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TEORIA SOClOLOGICA

(2* edição)

Tempo houve cm que os sociólogos se dedica-


vam quase cxclusivamente à coleta c interpreta-
ções dos fatos: rccentcmcntc, porém, temse
reco-nhecido que sem uma teoria n nortearlhes a
interpretação e classificação os fatos ficariam quase
sem significado. Daí a importância, verificada
nestes últimos anos, da construção de uma teoria
sociológica e, em conseqüência, o crescente inte-
resse em tôrno das teorias do passado.
O presente livro, fruto da longa experiência
do autor no trato das ciências sociais em diversos
países, como a Rússia, Alemanha, França e, final-
mente, Estados Unidos, onde há longo tempo se
encontra, representa considerável esforço no sen-
tido «li contribuir para a edificação de uma teo-
ria sociológica, através de um exame em profun-
didade e do amadurecido estudo das diversas cor-
rentes da sociologia.
Não se trata, contudo, de uma simples expo-
sição, sem método e sem objetivo, de doutrinas
e escolas, assim como tampouco se trata de uma
libtóiiu da sociologia. Por outro lado, não preten-
de o nutor construir e impor uma teoria particular:
sua finalidade é tomar possível visualizar o pro-
cesso do desenvolvimento da teoria na sociologia,
procesüo èste que se manifesta através do apare-
cimento, da luta e do desaparecimento ou sobre-
vivência das várias teorias. O livro sc dedica prin
cipalmcntc, e de maneira exaustiva, ao estudo da
gradativa penetração dos sociólogos na realidade
ila sociedade.
Na introdução, busca o autor encontrar res-
postas as perguntas sòbrc o que sejam sociologia
e teoria sociológica; os capitulos seguintes são
destinados ao exame de tôdas as escolas sociológi-
cas e seus principais representantes, desde os
fundadores até os expoentes do pensamento socio-
lógico contemporâneo, finalizando com suas pró-
prias conclusões.
O volume apresenta ainda, em apêndice, notas
aos instrutores e sugestões para leituras poste-
riores, além de um quadro cronológieo r uma
sinopse geográfica de grande utilidade.

modoEmbora
especialse aostrateestudantes
de um delivrociências
destinado
sociais,
de
econômicas c políticas, sua leitura é igualmente
recomendável, pela atualidade de suas informa-
ções, aos sociólogos, economistas, historiadores, e
aos estudiosos de modo geral.
TEORIASOCIOLÓGICA
BIBLIOTECA DE CIÊNCIAS SOCIAIS
*

NICHOLAS S. TIMASHEFF

NICHOLAS S. TIMASHEFF
NICHOLAS S. TIMASHEFF

TEORIA SOCIOLÓGICA

Tradução de
Antônio Bulhões

Revista por
José Augusto de Castro

Segunda edição

ZAHAR EDITÔRES
RIO DE JANEIRO
Titulo srcinal:
SOCIOLOGICAL THEORY
Its Nature and Growth

Publicado nos E.U.A. por


Random House,
New York

Copyright © /955 by Nicholas S. Timasheff

Revisão tipográfica
Revitex

1965

Direitos para a língua portuguesa adquiridos por


Zahar Edttôrcs
Rua México, 31 — Rio de Janeiro
que se reservam a propriedade desta tradução.

Impresso nos Estados Unidos do Brasil


Printed in the United States of Brazil
ÍNDICE

Prefácio ..............................................................................................................................9

Primeira Parte
INTRODUÇÃO

Capítulo I: O Estudo das Teorias Sociológicas ............................................................


Que é Sociologia?.......................
..............................
............................
..........
Que é teoria sociológica? ...................................................
............................
...
Como estudar as teorias sociológicas ........................................... ...........................26

Seounda Parte
OS PIONEIROS
CapÍtulo II: Augusto Comte ................................................................................
A França no inicio do século XIX ....................................... .............................
A vida de Comte ......................................... ............................ ......33
...........................
Premissas básicas ........................................................................... .......................35
..

A Ciência da Sociologia .................................................................................... ......36


Metodologia .............................................................................................................37
Sociologia estática e dinâmica .......................................................................... ......40
Estática: consenso ....................................................................................................41
Estática: estrutura social .................................................................................... ......42
Dinâmica: evolução e progresso ........................................................................ 43 .....

Dinâmica: os fatôres do progresso ..................................................................... 44 .....

Dinâmica; os estágios do progresso ..................................................................45 .....

Comte em retrospecto ........................................................................................ 46 .....

c_ apítulo III: Herbert


Spencer ........................................................................................ ..... 0
As obras de Spencer .......................................................................................... ..... 50
A doutrina evolucionista ................................................................................... ..... 52
A Ciência da Sociologia .................................................................................... ..... 55
A analogia orgânica ........................................................................................... ..... 57
A sociedade e os degraus da evolução .............................................................. ..... 60
O principio da nãointerfcrcncia ....................................................................... .....
62
Spencer em retrospecto ..................................................................................... ..... 65
Capítulo IV: Outros Pionriros ........................................................................................66
Quételet: o approach estatístico .............................................................................66
^ Le Play: primeiro estudo de caso ............................................................................ .....68

5
Marx: determinismo econômico %................................................................... .......£0
Tylor e Morgan: monismo tecnológico ..................................................................'3
Gobineau: determinismo racial .......................................................................
Buckle: monismo geográfico ;.................................
........................................
Danilevsky: primeira alternativa para o evolucionismo ................................. ....../9
Conclusão Ha Segunda Parte ................................................................................8¾}

Terceira Parte
SURTO DE ESCOLAS EM DISPUTA

CapÍTULO V: Dcrwinismo Social ........................................................................... 85


Bagehot ............................................................................................................. 86
Gumplowicz ..................................................................................................... ®7*;

SmallRatzenhofer ......................................................................................................
.............................................................................................................. 50
✓ Sumner ....................................... .....................................................................
O darwinisroo social em retrospecto ........................
............................
........... 99
Capítulo VI: Evolucionismo Psicológico .......................
..............................
.......... J02
/ A vida c as obras de Ward .................................. ............................
..................... 102
Postulados básicos .............................. ............................
............................
......
Sociologia: divisão e métodos......................... ............................
......................
Genesis c telesis .......................... ............................
..............................
...........
Ward em retrospecto .................................................... ..............................
......
Os conceitosbásicos de Giddings .......................... ............................
..............
Sociologia: natureza e métodos ............................ ............................
................
Estáticae cinética .......................... ............................
..............................
.......
Dinâmica.............................................. ..........................................................
..

Giddings em retrospecto ........................................... ..............................


.......... 120

Capitulo
Loria: Outros Evolucionismos
VII:Evolucionismo econômico e o..........................
Organicismo........................... .....................122
...............................................122
Veblen: Evolucionismo tecnológico ......................... ............................................124
Costc: Evolucionismo demográfico ............................ .........................................125
Kidd: evolucionismo religioso ....................... .......................................................126
Novicow ...........................................................................................................
Versões do organicismo ......................... .........................................................
Resumo ........................ .........................................................................................^2
Capítulo VIII:Primòrdios da Sociologia Anallttea ............................. ................... 134
....

y Toennics . . . . • ...................................... .........................................................J S 4


^ Simmel ................................................................................................................
✓ Tarde .............................................................................................................. 141
....

As primeiras teorias analíticas em retrospecto ................................................ 145 ....

Capítulo IX; Emilk Durkkeim ..................................................................................146


O estudo dos fatos sociais....................... ............................
............................
......146
Fôrças coletivasna vida social .......................... ..............................
............... 149
.....159
Interpretação social da religião .............................................................................
Contribuições à metodologia ..........................*............................. .......................156
Tipologia social............................
.............................. ...........159
................................
Durkheim em retrospecto ................................................................................. 160 ....

Capítulo X: Subjetivismo Russo ................................................................................ 162


LavxovMirtov ............................................................................................... .. 162

6
Mikhailovsky ...................................................
...........................
..................... 164
Yuzhakov c Kareyev ....................... ..............................
............................
.............165
Subjetivismo em retrospecto.......................... ....................... 166
............................ ....

Conclusão da Terceira Parte ............................................................................. .... 168

Quarta Parte
A VOGA DA SOCIOLOGIA PSICOLÓGICA

Capítulo XI: O Declínio do Eooludonismo * a Asctnsio do


Siopontivismo ................................................................................. ..............
.. ..

O pensamento evolucionista recente ................................................................


O desafio empírico ao evoludonismo ...............................................................179 ....

A* raizes do neopositivismo ....................................... .........................V.; **


O evolucionismo e o neopositivismo combinados: o último
Giddings .......................... ............................................................................... 1®
.. ....

Capítulo XII: Charles H. Cóòley e W. I. ThómAs ............................................ .... 188


Charles H. Cooley ............................................................................................. ....188
Teoria orgânica de Cooley ................................................................................
Pessoa, grupo primário, classe e casta .............................................................
Resumo e perspectiva ........................................ ...............................................
William I. Thomas ...........................................................................................
Metodologia ........................................................................................... .........196
.. ..

O approach situacional e o estudo da ação ......................................................196 ....

Indivíduo e desorganização social ..........................................................’.... 201


Os quatro desejos, tipos dc personalidade, documentos pessoas 202
Resumo e apreciação ........................................................................................ 205 ....

y Capítulo XIII: Vilfredó Paretó .............................................................................. .... 210


Pareto e seus trabalhos ..........................................................................................210
A sociologia e scui métodos .................................................................................211
O
A sistema social: estrutura e dinâmica ................ .......................................... ....212
..................................
..

circulação das elites ........................................................ 217


Resumo e apreciação ......................................................................................... ... 218
/Capítulo XIV: M ax Weber ......................................................................................... 222
Weber e sua obra ............................................................................................... ... 222
A bane da Sociologia de Weber . ;......................................................................... 223
Compreensão cauial e processo histórico ......................................................... ... 226
Compreenslo ao ntvel do significado e aç5o humana ...................................... 229 ...

Relação de causalidade e significado ...............................................................234 ...

O tipo ideal ou puro: natureza e aplicações ......................................................235 ...

Probabilidade ............................................
......................... ...............................239
..

A Sociologia de Wcber cm principio e na prática ............................................240


Resumo e apreciação .................................................................
...

.. .....................242
Conclusão da Quarta Pnrte................................................................................ 244 ...

Quinta Paute
CONVERGÊNCIA
NAS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CONTEMPORÂNEAS

0 Capítulo XV: NêopontivUmo ......................................................................................... 251


George A. Lundberg ......................................................................................... 252

7
Smart C. Dodd ............................•••................................................................ 25?
\ ala matemática do neopositivismo ...............................................................
William F. Ogburn e F. Stuart Chapin ............................................................
Resumo e apreciação .......................................................................................
Capítulo XVI: Ecologia Humana e Sociometria ............................ ......................... 276
Ecologia humana ....................... ...................................................................... 1

Sociometria...................................................................................................... "J
Resumo c apreciação ....................................................................................... A°3

Cafíiclo XVIII: A Escola Funcional ....................... .......................... .......................


287
A gênese e o objetivo doapproachfuncional ............................ ..................... 287
Algumas obras relevantes no estilo funcional ............................ ..................... 290
... No rumo de uma teoria funcional sistemática ....................... ............................. 293
4+ Resumo e apreciação ..........................
....*.......................
............................
..... 298

Cai*Ítui.o Sociologia
PitirimXVIII: Analllica ............................. .................... ................ 301
..

A. Sorokin ....................................................................................... • 302


..

✓ Talcott Parsons ................................................................................................. 311


yFlorian Znanlecki ................................................................................................. 320
Robert M. Maclvcr .......................................................................................... 323
Resumo: convergência na Sociologia analítica ............................ ................... 329
Capítulo XIV:Escolas Filosóficas...........................
..............................
.................. 332
A escola institucional:fase platônica.......................... ............................
......... 332
A escola institucional:fase toxnista ........................... ............................
.......... 334
A escola institucional:resumo e apreciação ......................... ........................... 338
A escola fcnomenológica ............................
............................
.......................... 339
A escola fcnomenológica: resumoe apreciação ........................ ...................... 346
Capítulo XX: Sociologia Histórica........................................................................... 347
Spengler e o estudo da transformação cíclica ........................... ....................... 347
Arnold Toynbee .......................... ................................................. 350
.....................
Dinimica cultural de Sorokin ........................... ............................
.................... 354
Chapin e Krocber ....................... .......................................... 356
............................
y Alfred Weber........................................
............................
.................................. 357
Resumo e comentário ....................... ............................
..............................
...... 360
Capítulo XXI:Sobrevivincias e Reoiocscências ........................
.............................. 362'
Neo-cvolucionismo *........................................................................................ 362
Determinismo geográficoe demográfico ......................... .................... 369
A Sociologia durkheimiana na França ............................. ............................
... 371
A Sociologia formal na Alemanha .......................... ..............................
.......... 374
Resumo ...........................
............................
............................
......................... 376

Sexta Parte

CONCLUSÃO

Capítulo XXII: A Sociologia em Meados do Siculo XX ........................


......................381

Apêndice
Nota para os professôres .................................................................................. 393 ....

Sugestões para leituras posteriores .......................................................................395


Tabela cronológica........................ ................................................................... 403
....

Sinopse geográfica ........................................................................................... .....407

8
P R E F A C I O

urante a década de 1930 e os primeiros anos seguintes


D
a 1940, o pensamento teórico, em Sociologia, estive em maré
baixa. Fatos, cada vez mais fatos, exigia a maior parte dos
sociólogos, nos Estados Unidos pelo menos; e pouco traba-
lho se realizava na Europa, neste setor.
Recentemente houve uma importante mudança: o levan-
tamento de dados objetivos e seu tratamento estatístico não
deixaram de existir, mas a Sociologia passou a caracterizarse
pelo crescente reconhecimento da verdade de que, sem uma
teoria que lhes oriente a interpretação e a disposição, os fa
tos quase carecem de significado. E assim, nos últimos anos,
o que se viu foi uma revivescência da elaboração teórica,
bem como um substancial aumento de interesse pelas teorias
do passado.

Se a teoria há de existir e desenvolverse, um inventário


dos resultados cumulativos é essencial para o seu futuro pro-
gresso. O presente volume é dedicado a um levantamento
disses resultados, do ponto de vista genético, conquanto ou-
tros pontos de vista — o analítico, por exemplo — também
pudessem servir a êsse fim.
O presente volume, conseqüentemente, é um estudo da
história das idéias, assunto cujo tratamento adequado apre-
senta enormes dificuldades porque o desenvolvimento mesmo
das idéias é movido por jôrças de duas categorias.
Por um lado, o desenvolvimento teórico é marcado pela
motivação imanente ou pelo crescimento mais ou menos ló-
gico de sistemas de idéias referentes a assuntos específicos: as
idéias novas desenvolvem ou aperfeiçoam idéias anteriores #

9
traiam com elas “duelos láS!cos” (para usar a expressão de
Gabriel Tarde) e ou demonstram a falência daí mais velhas
ou sucumbem ente a sua resistência ou com elas se amalga
mam em sínteses de nível mais elevado.
Por outro lado, porém, os idéias são concebidas c ^ objcti
vadas por criaturas humanes: a formulação de uma idéia nova
c uma espécie de "invenção ideológica” apresentada pelo autor
a seus colegas pensadores do mesmo campo. Muito freqüen-
temente, um estudioso apto a criar invenções ideológicas é
capa: de chegar a mais de uma delas e, também, de aplicd
las a situações concretas.
Uma história das idéias deve ocuparse de duas espécies
de causalidade: a lógica e a individual. Esta última prepon 
dera na jnaioria das apresentações e nesse caso a história se
transforma numa série de biografias cienltficas e no exame
das contribuições de autores individuais. A leitura sucessi-
va de tais séries pode deixar no leitor um sentimento de con-
fusão, visto que o foco de atenção varia cada vez que a nar-
rativa passa de um autor para outro. Se, ao contrário, o
approach lógico é pSsto em realce, as idéias individuais são
isoladas do respectivo contexto e perdem boa parte do seu sig-
nificado e encanto.
No presente volume fêzse uma tentativa de encontrar o
meiotermo. à Após
pertinentes teoriaumsociológica
cuidadoso estudo selecionados
, foram do acervo alguns
de idéias
tó-
picos que têm preocupado, mais ou menos continuamente, os
estudiosos do ramo. As contribuições dos pensadores indi-
viduais foram resumidas sobretudo na proporção em que se
relacionavam com aquiles tópicos selecionados, mas ainda as-
sim foram apresentadas como contribuições de pessoas deter-
minadas. Também foram traçadas, em breves linhas, as bio-
grafias profissionais dessas pessoas. Mediante a preservação
do elemento pessoal, as contribuições não perderam sua singu-
laridade nem se isolaram do fundo sociocultural de onde emer-
giram. Fosse a Sociologia do Conhecimento uma disciplina
já desenvolvida, e essa fase da história das teorias sociológicas
poderia
só ter sido isso
muito raramente expressa emfeito
pôde ser seus
. teoremas; na verdade, porém,
Outrossim, na apresentação dos pontos de vista de certos
autores, limitouse aqui dràsticamente a parte periférica dos
respectivos sistemas de pensamento organizados em tòrno ao

10
ponto central da teoria sociológica. Assim, ao longo da história
das teorias sociológicas, fêzse ver que os mesmos problemas
tomaram a surgir em formas e combinações novas. Com isto
foi preservada a unidade dc perspectiva, condição essencial
da inteligibilidade.
Um livro escrito com essa orientação encerra conhecimen-
tos que precisam ser aprofundados pelos estudantes de Sociolo-
gia que terminam seus estudos numa época de revalorização
da teoria. A aquisição dêsses conhecimentos requer conside-
rável esforço mental: o presente volume é dedicado aos estu
(lantes que se dispõem a esse esfôrço e aos instrutores que sa-
bem avaiiar a necessidade de provocálo.
A confecção deste livro levou muitos anos, durante os
quais o autor não cessou de ministrar um curso de Teorias
Sociológicas. Só aos poucos, baseandose na própria experiência
de ensino, chegou cie às conclusões acima. Seu grato reconhe-
cimento elevase em primeiro lugar à Fordham University,
da qual a administração, o corpo docente e os estudantes esti-
mularam ininterruptamente o seu trabalho e lhe proporcio-
naram toda a ajuda. Sobremodo encorajador foi o fato de
estudantes de vários departamentos se haverem matriculado
no curso de Teorias Sociológicas, a ponto dc, no debate com
êles e na leitura dos seus escritos, a inteligibilidade geral dêste
ensaio poder scr posta à prova e às vises aprimorada.
Além desse reconhecimento, dirigido a uma instituição,
o autor deseja expressar sua profunda gratidão a algumas
pessoas, cuja asistência lhe foi de gr anda valia: primeiro, ao
Professor Charles H. Page, do Smith College, que deu ao
texto a forma definitiva, comprovando seu excelente domínio
do idioma inglês, e que também fez uma série de sugestões
valiosas quanto ao tratamento a dar aos autores individuais;
ao Professor Paul W. Facey, do College of the Holy Cross,
que assistiu o delineamento dos primeiros esboços da obra; ao
Doutor Leopold Rosenmaycr, de Viena, e ao Doutor Victor
Willy, de Zurique, por lhe terem chamado a atenção para
diversas
por menor publicações européias
importância, recentes,
a Tânia, e por quefim,nãomasapenas
sua filha, não
datilografou o manuscrito e tornou a datilografar inúmeras
partes como também constituiu a "turma de uma aluna sff',
a quem deu o autor a primeira versão do seu curso de História

II
do Pensamento Sociológico, dc que eh necessitava para atin-
gir o bacharelato fiances.

A Teoria Sociológica e um lema difícil de estudar. Para


fazêlo com êxito os estudantes precisam, além das aulas e
do compêndio, travar conhecimento direto e íntimo com al-
gumas obras importantes no gênero e procurarlhes as fontes
subsidiárias. Para isso foi am incluídas, no apêndice diste
livro, várias sugestões que visam facilitar aos mestres a indi-
cação de leituras suplementares? tais indicações não poderão
ser muitas
número de ehoras
hão de variar conforme
reservadas o greu de instrução e o
ao curso.
Demais, a recapitulação é fundamental. Será aconselhável
efetuarse a recapitulação numa ordem diferente da que for
seguida no curso, c que poderá ser cronológica, geográfica
ou sistemática. Para isso, c ainda com o fito dc facilitar, o
autor apresenta, no apêndice deste volume, duas sinopses —
uma cronológica e uma geográfica.

N. S. Timasheff

12
Primeira Parte

INTRODUÇÃO
CAPITULO I

0 Estudo das Teorias Sociológicas

atividade sociológica nos Estados Unidos, a partir da


Primeira Grande Guerra até recentemente, subestimou a teoria.
Explicadores, professôres e pesquisadores dedicavamse lar-
gamente ao ensino, ao aprendizado ou ao desencavamea
lo de informações apoiadas em fatos sôbrc tal ou qual aspecto
da sociedade, especialmente n americana, e tendiam frequen-
temente a identificar “teoria” com filosofia e mesmo frívolas
especulações. Fatos empiriramente estabelecidos — pareciam
dizer êles, às vêzes — falam por si e suas vozes hão de cons-

otituir uma ciência sociológica, se dos mesmos soubermos extrair


suficiente.
A ciência, porém, exige mais do que fatos, mais do que
descrições minuciosas. Assim, à medida que a Sociologia ama-
durece, a orientação antiga vem sendo ràpidamente substituída
pelo generalizado reconhecimento da indispensabilidade da teo-
ria. Como veremos, as considerações e os conceitos teóricos,
implícita ou explicitamente, exercem um papel essencial no
estabelecimento da direção da pesquisa, no sentido das obser-
vações, na ordem a dar à própria descrição. Hoje, quase todos
os sociólogos estão de acôrdo em que essas funções da teoria
prccisam ser explicitas.
Todavia, se havemos de usar a teoria amplamente e com
vigilante cautela, cumpre conhecer sua natureza e suas va-
riações. Necessitamos conhecerlhe os conceitos e as diversas
formas terminológicas que adotam e, reciprocamente, os con-
ceitos diferentes muitas vêzes expressos em termos idênticos.

15
Devemos, ainda, familiarizarnos com a história dos esforços
feito* pela teoria sociológica — os nódulos que mudam, seus
sucessos e fracassos, c as promessas formuladas para o futuro.
Tais problemas constituem o assunto do presente volume.
Começaremos com uma definição dc Sociologia, fixada
mediante contraste com disciplinas que lhe são relacionadas,
e com uma explanação do significado da teoria no contexto
do empreendimento científico.

Que é Sociologia?

Augusto Comte foi quem concebeu a palavra sociologia,


em 1839. Pretendera êle batizar a nova ciência de “Física
Social”; rejeitou, porém, o nome, depois que o belga Adolphe
Quetelet começou a realizar complexos estudos cstatisticos da
sociedade e a chamar de “Física Social" o seu trabalho. Em-
bora a palavra “sociologia** seja uma composição híbrida de
latim c grego, suas partes componentes descrevem eficazmente
o que a nova ciência procura alcançar. Logia denota o estudo
em alto nível (por exemplo. Biologia e Psicologia, respectiva-
mente o estudo em alto nível da vida c da mente); socio
indica a sociedade. Portanto, etimològicamente, “Sociologia"
significa o estudo da sociedade cm nível altamente generalizado
ou abstrato.
Esta definição pressupõe que se saiba o que é sociedade.
Na realidade, diferentes teorias sociológicas oferecem explica-
ções um tanto contraditórias sôbre a natureza da sociedade;
encontraremos muitas delas, e as revercmos, em discussões ul
teriores. Parece que se cria assim uina espécie dc círculo vicio-
so: a Sociologia se define como a ciência da sociedade, e a
sociedade tem dc ser definida pela Sociologia. Semelhantes
situações ocorrem freqüentemente nos preâmbulos da investi-
gação científica. O problema pode solucionarse dando ao
objeto do estudo uma definição operativa, uma aproximação
suficiente para as finalidades do momento. Assim, preliminar-
mente, definiremos sociedade como homens (seres humanos)

aemser, portanto,
interdependência;
o objeto daaSociologia.
interdependência dos homens pode vir
Partindo daí, traçase o limite entre a Sociologia e as
outras ciências que estudam os homens como indivíduos ou
como conjuntos dc indivíduos sem nenhuma preocupação quan

16
to à sua interdependência. A Anatomia e a Fisiologia huma-
na estudam a estrutura e o funcionamento dos seres humanos
que se repetem cm todos os homens. A Antropologia Física
estuda a variabilidade da estrutura do corpo desses seres e
classifica as variações, extraindo grupos estatísticos ou nomi-
nais de homens que revelam traços hereditários similares e
externamente reconhecíveis. A Psicologia (exceto o ramo
híbrido denominado Psicologia Social) estuda os processos men-
tais que se passam na mente dos indivíduos, dkendonos de que
maneira um ser humano vê, ouve, sente, reage a sensações, etc.
A Sociologia não se interessa pela estrutura do corpo hu-
mano, pelo
cessos funcionamento
mentais: interessasede pelo
seus queórgãos, por seus
nemquando
acontece pro-
o homem
encontra o homem; quando seres humanos formam grupos
ou massas; quando cooperam, lutam, dominamse uns aos ou-
tros, persuademse ou imitamse, desenvolvem ou destroem cul-
turas. A unidade base do estudo sociológico nunca é um indi-
víduo, mas sempre, no mínimo, dois indivíduos de alguma forma
relacionados entre si.
Todavia, embora o objeto do estudo sociológico sejam
os homens em interdependência, o âmbito da Sociologia não
abrange todo e qualquer tipo de estudo dos homens em in-
terdependência: esse mesmo assunto é também estudado em
outras disciplinas — como a Filosofia Social, a História, as
Ciências
plinas Sociais concretas. Qual a diferença entre estas disci-
e a Sociologia?
A Filosofia Social é uma disciplina muito mais velha do
que a Sociologia. Bem desenvolvida na Grécia antiga e cul-
tivada na Idade Média, a Filosofia Social floresceu no século
XVI11, na Era do Iluminismo, que precedeu imediatamente o
nascimento da Sociologia. Nas obras dos velhos filósofos so-
ciais encontramse muitas proposições que poderiam ser fà
cilmente reformuladas em têrmos de Sociologia contemporânea.
Não obstante, a Filosofia Social c a Sociologia são esforços
diversos da mente pesquisadora do homem. A diferença entre
as duas é semelhante à que, em geral, estabelece a separação
entre a Filosofia e a ciência empírica, diferença de graus de
abstração e de aprocedimento:
ver e explicar ambas sesão baseiam
realidade, ambas tentativasna deobservação
descre-
dos fatos e em generalizações derivadas dessa observação,
mas aí termina a semelhança entre a ciência empírica, inclusive
a Sociologia, e a Filosofia, inclusive a Filosofia Social

17
Na ciência empírica, as generalizações pertinentes a um
setor específico de investigações decorrem de fatos observados
nesse mesmo setor ou cm setores estreitamente ligados a ele.
T.iis generalizações são formuladas sem levar em conta (afir-
mando ou negando) qualquer conhecimento no nível mais alto
da abstração relativa à realidade como um todo. Tôdas as
proposições que constituem uma ciência empírica formam um
sistema autosuíicientc. Nâe se permite que nenhuma delas
desempenhe uma função no sistema, sc contiver conhecimento
que não seja empírico ou, em outras palavras, que não seja
formulado sob as limitações aludidas.
Ao contrário, a filosofia é antes de mais nada uma tentativa
de compreender a realidade cm sua totalidade. De uma va-
riedade de fatos observados, a Filosofia extrai certos princípios
elementares que, tomados em conjunto, tentam explicar a rea-
lidade como um todo. A maneira pela qual se derivam as
proposições sôbre a realidade total não é problema que inte-
resse ao presente livro. Neste sentido, várias escolas de Filo-
sofia divergem significativamente. Dos princípios elementares
da realidade total assim estabelecidos, o filósofo extrai certos
postulados e axiomas, e os utiliza para reinterpretar classes par-
ticulares de objetos que distingue nos fatos observados. Assim,
enquanto o sociólogo explica a sociedade em têrmos de fatos
nela observados e, eventualmente, em setores dc conhecimento
empírico a ela relacionados, o filósofo social explica a socie-
dade nos têrmos da interpretação que dá à realidade total:
ele pode falar cm causas primeiras, valores supremos, finali-
dades últimas, mas o sociólogo não tem êsse direito.
Em princípio, a diferença entre Filosofia Social e Socio-
logia é perfeitamente nitida; na prática, a linha divisória se
dilui, especialmente no plano da teoria — verdadeiro objeto
dêste volume. No desenvolvimento da Sociologia tem havido
muita confusão com a Filosofia Social: inúmeros sociólogos
cruzaram a fronteira entre os dois campos, pertencentes à
Filosofia Social. Isso há de ser visto com freqüência neste
livro.
A História é outra ciência que procura compreender os
homens em interdependência, ou, mais exatamente, nas pas-
sadas configurações dessa interdependência. Nem a obra his-
tórica do tipo biográfico pode deixar dc referir as relações entre
seu herói e outros homens. Qual então a diferença entre a

13
História e a Sociologia, estando esta, naturalmente, interessada
não só no presente, mas também no passado?
Em princípio, não é difícil estabelecer essa diferença. A
História estuda o passado humano como uma seqüência de
acontecimentos, situações c processos concretos e únicos. O his-
toriador tenta reconstituir o passado com muitos detalhes em-
píricos, exatamente como aconteceu. Tomemse a Guerra
Americana da Independência, a Revolução Francesa, a Revolu-
ção Comunista na Rússia, o New Deal nos Estados Unidos;
como se deram tais acontecimentos e quais os processos exn
que individualmente consistiram? Por que ocorreram? Estas
eà humanidade.
outras perguntas parecidas jamais deixarão de interessar
Mas a mente humana não se detêm na reconstituição de
acontecimentos singulares e irreversíveis. Além dêles, em sua
localização histórica no tempo e no espaço, a mente humana
tenta descobrir elementos de reversão, de repetição. Já ocor-
reram muitas guerras: haverá ou não um elemento constante
cm suas srcens, em seus impactos sòbre as sociedades por elas
atingidas, em seus efeitos? Verificamse continuas flutuações
nos preços do mercado: haverá ou não um elemento comum
por trás dessas flutuações? Cometemse crimes incontáveis:
não se poderão identificar elementos mais ou menos constantes
em todos, apesar da variabilidade efetiva do ato? Os elemen-

tos
tituemconstantes,
o objetivoobserváveis na Sociais
das Ciências interdependência
do tipo ahumana, cons-
que pertence
a Sociologia: tais Ciências baseiamse no postulado da ordem,
escapando ao plano da simples descrição a premissa lógica de
cada estudo.
As seqüências concretas estudadas pelos historiadores
são únicas e não se podem repetir. Nunca haverá outra
Guerra de 1812 ou outra Vitória de Outubro dos comunistas
na Rússia. Mas as mesmas seqüências concretas podem ser
analisadas em seus elementos, e entre êsses elementos podem
se estabelecer, de acôrdo com sua natureza, relações invariá-
veis e necessárias.
Talvez seja útil, aqui, uma analogia com o estudo da

Química.
que São conhecidos
se combinam formandonoventa
milhões e deseiscompostos.
elementosO químicos
químico
explica a matéria analisando os compostos e descrevendo a
maior parte das respectivas propriedades à base do conheci-
mento das propriedades invariáveis dos seus elementos. Na

19
vida real oco;icm inúmeras variedades de acontecimentos. Sub-
jacentes a fees acontecimentos, repetemse determinados cle-
mente* que, quando percebidos, dão aos fatos unidade c signi-
ficado. O historiador mostra o que há de variável; o sociólogo
destaca o que há dc constante c reversível. A História descreve
a multidão de combinações concretas em que homens interde-
pendentes se encontraram; a Sociologia analisa essas variadas
combinações em seus elementos básicos, relativamente poucos,
e formula as leis que lhes regem a atuação. A descoberta dessas
iv*i*, ou a verificação das relações necessárias r invariáveis entre
certo número de elementos em que a realidade social pode ser
analisada, constitui o verdadeiro objetivo da Sociologia, em
contrapartida aos objetivos da Física, da Química, da Psicologia
c da Biologia.
Na prática, uma vez mais a linha divisória se dilui. Os
historiadores contribuem freqüentemente para a descoberta de
elementos reversíveis na realidade social: isto acontece quando
seu estudo dc processos concretos os leva a tentarem compreendê
los em suas causas. Trabalhos históricos a exemplo de A
Study of History (1934), de Arnold Toynbee, invadem visivel-
mente o campo da Sociologia, enquanto estudos sociológicos,
a exemplo de A Ética Protestante e o Espirito do Capitalismo
(1920), de Max Wcbcr, Dinâmica Social e Cultural (1937/41),
de Pitirim Sorokin, contribuem grandemente paia a compreen-
são
mana.histórica de passadas
Estas obras configurações
trazem claramente da ointerdependência
à luz hu-
misto dc singula-
ridade e variedade dos fenômenos sociais. Há aí certa superpo-
sição, que 6 tão vantajosa para a História quanto para a
Sociologia.
Finalmente, devese fazer distinção entre a Sociologia c as
Ciências Sociais concretas como a Economia, a Administração
e a Etnologia: tôdas estudam o homem em interdependência,
não no plano filosófico e sim no empírico. E não só estudam
fenômenos únicos e concretos (digamos: a Constituição norte
americana ou a atual organização do trabalho estrangeiro nos
Estados Unidos), mas também procuram descobrir leis, relações
necessárias e invariáveis entre os fenômenos, de acftrdo com
sua natureza. Qual a diferença entre tais ciências concretas
e a Sociologia? Mais exatamente: qual a tarefa da Sociologia
em relação às outras Ciências Sociais? Os sociólogos em dife-
rentes épocas e no decurso da história desta disciplina, vêm
dando à pergunta quatro respostas principais:

20
Comtc acreditava que a Sociologia deve lançar mão de
todos os dados colhidos por essas ciências concretas e encam-
pálos, privandoos assim de sua razão dc existir.
Herbert Spencer considerava a Sociologia uma superciência,
que não rcaiiza por si mesma observações dos fenômenos sociais,
mas unifica as observações c generalizações feitas por outras
Ciências Sociais.
Georg Simmcl, sociólogo alemão de fins do século XIX,
insistia cm que a apreciação do conteúdo das ações humanas,
definido conforme os respectivos fins, constituía o objeto das
Ciências Sociais concretas. Assim, a Economia, por exemplo,
estuda os atos que visam à solução dos problemas materiais,
isto é, produção, distribuição, troca e consumo; a Política
estuda os atos que visam à aquisição c exercício do poder
político. Mas nenhuma dessas ciências — entendia Simmcl
investiga a forma de ação humana cm sociedade, a forma
comum a todos os tipos de esfôrço — como a formação ou a
dissolução dos grupos humanos, a concorrência, os conflitos.
Simmel reivindicava êste campo, ainda não ocupado por
nenhuma ciência social concreta, para a Sociologia, a nova
disciplina.
Pitirim Sorokin, sociólogo contemporâneo, ofereceu uma
linha dc demarcação geralmente considerada correta mesmo
pelos sociólogos que habitualmente se opõem ao conteúdo de
seus pontos de vista. Sorokin deriva a definição de Sociologia
de uma afirmação feita pelo erudito russopolonês Lco Patra
zhitsky. Segundo este último, sc existem, dentro dc uma classe dc
fenômenos, n subclasses, deve haver n } 1 disciplinas para
estudálas: n para estudar cada subclassc e mais uma para es-
tudar aquilo que é comum a todas, bem como a correlação entre
elas.1 Desenvolvendo essa idéia, Sorokin diz que a cada uma
das muitas classes de fenômenos sociais — econômica, política,
religiosa, e inúmeras outras — deve corresponder uma ciência
social particular: além delas, porém, é necessária mais uma
(a Sociologia), com o fim de estudar as características comuns
a tôdas as classes de fenômenos sociais c a intcrrclação entre
as mesmas, porque as duas tarefas não podem ser latisfatòria
mente realizadas pelas Ciências Sociais particulares. Muito sc

* Introdução ao Estudo da Lti i da Moral, em russo (1907),


pigs. 8001.
tem discutido, por exemplo, se a fase econômica da coexistên-
cia humana e que determina as idéias religiosas e morais (dc
acôrcio com Karl Marx) ou se as idéias de ordem religiosa
c moral é que dão ímpeto especial ao desenvolvimento econô-
mico (de acôrdo com Max Weber), ou se a relação existente
é ainda mais complexa do que a pressuposta por ambos aque-
les pontos de vista. Nem o economista nem o historiador de
idéias morais c religiosas tem autoridade para resolver o pro-
blema cientifico, porque cada qual o vê sòraente por um lado;
assim passa o problema aos domínios dc uma ciência que se
coloca acima da divisão dos fenômenos sociais em classes.

Tal ciência é a Sociologia.


Em princípio, Sorokin dá à pergunta “que é Sociologia?’*
a melhor resposta possível Na prática, entretanto, a Socio-
logia desenvolveu uma tendência no sentido de anexar os
setores do estudo social cão ocupados pelas Ciências Sociais
antigas (por exemplo, o estudo da família) e de aplicar suas
generalizações onde as Ciências Sociais particulares se limita-
ram a descrever, classificar e comparar. Donde a evolução
de certos ramos da Sociologia — como a Sociologia Política,
a Sociologia do Direito, a Sociologia da Religião, a Sociologia
da Arte, e outras semelhantes. A Sociologia, então, consiste
em um núcleo vital de conhecimento (correspondendo aproxi-
madamente à definição de Sorokin), e cm uma periferia con-
densando estudos diversificados dc áreas sociais diversas não
compreendidas pelas ciências concretas já estabelecidas.
Semelhante situação aborrece um tanto os que admiram
a harmonia perfeita no majestoso edifício da ciência. Feliz-
mente, para este volume, o problema não apresenta dificul-
dade importante, pois a teoria se refere precipuamente ao nú-
cleo vital da Sociologia.
Só falta à Sociologia uma linha divisória precisa frente
a uma vizinha científica: a Etnologia. Até há pouco a Etno-
logia limitavase ao estudo, amplamente descritivo, das so-
ciedades préletradas. No momento, a Antropologia Cultural
— para usar a denominação em voga — pretende assumir o
papel da ciência geral do homem cm interdependência, dei-
xando à Sociologia o estudo do homem vivendo na complexa
sociedade moderna. Visto que não há autoridade que re-
solva o conflito nascente entre as reivindicações incompatíveis
da Sociologia e da Antropologia Cultural, este livro tomará

22
cm consideração as contribuições que eminentes antropólogo!
c etnólogos deram à teoria sociolégica, tanto quanto as dos
próprios sociólogos profissionais.

Que ê teoria sociológica?

O debate acima dá a entender, indiretamente, o que é


teoria sociológica. Arrostando a pergunta, podemos come-
çar recordando ràpidamente a estrutura de qualquer ciência
empírica, independentemente do seu objeto.
O fundamento de tôda ciência empírica é a observação.
O resultado da observação individual exprimese numa pro-
posição singular que constata a ocorrência do fenômeno, em
determinados tempo e lugar. Obter essas constatações é um
prérequisito necessário a qualquer ciência, mas nunca sufi-
ciente. As observações individuais precisam ser ordenadas, e
são muitos os meios de pôlas em ordem. Podese compará
las, o que eqüivale a estabelecer semelhanças e diferenças;
podese classificálas, e isto implica a formação de tipos ou
classes, cada qual unificando certo número de observações
congêneres; uma boa classificação é a que permite localizar,
dentro dela, os fenômenos observados, não só antes como tam-
bém depois de formulados. As observações individuais podem
ser contadas e submetidas a um tratamento estatístico, dando
srcem a distribuições de freqüência, séries temporais, coefi-
cientes de correlação, e outros resultados. Podem ser dispostas
em seqüências genéticas, demonstrando o desdobramento gra-
dual de certos processos; podese ainda comparar as seqüên-
cias genéticas e descobrir semelhanças entre elas.
A generalização extraída dos modos de ordenação é tra-
duzi vel em leis naturais — leis sociais, no campo dos estudos
sociais —, uma vez estabelecido que, sempre que se apresenta-
rem determinadas condições, seguirseá um efeito determinado.
Com algumas precauções, as generalizações estatísticas (dis-
tribuições de freqüência, séries temporais) também são tradu
zíveis ein leis sociais. E ainda há outros processos que levam
à formulação dessas leis.
As conclusões que se referem a classes dc fenômenos são
generalizações. A generalização já não se restringe a um fato
em si: baseiase em muitos fatos e, eventualmente, pode ser
utilizada para predizer fatos semelhantes a constatar mediante

23
observação posterior. O conhecimento expresso nas genera
lizjções é de nível superior ao das proposições singulares, mas
não representa ainda o mais alto nível alcançável pela ciência
empírica: o mais alto nível é o da teoria. Através dos esfor
ços conjuntos de cientistas especializados em determinada dis-
ciplina, formulase grande número dc generalizações. Então,
experimentam os cientistas a necessidade de unificar os resul-
tados dispersos, assim obtidos. Chegase à unificação pelas ten-
tativas de elaborar uma teoria.
Teoria é um conjunto de proposições que atendam ideal-
mente aos requisitos seguir.tes: primeiro, apoiaremse em ter-
mos de conceito definido com exatidão; segundo, serem coc
rentes entre si; terceiro, que se possam extrair delas, por de-
dução, as generalizações cabíveis; quarto, produzirem frutos —
abrirem caminho para observações e generalizações posteriores,
aumentando o âmbito do conhecimento.
A teoria não se deriva de observações c generalizações
unicamente por meio de rigorosa indução. A elaboração de
uma teoria é um ato criador, não sendo, portanto, nada sur-
preendente que bem poucos, dentre os que labutam no terreno
da ciência, estejam aptos a elaborála. Há sempre um salto
além da evidência, uma intuição correspondente ao trabalho
de criação. Mas tôda teoria assim elaborada precisa submeter
se à verificação. Podese considerála verificada, preliminar-
mente, se não a contradisser aparentemente nenhuma generali-
zação ou fato conhecido; se houver contradição, a teoria em
projeto deve ser rejeitada ou ao menos modificada.
Êsse teste, contudo, é apenas uma verificação preliminar.
Pois, muitas vêzes, duas ou mais teorias parecem explanações
plausíveis das mesmas generalizações e fatos conhecidos. Quan-
do tal acontece, utilizase um processo denominado “experi-
mento crucial” (ou “observação crucial”): êsse processo en-
volve a suposição de uma situação para a qual as teorias ad-
versas apresentariam previsões contraditórias; devese então
criar esta situação por artificio (experimentalmente) ou tentar
encontrála na realidade, c a observação decidirá se alguma
das teorias é compatível com a experiência testada. Todavia,
mesmo essa verificação não será final, porque no futuro podem
se descobrir fatos ou chegar a generalizações que invalidem a
teoria hoje vitoriosa. Na ciência empírica, a teoria nunca é
definitiva.

24
Em geral, as pessoas que trabalham com uma ciência
madura, como a Física ou a Química, sustentam uma única
teoria altamente abstrata ou um quadro de teorias interrela
cionadas e mutuamente complementares. Essa maturidade, po-
rém, só se alcança após longo e persistente esfôrço, durante
um período que se caracteriza pela coexistência de duas ou
mais teorias contraditórias: esta é a situação em que ainda
se encontra a Sociologia. Não há nenhum conjunto de pro-
posições sustentado por todos os sociólogos, apoiado cm têr
mos idênticos ou facilmente conversíveis, e que lhes permita
apresentar fatos e generalizações como manifestações de certos

princípios. Muitocaracterizado
ciologia temse pelo contrário, o desenvolvimento
pelo surto de um númeroda espan-
So-
tosamente grande de teorias em conflito. Embora ainda não
se tenha ultrapassado êsse estado de coisas, a luta entretanto
já não é tão aguda quanto no fim do século XIX: hoje, os
sociólogos, cm sua maioria, concordam sôbre certo número
de proposições reunidas numa teoria sociológica ampla, ainda
que frequentemente defendam as mesmas proposições com ter-
minologia diversa. (O leitor deve tomar cuidado com a exis-
tência de expressões múltiplas para os mesmos conceitos e as
mesmas idéias, e, contràriamente, com a existência de uma
mesma terminologia exprimindo, às vêzes, conceitos e teorias
diversas.) Tem havido uma baixa nas fileiras da discordân-

cia
livro teórica e uma alta nas fileiras das concordância, como este
tentará demonstrar.
O exame das teorias sociológicas do passado e do pre-
sente mostra que elas giram em tômo de uns poucos pro-
blemas, os mais importantes dos quais são os indicados nas
seguintes perguntas:
Que são sociedade c cultura?
Quais as unidades básicas em que a sociedade e a cultura
devem ser analisadas?
Qual a relação entre sociedade, cultura c personalidade?
Quais os fatôres determinantes do estado de uma sociedade
ou cultura, ou de mudança na sociedade ou cultura?
Que é Sociologia e quais os seus métodos específicos?
Devese focalizar, nas diversas respostas a essas perguntas,
o estudo do desenvolvimento da teoria sociológica. Ê preciso,
entretanto, na apresentação das teorias individuais, ir além
dessas perguntas, pois inúmeras teorias pressupõem a existência

25
de problemas básicos não abrangidos por elas, ou expressos dc
ul maneira que se toma indispensável a abordagem de outros
problemas científicos mais ou menos relacionados com esses.

Como estudar as teorias sociológicas


O presente volume não visa a uma apresentação siste-
mática dos resultados do estudo cientifico da sociedade; alme-
ja antes o levantamento histórico do sistema de idéias que c
a Sociologia teórica. O autor não está procurando construir
nem impor uma teoria particular: tenta configurar o processo
do desenvolvimento da teoria, na Sociologia, que sc manifesta
no surgimento, na luta, e no desaparecimento ou sobrevivência
das '.árias teorias. Êste livro referese principalmente à história
da penetração gradual dos sociólogos na realidade social. Nos-
so objetivo fni estabelecer a filiação e a oposição das idéias,
destacar os casos de invenção paralela, encontrar nas primei-
ras teorias os germes ou antecipações das ulteriores, descobrin-
do o avanço da verdade através dos choques dc opiniões. O
estudo dêsses assuntos deve ajudar a compreender as razões
existentes por trás das escolhas feitas pelos participantes dos
processos científicos, evitar erros cometidos no passado e talvez
mostrar caminhos promissores dc progresso futuro.
Para tal estudo, existe abundância de material aprovei-
tável. Mas o estudo complicase ante o fato dc que as teorias
sociológicas se têm desenvolvido dc acôrdo com um padrão
de certo modo semelhante ao do crescimento de uma planta:
alguns ramos germinaram vigorosamente, com inúmeros sub
ramos, enquanto outros, cedo ou tarde, murcharam. E mais
complexa se toma a situação porque, além dessa espécie dc
ramificação, observamse também os fatores de fusão e con-
vergência. Pela ramificação, uma teoria pode gerar duas ou
mais, ao passo que, por convergência e fusão, teorias várias,
que surgiram como explicações independentes c aparentemente
incompatíveis da realidade social, poderão aproximarse umas
das outras e às vêzes reunirse numa só. Todavia, tentar fazer
uma genealogia csquemática das teorias sociológicas é extre-
mamente difícil c seria
principais contribuições obscureccr, mais do que revelar, as
e tendências.
A complexidade do assunto exige cuidadosa seleção c
disposição dos materiais. A seleção c sempre de certo modo
arbitrária, e, por não pretender scr êste livro uma enciclo

26
pedia sociológica, hão de escaparlhe à amplitude muitas obras
importantes. São possíveis, no mínimo, três tipo» básico# de
disposição. Primeiro: podemse classificar as teorias por es-
colas, baseadas nos tipos dc soluções teóricas adotadas para os
problemas essenciais; este é o critério utilizado por Sorokin
no conhecido trabalho Teorias Sociológicas Contem por ancas
(1928). Segundo: podemsc apresentar as teorias pela ordem
histórica dc aparecimento; este, aproximadamente, é o método
empregado por J. L. Lichtenberger em O Desenvolvimento da
Teoria Social (1923), e por F. N. House em The Development
of Sociology (1936). Terceiro: podemse expor as teorias con-
forme as áreas geográficas cm que os respectivos autores resi-
dem; êste foi o plano seguido por G. Gurvitch e Wilbert Moore
em Twentieth Century Sociology (1945) e por Harry Elmer
Barnes em An Introduction to the History of Sociology (1948).
Para o presente volume, o autor sc propôs uma combinação da
primeira com a segunda solução.
O exame do desenvolvimento da teoria sociológica será
dividido cm quatro períodos. O primeiro período, estendendo
se do nascimento da Sociologia até cêrca de 1875, c o dos
pioneiros e dos esforços isolados. O segundo, grosso modo,
corresponde ao último quartel do século XIX, e é o período
da luta entre escolas e, simultaneamente, da predominância do
evolucionismo, muito tendo a ver essa luta com a questão do
fator (econômico, racial, geográfico, ou qualquer outro) que
determina a evolução social. O terceiro, abrangendo o pri-
meiro quartel do século XX, é um período de indecisão, após
a demolição da teoria cvolucionista e uma crescente consciência
da carência de unidade nos estudos empíricos; concentramse
então as atenções nos fundamentos psicológicos da Sociologia.
O quarto período, o atual, é o da luta entre quadros dc re-
ferência ou dc convergência; caracterizasc pela crescente noção
da existência de uma grande massa de proposições em pi rica-
mente estabelecidas (donde ser êste um período dc convergên-
cia) e pela concorrência entre os ponto; de vista considerados
mais adequados para explicar a realidade social em seu conjunto.
Apresentaremos, de cada um desses quatro períodos, as
escolas mais representativas c as teorias mais influentes, tra-
zendo à tona suas intcrrelaçõcs. Destacaremos ainda as so
brcvivências e acumulações, tanto quanto os renascimentos teó-
ricos (às vezes sob novas roupagens), numa completa escala
do desenvolvimento da teoria sociológica.

27
Segunda Parte

OS PIONEIROS
CAPITULO II

Augusto Comte

Jgicas,
á que este livro se prende
e não há história
ao estudo das teorias socioló-
do pensamento social em geral, come-
çará com Augusto Comte — que foi a primeira grande figura
a afirmar, e depois provar com os fatos, que a ciência empí-
rica e teórica da sociedade era possível e desejável. Mas, a fim
de tornar Com te compreensível, precisase apresentar antes o
clima intelectual da França no inicio do século XIX.

A França no inicio do século XIX


O clima intelectual de uma sociedade é formado pelas
idéias que os intelectuais contemporâneos têm como cenas,
pelos problemas comumente discutidos entre êles c pelos seus
métodos de discussão. Tal clima pode ser mais ou menos
integrado; cm outras palavras, os intelectuais podem estar ou
não divididos em facções, cada qual detentora de uma série
de idéias preferidas, uma categoria especial de problemas e
um método particular dc discussão.
No início do século XIX, o clima intelectual da França
estava bem integrado Falavase com orgulho das conquistas
realizadas nas Ciências Matemáticas e Naturais, confiavase

na onipotência
subsistia a crençados métodos. de
na existência Quanto aos assuntos
leis sociais similares humanos,
às esta-
belecidas nas Ciências Naturais. Entre essas, atribuíase posição
dominante à lei do progresso ou desenvolvimento necessário das
sociedades humanas rumo a estágios mais altos e melhores.

31
Tal seqüência de idéias pode ser retraçada até Blaise Pascal
162362), que sugeriu a semelhança entre a continuidade das
gerações humanas com a de um indivíduo que vivesse para
sempre e não cessasse dc acumular conhecimento. Charles
Montesquieu (16691753), na primeira frase de. seu famoso
VEsprit dês lois (1748), ofereceu uma definição das leis da
natureza que mcieceu aprovação geral: as leis, na mais ampla
acepção do termo — disse êlc —, são relações necessárias de-
rivadas da natureza das coisas.
A idéia de progresso, desenvolveua Jacques Turgot (1727
•81). 1'Histoirc
sur Num memorial publicado
universelle tentou em 1750 que
mostrar e no breve Discours
o avanço humano
no conhecimento da natureza era acompanhado de uma eman-
cipação gradual do espírito, libertandose dos conceitos antro
pomórficos, segundo um processo que, em sua opinião, passara
por três estágios: primeiro, os homens supunham que os fenô-
menos naturais eram produzidos por sêres inteligentes invisí-
veis, mas semelhantes a êles; segundo, começaram a explicar
tais fenômenos por expressões abstratas, tais como essência e
potência; terceiro, observando a ação mecânica recíproca dos
corpos, formularam hipóteses que poderiam ser desenvolvidas
pela Matemática c verificadas pela experimentação.
Outro protagonista da idéia do progresso, o Marquês de
Condorcet (174394),
intitulada Esquisse d’unexpressa seus pontos
tableau historique des de vista dena Fesprit
progrès, obra
humain, escrita no cárcere pouco antes da própria execução
que êlc sabia inevitável; traçou aí o perfil do progresso huma-
no através das idades e formulou a possibilidade dc uma ciência
capaz de antever o futuro da humanidade e, conseqüente-
mente, acelerálo ou dirigilo. Para estabelecer leis que per-
mitam aos homens a previsão do futuro, deveria a História
deixar de ser uma história de indivíduos e tomarse uma his-
tória das massas humanas. Sc c quando ocorrer essa transfor-
mação, tomarseá possível antever o porvir com base no co-
nhecimento dc leis necessárias e invariáveis. Não há motivo
para acreditar que não existem essas leis, governando os assun-
tos observação
da humanos. Ahistórica podese6 afirmar
maior delas desconhecida
que oainda, mas àé base
progresso ne-
cessário c ininterrupto, dependendo da sucessão de explicações
antropomórficas, metafísicas e científicas dos fenômenos naturais.

32
A vida de Comte

Comte (17981857) nasceu cm Montpellier, Fiança. Aos


dezesseis anos, o homem que viria a ser o pai e fundador da
Sociologia matriculouse na Êcole Polytechinique, então a es-
cola mais considerada do país. Seus professores, na maioria
estudiosos de Matemática e Física, revelavam, ao contrário do
jovem Comtc, pouco interesse pelo estudo dos assuntos huma-
nos e da sociedade. Como muitos dos filósofos desse período,
especialmente os filósofos sociais L. G. Bonald e Joseph de
Maistre, alarmouse ele com os efeitos demolidores da Revolu-
ção
gruposFrancesa, a desordem criada
sociais intermediários entre apela destruição
família violentaAssim
e o Estado. dos
o aprimoramento da sociedade logo se tornou a preocupação
principal de Com te, o verdadeiro objetivo de sua vida. Mas
ele entendia que, para aprimorar a sociedade, faziase necessá-
ria uma ciência teórica da sociedade. Não a tendo à disposi-
ção, decidiu criála. Esta nova ciência, a seu ver, dependia
de outras; resolveu, portanto, estudar a serie completa das ci-
ências teóricas, que identificava com a Filosofia positiva. Com
os resultados de tal estudo, conseguiu formular um sistema das
leis que regem a sociedade dc modo a postular sua cura à base
dessas leis.
As conquistas de Comte, até a formulação deste gigantes-

co empreendimento,
de que, aos dezenoveforamanos egrandemente
ainda alunoestimuladas
da Escola pelo fato
Politécni-
ca, tomouse secretário do Conde Henri dc SaintSimon (1760
1825). Embora membro da aristocracia francesa, SaintSimon
veio a ser um dos primeiros c mais eminentes socialistas utópi-
cos, um dos pensadores sociais, talvez sonhadores sociais, que
acreditavam que os problemas da sociedade do seu tempo se-
riam melhor resolvidos reorganizandose a produção econômi-
ca, privandose, conseqüentemente, da liberdade econômica (en-
tão valor fundamental) a classe proprietária dos meios dc pro-
dução. Em um panfleto publicado em 1813, SaintSimon ex-
punha as seguintes idéias:
A moral e a politico se tornarão ciências “positivas".
C onere tizarseá a tendência de muitas leis peculia-
res às ciências individuais, para uma lei única e que tudo
abranja.
A ciência uirá a w o nôvo poder espiritual.

3 33
A sociedade precisa, portanto, s*r reorganizada e,
neste sentido, fl humanidade entrari no terceiro período
de sua história: o primeiro, ou preliminar, terminou cm
Sócrates, e o segundo, ou conjetural, persistiu até a época
dos trabalhos dc SaintSimon.

De 1817 a 1823, Comte e SaintSimon colaboraram tão


estreitamente que i impossível distinguir quais as contribuições
dc um e de outro. Verificase essa colaboração especialmente
na obra Plano das Operações Cientificas Necessárias Perra a

Reorganização
essa obra dc “adagrande
Sociedade. Mais
descoberta tarde,
do ano Comte Nessa
de 1822”. chamaria
pu-
blicação, os autores asseveravam que a Política deve tomarse
a Física Social, um ramo da Fisiologia; que cada setor dó co-
nhecimento deve passar por três estados: o teológico, o meta-
físico e o positivo; e que o objeto da Física Social era desco-
brir as leis naturais c imutáveis do progresso, tão necessárias
quanto a Jci da gravidade. Assim, o programa de uma nova
ciência (que depois se chamaria Sociologia) ficava claramente
fixado, rnmo também era proclamada a proposição fundamental
da teoria sociológica dc Comte — a lei dos três estados.
Logo após a publicação dessa obra, deixaram de traba-
lhar juntos e passaram a atacarse acerbamcnte. Comte nun-
ca
sandomaisa encontrou uma posição
viver a custa estável ee bem
de explicações remunerada,
exames pas-
de Matemá-
tica e de outros experientes. Sucediamse desapontamentos
pessoais e querelas com diversas pessoas, e seu isolamento cres-
cia sempre. Não obstante, um pequeno grupo de admirado-
res, a fim de ajudálo, convidouo a dar uma série dc aulas
particulares sôbre Filosofia positiva. Comte aceitou o convi-
te c as notas dc aula foram gradualmente publicadas, entre
1830 e 1842, constituindo o volumoso Cours de philosophic po-
sitive em seis tomos, sua obra fundamental. Enquanto traba-
lhava nesse projeto, descobriu o princípio da higiene mental.
Aplicando essa descoberta à sua própria vida, parou de ler a
fim de manter a mente livre da contaminação das idéias alheias.
seus últimos anos de vida, entre 1851 e 1854, escreveu
Em tratado
um intitulado Système de politique positive em quatro
volumes, onde aplica as descobertas da Sociologia teórica à
solução dos problemas sociais da época. Assim, cumpria seu
objetivo inicial, o aprimoramento da sociedade, mas, ao fazê
lo, desviouse parcialmente do positivismo e tentou construir

34
uma religião da humanidade. Apesar disso, encontramse nessa
obra contribuições importantes e interessantes ao anterior
Court tie philosophic positive.

Premissas básicas

A teoria sociológica dc Comtc consta de um sistema fun-


dado cm duas proposições correlatas: a lei dos três estados e
o teorema de que as ciências teóricas formam uma hierarquia
cm cujo ápice se situa a Sociologia.

são As ciências
teóricas ou —práticas
assevera(aplicadas).
Comte naAssegunda
teóricasproposição —
subdividem
se ainda em descritivas (concretas) e abstratas. As primeiras
lidam com os fenômenos concretos e as segundas esforçamse
pela descoberta das leis da natureza quo regem tais fenômenos,
determinando sua coexistência e sucessão. As ciências teóricas
abstratas constituem uma série, ou hierarquia, em que cada grau
superior depende do antecedente porque lida com fenômenos
mais complexos e concretos. A Matemática ocupa a base da
hierarquia, abrangendo os aspectos abstratos de todos os fenô-
menos. Logo a seguir vem a Mecânica, que Comte quase iden-
tificava com a Astronomia, ciência que, naquela época, estava
realizando progressos espetaculares. À Mecânica seguiamse
a Física, a Quimíca e a Biologia. E, acima de todas elas, vinha
colocarse a nova ciência da Física Social ou Sociologia.
A lei dos três estados significa, em primeiro lugar, que
cada setor do conhecimento atravessa três períodos de desen-
volvimento: teológico, metafísico e positivo. Mas as ciências
individuais não se movem simultaneamente; quanto mais alta
se situa a ciência na hierarquia, mais demorada é a passagem
de um estado a outro. Não poderia ser de outro modo, pois
primeiro tinham que se desenvolver as mais complexas. Comte
acreditava que todos os setores do conhecimento, menos um,
haviam atingido o estado positivo; com o surgimento da So-
ciologia, a série estaria completa.
No sistema de Comte, entretanto, a lei dos três estados
é muito mais do que um princípio regedor do avanço do co-
nhecimento. O desenvolvimento e a educação do indivíduo,
como também a própria sociedade humana, precisam igual-
mente atravessar três estados. O desenvolvimento e a organi-
zação sociais positivos dependem do conhecimento científico,

35
jsto c, sociológico, dos fenômenos sociais. Ein outras palavras,
“a grande dcscobcr:a do ano de 1822”» pensava Com te, de-
veria tomarse a idéia diretriz para a reorganização da socie-
dade abalada pela Revolução Francesa.
Estava tão firmemente convencido da exatidão do seus pon-
tos de vista que mandou um exemplar da Philosophic positive
ao Imperador Nicolau I, da Rússia, escrevendolhe uma carta
em que afirmava ter certeza de que o governante autocrático
(que, singularmente, possuía boa formação matemática) ini-
ciaria reformas que levariam a Rússia à sociedade positiva.
Êste incidente revela que as pretensões de Comte, como as de
muitos inovadores, eram, às vêzes, ridículas.
Mas as premissas básicas de sua teoria sociológica mere-
cem consideração c respeito. Sua lista dc ciências abstratas
ò incompleta. Omitiu a Psicologia, que tomou como um ramo
da Hsíoiogia, e a relação existente entre as ciências individuais
é mais complexa do que supôs. A divisão geral das ciências,
todavia, revelouse em geral boa. A lei dos três estados, no
entanto, com o sentido que lhe emprestou seu inventor, ca-
rece nitidamente do validez. Se as primeiras explicações da
natureza e do homem têm sido freqüentemente religiosas, se-
guidas por explanações filosóficas e, enfim, pela ciência em-
pírica, nem sempre o último approach elimina o primeiro; ao
contrário, ocorre a acumulação e, freqüentemente, a mistura
dos três. Mesmo sofrendo essa correção, tal lei comtiana não
resistiria à prova de fatos hoje cm dia conhecidos. Contudo,
podese vislumbrála, sob unia forma grandemente modificada,
em uma das teorias mais ambiciosas dos dias atuais, a de So-
rokin (vide capítulo XX).

A Ciência da Sociologia
Sua localização no sistema das ciências bem indica o
significado que tem para Comte a Sociologia: é a ciência
teórica abstrata dos fenômenos sociais. Em 1828, quando
(com SaintSimon) compreendeu a necessidade dessa nova
ciência, escreveu
Celeste, uma Física Comte:
Terrestre,“Possuímos atualmente
seja Mecânica uma Física
ou Química, uma
Física Vegetal c uma Física Animal; desejamos ainda uma
outra, e última, a Física Social, a fim de completar o sistema
de nosso conhecimento da natureza. Entendo por Física Social
a ciência que tem por objeto o estudo dos fenômenos sociais

36
considerados sob o mesmo espírito que os fenômenos astro-
nômicos, físicos, químicos ou fisiológicos, isto é, sujeitos a leis
naturais invariáveis, cuja descoberta constitui a meta especí-
fica da investigação.” Mais precisamente, a finalidade era
"descobrir através de que séries fixas dc transformações su-
cessivas, a raça humana, partindo de um estado não superior
ao das sociedades dos grandes macacos, gradualmente, atingiu
o ponto cm que hoje se encontra a Europa civilizada”.2
Comte relutou muito em substituir o nome da nova ciên-
cia — Física Social — por Sociologia. Na última parte da
Philosophic positive explicou que inventara um nôvo nome
porque
escolheuo antigo
para fora usurpado
título por um
dc uma cientista
obra belga que
devotada a omatéria tão vil,
qual fôsse a simples Estatística. A obra a que se referia era
o Ensaio dc Física Social de Quételet (vide capítulo IV), que
trazia às Ciências Sociais uma das contribuições mais vigorosas
do século XIX.
Em Politique positive Comte procurou dar mais vida à
definição um tanto formal de Sociologia, apresentada em Phi
losophie positive. Por um lado, parecia identificar a Sociolo-
gia coin o estudo da totalidade dos fenômenos do intelecto hu-
mano e das conseqüentes ações dos homens. Por outro lado,
qualificava essa posição afirmando que a Sociologia não era
o estudo do intelecto como tal, mas dos resultados cumula-

tivos de seua exercício.


abandonado concepçãoEmbora, é fora de como
da Sociologia dúvida,umanão ciência
tenha
teórica dos fenômenos sociais, identificava, agora, a soma total
dos últimos com os resultados cumulativos do exercício do in-
telecto — concepção dos fenômenos sociais semelhantes ao con-
ceito dc cultura, freqüentemente empregado pelos sociólogos
contemporâneos, que o tomaram da Antropologia Cultural. Era
germe, essa roncepção de cultura já estava presente na obra
de Comte muito antes de vir a ser encarada como de impor-
tância estratégica pelos sociólogos e antropólogos modernos. •

Metodologia

Comte doachava
ser separada quefenômenos
estudo dos a discussão dos por
investigados métodos
êsses não podia

* Palavras transcritas em Politique positive, VoL IV, apêndice.

37
métodos. Conseqüentemente, só é possível rcconstituir seus
pontos dc vista metodológicos pela reunião dc idéias disper-
sas ein seus tratados.
A Sociologia precisa utili/ar o método positivo, o que
já estava estabelecido no próprio programa da nova ciência
c derivava das premissas básicas comtianas. Mas o que era
o método positivo? Em resposta, Comte pouco dizia, a não
ser que tal método exigia a subordinação dos conceitos aos
fatos c a aceitação da idéia dc que os fenômenos sociais estão
submetidos a leis gerais; do contrário, não se poderia estru-
turar
menos. nenhuma
Dc acôrdociênciacomteórica
sua abstrata relativa
compreensão da ahierarquia
tais fenô-
das
ciências, admitia que o sistema formado pelas leis sociais era
menos rígido do que o das leis biológicas e este, por sua vez,
menos rígido do que o das leis físicas.
Embora de avançada formação matemática, negava Comte
que o método positivo pudesse identificarsc com o uso da
Matemática ou da Estatística. “O projeto dc tratar a ciência
social como uma aplicação da Matemática a fim dc tomála
positiva srcinousc no preconceito dos físicos dc que, fora da
Matemática, não há certeza. Èsse preconceito era natural
na época em que tudo que fósse pusitivo pertencia ao domínio
da Matemática aplicada c, conseqüentemente, tudo que esta
não abrangesse era vago e cunjeiural. Mas desde a formação
das duas grandes ciências positivas, a Química e a Fisiologia,
onde a análise matemática não desempenha papel algum, e
que são reconhecidas como não menos certas do que as ou-
tras, semelhante preconceito seria inteiramente inexplicável.” 5
Certa vez, assinalou as "vãs tentativas de diversos geômetras
de levar avante um estudo positivo da sociedade mediante a
aplicação da ilusória teoria do acaso (probabilidade)'*. Mais
uma vez, tinha em mente a obra He Quételet. Ê digno de nota
que, nos dias atuais, exista uma escola ncopositiva (vide capítulo
XVI), que vê na quantificação o ideal dc tôda ciência, da
Sociologia inclusive.
mente se coaduna Quantodo fur.dador
com as idéias a isso, do opositivismo.
neopositivismo
4 dificil-

* Politique positive. Vol. IV, apêndice.


* Ver. entretanto, a réplica de George Lundberg, em Funda
mentos i* Sociologia.
Como então alcançar o conhecimento positivo, segundo seu
ponto de vista? Comte menciona quatro processos: observação,
experimentação, comparação e método histórico.
A observação, ou uso dos sentidos físicos, como acentuava,
com acerto, só podia ser desenvolvida, produtivamente, guiada
pela teoria. Quanto aos modos de observação, dedicava pouca
estima à introspecção, isto é, à observação dos fenômenos que
ocorrem na mente do observador. Algumas dc suas afirmativas
a êsse respeito antecipam as dos behavioristas contemporâneos.
Olhava em outra direção c acreditava que a Frenologia 9 podia
explicar melhor as variações do comportamento humano. Sabia

que
dade. o Mas
experimento real éfrancês
no idioma quase impossível
a palavra noexperiment
estudo dafreqüen-
socie-
temente implica observação controlada. Comparação produtiva,
sustentava êle, podia ser desenvolvida entre as sociedades humana
c animal, entre as sociedades coexistcntes e entre as classes
sociais da mesma sociedade.
Por método histórico, entendia Comte a pesquisa das
leis gerais da variação contínua da opinião pública, ponto de
vista que reflete o papel dominante das idéias evidente na lei
dos três estados. O método histórico pouco tem em comum
com os métodos usados pelos historiadores que dão relêvo às
relações causais entre fatos concretos e que apenas incidental
mente formulam leis gerais. Entretanto, Comte unicamente
indicava o que devia ser feito, sem, porém, demonstrar como
se poderia fazêlo. Em seus tratados, registra certo número de
inferências de fatos históricos, raramente porém convincentes,
e às quais parece ter chegado mais por dedução da lei dos tres
estados do que pela autêntica inferência.
Cumpre ainda mencionar dois outros pontos dc signi-
ficação metodológica. Primeiro: a sociedade, em sua opinião,
é, de certo modo, como um organismo em que o todo é mais
conhecido do que as partes.6 Desta proposição, derivou a

8 A Frenologia é urna teoria pseudodentifica, oferecida por F.


H. Gall (17581828), de acordo com a qual as faculdades mentais
do homem se relacionam estreitamente com as peculiaridades de seu
ciftnio.
* Relativamente a um organismo, a proposição é correta: mesmo
tem qualquer estudo especial entendese a conduta de um homem, um
cão, um gato; ao passo que a compreensão da operação das partes,
ou órgãos, exige algum estudo. A proposição, entretanto, dificil-
mente é aplicável à sociedade.

39
conclusão algo inconsistente de que os estudos especializa 0¼
a exemplo da Economia, são enganadores, porque jamais se
deveria introduzir na ciência qualquer fato social cncaiado
como fenômeno isolado. E mais, acusava os economistas da
época por sua mávontade em reconhecer a possibilidade dc
outra ordem na sociedade que não fusse a que se estabelece
automaticamente. Comte achava que, além dessa ordem es-
pontânea, podia haver uma ordem planificada, estabelecida à
base do conhecimento das leis sociais c dc sua aplicação ra-
cionai a problemas e situações concretos.
Segundo: cm sua obra há uma sugestão que antecipa de
mais de cinqüenta anos uma relevante contribuição de Max
Weber (vide capítulo XIV). Ccmtc considerava os tipos
sociais “os limites de que a realidade social sc aproxima, cada
vez mais sem nunca conseguir atingilos”. Nessa afirmativa,
percebesc a influência dc sua formação matemática c, tam-
bém, de modo rudimentar, o tipo ideal de Max Weber, excelente
instrumento lógico para a análise sociológica. Corrobora essa
afinidade outra, afirmação de Comte, ao sugerir como utilizar
esses tipos no estudo dos fenômenos sociais. Os casos inter-
mediários, isto é, os casos que não coincidem com nenhum
tipo ideal assinalava êlc, devem ser estudados através dc uma
análise exata dos dois casos ou tipos extremos. Isto quer dizer,
que um caso intermediário pode ser melhor compreendido uma
vez determinado quanto apresenta, de cada tipo extremo,
igualmente.

Sociologia estática c dinâmica

A Sociologia de Comte dividesc cm duas partes princi-


pais: estática e dinâmica. Tal divisão, extraída da Biologia
(que na época sc conhecia como Fisiologia), estava dc acôrdo
com a importância por ele atribuída à hierarquia das ciências
e à presença dc traços comuns entre elas.
A estática envolve o estudo das condições de existência

da sociedade,
vimento enquanto
contínuo, a dinâmica
ou das leis de exige
sucessãoo estudo de seuindivi-
dos estágios mo-
duais. O fato principal da estática é a ordem; o da dinâmica
é o progresso. Mais explicitamente, a estática c a teoria da
ordem, da harmonia entre as condições de vida do homem
em sociedade, enquanto a dinâmica c a teoria do progresso

40
social, do desenvolvimento básico ou evolução da tociedade.
Mas ordem c progresso encontramse intimamente relaciona-
dos: nenhuma ordem social verdadeira pode ser estabelecida
se fôr incompatível com o progresso, e nenhum progresso dura-
douro será possível se não se consolidar na ordem; devem ser
estudados em separado sòmcnte para fins analíticos. É preciso
unir, através de todo o sistema, as leis da estática e da dinâ-
mica. Hoje, não sc aceita mais semelhante identificação oti-
mista entre estática c ordem, entre dinâmica e progresso. Con-
tinua em uso, porem, sua divisão básica da Sociologia, ainda
que expressa em têrmos diferentes, como estrutura social e
mudança social — conceitos familiares a qualquer estudante.

Estática: consenso

Segundo o ponto de vista de Comte, a ordem social total


se estabelece dc acôrdo com as leis da natureza. Cada ordem
particular pode conter muitas deficiências, às vezes sérias —
o que pode scr retificado mediante a intervenção racional dos
sêres humanos. Tal concepção está de pleno acôrdo com suas
idéias sôbre a relativa flexibilidade das leis sociais. A ordem,
porém, só é possível fur.damentada em continuidade de idéias
entre os que formam uma sociedade; portanto, não sc deveria
assegurar completa liberdade de opinião.
O fato básico da ordem social é o consensus universalis,
a correlação necessária entre os elementos de uma sociedade,
consenso que existe em todos os reinos da vida, mas que atinge
o clímax na sociedade humana. Há consenso entre as ciências,
entre as ciências e as artes, dentro das instituições políticas,
entre sociedade civil e política, entre costumes e idéias. Apregoou
se, por vezes, que Comte era incapaz de identificar as com
patibilidadcs ou interconexões institucionais necessárias ou exi-
gidas. Semelhante acusação é um tanto ilusória pois, ao apre-
sentar os pormenores da lei dos três estados, traz à luz diversos
pontos relativos a essas correlações.
Segundo Comte, o consensus universalis c o verdadeiro
fundamento da solidariedade, como também a base para a
divisão do trabalho social. Prova este último, ainda uma vez,
que a sociedade é análoga a um organismo. Aqui e ali se
realizam funções específicas por órgãos específicos, mas sempre
solidários. Comte utilizava a analogia organicista, embora nun

41
ca identificasse sociedade c organismo biológico. Insistia mesmo
em que há uma grande diferença entre ambos: os organismos
são essencialmente imutáveis, ao passo que a sociedade, se ori-
entada por princípios científicos, e capaz de notável aperfei-
çoamento. assertiva que reflete sua confiança no progresso e
sua convicção de que a sociedade humana só se pode aper-
feiçoar baseada em uma ciência social positiva.
A divisão do trabalho social — prossegue Comte — é a
causa fundamental da crescente complexidade da sociedade;
portanto, precisase estudar cuidadosamente a solidariedade e
a cooperação. Daí, o relevo que dispensa ao altruísmo, outra
palavra por êle cunhada. Só muito mais tarde, embora ainda
no século XIX, quando outro grande sociólogo, Emile Dur
khcim, analisou o fenômeno cm uma série de trabalhos im-
portantes (vide capitulo IX), e que se prestou atenção ao
conselho do pai da Sociologia, recomendando o estudo da
solidariedade social.

Estática: estrutura social

Comte distinguia três níveis na sociedade: o indivíduo,


a família e as combinações sociais, a mais alta das quais é
a própria humanidade. Entretanto, elimina o indivíduo do
estudo
vamente sociológico
em elementosporquehomogêneos.
um sistemaConseqüentemente,
deve consistir exclusi-
a uni-
dade social básica não é o indivíduo e sim a família.
Não obstante, enfrentou o persistente problema socioló-
gico das relações entre a sociedade e o indivíduo. Em socie-
dade, observou, notase a convergência contínua e regular das
atividades de inumeráveis indivíduos. Certamente, cada indi-
víduo vive a própria vida, mas também teiu uma disposição
espontânea para participar do desenvolvimento comum a todos
— sem consultar os outros e acreditando que obedece aos pró-
prios impulsos. Fundamentalmente, então, o indivíduo e a
sociedade são inseparáveis; distinguemsc apenas para fins dc
análise abstrata.
Comte fez diversas constatações interessantes, a respeito
da unidade social básica — a família. Assinalou, por exem-
plo, que ela possui um grau particular de unidade, um caráter
moral que a diferencia de outras unidades sociais. Na vida
familiar, afirmou, não há muita reflexão: satisfazemse ime

42
diatamcntc as necessidades à base da simpatia. As famílias
podem existir em estado de isolamento, mas geralmente não
o fazem. Através de sua coordenação social surgem combi-
nações, como as classes sociais e as cidades, apoiadas na coope-
ração consciente. Das muitas combinações sociais, considerava
com cuidado apenas as dc tipo político — os Estados. Lasti-
mava que a Revolução Francesa tivesse destruído os grupos
intermediários entre a família e o Estado, e desejava a sua
restauração.
A respeito do Estado, Comte pouco acrescentou às con-
clusões já estabelecidas pelos filósofos políticos. A ordem po-
lítica — asseverou — é um tanto artificial; mas, por outro
lado, é uma modificação da ordem natural para onde tendem
tôdas as sociedades humanas. A ordem política é natural
porque nenhuma sociedade pode existir sem Govêmo, e o
Governo é possível graças ao amplo desejo de comando e ao
fato de muitas pessoas quererem ser aliviadas do fardo de to-
mar por si mesmas as necessárias decisões.

Dinâmica: evolução e progresso

Comte apresenta a dinâmica social como História sem


nomes de homens e de povos. Aqui, a tarefa c a descoberta
de uma ordem abstrata em que as principais transformações
da civilização humana sc seguiram umas às outras. No de-
correr do movimento, devesc preservar a solidariedade; dc
outro modo, resultaria êle na decomposição completa do sis-
tema social. Daí não poder verificarse isoladamente, nem
assim ser estudado desenvolvimento algum dc aspectos indivi-
duais da vida social. Esta concepção baseiase nos pontos de
vista metodológicos gerais de Comte c em suas idéias a res-
peito do consensus universalis.
A dinâmica social deve principiar pelo estudo do desen-
volvimento em si. Nasce então a pergunta: o desenvolvimento
eqüivale ao progresso? O aumento da população o o cresci-
mento da capacidade mental parecem mostrar que sim. Com-
te estava dc acôrdo com a opinião dominante de que os jovens
selvagens não sc poderiam desenvolver tanto quanto as crian-
ças nascidas nas sociedades avançadas. Suas idéias otimistas
sôbre o progresso eram reforçadas pela aceitação da teoria
de que os traços adquiridos por um indivíduo, durante a vida,

43
podem ser biolòi;icaincntc transmitidos à respectiva progenic,
Ich* sustentada pelo fisiólogo Chevalier dc Lamarck (1744
1829). A Biologia contemporânea, cxccto numa curiosa ver-
são soviética, nega tal possibilidade.
Considerava, ainda, que o desenvolvimento progressivo não
segue uma linha reta; não somente ocorrem oscilações, como
também a interferência humana pode alterar a rapidez do
progresso.
A evolução social — ensinava — é uma continuação da
progressão geral que principia no reino vegetal. As grandes
séries sociais correspondem às grandes series orgânicas, e não
à sucessão dc idades dc um organismo simples Essa pro-
posição constitui elemento essencial em um sistema de pen-
samento que dá relêvo ao progresso contínuo, visto que a curva
correspondente às idades dc um organismo evidencia tanto o
dcsccnso quanto o crescimento.
No curso da evolução social, a natureza humana se de-
senvolveu, mas sem que se acrescentassem quaisquer faculda-
des humanas às srcinárias. Corolário disso, o estudo da evo-
lução deveria principiar pelas noções referentes aos homens
primitivos, estabelecidas na Fisiologia, embora Comte fizesse,
na realidade, escasso uso desse material.
No curso da evolução social, diz Comte (repetindo uma
das afirmações prediletas de SaintSimon), há um visível anta-
gonismo básico entre os instintos de Inovação c dc conservação.
Essa idéia antecipa a doutrina de Vilfredo Pareto (vide capí-
tulo XIII) sôbre a circulação das elites.
Finalmente, Comte destaca uma idéia que fundamenta em
grande parte o trabalho dos ovolucionistas posteriores: o estu-
do do progresso é grandemente facilitado pelo fato de que
as mesmas leis governam o desenvolvimento de tôdas as socie-
dades, de modo que o desenvolvimento de princípios gerais
pode começar com o estudo dos avanços realizados pela van-
guarda da humanidade, vanguarda que, em sua opinião, era,
evidentemente, a França. Consequentemente, a história da
Filosofia tem uma enorme importância.

Dinâmica: os fatores do progresso

A teoria sociológica de Comte referente aos fatôres do


progresso tem como introdução a afirmativa de que o pro

44
grcsso é observável cm todos os aspectos da sociedade. O pro-
gresso é físico, moral (rumo a sentimentos mais nobres e ge-
nerosos), intelectual, político. A fase intelectual é a funda-
mental c a mais notável — o desenvolvimento das idéias co-
manda a História — c, portanto, revestese de suma impor-
tância a história da Filosofia. Muitas vêzes os homens pare-
cem preocupados, acima de tudo, com a satisfação de suas
necessidades materiais, e, na realidade, c evidente o progresso
no domínio das fôrças da natureza. Entretanto — sustentava
o desenvolvimento intelectual produz e estimula o desen-
volvimento material.

dos Sua
fatôresanálise
dc quedos depende
fatores ododesenvolvimento
progresso levouo ao estudo
intelectual. Êste
problema, todavia, ficou em larga medida sem resposta. Supõe
se que fatôres principais do progresso intelectual sejam o tédio
(que produz um esforço para a inovação) e o medo da morte.
Ao discutir, porém, os fatôres do progresso em geral (não ape-
nas do intelectual), empresta especial relevo ao aumento da
densidade de população, que acarreta maior especialização na
divisão do trabalho social. Conseqüentemente, os indivíduos
são levados a despender maiores esforços a fim dc assegurarem
sua subsistência, e a sociedade é compelida a regular mais ener-
gicamente situações resultantes de crescentes diferenças entre os
indivíduos.

Finalmente,
rencial ComteAqui,
do progresso. discute
ele ose problema da rapidez
revela consciente dife-
da insu-
ficiência de suas provas e do caráter dc tentativa de suas
conclusões: os dotes diferenciais das raças c, presumivelmente,
a superioridade branca; o papel das diferenças climáticas, com
as condições mais favoráveis ao progresso na bacia do Maditer
râneo; e a idéia de que a ação política é capaz, eventualmen-
te, de acelerar ou retardar o progresso. Não negou o papel
dos gênios no desenvolvimento histórico; julgavaos, entretan-
to, agentes de movimentos predeterminados.

Dinâmica: os estágios do progresso

Os estágios básicos do progresso foram descritos nas pro-


posições que Comte designava como “a grande descoberta
do ano de 1822”; julgava, porém, ser necessária uma ulterior
explicação filosófica da lei dos três estados a fim de aplicála

45
à natureza humana. Isso poderia fazerse facilmente acre-
ditava ainda — visto que o desenvolvimento individual passa
pelos mesmos três estágios do desenvolvimento social.
No curso da demorada discussão a respeito do desenvol-
vimento da vanguarda da humanidade — as sociedades mais
avançadas — Comte estabeleceu correlações entre os estágios
intelectuais básicos e os estágios do desenvolvimento da vida
material do homem, tipos dc unidades sociais, tipos de ordem
social c sentimentos predominantes.

São as seguintes as correlações, assim configuradas:


Fase Fase Tipo de Tipo Sentimento
intelectual material unidade social de ordem predominante
Teológica Militar A família Doméstica Apêgo
MctafUica Lega lUt ira O Estado Coletiva Veneração
Positiva Industrial Raça Universal Benevolência
(humanidade)

Submeteu o primeiro estado, o teológico, a um estudo mais


detalhado do que os outros dois, provàvelmente porque o po-
sitivo estava apenas começando c porque o metafísico subsis-
tira durante um período de tempo muito mais curto do que o
primeiro. Subdividiu o estado teológico cm cinco subestados,
responsável, cada um dêles, por contribuições definidas ao
progresso. Traçou da seguinte maneira os subestados e suas
contribuições:
Fetichismo A família
Politeísmo (impérios orienta is) O Estado, propriedade territorial
Politeísmo intelectual (Grccia) Contribuições intelectuais
Monoteísmo social (Roma) A pátria
Monoteísmo defensivo (o inundo Emancipação das mulheres e doi
católico) trabalhadores

Comte cm retrospecto

É moda hoje em dia reduzirse o papel de Comte no cres-


cimento da teoria sociológica. Por um lado, afirmase que fêz
muito poucas contribuições srcinais: quase tôdas as suas idéias
podem ser atribuídas a numerosos prcdccessores. Por outro
lado, declarase, freqüentemente, que êle elaborou apenas um
programa de Sociologia e não uma teoria sociológica, assertiva,

46
aliás, algo injusta. Sc é verdade que grande parte de tuas
afirmações reproduz, modificadas, idéias esparsas pela história
birnilenária da Filosofia Social, Comte recocnbinouas de modo
a dar srcem a um rápido e fecundo desenvolvimento do co-
nhecimento referente às relações interpessoais, aos grupos so-
ciais, à cultura, à estrutura e às transformações sociais. Cada
sociólogo sabe, ademais, que tôdas as invenções — a criação
dc uma nova ciência chamada Sociologia foi uina invenção
— são primàriamente a rccombinação de elementos já encon-
trados na cultura.
Na obra de Comte, o leitor atento encontra uma enorme
riqueza
rificadas dena idéias
históriaqueda antcdpazn
Sociologiaa até
maioria das tendências
o presente, ve-
bem corno
um grande número de proposições relativas aos fins e aos
métodos da Sociologia, proposições essas freqüentemente reto-
madas por sociólogos posteriores, que o fazem, muitas vezes,
sem qualquer alusão ao fundador da ciência sociológica. Além
disso, mostrou Comte o caminho para a moderna definição
da Sociologia e para suas divisões básicas. Ê verdade que,
sob a influência de Spencer, a Sociologia desviouse da concep-
ção formulada por Augusto Comte c sc tomou uma ciência
concreta (genética}, descritiva de um processo único, o da
evolução da sociedade humana. Com o declínio do evolucio
nismo, porém, a Sociologia (pelo menos seu centro vital) re-

tomou,
bre ainda
qual seja que dessa
o objeto com ciência.
modificações, a seu ponto de vista sô
Ê verdade que a Sociologia contemporânea não se limita
a repetir a definição dc Comte. Essa revelouse ampla em
excesso, incluindo as partes teóricas de Ciências Sociais es-
peciais (Economia, GovGmo, Jurisprudência etc.). Por outro
lado, a Sociologia não sc limitou à formulação dc proposições
teóricas; expandiuse pelo âmbito da atividade prática e se
tomou a conselheira dos homens de boavontade desejosos
dc aprimorar a sociedade humana. (Comte inventou sua nova
ciência como um instrumento necessário para a reforma social.)
Finalmente, a Sociologia realizou ainda uma boa soma de tra-
balho descritivo, em época em que não havia outra ciência

para cumprir
Mas a tarefa desenvolvimentos
êsses diversos de descrever fenômenos sociais específicos.
são significativamente in-
tegrados apenas cm têrmos dc Sociologia teórica, tipo dc So-
ciologia que se tomou gradualmente o que desejava Comte
que ela viesse a ser.

47
Mais especificamente, Coin te sugeriu soluções para os prin-
cipais problemas da indagação sociológica. Nunca definiu so-
ciedade, mas podese facilmente verificar que, para ele, a
sociedade consistia cm famílias c combinações sociais que cul-
minam em nações e na humanidade. Aproximousc bastante
da formulação do conceito contemporâneo dc cultura: soma
votai de conquistas de mentes humanas interatuantes. Não ana-
lisou isoladamente nenhuma unidade social, entendendo que,
em relação à sociedade, o todo era melhor conhecido do que
as partes. Percebeu corretamente a influência recíproca, pre-
sente sempre, entre indivíduo c sociedade. Acreditou na exis-

otência dc um fator daspreponderante


desenvolvimento na transformação
idéias; portanto, social —
podese considerálo
um dos deterministas ideológicos. Compreendeu ainda o im-
pacto do crescimento da população c de sua densidade. Defi-
niu a Sociologia, ao localizála cm sua hierarquia das ciências
teóricas abstratas, como ciência teórica abstrata da sociedade,
Utilizou o que denominou de método histórico, que era, na
realidade, sobretudo uma disposição dc fatos históricos sele-
cionados à luz de seus pontos de vista sobre a evolução social.
Esse neveria ser, por muito tempo, o método da Sociologia, o
qual, é claro, apresenta várias falhas. A confiança na evolu-
ção rumo ao progresso era a premissa básica de sua teoria.
Seu evolucionismo, entretanto, não pertencia ao tipo de-
terminista afirmado, poucos anos depois, por Spcncer e que
logicamente conduziria à estrita adesão ao princípio do laissez
faíre. Pelo contrário, acreditava que se podia acelerar e faci-
litar o progresso mediante a ação política apoiada no conheci-
mento positivo. A esse respeito, abriu caminho para a idéia
da telesis social desenvolvida posteriormente por Lester Ward,
que reconheceu o quanto lhe devia.
Muitas afirmações e suposições dc Comte são comprova
damente erradas. Era um metafísico fraco precisamente por-
que acreditou que havia aniquilado a verdadeira possibilidade
da metafísica; era um pensador religioso fraco, embora acre-
ditasse firmemente que a religião fôsse um dos pilares da so-
ciedade. Quanto à sua teoria sociológico, podese considerá
la um salto prematuro do nível da observação e das inferências,
diretamente baseadas nela, para o nível da “teoria”.
Quando vivo, sua obra passou despercebida na França.
Os estudiosos ingleses, sobretudo John Stuart Mill (180673),

48
foram os primeiros a interessarse por Comte, o homem e
a obra. Todavia, Spcnccr rejeitouo com desdém. Através dói
autores ingleses, suas idéias penetraram na Alemanha e da
Alemanha voltaram à França, onde Durkhcim, o maior dos
sociólogos do fim do século XIX, deu à Sociologia nôvo ím-
peto, em que se podem distinguir muitas formulações comtíanas.
Excrccu, ainda, grande influência na Sociologia russa (Kova-
levsky, Sorokin) e na Sociologia americana (Ward espe-
cialmente) .
É digno dc nota que um livro publicado nos Estados Uni-
dos em 1953 tenta reviver a Sociologia de Comte: The Na-
ture and Elements of Sociology, de MacQuilkin DeGrange.
As idéias comtianas sôbre a sociedade, expressas na Politique
positive, combinamse a aquisições relativamente recentes da
teoria sociológica, especialmente à compreensão do papel da
cultura (acumulações coletivas) e à modificação da analogia
orgânica para o approach sistemático.

4
49
Herbert Spencer

.Herbert Spencer (18201903), o segundo fundador da So*


ciologia, pertencia a uma família da classe média. Nunca
freqüentou escolas convencionais; estudou em casa c, durante
curtos períodos, em pequenos colégios particulares. Seu apren-
dizado, conforme assinala na autobiografia, foi de_ primeira
linha sòracntc cm Matemática. Não estudou sistematicamente
determinadas matérias — Ciências Naturais, Literatura ou His-
tória —, fato surpreendente, considerandose que escreveu notá-
veis tratados de Biologia e Psicologia.
Ainda muito roôço, ingressou no mundo dos negócios, no
campo da engenharia ferroviária. Depois saltou para o jorna-
lismo e tomousc redator do Economist, uma das maiores publi
cações inglesas. Após alguns anos, renunciou ao cargo e decidiu
viver como escritor independente.^ Jamais experimentou a
pobreza, mas tampouco se enriqueceu com o trabalho. Seus
maiores tratados, publicouos a prestações, sendo precária, pelo
menos a principio, a continuidade de seu aparecimento, pois
a renda dependia de numerosos assinantes, na maioria americanos.

As obras de Spencer
A carreira literária de Spencer principiou com urna série
dc artigos publicados em 1842, no The Nonconformist. O
primeiro dêles intitulavase “The Proper Sphere of Government1',
onde expunha a idéia de que a adaptação do homem a suas
funções sociais se desenvolve melhor quando não há interferência
artificial nas relações que mantém com a sociedade. Essa
doutrina do laissezfaire tomouse um tema constante em seus
trabalhos sociológicos e'"politicos. Em 1850 publicou o primeiro
livro, Social Statics, em que apresentava uma visão prévia de
sua teoria sociológica: tanto nos organismos quanto na sociedade,
o progresso é o desenvolvimento, partindo de condições em que
partes iguais executam funções iguais, para condições em que
partes desiguais executam funções desiguais, isto é, do uniforme
para o multiforme. Alguns críticos acharam que o titulo da
obra fôra tomado emprestado a Comte. Replicou indignada-
mente que, ao escrever o volume, Comte era para êle um nome
apenas c que o titulo srcinal fôra Demostatics.
Nos anos que se seguiram à publicação de Social Statics,
Spcnccr tomou conhecimento de várias contribuições importantes
à teoria biológica da época que destacavam o fato de que o
desenvolvimento de um organismo era assinalado pela mudança
da homogeneidade ou uniformidade de estrutura para a hetero
geneidade ou multiíormidadc. Em plena década de 1850, con-
forme observa na autobiografia, teve uma inspiração. Percebeu
subitamente que o avanço da homogeneidade para a heteroge
neidade era a lei universal do progresso, quer nas ordens inor-
gânica e orgânica, quer na supcrorginica (social).
Poucos anos após, nova percepção lhe revelou a base causai
dessa tendência: a instabilidade do homogêneo. Essa percepção
permitiu que desse um dedutivo
estágio completamente passo decisivo
do suarumoinvestigação,
ao que chamou de
ou, por
outras palavras, rumo à formulação de um teoria, que desde o
inicio apoiavase na ciência física.
Em 1859, Charles Darwin publicou The Origin of Species,
Spencer assimilou prontamente os novos conceitos darwinianos,
que afinavam com seus próprios ensinamentos, e, caracterlsti
camcnte, observou que fôra o primeiro a descobrir tais conceitos.
Referiase a dois artigos publicados, em 1822, na Westminster
Review, em que escrevera: “Algumas divisões das espécie tor
narseão ligeiramnte mais heterogêneas. Na ausência de suces-
sivas alterações de condições, a seleção natural afetará relativa-
mente pouco.’* Há aqui, evidentemente, uma antecipação das
idéias de Darwin. Nas últimas obras de Spencer podemse en-
contrar expressões como “sobrevivência do mais apto*', e afir-
mações como a de que a vitória de um povo sôbre outro tem sidoj
fundamentalmente, a vitória dg social sôbre o antisocial, ou do
mais adaptado sôbre o menos adaptado.

31
Por volta de 186U, Spencer dedicouse a um empreendimento
quase sobrehumano: escrever um sistema dc Filosofia sintética,
unificando ctkla* as ciências teóricas de. então. O volume inicial,
intitulado Firs\ Principles, apareceu cm 1862. Conforme declara
na autobiografia, omitiu a parte seguinte, sôbre a evolução
inorgânica, com receio dc não ter tempo de terminar as partes
remanescen? es, e mais importantes, da iniciativa: Principles
of Biology (i86467); Principles of Psychology7 (187072);
Principles of Sociology (187696); e Principles of Ethics (1879
93). A publicação de um livro independent. The Study of
Sociology (1873), o mais legível de seus tratados sociológicos,
precedeu a publicação dos Principies of Sociology*.
Em First PrinciplesJ Spencer desprezou a Teologia como
a ciência do incognoscível, o que satisfez tanto aos religiosos quan-
to aos ateus. O livro trata, principalmente, dos fenômenos físicos.
Não obstante, o sistema sociológico de Spencer está aí quase
completo, sendo os Principles of Sociology essencialmente uma
elaboração dos pontos de vista publicados em 1862. Por isso
é que Spencer deve ser tratado como um dos primeiros sociólogos.
Em seguida à publicação dos First Piinciplcs, Spencer che-
gou a novas percepções relativamente à conexão existente en-
tre a crescente integração da matéiia e a concomitante dissspâ
ção do movimento. Em 1867 estava pronto o seu sistema de
ideias que, desde então, não sc alterou. E as novas percepções
foram incorporadas às edições revistas dos First Principies e de
Social Statics.

A doutrina evolucionista

O verdadeiro fundamento do spenccrismo é a doutrina


evolucionista. Nos First Principies Formulamse três leis básicas:
primeiro, a lei da persistência da força, que significa a existên-
cia e persistência de alguma causa final que transcende o
conhecimento; segundo, a lei da indestrutibilidade da matéria
(descoberta física recente naquela época e hoje cm dia inva-
lidada) ; e, terceiro, a lei da continuidade do movimento, de

7 Escrito srcinàriamcntc na década dc 1850 e completamente


revisto para integrar a Synthetic Philosophy.

52
acôrdo com a qual a energia, embora passe de uma a outra
forma, persiste sempre. A essas leis acrescentou quatro pro-
posições secundárias: a pcrmancncia de relação entre as forças,
ou a uniformidade da lei; a transformação e a equivalência de
fôrças; a tendência de tudo para moversc ao longo da linha
de menor resistência e maior atração; e, finalmente, o princípio
da altemação, ou ritmo, do movimento. Dessas proposições,
diversas foram tiradas da Física de então.
Spencer estabelecera sete leis e percebeu que precisava
exprimir o produto conjunto delas. A tendência da época
era reduzir inúmeras leis diferentes a algumas formas gerais.
Acreditava que o produto conjunto dessas sete leis devia ser
afirmado como a lei da evolução que, segundo imaginava, era
a lei suprema de todo viraser. Sua formulação de tal lei
resultou cm uma definição bastante tôsca, “A evolução” —
disse êle — “é uma integração da matéria c concomitante dis
sipação do movimento; durante o que a matéria passa de uma
homogeneidade indefinida, incoerente, a uma heterogeneidade
definida, coerente; e durante o que o movimento retido sofre
uma transformação paralela.” 8
A essência dessa concepção — a tendência do homogêneo
ou do uniforme a se tomar heterogêneo ou multiforme — já fôra
estabelecida na Social Statics. Seria essa tendência uma neces-
sidade? Acreditava Spencer que sim, e explicava que o ho-
mogêneo
nesse estado é porque
inerentemente instável,efeitos
os diferentes não depodendo
fôrças permanecer
persistentes
sôbre várias partes do homogêneo têm dc causar diferenças,
as quais levam a um desenvolvimento futuro.
Tentou demonstrar sua fórmula evolucionista na ordem
sintética — sintética no sentido dc integrar tôdas as ciências.
Tentou demonstrar ainda a existência dc uma redistribuição
da matéria e movimento que resultava na mudança do uni-
forme para o multiforme em tôdas as camadas do scr, nos
corpos celestes, nos organismos e nas sociedades, embora reco-
nhecesse que o processo ocorre sob maneiras diversas. Apresen-
tou várias ilustrações a íim de fortalecer seu argumento: as
sociedades ajustam continuamente as populações aos meios de
subsistência;
Ensaio lera Malthus
Sôbre População (1798); ca oferta
ficarae a procura
muito estão
impressionado pelo

B First Principies, pág. 407.

53
usualmente ajustadas; as instituições políticas harmonizamse
com os desejos do povo; a sociedade comercial resulta na prá-
tica em uma união, onde a autoridade de um sócio é tàcita
mente reconhecida como maior do que a do outro.
O estudo dos trabalhos de Spencer faz surgir inevitàvel
mente a seguinte pergunta: acreditava êle que a evolução era
a lei do viraser rumo ao progresso, ou a lei dc todo viraser?
Negou algumas vêzes a necessidade da existência d* um pro-
gresso. Na quarta edição dos First Principies, publicada cm
1880, escreveu: “Supõese erradamente que a doutrina da
evolução implica alguma propensão intrínseca, em cada es-
pécie, para uma forma mais alta. Semelhantemente, muitos
têm a presunção errônea dc que a transformação que constitui
a evolução envolve uma tendência intrínseca a passar pelas
mudanças que a fórmula da evolução exprime.” 9 Mas — acres-
centou — o progresso da evolução não é necessário; depende
de certas condições. A freqüente ocorrência de dissolução,
processo oposto à evolução, movimento do multiforme para o
uniforme, revela que onde não sc mantêm as condições essen-
ciais dáse prontamente, o reverso. O progresso de um organis-
mo social em direção a estruturas mais heterogêneas e defini-
das ocorre somente enquanto perduram as ações que produ-
zem tais efeitos. Com base nessas constatações, podese justi
ficadamcnte concluir que Spencer não defendeu nem a idéia
da presença eterna da evolução nem a necessidade de que ela
se dirija para o progresso. Mas vejamos algumas outras afir-
mações suas.
Diz em The Study of Sociology: “Nisto, não mais do que
em outras coisas, a evolução não alterará sua direção geral:
ela continuará na mesma linha que até aqui.”10 Em outro
lugar declara: “As sementes dc civilização existentes no abo-
rígine e distribuídas pela terra viriam certamente, com o cor-
rer do tempo, a cair aqui e ali em circunstâncias adequadas a
seu desenvolvimento.”11 Em outras palavras, neste ponto acre-
ditava êle que o homem, por sua natureza, estava predestinado
ao progresso.

» Pig. 481.
w Pág. 309.
11 Social Statics, edição revista, pág. 238.

54
Essas contradições, que emergem claramente de uma com-
paração entre afirmativas dos First PrincipUs nas últimas edi-
ções, com assertivas dc The Study of Sociology c de Social
Statics, talvez possam reconciliarse. Em tese, podem ocorrer
condições que dirijam o processo de transformação rumo à
dissolução, contrária à evolução (do multifonnc para o uni-
forme) ; mas de fato vêm prevalecendo as condições que diri-
gem a evolução para o progresso. Contudo, a obra sociológica
de Spencer é dominada pela idéia dc que, através dos tempos,
dáse efetivamente uma evolução social, c que essa evolução
sc processa firmemente do uniforme para o multiforme, isto
é, para formas sempre mais e mais progressivas. Parece não
haver dúvida de que Spencer era um destacado apóstolo da
evolução unilinear no sentido do progresso.

A Ciência da Sociologia

Como Comte, cuja obra leu e criticou severamente em


seus últimos anos de vida, Spencer reconheceu a possibili-
dade de uma Ciência da Sociologia — termo que admitiu,
embora com relutância, haver tirado do mestre francês. Por
que é possível uma ciência da sociedade? Em sociedade —
diz êle — há uma ordem de coexistência e progresso. Se há
ordem, então os fenômenos correspondentes podem constituir
o assunto de uma ciência rcdutivel à forma dedutiva, ou,
em outras palavras, a uma ciência teórica. Acrescentava, en-
tretanto, que o objeto da Sociologia é muito especial. Sendo
único o processo social, a Sociologia é uma ciência que deve
explicar o presente estágio da sociedade pela concentração nos
estágios iniciais e pela aplicação a êstes das leis da evolução.
Esperava explicar o presente conhecido por meio do passado
desconhecidcT è conjetural, posição que derivava do seu ponto
de vista geral de que a evolução era a suprema lei de todo
viraser.
Interessante é que, embora tenha escrito diversos tratados
de Sociologia — Social Statics, The Study of Sociology e
PrincipUs of Sociology — e grande parte dos First Principies
constitua uma introdução à sociologia, Spencer jamais apre-
sentou uma definição formal dessa disciplina. Para êle, a So-
ciologia era a ciência dos fenômenos superorgânicos, ou, mais
exatamente, da evolução superorgânica.

55
Sua concepção do superorgânico — termo ainda usado
por alguns autores — »' que tem havido continuidade na evo-
lução: primeiro, evolução no mundo inorgânico da matéria
sem vida, depois, evolução no mundo orgânico e vivente e,
finalmente, evolução entre combinações de organismos vivos
em sociedade. Evolução superorgânica 6 um belo termo; só
tem sentido, porém, quando evidencia uma clara concepção
da natureza da sociedade — assunto que, infelizmente, Spcnccr
nunca esclareceu.
Também não definiu exatamente o parentesco existente
entre a Sociologia e as outras ciências. Acreditava que a So-
ciologia devia aempregar
culares, como as generalizações
Economia, das e ciências
a Administração parti-
a Etnologia.
Assinalou também que a Sociologia difere da História. A His-
tória era a narração de acontecimentos na vida das sociedades;
a Snriologia estudava sua evolução. Observou, ocasionalmente,
que a Sociologia, como em geral é concebida, relacionasc ex-
clusivamente com os fenômenos resultantes da cooperação entre
cidndãos. Dificilmente pretenderia que essas observações fôs
sem uma definição formal da Sociologia. Nem se aplicam elas
às suas próprias e volumosas obras sociológicas.
Que métodos empregariam os sociólogos? “Devemos apren-
der, por inspeção, as relações de coexistência e seqüência cm
que os fenômenos sociais existem, uns cm relação aos outros.
Comparando sociedades de diversas espécies c sociedades cm
estágios diferentes, devemos averiguar que traços de tamanho,
estrutura e função associam umas às outras”12 — respondeu
Spcnccr. Êsse princípio, entretanto, não orientou suas próprias
pesquisas. Quanto ao material ilustrativo, usou sobretudo da
Etnologia, baseado na hipótese dc que o homem primitivo
revela estágios retardados de evolução. Observando contem-
porâneos retardados — presumiu — podemse reconstruir as
séries de transformações que produziram a avançada sociedade
atual. A importância que atribuía à Etnologia se manifesta no
fato dc que a primeira metade do primeira volume dos Prin-
cipiei of Sociology intitulase “Dados da Etnologia”, e é quase
inteiramente dedicada à reconstrução conjetural da vida do
homem primitivo: vida física, emocional, intelectual c, sobre-
tudo, religiosa.

12 Principles of Sociology, 3.* edição, vol. I, pág. 442.

56
De fato, Spencer selecionou materiais de culturas diver-
sificadas, largamente separadas no tempo c no espaço. Reco-
lheu fatos, aqui c ali, e os reuniu dc modo a sustentar sua hi-
pótese evolucionista; os materiais combinados por essa forma
arbitrária foram empregados a fim de confirmar essa hipótese.
Tal processo, evidentemente, está cm completo desacordo com
as normas da Lógica c os princípios do método científico.

A analogia orgânica

O fundamento da teoria sociológica de Spencer é a dou-


trina evolucionista. Apresentou, contudo, uma doutrina se-
cundária que também representa um grande papel em suas
idéias — a analogia orgânica, isto é, a identificação para de-
terminados fins entre a sociedade e o organismo biológico. As-
severou explicitamente na edição revista de Social Statics que
o reconhecimento do paralelismo entre as generalizações refe-
rentes a organismos e as referentes a sociedades era o pri-
meiro passo no sentido da doutrina geral da evolução.
Spencer formulou da seguinte maneira a analogia orgâ-
nica: “A sociedade é tão completamente organizada no mesmo
sistema que um ser individual que podemos perceber alguma
coisa mais do que analogia entre ambos: a mesma definição
de vida sc aplica aos dois. Sòmente quando se vê que a
transformação ocorrida durante o crescimento, a maturidade
e a decadência dc uma sociedade se identifica com os mosmos
princípios que regem as transformações atravessadas por agre-
gados de tôda ordem, inorgânicos e orgânicos, sc alcança o
conceito da Sociologia como ciência.** Mais especificamente,
encontrava êle diversas semelhanças entre organismos bioló-
gicos c sociais.
Primeiro: tanto a sociedade quanto os organismos dis
tinguemse da matéria inorgânica pelo crescimento visível du-
rante a maior parte de sua existência. Uma criança cresce
até se tomar homem; uma pequena comunidade tomase uma
área metropolitana; um pequeno Estado transformase em
império.
Segundo: dado que a sociedade e os organismos crescem
em tamanho, também aumentam cm complexidade de estrutura.
Aqui, Spencer pensava menos na comparação do desenvolvi-
mento da sociedade com o crescimento do organismo individual

51
do que ::.i afinidade entre o desenvolvimento social e a suposta
seqüência evolutiva da vida orgânica. Os organismos primitivos
são simples, ao passo que os organismos mais altos são muito
complexos.
Terceiro: nas sociedades c nos organismos uma diferencia-
ção progressiva de funções acompanha a diferenciação progres-
siva de estrutura. Isto é quase tautológico: sc há um organismo
com órgãos complexos, cada órgão realiza uma função especí-
fica; sc há uma sociedade subdividida cm muitas organizações
diferentes, estas exercem funções diferentes.
Quarto: a evolução estabelece para sociedades e organismos
diferenças de estrutura e função que os tomam reciprocamente
possíveis.
Quinto: assim como um organismo vivo pode ser conside-
rado uma nação de unidades que vivem individualmente, assim
também um organismo pode ser considerado »ma nação de
sêrcs humanos. Spencer levou essa linha especial de raciocínio
a uma semelhança mais remota: tanto nos organismos quanto
na sociedade, a vida dos agregados é passível de destruição, mas
as unidades continuarão a viver ao menos durante algum tempo.
Spencer era individualista — condição difícil de conciliarse
com o organicismo — e reconhecia diferenças importantes entre
sociedades c organismos. A primeira diferença é que num orga-
nismo as partes formam um todo concreto; numa sociedade, as
partes são livres c mais ou menos dispersas. A segunda é que
num organismo a consciência concentrase numa pequena parte
do agregado; na sociedade, ela se difunde através dos membros
individuais. E a terceira é que num organismo as partes exis-
tem cm benefício do todo; na sociedade, o todo existe meramente
em benefício do individual (eis um importante exemplo de seu
individualismo).
Apesar do esfôrço despendido para estabelecer semelhanças
e diferenças entre a vida orgânica e a social, c apesar de utilizar
como tema central da segunda parte dos Principles of Sociology
a analogia orgânica, Spencer negava cue sustentasse essa doutrina.
Replicando a críticas, fez declarações do seguinte tipo: "Utilizei
as analogias, mas sòmente como um andaime para ajudar a
levantar um quadro coerente de indução sociológica. Retiremos
o andaime: as induções ficarão de pé sòzinhas.” 13 Infelizmente,

13 principles of Sociology, 3.* edição, vol. I, págs. 59293.

