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FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS Nº 464 Maio / 2019

análise de conjuntura
Finanças Públicas p. 3 Vera Martins da Silva faz um comparativo das finanças públicas do País
Vera Martins da Silva entre o primeiro trimestre do ano de 2019 e o primeiro trimestre de 2018.
Setor Externo p. 8 Vera Martins da Silva analisa as contas externas brasileiras, com destaque
Vera Martins da Silva para a balança comercial e transações correntes.

temas de economia aplicada


Avaliação de Contratos com Correção em Rodrigo De-Losso e José Carlos S. Santos discutem qual a melhor forma
Outra Moeda p. 12 de se obter o valor de um contrato que teve um aditivo e é corrigido em
Rodrigo De-Losso, José Carlos S. Santos outra moeda.
Diversidade de Gênero: a FEA em Números p. 15 O grupo EconomistAs avalia a participação das mulheres na graduação da
FEA, olhando para os diferentes cursos e diferenciando alunos e alunas
EconomistAs
no que diz respeito ao desempenho, conclusão e razões para abandono.
Desempenho de Firmas Manufatureiras
Milene Simone Tessarin apresenta um estudo sobre o desempenho das
Diversificadas e Não Diversificadas p. 27 firmas manufatureiras diversificadas em comparação às não diversifica-
Milene Simone Tessarin das no Brasil.
Fecundidade e Desigualdade: Evidências
Empíricas p. 32 Michael Tulio Ramos de França faz uma revisão sobre a literatura empírica
Michael Tulio Ramos de França que relaciona fecundidade com desigualdade.

Crise Fiscal: A Situação do Estado de Minas


Gerais p. 35 Victor Cezarini relata a situação fiscal atual do Governo de Minas Gerais
Victor Cezarini e apresenta algumas das medidas tomadas para tentar solucionar a crise.
Estados Unidos: Perspectivas Econômicas e
p. 38 Guilherme Tinoco e Gabriel Brasil abordam a conjuntura econômica e
Políticas
política dos Estados Unidos e contribuem para a reflexão sobre as pers-
Guilherme Tinoco e Gabriel Brasil
pectivas de médio prazo para a maior economia do mundo.
Relatório de Indicadores Financeiros p. 41 O NEFIN apresenta os principais fatores de risco utilizados na literatura
nefin-FEA-USP (dividend yield, short interest e IVol-BR), utilizando dados brasileiros.

pesquisa na fea – Economia


p. 45 Esta seção divulga a pesquisa acadêmica desenvolvida por mestrandos e
doutorandos do Departamento de Economia da FEA/USP, publicando os
resumos das dissertações e teses defendidas recentemente.
economia & história
Celso Furtado e a Criação da Comissão
Mundial de Cultura e Desenvolvimento p. 49 Rômulo Manzatto escreve sobre a criação da Comissão Mundial de Cultura
Rômulo Manzatto e Desenvolvimento e a participação de Celso Furtado na mesma.

“Em Defesa da Mulher Grávida!” Sobre os


Primórdios da Licença-Maternidade no Brasil p. 52 Luciana Suarez Lopes escreve sobre a criação da licença-maternidade no
Luciana Suarez Lopes Brasil pelo governo provisório de Getúlio Vargas.

As ideias e opiniões expostas nos artigos são de responsabilidade


exclusiva dos autores, não refletindo a opinião da Fipe
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maio de 2019
análise de conjuntura 3

Finanças Públicas: Crescimento Fraco Dificulta a Gestão Fiscal


Vera Martins da Silva (*)

1 Resultado Primário conforme a publicação Resultado entre 2018 comparativamente a


do Tesouro Nacional, RTN, março 2019. Fica evidente que o “ajuste”
A atividade econômica continua de 2019, v.25, n.3. O Resultado Pri- em termos de redução do déficit
em rit mo lento e, como conse- mário do Governo Central nesse primário fica por conta do Tesou-
quência, a receita pública tam- primeiro trimestre de 2019 foi de ro Nacional, que teve um aumento
bém continua deixando a desejar. -R$ 9,3 bilhões contra um déficit
no superávit de R$ 5,5 bilhões
Mesmo com a aplicação da regra de R $ 12, 9 bilhões no mesmo
nesse período (10,7% real), ajuda-
do teto de gastos, que mantém a período do ano anterior, o que
do também pelo superávit de R$
despesa sob controle, o desequilí- significa uma redução do déficit
brio das contas é inevitável. Nesta primário de 28% em termos nomi- 95 milhões do Banco Central. Mas
nota de conjuntura, o período fo- nais e de 32% em termos reais.1 A a Previdência continua apresen-
cado será o comparativo entre o Tabela 1 apresenta as informações tando resultados negativos, com
primeiro trimestre do ano de 2019 sobre o Resultado Primário do um aumento em seu déficit de R$
e o primeiro trimestre de 2018, acumulado do primeiro trimestre 2,2 bilhões (0,2% real).

maio de 2019
4 análise de conjuntura

Tabela 1 - Resultado Primário do Governo Central - R$ Milhões - Valores Constantes (IPCA março 2019)

  janeiro-março Diferença
  2018 2019 valores % (IPCA)
Resultado do Governo Central - 12 871 - 9 307    
- Resultado da Previdência Social - 49 313 - 51 482 - 2 169 4,4
- Resultado do Tesouro Nacional 36 577 42 079 5 503 0,2
- Resultado do Banco Central - 135 95 230 -

Fonte: site do Bacen.

O Gráfico 1 apresenta o Resultado Primário do Gover- mágica para o problema fiscal e do baixo crescimento
no Central, acumulado em 12 meses, desde o início de da economia brasileira, o fato é que as medidas pro-
2018. Apesar de o período de abril a outubro ter apre-
postas visam conter o crescimento do déficit no longo
sentado um déficit da ordem de R$ 100 bilhões, em
prazo, mas este continuará por um bom tempo, e a
2019 o déficit está novamente no patamar de 120 R$
bilhões. Convém lembrar que, apesar de a reforma da crise fiscal e econômica pede soluções de prazo mais
Previdência estar sendo apresentada como a solução curto.
Gráfico 1 - Resultado Primário do Governo Central, Valores Acumulados em 12 Meses - R$ Milhões

Fonte: Site da Secretaria do Tesouro Nacional.

O problema do financiamento do déficit tem impacto a composição desse déficit, o que pode ser esclarecido
sobre a dívida ou demais mecanismos criativos, como com o conceito de resultado primário estrutural, sobre o
o uso de recursos financeiros empoçados em fundos ou qual há várias estimativas que dependem da metodolo-
venda de ativos variados ou mesmo de concessões pelo gia usada. A estimativa publicada no Boletim Resultado
uso e realização de atividades controladas pelo Estado. Primário Estrutural, 2018, do Ministério da Economia
Do ponto de vista analítico, há também a discussão sobre − que procura eliminar os efeitos cíclicos e eventos não

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análise de conjuntura 5

recorrentes do cálculo do primário o que indica que alguma melhora Receita Líquida da União ficou pra-
− traz informações interessantes. no mercado de trabalho acabou ticamente estável (0,1%).
Em 2018, o resultado primário do acontecendo. Entre as Receitas
governo central convencional foi es- Não Administradas pela Receita
3 Despesa Pública
timado em -1,7% do PIB, enquanto o Federal do Brasil houve aumento
primário estrutural foi calculado em de R$ 3,6 bilhões, dos quais R$ 2,4
A Despesa Total apresentou de-
-1,44%, sendo a diferença de 0,76% bilhões referem-se ao aumento de
créscimo de R$ 4 bilhões um em
em relação ao componente cíclico e pagamentos à União de Dividendos
termos reais (1,2%). Os Benefícios
-0,5 em decorrência de receitas não e Participações (470%) especial-
Previdenciários aumentaram em
recorrentes. Para o setor público mente pelo Banco do Brasil e Caixa
R$ 3,7 bilhões (2,6%), dos quais
como um todo, o resultado primário Econômica Federal.
destaca-se o aumento de R$ 1,4 bi-
estrutural foi estimado em -0,7% do
Entretanto, boa parte do aumento lhões no mês de março, em função
PIB enquanto o convencional foi de
de Receita Total foi absorvida por do pagamento de sentenças judi-
-1,59%. Desde 2015, o componente
repasses intergovernamentais. As ciais e precatórios.
cíclico responde por mais de 1% do
déficit primário, sugerindo que uma Transferências por Repartição de
Receita para Estados e Municípios As Despesas com Salários e Encar-
retomada da economia tem papel
aumentaram em R$ 4,8 bilhões gos ficaram estáveis (0,1%), mas
fundamental no ajuste das contas
(7%), especialmente pelo aumento houve redução de gastos obriga-
públicas.
do compartilhamento de Receita tórios, especialmente queda de R$
de Exploração de Recursos Natu- 1,9 bilhões de Subsídios, Subven-
2 Receita Pública rais de R$ 1,5 bilhões (19%). Des- ções e Proagro (27%). Neste caso,
taque também para a ampliação da foi relevante a não celebração de
Voltando aos Resultados do Tesou- arrecadação do Imposto de Renda novos contratos do Programa de
ro Nacional versão convencional, em R$ 8 bilhões, que é base dos Sustentação do Investimento (PSI)
em termos reais, a Receita Total Fundos de Repartição a Estados e o fato de as taxas de juros terem
federal aumentou em R$ 5 bilhões e Municípios, apesar da queda da sido mais baixas do que no passa-
(1,3%) no comparativo do primeiro arrecadação do Imposto sobre do. O Gráfico 2 mostra os valores
trimestre relativamente ao mesmo Produtos Industrializados (IPI) acumulados desses subsídios, com
período do ano passado, mas houve em R$ 1,4 bilhões em função da uma trajetória de queda e estabili-
uma mudança na composição do nova crise na indústria, especial- zação nos últimos meses. A evolu-
seu crescimento. As Receitas Ad- mente do setor automotivo. Mesmo ção desse grupo de despesa, assim
ministradas pela Receita Federal assim, a base de repartição desses como de todos os outros, vai de-
tiveram queda de R$ 2 bilhões tributos teve aumento real de R$ pender da capacidade de os grupos
(0,8% reais) enquanto a Arreca- 6,6 bilhões, o que ajuda os novos de interesse se organizarem para
dação Líquida do Regime Geral da governadores a enfrentar suas pró- impor suas agendas específicas, o
Previdência apresentou crescimen- prias crises fiscais. Depois desses que acontece no dia a dia da ativi-
to de R$ 3,6 bilhões (3,9% reais), repasses intergovernamentais, a dade política.

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6 análise de conjuntura

Gráfico 2 - Despesas do Governo Central com Subsídios, Subvenções e Proagro, Acumulado em 12 Meses.
R$ Milhões - Valores de Março/2019, IPCA

Fonte: Tesouro Nacional.

A redução de Despesas Discricio- questão é que se os gastos públicos de emprego e renda em prazo mais
nárias foi a mais relevante para o passassem a ser rediscutidos todos curto. Isto porque a atividade esta-
controle do gasto, com queda de os anos, provavelmente haveria tal deve estar prevista nos instru-
R$ 6,2 bilhões (11,2%). Entre esse oscilação e interrupção mais fre- mentos legais, projetos e leis, cujos
grupo de despesas, destaca-se a quente do que já existe nos pro- prazos de discussão no Congresso
redução de R$ 4,3 bilhões (19%) gramas de governo, em função de e sua efetiva implementação, com
na Segurança Pública, R$ 3 bilhões interesses imediatos. as insuperáveis regras de transi-
na Assistência Social (45%), R$ ção, sempre são demorados.
1,9 bilhões na Saúde (5,9%) e nos
4 Perspectivas
Transportes R$ 1,6 bilhões (7,7%). Obv iamente, é possível que se
A indexação e vinculação de vários mude o enfoque da questão fiscal,
Certamente, não é fácil destravar a
grupos de despesas ampliando a no sentido de que ela deveria ser
economia e conseguir que a arreca-
parte do orçamento com progra- anticíclica, visão que aparentemen-
dação pública volte a crescer, espe-
mas específicos vem comprimindo te não está no radar das autorida-
cialmente em função da capacidade
a parte do orçamento na qual o des no momento. Por exemplo, na
que grupos bem organizados têm
governo tem poder de decisão. Se- Avaliação das Receitas e Despesas
de manter e até de ampliar sua
gundo o Tesouro Nacional, desde do Primeiro Bimestre de 2019, que
participação nos recursos orça-
março de 2010, as despesas obriga- é prevista pela Lei de Responsabi-
mentários. Por outro lado, esperar
tórias cresceram 38,1% enquanto lidade Fiscal, já ficou evidente uma
que reformas estruturais, cujos be-
as discricionárias tiveram uma queda de arrecadação estimada em
nefícios só ocorrem no médio e no
redução real de 2,6%. Daí a pro- R$ 30 bilhões entre o que foi pre-
longo prazos, não implica que a po-
palada rigidez do orçamento tão visto pela Lei de Diretrizes Orça-
lítica fiscal atue para a recuperação
criticada por vários analistas. A mentárias (LDO) e a estimativa da

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análise de conjuntura 7

arrecadação para o ano cheio de 2019. Dessa análise, 1 IPCA- Índice de Preços ao Consumidor Amplo da FIBGE.
foram anunciados contingenciamentos em diversos
setores, sendo a redução de 30% (sic) na Educação o
que chamou mais atenção e causou indignação.

O velho problema da oposição entre interesses de


curto e de longo prazos ressurge, assim como a maior
ou menor sensibilidade dos políticos em relação à
pressão da sociedade por soluções. Afinal, políticos
vivem de votos e não podem descontentar totalmente (*) Economista e doutora pela FEA-USP.
seus eleitores. (E-mail: veramartins2702@gmail.com).

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8 análise de conjuntura

Setor Externo: Tolerância a Crises ao Redor


Vera Martins da Silva (*)

1 Transações Correntes de reservas elevado e a flexibilidade para US$ 9,3 bilhões no compara-
do mercado cambial têm permitido tivo dos primeiros trimestres de
O setor externo continua apresen- o ajuste às oscilações sem maiores
2018 e 2019. Esse resultado decor-
tando uma perspectiva tranquila dificuldades.
reu da queda das Exportações (de
em meio à guerra comercial entre
as grandes economias e o vislumbre O Gráfico 1 apresenta a evolução US$ 54,3 bilhões em 2018 para US$
de redução de comércio interna- da relação entre Transações Cor- 52,9 bilhões em 2019) enquanto as
cional. O resultado das Transações rentes e do Investimento Direto no Importações ficaram praticamen-
Correntes no primeiro trimestre País sobre o PIB segundo as esti- te estáveis em US$ 43 bilhões. O
de 2019 foi deficitário em US$ 8,2 mativas dos valores acumulados Gráfico 2 apresenta a evolução da
bilhões (estimado em 1,76% do em 12 meses pelo Banco Central Exportação, Importação e Saldo
PIB), menor do que o observado no (Bacen). Pelos dados acumulados
primeiro trimestre de 2018, de US$ Comercial desde janeiro de 2018,
em 12 meses, a relação Transações
9 bilhões (1,98% do PIB). Esses nú- Correntes sobre o PIB foi estimada indicando que as exportações pas-
meros revelam uma relativa melho- em -0,73% em março de 2019 e saram a declinar a partir de outu-
ra nas transações entre residentes o Investimento Direto no País foi bro de 2018. O Gráfico 3 mostra a
e não residentes nas operações com estimado em 4,72% do PIB. Por en- evolução das exportações brasilei-
bens e serviços, em grande parte quanto, nada de excepcionalmente ras por fator agregado, deixando
explicada pela anemia da atividade novo no âmbito do setor externo, claro que é a exportação de produ-
econômica. Por outro lado, a conta a atividade fraca não estimula ex-
Financeira mostrou uma redução da tos básicos que mais cresceu a par-
pansão das importações, as expor-
entrada de recursos no país, de US$ tir de meados de 2018. Os produtos
tações ainda são relevantes apesar
6,4 bilhões no primeiro trimestre de de guerra comercial e de graves básicos são também o tipo mais
2019 contra US$ 7,5 bilhões no pri- crises de países vizinhos (Argenti- importante na pauta de exporta-
meiro trimestre de 2018. O Investi- na e Venezuela). ções − 51% do valor acumulado em
mento Direto no País em relação ao
12 meses, terminado em março de
PIB apresentou leve queda de 4,59%
2 Balança Comercial 2019. Nesse período, os semima-
no primeiro trimestre de 2018 para
4,54% no primeiro trimestre de nufaturados representaram 13%
2019. Apesar dessa queda na entra- A Balança Comercial (bens) apre- e os manufaturados 36% do total
da de recursos, a existência de saldo sentou queda de US$ 11 bilhões exportado.

maio de 2019
análise de conjuntura 9

Gráfico 1 - Transações Correntes e Investimento Direto no País sobre o PIB,


Acumulado em 12 Meses (%). Jan/2017 a Mar/2019

Fonte: site Bacen.

