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O Conceito de Motivação na Psicologia

Article · January 2005


DOI: 10.31505/rbtcc.v7i1.47

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15 17,193

2 authors:

Joao CLAUDIO Todorov Marcio Borges Moreira


University of Brasília Centro Universitário de Brasília
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Revista Brasileira de
ISSN 1517-5545 Terapia Comportamental
2005, Vol. VII, nº 1, 119-132 e Cognitiva

O Conceito de Motivação na Psicologia


The Concept of Motivation in Psychology
João Cláudio Todorov1
Universidade Católica de Goiás
Universidade de Brasília
Márcio Borges Moreira2
Universidade Católica de Goiás - Universidade de Brasília
Instituto de Educação Superior de Brasília.

Resumo

O presente trabalho discute os usos do termo motivação na psicologia, apresentado resumida e


superficialmente as origens históricas da pesquisa da motivação humana e alguns problemas
epistemológicos na conceituação de motivos. O presente trabalho traz ainda uma pequena amostra
da variedade das definições de motivação encontradas nos compêndios de psicologia. São
discutidos também os conceitos de ciência, psicologia e a questão das hierarquias nos motivos
humanos, enfatizando-se a necessidade de reconhecer como relevantes, no estudo da motivação,
processos de interação: (1) como certos comportamentos, em determinadas condições,
invariavelmente ocorrem depois de certas alterações no meio ambiente; (2) como certas alterações
no ambiente, em determinadas condições, são seguidas por certos comportamentos e não por
outros possíveis; (3) como certos comportamentos ocorrem ciclicamente, mesmo na ausência de
alterações no ambiente; (4) como certos comportamentos, em determinadas condições, ocorrem
mesmo na ausência de alterações no ambiente; (5) como certas alterações no ambiente passam a
fazer parte de interações organismo-ambiente e outras não.

Palavras-chave: Motivação; Usos do termo motivação, Psicologia

Abstract

This article discusses the uses of the term motivation in the psychological field, presenting, briefly
and superficially, historical origins of human motivation research and a few epistemological
problems related to conceptualization of motives. This article also presents a brief overview of the
variety of definitions of motivation, found in psychological books and manuals. Also discussed are
the concepts of science, psychology, and the issue about human motives hierarchies, emphasizing
the need to recognize interaction processes as relevant in the study of motivation: (1) how certain
behaviors, under certain conditions, invariably occur after certain environmental changes; (2) how
certain environmental changes, under certain conditions, are followed by certain behaviors, not
others that would be possible; (3) how certain behaviors occur cyclic, even in the absence of
environmental changes, (4) how certain behaviors, under certain conditions, occur even in the
absence of environmental changes; and (5) how certain environmental changes happen to be part
of organism-environment interactions, while others don't.

Key-words: Motivation; Uses of the term motivation, Psychology

1
E-mail: todorov@unb.br
2
E-mail: borgesmoreira@yahoo.com
119
João Cláudio Todorov - Márcio Borges Moreira

Motivação3, assim como aprendizagem, é um controle interno, ela está dentro do indivíduo.
termo largamente usado em compêndios de No segundo momento, a motivação passa a
psicologia e, como aprendizagem, é usado em estar relacionada a um lócus de controle
diferentes contextos com diferentes signifi- externo, ou seja, ela depende de situações
cados. O mesmo autor pode empregar o termo específicas, depende do que está acontecendo
de maneira diversa num mesmo parágrafo. com o indivíduo. O autor afirma que, no início
Vernon (1973) faz isso logo na primeira página do século, procurava-se “descobrir aquilo que
do primeiro capítulo de seu livro “Motivação se deveria fazer para motivar as pessoas”, ou
Humana”: seja, as situações específicas que tornam o
“A motivação é encarada como uma espécie de indivíduo motivado. Logo em seguida afirma
força interna que emerge, regula e sustenta todas que este é o caminho errado: a motivação não
as nossas ações mais importantes. Con-tudo, é
evidente que motivação é uma expe-riência ocorre de fora para dentro, mas de dentro para
interna que não pode ser estudada direta- fora. Entretanto, ao final do trecho, o autor
mente”.(Vernon, 1973, p.11). parece expor a idéia que é rechaçada no início
Na primeira sentença do trecho citado, moti- de sua argumentação: a motivação - ou “des-
vação é uma força sem que se especifique de motivação” - depende de situações específi-
que natureza. Logo a seguir, motivação é uma cas, logo, o que deve ser feito é buscar por tais
experiência interna, algo que sentimos e situações específicas (“aquilo que se deveria
ninguém podem observar. No uso comum, o fazer”) para motivar os indivíduos ou, no
leigo costuma utilizar esses dois significados mínimo, não desmotivá-los.
como dois aspectos de um mesmo fenômeno.
Motivação é uma força interna que nos leva a Origens históricas da pesquisa da motivação
agir, e por ser interna só nós mesmos a pode-
mos sentir. O uso técnico/científico do concei- Birney e Teevan (1962) notam que o interesse
to é bem mais diversificado, por razões que contemporâneo pela pesquisa da motivação
exporemos a seguir. humana origina-se de três fontes: psico-
Um outro exemplo interessante de como o ter- terapia, psicometria, e teoria da aprendi-
mo motivação pode assumir diferentes signi- zagem. Além de serem áreas diferentes, há
ficados em um mesmo texto está em Berga- entre elas divergências quanto aos objetivos
mini (1997): do trabalho dos pesquisadores, e também
“Se, no início do século, o desafio era descobrir quanto aos métodos a serem empregados.
aquilo que se deveria fazer para motivar as Psicoterapia. Para os psicoterapeutas, o
pessoas, mais recentemente tal preocupação
muda de sentido. Passa-se a perceber que cada problema maior sempre foi o alívio dos des-
um já traz, de alguma forma, dentro de si, suas confortos do cliente. Especialmente com
próprias motivações. Aquilo que mais inte-ressa, Freud, esses desconfortos eram vistos como
então, é encontrar e adotar recursos organi- resultantes de um jogo de equilíbrio dinâmico
zacionais capazes de não sufocar as forças moti-
vacionais inerentes às próprias pessoas... (p. 23)...
de forças psíquicas (motivacionais), e o pró-
não existe o pequeno gênio da motivação que prio psicoterapeuta era o instrumento de me-
transforma cada um de nós em trabalhador dida dessas forças. Não se colocava como
zeloso ou nos condena a ser o pior dos importante o problema de diferenças indivi-
preguiçosos. Em realidade, a desmotivação não é duais, pois o modo de definir o objetivo de seu
nenhum defeito de uma geração, nem uma
qualidade pessoal, pois ela está ligada a situações trabalho levava à preocupação primordial
específicas (p. 27)”. com o caso individual. Buscava-se a melhor
No trecho acima, no primeiro momento, a caracterização possível para essas forças hipo-
motivação está relacionada a um lócus de tetizadas, desenvolvendo um sistema moti-
3
Este texto foi originalmente preparado com o intuito de servir como texto introdutório sobre Motivação para alunos de Graduação. Não
é sua pretensão exaurir ou aprofundar em quaisquer dos tópicos abordados, mas sim apresentar, resumidamente, a diversidade que
evolve o assunto e sugerir que a mudança no locus de controle (interno para externo) parece ser uma alternativa viável.