38
contudo, empregou notória e consistentementc a terminologia
do organicismo. Além disso um capítulo dos Principles of Socio-
logy intitulase: “A Sociedade Ê um Organismo".
É claro que Spcnccr não foi o criador da analogia orgânica.
Usaramna filósofos antigos, e ela esteve presente com freqüência
na ciência política e filosófica alemã, sobretudo durante a pri-
meira metade do século XIX. Mas Spencer foi o primeiro a
dar a essa analogia o valor de teoria científica, e tomouse
definitivamente prisioneiro do fantasma que evocou. Apesar de
compreender que a sociedade não era efetivamente um organismo
— desde que havia diferenças substanciais entre ambos —,
conservou a tese analógica; asseverou que a analogia não passava
de um andaime, mas, ao construir sua teoria, procedeu como
se o andaime constituísse o próprio edifício.
Hoje, tomase clara a fonte das dificuldades de Spencer,
e a Sociologia abriu seu caminho fora das falácias que deturpam
a mente humana ao empregar a analogia orgânica. A Sociologia
dc hoje assevera que a socicdadc é um sistema c compreende
que o organismo também é um sistema. Êsse conceito de sis-
tema c um dos conceitoschave usados em ciência. Dizse sis-
tema em relação a muitas coisas distintas — sistema estelar,
de que faz parte o Sol; sistema solar, de que fazem parte a
Terra e outros planêtas. O átomo é um sistema consistente

em núcleos e decléctrons.
da Filosofia Platão, Eo há um sistema
sistema em idéias:
do Direito Romano,o sistema
o sis-
tema físico dc Newton. A palavra sistema designa tudo o
que possa ser concebido como um todo, consistente em partes
semiautônomas e interdependentes. Isso é verdade quanto à
sociedade e ao organismo, na medida em que ambos formam
todos constituídos de partes interdependentes, cada qual semi
autônoma, possuindo algum ser e virascr próprios — c nessa
medida é válida a analogia. Mas é inadequado transferir, sem
nenhuma cvidcncia empírica, qualquer proposição biológica à
Sociologia, apenas porque o organismo c a socidadc são siste-
mas. De igual maneira não poderia a Sociologia chamar a si
nenhuma proposição da física subatômica com base na simi-
laridadefoi sistemática.
social focalizado Em Sociologia,
da maneira mais o sugestiva
problemapelodo sociólogo
sistema
italiano Parcto, cujos pontos de vista discutiremos no capitulo
XIII.

59
A sociedade e os degraus da evolução

A preocupação de Spencer com a doutrina evolucionista


e coin a analogia orgânica impediuo dc responder satisfato-
riamente à pergunta básica: o que é a sociedade? Além dessa,
talvez houvesse outra razão para sua negligência quanto ao
problema da natureza da sociedade. Spencer era um indi-
vidualista extremado. Mantendose nessa posição, postulava
que as características das partes componentes, os indivíduos,
determinavam inteiramente as características do todo — opinião
que desenvolveu dc modo explícito em Social Statics c em
The Study of Sociology. Mas também aqui se desviou dessa
posição individualista aparecendo, mais uma vez, sua inconsis-
tência. No primeiro volume dos Principles of Sociology, por
exemplo, observa êle incidcntalmente que no organismo social
surge uma vida do todo completamente distinta da vida das
unidades, embora produzida por elas.
Sc nada tinha de bem definido para dizer a propósito
da natureza da sociedade, Spcnccr exprimiu, entretanto, pon-
tos de vista muito definidos acerca do avanço da evolução
social. Nessa matéria, sua obra apresenta duas linhas dc racio-
cínio, uma das quais sc relaciona, c mais objetivamente do que
a outra, com seu conceito básico de evolução. A primeira
linha dc raciocínio desenvolve a tese de que o fato principal
da evolução c o movimento dat sociedade» simples para os vá-
rios níveis das sociedades compostas. Pela agregação dc algu-
mas sociedades simples, surgiram as compostas; pela agregação
posterior das sociedades compostas, surgiram as duplamente
compostas; e pela agregação das sociedades duplamente com-
postas, surgiram as triplamentc compostas. Uma sociedade
simples consiste em famílias; uma sociedade composta cm fa-
mílias unidas em clãs; uma sociedade duplamente composta
em clãs unidos cm tribos: as sociedades triplamentc compos-
tas, como as nossas, são aquelas cm que as tribos sc reunimm

acmestrutura,
nações ou Estados.
como tambémCom
as odiferenças
aumento dcdc poder
tamanho, aumenta
e ocupações
dos membros. Siinultâneamentc, diferenciamse as funções.
Essa é a linha principal do esquema evolucionista de Spencer,
como o apresentou cm First Principies e de novo em Principies
of Sociology\

60
A segunda linha de raciocínio desenvolve a tese de que
também ocorreu um tipo de evolução diferenciada: a da so-
ciedade militar para a industrial (Comte já propusera tese
semelhante). Distingucmsc os dois tipos de sociedade pela
predominância da cooperação compulsória na militar e da co-
operação voluntária na industrial.
A esse respeito, é digno de nota que Franklin H. Giddings,
sociólogo americano do fim do século XIX e início do XX
(vide capítulos VI e XI) — que era, cm larga medida, se-
guidor de Spencer, embora pertencente a outra seita do culto
ao evolucionismo —, deve ser responsabilizado pela generalizada
compreensão equívoca do evolucionismo spenccriano. Em uma
afirmação relativa às idéias de Spcnccr, Giddings negligenciou
lhe a principal linha de pensamento, concentrandose exclusi-
vamente na transição da sociedade militar para a industrial.
Submeteu o documento ao mestre, que então contava cêrca
de oitenta anos dc idade, e, obtendo seu endosso, publicouo
em uma das próprias obras com uma referência à carta que
dele recebera. Subseqüentemente, a formulação de Giddings
foi aceita como oficial cm inúmeras apresentações das idéias
evolucionistas dc Spencer.
Êste asseverou, ocasionalmente, que as sociedades não pre-
cisam passar, ncccssàriamen te, por idênticos estágios de evo-
lução ou tomarse exatamente iguais umas às outras, como
acreditaram os vulgarizadores dc suas idéias. Sustentou que
havia diferenças entre as sociedades individuais, devidas a
perturbações que interferiam na linha direta da evolução
Nos Principles of Sociology cita cinco perturbações possíveis.
Primeira, os diferentes dotes srcinais das raças; segunda, o
efeito resultante do impacto com o estágio imediatamente
precedente da evolução; terceira, as peculiaridades do hábito;
quarta, a posição de uma dada sociedade na estrutura de
uma comunidade mais ampla dc sociedades (quando, por
exemplo, uma sociedade está ccrcada por nações amigas ou
antagônicas); c, quinta, o impacto da mistura dc raças. Com
relação a êsse último ponto, devese assinalar que a Antropo-
logia de que Spencer podia dispor ainda não estabelecera a
relativa nãoimportância da mistura dc raças e a preponderan-
te importância do contato cultural na teoria da transformação
social. Fazendose essa correção indispensável, ficarão bem
estabelecidas as idéias dc Spencer sôbre a mistura de raças.

61
O princípio da nâointcrfcrcncia
Embora desse à Sociologia um tratamento principalmente
teórico, Spenccr via nessa disciplina um meio de estabelecer
princípios de política social. Recordese que Augusto Comte
criou a Sociologia visando a guiar os homens na construção
de uma sociedade melhor; Spenccr, ao contrário, queria de
monstrar, pela Sociologia, que os homens não devem interferir
nos processos naturais que se verificam na sociedade. Acredi-
tava na existência do instinto inato dc liberdade e que tôda
interferência nesse instinto produziria reações desastrosas. Jul-
gava também a natureza dotada dc uma tendência providen-
cial para livrarse dos incapazes c acolher os melhores. Quais
os melhores? Dizia que não eram os moralmente superiores,
mas, antes dc tudo, os mais saudáveis e mais inteligentes. Aquê
le que desperdiça a vida por estupidez, vício ou ociosidade,
pertence, de acõrdo com suas idéias, à classe das vítimas de
enfermidades ou aleijões. E os doentes c estropiados não de-
viam ser protegidos.
A teoria do progresso revelada pelo estudo da Sociologia
— acrescentava — é uma teoria que modera grandemente
as esperanças e os temores dos partidos extremos. Na me-
dida em que uma doutrina pode influenciar a conduta geral,
supõese que a doutrina da evolução produza decidido efeito
no pensamento c na ação. Os homens de tipo mais elevado
podem ver o pouco que se pode fazer e ainda assim achar
que vale a pena fazêlo. Atribuía especial ênfase à combinação
de energia filantrópica c calma filosófica.
Em sua opinião, o Estado era uma companhia dc fundos
comuns, para a proteção mútua dos indivíduos. Especificava
muitas atividades que deviam ser proibidas ao Estado, entre
as quais a educação, medidas sanitárias, regulação e cunhagem
de moedas, serviço postal, provisão de faróis e melhoramentos
de portos. Escreveu a um editor (suas cartas foram publi-
cadas devido à fama que adquiriram), denunciando a ativida-
de governamental nessa área como interferência estúpida na
evolução natural. Acreditava que a natureza era mais inte-
ligente do que o homem; ela sabe para onde vai e prepara
um futuro melhor para o ser huxnano.
Julgava que o estágio final da evolução ainda não fôra
atingido, embora sua teoria representasse, ezn larga medida,
uma espécie dc cscatologia vitoriana, tomando como clímax
o tipo laissezfaiu vitoriano da sociedade. Acreditava, entre-
tanto, que poderia haver ainda algum desenvolvimento ulte-
rior, com o qual desapareceria o pequeno resíduo de coerção
ainda existente. O estágio final da evolução — parecia acre-
ditar — seria uma espécie de anarquia. Contudo, em 1884,
publicou um artigo onde admitiu que, embora essa concepção
fosse muito adiantada para a época, os futuros sociólogos
talvez pudessem utilizála.

Spencer em retrospecto

Quais as soluções que Spencer deu aos problemas bá-


sicos da teoria sociológica, formulados no primeiro capitulo?
Para êle, a sociedade era um superorganismo, resultante da
combinação de organismos individuais. Como seria dc esperar,
a moderna concepção de cultura como um sistema de ma-
neiras de agir c pensar interrelacionadas está ausente em sua
obra. Entretanto, através dêsse conceito atual de cultura,
veria êle as impropriedades de seu método. Um dos corolá-
rios mais importantes dessa concepção é que cada item cultu-
ral deve ser examinado no seu contexto, não podendo ser
compreendido isoladamente. Bem ao contrário, Spencer insis-
tentemente removia os itens culturais dos respectivos contex-
tos e adaptavaos a seus próprios padrões preconcebidos.
Resolveu o problema da relação existente entre o homem
e a sociedade com extremo individualismo: o indivíduo era o
mais importante; a sociedade não devia interferir com os ho-
mens; o indivíduo tem de agir e, agindo, fará o melhor por
si e pela sociedade.
Spencer não era um monista sociológico. Não destacou
um fator único que impulsione a sociedade para a frente atra-
vés das várias fases da evolução. Todo o processo evolutivo
era, para êle, a força primeira, o poder motivador que tudo
explica, uma fôrça incognoscivel e impessoal, determinando
cada viraser em todos os domínios do ser. Mas suas idéias
a respeito de perturbações, idéias que não desenvolveu larga-
mente, mostram que se inclinava a acreditar que não há fa-
tor isolado que determine a mudança.
O método que intentou empregar para investigar a socie-
dade e suas transformações era em parte comparativo, era

63
parte funcional. O investigador, ao usar êsse método, pnmei
io compara as sociedades; depois, os itens individuais que vie
tain à luz no estudo comparativo são explicados em termos de
sua importância para o conjunto da evolução. Mas, na rea-
lidade, Spcnccr procedia por dedução. Começou com um
esqacma evolutivo a que chegara dedutivamente; daí derivou
a necessidade de certas fases, e, então, deu corpo a essas fa-
ses abstratas, utilizando a ilustração, selecionando exemplos
aqui e ali que pareciam adaptados a seu sistema.
Apresenta seus tipos principais de sociedade — simples,

composta,
com duplamente
subdivisões por umcomposta c triplamente
lado, e relativas à formacomposta —
dc lideran-
ça, ao tipo de vida semisedentário ou nômade, pelo outro.
Depois de localizar vários tipos de sociedade, que conhecia
através de pesquisa cm biblioteca, possivelmente afirmaria que
sociedades, digamos, duplamente compostas eram marcadas por
semelhanças cm política, religião, lei, arte, etc. Ê claro, no
entanto, que não alcançaria nenhum resultado positivo, pois,
como sc verifica de sua classificação, o mesmo tipo dc socie-
dade, por exemplo a duplamente composta, pode não ter li-
derança, ter liderança instável ou ter liderança mais estável,
o que significa as maiores diferenças possíveis cm sua política.
O povo será nômade, semisedentário ou sedentário, o que
significa novamente grande variação nas disposições econômicas.
De acordo com o princípio da diferenciação da estrutura
social, Spencer deveria ter compreendido que as sociedades
que se acham no mesmo estágio de evolução não são neccssà
riamente semelhantes cm política, religião, moral, arte e outros
traços culturais, e que, ao contrário, encontramse tipos simi-
lares de governo e formas de religião entre diferentes tipos
estruturais dc sociedade. Mas ele não aplicou o teste empírico,
essencial ao processo científico.
Sua teoria, em contraposição à de Comte, não era uma
teoria sociológica tal como esta é hoje entendida. Comte for-
mulara uma teoria básica que explicava o segmento social da
realidade e tentava descrever e elucidar fatos sociais em têr
mos daquela teoria limitada. A ambição de Spencer era mais
alta. Criou uma teoria integral de tôda a realidade. Sua lei
da evolução ê uma lei cósmica. Sua teoria é, portanto, essen-
cialmente filosófica, não sociológica, e, estritamente falando, os
filósofos é que deveriam averiguar sua validade. Contudo,

64
podese assinalar que essa Filosofia representa, bàsicamente, uma
sublimação da Física do tempo, que se encontrava em estado
de transição. A Física de hoje rejeitou muitas das idéias do
século XIX. Dado que a teoria de Spencer se apoiou nesta
última, é perfeitamente compreensível que muito de seu sistema
tenha sido também rejeitado. Este é sempre o perigo quando
se constrói um sistema de ciência empírica à base de uma teoria
filosófica, enraizada esta em conclusões empíricas temporárias,
alcançadas pelo homem cm determinada época.
Entretanto, as opiniões de Spencer, ao contrário das de
Comte, encontraram ^normè aceitação durante_sua '■ida, do_
minando muitreespíntos, dê Especialistas ou não, de 1865 a
1895. No decurso de três décadas,jornouse quase jmpossível
para um intelectual admitir que não havia Jido Spcncer. Teve
adversários, é claro^”mas toqo mundo foi oBngado a leválo
em conta. Deuse isso especialmente na^ Inglaterra, nos Estados
UnTáos e_na^Bissia^ Sua influência se fez sentir menos na
França e na Alemanha.
A atração por Spencer era forte porque suas teorias cor-
respondiam a duas necessidades do tempo: uma, o desejo de
unificar o conhecimento, Sle mesmo o reconheceu, em sua auto-
biografia; outra, a justificação científica do principio do laissez
faire, nota dominante no clima ideológico de então, nos Estados
Unidos e na Inglaterra. Na Rússia, a atração nasceu da ênfase
que a teoria dava & liberdade, naqueles dias em que os russos
estavam lutando por ela.
Spencer atingiu o máximo da popularidade em 1882, quando _
visitou os Estados Unidos. Foijecebido com grandes aclamações,
e foi com freqüência, proclamado, nas fileiras dos capitãesde
indústria, pois justificava a atividade dêles, o maior homem da
época. Em seguida a essa viagem triunfal, sua popularidade
ràpidamcntc declinou. Novas idéias surgiram no horizonte.
Muitos homens começaram a pensar que devia haver um con
trôle político e racional da sociedade. Mais ainda, a Filosofia
pragmática principiava a ganhar terreno e logo substituiu a
Filosofia naturalista, de certo modo ingenua, de Spcncer. Este,
já velho, percebeu que_ as correntes do tempo corriam contra,
seus ensinamentos. * Morreu triste — temse afirmado —, sentindo
que o trabalho de sua vida não atingira o alvo desejado.

63
Outros Pioneiros

jA.o mesmo tempo em que os fundadores da Sociologia apre-


sentavam suas idéias, alguns estudiosos c filósofos sociais for-
mulavam teorias reconhecidas atualmente como impulsoras cm
várias direções da investigação sociológica. £sscs autores não
so chamavam de sociólogos, mas sem o conhecimento de suas
contribuições seria impossível uma compreensão adequada do
desenvolvimento da teoria sociológica.
Embora as contribuições individuais apresentadas no pre-
sente capítulo
si, podem não mantenham
ser distribuídas em três quase
grupos:nenhuma relação eentre
as de Quételet Le
Play realizaram importantes avanços nos métodos dc pesquisa;
as dc Marx, Morgan, Gobincau c Buckle são destacados exem-
plos de teorias monísticas, isto é, de teorias que explicam b
viraser social pelo desdobramento de m fator particular; a
de Danilevsky pode ser considerada como a primeira alternativa
para o evolucionismo.

Quételet: o approach estatístico


1874

Adolphe Quételet (17961674),


8 estatístico belga, era um
jovem
tica emmuito
uma precoce. Aos dezessete
escola particular; anos, ensinava
aos dezenove, Matemá-
era assistente de
Matemática na Universidade dc Gand; aos vinte c um, foi
nomeado professor do Athenaeum dc Bruxelas. Seu interêsse
inicial por literatura e poesia desviouse, gradualmente, sob a
influência do famoso astrônomo Laplace, que lhe apresentou

66
a então nova teoria da probabilidade, para a Matemática, c
sua aplicação aos fenômenos sociais. Em um ensaio publicado
cm 182D c depois em sua maior obra Do Homem e do De sen•
volvimento das Faculdades Humanas: Ensaio de Fisica Social
(1835), Quételet ressaltou a regularidade no reino do* eventos
sociais, especialmente nos fenômenos que se supõe reflitam o
livre arbítrio.
Com base em numerosos cálculos, realizados por êle pró-
prio e por outros, como a medição das estaturas dos soldados
dc um regimento, concluiu que a curva normal de distribuição
prevalece comumente nos fenômenos sociais. Em outras pa-
lavras, os casos
sàriamente com próximos à média
muito mais de uma
freqüência do série
que ocorrem
os casosneces
que
apresentam significativos desvios dela. Daí o conceito do ho-
mem médio que ocupa uma posição central cm sua teoria.
Mas Quételct identificou errôneamente o médio com o de-
sejável. Não levou em conta o fato de que médias idênticas
podem resultar de duas ou mais situações completamente di-
versas, dependendo de diferenças na distribuição. Assim, por
exemplo, duas sociedades podem ter a mesma renda média per
capita, mas cm uma situação o povo tem rendas médias apro-
ximadas, ao passo que, em outra, um giande número com ren-
da muito haixa seria equUibrado por uma pequena maioria de
rendas muito altas.

Apesar
buição dessas deficiências,
às Ciências é importantíssima
Sociais, à Sociologia inclusive. sua
Foi contri-
o pri-
meiro a mostrar a possibilidade de empregar a estatística como
instrumento para a compreensão dos fenômenos sociais. Em
uma de suas obras, apresentou a idéia de que podemos julgar
a perfeição de uma ciência pela facilidade com que ela per-
mite o approach pelo cálculo. Essa declaração tomouse o
Leitmotif do neopositivismo atual (ver capítulo XV).
Quételet, ao contrário de certos estudiosos da época, era
homem de considerável prestígio e membro honorário de muitas
academias de ciências; e a casa real pediulhe que lecionasse a
seus jovens membros. Mas durante muito tempo os sociólogos
ignoraram ou desprezaram suas opiniões, como que alimentan-
do a indignação que seus esforços haviam provocado em Com-
te (ver capitulo II). Só no fim do século XIX é que a So-
ciologia começou a empregar o método estatístico e só no
século XX é que apareceu o neopositivismo orientado pela
quantificação.

67
Le Play: primeiro estudo de caso

Como Comte, Frederic Lc Play (1806-82) dcdicouse ao


estudo da desorganização social contemporânea, que ambos su-
punham conseqüência da Revolução Francesa. Procuraram re-
solver o problema de como integrar ou restabelecer a ordem
social, c ambos buscaram soluções baseadas no conhecimento
empírico.
Le Play nasceu ein Honfleur, pequeno porto marítimo
francês. Seu pai morreu quando cie tinha cinco anos de ida-
de, assumindo
convicções sua mãe,
religiosas,
mulher de caráter forte e profundas
a responsabilidade dos cncargos familia-
res. O jovem Le Play estudou no College du Havre; em 1825,
entrou para a Ecole Polytechnique c em 1827 para a Ecole
des Mines. Ai encontrou professores que menosprezavam os
costumes nacionais e consideravam o desenvolvimento da men-
te o supremo objetivo da civilização. Estas idéias repugnavara
a Le Play c, ao que parece, serviram para reforçar seu inte-
resse pelos costumes e valores tradicionais. Enquanto se res-
tabelecia de um sério acidente sofrido em 1830, outra revolução
ocorrcu na França. Resolveu então dedicar o resto da vida ao
estabelecimento da paz social do país.
Em 1833, a convite do governo espanhol, Le Play fez um
estudo geológico em uma província daquele país. A publica-
ção de suas observações deulhe a oportunidade de realizar
expedições semelhantes na Alemanha, por onde viajara anos
antes, na Bélgica, Inglaterra e Rússia. Foi nomeado professor
da Ecole des Mines em 1840. Em 1855 completou c publicou
sua magnum opus, Les Ouvriers Européens, em seis volumes,
obra que não somente lhe trouxe a fama imediata como também
o capacitou a dedicar o resto da vida ao estudo da sociedade.
Por insistência do imperador Napoleão III, escreveu três volu-
mes sôbre Reforme Sociale cn France (1864); cm seguida com-
pletou: Organisation de la Famille (1871) c Organisation du
Travai'1 (1872). Pouco antes de morrer preparou uni volume
intitulado Constitution Essentielle de VHumaniti (1881).
Embora a formação inicial de Le Play fosse no terreno
da Matemática e da Engenharia, era êle um estudante cuida-
doso das obras de Rousseau e Comte. E, mais ainda, era um
observador agudo do povo e de suas idéias. Nos trabalhos que
escreveu deu relevo às classes operárias (têrmo que introduziu)

68
c às autoridades sociais (líderes locais, mas também religiosos
e políticos). Ambicionava uma sadia reconstrução de idéias
em geral e a preservação dos costumes.
O principal método de estudo de Le Play consistia na
observação cuidadosa dos fenômenos sociais em termos dc um
esquema unitário, o qual foi completado, em seus elementos
essenciais, em 1833. Êste approach incorporava o que hoje se
conhece como estudo de caso — c aqui temos uma de suas
contribuições relevantes à metodologia da ciência social. Con-
cordando com Augusto Comte em que a família é a unidade
social básica, utilizou o orçamento familiar como uma expres-
são quantitativa da vida dos fatos sociais. Uma das primeiras
funções da família é conseguir a subsistência para os membros
que a compõem através do trabalho e — entendia ele — o
modo de fazêlo está determinado pelo lugar, isto é, pelas con-
dições geográficas. Donde o conhecido relevo que Le Play
atribuía ao trinômio lugartrabalhofamília, como um foco de
estudo sociológico.
Ao selecionar uma família para observação, Le Play, com
a ajuda de autoridades sociais, procurava uma cujo habitat
e prováveis condições se aproximassem da média da localidade;
às vêzes, não conhecia o idioma local, mas habitando com a
família alcançava uma compreensão básica de seu modo de
viver. Assim, inaugurou uma técnica dc pesquisa social hoje
conhecida como observação participante. Tinha ele plena cons-
ciência de que a observação sistemática 6 apenas o primeiro
passo na investigação científica. Compreendia que as verda-
deiras Ciências Sociais precisam empregar não sòmcnte um
método, mas também a inteligência.
À base de observações numerosas e cuidadosas, Le Play
formulou uma concepção de prosperidade e sofrimentos que
contém o princípio, pelo menos, dc uma teoria geral da es-
trutura social. “Em tôda parte” — disse êle — “a felicidade
consiste na satisfação das duas principais necessidades impostas
pela natureza do homem, o pão diário (coisas materiais) e os
mores** essenciais (coisas nãomateriais).” Quando a estru

14 N. do T. Mores. Ficou o termo em inglc*. c para dcfinilo


nada melhor que as palavras de Jay Rumney e Joseph Maier, no
Manual de Sociologia, desta coleção (edições Zahar), pág. 87: “A fim
de que as relações entre os indivíduos, dentro da comunidade ou
associação, decorram sem tropeços e favoreçam a ação comum, desen

69
tur.i social assegura citas necessidades, a raça (ele empregava
o tcr.no significando sociedade, talvez grupo étnico) é^ prós-
pera; quando não, há sofrimento. As estruturas sociais que
induzem à prosperidade c evitam o sofrimento — segundo acre-
ditava — coinpCcmsc de sete elementos divididos cm três clas-
ses: na primeira, dois princípios, a lei moral universal e a au-
toridade paterna; na segunda, dois alicerces, religião e governo;
na terceira, três materiais, a propriedade comunal, a proprie-
dade privada c o patronato. Das primeiras classes advêm
os mores essenciais; da terceira, o pão diário.
Le Play não acreditava na evolução, e menos ainda no
progresso. Seu ponto de vista sôbre a transformação social
era essencialmente cíclico: simplicidade, complicação, corrup-
ção, e finalmente reforma ou ruína — eis o circulo vicioso
de que, até hoje, nenhuma raça civilizada foi capaz de exduir
se. Interessavase especialmente pela fase de declínio da trans-
formação, da prosperidade para o sofrimento. Citava diver-
sas razões para o declínio da sociedade dc seu tempo: o es-
pírito revolucionário e o desprezo pelos costumes nacionais; a
destruição da influência das autoridades sociais; a incessante
extensão da burocracia; a influência anormal dos literati; a
corrupção da língua, especialmente dc têrmos como liberdade,
igualdade e democracia; a crença de que a prosperidade de-
pende de alguma forma particular dc govêmo. Como con-
tribuições para o desenvolvimento da Sociologia, as conclusões
de Le Play, relativamente a esses assuntos, embora com fre-
quência revelem discernimento e provoquem debates, dificil-
mente alcançam o avanço que êle atingiu cm úteis métodos
de pesquisa.

Marx: determinismo econômico

Karl Marx (18181383) 8 é principalmente famoso como o


líder srcinal do movimento trabalhista revolucionário, hoje
dividido nos dois ramos de socialismo e comunismo. Embora

volvemse, pelo costume, certas maneiras de viver e agir em conjunto.


A essas nuneiraa »e dão os nomes do folkways e marts, que divergem
pelo fato de serem os últimos considerados os mais importantes para
o bemestar social, razão pela qual há recompensas para os que os
observem e punições para os que os infrinjam."

70
grande parte de suas obras seja devotada à propagação d£se
movimento, algumas dc suas doutrinas são sociológicas, no mo-
derno sentido da palavra.
A Filosofia de Marx era materialista — e o materialismo
constitui a base de sua Sociologia. De acôrdo com êle, sòmen
tc a matéria existe, sendo a consciência um epifenômeno, ma-
nifestação do movimento das células do cérebro — ponto de
vista que reflete a influência de Ludwig Feuerbach (180472),
filósofo hegeliano da ala esquerda. Como teoria sociológica,
podese reduzir o marxismo a dois postulados básicos e alguns
corolários.
O primeiro postulado é o do determinismo econômico,
especialmente a afirmação de que o fator econômico é o
determinante fundamental da estrutura e do desenvolvimento
da sociedade. Êste fator, consistindo especialmente nos meios
tecnológicos de produção, determina a organização social da
produção, ou seja, as relações que os homens precisam esta-
belecer, e de lato estabelecem, para produzir bens mais efeti-
vamente do que fariam se trabalhassem separadamente. Rela-
ções que, de acôrdo com Marx, se desenvolvem independente-
mente da vontade humana. Mas a organização da produção
(chamada por Marx a "infraestrutura econômica da socie-
dade”) não sòmente limita como também, na análise final,
molda tôda a superestrutura: organização política, lei, religião,
filosofia, arte, literatura, cicneia e a própria moralidade.
O segundo poslulado da Sociologia marxista referese ao
mecanismo da transformação. De acôrdo com êste ponto de
vista, é preciso compreender a transformação social cm têrmos
de suas três fases sempre presentes. Tratase do esquema
dialético que Marx tomou emprestado ao filósofo idealista
alemão Georg Hegcl (17701831), orgulhandose de têlo vi-
rado de cabeça para baixo (aplicando o esquema, não ao es-
pírito fundamental, como fêz Hegcl, mas à matéria). Tudo
no mundo, inclusive a própria sociedade, passa por uma es-
pécie de necessidade dialética através dos três estágios dc afir-
mação ou tese, negação ou antítese c reconciliação de opostos
ou síntese. Neste mais alto nível da síntese continua o pro-
cesso com novos conflitos e acomodações, sempre assinalando o
processo histórico.
Uma combinação das duas proposições marxistas funda-
mentais produz certos corolários. Cada sistema dc produção

71
econômica principia por ser uma afirmação, ao tempo a melhor
c a mais adequada possível das ordens. Qualquer sistema,
uma vez socialmente entrincheirado, toma-sc um obstáculo à
aplicação de novas invenções tecnológicas e ao uso de merca-
dos recentemente descobertos *-e fontes de matériasprimas. O
desenvolvimento histórico não pode detersc nesse estágio; por-
tanto, cumpre ultrapassar a ordem estabelecida por uma revo-
lução social que cria a nova ordem de produção, síntese do
velho e do novo.
Em tôda sociedade há duas classes básicas, uma repre-
sentando o sistema obsoleto de produção, outra o sistema nas-
cente. A sociedade evolve de um estágio para outro através
da luta entre essas classes. A classe que emerge é finalmente
vitoriosa na luta e estabelece uma nova ordem de produção ______________
onde, em compensação, se encontram as sementes de sua pró-
pria destruição, c, pois, mais uma vez o processo dialético.
Marx e seus seguidores aplicaram esse esquema dialético
à análise da sociedade ocidental contemporânea, a que cha-
maram de capitalista. Nesta sociedade — disseram — a orga-
nização social da produção que surgiu com a revolução indus-
trial exprimese na existência de duas classes: a burguesia, ou
os detentores dos meios de produção, c o proletariado, ou os
trabalhadores. É inevitável a luta entre as duas classes, e re-
sultará, à medida que se desenvolvem a consciência e a mili-
tância de classe, na superação do sistema existente. A herdei-
ra do capitalismo será a ordem socialista, caracterizada pela
propriedade coletiva dos meios de produção e finalmente por
uma sociedade sem classes, e, portanto, sem Estado — meta
utópica longamente procurada pelos socialistas prémarxistas, e,
de acôrdo com o próprio Marx, nãocientíficos.
A teoria sociológica de Marx aqui ligeiramente esboçada
merece crítica em vários terrenos. Em primeiro lugar, as cor-
relações estritas entre as bases econômicas da sociedade e a
superestrutura não foram demonstradas por êle — nem po-
deriam ser. Ao contrário, como freqüentemente se observa,
o mesmo sistema econômico essencialmente capitalista tem co-
existido com várias instituições políticas, inclusive a monarquia
absoluta e a democracia. Similarmente, na era do domínio da
ordem capitalista, a Filosofia, as artes c outros fenômenos cul-
turais vêm sendo altamente diversificados. Em segundo lugar,
vista històricamcnte, a transformação de um tipo de organiza-

72
ção locial da produção para outro não í conseqüência necessá-
ria da vitória da classe explorada. Na História européia, por
exemplo, a destruição do feudalismo foi muito maif o traba-
lho da burguesia, relativamente pequena c poderosa, do que
dos servos. Em terceiro lugar, as previsões de Marx, como o
declínio da classe média e o triunfo inicial do socialismo nas
nações industrialmente mais desenvolvidas (tendo, portanto,
proletariado mais avançado), estão em contradição com os acon-
tecimentos históricos reais.
A teoria marxista, entretanto, possui importância socio-
lógica. Assim como as doutrinas de Comte e Spencer, é uma
doutrina do estabelecida
evolucionista,
da "descoberta ano de 1822”vinte ccomtiana,
cinco anos mas
drpoisquase quinze
anos antes da publicação dos First PrincipUs de Spencer. Ê
digno de nota que, enquanto a teoria sociológica de Marx po-
deria ter sido construída independentemente de suas premissas
filosóficas, à base do estudo empírico, esta não foi a sua gênese.
Embora seu autor levasse muitos anos documentando a teoria
com ilustrações históricas, sua concepção da estrutura social e
da transformação social era, na realidade, uma premissa lógi-
ca mente necessária para demonstrar a proposição dc que o so-
cialismo triunfará inevitàvelmcnte no mundo moderno.
No desenvolvimento da Sociologia, o pensamento marxis-
ta é importante como tentativa de elaborar uma teoria sis-
temática da estrutura
surgiram muitas outras eteorias
transformação
do mesmosociais. Posteriormente
tipo monístico, dife-
rindo do marxismo na escolha do determinante básico, é claro,
mas compartilhando o approach monístico. Aqui simplesmen-
te assinalamos que tais teorias, apesar do sua freqüente função
positiva de chamar a atenção para fatos sociais negligenciados
— e isso é verdade em relação ao marxismo —, supersimplifi
cam c muitas vezes destorcem o complexo processo de trans-
formação social e a complexa natureza da estrutura social e
dos padrões culturais.

Tylor e Morgan: monismo tecnológico

Edward B. Tylor (18321917), antropólogo inglês, acre-


ditava na existência de estágios diferentes no desenvolvimento
da cultura do homem; não utilizou, entretanto, o termo evo-
lução. A experiência — declarava — leva o estudante de

73
Etnologia a esperar c a encontrar os mesmos resultantes fe-
nômenos de cultura — sempre e quando há a presença de
causas similiares. Tylor buscou rncontrar uma forma dc medir
este desenvolvimento. Os principais critérios do ascenso cul-
tural — segundo acreditava — eram o desenvolvimento das
artes industriais, a extensão do conhecimento científico, a na-
tureza da religião e o grau de organização política c social.
Através da obra que escreveu, investigou o avanço humano ao
longo dessas linhas. Mas não acreditava que o progresso fosse
necessário no ascenso cultural, pelo contrário, citou, aprovando
as, declarações a respeito do fildsofo pessimista francês Dc
Maistre.
A contribuição mais duradoura de Tylor à teoria socio-
lógica foi a definição de cultura que aparccc na primeira pá-
gina dc sua principal obra, Primitive Culture (1871): “Cul-
tura ou civilização... é aquele todo complexo que inclui co-
nhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer ou-
tras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro
da sociedade.'* Entretanto, só mais ou menos quinze anos de-
pois c? que os sociólogos principiaram a fazer uso comum desse
conceito de cultura. Em décadas recentes, o ponto de vista
de Tylor sôbre cultura tomouse não sòmentc um instrumento
conceptual quase padronizado para muitos sociólogos como tam-

bém
tc as uma importante asreferência
complexidades, para funcionais
intcrconcxões descrever csisteroàticamen
as transfor-
mações no mundo social c cultural do homem.
Lewis Henry Morgan (181881), um dos primeiros antro-
pólogos americanos, formulou uma teoria da evolução social
que teve determinada influência nos círculos sociológicos du-
rante vários anos. Sua teoria acentuava a significaçãochave
dos fatores tecnológicos na sociedade e em suas transformações.
Desenvolveu este ponto de vista em uma série de estudos es-
peciais publicados nas décadas de 1860 e 1870, que foram reu-
nidos em volume sob o título de Ancient Society (1877). Mor-
gan acreditava na existência dc estágios definidos dc evolução,

através dos quais


A experiência da os homens precisam
humanidade passar, em
— argumentava — tôda
correuparte.
cm
canais aproximadamente uniformes; as necessidades humanas,
sob condições similares, têm sido essencialmente as mesmas,
e a operação da mentalidade humana é uniforme através das
várias sociedades humanas.

74
Morgan dktinguia trés estágios principais de avanço cul-
tural: sclvageria, barbárie c civilização. Subdividiu rada um
dos dois primeiros em três subestágios. Cada estágio e subestá
gio iniciarase, presumivelmente, por uma invenção tecnológi-
ca importante. Assim, o segundo estágio da sclvageria aparece-
ra com as artes de fazer fogo e da pesca, o terceiro coro o
arco c a flecha. A barbárie começara com a invenção da ce-
râmica; o segundo estágio caracterizarase pela domesticação
de animais e o terceiro pela técnica dc fundir o ferro. A civili
zaçSo fora proclamada com a invenção do alfabeto fonético.
Segundo Morgan, cada um dê&scs estágios de evolução tecno-
lógica
ligião, se
na correlacionava a determinado
família, na organização desenvolvimento
política na re-
e na distribuição
da propriedade.
A Ancient Society dc Morgan produziu forte impressão
em Marx e seu colaborador, Friedrich Engels (182095). O
úldmo, seguindo o conselho de Marx, publicou em 1884 A
Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, em
que fêz extenso uso das teorias de Morgan e de suas ilustra-
ções, tiradas amplamente da observação de sociedades indíge-
nas americanas. Neste sentido, o trabalho de Morgan tornou
se parte da Sociologia marxista e, em certa medida, continua
a desempenhar um papel na Rússiacomunista.

Gobineau: determinismo racial

Comte, Marx e Spencer foram expoentes da doutrina do


progresso. Arthur de Gobineau (181682), ao contrário, de-
plorava o que êle considerava um retrocesso visível da França
de seu tempo e procurou descobrirlhe a causa. Os resultados
de suas meditações, ofereceuos nos quatro volumes do Essai
sul L'Inégalité des Races Humaines (185355), que se pode
considerar a mola real da teoria racial, em Sociologia. Repre-
sentante da aristocracia francesa, orgulhavase o autor de des-
cender dos conquistadores teutônicos das Gálias. Considerava
os alemães racialmente inferiores aos franceses devido à maior
mistura biológica daqueles — proposição em si altamente dis-
cutível. A raça verdadeiramente superior — afirmava — fôra
mais bem preservada na Inglaterra. Os pontos de vista de
Gobineau sofreram, de certo modo, a influência do famoso

75
historiador Augustin Thierry (17951856),15 que, por sua vez,
devia algumas idéias a Comte.
A significação do fator racial do desenvolvimento social,
estabeleceua Gobineau eliminando arbitràriamente outras hi-
póteses. Respondendo à pergunta de por que as nações de-
clinam.. afirmou que nem o fanatismo, a decadência religiosa,
a luxúria. a licenciosidade, a corrupção ou a crueldade expli-
cam êsses declínios, pois muitas nações continuam a florescer
apesar da presença de uma ou mais dessas condições. A causa
essencial variável — declarava — é a composição racial. As
circunstâncias raciais — prosseguia — dominam todos os pro-
blemas fundamentais da História.
A desigualdade das raças, então, é suficiente para expli-
car os destinos dos povos: as raças superiores são capazes de
progresso substancial enquanto outras, como os indios america-
nos, são social c culturalmente limitadas por sua herança ra-
cial. Assim, tôdas as civilizações principais têm sido realiza-
ções de arianos (aliás, não uma divisão racial, de fato), que
formam o mais alto ramo da raça branca.
Gobineau nunca afirmou expressamente o que constitui
uma raça, e confundia elementarmente raça como divisão bio-
lógica da humanidade com grupo étnico consistente em homens
integrados pela aceitação comum de uma cultura específica.
Falando em têrmos dc raça, asseverava que a conquista de
um povo por outro de raça superior é seguida de melhoramen-
tos proporcionais às qualidades hereditárias do conquistador,
desde que preservada a pureza radal. Os conquistadores, porém,
freqüentemente se misturam com os conquistados, seguindose
a decadência racial e o declínio cultural. Portanto, a História
humana pode resumirsc em uma scqüência das idades dos
deuses, dos heróis, c da confusão e da mediocridade durante as
quais as sociedades humanas degeneraram cm simples rebanhos.
Esta a teoria do retrocesso, oposta à do progresso.
A teoria dc Gobineau é um equivoco antropológico: não
há raças infeirores ou superiores. Em outras palavras, as capa-
cidades inatas do homem não são determinadas pela raça. B
a teoria, sociològicamente, está errada: a mistura racial, tanto
quanto a interpenetração de culturas, resulta freqüentemente
em um florescimento da cultura. Ao tempo que em Gobincau

15 Autor de Lettres sur 1’Histoúe de France,

76
publicou a obra mencionada, a Antropologia c a Sociologia
ainda não possuíam esses fatos, hoje disponíveis, de modo que
sua fraqueza cientifica não pôde ser convincen temente demons-
trada; pelo contrário, a teoria talvez tenha fascinado a imaginação
de muitos. Não obstante, passou despercebida durante o período
em que ele viveu, especialmente na França; isto porque contra-
riava, de maneira direta, o ponto de vista então comumente
sustentado, notada mente as doutrinas de Turgot, Condorcet e
Comte, do progresso ilimitado.
No fim do século XIX suai opiniões foram amplamente
introduzidas na Alemanha através da obra de Houston Stuart
Chamberlain (18551927). Este publicou, em alemão, Os
Fundamentos do Século XIX (1899), que influiu profundamente
no Imperador Guilherme II e em inúmeros homens que o
circundavam. Embora seguindo as linhas principais da teoria
de Gobineau, Chamberlain supunha que a mistura racial não
era sempre culturalmente prejudicial; podia haver misturas
favoráveis que deviam ser preservadas. Tais doutrinas racistas
foram retomadas, posteriormente, pelo nacionalsocialismo, o
nazismo dc Hitler. Também colaboraram para o aparecimento
do anglosaxonismo, ponto de vista largamente espalhado nos
Estados Unidos no fim do século XIX e principio do século
XX, c que cxcrceu certo papel na formação da lei de restrição
à imigração, de 1924 (cujos dispositivos básicos são ratificados
na lei de 1952).

Buckle: monismo geográfico determinismo geográfico

Henry T. Buckle (182162), filho de um comerciante


rico de Londres, viajou extensamente e devotou a vida inteira
à carreira literária e científica. Neste último setor, desempenhou
certo papel, dando forma ao determinismo geográfico no pensa-
mento sociológico do século XIX. The History of Civilization
in England (185761), obra principal de Buckle, ficou incom-
pleta em virtude de sua morte prematura.
A idéia básica de Buckle era que os processos social e

ehistórico
da açãoresultam da ação
da mente sôbredos fenômenos
estes externos
fenômenos. sôbrea aprimeira
Sòmente mente
parte de sua teoria foi desenvolvida nos trabalhos que publicou.
O progresso cultural — asseverou — depende do surgimento
de uma classe ociosa, o que só é possível quando a produção

77
ciesee mais rapidamente que o consumo. Tal excedente é
essencialmente conseqüência de uma combinação favorável de
condições de clima, solo c alimento disponível. Na historia
primitiva a criação dc um cxccdente de alimento depende da
energia c da regularidade do trabalho humano, por um lado,
c da natureza ou do incio natural, por outro. A qualidade do
trabalho é determinada pelo clima: o clima temperado revigora,
o clima quente debilita; nas áreas frigidas emergem hábitos
inconstantes, enquanto a produtividade do trabalho humano
deper.de da fertilidade do solo. Buckle “testou” essas hipóteses
com suas observações gerais das condições sociais c geográficas
na Irlanda, na Índia, no Egito, na América Central c no Peru,
chegando à conclusão dc que essas observações sustentavam a
teoria.
Buckle também atribuiu algum significado sociológico ao
aspecto visual da natureza: sc o ambiente natural é sublime
ou terrificante, supcrdescnvolvc a imaginação; se é menos for-
midável, a inteligência prevalece. Tentou demonstrar o teorema,
contrastando as civilizações da Índia e da Grécia.
Acreditava que a influência du meio geográfico é mais
direta e, portanto, mais forte sôbre os povos primitivos e que
declina com o avanço cultural. Sc tivesse completado sua obra,
tentaria provàvelmentc demonstrar como, nos últimos períodos
históricos, ocorreu o crescente contrôle humano dos fenômenos
naturais externos.
O estudo da influência das condições geográficas, empre
enderamno muitas vêzcs autores que antecederam a Buckle.
Entre seus predecessores situamsc Aristóteles, Montesquieu e
diversos geógrafos alemães. Mas Buckle exprimiu a tese com
vigor excepcional. Durante algumas décadas os círculos inte-
lectuais leram muito c sofreram a influência de The History of
Civilization in England. E seus pontos de vista tem sido freqüen-
temente restabelecidos sob a forma de determinismo geográfico
unilateral. Esta doutrina não é mais aceitável, pois sabese

hoje em dia quesocial


desenvolvimento a geografia
e cultural.antes limita dodasquefontes
A presença determina
naturais,o
por exemplo, não garante que o homem venha a explorálas,
mas sua ausência exclui numerosos desenvolvimentos. Opinião,
de resto, já estabelecida, mas infelizmente desafiada, ainda atu-
almente, por algum ocasional determinista geográfica

78
Danilevsky: primeira alternativa para o rvolucionismo

Nicolau Danilevsky (182285) foi um naturalista rum


fundamente interessado nos assuntos políticos. Em 1869, publi-
cou era um mensário russo, por partes, uma obra intitulada
Rússia e Europa, na qual tentava responder à pergunta: por
que a Europa odeia a Rússia? No decurso do debate sôbre
a pergunta, expôs uma teoria do desenvolvimento das sociedades
humanas que é uma variante da teoria evolucionista. De fato,
a teoria do desenvolvimento social de Danilevsky forneceu uma
espécie de modêlo que, em anos subseqüentes, se tomou um
substituto do evolucionismo.
Danilevsky partiu da observação de que não é científico
encarar a História universal como um desenvolvimento con-
tinuo da experiência européia, ignorando ou tratando residual-
mente desenvolvimentos de outras partes do mundo. Antes, as
recorrências históricas deviam ser estudadas dentro da estru-
tura dos tipos culturais históricos ou civilizações. À base da
evidência disponível — declarou — podese estabelecer treze
civilizações mais ou menos completas c independentes ou semi
independentes: egípcia, chinesa, semítica antiga, hindu, ira-
niana, hebraica, grega, romana, arábica, germanoromânica,
eslava, mexicana e peruana. Cada uma dessas civilizações pas-
sa por um ciclo análogo ao do crescimento orgânico: infância,
juventude, maturidade, decadência. Algumas, por exemplo a
mexicana e a peruana, foram detidas em seus primeiros está-
gios, enquanto a eslava atingia então justamente a maturida-
de c a germanoromânica estava já no processo de decadência.
Nem tôdas as tribos ou povos ascendem até à civilização,
segundo Danilevsky, mas sòmente os que são mental e espiri-
tualmente capazes de fazêlo. Mas o desenvolvimento no sen-
tido da civilização não se confina a uma única tribo ou povo;
êle ocorre em um grupo de tribos ou povos lingulsticamente
filiados entre si. A condição indispensável para o crescimento
é a independência política de, pelo menos, um desses povoe,
permitindo
bém gruposa cujas
formação do tipo
atividades culturalo histórico.
impedem Há tam-
desenvolvimento da
civilização, como os hunos, os tártaros, os turcos, enquanto
os povos remanescentes formam uma espécie de resíduo a que
Danilevsky se referia como material etnográfico.
Cada civilização, dc acôrdo com Danilevsky, desenvolve
um estilo particular, que c especialmente evidente na idade da
maturidade. Mais precisamente, cada civilização prima em um
ou alguns setores da atividade humana. Assim, os gregos acen-
tuaram a beleza; os romanos especializaramse em leis e or-
ganização política; as civilizações semíticas deram ênfase à
religião. Em tempos mais recentes, as sociedades germano
românicas avantajamse nos campos político, tecnológico e
estético, enquanto a eslava se revela altamente promissora em
iodos os campos.

As como
deradas civilizações
todos.são Ê impenetráveis c intransmissíveis,
possível, porém, consi-
tomar emprestados
seus traços individuais, especialmente as conquistas tecnológi-
cas e científicas. E as civilizações podem ser difundidas pela
colonização e, menos eficientemente, pela “enxertia” — este
último caso ilus;rado pelo florescimento da civilização hclê
nica no tronco egípcio e pelo crescimento da cultura romana
na árvore céltica. Comumente, as civilizaçõesárvore (ou tron-
co) morrem com o processo. Mas todas têm um alcance de
vida limitado, embora Danilevsky não anunciasse o tempo li-
mite do ciclo de crescimento e decadência. Supunha no en-
tanto que, mais cedo ou mais tarde, as civilizações morrem
por uma espécie dc necessidade interior. Nesse estágio, us pró-
prios povos retomam ao estado de material etnográfico, embo-
ra em algum tempo futuro possam tomarsc os sustentáculos
de novas civilizações.
Quando saiu, a obra de Danilevsky passou inteiramente
despercebida. Mas no fim da década de 1880 atraiu súbita
mente a atenção na Rússia, de modo que apareceram novas
edições de Rússia e Europa seguidas, em 1890, do uma tra-
dução francesa resumida. Êste volume foi provàvelmente uma
fonte de inspiração para a Decadência do Ocidente (vide ca-
pítulo XX), de Oswald Spengler, tratado que durante alguns
anos exerceu larga influência, meio século após o seu obscuro
predecessor. A teoria de Danilevsky do crescimento e deca-
dência das civilizações foi prematura, opondose, como se opôs*
à popular doutrina da evolução unilinear rumo ao progresso.
E, naturalmente, o fato dc que a obra fôsse escrita em russo
e permanecesse sem tradução até 1890 constituiu também obf*
t&culo a seu reconhecimento. Todavia, Danilevsky contribuiu
para o desenvolvimento cumulativo da teoria sociológica, es-
pecialmente para o estudo da transformação social c cultural.
Encontrarseão algumas de suas idéias nas obrai dc Toynbee
c Sorokin, cujas teorias serão consideradas no capítulo XX.

CONCLUSÃO DA SEGUNDA PARTE

No decurso de meio século houve certo número de arran-


cadas, nas Ciências Sociais; depois de algum tempo conver-
giram e, portanto, contribuíram para o corpo da teoria socio-
lógica. Mas, neste primeiro período, estas arrancadas se rela-
cionaram entre si apenas vagamente. Spencer, por exemplo,
conhecia obraporde outro
ciologia; amas Com lado
te e não
inclusive
sofreutomou dela o têrmo
a influência so-
das con-
tribuições do mestre francês. Le Play estava familiarizado
com os trabalhos de Com te, e Gobineau foi sugestionado pelo
historiador Thierry que se tinha impressionado com as obser-
vações de Com te a respeito da significação da raça. Quételet
cresceu no mesmo clima intelectual de Com te. Tylor reconhe-
ceu que nenhum autor lhe causou tão funda impressão quanto
Quételet; também citou Comte. Morgan, familiarizado com
os trabalhos de Spencer, dava, porém, ao têrmo evolucionisxr.o
emprego incidental entre seus argumentos principais. A versão
srcinal do marxismo permanece à parte de outras primeiras
explorações sociológicas (embora tenha conexão com as dife-
rentes correntes intelectuais da Filosofia hegeliana, do socialis-
mo utópico e, finalmente, da Economia Política inglesa), mas,
em obra posterior, Engels incorporou algumas das idéias de
Morgan. Buckle e Danilevsky parecem terse conservado in-
teiramente nãordacionados aos sociólogos seus contemporâneos.
A maioria das contribuições, aqui examinadas por alto,
foi escrita na firme crença de que a evolução é a suprema
lei do viraser. O evolucionismo de Spencer era cósmico; o
de Comte, pluralístico, embora acentuando os fatôres demo-
gráfico e ideológico; o de Marx, econômico; o de Morgan,
tecnológico. Em oposição às idéias dêsses autores, Danilevsky
desenvolveu a teoria cíclica da transformação social, despre-
zando o dogma da evolução unilinear rumo ao progresso. Tylor,
Gobineau e Le Play também rejeitaram a presunção do desen-
volvimento progressivo da sociedade humana.
Uma das preocupações principais dos primeiros evolucio
nistas foi a descoberta dos fatôres de progresso, ou traduzido
isso em linguagem contemporânea, dos determinantes da trans-

81
formação social. A tendência era para o monismo, afirmação
de um demento básico ou pelo menos preponderante. Além
dos fatores ideológico, demográfico, econômico e tecnológico,
destacados pelos evolucionistas, Gobineau e Buckle salientaram,
respectivamente, o racial c o geográfico.
Duas dessas primeiras iniciativas foram importantes sob
o ponto de vista da metodologia. Quételet mostrou como apli-
car o approach estatístico ao estudo dos fenômenos sociais, c
Le Play desenvolveu um trabalho excelente por um método
que, depois, se tomou conhecido como o estudo de caso. É dig-
no dc nota que, cm relação a ambos os métodos, deuse o fe-
nômeno da ação retardada. Só no fim do século XIX foi o
método estatístico aplicado em estudos sociais especializados,
dc início no campo da Criminologia. E só em 1920 é que a
idéia de fazer da Sociologia uma ciência quantitativa ganhou
impulso. Por outro lado, os seguidores de Le Play usaram seu
método, desde o princípio, no terreno limitado dos estudos fa-
miliares. Mas na segunda década do século XX é que, bas-
tante independente da orientação dele, os sociólogos americanos
descobriram o estudo de caso c fizeram do mesmo um rival
da pesquisa estatística.
A maioria das obras examinadas não pretenderam seus
autores que fossem obras de Sociologia. Sòmente Comte e
Spencer, e, cm medida menor, Le Play, tiveram consciência
de que estavam construindo uma nova ciência. Quételct preo-
cupavase com a Estatística; Marx, Gobineau, Buckle c Dani-
levsky teriam classificado suas obras como dc Filosofia ou His-
tória; Tylor e Morgan contribuiam para a Etnologia. Ê de
resto compreensível que, durante o período dm pioneiros, a
Sociologia permanecesse um conceito vago. Os problemas cien-
tíficos que constituem o centro vital da teoria sociológica eram
mais freqüentemente situados do que resolvidos. A metodo-
logia, exceto na obra de Quételet e de Le Play, permaneceu
no plano do amadorismo. Mas houve muitas antecipações bri-
lhantes, nestes primeiros anos, que provocaram o pensamento
e deram srcem, no decurso das décadas seguintes, ao fruto
científico.

62
Terceira Parte

SURTO DE ESCOLAS EM DISPUTA


CAPITULO V

Darwinismo
Social

último quartel do século XIX delimita, aproximada-


mente, o segundo período da história da Sociologia. Por um
lado, podese encará-lo como o período da batalha das escolas.
Em contraste com a situação existente durante o período ini-
cial, os estudiosos da Sociologia estavam familiarizados com as
diversas teorias e destacavam, freqüentemente superdestacavara,
as diferenças entre elas. Em conseqüência, grande parte de sua
atividade consistia em demolir teorias rivais. Por outro lado,
atendendo a que a doutrina evolucionista dominou o período,
êste conservou certa unidade. O que os sociólogos principal-
mente debatiam era a interpretação mais adequada da evolu-
ção, e com relativa freqüência o debate centralizava-se na iden-
tificação do fator predominante responsável pela evolução da
sociedade.
Devese assinalar, todavia, que não foi absoluto o domí-
nio do evolucionismo. Em uma época em que o mesmo, por
sua própria natureza, tendia a reduzir a Sociologia ao estudo
da dinâmica social e a explicar a estrutura e o funcionamento
de qualquer sociedade somente em têrmos da fase evolucionista,
uns poucos sociólogos surgiram, prosseguindo na linha iniciada
por Augusto Comte, em suas afirmações sôbre a estática social.

approach
No decorrer de sua que
da Sociologia, atividade, desenvolveuse
se poderia denominar um nóvo
analítico
ou sistemático, destacando o estudo da estrutura e operação
da sociedade e devotando relativamente pouca atenção ao*
estágios que a sociedade atravessa. Alguns pioneiros da So*

85
ciologia analítica acreditavam na evolução, que, entretanto,
representou um papel insignificante cm suas teorias.
A principal dentre as inúmeras escolas em que sc divi
diu a teoria evolucionista dominante foi o darwinismo social.
Digno dc nota c que Charles Darwin, autor de A Origem das
Espécies (1859) c de A Descendência do Homem (1871) e
inventor da moderna teoria da evolução biológica, não era
um danvinista social. Não discutiu 61c problemas dc Filosofia
Social c inclinava-sc a afirmar o const raste existente entre OS
processos da evolução biológica c social.

Bagehot

O primeiro autor a tentar formular uma teoria sociológica


aplicando à sociedade política os princípios da seleção e da
variabilidade naturais foi Walter Bagehot (182677). Perten-
cia a uma família inglesa da classe média, estudou em Oxford
e por fim ingressou nos negócios bancários. A partir de 1S60
foi diretor do Economist. Apresentou inicialmente seus pontos
de vista em uma série de artigos publicados na The Fortnightly
Review (1867); posteriormente, esses artigos aparecem cm li-
vro sob o título dc Physics and Politics (1872).
Nesta obra, Bagehot procura estabelecer o caráter essen-
cial
siste da
emluta
que deessa
grupos.
luta éO conduzida
traço principal — sustenta — con-
por grupos de homens em
cooperação e não por indivíduos. Tornase evidente a superio-
ridade dos grupos compactos sôbre os frouxamente ligados.
A diferença entre os homens nãocivilizados e os civilizados —
diz Bagehot — é como a existente entre os animais selvagens
e os domesticados. Asseverava serem os mesmos os processos de
domesticação dos homens c dos animais, declaração realmente
curiosa tendo em vista as óbvias dessemelhanças existentes en-
tre ambos. As tribos mais dóceis sobreviveram; subseqüente-
mente, as nações de sistemas familiares mais compactos alcan-
çaram a posse da terra. Essa concepção representa uma su
blimação, ao nível da Sociologia, da sobrevivência do mais apto.

cessoDesde que aprecisavase


evolutivo, coesão de estabelecer
grupos era otãofator
importante no pro-
de agrupamento.
Fator que, para Bagehot, é “o bôlo do costume” ou a ten-
dência dos descendentes a assemelharemse dos progenitores,
não apenas biològicamcntc, mas também mentalmente. Surge

86
então uma pergunta: quais as fôrças que mantêm o costume?
Bagehot responde que três. Primeiro, a religião do mêdo, do-
tada de terríveis sanções contra os violadores. Segundo, a pro-
pensão permanente a punir os desvios da ordem estabelecida.
Nenhum bárbaro — acredita Bagehot — tolera ver alguém de
sua nação desviarse dos velhos usos e costumes da tribo. Ter-
ceiro, a tendência do homem a imitar o que está diante de si.
A imitação não é consciente; é contagiosa, e mais forte entre
as crianças e os selvagens. A imitação explica a espantosa
identidade na sociedade selvagem e corresponde ao fato de
que os selvagens são copiadores mais rápidos e melhores. (A
ciência social moderna sabe, naturalmente, que êsses traços não
caracterizam necessàriamente a sociedade “selvagem”.) Neste
destaque dado à imitação, Bagehot antecipava Gabriel Tarde,
um dos criadores da Sociologia analítica, que contribuiu signi-
ficativamente para o declínio do evolucionismo na Sociologia
(ver capítulo VIII).
A discussão sôbre o costume, acima esboçada, empreendeu
a Bagehot visando a esclarecer a assertiva de que a coesão
de grupo é o principal prérequisito para a vitória na luta de
grupos. Como outro fator que possibilita a sobrevivência do
mais apto, tirou êle a Darwin a idéia da variabilidade. Sem a
variabilidade, a luta pela existência não teria sentido, não re-
sultando cm nenhum melhoramento da organização biológica
ou
para social. Como
explicar sua Spencer, Bagehot
possibilidade acreditava além
apresentava, no progresso,
da tendên-e
cia a imitar, a tendência oposta dos descendentes a diferirem
dos progenitores. O progresso é possível — entendia — sò
mente se a fôrça da legalidade baseada na imitação é bastante
poderosa para unir a nação em um todo, mas não tão forte
a ponto de matar tôda variação c frustrar a perpétua tendência
natural à transformação. Sobrevivem os grupos em que o
equilíbrio entre essas fôrças assegura a maior eficiência do
grupo. Esse equilíbrio, em sua opinião, é característico das
sociedades dirigidas pelo govêmo mediante debate: nelas, a
porta está aberta às inovações e ao progresso.

Gumplowicz

As idéias de Bagehot nunca alcançaram ampla aceitação;


na realidade, suas obras permaneceram grandemente ignoradas.

87
O mesmo não se pode afirmar de outro rcpiwntante do dar
winismo social, Ludwig Gumplowicz (18381909), judeu po-
lonês. Ingressou na carreira acadêmica na monarquia atmro
húngara, onde era forte o antisemitismo c os conflitost interim!
cos dominavam a ccna política. Sofreu durante toda a vida
de um complexo de inferioridade c a tragédia assinalou seus
últimos anos. Em 1894, o filho suicidouse; em 1909, Oum
plowicz pôs fim à própria existência depois de ter assassinado
a mulher. A trinteza que envolvia sua vida foi iluminada,
mas não dispersa, pela visita, cm 1903, do sociólogo americano
Ward (ver capítulo VI) homem altamente otimista. Em con-
seqüência dessa visita, pôde ele publicar um artigo era The
American Journal o/ Sociology (Volume IX). Aí, contràna
mente a seus primeiros ensinamentos, admitiu que as leis fér-
reas dos processos naturais podiam ser modificadas pela inte-
ligência humana, também ela uma fôrça natural.
A carreira acadêmica dc Gumplowicz limitouse à uni-
versidade provinciana de Graz, onde foi a princípio conferen
cista e, depois dc 1882, professor. Seu primeiro contato com
a Sociologia deuse através da leitura dc Comte e Spencer.
Os principais volumes que escreveu são Rafa e Estado (1875),
Luta de Raças (1883) e especialmente Resumo de Sociologia
(1885). Produziu muitas outras obras que pouco acrescen-
taram de importante às idéias expressas em Resumo de Sociologia.
Em todos esses trabalhos, Gumplowicz, embora destacan-
do a necessidade de relacionar a Sociologia ao campo geral da
ciência, sustenta que o problema social constitui uma catego-
ria única, distinta de todos os outros fenômenos por diversos
traços fundamentais. A Sociologia, na sua opinião, é a ciência
da sociedade humana e das leis sociais. Portanto, é a base de
tôdas as demais Ciências Sociais, devotadas a manifestações
particulares da vida social
Na opinião de Gumplowicz, a evolução social e cultural
resulta inteiramente da luta entre os grupos sociais. Esta luta,
análoga à luta entre os indivíduos, pela existência e pela sobre-
vivência do mais apto, substitui, em sua teoria da evolução,
a luta individual. Sòmente o grupo é importante, pois o in-
divíduo é produto
ria de homens do grupo.
continua Apenas recebendo
a educarse uma insignificante
impressõesmaio-
ori-
ginadas de fora dos seus próprios grupos sociais. E a comuni-
dade que pensa, pois a noção de que o homem pensa, como
mdMduo. é ilusória.

88
Por que, entretanto, precisam lutar os grupot? Gum
plowicz apresenta duas hipóteses básicas: uma, a hipótese po
ligenética, asseverando que a espécie homem evolveu de vá-
rios antigos tipos, em muitas épocas e em muitos lugares dife-
rentes, de modo que não ha, entre as raças, laços de sangue;
outra, a hipótese de que existe um ódio insuperável entre os
diferentes grupos e raças. Ambas as asseveraçÕes foram alcan-
çadas dedutivamente e confirmadas por boa autoridade. Quan-
to mais caminhamos para trás — diz Gumplowicz — tanto
maior é o número de pequenos grupos sociais que encontra-
mos, caracterizada a horda pela promiscuidade sexual e pela
igualdade da posição social. O conflito (guerra) entre êles
resultava diretamente do desejo de condições econômicas me-
lhores. (Aqui, como em muitos outros pontos, os ensinamentos
de Gumplowicz denunciam forte sabor marxista.) Nos pri-
meiros tempos, a guerra resulta va no extermínio do grupo ven-
cido. Depois os homens descobriram ser mais vantajoso escra-
vizar os conquistados e explorálos economicamente. Neste
processo de superimposição de um grupo a outro, via Gumplowicz
a srcem do Estado. Essa teoria foi aceita, embora relutante-
mente, por muitos sociólogos, mesmo nos Estados Unidos, à
falta, então, de outras hipóteses plausíveis.
Depois da formação do Estado, a luta de grupos bifurca
se: prossegue a guerra entre os Estados,' provocada pela ne-
cessidade
de classes implacável
dentro dosdeEstados.
conquista, masque
Ainda surge também em
as classes a luta
luta
e suas metas se modifiquem no transcurso da História, a classe
no poder sempre compreende que pode mais fàcilmcntc manter
e estender seu domínio estabelecendo instituições políticas e
legais. Tôdas essas idéias relativas ao Estado revelam afinida-
des com o marxismo.
Gomo inúmeros pensadores alemães da época, inclinava
se Gumplowicz a distinguir Estado e sociedade. Para ele, a
sociedade era a soma total dos grupos cm conflito, cada grupo
centralizandose em um ou mais interêsses comuns. Todos os
homens que se sentem estreitamente unidos por interêsses co-
muns procuram funcionar juntos, como unidades na luta pela
dominação. Assim formamse os grupos, e é implacável a luta
que se trava entre êles.
Contràriamente a outros evolucionistas, Gumplowicz mos-
travase pessimista em relação ao progresso. Não podia aceitar
a idéia da evolução da humanidade como um todo, porque
89
para cie não existia essa coisa chamada humanidade. Seu ponto
de vista poligenetico excluía a possibilidade dc evolução um
tária. A evolução, cm cada grupo — segundo acreditava ,
fora bastante esporádica c interrompida por vários retrocessos.
Em cada Estado houve progresso e evolução parcial; mas sem-
pre houve bárbaros à espera do sinal para começarem^ o tra-
balho de destruição. Embora seja certo que Gumplowicz não
se inspirou cm Danilevsky, há aqui algum paralelismo com o
ponto de vista do último (ver capítulo IV) sôbre o apareci-
mento de determinadas culturas (não da cultura ampla da
humanidade) c sôbre a existência dc fôrças negativas e des-
trutivas. A queda de mais de um Estado poderoso ante o as-
salto de hordas bárbaras bastante pequenas — continua Gum
plowicz, em uma antecipação interessante dos pontos de vista
de Toynbee — não pode ser compreendida a menos que re-
conheçamos a existência dc inimigos sociais domésticos.
Resumindo, não há progresso nem retrocesso no decurso
da História, como um todo; só se observa progresso em pe-
ríodos particulares e em países particulares. O ponto de vista
de Gumplowicz a esse respeito está muito mais próximo do
corrente nos dias atuais do que estavam as opiniões de seus
otimistas contemporâneos.

Ratzenhofer
O darwinismo social aparece em forma bem mais suave
na obra de um sociólogo austríaco, Gustav Ratzenhofer (1842
1904). Nascido em circunstâncias humildes, este homem, que
se tornou cadete com a idade de dezesseis anos, bateuse em
numerosos duelos, prestou relevantes serviços na guerra, viuse
encarregado, cm 1878, dos aiquivos do exército, posição que
lhe deu amplas oportunidades de ler e que estimulou sua neces-
sidade de escrever. Em 1898 foi promovido ao pôcto de ma
rechaldecampo e nomeado presidente do supremo tribunal
militar da Austria. Reformouse em 1903. Intelectualmente,
formarase por si mesmo, sob a influência das leituras de Comte,

Spencer,
pais John Natureza
incluem Stuart Mill
e Fime Gumplowicz. Suas obras
da Política (1893), princi-
Estudos So
ciológicos (1S9B) e Sociologia (1908), póstuma. Morreu a
bordo, numa viagem marítima dc volta dos Estados Unidos,
onde prelecionara com grande sucesso.

90
Na opinião dc Ratzenhofer, a Sociologia é a ciência das
relações reciprocas entre os sêres humanos. Sua tarefa con-
siste em descobrir as tendências fundamentais da evolução so-
cial e as condições do bemestar social dos sêres humanos. O
problema fundamental da Sociologia reside na determinação
do caráter único da regularidade social e em distinguila da
regularidade dos fenômenos do mundo em geral. A Socio-
logia precisa descobrir o princípio subjacente que governa to-
dos os negócios sociais e, com êste guia, ajudar a resolver
todos os problemas sociais.
Êste princípio dominante, a fôrça propulsora, Urkraft, é o
interesse. O interêsse é a chave que abre o tesouro da Socio-
logia. A vida social, de acôrdo com Ratzenhofer, é um con-
junto de interesses enraizados na própria natureza dos homens.
O interêsse 6 a expressão de uma necessidade através da per-
cepção que o homem tem dessa necessidade. Tais necessidades
são inatas ou instintivas, mas para se tomarem interesses pre-
cisam ser percebidas pela mente humana c compreendidas como
necessárias.
Ratzenhofer classificava os interêsses da seguinte maneira:
procriativos, fisiológicos (nutrição), individuais (autoafirmação),
sociais (baseados na consangüinidade, dirigidos ao bemestar
do grupo) e transcendentais (religião). Cinco tipos de inte
rêsses equeindividual.
grupo são as forças reais quesó atuam
A sociedade existe por
no trás da ação
processo do
social,
que é a soma total das relações sociais entre os homens; rela-
ções, porém, que se baseiam no comportamento dirigido para o
interêsse, motivo de tôda a ação social.
Como era talvez natural para um militar da velha escola,
Ratzenhofer acreditava que o conflito predomina na ação do
grupo. A onjem social é a organização da luta pela existência.
O conflito prevalece devido à disposição inata do homem a
obedecer aos impulsos primitivos e a odiar todos os companhei-
ros. O aumento da população limita essa disposição. Assim,
tomandose necessária a obediência aos governantes, surge o
princípio da articulação social e do Estado. A expansão pos-
terior leva à conquista de uns Estados por outros, processo
que leva à crescente complexidade e diferenciação. A luta e
a guerra geralmente consolidam as estruturas sociais, enquan-
to a cultura e o comércio enfraquecem o laço social.

91
Small
Albion YV. Small (18541926), sem ter sido um pensador
cspccialmente srcinal, talvez teaha mais do
contribuído que
outro qualquer para o avanço acadêmico da Sociologia
americana.
Small nasceu no Maine, estudou no Colby College c no
Seminário Teológico Newton, passando mais tarde dois anos
nas universidades de Berlim e Leipzig, onde adquiriu completo
conhecimento da ciência social germânica. Lecionou História
c Economia, durante dez anos, no Colby College, do qual íoi
diretor durante três anos. Em 1892 foi nomeado chcfc do
recémcriado departamento de Sociologia da Universidade de
Chicago, o primeiro no mundo a ser estabelecido. Ocupou essa
posição até à morte, desempenhando relevante papel no ensino
dc tôda uma geração de sociólogos. Em 1894, cooperando com
George E. Vincent, publicou o primeiro livro didático de in-
trodução à Sociologia. No ano seguinte fundou o The American
Journal of Sociology, que editou até morrer. Em 1905 foi
publicada sua obra principal, General Sociology. Escrevendo e
ensinando, familiarizou seus compatriotas com o pensamento
europeu c promoveu o reconhecimento, na Europa, da Sociologia
americana, motivo suficiente para que ocupasse a presidência
do Instituto
EmboraInternacional
influenciadode por
Sociologia,
Gustav em
1913.
Ratzenhofer, Small mitigou
o suave darwinismo social do último, reduzindoo a uma teoria
de interesses e seus conflitos. Teoria afim com sua antecedente
concepção dos desejos como a verdadeira mola na ação humana
em sociedade, idéia tirada provàvelmente de Ward. Em General
Sociology, Small define o interêsse como “uma capacidade insa-
tisfeita correspondente a uma condição irrealizada”. Essa fórmula
— disse êle — era uma tentativa de exprimir alguma coisa
existente por trás da consciência. A incerteza da afirmação ê
infelizmente bastante característica de suas obras, em geral.
O interêsse é o pivô da teoria sociológica de Small, Os
interêsses são os modos mais simples de movimento que se
podem
de vivertraçar na conduta
é o processo dos sêres humanos;
de desenvolver, o própriointe-
ajustar e satisfazer ato
rêsses. Êstes incidem em seis classes: saúde, fortuna, sociabi-
lidade, conhecimento, beleza, correção. Subjetivamente enca-
rados, são desejos; objetivamente, são carências.

92
O interesse domina a vida individual e social. O indivíduo,
cm qualquer tempo, é o produto da luta persistente por seus
interesses; e similarmente a sociedade é a conseqüência das
miríades de esforços dos indivíduos a fim de satisfazerem a
esses interesses. Small acentua as relações interdependentes dos
aspectos sociais e individuais da luta de interesses e diz: “o
indivíduo e a sociedade não foram feitos um para o outro, inas
defrontamse. Uma sociedade é uma combinação das atividades
de pessoas. Uma pessoa é um centro de impulsos conscientes
que só se realizam completamente em sociedade”.
Neste contexto, Small empregou o têrmo sociedade, embora
depois o repudiasse em favor de associação, insistindo em que a
mudança não era apenas verbal. Sociedade sugere antes um
ponto de vista estático a respeito dos fatos sociais — declarava
— enquanto associação implica um ponto de vista dinâmico.
Small desejou estudar o processo da associação humana. Viu
neste processo o conflito como padrão primário, envolvendo a
colisão de interesses. De acôrdo com as própria preferências
éticas, entretanto, foi além e asseverou que o próprio conflito se
reduz a cooperação através da socialização.
Apesar da influência pessoal dc Small, seu pontos de vista
nem persistiram nem influenciaram grandemente a Sociologia
americana. Para tanto, há um motivo claro: formuladas no
início do século, as opiniões que sustentou pertenciam a uma
espécie de Sociologia que, a êsse tempo, já estava em declínio.
Todavia, contra ria men te à maioria de seus contemporâneos,
não dispôs as idéias cm tômo do conceito da evolução, embora
pressupondo a validade da teoria evolucionista, no conjunto.
Concebeu a evolução para o progresso exprimindose no movi-
mento do conflito srcinal para a pacificação através da sociali-
zação, e acreditava que o processo social, por necessidade intrín-
seca, produzia homens cada vez mais díspares, ponto de vista
acorde com a fórmula evolucionista de Spencer.
Mas a explicação de Small para as relações entre a Socio-
logia, outras Ciências Sociais e a Psicologia está de acôrdo com
inúmeras idéias atuais. Êle insistiu na unidade das Ciências

Sociais,
(1910), eespecialmente Theciência
assinalou queemcada Meaning
dá of the Social
atenção, Sciences
primàriamente,
a certos fragmentos ou aspectos da coisa isolada. Sôbre a
Sociologia e a Psicologia, escreveu; “O psicólogo toma a asso-
ciação como o fato fixo e conhecido a fim de prosseguir na

93
investigação dos mecanismos dos agentes individuais. O soció
logo, pelo contrário, toma o indivíduo como um dado c promove
a investigação da associação.” Ê lamentável, na opinião do
autor, que sociólogos posteriores não tenham seguido mais
freqüentemente este excelente conselho.

Sumner

Variedade especial de darwinismo social aparece na obra


dc um dos sociólogos americanos mais importantes, William
Graham Sumner (1840-1910). Nascido cm Paterson, New
Jersey, era filho de um imigrante inglês que deixara o país
natal porque a revolução industrial arruinara seu comércio.
Apesar desse antecedente, o filho tomouse um dos maiores
campeões do princípio do laissezfaire, que era, em parte, re-
flexo da revolução social no mundo das idéias.
Entre os vinte e os trinta anos Sumner passou um período
em Oxford. Alguns relatórios que foram preservados, dc con-
versações aí mantidas, mostram que os principais problemas
em discussão eram a possibilidade de uma ciência da sociedade,
onde começaria tal ciência e como cdificála. Tomavase fre-
qüentemente a Filosofia da História, ao estilo de Buckle, como
ponto de partida; a ciência social, porém, deve ser uma ciên-
cia aindutiva,
por massa de ematerial
ninguém concebia
de modo como
a chegar, poderia à coligir
realmente, indução.e dis-
Em 1868, depois de voltar da Inglaterra aos Estados Uni-
dos, Sumner foi nomeado tutor16 na Universidade de Yale.
Enquanto ocupava essa posição, leu First Principies e Social
Statics, de Spcncer, obras, no entanto, que não lhe causaram
grande impressão. Em 1869, ordenouse no ministério epis-
copal. Quando começou a escrever sermões, verificou que es-
tava bàsicamente interessado nos assuntos de ciência social e
de Economia Política. Leu por essa épcxa The Study of So-
ciology de Spencer, e ai descobriu a orientação que desejava.
Ao mesmo tempo em que se converteu ao evolucionismo foi
promovido ao professorado, em Yale. Quando solicitou aos es-
tudantes que lessem Spencer, quase o demitiram da universi-
dade, sob suspeita de ateísmo. Contudo, reteve a cadeira, que

.2* N. do T. — Tutor: professor encarregado de instrução


individual.
ocupou até morrer. Durante os dois últimos anos de vida, pre-
sidiu a Associação Sociológica Americana, sucedendo a Ward
que fôra seu primeiro presidente.
Sumner é autor de uma obra fundamental, Folkways
(1906). Apesar da data da publicação, seus pontos de vista
pertencem à Sociologia do século XIX porque baseou o livro
em leituras realizadas no decurso de muitos anos. Concebera
Folkways como uma seção avançada dc uma obra monumental,
The Science of Society, que começara em 1872, mas que não
completou. Alfred G. Keller, fiel discípulo de Sumner, terminou

a eafirmara,
já publicoua em 1927,
através com a assinatura
de numerosos de ambos. nas
ensaios publicados Sumner
dé-
cadas de 1880 e 1890, muitas idéias contidas em Folkways.
Uma coleção póstuma de Essays (1934) atesta a permanência
do interêsse, muitos anos depois de sua morte, a respeito da
obra que produziu.
Sumner via a sociedade como um sistema de fôrças sujei-
to a leis que é tarefa da ciência investigar. Os homens preci-
sam responder às leis sociais como respondem às leis físicas:
essas leis precisam scr aprendidas c obedecidas. Donde a incon-
dicional aceitação da doutrina liberal expressa no próprio tí-
tulo de um de séus ensaios, The Absurd Effort to Make the
World Over (1894). Para Sumner, a lei básica é a da evo-
lução,
esforço umsocialprocesso espontâneo,
não pode modificar. irreversível,
A luta pela unilinear
existência,quefun-o
da contenda do homem contra a natureza e do homem contra
o homem, impele para a frente a evolução, não se devendo
censurar ninguém pelas dificuldades que os homens se impõem
uns aos outros. A sobrevivência do industrioso e do sóbrio é
a sobrevivência do mais apto: eis a lei da civilização. A única
alternativa é a sobrevivência do “inapto”, lei da incivilização.
Não há outras possibilidades. Igualmente impossível seria atar
as fôrças sociais que produzem o monopólio, guerras, classes
sociais e suas lutas. Fôrças que, antes de mais nada, são a
pressão da população e de condições econômicas, exercendo as
fôrças morais o papel secundário. A luta de classes marcou
todo o desenvolvimento histórico e seu objetivo principal é a
dominação do Estado.
Os ensinamentos de Sumner combinavam grande parte dc
determinismo econômico com o emprego de conceitos biológi-
co»; e êle estava firmemente convencido do importante valor
95
dos dado» da Etnologia. Sofreu pequena influência, c mesmo
pouco conhecimento possuía da teoria nãocvolucionista na So
ciologia americana e européia. Dc acôrdo com Keller, seu su
cessor em Yalc, o método principal de Sumncr consistia em
reunir uma grande quantidade de fatos verificados, deixando
os falar por si, aplicandolhes o senso comum, treinado c or-
ganizado. Eis a opinião dc um admirador. Mais exatamente,
Sumner utilizou enorme quantidade dc material; a organiza-
ção, porém, que lhe deu era bastante fraca.
Folkways é uma tentativa, no estilo do darwinismo social,
para explicar a srcem evolucionista, a natureza, a função e
a persistência dos hábitos de grupo (costumes). Dado que a
primeira tarefa da vida c viver, o homem começa com atos
e não com pensamentos. Tentando c errando, nos vários modos
de agir, selecionamse, sob condições particulares, os melhores e
mais aptos. Êsses métodos se repetem e sua repetição produz
o hábito no indivíduo e o costume no grupo. Assim, os
folkways, 1 7 isto é, os meios de fazer as coisas comumentc aceitos
em uma sociedade, desenvolvemse inconscientemente. Surgem
não se sabe dc onde nem como, e crescem como que pelo exercí-
cio da energia vital interna.
Sumner nunca foi bem claro quanto às fôrças que produzem
os folkways. Ofereceu três explicações diferente: interesse (sob
a influência de Small); pão e prazer (o par, hedonista); e
quatro motivos:dcfome,
quatro desejos W. I.sexo, vaidade
Thomas). Os efolkways
medo podem
(antecipando os
ser mo-
dificados, mas só dentro de certos limites, pelo esfôrço objetivo
do homem. Podem com o tempo chegar a perder o poder, decli-
nar e morrer, ou transformarse. Sumncr nunca investigou as
condições sob as quais êles se transformam ou deixam de exercer
seu impacto sóbre o homem. Portanto, nunca chegaria a
formular aproximações de leis sociais.
Quando vigorosos, os folkways controlam amplamente os
empreendimentos individuais e sociais bem comq produzem e
alimentam idéias de filosofia mundana e política da vida. Quan-
do pontos de vista elementares sôbre a verdade e o direito se
transformam em doutrinas de bemestar, os folkways aí envol-
vidos se tornam mores. A terminologia de Sumner é de certo
modo inconsistente. As vezes opõe êstes àqueles, mas em ou

w N. do T. — Cf. nota 14, pág. 69.

96
iras ocasiões usa o termo folkways paia designar oc mo-
dos de agir aceitos, inclusive os mares. Atribuiu tie suprema
importância a ambos. Os primeiros dominam a vida social; a
vida da sociedade consiste em criar folkways e aplicálos. As leis
refletem os mores, e para serem fortes precisam sempre estar
de acôrdo com os mesmos. Quando uns e outros se tornam
instituições ou leis, contudo, mudam de caráter.
O debate sumneriano das instituições antecipou o ensina-
mento da escola institucional (ver capítulo XIX), approach ba-
seado numa filosofia inteiramente diversa dos fundamentos
darwinistas de Sumner. "Uma instituição consiste em um con-
ceito (idéia, noção, doutrina, interêsse) e em uma estrutura.
A estrutura é uma armação, um aparelhamento ou talvez ape-
nas um número de funcionários postos a cooperar dc acordo
com normas prescritas cm determinada conjuntura. A estru-
tura sustenta o conceito e fornece o instrumental para trazêlo
ao mundo dos fatos e ações, de modo a servir aos interesses
dos homens.'*u Desde que as leis e as instituições aparecem
apenas em um alto nível de desenvolvimento, depois dos mores
terem evolvido de meros folkways, Sumner parece ter acredita-
do que o modo irracional de desenvolvimento dos últimos é
gradualmente substituído por um mecanismo altamente racio-
nal que cria estruturas ou organizações com o objetivo dc en-
globar idéias específicas. Todavia, nunca explorou essa linha
de investigação.
A teoria de Sumner é evoludonista. Mas a apresentação
que faz de folkways e mores (teimos de uso comum entre os
sociólogos contemporâneos) pode ser encarada como uma con-
tribuição à Sociologia analítica, à compreensão da estrutura
e do modo de operação dos grupos sociais. Deu êle ainda à
Sociologia analítica a diferença entre “nosso grupo** e “grupo de
fora”. Destacou a oposição entre nós mesmos, o wegroup ou
ingroup, em relação a todos os outros, isto e, o theygroup ou
outgroup. Cada grupo alimenta seu orgulho e sua vaidade,
ostenta a própria superioridade, exalta as próprias divindades
e olha com desprêzo os de fora. Cada grupo considera seus
folkways os únicos acertados, de modo que os de outros grupos
provocam a desaprovação e epítetos de desprêzo e abominação.
Enquanto os membros de um ingroup se atêm a relações de

11 Folkways, pág. 54.

i 91
paz, ordem e lei, suas relações com todos os dc íora são de hos
tilidade. Às atitudes dc superioridade relativas aos folkways ao
ingroup c da comparação invejosa com as do outgroup deu
Sumner o nome dc itnoccntrismo, termo hoje comumcnte
usado.
Sumner também sustentou que existe uma correlação en-
tre o otnocentrismo e o crescimento da solidariedade de gru-
po. “As exigências de guerra com os de íora é que estabele-
cem a paz interna... A lealdade ao grupo, o sacrifício por
êle, o ódio e o desprezo pelos dc fora; a fraternidade interna,
livre de beliccsidade — desenvolvem-se juntos, produtos da
mesma situação.”20 Bagehot c outros haviam feito observa-
ções parecidas muitos anos antes, mas só depois dc Sumner é
que tab pontos dc vista ganharam aceitação ampla.
Aspecto igualmente importante da obra dc Sumncr é que
êle srcinou o approach normativo (ou institucional, conforme
Parson; ver capítulo XVIII) do fenômeno social. Por outras
palavras, iniciou o estudo da srcem c das funções das normas
sociais. Não há dúvida que Spencer e alguns dentre os pri-
meiros etnólogos trataram dos costumes e usos dc várias socie-
dades; limitaramse, porém, a descrevêlos, pouco ou nada ana-
lisando suas funções cm socicdadc. Sumner, entretanto, não
sc deteve nesse ponto. Na introdução a Folkways dcciara que
pretendera escrever um livro sebre Sociologia, mas que nessa
tentativa
da desviarase,
importância por necessidade
sociológica intrínseca,
dc usos, modos, para omores
costumes, estudoc
moral. Etnologia, observou, seria um têrmo adequado para
semelhante estudo. Têrmo que deriva da palavra ethos, que os
gregos aplicavam aos usos, idéias, padrões c códigos pelos quais
uin grupo se diferencia dos outros e se individualiza, em caráter.
A Ética, ou coisa pertencente ao ethos, são os padrões do direito.
Na opinião de Sumner era um fato estranho que as nações
modernas tivessem perdido êsses termos c menosprezassem as

19 ~ .. — P w,m£70uP (“nosso grupo*’) ou ingroup (“gru


po de dentro**) ''consiste de tôdas as pessoas com que nos reunimos:
suas relações típicas são as de familiaridade, solidariedade c coope
ração”. O theygrfiup
“é constituído pelos que (“gnipo deles”) ouao outgroup
não pertencem (“grupo
“nosso grupo” de fora”)
— estranhos,
forasteiros e inimigos que evitam os ridicularismos” (cf. Rutnney
Maier, op. id. cit., pág. 85).
» Ibid., pág. 12.

98
significativas sugestões que encenavam. Seu trabaliio, assim,
foi uma tentativa, apenas parcialmente bem sucedida, de enri-
quecer o estudo da vida social focalizando padrões dc diicito
comi; men te aceitos.
Suas contribuições à Sociologia analítica são mais impor-
tantes do que seu conceito da srcem e da permanência dos
folkways. A teoria da sobrevivência do mais apto ou dos folk-
ways mais adequados está refutada pela existência de costumes
nocivos que freqüentemente conduzem à decadência e até à
destruição de grupos que a eles aderem.21 O ponto de vista
dc que os folkways são fôrças independentes dos homens tam-
bém é insustentável; sabese agora que os fenômenos de apa-
recimento, permanência, modificação e decadência dos costu-
mes são redutíveis a complexos sistemas de ação e interação®
humanas. E sabese que, sob certas condições, a lei pode al-
terar grandemente os próprios mores.

O darwinismo social em retrospecto

Spcnccr viu no evolucionismo uma lei universal do vira


ser. Derivou a evolução orgânica (biológica) e a superorgâ
nica (social) dc uma só lei cósmica. Os darwinistas sociais ra-
ciocinavam diferentemente. Familiarizados com a teoria dar
winista da evolução biológica, acreditavam que ela poderia ser
levada para a Sociologia, substituindo os organismos por grupos
sociais. À base disso, construíram sua própria Sociologia. A so-
ciedade, para êles, era um universo bastante vago de grupos
sociais em conflito. Bagchot, o primeiro darwinista social, não
especificou de que tipo de grupos se tratava. Gumplowicz e
Ratzenhofer os identificaram com os raciais; Sumner, era im-
portante avanço, com os étnicos ou culturais. Gumplowicz, for-
temente influenciado pelo marxismo, localizou as classes sociais
entre os grupos básicos em conflito; a tal respeito, Sumner o
acompanhou. Nenhum desses homens clucidou a natureza da

. Fato surpreendente é que ele tivesse conhecimento da exis


tência de tais costumes — e ainda sustentasse a tese de que os costu
mes mais
** N.aptos
do sobrevivem!
T. — Apesar do sentido filosófico habitual do tênno
interação,adotamolo, aqui, com o significado de interatuaçio, seguin-
do o exemplo de Fernando dc Azevedo (Princípios d* SociologU, 7.9
ed., Melhoramentos, pág. 57).
ctihuia, einbora Bagehot e Sumner, ao destacarem os costumes
(folkways, na terminologia de Sumner), sc tenham aproximado
do conceito. Nenhuma unidade básica para a análise pode ser
\ islumbrada nas obras de Bagehot c Gumplowicz. Para Ratze
nhoíci, essa unidade é o interesse; para Sumner, os folkways.
O darwinismo social sustentou pontos dc vista divergentes
nas relações entre a sociedade e o indivíduo. Bagehot c Gum
piowic/ viram o indivíduo completamente imerso na sociedade.
Kru/enliofer, pelo contráiio, viu a sociedade meramente como
uma rede de relações interpessoais, ponto de vista não muito
distante do individualismo spenceriano. A posição de Sumner
foi bastante ambígua: através de folkways e mores presumirse
ia que a sociedade dominasse completamente a vida hu-
mana; entretan.o, ele continuou forte defensor do extremo
individualismo.
Segundo todos esses autores, o determinante básico da trans-
formação social, c implicitamente das condições sociais em ge-
ral, era biológico. A seleção e a sobrevivência do grupo mais
apto foram acentuadas por Bagehot, Gumplowicz e Ratzenhofer,
enquanto os folkways mais aptos determinam o estado dc uma
sociedade, dc acordo com Sumner.
Gumplowicz e Ratzenhofer destacaram a necessidade de
tornar científica a Sociologia. Isto significa que os modelos
metodológicos a aplicar cm Sociologia devem ser os que pre-
valecem para as Ciências Naturais. Desde que tais modelos
também foram identificados com o esquema evolucionista, con-
tudo, a tentativa de fazer Sociologia realmente científica abor-
tou. A metodologia dos darwinistas sociais não diferiu gran-
demente da de Spencer; usou os fatos históricos e etnológicos
essencialmente para ilustrar proposições derivadas da teoria da
evolução, e, nesta base, declarou tais proposições como provadas.
Na história da teoria sociológica, devcsc encarar o dar
winismo social como a exploração dc uma possibilidade. Hoje,
sabese que essa exploração conduziu francamente a um beco
sem saída. No fim do século XIX, porém, o caminho pare-
cia promissor.

Entretanto,
no ensino cumpre reconhecer
dos darwinistas que começaram
sociais. Êles nem tudo ase construir
perdeu
uma teoria do conflito social, identificaram alguns dos grupos
que mais provàvelmente se opõem uns aos outros, e estabe-
leceram a correlação entre conflito intcrgrupal e solidariedade

100
intragrupal. Bagehot vislumbrou a importância sociológica da
imitação. Gumplowicz compreendeu bem a vulnerabilidade da
doutrina do progresso e, independentemente de Danilevsky, viu
o confinado a segmentos da humanidade, não assinalando a
transformação da humanidade como um todo. Sumncr trou-
xe uma nova perspectiva para o estudo sociológico, ao dar ên-
fase ao aspecto normativo da vida social. Embora os princi-
pais destaques do darwinismo social, como o evolucionismo em
geral, sc revelassem comprovadamcnte infrutíferos, alguns
de seus subprodutos foram autênticas contribuições à teoria
sociológica.
CAPITULO VI

Evolucionismo Psicológico

O dc Spencer era cósmico. A


evolucionismo lei
evolução,
suprema dc todo viraser, incluía o da sociedade humana. A
mente humana, com sua capacidade de deliberar e escolher,
não constituía, portanto, um fator da evolução; sua interferên-
cia nesta tomavase, dc fato, bastante prejudicial. Nos mea-
dos da década dc 1880, surgiu um nôvo ramo dc evolucionismo
que atribuía à mente humana, contrariamente às opiniões de
Spencer, importante papel na evolução. O fundador do evo-
lucionismo
cuja teoria psicológico foi oGiddings
Franklin H. sociólogodesenvolveu
americano Lester F. Ward,
posteriormente.
Apresentaremos neste capítulo os pontos de vista e as obras
de ambos.

A vida e as obras de Ward

Lester F. Ward (18411913) nasceu em Illinois, em condi-


ções humildes. Embora recebesse pouca educação escolar de
nível elementar, seu desejo pessoal de aprender levouo a estu-
dar Biologia c línguas estrangeiras à noite, depois de exaustivo e
nada inspirador trabalho diário. Matriculouse em uuia escola
preparatória; entretanto, suspendeu as aulas com o advento da
Guerra Civil. Ingressou
foi gravemente no Exército
ferido. Depois da União
da guerra, exerceuemum1863
cargoè
burocrático no Departamento do Tesouro dos Estados Unidos,
regulando o trabalho de modo a estudar na Universidade Co-
lumbiana (hoje Universidade George Washington). Formoy

102
se cm Botânica e Direito c recebeu o grau dc master of àm
cm 1872. Em 1881, nomearamno assistente, em 1883. pale
ontólogochefe no United States Geological Survey, onde em-
preendeu pesquisas srcinais de Geologia c Paleobotânica.
O interesse dc Ward pela Sociologia despertou com as
leituras dc Com te e Spencer. Caiu sob o encanto dos gran-
diosos sistemas dos dois fundadores da nova ciência e concor-
dou em larga escala com o cvolucionismo cósmico do segundo.
Mas não pôde aceitar as conclusões tiradas pelo mestre inglês
do postulado de uma evolução impessoal, autoorientado. A

cm tômosrcem
própria de sihumilde
levaramno
de Ward
a introduzir
e o sofrimento
no esquema
que observava
spenceria
no um princípio que tomaria desejável e cientificamente justi-
ficável a interferência humana consciente na evolução. En-
controulhe o germe cm Augusto Com te. Pois não era o sis-
tema dêste voltado para a reforma social fundada em leis so-
ciais que deveriam scr descobertas pela nova ciência? Na so-
ciedade humana — decidiu Ward — havia, além da evo-
lução impessoal, ação proposital, ela própria fruto do pro-
cesso evolutivo.
Essa idéia do propósito nos negócios humanos foi a mola
mestra, resultante dc doze anos de trabalho, na obraprima
de Ward, em dois volumes, Dynamic Sociology (1883), que
durante algum tempo passou quase despercebida. Os Estados
Unidos atravessavam um período de rápido avanço, sob a ban-
deira do principio da nãointerferência; e a êsse tempo um li-
vro atacando o princípio condutor de um progresso visível pa-
recia retrógado e até prejudicial. Em 1890, contudo, Albion
Small, então presidente do Colby College, reconheceu os gran-
des méritos de Dynamic Sociology. O interesse de Small, e
logo o de outros eruditos, encorajou Ward a escrever novos
volumes: Psychic Factors of Civilization (1893), Outline of So-
ciology (1898), Pure Sociology (1903) e Applied Sociology
(1906). Êstes, na maior parte, ampliam, ratificam e modifi-
cam em aspectos menores a primitiva opus magnum. Em Pure
Sociology, entretanto, há uma parte que reflete o impacto do
contato de Ward com os dois darwinistas. sociais austríacos,
Gumplowicz Ward,
precedente, e Ratzenhofer. (Como
por sua vez, se determinadas
trouxe observou no mudanças
capítulo
nos pontos de vista do primeiro deles.) Notamse outras influ-
ências novas em Pure Sociology, especialmente a de Tarde,
sociólogo francês que sublinhou, independentemente dc Ward,

103
a importância do fator psiquico sobre a realidade social liber-
tando*. em conseqüência, quase completamente, do evolucao
nismo (ver capítulo VIII). D« modo geral, a Sociologia de
senvolverase ràpidamente nos anos decorridos entre a publi-
cação de Dynamic Sociology c dc Pure Sociology. Utilizando
seu conhecimento de francês, Ward leu àvidamente as obras
principais do ramo. Em 1902, rntimerou os sistemas princi-
pais de Sociologia c escreveu sôbre cies um ensaio clássico.®
Na época da puhliração das últimas obras que escreveu.
Ward gozava larga fama, não somente nos Estados Unidos,
mas em todo o mundo científico. Em 1903 foi eleito presi-
dente do Instituto Internacional de Sociologia. Tomousc o
primeiro presidente da Sociedade Sociológica Americana, em
1906. No mesmo ano, renunciou ao cargo governamental qüe
ocupava e começou a ensinar na Brown University (anterior-
mente, ministrara apenas alguns cursos dc verão, principal-
mente na Universidade de Chicago); conservou ai suas fun-
ções até morrer.

Postulados básicos

A teoria sociológica de Lester Ward pode ser disposta


em tômo de quatro postulados. O primeiro é a lei da evo-
lução, compreendida aproximadamente no mesmo sentido que
tem para Spencer. Em Dynamic Sociology, Ward preferiu fa-
lar da lei da agregação da matéria, mas não conservou essa ino-
vação verbal cm suas últimas obras. Uma visão compreensiva
da evolução aparece sòmente cm Dynamic Sociology, onde o
processo total da evolução é dividido nos estágios da cosmogo-
nia, biogenia, antropogenia e sociogcnia; têrmos que ilustram
a predileção de Ward por neologismos baseados na linguagem
clássica.
O segundo postulado é a bifurcação da evolução depois
do estágio da antropogenia. Acompanhando a evolução espon-
tânea, causada por fôrças cegas a que Ward chamava genesis,
aparece a tcUsis, ou ação proposital do homem baseada no co-
nhecimento e na antecipação das conscquêr.cias dc seus atos.
Em terceiro lugar, postula Ward que tôda ciência é um
estudo sistemático de um grupo particular de fôrças. Para êle,

" Publicado no The American Journal of Sociology, vol. 7.


104
as forças sociais eram nitidamente psíquicas, mas, como fôrça
motriz dos fenômenos sociais limitavamse ao sentimento, dado
que “a faculdade pensante não e uma fôrça”. Ward traba-
lhou longamente no problema da classificação das forças
sociais. Sua classificação final apareceu cm Pure Sociology,
onde dividiu as fôrças cm ontogcnicas: uma positiva procurando
o prazer, outra negativa, evitando a dor; uma direta, sexual,
outra indireta, a afeição baseada na consanquinidadc; e sociogc
nicas: uma tríade de fôrça moral (procurando a segurança e o
bem), fôrça estética (procurando o belo) e fôrça intelectual (pro-
curando o verdadeiro e o útil). Ficase imaginando de que ma-
neira pôde Ward incluir a intelectual entre as fôrças sociais e
sustentar, ao mesmo tempo, que as idéias não são fôrças, mas
podese resolver o aparente paradoxo afirmando que a fôrça
intelectual aí não é a verdade como tal, mas o amor à verda-
de, que é um sentimento.
Ward postula, cm quarto lugar, o princípio da síntese
criadora ou sinergia. Êste princípio, que a Dynamic Sociology
não toma explícito, é a espinha dorsal da Pure Sociology, ft
um princípio universal operando em cada ramo da natureza,
e através da sinergia é que se alcança, em todos os estágios da
evolução, a transição de um para outro. A sinergia social —
diz Ward em Pure Sociology, onde parece lamentar haver uti-
lizado anteriormente o termo fôrça em vez de sinergia — apa-
rece na sociedade em tôdas as direções; e, como uma tempesta-
de ou uma torrente, é implacável. Os interêsses inatos do ho-
mem trabalham em sentidos contrários, freqüentemente sem
nenhum propósito. Esta situação subsiste na natureza. Muitas
fôrças colidcm c entram cm conflito, mas desde que não se
perde nenhum movimento, alcançasc um equilíbrio parcial,
de que se srcinam estruturas mais ou menos estáveis. Estru-
turas que novamente colidcm, repetindose o processo, gerando
estruturas cada vez mais altas cm todos m domínios do ser.
E, cm todos os lugares, as estruturas assim criadas por siner-
gia contêm mais do que a soma dos fatores tomados indepen-
dentemente. Formulando o princípio da sinergia, Ward re

conhedasc devedor,
famoso filósofo cm da
alemão parte, dc Wilhelm
época. Wundt
24 Noutra parte,(18321920),
afirma ele

31 Wundt, Logik (1895), vol. II, pág». 26781.


105
que a síntese criadora é "a expressão cosmológica da trilogia
hcgeliana”.25

Sociologia: divisão e método

Ward nunca sentiu necessidade de uma definição formal de


Sociologia. Em Pure Sociology cscrcvcu que se trata dc uma
ciência da realização humana. Ademais — afirma êlc 6
uma autêntica ciência, dado que abrange um campo determi-
nado dc fenômenos que ocorrem em uma ordem regular, como
efeito dc causas ou fôrças naturais.
Distinguia a Sociologia da Antropologia, sustentando ser
a primeira uma ciência que lidava principalmente com as
raças históricas que haviam dirigido a humanidade. Explicava
a relação existente entre a Sociologia c as Ciências Sociais es-
peciais, mediante o princípio da sinergia. A Scciologia c um
composto gerado pela síntese criadora das Ciências Sociais
especiais.
Ward interessavase também pelo problema da divisão ade-
quada dentro da Sociologia. Primeiro distinguia a Sociologia
pura da aplicada. A Sociologia pura consiste em um trata-
mento dos fenômenos e leis da socicdade, como esta existe.
Alcançasc, assim, um diagnóstico etiológico, excluindo proble-
mas de terapêutica e considerações éticas. Isso quer dizer que
as perguntas formuladas pela Sociologia pura são: o quê? por
que? como? A Sociologia aplicada, por outro lado, precisa
responder à pergunta: para quê? Dedicase aos ideais sociais,
às considerações éticas e tem por objetivo propor aperfeiçoa-
mentos, pelo homem, das condições sociais. Entretanto, a So-
ciologia aplicada é uma ciência, não uma arte, dado que ofe-
rece como orientação alguns princípics gerais estabelecidos.
Embora distinguindo, cuidadosamente, entre Sociologia
pura e a aplicada, Ward insistia cm que o conhecimento das
leis sociais alcançado através da Sociologia pura podia c devia
ser empregado a fim de melhorar a sociedade humana. Teve
que lutar por êsse ponto dc vista contra a maioria de seus con-
temporâneos, especialmente Spcnccr c Suraner, que não acrc

* Pure Sociology, pág. 175. As referências subsequentes são


também dêsse volume.

106
ditavam na açao social planificada. A* leis sociais são efeti-
vamente inalteráveis — afirma Ward — mas os homens podetó
utilizá-las a fim dc atingir seus objetivos, identicamente ao que
fazem com as leis físicas.26 Como proceder, nesse sentido?
Sua resposta se encontra no desenvolvimento da doutrina da
telesis,
Ward dividiu a Sociologia em duas partes, genética e te-
leológica (de acordo com o segundo de seus postulados). Essa
classificação veio a se revelar comprovadamente imprópria,
pois cie nunca chegou a distinguir claramente entre fenômenos
genéticos e e
siderar determinados
teleológicos
fenômenos
\iusc cm
freqüentemente
ambas as divisões
forçado do
a con-
sis-
tema, contradizendo-se às vézes.
Posteriormente, dividiu ainda a parte da Sociologia de-
votada à Genética, em estática e dinâmica, termos popula-
rizados por Augusto Comte e Spencer. Mas Ward deu à
distinção uma precisão que faltou a seus prçdecessores. Pole-
mizou contia os que entendiam que a estática deveria confinar
sc ao estudo das estruturas sociais, relacionandose a dinâmica
ao funcionamento delas. A função — argumentava — e o
que as estruturas fazem. A estática abrange a estrutura e a
função; a dinâmica estuda as transformações das estruturas
Ward não se preocupou com o método da Sociologia,
assunto predileto
que o método de muitos
principal devia sercontemporâneos
a generalização,seus.
isto é,Acreditava
o agru-
pamento dos fenômenos c o tratamento dos grupos como uni-
dades. Procedimento, aliás, realmente muito vago. Na rea-
lidade, ele introduziu, na maioria dos conceitos e teoremas so-
ciológicos que formulou, afirmações cvolucionistas atinentes aos
domínios da Astronomia, Física, Química, Biologia c Antropo-
logia. O esfôrço criador do autor transforma esses materiais
cm argumentos a favor de proposições sôbre os fenômenos so-
ciais, presumivelmente parte da mesma evolução cósmica. Ward
chegava, habitualmente, a suas asserções sociológicas por in-
tuição e, às vêzes, por uma aguda observação de eventos e si-
tuações da época. Seria impossível enunciar qualquer metodo-
logia articulada visando a esse resultado, motivo talvez pelo
qual tem êlc tão pouco a dizer a respeito.

Esta posição foi afirmada em numerosos escritos colecio


nados cm seis volumes, sob o titulo Glimpses of tke Cosmos (1913-18).

107
Era um sentido, porém, Ward se mostrou muito firme c
explícito quanto ao inétodo: rejeitou a ideia, então ganhando
terreno, de que a Sociologia devia apoiar-se na Matemática.
“Nem sempre acontece” — escreveu cm Pure Sociology—“que,
devido ao fato dos fenômeno» abrangidos por uma ciência es-
tarem sujeitos a leis uniforme*, possam os mesmos ser sempre
icdu/idos a fórmula» matemáticas. As leis e os processos uni-
formes são a essência dc uma ciência. Sua expressão mate-
mática não é essencial.”

