TEXTO LITERÁRIO COMO DOCUMENTO HISTÓRICO: PENSANDO A POESIA

ARCÁDICA BRASILEIRA NO CONTEXTO DO FINAL DO SÉC. XVIII

THE LITERARY TEXT AS HISTORICAL DOCUMENT: THINKING THE BRAZILIAN


ARCADIAN POETRY IN THE CONTEXT OF THE END OF THE 18TH CENTURY

Carlos Versiani dos Anjos


, Doutor em estudos literários pela UFMG1

(carlos.versiani@gmail.com)

RESUMO:
Este trabalho pretende discutir a apropriação do texto literário como documento
histórico, aplicando os métodos de análise documental da Nova História,
caracterizados pela multidisciplinaridade e pela ampliação/fragmentação dos objetos
do conhecimento histórico. Este estudo tem como apoio alguns fragmentos
selecionados do arcadismo brasileiro, especialmente do poema “Vila Rica”, de Cláudio
Manoel da Costa. Procuramos entender como a poética da Arcádia Ultramarina, e
seus respectivos autores, se situam no contexto de fundação da chamada
“modernidade”, em que se operou uma reformulação dos paradigmas universais da
ciência, da cultura e da política. Tentamos responder como e por que é possível
distinguir, nas obras estudadas, ideias e conceitos intimamente ligados às
transformações então correntes, na Europa e no Brasil, nas últimas décadas do século
XVIII.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Nova História. Cláudio Manuel da Costa.


Modernidade. Arcádia Ultramarina.

ABSTRACT:
This paper intends to discuss the appropriation of the literary text as a historical
document, by applying the New History's documents analysis methods, characterized
by multidisciplinarity and expansion / fragmentation of historical knowledge objects.
This study is supported by  some selected fragments of the Brazilian Arcadian
Literature, especially of the poem "Vila Rica", by Cláudio Manuel da Costa. We aim to
understand how the poetics expression of Arcadian Overseas, and their authors, are
situated in the foundation of the so-called "modernity", in which was operated a
reformulation of universal paradigms of science, culture and politics. We tried to
answer how and why it is possible to distinguish, in the texts studied, ideas and
concepts closely linked to the transformations in Europe and Brazil in the last decades
of the eighteenth century.

KEY-WORDS: Literature. New History. Cláudio Manuel da Costa. Modernity.


Arcadian Overseas.

1 - Bolsista da CAPES, com bolsa sanduiche em Portugal


A utilização do texto literário como documento histórico
Sabemos ser muito controversa a questão de se abordar histórica ou
socialmente os textos literários. O advento do estruturalismo na década e 50 e 60 do
século passado acidulou ainda mais a crítica à associação da obra literária ao
contexto social ou histórico em que foi produzida, por se defender que sua
apreciação só permitiria análises formais internas. Essa visão estruturalista,
posteriormente, sofreria fortes abalos no mundo acadêmico e intelectual, pelo
entendimento de que não se pode descolar a obra literária da sociedade na qual ela
foi produzida. Podemos recuperar, por exemplo, uma crítica de Foucault, em
entrevista que introduz a “Microfísica do Poder”, à suposta tentativa do
estruturalismo em abolir o conceito de acontecimento, por “considerar que existe
todo um escalonamento de tipos de acontecimentos diferentes que não têm o
mesmo alcance, a mesma amplitude cronológica, nem a mesma capacidade de
produzir efeitos”. (FOUCAULT, 1990, p. 4) Efeitos entre os quais se incluiriam os
literários, diríamos nós. Todo evento literário, portanto, estaria também inscrito num
tempo e num espaço, sem os quais seria impossível alcançá-lo.
Quanto aos textos literários anteriores ao Romantismo, porém, a polêmica
de se atribuir às obras significados sociológicos, políticos ou ideológicos,
permanece, pela importância dada às convenções e regras formais na configuração
plástica e retórica da produção poética anterior ao século XIX. No Brasil, Alcir
Pécora é taxativo ao adotar como premissa teórica, na análise de textos literários do
século XVII e XVIII, a compreensão de que os mesmos só podem ser estudados “a
partir do exame de procedimentos previstos e aplicados pelas convenções letradas
em vigência no período em questão”. O que significa recusar a visão de que os
objetos literários possam ser entendidos como reflexos ou representações “de
referentes externos de qualquer espécie”. Por outro lado, Pécora defende que para
compreender “adequadamente os efeitos propiciados por determinado gênero
letrado”, não se pode prescindir de entendê-lo como um “produto histórico”
determinado, pois as convenções do gênero não poderiam ser permanentes,
demonstrarem os mesmos efeitos ou qualidades em qualquer tempo ou em qualquer
lugar. E vai mais além:

... o gênero não tem de ser puro ou inalterável em suas disposições,


assim como o objeto não é idêntico à aplicação de um conjunto de
prescrições encontradas em determinada preceptiva do período:
paráfrases de manuais de retórica não dão conta dos sentidos
específicos dos objetos. Ao contrário, a tendência histórica básica
dos mais diferentes gêneros é a de desenvolver formas mistas, com
dinamicidade relativa nos diferentes períodos, que impedem
definitivamente a descrição de qualquer objeto como simples coleção
de aplicações genéricas. (PÉCORA, 2001, p. 12)

