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Ciência&Vida

ANO XIV • www.escala.com.br


SAÍDA DE CENA FILOSÓFICA

120 ANOS SEM


NIETZSCHE
A LOUCURA COMO
ATESTADO DE MAESTRIA INQUISIÇÃO
E ÚNICA VIA PARA NO MUNDO
COMPREENDER TODO DIGITAL
O TEMOR DE SE
O CONHECIMENTO POR EXPRESSAR OU
MEIO DE ZARATUSTRA SE POSICIONAR
POR RECEIO DE
E DIONISO SER JULGADO OU
ATÉ “CANCELADO”

TOCQUEVILLE:
INSTRUIR A
DEMOCRACIA
DEVERES DE
ADAPTAÇÃO E
MUDANÇA DOS
GOVERNOS
PARA PRESERVAR
INTERESSES
DE TODA A
SOCIEDADE

PARA O PROFESSOR PERGUNTAS QUE MERLEAUPONTY QUIS RESPONDER EM SEUS PRIMEIROS TRABALHOS

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EDITORIAL

120 anos
sem Nietzsche
Em agosto de 1900 morria Friedrich Nietzsche, aos 55 anos
de idade. Desde esse evento, a comunidade filosófica e seus
exegetas buscam desvendar seus enigmas. Dotado de uma
inteligência ímpar e reconhecido como o mestre dos dis-
farces e do mascaramento, sua loucura poderia ter sido
apenas mais um sinal de sua genialidade.
A história revela que o filósofo alemão tinha uma saúde
frágil que, entre outras coisas, o fez enfrentar episódios
de depressão que o aproximaram do suicídio. Ele mesmo
descreveu esses dias como “a pior pena que existe para a vida
na Terra”. Apesar desses momentos, Nietzsche viveu dias
de grande exaltação que seus biógrafos dizem beirar à
megalomania.
Ciprian Vălcan, filósofo romeno e professor catedrático
na Faculdade de Direito da Universidade “Tibiscus” de
Timisoara, apresenta-nos alguns autores que envereda-
ram pela pesquisa de uma possível insanidade. No artigo
que lhes apresentamos nesta edição, intitulado Nietzsche

© CLU / ISTOCKPHOTO.COM
e a loucura (pág. 26 ), ele afirma “… todas as estórias conta-
das sobre a loucura de Nietzsche… São tentativas de mergulhar
nas profundezas de sua alma para recuperar os fragmentos de verdade
que possam lançar mais e melhores luzes à sua filosofia”.
Para Valcan, a importância de todos esses trabalhos está nas imagens
que cada um deles nos fornece sobre Nietzsche: é assim que se cons-
trói uma maior intimidade com o considerado precursor da pós-moder-
nidade.

Boa leitura!
Cristina Almeida - Editora

FILOSOFIA Ciência&Vida • 3

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SUMÁRIO
Ciência&Vida
161 161
ANO XIV • www.escala.com.br

26_ CAPA:
NIETZSCHE
SAÍDA DE CENA FILOSÓFICA

E A LOUCURA
Dotado de inteligência
ímpar e hábil no disfarce
120 ANOS SEM e no mascaramento, o 36 _CATEQUESE
NIETZSCHE
A LOUCURA COMO
mistério da insanidade E CIÊNCIA
ATESTADO DE MAESTRIA
E ÚNICA VIA PARA
INQUISIÇÃO
NO MUNDO
DIGITAL do filósofo ainda suscita Vendida por 450 milhões de
dólares, a obra Salvator Mundi,
COMPREENDER TODO O TEMOR DE SE
O CONHECIMENTO POR EXPRESSAR OU

interesse. Seria ela


MEIO DE ZARATUSTRA SE POSICIONAR
POR RECEIO DE

de da Vinci, nos oferece uma


E DIONISO SER JULGADO OU
ATÉ “CANCELADO”

TOCQUEVILLE:
INSTRUIR A
DEMOCRACIA
DEVERES DE
signo de derrota ou realidade transcendental,
de vitória irônica que
ADAPTAÇÃO E
MUDANÇA DOS
GOVERNOS
PARA PRESERVAR
INTERESSES
metafísica e desconhecida: tudo
se encerrou com uma se nivela e se torna “um”. E,
DE TODA A
SOCIEDADE

PARA O PROFESSOR PERGUNTAS QUE MERLEAUPONTY QUIS RESPONDER EM SEUS PRIMEIROS TRABALHOS

saída de cena filosófica? assim, a mensagem do artista


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sobrevive por séculos.

42 _RELIGIÃO -
MORALISMO,
10 _INSTRUIR A LEITURA RÁPIDA
TENTAÇÃO ETERNA
DEMOCRACIA 05 CAUSA&EFEITO A manifestação do cristianismo
Marcelo Jardim nos recorda no Brasil se dá, sobretudo, de
08 A PRIORI
as lições de Tocqueville: entre forma moralista, especialmente
os deveres dos governos estão 15 CINÉFILO
quanto às questões sexuais.
o adaptar-se às condições 21 DEEP ECOLOGY Valores como a misericórdia e a
de tempo e lugar, o mudar 56 INTERSECÇÃO caridade dão lugar à intolerância.
conforme as circunstâncias e os
59 TECNAMENTE
homens. Tudo pela preservação
dos interesses da sociedade. 64 IPSIS LITTERIS 48 _DAS MADONAS
ÀS PROSTITUTAS
65 CARTAS
16 _AUSENTE NOTÁVEL 66 A POSTERIORI
Uma análise das imagens das
mulheres no Ocidente moderno
Perante a falta da consideração
do verbo “ser”, a construção passa por Maria e Maria
filosófica segue por novas formas CADERNO ESPECIAL Madalena para identificar os
de associação que expliquem contatos sagrados e profanos
PARTE 1
as diversas manifestações da entre o passado e o presente.
ESTUDO DA
natureza. É assim que surgem
as tentativas de pensar de modo
PERCEPÇÃO 60 _INQUISIÇÃO
estrutural e holístico. As perguntas que o filósofo DA WEB
francês Merleau-Ponty quis Apesar de as pesquisas
22 _EMIL MIHAI CIORAN responder em seus dois
primeiros trabalhos.
revelarem queda no número
O filósofo romeno é conhecido de usuários do Facebook e
por suas ideias sobre a morte, menor tempo passado nessa
o desespero e o vazio. Lido PARTE 2 plataforma, as redes digitais
por pensadores e escritores EDUCAÇÃO BÁSICA fizeram surgir um novo
modernos, Susan Sontag Os desafios de um fenômeno: o temor de se
descreveu o seu filosofar como professor na prática de seu expressar ou se posicionar por
“pessoal, aforístico, lírico e mister sob a luz de Marx, receio de ser julgado ou até
antissistemático”. Schopenhauer e Foucault. “cancelado”.