Gráfico 2 - Exportação, Importação e Saldo Comercial, Valores Mensais - Jan/2018 a Mar/2019 - US Milhões

Fonte: Bacen.

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10 análise de conjuntura

Em relação à exportação dos ma- ro e abril de 2019 houve queda US$ tina sozinha foi responsável pela
nufaturados, a crise na economia 2 bilhões nas Exportações de bens queda de 46,5% das exportações,
argentina esclarece boa parte de devido à queda de 7,3% da expor- sendo o grosso devido ao setor de
seu fraco desempenho. Nesse caso, tação de produtos manufaturados, veículos e autopeças. E essa crise
podemos usar as informações dis- 1,1% de semimanufaturados e au-
afetou tanto a exportação brasi-
poníveis até abril de 2019 pela mento de 5,8% de produtos bási-
leira de manufaturados quanto o
publicação Balança Comercial Bra- cos. No grupo dos manufaturados,
sileira Janeiro-Abril de 2019, da Se- ocorreu uma redução de 51,3% desempenho de toda essa cadeia
cretaria de Comércio Exterior do dos veículos de carga, 40% dos industrial, que apresentou resulta-
Ministério da Economia. Segundo veículos de passageiros e 21,4% de dos sofríveis no primeiro trimestre
1
essa publicação oficial, entre janei- autopeças. Por mercado, a Argen- de 2019.

Gráfico 3 - Exportação por Valor Agregado, Valores Acumulados em 12 Meses, Jan/2018 a Mar/2019. US$ Milhões

Fonte: Bacen.

3 Serviços milhões (16%) no primeiro trimes- redução do déficit neste caso foi a
tre do ano. queda de despesas com pagamento
No acumulado do primeiro tri- de Lucros e Dividendos em US$ 616
mestre de 2019 contra o primeiro bilhões (10%). Os juros tiveram
4 Renda Primária
trimestre de 2018, o déficit do uma queda menos expressiva, de
Setor de Serviços reduziu-se em
No caso da Renda Primária, o dé- US$ 323 milhões (5%).
US$ 1,5 bilhões, apesar de ainda
ser uma conta deficitária em US$ ficit é mais significativo, atingindo
6,7 bilhões ao final de março de US$ 11,5 bilhões no primeiro tri- 5 Investimento Direto no País
2019. Despesas com Viagens foi o mestre de 2019, mas também nessa
item que mais influenciou nesse conta houve redução de US$ 949 O Investimento Direto do País, que
resultado, com queda de US$ 616 milhões (8%). A principal fonte de faz parte da Conta Financeira do

maio de 2019
análise de conjuntura 11

Balanço de Pagamentos, apesar de 6 Câmbio cada um na pauta de exportação


estável (em torno de US$ 21 bilhões brasileira e deflacionado pelo IPCA
no primeiro trimestre de 2019) Como resultado dos diversos fluxos − mostra um panorama mais amplo
de bens e serviços e de capitais, a do que apenas a relação com a
apresentou mudança significativa
taxa cambial em relação ao dólar moeda norte-americana. O Gráfico
na sua composição. No primeiro americano tem variado, e especial- 4 apresenta esse indicador entre o
trimestre de 2018, 72% do Inves- mente se depreciou em 14% entre final de 2013 e o final de março de
timento Direto no País referia-se março de 2018 e 2019, mas ocorreu 2019, mostrando que a taxa está
uma apreciação de 15% em relação
a Participação no Capital e 28% flutuando, como era de se esperar,
ao peso argentino, ainda um gran-
a Empréstimos Intercompanhia. mas sem grandes sustos no perí-
de parceiro comercial. O indicador
No primeiro trimestre de 2019, odo recente. Mesmo assim, houve
índice de Taxa Real Efetiva de Cam-
depreciação de 5% desse indicador
os Empréstimos Intercompanhia bio, estimado pelo Banco Central −
que traz a informação da evolução entre março de 2018 e 2019, o que
passaram a ser relativamente mais
da taxa de câmbio em relação a deve ajudar a manter o Balanço
importantes, 46% do Investimento de Pagamentos em tranquilidade,
uma cesta de moedas dos 15 prin-
direto no País, e a participação no cipais parceiros comerciais do Bra- mesmo que com uma situação eco-
capital foi reduzida para 54%. sil, ponderado pela participação de nômica frágil.
Gráfico 4 - Índices de Taxas Reais de Câmbio (IPCA) em Relação a Uma Cesta de 15 Moedas dos
Principais Parceiros Comerciais do Brasil, Dez/2013-Mar/2019

Fonte: Bacen.

1 Segundo a Pesquisa Industrial da FIBGE, em março de


2019, a queda da produção industrial foi de 1,3% em mar-
ço e de 2,2% no acumulado de janeiro a março de 2019 em
relação ao mesmo período do ano anterior. Puxaram a queda
a produção de bens de capital (4%) e a bens duráveis (3%). (*) Economista e doutora pela FEA-USP.
(E-mail: veramartins2702@gmail.com).

maio de 2019
12 temas de economia aplicada

Avaliação de Contratos com Correção em Outra Moeda


Rodrigo De-Losso (*)
José Carlos S. Santos (**)

1 Introdução 2 Valor do Contrato em T

Considere um contrato de fornecimento de bens deno- Suponha que o valor do contrato seja V0 no período
minado em dólar. O fornecimento dos bens ocorrerá ao inicial t = 0, expresso em dólares. Suponha que a
longo de um período T. O reajuste do contrato ocorrerá variação dos preços entre o período inicial e T seja
periodicamente de acordo com um índice de preços . Como há câmbio envolvido, a taxa de câmbio, dó-
lares por peso (US$/P$) em t será denominada .
denominado na moeda, por exemplo pesos, do país
Assim, qual o valor do contrato original em T, quan-
onde o bem é produzido.
do um aditivo VT é proposto?
Em T é feito um aditivo contratual. Nesse momento,
Há duas formas de calcular o valor desse contrato. A
por alguma razão de compliance ou legal, é preciso mais intuitiva é tomar o valor original do contrato,
saber quanto o aditivo contratual representa em rela- transformar na moeda de correção, corrigir pela
ção ao valor original do contrato. Consequentemente, inflação e voltar o valor à moeda originalmente con-
o problema é saber o valor do contrato em T. tratada. Ou seja:

Não existe uma única forma de obter esse valor e esta


nota pretende discutir qual a melhor forma.

Em seguida, debater-se-á o efeito de mudança de O primeiro fator do lado direito transforma o valor
moeda em t < T havida no país onde o bem é produ- V0, expresso em dólar, para a moeda pesos. A seguir,
zido, repercutindo na forma de correção do contrato. aplica-se a inflação em pesos no segundo fator. O

maio de 2019
temas de economia aplicada 13

terceiro fator transforma o valor corrigido do con- Note que não há problema em concatenar a inflação
trato novamente para dólar. de duas moedas diferentes no mesmo país.

Claramente, há nessa operação um risco de câmbio Há, agora, duas possibilidades de correção do con-
envolvido pela razão . Em princípio, o risco de trato. A primeira é aplicar o segundo método descri-
câmbio dessa operação é do produtor do bem. to anteriormente duas vezes.

Nessa forma de correção, o câmbio contamina o Passo 1:


valor inicial do contrato, mesmo que ele tenha sido
executado antes de T. Esse potencial problema pode
ser evitado convertendo apenas o valor corrigido
ou variação do valor original para dólar. Isto é feito
assim: em que é a correção do contrato ajusta-
da pelo câmbio do período.

Passo 2:

Em incide variação cambial sobre o valor inicial,


enquanto em a variação cambial está limitada
apenas à parte correspondente à correção monetá-
ria. em que é a correção do contrato ajusta-
da pelo câmbio do período.
O segundo caso faz mais sentido. Suponha que a in-
flação no período seja zero. Ora, essa hipótese impli- Logo, temos:
ca variação nenhuma no valor original do contrato
em , mas no primeiro caso o preço do contrato
seria alterado somente pela variação cambial, inde-
pendentemente da inflação. Isso parece não fazer A outra hipótese de reajuste com mudança de
muito sentido, vez que nada mais se alterou. moeda é aplicar toda a correção monetária do perí-
odo, ajustando pelo câmbio:
3 Mudança de Moeda

Suponha agora que haja uma mudança de moeda no


país produtor do bem contratado em t < T, digamos,
de pesos para Euro. Nesse caso, a taxa de câmbio
US$/€ é dada por . Para fins de discussão, é con-
veniente indicar que a inflação entre o início do con-
trato e t foi de e entre t e T, , de tal sorte que:
Comparando com , verifica-se que embute
um ajuste cambial indevido às correções do contra-
to A e B, pois multiplica essas correções pela razão
de câmbio do outro período.

maio de 2019
14 temas de economia aplicada

Para fins de exemplo, considere os seguintes parâ- 4 Conclusão


metros:
A forma mais correta de correção de valores ex-
pressos em uma moeda corrigidos por um índice
de outra moeda é usando a expressão . Caso haja
troca de moeda durante a vigência de contrato no
país produtor, deve-se preferir a expressão .

Nesse caso:

(*) Professor Titular da FEA-USP. (E-mail: delosso@usp.br).


(**) Professor Associado da FEA-USP. (E-mail: jcdssan@usp.br).

maio de 2019
temas de economia aplicada 15

Diversidade de Gênero: a FEA em Números


Luiza Karpavicius (lukarpa73@gmail.com) ⓡ Renata Narita (rnarita@usp.br) ⓡ Fabiana Rocha
(frocha@usp.br) ⓡ Clara Brenck (clarabrenk@usp.br) ⓡ Bruna Borges (bruna.pufialli.borges@usp.br)
ⓡ Paula Pereda (pereda@usp.br) ⓡ Maria Dolores Montoya Diaz (madmdiaz@usp.br)1 (*)

Recentemente, a preocupação com então, observar os resultados do termos de gênero, com 55% e 58%
a igualdade de gênero na Academia, ensino superior de uma das princi- de estudantes do sexo feminino no
e não mais apenas no mercado de pais universidades do País, a USP. ano de 2015. O curso de Atuária,
trabalho, aumentou. Isto decorreu Em particular, o foco desta análise por sua vez, teria 41% de estudan-
em parte dos estudos que sugerem será na Faculdade de Economia, tes do sexo feminino.
que mulheres precisam ser inclu- Administração, Contabilidade e
ídas quando pesquisas científicas Ciências Atuárias. O Gráfico 1 apresenta o perfil dos
são conduzidas, políticas públicas estudantes da FEA de acordo com
são debatidas ou decisões de um O objetivo deste artigo é, assim, o gênero. Quando são avaliados
modo global são tomadas. Isso avaliar a participação das mulhe- os matriculados que ingressaram
porque mulheres trazem uma pers- res na graduação da FEA, olhando entre 2000 e 2012 nota-se que
pectiva e priorização diferente dos para os diferentes cursos (Econo- somente 32% dos alunos eram
homens, o que se estende para car- mia, Administração, Contabilidade mulheres.
gos de liderança e até mesmo opini- e Atuária) individualmente. Serão
ões ideológicas (May; McgarveY; analisados ainda como se diferen-
Gráfico 1 - Perfil dos Estudantes -
Whaples, 2014; May; McGarvey; ciam alunos e alunas no que diz
FEA/USP
Kucera, 2018; Ayman; Korabik, respeito ao desempenho, conclusão
2010; Perrault, 2015; SILVA, e razões para abandono.
2016; Chattopadhyay; Duflo,
2004). Adicionalmente, também O curso de Economia, segundo
foi resultado das evidências de que dados do Censo da Educação Supe-
lideranças femininas influenciam rior de 2015 divulgados pelo INEP/
as aspirações de carreira e de esco- MEC, ocupava a 37ª posição no que
laridade das adolescentes (Beaman diz respeito à representatividade
et al., 2012). feminina, dentre os 50 cursos com
maior número de matriculados.
No Brasil, existe uma carência de Considerando-se todos os matri-
estudos, principalmente de nature- culados no ensino superior, 57%
za acadêmica, sobre esta temática dos estudantes eram do sexo fe-
que decorre em grande medida da minino, enquanto em Economia as
escassez de informações quantita- mulheres representavam somente Os Gráficos 2, 3, 4 e 5 mostram a
tivas organizadas para a realização 39% dos matriculados. Os cursos participação de homens e mulheres
deste tipo de análise. Uma maneira de Administração e Contabilidade para cada um dos cursos durante o
de realizar esse tipo de estudo é, seriam um pouco mais diversos em mesmo período (2000-2012).

maio de 2019
16 temas de economia aplicada

Gráfico 2 - Perfil dos Estudantes Gráfico 3 - Perfil dos Estudantes


Administração Contabilidade

Gráfico 4 - Perfil dos Estudantes Gráfico 5 - Perfil dos Estudantes


Ciências Atuariais Economia

Gráfico 6 - Evolução da Porcentagem De Mulheres Na FEA/USP- Comparação Entre Cursos


(por Ano de Ingresso) 2000 - 2012

maio de 2019
temas de economia aplicada 17

Dentre os cursos, Economia teve a menor parcela fe- aproximadamente 26%, passando a representar
minina, com mulheres representando apenas 23% do pouco mais de 47% em 2012.
total de matriculados nos anos analisados. Adminis-
tração apresentou a maior parcela, com 37%. A Tabela 1 mostra a porcentagem de aprovações
1

em disciplinas por gênero da FEA/USP. Para essa


A participação feminina cresceu para todos os cur-
sos entre 2000 e 2012. No entanto, o maior cresci- análise, consideramos apenas alunos com ano de in-
mento ocorreu no curso de Atuária. Em 2006, ano gresso entre 2000 e 2012, mas observamos as notas
em que o curso foi criado, as alunas representavam em disciplinas cursadas até 2016:

Tabela 1 - Porcentagem de Aprovações e Reprovações em Disciplinas por Gênero

Aprovações (% por disciplina para cada grupo)


Curso
Mulheres Homens Diferença[1] em p.p
  Atuária 90.7% 81.6% 9.1***
  Administração 94.5% 88.9% 5.6***
  Contabilidade 89.9% 83.0% 6.9***
  Economia 86.7% 80.5% 6.2***
  Todos os cursos 91.8% 84.9% 6.9***

Notas:
[1] Significância estatística a 1 (***), 5 (**) e 10% (*).
[2] Total de observações: 353,487.

