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(2* edição)
modoEmbora
especialse aostrateestudantes
de um delivrociências
destinado
sociais,
de
econômicas c políticas, sua leitura é igualmente
recomendável, pela atualidade de suas informa-
ções, aos sociólogos, economistas, historiadores, e
aos estudiosos de modo geral.
TEORIASOCIOLÓGICA
BIBLIOTECA DE CIÊNCIAS SOCIAIS
*
NICHOLAS S. TIMASHEFF
NICHOLAS S. TIMASHEFF
NICHOLAS S. TIMASHEFF
TEORIA SOCIOLÓGICA
Tradução de
Antônio Bulhões
Revista por
José Augusto de Castro
Segunda edição
ZAHAR EDITÔRES
RIO DE JANEIRO
Titulo srcinal:
SOCIOLOGICAL THEORY
Its Nature and Growth
Revisão tipográfica
Revitex
1965
Prefácio ..............................................................................................................................9
Primeira Parte
INTRODUÇÃO
Seounda Parte
OS PIONEIROS
CapÍtulo II: Augusto Comte ................................................................................
A França no inicio do século XIX ....................................... .............................
A vida de Comte ......................................... ............................ ......33
...........................
Premissas básicas ........................................................................... .......................35
..
5
Marx: determinismo econômico %................................................................... .......£0
Tylor e Morgan: monismo tecnológico ..................................................................'3
Gobineau: determinismo racial .......................................................................
Buckle: monismo geográfico ;.................................
........................................
Danilevsky: primeira alternativa para o evolucionismo ................................. ....../9
Conclusão Ha Segunda Parte ................................................................................8¾}
Terceira Parte
SURTO DE ESCOLAS EM DISPUTA
SmallRatzenhofer ......................................................................................................
.............................................................................................................. 50
✓ Sumner ....................................... .....................................................................
O darwinisroo social em retrospecto ........................
............................
........... 99
Capítulo VI: Evolucionismo Psicológico .......................
..............................
.......... J02
/ A vida c as obras de Ward .................................. ............................
..................... 102
Postulados básicos .............................. ............................
............................
......
Sociologia: divisão e métodos......................... ............................
......................
Genesis c telesis .......................... ............................
..............................
...........
Ward em retrospecto .................................................... ..............................
......
Os conceitosbásicos de Giddings .......................... ............................
..............
Sociologia: natureza e métodos ............................ ............................
................
Estáticae cinética .......................... ............................
..............................
.......
Dinâmica.............................................. ..........................................................
..
Capitulo
Loria: Outros Evolucionismos
VII:Evolucionismo econômico e o..........................
Organicismo........................... .....................122
...............................................122
Veblen: Evolucionismo tecnológico ......................... ............................................124
Costc: Evolucionismo demográfico ............................ .........................................125
Kidd: evolucionismo religioso ....................... .......................................................126
Novicow ...........................................................................................................
Versões do organicismo ......................... .........................................................
Resumo ........................ .........................................................................................^2
Capítulo VIII:Primòrdios da Sociologia Anallttea ............................. ................... 134
....
6
Mikhailovsky ...................................................
...........................
..................... 164
Yuzhakov c Kareyev ....................... ..............................
............................
.............165
Subjetivismo em retrospecto.......................... ....................... 166
............................ ....
Quarta Parte
A VOGA DA SOCIOLOGIA PSICOLÓGICA
Probabilidade ............................................
......................... ...............................239
..
.. .....................242
Conclusão da Quarta Pnrte................................................................................ 244 ...
Quinta Paute
CONVERGÊNCIA
NAS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CONTEMPORÂNEAS
7
Smart C. Dodd ............................•••................................................................ 25?
\ ala matemática do neopositivismo ...............................................................
William F. Ogburn e F. Stuart Chapin ............................................................
Resumo e apreciação .......................................................................................
Capítulo XVI: Ecologia Humana e Sociometria ............................ ......................... 276
Ecologia humana ....................... ...................................................................... 1
Sociometria...................................................................................................... "J
Resumo c apreciação ....................................................................................... A°3
Cai*Ítui.o Sociologia
PitirimXVIII: Analllica ............................. .................... ................ 301
..
Sexta Parte
CONCLUSÃO
Apêndice
Nota para os professôres .................................................................................. 393 ....
8
P R E F A C I O
9
traiam com elas “duelos láS!cos” (para usar a expressão de
Gabriel Tarde) e ou demonstram a falência daí mais velhas
ou sucumbem ente a sua resistência ou com elas se amalga
mam em sínteses de nível mais elevado.
Por outro lado, porém, os idéias são concebidas c ^ objcti
vadas por criaturas humanes: a formulação de uma idéia nova
c uma espécie de "invenção ideológica” apresentada pelo autor
a seus colegas pensadores do mesmo campo. Muito freqüen-
temente, um estudioso apto a criar invenções ideológicas é
capa: de chegar a mais de uma delas e, também, de aplicd
las a situações concretas.
Uma história das idéias deve ocuparse de duas espécies
de causalidade: a lógica e a individual. Esta última prepon
dera na jnaioria das apresentações e nesse caso a história se
transforma numa série de biografias cienltficas e no exame
das contribuições de autores individuais. A leitura sucessi-
va de tais séries pode deixar no leitor um sentimento de con-
fusão, visto que o foco de atenção varia cada vez que a nar-
rativa passa de um autor para outro. Se, ao contrário, o
approach lógico é pSsto em realce, as idéias individuais são
isoladas do respectivo contexto e perdem boa parte do seu sig-
nificado e encanto.
No presente volume fêzse uma tentativa de encontrar o
meiotermo. à Após
pertinentes teoriaumsociológica
cuidadoso estudo selecionados
, foram do acervo alguns
de idéias
tó-
picos que têm preocupado, mais ou menos continuamente, os
estudiosos do ramo. As contribuições dos pensadores indi-
viduais foram resumidas sobretudo na proporção em que se
relacionavam com aquiles tópicos selecionados, mas ainda as-
sim foram apresentadas como contribuições de pessoas deter-
minadas. Também foram traçadas, em breves linhas, as bio-
grafias profissionais dessas pessoas. Mediante a preservação
do elemento pessoal, as contribuições não perderam sua singu-
laridade nem se isolaram do fundo sociocultural de onde emer-
giram. Fosse a Sociologia do Conhecimento uma disciplina
já desenvolvida, e essa fase da história das teorias sociológicas
poderia
só ter sido isso
muito raramente expressa emfeito
pôde ser seus
. teoremas; na verdade, porém,
Outrossim, na apresentação dos pontos de vista de certos
autores, limitouse aqui dràsticamente a parte periférica dos
respectivos sistemas de pensamento organizados em tòrno ao
10
ponto central da teoria sociológica. Assim, ao longo da história
das teorias sociológicas, fêzse ver que os mesmos problemas
tomaram a surgir em formas e combinações novas. Com isto
foi preservada a unidade dc perspectiva, condição essencial
da inteligibilidade.
Um livro escrito com essa orientação encerra conhecimen-
tos que precisam ser aprofundados pelos estudantes de Sociolo-
gia que terminam seus estudos numa época de revalorização
da teoria. A aquisição dêsses conhecimentos requer conside-
rável esforço mental: o presente volume é dedicado aos estu
(lantes que se dispõem a esse esfôrço e aos instrutores que sa-
bem avaiiar a necessidade de provocálo.
A confecção deste livro levou muitos anos, durante os
quais o autor não cessou de ministrar um curso de Teorias
Sociológicas. Só aos poucos, baseandose na própria experiência
de ensino, chegou cie às conclusões acima. Seu grato reconhe-
cimento elevase em primeiro lugar à Fordham University,
da qual a administração, o corpo docente e os estudantes esti-
mularam ininterruptamente o seu trabalho e lhe proporcio-
naram toda a ajuda. Sobremodo encorajador foi o fato de
estudantes de vários departamentos se haverem matriculado
no curso de Teorias Sociológicas, a ponto dc, no debate com
êles e na leitura dos seus escritos, a inteligibilidade geral dêste
ensaio poder scr posta à prova e às vises aprimorada.
Além desse reconhecimento, dirigido a uma instituição,
o autor deseja expressar sua profunda gratidão a algumas
pessoas, cuja asistência lhe foi de gr anda valia: primeiro, ao
Professor Charles H. Page, do Smith College, que deu ao
texto a forma definitiva, comprovando seu excelente domínio
do idioma inglês, e que também fez uma série de sugestões
valiosas quanto ao tratamento a dar aos autores individuais;
ao Professor Paul W. Facey, do College of the Holy Cross,
que assistiu o delineamento dos primeiros esboços da obra; ao
Doutor Leopold Rosenmaycr, de Viena, e ao Doutor Victor
Willy, de Zurique, por lhe terem chamado a atenção para
diversas
por menor publicações européias
importância, recentes,
a Tânia, e por quefim,nãomasapenas
sua filha, não
datilografou o manuscrito e tornou a datilografar inúmeras
partes como também constituiu a "turma de uma aluna sff',
a quem deu o autor a primeira versão do seu curso de História
II
do Pensamento Sociológico, dc que eh necessitava para atin-
gir o bacharelato fiances.
N. S. Timasheff
12
Primeira Parte
INTRODUÇÃO
CAPITULO I
15
Devemos, ainda, familiarizarnos com a história dos esforços
feito* pela teoria sociológica — os nódulos que mudam, seus
sucessos e fracassos, c as promessas formuladas para o futuro.
Tais problemas constituem o assunto do presente volume.
Começaremos com uma definição dc Sociologia, fixada
mediante contraste com disciplinas que lhe são relacionadas,
e com uma explanação do significado da teoria no contexto
do empreendimento científico.
Que é Sociologia?
aemser, portanto,
interdependência;
o objeto daaSociologia.
interdependência dos homens pode vir
Partindo daí, traçase o limite entre a Sociologia e as
outras ciências que estudam os homens como indivíduos ou
como conjuntos dc indivíduos sem nenhuma preocupação quan
16
to à sua interdependência. A Anatomia e a Fisiologia huma-
na estudam a estrutura e o funcionamento dos seres humanos
que se repetem cm todos os homens. A Antropologia Física
estuda a variabilidade da estrutura do corpo desses seres e
classifica as variações, extraindo grupos estatísticos ou nomi-
nais de homens que revelam traços hereditários similares e
externamente reconhecíveis. A Psicologia (exceto o ramo
híbrido denominado Psicologia Social) estuda os processos men-
tais que se passam na mente dos indivíduos, dkendonos de que
maneira um ser humano vê, ouve, sente, reage a sensações, etc.
A Sociologia não se interessa pela estrutura do corpo hu-
mano, pelo
cessos funcionamento
mentais: interessasede pelo
seus queórgãos, por seus
nemquando
acontece pro-
o homem
encontra o homem; quando seres humanos formam grupos
ou massas; quando cooperam, lutam, dominamse uns aos ou-
tros, persuademse ou imitamse, desenvolvem ou destroem cul-
turas. A unidade base do estudo sociológico nunca é um indi-
víduo, mas sempre, no mínimo, dois indivíduos de alguma forma
relacionados entre si.
Todavia, embora o objeto do estudo sociológico sejam
os homens em interdependência, o âmbito da Sociologia não
abrange todo e qualquer tipo de estudo dos homens em in-
terdependência: esse mesmo assunto é também estudado em
outras disciplinas — como a Filosofia Social, a História, as
Ciências
plinas Sociais concretas. Qual a diferença entre estas disci-
e a Sociologia?
A Filosofia Social é uma disciplina muito mais velha do
que a Sociologia. Bem desenvolvida na Grécia antiga e cul-
tivada na Idade Média, a Filosofia Social floresceu no século
XVI11, na Era do Iluminismo, que precedeu imediatamente o
nascimento da Sociologia. Nas obras dos velhos filósofos so-
ciais encontramse muitas proposições que poderiam ser fà
cilmente reformuladas em têrmos de Sociologia contemporânea.
Não obstante, a Filosofia Social c a Sociologia são esforços
diversos da mente pesquisadora do homem. A diferença entre
as duas é semelhante à que, em geral, estabelece a separação
entre a Filosofia e a ciência empírica, diferença de graus de
abstração e de aprocedimento:
ver e explicar ambas sesão baseiam
realidade, ambas tentativasna deobservação
descre-
dos fatos e em generalizações derivadas dessa observação,
mas aí termina a semelhança entre a ciência empírica, inclusive
a Sociologia, e a Filosofia, inclusive a Filosofia Social
17
Na ciência empírica, as generalizações pertinentes a um
setor específico de investigações decorrem de fatos observados
nesse mesmo setor ou cm setores estreitamente ligados a ele.
T.iis generalizações são formuladas sem levar em conta (afir-
mando ou negando) qualquer conhecimento no nível mais alto
da abstração relativa à realidade como um todo. Tôdas as
proposições que constituem uma ciência empírica formam um
sistema autosuíicientc. Nâe se permite que nenhuma delas
desempenhe uma função no sistema, sc contiver conhecimento
que não seja empírico ou, em outras palavras, que não seja
formulado sob as limitações aludidas.
Ao contrário, a filosofia é antes de mais nada uma tentativa
de compreender a realidade cm sua totalidade. De uma va-
riedade de fatos observados, a Filosofia extrai certos princípios
elementares que, tomados em conjunto, tentam explicar a rea-
lidade como um todo. A maneira pela qual se derivam as
proposições sôbre a realidade total não é problema que inte-
resse ao presente livro. Neste sentido, várias escolas de Filo-
sofia divergem significativamente. Dos princípios elementares
da realidade total assim estabelecidos, o filósofo extrai certos
postulados e axiomas, e os utiliza para reinterpretar classes par-
ticulares de objetos que distingue nos fatos observados. Assim,
enquanto o sociólogo explica a sociedade em têrmos de fatos
nela observados e, eventualmente, em setores dc conhecimento
empírico a ela relacionados, o filósofo social explica a socie-
dade nos têrmos da interpretação que dá à realidade total:
ele pode falar cm causas primeiras, valores supremos, finali-
dades últimas, mas o sociólogo não tem êsse direito.
Em princípio, a diferença entre Filosofia Social e Socio-
logia é perfeitamente nitida; na prática, a linha divisória se
dilui, especialmente no plano da teoria — verdadeiro objeto
dêste volume. No desenvolvimento da Sociologia tem havido
muita confusão com a Filosofia Social: inúmeros sociólogos
cruzaram a fronteira entre os dois campos, pertencentes à
Filosofia Social. Isso há de ser visto com freqüência neste
livro.
A História é outra ciência que procura compreender os
homens em interdependência, ou, mais exatamente, nas pas-
sadas configurações dessa interdependência. Nem a obra his-
tórica do tipo biográfico pode deixar dc referir as relações entre
seu herói e outros homens. Qual então a diferença entre a
13
História e a Sociologia, estando esta, naturalmente, interessada
não só no presente, mas também no passado?
Em princípio, não é difícil estabelecer essa diferença. A
História estuda o passado humano como uma seqüência de
acontecimentos, situações c processos concretos e únicos. O his-
toriador tenta reconstituir o passado com muitos detalhes em-
píricos, exatamente como aconteceu. Tomemse a Guerra
Americana da Independência, a Revolução Francesa, a Revolu-
ção Comunista na Rússia, o New Deal nos Estados Unidos;
como se deram tais acontecimentos e quais os processos exn
que individualmente consistiram? Por que ocorreram? Estas
eà humanidade.
outras perguntas parecidas jamais deixarão de interessar
Mas a mente humana não se detêm na reconstituição de
acontecimentos singulares e irreversíveis. Além dêles, em sua
localização histórica no tempo e no espaço, a mente humana
tenta descobrir elementos de reversão, de repetição. Já ocor-
reram muitas guerras: haverá ou não um elemento constante
cm suas srcens, em seus impactos sòbre as sociedades por elas
atingidas, em seus efeitos? Verificamse continuas flutuações
nos preços do mercado: haverá ou não um elemento comum
por trás dessas flutuações? Cometemse crimes incontáveis:
não se poderão identificar elementos mais ou menos constantes
em todos, apesar da variabilidade efetiva do ato? Os elemen-
tos
tituemconstantes,
o objetivoobserváveis na Sociais
das Ciências interdependência
do tipo ahumana, cons-
que pertence
a Sociologia: tais Ciências baseiamse no postulado da ordem,
escapando ao plano da simples descrição a premissa lógica de
cada estudo.
As seqüências concretas estudadas pelos historiadores
são únicas e não se podem repetir. Nunca haverá outra
Guerra de 1812 ou outra Vitória de Outubro dos comunistas
na Rússia. Mas as mesmas seqüências concretas podem ser
analisadas em seus elementos, e entre êsses elementos podem
se estabelecer, de acôrdo com sua natureza, relações invariá-
veis e necessárias.
Talvez seja útil, aqui, uma analogia com o estudo da
Química.
que São conhecidos
se combinam formandonoventa
milhões e deseiscompostos.
elementosO químicos
químico
explica a matéria analisando os compostos e descrevendo a
maior parte das respectivas propriedades à base do conheci-
mento das propriedades invariáveis dos seus elementos. Na
19
vida real oco;icm inúmeras variedades de acontecimentos. Sub-
jacentes a fees acontecimentos, repetemse determinados cle-
mente* que, quando percebidos, dão aos fatos unidade c signi-
ficado. O historiador mostra o que há de variável; o sociólogo
destaca o que há dc constante c reversível. A História descreve
a multidão de combinações concretas em que homens interde-
pendentes se encontraram; a Sociologia analisa essas variadas
combinações em seus elementos básicos, relativamente poucos,
e formula as leis que lhes regem a atuação. A descoberta dessas
iv*i*, ou a verificação das relações necessárias r invariáveis entre
certo número de elementos em que a realidade social pode ser
analisada, constitui o verdadeiro objetivo da Sociologia, em
contrapartida aos objetivos da Física, da Química, da Psicologia
c da Biologia.
Na prática, uma vez mais a linha divisória se dilui. Os
historiadores contribuem freqüentemente para a descoberta de
elementos reversíveis na realidade social: isto acontece quando
seu estudo dc processos concretos os leva a tentarem compreendê
los em suas causas. Trabalhos históricos a exemplo de A
Study of History (1934), de Arnold Toynbee, invadem visivel-
mente o campo da Sociologia, enquanto estudos sociológicos,
a exemplo de A Ética Protestante e o Espirito do Capitalismo
(1920), de Max Wcbcr, Dinâmica Social e Cultural (1937/41),
de Pitirim Sorokin, contribuem grandemente paia a compreen-
são
mana.histórica de passadas
Estas obras configurações
trazem claramente da ointerdependência
à luz hu-
misto dc singula-
ridade e variedade dos fenômenos sociais. Há aí certa superpo-
sição, que 6 tão vantajosa para a História quanto para a
Sociologia.
Finalmente, devese fazer distinção entre a Sociologia c as
Ciências Sociais concretas como a Economia, a Administração
e a Etnologia: tôdas estudam o homem em interdependência,
não no plano filosófico e sim no empírico. E não só estudam
fenômenos únicos e concretos (digamos: a Constituição norte
americana ou a atual organização do trabalho estrangeiro nos
Estados Unidos), mas também procuram descobrir leis, relações
necessárias e invariáveis entre os fenômenos, de acftrdo com
sua natureza. Qual a diferença entre tais ciências concretas
e a Sociologia? Mais exatamente: qual a tarefa da Sociologia
em relação às outras Ciências Sociais? Os sociólogos em dife-
rentes épocas e no decurso da história desta disciplina, vêm
dando à pergunta quatro respostas principais:
20
Comtc acreditava que a Sociologia deve lançar mão de
todos os dados colhidos por essas ciências concretas e encam-
pálos, privandoos assim de sua razão dc existir.
Herbert Spencer considerava a Sociologia uma superciência,
que não rcaiiza por si mesma observações dos fenômenos sociais,
mas unifica as observações c generalizações feitas por outras
Ciências Sociais.
Georg Simmcl, sociólogo alemão de fins do século XIX,
insistia cm que a apreciação do conteúdo das ações humanas,
definido conforme os respectivos fins, constituía o objeto das
Ciências Sociais concretas. Assim, a Economia, por exemplo,
estuda os atos que visam à solução dos problemas materiais,
isto é, produção, distribuição, troca e consumo; a Política
estuda os atos que visam à aquisição c exercício do poder
político. Mas nenhuma dessas ciências — entendia Simmcl
investiga a forma de ação humana cm sociedade, a forma
comum a todos os tipos de esfôrço — como a formação ou a
dissolução dos grupos humanos, a concorrência, os conflitos.
Simmel reivindicava êste campo, ainda não ocupado por
nenhuma ciência social concreta, para a Sociologia, a nova
disciplina.
Pitirim Sorokin, sociólogo contemporâneo, ofereceu uma
linha dc demarcação geralmente considerada correta mesmo
pelos sociólogos que habitualmente se opõem ao conteúdo de
seus pontos de vista. Sorokin deriva a definição de Sociologia
de uma afirmação feita pelo erudito russopolonês Lco Patra
zhitsky. Segundo este último, sc existem, dentro dc uma classe dc
fenômenos, n subclasses, deve haver n } 1 disciplinas para
estudálas: n para estudar cada subclassc e mais uma para es-
tudar aquilo que é comum a todas, bem como a correlação entre
elas.1 Desenvolvendo essa idéia, Sorokin diz que a cada uma
das muitas classes de fenômenos sociais — econômica, política,
religiosa, e inúmeras outras — deve corresponder uma ciência
social particular: além delas, porém, é necessária mais uma
(a Sociologia), com o fim de estudar as características comuns
a tôdas as classes de fenômenos sociais c a intcrrclação entre
as mesmas, porque as duas tarefas não podem ser latisfatòria
mente realizadas pelas Ciências Sociais particulares. Muito sc
22
cm consideração as contribuições que eminentes antropólogo!
c etnólogos deram à teoria sociolégica, tanto quanto as dos
próprios sociólogos profissionais.
23
observação posterior. O conhecimento expresso nas genera
lizjções é de nível superior ao das proposições singulares, mas
não representa ainda o mais alto nível alcançável pela ciência
empírica: o mais alto nível é o da teoria. Através dos esfor
ços conjuntos de cientistas especializados em determinada dis-
ciplina, formulase grande número dc generalizações. Então,
experimentam os cientistas a necessidade de unificar os resul-
tados dispersos, assim obtidos. Chegase à unificação pelas ten-
tativas de elaborar uma teoria.
Teoria é um conjunto de proposições que atendam ideal-
mente aos requisitos seguir.tes: primeiro, apoiaremse em ter-
mos de conceito definido com exatidão; segundo, serem coc
rentes entre si; terceiro, que se possam extrair delas, por de-
dução, as generalizações cabíveis; quarto, produzirem frutos —
abrirem caminho para observações e generalizações posteriores,
aumentando o âmbito do conhecimento.
A teoria não se deriva de observações c generalizações
unicamente por meio de rigorosa indução. A elaboração de
uma teoria é um ato criador, não sendo, portanto, nada sur-
preendente que bem poucos, dentre os que labutam no terreno
da ciência, estejam aptos a elaborála. Há sempre um salto
além da evidência, uma intuição correspondente ao trabalho
de criação. Mas tôda teoria assim elaborada precisa submeter
se à verificação. Podese considerála verificada, preliminar-
mente, se não a contradisser aparentemente nenhuma generali-
zação ou fato conhecido; se houver contradição, a teoria em
projeto deve ser rejeitada ou ao menos modificada.
Êsse teste, contudo, é apenas uma verificação preliminar.
Pois, muitas vêzes, duas ou mais teorias parecem explanações
plausíveis das mesmas generalizações e fatos conhecidos. Quan-
do tal acontece, utilizase um processo denominado “experi-
mento crucial” (ou “observação crucial”): êsse processo en-
volve a suposição de uma situação para a qual as teorias ad-
versas apresentariam previsões contraditórias; devese então
criar esta situação por artificio (experimentalmente) ou tentar
encontrála na realidade, c a observação decidirá se alguma
das teorias é compatível com a experiência testada. Todavia,
mesmo essa verificação não será final, porque no futuro podem
se descobrir fatos ou chegar a generalizações que invalidem a
teoria hoje vitoriosa. Na ciência empírica, a teoria nunca é
definitiva.
24
Em geral, as pessoas que trabalham com uma ciência
madura, como a Física ou a Química, sustentam uma única
teoria altamente abstrata ou um quadro de teorias interrela
cionadas e mutuamente complementares. Essa maturidade, po-
rém, só se alcança após longo e persistente esfôrço, durante
um período que se caracteriza pela coexistência de duas ou
mais teorias contraditórias: esta é a situação em que ainda
se encontra a Sociologia. Não há nenhum conjunto de pro-
posições sustentado por todos os sociólogos, apoiado cm têr
mos idênticos ou facilmente conversíveis, e que lhes permita
apresentar fatos e generalizações como manifestações de certos
princípios. Muitocaracterizado
ciologia temse pelo contrário, o desenvolvimento
pelo surto de um númeroda espan-
So-
tosamente grande de teorias em conflito. Embora ainda não
se tenha ultrapassado êsse estado de coisas, a luta entretanto
já não é tão aguda quanto no fim do século XIX: hoje, os
sociólogos, cm sua maioria, concordam sôbre certo número
de proposições reunidas numa teoria sociológica ampla, ainda
que frequentemente defendam as mesmas proposições com ter-
minologia diversa. (O leitor deve tomar cuidado com a exis-
tência de expressões múltiplas para os mesmos conceitos e as
mesmas idéias, e, contràriamente, com a existência de uma
mesma terminologia exprimindo, às vêzes, conceitos e teorias
diversas.) Tem havido uma baixa nas fileiras da discordân-
cia
livro teórica e uma alta nas fileiras das concordância, como este
tentará demonstrar.
O exame das teorias sociológicas do passado e do pre-
sente mostra que elas giram em tômo de uns poucos pro-
blemas, os mais importantes dos quais são os indicados nas
seguintes perguntas:
Que são sociedade c cultura?
Quais as unidades básicas em que a sociedade e a cultura
devem ser analisadas?
Qual a relação entre sociedade, cultura c personalidade?
Quais os fatôres determinantes do estado de uma sociedade
ou cultura, ou de mudança na sociedade ou cultura?
Que é Sociologia e quais os seus métodos específicos?
Devese focalizar, nas diversas respostas a essas perguntas,
o estudo do desenvolvimento da teoria sociológica. Ê preciso,
entretanto, na apresentação das teorias individuais, ir além
dessas perguntas, pois inúmeras teorias pressupõem a existência
25
de problemas básicos não abrangidos por elas, ou expressos dc
ul maneira que se toma indispensável a abordagem de outros
problemas científicos mais ou menos relacionados com esses.
26
pedia sociológica, hão de escaparlhe à amplitude muitas obras
importantes. São possíveis, no mínimo, três tipo» básico# de
disposição. Primeiro: podemse classificar as teorias por es-
colas, baseadas nos tipos dc soluções teóricas adotadas para os
problemas essenciais; este é o critério utilizado por Sorokin
no conhecido trabalho Teorias Sociológicas Contem por ancas
(1928). Segundo: podemsc apresentar as teorias pela ordem
histórica dc aparecimento; este, aproximadamente, é o método
empregado por J. L. Lichtenberger em O Desenvolvimento da
Teoria Social (1923), e por F. N. House em The Development
of Sociology (1936). Terceiro: podemse expor as teorias con-
forme as áreas geográficas cm que os respectivos autores resi-
dem; êste foi o plano seguido por G. Gurvitch e Wilbert Moore
em Twentieth Century Sociology (1945) e por Harry Elmer
Barnes em An Introduction to the History of Sociology (1948).
Para o presente volume, o autor sc propôs uma combinação da
primeira com a segunda solução.
O exame do desenvolvimento da teoria sociológica será
dividido cm quatro períodos. O primeiro período, estendendo
se do nascimento da Sociologia até cêrca de 1875, c o dos
pioneiros e dos esforços isolados. O segundo, grosso modo,
corresponde ao último quartel do século XIX, e é o período
da luta entre escolas e, simultaneamente, da predominância do
evolucionismo, muito tendo a ver essa luta com a questão do
fator (econômico, racial, geográfico, ou qualquer outro) que
determina a evolução social. O terceiro, abrangendo o pri-
meiro quartel do século XX, é um período de indecisão, após
a demolição da teoria cvolucionista e uma crescente consciência
da carência de unidade nos estudos empíricos; concentramse
então as atenções nos fundamentos psicológicos da Sociologia.
O quarto período, o atual, é o da luta entre quadros dc re-
ferência ou dc convergência; caracterizasc pela crescente noção
da existência de uma grande massa de proposições em pi rica-
mente estabelecidas (donde ser êste um período dc convergên-
cia) e pela concorrência entre os ponto; de vista considerados
mais adequados para explicar a realidade social em seu conjunto.
Apresentaremos, de cada um desses quatro períodos, as
escolas mais representativas c as teorias mais influentes, tra-
zendo à tona suas intcrrelaçõcs. Destacaremos ainda as so
brcvivências e acumulações, tanto quanto os renascimentos teó-
ricos (às vezes sob novas roupagens), numa completa escala
do desenvolvimento da teoria sociológica.
27
Segunda Parte
OS PIONEIROS
CAPITULO II
Augusto Comte
Jgicas,
á que este livro se prende
e não há história
ao estudo das teorias socioló-
do pensamento social em geral, come-
çará com Augusto Comte — que foi a primeira grande figura
a afirmar, e depois provar com os fatos, que a ciência empí-
rica e teórica da sociedade era possível e desejável. Mas, a fim
de tornar Com te compreensível, precisase apresentar antes o
clima intelectual da França no inicio do século XIX.
na onipotência
subsistia a crençados métodos. de
na existência Quanto aos assuntos
leis sociais similares humanos,
às esta-
belecidas nas Ciências Naturais. Entre essas, atribuíase posição
dominante à lei do progresso ou desenvolvimento necessário das
sociedades humanas rumo a estágios mais altos e melhores.
31
Tal seqüência de idéias pode ser retraçada até Blaise Pascal
162362), que sugeriu a semelhança entre a continuidade das
gerações humanas com a de um indivíduo que vivesse para
sempre e não cessasse dc acumular conhecimento. Charles
Montesquieu (16691753), na primeira frase de. seu famoso
VEsprit dês lois (1748), ofereceu uma definição das leis da
natureza que mcieceu aprovação geral: as leis, na mais ampla
acepção do termo — disse êlc —, são relações necessárias de-
rivadas da natureza das coisas.
A idéia de progresso, desenvolveua Jacques Turgot (1727
•81). 1'Histoirc
sur Num memorial publicado
universelle tentou em 1750 que
mostrar e no breve Discours
o avanço humano
no conhecimento da natureza era acompanhado de uma eman-
cipação gradual do espírito, libertandose dos conceitos antro
pomórficos, segundo um processo que, em sua opinião, passara
por três estágios: primeiro, os homens supunham que os fenô-
menos naturais eram produzidos por sêres inteligentes invisí-
veis, mas semelhantes a êles; segundo, começaram a explicar
tais fenômenos por expressões abstratas, tais como essência e
potência; terceiro, observando a ação mecânica recíproca dos
corpos, formularam hipóteses que poderiam ser desenvolvidas
pela Matemática c verificadas pela experimentação.
Outro protagonista da idéia do progresso, o Marquês de
Condorcet (174394),
intitulada Esquisse d’unexpressa seus pontos
tableau historique des de vista dena Fesprit
progrès, obra
humain, escrita no cárcere pouco antes da própria execução
que êlc sabia inevitável; traçou aí o perfil do progresso huma-
no através das idades e formulou a possibilidade dc uma ciência
capaz de antever o futuro da humanidade e, conseqüente-
mente, acelerálo ou dirigilo. Para estabelecer leis que per-
mitam aos homens a previsão do futuro, deveria a História
deixar de ser uma história de indivíduos e tomarse uma his-
tória das massas humanas. Sc c quando ocorrer essa transfor-
mação, tomarseá possível antever o porvir com base no co-
nhecimento dc leis necessárias e invariáveis. Não há motivo
para acreditar que não existem essas leis, governando os assun-
tos observação
da humanos. Ahistórica podese6 afirmar
maior delas desconhecida
que oainda, mas àé base
progresso ne-
cessário c ininterrupto, dependendo da sucessão de explicações
antropomórficas, metafísicas e científicas dos fenômenos naturais.
32
A vida de Comte
co empreendimento,
de que, aos dezenoveforamanos egrandemente
ainda alunoestimuladas
da Escola pelo fato
Politécni-
ca, tomouse secretário do Conde Henri dc SaintSimon (1760
1825). Embora membro da aristocracia francesa, SaintSimon
veio a ser um dos primeiros c mais eminentes socialistas utópi-
cos, um dos pensadores sociais, talvez sonhadores sociais, que
acreditavam que os problemas da sociedade do seu tempo se-
riam melhor resolvidos reorganizandose a produção econômi-
ca, privandose, conseqüentemente, da liberdade econômica (en-
tão valor fundamental) a classe proprietária dos meios dc pro-
dução. Em um panfleto publicado em 1813, SaintSimon ex-
punha as seguintes idéias:
A moral e a politico se tornarão ciências “positivas".
C onere tizarseá a tendência de muitas leis peculia-
res às ciências individuais, para uma lei única e que tudo
abranja.
A ciência uirá a w o nôvo poder espiritual.
3 33
A sociedade precisa, portanto, s*r reorganizada e,
neste sentido, fl humanidade entrari no terceiro período
de sua história: o primeiro, ou preliminar, terminou cm
Sócrates, e o segundo, ou conjetural, persistiu até a época
dos trabalhos dc SaintSimon.
Reorganização
essa obra dc “adagrande
Sociedade. Mais
descoberta tarde,
do ano Comte Nessa
de 1822”. chamaria
pu-
blicação, os autores asseveravam que a Política deve tomarse
a Física Social, um ramo da Fisiologia; que cada setor dó co-
nhecimento deve passar por três estados: o teológico, o meta-
físico e o positivo; e que o objeto da Física Social era desco-
brir as leis naturais c imutáveis do progresso, tão necessárias
quanto a Jci da gravidade. Assim, o programa de uma nova
ciência (que depois se chamaria Sociologia) ficava claramente
fixado, rnmo também era proclamada a proposição fundamental
da teoria sociológica dc Comte — a lei dos três estados.
Logo após a publicação dessa obra, deixaram de traba-
lhar juntos e passaram a atacarse acerbamcnte. Comte nun-
ca
sandomaisa encontrou uma posição
viver a custa estável ee bem
de explicações remunerada,
exames pas-
de Matemá-
tica e de outros experientes. Sucediamse desapontamentos
pessoais e querelas com diversas pessoas, e seu isolamento cres-
cia sempre. Não obstante, um pequeno grupo de admirado-
res, a fim de ajudálo, convidouo a dar uma série dc aulas
particulares sôbre Filosofia positiva. Comte aceitou o convi-
te c as notas dc aula foram gradualmente publicadas, entre
1830 e 1842, constituindo o volumoso Cours de philosophic po-
sitive em seis tomos, sua obra fundamental. Enquanto traba-
lhava nesse projeto, descobriu o princípio da higiene mental.
