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A ESTRELA DO
DESTINO
Autor
K. H. SCHEER
Tradução
S. PEREIRA MAGALHÃES
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Surge uma nova época da cosmonáutica e o cruzador
experimental Fantasy sai para uma grande viagem...
***
***
— Meu irmãozinho, você tem nervos de um robô, ou melhor dizendo, você não tem
nem sistema nervoso — constatou o Tenente Stana Nolinow.
Olhava para Brazo Alkher muito curioso, notando que o coitado estava quase
esgotado e talvez bem próximo de um desmaio, sentado e encolhido, ali, no seu beliche.
— Pare com isto, por favor — suplicou quase chorando. — Como poderia saber que
exatamente eu...
— Está bem! — interrompeu Nolinow, um baixote de cabelo louro-escuro bem
eriçado. — Vou mandar lhe trazer logo a comida.
Mahaut Sikhra deu uma risada abafada. Baixo e magro, de uma aparência
insignificante, apoiou as costas na parede da cabina e, com um movimento rápido, desceu
até Brazo.
— Chamam-me Sik na intimidade — disse se apresentando. — Minha função aqui é
de chefe dos comandos de ação para missões especiais. Stana é o chefe das tropas
robotizadas. E, se não estou enganado, você tomará conta da central de artilharia.
Ainda meio acanhado, Brazo apertou a mão dos novos colegas.
— Muito prazer! — disse ele. — Mas... um momento, como é que vou ser
empossado no cargo de artilheiro-chefe? Isto é feito em geral por um major, no mínimo
por um capitão.
Mahaut Sikhra apenas sorriu e Brazo não compreendeu bem seu sorriso tranqüilo.
— Aqui a bordo da Fantasy tudo é diferente. Realmente isto não é uma nave
convencional, mas um aparelho de pesquisa e de experimentação.
A atenção e a curiosidade de Brazo foi se despertando cada vez mais. Olhou com
mais admiração os jovens oficiais que, como tudo indicava, deviam ter qualidades
especiais.
— Uma nave experimental? — disse Brazo com destaque. — Bem que reparei no
extraordinário reforço do rebordo do aro central.
— Menino inteligente! — disse Nolinow com uma ponta de ironia. — Você apenas
reparou? Nós já aprendemos a ficar de boca aberta. Aqui a bordo da Fantasy se encontra
a elite política, militar e técnico-científica do Império Solar. Todos os homens que se
tornaram notórios, pelo menos a julgar pela fama que possuem, que adquiriram uma
relativa imortalidade, baseada em pressupostos biomédicos, marcaram um encontro aqui
na Fantasy.
— Pare com isto, já estou sentindo um vácuo no estômago.
Stana meteu as mãos nos bolsos externos de seu uniforme e se sentou, bocejando e
estirando as pernas, ao lado de Brazo.
— Mas isto não é tudo ainda, meu irmãozinho. Todo homem da tripulação é, em sua
categoria, um ás. Por conseguinte você também deve ser um craque em alguma coisa, do
contrário não seria convocado. Está compreendendo melhor por que foi testado de toda
maneira, mesmo da mais absurda?
Brazo concordou. Seus olhos castanhos tinham um brilho febril. Stana olhava para
ele com cara de gozação. O esbelto nepalês Mahaut Sikhra estava no videofone em
conversa com a central da espaçonave.
— Dentro de uma hora, no máximo, você prestará seu juramento e vai ser muito
solene, posso lhe garantir.
— Juramento?
— Exatamente. Guardamos os maiores segredos da nova história da Humanidade a
bordo da Fantasy, que externamente parece um cruzador pesado do tipo Terra, mas
quando você vir a seção de máquinas, vai ficar de boca aberta.
— Já estou há muito tempo de boca aberta — disse Brazo.
Nolinow gostou de seu modo de falar.
— Mas a gente vai se acostumando, colega. Já fizemos alguns vôos espaciais, vôos
estes que Perry Rhodan em sua modéstia chama de “prova de vôo curto”. Estes tais vôos
curtos variam entre três a dez mil anos-luz. Talvez ache um exagero, não é? E em todos
estes vôos, a performance da Fantasy foi excelente. Kalup estava radiante de alegria e o
nosso venerando comandante, que você ainda vai conhecer, ria tão alto que as portas
blindadas quase que vergavam, e nosso chefe supremo, chamado Perry Rhodan, tinha no
rosto um sorriso tão sublime, que, sem querer, a gente ficava pensando na conquista de
toda a infinita Galáxia. Quando o velho olha assim, desta maneira, para a gente, é sinal de
que há algo de novo no ar.
Stana acenou com a cabeça, confirmando as palavras do colega, e Brazo enxugou as
mãos suadas nas pernas das calças.
— Isso mesmo, lambuze bem a calça, temos uma lavanderia a bordo — era a voz de
Sikhra.
Brazo se desculpou imediatamente.
— Oh! Por favor, nada de acanhamento! — disse Stana, sempre sorrindo. —
Estamos aqui para deixar você bem familiarizado com as coisas.
— Ah! Não sabia.
— Gentileza da casa, meu amigo. Você é o primeiro tenente do Império Solar a
quem Rhodan serviu de empregado, carregando as malas. Eu me sinto profundamente
comovido em poder dar instruções a um cavalheiro tão importante.
— Malandros — disse Brazo, sorrindo.
Nolinow piscou o olho para o nepalês.
— Acho que vamos viver muito bem, sabendo suportar um ao outro. Falando mais
claramente, irmãozinho, a Humanidade trabalhou, no verdadeiro sentido da palavra,
cinqüenta e sete anos, para desvendar o segredo da tração linear. Há cinqüenta e oito
anos, surgiram os chamados druufs, seres monstruosos, que, em virtude de fenômenos
físicos, vieram de um outro plano temporal, a fim de conquistar o espaço de Einstein.
Nenhum de nós era ainda nascido naquela época, mas Rhodan já era o primeiro-
administrador. Isso lhe pode dar uma idéia de qual deve ser a idade do nosso chefe.
— Idade? — repetiu Brazo admirado. — Dá a impressão de um desportista bem
treinado, dos seus trinta anos.
— É isto mesmo. No entanto, é o terrano mais idoso que existe. Se você consultar a
enciclopédia “Terrânia” haverá de achar que Rhodan foi o primeiro homem a pisar na
Lua, no ano 1.971. Naquele tempo, já devia ter mais de trinta anos. Hoje, estamos no ano
2.102. Isto já diz tudo. Foi ele quem, a despeito da ingente resistência de inteligências
estranhas e ambiciosas, criou, ou melhor, estabeleceu a unificação do sistema solar.
“Neste exato momento, iniciamos a terceira fase da História da Humanidade.
Estamos em vias de transformar em realidade os segredos conquistados da astronáutica
dos druufs, há cinqüenta e oito anos. Todo o complexo mecanismo da propulsão linear já
está pronto para ser aplicado, ao menos neste cruzador pesado, que servirá de protótipo
para próxima construção em série. Você terá a honra de, juntamente conosco, poder
cooperar decisivamente no desenvolvimento do poderio solar, ou...?”
— ...ou o quê?
— ...ou junto com a Fantasy ser uma vítima do espaço infinito — interveio Sik. —
Será que fui bem claro?
— Um tanto confuso, acho eu.
— Ele diz a verdade, Sik — constatou Nolinow um tanto preocupado. — Você vai
continuar?
— Prossiga com seu talento retórico.
Stana fez um gesto confirmativo. Observava Brazo com um princípio de
inquietação.
— Pois bem, não há mais muita coisa a dizer, meu irmão, vamos partir dentro de
meia hora. Para onde vamos, desta vez, ninguém sabe. No momento, a política espacial
está calma, satisfatória. Os comerciantes das galáxias, os saltadores, estão mais
acomodados, respeitando o poderio do Império Solar. Quanto ao Império Arcônida,
parece que Atlan é senhor absoluto do imenso império de centenas de povos diferentes. A
invasão dos druufs já caiu no esquecimento e nossos colonizadores ocupam e exploram
paulatinamente todos os planetas habitáveis, isto é, onde haja oxigênio, nos setores
espaciais mais próximos do sistema solar.
“Há cinqüenta e sete anos, iniciou-se a exploração da Lua. Hoje, o satélite da Terra
se assemelha a um imenso formigueiro, com as enormes escavações subterrâneas para
estaleiros de astronáutica, instalações industriais, com grandes linhas de fabricação
automatizada. Mesmo as gigantescas espaçonaves são produzidas em série. Desta forma,
conseguimos agora o que os arcônidas possuíam já há alguns milênios. Transformamos
este grande corpo celeste numa base da nossa frota espacial, para assim podermos
enfrentar, sem nenhum dano para a população civil, os hóspedes indesejáveis e
estrangeiros ávidos de uma conquista fácil.
“A Lua passou a ser um posto avançado da defesa terrana. Seguindo o modelo do
Grande Império de Árcon, o Império Solar é hoje uma organização estatal, cuja
segurança repousa no seu poderio técnico e militar. Afirma-se com conhecimento de
causa que a capacidade de construção astronáutica dos estaleiros da Lua se equipara hoje
à do terceiro planeta de Árcon. Mais de cem milhões de terranos de excelente formação
estão preparados para, em caso de necessidade, provar nossa absoluta independência dos
demais povos do espaço. Você está me compreendendo?”
A resposta de Brazo foi muito positiva.
— Este retrospecto histórico é tão interessante como o conteúdo de suas meias. Sei
muito bem que dentro delas estão seus pés...
Sikhra riu muito e Nolinow se levantou, soltando uma imprecação.
— Está bem! Tinha que ser assim, não é? Ordem é ordem. De qualquer maneira,
você vai viver o início da terceira fase da História. Agora, se quiser aprender alguma
coisa sobre propulsão linear, por favor, procure gente mais competente. Só posso dizer a
você que o tempo das transições já passou, pelo menos para a Fantasy. Até hoje,
conseguíamos vencer o hiperespaço por complicados e violentos saltos executados pelo
processo dos pulos da lebre. Ia relativamente bem, mas os dificílimos cálculos
necessários para cada transição, a conseqüente desmaterialização e os muitos erros que
podiam ocorrer faziam sentir que não era a solução perfeita.