Como é possível observar, as mulheres, em média, apresentou a maior diferença, com mulheres pos-
possuem um índice de aprovação mais alto e, conse- suindo uma taxa de aprovação 9.1 pontos percentu-
quentemente, um índice de reprovação menor. Esse ais superior à dos homens. Administração apresen-
fenômeno se repete entre os diferentes cursos de gra- tou a menor diferença entre aprovação dos gêneros,
duação da FEA/USP. com mulheres possuindo uma taxa de aprovação 5.6
pontos percentuais maior do que a dos homens.
Em média, considerando todos os cursos da FEA/
USP, há uma diferença de quase 6 pontos percentu- A Tabela 2 apresenta a média da nota final por disci-
ais entre as taxas de aprovação por gênero. Atuária plina para alunos e alunas da FEA:

maio de 2019
18 temas de economia aplicada

Tabela 2 - Média da Nota Final por Disciplina por Gênero e Tipo de Disciplina

Obrigatórias Eletivas Todas


Curso
Mulheres Homens Diferença[1] Mulheres Homens Diferença[1] Mulheres Homens Diferença[1]
  Atuária - - - - - - 6.32 6.07 0.25***
  Administração 7.26 6.65 0.61*** 7.2 6.47 0.73*** 7.25 6.61 0.64***
  Contabilidade 6.78 6.13 0.65*** 6.95 6.25 0.7*** 6.82 6.16 0.66***
  Economia 6.29 5.89 0.4*** 6.46 5.92 0.54*** 6.36 5.9 0.46***
  Todos os cursos 6.99 6.34 0.65*** 6.89 6.16 0.72*** 6.96 6.27 0.69***
Notas:
[1] A diferença foi calculada por média (mulheres) - média (homens)
[2] Significância estatística a 1 (***), 5 (**) e 10% (*).
[3] Total de observações: 419,307
[4] No caso específico do curso de Atuária, não realizamos a análise para os grupos de "Obrigatória" e "Eletivas" por ausência dessa informação
Assim, também não incluímos este curso na análise de todos os cursos, exceto quando considerando os dois grupos de matéria.

Considerando todos os cursos da FEA/USP, observa-se suem notas 0.72 maiores que os homens. A menor dife-
um gap nas notas por gênero de 0.68 pontos a favor rença é para as disciplinas obrigatórias de Economia,
das alunas, que é estatisticamente significante a 1%, com as mulheres obtendo em média notas 0.4 pontos
5% e 10%. Além disso, é importante salientar que o acima das obtidas pelos homens. Todos os resultados
desvio-padrão na nota das mulheres é menor, o que são estatisticamente significantes a 1%, 5% e 10%.
sugere mais consistência de performance relativo aos
homens. Os resultados são similares para os diferen- Essa diferença de notas manteve-se constante ao
tes cursos da FEA. longo dos anos observados, conforme ilustra o Grá-
2
fico 7, que apresenta o GAP de notas por disciplina
De um modo geral, essa diferença entre as notas tende
por ano em que a disciplina foi cursada, compa-
a ser maior quando consideradas apenas disciplinas
eletivas e livres, ou seja, aquelas que os alunos optam rando os diferentes cursos da FEA/USP. Também
por cursar, do que nas disciplinas obrigatórias. apresentamos a média entre todos os cursos e com-
paramos cada um deles observando as disciplinas
Entre os cursos, a maior diferença nas notas ocorre eletivas e obrigatórias, como apresentam os gráficos
para o curso de Atuária: as mulheres em média pos- seguintes:

maio de 2019
temas de economia aplicada 19

Gráfico 7 - Evolução do Gap de Notas por Gênero - Comparação Entre os Cursos Média (Meninas) -
Média (Meninos) 2000 - 2015

Gráfico 8 - Evolução do Gap de Notas por Gênero - Gráfico 9 - Evolução do Gap de Notas por Gênero -
Média de Todos os Cursos e Matérias da FEA/USP Administração

maio de 2019
20 temas de economia aplicada

Gráfico 10 - Evolução do Gap de Notas por Gênero - Gráfico 11 - Evolução do Gap de Notas por Gênero -
Contabilidade Economia

De uma maneira global, é possível notar uma diferença disciplinas específicas (conforme explicado nas notas
relativamente constante no diferencial de notas entre de rodapé dos gráficos). Considerando a média entre
homens e mulheres. No caso de Economia, em anos es- todos os cursos, a diferença das notas entre homens
pecíficos esse gap na média das notas parece se inver- e mulheres varia no intervalo entre 0.5 e 0.9 pontos
ter, com a nota de homens superando a das mulheres percentuais.
(representado pelas curvas atingindo a parte negativa
do eixo vertical). Porém, essas observações não são Nos gráficos a seguir apresentamos a distribuição das
estatisticamente significantes, e muito possivelmente notas por gênero para a FEA e para cada um dos cur-
estão relacionadas com o tamanho amostral em anos e sos individualmente:

maio de 2019
temas de economia aplicada 21

Gráfico 12 - Distribuição das Notas Finais por Disciplina - Todos os Cursos da FEA/USP

.25
.2
Densidade
.15
.1
.05
0

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Nota Final por Disciplina

Mulheres Homens

Gráfico 13 - Distribuição das Notas Finais por Gráfico 14 - Distribuição das Notas Finais por Disciplina -
Disciplina - Atuária Administração
.25

.25
.2

.2
.15

.15
Densidade
Densidade
.1

.1
.05

.05
0
0

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Nota Final por Disciplina Nota Final por Disciplina

Mulheres Homens Mulheres Homens

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22 temas de economia aplicada

Gráfico 15 - Distribuição das Notas Finais por Gráfico 16 - Distribuição das Notas Finais por Disciplina -
Disciplina - Contabilidade Economia
.25

.25
.2

.2
.15
Densidade

Densidade
.15
.1

.1
.05

.05
0

0
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Nota Final por Disciplina Nota Final por Disciplina

Mulheres Homens Mulheres Homens

É possível observar que em todos os grupos a porcen- que apresenta a função de densidade de Kernell para
tagem de mulheres é inferior à dos homens nas notas todos os cursos da FEA/USP. A Tabela 3 traz os resul-
menores. Já nas notas mais altas (acima da média) a tados do teste de médias para comparar as diferenças
participação das mulheres é superior à dos homens. de gênero em outras variáveis selecionadas para todos
Esse fenômeno fica ainda mais visível no Gráfico 17, os alunos da FEA.

maio de 2019
temas de economia aplicada 23

Gráfico 17 - Distribuição das Notas Finais por Disciplina - Todos os Cursos da FEA/USP,
Função Densidade de Kernell

.25
.2
.15
.1
.05
0

0 2 4 6 8 10
x

Homens Mulheres

Tabela 3 - Outras Características Relevantes, Comparação Entre os Gêneros

Variável Média Homens Média Mulheres Diferença

Percentual de alunos que concluíram o curso 0.684 0.805 0.121***

Idade do aluno no ano de ingresso (em anos) 21.060 19.878 -1.182***

Tempo (em anos) para concluir o curso, condicional ao


5.196 4.935 - 0.0313***
encerramento do curso ter sido por motivo de “conclusão”

Ranking do aluno na FUVEST, condicional ao aluno ter


166.528 180.116 13.588***
entrado pelo vestibular

Percentual de alunos que ingressaram no curso pelo


0.926 0.930 0.003
Vestibular (FUVEST)

Percentual de alunos da cidade de São Paulo 0.770 0.773 0.010

Percentual de alunos do estado de São Paulo 0.973 0.973 0.000

maio de 2019
24 temas de economia aplicada

Há diferença nas médias entre homens e mulheres Primeiramente, trazemos a porcentagem de homens
com significância estatística para 4 variáveis: per- e mulheres que encerraram o curso, por tipo de en-
centual de alunos que concluíram o curso, tempo (em cerramento. Os motivos de encerramento foram clas-
anos) para concluir o curso, idade e classificação na sificados em “Conclusão”, “Transferência”, “Abandono
3
FUVEST. Vamos analisar cada uma delas em detalhes ou Desligamento” e “Outros”. A Tabela 4 descreve os
a seguir. resultados:

Tabela 4 - Porcentagem de Encerramento do Curso por Gênero e Tipo de Encerramento

Curso Gênero Abandono Transferência Outros Conclusão


  Mulheres 17.76% 11.21% 1.87% 69.16%
  Atuária Homens 41.78% 4.44% 6.22% 47.56%
  Diferença[1] em p.p -24.02*** 6.77** -4.35** 21.6***
  Mulheres 7.65% 5.99% 1.20% 85.16%
  Administração Homens 13.00% 6.74% 1.80% 78.45%
  Diferença[1] em p.p -5.35*** -0.75 -0.6* 6.71***
  Mulheres 12.98% 9.70% 0.82% 76.50%
  Contabilidade Homens 26.60% 11.70% 0.99% 60.71%
  Diferença[1] em p.p -13.62 -2.00 -0.17** 15.79***
  Mulheres 11.95% 8.02% 1.31% 78.72%
  Economia Homens 22.47% 7.84% 3.03% 66.67%
  Diferença[1] em p.p -10.52*** 0.18 -1.72*** 12.05***
  Mulheres 10.7% 7.8% 1.1% 80.4%
  Todos os cursos Homens 21.1% 8.3% 2.2% 68.4%
  Diferença[1] em p.p -10.43*** -0.56 -1.08*** 12.06***
Notas:
[1] A diferença foi calculada por média (mulheres) - média(homens).
[2] Significância estatística a 1 (*), 5 (**) e 10% (***).
[3] Total de observações: 8,067.

É possível observar que, em termos percentuais, mais nos nas disciplinas. Considerando os resultados das
mulheres que homens encerram o curso por motivo seções anteriores, de que em média as mulheres vão
de conclusão. É interessante destacar o caso do curso melhor que os homens nas disciplinas da graduação,
de Atuária em que a diferença porcentual dos casos de
é esperado que sua média de duração do curso seja
encerramento por conclusão é a maior.
menor. Isso ocorre de forma consistente considerando
O tempo médio de duração do curso, por sua vez está a média de todos os cursos da FEA/USP e cada curso
4
diretamente relacionado com o desempenho dos alu- individualmente:

maio de 2019
temas de economia aplicada 25

Tabela 5 - Tempo médio de Duração do Curso, por Por fim, a Tabela 7 descreve a Classificação média da
Gênero FUVEST:

Duração (em anos) Tabela 7 - Ranking Médio na FUVEST, por Gênero


Curso
Mulheres Homens Diferença[1]
  Atuária 4.73 5.02 -0.28*** Classificação FUVEST
Administração 4.89 5.18 -0.294*** Curso
  Mulheres Homens Diferença[1]
  Contabilidade 4.98 5.21 -0.231***   Atuária 426.91 348.34 78.58***
  Economia 5.01 5.22 -0.211***   Administração 158.22 158.36 -0.14
  Todos os cursos 4.94 5.20 -0.26***   Contabilidade 226.43 227.81 -1.37
Notas:   Economia 118.31 113.68 4.63
[1] A diferença foi calculada por média (mulheres) - média (homens).   Todos os cursos 180.20 166.85 13.35***
[2] Significância estatística a 1 (***), 5 (**) e 10% (*). Notas:
[3] Total de observações: 5,824. [1] A diferença foi calculada por média (mulheres) - média(homens).
[2] Significância estatística a 1 (***), 5 (**) e 10% (*).
Já na tabela a seguir, descrevemos um comparativo [3] Total de observações: 7,398.
entre a idade dos alunos no momento do ano de in-
gresso, por gênero e curso da FEA/USP: As mulheres estão em média mais de 13 posições
abaixo no ranking que os homens considerando todos
Tabela 6 - Média de Idade no Ano de Ingresso, os cursos da FEA/USP. Isso é interessante porque su-
gere que essa diferença de desempenho entre homens
por Gênero
e mulheres nas disciplinas não é prévia ao ingresso
Idade (em anos) na USP, ou que pode variar de acordo com o ambiente
Curso
Mulheres Homens Diferença[1] (vestibular vis-à-vis sala de aula). É importante men-
  Atuária 20.50 23.60 -3.10 *** cionar, no entanto, que para Economia, Administração
  Administração 19.39 20.09 -0.70*** e Contabilidade essa diferença não é estatisticamente
  Contabilidade 20.87 22.87 -1.99*** significante.
  Economia 19.45 20.42 -0.98***
  Todos os cursos 19.88 21.06 -1.18***
Notas: Referências
[1] A diferença foi calculada por média (mulheres) - média (homens).
[2] Significância estatística a 1 (****), 5 (**) e 10% (*).
Andrade, M.S. Diferenças e equidade de gênero em matemática no
[3] Total de observações: 8,067. contexto do ensino médio. Dissertação (Mestrado). Departamento
[4] A média de idade dos alunos foi calculada considerando a idade de
de Matemática, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
cada indivíduo em 01/02 do ano de ingresso, calculada através da
2002.
data de nascimento do aluno. Caso o aluno tenha ingressado duas
vezes na FEA/USP, ele aparecerá como 2 observações distintas. Andrade, M.; Franco, C.; Carvalho, J. P. de. Gênero e desempenho
em matemática ao final do ensino médio: quais as relações?. Anais,
Em média, os homens são mais velhos que as mulhe- p.1-16, 2016.

res, para todos os cursos analisados. Essa diferença é Andrade, M.S.; Franco, C. Pitombeira, J.B. Gênero e desempenho
em matemática ao final do ensino médio: quais as relações. Estudos
particularmente alta para Atuária, com os homens em em Avaliação Educacional, n. 27, 2003.
média mais de 3 anos mais velhos que as mulheres no Ayman, R.; Korabik, K. Leadership: why gender and culture matter.
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maio de 2019
26 temas de economia aplicada

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Beaman, L. et al. Female leadership raises aspirations and educa- jor: why some students never consider economics. International
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Perrault, E. Why does board gender diversity matter and how do
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72, n. 5, p.1409-1443, 2004. survey. The Journal of Economic Education, v. 10, n. 2, p. 1-11, 1979.
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Dasgupta, N. How stereotypes impact women in physics. Physics,
v. 9, n. 87, 2016.
1 Para essa análise, considerou-se Aprovação=1 se o estudante foi apro-
Dynan, K. E.; Rouse, C. E. The underrepresentation of women in
vado na disciplina, e =0 se o estudante foi reprovado por frequência,
economics: a study of undergraduate economics students. The nota ou frequência e nota na disciplina, e como valor ausente para
Journal of Economic Education, v. 28, n. 4, p. 350-368, 1997. alunos com dispensas ou trancamentos na matéria.
Emerson, T. L.; McGoldrick, K.; Mumford, K. J. Women and the 2 É importante ressaltar que, como o ano de 2000 marca o primeiro ano de
choice to study economics. The Journal of Economic Education, v. ingresso, apenas estão presentes na base de dados alunos dessa primeira
43, n. 4, p. 349-362, 2012. turma em 2000. Assim, o tamanho da amostra é pequeno, e por isso
qualquer interpretação sobre os dados específicos desse ano deve ser feita
Fryer Jr, R. G.; Levitt, S. D. An empirical analysis of the gender gap com cuidado. De forma análoga, o ano de 2016 apresenta apenas alunos
in mathematics. American Economic Journal: Applied Economics, no final do curso, que cursam poucas disciplinas (frequentemente apenas
v. 2, n. 2, p. 210-240, 2010. monografia ou uma disciplina pendente). Por isso, optamos por não incluir
esse ano na análise gráfica. Pela mesma questão de tamanho amostral, os
Freire, L. A. Desvendando desigualdades de oportunidades em
alunos de ciências atuárias não eram numerosos na maior parte dos anos
matemática relacionadas ao gênero do aluno: modelagem multi-
da amostra, e por isso optamos por excluí-los desta análise gráfica.
nível aplicada aos dados do SAEB 99. Dissertação (Mestrado em
Matemática). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 3 Engloba “Desligamento aluno convênio”, “Encerramento novo ingresso”
2002. e “Falecimento”.