Aplicando essa descoberta à sua própria vida, parou de ler a
fim de manter a mente livre da contaminação das idéias alheias.
seus últimos anos de vida, entre 1851 e 1854, escreveu
Em tratado
um intitulado Système de politique positive em quatro
volumes, onde aplica as descobertas da Sociologia teórica à
solução dos problemas sociais da época. Assim, cumpria seu
objetivo inicial, o aprimoramento da sociedade, mas, ao fazê
lo, desviouse parcialmente do positivismo e tentou construir
34
uma religião da humanidade. Apesar disso, encontramse nessa
obra contribuições importantes e interessantes ao anterior
Court tie philosophic positive.
Premissas básicas
são As ciências
teóricas ou —práticas
assevera(aplicadas).
Comte naAssegunda
teóricasproposição —
subdividem
se ainda em descritivas (concretas) e abstratas. As primeiras
lidam com os fenômenos concretos e as segundas esforçamse
pela descoberta das leis da natureza quo regem tais fenômenos,
determinando sua coexistência e sucessão. As ciências teóricas
abstratas constituem uma série, ou hierarquia, em que cada grau
superior depende do antecedente porque lida com fenômenos
mais complexos e concretos. A Matemática ocupa a base da
hierarquia, abrangendo os aspectos abstratos de todos os fenô-
menos. Logo a seguir vem a Mecânica, que Comte quase iden-
tificava com a Astronomia, ciência que, naquela época, estava
realizando progressos espetaculares. À Mecânica seguiamse
a Física, a Quimíca e a Biologia. E, acima de todas elas, vinha
colocarse a nova ciência da Física Social ou Sociologia.
A lei dos três estados significa, em primeiro lugar, que
cada setor do conhecimento atravessa três períodos de desen-
volvimento: teológico, metafísico e positivo. Mas as ciências
individuais não se movem simultaneamente; quanto mais alta
se situa a ciência na hierarquia, mais demorada é a passagem
de um estado a outro. Não poderia ser de outro modo, pois
primeiro tinham que se desenvolver as mais complexas. Comte
acreditava que todos os setores do conhecimento, menos um,
haviam atingido o estado positivo; com o surgimento da So-
ciologia, a série estaria completa.
No sistema de Comte, entretanto, a lei dos três estados
é muito mais do que um princípio regedor do avanço do co-
nhecimento. O desenvolvimento e a educação do indivíduo,
como também a própria sociedade humana, precisam igual-
mente atravessar três estados. O desenvolvimento e a organi-
zação sociais positivos dependem do conhecimento científico,
35
jsto c, sociológico, dos fenômenos sociais. Ein outras palavras,
“a grande dcscobcr:a do ano de 1822”» pensava Com te, de-
veria tomarse a idéia diretriz para a reorganização da socie-
dade abalada pela Revolução Francesa.
Estava tão firmemente convencido da exatidão do seus pon-
tos de vista que mandou um exemplar da Philosophic positive
ao Imperador Nicolau I, da Rússia, escrevendolhe uma carta
em que afirmava ter certeza de que o governante autocrático
(que, singularmente, possuía boa formação matemática) ini-
ciaria reformas que levariam a Rússia à sociedade positiva.
Êste incidente revela que as pretensões de Comte, como as de
muitos inovadores, eram, às vêzes, ridículas.
Mas as premissas básicas de sua teoria sociológica mere-
cem consideração c respeito. Sua lista dc ciências abstratas
ò incompleta. Omitiu a Psicologia, que tomou como um ramo
da Hsíoiogia, e a relação existente entre as ciências individuais
é mais complexa do que supôs. A divisão geral das ciências,
todavia, revelouse em geral boa. A lei dos três estados, no
entanto, com o sentido que lhe emprestou seu inventor, ca-
rece nitidamente do validez. Se as primeiras explicações da
natureza e do homem têm sido freqüentemente religiosas, se-
guidas por explanações filosóficas e, enfim, pela ciência em-
pírica, nem sempre o último approach elimina o primeiro; ao
contrário, ocorre a acumulação e, freqüentemente, a mistura
dos três. Mesmo sofrendo essa correção, tal lei comtiana não
resistiria à prova de fatos hoje cm dia conhecidos. Contudo,
podese vislumbrála, sob unia forma grandemente modificada,
em uma das teorias mais ambiciosas dos dias atuais, a de So-
rokin (vide capítulo XX).
A Ciência da Sociologia
Sua localização no sistema das ciências bem indica o
significado que tem para Comte a Sociologia: é a ciência
teórica abstrata dos fenômenos sociais. Em 1828, quando
(com SaintSimon) compreendeu a necessidade dessa nova
ciência, escreveu
Celeste, uma Física Comte:
Terrestre,“Possuímos atualmente
seja Mecânica uma Física
ou Química, uma
Física Vegetal c uma Física Animal; desejamos ainda uma
outra, e última, a Física Social, a fim de completar o sistema
de nosso conhecimento da natureza. Entendo por Física Social
a ciência que tem por objeto o estudo dos fenômenos sociais
36
considerados sob o mesmo espírito que os fenômenos astro-
nômicos, físicos, químicos ou fisiológicos, isto é, sujeitos a leis
naturais invariáveis, cuja descoberta constitui a meta especí-
fica da investigação.” Mais precisamente, a finalidade era
"descobrir através de que séries fixas dc transformações su-
cessivas, a raça humana, partindo de um estado não superior
ao das sociedades dos grandes macacos, gradualmente, atingiu
o ponto cm que hoje se encontra a Europa civilizada”.2
Comte relutou muito em substituir o nome da nova ciên-
cia — Física Social — por Sociologia. Na última parte da
Philosophic positive explicou que inventara um nôvo nome
porque
escolheuo antigo
para fora usurpado
título por um
dc uma cientista
obra belga que
devotada a omatéria tão vil,
qual fôsse a simples Estatística. A obra a que se referia era
o Ensaio dc Física Social de Quételet (vide capítulo IV), que
trazia às Ciências Sociais uma das contribuições mais vigorosas
do século XIX.
Em Politique positive Comte procurou dar mais vida à
definição um tanto formal de Sociologia, apresentada em Phi
losophie positive. Por um lado, parecia identificar a Sociolo-
gia coin o estudo da totalidade dos fenômenos do intelecto hu-
mano e das conseqüentes ações dos homens. Por outro lado,
qualificava essa posição afirmando que a Sociologia não era
o estudo do intelecto como tal, mas dos resultados cumula-
Metodologia
Comte doachava
ser separada quefenômenos
estudo dos a discussão dos por
investigados métodos
êsses não podia
37
métodos. Conseqüentemente, só é possível rcconstituir seus
pontos dc vista metodológicos pela reunião dc idéias disper-
sas ein seus tratados.
A Sociologia precisa utili/ar o método positivo, o que
já estava estabelecido no próprio programa da nova ciência
c derivava das premissas básicas comtianas. Mas o que era
o método positivo? Em resposta, Comte pouco dizia, a não
ser que tal método exigia a subordinação dos conceitos aos
fatos c a aceitação da idéia dc que os fenômenos sociais estão
submetidos a leis gerais; do contrário, não se poderia estru-
turar
menos. nenhuma
Dc acôrdociênciacomteórica
sua abstrata relativa
compreensão da ahierarquia
tais fenô-
das
ciências, admitia que o sistema formado pelas leis sociais era
menos rígido do que o das leis biológicas e este, por sua vez,
menos rígido do que o das leis físicas.
Embora de avançada formação matemática, negava Comte
que o método positivo pudesse identificarsc com o uso da
Matemática ou da Estatística. “O projeto dc tratar a ciência
social como uma aplicação da Matemática a fim dc tomála
positiva srcinousc no preconceito dos físicos dc que, fora da
Matemática, não há certeza. Èsse preconceito era natural
na época em que tudo que fósse pusitivo pertencia ao domínio
da Matemática aplicada c, conseqüentemente, tudo que esta
não abrangesse era vago e cunjeiural. Mas desde a formação
das duas grandes ciências positivas, a Química e a Fisiologia,
onde a análise matemática não desempenha papel algum, e
que são reconhecidas como não menos certas do que as ou-
tras, semelhante preconceito seria inteiramente inexplicável.” 5
Certa vez, assinalou as "vãs tentativas de diversos geômetras
de levar avante um estudo positivo da sociedade mediante a
aplicação da ilusória teoria do acaso (probabilidade)'*. Mais
uma vez, tinha em mente a obra He Quételet. Ê digno de nota
que, nos dias atuais, exista uma escola ncopositiva (vide capítulo
XVI), que vê na quantificação o ideal dc tôda ciência, da
Sociologia inclusive.
mente se coaduna Quantodo fur.dador
com as idéias a isso, do opositivismo.
neopositivismo
4 dificil-
que
dade. o Mas
experimento real éfrancês
no idioma quase impossível
a palavra noexperiment
estudo dafreqüen-
socie-
temente implica observação controlada. Comparação produtiva,
sustentava êle, podia ser desenvolvida entre as sociedades humana
c animal, entre as sociedades coexistcntes e entre as classes
sociais da mesma sociedade.
Por método histórico, entendia Comte a pesquisa das
leis gerais da variação contínua da opinião pública, ponto de
vista que reflete o papel dominante das idéias evidente na lei
dos três estados. O método histórico pouco tem em comum
com os métodos usados pelos historiadores que dão relêvo às
relações causais entre fatos concretos e que apenas incidental
mente formulam leis gerais. Entretanto, Comte unicamente
indicava o que devia ser feito, sem, porém, demonstrar como
se poderia fazêlo. Em seus tratados, registra certo número de
inferências de fatos históricos, raramente porém convincentes,
e às quais parece ter chegado mais por dedução da lei dos tres
estados do que pela autêntica inferência.
Cumpre ainda mencionar dois outros pontos dc signi-
ficação metodológica. Primeiro: a sociedade, em sua opinião,
é, de certo modo, como um organismo em que o todo é mais
conhecido do que as partes.6 Desta proposição, derivou a
39
conclusão algo inconsistente de que os estudos especializa 0¼
a exemplo da Economia, são enganadores, porque jamais se
deveria introduzir na ciência qualquer fato social cncaiado
como fenômeno isolado. E mais, acusava os economistas da
época por sua mávontade em reconhecer a possibilidade dc
outra ordem na sociedade que não fusse a que se estabelece
automaticamente. Comte achava que, além dessa ordem es-
pontânea, podia haver uma ordem planificada, estabelecida à
base do conhecimento das leis sociais c dc sua aplicação ra-
cionai a problemas e situações concretos.
Segundo: cm sua obra há uma sugestão que antecipa de
mais de cinqüenta anos uma relevante contribuição de Max
Weber (vide capítulo XIV). Ccmtc considerava os tipos
sociais “os limites de que a realidade social sc aproxima, cada
vez mais sem nunca conseguir atingilos”. Nessa afirmativa,
percebesc a influência dc sua formação matemática c, tam-
bém, de modo rudimentar, o tipo ideal de Max Weber, excelente
instrumento lógico para a análise sociológica. Corrobora essa
afinidade outra, afirmação de Comte, ao sugerir como utilizar
esses tipos no estudo dos fenômenos sociais. Os casos inter-
mediários, isto é, os casos que não coincidem com nenhum
tipo ideal assinalava êlc, devem ser estudados através dc uma
análise exata dos dois casos ou tipos extremos. Isto quer dizer,
que um caso intermediário pode ser melhor compreendido uma
vez determinado quanto apresenta, de cada tipo extremo,
igualmente.
da sociedade,
vimento enquanto
contínuo, a dinâmica
ou das leis de exige
sucessãoo estudo de seuindivi-
dos estágios mo-
duais. O fato principal da estática é a ordem; o da dinâmica
é o progresso. Mais explicitamente, a estática c a teoria da
ordem, da harmonia entre as condições de vida do homem
em sociedade, enquanto a dinâmica c a teoria do progresso
40
social, do desenvolvimento básico ou evolução da tociedade.
Mas ordem c progresso encontramse intimamente relaciona-
dos: nenhuma ordem social verdadeira pode ser estabelecida
se fôr incompatível com o progresso, e nenhum progresso dura-
douro será possível se não se consolidar na ordem; devem ser
estudados em separado sòmcnte para fins analíticos. É preciso
unir, através de todo o sistema, as leis da estática e da dinâ-
mica. Hoje, não sc aceita mais semelhante identificação oti-
mista entre estática c ordem, entre dinâmica e progresso. Con-
tinua em uso, porem, sua divisão básica da Sociologia, ainda
que expressa em têrmos diferentes, como estrutura social e
mudança social — conceitos familiares a qualquer estudante.
Estática: consenso
41
ca identificasse sociedade c organismo biológico. Insistia mesmo
em que há uma grande diferença entre ambos: os organismos
são essencialmente imutáveis, ao passo que a sociedade, se ori-
entada por princípios científicos, e capaz de notável aperfei-
çoamento. assertiva que reflete sua confiança no progresso e
sua convicção de que a sociedade humana só se pode aper-
feiçoar baseada em uma ciência social positiva.
A divisão do trabalho social — prossegue Comte — é a
causa fundamental da crescente complexidade da sociedade;
portanto, precisase estudar cuidadosamente a solidariedade e
a cooperação. Daí, o relevo que dispensa ao altruísmo, outra
palavra por êle cunhada. Só muito mais tarde, embora ainda
no século XIX, quando outro grande sociólogo, Emile Dur
khcim, analisou o fenômeno cm uma série de trabalhos im-
portantes (vide capitulo IX), e que se prestou atenção ao
conselho do pai da Sociologia, recomendando o estudo da
solidariedade social.
42
diatamcntc as necessidades à base da simpatia. As famílias
podem existir em estado de isolamento, mas geralmente não
o fazem. Através de sua coordenação social surgem combi-
nações, como as classes sociais e as cidades, apoiadas na coope-
ração consciente. Das muitas combinações sociais, considerava
com cuidado apenas as dc tipo político — os Estados. Lasti-
mava que a Revolução Francesa tivesse destruído os grupos
intermediários entre a família e o Estado, e desejava a sua
restauração.
A respeito do Estado, Comte pouco acrescentou às con-
clusões já estabelecidas pelos filósofos políticos. A ordem po-
lítica — asseverou — é um tanto artificial; mas, por outro
lado, é uma modificação da ordem natural para onde tendem
tôdas as sociedades humanas. A ordem política é natural
porque nenhuma sociedade pode existir sem Govêmo, e o
Governo é possível graças ao amplo desejo de comando e ao
fato de muitas pessoas quererem ser aliviadas do fardo de to-
mar por si mesmas as necessárias decisões.
43
podem ser biolòi;icaincntc transmitidos à respectiva progenic,
Ich* sustentada pelo fisiólogo Chevalier dc Lamarck (1744
1829). A Biologia contemporânea, cxccto numa curiosa ver-
são soviética, nega tal possibilidade.
Considerava, ainda, que o desenvolvimento progressivo não
segue uma linha reta; não somente ocorrem oscilações, como
também a interferência humana pode alterar a rapidez do
progresso.
A evolução social — ensinava — é uma continuação da
progressão geral que principia no reino vegetal. As grandes
séries sociais correspondem às grandes series orgânicas, e não
à sucessão dc idades dc um organismo simples Essa pro-
posição constitui elemento essencial em um sistema de pen-
samento que dá relêvo ao progresso contínuo, visto que a curva
correspondente às idades dc um organismo evidencia tanto o
dcsccnso quanto o crescimento.
No curso da evolução social, a natureza humana se de-
senvolveu, mas sem que se acrescentassem quaisquer faculda-
des humanas às srcinárias. Corolário disso, o estudo da evo-
lução deveria principiar pelas noções referentes aos homens
primitivos, estabelecidas na Fisiologia, embora Comte fizesse,
na realidade, escasso uso desse material.
No curso da evolução social, diz Comte (repetindo uma
das afirmações prediletas de SaintSimon), há um visível anta-
gonismo básico entre os instintos de Inovação c dc conservação.
Essa idéia antecipa a doutrina de Vilfredo Pareto (vide capí-
tulo XIII) sôbre a circulação das elites.
Finalmente, Comte destaca uma idéia que fundamenta em
grande parte o trabalho dos ovolucionistas posteriores: o estu-
do do progresso é grandemente facilitado pelo fato de que
as mesmas leis governam o desenvolvimento de tôdas as socie-
dades, de modo que o desenvolvimento de princípios gerais
pode começar com o estudo dos avanços realizados pela van-
guarda da humanidade, vanguarda que, em sua opinião, era,
evidentemente, a França. Consequentemente, a história da
Filosofia tem uma enorme importância.
44
grcsso é observável cm todos os aspectos da sociedade. O pro-
gresso é físico, moral (rumo a sentimentos mais nobres e ge-
nerosos), intelectual, político. A fase intelectual é a funda-
mental c a mais notável — o desenvolvimento das idéias co-
manda a História — c, portanto, revestese de suma impor-
tância a história da Filosofia. Muitas vêzes os homens pare-
cem preocupados, acima de tudo, com a satisfação de suas
necessidades materiais, e, na realidade, c evidente o progresso
no domínio das fôrças da natureza. Entretanto — sustentava
o desenvolvimento intelectual produz e estimula o desen-
volvimento material.
dos Sua
fatôresanálise
dc quedos depende
fatores ododesenvolvimento
progresso levouo ao estudo
intelectual. Êste
problema, todavia, ficou em larga medida sem resposta. Supõe
se que fatôres principais do progresso intelectual sejam o tédio
(que produz um esforço para a inovação) e o medo da morte.
Ao discutir, porém, os fatôres do progresso em geral (não ape-
nas do intelectual), empresta especial relevo ao aumento da
densidade de população, que acarreta maior especialização na
divisão do trabalho social. Conseqüentemente, os indivíduos
são levados a despender maiores esforços a fim dc assegurarem
sua subsistência, e a sociedade é compelida a regular mais ener-
gicamente situações resultantes de crescentes diferenças entre os
indivíduos.
Finalmente,
rencial ComteAqui,
do progresso. discute
ele ose problema da rapidez
revela consciente dife-
da insu-
ficiência de suas provas e do caráter dc tentativa de suas
conclusões: os dotes diferenciais das raças c, presumivelmente,
a superioridade branca; o papel das diferenças climáticas, com
as condições mais favoráveis ao progresso na bacia do Maditer
râneo; e a idéia de que a ação política é capaz, eventualmen-
te, de acelerar ou retardar o progresso. Não negou o papel
dos gênios no desenvolvimento histórico; julgavaos, entretan-
to, agentes de movimentos predeterminados.
45
à natureza humana. Isso poderia fazerse facilmente acre-
ditava ainda — visto que o desenvolvimento individual passa
pelos mesmos três estágios do desenvolvimento social.
No curso da demorada discussão a respeito do desenvol-
vimento da vanguarda da humanidade — as sociedades mais
avançadas — Comte estabeleceu correlações entre os estágios
intelectuais básicos e os estágios do desenvolvimento da vida
material do homem, tipos dc unidades sociais, tipos de ordem
social c sentimentos predominantes.
Comte cm retrospecto
46
aliás, algo injusta. Sc é verdade que grande parte de tuas
afirmações reproduz, modificadas, idéias esparsas pela história
birnilenária da Filosofia Social, Comte recocnbinouas de modo
a dar srcem a um rápido e fecundo desenvolvimento do co-
nhecimento referente às relações interpessoais, aos grupos so-
ciais, à cultura, à estrutura e às transformações sociais. Cada
sociólogo sabe, ademais, que tôdas as invenções — a criação
dc uma nova ciência chamada Sociologia foi uina invenção
— são primàriamente a rccombinação de elementos já encon-
trados na cultura.
Na obra de Comte, o leitor atento encontra uma enorme
riqueza
rificadas dena idéias
históriaqueda antcdpazn
Sociologiaa até
maioria das tendências
o presente, ve-
bem corno
um grande número de proposições relativas aos fins e aos
métodos da Sociologia, proposições essas freqüentemente reto-
madas por sociólogos posteriores, que o fazem, muitas vezes,
sem qualquer alusão ao fundador da ciência sociológica. Além
disso, mostrou Comte o caminho para a moderna definição
da Sociologia e para suas divisões básicas. Ê verdade que,
sob a influência de Spencer, a Sociologia desviouse da concep-
ção formulada por Augusto Comte c sc tomou uma ciência
concreta (genética}, descritiva de um processo único, o da
evolução da sociedade humana. Com o declínio do evolucio
nismo, porém, a Sociologia (pelo menos seu centro vital) re-
tomou,
bre ainda
qual seja que dessa
o objeto com ciência.
modificações, a seu ponto de vista sô
Ê verdade que a Sociologia contemporânea não se limita
a repetir a definição dc Comte. Essa revelouse ampla em
excesso, incluindo as partes teóricas de Ciências Sociais es-
peciais (Economia, GovGmo, Jurisprudência etc.). Por outro
lado, a Sociologia não sc limitou à formulação dc proposições
teóricas; expandiuse pelo âmbito da atividade prática e se
tomou a conselheira dos homens de boavontade desejosos
dc aprimorar a sociedade humana. (Comte inventou sua nova
ciência como um instrumento necessário para a reforma social.)
Finalmente, a Sociologia realizou ainda uma boa soma de tra-
balho descritivo, em época em que não havia outra ciência
para cumprir
Mas a tarefa desenvolvimentos
êsses diversos de descrever fenômenos sociais específicos.
são significativamente in-
tegrados apenas cm têrmos dc Sociologia teórica, tipo dc So-
ciologia que se tomou gradualmente o que desejava Comte
que ela viesse a ser.
47
Mais especificamente, Coin te sugeriu soluções para os prin-
cipais problemas da indagação sociológica. Nunca definiu so-
ciedade, mas podese facilmente verificar que, para ele, a
sociedade consistia cm famílias c combinações sociais que cul-
minam em nações e na humanidade. Aproximousc bastante
da formulação do conceito contemporâneo dc cultura: soma
votai de conquistas de mentes humanas interatuantes. Não ana-
lisou isoladamente nenhuma unidade social, entendendo que,
em relação à sociedade, o todo era melhor conhecido do que
as partes. Percebeu corretamente a influência recíproca, pre-
sente sempre, entre indivíduo c sociedade. Acreditou na exis-
48
foram os primeiros a interessarse por Comte, o homem e
a obra. Todavia, Spcnccr rejeitouo com desdém. Através dói
autores ingleses, suas idéias penetraram na Alemanha e da
Alemanha voltaram à França, onde Durkhcim, o maior dos
sociólogos do fim do século XIX, deu à Sociologia nôvo ím-
peto, em que se podem distinguir muitas formulações comtíanas.
Excrccu, ainda, grande influência na Sociologia russa (Kova-
levsky, Sorokin) e na Sociologia americana (Ward espe-
cialmente) .
É digno dc nota que um livro publicado nos Estados Uni-
dos em 1953 tenta reviver a Sociologia de Comte: The Na-
ture and Elements of Sociology, de MacQuilkin DeGrange.
As idéias comtianas sôbre a sociedade, expressas na Politique
positive, combinamse a aquisições relativamente recentes da
teoria sociológica, especialmente à compreensão do papel da
cultura (acumulações coletivas) e à modificação da analogia
orgânica para o approach sistemático.
4
49
Herbert Spencer
As obras de Spencer
A carreira literária de Spencer principiou com urna série
dc artigos publicados em 1842, no The Nonconformist. O
primeiro dêles intitulavase “The Proper Sphere of Government1',
onde expunha a idéia de que a adaptação do homem a suas
funções sociais se desenvolve melhor quando não há interferência
artificial nas relações que mantém com a sociedade. Essa
doutrina do laissezfaire tomouse um tema constante em seus
trabalhos sociológicos e'"politicos. Em 1850 publicou o primeiro
livro, Social Statics, em que apresentava uma visão prévia de
sua teoria sociológica: tanto nos organismos quanto na sociedade,
o progresso é o desenvolvimento, partindo de condições em que
partes iguais executam funções iguais, para condições em que
partes desiguais executam funções desiguais, isto é, do uniforme
para o multiforme. Alguns críticos acharam que o titulo da
obra fôra tomado emprestado a Comte. Replicou indignada-
mente que, ao escrever o volume, Comte era para êle um nome
apenas c que o titulo srcinal fôra Demostatics.
Nos anos que se seguiram à publicação de Social Statics,
Spcnccr tomou conhecimento de várias contribuições importantes
à teoria biológica da época que destacavam o fato de que o
desenvolvimento de um organismo era assinalado pela mudança
da homogeneidade ou uniformidade de estrutura para a hetero
geneidade ou multiíormidadc. Em plena década de 1850, con-
forme observa na autobiografia, teve uma inspiração. Percebeu
subitamente que o avanço da homogeneidade para a heteroge
neidade era a lei universal do progresso, quer nas ordens inor-
gânica e orgânica, quer na supcrorginica (social).
Poucos anos após, nova percepção lhe revelou a base causai
dessa tendência: a instabilidade do homogêneo. Essa percepção
permitiu que desse um dedutivo
estágio completamente passo decisivo
do suarumoinvestigação,
ao que chamou de
ou, por
outras palavras, rumo à formulação de um teoria, que desde o
inicio apoiavase na ciência física.
Em 1859, Charles Darwin publicou The Origin of Species,
Spencer assimilou prontamente os novos conceitos darwinianos,
que afinavam com seus próprios ensinamentos, e, caracterlsti
camcnte, observou que fôra o primeiro a descobrir tais conceitos.
Referiase a dois artigos publicados, em 1822, na Westminster
Review, em que escrevera: “Algumas divisões das espécie tor
narseão ligeiramnte mais heterogêneas. Na ausência de suces-
sivas alterações de condições, a seleção natural afetará relativa-
mente pouco.’* Há aqui, evidentemente, uma antecipação das
idéias de Darwin. Nas últimas obras de Spencer podemse en-
contrar expressões como “sobrevivência do mais apto*', e afir-
mações como a de que a vitória de um povo sôbre outro tem sidoj
fundamentalmente, a vitória dg social sôbre o antisocial, ou do
mais adaptado sôbre o menos adaptado.
31
Por volta de 186U, Spencer dedicouse a um empreendimento
quase sobrehumano: escrever um sistema dc Filosofia sintética,
unificando ctkla* as ciências teóricas de. então. O volume inicial,
intitulado Firs\ Principles, apareceu cm 1862. Conforme declara
na autobiografia, omitiu a parte seguinte, sôbre a evolução
inorgânica, com receio dc não ter tempo de terminar as partes
remanescen? es, e mais importantes, da iniciativa: Principles
of Biology (i86467); Principles of Psychology7 (187072);
Principles of Sociology (187696); e Principles of Ethics (1879
93). A publicação de um livro independent. The Study of
Sociology (1873), o mais legível de seus tratados sociológicos,
precedeu a publicação dos Principies of Sociology*.
Em First PrinciplesJ Spencer desprezou a Teologia como
a ciência do incognoscível, o que satisfez tanto aos religiosos quan-
to aos ateus. O livro trata, principalmente, dos fenômenos físicos.
Não obstante, o sistema sociológico de Spencer está aí quase
completo, sendo os Principles of Sociology essencialmente uma
elaboração dos pontos de vista publicados em 1862. Por isso
é que Spencer deve ser tratado como um dos primeiros sociólogos.
Em seguida à publicação dos First Piinciplcs, Spencer che-
gou a novas percepções relativamente à conexão existente en-
tre a crescente integração da matéiia e a concomitante dissspâ
ção do movimento. Em 1867 estava pronto o seu sistema de
ideias que, desde então, não sc alterou. E as novas percepções
foram incorporadas às edições revistas dos First Principies e de
Social Statics.
A doutrina evolucionista
52
acôrdo com a qual a energia, embora passe de uma a outra
forma, persiste sempre. A essas leis acrescentou quatro pro-
posições secundárias: a pcrmancncia de relação entre as forças,
ou a uniformidade da lei; a transformação e a equivalência de
fôrças; a tendência de tudo para moversc ao longo da linha
de menor resistência e maior atração; e, finalmente, o princípio
da altemação, ou ritmo, do movimento. Dessas proposições,
diversas foram tiradas da Física de então.
Spencer estabelecera sete leis e percebeu que precisava
exprimir o produto conjunto delas. A tendência da época
era reduzir inúmeras leis diferentes a algumas formas gerais.
Acreditava que o produto conjunto dessas sete leis devia ser
afirmado como a lei da evolução que, segundo imaginava, era
a lei suprema de todo viraser. Sua formulação de tal lei
resultou cm uma definição bastante tôsca, “A evolução” —
disse êle — “é uma integração da matéria c concomitante dis
sipação do movimento; durante o que a matéria passa de uma
homogeneidade indefinida, incoerente, a uma heterogeneidade
definida, coerente; e durante o que o movimento retido sofre
uma transformação paralela.” 8
A essência dessa concepção — a tendência do homogêneo
ou do uniforme a se tomar heterogêneo ou multiforme — já fôra
estabelecida na Social Statics. Seria essa tendência uma neces-
sidade? Acreditava Spencer que sim, e explicava que o ho-
mogêneo
nesse estado é porque
inerentemente instável,efeitos
os diferentes não depodendo
fôrças permanecer
persistentes
sôbre várias partes do homogêneo têm dc causar diferenças,
as quais levam a um desenvolvimento futuro.
Tentou demonstrar sua fórmula evolucionista na ordem
sintética — sintética no sentido dc integrar tôdas as ciências.
Tentou demonstrar ainda a existência dc uma redistribuição
da matéria e movimento que resultava na mudança do uni-
forme para o multiforme em tôdas as camadas do scr, nos
corpos celestes, nos organismos e nas sociedades, embora reco-
nhecesse que o processo ocorre sob maneiras diversas. Apresen-
tou várias ilustrações a íim de fortalecer seu argumento: as
sociedades ajustam continuamente as populações aos meios de
subsistência;
Ensaio lera Malthus
Sôbre População (1798); ca oferta
ficarae a procura
muito estão
impressionado pelo
53
usualmente ajustadas; as instituições políticas harmonizamse
com os desejos do povo; a sociedade comercial resulta na prá-
tica em uma união, onde a autoridade de um sócio é tàcita
mente reconhecida como maior do que a do outro.
O estudo dos trabalhos de Spencer faz surgir inevitàvel
mente a seguinte pergunta: acreditava êle que a evolução era
a lei do viraser rumo ao progresso, ou a lei dc todo viraser?
Negou algumas vêzes a necessidade da existência d* um pro-
gresso. Na quarta edição dos First Principies, publicada cm
1880, escreveu: “Supõese erradamente que a doutrina da
evolução implica alguma propensão intrínseca, em cada es-
pécie, para uma forma mais alta. Semelhantemente, muitos
têm a presunção errônea dc que a transformação que constitui
a evolução envolve uma tendência intrínseca a passar pelas
mudanças que a fórmula da evolução exprime.” 9 Mas — acres-
centou — o progresso da evolução não é necessário; depende
de certas condições. A freqüente ocorrência de dissolução,
processo oposto à evolução, movimento do multiforme para o
uniforme, revela que onde não sc mantêm as condições essen-
ciais dáse prontamente, o reverso. O progresso de um organis-
mo social em direção a estruturas mais heterogêneas e defini-
das ocorre somente enquanto perduram as ações que produ-
zem tais efeitos. Com base nessas constatações, podese justi
ficadamcnte concluir que Spencer não defendeu nem a idéia
da presença eterna da evolução nem a necessidade de que ela
se dirija para o progresso. Mas vejamos algumas outras afir-
mações suas.
Diz em The Study of Sociology: “Nisto, não mais do que
em outras coisas, a evolução não alterará sua direção geral:
ela continuará na mesma linha que até aqui.”10 Em outro
lugar declara: “As sementes dc civilização existentes no abo-
rígine e distribuídas pela terra viriam certamente, com o cor-
rer do tempo, a cair aqui e ali em circunstâncias adequadas a
seu desenvolvimento.”11 Em outras palavras, neste ponto acre-
ditava êle que o homem, por sua natureza, estava predestinado
ao progresso.
» Pig. 481.
w Pág. 309.
11 Social Statics, edição revista, pág. 238.
54
Essas contradições, que emergem claramente de uma com-
paração entre afirmativas dos First PrincipUs nas últimas edi-
ções, com assertivas dc The Study of Sociology c de Social
Statics, talvez possam reconciliarse. Em tese, podem ocorrer
condições que dirijam o processo de transformação rumo à
dissolução, contrária à evolução (do multifonnc para o uni-
forme) ; mas de fato vêm prevalecendo as condições que diri-
gem a evolução para o progresso. Contudo, a obra sociológica
de Spencer é dominada pela idéia dc que, através dos tempos,
dáse efetivamente uma evolução social, c que essa evolução
sc processa firmemente do uniforme para o multiforme, isto
é, para formas sempre mais e mais progressivas. Parece não
haver dúvida de que Spencer era um destacado apóstolo da
evolução unilinear no sentido do progresso.
A Ciência da Sociologia
55
Sua concepção do superorgânico — termo ainda usado
por alguns autores — »' que tem havido continuidade na evo-
lução: primeiro, evolução no mundo inorgânico da matéria
sem vida, depois, evolução no mundo orgânico e vivente e,
finalmente, evolução entre combinações de organismos vivos
em sociedade. Evolução superorgânica 6 um belo termo; só
tem sentido, porém, quando evidencia uma clara concepção
da natureza da sociedade — assunto que, infelizmente, Spcnccr
nunca esclareceu.
Também não definiu exatamente o parentesco existente
entre a Sociologia e as outras ciências. Acreditava que a So-
ciologia devia aempregar
culares, como as generalizações
Economia, das e ciências
a Administração parti-
a Etnologia.
Assinalou também que a Sociologia difere da História. A His-
tória era a narração de acontecimentos na vida das sociedades;
a Snriologia estudava sua evolução. Observou, ocasionalmente,
que a Sociologia, como em geral é concebida, relacionasc ex-
clusivamente com os fenômenos resultantes da cooperação entre
cidndãos. Dificilmente pretenderia que essas observações fôs
sem uma definição formal da Sociologia. Nem se aplicam elas
às suas próprias e volumosas obras sociológicas.
Que métodos empregariam os sociólogos? “Devemos apren-
der, por inspeção, as relações de coexistência e seqüência cm
que os fenômenos sociais existem, uns cm relação aos outros.
Comparando sociedades de diversas espécies c sociedades cm
estágios diferentes, devemos averiguar que traços de tamanho,
estrutura e função associam umas às outras”12 — respondeu
Spcnccr. Êsse princípio, entretanto, não orientou suas próprias
pesquisas. Quanto ao material ilustrativo, usou sobretudo da
Etnologia, baseado na hipótese dc que o homem primitivo
revela estágios retardados de evolução. Observando contem-
porâneos retardados — presumiu — podemse reconstruir as
séries de transformações que produziram a avançada sociedade
atual. A importância que atribuía à Etnologia se manifesta no
fato dc que a primeira metade do primeira volume dos Prin-
cipiei of Sociology intitulase “Dados da Etnologia”, e é quase
inteiramente dedicada à reconstrução conjetural da vida do
homem primitivo: vida física, emocional, intelectual c, sobre-
tudo, religiosa.