Genesis i telesis
Waid, cujo maior interesse na Sociologia pura era a di-
nâmica, pintou a estática assiir. coma um instantâneo da ati-
vidade continua que constitui o funcionamento das estruturas
sociais. Sendo as forças sociais de natureza psíquica, a lei fun-
damental da estática social deve ter a mesma qualidade. Por-
tanto, a norma básica da estática social é a lei da parcimônia,
a lei do menor esfôrço. “Nesta lei” — escreveu Ward — “pa-
recemos alcançar o estágio máximo da generalização.” Mas não
esclareceu inteiramente o significado dessa lei. Muito proyà
velmcntc, referese cia ao funcionamento das estruturas sociais
que revelam uma soma algébrica dc piazcres e dores; por ou-
trassôbrc
zer palavras,
a dor. o funcionamento resulta em um excesso do pra-
Distingue Ward as leis, que são declarações sôbrc seqüên-
cias uniformes, dos princípios, que explicam seu modo de ope-
ração. Cita um único principio de estática social: a sinergia,
através da qual se reprimem, equilibram e moldam em estru-
turas as fôrças sociais opostas, estruturas que, uma vez desen-
volvidas, persistem c servem como dínamos do poder social.
O principal interesse de Ward, a dinâmica social, focaliza
a transformação nas estruturas sociais. Enquanto os fenôme-
no» estáticos são controlados por um princípio único, há três
princípios dinâmicos: primeiro, a diferença dc potencial so-
cial, manifestada principalmente no intercâmbio dc culturas;
segundo, a inovação baseada na invenção; e, terceiro, a cona
ção, ou esfôrço social através do qual a energia social é aplica-
da às coisas materiais, resultando em feitos humanos. Ficase
perplexo ante a afirmativa de que êsses três princípios são
agentes inconscientes trabalhando peb progresso social.

108
Que o progresso estava sendo alcançado, eis aqui, para
Ward, uma proposição evidente por si mesma. Não comprecn-
dia que alguém lesse História sem ver progresso. Em sua opi
nião, é supérfluo enumerar exemplos da superioridade das ci
vilizações modernas sobre as primitivas. Pure Sociology consi
dera o progresso cm referência à sinergia. Ward dizia que êle
resulta da fusão de elementos desiguais; fusão criadora ]>orque
resulta cm um terceiro elemento, nôvo e superior aos outros.
Em Dynamic Sociology, escrita antes do surgimento do princí
pio da sinergia, demonstra-se, dc uma forma especial, quase
geométrica, a necessidade interna do progresso. Apresentam-se
seis definições e cinco teoremas, todos ligados entre si. c inclu
indo uma de suas idéias prediletas, a da salvação pela educa
ção. As definições dc Ward são, ao menos, coerentes com sua
proposição básica: a felicidade é o excesso de prazer sôbrc a
dor; o progresso é o sucesso na harmonização dos fenômenos
naturais com vantagem humana; a ação dinâmica é o empre
go do método indireto dc conação; a opinião dinâmica é uma
visão correta das relações dos homens com o universo; o co
nhecimento é a familiaridade com o meio; a educação é a dis
tribuição universal do conhecimento existente. Os teoremas
asseveram que cada item subseqüente da lista é uma conseqüên
cia direta do que o precede imediatamente e indireta dos ou
tros. Assim, o progresso é conseqüência direta da felicidade,

enquantodela.
diretas o conhecimento e a não
Esses teoremas educação
estão, são
nem conseqüências in
poderiam estar,
demonstrados. Em lugar da demonstração, Ward oferece arra-
zoados muito eloqüentes, dirigidos aos sentimentos dos leitores.
Não obstante, cm Dynamic Sociology, o evolucionismo psico
lógico de Ward, destacando o conhecimento c a antecipação,
aparece de forma bem mais pura do que cm Pure Sociology,
onde o progresso é discutido dentro da estrutura genética, e
não teleológica.
Em seu estudo da dinâmica. Ward utiliza o conceito de
tclesis, o segundo agente da transformação social. Esclarece a
diferença e a relação entre genesis e tclesis: os grandes agentes
da sociedade são o dinâmico e o diretivo. As fôrças sociais

(agente dinâmico)
cânicas. são fôrças
São impulsos cegos. naturais
Isto é ecertoobedecem
mesmo a quanto
leis mea
fôrças espirituais. O agente diretivo (que aparece na tclesis)
é uma sensação, ou idéia indiferente. Não é uma fôrça, e tem,
ainda assim, grande influência. A mente é capaz dc formar
idci.vs de perfeição: ri*» a imaginação ciiadora. A mente não
pode fazer alguma coisa do nada. Mas com estes materiais
não somente pode reconstruir como construir. 27
A faculdade racional do homem também é acentuada:
“O agonie diretivo 6 uma causa final... Uma causa final
sempre está mais ou menos distante do fim... O fim c
visto (conhecido) pela mcuie. Sabe-se também que existe al-
guma propriedade ou força natural e compreendese... sua
ação sôbre as coisas materiais. (O corpo ajustase) para ser
movido, dc tal maneira que a fôrça natural conhecida o impe-
liu» até o fim pererbido.”29 Apesar do abuso da terminologia
filosófica, essa afirmação é uma formulação razoável, do senso
comum, da maneira pela qual as idéias (conhecimento) in-
fluenciam a atividade humana em sociedade. Tomasc, entre-
tanto, difícil ver dc que modo poderia Ward considerar gené-
ticos, c não teleológicos, princípios tais como inovações baseadas
cm invenção, conação ou esforço social. Devese esta conclusão,
provavelmente, cm parte à Psicologia deficiente do fizn do
século XIX, que tendia a dividir a mente em compartimentos.
Assim, as idéias, e entre elas os ideais de perfeição, tão impor-
tantes na telesis, não podiam ser postas a funcionar no mesmo
sistema que sentimentos e conaçõcs. Essa concepção compli-
cou desnecessàriamente c até enfraqueceu o sistema dc Ward.
Ward foi mais feliz, talvez, em expressão c classificação,
quando, cm Dynamic Sociology, distinguiu entre conação di-
reta e indireta. A conação direta rcfcrcse ao uso da fôrça mus-
cular do organismo; suas leis são idênticas às do movimento.
Quando é indireta interpostas barreiras são flanqueadas por
circunlóquios (à base de especulação). A conação direta é
estéril de resultados; a indireta, muito mais eficaz. Ward
acreditara que havia visível progresso, no setor da administra-
ção, dos métodos dc conação direta para os de indireta. A le-
gislação compulsória, expressão da fôrça governamental bruta,
tende a ccder o passo à legislação atraente, cm que sc prome-
tem recompensas à realização de atos que o Estado considera
benéficos. Dado que a conação indireta sc baseia no conheci-
mento, a educação tomaa mais fácil e mais freqüente. Portan

» Pig. 82.
* Pág. 467.

no
to — insiste Ward — a educação precisa ser universal e
compulsória.
Nessa discussão da tclesis, Ward aproximouse muito da
idéia de cultura coino objeto relevante do estudo sociológico.
Viu na Sociologia o estudo da realização social. Chamou de
civilização a soma total de realizações humanas à luz cumula-
tiva do conhecimento, rejeitando o termo cultura, que — acre-
ditava — envolvia as humanidades. Para êle, a realização im-
portava cm continuidade, dc modo que podia falar cm produ-
tos da realização, entre os quais citava os bens materiais, sis-
temas militares, sistemas políticos, sistemas legais, sistemas in-
dustriais e instituições. Aqui, embora cm forma rudimentar,
estão alguns dos traços básicos hoje chamados dc cultura. A
este ponto antecipou Ward um dos importantes de envolvi-
mentos da Sociologia do século XX, a saber, a ênfase atribuída
à cultura.

Ward cm retrospecto

As respostas dc Ward às perguntas fundamentais da teoria


sociológica podem ser brevemente resumidas:
Primeiro, nunca formulou uma definição de sociedade, apa-
rentemente considerando indubitável que todo mundo está de
acôrdo a esse respeito. Fez certo número de observações per-
tinentes à cultura, usando o termo civilização, que era para êle
as realizações cumulativas e duradouras da mente humana.
Seçundo, sua unidade para a análbc sociológica era a
fôrça social, que identificava com o sentimento como pro-
dutor dc fôrça motriz. Também destacava outra unidade,
o ato individual da imaginação criadora. Através de uma com-
binação de ação dinâmica, baseada no sentimento e na imagi*
nação criadora, as estruturas sociais surgem e se transformam.
Terceiro, para Ward, como para outros evolucionistas con-
seqüentes, o estado da sociedade em um dado momento e a
direção da transformação social eram determinados por seu es-
tágio dc evolução. Essa proposição, contudo, não é tão fir-
memente concebida nos trabalhos dc Ward quanto cm outros
sistemas sociológicos do tipo evolucionista, devido ao destaque
dado por êle à síntese criadora, poder primário de evolução,
e devido ainda à existência de fatores psíquicos de civilização
que caracterizam os últimos estágios da evolução cósmica.

111
Quarto, o problema üa relação entre personalidade, so-
ciedade p cultura não foi nunca explicitamente colocado por
Ward. O homem está imerso no processo genético, mas ao
mesmo tempo influencia êsse processo pela tclais. "O ambien-
te transforma o animal, enquanto o homem transforma o
ambiente." n
Quinto, a Sociologia, para Ward, c a ciência das ciências,
síntese ctiadora de tôdas as ciências. O difuso conteúdo de
seus tratados sociológicos está de acordo com êsse ponto de vista.
Qual o significado da Sociologia dc Ward cm perspectiva
histórica? O as
contribuições próprio Wardinovações:
seguintes considerava
a leicomo suas principais
de agregação, dis-
tinta da evolução; a teoria das fôrças sociais; o contraste entre
as fôrças sociais e a influência do meio; a superioridade da pro-
cesso teleológico sôbre o genético; a demonstração da necessida-
de dc igualdade de educação. À luz dc desenvolvimentos sub-
sequentes, podese esboçar uma lista diferente das conquistas
de Ward: a ênfase atribuída, nas relações interhumanas, es-
pecialmente na ação teleológica, ao elemento psíquico; o acento
sobre a realização humana como objeto adequado da Sociolo-
gia; a afirmação da possibilidade do progresso humano racio-
nal através do planejamento social e da educação; certo nú-
mero de sugestivas formulações relativas à Sociologia pura e
aplicada, a respeito das relações entre estática c dinâmica (es-
pecialmente as relações entre estrutura e função); a negativa
dc que a quantificação seja um requisito da ciência.
A teoria sociológica dc Ward era mais filosófica do que
empírica, chegando a compartilhar da crença, popular a seu
tempo, que via na evolução cósmica a lei suprema do viraser
social, e explicava os fenômenos sociais à base de uma teoria
sôbre a realidade total. Mas atenuou essa opinião dando des-
taque às características únicas da evolução social enraizadas
na faculdade racional do homem. Sua teoria das fflrças
sociais incorporou o ponto dc vista de que a Sociologia pode
desenvolverse partindo da concepção de uma interação me-
cânica de ações humanas causada pelo sentimento, posição
hoje inaceitável. A falha psicológica da época empanoulhe
as esclarecidas idéias uUsis. Revelouse com fre-
quência inconsistente e osatratados
mpritoque
daescreveu eram bem mal

* Pi*. 16.
organizados. Não obstante, devido ao discernimento e ao bri
lho que encerram, e à ampla erudição do seu autor, os volu
mes de Ward continuam mais legíveis quase do que qualquer
outra obra sociológica produzida no mesmo período.

Os conceitos básicos de Giddings

Franklin H. Giddings (18551931) nasceu em Sherman,


Connecticut. Embora estudasse Engenharia Mecânica em Union
College, começou a ganhar a vida como jornalista, ocupação
que lhe proporcionou muito discernimento ao encarar diferen-
tes situações sociais. Em 1888 foi nomeado instrutor (pro-
fessor posteriormente) dc Política do Bryn Mawr College. Seis
anos depois deixou o cargo a fim dc se tomar professor de So-
ciologia na Columbia University.
As contribuições sociológicas de Giddings são srcinària
mente duplas. Nas primeiras obras foi essencialmente evolu
cionistapsicológico. Sem abandonar o evolucionismo, desta-
cou nos últimos trabalhos o quantitativismo e o bchaviorismo.
Neste sentido, tornouse um dos fundadores da sua teoria ini-
cial, especialmente como está expressa na obraprima, Princi-
pies of Sociology (1896), e competentemente resumida e dc
certo modo modificada em Elements o/ Sociology (1898).
Como tantos
a doutrina cientistascomo
evolucionista sociais
umada verdade
época, aceitou
evidente Giddings
por si
mesma. Para êlc, como para Spencer e Ward, a evolução era
a lei suprema do viraser em todos os domínios da realidade.
Afirmou explicitamente, referindose aos First Principies dc
Spcnccr, que a evolução social é uma fase da evolução cósmica.
Conseqüentemente, acreditava desnecessário procurar um nôvo
principio de interpretação objetiva; a evolução através do equi-
líbrio da energia bastaria. O impacto dêsse ponto de vista
na obra de Giddings é pesado. Como Spencer, êle focaliza os
problemas da evolução social partindo da Biologia e da Etnolo-
gia e vê nestes setores evidência convincente sôbre os fatos
sociais.

Ward,Contràriamente a Spencer,
Giddings acreditava que entretanto,
a sociedadee éde essencialmente
acordo com
um fenômeno psíquico, embora o processo psíquico, por sua
vez, seja condicionado e limitado por um processo físico. Assim,
as leis sociais são, primeiro, leis de processo psíquico, mas, em
i
113
seguida, leis de limitação social por um processo físico. Esta
posição toma a Sociologia dc Giddings bastante complicada.
Êle é forçado a alternar continuamente er.tre as leis psíquicas
c as físicas c a explicar a ação recíproca que cxcrcem. Giddings
achava indubitável que as leis sociais existem e podem ser es-
tabelecidas com a mesma precisão das leis dos fenômenos
naturais.
Contudo, atribui destaque especial às leis dos processos
psíquicos básicos. Seguindo a trilha de Ward, acreditava que
a chave para a explicação dos fenômenos sociais deve encontrar
se nacaracterístico
cipio volição. Procurou ainda um
do indivíduo motivo como
consciente único um
ou ser
um social
prin-
e determinativo das relações sociais na medida em que são
volitivas. Semelhante princípio explicativo — asseverou —
não foi descoberto ainda. Avaliando livremente as contribui-
ções de seus grandes contemporâneos, Novicow, De Grecf, Tar-
de e Durkheim, afirmava que as explicações da sociedade por
cies formuladas eram ou muito amplas ou muito estreitas.
Desde que o contrato (acentuado por De Grecf] 30 e a aliança
(destacada por Novicow) são traços mais especiais da socieda-
de, e que a imitação (lei básica de Tarde) e a impressão (as-
sinalada por Durkheim) 31 são fenômenos mais gerais do que a
sociedade, é preciso encontrar ura principio intermediário. Êste
princípio é a consciência da espécie, expressão cunhada por
Giddings, embora rcconhecesse explicitamente que devia a res-
pectiva idéia a Adam Smith, que, em Theory of Moral Senti-
ments (1759), notara a importância da simpatia rcfletiva na
vida social.
A consciência da espécie — dc acôrdo com Giddings —
é um estado de consciência em que qualquer ser reconhece
outro ser consciente da mesma espécie. Pode ser um efeito
dc imitação ou imposição (constrangimento). Mas não é sim-
plesmente efeito; também inicia o contrato e a aliança, e igual
mente outros fenômenos sociais. Portanto, ela atende às exi
gências do conceito intermediário que Giddings buscava. Além
fln mais, preenche a função dc dclincamento da conduta social
de tipos similares de conduta, nomeadamente a política, a
econômica ou a religiosa.
30 Guillaume dc Grecf, sociólogo belga (18421924), autor de
Introduction to Sociology (1886).
» Ver caps. VII, VIII e IX.

114
A consciência da espécie é tun estado mental aprazfvd
que inclui a simpatia orgânica (subconsciente), a percepção
da semelhança, a simpatia refletiva, a afeição e o desejo de
reconhecimento. Unidas através da consciência da espécie —
anuncia Giddings — as mentes individuais atuam umas sôbre
as outras de tal modo que sentem simult&neamente as mesmas
emoções, chegam aos mesmos julgamentos e, às vêzes, agem
da mesma forma. A mente social é gerada por essa interação.
A mente social, para Giddings, não é uma simples abs-
tração ou ficção, mas algo concreto, embora existindo sòmente
nas mentes
certo ponto — individuais. A mente
é a atividade socialsimultânea
mental — assinala êle em
de dois ou
mais indivíduos em comunicação um com o outro, o concerto
de emoções, pensamento e vontade de dois ou mais indivíduos
comunicantcs.
Embora Giddings pareça ter sido Influenciado por Durk
heim (ver capítulo IX), não deu à mente social o lugar do-
minante que o mestre francês assegurava à mente coletiva.
Os fatos sociais relatados por Giddings sob êsse titulo são usu-
almente explicados hoje pela referência à cultura como um
sistema de maneiras padronizadas de pensar e agir, sem o
recurso ao conceito enganoso de mente social. A noção de
consciência da espécie, que estêve por muitos anos em voga, tam-
bém foi abandonada. Mas no trabalho teórico de Giddings
a consciência da espécie era o conceito central cm tômo do
qual devia ser construído o sistema da Sociologia, considerando
indubitável o postulado subjacente do evolucionkmo.

Sociologia: natureza e métodos


A Sociologia, para Giddings, não é uma ciência abstrata.
Desde que os primeiros princípios da evolução são concretos,
deve ser concreta a ciência que os formula. A Sociologia é
um balanço descritivo, histórico c explicativo da sociedade vista
como uma realidade concreta. Imanente a proposição,
há a crença dos evolucionistas de que o evolucionkmo é um
só para a humanidade. A Sociologia, portanto, é a descrição
dc umosprocesso
síveis único, irreversível, embora possivelmente rever-
seus elementos.
Definindo a Sociologia como uma ciência concreta, Gid-
dings seguia Spencer. Difere dêle, entretanto, ao estabelecer
a espécie de relação existente entre a Sociologia e as outras

J/ J
Ciências Sociais. A Sociologia, para Gkldings, é uma cicncia
,eral da classe total dos fenômenos sociais, estudando os atri-
butos comuns a lôdas as subclasses. (Esta, embora incompleta,
é uma notável antecipação da definição de Sorokin, citada no
princípio dêste livro.) Como ciência geral, a Sociologia é a
ciência dos elementos c primeiros princípios. Concepção —
devt o leitor rccordarsc — quase idêntica à de nossa formulação
inicial da própria teoria sociológica.
A definição foruial de biddings pouco esclarece o que
a ciência realmente faz. E é suplementada por outra: a
Sociologia é a interpretação dos fenômenos sociais em têrmos
de ação psíquica, ajustamento orgânico, seleção natural e con-
servação da energia. Dos quatro elementos aqui citados, sòmente
o primeiro sc relaciona ao processo psíquico — básico, de
acordo com Giddings, na vida social. Os três outros relacio-
namse ao processo físico limitador; dois (o segundo e o
terceiro) concebidos em têrmos de darwinismo social, enquanto
o último relembra os pontos de vista de Spencer, expressos
em First Principles.
Desde que a Sociologia é primariamente o estudo da
evolução da humanidade, das srcens até o presente estágio
civilizado, seu método principal é histórico ou retrospectivo.
Sério problema de método consiste cm como determinar aproxi-
madamente as características dos homens piimitivos. Proeza que
só sc pode realizar grosseiramente, pela suposição de um pa-
ralelismo entre os selvagens primitivos e os atuais. Diferente-
mente de muitos outros evolucionistas, entretanto, Giddings
compreendeu que o problema não era simples, desde que êle
reconhecia diferenças substanciais de condições e a possibilidade
de decadência. Portanto, a dedução, bem como a acurada aten-
ção dispensada às possibilidades psíquicas e à síntese psicoló-
gica devem suplementar o retrospecto histórico. Giddings re-
jeita expressamente um dos métodos utilizados por Spcncer, a
analogia orgânica.
Giddings interessavase caractcristicamente pela divisão in-
terna da Sociologia. Juntase a Ward na recusa a iden ti Tirar
a estática social com estrutura c a dinâmica social com o fun-
cionamento dosé outra
argumenta êle, agrupamentos
parte da humanos.
estática, a Êsse
que sefuncionamento,
poderia de-
nominar de cinética. A dinâmica prevalece apenas quando
a função se modifica ou a estrutura se transforma. Essas sá-
bias observações parecem endereçadas a certo número dc so*

116
ciólogos contemporâneos que usam a expressão análise estrutural-
funcional e se inclinam a identificar funcionamento com
dinâmica.

Estática c cinética

Como a maioria dos sociólogos evolucionistas, Giddings


falhou na elaboração dc uma teoria detalhada da estática.
Distinguiu, no entanto, entre composição social c constituição
social, de certo modo
Gemeinschaft und àGesellschaft
maneira de Ferdinand Toennies,
(ver capítulo em A com-
VIII).
posição social é o produto natural das atividades fisiológicas e
psicológicas dos indivíduos, suplementadas pela seleção natural.
Os agrupamentos surgem inconscientemente. Suas formas sc
estabelecem antes que a mente social comece a refletir sôhre
rias. A constituição social, por outro lado, é a organização
dos membros individuais da sociedade em associações especiali-
zadas para a consecução de vários fins sociais. Giddings não
elucidou bem a dicotomia. O agrupamento mais simples com-
preendido no conceito de composição social 6 a família. Atra-
vés de combinações dc famílias, surgem dois tipos mais amplos
de agrupamentos: um étnico (baseado em parentesco verdadei
it> ou suposto),
mótico, mantido como a horda, a habitual,
por intercâmbio tribo, um interêsses
povo; outro, de
mútuos
c cooperação, mais do que por parentesco. Entre os agrupa-
mentos deraóticos estão as vizinhanças, divisões locais como
municípios ou cidades, c estados. Mas o Estado também é
tratado por Giddings como uma das mais importantes mani-
festações da constituição social
A teoria de Giddings da estática abrange também as
divisões de classe dentro da sociedade. Contràriamente ao
ponto dc vista predominante ao tempo, acreditava que as
classes econômicas são divisões secundárias na sociedade, en-
quanto as classes (antes no sentido de categoria do que de
grupo sociais), baseadas nas diferenças físicas, mentais e morais
entre oshavia
opinião, indivíduos, são de primária
quatro verdadeiras importância.
classes na sociedade: Em sua
a social
(correspondendo à elite), a nãosocial (as massas), a pseudo
•social (os que dependem da assistência de outros) e a antisocial
(os criminosos).

/17
Os pontos dc vista dc Giddings sôbre a tradição completam
sua teoria da estática. Idcntiíicaa com a memória social ou
as idéias herdadas e explica o fenômeno como a ocupação
simultânea das mentes de muitos indivíduos por certas crenças,
preceitos, máximas c fatos dc conhecimento facilmente adqui-
rido pelas gerações precedentes. Como Ward, Giddings apro
ximavasc aqui do conceito atual dc cultura, sem usar o próprio
têrmo ou reconhecer claramente as peculiaridades da cultura.
No corpo inteiro da tradição vê ele três grande ordens: econô-
mica, baseada na utilização; jurídica, apoiada na tolerância; e
política, enraizada na aliança e na obediência. Há também
ordens secundárias: pessoal (crenças sôbre o corpo c a alma),
estética e religiosa; e ordens terciárias: teológica, metafísica c
científica (que evolveu depois dai outras duas).
Giddings tentou, sem grande sucesso, sistematizar o conhe-
cimento a respeito do que chamava cinética social. Como era
natural para um homem que vivia no clima intelectual do
darwinismo social, acreditava que o conflito é o modo universal
de ação. Mas o antagonismo é autolimitativo; os indivíduos,
em sua maioria, aproximamse excessivamente em fôrça para
que um possa esperar vencer o outro. O equilíbrio da fôrça,
não obstante, é experimentado de tempos a tempos. Mas o
teste, necessariamente, acaba em um equilíbrio de tolerância.
Assim, a tolerância e a justiça tem sua srcem na fôrça.

Dinâmica

Giddings desenvolveu mais completamente o aspecto dinâ-


mico de sua Sociologia, o estudo da genética social. Estudo
que exige o desenvolvimento de generalizações com relação aos
modos e aos mecanismos da evolução c a descrição do processo
concreto da evolução humana.
As condições da vida exteina — assinalou ele — resultam
na formação dc agregados sociais. Dentro do agregado aparece
a consciência da espécie, cm indivíduos semelhantes, e SC
desenvolve para a associação, que reage favoràvelmcntc sôbre
os prazeres
tomarem estese cônscios
as oportunidades
da reaçãodafavorável,
vida dosiniciase
indivíduos. Ao sc
o processo
volitivo. As escolhas individuais e sociais tomamse importantes.
Entre as diversas relações c atividades tentadas, algumas atraem
e são selecionadas. Mas aqui reaparece o processo físico. Dado

118
que as seleções podcm ser tolas e prejudiciais, ou sábias c bené-
ficas, muitas escolhas podcm não sobreviver na luta pela exis-
tência; a natureza rejeitará as prejudiciais, às vêzes através
da extinção dc uma sociedade. Êsses pontos de vista, novamente
reflexo do danvinismo social, são muito parecidos aos dc Sumner,
exceto cm que insiste Giddings na consciência e no caráter
volitivo das escolhas.
Dado que a seleção natural rejeita as escolhas prejudiciais,
a teoria da transformação social pode concentrarse nas escolhas
sábias. Temos então a lei do Giddings: uma comunidade
empenhase em aperfeiçoar seu tipo de acordo com a concepção
predominante de um bem ideal. (Em linguagem sociológica
moderna, isto significaria que todo grupo é influenciado, cm larga
escala, pelo ideal social que aceita.) Desenvolvendo a lei,
assinala seu autor que as bases das cscolhas sociais racionais
são valores sociais, que ele define como estimativas sociais dc
certas satisfações, relações, modos de atividade e formas de
organização social. O supremo objeto dos valores sociais é a
própria espécie. O fato de Giddings empregar a expressão
valôres sociais 6 digno de nota, pois a mesma não ganhara
ainda aceitação geral.
Como tem sido assinalado, as leis da escolha social, que
pertencem ao aspecto psíquico ou volitivo da sociedade, são
limitadas pelas leis físicas da seleção e sobrevivência natural.
A lei da seleção natural exprimese em têrmos da sobrevivência
do mais apto; a aptidão social identificase com a posse de
qualidades morais e intelectuais, incluindo simpatia e afeição.
A lei da sobrevivência toma a seguinte forma: sobreviverão
os valôres que se incorporam a um sistema de valôres que se
toma cada vez mais complexo e harmônico. Essa proposição
é a reformulação da concepção spenceriana de evolução, dado
o devido destaque aos processos volitivos, tão importantes na
teoria de Giddings.
Os trabalhos de Giddings sôbre o processo concreto da
evolução evocam os neologismos dc Ward. A sociedade, pr6
humana e humana — escreve êle —, passou por quatro está-
gios básicos: zoogenia, antropogenia, etnogenia c demogenia.
A associação zoogênica é um comercio social primitivo que de-
senvolveu as formas da vida animal; a associação antropoge
nica c o mtercurso mais variado que gerou a mente humana.
O intercurso organizado que cria um povo chamase associa-

119
ção ctnogfnica, enquanto a associação demogênica referese ao
intfrcuiso, variado e organizado, que desenvolve grandes povos
civilizados. A civilização, portanto, corresponde ao estágio de
inogênico da evolução humana. A base dc diversas escolhas,
três tipos de civilização surgem na experiência histórica: militar
religioso, libcrallcgal e cconômicoético. A civilização eco
nômicoética aparccc cm uma ou duas variedades: ou a in-
fatigável busca de fins materiais (caminho perigoso)^ ou a pre-
dominância social de objetivos morais e intelectuais ilustrada
pela democracia no início da colonização da América.

Segundo
gresso. Giddings, êle
Objetivamente, não aparece
se devena discutir o fato das
multiplicação do rela-
pro-
ções, no incremento do bemestar material, no crescimento da
população, na evolução da conduta racional. Subjetivamente,
podese percebêlo na expansão da vida moral e intelectual.
Êsse ponto de vista afinava com o clima intelectual do fim do
século XIX, quando a crença otimista no progresso era um
dogma raramente desafiado.
A sociologia genética de Giddings foi aqui condensada
em algumas proposições. Êle próprio, tentando uma reconsti-
tuição detalhada do passado social do homem, sobrepunha
conjetura a conjetura, tôdas plausíveis mas nenhuma capaz
dc prova ou de refutação. Responde mais à pergunta “Como
teria acontecido?” do que à pergunta "Que sabemos a respei-
to do que aconteceu ?**. Cumpre reconhecer, entretanto, que
esse desvio do cânonc da cicncia ainda não desapareceu inteira-
mente, mesmo nos diais atuais.

Giddings em retrospecto

Com referência aos problemas básicos esboçados no pri-


meiro capítulo, podese formular a Sociologia de Giddings, em
sua fase inicial (até mais ou menos a mudança do século),
da seguinte maneira:

pela Primeiro, sociedade


consciência é qualquer
da espécie. número de
A interação das homens
mentes unidos
assim
unidas produz a mente social, têrmo que significa aproxima-
damente cultura. Só incidentalmente, entretanto, se discute
esse conceito como tradição.

120
Segundo, na Sociologia dc Giddings, a unidade dc investi-
gação é o socius, ou o homem relacionado com outros homens
através da consciência da espécie.
Terceiro, o principal fator determinante do estado de uma
sociedade c da transformação na sociedade é psíquico; limitam
lhe o impacto, porém, as condições físicas da existência hu-
mana, especialmente através dos processos de seleção c sobre-
vivência.
Quarto, o problema das relações entre indivíduo e socie-
dade não está claramente colocado. O destaque atribuído ao
fator psíquico parece assegurar ao homem o papel de criar e
moldar a sociedade, embora com as limitações dos mencionados
processos biológicos.
Quinto, definese a Sociologia como a mais geral das
Ciências Sociais; não obstante, é uma ciência concreta, c não
abstrata. O método principal que utiliza 6 a reconstrução his-
tórica que nas mãos de Giddings é, francamente» um proces-
se de conjeturas. quase ilimitado, à base de pequeno conheci-
mento estabelecido, por um lado, e da psicologia do bomsenso,
por outro.
No desenvolvimento geral da teoria sociológica, Giddings
deve ser classificado como um dos cvoiucxonistas mais capazes
e brilhantes. Dado que sua teoria está profundamente entre-
laçada com o postulado da evolução, pouco lhe resta quando
se refuta esse postulado — o que é o caso, de acordo com
muitos estudiosos.
Não obstante, certas contribuições de Giddings perma-
necem. Primeiro, citese o destaque atribuído ao componente
psíquico da sociedade e da cultura, e a demonstração da impos-
sibilidade de alcançar a compreensão da sociedade humana e
suas realizações por analogia com sistemas mecânicos ou bio-
lógicos. A êsse respeito Giddings continuou uma corrente de
pensamento iniciada per Ward e desenvolvida, com autonomia,
por Tarde. Assim, podese rctraçar essa linha de avanço, que
irá culminar nos trabalhos de Charles H. Cooley, W. I. Tho-
mas e Talcott Parsons, entre outros, até Giddings, ao menos
em parte. Segundo,
Sociologia, para muitos êle aceitável,
conseguiu e uma sugestiva
ofereceu sadiosdefinição de
pontos de
vista sôbre a divisão da ciência cm estática e dinâmica. Ter-
ceiro, foi um dos primeiros sociólogos a acentuar a significação
dos valôres na vida social do homem.

121
CAPÍTULO VII

Outros Evolucionismos e o Organicismo

o darwinismo social c o evolucionismo psicológico forain


tendências de inspiração visivelmente spcnccriana, apesar das
muitas diferenças existentes entre as duas escolas e o evolu-
cionismo. Êste, porém, não brotou exclusivamente do cére-
bro de Spencer. Evolucionistas, à sua própria maneira, eram
Comte e Marx, bem como, em certa medida, muitos outros que
contribuíram para a nascente Sociologia. Com tais influên-
cias, não nos surpreende que emergissem, durante o segundo
período do crescimento da teoria sociológica, variedades adi-
cionais dc evolucionismo.

Loria: evolucionismo econômico

Numerosas obras, a mais importante das quais é A Ori-


gem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, dc
Engels (ver pág. 75), e numerosos autores, o mais represen-
tativo dos quais é o economista italiano Achillc Loria (1857
1943), representam o evolucionismo econômico. Em Funda-
mentos Econômicos da Sociedade (1886), Loria tenta este
belecer a tese de que a diminuição gradual de terra livre (ain-
da não apropriada) é, no desenvolvimento evolutivo social, o

efatorcompreensível
básico. Esperava
a força eleimanente
substituir por esse que,
e misteriosa fatornastangível
obras
dos marxistas, se supõe que impulsione para a frente a sociedade.
A tese dc Loria enraízasc na presunção dc que a história
antiga e medieval se repetiu na história das colônias, na Amé

122
rica. Em ambos os casos, enquanto a terra foi livre, não hou-
ve divisão da sociedade cm classes, nem fôrças restritivas como
a moral, a lei ou a religião. Com o início da apropriação da
terra, a escravidão tornouse a instituição dominante. O pró-
ximo estágio, determinado pelo avanço do mesmo processo
apropriativo, caracterizouo a organização compulsória do tra-
balho — a servidão nas áreas rurais, as guildas e corporações
na cidade. Apropriada tôda a terra, ou quase tôda, emergiu,
marcado pela instituição do trabalho livre, o capitalismo. Loria
reconhece as inúmeras diferenças existentes entre as xnentalida
des do mundo antigo e medieval e do mundo colonial. Argu-
menta, entretanto, que essas diferenças, não tendo afetado o
desenvolvimento social, mostram apenas a superficialidade da
influência do fator psicológico.
O volume de Loria contém muitas outras assertivas dis-
cutíveis. Em sua opinião, a obra de Dantc refletiu o estado
econômico e social das “velhas famílias” da burguesia floren
tina, a de Petrarca a das “novas famílias”, a dc Boccacio a
plebe. Os diversos estágios no desenvolvimento da religião,
da moral è da lei refletem diferentes estágios na apropriação
da terra. A religião e a moral funcionaram para manter sub-
jugados os escravos, suplementandoas o terrorismo nãoorgani
zado. A supressão dc servos e artesãos exigiu um sistema de
moral dupla: uma, a das classes oprimidas, exortando a supor-
tar a miséria e outros males da existência terrena; outra, a das
classes superiores, ensinando sòmentc a não ir muito longe a
fim de evitar uma revolta cm massa da plebe. O estágio do
capitalismo caracterizase por um mais completo desenvolvi-
mento da lei e do Estado, c pelo aparecimento de mau uma
fôrça cocrciva. a opinião pública.
A definição de Loria da Sociologia relacionase estrei-
tamente a êsses pontos de vista. A Sociologia é uma ciência
intermediária entre a Economia e as ciências da lei, da moral
e da política. Sua tarefa principal consiste em estabelecer
correlações entre as transformações havidas nas condições eco-
nômicas básicas e as alterações da moral, da lei e da política.
Ainda que essa concepção ajude a trazer ao debate intcrcone
xões existentes nos diferentes aspectos da sociedade freqüen-
temente negligenciadas ou obscuras — sempre uma tarefa
importante da Sociologia comctc, não obstante, o engano de
identificar fenômenos econômicos com as próprias relações so

123
ciais. Identificação infeliz que se encontra repclidamente nos
trabalho? dos evolucionistas econômicos.

Veblen: evolucionismo tecnológico

O evolucionismo tecnológico é uma modificação do evo-


lucionismo econômico e está mais bem representado na obra
de Thorstein Veblen (18571929). Êste, nascido em Wisconsin,
estudou nas universidades Johns Hopkins, Yale e Cornell, exer-

ceu diversas
publicou posições
o mais no ensino,
conhecido depoisembora
volume, de 1892, e em
apenas um 1899
dos
muitos que escreveu. The Theory of the Leisure Class. Seus
pontos de vista teóricos podem ser resumidamente apresentados.
As grandes agencias de hábito c disciplina mental na
vida humana são as diversas espécies de trabalho pelo qual
os homens vivem, e as técnicas associadas a esse trabalho. Vc
blen tenteu demonstrar que as relações sociais humanas c a
cultura eram, assim, moldadas pela tecnologia. O homem tem
certos instintos constantes, mas os hábitos a que esses instir.tos
dão srcem variam de acôrdo com as mutáveis oportunidades
dc expressão que o meio material prove. Em uma palavra,
o homem é o que faz.

A evolução
processo da sociedade,
de adaptação portanto,
mental, pelos é essencialmente
indivíduos, um
sob a pressão
dc circunstâncias que não mais toleram hábitos prèviamente
estabelecido». O reajustamento realizase lenta e relutantemente
sob a coe.rção de situações novas. A facilidade na adaptação
depende do grau cm que os membros individuais se encontram
expostos às fôrças coercitivas do meio. Qualquer classe da so-
ciedade que esteja resguardada da ação do meio adaptará
mais tardiamente seus pontos dc vista às transformações das
situações, tendendo assim a retardar a transformação total da
sociedade. A classe ociosa 6 apenas êsse segmento retardador
da ordein social.
Podesc encarar qualquer sociedade como uma máquina
industrial, cujos elementos estruturais são as instituições econô-
micas. Há uma estreita correspondência entre a cultura e a
tecnologia subjacente. A ordem feudal era um sistema de lôr
ça humana treinada e organizada em um plano de subordina-
ção de homem a homem. Na nova erdem da sociedade in

124
dustrial, assume a fôrça mecânica o lugar da fôrça humana.
A nova tecnologia destrói a velha organização da
A inegável influência de Veblen sôbre outros autores —
especialmente sociólogos, historiadores e economistas — persis-
tiu e continua ainda hoje. Contudo, seu evolucionismo tecno-
lógico tem influído menos do que sua descrição irônica e in-
cisiva do comportamento da elasse ociosa e da rivalidade que
ela desperta na restante maioria da socicdadc. Muitos estudio-
sos encontraram caminhos sugestivos na discussão sistemática
que Veblen faz de instituições econômicas do capitalismo, tais
como propriedade para renda,32 e sua insistência sôbre os con-
trastes básicos c o conflito existente entre as classes predató-
rias (negócios, capitais empatados, classes conservadoras) e as
indusiríosas (homem comum, classes trabalhadoras). Segundo
Veblen, essas divisões enraizamse nas condições tecnológicas.
Sua concepção da tecnologia na vanguarda c abrindo o cami-
nho do processo evolutivo encontrou expressão na noção de
culture lag,33 desenvolvida por William F. Ogburn (ver capí-
tulo XV) c popularizada por escritores como Harry Elmer
Barnes.

Costc: evolucionismo demográfico

1901)O nãoevolucionismo demográfico


é de inspiração marxista dec sim
Adolphe CostcDe(1842
comtiana. iní-
cio, Costc integrou um pequeno grupo de positivistas, discípu-
los declarados de Comte; depois, Loria e Durkheim o influen-
ciaram. Suas obras principais são Príncipes de Sociologie Ob-
jective (1899) c Expéricncc des Ptupies (1900).34
A tese principal de Coste é que sòmentc um fator deter-
mina a evolução da sociedade: a crescente densidade da po

33 N. do T. — No srcinal, absentee ownership. Instituto srci-


nário do Direito irlandês: a propriedade que produz rendas para um
proprietário nioprodutor, que vive fora dela ou do pais.
33 N. do T. — Cullurt Lag. Intraduzívél. Cf. Fernando de
Azevedo (op. ed. cit., pág. 69): .. o fenômeno a que Ogburn cha-
mou culture lag, e que consiste no atraio ou no hiato entre a civili-
zação material e a cultura mental, entre as transformações do modo
de pensar c not hábitos de conduta, que lio renovados em conseqüência".
94 O titulo completo é L‘Expéritnce des peuples et Us ptávisions

qu'ellt autorisê.

125
pulaçãoi refletida cm tipos dc aglomeração humana. Cinco es-
tágios consecutivos dc evolução apresenta cie: o burgo, a ci
dade, a metrópole, a cidadccapital c a capjtal de uma fede-
ração. A cada um desses estágios na evolução demográfica da
humanidade correspondem estágios definidos no desenvolvimen-
to da administração, da produção econômica, da propriedade
e vários tipos dc associações humauas.
Costc compreendeu, porém, que sua teoria não explicava
tudo. Assim, tomou a ousada decisão científica dc isolar dos
fenômenos sociais os tipos gcnèticamentc inexplicáveis: a reli-
gião, a filosofia, a literatura c as artes. Setores esses insuscetí-
veis de análúc sociológica, deveria estudálos a ciência ainda
embrionária da Ideologia. A Sociologia e a Ideologia — ra-
cionava Costc — investigam duas classes distintas dc fenôme-
nos. Por um lado, as descobertas no reino do pensamento abs-
trato e os atos criadores nas artes ocorrem quase ao acaso; por
outro lado, a organização social desenvolvese independente-
mente dessas descobertas c dêases atos criadores.
Têm os críticos de Costc frequentemente demonstrado
que a independência das duas regiões é apenas relativa, não
absoluta. Não obstante, cie trouxe para a Sociologia uma
idéia que mais tarde seria explorada por Alfred Weber e Robert
M.
míniosMacIver, entre outros,
da civilização e da que distinguem
cultura entre diferentes
e postulam os dois prin-
do-
cípios para explicar seu desenvolvimento (ver capítulos XX e
XXI).

Kidd: evolucionismu religioso

Enquanto Costc considerava a religião e, em geral, tôdas


as atividades estéticas e intelectuais da humanidade indepen-
dentes do processo evolutivo, o filósofo social inglês Benjamin
Kidd (18581916) asseverava que a religião é a mola mestra
da evolução. Naturalmente, não foi o primeiro a afirmar a
tese de
citar um que a religião
apenas, é ohistoriador
o grande fator fundamental da História.
francês Fustel Paia
dc Coulan
ges (18301889), autor da clássica obra A Cidade Antiga
(1864), entendia que as idéias, e acima de tudo as idéias reli-
giosas, eram a mola principal da transformação social. Kidd,
entretanto, combina o destaque atribuído ao fator religioso
com a doutrina evolutiva. E, em Social Evolution (1894),
declara, em evidente oposição a Comte, que a razão não pode
ser a causa básica do progresso, pois toma o homem individua-
lista e antisocial, ao passo que a evolução tem sido primaria-
mente social, incrementando a coesão social. A única fôrça
que efetivamente conta para o progresso é a religião, dotada de
sanções sobrenaturais e uma consoladora moral altruísta. A re-
ligião é que une as gerações, mantém juntas as sociedades e sal-
va civilizações ameaçadas dc graves perigos. Foi o que impediu
a completa desintegração social nos primeiros séculos do cris-
tianismo; foi cm base religiosa que se construiu a grandeza

final da Idade que


protestantismo, Média; foi aainda
trouxe a religião,
liberdade sob a eforma
econômica do
política.
Somente ela permitirá o progresso social ulterior. O destaque
da religião como fator básico do progresso é o tema dc alguns
autores, em todos os tempos, hoje ilustrado, por exemplo, pelas
obras de Toynbee (ver capítulo XX).

Novicow

JÈste rápido exame do evolucionismo do fim do século


XIX conclui com as opiniões de Jacques Novicow (1849
1912),35 de ancestrais russos, mas que passou a maior parte
da vida na França c escreveu principalmente em francês. A
teoria
As queEntre
Lutas formulou está exposta,
as Sociedades Humanascom grande
e Suas Fasesprecisão, em
Necessárias
(1893), respeitável obra evolucionista. Novicow concordava
com os darwinistas sociais em que a luta pela existência é o
mecanismo central da evolução; mas, contràriamente aos pontos
de vista dêles, acreditava que o próprio mecanismo está sujei-
to a transformações. Nessas transformações observava quatro
estágios necessários (necessidade, aliás, destacada no título da
principal obra que escreveu). Primeiro, a luta humana foi
principalmente fisiológica, resultando no extermínio do inimigo.
Tomouse primàriamente econômica no segundo estágio, em-
bora permanecendo combinada com muitas fases da coação fí-
sica. No terceiro estágio, tomou um caráter predominantemente
político: é seu objetivo a dominação política, dentro dos Es

** Em certa medida, Novicow também pode ser corai


membro da escola organicista, mas suai contribuições par» es» escola
>io de menor importância.
127
lados c entre os Estados. O conflito dc natureza intelectual
marca o quailo estágio, assumindo às vezes a forma dc guer-
ras religiosas ou de atividade revolucionária, mas continuando
essencialmente uma luta pelo predomínio das idéias. Tinha No
vicow a firme convicção de que as formas mais cruas dc con-
flito social desaparecem gradualmente e que, no balanço fi-
nal, restará somente a concorrência intelectual. Isso — argu-
mentava — resultaria no aumento da justiça c da simpatia e no
decréscimo do ódio. O esquema representa claramente mais
unia tecria da evolução unilinear para o progresso. Novicow
expressou mesmo a opinião, algo spenceriana, de que as quatro
fases de evolução social apenas continuam a linha dos con-
flitos químicos, astronômicos c biológicos.
Em contraste com a maioria dos autores considerados nes-
te capítulo, Novicow definiu a sociedade e a Sociologia. Con-
cebeu a sociedade como certo número de indivíduos entre os
quais se estabeleceram relações vitais e que tem consciência de
sua solidariedade recíproca. Ao tempo em que expressou este
ponto dc vista, era absolutamente rara a afirmação da solida-
riedade social. As formulações de Comte estavam quase es-
quecidas e a Divisão do Trabalho na Sociedade, de Durkheim,
apareceu simultaneamente com o livro de Novicow. Novicow
definiu a Sociologia como a ciência geral da sociedade, de
que as Ciências Sociais concrctas formam partes ou capítulos.
Com leves alterações, era o restabelecimento da afirmação ori-
ginal de Comte, de que a Sociologia absorveria as Ciências So-
ciais concrctas.

Versões do organicismo

Ao passo que as teorias evolucionistas acima examinadas


eram principalmente nãospencerianas, havia um grupo de teo-
rias organicistas spencerianas, embora nãoevolucionistas. Os
autores dessa escola inspiravamse na analogia entre a sociedade
e um organismo — o segundo postulado do sistema de Spencer.
Paul Lilienfcld (18291903) era cidadão russo de ascen-
dência alemã. Durante dezessete anos governou a província
dc Courland (hoje parte da Letônia) c no fim da vida foi mem-
bro do Senado russo e alto funcionário do Govêmo. Em 1897
presidiu o Instituto Internacional de Sociologia. Sua obra, em

12Q
dnco volume*, intitulase Idfías Sôbre as CUncias Sociais do
Futuro (187381).
Lilienfeld assevera que a sociedade humana, como um or
ganismo natural, é um ser real. A sociedade não passa de
uma continuação da natureza, continuação mais alta das mes-
mas fôrças que se encontram na base de todos os fenômenos
naturais, o mais alto e mais desenvolvido de todos os organismos.
Embora reconhecendo que também há diferenças significati-
vas entre os organismos e as sociedades Lilienfeld traça uma
série de analogias detalhadas. As células de um organismo cor-
respondem
voluntários, aos indivíduos
os órgãos na socicdadc,mais
às organizações os complexas,
tecidos aosa grupos
subs-
tância in tercei ular ao melo físico — incluindo os fios telegrá-
ficos! As atividades econômicas, jurídicas e políticas são para-
lelas aos aspectos fisiológicos, morfológicos e unitários de um
organismo. A mercadoria em trânsito é equivalente à comida
nãoassimilada. As raças conquistadoras são masculinas, as con-
quistadas femininas; a luta entre elas equiparase à do esper-
matozóide em tômo do óvulo. As pessoas que vão de uma so-
ciedade a outra são análogas aos leucócitos.
Essas analogias sc tomam identidades, na teoria de Lilicn
fold. Em socicdadc, afirma êle, encontramse exatamente as
mesmas estruturas, órgãos e funções que em quaisquer outros
organismos.
logia não podePortanto, chegase
ser feita senão à Biologia.
à base da conclusão de que a Socio-
Teoria orgânica muito mais moderada foi a desenvolvida
por Albert G. Schâffle (18311903). Nascido em Nürtingen,
sudoeste da Alemanha, Schâffle estudou Teologia na Univer-
sidade de Tübingen. Lecionou Economia, em Tübingen mesmo
(1860) e em Viema (1868), onde permaneceu três anos. Depois
de uma breve incursão na política austríaca, foi para Stuttgart,
e aí devotou o resto da vida a estudar e escrever. Suas obras
principais, no campo da Sociologia, são Estrutura c Vida do
Corpo Social (187578), em quatro volumes, e Resumo de So-
ciologia (póstuma, 1906).
Schâffle reconheciase substancialmente influenciado por
Comte, Spencer e Lilienfeld, Embora concordasse com Spencer
em que a sociedade não é, verdadeiramente, um organismo,
partiu com freqüência, como Spcncer, da analogia para a iden-
tificação. Afirmava que a estrutura, a vida e a organização
dos corpos sociais (um de seus termos favoritos) se assemelham
bastante às dos corpos orgânicos. Embora atribuísse à analogia
orgânica alto valor heurístico, reconhecia que os corpos orgânico
e social não são idênticos. O corpo social, para êle, era uma
individualidade viva de natureza mais alta, o último c mais
complexo equilíbrio de forças em nosso planeta.
A obra de Scháffle, especialmente a primeira edição de
Estrutura c Vida do Corpo Social, apesar de suas afirmativas
moderadas, encerra muitas analogias discutíveis: os prédios c
as estradas são o esqueleto do corpo social; os gêneros armaze-
nados, a substância intercelular; a economia é a nutrição; a
troca dc pessoas e gêneros, a locomoção; o equipamento técnico,
o sistema muscular; os símbolos c as comunicações, o funcio-
namento do sistema nervoso; a mineração, a colonização e a
propaganda correspondem à autoafirmação e ao crescimento
do organismo.
Se Schãffle apenas apresentasse essas analogias, seu tra-
balho não mereceria nossa consideração. Mas cie tinha muito
mais a dizer. Sob a máscara falaciosa do organicismo, ajudou
a iniciar a análise da sociedade cm têrmos dc um sistema. A
Sociologia, declara êle, só pode produzir resultados valiosos sc
conceber a totalidade dos fenômenos sociais como um todo or-
gânico. Substituase “todo orgânico*' por “sistema” e o resul-
tado será uma proposição importante e comumente aceita na
Sociologia dc hoje.
De acôrdo com essa idéia básica, Schãffle dedicou seus
estudos ao todo social mais desenvolvido, os povos (os grupos
étnicos, cm terminologia moderna) e respectivas comunidades.
Um povo, para êle, c uma duradoura massa de pessoas, mental-
mente ligadas umas às outras, estabelecidas num território defi-
nido, e capazes de desenvolver uma cultura. Incluiu no conceito
de sociedade as posses materiais de um povo, ponto de vista
que, provàvelmente, reflete uma preocupação com a ciência
econômica. A soma total dê&ses povos, que se relacionam pela
comunicação c pelo contato, embora refletindo individualmente
diferentes níveis de evolução e crescimento, e possuindo peculiari-
dades geográficas c etnográficas, é a sociedade, para Schãffle.
Schãffle interessavase vivamente pelo problema do mé-
todo sociológico apropriado de investigação, que se deve basear
na experiência externa e interna (introspecção). A tarefa da
Sociologia consiitc cm formular relações causais na vida social,
empMcamente cognoscíveis. A principal dificuldade para o

130
cumprimento dessa tarefa está na interferência de atos arbi-
trários dos indivíduos. Mas cada ação proposital, declara êle,
é causalmcnte determinada, os motivos individuais representan-
do parte da causa. A liberdade não devia ser concebida como
um comportamento ao acaso, mas antes como liberdade de
autoexpressão. Esta é a maneira pela qual os historiadores
explicam os problemas que estudam e os casos históricos cons-
tituiriam o ponto dc partida das induções sociológicas. À base
de um número suficiente dc induções, tomase possível a de-
dução. Neste caminho, podese encontrar uma lei genética
unitária explicando o surgimento de uma civilização mais alta,
lei que o próprio Schãffle nunca formulou, aceitando, porém,
implicitamente, uma versão modificada do evolucionismo, ao
accntuar a evolução natural à maneira de Spcnccr.
Outro membro da escola organicista foi Alfred Fouillée
(18381912), francês autodidata que jamais cursou uma uni-
versidade, durante muitos anos professor de escolas superiores
provinciais e por três anos professor na Êcole Normale Supé
rieure de Paris. Sua fama decorre de uma série de volumes
em que expõe a idéia da sociedade como um organismo, con-
quanto de um tipo especial, dado que é contratual. As obras
principais que escreveu incluem Ciência Social Contemporânea
(1880), A Evolução das IdéiasFôrças (1890) e A Psicologia
das IdéiasFôrças (1893).
A teoria
controu similaridades entre éasdefinitivamente
de Fouillée sociedades e organicista. Êle en-
os organismos, In-
timamente parecidas com as que Spencer acentuou. Mas
Fouillée sublinhou uma diferença básica: a unidade de uma
sociedade depende fundamentalmente da vontade dos indi-
víduos que a compõem de partilhar as necessidades coletivas.
Não pode haver sociedade sem o acôrdo intimo entre seus
membros, sem a representação do todo a que os indivíduos
pertencem. Existe um contrato implícito entre os membros
de uma sociedade, e êste contrato se manifesta na conduta
humana.
A representação do todo é uma idéiafôrça fundamental.
As idéiasfôrças são engendradas pela sociedade, não há dú-
vida, mas locaÜ7amse nos indivíduos. E têm sua própria he-
reditariedade intelectual; por outras palavras, desenvolvemse
de acôrdo com leis imanentes. Em compensação, entretanto,
influenciam a sociedade em que foram engendradas, processo
especialmente aparente na educação.

131
O organismo aparece moderadamente na obra dc Fouillcc.
O trabalho teórico de seu compatriota René Worms (1869
1920), entretanto, adota sua mais extrema forma. No volu-
me Organisme et Sociiti (1896), Worms concebe a sociedade
como um agregado permanente de seres vivos, exercendo todas
as atividades em comum. Arrola quatro similaridades existentes
entre sociedades e organismos: as estruturas externas são va-
riáveis no tempo e irregulares na forma; as estruturas internas
sofrem transformação constante através do processo de as
símilaçãodesintegração; existe uma diferenciação coordenada
entre as partes; organismos c sociedades se reproduzem. Dado
que a analogia orgânica é profunda e estreita, os conceitos so-
ciológicos deveriam desenvolverse sob os mesmos títulos que
os biológicos. Não obstante, cumpre reconhecer que a socie-
dade não é somente plástica, que está mais apta a substituir
seus membros do que o organismo, mas que também é mais
complexa — na realidade, um superorganismo. Essas diferen-
ças, todavia, não são suficientemente importantes para forçar
o abandono da análise social na eslrutuia do organicismo.
Worms alterou seu ponto dc vista na sétima edição (1920)
da obra: “O estudo, a experiência c a reflexão ensinaramnos
a abrandar o apoio que inicialmente demos à analogia orga
niclsta.” As socicdadcs comcçam a existir no mesmo nível que
os organismos e funcionam inicialmente de acôrdo com as
mesmas leis. Mas depois avançam de uma forma humana tí-
pica em direção a um ideal construído pela mente (justiça,
liberdade, esclarecimento). Nesse processo emergem a igual-
dade e a solidariedade contratuais.

Res\smo

As doutrinas examinadas neste capítulo não são teorias


sociológicas acabadas. As do primeiro grupo, representando
ramos diversos do evolucionismo, constituíram fundamental-
mente esforços para responder apenas a uma pergunta: qual o
determinante da transformação social? As diversas respostas
mostraramse visivelmente inconsistentes entre si. Mas todos
os autores desse grupo concordaram cm que há uma causa
básica do desenvolvimento evolutivo a que se podem reduzir
outros determinantes alegados. A teoria de Novicow foi de cer-
to modo menos monística do que as demais.

132
0 segundo grupo de teorias, versões diversas do orga
nicismo, representa principalmente tentativas de responder a
outra pergunta: o que é a sociedade? A resposta de que a
sociedade é um organismo confunde claramente analogia com
identidade. Os pontos de vista de Lilienfeld e Worms repre-
sentam a posição mais radical, enquanto os de Scháffle e Fouillée
indicam a consciência das sérias dificuldades da analogia e
importantes diferenças entre a vida social e a orgânica, que
tentam explicar. As idéias de Fouillée revclamse mais ori-
ginais do que as de Scháffle; o último, porém, aproximouse
mais de uma teoria sistemática da sociedade, do tipo hoje
corrente.
Atualmente, exceto para o ramo econômico, está morto
o evolucionismo na forma do século XIX. Dado, entretanto,
que sua morte ocorreu no período seguinte do desenvolvimento
da teoria sociológica, a discussão das causas e circunstâncias
dêsse óbito será transferida à próxima parte do presente volume.
O tôsco organicismo declinou antes do evolucionismo —
os próprios Scháffle c Worms atenuaram substancialmente seus
pontos de vista orgânicos, nos últimos anos dc vida. A morte
dêsse approach também foi completa em quase todos os cír-
culos sociológicos, embora persista êle ainda nos trabalhos dc
Oswald Spengler e outros, no século XX. De uma forma in-

teiramente teoria
moderna nova funcional
e acorde (veraos cânones
capítulo da ciência
XVII) empírica,
utiliza a ana-a
logia orgânica, sem todavia apoiarse inteiramente nela.
£ste capítulo, portanto, lidou com dois becos sem saída.
Na história das idéias muitas têm acabado assim. Ê preciso
conhecer as principais a fiin de evitar erros já corrigidos.

133
Primórdios da Sociologia Analítica

Ao mesmo tempo que o evolucionismo floresceu, surgiu um


novo approach analítico da Sociologia. No último quartel do
scculo XIX, quatro homens trouxeram relevantes contribuições
neste sentido. Um dêles. Durkheim, revelouse também um
franco evolucionista, c, portanto, seus pontos de vista devem
ser tratados separadamente (ver capítulo IX). Os três outros
pioneiros da Sociologia analítica foram Ferdinand Toennies,
Georg Siromel e Gabriel Tarde.

Toennies

Ferdinand Toennies (18551936) nasceu cm Schleswig,


província do extremo norte da Alemanha, e passou tôda | a
vida acadêmica na Universidade de Kiel, da mesma província.
Além de relevantes contribuições à teoria sociológica, realizou
certo número dc excelentes estudos dc campo e escreveu bri-
lhantes relatórios sôbre os mesmos. (A esse respeito, sugeriu
que se chamasse a Sociologia Descritiva de Sodqgrafia; embora
o têrmo não conseguisse'aceitação comum, é hoje amplamente
usado para designar urn tipo especial, quantitativo, de estudo.)
Sua primeira obra, c a mais importante, é Gemeinschaft
und Gesellschaft, srcinal men te publicada cm 1887 e sub-
seqüentemente cm sei» outras edições, acontecimento raro para
um volume dc teoria sociológica. Encontrase nela a principal
contribuição que êle prestou & teoria. Os volumes posteriores
que escreveu (o último. Introdução à Sociologia, apareceu no

134
ano dc sua morte) contêm mintas idéias excelentes, mas ne-
nhum cxcrceu a influência de Gemcinschaft und Geseüschêft
(Uma tradução inglesa deste livro foi publicada em 1940, nb
o titulo Fundamental Concepts of Sociology: a tradução incluiu
alguns ensaios dc obrai ultcriores de Toennies.) Como inúme-
ros tratados teóricos de autores alemães, Gemcinschaft und
GeseUschaft parece desncccssàrianicntc complicado. As idéias
básicas ai contidas, entretanto, podem ser prontamente resumidas.
Tôdas as relações sociais são criações da vontade huma-
na, de que há dois tipos. O primeiro é a vontade essencial: a
tendência humana.
atividade básica, instintiva,
O segundoorgânica, quo dirige,
é a vontade por a trás,
arbitrária: formaa
deliberada, proposital, de volição, que determina a atividade
humana cm relação ao futuro. A vonlndc essencial — acentua
Toennics — domina a vida dos camponeses, artesãos, pessoas
comuns, enquanto a vontade arbitrária caracteriza as atividades
dos homens de negócios, cientistas, pessoas de autoridade e
membros das classes superiores. As mulheres e as pessoas jo-
vens inclinamse por exibir a vontade essencial; os homens e
as pessoas idosas, a arbitrária.
£sses dois modos de vontade explicam a existência de
dois tipos básicos de grupos sociais. Um grupo social pode
vir a scr porque a simpatia entre os membros que o compõem
os faz sentirem que suas relações são um valor em si. Por ou-
tro lado, um grupo social pode surgir como um instrumento
para atingir determinado fim. Ao primeiro tipo de grupo,
expressão da vontade essencial, chamouo Toennics de Gmãns
chaft, e ao grupo arbitrário, GeseUschaft. Nesta distinção en
contrarscá um desenvolvimento do contraste entre uníSp e
combinação social de Comte. (Em terminologia corrente, o
conceito de Gemcinschaft aproximase ao de comunidade ou
grupo comunal, e GeseUschaft referese a associação ou socie-
dade associativa.) Em sua obra principal, Toennies estuda
os seguintes exemplos de Gemeinseherft: família, vizinhança (no
campo ou na cidade) e grupo de amigos; os dois casos maio-
res de GeseUschaft que analisou foram a cidade e o Estada
Para Toennies, os conceitos de Gemcinschaft e Gtsetts

chaft não se aos


mas também referem apenas
estágios aos tipos
genéticos do de agrupamento
crescimento. humano,
GeseUschaft
aparece com a separação de pessoas e serviços da estrutura de
Gemeinsehaft, especialmente quando bens e serviços chegam
a scr comprados e vendidos no mcrcado livre. Dado que Toen

135
nies exprimiu claramente preferência pelos valores associados
com o tipo Gcmeinschaft, alguns autores36 interpretaram como
uma teoria de retrogradação os seus pontos de vista sôbre o
progresso histórico. Negou Toennics tal atitude; as pessoas,
disse cie, morrem de velhas, mas nenhum médico chegaria a
condenar a velhice. Em suas últimas obras, reconheceu a pos-
sibilidade de inverter essa tendência (possibilidade tentada, cm
certo sentido, pelo nacionalsocialismo de Hitler), mas não
pelos métodos superficiais da oratória e romantização do passado.
Dado que Gcmeinschaft e Gesellschaft correspondem a ti-
pos dc vontade, Toennies trata as relações sociais como mani-
festações dos mesmos. As vontades humanas podem entrar
em inúmeras relações, acentuando a preservação ou a destrui-
ção da ordem social; mas somente a primeira, que c uma
relação de afirmação recíproca, devia ser estudada pelos soció-
logos. A própria afirmação recíproca varia de intensidade.
Assim, existe um estado social quando duas pesoas querem
estar cm relação definida; relação, aliás, comumente reconhe-
cida pelos outros. Quando um estado social se estabelece en-
tre mais de duas pessoas, há um circulo. Se, entretanto, os
indivíduos são considcrados como formadores de uma unidade
devido a traços físicos ou naturais comuns, constituem eles um
coletivo. Finalmente, se há uma organização, atribuindo fun-
ções especificas a pessoas determinadas, o corpo social se toma

uma
ções corporação. De basearse
sociais podem acordo com Toennies,essencial
na vontade todas essas
ou naforma-
von-
tade arbitrária. Contudo, é difícil conceber de que maneira
um coletivo seria uma Gesellschaft, ou uma corporação uma
Gemeinschaft.
Toennies também apresentou uma classificação srcinal de
normas sociais que, embora hoje invalidada, contém certo nú-
mero de importantes esclarecimentos. A lei sustenta êle
— consiste naquelas normas sociais que, de acordo com seu
significado, devem ser aplicadas pelos tribunais. As normas
morais são as que, de acôrdo com seu significado, devem
ser aplicadas por um juiz ideal (pessoal, divino ou abstrato).
A concórdia consiste nas regulações que se estribam nas rela-
ções do tipo Gemeinschaft e que se consideram naturais ou
necessárias. Os mores (Sitlen) são normas enraizadas nos cos-

3» Especialmente H. Hõffding, filósofo dinamarquês, e Von Wiese


(ver cap. XXI). ^ ' §g|B|

136
tumes enquanto as convenções se baseiam no asKntimento, ex-
plicito ou implícito, que, por sua vez, se funda nos anseios
comuns para os quais as normas são consideradas meios ade-
quados. Essa classificação de normas sociais está bem clara-
mente ligada à distinção fundamental de Toennies entre os
tipos de grupo social. A lei e a convenção são características
de associações, a moral e a concórdia dc comunidades, c os
morej presumivelmente penetram ambos os tipos.
A principal contribuição dc Toennies à Sociologia foi a
introdução de uma sugestiva tipologia de grupos socias e mes-

mo de tipos ede Gesellschaft


Gemeinschaft sociedade. Com modificações,
é similar, a distinção
em certos aspectos,entre
is
dicotomias subseqüentemente desenvolvidas por alguns auto-
res, como, por exemplo, o status e o contrato de Henry Maine,
e a solidariedade social mecânica e orgânica de Durkheim (ver
capitulo IX). Embora a dicotomia talvez seja uma supersim
plificação das grandes variações que caracterizam a vida cm
grupo do homem, a formulação do Toennies ainda é usada
na análise sociológica.

Simmel

Geoig Simmel (18381918) era alemão de srcem judaica.


Estudoucomo
anos Filosofia na Universidade
Privatdozent , na de Berlim,universidade,
mesma passou muitos e concluiu
sua carreira como professor da Universidade de Estrasburgo
Alcançou fama entre os sociólogos através de uma série de
brilhantes artigos publicados na década de 1890, embora sua
Sozwlogie, coletânea dos mesmos artigos, só aparecesse em 1908.
O que é a sociedade? A resposta de Simmel a esta per-
gunta fundamental aponta seu papel de inovador de idéias
e caminhos teóricos. A sociedade — acentuava — não pode
ser entendida como uma entidade piiquica independente da
mente individual; este ponto de vista representa uma espé-
cie de misticismo ou conceptualismo que atribui realidade a
meros conceitos. Mas é igualmente incorreta acreditar que
sòmente os indivíduos existem realmente. Nem é verdade que
só ac ‘pode identificar a realidade com as menores unidades
de que os todos são compostos. E a realidade não se encon-
tra^ na matéria apenas, c sim, também, no que dá forma à ma-
téria, A sociedade, portanto, é muito mais do que os indiví

IS7
duos que a compõem; efetivamente, o verdadeiro significado
da sociedade revelase no seu contraste com a soma dos indi-
víduos. A sociedade (ou o grupo, Simmel não distinguiu cla-
ramente entre os dois conceitos) e uma unidade objetiva ex-
pressa nas relações reciprocas entre os elementos humanos que
a integram.
A reciprocidade entre os homens surge ou dc impulsos es-
pecíficos (que podem ser, por exemplo, eróticos, religiosos ou
associativos) ou de propósitos humanos especiais, como a de-
fesa ou o jôgo. As Ciências Sociais, argumentava Simmel,
só chegaram a estudar uns poucos tipos de relações recíprocas,
principalmente econômicas c políticas; todavia, há efetivamente
inúmeras variedades de relações interativas37 incluindo fenô-
menos quotidianos como olharemse uns aos outros, jantarem
juntos, a troca de cartas, ajudaremse mutuamente c sentirem
se gratos pela ajuda. A sociedade, então, referese aos indiví-
duos em suas múltiplas relações recíprocas; sua compreensão
exige a análise dc interação psíquica.
Muitas relações recíprocas podem não persistir no tempo,
enquanto outras se cristalizam como situações definidas, con-
sistentes: o Estado, a igreja, ou mesmo um bando de cons-
piradores, uma escola, uma associação econômica. Aqui, e
em outros lugares, Simmel ostenta um dom incomum para
manter juntos exemplos aparentemente tão díspares que poucas
inteligências teriam apreendido os traços comuns que lhe ser-
viram de base para a abstração teórica.
Simmel preocupouse grandemente com o ccnceito mesmo
da Sociologia. Nunca escreveu um tratado sistemático sôbre
a Sociologia, entendendo que esse esforço seria prematuro.
A nova disciplina — sustentava — estava na posição infeliz
de estabelecer por meio de fatos seu direito de existir. Mas —
acrescentava — a mente humana tende a criar superestrutu
ras sôbre fundações ainda inseguras. Com esta desculpa, pôs
de lado a tarefa dc definir a nova ciência.
As primeiras tentativas dc criar uma Sociologia indepen-
dente — proclamava Simmel — falharam porque seus auto-
res não estabeleceram nenhum assunto não tratado ainda pe-
las Ciências Sociais existentes. Enganosa afirmação, pois, como

87 N. do T. — De interação, no sentido especial já apontado


em nota anterior (nota 22, pág. 111).

138
clc próprio assinalou, há inúmeros tipos dc relações socíaíi
que não são estudados pelas disciplinas sociais concretas. Mas
essa inconsistência tem resultados compensadores: encorajou
Simmcl a chegar a um ponto de vista nôvo sôbre o material
apropriado à análise sociológica.
Para ser uma ciência — propôs Simmcl — a Sociologia
precisa ter um objeto bem definido que se deve estudar por
métodos científicos. Cada ciência se define por um conceito
abstrato central; a diversidade dêsses conceitos permite a di-
ferenciação das ciências e a divisão de trabalho entre elas.
Sôbre essas bases conceptuais constroemse a ciência política,
a Economia e as ciências dos vários aspectos da cultura. Não
há — sustentava êle — uma única ciência social com muitas
subdivisões, mas uma série dc ciências distintas. Coerente-
mente, rejeitava a pretensão dc muitos contemporâneos de
que a Sociologia deve ser uma espécie de supercicneia.
O conceito definidor central da Sociologia era a forma da
sociedade. Por forma entendia Simmel aquele elemento da
vida social que é relativamente estável, padronizado, tão dis-
tinto do conteúdo, qtie é visivelmente variável. A análise abs-
trata das formas sociais consiste em um empreendimento le-
gítimo porque exige o estudo da verdadeira estrutura da so-
ciedade. Formas similares de organização existem com con-
teúdos completamente distintos orientados para interesses di-
versificados, enquanto interesses (conteúdos) sociais semelhan-
tes são encontrados cm formas absolutamente dessemelhantes
de organização social. Formas como as relações de superio
ridadeinferioridade, a concorrência, a divisão do trabalho e
a formação de partidos, são semelhantes apesar de infinitas
variações de conteúdo. Para qualquer uma dessas formas
sociais, portanto, poderseia perguntar: O que significa em
seu estado puro? Em que condições emerge? Como se de-
senvolve? O que acelera ou retarda sua operação? Se te
construir a Sociologia acompanhando estas linhas, chegarseá
a um nôvo approach dc fatos conhecidos. O estudo socioló-
gico dos fatos sociais terá uma função parecida à da análise
geométrica dos fatos das Ciências Naturais, pois as formas
geométricas, como as sociais, podcm ser englobadas nas mais
diversas configurações de conteúdo.
Simmcl ansiava por traçar limites claros, não sòmentc
entre a Sociologia e as Ciências Sociais concretas como tam
bés entre a Sociologia, por um lado, e a Psicologia, a Filo

130
sofia Social e a História, por outro. As situações sociais estu-
dadas pela Sociologia — disse ele — são o resultado de con-
teúdos psicológicos específicos dos indivíduos envolvidos em
situações sociais. A Psicologia analisa tais conteúdos, mas não
vai além das existências individuais. Enquanto estas são os
sustentáculos da sociedade, as motivações individuais, cm si,
não são, efetivamente, sociais, e seu estudo não compete à
Sociologia. A Filosofia Social difere da Sociologia, pois inclui
valores e objetivos inacessíveis à Sociologia como ciência
empírica.
A História chega a um approach do foco sociológico, ao
procurar leis históricas. A teoria de Comte se inclui nessa ca-
tegoria e é tanto Hostória quanto Sociologia; o mesmo se pode
afirmar de investigações que tentam provar que há uma ten-
dência natural do poder político a dispersarse gradualmente
de um para poucos, c destes para muitos, ou a tentar formu-
lar estágios inevitáveis de desenvolvimento ecõnomico. De acôr-
do com Simmel, tais esforços estão fadados ao fracasso, pois
não se pode comprovar a existência de leis históricas — leis
apenas precursoras de conhecimento científico. A Sociologia,
entretanto, precisa descobrir leis sociais, isto é, regularidades
relativas a formas de organização social. Sua tarefa é reali-
zável mediante a comparação de situações similares, indepen-
dentes de tempo e espaço.
Simmel tinha consciência da natureza altamente abstrata
de seus pontos de vista teóricos; portanto, freqüentemente in-
troduzia ilustrações muito esclarecedoras. Por exemplo, a fim
de tomar clara a diferença entre os approaches psicológico
e econômico (êste representativo das Ciências Sociais concre-
tas), utilizou a situação em que um número considerável de
trabalhadores, até então constantes, não aparece nas fábricas.
O psicólogo, de acôrdo com Siumiel, investiga os motivos e
emoções existentes por trás das decisões individuais dos traba-
lhadores, de se manterem distantes do emprego. O sociólogo
analisa o fato como um conflito entre duas (ou mais) formas
de associação. O economista vê no episódio um sindicato cm
greve. Por mais concretas que sejam suas ilustrações, Simmel

empenhavase
Sociologia comofundamentalmente
a investigação das em formas
estabelecer
puras asde tarefas da
associação,
abstraídas de seus conteúdos materiais, para descrever os di-
ferentes tipos de formas sociais, c estabelecer as leis de acôrdo
com as quais agem reciprocamente os membros dos grupos.

140
Simmel julgava a Sociologia adstrita a métodos
O método principal, como cie o viu. devia ser comparativo,
embora em outro sentido completamente diferente do que evo»
lucionistas como Spencer ciavam ao têrmo. O sociólogo não
sc interessa diretamente pelas circunstâncias concretas dos casos
cm estudo, mas devia tentar selecionar para estudo casos em
que os conteúdos ou interesses diferem, permanecendo as iiicj-
mas as formas de interação. Simmel não ofereceu nenhuma
fórmula simples para o processo dc comparação. Sabia ainda
que êsse método às vezes conduz a prevenções subjetivas e
intuitivas.
O próprio Simmel era um agudo observador participante,
fato revelado em seus penetrantes e bem delineados ensaios
sôbre o conflito, a autoridade e a subordinação, o papel do
estrangeiro, a cidade moderna, e até sôbre um assunto como
a transformação na composição de um grupo dc dois ou três
membros. Contràriamcntc à própria advertência, mergulhava
com freqüência na discussão dc conteúdos — e muito
concretamentc.
A influência de Simmel na Sociologia foi considerável;
em certa medida, aliás, continua até hoje. No inicio do sé-
culo XX, seus pontos de vista, especialmente sôbre o confli-
to c a estratificação social, se refletiram nos trabalhos dos so-
ciólogos americanos E. A. Ross e Albion W. Small e, um pouco
mais
rian tarde, nos dos(ver
Znaniecki importantes
capitulosociólogos
XVIII) contemporâneos Flo
e Howard Becker. Êste
último exerceu relevante papel na ação de chamar a atenção
dos estudantes americanos, nos últimos anos, para as concep-
ções de Simmel, através de sua tradução da obra de Leopold
von Wiese, que sucedeu a Simmel, na Alemanha, como o mais
destacado expoente da Sociologia formalística (ver capitulo
XXI). Poucos hoje em dia concordariam com a insistência de
Simmel em confinar a Sociologia ao estudo das formas sociais
— e o próprio Simmel violava notoriamente êste principio. Não
obstante, seu estudo sistemático das formas sociais como tais
contribuiu significativamente para o desenvolvimento da teo-
ria sociológica abstrata

Tarde

Gabriel Tarde (18431904) nasceu cm Sarlat, sul da


França. Freqüentou um colégio jesuíta e estudou Direito em

l#í
Toulouse c Paris. Durante vinte c cinco anos foi juiz de
instrução. Sua posição fêlo dcfrontarsc com muitos pro-
blemas práticos para investigar c também lhe propiciou tempo
suficiente para meditar c escrever. Na década de 18S0 come-
çou uma série de artigos promissores. Em 1894 foi chamado a
Paris e em 1900 nomeado professor ds Filosofia Moral na Sor
bonne. As principais obras sociológicas que escreveu incluem
Leis da Imitação (1890;, LAgica Social (1894), Oposição
Universal (1897) e Leis Sociais (1898), breve atualização dos
volumes antecedentes.
Sua teoria sociológica gira cm torno do processo da imi-
tação. A importância da imitação na vida social fôra assinalada
por Bagchot, muitos anos antes. Tarde reconheceu dc prefe-
rência seu débito para com o grande matemático franccs A.
Cournot (180177), de quem aprendeu a importância da recor-
rência dos fenômenos c a importância de medilos e contálos.
Em uma de suas obras, Coumot afirmara que em todo os
fenômenos da vida há uma tendência manifesta para a imitação,
a repetição de atos semelhantes. (Tarde não mencionou um
tratado que apareceu três anos antes do seu Lois de VImitation,
o La vie des Sociétés, de Bourdier, onde aparece esta frase:
“Assim como a difusão em uma mistura gasosa tende a equili-
brar o volume dos gases, a imitação tende a equilibrar o
ambiente social”).
Ao longo do campo da investigação científica —■ assinala
Tarde — persistem três grandes processos: repetição, oposição,
adaptação. Tôdas as semelhanças são devidas à repetição que,
para Tarde, é uma lei cósmica quase no mesmo sentido cm
que a evolução o era para Spencer. A repetição aparece cm
várias formas: no mundo físico, é a ondulação; no mundo
biológico, a hereditariedade; e no nível psíquico e social, adota
a forma da imitação. Todos os fenômenos sociais podem redu-
zirse, em última instância, às relações entre duas pessoas, uma
das quais cxcrcc influência mental sôbro a outra. A própria
sociedade começou quando o homem, pela primeira vez, modelou
seu comportamento no dc outrem.
Mas por que um homem é modêlo de outro? Tarde res-
pondeu
qüência âda pergunta
iniciativacitando o estímulo
individual da variação,
ou invenção. a conse-
Invençãoimitação
é o modêlo básico do processo social. A invenção envolve
sempre algum elemento de transformação; habitualmente é
uma associação criadora dc elementos já existentes ou uma

142
combinação frutífera dc repetições (ou de imitações de invenções
antecedentes); rcdutívcl, entretanto, o último caso, ao primeiro.
O tempo dedicado às invenções cm uma sociedade é afetado
pela dificuldade relativa de combinar idéias, pelo nível da
capacidade mental inata de seus membros, e pelas condições
sociais que podem ser favoráveis ou desfavoráveis. A imitação
então é um processo através do qual uma invenção se torna
socialmente adotada. £ a sociedade é um grupo de homens
capazes dc imitaremse uns aos outros, ou ao menos possuidores
de traços comuns que são cópias do mesmo modêlo.

nindoTarde tentou destacar


sua natureza a importância
em quatro da imitação édefi-
setores: filos&ficamente, um
exemplo do padrão universal da repetição; neurològicamente,
uma função da memória; psicològicamente, eqüivale à sugestão
(em certo ponto, afirma Tarde que a imitação é uma espécie
de sonambulismo); sociològicaiiicnie, suas leis respondem a
perguntas como, por exemplo, por que, entre cem invenções,
dez são adotadas e as outras ignoradas? As leis lógicas da
imitação incluem as proposições de que os indivíduos imitam
certo modêlo porque o consideram mais útil ou mais de acordo
com outros prèviamente estabelecidos, e de que a imitação
ampliase do centro para a periferia da sociedade, mas que,
nesse processo, os modelos são modificados pela refração do
meio tal qual raios de luz atravessando a água. As leis não
lógicas incluemsãoas imitados
tivos (idéias) seguintes antes
generalizações: os modelos
dos objetivos; subje-
os exemplos
dados pelas pessoas ou pelos grupos superiores prevalecem nos
inferiores; às vezes o passado e às vezes o presente preponderant
como um modelo que na terminologia de hoje conduz à asser-
tiva de que ora se acentua o costume (imitação do passado),
ora a moda (imitação de novos padrões). A teoria da imitação,
de Tarde, como Éste exemplo sugere, contém elementos que
se tomaram parte da teoria sociológica contemporânea. Mas
alguns de seus pontos de vista são hoje inaceitáveis, especial-
mente a primeira das leis nãológicas; e outros precisam ser
atenuados, como no caso da afirmativa de que os modelos
superiores são necessariamente mais influentes do que os
inferiores.
Menos sugestiva é a análise de Tarde da oposição e adap-
tação. Mais uma vez, a oposição aparece como uma espécie
de lei cósmica, que alega ser disceroível em Matemática, Física,
Biologia, Psicologia e Sociologia. A oposição aparece em duas

143
formas. Oposição de conflito é o cncontro de ondas antitéticas
de imitação, encontrávcis na guerra, na concorrência e na polê-
mica. A guerra, que sobrevêm quando a oposição c completa,
tende a desaparecer — ponto de vista otimista comum à época.
A concorrência caracteriza a atividade econômica, enquanto a
oposição verbal de polêmica prevalece na religião, na jurispru-
dência e na ciência. A segunda forma, oposição dc ritmo, ê
a tendência dos fenômenos sociais a flutuarem periòdicamcnte.
Ilustramna as ondas dc imigração, crime, a altemação dc
prosperidade e depressão, o ascenso e a queda de impérios e
civilizações. A descrição de Tarde de conflito c ritmo como
simples formas diferentes do processo único de oposição é alta-
mente discutível, pois êsses dois aspectos da vida social parecem
ter muito pouco cm comum.
A adaptação sc manifesta na lei de agregação, na desco-
berta de um novo equilíbrio depois da oposição. Precede a
adaptação um estágio prélógico e depois um estágio lógico
dc ocupações; durante o primeiro, as invenções não têm relação
entre si e a situação é confusa; durante o último as invenções
sc contradizem c, ou sc travam duelos lógicos, ou sobrevêm
uma união entre as invenções concorrentes. Em qualquer hi-
pótese, suprimese a discordância e constróise um nôvo sistema.
Cada nova adaptação é uma invenção, de modo que o processo
se repete continuamente. Inconfundível aqui é a influência da
dialética de Hegel. A adaptação 6 um movimento que seleciona
um pequeno número de realizações de um amplo grupo de possi-
bilidades — movimento cm geral irreversível, mas que não tem
objetivo visível. Uma tendência, entretanto, é evidente. A
evolução dos fatos sociais — Tarde inclinase, neste ponto,
ance o evolucionismo de seu tempo — consiste cm sua transição
gradual de um grande número de fenômenos pequenos para
um número menor de fenômenos maiores. Culminando êsse
processo pode anteverse o surgimento de uma única civili-
zação que tudo abranja.
As implicações científicas da própria teoria da imitação,
Tarde nunca as formulou. Na realidade, êle produzira um
instrumento para a demolição do evolucionismo. Pois os
«rvolucionistas, conforme nos lembramos, consideravam as seme-
lhanças entre as várias sociedades como um argumento decisivo
para sua teoria. Tais semelhanças poderiam ser agora explicadas
pela imitação; e os princípios da imitação formariam a base

144
para o aparecimento de uma teoria compreensiva da difuslo
da cultura (ver capitulo XVIII).
Tarde influenciou a Sociologia dc diversas formas. A
Sociologia americana sentiulhe o impacto através dos escritos
dc Ross c outros. Seus ensinamentos tomaramse parte da
Etnologia moderna, e desta retomaram à Sociologia atual. A
ênfase que atribuía à imitação como processo individual colo-
couo em oposição a Durkheim, para quem a coação social era
o aspecto básico da realidade social.

As primeiras teorias analíticas cm retrospecto

Uma revisão das teorias dos três pioneiros da Sociologia


analítica demonstra que cada qual contribuiu significativa-
mente para a teoria sociológica moderna. Toennies inaugurou
o estudo dos tipos básicos de grupos sociais e sugeriu um sistema
para sua classificação, Simmel iniciou o estudo de tipos e
processos sociais revelados pela interação dos indivíduos, e
muitas de suas formulações continuam insuperadas. Tarde
foi o primeiro a proporcionar o que, de acordo com muitos
pensadores, é uma sadia base para uma teoria da transformação
social c cultural.
Entretanto, na época quase não havia consciência do sig-
nificado dêsses esforços como preparação do caminho para a
teoria sociológica sistemática baseada na investigação empírica.
Os pioneiros da Sociologia analítica, efetivamente, não sc apre-
ciavam mütuamente, a exemplo dos representantes dos vários
ramos do evolucionismo. A época ainda não amadurecera para
a conclusão da tarefa de construir uma teoria geral da socie-
dade e da transformação sociaL

145
CAPITULO IX

Emile Durkheim

E mile . Durkheim (18581917), de ascendência judaica, nas-


ceu em Epinal, Lorraine, na fronteira nordeste da Franca. É
provável que seu nascimcuto, na região mais nacionalista do
aís, e seus contatos, muito cedo, com os desastres da Guerra
fJrancoPrussiana e sua identificação com a minoria judaica,
fortemente coesa, tenham contribuído para lnteressálõ no es
tudo da solidariedade do grupo.
Depois dc graduado na Êcole Normale Supêrieure, em
Pans,
FolcloreDurkheim viajou pela
e Antropologia Alemanha,
Cultural. estudandoprofessor
Foi nomeado Economia,
da
Universidade de Bordéus, em 1567, e em 1902 ingressou na
Universidade dc Paris. Fundou o Anrée Sociologique, em
1896, durante muitos anos o jornal orientador do pensamento
e da pesquisa sociológicos na França.
Comte foi o mestre professado de Durkheim. Durkheim ti-
rou de Comte a ênfase positivista sôbre o exnpirismo e sôbre a
significação do grupo na determinação da conduta humana.

O estudo dos fatos sociais

comoA realismo
essência do approach node sentido
sociológico, Durkheimdeé que às vezes
ele descrita
atribula
yi realidade social última ao grupo e não ao individuo. A êste
respeito, os pontos de vista de Durkheim são semelhantes aos
de Gumplowicz (embora provavelmente as obras do último

146
não lhe fossem familiares). Sua teoria opunhase diametral*
mente ao individualismo e nominalismo de Spencer. Durkbcâm
sustenta que os fatos sociais são irredutíveis aos fatos individuais.
O qiie £ então um fato social? Designar assim qualquer
evento que sc relaciona com a sociedade ou que tem relêvo
social é usar o têrmo sem clareza ou resultado. Há alguns fa-
tos na vida social — entende Durkheim — inexplicáveis pela
análise física ou psicológica; há maneiras de agir, pensar e
sentir externas. ao indivíduo e dotadas dc poder de coerção^
sôbre êlc. As ilustrações incluem máximas ac moralidade pú-
blica r
lamento observâncias
profissional. religiosas e familiares,
Essas realidades são osnormas de compor
fatos sociais dur-
khcim ianos, que constituem o domínio apropriado ao estudo
sociológico. Os fatos sociais existem corno correntes sociais
mesmo na ausência de qualquer organização social claramente
definida, corno no caso dc ondas de entusiasmo e indignação,
que aglutinam indivíduos cm multidão^ Tais correntes são ver-
dadeiramente sociais, pois têm realidade objetiva e um efeito
coercitivo sôbre o indivíduo.
Os fenômenos sociais enraízamse nos aspectos coletivos
das crenças e práticas de um grupo. A universalidade não é
a marca distintiva dos fatos sociais; um pensamento quê está
cm cada consciência individual não sc toma social por êste
motivo. Pois há uma importante diferença entre as duas or-
dens dc fatos, a individual e a social: certos modos dc
c pensar, realizados repetidamente, cristalizamse como pa-
drões distinguíveis dos eventos particulares que os refletem.
Durkheim assinala que estes padrões (fatos sociais) adqui-
rem assim um corpo, uma forma tangível, c constituem uma
realidade própria, à parte de suas manifestações particulares
nos indivíduos. Aqueles representam fenômenos sociais sò
mente em um sentido muito restrito do têrmo social. Desde
que as manifestações individuais, entretanto, pertencem a am-
bas as ordens de fatos, são adequadamente citadas como aockv
psicológicas. Os eventos individuais, tais como um caso e*
pecííico de suicídio quando contrastado com a proporção dos
suicídios em um grupo, interessam aos sociólogos apenas in-
diretamente.
•,
Para Durkheim, então, a Sociologia é o estudo dos fatos
sociais. Mais do que isso, um estudo cuja natureza é deter-
minada em parte por seu objeto. Os fatos sociais se manifes-
tam dc duas maneiras: primeiro, por seu poder de coerçiq_

147
sôbre os indivíduos, 1 rc(|üentemente evidenciado nas sanções
ligadas aos vários tipos de comportamento; segundo, por sua
difusão geral dentro de um grupo. Durkheim assinala que
a imitação não é um verdadeiro fato social, como Tarde pro
clamava, pois se trata de um processo individual que, apesar
de suas conseqüências sociais, se localiza no indivíduo como
tal. A imitação tem generalidade, por ccrto, mas não c obri-
gatória e portanto não é social. As instituições, por outro lado,
quando compreendidas como crenças c modos de conduta es-
tabelecidos pela vida coletiva do grupo, são verdadeiros fatos
sociais, dado que tem urna existência externa à parte do indi-
víduo e o obrigam. Podese definir a Sociologia — conclui
Durkheim — como a _ciência das instituições, dc sua gênese
e dc seu funcionamento.
^Ôs fatos sociais devem ser tratados como coisas — de-
clara êle. Observa que, antes, a Sociologia lidou mais ou
menos exclusivamente com os conceitos, não com as coisas.
Comte e Spencer, por exemplo, devotaram grande parte 3e
seus trabalhos a discussões sôbre o curso do progresso humano;
• v mas progresso é uma concepção mental c não um fato veri-
ficável pela pesquisa empírica. Para Durkheim, uma coisa
difere dc uma idéia conceptual no mesmo sentido cm que di
____ fere o que conhecemos de fora do que conhecemos de dentro»
""^As coisas incluem todos os objetos de conhecimento que não
podem scr concebidos pela atividade puramente mental, aque-
les que exigem, para sua compreensão, dados exteriores à
mente, extraídos de observações e experiências, aquêles que
são reconstituídos partindose dos característicos mais exter-
nos e imediatamente acessíveis para os menos visíveis e mais
profundos.” 38
Durkheim insiste em que o estudo dos fatos sociais não
pode repousar somente no discutível método da introspecção.
Ninguém tem certeza de que as idéias das coisas correspon
dem às próprias coisas. O sociólogo deve procurar à objeti-
vidade: ao estudar a sociedade, precisa admitir, como o cien-
tista natural, que talvez esteja entrando no reino do desconhe-
cido e do inexplorado. Ao iniciar a pesquisa, focalizará os
fatos observando fenômenos suficientemente externos para sc
rem imediatamente visíveis, tais como filiação religiosa, estado

*• At Regras do Método Sociológico.


7
civil, média dc suicídios, ocupação econômica c outros. Uma
análise mais penetrante, porém, demonstra que esses fenômenos
prontamente disccmiveis — acentua Durkheim (conforme pro-
curou demonstrar em estudos de suicídio e religião, que adian-
te veremos) — são reflexos de condições sociais mais funda-
mentais. Assim, por exemplo, as médias de suicídio podem re-
fletir o grau dc solidariedade social cm vários tipos de grupos.
Os fatos sociais não são o produto das vontades humanas
individuais e, portanto, não podem ser averiguados pela in-
vestigação psicológica, São externos para o indivíduo, e mol
dam ao mesmo tempo, inevitável c significativamente, ações
humanas. Intcrrclacionamse, portanto, os fatos da vida indivi-
dual e coletiva, mas não apresentam idêntica extensão. Dur-
kheim desenha uma situação paralela: uma célula viva é for-
mada dc elementos químicos, mas a vida característica da cé-
lula é diferente c independente dêsses elementos. Assim também
nas sociedades humanas: cada uma é assinalada por fatos so-
ciais distintos c independentes de seus membros individuais.
Os fatos sociais, assim, diferem qualitativamente dos fatos psi-
cológicos, c seu estudo representa um nível diferente de aná-
lise — ponto elaborado abaixo, na discussão da metodologia de
Durkheim.

FArças coletivasna viúasocial


O tratamento de Durkheim dos fatos sociais relacionase
Intimamente coro suas diversas discussões da consciência cole-
tiva (traduzindo o termo francês conscience como consciência).
Em seus extensos esforços para esclarecer as funções das fôr
ças coletivas na vida social, aparecem elementos de ambos os
significados, o mental e o moral Alguns dos intérpretes de
Durkheim lhe têm atribuído a concepção de uma mente co-
letiva como lima realidade objetiva — posição insustentável
sob o ponto de vista da ciência social mode ma; a terminologia
e muitas das asserções durkheimianas justificam a interpre-
tação. Mas outros proclamam que essa forma extrema de rea-

lismofenômenos
dos social nãocoletivos
era intenção
mentaisdee Durkheim e que sua análise
morais aproximavase, a vá-
rios respeitos, da concepção moderna do papel da cultura na
vida social. Análise que êle tentou (tanto quanto outros pro-
blemas) em tôdas as principais obras que escreveu.
g A Divisão do Trabalho na Sociedade (1893), volume socio-
lógico inicial de Durkheim, c um estudo clássico da solidarie-
dade social. Na primeira parte da obra, os fenômenos sociais
em geral são tratados como conseqüências da divisão do tra-
balho na sociedade, que se toma como uma variável indepen
dente. O estudo utiliza extensamente material tirado da lei,
aspecto da vida social que ele considerava não s6 prontamente
observável como também a mais organizada forma de coerção
sociaL
Comparando as sociedades arcaicas e avançadas, Durk 4
heira
cânica acha
e as asúltimas
primeiras
pela caracten7adas
solidariedade pela solidariedade
orgânica me-
.* A solidarie-
dade mecânica enraízase na semelhança dos membros indivi-
duais de uma sociedade c a solidariedade orgânica, na desse-
melhança. Essa distinção é parecida com a concepção de Spen-
cer de evolução como mudança do homogêneo para o heterô
geneo. Mas a evolução não constitui o foco do livro de Durk
heim. O contraste entre os dois tipos de sociedade, mecânica
e orgânica, serve de fundo ao estudo dos fenômenos coletivos.
Nas sociedades cm que a solidariedade é mecânica, há
fortes estados dc consciência coletiva. Esta última, nessa pri-
meira. obra, c definida como a soma de_crenças e sentimentos____________ .
comuns à média dos membros da sociedade, formando ura
sistema próprio.
distinta, pois A consciência
persiste no tempo ecomum possui para_unir_as
serve assim uma realidade
ge
rações; naturalmente, vive em e através dos indivíduos, mas
desde que é o produto das similaridades humanas sua fôrça
e independência são tanto mais fortes quanto mais pronuncia-
das essas similaridades numa sociedade. Condição que pre-
valece na sociedade arcaica, caracterizada pela solidariedade
mecânica; a consciência comum envolve quase completamente
a mentalidade e a moralidade do indivíduo. Era cada indi-
víduo, entretanto, há duas consciências: uma partilhada com o
grupo (isto é, a “sociedade vivendo era nós1*, concepção muito
parecida ao ponto dc vista atual da interiorização da cultura);
't outra, peculiar ao indivíduo. Mas, nas circunstâncias da so-
lidariedade mecânica, o poder superior das fôrças coletivas
manifestase mediante drásticas reações contra a violação d§s
instituições de grupo. Aqui, a coerção social se exprime mais
decisivamente em leis criminais repressivas, severas, que servem
para manter a solidariedade mecânica.
\ A solidariedade orpânica surge com o crescimento da
divisão do trabalho social. À divisão do trabalho c as con-
seqüentes dessemelhanças entre os indivíduos acarretam uma
crescente interdependência na sociedade, interdependência je
fletida na mentalidade e na moralidade humana e no fato da
própria solidariedade orgânica. À medida que a última cres-
ce, diminui o significado da consciência coletiva. Assim, a lei
criminal sustentada pelas sanções repressivas tende a ser substi-
tuída pela lei civil e administrativa, apelando para a restaura-
ção dc direitos mais do que para a punição. (A base da evi-
dência, esta afirmativa de Durkheim, seguindo o estilo evo
lucionista, é altamente discutível.) Seguese que as socieda-
des avançadas, cada vez mais assinaladas pela solidariedade or-
gânica, representam progresso moral acentuando os mais altos
valôrcs de igualdade, liberdade, fraternidade e justiça. Os con-
tratos, por exemplo, tomamse soberanos; mas — esclarece
Durkheim — não indicam nenhuma eliminação da coerção
social, pois contêm elementos predeterminados que não são con-
vencionados pelas parles e que exístem antes e independente.
mente dos próprios ac6rdos contratuais. (Os contratos de tra
balho contemporâneos representam uma boa ilustração para o
ponto de vista de Durkheim: em larga extensão, a lei, não
as partes contratantes, decide questões referentes à duração do
dia de trabalho, salários e condições de trabalho físico.) Mesmo

nas sociedades
coerção baseadas ana desempenhar
social continua solidariedade papel
orgânica, assim, a
preponderante.
A êste respeito, devese observar que ao ser escrito A Divisão
do Trabalho na Sociedade, a análise das limitações à li-
berdade pessoal estava relativamente pouco desenvolvida. Foi
esta uma das principais contribuições de Durkheim.
A segunda parte do volume trata das causas da crescente
divisão do trabalho, jjeentuando o papelchave, como Durk-
heim o via, da crescente densidade da população. Esta discus-
são, agora francamente deslocada, quase nada acrescenta à
teoria sociológica.
Les Regies de la Méthode Sociologique (1895), a princi-
pal obra subseqüente de Durkheim, introduz um conceito nôvo
de consciência coletiva. Aqui o autor encarece que a agre-
gação, a interpretação c a fusão das mentalidades individuais
geram^ uma espécie de unidade psíquica distinguível dos pró-
prios indivíduos. Êsse produto coletivo não devia ser identi-
ficado com a soma de suas partes: o grupo pensa, sente e
age dc modo absolutamente diferente dos indivíduos que o
compõem. Portanto, a análise do comportamento do grupo
devia começar pelo estudo dos fenômenos coletivos, nao dos
individuais; seguese que não há mais continuidade entre a
Psicologia e a Sociologia do que entre a Biologia e a Psicologia.
A Sociologia tem um objetivo único — o grupo, a realidade
sui generis — e daí seus próprios métodos.
Os fatos sociais não podem ser explicados com base nos
procedimentos psíquiros individuais porque os últimos não pro-
duzem por si mesmos representações coletivas, emoções e ou-
tras tendências de grupo. Êsscs fenômenos coletivos, pelo con-
trário, exercem uma forte pressão sôbre os indivíduos; cm con-
seqüência de cuja pressão — que pode não ser percebida pelos
próprios indivíduos — surgem atributos comuns aos mem-
bros individuais de um grupo. Semelhante formulação apa-
rece em Les Règles de Ia Méthode Sociofogique, como o re-
verso da posição tomada por Durkheim cm A Divisão do Tra-
balho Social. Aí a 'consciência coletiva diziase composta das
representações e dos sentimentos do homem médio que forma a
maioria de um grupo. Em Les Règles dc la Méthode Socio
logique, disparidades mentais c emocionais da maioria deri-
vam da pressão exercida sôbre cada um dêles pela consciência
coletiva.
A extensa monografia sôbre Suicídio (1897) contém, às
vezes na forma mais aguda, a teoria da coerção social, que é
estreitamente relacionada aos pontos de vista durkhcimianos
sôbre a consciência coletiva. Aceitando a sugestão de Quételet,
de que as técnicas quantitativas são úteis, se não essenciais, à
ciência social, Durkheim investigou cuidadosamente (e com
considerável engenho estatístico para sua época) as médias de
suicídio em vários segmentos da população européia. Sua ex-
tensa análise estatística é usada para dois propósitos: primei-
ro, refutar as teorias que pretendem explicar as variações de
grupo na soma de suicídios à base de fatôres psicológicos, bio-
lógicos (“raciais”), genéticos, climáticos ou geográficos — sen-
tido em que alcançou êxito eminente; segundo, sustentar, com
evidência empírica, sua própria explicação sociológica, teórica.
Neste último sentido, chegou Durkheim à conclusão de
que diferentes médias de suicídio (distintas dos casos indivi-
duais, problema para a Psicologia) são a conseqüência de va-
riações na estrutura social, especialmente de diferenças em
grau e tipo de solidariedade social. Assim, o suicídio egoístico,

152
produto de integração de grupo relativamente fraca, prepon
dera naqueles grupos em que se observa falta de coesão so-
cial (por exemplo, entre solteiros e protestantes); e o suicídio
anômico, a que as quebras das normas sociais induzem, é en-
corajado por bruscas mudanças características dos tempos mo-
dernos. Durkheim também tomou claro que a solidariedade
social pode levai ao suicídio, afirmação ilustrada pelo tercei-
ro tipo, o suicídio altruístico, que aparece em alta média, por
exemplo, em certas sociedades primitivas e em alguns exércitos
modernos. Êste breve delineamento de algumas de suas con-
clusões faz pouca justiça a Suicide, freqüentemente citado como
um marco monumental de estudo, em que a teoria conceptual
c a pesquisa empírica são reunidas de forma admirável.
Infelizmente, contudo, nessa mesma obra Durkheim re-
vela um extremo realismo sociológico. Fala de correntes sui-
cidas como tendências coletivas que dominam indivíduos e,
por assim dizer, os agarram (ou antes, alguns dêles, os mais
suscetíveis) em sua passagem. Assim, interpreta às vêzes o
ato do suicídio como produto dessas correntes. A maior signi-
ficação de Suicide — devese recordálo — reside em sua de-
monstração da função da teoria sociológica na ciência empírica.
Representações Coletivas e Individuais (1699), em que
a consciência comum é encarada essencialmente como um pro-
duto sociopsicológico da interação humana, pouco acrescen-
ta às primeiras discussões de Durkheim. Entretanto, a obra
sugere, no pensamento durkheimiano, uma nova maneira de
ver, bilateral, que depois continuou a manter: por um lado,
uma crescente concepção idealista do grupo social; por outro,
a especulação sôbre a srcem, social ou de grupo, da moral,
dos valôres, da religião e do conhecimento.
Ambas as tendências são evidentes cm Julgamentos de Rea-
lidade e Julgamentos de Valor (1911). Aqui, Durkheim re-
laciona a consciência coletiva a ideais, sustentando que um
processo recíproco liga os dois — as idéias sociais srcinam a
consciência coletiva e esta última, por sua vez, gera ideais
sociais. Nascem êstes da realidade, naturalmente, mas vão
muito além dela; a concepção de sociedade ideal é parte da
realidade social e, portanto, exige estudo sociológico. A reli-
gião, a lei, a moral c a Economia — consideradas por Durk-
heim como os principais sistemas sociais — são ao mesmo tem-
po sistemas de valôres e ideais. Os ideais sociais constituem a
consciência coletiva, tal como existe independentemente de con

MJ
ceitos individuais, enquanto os valores são manifestações da
consciência comum nos próprios indivíduos, Êsscs pontos dc
vista ilustram a nova fase do pensamento dc Durkheim. A cons
ciência coletiva parece transferida do nível da psicologia do
grupo para o inundo das idéias, suprindo o conteúdo mesmo das
idéias dos indivíduos. Nesta obra há claramente o tom, se não
a intenção, da Filosofia idealista, especialmente hegeliana, que
impressionou Durkheim na juventude.

Interpretação social da religião

Em Les Formes Elcmcntaircs dc la Vie Rcligicusc (1912).


a última das principais ohras que escreveu, Durkheim aplica a
análise das fôrças coletivas, ou dc grupo, ao estudo da religião
cm suas manifestações mais elementares. “Neste livro” — diz
ele na introdução — “propomonos estudar a religião mais
simples e primitiva atualmente conhccida... encontrada cm
uma sociedade cuja organização não é ultrapassada, em sua
simplicidade, por nenhuma outra.” Selecionou para «tudo
intenso, embora através dc fontes secundárias, os Ar unia, tribo
australiana. Baseou sua escolha, cm parte, na presunção dc
que os Arunta representam um estágio remoto ao desenvolvi
mento evolutivo; mas também estava ansioso por estudar um
casõ eminternos
traços que pudesse
c as abranger tôda ainstitucionais
interconexões sociedade efossem
cm queexpe
os
rimentalmcntc observáveis.
Outros buscaram a mais elementar forma de religião.
Spencer e Tylor, por exemplo, a encontraram no animismo ou
culto aos espíritos nas sociedades primitivas; Max Müller
(ltò3l900) identificoua com o naturismo ou o culto das fôr-
ças naturais. Mas Durkheim rejeitou_ essas teorias, achandoas
falhas na explicação da chave universal que distingue entre o
sagrado e o profano (distinção desenvolvida abaixo) e porque
ambas explicam a religião, interpretandoa como uma ilusão
sem fundamento no mundo da realidade^ pelo contrário, to-
mou o totemismo existente entre os Arunta como a forma mais
simples de uma
plícita em religião.
forçaO outotemismo
princípio prendese
misteriosoa (ou
uma sagrado)
crença im-
que
provê sanções para violações de tabus, inculca responsabilida-
des morais ao grupo e anima o próprio totem. Este último, na
forma ^Te um animal, uma planta ou objeto natural^ é um

154
símbolo do princípio totcmico sagrado e do grupo (clã). A
vida dos Arunta estava Incisivamente dividida na perseguição
secular de pequenos grupos esparsos (uniformes, Janguescentes
e estúpidos) e nas reuniões periódicas sagradas do clã assina
ladas pela exaltação, a euforia de grupo e mesmo a quebra
de tabus. Durkheim vê essas atividades coletivas como o lugar
de nascimento dos sentimentos e idéias religiosos.
Do estudo desse caso elementar, Durkheim desenvolve
suas teses fundamentais: dc que ã vida de grupo é a fonte ge-
radora ou causa eficiente da religião; de que as idéias e prá-
ticas
que areligiosas
distinção rcfcrcmsc ao grupoe social
entre o sagrado ou oé simbolizam;
o profano de
universalmente
encontrada e tem conseqüências importantes para a vida social
como um todo.
" O sagrado, para Durkheim, referese a coisas postas à
jjarte pelo^ homem, incluindo crenças religiosas, ritos, deida
des ou qualquer coisa, que socialmente definida exige trata-
mento religioso especial. Diz êle: MQ círculo dos objetos
sagrados não pode ser determinado, então, de uma vez por
todas. Sua extensão varia infinitamente, de acordo com as
diferentes religiões.” O significado do sagrado consiste na sua
distinção do profano: “a coisa sagrada é por excelência aqui
lo que oprofano não deve c não pode tocar impunemente”^
O hòmem sempre desenha essa distinção, embora sejam diversas
as designações dadas às duas ordens, em diferentes lugares e
tempos. A participação na ordem sagrada, por exemplo nos
__rituais ou cerimônias dá um prestígio social especial, ilustran-
do uma das funções sociais da religião. A própria religião pode
ser definida como um sistema unificado de crenças e práticas
relativas às coisas sagradas. As crenças e as práticas sagra-
das unificam o povo cm uma comunidade moral (uma igre-
ja, no sentido mais geral), um compartilhar coletivo de cren-
ças que, por sua vez, é essencial ao desenvolvimento da religião.
“A que se referem os símbolos sagrados de crença e prá-
tica religiosas?” — indaga Durkheim Notando que êles desvir-
tuam a realidade empírica, argumenta ele que não se podem
referir ao meio externo ou à natureza humana individual, mas
somente à realidade moral da sociedade. A fonte e o objeto
da religião são a vida coletiva; o sagrado é, no fundo, a socie-
dade personificada. Esta secular explicação sociológica de re
ligião (em que Durkheim negligencia grosseiramente a natu

/55
reza nãoempírica da religião) c sustentada por discussões da
similaridade das atitudes do homem para com Deus e a so-
ciedade: ambos inspiram a sensação dc divindade; ambos pos-
suem autoridade moral c estimulam a devoção, o autosacri
fício e o comportamento individual exceptional. O indivíduo
que se sente dependente dc algum poder moral externo não
é, portanto, uma vítima dc alucinação, mas um membro da
sociedade, respondendo a ela própria. Durkheim conclui que
n função substancial da religião e a criação, o rcíôrço c a ma-
nutenção da solidariedade social. Enquanto persistir a socie-
dade, persistirá a religião.
Les Formes EUmentmres de la Vie Réligieuse inclui, além
da análise da religião, os começos de uma explicação das for-
mas básicas de classificação e das categorias fundamentais do
próprio pensamento, representações coletivas que Durkheim
também enraíza na vida de grupo. Sua csixxulatjão quanto à
determinação social dc classificação c dc categorias não pode
ser discutida cqui, mas devese observar que ela situou Durk-
heim perfeitamente no campo da Sociologia do conhecimento,
hoje uma importante divisão do estudo sociológico.