Horvath, J.; Beaudin, B. Q.; Wright, S. P. Persisting in the intro- 4 É importante ressaltar que para a construção da variável duração
não é levado em conta se o aluno é um aluno de transferência ou se
ductory economics course: an exploration of gender differences.
conseguiu dispensas/equivalências de matérias. Além disso, se for
The Journal of Economic Education, v. 23, n. 2, p. 101-108, 1992.
um aluno de reingresso, será contabilizado mais de uma vez na base.
Jensen, E. J.; Owen, A. L. Pedagogy, gender, and interest in econom- Por isso, alunos podem ter um período de duração do curso inferior
ics. The Journal of Economic Education, v. 32, n. 4, p. 323-343, 2001. a 1 ano, e as médias de duração do curso estão subestimadas.

Kost, L. E.; Pollock, S. J.; Finkelstein, N. D. Characterizing the


gender gap in introductory physics. Physical Review Special Top-
ics - Physics Education Research, 5, 010101, 2009. (*) EconomistAs [Brazilian Women in Economics - BWE] é um grupo
de pesquisa que tem como objetivo mapear e entender a baixa
May, A. M.; McGarvey, M. G.; Kucera, D. Gender and European representatividade das mulheres em Economia, da graduação aos
economic policy: a survey of the views of European economists diferentes estágios da carreira acadêmica. Tem ainda como objetivo
on contemporary economic policy. Kyklos, 71, p.162-183, 2018. encorajar mulheres a estudar Economia, bem como promover a in-
clusão de mulheres economistas no mercado de trabalho, aumentando
May, A. M.; Mcgarvey, M. G.; Whaples, R. Are disagreements as conexões tanto daquelas que atuam no setor privado e público,
among male and female economists marginal at best?: a survey quanto das que trabalham nas universidades.

maio de 2019
temas de economia aplicada 27

Desempenho de Firmas Manufatureiras Diversificadas e Não


1
Diversificadas
Milene Simone Tessarin (*)

No Brasil, poucos estudos tratam gresso técnico para explicar o cres- origem. Os resultados apontaram
do tema diversificação produtiva. cimento das nações (SCHUMPE- que plantas industriais diversifi-
Em geral, eles utilizam aproxi- TER, 1942; SOLOW, 1957; AGHION; cadas possuem desempenho pro-
mações para mensurar a diversi- HOWITT, 1990; ROMER, 1990). Eles dutivo superior ante aquelas não
ficação. As pesquisas existentes apontaram que a mudança tec- diversificadas.
procuraram medir a concentração nológica e a introdução de novos
do mercado ou do poder de mono- produtos no mercado induzem ao
2 Autores que Abordaram a Di-
pólio de algumas empresas, dessa crescimento econômico e que o versificação das Firmas
maneira, a diversificação é enten- progresso técnico estimula estru-
dida como o oposto da concentra- turas produtivas mais diversifica-
Apoiados em uma análise prévia e
ção. Este estudo apresenta dados das ao ampliar as opções de pro-
exploratória sobre a diversificação
inéditos de firmas multiprodutos, dutos e introduzir novas funções
das firmas, identificamos alguns
isto é, de firmas que fabricam pro- ou características em produtos já
autores que discutiram motivos e
dutos típicos de mais de um setor existentes.
as formas que as firmas se diversi-
de atividade. O estudo contribui
ficam. Abaixo apontaremos alguns
com a literatura especializada ao Para estudar a diversificação das
dos principais.
mensurar a diversificação produ- firmas, nos propomos a analisar
tiva diretamente, não por proxies. dados inéditos setoriais obtidos de
Penrose (1959) foi uma das pio-
Os resultados mostram que firmas uma tabulação especial da Pesqui-
neiras a abordar o tema diversi-
diversificadas estão em menor sa Industrial Anual – Empresa de
ficação. Ela apontou dois fatores
número na estrutura produtiva 2013 (IBGE, 2013). Foram obtidas
importantes para a estratégia de
brasileira, porém apresentam indi- informações de plantas que reali-
diversificação das firmas. O pri-
cadores de desempenho superiores zam a produção de mais de um pro-
meiro é a base produtiva e tecno-
àquelas que atuam em apenas um duto na mesma unidade produtiva.
lógica, que envolve cada tipo de
setor de atividade. Os resultados completos foram
atividade produtiva que utiliza
apresentados por Tessarin (2018).
máquinas, processos, qualificações
1 Introdução e matérias-primas. O segundo fator
São consideradas plantas diversi-
é a área de mercado, que indica
ficadas (ou multiprodutos) aquelas
O crescimento econômico pode ser cada grupo de clientes que a firma
que fabricam produtos de mais de
entendido como um processo em espera poder alcançar, utilizando
um setor de atividade registrado
que novas atividades emergem, uma mesma estratégia. Segundo a
na Classificação Nacional de Ativi-
antigas desaparecem e as relações autora, a combinação desses dois
dade Econômicas (CNAE), versão
entre elas se alteram (SCHUMPE- fatores permite conhecer diversas
2.0. Firmas não diversificadas pro-
TER, 1942; JACOBS, 1969). Autores possibilidades de atuação de uma
duzem apenas produtos do setor de
relevantes pautaram-se no pro- firma, incluindo variações dentro

maio de 2019
28 temas de economia aplicada

da área de especialização, ao am- diversificação de produtos e ao garam medidas proxy para captar a
pliar a produção de produtos que crescimento da firma. produção diversificada das firmas.
utilizam a mesma base tecnológica
ou seguir para áreas mais distan- Sob uma ótica mais recente, Hidal- Para tentar contribuir com esta
tes das suas especialidades (PEN- go et al. (2007) defenderam que, literatura, buscamos informações
ROSE, 1959, p. 177). para crescer e promover o desen- oficiais da PIA – Empresa do IBGE
volvimento, as firmas precisam com um det alhamento inédito
Jacobs (1969) fez uma análise de realocar capital de áreas menos sobre o desempenho de firmas
um ponto de vista diferente – pelas nobres para outras mais nobres. manufat ureiras (considerando
cidades – e também defendeu a Essas áreas necessariamente pre- unidades locais de produção) que
existência de externalidades de cisam ter alguma conexão, mesmo produzem produtos de mais de um
diversificação. Na sua visão, o cres- que não seja explícita, para que a setor da CNAE. Os dados obtidos
cimento de firmas e países decorre diversificação produtiva ocorra. Se referem-se ao ano de 2013.
da adição de novo trabalho ou tare- o conjunto de produtos feitos pelas
fas a outros já existentes por meio firmas for tão disperso a ponto Foi verificado que, das mais de
de um processo em que “coisas de não se comunicar, dificilmente 192 mil firmas com mais de cinco
levam explicitamente a outras coi- ocorrerá um salto tecnológico. empregados da indústria de trans-
sas” (JACOBS, 1969, p. 59). Assim, Nesse sentido, os autores argumen- formação brasileira, 6,3%, precisa-
a diversificação nada mais é que a tam que diversificar, para produtos mente 12.100, atuaram em mais de
adição de tarefas a atividades que com características similares, é uma divisão de atividade da CNAE
a firma já realiza, pela qual pode mais viável e tem maior chance de dentre as 33 divisões da indús-
se aproveitar de externalidades sucesso. tria de transformação (ver Tabela
geradas.
1). Esse é o grupo que doravante
Schumpeter (1942), ao tratar da 3 Diversificação das Firmas Bra- chamaremos de firmas diversifi-
inovação das firmas, explicou que, sileiras cadas. Embora o número relativo
a partir de novas combinações, de firmas seja pequeno, as firmas
surgem as inovações, que são um No Brasil, os estudos sobre diver- diversificadas empregaram 22,7%
caso bem sucedido de diversifi- sificação são poucos, devido prin- do pessoal ocupado na manufatu-
cação. Nessas definições, nota-se cipalmente à ausência de dados. Os ra, foram responsáveis por 44,1%
que há uma semelhança entre os primeiros foram feitos por Holanda do valor bruto da produção indus-
argumentos de Penrose (1959), Filho (1983) e Barros e Sidsamer trial e somaram quase a metade da
para o qual também são as combi- (1983), e o mais recente é de Kret- receita líquida de vendas, eviden-
nações (de áreas de mercado e base zer (2015). Tais estudos partiram ciando que são empresas de porte
tecnológica) que levam à crescente de abordagens diferentes e empre- relevante e de alta produtividade.

maio de 2019
temas de economia aplicada 29

Tabela 1 - Descrição das Empresas da Indústria de Transformação Brasileira (2013)

Número de Pessoal Salário Valor bruto da Receita líquida de


  unidades locais ocupado (milhões de produção industrial vendas (milhões de R$)
(UL) (PO) R$) (milhões de R$) (VBPI) (RLV)

Firmas que atuam em apenas uma divisão de


192.267 6.821.338 185.567 1.563.454 1.627.918
atividade (A)
Firmas que atuam em mais de uma divisão
12.100 1.547.065 64.419 689.950 788.793
de atividade (B)
Total de empresas (A+B) 204.367 8.368.403 249.986 2.253.404 2.416.711

Nota: Unidades de investigação: Empresa e unidade local com 5 ou mais pessoas ocupadas.
Fonte: Elaboração própria a partir da Pesquisa Industrial Anual do IBGE.

As empresas não diversificadas empregaram, em superior nas empresas diversificadas ante as não
média, 35,5 trabalhadores por unidade local contra diversificadas.
127,9 trabalhadores das empresas diversificadas.
O valor bruto da produção industrial por unidade Esses são apenas alguns indicadores presentes na Tabe-
local das empresas diversificadas foi 7 vezes maior la 2, demonstrando que as empresas diversificadas pos-
que das empresas não diversificadas. E a agregação suem maior escala e eficiência produtiva em relação às
de valor por trabalhador (VTI / PO) foi 2,4 vezes empresas não diversificadas da manufatura brasileira.

Tabela 2 - Firmas Diversificadas e Não Diversificadas da Indústria de Transformação (2013)

VBPI / UL VBPI / PO VTI / UL VTI / PO


PO / UL Salário / PO
(milhões de R$) (mil R$) (milhões de R$) (mil R$)

Empresas que atuam em apenas uma divisão de


35,5 27.203,9 8,1 229,2 3,3 92,0
atividade (A)
Empresas que atuam em mais de uma divisão de
127,9 41.639,7 57,0 446,0 28,3 221,1
atividade (B)
Todas as empresas (A+B) 40,9 29.872,6 11,0 269,3 4,7 115,9

Nota: Variáveis nomeadas na Tabela 1.


Fonte: Elaboração própria a partir da Pesquisa Industrial Anual do IBGE.

Considerando apenas as firmas que atuaram em mais A Tabela 3 mostra que, das empresas diversificadas,
de uma divisão de atividade, é possível identificar as 5.388 unidades locais (ou 44,5% do total) foram
unidades locais que se dedicaram à produção indus- constituídas com objetivos não industriais, ou seja,
trial, administração ou outra atividade não industrial são unidades de distribuição, revenda de mercado-
(como serviços de comercialização e marketing). rias, prestação de serviços não industriais e venda

maio de 2019
30 temas de economia aplicada

no varejo de produtos de fabricação própria (quando trabalhadores das empresas diversificadas, apresen-
realizada em unidade distinta da unidade de fabrica- tando uma média de 25,6 trabalhadores ocupados
ção). Apesar do maior número, essas unidades locais por unidade local com salário médio anual de R$ 28,6
são pequenas, empregam apenas 8,9% do total dos mil (ver Tabela 4).

Tabela 3 - Tipo de Função e Desempenho das Firmas Diversificadas da Indústria de Transformação (2013)

Salário VBPI VTI RLV


UL PO (milhões de (milhões de (milhões de (milhõesde
R$) R$) R$) R$)
Unidades locais industriais produtivas (C) 4.579 1.273.302 45.620 689.948 342.090 739.974
Unidades locais industriais administrativas (D) 2.133 136.002 14.855 - - -
Unidades locais produtivas não-industriais (E) 5.388 137.761 3.944 2 1,3 48.819
Total das empresas (C+D+E) 12.100 1.547.065 64.419 689.950 342.092 788.793

Fonte: Elaboração própria a partir da Pesquisa Industrial Anual do IBGE.

Já as unidades locais, diversificadas para atividades diversificadas, gerando um salário médio anual de R$
produtivas, representam 37,8% do total (4.579 unida- 35,8 mil (Tabelas 3 e 4).
des) e, neste caso, são empresas que desenvolveram
capacitações e domínio tecnológico em diferentes Nas unidades não industriais e nas administrativas
áreas, que lhes conferiram um VBPI de cerca de R$
praticamente não há VTI e VBPI, porque elas efetiva-
690 milhões em 2013, equivalente a um VBPI de R$
542 mil por trabalhador. Em relação ao emprego gera- mente não realizam produção, apenas operam como
do, representam 82,3% dos empregados pelas firmas escritórios de apoio às unidades produtivas.

Tabela 4 - Indicadores Selecionados das Firmas Diversificadas da


Indústria de Transformação, por Tipo de Função (2013)

Salário VBPI / UL VBPI / PO VTI / UL VTI / PO


PO / UL
médio anual (milhões R$) (mil R$) (milhões R$) (mil R$)

Unidades locais industriais produtivas (C) 278,1 35.828,4 150,7 541,9 74,7 268,7
Unidades locais industriais administrativas (D) 63,8 109.227,2 - - - -
Unidades locais produtivas não-industriais (E) 25,6 28.628,1 0,0 0,0 0,0 0,0
Total das empresas (C+D+E) 127,9 41.639,7 57,0 446,0 28,3 221,1

Fonte: Elaboração própria a partir da Pesquisa Industrial Anual do IBGE.