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O Conceito de Motivação na Psicologia

vacional que pudesse ser aplicado ao entendi- dizagem, com objetivos e métodos dife-rentes,
mento das aflições de diferentes indivíduos4. necessariamente levaram a tratamen-tos
Psicometria. O desenvolvimento dos testes diferentes de conceitos motivacionais. En-
psicológicos de aptidões e de desempenho tender a psicologia da motivação humana sem
representou uma fonte de interesse em moti- atentar para esses aspectos é tarefa impos-
vação muito diferente da psicoterapia. Cons- sível; falar de motivação sem mencionar esses
tatou-se, de início, que a utilização desses esforços, pode aumentar a confusão já exis-
testes para a classificação e/ou seleção de tente.
indivíduos dependia de um pressuposto
fundamental, o de igualdade na dedicação às Problemas epistemológicos na conceituação
tarefas. O interesse por testes de aptidões de motivos
levou, necessariamente, ao desenvolvimento
de testes de motivação. Obviamente, os “Diz-se frequentemente que há duas concepções,
mais ou menos incompatíveis, da natureza hu-
estudos sobre motivação originários dessas mana. Uma delas sustenta que o homem é um ser
duas áreas, psicoterapia e psicometria, não se essencialmente racional, seletivo, dotado de von-
desenvolveram totalmente independentes. tade, que conhece as fontes de sua conduta ou
Birney e Teevan (1962) lembram esforços de que está cônscio das razões para a sua conduta e
é, portanto, responsável por ela. O outro ponto de
aproximação das duas abordagens. Histo-
vista afirma por vezes que o homem, por natu-
ricamente, entretanto, não há como negar o reza, é irracional, e que seus impulsos e desejos
desenvolvimento inicial independente5. devem ser controlados pela força das sanções da
Teorias da aprendizagem. Considerando-se sociedade.” (Cofer, 1972, p. 3).
que da psicoterapia e da psicometria Independentemente das áreas de aplicação da
desenvolveram-se interesses pela psicologia psicologia que mais pressionaram pelo
da motivação humana, seria lícito esperar-se o desenvolvimento de uma teoria da motivação
mesmo de outra área aplicada, a educação. humana, há fatores históricos que condicio-
Como veremos, o estudo de problemas de nam esse desenvolvimento, e que antecedem
aprendizagem levou à invocação de variáveis de muito a própria constituição da Psicologia
motivacionais. A influência dos interesses da como disciplina científica. Allport (1953), ao
área educacional é indireta, via psicologia da avaliar as tendências nas teorias da motivação
aprendizagem e pesquisas de laboratório. Os da primeira metade do século passado,
principais teóricos da aprendizagem encontra suas origens em algumas conver-
estudaram experimentalmente o papel de gências entre pensadores do século 19, e cita
variáveis motivacionais na memória, na Schopenhauer, Darwin, Bergson e Freud,
aprendizagem, etc. O trabalho mais complexo todos irracionalistas - no sentido de que as ex-
nessa direção, sem dúvida, foi o de Hull plicações para o comportamento humano se-
(1943). Dessa tradição de laboratório vem a rão subjacentes ao que pode ser diretamente
associação de variáveis motivacionais às observado e/ou está na consciência de quem
diversas teorias de reforço, culminando com age. Outra característica marcante é o gene-
Skinner (1953) e a colocação do tópico moti- ticismo. Os motivos básicos seriam depen-
vação dentro de um contexto mais geral dos dentes da herança genética e/ou de expe-
vários tipos de interação organismo-am- riências na infância, muito pouco ou quase
biente6. nada afetados pelo ambiente no qual vive o
Psicoterapia, psicometria e teoria da apren- indivíduo adulto.
4
Para um estudo das teorias psicanalíticas da motivação, veja-se Rapaport (1960), Peters (1958), Bolles (1967), Atinkson (1964) e Hall e
Lindzey (1957).
5
O uso de conceitos motivacionais em testes psicológicos é grande e variado. Mais informações sobre o assunto podem ser obtidas em
Birney e Teevan (1962) e Atinkson (1964).
6
Bindra e Stewart (1966) apresentam uma coletânea de textos sobre conceitos motivacionais que inclui os principais teóricos da
aprendizagem. Veja-se também de Bolles (1967), Atinkson (1964), Cofer e Appley (1964), Brown (1961) e Ferguson (1976).

