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EIXO TEMÁTICO:

Compartilhamento da Informação e do Conhecimento

PATRIMÔNIOS DOCUMENTAIS: “PARA QUÊ?” E “PARA QUEM?”

DOCUMENTARY HERITAGE: “WHAT FOR?” AND “WHOM FOR?”

Renato Crivelli Duarte (Unesp) - crivellirenato86@gmail.com


Maria Leandra Bizello(Unesp) - mleandra23@gmail.com

Resumo:O presente trabalho tem por objetivo trazer contribuições que estimulem uma
discussão ausente e necessária no âmbito dos arquivos públicos brasileiros. A implantação
de programas educativos e de apoio pedagógico em arquivos públicos é, ainda, uma prática
raramente explorada por estas instituições, mas que guardam grande potencial
transformador no processo educacional de cidadãos conscientes. Compreendido como um
elemento do conjunto de patrimônios históricos e culturais, os arquivos públicos históricos
detêm condições de contribuir no desenvolvimento educacional de crianças e jovens,
exercendo efetivamente o papel social que lhes cabe. Pela via da educação patrimonial,
propomos neste trabalho, que os arquivos e os arquivistas assumam a iniciativa no
estabelecimento de um contato entre arquivo público e escolas, com vistas ao
desenvolvimento de programas de apoio educacional junto aos cidadãos. Para tanto,
utilizamos como metodologia a análise teórica da bibliografia dedicada à compreensão do
arquivo como espaço de formação educacional a partir da associação com os princípios que
sustentam a prática da educação patrimonial. Para demonstrar a relevância e exequibilidade
do objetivo proposto, realizamos a observação de um exemplo prático de aplicação desta
atividade.
Palavras-chave: Patrimônio Documental. Arquivo Público. Escola. Acesso à Informação.
Arquivista.

Abstract: The current work has as objective to bring contributions that stimulate a nab sent
and necessary discussion in the field of the Brazilian public archives. The establishment of
educative and pedagogical support in public archives still is a rarely explored practice by
these institutions, but that keep great transformative potential in the conscientious citizens’
educational process. Understood as an element in the set of historical and cultural heritage,
the historical public archives contain conditions of contributing in the educational
development of children and young people, effectively promoting its social role. Through the
patrimonial education, we propose in this work that the archives and archivist sunder take the
initiative in the establishment of contact between the public archive and schools, with the
goal of developing educational support programs with the citizens. For such, as
methodology, we use the theoretical analysis of the bibliography dedicated to the
understanding of archives as space of educational formation based on the association with
the principles that support the heritage education practice. To demonstrate ether relevance
and feasibility of the proposed objective, we performed the observation of one practical
example of this activity’s enforcement.
Keywords: Documentary Heritage. Public Archives. School. Access to Information. Archivist.
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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo trazer para o ambiente acadêmico um


debate urgente aos arquivos públicos. Além das funções administrativas, probatórias
e jurídicas, fundamentais ao bom funcionamento de qualquer administração
moderna, os arquivos detêm capacidades mais amplas quando explorados de forma
sistemática. Os reconhecidos valores históricos e informativos investidos aos
documentos são responsáveis por deslocar os arquivos de um papel estritamente
administrativo para uma função histórico-social.
Sempre em razão de conteúdos informativos e probatórios referentes ao
passado, às memórias e às identidades da sociedade, os valores secundários
investidos aos documentos públicos históricos revestem estes arquivos de um
significado simbólico. Envolvidos por esta aura, os arquivos públicos se convertem
em elemento do conjunto simbólico representativo de um povo em seu tempo e seu
espaço, devendo, portanto, assumir a forma de patrimônios coletivos.
No entanto, para que haja valorização dos bens culturais que compõem o
arsenal simbólico de um grupo, estratégias de legitimação e apropriação destes
bens pela sociedade são fundamentais. Os arquivos históricos são fortemente
reconhecidos como fontes primárias de informação para o fazer historiográfico, o
que lhes garante um lugar de destaque em campos científicos que buscam se valer
destes testemunhos de tempos passados. Porém, acreditamos que as funções
sociais dos arquivos públicos não se limitam ao campo científico.
Arquivos históricos podem ser utilizados como equipamentos sociais
auxiliares no processo de formação educacional de crianças e jovens pelas mesmas
razões às quais são reconhecidos e explorados por cientistas e acadêmicos. Esta é
uma questão raramente explorada tanto por instituições arquivísticas quanto pela
academia, de modo que levantar este debate é fundamental para ampliar os âmbitos
de atuação dos arquivos públicos, ao mesmo tempo em que reforça seus valores
sociais e sua participação como efetivo equipamento público de funções
socioeducativas.