56
De fato, Spencer selecionou materiais de culturas diver-
sificadas, largamente separadas no tempo c no espaço. Reco-
lheu fatos, aqui c ali, e os reuniu dc modo a sustentar sua hi-
pótese evolucionista; os materiais combinados por essa forma
arbitrária foram empregados a fim de confirmar essa hipótese.
Tal processo, evidentemente, está cm completo desacordo com
as normas da Lógica c os princípios do método científico.
A analogia orgânica
51
do que ::.i afinidade entre o desenvolvimento social e a suposta
seqüência evolutiva da vida orgânica. Os organismos primitivos
são simples, ao passo que os organismos mais altos são muito
complexos.
Terceiro: nas sociedades c nos organismos uma diferencia-
ção progressiva de funções acompanha a diferenciação progres-
siva de estrutura. Isto é quase tautológico: sc há um organismo
com órgãos complexos, cada órgão realiza uma função especí-
fica; sc há uma sociedade subdividida cm muitas organizações
diferentes, estas exercem funções diferentes.
Quarto: a evolução estabelece para sociedades e organismos
diferenças de estrutura e função que os tomam reciprocamente
possíveis.
Quinto: assim como um organismo vivo pode ser conside-
rado uma nação de unidades que vivem individualmente, assim
também um organismo pode ser considerado »ma nação de
sêrcs humanos. Spencer levou essa linha especial de raciocínio
a uma semelhança mais remota: tanto nos organismos quanto
na sociedade, a vida dos agregados é passível de destruição, mas
as unidades continuarão a viver ao menos durante algum tempo.
Spencer era individualista — condição difícil de conciliarse
com o organicismo — e reconhecia diferenças importantes entre
sociedades c organismos. A primeira diferença é que num orga-
nismo as partes formam um todo concreto; numa sociedade, as
partes são livres c mais ou menos dispersas. A segunda é que
num organismo a consciência concentrase numa pequena parte
do agregado; na sociedade, ela se difunde através dos membros
individuais. E a terceira é que num organismo as partes exis-
tem cm benefício do todo; na sociedade, o todo existe meramente
em benefício do individual (eis um importante exemplo de seu
individualismo).
Apesar do esfôrço despendido para estabelecer semelhanças
e diferenças entre a vida orgânica e a social, c apesar de utilizar
como tema central da segunda parte dos Principles of Sociology
a analogia orgânica, Spencer negava cue sustentasse essa doutrina.
Replicando a críticas, fez declarações do seguinte tipo: "Utilizei
as analogias, mas sòmente como um andaime para ajudar a
levantar um quadro coerente de indução sociológica. Retiremos
o andaime: as induções ficarão de pé sòzinhas.” 13 Infelizmente,
38
contudo, empregou notória e consistentementc a terminologia
do organicismo. Além disso um capítulo dos Principles of Socio-
logy intitulase: “A Sociedade Ê um Organismo".
É claro que Spcnccr não foi o criador da analogia orgânica.
Usaramna filósofos antigos, e ela esteve presente com freqüência
na ciência política e filosófica alemã, sobretudo durante a pri-
meira metade do século XIX. Mas Spencer foi o primeiro a
dar a essa analogia o valor de teoria científica, e tomouse
definitivamente prisioneiro do fantasma que evocou. Apesar de
compreender que a sociedade não era efetivamente um organismo
— desde que havia diferenças substanciais entre ambos —,
conservou a tese analógica; asseverou que a analogia não passava
de um andaime, mas, ao construir sua teoria, procedeu como
se o andaime constituísse o próprio edifício.
Hoje, tomase clara a fonte das dificuldades de Spencer,
e a Sociologia abriu seu caminho fora das falácias que deturpam
a mente humana ao empregar a analogia orgânica. A Sociologia
dc hoje assevera que a socicdadc é um sistema c compreende
que o organismo também é um sistema. Êsse conceito de sis-
tema c um dos conceitoschave usados em ciência. Dizse sis-
tema em relação a muitas coisas distintas — sistema estelar,
de que faz parte o Sol; sistema solar, de que fazem parte a
Terra e outros planêtas. O átomo é um sistema consistente
em núcleos e decléctrons.
da Filosofia Platão, Eo há um sistema
sistema em idéias:
do Direito Romano,o sistema
o sis-
tema físico dc Newton. A palavra sistema designa tudo o
que possa ser concebido como um todo, consistente em partes
semiautônomas e interdependentes. Isso é verdade quanto à
sociedade e ao organismo, na medida em que ambos formam
todos constituídos de partes interdependentes, cada qual semi
autônoma, possuindo algum ser e virascr próprios — c nessa
medida é válida a analogia. Mas é inadequado transferir, sem
nenhuma cvidcncia empírica, qualquer proposição biológica à
Sociologia, apenas porque o organismo c a socidadc são siste-
mas. De igual maneira não poderia a Sociologia chamar a si
nenhuma proposição da física subatômica com base na simi-
laridadefoi sistemática.
social focalizado Em Sociologia,
da maneira mais o sugestiva
problemapelodo sociólogo
sistema
italiano Parcto, cujos pontos de vista discutiremos no capitulo
XIII.
59
A sociedade e os degraus da evolução
acmestrutura,
nações ou Estados.
como tambémCom
as odiferenças
aumento dcdc poder
tamanho, aumenta
e ocupações
dos membros. Siinultâneamentc, diferenciamse as funções.
Essa é a linha principal do esquema evolucionista de Spencer,
como o apresentou cm First Principies e de novo em Principies
of Sociology\
60
A segunda linha de raciocínio desenvolve a tese de que
também ocorreu um tipo de evolução diferenciada: a da so-
ciedade militar para a industrial (Comte já propusera tese
semelhante). Distingucmsc os dois tipos de sociedade pela
predominância da cooperação compulsória na militar e da co-
operação voluntária na industrial.
A esse respeito, é digno de nota que Franklin H. Giddings,
sociólogo americano do fim do século XIX e início do XX
(vide capítulos VI e XI) — que era, cm larga medida, se-
guidor de Spencer, embora pertencente a outra seita do culto
ao evolucionismo —, deve ser responsabilizado pela generalizada
compreensão equívoca do evolucionismo spenccriano. Em uma
afirmação relativa às idéias de Spcnccr, Giddings negligenciou
lhe a principal linha de pensamento, concentrandose exclusi-
vamente na transição da sociedade militar para a industrial.
Submeteu o documento ao mestre, que então contava cêrca
de oitenta anos dc idade, e, obtendo seu endosso, publicouo
em uma das próprias obras com uma referência à carta que
dele recebera. Subseqüentemente, a formulação de Giddings
foi aceita como oficial cm inúmeras apresentações das idéias
evolucionistas dc Spencer.
Êste asseverou, ocasionalmente, que as sociedades não pre-
cisam passar, ncccssàriamen te, por idênticos estágios de evo-
lução ou tomarse exatamente iguais umas às outras, como
acreditaram os vulgarizadores dc suas idéias. Sustentou que
havia diferenças entre as sociedades individuais, devidas a
perturbações que interferiam na linha direta da evolução
Nos Principles of Sociology cita cinco perturbações possíveis.
Primeira, os diferentes dotes srcinais das raças; segunda, o
efeito resultante do impacto com o estágio imediatamente
precedente da evolução; terceira, as peculiaridades do hábito;
quarta, a posição de uma dada sociedade na estrutura de
uma comunidade mais ampla dc sociedades (quando, por
exemplo, uma sociedade está ccrcada por nações amigas ou
antagônicas); c, quinta, o impacto da mistura dc raças. Com
relação a êsse último ponto, devese assinalar que a Antropo-
logia de que Spencer podia dispor ainda não estabelecera a
relativa nãoimportância da mistura dc raças e a preponderan-
te importância do contato cultural na teoria da transformação
social. Fazendose essa correção indispensável, ficarão bem
estabelecidas as idéias dc Spencer sôbre a mistura de raças.
61
O princípio da nâointcrfcrcncia
Embora desse à Sociologia um tratamento principalmente
teórico, Spenccr via nessa disciplina um meio de estabelecer
princípios de política social. Recordese que Augusto Comte
criou a Sociologia visando a guiar os homens na construção
de uma sociedade melhor; Spenccr, ao contrário, queria de
monstrar, pela Sociologia, que os homens não devem interferir
nos processos naturais que se verificam na sociedade. Acredi-
tava na existência do instinto inato dc liberdade e que tôda
interferência nesse instinto produziria reações desastrosas. Jul-
gava também a natureza dotada dc uma tendência providen-
cial para livrarse dos incapazes c acolher os melhores. Quais
os melhores? Dizia que não eram os moralmente superiores,
mas, antes dc tudo, os mais saudáveis e mais inteligentes. Aquê
le que desperdiça a vida por estupidez, vício ou ociosidade,
pertence, de acõrdo com suas idéias, à classe das vítimas de
enfermidades ou aleijões. E os doentes c estropiados não de-
viam ser protegidos.
A teoria do progresso revelada pelo estudo da Sociologia
— acrescentava — é uma teoria que modera grandemente
as esperanças e os temores dos partidos extremos. Na me-
dida em que uma doutrina pode influenciar a conduta geral,
supõese que a doutrina da evolução produza decidido efeito
no pensamento c na ação. Os homens de tipo mais elevado
podem ver o pouco que se pode fazer e ainda assim achar
que vale a pena fazêlo. Atribuía especial ênfase à combinação
de energia filantrópica c calma filosófica.
Em sua opinião, o Estado era uma companhia dc fundos
comuns, para a proteção mútua dos indivíduos. Especificava
muitas atividades que deviam ser proibidas ao Estado, entre
as quais a educação, medidas sanitárias, regulação e cunhagem
de moedas, serviço postal, provisão de faróis e melhoramentos
de portos. Escreveu a um editor (suas cartas foram publi-
cadas devido à fama que adquiriram), denunciando a ativida-
de governamental nessa área como interferência estúpida na
evolução natural. Acreditava que a natureza era mais inte-
ligente do que o homem; ela sabe para onde vai e prepara
um futuro melhor para o ser huxnano.
Julgava que o estágio final da evolução ainda não fôra
atingido, embora sua teoria representasse, ezn larga medida,
uma espécie dc cscatologia vitoriana, tomando como clímax
o tipo laissezfaiu vitoriano da sociedade. Acreditava, entre-
tanto, que poderia haver ainda algum desenvolvimento ulte-
rior, com o qual desapareceria o pequeno resíduo de coerção
ainda existente. O estágio final da evolução — parecia acre-
ditar — seria uma espécie de anarquia. Contudo, em 1884,
publicou um artigo onde admitiu que, embora essa concepção
fosse muito adiantada para a época, os futuros sociólogos
talvez pudessem utilizála.
Spencer em retrospecto
63
parte funcional. O investigador, ao usar êsse método, pnmei
io compara as sociedades; depois, os itens individuais que vie
tain à luz no estudo comparativo são explicados em termos de
sua importância para o conjunto da evolução. Mas, na rea-
lidade, Spcnccr procedia por dedução. Começou com um
esqacma evolutivo a que chegara dedutivamente; daí derivou
a necessidade de certas fases, e, então, deu corpo a essas fa-
ses abstratas, utilizando a ilustração, selecionando exemplos
aqui e ali que pareciam adaptados a seu sistema.
Apresenta seus tipos principais de sociedade — simples,
composta,
com duplamente
subdivisões por umcomposta c triplamente
lado, e relativas à formacomposta —
dc lideran-
ça, ao tipo de vida semisedentário ou nômade, pelo outro.
Depois de localizar vários tipos de sociedade, que conhecia
através de pesquisa cm biblioteca, possivelmente afirmaria que
sociedades, digamos, duplamente compostas eram marcadas por
semelhanças cm política, religião, lei, arte, etc. Ê claro, no
entanto, que não alcançaria nenhum resultado positivo, pois,
como sc verifica de sua classificação, o mesmo tipo dc socie-
dade, por exemplo a duplamente composta, pode não ter li-
derança, ter liderança instável ou ter liderança mais estável,
o que significa as maiores diferenças possíveis cm sua política.
O povo será nômade, semisedentário ou sedentário, o que
significa novamente grande variação nas disposições econômicas.
De acordo com o princípio da diferenciação da estrutura
social, Spencer deveria ter compreendido que as sociedades
que se acham no mesmo estágio de evolução não são neccssà
riamente semelhantes cm política, religião, moral, arte e outros
traços culturais, e que, ao contrário, encontramse tipos simi-
lares de governo e formas de religião entre diferentes tipos
estruturais dc sociedade. Mas ele não aplicou o teste empírico,
essencial ao processo científico.
Sua teoria, em contraposição à de Comte, não era uma
teoria sociológica tal como esta é hoje entendida. Comte for-
mulara uma teoria básica que explicava o segmento social da
realidade e tentava descrever e elucidar fatos sociais em têr
mos daquela teoria limitada. A ambição de Spencer era mais
alta. Criou uma teoria integral de tôda a realidade. Sua lei
da evolução ê uma lei cósmica. Sua teoria é, portanto, essen-
cialmente filosófica, não sociológica, e, estritamente falando, os
filósofos é que deveriam averiguar sua validade. Contudo,
64
podese assinalar que essa Filosofia representa, bàsicamente, uma
sublimação da Física do tempo, que se encontrava em estado
de transição. A Física de hoje rejeitou muitas das idéias do
século XIX. Dado que a teoria de Spencer se apoiou nesta
última, é perfeitamente compreensível que muito de seu sistema
tenha sido também rejeitado. Este é sempre o perigo quando
se constrói um sistema de ciência empírica à base de uma teoria
filosófica, enraizada esta em conclusões empíricas temporárias,
alcançadas pelo homem cm determinada época.
Entretanto, as opiniões de Spencer, ao contrário das de
Comte, encontraram ^normè aceitação durante_sua '■ida, do_
minando muitreespíntos, dê Especialistas ou não, de 1865 a
1895. No decurso de três décadas,jornouse quase jmpossível
para um intelectual admitir que não havia Jido Spcncer. Teve
adversários, é claro^”mas toqo mundo foi oBngado a leválo
em conta. Deuse isso especialmente na^ Inglaterra, nos Estados
UnTáos e_na^Bissia^ Sua influência se fez sentir menos na
França e na Alemanha.
A atração por Spencer era forte porque suas teorias cor-
respondiam a duas necessidades do tempo: uma, o desejo de
unificar o conhecimento, Sle mesmo o reconheceu, em sua auto-
biografia; outra, a justificação científica do principio do laissez
faire, nota dominante no clima ideológico de então, nos Estados
Unidos e na Inglaterra. Na Rússia, a atração nasceu da ênfase
que a teoria dava & liberdade, naqueles dias em que os russos
estavam lutando por ela.
Spencer atingiu o máximo da popularidade em 1882, quando _
visitou os Estados Unidos. Foijecebido com grandes aclamações,
e foi com freqüência, proclamado, nas fileiras dos capitãesde
indústria, pois justificava a atividade dêles, o maior homem da
época. Em seguida a essa viagem triunfal, sua popularidade
ràpidamcntc declinou. Novas idéias surgiram no horizonte.
Muitos homens começaram a pensar que devia haver um con
trôle político e racional da sociedade. Mais ainda, a Filosofia
pragmática principiava a ganhar terreno e logo substituiu a
Filosofia naturalista, de certo modo ingenua, de Spcncer. Este,
já velho, percebeu que_ as correntes do tempo corriam contra,
seus ensinamentos. * Morreu triste — temse afirmado —, sentindo
que o trabalho de sua vida não atingira o alvo desejado.
63
Outros Pioneiros
66
a então nova teoria da probabilidade, para a Matemática, c
sua aplicação aos fenômenos sociais. Em um ensaio publicado
cm 182D c depois em sua maior obra Do Homem e do De sen•
volvimento das Faculdades Humanas: Ensaio de Fisica Social
(1835), Quételet ressaltou a regularidade no reino do* eventos
sociais, especialmente nos fenômenos que se supõe reflitam o
livre arbítrio.
Com base em numerosos cálculos, realizados por êle pró-
prio e por outros, como a medição das estaturas dos soldados
dc um regimento, concluiu que a curva normal de distribuição
prevalece comumente nos fenômenos sociais. Em outras pa-
lavras, os casos
sàriamente com próximos à média
muito mais de uma
freqüência do série
que ocorrem
os casosneces
que
apresentam significativos desvios dela. Daí o conceito do ho-
mem médio que ocupa uma posição central cm sua teoria.
Mas Quételct identificou errôneamente o médio com o de-
sejável. Não levou em conta o fato de que médias idênticas
podem resultar de duas ou mais situações completamente di-
versas, dependendo de diferenças na distribuição. Assim, por
exemplo, duas sociedades podem ter a mesma renda média per
capita, mas cm uma situação o povo tem rendas médias apro-
ximadas, ao passo que, em outra, um giande número com ren-
da muito haixa seria equUibrado por uma pequena maioria de
rendas muito altas.
Apesar
buição dessas deficiências,
às Ciências é importantíssima
Sociais, à Sociologia inclusive. sua
Foi contri-
o pri-
meiro a mostrar a possibilidade de empregar a estatística como
instrumento para a compreensão dos fenômenos sociais. Em
uma de suas obras, apresentou a idéia de que podemos julgar
a perfeição de uma ciência pela facilidade com que ela per-
mite o approach pelo cálculo. Essa declaração tomouse o
Leitmotif do neopositivismo atual (ver capítulo XV).
Quételet, ao contrário de certos estudiosos da época, era
homem de considerável prestígio e membro honorário de muitas
academias de ciências; e a casa real pediulhe que lecionasse a
seus jovens membros. Mas durante muito tempo os sociólogos
ignoraram ou desprezaram suas opiniões, como que alimentan-
do a indignação que seus esforços haviam provocado em Com-
te (ver capitulo II). Só no fim do século XIX é que a So-
ciologia começou a empregar o método estatístico e só no
século XX é que apareceu o neopositivismo orientado pela
quantificação.
67
Le Play: primeiro estudo de caso
68
c às autoridades sociais (líderes locais, mas também religiosos
e políticos). Ambicionava uma sadia reconstrução de idéias
em geral e a preservação dos costumes.
O principal método de estudo de Le Play consistia na
observação cuidadosa dos fenômenos sociais em termos dc um
esquema unitário, o qual foi completado, em seus elementos
essenciais, em 1833. Êste approach incorporava o que hoje se
conhece como estudo de caso — c aqui temos uma de suas
contribuições relevantes à metodologia da ciência social. Con-
cordando com Augusto Comte em que a família é a unidade
social básica, utilizou o orçamento familiar como uma expres-
são quantitativa da vida dos fatos sociais. Uma das primeiras
funções da família é conseguir a subsistência para os membros
que a compõem através do trabalho e — entendia ele — o
modo de fazêlo está determinado pelo lugar, isto é, pelas con-
dições geográficas. Donde o conhecido relevo que Le Play
atribuía ao trinômio lugartrabalhofamília, como um foco de
estudo sociológico.
Ao selecionar uma família para observação, Le Play, com
a ajuda de autoridades sociais, procurava uma cujo habitat
e prováveis condições se aproximassem da média da localidade;
às vêzes, não conhecia o idioma local, mas habitando com a
família alcançava uma compreensão básica de seu modo de
viver. Assim, inaugurou uma técnica dc pesquisa social hoje
conhecida como observação participante. Tinha ele plena cons-
ciência de que a observação sistemática 6 apenas o primeiro
passo na investigação científica. Compreendia que as verda-
deiras Ciências Sociais precisam empregar não sòmcnte um
método, mas também a inteligência.
À base de observações numerosas e cuidadosas, Le Play
formulou uma concepção de prosperidade e sofrimentos que
contém o princípio, pelo menos, dc uma teoria geral da es-
trutura social. “Em tôda parte” — disse êle — “a felicidade
consiste na satisfação das duas principais necessidades impostas
pela natureza do homem, o pão diário (coisas materiais) e os
mores** essenciais (coisas nãomateriais).” Quando a estru
69
tur.i social assegura citas necessidades, a raça (ele empregava
o tcr.no significando sociedade, talvez grupo étnico) é^ prós-
pera; quando não, há sofrimento. As estruturas sociais que
induzem à prosperidade c evitam o sofrimento — segundo acre-
ditava — coinpCcmsc de sete elementos divididos cm três clas-
ses: na primeira, dois princípios, a lei moral universal e a au-
toridade paterna; na segunda, dois alicerces, religião e governo;
na terceira, três materiais, a propriedade comunal, a proprie-
dade privada c o patronato. Das primeiras classes advêm
os mores essenciais; da terceira, o pão diário.
Le Play não acreditava na evolução, e menos ainda no
progresso. Seu ponto de vista sôbre a transformação social
era essencialmente cíclico: simplicidade, complicação, corrup-
ção, e finalmente reforma ou ruína — eis o circulo vicioso
de que, até hoje, nenhuma raça civilizada foi capaz de exduir
se. Interessavase especialmente pela fase de declínio da trans-
formação, da prosperidade para o sofrimento. Citava diver-
sas razões para o declínio da sociedade dc seu tempo: o es-
pírito revolucionário e o desprezo pelos costumes nacionais; a
destruição da influência das autoridades sociais; a incessante
extensão da burocracia; a influência anormal dos literati; a
corrupção da língua, especialmente dc têrmos como liberdade,
igualdade e democracia; a crença de que a prosperidade de-
pende de alguma forma particular dc govêmo. Como con-
tribuições para o desenvolvimento da Sociologia, as conclusões
de Le Play, relativamente a esses assuntos, embora com fre-
quência revelem discernimento e provoquem debates, dificil-
mente alcançam o avanço que êle atingiu cm úteis métodos
de pesquisa.
70
grande parte de suas obras seja devotada à propagação d£se
movimento, algumas dc suas doutrinas são sociológicas, no mo-
derno sentido da palavra.
A Filosofia de Marx era materialista — e o materialismo
constitui a base de sua Sociologia. De acôrdo com êle, sòmen
tc a matéria existe, sendo a consciência um epifenômeno, ma-
nifestação do movimento das células do cérebro — ponto de
vista que reflete a influência de Ludwig Feuerbach (180472),
filósofo hegeliano da ala esquerda. Como teoria sociológica,
podese reduzir o marxismo a dois postulados básicos e alguns
corolários.
O primeiro postulado é o do determinismo econômico,
especialmente a afirmação de que o fator econômico é o
determinante fundamental da estrutura e do desenvolvimento
da sociedade. Êste fator, consistindo especialmente nos meios
tecnológicos de produção, determina a organização social da
produção, ou seja, as relações que os homens precisam esta-
belecer, e de lato estabelecem, para produzir bens mais efeti-
vamente do que fariam se trabalhassem separadamente. Rela-
ções que, de acôrdo com Marx, se desenvolvem independente-
mente da vontade humana. Mas a organização da produção
(chamada por Marx a "infraestrutura econômica da socie-
dade”) não sòmente limita como também, na análise final,
molda tôda a superestrutura: organização política, lei, religião,
filosofia, arte, literatura, cicneia e a própria moralidade.
O segundo poslulado da Sociologia marxista referese ao
mecanismo da transformação. De acôrdo com êste ponto de
vista, é preciso compreender a transformação social cm têrmos
de suas três fases sempre presentes. Tratase do esquema
dialético que Marx tomou emprestado ao filósofo idealista
alemão Georg Hegcl (17701831), orgulhandose de têlo vi-
rado de cabeça para baixo (aplicando o esquema, não ao es-
pírito fundamental, como fêz Hegcl, mas à matéria). Tudo
no mundo, inclusive a própria sociedade, passa por uma es-
pécie de necessidade dialética através dos três estágios dc afir-
mação ou tese, negação ou antítese c reconciliação de opostos
ou síntese. Neste mais alto nível da síntese continua o pro-
cesso com novos conflitos e acomodações, sempre assinalando o
processo histórico.
Uma combinação das duas proposições marxistas funda-
mentais produz certos corolários. Cada sistema dc produção
71
econômica principia por ser uma afirmação, ao tempo a melhor
c a mais adequada possível das ordens. Qualquer sistema,
uma vez socialmente entrincheirado, toma-sc um obstáculo à
aplicação de novas invenções tecnológicas e ao uso de merca-
dos recentemente descobertos *-e fontes de matériasprimas. O
desenvolvimento histórico não pode detersc nesse estágio; por-
tanto, cumpre ultrapassar a ordem estabelecida por uma revo-
lução social que cria a nova ordem de produção, síntese do
velho e do novo.
Em tôda sociedade há duas classes básicas, uma repre-
sentando o sistema obsoleto de produção, outra o sistema nas-
cente. A sociedade evolve de um estágio para outro através
da luta entre essas classes. A classe que emerge é finalmente
vitoriosa na luta e estabelece uma nova ordem de produção ______________
onde, em compensação, se encontram as sementes de sua pró-
pria destruição, c, pois, mais uma vez o processo dialético.
Marx e seus seguidores aplicaram esse esquema dialético
à análise da sociedade ocidental contemporânea, a que cha-
maram de capitalista. Nesta sociedade — disseram — a orga-
nização social da produção que surgiu com a revolução indus-
trial exprimese na existência de duas classes: a burguesia, ou
os detentores dos meios de produção, c o proletariado, ou os
trabalhadores. É inevitável a luta entre as duas classes, e re-
sultará, à medida que se desenvolvem a consciência e a mili-
tância de classe, na superação do sistema existente. A herdei-
ra do capitalismo será a ordem socialista, caracterizada pela
propriedade coletiva dos meios de produção e finalmente por
uma sociedade sem classes, e, portanto, sem Estado — meta
utópica longamente procurada pelos socialistas prémarxistas, e,
de acôrdo com o próprio Marx, nãocientíficos.
A teoria sociológica de Marx aqui ligeiramente esboçada
merece crítica em vários terrenos. Em primeiro lugar, as cor-
relações estritas entre as bases econômicas da sociedade e a
superestrutura não foram demonstradas por êle — nem po-
deriam ser. Ao contrário, como freqüentemente se observa,
o mesmo sistema econômico essencialmente capitalista tem co-
existido com várias instituições políticas, inclusive a monarquia
absoluta e a democracia. Similarmente, na era do domínio da
ordem capitalista, a Filosofia, as artes c outros fenômenos cul-
turais vêm sendo altamente diversificados. Em segundo lugar,
vista històricamcnte, a transformação de um tipo de organiza-
72
ção locial da produção para outro não í conseqüência necessá-
ria da vitória da classe explorada. Na História européia, por
exemplo, a destruição do feudalismo foi muito maif o traba-
lho da burguesia, relativamente pequena c poderosa, do que
dos servos. Em terceiro lugar, as previsões de Marx, como o
declínio da classe média e o triunfo inicial do socialismo nas
nações industrialmente mais desenvolvidas (tendo, portanto,
proletariado mais avançado), estão em contradição com os acon-
tecimentos históricos reais.
A teoria marxista, entretanto, possui importância socio-
lógica. Assim como as doutrinas de Comte e Spencer, é uma
doutrina do estabelecida
evolucionista,
da "descoberta ano de 1822”vinte ccomtiana,
cinco anos mas
drpoisquase quinze
anos antes da publicação dos First PrincipUs de Spencer. Ê
digno de nota que, enquanto a teoria sociológica de Marx po-
deria ter sido construída independentemente de suas premissas
filosóficas, à base do estudo empírico, esta não foi a sua gênese.
Embora seu autor levasse muitos anos documentando a teoria
com ilustrações históricas, sua concepção da estrutura social e
da transformação social era, na realidade, uma premissa lógi-
ca mente necessária para demonstrar a proposição dc que o so-
cialismo triunfará inevitàvelmcnte no mundo moderno.
No desenvolvimento da Sociologia, o pensamento marxis-
ta é importante como tentativa de elaborar uma teoria sis-
temática da estrutura
surgiram muitas outras eteorias
transformação
do mesmosociais. Posteriormente
tipo monístico, dife-
rindo do marxismo na escolha do determinante básico, é claro,
mas compartilhando o approach monístico. Aqui simplesmen-
te assinalamos que tais teorias, apesar do sua freqüente função
positiva de chamar a atenção para fatos sociais negligenciados
— e isso é verdade em relação ao marxismo —, supersimplifi
cam c muitas vezes destorcem o complexo processo de trans-
formação social e a complexa natureza da estrutura social e
dos padrões culturais.
73
Etnologia a esperar c a encontrar os mesmos resultantes fe-
nômenos de cultura — sempre e quando há a presença de
causas similiares. Tylor buscou rncontrar uma forma dc medir
este desenvolvimento. Os principais critérios do ascenso cul-
tural — segundo acreditava — eram o desenvolvimento das
artes industriais, a extensão do conhecimento científico, a na-
tureza da religião e o grau de organização política c social.
Através da obra que escreveu, investigou o avanço humano ao
longo dessas linhas. Mas não acreditava que o progresso fosse
necessário no ascenso cultural, pelo contrário, citou, aprovando
as, declarações a respeito do fildsofo pessimista francês Dc
Maistre.
A contribuição mais duradoura de Tylor à teoria socio-
lógica foi a definição de cultura que aparccc na primeira pá-
gina dc sua principal obra, Primitive Culture (1871): “Cul-
tura ou civilização... é aquele todo complexo que inclui co-
nhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer ou-
tras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro
da sociedade.'* Entretanto, só mais ou menos quinze anos de-
pois c? que os sociólogos principiaram a fazer uso comum desse
conceito de cultura. Em décadas recentes, o ponto de vista
de Tylor sôbre cultura tomouse não sòmentc um instrumento
conceptual quase padronizado para muitos sociólogos como tam-
bém
tc as uma importante asreferência
complexidades, para funcionais
intcrconcxões descrever csisteroàticamen
as transfor-
mações no mundo social c cultural do homem.
Lewis Henry Morgan (181881), um dos primeiros antro-
pólogos americanos, formulou uma teoria da evolução social
que teve determinada influência nos círculos sociológicos du-
rante vários anos. Sua teoria acentuava a significaçãochave
dos fatores tecnológicos na sociedade e em suas transformações.
Desenvolveu este ponto de vista em uma série de estudos es-
peciais publicados nas décadas de 1860 e 1870, que foram reu-
nidos em volume sob o título de Ancient Society (1877). Mor-
gan acreditava na existência dc estágios definidos dc evolução,
74
Morgan dktinguia trés estágios principais de avanço cul-
tural: sclvageria, barbárie c civilização. Subdividiu rada um
dos dois primeiros em três subestágios. Cada estágio e subestá
gio iniciarase, presumivelmente, por uma invenção tecnológi-
ca importante. Assim, o segundo estágio da sclvageria aparece-
ra com as artes de fazer fogo e da pesca, o terceiro coro o
arco c a flecha. A barbárie começara com a invenção da ce-
râmica; o segundo estágio caracterizarase pela domesticação
de animais e o terceiro pela técnica dc fundir o ferro. A civili
zaçSo fora proclamada com a invenção do alfabeto fonético.
Segundo Morgan, cada um dê&scs estágios de evolução tecno-
lógica
ligião, se
na correlacionava a determinado
família, na organização desenvolvimento
política na re-
e na distribuição
da propriedade.
A Ancient Society dc Morgan produziu forte impressão
em Marx e seu colaborador, Friedrich Engels (182095). O
úldmo, seguindo o conselho de Marx, publicou em 1884 A
Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, em
que fêz extenso uso das teorias de Morgan e de suas ilustra-
ções, tiradas amplamente da observação de sociedades indíge-
nas americanas. Neste sentido, o trabalho de Morgan tornou
se parte da Sociologia marxista e, em certa medida, continua
a desempenhar um papel na Rússiacomunista.
75
historiador Augustin Thierry (17951856),15 que, por sua vez,
devia algumas idéias a Comte.
A significação do fator racial do desenvolvimento social,
estabeleceua Gobineau eliminando arbitràriamente outras hi-
póteses. Respondendo à pergunta de por que as nações de-
clinam.. afirmou que nem o fanatismo, a decadência religiosa,
a luxúria. a licenciosidade, a corrupção ou a crueldade expli-
cam êsses declínios, pois muitas nações continuam a florescer
apesar da presença de uma ou mais dessas condições. A causa
essencial variável — declarava — é a composição racial. As
circunstâncias raciais — prosseguia — dominam todos os pro-
blemas fundamentais da História.
A desigualdade das raças, então, é suficiente para expli-
car os destinos dos povos: as raças superiores são capazes de
progresso substancial enquanto outras, como os indios america-
nos, são social c culturalmente limitadas por sua herança ra-
cial. Assim, tôdas as civilizações principais têm sido realiza-
ções de arianos (aliás, não uma divisão racial, de fato), que
formam o mais alto ramo da raça branca.
Gobineau nunca afirmou expressamente o que constitui
uma raça, e confundia elementarmente raça como divisão bio-
lógica da humanidade com grupo étnico consistente em homens
integrados pela aceitação comum de uma cultura específica.
Falando em têrmos dc raça, asseverava que a conquista de
um povo por outro de raça superior é seguida de melhoramen-
tos proporcionais às qualidades hereditárias do conquistador,
desde que preservada a pureza radal. Os conquistadores, porém,
freqüentemente se misturam com os conquistados, seguindose
a decadência racial e o declínio cultural. Portanto, a História
humana pode resumirsc em uma scqüência das idades dos
deuses, dos heróis, c da confusão e da mediocridade durante as
quais as sociedades humanas degeneraram cm simples rebanhos.
Esta a teoria do retrocesso, oposta à do progresso.
A teoria dc Gobineau é um equivoco antropológico: não
há raças infeirores ou superiores. Em outras palavras, as capa-
cidades inatas do homem não são determinadas pela raça. B
a teoria, sociològicamente, está errada: a mistura racial, tanto
quanto a interpenetração de culturas, resulta freqüentemente
em um florescimento da cultura. Ao tempo que em Gobincau
76
publicou a obra mencionada, a Antropologia c a Sociologia
ainda não possuíam esses fatos, hoje disponíveis, de modo que
sua fraqueza cientifica não pôde ser convincen temente demons-
trada; pelo contrário, a teoria talvez tenha fascinado a imaginação
de muitos. Não obstante, passou despercebida durante o período
em que ele viveu, especialmente na França; isto porque contra-
riava, de maneira direta, o ponto de vista então comumente
sustentado, notada mente as doutrinas de Turgot, Condorcet e
Comte, do progresso ilimitado.
No fim do século XIX suai opiniões foram amplamente
introduzidas na Alemanha através da obra de Houston Stuart
Chamberlain (18551927). Este publicou, em alemão, Os
Fundamentos do Século XIX (1899), que influiu profundamente
no Imperador Guilherme II e em inúmeros homens que o
circundavam. Embora seguindo as linhas principais da teoria
de Gobineau, Chamberlain supunha que a mistura racial não
era sempre culturalmente prejudicial; podia haver misturas
favoráveis que deviam ser preservadas. Tais doutrinas racistas
foram retomadas, posteriormente, pelo nacionalsocialismo, o
nazismo dc Hitler. Também colaboraram para o aparecimento
do anglosaxonismo, ponto de vista largamente espalhado nos
Estados Unidos no fim do século XIX e principio do século
XX, c que cxcrceu certo papel na formação da lei de restrição
à imigração, de 1924 (cujos dispositivos básicos são ratificados
na lei de 1952).
ehistórico
da açãoresultam da ação
da mente sôbredos fenômenos
estes externos
fenômenos. sôbrea aprimeira
Sòmente mente
parte de sua teoria foi desenvolvida nos trabalhos que publicou.