Contribuições à metodologia

Durkheim tinha uma aguda percepção de que a maioria


dos primeiros teóricos sociais negligenciaram francamente o
problema do método adequado a ser usado na análise dos fe-
nômenos sociais. Comte, 6 certo, lidou com o método, mas
cm têrmos absolutamente gerais, acentuando a necessidade dc
seu approach positivista. E The Study of Sociology de Spen-
cer, abordando as possibilidades e dificuldades da Sociologia
científica, foi bastante vago acerca dos métodos que a nova
disciplina utilizaria.
As fôrças coletivas na vida social (ver pág. 151) são
tratadas também em Les Regies de la Méthode Sociologique.
Ainda que o volume sc relacione cspecificamcntc aos proble-
mas metodológicos,
neste setor as preciosas
dispersamse através contribuições
de tôdas as suas dc Durkheim
obras principais.
Em larga medida, consiste a metodologia de Durkheim^ na
formulação dc normas para ajudar a destacar os fatos sociais.
Antes de tudo, cumpre erradicar preconceitos ao observar os

156
fatos sociais. O sociólogo dcvc emanciparse das idéias fala-
ciosas que dominam o pensamento do leigo. Ou, como diz
Durkheim, “Livrarse, dc uma vez por tôdas, do jugo daque-
las categorias cmpirícas que se tornaram tirânicas em virtude
de hábito longamente mantido**. Segundo, o objeto de cada
investigação sociológica precisa compreender um grupo de fe-
nômenos previamente definidos por certos caracteres externos
comuns. Isto é, o investigador necessita relacionarse com fatos
sociais cuja existência pode inferir dos respectivos aspectos ex-
ternos. Terceiro, deve considerar os fatos sociais como inde-
pendentes de suas emanifestações
dos atos individuais procurar as individuais. Deve dos
bases duradouras ir hábi-
além
tos coletivos; estudar as normas como tais — por exemplo,
normas legais, regulamentações morais e convenções sociais —
cm sua própria existência permanente.
A norma principal dc Durkheim deriva dessa indepen-
dência dos fatos sociais. Desde que tôdas as explicações de
fatos Sociais cm têrmos psicológicos falham na apuração do
fundamental efeito coercitivo que os fenômenos sociais reais
exercem sôbre a vida do homem, é preciso procurar a expli-
cação da vida social na própria sociedade. A sociedade não
é apenas uma soma dc indivíduos, mas um sistema formado
pela associação de indivíduos — uma realidade especifica (c
emergente) que tem características próprias. Conseqüente-
mente — conclui Durkheim — sempre que se explica um
fenômeno social como produto direto de processos psicológi-
cos, a explicação é falsa. A fonte de toda obrigação se acha
fora do indivSduo: piedade filial, amor, devoção religiosa,
lealdade marital. Êstes e outros sentimentos que surgem do
viver em sociedade são muito freqüentemente tomados como
causas de fatos sociais, atendendo a que na realidade resultam
da pressão dos fatos sociais sôbre a consciência individual.
Dado que a vida coletiva não decorre da vida individual,
Durkheim acredita que “a causa determinante de um fato so-
cial devia ser procurada entre os fatos sociais que o prece-
dem e não entre os estados da consciência individual”.
Discutindo normas para estabelecer provas sociológicas,
Durkheim
parativo) édizo que
único o método
experimento indireto
adequado (ou método
à Sociologia. com-
A noção
de Com te de método histórico não é utilizável, pois a simples
seqüência de progresso em desenvolvimento não dá a chave
explicativa da causalidade. A causação é uma relação nece*

/57
sária entre o estado anterior e o subseqüente do fenômenos,
e só a comparação dos dois estados pode determinála. Para
Durkheim, um efeito dado sempre tem uma causa correspon-
dente única. Se, por exemplo, dcscobrcsc que o suicídio apre-
senta mais de uma causa, então a evidência indica a existência
de mais de um tipo dc suicídio. A fim dc explicar um fato
mais complexo, como a existência dc uma instituição, em qual-
quer espécie social, o investigador precisa comparar suas di-
ferentes formas não sòmcntc entre grupos dessa espécie, mas
igualmente entre as espécies precedentes.
Para Durkheim, a Sociologia comparada não é um ramo
da disciplina: à medida que deixa de ser apenas descritiva
e procura estimar fenômenos sociais, é Sociologia. O proce-
dimento válido exige, entretanto, a comparação das sociedades
no mesmo período dc seu desenvolvimento evolutivo. (Aqui,
Durkheim testa seu próprio processo cm parte na presunção
da evolução progressiva de Comte c Spencer — não obstante
a opinião que tinha sôbre a insuficiência da metodologia dê
les.) Mas estava ainda mais interessado em provar os méritos
do estudo a que Mills chamava dc variação concomitante, mé-
todo que sustenta que sc uma transformação em um elemento
variável (por exemplo, a média dc suicídio) é acompanhada
por uma transformação comparável em outro (por exemplo, a
filiação religiosa), as duas transformações podem relacionarse,
causalmente, ou diretamente ou através dc algum fato social
básico (digamos, o grau de solidariedade social cm um grupo).
Muito da própria obra empírica de Durkheim procura de-
monstrar relações causais com êsse refinamento do método
comparativo.
Mas a relação causai entre os fatos sociais, tal como
Durkheim a entendia, é apenas uma espécie de indagação so
ciològícamente importante. Assim, êle também formulou um
approach funcional para o estudo dos fenômenos sociais, approach
dc considerável interesse para os sociólogos dc hoje (ver capí-
tulos XVII e XVIII). O funcionalismo durkhcimiano era
uma alternativa do método teológico, como o ilustraram os
escritos de Comte e Spencer, que supunham os fatos sociais
suficientemente
termos explicados
de satisfação dos quando
desejos sehumanos.
revela sua
Mas utilidade em
os próprios
desejos se transformam, fato que exige explicação sociológica.
E os fatos sociais freqüentemente persistem depois de perdida
sua utilidade srcinal. Portanto, Durkheim sustenta que, além

158
da busca da causa eficiente que provoca o fato social, a So-
ciologia precisa procurar a função social que êle prernche.
Aqui, inspirouse na Biologia, denominando função ao signi-
ficado de uma relação de correspondência entre o fato conside-
rado c as necessidades do organismo. Em termos sociais, a
função de um fenômeno social é a correspondência entre êle
e alguma necessidade geral da sociedade. Por exemplo, a di-
visão do trabalho funciona para integrar a sociedade moderna,
embora não viesse a ser estabelecida claramente para realizar
este papel, nem a função integrante da divisão do trabalho
resulte
refa da necessàriamente
análise funcional,em então,
beneficio para oclaro
é tornar indivíduo.
de que Amodo
ta-
as instituições e outros fenômenos sociais contribuem para man-
ter o todo social. O cumprimento dessa tarefa metodológica,
de acôrdo com Durkheim e igualmente com muitos funciona
listas modernos, é essencial à compreensão das persistências e
alterações da ordem social.

Tipologia social

Durkheim alcançou menos Êxito nas tentativas que rea-


lizou para construir uma apologia das sociedades humanas.
Suas categorias não diferem grandemente das de Spencer.
Entre as miríades de modelos de sociedades humana» e a con-
cepção de humanidade existe o conceito intermediário da es-
pécie social. Durkheim sustenta que as espécies ou tipos de
sociedades são formados quase da mesma forma que as bioló-
gicas, como resultado de várias combinações de unidades si-
milares. Vê êle, entretanto, duas importantes diferenças entre
as espécies biológicas e sociais. Primeiro, não há equivalente,
nas espécies sociais, da reprodução na vida animal; as espé-
cies sociais não tem fôrça interna dc hereditariedade que man-
tenha sua forma face à pressão de estímulos externos. Segundo,
as espécies sociais são de difícil determinação; a tentativa de
descobrir tipos sociais, eliminando tôdas as variantes, frequen-
temente resulta na multiplicidade de formas indeterminadas.

A classificação
no postulado de que deas Durkheim
sociedades das espécies sociais
se compõem repousa
de panes que
tão, em si, sociedades simples. Postulado acorde, aliás, com
os pontos de vista de Comte e Spencer. As sociedades deviam
ser classificadas conforme seu grau de organização. Tomase

159
como base a sociedade perfeitamente simples, espécie em que
os indivíduos estão em justaposição atômica. Formulada a con-
cepção da horda ou sociedade de segmentos únicos, podese
desenvolver uma escala completa de tipos sociais. Um passo
além estão as sociedades polissegmentais simples, uniões de hor-
das ou clãs, como em certas tribos iroquesas. A seguir, na or-
dem de complexidade, as sociedades polissegmentais simples-
mente compostas, agregadas, como a confederação iroquesa.
Em seguida as sociedades polissegmentais duplamente compos-
tas, por exemplo, as cidadesEstado.
Semelhante especulação quanto à classificação de tipos
de sociedades, embora representando uma tarefa ainda tenta-
da pelos sociólogos, tem produzido pequeno impacto sôbre os
estudiosos modernos, o que não se pode dizer das outras con-
tribuições de Durkheim.

Durkheim em retrospecto

Ainda que Durkheim nunca escrevesse um tratado sôbre


a Sociologia, criou uma teoria absolutamente sistemática e
tem sugestionado largamente seus sucessores, na França e em
outros lugares, incluindo proeminentes figuras de hoje nos
Estados Unidos. Deu ele respostas claras aos principais pro-

blemas da teoria sociológica.


Durkheim definiu a Sociologia como a ciência dos fatos
sociais e das instituições sociais. Os fatos sociais, por sua vez,
foram analisados em sua capacidade de fôrças coercitivas na
determinação da conduta humana — ou, em têrmos mais mo-
dernos, como parte do mecanismo de contrôle social. A este
respeito, a discussão da consciência coletiva, apesar das va-
riações que apresenta, chamou a atenção para os modos em
que a interação social e as relações influem significativamente
nas atitudes, idéias e sentimentos individuais. Para Durkheim,
a realidade da sociedade precede a vida individual.
A obra de Durkheim, sob o ponto de vista atual, foi
corrompida pela aceitação de certas doutrinas evolutivas. O
evolucionismo aparece, pormecânica
mento da solidariedade exemplo,para
em asuaorgânica,
teoria dona cresd
pre-
sunção de estágios necessários na organização social, na opinião
de que as sociedades primitivas contemporâneas representam pe-
ríodos iniciais no desenvolvimento evolutivo. Devesc acentuar,

160
entretanto, que o evolucionismo não dominou nem obacureceu
o pensamento de Durkheim. Tivesse êle retirado o andaime
evolutivo, e a estrutura de sua teoria permaneceria.
O tratamento que Durkheim dispensou ara fatos sociais
e à consciência coletiva associa importantes verdades socio-
lógicas a pontos de vista enganosos, se não falazes. Era cer-
tamente inevitável que falhasse ao tentar explicar fenômenos
sociais exclusivamente à base de ações e motivações individuais.
A fim dc se tornarem fatos sociais, os atos humanos são sub-
metidos a um processo análogo ao da composição de fôrças,
em que seindividual.
psicologia envolvem Ninguém,
princípios porirredutíveis
exemplo, a quer
princípios de
ou pla-
neja uma depressão econômica em larga escala, mas volta e
meia depressões têm resultado da composição de numerosas
ações individuais para as quais existe grande número de mo-
tivações. Muitos fenômenos nãotencionados e nãodesejados
— depressão, guerra, apatia política, talvez mesmo crescentes
médias de ansiedade neurótica — exigem interpretação social,
e não psicológica. Durkheim ensinou também essa importante
lição. Ao mesmo tempo, e com freqüência, especialmente em
discussões da consciência coletiva, alcançou um grau de rea-
lismo sociológico que parecia negar a significação social da
volição ou decisão individual. A sociedade é real, natural-
mente, mas também o indivíduo, e ambos, devese recordálo,
estão
produz sempre interação.
emresultados,
enganosos Dar prioridade a um ou a outro
afinal.
Mas as exagerações de Durkheim exerceram, sem dúvida,
um papel positivo em suas contribuições principais para a
teoria e o método sociológico. Demonstrou êle convincente
mente que os fatos sociais são fatos sui generis. Difundiu viva-
mente a importância social e cultural da divisão do trabalho.
Analisou a natureza e muitas das conseqüências da solidarie-
dade social. Indicou o papel da pressão social em setores da
atividade humana onde, até então, não fôra notada ainda
Com Max Weber (ver capitulo XIV) chamou a atenção dos
sociólogos para o significado dos valôres e ideais na vida social
Enfrentou complexos problemas metodológicos e demonstrou
com fatos
pesquisa a necessidade, para uma ciência da sociedade, da
empírica.
Subjetivismo Russo

O desenvolvimento da Sociologia russa ilustra um teorema


da Sociologia contemporânea: de que os próprios pontos dc
vista científicos refletem, cm larga medida, as circunstâncias
sociais e culturais. Durante a segunda metade do século XIX,
a cúpula da sociedade russa estava dividida em dois setores:
a burocracia dominante, sustentada pela maioria dos nobres
proprietários de terra; e a intelligentsia,39 consistindo, princi-
palmente, cm profissionais c acadêmicos, mas incluindo tam-
bém minorias substanciais de burocratas liberais e trabalhadores
sociais da gente bem nascida. A burocracia dominante com-
partilhava a ideologia conservadora de que se podem considerar
uma
quantoamostra as opiniõesaderia
a intelligentsia de Danilevsky
às ideologias (verocidentais
capitulo de
IV), libe-
en-
ralismo ou socialismo. Ao mesmo tempo, havia considerável
pressão em cada um dêsses grupos para justificar suas posi-
ções intelectuais cm nível teórico. Uma das respostas a essa
pressão tomou a forma de numerosas teorias sociológicas, a
maioria das quais funcionava para sustentar idéias políticas.
Um tipo de teoria sociológica ainda justifica nossa atenção, a
escola subjetiva, durante muitos anos a mais popular entre a
intelligentsia russa.

LavrovMirtov

A escola subjetiva
Mirtov (18231900), nobre,foi fundada
oficial por Pedroprofessor
de artilharia, L. Lavrov
de

:í N. do T. — À camada de formação intelectual.

162
Matemática, préso cm 1868 por difundir idéias subversivas,
exilado para uma província remota c que finalmente fugiu
para Paris. A formação de LavrovMirtov na Filosofia liege
liana refletese em sua formulação da tríade dialética: soli-
dai icdadeindividualidadeprogresso. Sustentou que os indi-
víduos dotados dc espirito crítico são os agentes do progresso.
Sua* obras principais incluem Resumos de Filosofia Critica
(I860), Cartas Históricas (1870), Ensaios Sôbre a História
do Pensamento (1876) c Os Problemas da Compreensão da
História (1898).

A principal
subjetivo. descoberta
Em Sociologia de LavrovMirtov
e História foi —
— afirmou êle o há
método
al-
gumas verdades tão inalteráveis e absolutas quanto as verda-
des das demais ciências. Mas na Sociologia e na História há
outras verdades que não podem ser descobertas antes de de-
terminados épocas virem a ser, porque sòmcnie em certas ida-
des estão os membros de uma sociedade subjetivamente pre-
parados para compreender questões fundamentais e formular
respostas a elas. A História não se repete; o processo da evo-
lução histórica é progressivo, mas só pode ser percebido sub-
jetivamente. O subjetivisino científico, então, é uma tendên-
cia seletiva na História, que se deve relacionar à Ética e aos
ideais. Embora a própria Sociologia precise ser ideológica,
não se pode postular a priori seus objetivos; devem êles derivar
de um procura
História estudo indutivo
entender oda progresso
sociedade.no Considerando
processo da que
evolu-a
ção, a Sociologia é o estudo da solidariedade de indivíduos
conscientes. O crescimento da solidariedade e o crescimento
da individualidade constituem processos paralelos. A solida-
riedade brota na sociedade animal. Aparece nas relações entre
mãe e filhos. Perpetuase pela imitação e dá srcem ao cos-
tume, que ê um dos seus mais importantes sustentáculos. A in-
dividualidade, antítese da solidariedade, está, não obstante, es-
treitamente ligada a ela, de modo que só anallticamcnte se po-
dem separar êsses dois elementos. Os indivíduos conscientes
são produtos do processo social, e da sociedade recebe o indi-
víduo motivos, conhecimentos e hábitos. Entretanto, desde que
no funcionamento da agregação social sòmente os indivíduos
deliberam e agem, tomase impossível qualquer desenvolvi-
mento sem o pensamento crítico dêles; os que se revelam, en-
tretanto, dotados de espírito crítico formam sempre uma mi-
noria em comparação com as massas. Todavia, a fôrça do
pensamento c a energia da volição atuam como agentes de de-
terminação histórica. A História, então, é essencialmente uma
generalização de biografias individuais. Cumpre reconhecer
o papel decisivo da personalidade que o destino situou no cen-
tro dc cada época — seja monarca, demagogo ou profeta.
O progresso não c forçosamente um movimento contínuo,
mas a participação no progresso é uma obrigação moral im-
posta ao indivíduo que entendeu o seu significado. Uma teo-
ria do progresso é necessária para a elaboração de um progra-
ma de ação. Já que o crescimento da individualidade e o cres-
cimento da solidariedade são essenciais ao progresso, a socie-
dade melhor será aquela em que todos os indivíduos tenham
interesses c convicções semelhantes, vivam cm condições iguais
do cultura e proíbam tôda luta pela existência. O progres-
so só é possível quando os indivíduos que formam a minoria
adiantada da população estão plenamente convencidos de que
os seus interêsses são idênticos aos interesses da maioria. Atra-
vés da História, as minorias raramente se têm movido nessa dire-
ção; cada geração, porém, é responsável pelo que poderia ter
feito, mas deixou dc fazer.

Mikhailovsky

lovskyO (18421904).
primeiro expoente da escolagraduouse
Mikhailovsky foi Nicoiau
cm M.
uma Mikhai-
escola
de Minas e começou sua carreira literária aos dezoito anos,
tornandose depois o editor de um dos mais importantes men
sários russos. Positivista radical, influenciado por Augusto Com-
te e Mill, para ele, como para outros, o problema básico da
época era a reconciliação da verdade c da justiça. A solução
dêsse problema — segundo acreditava — exigia que a Socio-
logia fôsse teleológica e seguisse o método subjetivo descrito
por LavrovMirtov. A Sociologia, para Mikhailovsky, é a ci-
ência das relações interindividuais e intergrupais e das rela-
ções entre grupo c indivíduo. Embora reconhecesse que os
fenômenos sociais constituem uina classe independente de even-
tos, sustentava que a Sociologia, que estuda êsses fenômenos,
sc relaciona estreitamente a outras ciências.
O principal objetivo da atividade social, argumentava
Mikhailovsky, devia ser a luta pela individualidade. Em oposi
ção consciente a Spencer, acreditava que o progresso consiste

164
na aproximação gradual para o desenvolvimento integral de
cada indivíduo e se exprime no rfocréscimo da divisão do tra-
balho social. Considerava injusto e imoral tudo o que retarda
o movimento no sentido da integração pessoal. A luta pela in-
dividualidade é inerente à própria situação que a natureza
atribuiu aos sêres humanos; luta contínua entre o indivíduo
c a sociedade. Olhando para seu próprio tempo, Mikhailovsky
escreveu que o trabalhador ocidental não é mais um indivíduo
independente porque a divisão burguesa do trabalho o degra-
dou. A manutenção das comunidades agrárias pode poupar ao

povoNarussoobra
essa principal
degradação.
de Mikhailovsky, O Herói <r a Massa
(1882), o herói não é ncccssàriamente encarado como um gran-
de homem, mas como alguém cujo exemplo atrai a multidão
para o bem ou para o mal. Os grandes homens são produtos
do meio que molda a multidão. Os homens suspiram por ideais
c seguem prontamente aquêles que, oferecendolhes ideais, exem-
plificam o heroísmo. Finalmente, o herói é o que dá o primei-
ro passo há muito esperado e será agora imitado pela mul-
tidão. A imitação, lei geral do comportamento humano, é
comumente inconsciente. Dado que a consciência e a vonta-
de são usualmente fracas, a tendência para imitar geralmente
prevalece.
LavrovMirtov c Mikhailovsky empregaram o conceito de
possibilidade objetiva. A pessoa individual defronta sempre, na
vida social, com certo número de possibilidades objetivas com
diferentes oportunidades de realização. Uma complexa combi-
nação de circunstâncias, só raramente compreendida, determi-
na qual das possibilidades imanentes em uma situação concre-
ta será materializada. Em muitas ocasiões, a confiança leviana
depositada no fácil advento da possibilidade deseja induzir os
homens e permanecerem inativos e a apoiaremse no desdo-
bramento natural dos eventos. Naturalmente, os indivíduos do-
tados de espirito critico de LavrovMirtov e os heróis de Mikhai-
lovsky não cometem êsse êrro.

Yuzhakou e Kareyev

As idéias dêsses autores foram criticadas e modificadas


por dois outros membros da escola subjetiva. Sérgio M. Yuzha
kov (18491910) e Nicolau I. Kareyev (18511930). Em seu

165
Estudos Sociológicos (1891), Yuzhakov declarou que o próprio
método subjetivo é inaplicável .* Sociologia. Entretanto, susten-
tava a necessidade de apreciar os desenvolvimentos e processos
sociais com base cm uni ideal social (que identificava com a
Filosofia Moral); sôbre este fundamento construirseia uma
teoria científica da sociedade. Mais do que estabelecer a
necessidade de um método particular — declarou cie — a
escola russa demonstrou um teorema importante: que o desen-
volvimento social e impulsionado pelas personalidades. Para a
Sociologia, ignorar ês>o teorema é um êrro sério. Mas desde que
esse teorema é uma proposição substantiva, c não assunto de
procedimento lógico, não constitui base utilizável para a cons-
trução dc um método particular.
Kareyev foi o único acadêmico membro da escola subje-
tiva. lecionando nas universidades dc Varsóvia c São Peters
burgo. Corno Yuzhakov, afinnou que seus predecessores incor-
riam em erro cm uma proposição importante: antes deviam
ter lidado com o fator subjetivo na sociedade do que esposado
o método subjetivo. Similarmente, acentuou a Função do Jn•
divlduo na História (título dc uma dc suas obras principais,
1890). Em 1897 publicou uma valiosa Introdução à Sociolo-
gia em que há um excelente exame sistemático das teorias socio-
lógicas de seu tempo.
A Sociologia era para ele uma ciência nomotética à pro-
cura de leis gerais da vida social, em contraste com a História,
que, sendo limitada a fenômenos concretos, é idcográfica. Ka-
reyev também acentuou que o indivíduo não é um instrumento
passivo da História. Grandes homens são aquêles que possuem
a capacidade de planejar atividades complexas e induzir outroc
a executarem êsses planos. Definiu o progresso como a evolução
para um ideal social; definiu o ideal social como a elevação
gradual dos padrões de vida humana e uma justa divisão do
trabalho entre os homens.

O subjetivismo cm retrospecto
Os membros da escola subjetiva russa concentraramse em
tômo de um dos problemas básicos da teoria, sociológica, a
relação entre o indivíduo e a sociedade. Em expressa oposição
aos marxistas e a Spencer, acentuaram as significativas funções

166
do indivíduo no processo social. Atribuíam aos indivíduos,
especialmente os de mais alto tipo, um papel ativo, que se
identificava com a obrigação de contribuir para o progresso.
Progresso para élcs era inteiramente diferente do que parecia
ser para a maioria dos sociólogos ocidentais, seus colegas. Pouco
interêsse dispensavam ao avanço material e à diferenciação
social. O ideal comum que sustentavam era uma sociedade
de iguais permitindo a autoexpressão para cada um de seus
membros.
Êsscs autores anteciparam, de vários modos, ou desenvol-
veram,
outros idéias que vieram
homens. a identificarse
Assim, LavrovMirtovcom asedescobertas de
Mikhailovsky acen-
tuaram o papel do indivíduo na vida social e na transformação
social, talvez antes de Ward tratar da matéria. Ambos desta-
caram a importância da imitação, muitos anos antes de Tarde
lidar coin a relação de imitação de costume, e quase ao mes-
mo tempo que Bagchot. Sofreram a desvantagem de escre-
ver em russo, de modo que sua interação com os sociólogos
nãorussos era unilateral. Embora os estudiosos russos lessem
àvidamente as obras dos colegas estrangeiros, fora da Rússia
poucos sociólogos se familiarizavam com as realizações deles.
A escola sofreu também a desvantagem da incompreen-
são que cercou o chamado método subjetivo. Muito tempo e
energia foram despendidos em uma controvérsia essencialmente
terminológica antes dos membros mais novos da escola, espe-
cialmente Kareyev, esclarecerem e corrigirem o método. A ra-
zão principal do colapso da escola consistiu, provavelmente, em
que ela fez a Sociologia depender de um ideal social e acen-
tuou juízos de valor como parte intrínseca da Sociologia. O sub
jetivismo não poderia prevalecer contra a poderosa demonstra-
ção de Durkheim (ver capitulo IX) e Weber (ver capitulo
XIV) de que os juízos de valor não devem ser introduzidos no
desenvolvimento da Sociologia teórica.
Todavia, outro aspecto da escola pode ter impressionado
favoràvelmcnte os sociólogos ocidentais: seu ponto de vista sô
br* as possibilidades objetivas. Na forma mais sofisticada da
probabilidade, êste conceito reapareceu nos ensinamentos de
Weber e outros.
A escola subjetiva russa, então, não influiu significativa-
mente no desenvolvimento da Sociologia. Mas muito do que
seus membros disseram sôbrc o papel do indivíduo na Histó

167
iffilS it!;,»»!!;*

iin.msfmtt*

rlrílfl friillnltdtl
mens cm interação. Como também o teorema dc Durkheim
dc que oí fatos sociais são fatos sui generis, irredutíveis a pro-
porções biológicas ou psicológicas (embora hoje êste ponto de
vista não esteja inteiramente fora dc controvérsia). A dico
tomia do Toennies, dos grupos sociais, contribuiu para a possi-
bilidade dc sua classificação científica c a identificação de
traços comuns a todos os tipos dc sociedade. Como contribui
ção à compreensão do papel das fôrças culturais c sociais na
conduta humana, a persistente investigação dc Durkheim sô-
bre a função da consciência coletiva foi, dc fato, um passo im-
portante, dc um dos pioneiros da Sociologia de hoje.
Ademais, persistiu a ênfase atribuída por Simmel à inte-
ração humana como unidade básica da pesquisa sociológica.
Toennies c Durkheim contribuíram significativamente para a
compreensão da interação cooperativa. O darwinismo social,
embora exagerasse o papel do conflito, lançou a base dc uma
teoria científica da interação antagonística. Os escritos dc No
vicow ajudaram no desenvolvimento dc uma teoria do conflito;
c Sumner chamou a atenção para a correlação entre a soli-
dariedade dentro dc um grupo particular e o antagonismo para
com os grupos de fora.
Pertence a Tarde a honra de ter compreendido a grande
importância da imitação na vida social. Contudo, ao tempo
em que escreveu, sua realização não foi plenamente com-
preendida, em pane devido à declarada oposição dc Giddings
e Durkheim. Relembrese também que alguns dos pontos de
vista de Tarde sôbre a imitação foram antecipados por Bagehot
c pelos subjetivistas russos.
Partindo de diferentes premissas, Sumner, Toennies e
Durkheim deram largos passos iniciais no estudo sociológico
do aspecto normativo da interação humana. Sumner esbo-
çou uma explicação do aspecto transpcssoal das normas sociais;
Toennies delineou um método de classificar normas, sob o pon-
to de vista sociológico; e Durkheim, usando a enganosa lin-
guagem do realismo social, procurou demonstrar o papel bá-
sico das normas dc grupo na vida social.
O segundo período na história da teoria sociológica foi
altamente fecundo em teorias sôbre as relações entre a socieda-
de e o indivíduo. Ward, Giddings, Tarde c os subjetivistas
russos revoltaramse em seus trabalhos contra o dogma das
fôrças sociais impessoais que sc impõem aos indivíduos e com-

170
pelem os homens a serem espectadores, mais que atôrei, da
cena social. Entretanto, o elemento de valídez contido no i«*a
lismo sociológico (a adscrição, à sociedade, de uma realidade
independente) foi hàbilmente apresentado por Gumplowic/.
Sumner, particularmente por Durkheim e respcitàvelmente pe-
los organicistas (dc cuja obra a contribuição de Schafflc foi
a mais impoi lante).
Poucas definições formais dc Sociologia surgiram nc«se pe-
ríodo. A dc Siimncl representou um claro avanço sôbre as
primeiras. Mas o problema da definição dificilmente existiria,
quanto
a ciênciaàdamaioria
evoluçãodos evolucionistas;
social para cies,
como a viam Comte a Sociologia era
e Spencer.
Debateramse com calor as questões de método, mas in-
frutiferamente, muitas vêzcs; o método a ser provàv cimente
recomendado seria apenas o corolário do teorema sociológico
básico sôbre o determinante fundamental da transformação so-
cial. Simmel, um dos maiores pensadores sociológicos de seu
tempo, confessou que não tinha nenhum método definido a
oferecer. Os russos pensaram que haviam inventado um nôvo
método, mas afinal simplesmente acentuaram o papel da per-
sonalidade no processo social. Os métodos quantitativo e de
estudo de caso, defendidos por Quételct e Le Play durante o
primeiro período, continuaram largamente inaplicados, na cor-
rente principal da teoria sociológica, até bem recentemente.
Somente Durkheim ofereceu uma metodologia bem desenvol-
vida, acentuando as exigências de uma ciência empírica; suas
significativas contribuições, porém, foram parcialmente vicia-
das por sua adesão à linguagem e, is vêzcs, à substância do
realismo social.
Em conclusão, podese dizer que a maioria das teorias aqui
examinadas são unilaterais ou responderam somente a poucas
perguntas básicas da teoria sociológica. Os organicistas c
Simmel dedicaramse primàriamcntc à natureza da sociedade;
os vários tipos de evolucionistas estavam principalmente inte
teressados no fator preponderante da transformação social; os
subjetivistas russos devotaramsc à relação entre a sociedade e
o indivíduo. Dos sociólogos dêsse período, Durkheim foi o que
mais se aproximou dc uma teoria sociológica sistemática ainda
hoje utilizável.

/;/
CAPITULO XI

0 Declínio do Evolucionismo e a
Ascensão do Neopositivismo

As vésperas do século XX a evolução era um dogma co


mumente aceito e cuja predominância ultrapassava os limites
da Sociologia. Sob a influência de Spcncer e seus discípulos,
certo número de cientistas procurava descobrir os estágios pre
estobelecidos ou necessários do desenvolvimento de determi-
nadas fases da vida social c cultural. Afirmavam, por exemplo,
que a evolução da família teve srcem na promiscuidade se-
xual,
(clã) passando,
e da famíliaa seguir, pelos (gens)
patriarcal estágiosaté dachegar
famíliapormatriarcal
fim à
pequena família conjugal de nossa época. Os economistas di-
ziam, às vezes, que a humanidade evoluíra através dos suces-
sivos estágios da coleta, da caça, da criação de gado, da agri-
cultura e da indústria. A técnica consideravase resultante de
três ou quatro “idades**: da madeira, da pedra, do bronze e do
ferro. No setor legal, descreviase a evolução como um movi-
mento partindo da propriedade comunal para a individual, do
status para o contrato. Na sucessão de divindades mágicas
anixnistastotêmicaspessoais denunciavamse nítidos estágios da
evolução religiosa. No domínio da política, apresentavase a
democracia como o vértice de uma linlia evolutiva em visível
ascensão. Havia dúvidas, naturalmente, quanto à exatidão
das
vam seqüências
que estas edúvidas
dos estágios, mas os evolucionistas
seriam dirimidas acredita*
pelo estudo posterior.
Alguns sociólogos e outros cientistas sociais preferiam coretmir
seus sistemas teóricos sôbrc alicerces diferentes; mas também
esses pagaram, mais amiúde do que deixariam de pagar, seu
tributo ao dogma que parecia coroar o edifício das Ciências
Biológicas c Sociais.

O pensamento evolucionista recente

Gradualmente, entretanto, acumularamsc as dificuldades.


Dcscobrirainsc fatos que não sc enquadravam no esquema evo-
lutivo ou quo incitavam os cientistas sociais a tentativas novas.
Alguns estudiosos, porem, considerando invicto o cvolucionis
nx>, ensaiaram
tomassem emendar
compatível com a o doutrina
avanço edo darlhe formas Interes-
conhecimento. que a
sam ao presente estudo os ensinamentos de três deles.
Máximo M. Kovalevsky (18511914), embora de srcem
russa, passou os anos mais profícuos de sua existência na Eu-
ropa ocidental e deu grande atenção à sua história econômica e
jurídica. Como sociólogo, mantevese alheio à escola subje-
tiva russa (alguns membros da qual queixavamse amarga-
mente dêsse alheamento). Chegando a presidente do Instituto
Internacional dc Sociologia, cm 1907, pode, portanto, ser con-
siderado um eminente representante das últimas idéias evo
lucionistas na Europa ocidental.
Kovalevsky era decididamente evolucionista, porém mais che-
gado a Augusto
os estágios através Comte do as
dos quais que sociedades
a Spencer.
hão Tentou delinear
dc passar por
necessidade interna, mas não pendeu para o ponto de vista
spcnccriano da evolução cósmica nem para a identificação da
evolução social com a biológica. Sua obra constitui aquêle tipo
de síntese geradora das Ciências Sociais concretas, proposta
por Ward como tarefa central da Sociologia. Publicou vários
volumes ciu russo, alemão c francês, dedicados ao desenvol-
vimento econômico da Europa ocidental, às srcens da demo-
cracia moderna, à evolução da democracia direta para a re-
presentativa.40 Com base nesses estudos, e em outros ma-
teriais próprios e alheios, publicou em 1910 dois volumes de
Sociologia, em russo.

40 As obras principais de Kovalevsky, de acêrdo com êsses prin-


cípios. são: O Desenvolvimento Eeonimieo da Europa Até a Advento
do Capitalismo (18981903); A Origem da Democracia Moderna
(189597) e Da Democracia Direta à Democracia Representativa (1906).

176
Neste último estudo, dedicouse largamente ao problema
dc demonstrar os estágios essenciais da evolução social. Espe-
cificando melhor, Kovalevsky tentou identificar e correlacionar
estágios em diferentes áreas de vida sociocultural. Fugiu à
desavisada conclusão de que similaridades entre dois ou mais
processos concretos estabelecem entre êles uma relação de ne-
cessidade evolutiva, reconhecendo a possibilidade de imita-
ção e dc difusão cultural. Negou enfaticamente prioridade ou
supremacia a qualquer fator particular no desenvolvimento evo-
lutivo, embora acreditasse que, nos primeiros estágios da evo-
lução,estratégica
sem as transformações
importância nano densidade
estimulo adatransformações
população tives-
pos-
teriores. Reconhecia a existência de variações ou desvios das
linhas retas da evolução, mas achava que o respectivo estudo
devia scr adiado até que os sociólogos conseguissem estabelecer
as similaridades sociais e culturais c reduzilas a leis gerais.
Finalmente, assinalava que as sociedades primitivas contempo-
râneas são contemporâneas e, portanto, não representam ne
cessàriamente estágios iniciais em crescimento evolutivo, fato
ainda hoje negado ás vêzes.

Os trabalhos de Kovalevsky contrastam incisivamente com


os dc Alfred G. Keller (18741942), destacado representante
americano do evolucionismo
ga e discípulo de Sumner (ver recente. Keller
capitulo V), foi
cuja aluno,
cátedracole-
as-
sumiu em Yale após a morte daquele. Não conseguira Sumner
estabelecer a relação entre o desenvolvimento dos mores e a
evolução orgânica, problema a que se dedicou Keller na prin-
cipal obra que escreveu, Societal Evolution (1915).
Êsse livro é uma tentativa de deslocar o evolucionismo do
tipo spenceriano, considerado por Keller antes filosófico do
que cientifico, para uma base darvriniana — tarefa que, a seu
ver, os darwinistas sociais haviam conduzido mal. Assim, a
fórmula spenceriana de transformação da homogeneidade in-
coerente em heterogencidade coerente é substituída peia de
“variação, seleção, transmissão de adaptação", princípios a apli-

car aosocial
pnma processo mental
dos mores primário6 adafôrça
. Variação evolução
que põesocial e à matéria
a evolução
em movimento, embora não fique bem claro como e por que
isto aconteça. Mas o fato de que os costumes sejam, em tôda
parte, idênticos indica a ubiqüidade das variações not mores.

U
177
variações que refletem diferenças de grupo em reação mental
ao meio. E tais reações são seletivas, seguindo os caminhos
mais agradáveis aos homens. Keller localiza três tipos de se-
leção social: a automática, não envolvendo nenhuma adapta-
ção deliberada de meios a objetivos conscientes, e revelandose
na guerra, na luta de classes, na concorrência; a racional, aná-
loga à arte dos criadores e dando, assim, certa margem à ca-
pacidade do homem de controlar o sentido da transformação
(margem todavia grandemente limitada); e a contraseleção,
que, através de práticas como guerra, baixa fertilidade nas "clas-
ses superiores”, casamento tardio, celibato, e indústria mo-
derna, permite a sobrevivência dos bioldgicamente menos aptos.
A transmissão, terceiro princípio de Keller, considerando que
os mores não são biologicamente hereditários, referese ao papel
da imitação automatica e da educação artificial, na preservação
das tradições da sociedade. Os processos de variação, seleção c
transmissão tornam possível, finalmente, a adaptação nos mores.
Cada costume ou instituição, conquanto cm contradição com
outros (c, devese observar, Keller foi um dos primeiros a cha-
mar a atenção para os desajustamentos provocados pelas mé-
dias desiguais dc transformação nos mores), é o resultado da
adaptação do homem às condições ambientes.
Êstc breve resumo da aplicação de Kcller dos conccitos
darwinianos à evolução social não faz a devida justiça à ha-
bilidade
porém, foicomo que
maiorêle esforço
se desincumhiu
final dêssede tipo.
sua Otarefa. O seu,
conhecimento
sociológico tem progredido consideràvelmente desde a publica-
ção do livro de Keller, mas poucos avanços (se algum) têm
sido feitos segundo a orientação de Societal Evolution, o que
sugere ao menos que o desenvolvimento cientifico se encontra
em qualquer outra parte.

O terceiro autor a ser considerado e o filósofo social e


antropólogo inglês Leonard T. Hobhouse (18641929), que
reconheceu plenamente a falência do evolucionismo extrema-
do, sobretudo as variantes danvinianas, mas esperava salvar
tudo que dêle se pudesse utilizar com eficácia na Sociologia
moderna.
Sob o ponto de vista da Sociologia empírica, a mais im-
portante de suas obras é Social Development (1924), onde
tenta formular critérios que incluem: tamanho, eficiência (isto

178
é, adequada coordenação dc funções para fins especifico*) I
liberdade (considerada como o limite permissive! à indepen-
dência de pensamento, caráter e imitação), e mutualidade de
serviço (ou a organização de relações sociais de modo que
cada um dos que servem a fins comuns também participe de
seus resultados). Como filósofo social, Hobhouse não só rejei-
tou a concepção radical do desenvolvimento evolutivo, e a dou-
trina extrema do laissezfaire, como advogou um coietivismo
modificado; acreditava que a própria evolução social repousa,
cada vez mais, no controle consciente. Tais convicções in-
fluíram sem dúvidn em sua escolha dc critérios referentes ao
processo evolutivo. A aplicação desses padrões a materiais etno-
gráficos comparativos, entretanto, representa um esfôrço subs-
tancial para o teste objetivo das hipóteses (qualidade também
visível em Morals in Evolution, volume bem anterior, publi-
cado em 1906). Embora as conclusões dc Social Development
sejam francamente inconseqüentes, elas indicam, conforme es-
clarece Hobhouse, que as sociedadcs tanto podem retroceder
quanto avançar, ao longo de uma ou mais das quatro linhas
traçadas pelos critérios da evolução humana.
Essa afirmativa está de acôrdo com a prova oferecida
era The Material Culture and Social Institutions of the Sim-
ples Peoples (1915), obra em colaboração de Hobhouse, Morris
Ginsberg evolucionista
princípio e Gerald T. deWheeler;
que onela os autores examinaram
desenvolvimento das institui-o
ções sociais é correlato às transformações das condições econô-
micas. Estudaram mais de quatrocentas sociedades, empre-
gando técnicas estatísticas rigorosas na classificação dos está-
gios dc avanço c das instituições políticas, familiares e militares,
entre outras. Enquanto certas correlações são evidentes nas
numerosas tabelas dêsse volume (por exemplo, entre o estágio
dos “caçadores inferiores" e as instituições políticas nascentes)
não sc demonstrou — ou argüiu — nenhum caso de primado
das condições econômicas ou de regularidade no processo
evolutivo.

O desafio empiric o ao evolucionismo


Os últimos evolucionistas travaram uma batalha perdi-
da, com suas tentativas de remendar o evolucionismo. Já no
século XIX surgiram dúvidas sôbre a doutrina, e muitas delas

17$
nasceram de estudos mais ou menos empíricos de hipóteses
tipicamente evolucionistas.
Lm dos colegas de Hobhouse, por exemplo, o estudioso
finosueco Edward A. Westermarck (18621939), levou anos
examinando materiais etnográficos numa tentativa de refutar
o postulado da promiscuidade sexual como primeiro estágio
da evolução da família humana; muitos evolucionistas (Mor-
gan, por exemplo) sustentaram esse postulado, embora alguns
dos primeiros antropólogos, como Tylor, não o aceitassem.
As conclusões de Westermarck, publicadas em The History of
Human Marriage (1891), demoliram com êxito a hipótese
da promiscuidade srcinal. Afirmou êle, com base em evi-
dencias da vida dos antropóides bem como das sociedades hu-
manas, que o homem foi srcinàriamente monogâmico e que o
tipo simples da íamília patemalística e o mais antigo e universal.
Embora os antropólogos modernos tenham abandonado a pes-
quisa das srcens das instituições, e tenhain produzido farta
documentação sôbre grande variedade de sistemas de família
culturalmente normais, concordam, via de regra, em que o
comunismo sexual não caracteriza nenhum estágio ou tipo de
sociedade humana e que todos os sistemas de família, por ex-
tensos que sejam, envolvem combinações da família nuclear ou
conjugal de pais c filhos.
A refutação de Westermarck à promiscuidade primitiva
foi acompanhada, paralelamente, por investigações doutrinárias
sôbre a evolução econômica, a partir de um primitivo comu-
nismo srcinal (como o aceito, por exemplo, por Engels). Fa-
zendo novamente uso de estudos etnográficos, demonstrouse
que, enquanto a propriedade comum da terra era amplamente
difundida entre os povos primitivos, os direitos da proprieda-
de privada — sôbre ferramentas, armas, roupas, etc. — tam-
bém faziam parte de suas instituições. Ficou provada a in-
coerência, entre os fatos conhecidos e o ponto dc vista evolu-
tivo, sôbre uma série dc estágios econômicos de crescimento,
da caça à criação dc gado e à agricultura; houve um estudioso,
Hahn, por exemplo,41 que revelou a coexistência do exercício
da caça, pelo macho, e do recolhimento de produtos selvagens

da terra, pela femea. Descobriramse campos em que a agri-

4* E. Hahn, Die IfausthUr* und ihle Betlehungsn zuj Wirttc


ha/t dts Menschen (1896).

180
cultura dc desenvolvera sem o suposto estágio intermediário da
criação de gado, como entre muitas sociedades indígenas
americanas.
Os pontos de vista evolucionistas, relativos ao progresso
das instituições políticas, mostraramse mais consistentes do
que estas teorias econômicas. Os acontecimentos das últimas
décadas, porém — cumpre observai* —, deitaram um sôpro de
morte sôbrc a fase política do evolucionismo.
Também surgiram dúvidas quanto â justeza dos métodos
utilizados pelos evolucionistas: êles habitualmente pretendiam
estar empregando o método comparativo, embora na realidade
seu critério fôsse, geralmente, ilustrativo. Reuniamse, com
freqüência, provas selecionadas de culturas muito diferentes,
com o fim de testemunhar os estágios evolutivos; fenômenos
que não se enquadravam no esquema cvolucionista eram dados
como sobrevivências de estágios mais antigos, e os casos indi-
viduais eram asim classificados porque não alicerçavam esta
ou aquela teoria evolutiva. Freqüentemente, portanto, fechava
se num círculo o raciocínio dos evolucionistas. Maís ainda:
grande parte das provas que éles ofereciam não merecia con-
fiança, baseandose antes em relatórios de viajantes e missioná-
rios do que nos de cientistas. Finalmente, imaginouse que a
primitiva cultura contemporânea representasse os primeiros es-
tágios do crescimento evolutivo.
Descontados esses erros, os evolucionistas ainda poderiam
ter mantido uma versão modificada de sua doutrina, apoiados
na habilidade que revelaram cm explicar surpreendentes si-
milaridades, quanto a instrumentos, materiais, c instituições
sociais, entre povos separados por vastas distâncias. A expli-
cação, entretanto, que deram as tais similaridades era que elas
englobam estágios de evolução pelos quais tôdas as sociedades
humanas hão de passar. A expansão dos conhecimentos sôbre
a difusão cultural à base dc imitação veio pôr em xeque essa
linha dc raciocínio.
O renomado geógrafo alemão Friedrich Ratze! (1844
1904), cio sua Anlhropogeographic (1892), havia ji notado
similaridades culturais em sociedades marcadamente dtssixni
lares quanto ao meio, similaridades que só podiam, portanto,
ser explicadas como conseqüências do contato. £sy ponto de
vista coincide com o das Lois de limitation (1890) de Tarde,
em que o autor procura estabelecer o processo de imitação
como a mola do virascr social. A teoria era um exagero,
inas serviu para trazer à tona o importante papel da imitação
nos contatos humanos. No início do século XX, o etnólogo
alemão Fritz Graebner publicou uma série dc estudos culmi-
nando com Métodos da Etnologia (1911), em que nega a ocor-
rência dc muitas invenções independentes e declara que a di-
fusão das invenções é um fenômeno muito cncontradiço. É cer-
to que excessos c conjcturas infundadas marcam as obras dele
e da maioria de seus seguidores; mas a hipótese da difusão en-
controu apoio considerável em certo número de descobertas
arqueológicas, a indicar que vários itens da cultura material,
pelo menos, tinham viajado do lugar dc srcem até regiões
surpreendentemente distantes, nos períodos iniciais da Histó
na humana. Conchas marinhas e ossos de peixe, por exemplo,
remanescentes da Antiga Idade da Pedra (palcolitica) foram
encontrados muito longe de praias marítimos, sugerindo a exis-
tência de um comércio entre caçadores dc renas e tribos lito-
râneas. Na Bélgica apareceram pederneiras produzidas na Fran-
ça durante a Nova Idade da Pedra (ncolítica); conchas mari-
nhas da mesma época viajaram para a Alemanha e a Tchccos
lováquia. Descobriuse que o trigo da Dinamarca c as ove-
lhas ali criadas cm épocas posteriores vieram dc outra parte,
não sendo descendentes das espécies selvagens do Noroeste eu-
ropeu; a obsidiana, usada no Egito e na Mesopotâmia, veio da
Armênia
antes pelose deegípcios
Meios; e achouse
sumerianoslápislázuli no Irã, evolucionistas
.42 Os clássicos usado muito
não desconfiaram dc fatos como estes, cuja descoberta privou
a escola de uma de suas últimas linhas dc defesa.
Tal conclusão não quer dizer que nada sobrevivesse ao
colapso do evolucionismo: algumas cie suas contribuições con-
tinuam a ser úteis na estrutura da Sociologia contemporânea.
As investigações dos evolucionistas estabeleceram paralelismos
parciais entre determinados costumes, crenças e objetos mate-
riais. Embora não demonstrassem nenhum preestabelecido está-
gio de avanço, apesar dos esforços monumentais realizados nes-
te sentido, seus estudos corroboraram a sensata noção de que
certas coisas vieram antes e outras depois. As sociedades sem

organização política diferenciada, por exemplo, deram lugar

O Essas ilustrações foram extraídas de V. Gordon Childe, “A


Prehiitorian’s Interpretation of Diffusion", Harvard Tercentenary Pu-
blications, vol. Ill (1937).

182
a chefes cuja posição se baseia a principio em qualidades pes-
soais, mas tende a tornarse hereditária. Os instrumentos sâo
simples, de inicio, c gradualmente se tornam mais complexos.
O transporte se faz inicialmente a pé; depois vêm técnicas
cada vez mais requintadas. Em resumo, podese dizer que os
estudos dos evolucionistas confirmaram a convicção de que hi
certa ordem na transformação social e cultural, e vieram mos-
trar que uma teoria sistemática da transformação precisa in-
cluir a noção das causas operativas do processo histórico.tt
A validez dessas contribuições explica amplamente algu-
mas sobrevivcncias do evolucionismo até o dia de hoje; sobre 
vivências que serão tomadas em consideração ao estudarmos
o quarto período do desenvolvimento da teoria sociológica (ver
capitulo XXI).

As raizes do ncopositivismo

Acompanhou o declínio do evolucionismo o surto de uma


nova tendência, a que se deu ultimamente o nome de neoposi
tivismo. Durante o período cm estudo aparecem claramente
no horizonte três elementos dessa tendência, que se combi-
naram com cs remanescentes do evolucionismo nos últimos es-
critos de Giddings. £sses três elementos são o quantitativismo,
o behaviorísmo e a cpistcmologia positiva.
O quantitativismo realça a enumeração e a medição como
métodos de estudo essenciais k investigação científica em qual-
quer campo, inclusive o da Sociologia. Recordese que êsse
realce foi dado por Quételet (ver capitulo IV) na primeira
metade do século XIX, tendo sua influência atingido a So-
ciologia através da Biologia. O Quantitativismo logrou apoio
posterior c mais fone por parte de Francis Galton (18221911),
o qual, em Hereditary Genius (1869) e English Men of Science
(1874), de caráter francamente estatístico, chega à conclusão,
quanto à transmissão dos traços familiares, de que são, antes de
tudo, herança biológica, embora os dados que oferece também
apóiem o ponto dc vista oposto — de que a transmissão de

43 Êste resumo reprodux em forma sucinta o que foi ofeitddo


por A. Goldenweiser, "Contributions of Anthropology”, na ConUm
p/nary Social Theory, organizada por H. E. Barnes e H. Becker (Nova
York, AppletonCentury, 1940).
qualidades como a capacidade de invenção e de realização, em
vários campos, é de natureza essencialmente social. O segui-
dor dc Gallon, Karl Pearson (18571936), publicou uma obra
intitulada The Grammar of Science (1892), que se tomou o
evangelho dn ncopositivismo, apoiando fortemente o quantlta
tivismo c outros elementos do mesmo critério.
O behaviorismo )& sc encontra, em embrião, na obra de
Pearson. Mas veio a abrir caminho especialmente depois que
um psicólogo americano, John R. Watson (187S ), deu
lhe forma precisa e radical, numa série de publicações, 44 de-
senvolvendo c exagerando as idéias do famoso fisiólogo russo
Ivan Pavlov (18491936), descobridor do reflexo condicio-
nado. Watson asseverou que a “consciência** é objetivamente
incognoscível, que a introspecção não constitui fonte de co-
nhecimento cientifico, e que, conseqüentemente, a Psicologia
e, por ilação, a Sociologia devem estudar sòmente a conduta
observável. Podese reduzir tôda conduta humana — decla-
rava Watson — a um quadro de reflexos condicionados, nos
quais sc distinguem estímulos (condições especiais em que
ocorre a conduta) c reações (conteúdo da conduta assim es-
timulada). Com semelhante ponto de vista, uma análise bas-
tante refinada dc estímulos c dc reações explicaria todos os
aspectos c formas dc conduta humana. De acõrdo com essa
formulação, a conduta verbal pode ser considerada estímulo (de
outra ação) e reação;
behaviorista mas no
coerente nãoestudo da conduta
levaria verbal um
cm conta o sentido das pa-
lavras, porque "sentido" implica observação introspectiva.
A epistemologia positivista tem raízes na Filosofia prag-
mática de William James (18421910), John Dewey (1859
1952) c posteriormente Bertrand Russell (1872 ). Ainda
uma vez, porém, Pearson vem representando a mais forte influ-
ência individual sôbre a Sociologia: restringiu o conhecimento
a impressões sensíveis e seqüências correspondentes. A reali-
dade de uma coisa — afirmou — depende da possibilidade dc
sua ocorrência, no todo ou em parte, como conjunto de im-
pressões sensíveis. Que ocorra certa seqüência de impressões
sensíveis é questão da experiência que manifestamos no con-
ceito de causação. Quando somos capazes de observar certa
1am

44 Sua Psychology from the Standpoint of a Behaoiorist apare-


ceu era 1919.

184
regularidade nas impressões sensíveis, falamos de leis — soera»
constatações de periodicidade ou recorrência. A lei, portanto,
não acrescenta nenhum fator necessário a essas seqüências; a
necessidade é, na realidade, um conceito humano, só ilògicamen
te transferido para o mundo das percepções.

0 evolucionismo c o neopositivismo combinados: o último


Giddings

Os tres elementos do neopositivismo, especialmente o quan


thativismo e, sob certos aspectos, o behaviorismo, combina mse
nos últimos trabalhos dc Giddings (ver capitulo VI sôbre seus
primeiros pontos dc vista). Já na Inductive Sociology (3901),
debateu ele o método estatístico, que acreditava scr uma for-
ma quantitativa do método comparativo e histórico; advoga,
nessa obra, a análise tabular, por êle antes considerada como
estatística inexata, e aqui e ali apresenta fórmulas matemáti-
cas e gráficos estatísticos. Também o tratamento que dispen-
sa à consciência da espéde é precedido de uma discussão geral
sôbre a reação da matéria nervosa a estímulos externos.
No prefácio de Studies in the Theory of Human Society
(1922), Giddings reconhece a necessidade de rever sua posi-
ção inicial. *‘A Lógica... substituiu classificações por distri-
buições dc freqüência” — ênfase quantitativa. MA Psicologia
tornouse experimental e objetiva, fez discriminação entre o
reflexo c o condicionamento” 45 — ênfase behaviorista. A An-
tropologia descobriu mais variações da sociedade primitiva do
que os primeiros antropólogos podiam suspeitar — reconheci-
mento da falha das seqüências lineares, cm que os evolucionis
tas (inclusive o próprio Giddings) haviam acreditado. Entre-
tanto, não rejeitou completamente o evolucionismo nem desis-
tiu do estudo tia "consciência da espécie”, embora fôsse difícil
reconciliar essas tarefas com o behaviorismo. Uma tentativa
de reconciliação aparece em The Scientific Study of Human
Society (1924), a última obra importante que publicou: “Cons-
ciência. .. é nome para um fenômeno fisiológico e não para
um mistério ontológico... é um estado de alerta e atenção,

" Pág. VI.


185
altamente integrado, dc um organismo.”46 Não há nenhuma
certeza que os behavioristas radicais considerassem de acôrdo
com os seus cânones essa definição.
O quantitativismo impressionou grandemente Giddings, nos
últimos anos dc vida. Retomando a idéias e procedimentos
que aprendeu com MayoSmith47 c referindose às obras de
Quételet, Galton e Pearson, Giddings declarou que “a Socio-
logia (c) uma ciência estatística em método” e sustentou que
“uma descrição verdadeira e completa dc qualquer coisa pre-
cisa incluir sua medição”.48 Esperava que as estatísticas fos-
sem aplicadas ao estudo da evolução social, especialmente à
determinação de tipos sociais c aos desvios dos mesmos. Parte
dos Scientific Studies sublinha certas técnicas estatísticas, en-
tre elas o cálculo do coeficiente dc corrcluçuu, e aconselha sua
aplicação a dados sociais. Apresenta aí resumos dos resultados
de alguns de seus próprios experimentos na contagem e me-
dição dos fenômenos sociais (totalmente inadequados do ponto
de vista da Estatística moderna), apresentando e fazendo su-
gestões para estudos posteriores cm obediência a linhas seme-
lhantes — por exemplo, medindo vaiôres sociais pelo cômputo
dos sacrifícios c avaliando pressões sociais pela análise do con-
teúdo dc leis.
O bchaviorismo substituiu amplamente a Psicologia vo
litiva das primeiras obras de Giddings. Êle descreveu a Socio-
logia como Psicologia da sociedade e sustentou que seu objeto
é a conduta pluralística, expressão que cunhou juntamente com
o phtrel. O plurel 6 a contrapartida bchaviorista do grupo,
enquanto a conduta pluralística é a reação de um plurel a uma
situação estimulante. As reações dos indivíduos que formam
um plurel podem ser similares ou dissimilares, mas a conduta
pluralística tem suas próprias condições e formas, diversas das
da conduta individual. A Sociologia enfrenta duas tarefas:
primeiro, decompor situações estimulantes em fatores que pro-
vocam a conduta pluralística; segundo, explicar a gênese, in

" Pág. 14, nota.


ei O Professor
Universidade Richmond
de Colfimbia MayoSmith
entre 1880 c 1899 (18541901) ensinou
; 6 muitas vézes na
consi-
derado o primeiro homem que lecionou Estatística em nível científico.
Sua Statistics and Sociology aparcccu cm 1895.
48 Studies, pig. 252; Theory, pág. 189.
tegraçSo, diferenciação e funcionamento da conduta pluralb
tica. Giddings planejou êssc programa para a Sociologia; não
o realizou. Mas a própria constatação é um legado do \rlho
estudioso à vindoura geração de sociólogos, entre os quais ha-
via muitos alunos seus da Universidade de Columbia.
Só incidentalmente Giddings se permitiu generalizações
radicais, antecipando os resultados da obra formidável a ser
realizada. Declarou, entretanto, que o estudo dos fenômenos
sociais pelo método estatístico já demonstrara que o processo
social era teleológico, além de fisicamente evolucionista. £ as-
severou que a evolução estava conduzindo ao progresso que
se manifesta no aumento dc liberdade, poder e felicidade
individuais.
O evolucionismo, como vimos, tomavase ràpidamente
uma doutrina quase morta. Mas o neopositivism© estava des-
tinado a vencer a cega fidelidade que lhe dedicavam muitos
sociólogos, cujos pontos de vista de alguns dêles focalizaremos
no capítulo XV.

/17
CAPITULO X11

Charles H. Cooley e W. I. Thermos

N o início do século XX, enquanto o evolucionismo travava


sua batalha perdida c o ncopositivismo apenas principiava a
emergir, registravase na Sociologia o surto de uma signifi-
cativa tendência a que se poderia chamar Sociologia psico-
lógica, representada por destacados estudiosos, e talvez pelas
mais duráveis realizações desse período. Nos Estados Unidos,
Charles H. Cooley e William I. Thomas foram os mais altos
expoentes da Sociologia psicológica.

Charles H. Cooley

Cooley (18641929) nasceu em Ann Arbor, Michigan. A


não ser durante curtos intervalos, ai passou a vida inteira, es-
tudando e lecionando na Universidade dc Michigan. Como
professor e autor, deixou marca na ciência social americana
— na Sociologia, na Psicologia Social e na Economia institu-
cional. Mas não quis deixar a vida que levava, de serena con-
templação, recusando, por exemplo, uma cadeira na Univer-
sidade de Colúmbia, na fcbrícitantc “mégalópolis" dc Nova
York, embora atuasse (relutantemente) como presidente da
Sociedade Sociológica Americana, em 1918.
Essa existência relativamente parada, numa comunidade
média do CcntroOcsie, refletiuse bem no estilo de seus tra-
balhos, que se caracterizam pelo equilíbrio e pela manifesta
fidelidade â tábua de valôres da sociedade agrária americana,
que êle conhecera antes dos anos turbulentos da industrialização.

198
A* principais obras dc Cooley incluem Human Slur*
and the Social Order (1902), Social OrQanUatinn (1909), e
Social Process (1918); a última é, cm boa pane, uma reafir-
mação das duas primeiras. Morto Cooley, foi publicada uma
coletânea dc estudos seus, sob o título Sociological Theory and
Social Research (1930); apesar do titulo, aí só se encontra
um capítulo de importância para a teoria sociológica: “The
Roots of Sociological Knowledge".
O sistema de idéias de Cooley representa a fusão dc diver-
sas tendências. Grandemente influenciado por figuras literá-

rias, comocomo
ciologia Emerson,
de uma Thoreau c Goethe
ciência (Cooley
“artística"), falava
talvez da sido
tenha So-
Schãffle, mestre da escola organicista (ver capítulo VII), o
sociólogo que inicialmente mais o impressionou. De qualquer
maneira, Cooley denominou orgânico o seu ponto de vista,
embora tal organicismo, como adiante sc verá, não seja o
de Schãffle nem o de outros representantes dessa escola.
Naturalmente, tratandose de uma pessoa cujas opiniões
se formaram no último quartel do século XIX. Cooley era
de certo modo um evolucionista. A primeira de tu&s obras
principais abrese com esta frase: “Se aceitamos o ponto de
vista evolucionista..,” E vinte anos depois começou um ar-
tigo, sôbrc hereditariedade e meio,40 observando: “Chegamos
recentemente a olhar para tôdas as questões sob o ponto de
vista evolucionista." A despeito dessas afirmações, nos livros
de Cooley dificilmente se encontra o evolucionismo no sentido
estrito do têrmo. Êle se atinha mais à evolução do ser social
individual — o eu social — do que ao desenvolvimento do pro-
cesso histórico global Ao discutir História encaraa em rela-
ção com o desenvolvimento do eu social, sem nenhuma preo-
cupação em identificar estágios de evolução social. No artigo
acima citado, afirma, pitorescamente: “A História parece fluir
em dois canais bem distintos. Talvez como um rio c uma es-
trada ao longo da margem, duas vias de transmissão: o rio é
a hereditariedade, transmissão animal; a estrada é a comuni-
cação, transmissão social. Um flui através do plasmaembrião;
a outra vcui através da linguagem, do intercâmbio e da edu-
cação. A estrada é mais recente do que o rio.** £sse artigo foi

"Heredity and Environment”. Journal of AphlUi Sociology


X, iu* 4 (marçoabril, 1926), págs. 303307.

m
escrito em meados de década de 1920, tomando seu autor
uma posição coerente com o ponto de vista cultural que vinha
então ganhando destaque na Sociologia americana.
Embora não se interessasse pelo estudo da grande curva
evolutiva da História, Cooley compartilhou da fé contemporâ-
nea no resultado benéfico do processo cm curso. A crença no
progresso está implícita em todos os seus escritos c é muitas
vezes expressa, como na passagem seguinte: “O ponto dc
vista evolucionista nos anima a acreditar que a vida é um
processo criador, que estamos realmente construindo alguma
coisa nova... e que a vontade humana c uma parte da ener-
gia criadora que faz isso.”50
Cooley sofreu ainda a influencia dos sociólogos de forma-
ção psicológica do seu tempo. Embora não cite Ward muito
freqüentemente, as duas linhas de transmissão dc Cooley —
genética e cultural — poderiam ter derivado da concepção de
genesis c tclesis de Ward. Por outro lado, referiuse muitas ve-
zes a Tarde, incorporando cuidadosamente algumas das opiniões
em Social Organization, embora vituperasse a ênfase unilateral
dada por Tarde à imitação. Mais ainda, Cooley seguiu de
perto novos avanços da Psicologia, como demonstrou por re-
petidas alusões às obras de William James, James M. Baldwin e J.
Stanley Hall. Rejeitou expressamente o instintivismo de Mac:
Dougall e deu pouca atenção à teoria behaviorista dc Watson.
Enfim, e cm contraste agudo com os cânones do neo
positivismo florescente, Cooley foi idealista, no pensar c es-
crever. Viu a realidade social nas idéias pessoais dos homens,
uns perante os outros, e viu no estudo das relações sociais, como
reflexos de idéias, atitudes e sentimentos, a tarefa básica da
Sociologia. Examinaremos êsse ponto de vista no approach
orgânico de Cooley.

Teoria orgânica de Cooley

O foco da Sociologia de Cooley 6 a teoria orgânica. Em


Social Process, êle declara taxativamente que a sociedade é
um organismo. Seu organicismo, entretanto, não é spcnceria
no, nem pesquisa, como Scháffle c outros, analogias organi

Human Nature, edição revista (1922), pág. 50,

190
cistas infinitamente detalhadas. A sociedade, para 81c, é uin
todo vivo, constituído por segmento» diferenciados, cada um
com uma função especial. Também se pode considerála um
complexo de formas ou procesos que vivem e crescem por in-
teração recíproca, sendo o todo tão unificado que o que ocorre
numa parte afeta o resto por inteiro.
O ponto de vista de Cooley acentua tanto a unidade do
conjunto quanto o valor peculiar do indivíduo, explicando um
pelo outro: “Um indivíduo separado é uma abstração desco-
nhecida para a experiência, e assim também é a sociedade
vista comonãoalgo
divíduos alheio fenômenos
denotam aos indivíduos... A sodedadc
isolados, c us in-
sendo simplesmente
o aspecto coletivo e o distributive de uma só coisa” (Human
Nature, págs. 3637).
Uma das preocupações principals de Cooley era a solu-
ção do que êle encarava como pseudoproblema nos fundamen-
tos de sua teoria orgânica. Naquele tempo, a questão do pri-
mado da hereditariedade ou do meio na determinação da con-
duta humana ora agudamente debatida. Cooley respondeu:
“Quando nossa vida individual comcça, os dois elementos da
história — o hereditário c o social — fundemse em um nôvo
todo e cessam de existir como fôrças isoladas— Hereditarie-
dade e meio... são, efetivamente, abstrações; o que há é um
processo orgânico total” (Human Nature, pág. 15). Considera-
va as discussões sôbre a importância absoluta ou relativa da
hereditariedade ou do meio tão fúteis quanto os debates sôbre
o domínio do espírito sôbre a matéria c vicevcrsa. [Referia
se à mente pública ou social e parecia acreditar que esta mente
é um todo orgânico formado por indivíduo* coatuantes; o que
resulta, naturalmente, em uma perigosa aproximação da teoria
organicista.)
Uma teoria orgânica da sociedade, segundo Cooley, devia
elucidar o mais claramente possível a relação entre o indivíduo
e a sociedade. Seus trabalhos, concernentes a essa relação, pro-
blema sociológico fundamental, são de certo modo decepcio-
nantes (exceto para a discussão de grupos primários, como
adiante se observa). A sociedade — diz êle — 6 mais do que
a soma dos indivíduos. A unidade da sociedade coincide com
a unidade da mente social, constituída não por acôrdos entre
indivíduos, mas por organização. Na tentativa de explicar a
natureza dessa organização, porém, Cooley pouco acrescentou

191
à afii inação dc que cia consistc na “unidade diferenciada en-
tre vida social c mental". Considerava dc nenhum valor ten-
tar uma definição inais elaborada: “Só temos que abrir os
olhos c ver a organização” (Social Organization, págs. 45).
Cooley voltou ao problema da organização ao discutir as
instituições. Aqui, novamente dispensa ao assunto um trata-
mento bastante vago: “Uma instituição c apenas uma fase
definida c estabelecida da mente pública. As várias institui-
ções não são entidades isolávcis, e sim organizadas atitudes da
mente pública, e só por abstração é que podemos olhálas como
coisas cm si.” Nesse ponto, entretanto, Cooley revela que sua
visão da “Nos
cológica: sociedade é, não
homens, c emapenasnenhuma
orgânica,outra
mas parte,
também6 psi-
que
se há de encontrar a instituição** (Social Organization, págs.
31314).
A teoria orgânica de Cooley é, naturalmente, incompa-
tível com o monismo sociológico, que envolve a escolha de
um fator particular, social ou não, como determinante básico
do estado da sociedade ou do seu desenvolvimento. Suas opi-
niões a esse respeito estão elaramente expressas num documento
publicado em 190351: “A visão orgânica da História nega
a qualquer fator ou fatôrcs importância maior que a dos ou-
tros. Nega, na verdade, que a mente, as diversas instituições,
o meio psíquico tenham existência real alheia a uma vida to-
tal emcorpo
bros do que compartilham
tudo compartilha,
da vida dedaum mesma
organismoforma que os mem-
animal.”

Pessoa, grupo primário, classe e casta

A teoria orgânica dc Cooley e sua orientação psicológica


estão claramente refletidas no trato dispensado ao desenvolvi-
mento da personalidade humana. Êle frisou o papel dos gru-
pos primários (discutidos adiante) e da interação social — a.
comunicação cspccialmcnte — na genese e crescimento da per-
sonalidade. Assim, o "eu” desenvolvese dentro de um con-
texto de relações sociais: "O c u c o nãoeu não existem como
fatos mutuamente c x c l u d e n t c s . . O eu 6 social, sublinha

M Como réplica ao trabalho de Giddings intitulado "A Theory


of Social Causation", Publication* o/ the American Economic As-
sociation, 3.* série, V, n.f 2 (maio, 1904), págs. 18287.

192
Cooley em duas obra* importantes. Em Human Nature and
the Sotial Order, apresentou o conceito influente do eu refle-
tido ou “de espelho’* assinalado por três elemento* principais:
a imaginação de nossa aparência para a outra pessoa; a ima-
ginação de seu julgamento dessa aparência; e uma espécie de
autosentimento, tal como o orgulho ou a mortificação.
Essa formulação e as discussões mais externas da natureza
social do eu indicam novamente o idealismo filosófico de Cooley
— as “imaginações” que temos um do outro “são os fatos só-
lidos da sociedade" — e ilustram seu extremo subjetivismo.
Ao mesmo tempo, a exploração do eu social e de sua depen-
dência da interação social representa uma antecipação im-
portante do approach cultural de hoje para o estudo da
personalidade.
De maneira semelhante, a análise de Cooley do grupo
primário é um marco importante no desenvolvimento da ci-
ência social. Os grupos primários são caracterizados pela as-
sociação íntima, faccaface, cooperação direta e conflito, um
jôgo relativamente livre de personalidade e sentimento. A fa-
mília, O grupo de recreio e a vizinhança íntima cram do maior
interêsse para Cooley, mas êle reconhecia a ubiqüidade dos
grupos primários (ou, como hoje freqüentemente se coloca,
informais), em tôdas as organizações sociais. Essas coletivida-
des íntimas são primárias — elucidou — porque são o vivei-
ro da natureza humana, provendo o indivíduo de sua experi-
ência mais incipiente e mais completa da unidade social, e
porque essa experiência de grupo dá srcem a ideais sociais
universalmente encontrados, tais como a fé, o espírito presta
tivo, a bondade, a obediência ás normas sociais e também o
ideal da liberdade. Sòraente através dos grupos primários
podem êstcs ideais desenvolverse, e à medida que se ampliam
através da maior sociedade se tornam marco* de progresso e
democracia.
O último ponto de vista ilustra a intromissão das con-
vicções pessoais de Cooley em sua análise social, característica
manifesta na maior parte de sua obra. Não obstante, a des-
crição que faz da natureza e das funções dos grupos primários
não sòmente abriu um campo nôvo e importante de investi-
gação como representa uma contribuição substancial à tipologia
dos grupos sociais, campo investigado antes por Toennies. Mas
a distinção de Cooley entre grupos primários e secundários foi
uma inovação independente.

is 193
O fundamental dos grupos sociais mais inclüsivos, para
Coolcy, são as elasses c castas sociais. Rcconheccu ele a uni
versai idade da estratificação social e correspondent implica-
ções funcionais para a sociedade, acentuando que a herança
c a concorrência explicam, respcctivamcnte, a presença de al-
guns elementos declarados dc casta c classe em tôdas as socie-
dades. A este respeito, antecipou a obra de Robert E. Park e
sucessores atuais, especialmente W. L. Warner, assinalando os
aspectos “da casta” da estrutura étnica de grupo nos Estados
Unidos. A análise feita da estratificação mais uma vez combina
se com seus valores pessoais: uma forte simpatia pelas classes
baixas sem
ciedade e aclasses.
confiança no crescente desenvolvimento de uma so-

Resumo e perspectiva

As contribuições c o lugar dc Cooley na história da teoria


sociológica podem ser resumidos da seguinte maneira:
Primeiro, nunca ofereceu uma definição formal de socie-
dade, mas insistiu que a socicdadc é um todo orgânico e uma
entidade psíquica. Chamou de orgânico a seu ponto de vista,
mas hoje o teorema básico formulado por êle é uma das pre-
missas principais dos maiores expoentes da teoria funcional.

Segundo, negou cnfàticamcntc a cxistcncia dc qualquer


determinante único do estado ou desenvolvimento da socieda-
de. Nunca destacou nenhuma unidade específica da socicda-
dc, exceto o grupo primário, para a análise sociológica. Isto
constitui, talvez, uma das maiores desvantagens de seus escri-
tos — atraentes, porém bastante vagos.
Terceiro, o tratamento que dispensou ao grupo primário
continua a ser uma contribuição relevante à Sociologia c à
Psicologia Social. O grupo primário hojeé comumente uma
destacada categoria nas classificações dc tipos de grupos sociais.
Quarto, embora afirmasse suas proposições cm têrmos de
uma epistemologia idealista que raiava o solipsismo, a posição
que assumiu no problema da relação existente entre o grupo
e o indivíduo prefigurou o ponto de vista hoje comumente
aceito. Contràriamente a Spcncer, que afirmava que o indi-
víduo é básico c o grupo sòmcntc a soma total de seus membros,
e contràriamente a Guraplowicz c Durkheim, que deram pre-
valência ao grupo sôbre seus membros individual», sustentou
que nem o indivíduo nem o grupo tem primazia na análise
sociológica, existindo antes um processo interativo de influên-
cia mútua entre um e outro.
Estreitamente ligadas a essa posição, as idéias de Cooley
sóbre a natureza do eu social, bem como as concepções simi-
lares de seus contemporâneos, James Baldwin e C. H. Mead,
sugerem um importante desenvolvimento cumulativo na ciên-
cia social, já que são francamente semelhantes às teorias pos-
teriores de Dewey, Thomas (ver adiante), Maclver, Willard
Waller c outros. Mais ainda, o destaque dado ao papel da in-
teração social na formação da personalidade prefigurou pontos
de vista correntes tais como a posição psicodínâmica cm Psi-
cologia c o approach cultura •personalidade em Antropologia.
Quinto, o tratamento de Cooley de classe e casta, como
vimos, também antecipa, em larga medida, posteriores desen-
volvimentos da Sociologia. Embora algo imprecisamente, sua
teoria das instituições como resultante das necessidades perma-
nentes da natureza humana é muito semelhante às formulações
funcionais posteriores. No caso das instituições econômicas, a
discussão de Cooley das respectivas ramificações culturais e so-
ciais deu fôrça adicional ao desenvolvimento da Economia ins-
titucional de Veblen e outros.
Sexto, c finalmente, como mctodologista, Cooley advogou
e praticou a compreensão complacente sustentando que a cin
patia é essencial cm qualquer investigação sociológica, opinião
de certo modo similar ao rclêvo dado por Max Weber à
verstehen (compreensão) (ver capitulo XIV). Embora ffae
um observador agudo da vida do grupo à sua volta, especial-
mente do grupo de recreio infantil, tendia a apoiarse em “ver
coisas apenas", apreendendoas por intuição. Essa prática o
situa, conforme veremos, metodològicamente, junto à escola fe
nomcnológica da Sociologia moderna (ver capitulo XIX). Con-
quanto inválido sob o ponto dc vista das exigências da ciência
empírica, o que Cooley “via” comunicava aos outros, freqüen-
temente com grande perícia.

William I. Thomas
Thomas (18631947), o outro expoente da Sociologia psi-
cológica, trabalhou independentemente de Cooley. Ao que pa
195
rcce não há dúvida que, der.ire ambos, Thoinas causou im-
pressão mais profunda no pensamento dos modernos arquite-
tos da teoria sociológica.
Nascido na Virgínia, Thomas estudou na Universidade de
Tennessee e nas de Berlim e Gottingen, na Alemanha. Duran-
te os primeiros anos de estudo não se interessou pelas Ciên-
cias Sociais. Mas em 1893 formouse cm Sociologia no recém
criado departamento de Sociologia da Universidade de Chi-
cago. No ano seguinte, começou a ensinar em Chicago e con-
tinuou sua obra aí até 1918, quando renunciou à cadeira por
motivos pessoais. De 1923 a 1928 lecionou na New School
Social Research, em Nova York, e posteriormente, durante um
ano (193637), aceitou a posição de professor convidado
da Universidade de Harvard. Os anos intermediários e
os últimos de sua vida, passouos pesquisando e escrevendo
independentemente.
As principais obras de Thomas incluem Source Book of
Social Origins (1909), que, consideravelmente modificada, foi
novamente publicada em 1937, sob o título de Primitive Be ha»
vion; The Polish Peasant in Europe and America, em colabo-
ração com Znaniecki (cinco volumes, 191821); The Unadjusted
Girl (1923); e The Child in America (1928), em colaboração
com sua espôsa Dorothy Swaine Thomas. Depois de sua morte,
o Social Science Research Council criou uma comissão para
coletar os contribuições de Thomas à teoria e pesquisa sociais;
o resultado foi a publicação de Social Behavior and Personality
(1951), organizado por Edmund H. Volkart.

Metodologia

“Thomas não escreveu uma síntese final apresentando suas


idéias de maneira sistemática.” M Portanto, é preciso recons-
tituir o seu sistema teórico, extraindoo da obra madura que
deixou. Não é fácil a tarefa e muitos dos pontos de vista que
sustentou mudaram no decurso dos longos anos de uma vida
ativa. Era muito receptivo a novas idéias que apareciam no

ss e. H. Volkart, introdução a Social Behavior and Person*■


lity, Nova York, Social Science Research Council (1951)» pág. 1.
Salvo indicação em contrário, as referências ^ a páginas de trabalhos de
Thomas, nos parágrafo* seguintes, são de citações dfae volume.

196
horizonte cientifico, embora nunca se deixasse envolver por
elas. Durante certo período ficou sob o encanto da Psicaná-
lise, mas subseqüentemente rejeitou a formulação freudiana,
considcrandoa tao falaciosa quanto a teoria da superioridade
nórdica.
Apesar de suas mudanças de opinião, Thomas nunca
duvidou dc que a teoria social, termo que usava para de-
signar a Sociologia e a Psicologia Social, precisa ser científica.
Era urgente — disse êle — desenvolver o estudo mais exato
e sistemático da conduta humana em uma escala e com um
método comparável aos das Ciências Físicas e Biológicas. Este
argumento, naturalmente, não é a mesma coisa que advogar
a adoção, pela teoria social, de generalizações ou leis esta-
belecidas pelas Ciências Naturais, posição que Thomas rejei-
tava. Entretanto, afirmava que, sc a Sociologia deve tomar
se científica, precisa aplicar à realidade social o tipo de ra-
ciocínio usado nas Ciências Naturais.
Dado que a procura das relações causais entre os fenô-
menos é a base dc tôda cicncia, a teoria social válida deve
consistir em leis demonstrando relações necessárias entre uni-
dades da realidade social. Essa teoria é essencial para a análi-
se social. Eis o tema central do famoso estudo The Polish
Peasant,, em que Thomas sustenta que as unidades fundamen-
tais sua
ante da natureza
realidade social são atitudes e valores (veremos adi-
c intcrrelação).
À medida que os anos passavam, Thomas se tomava me-
nos confiante na possibilidade de encontrar leis sociais dessa
espécie. Nas últimas obras, adotou a opinião dc que o soció-
logo deve satisfazerse com inferências de menor exatidão do
que a das leis. Crescentemente influenciado por estatísticos mo-
dernos (e provàvelmente por sua espôsa, ela própria estatística
proeminente), substituiu a meta das possibilidades por leis, ob-
servando que quando a situação total se complica as inter
reloçõcs são numerosas e a medição necessária.
Em um de seus trabalhos, Thomas adatou uma posiçio
que, desde logo, rejeita inteiramente o approaeh causai para
o estudo dos fenômenos sociais. Ê essencial — diz êle —
abandonar a idéia de “causação” cui favor de um critério que
investigue conseqüências específicas de antecedentes específi-
cos. Assim formulou a relevante questão, no campo da per-
sonalidade e da cultura: “Como c cm que circunstâncias rca

197
gem diferentes indivíduos e cm que padrões dc conduta, c que
alterações de conduta se verificam quando se altera a situação?”
(pág. 296). Por trás dessa declaração, entretanto, parece ha-
ver uma incompreensão que se tem verificado na história da
ciência empírica, incluindo a Sociologia. Incompreensão que
envolve a identificação infundada do approach causal com a
pesquisa da “causa” de um dado fenômeno. Encontrar a causa,
como declarou Thomas, c impossível. Mas sc o sociólogo pode
formular um sistema de proposições respondendo a tais pro*
blemas, como êle os colocou, essas proposições terão certamen-
te valor causai.

No fim
ajudariam da vida, a Thomas
o sociólogo considerou
aproximarsc de seusváriasobjetivos
técnicas cien-
que
tíficos. Entre diversos procedimentos, insistiu na necessidade
dc usar grupos de contrôlc no estudo da freqüência estatís-
tica dc fenômenos sociais, por exemplo, dos fatôrcs específicos
nas médias de conduta criminosa. Hoje o uso de grupos de
contrôlc é um processo comum, mas não o era nos dias em
que se batia pela adoção dêsse método na pesquisa social.

O approach situacional e o estudo da ação

As dúvidas de Thomas sôbrc a aplicabilidade do tipo cau-


sai de raciocínio surgiram, pelo menos em parte, porque êle
escolheu, na construção de sua própria teoria social, um dos
approaches mais difíceis, focalizado sôbre a ação do indivíduo
em uma situação social. “O estudo da situação" — escreveu
cm 1931 —, “a conduta na situação, as mudanças ocorridas na
situação c a conseqüente mudança na conduta representam o
mais aproximado approach que o cientista social â capaz de
fazer para uso do experimento na pesquisa social..." (pág.
88). E sòmcntc selecionou o approach situacional depois de
ponderar outras possibilidades.
%
Por um lado, impressionado ante o fato de que o expe-
rimento é a ferramenta principal de avanço nas Ciências Na-
turais, e esperando por um avanço similar na ciência social,
procurou o melhor substituto possível para o experimento. Por
outro lodo, Thomas rejeitou muitos approaches utilizados pelos
sociólogos do tempo. Em seus anos de formação, aceitara, como
muitos dos contemporâneos, a fórmula evolucionista, mas logo
a abandonou. Não tinha como utilizar a teoria racional ou

198
qualquer teoria que pretendesse explicar fato* sociais rrn têr
mos biológinos (embora freqüentemente se referisse ao fundo
biológico da ação humana). Também rejeitou vários approaches
particularistas, incluindo a imitação de Tarde, o constrangimen-
to social dc Durkheim, a consciência da espécie de Giddings.
Mas sofreu profundamente a influência do behaviorismo. Cita
va Watson freqüentemente e usava quase indiferentemente os
termos approach situacional e approach behaviorista. Não obs-
tante, nunca aceitou a principal assertiva do behaviorismo —
de que a ação humana é cientificamente explicável indepen-
dentemente da mente
Entretanto, dos agentes
Thomas na cena
escolheu a social.
conduta e depois especial-
mente a conduta em adaptação, como o interesse central de
sua teoria sociológica. A ação em uma situação social — sus-
tentou — 6 o fato social a ser explicado. A situação social
(freqüentemente citada como a situação totnl) consiste cm
três elementos intcrrclacionados: condições objetivas, que in-
cluem normas de conduta socialmente postas cm vigor; atitu-
des preexistentes do indivíduo e do grupo; a definição da si-
tuação pek> próprio agente, influenciado, todavia, pelo grupo.
Em The Polish Peasant, acentuase o segundo dêsses ele-
mentos,* dado que Thomas e seu colaborador, Znaniccki, acre-
ditavam, ao tempo em que escreviam a obra, que se podiam
estabelecer relações causais entre atitudes c valores. Dos dois
conceitos, o de valor já fôra desenvolvido seguindo linhas de
certo modo diferentes, por Durkheim e Max Weber (ver cap.
XIV). Mas Thomas e Znaniccki intentaram refinar o con-
ceito de valor, de modo que fôsse mais útil na teoria social,
c trouxeram para a própria teoria o conceito dc atitude. Na
Nota Metodológica de The Polish Peasant, freqüentemente ci-
tada, aos dois conceitos são dadas definições bastante embara-
çosas: “Entendemos por valor social qualquer dado que pos-
sua um conteúdo empírico acessível aos membros de algum
grupo social e um sentido com referência ao qual seja ou possa
ser objeto de atividade... Entendemos por atitude um pro-
cesso de consciência individual que determina a atividade real
ou possível do indivíduo no mundo social... A atitude é, as-
sim, a contrapartida individual do valor social; a atividade,
em qualquer forma, o laço entre cies” (págs. 4950). Em obras
subseqüentes, Thomas definiu mais simplesmente autude e va-
lor: atitude é a tendência a agir, representando uma direção
ou desejo; o valor representa o objetivo ou meu do agente.

/99
Mais tarde ainda, Thomas combinou os dois conceitos na ati-
tude frascológica com respeito ao valor.
A substituição das primeiras definições pelas últimas es-
clarece, nitidamente, os pontos dc vista dos autores de The
Polish Peasant sôbre as relações causais entre atitudes e va
lôrcs. Seu principal teorema é que a causa dc uma atitude
ou de um valor nunca é apenas uma atitude ou um valor, mas
sempre um combinação de atitudes e valôres. Por isso, os ho-
mens não reagem da mesma forma às mesmas influências. Ilus-
tram êsse teorema (talvez bastante inadequadamente) com o
caso dc dois filhos vivendo sob a norma tirânica do pai, mas
ícagindu diversamente. Se para um filho o valor da solida-
riedade é forte, pode desenvolverse a atitude de submissão;
se o outro prefere os valôres individualistas, a atitude dc re-
volta pode ganhar o primeiro plano.
Thomas nunca rejeitou inteiramente os conceitos dc ati-
tude c valor, mas em suas últimas obras não têm papel tão
importante como em The Polish Peasant. Mesmo, porém,
ai, não os estudou à parte do contexto da situação total. A si-
tuação total, conforme já observamos, inclui elementos obje-
tivos, de que os próprios valôres são uma parte decisiva. Entre
eles achamse as regras de conduta, isto é, as normas sociais
mediante as quais o grupo mantém, regula e define como de-
sejáveis tipos de ação mais gerais e freqüentes. Os sistemas es-
tabelecidos dessas regras formam as instituições sociais, e estas
últimas, por sua vez, fazem a organização social. A organiza-
ção social, sistema normativo, é o próprio objeto da Sociologia.
A Sociologia, focalizando valôres, diferenciase portanto da Psi-
cologia Social, ciência geral das atitudes (ou do aspecto subje-
tivo da cultura). As duas disciplinas, juntas, constituem a
“teoria social”.
As condições objetivas — primeiro dos três elementos da
situação total, de acôrdo com o ponto de vista de Thomas
— eram pràticamente idênticas às normas e instituições que
moldam as atitudes de uma pessoa c, conseqüentemente, suas
definições de situações. “A definição da situação" — observa
Thomas cm um estudo —* “começa pelos pais... continua
na comunidade... e é formalmente representada pela escola, a
lei, a igreja” (pág. 8). Ao mesmo tempo, entretanto, a defi-
nição da situação, como ponto de vista do agente no momento
de se decidir a agir, também se descreve como o terceiro ele-

200
mento da situação total. Esta contém sempre fatôres subjeti-
vos (atitudes). Podese compreender a conduta sòmente quan*
do estudada dentro de seu contexto integral — a «fruaçjfo não
lòmente como existe em forma objetiva, verificável, mas tam-
bém como parece existir para a própria pessoa. Êsse último
fator subjetivo não deve nunca ser descontado na análise so-
cial, dado que, para citar o conhecido teorema de Thomas,
“se os homens definem as situações como reais, elas são reais
em suas conseqüências" (pág. 81).

Indivíduo c desorganização social


Complicase a análise da conduta humana devido ao fato
de que, na teoria de Thomas, aldm da definição pessoal de
situação, há, como vimos, uma situação cultural ou socialmen-
te definida, c as duas definições estão em interação complexa.
Na sociedade estável, apresentamse ambas muito coerentes e
a ação é facilmente predizível. Mas nos casos de crises, que
podem ser sociais ou absolutamente pessoais (baseadas em no-
vos conhecimentos, mudanças no ambiente ou outras pertur-
bações), enfraquecese o vigor das definições sociais.
No caso da conduta individual, podem«c observar duas
fases desse processo: a imprecisão e a indecisão, seguidas pela
“cristalização” quando o indivíduo começa a controlar sua nova
experiência. Enfraquecendose a influência das normas so-
ciais sôbre os indivíduos, ocorre a desorganização social.
A desorganização social não é de nenhum modo um fenô-
meno excepcional; cm certa medida, está presente em tôdas
as sociedades em todos os tempos. Mas durante os períodos
de estabilidade social as atividades de grupo que reforçam o
poder das normas existentes neutralizam largamente a desor-
ganização nascente. A estabilização das instituições de grupo
é, assim, um equilíbrio dinâmico ou em transformação de pro-
cessos dc desorganização e reorganização. Equilíbrio, entre-
tanto, que pode ser perturbado dràsiicamente, a ponto de que
as tentativas de reforçar as normas existentes não alcancem
mais sucesso. Nesse caso, devem desenvolverse novas normas
de conduta e novas instituições mau bem adaptadas is novas
exigências; eis o processo de reconstrução social. Se esta precisa
ocorrer, é essencial que alguns membros do grupo não sc tor

29/
t
nem individualmente desorganizados durante o período da de t
sorganização social.
Essa idéia de desorganização c do grupo em equilíbrio
dinâmico, apresentada cm The Polish Peasant, é inteiramente
semelhante a alguns dos teoremas básicos do General Treatise
on Sociology, de Pareto (ver cap. XIII), que aparcceu poucos
anos antes. Entretanto, não há nenhuma razão para acreditar
que Thomas e Znaniecki tenham sido influenciados pelo so-
ciólogo italiano, dado que os pontos dc vista acima foram ex-
postos, cm embrião, por Thomas, nada menos do que em 1906.

Os quatro desejos, tipos dc pei\sonalidade, documentos pessoais

A preocupação de Thomas com o aspecto subjetivo da


ação em uma situação social levouo a introduzir duas séries
adicionais dc conceitos e sugestões, tentando uma nova técnica
a fim dc reunir fatos sociológicos relevantes.
A primeira dessas séries de conceitos inclui os quatro de-
sejos, que, sem razão válida, são às vezes considerados como a
parte principal e até essencial da teoria sociológica de Thomas.
Sustentou ele que ucada indivíduo tem uma ampla variedade
de desejos que só podem ser satisfeito» mediante sua incorpo-
ração na sociedade”. Postulava como os quatro desejos fun-
damentais,
jos dc novas representando modelos
expericncias, gerais leconhccimento
segurança, observáveis, os dese-
e domí-
nio. Essa relação aparece cm The Polish Peasant, mas cm
The Unadjusted Girl o desejo de domínio 6 substituído, sem
explicação, pelo desejo de reação.
Thomas nunca chegou a formular claramente a relação
entre os quatro desejos e as atitudes, nem incorporou os
desejos cm seu esquema conccptual geral. Descreveos como
o elemento motor, o ponto dc partida da atividade humana
em sociedade, mas isto parece ser também uma função das
atitudes. Sustenta, a certa altura, que os desejos não são
nem exaustivos nem biològicamcnte instintivos, mas dá a en-
tender que em geral correspondem ao mecanismo nervoso. Em
qualquer fato, explicase que um ou outro desejo tenda a do-
minar a conduta nesta ou naquela pessoa, à base do tempera-
mento que, por sua vez, aparenta ser matéria química, depen-
dendo de secreções do sistema glandular. Essa linha de racio-
cínio, a certos respeitos similar à teoria dc Pareto dos sentimen-

202
tos c resíduos (ver cap. XII), c no mínimo incoerente com a
firme rejeição, por parte de Thomas, das explicações biológicas
da personalidade e dos fenômenos sociais, e cm pana a enérgica
ênfase que depositou na influência decisiva, sôbre a conduta*
da cultura c da experiência pessoal de vida.
A segunda série de conceitos adicionais referese a três
tipos dc personalidade. Thomas descreveos como o filisteu,
o boêmio e a personalidade criadora. As atitudes do fitís
teu são tão estáveis que a formação dc novas atitudes está
quase excluída; êle é o conformista. A personalidade do boêmio
se caracteriza por atitudes instáveis e nãorelacionadas, que
tomam o indivíduo suscetível a uma variedade de influências;
os boêmios revelam um alto grau dc adaptabilidade, mas é um
ajustamento provisório sempre. A personalidade do homem
criador é assentada e organizada; envolve, porém, a possibilida-
de e mesmo a necessidade dc evoluir, porque suas atitudes
incluem a tendência a mudar, implícita no planejamento da
atividade produtiva. Thomas explicou que oc três tipos não
exaurem as variações da personalidade humana; são tipos ideais
(têrmo que provàvelmentc tomou emprestado a Max Weber)
c, na realidade, todos os indivíduos, embora em proporções
diferentes, manifestam traços de cada um dos três.
Enquanto, cm geral, a experiência da vida molda a per-
sonalidade na estrutura da definição social da situação (cul-
tura), o indivíduo criador é capaz de influenciar a cultura por
meio da invenção. Thomas não aceitou, entretanto, a teoria
da invenção, do grande homem. Ilustra sua opinião a êsw
respeito uma declaração tirada de um dos seus primeiros
escritos: "A mente do indivíduo não pode ascender muito
acima da mentegrupo” (têrmo pelo qual Thomas significava,
então, grosso modo, cultura) “c a mentegrupo será simples se
as condições ambientes externas e as experiências de antece-
dentes raciais*3 são simples. Aqui, é justo atribuir importan-
tes movimentos c invenções a indivíduos sàmente em um sen*
tido atenuado" (pág. 221). Hoje, os teóricos da tranrformação
social aceitam, comumente, esta posição.
Os três tipo* de personalidade e os quatro desejos, desen-
volvidos com aJguroa extensão em The Polish Peasant, foram

® Em obras posteriores, Thom*» nio uwria o têrmc "racul**


note sentido; provàvdmente, quis diser “grupo".

203
nos últimos anos mais ou menos completamente rejeitados pelo
próprio Thomas, embora alguns autores continuassem a utilizá
los, apesar dessa deserção por parte do criador srcinal. A in-
trodução, por parte de Thomas, de uma nova técnica de pes-
quisa iniciou por outro lado uma tendência significativa na
investigação da ciência social.
A nova técnica envolvia o uso de documentos pessoais,
tais como cartas, diários e especialmente histórias de vidas e
autobiografias escritas por solicitação do investigador. (Recen-
temente, batizavamse os documentos desse tipo, apropriada-
mente, de “biogramas”.) 54 Uma única história de vida cons-
titui parte extensa dc um volume de The Polish Peasant, tendo
sido extensamente empregados na obra outros documentos pes-
soais. Thomas e Znaniecki explicaram que esses documentos
trazem esclarecimentos inestimáveis à ação recíproca dc ati-
tudes, valôres e condições objetivas cm uma situação social.
A significação de The Polish Peasant não se limita aos
conceitos, teoremas e sugestões de processos que relatamos.
Igualmente importante é o fato de que essa pesquisa repre-
senta a primeira tentativa, em larga escala, de aplicar con-
ceitos gerais de Antropologia moderna ao estudo da cultura
cm rápida transformação e à organização social das socieda-
des avançadas. Numerosas obras que empregam semelhante
approach enriqueceram a Sociologia contemporânea, como, por
exemplo,
R. L. e H. os M.conhecidos
Lynd e asvolumes Middletown
séries Yankee (1929,
City de 1937)
W. L. Warnerde
e seus colaboradores (ver cap. XVII).
Mas Thomas nos interessa mais do que apenas como exem-
plo da maneira pela qual a Sociologia pode utilizar o approach
comumente empregado na Etnologia: o estudo de culturas
totais. O Source Book on Social Origins (1909) acentua o
principio de que, nos estudos analíticos, nenhum fenômeno será
completamente compreendido quando separado da estrutura
integral de que faz parte, e nenhuma cultura será entendida,
quando considerados isoladamente os seus elementos. Em The
Polish Peasant, destacase a necessidade de considerar, em tôda
análise social, a vida de uma sociedade. Hoje, tanto a Antropo-
logia Cultural quanto a Sociologia sustentam ésse ponto de vista.

M Ver T. Abel, “The Nature and Uic of Biograros", American


Journal of Sociology, voL 53 (1948).

204
Resumo e apreciação

O esquema conceptual c a teoria metodológica de Thomas


atraíram tanto a atenção, durante muitos anos, do» sociólogos
americanos, que em 1937 e 1938 ocorreu um fato bastante
incomum: organizouse uma discussão, em mesaredonda, de
The Polish Peasant, pelo Social Science Research Council, que
publicou os resultados do debate como volume inicialM de
série dc estudo» de problemas metodológicos.
O crítico principal, Herbert Blumer, assinalou que, em-
bora Thomas e Znaniecki tivesem visado a estabelecer leis,
haviam na realidade proposto muito poucas; que os conceito#
de atitude e valor são vagos; que os dois conceitos se sobre-
põem, visto que ambos incluem sentido e que, portanto, não
se pode fixar nenhuma relação entre êles; que os autores
não usaram realmente a metodologia que haviam elaborado;
e que sua interpretação dos documentos pessoais empregados
no estudo é subjetiva, não realmente científica.
Thomas concordou em que o material concreto não fôra
adequadamente relacionado com o esquema metodológico, e
que não se formulara nenhuma lei social, mas sòmcnte cons-
tatações com alto grau dc probabilidade. Seu rcconhccimcuto
estava de acôrdo com os pontos de vista por êle adquiridos
durante Peasant.
os vinteZnaniecki,
anos transcorridos desde a publicação The
de au-
Polish mais ainda, acedeu em que os
tores haviam tratado atitudes e valôres como elementos cons-
tantes (o que é discutível) e que muitos anos se passaram antes
que êle reconhecesse êsse êrro metodológico.
Um resumo da discussão em mesaredonda, feito por Read
Bain, traz à luz novas apreciações da obra. Por exemplo, o
esquema conceptual consistente dc atitude, valor, desejos, tipos
pessoais e definição da situação 6, de acôrdo com alguns, inca-
paz de produzir leis da transformação social. Observouse que
as interpretações teóricas dos autores não haviam derivado dos
documentos pessoais ou sido sustentadas empiricamente por ou-
tra forma. Mas reconheceuse que pesquisas posteriores pro-
varam a utilidade de algumas teorias subsidiárias, por exem-
plo a da desorganização social.

54 H. Blumer,Critique of Research in the Social Sciences*


I
(Nova Yoik, Social Sciences Research Council, 1939).

205
Essüs críticas a The Polish Peasant são boas. Mas, natu-
ralmente, não oferecem uma explicação satisfatória para o lu-
gar que os escritos dc Thomas ocupam no desenvolvimento da
teoria sociológica. Quais as respostas de Thomas aos proble-
mas fundamentais da teoria sociológica, estabelecidos no ca-
pítulo IP Podem ser resumidas da seguinte maneira:
Primeiro, Thomas nunca definiu explicitamente a natu-
reza da socicdadc. Ao revés, sustentou que a organização so-
cial sc compõe dc instituições que, juntas, constituem um sis-
tema de normas impostas pelos grupos sociais a seus membros.
Empregou a palavra cultura para designar os valôrcs mateiiais
c sociais de qualquer grupo dc pessoas.
Segundo, a socicdadc e a cultura precisam ser analisadas
em termos dc sua unidade fundamental que, para Thomas,
é a ação social. Esta consiste na ação dc um indivíduo em
uma situação social determinada pelas condições objetivas, das
atitudes c valôrcs do agente adquiridos durante sua experiência
dc vida e de sua definição da situação.
Terceiro, a relação existente entre sociedade, cultura e
personalidade e reciproca, a personalidade recebendo da cul-
tura a parte principal de suas atitudes e valôrcs, dentro da
estrutura da organização social. A êste respeito, as personali-
dades criadoras desempenham um papel relevante; não obs-
tante, sua influência é limitada pelas condições culturais que
defrontam.
Quarto, não há um determinante preponderando no es-
tado da sociedade e da cultura c de suas transformações. As
diferenças de conduta e de cultura são o resultado do diferen-
ças na experiência de vida dos vários grupos hem como de di-
ferenças na interpretação psicológica dessas diferenças {as con-
seqüências das definições humanas são reais e importantes).
Quinto, definese a Sociologia como a ciência das insti-
tuições. Mas a Sociologia precisa da suplementa ção da Psicolo-
gia Social, a ciência das atitudes ou o aspecto subjetivo da
cultura. Os métodos da Sociologia e da Psicologia Social de-
vem ser científicos, baseados na mesma lógica das Ciências Na-
turais. O objeto da Sociologia, entretanto, é único, assim como
no caso de cada ciência, e necessita, conseqüentemente, utili-
zar procedimentos próprios. O mais adequado se encontra no
approach situacional, na análise das condições que determinam
as ações dos indivíduos em situações totais. Mais particular-
mente,* cumpre determinar os efeitos combinados da diferen-
ciação de indivíduos c dc situações, inclusive as transforma*
ções néles; método que, sempre que possível, envolverá medi-
ção do impacto das variações nos fatôres e usará grupos de
contrôle. Para compreender a integração de fatôres diferen-
tes na vida individual, os documentos pessoais são inestimáveis.
Estes, então, os principais elementos dos trabalhos teóricos
de Thomas. Em perspectiva histórica, quais os que mais con-
tribuíram para o desenvolvimento da teoria sociológica? Talvez
seja muito cedo para empreender semelhante estimativa, mas
oc pontos seguintes parecem claros:
Primeiro, Thomas foi um dos primeiros sociólogos a re-
jeitar a doutiina evolucionista c, juntamente cem Cooley, um
dos mais convictos e convincentes opositores às teorias monlsti
cas que interpretam a sociedade, a cultura e suas transforma-
ções, com base em algum fator único.
Segundo, paralelamente a Pareto, mas independentemente
dêlc e dos primeiros neopositivistas, Thomas sublinhou a ne-
cessidade de empregar procedimentos científicos em Sociologia.
Sua própria obra ilustrou tanto as possibilidades quanto as di-
ficuldades da pesquisa social empírica. O método hoje coixiu
mente usado de comparar um grupo experimental com um
grupo de contrôle é devido em parte ás sugestões de Thomas.
Terceiro, foi um dos primeiros promotores de uma tendên-
cia persistente na Sociologia contemporânea e que se pode de-
nominar de normatsvismo. Tendência essa que acentua a im-
portância central de normas ou regras de conduta na socieda-
de, normas que exercem “pressão moral” sôbre o agente. En-
tretanto, a obra de Sumner (ver cap. V), encerrando a mes-
ma opinião, já era utilizável como fonte de inspiração antes
que us principais trabalhos de Thomas aparecessem.
Quarto, enriqueceu Thomas o tesouro teórico da Socio-
logia com diversos conceitos importantes, entre os quais a si-
tuação social, a definição da situação e a desorganização rr»»*
pmvaram ser aquisições duráveis. A distinção entre atitude
e valor, apesar de sua falta de precisão, ilustrou o problema
básico de tratar os elementos subjetivo c objetivo na análise
da ação, problema refletido, por exemplo, nas discussões mais
recentes de Maclver sôbre atitude e interesse (ver cap. XVIII).
Êste último conceito é estreitamente afim ao "valor** de Tho

207
mas, que, por sua vez, tem alguma afinidade com o valor
como antes o encararam Durkheim e Max Weber.
Quinto, Thomas foi um dos primeiros a promover o que
se pode chamar o princípio da integração, insistindo em que
os fenômenos sociais devem ser encarados no contexto das cul-
turas totais. The Polish Peasant abriu o caminho para certo
número de estudos dc sociedades modernas desse tipo. Hoje,
o princípio é parte central do approach funcional, em Sociolo-
gia c Antropologia Cultural.
Sexto e finalmente, chamou Thomas a atenção para a
importância fundamental do estudo da relação existente entre
personalidade e cultura. Insistiu em que o problema principal
da teoria social a solucionar centralizase na interdependência
do indivíduo, da organização social e da cultura. Êsse proble-
ma continua a ser do maior interêsse para a Sociologia, a
Psicologia Social e a Antropologia.
Não obstante essas importantes contribuições, os pontos
de vista de Thomas encerram perigosos elementos, perigosos
em sua capacidade potencial de levar a Sociologia para um
beco sem saída. Na formulação de Thomas, a unidade básica
do estudo sociológico não é a interação, mas a ação do in-
divíduo em uma situação social. Dava êle destaque, persis-
tentemente, à assertiva de que a situação social é em parte ob-
jetiva na natureza. Mas a ênfase sôbre os fatores subjetivos
(juntamente com uma tendência srcinada com Max Weber,
que veremos no cap. XIV) encorajou alguns sociólogos ameri-
canos contemporâneos a ultrapassarem amplamente a demar-
cação convencional entre a Sociologia e a Psicologia; êles iden-
tificaram a teoria social com a teoria da ação (ou parte dela),
atendendo a que a ação tem sido, até aqui, um dos temas
centrais da Psicologia. Assim, para alguns sociólogos, a dis-
ciplina relacionase primàriamcntc à motivação da conduta
humana. Isto resulta em um objetivo confuso para a Socio-
logia, dado que parece não haver nenhuma tendência a aban-
donar os velhos problemas que ela apresenta, pertinentes à es-
trutura e transformação sccioculturais.
Como já vimos anteriormente, muitas formulações de Tho-
mas são passíveis de crítica. Os quatro desejos, por exemplo,
embora êle próprio destilasse o conceito, tomaramse, em certo
momento, nas mãos de alguns autores, uma espécie de este-
reótipo a fim de explicar a conduta, embora nem Thomas nem

208
seus seguidores pudessem estabelecer funções especificas dal
diferentes desejos sob condições determinant*. Os ts£ tipos
de personalidade, também descuidadamente usado* por uns
poucos autores, são conceito* antes essencialmente literários
do que científico*. A distinção entre atitude e valor nlo a de-
lineou Thomas claramente: uma e outro parecem pessoais e
sociais, subjetivos e objetivos, cvittndo o estabelecimento de ra-
lações causais entre êles.
Contudo, esses pontos fracos na teoria de Thomas foram
largamente expostos à base dos desenvolvimentos da ciência

social ocorridosTheanosPolish
especialmente depoisPeasant
de .publicada sua notável
Na realidade, obra,
o próprio
Thomas formulou algumas dessas criticas, nos últimos anos de
vida. Não se pode utilizálas como uma medida, para aferir
o valor dc suas realizações. Pois Thomas foi um arrojado ex-
plorador científico, como pouco* na Sociologia americana.
Muito lhe devem a teoria e a pesquisa sociológicas.

m
209
CAPITULO X I I I

Vilfredo Pareto

A Sociologia psicológica pode scr tão diversificada quanto


a própria Psicologia. Ilustra esta proposição a comparação
entre a teoria de Thomas e a de Vilfredo Pareto.

Pareto e seus trabalhos

O ilustre sociólogo italiano Vilfredo Pareto (18481923)


nasceu em Paris; o pai era italiano, a mãe francesa, donde
seu domínio de ambas as línguas. Foi para a Itália aos onze
anos e depois dos estudos clássicos formouse no Instituto Po-
litécnico de Turim. Esteve durante algum tempo empregado
como engenheiro consultor de uma estrada de ferro e posterior-
mente como superintendente de minas de ferro. No decurso
dessas ocupações desenvolveu grande interesse pelos proble-
mas econômicos. Em 1882, recebeu uma herança que lhe
permitiu devotar o resto da vida ao estudo e à pesquisa.
Pareto publicou alguns trabalhos excelentes sôbre Eco-
nomia que o levaram a ser nomeado professor da matéria na
Universidade de Lausanne, cm 1892. No decurso dos anos
subsequentes prestou relevantes contribuições à Economia ma-
temática. Pouco após o início do século publicou Os Sistemas
Socialistas, a êsse tempo, talvez, o mais profundo e detalhado
estudo
Tratado doGeral
assunto. Em seguidapublicado
de Sociologia, iniciou em
sua 1915,
obra em
principal o
italiano
e franefis, simultâneamente. Entretanto, a Primeira Grande
Guerra não era uma época propícia ao lançamento dc um tra

210
(ado sobre problemas tcóricos e o estudo de Pareto permane
ceu vários anos ignorado.
O Tratado continha algumas declarações cáusticas sôbre
a democracia (que Pareto conhecia principalmente em suas
formas francesa e italiana, algo destorcidas). Essas partes da
obra atraíram a benevolência de Benito Mussolini, que, uma
vez no poder, ofereceulhe um lugar no Senado italiano. Deve*
se reconhecer, para crédito de Pareto, que êle declinou da
oferta.
Em 1936, apareceu uma tradução inglesa do Tratado sob
título Mind
oo srcinal; and Society,
retraçavamse aí as a fontes
muitosde respeitos
tôdas as melhor
citaçõesdo(tra-
que
balho que Pareto negligenciara) e compilavase um excelente
índice, altamente útil devido ao caráter difuso e nãosistemático
da obra. A tradução aumentou a onda de inteztoe relativa-
mente a Pareto, que priápiara nos Estados Unidos no fim da
década de 1920. O interesse era especialmente forte entre cer-
tos cientistas de formação nãosociológica, a exemplo do Pro-
fessor L, J. Henderson, da Universidade de Harvard, fisiólogo,
que estimulou o interesse de jovens sociólogos, entre flct Parsons
e George Homans (ver cap. XVIII), pela teoria de Pareto.