2 O PATRIMÔNIO HISTÓRICO E SEUS USOS

O período da Revolução Francesa, no final do século XVIII, é considerado,


pela bibliografia especializada, como o momento de surgimento de práticas
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preservacionistas oficiais e institucionalizadas. É neste movimento de criação do


conceito de Estado-Nação moderno, que têm início as primeiras operações práticas
de preservação regulamentada daqueles produtos das sociedades como formas de
representação e manutenção das culturas e identidades específicas de cada
nacionalidade (FONSECA, 1997; CHOAY, 2001).
Desde então, a ideia tem sido trabalhada em diversos âmbitos de poder,
porém, no século XX, como diz Castriota (2009), a questão patrimonial passa por
uma “inflação”, no sentido de serem ampliadas as iniciativas de preservação e
manutenção deste legado cultural e social. O autor compreende que esta inflação se
justifica pela dinâmica contemporânea da globalização, ampliado e potencializado
pelo constante e intenso desenvolvimento das ferramentas de tecnologias de
comunicação.
Com o amplo desenvolvimento da globalização, o pensamento patrimonial
passa a ter destaque por seu vínculo com as questões identitárias e memoriais de
um grupo social. O patrimônio assume, portanto, um papel de afirmação de seus
traços de particularidade frente à alteridade, se configurando como uma questão
vital para as identidades culturais das comunidades.
O movimento de aproximação das culturas gerado pela globalização, segundo
Castriota (2009), promove a sobreposição entre diferentes culturas, ou seja,
determinadas culturas globais são capazes de encobrir e inibir pequenas culturas
locais. O autor exemplifica esta situação com o caso do contato entre os povos
ameríndios e os povos europeus. A aproximação de duas culturas bastante
diferenciadas culminou na sobreposição da cultura europeia sobre as culturas
indígenas, direcionando as comunidades indígenas, seus hábitos, costumes,
identidades, sua cultura geral, à extinção1. Em meio a esta batalha cultural, os
patrimônios históricos e culturais podem se mostrar como relevante força de defesa
contra a sobreposição de outras culturas.
Para compreendermos esta prerrogativa, é necessário entendermos o que é
entendido por patrimônio, para, posteriormente, identificarmos como ele pode ser
utilizado. Choay (2001, p. 11) diz sobre os patrimônios históricos:

1 É certo pensarmos que neste momento há a explícita intenção de colonização violenta e dominação,
porém, movimentos atuais de monopolização e disseminação de objetos de consumo e
manifestações culturais externas, de modo geral, correspondem às mesmas intenções da
colonização.
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A expressão designa um bem deixado ao usufruto de uma


comunidade que ampliou a dimensões planetárias, construído pela
acumulação contínua de uma diversidade de objetos que se
congregam por seu passado comum: obras e obras-primas das belas
artes e das artes aplicadas; trabalhos e produtos de todos os saberes
e savoir-faire dos seres humanos. Em nossa sociedade errante,
constantemente transformada pela mobilidade e ubiquidade de seu
presente, ‘patrimônio histórico’ tornou-se a palavra-chave da tribo
midiática. Ela remete a uma instituição e a uma mentalidade.

