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Eu estava no banheiro da escola Santi Ago Jane passando meu horário de almoço sozinha.

"A Jane",

como era chamada, fica em um prédio construído em 1955. Tinha seu próprio jardim e era uma das

melhores escolas de São Paulo. Se eu, por um acaso, falasse que não tinha amigas lá para andar

comigo estaria mentindo, porque minha "amiga" Agatha, estudava comigo e na mesma sala. Mas ela

tinha seu próprio grupinho, bem privado, e aposto que as coisas são bem melhores do jeito que estão

agora, pois, eu tinha a leve impressão que ela era outra pessoa perto de mim. Essa solidão toda que

eu sentia, pode até ser que seja coisa de adolescente que não tem o que fazer. Depende do ponto

de vista.

Eu poderia dizer que eu tinha colegas na sala e que me dava bem com eles. E era verdade. Mas

nunca havia me sentido bem para estar junto à eles ou para fazer parte do mesmo grupo. Então

decidi não me importar. Mas acontece que esse orgulho todo me deixou miseravelmente sem

ninguém pra ficar comigo naquela maldita escola.

A primeira semana foi uma porcaria, como nos últimos dois anos. Exatamente do mesmo jeito. Dava

o sinal pro intervalo, eu corria pro meu cantinho no penúltimo box do banheiro.

Eu estava no 1° ano do ensino médio. Estudava de manhã.

Eu me confortava dizendo que havia mais pessoas iguais a mim: fechadas e/ou estranhas e com

uma série de pessoas loucas e manipuladoras ao redor.

Eu fiquei extremamente tímida e não fazia muitas interações com os outros depois da separação dos

meus pais, diversos outros problemas pessoais e da Lídia que se foi do colégio. Ela era minha

melhor amiga desde o 6° ano e andavamos junto com a Geise. Mas depois que a Geise mudou de

sala no 8° ano e a Lídia fora embora no 9°, eu passei a ficar com o Alexsandro e alguns amigos dele

mas, também, durou pouco tempo. Era como se eu pedisse pra eles irem embora da minha vida.

Mas obviamente eu não queria isso.

Porém ninguém notava que eu me sentia sozinha e muito mal com minha própria imagem. Até então.
Era Terça-feira. Eu esperava poder ficar na minha sala até o intervalo acabar. Como conheço bem

minha sorte, ela devia estar longe. Eu sobrevivi ao primeiríssimo dia de aula ontem como um soldado

que não foge da guerra. Sobrevivi à primeira semana, também, do mesmo jeito. Eu jamais contaria

meu sofrimento à minha mãe. Ela estava ocupada demais e jamais entenderia a confusão a na

minha cabeça. Acho que também não me entenderia, tampouco. Apesar de amar ela não tínhamos

os mesmos pensamentos e de forma alguma queria enchê-la com problemas meus e paranoias que

eu criava.

Eu me esforcei para não chorar na sala, acabariam me acusando de vitimismo e coisas do tipo.

Ultimamente, me esforçar para não chorar é algo comum para mim, virou rotina e eu já não me

importo mais em falhar na missão. Eu belisquei meu pulso na esperança da pequena dor me sugar

as lágrimas que ameaçavam escorrer em meu rosto. Com sucesso, impedi meu eu interior de

cometer esse ato vergonhoso que ninguém tinha obrigação de ver.

O maldito sinal tocou. O desespero que se instalou em mim foi estranho e imediato. Por que diabos

alguém com 15 anos tem medo de encarar esse tipo de coisa tão besta?. Eu tinha duas opções:

Ficar na sala e caso alguém me visse fingir estar pegando dinheiro ou me trancar no banheiro e não

comer. Eu escolhi, miseravelmente, ir pro banheiro e ficar lá até o horário de entrar.

Não sei responder o porquê de eu me obrigar a fazer isso, caso alguém algum dia me pergunte. Eu

não sei a resposta. Fobia social e medo de interação? Pode ser. Baixa autoestima e falta de apoio?

Talvez. Autojulgamento? Pode ser. Eu não conseguia evitar e nem sabia o motivo real. Mesmo que

quisesse. Eu preferia ficar na minha bolha de sofrimento sozinha pra não precisar levar mais alguém

comigo.

Sai acompanhados os outros alunos que disparavam em direção ao refeitório, peguei duas maçãs e

entrei no banheiro.

Eu agradeci a Deus por ter enviado maçãs hoje. Tem dias que não como.
Eu me tranquei no mesmo box de sempre. Encarei as paredes durante o intervalo inteiro e não

chorei. Nem poderia. Ou todos iriam ver a evidente miséria estampada na minha cara e essa era a

última coisa que eu queria.

Eu me perguntava o que as pessoas achavam de mim. Todos os santos dias era a mesma coisa. O

ano mal começou e eu já estou exausta. Vai ser a mesma coisa até eu acabar esse maldito ano,

estou prevendo.

As aulas passaram rapidinho e eu nem vi por estar longe e querer sumir dali logo. Eu estava com

uma pequena dor nas costas por ter ficado o tempo todo olhando só pra frente com medo de ter de

olhar pro lado e alguém decidir me notar.Sinceramente, eu tinha que ir me tratar.

Alguns professores preferidos meu pegaram minha sala esse ano e isso era bom.

- Dafine espere!- Eu ouvi me chamarem e virei imediatamente. Eu fiquei meio tonta, ao virar

bruscamente para trás. Estávamos indo embora e o sinal tocou bem alto. Todos estavam indo pra

fora, uns rindo alegres com seus parceiros amorosos e outros com seus amigos fazendo baderna. E

tinha eu, que não era nenhum dos dois.

Débora, uma menina baixinha, com longos cabelos castanhos e enrolados, parou de caminhar em

minha direção assim que me virei. Ela tinha olhos igualmente castanhos e um rosto bonito. Sua blusa

de frio estava amarrada em sua cintura pequena deixando nosso uniforme, branco e vermelho nas

mangas, com um charme a mais. Seu estilo meio barbie me fez parecer ser meio desengonçada. Ela

dava de dez a zero em mim. Novidade!

- E aí Débora. Como vai? - Milagrosamente me lembro de ter sido sua amiguinha na terceira série.

Mas nos afastamos assim que minha sala foi outra no ano seguinte. Como sempre, a culpa é minha

por ser um peixe fora d'água.

- Você estava com quem hoje? Eu não te vi em nenhum lugar no intervalo! - perguntou curiosa.
-Eu me atrasei com a lição e comi só no fim do recreio - Tentei disfarçar essa mentira com um risinho

descontraído. Eu disse vergonhosamente recreio, muito burra...

-Ah! Sabe....Amanhã eu vou ir pra sua sala...Eu pedi transferência pro 1°1 né? E-e-eu posso ficar

com você? É que eu acho que não vai rolar eu ficar com minhas ex-melhores amigas. Nós brigamos.-

Disse ela com a voz falhada, e eu quase me senti uma oportunista por aproveitar a briga delas pra

me aproximar de Deb. No momento, eu estava preocupada e a ponto de perguntar se ela usava

algum tipo de droga.

Isso nunca aconteceria comigo. Já estou à espera de que algo ruim aconteça no final do dia...

Eu queria gritar e senti uma vontade muito grande de me beliscar. Eu era sozinha por escolha, não

sei. O que acontece comigo?

Eu agradeci à Deus milhões de vezes por segundo antes de encontrar minha voz. Eu queria falar

que: SIM! SIM! VOCÊ PODE , GAROTA, VOCÊ PODE!

Fiquei triste apenas por ter a certeza que jamais seria amiga dela de novo se ela não tivesse vindo

até mim e falado comigo. Esse é um ponto que eu teria que pensar em melhorar depois, mas no

momento estava feliz demais por ter alguém que me queria por perto.