Ora, esta última afirmação pode ser bem aplicada ao modo como
pretendemos abordar, como documentos históricos do seu tempo, a poética dos
árcades ultramarinos. Ou seja, ainda que a produção arcádica brasileira estivesse
enquadrada dentro das convenções do período (e se assim não fosse, não se
poderia chamar de Arcadismo o que se produzia), acreditamos que existam ainda
brechas ou novas possibilidades para uma real definição dessas mesmas
convenções, em seus componentes mistos ou híbridos, principalmente ao se levar
em conta as particularidades advindas do contexto colonial, a origem “americana”
dos poetas, e sua interlocução europeia para além das fronteiras lusitanas. É farta a
presença das referências bucólicas e mitológicas europeias, do estilo laudatório, e
de muitas outras convenções próprias do gênero arcádico e suas subdivisões
poéticas (sonetos, madrigais, sátiras, epicédios, etc); mas a produção arcádica
brasileira se caracterizaria também pela existência de matizes locais, ou regionais,
como se verifica nas próprias descrições da realidade cultural e geográfica da
América portuguesa. Haveria, ainda, uma filiação manifesta ao ideário neoclássico e
ilustrado, com influências advindas, direta ou indiretamente, do iluminismo francês,
mas ajustadas aos conflitos subjacentes à própria condição colonial.
Aqui tentamos nos aproximar dos princípios da “genealogia” proposta por
Nietzsche, via Foucault, que as aplica às suas concepções de história. Trata-se de
fragmentar as interpretações absolutas, já fundadas e oficialmente estabelecidas,
sobre as convenções que regeriam “desde sempre” o arcadismo, para enxergá-lo
distintamente, a partir do contexto temporal e espacial sobre o qual se forjam os
versos desta forma poética. Temos que a chamada Arcádia Ultramarina se
2 3

2 - Como afirmava Foucault, “não é porque há signos primeiros e enigmáticos que estamos agora dedicados à
tarefa de interpretar, mas, sim, porque há interpretações, porque não cessa de haver, debaixo de tudo o que se
fala, a grande trama das interpretações...” (FOUCAULT, 2008, p. 48).
3 - Denominação utilizada por Cláudio Manuel, ao fundar em Vila Rica, no ano de 1768, a academia literária que
reuniria os árcades mineiros. Documentação de 1764 comprovaria sua filiação à Arcádia Romana, por
intercessão de Basílio da Gama (Termindo Sipílio) e Joaquim Inácio de Seixas Brandão (Driásio Erimanteu).
Além de Cláudio Manuel (Glauceste Satúrnio), se declarariam árcades ultramarinos Silva Alvarenga (Alcindo
Palmireno) e Alvarenga Peixoto (Eureste Fenício). Pode-se ler a respeito em recente tese intitulada “O
movimento arcádico no Brasil setecentista: significado político e cultural da Arcádia ultramarina”. (VERSIANI,
2015)
alimentava de fontes referentes tanto ao contexto colonial quanto ao contexto
metropolitano e europeu, e todas essas referências externas pulsavam
internamente, na retórica de sua poética. Caminhamos no sentido de decifrar melhor
os códigos particulares e convenções a que obedecia a obra dos árcades
ultramarinos, entendendo a presença de elementos do tempo histórico que viviam no
conteúdo de sua poesia, como parte mesma desses códigos.
Dando-nos também alicerce para essa empresa está a Nova História,
fundada por LeFebvre e March Bloch, que tem em Jacques Le Goff um porta-voz de
suas maiores revoluções: a ampliação e reformulação do conceito de documento; a
ampliação dos objetos de estudo da história (história das ideias, do cotidiano, da
vida privada...); a interdisciplinaridade com outras áreas das ciências humanas e
sociais; o emprego da história quantitativa como método de investigação...E se na
teoria literária encontramos dificuldades para a utilização da literatura como
documento histórico, a Nova História abre todas as portas para este
empreendimento, pois para esta escola, tudo que existe, como matéria ou oralidade
– como expressão artística, literária ou científica; como ruína ou fragmento – pode e
deve servir, enquanto documento/monumento, de elemento para a investigação do
historiador. E ninguém formulou melhor isto que March Bloch:

A História faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando


estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se (...) com tudo o que
a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel,
na falta das flores habituais. Logo, com palavras. Signos. Paisagens
e telhas. Com as formas do campo e das ervas daninhas. Com os
exames de pedras feitos pelos geólogos e com as análises de metais
feitos pelos químicos. Numa palavra, com tudo o que, pertencendo
ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem,
demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser
do homem. (LE GOFF, 2003, p. 536)