As palavras da autora nos mostram a dimensão dos patrimônios históricos, ao


se referir a este como todos os trabalhos e produtos dos seres humanos, os seus
saberes e savoir-faire, o que nos permite visualizar o domínio patrimonial
extrapolando a linha do materialismo e tomando lugar entre o conhecimento
humano, o universo intangível da razão do ser. Esta visão contrapõe à ideia
difundida por um imaginário social limitador que foca a existência dos patrimônios à
materialidade dos monumentos e construções antigas. Compreendemos três razões
para a existência deste pensamento restritivo:
Em primeiro lugar, esses bens são mais lembrados por estarem
cotidianamente aos olhos dos indivíduos, localizados em praças, ruas importantes
das cidades, por chamarem a atenção dos transeuntes por conta de sua beleza e
seus traços estéticos que diferem de todo o conjunto arquitetônico que o envolve ao
longo da estrutura da cidade.
Em segundo lugar, podemos entender estes como os bens mais trabalhados
pelos poderes da sociedade, ao ponto em que podem reverter em benefícios
específicos aos cofres públicos e ao desenvolvimento regional, utilizando-os como
atrações turísticas. O investimento em turismo cultural tem se tornado prioridade
entre secretarias e governos por considerar o interesse que as pessoas têm de
conhecer a história da humanidade através destes elementos construídos que
despertam a curiosidade dos turistas. Este investimento pode se reverter em
excelentes fontes de desenvolvimento regional (RODRIGUES, 2002; NORMAS DE
QUITO, 1967).
Em terceiro lugar, diretamente relacionado com o sentido turístico, o
empreendimento em divulgar estes bens específicos está ligado à sua relativa
facilidade de fruição por parte de qualquer indivíduo. Por serem construções, ou
peças, que podem ser observadas e valorizadas suas características estéticas
exteriores, é pensado que qualquer pessoa, mesmo sem conhecimento prévio e
bagagem cultural pode aproveitá-lo a partir da observação. As Normas de Quito,
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documento redigido em 1967 em Reunião da Organização dos Estados Americanos


(OEA), diz claramente que esses bens devem ser valorizados para a apreciação e
utilizados em ampla escala de divulgação por poderem ser apreciados com a
observação, o que corresponde de forma mais adequada às características da
sociedade contemporânea “mais visual do que literária, [que] tem a oportunidade de
se enriquecer com a contemplação de novos exemplos da civilização ocidental” (p.
06).
Este último elemento pode se mostrar como um fator catastrófico para a
manutenção da essência dos patrimônios, por serem eles vistos como um produto
mercadológico e comercializado de qualquer forma, sem haver a preocupação com o
que é transmitido. Veloso (2006) denuncia o risco iminente que corremos de
transformamos o patrimônio cultural em um fetiche, ligado diretamente ao sentido
comercial e mercadológico da palavra. A autora ressalta esse risco sob a condição
de ocorrer um “deslocamento simbólico”, onde o comércio é realizado através de
coisas transmutadas em outras coisas, sendo que na verdade, comercializa-se com
um ideal que não pertence a essa coisa, no caso do patrimônio, “alguma
manifestação de um passado significativo para um presentismo vazio” (VELOSO,
2006, p. 441).
Retomando o pensamento de Choay (2001), é fundamental ampliarmos a
concepção do conceito de patrimônio para garantir a devida proporção destes
elementos à constituição das sociedades. Vale lembrar que a autora se refere aos
patrimônios históricos, e que estes são comumente tratados como sinônimos dos
patrimônios culturais. Porém, existe uma sutil diferença entre estas duas categorias,
como analisa Lemos (1981 apud BELLOTTO, 2000, p. 153):

[...] o patrimônio histórico ‘abrange somente um segmento de um


acervo maior, que é o chamado patrimônio cultural de uma nação ou
de um povo’, restringindo-se aos artefatos ou, se podemos confundir
as duas noções, distinguindo apenas a sutil diferença de que os
elementos do patrimônio cultural estão sempre ‘em andamento’, em
produção e uso imediato e de que os elementos do patrimônio
histórico são produtos acabados, são, mais que tudo, testemunhos,
provas e, por isso mesmo, frequentemente, amostragens do que já
foi utilizado na sua finalidade imediata de criação.

Este entendimento é interessante para esclarecer a dimensão dos


patrimônios históricos e qual a finalidade que eles sustentam em seu cerne. Lemos
nos disse que a função dos patrimônios históricos está direcionada ao testemunho e
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à prova daquilo que já aconteceu, o que nos abre a margem para trabalhar de forma
mais confortável com os itens que realmente nos interessam nesse trabalho: os
documentos de arquivo.

