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Francisco Goya, Capricho nº 49: Duendecitos, 1799.
Gravura, 30,6 x 20,1 cm.
Fonte da imagem: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Goya_-
_Duendecitos_(Hobgoblins).jpg
Mel Bochner, Language is not transparent, 1970 (versão de 2014).
Giz sobre tinta de parede, 182 x 121 cm.
Fonte da imagem: http://www.melbochner.net/exhibitions/language-1966--2006-2011-art-
institute-of-chicago/
è 26. O mau pintor não tira férias.
Escapar às normas do estatuto geral do trabalho. Fica nítido que querem submeter
a alma ao estatuto geral do trabalho contemporâneo. O mau pintor não tira férias.
O escritor não tem férias. O ator não tem férias. O professor não tira férias.
Logo que lhe é outorgado um atributo social — e as férias são um atributo bastante
agradável — o artista regressa rapidamente ao firmamento em que coabita com os
profissionais de vocação. Dar férias ao artista é uma contradição sublime. É dar um
estatuto prestigioso, dentro de uma sociedade burguesa, e é concedido
liberalmente aos seus intelectuais, desde que sejam inofensivos. Dar férias é
entender a produção artística como uma espécie de secreção involuntária, visto
que escapa aos determinismos humanos. Ou seja, mais pomposamente, o artista
estaria possuído por um deus interior tirano, que falaria o tempo todo, a musa está
desperta e produz ininterruptamente.
A imagem do artista de férias pode ser entendida como uma mistificação que a
sociedade faz para melhor poder controlar seus indivíduos. Se alguém tem férias é
sinal de que esse mesmo alguém só pode ser um bom trabalhador, ou um bom
pintor?
è 31. O mau pintor se sente prisioneiro em seu próprio corpo.
10. O corpo também é uma prisão para a alma. Ela expia nele uma pena
cuja natureza não é fácil de discernir, mas que foi bem grave. É por isso que
o corpo é tão pesado e tão incômodo para a alma. Precisa digerir, dormir,
excretar, suar, sujar-se, ferir-se, adoecer.
Jean-Luc Nancy, 58 indícios sobre o corpo, 2006.
O estado geral de meus sentimentos era, contudo, um torpor que
fazia com que uma prisão equivalesse, como moradia, à mais bela
paisagem da natureza.
Mary Shelley, Frankenstein ou o Prometeu moderno, 1831.
A razão pela qual tenho uma grande aflição é o de ter um corpo.
Lao Tzu, século VI a.C
Soma semaxiv, o corpo como prisão.
A ideia de aprisionamento é um tema comum em alguns dos textos do dramaturgo
e escritor irlandês Samuel Beckett. O corpo como redoma, uma masmorra de
marfim destinada ao confinamento da alma. No corpo em que, na cabeça
identificada como “manicômio do crânio”, se processa a criação literária. Dentro da
mente, o narrador luta com as palavras, com as imagens e com seus próprios
sentidos, a capacidade de ver e ouvir o mundo.
Beckett apresenta em seus textos um questionamento angustiado de um autor que
reflete sobre como continuar escrevendo, com que voz, quais palavras, quais
histórias. Nesse espaço de transição, em que não se pode parar, mas também não
se sabe como prosseguir. E quando escritor não encontra respostas, transforma
sua busca no próprio centro da obra. Apesar do impasse, nunca desiste, nunca se
cala. De maneira que seus textos se desenvolvem no embate entre a dificuldade de
narrar e o imperativo de seguir adiante.
A ideia da falha é recorrente no universo beckettiano e relaciona-se com a
impotência sentida pelo narrador. Se ele não se satisfaz, novamente transforma
suas dificuldade em matéria literária. A ideia por trás desse objetivo é nunca
desistir da tentativa de narrar, acolher as falhas da empreitada e seguir adiante.
Apesar de todas as desconfianças em relação à linguagem e questionamentos sobre
o ato de narrar, contar histórias continua sendo essencial para o homem
beckettiano.
Desde que o homem primitivo começou a pensar, as palavras de nossos ancestrais
e dos deuses, apoiadas pelas ações e pelo espírito de nossos antepassados, têm
constantemente impresso em nós que a vida, não a morte, é a calamidade para o
homem. A morte libera nossas almas e as deixa partir para seu próprio lar, onde
desconhecem qualquer calamidade; mas enquanto elas estão confinadas em um
corpo mortal e partilham de suas misérias, na verdade estão mortas. Certamente,
mesmo aprisionada ao corpo, a alma pode fazer muito: faz do corpo seu próprio
órgão dos sentidos, movendo-o invisivelmente e impelindo-o em suas ações além
de poder atingir a natureza mortal. Mas quando liberada do peso que a arrasta à
terra e suspensa acima dele, a alma retorna ao próprio lugar, e então em verdade,
partilha de um poder abençoado tão invisível aos olhos humanos quanto aos olhos
do próprio Deus. Nem mesmo quando ela está no corpo pode ser vista; ela entra
incógnita e parte desapercebida, possuindo ela própria uma natureza indestrutível,
mas causando mudança no corpo; pois o que quer que a alma toque, reviva,
desabrocha, e o que quer que ela desperte, fenece e morre, tal a superabundância
que ela tem de imortalidade.