A Sociologia t seus métodos

O approach de Pareto da Sociologia caracterizase, antes


de mais nada, pela insistência quanto à sua natureza cientifica
(empírica). O Tratado contém numerosas observações morda-
zes a respeito do pteudocientificismo de Comte e Spencer, e
demolideras referências às seculares “religiões” do progresso,
humanidade c democracia. Sustentava Pareto que, se devem
ser evitadas essas armadilhas nuocientí ficas, a Sociologia pre-
cisa usar um método “lógicoexperimental”,M baseado intei-
ramente na observação e na inferência lógica, presumivelmente de
acordo com o cânone estrito da indução afirmado por J. S.
Mill. No opinião de Pareto, o mundo experimental (observá
vel) consiste em coisas e relações que podem ser percebida*
pelos órgãos dos sentidos e que habitualmente podem ter
medidas.
*• Em francês e italiano, o tênno “eacpwimento” «mlve tu»,
bém observação controlada.

211
O Tratado, porém, trata afinal de fenômenos que não
pertencem a este "inundo experimentar, mas que, não obstan-
te, desempenham papel importante na vida social, como idéias,
alístiações, opiniões, crenças c sentimentos. Pareto concebia
como tarefa principal a redução desses fenômenos a fatos ob-
serváveis pertencentes ao mundo da realidade, tal como 0 de-
finia. Conseqüentemente, previne contra os procedimentos me-
ramente verbais: “as Ciências Naturais nunca foram construí-
das pelo estudo c classificação dc têrmos da linguagem coraum,
mas estudando e classificando fatos. Tentemos fazer o mesmo
com a Sociologia” (n.° 396).87
Pareto insistiu também em que os procedimentos cientí-
ficos devera explicar o desconhecido pelo conhecido. O pas-
sado, portanto, é mais bem explicado pelo presente do que o
presente pelo passado, princípio êsse freqüentemente violado
nas monografias e nos compêndios sociológicos. Finalmente,
acentua que os conceitos fundamentais de uma ciência devem
ser definidos com precisão e suas teorias formuladas era têrmos
exatos. Não é certo, entretanto, que seu próprio tratado cum-
pra essas premissas metodológicas.

O sistema social: estrutura e dinâmica

A contribuição mais importante de Pareto para a teoria


sociológica é sua formulação
equilíbrio. Essa concepção permite
da sociedade como um abandonar
à Sociologia sistema cmo
organicismo sem abandonar ccrtas sadias proposições suas.
Se a sociedade é um sistema, é um todo consistente de
partes interdependentes; a mudança em alguma parte afeta
as outras partes e o todo. Os “pontos materiais ou moléculas"
do sistema, de acôrdo com Pareto, são indivíduos afetados
por fôrças sociais caracterizadas por propriedades constantes
ou comuns. O estado de um sistema social em qualquer tempo
dado é determinado pelas seguintes condições: primeiro, o
meio extrahuraano; segundo, outros elementos exteriores à
sociedade, ao tempo, inclusive outras sociedades e os estados
prévios da sociedade dada; e, terceiro, elementos internos do
sistema, nomeadamente interêsses, conhecimento e “resíduos”
w De icArdo cora a vontade de Pareto, ai c£taç3es do TrctsJo
tio feitas por melo dc referência aos números dados ã seus parágrafos.

2/2
o 1 derivações” que são manifestações de “sentimento^ Dcshs
condições determinantes, Pareto submete a um estudo detalha-
do sòmente os resíduos e derivações.
Nessa fórmula geral de equilíbrio, não há aparentemente
lugar para fenômenos culturais como a lei, a política, a refi»
gião ou a arte. Mas a ausência de tratamento explicito não
significa que Pareto falhasse no reconhecimento de sua impor-
tância. Todos éles executam uma parte na manutençio dos
sistemas sociais, mas, segundo o ponto de vista que sustentava,
sòmente atendendo a que manifestam sentimentos básicos. O
dos sentimentos então é essencial à manutenção do equi-
papel social.
líbrio
A sociedade, para Pareto, é um ssstema em equilíbrio.
Isto significa que existem, dentro de cada sociedade, fôrças
que mantêm a forma (ou configuração) que a sociedade al-
cançou ou que garantem mesmo uma transformação ininterrup-
ta; no último caso, o equilíbrio é dinâmico. Seguese um im-
portante corolário: se o sistema social está sujeito à prrwio
de fôrças externas de intensidade moderada, as fôrças internas
impulsionam a restauração do equilíbrio, retornando a socieda-
de a seu estado nãoperturbado.19 Essas fôrças internas con-
sistem principalmente no sentimento de reação contra qualquer
coisa que perturbe o equilíbrio interno. Sem este sentimento,
cada alteração incipiente do sistema social encontraria pouca
ou nenhuma resistência e cresceria impunemente. Essa situa-
ção pode ocorrer, de fato, mas diminui sua probabilidade ante
o sentimento de resistência, independentemente do número de
indivíduos diretamente afetados, positiva ou negativamente, pe-
las transformações propostas.
Êsse teorema da restauração do equilíbrio dos sistemas
sociais foi confirmado, em certa medida, pelo estudo da rea-
ção social ao crime, do êxito das revoluções e do impacto da
guerra sôbre as sociedades. Nesses casos, como em
outros, uma farta evidência indica a natureza freqüentemen-
te temporária de comoções sociais e a qualidade persistente de
arranjos sociais fundamentais.
A análise das fôrças internas baseiase na distinção entre
ação lógica e nãolôgica. De acôrdo com Pareto, uma ação

* Mais prteisamente, na teoria da Pareto define** • aquiMm


pela presença de fôrçaj que finalmente o restauram.

?n
c lógica quando objetivamente atingível seu fim c se este
c ot meies usados sr unem objetivamente na estrutura do me-
lhor conhecimento disponível; todas as outras ações, considera
as nãológkas (o que não quer dizer que sejam ilógicas ou
contrárias à lógica)  As ações presumivelmente lógicas são
raras. No tratado de Pareto, aparecem sòmentc uns poucos
exemplos, incluindo a formulação da teoria científica, a ação
econômica (que de nenhum modo, na verdade, é sempre ló-
gica) e a conduta dos advogados no tribunal. Mesmo, porém,
a atividade judicial é nãológica porque o papel do juiz envol-
ve mais do que a simples aplicação lógica dc normas legais
abstratas a casos concretos.
judiciais manifestam, em largaPareto
escala,argumenta que as dos
os sentimentos decisões
juí
zes (que compartilham com outros membros do grupo] c que
a referência às leis escritas é uma explicação ex post jacto dc
uma decisão tomada de outra maneira. “As decisões do* tri-
bunais" — escreve élc — "dependem grandemente dos inte-
resses e dos sentimentos vigentes em uma sociedade em um
dado momento; e também dos caprichos individuais e das opor-
tunidades; e ligeiramente — às vezes nem isso — de códigos e
leis escritas” (n.* 466). Esta é uma das muitas ilustrações que
Pareto usa para demonstrar seu teorema básico: a predomi-
nância da ação nãológíca na vida social.
A ação nãológica se relaciona a resíduos e derivações —
ambos manifestações
mente de sentimentos
estados biopsíquicos básicos. indefinidos, roas aparente-
Embora Pareto admita
que êsses estados não são diretamente cognoscívcis, indica a
natureza presumivelmente específica de sua expressão em re-
síduos, derivações e conduta humana. Êle parece acreditar que
os sentimentos são instintos ou tendências humanas inatas; por
exemplo, denomina um dos mais importantes sentimentos “o
instinto dc combinação**. Por outro lado, admite que os re-
síduos estão em correlação com as condições em transformação
sob as quais vivem o* sêres humanos, que as ações cm que os
sentimentos se exprimem reforçam êsses sentimentos e podem
mesmo despertálos em indivíduos que déles careçam, que ns
sentimentos são engendrados ou acentuados pela persistência
dos grupos e que, por sua vez, podem ajudar os grupos a so-
breviverem. Essas qualidades não constituem propriedades de
instintos inatos e imutáveis, mas antes características de con-
duta aprendida. A teoria dc conduta aprendida estavase dc

214
scnvolvendo na Psicologia, k época de Pareto, fato Jf| pe-
sou sem duvida em parte na ambigüidade de sua lermíaolcgia.
Alguns dos sentimentos, de acôrdo com Pareto, animam
05 homens a justificarem
suas ações formulando teorias não
 lógicas que os respectivos defensores consideram altamente
lógicas. O exame dessas “teorias” revela a distinção entre
elementos profundos, constantes e portanto importantes, os
resíduos, c elementos superficiais, variáveis, e portanto menos
importantes, as derivações. Podemse descobrir os resíduos
estudandose diversas constatações relativas ao mesmo asamto
e delas abstraindo os elementos constantes. O conhecimento
dos resíduos — mais próximos dos sentimentos do que as
derivações — permite uma penetração profunda na causali
dade das ações humanas. Todavia, os resíduos são também
manifestações, e finalmente e causalidade deverá ser procurada
na profundeza dos sentimentos. Conquanto discutível ou hi
potética esta formulação particular, devemos concordar com Pa
rtto que explicar as ações pela simples aceitação do que os ho
mens dizem a respeito de sua conduta é, naturalmente, um pro-
cedimento vazio de validade cientifica — principio há muito
reconhecido pelos estudiosos da vida humana.
Pareto deu ênfase especial à diferença entre seu ponto de
vista sôbre as ações humanas e a explicação racionalisia. Esta
presume que os homens primeiro pensam, primeiro formulam

idéias oudeteorias
opinião Pareto,e em seguida segue
a conduta agem de acôrdo com
o processo elas. Naa
contrário:
ação precede a racionalização. Conclui êle, por exemplo, a
discusão de doutrinas populares do aparecimento da proprie-
dade privada, declarando: “Uma família, ou algum gmpo
étnico, ocupa um pedaço de terra... O fato da pexpetuidade
da ocupação, da posse, é com tôda probabilidade anterior...
a qualquer conceito de lei da herança** (n.° 256). Para Paieto,
não há relação causai direta entre teoria e ação. Ambas são
causadas pelos sentimentos básicos, revelados na ação de um
modo bastante constante, mas quase por ycara na icoria ou
justificação. Cada modo de conduta é, naturalmente, justifi-
cado por alguma teoria, mas em cada caso concreto o acidente
da invenção determina a justificação teórica e, portanto, não

terá grande
constitui importância
outro teorema na análise
fundamental da conduta.
da Sociologia Esta conclusão
de Pareto.
De acôrdo com Pareto há seb classes (e diversas sub-
classes) de resíduos: primeira, o instinto de combinação» *

215
faculdade dc associar coisas; segunda, o resíduo da persistência
dc agregados, a tendência conservadora; terceira, o resíduo da
manifestação de sentimentos através de atos exteriores (entre
a formulação de justificações; em termos simples, a autoexpres
são); quarta, o resíduo dc sociabilidade, ou a tendência a com-
por sociedades e a impor um comportamento uniforme; quinta,
o resíduo da integridade pessoal, levando a ações que restauram
a integridade perdida, como as que formam a srcem da lei
criminal; sexta, o resíduo sexual. Éstes resíduos podem reu
nirse, na vida social, de formas diferentes. Através, por
exemplo, dc uma combinação dos resíduos do equilíbrio e da

persistênciasocial,
portância de grupo surgem forças
correspondendo compostas vigorosos
a sentimentos de grandee im-
po-
derosos do tipo vagamente denominado pelo termo “ideal de
justiça”.
A classificação de resíduos, feita por Pareto, não se encon-
tra explicada ou justificada em parte alguma. A sexta classe,
o^ resíduo sexual, é heterogênea c lògicamcnte parece que exi-
giria um complemento, como a feme. As classes terceira, quarta
e quinta relacionamse à tendência dos sistemas sociais de per-
manecerem em estado de equilíbrio, ou de o restaurarem. A
primeira e a segunda classes aparecem em sua distribuição entre
pessoas, como adiante se indica. Um grande admirador de
Pareto declarou que essa classificação era “o árduo trabalho
de um pioneiro'*. • Embora tenham sido sugeridas várias adi-
ções e melhorias a êsse trabalho, parece improvável que os
estudiosos tentem desenvolver essa fase da obra de Pareto devi-
do a suas inequívocas deficiências.
A classificação que Pareto íêz dos resíduos baseiase em
parte em seu estudo de material tomado predominantemente
de autores clássicos. Sustentou êle que uma grande literatura
reflete grosso modo a vida real, que a concentração na litera-
tura clássica evita as prevenções e que, sendo os resíduos pro-
posições universais constantes, podem ser derivados da análise
cuidadosa da literatura clássica. (Não obstante, havia recortes
de jornal esparzidos entre as seleções dos clássicos.) Cada
item selecionado dessas fontes era interpretado, primeiro, como
a manifestação de um sentimento particular; depois, compa

* L. J. Henderson, Pardo's Sociology: A Physiologist*s Inter•


prctmtion, 1935, pig. 58.

716
ravamse os itens individuais, dispondo grandes números dos
semelhantes em classes e subclasses. Êste procedimento (difi-
cilmente precursor da atual análise de conteúdo usada no estudo
empírico de comunicações, embora parecido nos propósitos) é a
aproximação mais Íntima, encontrada na obra de Pareto, com
o método indutivo.
A análise das derivações, feita por Pareto, é menos deta-
lhada do que seu tratamento dos resíduos. As derivações,
conforme acima se observa, são concebidas como manifesta-
ções de superfície — como explicações — de fôrças subjacentes
na vida social. Pareto primeiro considera as derivações sob
o ponto de vista do caráter subjetivo de tais explicações e, em
seguida, delineia quatro classes principais de derivações: pri-
meira, as derivações de afirmação, incluindo as afirmações de
fato e sentimento; segunda, as derivações de autoridade, seja
de indivíduos, grupos, costumes ou divindades; terceira, deriva-
ções que estão de acôrdo com (e portanto servem para manter)
sentimentos e princípio* comuns; quarta, derivações de prova
verbal, por exemplo, as várias metáforas e analogias. As muiias
ilustrações de Pareto a essas diferentes espécies de explicações
verbais de comportamento mostram as categorias se sobrepon-
do. Entretanto, não há nenhuma conexão Íntima entre as clas-
ses de resíduos (esboçadas acima) e de derivações; umas entre
cortam as outras.

A circulcção das elites

Segundo o ponto de vista de Pareto, apesar dos resíduos


serem comuns a tôdas as sociedades e a todos os tempos, são
desigualmente distribuídos entre os indivíduos, e sua relativa
freqüência nas diversas sociedades e épocas está sujeita a alte-
ração. A transformação social, dado que se relaciona às pri-
meiras duas classes de resíduos (o instinto de combinação e a
penistênda de agregados), é extensamente discutida. Seu es-
tudo resulta na formulação da teoria da circulação das elites,
que constitui outro teorema básico da Sociologia de Pirclo.
As elites consistem em indivíduos de ma is alta atuação nos res-
pectivos setores. Há duas classes principais de elites: uma elite
governante compreendendo os indivíduos que direta ou indi-
retamente desempenham papel relevante na operação do pode;
político; uma elite niogoveraante consistindo de hocr^
faculdade dc associar coisas; segunda, o resíduo da persistência
de agregados, a tendência conservadora; terceira, o resíduo da
manifestação de sentimentos através de atos exteriores (entre
a formulação de justificações; ein termos simples, a autoexpres
são); quarta, o resíduo dc sociabilidade, ou a tendência a com-
por sociedades e a impor um comportamento uniforme; quinta,
o residue da integridade pessoal, levando a ações que restauram
a integridade perdica, como as que formam a srcem da lei
criminal; sexta, o resíduo sexual. Êstcs resíduos podem reu-
nirse, na vida social, dc formas diferentes. Através, por
exemplo, de uma combinação dos resíduos do equilíbrio e da
persistência de grupo surgem fôrças compostas de grande im-
portância social, correspondendo a sentimentos vigorosos e po-
derosos do tipo vagamente denominado pelo têrmo “ideal de
justiça”.
A classificação de resíduos, feita por Pareto, não sc encon-
tra explicada ou justificada em parte alguma. A sexta classe,
o resíduo sexual, é heterogênea e logicamente parece que exi-
giria um complemento, como a fome. As classes terceira, quarta
e quinta relacionamse à tendência dos sistemas sociais de per-
manecerem cm estado de equilíbrio, ou de o restaurarem. A
primeira c a segunda classes aparecem em sua distribuição entre
pessoas, como adiante se indica. Um grande admirador de
Pareto declarou que essa classificação era “o árduo trabalho
de um pioneiro”.* Embora tenham sido sugeridas várias adi-
ções e melhorias a êsse trabalho, parece improvável que os
estudiosos tentem desenvolver essa fase da obra dc Pareto devi-
do a suas inequívocas deficiências.
A classificação que Pareto fêz dos resíduos baseiase em
parte em seu estudo de material tomado predominantemente
de autores clássicos. Sustentou êle que uma grande literatura
reflete grosso modo a vida real, que a concentração na litera-
tura clássica evito as prevenções e que, sendo os resíduos pro-
posições universais constantes, podem ser derivados da análise
cuidadosa da literatura clássica. (Não obstante, havia recortes
de jomal esparzidos entre as seleções dos clássicos.) Cada
item selecionado dessas fontes era interpretado, primeiro, como
a manifestação de um sentimento particular; depois, compa-

* L. J. Henderson, Panto's Sociology: A Physiologist's Inter


prctmtlon, 1933, pig. 58.

2/6
ravamse os itens individuais, dispondo grandes números dos
semelhantes em classes e subclasses. Êstc procedimento (difi-
cilmente precursor da atual análise de conteúdo no estudo
empírico de comunicações, embora parecido nos propósitos) c a
aproximação mais intima, encontrada na obra de Pareto, com
o método indutivo.
A análise das derivações, feita por Pareto, e menos deta-
lhada do que seu tratamento dos resíduos. As derivaç&s»
conforme acima se observa, são concebidas como manifesta-
ções de superfície — como explicações — de fôrças subjacentes

ona ponto
vida desocial.
vista Pareto primeiro
do caráter considera
subjetivo de tais asexplicações
derivaçõese, sob
em
seguida, delineia quatro classes principais de derivações: pri-
meira, as derivações de afirmação, incluindo as afirmações de
fato e sentimento; segunda, as derivações de autoridade, seja
de indivíduos, grupos, costumes ou divindades; terceira, deriva-
ções que estão de acôrdo com (e portanto servem para manter)
sentimentos e princípios comuns; quarta, derivações de prova
verbal, por exemplo, as várias metáforas e analogias. As muitas
ilustrações de Pareto a essas diferentes espécies de explicações
verbais de comportamento mostram as categorias se sobrepon-
do Entretanto, não há nenhuma conexão Íntima entre as clas-
ses de resíduos (esboçadas acima) e de derivações; umas entre
cortam as outras.

A circulação das elites

Segundo o ponto de vista de Pareto, apesar dos resíduos


serem comuns a tôdas as sociedades c a todos os tempos, são
desigualmente distribuídos entre os indivíduos, e sua relativa
freqüência nas diversas sociedades e épocas está sujeita a alte-
ração. A transformação social, dado que se relaciona às pri-
meiras duas classes de resíduos (o instinto de combinação e a
persistência de agregados), 6 extensamente discutida. Seu es-
tudo resulta na formulação da teoria da circulação das elites,
que constitui outro teorema básico da Sociologia de Pare».
As elites consistem em indivíduos de mais alta atuação nos res-
pectivos setores. Há duas classes principais de elites: uma elite
governante compreendendo os indivíduos que direta ou indi-
retamente desempenham papel relevante na operação do poder
político; uma elite nãogoveraante consistindo de homens capa

217
uc% que não sc encontram em posições de mando. A distri-
buição diferencial de resíduos entre os membros das elites é
muito mais importante para os assuntos sociais do que sua dis-
tribuição entre as massas.co Dependendo da predominância de
resíduos respectivamente das classes um r. dois, surgem dois ti-
pos de homens, designados pelos termos especulador o rendei
ro.61 Quando a elite governante c dominada pelos especulado-
res, a sociedade está sujeita a uma transformação relativamen-
te rápida; quando os rendeiros dominam, a transformação ocor-
re lentamente. Parcto sustenta que há uma tendência natural
nas elites de rodízio entre os dois tipos nas posições de poder

político.
acumulamseSe anaseliteclasses
de uragovernadas
tipo governou durante
elementos algum tempo,
superiores e re-
ciprocamente elementos inferiores se desenvolvem nas classes
governantes. Conseqüentemente, uma elite constituída de es-
peculadores (digamos) comete erros que abrem o caminho ao
ascenso dos rendeiros; mas depois que êstes sc consolidam nas
posições do poder, tamblm cometem erros abrindo a porta
àqueles.
Introduzsc, assim, uma teoria cíclica de transformação
social, com duas fases bem caracterizadas pela predominância,
respectivamente, de atitudes conservadoras ou progressistas.
A ^ História, entretanto, assevera Parcto, “é um cemitério de
aristocracias” (n.* 2053). Teoria que se aproxima de perto
do ponto dc vista de Sair.tSimon da recorrência necessária de
períodos críticos r orgânicos, encontra ilustração na História
antiga c na literatura clássica. Mas a ilustração (conforme
observamos no caso da teoria de Spencer) não é uma demons-
tração sistemática. Na ausência desta última, parece haver
poucos motivos, à base da própria obra de Parcto, para atri-
buir validade uni venal a essa teoria.

Resumo e apreciação

Quais são, cm suma, as respostas de Pareto aos proble-


mas fundamentais da teoria sociológica? Êle concebe a socie-
dade como um sistema em equilíbrio, cujcs pontos materiais

Ponto de vista que agrada especialmente aos fascistas.


RtnlUr, em francês, indica uma pessoa que procura a segu-
rança e investe suas economias cm títulos (rcuU).

2W
de referências são indivíduos expostos a um número fiiwSB
do que denomina fôrças. Fôrças — antes que tudo sentimen-
tos e resíduos — que determinam a condição do sistema
Nesta concepção, parece pequeno o papel da cultura.
A unidade básica da análise sociológica, no esquema de
Pareto, é uma manifestação única dessas fôrças subjacentes e
persistentes. A análise deve relacionarse primàriamente aos
resíduos, êles próprios manifestações de fenômenos biopsíquicos
incognojcíveis.
Para Pareto, o problema da relação entre o indivíduo e
a sociedade é um aspecto do problema geral da relação entre
a parte e o todo em qualquer sistema. Seu ponto de vista
a 6ssc respeito é essencialmente funcional; qualquer transfor-
mação na parte afeta o todo, e viceversa.
O último ponto de vista é coerente com a rejeição de
qualquer versão de monismo sociológico que pudese reduzir
explicações da vida «nriaI a fatôres ou causas únicos. Pareto,
não obstante, delineia um número limitado de fatôres que acre-
dita determinem o estado da sociedade e a transformação so-
cial. No caso de transformação êle acentua a natureza e a
distribuição de resíduos específicos, ou tendências a agir de
certas maneiras, na elite governante. As transformações nas
elites parecem ocorrer por necessidade imanente.
Pareto não define a relação existente entre a Sociologia
e as outras Ciências Sociais. Mas insiste em que a Sociologia
precisa basearse no método lógicoexperimental, método que
exige observação disciplinada e inferência lógica dessa obser-
vação. Suas vigorosas recomendações a êste respeito são en-
fraquecidas por sua própria inclinação a substituir a coleta
de constatações alheias sôbre fatos pela observação e abando-
nar o procedimento indutivo por esquemas de classificação apa-
rentemente intuitivos.
Essas características ajudam a tomar excessivamente di-
fíceis o estudo e a interpretação dos escritos teóricos de Pareto.
Seu Tratado, não há dúvida, contém um grande núxuexo de
proposições plausíveis sôbre várias fases da realidade social e
cultural
ao estudoqueatualrepresentam uma e fonte
da estrutura de sugestões
transformação e hipóteses
sociais. Todavia,
pouco uso tem sido feito, relativamente a êsse respeito, da
obra de Pareto, cora a notável exceção da marcante pesquisa,

219
no setor d.i Sociologia industrial do Management and the
Worker, dc F. J. Roethlisberger c W. J. Dickson.62
As principais contribuições de Pareto são a insistência
(embora, como vimos, não a prática) em que a Sociologia
deve ser governada por princípios estritamente científicos e a
concepção da sociedade como um sistema em equilíbrio im-
perfeito. Cora relação a esta última concepção, as proposições
de Pareto concernentes à tendência dos sistemas sociais a res-
taurarem o equilíbrio perturbado, os vários fatôres que contri-
buem para a condição dos sistemas sociais, a significação da
ação nãológica na vida social, e a natureza intermitente da

transformação
terações lentas social, assinalada
ou rápidas, são por sucessivos sugestivas
formulações períodos que
de al-
se
aproximam de condições observáveis.
Muito menos útil é a análise de Pareto de fôrças internas
operando na vida social, especialmente a redução dessas fôrças
a resíduos. No balanço final, sua explicação (ela própria uma
derivação?) dos fates sociais repousa cm uma teoria biopsíqui
ca de alguma coisa estreitamente afim aos instintos. Sabemos
hoje que qualquer dessas explicações da conduta individual ou
social é enganosa, devido ao papel ubíquo dos fatôres cultural
e institucional na conduta humana.
Mas mesmo se identificarmos 0 1 sentimentos e resíduos
de Pareto com a conduta aprendida, mais do que com os ins-
tintos, seu procedimento no estabelecimento dessas fôrças é
bastante discutível. Em primeiro lugar, para citar o filósofo
F. S. C. Northrop, “em vez de ser o estado psíquico dado em
primeira mão, imediatamente, ao psicólogo introspective trei-
nado”, os esboços psíquicos de Pareto são “características de
segunda ou terceira mão atribuídas a pessoas... que, ao tem-
po em que Pareto fez suas “observações", existiam sòmente
em sua imaginação... Nem uma vez, ao obter seus “fatos",
deixou Pareto a cadeira de braços de seu gabinete". 03 Em se-
gundo lugar, o próprio Pareto propôsse a difícil tarefa de pe-
neirar resíduos presumivelmente fundamentais de inumeráveis

c2 Estudo de uma usina da Western Eletríc Company, em


Hawthorne, Illinois, que utiliza especialmente a teoria do equilíbrio»
de Pareto; ver particularmente as pigs. 272 (nota) c 55768.
63 F. S. C. Northrop, Tht Lope of the Scitncet and Ihi Hu•
rrumitus (1947), pág. 270. (Ver todo o capítulo 15 dêsse volume,
par» a avaliação da obra de Pareto.)

220
derivações, reconhecidamente enganosas. O cumprimento
sa tarefa exige a identificação de derivações ■«■nría^j» com “o
mesmo assunto"; todavia, os critérios para distinguir o* assen-
tos não são esclarecidos em parte alguma. Ncm são especifi-
cados os procedimentos utilizados na determinação de resíduos
particulares manifestados em derivações. Ôbviamente, a pró*
pria obra dc Parcto sai muito fora das exigências científicas
que éle mesmo anunciava tão forte c claramente.
Seu tratamento de resíduos e derivações, que ocupa gran-
de parte do Tratado, é então o aspecto mais fraco da obra
que produziu.penetrantes
observações Espalhadas,e entretanto,
indicações através
sugestivasdéle,parahá investi-
muitas
gação posterior. E, como vimos, o remanescente da formula-
ção teórica dc Pareto, particularmente sua concepção do sis-
tema social como um equilíbrio dinâmico, continua a ser uma
contribuição importante para o desenvolvimento cumulativo da
teoria sociológica.
CAPITULO XIV

Max Weber

N O primeiro QUARTEL
desenvolvimento
do século XX o fato mais notável no
da teoria sociológica foi o surto da Sociologia
psicologicamente orientada. Essa tendência floresceu indepen-
dentemente ern vários paises, havendo três estudiosos que a
representam em sua mais alta expressão teórica. Já foram
estudadas por nós as contribuições de dois dêles — o behavio-
rismo moderado de Thomas, associado ao approach cultural, e
a obra de Pareto, incluindo sua Psicologia, afim das caracte-
rísticas ins tin ti vistas. Cabe agora voltarnos para o último dos
três, nem por isso menos importante: o alemão Max Weber,
cuja Sociologia é também subjetivista, embora realce os fatò
res racionais da atividade mental do homem.

Weber e sua obra

Max Weber (18641920), filho de família abastada, teve


excelente formação cm Direito e Economia. Seu pai, militante
na política germânica, membro do Reichstag durante muitos
anos, pertencia ao Partido Nacional Liberal. Em 1893, Max
Weber foi nomeado professor de Economia na Universidade de
Friburgo e, logo depois, transferido para a de Heidelberg, com
as mesmas funções. Em 1900 passou por severa crise de esgo-
tamento c viuse forçado a abandonar a atividade acadêmica;
só voltou a lecionar em 1918, dirigindose então para Viena
e daí para Munique. Morreu era 1920, quando acabava de
atingir a plena maturidade Intelectual.

222
Durante os anos que passou fora das universidades, Weber
não cultivou o ócio. Recursos pessoais permitiramlhe viajar
extensamente (visitou os Estados Unidos em 1904) e dedicar
se à pesquisa. Publicou assombram número de estudos e
ensaios, muitos dos quais apareceram no Archiv für Sozialwtsseni
chaft und Sozialpolitik, que com êle se tomou uma das mais
importantes publicações alemãs de ciência social. Colaborou
também not jornais, com numerosos artigos, e militou ativa-
mente na política. Era um liberal, refletindo o ponto de vista
que prevalecera na casa paterna. Protestou contra a guerra
submarina
pelas irrestrita,de no
negociações paz.primeiro conflitona mundial,
Depois serviu comissão e que
bateuse
pre-
parou o memorando sôbre culpa de guerra, submetido à confe-
rência da paz de Paris, e na comissão que esboçou a Consti-
tuição de Weimar. Podese dizer que sua vida se dividiu, igual-
mente, entre a ciência c a política, sempre em alto nível.
Grande número dos escritos de Weber não pertence ao
campo da Sociologia; dos sociológicos, a maioria trata dc pro-
blemas concretos e não de teoria geral. Mas a inteligência de
Weber era altamente analítica e, embora tratando dc proble-
mas não orientados para a teoria, trouxelhe importantes
contribuições.
Ao morrer, deixou inacabada sua principal obra no setor
da teoria sociológica, um tratado monumental: Economia e
Sociedade. Foi uma grande tarefa preparar para publicação
(em 1922) os inúmeros fragmentos dessa obra que já se en-
contravam bastante além do estágio preliminar. Mau nu me-
nos ao mesmo tempo, suas colaborações em vários jornais e
outros trabalhos seus foram coligidos e publicados como Escri-
tos Reunidos, dos quais três volumes versam sôbre Sociologia
da religião, um sôbre história social e econômica, um sôbre
Sociologia e Política Social, e um sôbre o que hoje denomina-
mos Sociologia do conhecimento. Essa enumeração ilustra a
amplitude excepcional do interêsse cient'iico de Weber.

A base da Sociologia de Weber

Não se pode compreender a contribuição de Max Weber


à Sociologia sem uma referência ao clima intelectual, espe-
cialmente filosófico e científico, da Alemanha no início do
século XX. A teoria marxista formava parte dêae clima.
Dominavao mais, porém, a icvivcscência da Filosofia kantis
u, afirmando a existência dc um abismo insuperável entre o
mundo dos fenômenos materiais e o mundo do “espírito**, ma-
nifestado antes de tudo cm valores. Relativamente ao mundo
material, sustentavase que as Ciências Naturais podem e de-
vem formular “leis da natureza”, constatações sôbre unifor-
midade; invariáveis. Enquanto a ciência adquire conheci-
mento dos estados e processos da mente humana, "compreen-
dendoos” de dentro, não percebe uniformidades no mundo do
“espírito” c precisa limitarse à descrição acurada e à avalia-
ção dos acontecimentos e suas seqüências, nas manifestações
únicas e não recorrentes que apresentam.
£sse appvoach não impediu Toennies e Simmel, como vi-
mos, de construírem sistemas sociológicos do tipo dc ciência
natural como os descritos acima. Nem se inclinaram êles, é
certo, pela formulação de “leis”; ambos se satisfizeram com o
estabelecimento de tipologias — no caso de Toennies, de grupos
sociais, no de Simmel, de relações e processos sociais. Mas a
obra do primeiro, quando não a do segundo, implica a idéia
de ordem na realidade social.
O próprio Weber fêz um valoroso esforço para superar
a oposição entre ciência natural e “espiritual*', e para criar
um sistema sociológico retendo os elementos mais valiosos dos
dois approaches. Compartilhava a crença de que as Ciências
Naturais e Sociais são completamente diferentes. Nos Cicncias
Naturais, o interêsse humano se volta para o contrôle: aquêle
que conhece as uniformidades pode dispor das fôrças da na-
tureza. Pelo contrário, nas Ciências Sociais o interêsse huma-
no se volta para a estimativa. O próprio conceito de cultura
é um conceito de valor. A realidade empírica se toma cultu-
ra para nós porque, tanto quanto possível, nós a relacionamos 1
valores. A validade dos valores é um problema de fé, não de
conhecimento; de acôrdo com Weber, portanto, as Ciências
Sociais precisam investigar valores, mas não podem prover
normas e ideais obrigatórios, de que resultem diretivas contro-
ladoras da atividade prática. Coerentemente, as Ciências So-
ciais (inclusive a História) devem, na opinião de Weber,
libertarse dos vtdôres.
À época, era bem conhecida a variabilidade, no tempo
e no «paço, dos sistemas de valor. Dado que os processo*
culturais se acham constantemente formando e reformando,

224
o objeto das Ciências Culturais está sujeito a alteraçio; por-
tanto, sustentava Weber, está fora de dúvida uma dê§g§* da
cultura, sistemática ou generalizante. Cumpre que a dência
social seja uma ciência empírica da realidade concreta.
Essa conclusão exerceu efeito profundo nas pesquisas e
idéias cientificas dc Weber. Possuindo uma das mais bri-
lhantes inteligências teóricas em Sociologia, raramente se per-
mitiu afirmações de ampla generalização, transcendendo sis-
temas culturais concretos. Seu interêuc fundamental repousa
no sistema da sociedade e da cultura em que viveu; seu esfôr-

aço srcem
principal
e o concentrouse, assim,
desenvolvimento em esmerados
das instituições estudaseconô-
políticas, sâbre
micas, jurídicas e religiosas do mundo ocidental. Mas não se
limitou a êsses assuntos, 'lendo chegado a certas conclusões
a respeito de interconexõcs entre o ascenso do capitalismo
moderno e o crescimento c a natureza do protestantismo, de-
cidiu pôr à prova a validade dessas conclusões, examinando
situações comparáveis, a alguns respeitos, não todos, em ou-
tras civilizações. Nesse empenho realizou brilhantes investi-
gações das civilizações chinesa, hindu e judaica (em que os
sistemas filosófico e religioso variavam grandemente), cujos
estudos, ao que supunha, confirmavam as deduções que deri-
vara Ho estudo do desenvolvimento ocidental. Essa análise
comparativa impeliuo talvez a superar seu ceticismo srci-

nal vida
da relativamente
começouà apossibilidade
escrever oda tratado
Sociologia
acimageral. No fim
mencionado,
Economia e Sociedade. A primeira parte da obra, em consi-
derável extensão, é uma teoria sociológica geral cm direção
de uma ciência teórica abstrata, e como o próprio Com te a
compreendera.
Há diferenças, conforme seria de esperar, entre os pontos
de vista expressos na obra mais madura de Max Weber c cm
seus primeiros trabalhos, mas não diferenças de princípio. As
primeiras obras foram precursoras das últimas; portanto, pode
se descrever o sistema de idéias de Weber à basg das obras so-
ciológicas que escreveu, tomadas em conjunto.
Em seu sistema sociológico, Weber tentou tirar vantagem
das possibilidades oferecidas pela ciência natural e pela ciên-
cia “espiritual". Alcançase o mais alto nível da compreen-
são dos fenômenos sociais — sustentou êle — quando essa
compreensão é causalmente adequada e adequada ao nível
dc vjiificado. Es*a proposição exige a análise dc três ques
toes: O que é compreensão carnalmente adequada? O que
o compreensão significativamente adequada? Como se inter
relacionam as duas?

Ccmprcfmão causai r processo histórico

Em icsposta à nossa primeira questão, replica Weber: a


interpretação de uma seqüência de acontecimentos é causal
mente adequada quando observações cuidadosas levam à ge-
neralização de que é provável que a seqüência venha a ocor-
rer sempre da mesma forma. Essas generalizações, de acôrdo
com o ponto dc vista de Wcber, deviam ser estatisticamente
derivadas ao máximo. Para os fenômenos que não se podem
descrever e interpretar estatisticamente, resta a possibilidade
dc comparar o maior número possível de processos semelhantes,
históricos ou contemporâneos, que diferem sòmente com re-
lação ao fator cujo papel se eslá investigando.
A principal realização do saber de Weber foi um sugesti-
vo inquérito dêsse último tipo. Mas essas séries dc estudos
começaram de acôrdo com linhas algo diferentes. Na juven-
tude, Wcber desejou testar o conteúdo básico do marxismo,
de acôrdo com o qual todos os fenômenos culturais, inclusive
a religião, são fundamentalmente determinados pela evolução
das fôrças econômicas. Para Marx, a Reforma protestante foi
um subproduto do asccnso do capitalismo. Wcber decidiu ex-
perimentar a hipótese: chegou a uma conclusão diferente. A
pesquisa c o raciocínio que desenvolveu formam uma das par-
tes principais dc sua obra e reclamam nossa atenção.
O capitalismo em geral, sustenta Wcber, é um sistema de
empreendimentos lucrativos ligados a relações de mercado que
se desenvolveram historicamente em muitos países e em várias
épocas. O moderno c maduro capitalismo, porém, distingue
se do capitalismo cm geral por seu caráter racional c pela
organização racional do trabalho livre. Como emergiu esse
tipo moderno? Weber acentua que o problema da emergên-
cia inicial é distinto do problema do crescimento posterior,
dado que, uma vez plenamente desenvolvido, um sistema so-
cial se torna autosuficiente.
do capitalismo Entende pela
maduro foi afetado aindaemergência
que o surgimento
da ética
protestante, especialmente a calvinista. Preliminarmente, esta

226
bclcccu que na Alemanha contemporânea áreas predominan
(emente protestantes eram mais ricas do que seções fundamen-
talmente católicas da nação c, a seguir, demonstrou a corre-
lação entre o crescimento do capitalismo maduro e o protes-
tantismo.
Isto era raciocinar de acórdo com o método das variações
concomitantes, freqüentemente empregado pelos cientistas so-
ciais dc então. Weber, porém, desejava estender essa conco-
mitância à relação causai, aplicando o método da concor-
dância c, como depois veremos, oferecendo uma explicação
adequada assevera
maduro, ao nívelêlcdocom
significado.
base cm O esmerado
capitalismo moderno
estudo ou
histórico,
não surgiu simplesmente por necessidade econômica interna,
mas como se tivesse sido impulsionado por outra fôrça as-
cendente, a ética religiosa do protestantismo, de nôvo o cal
vinismo cspccialmcntc. Nessa discussão, os têrmos de compa-
ração são o espirito do capitalismo moderno c o espirito do
protestantismo. O vocábulo espírito, neste contexto, significa
um sistema de máximas dc comportamento humano.
O capitalismo maduro não se baseia simplesmente na ne-
cessidade aquisitiva. É uma atividade racional, dando ênfase
à ordem, à disciplina e à hierarquia na organização. Encara
a realização da conduta aquisitiva como uma espécie de apélo.
Acentua o sucesso como tal, não as alegrias que o sucesso eco-
nômico pode comprar.
A ética protestante não sanciona diretamente a aquisição,
mas destaca a salvação. Em sua forma calvinista, a salvação
presumese que dependa da predestinação, dc uma imutável
decisão de Deus e, portanto, nada se pode fazer para alcançá
la. Entretanto, desde que ela é o foco da vida religiosa da
pessoa, esta se encontra necessàriamente interessada em saber
sc está entre os escolhidos. Acreditase que o sucesso no oficio
secular ou mundano constitua uma indicação quase infalível
de scrse um dêles. Qualquer que seja o ofício, além do mais,
deve o indivíduo conduzirsc de maneira disciplinada e ordeira.
Essas máximas de comportamento religioso e secular eram
tão coerentes, segundo acreditava Weber, que o nascimento
da
diçãoorientação ética embora
necessária, protestante
não pode ser considerado
suficiente, para a uma con-
emergência
do capitalismo moderno. Em outras palavras, as máximas
de ação compreendidas na ética calvinista levam os crentes

227
a acreditarem no espírito do capitalismo maduro. (A ciên-
cia moderna, bem como o capitalismo, era estimulada por
essa orientação ética, relação claramente estabelecida pelo so-
ciólogo americano Robert K. Merton.) 64
A afirmação, embora apoiada em extensa pesquisa, não
bastava a Weber, Decidiu cie, portanto, estudar situações que,
semelhantes por outras maneiras, diferissem no fator parti-
cular sob inquérito: a religião. Formulou a pergunta: o que
ocorrerá se as condições gerais forem tão favoráveis ao as
censo do capitalismo maduro quanto eram na Europa à épo-
ca da Reforma, excetuando a ética religiosa? Êste problema
exigia investigação de acôrdo com as linhas do método da
diicrença. Conseqüentemente, Weber desenvolveu na China
e na índia os detalhados estudos mencionados acima. Entre»
tanto, não supôs que a Europa, às vésperas do capitalismo ma-
duro, por um lado, e a China e a Índia em certas épocas, por
outro, diferissem apenas com relação à presença ou ausência
de uma ética religiosa favorável ao surgimento do capitalismo
maduro. Esta aceitação do possível significado causai de ou-
tros fatôres enfraquece substancialmente seus argumentos.
Não obstante, Weber toma claro que a combinação de
condições sociais nãoreligiosas c econômicas era propícia ao
surgimento do capitalismo na China, mas não assim o sistema
ético do confucionismo. Na índia, embora as condições ge-
rais, especialmente o sistema de castas, não fôssem tão favo-

oráveis quanto na
surgimento do China, ainda exceto
capitalismo, constituíam
pela base suficienteKarma,
tradicional para
crença na transinigração da alma, que era hostil ao desenvol-
vimento econômico à maneira ocidental. À base destes e de
outros estudos, Weber pôde afirmar: condições econômicas
específicas não asseguram o surgimento do capitalismo; é
necessária pelo menos uma segunda condição, que pertença
ao mundo interior do homem; deve haver, em outras palavras,
um poder motivador específico, a aceitação psicológica de va
iôres e idéias favoráveis à transformação.
Os dentistas sociais continuam a discutir se Weber pro-
vou, ou não, êsse postulado central. Qualquer que seja a

Ver especialmente, de Merton, Society, Technology and Se


defy in 17th Century England, Bruges, Bélgica, St. Catherine Press,
Ltd., 1938.

225
resposta, a obra a que dedicou a vida mostra o tipo de opera»
çõcs científicas necessária* paia alcançar uma compreensão
causalmrnte adequada de seqüências históricas irredutíveis ao
tratamento estatístico. Fazendo awim, abriu o caminho para
o que hoje é conhecido como "experimento sociológico", mak
exatamente chamado "quaseexperimento".
Weber compreendeu que o método comparativo sistemá-
tico nem sempre é possível no estudo sóciohistórico. Neste caso,
permanece o “perigoso e incerto procedimento do experimento
imaginário que consiste cm abstrair certos elementos de uma
cadeia de motivação e trabalhar o curso da ação que provà
velmente se seguiria na ausência dos fatôres abstraídos
Para ilustrar o procedimento êle indicou a obra dc um dos
mais notáveis historiadores do tempo, Eduard Meyer (1855
1930), que fêz essa espécie de experimento mental com re-
lação à batalha de Maratona, delineando as conseqüências de
uma vitória imaginária dos persas e comparandoa com os
acontecimentos reais.M Usando a própria obra dc Weber
como ilustração do método, poderseia perguntar: quais te-
riam sido as conseqüências, para a sociedade ocidental, sem
o protestantismo? Ou, para citar uma situação mais recente
que preocupou muitos estudiosos, poderemos "abstrair" I>nin
da História russa e ainda prever o sistema soviético? Os exem-
plos ilustram — devese observálo — um experimento men-
tal excessivamente difícil, exigindo análise lógica e reconsti-
tuição imaginativa dos acontecimentos, aliás freqüentemente
empregadas por historiadores c outros.

Compreensão ao nlvtl do significado e ação humana

Muito mais difícil de entender é a concepção de Weber


da compreensão ao nível do significado Conforme acima ob-
servamos, esperava êle reservar para a Sociologia a vantagem

* The Theory of Social ani Economic Organisation (ed. TV


Parsons), Nova YoA, Oxford University Press, 1947, ptf. 97. tm
volume é um» tradução de Panonj c A. M. Henderson, da Parte I
de Wirtsckaft und Gesrllscha/t (Sociedade a Economia).
99 B. Meyer, Geschichte des Altertnms, vol. III (1901), pi|*
420 c segi.


das Ciências Espirituais fôbrc as Ciências Naturais. Vantagem
— argumentava — que se encontra na possibilidade de uma
espécie dc compreensão que sc baseia no fato dc que os seres
humanos são diretamente conscientes da estrutura das ações
humanas. No estudo dos grupos sociais, por exemplo, somos
capa?es de ir alem da simples demonstração das relações fun-
cionais c uniformidades; podemos compreender as ações — e
as intenções subjetivas dos agentes — dos membros individuais.
Nas Cicncias Naturais não podemos compreender, neste sen-
tido, os movimentos dos átomos, moléculas, etc., mas sòmentc
observar ou deduzir as uniformidades presentes cm tais movi-

. mentos. O contraste
foi vivamente expressoentre
por asoutro
Cicncias SociaisMaclver,
sociólogo, e as nos
Naturais
se-
guintes termos:

Os jatos sociais são todos, cm última análise, fatos


inteligíveis. Quando sabemos por que um governo cai,
como é determinado um preço, por que ocorre uma
greve, como uma tribo primitiva cultua, ou por que
declina a mi dia dc nascimentos, nosso conhecimento é
diferente, de maneira vital, do conhecimento de por
que o meteoro cai, como a Lua se mantém distante da.
Terra, por que os líquidos gelam ou as plantas utilizam
nitrogênio. Conhecemos os fatos do segundo tipo
apenas
tipo, ao externamente; conhecemos
menos até certo ponto, osinternamente.
fatos do Por
primeiro
que
se voltaram os cidadãos contra o governo? Por que
o sindicato promoveu uma greve? Para responder a es
Ias perguntas precisamos projetarnos dentro das situa-
ções que estamos investigando. Precisamos captar os va
lòres, os objetivos e cs esperanças dos sêres humanos en-
quanto operam eles dentro de uma situação particular .
Não há história interior no porquê de um meteoro cain-
do ou do liquido gelando, Nós o compreendemos como
um dado, como a expressão de uma lei e nada mais.
E é porque há sempre uma história interior, por outras
palavras, um significado nos negócios humanos, que nun-
ca atingimos
Eis alémdo deconhecimento.
o paradoxo uma verdadeAs parcial
únicas oucoitas
relativa.
que
conhecemos como verdades imutáveis são as que não

230
compreendemos. As únicas coisas que compretndetnos
são mutáveis t nunca inteiramente conhecidas.91

A ênfase dada por Weber à comprcciisão subjetiva levou


o n uma dccisão cientifica da mais alta importância. Êle defi-
ne ação como a conduta humana, pública ou não, a que o
agente atribui significado subjetivo. A conduta isenta dc sig-
nificado subjetivo pertence à periferia do estudo sociológico.
A Sociologia, segundo o ponto de vista de Weber, e como pos-
teriormente será demonstrado, é fundamentalmente o estudo
da ação orientada para a conduta dos outros. O destaque ciado
a essa orientação da conduta serve para distinguir entre a So-
ciologia c a Psicologia. Mais importante ainda, entretanto, é
a acentuação de que a ação social e uma espécie de conduta
envolvendo significado para o próprio agente. Esta posição
— cumpre observálo — opõese aos ensinamentos do beha
viorismo americano, cujo approach exclui os significados sub-
jetivos fundado em que nno são nem observáveis nem comuni-
cáveis. Recordese que o bchaviorismo influenciou a ciência
social na América, especialmente durante as décadas de 1920
e 1930, mas declinou de influência durante o período mais
recente, quando os pontos dc vista dc escritores como Weber,
Maclvcr e Znaniecki sublinharam o papel do significado na
ação social.
Para Weber, a “compreensão ao nível do significado** ocor-
re de duas maneiras. Primeiro, há a compreensão por obser-
vação direta do significado subjetivo do ato de nutrrm Com-
preendemos o que uma pessoa quis significar quando declara
que 2 x 2 — 4, ou o significado subjetivo de ações irracio-
nais de um homem òbviamente zangado, ou o significado do
ato dc apontar uma arma contra um animal. Podemos apre-
ender esses significados porque temos consciência das intenções
subjetivas que atribuímos a nossas próprias ações iguais.
Segundo, há uma compreensão de motivo. Podemos re-
produzir em nós mesmos o raciocínio do agente ou, se sua ação
não fôr racional, podemos, através de participação compla-
cente ou empatia, compreender o contexto emocional «n que

91 Citado por M. Berger. T. Abel e C. H. Page (organizadores).


Freedom and Control m Modern Society, Nova York, D. Van Nos-
trand Company. Inc., 1954, pig. 290 (cap. XIII; “Robert Mnclvers
Contribution to Sociological Theory” por H. Alpert).

231
ocorre a ação. (Vemos aqui um paralelo perfeito entre a mc*
todolcgia de Weber c o destaque de Cooley da compreensão
complacente; ver cap. XII.) O observador não precisa par-
ticipar dos pontos de vista teóricos ou dos fins últimos ou va-
lôres do agente, mas intelectualmente compreende a situa-
ção e a conduta correspondente. Em outras palavras, o ato
particular c localizado em uma seqüência dc motivos cuja com-
preensão pode srr tratada como uma explicação do verdadeiro
curso do comportamento. Êssc procedimento 6 possível porque
o motivo tem um significado subjetivo que parece, ao pióprio
agente c ao observador, adequada base para a conduta cm
questão.
Theodore Abel, recentemente., refundiu engenhosamente
o approach subjetivo de Weber em uma psicologia mais obje-
tiva. Dc acôrdo com Abel, a “operação ucrstefun'* ** (com-
preensão) consiste na internalização dos fatôres observados,
um sendo o estímulo c o outro a reação, e na descoberta de
uma máxima de comportamento comuinente aceita que man-
tem os dois ligados — procedimento aplicável a observações
de casos únicos, generalizações ou constatações sôbre regula-
ridade estatística. Assim, por exemplo, a “pesquisa estatística
competente estabeleceu uma alta correlação... entre a taxa
anua] de produção das colheitas e a taxa de casamentos em
um dado ano... Usamos como itens de informação o fato
de que a baixa nas colheitas... materialmente diminui a ren-

da dos granjeiros...
promissos quando see ocasa...
fato de que se assumem
Intemalizamos então novos com-
[o primeiro
fato] em sentimento de ansiedade... e [o segundo fato]... exu
receio dc novos compromissos... Estamos aptos agora a apli-
car a máxima de conduta: As pessoas que experimentam an
siedade recearão novos compromissos... Desde que podemos
enquadrar o fato da diminuição de casamentos quando as co-
lheitas caem nessa norma, dizemos quç compreendemos a
correlação”.
Weber tinha em mente, é certo, casos mais simples do que
esse, quando apresentou a “operação verstehen”, Mas cm ca-
sos mais complexos o procedimento permanece essencialmente
o mesmo. Precisamos imaginar as emoções despertadas nas pes-

*• “The Operation Called VersUhm”, Tht American Journal


of Sociologyt UV, novembro, 1948, págs. 221 e aegs.

232
soas pc!o impacto dc uma dada situação ou acontecimento;
precisamos imaginar o motivo existente por trás da ação de
uma pessoa ou grupo, c precisamos encontrar ou construir uma
ináxima plausível de ação que deveria mostrar que o “estadode
sentimento por nós atribuído a uma dada ação humana c di-
rigido pelo estadodesentimento que presumimos evocado por
uma situação ou acontecimento superveniente”.69 Nas pala-
vras de Maclver, ao analisar o comportamento humano preci-
samos utilizar a "reconstrução imaginativa". 70
Pedirá êsse procedimento da compreensão ao nível do sig-
nificado uma Sociologia que não sc distinga da Psicologia?
Weber negavao, afirmando que o procedimento que recomen-
dava não era de nenhum modo psicológico. A confusão, asse-
vera, baseiase no érro de presumir como psíquico tudo que
não seja físico. Além dos mundos físico e psíquico há o mun-
do dos significados ou idéias. Quando um homem acredita
que 2x2 — 4, isso é um fenômeno psíquico; mas a idéia de
que 2 x 2 — 4 è independente do conteúdo do pensamento
de qualquer pessoa cm particular. Embora concordemos com
êsse ponto de vista, devemos observar que a questão inicial
ficou sem resposta. Pois, na opinião de Weber, o significado,
atributo necessário da ação, é subjetivo — significado que está
presente na mente do próprio agente ou que pelo menos pen-
sou estar presente. De outro modo, a ação não é compreensí-
vel e seu estudo não pertence ao campo da Sociologia.
Weber supera em parte a dificuldade, afirmando que,
além do significado de um ato para o indivíduo, há também
um “significado médio” atribuível a uma pluralidade de agen-
tes, ou mesmo um significado para agentes hipotéticos em tipos
particulares de atividades. (Aqui, usa Weber o conceito do
“tipo puro” discutido adiante.) Entretanto, o significado mé-
dio e o significado hipotético típico não são o mesmo que o
significado subjetivo. Se a Sociologia se interessa simples-
mente pelo primeiro, seus problemas são diferentes dot pro-
blemas de motivação individual. Mas se o significado médio
ou o significado hipotético diferem dos significados, experi-
mentados concrclamente, de indivíduos, e ainda pertencem ao

• Ibid., pág. 216.


R. M. Maclver, Social Ccusasiou, cap. IX, Boston, Ginn &
Co., 1942.

233
reino ria Sociologia, não pode esta, enlão, scr encarada como
ciência da ação social, conforme Weber a definiu. Semelhante
dificuldade, ou inconsistência, precisa ser apontada; não é ne-
cessário tentar revolvêla aqui.

Relação dc causalidade e significado

Como se intcrtclacionam a concepção dc Weber c o seu


tratamento do significado? A rcspusta que ele dá à pergunta
referese menos à conduta concreta do que às ações abstratas
típicas. Assim, afirma: “Uma interpretação causai correta
da ação típica significa que o processo anunciado como típico
demonstra scr adequadamente apreendido ao nível do signifi-
cado e, ao mesmo tempo, que a interpretação t* dc certo modo
causalmcnte adequada. Se falta a adequação com respeito ao
significado, não importará quão elevado seja o grau de uni-
formidade, nem com que precisão pode scr a probabilidade
numericamente determinada: c ainda uma probabilidade esta-
tística incompreensível...”71 Por outro lado, a explicação
mais adequada, em termos dc significado, não tem nenhuma
significação causai se não houver prova da probabilidade da
ação cm questão; quando muito, permanece uma hipótese
plausível.
A explicação sociológica satisfatória, assim, precisa scr sub-
jetivamente significativa e efetivamente prováveL Já sc de-
monstrou, entretanto, que as explicações causais nem sempre
são utilizáveis — ou significativas. Essa é uma das situações
que ocorrem frequentemente e dc que Weber tinha plena
consciência. Reconhece êlc que um considerável comporta-
mento social é assinalado pela semiconsciência in articulada do
agente, ou mesmo pela inconsciência de seu significado subje-
tivo (o que presumivelmente priva a conduta do caráter dc
“ação”). A falta de consciência do significado é, dc fato,
perfeitamente comum quando a conduta é tradicional, isto c,
determinada pelo costume social, ou quando 6 afetiva, isto 6,
determinada pela emoção.
Weber não considera sociais as ações similiares de diversas
pessoas sujeitas ao mesmo estímulo, ou a conduta consistente

7* Tcoiia da Organização Social t Econômica,

m
cm mera* imitações. (Aqui, diverge de Tarde e teus segui-
dores.) Entretanto, não exclui da Sociologia esses modos de
conduta. Os processos c as uniíormidades na conduta huma-
na que n?o sao compreensíveis (porque carecein dc significa*
do subjetivo) c não constituem, portanto, cbjeto imediato pata
a Sociologia não devem por isso ser negligenciados no estudo
da vida social, embora cumprisse estudálos por métodos dife-
rentes. Em outras palavras, o foco da Sociologia deveria lo
calizarsc na ação social que envolve significado subjetivo (ou
pelo menos significado médio ou hipotético), dado que as con-
diçõesconsiderações
são objetivas ou periféricas,
psicológicas embora
que influenciam a açãorelevan-
frequentemente social
tes, para a disciplina.

O iipo ideal ou puro: natureza e aplicações

O estudo da ação social, como Weber o concebia, requer


o método do tipo ideal ou puro. Dado que êste último têrmo
só aparece cm Economia e Sociedade, associase mais comu
mente ao nome de Weber a expressão tipo ideal. Tipo puro,
entretanto, é talvez melhor, pois indica mais nitidamente o
sentido atribuído por seu criador a êsse conceito metodológico.
(Weber, devese deixar bem claro, não reivindicou a invenção

do tipo ideal
procedimento usadooucomumente
puro, antes procurou
no estudo tomar cxplídto um
cientifico.)
O tipo ideal ou puro é uma construção mental. Ê forma-
do pela exageração ou acentuação de um ou mais traços, ou
pontos dc vista, observáveis na realidade. Podese chamar ideal
ao iipo assim construído porque existe como uma idéia. Rara-
mente se encontram, se é que se encontram — diz Weber —,
na própria vida fenômenos que correspondam com exatidão
ao tipo mentalmente construído. Mas também pode ser cha-
mado puro o tipo no mesmo sentido cm que um químico desig-
na um elemento depois de libeitálo dos materiais a que estava
combinado no estado natural anterior à análise. Um tipo ideal
ou puro difere de uma media estatística que, está claro, é um
instrumento essencial na análise social, como vimos, mas para
fins diversos.
O tipo ideal não é uma hipótese. Ê um instrumento para
a análise de acontecimentos nu situações históricos concretos.
Essa análise exige conceitos precisos c claramente definidos

W
— padrões que sr podem localizar cm tipos ideais. Um tipo
ideal é um conceito limitador com que se comparam, no pro-
cesso dc investigação, as ações ou situações da vida. Quando
assim estudada a realidade concreta — sustenta Weber — toma
•se possível estabelecer relações causais entre seus elementos.
Economia e Sociedade, de Weber, fornecenos uma ilus-
tração. freqüentemente citada, de seu uso do tipo ideal, e tam-
bém salienta as dificuldades desse procedimento. Aqui, Weber
formula um tipo puro de ação racional (cuja natureza adiante
se discute) e argumenta que, para os propósitos de uma aná-
lise cientifica tipológica, é possível tratar condutas nãoracionais
c irracionais como desvios do tipo racional ideal. Donde ficar o
sociólogo apto a estudar as maneiras em que o comportamento
humano real é influenciado por elementos irracionais e não
racionais. O método — conclui Weber — não implica que
a conduta racional predomine na vida social.
Êsse procedimento, entretanto, encontra grandes dificulda-
des, evidenciadas na classificação quádrupla de Weber da ação
social — baseada, em cada caso, no modo de orientação da
conduta. Assim, há duas classes racionais dc ação, uma fa-
zendo uso de meios adequados à consecução de fins racional-
mente escolhidos, outra utilizando meios similares para reali-
zar “valôres absolutos”, tais como os fins éticos e religioso*.
As outras duas classes de ação são os tipos tradicional e afetivo
acima mencionados. Agora, se o tipo ideal neste caso é um
sistema que se fundamenta na açEo social, como será possí-
vel construir tipos ideais dc ação nãoracional e irracio-
nal? A interpretação de Weber não resolve essa dificulda
do ou inconsistência.
Weber íêz abundante uso do procedimento do tipo ideal
ou puro cm seus escritos sociológicos. A Sociologia, que 61c
pretendia centralizar em tômo do conceito da ação social
envolvendo o significado subjetivo, tornouse, em larga me-
dida, um estudo do comportamento humano encontrado em
média ou mesmo cm circunstâncias hipotéticas.
Economia t Sociedade, em considerável extensão, é uma
tentativa de construir um sistema de tipo* ídcaís. Suas defi-
nições são, por assim dizer, “impostas” pelo autor7*: êlé as

TO Cf. N. S. TimajJieff, “Definition* in the Social Science»",


The American Journal of Sociology, 53, 206208.

236
formula mais ou menos dogmaticamente e então as explica,
atributo por atributo, algumas vêzcs apresentando descrições
longas c detalhadas de situações históricas básicas que presu-
mivelmente ilustrara as definições. Weber não constrói seus
tipos mediante um processo indutivo rígido; antes deriva os
respectivos traços característicos por indução informal baseada
no estudo extenso de materiais relevantes, e, ao que parece,
intuitivamente seleciona os traços a incluir nos tipos ideais.
Entre as numerosas definições de Weber de tipos ideais,
citamse frequentemente as seguintes73: relação social, conceito
logicamente dcpróximo
pluralidade agentes,aonade medida
ação social, 6 a em
cm que, conduta de uma
seu conteúdo
significativo, a ação de cada um interfere na dos outros. Um
grupo organizado é uma relação social na medida em que de-
terminados indivíduos realizam regularmente a função de fa-
zer cumprir a ordem no grupa Um grupo organizado cuja
ordem governante se relaciona em princípio com a validade
territorial é um grupo territorialmente organizado. Um grupo
organizado cujos membros estão, em virtude de sua qualidade
de membros, sujeitos ao exercício legítimo de contrôle impera-
tivo 6 um grupo imperativamente coordenado. Um grupo im-
perativamente coordenado 6 um grupo político se o seu corpo
administrativo estabelece a ordem dentro dc uma irca territorial
dada pela aplicação e ameaça de fôrça física. Um grupo po-
lítico
êxito, éo um estado sedoouso
monopólio seulegítimo
corpo administrativo
da fôrça físicareivindica, com
no estabeleci-
mento da ordem. Eis uma seqüência de conceitos em que a
extensão de cada conceito sucessivo se estreita pelo acréscimo
de um ou mais traços nSo contidos na definição do conceito
prévio. A única exceção a esse procedimento ocorre na defi-
nição do grupo organizado, que se estreita em duas direções,
para se tomar ou um grupo territorial ou um grupo imperati-
vamente coordenado. Quando um grupo organizado é tanto
territorial quanto imperativamente coordenado, é um grupo
político, de que o Estado é o exemplo típico.
As definições de alguns dos tipos ideais acima reproduzidas
contêm, às vezes, atributos definidos em separado, freqüen-
temente como tipos ideais adicionais. Assim, um subtipo do

n Em alguns caioi, as definições têm sido um tanto waplifi


cadai e traduzidas em desacftrdo com as que aparecem na Teoria dâ
OrganizaçãoSocial t Econômica.

2P
.',i upo organizado duiincsc pelo adicionamento do atribulo do
controle imperativo, O que, por sua vez, se define como a
probabilidade dc que uin comando específico será obedecido
por um grupo determinado dc pessoas. Em relação a isso,
Weber assevera que cada grupo organizado dotado dc con-
trole imperativo tenta estabelecer c cultivar a crença da
legitimidade.
Uma das mais famosas ilustrações do procedimento do
tipo ideal é a descrição de Weber de três tipos de autoridade
legítima, cada qual repousando em um modo distinto de rei-
vindicar legitimidade. Assim, há a autoridade em base racio-
nal, estribada na crença em normas ou regras impessoais e no
direito dc comandar daqueles que adquirem autoridade de
acordo com essas normas; este tipo legal racional aproximase
da moderna sociedade ocidental. A autoridade tradicional
apóiase na crença na santidade das tradições e na legitimidade
do status daqueles que possuem autoridade dc acôrdo com a
tradição, como no caso das monarquias estabelecidas. A au-
toridade carismática, finalmente, repousa no devotamento à
santidade especifica c excepcional, ao heroísmo, ou no caráter
exemplar de um indivíduo c nos modelos normativos por êle
revelados ou determinados;74 ilustram êsse tipo líderes caris-
máticos como Gândi e Hitler. Êsses três tipos ideais, prova-
velmente, não esgotam as possibilidades de tipos de autoridade
legitima, probabilidade que Weber reconheceu. Sua intenção,
aqui, como em qualquer outro lugar, era formular, em uma
forma conceptuahnente precisa, alguns tipos sociològicamente
importantes. Mais ainda, devese lembrar que esses tipos pu-
ros de autoridade são construções abstratas; os sistemas con-
cretos de autoridade política incorporam dois ou mais elemen-
tos dos três tipos. (Assim, a autoridade política nos Estados
Unidos, ainda que predominantemente legal, revela, às vêzes,
traços carismáticos e, especialmente nas máquinas politicas es-
tabelecidas, é assinalada por elementos tradicionais.)
A maioria dos tipos ideais de Weber não se aplica dire-
tamente a ações, mas a coletividades sociais (têrmo que êle
preferia a grupo social). Isso pode parecer o ponto de partida
da opinião dc que a Sociologia sc refere primacialmentc às
ações sociais. Entretanto, a relação social, o tipo ideal que
74 A Teoria da Organização Social e Econômica.

238
constitui o fundamento da pirâmide de tipos acima discutida
e dc muitos outros, é definida por Weber coino a probabili-
dade de que ocorrerá a ação social. Essa definição behavio
rista prendese ao fato de que Weber estava perfeitamente cons-
ciente do perigo da “materialização” das relações sociais e de
todos os tipos de grupos sociais. “Um Estado, por exemplo,
deixa dc existir em um sentido sociològrcamcme relevante sein
pre que não houver mais a probabilidade de ocorrerem certas
espécies de ações sociais significativamente orientadas .”179 A
ação — insiste Weber — existe sòmente como conduta de um
ou mais seres humanos individuais, e é preciso tratar as cole-
tividades sociais unicamente como resultantes e modos de or-
ganização de atos praticados por indivíduos. Para a Sociolo-
gia, conceitos como Estado, associação, parentesco e outros
designam categorias de interação humana. Por isso é tarefa
da Sociologia reduzilos a ações compreensíveis dos indivíduos
participantes. Posição que representa o extremo nominalismo
sociológico, oposto ao realismo sociológico de Durkheim, que
encontramos no capítulo IX.

Probabilidade

Há mais um aspecto das definições dc Weber que exige


atenção: o uso freqüente do conceito de oportunidade ou pro-
babilidade. Para da
uma afirmação êle,probabilidade
uma explicação causai
de que as ccoisas
essencialmente
ocorrerão
de uma determinada maneira. £sse conceito de probabilidade,
como vimos, está envolvido nas definições de relação social, dc
grupo organizado c de contrôlc imperativo. Também aparece
em muitas outras definições, inclusive duas repetidamente re-
produzidas (às vezes sem referência à fonte): as definições de
convenção (muito parecida aos mor et de Sumncr) c dc lei.
Convenção é a probabilidade de que o desvio da norma social
provocará uma reação de desaprovação relativamente geral
c praticamente significativa, enquanto lei é a probabilidade de
que o desvio do código legal encontrará a sanção física ou psí-
quica aplicada por um grupo especialmente encarregado de
levar a cabo essa função. A definição de Weber de classe, para
citar uma ilustração de um contexto muito diferente, acentua

239
também o conceito de probabilidade; “Podeinos falar dc uma
classe quando: 1) ccrto número dc pessoas tem em comum um
coinponcntc causai especifico das ocorrências dc sua vida, na
medida em que 2) este componente está representado exclu-
sivamente por interesses econômicos na posse de bens c opor-
tunidades de rendimentos c 3) c representado sob as condi-
ções dos mercados dc produtos ou dc trabalho ."19
A ênfase emprestada à probabilidade, como estas ilustra-
ções c outras passagens de seus escritos revelam, e apesar do pe-
netrante “idealismo” de sua obra, ajudou a atrair para a teoria
de Wcber a atenção de sociólogos empírica c estatisticamente
orientados, nos Estados Unidos. Pois as definições dêle, em
sua referência às probabilidades de conduta, são “operacionais’*
e podem ser aplicadas às operações de pesquisa empírica.77

A Sociologia de Weber: em principio e na prática

Qual a concepção de Sociologia, de Weber? A resposta


à pergunta envolve as dificuldades discutídas no início deste
capítulo. Por um lado, Weber começou seu tratado final de-
finindo a Sociologia como uma “cicncia que tenta a compre-
ensão interpretativa da ação social a fim dc, por êsse meio,
chegar a uma explicação causai dc seu curso e efeitos”. Acres-
centa que a tarefa específica da Sociologia é a interpretação
da ação em termos de significado subjetivo e que o foco da
disciplina devia incidir sôbre os fenômenos subjetivamente com*
preensíveis. Por outro lado, proclamava que a função espe
cífica da Sociologia é a compreensão dc indivíduos tipicamente
diferenciados — que ela devia procurar formular conceitos de
tipos c general iznções de processos empíricos.
A primeira formulação, se desenvolvida dc maneira coe-
rente, faria aparentemente da Sociologia um ramo da Psico-
logia. Mas a segunda concepção exige o desenvolvimento de
uma tipologia de ações significativamente orientadas, suplemen

** From Max Web it: Essays in Sociology (traduzido e compilado


por H. H. Gerth e C. W. Mills), Nova York, Oxford University Press,
1946, pig. 181.
77 Cf. H. Alpcn, “Operational Definitions in Sociology**, A me
ricanSociological Review,vol. 3, n.f 6, dezembro, 1938, esp. página 861.
n Teoria da Organização Social
e Econômica.

740
tada pela exploração dc “processos compreensíveis” que afetam
o comportamento. A obra concreta dc Weber estava mais de
acôrdo com essa última concepção da Sociologia do que com
a primeira.
Ainda que haja incoerências de Weber, nesse terreno,
entre as definições formais (que êle não considerava, cm ne-
nhum sentido, “finais”), suas investigações de muitas áreas
concretas têm produzido um impacto permanente na Sociolo-
gia e cm outras Ciências Sociais. Já nos referimos aos estudos
comparativos que realizou da religião, inclusive o tratamento
dispensado às interconexões do protestantismo e capitalismo,
e à análise da autoridade política. Pelo menos três outros as-
suntos — história econômica, estratificoção social e burocra-
cia — ajudou êlc a esclarecer com seus esforços teóricos e dc
pesquisa (embora a obra que produziu nessas áreas nunca ar
completasse). Sua História Econômica Geral,19 baseada em
notas dc estudantes das séries finais das aulas que ministrou,
vera sendo encontrada cm inglês desde 1927, mas nem faz jus-
tiça às amplas pesquisas dc Weber nem é de especial interêsse
sociológico. Seus cscritos, porém, sobre classe c status — fe-
nômenos que distingue claramente — e respectivas inter
relações são largamente lidos hoje nos Estados Unidos, par-
ticularmente desde a publicação, em 1946, de From Max Weber:
Essays m Sociology (tradução de Hans Gerth e C. Wright
Mills) e, no ano seguinte, de The Theory of Social and Eco-
nomic Organization (traduzido por A. M. Henderson e Talcott
Parsons). A primeira obra contêm ainda uma grande parte
do estudo sistemático da burocracia. A burocracia, com sua
formalização, hierarquia e estandardização, ê um modo de or-
ganização social congênito à economia monetária e à raciona-
lidade do mundo moderno, como Weber acentua. Não se con-
finando às esferas econômica e política, nem às sociedades “ca-
pitalistas", esta “maior invenção social” do homem, a buro-
cracia, captou inevitavelmente a atenção de muitos cientistas
sociais. Constitui um tributo rendido à obra pioneira dc Weber
que sua análise da burocracia continua a ser, nesse terreno,
um verdadeiro guia teórico.

** Trad oxida por F. H. Knight de WirtsckaftsgeschUktê (Loo*


dres, George Allea * Unwin, Ltd., 1927).
10 241
Rrsumo e apieciaçao

A Sociologia cie Max Weber c tão diferente dc outros sis-


temas sociológicos que não é fácil extrair dela respostas às per-
guntas básicas que escolhemos como orientação para nosso es-
tudo do desenvolvimento da teoria social.
Embora Weber nunca definisse a sociedade, podese infe-
rir que a considerava um complexo de interrelações humanas,
caracterizadas pela conduta significativa de uma pluralidade
de agentes. Realizou estudos penetrantes do que hoje denomi-
namos cultura, mas não a definiu. Ansiou por evitar a “materia-
lização”,
tais comoa tipos
adscrição
ideais;da a existência concreta
esse respeito construções
seus apontos de vistamen-
ir-
manamse aos dos ncoposi ti vistas da América.
O elemento fundamental da investigação sociológica, para
Weber, é a “ação social típica”, ou mesmo o indivíduo iso-
lado, que cie denominava a unidade básica ou o átomo da
sociedade. Não propôs o problema da relação entre o indi-
víduo e a sociedade, pois concebia a sociedade, em última aná-
lise, como a probabilidade de ações humanas especificas.
Weber negou, coerente c convincentemente, a existCncia
dc qualquer determinante isolado predominando na sociedade
ou na transformação social. Mas o caráter subjetivo dc sua
Sociologia, com a ênfase atribuída à ação racional, inclinouo
a destacar
Vimoso papel
que das idéias definiu
Weber na vida social.
a Sociologia ambiguamente
como o estudo da ação social cm seu significado subjetivo e
como o estudo da ação social típica. Na prática, êle traba-
lhou de acòrdo com as linhas da segunda definição, empregan-
do o método do tipo ideal ou puro. Também acentuou o pro-
cedimento da virstehen, ou a intcmalização, pelo observador,
das ações do próximo.
Max Weber é considerado, com justiça, um dos maiores
sociólogos do século XX. Em primeiro lugar, e o qur é mais
importante, porque sua obra fornece exemplos magníficos no
gênero do esmerado estudo dc situações c processos sociais con-
cretos que precisam formar o fundamento de qualquer teoria
sociológica adequada. A riqueza de material acumulada em
seus escritos pode bem ser usada por gerações dc sociólogos
que virão. Segundo, como no caso dc Durkheim, êle ajudou
a esclarecer o relevante papel dos valôres na vida social ainda

242
que acentuando a necessidade de manter a ciência (fa
dc valores. Terceiro, demonstrou que muito se pode aWnçir
usando o procedimento do tipoideal na ciência social. Enfim,
contribuiu enormemente para a compreensão da c«*utaçSo ao*
ciai e de sua inseparabilidade do problema do significado uot
assuntos humanos.
Já criticamos certos aspectos da obra dc Weber. Tenden-
do sempre a explicar a realidade social em têrmos de motiva-
ção social, confundiu a linha divisória entre a Sociologia e a
Psicologia. Ponto dc vista que parece terse alterado ao apro-
ximarse do fim da vida é o da variabilidade insuperável dot
sistemas de valor c da resultante impossibilidade de construir
ura sistema sociológico de validade geral. Contrastando com
isto, é possível sustentar que há valores universalmente válidos,
por um lado, e que, por outro, a variabilidade social e cultural
pode ser estudada de modo generalizante.
Apesar dessas realizações, Weber não deixou uma “escola’*.
Talvez se possa atribuir isso, em parte, ao fato de que sua má
saúde lhe impediu uma carreira normal de ensino em insti-
tuições do mais alto nível letivo, e, em parte, ao fato de que
a obra madura dc Weber foi publicada (pòstumamcnte) em
uma Alemanha encarada com suspeita, especialmente r.o cam-
po das kléías sociais. A ausência de uma escola weberiana
também reflete o fato de que semelhante desdobramento nio
interessou ao próprio Weber. Dc acôrdo com as normas da
ciência e do estudo, êle procurava a verdade, e não seguidores.
Entretanto. Weber tem prosélitos entre os sociólogos ame-
ricanos: Parsons, da Universidade dc Harvard, que traduziu
para o inglês algumas de suas obras, inclusive The Protestant
Ethic and the Spirit of Capitalism c The Theory of Social and
Economic Organization (Parte I de Economics and Socicty),
tornando essas contribuições mais acessíveis aos estudiosos anglo
americanos. (Apareceram outras traduções, nos últimos anos,
de modo que as idlias de Weber não são mais um mistério
apenas penetrávcl pelos que dominam o alemão.) Além disso,
Parsons publicou excelentes interpretações da obra de Weber, *
obra que influenciou grandemente as contribuições teóricas do
próprio Parsons, conforme veremos no capitulo XVIII.

** Ver especialmente The Structure of Social Action,


Pine III,
Nov* York, McCrawIIill Book Co., Inc., 1937.

243
A utilidade dos escritos do Weber cm tradução, o lugar
importante que posteriores estudiosos europeus, especialmente
alemães, conquistaram, nos últimos anos, nos círculos ameri-
canos acadêmicos e intelectuais, a influencia de Parsons e de
seus alunos (dos quais vários se encontram, atualmente, entre
as primcúas figuras da Sociologia americana) c, mais relevan-
temente, os desenvolvimentos teóricos c de pesquisas na Amé-
rica, desde o fim da década dc 1930, convergiram para dar
à Sociologia de Max Weber posição proeminente nos Estados
Unidos de hoje.

CONCLUSÃO DA QUARTA PARTE


Os sociólogos do início do século XX foram menos fe-
lizes, sob um importante aspecto, do que os da geração pre-
cedente. Esta ron:partilhara de uma série dc proposições, que
encarava como científicas, e que deram considerável unidade
ao conhecimento disponível c direção à pesquisa posterior —
nomeadamente, a teoria da evolução. O evolucionismo, deve*
se recordálo, não era somente uma teoria da transformação
social, mas também forneceu um approach para o estudo da
“estática'* social, atendendo a que, com referência â evolução,
qualquer aspecto da estrutura social parecia adquirir signifi-
cação cientifica. O evolucionismo também constituía, ao me-
nos implicitamente,
vamente uma teoria identificado
justo era usualmente normativa porque
com o oinevitável
normati
mente emergente.
No início do século XX, conforme vimos, a teoria evolu-
cionista desfezse em pedaços. Colapso que não foi de modo
nenhum sem precedente na história do pensamento social. Mas,
no terreno social, era incomum abandonar um approach geral
em virtude dc conflito com a evidência concreta e não devido
à concorrência vitoriosa por parte de outra teoria geral não
comprovada. Um dos resultados desse desenvolvimento foi
que a Sociologia, pela primeira vez desde seu aparecimento,
careceu de uma orientação teórica geral. Mas os sociólogos
d êsse período começaram a trabalhar visando a outros tipos

de
lamteoria.
duas linhas
Oi principais
comuns deesforços
pensamento.
realizados nesse sentido reve-
Primeiro, muitos sociólogos procuraram construir sua teo-
ria em mais sólido terreno empírico do que o dos predecessores.
Etpcravam erguer uma teoria de maneira genuinamente cien-
tífica. Dos sociólogos do tempo, foi Parcto o mais explícito a
esse respeito: como tôda ciência, insistiu êle, a Sociologia deve
enraizarse na observação c na inferência lógica à base da ob-
servação. Similarmente, acentuou Thomas a necessidade de
usar em Sociologia as categorias de pensamento empregadas nas
Ciências Naturais; destacou nas primeiras obras a busca do re-
lações causais, mas em seus últimos escritos êsse ponto de vista
cede terreno à determinação das probabilidades. A ênfase atri-
buída à probabilidade também penetrou a obra de Max Weber.
Essa posição central, flanquearamna, por um lado, o
ncopositivismo
vos, especialmentenascente, sublinhando
os estatísticos, os métodos
e fazendo de seu usoquantitati-
condi-
ção sine qua non Ha verdadeira ciência, e, por outro lado, o
ponto dc vista de Max Weber dc que a distinção entre as Ci-
ências Natural e Humana toma o uso de métodos especiais, cm
adição aos das Ciências Naturais, um imperativo para a com-
preensão dos fenômenos sociais.
Devese observar que o inter êsse em tomar científica a
Sociologia não foi compartilhado por um dos mais conheci-
dos escritores dêsse período, Oswald Spengler. Embora Spen
gler não fôsse um sociólogo, a Decadência do Ocidente (1917
21) influiu altamente cm alguns círculos da Europa e dos
Estados Unidos e é uma obra sociològicamente relevante.
(Suas conclusões principais são resumidamente consideradas no
capítulo XX.) Nela. e indo muito além da distinção caracte-
ns ticamcntc alemã entre cícncia natural c ciência social, ne-
gou êle a possibilidade de uma ciência da sociedade e da cul*
tura, afirmando que o conceito dc causação é inaplicável aos
acontecimentos no mundo social. Mas os pontos de vista pes-
simistas dc Spengler não eram representativos dos próprios so-
ciólogos, que se moviam em direção a uma ciência empírica
do homem e da sua vida de grupo.
O segundo desenvolvimento principal dêsse período é a
convicção, compartilhada pela maior parte de seus principais
representantes, de que uma teoria sociológica significativa se

víduo na necessàriamente
basearia vida social. Convicção
no estudoqueda levou
participação
muitos do
sociólo-
indi-
gos a aceitarem a Psicologia como o fundamento da Sociolo-
gia, cm lugar da Física ou da Biologia do período precedente.
As figuras de início do século XX, entretanto, não iniciaram *
246
tendência psicológica da Sociologia. O período precedente,
como se deve recordar, dera margem ao evolucionismo psico-
lógico de Ward c Giddings c à teoria dc Tarde, que reduziam
o processo social i invenção c imitação consideradas principal-
mente no plano da ação individual.
A maior dificuldade encontrada por seus sucessores do
século XX foi a ausência dc uma teoria psicológica comu
mente aceita, situação que ainda existe. Em conseqüência,
cada tentativa para desenvolver uma teoria social geral era
capaz de basearse em diferentes approaches psicológicos. En-
quanto os neopositivistas adotaram o bchaviorismo c rejeita-
ram "senso
do a introspecçào, Cooley escreveu
comum” centralizada no estilo da
na introspecçào. A Psicologia
de Pareto ficava a meio caminho entre o instintivismo e a
emergente teoria da aprendizagem, com que, na melhor das
hipóteses, estava apenas superficialmente familiarizado. Thomas
flutuou entre um moderado bchaviorismo, a teoria psicanalttica
(que finalmente rejeitou), c uma Psicologia situacional que
acentuava a determinação da conduta humana pelas condições
objetivas, inclusive as normas c os valôres impressos na cultu-
ra e na história da vida pessoal. Max Weber negou que sua
teoria fôsse psicológica; pretendia que a Sociologia se relacio-
nasse ao mundo das idéias ou significados, mas, conforme de-
monstramos, tinha em vista a experiência verdadeira ou hipo-
tética dc significados, pelos indivíduos. Podese, assim, afirmar
que a teoria de Weber e essencialmente psicológica, acentuan-
do especialmente os elementos racionais da conduta. Pareto,
pelo contrário, dava ênfase especial aos aspectos hãoiógicos ou
irracionais do comportamento humano.
A aceitação dessas duas ideias mestras, a de que a Socio-
logia precisa ser uma ciência empírica e a de que cia precisa
desenvolver uma teoria da ação humana em sociedade, não
constitui por si uma teoria sociológica geral. Não obstante,
sôbre êsses fundamentos é que algumas das principais figuras
do período assentam algumas pedras para a const rução de tal
teoria.
A mais importante contribuição isolada foi talvez o teo-
rema dc Pareto
consistente dc que
em partes a sociedade ée um
interdependentes sistema, um
caracterizado por todo
fôr-
ças internas trabalhando pela restauração do equilíbrio contra
distúrbios moderados. Em linguagem menos precisa, Cooley,

246
autor do approach orgânico (não organicista) da sociedade
istabclcccu a mesma proposição. Mas a interdependência e a
integração do sistema social foram asseveradas, mais do que
exploradas, por esses autores. Ficou o estudo concreto para a
geração seguinte dc sociólogos, alguns dos quais desenvolve-
ram uma ‘‘escola funcional”, c um, Sorokin, uma teoria da
integração sociocultural (ver caps. XVII c XVIII).
Outra contribuição importante consistiu no rapprochement
da Sociologia e Etnologia, ou, mais exatamente, a aplicação do
tipo etnológico dc exaine ao estudo da sociedade moderna. Esse
método foi empregado por Thomas, também um dos primeiros
sociólogos que compreenderam a importância fundamental da
cultura na determinação da conduta humana.
Finalmente, certo número dc valiosos conceitos socioló-
gicos foi ou formulado ou rcdescobcrto. Coolcy, por exemplo,
especificou a natureza dos grupos primários, conceito que se
tomou parte integrante da Sociologia contemporânea, tanto
quanto certo número dc conceitos atinentes à formação da per-
sonalidade que influenciaram grandemente a Psicologia Social
moderna. Thomas c Znaniecki esclareceram o significado de
organização e desorganização social e pessoal e deram defini-
ções precisas aos conceitos de atitude c valor. Os valôres, em-
bora em sentido um tanto diverso, foram acentuados também
por Max Weber e Durkheim, nas últimas obras que escreveram
(cronologicamente pertencentes ao período em exame).
Realizaramse importantes progressos metodológicos. Como
acima sc observou, os neopositivistas c Max Weber atribuíram
um papel respectivamente dominante e significativo, na Socio-
logia, ao método estatístico. Influenciado pelo Dr. William
Hcaly,81 Thomas trouxe para a dianteira o método do estudo
de caso, revivendo assim uma afirmação de Le Play. Max We-
ber demonstrou a arte de usar o método quaseexperimental;
secundouo Thomas, cuja defesa do emprégo de grupos de
contrôlc na pesquisa social baseouse em considerações lógicas
semelhantes. Mais ainda, Max Weber sugeriu o método, de
certo modo discutível, do experimento mental e tomou clara a
operação verstehen, que dá uma resposta à difícil pergunta:

81 Individual Delinquent: A Textbook of Diagnosis and Prognosis,


do Dr. W. Healy (Boston, Little Brown and Co. 1915), é comuxncme
considerado o primeiro livro americano bajcado no método do «tudo
de caso.
sob que condições pode uma generalização estatística ser con-
siderada proposição sociológica válida? Weber também tomou
claro um procedimento comumente usado por historiadores c
cientistas sociais, o de empregar tipos ideais ou puros (método
que íôra antecipado por Comte). Enfim, Thomas c Znanierki
ein seu notável estudo, The Polish Peasant, fizeram uso, cm
escala sem precedente, de documentos humanos, incluindo his-
tórias de vida, cartas e relatórios de casos, estimulando, por
êsse meio, o cmprêgo desses materiais na pesquisa social.
Olhando para trás podemos ver alguma unidade nos
esforços dos sociólogos do inicio do século XX, dirigidos
para o desenvolvimento
unidade parcial derivou dade similaridade
uma teoria de
social geral. Mas
condições, essa
especial-
mente o fundo científico compartilhado por esses autores, mais
do que de quaisquer esforços coordenados. Esforços, de
fato, quase tão ir relacionados quanto os dos primeiros pioneiros.
Ao tempo, mesmo a influência das obras relevantes vistas nesta
parte de nosso estudo limitouse muito a seus países de srcem.
Uma das razões para a falta de contato entre os principais
sociólogos dêsse período foi o violento rompimento do universo
do discurso científico, pela catástrofe da Primeira Guerra Mun-
dial. Não sòmente as barreiras técnicas, apenas temporárias,
mas os obstáculos emocionais inibiram a larga circulação de
idéias pela sociedade ocidental, tão comum até 1914. Mais
ainda, os desafiadores problemas apresentados pela guerra e o
pósguerra desviaram as atenções das construções teóricas para
os assuntos concretos e imediatos. Sòmente em período mais
recente, a partir de 1930, ganhou amplo reconhecimento o
ponto de vista de que a teoria comprovada e sistemática 6 da
maior importância prática.
Grande tributo prestado aos gigantes da primeira parte
do século — Cooley e Thomas, Pareto e Weber (c Durkheim,
de um estágio ainda anterior do desenvolvimento sociológico)
— é que muitas de suas formulações guiam o trabalho socio-
lógico de hoje. Separados uns dos outros em sua época, êsses
autores se aproximam nas convergências do presente. Volta-
remos a essas convergências na Quinta Parte.

243
Quinta Parte

CONVERGÊNCIA
NAS TEORIAS SOCIOLÓGICAS
CONTEMPORÂNEAS
¥
Neopositivismo

D esde o início do segundo quartel do scculo XX, a Socio-


logia progrediu ràpidamcnte, nos Estados Unidos c na Europa
ocidental. Algumas das tendências que haviam aparecido antes
atingiram a maturidade. Êste é o caso da escola ncopositivista,
antecipada na última obra dc Giddings, como vimos no capítulo
XI; da Sociologia analitica, srcinada no fim do século XIX,
conforme os capítulos VIII e IX esclarecem, e que as obras dos
primeiros sociólogos do início do século XX (cujos pontos dc

vista foramc apresentados


sionaram; da Sociologianoshistórica,
capítulosque
XII,pode
XIIIscr
e XIV)
retraçadá
impul-
até
Comte, Spencer c Danilevsky, considerados nos capítulos II,
III c IV, ganhando alguma voga, no princípio do século XX,
através dos escritos dc Spcngler, mencionados na conclusão da
Quarta Parte deste volume.
A essas antigas tendências, somaramse, cm décadas re-
centes, diversas linhas novas dc investigação; entre as mais
importantes estão a ecológica, a sociométrica, a funcional, a
institucional e a fenomenológica. Os approaches ecológico c
sociométrico podem ser considerados modificações, talvez espe-
cificações, da escola ncopositivista. O funcionalismo foi tira-
do em grande parte da Antropologia Cultural, inas também
reivindica
heim uma anccstralidadc
e Thomas (ver caps. IXsociológica
e XII). Asnasescolas
obras institucio-
de Durk-
nal c fcnomcnológica são análogas na afirmação dc que a So-
ciologia deve apoiarse cm uma base filosófica definida,* icm
primórdios localizamse nos períodos iniciais, mas lòmrnte no
251
segundo quartel do século XX se tomaram membros impor-
tante* cia família de tendências que constituem a teoria so-
ciológica.
Há também no período mais recente do desenvolvimento
sociológico sobre vivências de diversas tendências que floresce-
ram no princípio, mas subseqüentemente declinaram. Entre cias,
mencionemse o agonizante evolucionismo, o enganoso deter-
minismo econômico, teimoso monismo geográfico, c a tendên-
cia “formal”, bastante estéril, infeliz desenvolvimento do pro-
missor approach dc Simmel à Sociologia analítica (apresenta-
do no capítulo VIII).
A teoria sociológica, então, parece terse dividido mais
do que nunca. O que é verdade, a alguns respeitos. Mas as
relações entre as várias tendências não são mais as mesmas
que no fim do século XIX. O conhecimento efetivo da so-
ciedade e da cultura acumulouse gradativamente. Ademais,
ganhou aceitação um número substancial de inferências e ge-
neralizações. empregadas na pesquisa por muitos sociólogos, em-
bora as variações cm sua expressão formal ofusquem freqüen-
temente sua concordância de conteúdo.
As tendências, entretanto, diferem largamente no que res-
peita à escolha dos métodos mais úteis para a obtenção c dis-
posição do conhecimento empírico, dos procedimentos adequa-
dos para aumentálo, e dos esquemas conceptuais a empregar
como instrumentos de análise. Mesmo aqui, contudo, cvidcncia
se uma convergência gradual dc pontos de vista. Comparado
com o período da luta de escolas do último quartel do século
XIX, podemos denominar período de convergência ao atual,
ainda que assinalado pela concorrência dos esquemas de
referência.

George A. Lundberg
O neopositivista mais influente, do todos, talvez seja o
Professor George A. Lundbcrg (1895 ), da Universidade
de Washington, onde lecionou diversos anos. Membro de vá-
rias faculdades, na América, serviu como presidente da So-
ciedade Sociológica Americana, em 1943, c continua a publi-
car inúmeros trabalhos, a maioria dos quais transmite vigorosa-
mente seu approach “positivístico". Can Science Save Us?
(1947) c uma apresentação popular dos pontos de vista que

252
sustenta; sua obra principal até hoje é Foundations of Socioton
( 1939) .

Para Lundberg, tôda cicncia, social e nãosocial, é essen-


cialmente uma técnica de ajustamento. As investigações prin-
cipiam com uma tensão ou desequilíbrio, experimentado dc
algum modo no órgão investigador. Êsse ponto de vista se com-
preende no espirito do behaviorismo, dado que evita qualquer
referencia a fatos mentais. Ainda mais, todo ajustamento na
vida humana tende para uma situação de equilíbrio (ou pro-
babilidade máxima), que é o estado normal dos negócios.
concepção parece estar de acordo com a teoria na ciência na-
tural contemporânea, por exemplo, a Bioquímica.
O “ajustamento" particular que forma as Ciências Sociais,
inclusive a Sociologia, Lundberg o descreve da seguinte ma-
neira. Todos os fenômenos de interesse científico consistem
em transformações de energia (movimento) no cosmo físico.
Qualquer “movimento” ocorre no tempo, em um “campo de
fôrça”, consistente a última naquele segmento do universo que,
para propósitos de estudo, se considera conveniente ou rele-
vante definir como a situação. Essa formulação está coerente
com a Filosofia pragmática caracteristicamente americana, en-
quanto o conceito dc "campo”, quando aplicado aos fenôme
uos sociais, é análogo à descrição da “situação total” na primei-
ra obra de Thomas. Tais movimentos (condutas) de homens
— prossegue Lundberg — que determinam sua posição cm si-
tuações sociais constituem o objeto das Ciências Sociais de
acôrdo com a fórmula de Sorokin, esboçada no capítulo I.
A conduta reciproca ou interdependente de qualquer nú-
mero de componentes (entre os quais, os homens) em uma si-
tuação — diznos Lundberg — é a interação. A maioria das
interações humanas envolve o desenvolvimento e o uso de sím-
bolos e é designada como comunicação. Os dois tipos básicos
de comunicação são a associação e a dissociação, diferença que
evoca a teoria de Simmel e sua oscola. Ambos os tipos funda-
mentais de comunicação denotam movimento para ou de uma
posição c, como já sc disse, são análogos à atração e repulsão en-
tre as partículas de um átomo.
Podese ver assim que o approach de Lundberg da teoria
sociológica é baseado em uma dupla analogia —■ com o des-
taque bioquímico atribuído à restauração do equilíbrio e oocn
a teoria física subatômica. Tratase de uma manifestação da

253
icndêiuia dc certos ucoposítivistas { c lie muitos outros auto-
res), bem à maneira de Spencer, a adotar comd modelos as
teorias da ciência natural correntemente cm voga.
As três raízes históricas do ncoposiiivismo, que foram dis-
cutidas do capítulo XI, estão plenamente evidentes na obra
dc Lundberg. Já nos referimos a duas delas, o behaviorismo
e o pragmatismo. Êstc último, como adiante demonstraremos,
toma a forma de operacionalismo, ma* dá relevo principal ao
quantitativismo.
Em um dc seus primeiros trabalhos (1936), Lundberg es
rrrveu que a generalização científica é sempre e necessariamen-
te quantitativa;82 em um dos últimos, desacredita a separação
feita freqüentemente entre métodos qualitativo e quantitativo de
estudo.83 No conhecido compêndio, Social Research, declara
que “para a mais exata descrição exigida pela ciência, a cons-
tatação quantitativa é necessária”.84 Esta obra acentuou a me-
dição dc atitudes e a elaboração dc “escalas” dc atitude para
essa tarefa. Dentro disso, Lundberg nega que a manipulação
de unidades artificiais dc medição (comumcntc baseadas no
consenso entre peritos) difere fundamentalmente da manipula-
ção de unidades físicas iniercarabiáveis, afirmando que tôda me-
dição é “artificial”. Mais ainda, seu operacionalismo sustenta
que a “atitude” (como “inteligência”, “opinião”, etc.) preci-
sa scr, para fins científicos, definida como aquilo que é me-
dido por tais instrumentos de pesquisa. Êsse ponto dc vista
permanece
estudiosos. cm aguda oposição ao dc muitos sociólogos e outros
As idéias de Lundberg sôbre a medição são ventiladas em
uma controvertida polemica Uavada com Paul Furfey que,
em seu artigo “Value Judgments in Sociology”, cita o fato de
que há Ciências Naturais nãoquantitativos, como a Biologia
e a Geologia. 83 Lundberg retrucou que a Biologia é essencial-
mente quantitativa, pois suas generalizações se apóiaxn em ob-
servações confirmadas. Furfey respondeu que a espécie c o

«a “Quantitative Methods in Social Psychology", American So-


ciological Review, vol. I, pig. 44.
O “Operational Definitions in the Social Science1*, The Arne
rican Journal of Sociology, voL 47 (1942), pig. 736.
•* 2/
M cd. nr
Êatc (1942),
ligo pág. 24. em American Catholic Sociological Re
aparece
view, junho, 1946 (vol. 8); a diiCussXo subseqüente apareceu ibid.,
outubro, 1946, e março, 1947 (vol. 9).

254
cípulo Stuart Dodd aplica) não são característica essencial de
tôda ciência. Em carta posterior, Lundberg reitera sua de-
claração inicial de que as generalizações que constituem as ci
encias da Biologia, Geologia, etc., são o resultado de observa*
ção de muitos casos, e que esse tem sido sempre seu conieúdo
básico relativamente à quantificação na ciência. Acreditamos
qutü Furfey, em sua crítica final, demonstra, de maneira ©on*
vincente, que Lundberg fala de quantificação em dois dife-
rentes sentidos: primeiro, a ciência é quantitativa, dado que se
baseia em observações múltiplas — afirmação bastante fraca e
que não satisfaz aos critérios fixados por Lundberg em suas
obras principais; que
senta resultados segundo, a ciência
sc podem é quantitativa, constatar
quantitativamente pois apre-

posição coerente de Lundberg. Essa linha de raciocínio reduz
se a um silogismo: porque tóda ciência i quantitativa no pri-
meiro sentido, d*via ser quantitativa no segundo.
Como acima observamos, Lundberg considera o quanti
tativisxno quase inseparável do behaviorismo. Opõese franca-
mente à introspecção: têrmos como vontade, sentimentos, fins,
motivos e valores — afirma êle — são “o flogístico de todas
as Ciências Sociais”. Assevera que o cânone científico de par-
cimônia exige, por exemplo, o desenvolvimento de um único
principio para a explicação de todos os objetos voadores, seja
uma fôlha voando ante o vento ou um homem voando à
frente de uma turba que o persegue. ••
Ê digno de nota que a posição inflexível de Lundberg,
sustentando o behaviorismo, não o impede de considerar o
estudo de valôres e ideais como uma tarefa importante da So-
ciologia. Define êle valor, operacionalmente, como aquilo a
que as pessoas se conduzem de modo a conservarem ou au-
mentarem sua posse do mesmo, ou, negativamente, como aqui

•° Esta ilustração (a fôlha voando e o homem voando) foi


tirada por Lundberg da obra de R. M. Maclver, que destaca a dife-
rença qualitativa cientifica. O debate, em que a refenca üuatraçio
desempenha papel relevante, pode ser acompanhado cotm B
Maclver (Society: A Textbook of Sociology, Nova York, Rinehart
& Co., Inc., 1937, pigs. 476677); G. A. Lundberg •/
Sociology, Nova York, The MacMillan Co., 1939, págs. 1214); |
M. Maclver {Social Causation, Boston, Ginn ft Co., 194% (
500); R. M. Maclver e C. H. Page (Society: An Introductory Amm/jw,
Nova York, Rinehart & Co., Inc., 1949, pAf. 628).
255
Io a que as pesscas reagem dc modo a diminuírem ou evitarem
o “valor'* tin questão. Por outro lado, define as instituições,
a ccrta altura, como os mecanismos que os homens estabele-
ceram a fim dc assegurar ou conseguir seus fins primários —
e aqui vemos a intrusão do conceito presumivelmente não*
•cientifico de “fim”. Lundberg propõe vários procedimentos
empíricos para estudar valôres e instituições, favorecendo espe-
cialmente questionários dc atitudes que incorporam técnicas
quantitativas.
Concordando com Max Weber, Lundberg acentua que
a ciência como tal não pode ou não deve formular juízos de
valor; as constatações morais e científicas são irredutíveis umas
às outras.
análise E a Sociologia
funcional de valôresprecisa ser umaemciência.
que repousa Rejeita a
seu significado
para a sobrevivência dc indivíduos ou grupos; mas deriva, bas-
tante incoerentemente, valôres de “tôda a história evolutiva
e social”. Em sua longa experiência, “o homem descobriu que
certas formas de conduta são vantajosas, não só em seu todo
como em seu longo curso, e que outras condutas são desvan-
tajosas, sob o ponto de vista de seus objetivos”. Essa formu-
lação é coerente com a opinião de Sumner, mas em contraste
com êsse apóstolo do laissezfaire, Lundberg conclui: “A gran-
de contribuição da ciência à Ética devia consistir em prover o
homem de um relatório c uma interpretação de sua experiência,
mais dignos de confianca*\w
O terceiro componente da Sociologia nt*opositivista de
Lundberg á sua insistência em definições operacionais, o que
está de acordo, como observamos inicialmente, com sua episte
mologia pragmática. Sob este ponto dc vista, os fenômenos
são “objetivos” na medida em que satisfazem os critérios de
concordância, corroboração e previsão. Portanto, definições
a priori da "natureza essencial” da “sociedade", “cultura”,
“instituição” e outras semelhantes são — na opinião de
Lundberg — manifestações de lógica aristotélica cm desuso
e cientificamente inúteis. Para a ciência — sustenta ele — a
questão básica é a seguinte: quais as definições mais “úteis”
dêsses fenômenos? São as operacionais, que especificam os
procedimentos ou operações utilizados para identificar e me-
dir os fenômenos em estudo. Conseqüentemente, espaço é

“Can Science Validate Ethics?’*, Bulletin of the American


Association of University Prof guars, vol. 36 (1950), pigs. 27475.

256
aquilo que é medidopela régua, ou outros instrumentos; tem-
po, aquilo que é indicado por, digamos, um relógio; inteligên-
cia, aquilo que é medido por testes de quociente de inteligência.
Podcse perguntar: a população humana é aquilo que
se mede pelo Censo? E ainda: o que são estes instrumento*
padrão — réguas, relógios, testes de “inteligência etc.? Tais
planos foram desenvolvidos para medir determinados aspectos
ou fases da realidade total. Mas as definições conceptual que
levam a semelhantes desenvolvimentos técnicos altamente úteis
— sustentamos nós — são elas próprias formuladas de outras
maneiras, nãooperacionais.
Não obstante, o operacionismo moderado realiza uma ta-
refa científica essencial, exigindo que as definições se refiram
a atributos cmpiricamente verificáveis de tudo o que a ciência
estuda. Mas na forma extrema sustentada por Lundberg, e
certos membros de sua “escola**, o operacionismo freqüente-
mente resulta cm dar forma embaraçosa e desastrada a pro-
posições bem conhecidas e a cujo respeito quase não há
controvérsia.
A veemente adoção, por parte de Lundberg, de quantifi-
cação, behaviorismo e operacionalismo, caracteriza um gran-
de número de seus artigos, em menor extensão os compêndios
Social Research e Sociology (1954) e, especialmente» os pri-
meiros capítulos de Foundations of Sociology. Entretanto, como
Foundations
diversos
sua obra críticos
sistemática
observaram,
mais desenvolvida,
a maior difere
parte muito
de pouco de,
outros tratados gerais sôbre Sociologia. Assim, ao tratar de “di-
nâmica social”, grupos sociais e transformação social, faz uso
freqüente das contribuições de autores (précientíficos) como
Sumner, Vcblcn, Cooley, Park, Mead, Thomas e Sorokin.
Isso quer dizer que Lundberg, como a maioria dos sociólogos
contemporâneos, reconhece c emprega uma variedade de de-
senvolvimentos na disciplina, dc acôrdo com a característica
geral do presente período de convergência na teoria sociológica.
Mais ainda, conforme declarou Furfey, seu amigo e opositor
intelectual, como um dos raros “entre os sociólogos america-
nos, Lundberg tentou, franca e claramente, comprovar suas
definições,
meute*'.80 seus postulados e seus métodos, e seguilos, coeren

88 Paul Furfey, American Catholic Sociological Rtvicw, voL


9, março, 1947, pág. 48.