Jacques Le Goff também ensina, com propriedade, que ao abordarmos os


documentos, sejam de qual natureza forem, importa não isolá-los “do conjunto de
monumentos de que fazem parte”. (LE GOFF, 2003, p. 538) E a Arcádia
Ultramarina, oficialmente afiliada à Arcádia Romana, apesar de manter fortes as
rédeas da convenção pastoril, estaria impregnada por outras relações de saber e de
poder, por outros valores e paradigmas que se colocavam no tempo histórico de sua
produção literária, a que os historiadores da literatura não devem se furtar ou
esquivar.
História, convenção e modernidade: “arqueologia” do arcadismo brasileiro no
contexto histórico do final do século XVIII
Uma questão fundamental que se coloca é de que modo o arcadismo, e
especificamente, a escola arcádica brasileira, se integraria às transformações
estéticas e culturais que estavam se processando na Europa, com repercussões no
mundo colonial, a partir da segunda metade do final do século XVIII, com o advento
da modernidade, a qual traria embutida, segundo Foucault, a “invenção” do homem.
Na verdade Nietzsche, bem antes de Foucault, seria o primeiro filósofo a situar a
origem do humanismo nos acontecimentos que estariam presentes no início da
chamada modernidade: o surgimento das ciências empíricas, o iluminismo e a
revolução francesa, a separação entre ciência e teologia, a filosofia kantiana...
“Invenção” do homem porque ele deixaria, a partir daí, de ser
compreendido apenas como mera representação de um saber filosófico ou científico,
aparecendo na dupla posição de objeto e sujeito do conhecimento: “aquilo que é
preciso conhecer e aquilo a partir do que se conhece”. (MACHADO, 1990, p. 86)
Surgiria a noção de “tempo histórico”, aplicada tanto à evolução da ciência, quanto à
evolução da própria sociedade. Na filosofia, o enciclopedismo e o iluminismo
buscam utopicamente ordenar e explicar racionalmente toda a arte, trabalho e
ciência humanos, inventar uma nova ordem social, na mesma medida em que
querem varrer para o esquecimento os modelos de poder calcados nos critérios e
valores do Antigo Regime.
Na literatura, este nascimento do homem moderno significaria a morte
dos princípios e convenções universais a que a linguagem deveria se adequar.
Segundo Foucault, o “ser da linguagem da literatura moderna aparece quando
desaparece a linguagem primeva e absoluta”: o Deus, a Verdade, o Modelo, a
Convenção – que toda obra deveria repetir ou representar, e nasce o ecoar de todas
as palavras ditas na história da humanidade, através da literatura que destrói e
liberta palavras, “incessantemente, indefinidamente, infinitamente”. (MACHADO,
1990, p. 110) Isso se aplicaria ao surgimento do romantismo na Europa, ainda no
final do século XVIII, exatamente no mesmo período em que o Arcadismo se
mantém em ascensão em grande parte da Europa e na América Portuguesa.
A grande questão é saber se existiria espaço, dentro do movimento
arcádico brasileiro, para o aparecimento de um sujeito que buscasse entender e
explicar racionalmente a sociedade transformada em que vive, expressando, através
da poesia, não apenas uma representação simbólica ou alegórica do mundo, à
semelhança do barroco, mas também uma intenção ideológica, social ou política. Ou
se, antes, já se verificaria no arcadismo, ainda sob o peso de todas as convenções e
retóricas da tradição, a elisão do sujeito, de uma consciência arbitrária, restando ao
historiador da literatura o trabalho de tentar perscrutar, juntar e recolher, nas obras,
os fragmentos dos vários discursos, provenientes da tradição ou das revoluções
culturais que ocorriam. Em ambas perspectivas, permaneceria aberta a possibilidade
de investigação, na produção poética do arcadismo brasileiro, de elementos
referenciais do contexto histórico – político e social, local ou universal – a que os
poetas pertenciam.
A hipótese aqui colocada é que os árcades brasileiros tanto começam a
se colocar como sujeitos do conhecimento, pela sua própria formação científica e
intelectual, como sua poesia também começa a se libertar e se expandir,
absorvendo colorações novas a partir do contexto local e universal com que os
poetas interagem, sem que isso se faça necessariamente por intenção declarada e
consciente dos mesmos. Reinaldo Marques já chamava a atenção para a
consciência que os letrados mineiros possuíam do espaço urbano, como local
privilegiado do discurso poético, através do qual se fariam catalisadores dos vários
outros discursos que circunscrevem este espaço: político, jurídico, histórico,
geográfico... Ao registrarem, nos poemas, a paisagem física, humana e cultural da
sociedade mineira os árcades ultramarinos acabam conferindo um caráter científico
ou enciclopédico à sua poesia, em consonância com o buscado viés científico e
enciclopédico das demais academias do século XVIII, na Europa ou no Brasil. 4

(MARQUES, 2005)
Para se chegar mais próximo às singularidades da Arcádia Ultramarina,
em suas ligações internas e externas, particulares e universais, há a necessidade de
se operar nos poemas uma leitura oblíqua, subliminar, das entrelinhas, dos
ocultamentos, das citações implícitas, levando em conta também o poder de censura
da Real Mesa Censória, quando os textos fossem destinados a alguma publicação.
E lembrando sempre da vinculação orgânica entre os aspectos “internos” e
“externos” aos textos literários. Como ensina Antônio Cândido em “Literatura e