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Essas influências sobre o moderno pensa- como se houvesse uma ciência estabelecida
mento a respeito de variáveis motivacionais com várias abordagens alternativas do mes-
têm um passado que remonta aos filósofos mo tema, motivação. É raro encontrar-se uma
gregos. Bolles (1967) inicia um capítulo sobre apresentação do assunto em que o autor dis-
origens históricas de conceitos motivacionais cuta os diversos conceitos de ciência exis-
discutindo a era racionalista, que se inicia com tentes em diferentes abordagens.
Platão e continua a influenciar a maneira de
pensar sobre motivação até hoje. Platão, Definições de motivação
segundo Bolles (1967), constrói uma filosofia
do homem sem conceitos motivacionais: se a Consideradas as fontes de diversidade no
razão tem liberdade para escolher seus trato do conceito de motivação, vejamos uma
objetivos, a escolha de objetivos é o amostra, encontrada na literatura sobre o as-
determinante de sua ação futura. A vontade sunto, de como os mais diversos autores fa-
do homem é livre porque é sempre dirigida zem referência à motivação. Não houve inten-
para o futuro, e, portanto, escapa das ção de usar algum princípio organizador na
restrições situacionais. Comportamentos que seqüência desses exemplos (exceto a crono-
fogem a essa descrição eram tidos como logia); as definições apenas indicam as varie-
essencialmente aleatórios e não característicos dades de abordagens na psicologia da motiva-
das ações naturais do homem. ção humana.
A oposição a essa linha de pensamento tam- “Um motivo é uma necessidade ou desejo aco-
bém tem sua origem nos gregos e igualmente plado com a intenção de atingir um objetivo
perdura, ainda que muito transformada, até apropriado”
(Krench & Crutchfield, 1959, p. 272).
nossos dias. Demócrito, contemporâneo de
Platão, já defendia um sistema de explicações “Uma busca dos determinantes (todos os deter-
para as ações humanas baseado num prin- minantes) da atividade humana e animal”.
cípio segundo o qual todos os objetos e even- (Young, 1961, p. 24).
tos no mundo poderiam ser reduzidos a áto-
“A propriedade básica dos motivos é a ener-
mos de diferentes formas e tamanhos. Os áto- gização do comportamento”.
mos da psyché, por serem redondos e lisos, (Kimble & Garmezy, 1963, p. 405).
tinham o poder de interpenetrar outros áto-
mos, possibilitando ao homem conhecer o “O energizador do comportamento”
(Lewis, 1963, p. 560).
mundo (Bolles, 1967).
A história do desenvolvimento dessas idéias a “Um exame cuidadoso da palavra (motivo) e de
partir de Platão e Demócrito é fascinante em seu uso revela que, em sua definição, deverá
si, mas foge aos limites do presente trabalho. É haver referência a três componentes: o compor-
tamento de um sujeito; a condição biológica
importante frisar apenas que as contradições
interna relacionada; e a circunstância externa
nos modernos tratamentos do assunto são tão relacionada”.
antigas quanto o pensamento ocidental7. (Ray, 1964, p. 101).
Ao lado dessas duas linhas filosóficas tradi-
cionais, encontramos hoje um outro fator que “Pode-se falar em uma teoria da motivação e
significar uma concepção coerente dos deter-
vem a complicar qualquer tentativa de se minantes contemporâneos da direção, do vigor e
entender as diferentes abordagens de concei- da persistência da ação”.
tos motivacionais. Qualquer compêndio de (Atkinson, 1964, p. 274).
introdução à psicologia em uso atualmente dá
“Motivação: o termo geral que descreve o com-
muita importância ao caráter científico da
portamento regulado por necessidade e instinto
psicologia. Ao discorrer sobre motivação, os com respeito a objetivos”.
autores discutem as várias teorias existentes, (Deese, 1964, p. 404).
7Ver Marx e Hillix (1963).

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O Conceito de Motivação na Psicologia

“Motivação é um termo como aprendizagem no “Os motivos são concebidos... como forças que são
sentido de que tem sido usado de numerosas ma- moldadas pela experiência”.
neiras, com vários graus de precisão. Não nos (Dweck, 1999, p. 134).
preocuparemos com seu sentido exato, principal-
mente porque não tem sido usado de maneira “... a motivação é o conjunto de mecanismos
precisa neste contexto”. biológicos e psicológicos que possibilitam o desen-
(Logan & Wagner, 1965, p. 91). cadear da ação, da orientação (para uma meta ou, ao
contrário, para se afastar dela) e, enfim, da intensi-
“Entendemos por motivo algo que incita o organismo dade e da persistência: quanto mais motivada a
à ação ou que sustenta ou dá direção à ação quando o pessoa está, mais persistente e maior é a atividade”.
organismo foi ativado”. (Lieury & Fenouillet, 2000, p. 9).
(Hilgard & Atkinson, 1967, p. 118).
“Em abordagem operacional, (motivação) é o con-
“A psicologia tende a limitar a palavra motivação... junto de relações entre as operações de estimulação
aos fatores envolvidos em processos de energia, e a ou privação e as modificações observadas no com-
incluir outros fatores na determinação do com- portamento que se processa após as citadas
portamento”. operações”.
(Cofer, 1972, p. 2). (Penna, 2001, p. 19).