O progresso cultural — asseverou — depende do surgimento
de uma classe ociosa, o que só é possível quando a produção
77
ciesee mais rapidamente que o consumo. Tal excedente é
essencialmente conseqüência de uma combinação favorável de
condições de clima, solo c alimento disponível. Na historia
primitiva a criação dc um cxccdente de alimento depende da
energia c da regularidade do trabalho humano, por um lado,
c da natureza ou do incio natural, por outro. A qualidade do
trabalho é determinada pelo clima: o clima temperado revigora,
o clima quente debilita; nas áreas frigidas emergem hábitos
inconstantes, enquanto a produtividade do trabalho humano
deper.de da fertilidade do solo. Buckle “testou” essas hipóteses
com suas observações gerais das condições sociais c geográficas
na Irlanda, na Índia, no Egito, na América Central c no Peru,
chegando à conclusão dc que essas observações sustentavam a
teoria.
Buckle também atribuiu algum significado sociológico ao
aspecto visual da natureza: sc o ambiente natural é sublime
ou terrificante, supcrdescnvolvc a imaginação; se é menos for-
midável, a inteligência prevalece. Tentou demonstrar o teorema,
contrastando as civilizações da Índia e da Grécia.
Acreditava que a influência du meio geográfico é mais
direta e, portanto, mais forte sôbre os povos primitivos e que
declina com o avanço cultural. Sc tivesse completado sua obra,
tentaria provàvelmentc demonstrar como, nos últimos períodos
históricos, ocorreu o crescente contrôle humano dos fenômenos
naturais externos.
O estudo da influência das condições geográficas, empre
enderamno muitas vêzcs autores que antecederam a Buckle.
Entre seus predecessores situamsc Aristóteles, Montesquieu e
diversos geógrafos alemães. Mas Buckle exprimiu a tese com
vigor excepcional. Durante algumas décadas os círculos inte-
lectuais leram muito c sofreram a influência de The History of
Civilization in England. E seus pontos de vista tem sido freqüen-
temente restabelecidos sob a forma de determinismo geográfico
unilateral. Esta doutrina não é mais aceitável, pois sabese
78
Danilevsky: primeira alternativa para o rvolucionismo
As como
deradas civilizações
todos.são Ê impenetráveis c intransmissíveis,
possível, porém, consi-
tomar emprestados
seus traços individuais, especialmente as conquistas tecnológi-
cas e científicas. E as civilizações podem ser difundidas pela
colonização e, menos eficientemente, pela “enxertia” — este
último caso ilus;rado pelo florescimento da civilização hclê
nica no tronco egípcio e pelo crescimento da cultura romana
na árvore céltica. Comumente, as civilizaçõesárvore (ou tron-
co) morrem com o processo. Mas todas têm um alcance de
vida limitado, embora Danilevsky não anunciasse o tempo li-
mite do ciclo de crescimento e decadência. Supunha no en-
tanto que, mais cedo ou mais tarde, as civilizações morrem
por uma espécie dc necessidade interior. Nesse estágio, us pró-
prios povos retomam ao estado de material etnográfico, embo-
ra em algum tempo futuro possam tomarsc os sustentáculos
de novas civilizações.
Quando saiu, a obra de Danilevsky passou inteiramente
despercebida. Mas no fim da década de 1880 atraiu súbita
mente a atenção na Rússia, de modo que apareceram novas
edições de Rússia e Europa seguidas, em 1890, do uma tra-
dução francesa resumida. Êste volume foi provàvelmente uma
fonte de inspiração para a Decadência do Ocidente (vide ca-
pítulo XX), de Oswald Spengler, tratado que durante alguns
anos exerceu larga influência, meio século após o seu obscuro
predecessor. A teoria de Danilevsky do crescimento e deca-
dência das civilizações foi prematura, opondose, como se opôs*
à popular doutrina da evolução unilinear rumo ao progresso.
E, naturalmente, o fato dc que a obra fôsse escrita em russo
e permanecesse sem tradução até 1890 constituiu também obf*
t&culo a seu reconhecimento. Todavia, Danilevsky contribuiu
para o desenvolvimento cumulativo da teoria sociológica, es-
pecialmente para o estudo da transformação social c cultural.
Encontrarseão algumas de suas idéias nas obrai dc Toynbee
c Sorokin, cujas teorias serão consideradas no capítulo XX.
81
formação social. A tendência era para o monismo, afirmação
de um demento básico ou pelo menos preponderante. Além
dos fatores ideológico, demográfico, econômico e tecnológico,
destacados pelos evolucionistas, Gobineau e Buckle salientaram,
respectivamente, o racial c o geográfico.
Duas dessas primeiras iniciativas foram importantes sob
o ponto de vista da metodologia. Quételet mostrou como apli-
car o approach estatístico ao estudo dos fenômenos sociais, c
Le Play desenvolveu um trabalho excelente por um método
que, depois, se tomou conhecido como o estudo de caso. É dig-
no dc nota que, cm relação a ambos os métodos, deuse o fe-
nômeno da ação retardada. Só no fim do século XIX foi o
método estatístico aplicado em estudos sociais especializados,
dc início no campo da Criminologia. E só em 1920 é que a
idéia de fazer da Sociologia uma ciência quantitativa ganhou
impulso. Por outro lado, os seguidores de Le Play usaram seu
método, desde o princípio, no terreno limitado dos estudos fa-
miliares. Mas na segunda década do século XX é que, bas-
tante independente da orientação dele, os sociólogos americanos
descobriram o estudo de caso c fizeram do mesmo um rival
da pesquisa estatística.
A maioria das obras examinadas não pretenderam seus
autores que fossem obras de Sociologia. Sòmente Comte e
Spencer, e, cm medida menor, Le Play, tiveram consciência
de que estavam construindo uma nova ciência. Quételct preo-
cupavase com a Estatística; Marx, Gobineau, Buckle c Dani-
levsky teriam classificado suas obras como dc Filosofia ou His-
tória; Tylor e Morgan contribuiam para a Etnologia. Ê de
resto compreensível que, durante o período dm pioneiros, a
Sociologia permanecesse um conceito vago. Os problemas cien-
tíficos que constituem o centro vital da teoria sociológica eram
mais freqüentemente situados do que resolvidos. A metodo-
logia, exceto na obra de Quételet e de Le Play, permaneceu
no plano do amadorismo. Mas houve muitas antecipações bri-
lhantes, nestes primeiros anos, que provocaram o pensamento
e deram srcem, no decurso das décadas seguintes, ao fruto
científico.
62
Terceira Parte
Darwinismo
Social
approach
No decorrer de sua que
da Sociologia, atividade, desenvolveuse
se poderia denominar um nóvo
analítico
ou sistemático, destacando o estudo da estrutura e operação
da sociedade e devotando relativamente pouca atenção ao*
estágios que a sociedade atravessa. Alguns pioneiros da So*
85
ciologia analítica acreditavam na evolução, que, entretanto,
representou um papel insignificante cm suas teorias.
A principal dentre as inúmeras escolas em que sc divi
diu a teoria evolucionista dominante foi o darwinismo social.
Digno dc nota c que Charles Darwin, autor de A Origem das
Espécies (1859) c de A Descendência do Homem (1871) e
inventor da moderna teoria da evolução biológica, não era
um danvinista social. Não discutiu 61c problemas dc Filosofia
Social c inclinava-sc a afirmar o const raste existente entre OS
processos da evolução biológica c social.
Bagehot
86
então uma pergunta: quais as fôrças que mantêm o costume?
Bagehot responde que três. Primeiro, a religião do mêdo, do-
tada de terríveis sanções contra os violadores. Segundo, a pro-
pensão permanente a punir os desvios da ordem estabelecida.
Nenhum bárbaro — acredita Bagehot — tolera ver alguém de
sua nação desviarse dos velhos usos e costumes da tribo. Ter-
ceiro, a tendência do homem a imitar o que está diante de si.
A imitação não é consciente; é contagiosa, e mais forte entre
as crianças e os selvagens. A imitação explica a espantosa
identidade na sociedade selvagem e corresponde ao fato de
que os selvagens são copiadores mais rápidos e melhores. (A
ciência social moderna sabe, naturalmente, que êsses traços não
caracterizam necessàriamente a sociedade “selvagem”.) Neste
destaque dado à imitação, Bagehot antecipava Gabriel Tarde,
um dos criadores da Sociologia analítica, que contribuiu signi-
ficativamente para o declínio do evolucionismo na Sociologia
(ver capítulo VIII).
A discussão sôbre o costume, acima esboçada, empreendeu
a Bagehot visando a esclarecer a assertiva de que a coesão
de grupo é o principal prérequisito para a vitória na luta de
grupos. Como outro fator que possibilita a sobrevivência do
mais apto, tirou êle a Darwin a idéia da variabilidade. Sem a
variabilidade, a luta pela existência não teria sentido, não re-
sultando cm nenhum melhoramento da organização biológica
ou
para social. Como
explicar sua Spencer, Bagehot
possibilidade acreditava além
apresentava, no progresso,
da tendên-e
cia a imitar, a tendência oposta dos descendentes a diferirem
dos progenitores. O progresso é possível — entendia — sò
mente se a fôrça da legalidade baseada na imitação é bastante
poderosa para unir a nação em um todo, mas não tão forte
a ponto de matar tôda variação c frustrar a perpétua tendência
natural à transformação. Sobrevivem os grupos em que o
equilíbrio entre essas fôrças assegura a maior eficiência do
grupo. Esse equilíbrio, em sua opinião, é característico das
sociedades dirigidas pelo govêmo mediante debate: nelas, a
porta está aberta às inovações e ao progresso.
Gumplowicz
87
O mesmo não se pode afirmar de outro rcpiwntante do dar
winismo social, Ludwig Gumplowicz (18381909), judeu po-
lonês. Ingressou na carreira acadêmica na monarquia atmro
húngara, onde era forte o antisemitismo c os conflitost interim!
cos dominavam a ccna política. Sofreu durante toda a vida
de um complexo de inferioridade c a tragédia assinalou seus
últimos anos. Em 1894, o filho suicidouse; em 1909, Oum
plowicz pôs fim à própria existência depois de ter assassinado
a mulher. A trinteza que envolvia sua vida foi iluminada,
mas não dispersa, pela visita, cm 1903, do sociólogo americano
Ward (ver capítulo VI) homem altamente otimista. Em con-
seqüência dessa visita, pôde ele publicar um artigo era The
American Journal o/ Sociology (Volume IX). Aí, contràna
mente a seus primeiros ensinamentos, admitiu que as leis fér-
reas dos processos naturais podiam ser modificadas pela inte-
ligência humana, também ela uma fôrça natural.
A carreira acadêmica dc Gumplowicz limitouse à uni-
versidade provinciana de Graz, onde foi a princípio conferen
cista e, depois dc 1882, professor. Seu primeiro contato com
a Sociologia deuse através da leitura dc Comte e Spencer.
Os principais volumes que escreveu são Rafa e Estado (1875),
Luta de Raças (1883) e especialmente Resumo de Sociologia
(1885). Produziu muitas outras obras que pouco acrescen-
taram de importante às idéias expressas em Resumo de Sociologia.
Em todos esses trabalhos, Gumplowicz, embora destacan-
do a necessidade de relacionar a Sociologia ao campo geral da
ciência, sustenta que o problema social constitui uma catego-
ria única, distinta de todos os outros fenômenos por diversos
traços fundamentais. A Sociologia, na sua opinião, é a ciência
da sociedade humana e das leis sociais. Portanto, é a base de
tôdas as demais Ciências Sociais, devotadas a manifestações
particulares da vida social
Na opinião de Gumplowicz, a evolução social e cultural
resulta inteiramente da luta entre os grupos sociais. Esta luta,
análoga à luta entre os indivíduos, pela existência e pela sobre-
vivência do mais apto, substitui, em sua teoria da evolução,
a luta individual. Sòmente o grupo é importante, pois o in-
divíduo é produto
ria de homens do grupo.
continua Apenas recebendo
a educarse uma insignificante
impressõesmaio-
ori-
ginadas de fora dos seus próprios grupos sociais. E a comuni-
dade que pensa, pois a noção de que o homem pensa, como
mdMduo. é ilusória.
88
Por que, entretanto, precisam lutar os grupot? Gum
plowicz apresenta duas hipóteses básicas: uma, a hipótese po
ligenética, asseverando que a espécie homem evolveu de vá-
rios antigos tipos, em muitas épocas e em muitos lugares dife-
rentes, de modo que não ha, entre as raças, laços de sangue;
outra, a hipótese de que existe um ódio insuperável entre os
diferentes grupos e raças. Ambas as asseveraçÕes foram alcan-
çadas dedutivamente e confirmadas por boa autoridade. Quan-
to mais caminhamos para trás — diz Gumplowicz — tanto
maior é o número de pequenos grupos sociais que encontra-
mos, caracterizada a horda pela promiscuidade sexual e pela
igualdade da posição social. O conflito (guerra) entre êles
resultava diretamente do desejo de condições econômicas me-
lhores. (Aqui, como em muitos outros pontos, os ensinamentos
de Gumplowicz denunciam forte sabor marxista.) Nos pri-
meiros tempos, a guerra resulta va no extermínio do grupo ven-
cido. Depois os homens descobriram ser mais vantajoso escra-
vizar os conquistados e explorálos economicamente. Neste
processo de superimposição de um grupo a outro, via Gumplowicz
a srcem do Estado. Essa teoria foi aceita, embora relutante-
mente, por muitos sociólogos, mesmo nos Estados Unidos, à
falta, então, de outras hipóteses plausíveis.
Depois da formação do Estado, a luta de grupos bifurca
se: prossegue a guerra entre os Estados,' provocada pela ne-
cessidade
de classes implacável
dentro dosdeEstados.
conquista, masque
Ainda surge também em
as classes a luta
luta
e suas metas se modifiquem no transcurso da História, a classe
no poder sempre compreende que pode mais fàcilmcntc manter
e estender seu domínio estabelecendo instituições políticas e
legais. Tôdas essas idéias relativas ao Estado revelam afinida-
des com o marxismo.
Gomo inúmeros pensadores alemães da época, inclinava
se Gumplowicz a distinguir Estado e sociedade. Para ele, a
sociedade era a soma total dos grupos cm conflito, cada grupo
centralizandose em um ou mais interêsses comuns. Todos os
homens que se sentem estreitamente unidos por interêsses co-
muns procuram funcionar juntos, como unidades na luta pela
dominação. Assim formamse os grupos, e é implacável a luta
que se trava entre êles.
Contràriamente a outros evolucionistas, Gumplowicz mos-
travase pessimista em relação ao progresso. Não podia aceitar
a idéia da evolução da humanidade como um todo, porque
89
para cie não existia essa coisa chamada humanidade. Seu ponto
de vista poligenetico excluía a possibilidade dc evolução um
tária. A evolução, cm cada grupo — segundo acreditava ,
fora bastante esporádica c interrompida por vários retrocessos.
Em cada Estado houve progresso e evolução parcial; mas sem-
pre houve bárbaros à espera do sinal para começarem^ o tra-
balho de destruição. Embora seja certo que Gumplowicz não
se inspirou cm Danilevsky, há aqui algum paralelismo com o
ponto de vista do último (ver capítulo IV) sôbre o apareci-
mento de determinadas culturas (não da cultura ampla da
humanidade) c sôbre a existência dc fôrças negativas e des-
trutivas. A queda de mais de um Estado poderoso ante o as-
salto de hordas bárbaras bastante pequenas — continua Gum
plowicz, em uma antecipação interessante dos pontos de vista
de Toynbee — não pode ser compreendida a menos que re-
conheçamos a existência dc inimigos sociais domésticos.
Resumindo, não há progresso nem retrocesso no decurso
da História, como um todo; só se observa progresso em pe-
ríodos particulares e em países particulares. O ponto de vista
de Gumplowicz a esse respeito está muito mais próximo do
corrente nos dias atuais do que estavam as opiniões de seus
otimistas contemporâneos.
Ratzenhofer
O darwinismo social aparece em forma bem mais suave
na obra de um sociólogo austríaco, Gustav Ratzenhofer (1842
1904). Nascido em circunstâncias humildes, este homem, que
se tornou cadete com a idade de dezesseis anos, bateuse em
numerosos duelos, prestou relevantes serviços na guerra, viuse
encarregado, cm 1878, dos aiquivos do exército, posição que
lhe deu amplas oportunidades de ler e que estimulou sua neces-
sidade de escrever. Em 1898 foi promovido ao pôcto de ma
rechaldecampo e nomeado presidente do supremo tribunal
militar da Austria. Reformouse em 1903. Intelectualmente,
formarase por si mesmo, sob a influência das leituras de Comte,
Spencer,
pais John Natureza
incluem Stuart Mill
e Fime Gumplowicz. Suas obras
da Política (1893), princi-
Estudos So
ciológicos (1S9B) e Sociologia (1908), póstuma. Morreu a
bordo, numa viagem marítima dc volta dos Estados Unidos,
onde prelecionara com grande sucesso.
90
Na opinião dc Ratzenhofer, a Sociologia é a ciência das
relações reciprocas entre os sêres humanos. Sua tarefa con-
siste em descobrir as tendências fundamentais da evolução so-
cial e as condições do bemestar social dos sêres humanos. O
problema fundamental da Sociologia reside na determinação
do caráter único da regularidade social e em distinguila da
regularidade dos fenômenos do mundo em geral. A Socio-
logia precisa descobrir o princípio subjacente que governa to-
dos os negócios sociais e, com êste guia, ajudar a resolver
todos os problemas sociais.
Êste princípio dominante, a fôrça propulsora, Urkraft, é o
interesse. O interêsse é a chave que abre o tesouro da Socio-
logia. A vida social, de acôrdo com Ratzenhofer, é um con-
junto de interesses enraizados na própria natureza dos homens.
O interêsse 6 a expressão de uma necessidade através da per-
cepção que o homem tem dessa necessidade. Tais necessidades
são inatas ou instintivas, mas para se tomarem interesses pre-
cisam ser percebidas pela mente humana c compreendidas como
necessárias.
Ratzenhofer classificava os interêsses da seguinte maneira:
procriativos, fisiológicos (nutrição), individuais (autoafirmação),
sociais (baseados na consangüinidade, dirigidos ao bemestar
do grupo) e transcendentais (religião). Cinco tipos de inte
rêsses equeindividual.
grupo são as forças reais quesó atuam
A sociedade existe por
no trás da ação
processo do
social,
que é a soma total das relações sociais entre os homens; rela-
ções, porém, que se baseiam no comportamento dirigido para o
interêsse, motivo de tôda a ação social.
Como era talvez natural para um militar da velha escola,
Ratzenhofer acreditava que o conflito predomina na ação do
grupo. A onjem social é a organização da luta pela existência.
O conflito prevalece devido à disposição inata do homem a
obedecer aos impulsos primitivos e a odiar todos os companhei-
ros. O aumento da população limita essa disposição. Assim,
tomandose necessária a obediência aos governantes, surge o
princípio da articulação social e do Estado. A expansão pos-
terior leva à conquista de uns Estados por outros, processo
que leva à crescente complexidade e diferenciação. A luta e
a guerra geralmente consolidam as estruturas sociais, enquan-
to a cultura e o comércio enfraquecem o laço social.
91
Small
Albion YV. Small (18541926), sem ter sido um pensador
cspccialmente srcinal, talvez teaha mais do
contribuído que
outro qualquer para o avanço acadêmico da Sociologia
americana.
Small nasceu no Maine, estudou no Colby College c no
Seminário Teológico Newton, passando mais tarde dois anos
nas universidades de Berlim e Leipzig, onde adquiriu completo
conhecimento da ciência social germânica. Lecionou História
c Economia, durante dez anos, no Colby College, do qual íoi
diretor durante três anos. Em 1892 foi nomeado chcfc do
recémcriado departamento de Sociologia da Universidade de
Chicago, o primeiro no mundo a ser estabelecido. Ocupou essa
posição até à morte, desempenhando relevante papel no ensino
dc tôda uma geração de sociólogos. Em 1894, cooperando com
George E. Vincent, publicou o primeiro livro didático de in-
trodução à Sociologia. No ano seguinte fundou o The American
Journal of Sociology, que editou até morrer. Em 1905 foi
publicada sua obra principal, General Sociology. Escrevendo e
ensinando, familiarizou seus compatriotas com o pensamento
europeu c promoveu o reconhecimento, na Europa, da Sociologia
americana, motivo suficiente para que ocupasse a presidência
do Instituto
EmboraInternacional
influenciadode por
Sociologia,
Gustav em
1913.
Ratzenhofer, Small mitigou
o suave darwinismo social do último, reduzindoo a uma teoria
de interesses e seus conflitos. Teoria afim com sua antecedente
concepção dos desejos como a verdadeira mola na ação humana
em sociedade, idéia tirada provàvelmente de Ward. Em General
Sociology, Small define o interêsse como “uma capacidade insa-
tisfeita correspondente a uma condição irrealizada”. Essa fórmula
— disse êle — era uma tentativa de exprimir alguma coisa
existente por trás da consciência. A incerteza da afirmação ê
infelizmente bastante característica de suas obras, em geral.
O interêsse é o pivô da teoria sociológica de Small, Os
interêsses são os modos mais simples de movimento que se
podem
de vivertraçar na conduta
é o processo dos sêres humanos;
de desenvolver, o própriointe-
ajustar e satisfazer ato
rêsses. Êstes incidem em seis classes: saúde, fortuna, sociabi-
lidade, conhecimento, beleza, correção. Subjetivamente enca-
rados, são desejos; objetivamente, são carências.
92
O interesse domina a vida individual e social. O indivíduo,
cm qualquer tempo, é o produto da luta persistente por seus
interesses; e similarmente a sociedade é a conseqüência das
miríades de esforços dos indivíduos a fim de satisfazerem a
esses interesses. Small acentua as relações interdependentes dos
aspectos sociais e individuais da luta de interesses e diz: “o
indivíduo e a sociedade não foram feitos um para o outro, inas
defrontamse. Uma sociedade é uma combinação das atividades
de pessoas. Uma pessoa é um centro de impulsos conscientes
que só se realizam completamente em sociedade”.
Neste contexto, Small empregou o têrmo sociedade, embora
depois o repudiasse em favor de associação, insistindo em que a
mudança não era apenas verbal. Sociedade sugere antes um
ponto de vista estático a respeito dos fatos sociais — declarava
— enquanto associação implica um ponto de vista dinâmico.
Small desejou estudar o processo da associação humana. Viu
neste processo o conflito como padrão primário, envolvendo a
colisão de interesses. De acôrdo com as própria preferências
éticas, entretanto, foi além e asseverou que o próprio conflito se
reduz a cooperação através da socialização.
Apesar da influência pessoal dc Small, seu pontos de vista
nem persistiram nem influenciaram grandemente a Sociologia
americana. Para tanto, há um motivo claro: formuladas no
início do século, as opiniões que sustentou pertenciam a uma
espécie de Sociologia que, a êsse tempo, já estava em declínio.
Todavia, contra ria men te à maioria de seus contemporâneos,
não dispôs as idéias cm tômo do conceito da evolução, embora
pressupondo a validade da teoria evolucionista, no conjunto.
Concebeu a evolução para o progresso exprimindose no movi-
mento do conflito srcinal para a pacificação através da sociali-
zação, e acreditava que o processo social, por necessidade intrín-
seca, produzia homens cada vez mais díspares, ponto de vista
acorde com a fórmula evolucionista de Spencer.
Mas a explicação de Small para as relações entre a Socio-
logia, outras Ciências Sociais e a Psicologia está de acôrdo com
inúmeras idéias atuais. Êle insistiu na unidade das Ciências
Sociais,
(1910), eespecialmente Theciência
assinalou queemcada Meaning
dá of the Social
atenção, Sciences
primàriamente,
a certos fragmentos ou aspectos da coisa isolada. Sôbre a
Sociologia e a Psicologia, escreveu; “O psicólogo toma a asso-
ciação como o fato fixo e conhecido a fim de prosseguir na
93
investigação dos mecanismos dos agentes individuais. O soció
logo, pelo contrário, toma o indivíduo como um dado c promove
a investigação da associação.” Ê lamentável, na opinião do
autor, que sociólogos posteriores não tenham seguido mais
freqüentemente este excelente conselho.
Sumner
a eafirmara,
já publicoua em 1927,
através com a assinatura
de numerosos de ambos. nas
ensaios publicados Sumner
dé-
cadas de 1880 e 1890, muitas idéias contidas em Folkways.
Uma coleção póstuma de Essays (1934) atesta a permanência
do interêsse, muitos anos depois de sua morte, a respeito da
obra que produziu.
Sumner via a sociedade como um sistema de fôrças sujei-
to a leis que é tarefa da ciência investigar. Os homens preci-
sam responder às leis sociais como respondem às leis físicas:
essas leis precisam scr aprendidas c obedecidas. Donde a incon-
dicional aceitação da doutrina liberal expressa no próprio tí-
tulo de um de séus ensaios, The Absurd Effort to Make the
World Over (1894). Para Sumner, a lei básica é a da evo-
lução,
esforço umsocialprocesso espontâneo,
não pode modificar. irreversível,
A luta pela unilinear
existência,quefun-o
da contenda do homem contra a natureza e do homem contra
o homem, impele para a frente a evolução, não se devendo
censurar ninguém pelas dificuldades que os homens se impõem
uns aos outros. A sobrevivência do industrioso e do sóbrio é
a sobrevivência do mais apto: eis a lei da civilização. A única
alternativa é a sobrevivência do “inapto”, lei da incivilização.
Não há outras possibilidades. Igualmente impossível seria atar
as fôrças sociais que produzem o monopólio, guerras, classes
sociais e suas lutas. Fôrças que, antes de mais nada, são a
pressão da população e de condições econômicas, exercendo as
fôrças morais o papel secundário. A luta de classes marcou
todo o desenvolvimento histórico e seu objetivo principal é a
dominação do Estado.
Os ensinamentos de Sumner combinavam grande parte dc
determinismo econômico com o emprego de conceitos biológi-
co»; e êle estava firmemente convencido do importante valor
95
dos dado» da Etnologia. Sofreu pequena influência, c mesmo
pouco conhecimento possuía da teoria nãocvolucionista na So
ciologia americana e européia. Dc acôrdo com Keller, seu su
cessor em Yalc, o método principal de Sumncr consistia em
reunir uma grande quantidade de fatos verificados, deixando
os falar por si, aplicandolhes o senso comum, treinado c or-
ganizado. Eis a opinião dc um admirador. Mais exatamente,
Sumner utilizou enorme quantidade dc material; a organiza-
ção, porém, que lhe deu era bastante fraca.
Folkways é uma tentativa, no estilo do darwinismo social,
para explicar a srcem evolucionista, a natureza, a função e
a persistência dos hábitos de grupo (costumes). Dado que a
primeira tarefa da vida c viver, o homem começa com atos
e não com pensamentos. Tentando c errando, nos vários modos
de agir, selecionamse, sob condições particulares, os melhores e
mais aptos. Êsses métodos se repetem e sua repetição produz
o hábito no indivíduo e o costume no grupo. Assim, os
folkways, 1 7 isto é, os meios de fazer as coisas comumentc aceitos
em uma sociedade, desenvolvemse inconscientemente. Surgem
não se sabe dc onde nem como, e crescem como que pelo exercí-
cio da energia vital interna.
Sumner nunca foi bem claro quanto às fôrças que produzem
os folkways. Ofereceu três explicações diferente: interesse (sob
a influência de Small); pão e prazer (o par, hedonista); e
quatro motivos:dcfome,
quatro desejos W. I.sexo, vaidade
Thomas). Os efolkways
medo podem
(antecipando os
ser mo-
dificados, mas só dentro de certos limites, pelo esfôrço objetivo
do homem. Podem com o tempo chegar a perder o poder, decli-
nar e morrer, ou transformarse. Sumncr nunca investigou as
condições sob as quais êles se transformam ou deixam de exercer
seu impacto sóbre o homem. Portanto, nunca chegaria a
formular aproximações de leis sociais.
Quando vigorosos, os folkways controlam amplamente os
empreendimentos individuais e sociais bem comq produzem e
alimentam idéias de filosofia mundana e política da vida. Quan-
do pontos de vista elementares sôbre a verdade e o direito se
transformam em doutrinas de bemestar, os folkways aí envol-
vidos se tornam mores. A terminologia de Sumner é de certo
modo inconsistente. As vezes opõe êstes àqueles, mas em ou
96
iras ocasiões usa o termo folkways paia designar oc mo-
dos de agir aceitos, inclusive os mares. Atribuiu tie suprema
importância a ambos. Os primeiros dominam a vida social; a
vida da sociedade consiste em criar folkways e aplicálos. As leis
refletem os mores, e para serem fortes precisam sempre estar
de acôrdo com os mesmos. Quando uns e outros se tornam
instituições ou leis, contudo, mudam de caráter.
O debate sumneriano das instituições antecipou o ensina-
mento da escola institucional (ver capítulo XIX), approach ba-
seado numa filosofia inteiramente diversa dos fundamentos
darwinistas de Sumner. "Uma instituição consiste em um con-
ceito (idéia, noção, doutrina, interêsse) e em uma estrutura.
A estrutura é uma armação, um aparelhamento ou talvez ape-
nas um número de funcionários postos a cooperar dc acordo
com normas prescritas cm determinada conjuntura. A estru-
tura sustenta o conceito e fornece o instrumental para trazêlo
ao mundo dos fatos e ações, de modo a servir aos interesses
dos homens.'*u Desde que as leis e as instituições aparecem
apenas em um alto nível de desenvolvimento, depois dos mores
terem evolvido de meros folkways, Sumner parece ter acredita-
do que o modo irracional de desenvolvimento dos últimos é
gradualmente substituído por um mecanismo altamente racio-
nal que cria estruturas ou organizações com o objetivo dc en-
globar idéias específicas. Todavia, nunca explorou essa linha
de investigação.
A teoria de Sumner é evoludonista. Mas a apresentação
que faz de folkways e mores (teimos de uso comum entre os
sociólogos contemporâneos) pode ser encarada como uma con-
tribuição à Sociologia analítica, à compreensão da estrutura
e do modo de operação dos grupos sociais. Deu êle ainda à
Sociologia analítica a diferença entre “nosso grupo** e “grupo de
fora”. Destacou a oposição entre nós mesmos, o wegroup ou
ingroup, em relação a todos os outros, isto e, o theygroup ou
outgroup. Cada grupo alimenta seu orgulho e sua vaidade,
ostenta a própria superioridade, exalta as próprias divindades
e olha com desprêzo os de fora. Cada grupo considera seus
folkways os únicos acertados, de modo que os de outros grupos
provocam a desaprovação e epítetos de desprêzo e abominação.
Enquanto os membros de um ingroup se atêm a relações de
i 91
paz, ordem e lei, suas relações com todos os dc íora são de hos
tilidade. Às atitudes dc superioridade relativas aos folkways ao
ingroup c da comparação invejosa com as do outgroup deu
Sumner o nome dc itnoccntrismo, termo hoje comumcnte
usado.
Sumner também sustentou que existe uma correlação en-
tre o otnocentrismo e o crescimento da solidariedade de gru-
po. “As exigências de guerra com os de íora é que estabele-
cem a paz interna... A lealdade ao grupo, o sacrifício por
êle, o ódio e o desprezo pelos dc fora; a fraternidade interna,
livre de beliccsidade — desenvolvem-se juntos, produtos da
mesma situação.”20 Bagehot c outros haviam feito observa-
ções parecidas muitos anos antes, mas só depois dc Sumner é
que tab pontos dc vista ganharam aceitação ampla.
Aspecto igualmente importante da obra dc Sumncr é que
êle srcinou o approach normativo (ou institucional, conforme
Parson; ver capítulo XVIII) do fenômeno social. Por outras
palavras, iniciou o estudo da srcem c das funções das normas
sociais. Não há dúvida que Spencer e alguns dentre os pri-
meiros etnólogos trataram dos costumes e usos dc várias socie-
dades; limitaramse, porém, a descrevêlos, pouco ou nada ana-
lisando suas funções cm socicdadc. Sumner, entretanto, não
sc deteve nesse ponto. Na introdução a Folkways dcciara que
pretendera escrever um livro sebre Sociologia, mas que nessa
tentativa
da desviarase,
importância por necessidade
sociológica intrínseca,
dc usos, modos, para omores
costumes, estudoc
moral. Etnologia, observou, seria um têrmo adequado para
semelhante estudo. Têrmo que deriva da palavra ethos, que os
gregos aplicavam aos usos, idéias, padrões c códigos pelos quais
uin grupo se diferencia dos outros e se individualiza, em caráter.
A Ética, ou coisa pertencente ao ethos, são os padrões do direito.
Na opinião de Sumner era um fato estranho que as nações
modernas tivessem perdido êsses termos c menosprezassem as
98
significativas sugestões que encenavam. Seu trabaliio, assim,
foi uma tentativa, apenas parcialmente bem sucedida, de enri-
quecer o estudo da vida social focalizando padrões dc diicito
comi; men te aceitos.
Suas contribuições à Sociologia analítica são mais impor-
tantes do que seu conceito da srcem e da permanência dos
folkways. A teoria da sobrevivência do mais apto ou dos folk-
ways mais adequados está refutada pela existência de costumes
nocivos que freqüentemente conduzem à decadência e até à
destruição de grupos que a eles aderem.21 O ponto de vista
dc que os folkways são fôrças independentes dos homens tam-
bém é insustentável; sabese agora que os fenômenos de apa-
recimento, permanência, modificação e decadência dos costu-
mes são redutíveis a complexos sistemas de ação e interação®
humanas. E sabese que, sob certas condições, a lei pode al-
terar grandemente os próprios mores.
Entretanto,
no ensino cumpre reconhecer
dos darwinistas que começaram
sociais. Êles nem tudo ase construir
perdeu
uma teoria do conflito social, identificaram alguns dos grupos
que mais provàvelmente se opõem uns aos outros, e estabe-
leceram a correlação entre conflito intcrgrupal e solidariedade
100
intragrupal. Bagehot vislumbrou a importância sociológica da
imitação. Gumplowicz compreendeu bem a vulnerabilidade da
doutrina do progresso e, independentemente de Danilevsky, viu
o confinado a segmentos da humanidade, não assinalando a
transformação da humanidade como um todo. Sumncr trou-
xe uma nova perspectiva para o estudo sociológico, ao dar ên-
fase ao aspecto normativo da vida social. Embora os princi-
pais destaques do darwinismo social, como o evolucionismo em
geral, sc revelassem comprovadamcnte infrutíferos, alguns
de seus subprodutos foram autênticas contribuições à teoria
sociológica.
CAPITULO VI
Evolucionismo Psicológico
102
se cm Botânica e Direito c recebeu o grau dc master of àm
cm 1872. Em 1881, nomearamno assistente, em 1883. pale
ontólogochefe no United States Geological Survey, onde em-
preendeu pesquisas srcinais de Geologia c Paleobotânica.