4- Tais registros podem ser fácil e fartamente encontrados nas Cartas Chilenas, de Gonzaga, ou no poema Vila
Rica, de Cláudio Manuel.
Sociedade”, tanto a visão da imposição dos fatores externos, quanto a visão de
independência da estrutura formal dos textos, se combinariam “como momentos
necessários do processo interpretativo”. Fatores externos aí, não poderiam ser
vistos “como causa, significado, mas como elementos que desempenham um papel
na constituição da estrutura, tornando-se, portanto, internos.” (CANDIDO, 2006, p.
14)
O grande problema nesse trabalho é o enfrentamento de rótulos cada vez
mais arraigados na crítica literária brasileira, sob a justificativa de uma pretensa
inovação ou destruição de mitos. Pois quando se analisa a existência de duas forças
elementares na dita Arcádia Ultramarina – as suas ligações discursivas com a
sociedade e natureza locais, ou as ligações com a ilustração europeia – muitos
críticos tendem a enquadrar tais interpretações em determinados rótulos ideológicos:
se realçada a presença das cores locais, estaria simplesmente se repetindo o
manual dos românticos do século XIX na análise do arcadismo; se é reforçada a
presença de valores universais, iluministas, se estaria a serviço de uma visão
teleológica, enxergando posições político-ideológicas que só no futuro poderiam ser
reconhecidas na literatura brasileira.
Adotamos como fundamento que na história, como na arte ou na
literatura, nada pode ser identificado, a priori, como prenúncio de nada; que todas as
apreciações críticas e expressões artísticas passadas estão circunscritas ao
momento histórico em que são elaboradas. Walter Benjamin lembrava, em “ O Anjo
da História”, de carta escrita por Engels a Mehring, em 1893, contestando o “hábito,
na história das ideias, de apresentar um novo dogma como ‘evolução’ de um
anterior, uma nova escola literária como ‘reação’ a outra, um novo estilo como
‘superação’ do que o precede”. (BENJAMIN, 2010, p. 109) O que ocorre na literatura
é a possibilidade de haver, num mesmo tempo histórico, em espaços distintos, a
coexistência de gêneros diferentes, com a transmigração de elementos dos
mesmos, pela circulação das obras e ou pela circularidade cultural dos poetas e
escritores. Isso, sem dúvida, ocorreria também com o arcadismo, brasileiro ou
europeu.
Em se tratando do Brasil, os românticos, sim, no século XIX, estariam
imbuídos da tarefa de instituir a crítica à produção cultural e literária do final século
XVIII como prenúncios de consolidação do nacionalismo brasileiro, porque viviam,
historicamente, o processo de consolidação do estado nacional. Mas o lugar de
onde parte o discurso dos agentes que viveram efetivamente o final do século XVIII,
no Brasil ou na Europa, não diz respeito ao projeto nacionalista, nos moldes
pensados pela crítica romântica. Se em um momento houve entre a classe letrada
mineira, internamente, a crítica à condição de dependência da sociedade colonial, e
por influências externas, a afirmação do ideário iluminista, isto deve ser apreciado
apenas a partir dos elementos presentes naquele mesmo tempo histórico.
Teleológico seria supor que os árcades brasileiros tivessem ideia que o
processo de emancipação política do Brasil - em nome do que efetivamente foram
acusados, presos, mortos ou degredados – teria que se dar no momento em que um
gênero literário chamado romantismo estivesse a reconhecer verdadeiramente os
valores nacionais; que esta emancipação aconteceria a partir de processo iniciado
com a vinda da corte portuguesa para o Brasil; que tudo se daria sem a necessidade
de acusação, morte, prisão ou degredo de magistrados e poetas que aqui nasceram
e daqui escreviam.
Termos como “nacional”, “república”, “pátria”, aparecem concretamente,
tanto na literatura como em inúmeros depoimentos colhidos em documentos do final
do século XVIII, independente do viés ou coloração que os críticos românticos
quisessem dar aos mesmos. A instituição destes termos ou conceitos obedeceu a
uma lógica e contexto próprios dos movimentos políticos, culturais e literários do
período, que, é óbvio, também circunscreviam a Arcádia Ultramarina. Da mesma
forma, quando se entende, como inclusive faz Antônio Candido , as manifestações 5

literárias do arcadismo brasileiro como singulares, autônomas, ou independentes do


estatuto colonial, isso não pode ser facilmente atribuído às influências do
romantismo. Devemos, antes e, sobretudo, caminhar pela totalidade das obras dos
árcades, e pela história europeia e americana, que circunscreviam o contexto da sua
produção, para analisar a propriedade ou não de tais posições.