“A bordo da Fantasy você vai fazer uma viagem espacial com velocidade muito
superior à da luz. Voamos com visão ótica para a estrela ou planeta visado. Não se pula
mais, no estrito sentido da palavra, como antigamente, quando não se podia ver nem
ouvir nada. Agora a gente pode ver tudo o que quer. Mergulhamos no assim chamado
semi-espaço. O campo de compensação de Kalup cobre, principalmente, as constantes da
quinta dimensão que entram mais em ação, sendo que, com isso, se evita um penetrar
direto no hiperespaço. Por este motivo não há necessidade de nenhuma
desmaterialização, como nas velhas naves de transição.
“Voamos num setor do semi-espaço, que só pode ser explicado pela Matemática,
localizado entre a quinta e a quarta dimensão, onde ambas as influências energéticas
perdem toda a eficácia. Por isto, um corpo que por ali passe se torna uma parte integrante
deste semi-espaço, onde, naturalmente, as leis de Einstein perdem sua validade.
“Talvez, se possa obter velocidade milhões e milhões de vezes mais elevada do que
a velocidade da luz, no vôo linear direto. Mas Rhodan não quis ainda chegar a tanto. Com
este vôo reto, não se produz nenhuma onda frontal de algum vulto, nem choque
estrutural, como acontecia com as espaçonaves que rompiam violentamente a muralha do
tempo-espaço. As vantagens bélicas são mais que evidentes! Quem possuir a propulsão
linear, está automaticamente acima das demais inteligências da Via Láctea. Eu... você já
está ficando pálido de novo?”
Brazo fechara os olhos e sua respiração estava mais difícil. Mesmo com Nolinow se
esforçando para explicar estas coisas tão inovadoras e sensacionais de maneira simples e
entremeadas de piadinhas, Brazo sentiu-lhes a seriedade e o significado profundo.
Quando abriu os olhos de novo, os jovens oficiais estavam bem perto dele. O rosto
largo de Nolinow estava transfigurado, não ria mais.
— Isto é um abacaxi, não é verdade? Você vai compreender com o tempo — disse
ele. — Talvez agora você justifique o cuidado do comandante nos recomendando que o
preparássemos. Jefe Claudrin é um bom psicólogo, se bem que à primeira vista dê a
impressão de um tanque de guerra descontrolado, que ameaça destruir tudo que estiver na
frente. Ele nasceu em Epsal, um dos primeiros homens do programa de adaptação de
2.045. Não perca o controle quando ele vier para seu lado. É tudo que lhe posso dizer.
Tem alguma pergunta a fazer?
Brazo não queria saber de mais informações. Sik voltou do videofone e deu uma
explicação. Momentos depois, penetrou na cabina um robô de serviço, com o sorriso
estereotipado.
— Este é o ômega-185 — explicou Stana. — Está encarregado do seu bem-estar
físico. Venho apanhá-lo aqui em meia hora.
Antes de Sikhra deixar a cabina, ainda se dirigiu a Brazo.
— Você naturalmente pode desistir do vôo, ninguém vai obrigá-lo a tomar parte
nesta missão. O negócio é perigoso. Pense bem. Depois de você prestar o juramento...!
O nepalês interrompeu bruscamente sua frase, preferindo calar. Àquela altura, Brazo
sabia exatamente que, por motivo nenhum deste mundo, haveria de desistir, mesmo se lhe
pintassem os futuros perigos, com as cores mais exageradas.
Completamente distraído, disse ao robô:
— Quero tomar uma ducha. Minha arma de serviço, eu mesmo a limpo.
Trinta minutos mais tarde, Brazo ostentava um uniforme verde-claro que lhe
mandara o oficial camareiro.
3
***
Toda a tripulação da Fantasy fora convocada para o salão dos oficiais. Brazo Alkher
ainda não se sentia à vontade no meio destes homens dos mais diferentes setores da Frota
Espacial selecionados a dedo. Eram-lhe apresentados constantemente outros homens,
entre eles personalidades de maior relevo, que conhecia apenas de nome.
Professor Kalup, o matemático considerado a maior capacidade da Terra, Riebsam e
Gorl Nkolate, a sumidade médica da África, especialista em cirurgia de adaptação, eram
apenas alguns dos grandes nomes que integravam a tripulação da Fantasy.
Além de toda esta gente dos altos coturnos, havia outras pessoas que Brazo — como
muitos milhares de outros tenentes da Frota Espacial — olhava com um misto de medo e
de respeito. Eram os membros do lendário Corpo de Mutantes, que, conforme todos
sabiam, tiveram uma atuação preponderante na formação do Império Solar. Até então,
Brazo nunca se defrontara com um deles.
Podia-se ver a figura alongada e magra de Hunt Krefenbac junto dos registros
automatizados de alimentação. Brazo já percebera em conversa com os colegas que
Krefenbac não era tão vagaroso como parecia, embora, no momento, seu rosto pudesse
dar esta impressão. Aliás, a tripulação da Fantasy parecia mesmo composta de pessoas
dotadas de inequívocas qualidades pessoais.
Neste momento, entrou no salão dos oficiais o Tenente Mahaut Sikhra, em
companhia de um homem de aparência quase insignificante, portando o emblema de
engenheiro operacional. O singular neste engenheiro e capitão do cruzador Fantasy era
que seu tórax apresentava uma exagerada saliência para frente, deixando supor que seus
pulmões eram duas ou três vezes maiores do que os de um homem normal.
— Apresento-lhe o Capitão Slide Narco, nascido no planeta Marte — disse o
tenente, em tom mais baixo. — Falam que este marciano, com seus pulmões
descomunais, é capaz de encher num só sopro um balão do tamanho de um arranha-céu, o
que é, naturalmente, um belo exagero.
— Também acho — confirmou Brazo. Sik se abriu num largo sorriso. Alguns dos
oficiais do setor técnico, ali reunidos, se entreolharam com ar de zombaria. Realmente, o
singular marciano parecia um pateta a bordo.
Brazo mordeu os lábios para dominar o riso. Olhou em volta para disfarçar e antes
que achasse palavras adequadas, aconteceu algo que o deixou desnorteado. Bem rente
dele, o ar começou a tremeluzir e, no mesmo instante, do meio deste estranho fenômeno
luminoso, surgiu uma figura estranha, de pouco mais de um metro, portando o uniforme
da Frota Espacial. Não era nenhuma alucinação.
Gucky viera apenas para dar uma olhada e curioso começou a detectar os impulsos
mentais do subitamente lívido oficial Brazo. Os sentimentos paternais de Gucky foram
fundamente atingidos, ao ver o jovem tomar posição de sentido, com o máximo de
respeito, se bem que de início ele se assustara, dando um pulo para trás e olhando
decepcionado para o focinho pontudo de rato.
“Fantástico! Este deve ser o elemento mais sensacional do Corpo de Mutantes...
Parece um tipo muito simpático, um pouco cômico, mas formidável e de olhos muito
inteligentes.”
Gucky não quis prosseguir na leitura dos pensamentos do recém-chegado a bordo da
Fantasy. Irradiando imensa satisfação pelos bons conceitos a seu respeito, lidos nos
pensamentos de Brazo, Gucky se apoiou nas patas traseiras e, erguendo o corpo, estendeu
a mão em cumprimento. Os olhos de Brazo se arregalaram ao ver o dente roedor, bem
saliente, do intrépido mutante.
— Olá! Bem-vindo a bordo! — disse Gucky, em tom sibilante. — Você é Brazo
Alkher, não é?
— Sim... perfeitamente, senhor — gaguejou o jovem.
Gucky, triunfante, deu uma olhada em volta. Todo mundo ouvira que ele fora
tratado por “Senhor”.
— Gucky, chame-me simplesmente de Gucky — disse benévolo, nadando num
oceano de contentamento. — Para você, estou sempre às ordens. Agora, não se deixe
levar por estes malandros, está entendendo?
— Por quem, senhor?
Gucky riu com gosto. Seus olhos brilhavam de felicidade à luz indireta dos tubos
fluorescentes embutidos.
— Dos malandros. Daqueles ali.
Sua mão apontou para os homens em volta.
— Se não o deixarem em paz, venha falar comigo que eu dou um jeito neles.
Ainda meio confuso, apertou a mão daquele ser inteligente extraterreno. Sentiu-se
meio sem jeito, ao perceber a longa cauda em forma de concha saindo para fora do
uniforme. Enxugou o suor do rosto, depois que o pequeno animal deu-lhe as costas. Sik
tapava e apertava a boca com a mão, enquanto seus olhos úmidos quase saltavam das
órbitas. Depois de esfregar as pálpebras com o indicador, pigarreou fortemente.
— Saia do caminho, seu anão! — gritou Gucky para um tripulante de estatura
avantajada.
— Rapazes! — disse Brazo extenuado — isto foi realidade ou eu estava sonhando
de olhos abertos?
Sik sorriu.
— Você ainda vai conhecê-lo melhor. Dizem que é capaz de liquidar mil homens ao
mesmo tempo, sem uso de qualquer tipo de arma.
— Ah! Essa não!
— É sério, não estou brincando não. Ele é teleportador, telecineta e ainda de sobra
telepata. Você não vai acreditar como ele nestes poucos segundos virou você pelo avesso.
Estou conven..., oba, o chefe está chegando, calma.
Antes que Rhodan penetrasse no salão dos oficiais, captou um chamado telepático
de Gucky. O rato-castor, neste momento, se encontrava no balcão que circundava uma
parte do salão.
— Dei uma olhada nele — continuou Gucky. — Tem um medo pueril de mim,
imagine.
— Extraordinário — emitiu Rhodan, utilizando-se de seus fracos dons de telepatia.
Gucky o entendeu perfeitamente.
— Não o maltrate, grande chefe, por favor! O coitado ficou muito impressionado
comigo.
— Eu já disse, extraordinário.
— Vamos deixar isto de lado. Fiz apenas um teste rápido com ele. Gostaria de dizer
que está tudo cem por cento. Naturalmente, sente-se um tanto inquieto devido à nova
situação. Fora disso, vai tudo bem.
— Ótimo, muito obrigado, Gucky. Rhodan interrompeu a comunicação telepática. O
chefe do Corpo de Mutantes, John Marshall, “ouviu” toda esta conversa. Seu olhar
perscrutante demorou-se por uns instantes no novo oficial da artilharia, antes de sussurrar
nos ouvidos de Rhodan:
— Dá uma ótima impressão, espírito jovem e sadio, sir.