O interesse dc Ward pela Sociologia despertou com as
leituras dc Com te e Spencer. Caiu sob o encanto dos gran-
diosos sistemas dos dois fundadores da nova ciência e concor-
dou em larga escala com o cvolucionismo cósmico do segundo.
Mas não pôde aceitar as conclusões tiradas pelo mestre inglês
do postulado de uma evolução impessoal, autoorientado. A
cm tômosrcem
própria de sihumilde
levaramno
de Ward
a introduzir
e o sofrimento
no esquema
que observava
spenceria
no um princípio que tomaria desejável e cientificamente justi-
ficável a interferência humana consciente na evolução. En-
controulhe o germe cm Augusto Com te. Pois não era o sis-
tema dêste voltado para a reforma social fundada em leis so-
ciais que deveriam scr descobertas pela nova ciência? Na so-
ciedade humana — decidiu Ward — havia, além da evo-
lução impessoal, ação proposital, ela própria fruto do pro-
cesso evolutivo.
Essa idéia do propósito nos negócios humanos foi a mola
mestra, resultante dc doze anos de trabalho, na obraprima
de Ward, em dois volumes, Dynamic Sociology (1883), que
durante algum tempo passou quase despercebida. Os Estados
Unidos atravessavam um período de rápido avanço, sob a ban-
deira do principio da nãointerferência; e a êsse tempo um li-
vro atacando o princípio condutor de um progresso visível pa-
recia retrógado e até prejudicial. Em 1890, contudo, Albion
Small, então presidente do Colby College, reconheceu os gran-
des méritos de Dynamic Sociology. O interesse de Small, e
logo o de outros eruditos, encorajou Ward a escrever novos
volumes: Psychic Factors of Civilization (1893), Outline of So-
ciology (1898), Pure Sociology (1903) e Applied Sociology
(1906). Êstes, na maior parte, ampliam, ratificam e modifi-
cam em aspectos menores a primitiva opus magnum. Em Pure
Sociology, entretanto, há uma parte que reflete o impacto do
contato de Ward com os dois darwinistas. sociais austríacos,
Gumplowicz Ward,
precedente, e Ratzenhofer. (Como
por sua vez, se determinadas
trouxe observou no mudanças
capítulo
nos pontos de vista do primeiro deles.) Notamse outras influ-
ências novas em Pure Sociology, especialmente a de Tarde,
sociólogo francês que sublinhou, independentemente dc Ward,
103
a importância do fator psiquico sobre a realidade social liber-
tando*. em conseqüência, quase completamente, do evolucao
nismo (ver capítulo VIII). D« modo geral, a Sociologia de
senvolverase ràpidamente nos anos decorridos entre a publi-
cação de Dynamic Sociology c dc Pure Sociology. Utilizando
seu conhecimento de francês, Ward leu àvidamente as obras
principais do ramo. Em 1902, rntimerou os sistemas princi-
pais de Sociologia c escreveu sôbre cies um ensaio clássico.®
Na época da puhliração das últimas obras que escreveu.
Ward gozava larga fama, não somente nos Estados Unidos,
mas em todo o mundo científico. Em 1903 foi eleito presi-
dente do Instituto Internacional de Sociologia. Tomousc o
primeiro presidente da Sociedade Sociológica Americana, em
1906. No mesmo ano, renunciou ao cargo governamental qüe
ocupava e começou a ensinar na Brown University (anterior-
mente, ministrara apenas alguns cursos dc verão, principal-
mente na Universidade de Chicago); conservou ai suas fun-
ções até morrer.
Postulados básicos
conhedasc devedor,
famoso filósofo cm da
alemão parte, dc Wilhelm
época. Wundt
24 Noutra parte,(18321920),
afirma ele
106
ditavam na açao social planificada. A* leis sociais são efeti-
vamente inalteráveis — afirma Ward — mas os homens podetó
utilizá-las a fim dc atingir seus objetivos, identicamente ao que
fazem com as leis físicas.26 Como proceder, nesse sentido?
Sua resposta se encontra no desenvolvimento da doutrina da
telesis,
Ward dividiu a Sociologia em duas partes, genética e te-
leológica (de acordo com o segundo de seus postulados). Essa
classificação veio a se revelar comprovadamente imprópria,
pois cie nunca chegou a distinguir claramente entre fenômenos
genéticos e e
siderar determinados
teleológicos
fenômenos
\iusc cm
freqüentemente
ambas as divisões
forçado do
a con-
sis-
tema, contradizendo-se às vézes.
Posteriormente, dividiu ainda a parte da Sociologia de-
votada à Genética, em estática e dinâmica, termos popula-
rizados por Augusto Comte e Spencer. Mas Ward deu à
distinção uma precisão que faltou a seus prçdecessores. Pole-
mizou contia os que entendiam que a estática deveria confinar
sc ao estudo das estruturas sociais, relacionandose a dinâmica
ao funcionamento delas. A função — argumentava — e o
que as estruturas fazem. A estática abrange a estrutura e a
função; a dinâmica estuda as transformações das estruturas
Ward não se preocupou com o método da Sociologia,
assunto predileto
que o método de muitos
principal devia sercontemporâneos
a generalização,seus.
isto é,Acreditava
o agru-
pamento dos fenômenos c o tratamento dos grupos como uni-
dades. Procedimento, aliás, realmente muito vago. Na rea-
lidade, ele introduziu, na maioria dos conceitos e teoremas so-
ciológicos que formulou, afirmações cvolucionistas atinentes aos
domínios da Astronomia, Física, Química, Biologia c Antropo-
logia. O esfôrço criador do autor transforma esses materiais
cm argumentos a favor de proposições sôbre os fenômenos so-
ciais, presumivelmente parte da mesma evolução cósmica. Ward
chegava, habitualmente, a suas asserções sociológicas por in-
tuição e, às vêzes, por uma aguda observação de eventos e si-
tuações da época. Seria impossível enunciar qualquer metodo-
logia articulada visando a esse resultado, motivo talvez pelo
qual tem êlc tão pouco a dizer a respeito.
107
Era um sentido, porém, Ward se mostrou muito firme c
explícito quanto ao inétodo: rejeitou a ideia, então ganhando
terreno, de que a Sociologia devia apoiar-se na Matemática.
“Nem sempre acontece” — escreveu cm Pure Sociology—“que,
devido ao fato dos fenômeno» abrangidos por uma ciência es-
tarem sujeitos a leis uniforme*, possam os mesmos ser sempre
icdu/idos a fórmula» matemáticas. As leis e os processos uni-
formes são a essência dc uma ciência. Sua expressão mate-
mática não é essencial.”
Genesis i telesis
Waid, cujo maior interesse na Sociologia pura era a di-
nâmica, pintou a estática assiir. coma um instantâneo da ati-
vidade continua que constitui o funcionamento das estruturas
sociais. Sendo as forças sociais de natureza psíquica, a lei fun-
damental da estática social deve ter a mesma qualidade. Por-
tanto, a norma básica da estática social é a lei da parcimônia,
a lei do menor esfôrço. “Nesta lei” — escreveu Ward — “pa-
recemos alcançar o estágio máximo da generalização.” Mas não
esclareceu inteiramente o significado dessa lei. Muito proyà
velmcntc, referese cia ao funcionamento das estruturas sociais
que revelam uma soma algébrica dc piazcres e dores; por ou-
trassôbrc
zer palavras,
a dor. o funcionamento resulta em um excesso do pra-
Distingue Ward as leis, que são declarações sôbrc seqüên-
cias uniformes, dos princípios, que explicam seu modo de ope-
ração. Cita um único principio de estática social: a sinergia,
através da qual se reprimem, equilibram e moldam em estru-
turas as fôrças sociais opostas, estruturas que, uma vez desen-
volvidas, persistem c servem como dínamos do poder social.
O principal interesse de Ward, a dinâmica social, focaliza
a transformação nas estruturas sociais. Enquanto os fenôme-
no» estáticos são controlados por um princípio único, há três
princípios dinâmicos: primeiro, a diferença dc potencial so-
cial, manifestada principalmente no intercâmbio dc culturas;
segundo, a inovação baseada na invenção; e, terceiro, a cona
ção, ou esfôrço social através do qual a energia social é aplica-
da às coisas materiais, resultando em feitos humanos. Ficase
perplexo ante a afirmativa de que êsses três princípios são
agentes inconscientes trabalhando peb progresso social.
108
Que o progresso estava sendo alcançado, eis aqui, para
Ward, uma proposição evidente por si mesma. Não comprecn-
dia que alguém lesse História sem ver progresso. Em sua opi
nião, é supérfluo enumerar exemplos da superioridade das ci
vilizações modernas sobre as primitivas. Pure Sociology consi
dera o progresso cm referência à sinergia. Ward dizia que êle
resulta da fusão de elementos desiguais; fusão criadora ]>orque
resulta cm um terceiro elemento, nôvo e superior aos outros.
Em Dynamic Sociology, escrita antes do surgimento do princí
pio da sinergia, demonstra-se, dc uma forma especial, quase
geométrica, a necessidade interna do progresso. Apresentam-se
seis definições e cinco teoremas, todos ligados entre si. c inclu
indo uma de suas idéias prediletas, a da salvação pela educa
ção. As definições dc Ward são, ao menos, coerentes com sua
proposição básica: a felicidade é o excesso de prazer sôbrc a
dor; o progresso é o sucesso na harmonização dos fenômenos
naturais com vantagem humana; a ação dinâmica é o empre
go do método indireto dc conação; a opinião dinâmica é uma
visão correta das relações dos homens com o universo; o co
nhecimento é a familiaridade com o meio; a educação é a dis
tribuição universal do conhecimento existente. Os teoremas
asseveram que cada item subseqüente da lista é uma conseqüên
cia direta do que o precede imediatamente e indireta dos ou
tros. Assim, o progresso é conseqüência direta da felicidade,
enquantodela.
diretas o conhecimento e a não
Esses teoremas educação
estão, são
nem conseqüências in
poderiam estar,
demonstrados. Em lugar da demonstração, Ward oferece arra-
zoados muito eloqüentes, dirigidos aos sentimentos dos leitores.
Não obstante, cm Dynamic Sociology, o evolucionismo psico
lógico de Ward, destacando o conhecimento c a antecipação,
aparece de forma bem mais pura do que cm Pure Sociology,
onde o progresso é discutido dentro da estrutura genética, e
não teleológica.
Em seu estudo da dinâmica. Ward utiliza o conceito de
tclesis, o segundo agente da transformação social. Esclarece a
diferença e a relação entre genesis e tclesis: os grandes agentes
da sociedade são o dinâmico e o diretivo. As fôrças sociais
(agente dinâmico)
cânicas. são fôrças
São impulsos cegos. naturais
Isto é ecertoobedecem
mesmo a quanto
leis mea
fôrças espirituais. O agente diretivo (que aparece na tclesis)
é uma sensação, ou idéia indiferente. Não é uma fôrça, e tem,
ainda assim, grande influência. A mente é capaz dc formar
idci.vs de perfeição: ri*» a imaginação ciiadora. A mente não
pode fazer alguma coisa do nada. Mas com estes materiais
não somente pode reconstruir como construir. 27
A faculdade racional do homem também é acentuada:
“O agonie diretivo 6 uma causa final... Uma causa final
sempre está mais ou menos distante do fim... O fim c
visto (conhecido) pela mcuie. Sabe-se também que existe al-
guma propriedade ou força natural e compreendese... sua
ação sôbre as coisas materiais. (O corpo ajustase) para ser
movido, dc tal maneira que a fôrça natural conhecida o impe-
liu» até o fim pererbido.”29 Apesar do abuso da terminologia
filosófica, essa afirmação é uma formulação razoável, do senso
comum, da maneira pela qual as idéias (conhecimento) in-
fluenciam a atividade humana em sociedade. Tomasc, entre-
tanto, difícil ver dc que modo poderia Ward considerar gené-
ticos, c não teleológicos, princípios tais como inovações baseadas
cm invenção, conação ou esforço social. Devese esta conclusão,
provavelmente, cm parte à Psicologia deficiente do fizn do
século XIX, que tendia a dividir a mente em compartimentos.
Assim, as idéias, e entre elas os ideais de perfeição, tão impor-
tantes na telesis, não podiam ser postas a funcionar no mesmo
sistema que sentimentos e conaçõcs. Essa concepção compli-
cou desnecessàriamente c até enfraqueceu o sistema dc Ward.
Ward foi mais feliz, talvez, em expressão c classificação,
quando, cm Dynamic Sociology, distinguiu entre conação di-
reta e indireta. A conação direta rcfcrcse ao uso da fôrça mus-
cular do organismo; suas leis são idênticas às do movimento.
Quando é indireta interpostas barreiras são flanqueadas por
circunlóquios (à base de especulação). A conação direta é
estéril de resultados; a indireta, muito mais eficaz. Ward
acreditara que havia visível progresso, no setor da administra-
ção, dos métodos dc conação direta para os de indireta. A le-
gislação compulsória, expressão da fôrça governamental bruta,
tende a ccder o passo à legislação atraente, cm que sc prome-
tem recompensas à realização de atos que o Estado considera
benéficos. Dado que a conação indireta sc baseia no conheci-
mento, a educação tomaa mais fácil e mais freqüente. Portan
» Pig. 82.
* Pág. 467.
no
to — insiste Ward — a educação precisa ser universal e
compulsória.
Nessa discussão da tclesis, Ward aproximouse muito da
idéia de cultura coino objeto relevante do estudo sociológico.
Viu na Sociologia o estudo da realização social. Chamou de
civilização a soma total de realizações humanas à luz cumula-
tiva do conhecimento, rejeitando o termo cultura, que — acre-
ditava — envolvia as humanidades. Para êle, a realização im-
portava cm continuidade, dc modo que podia falar cm produ-
tos da realização, entre os quais citava os bens materiais, sis-
temas militares, sistemas políticos, sistemas legais, sistemas in-
dustriais e instituições. Aqui, embora cm forma rudimentar,
estão alguns dos traços básicos hoje chamados dc cultura. A
este ponto antecipou Ward um dos importantes de envolvi-
mentos da Sociologia do século XX, a saber, a ênfase atribuída
à cultura.
Ward cm retrospecto
111
Quarto, o problema üa relação entre personalidade, so-
ciedade p cultura não foi nunca explicitamente colocado por
Ward. O homem está imerso no processo genético, mas ao
mesmo tempo influencia êsse processo pela tclais. "O ambien-
te transforma o animal, enquanto o homem transforma o
ambiente." n
Quinto, a Sociologia, para Ward, c a ciência das ciências,
síntese ctiadora de tôdas as ciências. O difuso conteúdo de
seus tratados sociológicos está de acordo com êsse ponto de vista.
Qual o significado da Sociologia dc Ward cm perspectiva
histórica? O as
contribuições próprio Wardinovações:
seguintes considerava
a leicomo suas principais
de agregação, dis-
tinta da evolução; a teoria das fôrças sociais; o contraste entre
as fôrças sociais e a influência do meio; a superioridade da pro-
cesso teleológico sôbre o genético; a demonstração da necessida-
de dc igualdade de educação. À luz dc desenvolvimentos sub-
sequentes, podese esboçar uma lista diferente das conquistas
de Ward: a ênfase atribuída, nas relações interhumanas, es-
pecialmente na ação teleológica, ao elemento psíquico; o acento
sobre a realização humana como objeto adequado da Sociolo-
gia; a afirmação da possibilidade do progresso humano racio-
nal através do planejamento social e da educação; certo nú-
mero de sugestivas formulações relativas à Sociologia pura e
aplicada, a respeito das relações entre estática c dinâmica (es-
pecialmente as relações entre estrutura e função); a negativa
dc que a quantificação seja um requisito da ciência.
A teoria sociológica dc Ward era mais filosófica do que
empírica, chegando a compartilhar da crença, popular a seu
tempo, que via na evolução cósmica a lei suprema do viraser
social, e explicava os fenômenos sociais à base de uma teoria
sôbre a realidade total. Mas atenuou essa opinião dando des-
taque às características únicas da evolução social enraizadas
na faculdade racional do homem. Sua teoria das fflrças
sociais incorporou o ponto dc vista de que a Sociologia pode
desenvolverse partindo da concepção de uma interação me-
cânica de ações humanas causada pelo sentimento, posição
hoje inaceitável. A falha psicológica da época empanoulhe
as esclarecidas idéias uUsis. Revelouse com fre-
quência inconsistente e osatratados
mpritoque
daescreveu eram bem mal
* Pi*. 16.
organizados. Não obstante, devido ao discernimento e ao bri
lho que encerram, e à ampla erudição do seu autor, os volu
mes de Ward continuam mais legíveis quase do que qualquer
outra obra sociológica produzida no mesmo período.
Ward,Contràriamente a Spencer,
Giddings acreditava que entretanto,
a sociedadee éde essencialmente
acordo com
um fenômeno psíquico, embora o processo psíquico, por sua
vez, seja condicionado e limitado por um processo físico. Assim,
as leis sociais são, primeiro, leis de processo psíquico, mas, em
i
113
seguida, leis de limitação social por um processo físico. Esta
posição toma a Sociologia dc Giddings bastante complicada.
Êle é forçado a alternar continuamente er.tre as leis psíquicas
c as físicas c a explicar a ação recíproca que cxcrcem. Giddings
achava indubitável que as leis sociais existem e podem ser es-
tabelecidas com a mesma precisão das leis dos fenômenos
naturais.
Contudo, atribui destaque especial às leis dos processos
psíquicos básicos. Seguindo a trilha de Ward, acreditava que
a chave para a explicação dos fenômenos sociais deve encontrar
se nacaracterístico
cipio volição. Procurou ainda um
do indivíduo motivo como
consciente único um
ou ser
um social
prin-
e determinativo das relações sociais na medida em que são
volitivas. Semelhante princípio explicativo — asseverou —
não foi descoberto ainda. Avaliando livremente as contribui-
ções de seus grandes contemporâneos, Novicow, De Grecf, Tar-
de e Durkheim, afirmava que as explicações da sociedade por
cies formuladas eram ou muito amplas ou muito estreitas.
Desde que o contrato (acentuado por De Grecf] 30 e a aliança
(destacada por Novicow) são traços mais especiais da socieda-
de, e que a imitação (lei básica de Tarde) e a impressão (as-
sinalada por Durkheim) 31 são fenômenos mais gerais do que a
sociedade, é preciso encontrar ura principio intermediário. Êste
princípio é a consciência da espécie, expressão cunhada por
Giddings, embora rcconhecesse explicitamente que devia a res-
pectiva idéia a Adam Smith, que, em Theory of Moral Senti-
ments (1759), notara a importância da simpatia rcfletiva na
vida social.
A consciência da espécie — dc acôrdo com Giddings —
é um estado de consciência em que qualquer ser reconhece
outro ser consciente da mesma espécie. Pode ser um efeito
dc imitação ou imposição (constrangimento). Mas não é sim-
plesmente efeito; também inicia o contrato e a aliança, e igual
mente outros fenômenos sociais. Portanto, ela atende às exi
gências do conceito intermediário que Giddings buscava. Além
fln mais, preenche a função dc dclincamento da conduta social
de tipos similares de conduta, nomeadamente a política, a
econômica ou a religiosa.
30 Guillaume dc Grecf, sociólogo belga (18421924), autor de
Introduction to Sociology (1886).
» Ver caps. VII, VIII e IX.
114
A consciência da espécie é tun estado mental aprazfvd
que inclui a simpatia orgânica (subconsciente), a percepção
da semelhança, a simpatia refletiva, a afeição e o desejo de
reconhecimento. Unidas através da consciência da espécie —
anuncia Giddings — as mentes individuais atuam umas sôbre
as outras de tal modo que sentem simult&neamente as mesmas
emoções, chegam aos mesmos julgamentos e, às vêzes, agem
da mesma forma. A mente social é gerada por essa interação.
A mente social, para Giddings, não é uma simples abs-
tração ou ficção, mas algo concreto, embora existindo sòmente
nas mentes
certo ponto — individuais. A mente
é a atividade socialsimultânea
mental — assinala êle em
de dois ou
mais indivíduos em comunicação um com o outro, o concerto
de emoções, pensamento e vontade de dois ou mais indivíduos
comunicantcs.
Embora Giddings pareça ter sido Influenciado por Durk
heim (ver capítulo IX), não deu à mente social o lugar do-
minante que o mestre francês assegurava à mente coletiva.
Os fatos sociais relatados por Giddings sob êsse titulo são usu-
almente explicados hoje pela referência à cultura como um
sistema de maneiras padronizadas de pensar e agir, sem o
recurso ao conceito enganoso de mente social. A noção de
consciência da espécie, que estêve por muitos anos em voga, tam-
bém foi abandonada. Mas no trabalho teórico de Giddings
a consciência da espécie era o conceito central cm tômo do
qual devia ser construído o sistema da Sociologia, considerando
indubitável o postulado subjacente do evolucionkmo.
J/ J
Ciências Sociais. A Sociologia, para Gkldings, é uma cicncia
,eral da classe total dos fenômenos sociais, estudando os atri-
butos comuns a lôdas as subclasses. (Esta, embora incompleta,
é uma notável antecipação da definição de Sorokin, citada no
princípio dêste livro.) Como ciência geral, a Sociologia é a
ciência dos elementos c primeiros princípios. Concepção —
devt o leitor rccordarsc — quase idêntica à de nossa formulação
inicial da própria teoria sociológica.
A definição foruial de biddings pouco esclarece o que
a ciência realmente faz. E é suplementada por outra: a
Sociologia é a interpretação dos fenômenos sociais em têrmos
de ação psíquica, ajustamento orgânico, seleção natural e con-
servação da energia. Dos quatro elementos aqui citados, sòmente
o primeiro sc relaciona ao processo psíquico — básico, de
acordo com Giddings, na vida social. Os três outros relacio-
namse ao processo físico limitador; dois (o segundo e o
terceiro) concebidos em têrmos de darwinismo social, enquanto
o último relembra os pontos de vista de Spencer, expressos
em First Principles.
Desde que a Sociologia é primariamente o estudo da
evolução da humanidade, das srcens até o presente estágio
civilizado, seu método principal é histórico ou retrospectivo.
Sério problema de método consiste cm como determinar aproxi-
madamente as características dos homens piimitivos. Proeza que
só sc pode realizar grosseiramente, pela suposição de um pa-
ralelismo entre os selvagens primitivos e os atuais. Diferente-
mente de muitos outros evolucionistas, entretanto, Giddings
compreendeu que o problema não era simples, desde que êle
reconhecia diferenças substanciais de condições e a possibilidade
de decadência. Portanto, a dedução, bem como a acurada aten-
ção dispensada às possibilidades psíquicas e à síntese psicoló-
gica devem suplementar o retrospecto histórico. Giddings re-
jeita expressamente um dos métodos utilizados por Spcncer, a
analogia orgânica.
Giddings interessavase caractcristicamente pela divisão in-
terna da Sociologia. Juntase a Ward na recusa a iden ti Tirar
a estática social com estrutura c a dinâmica social com o fun-
cionamento dosé outra
argumenta êle, agrupamentos
parte da humanos.
estática, a Êsse
que sefuncionamento,
poderia de-
nominar de cinética. A dinâmica prevalece apenas quando
a função se modifica ou a estrutura se transforma. Essas sá-
bias observações parecem endereçadas a certo número dc so*
116
ciólogos contemporâneos que usam a expressão análise estrutural-
funcional e se inclinam a identificar funcionamento com
dinâmica.
Estática c cinética
/17
Os pontos dc vista dc Giddings sôbre a tradição completam
sua teoria da estática. Idcntiíicaa com a memória social ou
as idéias herdadas e explica o fenômeno como a ocupação
simultânea das mentes de muitos indivíduos por certas crenças,
preceitos, máximas c fatos dc conhecimento facilmente adqui-
rido pelas gerações precedentes. Como Ward, Giddings apro
ximavasc aqui do conceito atual dc cultura, sem usar o próprio
têrmo ou reconhecer claramente as peculiaridades da cultura.
No corpo inteiro da tradição vê ele três grande ordens: econô-
mica, baseada na utilização; jurídica, apoiada na tolerância; e
política, enraizada na aliança e na obediência. Há também
ordens secundárias: pessoal (crenças sôbre o corpo c a alma),
estética e religiosa; e ordens terciárias: teológica, metafísica c
científica (que evolveu depois dai outras duas).
Giddings tentou, sem grande sucesso, sistematizar o conhe-
cimento a respeito do que chamava cinética social. Como era
natural para um homem que vivia no clima intelectual do
darwinismo social, acreditava que o conflito é o modo universal
de ação. Mas o antagonismo é autolimitativo; os indivíduos,
em sua maioria, aproximamse excessivamente em fôrça para
que um possa esperar vencer o outro. O equilíbrio da fôrça,
não obstante, é experimentado de tempos a tempos. Mas o
teste, necessariamente, acaba em um equilíbrio de tolerância.
Assim, a tolerância e a justiça tem sua srcem na fôrça.
Dinâmica
118
que as seleções podcm ser tolas e prejudiciais, ou sábias c bené-
ficas, muitas escolhas podcm não sobreviver na luta pela exis-
tência; a natureza rejeitará as prejudiciais, às vêzes através
da extinção dc uma sociedade. Êsses pontos de vista, novamente
reflexo do danvinismo social, são muito parecidos aos dc Sumner,
exceto cm que insiste Giddings na consciência e no caráter
volitivo das escolhas.
Dado que a seleção natural rejeita as escolhas prejudiciais,
a teoria da transformação social pode concentrarse nas escolhas
sábias. Temos então a lei do Giddings: uma comunidade
empenhase em aperfeiçoar seu tipo de acordo com a concepção
predominante de um bem ideal. (Em linguagem sociológica
moderna, isto significaria que todo grupo é influenciado, cm larga
escala, pelo ideal social que aceita.) Desenvolvendo a lei,
assinala seu autor que as bases das cscolhas sociais racionais
são valores sociais, que ele define como estimativas sociais dc
certas satisfações, relações, modos de atividade e formas de
organização social. O supremo objeto dos valores sociais é a
própria espécie. O fato de Giddings empregar a expressão
valôres sociais 6 digno de nota, pois a mesma não ganhara
ainda aceitação geral.
Como tem sido assinalado, as leis da escolha social, que
pertencem ao aspecto psíquico ou volitivo da sociedade, são
limitadas pelas leis físicas da seleção e sobrevivência natural.
A lei da seleção natural exprimese em têrmos da sobrevivência
do mais apto; a aptidão social identificase com a posse de
qualidades morais e intelectuais, incluindo simpatia e afeição.
A lei da sobrevivência toma a seguinte forma: sobreviverão
os valôres que se incorporam a um sistema de valôres que se
toma cada vez mais complexo e harmônico. Essa proposição
é a reformulação da concepção spenceriana de evolução, dado
o devido destaque aos processos volitivos, tão importantes na
teoria de Giddings.
Os trabalhos de Giddings sôbre o processo concreto da
evolução evocam os neologismos dc Ward. A sociedade, pr6
humana e humana — escreve êle —, passou por quatro está-
gios básicos: zoogenia, antropogenia, etnogenia c demogenia.
A associação zoogênica é um comercio social primitivo que de-
senvolveu as formas da vida animal; a associação antropoge
nica c o mtercurso mais variado que gerou a mente humana.
O intercurso organizado que cria um povo chamase associa-
119
ção ctnogfnica, enquanto a associação demogênica referese ao
intfrcuiso, variado e organizado, que desenvolve grandes povos
civilizados. A civilização, portanto, corresponde ao estágio de
inogênico da evolução humana. A base dc diversas escolhas,
três tipos de civilização surgem na experiência histórica: militar
religioso, libcrallcgal e cconômicoético. A civilização eco
nômicoética aparccc cm uma ou duas variedades: ou a in-
fatigável busca de fins materiais (caminho perigoso)^ ou a pre-
dominância social de objetivos morais e intelectuais ilustrada
pela democracia no início da colonização da América.
Segundo
gresso. Giddings, êle
Objetivamente, não aparece
se devena discutir o fato das
multiplicação do rela-
pro-
ções, no incremento do bemestar material, no crescimento da
população, na evolução da conduta racional. Subjetivamente,
podese percebêlo na expansão da vida moral e intelectual.
Êsse ponto de vista afinava com o clima intelectual do fim do
século XIX, quando a crença otimista no progresso era um
dogma raramente desafiado.
A sociologia genética de Giddings foi aqui condensada
em algumas proposições. Êle próprio, tentando uma reconsti-
tuição detalhada do passado social do homem, sobrepunha
conjetura a conjetura, tôdas plausíveis mas nenhuma capaz
dc prova ou de refutação. Responde mais à pergunta “Como
teria acontecido?” do que à pergunta "Que sabemos a respei-
to do que aconteceu ?**. Cumpre reconhecer, entretanto, que
esse desvio do cânonc da cicncia ainda não desapareceu inteira-
mente, mesmo nos diais atuais.
Giddings em retrospecto
120
Segundo, na Sociologia dc Giddings, a unidade dc investi-
gação é o socius, ou o homem relacionado com outros homens
através da consciência da espécie.
Terceiro, o principal fator determinante do estado de uma
sociedade c da transformação na sociedade é psíquico; limitam
lhe o impacto, porém, as condições físicas da existência hu-
mana, especialmente através dos processos de seleção c sobre-
vivência.
Quarto, o problema das relações entre indivíduo e socie-
dade não está claramente colocado. O destaque atribuído ao
fator psíquico parece assegurar ao homem o papel de criar e
moldar a sociedade, embora com as limitações dos mencionados
processos biológicos.
Quinto, definese a Sociologia como a mais geral das
Ciências Sociais; não obstante, é uma ciência concreta, c não
abstrata. O método principal que utiliza 6 a reconstrução his-
tórica que nas mãos de Giddings é, francamente» um proces-
se de conjeturas. quase ilimitado, à base de pequeno conheci-
mento estabelecido, por um lado, e da psicologia do bomsenso,
por outro.
No desenvolvimento geral da teoria sociológica, Giddings
deve ser classificado como um dos cvoiucxonistas mais capazes
e brilhantes. Dado que sua teoria está profundamente entre-
laçada com o postulado da evolução, pouco lhe resta quando
se refuta esse postulado — o que é o caso, de acordo com
muitos estudiosos.
Não obstante, certas contribuições de Giddings perma-
necem. Primeiro, citese o destaque atribuído ao componente
psíquico da sociedade e da cultura, e a demonstração da impos-
sibilidade de alcançar a compreensão da sociedade humana e
suas realizações por analogia com sistemas mecânicos ou bio-
lógicos. A êsse respeito Giddings continuou uma corrente de
pensamento iniciada per Ward e desenvolvida, com autonomia,
por Tarde. Assim, podese rctraçar essa linha de avanço, que
irá culminar nos trabalhos de Charles H. Cooley, W. I. Tho-
mas e Talcott Parsons, entre outros, até Giddings, ao menos
em parte. Segundo,
Sociologia, para muitos êle aceitável,
conseguiu e uma sugestiva
ofereceu sadiosdefinição de
pontos de
vista sôbre a divisão da ciência cm estática e dinâmica. Ter-
ceiro, foi um dos primeiros sociólogos a acentuar a significação
dos valôres na vida social do homem.
121
CAPÍTULO VII
efatorcompreensível
básico. Esperava
a força eleimanente
substituir por esse que,
e misteriosa fatornastangível
obras
dos marxistas, se supõe que impulsione para a frente a sociedade.
A tese dc Loria enraízasc na presunção dc que a história
antiga e medieval se repetiu na história das colônias, na Amé
122
rica. Em ambos os casos, enquanto a terra foi livre, não hou-
ve divisão da sociedade cm classes, nem fôrças restritivas como
a moral, a lei ou a religião. Com o início da apropriação da
terra, a escravidão tornouse a instituição dominante. O pró-
ximo estágio, determinado pelo avanço do mesmo processo
apropriativo, caracterizouo a organização compulsória do tra-
balho — a servidão nas áreas rurais, as guildas e corporações
na cidade. Apropriada tôda a terra, ou quase tôda, emergiu,
marcado pela instituição do trabalho livre, o capitalismo. Loria
reconhece as inúmeras diferenças existentes entre as xnentalida
des do mundo antigo e medieval e do mundo colonial. Argu-
menta, entretanto, que essas diferenças, não tendo afetado o
desenvolvimento social, mostram apenas a superficialidade da
influência do fator psicológico.
O volume de Loria contém muitas outras assertivas dis-
cutíveis. Em sua opinião, a obra de Dantc refletiu o estado
econômico e social das “velhas famílias” da burguesia floren
tina, a de Petrarca a das “novas famílias”, a dc Boccacio a
plebe. Os diversos estágios no desenvolvimento da religião,
da moral è da lei refletem diferentes estágios na apropriação
da terra. A religião e a moral funcionaram para manter sub-
jugados os escravos, suplementandoas o terrorismo nãoorgani
zado. A supressão dc servos e artesãos exigiu um sistema de
moral dupla: uma, a das classes oprimidas, exortando a supor-
tar a miséria e outros males da existência terrena; outra, a das
classes superiores, ensinando sòmentc a não ir muito longe a
fim de evitar uma revolta cm massa da plebe. O estágio do
capitalismo caracterizase por um mais completo desenvolvi-
mento da lei e do Estado, c pelo aparecimento de mau uma
fôrça cocrciva. a opinião pública.
A definição de Loria da Sociologia relacionase estrei-
tamente a êsses pontos de vista. A Sociologia é uma ciência
intermediária entre a Economia e as ciências da lei, da moral
e da política. Sua tarefa principal consiste em estabelecer
correlações entre as transformações havidas nas condições eco-
nômicas básicas e as alterações da moral, da lei e da política.
Ainda que essa concepção ajude a trazer ao debate intcrcone
xões existentes nos diferentes aspectos da sociedade freqüen-
temente negligenciadas ou obscuras — sempre uma tarefa
importante da Sociologia comctc, não obstante, o engano de
identificar fenômenos econômicos com as próprias relações so
123
ciais. Identificação infeliz que se encontra repclidamente nos
trabalho? dos evolucionistas econômicos.
ceu diversas
publicou posições
o mais no ensino,
conhecido depoisembora
volume, de 1892, e em
apenas um 1899
dos
muitos que escreveu. The Theory of the Leisure Class. Seus
pontos de vista teóricos podem ser resumidamente apresentados.
As grandes agencias de hábito c disciplina mental na
vida humana são as diversas espécies de trabalho pelo qual
os homens vivem, e as técnicas associadas a esse trabalho. Vc
blen tenteu demonstrar que as relações sociais humanas c a
cultura eram, assim, moldadas pela tecnologia. O homem tem
certos instintos constantes, mas os hábitos a que esses instir.tos
dão srcem variam de acôrdo com as mutáveis oportunidades
dc expressão que o meio material prove. Em uma palavra,
o homem é o que faz.
A evolução
processo da sociedade,
de adaptação portanto,
mental, pelos é essencialmente
indivíduos, um
sob a pressão
dc circunstâncias que não mais toleram hábitos prèviamente
estabelecido». O reajustamento realizase lenta e relutantemente
sob a coe.rção de situações novas. A facilidade na adaptação
depende do grau cm que os membros individuais se encontram
expostos às fôrças coercitivas do meio. Qualquer classe da so-
ciedade que esteja resguardada da ação do meio adaptará
mais tardiamente seus pontos dc vista às transformações das
situações, tendendo assim a retardar a transformação total da
sociedade. A classe ociosa 6 apenas êsse segmento retardador
da ordein social.