“Motivação, como muitos outros conceitos na “... intrinsic motivation occurs when three
psicologia, não é facilmente delimitado... Inferimos ''psychological states” are present: experienced
que 'uma pessoa está motivada' com base em meaningfulness of the work, experienced responsibility
comportamentos específicos que a pessoa manifesta for outcomes of the work, and knowledge of actual
ou com base em eventos específicos que observamos results of the work.”
estarem ocorrendo”. (Thomas, 2002, p. 116)
(Ferguson, 1976, p. 3).
“A motivação tem sido entendida ora como um fator
“A questão da motivação é a questão 'por que' psicológico, ou conjunto de fatores, ora como um
formulada no contexto do comportamento. Inter- processo. Existe um consenso generalizado entre os
rogações desse teor podem ser feitas indefini- autores quanto à dinâmica desses fatores
damente e limitamos o âmbito de nossas respostas ao psicológicos ou do processo, em qualquer atividade
que delineamos, com certa precisão, como a disci- humana. Eles levam a uma escolha, instigam, fazem
plina da psicologia”. iniciar um comportamento direcionado a um
(Evans, 1976, p. 23). objetivo...”.
(Bzuneck, 2004, p. 9).
“O estudo da motivação é a investigação das
influências sobre a ativação, força e direção do com- Nos trechos supracitados vemos claramente
portamento”.
(Arkes & Garske, 1977, p. 3). que o conceito de motivação é abordado de
maneiras muito diferentes e, muitas vezes,
“Mudanças na significância de estímulos são a preo- contraditórias. Essa miscelânea conceitual
cupação básica do estudo da motivação”. evidência não a quantidade de conhecimento
(Catania, 1979, p. 61).
que se tem sobre a motivação, mas a falta dele.
“Para cada ação que uma pessoa ou animal executa, Skinner (1953), ao justificar a necessidade de
nós perguntamos: 'Por que ele ou ela fez aquilo'. uma psicologia científica, afirma que a ciência
Quando fazemos esta pergunta, estamos evolui dos erros, não da confusão. Conside-
perguntando sobre a motivação daquela pessoa ou rando como corretas as palavras de Skinner,
animal... Questões sobre motivação, então, são
questões sobre as causas de uma ação específica”. podemos concluir então que grande parte da
(Mook, 1987, p. 3). abundante produção teórica sobre motivação
não levará a psicologia a compreender melhor
“Sempre que sentimos um desejo ou necessidade de este fenômeno. Para que a psicologia possa
algo, estamos em um estado de motivação. Moti-
lidar melhor com tão importante assunto é
vação é um sentimento interno é um impulso que
alguém tem de fazer alguma coisa”. necessário refinar os conceitos que se referem
(Rogers, Ludington & Graham, 1997, p. 2) a ele (Cunha & Isidro-Marinho, 2005; Michael,
1982, 1993, 2000) estabelecendo referenciais
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teóricos que possam ser falseados, que pos- do se discute o conceito de motivação relacio-
sam ser testados. na-se diretamente ao papel da psicologia
Outra interessante análise que pode ser feita a como uma ciência. Historicamente, conceitos
partir da leitura dos conceitos apresentados, motivacionais surgem como causas do
se levarmos em conta sua cronologia, refere-se comportamento, e confundem-se com os pró-
à evolução do conceito ou, melhor dizendo, da prios objetivos da psicologia.
falta de evolução. Comparemos Krench e “Por que as pessoas se comportam desta ou
Crutchfield (1959, p. 272) com Bzuneck (2004, daquela maneira?” Por mais importante que a
p. 9). Alguns dos conceitos apresentados aci- questão possa parecer, está formulada de tal
ma, muitos deles norteadores do estudo sobre maneira que não leva a respostas aceitáveis.
a motivação em determinados períodos Tem sido muito usada por aqueles que pre-
históricos, parecem não ir além de simples re- ferem tratar de questões que não podem ser
elaborações do senso comum, ornamentados empiricamente respondidas. Reformulando a
com o uso de termos que, numa análise mais questão, a ciência pode ajudar com seus méto-
cuidadosa, evidenciam nada mais que um dos. “Em quais condições as pessoas se com-
raciocínio tautológico. Comparemos alguns portam desta ou daquela maneira?” é uma
dos conceitos apresentados com as frases a pergunta bem diferente, ainda que à primeira
seguir, frases estas que poderiam ser vista não o pareça. Na primeira formulação,
elaboradas em uma conversa descontraída pergunta-se “por que?”, na segunda indaga-
entre psicólogos sobre a natureza humana se “como?”. A história dos conceitos motiva-
numa mesa de bar: cionais esta principalmente ligada a questões
“Um motivo é um desejo ardente que impulsiona “por que?”. Lindgreen e Byrne (1982), por
o ser à ação”
“A motivação está intrinsecamente relacionada exemplo, assim se expressam em um manual
aos desejos e impulsos humanos”. de psicologia publicado no Brasil em 1982:
“Os impulsos estão intrinsecamente relacio- “As teorias da motivação são uma tentativa...
nados à motivação e desejos humanos”. de explicar por que (1) os estímulos evocam
“Motivação pode ser entendida como um motivo
que leva o indivíduo à ação”. respostas; (2) um determinado estímulo evoca
“Motivação é uma força que aciona e direciona o uma certa resposta em vez de quaisquer
comportamento”. outras concebíveis; (3) certos estímulos têm
“Motivação é uma energia que aciona e direciona um valor de recompensa e outros não; (4)
o comportamento”.
“Impulso é uma energia que aciona e direciona o
certas respostas parecem surgir por si
comportamento”. mesmas, sem nenhum desencadeante exterior
“Desejo é uma energia que aciona, motiva e aparente” (Lindgreen & Byrne, 1982, pp. 214-
direciona o comportamento”. 215).
“Um motivo é um desejo imbuído de significação
em si mesmo que impulsiona o ser à execução e
Esses quatro itens não foram listados
consecução de metas, que orienta e estrutura a originalmente por Lindgreen e Byrne, mas
dinâmica psicológica que, por seu turno, parecem ter caído no domínio público, pois
energiza o comportamento”. esses autores não fazer referência à fonte
original. O importante aqui é que, em um
Os conceitos de ciência, psicologia e moti- texto didático que acaba de ser publicado no
vação Brasil, a questão “por que?” é colocada sem
discussão. Não é por acaso que esses mesmos
“Psicologia, em especial a área da motivação,
autores chegam à conclusão de que “a moti-
é bastante confusa pela prática de considerar
vação permanece sendo um conceito indefi-
motivos, ou impulsos, ou instintos, ou neces-
nível”. Se reformulassem a questão, talvez
sidades, como a causa do comportamen-
chegassem à conclusão de que a motivação,
to”.(Bolles, 1967, p. 8).
como tem sido definida, é um conceito inútil.
Um primeiro problema a ser resolvido quan-