— Não há dúvida, John, conheço bem sua ficha. A bordo da Formosa, o rapaz
realizou proezas que fizeram Bell empalidecer. Isto quer dizer muita coisa, e você não
pode negar.
Marshall tentou esconder o sorriso, enquanto correspondia aos cumprimentos dos
tripulantes da Fantasy, ali agrupados. Brazo Alkher ameaçava se dissolver numa onda de
respeito e admiração, quando Rhodan penetrou no balcão do grande salão, puxando para
junto de si o braço articulado do microfone. Era este exatamente o homem que havia
ajudado Brazo a carregar as malas. Agora, porém, o administrador envergava o sóbrio
mas distinto uniforme da Força Espacial. Os emblemas da hierarquia não tinham nada de
bombástico nem de espalhafatoso, mas eram facilmente reconhecíveis.
— Seremos breves — soou a voz de Rhodan nos alto-falantes. — Mandei convocá-
los para este salão, a fim de informá-los do nosso vôo. Trata-se desta vez de um teste de
longo percurso. O nosso destino é um grande sol vermelho nos confins da parte central da
Galáxia, sol este que ainda não tem nome. A distância deste sol ou estrela vermelha,
indicada nos catálogos, de quarenta e dois mil cento e oitenta anos-luz, talvez não esteja
exata. Com uma espaçonave convencional, necessitaríamos de, pelo menos, dez
transições, tendo que executar os terríveis cálculos de distância de cada salto, ainda sob a
incerteza de não atingir o alvo com exatidão. Gastaríamos para isto pelo menos uma
semana de viagem.
“Tenho intenção de transformar em realidade a maior velocidade já obtida
teoricamente. Assim sendo, a Fantasy vai rasgar o semi-espaço com uma velocidade de
vinte e cinco milhões de vezes superior à velocidade da luz. Este valor deve ser visto de
uma maneira sumamente relativa e dependente de certas condições. Não se assustem,
pois, com a cifra gigantesca. O decisivo não é o conceito relativo sobre uma escala de
velocidade a ser mantida, mas tão-somente o período de tempo real de que carecemos
para perfazer uma distância mais ou menos preestabelecida. Todo o resto é de somenos
importância.
“As espaçonaves de propulsão linear abrem assim novos horizontes para viagens no
hiperespaço. É, pois, necessário nos familiarizarmos com conceitos novos, embora
assustadores.”
Rhodan apalpou o bolso da jaqueta e dele tirou uns papéis. Seu olhar sereno
perscrutou os trezentos membros da tripulação do cruzador de experiência. Eram olhares
atentos e fisionomias tensas de homens escolhidos a dedo.
— O outro ponto que merece uma explicação, diz respeito à exatidão do nosso
destino — continuou Rhodan. — Como nos vôos experimentais anteriores, estaremos em
condições de ver a estrela do nosso objetivo à base do sistema paraótico. Voando 25
milhões de vezes mais rápido que a luz, haveremos de atingir a estrela vermelha em
apenas quatorze horas e meia. Conforme todas as experiências feitas até hoje, não haverá
necessidade de prorrogação destas quatorze horas, excluindo o caso de a proteção total do
campo kalupiano apresentar alguma surpresa, o que, aliás, até hoje nunca se deu. Não
podemos ter uma certeza absoluta, mas, de qualquer forma, estamos preparados para
tudo.
“Uma coisa está totalmente fora de dúvida: os druufs, que não são seres humanos e
de quem herdamos o novo tipo de propulsão, atingiram sempre seus objetivos com
absoluta precisão. Sabemos, além disso, através de nossos agentes cósmicos, que nos
vôos de longo percurso dos druufs jamais ocorreram dilatações de prazo devido ao tempo
relativo. Tenho a certeza de que manteremos nossa medição de tempo, sem que com isso
possam surgir fenômenos desagradáveis.
“Se surgirem fatores de distorção, haveremos de enfrentá-los normalmente. Isto
seria tudo sobre a parte puramente técnica da Operação Estrela do Destino. Tenente
Alkher...!”
Brazo estremeceu de susto ao ouvir seu nome dos lábios do administrador do
Império Solar. Perplexo, se deu conta de que todos os olhares se convergiam para ele.
— Pronto, sir! — respondeu com voz trêmula.
— Você já inspecionou a central de artilharia da Fantasy?
— Perfeitamente, sir.
— Está claro a respeito de tudo?
— Acho que sim, sir. Não é propriamente diferente das centrais das espaçonaves
tradicionais.
— Ótimo, muito obrigado! Prepare-se para, se for necessário, poder agir com a
maior presteza. A Fantasy não é propriamente uma belonave nem um supercouraçado,
nem mesmo um cruzador pesado no sentido estrito da palavra. Uma boa parte dos
armamentos teve de ser suprimida para dar lugar a outros mecanismos. Somos realmente
uma usina energética voando pelo espaço. Os poucos canhões de que dispomos devem
pois estar em condições de fazer fogo com extrema rapidez e pontaria perfeita, para não
termos surpresas desagradáveis. Tome todas as providências neste sentido e não se
preocupe com outras coisas.
— Certo, sir.
Rhodan pôs suas anotações no bolso e, olhando para o relógio, disse
determinadamente:
— Em meia hora atingiremos a órbita de Júpiter. De lá passaremos ao semi-espaço,
acelerando rumo ao nosso destino. Vistam o uniforme espacial e deixem ligados os
aparelhos de intercomunicação. Afivelem bem firme o cinturão de segurança. Esperamos
já haver eliminado as causas das vibrações celulares, observadas até então. Porém não
temos plena certeza disso. Não se esqueçam de que estão a bordo de um protótipo. A
questão é de tudo ou nada, sendo que temos que arriscar tudo para conseguir nosso
objetivo.
Antes de se retirar do salão dos oficiais, Rhodan cumprimentou os presentes com
um sorriso afável. Por uns segundos, um pesado silêncio cobriu todo o recinto. Depois, as
vozes se entrelaçaram. Formaram-se então grupos e grupinhos, onde o assunto devia ser
um só.
— Puxa! Mais de quarenta e dois mil anos-luz...! É dose para leão, é espaço que não
acaba mais — disse Stana Nolinow perplexo. — Desta vez, o negócio é para valer. Como
é que você se sente, meu irmãozinho?
Brazo tinha um sorriso esquisito estampado no rosto. Como que alheio a tudo,
olhava absorto para o lugar onde estivera Rhodan, há poucos instantes.
4
***
Stana Nolinow vinha mais caindo pela escotilha blindada do setor de artilharia do
que propriamente andando. Procurando apoio, firmou-se num aparelho de mira
automática, para depois, com muito esforço, cair sentado num banco. Estava ofegante.
Procurou logo pela proteção do cinturão, afivelando-o bem firme.
Seguindo as prescrições de seu serviço, Brazo Alkher estava sentado atrás do
“órgão de tubos”, como era chamado, na gíria dos tripulantes, o conjunto de canhões.
Achava-se atento, olhando para um adversário que não existia. Olhou rapidamente em
volta, sem compreender o que se passava. Todos que ali estavam aguçaram os ouvidos,
quando Stana Nolinow disse, ainda ofegante:
— Talvez, dentro de pouco tempo, vocês todos tenham que apertar os cinturões.
Acho que não podem fazer uma idéia de como são repentinas as manobras de Kalup.
Foi com uma sensação de intranqüilidade que Brazo verificou que seus comandados
procuraram imediatamente afivelar os cinturões, com uma agilidade incrível.
Estava ainda refletindo sobre as medidas que teria de tomar, quando soou o
videofone de bordo. No aparelho, surgiu o Capitão Slide Narco, cujo rosto estreito
parecia um pouco tenso.
— Alkher, vou precisar de cada miserável watt que seus conversores de artilharia
possam fornecer. Transfira sua ligação para o circuito geral quatro.
Os traços fisionômicos do jovem oficial, quase sempre plácidos, se enrijeceram
numa expressão negativa tão firme, que Nolinow arregalou os olhos espantado. Sikhra, o
oficial de serviço, estirou os lábios para um assobio mudo, olhando perplexo para o
novato, responsável pelo setor de artilharia.
— Sinto muito, sir — respondeu Brazo moderadamente. — A ordem que recebi foi
para conservar sempre em condições de fogo as poucas armas que possuímos.
— Não seja tão fanático assim — insistiu o capitão mais excitado. — Os geradores
dos seus canhões me fornecem quarenta mil megawatts a mais.
— Aliás, quarenta e três mil, sir.
— Seja o que for, canalize este precioso líquido na minha tubulação. Vamos lá,
rapaz.
— Negativo. Quem manda aqui sou eu, meus canhões continuam em estado de
prontidão.
— Puxa! Você se desenvolveu cedo demais, senhor tenente — disse o marciano.
O rosto de Brazo continuava impassível.
— É meu dever, sir. No entanto, estarei à sua disposição, se conseguir do
comandante a permissão para lhe ceder a energia das peças de artilharia. Se o senhor me
permitir uma observação, Capitão Narco: acho que, se o administrador der tal ordem,
muito estará se arriscando. Enfim, ele é quem deverá saber até que ponto as exigências do
professor Kalup são cabíveis.
Narco desligou subitamente o videofone.
Levando à boca a palma da mão e olhando temeroso para Nolinow, disse o oficial
de serviço:
— Meu irmãozinho, não faça inimigos. Por que você não dá a ele os megawatts
solicitados? Se as massas que apóiam o plasma em expansão romperem os campos mais
fracos de estrangulamento, os seis conjuntos de propulsão levarão a breca.
— Quer dizer então que são fabricados com papelão ao invés de aço temperado, não
é? — perguntou Brazo, com calma. — Independente disso, se a potência do conjunto de
emergência não é suficiente, os conversores dos canhões também não poderão mais fazer
milagre. O perigo continuaria o mesmo, com a única diferença de que, num caso de
ataque de qualquer adversário, estaríamos de mãos atadas.
— Que nada! Aqui na zona de libração?
— Basta apenas uma pequena falha de Kalup, para cairmos novamente e
automaticamente no espaço normal, onde podem surgir surpresas desagradáveis.
Brazo afivelou o cinturão com o máximo de cuidado. Ninguém notou nada da
grande excitação que lhe ia no íntimo. Era a terceira vez, em toda a sua carreira de oficial
da Frota Espacial, que se recusara a cumprir uma ordem superior.