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MENS

DA
POR MARCO LUCCHESI

DISSOLUÇÃO
Lido por pensadores e
escritores modernos, o
filósofo romeno é conhecido
por suas ideias sobre a
morte, o desespero e o
vazio. Mas como bem definiu
Susan Sontag, o seu filosofar
era “pessoal, aforístico, lírico
e antissistemático”

U
ma noite de inverno em Bucareste. Um
amigo draculíneo destila ideias a res-
peito de Cioran, com algumas cartas do
filósofo em mãos. Um copo de tsúica e a rei-
teração da matriz romena de Cioran e do diá-
logo deste com Ionescu e Eliade. Mas também
Constantin Noica, de As seis doenças do espírito
contemporâneo, Alexandru Dragomir, discípulo
de Heidegger, e do profundo e incontornável
Lucian Blaga. Parecia fundamental atingir os
fantasmas romenos, de que estão impregnadas
as ruínas de Cioran.
Nascido em Rășinari, em abril de 1911, no
sul da Transilvânia, Cioran atinge sólida for-
mação em Bucareste e na Alemanha. Segue
depois para a França, em cuja língua passa a
escrever desde então (esse idioma emprestado,
com suas palavras sutis, carregadas de fadiga
e pudor), deixando atrás de si uma importante
bibliografia romena.
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De suas primeiras obras, ainda mal conheci-
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das entre nós, sublinho O livro das ilusões (Car-

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“O VALOR DO CÉTICO
NA ANTIGUIDADE
MEDIA-SE A PARTIR DA
TRANQUILIDADE DA
ALMA. POR QUE NÃO
DEVERÍAMOS CRIAR, NÓS,
QUE VIVEMOS A AGONIA
DA MODERNIDADE, UM
ETHOS TRÁGICO, ONDE A
DÚVIDA E O DESESPERO
SE CONFUNDISSEM
COM A PAIXÃO, COM A
CHAMA INTERIOR, NUM
JOGO ESTRANHO E
PARADOXAL?”

tea amăgirilor), a que daria o subtítulo de um


de seus capítulos: Mozart e a melancolia dos
anjos. Considero aquelas páginas uma fanta-
sia para cordas, como se fosse o primo consan-
guíneo de A origem da tragédia, nas grandes
linhas melódicas que unem e separam as par- Texto
tituras dessas obras solitárias. Sobretudo na originariamente
publicado no
aurora (ou ocaso) de uma subjetividade prestes livro Carteiro
a se dissolver: “Somos tantos os que perderam Imaterial/ Editora
o individual, a existência, que nossas solidões José Olympio/
Rio de Janeiro
crescem sem raízes, como as algas abandona-
das à mercê das ondas”.

Educação longitudinal
Das obras romenas, O livro das ilusões é aque-
le onde se define sua linguagem madura: as sín-
copes ou staccati de tirar o fôlego, os oximoros
de alto impacto conceitual e as constelações de
fragmentos, iluminados por suas virtudes po-
tenciais. Um livro dolorosamente arrebatado,
com a melodia-pensamento pautada da primeira
à última frase na poesia de Eminescu.

FILOSOFIA Ciência&Vida • 23

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MENS

Há em Cioran um cerrado confronto metafí-


sico na esfera do trágico, em seu diálogo com
Botta e Eliade, uma espessa dialética vizinha
ao pensamento de Blaga. E certamente Niet-
zsche, Schopenhauer, Dostoievski. A educa- “A UTOPIA E O APOCALIPSE
ção filosófica de Cioran, além de longitudinal,
revela-se articulada e cosmopolita. No fim da
FORMAM A DUPLA FACE
vida, reconhece uma herança gnóstica de ve- DOS TEMPOS QUE CORREM.
lha cepa, que remonta à cultura balcânica: “por AMBOS SE CONTAMINAM
mais que desejasse libertar-me de minhas ori-
gens não consegui. Ninguém alcança libertar- MUTUAMENTE, CRIANDO,
-se de si mesmo”. ASSIM, UM MODO CAPAZ
Na história das formas breves, que domina-
ram o século XX, Cioran ocupa lugar de desta-
DE TRADUZIR NOSSO
que. Disse de si mesmo que era um homem do INFERNO, AO QUAL
aforismo. Seus fragmentos – como os cristais
HAVEMOS DE RESPONDER
das Banalidades, de Dragomir, ou os grumos
do Tractatus, de Wittgenstein – respiram uma COM UM SIM, CORRETO E
condensada história da filosofia. Não passam DESPROVIDO DE ILUSÃO.
de esplêndidas ruínas, arrancadas de passa-
gens reflexivas, mediante o martelo filosófico IRREPREENSÍVEIS DIANTE
de Nietzsche: cheias de brilho feroz, varadas DA FATALIDADE”
pela sinergia das coisas incompletas.

Aposta na dúvida “O valor do cético na Antiguidade media-se a partir da


Cioran não espera o socorro de um horizonte tranquilidade da alma. Por que não deveríamos criar, nós,
conceitual devastado, através de possível que vivemos a agonia da modernidade, um ethos trágico,
solução totalizadora, nem clama por um anjo onde a dúvida e o desespero se confundissem com a paixão,
capaz de preencher lacunas, ou de soprar, com com a chama interior, num jogo estranho e paradoxal?”
sua trompa dourada, a melodia de um todo Para alguns estudiosos, aquele paradoxo levou o filó-
esquecido. Ao contrário, o filósofo ilumina a sofo a atingir as afecções e as tonalidades emotivas da
tensão de um pensamento propositadamente alma, assumindo um lirismo mitigado e uma inquietação
aerado ou disperso e advoga, como ninguém, irreversível, isenta de paz, sob uma ótica lúcida, diante
a volúpia do insolúvel: “nunca tentei aplainar, do paroxismo das coisas que nos cercam. Não havendo
reunir ou conciliar o irreconciliável”. Uma po- salvação no plano da história ou da metafísica.
derosa nuvem de fragmentos, portadora de
tensão efervescente, jamais um sistema pronto Únicas utopias legíveis
e acabado. Daí sua inclinação pelas cartas de Nesse vasto percurso, como em Silogismos da amar-
Nietzsche, onde brilha um discurso impreciso e gura ou História e utopia, a dimensão do devir e a reserva
tateante, fora do profético ou do absoluto de Za- de esperança deixam de fazer sentido na filosofia da his-
ratustra, diante de quem Cioran já não vibrava tória, nos modelos de Hegel ou Marx, para não falar das
como outrora. teologias da história, igualmente anódinas e ilusórias.
O programa desse não programa surge “Há mais honestidade e rigor nas ciências ocultas do que
com o ensaio Uma forma especial de ceticismo, nas filosofias que atribuem um sentido à história”. Cioran
quando o jovem filósofo romeno dos anos 1930 foge das grandes sínteses em que o sujeito se desfaz nos
aposta no excesso da dúvida: mares da abstração.