-Mas é claro! Aproveita e me espera. Eu chego cedo e a gente entra junta que tal? - Eu disse

tentando falar normal.

Ela me deu um sorriso e um mini abraço.

-Maravilhoso! Me passa seu telefone então. Ou eu posso ir na sua casa qualquer dia desse, ai você

me conta como são os nossos colegas e pra gente se conhecer melhor. - Débora pegou seu celular.

Salvamos o número uma da outra. Eu me senti uma boba por estar sorrindo tanto.

-Tá ótimo. Até amanhã.- Disse a ela empolgada até demais. Vi ela ir embora da janela do meu

ônibus. Eu estava estranhamente animada.


Em casa, liguei o rádio e fui dançar. Depois de ter almoçado eu tentei estudar um pouco mas minha

mente viajava. Desde minha mais nova amiga a quem eu nem pensava mais faz um tempo, desde

que me conheço por gente: Gabriel Santone. Eu passei tanta vergonha ano passado tentando falar

pra esse garoto que eu amava ele, que até agora não me perdoei. Eu mandava texto nas redes

sociais, tentava ficar perto e manter contato visual, - depois de ter visto numa revista que isso fazia

os meninos te notarem, o que é uma grande mentira dependendo da pessoa - com aquele menino

todo dia praticamente. Eu nunca precisei ler mentes pra descobrir o que as pessoas meio que

pensavam sobre mim, e eu tenho certeza que ele me achava uma doida mal educada.

Enfim, não importa mais.

Eu deveria me conter em relação à Débora. Isso foi fácil. Até demais. Mas eu sei que tenho que fazer

de tudo para ela não se chatear comigo e que também, sou paranoica e insegura em relação a mim

mesma e que preciso melhorar, pois nem ela, ou eu, merece estar perto de alguém assim. Eu

prometo que vou me permitir ser melhor algum dia.

Por enquanto estou bem.


Era quinta-feira.

Minha rotina de manhã foi a mesma. Não tomei café e fui fazer exercícios. Minha mãe brigou comigo

por ter usado a blusa molhada do varal. Mas não achei a outra mais novinha, e não tive escolha.

Para ajudar a secar mais rápido passei o ferro no uniforme. Acordei meus dois irmãos, Alice e

Patrick, para fazerem a lição deles e peguei meu ônibus.

Débora me esperou na entrada da Jane. Passamos a madrugada inteira conversando por

mensagem. Ela sabia demais sobre agora. Eu me senti estranha por contar sobre mim pra ela. Fazia

tempo desde minha a última vez que me abri em uma conversa saudável com algum ser vivo. Minhas

olheiras estavam enormes, mas não me importei. Eu tinha um amiga!

Escolhemos um banco perto de algumas árvores no pátio. Abner e uns amigos sentaram em um

banco e jogaram carta. Lídia e Viviane passaram pelos outros alunos como se fossem intocáveis, por

terem dinheiro, tratavam os outros feito verme. Eu posso até ter baixa autoestima, mas se tivesse

uma tão alta quanto a delas, jamais trataria os outros assim. Que por um lqdp parecem gostar, pois

elas têm uma legião de "fãns" na cidade inteira.

Minha zona de conforto é onde eu tento com todo cuidado evitar sair, isso é totalmente covarde da

minha parte eu tenho consciência disso, minha personalidade está escondida em um lugar onde só

eu posso achar. Essa máscara social minha deixa a desejar minha personalidade e opinião de um

jeito muito triste, mas que não posso evitar.

Débora, por outro lado, é do tipo de pessoa carismática, bonita e segura de si mesma, que faz

amizade super rápido e poderia falar com qualquer um sobre tudo. Eu não era nada disso mas a

gente estava se dando muito bem. Pode ser precipitado mas eu quero muito que nossa amizade não

acabe como as outras.

Ficamos conversando e vendo os outros alunos passarem. Como Corais não era muito grande, e sim

uma cidade do interior com mais ou menos 11 mil pessoas, quase todo mundo se conhecia. Isso era

um problema caso você queira sair aprontando por aí ou tenha um segredo cabeludo. Eu só
conhecia os alunos da minha escola. Mas de vista. A maioria está aqui desde o sexto ano e eu tenho

o prazer, e às vezes não tão prazeroso assim, de ver eles todos os dias. E ainda assim acho essa

cidade repleta de bocós.

Tenho quase certeza de ter colecionado um pequeno número de admiradores secretos nos anos que

estudei aqui, mais bem secretos mesmo, pois nenhum nunca chegou em mim de jeito algum, e

também colecionei algumas pessoas que não gostavam de mim pelo simples fato de me acharem ser

de um jeito que eles acreditam. Não me importo, nunca precisei deles..

Talvez meu jeito mais tímido e privado passasse uma imagem de gente metida pras pessoas o que é

uma pena pois eu não sou assim, mas não posso mudar opiniões pré-julgadas e acho que não

quero. E não vale a pena.

- Amanhã a gente devia ir lá embaixo, comer um lanche, já que você mora aqui a 90 anos e não

conhece nem o centro- Deb disse quando entramos na sala, eu tive que contar à ela que não poderia

ir em sua casa pois minha mãe não deixava.

- Vamos ver- Eu disse rindo, mas ela não sorriu de volta, fechou a cara e sentou na carteira. Ela

sabia que não iria.

- Você tem que falar com a sua mãe sobre esse negócio de te prender sempre que ela quer. Você já

tem 15 anos. - Afirmou Deise num começo de irritação e acho que surpresa por ter alguém que ainda

faz isso com os filhos.

Ruborizei imediatamente. Era culpa minha também, pois parte de mim agradeceu por minha mãe ser

chata. Eu não quero ir a lugar algum. Isso me faz ficar mais pior ainda. Me comparar com os outros é

inevitável.
Deb achou um absurdo quando lhe contei que minha mãe ficava me privando de fazer coisas que eu

queria. Eu achei um exagero pois já estou acostumada.

- Eu sei. Mas o que você quer que eu faça? Eu já tentei mas ela não me escuta.- Eu não queria falar

mais sobre isso. É mais um buraco mais fundo do que parece ser.

Débora deu de ombros, como se estivesse desistido de tentar me convencer a ter atitude e alguma

vergonha na cara. Ela queria que eu fosse conversar com a minha mãe e resolvesse logo tudo isso.

Como se fosse fácil. Tomara que ela tenha desistido mesmo, pois isso eu não o faria.

O professor Márcio, de biologia, entrou na sala e começou a aula.

Ele era um dos mais queridos, porém, os outros professores são muito bons também. A maioria dos

outros professores eu já conhecia. Por sorte!

As aulas passaram voando e eu estava pensando no intervalo.

Não pela comida. Minha ansiedade era pra sentar no lado de fora do refeitório pela primeira vez em

muito tempo. Como uma pessoa normal, conversando com os amigo. Eu fiquei um ano inteiro

comendo no banheiro, sem um grupo. Esperava apenas que minha mais nova amiga tivesse

paciência comigo.

Não sei porque alguém iria se auto sabotar tanto assim. Não consigo explicar agora, talvez demore

anos ou nem vá acontecer.

Todos foram correndo comer, assim que o sinal tocou. Como sempre as filas eram enormes.

Raramente eu comia as refeições servidas lá. Em parte eu sabia que era porque eu tinha vergonha

de comer em público porque eu sei o que as pessoas acham de quem pesa o mesmo que um

rinoceronte jovem e continua se entupindo de comida.


Deb e eu pegamos uma banana da cesta e fomos pra fora. O Sol estava meio quentinho e eu

adorava quando isso acontecia. Muito calor nunca foi a minha praia.

- E ae. Qual o menino mais bonito daqui? - Deb perguntou dando risadinhas e lá se vai uma longa

história.