“Posso voltar atrás, quando a ordem do administrador chegar”, pensava ele, para
logo depois se envergonhar do que fizera. “Não, não vou jamais executar uma ordem
desta. Narco não tem o direito de paralisar todas as possibilidades de defesa da Fantasy,
havendo ou não havendo encontro com adversários.”
Stana ia dizer alguma coisa, quando as turbinas de propulsão da Fantasy começaram
a roncar muito mais acentuadamente. Havia uma voz fazendo a contagem regressiva. No
zero, o ronco se transformou num barulho ensurdecedor de provocar dores agudas nos
ouvidos.
Brazo viu que Nolinow estava dizendo alguma coisa, mas não se ouvia uma só
sílaba. Dois segundos após a injeção da carga adicional, toda a estrutura do cruzador
pesado começou a vibrar. Momentos depois, a vibração atingiu tamanha proporção que
instrumentos mais sensíveis se partiram.
Um som mais profundo de órgão chegou até a encobrir o tonitroar dos motores de
propulsão. O bojo esférico da Fantasy zunia como se fosse um imenso sino de bronze
badalado por mãos ciclópicas. Além de tudo isto, o alarme automático acrescia ao inferno
de ruídos o ulular agudo das sirenes.
De repente voltou tudo ao silêncio de antes. Somente as estruturas da grande nave é
que ainda vibravam. As lentas ondas sonoras do sino invisível também emudeceram.
Brazo apertou a cabeça com as duas mãos. Alguém gritava alguma coisa pelo
intercomunicador de bordo, mas ninguém conseguia entender, pois todos estavam
momentaneamente ensurdecidos. Foi necessário algum tempo até que os homens
recuperassem a audição. Então ouviram a voz abafada de Rhodan. Soava calma e
compassada. Além disso, estava usando termos que fizeram o sorriso aflorar nos lábios
de Brazo.
— Muito bem, professor, foi isso! As turbinas agüentaram, apesar de terem recebido
pouca corrente. Se fosse no espaço normal, teriam explodido. Não se preocupe, porém,
com o fenômeno das vibrações. Teriam surgido mesmo que nos utilizássemos das quatro
centrais elétricas para os envoltórios de proteção. O que acha do resultado geral?
Surgiu na tela o semblante de Kalup. Estava radiante e eufórico.
— Ótimo, excelente! Acho que você deve perdoar o jovem do posto de artilharia. A
aceleração foi como eu esperava e seus efeitos ainda continuam. Com isto conseguimos
provar que as demais influências de campo do espaço quadridimensional podem ser
superadas por forças puramente mecânicas. O que eu vou precisar mesmo é de mais três
fontes energéticas.
— Mas, não mais na Fantasy.
— Então, mande construir uma nave especial nas dimensões de um supercouraçado,
e não venha nos falar dos pesados gastos de construção. Ainda não estou plenamente
satisfeito.
Rhodan desligou. Brazo virou-se para Nolinow. A fisionomia do jovem oficial da
artilharia estava de novo descontraída.
Stana se levantou e sem dizer nada apalpou-se todo, para depois cocar os ouvidos
com a ponta dos dedos. O oficial de serviço trocou com os homens do posto de artilharia
um olhar significativo. Depois, deixou seu lugar, meteu a mão no bolso e ficou parado
junto de Brazo. As mãos de Alkher começaram a tremer, quando o sargento Enscath disse
meio tímido:
— Fuma, tenente?
— Muito obrigado, não sou fumante, Enscath.
O sargento de mais idade fez um gesto reverente com a cabeça e voltando para seu
lugar, disse com muita calma:
— Não se preocupe com o incidente com o Capitão Narco. Não é homem de
guardar rancor e sabe muito bem apreciar a coragem e determinação. É isso que nós todos
lhe desejávamos assegurar.
— Nós...?
— Sim, todos os rapazes que no momento lhe sorriem reconhecidos, tenente!
Brazo acompanhou Nolinow até a escotilha de ventilação. Lá chegando disse baixo
e gaguejando:
— Sabe de uma coisa, Stana, é uma sensação formidável saber que a gente tem
amigos.
— A quem que você está dizendo isto, meu irmãozinho? Fique sossegado agora e
não se esqueça de que, mesmo na zona de libração e a vinte e cinco milhões de vezes a
velocidade da luz, a gente pode comer alguma coisa. Vamos nos encontrar daqui a meia
hora? Tenho que me ocupar um pouco com meus robôs de combate. Espero que meus
“rapazes” tenham sido suficientemente espertos ligando na hora certa seus envoltórios de
proteção individual. Estes cérebros eletrônicos são muito sensíveis a vibrações mais
fortes.
— Qual é propriamente seu setor técnico?
Stana fez uma reverência mais do que teatral.
— Com sua permissão: Stana Nolinow, tenente da Frota Solar, nas horas vagas
engenheiro diplomado em hiperfreqüências eletrônicas. Isto é um setor especializado de
outro setor também especializado, que juntos formam o conceito geral de cibernética. Um
pouco confuso, não é?
E sorrindo desapareceu atrás da escotilha, de onde ainda gritou:
— Meia hora! Sua primeira refeição no semi-espaço deve ser comemorada
condignamente.
Brazo concordou mecanicamente. Ao voltar para seu lugar, estava imaginando que
já pertencia à comunidade seleta dos grandes especialistas, agora seus amigos.
Na grande tela que mostrava o que havia à frente da Fantasy, cintilava a longínqua
estrela vermelha, que Rhodan esperava atingir em apenas quatorze horas de vôo.
V
***
Rhodan tentou em vão atingir o botão de emergência assinalado com a luz verde. A
pressão que comprimia todo o seu corpo devia estar em volta de cinco gravos. Aliás, a
finalidade dos órgãos de controle automático seria manter a esfera do cruzador em
rotação, através dos fortes motores de propulsão e de estabilização.
Era evidente que, com o grande impacto, todo o sistema automático fora
prejudicado. Rhodan já havia notado isto, como também estava a par do fato de que a
Fantasy girava em torno de seu eixo polar mediante a força centrífuga. Um pouco mais
difícil de compreender era por que não funcionavam os maquinismos de absorção de
compressão. Provavelmente, também com o impacto, os conjuntos produtores de energia
entraram em curto e se desligaram com a supressão dos conversores de compensação. A
instalação automática de emergência não conduzia mais corrente para os neutralizadores
de pressão, impedindo assim seu funcionamento.
Rhodan sentiu com dolorosa clareza que esta situação se assemelhava muito aos
primeiros vôos espaciais tripulados. Naquele tempo não existiam ainda os neutralizadores
para abrandar a lei da inércia, mas os astronautas da época tinham outra formação.
A pressão de apenas cinco gravos quase não teria incomodado os especialistas da já
esquecida “Força Espacial”, treinados durante anos e anos nas mais duras condições de
trabalho. Vivia-se, naquela época, em melhores condições para executar manobras
importantes, como também se dominava melhor uma outra técnica de respiração, que
eliminava qualquer ameaça de sufocamento.
Rhodan estava encostado na parede abaixo das grandes telas panorâmicas. Reinava
em toda a nave um silêncio angustiante. Dezenas de sinais vermelhos dos alarmes davam
à central de comando um aspecto apavorante, e os membros da tripulação pendiam como
que colados em suas poltronas automaticamente deslocadas para trás. Rhodan foi o único
que, pouco antes da colisão, deixara sua poltrona giratória. Lutava agora desesperado
contra a força da gravidade gerada pelas poderosas forças centrífugas. Sabia,
naturalmente, que a cada momento ficava mais debilitado e sem meios de reagir.
Sua visão estava ficando turva. Os nervos óticos não reagiam mais. Dos seus lábios
não brotavam mais do que sons guturais ininteligíveis, que a cada esforço o ameaçavam
de sufocamento.
Seu pensamento se voltou para Gucky, que como telecineta estaria em condições de
acionar a chave de emergência. Quem sabe o rato-castor, de constituição mais fraca, não
estaria também inconsciente? Também não foi possível um contato telepático com John
Marshall.
“É o fim!”, pensava Rhodan, quase chegando ao estado de inconsciência. “Tudo por
causa dos cinco gravos de pressão, ridículos cinco gravos que não conseguimos
superar!”
Já quase sem irrigação sangüínea no cérebro, não conseguia mais concatenar os
pensamentos. Viu confusamente um vulto avantajado, cuja mão ciclópica muito
lentamente se levantou até a altura do peito, onde pendia um aparelho pouco maior que
um punho fechado.
Jefe Claudrin, o homem nascido em Epsal, ainda lutava. Cinco gravos de pressão
não seria muita coisa para ele.
Rhodan já havia perdido os sentidos, quando Claudrin conseguiu desligar o aparelho
de aumentar a pressão. O resto foi uma brincadeira para ele. Vencendo a enorme pressão
reinante, estendeu o braço direito e impulsionou a alavanca verde para baixo.
Na nave esférica em rotação soaram as sirenes de alarme. A instalação automática
de emergência entrou em ação, registrou a situação e iniciou o esquema de ligações
necessárias. O conjunto de propulsão III funcionava em plena carga e os neutralizadores
de pressão receberam os primeiros impulsos. Segundos após, desapareceu aquele peso
terrível que oprimia os tripulantes. O ronco dos motores de correção comprovava que o
movimento giroscópico estava sendo absorvido.
Quando Rhodan voltou a si, viu o vulto possante de Claudrin na sua frente. Sem
desperdiçar uma palavra, Claudrin ergueu Rhodan e o colocou numa poltrona giratória.
Em todos os cantos da Fantasy, os homens voltavam a si. Também Brazo Alkher se
levantou com um leve gemido, sentindo falta de ar. Seu primeiro olhar foi para a tela da
mira automática, onde um clarão amarelado lhe ofuscou a vista.
Num esforço sobre-humano, chamou a central de comando. O comandante atendeu
logo e Brazo falou com dificuldade:
— Aqui na central de artilharia, tudo bem, sir. Que aconteceu? Contra o que nos
chocamos?
— Se não estou enganado, atravessamos em menos de um milésimo de segundo um
respeitável sol amarelo.
— Santo Deus!