Ao observar apenas as informações das unidades lo- obtiveram, em média, VTI de R$ 74,7 mil em relação a
cais industriais produtivas das firmas diversificadas, R$ 3,3 mil das empresas não diversificadas, uma dife-
ficam ainda mais discrepantes seus indicadores dian- rença de 22,6 vezes.
te das unidades locais das firmas não diversificadas
(comparação da Tabela 4 e Tabela 2). As unidades Em geral, Rodrik (2010) apontou que, quanto mais
locais industriais produtivas das firmas diversificadas diversificada é uma firma, maior é o seu potencial

maio de 2019
temas de economia aplicada 31

de se diversificar ainda mais. A de um produto particular. Políticas SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, socialismo e


diversificação torna a firma menos democracia. Rio de Janeiro: Editora Fundo
públicas poderiam ser utilizadas
de Cultura, 1942.
suscetível a crises e choques ex- para promover a diversificação em
ternos devido à sua facilidade de SOLOW, R. M. Technical change and the ag-
setores com viabilidade para pro-
gregate production function. The Review
transitar em vários segmentos duzir bens em base compartilhada. of Economics and Statistics, v. 39, n. 3, p.
de mercado. Crises momentâneas 312–320, 1957.
em um mercado específico podem
Referências TESSARIN, M. S. O papel da inovação,
ser balanceadas pela atividade em diversificação e vizinhança setorial no
outro mercado que a firma atua. desenvolvimento industrial recente do
Esse é um dos motivos que levam AGHION, P.; HOWITT, P. A model of growth Brasil. 2018. 180 p. Tese (Doutorado) -
as firmas a diversificarem sua pro- through creative destruction. Economet- Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade, Universidade de São Paulo,
dução e também uma das razões rica, v. 60, n. 2, p. 323–351, 1992.
São Paulo, 2018.
que explicam os diferenciais de BARROS, A. A. de; SIDSAMER, S. Diversifica-
desempenho perante as firmas não ção e concentração na indústria brasileira
diversificadas. - 1974. Rio de Janeiro: IBGE, 1983.
HIDALGO, C.; KLINGER, B.; BARABÁSI, A.-L.;
HAUSMANN, R. The product space condi-
4 Considerações Finais 1 A autora agradece à CAPES e FIPE pelo
tions the development of nations. Science, financiamento da pesquisa.
v. 317, n. 5837, p. 482–487, 2007.
Os dados inéditos apresentados
HOLANDA FILHO, S. B. de. Estrutura industri-
nos permitem dizer que firmas al no Brasil: concentração e diversificação.
industriais diversificadas possuem Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1983.
maior escala, eficiência e desempe-
IBGE. Pesquisa Industrial Anual Empresa:
nho produtivo em relação às firmas 2013. 32. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2013.
industriais não diversificadas da
JACOBS, J. The economy of cities. New York:
manufatura brasileira. Para apro- Random House, 1969.
fundar a análise sobre este tema, é
KRETZER, J. A diversificação da estrutura
preciso verificar em quais setores
produtiva no Brasil: observações pre-
as firmas diversificadas atuam e se liminares. Revista de Economia Contem-
há uma conexão entre os produtos porânea, v. 19, n. 2, p. 280–306, 2015.
de diferentes setores produzidos PENROSE, E. The theory of the growth of
por elas (assunto para os próximos the firm. John Wiley and Sons, New York,
boletins). 1959.
RODRIK, D. Políticas de diversificação
Dado que a diversificação gera efei- econômica. Revista Cepal, n. especial
tos positivos na estrutura produ- (português), p. 27-43, 2010.
tiva, estimula o desenvolvimento ROMER, P. Endogenous technological (*) Doutora em Economia pela FEA-USP.
tecnológico e ainda diminui os ris- change. Journal of Political Economy, v. 98, Pesquisadora da FIPE e do NEREUS
cos durante uma crise de demanda n. 5, Part 2, p. S71–S102, 1990. (E-mail: milenetessarin@usp.br).

maio de 2019
32 temas de economia aplicada

Fecundidade e Desigualdade: Evidências Empíricas


Michael Tulio Ramos de França (*)

1 Introdução O presente texto foca em revisar a 2 Literatura


literatura empírica que relaciona
1
Segundo o relatório da OXFAM fecundidade com desigualdade.
2.1 Evidências Empíricas
(2018), em 2017 o Brasil foi o 9º Dado que o desenvolvimento de
país mais desigual do mundo e, uma criança está diretamente re-
lacionado com as condições socioe- Em 1965, o presidente dos EUA
quando se analisa a função do ca-
conômicas de sua família, as crian- Lyndon Johnson disse a famosa
pital na desigualdade, o cenário
ças de famílias ricas têm muito frase: “Less than five dollars inves-
tende a ser relativamente pior do
mais chance de progredir do que ted in population control is worth a
que aqueles encontrados nas pes-
as de famílias pobres. Assim, visto hundred dollars invested in econo-
quisas. Nesse contexto, Medeiros e
que a loteria do nascimento deter- mic growth”. Com essa perspectiva,
Castro (2018) fornecem evidência
mina consideravelmente as condi- as últimas décadas foram marca-
que vai contra a tese de que houve ções de vida futura, a distribuição das por um prolífero debate em
queda na desigualdade de renda dos nascimentos pode se tornar um torno dos efeitos do tamanho da
brasileira nas últimas décadas. Os importante ponto de partida para
família nos resultados socioeco-
autores destacam que as pesquisas se pensar a desigualdade socioeco-
nômicos e, além disso, programas
domiciliares subestimam a renda nômica (FRANÇA; HADDAD, 2017).
de planejamento familiar foram
no topo da distribuição por não
levar em consideração o capital. No Brasil, uma parcela expressiva implementados em diversos países.
das crianças acaba nascendo em O impacto desses programas sobre
Adicionalmente, no que se refere a ambientes desfavorecidos e isso a fecundidade tende a variar consi-
mobilidade social, o Brasil também pode dificultar o processo de de- deravelmente, com estimativas de
tem um papel de significativo des- senvolvimento do país. Do ponto queda na quantidade de crianças
taque negativo. Isto porque o país de vista teórico, considerando que entre 5% a 35% e com o aumento
está entre as nações com a menor os mais pobres em cada geração no intervalo de nascimentos va-
possuam o desejo e meios de pla- riando entre 5% e 7% (MILLER;
mobilidade do mundo. De acordo
nejar sua reprodução, a diminuição BABIARZ, 2016). Além disso, os
com uma estimativa realizada pela
na quantidade de filhos pode im-
OCDE com dados de 30 países, a programas de planejamento fami-
plicar maior investimento no de-
mobilidade social do Brasil só não liar que afetam significativamente
senvolvimento das crianças. Com
foi pior que a da Colômbia (OCDE, a fecundidade também têm desdo-
isso, a probabilidade de escapar da
2018). Neste estudo, estima-se que armadilha da pobreza aumentaria bramento no nível educacional, no
são necessárias nove gerações para para essas crianças. Nesse sentido, mercado de trabalho e na saúde
que os descendentes dos casais pesquisas empíricas têm encon- (BAILEY; HERSHBEIN; MILLER,
mais pobres atinjam a renda média trado evidências que reforçam tal 2012; BAILEY, 2006; MILLER; BA-
do país. argumento teórico. BIARZ, 2016; NARITA; DIAZ, 2016).

maio de 2019
temas de economia aplicada 33

Miller (2009) encontrou que o pro- para as mulheres (MILLER; BA- encontrado efeito significativo da
grama Profamilia explica cerca de BIARZ, 2016). Assim, esses estudos queda de fecundidade na oferta de
6-7% do declínio da fecundidade fornecem uma noção do poten- trabalho das mulheres (MILLER;
da Colômbia entre 1964 e 1993. cial em termos educacionais que a BABIARZ, 2016). Bailey, Hersh-
Adicionalmente, o autor argumenta quantidade de filhos gera sobre a bein e Miller (2012) exploraram a
que houve um substancial ganho família. introdução da pílula anticoncepcio-
socioeconômico para as mulheres nal nos Estados Unidos e, usando a
colombianas, pois o programa teve Além de afetar a educação da mãe, a variação estadual no acesso legal,
um impacto positivo na educação e fecundidade também afeta a educa- encontraram que a pílula aferiu um
tal fato colocaria o programa entre ção da criança em basicamente duas prêmio salarial de 8% paras as mu-
as inter venções de desenvolvi- dimensões diretas. Primeiramente, lheres americanas e, adicionalmen-
mento com maior sucesso. O autor o declínio da fecundidade afeta o te, 10% da redução da diferença sa-
faz essa afirmação comparando o investimento dos pais na educação larial de gênero durante os anos 80
efeito do aumento de 0,05 anos de da criança (BECK ER; LEWIS, e 31% durante a década de 90 pode
educação do Profamilia com outras 1973). Segundo, as mães com mais ser atribuída ao acesso à pílula. No
intervenções bem conceituadas e escolaridade têm um impacto posi- Brasil, Narita e Diaz (2016) encon-
amplamente conhecidas na lite- tivo na educação dos filhos. Usando traram que uma menor fecundidade
ratura com o intuito de aumentar dados da Romênia, Pop-Eleches na adolescência implica um aumen-
especificamente o nível educacio- (2006) encontra que a proibição do to de 5,4% na participação das mu-
nal em países pobres. Por exemplo, aborto teve um impacto negativo na lheres no mercado de trabalho.
a construção de escolas em larga probabilidade de conclusão do en-
escala na Indonésia aumentou a sino médio e superior. A evidência Em relação à saúde, dado o risco
escolaridade em cerca de 0,15 anos que a educação dos pais e dos filhos de morte associado com a gravidez,
(DUFLO, 2001); a redução das clas- apresenta uma positiva correlação é reduzir a quantidade de filhos im-
ses na África do Sul aumentou a fornecida por diversos trabalhos na plica diminuir o número de mortes
escolaridade em 6% (CASE; DEA- literatura (AHITUV, 2001; MOAV, relacionadas à maternidade. Além
TON, 1999); os vouchers escolares 2005). Crianças com mães alfabeti- disso, o planejamento familiar reduz
na Colômbia tiveram um efeito zadas estudam mais que as de mães a incidência de gestações arriscadas
positivo na escolaridade de 0,1 analfabetas (BEHRMAN et al., e a mortalidade infantil (MILLER;
anos (ANGRIST et al., 2002). No 1999). Nesse sentido, há estudos se- BABIARZ, 2016). Estimativas de
Brasil, Narita e Diaz (2016) usaram gundo os quais é significativamente experimentos apontaram que o pla-
um pseudopainel e verificaram mais provável que mães com alta nejamento familiar está associado
que uma redução da gravidez na escolaridade leiam diariamente para com reduções entre 30% e 50%
adolescência de um desvio-padrão seus filhos (MOAV, 2005). Lam e na mortalidade infantil (JOSHI;
aumenta a escolaridade em 0,12 Duryea (1999) apresentam evidên- SCHULTZ, 2007; MILLER; BA-
anos. cias de que a escolaridade dos pais BIARZ, 2016; PHILLIPS et al.,
apresenta um forte efeito positivo 2012).
Adicionalmente, estudos de longo na escolaridade das crianças e que a
prazo sugerem que os programas escolaridade das mulheres tem um
de planejamento familiar podem efeito negativo na fecundidade. Referências
ter um impacto positivo no nível
educacional das crianças de cerca Quanto à participação feminina no AHITUV, A. Be fruitful or multiply: on the
de 5% a 18% e entre 1% e 30% mercado de trabalho, estudos têm interplay between fertility and economic

maio de 2019
34 temas de economia aplicada

development. Journal of Population Eco- USP.Working Paper Series no 2017-30, PHILLIPS, J. F. et al. The long-term fertility
nomics, p. 51-71, 2001. 2017. impact of the Navrongo Project in North-
ANGRIST, J. et al. Vouchers for private ern Ghana. Studies in Family Planning, v.
JOSHI, S.; SCHULTZ, T. P. Family planning as
schooling in Colombia: evidence from an investment in development: evaluation 43, n. 3, p. 175-190, 2012.
a randomized natural experiment. The of a program’s consequences in Matlab, POP-ELECHES, C. The impact of an abor-
American Economic Review, v. 92, p. 1535- Bangladesh. IZA Discussion Paper No. tion ban on socioeconomic outcomes of
1558, 2002. 2639, n. 951, 2007. children: evidence from Romania. Journal
BAILEY, M.; HERSHBEIN, B.; MILLER, A. The LAM, D.; DURYEA, S. Effects of schooling on of Political Economy, v. 114, n. 4, p. 744-
opt-in revolution? Contraception and the fertility, labor supply, and investments in 773, 2006.
gender gap in wages. American Economic children, with evidence from Brazil. The
Journal: Applied Economics, v. 4, n. 3, p. Journal of Human Resources, v. 34, n. 1, p.
225-254, 2012. 160-192, 1999.
BAILEY, M. J. More power to the pill: the im- MEDEIROS, M.; CASTRO, F. A composição da
pact of contraceptive freedom on women’s renda no topo da distribuição: evolução
life cycle labor supply. The Quarterly no Brasil entre 2006 e 2012, a partir de 1 Este texto representa a síntese de parte de
Journal of Economics, p. 288-320, Febru- informações do imposto de renda (The um projeto de tese que está em andamento:
ary 2006. composition of incomes at the top of the Bolsa nº 2017/19403-9 e nº 2018/06782-4,
BECKER, G. S.; LEWIS, H. G. On the interac- distribution: trends in Brazil between Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
tion between the quantity and quality of 2006 and 2012, using personal income de São Paulo (FAPESP). As opiniões, hipóte-
children. Journal of Political Economy, v. tax. Economia e Sociedade, v. 2, n. 63, p. ses e conclusões ou recomendações expres-
577-605, 2018. sas neste material são de responsabilidade
81, n. 2, p. S279-S288, 1973.
do(s) autor(es) e não necessariamente
BEHRMAN, J. R. et al. Women’s schooling, MILLER, G. Contraception as development? refletem a visão da FAPESP. Além disso, vale
home teaching , and economic growth. New evidence from family planning in ressaltar que faz parte de uma sequência
Journal of Political Economy, v. 107, n. 4, Colombia. The Economic Journal, p. 709- de textos que foram publicados no Boletim
1999. 736, 2009. de Informações da FIPE (FRANÇA, 2019a,
2019b).
CASE, A.; DEATON, A. School inputs and ______.; BABIARZ, K. Family planning pro-
educational outcomes in South Africa. The gram effects: evidence from microdata.
Quartely Journal of Economics, v. 114, n. 3, Population and Development Review, v. 42,
p. 1047-1084, 1999. p. 726, March 2016.

DUFLO, E. Schooling and labor market MOAV, O. Cheap children and the persistence
consequences of school construction in of poverty. Economic Journal, v. 115, n.
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policy experiment. The American Eco- NARITA, R.; DIAZ, M. D. M. Teenage moth-
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FRANÇA, M. Fecundidade e desigualdade: outcomes of the mother: Evidence from
teoria. Informações Fipe, n. 463, p. 40-44, Brazilian data. EconomiA, v. 17, n. 2, p.
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2019b.
Econômica na Universidade de São Paulo.
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desigualdade: podemos construir alguma OXFAM. País estagnado: um retrato das de Columbia (2018-2019).
relação? Department of Economics, FEA- desigualdades brasileiras, 2018. (E-mail: michaeltulioramos@usp.br).

maio de 2019
temas de economia aplicada 35

Crise Fiscal: A Situação do Estado de Minas Gerais


Victor Cezarini (*)

O presente artigo tem como objeti- aumenta mais suas dívidas e suas tendo apresentado queda nominal
vo relatar a situação fiscal atual do contas em atraso. de 1,7% no 1T19 vs 1T18, e queda
Governo de Minas Gerais e apre- real de 6,3% no mesmo período.
sentar algumas das medidas que Grande parte das despesas é ca- Por fim, a questão do pagamento
ajudarão o estado a sair da situa- rimbada, isto é, o Executivo não de juros e amortização da dívida
ção em que se encontra. possui autonomia sobre elas. Das dependerá da aprovação do Re-
despesas totais de R$ 85,6 bi, R$ gime de Recuperação Fiscal na
O Governo de Minas fechou o ano 26,0 bi vão para o pagamento do Assembleia Legislativa.
de 2018 com um déficit no valor funcionalismo, R$ 21,5 bi para
de R$ 11,2 bi, motivado pelas re- pagamento de aposentadorias e Quando se analisa a despesa de
ceitas totais de R$ 74,4 bi e pelas pensões, R$ 15,3 bi são os repas-
pessoal total, ativo e inativo, per-
despesas de R$ 85,6 bi1, os restos ses aos Municípios, R$ 13,1 bi são
cebe-se a gravidade do problema
a pagar totalizaram R$ 28,2 bi e a despesas de custeio, R$ 7,6 bi vão
previdenciário no Estado de Minas
dívida consolidada R$ 113,7, sendo para pagamento de juros e amor-
Gerais. Atualmente, a despesa de
a principal a dívida com a União tização da dívida e apenas R$ 2,0 2
pessoal inativo representa 42,5%
Federal no valor de R$ 85,4 bi. Em bi para investimentos. As regras
do total da despesa de pessoal. Há
uma analogia prática, o Governo de aposentadoria e repasses são
cinco anos, essa razão era inferior
de Minas é como uma família que constitucionais, ou seja, apenas o
recebe R$ 6,2 mil por mês (R$ 74,4 Congresso Nacional pode alterá- em 4,3 p.p.; enquanto isso, a des-
mil por ano), possui contas em -las. Dos R$ 26 bi para pagamento pesa de pessoal destinada para pa-
atraso (luz, água, aluguel etc) no do funcionalismo, menos de R$ gamento de médicos, professores,
valor de R$ 28,2 mil e ainda deve 500 milhões se referem a cargos policiais militares e civis teve sua
aos bancos R$ 113,7 mil. Essa famí- comissionados do Poder Execu- participação reduzida em relação
lia também não poupa um centavo tivo, os quais já foram reduzidos ao total. A despesa de pessoal ina-
do seu salário, recebe R$ 6,2 mil e em mais de 40%. Com relação às tivo está literalmente “engolindo o
gasta R$ 7,1 mil todo mês. Como despesas de custeio, essas estão bolo” e a tendência é de contínua
consequência, cada dia que passa sendo reduzidas fortemente, já piora.

maio de 2019
36 temas de economia aplicada

Figura 1 – Receitas vs Despesas (em R$ Bilhões)

Fonte: SEF – MG. Obs: Não inclui receitas/despesas intraorçamentárias.