17
Stuart C. Dodd
O segundo representante marcante do neopositivismo ex-
tremo é o Professor Stuart C. Dodd, que foi colega de Lundbcrg
na Universidade dc Washington durante vários anos. Antes da
Primeira Guerra Mundial, Dodd ensinou e dirigiu extensas
pesquisas no Oriente Médio, onde também desenvolvera os
princípios que foram incorporados em sua principal obra, Dt
mensiom of Society (1942). Declara Lundberg que esse volu-
me, em que elabora as “ilações metodológicas” de sua própria
posição teórica, constitui um guia para Foundations of Sociolo
gy de Lundberg.
O propósito dc Dimensions, dc acôrdo com Dodd, é cons-
truir uma teoria sistemática e quantitativa da sociedade. De-
nominase TeoriaS, com o símbolo S representando situação.
As situações — explica Dodd — podem ser analisadas eu» qua-
tro classes de componentes: tempo, espaço (que é comum a
tôdas as ciências), população (observado em tôdas as classes de
fenômenos sociais), c afinal características de pessoas ou dc seu
ambiente — categoria residual a última, que compreende “tudo
o mais”. Como a define Dodd, a classificação é exaustiva:
nada lhe escapa. A fim dc designar esses quatro componen-
tes básicos, o autor emprega os símbolos T (tempo), L (espa-
ço), P (população), e I (indicador). O indicador, por defi-
nição, pode servir para quase tudo — por exemplo, a filosofia
budista, os ruídos urbanos, a extensão do desejo humano...
Essas representações simbólicas constituem o primeiro pas-
so no processo de Dodd. O segundo passo é atribuir a cada
verdadeira situação social uma “fórmula quântica”, formada
pelos quatro símbolos básicos e seus expoentes. Se, numa si-
tuação concreta, um dos componentes básicos falta ou não é
mensurável, aparece o símbolo com o expoente 0 (zero) que,
segundo os princípios algébricos, converte qualquer grandeza
cm 1. Noutros casos são aplicados os expoentes 1, 2, 3, 1,
2, como se observa nas indicações seguintes:
L ° — situações envolvendo espaço. L1 — situações
envolvendo
— situações L2 — situações
linhas.envolvendo envolvendo
volumes. T ° áreas. L*
— nenhum tempo
envolvido. T’ — duração. T* — transformação. T* —
1 2 3

256
aceleração. P° — nenhuma população. P1 _ plurels. P1
—■ grupos. Io — espécie de coisas chamada dólar. 10
^ B
— quocicnte dc inteligência de um indivíduo. Io — carac-
terísticas qualitativas. 1 ± 2 — características correlatas.
Dessa maneira, então, elaboramse as fórmulas quânticas.
Uma fôrça social, por exemplo, é simbolizada por T 1 I P por-
que, presumivelmente, envolve aceleração, não espaço, e po-
pulação — para cada fator particular um símbolo caracterís-
tico. Dodd insiste na idéia de estar traçando, com esse tipo de
formulação, o caminho para a quantificação de característi-
cas qualitativas. Estas últimas são tratadas como se tivessem
grandeza 1.
Podese transformar uma fórmula quântica em um nú-
mero quântico pela simples composição de um número de qua-
tro algarismos correspondentes aos elementos da fórmula. Para
simplificar: se 2 é substituído por 8 e 1 por 9, a fórmula
quântica para “fôrça social” resultará no número quânuco
8011. Dodd acredita que tôdas as situações sociais suscetíveis
de representação pelo mesmo número quântico, devem pos-
suir “alguma coisa” em comum.
O terceiro passo, no processo de Dodd, é o estabelecimen-
to de uma “matriz intcrrelacional”, sendo matriz o nome ma-
temático de uma disposição dc números em parcelas e colu-
nas.
de um Considerase essa Assim,
grupo social. técnica cm
a mais
cadaadequada à designação
célula (formada pela
interseção de uma parcela e uma coluna) haveria de mostrar
se a observada grandeza de um indicador qualquer (por exem-
plo, a atitude positiva ou negativa de uma pessoa em relação
a outra). A matriz pode ser então tridimensional, tetradi
raensional, ou pentadimensional — possibilidades estas fora do
alcance da representação gráfica convencional.
A descrição da TeoriaS, feita assim de relance, talvez a
faça parecer uin simques sistema dassificador. Mas Dodd afir-
ma que a teoria tem finalidades de análise e previsão. A seu
ver, a aplicação da matriz intcrrelacional pode auxiliar gran-
demente o aprimoramento dc definições operacionais de concei-
tos, tais
ração, líderes, ingroup,
comoestréias, oulgroup,
plurcl, isolamento, contato,
grupo, comunidade, processo inte-
eco-
nômico, contrôle social, etc. Uma coluna de grandes entradas,
por exemplo, quando o indicador de célula tem prestigio, iden-
259
tifica uma estiela c torna mensurável o grau de estrelato; se,
entretanto, a parcela e a coluna correspondentes contcm gran-
des entradas, espccificasc o líder. A matriz interrelaeional
permite a definição precisa dc um grupo, enquanto a agrega-
ção de tais matrizes, uma para cada característica existente em
comum, define uma comunidade. A exploração dc fórmulas
quânticas em células nãoocupadas permite predizer proprieda-
des dc situações ainda não observadas, tal como a tabela pe-
riódica de elementos de Mendeleyev lhe permitia prever as
propriedades químicas de elementos ainda não isolados.
Essas vantagens da teoriaS, entretanto, só podem ser ob-
tidas sc o sociólogo se limitar estritamente às definições opera-
cionais. De acôrdo com Dodd, a definição é “operacional” na
medida em que especifica o procedimento para identificar ou
gerar os fenômenos em causa e satisfaz ao leste dc alta con-
fiança. Enquanto a primeira parte da definição é similar à
formulação de Lundberg, a segunda exigência relacionasc ao
grau de concordância entre observações sucessivas dos mesmos
fenômenos, usando a mesma definição operacional. Êsse grau de
concordância precisa ser estatisticamente medido, o que, para
Dodd, é uma condição necessária a qualquer constatação
cientifica.
Dodd observa que essa apresentação da teoriaS pode
parecer predominantemente um exercício de dedução. Mas in-
siste em que a teoria emergiu de amplo estudo indutivo. O pro-
cesso indutivoe émonografias
sociológicos invocado, separando certobásicos
de conceitos númeroatinentes
de textosa
situações sociais, e aplicandolhes fórmulas quânticas. Sòmente
13% dos conceitos que aparecem nessas fontes não são ca-
pazes de representação simbólica (entre os quais o de “rea-
lidade**, que o autor acredita ser irreal). Mas verificamos que
êle era capaz de traduzir em fórmulas quânticas 1 600 situa-
ções sociais escolhidas nos campos mais diversos.
Dodd anuncia que sua teoria é inclusiva, digna dc con-
fiança, precisa, parcimoniosa e fecunda. É inclusiva devido a
sua categoria residual sem fim, designando “tudo o mais” pelo
símbolo /. A confiança estabelecese, presumivelmente, pelo
fato de que as classificações feitas por dois estudantes gradua-
dos, cuidadosamente instruídos, concordaram com as de seu
mentor. Supõese que a teoria seja precisa desde que expressa
em conceitos e símbolos operacionalmente definidos. E é de-
clarada parcimoniosa porque utiliza sòmente dezesseis símbo-
260
los: quatro para os componentes básicos; quatro para as opera
ções aritméticas; ^quatro referentes à agregação, clauificação re-
cíproca, correlação, tanto quanto o expoente; e quatro últimoi
designando o número e a natureza das classes, intervalos de clas-
ses c casos. Acreditamos, porém, que a parcimônia assim obti-
da seja ilusória. O símbolo residual I é usado cora um grande
número dc “prescritos” e “pósescritos”, necessários para con-
cretizar as “características’* (por exemplo, como acima obser-
vamos, para distinguir entre a filosofia budista, os ruídos ur-
banos c a extensão de um desejo). Devese acentuar, entre-
tanto, que não há mais justificativas para realizar operações
matemáticas coin o I dotado de vários “prescritos” e pósescri
tos” do que, na Aritmética, para somar o número de pés que
separa dois pontos e o número de pacotes carregados por al-
guém entre eles. O próprio Dodd concorda em que a fecun
didade dc sua teoria só pode ser provada depois que numerosos
sociólogos usarem seu sistema durante algum tempo e acumu-
larem material abundante. É digno de nota que, durante os
doze anos que se passaram desde a publicação de Dimensions
of Society, não apareceu nenhuma obra extensa obedecendo
a essas idéias.
Há boas razões, acreditamos, para não nos abandonarmos
à teoria de Dodd. A fim dc estimar suas possibilidades, selecio-
namos alguns exemplos de produtividade oferecidos por êle
próprio — que, à base de uma matriz interrelacional, oferece
as seguintes definições de amor e concorrência: quando duas
pessoas começam a se amar intensificam o índice de relações
em suas duas células da matriz, para a exclusão de tftdas as
outras células representando seus contatos sociais; a concor-
rência é o processo medido pelo cálculo do desviopadrão da
porcentagem de lucros e perdas do desiderato V pelo qual as
pessoas P concorrem em um período D. Curiosamente, esta
última definição inclui o que está sendo definido: concorrên-
cia é aquilo que aparece na concorrência.

A ala matemática do neopositivismo


Entre os neopositivistas, Lundberg e Dodd são, provivei
mente, os teóricos mais sistemáticos • articulados. O neoposi
tivismo, porém, ou algumas de suas afirmações, tende a domi-
nar o panorama da Sociologia americana atual. Um exame
da forma e do conteúdo de artigos que aparecem nos jorna*
261
sociológicos mais importantes dos Estados Unidos comprova
esta proposição. Entretanto, na obra da maioria dos autores
cujos escritos c pesquisas vão de encontro a isto, surgem escas-
sos traços teóricos. Os trabalhos de três estudiosos cujas obras
são teoricamente desenvolvidas merecem atenção especial. Éstes
autores denominamse George K. Zipf, Nicholas Rashevsky e
Homell Hart, todos pertencentes à ala matemática do neo
positivismo.
A obra dc Zipf está projetada para “integrar teòricamen
te determinado número de medições sociais” e para “elucidar
consíderàvelmente as molas reais da conduta humana” en-
carada como um fenômeno puramente natural A obra re-
pousa cm um postulado deduzido do raciocínio matemático
que se presume “governe a conduta dos indivíduos c do grupo
coletivo” e é sustentada pelo material empírico que presumi-
velmente corrobora este raciocínio. A teoria de Zipf se de-
senvolve no volume Human Behavior and the Principle of
Least Effort (1949), cujo enganador subtítulo é An Introduction
to Human Ecology. A natureza “ecológica” desta obra será
encontrada mais no tipo dc problemas concretos de que trata
do que na metodologia de Zipf. (Para uma discussão da teo-
ria ecológica, ver o capítulo XV.)
O postulado central da teoria dc Zipf é o “principio do
menor esfôrço”. Êstc princípio, em forma simplificada, declara
que em situações que permitem alternativas os homens esco-
lhem
médioaqueles procedimentos
de trabalho que resultam
provável”. no "menor
Por outras índice os seres
palavras,
humanos procuram minimizar o dispêndio dc energia, não com
relação a tarefas imediatas, mas antes em têrmos do trabalho
médio exigido a fim de atingir seus objetivos. Os homens cons-
tróem, por exemplo, estradas ou túneis porque diminuem, dês
se modo, a média de trabalho que provàvelmente despenderão
no transporte.
Demonstrase o princípio aplicando*o à distribuição de
pessoas entre diversas comunidades. A população pode dis
tribuirsc de duas maneiras. Primeiro, as pessoas podem esco-
lher viver em certo número de pequenas comunidades, pró-
ximas às fontes de matériaprima, como ocorre comumente
quando
zem essahá escolha
poucas devido
espéciesà de"fôrça”
matériaprima. Os homens
da diversificação fa-
de seu
habitat. Alternativamente, a população pode reunirse em al-
guns grandes centros, o que ocorre quando o número de ti-

262
pos dc matériasprimas é grande c indispensável o transporte
para lugares de trabalho; neste caso, a economia no trabalho
exprimese na diminuição dos esforços despendidos em condu-
zir bens prontos para os consumidores. Chamase “unificação’*
a fôrça existente por trás dessa segunda escolha. Zipí admite
que não se conhece nenhum método, até o momento, que ca-
pacite o investigador a calcular as grandezas absolutas deuai
duas fôrças. Mas é possível estabelecer empiricamente a pro-
porção dc suas grandezas — acredita êlc — dc uma maneira
a scr brevemente descrita.
Dc acôrdo com Zipf, o impacto das fôrças de diversifica
ção e unificação (ambas derivadas do princípio do menor es-
forço) leva os homens a reuniremse em comunidades de ta-
manho preestabelecido. O tamanho dc cada comunidade for-
mada cm uma grande área, tal como uma nação, exprime» na
fórmula 99
P
P —
» n«
P representa a população da comunidade ocupando a parce
n
la enésima na lista, Pé a população da maior comunidade na
área e q é a proporção da grandeza da fôrça dc unificação di-
vidida pela fôrça de diversificação. Também sc pode exprimir
a fórmula da seguinte maneira:
P P P P
C---------------+ +------------+ ... +
IQ I! 3* n«

C aqui representa a população total da área e os outros


símbolos têm o mesmo significado que na fórmula precedente.
Esta fórmula é o tipo chamado em Matemática “série harmô-
nica generalizada".
As grandezas dos tamanhos das comunidades teòricamen
te previstas podem ser gràficamente representadas. Zipf aplica
êste procedimento às populações das cem maiores áreas metro-
politanas dos Estados Unidos, de acôrdo com o censo de 1940,
99 Esta e as fórmulas seguinie» são apresentadas com algumas
simplificações e com certas alterações nos símbolo*.
c acha que as posições dos pontos cm seu gráfico correspondent
te* a estas populações muito sc aproximam de uma linha refa
inclinada para a horizontal a 45°. Isso significa que, no país,
as duas fôrças. de unificação e diversificação, são quaso iguais.
Zipf continuou sua análise “prevendo” o número e a di-
versidade de estabelecimentos dc serviço, manufaturas e lojas
a varejo nas cidades dos Estados Unidos, de acôrdo com as
respectivas populações. Os números variam na proporção do
tamanho da população, a diversidade na proporção dc suas
raízes quadradas, file também “prevê” o volume de receita
bruta, o número de empregados a tempo integral, a fôlha to-
tal dc pagamento dc estabelecimentos de serviço, quando ali-
nhados na ordem do tamanho dccrcscente de seus quadros dc
pessoal. Zipf recalcula dados coletados por outros relativa-
mente a circulação de jornais, número dc viagens, embarques
por expresso ferroviário, distância entre residenciais de pessoas
que pediram licenças de casamento e movimentos residen-
ciais, sempre com resultados aparentemente satisfatórios para
o autor dêsse approach matemático.
Quando, entretanto, aplica suas fórmulas a outros países,
começam os problemas. A Alemanha, a AustroHungria, a Co-
munidade Britânica e a Europa como um todo são declaradas
área de “equilíbrio instável”, dado que não se ajustam ao seu
esquema. A maior dificuldade aparece quando Zipf aborda
o desmembramento do Império AustroHúngaro após a Pri-
meira Guerra
enquadrado em Mundial. As matemática,
sua fórmula populações antes
cue scdo poderiam ter
desmembra-
mento, já não se enquadram mais. Êle “explica” esta dificul-
dade da seguinte maneira: “Muitas pessoas reprimidas apar-
taramse do Império para fundar países independentes, com
o renascimento neurótico de culturas que haviam perdido há
séculos significado econômico efetivo”00 — e o fizeram no sé-
culo XX, quando (de acôrdo com seus teoremas) as nações
deviam ter crescido em tamanho e decrescido cm número. Não
tenta aplicar a fórmula, por exemplo, à população do Impé-
rio Russo, assinalada por uma enorme diferença entre o ta-
manho da segunda e da terceira comunidades maiores, ou i
França, or.de a segunda cidade em tamanho é cinco vêzes me-
nor do que Paris, enquanto a terceira cidade é apenas 40%
“ Op. cit.,pi* 429.

264
menor o que a segun a. s es casos — e a vez mu o ou-
tros — dificilmente se enquadrariam no apontado esquema
matemático.
Uma fonte de preocupações para Zipf é o fato de que o
“princípio do menor esfôrço” mi põe que os homens sempre agem
racionalmente c que seus padrões de conduta podem ser ana-
lisados de acôrdu com isso. Esta suposição acompanhou a teo-
ria social durante 150 anos ou mais, com maior clareza na Eco-
nomia Política clássica; representa, porém, uma curiosa ano-
malia na análise atual do comportamento humano. A obra de
Zipf mostra ainda uma espécie de “obsessão matemática". O
autor parece partir da certeza de que cada verdadeiro complexo

de fenômenos
cer precisa,
a uma fórmula por alguma
matemática necessidade
bastante simples. interna, obede-
Pensamos que
a probabilidade de tal coincidência é aproximadamente idênti-
ca à expectativa de que a linha do céu, que se admira nos Al-
pes ou nas Rochosas, siga uma curva matemática.
Em obra do tipo de Humcm Behavior, de Zipf, não po-
demos esperar respostas para as dúvidas básicas da teoria so-
ciológica, exceto talvez a questão rciativa aos determinantes bá-
sicos dos fenômenos sociais. A teoria de Zipf, ao que parece,
implica que o estado de uma sociedade é determinado pela
ação de uma lei matemática. Não obstante, sua obra i assi-
nalada, aqui c ali, por várias “respostas** a perguntas sôbre a
sociedade c à relação entre sociedade e indivíduo. Lemos as-
sim queque“ainfluencia
campo sociedadeoshumana
membrospode ser encarada
individuais como um
e é influenciado
por êles...”.91 E novamente: “O sistema social é um gru-
po de indivíduos que procuram cooperativamente objetos seme-
lhantes por meios de normas semelhantes dc procedimento, sob
a presunção de que todo mundo dá a mesma soma de trabalho
e recebe a mesma recompensa, com um mínimo de trabalho." n
Isto, sustentamos nós, é na realidade uma suposição altamente
irreal.
Mathematical Theory of Human Relations (1947), dc
Rashevsky, supera a preocupação matemática de Zipf. Ras
hevsky, porém — cuja obra citamos sòmente para ilustrar
esta orientação — tem plena consciência de que o tratamento

Ibid.,
•* G.pág.
M 347. “The Hypo the»»
K. Zipf, . of t , t.
thewMinimum
*r Equation ,
American Sociological Review, vol. 12 (1947), pág. 627.
matemático dc fenômenos sociais complexos só é possível cons-
truindose casos e situações imaginários supcrsimplificados. Em
outras palavras, aquilo que é matematicamente explorado é
construção mental que, em contraposição ao ideal de Max
Weber de tipos puros, consiste de traços ncccssàriamcnte cm
desacordo com os observáveis na vida social. Apesar de re-
conhecer a limitação, a análise de Rashevsky dessas construções
freqüentemente resulta em sistemas de equações matcmàtica
mente insolúveis. Contràriamente à obra dc Zipf, não apresenta
nenhum postulado central.
O principio cia ordem matemática na vida social c com-
partilhado por Homell Hart, professor dc Sociologia na Uni-
versidade de Duke. Enquanto Zipf c Rashevsky tratam ma
tcmàticamcnte fenômenos dc “estática social”, Hart, pelo contrá-
rio, tenta dar expressão matemática a uma teoria de dinâmica
social. Não procura, como o primeiro, fundamentar sua obra
cm um pnncipio único: tenta integrar numerosos achados
próprios c de outros pesquisadores. Por exemplo, diz que
vários estudos relativos a população, informes sôbre o número
de invenções e patentes, relatórios dc velocidade, de tamanhos
de impérios, etc., demonstram que tais fenômenos podem ser
expressos por uma curva algébrica adequada. Assim, em diversas
áreas de transformação social c cultural, depois de um principio
lento, há aceleração, depois inflexão e descenso, tudo de acôrdo
com uma fórmula matemática precisa. Outros processos, como
odo número
poder de invençõesdostecnológicas
destrutivo explosivos,e especialmente
seguem outra o curva
aumento
(a
chamada "curva logfoff’), que, diferentemente do precedente
padrãotempo, não demonstra nenhuma inflexão ou diminuição
de velocidade; em outras palavras, a aceleração continua até
alcançar o limite físico.
Enquanto outros expoentes das teorias matemáticas se
satisfazem, freqüentemente, com fórmulas e leis matemáticas,
Hart, como que seguindo os conselhos de Max Weber, tenta
descobrir por que certas curvas são provàvelinente obtidas na
vida social. Ilustra êsse esfôrço a sua explicação geral da “ace-
leração do desenvolvimento da cultura”: o progresso cultural
dependeu de invenções, bto é, combinações novas de elementos
culturais
rais, velhos.tanto
deduzse, Quanto
maiormaior o número dedeinvenções.
a possibilidade unidades Assim,
cultu-
encontrarseia uma tendência geral dc multiplicação geomé-
trica de invenções. Mas Hart tem consciência de que ocorrem

266
rev venc as c e emen os po remen e n egra os ru cu ue
tôda. Assinala cie a tendência (que não explica) dos ageo*
tes destrutivos a aumentarem em eficiência com uma aceieraçio
mui:o maior do que a dc qualquer outro tipo de transfouiiação
cultural. Hart nega a possibilidade de explicar a conformida-
de de certos processos sociais com curvas matemáticas como uma
questão de puro acaso, proclamando que, além da tendénda
algébrica c outras, há alguma coisa He lei subjacente, na
natureza.w
Mas as leis da natureza são sempre proposições hipó
teticas do tipo “sc A, então B”. Uma lei demográfica, por

exemplo, que afirma


curva algébrica exige que
umao crescimento
constatação dadas população
condiçõrs segue
sob asa
quais principia o movimento ascendente, tanto quanto uma ex-
plicação das condições sob as quais a curva algébrica se “par-
te”. Obscrvese que o próprio Hart relata diverso* casos do
último tipo. Sustentamos que nenhum raciocínio matemático,
em si, pode produzir conhecimento dessas condições.
Enquanto Zipf e Rashcvsky geralmente negligenciam o
aspccto operacional do neopo&itivismo, Hart não o faz. Mas
sua defesa do “método operacional" é cautelosa e ponderada,
fcste método — escreve êle — “consiste em constatar verifi
càvelmcnte observações e operações específicas, por meio das
quais as variáveiscom
e cm determinar, serão produzidas,
a maior identificadas
aproximação possível,ou osmedidas,
grupos
específicos dc operações seletivas e causais, mediante as quais
as variáveis podem ser alteradas nas direções desejadas, va-
riáveis cuja extensão pode assim ser controlada e cuja mar-
gem de êrro se poderá provavelmente prever nas conclusões
precedentes”.M Sem dúvida, a maioria dos sociólogos pros-
seguiria nessa constatação como um principio orientador na
pesquisa empírica.
Hart não é, ademais, à maneira de Zipf, um “determinis-
ta matemático”. Tem estado na moda — declara êle — “fa-
lar em determinismo tecnológico”. Mas Ma revolução indus

« “Logistic Social Trends", Amtrúau Journal of SotiaUtr, vol


30 (1945), pág. 350.
h "Operationism in Sociology and Pfydrclofy”, manuscrito inédito,
P*g. 3.
267
trial tinha suas raízes cm uma série de invenções que, por sua
vez, tinham raízes em idéias antecedentes. A própria tecno-
logia tem sido ideològicamente condicionada. Se procuramos
controlar a direção da evolução cultural, não precisamos scr
dissuadidos por nenhuma noção de que a tecnologia é a causa
mestra de tudo”.05 Os remédios contra os perigos apresenta-
dos pela chegada da Idade Atômica — segundo acredita —
serão encontrados em um desenvolvimento acelerado da ciên-
cia social, e aqui está de acôrdo com Lundberg. Podese du-
vidar que êstc desenvolvimento se revele em tempo eficaz. Mas,
sugerindo seu uso. Hart situasc entre os sociólogos que crêem
que o homem não é um simples objeto movido por processos
sociais impessoais, mas o senhor dêles, de certo modo. Não nos
surpreende, portanto, que Hart tenha plena consciência de que
sua anccstralidade sociológica atinge a Comte, que esperava
construir uma ciência empírica da sociedade para salvar a
humanidade do desastre.

William F. Ogburn e F. Stuart Chapin

A preocupação com a “Matemática superior” só assinala a


obra dc alguns dos poucos sociólogos que incluímos no grupo
ncopositivista. Na maioria, os estudiosos dêste grupo não são
matemáticos. Todos eles, porém, destacam fortemente a ne-
cessidade
e o papeldecstratégico
medir os dafenômenos sociais sempre
análise estatística que possível
na pesquisa social.
A maior parte acentua também a importância de desenvol-
ver técnicas de pesquisa empírica c é capaz de se manter cé-
tica a respeito da teoria social “dc poltrona”. Êsses traços ca-
racterizam os escritos dos neopositivistas moderados, inclusive
as influentes contribuições dos Professôres William F. Ogburn,
da Universidade de Chicago, e F. Stuart Chapin, da Univer-
sidade de Minnesota. Observese que ambos colaram grau na
Universidade de Columbia, na segunda década do século, ao
tempo em que aí dominava a figura de Giddings, precursor
do neopositivismo (ver cap. XI).
Sozinho, ou em cooperação com outros estudiosos, Ogburn
realizou um número relevante de estudos de fenômenos so
#5 “Social Science and the Atomic Criiii”, Journal of Social
Issues, Supplemental Series n.' 2, abril, 1949, pigs, 1314.

268
relação entre seus vários aspectos, atribuindo ênfase —pf«ii| I
assuntos econômicos e tecnológicos. A conhecida pesquisa de
Ogburn, The Social Effects of Aviation (1946), aproximao
mais da ala matemática do nropositivismo do que aias obras
anteriores. Um dos temas do volume é a insistência na neces-
sidade de elaborar métodos com os quais se prevejam, de ma*
neira a inspirar confiança, os desenvolvimentos sociais futurai.
A maior contribuição dc Ogburn para a teoria socioló-
gica, entretanto, está em sua primeira obra, Social Change
(1923), que apareceu simultineamente com o* últimos traba
lhos de Giddings e antes das recentes formulações dos neoposi-
tivistas
últimas mais extremados.
contribuições Podese no
de Ogburn, considerála um prelúdiopre-
estilo neopositivista, às
lúdio importante e meditado que afetou significativamente o
pensamento social posterior.
A este livro se atribuiu a substituição do termo evolução
social por “transformação social”. Em uma edição de 1950
dc Social Change, Oghum acentua êste ponto e explica a es-
colha do título por seu interêsse em ultrapassar o cvducionis
mo psicológico que, ao tempo, ainda era forte. O livro tam-
bém é descrito, às vezes, como o primeiro estudo a usar siste
màticamcnte o conceito de cultura como a indicar os "produ-
tos acumulados da sociedade humana”.* Esta interpretação,
entretanto, 6 discutível, dado que Thomas usou “cultura" nes-
te sentido muitos anos antes (ver cap. XII), embora não tão
coerentemente quanto Ogburn.
Entre as diversas generalizações teóricas do livro a itspei
to de transformação social e cultural (a relação entre as duas
não é claramente estabelecida por Ogburn), uma, particular-
mente, mereceu atenção e provocou muita critica: a hipótese
do atraso cultural. (O autor afirma, na edição de 1950 de
Social Change que a hipótese não é absolutamente fundamen-
tal para seu trabalho.) Esta hipótese é às vfees interpretada
como uma expressão do determinismo econômico ou tecnoló-
gico, interpretação, aliás, explicitamente negada por Ogburn. 5

Cf. A. L. Kroeber e C. Kluckhobn, Culture (1932), pi*. 15.


97 Para uma recente interpretação, nesses térmo#, i uma cri-
tica à teoria do atraso cultural, ver Maclver c Page, Society,
574 e segs.
&
A hipótese do atraso cultural comcça com o fato de que
uina grande parte da herança social do homem c cultura ma-
terial. I’.ira usar a última são necessários ajustamentos cultu-
rais, que Ogburn chama de cultura adaptativa. As transfor-
mações na cultura adaptativa são precedidas por transforma-
ções na cultura material, os ajustamentos não podem come-
çar antes que ocorra a transformação que os exige. Mas velhos
costumes (parte da cultura adaptativa prévia) persistem, ge-
rando “atrasos” que podem perfeitamente ser danosos. Daí afir-
mar — e nisto é que se revela a posição neopositivista do autor
— que se deveria medir, em cada caso, a extensão do atraso
e a severidade do desajustamento. Êste cálculo é da maior im-
portância porque a cultura adaptativa está ligada a outras par-
tes da cultura e as tensões sociais que refletem os atrasos
culturais podem ramificarse através da ordem social. Assim,
muitos problemas achamse enraizados na relativa lentidão da
transformação da cultura adaptativa — o atraso na legislação
de proteção aos trabalhadores cm seguida ao desenvolvimento
do sistema industrial, o atraso de disposições legais para repre-
sentação política em conseqüência dos deslocamentos de popu-
lação, hoje talvez o atraso da descentralização dc cidades após
o desenvolvimento das armas nucleares, etc. Essa interpretação
dos problemas sociais tem sido empregada por certo número
de sociólogos e outros, seguindo a formulação srcinal, de
Ogburn, e mais extensamente por Barnes.
A teoria
varam, sugeredoasatraso cultural,“Que
perguntas: comoatrasos
vários depois
estudiosos
de obser-
quê?”
e “A cultura material está sempre na frente da nãomaterial?”
Ogburn cuidou de evitar respostas estritamente unilaterais, afir-
mando, na edição srcinal de Social Change, que a transfor-
mação pode ser feita em cultura nãomaterial, mesmo adapta-
tiva, embora permaneça constante a cultura material. Na edi-
ção recente, a hipótese do atraso cultural é afirmada com espe-
cial cuidado; reconhece êle o significado das invenções em
qualquer parte da cultura e acentua suas conseqüências rami
ficantcs. Tal posição, claramente, não devia ser interpretada
como determinismo econômico ou tecnológico. Ogburn desta-
ca de preferencia a necessidade de medir “atrasos" e seus
efeitos.
O outro neopositivista moderado, cujos pontos de vista
aqui discutimos, F. Stuart Chapin, devotou seu volume prin-
cipal às Contemporary American Institutions (1953). Aí apre-

270
senta cie o problema de como podem ser descritas e definidas
as instituições sociais de modo mais preciso do que na lingua-
gem popular. Para Chapin, as instituições são essencialmente
modelos de conduta humana: teias de respostas condicionadas,
hábitos individuais c atitudes. Seu estudo é difícil, dado que
intangíveis as conexões em que consistem; não são distintas
das fôrças intangíveis subjacentes do universo visível das coisas
materiais. De nôvo é evidente a tendência do neopositivissno
para apoiarse na ciência natural.
Método para definir mais precisamente as instituições é
o simbolismo gráfico. Muitas páginas da obra de Chapin es-
tão ocupadas por gráficos que o autor acredita que ajudem a
visualizar modelos de relações invisíveis. Mas estas relações
também precisam ser medidas. Em Sociologia — constata pe-
sarosamente Chapin — são ainda extremamente poucos os es-
tudos de fôrça social comparáveis à pesquisa nas Ciências Fí-
sicas utilizando unidades dc peso.68 A razão desta situação
— segundo acredita — é que o problema a estudar consiste
cm atitudes psicológicas, reações condicionadas, interações e
traços culturais. O sociólogo precisa inventar unidades e ins-
trumentos de medida padronizados, que tomarão os fenôme-
nos institucionais mais suscetíveis de acurada descrição e trans-
missão do que hoje. Coerentemente, Chapin e seus discípu-
los esboçaram, durante muitos anos, escalas para a men
suração de várias formas de "conduta institucional", por
exemplo, o status social, efeitos dc moradia, meio fami-
liar e “personalidade”.*
Aos procedimentos dc simbolismo gráfico e mensuração por
escalas, acrescentou Chapin outro, a que chamou de experi-

M Chapin distingue dois tipos de instituição, a nuclear e a


simbolicamente difusa; aproximase muito, aqui, das idéia* de Mauricc
Haunou, estudioso _ francês das instituições, que as concebeu dentro
da orientação da Filosofia platônica (ver cap XIX). Como Hanrioa,
Chapin escolheu, para estudo, as instituições do primeiro tipo, etn
que é visível o elemento pessoal, enquanto nas do segundo tipo prv
pondera o elemento normativo.
99 Para uma descriçfo (ncopositivista) de tais escala*, vtr Ge-

orge
& A.1942,
Co., Lundberg (Social
cap. IX, sôbreResearch , Nova Behaviour**);
"Institutional York, Longmans, Green
e para urn
tratamento recente e mais sofisticado da "cscalaçlo", ver W. J. Oooòe
e P. K. Halt, Methods in Social Research, Nova York, McGraw
Hill Book Co., 1952, caps. XV, XVI e XVII.
271
mental, mas que, no máximo, c quaseexperimental. A idéia
básica dêste procedimento, como a apresenta em Experimental
Design in Social Research {1947),100 é usar a lógica do ex-
perimento de laboratório. No laboratório o físico mantém cons-
tantes, ou controla, tôdas as condições menos uma c, variando
esta, observa os efeitos das transformações no fator variável.
Dado que o cientista social não pode controlar as transforma-
ções sociais para fins de estudo, precisa estudar dois ou mais
estados de um sistema ou duas ou mais situações sociais que
diferem pela presença ou ausência da condição cuja significa-
ção causai está sendo procurada. Assim, podese observar uma
população antes e depois do estabelecimento de novos lares c
aferir o impacto do mesmo na morbidez e na criminalidade.
Ou, para citar um caso mais complexo, podemse estudar duas
populações com a mesma distribuição de idade, sexo, raça,
nacionalidade dos pais, e status ocupacional do pai, mas dife-
rindo no número de anos dc escola; se ambos mostram uma
uma significativa diferença cm salários ou ajustamentos co-
munais, o experimentador pode considerar que provável men-
te estabeleceu uma relação causai.
Chapin descreve diversas aplicações engenhosas desse pro-
cedimento experimental. Mas, raramente, abrem elas novos ho-
rizontes. A concomitância de variações, com tôda a proba-
bilidade, poderia ser descrita à base da observação participante.
Além disso acreditamos que a validade de medições de fenô-
menos institucionais, ou mais exatamente, de sua expressão em
simbolos matemáticos, permanece sujeita a sérias dúvidas.
Dc acôrdo com o neopositivismo, Chapin endossa a im-
portância de definições operacionais na ciência social. Entre-
tanto, adota uma posição bastante moderada. “A chamada
definição operacional” — escreve ele — “não está colocada
como qualquer definição final ou absoluta, mas simplesmente
como um útil desenvolvimento em direção da objetividade.”101
A maioria dos sociólogos subscreveria hoje este ponto de vista.

WO A idéia do approach experimental aparece em um artigo


publicado por
apresenta nenhuma
Chapin, nada me
técnica. O artigo
no* dodecisivo
que em 1917,
apareceu
masem
onde
1940.
nío
Em 1945, Ernest Greenwood publicou Experimental Sociology {Nov*
York. King*! Crown Press), cm que é giandementQ elaborada uma
das modalidades do approach dc Chapin.
Experimental Design, pág. 155.

272
Diversamente da maior parte dos neo positivistas, Chapin
demonstrou considerável interêsse pelo problema dc movimentos
de longo alcance, ocorridos em civilizações consideradas como
todos. Esta fase de sua obra será examinada no capítulo XX,
sôbre a Sociologia histórica.

Resumo e apreciação

Podesc encarar a obra da escola neoposi ti vista como uma


vigorosa tentativa para resolver um problema que a Sociologia
enfrentou desde seu inicio. A tarefa dc tomar a disciplina
plenamente científica foi uma preocupação fundamental de
Comtc, Durkheim, Gumplowicz, Ratzenhofer, Thomas, Giddings
o Porcto, entre outros.
Entretanto, o approach neoposi ti vista acentua fortemente
na Matemática o critcrio da verdadeira ciência. Como se
tomará quantitativa a Sociologia? Como tratar mate mitica-
mente a vida social? Cada um dos autores cujos pontos de
vista discutimos neste capítulo tem uma solução própria. Lun
dberg insiste na necessidade de construir medidas para qualquer
coisa de import&ncia sociológica. Dodd tenta unificar símbolo*
matemáticos para preferências sociológicas, com operações mate-
máticas elementares. Zipf procede como um físico teórico:
oferece um postulado (tomado à Economia), deriva dêle teo-
remas e demonstra, ou acredita demonstrar, que os teoremas
são confirmados por fato*. Hart impressionase com a confor-
midade de certos processos sociais às exigências de curvas que
correspondem a equações matemáticas definidas. Ogburn e
Chapin, adotando posições menos radicais, acentuam a neces-
sidade de instrumentos com que medir os fenômenos sociais.
O conhecimento limitado sôbre os processos sociais espe-
cíficos (ou, mais exatamente, certa unificação das informações
a respeito dêsses processos) podese adquirilo mediante alguns
dos procedimentos advogados pelos neopositivistas. O conhe-
cimento assim obtido, em geral, toma aproximadamente esta
forma: “Se não verificado, o processo A correrá de acôrdo
com a fórmula N.” As palavras "se não verificado** (que sig-
nificativamente, aparecem em uma das primeiras tentativas de
tratar matemàticamente os fenômenos sociais — Ensaios Sàbrt
População, de Mal thus, 1796) indicam a necessidade de estudos
adicionais, nãomatemáticos ao menos em parte, das condições

it 273
tub a quais «* possível o desdobrannento nãoverificado do
proccsso.
Acreditamos, porem, que o conhecimento assegurado es-
tritamente d* acordo com os cânones neopositivistas permane-
cei ú limitado; permanecerá à altura do nível dc causalidade
de Weber, sem alcançar o nível dc compreensão dc Weber.
Esta limitação é inerente ao verdadeiro approach dos neopo-
sitivistas, que extraem o behaviorismo da Pisicologia, onde não
é mais preponderante, e adotam uma Filosofia pragmática que
leva em si um extremo nominalismo. Os neopositivistas acham
que, por esse ineio, st* libertam da metafísica, que entendem
incompatível
que não sabiacom
que a quando
ciência. falava
Comoestava
um dos tipos de aMolière
empregando prosa,
os neopositivistas parecem inconscientes do fato de que seu ap-
proach repousa neccssàriamcntc cm uma das possíveis posições
metafísicas.
O pragmatismo extremo também embaraça grandemente
os neopositivistas em suas respostas às seguintes perguntas:
O que é sociedade? O que é cultura? Como sc relacionam a
sociedade e os indivíduos? Êles identificam sociedade com
interação dentro da sociedade. Assim — para Lundberg, tal-
vez o mais filosoficamente dotado dêsses autores — um grupo
social é a conduta interacional classificada sob o ponto de
vista estrutural. A sociedade, sendo urna construção mental,
dificilmente
Lundberg, Zipfpode “interagir”
e outros presumemcom o indivíduo;
a interação no entanto,
entre ambos.
A escolha dc unidade para a análise sociológica não é
imposta aos neopositivistas por seus pontos de vista básicos.
Mas há um denominador comum fundamental: a unidade de
análise é aquilo que é quantificável. A este respeito, Dodd
realiza um tour de force tomando tudo quantificável, c tra-
tando características qualitativas como se fôssem iguais a 1.
Nenhum determinante especial da estrutura social ou da
transformação social aparece na obra dos neopositivistas, em-
bora a teoria de Zipf se aproxime, perigosamente, do deter-
minismo econômico.
A contribuição principal do neopositivismo foi metodoló-
gica. Se não oferece garantia a confiança que depositam na
tríade quantitattvismobehaviorismooperacionismo (derivação
do pragmatismo), não obstante sua insistência em cada um
dêsses três elementos deu bons frutos. A maioria dos sociólogos
274
contemporâneos concorda em que as t^cnkaa de quntifitiflH
são altamente úteis, e deviam ser empregadas como uma pes-
quisa auxiliar
, sempre que possível;w e tamWm concorda cm
que as descrições introspcctivas dos fenômenos sociais deviain
ser suplementadas pelas behavioristas. Muitos sociologo* atual-
mente dispensam grande cuidado a suas definições, formu-
landoas menos a priori e inais à base de fatos observáveis do
que os da geração passada. Por outro lado, o neopositivismo
ajudou, sem dúvida, a desperdiçar tempo e energia em es-
tudos persuadindo alguns indivíduos a tentarem medir tudo,
com escassa idéia do possível significado dos resultados, e levan-
proposições embaraçosas
edodesastrosas,
outros aqueformularem definições
muito complicaram coisase bastante simples.
Em conclusão, podemos comparar o neopositivismo ao po-
sitivismo srcinal dc Comte. Ambos exibem a tendência a só
atribuir a verdade à ciência. Ambos dão ênfase especial à
observação e à inferência. Mas o método histórico de Comte
é substituído pelo método estatístico, o realismo moderado dc
Comte deu lugar ao noiuiiialismo extremo, a analogia orgânica
temperada de Comte e sua “Física Social" cederam a vez a
uma confiança muito maior na metodologia da Física mo-
derna. Finalmente, desapareceu a tese do progresso dos fun-
dadores da Sociologia.

1« Os próprios neopositi vistas, devese observálo, coniribolrsm


relativamente pouco para o desenvolvimento das técnicas ouiiitkn
modernas.
275
CAPllUl.O XVI

Ecologia Humana e Sociometria

A quantificação, embora seja um atributo essencial do r.eo


positivismo, não está limitada ao mesmo. Na Sociologia atua],
ao menos duas outras tendências também acentuam a quanti-
ficação: a ecológica e a sociométrica. Os representantes des-
sas escolas não compartilham necessàriamente os pontos de
vista behaviorísta e operacionalista dos neopositivistas. Na ver-
dade os sociometristai inclinamse a concentrar sua atenção cm
processos mentais específicos.
Entretanto, os dois approaches se diferenciam no neqpo
sitivisiuo uieuos porque não adotam todas as suas opiniões do
que devido ao fato de que cada um focaliza, para investiga-
ção, fases específicas da vida humana. A Ecologia humana
cuida, primacialmente, de todos os fenômenos que se funda-
mentam na dependência do homem ao limitado suprimento
dos bens indispensáveis à satisfação de suas necessidades. A
Sociometria se concentra na mensuração dos fenômenos obser-
váveis especialmente em grupos pequenos e informais. Ambas
as tendências representam approaches altamente especializados,
e, como tais, não pertencem aos domínios deste estudo geral.
Mas ambas envolvem também teorias que oferecem novos es-
clarecimentos dos aspectos básicos da interdependência huma-
na e, portanto, precisam ser consideradas, ainda que brevemente.
A Ecologia humana, em ccrto sentido, pode ser encarada
como uma revivescência do determinismo biológico que, no
século XIX, era mais bem representado pelo darwinismo so-
cial. Mas o tipo particular de fenômenos biológicos a que os

776
ccólogos dão ênfase 6 inteiramente diferente; ademais, a Ec
logia combina os approaches biológico e geográfico, estabe-
lecendo correlações entre o fundo biológico dos fenômenos to*
dais e o meio geográfico.
A Sociometria moderna pode ser retraçada até o pene-
trante estudo da comunidade, de Toennies, à análise dos pro-
cessos sociais elementares dc Simmcl e ao tratamento dos gru-
pos primários de Cooley. A Sociometria também tomou al-
guns traços da Psiquiatria moderna. Êsses vários elementos se
têm entrelaçado com uma forte acentuação sôbre a medição,
esta última de inspiração neopositivista.

Ecologia humana

O termo ecologia foi criado em 1869 por um biólogo ale-


mão, Ernst Haeckel (18341919). Ecologia biológica é a ci-
ência da interdependência de plantas c animais vivendo jun-
tos em uma área natural. Os conceitos principais desenvol-
vidos por esta ciência são o habitat, o gradiente, a simbiose
(ou “vida em comum”), a competição, a cadeia alimentar, a
invasão e a sucessão. A idéia de aplicar o approach ecológico
e êstes conceitos às relações humanas apareceu primeiro no
início do século XX na obra de Charles Galpin, Social Anatomy
of
têrmoan ecologia,
Agrarian coletou
Community
dados(1915).
sôbre Galpin,
famílias que não em
vivendo usouumo
condado agrário de Wisconsin, relativos a problemas do tipo
de onde compravam suprimentos ou tinham contas bancárias,
que igreja freqüentavam e a que escola iam seus filhos. Os
achados foram distribuídos em um mapa — a técnica carto-
gráfica viria a tornarse absolutamente usual na Ecologia. Em-
bora as várias áreas de atividade estudas por Galpin não coin-
cidissem espacial mente com exatidão, a prova que apresentou
justificava a afirmação de que existem na sociedade humana
“áreas naturais*' determináveis.
Durante o mesmo ano (1915) desta investigação, Robert
E. Park (18641944), da Universidade de Chicago (que viria
a ser o centro principal da pesquisa ecológica), publicou um
artigo sôbre a cidade, novamente sem usar o têrmo ecologia.
Parle afirmou que a cidade é um fenômeno natural, produto
de fôrças indeterminadas e em larga medida mcootroliveis,
organizadas em zonas de manufaturas, comércio e residência.
277
t.unbéin assinala que as pessoas com traços econômicos c
v i ;i.tis similares tendem a agregarse em áreas específicas
da cidade e que as características sociais e culturais dc cada
área tendem a imporse na vida dos habitantes. Os escritos
de Park c seus ensinamentos foram a srcem de lima nova ten-
dência determinista, desta vez dc natureza ccológica. De 1921
a 1923, R. D. MacKcnzie, com Park e Ernest W. Burgess, o
terceiro fundador da Ecologia moderna, levaram a cabo uma
investigação das áreas de uma cidade, à maneira de Galpin;
foi talvez o primeiro sociólogo a usar a terminologia conceptual
da Ecologia humana em pesquisa empírica sistemática. O têr
ino ecologia
Burgess, humana em
seu colega empregouo
Chicago, noPark, em colaboração
compêndio geral, An com
In-
troduction to the Science of Sociology (1921).
O clássico artigo de Burgess, “The Growth of the City”,
apareceu cm 1923. Nesta obra, afirmase a hipótese básica
da Ecologia urbana, ou seja, que a cidade se desenvolve, ca
racteristicamentc, como uma série dc círculos concêntricos lo-
calizados em tômo do núcleo do distrito comercial central.
Distanciandose dessa área central, vem as zonas de transição,
assinaladas pela deterioração física e social, de casas operárias;
residências da “classe média”; e, finalmente, a franja dos
elementos commuter.103 Êsse tipomodêlo básico ou ideal,
entretanto, é falseado, em casos concretos, pela topografia lo-
104
cal,
tênciapelo
da sistema
zona dcde transição
transportes
explicase
c outraspela
condições.
expansão Ada exis-
área
central; cônscios dêste crescimento, os proprietários de prédios
no círculo concêntrico seguinte, zona de transição, não os
conservam cm bom estado, proporcionando cm conseqüência
residências deterioradas mas relativamente baratas para as ca-
madas econômica e socialmente menos privilegiadas da socieda-
de. Êste ponto de vista da estrutura espacial e social da ci-
dade apóiase, provavelmente, no crescimento inicial da maio-
ria ou pelo menos de muitas áreas metropolitanas cm desen

103 jsf. do T. — Commuter: Pessoa que reside numa cidade e


trabalha em outra» devendo, portanto, dcilocarse diàriamente de uma
para 104
nutra Ver
cidade.
Land Ust in Centrai Boston, de Walter Firey (Cam-
bridge, Massachusetts, Harvard University Press, 1947). Tratase de
um revelador estudo da extrema distorção da hipótese do círculo con-
cêntrico, asiim como de uma crítica à própria hipótese.

278
volvimcnto nos Estados Unidos, conforme o indica um gnn»
dc número dc investigações ecológica mente orientada*.m En-
tretanto, o padrão de zonas concêntricas efetivamente carece
da validade universal que algumas vê/es lhe é atribuída lofi
insinuada por ecólogos urbanos.
No segundo quartel do século XX começaram a multi-
plicarse as obras de acôrdo com a orientação ecológica, de
modo que se poderia legitimamente falar em “escola” ecoló-
gica. Na década de 1930 a distinção entre interação estri-
tamente ecológica e interação social começou a merecer des-
taque especial; ao mesmo tempo, declaravase que as simples
descrições dos fenômenos humanos em termos dc distribuição
espacial não eram verdadeiramente ecológicas. A interação
estritamente ecológica, declarou James A. Quinn, notável re-
presentante da escola, opera mediante a dependência de al
alguns suprimentos limitados de recursos do meio; cada or-
ganismo vivo afeta neccssàriamente outros, pelo acréscimo ou
decréscimo do suprimento de recursos de que o* outros de-
pendem. O processo é impessoal, e, dado que não envolve
nenhuma troca de significados, é subsocial; mas seu estudo
constitui parte impoi lante da análise sociológica.106 Por ou-
tro lado, Park, um dos fundadores da escola, argumentava,
em tômo de 1930, que nas sociedades humanas deviam dis
tinguirse dois níveis ecológicos (ou sociológicos): o simbióti
co,
seadofundamentado na concorrência
na comunicação impessoal,
e no consenso. e o cultural,
Êste ponto de vista ba-
in
clusivo, entretanto, não é aceito por Quinn, que concebe a Eco-
logia humana como provendo sòmente a um dos possíveis mo-
dos de abstração da rêde indivisível de relações humanas, em
uma área da vida comum.
Começando com a obra inicial dc Park e Burgess, os eco-
logistas correlacionaram vários fenômenos culturais c sociais
com as “áreas naturais" da cidade. Destacaram para estudo

Entre outras cidades americanas, cujo paradigma ecológico


íui relatado, encontramse Chicago, St. Louis, MinnespolisSt. Paul,
Filadélfia, Nova Orleans, Los Angeles, Boston, New Haven e Ro-
chester, Nova York.
10* Cf. J. A. Quinn, “Human Ecology and Interactional Eco*
logy”, Ameriean Sociological Review, V (outubro de 1940); para urn
tratamento completo do assunto ver, ainda. Human Ecology, de Quinn
(Nova York, PienticeHall, Inc., 1950).
rspctial a /.una dc transição, a área “suja”, como pasto espe-
cial do crime, do vício, da enfermidade, do suicídio, da desor
ganúaçáo tia família e outros tipos de conduta desajustada.
Em diversas obras o papel do habitat local foi provàvclmcnte
exagerado, sendo mesmo às vezes designado como o principal
determinante do comportamento humano em sociedade. Quan-
do, por exemplo, se destaca o fato de que a população de uma
área deprimida e deteriorada exibe as mesmas tendências de
desajustamento (manifestadas na delinqüência, no crime, etc.)
apesar dc sucessivas transformações cm sua composição étni-
ca (através da “invasãosucessão”), temse frequentemente a
impressão dc que, na mente dos autores, as próprias paredes
c tetos dos prédios dilapidados e a sujeira latente das ruas
configuram modelos de conduta. Ambientalismo desse tipo
não mais assinala a obra dos sociólogos, utilizem êles em suas
invrtttgações o approach ecológico ou outros métodos. Ademais,
existem hoje poucos expoentes de uma posição ecológica extre-
ma, que tem sido atacada durante muitos anos por ignorar ou
subestimar o papel dos fatôres culturais e subculturais na padro-
nização do comportamento e do caráter humanos. Apesar des-
sas refutações da doutrina ecológica em sua variedade radical,
a escola realizou importantes contribuições para a compreen-
são da estrutura social — tanto quanto do padrão espacial —
da moderna cidade americana, dos processos de crescimento c
movimento que formam
ral), e o papel a vida urbana
dêsses fenômenos (e de certo
cm contribuir paramodo ru-
destacar
formas características, tanto da conduta convencional quanto
da desajustada. Assim, estudos como Family Disorganization,
de Ernest R. Mowrer, e The Gang, dc Frederick M. Thrasher,
ambos publicados em 1927, Delinquency Areas, de Clifford
Shaw, e The Gold Coast and the Slum, de Harvey Zorbaugh,
em 1929, e Mental Disorders in Urban Areas, de R. E. L. Fa-
ns c H. Warren Dunham, publicado em 1929, todos aplicando
o approach ecológico a materiais extraídos dc Chicago, não
sòmente fornecem reveladoras informações descritivas sôbre vá-
rias fases da vida social daquela metrópole do CentroOeste,
mas são importantes monografias em campos especializadas
do estudo sociológico.
Libertadas da falácia do determinismo monístico, as con-
clusões da escola ecológica representam uma contribuição subs-
tancial para o conhecimento dos determinantes da estrutura c

280
da transformação das sociedades humanas.Ift Os
ecológicos, muitas vêzes era combinação com outras técnicas,
aplicamse hoje, freqüentemente, a vários campos de pesquisa.
Parece não haver dúvida de que traços da vida urbana, como
as relações interétnicas, podem usar eficazmente dos conceitos
do habitat, simbiose, c invasão e sucessão — produtos da teo-
ria ecológica.

Soeiometria

JacobA L.Sociomctria, de acórdo


Moreno (1892 com dar
), procura seu umprincipal promotor,
significado exa-
to e dinâmico ás leis do desenvolvimento social e das relações
sociais. Lida com a estrutura interna dos grupos sociais e es-
tuda os formas complexas que emergem das fôrças de atração
e repulsão entre os membros do grupo. Afirmase ainda que
a Sociomctria estuda o grupo humano como um todo: cada
parte é considerada em relação ao todo e êste é visto em rela-
ção a cada parte; concentrase nas relações entre os indivíduos,
deixando a investigação dos indivíduos, como tais, à Psicolo-
gia e à Psicologia Social.
A Sociomctria sustenta que os grupos sociais são uma rea-
lidade sui generis, irredutíveis aos elementos que os compõem.
Como será depois
pela Sociomctria demonstrado,
diz respeito umrealidade
ao grau da dos problemas
do grupo. atacados
Conforme indica o têrmo sociomctria, os defensores dêste
approach concentramse na medição. Entretanto, não pro-
curam medir fenômenos sociais em geral, mas restringemie
a relações interpessoais baseadas na atração e na repulsão. Os
sociometristas observam que os sistemas dc preferências hu-
manas, que se fundamentam nesses processos, não podein,
êles próprios, scr descobertos por métodos estatísticos. Nem po-
dem ser pesquisados satisfatòríamente confiando apenas em
métodos que prevalecem nas Ciências Físicas, porque, para
obter resultados válidos, o sociometrista precisa solicitar I as-
sistência dos sujeitos que está investigando.

107 Para uma apreientaçlo recente, cm larga escala, ds teoria


ecológica, que enfrenta as criticas feitas a 6ssc approach, ver Amo*
H. Hawley, Human Ecology, Nova York, The Ronald Pxm Co., 1950.
Nascido na Romcnia, Moreno começou sua obra pro
na Áustria. Publicou (cm alemão) o volume Convite
Para Uma Reunião, cm 1914, c posteriormente participou da
reorganização de uma comunidade próxima dc Viena onde
cresciam as dificuldades sociais. Em 1925 emigrou para os
Estados Unidos. Aí, depois de concluir diversas investigações
sociométricas cm escolas públicas e correcionais, apareceu, cm
1934, sua conhecida obra Who Shall Survive?, obra que me-
receu a atenção favorável de diversos ncopositivistas, entre os
quais Lundberg e Dodd. Em 1942, Moreno e seus colcgas
abriram o Instituto Sociométrico dc Nova York onde, fre-
qüentemente, seus métodos são demonstrados. Os seguidores
de Moreno, embora pouco numerosos, são, ao que parece, dis-
cípulos devotados. Um deles, Helen Jennings, é autora dc
Leadership and Isolation (1943), volume que dá clara idéia
das técnicas e dos procedimentos da Sociomctría. Sob a orien-
tação de Moreno, vem sendo publicado, desde 1937, o jornal
Sociometry, e, desde 1947, o jornal adicional Soclatry, devotado
ao problema do tratamento terapêutico de grupos desorgani-
zados; em 1950, mudousc o título do segundo para Group
Psychotherapy.
Pode considcrarsc a Sociomctria como a combinação dc
uma teoria sôbre a estrutura informal das sociedades humanas
e dos grupos e um método de investigar essa estrutura. Essas
proposições básicas da teoria podem ser ràpidarocnte expostas.
A sociedade humana, de acôrdo com Moreno c seus se-
guidores, é mais do que uma rede de relações intermentais;
tem uma existência objetiva própria — ponto de vista perfei-
tamente em dcsacôrdo com o extremo nominalismo dos neopo
sttivístas. A estrutura da sociedade não se identifica com a
“ordem social” ou a forma de governo. O Estado, por exem-
plo, pode desaparecer, mas a “estrutura sociodinâmica” sub-
jacente da sociedade precisa permanecer. Estrutura que se
evidencia pelo processo de escolhas positiva e negativa feitas
pelo povo, baseado na atração ou repulsão, isto é, uma es-
pécie de afinidade seletiva entre os indivíduos. Essas relações
seletivas entre os indivíduos dão aos grupos sociais sua realida-
de. Pela medição das escolhas c dos modelos seletivos, deter
minase o grau
grupos têm uma de realidade
estrutura que da configuração
os situa social.
mais perto das Alguns
opor-
tunidades do que outros; o que corresponde a dizer que as
relações de atração e afastamento entie os indivíduos em ques-

282
tão não são mais freqüentes ou intensas do que enUe imlívfclttOi
apanhados ao acaso. Outras estruturas, entretanto, aproximam*
se do nível da coesão social ótima.
A fim de estabelecer o tele, ténno usado em Sociometria
para conotar as fôrças de atração e repulsão entre os indiví-
duos, empregase um procedimento chamado teste tocíomé
trico. O teste exige que cada sujeito em uma investigação
indique suas escolhas de companhias em várias situaçõrs, tais
como brincadeira, trabalho ou estudo. O número de seleções
ou rejeições dos sujeitos pode ser restrito ou ilimitado, depen-
dendo do âmbito da pesquisa.
A fim de conseguir uma descrição total e genuína de um
grupo ou sociedade, todos os indivíduos que o compõem pre-
cisam ser observados como agentes ativos. Tarefa importante
do sociomctrista é estimular as pessoas que estão sendo estu-
dadas a agirem e a escolherem e rejeitaremse umas às outras
de acôrdo com procedimentos sociométricos. Cumprida essik
tarefa, cada domfnio das relações humanas — econômico, étni-
co, cultural — será "esticado1' c tra/ido para o quadro da pes-
quisa. Portanto, os sociomctristas advogam um procedimento
caloroso, a fim de provocar a mais alta espontaneidade pos-
sível das respostas às perguntas e sugestões do observador. Este
deve também coatuar com o grupo; por outras palavras, deve
agir como um observador participante.
Os testes que essas técnicas utilizam proporcionam mate-
rial para gráficos denominados sociogramas. Um sociograma
é uma espécie de mapa do grupo em que, por símbolos apro-
priados, se representam as escolhas positivas e negativas dos
membros do grupo. Os sociogramas permitem o delineamento
dos átomos sociais, definidos como o soma total das relações
que circundam cada indivíduo, numerosas em alguns casos e
poucas em outros. Os átomos sociais, entretanto, são apenas
partes de um padrão maior, a rêde psicológica, representada
pelo entrelaçamento de certo número de átomos sociais. Este
procedimento gráfico revela um número limitado dc configu-
rações típicas; a isolada, ou um número solitário, em tênues
de escolha feita por êle de outros, e dc escolha feita dfie por
outras; a parelha; o triângulo autosuficiente; a cadeia [A es-
colhe B, mas B escolhe C, etc.); e a estrela com sua conste-
lação. Além dessas configurações, características de pequenos
grupos, os socioir.etristas anotam estruturas mais extensas: a


comunidade composta dc redes psicossociais c a humanidade
composta dc comunidades. Embora Moreno ou outros desta-
cados sociometristas não tenham estudado o assunto, outros (in-
clusive Lur.dberg) 103 empregaram sociogramas para traçar mo-
delos dc relações sociais em pequenas comunidades americanas.
Além da construção e análise dos sociogramas, os socio-
metristas usam o método do átomo cultural, apresentando es
quemàticamente os vários papéis sociais dc que os indivíduos
participam, ativa e passivamente, tão bem quanto a matriz
interrelacional sugerida por Dodd.
As averiguações de numerosos estudos sociográficos enco-
rajaram os sociometristas a chegarem às seguintes conclusões:
na vida social há concentração da escolha humana sôbre uns
poucos indivíduos, atuando isto para reduzir o total de esco-
lhas gastas com outros. Esta situação produz um prole-
tariado sociométrico, os bolados, o mais antigo c mais nume-
roso proletariado da sociedade humana. Ademais, existe uma
correlação entre a inclinação do indivíduo a fazer escolhas po-
sitivas e a aptidão a sc tomar objeto das escolhas de outros.
Os superescolhidos assumem facilmente a posição de liderança.
Conclusão posterior de Moreno é que o conflito e a ten-
são social aumentam na proporção direta da diferença socio
dinâmica entre a sociedade oficial e a matriz sociométrica (ex-
primindo relações de ocorridas
tudaram perturbações atraçãorcpulsão).
cm grupos,Os por
sociometristas es-
exemplo, ca-
sas correcionais, e averiguaram as relações entre várias formas
de organização de grupo e diferentes tipos de perturbação.
Se, digamos, a maior parte dos interêsses emocionais de um
grupo familiar se dirige principalmente para indivíduos de
fora do grupo, o funcionamento do mesmo seri perturbado
pela falta de precisão no trabalho, pela superficialidade da
execução, etc. Se, ao contrário, o grupo ê grandemente in-
trovertido, mas muitos des membros sc rejeitam uns aos ou-
tros, surgirão perturbações de outro tipo, expressas no atrito
e no conflito entre os que estão presos à execução das ações
necessárias. Se muitos membros rejeitam a casa materna! mas,

íoe Ver G. À. Lundberg e M. Lawsing “The Sociography of


Some Community Relations”, cm American Sociological Review, vol.
2, 1937; e G. A. Lundberg c M. Steele, “Social Attraction Patterns
in a Village”, em S/>ciometry, vol. I, 1938.

284
por outro lado, sc atram reciprocamente, podem seguirse a re-
gressão no trabalho e a rebelião aberta.
À base de diversos estudos de conflitos intragrupais, os ao
cioraetristas desenvolveram técnicas para reduzir essas tensões,
especialmente o psicodrama e o sociodrama. gmg* técnicas
também podem ser usadas com outros propósitos, tais como
a formação de indivíduos para a liderança de grupos.
Moreno e seus seguidores, como muitos inovadores, in-
clinamse a superestimar a significação das próprias conclusões.
Freqüentemente escrevem como se tivessem descoberto a chave
para a compreensão das relações interpessoais. Com tôda a
probabilidade, a afinidade seletiva entre membros de grupos,
a que eles dão ênfase especial, opera em combinação com
uma afinidade baseada no parentesco, proximidade espacial
e outros fatores. Além disso, os costumes tradicionais, as ins-
tituições e a coerção também afetam as relações interpessoais.
Não obstante, os sociometristas abriram um promissor campo
de estudo. Recentemente, suas idéias encontraram acolhida
na França, onde se fundou um Instituto Sociométrico. Nesse
país, Georges Gurvitch apontou uma flagrante similaridade en-
tre os pontos de vista dos sociometristas e sua própria Micrus
sociologia (ver cap. XIX). As duas tendências começaram
independentemente e a similaridade que apresentam pode ser
considerada outro exemplo da tendência convergente na Socio-
logia contemporânea.

Resumo e apreciação

Embora os campos de investigação cultivados pelos dois


approaches examinados neste capítulo sejam inteiramente di-
ferentes, a Ecologia humana e a Sociometria têm muito em
comum. Ambas acentuam a quantificação e a combinam com
procedimentos gráficos. Os ecólogos constroem mapas da co-
munidade local, especialmente a cidade, mostrando várias 20
nas ecológicas e descrevendo indicadores das diferenças de gran-
deza das variáveis, como o crime e o suicídio, em zonas dife-
rentes. Os sociometristas também desenham mapas ou, mais
exatamente, cartas de grupos sociais que simbolizam as fôrças
de atração e repulsão estabelecidas pelos testes sociométricos.
Em sua forma extrema, as duas “escolas” muito se apro-
ximam de um monismo estreito. Embora os ecólogos não anun-
285
ciem que explicam a totalidade das relações humanas em ter-
mo de sua teoria, alguns dos primeiros representantes da Eco-
logia às vezes deram essa impressão. Apresentaram os fatos
ecológicos como se fossem causados por alguma força desco-
nhecida. de. maneira semelhante ao tratamento, por certos neo
positivistas, dos fatos sociais como se fôssem determinados pelas
exigências de equações matemáticas. Os sociomctristas sue se-
guem Moreno dc perto alirmam explicitamente que a estru-
tura social é rcdutível ao fator único de atração e repulsão
espontâneas entre os indivíduos. Mas, ao passo que a f&rça
desconhecida dos ecólogos c tratada às vê/cs como indepen-
dente da vontade
figurações humana,
relacionais comoosresultantes
sociomctristas rnnrebem suas
da composição das con-
fôr-
ças humanas.
Os dois approaches dão apenas respostas parciais aos pro-
blemas básicos da teoria sociológica. A sociedade é interpre-
tada pelos sociomctristas como uma rede dc afinidades seleti-
vas entre os indivíduos — afinidades a que se atribui uma
roalidade que transcende as interações intermitentes entre elas.
Embora os sociomctristas raramente usem o termo sistema, tra-
tam sistemàticamentc a relação existente entre sociedade c in-
divíduo: cadá indivíduo c o centro dc um átomo social em
que outros indivíduos são envolvidos através dos processos de
atração e repulsão, enquanto a sociedade é uma rêde com-
plexa de tais átomos. Os expoentes da Ecologia humana) por
outro lado, evoluíram para um nôvo approach do problema
dos determinantes da estrutura social, embora não sejam exclu-
sivos os seus pontos de vista a respeito dos determinantes das
transformações sociais.
Ambos os approaches têmse mostrado propensos a fazer
exageradas reivindicações quanto a suas teorias da vida social
e seus métodoi de investigação, uma característica de alguns
dos escritos ecológicos das décadas de 1920 e 1930 e, mais re-
centemente, de publicações sociométricas. Além disso, o es-
quema conceptual da Sociometria revestese de têrmos bastan-
te nebulosos e exige um esclarecimento que o trabalho em cur-
so poderá produzir.

286
CAPÍTULO XVII

A Escola Funcional

Em principio, o approach funcional para o estudo dos fe-


nômenos sociais pode scr reconstituído até os fundadores da
Sociologia, e daí cm diante, particularmente através das obras
dc Durkheim, Cooley, Thomas c Pareto. Mas foi sòmente no
segundo quartel do século XX, sob a influência da Antro-
pologia Cultural, que o mesmo alcançou um status definido
na Sociologia. Seu avanço nos últimos anos tem sido tão rá-
pido que, hoje, podemos falar legitimamente de uma "escola
funcional em Sociologia, embora entre os funcionalistas haja
menos consciência de unidade do que a maioria das esco-
las possui. Não
continuarem obstante,sua
a aumentar se influência,
os defensores
êste do funcionalismo
approach bem po-
derá substituir o neopositivismo como a escola mais ampla
e mais influente da Sociologia contemporânea.108

A gênese e o objetivo do approach funcional


O que é funcionalismo? Eis uma pergunta a que não
sc pode fàcilmente responder, porque aos têrmos função e

Ilustrativos da crescente influência do funcionalismo sio o*


compêndios: Kingsley Davis, Human Society, Nova Yuxk, The Mac-
Millan Co., 1949, e R. M. Williams Jr., American Society, Nova
approach
dada aoAlfred
York, A. Knopf,
funcional
Inc.,nos1951;
seguintes
notese,
Random
ainda, House
a importância
Studies
in Sociology: Ely Chinoy, Sociological Perspective, Nov* Yoik, 1954;
*7_C* * G. Hinkle. The Development of American Sociology, Nova
,01*» 1954, e N. F. Washbume, Interpreting Social Change i* Ame-
rica, Nova York, 1954.

287
funcional, cm Sociologia e cm Antropologia Cultural, são atri-
buídos sentidos diferentes e nãocorrelatos. As vezes, especial
mente na obra de Sorokin, o termo função é usado no senti
do matemático, significando uma variável cuja grandeza é

plo; eis o significado freqüentemente atribuído à função por


destacados antropólogos como A. R. RadcliffeBrown, Ralph
Linton e Bronislaw Malinowski, e também, embrionàriamente,
nos escritos de Durkheim. (Usamos o têrmo função neste sen .
tido quandona dizemos
e ordem que Ainda,
sociedade.) a função
o do govêmofuncional
approach é assegurar paz
freqüen-
temente se refere à integração dc partes em todos, ou o que
é quase a mesma coisa, à interdependência dc partes; também
se encontra êsse emprego nas obras dos autores mencionados
acima. Finalmente, a expressão análise funcional é usada a {
fim de designar o estudo dc fenômenos sociais como operações
ou efeitos de estruturas sociais específicas, tais como os sistemas
dc parentesco ou os sistemas de classes; portanto, aparece co
mumente na forma composta, estruturalfuncionaL Esta fra-
seologia pode ser encontrada nas obras correntes de Parsons
e seus seguidores (cujos pontos de vista apresentaremos no ca-
pitulo XVIII), mas podese remontála a Spencer. Tal situa-
ção terminológica
são aumenta quandorealmente gera confusão,
se considera que, para e designar
a confu-
os
vários significados de função, outros têrmos são freqüen-
temente empregados.110
Não obstante, os recentes desenvolvimentos da Sociologia
e da Antropologia Cultural mostram que o movimento, que x
está tornando uma escola, centralizase no segundo e no tercei-
ro dos quatro significados de função acima referidos. Chega
se, então, à interpretação de que o funcionalismo sustenta |
hipótese dc que todos os fenômenos sociais abrangidos nesses
dois significados caminham juntos é~que a teoria sociológica
devia fixarse nêles. Em forma não declarada explicitamente
em nenhum trabalho, assim se formula o teorema funcional
básico: um sistema social (têrmo freqüentemente usado pek*
funcionalistas) <Tum sistema real em que as partes executam

no Cf. R. K. Merton, Social Theory and Social Structure,


Glencoe, Illinois, The Free Press, 1949, pigs. 2227.

288
funções essenciais à pcrimêntia (eventualmente, à expansão ou
ao reforçamento) do todo e, portanto, são interdependente *
mais on mrom completamente integradas.
O approach funcional é mais antigo na Biologia, na Psi-
cologia e na Antropologia Cultural do que na Sociologia. A
Biologia, como ciência, organizase em torno da idéia de que
cada órgão, ou parte do sistema denominado organismo, realiza
uma função ou funções essenciais à sobrevivência do organismo
e das espécies a que pertence, ou apenas das espécies; como
corolário, destaca o princípio da interdependência dos órgãos.
Em síntese, um organismo é compreendido como um sistema
de componentes funcionalmente interrelacionados.
Em Psicologia, durante o fim do século XIX e no prin-
cípio do século XX, várias escolas analiticas descreveram acu-
radamente as partes componentes do processo mental (como
cognição, emoção e voliçõo), mas foram incapazes dc apreen-
der sua unidade. Começando antes — desenvolvendose, porém,
nas décadas de 1920 e 1930 — surgiu a influente escola da
Gestalt (configuração), sustentando que qualquer elemento do
processo mental, se se deseja alcançar uma compreensão realista
do mesmo, precisa ser estudado no contexto do todo, porque
o significado de cada elemento varia de acôrdo com a configu-
ração total de que êle é parte.
Em Etnologia ou Antropologia Cultural, Franz Boas (1858
1942) antecipou o approach funcional, escrevendo, em 1S87:
“A arte e o estilo característico de um povo só podem ser
compreendidos estudandose seus produtos como um todo.** 111
Mas o funcionalismo* ná 'Antropologia desenvolveuse muito
depois, em oposição ao evolucionismo e ao difusionismo. O
evolucionismo foi descrito em nossos primeiros capítulos, bem
como seu colapso quando emergiram teorias novas, inclusive
o funcionalismo. O difusionismo é a posição tomada por alguns
etnólogos que destacam a propagação ou difusão de invenções
de um número relativamente pequeno de centros culturais e
seu significado no desenvolvimento cultural. Contràriamente à
orientação histórica de ambas essas escolas, que explicam cada
item da cultura localizandoo seja no esquema evolutivo, seja
em um concreto processo histórico dc difusão, os fundonalistas
declaram que a explicação de cada item da cultura se encon

111 Em um artigo publicado em Science, voL 9, pin. 485 e seft.

10 289
1:.1ni> que cie representa para o todo, c, correlativamcnte, nos
tcnnos de sua interdependência com os outros itens que formam
a cultura. Como ocorre freqüentemente aos inovadores, os
funcionalistas pecaram por exageros, parecendo às vezes afirmar
que cada item cultural é funcional no sentido em que contribui
positivamente para tôda a cultura, desprezando claramente os
costumes nocivos, à maneira de Sumner. Similarmente, os
antropólogos funcionais admitem, às vezes, que cada sistema
social é perfeitamente integrado, relegando a segundo plano o 7 .
bem conhecido fato da desorganização social.
As tendências existentes na Biologia, na Psicologia e na
Antropologia Cultural estimularam grandemente o surgimento
da Sociologia funcional. Mas os sociólogos funcionais podem
reconstituir a própria genealogia, igualmente, dentro de seu
disciplina. As idéias da integração de partes cm todos^ c da
interdependência dos diferentes 'elementos de uma sociedade
apareceram no consensus universalis de Comte, na preocupação
de Spencer com a integração compensando a diferenciação,
na teoria orgânica de Cooley e especialmente na concepção dc
Pareto da sociedade como um sistema cm equilíbrio. A ênfase
atribuída às contribuições feitas ao todo por estruturas sociais
particulares, criaramna Durkheim e Thomas. É possível con-
siderar The Polish Peasant, do último e de Znaniecki, o pri-
meiro livro importante da Sociologia moderna escrito no es-
pirito funcional.

Algumas obras relevantes no estilo funcional

Em 1929, Robert S. Lynd e Helen M. Lynd publicaram


Middletown, que se tornou um clássico da literatura socioló-
gica americana. Tratase de uma tentativa, bem planejada
e bem executada, para compreender uma comunidade ameri
cana mais ou menos representativa (Muncie, Indiana) como,
um sistema social e cultural relativamente fechado, satisfazen
do às necessidades básicas de íeus membros. Tais nccessida
des são afirmadas em têrmos dinâmicos: obtenção de emprego
(aquisição
clusive de meios
casamento de subsistência);
e educação montagem
de filhos); dede
educação casa (in
jovens;
utilização do lazer; adoção de práticas religiosas; participação
nas atividades da comunidade, especialmente operando no go
vêrno; zelo pela saúde pública; cuidado com os indigentes;

290
provimento dc informações. A investigação, largamente reali.
zada mediante a observação participante, à maneira dos mo
dernos estudos etnológicos, utilizou também, no entanto, do-
cumentos históricos e dados estatísticos.
Os resultados convenceram os Lynd de que as maneiras de
satisfazer as necessidades surgidas em Middletown Indicavam um
tipo definido de estrutura social, ou seja, a divisão básica da
população era classes negociantes e trabalhadoras, cada uma
delas preenchendo de modo diferente, as funçõei iodas es-
senciais. Não se verificou ã~ hipótese dê completa Integração
do sistema sociocultural, estando a vida da comunidade mar-
cada por um labirinto de atividades institucionais entrelaçadas
e freqüentemente contraditórias. Os autores encontraram, exis
tinto lado a lado, tentativas de empregar a Psicologia do sé-
culo XIX na formação de crianças c a Psicologia do século
XX nos negócios, a confiança no laissezfaire do século XVIII I
c o uso de máquinas do século XX, etc. Entretanto, estabele "
ceram algumas uniformidades na transformação social: por
exemplo, o fato de que as inovações materiais são voluntárias
c ràpidamentc mais accitas do que 35 novas Idéias  atinentes às
relações entre maridocmulherA_ entre pais e lilhos ou 'entre
classes sociais. Isto parece corroborar a hipótese do atraso
cultural, dc Ogburn.
Middletown, saudada por alguns comentadores como a
primeira demonstração importante da aplicabilidade dos mé-
todos c teoria antropológicos às complexas comunidades mo-
dernos, e citada por outros como uma “nova espécie de histó-
ria”, foi amplamente lida nas universidades americanas na
década de 1930. Em 1937, os Lynd publicaram Middletown
in Transition, um estudo, em continuação, da cidade nos pri-
meiros anos da depressão, onde, mantendo embora o ponto de
vista totalista da primeira obra, focalizavam mais agudamen-
te te a estrutura de classes e as relações entre poder econômico
|'e político, em Muncie. Estes volumes estimularam certo nú-
mero de estudos similares, na América e em outros países.
O mais conhecido dêsses estudos é a série Yankee Cky di-
rigidauma
bre por cidadezinha
William L. da
Warner,
Nova informe
Inglaterraemque
quatro volumes
destaca sua sft
es
. trutura de classes e status, seus padrões étnicos em transforma-
ção c seu sistema industrial. O primeiro volume, The Social
Life of a Modem Community, apresenta a opinião funcional
dc \\amcr. nos teruios seguintes: quando a interação recípro-
ca ó oi^anizada em relações definidas, produz sistemas dc agru-
pamentos informais c formais denominados estruturas sociais
que regulam a conduta social dos indivíduos. Cada uma des-
sas estruturas (a família, a organização econômica, a igreja,
etc.) sc manifesta cm normas padronizadas reforçadas por san-
ções formais c informais. Finalmente, as diversas estruturas
sociais, dc tão interrelacionadas, formam uma totalidade di-
nâmica. Esta interrelação integrada do sistema social cm tôdas;
as sociedades resulta da ênfase atribuída a uma estrutura, que
dá forma à sociedade total c integra as outras estruturas cm
uma unidade
to provê umasocial, quasepara
armação da as
mesma
outrasmaneira
partes que
do ocorpo.
esquele-
Em
Yankee City e através da sociedade americana, a estrutura da
classe social exerce o papel do esqueleto.
Uma grande parte da série Yankee City, bem como di-
versos outros volumes empreendidos por Warner, ou fazendo
uso de sua teoria e de seu método, descrevem detalhadamente
os sistemas de classe social e correspondentes interrelações com
o status econômico e o genealógico, e os fatores étnicos, em
comunidades de várias partes dos Estados Unidos. Assim, re-
presentam esta fase da Sociologia funcional por exemplo, Deep
South (1941), dirigido por Warner, Plainvillc U. S. A.
(1945), de James West, e Elmtown’s Youth (1949), de
A. B.Tentativa
Hollingshead.
diferente para agir de acôrdo com o funciona-
lismo foi a que realizaram Conrad M. Arensberg c Solon T.
Kimball em Family and the Community in Ireland (1940).
Êsses autores definem o funcionalismo como o destaque dado
à mtcrconexão da vidasocial humana, declaram que um sis-
tema social é um equilíbrio dc usos e concluem, no aludido
estudo de uma comunidade rural tradicional, que cada aspec-
to da vida irlandesa sc integra no sistema todo. Arensberg
e Kimball escolheram, como ponto de partida para sua apre-
sentação, a família e a comunidade, Da família imediata, pasj
saram a discutir a mais ampla estrutura de prentesco e outrotf
aspectos da associação e, finalmente, a recreação e as crenças
místicas.
da obra, Oscom,próprios
digamos,autores assinalam
a igreja que oteria
como foco, rcajustamento
dado um
quadro completamente diferente da socicdadc. Confissão de
certo modo incoerente, em relação à crença na completa in-
tegração social, pois, sc uma sociedade é perfeitamente integra

292
da, o ponto de partida de sua descrição nSo devia afarar
descrição da totalidade.

No rumo de uma teoria funcional sistemática


Os referidos estudos constituem uma amostra pequena,
porém representativa, do approach funcional agora freqüente-
mente usado na Sociologia. Entretanto, até muito recente*
mente não sc desenvolvera a respectiva codificação teórica.
Uma das tentativas foi a do antropólogo Bronislaw Malinowski
(18841942). Sua Scientific Theory of Culture (1944) rei-
vindica, para a Antropologia Cultural, o papel de ciência so-
cial gcneralizante (ver cap. I), apresenta uma definição não
desenvolvida de funcionalismo e ilustra o uso do funcionalismo
nas pesquisas. Malinowski recusa o approach grosseiro do fun-
cionalismo que o reduz à proposição quase inútil de qwi tudo
está relacionado a tudo mais. A fim de evitar essa armadilha,
advoga o procedimento do isolamento, afirmando, que 0SÜ64
men to puro funcional é a instituição”. fFara Malinowski, o
termo instituição referese a um grupo social bem_£omo a mé-
todos determinados de proccdixnçnÍ2*) Cada instituição desem-
penha pelo menos uma função social, o que corresponde a
dizer que ela satisfaz uma necessidade social estabelecida.
Malinowski apresenta dois axiomas que — afirma êle — devem
existir
Primeiro,subjacentemente, em tôda
cada cultura precisa genuina
satisfazer teoria da cultura.
às necessidades bioló-
gicas do homem, como nutrição, procriação, proteção contra
»as fôrças destruidoras do clima, animais perigosos e homens;
jmas a cultura deve também proverse para o afrouxamento
/ocasional c a regulação do desenvolvimento. Segundo, cada
conquista cultural é um aumento do valor instrumental da fisio
logia humana, referindose direta ou indiretamente à satisfa-
ção de uma necessidade corporal. Malinowski expressa a con-
vicção de que é possível “ligar funcionalmente os diversos ti-
pos de reação cultural, tais como econômica, legal, educacio-
nal , cientifica, mágica e religiosa” a necessidades biológicas,
elementares ou derivadas. Assim, a “explicação funcional de
arte,^ recreação e cerimonial público pode ter que referirse a
reações diretamente físicas do organismo a ritmo, som, côr,
linha, forma e suas combinações".m

,la Malinowski, op. citpágs. 17473.


Da maneira que a apresenta Malinowski (considerado, com
RadcliffeBrown, como o principal expoente do funcionalismo
na Antropologia Cultural), a teoria funcional — embora não
suas famosas pesquisas de campo sôbre os trobriandescs11* —
parece quase uma revivescência parcial do determinismo bio-
lógico, que poucos de seus expoentes contemporâneos conside-
ram ser o funcionalismo.
Os funcionalistas desenvolvem hoje um tipo dc teoria,
especialmente aplicável ao estudo da estrutura social c da
diversidade cultural, que pode ser resumidamente descrita. Em
primeiro lugar (ponto de partida freqüentemente obscurecido

nos trabalhos
extensão de umdosgrupo
funcionalistas), a manutenção
e de seu sistema social, ebema como
eventuala
persistência e a possível melhoria da cultura de grupo, são
definidas, pelo menos implicitamente, como os objetivos ou
metas do grupo. O estudo empírico revelaria os requisitos
funcionais de um dado sistema, isto é, as condições cm que
esses objetivos podem ser alcançados. Podese, então, de-
monstrar que partes específicas da estrutura social e da cultura
do grupo operam como mecanismos que satisfazem (ou não
satisfazem) os requisitos funcionais. Seguemse, como ampla
orientação teórica, diversas proposições adicionais. Primeiro, I
é possível satisfazer às necessidades funcionais dc diferentes I
maneiras, ilustradas pela variação social e cultural; e as so|
cicdades individuais, por assim dizer, “selecionaram” seus pro-
cedimentos particulares de uma ampla escala de possibilidades
culturais. Mas, segundo, o número dessas “escolhas** é sempre
limitado, limitado pelas características biológicas do homem e
por suas necessidades sociais e psíquicas; daí a prevalência dc
invenções independentes e paralelas em diferentes sociedades
(fenômeno que serviu aos evolucionista* como um de seus mais
fortes argumentos). Terceiro, a escala de “escolhas” para uma
sociedade especifica é ulteriormente limitada pela interrelação
e, em certa medida, pela interdependência das próprias esco-
lhas; assim, a adoção de um tipo dc sistema dc parentesco, por
exemplo, restringe o número de possibilidades cm outras áreas
institucionais. (Mais concretainente, como sc tem frequente-
mente observado, o crescimento industrial modemo nas soae

113 N. do T. — Trobriandeses: naturais das ilhas Trobriand ou


Kirinawa, grupo de ilhotas de coral, localizado a sulcstc da Nova
Guiné, em território papua.
dades tradicionalmente agrárias limita, sem dúvida, mas nk>
determina, o número c o tipo de possíveis desenvolvimentos
institucionais, políticos e outros.) A tarefa principal da aná-
lise funcional é descobrir o número e o tipo dc possibilidades
culturais sob as várias condições sociais.114
O avanço ulterior da teoria funcional exige uma clara
compreensão do conceito da própria f a n f ã o bem como o de-
senvolvimento de uma metodologia utilizável a fim de estabe-
lecer as interrelações funcionais dc vários segmentos de um
sistema sociocultural e sua significação para a persistência (ou
expansão eventual) dc todo o sistema ou de subsistemas den-
tro dêle. Êstes problemas, trataos Merton, cm uma esclarece-
dora discussão do funcionalismo.
Merton define função como “as conseqüências observadas
quo fazem a adaptação e o ajustamento dc um dado siste-
ma. 1,5 Esta definição, acreditamos, é de certo modo engano-
sa. A função de uma estrutura parcial, isto ó, de um traço
cultural, costume, instituição ou subsistema A, mais exatamen-
te, dc sua operação, não se identifica, para o sistema N, com
as conseqüências da operação de A, mas com o significado des-
tas conseqüências para N. O uso do approach funcional en-
volve o perigo de identificar conseqüências significativas com
as operações da estrutura cuja função sc está analisando. Pode
parecer que o ponto é casuíslico, tendo pouco ou nenhum senti-
do para a investigação sociológica. Sustentamos, entretanto,
que a formulação de Merton deixa a análise funcional ao ni
vel do tipo da explicação causai, como Max Weber o compre-
endia, enquanto nossa definição de função eqüivale mais pio
vàvelmente à espécie de explicação significativa que muitos
proponentes do funcionalismo procuram. A explicação signi-
ficativa — devese acentuálo — não substitui, antes suplemen-
ta a análise causai.
Qqe .procedimentos sc podem usar a fim de
tar a análise funcional? O experimento mental é uma potsi
biRdadel Podemos calcular às vêzcs, ao menos dentro He am

Ver Manon J. Levy, Jr., The Structure of Society, Prime


to". New Jersey,
ambicioso no sentidoPrinceton University
da codificar, paraPress (1952), esfftrço
tarefa, uma baserecente
teóricae
de acordo com a Unha “estruturalfuncional” da teoria dc Taken
Parsons.
,w op. til.,pig. 50.
pios limites, o que ocorreria cm uma sociedade se uma estru-
tura parcial íôsse eliminada, ou interrompida cm sua opera-
ção Assim, uma instituição econômica específica, digamos, ou
um padrão sociocultural como um esporte organizado pode
ser “abstraído” (concepção de Weber), tomandose possível
avaliar as prováveis conseqüências para a sociedade. Mas não
esqueçamos as palavras cautelosas de Max Weber relativamen-
te ao experimento mental que ele propôs coxr.o instrumento
legítimo de análise causai, é ccrto, mas cujas limitações fo-
ram por cie acentuadas (ver capítulo XIV).
O método compativo 6 outra possibilidade. Realizase a
comparação
vamente, sc nose nível qualitativo
encontram c no quantitativo.
duas situações Qualitati-
sociais diferindo pela
ausência ou presença de um traço particular ou estrutura par-
cial, podemse estabelecer as conseqüências diferenciais dessa
dissimilidade para a sobrevivência c prosperidade co sistema
__total. Ura meio para a comparação quantitativa aparece nas
obras de Sorokin (inimigo acerbo do approach funcional, em-
bora em ccrto sentido funcionalista extremo, conforme vere-
mos no capítulo XX). Sugere êle métodos para quantificar
as proporções de elementos funcionalmente contraditórios ou
coerentes de uma cultura, por exemplo, a arte religiosa cm
uma cultura religiosa ou sccular. Sustenta que, primeiro, a
flutuação dessas grandezas, no tempo, e cm sua distribuição no
espaço, pode seguem
distribuições ser estabelecida;
o padrão segundo, se essas flutuações
da transformação concomitante,e
estabelecese decnrrentemente a interrclação funcional dos tra-
ços; mas, terceiro, a interconexão funcional é refutada se as
flutuações e distribuições seguem padrões fortuitos. Essas pro-
posições se incorporam na Sociologia histórica dc Sorokin.
Outro procedimento utilizável para a análise funcional
é o da observação e análise das conseqüências_dc vários tipos
de perturbação que acarretam, para uma sociedade, eventos
internos, externos, ou arnUps. Assim, o estudo dos efeitos de
uma declaração de guerra, por exemplo, ou de uma invenção
revolucionária como a energia atômica, revela persistências ou
relações funcionais (ou fraquezas) até então ignoradas em
um sistema social. Na verdade, estáse fazendo atualmente
grande quantidade de pesquisas, orientadas neste sentklo, c,
ainda que a maioria não seja explicitamente funcional, sem
dúvida contribuirá para o posterior desenvolvimento da teoria
funcional.

296
Tais procedimentos representam apenas algumas das po»i
bilidadcs metodológicas de uso potencial na análise funóooaL
(O experimento mental, o método comparativo e o estudo do»
efeitos da perturbação, naturalmente, têm sido e são empien
dos por alguns representantes de outros approaches.) Diversos
estudiosos, talvez mais efetivamente Merton em Social Theory
otid Social Structure, acentuaram há pouco a interdependência
c a interação da pesquisa empírica de vários tipos, e o cres-
cimento da teoria funcional.
No mesmo volume, Merton faz algumas contribuições im-
portantes à teoria funcional. Tenta êle codificar sistemàtica
mente um protocolo ou paradigma para o funcionalismo, es-
forço destinado a apresentar “a própria essência de conceito,
procedimento e inferência na análise funcional*'.11* Nesse es-
forço, Merton torna explícita a distinção entre função manifesta
c latente, distinção encontrada de forma implícita nas obras
de numerosos estudiosos. As funções manifestas referemse às
conseqüências objetivas dc uma unidade social "õu cultural es-
pecífica, que contribuem para sua adoção ou ajustamento c
que eram pretendidas pelos membros; as funções latentes re-
feremse a conseqüências nãopretendidas e nãoreconhecidas
Assim, para citar uma notória ilustração de Merton, uma fun-
ção manifesta do consumo econômico é o uso, enquanto uma
de suas funções latentes é (ou era em certa época), como Ve
b!en acentuou, a manutenção ou o realce do prestígio. Nos pou-
cos anos decorridos após a publicação da obra de Merton
(1949), esta distinção vem sendo extensamente empregada pe-
los sociólogos americanos. Distinção que — conforme o pró-
prio Merton o destaca c demonstra em um curto ensaio, po-
rém de mestre, sôbre a máquina política urbana, cm que c»ta
organização é retratada como satisfazendo necessidades exis-
tentes de vários grupos, não eficientemente preenchidas por
instituições oficiais — é especialmente válida porque chama a
atenção para funções latentes aptas a serem cxnminadas na
análise social.
A discussão de Merton da máquina política ilustra igual-
mente o conceito das alternativas funcionais, essencial para a
análise “uma vez que abandonamos a presunção gratuita da
indispensabilidade funcional de determinadas estruturas sociais”;

116 Ibid., pig. 49.


297
não »e deve presumir, por exemplo, que a máquina prove o
único meio dc satisfazer às necessidades de grupos como os dos
homens dc negócios c dos membros ambiciosos de segmentos
desprotegidos da população. O conceito das alternativas fun
jyonais “fixa a atenção na cscala dc variação possível, em
itens que, cm um dado caso, servem a uma exigência funcio-
nal. Êle degela a identidade do existente e do inevitável”.117
Finalmente, Merton previne contra a preocupação com
a "estática da estrutura social", tendência dc certos represen-
tantes da escola funcional. A este respeito, emprega o con-
ceito de disfunção: “aquelas conseqüências observadas que di-
minuem a adaptação ou ajustamento do sistema", f Discrimi-
nação étnica, por exemplo, podcsc dizer que é disfuncional em
uma sociedade que preza valores de liberdade e oportunidade.)
O conceito dc disfunção — Merton declara — “que implica
o conceito dc esfôrço, resistência ou tensão no nível estrutural,
prove um approach analítico ao estudo da dinâmica c da trans-
formação”. 118

Resumo c apreciação

A teoria funcional e a pesquisa representam um approach


nôvo, porém em rápido crescimento. Suas realizações são pro-
missoras, mas são
mo em relação aos ainda tentativas.
problemas básicos Ada posição do funcionalis-
teoria sociológica pode
ser assim resumida: a escola sc apossa da concepção da so-
ciedade como um sistema social, conforme declara, digamos,
Parcto. A maioria dos funcionalistas deixa implícito, quando
não acentua explicitamente, que o sistema social opera signi-
ficativamente. As operações dos sistnnas oricntamsc para as
necessidades dos membros. Usa freqüentemente o têrmo
cultura, na literatura funcional, em lugar de sistema social.
As unidades de observação variam de um autor para ou-
tro. Malinowski, por exemplo, infelizmente, escolhe o grupo
social (que chama dc instituição). Os Lynd enfocam as ne-
cessidades humanas a serem satisfeitas por uma sociedade con-
cebida em têrmos de ação. Merton delineia um esquema in

ht Ibid., pág. 52.


»*• ibid., pág. 53.

298
ckttivo para a observação sociológica, mas aem próprio» estu-
dos se relacionam primaciaiinente com as estruturai wciik
O problema da relação de indivíduo e sociedade não é
dccutido explicitamente, embora Thomas, conforme asmala
mos no capitulo XII, realizasse importante obra pioneira sftbre
interrclações funcionais dc personalidade e cultura.
As questões sôbre os determinantes da estrutura social e
da transformação social são enfaticamente respondidas em favor
da causação múltipla. Muitos fatôres, mas funcionalmente I
intnrelacionados, determinam a configuração de uma socie-
dade bem coino suas transformações — ponto de vista que

paicceMas
largamente compartilhado.não participam dc nenhuma definição
os funcionalistas
preferencial dc Sociologia. Alguns dêlcs, especialmente os não
-sociólogos, incorporariam a Sociologia à Antropologia Cultural.
A metodologia da escola tem sido fraca, freqüentemente
apoiandose na intuição ou na capacidade do observador para
“ver** funções realizadas por estruturas parciais, correlações, in
kegrações, etc. Temos sugerido algumas idéias sôbre procedi-
mentos mais precisos. Um tratamento mais compIcto dos <. Q#
problemas metodológicos encontrase na obra de Merton.
A experiência relativamente curta do funcionalismo parece
indicar o fato dc que uma descrição significativa das estruturas
sociais c da cultura em termos funcionais exige um “tema central"
em tômo do qual seja possível organizar, inteligivelmente, o
resto do sistema sociocultural.l,# Além disso, conforme Sorokin,
Merton c ou tios acentuaram, devese reconhecer que a integração
social nunca é completa c que tôda sociedade e cultura contêm
clementes mal ajustado» dentro do todo. A falha em conceber
a sociedade como um equilíbrio dinâmico e imperfeito caracte-
riza, infelizmente, a obra de alguns funcionalistas, especialmente
na Antropologia Cultural.
Finalmente, há boas razões para acreditar enganosa a
hipótese dc funcionistas extremos, de acôrdo com o» quais tôdai
as partes dc uma cultura têm funções positivas. As formulações L

. | Warner e Lunt, op cii. Ver ainda Ruth Benedict Patietat


of Culture, Boston, Houghton Mifflin Co. (1934), e P. A. Sorokin,
Social and Cultural Dynamics, 4 vols., Nova York, American Book
G#. (193741), esforços em escala maior a fim dc estabelecer para-
digmas dc culturas inteiras.

299
mais realistas c mais cautelosas do antropólogo Ralph Linton,
quc pro ume a existência de “itens não-funcionais”, 120 c as
dc Merton, que formula a hipótese das conseqüências 121 não-
-funcionais e disfunções, devem encorajar o desenvolvimento
dc uma teoria funcional mais sofisticada.
O funcionalismo talvez seja antes uma promessa do quc
uma conquista. Mas 6 uma promessa importante. O neoposi
tivismo, como vimos, reduziria a Sociologia à medição. O fun-
cionalismo não a exclui (ou a outras técnicas dc pesquisa). A
análise funcional, porém, concentra sua atenção no significado;
procura responder à pergunta: O que significam fenômenos
| cspccíficos e diversos, sob o ponto de vista da ordem social
[ como um todo?

120 Thi Study of Man, Nova York, AppletonCcnlury, 1936. pág.


406.
,al Merton,op. cit.,págs. 5051.

300
CAPITULO XV11I

Sociologia Analítica

D urante o período em estudo muitos homens de ciência


cultivaram a Sociologia analítica. Seria equívoco, entretanto,
falar dc uma “escola” analítica, porque o vínculo existente en-
tre êsses homens consiste, primacialmente, no reconhecimento
comum da necessidade de construir uma teoria sociológica uni-
ficada, para servir como meio de análise, descrição e interpre-
tação dos fenômenos sociais. À primeira vista, os sistemas de
conceitos e as proposições que os encarnam parecem largamen-
te divergentes, exprimindo simplesmente as opiniões e as pre-
ferencias de seus autores. Mas, se investigarmos os pontos dc
referência entre os símbolos conceptuais, evidenciase que, por
trás das diferenças terminológicas, há uma área de concordân-
cia substancial. Se e quando forem superadas essas discordân-
cia* frequentemente superficiais — estabelecido então algum
senso de unidade entre os contribuintes da Sociologia analítica
—, será correto considerálos como integrando uma escola.
Duas observações adicionais introdutórias vêm a propó-
sito neste momento. Primeiro, podemse creditar às escolas e
approaches já examinados, e aos que ainda consideraremos,
contribuições substanciais para a Sociologia analitica. Em con-
traste com os sociólogos analíticos, entretanto, os membros des-

sas correntes— oucaso


sociológica se das
concentram
escolas em fases particulares
ecológica, sociométrica,da fundo»
teoria
nal e histórica — ou dão ênfase especial a métodos ou pre-
missas especificas — como as escolas neoposí ti vista, institucio-
nal e fenomenológica. Naturalmente os sociólogos analíticos

W
tem tamlx-m suas predileções, mas via dc regra as subordinam
a tarefa dc construir tuna teoria unificada e ampla.

Segundo ponto introdutório, c relevante, é o fato de que


os esquemas dc referencia dos sociólogos analíticos refletem
se correntemente ein muitos compêndios e monografias dc pes-
quisa. No presente estudo só poderemos mencionar semelhan-
te* ramificações cm casos excepcionais. As contribuições ao
que chamamos Sociologia analítica são tantas que a seleção é
realmente imperiosa c necessária, c resulta obrigatoriamente
na omissão de obras de valor. Restringimos nossa discussão,
na maior parte, aos escritos dc quatro estudiosos contempo-
râneos: Sorokin, Parsons, Znaniecki c MacIver. Enquanto a
qualidade analítica das obras desses autores está acima de dú-
vidas e sua influência é notória, as contribuições de outros
sociólogos de hoje exigiriam um tratamento integral da So-
ciologia analítica.122

Pitirim A. Sorokin

Entre os sociólogos analíticos de nosso tempo, entendemos


que se deve destacar um nome de primeira linha, por sua ca-
pacidade criadora, erudição c domínio dos prérequisitos de
um sisterna dc pensamento cientifico. Esse estudioso é Pitirim
A. Sorokin (1889 ).
Sorokin nasceu era uma remota cidade do Nordeste da
Rússia. Estudou na Universidade de São Petcrsburgo e ccdo
se iniciou na carreira do ensino, da pesquisa cientifica c lite-
rária, bem como na atividade política. Em 1914, saiu sua mo-
nografia Crime e Castigo, Ato Heróico e Recompensa, e cm
1919 Sistema de Sociologia (dois volumes, cm russo), obra de
certo modo de orientação behaviorista.
Em 1917, atuou como secretário de Alexandre Kerensky,
chefe do governo provisório da Rússia, após cuja queda par-

l» Os volumes seguintes, por exemplo, distinguemse por tua


qualidade analítica: L. von Wiese e H. Becker. Systematie Sociology;
Nova York, John Wiley & Son* (1032); E. T. Hiller, Principles of
Sociology, Nova York, Harper Bros. (1933), e Social Relations and
Structures, Nova York, Harper Bros. (1947); K. Davis, Human So*
ciety. Nova York, the MacMillan Co. (1949); R. Linton, The Study
of Man, Nova Yoik, AppletonCentury (1936); G. C. Homans, The
Human Croup. Nova York. Harcourt, Brace & Co. (1950).

302
ticipou ativamente na luta contra o comunismo. Foi prfao,
julgado c condenado à morte; teve, porém, a pena comuudá
em exílio. Passou dois anos na Tchccoslováquia e radicou*
•sc cm seguida nos Estados Unidos.
Na América, tornouse professor de Sociologia da Univer-
sidade de Minnesota, cscrcvcndo aí duas obras relevantes, Social
Mobility (1927) c Contemporary Sociological Theories (1928).
Êste último volume é um estudo sistemático c critico das prin-
cipais “escolas” de Sociologia, destacando os diferentes approa-
ches do problema dos determinantes da estrutura da sociedade
c da transformação social. Em 1930, Sorokin passou a lecio-
nar na Universidade de Harvard, onde fundou o primeiro de-
partamento de Sociologia, que presidiu durante uma década.
Durante os anos de Harvard, numa fecunda atividade, publi-
cou suas obras principais, inclusive a opus magnum, Social and
Cultural Dynamics (quatro volumes, 193741); a monogra/ia
Sociocultural Causality, Time and Space (1943), que sc pode
considerar um suplemento à anterior; e um tratado sistemáti-
co de Sociologia, o único na Sociologia americana cm termos
dc compreensão c integração Society, Culture and Personality
(1947); cm 1950, com The Social Philosophies of an Age of
Crisis, fez um acréscimo substancial a Sociological Theories.
As publicações de Sorokin podem ser divididas nas que
contribuem fundamentalmente para a Sociologia analítica c

nas que tratam


deraremos da Sociologia
as primeiras; histórica.
discutiremos Neste capitulo
no capítulo consi-
XX a Socio-
logia histórica.
No capítulo I assinalamos que Sorokin definiu a Socio-
logia de um modo que parece aceitável aos sociólogos de várias
tendências e que descreve acuradamente o objetivo da teoria
sociológica. Assim — declara êle — a Sociologia é o estudo
das características gerais comuns a tôdas as classes de fenô-
menos sociais, da relação entre essas classe e da relação entre
os fenômenos sociais c nãosociais.18 Em Society, Culture
and Personality proporciona outro relinearaento para a disci-
plina, indicando mais precisamente as áreas adequadas à inves-
tigação sociológica: a Sociologia é a teoria generaltzadora da
estrutura e da dinâmica de: a) sistemas sociais e congeries
[elementos funcionalmente inconsistentes], b) sistemas culturais

_ m Contemporary Sociological Theories. Nova York, Harper ft


Bros., 1928, pig. 760.

SOI
e congeries, t c) peisonalidades cm seu aspecto estrutural, ti-
pos principais, inter-relações e processos de personalidade.1,4
Alguns dos têrmos usados nesta definição exigem explicação,
que será dada nas páginas seguintes.
Em concordância com o ponto dc vista de muitos soció-
logos, c voltando a Simmel, Sorokin escolhe a interação como
a unidade cm que os fenômenos sociais devem ser analisados.
“Em suas formas desenvolvidas'' — explica êle — “encontrase
o superorgânico (têrmo empregado por Spcncer) exclusivamen-
te no domínio dos scres humanos interatuantes e nos produtos
de sua interação”.125 Interação aqui abrange “qualquer even-
to pelo qual uma facção influencia sensivelmente as ações pú-
blicas e o estado da mente da outra”.126 Os sujeitos da inte-
ração são ou indivíduos humanos ou grupos organizados de se-
res humanos.
Limita êle o conceito de interação sustentando que “o mo-
delo mais genérico de qualquer fenômeno sociocultural é a in-
teração intencional de dois ou mais... indivíduos ”.127 A razão
dessa limitação deve ser encontrada no conceito de Sorokin de
interação sociocultural Esta inclui três componentes inseparà
vclmcnte interrclacionados: “1) personalidade, como o sujeito
da interação; 2) sociedade, como a totalidade das personalidades
interatuantes...; 3) cultura, como a totalidade das intenções,
valôrcs e normas possuídos pelas personalidades interatuantes,
e a totalidade dos veículos que objetivam, socializam c trans-
mitem essas intenções.” 128 Cada um dos três aludidos compo-
nentes é submetido a extensa análise, na obra de Sorokin. O tra-
tamento da cultura, entretanto, constitui, de longe, sua contri-
buição mais importante.
A sociedade está cristalizada em grupos sociais ou sistemas.
Dependendo do caráter da interação, podem os grupos ser or-
ganizados, nãoorganizados ou desorganizados. Afirma Sorokin:
Um grupo social, como uma totalidade de indivíduos intera 
tuantes, se organiza quando o quadro central de valôrcs e in

1947, pág.Society,
17. Culture and Personality, Nova York, Harper & Bros.,
125 Ibid., pág. 4.
1M Ibid., Pág. 40.
in Ibid., Pág 40.
128 Ibid., Pág. 63.

304
taxções, como a razão de sua interação, / de certo modo coe-
rente em si mesmo e reveste a forma de noimaslei definindo
precisamente todas as relevantes açõesreações dos indivíduos
interatuentes, em suas relações de um para outro, para os de fora
e para o mundo em geral; e quando tais normas são eficientes,
obrigatórias e compulsórias se preciso fôr, na conduta das pessoas
interatuantis.129
Esta afirmação bastante complicada pode decomporse em
quatro proposições interrelacionadai: 1) cada grupo organiza-
do sc caracteriza por "um quadro central de intenções e valô-
res”; aqui o têrmo "intenção" é quase sinônimo de “idéia”.
Esta proposição assemelhase ao ponto de vista dos institucio
nalistas (ver cap. XIX) de que um grupo social se constrói em
tômo de uma “idéia diretiva”, isto e, uma idéia que exprime
algum valor a ser conquistado pelo grupo;190 2) o quadro cen-
tral de idéias e valôres deve ser coerente cm si mesmo: êste
princípio aproximase muito de um teorema defendido por
muitos funcionalistas; 3) essas idéias e valôres coerentes assu-
mem a forma de normas a serem obedecidas pelos membros
do grupo; 4) tais normas, que Sorokin chama de “normas
lei”, precisam tornarse efetivas c, portanto, eventualmente
compulsórias.
Observese que a identificação, com a lei, das normas de
conduta dos grupos, só é sustentável se usarmos o têrmo “lei"
em sentido
tudioso muitoPetrazhitsky
russo mais amplo do que odefine
,m Sorokin usual. normalei
Seguindo ocomo
es-
a que atribui direitos a uma parte e correspondentes deveres
a outra parte. A formulação dá ao conceito um sentido mais
inclusivo do que o atribuído às normas legais, que exigem a
sanção da sociedade politicamente organizada.
Sorokin sustenta que, partindo de sua definição de inte-
ração, a qual enfoca a conduta humana que influencia outros,
podese derivar a proposição de que “qualquer grupo dc indi-
víduos interatuantes é antes de tudo uma unidade causai

Ibid., pig. 70 (grifado no srcinal).


130 B*ta proposição é uma parte importante da teoria de R.
M. Maclver,
como adiante entre outrot.
se indica Assim,
neste a análise
capitulo, de largamente
baseiase grupos, de nos
Moclyer,
tipos
de interêsse* (ou valôres) que os mesmos promovem.
® Sôbre Petrazhitsky, ver N. S. Timasheff, P. Sorokin e Max
Laserton, em Interpretations of Modern Legal Philosophy obra orga-
nizada por P. Sayze, Nova York, Oxford University Press, 1947.

N 305
.funcional, cm que todos os componentes são mútua c sensi-
velmente interdependentes”.132 Em outras palavras, cada gru-
po social, para Sorokin, é um sistema social.
De que maneira trata file a cultura, que, como antes ob-
servamos, é um aspecto tão importante de sua teoria? Em So-
cial and Cultural Dynamics, ele define a cultura como “a soma
total de tudo o que é criado ou modificado pela atividade
consciente ou inconsciente dc dois ou mais indivíduos intera
tuaudo um com o outro ou condicionando mutuamente sua
conduta”. m A cultura, cm Society, Culture and Personality,
conforme vimos,
põem; nessa obra,é odescrita em termos
significado das partes
de cultura que a à com-
incorporase de-
finição de interação social, ficando cuidadosamente demons-
trada a interrelação dc todos os elementos, uns com os outros.
Primeiro, há “sistemas de cultura pura” — sistemas de idéias
ou intenções no sentido mais elementar; por exemplo, a pro-
posição de que 2X2 — 4. Tais sistemas independem de sua
aceitação ou rejeição pelos homens. Segundo, podese “obje-
tivar” ou exprimir um sistema de cultura de modo a tomálo
cognoscível para a maioria dos seres numanos. Terceiro, os
sistemas dc cultura podem ser “socializados”, transformandose
em fatôres operativos na interação social. Um sistema de in-
tenções expresso em têrmos comunicáveis e que constitua ele-
mento relevante
cultural, de uma
conceito chave áreasociológia
na teoria dc interação é um sistema socio-
de Sorokin.
A característica mais importante dos sistemas culturais e
socioculturais é sua tendência a se integrarem em sistemas de
níveis cada vez mais altos. O primeiro volume de Saciai
and Cultural Dynamics, por um lado, e o quarto volume da
mesma obra, bem como Society, Culture and Personality, por
outro, abordam algo diferentemente o problema da integra-
ção da cultura. No tratamento inicial, “as numerosas inter
relações dos vários elementos da cultura” — declara Sorokin
— “reduzemse a quatro tipos básicos”. Tais interrelações
culturais são assinaladas pela adjacência espacial ou mecânica,
pela associação devida a algum fator externo, pela integração
causai ou funcional, ou, finalmente, pela integração interna ou

SotUty, Culture and Personality, pág. 147.


Social and Cultural Dynamics, Nova York. American Book
183
C., 193741, 4 vols., vol. I, pág. 3.