— Permaneça atento em seu posto, Alkher. Não sei ainda o que significa esta
incandescência. De qualquer maneira, encontramo-nos de novo no espaço normal.
— Sir, talvez eu esteja caducando, mas tenho a impressão de estarmos ainda dentro
deste sol.
Claudrin queria dizer alguma coisa, mas silenciou de repente.
— Meu jovem, você me chamou a atenção para outra coisa — disse ele finalmente e
com voz pausada, como quem está com o pensamento longe. — Olhe um pouco agora
para sua gente, mande os feridos para o hospital e comunique-se com o primeiro-oficial.
Fim.
— Fim, sir — repetiu Brazo mecanicamente.
Estava ouvindo, sem querer, o ronco dos geradores energéticos que protegiam o
cruzador por meio dos envoltórios de proteção contra os perigos do espaço.
Alguma coisa não estava certo a bordo da Fantasy. A visão ótica não era mais
possível. Só se via nas telas o clarão amarelado.
Brazo procurava respirar profundamente. Levantou-se lentamente de seu assento. A
situação não lhe estava agradando.
6
— ...um acidente que pode acontecer a qualquer nave de vôo linear — dizia Kalup
com toda calma no intercomunicador de bordo.
Sua fisionomia pálida, contraída e principalmente as bochechas sulcadas de veias,
agora rígidas, não tinham nada desta calma. Continuou falando com a maior pachorra:
— A experiência está terminada. Mandei coletar em toda a nave, através dos raios
de tração, algumas Amostras de matéria. Estamos levando conosco uma bela porção da
massa solar, o que aliás não é um merecimento da nossa pequena espaçonave, mas apenas
do campo de compensação. Os fenômenos físicos estão de alguma maneira claros. Foi
sorte nossa que, no momento da colisão, o conversor de proteção estivesse funcionando
com a potência máxima. De outra forma, não estaríamos mais vivos agora. Parece que
estou falando uma grande asneira, mas o fato é que nos encontramos no centro de uma
massa em rotação e em fase de rápido resfriamento, onde não pode haver mais nenhuma
reação atômica. Isto me parece muito estranho, mas haveremos de descobrir a razão de
tudo isto.
Na central de comando, Jefe Claudrin virou a cabeça para trás. Rhodan estava
sentado na poltrona do co-piloto; parecia muito cansado. Seu rosto estava um pouco
inchado abaixo do olho esquerdo.
— Foi realmente uma grande sorte o senhor ainda ter conseguido desviar minha
mão da alavanca — disse Claudrin, com a voz mais fraca possível. — Do contrário teria
desligado o sistema de Kalup na hora da colisão.
Rhodan trincava os dentes, para dominar as dores que estava sentindo. Durante o
período da forte pressão, foi atirado contra a parede de aço e talvez tivesse quebrado
alguma costela.
— Compreendi a situação no último momento — disse ele. — Já estávamos
próximos demais. Mas vamos esquecer isto. Kalup, que propõe agora?
— Temos que varar esta massa enquanto está macia, isto é, antes que esfrie
totalmente. Precisamos estudar os problemas que podem advir daí.
— Exatamente por isto lhe estou perguntando, meu jovem.
Kalup não gostou do adjetivo. Seu rosto já estava recuperando a cor.
— Pare com essa brincadeira, por favor! Temos que nos comportar como o pintinho
que começa por picar a casca do ovo por dentro para poder sair. Não há outra
possibilidade. Para se conseguir isto, deparam-se-nos dois caminhos.
— Oh! Dois de uma vez? — acudiu Rhodan.
— Por favor, não seja irônico. A situação é muito séria para isto. No momento, não
quero ainda me arriscar a desligar os campos normais de proteção, o que seria necessário
com a entrada do conversor de compensação. É possível, em determinadas circunstâncias,
que ocorram, ainda nesta massa, reações atômicas que dificilmente agüentaremos sem os
campos de defesa.
— Ah! É isto!
— O senhor arranjou no comando da Frota Espacial um oficial artilheiro dotado de
qualidades especiais, não é assim?
Rhodan ficou atento e um rapaz de nome Brazo Alkher ficou nervoso, olhando
assustado para os homens do setor de defesa. O sargento Enscath apertou as mãos
nervosas no espaldar da poltrona.
— Santo Deus! Era isto que eu estava pensando... — disse ele bem baixo.
— Você pretende mandar bombardear esta nuvem incandescente, professor? —
soou a voz de Rhodan nos alto-falantes do intercomunicador e todos ouviram-na.
— Vamos experimentar. De qualquer maneira é menos arriscado do que desligar os
campos de proteção, assim sem mais nem menos. Alô! O oficial-chefe da artilharia está
me ouvindo?
— Sim, perfeitamente, senhor! — respondeu Brazo, gaguejando no microfone. —
Fala o Tenente Alkher, senhor.
— Ótimo. Acho que já nos conhecemos, não é verdade?
Kalup deu uma daquelas suas gargalhadas estrondosas.
— É verdade, sir. O senhor foi tão gentil de me proteger de uma grande queda.
— Lembro-me disso. Você tem coragem de atirar na nuvem em rotação, produzindo
nela uma espécie de fenda?
Brazo esqueceu seu nervosismo. Rhodan estava olhando atento para o videofone.
Quando reparou na determinação que havia no rosto daquele rapaz, ficou feliz.
O cálculo mental de Brazo tinha terminado. Com um tom de voz completamente
diferente, como quem trata de um negócio friamente, continuou ele:
— Não é tão fácil assim. O senhor disse que a nuvem está em rotação, não é
verdade? Portanto, se alvejar um determinado ponto com fogo mais demorado, a Fantasy
deve acompanhar o movimento de rotação da nuvem, para que meu fogo se concentre no
lugar alvejado. De outra forma não alcançaremos o ponto certo, e o fogo se espalhará,
não causando o menor efeito.
— Certo, era isto que eu ia lhe explicar. Você sabe pensar, meu jovem amigo.
Prepare seus canhões e use tudo que estiver à sua disposição. Apenas não faça uso de
armas que nos possam prejudicar.
— Só poderemos utilizar canhões de impulsos e desintegradores.
Rhodan deu as últimas instruções. Apareceu na tela, através dos instrumentos de
rastreamento, a mancha de clarão incandescente. Os neutralizadores de pressão foram
ligados sincronicamente.
Momentos mais tarde, a Fantasy começou seu movimento de rotação, desta vez,
porém, de maneira planejada. Na tela de mira de Brazo, o clarão amarelado se tornava
cada vez mais visível, até que finalmente ficou se equilibrando na cruz da mira.
Seguiram-se as últimas correções. O pesado cruzador girava 22.364 vezes por segundo
em torno de seu eixo polar. Os canhões, solidamente afixados nas cúpulas avançadas,
giravam junto. O bombardeio podia começar.
— O distanciamento do aglomerado de matéria está em relação com o envoltório de
defesa gravitacional — dizia o vozeirão de Claudrin no alto-falante. — São exatamente
dez quilômetros. Dirija seus canhões de tal forma que cortem pelo menos uma faixa de
três quilômetros.
— Perfeitamente — respondeu Brazo, mecanicamente.
Estava concentrado na tela de mira. Seus dedos finos, de grande sensibilidade,
apalpavam de leve as teclas de disparo. Todos os canhões de frente da Fantasy
apontavam para o mesmo ponto.
— Fogo livre — sentenciou a voz de Rhodan.
Brazo apertou a tecla mestra de disparo automático de todas as bocas-de-fogo da
frente e o cruzador parecia urrar como um monstro acuado. Jatos de impulsos
chamejantes num tom arroxeado, quentes como o Sol e quase tão velozes como a luz,
eram vomitados com toda fúria. Os raios desintegradores que destruíam as moléculas
eram invisíveis, mas muito mais velozes que os canhões de impulso ou de raios térmicos.
Durante três segundos, Brazo manteve a tecla comprimida. A Fantasy estremecia em
toda sua estrutura. O ponto da massa amarelada, atingido pelo fogo cerrado, parecia fazer
explodir a parte mais fria do lado de fora. Violentos processos de reação atômica
atingiam os envoltórios de proteção da espaçonave, ameaçando destruí-los. Fora das
paredes resistentes da nave, era um inferno. Línguas de gás chamejante irrompiam de
repente da massa superaquecida para a escuridão do espaço. Brazo provocara um sol em
miniatura que vomitava no espaço faixas de hidrogênio incandescente.
— Cessar fogo! — ordenou Rhodan pelo microfone. — Não tem mais sentido. A
fenda obtida com o bombardeio é enchida novamente com massas de gás! Vamos sair
daqui antes que esta nuvem incandescente se transforme em um novo sol. Kalup, pronto
para uma manobra linear. Narco, alimente os conjuntos de propulsão para velocidade
máxima.
— Isto é uma loucura, pois arrastamos a nuvem chamejante conosco!
— Faça o que estou dizendo, Kalup. Vamos partir já. Desligar o campo de proteção
normal e instalar os campos de compensação. Se não conseguirmos isto, seremos
queimados vivos. Está compreendendo a situação?
— Claro que sim — respondeu Kalup, secamente. — Pois bem, aguarde, porém,
minha mensagem.
Brazo Alkher retirou o dedo da tecla de disparo geral. Lá fora, o espaço pegava
fogo. Brazo sabia que fora ele quem provocara, por meio dos raios térmicos, aquela
reação nuclear, reação esta tanto desejada pelo grande físico... Agora, os átomos do
hidrogênio, de fácil fusão, tinham se tornado ativos. Era hora de fugir.
Os comandos saíam em rápida seqüência. O tonitroar dos conversores kalupianos
superava todos os ruídos.
Dois minutos mais tarde, o setor de máquinas anunciou o ponto máximo de
aceleração. A matéria solar, cada vez mais aquecida, foi arrastada pela Fantasy. Assim,
tornava-se praticamente impossível ficarem livres. Além de tudo, o que aconteceria ao se
atingir uma velocidade próxima à da luz?
Rhodan deu suas últimas instruções. Os membros da tripulação fecharam o capacete
do uniforme espacial. Perry esperou ainda um pouco até que os instrumentos de correção
eliminassem a rápida rotação da espaçonave.