Eu costumava pensar que o Gabriel Santone era o dono do meu coração. Ele era um pouco magro,

meio alto, tinha uma cara de bebê, usava aparelho e tinha uma pinta abaixo do queixo. Eu passei

tanta vergonha com esse menino.

Uma vez no aniversário dele eu tive a brilhante ideia de mandar um textinho por mensagem.

"Gabriel parabéns pelo seu aniversário. Embora eu esteja muito nervosa com a sua reação, só queria

te dizer que eu gosto muito de você. Pode contar comigo para tudo que precisar. Muitas felicidades e

um beijo"

E recebi um "muito obrigado" em resposta. Só isso. Uma vergonha atrás da outra. Eu prefiro morrer

do que mandar algo assim de novo para algum homem neste planeta.

Uma semana depois eu estava perto da quadra de esportes lendo um livro super empolgante, de uns

meninos que viviam numa casa casa mal assombrada que a vó deles havia falecido, quando o vi com

uma bola de futebol na mão. Estava Gabriel, um dos seus melhores amigos André Fornazza uns

garotos que estavam de janela e todos invadiram a quadra.

Estava faltando alguns meninos para completar o time quando ele olha exatamente pra minha

direção e chega um pouco mais perto.

-Ei. Quer jogar com a gente? - Ele disse. Imediatamente o André, que por um acaso também era

muito lindo, se virou e olhou pra mim também.


- Ah. Eu não sei - Disse com minhas bochechas parecendo um tomate e eu estava confusa demais

pra falar qualquer outra coisa.

Não sei como ele ouviu pois minha voz saiu baixa demais. Isso acontecia só em momentos raros.

-Deixa disso, sabe sim- Disse ele rindo e seus amigos tentaram me incentivar também até que o

coordenador apareceu e tirou todos de lá. André, um garoto alto,moreno e bonitinho, saiu por último

com a bola na mão e com uma expressão amarrada por ter de deixar a quadra que eu jurei que faria

qualquer um ficar com medo.

Essa foi a única vez que tive um diálogo com esse garoto, além da vergonhosas tentativas de

conversa por mensagem, que eu jurava estar apaixonada.

Contei a Deb alguns dos "momentos" que tive com ele. Na minha cabeça obviamente isso era um

momento. Eu preciso parar de ser tão otária.

Como quando estamos indo embora, quando ele passou na minha frente raspando, de propósito, no

meu ombro e depois deu um sorrisinho tão lindo que eu quase desmaiei.

Ou quando a idiota da Isadora disse que estava saindo com ele, sendo mentira, só para eu desistir

de gostar dele. Umas meninas me contaram depois que era tudo invenção dela e eu nunca mais falei

com ela.

E outros momentos vergonhosos que prefiro me esquecer.

Eu nunca vou saber por que eu gostei tanto assim dele já que nem amigos éramos. Foi tão

superficial e esquisito. Hoje em diante quero distância de qualquer espécie de homem que existe.
Esse é um grande problema que temos que enfrentar na adolescência ou qualquer outro momento

específico: somos criados para procurar amor nos outros para preenchermos um vazio deixado por,

em parte, nossos pais, e em parte, pela falta de amor próprio que arrasta uma multidão de pessoas

para relacionamentos rasos e destrutivos.

-Acho que todas as pessoas passam por um amor mal correspondido, mas você é um pouco boba

demais pra não arriscar ir falar com ele ...- Deb disse e fomos em direção à penúltima aula depois

que o sinal tocou.

A professora Marta de artes, entrou. Ela tinha o cabelo com luzes, meio curto, andava com uma

blusa estranha escrito o nome dela e alternava com saia ou calças longas, todos os dias. Parecia

uma hippie com uns três quilos acima do peso ideal.

Ela sempre andava com uma cara de tédio pelos corredores.

- Bom dia, gente.... Sentem- se que hoje vocês farão um trabalho muito importante pra mim. - Vários

murmúrios começaram. Lá vem coisa chata. Ninguém suporta essa chata. - Semana que vem vocês

vão escolher um gênero musical, trazer o máximo de informações sobre ele possível e apresentar em

grupo. Mas hoje, vocês viram aqui falar o gênero musical preferido de vocês e cantar um trecho de

uma música para todos... - Assim que Marta terminou de falar começou uma agitação.

Eu definitivamente não vou apresentar nada. Muito menos cantar. Meu Deus que mulher maluca..

Pra quê?.

Minha timidez alertou perigo. Eu precisava agir rápido e sair dali. Pensei em pedir pra ela me deixar ir

no banheiro. E ficar por lá!

- Dafine, aonde você vai? - Deb puxou meu braço quando eu fingi estar pegando absorvente na bolsa

e levantei.
Consegui de imediato despistar ela ao falar que estava naqueles dias. Eu precisava ser rápida.Nem

mocinha eu era... Mas tudo bem. Nem sempre vou poder usar essa desculpa fajuta...

- Marta posso ir ao banheiro? Estou...- Comecei encenando uma cólica. A sala estava uma baderna

com essa formação de grupo besta..

- Dona Dafine, não posso te liberar para ir ao banheiro. Acabamos de sair do recreio, você devia ter

ido antes...- Ela nem olhou para mim.

- Mas é urgente...- Protestei.

- Igual ontem quando saiu da sala para ver seu namoradinho? - Ela olhou pra mim. - Todos os

professores já estão em alerta sobre isso, dona pombinha branca. Ninguém te deixará sair para

matar aula tão cedo. - Ela deu um risada com deboche.

- Que namoradinho? Eu nem saio da sala. E mesmo que fosse para ver um garoto, não seria da sua

conta. Obrigada! - Eu falei ofendida. Quem ela pensa que é?

Todo mundo olhou para nós. Acho que elevei demais o tom de voz. O silêncio após isso foi

ensurdecedor.

Marta deve estar me confundindo com alguém. Eu nem tenho namorado. Só ando com a Débora e

nunca matei aula na vida. Não seria com namoradinhos que eu iria fazê-lo. Eu me segurei para não

gritar com ela. Não é a primeira vez que ela tenta me tirar do sério. Desde o ano passado eu sinto

que ela não gosta nem um pingo de mim. Alguém precisa avisar à ela que eu não ligo nem um

pouco.
- Eu até deixaria você sair. Se você tivesse um pingo de educação e falasse com seus professores

direito. Agora volte para a sua carteira e se prepare pra ser a primeira a cantar a música para nós. -

Ela cuspiu e voltou sua atenção ao papel.

Eu virei derrotada e sem acreditar nessa barbaridade que ela fez comigo.

Mas que merda...

Havia se passado algumas semanas desde que eu não me sentia mais um zero à esquerda, e sim,

uma quase nova pessoa.

Eu estava um pouco mais contente com a minha vida. Algumas coisas deixaram de me doer tanto

nos últimos dias, eu podia desabafar com as minhas amigas, isso era muito bom para mim. Era

sábado.
Consegui esquecer todo o incidente da aula de artes. Aquela mulher me odeia. Eu devo ter passado

muita vergonha cantando aquela música idiota. Aproveitando minha raiva por ela, cantei a

composição da Rita Lee, Erva Venenosa.

Ela deve ter entendido o recado, depois que todo mundo começou a rir - não sei se foi da minha cara

mais vermelha que tomate ou da cara dela de cobra asquerosa, - me pediu para parar porque " já

estava bom".

Acordei antes de todo mundo, tirei meus pijamas e coloquei as primeiras peças de roupa que vi pela

frente, uma blusa vermelha de manga longa e um short florido, e fui fazer o café.

Eu sempre cuidei da casa, não que eu concordasse ou gostasse de afazeres domésticos, mas eu

não tinha nada pra fazer e me sentia sufocada demais pra ficar parada em um lugar só.