Arquivo, memória e ideologia no poema “Vila Rica”, de Cláudio Manuel

5 - Cito uma passagem em que Antônio Cândido reafirma o forte cosmopolitismo dos poetas árcades mineiros,
numa vinculação "orgânica" ao universo cultural do ocidente europeu: “Ser membro da Arcádia Romana,
diretamente ou pela mediação da Ultramarina, significava ser reconhecido como participante em pé de igualdade
da alta cultura do Ocidente, isto é, a cultura de que participava também o colonizador. Deste modo, o Brasil se
equiparava a ele, pois praticava o mesmo tipo de literatura e podia ser identificado pela mesma convenção
pastoral, que valia por certificado de civilização. Ser membro da comunidade arcádica era ter status cultural e
social equivalente, em princípio, ao do colonizador e, por extensão, ao de toda a Europa culta." (CANDIDO,
1993, p. 133)
Em paz tranquila a desfrutar gostosos
Vivemos no País que outro não manda;
Sem susto o delinquente entre nós anda;
Que será quando um braço mais potente
Arroje do castigo o raio ardente?
Quando as nossas paixões intime o freio?
.............................................................
Quanto conosco hão de portar-se austeros
Os Chefes recebidos! Não é novo
Viver sem leis, e sem domínio de um povo;
Nações inteiras têm calcado a terra
Sem adorar a mão que o Cetro aferra
.....................................................................
Que tormento maior a um livre peito
Que a um homem, a um igual viver sujeito?
A liberdade a todos é comua;
Ninguém tão louco renuncia à sua.”

Acima estão 15 dos 84 versos que não constam das várias publicações
do poema “Vila Rica”, desde 1839 até 1996, quando enfim foram editados os
manuscritos que se encontravam, inéditos, na Biblioteca Nacional de Lisboa.
(PROENÇA FILHO, 1996, p. 403) Poderíamos então indagar: porque esses versos
foram extraídos do poema, por que propositadamente teriam sido ocultados nas
demais versões manuscritas do “Vila Rica”? Aí somos levados a pensar nas relações
de poder que envolvem a escolha do que deve ser preservado, arquivado, legado
para as gerações posteriores. Lembrando também, como faz Le Goff, que o
documento de que serve o historiador nunca é neutro, que é resultado de uma
montagem, consciente ou inconsciente, tanto da sociedade que o produziu quanto
das épocas posteriores: “durante as quais continuou a viver, talvez esquecido,
durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio.” (LE GOFF,
2003, p. 538) Os 84 versos silenciados do “Vila Rica” também talvez continuassem a
ser manipulados, ainda que inconscientemente, como uma peça que faltasse na
montagem de um quebra-cabeça.
Mas Melânia Aguiar, responsável pela introdução e notas às obras de
Cláudio Manuel na publicação de 1996, “A Poesia dos Inconfidentes”, tem uma
explicação razoável para esse esquecimento, silêncio ou ocultamento. Ela parte,
como outros pesquisadores, do princípio de que Cláudio Manuel teria efetivamente o
propósito de publicar o poema “Vila Rica”; do contrário não teria se esmerado tanto
no “Fundamento Histórico” que o antecede, na carta dedicatória, no prólogo ao
leitor, nas notas elucidativas que acompanham o poema. Sendo assim, o próprio
poeta teria suprimido os versos da versão original. Isto porque estes trariam, além
de referências comprometedoras à corrupção de padres, citados nominalmente, a
defesa de ideias excessivamente liberais e “modernas” para os rigores da censura
metropolitana, ou seja, para a Real Mesa Censória, órgão encarregado, no império
português, do exame dos livros destinados à publicação. (AGUIAR, 1996)
Ainda que essas ideias se façam soar pela voz de um antagonista do
verdadeiro herói do poema (o emissário do Reino para as Minas, Antônio de
Albuquerque), deve-se presumir, como bem sabia Cláudio Manuel, que o que está
escrito será lido, independente do personagem que fala. E ele conhecia bem, como
funcionário da Coroa, o sistema de que era também representante, e os critérios da
Real Mesa Censória. Falar das delícias de viver em “um país que o outro não
manda”; discorrer sobre as nações que vivem sem domínio de outro povo, “sem
adorar a mão que o Cetro aferra”; defender a liberdade como direito comum e
racional, que “ninguém tão louco” pode renunciar à sua...; tudo isto poderia levar, de
fato, a alimentar discursos e leituras excessivamente modernas e libertinas, para as
conservadoras relações de dominação do sistema colonial português.
Vê-se repetir no poema “Vila Rica”, a estrutura presente nas falas dos
índios Cacambo e Sepé, em “O Uraguai”, de Basílio da Gama. Que podem ser 6

entendidas não apenas como manifestação de amor à terra, mas também, pela sua
natureza e conteúdo, como discurso consonante com o “espírito” racional da
modernidade e da ilustração. Se em “O Uraguai”, a razão parece estar mais
presente no discurso indígena que no do herói general, aqui também se presencia o
acento de uma grande força racionalista e libertária no discurso nativo das Minas
Gerais. Não se apreenda, disso que expomos, em hipótese nenhuma, que
defendemos então que Cláudio estaria, através dessa fala, exaltando o “nacional”
contra o estrangeiro opressor, a emancipação política do Brasil. Embora saibamos
que qualquer peso maior que imprimimos à pena possa servir de estímulo aos
caçadores de vestígios românticos no texto que escrevemos.