3 PATRIMÔNIOS DOCUMENTAIS: GÊNESE E ESSÊNCIA

Com a visão de que os patrimônios históricos têm por função o testemunho e


a prova consideramos que os documentos de arquivo podem, facilmente, incluir o
universo patrimonial em uma categoria específica denominada Patrimônios
Documentais. Porém, é necessário estabelecer que parte dos documentos de
arquivo pode ser inserida nesta categoria e ser entendida como bens históricos.
Para tanto, devemos nos valer de um dos princípios básicos da teoria
arquivística, no que tange ao ciclo vital dos documentos. Este ciclo é dividido em três
fases, a saber: Corrente, Intermediário e Permanente (BELLOTTO, 2006;
SCHELLENBERG, 2006; PAES, 2004), e cada uma delas sustenta seus objetivos e
características próprias. A título de esclarecimento, como trabalhamos com a ideia
de patrimônio documental das sociedades, limitaremos a análise deste trabalho aos
arquivos públicos, em seus três níveis (Municipal, Estadual e Federal).
Bruno Delmas é sucinto ao explicar que:

Todos os arquivos passam por três idades sucessivas: a idade dos


arquivos correntes, durante a qual os documentos são criados e
usados cotidianamente; a idade dos arquivos intermediários, na qual
os documentos, apesar de não mais usados frequentemente, devem
ser conservados para responder a uma série de obrigações e
prescrições fiscais, administrativas e sociais; e, finalmente a idade
dos arquivos definitivos, em que os documentos que se decidiu
guardar para sempre são mantidos depois de classificados e
descritos. (DELMAS, 2010, p. 65)

Os arquivos de terceira idade, ou arquivos permanentes, são preservados


para fins de pesquisa, por conta de seu valor informativo e cultural, sendo que, ao
passarem pelo processo de avaliação documental, são considerados como
detentores de informações de relevante importância para o órgão produtor, assim
como para sociedade de modo geral. Eles são responsáveis por preservar
informações que testemunhem a trajetória e os acontecimentos do órgão gerador e,
consequentemente, da sociedade e comunidades que abarcam.
Podemos considerar que, da mesma forma que Lemos fez ao diferenciar os
patrimônios históricos dos patrimônios culturais– sendo os históricos uma fração
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dentro dos culturais, e sendo este segundo o que está em constante andamento,
enquanto o primeiro é o que já foi concluído –, no universo dos arquivos a relação
não seja diferente. Documentos em idade corrente corresponderiam aos patrimônios
culturais, por estarem em andamento e serem representantes da cultura
administrativa e funcional do órgão gerador, enquanto os documentos permanentes
correspondem aos patrimônios históricos, por terem concluído sua atividade no
universo da cultura administrativa produtora e agora se encontrarem classificados
como probatórios e testemunhais de um tempo passado.
Bellotto (2002, p. 15) defende que:

Fazem parte do patrimônio documental somente aqueles


documentos que já: 1. Cumpriram sua função imediata, ligada à
razão pela qual foram gerados; 2. Não tramitam mais; 3. Passaram
pelo arquivo corrente; 4. Foram submetidos às tabelas de
temporalidade, foram avaliados como de valor permanente, pela
densidade de seu valor informativo testemunhal, tanto para a história
institucional da entidade que os produziu/recebeu/acumulou, como
para a sociedade, em cujo contexto viveu e atuou aquela instituição.
Estes conjuntos documentais, portanto, reunidos nos arquivos
permanentes também chamados históricos, vêm constituir o
patrimônio documental institucional, municipal, provincial/estadual ou
nacional.