Podesc encarar qualquer sociedade como uma máquina
industrial, cujos elementos estruturais são as instituições econô-
micas. Há uma estreita correspondência entre a cultura e a
tecnologia subjacente. A ordem feudal era um sistema de lôr
ça humana treinada e organizada em um plano de subordina-
ção de homem a homem. Na nova erdem da sociedade in
124
dustrial, assume a fôrça mecânica o lugar da fôrça humana.
A nova tecnologia destrói a velha organização da
A inegável influência de Veblen sôbre outros autores —
especialmente sociólogos, historiadores e economistas — persis-
tiu e continua ainda hoje. Contudo, seu evolucionismo tecno-
lógico tem influído menos do que sua descrição irônica e in-
cisiva do comportamento da elasse ociosa e da rivalidade que
ela desperta na restante maioria da socicdadc. Muitos estudio-
sos encontraram caminhos sugestivos na discussão sistemática
que Veblen faz de instituições econômicas do capitalismo, tais
como propriedade para renda,32 e sua insistência sôbre os con-
trastes básicos c o conflito existente entre as classes predató-
rias (negócios, capitais empatados, classes conservadoras) e as
indusiríosas (homem comum, classes trabalhadoras). Segundo
Veblen, essas divisões enraizamse nas condições tecnológicas.
Sua concepção da tecnologia na vanguarda c abrindo o cami-
nho do processo evolutivo encontrou expressão na noção de
culture lag,33 desenvolvida por William F. Ogburn (ver capí-
tulo XV) c popularizada por escritores como Harry Elmer
Barnes.
qu'ellt autorisê.
125
pulaçãoi refletida cm tipos dc aglomeração humana. Cinco es-
tágios consecutivos dc evolução apresenta cie: o burgo, a ci
dade, a metrópole, a cidadccapital c a capjtal de uma fede-
ração. A cada um desses estágios na evolução demográfica da
humanidade correspondem estágios definidos no desenvolvimen-
to da administração, da produção econômica, da propriedade
e vários tipos dc associações humauas.
Costc compreendeu, porém, que sua teoria não explicava
tudo. Assim, tomou a ousada decisão científica dc isolar dos
fenômenos sociais os tipos gcnèticamentc inexplicáveis: a reli-
gião, a filosofia, a literatura c as artes. Setores esses insuscetí-
veis de análúc sociológica, deveria estudálos a ciência ainda
embrionária da Ideologia. A Sociologia e a Ideologia — ra-
cionava Costc — investigam duas classes distintas dc fenôme-
nos. Por um lado, as descobertas no reino do pensamento abs-
trato e os atos criadores nas artes ocorrem quase ao acaso; por
outro lado, a organização social desenvolvese independente-
mente dessas descobertas c dêases atos criadores.
Têm os críticos de Costc frequentemente demonstrado
que a independência das duas regiões é apenas relativa, não
absoluta. Não obstante, cie trouxe para a Sociologia uma
idéia que mais tarde seria explorada por Alfred Weber e Robert
M.
míniosMacIver, entre outros,
da civilização e da que distinguem
cultura entre diferentes
e postulam os dois prin-
do-
cípios para explicar seu desenvolvimento (ver capítulos XX e
XXI).
Novicow
Versões do organicismo
12Q
dnco volume*, intitulase Idfías Sôbre as CUncias Sociais do
Futuro (187381).
Lilienfeld assevera que a sociedade humana, como um or
ganismo natural, é um ser real. A sociedade não passa de
uma continuação da natureza, continuação mais alta das mes-
mas fôrças que se encontram na base de todos os fenômenos
naturais, o mais alto e mais desenvolvido de todos os organismos.
Embora reconhecendo que também há diferenças significati-
vas entre os organismos e as sociedades Lilienfeld traça uma
série de analogias detalhadas. As células de um organismo cor-
respondem
voluntários, aos indivíduos
os órgãos na socicdadc,mais
às organizações os complexas,
tecidos aosa grupos
subs-
tância in tercei ular ao melo físico — incluindo os fios telegrá-
ficos! As atividades econômicas, jurídicas e políticas são para-
lelas aos aspectos fisiológicos, morfológicos e unitários de um
organismo. A mercadoria em trânsito é equivalente à comida
nãoassimilada. As raças conquistadoras são masculinas, as con-
quistadas femininas; a luta entre elas equiparase à do esper-
matozóide em tômo do óvulo. As pessoas que vão de uma so-
ciedade a outra são análogas aos leucócitos.
Essas analogias sc tomam identidades, na teoria de Lilicn
fold. Em socicdadc, afirma êle, encontramse exatamente as
mesmas estruturas, órgãos e funções que em quaisquer outros
organismos.
logia não podePortanto, chegase
ser feita senão à Biologia.
à base da conclusão de que a Socio-
Teoria orgânica muito mais moderada foi a desenvolvida
por Albert G. Schâffle (18311903). Nascido em Nürtingen,
sudoeste da Alemanha, Schâffle estudou Teologia na Univer-
sidade de Tübingen. Lecionou Economia, em Tübingen mesmo
(1860) e em Viema (1868), onde permaneceu três anos. Depois
de uma breve incursão na política austríaca, foi para Stuttgart,
e aí devotou o resto da vida a estudar e escrever. Suas obras
principais, no campo da Sociologia, são Estrutura c Vida do
Corpo Social (187578), em quatro volumes, e Resumo de So-
ciologia (póstuma, 1906).
Schâffle reconheciase substancialmente influenciado por
Comte, Spencer e Lilienfeld, Embora concordasse com Spencer
em que a sociedade não é, verdadeiramente, um organismo,
partiu com freqüência, como Spcncer, da analogia para a iden-
tificação. Afirmava que a estrutura, a vida e a organização
dos corpos sociais (um de seus termos favoritos) se assemelham
bastante às dos corpos orgânicos. Embora atribuísse à analogia
orgânica alto valor heurístico, reconhecia que os corpos orgânico
e social não são idênticos. O corpo social, para êle, era uma
individualidade viva de natureza mais alta, o último c mais
complexo equilíbrio de forças em nosso planeta.
A obra de Scháffle, especialmente a primeira edição de
Estrutura c Vida do Corpo Social, apesar de suas afirmativas
moderadas, encerra muitas analogias discutíveis: os prédios c
as estradas são o esqueleto do corpo social; os gêneros armaze-
nados, a substância intercelular; a economia é a nutrição; a
troca dc pessoas e gêneros, a locomoção; o equipamento técnico,
o sistema muscular; os símbolos c as comunicações, o funcio-
namento do sistema nervoso; a mineração, a colonização e a
propaganda correspondem à autoafirmação e ao crescimento
do organismo.
Se Schãffle apenas apresentasse essas analogias, seu tra-
balho não mereceria nossa consideração. Mas cie tinha muito
mais a dizer. Sob a máscara falaciosa do organicismo, ajudou
a iniciar a análise da sociedade cm têrmos dc um sistema. A
Sociologia, declara êle, só pode produzir resultados valiosos sc
conceber a totalidade dos fenômenos sociais como um todo or-
gânico. Substituase “todo orgânico*' por “sistema” e o resul-
tado será uma proposição importante e comumente aceita na
Sociologia dc hoje.
De acôrdo com essa idéia básica, Schãffle dedicou seus
estudos ao todo social mais desenvolvido, os povos (os grupos
étnicos, cm terminologia moderna) e respectivas comunidades.
Um povo, para êle, c uma duradoura massa de pessoas, mental-
mente ligadas umas às outras, estabelecidas num território defi-
nido, e capazes de desenvolver uma cultura. Incluiu no conceito
de sociedade as posses materiais de um povo, ponto de vista
que, provàvelmente, reflete uma preocupação com a ciência
econômica. A soma total dê&ses povos, que se relacionam pela
comunicação c pelo contato, embora refletindo individualmente
diferentes níveis de evolução e crescimento, e possuindo peculiari-
dades geográficas c etnográficas, é a sociedade, para Schãffle.
Schãffle interessavase vivamente pelo problema do mé-
todo sociológico apropriado de investigação, que se deve basear
na experiência externa e interna (introspecção). A tarefa da
Sociologia consiitc cm formular relações causais na vida social,
empMcamente cognoscíveis. A principal dificuldade para o
130
cumprimento dessa tarefa está na interferência de atos arbi-
trários dos indivíduos. Mas cada ação proposital, declara êle,
é causalmcnte determinada, os motivos individuais representan-
do parte da causa. A liberdade não devia ser concebida como
um comportamento ao acaso, mas antes como liberdade de
autoexpressão. Esta é a maneira pela qual os historiadores
explicam os problemas que estudam e os casos históricos cons-
tituiriam o ponto dc partida das induções sociológicas. À base
de um número suficiente dc induções, tomase possível a de-
dução. Neste caminho, podese encontrar uma lei genética
unitária explicando o surgimento de uma civilização mais alta,
lei que o próprio Schãffle nunca formulou, aceitando, porém,
implicitamente, uma versão modificada do evolucionismo, ao
accntuar a evolução natural à maneira de Spcnccr.
Outro membro da escola organicista foi Alfred Fouillée
(18381912), francês autodidata que jamais cursou uma uni-
versidade, durante muitos anos professor de escolas superiores
provinciais e por três anos professor na Êcole Normale Supé
rieure de Paris. Sua fama decorre de uma série de volumes
em que expõe a idéia da sociedade como um organismo, con-
quanto de um tipo especial, dado que é contratual. As obras
principais que escreveu incluem Ciência Social Contemporânea
(1880), A Evolução das IdéiasFôrças (1890) e A Psicologia
das IdéiasFôrças (1893).
A teoria
controu similaridades entre éasdefinitivamente
de Fouillée sociedades e organicista. Êle en-
os organismos, In-
timamente parecidas com as que Spencer acentuou. Mas
Fouillée sublinhou uma diferença básica: a unidade de uma
sociedade depende fundamentalmente da vontade dos indi-
víduos que a compõem de partilhar as necessidades coletivas.
Não pode haver sociedade sem o acôrdo intimo entre seus
membros, sem a representação do todo a que os indivíduos
pertencem. Existe um contrato implícito entre os membros
de uma sociedade, e êste contrato se manifesta na conduta
humana.
A representação do todo é uma idéiafôrça fundamental.
As idéiasfôrças são engendradas pela sociedade, não há dú-
vida, mas locaÜ7amse nos indivíduos. E têm sua própria he-
reditariedade intelectual; por outras palavras, desenvolvemse
de acôrdo com leis imanentes. Em compensação, entretanto,
influenciam a sociedade em que foram engendradas, processo
especialmente aparente na educação.
131
O organismo aparece moderadamente na obra dc Fouillcc.
O trabalho teórico de seu compatriota René Worms (1869
1920), entretanto, adota sua mais extrema forma. No volu-
me Organisme et Sociiti (1896), Worms concebe a sociedade
como um agregado permanente de seres vivos, exercendo todas
as atividades em comum. Arrola quatro similaridades existentes
entre sociedades e organismos: as estruturas externas são va-
riáveis no tempo e irregulares na forma; as estruturas internas
sofrem transformação constante através do processo de as
símilaçãodesintegração; existe uma diferenciação coordenada
entre as partes; organismos c sociedades se reproduzem. Dado
que a analogia orgânica é profunda e estreita, os conceitos so-
ciológicos deveriam desenvolverse sob os mesmos títulos que
os biológicos. Não obstante, cumpre reconhecer que a socie-
dade não é somente plástica, que está mais apta a substituir
seus membros do que o organismo, mas que também é mais
complexa — na realidade, um superorganismo. Essas diferen-
ças, todavia, não são suficientemente importantes para forçar
o abandono da análise social na eslrutuia do organicismo.
Worms alterou seu ponto dc vista na sétima edição (1920)
da obra: “O estudo, a experiência c a reflexão ensinaramnos
a abrandar o apoio que inicialmente demos à analogia orga
niclsta.” As socicdadcs comcçam a existir no mesmo nível que
os organismos e funcionam inicialmente de acôrdo com as
mesmas leis. Mas depois avançam de uma forma humana tí-
pica em direção a um ideal construído pela mente (justiça,
liberdade, esclarecimento). Nesse processo emergem a igual-
dade e a solidariedade contratuais.
Res\smo
132
0 segundo grupo de teorias, versões diversas do orga
nicismo, representa principalmente tentativas de responder a
outra pergunta: o que é a sociedade? A resposta de que a
sociedade é um organismo confunde claramente analogia com
identidade. Os pontos de vista de Lilienfeld e Worms repre-
sentam a posição mais radical, enquanto os de Scháffle e Fouillée
indicam a consciência das sérias dificuldades da analogia e
importantes diferenças entre a vida social e a orgânica, que
tentam explicar. As idéias de Fouillée revclamse mais ori-
ginais do que as de Scháffle; o último, porém, aproximouse
mais de uma teoria sistemática da sociedade, do tipo hoje
corrente.
Atualmente, exceto para o ramo econômico, está morto
o evolucionismo na forma do século XIX. Dado, entretanto,
que sua morte ocorreu no período seguinte do desenvolvimento
da teoria sociológica, a discussão das causas e circunstâncias
dêsse óbito será transferida à próxima parte do presente volume.
O tôsco organicismo declinou antes do evolucionismo —
os próprios Scháffle c Worms atenuaram substancialmente seus
pontos de vista orgânicos, nos últimos anos dc vida. A morte
dêsse approach também foi completa em quase todos os cír-
culos sociológicos, embora persista êle ainda nos trabalhos dc
Oswald Spengler e outros, no século XX. De uma forma in-
teiramente teoria
moderna nova funcional
e acorde (veraos cânones
capítulo da ciência
XVII) empírica,
utiliza a ana-a
logia orgânica, sem todavia apoiarse inteiramente nela.
£ste capítulo, portanto, lidou com dois becos sem saída.
Na história das idéias muitas têm acabado assim. Ê preciso
conhecer as principais a fiin de evitar erros já corrigidos.
133
Primórdios da Sociologia Analítica
Toennies
134
ano dc sua morte) contêm mintas idéias excelentes, mas ne-
nhum cxcrceu a influência de Gemcinschaft und Geseüschêft
(Uma tradução inglesa deste livro foi publicada em 1940, nb
o titulo Fundamental Concepts of Sociology: a tradução incluiu
alguns ensaios dc obrai ultcriores de Toennies.) Como inúme-
ros tratados teóricos de autores alemães, Gemcinschaft und
GeseUschaft parece desncccssàrianicntc complicado. As idéias
básicas ai contidas, entretanto, podem ser prontamente resumidas.
Tôdas as relações sociais são criações da vontade huma-
na, de que há dois tipos. O primeiro é a vontade essencial: a
tendência humana.
atividade básica, instintiva,
O segundoorgânica, quo dirige,
é a vontade por a trás,
arbitrária: formaa
deliberada, proposital, de volição, que determina a atividade
humana cm relação ao futuro. A vonlndc essencial — acentua
Toennics — domina a vida dos camponeses, artesãos, pessoas
comuns, enquanto a vontade arbitrária caracteriza as atividades
dos homens de negócios, cientistas, pessoas de autoridade e
membros das classes superiores. As mulheres e as pessoas jo-
vens inclinamse por exibir a vontade essencial; os homens e
as pessoas idosas, a arbitrária.
£sses dois modos de vontade explicam a existência de
dois tipos básicos de grupos sociais. Um grupo social pode
vir a scr porque a simpatia entre os membros que o compõem
os faz sentirem que suas relações são um valor em si. Por ou-
tro lado, um grupo social pode surgir como um instrumento
para atingir determinado fim. Ao primeiro tipo de grupo,
expressão da vontade essencial, chamouo Toennics de Gmãns
chaft, e ao grupo arbitrário, GeseUschaft. Nesta distinção en
contrarscá um desenvolvimento do contraste entre uníSp e
combinação social de Comte. (Em terminologia corrente, o
conceito de Gemcinschaft aproximase ao de comunidade ou
grupo comunal, e GeseUschaft referese a associação ou socie-
dade associativa.) Em sua obra principal, Toennies estuda
os seguintes exemplos de Gemeinseherft: família, vizinhança (no
campo ou na cidade) e grupo de amigos; os dois casos maio-
res de GeseUschaft que analisou foram a cidade e o Estada
Para Toennies, os conceitos de Gemcinschaft e Gtsetts
135
nies exprimiu claramente preferência pelos valores associados
com o tipo Gcmeinschaft, alguns autores36 interpretaram como
uma teoria de retrogradação os seus pontos de vista sôbre o
progresso histórico. Negou Toennics tal atitude; as pessoas,
disse cie, morrem de velhas, mas nenhum médico chegaria a
condenar a velhice. Em suas últimas obras, reconheceu a pos-
sibilidade de inverter essa tendência (possibilidade tentada, cm
certo sentido, pelo nacionalsocialismo de Hitler), mas não
pelos métodos superficiais da oratória e romantização do passado.
Dado que Gcmeinschaft e Gesellschaft correspondem a ti-
pos dc vontade, Toennies trata as relações sociais como mani-
festações dos mesmos. As vontades humanas podem entrar
em inúmeras relações, acentuando a preservação ou a destrui-
ção da ordem social; mas somente a primeira, que c uma
relação de afirmação recíproca, devia ser estudada pelos soció-
logos. A própria afirmação recíproca varia de intensidade.
Assim, existe um estado social quando duas pesoas querem
estar cm relação definida; relação, aliás, comumente reconhe-
cida pelos outros. Quando um estado social se estabelece en-
tre mais de duas pessoas, há um circulo. Se, entretanto, os
indivíduos são considcrados como formadores de uma unidade
devido a traços físicos ou naturais comuns, constituem eles um
coletivo. Finalmente, se há uma organização, atribuindo fun-
ções especificas a pessoas determinadas, o corpo social se toma
uma
ções corporação. De basearse
sociais podem acordo com Toennies,essencial
na vontade todas essas
ou naforma-
von-
tade arbitrária. Contudo, é difícil conceber de que maneira
um coletivo seria uma Gesellschaft, ou uma corporação uma
Gemeinschaft.
Toennies também apresentou uma classificação srcinal de
normas sociais que, embora hoje invalidada, contém certo nú-
mero de importantes esclarecimentos. A lei sustenta êle
— consiste naquelas normas sociais que, de acordo com seu
significado, devem ser aplicadas pelos tribunais. As normas
morais são as que, de acôrdo com seu significado, devem
ser aplicadas por um juiz ideal (pessoal, divino ou abstrato).
A concórdia consiste nas regulações que se estribam nas rela-
ções do tipo Gemeinschaft e que se consideram naturais ou
necessárias. Os mores (Sitlen) são normas enraizadas nos cos-
136
tumes enquanto as convenções se baseiam no asKntimento, ex-
plicito ou implícito, que, por sua vez, se funda nos anseios
comuns para os quais as normas são consideradas meios ade-
quados. Essa classificação de normas sociais está bem clara-
mente ligada à distinção fundamental de Toennies entre os
tipos de grupo social. A lei e a convenção são características
de associações, a moral e a concórdia dc comunidades, c os
morej presumivelmente penetram ambos os tipos.
A principal contribuição dc Toennies à Sociologia foi a
introdução de uma sugestiva tipologia de grupos socias e mes-
Simmel
IS7
duos que a compõem; efetivamente, o verdadeiro significado
da sociedade revelase no seu contraste com a soma dos indi-
víduos. A sociedade (ou o grupo, Simmel não distinguiu cla-
ramente entre os dois conceitos) e uma unidade objetiva ex-
pressa nas relações reciprocas entre os elementos humanos que
a integram.
A reciprocidade entre os homens surge ou dc impulsos es-
pecíficos (que podem ser, por exemplo, eróticos, religiosos ou
associativos) ou de propósitos humanos especiais, como a de-
fesa ou o jôgo. As Ciências Sociais, argumentava Simmel,
só chegaram a estudar uns poucos tipos de relações recíprocas,
principalmente econômicas c políticas; todavia, há efetivamente
inúmeras variedades de relações interativas37 incluindo fenô-
menos quotidianos como olharemse uns aos outros, jantarem
juntos, a troca de cartas, ajudaremse mutuamente c sentirem
se gratos pela ajuda. A sociedade, então, referese aos indiví-
duos em suas múltiplas relações recíprocas; sua compreensão
exige a análise dc interação psíquica.
Muitas relações recíprocas podem não persistir no tempo,
enquanto outras se cristalizam como situações definidas, con-
sistentes: o Estado, a igreja, ou mesmo um bando de cons-
piradores, uma escola, uma associação econômica. Aqui, e
em outros lugares, Simmel ostenta um dom incomum para
manter juntos exemplos aparentemente tão díspares que poucas
inteligências teriam apreendido os traços comuns que lhe ser-
viram de base para a abstração teórica.
Simmel preocupouse grandemente com o ccnceito mesmo
da Sociologia. Nunca escreveu um tratado sistemático sôbre
a Sociologia, entendendo que esse esforço seria prematuro.
A nova disciplina — sustentava — estava na posição infeliz
de estabelecer por meio de fatos seu direito de existir. Mas —
acrescentava — a mente humana tende a criar superestrutu
ras sôbre fundações ainda inseguras. Com esta desculpa, pôs
de lado a tarefa dc definir a nova ciência.
As primeiras tentativas dc criar uma Sociologia indepen-
dente — proclamava Simmel — falharam porque seus auto-
res não estabeleceram nenhum assunto não tratado ainda pe-
las Ciências Sociais existentes. Enganosa afirmação, pois, como
138
clc próprio assinalou, há inúmeros tipos dc relações socíaíi
que não são estudados pelas disciplinas sociais concretas. Mas
essa inconsistência tem resultados compensadores: encorajou
Simmcl a chegar a um ponto de vista nôvo sôbre o material
apropriado à análise sociológica.
Para ser uma ciência — propôs Simmcl — a Sociologia
precisa ter um objeto bem definido que se deve estudar por
métodos científicos. Cada ciência se define por um conceito
abstrato central; a diversidade dêsses conceitos permite a di-
ferenciação das ciências e a divisão de trabalho entre elas.
Sôbre essas bases conceptuais constroemse a ciência política,
a Economia e as ciências dos vários aspectos da cultura. Não
há — sustentava êle — uma única ciência social com muitas
subdivisões, mas uma série dc ciências distintas. Coerente-
mente, rejeitava a pretensão dc muitos contemporâneos de
que a Sociologia deve ser uma espécie de supercicneia.
O conceito definidor central da Sociologia era a forma da
sociedade. Por forma entendia Simmel aquele elemento da
vida social que é relativamente estável, padronizado, tão dis-
tinto do conteúdo, qtie é visivelmente variável. A análise abs-
trata das formas sociais consiste em um empreendimento le-
gítimo porque exige o estudo da verdadeira estrutura da so-
ciedade. Formas similares de organização existem com con-
teúdos completamente distintos orientados para interesses di-
versificados, enquanto interesses (conteúdos) sociais semelhan-
tes são encontrados cm formas absolutamente dessemelhantes
de organização social. Formas como as relações de superio
ridadeinferioridade, a concorrência, a divisão do trabalho e
a formação de partidos, são semelhantes apesar de infinitas
variações de conteúdo. Para qualquer uma dessas formas
sociais, portanto, poderseia perguntar: O que significa em
seu estado puro? Em que condições emerge? Como se de-
senvolve? O que acelera ou retarda sua operação? Se te
construir a Sociologia acompanhando estas linhas, chegarseá
a um nôvo approach dc fatos conhecidos. O estudo socioló-
gico dos fatos sociais terá uma função parecida à da análise
geométrica dos fatos das Ciências Naturais, pois as formas
geométricas, como as sociais, podcm ser englobadas nas mais
diversas configurações de conteúdo.
Simmcl ansiava por traçar limites claros, não sòmentc
entre a Sociologia e as Ciências Sociais concretas como tam
bés entre a Sociologia, por um lado, e a Psicologia, a Filo
130
sofia Social e a História, por outro. As situações sociais estu-
dadas pela Sociologia — disse ele — são o resultado de con-
teúdos psicológicos específicos dos indivíduos envolvidos em
situações sociais. A Psicologia analisa tais conteúdos, mas não
vai além das existências individuais. Enquanto estas são os
sustentáculos da sociedade, as motivações individuais, cm si,
não são, efetivamente, sociais, e seu estudo não compete à
Sociologia. A Filosofia Social difere da Sociologia, pois inclui
valores e objetivos inacessíveis à Sociologia como ciência
empírica.
A História chega a um approach do foco sociológico, ao
procurar leis históricas. A teoria de Comte se inclui nessa ca-
tegoria e é tanto Hostória quanto Sociologia; o mesmo se pode
afirmar de investigações que tentam provar que há uma ten-
dência natural do poder político a dispersarse gradualmente
de um para poucos, c destes para muitos, ou a tentar formu-
lar estágios inevitáveis de desenvolvimento ecõnomico. De acôr-
do com Simmel, tais esforços estão fadados ao fracasso, pois
não se pode comprovar a existência de leis históricas — leis
apenas precursoras de conhecimento científico. A Sociologia,
entretanto, precisa descobrir leis sociais, isto é, regularidades
relativas a formas de organização social. Sua tarefa é reali-
zável mediante a comparação de situações similares, indepen-
dentes de tempo e espaço.
Simmel tinha consciência da natureza altamente abstrata
de seus pontos de vista teóricos; portanto, freqüentemente in-
troduzia ilustrações muito esclarecedoras. Por exemplo, a fim
de tomar clara a diferença entre os approaches psicológico
e econômico (êste representativo das Ciências Sociais concre-
tas), utilizou a situação em que um número considerável de
trabalhadores, até então constantes, não aparece nas fábricas.
O psicólogo, de acôrdo com Siumiel, investiga os motivos e
emoções existentes por trás das decisões individuais dos traba-
lhadores, de se manterem distantes do emprego. O sociólogo
analisa o fato como um conflito entre duas (ou mais) formas
de associação. O economista vê no episódio um sindicato cm
greve. Por mais concretas que sejam suas ilustrações, Simmel
empenhavase
Sociologia comofundamentalmente
a investigação das em formas
estabelecer
puras asde tarefas da
associação,
abstraídas de seus conteúdos materiais, para descrever os di-
ferentes tipos de formas sociais, c estabelecer as leis de acôrdo
com as quais agem reciprocamente os membros dos grupos.
140
Simmel julgava a Sociologia adstrita a métodos
O método principal, como cie o viu. devia ser comparativo,
embora em outro sentido completamente diferente do que evo»
lucionistas como Spencer ciavam ao têrmo. O sociólogo não
sc interessa diretamente pelas circunstâncias concretas dos casos
cm estudo, mas devia tentar selecionar para estudo casos em
que os conteúdos ou interesses diferem, permanecendo as iiicj-
mas as formas de interação. Simmel não ofereceu nenhuma
fórmula simples para o processo dc comparação. Sabia ainda
que êsse método às vezes conduz a prevenções subjetivas e
intuitivas.
O próprio Simmel era um agudo observador participante,
fato revelado em seus penetrantes e bem delineados ensaios
sôbre o conflito, a autoridade e a subordinação, o papel do
estrangeiro, a cidade moderna, e até sôbre um assunto como
a transformação na composição de um grupo dc dois ou três
membros. Contràriamcntc à própria advertência, mergulhava
com freqüência na discussão dc conteúdos — e muito
concretamentc.
A influência de Simmel na Sociologia foi considerável;
em certa medida, aliás, continua até hoje. No inicio do sé-
culo XX, seus pontos de vista, especialmente sôbre o confli-
to c a estratificação social, se refletiram nos trabalhos dos so-
ciólogos americanos E. A. Ross e Albion W. Small e, um pouco
mais
rian tarde, nos dos(ver
Znaniecki importantes
capitulosociólogos
XVIII) contemporâneos Flo
e Howard Becker. Êste
último exerceu relevante papel na ação de chamar a atenção
dos estudantes americanos, nos últimos anos, para as concep-
ções de Simmel, através de sua tradução da obra de Leopold
von Wiese, que sucedeu a Simmel, na Alemanha, como o mais
destacado expoente da Sociologia formalística (ver capitulo
XXI). Poucos hoje em dia concordariam com a insistência de
Simmel em confinar a Sociologia ao estudo das formas sociais
— e o próprio Simmel violava notoriamente êste principio. Não
obstante, seu estudo sistemático das formas sociais como tais
contribuiu significativamente para o desenvolvimento da teo-
ria sociológica abstrata
Tarde
l#í
Toulouse c Paris. Durante vinte c cinco anos foi juiz de
instrução. Sua posição fêlo dcfrontarsc com muitos pro-
blemas práticos para investigar c também lhe propiciou tempo
suficiente para meditar c escrever. Na década de 18S0 come-
çou uma série de artigos promissores. Em 1894 foi chamado a
Paris e em 1900 nomeado professor ds Filosofia Moral na Sor
bonne. As principais obras sociológicas que escreveu incluem
Leis da Imitação (1890;, LAgica Social (1894), Oposição
Universal (1897) e Leis Sociais (1898), breve atualização dos
volumes antecedentes.
Sua teoria sociológica gira cm torno do processo da imi-
tação. A importância da imitação na vida social fôra assinalada
por Bagchot, muitos anos antes. Tarde reconheceu dc prefe-
rência seu débito para com o grande matemático franccs A.
Cournot (180177), de quem aprendeu a importância da recor-
rência dos fenômenos c a importância de medilos e contálos.
Em uma de suas obras, Coumot afirmara que em todo os
fenômenos da vida há uma tendência manifesta para a imitação,
a repetição de atos semelhantes. (Tarde não mencionou um
tratado que apareceu três anos antes do seu Lois de VImitation,
o La vie des Sociétés, de Bourdier, onde aparece esta frase:
“Assim como a difusão em uma mistura gasosa tende a equili-
brar o volume dos gases, a imitação tende a equilibrar o
ambiente social”).
Ao longo do campo da investigação científica —■ assinala
Tarde — persistem três grandes processos: repetição, oposição,
adaptação. Tôdas as semelhanças são devidas à repetição que,
para Tarde, é uma lei cósmica quase no mesmo sentido cm
que a evolução o era para Spencer. A repetição aparece cm
várias formas: no mundo físico, é a ondulação; no mundo
biológico, a hereditariedade; e no nível psíquico e social, adota
a forma da imitação. Todos os fenômenos sociais podem redu-
zirse, em última instância, às relações entre duas pessoas, uma
das quais cxcrcc influência mental sôbro a outra. A própria
sociedade começou quando o homem, pela primeira vez, modelou
seu comportamento no dc outrem.
Mas por que um homem é modêlo de outro? Tarde res-
pondeu
qüência âda pergunta
iniciativacitando o estímulo
individual da variação,
ou invenção. a conse-
Invençãoimitação
é o modêlo básico do processo social. A invenção envolve
sempre algum elemento de transformação; habitualmente é
uma associação criadora dc elementos já existentes ou uma
142
combinação frutífera dc repetições (ou de imitações de invenções
antecedentes); rcdutívcl, entretanto, o último caso, ao primeiro.
O tempo dedicado às invenções cm uma sociedade é afetado
pela dificuldade relativa de combinar idéias, pelo nível da
capacidade mental inata de seus membros, e pelas condições
sociais que podem ser favoráveis ou desfavoráveis. A imitação
então é um processo através do qual uma invenção se torna
socialmente adotada. £ a sociedade é um grupo de homens
capazes dc imitaremse uns aos outros, ou ao menos possuidores
de traços comuns que são cópias do mesmo modêlo.
143
formas. Oposição de conflito é o cncontro de ondas antitéticas
de imitação, encontrávcis na guerra, na concorrência e na polê-
mica. A guerra, que sobrevêm quando a oposição c completa,
tende a desaparecer — ponto de vista otimista comum à época.
A concorrência caracteriza a atividade econômica, enquanto a
oposição verbal de polêmica prevalece na religião, na jurispru-
dência e na ciência. A segunda forma, oposição dc ritmo, ê
a tendência dos fenômenos sociais a flutuarem periòdicamcnte.
Ilustramna as ondas dc imigração, crime, a altemação dc
prosperidade e depressão, o ascenso e a queda de impérios e
civilizações. A descrição de Tarde de conflito c ritmo como
simples formas diferentes do processo único de oposição é alta-
mente discutível, pois êsses dois aspectos da vida social parecem
ter muito pouco cm comum.
A adaptação sc manifesta na lei de agregação, na desco-
berta de um novo equilíbrio depois da oposição. Precede a
adaptação um estágio prélógico e depois um estágio lógico
dc ocupações; durante o primeiro, as invenções não têm relação
entre si e a situação é confusa; durante o último as invenções
sc contradizem c, ou sc travam duelos lógicos, ou sobrevêm
uma união entre as invenções concorrentes. Em qualquer hi-
pótese, suprimese a discordância e constróise um nôvo sistema.
Cada nova adaptação é uma invenção, de modo que o processo
se repete continuamente. Inconfundível aqui é a influência da
dialética de Hegel. A adaptação 6 um movimento que seleciona
um pequeno número de realizações de um amplo grupo de possi-
bilidades — movimento cm geral irreversível, mas que não tem
objetivo visível. Uma tendência, entretanto, é evidente. A
evolução dos fatos sociais — Tarde inclinase, neste ponto,
ance o evolucionismo de seu tempo — consiste cm sua transição
gradual de um grande número de fenômenos pequenos para
um número menor de fenômenos maiores. Culminando êsse
processo pode anteverse o surgimento de uma única civili-
zação que tudo abranja.
As implicações científicas da própria teoria da imitação,
Tarde nunca as formulou. Na realidade, êle produzira um
instrumento para a demolição do evolucionismo. Pois os
«rvolucionistas, conforme nos lembramos, consideravam as seme-
lhanças entre as várias sociedades como um argumento decisivo
para sua teoria. Tais semelhanças poderiam ser agora explicadas
pela imitação; e os princípios da imitação formariam a base
144
para o aparecimento de uma teoria compreensiva da difuslo
da cultura (ver capitulo XVIII).
Tarde influenciou a Sociologia dc diversas formas. A
Sociologia americana sentiulhe o impacto através dos escritos
dc Ross c outros. Seus ensinamentos tomaramse parte da
Etnologia moderna, e desta retomaram à Sociologia atual. A
ênfase que atribuía à imitação como processo individual colo-
couo em oposição a Durkheim, para quem a coação social era
o aspecto básico da realidade social.
145
CAPITULO IX
Emile Durkheim
comoA realismo
essência do approach node sentido
sociológico, Durkheimdeé que às vezes
ele descrita
atribula
yi realidade social última ao grupo e não ao individuo. A êste
respeito, os pontos de vista de Durkheim são semelhantes aos
de Gumplowicz (embora provavelmente as obras do último
146
não lhe fossem familiares). Sua teoria opunhase diametral*
mente ao individualismo e nominalismo de Spencer. Durkbcâm
sustenta que os fatos sociais são irredutíveis aos fatos individuais.