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Nada se pode esperar. Nada se pode oferecer HUMOR À
aos altares vazios da duração e da utopia. Aca-
bou o tempo em que os faraós inscreviam seu
PROVA DE FRANCO
nome na memória das rochas. Para Cioran os Emil Mihai Cioran morreu em Paris em 20 de
ciganos são o verdadeiro povo eleito: “triunfa- junho de 1995. Seu obituário, publicado no jor-
ram do mundo por sua vontade de não fundar nal inglês Independent, foi assinado pelo tam-
nada nele”. bém já falecido James Kirkup, poeta e membro
Aqui está todo um sentimento. Mais que da Sociedade Real de Literatura. Nele, Kirkup
um sistema. Cioran vive. Porque não reúne conta uma passagem da vida do filósofo que
nem organiza. Dissolve. Apenas dissolve. E revela muito de sua personalidade. Trata-se
não corre poucos riscos aquele que dissolve, de um fato ocorrido durante o regime fran-
quando afirma que “as únicas utopias legíveis quista espanhol, cujo governo o acusou de ser
são as falsas, as que escritas por jogo, diver-
ateu, blasfemador e anticristão. Tais declara-
ções eram uma reação à sua obra O funesto
são ou misantropia, prefiguram ou evocam as
demiurgo. O comentário de Cioran foi: “A Inqui-
Viagens de Gulliver, bíblia do homem desenga-
sição ainda não está morta”. Segundo Kirkup,
nado, quintessência de visões não quiméricas,
ele alegou que o budismo era a sua única reli-
utopia sem esperança. Através de seus sarcas-
gião e a única filosofia que valia a pena. “Quan-
mos, Swift varreu a estupidez de um gênero até
do pontuei que ele havia nascido no mesmo dia
quase anulá-lo”.
de Buda, ele deu uma súbita rara e imediata
risada de pura alegria. ‘Jesus está se vingando
Tarefa de Cioran de nós por não ter morrido em um sofá’”.
O que nos resta fazer, afinal, senão dissolver a
tessitura da utopia, desfibrar-lhe os pontos de sua Da redação.
trama, purificá-la dos últimos resíduos de morali-
na? A utopia e o Apocalipse formam a dupla face
dos tempos que correm. Ambos se contaminam
mutuamente, criando, assim, um modo capaz de
traduzir nosso inferno, ao qual havemos de res- ja em cada célula… meu sangue se desintegra quando
ponder com um sim, correto e desprovido de ilu- os brotos se abrem, quando o pássaro floresce. Invejo
são. Irrepreensíveis diante da fatalidade. os loucos sem remédio, os invernos do urso, a secu-
Cabe ressaltar ainda a boa tradução de José ra do sábio, trocaria por seu torpor minha agitação de
Thomaz Brum do pensamento de Cioran, com assassino difuso que sonha crimes além do sangue”.
quem se correspondia em 1991, quando lhe pu- Um assassino difuso para conter a febre das utopias
blicou o primeiro livro no Brasil – Silogismos e o delírio da história. Eis a tarefa de Cioran, que não
da amargura – alterando inclusive trechos do hesitaria subscrever o poema Autorretrato, de Nichita
original, a pedido do autor, quando o visitou Stănescu sobre o precário da humana condição: “Sou
no apartamento da Rue de L’Odéon. Dentre ou- apenas uma mancha de sangue que fala”.
tros estudos de Brum, sublinho O pessimismo e
suas vontades: Schopenhauer e Nietzsche – tese
de doutorado defendida em Nice e orientada
Marco Lucchesi é poeta, escritor, ensaísta, tradutor e
por Clément Rosset. O que nos diz da forte liga- professor titular de Literatura Comparada na UFRJ. Foi
ção do tradutor com a sagrada família a que de editor das revistas Poesia Sempre, Tempo Brasileiro
e Revista Brasileira. Curador de inúmeras exposições.
algum modo pertence, sem de todo pertencer, o
Traduzido para mais de doze línguas. O vasto conjunto de
inclassificável Cioran. suas obras recebeu diversos prêmios no Brasil e no exterior.
Tiro de Breviário da decomposição o seguin- Atualmente, entre outras atividades, é sócio honorário do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e presidente da
te fragmento: “Uma caverna infinitesimal boce- Academia Brasileira de Letras. Ocupa a cadeira de no. 15.

FILOSOFIA Ciência&Vida • 25

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CAPA

NIETZSCHE E
A LOUCURA
1

Signo de derrota ou de uma vitória


irônica que se encerrou com uma
saída de cena filosófica? Dotado
de inteligência ímpar e hábil no
disfarce e no mascaramento, o
© MHJ / ISTOCKPHOTO.COM

POR CIPRIAN VĂLCAN mistério da insanidade do filósofo


TRADUÇÃO RODRIGO
INÁCIO R. SÁ MENEZES ainda suscita interesse

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E
m um de seus ensaios mais provocadores2, que parece tão mais interessante quanto há a cada
Roland Jaccard sustenta que sempre se página, na obra de Nietzsche, advertências em re-
retém mais coisas da vida de um filósofo lação às armadilhas que ele mesmo prepara para
do que de sua filosofia. Essa observação parece aqueles que pretendem acumular certezas.
especialmente válida se analisarmos o caso de
Nietzsche, transformado em verdadeiro mito filosó- A loucura como pedra de toque
fico, em uma estrela sempre ao gosto de um públi- A máscara e o disfarce são os modelos preferi-
co ávido de excentricidade, e tudo isso amiúde sem dos de Nietzsche para despistar os seus seguido-
nenhuma relação com o pensamento de Nietzsche. res, levando-os a buscar quase desesperadamente
Talvez não devêssemos dar muita atenção a tais um nível esotérico de sua filosofia, um nível último
fenômenos se eles fossem apenas a expressão de além do qual não restaria mais nada a ser buscado
uma bizarra fixação de entusiastas sem conheci- e ao qual nada poderia ser acrescentado. Por todas
mento de causa, de pessoas que creem amar ou essas razões, a loucura parece o enigma final, a
compreender Nietzsche após assistir a um docu- estranha demissão que deixa as coisas sem resolu-
mentário de quarenta minutos sobre a vida dele, ção e confunde ainda mais as eventuais pistas. Eis
sem sequer se dar o trabalho de ler pelo menos um por que os exegetas não abandonam a luta, mer-
de seus livros. gulhando com ainda mais afinco em todo tipo de
Estamos diante de uma atitude inventariada por texto, esperando retornar à superfície com o misté-
Luc Ferry, segundo o qual o nome de um artista rio resolvido. A explicação da loucura de Nietzsche
amiúde conquista a celebridade enquanto sua obra torna-se então pedra de toque da sua maestria e
permanece completamente desconhecida. 3 Mas a via real para compreender toda a filosofia sob o
o caso de Nietzsche é distinto. Afinal, o interesse signo de Zaratustra e Dioniso.
pela sua vida não é o apanágio de um público de Para além de todas as nuances introduzidas por
amadores prontos para apostar no nome dele, as- sua sensibilidade e inteligência amiúde deslum-
sim como ele apostaria, no jóquei, se visse um ga- brantes, os comentadores de Nietzsche parecem
ranhão interessante: esse interesse também se faz optar por duas grandes soluções: seja a loucura
extremamente presente entre os comentadores da vista, por um lado, como o signo de uma derrota,
sua obra. Eugen Fink é talvez um dos raros exege- a prova da incapacidade em que se encontrava
tas que rejeitam a interpretação do pensamento de Nietzsche de realizar por si mesmo o modelo do su-
Nietzsche a partir dos acontecimentos da sua vida, per-homem, o fracasso em levar a cabo o seu pro-
considerando que, para aceder à filosofia nietzs- jeto de transvaloração de todos os valores, seja ela
chiana, é necessário eliminar todos os elementos considerada, por outro lado, a vitória final, e irôni-
exteriores, atendo-se unicamente à coerência entre ca, de um Nietzsche que escolheu a máscara mais
os diversos motivos presentes em seus textos.4 rara e impenetrável para fazer a sua saída da cena
Mas a posição de Fink é singular, pois a preocu- filosófica. No primeiro caso, tratar-se-ia de uma
pação em transformar a vida de Nietzsche em uma incapacidade humana de ultrapassar os próprios
chave de decifração do significado dos seus escri- limites, castigo que atinge os que se fazem culpá-
tos permanece uma constante entre os seus prin- veis de hybris,5 enquanto que a segunda variante
cipais comentadores. Todos escrutinam os seus introduziria a ideia de um Nietzsche vitorioso e
fragmentos póstumos, espiam as suas cartas, re- todo-poderoso, que, talvez, precisamente por esta
únem os estranhos testemunhos dos seus amigos última jogada imprevisível, pela domesticação da
próximos, fazendo-se verdadeiros detetives parti- loucura, alcança de modo indubitável uma condi-
culares em uma corrida insana em direção ao grand ção supra-humana, tornando-se o maior comedian-
prix: elucidar o mistério de Nietzsche. Experiência te da história da humanidade.