306
lógicaintencional.w Aqui, a integração causalfuncional dot
fenômenos socioculturais é identificada com as relações caunl
funcionais do domfnio dos fenômenos naturais, indicadas pela
uniformidade de relações entre as variáveis. O critério da in-
tegração "lógicointencional**, entretanto, é idêntico à intenção
central ou idéia.
No seu tratamento mais recente das in terrelações cul-
turais, Sorokin revela cena tendência a negar ou diminuir a
aplicabilidade do conceito de causação (pelo menos como é
usada nas Ciências Naturais) aos fenômenos socioculturais c
a identificar causalidade sociocultural e integração lógicointen-
cional. Assim, em Society, Culture and Personality afirma que
os “fenômenos culturais, em sua relação uns com os outros...
podem ser ou integrados (solidários), nãointegrados (neutros),
ou contraditórios (antagônicos). São integrados... quando
dois ou mais fenômenos culturais interatuantes, isto é, causai
mente ligados, ficam em coerência lógica ou, para os fenômenos
da arte, em coerência estética, nm com o outro”. Êstes, en-
tão, formam os sistemas socioculturais. Sorikin prossegue:
"Não só as intenções, os valôres c as normas podem permane-
cer, um para o outro, na relação de coerência lógica ou estéti-
ca, nãorelacionados ou em contradição, mas também as ações
públicas e outros veículos materiais, na medida em que
articulam e exprimem as respectivas intenções, valôres e
135

normas *'.
Os trabalhos teóricos de Sorokin revelam seu interesse pela
hierarquia dos sistemas socioculturais e o grau dc sua corres-
pondente integração. Concebe êle o sistema sociocultural to-
tal dc uma "população” como um "supersistema’' que pode ser
mais ou menos integrado. Cada supersistema consiste em cinco
sistemas básicos, e funcionalmente essenciais, de linguagem,
religião, arte, ética e ciência. Cada um destes, por sua vez,
dividese em sistemas, subsistemas, subsubsistemas etc., tam-
bém mais ou menos integrados.
Sorokin acentua que o "supersistema'' não é de nenhum
modo identico à soma total dos itens de cultura encontráveis
em uma dada sociedade. Pois a cultura total dc uma socie-
dade inclui, além de um supersistema, certo o número de con

154 Ibid., voL I, pág. 10.


** Society, Culture and Personality, pág. 314.
307
génes. Estas >c relacionam umas às outras e au próprio super-
sistema, cm têrmos dc adjacência mecânica ou dc associação
elaborada por fatôres externos. Sorokin, desenvolvendo este
ponto, opõe-se forte e convincentemente à opinião, sustentada
por certos funcionalistas radicais, de que todos os itens dc cul-
tura exercem necessariamente funções positivas em um dado
sistema.
Fundamentalmente, entretanto, êle está interessado em am-
plos supers istemas. Cada supersistema se caracteriza por uma
idéia ou tema central, que é o ponto de vista da verdade pre-
dominante em uma cultura específica. Assim, os homens podem
atribuir válidade última ao testemunho dos sentidos, caso em
que Sorokin denomina o supersistema sensual. Sc aceitam a
verdade da fé, acreditando que além das impressões dos senti-
dos existe outra realidade, mais profunda, o supersistema e
ide acionai. Êstcs dois approaches podem combinarse. Sendo
harmônica a combinação de sensual e ideacional, invocase
um terceiro sistema de verdade, o da razão, que indica um
supersistema ideaUstieo. E se os dois sistemas básicos dc ver-
dade, o sensual c o ideacional, simplesmente se justapõem, o
sistema é misto.
A classificação dos quatro estilos básicos dc cultura (ter-
mo que Sorokin não usuou) — sensório, ideacional, idealistico
eçãomisto
social,— constitui
assunto o fundamento
que discutiremos de sua
no capítulo XX. teoria da transforma-
O principal teorema de Sorokin, desenvolvido e exten-
samente ilustrado nos quatro volumes de Dynamics e em ou-
tros livros, pode ser descrito como se segue. O tema central
do supersistema sociocultural permeia todo o processus da so-
ciedade e da cultura. Se se conhece o sistema de verdade que
prevalece em uma sociedade, ficase apto a deduzir a natureza
geral de sua arte, literatura, música, filosofia e ética, bem
como seu tipo predominante dc relações sociais. Assim, o esti-
lo de uma cultura (assunto tratado por outros estudiosos de
maneira bastante impressionista) é passível de um approach
científico e até de estudo quantitativo. (Os pontos de vista
metodológicos de Sorokin serão discutidos adiante.)
Observamos antes que Sorokin define a Sociologia como
a teoria generalizante da estrutura e dinâmica dos sistemas
sociais, dos sistemas culturais e da "personalidade”. O estudo
da personalidade é o aspecto menos desenvolvido c talvez o

308
menos influente de sua obra, embora dois capítulo* inteiro#
de Society, Culture and Personality se relacionem diretamente
ao assunto, bem como numerosas passagens desse e de outrot
volumes. A seguinte citação sugere o approach sociológico de
Sorokin, francamente convencional:

A personalidade é um microcosmo que reflete o


microcosmo sociocultural dentro do qual o indivíduo
nasce c vive. A vida dc um indivíduo é um grande
drama, determinado primeiro por seu universo social e
depois pelas propriedades biológicas de seu organimo.
Mesmo antes ado influenciar
tural começa organismo e nascer, o universo
determinar as suas sociocul-
proprie-
dades, e mantém implacàvelmentr êste processo de mol-
da gem cté à morte do indivíduo, e depois dela.136

Embora acentue fortemente a influência do meio socio-


cultural na formação da personalidade, Sorokin, como a maio-
ria dos sociólogos dc hoje, evita a interpretação "sociologís
tica” unilateral da conduta humana. Vê o indivíduo e a per-
sonalidade, por um lado, e a sociedade e a cultura, por ou-
tro, como elementos de uma totalidade, elementos interdepen-
dentes c interatuantes. Nem presume uma correspondência re-
cíproca entre cultura e personalidade. Mas destaca a natureza
“pluralística”
ralismo dos “eus”da estrutura da personalidade,
no indivíduo encarando
como um reflexo o plu-
do pluralis-
mo dos grupos, e os múltiplos “egos sociais” do indivíduo como
uma conseqüência de sua participação em vários grupos.137
Em Social Mobility, tanto quanto em obras mais recentes,
Sorokin também descobre interconexões entre padrões sodo
culturais e transformações e desorganização da personalidade.
Similarmente, sustenta que cada um dos sistemas sociocultu-
rais amplos — sensual, ideacional e idealistico — produz tipos
de personalidade característicos.
Embora use a expressão “alma empírica” (que identifica
com o “eu” ou o “ego”), Sorokin sabiamente assinala que o
estudo da “alma superempírica ou transcendente” está

“■ Ibid., pig. 714.


137 Ver Society, Culture and Personalisj, c*P*
especialmente
XIX e XLVIII.

309
fora do debate sociológico: “sua análise pertence à reli-
gião e à metafísica".138
Os pontos dc vista metodológicos de Sorokin estão, na
maioria, completamente desenvolvidos no quarto volume dc
Dynamics e em Sociocultural Causality, Time and Space. De-
clarase adepto de uma “escola integralista'* em Sociologia, que
investiga os fenômenos sociais dc três maneiras. Estuda os fe-
nômenos sociais em seu aspecto empírico, através da percep-
ção dos sentidos c da observação scnsórioempirica. Segundo,
o aspecto “lógicoracional” dos fenômenos socioculturais pre-
cisa ser compreendido através da lógica discursiva da razão
humana. Finalmente, a “realidade sociocultural tem seu as-
pecto supersensorial, superracional e metalógico. E o mesmo
representado pelas grandes religiões, éticas ahsolutistas e as
belasartes verdadeiramente grandes... Esta... fase da rea-
lidade sociocultural... deve ser apreendida através da verda-
de da fé, isto é, através de um ato de intuição ou experiência
mística supersensorial, superracional e metalógica". **
Eis uma afirmação realmente dúbia. A intuição não eqüi-
vale a um ato de fé, o qual envolve a aceitação de alguma re-
velação. O conceito dc Sorokin de intuição muito se apro-
xima do procedimento fenomenológico da “abstração ideacio
nal”, a ser discutido no capitulo XIX. Portanto, o pluralismo
metodológico dc Sorokin não c tão complcto quanto parece
inicialmente. Ademais, sustentamos que sua posição metodo-
lógica não transforma sua teoria sociológica (no sentido defi-
nido no capitulo I) em uma teoria filosófica.
Um dos aspectos mais desapontadores da metodologia de
Sorokin é a falta de precisão relativa ao que êle chama de
método lâgicointencional. Na medida em que este método
é puramente lógico, é compreensível; c talvez o seja também
quando compara entre si os fenômenos da arte (embora al-
gumas autoridades discutam este ponto). Mas a correlação
dos fenômenos intelectual e estético provoca um problema sé-
rio. Como se poderá estabelecer firmemente, à base da conco-
mitância dc tempo c espaço, que certas configurações de fe-
nômenos intelectuais são “Intimamente” ou intencionalmente
integradas com configurações especificas de fenômenos esté-

1» Ibid., pág. 345


Sociocultural Causality, Time and Space, Durham, Duke
University Prett, 1943, págs. 22728.

310
ticos. As ilustrações de Sorokin para esta integração »âo com
frequência perfeitamente plausíveis, mas a prova convincente
prima pela ausência.
Embora Sorokin discorde fundamente das pretensões dot
expoentes extremos do quantitativísmo em Sociologia, faz uso
abundante de métodos quantitativos. Assim, a fim de estabe-
lecer o estilo de um dado subsistema sociocultural, por exem-
plo a Filosofia, organiza listas dos fenômenos culturais que
mais claramente manifestam o subsistema (no caso concre-
to, as obras dos filósofos da época), distribui cada item en-
tre os três tipos principais de cultura e atribui, a cada um,
determinado peso edições
filósofos, últimas (dependendo do número
e traduções, de critérios
e outros seguidoresobjeti-
dos
vos) . Simples cálculos aritméticos resultam em conclusões
que tomam a forma seguinte: no século n, a por cento da Filo-
sofia ocidental era sensual e b por cento idealística. Essas con-
clusões sustentam a teoria de Sorokin da transformação so-
cial, mas também revelam a limitada possibilidade de quan-
tificar dados sôbre o estilo cultural. De maneira semelhante
medc-sc a intensidade variável dc fenômenos como a guerra e
a revolução. Medições rudes, sem dúvida, fato este reconhe-
cido pelo próprio Sorokin; mas, com raras exceções, não le-
vam a conclusões que se desviem grandemente dos pontos de
vista expressos em têrmos qualitativas por muitos historiadores.
As correlações de Sorokin abrem às vêzes perspectivas inespe-
radas para regiões inexploradas do passado sociocultural do
homem.

Talcott Parsons

Da obra de Sorokin voltemonos para a de Talcott Par-


sons (1902 ), colega seu em Harvard e tambfm influente
sociólogo analítico. A despeito de importantes semelhanças en-
tre as teorias de ambos, conforme veremos, são êles freqüen-
temente encarados como''oponentes sociológicos?
Parsons, ainda que nascido nos Estados Unidos c forma-
do no Amherst College, onde a Biologia constituía sua preo-
cupação fundamental, sofreu grandemente a influência dos es-
tudiosos europeus. Como aluno graduado da l^onoon Scholl
oi Economics, estudou com os sociólogos L. T. Hõonouse e
Morris Giniberg e o antropólogo Malinowski, que lhe desper-
tou o interesse pelo approach funcional. Subsequentemente,
em Heidelberg, voltouse para os cientistas soeiais alemães, es-
crevendo uma tese doutorai sôbre The Concept oj Capitalism
in the Theories of Max Weber and “Werner Sombart; poucos
anos depois, traduziu A Ética Protestante e o Espirito do Capi-
talismo, de Max Weber. Em 192627, lecionou Economia em
Amherst, e no ano seguinte assumiu a mesma cadeira cm Har-
vard, lorn andose depois membro do rcccmcriado departa-
mento de Sociologia, sob a presidência de Sorokin. Como pro-
fessor, Parsons tomouse o chefe do cepartamento interditei
plflVar de relações sociais de Harvard, em 1946, lugar que
continua a ocupar.
Em Harvard, entrou logo em contato com um grupo dc
destacados economistas c estudou de perto a obra do clássico
teórico ’ Alfred Marshall (18421924). Também estudou as
obra* de Durkheim, antagonista do individualismo spenceria
no e expoente de uma ciência da sociedade como uma reali-
dade sui generis (ver cap. IX), e caiu sob a influência do psi-
cólogo L. J. Henderson, admirador dos trabalhos de outro
grande sociólogo europeu, Pareto. Destes diversos estudiosos,
as obras de Weber, dos economistas, Durkheim e Pareto fo-
ram especialmente importantes na formação dos pontos de
vista teóricos de Parsons, indicados cm sua primeira obra im-
portante, The. Structure of Social Action, publicada em 1927.
A partir desse momento, Parsons tomouse cada vez mais in-
teressado na teoria psicanalitica, evidenciada em todos os seus
volumes recentes.
Durante muitos anos, Parsons deitacou, coerentemente, a
necessidade de desenvolver uma Jeoria geral sistemática da con-
duta humana^ Encara o desenvolvimento da teoria abstrata
como o índice principal Ha maturidade de uma ciência. _A teo-
ria facilita a descrição, análise e a pesquisa empírica. Empe
nho que — acentuou èlé — exige um esquema geral de re-
ferência (como o espaço tridimensional e a fôrça, cm Mecâni-
ca) c a compreensão da estrutura do sistema teórico como tal.
A teoria sociológica devia ser estntura^funcional. (Parsons usa
freqüentemente o têrmo “funcional”, como a seguir veremos,
em um sentido diferente~do de outros funcionalistás.)
As primeiras contribuições de Parsons basearamse na con-
vicção de que o objeto adequado da Sodologia í a açãqjociai*
ponto de vista que reflete forte influência de Max Weber e

312
talvez, em certa medida, da obra dc Thoma». Era The
Structure of Social Action, Parsons apresenta uma teoria extre-
mamente complicada da ação sociaÇ em quê sustenta que k
trata de conduta voluntária. Ã~análise baseia-se largamente
no esquema meios-fins. Esta complexa formulação de urna teo-
ria da ação social, representando, por parte de Panons, um
esfôrço ambicioso, mas inicial, entrelaça-se com uma análise
detalhada das teorias de Wcbcr^ LKirkhciina Pareto c Alfred
Marshall (c como tal constitui uma importante fonte secun
dária sobre êstes estudiosos), e, ainda mais, tem sido frequen
temente considerada difícil demais ou excessivamente abstrata
para utilização em pesquisa SoE a influência de Henderson.
Parsons reexpôs sua teoria dc forma mais apropriada para ser
aqui apresentada.
Formulada inicialmente em uma serie de artigos reuni-
dos em Essays in Sociological Theory, Pure and Applied (1949),
a teoria reexposta se transformou depois cm The Social System
(1951). Enquanto Parsons escrevia o livro, certos pontos de
vista teóricos seus estavam em curso de modificação, parcial-
mente sob a influência da cooperação com diversos colegas .141
A obra rcccntc de Parsons mostrase especialmente próxima à
de Edward A. Shils, com quem escreveu um longo trabalho,
intitulado “Values, Motives and Systems of Actions”, publica-
do em um simpósio editado por ambos c intitulado Toward a
General Theory of Action (1951). O ponto de vista teórico
expresso neste documento, uma das mats recentcs formula-
ções de Parsons,142 é, a certo respeito, ainda mais complica-
do em comparação com o srcinal Structure of Social Action;
não obstante, aproximase em muitos aspectos da opinião so-
ciológica geralmente sustentada. Entretanto, aqui a ação social

Znaniecki, coautor, com Thomas; Parsons; R. M. Maclver,


140
e Howard Becker são considerados os principais teóricos da "aç&o so-
cial" por R. c G. Hinkle, em The Development of American Sociology,
Studies in Sociology, Nova York, Random House, 1954.
141 Ver T. Parsons, The Social System, Glencoe, Illinois, The

Free Press, 1951, pigs. 537*38.


142 Dizemos “uma das” porque Panoni publicou wbseqGente
mente pelo menos duas modificações ulteriorcs de seus pontos de vista
(com E. A. Shils e F. Bales), The Working Papers in the Theory
of Action, Glencoe, Illinois, The Free Press, 1953, e "Some Comiornt*
on the State of the General Theory of Action”, American SaeUJatual
Review, vol. 18 (1953), págs. 618 e segs.
c novamente acentuada, cm contraste com o destaque atribuí-
do ao assuntotítulo cm The Social System.
De acordo coin Parsons, o esquema de refciencia da
“ação” envolve um agente, a situação e a orientação do agen-
te para com a situação. O foco de sua teoria é a orientação
“3o agente _ (concepção similar à “definição da situação” de
Thomas). Distinguemse ai dois componentes orientadores:
a orientação motivacional e a de valor. A orientação motiva-
tional, que fornece a energia a ser gasta na ação, 6 tríplice: ^
1) cognitiva, correspondendo ao que o agente percebe na si-
tuação, em relação a seu sistema de disposição das necessidades
(que talvez, no pensamento de Parsons, signifique mais do
que atitudes); 2) jcatética, envolvendo um processo através do
qual o agente reveste um objeto de significação afetiva ou
emocional: e 3) estimativa, por meio da qual o agente distri-
buí sua energia a vários interesses entre os quais precisa esco-
lher. A orientação dc valor, por outro lado, assinala a obser-
vância de certas normas ou padrões sociais era contraposição
às “necessidades” que são o centro da orientação motivacio-
nal. Há novamente aqui três modos de orientação de valor:
o cognitivo, o apreciativo e o moral.
Êsse esquema serve de fundo à construção de três siste-
mas analíticos: o sistema socialj o sistema da personalidade e o
sistema cultural. Parsons acentua que, embora os três modos
sejam abstraídos da conduta social concreta, os ponto* dc refe-
rência empírica dos três tipos de abstração não estão no mes .
mo plano.
O significado que Parsons dá ao sistema social varia de
lugar para lugar, cm sua análise. O sistema social é definido
primeiro como uma pluralidade de agentes individuais intera
tuando uns com os outros. Alhurrs, dizse que se trata de
uma rêde de relações entre agentes ou uma rede dc relações
interntuantes. Esta diversidade de definição levanta uma im-
portante questão conceptual: são os próprios agentes ou as re-
lações sociais os “pontos materiais” do sistema social?
O sistema social c descrito ainda como uma pluralidade
de
ximaindivíduos motivados
e cuja relação, por a uma
quanto jendência seà define
esta situação, satisfação mà
era ter-
mos de um sistema de padrões culturalmente estruturados e
compartilhados. Essa proposição, como tantas outras da obra
de Parsons, exige demorada explicação orientada pela refe

314
rência contínua à precedente análise da ação social. Os iads
víduos são “motivado» por uma tendência i satisfação mási
maü de necessidades que, como vimos, dominam a orunufSo
moliv acionai. Além disso, a relação dos indivíduos para com
suas sityaçpcjL sociais é definida em termos dc padrões cultu-
rais específicos. Provàvelmentc, o têrmo “relação” referese ao
que é chamado cm outros lugares de “orientação" — caio em
que esta parte da proposição dc Parsons indica a orientação de
valor para os outros componentes principais da orientação do
agente quanto à situação. Aqui, na análise, o têrmo “valor**
não aparece explicitamente; mas podese presumir que oi pa-
drões envolvem valôres. Êstcs padrões são culturalmente es-
truturados c compartilhados. Este aspecto do sistema social
pode servir como uma espécie de ponte entre os sistemas so-
cial e cultural: o sistema social inclui alguma coisa que per-
tence à cultura.
Sistema social no sentido descrito no parágrafo anterior
e sistema socai como uma pluralidade de indivíduos interatuan
tes sãcTduaT coisas diferentes. Muitas pluralidades dc indiví-
duos interatuantes não possuem os traços descritos na primei-
ra afirmação, mais complexa. Ê possível afirmar que Parsons
ainda não designou com firmeza os elementos dc um sistema
social, omissão que impede uma focalizaçõo incisiva, no estu-
do sociológico. Cada caso de interação humana pode ser vis-
to como um sistema social, nos têrmos da definição simplista dc
Parsons. Freqüentemente se refere êle a "sistemas sociais cs
táveii”; com efeito, sua teoria do sistema iodai é antes uma
teoria do sistema social estável.iq Esta observação, feita por
diversos críticos, não diminui, entretanto, o esfõrço cm larga
escala, C talvez piomissor, dc Parsons, para distinguir conccp
tualmcntc sistemas sociais, cultura e personalidade, c para fundi
los em um unicõ esquema teórico.
Parsons encara a cultura como “por um lado, o produto,
c, por outro, o determinante de sistemas de interação social

10

gsres, como
Os sistemas
"estruturas”,
estáveis.
têrmoParsons
que êletambém
usa para
os cita,
designar
cm cestos
conjuntos
fc
mais ou menos estiveis de papéis iodilt, como «diante demonstraremos.
Também emprega o ttrmo coletividade* (que prefere a "gnrpo social**,
mais freqüentemente utilizado) com referência a agentes que compar-
tilham de padrões comum de valor, senso de responsabilidade no cnm*
primento de obrigaçftct fde aluicloj e solidariedade de grupo.

J/J
humana”.144 De acôrdo com a afirmação convencional an
tropológica, acentua que a cultura é transmitida, aprendida e
compartilhada. Seguindo seus três modos de orientação mo
tivacional (descritos acima), distingue três grandes classes dc
padrões de cultura: 1) sistemas de idéias ou crenças, caracte-
rizados pela primazia de interesses cognitivos; 2) sistemas de
símbolos expressivos, como as formas de arte, caracterizados pela
primazia de interêsses catéticos (adoção ou rejeição de obje-
tos) ; e 3) sistemas de orientações dc valor ou “padrões inte-
grantes”. Os padrões de cultura tendem a se organizar em
sistemas à base da consistência lógica dos sistemas de crença,

da
dade harmonia
racional estilística
de um das corpoformas de arte morais.
dc normas ou da Parsons
compatibili-
não
se dedica à análise dos sistemas culturais, parecendo considerar
essa tarefa como pertencente à Antropologia Cultural. Atémse
fundamentalmente aos sistemas culturais, na medida em que
afetam os sistemas sociais e a personalidade.
O tema central da teoria sociológica de Parsons é “o
funcionamento das estruturas”. A análise cstruturalfuncional
exige tratamento sistemático do status e dos papéis jJos agentes
cm uma situação social bem como dos padrões institucionais.
O status reíercse ao lugar do agente cm um sistema de rela-
ções sociais considerado como um estrutura; o papel, que em
cada caso concreto é inseparável do status e representa o seu
aspecto dinâmicodo (donde
se à conduta agente cmo conceito de ito/i/spapel),
suas relações refere
com outros, quando
encarada no contexto dc sua significação funcional para o
sistema social. Os padrões institucionais são concebidos como
expectativas padronizadas (ou “estruturadas”) que definem cul-
turalmente a conduta adequada de pessoas que desempenham
papéis sociais variáveis. Uma pluralidade de padrõespapéis
interdependentes forma uma instituição.
Em outra formulação, Parsons identifica “instituições” com
um complexo de padrões institucionais que é “conveniente’* ana-
lisar como uma unidade estrutural no sistema social. Esta for-
mulação transfere o conceito de instituição do nível de uin
símbolo representando a realidade social para o de estudo da
realidade social porque essa conveniência é científica e não so-
cial. Mas êsse ponto de vista, aparentemente nominalístico, pa

M* The Social System, pág. 15.

316
recc ter sido modificado nos escritos mais recentes de PtrmÉ
pois neles uma “instituição" é declarada dc significado estra-
tégico em qualquer sistema social em estudo. Afirmação <
provàvelmente, significa que a existência e o funcionamento
mais ou menos eficiente das instituições são prérequisitos da
estabilidade que distingue uma estrutura, ou o sistema estável,
do sistema social em geral.
As instituições — sustenta Parsons — são o nódulo da
Sociologia. Define Sociologia ou teoria social (em oposição
à Antropologia que encara como a teoria da cultura) como o
aspecto da teoria dos sistemas sociais fjue se relaciona à
institucionalização.
“A institucionalização” — acentua Parsons — "pode ler
encarada como o mecanismo integrativo fundamental dos sis-
temas sociais.”145 Pois envolve tanto a estruturação ou padro-
nização das orientações de valor no sistema social quanto a
“interiorização” dos sistemas de valor na personalidade huma-
na. A institucionalização é, então, o processo integrativo e es-
tabilizador por excelência; forma um laço entre a sociedade
c a cultura, por um lado, e a personalidade e a motivação, por
outro. ‘TÔsto em termos dc personalidade isto significa que
há um elemento de organização do superego, correlativo a
cada padrão de orientaçSopapel do indivíduo em questão. Em
todos os casos a “interiorização" dc um elemento de superego
significa motivação para aceitar a prioridade de interesses co
letivosjôbre as pessoas, nos limites e ocasiões apropriados**.
Esta afirmação, cuja substância é longamente ilustrada em Va-
lues, Motives and Systems of Action e em The Social System,
exemplifica por que a recente teoria dc Parsons é considerada
freqüentemente como sendo mais psicológica (e, em certa me
dida, psicanalítica) do que sociológica.
Naturalmente, Parsons tem plena consciência dc que seu
tratamento do sistema social muito aproxima a Sociologia da
Psicologia. A afirmação seguinte indica a opinião que tem sô-
bre a relação entre as duas ciências: “A relação da Psicolo-
gia para com a teoria dos sistemas sociais aparenta ser extre-
mamente análoga à que existe entre a Bioquímica e a Fisiolo

145 T. Parsons e E. A. Shil», Towêri a General Theory of Act»*,

Cambridge, Massachusetts, Harvard University 1051, pig 130.


Ibid.
gia Geral. Apenas, como o organismo não c uma catcgoria
da Química Gera), assim o sistema social não c da Psicologia.
Mas dentro do esquema da concepção fisiológica do que seja
um organismo cm funcionamento, os processos são dc natureza
química. Similarmente, os piocessos da conduta social, como
de qualquer outra, são psicológicos. Mas sem a significação
a eles atribuída por seu contexto institucionalestrutural, per-
dem sua importância para a compreensão dos fenômenos
• < 1 1 1 1 4
sociais .1,7
Não é fácil situar a teoria de Parsons no universo das
teorias sociológicas contemporâneas. Não é um ncopositivista
e não c precisamente um behaviorista. Dá ênfase ao approach
funcional, que é talvez mais bein ilustrado por seu ponto de
vista de que as estruturas sociais parciais operam como meca-
nismos através dos quais se asseguram os prérequisitos fun-
cionais da continuidade dos sistemas sociais. Mas parece iden-
tificar freqüentemente êste significado de função com a fun-
ção como a própria ação social, donde o observador infere a
existência de uma estrutura social. Esta identificação toma
os têrmos “estrutural” e “funcional’’ quase tautológicos.148
A teoria de Parsons, como vimos, destaca o aspecto norma-
livo da vida social. A ação social é vista como comporta-
mento que envolve orientação de valor e como conduta pa-
dronizada por normas culturais ou códigos sociais. A socie-
dade c, assim, essencialmente uma “ordem moral”, no sen-
tido de que sc baseia em normas moralmente sancionadas.

147 Essays in Sociological Theory, Pure and Applied, Glencoe,


Illinois, The Free Press, 1949, pig. 38. Em 77ir Social System,
Parsons assinala que sua teoria sociológica não se baseia na Psicologia,
mas antes cm uma teoria geral da ação, cujas linhas gerais são apre-
sentadas por Parsons, Shils, Gordon W. Allport, Clyde Kluckhohn,
Henry A. Murray, Robert R. Sears, Richard G. Sheldon, Samuel A.
Stauffer e Edward C. Tolman, na Parte I de Toward a General Theory
o/ Action. Teoria da ação apresentada como um fundamento poten-
cial para a* ciências da Psicologia. Sociologia e Antropologia Cultu-
ral. Ademais, como observaram vários críticos, exceto quanto ao ex-
lume
tenso não
trabalho
iluscram
dc grandemente
Parsons e Shils,
a integração
as diversas
teórica.
contribuições d êsse vo-
w Nio se deve confundir esta critica com o fato de que o
mesma fenômeno concreto, por exemplo um costume social, pode ser
considerado uma função, sob um ponto de vista, e uma estrutura,
sob outro ponto de vista.

318
Quanto a este approach normativo, podese remontar a linha
gem dc Parsons a Durkheim, Thomas e Sumner
Parsons, estudioso ainda jovem (cmra agora na casa dos
cinqüenta), mas influente, já produziu um corpo de traba-
lho teórico que tem provocado extenso “ c intenso —co-
mentário nos círculos soçiológicos. A crítica à obra de Par-
sons inclui o^ seguinte: primeiro, sua teoria baseiase na pre-
sunção arbitrária (c, sob o nosso ponto dê vista,’ inconeta) dc
que a teoria sociológica é um aspecto parcial de uma teoria
geral da conduta humana; podese replicar que a “ação so-
cial” (ou melhor, a “interação social’1) é simplesmente o ma-
terial
social empírico
e que o aúltimo
empregar na oanálise
constitui do grupo
verdadeiro objeto ou
da sistema
Socio-
logia. Segundo, a teoria sociológica dc Parsons, apesar dc
suas explicações modifications que acima observamos, é in-
separável da teoria psicológica. Ademais, em sua obra inicial,
a Psicologia freqüentemente parece uma variedade de “senso
comum", ignorando a moderna teoria educacional e o approach
da Gestalt; nos últimos anos apoiouse êle, muito pc**da*pe"t^
na teoria psicanalitica. De qualquer maneira, sua inclusão
da análise da motivação exige a transferência, para a Socio-
logia, da confusão reinante na Psicologia relativamente a êste
complexo problema c toma incerta a delimitação entre as duas
ciências! A teoria sociológica, sustentamos nós, só pode ser
eficientemente
víduos (cujas construída
motivações “admitindose” as decisões
são psicològicamente dos indi-
da maior im-
portância) e concentrandose na composição das fôrças sociais
ou culturais que ajudam a determinar a conduta. Terceiro, o
cmprêgo desnecessário de novas palavras para conceitos anti-
gos obscurccc às vezes assuntos bast an ie simples, bein como
marca as obras de Parsons, com frequência escritas era um
estilo dificílimo dc lcr, cspcciahncnte para o estudante não
riniciado.
Os trabalhos dc Parsons provocam às vêzes, compreensl
velmente, o comentário dc que êle reivindica apresentar o gK
tema teórico geral da Sociologia (se não de tôdas as “ciências
aa conduta”) 7 Esta impressão deforma a afirmação, expresu
| cm publicações recentes, de que seus esforços deviam ser en-
carados como um programa para a construção de uma teoria
conceptual geraí! Resta verificar se seu programa particular
5c tomou um guia para os esforços sociológicos cm escala ver-
dadeiramente grande — embora já se tenha realizado consi


derávei trabalho fazendo uso da orientação teórica dc Par
149 Ademais, comõ adíàntê veremós, o sistema teórico
dc Parsons não é, do modo algum, na Sociologia contempo-
rânea, uma inovação única, apresentando, na realidade, afini-
dades diversas com as obras de outros escritores, inclusive as
de seu colega e rival, Sorokin.

Florian Znaniecki

Na Sociologia americana, o terceiro grande representante

da tendência
conhecido analítica
do leitor, é Florian
coautor de The Znaniecki
Polish Peasant(1882in ),Euro-já
pe and America (ver cap. XII). Znaniecki nasceu na Po-
lônia, começando a atividade acadêmica, em seu país, como
filósofo e sociólogo. Veio para a América durante a Primeira
Guerra Mundial, colaborando com Thomas no famoso estudo
de ambos. Posteriormente, voltou para a Polônia, mas nos
anos subseqüentes visitou os Estados Unidos como professor
nas universidades de Chicago e Colúmbia. E9tabeleceuse aí
permanentemente durante a Segunda Guerra Mundial e em
1953 tomouse presidente da Sociedade Sociológica America-
na. Suas principais contribuições para a Sociologia Geral,
além de The Polish Peasant, incluem The Laws of Social Psy-
chology (1925), The Method of Sociology (1934), Social
Actions (1936) e Cultural Sciences: Their Origin end Deve-
lopment (1952). O resumo seguinte baseiase largamente na
última das obras que escreveu e que representa o pensamento
mais maduro de Znaniecki.
O sistema teórico dc Znaniecki pode scr melhor compre-
endido como um desdobramento do postulado da ordem cultu-
ral universal, cuja aceitação é essencial para a compreensão
sociológica dos fenômenos sociais e culturais.
&5ta proposição pressupõe definições precisas, e geralmen-
te aplicáveis, de fenômenos sociais e culturais. Cultura, de

140 Além de The Structure of Society, de Levy, e, em menor


extensão, Human Society, dc Davi*, ambos citado* acima, oj vo-
lumes que,dcnotòriamente, utilizam elementos da teoria de Parsons in-
cluem: American Society, A Sociological Interpretation, Nova York,
Alfred A. Knopf, Inc., 1951, de Robin M. Williams, Jr., c Science
and the Social Order, Glencoe, Illinois, The Free Press, 1952, de Ber-
nard Barber.

320
acôrdo com Znaniecki, 6 um conceito indutivo, simbolizando
religião, língua, literatura, arte, costume, mores, leis, organi-
zação social, produção técnica, troca econômica, filosofia e
ciência. As sociedades são encaradas como todos separados,
territorialmente localizados, incluindo sêres humanos e cultu-
ras sistemàticamente integradas.
Znaniecki, como Parsons, especifica a unidade da análi-
se sociológica como ação. Ação definida como conduta “cons-
ciente”, ponto de vista que contrasta com a posição behavio
rista e, a êsse respeito, com a de Pareto. Entretanto, nem tô
das as ações humanas são sociològicamente relevantes. A ação
social de interêsse primário para Sodologia é a conduta que
tende a influenciar sêres humanos conscientes, ou coletividades.
Em outro lugar, o têrmo “interação” é usado para conotar
aproximadamente a mesma dasse de fenômenos. Classifica as
ações sociais em tipos: criador, reprodutor e destruidor, clas-
sificação baseada em obra muito anterior de Tarde.
Indivíduos interatuantes relacionamse, freqüentemente,
pelo consenso ou acôrdo mútuo. Tal fato indica que os va-
lores em que se baseia os julgamentos de indivíduos relacio-
nados dessa maneira são compartilhados em certo grau. Tal
acôrdo pode enraizarse na aceitação comum de modelos ideo-
lógicos, caso em que as ações são “axionormativamente orde-
nadas”. A observação mostra que a maioria das ações dos
participantes, em cada coletividade, segue, por compulsão, pa-
drões culturais definidos. Znaniecki explica esta padronização
ubíqua do comportamento social mostrando que os padrões
culturais de ação tendem a satisfazer necessidades humanas
básicas. Por outras palavras, as ações são culturalmente pa-
dronizadas de tal maneira que, seguindose os padrões, os pro-
pósitos respectivos serão regularmente realizados. Esta expli-
cação serve para prestar esclarecimentos à “ordem cultural
universal” postulada no princípio. Ordem cristalizada em “sis-
temas limitados” (têrmo que Znaniecki prefere agora ao têr-
mo “sistemas fechados” usado em suas primeiras obras). As
ações sociais, funcionalmente interdependentes de sêres huma-
nos ou “agentes”, integramse em sistemas axionormativamente
organizados. Assim, a ordem cultural tem um duplo signifi-
cado: é uma ordem de conformidade (com as normas sociais) e
uma ordem de interdependência funcional.
Ponto de vista este coerente com o conceito de Znaniecki
da natureza da Sociologia (similar ao de Simmel). A Socio

21
login — acentua ele — conccntrasc nas relações sociais ou
humanai e nos grupos dentro dos quais ou entre os quais exis-
tem tais relações.150 A limitação da Sociologia a relações e
grupos sociais é cm grande parte resultado do rápido avanço
da pesquisa social. Pois as conclusões da pesquisa capacitam
agora os sociólogos a generalizarem acerca dos fundamentos
sociais comuns de todas as categorias da ordem cultural. A im-
portância da Sociologia para as outras Ciências Naturais —
susienta Znaniecki — cresceu na proporção em que ela se li-
mitou ao estudo dos sistemas sociais dos quais depende a exis-
tência dc cada domínio da cultura.
A posição metodológica dc Znaniecki não é explicada em
sua recente Cultural Sciences, Entretanto, suas primeiras pu-
blicações, especialmente The Method of Sociology, situamno
em um grupo de sociólogos cm que sc incluem Weber, Cooley
e Maclver. Como os dois últimos, Znaniecki opõese forte-
mente à Psicologia behaviorista na análise sociológica, consi-
derando o behaviorismo extremo como uma espécie de supers-
tição científica. Revelou este ponto dc vista cm The Method
e repete o argumento em Cultural Sciences. De acôrdo com
êle, aqueles que condicionam a conduta humana assim agem
a fim dc fazer com que os objetos de sua atividade condicio
nante se comportem como sc êlcs próprios fossem agentes cons-
cientes, e tais atividades muitas vêzes se mostram altamente
eficientes. O sucesso dessas atividades condicionantes — de-
duz Znaniecki — é um argumento forte em favor da propo-
sição básica de que os objetos humanos do condicionamento
são eles próprios seres conscientes, com capacidade para com-
preender ações simbólicas a eles dirigidas.
A metodologia, bem como a concepção da natureza da
ordem social, de Znaniecki, incorpora seu conceito do “coefi-
ciente humaníftico”, que caracterâa relações sociais e traduz
a significação da consciência humana na vida do indivíduo
e da sociedade. Esta convicção apóia a defesa de Znaniecki,
do uso, na pesquisa, de autobiografias e outros documentos pes-
soais — que revelam atitudes e estimativas das pessoas; também
apóia sua oposição a uma confiança absoluta nos métodos

iso Ver, a êste respeito, o recente trabalho de Znaniecki, “So-


cial Group* in the Modem World", capítulo V de Freedom and Control
in Modem Society, Nova York, D. Van Nostiand Co., Inc., 1954, de
M. Berger, T. Abel e C. H. Page.

322
quantitativos. Finalmente (e ainda aqui seus pontos de vis-
ta assemelhamse aos de Cooley e Maclver), a ênfase que
Znaniecki atribui à ação humana consciente e seletiva o con-
duz à opinião de que a Sociologia c a Psicologia Social são
disciplinas necessariamente relacionadas muito estreitamente, se
não interdependentes. Sua própria obra representa importan-
te contribuição a ambos os campos.191

Robert M. MacIver

A Sociologia
melhase, sob muitosde aspectos,
Znaniecki, à como
de seuacima indicamos,
amigo e antigoasse-
co-
lega, Robert M. Maclver (1882 ), que selecionamos como
o último grande representante do approach analítico. De nas-
cimento e educação escoceses, Maclver ensinou em seu país
natal, no Canadá e, a partir de 1927 até aposentarse, há al-
guns anos, na Universidade de Columbia. Como Znaniecki e
Parsons, presidiu a Sociedade Sociológica Americana.
Maclver é autor de uma longa lista de destacados volu-
mes de teoria política e econômica bem como de Sociologia.
Neste último terreno, suas obras mais sistemáticas incluem
Community (1917), Society (1931) — revista em 1937, e no-
vamente em 1949, em colaboração com Charles H. Page —
Social Causation
esociológicos (1942).considera
de Maclver Recente quádrupla
apreciação a dos escritos
contribuição
que prestou:
Primeiro,... desenvolveu êle nstemàticamente e ex-
plorou fecundamente uma impressionante rede de con-
ceitos sociológicos fundamentais. Segundo, ajudou a en-
frentar a maré do positivismo excessivo e do empirismo
cru. Terceiro, reafirmou o ponto de vista do homem
como ser humano criador, com subjetivas esperanças, sen-
timentos, aspirações, motivos e vatôres. Finalmente, de

181 Êste ponto, bem como as semelhanças metodológicas entre


Weber,
George Cooley,
Simpson,Znaniecki
cm Man e inMaclver,
Society são brevemente
(Studies discutidosNova
in Sociology), por
York, Random House, 1954, cap. IV.
152 Esta seção sôbre Robert Maclver foi escrita por Charles
H. Page.

323
rnonstrou positivamente que o trabalho sociológico pode
ser belo, claro, artístico e literário.15*

A principal fôrça de Maclver é a síntese, a capacidade


de interpretar c reintegrar materiais diversos da vasta herança
da ciência social e construir um sistema de teoria sociológica
claramente delineado. Insistindo em que uma Sociologia ma-
dura exige perfeita compreensão dos conceitos dc organização
que orientam seus esforços, Maclver define precisamente tais
conceitoschave: como sociedade, comunidade, associação, ins-
tituição, atitudes e interesses, códigos sociais, classes sociais e

multidão,
dos em suas culturaobras
e civilização.
com uma Êstes e outros
coerência conceitos,
incomum. utiliza-
Ademais, as
agudas distinções conceptuais que delineia entre diferentes as-
pectos de fenômenos empiricamente relacionados — por exem-
plo, entre interesses semelhantes (individualizados) e comuns
(compartilhados), Estado e sociedade, ordem “interna” (en-
volvendo a consciência humana) e “externa” (biológica, geo
graáfica e tecnológica) dc fenômenos — formam o esquema
básico de sua teoria da estrutura social e da transformação
social.
Podese atribuir a maioria dos conceitos fundamentais de j
Maclver aos primeiros sociólogos; em suas mãos, contudo, êles
se tornam refinados e lògicamente interxelacionados uns com
os outros.
plexo Assim, sua
de relações compreensão
sociais, de sociedade
assunto da primeira como um com-
importância para
a Sociologia, é semelhante ao conceito de Simmel e outros. A
distinção, muito anterior, de Toennies, entre Gemeinschaft e
Gesellschaft (ver cap. VIII) provê a base para o contraste de
Maclver entre comunidade, o grupo social mais inclusivo e .
territorialmente enraizado, e associações, organizações promo-
vendo um número limitado dc interesses específicos. Seguin-
do esta distinção, a comunidade e a matriz de tôda organiza-
ção social, enquanto o Estado e a família, bem como nume-
rosas associações menores são necessàriamente limitados em
sua escala de atividades. O conceito dc Maclver de interesses
sociais e do papel essencial que exercem, ajudando a mode-
lar padrões de relações c organização de grupo, tem afinida
189 Harry Alpert, “Robert Maclver'» Contributions to Sociolo-
gical Theory", capitulo XIII, em Freedom and Control in Modem
Society, de Berger, Abel e Page, págs. 28687.

324
d es com os pontos dc vista dc muitos teóricos, incluindo Spen-
cer, Giddings, Small c Durkheim; entretanto, sua classificação
de interesses e sua análise das correspondentes implicações *>
ciais vão além da obra destes primeiros estudiosos. Para to-
mar uma ilustração final (há muitas outras), a distinção dc
Maclver entre interesses objetivos, os “objetos” para os quais
se orientam as pessoas (por exemplo, “amigo”, “inimigo”,
paz, dinheiro), e atitudes subjetivas, “estados de consciência
dentro do scr humano individual, com relação a objetos154
está conceptualmente muito próxima da distinção de Thomas
entre valôrcs objetivos c atitudes subjetivas (ver cap. XII).
Tanto Thomas como Maclver acentuam que as definições aca-
badas de relações sociais precisam sempre incluir atitudes e
interesses ou valôres, e que conseqüentemente uma teoria com-
pleta da conduta humana envolve necessàriamente as duas dis-
ciplinas, a Sociologia c a Psicologia Social.
Observamos acima que a Sociologia de Maclver também
apresenta semelhanças com os pontos dc vista de Cooley. Não
há sòmentc similaridades metodológicas entre os dois, mas o
primeiro acentua c desenvolve o tema, do segundo, da inter-
dependência do indivíduo e sociedade, sem, entretanto, fazer
desta relação fundamental e reciproca uma relação de harmo-
nia completa. Assim, discutindo o aspecto normativo da vida
social, freqüentemente negligenciado, analisa em detalhe não

sòmentc a naturezamoral,
sociais” (religião, das normas sociais
costumes, lei, emoda),
os “grandes
mas ascódigos
rela-
ções positiva e negativa entre o contrôle normativo social e a
vida do indivíduo.135
Em Society, onde se apresenta, de maneira mais com-
pleta, sua teoria sociológica geral, o tratamento que Maclver
dispensa às normas sociais forma uma parte da prolongada
discussão da estrutura social (normas referidas como “fôrças
sus tentadoras do código e do costume”). O resto da análise da
estrutura social relacionase bastante com vários tipos de gru-
pos sociais, incluindo família, comunidade, classe social e cas-
ta, grupos étnicos, multidão, e as grandes associações econômi-
cas, políticas e “culturais”. Ainda que Society, especialmente

154 R. M. Maclver e C. H. Page, Society: An Introductory


Analysis, Nova York, Rinehart e Co., Inc., 1949, pig. 24.
155 Esta análise inclui um ensaio breve, mis produtivo, sôbre
**The Problem of Moral Liberty’*; ver Maclver e Page, op. (it.. Parte II.

325
na edição mais recente, seja designado como um compêndio
geral de Sociologia, Maclver utiliza largamente seu sistema
teórico e coerentemente aplica suas definições conccptuais bá-
sicas a uma grande variedade de materiais extraídos da moder-
na pesquisa social. Ademais, o destaque atribuído por êle ao
papel fundamental dos sentimentos subjetivos, aspirações e ati-
tudes na vida social envolve sua interpretação, bem como sua
convicção, fundamente assentada, dc que o homem c um ser
tanto social e culturalmente criador quanto criado.
Convicção que se revela francamente em Social Causation,
obra negligenciada, porém a mais madura, talvez, de Maclver.
Acreditamos
áureo entre aque, neste de volume,
posição encontrou êle que
muitos neopositivistas, o meiotêrmo
identificam
a causação social com a causação natural, e o ponto de vista
cético, recentemente propalado por Sorokin, entre outros, que
nega a aplicabilidade do conceito de causa aos fenômenos so-
ciais. Maclver não sustenta que podemos conhecer as condi-
ções ou causas determinantes de tôda a conduta do homem.
Entretanto, insiste era que é possível desenvolver um concei-
to geral de causação que envolva as relações psicológicas e
sociais bem como as nãosodais. Mas estas últimas — por
exemplo, a relação causai entre vento e onda, solo e cresci-
mento — é prcciso entendêlas como relações de “ordem inva-
riável” de natureza externa, refletindo leis naturais, não so-
ciais.
relaçõesAs (por
proposições
cientistas e físicos
os métodos usados não
c biológicos) parasão,estudar
como estas
ar-
gumentam os neopositivistas do tipo de Lundberg, suficientes
para compreender a causação dos fenômenos sociais. Pois es-
tes últimos incorporam um elemento psicológico: há uma fun-
damental “distinção entre o tipo de causalidade existente quan-
do um papel voa ante o vento e o revelado quando um ho-
mem voa ante uma multidão que o persegue... o papel não
sente mêdo, nem o vento ódio, mas sem mêdo e sem ódio o
homem não voaria nem a multidão o perseguiria”.186
Maclver assinala que a conduta humana é influenciada
por uma grande variedade de circunstâncias, sociais e não
sociais. Distingue três “grandes domínios dinâmicos”: o do
ser físico, o do ser orgânico e o do ser consciente. Embora cada
qual tenha atributos distintos (exigindo distintos métodos dc
investigação) interrelacionamse finalmente. Mas o “domf

18* Social Causation, Boston, Ginn and Co., 1942, pág 299.

326
mo do ser consciente', consistindo nas ordens cultura], txfVh
lógica c social, constitui o interêsse primário dc Maclver; aqui
é que se descobrem as peculiaridades da causação social. Escxt
ve êle:
Em toda conduta consciente hi... um processo du-
plo de organização seletiva. Por um lado, o sistema de
valôres do indivíduo, seu complexo cultural ativo, sua
personalidade, é focalizado em uma direção particular,
para um objetivo particular... Por outro lado, certos
aspectos da realidade externa são seletivamente relacio-
nados às estimativas de contrôle, distinguemse do resto
do mundo externo, são de certo modo extraídos dêle,
dado que se tornam agora, eles próprios, fatôres de valor,
meios, obstáculos ou condições relevantes para a indaga-
ção de valor O sistema interno ou subjetivo é focalizado
por sua estimativa dinâmica; e o sistema de fora, ou ex-
terno, i “refletido” nesse foco, sendo a parte que se acha
iluminada transformada de mera exterioridade em algu-
ma coisa que também pertence ao mundo dos valôres,
eomo veículo, acessório, obstáculo e custo de realização
de valôres.187

Esta afirmativa sugere o significado do conceito estraté-


gico de Maclver, contribuição dinâmica, ato consciente pelo
qual os sêres
de pêso. humanos relacionam
As contribuições dinâmicasmeiosdos ahomens
fins e trazem
alternativas
para
um foco único “todos os fatôres que determinam a conduta
consciente”, social e nãosocial; representam a singularidade e
a variação inevitável da ação social. O estudo da causação
social (diferentemente do da motivação psicológica) centraliza
se em “contribuições parecidas ou convergentes que jazem sob
atividades de grupo, acordos institucionais, folkways, em geral
os fenômenos da conduta social”.158
As contribuições convergentes encontramse na base de
três tipos distintos de fenômenos sociais dinâmicos. Primeiro,
as transformações distribuitivas, tais como alteração em mores
e estilos de vida e flutuações em médias de nascimento, crime,
casamento, etc., representam um “agregado de muitas ações
157 Ibid., págs. 29293.
198 Ibid., págs. 300301.
327
individuais”, mas não envolvem nenhum objetivo consciente
de grupo. fcste é central no segundo tipo, o dos fenômenos co-
letivos, t.»i* como movimentos sociais organizados, políticas ad-
ministrativas e revoluções políticas. Finalmente, os fenômenos
conjunturais são persistências ou transformações, em larga es-
cala, na estrutura social (por exemplo, flutuações do ciclo eco-
nômico ou a transformação de uma sociedade agrária em in-
dustrial), não planejadas pelos homens e que, não obstante,
representam conseqüências importantes dc miriades de con-
tribuições individuais. Sem dúvida, o modo dc análise dêsses
três tipos de fenômenos varia, mas o papel fundamental da
ação coletiva conscicntc deve ser estudado em todos os três,
se pretendermos captar a dinâmica da causação social. De acôr
do com semelhante destaque, atribuído à interdependência en-
tre indivíduo e sociedade, Maclver afirma a tesechave seguinte:
A contribuição individual não pode ser isolada da
contribuição do grupo. Cada qual tem, apesar disso, sua
própria coerência. Há, por um lado, a personalidade in-
dividual, e por outro, os mores que se opóiam nos gru-
pos. O esquema valorativo, imperfeitamente coerente nos
dois níveis, desviase em ambos das normas professadas,
e está para sempre sujeito a mudança. Mas êsses esque-
mas interdependentes de estimativa constituem juntos o

sistema são
fatôres de contribuições
trazidos para pora meio
ordem doúnica
qual elaos causação
diversos
social.159

A análise de Maclver da causação social relacionase es-


treitamente com seu tratamento da transformação social c da
evolução social. Discutiremos no capítulo XXI as suas con-
tribuições para estes assuntos.
Nesta.* diversas áreas da investigação social — contrôle
social e regulação normativa, estrutura social e grupos sociais,
causação social e transformação social — Maclver escreve com
aptidão incomum e sensível consciência da complexidade da
vida social. Todavia, seu invejável estilo literário às vêzes obs
eurece
ciólogicosa estão
marcha fartamente
dos argumentos.
espalhados,Ademais, seus um
constituindo escritos so
proble-
ma para o leitor que pretende seguirlhe o sistema sociológico.

Ibid., pi*. 310.

329
A própria Sociologia (embora mcno» do que ma teoria poB
tica, igualmente famosa, e que não discutiremos aqui) apare-
ce claramente colorida pelas convicções sodas e es-
pecialmente pela vigorosa defesa da democracia potttica, e peia
filosofia social idealista de Maclver. Quaisquer que aejam
as limitações de sua obra, entretanto, permanece êle uma fi-
gura rdevantc na Sociologia analítica de hoje.

Resumo: convergência na Sociologia analítica

rie, As
para teorias discutidas
empregar têrmo neste capítulo formarão
frequentemente congc
usado nasumaobras de
Sorokin? Ou representam esforços convergentes rumo à neta
de uma teoria sociológica unificada?
Tais perguntas provocaram com relação ás teorias de So-
rokin e Parsons, um documento bastante incoxnum. Seguindo
a publicação, em 1951, de The Social System e Toward a Ce
ncral Theory of Action, de Parsons, Sorokin distribuiu um me-
morando, “Similarities and Dissimilarities between Two Socio-
logical Systems** (parte do qual foi reproduzida, em tradução
alemã, e comentada por Leopold von Wiese, sociólogo respei-
tadíssimo, na Kõlnischê Zeitsehrift fur Soziclogie). Sorokin
afirma aS que há uma gritante concordância entre o esquema

conceptual básico de desenvolvido


esquema conceptual, Parsons, e seusem adeptos,
uma sériee ode seu próprio
obras an-
teriores às publicações teóricas de Parsons. Sustenta esta afir-
mação com uma sinopse de excertos dc escritos dc ambos os
estudiosos. Sorokin conclui que as semelhanças entre os dois
sistemas são maiores do que as existentes entre os pontos de
vista de Parsons e as teorias de Weber, Pareto, Durkheim e
Freud — fracamente reconhecidas por Parsons, enquanto The
Social System cita uma única vez as obras de Sorokin. A es-
trutura básica desse volume, o que também é assinalado, é
notàvelmentc diferente da que se encontra no volume inicial
de Parsons, Structure of Social Action, sendo a mudança no
sentido do esquema teórico de Sorokin.

Não Mas
Sorokin. nos ainteressa
tendênciaaquidc aconvergência
justificação na
das Sodologia
afirmaçõescon-
de
temporânea é o tema básico dêste livro. Parece não haver
quase dúvida dc que significativas similaridades entre as teo-
rias dos dois estudiosos rivais ilustram essa tendência. O que
329
cm parte resulta do fato de quc Sorokin passou muitos anos re-
formando e experimentando teorias de numerosos eminentes
pensadores sociais antecedentes; sistematizouas e enriqueceu
-as com contribuições próprias. Parsons, mas recentemente,
entregouse a empreendimento semelhante c apresentou propo-
sições teóricas freqüentemente parecidas, em conteúdo, às dc
Sorokin, embora claramente diferenciadas na forma (e deci-
didamente contrastantes em estilo). As contribuições criado-
ras do próprio Parsons, embora não tão espetaculares quanto
as de Sorokin, são consideráveis, conforme assinalamos. Mas
as afinidades teóricas entre Sorokin c Parsons — e cm certa
medida entre seus pontos de vista e os dc Znaniccki e Maclver
— exigem estudo mais acurado do que têm tido.160 Os se-
guintes parágrafos de resumo indicam brevemente a direção
que tal estudo poderá tomar.
Em primeiro lugar, os quatro estudiosos cuja obra exa-
minamos neste capítulo concordam em um problema básico
para a teoria sociológica: o problema da natureza da socieda-
de. Êstcs sociólogos analíticos (e muitos outros, vários dos
quais freqüentemente citados nas notas de rodapé do presen-
te capitulo) concebem a sociedade como um sistema ou, mais
exatamente, um sistema de sistemas. Os componentes últi-
mos dos sistemas sociais são agentes, personalidades humanas,
cuja conduta social envolve neccssàriamente seletividade ou

contribuição,
tivas de outros mas e quepor é valôres
tambémculturais.
padronizada pelas a expecta-
Entretanto, unida-
de básica da análise social não é o própria agente, mas sua
"ação” como situa Parsons (talvez, mais acuradamente, inte-
ração) ; as “relações sociais” de Maclver também implicam
um approach interativo.
Sorokin, Parsons, Znaniecki e Maclver concordam em
que a cultura é um sistema de sistemas. Mas o conceito dc
cultura nSo se refere às interações sociais como tais, e sim
a seus produtos duráveis, materiais ou não. (Maclver iden-
tifica a “cultura” com produtos humanos caracterizados por
valôresfms, distinguindo a cultura, neste sentido, dos produ-
tos utilitários ou instrumentais, como a tecnologia, a que de

100 Chamamos novamente a atenção para a rccente obra dos


Hinkle, The Development of American Sociology, cm que analisam
as semelhança* teóricas entre Znaniecki, Maclver e Parsons; infeliz-
mente, os autores deixam de considerar Sorokin.
nomina “civilização”; esta distinção, eznbora varie a —Ht
logia, também aparece nos escrito* de Sorokin e Parjorn.)
Os dois sistemas dc sociedade e cultura pcmuiicceQ |efn
uma complicada relação de interdependência. Ainda que «u
relação venha sendo parcialmente esclarecida pelos soc&ogo*
analíticos, especialmente pela teoria conceptual de Sorokin e
Parsons, continua um grande problema para outros analistas
dos assuntos sociais e culturais.
Os sociólogos analíticos parecem de acôrdo, fundamen-
talmente, no que se refere ao problema da relação entre so-
ciedade e indivíduo. O indivíduo, por um lado, é um agen-
te ativo e criador nos sistemas de sociedade e cultura, e, por
outro, é um produto destes sistemas. Digno de nota é que
tôdas as figuras com que lidamos (exceto Parsons, cujos es-
critos raramente citam seus predecessores americanos em So-
ciologia) reconhecem explicitamente sua concordância bisica
com o ponto de vista de Cooley, muito anterior mas extrema-
mente similar, da interdependência do indivíduo e sociedade.
Dos nossos quatro grandes sociólogos analíticos, Znaniecki
em The Method of Sociology, e Maclver em Social Causation,
foram os que se dedicaram extensamente aos problemas da me-
todologia. Mas todos quatro, e é importante observálo, opõem
se ao behaviorismo puro e três dêles (Sorokin, Znaniecki e
Maclver) tomam fortes elementos ao neopositivismo extremo.
Todos
sa ser concordam,
submetida à entretanto,
prova pelaempesquisa
que a empírica;
teoria abstrata preci-
neste sentido
Sorokin fez largo uso de procedimentos históricos e quantita-
tivos. De acôrdo com a designação — analítica — que demos
a suas obras, todos quatro demonstram as virtudes do raciocí-
nio lógico e a aguda consciência que têm das complexidades
sociais. No mais amplo sentido do têrmo, todos são “observa-
dores participantes'' superiores do mundo que os circunda.

331
CAPITULO XIX

Escolas Filosóficas

A escola institucional: fase platônica

O approach institucional da escola filosófica surgiu na Fran-


ça cm meados da década de 1920. Duas peculiaridades o ca-
racterizam: primeiro, todos os seus membros são católicos ro-
manos e, à axceção dos fundadores da escola, tentam construir
um sistema de Sociologia à base da Filosofia tomista; segun-
do, a maioria dos membros da escola é de juristas, sendo a teo-
ria sociológica que cies apresentam um produto acessório da
tentativa de resolver um problema jurídico, o da natureza da
personalidade coletiva.
Em contraste com a tradição romana e com o pensamento
anglosaxão, que negam a realidade dessas personalidades, e
com as idéias dc Otto Gierke (13411921), o grande jurista
alemão do fim do século XIX, que no campo da jurisprudên-
cia professou um realismo social extremo (à maneira de Durk-
heim), eles atribuem aos grupos sociais, entre os quais as cor-
porações, uma realidade sui generis — que pode ser ou não
reconhecida por lei, mas é independente d&se reconhecimento.
O pai deste ponto de vista foi Maurice Hauriou, um dos
maiores juristas da França. Podemse encontrar cm suas pri-
meiras obras traços do que viria a sc tomar a “teoria insti-
tucional”; mas a Teoria da Instituição c do Fundamento, que
apareceu em 1925, pouco antes da morte do autor, é uma for-
mulação explícita e vigorosa deste approach. Hauriou sofreu
em certa medida a influência de Henri Bergson e Claude Ber

332
nard, mas apoiou a própria teoria, fundamentalmente, na s»>
dcscobcrta dc uma afirmação dc Santo Agostinho: “Um povo
c uma assembléia de seres racionais unidos por um io6nio
comum quanto ao objeto dc seu a mor."m
O ponto de partida de Hauriou é esta proposição bastan
te platônica: “As idéias objetivas existem por antecipação no
vasto mundo que nos rodeia." Entre essas idéias estão as que
sc referem a tarefas a cumprir que não podem “vagar ao lar-
go” na socicdadc amorfa; precisam ser apreendidas e corpo
rificadas cm instituições.
Hauriou distingue dois tipos de instituição: o primeiro
consistindo de coisas que correspondem a sistemas dc noimas
de conduta, c o segundo composto de pessoas ou grupos sociais.
Interessavase ele, primacialmente, pelas instituições do segun-
do tipo.162 Portanto, seus escritos sociológicos constituem prin-
cipalmente uma teoria do grupo social, campo surpreendente-
mente negligenciado, à época, pelos sociólogos profissionais.
A instituição (ou grupo social), de acôrdo com Hauriou,
compreende três elementos: a idéia organizadora, o govémo
organizado e a comunhão mútua dos membros em tômo da
idéia. A idéia organizadora, a idéia da tarefa a cumprir, m
troduzse na mente de um número indeterminado de indiví-
duos. Em estilo verdadeiramente platônico, Hauriou acentua
que, embora a idéia comum receba formas algo diferentes
nas várias mentes individuais, permanece “objetivamente” a
mesma. As idéias organizadoras conferem uma existência pró-
pria às instituições e são significativamente diferentes das idéias
dos membros que constituem os grupos.
O segundo elemento institucional de Hauriou é a organi-
zação, análogo ao govémo no Estado. O governo é manifes-
tação da vontade humana. O exercício da vontade, portanto,
é um elemento essencial da realidade social de uma institui

191 Como o demonstra Moorhouse I. X. Millar, em "Hauriou,

Suarex and Marshall", Thought, março, 1932.


ia Diversos teóricos contemporâneos, entre os quaii Parsons «
Maclver, distinguem incisivsmente entre os grupos sociais concretos, co-
letividades a que as pesaoas p*rttnc*m, e as instituições, procedimen-
tos estabelecidos e socialmente obrigatórios caracterizando a vida de
grupo. Hauriou, como anteriormente Sumner, engloba os dois
ficados em “instituição”, embora sua concepçio do primeiro tjpo —
sistemas de conduta — corresponda ao uso mais largamente aceito.
ção, mas contribuem para cie os membros individuais c assim
não 6 a “vontade” da própria instituição.
O terceiro elemento institucional é a comunhão mutua
dos membros. Hauriou rejeita qualquer conceito dc mente
coletiva. Seu conceito dc comunhão mútua referese ao fato
de que os indivíduos são semelhantemente afetados pelo con-
tato com a mesma idéia organizadora, que eles espontaneamen-
te reconhecem a semelhança de seus estados mentais, e que
desta maneira são induzidos à ação comum.
Esta análise dos elementos interatuantes dos grupos so-
ciais ou instituições é suplementada pela teoria de Haunou
de como as instituições nascem, vivem e morrem. Jurista, êle
identifica os rstágios da vida de grupo com processos legal-
mente relevantes. Assim, as instituições emergem através de
“atas de fundação” e morrem mediante “dissoluções'*. A vida
delas, de acôrdo com Hauriou, consiste nas operações legais
de suas “administrações”; nas eleições de grupo e deliberações,
e na adesão gradual de novos membros. A duração de uma
instituição depende não tanto da vontade de seus fundadores
como da persistência da idéia organizadora essencial. Pois os
elementos geradores de uma instituição plantam a idéia viva em
uma sociedade amorfa; uma vez plantada, ela se desenvolve
por si mesma.

A escola institucional: fase tomista

Apesar da base filosófica platônica e da supervalorização


de seus aspectos legais, Hauriou produziu uma sugestiva teo-
ria do grupo social. Outro institjcionalista, Georges Rcnard,
desenvolveu a teoria de Hauriou, mas deslocoulhe as bases
do platonismo para o tomismo em The Theory of The Ins-
titutions (dois volumes, 193039). Para Rcnard, uma insti-
tuição ou grupo social é a “comunhão de homens em uma
idéia”. Renard acentua que, em sua concepção, instituiçSo
e grupo social são idênticos. Entretanto, freqUentementc am-
plia o significado deste conceitochave sociológico. Assim, men-
ciona a possibilidade de “paz institucional” e cm determinado
lugar até exprime a idéia de que a natureza humana é uma
instituição primária. Mas a maior parte de The Theory of
the Institutions confinase a uma análise do grupo social, cons-
tituindo o corpo de proposições que aqui nos interessam.

334
A ideia geradora’, de acôrdo cora Renard, prtxku axm
grau de solidariedade entre as pessoas que sustentam ou de-
sejam sustentar o grupo social. O grupo ou instituição, **m,
une as pessoas — mas não elimina sua individualidade com
seres racionais. A estrutura interna de uma imütuiçio é com-
posta de relações sociais. Mas ao passo que outras relações
mantêm juntas as pessoas, como indivíduos, de várias manei-
ras, dentro das instituições o grupo resulta do fato de que os
membros compartilham de uma entidade que os domina.
No segundo volume da obra, que é mais filosófico do que
o primeiro, Renard desenvolve as seguintes idéias: cada pes-

soa tem doumaeu concepção


ligação com o nâs. O eu
de m um distinto
próprio e uma
vinculo não crença na
é pura-
mente lógico; é real ou existencial. O propósito do estudo so-
ciológico da instituição é mostrar como êstes elementos indi-
viduais e sociais se ajustam mutuamente. Segundo o ponto de
vista de Renard, a instituição, como um organismo, integra
seus membros em um todo, embora não tão completamente
a ponto de destruir as respectivas individualidades. Pelo con-
trário, a instituição provê os sêres individuais de propriedades
que dc outro modo não possuiriam. Por outras palavras, o
grupo não é redutível à soma total de suas partes.
A vida interior de ura grupo social ou instituição — sus-
tenta Renard — é caracterizada pela intimidade, autoridade e
objetividade.
fiança*', mas A confiança
intimidadesocialmente
institucional é um “laço
padronizada de con-
ou organizada,
c a este respeito difere da amizade individual. Certa espé-
cie de autoridade é essencial em um grupo social; é de fato
a condição de sua existência, sua maneira de ser, inseparável
das exigências da vida social. (Gomo alguns dos críticos de
Renard observaram, ele passa por alto a possibilidade de agru-
pamentos igualitários em que a autoridade é sustentada por
todos os membros, de acôrdo com um principio de justiça.)
A autoridade, imanente ao todo, é exercida por indivíduos na
medida em que servem ao “bem comum”, o qual, neste con-
texto, é provàvelmente identificado com a idéia geradora de
uma instituição particular. As relações mútuas entre as pes-
soas que compõem as instituições são essencialmente as rela

Êste ponto de vista auemelhaee na linguagem, e, em cem


medida, na substânda, às teorias de Cooley o Mead, dkãtídai ao
capítulo XII.
ções entre os órgãos dc um organismo jurídico; sua estabilida-
de exige a cxistcncia dc normas c sanções dc grupo. Normas e
sanções essenciais que constituem o que Rcnard chama a obje-
tividade dc uma instituição.
Finalmente, Renard considera o problema da transforma-
ção institucional. As instituições se srcinam por uma “ata
dc fundação” que manifesta uma comunhão de vontades; c
uma vez constituídas escapam, por assim dizer, à vontade de
seus fundadores. Assim, as instituições têm vida própria, de-
senvolvendose através do tempo, de acordo com sua natureza
específica.
Em geral, a teoria de Rcnard da estrutura e da transfor-
mação da instituição 6 muito semelhante à de Hauriou, mas
está livre do platonismo do segundo. De acôrdo com éste,
a vontade comum dos indivíduos, conseqüência da sustentação
comum de uma idéia, c a fôrça instigadora do desenvolvimen-
to institucional. Mas a vontade comum cria uma nova espé-
cie de ser social que difere dos indivíduos estranhos à vida
do grupo. Êste ponto de vista geral caracteriza os escritos de
diversos outros sociólogos, inclusive os institucionalistas André
Desquéyrat e René Clémcns.1M Estes dois autores, cujas obras
príncipais apareceram na década de 1930, dão ênfase especial
à persistência de instituições ou grupos sociais, sublinhando o
fato de que seu período de vida excede caractcrlsticamcnte o
de seus membros bem como seus interesses srcinais.
Mais srcinal do que estas concepções é o ensinamento de
J. T. Dèlos em The Problem of Civilization; The Nation (dois
volumes, 1944). Os grupos sociais — sustenta — são engen-
drados pelas relações sociais e possuem realidade própria. São
entidades especiais constituídas pela totalidade das relações
entre os homens e os objetos que os unificam. Mas desde
que as relações constituem “acidentes”, cm terminologia fi-
losófica, a realidade dos grupos sociais é de uma ordem infe-
rior à dos homens, que são substâncias.
Em contraste com Rcnard, Delos acredita que as rela-

ções elas
outra; sociais nunca a média
atravessam se estendem diretamente
de um “objeto”. de uma pessoa a
Tais obje

1®* A. Deiquéyrat, VInstitution: Li Droit objtcíif gt la tgchai


gmg potitiog (1933); R. Clémens, Psrsonditi morale it pgrsonalité
juridiqug (1935).

336
tos podem ser materials, em natureza, ou podem conâstir de
fins ou idéias. A cicncia, por exemplo, é realidade objetiva,
embora imaterial, unindo estudiosos e estudantes.
Sob um aspecto, Delas corrige o que encaramos como um
engano comum a seus predecessores filosóficos na escola ins-
titucional. Compreende êle que os grupos sociais não são sem-
pre instituídos pela aceitação comum de idéias diretivas; em
alguns casos os indivíduos estão ligâdos uns aos outros em vir-
tude dc influência exercida sôbre éles por um objeto, antes do
desenvolvimento de qualquer propósito consciente. Neste caso,
o propósito individual é conseqüência de alguma influência
objetiva, assim como o compartilhar solo a tradição comum.
Em grupos dessa natureza, o propósito coletivo domina o pro-
pósito individual. Em outros casos, o propósito individual
precede o fato social e a formação de um grupo, üm ou al-
guns indivíduos concebem a idéia de uma tarefa comum.
Propagamna e conseguem aderentes. Uma vontade comum
se desenvolve, sem dúvida, mas o propósito individual a
precedeu.165
Recentemente, as teorias dos institucionalistas começaram
a penetrar em alguns tratados gerais de Sociologia. Dáse
isso no Essay of Sociology (1946), do estudioso belga Jean
Hacsacrt, que, talvez significativamente, como os outros mem-
bros da escola institucional, 6 um homem de formação jurí-
dica.
gem De do acordo
contato com
e daHaesaert, as estruturas
cooperação sociais sinérgicos
são "sistemas que sur-,\
Êstes sistemas podem ser estruturas simples ou complexas, as
últimas consistindo em certo número de sistemas mais simples.
O sistema sinérgico é um fenômeno inteiramente srcinal,
transcendendo os indivíduos cujas atividades o criam. Tem
“realidade” própria, embora secundária e artificalrr.ente cria-
da. Seus elementos básicos incluem uma idéia diretiva, os meios
para realizar esta idéia através das atividades dos membros do
grupo e os estabelecidos padrões de ação adequados a esta idéia.
Esta formulação das características das estruturas sociais
parece ter pouca influência sôbre o conteúdo do extenso en-
saio sociológico de Haesaert, exceto em sua parte final. Aqui,

165 A distinção, feita por Delos, entre ot doii tipos de grupo,

lembra muito a distinção conceptual de Maclver, citada no capitulo


precedente; entretanto, é duvidoso que Deloc tenha tomado a distin-
ção a Maclver.
sa 337
0 autor discute o conceito dc disergio, a soma total dos fenô-
menos através dos quais sc deteriora a sinergia ou estrutura
social. Deterioração que pode ser parcial ou total, mas cm
cada sistema sinergico sempre estão presentes elementos de
dissolução virtual. Se. o sistema os absorve, seu equilíbrio se
restaura, conceito muito similar ao de Pareto (que Hacsaert
cita). Se as fôrças de “disergia” não são absorvidas, o siste-
ma se dissolve.
A obra de Hacsaert representa um avanço sôbre os pon-
tos de vista dos primeiros institucionalistas, no sentido de que
despoja as primeiras teorias dc sua fachada jurtdica. E tam-
bém identifica instituição e grupo, e tenta descreverlhes a
natureza.

A escola institucional: resumo e apreciação

A maioria dos membros da escola institutional afirma que


suas obras se inspiraram na Filosofia tomista. Mas autori-
dades em tomismo manifestam dúvidas de que tenham atin-
gido esse propósito.106 Devese observar, porém, que, in-
dependentemente de qualquer inspiração filosófica, o ensina-
mento dos institucionalistas oferece frequentemente valiosos
esclarecimentos quanto à natureza dos grupos sociais. Podem
se resumir as contribuições da escola institucional da seguinte
maneira:
Primeiro, os pontos de vista metodológicos dos membros
individuais diferem amplamente. O approach de Hauriou
é de certo modo intuitivo, repousando na observação impres-
sionista (mas atilada) dos fenômenos sociais. Renard, Clé
mens e Del05 empregam o método dedutivo, derivando sua
formulação mais importante da Filosofia tomista ou do que
sustentam que ela seja. Renard também defende a indução,
mas falha na demonstração de como deriva suas proposições
da experiência; essencialmente, essa indução eqüivale & in-
tuição de Hauriou.
Segundo, os institucionalistas estão de acôrdo no que res-
peita à realidade das instituições, que todos se inclinam a
identificar com os grupos sociais. Mas ao mesmo tempo re

1M Ver, por exemplo, Don Luigi Sturzo, The Inner Laws 0/


Society, 1914, pág. 243.
jcitam todos a analogia organiciita cm &i e i concepcão dc
mente coletiva. Também concordam na afirmação de que
a realidade dos grupos sociais é a de um todo transcenden-
do as partes, sem, entretanto, eliminar a existência real e
independente das mesmas.
Terceiro, a tese de Hauriou de que a idéia direta ou
organizadora reúne certo número de indivíduos em um todo
coletivo tem sido adotada por institucionalistas posteriores, de-
pois de a liberarem do saber platônico inicial.
Quarto, os institucionalistas contribuíram para nosn com-
preensão da duração dos grupos sociais independentemente da
persistência das condições iniciais que os engendraram. Tam-
bém sugeriram um método para a análise dos diferentes tipos
de grupos sociais, geralmente não acompanhados por defini-
ções de comunidade e associação. 67 A obra de De Io» apre-
senta uma formulação nova e sugestiva da teoria das relações
sociais.
Quinto, sendo juristas, os institucionalistas tendem a su
peracentuar a fase legal da vida social e a identificar a or-
dem legal com a ordem social. Identificação, entretanto, que
não decorre de suas premissas básicas.
Sexto, em geral as obras dos institucionalistas contêm
muitas idéias estimulantes. Nenhuma delas, porém, logrou ofe-
recer uma teoria consistente de grupos sociais ou instituições
sociais abrangendo todos os seus relevantes aspectos c variações.

A escola fenomenológica

Uma perspectiva filosófica particular também provê a base


da escola fenomenológica. Essa escola reflete a filosofia de
Edmund Husserl (18591938), cuja obra principal Idéias Sô-
bre a Fenomenologia Pura apareceu em 1913. A manifesta-
ção sociológica da posição de Husseil, inauguroua Theodor

187 Entretanto, como obtervamos no capitulo XVIII, OS sociôlofüi

analíticos desenvolveram teorias de tipos diferentes de grupos sociais.


Ver especialmente R. M. Maclver e C. H. Page, SotUtj: An Intro-
ductory Analysis, Nova York, Rinehart & Co., Inc., 1949, cap. A, r.
Znaniecki “Social Groups in the Modem World” cap. V, em W#
dom and Control in Moittn Sociity. Nova York, D. Van NojWuri
Co., Inc., 1954, de M. Berger, T, Abel c C. H. Pago; «
Th. Human Group, Nova York, Harcourt, Brace A Co., 1950.
339
Lite, cuja principal contribuição teórica c Indivíduo e Socie
da de (1919) e de acôrdo com quem a fenomcnologia se apli-
ca aos fenômenos de natureza psíquisa de tal maneira cons-
tituídos que uma estrutura, ou disposição interna, 6 perceptí-
vel em uma única experiência cognitiva do observador e in-
dica o caminho da análise. Èste o caso dos fenômenos estu-
dados pelas Ciências Sociais. A esse respeito, o approach dc
Litt assemelhase ao de Max Weber.
A obra mais famosa em Sociologia, dentro dessas linhas,
é a de Alfred Vierkandt (1867 ). Vierkandt nasceu era
Hamburgo, estudou em Leipzig com o psicólogo Wundt e
publicou seu primeiro volume, Povos Naturais e Povos Cul-
turais, cm 1895. Dc 1921 a 1934, foi professor dc Ciências
Sociais na Universidade de Berlim. Sua Teoria da Socie-
dade apareceu inicialmente em 1922 (revista em 1928) c noa
últimos anos os pontos de vista aí apresentados expandiram
se em numerosos livros c ensaios; uma versão nova da Teoria foi
publicada cm 1949.
De acôrdo com Vierkandt, a tarefa da Sociologia é a
construção de uma teoria da sociedade c da cultura. Define
a sociedade como a soma total das interações humana* —
concepção que lembra a teoria de Simmel, que Vierkandt
textualmente cita. Dos vários possíveis approaches à Socio-
logia afirma que
nomenológico. Êste o método,
mais adequado
chamadobaseiase no método
“abstração fe
ideacional”,
c orientado para conceitos últimos irredutíveis a outros con-
ceitos. Entretanto, os conceitos básicos podem ser apreendi-
dos por um “olhar para” (Ansicht) a vida social, em outras
palavras, pela elucidação de sua natureza específica através
da contemplação interior de exemplos, ou mesmo de um
exemplo que pode ser até imaginário. Não obstante, a com-
paração. com outros, de conceitos fundamentais derivados
dessa maneira é um procedimento desejável.
Por meio da contemplação interior, é possível a com-
preensão das disposições inatas dos homens, que incluem o
“autosentimento" e a dependência das pessoas dos julgamen-
tos de outros. A sociedade, assim, é um “estar juntos” de
homens que se encontram ligados pela dependência mútua.
Este ponto de vista — acentua Vierkandt — não é uma con-
cepção psicológica da sociedade. Os membros individuais da
última experimentam uma espécie de constrangimento inte-
rior; mas os laços entre êles se baseiam na intercoi
que pode ocorrer na ausência de movimentos físico* ou re-
flexos conscientes.
Vierkandt destaca as características básicas das socieda-
des humanas. Em primeiro lugar, cada sociedade possui uma
totalidade, no sentido de que é um sistema, uma estrutura
em que cada evento cm qualquer parte afeta r* outros seg-
mentos do todo. Proposição funcional suplementada por uma
segunda teoria, a de que famílias, tribos, nações e outras or-
ganizações sociais, em certa medida, têm “vida própria": como
se conduzem, como se desenvolvem, o que alcançam, não po-
dem os indivíduos arbitrariamente determinálo. As socieda-
des têm seu estilo, suas leis, suas ordens que moldam a con-
duta das pessoas, as quais, freqüentemente, não sentem sua
dependência do todo. Os indivíduos vêm e vão, mas persis-
tem a estrutura e a ordem e, na verdade, o propósito e a
realização dos grupos sociais.
Os grupos sociais — continua Vierkandt — mostram
vários graus de solidariedade. Na Gemtinsehaft, ou comuni
dademodêlo, os laços são estreitos e calorosos; a consciência
do ego expandese além das fronteiras do indivíduo. Entre-
tanto, há gradações dessa solidariedade entre tipo» diferentes
dc comunidade ou Gemeinschaftên. Ademais, associações, no
sentido das Gcsellschaften dc Toennies (e estreitamente seme-
lhantes ao conceito dc Maclver dc associações, como se apre-
senta no capítulo XVIII), também são assinaladas por graus
variáveis de coesão de grupo.
Cada grupo social — afirma Vierkandt — possui seu
próprio espírito, que é “superior” ao espírito subjetivo dc
seus membros individuais. O propósito inconsciente da vida
de grupo é quase um “milagre". Todavia, o indivíduo e o
grupo não ficam em oposição, dado que cada pessoa recebe
características do grupo e a atitude do indivíduo para com
o grupo é basicamente uma atitude de amor e admiração.
Devese observar que a concepção de Vierkandt de uma har-
monia fundamental entre o indivíduo e o grupo e sua acen-
tuação do “amor do primeiro pelo segundo” é coerente com
uma orientação intelectual tradicional na Alemanha, ilustra-
da, por exemplo, nas obras do filósofo Hegel e seus seguido
res e no movimento “romântico”.

W
Originária da Alemanha, a Sociologia fcnomcnológica
espalhase para a França. Aí, seu principal expoente foi Ge-
orges Gurviteh (1896- ). Gurvitch nasceu na Rússia, vi-
veu na Alemanha, Tchecoslováquia e Estados Unidos, fi-
nalmente se fixando na França, onde é agora professor na
Sorbonne. É autor de muitos volumes, entre os quais seus
Ensaies de Sociologia (1936) pertencem ao setor desta in-
vestigação. Em 1950 apareceu uma versão nova dos Ensaios,
sob o título A Vocação da Sociologia.
Gurvitch constrói uma “Sociologia em profundidade” em

que
dados o e ponto de partida
que passam consiste
a níveis cadadc vezfenômenos imediatamente
mais profundos. Tais
níveis incluem: 1) as bases geográfica c demográfica da so-
ciedade; 2) o nível simbólico manifestado, por exemplo, no
fato de que as pessoas reagem de maneira definida a símbo-
los como bandeiras c sinais dc tráfego; 3) as “superestrutu
ras organizadas” da sociedade; 4) os h&bitos (mais corre-
tamente: costumes) e práticas sociais; 5) os fenômenos re-
volucionários ou reformistas (sendo a relação entre este ní-
vel e o precedente a mesma entre invenção e imitação do
ponto de vista de Tarde); 6) os valores subjacentes às ati-
vidades observáveis no nível precedente; e 7) a realidade
social imediata ou mente coletiva — o que indica a aceitação,
por
heim. parte de Gurvitch,
A mente coletiva dc
— certos
sustentaaspectos
êle — daé sentida
teoria dc
nas Durk-
pro-
fundezas da consciência individual, opera através das men-
tes individuais e proporciona ao homem o mais intimo co-
nhecimento da reciprocidade das relações de valôres na vida
social.
Assinalemse ainda dois elementos ulteriores da Sociolo-
gia de Gurvitch. Primeiro, a distinção que estabelece entre
Microssociologia e Macrossociologia indica dois tipos princi-
pais da Sociologia, cada qual usando métodos de investigação
perfeitamente distintos. (Esta distinção metodológica é ne-
gada por muitos sociólogos, inclusive neopositivistas e funcio-
nalistas como Merton, que sustentam a necessidade de em-
pregar a mesma lógica de procedimento no exame de todos
os fenômenos sociais.) Estuda a Microssociologia, por exem-
plo, pequenos grupos informais, enquanto a Macrossociologia se
interessa por fenômenos de larga escala como Estados e ci-
vilizações inteiras. Segundo, Gurvitch construiu uma com-
plicada classificação das formas dc sociabilidade, um tanto

342
. , -
crição dr nada mcnos de 162 tipos de soriahilidade c cm
cinlmcnte um exercício cm materia de definições | oferece
pouco desenvolvimento teórico.
Outro representante francês da Sociologia fcnomenoSjgi]
ca é Julcs Monnerot, autor de Os Fatos Sociais São São Coi-
sas (1946). O titulo do volume indica o ponto de vista anti
durkheimiano de Monnerot.
Sòmente os fenômenos de atração que formas o ponto
de partida da Sociologia — sustenta Monnerot — podem ser
realmente compreendidos (no sentido da verstehen de Max
Weber ou, ainda mais, dc acôrdo com a “abstração ideado
naT). Em geral, “compreendemos” certos acontecimentos, ao
passo quo “explicamos** outros. Compreendemos quando es-
tamos na presença de evidência válida per se. Tal evidência
é encontrada na experiência imediata, e as tentativas de ba-
sear a compreensão na induçio destorcem a própria evidência.
Contràriamentc ao ponto de vnta de Durkheim, Mon-
nerot insiste cm que os fatos sociais não são coisas, pois apre-
sentamse à mente de maneira claramente diversa do modo
pelo qual as coisas o fazem; estai são “condições humanas",
localizadas e datadas. O material primário da Sociologia con-
siste cm seqüências de tais condições, o que significa que os
dados fundamentais da Sociologia são os mesmos da História.
O objetivo da própria Sociologia é dar um nôvo significado
a fenômenos já estudados por outras ciências. A Sociologia,
então, é uma forma de olhar para outras Ciências Humanis-
tic as, de comparar seus elementos, e de procurar uma nova com-
preensão da vida social; mu não é a ciência da sociedade,
pois, de acôrdo com Monnerot, não hi “sociedades*’, e sim
apenas estados de sociedades, situações sociais experimentadas
pelos homens.
Os fatos sociais ou condições humanas (que na obra
de Monnerot parecem referirie à condição dos homens quan-
do se defrontam com experiências imediatas) não explicam,
em si mesmos, fenômenos como os movimentos sodais. Para
compreender os últimos, por exemplo, deve uma pessoa pri-
meiro sentir o toque do movimento particular e, em segui-
da, libertarsc dele; sòmente então pode alcançar a compre-
ensão objetiva.

343
Essa* tentativas de descrever o ato da compreensão c
seus objetivos são suplementadas pelo exame que faz Mon,
nerot do que chama representações fundamentais. A mais
importante delas é o fato de que cada indivíduo “transcende
seus limites naturais”, produzindo em conseqüência efeitos
na ordem sociaíT Efeitos que se encontram e se opõem; en-
tram cm “duelos” (reminiscência dos “duelos lógicos” de Tar-
de). Mas não há sociedade sem atração. Dizse de fato que
a sociedade é primacialmente um agregado humano que de-
senvolve laços de coordenação e cooperação (formulação ein
choque com a afirmativa de Monnerot, referida acima, ne-
gando a própria existência da sociedade). Dentro dêsse agre-
gado surgem padrões ou estruturas à base de proximidades es-
paciais e afinidades. Distinguemsc três grandes tipos de es-
truturas sociais, que Monnerot designa pelos termos alemãs
Gemeinschaft, Gesellschaft e Bund, baseandose o último em
afinidades e experiências afetivas comuns. As duas primei-
ras categorias, como vimos tomaramse quase conceitospadrões
na Sociologia moderna.
A Sociologia fenomenológica também está representa-
da, nos Estados Unidos, na pessoa de Friedrich Baerwald
(1896 ), nascido na Alemanha, e desde 1935 professor
na Universidade de Fordham. Podemse resumir os pontos
de vista teóricos de Baerwald da seguinte maneira:168
A realidade social é equivalente à sociedade. A socie-
dade não é um fenômeno psicológico manifestado na des-
coberta de relações de reciprocidade na consciência da pes-
soa. Os dados fundamentais incluem a existência real de
pesioas sJém de nós mesmos, c nossa dependência delas. Pre-
cisamos, porém, compreender não apenas o fato da coexis-
tência, mas seu modo geral. A dependência humana baseia
se na insuficiência do indivíduo para assegurar a própria
sobrevivência. Sua “estrutura temporal" é limitada k pró-
pria existência e experiência; a “estrutura espacial” do indiví-
duo também é similarmente limitada. Tais limitações são ven-
cidas por meio da coexistência.

Nouo rciumo da teoria de Baerwald baseiate principalmente


em doi* artigo* «eu», um até agora inédito; o primeiro é “Society jjj
a Proceu”, American Catholic Sociological Review, dezembro, 1944*

344
processo a coex s nc a no tempo— exp ca aenn
cria padrões de grupos sociais cm que se integram 1
indivíduos e através dos quais êJcs são colocados em coo-
diçces dc vincular seus esforços, uns aos de outros. A par-
ticipação social integra o indivíduo em uma cadeia de re
levantes acontecimentos passados; no mesmo sentido leva-o
a participar na projeção para o futuro da existência do gru
po. Através desse envolvimento na estrutura transpessoal o
indivíduo experimenta uma ampliação de horizonte no tem
po e íntegra, na consciência, aptidões, costumes, significadas
e valôrcs desenvolvidos no decurso de longos períodos.

A coexistência também é um processo interatuante no


espaço. Gera a ampliação do horizonte do indivíduo estabe-
lecendo sistemas transpessoais de “domínio espacial'1 em que
o indivíduo participa, de que se beneficia e para que contribui
As instituições sociais não representam as sociedades no
plano existencial, pois as instituições precisam enraizarie era
alguma coisa mais, e êste é o processo da própria coexistência,
a projeção contínua dc horizontes de tempoespaço do* indi-
víduos em sistemas transpessoais mais amplos. A coexistên-
cia envolve a transformação contínua do tempo astronômi-
co em um passado e futuro intencionais bem como uma trans-
formação contínua do habitat geográfico em espaço social.
Ainda que a coexistência seja o modo de existência dos
indivíduos — prossegue Baeiwald —, os sistemas efetivos de
vida e cooperação não são nem automáticos nem instintivos.
A sociedade é um prérequisito para a sobrevivência, sem
dúvida, mas exige ativação constante através do estabeleci-
mento e da manutenção de extenso tempo social e estruturas
espaciais. A sociedade não continua por si própria, na me-
dida em que são afetadas as formações sociais específicas.
Existe, portanto, inerente a tôda estrutura social, a possibi-
lidade de deterioração e desintegração através de ura enfra-
quecimento dos vínculos nas estmras sociais dc tempo e espaço.
Estas proposições, altamente abstratas, de BaerwaW, su-
gestivas como são, não atraíram ainda a atenção de muitos
sociólogos na América nem têm sido submetidas a testes em-
píricos. Êste último comentário é em larga escala aplicável
à escola filosófica em geral.
«
A escola fenomenológica: resumo e apreciação

Quando abstraídas as premissas filosóficas c as pcculia*


f r Jades metodológicas, encontramse alguns esclarecimentos in-
teressantes nas obras da escola fenomenológica. Pelo menos
tratamentos novos da concepção de sociedade aparecem: na
Sociologia cm profundidade dc Gurvitch c na extensão dos
horizontes individuais dc tempo c espaço de Baerwald. F.m
conexão com a relação entre sociedade c indivíduo, tomam
se evidentes três teses: a duração independente da socie-
dade, a relativa independência da conduta do grupo dos atos

cdeterioração
intenções social.
dos membros
Como individuais,
unidade dee análise
o perigosociológica,
inerente daé
destacado o todo ou o grupo, mais do que o agente indivi-
dual ou a interação social. O problema dos determinantes
da ordem social e da transformação social achase fora das
principais preocupações da escola.
O approach fenomenológico é vulnerável por numerosas
críticas. Em primeiro lugar, os fenomenologistas afirmam que
os conceitos básicos dc ciência, incluindo a Sociologia, devem
ser formulados pela Filosofia (especialidade própria deles).
Aceitar a afirmativa tomaria impossível um universo comum
de raciocínio, prérequisito para o desenvolvimento da ciên-
cia empírica. Segundo, as formulações sociológicas dos feno
menologistas, que eles
tração ideacional”, acreditamcomserem
baseiamse, tôda o a resultado dc “abs-
probabilidade, efe-
tivamente em conhecimento prévio, acumulado através da ob-
servação participante da vida social. Finalmente, os fenôme-
nos que os fenomenologistas afirmam “ver” na sociedade pa-
recem selecionados de maneira arbitrária e mesmo vesga. A
descrição de Vicrkandt da atitude do indivíduo para com o
grupo, por exemplo, pode retratar apuradamente o ponto de
vista alemão, mas, dificilmente, o dos amcricar.os ou france-
ses. E a construção dc Gurvitch de níveis de profundidade,
além de arbitrária, confunde estruturas sociais com processos
sociais.
Não obstante, alguns dos esclarecimentos dos fenomeno-
logistas, todos sensíveis observadores da rena social, podem
ainda mostrarse válidos apesar do preconceito filosófico e da
metodologia falha. Se isto ocorrer, as percepções dos fenome-
nologistas tornarseão talvez valiosas pedras angulares para
os futuros construtores de uma teoria sociológica unificada.

346
CAPITULO XX

Sociologia Histórica

O secundo quartel do século XX foi um período de inten-


sa atividade no campo da Sociologia histórica, têrmo que
designa as tentativas de descobrir uniformidades e princípios
do movimento dc sociedades, culturas ou civilizações inteiras.
Embora a Sociologia tenha começado sua existência como So-
ciologia histórica neste sentido — na obra de Comte e em
predccessores do século XVIII como Vico — abandonouse
a tarefa ao ficar claro que a teoria evolutiva não correspon-
dia aos fatos.

Spengler e o estudo da transformação ciclica

No primeiro quartel do século XIX, entretanto, o estu-


dioso alemão Oswald Spengler (18801936) fez uma nova
tentativa para descrever o padrão do desenvolvimento his-
tórico. Sua obra A Decadência do Ocidente* (191¾) foi, du-
rante vários anos, talvez a obra mais amplamente discutida
sôbre um dos maiores problemas da Sociologia, o problema
das uniformidades no decurso das culturas ou civilizações. Tra-
duzido do srcinal alemão cm diversas línguas, o sucesso tem-
porário desta obra ambiciosa devese, em grande parte, ao
fato de que seus prognósticos sombrios calavam no espírito

• N. do E. —t Traduzida para o português e publicada por


Zahar Editores, Rio, 1964.
347
desarvorado de uma geração oprimida pela catástrofe da Pri-
meira Guerra Mundial.169
Os pontos de vista de Spenglcr, postos em termos mais
ou menos adequados ao estudo da teoria sociológica, assim
se exprimem: não 6 possível descobrir o significado, seja
qual fôr, da história da humanidade como vm todo; ademais,
a divisão convencional da história universal em antiga, me
dieval e moderna, é altamente enganosa e não tem nenhum
uso interpretativo; grande significação tem o relato da vida
de culturas separadas, ainda que suas intcr-relações sejam

relativamente sem importância


culturas independentes dc um cada
e acidentais;
e propriedade uma dcdessas
povo (ou um
grupo de povos) que compartilha uma Weltanschauung (fi-
losofia da vida) comum.
Spengler insiste em que cada cultura possui seu próprio
estilo ou ethos, irredutível ao estilo de qualquer outra cultura
(situação que significa que homens pertencentes a culturas
diferentes não podem efetivamente entenderse mutuamente).
Entretanto, caracteriza os estilos apenas de algumas cultu-
ras, e de maneira altamente impressionista. O símbolo da
cultura clássica, por exemplo, c a estátua despida, da cultu
ra árabe (maga, cristã inicial) é a basílica, e da faustiana
(ocidental) é a música instrumental e o cálculo.
A própria cultura, dcscrevea como um organismo. Seu
desenvolvimento é menos assunto dc causação do que dc
“destino”. A cultura passa pelos mesmos estágios de cres-
cimento e declínio que os indivíduos; cada qual tem infân-
cia, juventude, maturidade e velhice. Spengler às vêzes subs-
titui esta imagem das quatro idades pela das quatro esta-
ções — primavera, verão, outono e inverno. Também con-
cebe, para o ciclo vital de uma cultura, um prelúdio e um

Um exame cuidadoso revela que o sistema de idéias de


Spengler reproduz, sob uma forma melhorada, o de Danilevsky (ver
cap. IV). Semelhança tão marcante que na opinião de H. E. Bar-
M
nes e(Social
tal" Thoughto paralelismo
H. Becker From Lorg é to Science,demais
acentuado 1938, para
vol. serII, aciden
págs.
103233). Spengler nunca menciona ou reproduz palavras de Dani-
levsky, mas poderia ter lido sua obra na tradução francesa resumida,
talvez em russo também. De qualquer maneira, um sociólogo russo
informou a Sorokin que vhi o livro de Danilevsky na biblioteca de
Spengler em 1921. (Ver P. A. Sorokin, The Social philosophers ¢/
Boston, Beacon Press, )950, pig. 3 4 9 )
an Age of Crisis,

348
despertar, ou do coméço da primavera, as pessoas vivem em um
ostágio précultural; de fato, a maioria das peams nunca
ge desse estágio. Uma vez iniciada a cultura, entretanto, os
quatro estágios se sucedem em ordem. O último dêsses está-
gios, o inverno, tomase impcrceptívelmente uma “civilização”
agonizante, termo depreciativo no vocabulário de Spengler. A
civilização é, assim, o epílogo de cada cultura: a morte seguindo
-se à vida, a rigidez sucedendo à criação intelectual.
A longa tese de Spengler dedicaa amplamente a oito
culturas: egípcia, mesopotâmica, hindu, chinesa, clássica (ou
apolínea), árabe (ou maga), maia t ocidental (ou íaustia
na).179 (Também considera uma nona, a cultura russa nas-
cente, mas não afirma que a tenha tratado exaustivamente.)
Cada cultura, de acôrdo com Spengler, possui um período de
vida de aproximadamente mil anos. Para atender aos fatos,
nesta fase de sua concepção organicista da cultura, Spengler
organiza as culturas de modo muito artificial. A cultura
árabe ou maga, por exemplo, começa no tempo do cristia-
nismo primitivo, continua em Biz&ncio e chega ao fim no
califado árabe, assim privando a cultura ocidental de qual-
quer continuidade com o cristianismo primitivo.
Sòmentc uma dessas culturas, a maia (na fase mexi-
cana), foi destruída por fatôres externos. As outras morreram
ou estão morrendo em virtude da senilidade da civilização
urbana. Spengler
destruíram proclama
a cultura clássica,que uma
as vez
invasões
que, germânicas
ao tempo, nãoa
civilização grecoromana já morrera há muitos séculos. A cul-
tura ocidental — sustenta êle — emergiu por volta de 900
D. C.; portanto, seu fim deve estar próximo. Donde o título
da obra, A Decadência do Ocidente, e a sensação que
provocou.
A popularidade dos volumes de Spengler atingiu o auge
na década de 1920. Desde entio, com a acumulação do co-
nhecimento sociológico, sociólogos, antropólogos culturais c his-
toriadores fizeram novas tentativas para formular teorias em
grande escala das flutuações de culturas ou civilizações. Duas
dessas tentativas mereceram atenção mundial, as de Toynbee

l7f As categorias apolínea e faustiana de Spengler sio usadas


por Ruth Benedict para deecrever o tihoi de diferente* tipo» dc cul-
turas iletradas, em sua conhecida obra Pattern! of Cultnrt, Boston,
Houghton Mifflin Co., 1934.
349
e Sorokin embora também tenham sido publicados numerosos
outros estudos similares.
Digno de nota é que as duas obras principais nesse ter-
reno apareceram quase simultaneamente. O historiador in-
glês Arnold Toynbee (1889- ), publicou seis volumes dc
seu Study oj History, em 193439; cm 1954 saíram mais qua-
tro volumes. Social and Cultm/il Dynamics, do sociólogo
americano Sorokin, em quatro volumes, apareceu em 193741.
Sorokin tem, com freqüência, discutido criticamente a obra
de Toynbee, mas Toynbee parece ignorar as teorias de Sorokin.

Arnold Toynbee

A Sociologia histórica de Toynbee d uma tentativa de


descrever uniformidade no crescimento e declínio das civi-
lizações e de explicar os princípios dêsse paradigma dinâ-
mico. Baseia suas conclusões no estudo de vinte e uma civi-
lizações, que presume tenham cumprido o respectivo ciclo
de vida, natural c completo, ou quase completo, além de
cinco “detidas”, e certo número de outras, “abortadas”. As
civilizações completamente desenvolvidas são a ocidental, duas
cristãs ortodoxas, iraniana, árabe, hindu, duas do Extremo
Oriente, helênica, síria, indica, chinesa, minoana, sumeriana,
hitita, babilônica, andina, mexicana, iucateca, maía e egíp-
cia; enquanto as cinco civilizações “detidas” incluem a po
linésia, a esquimó, a nômade, a otomana e a espartana.
A unidade de estudo de Toynbee, a civilização, ele a en-
cara como um campo inteligível c essencial do estudo históri-
co. Similar à “cultura” de Danilevsky e Spengler, o concei-
to de civilização referese a certo número de povos que pos-
suem numerosos traços comuns. As civilizações podem ser
“srcinais”, tendo surgido eipontâneamente de um nível pré
civilizado, ou “filiadas”, quando estimuladas por civilizações
já existentes. Toynbee conclui que quatro ou cinco civiliza-

ções srcinais
riana, emergiram
a chinesa, a mala e e floresceram:
possivelmentea a egípcia,
indica; áas sume-
outras
filiaramse a civilizações anteriores. O reconhecimento de
civilizações “filiadas” separa o ponto dc vista de Toynbee da
teoria de Danilevsky e especialmente de Spengler. Algumas
das civilizações — sustenta Toynbee — são marcadas por um
estilo definido — estético no caso dos helenos, técnico no oci-
dental, religioso no rusio; como na obra dc Spengler, entre-
tanto, não sc elabora o conceito de estilo.
Mas a resposta de Toynbee à pergunta sôbre a unifor
midade no movimento da cultura é, de modo geral, RiDdiaa>
te à de seus dois predecessores. Em certa época e era certo
espaço — observa êle — emerge uma civilização. Sob con-
dições particulares, cuja natureza vai descrita adiante, a ci-
vilização cresce, se não é detida nem é um dos tipos aborta-
dos, como a espartana ou polinésia. O crescimento, porém,
traz consigo uma “crise” seguida pelo declínio. Diversamente
de Spengler, Toynbee não usa as imagens bastante poéticas
Hat quatro estações ou das quatro idades do homem para
descrever êsse circulo. Mas adere a Spengler na crença de
que o curso de cada civilização (com as exceções menciona-
das) é uniforme, que passa através de estágios predetermina-
dos e se dissolve. Diferentemente, não atribui uma duraçio
definida às civilizações.
O estudo da srcem e do crescimento das civilizações é
a parte mais brilhante da obra dc Toynbee. Uma dc suas
teses principais consiste* em que o paradigma de desafiorração
domina os processos de srcem c crescimento. O desafio
pode derivar de fôrças naturais, como um clima severo, ou
dos homens, especialmente de vizinhos belicosos. A civiliza-
ção emerge e cresce quando, por um lado, o desafio não é

violento
inteligentedemais, e, por outro,
que encontra a reaçãose existe
adequadaumapara minoria ou elitem
o mesmo.
Êste ponto de vista representa um melhoramento substancial
na concepção de Spengler do destino como explicação da
srcem das civilizações.
As civilizações crescentes — de acôrdo com Toynbee —
exibem características definidas. Cada uma contém uma
minoria criadora que é seguida pela maioria do povo. Êste
consiste de um “proletariado interno** da mesma sociedade,
bem como de um “proletariado externo”, vizinhos bárbaros
influenciados pela civilização crescente. Cada civilização cres

interessante
caçlo de Aplicação
Toynbee do crescimento dêste Nova Inglaterra:
da conceito à Américaos colono#
é a expU*
dal,
enfrentando oc desafios severíssimos do clima local, doi reentsos limi-
tados e de terra virgem, propriedade de uma inteligente minona,
desenvolveram civilização que finalmente dominou uai conti-
nente inteiro.

551
cente se expande como um todo, mais em têrmos qualitati-
vos do que numericamente; tamanho não c de nenhum modo
sintoma de civilização cm desenvolvimento. O processo de
crescimento inclui os tiaços importantes de integração pro-
gressiva e autodeterminação da civilização e sua diferencia-
ção de outras através da aquisição de um estilo único.
Mas o crescimento da civilização é interrompido pela
crise, que ocorre quando a minoria não encontra a reação
adequada a um desafio sério. Desenvolvimento inexorável:
em nenhum caso histórico a minoria criadora encontrou res-
postas apropriadas a todos os desafios enfrentados por sua
civilização. A crise comumente ocorre sòmente alguns sé-
culos depois da emergência de uma civilização. Assim, a
maior parte da História abrange civilizações em declínio.
A crise — prossegue Toynbee — é seguida pela desin-
tegração e dissolução. O declínio e a morte se manifestam
como uma “necessidade interior”, através da atuação de fôr-
ças internas da própria civilização, tais como a dissidência
entre elite e proletariado e não pela ação de inimigos ou pelo
declínio da técnica ou por qualquer necessidade cósmica. Du-
rante o período da desintegração da civilização a cultura já
não se desenvolve como um todo, mas em partes decompostas,
produzindo, por exemplo, desenvolvimentos na arte, na reli-
gião e na economia. A minoria, não mais capaz de reações
adequadas e perdendo o poder criador, tomase uma elite
governante, impondose pela força. O tamanho das unidades
políticas cresce, por exemplo, emergem impérios, processo que
Toynbee acredita prejudicial ao bemestar da civilização. E
as guerras tomamse freqüentes. O proletariado interno, en-
tretanto, apartase da elite e se opõe a ela; os proletariados
externos estão aptos a atacar a civilização em declínio, ponto
que Gumplowicz formulara muito antes, conforme observa-
mos no capitulo V. Depois de um “período de perturbações*',
que se pode prolongar, a minoria governante cria um “Esta-
do universal”, universal no sentido de controlar tôda a área
da civilização particular; ao mesmo tempo, o proletariado

pode criar
Toynbee da uma
História“Igreja
clássicauniversal” Aqui dcvemos
(seu campo estudoo profissio-
uso de
nal) o império político romano representando um Estado uni-
versal e o emergente cristianismo uma Igreja universal.
Nessa fase, pode uma civilização viver séculos ou até mi-
lênios. Assim, o sôpro mortal invadiu a civilização helênica

352
600 anos antes de sua inorte; a sumeriana, 900 ano» antes; e
a xninoana, 500 antes. Entre a data Ha crise e a data da
morte, essas civilizações existiram em estado petrificado.
Durante o estágio final do ciclo da civilização emergem
quatro tipos de personalidade: a arcaica, procurando a sal-
vação no retomo ao passado (o "salvador com a máquina
do tempo”); o futurista, que aparece como o "salvador com
a espada"; o estóico indiferente; e o salvador religioso. Dêsse
estágio, a única forma de salvação é a transfiguração, à base
da religião. Uma orientação religiosa ampla não salva a
civilização em declínio, mas pode preparar o caminho para
a emergência de uma nova maneira vitoriosa de viver, filiada
à própria civilização ultrapassada.
O brilho e a erudição de Toynbee e a qualidade suges-
tiva de sua obra são amplamente reconhecidos. Entretanto,
esse ambicioso esquema interpretativo levanta algumas per-
guntas cruciais. Primeiro, o que é uma cultura ou uma civi-
lização? Toynbee não provê nenhum critério objetivo para
este conceito básico, que designa sua verdadeira unidade de
estudo. Por que, por exemplo, encara a Rússia como uma
civilização própria? Não será arbitrário considerar que Es
parta desenvolveu uma civilização separada e interpretar a
História romana cm sua totalidade como parte, quase intei-
ramente, da fase cm declínio da civilização helênica? A “nô-
made” é realmente uma civilização ou, como às vêzcs se afir-
ma, apenas um grupo nominal? Perguntas dessa natureza fo-
ram feitas pelos críticos de Toynbee, tanto sociólogos como
historiadores.
Um segundo tipo dc dúvida atinge sua concepção de
crise da civilização e o período subsequente de declínio e
inorte. Como podemos estar certos sôbre os "momentos" de
crise, ao examinar o passado? E, depois dc uma crisc, por
que, exatamente, uma civilização não é capaz de retornar o
movimento ascendente? Dificilmente constituirá uma virtu-
de da teoria geral dc Toynbee o fato de que êle julgue ne-
cessário catalogar duas diferentes civilizações chinesas e duas
diferentes civilizações hindus para explicar o fato inegável
dos florescimentos sucessivos.
Finalmente, as uniformidades de Toynbee, no desenvol-
vimento das civilizações, são largamente "substanciadas” por
exemplos extraídos da História holênica e ocidental. Suas am-

as 353
pias generalizações poderiam provavelmente não ter sido de-
riva !as da História egípcia ou chinesa; na realidade, Toynbee
apresenta sòmentc constatações dispersas sôbre a maioria das
civilizações, que nem confirmam nem refutam sua teoria (no
caso da civilização árabe, êle reconhece que ela parte de um
paradigma geral). É evidente que a teoria de Toynbee não
emergiu (ou foi testada) pelo estudo indutivo, mas £_ essen-
cialmente o produto de idéias recolhidas na investigação das
civilizações helênica e ocidental. Podemos concluir que a
teoria foi arbitrariamente superposta na História de outras
civilizações.

Tais de
tentativas críticas aplicamse,
desenvolver teoriacerta
uma em geralmedida, à maioria
e inclusiva das
da trans-
formação social. A autêntica imensidade dessa tarefa leva
a maioria dos estudiosos a não empreendêla. É um crédito
indeclinável a favor de Toynbee que êle tenha produzido um
esforço sério a fim de localizar o padrão da transformação
social. O mesmo comentário se aplica ao outro grande so-
ciólogo histórico, Sorokin.