Quando os campos de proteção da Fantasy estavam próximos do rompimento, em
virtude do crescimento exagerado das forças nucleares dentro da nuvem chamejante,
Rhodan, com a serenidade que lhe era característica nos momentos mais críticos, disse:
— Jefe, faça o seguinte: acelerar cinco segundos no semi-espaço, logo em seguida
desligar o sistema kalupiano. Isto deverá ser suficiente. Está pronto? Pode começar.
Claudrin olhou mais uma vez para a lâmpada verde do automático da sincronização.
Desligar os campos normais e ligar a zona kalupiana tinham que acontecer numa fração
de segundo.
Então o homem nascido em Epsal, num gesto rápido, quase invisível, acionou o
contato de direção manual.
Era como se o cruzador fosse explodir. Chamas esbranquiçadas pareciam querer
saltar das telas para dentro da espaçonave. O sistema kalupiano abafava todo outro
barulho. O sibilar da parte externa do bojo, supersolicitada pela velocidade, também não
se ouvia mais. Apenas se sentiam os grandes abalos.
Tudo isto durou poucos instantes. As chamas desapareceram de uma hora para
outra, e com elas as forças desenfreadas da reação nuclear. Na grande tela frontal surgiu
novamente o espaço coalhado de estrelas cintilantes.
Rhodan estava se recostando no espaldar da poltrona, para respirar um pouco,
quando a Fantasy recebeu de repente um solavanco forte, facilmente perceptível. Os
controles de velocidade caíram rapidamente. Era como se a Fantasy navegasse num mar
de algodão que reduzia grandemente sua velocidade.
O fenômeno foi muito rápido, no máximo um segundo; no entanto, este curto espaço
foi suficiente para que Claudrin pudesse desligar o sistema kalupiano antes do prazo de
cinco segundos estipulado por Rhodan.
Privado de seu campo de compensação, o cruzador protótipo mergulhou de novo no
espaço normal, onde continuou voando em queda livre com a velocidade adquirida
durante a manobra de fuga.
Os motores de propulsão e o sistema kalupiano silenciaram. Nas telas de observação
normal, cintilava um sol gigantesco de coloração azulada. Os rastreadores funcionavam
normalmente e as escalas cilíndricas em rotação comprovavam que este sol
resplandecente possuía numerosos planetas. Este fato não despertou muito o interesse da
tripulação. Quase ninguém se preocupou com isto, pois era a coisa mais comum um sol
ter um determinado número de planetas.
Rhodan contemplou fascinado, por uns momentos, as grandes telas da galeria
panorâmica. Cinco dos planetas descobertos apareciam como pontos minúsculos
esverdeados. O próprio Rhodan não se preocupou com a nova aparição. Muito mais
importante lhe parecia o fato de terem escapado do centro de um novo sol em miniatura e
principalmente a singular redução de velocidade, que possibilitara a Claudrin poder
interromper rapidamente o vôo linear.
— Que foi isto? — perguntou Rhodan preocupado. — Você deve ter reparado, não
é?
— Evidentemente, sir!
Reginald Bell levantou-se de sua cadeira giratória, e aproximou-se das telas
panorâmicas. Com os olhos comprimidos, ficou contemplando o sol azulado, agora bem
nítido. Depois que os olhos dos observadores se acostumaram com o brilho intenso, Bell
constatou que o espaço vazio em volta do estranho sol tinha uma coloração também
azulada. Faltava, pois, a negridão pronunciada do Universo, apenas interrompida em
geral pelo cintilar multicor das inúmeras estrelas.
— Alguém me pode explicar onde nós estamos? — perguntou Bell. Meteu as mãos
nos bolsos externos do uniforme e olhou vagarosamente para cada um ali presente.
Kalup e alguns outros cientistas da nave experimental penetraram no posto de
comando. Um ponto positivo, comprovando o grande poder de reação de Kalup, era o
fato de que não perdera nenhuma palavra com a fuga bem-sucedida do sol amarelado.
Para ele, já era um fato consumado e esquecido. Com alguma hesitação, aproximou-se
das telas. Ouvira a pergunta de Bell.
— Onde nós estamos? Em hipótese alguma no hiperespaço ou em algum universo
estranho ou ilusório. Isto é um sistema solar absolutamente normal, pertencente à nossa
Via Láctea.
— Sistema solar absolutamente normal? — repetiu Rhodan, com uma ponta de
ironia. — Kalup, você está se desenvolvendo maravilhosamente como um super-homem
sabe-tudo.
O extraordinário físico balançou a cabeça de um modo insólito, sério e, ao mesmo
tempo, descontraído.
— Simplesmente, meu cálculo foi mais rápido do que o seu e minha observação
também. Quando a camada de ar, ou a atmosfera de um planeta tem cintilação azulada,
está tudo normal. Mas quando o espaço, que sabidamente é um vácuo, apresenta esta
coloração, então o caso é totalmente fora do comum. Ou você já viu um vácuo ter
qualquer tipo de reação?
Rhodan hesitou. Antes que pudesse dizer alguma coisa, Kalup prosseguiu:
— Durante o vôo linear, fomos detidos por uma força desconhecida. Tenho a
impressão de que atravessamos um envoltório de proteção magnética, que deve ser um
pouco semelhante com o campo de compensação. De outra forma, seríamos impedidos de
passar ou mesmo seríamos destruídos. Este envoltório protetor produz esta cintilação.
Gostaria de dar a este sistema o nome de sistema Azul.
— Um campo de proteção... no meio do espaço? — disse Bell confuso. — Uma ilha
de força de tal dimensão que abriga no seu bojo um grande sistema solar, com, pelo
menos, quinze planetas? Professor, o senhor está consciente do que acaba de afirmar?
Kalup fez que sim com a cabeça. Seus olhos brilhavam. Para ele, o cientista, o
fenômeno observado era fascinante.
Perry Rhodan e os principais oficiais da nave protótipo pensavam de modo
essencialmente mais prático.
***
A primeira providência que Rhodan tomou após a partida foi mandar para a cama
toda sua tripulação, até mesmo os mais simples vigias. Era de opinião que, com homens
descansados se conseguiria muito mais do que com os maiores gênios tresnoitados.
Já eram decorridas dezenove horas desde o início do vôo experimental e a Fantasy
agora se encontrava em manobras de frenagem, depois de, há quinze minutos atrás, ter
sobrevoado a órbita do quinto planeta. Nas telas panorâmicas brilhava um alongado
corpo celeste com grandes mares, montanhas extensas e campinas verdejantes.
Tinha a gravitação de 1,1 gravo e uma atmosfera de muito oxigênio com um céu
transparente como um cristal, de um tom azul-claro. Neste setor do espaço, tudo parecia
azul, o que já dera ensejo aos tripulantes de criar novas piadas.
Rhodan dera a este quinto planeta o nome de Sphinx, com o que deixava bem à
mostra o caráter misterioso deste novo mundo. Sphinx tinha duas luas, sendo que uma
delas possuía mais ou menos as dimensões de Mercúrio, enquanto que a outra era um
corpo celeste menor e aparentemente desabitado, provavelmente pouco maior que um
meteorito.
Estes fatos não tinham nada nem de sensacional nem de interessante se, nas
proximidades do quinto planeta, houvesse apenas uma única espaçonave. Os homens a
bordo do cruzador pesado estavam diante de um enigma.
Os abalos estruturais ficaram mais brandos, no entanto a freqüência com que eram
registrados deixava supor um intenso tráfego espacial. Apesar de tudo, não se viam nem
espaçonaves, nem aparelhos menores. Era como se os supostos habitantes do quinto
planeta nunca tivessem ouvido falar de viagens espaciais tripuladas. Mas os aparelhos de
rastreamento não cessavam de registrar certo movimento no espaço. O mistério
perdurava, até que medições mais exatas das estações de rastreamento clarearam o
fenômeno.
A causa dos constantes estremecimentos espaciais não estava no quinto planeta, mas
em seu satélite de tamanho aproximado de Mercúrio, que provavelmente também possuía
uma camada de ar respirável para os homens.
Rhodan resolvera então voar para esta lua.
***
***
...para Auris de Las-Toor: averiguar de onde vêm estes estranhos e de que maneira
conseguiram romper o envoltório de proteção.
A jovem retirou o bilhete do transmissor de notícias, colocou de novo a cápsula na
fenda de ejeção e apertou o botão de contato. A cápsula desapareceu com um pequeno
clarão, para no mesmo instante rematerializar-se no aparelho receptor da Central de
Notícias.
Com muita atenção, Auris leu a ordem escrita do Conselho Regente.
— Tomaram coragem — disse um técnico mais idoso, apontando para a tela do
vídeo. — Estão saindo da nave. Parece que não conhecem mais boas maneiras e bons
costumes. Estão naturalmente degenerados, inferiores. Dê-lhes a entender que não são
bem-vindos e faça tudo para que sua nave nos deixe o quanto antes.
Auris de Las-Toor inclinou a cabeça. Com o interesse prático e simples de uma
cientista, ela examinou os estranhos que, bem reconhecíveis, acabavam de sobrevoar as
primeiras estações dos reatores.
— Não apresentam nenhum sintoma de degeneração física — disse o técnico. —
Admirável! Mantenha-os dentro de seus limites.
Auris passou a mão nos longos cabelos vermelho-cobre e ligou seu campo de
proteção. Depois abotoou seu manto curto e se dirigiu para o portão de segurança que se
abriu sem o menor ruído. Do portão ao ponto de condução eram poucos passos. O “ponto
de condução” era o campo de ação do transmissor fictício. O técnico observou a
dissolução instantânea de seu corpo esbelto. Sem intervalo de tempo, a moça
rematerializou-se no aparelho de recepção da maior lua do planeta.
Auris de Las-Toor estava disposta a executar a ordem do Conselho Regente. Olhava
descontraída a aterrissagem das três viaturas anfíbias. Já era tempo de fazer alguma coisa.
— Estão se dirigindo para os campos estruturais — explicou o técnico da grande
estação energética 18-IV-3645. Devem ser tratados como hóspedes?
— De maneira alguma — disse Auris categórica. — O comportamento deles não é
decente. Você deve ter notado que nós não pensamos em retribuir suas abrutalhadas
tentativas de aproximação. Mande-me um deslizador robotizado e informe os que estão
viajando. Os degenerados não devem ser tomados em consideração.
8
Pouco antes de deixar a Fantasy, Rhodan havia ordenado que a partir daquele
momento só se podia falar a língua arcônida a bordo. Todo membro da tripulação
dominava esta língua plenamente.