Minha casa era de tamanho médio. Não estava acabada ainda, pois meu pai a levantou praticamente

sozinho. Apenas alguns quartos tinham a parede pintada de branco e somente o banheiro tinha forro.

Ainda sim, era aconchegante e minha parte favorita, de dia, era o quintal nos fundos com um matinho

que minha gata, Milly, amava brincar, pois, o Sol batia logo de manhã e convidava diversas

borboletas a viajarem entre as flores pequenas.

Meu bairro era um dos mais mal falado de Corais. As pessoas com um parafuso a menos vinham pra

cá. Mesmo assim, era uma cidade com pessoas hospitaleiras e a maioria se aturava. E tinha o caso

da minha mãe, a dona Raquel Eying, que era alvo de inveja, segundo ela mesma, e muitas pessoas

não gostavam.

Fui tomar um banho rápido e liguei uma música baixinha nos meus fones pra me trocar. Como

sempre olhei, de relance, no espelho meu cabelo. Eu sempre tentava fugir deles o máximo que

conseguisse.
O namorado quase-marido da minha mãe, Jorge Ogura, um cara

moreno, que parecia aqueles velhos com barriga de cachaça, levantou a bunda da cama e foi fazer

uma tentativa de corrida. Ele vinha pra minha casa quase todo final de semana. O humor dos meus

irmãos sempre mudavam nesses dias, pois nenhum dos dois gostava dele.

Eu não tinha nada contra dele, minha mãe o idolatrava e meus irmãos não suportavam nem um

pingo desse suposto futuro marido dela. Eles devem ter alguma razão, pois criança não mente.

Minha mãe mudou totalmente e um pouco mais depois de ter conhecido ele. Largou a faculdade pra

ter tempo de cuidar de duas casas. Ficou muito mais ranzinza que o normal, protegendo ele, como

se fosse uma cria no ninho, o que a fez ficar afastada dos próprios filhos, inclusive das amigas. Nada

supera o distanciamento ocorrendo entre nós duas.

Jorge voltou da sua tentativa de corrida, meia hora depois, e trouxe pão.

-Dafine faz o almoço e cuida dos meninos eu volto amanhã. Vou ir pra casa do Jorge dar uma

arrumada lá e ajudar ele.- Disse minha mãe, quase gritando, depois de ter me chamado umas duas

vezes sem ter resposta. Já era meio dia e eu tinha cochilado.

- Tá bom! - Eu disse tentando disfarçar a minha irritação.

Realmente, às vezes ela era insuportável. Além de tudo, não se importava nem um pouco em

machucar os outros!

Quando meu pai morava na minha casa ela vivia falando que queria ter deixado os filhos na

maternidade enquanto teve tempo, ou num lar de adoção, e um monte besteiras absurdas. Além de

tudo, era machista e homofóbica assumida. A coisa mais insuportável e decepcionante do mundo é

uma mulher ser assim, e quando ela é a sua mãe, piora mil vezes mais.
Enfim, eu já não concordava com muita coisa que ela fazia e falava, ela ficar indo todo final de

semana, às vezes dia sim e dia não, pra casa do namorado, só aumentou a minha lista. Eu tentava

fazer de tudo pros meus irmãos não sentirem a falta dela. E funcionava.

Por um lado era bom. Nós sentíamos um pouco de paz em casa quando ela não estava. Ninguém

gritando e te xingando toda hora, te batendo como se ainda estivesse no século passado, querendo

ser autoridade o tempo todo.

Sempre achei meio improvável alguma mãe que realmente amasse o filho fazer algo assim. Já não

tenho mais tanta certeza disso. Não sabemos até que ponto alguém pode ir...

Fiz o almoço como ela pediu e depois fui tratar de fazer lição e meus trabalhos. Sempre que eu

acabava de fazer os deveres chatíssimos de casa, tentava fazer algo pra me distrair.

A Milly sempre era responsável por essa tarefa. Ela era uma gata preta e branca. Tinha os pelos lisos

e muito macios, para quem nem ia ao veterinário direito. O rabinho dela era tortinho na ponta e ela

tinha uma manchinha preta no nariz.

Coloquei ração pra ela, o pote já estava quase acabando. Minha mãe pegava a ração na casa da

amiga dela onde ela era empregada, mas como ela saiu de lá eu tive que improvisar comida pra

minha gata. Não sei nem como ela permitiu entrada de pet na minha casa, já que ela sempre odiou

animais. Exatamente por isso, ela não comprava ração alguma pra Milly.

Eu só queria um emprego pra poder comprar eu mesma as coisinhas que minha neném precisava.

No final do ano passado teve uma prova e inscrição pra ser jovem aprendiz e eu decidi que iria fazer.

Fiz uma semana de treinamento, ficava longe pra caramba, tive que ir à pé debaixo de um Sol que

castigava sem dó. O resultado final foi desastroso. Eu me senti uma incompetente. Deve ser melhor

deixar as coisas andarem sozinhas, já que eu não controlo as rédeas da minha própria vida mais.
-Miiilyyy- Fiz uma vozinha que na hora que quando ela ouvia vinha em disparada.

Pode parecer loucura, mas eu sentia que tínhamos uma conexão paranormal. Como se ela me

respondesse inconscientemente.

-Meow - Ela chiou enquanto eu colocava um pouco do leite que era pra eu ter tomado no café. Dividir

minha comida com ela era ótimo. Já não como mais carne, porque sempre dou pra ela. Isso meio

que ajuda a controlar meu peso.

O meu maior medo era ela ficar grávida. Por isso minha prioridade assim que eu começasse a

trabalhar seria castra-la.

Já que minha mãe vivia caçando motivos pra mandar ela embora. Se isso acontecesse, eu morreria

de tédio.

Entrei pra dentro de casa, com a gata nos braços e chamei meus irmãos para assistirmos TV. A Milly

era proibida de entrar em casa, mas quando dona Raquel não estava, quem ditava as regras era eu.

Esse era o tempo que eu mais gostava já que podia dormir comigo.

O problema era quando a Milly se empolgava demais, dormindo lá dentro enquanto Raquel ficava em

casa. Minha mãe batia nela e fazia ela ficar numa gaiola por um dia inteiro, toda vez.

Essa gaiola era minha tortura. Eu nunca protestei contra essas atitudes grotescas, porque eu

certamente apanharia junto.

Embora eu sabia que era uma covarde por não expor minha própria opinião sobre o assunto, não

havia nada que eu pudesse fazer. Eu até poderia, se quisesse dormir na rua. Eu não tinha pra onde

ir.
Quero dizer, aos olhos dos outros eu era apenas uma menininha bobona, tímida e quieta demais. Eu

sentia que não conseguia me encaixar em nenhum lugar aqui.

Minha maior vontade era mandar todo mundo ir se fuder e parar de serem tão escrotos desse jeito.

Nossa novela tinha acabado e enrolamos um pouco até a hora de ir dormir. Coloquei meus fones de

ouvido e fui sonhar acordada em uma vida totalmente diferente. Uma em que ninguém me julgava

por ser do meu jeito, ninguém tentava me mudar, as coisas eram perfeitamente em ordem, o mundo

era feliz e tinha paz reinando.

Seria muito bom se eu pudesse de alguma forma fugir pra esse lugar. Caso exista mesmo e não seja

apenas fantasia da minha maldita cabeça, tenho certeza que está em outra galáxia. Talvez era

melhor pensar nas coisas boas e na possibilidade de eu ir a esse paraíso desconhecido um dia. Eu

me conformei com isso e chorei até dormir.

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No outro dia acordei com dor nas costas por ter dormido de mal jeito. Eu havia babado o travesseiro

inteiro e meu cabelo estava um bagaço.