FILOSOFIA Ciência&Vida • 27

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CAPA

Antes de passar em revista as diferentes ex- “A MÁSCARA E O DISFARCE SÃO


plicações propostas a fim de interpretar a loucu-
ra de Nietzsche, deter-nos-emos sobre a reflexão OS MODELOS PREFERIDOS DE
de Nietzsche acerca das máscaras, já que este é NIETZSCHE PARA DESPISTAR
um dos temas mais importantes para compreen-
der a especificidade de sua investigação, além de
OS SEUS SEGUIDORES,
proporcionar, na visão da maioria dos seus co- LEVANDO-OS A BUSCAR QUASE
mentadores, uma chave de acesso privilegiada DESESPERADAMENTE UM
para examinar a trajetória que levará ao colapso
final de Turim. NÍVEL ESOTÉRICO DE SUA
FILOSOFIA, UM NÍVEL ÚLTIMO
Força terrível
Nietzsche parece fascinado pela ideia do per-
ALÉM DO QUAL NÃO RESTARIA
pétuo devir de todas as coisas, pela constatação MAIS NADA A SER BUSCADO E
de que nada está fixado de uma vez por todas,
AO QUAL NADA PODERIA SER
de que nosso mundo é uma ilha de estabilidade
construída artificialmente sobre um fundo caótico ACRESCENTADO”
e incontrolável. Ele crê que as pessoas decidiram
desde sempre sacrificar a verdade para poder as-
segurar-se da sobrevivência, renunciando a enca- Nesse contexto de “cosmetização” da realidade,
rar o abismo do devir e mobiliando o mundo aos a veracidade aparece como uma aposta perigosa
poucos, para que este viesse a dar a impressão de que pode colocar a vida em risco. Os homens
permanência e de uma sólida instalação em meio necessitam crer na verdade, não conhecê-la, de
a um universo pleno de sentido. Para consegui-lo, modo que até a verdade se torna uma máscara:
desencadeou uma produção infinita de ficções que “A falsidade parece tão profunda, tão universal, a
se converteram, pouco a pouco, nos pontos de re- vontade é de tal maneira dirigida contra o autoco-
ferência mais seguros para o indivíduo, a começar nhecer-se diretamente e o chamar-pelos-nomes,
pelos conceitos de causalidade, substância, finali- que a suspeita de que verdade, de que vontade
dade, eu, liberdade, e terminando na ideia de moral de verdade seja algo inteiramente diverso e tam-
ou com a ideia de Deus. bém apenas uma roupagem tem uma grande ve-
Por detrás de toda essa verdadeira maquina- rossimilhança. (A necessidade de crer é o maior
ria, subsiste o intelecto com a sua terrível força ­empecilho à veracidade.)”8
de ilusionar: “Como um meio para a conservação
do indivíduo, o intelecto desenrola suas princi- Filosofia de fachada
pais forças na dissimulação”, observa Nietzsche.6 Por isso, seguindo esta verdadeira tendência
E o intelecto não passa de um instrumento a ontológica, o indivíduo entra no jogo cósmico de
serviço do aspecto conservador da vontade de esconde-esconde e veste a sua máscara. Mas o
potência que se lança na colonização do real, caso que realmente interessa Nietzsche é o do gê-
estabilizando-o, conferindo-lhe uma fixidez gra- nio, o do “espírito profundo”, precisamente porque
nítica, eliminando tudo o que parece perigoso ao descrevê-lo Nietzsche parece fazer o seu próprio
para a capacidade compreensiva do indivíduo: “A autorretrato. A prova da preocupação de Nietzsche
força que quer o erro em toda vida; o erro como por este assunto é a abundância de textos em que
pressuposição do próprio pensar. Antes que seja ele é abordado. Dentre estes, citaremos alguns dos
‘pensado’, há de ser já ‘inventado’; o configurar mais significativos que têm desempenhado um
em casos idênticos, em aparência de igual, é mais papel importante nas deduções detetivescas dos
original do que o conhecer o igual”.7 exegetas de Nietzsche:

