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05/05/2020 Usando a ciência para negar a ciência | Nexo Jornal

COLUNA

ALICIA
KOWALTOWSKI
(/colunistas/autor/Alicia-
Kowaltowski1)

Usando a ciência
para negar a
ciência
09 de out de 2019

Falta de rigor e método nas análises,


circulação de informações falsas, além de
cortes no financiamento da pesquisa, no
Brasil e no mundo, podem significar um
futuro trágico

Algo muito estranho está acontecendo no mundo atual.


Vivemos melhor que qualquer outra geração anterior.
Pessoas são saudáveis graças às ciências da saúde.
Moram em residências robustas, produto da engenharia.
Comem alimentos seguros e variados, gerados pela
agropecuária. Usam eletricidade, domada pelo homem
devido ao seu conhecimento de química e física.
Paradoxalmente, essas mesmas pessoas ligam seus
computadores, tablets e celulares (produtos da mais
avançada tecnologia de computação e informática) para
adquirir e disseminar informações que rejeitam a
mesma ciência que é tão presente em suas vidas.
Vivemos num mundo em que pessoas usam a ciência
para negar a ciência.

https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2019/Usando-a-ciência-para-negar-a-ciência 1/5
05/05/2020 Usando a ciência para negar a ciência | Nexo Jornal

Os exemplos são tantos que não há como listar todos.


Vão do bizarro movimento que insiste que a Terra é
plana (apesar de termos circundado o globo terrestre
inúmeras vezes por mar, ar e satélite) à crença de que a
água, uma reles molécula, tem “memória”, teoria em que
se baseia a homeopatia (uma pseudociência tão popular
que no Brasil é, inacreditavelmente, incluída nas
práticas de saúde pública do SUS, às custas de dinheiro
público, embora comprovadamente não promova
nenhum ganho de saúde).

O fenômeno é mundial, mas no Brasil tornou proporção


de emergência nacional recentemente, com a péssima
decisão política de se realizar cortes extensos no
financiamento (/ensaio/2019/Vamos-permitir-a-
extinção-da-ciência-nacional) da ciência nacional. A
atual proposta orçamentária para o CNPq (Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)
em 2020 prevê corte de 87% das verbas para pagamento
de pesquisas em relação às já estranguladas verbas
disponíveis em 2019. De fato, a agência realizou cortes
extensos em seus investimentos, e não possui sequer
verba assegurada para pagamento de seus bolsistas
ativos até o final desse ano. Já a Capes (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) também
se viu obrigada a deixar de reimplementar a maioria das
suas bolsas disponibilizadas após término de projetos
em função do orçamento previsto, para garantir que
bolsistas já trabalhando não percam seu pagamento em
2020. A Capes financia a maior parte dos pós-
graduandos das universidades (cerca de 60% dos pós-
graduandos da USP, por exemplo), e são justamente
esses jovens que são os principais produtores da ciência
nacional.

É CLARO QUE NOTÍCIAS FALSAS E


NEGAÇÃO DA CIÊNCIA SEMPRE
EXISTIRAM. PORÉM, NA ERA DA
INTERNET, A SITUAÇÃO PIOROU
MUITO.

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05/05/2020 Usando a ciência para negar a ciência | Nexo Jornal

As consequências do desfinanciamento e da negação


científica são trágicas. A insistência de que a mudança
climática não está relacionada a atividades humanas e a
falta de ações concretas para controlá-la já geraram
alterações substanciais em nosso planeta, incluindo
derretimento de geleiras, aumento dos níveis dos
oceanos, tempestades, secas e inundações. Esses efeitos
têm consequências diretas na segurança humana e na
produção agropecuária. O poderoso movimento
antivacina conseguiu fazer reaparecer mundialmente
epidemias de sarampo, doença grave e altamente
contagiosa que quase havia sido erradicada pela vacina
contra esse vírus, criada há 50 anos. Pessoas estão
morrendo em 2019 porque se negam a tomar vacinas, o
principal motivo pelo qual a mortalidade de crianças
diminuiu de cerca de 50% antes da prática médica
moderna (historicamente, metade das crianças morriam
antes dos 15 anos) para menos de 5% hoje. Para uma
cientista como eu, é inconcebível.