Sem serem molestados, sobrevoaram os gigantescos armazéns e as enormes cúpulas
das centrais, que haviam sido rastreadas da espaçonave. Do outro lado dos edifícios, que
vistos de cima, pareciam formar uma grande cidade, já eram visíveis os focos
luminescentes, observados já antes da aterrissagem da Fantasy. Eram pistas energéticas
com nuances do branco-pálido ao vermelho-escuro, surgindo sem transição do solo, para
depois, na altura de cinqüenta a trezentos metros, se unirem em arco.
Desta maneira, formavam-se singulares portões em cujas aberturas o mundo parecia
acabar.
Rhodan ia confeccionando seu mapa. Os três aparelhos anfíbios desceram a poucas
centenas de metros do grande fenômeno luminescente. Aquela gente desconhecida abrira
estradas largas de muitos quilômetros de comprimento, terminando todas diante das
gargantas escuras das colunas energéticas, como se as tais estradas ali se interrompessem
de repente.
Trinta terranos olhavam boquiabertos para os inúmeros homens estranhos do outro
lado, que saíam das grandes galerias existentes em volta, ou que estavam ocupados em
outros terrenos, lidando com mercadorias de todos os tipos.
Máquinas gigantescas robotizadas se arrastavam para fora dos silos. Os objetos
transportados em campos antigravitacionais eram depositados numa espécie de caminhão
sem rodas, construído em forma de concha, que, depois de carregado, era levado como se
não tivesse peso nenhum para um dos portões em arco.
Não havia dúvida de que se tratava de transmissores fictícios, mas de uma espécie
que não era ainda conhecida nem na Terra, nem no Império Arcônida. Rhodan observava
tudo, todos os processos, até poder compreender o significado de todos os aparelhos e
instalações.
Aquela enorme região, que não se abrangia com a vista, estava tão saturada de
campos de transmissão fictícia, que não era mais o espaçoporto para o despacho de
mercadorias e de passageiros. O que ali se passava, não era nada de assustador nem de
descomunal, mas tão-somente de uma técnica superapurada e superevoluída.
Os pré-arcônidas — se é que se tratava deles — encontraram uma maneira viável e
tecnicamente amadurecida para acabar com as complicadas viagens espaciais até planetas
distantes ou superdistantes.
Se fosse realizado em campos em arco, em transmissores para desmaterialização e
condução de mercadoria de qualquer tipo, o transporte se faria sem nenhuma perda de
tempo e sem as complicadas manobras de carregar e descarregar.
Rhodan sabia agora por que motivo havia ali nas proximidades uma central elétrica
de tamanha proporção. Era para alimentar os vários transmissores fictícios. No entanto
não se viam em parte alguma as redes de transmissão ou cabos condutores isolados. Não
se podia, pois, imaginar de que modo os transmissores recebiam a necessária energia.
Também não se viam as chaves de comando ou de sincronização, que, certamente,
deviam existir.
Rhodan e seus cientistas já haviam visto bastante para poderem concluir sobre o
elevado nível técnico daquelas inteligências.
— Olhe uma coisa aqui — disse Bell impressionado, com os olhos claros bem
arregalados.
O olhar de Rhodan acompanhava a mão do amigo. Do outro lado, a uns trezentos
metros, zunia uma longa e interminável cadeia de gigantescas plataformas flutuantes, sem
rodas, na direção de um dos grandes portões do transmissor fictício. As plataformas
flutuantes transportavam máquinas monstruosas, mercadorias bem acondicionadas e uma
multidão de pré-arcônidas, em fila e em perfeita ordem, estavam sentados nos
deslizadores.
Lá onde começava a terrível e tenebrosa garganta do arco de desmaterialização,
desapareciam uma por uma as plataformas flutuantes, com um rápido clarão de brilho
intenso. Demorou poucos minutos até a interminável cadeia se dissolver, para no mesmo
instante, talvez, rematerializar-se, num mundo distante, numa instalação semelhante de
transmissor de recepção.
— Em comparação com esta gente aqui, nós somos órfãos — disse Bell com um
sorriso indeciso. — Provavelmente, poderão facilmente cobrir grandes distâncias.
— Devem ter pelo menos um aparelho de recepção em cada uma de suas bases —
opinou o Tenente Sikhra. Seu rosto estreito lhe dava uma aparência de tímido. — Sir,
pensando bem, não me resta outra opção a não ser admitir que os pré-arcônidas possuem
ainda uma navegação espacial tripulada. De outra feita, como poderiam eles transportar
para outros mundos os aparelhos de recepção, absolutamente indispensáveis? Ou o
senhor acha que haveriam de usar aparelhos que não carecem de receptores? Seria o
cúmulo, não acha?
— Nada é impossível. O Ser do planeta Peregrino tem este poder. No
supercouraçado Drusus, existe um transmissor fictício, oriundo do planeta Peregrino,
através do qual se pode enviar qualquer objeto desmaterializado para qualquer lugar.
— Estas instalações não parecem deste tipo — disse Bell. — Mas não me olhe
assim, que eu fico com cara de bobo. O que você está pensando, Rhodan?
— Voltar, voltar o mais depressa possível — disse ele, depois de curto silêncio. —
O pessoal desse planeta não nos está dando nenhuma importância. Acho que, para eles,
somos ar empesteado, que não se pode respirar. Sikhra, reúna seu pessoal.
Mahaut fez um sinal para um de seus sargentos, Totrin, um homem baixo de cabelos
negros, de seu comando de ação. Totrin tentava, há minutos, entrar em conversa com
algum dos transeuntes. Era um tipo sempre bem-humorado e, além disso, muito paciente.
Assim, respondia sistematicamente com um sorriso neutro, quando simplesmente o
deixavam de lado, como se ele não existisse.
Mas Totrin devia ter descoberto alguma coisa. Quando percebeu o sinal de Sikhra,
voltou lentamente para o veículo anfíbio mais próximo e saltou por sobre o peitoril mais
baixo do bagageiro.
— Então? — perguntou Rhodan, com visível inquietação.
— Nada feito, sir. Não querem diálogo. Se a gente fica parado no meio da calçada,
eles simplesmente se desviam. Continuam conversando como se não ouvissem nada.
Tentei umas quinze vezes, com diversos tipos de pessoas. A maioria deles tem cabelos
cor de cobre, muitos, no entanto, têm cabelos escuros, com um reflexo azulado. Todos
possuem uma pele morena aveludada. Neste ponto não parecem muito com os arcônidas,
mas em compensação falam bem o arcônida.
Rhodan se admirou.
— Que você está dizendo?!
— Falam o arcônida arcaico, sir. Pude compreendê-los muito bem. É mais ou menos
a língua que encontramos nos lugares de colonização arcônida. Mais importante é o fato
de que chamam o sol azul deste sistema de “Ácon”.
— Está aí o negócio — exclamou Bell, agitado. — “Ácon”! Se acrescentarmos a
letra “r”, teremos “Árcon”. Está mais do que claro que os arcônidas de hoje se
espalharam pelo Universo, saindo daqui. Nosso bom amigo Atlan não devia se gabar
tanto do grande passado de seu povo. Os nossos arcônidas não são mais do que um ramo
degenerado desta raça.
— Um veículo flutuante vem em nossa direção, sir — avisou alguém.
Rhodan virou-se imediatamente.
O deslizador disparava pela ampla pista e parou exatamente em cima das viaturas
anfíbias.
— Oba! Estão perdendo a paciência, não é? — disse Rhodan como que
monologando.
Seus olhos se estreitaram. O sol azul estava até muito camarada: a temperatura
média era em torno de 29 graus centígrados.
Esperou uns momentos até que pudesse discernir bem as pessoas que estavam no
deslizador.
— Estão mandando uma mulher, aliás uma bela mulher — disse John Marshall. —
Está pensando em nós e numa determinada missão. Esta gente irradia paravibrações
instáveis, distorcidas, sir. É muito difícil pegar o fio de seu pensamento.
— É isto mesmo — confirmou Gucky, que desde a fuga da nuvem chamejante não
dera mais sinal de si.
Todos sabiam que o rato-castor sofria muito com as conseqüências da sobrecarga
dos muitos gravos.
— Está pensando numa missão? — repetiu Rhodan. — Sikhra, prepare tudo para a
partida. Quando ela se aproximar mais de nós, escaparemos por aí. Quem sabe o que ela
está tramando contra nós?
— Uma frágil donzela! — exclamou Bell com ironia.
— Para mim, não é uma frágil donzela, mas uma representante deste grande povo,
que, em dadas circunstâncias, pode perder a paciência e se tornar perigosa. Não preciso
dizer o que pode então acontecer.
— Ela e sua comitiva vêm de fato na nossa direção — disse Gucky com mais
animação. — Está pensando em algo pequeno, que se arrasta com antenas na cabeça, e
sente nojo pensando nisto, mas está sempre comparando este animalzinho nojento
conosco.
— É percevejo! — disse Reginald Bell.
— Percevejo não tem antena, sir — corrigiu Mahaut Sikhra sorrindo.
— Não tem importância! Quem sabe os percevejos daqui possuem antenas?! Mas
isto é o cúmulo! Esta mulher parece estar mais orgulhosa de seu povo do que, em seu
tempo, a arcônida Thora. Para ela, nós éramos apenas os habitantes de um inferno, um
pouco melhorado.
Rhodan estremeceu e Bell teve remorso do que disse. Desde a morte de Thora, seu
nome não era mais pronunciado na presença de Perry Rhodan.
— Sikhra, vamos embora! Depressa!
Os três veículos desprenderam-se do solo, movidos por projetores
antigravitacionais, exatamente quando a cientista Auris de Las-Toor parara sua viatura
deslizante.
Quando um homem de boa estatura, com traços marcantes e irônicos, de olhos
escuros, curvou o corpo e a cumprimentou, Auris ficou confusa e pela primeira vez sentiu
admiração pelos estranhos.
Consternada, olhava para os aparelhos que, segundos depois, desapareciam atrás das
grandes construções da central elétrica.
Nervosa, Auris transmitiu a notícia para sua central. Recebeu a instrução de não
molestar mais os aparentemente assustados homens de outros mundos.