Como pudemos observar ao longo deste levantamento teórico, o processo de


formação dos patrimônios documentais é longo, assim como todas as outras
categorias patrimoniais. Da mesma forma que as demais, os conjuntos documentais
serão responsáveis por preservar, à sua maneira, o passado, a memória, o
conhecimento gerado pelos indivíduos e pelos poderes públicos, bem como a
identidade destes povos, a partir dos acontecimentos e movimentações realizados
ao longo do desenvolvimento da sociedade. Aquilo que é recolhido ao arquivo
permanente e passa a ser entendido como patrimônio, é o extrato informacional da
grande massa documental produzida pelo próprio homem, o que nos aproxima do
primeiro conceito de patrimônio histórico, apresentado por Choay(2001), no início do
trabalho.

4 PATRIMÔNIOS DOCUMENTAIS “PARA QUÊ” E “PARA QUEM”: RELAÇÃO


ARQUIVO-SOCIEDADE

De que serve a preservação de alguma categoria patrimonial se não para ser


usufruída pelos cidadãos no exercício de seus direitos e para instrução coletiva?
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Nesse contexto, Fratini (2009, p. 03) nos diz que “as discussões em torno da
preservação do patrimônio estão diretamente ligadas à cidadania e ao direito ao
acesso à informação. Os indivíduos têm o direito de ter acesso à sua própria cultura,
à sua história, à memória coletiva e social”.
No entanto, é ilusão pensarmos que este retorno informacional à sociedade,
em se tratando de arquivos, efetivamente seja realizado. Sabemos que as pessoas
observam as construções arquitetônicas, frequentam centros culturais, museus, e
bibliotecas públicas, entre outras apresentações culturais e históricas. Exceto em
casos de necessidade muito pontual de dada informação, o público geral não
frequenta arquivos públicos. Lopes (2002, p. 178) nos diz que

As culturas aplicam o auto-reconhecimento social. Se os ditos


‘objetos culturais’ não são reconhecidos, pelo menos por algum
segmento social mais significativo, há algo que não vai bem. É bom
lembrar que o auto-reconhecimento não vem pronto. É preciso
construí-lo e reconstruí-lo permanentemente.

Se há a preservação destes documentos, é por que eles sustentam interesse


social e devem ser utilizados, caso contrário, sua preservação não se justifica.
Sabemos que os arquivos são reconhecidos pela comunidade de pesquisadores
especializados como fonte de pesquisa para seus trabalhos. Mas podemos nos
perguntar se, acaso, esses arquivos são mantidos exclusivamente para os
pesquisadores e a parcela mais douta da sociedade? Não é interesse dos arquivos
receberem a comunidade em suas dependências?
Assim, começamos a questionar qual é o público desejado pelos arquivos
públicos para que exerçam, em sua totalidade, suas funções sociais e de apoio à
sociedade. Garcia Belsunce (1980 apud BELLOTTO, 2002, p. 171) sustenta que o
público desejado aos arquivos públicos é mais amplo do que o encontrado
atualmente, composto em quase sua totalidade de pesquisadores especializados. O
historiador argentino diz que, de modo geral, o público ideal pode ser elencado em
três categorias, cada uma com seu respectivo uso, objeto e sujeito:

[...] no primeiro caso, o uso acadêmico, o objeto é especulativo, e o


sujeito é o pesquisador científico; para o segundo, o uso é prático, o
objeto é operativo e o sujeito é o profissional, o técnico, o agente
administrativo; para o terceiro, o uso é popular, o objeto é
informativo, e o sujeito, o homem comum.

Observamos que, das três categorias, o mais comum de se encontrar é o


pesquisador científico, que encontra nos arquivos a morada das informações que
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necessita para seu labor. Em menor grau, mas ainda presente, a segunda categoria,
que frequentam arquivos públicos para sanar alguma dúvida ou pesquisar sobre
alguma atividade já realizada pelo poder público. Já quanto à terceira categoria, o
homem comum, com intenções informativas, é praticamente inexistente.
Bellotto (2002, p. 172) vem nos dizer a esse respeito:

Quanto ao uso popular, a consideração é exposta relativamente, não


só às buscas que um cidadão pode fazer nos arquivos em torno de
seus direitos e seus deveres, mas também o papel de mediação
cultural que o arquivo pode ter, a participação progressiva nos
arquivos na ação cultural. [...] À medida que o arquivo, sendo a
morada da história, aproxima-se do cidadão, estará possibilitando
que melhor conheça sua identidade cultural.