É claro que notícias falsas e negação da ciência sempre


existiram. Porém, na era da internet, a situação piorou
muito. Fontes mais seguras, incluindo jornalistas (que
têm obrigação profissional de checar as suas fontes),
acadêmicos de renome (que estudam a área, e portanto
possuem informações mais amplas e atuais) e
sociedades profissionais (que representam uma posição
consenso de um grupo profissional) podem ter menos
peso que uma pessoa completamente desqualificada que
escreve um texto amplamente compartilhado nas redes
sociais.

A verdade é que nós, cientistas, precisamos nos erguer


nessa era internética e falar mais e mais alto, para
reverter as consequências do negacionismo científico. É
difícil, pois o dia a dia de cientista é muito corrido e não
nos sobra muito tempo, mas nós certamente já estamos
nos comunicando muito mais. Nunca antes tivemos
tantas pessoas divulgando ciência e explicando achados
científicos, seja profissionalmente ou por simples
paixão. Surgiu a profissão de divulgador científico, e
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tenho o prazer de conhecer vários profissionais da área.


Surgiram canais de textos, vídeos, infográficos, etc. de
qualidade e bastante populares (veja por exemplo a série
“Cientistas do Brasil que você precisa conhecer ontem e
hoje” (/expresso/2019/06/17/Cientistas-do-Brasil-que-
você-precisa-conhecer-ontem-e-hoje) ). E passamos a
valorizar a divulgação científica, com prêmios e
reconhecimento ao seu valor dentro das várias
atividades de um cientista.

Precisamos de mais ações assim, claramente, pois a


pseudociência ainda perdura com força. E precisamos
também da ajuda de toda população, que deve
questionar as fontes de informações e focar no
entendimento verdadeiro do mundo que nos cerca. Não
é preciso esforço para se encantar pela ciência
verdadeira, pois ela é de fato espetacular, sem nenhuma
manipulação pseudocientífica. Por exemplo, não é
fascinante (e ao mesmo tempo um pouco assustador)
saber que cabem cinco trilhões de átomos de hidrogênio
no espaço ocupado por uma ponta de uma agulha, ou
que há algo como 10 milhões de vírus e um milhão de
bactérias em cada gota do mar que beira as nossa praias?

É nesse aspecto, de ter a oportunidade de tentar gerar


encantamento pela ciência, que agradeço ao Nexo pelo
convite para escrever essa coluna duas vezes ao mês, a
partir de hoje. Espero falar um pouco sobre pesquisas
que eu e outros cientistas fazemos, explicando como
exploramos a maneira como nossos corpos funcionam, e
como modificamos e somos modificados pelo ambiente.
Espero com isso não só contribuir para a necessária
difusão da ciência, mas, principalmente, gerar
curiosidade e fascinação por ela. Ser intrigado pelo
mundo que nos cerca, e querer aprender mais sobre ele,
é uma característica natural do ser humano. Pratique-a!

https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2019/Usando-a-ciência-para-negar-a-ciência 4/5
05/05/2020 Usando a ciência para negar a ciência | Nexo Jornal

Alicia Kowaltowski é médica formada pela


Unicamp, com doutorado em ciências médicas.
Atua como cientista na área de Metabolismo
Energético. É professora titular do
Departamento de Bioquímica, Instituto de
Química da USP, membro da Academia
Brasileira de Ciências e da Academia de
Ciências do Estado de São Paulo. É autora de
mais de 150 artigos científicos especializados,
além do livro de divulgação Científica “O que é
Metabolismo: como nossos corpos
transformam o que comemos no que somos”.
Escreve quinzenalmente às quintas-feiras.

Os artigos publicados pelos colunistas


são de responsabilidade exclusiva de
seus autores e não representam as ideias
ou opiniões do Nexo.

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