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O Conceito de Motivação na Psicologia

Parafraseando o texto citado, poderíamos es- comportamento, a psicologia da motivação é


crever: toda a psicologia. E a tarefa do pesquisador
As teorias da motivação deixarão de levar os poderia ser a de preparar um elenco de todos
psicólogos à confusão quando a psicologia os motivos, sua classificação e hierarquização.
puder descrever as condições nas quais (1) os Assim é como muitos têm tentando proceder.
estímulos evocam respostas; (2) um deter- Os resultados têm sido díspares e confusos,
minado estímulo evoca uma certa resposta em deixando transparecer posições ideológicas
vez de quaisquer outras concebíveis; (3) certos que dirigem aprioristicamente as conclusões
estímulos têm um valor de recompensa e (vejamos o trabalho de Maslow, 1954, por
outros não; (4) certas respostas parecem surgir exemplo). Por outro lado, reconhecendo que
por si mesmas, sem nenhum desencadeante tudo o que tem sido estudado como moti-
exterior aparente. vação compõe o campo da psicologia como
Na psicologia, as questões “por que” têm um todo, a alternativa é evitar-se a carac-
frequentemente levado a respostas hipo- terização de um campo especial para a moti-
téticas. Supõe-se uma causa para o compor- vação. Quem estiver interessado em moti-
tamento, dá-se um nome a essa causa vação humana deve estudar psicologia.
hipotetizada, e encaixa-se esse conceito numa Tentativas de resumir e classificar os vários
determinada teoria. Não há preocupação, conceitos motivacionais provenientes de
neste trabalho, de discorrer sobre essas diferentes áreas estão condenadas ao fracasso
“causas” comuns na literatura psicológica; o por um imperativo lógico. Conceitos não têm
leitor interessado pode recorrer a Millenson existência independentemente do contexto
(1975) e Skinner (1974), entre outros autores. teórico no qual surgem. Caio Prado Jr., ao
Importa frisar que na ciência as questões “por discutir a natureza das figuras geométricas,
que” sempre se transformam em questões nos oferece um bom exemplo:
“em quais condições” antes que haja progres- “Dir-se-á então que os elementos ou partes do
so no conhecimento8. círculo o precedem e determinam? Não é
A ciência não estuda causas, estuda relações. possível, porque não podemos conceber
Marx e Hillix (1963) colocam muito bem a circunferência, raios, cordas, etc. sem o
questão. A ciência, afirmaram, e a psicologia círculo. Será então a circunferência que deter-
como parte de uma ciência, estuda relações. mina todo o resto, como poderia fazer crer o
Distingue-se de outras disciplinas porque fato de que quando nos vamos ocupar com
estuda relações entre comportamentos e qualquer questão relativa a círculos come-
quase tudo que pode estar relacionado ao çamos a traçar uma circunferência? Mas o que
comportamento. Exemplos de relações estu- vem a ser essa circunferência senão uma linha
dadas pela psicologia são tantos e tão diver- traçada num plano e cujos pontos são
sos, que uma descrição exaustiva é impos- eqüidistantes de outro ponto situado nesse
sível. Assim, uma maneira adequada de carac- mesmo plano? Já temos aí, imediatamente e
terizar o objeto de estudo da psicologia é aque- simultaneamente com a circunferência, a
la oferecida por Harzem e Miles (1978), entre introdução de dois elementos estranhos: o
outros: a psicologia estuda interações de orga- centro e os raios (eqüidistância do centro). E
nismos, vistos como um todo, com seu meio tanto assim é que intimados a traçar uma
ambiente. circunferência, somos obrigados, a lançar mão
Nestas condições, se a motivação do compor- do compasso, a de determinar um ponto
tamento humano for interpretada, como fre- (colocação da haste fixa do compasso) que
qüentemente o é, (Millenson, 1975) como o será o centro; e os raios (afastamento das
conjunto de determinantes ou causas do hastes). Algumas considerações da mesma
8
No capítulo 2 de Bolles (1967) encontra-se uma visão histórica da evolução dessas duas linhas tradicionais. Veja-se também o primeiro
capítulo de Von Wright (1971) e de Stegmuller (1977).