Figura 2 – Evolução da Despesa de Pessoal do Governo de MG (R$ Bilhões)

Fonte: Portal da Transparência do governo de Minas Gerais. Obs: Inclui despesas intraorçamentárias.

maio de 2019
temas de economia aplicada 37

As receitas para pagamento de sítio, um imóvel que está sendo mal O Plano também permite ao Estado
aposentadoria são obtidas a partir aproveitado, joias e outros bens. ficar três anos sem pagar os juros e
da contribuição de 11% que incide Contudo, de nada adianta essa fa- principal da dívida (prorrogáveis
sobre o salário do servidor e da mília vender seus ativos se não por mais três), medida que permi-
alíquota patronal de 22% paga pelo controlar o crescimento das despe- tirá uma economia de quase R$ 8 bi
Estado. Essa receita no ano de 2018 sas, caso contrário, apenas adiará o por ano e melhorará consideravel-
foi de R$ 5,6 bi versus uma despesa inevitável ajuste. mente a situação de curto prazo do
previdenciária total de R$ 23,2 bi.
Isto implica déficit previdenciário Estado. Temos, portanto, um paco-
O Plano de Recuperação Fiscal é
de R$ 17,6 bi, valor este que é supe- te completo: venda de ativos para
um pacote de medidas que visa
rior, inclusive, ao déficit total geral pagamento do estoque da dívida,
consolidar todas as ações necessá-
do Governo de Minas, de R$ 11,2 controle de despesas e alongamen-
rias para a recuperação financeira
bi. Em uma situação hipotética, na to no prazo da dívida.
do Estado. Ao mesmo tempo em
qual o déficit da previdência fosse
que ele obriga a venda dos ativos
nulo, o Governo de Minas teria Não há solução para o Governo de
apresentado superávit de R$ 6,4 bi do Governo para pagamento da
Minas que não passe pela aprova-
no ano de 2018. O déficit da previ- dívida, ele também: (i) veda a alte-
ção do Plano de Recuperação Fiscal
dência do Governo de Minas passou ração de estrutura de carreira que
na Assembleia Legislativa e pela
de R$ 9,3 bi em 2014 para R$ 17,3 implique aumento de despesa; (ii)
aprovação da Reforma da Previ-
bi em 2018 e, caso a Reforma da veda criação de cargos ou funções;
dência no Congresso Nacional. Nós,
Previdência não seja aprovada no (iii) veda a realização de concurso
como cidadãos mineiros, temos
Congresso Nacional, a situação irá público, ressalvadas as hipóteses
piorar cada vez mais. de reposição de vacância; (iv) veda de cobrar nossos Deputados Esta-
a criação ou a majoração de au- duais e Federais pela aprovação
O Plano de Recuperação Fiscal, es- xílios, vantagens ou bonificações dessas medidas, caso contrário,
tabelecido pela Lei Complementar para qualquer membro dos pode- rumaremos para o caos.
159, de 19 de maio de 2017, é o pri- res; (v) veda a criação de despesa
meiro passo para tirar o Estado de obrigatória de caráter continuado;
Minas Gerais da degradante situa-
(vi) veda a concessão de vantagem,
ção financeira em que se encontra.
aumento ou reajuste para qualquer
Seu tempo de vigência é de três
servidor ou empregado público, 1 Não inclui as despesas intraorçamentárias.
anos, prorrogável por mais três.
dentre outras medidas de conten- 2 A partir daqui os números incluem as
Conforme reportado no segundo
ção de gastos. Na prática, o Plano despesas intraorçamentárias, como, por
parágrafo deste artigo, a família exemplo, a contribuição patronal destinada
Governo de Minas gasta mais do de Recuperação impede o aumento
ao financiamento da previdência.
que arrecada, possui diversas con- de diversas despesas de todos os
tas em atraso e ainda deve para poderes do Governo, Poder Judici-
os bancos. Mas ela também detém ário, Executivo, Legislativo e MP. O
ativos, detém imóveis, detém em- Plano, contudo, não ataca as despe-
(*) Mestre em Economia pela USP e Assessor
presas e outros. Uma forma de sas previdenciárias, as quais conti- Especial da Secretaria da Fazenda do
melhorar a situação de curto prazo nuarão crescendo caso a Reforma Estado de Minas Gerais.
dessa família é realizar a venda um da Previdência não seja aprovada. (E-mail: victorcezarini@gmail.com).

maio de 2019
38 temas de economia aplicada

Estados Unidos: Perspectivas Econômicas e Políticas


Guilherme Tinoco (*)
Gabriel Brasil (**)

Desde meados do ano passado, 1 Cenário Econômico pectativas, a abertura desse valor
analistas econômicos vêm intensi- mostrou-se bem menos favorável,
ficando a discussão sobre as pro- A economia americana vive um uma vez que contou com um forte
aparente paradoxo: ao mesmo aumento de estoques. O desempe-
babilidades de uma desaceleração
tempo que cresce a taxas elevadas, nho do consumo, por exemplo, foi
mais forte, ou até mesmo de uma as preocupações com seu desem- bem modesto, com desaceleração
recessão, nos Estados Unidos. Em- penho futuro se tornam maiores. de 1,2%.
bora a economia americana tenha A taxa de desemprego alcançou o
mostrado um número muito posi- seu menor nível em décadas, mas Ao longo deste último ciclo de cres-
desequilíbrios internos, juntamen- cimento da economia americana,
tivo em 2018, com crescimento de
te com a piora nas perspectivas um dos principais destaques vem
2,9% e um mercado de trabalho
para a economia global, poderão sendo o mercado de trabalho. A
próximo ao pleno emprego, fatores contribuir para uma desaceleração taxa de desemprego, que chegou a
como o desequilíbrio fiscal cres- não desprezível nos próximos anos. cerca de 10% no auge da crise, fe-
cente e os efeitos da guerra comer- chou o ano de 2018 em 3,9% e atin-
cial podem trazer consequências O crescimento do PIB em 2018 giu 3,6% em abril de 2019, o menor
atingiu 2,9%, com aceleração em valor desde 1969. Para termos uma
danosas para o crescimento nos
relação a 2017 (2,2%) e a 2016 ideia, o Fed estima que a taxa natu-
próximos anos. (1,6%). Além de ter sido o segundo ral de desemprego, aquela que não
melhor desempenho da década, a acelera a inflação, seria de 4,3%.
Ao mesmo tempo, as eleições de taxa ficou acima de todos os outros
2020 começam a entrar no radar, países do G7. Houve grande contri- Neste contexto, as pressões infla-
de maneira que se torna cada vez buição do consumo das famílias e cionárias poderiam se tornar mais
mais importante analisar perspec- do investimento privado, mostran- relevantes e é isso que vem sendo
do vigor da demanda interna. discutido há um bom tempo por
tivas econômicas e políticas em
lá. O Fed deu início a um ciclo de
conjunto, sabendo da interdepen- Apesar deste desempenho positivo, elevação na taxa de juros há pouco
dência entre elas. Esse artigo tem, a segunda metade de 2018 foi mar- mais de três anos: foram nove altas
portanto, o objetivo de fazer essa cada por uma diminuição de ritmo. desde o fim de 2015, que levaram a
análise dupla, abordando a conjun- Após um segundo trimestre muito taxa de juros para o intervalo entre
tura econômica e política daquele forte, quando cresceu 4,2%, a eco- 2,25% e 2,5% ao ano. Apesar disso,
nomia desacelerou no terceiro e a inflação e os salários seguiram
país e contribuindo para a reflexão
no quarto trimestres daquele ano. bastante comportados, minimi-
sobre as perspectivas de médio Em 2019, embora o resultado do zando preocupações sobre o nível
prazo para a maior economia do primeiro trimestre tenha acelerado de preços. Com o receio que existe
mundo. para 3,2% e superado todas as ex- hoje em relação às perspectivas de

maio de 2019
temas de economia aplicada 39

crescimento, novas altas de juros, Seja como for, a economia deve ponto de partida importante: caso
anteriormente esperadas pelo mer- mesmo se desacelerar. Após o cres- consiga manter todos os votos que
cado, estão, portanto, praticamente cimento de 2,9% em 2018, o FMI teve três anos atrás, é possível que
descartadas, ainda que na ponta estima taxas de crescimento em ainda assim seja menos votado do
os salários tenham finalmente se queda para os próximos anos: 2,3% que o candidato democrata − sem a
acelerado um pouco mais. em 2019, 1,9% em 2020 e 1,8% garantia de que a particular distri-
em 2021. Sob este cenário, quais buição de votos no colégio eleitoral
Este receio com a desaceleração, ou seriam os impactos sobre a corrida de 2016 se repetirá.
até mesmo uma recessão, se baseia eleitoral de 2020? De outra forma,
principalmente em dois pilares. será que medidas de estímulo po- Além disso, é importante conside-
O primeiro é o achatamento na deriam ser adotadas a fim de pos- rar que a desaceleração econômica
curva de juros, fato amplamente tergar essa desaceleração para discutida acima tende a reduzir de
reconhecido como indicador ante- 2021? forma direta, ainda que marginal-
cedente de recessão. Essa é uma mente, sua popularidade – mesmo
regularidade empírica observada que uma crise financeira ou re-
há muitas décadas,1 que foi capaz 2 Cenário Político cessão não ocorra até as eleições.
de prever todas as recessões no Como Trump tem, como mencio-
país (pelo menos nove, segundo Desde que foi eleito, Donald Trump nado, concentrado sua plataforma
a definição da NBER) desde 1950, tem tentado capitalizar os indica- política (e eleitoral) no panorama
com apenas um falso positivo, em dores econômicos do país − sobre- econômico atual, é razoável as-
1967. Desde 2013, a diferença entre tudo de geração de emprego, espe- sumir que, caso seu panorama se
determinados vértices se aproxima cialmente positivos no curto prazo torne menos positivo nos próximos
do campo negativo, o que seria o − apostando neles como o principal meses, ele tenda a perder apoio de
indicador, segundo a métrica, de argumento em favor da sua ree- parte da sua base. No caso de uma
recessão à frente. Hoje, estão bem leição. No entanto, embora histo- crise, o timing se torna ainda mais
próximos de zero. ricamente incumbentes tenham importante para essa avaliação, e
vantagens significativas quando pode ser definitivo para a viabili-
O segundo pilar se baseia em fato- buscam seu segundo mandato nos dade da sua reeleição caso coincida
res mais concretos, como as con- Estados Unidos (14, dos 19 presi- com o período eleitoral. Nesse sen-
sequências fiscais da reforma tri- dentes americanos que buscaram a tido, medidas de estímulo poderão
butária e a guerra comercial que reeleição se saíram bem-sucedidos, ser utilizadas pelo presidente na
vem sendo travada com a China. O historicamente), o pleito de 2020 tentativa de postergar um colapso
primeiro, que pode ter funciona- deverá ser desafiador para o presi- na sua aprovação popular, mas,
do como um estímulo à atividade dente republicano. considerando a atuação (ainda) in-
no curto prazo, abriu, em contra- dependente do Fed, é provável que
partida, um enorme déficit fiscal Primeiro, cabe lembrar que, em seu alcance seja limitado.
no médio prazo, que, segundo os 2016, Trump perdeu no voto po-
cálculos do CBO, deveria ficar pró- pular para Hillary Clinton por uma Por outro lado, o ambiente eleitoral
ximo a 5% do PIB já neste ano. No margem de quase 3 milhões de entre os Democratas segue incerto,
caso do segundo, a disputa comer- eleitores. Embora isso, é claro, não com uma quantidade excessiva de
cial segue em andamento, com um necessariamente seja um obstáculo pré-candidatos (23, até agora) que,
preocupante acirramento neste definitivo para sua reeleição, um a princípio, têm tornado difuso o
início de maio. exercício lógico preliminar se torna potencial de mobilização do parti-

maio de 2019
40 temas de economia aplicada

do. Além disso, embora novas lide- progressista com o resgate do con- instabilidade – fiscal, comercial –
ranças de perfil moderado tenham trole da narrativa em temas que, num ambiente já desafiador. Os De-
se apresentado com plataformas paradoxalmente, por muito tempo mocratas, por sua vez, estarão ocu-
modernizantes eleitoralmente vi- fizeram parte da agenda dos Repu- pados na definição de uma disputa
áveis – como a Senadora da Cali- blicanos, como abertura comercial, interna que, caso não termine bem,
fórnia Kamala Harris, o ex-Depu- independência do Fed e responsa- pode culminar numa candidatura
tado do Texas Beto O’Rourke e o bilidade fiscal. Caso não os discuta que pulverize o alto potencial de
surpreendente Prefeito de South no debate eleitoral, é possível que, mobilização atualmente presente
Bend (Indiana), Pete Buttgieg – os ainda que saia vitorioso, o partido entre seus eleitores, especialmente
três pré-candidatos que lideram tenha dificuldades de governar, os mais jovens.
as pesquisas são políticos bem dada a imposição da realidade es-
conhecidos e que são, em boa me- perada para os próximos anos. Até Como esse cenário vai se desenro-
dida, considerados controversos: agora, não há indicações muito lar, ainda não sabemos. Resta tor-
os Senadores Bernie Sanders e Eli- claras sobre como lidará com este cer para que os acontecimentos na
zabeth Warren, tidos como radicais desafio – pelo contrário, expoentes esfera política não intensifiquem
nas suas plataformas econômicas do partido, como a recém-eleita e a desaceleração e os desequilí-
e, claro, o ex-Vice Presidente Joe popular Deputada Alexandria Oca- brios na esfera econômica. Não só
Biden, que lidera as pesquisas mais sio-Cortez, têm optado por discur- pelos americanos, mas também
recentes, mas acumula uma quan- sos economicamente disruptivos, o por nós, brasileiros. Afinal, sem
tidade razoável de polêmicas junto que torna o cenário político atual nossas reformas internas, ficamos
à ala mais progressista do partido. ainda mais incerto. mais vulneráveis ainda ao cenário
Embora definições sobre a corrida internacional.
democrata ainda estejam distan- 3 Perspectivas
tes – incluindo aquelas acerca das
possibilidades de composições De modo geral, discussões acerca
de chapa, também fundamentais das perspectivas político-econô-
para a compreensão do cenário das micas do país deverão orbitar o
eleições gerais – é possível anteci- debate em torno da sustentabi-
par que a situação do partido de- lidade do trumpismo: afinal, por 1 Yield Curve as a Leading Indicator. Federal
quanto tempo será possível manter Reserve Bank of New York. Disponível em:
mandará, além de uma agenda de <https://www.newyorkfed.org/research/
conciliação por parte das suas lide- pleno emprego e crescimento eco- capital_markets/ycfaq.html>.
ranças, uma estratégia de comuni- nômico com base em uma agenda
cação que leve ao eleitor trumpista política marcada pelo confronto
(majoritariamente de classe média, permanente e, sobretudo, por uma
acima de 45 anos) a noção de que abordagem hostil com relação a
o ambiente econômico positivo parceiros e aliados?
observado hoje tende a ser tempo-
rário caso a política econômica não Além disso, sem que seja especial-
seja aprimorada. mente conhecido por seu estadis-
mo, é possível que, no ano eleitoral, (*) Mestre em Economia pela FEA/USP. (E-
mail: gtinoco2002@hotmail.com)
Mais do que isso, o partido precisa- Trump intensifique ainda mais sua (**) Economista pela UFMG e mestrando em
rá combinar sua emergente agenda agenda populista, gerando mais Relações Internacionais pela USP.