6 - Destaco aqui, no Canto Segundo, a fala do índio Sepé, quando enfrenta o General português:
“Que estas terras, que pisas, o Céu livres
Deu aos nossos Avôs; nós também livres
As recebemos dos antepassados.
Livres as hão de herdar os nossos filhos.
...............................................................
As frechas partirão nossas contendas
Dentro de pouco tempo: e o vosso Mundo,
Se nele um resto houver de humanidade,
Julgará entre nós; se defendemos
Tu a injustiça, e nós o Deus e a Pátria.” In: CHAVES, 1997.
O poema “Vila Rica” estaria finalizado em 1773, mas é precedido por um
longo “Fundamento Histórico”, certamente anterior ao poema. Em 1759, quando se
tornou sócio da Academia dos Renascidos, na Bahia, Cláudio Manuel recebera a
incumbência de escrever as memórias das regiões circunscritas pelo Bispado de
Mariana, as comarcas do “Rio das Mortes, Vila Rica, Mariana, e Rio das Velhas”. A
Academia dos Renascidos foi desfeita no ano seguinte, mas é provável que Cláudio
aí já começasse a sua pesquisa sobre a história de Minas, o que aprofundaria na
viagem “dilatada e aspérrima” de 400 léguas, em 3 meses e 18 dias, pelo centro-
sudoeste e sul mineiros, acompanhando, em 1763, o então governador D. Antônio
de Noronha. (MELLO E SOUZA, 2011)
O fato é que o “Fundamento Histórico”, publicado pela primeira vez em
1813, separadamente do poema, pela revista “O Patriota”, insere Cláudio Manoel no
rol dos memorialistas brasileiros do século XVIII, como Rocha Pitta, Pedro Tacques
ou Frei Gaspar da Madre de Deus. Este último também recebera da Academia dos
Renascidos a incumbência de escrever sobre o território compreendido pelo Bispado
de São Paulo e anos depois publicou a obra “Memórias para a História da Capitania
de São Vicente, hoje chamada São Paulo”. O grande mérito de Cláudio Manuel, se
usarmos os parâmetros científicos da modernidade, foi o seu trabalho exaustivo nos
arquivos, documentos e obras do passado, para escrever a sua História.
Preocupando-se em ser científico não apenas no “Fundamento”, mas também nas
notas que integram o próprio corpo do poema, tentando calçar em uma realidade o
objeto ficcional. E se mostra, no prólogo, orgulhoso pelo seu trabalho de pesquisa,
que considera superior aos anteriores:

Se eu fiz alguma diligência por averiguar a verdade, digam-te as


muitas Ordens e leis que vês citadas nas minhas notas, e a extensão
de notícias tão individuais com que formei o plano desta obra: pode
ser que algum as conteste pelo que tem lido nos escritores da
América Portuguesa; mas esses não tiveram tanto à mão as
concludentes provas de que me sirvo, não se familiarizaram tanto
com os mesmos que intervieram em algumas das ações e casos
acontecidos neste país, e ultimamente, não nasceram nele nem o
comunicaram por tantos anos como eu. (PROENÇA FILHO, 1996, p.
359)