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“Um eremita não crê que um filósofo – supondo “O que os outros sabem de nós. – Aquilo que
que todo filósofo tenha sido antes um eremita – al- sabemos de nós mesmos e que temos na memó-
guma vez tenha expresso num livro suas opiniões ria não é tão decisivo para a felicidade de nossa
genuínas e últimas: não se escrevem livros para es- vida como se pensa. Um dia cai sobre nós aqui-
conder precisamente o que se traz dentro de si? – ele lo que outros sabem (acreditam saber) de nós –
duvidará inclusive que um filósofo possa ter opini- e então reconhecemos que isso é mais forte. É
ões ‘verdadeiras e últimas’, e que nele não haja, não mais fácil lidar com sua má consciência do que
tenha de haver, uma caverna ainda mais profunda com sua má reputação”.12
por trás de cada caverna – um mundo mais amplo, “Os profundos. – Indivíduos que pensam pro-
mais rico, mais estranho além da superfície, um fundamente têm a impressão de serem comedian-
abismo atrás de cada chão, cada razão, por baixo tes ao lidar com os outros, pois sempre têm que
de toda ‘fundamentação’. Toda filosofia é uma filo- dissimular uma superfície para serem compreen-
sofia-de-fachada – eis um juízo-de-eremita: ‘Existe didos”.13
algo de arbitrário no fato de ele se deter aqui, de Nietzsche parece hesitar entre duas explicações
olhar para trás e em volta, de não cavar mais fundo possíveis das aparências das máscaras. A primei-
aqui e pôr de lado a pá – há também algo de suspei- ra delas tem a ver com os mecanismos simplifica-
to nisso’. Toda filosofia também esconde uma filo- dores da vontade de potência, que se empenha em
sofia, toda opinião é também um esconderijo, toda reduzir as particularidades praticamente infinitas
palavra também uma máscara”.9 do indivíduo a alguns tipos claros e facilmente
“Um homem cujo pudor é profundo encontra memoráveis. Por esta razão, não se busca a ver-
também seus destinos e sutis decisões em cami- dade das condutas nem sua coerência intrínseca,
nhos que poucos alcançam, e de cuja existência mas antes uma maneira simples de classificá-las.
os mais íntimos e próximos não podem saber: Assim, fatalmente, a despeito da vontade do indiví-
seu perigo mortal se oculta aos olhos deles, e duo e das suas ações, nasce uma espécie de duplo
também sua reconquistada certeza de vida. Esse social que funciona para ele como um substituto
homem oculto, que instintivamente usa a fala exterior, como um golem criado pela imaginação
para calar e guardar, e é incansável em esqui- dos outros. A máscara é a imagem que os outros se
var-se à comunicação, deseja e solicita que uma fazem dele, e ele não pode em hipótese alguma in-
máscara ande em seu lugar, nos corações e nas fluenciar a construção dessa imagem. Ele não pode
mentes dos amigos; e, supondo que não o deseje, senão constatar passivamente a diferença entre
um dia seus olhos se abrirão para o fato de que sua própria autoimagem e a imagem que os outros
no entanto lá está sua máscara – e de que é bom se fazem dele. Há, contudo, situações em que, não
que seja assim. Todo espírito profundo necessita resistindo à pressão exercida pela máscara e pelo
de uma máscara: mais ainda, ao redor de todo conjunto da engrenagem social, o indivíduo cede e
espírito profundo cresce continuamente uma a aparência se torna um ser. O homem se torna o
máscara, graças à interpretação perpetuamente que os outros creem que é.
falsa, ou seja, rasa, de cada palavra, cada passo,
cada sinal de vida que ele dá”.10 Talento de histrião
“Diz-se o que se pensa, só se é ‘verdadeiro’ sob A segunda explicação da gênese das máscaras
condições prévias: a saber, sob a condição de ser desloca a ênfase da coletividade para o papel que o
compreendido (inter pares), e na verdade sob a próprio indivíduo desempenha no processo. Neste
condição de ser compreendido com benevolência caso, o indivíduo superior é aquele que premedita
(mais uma vez, inter pares). Ante o estranho, nós cuidadosamente seus gestos e suas palavras, de tal
nos ocultamos: e quem quer conseguir algo diz o maneira que logra impor aos demais uma imagem
que quer que outros pensem de si, mas não o que de acordo com os seus interesses. A máscara que
pensa (‘O poderoso mente sempre’.)”11 ele constrói está totalmente sob o seu controle, e

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a sociedade é habilmente manipulada por esse de Nietzsche de conduzir seus projetos até o fim, e,
ator sutil. Mas todo esse teatro não é um sim- por outro, aqueles que consideram que a loucura
ples capricho de um ser demoníaco, desejoso de foi uma última máscara de Nietzsche, prova de seu
enganar seus semelhantes apenas para provar irônico talento de histrião.
o seu virtuosismo. O que está em jogo é muito
mais importante: é, por um lado, a camuflagem Os muitos olhares
da excelência do gênio, para conjurar a inveja Deleuze enxerga a loucura de Nietzsche como
dos seus contemporâneos, e, por outro lado, a uma paralisia do espírito que, tendo perdido sua
dissimulação dos esforços dramáticos com que mobilidade, se fixa numa única postura: “Depois
se depara um tal espírito lúcido após ter rompi- de 1890, acontece que alguns amigos (Overbeck,
do o escudo de ficções do mundo e alcançado Gast) pensam que a demência, para ele, é uma
um estado no qual vem a intuir o estatuto todo- última máscara. Ele escrevera: ‘E, por vezes, a
-poderoso do caos. A fim de poder continuar própria loucura é uma máscara que esconde um
a viver, as pessoas comuns não devem nunca saber fatal e demasiado seguro’. De facto, ela não
suspeitar do abismo que lhes espreita, ou da o é, mas apenas porque indica o momento em que
ausência de verdade de suas crenças. O gênio as máscaras, cessando de comunicar e de deslo-
é um herói do conhecimento, pronto para ser car-se, se confundem uma rigidez de morte”.16 É
devorado por sua vontade de veracidade, de co- precisamente a inabilidade de jogar com as suas
nhecer uma verdade que ele não poderá jamais diversas máscaras o que faz com que a loucura se
compartilhar com os demais para não compro- instale, encerrando, portanto, a obra: “De tal modo
meter a sua sobrevivência. que Nietzsche teve a capacidade de deslocar as
Embora Nietzsche não se resolva entre es- perspectivas, da saúde à doença e inversamente,
sas duas interpretações, ambas bem represen- fruiu, por mais doente que estivesse, de uma ‘gran-
tadas nos seus textos, assim como de resto de saúde’ que tornava a obra possível. Mas quando
nunca o faz, provocando a irritação daqueles lhe faltou esta capacidade, quando as máscaras
que creem tratar-se da incoerência de um es- se confundiram com a de um palhaço ou a de um
pírito contraditório, capaz de dizer ao mesmo bobo, sob a acção de um processo orgânico ou ou-
tempo duas coisas opostas sobre o mesmo as- tro, a doença confundiu-se, ela mesma, com o fim
sunto, os comentadores privilegiam a segunda da obra”.17 O que para os outros pode ser que re-
explicação por verem nela uma descrição do presente a normalidade, a estabilidade de um eu
comportamento do próprio Nietzsche.14 perfeitamente delimitado, significa para Nietzsche
Convém avançar, enfim, às interpretações precisamente a derrota, o colapso na enfermidade.
propostas para a loucura de Nietzsche. Nós Jean-Luc Marion propõe outra leitura da loucura
apenas nos deteremos nas explicações que de Nietzsche. Ele pensa que a sua obra, longe de
buscam dar uma significação filosófica a este ser a expressão radical de um ateísmo triunfan-
epílogo da obra propriamente dita, desconsi- te que teria como emblema a célebre frase “Deus
derando as hipóteses puramente fisiológicas está morto”, representa antes uma busca frenéti-
emitidas por médicos e psiquiatras, tanto mais ca da divindade. Segundo o filósofo francês, essa
quanto elas não se têm mostrado convincentes busca está fadada ao fracasso porque Nietzsche
e tampouco sido aceitas nos círculos dos es- permanece preso a uma compreensão idólatra do
pecialistas.15 Conforme anteriormente mencio- divino, que ele é incapaz de ultrapassar através da
nado, agruparemos as opiniões expressadas a sua obra. Todavia, uma vez que os fragmentos que
este respeito de acordo com o modo pelo qual Marion considera marcados pela idolatria, perten-
é avaliada a sua loucura final. Por um lado, centes a Anticristo e a Vontade de Potência, não
teremos o grupo daqueles que consideram a fazem parte dos últimos escritos de Nietzsche, ele
loucura uma derrota, um signo da inabilidade levanta a hipótese de que sua loucura seria o signo