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temas de economia aplicada 41

Relatório de Indicadores Financeiros1


Núcleo de Economia Financeira da USP – nefin-FEA-USP (*)

Em 02/jan/2012 foram (teoricamente) investidos R$ em ações de empresas com alta razão “valor contábil-
100 em quatro carteiras long-short tradicionais da -valor de mercado” e vendida em ações de empresas
literatura de Economia Financeira. O Gráfico 1 apre- com baixa razão; (4) Carteira Momento: comprada em
senta a evolução dos valores das carteiras. (1) Carteira
ações de empresas vencedoras e vendida em ações de
de Mercado: comprada em ações e vendida na taxa de
juros livre de risco; (2) Carteira Tamanho: comprada empresas perdedoras. Para detalhes, visite o site do
em ações de empresas pequenas e vendida em ações NEFIN, seção “Fatores de Risco”: <http://nefin.com.br/
em empresas grandes; (3) Carteira Valor: comprada risk_factors.html>.

Gráfico 1 – Estratégias de Investimentos (Long - Short) (02/01/2012 - 10/05/2019)

Tabela 1

 
Tamanho Valor Momento Mercado
 
Semana 0,38% 0,63% 0,65% -1,87%
Mês atual 0,23% 0,75% 0,88% -2,27%
Ano atual -3,38% 6,73% 3,92% 5,49%
2010-2019 -46,62% -5,55% 386,71% -21,74%

maio de 2019
42 temas de economia aplicada

O Gráfico 2 apresenta a evolução histórica do dividend são ao risco), quando os investidores exigem retorno
yield do mercado acionário brasileiro: razão entre o esperado alto para investir no mercado, e baixa em
total pago de dividendos nos últimos 12 meses pelas momentos bons. A Tabela 2 apresenta o inverso do di-
empresas e o valor total das empresas hoje. Essa é vidend yield, conhecido como Razão Preço-Dividendo,
tradicionalmente uma variável estacionária (rever- de algumas empresas. Ordenam-se os papéis da última
te à média) e é positivamente correlacionada com o semana de acordo com essa medida e reportam-se
retorno futuro esperado dos investidores. Ou seja, é os papéis com as dez maiores e dez menores Razões
alta em momentos ruins (de alto risco ou alta aver- Preço-Dividendo.
Gráfico 2 – Dividend Yield da Bolsa (01/01/2009 - 10/05/2019)

Tabela 2

  Dez Maiores Dez Menores


 
  Papel Preço-Dividendo Papel Preço-Dividendo
 
1. ANIM3 2834,41 TRPL4 7,01
2. MGLU3 517,23 DIRR3 8,32
3. EMBR3 482,18 TUPY3 9,78
4. NATU3 391,64 BBSE3 9,87
5. ENBR3 285,72 VIVT4 10,20
6. BBDC4 269,42 DTEX3 12,41
7. TOTS3 204,08 PSSA3 13,31
8. RAPT4 154,77 ITSA4 14,21
9. SEER3 143,52 QUAL3 17,16
10. RADL3 141,44 ITUB4 17,56

maio de 2019
temas de economia aplicada 43

O Gráfico 3 apresenta a evolução histórica do short in- empresa. O short interest do mercado, apresentado no
terest do mercado acionário brasileiro e a taxa média gráfico, é a média (ponderada por valor) dos short in-
de aluguel de ações. O short interest de uma empresa terest individuais. A Tabela 3 reporta os cinco maiores
é dado pela razão entre a quantidade de ações em alu-
short interest individuais e taxas de aluguel da semana
guel e a quantidade de ações outstanding da empresa.
Mede assim o estoque de vendas a descoberto reali- passada, tanto em nível como primeira diferença (no
zadas com as ações da empresa, tendendo a ser maior caso deste último, são excluídos os papéis que tiveram
em momentos de expectativa de queda no valor da variação negativa).
Gráfico 3 – Mercado de Aluguel de Ações (01/01/2013 - 10/05/2019)

Tabela 3

  Cinco Maiores da Semana


 

  Short interest Taxa de Aluguel


 
1. USIM5 12,99% CIEL3 16,50%
2. TEND3 10,36% BAUH4 15,03%
3. GFSA3 8,69% DMMO3 13,97%
4. OIBR4 7,35% GFSA3 13,94%
5. ESTC3 7,21% INEP4 11,50%

  Variação no short interest Variação na taxa de aluguel


 
1. SLCE3 1,56% INEP4 8,50%
2. USIM5 1,25% KLBN3 5,47%
3. IRBR3 0,97% FJTA3 5,05%
4. OIBR4 0,85% UNIP3 3,92%
5. TEND3 0,78% AZEV4 3,60%

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44 temas de economia aplicada

O IVol-BR é um índice de volatilidade futura esperada O Gráfico 4A apresenta ambas as séries. O Gráfico
para o mercado acionário brasileiro. É derivado do 4B apresenta a diferença entre o índices, apurando
comportamento dos preços de opções sobre o IBOVES- assim a evolução da incerteza especificamente local.
PA. Já o VIX® é o índice de volatilidade futura espera- Para detalhes, visite o site do NEFIN, seção “IVol-Br”:
da para o mercado americano calculado pela CBOE®. <http://nefin.com.br/volatility_index.html>.

Gráfico 4 – Volatilidade Forward-Looking (01/08/2011 - 30/04/2019)

1 O NEFIN não se responsabiliza por qualquer dano ou perda ocasionada


pela utilização das informações aqui contidas. Se desejar reproduzir
total ou parcialmente o conteúdo deste relatório, está autorizado
desde que cite este documento como fonte.
O Nefin agradece à FIPE pelo apoio financeiro e material na elaboração
deste relatório.
2 VIX® e CBOE® são marcas registradas da Chicago Board Options
Exchange. (*) <http://nefin.com.br/>.

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pesquisa na fea – Economia 45

Pobreza e Tomada de Decisão: Evidências de Uma Pesquisa em


Assentamentos no Estado do Tocantins
Fernando Sergio de Toledo Fonseca

Tese de doutorado
Orientador: Ana Maria Afonso Ferreira Bianchi.
Banca: Ricardo Abramovay, Laura Valladão de Mattos, Roberta Muramatsu.
Link: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12140/tde-06122018-101225/pt-br.php.

Resumo

O objetivo desta tese é avaliar empiricamente como as famílias pobres tomam decisões em relação à poupança.
Mais especificamente, busca-se estudar a vida econômica das famílias pobres de assentamentos rurais, no norte
do estado do Tocantins. Para atingir esse propósito, quatro objetivos específicos da pesquisa foram concebidos
como eixos de investigação. O primeiro considera a abordagem do desenvolvimento como liberdade e expansão
das capacitações dos indivíduos como aspecto fundamental para análise e estudo da pobreza. O segundo objeti-
vo aborda o estudo da vida econômica dos pobres em várias dimensões. O terceiro objetivo considera os princi-
pais estudos na área da economia comportamental acerca das influências das barreiras cognitivas, em especial
o viés do presente, sobre a tomada de decisão financeira. Por fim, o quarto objetivo analisa o desenvolvimento
histórico e o contexto socioeconômico da região onde se realizou a pesquisa de campo. No que tange à estratégia
de coleta de dados, foi realizada uma pesquisa de campo por meio de entrevistas semiestruturadas com respon-
sáveis e corresponsáveis pela unidade familiar. As principais evidências da tese são: (a) não predomina nesses
assentamentos a figura do agricultor tradicional; (b) as famílias adotam estratégias para obter diferentes fon-

maio de 2019
46 pesquisa na fea – Economia

tes de renda; (c) a privação de liberdade dos assentados entrevistados vincula-se, entre outras coisas, ao não
acesso aos serviços públicos essenciais; (d) a conversão de terras públicas em ativos financeiros negociáveis no
mercado é uma prática comum entre as famílias; (e) emergências de saúde e necessidades financeiras somam-
-se aos eventos decorrentes dos conflitos agrários da região; (f) a maioria dos atos financeiros das famílias
se processa em mercados imperfeitos com elevados custos de transação; (g) como forma de sobrevivência, as
famílias adotam estratégias baseadas nas relações de confiança e reciprocidade para consolidação dos ativos
sociais; (h) grande parte das famílias é excluída do sistema financeiro formal e depende de credores informais
e de poupança não monetária para atender as necessidades de curto prazo. Conclui-se que a baixa capacidade a
aspirar e o viés do presente, potencializados pela condição de pobreza, comprometem severamente a capacidade
de poupança e tomada de decisão em relação ao futuro dessas famílias. As escolhas que fazem perpetuam sua
condição de pobreza. Desse modo, algumas lições e sugestões são extraídas do estudo para o aprofundamento
de pesquisas futuras e aprimoramento do desenho de políticas.

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pesquisa na fea – Economia 47

O Capital Entre o Lógico e o Sócio-Lógico e as Formas Sociais


Como Sua Mediação
Leonardo Ferreira Guimarães

Tese de doutorado
Orientadora: Leda Maria Paulani.
Banca: João Machado Borges Neto, Isleide Arruda Fontenelle, Vladimir Pinheiro Safatle.
Link: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12140/tde-14022019-145545/pt-br.php.

Resumo

Para Marx, o capital é um sujeito automático e, ao mesmo tempo, depende da exploração do proletariado,
e dos interesses da burguesia e dos membros do Estado burguês de direito. À primeira vista, parece inco-
erência, contradição e erro de raciocínio defender que algo seja automático enquanto este algo é movido
pelo conjunto da sociedade. Para um pensamento pautado pela identidade abstrata (como o mainstream
científico) o lógico do automático e o sócio-lógico dos representantes particulares do gênero humano não
podem coexistir como elementos explicativos de um mesmo objeto − o capital. Mas isso também polariza
e divide marxistas e teóricos da dialética. Essa determinação de que um dos lados é verdadeiro e o outro
deve ser falso pode ser compreendida como manifestação da identidade abstrata, que é forma absoluta da
ideologia e é fundamentada nos princípios da não-contradição e do terceiro excluído. Grosso modo, no polo
da identidade temos conceitos e deduções lógicas, no da não-identidade temos dados e fatos empíricos.
Ocorre que Marx disse não partir de nenhum dos dois polos, mas das formas sociais. Se, para Marx, ambos
os polos são verdadeiros e, ao mesmo tempo, sua investigação não parte de nenhum deles, mas das for-
mas sociais − pouco definidas na história do marxismo − talvez elas sejam chave para compreender como
conciliar os polos, mantendo no centro a contradição. Assim, a principal tarefa desta tese é apresentar, do
modo mais explícito possível, uma caixa de ferramentas orientada a investigar a realidade social mantendo
a tensa e contraditória unidade entre os polos da identidade e da não-identidade (definidos por diversos
outros pares de termos ao longo da tese), tendo no centro o conceito de forma social. Para isso, foi necessá-
rio inicialmente expor os debates que, no campo marxista, podem confirmar a existência de tal polarização
(primeiro ensaio). No ensaio seguinte, os fundamentos hegelianos da dialética marxista são mobilizados
para desenvolver uma definição para o conceito de forma social. Ao final desse segundo ensaio, apresenta-
mos e discutimos as duas definições de capital que abrem este resumo (mas que estão também em Marx).
A partir daí passamos a refletir sobre as tendências à dissolução do capital-sujeito e as contratendências
que agem no sentido de impedir tal dissolução. O primeiro par tendência-contratendência estudado é a lei
tendencial da queda na taxa de lucro em sua relação com a financeirização (terceiro ensaio) e o segundo
apresenta tendências dissolutivas mais gerais contrariadas por técnicas de subsunção da força viva de
trabalho ao capital (quarto ensaio). Em poucas palavras, o principal objetivo desta tese é desenvolver ferra-

maio de 2019
48 pesquisa na fea – Economia

mentas para manter a tensão da não-identidade na identidade, a conciliação negativa dos polos unilaterais.
Trata-se de apontar para a dignidade do obscuro, do negativo e do velado que resistem no objeto. As seções
finais do último ensaio, que constituem também um encerramento da tese, expõem mecanismos por meio
dos quais o impedimento ao pensar não-idêntico é tão caro à estabilização do sistema social capitalista.
Eles são fundamentos da tendência à unilateralização dos discursos, que passam a se rejeitar mutuamente.
Por isso, mesmo intramuros da discussão marxista e dialética, parece difícil escapar da unilateralização. O
necessário desmoronar das certezas, em favor da unidade contraditória da Coisa com seu conceito, é assim
o impulso maior da teorização aqui apresentada.

maio de 2019
economia & história: difusão de ideias econômicas 49

eh

Celso Furtado e a Criação da Comissão Mundial de Cultura e De-


senvolvimento
Rômulo Manzatto (*)

A reunião inaugural da Comissão da Comissão figuravam o antropó- nistro da Cultura no Brasil e pro-
Mundial de Cultura e Desenvolvi- logo francês Claude Lévi-Strauss, o fessor honorário de Economia do
mento ocorreu em 17 de março de poeta e prêmio Nobel de literatura Desenvolvimento na Universidade
1
1993, na sede da UNESCO (Orga- Derek Walcott, assim como o es- de Paris – Sorbonne” (UNESCO,
nização das Nações Unidas para a critor e prêmio Nobel da paz Elie 1993, p. 18).
Educação, a Ciência e a Cultura), na Wiesel.
cidade de Paris. A dinâmica desse tipo de trabalho
Não menos ilustres eram os nomes em Comissões não era estranha
Na ocasião, Javier Pérez Cuellar, que compunham o amplo e diverso a Celso Furtado. Quase cinco dé-
então presidente da Comissão e quadro de membros de trabalho da cadas antes, Furtado havia feito
ex-secretário geral das Nações Uni- Comissão, efetivamente responsá- parte do grupo pioneiro dos pri-
das, declarou que a recém-criada veis pela elaboração de seu relató- meiros anos da Comissão Econômi-
Comissão Mundial de Cultura e De- rio final, que incluía a antropóloga ca para a América Latina (CEPAL),
senvolvimento tinha como objetivo Lourdes Arizpe, do México, a tam- também no âmbito da Organização
o fortalecimento das relações entre bém antropóloga Chie Nakane, do das Nações Unidas. Naquela época,
cultura e desenvolvimento e como Japão, o historiador senegalês Yoro sob a liderança de Raúl Prebisch,
meta imediata a elaboração de um Fall, o economista nigeriano Clau- coube ao jovem economista recém-
estudo de grande amplitude sobre de Ake, assim como o economista -saído do doutorado auxiliar na-
o tema. Celso Furtado, então descrito pelo quilo que viria a ser uma das mais
relatório preliminar da UNESCO importantes experiências intelec-
Dentre os nomes que compunham como “economista brasileiro, ex- tuais da América Latina no século
o quadro de membros honorários -Ministro do Planejamento e Mi- XX, com impacto significativo na