Interessante observar, no prólogo ao “Fundamento Histórico”, como


Cláudio Manuel se coloca não apenas como pesquisador e narrador, mas também
como testemunha dos fatos que narra. Se recuperarmos a tipologia estabelecida por
Paul Ricoeur (2007, pp. 172-174), veremos como Cláudio Manuel cumpre os
requisitos de abordagem do testemunho: é assertivo e declara a autenticidade do
que fala (estou dizendo a verdade), se auto designa como testemunha (eu estava
lá); cria uma situação dialogal com os leitores (acreditem em mim); e estabelece um
espaço de controvérsia/confrontação com outros pesquisadores ou testemunhos
(outros não dizem o que digo, da forma como digo). Cláudio ainda reforça a
credibilidade e confiabilidade do seu testemunho, legando-os à posteridade, por
declarado amor à terra natal: “se estas Minas (...) eram dignas de alguma lembrança
na posteridade, desculpa o amor da Pátria, que me obrigou a tomar este
empenho...”
Quanto ao poema propriamente dito, a crítica literária comumente atribui a
ele uma qualidade inferior às outras obras de sua autoria, em específico aos
sonetos, nos quais o poeta atingiria o auge de sua maestria. O “Vila Rica” seria um
tanto truncado, com versos de qualidade heterogênea, como se, por pressa de
publicar ou pelo abandono desta empresa, o processo de lapidação, tão
característico do autor, fosse empregado apenas em parte da sua epopeia. Eliana
Muzzi tem uma outra explicação para os problemas estéticos enfrentados no “Vila
Rica”: “a dificuldade de implementação do esquema retórico épico à construção de
um discurso claro e coerente, tendo por pressuposto básico a veracidade dos fatos
atestada por documentação exaustiva e fidedigna”. (MUZZI, 1996, p. 350) Ou seja, o
poema épico não seria capaz de se adequar à clareza, racionalidade e coerência,
instituídas pelo novo modelo referencial da segunda metade do século XVIII,
perdendo a vitalidade das tensões presentes na epopeia clássica.
Este seria o mesmo problema enfrentado por outro grande autor do
século XVIII, Voltaire, em sua obra “Henriade”, considerada por muitos como a maior
inspiradora dos versos do “Vila Rica”. Não apenas dos versos, mas também do
fundamento histórico que antecede o poema, já que o “Henriade” é precedido por
um estudo histórico intitulado: Dissertation sur la mort de Henri IV. O próprio Cláudio
Manuel reconhece no prólogo a dificuldade de sustentar ter “produzido ao mundo um
poema com caráter de épico”. E encontra no “bom autor” Voltaire uma razão simples
pela qual ele e muitos outros “laureados na Grécia, na Itália, em Inglaterra, em
França e nas Espanhas” não alcançaram com perfeição este objetivo: “inventaram-
se leis aonde as não havia”. Ou seja, indiretamente, Cláudio critica aqui as fortes
exigências das regras convencionais, pelo menos no que diz respeito ao gênero
épico. (PROENÇA FILHO, 1996, p. 359)
Mas se falamos em modelo, inspiração, convenção, devemos perguntar,
seguindo os princípios da “genealogia” de Niestsche, via Foucault, para quem não
importa conhecer as origens, mas a proveniência dos discursos: de onde vem o
discurso de Cláudio Manuel da Costa no poema “Vila Rica”? Com certeza, de muitos
lugares, mas parece-nos que nesta obra a retórica das convenções se vincula
também ao interesse histórico. As notas presentes, não no “Fundamento”, mas no
poema em si, parecem mesmo criar a ilusão de outro “nível discursivo”, como
também detectou Eliana Muzzi, em que se misturam “o fictício e o verídico, o literário
e o científico”. (MUZZI, 1996, p. 352) O próprio Cláudio Manuel, em uma das notas,
atesta essa ambiguidade: “Toda esta ficção não serve mais que de ornamento, e
tudo o que se deduz da história é insignificante”. Diz isto, apesar de seguir tentando
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conferir, passo a passo, através das notas, veracidade histórica ao enredo ficcional.
Poderíamos também perguntar, seguindo o mesmo caminho: de onde
vem o arcadismo de Cláudio Manuel, então intitulado árcade ultramarino, com o
nome de Glauceste Satúrnio? De onde viriam os discursos do movimento arcádico
ao qual pertencia? A essa questão o mesmo já respondera, em 1768, no prólogo às
“Obras”, ao desculpar-se pela baixa qualidade de grande parte dos poemas que
constavam desta publicação, por terem sido produzidos num “tempo em que
Portugal apenas principiava a melhorar de gosto nas belas letras”. E indica de onde
passara a seguir os mandamentos de estilo, ou seja, de onde viria o seu arcadismo
numa fase mais madura: “A lição dos gregos, franceses e italianos, sim, me fizeram
conhecer a diferença sensível dos nossos estudos e dos primeiros mestres da
Poesia”. (PROENÇA FILHO, 1996, p. 48)
No “Vila Rica”, escrito cinco anos depois, estão mais do que presentes as
lições francesas e italianas. Italianas, do ponto de vista estético e institucional, até
pela declarada filiação à Arcádia Romana. Francesas, do ponto de vista ideológico,
pela presença, em muitos momentos, da contestação aos princípios e normas do
chamado Antigo Regime. Já no “Fundamento Histórico” que antecede o poema,
Cláudio Manuel afirma orgulhosamente não constituir diferença nenhuma nascer em
Portugal ou "entre aquelas montanhas”, e justifica: “as almas é certo que não têm
pátria, nem berço, deve-se amar a virtude, aonde ela se acha”.(PROENÇA FILHO,

7 - Trata-se da nota n. 20, ao Canto II do “Vila Rica”. (PROENÇA FILHO, 1996, p. 1083)
1996, p. 367) Em outro momento, no canto VII, tem-se a contestação aos valores
relacionados à nobreza de sangue e ao local do nascimento, para medição da
virtude e do talento humano:

Não faz a pátria o herói, nascem de aldeias


Almas insignes, de virtudes cheias
E nem sempre na Corte nobre, e clara,
Ingênua serie, portentosa e rara
Se vê de corações, que se incandescem
Pela glória somente, e nela crescem".
(PROENÇA FILHO, 1996, p. 418)

Estes são exemplos da presença, na poesia dos árcades ultramarinos, de


uma perspectiva corrente entre os filósofos franceses do século XVIII, que se
opondo aos privilégios concedidos à nobreza do Antigo Regime, defendiam que a
virtude e o bom gosto seriam independentes das hierarquias. Só que no Brasil este
pensamento assumiria dimensões próprias da situação de dependência colonial. Ou
seja, no imaginário dos letrados que afirmavam na colônia a natureza igualitária dos
dons, a "irracional" pretensão de se monopolizar o talento não se devia à elite local,
a qual os mesmos pertenciam, mas à imposição dos códigos da relação
metrópole/colônia, segundo os quais a capacidade individual seria diretamente
proporcional à quantidade de sangue nobre europeu.
Esta era uma premissa que os letrados mineiros das últimas décadas do
século XVIII começavam explicitamente a refutar. Como faria, de uma forma mais
radical, Alvarenga Peixoto, em 1789, quinze anos depois do poema “Vila Rica”, na
ode apreendida pela Devassa, que contestava explicitamente o direito à nobreza de
sangue, o jus sanguinis, com o seguinte fragmento: A herdada nobreza/ Aumenta,
mas não dá merecimento;/ Dos heróis a grandeza / Deve-se ao braço, deve-se ao
talento. (AUTOS DE DEVASSA DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA, 1996, p. 133)
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Mesmo Tomás Antônio Gonzaga, domando os seus muitos preconceitos "europeus",


endossaria o coro de Cláudio e do “mazombo" Alvarenga, nestes surpreendentes
versos, do seu insuspeito “Marília de Dirceu”:

O ser herói, Marília, não consiste


Em queimar os impérios. Move a guerra,
Espalha o sangue humano,
E despovoa a terra

8 - A ode foi apreendida "por induzir o seu conteúdo alguma suspeita".