Um grande motivador para o afastamento do cidadão comum dos arquivos


está relacionado com a própria estrutura e característica epistemológica dos
arquivos. O documento de arquivo se mostra como um detentor de informação, sem
dúvida, mas de uma informação facetada, incompleta, sem concisão, com uma
linguagem específica, por vezes de difícil compreensão. Por conta desta condição
peculiar aos arquivos, é entendido aqui que a iniciativa de aproximação entre
cidadão e arquivo deve partir da instituição arquivística.
O arquivista, como o profissional responsável pelo arquivo e por sua
organização, se mostra como o mais indicado para incentivar essa aproximação e
estabelecer os meios necessários para que o cidadão se sinta apto a compreender
as funções do arquivo e seu acervo e, assim, fazer uso deste material preservado
para a sociedade.
A função inicial dos arquivos públicos é o recolhimento, organização,
preservação e conservação dos documentos públicos para que haja a garantia de
acesso a este material, rico em informações de interesse social, técnico e científico.
No entanto, caso não haja esse uso, sua existência e manutenção não se justificam.
Como nos diz Bellotto (2006, p. 227):

Mas, para além dessa competência (de acumulação), que justifica e


alimenta sua criação e desenvolvimento, cumpre-lhe ainda uma
atividade que, embora secundária, é a que melhor pode desenhar
seus contornos sociais, dando-lhe projeção na comunidade,
trazendo-lhe a necessária dimensão popular e cultural que reforça e
mentem o seu objetivo primeiro. Trata-se de seus serviços editoriais,
de difusão e de assistência educativa.

Dentre os serviços editoriais, encontramos como principal atividade a


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publicação de livros, periódicos, informativos, entre outras manifestações de


interesse coletivo, sendo todas elas originadas a partir de estudos elaborados com
base no foco de atuação da instituição e, essencialmente, utilizando como base,
elementos constantes no seu acervo. Apesar de ser um trabalho dedicado ao
acesso de qualquer público, ele é desenvolvido, e possivelmente consumido, por
aqueles que foram considerados como a primeira categoria de usuários, os
pesquisadores científicos.
A difusão, por sua vez, abarca uma série de atividades que podem ser
desenvolvidas na própria instituição, como exposições, palestras, seminários,
comemorações de datas históricas específicas, coordenação de divulgação e
discussões de temas direcionados à sociedade, entre outras formas de
apresentação dos seus valores e de seu papel social. Neste caso, podemos
trabalhar em melhores condições com o acesso popular, ao ponto que a condição
permitirá ao cidadão estabelecer um contato mais ativo e presente no arquivo. Esta
atividade, sem dúvidas, é um excelente instrumento de divulgação do arquivo, de
seu acervo e de suas funções. As práticas de difusão cultural, a partir do arquivo,
podem se mostrar extremamente frutíferas se desenvolvidas de forma condizente
com o público que pretende atrair.
Já as atividades de assistência educativa, a partir dos arquivos públicos, se
mostram como importante aliada na educação e construção de crianças e jovens,
além de despertar nesses indivíduos o interesse pelos arquivos, que será mantida
ao longo de suas vidas como cidadãos. Ao se estabelecer uma relação colaborativa
entre arquivo e escola, os benefícios serão sentidos, ao ponto que o arquivo pode
ser mais valorizado por parte da comunidade, do mesmo modo que demonstra sua
relevância de auxílio no desenvolvimento educacional dos indivíduos em idade
escolar.
É necessário que se entenda que atividades educacionais em arquivos
públicos não podem ser trabalhadas como eventos esporádicos e efêmeros, mas,
antes, devem integrar a grade programática de atividades escolares e também do
arquivo. Deve-se entendê-las como atividade contínua e de necessária dedicação
por parte tanto do arquivista como do professor, que em conjunto estabelecerão as
atividades a serem desenvolvidas (BELLOTTO, 2000, p. 161). A conexão a ser
estabelecida entre o material arquivístico escolhido e o conteúdo educacional
previsto na estrutura curricular dos alunos participantes é essencial para que haja
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bom funcionamento de projetos deste tipo.