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natureza nos mostram que antes de existir a Pela afirmação acima, parece que Vernon
circunferência já existem necessariamente to- desconhece a literatura sobre comportamento
dos os demais elementos do circulo, que, no animal. É imperdoável que um texto para ini-
entanto, por seu turno, implica todos aqueles ciantes coloque tão superficialmente as
elementos.” diferenças entre o comportamento humano e
“Essa incoerência resulta fatalmente de todo aquele de animais infra-humanos. Infeliz-
pensamento baseado na concepção de 'coisas'. mente, equívocos como esse são comuns na
O exemplo acima, que não é senão o caso de literatura de que dispomos em português. A
toda Geometria (aliás, de toda conceituação aparente ignorância esconde um fato mais
em geral, sendo que a particularização que grave. Encobre um posicionamento idealista
estamos fazendo aqui é unicamente porque que permeia grande parte da literatura sobre
nos ocupamos especificamente com a Mate- motivação. Os exemplos clássicos são os
mática), mostra que os conceitos não têm trabalhos de Maslow (1965) e McClelland
individualidade própria e existência à parte (1961). Os preconceitos não são apenas
uns dos outros e dos conjuntos em que se relacionados ao comportamento animal. Refe-
integram. Eles existem em função uns dos rem-se principalmente ao comportamento
outros, bem como dos sistemas que compõe e humano, mostrando uma visão elitista da
de que somente para comodidade de superioridade das classes sócio-economi-
expressão os podemos destacar. ” (Prado Jr., camente mais favorecidas e dos países
1980, p. 208-209). industrializados10. Apenas para situar o leitor,
A busca de um refinamento dos principais listamos alguns dos notáveis seres humanos
conceitos motivacionais desenvolvidos no cujas biografias foram estudadas por Maslow
último século seria um exercício inútil. Veja- (1965) para a composição de sua obra sobre os
mos o exemplo do conceito de impulso e as motivos humanos: Abraham Lincoln (16º
tentativas de caracterizá-lo, chegar à sua es- presidente dos Estados Unidos da América;
sência. “Impulso” (drive) é uma palavra que preservou a União durante a Guerra Civil
tem sido utilizada para designar diferentes tendo conseguido a emancipação dos escra-
conceitos em diferentes contextos teóricos9. vos); Thomas Jefferson (terceiro presidente
Comparações das individualidades desses dos Estados Unidos; redigiu a declaração da
diversos conceitos que recebem um mesmo Independência norte-americana); Benjamin
nome não levam a nada. Análises conceituais Franklin (estadista norte-americano); George
que revelem as relações envolvidas nos Washington (primeiro presidente norte-
contextos em que esses conceitos são usados americano); Albert Einstein (físico, matemá-
são mais frutíferas. Um magnífico exemplo tico e filósofo alemão); Aldous Huxley (escri-
dessa utilidade de uma análise conceitual é tor inglês; é dele o livro “Admirável Mundo
encontrado em Keller e Schoenfeld (1950). Novo”); Goethe (escritor e filósofo alemão);
Pierre Renoir (renomado pintor francês); Elea-
A questão das hierarquias dos motivos hu- nor Roosevelt (norte-americana; participou
manos da criação da UNICEF e da elaboração da
Declaração dos Direitos Humanos); e Mahat-
“Tem sido observado que a maior parte do ma Gandhi - que dispensa apresentações.
comportamento humano, em contraste com o Na filosofia da ciência, esse posicionamento
dos animais inferiores, é caracterizado por sua também se refere à distinção entre explicação
natureza organizada, altamente motivada e e entendimento (Von Wright, 1971). Essa dis-
orientada para um fim.” (Vernon, 1973, p 189).
9
A história dos vários conceitos de impulso pode ser encontrada em Atinkson (1964), Bindra e Stewart (1966), Bolles (1967) Cofer e
Appley (1964).
10
Esta afirmação merece um tratamento mais aprofundado, que escapa às limitações do presente trabalho. Uma boa discussão dos trabalhos de Maslow
e McClelland é a deAtinkson (1964).

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O Conceito de Motivação na Psicologia

tinção está intimamente ligada às duas gran- naturais em visões humanistas do compor-
des vertentes na história das idéias, a tradição tamento (cf., Rogers, 1963). Torna-se impor-
aristotélica e a tradição galiléica - a de explica- tante, pois, especificar as vantagens de se
ções teleológicas e a de explicações causais. Na deixar claros nossos pressupostos, métodos e
tradição de Aristóteles, o objetivo da ciência é orientação teórica quando falamos de
tornar os fatos inteligíveis teleológica ou motivação (ou de psicologia em geral). Nesse
finalisticamente; na tradição de Bacon e Gali- ponto, uma visão comportamentalista (ou,
leu, é explicar e predizer fenômenos. Na utilizando o neologismo já consagrado, beha-
história do método científico, parece ter sido o viorista) não tem mistérios. Procuramos não
historiador e filósofo alemão Droysen o lidar com essências, mas com relações. As
introdutor da dicotomia explicação versus en- vantagens dessa decisão poderão ser mais
tendimento (Von Wright, 1971) no âmbito bem percebidas no seguinte trecho de
metodológico. A finalidade das ciências natu- Stegmuller:
rais seria explicar; a da história seria entender “Entender essa filosofia requer que se veja
claramente por que as questões que visam à
os fenômenos de seu domínio.
essência, questões do tipo 'Que é...?' não são
Von Wright (1971) nota que no sentido usual respondíveis. Segundo já constatamos, não se
dos termos, não fazemos muita distinção entre trata apenas de nos libertarmos duma concepção
explicar e entender, porque explicações, sejam fundamental da filosofia da essência. Também a
causais, sejam teleológicas, visam aumentar correspondente e 'moderna' transformação dessa
concepção (por exemplo: 'Que é a definição
nosso entendimento sobre alguma coisa. Mas correta de compreender?') fornece algo que, em
entender tem algo mais que explicar. “En- princípio, é tão irrespondível como a questão
tender” tem a ver com intencionalidade. original 'Que é...?'. Ao invés disso, devemos
“Entendem-se os fins e propósitos de um tentar obter uma imagem quanto mais
agente, o significado de um signo ou símbolo, abrangente possível da multiplicidade e da hete-
rogeneidade das situação nas quais empregamos
e a significância de uma instituição social ou aquelas expressões, cujos significados procu-
rito religioso.” (Von Wright, 1971, p. 6). ramos captar. De início, tencionávamos alcançar
Esta separação de metodologias para as ciên- tais significados, dando respostas corretas às
cias naturais e para a história deixou as ciên- questões do tipo 'Que é ...?'. Cientificamo-nos
agora de que somente aprendemos o significado
cias do comportamento como uma área de
daquelas expressões examinando como são
litígio, onde muitas vezes os dois métodos se corretamente empregadas em várias situações.”
alternam e/ou confundem no trabalho de um (Stegmuller, 1977, p. 466).
mesmo autor: “Marx mostra uma ambiva- Vejamos, na psicologia da motivação, um
lência entre uma orientação 'causalista', 'cien- exemplo do que estamos discutindo. Primeiro
tística' de um lado e outra 'hermenêutica- uma visão humanista, depois nossos comen-
dialética', 'teleológica'... Marx pode, neste tários. Maslow (1954) propôs um sistema
aspecto,... ser comparado a Freud, em cujo hierárquico de necessidades básicas que tem
trabalho, freqüentemente há uma tendência influenciado especialmente o trabalho na psi-
hermenêutica e teleológica implícita, fre- cologia organizacional e na psicologia do
quentemente distorcida por uma busca explí- desenvolvimento. Maslow classifica as neces-
cita de explicações causais, de orientação típi- sidades humanas, na ordem de prioridade,
ca das ciências naturais.” (Von Wright, 1971, em fisiológicas, de segurança, de amor e aten-
p. 173). ção, de estima, e de auto-realização. A hierar-
É comum encontrarmos o componente de quização utiliza dois sistemas de categorias,
intencionalidade, próprio de análises teleo- das necessidades mais puramente biológicas
lógicas, em pseudo-explicações causalistitas às mais socializadas e das mais simples às
do comportamento motivado (cf., Atkinson, mais complexas. Os problemas com a hierar-
1964), assim como re-interpretações de dados quia começam por aí. Deixando de lado uma
obtidos pela utilização do método das ciências preocupação apriorística com hierarquias, ve-