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de uma renúncia à idolatria: “Nietzsche ultra- de modo categórico a possibilidade de trans-
passou a relação idólatra com o divino, sendo formar a loucura numa última máscara, mas
que um cara a cara final com algo de vivente no acredita que essa triste camuflagem seria uma
divino o precipitara na última transgressão, a prova da derrocada filosófica de Nietzsche.
entrevação”.18 Nietzsche se viu forçado a deter-
-se diante de um limite que não podia ultrapas-
sar. E quando finalmente o ultrapassa, já não é
Nietzsche, mas um louco, talvez feliz. A derrota “O GÊNIO É UM HERÓI DO
de Nietzsche consiste na incapacidade de assi- CONHECIMENTO, PRONTO PARA SER
milar a verdadeira mensagem do cristianismo.
Em sua análise do caso Nietzsche, Ronald
DEVORADO POR SUA VONTADE DE
Hayman insiste sobre as muitas vozes e estilos VERACIDADE, DE CONHECER UMA
que coexistem no conjunto de sua obra, e que VERDADE QUE ELE NÃO PODERÁ
representariam uma imagem razoavelmente
precisa da divisão e da fragilidade do seu eu. JAMAIS COMPARTILHAR COM OS
Segundo ele, Nietzsche teria colapsado muito DEMAIS PARA NÃO COMPROMETER
antes, sem poder externalizar tais tendências,
arrasado pelas tensões interiores: “Depois de
A SUA SOBREVIVÊNCIA”
concluir Assim falava Zaratustra em 1885, com
quarenta anos, Nietzsche nunca mais manteve
um papel por tanto tempo. Pode-se dizer que, ao Ernst Bertram faz uma relação entre aqueles
adotar tantas vozes e estilos, ele estava flertando que falam de uma derrocada final de Nietzsche
com a loucura, mas pode-se igualmente susten- e aqueles que permanecem convencidos de sua
tar que sem essas vozes ele não poderia ter man- vitória definitiva. Ele propõe uma solução in-
tido a loucura à distância durante tanto tempo”.19 termediária, que pode ser considerada, depen-
dendo do ponto de vista assumido, tanto uma
Loucura como simulação vitória quanto uma derrota. A sua análise se
A loucura seria o doloroso sinal do fracasso baseia no conflito virulento entre a tendência
de Nietzsche em transvalorar todos os valores lógica e a tendência mística que se afrontam no
e rejeitar toda religião organizada: “Com suas espírito de Nietzsche. A loucura representaria o
dores de cabeça, perturbação visual, vômitos sacrifício das faculdades lógicas e a afirmação
e loucura, ele estava sobrevivendo, mais dire- da sua experiência mística: “A vida e o fim de
tamente do que qualquer outro pensador, às Nietzsche encarnam apenas uma forma desta
consequências de afastar-se da religião orga- elevação ao domínio mítico, e ele não realiza
nizada. A relevância de sua experiência seria senão superficialmente, com sua autoliberação
a maior das causas de seu colapso, se elas não exemplar, uma possibilidade trágica do seu pró-
fossem orgânicas. Há, frequentemente, um ele- prio século. […] A realização ativa de Nietzsche
mento de escolha nos colapsos e um elemento e o seu valente autossacrifício – o sacrifício do
histriônico na loucura, embora pareça imprová- puro lógico que havia nele, o mais espantoso
vel que Nietzsche estivesse apenas fingindo ou sacrificium do intelecto desde Pascal – represen-
que tivesse chegado a tal ponto só para fugir da tam a sua determinada superação deste mesmo
humilhação de ter fracassado em transvalorar fanatismo cético mediante um grande salto em-
todos os valores. Ele antecipou seu próprio des- pedocliano para além da lógica”.21
tino num apontamento sobre ‘o último filósofo’. A teoria da loucura como simulação encon-
Sua maneira de consentir ao esquecimento foi tra sua origem nas impressões de dois bons
entregar-se ao colapso”. 20 Hayman não rejeita amigos de Nietzsche, Gast e Overbeck, que o

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visitaram no sanatório de Iena. Suas opiniões posta a considerar favoravelmente a loucura de


a este propósito podem ser retraçadas através Nietzsche como máscara, como a forma ulterior
do livro de E. F. Podach sobre o colapso de da sua ironia contra o mundo.
Nietzsche. “O ‘lado humorístico’ de Nietzsche, Num dos mais belos livros consagrados a
mas sobretudo o seu comportamento extrema- Nietzsche, Pierre Klossowski parte da constata-
mente cortês na instituição, suscita em Gast a ção de que a incoerência apontada por alguns
mesma suspeição que a de Bettina von Arnim nos escritos tardios de Nietzsche em Turim pode
em relação a Hölderlin, cujo destino, de resto, ser encontrada já em seus primeiros textos e
se parece com o de Nietzsche. […] E então Gast que a atração exercida pelo caos sobre ele teria
se questiona se seria benéfico para Nietzsche estado sempre presente, mesmo na ausência da
trazê-lo de volta à realidade. […] Ele alega ter loucura, muito antes de manifestar-se de modo
observado Nietzsche em determinados esta- tão radical como nos últimos anos. A loucu-
dos que lhe deram a impressão terrível de que ra não é senão o deleite de Nietzsche ante sua
Nietzsche fingia estar louco, como se estivesse própria comédia: “Nietzsche parece não perder
feliz por ter chegado aonde chegou! Também nunca a noção de sua própria condição: ele si-
a Overbeck a doença de Nietzsche parecia por mula Dionísio ou o Crucificado e se deleita com
vezes problemática. […] Eu não pude me livrar, tamanha enormidade. É nesse deleite que reside
nenhum momento sequer, da terrível ideia de a loucura: ninguém está autorizado a julgar até
que a sua doença era dissimulada.”22 que ponto essa simulação é perfeita, absoluta.
Seu critério reside na intensidade que ele expe-
rimenta ao simular até o êxtase. […] O diretor
de cena permanece sendo a consciência nietzs-
“A PROPÓSITO DA EUFORIA DE NIETZSCHE,
chiana, mas não mais o eu [moi] nietzschiano, não
QUE ELE SENTE NECESSIDADE DE mais o eu [je] que assina Nietzsche.”23
COMUNICAR-SE IRONICAMENTE COM Klossowski insiste, a propósito da euforia de
Nietzsche, que ele sente necessidade de comu-
SEUS AMIGOS PRÓXIMOS MEDIANTE nicar-se ironicamente com seus amigos próxi-
O HISTRIONISMO PURO E SIMPLES, mos mediante o histrionismo puro e simples,
Nietzsche tenta sobreviver ao naufrágio de sua
NIETZSCHE TENTA SOBREVIVER AO identidade enquanto Nietzsche lúcido. Mas é
NAUFRÁGIO DE SUA IDENTIDADE apenas pela lembrança da personalidade de
ENQUANTO NIETZSCHE LÚCIDO” seus correspondentes que o movimento eufó-
rico desse naufrágio lhe é sensível: a euforia é
demasiado violenta para que ele não seja impe-
lido a comunicá-la, por este mesmo movimen-
Escritos tardios to, a aqueles que conheceram este que soçobra;
A partir dessas impressões diretas, que não demasiado forte essa liberação em relação ao
se fazem acompanhar de nenhuma explicação seu eu lúcido para que não se torne regozijo
ulterior, mas apenas do estupor experimentado com a própria derrisão. 24 Por trás de suas más-
pelos dois amigos hesitantes em acreditar nos caras impenetráveis, permanece um Nietzsche
médicos, que, de sua parte, estão convencidos livre de toda censura, um Nietzsche que ri.
da enfermidade do paciente, e inclinados a es-
cutar antes sua própria intuição sussurrando- Linguagem metafísica
-lhes que Nietzsche está a rir de todo mundo Michel Haar aborda a loucura de Nietzsche
por detrás desse último e bem-sucedido disfar- a partir da análise das consequências, da ideia
ce, surge toda uma corrente interpretativa dis- do eterno retorno. Segundo ele, a afirmação do