O qiie £ então um fato social? Designar assim qualquer
evento que sc relaciona com a sociedade ou que tem relêvo
social é usar o têrmo sem clareza ou resultado. Há alguns fa-
tos na vida social — entende Durkheim — inexplicáveis pela
análise física ou psicológica; há maneiras de agir, pensar e
sentir externas. ao indivíduo e dotadas dc poder de coerção^
sôbre êlc. As ilustrações incluem máximas ac moralidade pú-
blica r
lamento observâncias
profissional. religiosas e familiares,
Essas realidades são osnormas de compor
fatos sociais dur-
khcim ianos, que constituem o domínio apropriado ao estudo
sociológico. Os fatos sociais existem corno correntes sociais
mesmo na ausência de qualquer organização social claramente
definida, corno no caso dc ondas de entusiasmo e indignação,
que aglutinam indivíduos cm multidão^ Tais correntes são ver-
dadeiramente sociais, pois têm realidade objetiva e um efeito
coercitivo sôbre o indivíduo.
Os fenômenos sociais enraízamse nos aspectos coletivos
das crenças e práticas de um grupo. A universalidade não é
a marca distintiva dos fatos sociais; um pensamento quê está
cm cada consciência individual não sc toma social por êste
motivo. Pois há uma importante diferença entre as duas or-
dens dc fatos, a individual e a social: certos modos dc
c pensar, realizados repetidamente, cristalizamse como pa-
drões distinguíveis dos eventos particulares que os refletem.
Durkheim assinala que estes padrões (fatos sociais) adqui-
rem assim um corpo, uma forma tangível, c constituem uma
realidade própria, à parte de suas manifestações particulares
nos indivíduos. Aqueles representam fenômenos sociais sò
mente em um sentido muito restrito do têrmo social. Desde
que as manifestações individuais, entretanto, pertencem a am-
bas as ordens de fatos, são adequadamente citadas como aockv
psicológicas. Os eventos individuais, tais como um caso e*
pecííico de suicídio quando contrastado com a proporção dos
suicídios em um grupo, interessam aos sociólogos apenas in-
diretamente.
•,
Para Durkheim, então, a Sociologia é o estudo dos fatos
sociais. Mais do que isso, um estudo cuja natureza é deter-
minada em parte por seu objeto. Os fatos sociais se manifes-
tam dc duas maneiras: primeiro, por seu poder de coerçiq_
147
sôbre os indivíduos, 1 rc(|üentemente evidenciado nas sanções
ligadas aos vários tipos de comportamento; segundo, por sua
difusão geral dentro de um grupo. Durkheim assinala que
a imitação não é um verdadeiro fato social, como Tarde pro
clamava, pois se trata de um processo individual que, apesar
de suas conseqüências sociais, se localiza no indivíduo como
tal. A imitação tem generalidade, por ccrto, mas não c obri-
gatória e portanto não é social. As instituições, por outro lado,
quando compreendidas como crenças c modos de conduta es-
tabelecidos pela vida coletiva do grupo, são verdadeiros fatos
sociais, dado que tem urna existência externa à parte do indi-
víduo e o obrigam. Podese definir a Sociologia — conclui
Durkheim — como a _ciência das instituições, dc sua gênese
e dc seu funcionamento.
^Ôs fatos sociais devem ser tratados como coisas — de-
clara êle. Observa que, antes, a Sociologia lidou mais ou
menos exclusivamente com os conceitos, não com as coisas.
Comte e Spencer, por exemplo, devotaram grande parte 3e
seus trabalhos a discussões sôbre o curso do progresso humano;
• v mas progresso é uma concepção mental c não um fato veri-
ficável pela pesquisa empírica. Para Durkheim, uma coisa
difere dc uma idéia conceptual no mesmo sentido cm que di
____ fere o que conhecemos de fora do que conhecemos de dentro»
""^As coisas incluem todos os objetos de conhecimento que não
podem scr concebidos pela atividade puramente mental, aque-
les que exigem, para sua compreensão, dados exteriores à
mente, extraídos de observações e experiências, aquêles que
são reconstituídos partindose dos característicos mais exter-
nos e imediatamente acessíveis para os menos visíveis e mais
profundos.” 38
Durkheim insiste em que o estudo dos fatos sociais não
pode repousar somente no discutível método da introspecção.
Ninguém tem certeza de que as idéias das coisas correspon
dem às próprias coisas. O sociólogo deve procurar à objeti-
vidade: ao estudar a sociedade, precisa admitir, como o cien-
tista natural, que talvez esteja entrando no reino do desconhe-
cido e do inexplorado. Ao iniciar a pesquisa, focalizará os
fatos observando fenômenos suficientemente externos para sc
rem imediatamente visíveis, tais como filiação religiosa, estado
lismofenômenos
dos social nãocoletivos
era intenção
mentaisdee Durkheim e que sua análise
morais aproximavase, a vá-
rios respeitos, da concepção moderna do papel da cultura na
vida social. Análise que êle tentou (tanto quanto outros pro-
blemas) em tôdas as principais obras que escreveu.
g A Divisão do Trabalho na Sociedade (1893), volume socio-
lógico inicial de Durkheim, c um estudo clássico da solidarie-
dade social. Na primeira parte da obra, os fenômenos sociais
em geral são tratados como conseqüências da divisão do tra-
balho na sociedade, que se toma como uma variável indepen
dente. O estudo utiliza extensamente material tirado da lei,
aspecto da vida social que ele considerava não s6 prontamente
observável como também a mais organizada forma de coerção
sociaL
Comparando as sociedades arcaicas e avançadas, Durk 4
heira
cânica acha
e as asúltimas
primeiras
pela caracten7adas
solidariedade pela solidariedade
orgânica me-
.* A solidarie-
dade mecânica enraízase na semelhança dos membros indivi-
duais de uma sociedade c a solidariedade orgânica, na desse-
melhança. Essa distinção é parecida com a concepção de Spen-
cer de evolução como mudança do homogêneo para o heterô
geneo. Mas a evolução não constitui o foco do livro de Durk
heim. O contraste entre os dois tipos de sociedade, mecânica
e orgânica, serve de fundo ao estudo dos fenômenos coletivos.
Nas sociedades cm que a solidariedade é mecânica, há
fortes estados dc consciência coletiva. Esta última, nessa pri-
meira. obra, c definida como a soma de_crenças e sentimentos____________ .
comuns à média dos membros da sociedade, formando ura
sistema próprio.
distinta, pois A consciência
persiste no tempo ecomum possui para_unir_as
serve assim uma realidade
ge
rações; naturalmente, vive em e através dos indivíduos, mas
desde que é o produto das similaridades humanas sua fôrça
e independência são tanto mais fortes quanto mais pronuncia-
das essas similaridades numa sociedade. Condição que pre-
valece na sociedade arcaica, caracterizada pela solidariedade
mecânica; a consciência comum envolve quase completamente
a mentalidade e a moralidade do indivíduo. Era cada indi-
víduo, entretanto, há duas consciências: uma partilhada com o
grupo (isto é, a “sociedade vivendo era nós1*, concepção muito
parecida ao ponto dc vista atual da interiorização da cultura);
't outra, peculiar ao indivíduo. Mas, nas circunstâncias da so-
lidariedade mecânica, o poder superior das fôrças coletivas
manifestase mediante drásticas reações contra a violação d§s
instituições de grupo. Aqui, a coerção social se exprime mais
decisivamente em leis criminais repressivas, severas, que servem
para manter a solidariedade mecânica.
\ A solidariedade orpânica surge com o crescimento da
divisão do trabalho social. À divisão do trabalho c as con-
seqüentes dessemelhanças entre os indivíduos acarretam uma
crescente interdependência na sociedade, interdependência je
fletida na mentalidade e na moralidade humana e no fato da
própria solidariedade orgânica. À medida que a última cres-
ce, diminui o significado da consciência coletiva. Assim, a lei
criminal sustentada pelas sanções repressivas tende a ser substi-
tuída pela lei civil e administrativa, apelando para a restaura-
ção dc direitos mais do que para a punição. (A base da evi-
dência, esta afirmativa de Durkheim, seguindo o estilo evo
lucionista, é altamente discutível.) Seguese que as socieda-
des avançadas, cada vez mais assinaladas pela solidariedade or-
gânica, representam progresso moral acentuando os mais altos
valôrcs de igualdade, liberdade, fraternidade e justiça. Os con-
tratos, por exemplo, tomamse soberanos; mas — esclarece
Durkheim — não indicam nenhuma eliminação da coerção
social, pois contêm elementos predeterminados que não são con-
vencionados pelas parles e que exístem antes e independente.
mente dos próprios ac6rdos contratuais. (Os contratos de tra
balho contemporâneos representam uma boa ilustração para o
ponto de vista de Durkheim: em larga extensão, a lei, não
as partes contratantes, decide questões referentes à duração do
dia de trabalho, salários e condições de trabalho físico.) Mesmo
nas sociedades
coerção baseadas ana desempenhar
social continua solidariedade papel
orgânica, assim, a
preponderante.
A êste respeito, devese observar que ao ser escrito A Divisão
do Trabalho na Sociedade, a análise das limitações à li-
berdade pessoal estava relativamente pouco desenvolvida. Foi
esta uma das principais contribuições de Durkheim.
A segunda parte do volume trata das causas da crescente
divisão do trabalho, jjeentuando o papelchave, como Durk-
heim o via, da crescente densidade da população. Esta discus-
são, agora francamente deslocada, quase nada acrescenta à
teoria sociológica.
Les Regies de la Méthode Sociologique (1895), a princi-
pal obra subseqüente de Durkheim, introduz um conceito nôvo
de consciência coletiva. Aqui o autor encarece que a agre-
gação, a interpretação c a fusão das mentalidades individuais
geram^ uma espécie de unidade psíquica distinguível dos pró-
prios indivíduos. Êsse produto coletivo não devia ser identi-
ficado com a soma de suas partes: o grupo pensa, sente e
age dc modo absolutamente diferente dos indivíduos que o
compõem. Portanto, a análise do comportamento do grupo
devia começar pelo estudo dos fenômenos coletivos, nao dos
individuais; seguese que não há mais continuidade entre a
Psicologia e a Sociologia do que entre a Biologia e a Psicologia.
A Sociologia tem um objetivo único — o grupo, a realidade
sui generis — e daí seus próprios métodos.
Os fatos sociais não podem ser explicados com base nos
procedimentos psíquiros individuais porque os últimos não pro-
duzem por si mesmos representações coletivas, emoções e ou-
tras tendências de grupo. Êsscs fenômenos coletivos, pelo con-
trário, exercem uma forte pressão sôbre os indivíduos; cm con-
seqüência de cuja pressão — que pode não ser percebida pelos
próprios indivíduos — surgem atributos comuns aos mem-
bros individuais de um grupo. Semelhante formulação apa-
rece em Les Règles de Ia Méthode Sociofogique, como o re-
verso da posição tomada por Durkheim cm A Divisão do Tra-
balho Social. Aí a 'consciência coletiva diziase composta das
representações e dos sentimentos do homem médio que forma a
maioria de um grupo. Em Les Règles dc la Méthode Socio
logique, disparidades mentais c emocionais da maioria deri-
vam da pressão exercida sôbre cada um dêles pela consciência
coletiva.
A extensa monografia sôbre Suicídio (1897) contém, às
vezes na forma mais aguda, a teoria da coerção social, que é
estreitamente relacionada aos pontos de vista durkhcimianos
sôbre a consciência coletiva. Aceitando a sugestão de Quételet,
de que as técnicas quantitativas são úteis, se não essenciais, à
ciência social, Durkheim investigou cuidadosamente (e com
considerável engenho estatístico para sua época) as médias de
suicídio em vários segmentos da população européia. Sua ex-
tensa análise estatística é usada para dois propósitos: primei-
ro, refutar as teorias que pretendem explicar as variações de
grupo na soma de suicídios à base de fatôres psicológicos, bio-
lógicos (“raciais”), genéticos, climáticos ou geográficos — sen-
tido em que alcançou êxito eminente; segundo, sustentar, com
evidência empírica, sua própria explicação sociológica, teórica.
Neste último sentido, chegou Durkheim à conclusão de
que diferentes médias de suicídio (distintas dos casos indivi-
duais, problema para a Psicologia) são a conseqüência de va-
riações na estrutura social, especialmente de diferenças em
grau e tipo de solidariedade social. Assim, o suicídio egoístico,
152
produto de integração de grupo relativamente fraca, prepon
dera naqueles grupos em que se observa falta de coesão so-
cial (por exemplo, entre solteiros e protestantes); e o suicídio
anômico, a que as quebras das normas sociais induzem, é en-
corajado por bruscas mudanças características dos tempos mo-
dernos. Durkheim também tomou claro que a solidariedade
social pode levai ao suicídio, afirmação ilustrada pelo tercei-
ro tipo, o suicídio altruístico, que aparece em alta média, por
exemplo, em certas sociedades primitivas e em alguns exércitos
modernos. Êste breve delineamento de algumas de suas con-
clusões faz pouca justiça a Suicide, freqüentemente citado como
um marco monumental de estudo, em que a teoria conceptual
c a pesquisa empírica são reunidas de forma admirável.
Infelizmente, contudo, nessa mesma obra Durkheim re-
vela um extremo realismo sociológico. Fala de correntes sui-
cidas como tendências coletivas que dominam indivíduos e,
por assim dizer, os agarram (ou antes, alguns dêles, os mais
suscetíveis) em sua passagem. Assim, interpreta às vêzes o
ato do suicídio como produto dessas correntes. A maior signi-
ficação de Suicide — devese recordálo — reside em sua de-
monstração da função da teoria sociológica na ciência empírica.
Representações Coletivas e Individuais (1699), em que
a consciência comum é encarada essencialmente como um pro-
duto sociopsicológico da interação humana, pouco acrescen-
ta às primeiras discussões de Durkheim. Entretanto, a obra
sugere, no pensamento durkheimiano, uma nova maneira de
ver, bilateral, que depois continuou a manter: por um lado,
uma crescente concepção idealista do grupo social; por outro,
a especulação sôbre a srcem, social ou de grupo, da moral,
dos valôres, da religião e do conhecimento.
Ambas as tendências são evidentes cm Julgamentos de Rea-
lidade e Julgamentos de Valor (1911). Aqui, Durkheim re-
laciona a consciência coletiva a ideais, sustentando que um
processo recíproco liga os dois — as idéias sociais srcinam a
consciência coletiva e esta última, por sua vez, gera ideais
sociais. Nascem êstes da realidade, naturalmente, mas vão
muito além dela; a concepção de sociedade ideal é parte da
realidade social e, portanto, exige estudo sociológico. A reli-
gião, a lei, a moral c a Economia — consideradas por Durk-
heim como os principais sistemas sociais — são ao mesmo tem-
po sistemas de valôres e ideais. Os ideais sociais constituem a
consciência coletiva, tal como existe independentemente de con
MJ
ceitos individuais, enquanto os valores são manifestações da
consciência comum nos próprios indivíduos, Êsscs pontos dc
vista ilustram a nova fase do pensamento dc Durkheim. A cons
ciência coletiva parece transferida do nível da psicologia do
grupo para o inundo das idéias, suprindo o conteúdo mesmo das
idéias dos indivíduos. Nesta obra há claramente o tom, se não
a intenção, da Filosofia idealista, especialmente hegeliana, que
impressionou Durkheim na juventude.
154
símbolo do princípio totcmico sagrado e do grupo (clã). A
vida dos Arunta estava Incisivamente dividida na perseguição
secular de pequenos grupos esparsos (uniformes, Janguescentes
e estúpidos) e nas reuniões periódicas sagradas do clã assina
ladas pela exaltação, a euforia de grupo e mesmo a quebra
de tabus. Durkheim vê essas atividades coletivas como o lugar
de nascimento dos sentimentos e idéias religiosos.
Do estudo desse caso elementar, Durkheim desenvolve
suas teses fundamentais: dc que ã vida de grupo é a fonte ge-
radora ou causa eficiente da religião; de que as idéias e prá-
ticas
que areligiosas
distinção rcfcrcmsc ao grupoe social
entre o sagrado ou oé simbolizam;
o profano de
universalmente
encontrada e tem conseqüências importantes para a vida social
como um todo.
" O sagrado, para Durkheim, referese a coisas postas à
jjarte pelo^ homem, incluindo crenças religiosas, ritos, deida
des ou qualquer coisa, que socialmente definida exige trata-
mento religioso especial. Diz êle: MQ círculo dos objetos
sagrados não pode ser determinado, então, de uma vez por
todas. Sua extensão varia infinitamente, de acordo com as
diferentes religiões.” O significado do sagrado consiste na sua
distinção do profano: “a coisa sagrada é por excelência aqui
lo que oprofano não deve c não pode tocar impunemente”^
O hòmem sempre desenha essa distinção, embora sejam diversas
as designações dadas às duas ordens, em diferentes lugares e
tempos. A participação na ordem sagrada, por exemplo nos
__rituais ou cerimônias dá um prestígio social especial, ilustran-
do uma das funções sociais da religião. A própria religião pode
ser definida como um sistema unificado de crenças e práticas
relativas às coisas sagradas. As crenças e as práticas sagra-
das unificam o povo cm uma comunidade moral (uma igre-
ja, no sentido mais geral), um compartilhar coletivo de cren-
ças que, por sua vez, é essencial ao desenvolvimento da religião.
“A que se referem os símbolos sagrados de crença e prá-
tica religiosas?” — indaga Durkheim Notando que êles desvir-
tuam a realidade empírica, argumenta ele que não se podem
referir ao meio externo ou à natureza humana individual, mas
somente à realidade moral da sociedade. A fonte e o objeto
da religião são a vida coletiva; o sagrado é, no fundo, a socie-
dade personificada. Esta secular explicação sociológica de re
ligião (em que Durkheim negligencia grosseiramente a natu
/55
reza nãoempírica da religião) c sustentada por discussões da
similaridade das atitudes do homem para com Deus e a so-
ciedade: ambos inspiram a sensação dc divindade; ambos pos-
suem autoridade moral c estimulam a devoção, o autosacri
fício e o comportamento individual exceptional. O indivíduo
que se sente dependente dc algum poder moral externo não
é, portanto, uma vítima dc alucinação, mas um membro da
sociedade, respondendo a ela própria. Durkheim conclui que
n função substancial da religião e a criação, o rcíôrço c a ma-
nutenção da solidariedade social. Enquanto persistir a socie-
dade, persistirá a religião.
Les Formes EUmentmres de la Vie Réligieuse inclui, além
da análise da religião, os começos de uma explicação das for-
mas básicas de classificação e das categorias fundamentais do
próprio pensamento, representações coletivas que Durkheim
também enraíza na vida de grupo. Sua csixxulatjão quanto à
determinação social dc classificação c dc categorias não pode
ser discutida cqui, mas devese observar que ela situou Durk-
heim perfeitamente no campo da Sociologia do conhecimento,
hoje uma importante divisão do estudo sociológico.
Contribuições à metodologia
156
fatos sociais. O sociólogo dcvc emanciparse das idéias fala-
ciosas que dominam o pensamento do leigo. Ou, como diz
Durkheim, “Livrarse, dc uma vez por tôdas, do jugo daque-
las categorias cmpirícas que se tornaram tirânicas em virtude
de hábito longamente mantido**. Segundo, o objeto de cada
investigação sociológica precisa compreender um grupo de fe-
nômenos previamente definidos por certos caracteres externos
comuns. Isto é, o investigador necessita relacionarse com fatos
sociais cuja existência pode inferir dos respectivos aspectos ex-
ternos. Terceiro, deve considerar os fatos sociais como inde-
pendentes de suas emanifestações
dos atos individuais procurar as individuais. Deve dos
bases duradouras ir hábi-
além
tos coletivos; estudar as normas como tais — por exemplo,
normas legais, regulamentações morais e convenções sociais —
cm sua própria existência permanente.
A norma principal dc Durkheim deriva dessa indepen-
dência dos fatos sociais. Desde que tôdas as explicações de
fatos Sociais cm têrmos psicológicos falham na apuração do
fundamental efeito coercitivo que os fenômenos sociais reais
exercem sôbre a vida do homem, é preciso procurar a expli-
cação da vida social na própria sociedade. A sociedade não
é apenas uma soma dc indivíduos, mas um sistema formado
pela associação de indivíduos — uma realidade especifica (c
emergente) que tem características próprias. Conseqüente-
mente — conclui Durkheim — sempre que se explica um
fenômeno social como produto direto de processos psicológi-
cos, a explicação é falsa. A fonte de toda obrigação se acha
fora do indivSduo: piedade filial, amor, devoção religiosa,
lealdade marital. Êstes e outros sentimentos que surgem do
viver em sociedade são muito freqüentemente tomados como
causas de fatos sociais, atendendo a que na realidade resultam
da pressão dos fatos sociais sôbre a consciência individual.
Dado que a vida coletiva não decorre da vida individual,
Durkheim acredita que “a causa determinante de um fato so-
cial devia ser procurada entre os fatos sociais que o prece-
dem e não entre os estados da consciência individual”.
Discutindo normas para estabelecer provas sociológicas,
Durkheim
parativo) édizo que
único o método
experimento indireto
adequado (ou método
à Sociologia. com-
A noção
de Com te de método histórico não é utilizável, pois a simples
seqüência de progresso em desenvolvimento não dá a chave
explicativa da causalidade. A causação é uma relação nece*
/57
sária entre o estado anterior e o subseqüente do fenômenos,
e só a comparação dos dois estados pode determinála. Para
Durkheim, um efeito dado sempre tem uma causa correspon-
dente única. Se, por exemplo, dcscobrcsc que o suicídio apre-
senta mais de uma causa, então a evidência indica a existência
de mais de um tipo dc suicídio. A fim dc explicar um fato
mais complexo, como a existência dc uma instituição, em qual-
quer espécie social, o investigador precisa comparar suas di-
ferentes formas não sòmcntc entre grupos dessa espécie, mas
igualmente entre as espécies precedentes.
Para Durkheim, a Sociologia comparada não é um ramo
da disciplina: à medida que deixa de ser apenas descritiva
e procura estimar fenômenos sociais, é Sociologia. O proce-
dimento válido exige, entretanto, a comparação das sociedades
no mesmo período dc seu desenvolvimento evolutivo. (Aqui,
Durkheim testa seu próprio processo cm parte na presunção
da evolução progressiva de Comte c Spencer — não obstante
a opinião que tinha sôbre a insuficiência da metodologia dê
les.) Mas estava ainda mais interessado em provar os méritos
do estudo a que Mills chamava dc variação concomitante, mé-
todo que sustenta que sc uma transformação em um elemento
variável (por exemplo, a média dc suicídio) é acompanhada
por uma transformação comparável em outro (por exemplo, a
filiação religiosa), as duas transformações podem relacionarse,
causalmente, ou diretamente ou através dc algum fato social
básico (digamos, o grau de solidariedade social cm um grupo).
Muito da própria obra empírica de Durkheim procura de-
monstrar relações causais com êsse refinamento do método
comparativo.
Mas a relação causai entre os fatos sociais, tal como
Durkheim a entendia, é apenas uma espécie de indagação so
ciològícamente importante. Assim, êle também formulou um
approach funcional para o estudo dos fenômenos sociais, approach
dc considerável interesse para os sociólogos dc hoje (ver capí-
tulos XVII e XVIII). O funcionalismo durkhcimiano era
uma alternativa do método teológico, como o ilustraram os
escritos de Comte e Spencer, que supunham os fatos sociais
suficientemente
termos explicados
de satisfação dos quando
desejos sehumanos.
revela sua
Mas utilidade em
os próprios
desejos se transformam, fato que exige explicação sociológica.
E os fatos sociais freqüentemente persistem depois de perdida
sua utilidade srcinal. Portanto, Durkheim sustenta que, além
158
da busca da causa eficiente que provoca o fato social, a So-
ciologia precisa procurar a função social que êle prernche.
Aqui, inspirouse na Biologia, denominando função ao signi-
ficado de uma relação de correspondência entre o fato conside-
rado c as necessidades do organismo. Em termos sociais, a
função de um fenômeno social é a correspondência entre êle
e alguma necessidade geral da sociedade. Por exemplo, a di-
visão do trabalho funciona para integrar a sociedade moderna,
embora não viesse a ser estabelecida claramente para realizar
este papel, nem a função integrante da divisão do trabalho
resulte
refa da necessàriamente
análise funcional,em então,
beneficio para oclaro
é tornar indivíduo.
de que Amodo
ta-
as instituições e outros fenômenos sociais contribuem para man-
ter o todo social. O cumprimento dessa tarefa metodológica,
de acôrdo com Durkheim e igualmente com muitos funciona
listas modernos, é essencial à compreensão das persistências e
alterações da ordem social.
Tipologia social
A classificação
no postulado de que deas Durkheim
sociedades das espécies sociais
se compõem repousa
de panes que
tão, em si, sociedades simples. Postulado acorde, aliás, com
os pontos de vista de Comte e Spencer. As sociedades deviam
ser classificadas conforme seu grau de organização. Tomase
159
como base a sociedade perfeitamente simples, espécie em que
os indivíduos estão em justaposição atômica. Formulada a con-
cepção da horda ou sociedade de segmentos únicos, podese
desenvolver uma escala completa de tipos sociais. Um passo
além estão as sociedades polissegmentais simples, uniões de hor-
das ou clãs, como em certas tribos iroquesas. A seguir, na or-
dem de complexidade, as sociedades polissegmentais simples-
mente compostas, agregadas, como a confederação iroquesa.
Em seguida as sociedades polissegmentais duplamente compos-
tas, por exemplo, as cidadesEstado.
Semelhante especulação quanto à classificação de tipos
de sociedades, embora representando uma tarefa ainda tenta-
da pelos sociólogos, tem produzido pequeno impacto sôbre os
estudiosos modernos, o que não se pode dizer das outras con-
tribuições de Durkheim.
Durkheim em retrospecto
160
entretanto, que o evolucionismo não dominou nem obacureceu
o pensamento de Durkheim. Tivesse êle retirado o andaime
evolutivo, e a estrutura de sua teoria permaneceria.
O tratamento que Durkheim dispensou ara fatos sociais
e à consciência coletiva associa importantes verdades socio-
lógicas a pontos de vista enganosos, se não falazes. Era cer-
tamente inevitável que falhasse ao tentar explicar fenômenos
sociais exclusivamente à base de ações e motivações individuais.
A fim dc se tornarem fatos sociais, os atos humanos são sub-
metidos a um processo análogo ao da composição de fôrças,
em que seindividual.
psicologia envolvem Ninguém,
princípios porirredutíveis
exemplo, a quer
princípios de
ou pla-
neja uma depressão econômica em larga escala, mas volta e
meia depressões têm resultado da composição de numerosas
ações individuais para as quais existe grande número de mo-
tivações. Muitos fenômenos nãotencionados e nãodesejados
— depressão, guerra, apatia política, talvez mesmo crescentes
médias de ansiedade neurótica — exigem interpretação social,
e não psicológica. Durkheim ensinou também essa importante
lição. Ao mesmo tempo, e com freqüência, especialmente em
discussões da consciência coletiva, alcançou um grau de rea-
lismo sociológico que parecia negar a significação social da
volição ou decisão individual. A sociedade é real, natural-
mente, mas também o indivíduo, e ambos, devese recordálo,
estão
produz sempre interação.
emresultados,
enganosos Dar prioridade a um ou a outro
afinal.
Mas as exagerações de Durkheim exerceram, sem dúvida,
um papel positivo em suas contribuições principais para a
teoria e o método sociológico. Demonstrou êle convincente
mente que os fatos sociais são fatos sui generis. Difundiu viva-
mente a importância social e cultural da divisão do trabalho.
Analisou a natureza e muitas das conseqüências da solidarie-
dade social. Indicou o papel da pressão social em setores da
atividade humana onde, até então, não fôra notada ainda
Com Max Weber (ver capitulo XIV) chamou a atenção dos
sociólogos para o significado dos valôres e ideais na vida social
Enfrentou complexos problemas metodológicos e demonstrou
com fatos
pesquisa a necessidade, para uma ciência da sociedade, da
empírica.
Subjetivismo Russo
LavrovMirtov
A escola subjetiva
Mirtov (18231900), nobre,foi fundada
oficial por Pedroprofessor
de artilharia, L. Lavrov
de
162
Matemática, préso cm 1868 por difundir idéias subversivas,
exilado para uma província remota c que finalmente fugiu
para Paris. A formação de LavrovMirtov na Filosofia liege
liana refletese em sua formulação da tríade dialética: soli-
dai icdadeindividualidadeprogresso. Sustentou que os indi-
víduos dotados dc espirito crítico são os agentes do progresso.
Sua* obras principais incluem Resumos de Filosofia Critica
(I860), Cartas Históricas (1870), Ensaios Sôbre a História
do Pensamento (1876) c Os Problemas da Compreensão da
História (1898).
A principal
subjetivo. descoberta
Em Sociologia de LavrovMirtov
e História foi —
— afirmou êle o há
método
al-
gumas verdades tão inalteráveis e absolutas quanto as verda-
des das demais ciências. Mas na Sociologia e na História há
outras verdades que não podem ser descobertas antes de de-
terminados épocas virem a ser, porque sòmcnie em certas ida-
des estão os membros de uma sociedade subjetivamente pre-
parados para compreender questões fundamentais e formular
respostas a elas. A História não se repete; o processo da evo-
lução histórica é progressivo, mas só pode ser percebido sub-
jetivamente. O subjetivisino científico, então, é uma tendên-
cia seletiva na História, que se deve relacionar à Ética e aos
ideais. Embora a própria Sociologia precise ser ideológica,
não se pode postular a priori seus objetivos; devem êles derivar
de um procura
História estudo indutivo
entender oda progresso
sociedade.no Considerando
processo da que
evolu-a
ção, a Sociologia é o estudo da solidariedade de indivíduos
conscientes. O crescimento da solidariedade e o crescimento
da individualidade constituem processos paralelos. A solida-
riedade brota na sociedade animal. Aparece nas relações entre
mãe e filhos. Perpetuase pela imitação e dá srcem ao cos-
tume, que ê um dos seus mais importantes sustentáculos. A in-
dividualidade, antítese da solidariedade, está, não obstante, es-
treitamente ligada a ela, de modo que só anallticamcnte se po-
dem separar êsses dois elementos. Os indivíduos conscientes
são produtos do processo social, e da sociedade recebe o indi-
víduo motivos, conhecimentos e hábitos. Entretanto, desde que
no funcionamento da agregação social sòmente os indivíduos
deliberam e agem, tomase impossível qualquer desenvolvi-
mento sem o pensamento crítico dêles; os que se revelam, en-
tretanto, dotados de espírito crítico formam sempre uma mi-
noria em comparação com as massas. Todavia, a fôrça do
pensamento c a energia da volição atuam como agentes de de-
terminação histórica. A História, então, é essencialmente uma
generalização de biografias individuais. Cumpre reconhecer
o papel decisivo da personalidade que o destino situou no cen-
tro dc cada época — seja monarca, demagogo ou profeta.
O progresso não c forçosamente um movimento contínuo,
mas a participação no progresso é uma obrigação moral im-
posta ao indivíduo que entendeu o seu significado. Uma teo-
ria do progresso é necessária para a elaboração de um progra-
ma de ação. Já que o crescimento da individualidade e o cres-
cimento da solidariedade são essenciais ao progresso, a socie-
dade melhor será aquela em que todos os indivíduos tenham
interesses c convicções semelhantes, vivam cm condições iguais
do cultura e proíbam tôda luta pela existência. O progres-
so só é possível quando os indivíduos que formam a minoria
adiantada da população estão plenamente convencidos de que
os seus interêsses são idênticos aos interesses da maioria. Atra-
vés da História, as minorias raramente se têm movido nessa dire-
ção; cada geração, porém, é responsável pelo que poderia ter
feito, mas deixou dc fazer.
Mikhailovsky
lovskyO (18421904).
primeiro expoente da escolagraduouse
Mikhailovsky foi Nicoiau
cm M.
uma Mikhai-
escola
de Minas e começou sua carreira literária aos dezoito anos,
tornandose depois o editor de um dos mais importantes men
sários russos. Positivista radical, influenciado por Augusto Com-
te e Mill, para ele, como para outros, o problema básico da
época era a reconciliação da verdade c da justiça. A solução
dêsse problema — segundo acreditava — exigia que a Socio-
logia fôsse teleológica e seguisse o método subjetivo descrito
por LavrovMirtov. A Sociologia, para Mikhailovsky, é a ci-
ência das relações interindividuais e intergrupais e das rela-
ções entre grupo c indivíduo. Embora reconhecesse que os
fenômenos sociais constituem uina classe independente de even-
tos, sustentava que a Sociologia, que estuda êsses fenômenos,
sc relaciona estreitamente a outras ciências.
O principal objetivo da atividade social, argumentava
Mikhailovsky, devia ser a luta pela individualidade. Em oposi
ção consciente a Spencer, acreditava que o progresso consiste
164
na aproximação gradual para o desenvolvimento integral de
cada indivíduo e se exprime no rfocréscimo da divisão do tra-
balho social. Considerava injusto e imoral tudo o que retarda
o movimento no sentido da integração pessoal. A luta pela in-
dividualidade é inerente à própria situação que a natureza
atribuiu aos sêres humanos; luta contínua entre o indivíduo
c a sociedade. Olhando para seu próprio tempo, Mikhailovsky
escreveu que o trabalhador ocidental não é mais um indivíduo
independente porque a divisão burguesa do trabalho o degra-
dou. A manutenção das comunidades agrárias pode poupar ao
povoNarussoobra
essa principal
degradação.
de Mikhailovsky, O Herói <r a Massa
(1882), o herói não é ncccssàriamente encarado como um gran-
de homem, mas como alguém cujo exemplo atrai a multidão
para o bem ou para o mal. Os grandes homens são produtos
do meio que molda a multidão. Os homens suspiram por ideais
c seguem prontamente aquêles que, oferecendolhes ideais, exem-
plificam o heroísmo. Finalmente, o herói é o que dá o primei-
ro passo há muito esperado e será agora imitado pela mul-
tidão. A imitação, lei geral do comportamento humano, é
comumente inconsciente. Dado que a consciência e a vonta-
de são usualmente fracas, a tendência para imitar geralmente
prevalece.
LavrovMirtov c Mikhailovsky empregaram o conceito de
possibilidade objetiva. A pessoa individual defronta sempre, na
vida social, com certo número de possibilidades objetivas com
diferentes oportunidades de realização. Uma complexa combi-
nação de circunstâncias, só raramente compreendida, determi-
na qual das possibilidades imanentes em uma situação concre-
ta será materializada. Em muitas ocasiões, a confiança leviana
depositada no fácil advento da possibilidade deseja induzir os
homens e permanecerem inativos e a apoiaremse no desdo-
bramento natural dos eventos. Naturalmente, os indivíduos do-
tados de espirito critico de LavrovMirtov e os heróis de Mikhai-
lovsky não cometem êsse êrro.