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João Cláudio Todorov - Márcio Borges Moreira

mos que a lista de necessidades obedece à se- usos e, muitas vezes, com pseudo-explicações
qüência temporal de desenvolvimento do do comportamento. Descobrimos que esses
indivíduo, e refere-se a tipos de interação usos quase sempre levam nossa atenção para a
organismo-ambiente que podem ser obser- busca de essências, deixando-nos num beco
vados em diferentes tempos de seu desen- sem saída; desviam-nos de um interesse pela
volvimento. Mas da constatação de que certos investigação de relações e de condições ante-
tipos de interação surgem antes que outros na cedentes. Ao fazer um apanhado dos exem-
história do indivíduo, não decorre neces- plos utilizados para falar de motivação, pode-
sariamente a conclusão de que há necessi- remos ver que os conceitos motivacionais são
dades hierarquicamente superiores ou infe- usados para explicar:
riores. Vejamos, por exemplo, o tratamento 1. como certos comportamentos, em deter-
alternativo dado por Bijou e Baer (1961) à minadas condições, invariavelmente ocorrem
questão. O conceito de hierarquia utilizado na depois de certas alterações no meio ambiente;
classificação é um conceito a priori, perten- 2. como certas alterações no ambiente, em
cente a um sistema ideológico que se antepõe determinadas condições, são seguidas por
aos dados de observação. As razões para essa certos comportamentos e não por outros
utilização do conceito não serão encontradas possíveis;
nos dados provenientes da experimentação e 3. como certos comportamentos ocorrem
da observação em psicologia. Encontraremos ciclicamente, mesmo na ausência de altera-
mais informações se estudarmos as ideologias ções no ambiente;
dos psicólogos que se utilizam do conceito. 4. como certos comportamentos, em determi-
Se resta alguma dúvida sobre os pressupostos nadas condições, ocorrem mesmo na ausência
de Maslow e sua hierarquia, as afirmações que de alterações no ambiente;
transcrevemos a seguir talvez bastem para 5. como certas alterações no ambiente passam
caracterizar seu posicionamento em relação a fazer parte de interações organismo-am-
aos motivos e necessidades humanos. biente e outras não.
Evitando possíveis equívocos de tradução No trabalho de análise do comportamento,
para tão rica terminologia; eis o texto original: procuramos explicações adequadas para
“From the point of view of the eternal and absolute essas situações. Ao analisar instâncias desses
that mankind has always sought, it may be that the cinco tipos de interações, percebemos que a
B-values could also, to some extent, serve this dicotomia aprendizagem/motivação é inade-
purpose. They are per se, in their own right, not quada, e que a explicação dessas instâncias re-
dependent upon human vagaries for their quer o reconhecimento de processos de inte-
existence. They are perceived, not invented. They ração11.
are trans-human and trans-individual. They exist
beyond the life of the individual. They can be Uma última nota
conceived to be a kind of perfection. They could
conceivably satisfy the human longing for Conhecer os “porquês das mazelas humanas” é
certainty.” (Maslow, 1967, item XXVIII). algo que fascina a todos, psicólogos ou não.
Esperamos ter esclarecido o que queremos Àqueles que não são psicólogos é reservado o
dizer quando afirmamos que o conceito de direito de “dar qualquer tipo de explicação
motivação, ou de motivo, ou de impulso, ou psicológica” sobre o ser humano (sobre os
hierarquia de necessidades, não é útil a uma porquês de seus comportamentos), aos psicó-
análise do comportamento humano. Quando logos não.
examinamos os contextos teóricos nos quais O comportamento humano (ou processos
esses conceitos foram desenvolvidos e usados, psicológicos, ou cognição, ou mente, ou psi-
nos deparamos com uma multiplicidade de qué, ou psicodinâmica, etc.) é extremamente
11
Ver Bijou e Baer (1961), Harzem e Miles (1978), Catania (1979), Todorov (1989) entre outros.