Fui ver o Sol do lado de fora para depois tomar banho e arrumar a casa. Eu tinha tarefas pendentes e

minha internet anda estava funcionando, aproveitei o tempo livre pra terminar meus estudos sobre

plantas ornamentais.

Mandei mensagem pra Débora. Ela me respondeu algum tempo depois. Acho que foi pescar com a

mãe ou alguma coisa assim.

Ela disse que estava pensando em achar mais alguém para andar com a gente ontem.Talvez

devêssemos mesmo. Faltava procurar pela pessoa certa. Levando em conta o pessoal que eu
conhecia, seria muito difícil, pois, metade da minha escola me odiava, não que eu saiba mencionar

alguem no momento, e da outra parte eu queria distância. Principalmente se o ser for menino. Essa

espécie de animal só presta para encher o saco e ocupar nosso tempo, que já não é muito.

Minha cidade deveria investir em mais entretenimento para a população. Havia uma praça pública

linda, com fonte, árvores e parques, o comércio movimentado no centro com restaurantes, aquários e

uma biblioteca. Mas parecia precisar de um toque à mais. Quero dizer, trazer arte e gente decente

pra cá seria muito bom. Colocar áreas verdes, essas coisas que ninguém da administração de uma

cidade pequena entende.

Enquanto estávamos vendo uma lista de possíveis pessoas para nosso time por telefone, eu sem

nem perceber, havia comido mais biscoito que um condenado, dois copos de café com leite e a

metade de um pudim de padaria. Meu bucho parecia ter se projetado para frente e dobrado de

tamanho. Me senti pesada e feia. Eu sempre faço isso com as coisas que eu sou responsável de

alguma forma: ponho meus projetos da semana embalados num saquinho e taco pro alto sem me

preocupar onde vai cair. Nesse caso caiu na minha própria cara de pau. Só de olhar essa barriga de

camburão me dá vontade de chorar.

Estava considerando a possibilidade de estar enlouquecendo e precisando de um psicólogo faz

tempo. Agora tenho certeza que preciso.

Eu só posso é ter algum tipo de problema, sinceramente não aguento mais.

Talvez eu tome vergonha e pare de falar que é "só por hoje, amanhã eu começo", sendo que eu sei

que não vou começar nada nunca. Acionei a mia das profundezas do inferno e me senti menos

miserável que antes, pra minha sorte.


A semana de carnaval chegou. Aproveitei que todos foram para a farra pra pegar internet da vizinha,

que estava melhor que a minha, e baixar umas músicas que faltavam da Lana Del Rey no meu

celular. As letras dela vem me ajudado muito com meu vocabulário, embora eu tenha vontade de me

matar.

Eu até tentei ir na biblioteca, minha internet estava uma droga, daria pra baixar os meus outros

álbuns, mas minha mãe não me deixa ir sozinha e nem me leva. Deixei de perguntar o porque faz

muito tempo.

Eu estava sentada na calçada da minha casa e a Milly decidiu pegar Sol.

Em geral,eu não faço muita coisa diariamente. Minha rotina é casa-escola-escola-casa todo dia.

Não sinto que minha mãe se preocupa se os filhos estão bem com esse monte de regras que ela

inventa, não que eu me importe mais com isso, e ainda assim não deixa a gente sair pra onde a

gente quer.

Acho um milagre eu não estar internada numa clínica psiquiátrica ainda.


Esse é um problema que muitos pais têm. Prendem as meninas em casa e quando elas, finalmente,

podem sair fazem tudo que "não podia" de uma vez. Diferente dos meninos que basta conhecer um

Etê, entrar no Ovni e ir pra Marte que ninguém fala nada. Incrível!

Eu nunca irei entender por que as pessoas fazem isso. E nem quero.

Sinceramente, acho que esses pais não estão preparados para educar ninguém. Isso fere os

sentimentos das meninas e fazem elas crescer acreditando que são inferiores aos homens.

Enfim, cabe à criança, no meu caso eu, decidir o que fazer com isso. Eu decidi mandar todo mundo ir

pro inferno e tentar educar um demônio de lá desse jeito e impor essas regras chulas que não

servem para porcaria alguma, só pra ver se ia estar tudo bem ainda.

Eu ri com esse pensamento. Eu estou maluca já. E mal começou a semana. Tenho tendência a

sofrer com isso se pensar demais.

Um vento mais forte passou e levou uma bolinha que a Milly estava brincando mais cedo e levou pra

longe dela. Ela nem se moveu hipnotizada por um pássaro. Levantei e fui no meio da rua pegar pra

ela. Dobrei meu corpo pra frente e depois de pegar a bola percebi a cagada que acabara de

acontecer: eu estava com um vestido floridinho um pouco abaixo do joelho. Olhei pra trás e vi que

alguns vizinhos na casa ao lado estavam dando um churrasco e enchendo a cara de cervej, às 9 da

manhã. Me perguntei como não tinha percebido isso antes. Só tinha homem e todos olharam, e

ficaram me encarando. Nesse momento eu senti um nojo tremendo de qualquer espécie do gênero

masculino. Eles ficaram me fitando por alguns milésimos de segundo e pude ouvir alguém rindo. Eu

quis tacar aquela garrafa na cabeça do panaca mesmo não sabendo quem era.

Eu me senti enjoada e confusa! E não sou a única e nem a última garota a passar por um

constrangimento desses. Mas que droga!. Me contive para não cometer nenhum ato considerado

crime e fui pra dentro com a Milly no colo em meio aos seus protestos e arranhões.
Fiquei tentando achar maneiras de exterminar qualquer homem da face do planeta e se existia

possibilidade de alguma delas dar certo.

- O que foi Déf?- Jorge me perguntou ao entrar em casa. Estava com umas sacolas na mão e com a

roupa suja de molho. Até havia me esquecido que minha mãe trouxe a mais nova criança dela pra

casa hoje.

-Nada - Eu disse grosseiramente e fui pro meu quarto ouvir as músicas que baixei. De homens quero

distância a partir de agora.

Lembrei de Karen Sales,por algum motivo. Ela era uma menina da minha sala que mencionou ter

sofrido algo assim em sua casab uma vez. Ela tinha cabelos pintados de um castanho-alaranjado,

era meia morena e usava lente pra não precisar carregar óculos. Na única vez que falou comigo, ela

havia me perguntado algo sobre como era a ditadura e a era vargas. Era uma questão da prova de

história no 9° ano. Eu havia tentado explicar o que sabia sobre o movimento. Decidi que talvez

devesse falar com ela depois e quem sabe até recrutá-la ao meu mais novo time. Pelo que pude ver

ela é inteligente e legal.

Fiquei curiosa em relação à sentimentos e psicologia e esse passou a ser um assunto que eu não

queria mais deixar de saber, talvez vá virar minha futura profissão. Esse não era uma coisa pra se

falar com minha família, já que ninguém se importava.

Então,eu teria que pesquisar e entender sozinha.

Vou deixar de ir na rua por um bom tempo até esse pessoal esquecer como eu me chamo.Se é que

alguém me conhece nesta cidade idiota, eu nem saio mesmo, de qualquer maneira.
-Mais que merda! -Disse à minha gata- É tudo culpa sua!- Ela me olhou como se dissesse "o que eu

fiz sua louca cracuda?" virou com o nariz, empinando seu pequeno traseiro e foi beber água.

Escrevi o fato ocorrido no meu diário, que eu escrevia em outras línguas, caso alguém achasse não

saberia ler pois era um quase que idiomas próprio com erros gramaticais gritantes. Eu entendendo é

o que mais me importava.

-Olha aí quem tá no banheiro pra não deixar bagunçado.- Minha mãe disse gritando do quarto dela.

