Sei sulla pagina 1di 7

Imagens que devoram: cinema, teoria queer

e educação em Cultura Visual

Thiago F. Sant’Anna

Imagens sobre sexualidades e relações de gênero não são re-


sultantes de uma ideia natural, a-histórica ou a-cultural do
mundo, mas abrangem experiências visuais cuja decifração,
ou descrição de suas condições de produção, demandar-nos-
ia operar ferramentas interpretativas estratégicas capazes de
fazer-nos desmontar representações que o mundo andro/
heterosexista pode nos conduzir a visualizar. Diante des-
sa hipótese, não é difícil imaginar o incômodo, conceitual e
operacional, que algumas imagens do cinema almodovariano
provocam em um mundo heteronormativo quando delas fa-
zemos emergir “experiências visualizadas” transgressoras. “O
I/Mundo da Educação em Cultura Visual”, de Belidson Dias
é, sem dúvidas, o caminho de uma “experiência visualizada”
transgressora, capaz de nos fornecer categorias de análise e
habilidades interpretativas à altura do desafio diante da esfin-
ge. A operação teórico-metodológica subversiva dessa produ-
ção couraça-nos a enfrentar regimes de verdades visuais que
ancoram essas imagens, aparentemente silenciosas e imóveis,
a uma política de significação dos corpos, dos comportamen-
tos e das relações sociais que nos inquietam e nos amedron-
tam, enquanto poderosas figuras mitológicas a encurralar-nos
diante do desafio: decifra-me ou devoro-te!
Decifrar as imagens acerca do gênero e da sexualidade
em Almodóvar é recusar-lhes seu estatuto de veracidade e
reprodução fiel da realidade, é negar suas identidades fi-
xas, seus padrões culturais homogêneos e a ordem hetero-
normativa que preside a educação em cultura visual. Que
possibilidades bélicas a obra de Dias nos apresenta para o
enfrentamento das perspectivas conservadoras da educação
na cultura visual, tão opressivas às questões do gênero e da
sexualidade fora dos padrões dicotômicos e essencializado-
res? Como decifrar a esfinge da verdade das imagens, antes

VISUALIDADES, Goiânia v.9 n.2 p. 205-211, jul-dez 2011 207


que elas nos devorem, nos dobrem em sinal de reverência ao
mundo heteronormativo?
É nessa perspectiva que Dias, longe de aglutinar, conven-
cionalmente, texto e imagem, apresenta-nos um investimen-
to visual da obra que não se restringe a mera ilustração dos
sentidos que as palavras buscam encadear, na expectativa de
que a leitura do texto se torne mais fluida ou leve. Por outros
mares dantes navegados, na via de subversão dos limites a que
muitas obras substancializadas de imagens são circunscritas,
o/a leitor/a desse trabalho poderá apreciar a descrição da nar-
rativa, simultaneamente à imersão na profundidade de suas
análises, atravessadas por uma perspectiva pós-moderna, an-
corada na teoria queer, nos estudos de gênero e na educação
em cultura visual. Em resumo, a obra conduz-nos a um mer-
gulho revelador de profundas e difusas leituras, capazes de
nos possibilitar ir do texto às imagens; e das imagens ao texto;
das imagens a outras imagens.
Longe de armadilhar uma prisão, o manuseio das ferra-
mentas teórico-metodológicas específicas e fecundas, é pau-
tado pelas leituras de uma vasta literatura, substancial ao
trabalho de Dias. Sua seriedade e criatividade, resultante de
um viés de sua tese de doutorado – “Border epistemologies:
looking at Almodóvar’s queer genders and their implications
for visual culture education” (2006), defendida na University
of British Columbia, Canadá, onde “analisou as interseções
cotidianas das representações queer no cinema com a arte/
educação” (DIAS, 2011, p. 33) – são motivadas pelo estudo com
metodologias de pesquisa educacional em arte e teoria queer
que dá às imagens o poder de atravessar o seu texto e encharcar
o solo teórico-metodológico de suas incursões analíticas com
produções em co-autoria e inserções narrativas densamente
subjetivas. O resultado é um sofisticado estudo, inundado de
categorias e pensamentos contemporâneos construídas sobre
as singularidades da educação em cultura visual, na condição
não de objetos a ganharem visibilidade, mas de perspectivas e
fraturas do conhecimento politicamente comprometidas com
uma trans-viagem epistemológica.
As ideias e perspectivas fomentadas nas relações entre os
estudos culturais, o cinema e a educação da cultura visual são
trabalhadas em sua obra em 5 partes. Sua compulsividade as-
sumida pela pesquisa em gênero e sexualidade e arte/educa-
ção demarca uma política de coalizão a partir da qual analisa
imagens; genealogiza os conceitos mobilizados como cultura
visual, arte/educação, educação da cultura visual e as ques-