Por considerarmos que os arquivos públicos são elemento constituinte do que
entendemos por patrimônios históricos, podemos então nos valer de preceitos
estabelecidos e trabalhados já por outros organismos culturais. Falamos agora da
possibilidade de adoção de sistemas de Educação Patrimonial em arquivos públicos
e seu contato com a escala educacional da sociedade.
Grunberg (2011, p. 05) nos diz sobre a educação patrimonial que “podemos
defini-la como o ensino centrado nos bens culturais, como a metodologia que toma
estes bens como ponto de partida para desenvolver a tarefa pedagógica; que
considera os bens culturais como fonte primária de ensino”.
Horta (2006 apud FRATINI, 2009, p. 2) nos apresenta uma definição mais
ampla e esclarecedora sobre a educação patrimonial e sua funcionalidade, quando
aplicada não só a estudantes, como também a adultos:

O que é, afinal, a Educação Patrimonial? Trata-se de um processo


permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no
Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e
enriquecimento individual e coletivo. A partir da experiência e do
contato direto com as evidências e manifestações da cultura, em
todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho
de Educação Patrimonial busca levar as crianças e adultos a um
processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de
sua herança cultural, capacitando-os para um melhor usufruto destes
bens, e propiciando a geração e a produção de novos
conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural. (grifos
do autor)

Esse processo, quando aplicado aos arquivos públicos em contato direto com
escolas, permite aos alunos a apropriação da informação primária, o que exigirá dos
estudantes a análise, a crítica e o exercício intelectual que, geralmente, não é
exigido dentro dos sistemas de ensino popular. Podemos entender com maior
facilidade a relação desse sistema com o ensino de história, onde os participantes
poderão explorar além do que lhes é apresentado em livros e cartilhas. É-lhes
permitido, então, tomar caminhos próprios quanto ao conhecimento gerado e
agregado à sua bagagem cultural.

O fato de o documento de arquivo apresentar essas características –


ser prova ou evidência de uma ação e ser em grande parte escrito,
pelo menos no que diz respeito a documentos de arquivos de
administração pública – torna a sua exploração ainda mais
interessante para atividades de ação educativa. É grande o
aprendizado que se pode obter a partir de um trabalho com
documentos de arquivo escritos, em termos de construção de
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saberes linguísticos, históricos e de cidadania, já que os documentos


refletem a administração pública de uma cidade, estado ou país, e
envolvem questões de direitos e deveres entre governo e cidadão.
(FRATINI, 2009, p. 06)

Podemos pensar, agora, que as características dos documentos de arquivo –


de serem escritos, sustentarem uma linguagem específica, por vezes de difícil
compreensão, por serem fracionados e incompletos e serem a informação em
estado bruto –, seja uma condição que vem se mostrar como altamente
enriquecedora aos jovens que deles fizerem uso, ao ponto que servirá como um
exercício intelectual e crítico.
A presença do arquivista ao lado do professor neste momento de exploração
dos documentos é fundamental para o bom funcionamento da ação educativa em
arquivos. Como o melhor conhecedor do acervo, o arquivista está apto a orientar os
estudantes, a acompanhá-los durante o período de descobertas do funcionamento
dos documentos e sua função como fonte de informação. Ao exercer essa função
auxiliadora, o arquivista porá em prática a sua função de mediador da informação
arquivística ao maior público. Ainda, dará maior ênfase ao seu papel social, que
deve extrapolar o limite da organização dos documentos e a disponibilização dos
mesmos a quem o procura.
O arquivista pode acrescentar a suas funções a de auxiliar do educador, na
contribuição dada aos participantes de ações deste tipo. No Brasil não é comum
encontrarmos ações deste tipo, mas elas existem. O Arquivo Público do Estado de
São Paulo (APESP) mantém em sua estrutura organizacional uma equipe dedicada
ao desenvolvimento de ações educativas e de integração entre o arquivo e as
escolas. Em uma de suas atividades, o professor, em parceria com a equipe do
APESP, desenvolve um roteiro que relacione o conteúdo programático da disciplina
com os documentos disponíveis no acervo. Os alunos, então, são levados às
dependências do APESP, que servirá de extensão da sala de aula. Lá os estudantes
podem manusear os documentos em busca das informações que serão necessárias
para o cumprimento das atividades didáticas futuras. Ainda recebem aulas
referentes ao uso dos documentos, forma de análise das informações arquivísticas,
e total apoio dos arquivistas quanto ao trabalho a ser desenvolvido. Este é um
exemplo de que é possível manter atividade de educação patrimonial em arquivos.
Todas as atividades desenvolvidas dentro dos arquivos devem ser
acompanhadas de uma continuidade em sala de aula, com a elaboração de
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trabalhos, apresentações ou qualquer outra forma de avaliação condizente com a