è 33. O mau pintor é garimpeiro.
Acho que uma das preocupações essenciais da arte corresponde à sina do garimpeiro, que se define
como alguém que vive procurando algo que não perdeu.
Cildo Meireles, 1977.
Por isso é a nossa espécie empedernida, sofrendo dor e aflição.
Provando que nossos corpos de pétrea natureza são.
Walter Raleigh.
O mau pintor se assemelha ao garimpeiro, vive de procurar algo que não perdeu.
Ambos vivem de procurar pedras, entretanto existem vários tipos delas: há pedras
que se encontram no interior da terra, há pedras que se encontram saindo do solo
e há pedras que se encontram na superfície há muito tempo expostas ao sol.
Também existem pedras que vagam no espaço sideral, percorrendo caminhos
elípticos e produzindo música. Alguns acreditam que estas pedras influenciam o
comportamento dos seres que vivem neste mundo sublunar. Os meteoros sempre
foram considerados sinais do favorecimento divino e consagrados como uma
evidência do pacto entre os deuses e a comunidade em que caíram.
Vários relatos registram a existência de pedras que, quando golpeadas, emitem um
som e que todos os que ouviram tal som entram em estado de êxtase. Há também
relatos de pedras que produzem as harmonias mais doces. Os Gregos e os
Romanos reconhecendo a santidade das pedras, colocavam suas mãos em colunas
consagradas ao prestar juramento. Pedras eram usadas para emitir veredictos em
julgamentos pagãos. Pedras também são usadas na adivinhação — há quem diga
que Helena teria previsto a destruição de Tróia num oráculo com pedras. Ainda
existe a lenda com a pedra em que Jacó dormiu e sonhou com Iahweh — seria uma
pedra negra que teria sido usada para construir o trono de coroação na Abadia de
Westminster, na Inglaterra. Encontramos na Biblioteca do Congresso Americano,
em Washington, o tratado O desabrochar das reflexões sobre as pedras [Azhār al-
Afkār fī Jawāhir al-Ahjār], do autor árabe Al-Tīfāšī escrito por volta de 1184–1253,
que relata rumores sobre uma antiga raça de gigantes que se alimentava somente
de pedras.
Diz a mitologia grega que após o dilúvio que um dia exterminou os humanos,
sobraram apenas Deucalião e Pirra. Estes povoaram o mundo atirando pedras por
sobre os ombros, sem ver onde elas caíam. Isso por causa de uma obediência cega
a um oráculo da deusa Têmis que os esclareceu sobre a maneira de agir naquela
situação: “saiam do templo com a cabeça coberta e as vestes desatadas e atirai para
trás os ossos de vossa mãe” — respondeu o oráculo. Deucalião chegou à conclusão
de que se a Terra era a mãe comum de todos, as pedras seriam os seus ossos. Os
dois velaram o rosto, afrouxaram as vestes, apanharam as pedras e atiraram-nas
para trás. As pedras amoleceram e começaram a tomar forma humana. As pedras
atiradas pelas mãos do homem, tornaram-se homens; as pedras atiradas pelas
mãos da mulher, tornaram-se mulheres.
Alguns acreditam que as nações possuem uma ambição insana de perpetuar a
própria memória pela quantidade de pedra malhada que deixam. Entretanto a
maior parte das pedras de uma nação se destina apenas ao cemitério e as tumbas.
è 34. O mau pintor tenta ser invisível.
A fatalidade nos faz invisíveis.
Gabriel García Márquez, Crônica de uma morte anunciada,1987.
Existe um boato de que, em algumas instituições e corporações, é proibido
qualquer tipo de atividade artística por se acreditar que tais exercícios possuem
efeitos subversivos nas pessoas e que os levariam a desenvolverem poderes
mágicos ilegais. Para corroborar com tal boato existe a lenda que afirma ter havido
um tempo em que o homem possuía uma palavra mágica que, ao pronunciar-se,
adquiria o poder de realizar fenômenos maravilhosos, tais como fazer-se invisível,
obter um tapete mágico para transportar-se a lugares longínquos, dar saúde,
multiplicar suas forças, conhecer o oculto e o manifestado, e obter tudo que o
coração desejasse. Porém, com o tempo, o homem esqueceu a maneira de
pronunciar essa palavra, tornando se uma palavra perdida.