208 VISUALIDADES, Goiânia v.9 n.2 p. 205-211, jul-dez 2011


VISUALIDADES, Goiânia v.9 n.2 p. 205-211, jul-dez 2011

tões de gênero, sexualidade e moralidade; situa seu campo


epistemológico de combate, inscrito na perspectiva da cultu-
ra visual e da teoria queer como campo de fronteira; elucida
analiticamente fragmentos da obra Volver de Almodóvar; e,
por último, compartilha com o leitor experiências de pesquisa
e textos produzidos em co-autoria ao longo dos seus estudos
de pós-graduação. É marcante a passagem em que Dias re-
construiu uma cena inusitada ocorrida durante suas aulas de
doutorado na UBC/Canadá quando ao apresentar seu traba-
lho de pesquisa, foi surpreendido pela revolta de estudantes
diante de cenas do filme de Almodóvar. O relato acena, ine-
gavelmente, para a inseparabilidade entre a teoria/ciência e
a prática/subjetividade na produção do seu conhecimento. A
cena imaginada revela-nos o poder devorador de esfinge que
os regimes de verdade visuais heteronormativos impõem-nos
diante das imagens, constituindo-nos enquanto sujeitos inap-
tos/as a decifrá-los.
Potencialmente investigativo no campo da educação em
cultura visual, seu trabalho assegura ser esta uma poderosa
prática pedagógica crítica, “inclusiva de todas as formas de re-
lações de ensino e aprendizagem da visualidade e seus produtos
culturais” (DIAS, 2011, p. 71) capaz de “dar visibilidade e efetiva-
mente auxiliar a compreensão das representações visuais de gê-
neros e sexualidades na sociedade” (DIAS, 2011, p. 22), de forma
a desnaturalizar as relações de poder imersas nas práticas edu-
cacionais, pedagógicas e políticas. Sustentadas por hierarquias
e pela imposição do sistema binário, essas relações de poder,
histórica, cultural e socialmente construídas, são cimentadas
pelo ensino de artes acrítico, capazes de reproduzir e dissemi-
nar concepções hierarquizadas de cultura, comprometidas com
a glorificação de determinados objetos de arte, a autorização
do que convém como experiência estética adequada e a certifi-
cação de certas interpretações da História da Arte. Com efeito,
a produção de uma hierarquia curricular como efeito dessas
relações de poder, passa a ser marcada pela desvalorização de
outros objetos de arte, de outros artefatos visuais e de outras
histórias de outras artes (DIAS, 2011, p. 29). Questionar esse
regime de verdade visual ou ordem visual que instala relações
de poder, reforça o sistema binário, produz um ensino acrítico
voltado para experiências estéticas glorificadas, é enfrentar o
poder de esfinge do mundo heteronormativo que torna as ima-
gens do cinema almodovariano devoradoras!
Afinado às teorias contemporâneas pós-estruturalistas no
campo da Cultura Visual, o estudo de Dias também é sensível

Thiago F. Sant’Anna . Imagens que devoram: cinema, teoria queer e educação em Cultura Visual 209
e acessível àqueles/as que buscam se enveredar inicialmente
pelos estudos sobre as visualidades, pois nos oportuniza com
orientações proveitosas sobre os campos conhecidos como Be-
las Artes e Cultura Visual, sem se limitar a qualquer leitura line-
ar ou evolutiva. Algumas indagações genealógicas sobre a “rede
histórica de poderes e conhecimentos na área” são fomentadas:
“Quem nomeia? Pra quem? Quem ganha ou perde com o obs-
curecimento, a afirmação ou supressão destes conceitos? O que
está em jogo? O que o seu uso revela ou torna invisível?” (DIAS,
2011, p. 44). Suas problematizações e considerações sobre a di-
versidade de termos que encampam os estudos visuais, muitas
vezes, “justapostos e como se significassem as mesmas coisas”,
nos possibilitam observar e analisar o desenho das condições de
produção dos campos de estudos classificados. Nessa direção,
Dias reconhece ser papel dos arte/educadores “entender a his-
tória desses conceitos” para saber como empregá-los de forma
adequada para o desenvolvimento das atividades pedagógicas,
não para alcançar uma compreensão evoluída sobre o campo,
mas para aguçar o espírito crítico acerca dos mesmos.
A singularidade de sua obra encontra-se atravessada pela
perspectiva adotada dos estudos de gênero na História da Arte.
Do seu lugar de fala – a teoria queer dos anos 1990 – emanam
suas considerações acerca das primeiras abordagens marca-
das pela ausência das estéticas femininas e das segundas pau-
tadas pela busca pela igualdade de gênero nos anos 1980. É
nesse momento que Dias, de forma segura e coerente, situa o
lugar de fala da sua análise, imerso na concepção de epistemo-
logia de fronteira, a partir da qual os estudos feministas, gays e
lésbicos, disseminados pelas teorias feministas e queers, não
podem ser usados de forma a serem “inseridas” nas áreas de
conhecimento dominadas tradicionalmente pelos cânones,
como a Educação, a História e a Medicina. Ao contrário, a ini-
ciativa de Dias é marcadamente transgressiva, ao reivindicar
a fronteira/margem “como um espaço epistemológico gerador
de aceitação, compreensão, reconhecimento, valoração, con-
tradição e capaz de transpor epistemologias configuradas por
diferentes posições geoculturais e históricas” (DIAS, 2011, p.
90). Ao recusar as noções de centro/marginal e “investigar a
relação que se cria entre o texto e o espectador como modelo
interpretativo para uma subjetividade crítica e ativa na arte-
-educação”, Dias decifra a esfinge dos “sistemas visuais de re-
presentação sexual que têm impacto teórico e prático para a
arte-educação”, sob um ponto de vista interdisciplinar.