-É o Pouldi. Se estiver tudo sujo é culpa dele - Minha irmã falou com a boca toda cheia de comida

entrando no meu quarto.

-Cala boca! -Patrick resmungou.

-"Cala boca!"-Alice disse imitando a voz dele e cuspindo comida no tapete- Garoto besta.

-Olha o tapete cheio de comida. Sua porca! Sai daqui- Eu disse à ela que me mostrou a língua e

continuou engolindo o café.

Olhei os pássaros da janela do meu quarto. Eu tinha inveja deles.

Eles podiam ir aonde bem entendesse. Cantavam alegremente ao amanhecer o dia e não tinham que

se preocupar com nada : nem com sua mãe controladora, nem com fato de se sentir infeliz o tempo

todo e não saber como lidar com isso. Eles nem tinham consciência. Fica aí no ar se isso é bom ou

ruim..

Voltamos às aulas na terça e Deb estava me esperando na porta da escola como de costume.
-O que acha de falarmos com a Karen hoje? Ela parece ser legal- falei ao sentarmos em nosso

banco de concreto de sempre, embaixo de uma manduirana em pleno verão.

-Acho vantajoso.Precisamos de mais uma integrante no nosso grupo arrasador. E ela é nerd. -Ela

disse num ar brincalhão.

- Arrasada estou eu. Hoje vamos ter prova de começo de semestre.- Lembrei que nem tinha

estudado.

-Mas pelo menos semana que vem temos um evento aqui. Aquele de talentos.- Deb disse animada.

Esse evento era novo pra nós. Vai tomar todas as aulas do dia e o pessoal adorou.

- Você vai cantar Deb?- Disse eu rindo. Ela era um desastre. Cantou numa chamada de vídeo que

fizemos alguns dias atrás.

- É claro que não. Já pensou a vergonha? Meu futuro namorado iria fugir de mim.- Disse ela. E eu

acho impossível algum garoto normal dispensar ela.

- É essa a ideia.-Eu disse. Passamos pelo corredor para entrar na sala. Muitos alunos ficavam

enfileirados do lado de fora até o sinal tocar ou professor entrar pra aula. Quando se é tímida isso é

ruim demais.

Minhas bochechas ruborizaram e eu tratei de abaixar a cabeça pra ninguém perceber nada. Eu tenho

algum problema muito sério..

-Você vai querer recrutar a Karen agora ou quer que a gente deixe isso depois?- Eu perguntei á Deb

assim que sentamos em nossos lugares.


As salas eram medianas, as quatro janelas tinham uma cortina, meio surradas, cada uma. O verde

claro das paredes estavam se desbotando aos poucos e muitos alunos ajudavam na tarefa

desenhando em qualquer breja livre.

-Eu vou lá - Deb disse sabendo que eu não iria de jeito algum.

Ainda bem que ela não me pediu pra fazer isso. A garota fugiria se lhe dissesse um oi.

-Karen, me empresta um lápis....-Eu a ouvi falando e conseguiu puxar assunto a partir disso.

Eu vi de relance que Deb se sentou na frente dela e falou alguma coisa que as duas olharam na

minha direção. Eu fingi estar ocupada e agachei pra pegar a borracha que caiu.

-Nossa a Dafine tem banha!- Disse Altair Souza. Todo mundo olhou!.

E eu abaixei um pouco o uniforme, branco e azul com vermelho, que havia subido sem querer,

imediatamente.

Eu fiquei horrorizada e olhei pra frente tentando manter um ponto fixo e não desmaiar, quando a

professora de matemática, Jandira, chegou.

Altair é moreno e tem um físico de atleta. É meu amigo desde o ano passado. Eu tenho um

sentimento estranho por ele, de amor e ódio. Às vezes ele me tira do sério, pois é criança e

desnecessário. Mas,ao mesmo tempo, ele me faz companhia e me entende em certas coisas,

quando não está com os amigos dele, o que deixa claro que ele tem vergonha de mim.

Eu olhei pra trás onde ele sentava. Acho que ele pôde perceber o fogo que saia dos meus olhos pois,

no momento em que olhou pra mim, abaixou a cabeça e eu pude o ver ruborescendo do pescoço à

bochecha. Filho de uma mãe, desgraçado.

Ele só queria atenção, e conseguiu fazendo babaquice com a única pessoa que ainda ajudava ele.
-Maria desça da carteira antes que eu faça uma anotação sua..- Jandira gritou. E logo a sala foi

tomada por uma onda de conversas ao mesmo tempo.

Deb sentou no lugar dela e fez positivo com uma das mãos. Olhei pra Karina, que me deu um longo

sorriso. Sorri de volta e acenei.

Ah. Ao menos isso deu certo hoje..

Eu acordei.

No primeiro instante parecia que eu estava flutuando nas nuvens. A lua nova estava forte e parecia

diferente. Estava um silêncio muito sinistro. Meio estranho e ventando. Eu não me lembrava de ter

molhado meu cabelo, estava úmido demais e eu comecei a sentir frio.

Decidi levantar e sair da onde eu estava, mas meu corpo estava duro parecendo petrificado. O

máximo que eu consegui foi parar de olhar pro céu, que estava totalmente descoberto, e olhar pra

frente batendo meus braços na água. Água. Tentei assimilar tudo o que estava acontecendo.

É por isso que o usual forro com ursinhos brilhantes colados, do meu quarto, não foi a primeira coisa

que eu vi ao acordar como sempre.

Foi aí que eu percebi que eu estava afundando. Num lago. Eu bati meus braços e pernas tentando

sincronizar alguma coisa. Mas a água, conforme meus pulmões pediam por ar, foi entrando cada vez

mais pelas entranhas, que eu nem sabia que existiam, me sufocando e eu senti que minhas forças

estavam se esgotando. Eu nem sabia nadar. Meus braços foram batendo, cada vez mais

desengonçados, tentando lutar contra a pressão que a água fazia para me afundar. Era inútil e meu

cérebro pareceu que estava desmanchando.


Eu tentei gritar por qualquer socorro. Ficou pior que antes. Mais água entrava pela minha boca e a

única coisa que eu ouvi foi o barulho rápido das batidas que meu coração estava fazendo. Eu fechei

meus olhos e estava afundando de verdade para o fundo.

De repente uma luz atingiu meus olhos que estavam encharcados de lágrimas. Estava no meu

quarto. Deitada na minha cama. O teto com figurinhas coladas ainda estava lá.

Meu transe durou alguns minutos até eu perceber que era um sonho.

Eu juro, nunca havia ficado tão feliz em poder ver um teto de novo em toda minha vida. Que merda

de sonho foi esse?

Eu tentei me esconder de qualquer reflexo que eu pudesse aparecer naquela tarde. Não só porque

me faria lembrar de todo aquele sonho maluco, mas também porque eu não me sentia bonita e

nunca me senti bem antes, tampouco.

Eu sempre fui magrinha. Minha mãe me chamava de "perna de mosquito e bundinha de grilo"

sempre que queria me dar uma bronca. Nenhum sinal de seios apareceu até os 14 anos, ao contrário

das outras meninas que já tinham um corpo lindo e formado com a minha idade. Eu nunca liguei pra

isso até as comparações começarem a acontecer.

Falar sobre meu corpo ou ouvir falarem sobre ele, me deixava desconfortável, culpada e insegura.

Meu problema agora é com o excesso de bunda, peito e barriga. E não mais com a falta deles.

O que é um pouco cômico.

Será que nunca estarei satisfeita com meu corpo?

Esse excesso de energia negativa traz problemas para a saúde de qualquer pessoa.
Eu não estava feliz com a minha situação social e meu corpo não me agradava muito também.

Porém, ainda dava tempo de mudar.

Comecei a ver alguns blogs nessas redes sociais sobre planos de exercício, que eu já fazia toda

manhã em jejum, e algumas dietas. Talvez funcione. Se eu controlar a ansiedade, vai funcionar...