faixa etária dos estudantes. Desta forma, os alunos são postos a uma condição que
exigirá análise, crítica e exercício intelectual.

O espírito crítico desenvolvido na Educação Patrimonial possibilita a


formação de um cidadão consciente de sua história, conseguindo
identificar e sentir pertencente a tal cultura. As raízes do passado
que estão presentes no cotidiano estimulam uma comunidade a
entender a própria realidade. (FONSECA, 2011, p. 238)

Nesse sentido, qualquer atividade desenvolvida através da parceria arquivo-


escola pode se mostrar enriquecedora para os participantes destas atividades, no
sentido em que seu senso crítico, sua noção de cidadania, visão de mundo e
referencial cultural serão aprimorados, o que contribui para a formação de cidadãos
mais conscientes de seu papel na sociedade, com uma visão de mundo mais
abrangente e a clareza da necessidade de se ler o mundo com olhos críticos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pudemos observar com esse trabalho que os arquivos públicos,


categorizados como patrimônios documentais da sociedade, se apresentam como
excelente fonte de informações históricas, pertinentes ao desenvolvimento das
ciências, como também do próprio indivíduo.
A atual consciência de que só é patrimônio aquilo que é construído à base de
pedra e cal é demasiado minimalista para o entendimento da história e da cultura
dos povos, sendo que há urgência em se reverter esta situação. Do mesmo modo
que estes bens são representantes do passado e da cultura de um povo em
determinada época, os documentos de arquivo também apresentam esta qualidade,
e necessitam ser valorizados e elevados ao mesmo patamar social que a arquitetura
se encontra.
Existem diversas legislações que abarcam os documentos de arquivo entre os
bens patrimoniais dos povos, no entanto, o desenvolvimento, e mesmo o
cumprimento de legislações não garante a devida valorização social. As legislações
são boas para preservar os bens patrimoniais, porém, somente ações originadas
nestes bens e destinadas a toda a população podem garantir a valorização social.
Entendo que para haver a valorização dos arquivos públicos e de seus
acervos por parte da população, é necessário que o arquivista tome frente na
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realização de atividades de ação educativa, além das atividades de publicação e


difusão do material preservado. Atividades de ação educativa em arquivos podem
apresentar resultados duradouros, de modo que estudantes que frequentem
arquivos públicos como parte de suas atividades escolares passam a conhecê-los
por dentro e começam a vê-los a partir de seu valor social, a verdadeira justificativa
para a preservação de acervos históricos.
Além deste resultado de valorização dos arquivos públicos, é ainda mais
interessante notar a diferença gerada na formação destes estudantes, que tomam
consciência do seu papel como cidadãos, exercitam suas habilidades analíticas, de
senso crítico, de raciocínio lógico, linguísticos, entre outras. Este estímulo
apresentado ao jovem ainda em fase de formação contribui para a construção de um
adulto mais atento ao mundo, às condições sociais que vivencia e que são
apresentadas.
Todo esse esforço dedicado à formação de cidadãos mais conscientes pode e
deve contar com a participação do arquivista e dos arquivos públicos. Basta que o
arquivista se dê conta desta urgente necessidade e se apresente para participar do
desenvolvimento social das futuras gerações.

REFERÊNCIAS

BELLOTTO, H. L. Arquivos permanentes: tratamento documental. Rio de Janeiro:


FGV, 2006.

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