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O Conceito de Motivação na Psicologia

complexo. Um grande erro da Psicologia tem é um ser diferente, único. Nossa tarefa, de
sido tentar explicar toda essa complexidade, psicólogos, não é contemplar a subjetividade
quando o mais adequado seria tentar ou a essência de cada ser humano, mas sim
descrever sob quais circunstâncias tais com- compreender como ela é construída ou, colo-
portamentos complexos ocorrem. Quando a cado de maneira mais adequada, compre-
Psicologia assim o faz, ela sempre corre o risco ender como são aprendidos os padrões com-
de se aproximar da “psicologia do senso portamentais a partir dos quais inferimos a
comum”. Descobrir sob que circunstâncias existência de um motivo, de uma essência, de
tais processos ocorrem é um caminho bem uma força propulsora, de uma motivação
mais seguro e efetivo. intrínseca, de uma força motriz, de um ins-
É comum em textos introdutórios sobre Moti- tinto, de um impulso, de um desejo, de uma
vação e/ou Aprendizagem, sob a perspectiva energia libidinal, de uma necessidade, de uma
analítico-comportamental, encontrar exem- vontade, de uma...
plos simples como “pressionar uma barra que
produz água”, “receber um choque e mudar Questões de Estudo
para outro compartimento da caixa”, entre
outros. Comportamentos aparentemente tão 1. Qual a contradição existente no conceito de
simples que parecem não ter relevância para motivação de Vernon (1973). Você concorda
uma formação em Psicologia. É comum com os autores de que há contradição? Justi-
também encontrar alunos de Psicologia que fique.
acusam o pobre rato de ser preguiçoso, ou de
não estar com sede, quando, na realidade, este 2. Qual a contradição existente no conceito de
está apenas se comportando em um esquema motivação de Bergamini (1997). Com qual
de intervalo fixo, e se mostraria “bem mais parte desta definição você concorda? Justi-
motivado” caso simplesmente mudássemos o fique sua resposta.
esquema para intervalo variável. Atribui-se
ao pobre animal falta de motivação, quando a 3. Com relação à motivação, qual o interesse
“explicação” está simplesmente na relação específico da:
entre seus comportamentos e seu ambiente. a. Psicoterapia
Imagine então quantos equívocos podem ser b. Psicometria
cometidos ao se falar de comportamento c. Teorias da aprendizagem
humano no mundo fora do laboratório. Se não
compreendermos antes os “verdadeiros por- 4. O que é epistemologia? E um problema
quês” dos comportamentos mais simples, cor- epistemológico?
reremos grandes riscos na hora de tentarmos
compreender os complexos “problemas 5. Os conceitos de motivação geralmente são
psicológicos” humanos. acompanhados dos termos desejo, impulso,
Ainda, todas as vezes que atribuímos ao ser instinto, força, energia e vontade. Responda
humano uma essência intangível pela ciência, com suas palavras:
que não pode ser compreendida, que não a. O que é um desejo?
pode ser controlada ou estudada, e que é dada b. O que é uma vontade?
pela subjetividade de cada um, estamos fe- c. O que é um impulso?
chando as portas para nós mesmos, fechando d. O que é uma força interna?
as portas para a construção de uma Psicologia e. O que é uma energia interna?
mais efetiva, que produza mais resultados e f. O que é um instinto?
em menos tempo. A essência, por ser essência,
não pode ser tocada ou modificada. Cada um 6. Você percebeu que existem várias defi-
dos seis bilhões de habitantes do planeta Terra nições diferentes de motivação? Toda esta va-

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João Cláudio Todorov - Márcio Borges Moreira

riedade é boa ou ruim para a Psicologia? daquela maneira?... 'Em quais condições as
Justifique sua resposta. pessoas se comportam desta ou daquela
maneira?'". Sobre estas duas perguntas,
7. "Entendemos, por motivo, algo que incita o responda:
organismo à ação ou que sustenta ou dá dire- a. Qual a diferença estas duas formas de
ção à ação quando o organismo foi ativado." perguntar?
(Hilgard e Atkinson, 1967, p. 118). Mas o que b. Por que os autores afirmam que a Psicologia
incita o motivo? deve buscar o "como", e não o "porquê"?
c. "A ciência não estuda causas, estuda rela-
8. "Um motivo é uma necessidade ou desejo ções".
acoplado com a intenção de atingir um obje-
tivo apropriado" (Krench e Crutchfield, 1959, Relacione esta frase com as perguntas "por
p. 272). Qual a diferença entre motivo e que as pessoas..." e "Em quais circunstâncias
intenção? as pessoas..."

9. Sempre que sentimos um desejo ou 11. "Um grande erro da psicologia tem sido
necessidade de algo, estamos em um estado tentar explicar toda essa complexidade,
de motivação. Motivação é um sentimento quando o mais adequado seria tentar des-
interno - é um impulso que alguém tem de crever sob quais circunstâncias tais compor-
fazer alguma coisa." (Rogers, Ludington e tamentos complexos ocorrem".
Graham, 1997, p. 2). O impulso leva a ação. Por que os autores afirmam que a psicologia
Mas o que produz o impulso? deve descrever em que circunstâncias os com-
portamentos ocorrem e não tentar explicar
10. "Por que as pessoas se comportam desta ou porque eles ocorrem?

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Recebido em: 17/02/2005


Primeira decisão editorial em: 17/05/2005
Versão final em: 22/06/2005
Aceito em: 25/06/2005

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