Minha mãe me colocou pra fazer pão junto com o Jorge à tarde.

Eu adorava cozinhar. Passou a ser um hobby desde quando minha casa ficou entediante e monótona

demais. Eu inventava comidas malucas para a Milly que era minha vítima nessas experiências.

-Aonde tem trigo?-Perguntei à Raquel.

-No pote dentro do armário.-Ela responde me olhando firme, nem tentando disfarçar o mau humor.

A receita era meia chata, precisava sovar a massa e meu braço começou a doer depois de um

tempo.

-Se for para fazer as coisas de má vontade é melhor sair daqui.- Raquel disse me olhando torto,

depois que uma colher caiu no chão.

-Quem disse que estou fazendo com mal vontade?- Respondi incrédula. Ela tem o dom de me tirar

do sério.

-Eu estou falando. Tá fazendo tudo errado e parecendo a sua cara.- Eu parei e olhei pra ela. Qual o

problema dela? Quando ficava de mal humor era um inferno ter que aturar ela o dia inteiro.

-Então deve estar linda, pra estar igual a minha cara.- Eu disse rindo.
-Vem com essas graça que eu faço esse pano voar na tua cara- Raquel disse parando de secar as

panela e mirando quantos metros o pano voaria se ela tacasse de verdade.

-Você só reclama, Raquel. Se seus filhos fazem ou não tá sempre errado...-Jorge disse.

-Fica na tua e não se intromete. A Dafine é preguiçosa e não faz nada nessa casa, além de se

entupir de comida e ficar deitada.

-Mentira, é humanamente impossível alguém viver em condições assim - Tentei me defender dessa

injustiça. Não disse mais nada depois disso.

Jorge foi chamar meus irmãos pra entrarem para dentro de casa. Eles ficaram a tarde toda andando

no parque de bicicleta. Ele tem me irritado nesses últimos dias. Porque ele não arranca essa mulher

daqui e leva pra ele? Já que ela mesma disse que iria fazer isso um milhão de vezes, porque não vai

logo?

Minha mãe parou de implicar comigo só quando o pão ficou pronto.

Nós comemos um, e eu guardei os outros três pães que ficaram milagrosamente bons.

Lembrei que teria que acordar cedo amanhã, e já me senti derrotada. Eu estava ansiosa para saber

quem eu e a Deb escolheríamos.

---------------------------''--------------------------

O alarme me expulsou da cama às cinco horas de uma manhã de segunda-feira.


Fui fazer minha série matinal de exercício. Hoje eu mal consegui terminar. O cheiro do pão da noite

anterior pairava pela cozinha. Eu ainda estava em jejum, então teria que comer meu almoço só

meio-dia, como sempre. Mas não foi isso que aconteceu..

- Não. Não e não - Eu sussurrei a mim mesma.Tentando me controlar.

Na mesa estava a metade do pão da noite anterior e os outros três, que tinham recheio de goiaba,

embrulhados num papel manteiga, ainda na forma quadrada. O cheiro estava muito bom. Eu

continuei repetindo o mantra que sempre funcionou comigo:

- Continue, você pode..Se eu comer agora vai ser igual antes...

Repeti em voz baixa, até que na primeira embrulhada no estômago eu estava atacando o pão.

Tinha uma caixa de leite na geladeira e requeijão recém abertos. Eu me senti no próprio céu..

Coloquei um pouco de Nescau, que raptei do armário com muito esforço e pus no copo junto com o

leite.

O pão derreteu na minha boca de uma forma tão boa, que eu tive que lembrar de usar meus dentes

para mastigar e não engolir tudo de uma vez.

Coloquei um fone. Ainda bem que ninguém acordou, eles dormem feito pedra.

Eu já tinha feito meus exercícios mesmo, que diferença faz?

Acontece que fazia. E muito.

Acabei meu segundo copo de achocolatado.


Foi uma parte grande do pote de requeijão direto pro meu bucho de jegue, e a metade do pão eu

enfiei toda no meu cú, porque eu olhei para onde estava e não tinha nem sombra. Só os pães

guardados nas formas estavam intocáveis.

Eu caí na realidade quando comecei a me sentir um pouco cheia demais.Foi ai que paguei por todos

os meus pecados de uma vez só.

A culpa continuou me rondando, até eu ter que me arrumar para ir pro ponto de ônibus.

Minha mãe nunca levanta de manhã.Nem quando o Ogura dorme na minha casa.Mas dessa maldita

vez ela levantou.

Eu fingi demência o tempo todo.

"Estou frita.Vão me pegar.Ela vai perceber." Pensei. Passou 19 minutos. E nada."Besteira sua!

Ninguém vai saber se você for logo pro ponto".E para o meu azar, não estava certa:

- Não acredito! Eu falei pro Patrick guardar o pão e ele enfiou tudo no rabo dele..- Raquel disse

quando fui pegar o meu tênis - Ou foi você?É a sua cara fazer isso!

-Eu não... Não comi nada..- Menti. Muito mal. "Sua miserável.Eu avisei ".

-E o que é esse nescau no canto da tua boca? Foi você! Eu te conheço! Toma vergonha na cara e

para de mentir.Vou ter que cortar o outro pão porque voce comeu esse sozinha. - Essa fala dela me

pareceu mais como : " porque você é gorda e não tem controle sobre a própria boca sua inútia."

Tratei de fugir dali pra não ter que ver ela contando, pra casa e vizinhança toda, a merda que eu

acabara de fazer. Patética.


Pra que eu faço isso? Pra que eu fiz isso? Eu senti decepção a voz dela. Eu quis chorar. Mas não ia

adiantar de nada de qualquer forma. Agora estou me sentindo estufada, parecendo um balão. Eu

devo ter algum tipo de doença mental né, caralho..

Me arrastei miseravelmente pra escola.Ficar em casa não era opção.

Fiquei com medo de alguém notar que eu comi feito uma porca nojenta.

Alguém devia me trazer um oscar por fazer papel de trouxa incrivelmente bem.

Eu devo ter engolido o café da manhã da escola inteira!Que horror! Que ódio!

Karen e Deb estavam me esperando. Eu estava meio irritada por que elas não precisavam encolher

a barriga pra caber na calça igual eu estava tendo que fazer, e me senti um lixo por desejar que

alguém precisasse fazer isso. Ninguém merece passar por isso! Ninguém! Nunca!

-Oii- Fingi animação. Ao menos isso eu sei fazer. Sou uma ótima atriz. Elas deram um sorriso pra

mim e começaram a tagarelar. Eu mereço ir me ferrar, por ser tão burra.

Lembrei do diário da barbie, quando a própria Barbie diz que queria se misturar com a paisagem e

não ser notada.

Ah se eu pudesse....
Eu fiquei a semana toda, e além, ouvindo a mesma história imbecil:

"A Dafine não quer saber se a gente vai morrer de fome ela come tudo e não deixa nada pra gente.

Socou um pão inteiro no bucho outro dia."

Todo mundo tentando mandar em mim, falando coisa que não sabe e acreditando na minha mãe que

não tem nada para fazer além de espalhar fofoca besta.

-Tá explicado porque está tão gorda- A fofoqueira da minha vizinha, que odeia gatos e é

macumbeira, rosnou.

Ela é conhecida por usar gatos na seita dela. Deve ser por isso que ninguém passa perto da casa

dela.

Eu queria sair para fora e mandar ela ir se ferrar. Já que a cara de capivara atropelada dela não era

tão bonita também, muito menos melhor que a minha, ela tinha que ficar quieta. Mas aí vi que ela

meio que tinha razão e fingi que não ligava. Apenas bati o portão como se eu estivesse dando um

tapa na cara dela. E eu queria.