O mau pintor busca a invisibilidade e para isso treina sua capacidade de ficar
transparente. A invisibilidade seria a habilidade de possuir diferentes níveis de
transparências através da variação de densidade. Quanto mais denso, menor a
transparência e menor a capacidade de invisibilidade. E inversamente, quanto
menos denso, maior a transparência e maior a capacidade de invisibilidade,
chegando ao seu máximo, que consiste na menor densidade, ou seja, a
invisibilidade total. Em épocas remotas acreditava-se que uma pedra totalmente
negra simbolizava a invisibilidade da essência divina.
A invisibilidade é uma característica desenvolvida conforme a capacidade do mau
pintor de não ser reconhecido por seus amigos, pelos bons pintores, pelo mercado,
pelo meio artístico, pela academia, etc. Uma das possibilidades da invisibilidade é
realizar escapes aos circuitos e sistemas de vigilâncias e com essa possibilidade,
escapar das rotas de fugas já dadas de antemão.
despersonalização exercida pelo amor que alguém pode ser nomeado. Assim o nome próprio é a
apreensão instantânea de uma multiplicidade. De tal forma que nome próprio seria o conjunto de
infinitos compreendidos como tal num campo de intenções. Não existiria enunciado individual,
nunca houve, todo enunciado seria produto de um agenciamento maquínico, isto é, uma designação
de agentes coletivos que atravessam de lado a lado qualquer indivíduo. DELEUZE, Gilles;
GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 1. São Paulo, Editora 34, 1995., p.51.
ix Duendes são personagens da mitologia europeia, particularmente na Península Ibérica,
semelhantes a fadas e goblins. A etimologia de seu nome vem da expressão “dueño de casa” (dono
da casa), pelo seu caráter intrometido de encantar e se aproveitar da morada dos outros.
x Federico García Lorca (1898-1936) foi poeta e dramaturgo espanhol com maior influência e
popularidade na literatura espanhola no séc. XX. Foi assassinado em 1936, no alvorecer da Guerra
Civil de Espanha, num barranco ermo do município de Víznar, um pequeno povoado nos arredores
de Granada. Seu corpo nunca foi encontrado.
xi LORCA, Frederico García. Obras completas. Madri, Aguilar, 1969, p. 110. Tradução do autor.
xii STEINBERG, Leo. Outros critérios. São Paulo, Ed. Cosac Naify, 2008.
xiii LORCA, Frederico García. Obras completas. Madri, Aguilar, 1969, p.112
xiv Doutrina filosófica mantida por Pitágoras que influenciará Platão. Do grego soma/sema significa
literalmente corpo/prisão.
xv Considerada uma das primeiras obras entres os “clássicos marciais” o livro A arte da guerra foi
escrito por Sun Tzu no século IV a.C e só entrou em contato com o mundo ocidental em 1772,
quando foi traduzida e publicada pelo padre jesuíta Joseph-Marie Amiot em Paris. Dizem que
Napoleão Bonaparte teria lido esta tradução e que teria sofrido profunda influência. Sun Tzu
também foi fonte das teorias estratégicas de Mao Tsé-tung e da doutrina tática dos exércitos
chineses. O Departamento do Exército dos Estados Unidos, através do seu órgão máximo de
decisão, ordenou a todas as unidades que tivessem nas bibliotecas das suas sedes vários
exemplares do livro para estudo do seu pessoal. A obra de Sun Tzu está incluída nas leituras
obrigatórias na formação de soldados americanos Marines. Durante a Guerra do Golfo na década de
90, ambos os generais Norman Schwarzkopf e Colin Powell puseram em prática alguns princípios
encontrados no livro de Sun Tzu. Hoje em dia encontramos o livro à venda nas livrarias na seção de
livros de administração e gestão de empresas.
xvi “Podemos ter diversas razões para combater com furor, mas a mais forte será aquela que nos
obriga a vencer ou morrer”. MAQUIAVEL, Nicolau. Da arte da guerra. Rio de Janeiro, Martin Claret,
2015.
xvii Agátocles de Siracusa (Hímera, 361 a.C. - Siracusa, 289 a.C.) (em grego: Αγαθοκλής (Agathokles):
derivado de αγαθός (agathos) bom e κλέος (kleos) glória) foi um tirano de Siracusa (317-289 a.C.)
e foi rei da Sicília (304-289 a.C.).
xviii DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Dialógos. Lisboa, Editora Relógio D’Água, 1996, p.51.