210 VISUALIDADES, Goiânia v.9 n.2 p. 205-211, jul-dez 2011


VISUALIDADES, Goiânia v.9 n.2 p. 205-211, jul-dez 2011

O referencial queer, compreendido por Dias (2011, p. 95)


como “um complexo e distinto corpo teórico abstrato que se es-
força em desafiar e minar qualquer tentativa de conferir à iden-
tidade aspectos de normalidade, singularidade e estabilidade”,
compõe seu instrumental analítico e referencial teórico a partir
do qual ele recusa confinar-se às margens, mas lança-se a atra-
vessar o campo teórico geral do conhecimento de forma a repen-
sar paradigmas. Dias toma de assalto o i/mundo da educação
em cultura visual e as inúmeras formas de ensino-aprendizado
com sua análise atravessada por uma concepção de teorização
subalterna. Ao investigar o “olhar queer no cinema” e dialogar
com perspectivas pedagógicas críticas comungadas com um
instrumental interpretativo dotado de uma subjetividade crítica
e ativa na arte/educação, Dias desenha uma performance que-
er/transviada do discurso fílmico de Almodóvar. O conceito de
“bagagem” revela-se bastante oportuno visto que as possibilida-
des de sujeitos trans/viados, enquanto subjetividades distantes
de gêneros ou sexualidades normativas, são pensadas pelo autor
como caracterizadamente “perdidas”, “inacessíveis” e em cons-
tante deslocamento pessoal e social.
Profundamente político, o estudo substancia, com rigor, a
importância das possibilidades interpretativas das representa-
ções visuais, marcadas por análises e representações de gênero,
pela presença da subjetividade e pela perspectiva da subalterni-
dade. No esforço de decifrar a esfinge, antes que os regimes de
verdade visuais heteronormativos levem-nas a nos devorar, Dias
dá vida às imagens. O autor não as deixa à deriva do texto escrito.
Ali, as imagens não servem como mera ilustração, não nos im-
põe uma verdade e nem são subordinadas ao texto, mas ganham
autonomia, são referenciais a conduzir o olhar do/a leitor/a para
valorizar as expressões visuais. A “experiência visualizada” de
que fala Dias define-se pelas maneiras de visualizar o conheci-
mento que podem acontecer por meio de inúmeras experiências
sensoriais marcadas pelo hibridismo de textos, imagens, toques,
paladares, odores e sons. O “I/Mundo da Educação em Cultura
Visual” possibilita-nos, nessa direção, refletir sobre a experiên-
cia visualizada na educação, lugar onde as imagens não são ce-
nas mortuárias à espera dos sentidos a lhes ser conferidos, mas,
vivas, elas tentam nos devorar e desafiar nossos conhecimentos.
Mas, antes que a esfinge das imagens nos devore, precisamos
encantá-la, seduzi-la, para que as verdades e as leituras unívocas
ancoradas em um solo heternormativo, sejam devoradas pelas
leituras múltiplas e transgressivas das imagens.

Thiago F. Sant’Anna . Imagens que devoram: cinema, teoria queer e educação em Cultura Visual 211
Referências

DIAS, Belidson. O I/Mundo da Educação em Cultura Visual.


Brasília: Pós-Graduação em Arte da UnB, 2011.
ISBN 978-85-89698-25-2

Recebido em: 08/11/11


Aceito em: 02/03/12

212 VISUALIDADES, Goiânia v.9 n.2 p. 205-211, jul-dez 2011


VISUALIDADES, Goiânia v.9 n.2 p. 205-211, jul-dez 2011

Thiago F. Sant’Anna
tfsantanna@yahoo.com.br
Doutor em História pela Universidade de Brasília, na Área de
Concentração em Estudos Feministas e de Gênero. Atualmente
é pós-doutorando em Artes e Cultura Visual, sob a supervisão
da Profa. Dra. Rosana Horio Monteiro, pelo Programa de Pós-
Graduação em Artes e Cultura Visual da Faculdade de Artes Visuais
da Universidade Federal de Goiás e professor do curso de Serviço
Social do Campus Cidade de Goiás/UFG.

Thiago F. Sant’Anna . Imagens que devoram: cinema, teoria queer e educação em Cultura Visual 213

Potrebbero piacerti anche