A desgraça foi tanta, que eu não pisei na rua mais. Tentei sair do ônibus e ir correndo para a minha

casa. Ela é uma das últimas, toda coberta de árvores e um semi espaço para gado ficava no final da

rua fechada. Meu bairro é pobre, mas só tem gente que se acha superior aos outros. Bando de

cretinos!

Era Segunda.Tive que sair correndo e de chinelo por que quase perdi o ônibus. Dei graças aos céus

por não ter que ficar em casa. Hoje eu estava revoltada com todo mundo. A ponto de querer tacar um

tijolo na cabeça de qualquer um que cruzasse meu caminho.


O único lugar que eu sinto que ninguém me olha torto mais, é na escola. E se olham, eu não

percebo.

-Nossa, que cara é essa? Não dormiu?- Karen me perguntou quando entramos no portão da escola.

Tinha mais gente que o normal hoje.

-Eu fiquei terminando o trabalho ontem, do Carlos de química, até tarde- Menti. Eu não ia falar que

fiquei chorando a noite toda por que me recusei a comer qualquer coisa, por protesto contra minha

mãe.

- Nem precisava! A gente vai ter show de talentos hoje. Esqueceu? - Débora disse animada. Ela

odeia segunda.

-Você vai cantar?- Eu e Karen falamos juntas.

-Não! - Rimos - Agora estou ofendida. Eu canto tão mal assim?-Deb perguntou.

-Não sei. Vamos marcar uma festa do pijama e ver isso.- Karen sugeriu.

-Eca. Pra que isso?- Perguntei rindo. Minha mãe não deixaria, na verdade.

-Pra gente.Duh. Aprende a viver Dafe. Você não é mais criança!- disse Karen.
-Sua mãe é muito chata mesmo.

Deus me livre!- Deb soltou.

- Mas ela só tá falando isso porque a mãe dela não deixa ela cruzar a esquina.- Karen disse -Até

parece que ela gosta de você.- Eu forcei uma risada e olhei feio para ela.

-Quer parar?! Ninguém precisa saber disso! E você sabe muito bem como é minha relação com a

minha mãe.- Eu disse meio chateada.

-Tá bom... Desculpa... A gente vai dar um jeito nisso depois.- Saímos do nosso banco e fomos

guardar as mochilas na sala.

Todas as salas estavam ocupando o refeitório e o pátio. O espaço era grande. Havia um palco, com

uma pintura de Wyspiański quase desbotada, no fundo, que servia para apresentar peças de teatro.

As mesas e assentos ocupavam a frente do palco. Eram brancas e alternavam com outro tipo de

mesa azul, todas enfileiradas e com capacidade para quatro pessoas ou seis. A direção vivia

trocando algumas que quebravam, porém, foram necessários punições mais severas para os

vândalos engraçadinhos, e isso foi parando de acontecer.


Karen correu para conseguir algum lugar bom pra gente. Ficamos perto da porta de acesso ao pátio,

o pessoal foi entrando e se espalhando pelo local. Alguns nem ligaram para o evento em si, foram

direto comer na cantina.

Deb se juntou a nós, com três latinhas de guaraná e pacotes de biscoito. Eu nem tinha visto ela sair,

agora vou ter que quebrar meu jejum nada sem querer.

- Negresco e refri. - Karen arrancou o pacote de bolacha, abriu e enfiou uns três na boca de uma vez.

- Dormiu amarrada?- Eu ri. - Você é impossível! - disse.

- Não sei. Ontem eu comi um prato enorme de macarronada com repolho, que meu pai trouxe- Karen

disse com a boca cheia. Umas garotas viram a cena e olharam debochando.- Vão se ferrar!- Karen

soltou e as meninas desviaram os olhares imediatamente.

- Vai assustar todo mundo desse jeito, Kah.- Deb disse. Karen deu de ombros - Olha só. O

casalzinho. Devem ser do 9° ano.- Viramos pra olhar aonde Deb apontava. Havia um gordinho, meio

moreno, com boné e um short com paisagem, muito brega

e uma menina mais alta que ele, morena e tinha um par de tênis,

que todo mundo passou a usar de repente. Devem ter vindo da tarde, eu não os conhecia.
- Quem são? - Perguntei

- O casal 2017. Vejam só como os pombinhos se olham. Com muito fogo nos olhos. Eles estão tão

apaixonados. Ou foi a mágica do sapo preto.- Karen disse, num tom maldoso. Eu entendi a

referência.

Essa magia, de São Cipriano, era para apressar casamento.

- Tá maluca? Eles não fariam isso. Quem quer se casar com 14 ou 15 anos ?- Falei mesmo sabendo

que tem muita gente que quer.

- Porquê não? A gente não sabe Karen disse - Olha lá. Parece que tão implorando para alguém ir

separá-los antes que se comam vivos. - Completou.

- Você é má! - Deb disse e rimos insanamente.- Casal 2017 é a nossa descoberta...- Deb fez uma

careta bem esquisita e olhou pra eles. Pareceu que eles sabiam que estávamos falando deles, pois

os dois viraram na hora e encararam ela. Deb desviou o olhar imediatamente e ficou mais vermelha

que um tomate.

Karen olhou pra mim, e rimos muito da situação.

-Bom dia, alunos e professores..- A diretora Janette, e o pessoal da coordenação se instalaram no

palco. Ela sempre andava com os cabelos louro-avermelhado num coque, e vestia um blazer pra
cada dia. - Hoje, iniciaremos um evento cultural na Jane e estamos felizes com a participação de

vocês...

Uma mini banda, com violão, alguns aparelhos de som e microfones foram sendo montadas no

palco enquanto o coordenador Luís, um dos melhores professores de sociologia e bem zueiro,

chamava algumas pessoas que se inscreveram para subir no palco e cantar.

- Eu acho isso legal. Mas nem tanto. Tem gente que só quer chamar a atenção.- Deb disse

amassando a embalagem vazia do biscoito.

Uma menina da começou a cantar uma música música religiosa. Um pouco desafinada, ela terminou

a música, desconhecida para mim, depois de alguns minutos. Os aplausos foram bem tímidos. Eu

admirei a coragem dela, pois é uma coisa que eu jamais faria.

Eu estava tentando disfarçar meu desânimo com a conversa sobre namorados que as duas estavam

tendo, apenas concordando com a cabeça, pois essa era uma área bem distante do meu

conhecimento.

- Teve uma vez que eu dei um toco em um menino. Acho que foi ano passado. - Karen disse rindo -

Ele era um mala. Só porque era bonitinho ficou achando eu que eu ia cair no papo amador de

quinta..- Ela contou isso numa animação que foi hilário.

- E quanto a você Dafine?... Nos conte em quem você já deu um toco... - brincou Deb.

- É mais fácil falar de quem eu levei um toco - Ri em desespero, porque era verdade.

- Fala sério - Karen deu uma gargalhada imitando um porco. Foi tão esquisita que todas nós rimos

junto - Você é muito estranha.

- Olha quem fala dona oink- Débora soltou e minha barriga já estava doendo de tanto rir. Nem me

lembro a última vez que ri tanto. Talvez nunca me ocorreu, se eu me lembro bem.

Lá longe notei algo que me prendeu o olhar durante alguns minutos. Enquanto riamos pude perceber

que três garotos estavam parados, um pouco distante da onde estávamos sentadas.

Mais precisamente, dois estavam conversando e o outro olhava diretamente para mim.
Mesmo de longe pude notar que talvez tenha nos observado desde o começo do evento. Ele me

olhava cauteloso parecendo uma estátua. Eu tremi.

Eu os conhecia de vista. Eram todos do último ano. Douglas e Abner estavam empolgados com um

tipo de jogo, talvez, em seus celulares.

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