Auris não sabia por que começara a duvidar de repente do conceito “assustado”. O
homem alto, ponderado, de autodomínio, não dava a impressão de ter ido embora
assustado por ela. Tentou refletir sobre a situação com clareza e isenção de ânimo, sem
nenhum preconceito. Depois resolveu voltar o mais depressa possível para sua repartição,
a fim de obter novas informações sobre a pré-história dos emigrantes acônidas.
Auris de Las-Toor era galato-socióloga. Estava dentro de seu quadro profissional
investigar os problemas sócio-políticos dos mundos colonizados pelos acônidas e
enquadrá-los dentro das normas das antigas legislações.
Quando, em rápida viagem, voou de volta para a base do transmissor fictício, era de
opinião de que ia esclarecer tudo sem nenhuma complicação. Descontente consigo
mesma, tentou tirar de sua memória aquela aparição esbelta.
“O fato de aquele homem ter olhado sarcástico e sobranceiro para mim foi apenas
uma questão de situação, pois ele estava, no momento, em posição mais alta do que eu”,
pensava ela, tentando convencer-se. “Mas por que o degenerado tinha que olhar logo
assim para mim?”
***
O Tenente Brazo Alkher retirou a ponta dos dedos dos interruptores do quadro de
mira dos canhões, assim que o último veículo anfíbio entrou são e salvo na grande
comporta equatorial da Fantasy. Stana Nolinow que, no momento, não estava ocupado na
direção da nave, apareceu na central de artilharia, a fim de contar a Brazo as últimas
novidades.
— ...ninguém deu bola à nossa gente — disse ele, em voz alta. — Uma ofensa
destes orgulhosos! Mas a moça... que classe! — virou os olhos e estalou os dedos.
Brazo sorriu. Nolinow parecia muito sensível a este gênero de fascinação.
— Você a viu, meu irmãozinho? Não, naturalmente não, você tinha que olhar para o
seu quadro de mira. Mas eu tomei parte na transmissão das imagens para a televisão.
Mahaut me havia prometido captar os lances mais importantes com a câmara portátil.
Assim, vi tudo, vi principalmente a moça bonita. Imagine só aquela figura esbelta,
pneumática...
— Como?
— Figura pneumática de uma deusa — continuou Stana, arrebatado. — Cabelos
compridos, levemente ondulados, da cor de cobre velho, que, dependendo da incisão da
luz, tinham reflexos esverdeados. Ainda por cima, o nariz clássico de uma deusa grega,
os lábios cheios de uma espanhola, a frieza reservada de uma rainha inglesa. Tinha gelo
nos olhos de esfinge, mas, quando viu Perry Rhodan, respirou duas vezes e meia mais
rápido.
— Por que não três vezes?
— Duas vezes e meia, eu contei. Por que haveria de mentir?
— Você não acha este tenente um pouco maluco, sargento Enscath? — perguntou
Brazo ao velho graduado.
— Não compete a mim julgar os oficiais da nave assim abertamente — disse
Enscath, sorrindo.
— É isto que gostaria de aconselhar a você — ameaçou Stana. — Meus amigos,
vocês não têm idéia... que coisas maravilhosas existem nesta lua meio deserta! Vocês
estão vendo que estou apaixonado, virado do avesso por ela, pronto para sacrificar minha
vida pela Humanidade, com a única condição de que eu pudesse tratar com ela sobre o
destino da tripulação da Fantasy. Caminharia sorrindo e bêbado de felicidade para a
morte, caminharia, não, pularia... depois, acho que...
— Tripulação para os postos de manobra — tonitroou o vozeirão de Claudrin, em
todos os alto-falantes. — Prontos para decolagem de emergência. Confirmem.
Stana silenciou, olhando aborrecido em volta.
— Que brutamontes! — disse ele. — Interromper-me assim desta maneira. Vocês
ouviram? Eu estava falando dela.
— Está certo, mas agora, corra para seus robôs, seu poeta de meia-tigela — disse
Brazo, com calma.
Sem dizer mais uma palavra, Stana caminhou para a porta blindada. O sargento
Enscath disse com cara de sério:
— Senhor, estamos preocupados com seu bem-estar. Caso o senhor deseje colocar
uma peruca vermelha num dos seus robôs, eu poderia falar com o oficial do
almoxarifado.
Stana olhou furioso para Enscath.
— Seu maluco!
Depois que ele desapareceu, Brazo Alkher levantou o dedo em tom peremptório:
— Gostaria de saber se um oficial da nave tem o direito de ofender os membros da
tripulação.
— Vamos perdoá-lo, sir — disse o sargento, sorrindo. — Bem, o painel do controle
de armas está com luz verde.
***
— Para onde você quer voar, para onde? — perguntava Bell, excitado.
Rhodan apertou o cinturão de sua poltrona. Sob seus pés roncavam os projetores
antigravitacionais, eliminando a forte atração da grande lua.
— Para o quinto planeta deste sistema solar, planeta este chamado Sphinx — disse
Rhodan, tranqüilo.
— Você está caducando? Já vimos coisas demais e minhas vértebras cervicais
superiores estão começando a comichar, o que sabidamente é um mau presságio.
— Você está é muito gordo — disse Gucky, em tom de deboche.
— Cala o bico, garotinho. O assunto é sério. Perry, o que pretende mesmo?
— Não é muito. Quero dar uma olhada no número cinco para constatar qual é o jogo
que se esconde por lá. Esta lua é apenas uma enorme central energética com funções já
conhecidas. Quero saber de que maneira os acônidas, daqui em diante os chamaremos
assim, levam seus aparelhos de recepção para os planetas de destino. Para isto
necessitariam de uma frota espacial.
“Onde estão estas espaçonaves? Qual é sua velocidade? Que tipo de propulsão usam
os acônidas? E o que é mais importante: o que há nesta raça no tocante à vontade de fazer
novas conquistas?
“Não seria nada agradável encontrar um dia na Terra uma enorme instalação de
transmissor fictício, de onde surgissem milhões de robôs de combate. Se levarmos em
conta a tremenda ambição despótica dos velhos arcônidas, não podemos fugir da seguinte
pergunta: de que maneira se comporta o povo de onde se originaram os arcônidas?
Voaremos lá para o planeta Sphinx. Pronto, Jefe, pode partir.”
As palavras de Bell se perderam no tonitroar dos conjuntos de tração. A Fantasy
avançava com tanta força para o espaço que poucos segundos depois não podia ser mais
vista pela gente da lua. Apenas uma onda de ar superaquecido invadiu as imensas
instalações do singular espaçoporto do transmissor fictício.
Um técnico dos acônidas gritou zangado:
— Que gente sem-educação. Não mereciam pisar aqui. A gente devia destruí-los.
Destruir era uma palavra que não cabia no dicionário de Rhodan. Sempre
aproveitava a ocasião que se lhe oferecia, a fim de garantir os interesses da Terra.
A viagem durou poucos minutos. Foi uma alegria para o homem de Epsal poder
executar uma estonteante aterrissagem.
O cruzador pesado disparava a toda e só começou as manobras de frenagem nas
camadas mais baixas da atmosfera do quinto planeta.
Foi por isso que o comandante disse:
— De qualquer maneira, já fomos rastreados. Não há mais motivos para cautela
exagerada. Ao menos ficarão cientes de que os terranos sabem lidar com grandes naves.
O Major Krefenbac olhou admirado para as costas de suas mãos, com que limpara o
suor do rosto. A pele estava úmida.
— É uma miséria! — resmungou o primeiro-oficial.
Seu rosto melancólico e enrugado estava ainda mais inexpressivo do que de
costume. Lembrou-se de que fazia mais de dez anos que não suava assim. Já que o
fenômeno veio de repente, Krefenbac resolveu, por medida de segurança, colocar o
cinturão com a pistola térmica, o que aliás já há tempo não fazia, apesar das prescrições a
respeito.
— Santo Deus! — disse Bell. — O monstro comprido pega em arma. Quem ia
pensar nisso? Miséria! Por que estes acônidas cruzam os braços assim? Claudrin,
arranque as florestas deles com as ondas de compressão. Estou curioso para saber quando
esta gente disciplinada vai perder a paciência...
— Eu também — disse Rhodan. — E pode não demorar muito. Jefe, lá na frente
estão aparecendo cidades. Vamos aterrissar no primeiro espaçoporto que encontrarmos. A
nave continuará preparada para decolagem de emergência. Central energética, apresente-
se...!
O engenheiro de serviço apareceu no videofone.
— Vamos aterrissar logo — disse Rhodan, tranqüilo. — Com seus rastreadores de
energia e de massa, tente localizar as possíveis espaçonaves. Suponha que os aparelhos
acônidas voem também com propulsão linear. Regule seus rastreadores pelo impulso
correspondente. Está tudo claro?
— Entendido, sir. Faremos o melhor possível.
— O que você disse mesmo? — soou a voz de Kalup, nos alto-falantes. Ouvira a
conversa. — Você pensa, por acaso, que estas inteligências chegaram a desenvolver o
vôo linear de supertração sem os saltos de transição?
— Estou até convencido disto. Não tem que ser uma cópia direta do nosso conversor
de compensação, mas o sistema deve funcionar de maneira idêntica.
— Exijo uma comprovação objetiva — gritou Kalup, como nos momentos de
cólera.
— Você não tem nada para exigir, meu jovem. Mas assim mesmo quero satisfazê-
lo.
— Atrevimento!
— Está bem. Fique sabendo que nós passamos incólumes pelo singular campo
energético, porque voávamos com o sistema kalup. Quando os acônidas têm que
atravessar este gigantesco envoltório que envolve todo o sistema Azul, devem se utilizar
também de um campo de compensação semelhante, de outra forma não conseguiriam sair
de seu sistema. Não seria compreensível que, à passagem de cada espaçonave, tivessem
que desligar estas instalações extensas e muito complicadas. Assim, temos de admitir que
os acônidas não usam mais a transição, mas viajam com a visão paraótica do objetivo, em
vôo linear. Basta isto?
— Somente depois que eu calcular as várias hipóteses.
— Faça isto, professor. Estou curioso pelos seus resultados.
Momentos depois, Hunt Krefenbac estava soltando os apoios telescópicos para o
pouso da Fantasy. O engenheiro-chefe, o marciano Slide Narco, dirigia a operação.
Como um monstro assustador, pronto para o ataque, a Fantasy pousou suave no
meio de uma grande planície, que possivelmente podia ser um espaçoporto.
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