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50 economia & história: difusão de ideias econômicas

forma como os processos de desen- processo de desenvolvimento eco- históricas e a difusão do que Furta-
volvimento e subdesenvolvimento nômico que tomava como premissa do chamou de civilização industrial
seriam compreendidos a partir de inquestionável a prevalência do (FURTADO, 1978, p. 13).
então. crescimento das forças produtivas
sobre o processo social − como se Foi na década seguinte que Celso
A situação era agora bem diferente, pudesse haver autonomia entre Furtado novamente assumiu fun-
como reconhecia Celso Furtado. os meios usados para o desenvol- ções executivas, algo importante
Em texto preparado para o projeto vimento e os fins que se pretende para quem havia construído uma
preliminar do relatório da Comis- alcançar. No que esses modelos trajetória de reflexão voltada para
são Mundial de Cultura, de 1994, ignorariam não só as relações es- a transformação social. Em 1986, já
o economista brasileiro reafirma tabelecidas entre meios e fins, mas no âmbito da abertura democrática
o problema da desigualdade eco- também “as implicações do contro- brasileira, tornou-se Ministro da
nômica também nos países de ele- le dos meios por indivíduos, grupos Cultura, de onde novamente procu-
vada renda per capita e coloca um sociais e países na definição dos raria influenciar a vida pública de
problema adicional: seria preciso fins” (FURTADO, 2012 [1994], p. seu país como Homem de Estado.2
também levar em conta os setores 110).
que obtiveram considerável eleva- O fato é que, ao assumir seu posto
ção de seu nível de vida material, É verdade que já existia uma ampla na Comissão Mundial de Cultura e
mas “permaneceram prisioneiros literatura crítica aos modelos de
Desenvolvimento, o enfoque cul-
de estreitos padrões culturais” desenvolvimento questionados por
tural do pensamento furtadiano já
(FURTADO, 2012 [1994], p. 109). Furtado, a qual o próprio autor já
constituía um de seus aportes mais
havia dedicado pelo menos meio
fecundos ao campo de estudos das
Somente a elevação da renda per século de reflexão, mas a preocu-
relações entre desenvolvimento e
capita não era capaz de modifi- pação agora era mais ampla. Tra-
subdesenvolvimento. Seus ensaios
car os padrões de estratificação e tava-se de procurar compreender
sobre cultura, no entanto, retoma-
segregação social, que iam sendo os sentidos do processo de desen-
ram seus estudos anteriores e se
reproduzidos geração após gera- volvimento a partir dos aspectos
ção, segundo Furtado. Da mesma beneficiaram da trajetória de um
culturais do desenvolvimento eco-
maneira, a maior capacidade de nômico. dos mais instigantes críticos da
consumo adquirida com cresci- economia política de seu tempo.
mento quantitativo do produto Na primeira metade da década de
econômico contribuía mais para o 1990, quando da participação de Esse é o espírito que permite ao
desperdício e para o gasto perdulá- Furtado na Comissão Mundial de economista retomar seu pensa-
rio do que para a diversificação dos Cultura e Desenvolvimento, o enfo- mento sobre a cultura em 1994,
hábitos de consumo nesses países que da dimensão cultural do desen- obser vando-a “a um só tempo
(FURTADO, 2012 [1994], p. 109). volvimento já estava bastante pre- como um processo cumulativo
sente na trajetória intelectual do e como um sistema” (FURTADO,
Assim como nos tempos de CEPAL, economista. Já em 1978, Furtado 2012 [1994], p. 110). Isso é, como
Furtado agora chamava a atenção publica Criatividade e dependência um fenômeno sistemicamente com-
para a necessidade de questionar na civilização industrial, um “anti- plexo e coerente, que não pode ser
os modelos e teorias do desenvol- livro acadêmico”, como definiria o explicado em sua totalidade pela
vimento, que pelo menos desde próprio autor, que reunia ensaios análise isolada de uma de suas par-
os anos de 1950 propunham um interdisciplinares sobre as raízes tes ou componentes.

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economia & história: difusão de ideias econômicas 51

Nessa explicação, a singularidade dos países da Amé- Referências


rica Latina está relacionada à especificidade histórica
da inserção econômica da região no comércio inter-
FURTADO, C. Criatividade e dependência na civilização industrial.
nacional, que se deu inicialmente pela “exportação Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
de uns poucos produtos primários”, seguida de “um
______. Economia e cultura. In:______. Ensaios sobre cultura e o Ministé-
processo de industrialização com base na substitui-
rio da Cultura. Rio de Janeiro: Contraponto - Centro Internacional
ção de importações” (FURTADO, 2012 [1994], p. 111). Celso Furtado, 2012 [1994].
Desse encontro, teriam se originado sociedades em
______. Ensaios sobre cultura e o Ministério da Cultura. Rio de Janeiro:
que a “acumulação de bens culturais é em grande me- Contraponto - Centro Internacional Celso Furtado, 2012.
dida comandada do exterior em função dos interesses
UNESCO. World Commission on Culture and Development. UNESCO.
dos grupos que dirigem as transações internacionais” General Conference, 1993, 27th session. Paris: UNESCO. 1993.
(FURTADO, 2012 [1994], p. 111). p. 44.

Daí se originariam sistemas de cultura com pouca


coerência, o que, para Furtado, explica o fato de que
nessas sociedades de economia dependente, o desen-
volvimento econômico “implique um elevado desgaste
de muitos de seus valores culturais”, fenômeno impos-
to pela lógica da acumulação competitiva, que leva a
1 Tradução minha.
“rupturas com o passado não necessariamente criati-
2 A passagem de Celso Furtado pelo Ministério da Cultura entre 1986
vas” (FURTADO, 2012 [1994], p. 111). e 1988 está bem documentada no volume “Ensaios sobre cultura e
o Ministério da Cultura”, produzido pelo Centro Internacional Celso
Furtado ainda encerra seu relatório preliminar junto Furtado. Ver Furtado (2012).
à Comissão Mundial de Cultura reafirmando a im-
portância de uma política cultural que fosse capaz de
ressaltar a relevância da identidade cultural de uma
sociedade. Ou mesmo uma política cultural com a ca-
pacidade de “manter com nosso passado uma relação
capaz de enriquecer nosso presente” (FURTADO, 2012
[1994], p. 111).

Fomentar a identidade cultural e criar condições míni-


mas para que os sistemas de cultura adquiram alguma
organicidade e certa coerência interna eram ações
vistas como fundamentais por Furtado, sem as quais
só nos restaria continuar submetidos à “lógica dos
instrumentos que se manifesta em nossa época sob
a forma de um imperativo tecnológico”. (FURTADO, (*) Bacharel em Ciências Econômicas (FEA-USP) e Mestre em Ciência
2012 [1994], p. 111). Política (FFLCH-USP). (E-mail: romulo.manzatto@usp.br).

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“Em Defesa da Mulher Grávida!” Sobre os Primórdios da Licen-


ça-Maternidade no Brasil
Luciana Suarez Lopes (*)

Em 17 de maio de 1932, por meio § 1º A época das quatro sema- art. 7º e respectivos parágrafos,
do decreto 21.417-A, o então go- nas, anteriores ao parto será terá a mulher direito a um auxílio
verno provisório de Getúlio Vargas notificada, com a necessária correspondente à metade dos seus
instituiu o que posteriormente veio antecedência, ao empregador, salários, de acordo com a média dos
a ser chamada de licença-materni- pela empregada, sob pena de seis últimos meses, e, bem assim, a
perder esta o direito ao auxílio reverter ao lugar que ocupava.
dade no Brasil.
previsto no art. 9º. Art. 10 Em caso de aborto, que de-
Bem diferente do seu atual for- § 2º No caso do empregador verá ser comprovado, beneficiará
mato, a licença-maternidade da impugnar a notificação esta- a mulher de um repouso de duas
belecida no parágrafo anterior, semanas e terá direito a receber
década de 1930 proibia o trabalho
deverá a empregada compro- durante esse tempo um auxílio na
de mulheres grávidas em todos
var o seu estado mediante forma estabelecida no artigo ante-
os estabelecimentos comerciais
atestado médico. rior, bem como a reverter ao lugar
e industriais durante um período
§ 3º A falta de notificação de- que ocupava.
de quatro semanas antes e quatro
terminada no § 1º ou a sua ine- Parágrafo único. Verificado que o
semanas depois do parto. xatidão isenta o empregador aborto foi criminosamente prova-
de responsabilidade no que do, perderá a mulher o direito ao
Durante esse período, a mulher concerne ao disposto neste
teria direito de receber um auxílio auxílio outorgado neste artigo.
artigo.
correspondente a metade dos seus § 4º Os períodos de quatro se- (DECRETO 21.417-A)
vencimentos, sendo-lhe garantido manas antes e depois do parto
o retorno a seu antigo posto de poderão ser aumentados até o Num Brasil em que o movimento
trabalho ao final de sua ausência. limite de duas semanas cada
feminista ainda buscava espaço
Ademais, aos empregadores era um, em casos excepcionais,
para sua consolidação, tais disposi-
proibido despedir uma mulher grá- comprovados por atestado
vida pelo simples fato da gravidez e médico. tivos, ao mesmo tempo em que res-
sem outro motivo que justificasse a pondiam positivamente a deman-
Art. 8º À mulher grávida é facultado
demissão. Conforme o decreto, romper o compromisso resultante das de toda uma sorte de mulheres
de qualquer contrato de trabalho, trabalhadoras, também abriam
Art. 7º Em todos os estabeleci-
mentos industriais e comerciais, desde que, mediante certificado espaço para uma certa confusão no
públicos ou particulares, é proibido médico, prove que o trabalho que momento de sua aplicação.
o trabalho à mulher grávida, duran- lhe compete executar é prejudicial
te um período de quatro semanas, à sua gestação. Em 10 de agosto de 1940, o jornal
antes do parto, e quatro semanas Art. 9º Enquanto afastada do tra- “O Radical” do Rio de Janeiro publi-
depois. balho por força do disposto no cava o seguinte caso:

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economia & história: relatos de pesquisa 53

Uma funcionária da Companhia pensa. Todavia, o dispositivo da na, em tom de ironia, o que teria
Telefônica de São Luís do Mara- licença-maternidade, instituído levado a Companhia a tomar tal
nhão, estando grávida, requereu à pelo Decreto 21.417-A, não fazia atitude.
diretoria da empresa licença a que qualquer tipo de menção ao estado
tem direito e que lhe é assegurada conjugal da grávida trabalhadora. Não sabemos bem o que andaria
pela nossa Legislação social, que O Conselho se manifestou conde- se passando no Maranhão, onde
dispensa todo amparo às gestantes. nando a atitude do empregador, preconceitos ridículos e insustentá-
Despachando o pedido, a diretoria veis, chegam a apagar da memória
A Companhia Telefônica de São dos empregadores, habituados aos
da empresa não só o indeferiu,
Luís, retrocedendo à época atenien- salamaleques ao Catão-mór que
como ainda se dirigiu à Inspetoria
se, onde o filho natural não tinha tem assento no Palácio dos Leões
Regional do Trabalho naquele Es-
direito nem a alimentos e a sua em São Luís, não só a jurisprudên-
tado solicitando autorização, para
mãe era considerada infame, e, por cia do Conselho de Trabalho, já tão
demitir a referida funcionária, sob
esta razão, afastando-se de todos divulgada, como as próprias leis
alegação de que a mesma não era
os modernos conceitos jurídico- que integram o nosso código de as-
casada. (JORNAL “O Radical”, edição
-sociais, advindos com a evolução sistência social, leis que dispensam
3053, p. 03)
do Direito, solicita autorização amparo às gestantes, sem indagar
A Companhia demitiu a funcioná- para demitir uma empregada que se são casadas ou não, sem cuidar
ria, mas o caso chegou até o Mi- ficou grávida, apenas porque não é do seu estado civil [...] (JORNAL “O
nistério do Trabalho, que o enviou casada; não se lhe imputa qualquer Radical”, edição 3053, p. 03)
ao Conselho Nacional do Traba- outro fato que pudesse subordinar
lho. Cumprindo as funções de um a convicção, ou mesmo presunção, E mais, segundo ele, teria sido o
tribunal superior do trabalho, o de que se trata de uma empregada conservadorismo da sociedade ma-
Conselho passava por uma rees- de vida pouco honesta. (JORNAL “O ranhense o fator responsável por
truturação, sendo sua composição Radical”, edição 3053, p. 03)
tamanho impropério,
naquele momento definida pelo De-
A notícia continua, e relatando o O que se conclui evidentemente e
creto 1.346 de 15 de junho de 1939.
(Cf. CPDOC, 2019; DECRETO 1.346) parecer do Conselho explica que a logicamente é que a Companhia
licença é uma norma de caráter im- Telefônica resolveu perder a me-
São diversas as questões envolvi- perativo, que não faz qualquer tipo mória de nossa legislação social
das em tal processo. Não só ques- de referência ao estado conjugal para procurar tornar-se agradável
tões trabalhistas e legislativas, da mulher, e que proíbe o trabalho ao zelador da moral maranhense,
mas também culturais, nas quais quatro semanas antes e quatro embora seu gesto, além de impor-
se pode perceber, por um lado, um semanas depois do parto. E mais, tar em clamorosa desumanidade,
posicionamento tradicional e con- que tal proibição não é um direito representasse verdadeiro desres-
servador da empresa reclamante, e da mulher, mas sim uma obrigação peito às leis sociais do país. (JOR-
por outro, certo esforço institucio- do empregador, ditada pela própria NAL “O Radical”, edição 3053, p. 03)
nal de renovação. sociedade, não se aplicando, por-
tanto, somente à mulher casada. Na época, governava o Maranhão o
A empresa alegava o fato de a advogado Paulo Martins de Sousa
empregada não ser casada como O jornalista, em claro apoio à de- Ramos, interventor federal nomea-
sendo justificativa para sua dis- cisão do Conselho, ainda questio- do pelo Estado Novo, cargo do qual

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pediu demissão em 1945. Foi substituído por Clodomir


Cardoso.

Referências

DECRETO 1.346 de 15 de junho de 1939. Reorganiza o Conselho


Nacional do Trabalho. Disponível em: <https://www2.camara.
leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1346-15-junho-
1939-348662-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 20
maio 2019.
DECRETO 21.417-A de 17 de maio de 1932. Regula as condições do
trabalho das mulheres nos estabelecimentos industriais e comer-
ciais. Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/norma/440930/
publicacao/15617325>. Acesso em: 20 maio 2019.
JORNAL “O Radical” (RJ). Edição 0353 de 10 de agosto de 1940,
p. 03. Disponível em: <https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca- (*) Professora Doutora do Departamento de Economia da Faculdade
digital/>. Acesso em: 20 maio 2019. de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São
Paulo e do Programa de Pós-Graduação em História Econômica da
CPDOC. Verbete: Conselho Nacional do Trabalho. Disponível em: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
<http://www.fgv.br/Cpdoc/Acervo/dicionarios/verbete-tema- São Paulo. Membro do HERMES & CLIO – Grupo de Estudos e Pesquisa
tico/conselho-nacional-do-trabalho-cnt>. Acesso em: 20 maio em História Econômica e do NEHD – Núcleo de Estudos em História
2019. Demográfica. (E-mail: lslopes@usp.br).

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