Também o mau tirano.
Consiste oser herói em viver justo:
E tanto pode ser herói o pobre,
Como o maior Augusto.
(PROENÇA FILHO, 1996, p. 616)

No “Vila Rica”, sendo um poema épico, cujo herói central é um


governante reinol (D. Antônio de Albuquerque), o estilo aclamatório prevalece. Mas
nota-se em todo o poema, além do intuito de louvar os fundadores da sua “pátria" e
os aborígenes que habitavam essas "regiões benignas", a retórica advinda das
ideias iluministas, calcadas no direito natural à liberdade e à igualdade, ou na visão
“rousseauniana” do bom selvagem. Esse é o caso, principalmente, da maior parte
das falas que foram trazidas à luz, depois de duzentos e vinte anos de ocultamento.
Ou não seria possível interpretar dessa forma os seguintes versos:

Que tormento maior a um livre peito


Que a um homem, a um igual viver sujeito?
A liberdade a todos é comua;
Ninguém tão louco renuncia à sua.
As leis, que um ente humano lhes prescreve,
Cego capricho sustentar-nos deve
Neste, diga-se embora fanatismo,
Embora seja abismo de outro abismo.
(PROENÇA FILHO, 1996, p. 403)

A análise desses fragmentos, providencialmente selecionados, pode soar


como intervenção arbitrária do investigador, para justificar posições assumidas sobre
a poética de Cláudio Manuel, e do próprio movimento arcádico mineiro. Maior
pecado, porém, foi estarem os mesmos adormecidos em sono profundo na gaveta
de um arquivo da Biblioteca Nacional de Lisboa, por mais de duzentos anos, o que
simplesmente bloqueou, a toda historiografia e crítica literária do arcadismo
brasileiro, a possibilidade de contemplá-los e chegar a outras interpretações,
distintas ou semelhantes. O arbítrio do historiador, na escolha e interpretação dos
documentos ou ruínas de que se serve, como ensina a Nova História, faz parte do
poder do seu ofício. Mas o ocultamento dos vestígios, por decisão ou temor de uma
esfera maior de poder, simplesmente varre a possibilidade de reconhecimento das
ruínas na memória coletiva do presente.

REFERÊNCIAS
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FILHO, Domício. A Poesia dos Inconfidentes. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 1996,
p. 27-39.
- AUTOS DE DEVASSA DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA. Vol. I. Brasília, Câmara de
Deputados, 1976.
- BENJAMIN, Walter. O Anjo da História. Lisboa: Assírio & Alvin, 2010.
- CANDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul,
2006.
- CHAVES, Vânia Pinheiro. O “Uraguai” e a Fundação da Literatura Brasileira.
Campinas: UNICAMP, 1997.
- FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Tradução de Roberto Machado. 9. ed.
Rio de Janeiro: Graal, 1990.
__________________ Nietzsche, Freud, Marx. São Paulo: Cia. das Letras, 2008.
- LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Ed. UNICAMP, 2003.
- MACHADO, Roberto. Foucault, a filosofia e a literatura. 2 ed. Rio de Janeiro:
Graal, 1990.
- MARQUES, Reinaldo M. Poetas inconfidentes: transculturação, dissidência e
utopia. Poesia Sempre, Rio de Janeiro, v. 20, p. 177-197, 2005.
- MUZZI, Eliana. Epopeia e História. In: PROENÇA FILHO, Domício. A Poesia dos
Inconfidentes. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 1996, p. 349-354.
- PECORA, Alcyr. Máquina de gêneros: novamente descoberta e aplicada a
Castiglione, Della Casa, Nóbrega, Camões, Vieira, La Rochefoucauld, Gonzaga,
Silva Alvarenga e Bocage. São Paulo: Edusp, 2001
- PROENÇA FILHO, Domício (Org.) A Poesia dos Inconfidentes. Poesia
Completa de Cláudio Manoel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga
Peixoto. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996.
- RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Ed.
UNICAMP, 2007.
- SOUZA, Laura de Mello e. Cláudio Manuel da Costa: o letrado dividido. São
Paulo: Cia. das Letras, 2011.
- VERSIANI, Carlos. O movimento arcádico no Brasil setecentista: significado
político e cultural da Arcádia ultramarina. 2015. 236 p. Tese (Doutorado em Estudos
Literários. Área de Concentração: Literatura Brasileira – Faculdade de Letras,
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais.

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