Dinâmica cultural de Sorokin

A dinâmica cultural de Sorokin baseiase em sua teoria

analítica,
historiadoresdescrita
que háno aspectos
capitulo únicos,
XVIII. nãorecorrentes,
Concorda file dacomtrans-
os
formação social. Mas os processos sociais não são tecidos
com materiais inteiramente únicos. Ostentam elementos re-
correntes e repetidos, que a Sociologia deve isolar e estudar.
A tendência geral da transformação — sustenta Sorokin
— é o avanço em linha reta para certo limite; quase alcan-
çado esse limite, ocorre o reverso da tendência linear (ou,
cm alguns casos, a estagnação cultural), O desenvolvimento
reverso avança ainda para outro limite, e í mais uma vez
sujeito a reverso. Assim, o paradigma da transformação é
unia flutuação entre o que Sorokin chama (conforme expli-
camos no capitulo XVIII) culturas idcacionais e sensuais
marcadas por saltos em uma direção através do tipo misto do
cultura e no outro através do tipo idealístico.
Demonstra que êsse paradigma caracterizou tôda a His-
tória da cultura ocidental que, de acôrdo com Sorokin, pode»
se remontar aos dias da Grécia antiga. Descreve a cultura

354
i
grega como uma forma ideacional do século VIII até o
do século VI A. O.; depots, no século e meio tegumte, idra
Kstica, incluindo a Idade de Ouro ateniense. I>a úhww pMft
do século IV A. C. ao século IV D. C., durante as quais <
pérío romano emergiu e floresceu, a cultura foi sensual Am
dois séculos subseqüentes de cultura mista, seguiuse um
período de cultura ideacional. Do fim do século XII ao início do
século XIV, a cultura revelouse idealíitica; é a idade das cate-
drais góticas, de Dante e dc São Tomás de Aquino. A partir do
fim do século XIV, a cultura tomouse cada vez mais sen-
sual, atingido o clímax cm décadas recentes. Hoje podemte
perceber alguns sintomas de uma mudança na direção do
pólo ideacional.
Esta descrição, baseada em conscienciosos estudos reali-
zados com a ajuda de vinte colaboradores, Sorokin a suple-
menta com breves incursões na História egípcia, chinesa e
hindu. Os últimos materiais, entretanto, não são fundamen-
tais para sua teoria, formando sòmente a base para algumas
afirmações muito cautelosas. Finalmente, Sorokin presume
que a polaridade entre o ideacional e o sensual pode ser atri-
buída à cultura primitiva.
O salto do padrão de transformação acima descrito —
acentua Sorokin — localizase no próprio sistema da cultura:
é da natureza da culiura a transformação porque a transfor-
mação é a lei de tôda vida. Isto não significa que a trans-
formação
como climada e cultura não que
lugar, mas seja exercem
afetada papel fatôres Aexternos
por menor. (ram
formação imanente é uma espécie de destino ou carreira de
qualquer sistema sociocultural; 6 um desdobramento das po-
tencialidades imanentes do sistema. Embora a direção prin-
cipal e as fases principais desse processo de desdobramento
sejam predeterminadas pelas fôrças íntimas de um sistema,
subsiste uma considerável margem de variação.
Conforme vimos, Sorokin declara que o movimento his-
tórico em uma direção aproximase do limite que atingiria
se a cultura viesse a se tomar perfeitamente ideacional ou
perfeitamente sensual. Mas esta situação extrema nunca ocor-
re: cada supersistema cultural é incompletamente integrada
Quando o desenvolvimento cultural se aproxima do limite
teórico há o reverso da tendência (embora a estagnação cul-
tural seja uma possibilidade). Entretanto, a cultura, como
tal, não morre nunca; algumas partes são rejeitadas, outras

355
md absorvidas por diferentes culturas c sobrevivem. Aqui,
Sorokin mostrase muito mais otimista do que Toynbee e
Spengler.
\ teoria de Sorokin da dinâmica cultural, de que apre-
sentamos apenas um rápido esbôço, sujeitase a diversas crí-
ticas. Para começar, parece supcrsimplificar os fatos. Por
exemplo, a Idade Aurca dos gregos c a era de Dante foram
ambas presumivelmente idealísticas; mas diferem sensivelmen-
te cm muitos aspectos. Em tais casos, elementos adicionais e
contrastantes deviam ser considerados, de modo a determinar
situações culturais concretas pela coincidência de fases espe-
cificas cm processos diferentes. Êstc ponto não 6 ignorado
por Sorokin, mas continua pouco desenvolvido em sua
apresentação.
Em segundo lugar, a distinção entre os elementos cul-
turais que mudam ou flutuam juntos ou interdependentemen
te e os que não o fazem é o critério de Sorokin dos “siste-
mas” socioculturais. Quando atribui propriedade de flutua-
ção interdependente aos elementos de tais sistemas, pelo
menos em parte, raciocina em um círculo fechado.
Terceiro, a escolha da concepção cultural da verdade,
definida em têrmos sensuais, ideacionais ou idealísticos (ca-
pítulo XVIII), como o determinante básico do desenvolvi-
mento sociocultural, não 6 muito convincente. Podese ar-
gumentar que é possível reescrever a obra de Sorokin, sele-
cionandose elementos alternativos como os determinantes
fundamentais do crescimento cultural, com resultados quase
similares.

Chapin e Kroeber

F. Stuart Chapin em Cultural Change (1928) m acen-


tua que a responsabilidade fundamental do sociólogo 6 o co-
nhecimento pleno da “corrente principal dc cultura” que
marca a história humana da idade da pedra à atual idade da
máquina. Não se trata, entretanto, de uma corrente única,

antes consistindo
correspondendo em dc certo
a “culturas número
grupo”, em dc correntes
que se podem separadas,

172 As contribuições de Chapin para a Sociologia neopoti ti vista


foram analisadas no cap. XV.

956
estabelecer ciclos de crescimento e decadência nacionais Cada
ciclo, finalmente, precisa scr entendido como o produto
um complexo de fôrças, consistindo nas fases individuais da
cultura, tais como a econômica, a política, a religiosa e a H
telectual. Êstes componentes individuais da cultura caracte-
rizamse, cies próprios, por um ciclo de crescimento e declí-
nio. Quando os ciclos de diversas formas culturais são cro-
nologicamente correlates, quando crescem juntos e alcançam
um elevado grau de desenvolvimento, ao mesmo tempo, o
resultado é uma era de maturidade da nação ou do grupo.
Apresentando essa concepção da maturidade cultural,
Chapin conclui que é impossível determinar os traços parti-
culares
põem tododa cultura ou o número
o complexo, de forma»
indispensáveis sociais que
à produção com-
e flores-
cimento de uma cultura nacional. Entretanto, aplica sua
teoria a alguns desenvolvimentos concretos, por exemplo, ao
avanço da civilização da Grécia, à luta dc classes e aos pro-
blemas agrários em Roma, a algumas mudanças na cultura
material da Inglaterra medieval, bem como a certos aspectos
da civilização ocidental de nosso tempo. Na ausência de
comprovações posteriores, a teoria de Chapin permanece mais
como uma brilhante sugestão.
Em 1944, Alfred L. Krocber (1876 ), antropólogo
proeminente, publicou Configurations of Culture Growth, in-
vestigação sôbrc a maneira pela qual as culturas de alto ní-
vel se transformam. Esta obra se baseia em um esmerado
estudo do crescimento e do declínio das fases individuais da
cultura, dentro de certo número de culturas, adicional-
mente, dentro dc nações selecionadas que participaram dessas
culturas.
As conclusões de Kroeber, entretanto, não sustentam uma
teoria geral da transformação cultural. Afirma êle que não
existe “lei” que possibilite prever o crescimento (ou o declí-
nio) de uma cultura. Em oposição aos pontos de vista dc
Spengler e Toynbee, declara que a mesma cultura pode flo-
rescer muitas vêzes. Não encontra correlação estrita entre
o crescimento e os diferentes aspectos de uma cultura, embora
sustente que sc podem estabelecer períodos de um alto nível
de criação cultural em que diversas correntes culturais mos-
trem desenvolvimento maduro ao mesmo tempo. Kroeber
argumenta que não se pode atribuir a determinação do cres-
cimento ou declínio cultural a nenhum fator específico único,

957
cm conjunto de fatôres, excetuada, talvez, a tendência geral
di» movimentos a se exaurirem.

Alfred Weber

Dos estudos cie Sociologia histórica escritos em idiomas


que não o inglês, o mais importante c o do irmão dc Max
Weber, Alfred Weber. Sua obra principal neste setor ó
Cultural History as Cultural Sociology (1935). As idéias bá-
sicas contidas neste volume (e em anteriores publicações es-
parsas) podem ser resumidas como se segue:
A vida é fundamentalmente histórica. O caráter dinâ-
mico da História depende da urgência imanente de dar exis-
tência a uma forma espiritual que Weber designa como a
“vontade cultural”. Esta última e tomada como um fato
que o sociólogo precisa aceitar. (A Sociologia, para Weber,
é uma ciência cultural, e não natural.) O sociólogo cultural
defronta a pergunta: qual é o nosso lugar na corrente da
História? Sua resposta será sociológica se êle fôr capaz de
apreender o processo histórico cm sua totalidade.
Alcançase essa realização — segundo Weber — se o
complexo total da História fôr dividido em três processos
fundamentais: o social, o civilizacional e o cultural. Cada
um dêles segue leis diferentes de desenvolvimento e movimen-
to; não obstante, interrelacionamse estreitamente.
O processo social revelase no desdobramento dc eventos
concretos que ocerrem nas sociedades. Ê impelido pelas fôr-
ças humanas do impulso e da vontade, embora parcialmente
limitado e determinado pelas condições físicas. Manifestase
na formação e na organização social de famílias, tribos e na-
ções, e em suas lutas. Embora consista em acontecimentos es-
pecíficos c distintos, podemse estabelecer, dentro dêsses acon-
tecimentos, padrões típicos dc forma e crescimento. Essa ta-
refa é simplificada usandose o approach do tipoideal: Al-
fred Weber teve cm alta conta as teorias dc seu irmão Max.

A civilização consiste no arsenal, do homem, de armas


para a luta pela existência mental e material; o processo de
civilização eqüivale à sujeição e exploração da natureza. Ma
nifestase especialmente no desenvolvimento da tecnologia e
das Ciências Naturais. Ê dominado pela intencionalidade,

358
pela racionalidade e por considerações de utilidade. Desde
que transfcrívcis e cumulativo* o« produto» da civitiza^fco, o
processo de civilização é unilinear e progressivo,
segundo o ponto de vista dr Weber, o processo de civilização
é ainda irreversível e levará finalmente a uma ávifizaçio
unificada.
Mas a cultura é assunto diferente, de muitos modos dia-
metralmente distinta da civilização. O processo cultural carac
terizase pela criação. Os produtos culturais são exclusivos e
únicos c, pois, dificilmente transfcrívcis dc um a outro período
histórico. Fundamentalmente, a cultura é uma sintese do mun-
do e da personalidade individual. Exprimese na arte, na
religião e na Filosofia — campos de criação genuína. Neste»
domínios, não há paradigmas predeterminados, nem critérios
universalmente válidos e necessários (como na tecnologia da
civilização), nem leis geralmente aplicáveis de crescimento e
declínio. ™ Entretanto, podemse observar, nesse terreno, pe-
ríodos de produtividade e períodos de inércia, bem como “ida-
des” culturais distintas e conflitos culturais.
Não obstante, os processos social e civilizacional entrelaçam
sc invariavelmente com movimentos culturais, e os influenciam;
de fato a criatividade e a espontaneidade dos últimos pela
realização do homem dr seu lugar no esquema social e civilizado»
nal das coisas e pelos diversos esforços individualizados feitos

por ele opara


controlar interpretar
processo social. e Osfreqüentemente para detransformar
padrões cultura» organizaçõese
históricas e sociais especificas são fixados, muito cedo, em sua
história. Isto cria uma unidade de estilo cultura] que reflete
a religião, a Filosofia e a arte, c, cm troca, ajuda a moldar os
homens e as sociedades.

173 A distinção de Alfred Weber entre cioüUaçSo e cultura,


apresentada inicialmente em um artigo publicado em 1920, mostra«e
grandemente afim à de Maclver e seu» discípulo®. Conforme otacr
vamos no cap. XVIII, Maclver, como Weber, identifica {iiilixaçio
com a« atividade» instrumentais do homem, especialmente a tecnolo-
gia; seu conceito de cultura, entretanto, é mais amplo do quê o de
Weber, abrangendo todos os produto» e processo» humanos a que o
homem atribui valor final. E ainda, como Weber, Maclver empre-
ga essa distinção conceptual na análise; quanto ài afinidades entre
ela e a» obras de Weber, ver R. M. Maclver e C. H. Page, Sociity:
An Introductory Analysis, Nova York, Rinehart and Co., 1949, cap».
XXI e XXI!. A teoria de Maclver é discutida no capitulo seguinte.

359
Em obra ulterior, Principles of Historical and Cultural
So i^logy (1951), Weber elaborou e elucidou êsses pontos dc
vista. Desenvolve ainda, o tema de que a cultura se desdobra
de acordo com um paradigma de ondas rccorrcntcs. Êsse con-
ceito é de certo modo similar à teoria da dinâmica cultural de
Sorokin, embora, no uso de Weber, a cultura abarque uma
classe mais estreita de fenômenos do que nos dc Sorokin. O
processo cultural — prossegue Weber — só indiretamente é
afetado pelos dois outros processos básicos, o social e civiliza
cional. Os produtos destes proporcionam continuamente ao
homem, como criador de cultura, novos materiais que podem
e devem ser espiritulmente “superados” (bewãltigt).

Resumo e comentário

Os pontos de vista dos sociólogos históricos de nossos dias


parecem divergir amplamente. Em larga medida, entretanto,
suas concepções principais podem ser reconciliadas.
A proposição fundamental encontrase na teoria de Alfred
Weber. Tratase do teorema de que o desenvolvimento da
‘‘cultura1’ (como usualmente a concebemos) é governado em
sua totalidade por mais de um tipo de uniformidade de princí-
pio. Weber (e Maclver entre outros, cujas opiniões não
discutimos neste capítulo) sustenta que, relativamente ao co-
mando do homem sôbre a natureza, especialmente na tecno-
logia e nas ciências cm que esta se baseia, a uniformidade
principal é a acumulação, O processo acuinulativo “civiliza
cional” (para usar o têrmo de Weber c Maclver), entretanto,
6 interrompido, eventualmente, pelos recuos e catástrofes hu-
manas, e é modificado no seu curso pelo contato c pela difusão
da cultura. Êsse princípio do crescimento cumulativo repre-
senta uma versão parcial e atenuada do evolucionismo (ver
capítulo XXI).
Os aspectos mais especificamente criadores da atividade
humana, como a religião, a Filosofia, as humanidades e as
belasartes (“cultura” de Weber), bem como a organização
políticanão
— e econômica
revelara —evolução
concordamunilinear
os sociólogos
parahistoriadores
o progresso. Nem é
aplicável a esses domínios o paradigma dc crescimentocrise
dcclínio como o formulara Spenglcr e depois Toynbee. Mas
observamse variações entre os períodos de florescimento c crisc

360
cultural, entre a eficiência e a ineficiência econômica. O pa-
radigma geral de transformação nesses cam é talv«z o formu-
lado por Chapin e Kroeber: curvas semiindependente* de a6
vidadc cm vários campos sociais e culturais que podem ou &>
sincronizarse, mas que sugerem, durante períodos de alta
desenvolvimento, um florescimento interdependente da cultura
em geral. Entretanto, as condições sob as quais as tendências
de crescimento das várias fases da cultura se iniciaram e sob
as quais se harmonizam estão ainda por estabelecer. Conside-
rável esclarecimento dèsses problemas se manifesta na obra
de Toynbee.
Por outro lado, Sorokin abriu um campo nôvo, chamando
a atenção para o ponto dc vista quantitativo, na Sociologia
histórica, e estabelecendo a teoria da flutuação ondular entre
os grandes estilos dc cultura. Sua teoria necessita de refi-
namento c, como tôdas as teorias científicas, está sujeita a
correções. Mas os objetivos da dinâmica cultural e o esquema
de referência das investigações que realizou são um signi-
ficativo avanço sôbre os de Danilevky, Spcngler e Toynbee.
Se estiverem certas as conjeturas dêsses diversos estu-
diosos pode surgir uma teoria do desenvolvimento social e
cultural que permita a análise de cada configuração socio-
cultural concreta, localizandoa em um esquema tridimensio-
nal c envolvendo, primeiro, a fase da evolução tecnológica;
segundo, a fase do movimento cíclico nas atividades criadoras
e na organização política e econômica; e, terceiro, a fase da
flutuação ondular dos amplos estilos culturais. O segundo
talvez corresponda a um grupo de processos relacionados. Mais
provàvelmcnte encontrarseá uma interdependência entre os
vários processos. Sorokin já demonstrou que fases diferentes
na flutuação do estilo cultural determinam, com tôda a pro-
babilidade, a intensidade da atividade criadora em campos es-
pecíficos do esfôrço humano.
Por infelicidade, poucos estudiosos, relativamente, estão
hoje trabalhando de acôrdo com as linhas sugeridas pelas
investigações dos sociólogos históricos. Êste fato é especialmente
lamentável cm um mundo dinâmico como o nosso. A Sociolo-
gia, não há dúvida, bem como a sociedade necessitam de uma
teoria geral da transformação social e cultural, cmplricamente
verificável, relacionada a uma teoria geral da estrutura e da
organização sociocultural que a suplemente.

367
Sobrevivência^ c Revivescências

n. constelação de escolas estudadas nos capítulos prece-


dentes não esgota a complexidade da Sociologia dêste meio
século. Algumas tendências aguardam exame dc modo que
o quadro seja mais completo.

Neoeuoltiçionismo

O evolucionismo social, em sua forma clássica, está mor-


to: ninguém hoje sustenta a teoria do desenvolvimento unili-
near da sociedade humana, rumo ao progresso e de acôrdo
com estágios preestabeleeidos. Ainda que fôsse moda, em certa
época, rejeitar a idéia evolucionista, em sua totalidade, sem-
pre houve sociólogos e antropólogos culturais que advogaram
um moderado evolucionismo — e cuja influencia aumenta
bastante no momento.
Entre os sociólogos, Charles A. Elhvood (18631946),
cujas opiniões sociológicas gerais bastante se aproximam das
de Cooley,174 continuou, em pleno segundo quartel do sé-
culo XX, a tradição do evolucionismo psicológico (ver ca-
pítulo VI),
doutrina modificado pela
c enriquecido de incorporação
acôrdo com doobjeções
conceito opostas
de cul-à
tura. Em Cultural Evolution (1927), Elhvood sustenta a

174 Especialmente cm Sociology in its Psychological Aspects (1912).

362
teoria da cultura como uma explicação psicovociológica em
termos do traços nitidamente humanos. A evoluçSo cultural
— declara — ocorre pela invenção que — quer física, quer
social — é impossível sem a fonnação de conceitos ou pa-
drões mentais. Seguese que os estágios que a cultura atra-
vessa eqüivalem necessariamente aos estágios do proccao de
aprendizado. Reconhece, contrariamente aos ensinamentos dos
primeiros evolucionistas, a ausência dc uma única linhn típica
de evolução cultural, mas admite a existência dc estágios ine-
vitáveis de aprendizado. Assim, o homem primitivo não era
apenas iletrado, mas não descobrira ainda a arte do cultivo;
no estágio seguinte, iletrado ainda, já descobrira essa arte; no
estágio mais recente, aprendeu a ler e escrever.
Elhvood sustenta ao mesmo tempo que a evolução cul-
tural é um produto da evolução social, por sua vez unia fase
distinta da evolução universal. Identifica o crescimento cul-
tural com uma “mutação” na evolução social, processo que
existe entre os animais nãohumanos. Essas formulações co-
incidem, de certo modo, com a teoria spenceriana da evolu-
ção cósmica.175
Muito mais limitado é o ingrediente evolucionista na teo-
ria sociológica de Madver, cujos pontos de vista sôbre a es-
trutura e a causação social delineamos no capitulo XVIII.
Em Society (1931),1TO Maclver reelabora a doutrina de Spen-
cer da diferenciação, liberandoa todavia das referências a
leis cósmicas, ao paralelismo com a evolução orgânica e ao
progresso inevitável. De acôrdo com Maclver, a evolução é
o desdobramento da natureza de uma coisa, processo em que
esta se adapta melhor ao meio, mas que não representa ne-
cessariamente progresso, que é a aproximação de algum ideal
humano à realidade. Cada uma pertence a diferentes cate-
gorias de pensamento: a evolução à ciência, o progresso às
humanidades — reino dos ideais humanos.
A evolução social — acentua Maclver —• existe onde
quer que a história da sociedade é assinalada por uma cres-
cente especialização de órgãos ou unidades, dentro do siite

que 17Smodificou Posteriormente, tomando publicou


sua posição, Bllwood símboloscerto
as número de irtigos
caracteristicftl em
distin-
tivas da cultura. Ver por exemplo “Culture and Human Society ,
Social Forces, vol. 23 (1944), piga. 6 e teg*.
,w Terceira edição, em cooperação com Charles H. Page (1949).

M
tan , :e serve à vida do todo. Assim, a evolução social 6 es
sc C ilmente diferenciação, processo que sc manifesta cm
maior divisão do trabalho, crescimento dc número c varie-
dade dr associações e instituições funcionais, e maior refina-
mento c diversidade de instrumentos dc comunicação social.
A linha geral da evolução social procede da sociedade primi-
tiva, caracterizandoa a fusão de usos políticos, econômicos,
religiosos e culturais, através dc instituições comunais diferen-
ciadas (as instituições, no emprego de Maclver, são procedi-
mentos estabelecidos), para associações diferenciadas, como o
Estado, a corporação econômica, a família, a escola e a igre-
ja. A diferenciação de “grandes associações" da vida política,
econômica c “cultural” tem sido acompanhada por uma vas-
ta diferenciação dentro das respectivas estruturas.
Maclver, entretanto, nega que a evolução abarque a trans-
formação social em sua totalidade. Distingue entre civilização
que é “o mecanismo inteiro... que o homem imaginou no
esforço de controlar as condições dc sua vida * e que com-
preende organização social, técnicas c instrumentos materiais,
c cultura como “a expressão da natureza do homem em seus
modos dc viver e pensar, na... convivência diária, na litera-
tura, na religião, no divertimento e na alegria”. 177 Somen-
te a civilização está sujeita à evolução. A cultura — declara
Maclver — “só pode avançar se a expressão do espírito hu-

mano
pria aé exprimir.
capaz de Aesforços mais éfinos,
civilização tem alguma
o veículo coisa pró-
da cultura: sua
melhoria não é garantia da qualidade mais fina daquilo que
ela conduz”.17* Conforme observamos no capitulo XX, essa
distinção entre civilização e cultura lembra Alfred Weber.
Maclver reconhece a semelhança existente entre suas idéias
c as que Weber exprime em um dos últimos artigos que es-
creveu e que apareceu antes de Society; mas reivindica “in-
venção independente” com respeito a Modern State, em que
desenvolveu a distinção aludida antes de tomar conhecimen-
to do documento de Weber.
A distinção de Maclver entre cultura e civilização (ou
tecnologia, têrmo que êle parece preferir, em publicações re-
centes) destaca a qualidade última ou valorfim dos produ-
177 Sociêty, Nova York, Ray Long and Richard C. Smith Corp.
(1931), pág. 226.
pig. 228.
364
tos culturais e a contrastante natureza instrumental dot fo»
nômcnos da civilização. Empxega essa distinção de meios •
fins no tratamento dos tipos de grupos soc ia is e nas rlUrna^ft
da difusão dos produtos humanos e conseqüente transforme*
ção social bem como na análise da evolução social.
Reconhecimento limitado do evolucionismo é também o
que se apresenta em Human Group (1950), de George C
Homans. Êste volume, embora francamente uma análise de-
talhada dos sistemas sociais dos pequenos grupos, conclui que
a sociedade não sòmente sobrevive, mas cria, ao sobreviver,
condições novas, que lhe permitem existir em um plano mais
elevado. Não será êsse excesso emergente — pergunta Ho-
mans — o segredo da capacidade dc evolução tão característica
da vida orgânica?
Entre os antropólogos culturais, Malinowski, aliás expo-
ente principal da escola funcional (ver capítulo XVIII), de-
fendeu vigorosamente um moderado evolucionismo. As pre
sunções principais do evolucionismo — sustenta — não são
apenas válidas, mas indispensáveis para o etnólogo. E o cor.
ceito de estágios continua muito útil. “Certas formas prece-
dem outras, definitivamente; um quadro tecnológico assim
como o expresso nos têrmos “Idade da Pedra", “Idade do
Bronze”, “Idade do Ferro”, ou os níveis de clã e organização
gentSlica, ou grupos numèricamente pequenos bem esparsos
como que em oposição às fixações urbanas ou semiurbanas,
têm que ser encarados sob o ponto de vista evolucionis-
ta..."17* Entretanto, Malinowski mesmo não desenvolveu
uma teoria da evolução.
Dois outros autores, porém, Leslie A. White e V. Gordon
Cliilde (1892 ), assim o fizeram. Em uma obra esti-
mulante, The Science of Culture (1949), tenta White levar
avante o evolucionismo de Spencer, Tylor e Morgan, par-
tindo dc onde o mesmo se interrompera, em 1900. Os antro-
pólogos culturais e muitos sociólogos abandonaram — em sua
opinião — a Filosofia do evolucionismo, junto com os erros
de alguns evolucionistas.110 Ê preciso dar uma nova partida.

179 B. Malinowski, A Scientific Theory of Cultuu, Chapel HiU,


The University of North Carolina Press, 1944, pág. 16.
180 a. White, "The Science of Culture”, Nova York, Farm.
Straus & Young, Inc., 1949, pig. 20.
focü uuuido o evolucionismo na cultura, que deve scr cuidado-
samente definida. E deve ser definida como conduta sim-
bólica, um símbolo sendo a “coisa cujo valor ou significado
lhe é atribuído por quem a utiliza".181 Observeso que o
símbolo, assim definido, quase sc identifica ao “valor ’ como
o conceberam Max Weber, Thomas, Sorokin, entre outros, e
com a “cultura", como a conceberam Maclver, Alfred We-
ber e, em certa medida, Parsons. Eis aqui, novamente, uma
ilustração da convergência na teoria social moderna.
A cultura — de acôrdo com White — constitui uma clas-
se dc eventos suprabiológicos c suprasociológicos; é um pro-
cesso sui gene
A cultura pode ri*e que
deve distingue os homens
ser descrita dos outros
em têrmos de seusanimais.
pró-
prios princípios e leis; as explicações e interpretações psico-
lógicas são inadequadas porque não explicam quase nada. Na
demonstração dessa tese. White faz copiosas referências a
Durkheim.
A fim de traçar a evolução da cultura, desde o principio
até o presente, cumpre reconhecer três subdivisões culturais:
tecnológicat sociológica e ideológica. A subdivisão tecnológi-
ca se compõe de instrumentos materiais, bem como da téc-
nica de utilizálos; o sistema sociológico é feito pelas relações
interpessoais expressas em padrões dc conduta; o sistema ideo-
lógico compõese de idéias, crenças, conhecimento, todos ex-
pressos simbolicamente. O papel evolucionista fundamental
cabe ao sistema tecnológico. Os sistemas sociológicos são se-
cundários e dependem do tecnológico; os ideológicos tradu-
zem fôrças tecnológicas e refletem sistemas sociológicos. As-
sim, é tecnológica a chave para a compreensão do desenvol-
vimento da cultura. Está claro que o neoevolucionbmo
do White leva umas tintas dc determinismo econômico
e tecnológico.
O grau de desenvolvimento cultural — prossegue White
— pode scr medido pela soma de energia aproveitada per
capita e pela eficiência dos meios tecnológicos. A primeira
fonte de energia que os primitivos sistemas culturais explo-
raram foi a energia do próprio organismo humano. Não se
pode fazer nenhum grande avanço antes que o homem do
mesticasse as plantas c os animais; subseqüentemente, em al-

iaipis, 25.

366
guns milhares de anos, as grandes civilizações amigas emer-
giram, no Velho e no Nôvo Mundo. Mas, em seg3dB*H|
período de rápido crescimento, a curva ascendente do pio*
gresso estabilizouse, ate que nova revolução cultural ocorreu,
iniciando a Idade do Petróleo, por volta de 1800. E nova-
mente, depois de rápido crescimento, a curva do deKnvol*
vimento cultural começou a declinar. Finalmente, (oi do-
minada a energia atômica, que poderá — ou não — anun-
ciar uma nova era tecnológica.
Cada estágio tecnológico — declara White — correspon-
de a traços particulares do sistema social. Se o povo é de
caçadores nômades, precisa de um tipo de sistema social;
se leva vida sedentária, terá outro. As instituições socuô,
não há dúvida, relacionamse à tecnologia de modo bastante
indireto; e as instituições de povos que alcançaram um alto
nível tecnológico variam tremendamente. Mas todos os sis-
temas sociais que repousam sôbre a energia humana per-
tencem a um tipo comum; tôdas as sociedades pastoris e
agrícolas dos primeiros estágios do desenvolvimento tecnoló-
gico pertencem a outro. White apresenta uma revisão apres-
sada das linhas principais da posterior evolução das institui-
ções sociais, acentuando sua dependência das conquistas
tecnológicas.
Essa apresentação dificilmente supera as objeções nume-
rosas e sérias formuladas contra o primeiro evolucionismo,
especialmente a crítica à crença na existência de estágios ne-
cessários e corrclatos no desenvolvimento das sociedades e
culturas. Ademais, White não faz nenhuma tentativa para
relacionar o desenvolvimento ideológico ao avanço tecnoló-
gico. Insiste êle cm que a ideologia é parte relevante da
cultura. Mas sc esta parte relevante da cultura não obedece
o qualquer lei evolutiva, fica desguarnecida sua reivindicação
de apresentar uro ponto de vista unificador sôbre a evolução
cultural.
Em Social Evolution (1951), Childe discorda da suges-
tão dc White dc reviver, sob nova forma, as teorias dr Sprn
cer e Tylor, mas, não obstante, valoriza algumas proposi-
ções de Morgan (ver capitulo IV). O único tipo de evi-
dência digno de confiança a respeito da evolução social e
cultural, o arqueológico, sustenta Childe, confirma a idéia
de que pelo menos o avanço tecnológico dot homens atraw

367
otúgioe identic os cm lugares vários. Solvagcria, barbárie
e civilização — as categorias dc Morgan — representam de
fato os estágios do avanço humano. A civilização primitiva
escreve Chi Ide — foi concretamente muito diversa em
cada caso. Mas cm tôda parte sc encontra a prova efetiva
de grandes cidades a diferenciação entre produtores, a con-
centração eficaz dc poder politico c econômico, o uso dc sím-
bolos convencionais para relatos, medições de tempo e espa-
ço, a cultura de ccrcais c a criação de alguns animais. O au-
tor concorda, entretanto, cm que os estágios intermediários
não apresentam paralclismos nem mesmo abstratos. O fato
não invalida o social
desenvolvimento uso do comoconceito
um deprocesso
evoluçãoracional
para descrever
e regular,o
llá, no entanto, grande diferença entre evolução social e or
gânica. A evolução orgânica se baseia na divergência e na
diferenciação; a evolução social ostenta êsses padrões, mas
também manifesta convergência através dc contatos culturais,
fato sem paralelo na evolução orgânica.
Apesar dessa diferença, Childe sustenta que a fórmula
darwiniana da variação — hereditariedade, adaptação e se-
leção — pode ser transferida da evolução orgânica à social,
e que tem ate mais sentido na segunda do que na primeira.
A variação corresponde à invenção; a hereditariedade social,
ou a transmissão da cultura dc geração a geração, é uma
fôrça familiar. A adaptação sc dá muito mais ràpidair.cnte
na História humana do que na História natural; a seleção
exprimesc no fato de que somente uma fração das invenções
sobrevive, como benéfica, a longo prazo. Nesta sobrevivência
seletiva, há afinidade com a seleção de mutações na natureza;
o processo seletivo na sociedade, porém, difere significativa-
mente, pois caminha sem destruir ou substituir um tipo de
ser por outro.
Essas formulações enquadramse no estilo da Societal
Evolution, de Keller, publicada 35 anos antes (ver capítulo
XI). Talvez as primeiras críticas feitas à interpretação de
Keller do darwinismo social sejam igualmente aplicáveis à teo-
ria de Childe.
Apesar das deficiências dessas obras modernas, escritas
no estilo neoevolucionista, podemse incorporar alguns de
seus argumentos e proposições a uma teoria geral da trans-
formação social. Apresentamos, no capítulo XX, como ten-
tativa, um esbôço dc tal teoria.

368
Determinismo geográfico e demográfico

O monismo geográfico perceptível na obra de Buckle


(conforme observam o* no capítulo IV) permanece como
uma tendência sociológica, embora nunca chegando a ganhar
ampla respeitabilidade teórica.
Variação colorida do determinismo geográfico apareceu
com a geopolítica“teoria” largamente rebatida, apresentada
durante a Primeira Guerra Mundial por Halford J. Mackin-
der e finalmente incorporada à doutrina oficial do na
cionalsocialismo alemão, sob a forma que lhe deu Karl
Haushofer.182
A Ecologia humana, em uma de suas fases, embora não
a variedade desenvolvida por Park e seguidores (conforme
vimos no capítulo XVI), também se pode conceber como
um ramo da teoria geogràficamente orientada. Em uma for-
ma relativamente pura, êssc tipo de approach foi englobado
nas numerosas obras de Ellsworth Huntington, começando com
The Pulse of Asia (1907) e continuando através do volume
final, Mainsprings of Civilization (1945). Êste último volu-
me, todavia, tempera monismo geográfico puro com certa
mistura de determinismo biológico.
Mainsprings of Civilization é precedido de algumas afir-
mações de estilo moderadamente evolucionista. Durante mi-
lhares de anos — explica Huntington — a civilização avan-
çou persistentemente ao longo de linhas definidas. A maior
parte dos inícios evolutivos, porém, demonstrou dirigirse paia
um beco sem saída, apenas uns poucos seguindo os caminhos
que permitem grande progresso. Os fatôres que causam va-
riação no avanço da cultura e da civilização incluem a he-
rança biológica, o meio físico e o dote cultural. Êste, entre-
tanto, à produto dos impactos iniciais do primeiro e segundo
fatôres; e a herança biológica humana pouco varia, enquan-
to o meio físico determina largamente as diferenças raciais.
Assim, a Geografia desempenha um papel fundamental no
desenvolvimento evolutivo.

18* H. J. Mackindcr, Democratic Ideal and Reality, Londr«t,


Constable, 1919; K. Haushofer, Erdkunde, Geopolitik und Wthrwis-
senschaft, Berlim. Max Hoeber, 1934. O têrmo geopolltUt, cunbouo
o cientista político sueco Rudolph Kjellen.

M
No progresso humano — sustenta Huntington — é básico
o vigor físico. Outras coisas sendo iguais, o progresso cul-
tural é favorecido pela saúde, que resulta em alta capacidade
de trabalho. Enlre o* fatôres que influenciam a saúde, o
clima decididamente ocupa o lugar principal. A alta “efi
c itncia climática” f rara c coincide com a eficiência econô-
mica elevada. Portanto, Huntington submete a eficiência
climática a um detalhado estudo. Ilustra bem este ponto
sua afirmação de que a “humanidade como um todo parece
trabalhar melhor quando a temperatura, ao meiodia, é de
cerca de 17 a 219 C.183 Huntington alega ainda que o cli-
ma explica as variações religiosas e o caráter nacional dife-
renciado. Resume suas conclusões xia declaração dc que a
eficiência climática exerce papel fundamental no estabeleci-
mento do padrão geográfico da civilização.
Huntington hesita, porém, em entregarse com armas e
bagagens ao monismo geográfico. Afirma, por exemplo, que
a invenção da máquina a vapor exigia, além dc clima ade-
quado, as seguintes condições concomitantes: povo com uma
capacidade inata relativamente alta, motivo forte para agir
em direção a padrões de vida mais elevados e um grande
suprimento de combustível.184 Reconhece também a signi-
ficação das diferenças dietéticas.
A comparação entre as obras de Huntington e Buckle,

embora noventa anos


vista subjacente as separem,
de ambas mostradivergência
não há que no substancial.
ponto de
Clima e solo em Buckle, clima e alimentação (dependendo
do clima e do solo) em Huntington, cis os determinantes
principais do avanço cultural. A diferença na técnica, entre-
tanto, é espetacular: Huntington faz uso abundante de grá-
ficos e métodos estatísticos, ainda não desenvolvidos à época
de Buckle, e oferece uma evidência incomparàvelmcntc mais
diversificada. Não obstante» não prova mais do que Buckle
que o clima ou a geografia em geral sejam um dos impor-
tantes elementos determinantes da cultura.
Uma das obras representativas entre as que acentuam o
monismo demográfico é a de Alexander e Eugene Kulisher,
Guerras e Migrações (em alemão, 1932). De acôrdo com

185 E. Huntington, Mainsprings of Civilization, Nova York, John


Wiley & Sons, Inc., 1945, pág. 267.
1* Ibid., pig. 408.

370
êsses autores, o traço mais visível da história humana é u
processo de migração (consideram a guerra uomi de MÉÍÉ
formas). À migração é ocasionada pela densidade diferencial 4a
população em diversas partes do mundo. Entretanto, a den*
sidade é importante não apenas em seu sentido mais simples,
aritmético, de população proporcional ao tamanho do terri-
tório, mas principalmente em têrmos da relação do número
de habitantes para os meios de subsistência disponíveis. Cha-
mam os Kulisher a isto de densidade social. A “tendência
natural” parece ser no sentido de igualar a densidade social.
Mas o processo sc complica pelo fato de que se têm de con-
siderar não sòmente os meios de subsistência atuais, mas tam-
bém os potenciais,
migração isto da
e a aplicação é, os que melhorada.
técnica estarão disponíveis
Por outroapós
lado,a
o processo está sujeito às limitações impostas pela existên-
cia de grandes reservatórios de água e pela resistência polí-
tica e militar à migração. Não obstante, o mecanismo da
migração é uma fôrça tão natural quanto outra qualquer.
A teoria dos Kulisher destaca um aspecto significativo
da transformação social, mas não a explica em sua integri-
dade. O maior defeito consiste aqui na impossibilidade de
estabelecer empiricamente a “densidade social**; os autores che-
gam ao fenômeno a posteriori, baseados no fato de que a mi-
gração ocorreu. Por outro lado, acentuam a importância da
disponibilidade imediata dos meios de subsistência. As na-
ções podem viver trocando
A recente produtos
literatura industriais
histórica por alimento. sublinha o
freqüentemente
fator da migração. Por exemplo, a proposição básica de Hen-
ri Pirenne (18621935), afirmada em Viíles du MoyenÁge
(1925), sustenta que a História européia, do século VII1 ao
XII, foi determinada pelo fechamento e subseqüente reaber-
tura das rotas de comércio, como resultado das migrações.
E ainda Frederick J. Tcggart, em Rome and China (1940),
considera que as fases mais importantes da História romana
e da chinesa, nos primeiros séculos da era cristã, podem
reduzirse à pressão diferencial das tribos fronteiriças como
resultado da migração de populações.

A Sociologia durkheimiana na França


Durkheim morreu em 1917. Até recentemente, porém,
seu espírito continuou a dominar a Sociologia francesa. A ex

371
cecio dos institucionalistas e dc alguns fenomenologistas (ver
cap XIX), podese considerar que a Sociologia na França
continuou a inanter a tradição durkheimiana, especialmente na
forma que lhe deu em Les Formes Elémentaires de la Vie
Rêligiemc (ver cap. IX).
Os sociólogos franceses, cm sua maioria, se concentraram
no estudo da sociedade primitiva, c seriam classificados nos
Estados Unidos como antropólogos culturais. Sua obra ha-
bitualmente vai além da simples descrição (não muitos se
empenharam em pesquisas de campo entre povos primitivos),
conccntrandosc antes na interpretação teórica dos dados da
Etnologia. A este respeito, conservarainse fiéis à crença de
Durkheim de que na sociedade primitiva os fenômenos so-
ciais básicos aparecem na forma mais simples e são, portanto,
especialmente compreensíveis.
Mareei Mauss (18721950), o mais renomado adepto de
Durkheim, declara que a escola francesa de Sociologia isolou
para estudo “a história social das categorias básicas do espí-
rito humano** — em um ensaio sôbre “O Conceito de Per-
sonalidade** (1938),185 que trata, na maior parte, da histó-
ria do conceito de acôrdo com a orientação habitual em
qualquer história de idéias. Mas os durkheimianos enfren-
tam outro problema: a relação entre a Sociologia e a Psico-
logia. Problema dràsticamente colocado pela afirmação de
Durkheim dc que os fatos sociais são “coisas” e assim irre-
dutíveis aos fatos da Psicologia individual. Deuse com esta
opinião uma transformação interessante. Em 1924, Mauss,
passando à ofensiva, disse aos psicólogos que havia muitas
outras coisas essenciais na sociedade, que não as “represen-
tações coletivas**, que pertencem aos domínios da Sociologia.
Há também coisas materiais c homens, fenômenos morfoló
gicos (estruturas sociais como a família c o clã), fatos esta-
tísticos (digamos, o número de erros cometidos pelos correios
ou o número de crimes) c, finalmente, história, tradição,
linguagem e hábitos. A Sociologia — declarou Mauss — é
o estudo do homem total, enquanto a Psicologia estuda ape-
nas seus processos mentais.
Vinte e cinco anos depois, em uma introdução a Sociolo-
gia e Etnologia de Mauss, outro durkheimiano, Claude Lévi

185 Transcrito em Sociologia e Etnologia, de M. Mausa (1950).

372
Strauss, apresenta o seguinte ponto de vista: o fato social
total é real quando integra um sistema que transcende ot
aspectos particulares da vida social, como a família, a tec-
nologia e a organização política. Devese incorporilo na
experiência pessoal de duas maneiras: em uma história de
vida concreta e única e na “dimensão físicopsíquica". Sòmen-
te em um indivíduo essas duas dimensões e a sociedade ie en-
contram; há aqui, talvez, uma reafirmação nebulosa do en-
sinamento dos analistas americanos atinente à tríade intf
ratuante dc sociedadeculturapersonalidade. Nunca — pros-
segue LéviStrauss — podemos estar certos de que compre-
endemos o significado c a função de uma instituição, a me-
nos que estejamos aptos a verificar seu impacto sôbre a cons-
ciência individual. Na ciência social, ademais, o observador
é parte do que está sendo observado. Essas afirmações apre-
sentam muita semelhança com as opiniões de Max Weber
sobre a verstehen (ver capítulo XIV). Sòmente no fim do
debate é que o estudioso francês volta a uma proposição
autenticamente durkheimiana, sustentando que os objetos da
Sociologia são tanto as coisas quanto as representações.
Outro sociólogo francês, M. Duffrenne, o acompanha m:
A Sociologia — declara — dividese entre a tendência a de
sumanizar os fatos sociais, estudandoos de acordo com a “Fí-
sica Social" c a tendência oposta a reintroduzir o homem no
social e assim compreender êste último elemento como uma
experiência humana. As duas tendências podem ser abrevia'
das como explicação c compreensão, outra idéia no estilo de
Max Weber. A tarefa principal da Sociologia contemporânea
consiste na reconciliação das duas tendências.
A fim de promover essa tarefa, Duffrenne voltase para
o estudo da relação entre cultura e sociedade, sob a forma
de um comentário a recentes obras americanas de Antro-
pologia Cultural. A cultura — diz êle — é o aspecto huma-
no social. A sociedade e a realidade última devido a seu
caráter morfológico, externo c coercitivo — opinião nitida-
mente de tradição durkheimiana. Na experiência individual,
a sociedade aparece como uma enorme máquina. E, neste sen-
tido, a sociedade precede a cultura: a sociedade tem uma

,BS M. Duffrenne, "Coup d’oeil sur 1‘anthropologie cuhotelle


américaine”, era Cahiêrs internalionaux dê sociologiê, vol. XII (1951).

373
cultura que só pode manter uma vida adequada no meio
daquela sociedade. Concebe uma cultura mai* ou menos
idêntica às instituições. A cultura — acentua Duffrenne —
pode ser entendida apenas em têrmos dc conduta humana:
a cultura é a sociedade integrada na conduta humana. Por-
tanto, seu estudo dá à Sociologia um sabor psicológico, uma
concepção diferente da teoria dc Durkheim.
Podese extrair daqui a conclusão de que a Sociologia
francesa, no momento, se encontra em uma encruzilhada. O
realismo sociológico de Durkheim não c mais aceito sem con-
testações. Várias fontes — inclusive as opiniões teóricas de
Max Weber, os sociólogos analíticos e os antropólogos cultu-
rais americanos — estimulam novas orientações.

A Sociologia formal na Alemanha

Durkheim foi um dos quatro sociólogos do fim do sé-


culo XIX que fundou a Sociologia analítica (o que expli-
camos nos capítulos VIII e IX); seu approach teórico, vimo
lo acima, sobreviveu até agora na França. A teoria de outro
dos quatro fundadores, Simmel, persistiu na Alemanha, Sim
inel, entretanto, não domina a Sociologia alemã, pois seus
adeptos concentraramse cm um pequeno grupo, mas muito
ativo, em Colônia, dirigido por Leopold von Wiese (1876 ).
Von Wiese nasceu em Glatz, Silésia. Colou grau dc dou-
tor em Filosofia na Universidade de Berlim, começando logo
em seguida a carreira acadêmica. Em 1915, foi nomeado
professor de Economia na Escola de Comércio de Colônia,
que, em 1919, passou a Universidade; continuou ai como
professor de Sociologia, com uma longa interrupção durante
os anos de regime nazista. Durante muito tempo editou o
mais conhecido jornal alemão de Sociologia, que aparece ago-
ra como Kõlnische Zeitschrift für Soziologie. Sua obra prin-
cipal é Sociologia Geral, em dois volumes, que apareceu em
1924 c em 1929; uma segunda edição, revista, em um volu-
117
me. surgiu cm 1932.
1®* o titulo alemão deita obra é Allgemeine Soziologie eis Lehre
dtr Beziehungen und Rezithungsbebilde des Metischen. Em 1932,
uma tradução de Howard Becker apareceu sob o título Systematic
Sociology. Tradução que foi adaptada aos pontos de vista america-
nos e portanto aparece sub dois nomes, Von WieseBecker.

374
Von Wiese retomou o objetivo de Simmel: construir a
Sociologia como ciência independente. Como Simmel, vi
o aspecto especificamente sociológico da realidade na forma
de fatos sociais, mas, em desacôrdo com Simmel, deu à forma
uma interpretação bastante dinâmica ao concentrarie na
ação e no movimento. Novamente como Simmel, acredita que
a sociedade c uma abstração, um determinado ponto de vista
sôbre as ações humanas focalizando as relações humanas. Con-
tràriamente a Max Weber e aos fenomenologistas, Von Wiese
limita seus estudos àquilo que é cognoscível através da
observação externa, um tanto k maneira dos behaviorista*
americanos.
Para Von Wiese, a unidade básica de investigação socio-
lógica é a relação social ou processo social. O primeiro nível
da investigação sociológica ambiciona atingir a classificação
dêsses fenômenos. Podem ser reduzidos a dois tipos básicos,
associativo e dissociativo, e a um terceiro, misto, contendo
elementos de ambos. Comum a todos os processos sociais é
o fato de que êles afetam a distância social, aumentandoa
ou diminuindoa (não se confunda distância social com dis-
tância no sentido espacial). Cada uma das classes principais
de processos se divide em subclasses com base no grau do
efeito associativo' ou dissociativo do tipo particular de proces-
so. Embora Von Wiese formule refinadas definições das sub-
classes, estas são encaradas essencialmente como posições ao
longo
ção (ou dc amalgamação)
uma linha contínua,
ao maisdo alto maisgrau
alto degrau de associa-
dissociação (ou
conflito). Von Wiese também classifica os processos sociais
de acôrdo com as categorias opostas de integração c diferen-
ciação, c os processos construtivo e destrutivo.
À base de relações ou processos sociais emergem estru-
turas sociais; seu estudo, de acôrdo com Von Wiese, forma o
segundo nível da investigação sociológica. Uma estrutura é
ccrto número de relações sociais tão ligadas na vida diária
que se pode considerálas unidades ou substâncias — defi-
nição que atesta a concepção nominalista de Von Wiese da
realidade social. As estruturas sociais são classificadas de
acôrdo com a duração e o grau de abstração. Formamse,
assim, quatro tipos de estruturas básicas: multidões concre-
tas, visíveis e de curta duração; multidões abstratas, invisí-
veis e de duração indefinida (por exemplo, o público); gni
pos, caracterizados pela presença pessoal de membros e pela
or^mização; e coletividades abstratas, como o Estado ou a
igreja, em que se dispensa relativamente pouca atenção aos
indivíduos concretos.
Von Wicse e seus adeptos aplicam essa classificação, às
vêzes multo sugestivamente, à descrição de configurações so-
ciais diversificadas. Mas, em geral, parecem esquecer um
importante critério de adequação científica da classificação.
Uma classificação é adequada quando, com relação a cada
classe e subclasse, podemse demonstrar proposições nãoconti
das na definição da respectiva classe ou subclasse, mas apli-
cáveis a todos os itens compreendidos pela definição c não
aplicáveis a qualquer outro fora dela. Naturalmente, há di-
versas proposições sociológicas estabelecidas relativas a con-
corrência, conflito, etc.; proposições, entretanto, conhecidas
muito antes que Von Wiesc iniciasse suas tentativas de classi-
ficação. Ademais, o exame das subdivisões de Von Wiesc
sugere um approach formalista bastante estéril. Relações e
estruturas são objetos importantes do estudo sociológico; en-
tretanto, não abrangem o campo da Sociologia, e, desligadas
de considerações funcionais, normativas e dinâmicas, trazem es-
clarecimentos mínimos à realidade social.
Entre os sociólogos de outras escolas, Gurvitch (ver ca-
pítulo XIX), especialmente, deixouse influenciar muito pelo
approach elassificador de Von Wiesc. As obras de Gurvitch
contêm inúmeras classificações complexas, mas, como Von
Wiese, raramente ele procura analisar os fenômenos sociais
representados pelas subclasses, além de suas definições formais.

Resumo

As diversas tendências estudadas neste capítulo têm dois


denominadores comuns. Primeiro, tôdas continuam no pre-
sente uma tendência srcinada no século XIX, procurando
sempre oferecer a explicação da realidade social. Segundo,
cada uma acentua e exagera um dos seguintes elementos; um
determinante particular da realidade social (geográfica ou de-
mográfica) ; um possível mecanismo do viraser social (neo
evolucionismo); ura ponto dc vista exclusivo relativamente
aos fenômenos sociais (Sociologia durkheimiana, escola de So-
ciologia de Colônia). Libertada de arcaísmos e parcialismos,
cada tendência sobrevivente ou revivida encerra contribuições

376
valiosas para o tesouro do conliecimento sociológico. Nlo hi
dúvida dc que as configurações tociais são significativamente
afetadas pelas situações ou processos geográficos ou demopé»
ficos. ou que deviam ser sistemàt ícamente descritos ot tipo* de
estruturas e relações sociais. Também c provável que, dentro
de limites definidos, o evolucionismo seja o ponto de vista
acertado de um aspecto fundamental do viraser social.
Os atuais representantes das idéias aqui tratadas, sob a
rubrica de “sobrevivencias e revivcscências”, compreendem,
crescentemente, as limitações dos respectivos approaches,
reconhecimento está especialmente claro entre os expoentes
do neoevolucionismo, do estudo sociogeográfíco e da Socio-
logia durkheimiana. A compreensão de tais limitações, en-
tretanto, será imperativa quando essas tendências se toma-
rem partes valiosas do todo que um dia formará uma teoria
sociológica geral utilizável.
Sexta Parte

CONCLUSÃO
CAPITULO X X I I

A Sociologia em Meados do Século XX

Durante a primeira metade do *éculo XX, a Sociologia


realizou um avanço decisivo» pastando de um programa de
tentativas e um conjunto de controvérsias sôbre o âmbito e
o método de uma ciência ainda por desenvolver para um cor-
po de conhecimento firmemente estabelecido com base em
um grande número de observações verificadas e inferências daí
deduzidas. Entretanto, o objetivo ainda nSo foi completa-
mente atingido. Pontos de vista sociológicos dispares ainda
não se fundiram na teoria sociológica, contrapartida do tipo
de teoria que constitui uma parte de cada ciência natural.
Não se alcançou
no sentido o objetivo
de seguir apesardasdasCiências
os métodos vigorosas exortações
Naturais e as
numerosas tentativas para fazêlo (ilustradas, por exemplo,
pelas obras de Thomas, Pareto e dos neopositivistas) e ape-
sar das promissoras contribuições dos sociólogos analíticos.
Não obstante, acumularamse muitos resultados positivos.
Primeiro, enquanto a Sociologia inicial discutia longamen-
te o que viria a ser a “Sociologia”, hoje se discute o que a Socio-
logia realmente é. Das quatro respostas básicas à primeira per-
gunta, apresentada no capítulo I, prevaleceu a quarta, que, de-
vemos recordálo, define a Sociologia como o estudo das carac-
terísticas gerais de tôda classe de fenômenos sociais e da inter
relação entre essas classes. Embora a melhor formulação seja a
de Sorokin, o caminho para esta concepção abriramno Simmel,

ofundador
estudo dadoforma dos approach,
terceiro fenômenosque identificou
sociais, a Sociologia
e Giddings. Os ante com

XI
ccdr aics podem ser rctraçados ate Comte, cuja dc que a
Sociologia se tornaria a ciência geral teórica dos fenômenos
sociais se desdobrou na definição amplamente aceita de
Sorokin.
Segundo, os íenômenos sociais, objeto da Sociologia, são
agora habitualmente icconhecidos como «ii generis, ou por
outra, como irredutíveis a fatos nãosociais (físicos ou psicoló-
gicos, por exemplo). A êste respeito, prevaleceu o ponto de
vista dc Durkheim, contra o dos sociólogos psicológicos, que,
por sua vez, estavam certos em sua oposição aos que viam na
sociedade a simples interatuação dc fôrças impessoais, ou, por
assim dizer, superhuman
nt ris; resultam, não obstante, daas.composição
Os fenômenos humanas.são sui ge-
das açõessociais
Entretanto, observese uma opinião particular, derivada
de Max Weber e Thomas, e mais bem representada agora por
Parsons. Opinião que reintroduz a confusão entre Sociologia
c Psicologia devido a sua preocupação com a “ação”.
Por outro lado, como corolário da irredutibilidade dos
fenômenos sociais a qualquer outra classe dc fenômenos, a
opinião corrente entre os sociólogos rejeita as analogias bioló-
gicas em tôdas as suas variações (organicismo, darwinismo
social etc.), bem como a compreensão dos fenômenos sociais em
têrmos de um modelo teórico, esboçado para estudo dos fenô-
menos físicos, que entra em grande parte no sistema de pensa-
mento dc Spenccr. A tentativa de Lundberg para compreender
a sociedade humana em têrmos da estrutura do átomo é um
visível anacronismo.
Terceiro, o fenômeno social básico, a unidade para aná-
lise sociológica, é comumente identificado como a interação
entre dois ou mais seres humanos. A interação exige a depen-
dência inteligível da ação de um ser humano sôbre a existência
ou ação — passada, presente ou antecipada — de outro ser
humano. A interaçãd é diretamente observável, dado que a
ação é movimento no mundo exterior. O elemento de depen-
dência inferese fàcilmence, seja pela interpretação de um ob-
servador participante, utilizando a capacidade do homem de
fazer reproduções mentais dc progressos que lhe sugerem as
ações dc outros homens — a verstehen de Max Weber — seja
estabelecendo correlações estatísticas entre universos dc ações
consideradas como antecedentes e subseqüentes.

382
Onde há interação, dizie que ot participants estão em
relação social. A interação e a relação social, portanto, tão
dois pontos de vista relativos ao mesmo fato básico; a relafft»
é estática (ou estrutural), a interação é cinética (usual, mas
não corretamente, chamada funcional ou dinâmica.)
Quarto, quando as relações sociais duram, formam grupos
sociais em que os homens se dispõem sob múltiplas formas. O
grupo social é geralmente considerado um dot principais assuntos
do estudo sociológico, especial c explicitamente pelos sociólogos
analíticos, os institucionalistas e ot sociometristas. No estudo
dos grupos, as principais proposições que ficaram firmemente
estabelecidas incluem as seguintes:
O grupo social é um sistema, isto é, uma estrutura consis-
tindo cm partes que, sem perder sua identidade e individuali-
dade, constituem um todo que as transcende. Por outras pa-
lavras, o todo possui propriedades que não se encontram em
nenhum lugar nas diversas partes. Esta concepção reflete o
realismo sociológico moderado que agora prevalece; distingue
se melhor nas obras de Pareto, dos institucionalistas e dot fun-
cionalistas, bem como nas dos sociólogos analíticos contempo-
râneos, à exceção, talvez, de Parsons. Os neopositivistas, cuja
posição nominalista apresenta estreita afinidade com Simmel
e von Wiese, não compartilham êste ponto de vista, o qual
também difere grandemente do extremo realismo sociológico dos
marxistas, de Gumplowicz e Durkheim, todos, é certo, sociólo-
gos do século XIX.
Os indivíduo* que formam o grupo social permanecem
em relações padronizadas de modo que a cada pessoa é atri-
buída uma posição social definida, às vêzes chamada status.
Papéis diferenciados são atribuídos aos indivíduos que ocupam
várias posições sociais.
A interação dentro dos grupos sociais visa à satisfação das
necessidades humanas. As realizações dos grupos sociais na
satisfação das necessidades são suas funções. As necessidades
que é preciso satisfazer dentro do arcabouço dos grupos sociais
distribuemse entre vários grupos; existe um número quase ili-
mitado de esquemas dessa distribuição. Esse aspecto da vida
de grupo foi evocado pelos funcionalistas, que, conforme vi-
mos no capítulo XVII, tiveram alguns prcdccessores.
A interação dentro da estrutura dos grupos é regulada
por normas, ou proposições que determinam a conduta etpe

383
í.uLl por p a t . j c scu> membros, sob condições especificas. As
normas do grupo são comumente accilas por seus membros,
mas são também reforçadas por sanções aplicadas em caso de
violação. O ponto de vista normativo dos fenômenos sociais,
promoveramno, independentemente um do outro, Toennies e
Sumner. Entre os últimos sociólogos, Thomas, Parsons e Mac-
lver deram o maior relevo a êsse aspecto da vida de grupo.
O sistema, que é o grupo social, possui a propriedade de
restabelecer seu equilíbrio, ou estado normal, se e quando
ocorrem distúrbios. Esta proposição deriva da teoria dc Pareto.
Os grupos sociais existem em muitas variedades. As dis-
tinções
há entremaiscomunidades
import antesc entre os tipose de
associações, entregrupos são primários
grupos as que
c secundários. A distinção entre comunidade e associação,
antecipada por Augusto Comte, ficou explicita cm Toennies,
Sorokin e Maclver. Recebeu um nôvo tratamento por parte
dos institucionalistas, cujos ensinamentos levam à identifica-
ção da associação com os grupos sociais organizados em tômo
de uma idéia diretiva. A segunda distinção, entre grupos se-
cundários c primários, foi acentuada inicialmente por Cooley
e posteriormente desenvolvida na teoria de Maclver.
Outra distinção básica, e crescentemente empregada pelos
sociólogos, é a que existe entre grupos informais e íoiznais.
Os sociometristas, certos sociólogos industriais e outros concen-
traramse no estudo dos grupos informais dentro de organi-
zações formais; independentemente, Gurvitch trabalhou no mes-
mo sentido. No momento, esta é uma fase da Sociologia em
rápido crescimento.
Os grupos sociais revelam a tendência a formar hierarquias
em que um grupo, o que inclui tôda a sociedade, forma o
ápice. Dentro de uma sociedade há uma visível tendência
dos grupos menores e dc seus membros a sc disporern em ca-
madas horizontais, a que são socialmente atribuidas diferentes
participações na riqueza, poder e prestígio. Mas as sociedades
variam no grau de rigidez da distribuição de homens c gru-
pos sociais, ao longo da escala social, e nos status diferenciais
dos grupos e pessoas. Hoje, a cstratiíicaçáo social, têrmo atri-
buído a esses fenômenos, é outro setor de intensa pesquisa.
Quinto, outra área básica dc estudo, na Sociologia, con-
siste nos processos sociais. Neste tipo dc investigação, os fenô-
menos fundamentais de interação dispõemse em um plano di-

384
ferente do usado no estudo da estrutura iodai. Os prow»
sos sociau são classificados de acôrdo com as orientações finais
das ações que os compõem.
Entre os processos sociais, a cooperação ê básica na vida
social. A cooperação é a interação orientada para a *&ííaaÊfm '
de objetivos comuns e flui da própria natureza dos laços que
mantêm unidos os membros dos grupos sociais. Manifestase
na solidariedade intragrupal, usualmente reforçada pelo anta-
gonismo a outros grupos sociais. O fenômeno básico da coope-
ração era conhecido de Comte; Durkheim desenvolveu nota-
velmente seu estudo, que agora Sorokin vem especificamente
promovendo. A correlação entre a solidariedade inti agrupai
e o antagonismo externo foi salientada por Sumner e tomou
se um conhecido princípio em Sociologia.
O contrário lógico da cooperação, o antagonismo, apare-
ce sob duas formas principais, a concorrência e o conflito. Em
alguns casos, elementos da cooperação e do conflito sc entre-
laçam tão estreitamente que o estudo sociólogico exige o con-
ceito de “processo misto1*.
Além desses processos básicos, observase certo número
de processos sociais secundários. Os processos básicos foram
examinados por alguns estudiosos, inclusive Simmel e os ecó*
logos sociais. Mas a análise dos processos secundários não
avançou bastante, tendo sido as maiores contribuições, aqui,
feitas por von Wiese e Gurvitch.
Sexto,usualmente
é a cultura, o terceiro ponto fundamental
considerada comodo estudototal
a soma sociológico
de
modos de pensar e agir em uma dada sociedade, relativa-
mente estáveis e padronizados. Estabeleceramse pelo menos as
seguintes proposições básicas, atinentes à cultura:
Todos os elementos da cultura são funcionalmente inter
relacionados; por outras palavras, os itens culturais individuais
integramse em sistemas. Esta integração, entretanto, nunca
é perfeita, como ficou demonstrado, particularmente por Soro-
kin e por funcionalistas moderados como Merton.
Os inúmeros determinantes da cultura incluem o duna,
a densidade de população, o nível dc progresso tecnológico e
a “vizinhança social”, isto é, o tipo de cultura que prevalece
na sociedade ou nas sociedades com que a cultura dada se
acha em contato. Mas não há nenhum determinante isolado
da cultura a que se possa atribuir predominância. Êste ponto
de vista representa uma transformação decisiva das idéias que
ainda prevaleciam no início do século. As Sociologias mo
msiicas, ou de um único fator (econômico, racial, geográfico,
demográfico, ctc.), estão mortas, ou quase. Reconhecese que
a maio. ia dêsses latôres predominantes exerce papel definido
na formação e no desenvolvimento da cultura; papel, entre*
tanto, desempenhado em complexa interação com outros. Acres*
centouse fator ecológico aos vários determinantes já acentua*
dos no século XIX.
Entretanto, êsses diversos determinantes da cultura não
implicam uma determinação estrita da vida social. As socie-
dades possuem uma larga margem de liberdade, embora não
dc escolhas ilimitadas. As escolhas, realizadas nas fases iniciais
do desenvolvimento de uma cultura, estreitam a margem de
liberdade relativa a outras escolhas; as escolhas relativas a
uma fase da cultura estreitam a margem dc liberdade rela-
tiva às outras fases.
Os traços que constituem uma cultura são instrumentos
para a satisfação de necessidades social e culturalmente reco-
nhecidas, dos membros da sociedade correspondente c dos vá-
rios grupos que a formam. (Porém, como destacam Merton
e outros, a investigação pode revelar certos traços nãofuncio
nais ou disfuncionais.)

Os sociólogos assinalam geralmente uma espécie de inte-


ração circular entre o indivíduo e sua cultura (bem como a
sociedade). A personalidade de um indivíduo é moldada pela
cultura que assinala a sociedade a que ele pertence; essa mol
dagem ocorre através de agentes de socialização, dos quais a
família é o mais importante. Mas a socialização nunca é com-
pleta. Ademais, a maioria das culturas — se não tôdas, em
certa medida — deixa aos indivíduos determinada margem de
liberdade e iniciativa. À base desta os homens praticam ações
que redundam em transformações na cultura.
Sétimo, a transformação na cultura e na estrutura social
constitui uma quarta área principal de estudo, desenvolvida em
Sociologia.
Os mecanismos da transformação social e cultural são bem
conhecidos desde os tempos de Gabriel Tarde e consistem em
invenção, aceitação da invenção c difusão. Algumas proposi-
ções detalhadas relativas às condições de invenção e à aceita-

386
ç o e us o as nvenç es per encem ao om n o comum »
Sociologia e da Antropologia Cultural contemporâneas.
Pode definirse cada cultura como uma nmnmitfc
invenções — tecnológica ideológica e social. Em cada toda»
dade esta acumulação é seletiva e portanto fmio, nunca re-
petindo exatamente as acumulações feitas em outras socieda-
des. Por isso, cada cultura tem teu próprio estilo, assim como
cada homem tem uma personalidade que o distingue.
Nenhum acôrdo geral existe quanto às uniformidade* que
caracterizam as tendências a longo prazo da transformação
cultural e social. Mas um ponto está definitivamente esta-
belecido: o arcaico evolucionismo, que exigia o estudo de um
processo
terminados,básico e irreversível
desapareceu consistente em
das cogitações estágio* prede-
sociológicas. Entre-
tanto, é possível uma fusão de pontos de vista expresso* por
diversos sociólogos, a saber: as fases tecnológica e econômi-
ca da cultura se desenvolvem de acôrdo com um padrão de
acumulação, que é interrompida por recuos; outros aspectos
da cultura, especialmente o intelectual e o estético, estão su-
jeitos a flutuações quantitativas do tipo ascendentedescenden-
te e flutuações qualitativas em estilo. A obra de Sorokin,
Alfred Weber e outros, discutida no capítulo XX, é que su-
gere essas generalizações.
Oitavo, as afirmações acima não constituem uma teoria
sociológica. Simplesmente delineiam uma área de concordân-
cia que, cm alguns aspectos, incorpora o* pontos de vista da
maioria dos sociólogos importantes de hoje, mas que, por
outro lado, apresenta sòmente uma opinião da maioria, não
compartilhada pelas minorias, às vêzes influentes.
Mesmo dentro dessa área de concordância há muitas
divergências na apresentação das conclusões básicas. Os qua-
tro setores principais do estudo sociológico acima delineado*,
e suas subdivisões, formam um sistema integrado, de modo
que a compreensão completa de qualquer parte é impossí-
vel sem o conhecimento das outras. Entretanto, é pocsivel
destacar algumas fases ou setores do sistema, à custa de ou-
tras, digamos a interacional (cinética) ou normativa, ou fun-
cional ou uma combinação de duas entre as três; ou, como
fazem muitos antropólogos, podese partir da cultura como
conceitochave. Assim, emergirão variedades de teoria so-
ciológica que, ao primeiro vislumbre, têm pouco em comum,

387
mas jue, sem grande dificuldade, são redutiveis umas às
outras.
Ademais, persiste a confusão na terminologia. Os mesmos
termos são empregados para designar diferentes aspectos da
realidade social e cultural; por outras palavras, os mesmos
termos servem freqüentemente a conceitos diversos, e o mesmo
aspecto da realidade sociocultural c designado às vezes por
dois ou mais têrmos. Confusão terminológica encontradiça
até nos trabalhos do mesmo autor. Além disso, raramente
os conceitos são definidos de acôrdo com as exigências ló-
gicas: aparecem nas definições muitos traços redundantes. Em

inúmeros uma
recendo casos, definição
ainda, é a difícil
ser decidir se o instrumento
usada como autor está ofe-
para
identificação c análise dos fenômenos socioculturais ou se está
enunciando as propriedades de fenômenos definidos cm al-
gum outro lugar.
Essas dificuldades terminológicas poderiam ser fàcilmcnte
vencidas. Mais sérias são as discordâncias atinentes aos mé-
todos. Até o momento, não se resolveram as querelas entre
os quantitativistas e seus oponentes, e os argumentos mencio-
nados entre os behavioristas e seus antagonistas. Ainda mais
acentuam o impasse os problemas relativos às definições opera-
cionais e ao procedimento da verstehen. Diferenças, todavia,
que não parecem insuperáveis.
Muito poucos sociólogos negam hoje que a enumeração,
a medição e os requintados procedimentos estatísticos sejam
técnicas desejáveis a empregar em qualquer investigação —
quando se pode aplicálas razoavelmente. Os quantitativistas,
com raras exceções, concordariam também que uma fórmu-
la matemática, ou um coeficiente de correlação, não consti-
tui objeto de pesquisa. Nas Ciências Sociais, como nas Ciên-
cias Naturais, é preciso interpretai* conclusões envolvidas nes-
ses termos. Aqui, segundo acreditamos, a esplêndida análise
de Max Weber, da compreensão ao nível de causalidade e
da compreensão ao nível do significado, poderia realizar a
reconciliação, sc fôsse compreendida e amplamente conhecida.
Muito poucos sociólogos subestimam a importância das des-
crições behavioristas das ações humanas, na medida em que
sociològicamente relevantes. Hoje, porém, apenas uma mino-
ria de sociólogos discorda da proposição de que, através do
processo de comunicação simbólica, os estados mentais estão

388
abertos um para o outro, reciprocamente, ponto brittumrmcn
te sustentada por Znaniecki. Sempre que os estados nmttah
forem sociològicamcnte relevantes e puderem ter revelados com
clareza em forma verbal, parece quase absurdo valerse de
subterfúgios behaviorístas.
O operacionalismo extremo 6 raro. Muito» sociólogos,
porém, concordam em que as definições sociológicas deviam
ser moderadamente operacionais, consistindo em traços direta
ou indiretamente observáveis, ao nível da conduta externa ou
da introspecção.
É provável, portanto, que, com boavontade e firmeza,
sc possa formular, em futuro n£o muito remoto, uma teoria
sociológica geralmente aceitável. Isto não significa que che-
gará o dia em que todos os sociólogos concordarão uns oom
os outros. Tal situação não ocorre nas Ciências Naturais —
nem é desejável em ciência alguma. Não devr estar longe,
porém, o dia em que todos os sociólogos falarão a mesma lín-
gua e, portanto, compartilharão um verdadeiro universo do
discurso — o que c uma exigência de qualquer ciência.
Mesmo agora, a despeito do fato dc não se ter tomado ainda
uma ciência completamente madura, a Sociologia teórica já
progrediu bastante para proporcionar fundamentos muito me-
lhores para a pesquisa nos campos especializados do que os
de há cinqüenta anos. Novas especialidades apareceram, como
a Sociologia do conhecimento, a Sociologia da religião, a So-
ciologia jurídica e a Sociologia industrial. O fato de que
emergiram como ramos da Sociologia, e não como itens novos
na lista das Ciências Sociais concretas, atesta a existência de
um núcleo central dc conceitos, de um ponto dc vista geral-
mente reconhecido, de uma promissora perspectiva. Essas es-
pecialidades conservamse unidas pela teoria sociológica.

389
APÊNDICE
Nota Para os Professôres

diçãoHá nos círculos


segundo a qual acadêmicos uma antiga
o estudante precisa e venerável
adquirir tra-
conhecimento
do desenvolvimento histórico da disciplina em que se está
especializando. Um dos objetivos dêsle livro é ajudar o es-
tudante a atender a essa exigência c ajudar o professor a
transmitir êsse conhecimento. Dependendo em parte do grau
(A. B., H. A., ou Ph. D.)»,m todo o material oferecido no pre-
sente volume devia ser estudado, ou lido, em partes selecionadas,
de acôrdo com as preferências teóricas do mestre.
Independentemente do nivel do estudo, o compêndio pre-
cisa do suplemento de indicações de leituras de fontes srcinais,
isto é, das obras interpretadas e examinadas aqui. Maneira
eficaz de executar esta fase do programa consiste em distribuir
diversas obras clássicas ou, a outros títulos, representativas. De-
vem elas, de modo geral, ser lidas por inteiro, embora, em
alguns casos, bastasse a leitura parcial, os "leitores” de tre
chinhos raramente chegam a resultados satisfatórios.
O número de leituras recomendadas não deve ser grande
e depende do nivel do estudo. Cumpre distribuir as leituras
entre obras escritas durante os vários períodos da história da
teoria sociólogica, de modo que cada estudante experimente
diretamente a diferença entre as primeiras e as últimas teorias.
Além da leitura das fontes srcinais, devemse atribuir aos
estudantes que procuram os graus mais avançados algumas
fontes secundárias, de autores selecionados, para estudo especial.
A êsse respeito, é desejável que os próprios estudantes disponham
de certa margem de escolha. Assim, não sòmente se satisfaz

gisttr1*8 T. — ofArtium
tf. do(Master
Artium Arts) Boccalãurtus (Baehilor
€ Philosophiag Doctorof(Doctor
Arts), M+
•*
PhUo&phy),
393
melhor r  interesses individuais, como este proccdimcnto ajuda
a resolver o problema técnico dc prover a todos os estudantes
do material de leitura — dado que poucas bibliotecas possuem
um número suficiente de exemplares, mesmo dos clássicos, para
satisfaver às necessidades dos membros de uma classe.
Aj “Sugestões Para Leituras Posteriores”, que se seguem a
esta nota, contêm certo numero dc indicações de leitura, tanto
nas fontes srcinais, quanto secundárias.
Dado que a teoria sociológica e um assunto difícil de es-
tudar, tornase altamente desejável a recapitulação. As vêzes
c aconselhável organizála em ordem diferente da utilizada no
curso — cronológica, geográfica ou sistcmàticamente. A fim
de facilitar as recapitulações, adicionamos a este volume duas
sinopses. Podese utilizar a tabela cronológica a fim dc orga-
nizar debates de tópicos, a exemplo dos seguintes: que idéias
novas apareceram no horizonte dos sociólogos, de 1901 a 1905?
ou de 1946 a 1950? À base da sinopse geográfica, podese
interrogar o aluno, digamos, para que relacione as opiniões
sociológicas com as condições de vida dentro das diferentes
nações em que elas surgiram e persistem.
Especialmente com estudantes adiantados, é possível con-
seguir excelentes resultados, examinando o desenvolvimento his-
tórico das idéias atinentes aos problemas básicos da teoria so-
ciológica apresentados no capítulo I. Podese usar, com bons
resultados, o índice, para preparar tais deveres.

394
Sugestões Para Leituras Posteriores

O propósito das seguintes leituras é ajudar o estudante


a selecionar as obras dos mestres da Sociologia que conti-
nuam a ter significado especial, e certas fontes secundárias,
que são apreciações conceituadas e criticas adequadas, ou as
duas coisas às teorias individuais.

Capitulo II (Comte) . A tradução resumida, de H. Mar


tineau, de Philosophie Positive, de Comte* esclarece bastante
o sistema de idéias do fundador da Sociologia. Algumas apre-
ciações de sua teoria, escritas há cinqüenta ou cem anos, ainda
não foram superadas por tentativas ulteriores; incluem: D.
Caird, The Social Philosophy and Religion of Comte (1885);
J. S. Mill, The Positive Philosophy of Comte (1887); L.
LévyBruhl, La Philosophie de Comte (1903). Muitoc arti-
gos contemporâneos
te; por estudara, DeGrange,
exemplo: MacQuilkin em retrospecto, a obra
“Comte’s de Com-
Sociologies",
Am. Soc. Rev., vol. 4 (1939); F. von Rayek, “The Counter
revolution of Science”, Economica (1941); R. A. Nisbet, “The
French Revolution and the Rise of Sociology in France”, .4m.
Jouk Soc., vol. 49 (43); N. S. Timasheff, “Comte in Retrospect**,
Am. Cath. Rev., vol. 13 (1952).

Capítulo ÜI (S pencer ). O estudante interessado na teo-


ria dc Spcncer deve ler seu The First Principies e também
The Study of Sociology ou algumas partes de Principles of
Sociology. A Autobiografia (1904) do segundo fundador da
Sociologia esclarece a gênese de suas opiniões. Das inúmeras
fontes secundárias recomendamse as seguintes: W. H. Hudson,
An Introduction to the Philosophy of H. Spencer
Royce, Herbert Spencer, an Estimate and Review (1904);(1894); R.
J.
Macpherson, Spencer and Spencerism (1900); H. Elliot,

395
Herbert Spencer (1916); J. Rumney, Herbert Spencer's Socio-
logy (*934); R. Hofstadtcr, Social Darwinism in American
Thought (1944), págs. 1836.

Capítulo IV (Outros Pioneiros). Podese adquirir conhe-


cimento das obras dos pioneiros não considerados como “fun-
dadores*’, lcndose os seguintes estudos: sôbre Quételet: A.
Quételet, Essai dc Physique Sociale (existem muitas traduções
em ingles), e F. H. Hankins, Quételet as Statisticiam (1908);
sôbre Le Play: partes da obra I^es Ouvriers Europêrns, de Lè
Play, foram traduzidas por C. Zimmerman, em Famify and
Society
rokin sôbre(1935), Lepágs.Play,359595; ver também oSociological
em Contemporary capítulo de So-
Theories
(1928), págs. 6398; sôbre o marxismo: F. Engels, A Origem
da Família, da Propriedade Privada e do Estado; N. Bukharin,
Materialismo Histórico; M. Bobct, Karl Mar’s Interpretation
of History (1948); sôbre Morgan e Tylor: R. Lowie, History
of Ethenological Theory (1937), capítulos sôbre Morgan e
Tylor, págs. 5485; sôbre Buckle: T. H. Buckle, History of
Civilization in England; M. Robertson, Buckle and his Critics
(1885); A. H. Huth, Life and Writings of Buckle (1887); é
útil ainda o capítulo de Sorokin sôbre Danilevsky, cm Social
Philosophies of an Age of Crisis (1950), págs. 4971.

Capitulo V (Danvinismo Social). Physics and Politics , dc


Bagehot, é curto e legível; para avaliar sua obra, ver J. Lichten
berger, The Development of Sociological Theory (1923), págs.
27984, e Floyd House, The Development of Sociology (1936),
págs. 16063. Das obras de Gumplowicz, deve ser lido o Re-
sumo de Sociologia (1936); ver também Lichtenberger, op.
cit., págs. 43253, e House, op cit., págs. 16374. Podese tam-
bém travar conhecimento com a obra de Ratzenhofer (não tra-
duzida para o inglês), consultandose A. Small, General Socio-
logy, que nos capítulos XIIXXVII inclui grandes trechos da
obra do mestre austríaco, assim como a teoria do próprio
Small; ver também Lichtenberger, op. cit., págs. 45364, e
House, op. cit., págs. 17477. Folkways, de Sumner, é uma
obra clássica; entretanto, a leitura dos dois primeiros capítu-
los e de alguns outros sôbre grupos particulares de folkways
(dependendo do interesse do estudante) bastará, provável
mente, para a maioria dos propósitos; ver ainda H. E. Star
W. G. Sumner (1925) A. G. Keller, Reminiscences of W. C.

396
umner ; . . age, as an mer can oc o ogy
(1940), pigs. 73110, c Hofstadter, op. cit., pigs. 3751. A
coleção póstuma dos Essays, de Sumner (1934), é de
teórico relativamente pequeno.

Capítulo VI (Evolucionismo Psicológico). Das obrai de


Lester F. Ward, a mais bem escrita é Dynamic Sociology, mat
Pure Sociology é a mais madura. Sôbre Ward, ver também:
E. P. Cape, Lester Ward, a Personal Sketch (1922) ; C. Wood,
The Substance of the Sociology of Lester Ward (1930); S.
Chugerman, Lester Ward, the American Aristotle (1939);
Page, op. cit., págs. 2969; Hofstadter, op. eit., págs. 5267.
Os PrincipUs of Sociology, de F. H. Giddings, podem *er lidos
com vantagem; ver H. Odum, American Masters of Sociology
(1927), págs. 191228; Page, op. cit., págs. 14580.

Capitulo VII (Outros Evolucionismos e Organicismo).


Das obras que pertencem às escolas cvoluciomsta* menores,
sòmentc a Theory of the Leisure Class, de Veblen, conservou
valor integral; sôbre êlc, ver Louis Schneider, The Freudian
Psychology and Veblen’s Social Theory (1948); David Riesman,
Thor stein Veblen (1953); Odum, op. cit., págs. 23170. Sôbre
Costc, ver Sorokin, Contemporary Sociological Theories, págs.
35970. Sôbre Novicow, ibid., págs. 2056, 31416; sôbre Kidd,
ver Lichtenberger, op. cit., págs. 28791. As obras dos orga
nicistas podem ser consultadas sômente nos srcinais franceses
ou alemães. Os que lerem alemão aprenderão muito sôbre A.
Scháffle, com A. Ith, Die Grundlinien der Gesellschaftslehre
A, Schãffleps (1926). Sôbre Lilienfeld, ver Sorokin, op. cit.,
págs. 2004. Sôbre Fouillée, ver A. Guyau, em Introduction
to the History of Sociology, de Barnes, págs. 46070.

Capitulo VIII (A Sociologia Analítica Inicial). O volume


de Toennies, Conceitos Fundamentais de Sociologia, reproduz
tôdas as suas contribuições principais; ver também o excelente
artigo de R. Heberle, na Introduction to the History of Sociology,
de Barnes, págs. 22748. A obra de Simmel é hoje encontrada,
em inglês, na The Sociology of Georg Simmel (1950), de Kurt
Wolf; ver ainda N. Spykman, The Sociological Theory of
Simmel (1925); o artigo de Heberle, em Bames, op. cit., págs.
24973; e K. Wolf, no volume acima citado. Das obras de
Gabriel Tarde, Lois dc Limitation é a que apresenta sua teo

397
iia na forma mau c Iara, enquanto Les Lois Sociãles dá um
conhecimento mais completo da teoria como um todo; ver
também a obra excelente, mas infelizmente difícil de encon-
trar, Gabriel Tarde (1906), dc M. M. Davies, depois incor-
porada a Psychological Interpretation of Society (1909), do
mesmo autor.

Capitulo IX (Durkheim) . Entre as obras principais de


Durkheim, hoje encontráveis em tradução, é da maior impor-
tância As Regras do Método Sociológico ao concentrarmos a
atenção na teoria sociológica, ao passo que A Divisão do Tra-
balho na Sociedade e Suicídio continuam a ser monografias
sociológicas nãosuperadas. A melhor obra sobre Durkheim
encontrase em francês: G. Gurvitch, Essais de Sociologie
(1936); outras obras secundárias úteis incluem H. Alpert,
Emile Durkheim and His Sociology (1939), e E. Benoit
Smullian, em Barnes, op. cit., págs. 499537.

Capitulo X (Subjetivismo Russo). Sôbre a escola sub-


jetiva russa, podese consultar J. Hecker, Russian Sociology
(1915), e M. Lascrson, “Russian Sociology*', na Twentieth
Century Sociology, de Gurvitch e Moore, 1946, págs. 67S81.

Capitulo XI (Declínio do Evolucionismo e o Ascenso

do
A. Neopositivisrno).
Goldenweiser, cmSôbre o declínio
Barnes c Becker,do Contemporary
evolucionismo, Social
ver
Theory (1940), págs. 43790. Sôbre Kovalevsky, ver N. S.
Timasheff, em Barnes, op. cit., páginas 44157; sôbre
Hobhousc, ver Barnes, op. cit., páginas 61453, c H. Caster,
The Social Theory of L. T. Hobhouse (1927) ; sôbre Wester
xnarck, ver House, op. cit., págs. 15357, e Mills, em Barnes,
op. cit., págs. 65457. Sôbre o ascenso do neopositivisrno, es-
pecialmente a escola de GaltonPearson, ver Lundberg, em
Barnes e Backer, op. cit., págs. 12530.

Capítulo XII (Cooley e Thomas). As obras de Cooley


Human Nature and the Social Order e Social Organization
conservaramse atuais até hoje; ver também Page, op. cit.,
págs. 183209; E. Jandy, Charles Cooley, his Life and Social
Theory (1942); e R. Dewey, em Barnes, op. cit., págs. 83352.
As contribuições teóricas de Thomas são apresentadas por E.
H. Volkart, eni Social Behavior and Personality (1951); a

398
, . ,
Rcsearch in the Social Science: I (1939) é altamente «da•
rccedora.

Capitulo XIII (Pareto). O estudante deve ler o voL


I, o cap. XII do vol. Ill e a segunda metade do voL IV do
tratado de Pareto, Mind and Society. Das inúmeras Contes se-
cundárias, ver as seguintes: Sorokin, Contemporary Sociological
Theories, páginas 3762; L. Henderson, Pareto*t Sociology
(1935); G. Homans e C. Curtis, An Introduction to Pareto
(1934); M. Ginsberg, “Pareto’s General Sociology" (inglêsa),
Soc. Rev. vol. 28 (1936); N. S. Timasheff, “Law in Pareto*»
Sociology”
em S. Rice, Am Methods
Jour. Soc.,in vol. 44 (1939);
the Social M. (1931),
Sciences S. Handman
págs.
13953; A. Bongiomo, “A Study of Pareto's Treatise of Gene-
ral Sociology**, Am Jour. Soc., vol. 35 (1930), págs. 34970.
Ver ainda o capítulo, curto mas excelente, de F. S. C. Northop,
em The Logic of the Sciences and the Humanities (1947),
págs. 36572. §

Capitulo XIV (Max Weber). Encontramse em inglês


(entre outras) as seguintes obras de Weber: The Protestant
Ethic and the Spirit of Capitalism From Max Weber: Essays
in Sociology (coletânea de excertos de várias obras, traduzi-
dos e compilados por H. H. Gcrth e C. W. Mills (1946);
The Theory of Social and Economic Organization (tradução
de F. Parsons e A. M. Henderson, de parte dc sua Wirtschaft
und Gesellschaft (1947) Methods in the Social Sciences (co-
letânea de três artigos escritos no inicio do século XX, 1949);
Law in Economics and Society (tradução de E. Shils e M.
Rheinstein, 1945). Destas, a Theory of Social and Economic
Organization ê a mais importante no estudo da teoria socio-
lógica. Entre as fontes secundárias, são da maior importância
as contribuições de Parsons, especialmente a parte III de
sua Theory of Social Action (1937), sua introdução à tra-
dução da Theory of Social and Economic Organization, de
Weber, e seu capítulo em Bames, o p. cit., págs. 287308. Ver
ainda T. Abel, Systematic Sociology in Germany (1929),
págs. 11650; R. H. Tawncy, Religion and the Riu of Capi-
talism (1939); T. Abel, “Operation Called Verstefun”, Am.
Jour, Soc., vol. 54 (1949), págs. 21119; A. Salomon, “Max
e er s e o oo gy , oc a esearc , vo . ; . a-
lomon, “Max Weber's Sociology”, ibid., vol. II (1935).

Capitulo XV (Neopositivismo). O approach teórico de


Lundberg pode ser apreendido pela cuidadosa leitura de seus
Fundamentos de Sociologia, de que não há um exame ou cri-
tica de primeira linha. Dimensions of Society, dc Dodd, é
quase ilegível para muita gente, mas o autor condensou seus
pontos de vista em dois artigos, “Tension Theory of Social
Action”, Am. Jour. Soc., vol. 46 (1939), pág. 58 e segs., e
“A System of Operationally Defined Concepts for Sociology”,
Am. Soc. Rev., vol. 4 (1939), págs. 619 e segs. Crítica excelente
à obra dc Dodd c a de E. Shanas, “A Critique of Dodd’s Dimen-
sions of Society”, Am. Jour. Soc., vol. 48 (1942), págs. 314 e
segs. Para os pontos de vista de Zipf, Rashevsky, Hart e Cha-
pin, consultar as obras citadas no tcxto.

Capitulo XVI (Ecologia Humana e Sociometria). O


estado atual da Ecologia humana é apresentado, proficiente-
mente, por J. A. Quinn, Human Ecology (1950), e A. H. Hawley,
Human Ecology (1950), encontrandose ainda uma crítica bem
desenvolvida cm M. A. Alihan, Social Ecology (1938). À obra
mais famosa dc J. L. Moreno, chefe da escola sociométrica, é
Who Shall Survive? (1934); seus pontos de vista estão conden-
sados cm Sociometry, vol. 6 (1943), págs. 299341. Uma re-
lação das técnicas sociométricas aparece na Am. Cath. Soc.
Rev., vol. 11 (1950), págs. 20617, e vol. 12 (1951), págs.
1728.

Capitulo XVII (A Escola Funcional). A fim de esclare


cerje sôbre uma importante versão do approach funcional, o
estudante deve ler a Scientifc Theory of Culture, de Malinowski
(1944), mas para compreender a escola em ação ver Malino-
wski, Argonauts of the Western Pacific (1922), R. Redfield,
The Folk Culture of Yucatan (1949), ou os vols. 1 ou 3 da
série Yankee City de W. L. Warner; The Social Life of a
Modernof Community
tems American (comEthnic P.Groups
S. Lunt,
(com 1941) t The 1945).
L. Srole, Social Sobre
Sys•
o estado atual da doutrina funcional e suas fraquezas, é exce-
lente o capítulo I de Social Theory and Social Structure, de
R. K. Merton (1949).

400
Capitulo XVIII (Sociologia Anaiílua)
vista teóricos de Sorokin são desenvolvidos, anpktiM^
em sua Social and Cultural Dynamics (4 volumes) « Mé|
Culture and Personality (1947); esta última foi popuboMW
resumida em sua The Crisis of Our Age (1941), ainda que Sflr
kin aprovasse a excelente condensação dc F. R. Cowell, History,
Civilization and Culture (1952). As avaliações da obn de
Sorokin incluem: L. J. Maquet, The Sociology of Knowledge
(1951); H. Speier, em Barnes, op. cit., e R. L. Simpsoo, “Ptó
rim Sorokin and His Sociology”, Social Forces, dezembro, 1953.
Os Essays in Sociological Theory (1949) contem as opiniSei
de Parsons sôbre diversos problemas sociológicos, enquanto Tht
Social System (1951) talvez seja, até esta data, sua obra teó-
rica mais completa; entre as criticas correntes de sua teoria, ver
o artigo de G. E. Swanson, na Am. Soc. Rev., vol. 18 (1953),
págs. 125 e segs. A opinião teórica de Znaniecki é apresentada,
provàvelmente na forma mais adequada, em The Method of
Sociology (1934), Social Actions (1936) c Cultural Sciences
(1952). A teoria sociológica de Maclver está mais bem exposta,
dentre os muitos volumes que escreveu, em Society (1931 e
1937; revisto com C. H. Page em 1949) e Social Causation
(1942); e é rapidamente apresentada por H. Alpcrt em Freedom
and Control in Modern Society (1943), de M. Berger, T. Abel
e C. H. Page. Os pontos de vista de Parsons, Znaniecki e
Maclver foram accrtadamentc resumidos por R. e G. Hinkle,
em The Development of Modern Sociology (1954).

Capitulo XIX (Escolas Filosóficas). As opiniões dos ins


titucionalistas franceses foram resumidas por N. S. Timasheff,
em Thought (1946), págs. 493572; os srcinais tb se encon-
tram em francês c lidam mais com problemas de juràprudén
cia do que de Sociologia. Sôbre Viekandt, ver Abel, op. cit.,
págs. 5079. Ainda não se escreveu nada de importância *ó
bre Gurvitch, cujas obras principais só existem em francês.

Capitulo XX (Sociologia Histórica). Os quatro capítu-


los iniciais de A Decadência do Ocidente, de Spengler, são de
leitura estimulante, embora sociològicamente fracos. Sôbre So-

rokin, ver
History as indicações
de Toynbee foi bemdo resumido
capitulo por XVIII.
D. C.A Somervell
Study of
em um volume (1947); para as criticas & teoria de Toynbee,
ver Sorokin, Philosophies of an Age of Crisis, págs. 11320 e

401
21ÓJ3. c P. Geyl, Can We Know the Pattern of the Past?^
(1949). Cultural Change, de Chapin, e Configurations of
Culture Growth, dc Kroebec, devem ser consultados direta
mente, assim como Cultural History as Cultural Sociology,
de A. Weber, para cuja avaliação, ver N. Neuman, em Barnes,
op. cit, págs. 35361. Critica excelente & Sociologia histórica
ú a do capítulo de Becker sôbre o assunto, em Barnes e Becker,
op. cit.

Capítulo XXI (Sobrevivências e Rcvivescências). Sôbre


o neoevolucionismo, ver as listas de leitura do capítulo XI.
Sôbre a Sociologia francesa posterior a Durkheim, ver o tra-
balho de BenoitSmullian, em Bames, op. cit., págs. 52027.
Sôbre von Wicse, ver Abel, op cit., págs. 80115; e o traba-
lho de M. J. Yínger, em Bames, op. cit., págs. 27486.

Capítulo XXII (Sociologia dc Meados do Século XX). Para


um resumo do desenvolvimento da Sociologia americana du-
rante a primeira metade do século XX, ver R. K. Merton em
Am.Jour. Soc., vol. 50 (1945), págs. 46273. Sôbre o estado
atual da Sociologia americana (não especialmente a teoria
sociológica), ver o pequeno livro de E. A. Shils assim intitu-
lado. Os familiarizados com o alemão lucrarão com a leitura
de H. Schõk, Soziologie: Geschichte ihrer Probleme, 1952.

Obra
citada recente, curta, e deof grande
The Development Modem utilidade,
Sociology,é de
a anteriormente
R. c G.
Hinkle.

402
Tabela Cronológica

Na tabela abaixo, apresentamos os seguintes fatos: 1;


indicadas pelo símbolo t> as datas dc falecimento de soció-
logos eminentes (datas que, naturalmente, são mais importan-
tes do que as de nascimento); 2) os anos em que foram pu-
blicadas relevantes obras de Sociologia; 3) alguns aconteci-
mentos de importância geral, no desdobramento da teoria
sociológica.

182130. 1822: A “grande descoberta*' de Comte. 1830: Comte,


Filosofia Positiva, vol. I.

183140. 1835: Quételet, Ensaio de Politico Social.

1841 40. 1842: Comte, Filosofia Positiva, vol. VI; primeiro


artigo de Spencer no Conformist. 1848: Mane e Engels,
Manifesto Comunista. 1850: Spencer, Social Statics.

18511861. 1852: Comte, Política Positiva, vol. I. 1853:


Gogineau, Ensaio Sôbre a Desigualdade das Raças Humanas,
vol. I. 1855: Le Play, Trabalhadores Europeus, vol. I. 1857:
t Comte; Bucklc, History of Civilization in England. 1859:
Darwin, Origem das Espécies. 1860: LavrovMirtov, Sketch
of, Culture Philosophy.

186170. 1862: Spencer, First Principles; f Buckle. 1864: Ix


Play, Reforma Social na França. 1869: Galton, Hereditary
Genius; Danilevsky, Russia and Europe.

187180. 1871: Tylor, Primitive Culture; Le Play, Organi-


zação da Familia. 1872: Eagehot, Physics and Politics. 1873:
Spencer, Study of Sociology. 1874: í Quételet; Galton, F.n

403
glish Aten o/ Genius. 1875 Gumplowicz, Raça t Estado. 1876:
Spencer, Principies o/ Sociology, vol. I. 1877: t Ba gr hot. 1878:
Schiifflc, Estrutura t Vida do Corpo Social; Morgan, Ancient
History, 1879: Spcncer, PrincipUs of Ethics, vol. 1. 1880:
Fouiliéc, Ciência Social Contemporânea.

188190. 1881: t Morgan. 1883: Mikhailovsky, Heroes and


the Mob: t Gobineau: t Lc Play. 1883: t Marx: Ward,
Dynamic Sociology; Sumner, What Social Classes Owe to
Each Other. 1884: Engels. A Origem da Famllia, da Proprie-
dade Privada e do Estado. 1885: t Danilevsky; Gumplowicz,
Rcnro de Sociologia. 1887: Toennies, Gemeinschaft und
Gesellschaft.

18911900. 1S93: Ward, Psychic Factors oj Civilization; Rat


zenhofcr. A Satureza do Estado; Novicow, Lutas entre as So-
ciedades Humanas; Durkheim, A Divisão do Trabalho na
Sociedade; fundação da Révue Internationale de Sociologie;
primeiro compêndio sôbre Sociologia, de Small e Vincent.
1894: Kidd, Social Evolution. 1895: Durkheim, As Regras do >
Método Sociológico; fundação do The American Journal of
Sociology. 1896: Giddings, Principles of Sociology; Spencer,
Principles of Sociology, vol. III. Worms, Organism and So-

ciety;
Suicídio. fundação do
1898: Tardc, Anntc
As Leis Sociologique. 1897:
Sociais; Ratzenliofer, Durkheim,
Estudos
Sociológicos; Ward, Outline of Sociology. 1899: Chamberlain,
Foundations of the 19th Century; Veblen, Theory of the Leisure
Class; Crate, Princípios de Uma Sociologia Objetiva; t Lavrov
Mirtov.

19011910. 1901: t Costc. 1902: Cooley, Human Nature


and the Social Order; t Sch&ffle; Ward, Pure Sociology. 1904: t
Tardc; t Mikhailovsky. 1905: Small, General Sociology; fun-
dação da American Sociological Society. 1906: Sumner, Folk-
ways; Ward, Appled Sociology; Max Weber, A Êtica Protes-

tante e(obrao póstuma).


logia Espirito do1907:
Capitalismo; PuUe Resumo
Schâffle,
Huntington, of Asia.de 1908:
Socio- t
Ratzenhofer; Ratzenhofcr, Sociologia; Simmel, Sociologia.
1909: W. 1. Thomas, Source Rook for Social Origins; Cooley,
Social Organization. 1910: t Sumner; Fouillée, Psicologia das
IdéiasFôrças; Oppcnhcimer, O Estado; Kovalevsky, Sociologia.

404
/9//29. 1911: Durkheim, Julgamentos de Realidade e Julga-
mentos de Valor; Gracbner, Métodos de Etnologia: f Gthoa.
1912: t Novicow: t Fouillée; Durkheim, As Formas EUmen
lares da Vida Religiosa. 1913: t Ward. 1915: Pareto, Trata*
do de Sociologia (depois traduzido c ampliado como The Mind
and Society); Keller, Evolução Social; Hobhouse et al., The
Material Culture and Social Institutions of the Simpler Peoples;
Galpin, The Social Anatomy of a Rural Community* 1916:
t Kovalevsky. 1917: t Durkheim: t Tylor; Maclver, The
Community. 1918: t Simmel: Spengler, A Decadência do
Ocidente; Thomas e Znaniecki, The Polish Peasant, vol. 1;
Cooley, Social Process. 1919: Sorokin, Sistema de Sociologia
'em russo
Eurasian 1920: tIndividual
); Litt,
Heartland. andWeber.
Worms: t Max Society; Mackinder, The

19211930. 1921: Thomas e Znaniecki, The Polish Peasant,


vol. V; Bukharin, Materialisnio Histórico; 1922: Giddings.
Studies in the Theory of Human Society; Vierkandt, Teoria
da Sociedade; Max Weber, Economia e Sociedade (obra póft
tuma). 1923: T Pareto; Thomas, The Unadjusted Girl; Ogburn,
Social Change. 1924: von Wiese, Sociologia Geial; Giddings,
The Scientific Study of Human Socity; Hobhouse, Social De
vclopmenl; Park e Burgess, Introduction to the Science of
Sociology. 1925: Hauriou, Teoria da Instituição e do Funda-
mento; t Hauriou. 1926: Malinovski, Crime e Costume na
Sociedade1928:
tural. Selvagem; t Small.
Sorokin, 1927: Ellwood,
Contemporary EvoluçãoTheories;
Sociological Cul-
Thomas, The Child in America; SumnerKeller, Science of
Society; Chapin, Cultural Change. 1929: t Hobhouse; t
Cooley; t Veblèn; Lynd o Lynd, Middletown. 1930: t Ka
reyev; Renard. A Teoria da Instituição, vol. I.

1931*1940. 1931: t Giddings Maclver, Society: Its Structure


and Changes. 1932: Kulishcr, War and Migratory Movements;
Moreno, Who Shall Survive?; Znaniecki, The Methods of So-
ciology; Toennics, Introdução t) Sociologia. 1935: t Toennies;
Alfred Wcber, História Cultural e Sociologia Cultural; Chapin,
Contem poraity American Institutions. 1936: t Spengler;
Toynbee, A Study of History, vols. IIII; Gurvitch, Essays in
Sociology'; o tratado dc Pareto é traduzido na Inglaterra sob
o título de The Mind and Society; Mannheim, Ideologia e
Utopia. 1937: Sorokin, Social and Cultural Dynamics, vols.

405
1111' Paisons, Structure of Social Action; Lynd e Lynd,
Middletown in Transition. 1959: Lundberg, Fundamentos de
Sociologia; Lynd, Knowledge lor What? 1940: Mannheim,
Alente e Sociedade no Tempo da Reconstrução.

19411930. 1941: W. L. Warner, Yankee Cily Series, vol. I.


1942: t Malinovski; f Keller; Dodd, Dimensions of Society;
Maclver, Social Causation. 1943: t Loria. 1944: Malinovski,
Scientific Theory of Culture (obra póstuma); Kroeber, Confi-
gurações do Crescimento Cultural; Delos, O Problema da Civi-
lização; Myrdal, An American Dilemma; polêmica Lundberg
Furfey. 1945: Huntington, Mainsprings of Civilization. 1946:
Haesart, Ensaios de Sociologia; Monnerot, Os Fatos Sociais
Não São Coisas; t Ellwood. 1947: t Thomas; Sorokin, So-
ciety, Culture and Personality; Rashevsky, Mathematical Theory
of Human Relations. 1948: Quinn, Human Ecology. 1949:
Zipf, Human Behavior and the Principle of Least Effort;
Merton, Social Theory and Social Structure; Maclver (e C.
H. Page), Society, an Introductory Analysis; Parsons, Essays in
Sociological Theory; White, Science of Culture. 1950: t Mauss;
Mauss, Sociologia e Etnologia; Sorokin, Social Philosophies
of an Age of Crisis; Riesman, The Lonely Crowd; Homans
The Human Croup; Gurvitch, The Vocation of Sociology;
Hawley, Human Ecology.

19511958. 1951: Parsons, The Social System, e (com outros)


Toward a General Theory of Action; Childe, Social Evolution;
coletânea dc Stouffcr et al., The American Soldier. 1952:
Znaniecki, Cultural Sciences; Alfred Weber, Princípios de
Sociologia Histórica e Cultural; Levy, The Structure of So-
ciety. 1953: Nisbet, The Quest for Community; Barnett, Inno-
vation; DeGrange, Natureza e Elementos de Sociologia. 1954:
For the Science of Social Mau simpósio organizado jx>r J.
Oil Jin, contendo ensaios de Parsons, Bccker e oufrox.

406
Sinopse Geográfica

O propósito dêstc estudo é retomar alguns fios do de-


senvolvimento sociológico, rompidos no texto pela necessida
de de desviar a atenção de um país para outro.
Devese assinalar que, no fim do século XIX e até a
Primeira Guerra Mundial, o desenvolvimento da teoria socio-
lógica tendia a universalizarse. Ao passo que os sociólogos
sc mantinham nitidamente em oposição às idéia» básicas, in-
clinavamse a considerarse a si mesmos uma única equipe de
trabalhadores científicos, espalhados em uma grande parte do
mundo. A guerra, o período subseqüente e a nova guerra
fizeram ressurgir as atitudes provincianas que haviam preva-
lecido antes e durante a era dos pioneiros. Depois do últi-
mo conflito, apareceram alguns sintomas do ressurgimento das
posições universalizantcs — entre as nações dêstc lado da Cor-
tina de Ferro.
Seis nações contribuíram principalmente para o desen-
volvimento da teoria sociológica. São — na ordem de seu
aparecimento no campo da Sociologia — a França (e a parte
da Bélgica onde se fala francês), a Inglaterra, a Rússia, ©*
Estados Unidos, a Alemanha (e a Austria, onde se fala ale-
mão) e a Itália.
Cabe à França a honra de ter sido o berço da Sociologia.
Além de Comte, estão entre os pioneiros dos países de língua
francesa os nomes dc Quételct, Gobineau e Le Play. No últi-
mo quartel do século XIX, ganhou a frente do avanço so-
ciológico a escola organidsta, representada por Fouillée, Worms
eparte,
Novicow (dc ascendência
sc realizou na França).russa, mas cuja
O mesmo obra,deu
período na srcem
maioi
ainda ao evolucionismo demográfico, de Coste, e ao apare-
cimento de dois grandes sociólogos, a que se pode atribuir o

407
surgimento da Sociologia analítica: Tarde e Durkheim. Os
pomos <ic vista de Durkheim tftm dominado o ambiente fran-
cês até hoje. Entretanto, adicionouse, desde 1925, à Socio-
logia durkhcimiana, uma srcinal cscola institucional que. em-
bora nascida (la fenomenologia alemã, invadiu a França,
nas pessoas de Gurvitch (também de ascendência russa) e
Monnerot.
A Inglaterra deu o segundo fundador, Spencer, cujo im-
pacto sôbre o movimento da Sociologia foi por muitos anos
inigualado. Símultâncamente com a obra inicial de Spencer,
Buckle produziu uma obra clássica, no estilo do determinismo

geográfico,
terminismo enquanto
tecnológico.Tylor, algunsabriu
etnólogo,
Apenas anos o depois
caminho da ao publi-
de-
cação dc First Principles, de Spencer, Bagchot inaugurou o
darwinismo social. Durante o século XX, as contribuições
da Inglaterra foram de importância menor. Entretanto, o evo
lucionisino religioso de Kidd e o evolucionismo modificado
de Hobhouse e Ginsberg exerceram alguma influência. Ainda
que polonês de nascimento, Malinowski deve ser considerado
um líder inglês na Sociologia c na Antropologia, especialmen-
te na tendência funcional. A obra dc Toynbee, na Sociologia
histórica, 6 uma contribuição fundamental para o pensamento
social.
Na Rússia , a “escola subjetiva" apareceu na década de
1£60. quase ao mesmo tempo em que sc publicava Firt Principies,
de Spencer; concorrentemente, Danilevsky prestou significativa
contribuição ao approach não evolutivo da Sociologia histórica.
F., no fim do século XIX, os pontos dc vista de Kovalevsky
somaramse à ala moderada do evolucionismo. O empreen-
dimento sociológico foi interrompido pela revolução comunista,
após a qual só se permitiu a teoria marxista. Não obstante, é
facilmente reconhecível o fundo russo na obra de dois estu-
diosos, de ascendência russa: Sorokin, que se tornou um emi-
nente sociólogo americano, e Gurvitch, que usufrui destacada
posição na Sociologia francesa.
A Sociologia americana começou com a Dynamic Sociology
(1883), de Ward. Logo Sumner, grande darwinista social,
aderiu a Ward, criador do evolucionismo psicológico. Giddings,
que pertenceu a uma geração mais jovem, começou como evo
lucionista psicológico, mas depois combinou esse approach com
idéias que, mais tarde ainda, tornaramse conhecidas como o

408
r.copostivismo. Não se devem eiqueccr at cootnbuiçfa
ciais de Morgan e Veblen, ambos defensores da ínSfeM^^H
tecnológica. No princípio do século XX, Goolr) 1 TboM»
iram eminentes representantes da Sociologia psicológica (nls
confundir com evolucionismo psicológico). O segundo quand
do século testemunhou um florescimento sem precedente fl
produção sociológica, dividida em escolas: durante cae perío-
do, além do neopositivismo predominante, desenvolveratn«§e a
cscola ecológica, a escola sociométríca (criada por Moreno,
emigrante austríaco), o approach funcional, e a Sociologia
analítica, bem representada por Sorokin, Parsons, Znaniecki
e Maclver (de srcem escocesa). Sorokin também deu uma
contribuição brilhante à Sociologia histórica. Ademais, Keüer,
White e Maclver representam o neoevoluck>nismo, e Hun-
tington foi, durante muitos anos, o portabandeira do deter-
minismo geográfico.
A Sociologia alemã começou pràticamente com Marx,
que influenciou profundamente certo número de sociólogos que
não compartilhavam de sua Filosofia básica, entre os quais,
por exemplo, Gumplowicz, darwinista social, Toennies e Mu
Weber. O darwinismo social desenvolveuse, ulteriormente, nos
trabalhos de Ratzenhofer e Oppcnheimcr, ao pano que, além
de Toennies, frutificava a Sociologia analítica ainda na obra de
Simmel. Lilienfeld e Schâffle representaram o approach or
ganicista. Max Weber, cuja posição na Sociologia quase de-
safia
nha, aumamaiorclassificação,
influência.exerceu
Novas sôbre a Sociologia,
tendências também nase Alema-
desen-
volveram, como a Sociologia formal de \on Wiese, a teoria
fcnomenológica de Litt e Vierkandt, e o approach histórico dc
Alfred Weber. Hoje, a Sociologia alemã parece ansiosa de
aprender com a americana, visando a libertarse da preocupa-
ção filosófica e expandirse na pesquisa empírica.
A It ilia produziu o grande sociólogo Pareto, cujas idéias
influenciaram enormemente a Sociologia americana. Entre
outros sociólogos italianos, talvez sòmente A. Loria deva ser
incluído na história do desenvolvimento da teoria sociológica
tal como é apresentado neste volume.
Êite livro foi compotto e impresso peU
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