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Eterno Retorno do Mesmo (ewige Wiederkunft a dizer a profundeza do ser. Assim, a destruição
des Gleichen) destrói toda identidade parcial da linguagem metafísica seria, para Nietzsche,
mediante o apagamento da distinção entre o uma experimentação levada ao limite da auto-
eu e o mundo. Toda identidade se vê reduzida à destruição do destruidor enquanto locutor”. 26
máscara intercambiável relacionada a um jogo Nietzsche consegue romper as barreiras da lin-
universal que não é senão a invenção infinita de guagem, mas apenas para descobrir – avant la
máscaras e sua perpétua alternância.25 A aboli- lettre 27 – que, em última instância, o que não
ção das antíteses de que a linguagem metafísica pode ser dito deve ser silenciado. E ele silencia
se nutre faz com que a linguagem mesma explo- para sempre, guardando o mistério.
da, de onde, portanto, o silêncio de Nietzsche: Certamente, todas as estórias contadas sobre
“A partir do momento em que o eu de a loucura de Nietzsche permanecem, forçosa-
Nietzsche coincide com a totalidade da história, mente, inconclusas. São tentativas de mergulhar
ele se vê privado de expressão oral e escrita. nas profundezas de sua alma para recuperar os
Como Dioniso, que fora sua última ‘identidade’, fragmentos de verdade que possam lançar mais
o eu de Nietzsche é dilacerado, esparramado, e melhores luzes à sua filosofia. Interessa-nos
segundo a perspectiva da totalidade dispersa menos o valor delas no que diz respeito à história
que ele encarnará doravante. O mutismo fi- da exegese nietzschiana, e mais especialmente
nal da loucura seria, como ele o escreve pou- as imagens que nos fornecem de Nietzsche, já
co antes de deixar de escrever para sempre, que a única certeza que nos resta é que ele teve
‘a máscara que esconde um conhecimento fa- êxito no seu plano. A história da filosofia já não
tal e demasiado seguro’, mas que tipo de co- tem que lidar com um único Nietzsche, mas com
nhecimento? O conhecimento, talvez, de que incontáveis máscaras construídas pelos seus
a linguagem não pode romper o princípio de comentadores. Nietzsche se foi; seus sósias, em
identidade sem que ela mesma sofra uma rup- contrapartida, estão presentes. Nietzsche pode
tura, não pode a ele submeter-se sem renunciar dar-se por satisfeito.

Sobre o autor: Nascido em Arad


(Romênia), em 1973, Ciprian Vălcan REFERÊNCIAS HAYMAN, Ronald. Moraes. Rio de Janeiro:
estudou Filosofia na Universidade de Nietzsche. Trad. de Contraponto, 2011.
Timişoara, cursou a Escola Normal BERTRAM, Ernst. Scarlett Marton. São ______. Além do bem
Superior de Paris e obteve Mestrado em Nietzsche: Attempt At Paulo: UNESP, 2000. e do mal. Trad. Paulo
Filosofia pela Universidade de Paris IV- A Mythology. Transl. JACCARD, Roland. La César de Souza. São
Sorbonne, também em Paris. É doutor em by Robert E. Norton. tentation nihiliste. Paris: Paulo: Companhia das
Filosofia pela Universidade Babeş-Bolyai Urbana/Chicago: Presses Universitaires Letras, 1992.
de Cluj-Napoca (Romênia), doutor em de France, 1991. ______. Humano,
Universityof Illinois
Filologia pela Universidade de Timişoara KLOSSOWSKI, Pierre. demasiado humano, vol.
Press, 2009.
e doutor em História Cultural pela Escola Nietzsche et le cercle II. Trad. de Paulo César
DELEUZE, Gilles.
Prática de Altos Estudos de Paris. É autor vicieux. Paris: Mercure de Souza. São Paulo:
Nietzsche. Trad. de
de 15 livros, além de incontáveis estudos, de France, 1969. Companhia das Letras,
Alberto Campos. MARION, Jean-Luc. 2008.
ensaios e entrevistas publicados em Lisboa:Edições 70, 2007.
romeno, húngaro, sérvio, tcheco, polonês, L’idole et la distance. ______. Sobre verdade
FERRY, Luc. L’homme- Paris: Grasset, 1989. e mentira no sentido
alemão, francês, inglês, espanhol, italiano
Dieu ou le sens de la NIETZSCHE, Friedrich, extramoral. Trad. de
e português.
vie. Paris: Grasset A gaia ciência. Trad. de Fernando de Moraes
Sobre o tradutor: Rodrigo Inácio Ribeiro &Fasquelle, 1996. Paulo César de Souza. Barros. São Paulo:
Sá Menezes é bacharel em Filosofia pela FINK, Eugen, São Paulo: Companhia Hedra, 2008.
Pontifícia Universidade Católica de São Nietzsche’s philosophy. das Letras, 2001. PODACH, E.
Paulo, mestre em Ciências da Religião e London/New York: ______. A vontade F. Nietzsches
doutor em Filosofia também pela PUC-SP. Continuum, 2003. de poder. Trad. de Zusammenbruch.
Sua pesquisa acadêmica se concentra HAAR, Michel. Nietzsche Marcos Sinésio Heidelberg: Niels
na obra do filósofo romeno de expressão et la métaphysique. Pereira Fernandes e Kampmann Verlag,
francesa Emil Cioran (1911-1995). Paris: Gallimard, 1993. Francisco José Dias de 1930.

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N O TA S Paulo: Companhia das Letras, Attempt At A Mythology. Transl. 24 “Par le biais de l’histrionisme
2008, p. 110. by Robert E. Norton. Urbana/ pur et simple, Nietzsche tente
1 Nietzsche şi nebunia, no 14 “Ocultar-se tornou-se para Chicago: University of Illinois de surnager au naufrage de son
original romeno (N. do T.). Nietzsche uma paixão. Ele Press, 2009, p. 306. identité en tant que Nietzsche
2 JACCARD, Roland, La tinha um desejo insólito pelo 22 “Die ,humoristische Seite’, lucide.Mais ce n’est qu’au
tentation nihiliste. Paris: logro, pela masquerade e pela aber vor allem das überaus souvenir de la personnalité
Presses Universitaires de bufonaria. Ele assume diversos höfliche Gebaren Nietzsches de ses correspondants que
France, 1991. ‘papéis’ tão disfarçadores auch in der Anstalt läßt in Gast le mouvement euphorique de
quanto relevadores: talvez eine Vermutung aufkommen, ce naufrage lui est sensible:
3 FERRY, Luc, L’homme-Dieu
nenhum outro filósofo oculta die Bettina von Arnim seinerzeit l’euphorie est trop violente
ou le sens de la vie. Paris:
a sua filosofia por detrás de dem Schicksalsgenossen pour qu’il ne soit poussé par
Grasset&Fasquelle, 1996, p.
tanta sofística. [Concealing Nietzsches, Hölderlin, ce mouvement même à la
208.
himself became a passion for gegenüber äußerte. […] Und communiquer à ceux qui ont
4 FINK, Eugen, Nietzsche’s Nietzsche. He has an uncanny connu celui quisombre; trop
so meint auchjetzt Gast, es sei
Philosophy. Tansl. By Goetz desire for deceit, masquerade forte cette libération à l’égard
sehr fraglich, welchen Gefallen
Richter. London/New York: and the pose of thejester. He de son moi lucide pour qu’elle
man Nietzsche tue, wenn man
Continuum, 2003, p. 11-13. assumes as many disguising ne devienne jouissance même
ihn wieder zum Leben erwecke.
5 Do grego antigo, as revealing ‘roles’: perhaps […] Er gibt an, Nietzsche in de sa propre dérision.” Ibid., p.
“temeridade”, “desmesura”, no other philosopher conceals Zuständen gesehen zu haben, 340.
“desmedida”: traço his philosophy behind so much bei denen es ihm - schauerlich! 25 HAAR, Michel, Nietzsche
fundamental dos personagens sophistry.]” FINK, Eugen, - vorkam, als fingiere Nietzsche et la métaphysique. Paris:
trágicos, resultando em castigo Nietzsche’s philosophy, p. 3. den, Wahnsinn, als sei er Gallimard, 1993, p. 63.
por parte dos deuses. Um 15 Para uma revisão destas froh, daß er so geendet habe! 26 “Dès que le moi de Nietzsche
exemplo é a estória de do teorias, cf. E. F. Podach, […] Zeitweilig war auch für coïncide avec la totalité de
titã Prometeu, na tragédia de Nietzsches Zusammenbruch. Overbeck Nietzsches Krankheit l’histoire, il se prive de la parole
Ésquilo, que rouba o fogo dos Heidelberg: Niels Kampmann durchaus problematisch: […] et de l’écriture. Comme Dionysos,
deuses para presenteá-lo à Verlag, 1930. Es ist bisweilen fast zeitweilig qui est sa dernière ‘identité’, le
humanidade. Como punição, 16 DELEUZE, Gilles, Nietzsche. schwankend geworden, sofern moi de Nietzsche est déchiré,
Zeus o acorrenta a um rochedo, Trad. de Alberto Campos. ich, und zwar in verschiedenen éparpillé, selon la perspective
onde passa a eternidade tendo Lisboa: Edições 70, 2007, p. 12. von mir beobachteten Perioden de la totalité dispersée qu’il
o seu fígado devorado por der geistigen Erkrankung incarne désormais. Le mutisme
uma águia, de onde o título da 17 Ibid., p. 16.
Nietzsches, mich, wenigstens final de la folie serait, comme
tragédia de Ésquilo: Prometeu 18 “Nietzsche a transgressé für Augenblicke, der il l’écrit peu avant de cesser
acorrentado (N. do T.). le rapport idolâtrique au divin, grauenvollen Vorstellung nicht d’écrire, ‘le masque qui cache
6 NIETZSCHE, Friedrich, Sobre puisqu’un face à face avec habe erwehren können, daß sie un savoir fatal et trop sûr’,
verdade e mentira no sentido finalement quelque chose de simuliert sei.” PODACH, E. F., mais de quel savoir? Du savoir
vivant dans le divin le précipita Nietzsches Zusammenbruch, p. peut-être que le langage ne peut
extramoral, livro I. Trad. de
dans l’ultime transgression, 136-137. pas briser le principe d’identité
Fernando de Moraes Barros.
l’enténèbrement.” MARION,
São Paulo: Hedra, 2008, p. 27. 23 “Jamais Nietzsche ne sans se briser lui-même, ne
Jean-Luc, L’idole et la distance.
7 IDEM, A vontade de poder, semble perdre la notion de peut pas s’y soumettre sans
Paris: Grasset, 1989, p. 104.
livro III, §544. Trad. de Marcos sa condition propre: il simule renoncer à dire le fond de
19 HAYMAN, Ronald, Nietzsche. Dionysos ou le Crucifié et se l’être. Ainsi la destruction
Sinésio Pereira Fernandes e
Trad. de Scarlett Marton. São délecte de cette énormité. du langage métaphysique
Francisco José Dias de Moraes.
Paulo: UNESP, 2000, p. 33. C’est dans cette délectation serait, chez Nietzsche, une
Rio de Janeiro: Contraponto,
2011, p. 283. 20 Ibid., p. 52. que consiste la folie: nul ne expérimentation poussée jusqu’à
21 “Nietzsche’s life and exit peut juger jusqu’à quel degré l’autodestruction du destructeur
8 IDEM, Ibid., livro II, § 377, p. en tant que locuteur.” Ibid., p.
embody only one particular cette simulation est parfaite,
202. 63-64.
form of this ascendance into absolue; son critère est dans
9 IDEM, Além do bem e do mal, the mythical realm, he fulfills l’intensité qu’il éprouve à 27 Literalmente, “antes da
§ 289. Trad. Paulo César de only superficially a tragic simuler, jusqu’à l’extase. […] letra”: expressão idiomática
Souza. São Paulo: Companhia possibility of his century with Comment peut-il sciemment francesa que sinigica algo
das Letras, 1992, p. 193. his exemplary self-liberation. se donner ainsi en spectacle, que existe ou acontece antes
10 IDEM, Ibid., § 40, p. 45-46. […] Nietzsche’s active si ce n’est parce qu’il sait que mesmo de ser nomeado e
11 IDEM, A vontade de poder, achievement and courageous nul ne croira ce qu’il déclare reconhecido pelo seu nome.
livro II, § 378, p. 202. self-sacrifice—the sacrifice of ? […] Le metteur en scène Trata-se, aqui, de uma
the pure logician in him, the demeure bien la conscience referência implícita à célebre
12 IDEM, A gaia ciência, §52. most awe-inspiring sacrificium nietzschéenne mais non plus afirmação do filósofo austríaco
Trad. de Paulo César de Souza. of the intellect since Pascal—is le moi nietzschéen, non plus Ludwig Wittgenstein (1889-
São Paulo: Companhia das his determined overcoming of le je, soussigné Nietzsche.” 1951): “O que não pode ser
Letras, 2001, p. 91. this very skeptical fanaticism KLOSSOWSKI, Pierre, dito deve ser silenciado”, que
13 IDEM, Humano, demasiado through a great Empedoclean Nietzsche et le cercle vicieux. Nietzsche teria antecipado,
humano, vol. II, § 232. Trad. leap beyond the logical.” Paris: Mercure de France, muito embora não com estes
de Paulo César de Souza. São BERTRAM, Ernst, Nietzsche: 1969, p. 334-335. exatos termos.

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