Yuzhakou e Kareyev
165
Estudos Sociológicos (1891), Yuzhakov declarou que o próprio
método subjetivo é inaplicável .* Sociologia. Entretanto, susten-
tava a necessidade de apreciar os desenvolvimentos e processos
sociais com base cm uni ideal social (que identificava com a
Filosofia Moral); sôbre este fundamento construirseia uma
teoria científica da sociedade. Mais do que estabelecer a
necessidade de um método particular — declarou cie — a
escola russa demonstrou um teorema importante: que o desen-
volvimento social e impulsionado pelas personalidades. Para a
Sociologia, ignorar ês>o teorema é um êrro sério. Mas desde que
esse teorema é uma proposição substantiva, c não assunto de
procedimento lógico, não constitui base utilizável para a cons-
trução dc um método particular.
Kareyev foi o único acadêmico membro da escola subje-
tiva. lecionando nas universidades dc Varsóvia c São Peters
burgo. Corno Yuzhakov, afinnou que seus predecessores incor-
riam em erro cm uma proposição importante: antes deviam
ter lidado com o fator subjetivo na sociedade do que esposado
o método subjetivo. Similarmente, acentuou a Função do Jn•
divlduo na História (título dc uma dc suas obras principais,
1890). Em 1897 publicou uma valiosa Introdução à Sociolo-
gia em que há um excelente exame sistemático das teorias socio-
lógicas de seu tempo.
A Sociologia era para ele uma ciência nomotética à pro-
cura de leis gerais da vida social, em contraste com a História,
que, sendo limitada a fenômenos concretos, é idcográfica. Ka-
reyev também acentuou que o indivíduo não é um instrumento
passivo da História. Grandes homens são aquêles que possuem
a capacidade de planejar atividades complexas e induzir outroc
a executarem êsses planos. Definiu o progresso como a evolução
para um ideal social; definiu o ideal social como a elevação
gradual dos padrões de vida humana e uma justa divisão do
trabalho entre os homens.
O subjetivismo cm retrospecto
Os membros da escola subjetiva russa concentraramse em
tômo de um dos problemas básicos da teoria, sociológica, a
relação entre o indivíduo e a sociedade. Em expressa oposição
aos marxistas e a Spencer, acentuaram as significativas funções
166
do indivíduo no processo social. Atribuíam aos indivíduos,
especialmente os de mais alto tipo, um papel ativo, que se
identificava com a obrigação de contribuir para o progresso.
Progresso para élcs era inteiramente diferente do que parecia
ser para a maioria dos sociólogos ocidentais, seus colegas. Pouco
interêsse dispensavam ao avanço material e à diferenciação
social. O ideal comum que sustentavam era uma sociedade
de iguais permitindo a autoexpressão para cada um de seus
membros.
Êsscs autores anteciparam, de vários modos, ou desenvol-
veram,
outros idéias que vieram
homens. a identificarse
Assim, LavrovMirtovcom asedescobertas de
Mikhailovsky acen-
tuaram o papel do indivíduo na vida social e na transformação
social, talvez antes de Ward tratar da matéria. Ambos desta-
caram a importância da imitação, muitos anos antes de Tarde
lidar coin a relação de imitação de costume, e quase ao mes-
mo tempo que Bagchot. Sofreram a desvantagem de escre-
ver em russo, de modo que sua interação com os sociólogos
nãorussos era unilateral. Embora os estudiosos russos lessem
àvidamente as obras dos colegas estrangeiros, fora da Rússia
poucos sociólogos se familiarizavam com as realizações deles.
A escola sofreu também a desvantagem da incompreen-
são que cercou o chamado método subjetivo. Muito tempo e
energia foram despendidos em uma controvérsia essencialmente
terminológica antes dos membros mais novos da escola, espe-
cialmente Kareyev, esclarecerem e corrigirem o método. A ra-
zão principal do colapso da escola consistiu, provavelmente, em
que ela fez a Sociologia depender de um ideal social e acen-
tuou juízos de valor como parte intrínseca da Sociologia. O sub
jetivismo não poderia prevalecer contra a poderosa demonstra-
ção de Durkheim (ver capitulo IX) e Weber (ver capitulo
XIV) de que os juízos de valor não devem ser introduzidos no
desenvolvimento da Sociologia teórica.
Todavia, outro aspecto da escola pode ter impressionado
favoràvelmcnte os sociólogos ocidentais: seu ponto de vista sô
br* as possibilidades objetivas. Na forma mais sofisticada da
probabilidade, êste conceito reapareceu nos ensinamentos de
Weber e outros.
A escola subjetiva russa, então, não influiu significativa-
mente no desenvolvimento da Sociologia. Mas muito do que
seus membros disseram sôbrc o papel do indivíduo na Histó
167
iffilS it!;,»»!!;*
iin.msfmtt*
rlrílfl friillnltdtl
mens cm interação. Como também o teorema dc Durkheim
dc que oí fatos sociais são fatos sui generis, irredutíveis a pro-
porções biológicas ou psicológicas (embora hoje êste ponto de
vista não esteja inteiramente fora dc controvérsia). A dico
tomia do Toennies, dos grupos sociais, contribuiu para a possi-
bilidade dc sua classificação científica c a identificação de
traços comuns a todos os tipos dc sociedade. Como contribui
ção à compreensão do papel das fôrças culturais c sociais na
conduta humana, a persistente investigação dc Durkheim sô-
bre a função da consciência coletiva foi, dc fato, um passo im-
portante, dc um dos pioneiros da Sociologia de hoje.
Ademais, persistiu a ênfase atribuída por Simmel à inte-
ração humana como unidade básica da pesquisa sociológica.
Toennies c Durkheim contribuíram significativamente para a
compreensão da interação cooperativa. O darwinismo social,
embora exagerasse o papel do conflito, lançou a base dc uma
teoria científica da interação antagonística. Os escritos dc No
vicow ajudaram no desenvolvimento dc uma teoria do conflito;
c Sumner chamou a atenção para a correlação entre a soli-
dariedade dentro dc um grupo particular e o antagonismo para
com os grupos de fora.
Pertence a Tarde a honra de ter compreendido a grande
importância da imitação na vida social. Contudo, ao tempo
em que escreveu, sua realização não foi plenamente com-
preendida, em pane devido à declarada oposição dc Giddings
e Durkheim. Relembrese também que alguns dos pontos de
vista de Tarde sôbre a imitação foram antecipados por Bagehot
c pelos subjetivistas russos.
Partindo de diferentes premissas, Sumner, Toennies e
Durkheim deram largos passos iniciais no estudo sociológico
do aspecto normativo da interação humana. Sumner esbo-
çou uma explicação do aspecto transpcssoal das normas sociais;
Toennies delineou um método de classificar normas, sob o pon-
to de vista sociológico; e Durkheim, usando a enganosa lin-
guagem do realismo social, procurou demonstrar o papel bá-
sico das normas dc grupo na vida social.
O segundo período na história da teoria sociológica foi
altamente fecundo em teorias sôbre as relações entre a socieda-
de e o indivíduo. Ward, Giddings, Tarde c os subjetivistas
russos revoltaramse em seus trabalhos contra o dogma das
fôrças sociais impessoais que sc impõem aos indivíduos e com-
170
pelem os homens a serem espectadores, mais que atôrei, da
cena social. Entretanto, o elemento de valídez contido no i«*a
lismo sociológico (a adscrição, à sociedade, de uma realidade
independente) foi hàbilmente apresentado por Gumplowic/.
Sumner, particularmente por Durkheim e respcitàvelmente pe-
los organicistas (dc cuja obra a contribuição de Schafflc foi
a mais impoi lante).
Poucas definições formais dc Sociologia surgiram nc«se pe-
ríodo. A dc Siimncl representou um claro avanço sôbre as
primeiras. Mas o problema da definição dificilmente existiria,
quanto
a ciênciaàdamaioria
evoluçãodos evolucionistas;
social para cies,
como a viam Comte a Sociologia era
e Spencer.
Debateramse com calor as questões de método, mas in-
frutiferamente, muitas vêzcs; o método a ser provàv cimente
recomendado seria apenas o corolário do teorema sociológico
básico sôbre o determinante fundamental da transformação so-
cial. Simmel, um dos maiores pensadores sociológicos de seu
tempo, confessou que não tinha nenhum método definido a
oferecer. Os russos pensaram que haviam inventado um nôvo
método, mas afinal simplesmente acentuaram o papel da per-
sonalidade no processo social. Os métodos quantitativo e de
estudo de caso, defendidos por Quételct e Le Play durante o
primeiro período, continuaram largamente inaplicados, na cor-
rente principal da teoria sociológica, até bem recentemente.
Somente Durkheim ofereceu uma metodologia bem desenvol-
vida, acentuando as exigências de uma ciência empírica; suas
significativas contribuições, porém, foram parcialmente vicia-
das por sua adesão à linguagem e, is vêzcs, à substância do
realismo social.
Em conclusão, podese dizer que a maioria das teorias aqui
examinadas são unilaterais ou responderam somente a poucas
perguntas básicas da teoria sociológica. Os organicistas c
Simmel dedicaramse primàriamcntc à natureza da sociedade;
os vários tipos de evolucionistas estavam principalmente inte
teressados no fator preponderante da transformação social; os
subjetivistas russos devotaramsc à relação entre a sociedade e
o indivíduo. Dos sociólogos dêsse período, Durkheim foi o que
mais se aproximou dc uma teoria sociológica sistemática ainda
hoje utilizável.
/;/
CAPITULO XI
0 Declínio do Evolucionismo e a
Ascensão do Neopositivismo
176
Neste último estudo, dedicouse largamente ao problema
dc demonstrar os estágios essenciais da evolução social. Espe-
cificando melhor, Kovalevsky tentou identificar e correlacionar
estágios em diferentes áreas de vida sociocultural. Fugiu à
desavisada conclusão de que similaridades entre dois ou mais
processos concretos estabelecem entre êles uma relação de ne-
cessidade evolutiva, reconhecendo a possibilidade de imita-
ção e dc difusão cultural. Negou enfaticamente prioridade ou
supremacia a qualquer fator particular no desenvolvimento evo-
lutivo, embora acreditasse que, nos primeiros estágios da evo-
lução,estratégica
sem as transformações
importância nano densidade
estimulo adatransformações
população tives-
pos-
teriores. Reconhecia a existência de variações ou desvios das
linhas retas da evolução, mas achava que o respectivo estudo
devia scr adiado até que os sociólogos conseguissem estabelecer
as similaridades sociais e culturais c reduzilas a leis gerais.
Finalmente, assinalava que as sociedades primitivas contempo-
râneas são contemporâneas e, portanto, não representam ne
cessàriamente estágios iniciais em crescimento evolutivo, fato
ainda hoje negado ás vêzes.
car aosocial
pnma processo mental
dos mores primário6 adafôrça
. Variação evolução
que põesocial e à matéria
a evolução
em movimento, embora não fique bem claro como e por que
isto aconteça. Mas o fato de que os costumes sejam, em tôda
parte, idênticos indica a ubiqüidade das variações not mores.
U
177
variações que refletem diferenças de grupo em reação mental
ao meio. E tais reações são seletivas, seguindo os caminhos
mais agradáveis aos homens. Keller localiza três tipos de se-
leção social: a automática, não envolvendo nenhuma adapta-
ção deliberada de meios a objetivos conscientes, e revelandose
na guerra, na luta de classes, na concorrência; a racional, aná-
loga à arte dos criadores e dando, assim, certa margem à ca-
pacidade do homem de controlar o sentido da transformação
(margem todavia grandemente limitada); e a contraseleção,
que, através de práticas como guerra, baixa fertilidade nas "clas-
ses superiores”, casamento tardio, celibato, e indústria mo-
derna, permite a sobrevivência dos bioldgicamente menos aptos.
A transmissão, terceiro princípio de Keller, considerando que
os mores não são biologicamente hereditários, referese ao papel
da imitação automatica e da educação artificial, na preservação
das tradições da sociedade. Os processos de variação, seleção c
transmissão tornam possível, finalmente, a adaptação nos mores.
Cada costume ou instituição, conquanto cm contradição com
outros (c, devese observar, Keller foi um dos primeiros a cha-
mar a atenção para os desajustamentos provocados pelas mé-
dias desiguais dc transformação nos mores), é o resultado da
adaptação do homem às condições ambientes.
Êstc breve resumo da aplicação de Kcller dos conccitos
darwinianos à evolução social não faz a devida justiça à ha-
bilidade
porém, foicomo que
maiorêle esforço
se desincumhiu
final dêssede tipo.
sua Otarefa. O seu,
conhecimento
sociológico tem progredido consideràvelmente desde a publica-
ção do livro de Keller, mas poucos avanços (se algum) têm
sido feitos segundo a orientação de Societal Evolution, o que
sugere ao menos que o desenvolvimento cientifico se encontra
em qualquer outra parte.
178
é, adequada coordenação dc funções para fins especifico*) I
liberdade (considerada como o limite permissive! à indepen-
dência de pensamento, caráter e imitação), e mutualidade de
serviço (ou a organização de relações sociais de modo que
cada um dos que servem a fins comuns também participe de
seus resultados). Como filósofo social, Hobhouse não só rejei-
tou a concepção radical do desenvolvimento evolutivo, e a dou-
trina extrema do laissezfaire, como advogou um coietivismo
modificado; acreditava que a própria evolução social repousa,
cada vez mais, no controle consciente. Tais convicções in-
fluíram sem dúvidn em sua escolha dc critérios referentes ao
processo evolutivo. A aplicação desses padrões a materiais etno-
gráficos comparativos, entretanto, representa um esfôrço subs-
tancial para o teste objetivo das hipóteses (qualidade também
visível em Morals in Evolution, volume bem anterior, publi-
cado em 1906). Embora as conclusões dc Social Development
sejam francamente inconseqüentes, elas indicam, conforme es-
clarece Hobhouse, que as sociedadcs tanto podem retroceder
quanto avançar, ao longo de uma ou mais das quatro linhas
traçadas pelos critérios da evolução humana.
Essa afirmativa está de acôrdo com a prova oferecida
era The Material Culture and Social Institutions of the Sim-
ples Peoples (1915), obra em colaboração de Hobhouse, Morris
Ginsberg evolucionista
princípio e Gerald T. deWheeler;
que onela os autores examinaram
desenvolvimento das institui-o
ções sociais é correlato às transformações das condições econô-
micas. Estudaram mais de quatrocentas sociedades, empre-
gando técnicas estatísticas rigorosas na classificação dos está-
gios dc avanço c das instituições políticas, familiares e militares,
entre outras. Enquanto certas correlações são evidentes nas
numerosas tabelas dêsse volume (por exemplo, entre o estágio
dos “caçadores inferiores" e as instituições políticas nascentes)
não sc demonstrou — ou argüiu — nenhum caso de primado
das condições econômicas ou de regularidade no processo
evolutivo.
17$
nasceram de estudos mais ou menos empíricos de hipóteses
tipicamente evolucionistas.
Lm dos colegas de Hobhouse, por exemplo, o estudioso
finosueco Edward A. Westermarck (18621939), levou anos
examinando materiais etnográficos numa tentativa de refutar
o postulado da promiscuidade sexual como primeiro estágio
da evolução da família humana; muitos evolucionistas (Mor-
gan, por exemplo) sustentaram esse postulado, embora alguns
dos primeiros antropólogos, como Tylor, não o aceitassem.
As conclusões de Westermarck, publicadas em The History of
Human Marriage (1891), demoliram com êxito a hipótese
da promiscuidade srcinal. Afirmou êle, com base em evi-
dencias da vida dos antropóides bem como das sociedades hu-
manas, que o homem foi srcinàriamente monogâmico e que o
tipo simples da íamília patemalística e o mais antigo e universal.
Embora os antropólogos modernos tenham abandonado a pes-
quisa das srcens das instituições, e tenhain produzido farta
documentação sôbre grande variedade de sistemas de família
culturalmente normais, concordam, via de regra, em que o
comunismo sexual não caracteriza nenhum estágio ou tipo de
sociedade humana e que todos os sistemas de família, por ex-
tensos que sejam, envolvem combinações da família nuclear ou
conjugal de pais c filhos.
A refutação de Westermarck à promiscuidade primitiva
foi acompanhada, paralelamente, por investigações doutrinárias
sôbre a evolução econômica, a partir de um primitivo comu-
nismo srcinal (como o aceito, por exemplo, por Engels). Fa-
zendo novamente uso de estudos etnográficos, demonstrouse
que, enquanto a propriedade comum da terra era amplamente
difundida entre os povos primitivos, os direitos da proprieda-
de privada — sôbre ferramentas, armas, roupas, etc. — tam-
bém faziam parte de suas instituições. Ficou provada a in-
coerência, entre os fatos conhecidos e o ponto dc vista evolu-
tivo, sôbre uma série dc estágios econômicos de crescimento,
da caça à criação dc gado e à agricultura; houve um estudioso,
Hahn, por exemplo,41 que revelou a coexistência do exercício
da caça, pelo macho, e do recolhimento de produtos selvagens
180
cultura dc desenvolvera sem o suposto estágio intermediário da
criação de gado, como entre muitas sociedades indígenas
americanas.
Os pontos de vista evolucionistas, relativos ao progresso
das instituições políticas, mostraramse mais consistentes do
que estas teorias econômicas. Os acontecimentos das últimas
décadas, porém — cumpre observai* —, deitaram um sôpro de
morte sôbrc a fase política do evolucionismo.
Também surgiram dúvidas quanto â justeza dos métodos
utilizados pelos evolucionistas: êles habitualmente pretendiam
estar empregando o método comparativo, embora na realidade
seu critério fôsse, geralmente, ilustrativo. Reuniamse, com
freqüência, provas selecionadas de culturas muito diferentes,
com o fim de testemunhar os estágios evolutivos; fenômenos
que não se enquadravam no esquema cvolucionista eram dados
como sobrevivências de estágios mais antigos, e os casos indi-
viduais eram asim classificados porque não alicerçavam esta
ou aquela teoria evolutiva. Freqüentemente, portanto, fechava
se num círculo o raciocínio dos evolucionistas. Maís ainda:
grande parte das provas que éles ofereciam não merecia con-
fiança, baseandose antes em relatórios de viajantes e missioná-
rios do que nos de cientistas. Finalmente, imaginouse que a
primitiva cultura contemporânea representasse os primeiros es-
tágios do crescimento evolutivo.
Descontados esses erros, os evolucionistas ainda poderiam
ter mantido uma versão modificada de sua doutrina, apoiados
na habilidade que revelaram cm explicar surpreendentes si-
milaridades, quanto a instrumentos, materiais, c instituições
sociais, entre povos separados por vastas distâncias. A expli-
cação, entretanto, que deram as tais similaridades era que elas
englobam estágios de evolução pelos quais tôdas as sociedades
humanas hão de passar. A expansão dos conhecimentos sôbre
a difusão cultural à base dc imitação veio pôr em xeque essa
linha dc raciocínio.
O renomado geógrafo alemão Friedrich Ratze! (1844
1904), cio sua Anlhropogeographic (1892), havia ji notado
similaridades culturais em sociedades marcadamente dtssixni
lares quanto ao meio, similaridades que só podiam, portanto,
ser explicadas como conseqüências do contato. £sy ponto de
vista coincide com o das Lois de limitation (1890) de Tarde,
em que o autor procura estabelecer o processo de imitação
como a mola do virascr social. A teoria era um exagero,
inas serviu para trazer à tona o importante papel da imitação
nos contatos humanos. No início do século XX, o etnólogo
alemão Fritz Graebner publicou uma série dc estudos culmi-
nando com Métodos da Etnologia (1911), em que nega a ocor-
rência dc muitas invenções independentes e declara que a di-
fusão das invenções é um fenômeno muito cncontradiço. É cer-
to que excessos c conjcturas infundadas marcam as obras dele
e da maioria de seus seguidores; mas a hipótese da difusão en-
controu apoio considerável em certo número de descobertas
arqueológicas, a indicar que vários itens da cultura material,
pelo menos, tinham viajado do lugar dc srcem até regiões
surpreendentemente distantes, nos períodos iniciais da Histó
na humana. Conchas marinhas e ossos de peixe, por exemplo,
remanescentes da Antiga Idade da Pedra (palcolitica) foram
encontrados muito longe de praias marítimos, sugerindo a exis-
tência de um comércio entre caçadores dc renas e tribos lito-
râneas. Na Bélgica apareceram pederneiras produzidas na Fran-
ça durante a Nova Idade da Pedra (ncolítica); conchas mari-
nhas da mesma época viajaram para a Alemanha e a Tchccos
lováquia. Descobriuse que o trigo da Dinamarca c as ove-
lhas ali criadas cm épocas posteriores vieram dc outra parte,
não sendo descendentes das espécies selvagens do Noroeste eu-
ropeu; a obsidiana, usada no Egito e na Mesopotâmia, veio da
Armênia
antes pelose deegípcios
Meios; e achouse
sumerianoslápislázuli no Irã, evolucionistas
.42 Os clássicos usado muito
não desconfiaram dc fatos como estes, cuja descoberta privou
a escola de uma de suas últimas linhas dc defesa.
Tal conclusão não quer dizer que nada sobrevivesse ao
colapso do evolucionismo: algumas cie suas contribuições con-
tinuam a ser úteis na estrutura da Sociologia contemporânea.
As investigações dos evolucionistas estabeleceram paralelismos
parciais entre determinados costumes, crenças e objetos mate-
riais. Embora não demonstrassem nenhum preestabelecido está-
gio de avanço, apesar dos esforços monumentais realizados nes-
te sentido, seus estudos corroboraram a sensata noção de que
certas coisas vieram antes e outras depois. As sociedades sem
182
a chefes cuja posição se baseia a principio em qualidades pes-
soais, mas tende a tornarse hereditária. Os instrumentos sâo
simples, de inicio, c gradualmente se tornam mais complexos.
O transporte se faz inicialmente a pé; depois vêm técnicas
cada vez mais requintadas. Em resumo, podese dizer que os
estudos dos evolucionistas confirmaram a convicção de que hi
certa ordem na transformação social e cultural, e vieram mos-
trar que uma teoria sistemática da transformação precisa in-
cluir a noção das causas operativas do processo histórico.tt
A validez dessas contribuições explica amplamente algu-
mas sobrevivcncias do evolucionismo até o dia de hoje; sobre
vivências que serão tomadas em consideração ao estudarmos
o quarto período do desenvolvimento da teoria sociológica (ver
capitulo XXI).
As raizes do ncopositivismo
184
regularidade nas impressões sensíveis, falamos de leis — soera»
constatações de periodicidade ou recorrência. A lei, portanto,
não acrescenta nenhum fator necessário a essas seqüências; a
necessidade é, na realidade, um conceito humano, só ilògicamen
te transferido para o mundo das percepções.
/17
CAPITULO X11
Charles H. Cooley
198
A* principais obras dc Cooley incluem Human Slur*
and the Social Order (1902), Social OrQanUatinn (1909), e
Social Process (1918); a última é, cm boa pane, uma reafir-
mação das duas primeiras. Morto Cooley, foi publicada uma
coletânea dc estudos seus, sob o título Sociological Theory and
Social Research (1930); apesar do titulo, aí só se encontra
um capítulo de importância para a teoria sociológica: “The
Roots of Sociological Knowledge".
O sistema de idéias de Cooley representa a fusão dc diver-
sas tendências. Grandemente influenciado por figuras literá-
rias, comocomo
ciologia Emerson,
de uma Thoreau c Goethe
ciência (Cooley
“artística"), falava
talvez da sido
tenha So-
Schãffle, mestre da escola organicista (ver capítulo VII), o
sociólogo que inicialmente mais o impressionou. De qualquer
maneira, Cooley denominou orgânico o seu ponto de vista,
embora tal organicismo, como adiante sc verá, não seja o
de Schãffle nem o de outros representantes dessa escola.
Naturalmente, tratandose de uma pessoa cujas opiniões
se formaram no último quartel do século XIX. Cooley era
de certo modo um evolucionista. A primeira de tu&s obras
principais abrese com esta frase: “Se aceitamos o ponto de
vista evolucionista..,” E vinte anos depois começou um ar-
tigo, sôbrc hereditariedade e meio,40 observando: “Chegamos
recentemente a olhar para tôdas as questões sob o ponto de
vista evolucionista." A despeito dessas afirmações, nos livros
de Cooley dificilmente se encontra o evolucionismo no sentido
estrito do têrmo. Êle se atinha mais à evolução do ser social
individual — o eu social — do que ao desenvolvimento do pro-
cesso histórico global Ao discutir História encaraa em rela-
ção com o desenvolvimento do eu social, sem nenhuma preo-
cupação em identificar estágios de evolução social. No artigo
acima citado, afirma, pitorescamente: “A História parece fluir
em dois canais bem distintos. Talvez como um rio c uma es-
trada ao longo da margem, duas vias de transmissão: o rio é
a hereditariedade, transmissão animal; a estrada é a comuni-
cação, transmissão social. Um flui através do plasmaembrião;
a outra vcui através da linguagem, do intercâmbio e da edu-
cação. A estrada é mais recente do que o rio.** £sse artigo foi
m
escrito em meados de década de 1920, tomando seu autor
uma posição coerente com o ponto de vista cultural que vinha
então ganhando destaque na Sociologia americana.
Embora não se interessasse pelo estudo da grande curva
evolutiva da História, Cooley compartilhou da fé contemporâ-
nea no resultado benéfico do processo cm curso. A crença no
progresso está implícita em todos os seus escritos c é muitas
vezes expressa, como na passagem seguinte: “O ponto dc
vista evolucionista nos anima a acreditar que a vida é um
processo criador, que estamos realmente construindo alguma
coisa nova... e que a vontade humana c uma parte da ener-
gia criadora que faz isso.”50
Cooley sofreu ainda a influencia dos sociólogos de forma-
ção psicológica do seu tempo. Embora não cite Ward muito
freqüentemente, as duas linhas de transmissão dc Cooley —
genética e cultural — poderiam ter derivado da concepção de
genesis c tclesis de Ward. Por outro lado, referiuse muitas ve-
zes a Tarde, incorporando cuidadosamente algumas das opiniões
em Social Organization, embora vituperasse a ênfase unilateral
dada por Tarde à imitação. Mais ainda, Cooley seguiu de
perto novos avanços da Psicologia, como demonstrou por re-
petidas alusões às obras de William James, James M. Baldwin e J.
Stanley Hall. Rejeitou expressamente o instintivismo de Mac:
Dougall e deu pouca atenção à teoria behaviorista dc Watson.
Enfim, e cm contraste agudo com os cânones do neo
positivismo florescente, Cooley foi idealista, no pensar c es-
crever. Viu a realidade social nas idéias pessoais dos homens,
uns perante os outros, e viu no estudo das relações sociais, como
reflexos de idéias, atitudes e sentimentos, a tarefa básica da
Sociologia. Examinaremos êsse ponto de vista no approach
orgânico de Cooley.
190
cistas infinitamente detalhadas. A sociedade, para 81c, é uin
todo vivo, constituído por segmento» diferenciados, cada um
com uma função especial. Também se pode considerála um
complexo de formas ou procesos que vivem e crescem por in-
teração recíproca, sendo o todo tão unificado que o que ocorre
numa parte afeta o resto por inteiro.
O ponto de vista de Cooley acentua tanto a unidade do
conjunto quanto o valor peculiar do indivíduo, explicando um
pelo outro: “Um indivíduo separado é uma abstração desco-
nhecida para a experiência, e assim também é a sociedade
vista comonãoalgo
divíduos alheio fenômenos
denotam aos indivíduos... A sodedadc
isolados, c us in-
sendo simplesmente
o aspecto coletivo e o distributive de uma só coisa” (Human
Nature, págs. 3637).
Uma das preocupações principals de Cooley era a solu-
ção do que êle encarava como pseudoproblema nos fundamen-
tos de sua teoria orgânica. Naquele tempo, a questão do pri-
mado da hereditariedade ou do meio na determinação da con-
duta humana ora agudamente debatida. Cooley respondeu:
“Quando nossa vida individual comcça, os dois elementos da
história — o hereditário c o social — fundemse em um nôvo
todo e cessam de existir como fôrças isoladas— Hereditarie-
dade e meio... são, efetivamente, abstrações; o que há é um
processo orgânico total” (Human Nature, pág. 15). Considera-
va as discussões sôbre a importância absoluta ou relativa da
hereditariedade ou do meio tão fúteis quanto os debates sôbre
o domínio do espírito sôbre a matéria c vicevcrsa. [Referia
se à mente pública ou social e parecia acreditar que esta mente
é um todo orgânico formado por indivíduo* coatuantes; o que
resulta, naturalmente, em uma perigosa aproximação da teoria
organicista.)
Uma teoria orgânica da sociedade, segundo Cooley, devia
elucidar o mais claramente possível a relação entre o indivíduo
e a sociedade. Seus trabalhos, concernentes a essa relação, pro-
blema sociológico fundamental, são de certo modo decepcio-
nantes (exceto para a discussão de grupos primários, como
adiante se observa). A sociedade — diz êle — 6 mais do que
a soma dos indivíduos. A unidade da sociedade coincide com
a unidade da mente social, constituída não por acôrdos entre
indivíduos, mas por organização. Na tentativa de explicar a
natureza dessa organização, porém, Cooley pouco acrescentou
191
à afii inação dc que cia consistc na “unidade diferenciada en-
tre vida social c mental". Considerava dc nenhum valor ten-
tar uma definição inais elaborada: “Só temos que abrir os
olhos c ver a organização” (Social Organization, págs. 45).
Cooley voltou ao problema da organização ao discutir as
instituições. Aqui, novamente dispensa ao assunto um trata-
mento bastante vago: “Uma instituição c apenas uma fase
definida c estabelecida da mente pública. As várias institui-
ções não são entidades isolávcis, e sim organizadas atitudes da
mente pública, e só por abstração é que podemos olhálas como
coisas cm si.” Nesse ponto, entretanto, Cooley revela que sua
visão da “Nos
cológica: sociedade é, não
homens, c emapenasnenhuma
orgânica,outra
mas parte,
também6 psi-
que
se há de encontrar a instituição** (Social Organization, págs.
31314).
A teoria orgânica de Cooley é, naturalmente, incompa-
tível com o monismo sociológico, que envolve a escolha de
um fator particular, social ou não, como determinante básico
do estado da sociedade ou do seu desenvolvimento. Suas opi-
niões a esse respeito estão elaramente expressas num documento
publicado em 190351: “A visão orgânica da História nega
a qualquer fator ou fatôrcs importância maior que a dos ou-
tros. Nega, na verdade, que a mente, as diversas instituições,
o meio psíquico tenham existência real alheia a uma vida to-
tal emcorpo
bros do que compartilham
tudo compartilha,
da vida dedaum mesma
organismoforma que os mem-
animal.”
192
Cooley em duas obra* importantes. Em Human Nature and
the Sotial Order, apresentou o conceito influente do eu refle-
tido ou “de espelho’* assinalado por três elemento* principais:
a imaginação de nossa aparência para a outra pessoa; a ima-
ginação de seu julgamento dessa aparência; e uma espécie de
autosentimento, tal como o orgulho ou a mortificação.
Essa formulação e as discussões mais externas da natureza
social do eu indicam novamente o idealismo filosófico de Cooley
— as “imaginações” que temos um do outro “são os fatos só-
lidos da sociedade" — e ilustram seu extremo subjetivismo.
Ao mesmo tempo, a exploração do eu social e de sua depen-
dência da interação social representa uma antecipação im-
portante do approach cultural de hoje para o estudo da
personalidade.
De maneira semelhante, a análise de Cooley do grupo
primário é um marco importante no desenvolvimento da ci-
ência social. Os grupos primários são caracterizados pela as-
sociação íntima, faccaface, cooperação direta e conflito, um
jôgo relativamente livre de personalidade e sentimento. A fa-
mília, O grupo de recreio e a vizinhança íntima cram do maior
interêsse para Cooley, mas êle reconhecia a ubiqüidade dos
grupos primários (ou, como hoje freqüentemente se coloca,
informais), em tôdas as organizações sociais. Essas coletivida-
des íntimas são primárias — elucidou — porque são o vivei-
ro da natureza humana, provendo o indivíduo de sua experi-
ência mais incipiente e mais completa da unidade social, e
porque essa experiência de grupo dá srcem a ideais sociais
universalmente encontrados, tais como a fé, o espírito presta
tivo, a bondade, a obediência ás normas sociais e também o
ideal da liberdade. Sòraente através dos grupos primários
podem êstcs ideais desenvolverse, e à medida que se ampliam
através da maior sociedade se tornam marco* de progresso e
democracia.
O último ponto de vista ilustra a intromissão das con-
vicções pessoais de Cooley em sua análise social, característica
manifesta na maior parte de sua obra. Não obstante, a des-
crição que faz da natureza e das funções dos grupos primários
não sòmente abriu um campo nôvo e importante de investi-
gação como representa uma contribuição substancial à tipologia
dos grupos sociais, campo investigado antes por Toennies. Mas
a distinção de Cooley entre grupos primários e secundários foi
uma inovação independente.
is 193
O fundamental dos grupos sociais mais inclüsivos, para
Coolcy, são as elasses c castas sociais. Rcconheccu ele a uni
versai idade da estratificação social e correspondent implica-
ções funcionais para a sociedade, acentuando que a herança
c a concorrência explicam, respcctivamcnte, a presença de al-
guns elementos declarados dc casta c classe em tôdas as socie-
dades. A este respeito, antecipou a obra de Robert E. Park e
sucessores atuais, especialmente W. L. Warner, assinalando os
aspectos “da casta” da estrutura étnica de grupo nos Estados
Unidos. A análise feita da estratificação mais uma vez combina
se com seus valores pessoais: uma forte simpatia pelas classes
baixas sem
ciedade e aclasses.
confiança no crescente desenvolvimento de uma so-
Resumo e perspectiva
William I. Thomas
Thomas (18631947), o outro expoente da Sociologia psi-
cológica, trabalhou independentemente de Cooley. Ao que pa
195
rcce não há dúvida que, der.ire ambos, Thoinas causou im-
pressão mais profunda no pensamento dos modernos arquite-
tos da teoria sociológica.
Nascido na Virgínia, Thomas estudou na Universidade de
Tennessee e nas de Berlim e Gottingen, na Alemanha. Duran-
te os primeiros anos de estudo não se interessou pelas Ciên-
cias Sociais. Mas em 1893 formouse cm Sociologia no recém
criado departamento de Sociologia da Universidade de Chi-
cago. No ano seguinte, começou a ensinar em Chicago e con-
tinuou sua obra aí até 1918, quando renunciou à cadeira por
motivos pessoais. De 1923 a 1928 lecionou na New School
Social Research, em Nova York, e posteriormente, durante um
ano (193637), aceitou a posição de professor convidado
da Universidade de Harvard. Os anos intermediários e
os últimos de sua vida, passouos pesquisando e escrevendo
independentemente.
As principais obras de Thomas incluem Source Book of
Social Origins (1909), que, consideravelmente modificada, foi
novamente publicada em 1937, sob o título de Primitive Be ha»
vion; The Polish Peasant in Europe and America, em colabo-
ração com Znaniecki (cinco volumes, 191821); The Unadjusted
Girl (1923); e The Child in America (1928), em colaboração
com sua espôsa Dorothy Swaine Thomas. Depois de sua morte,
o Social Science Research Council criou uma comissão para
coletar os contribuições de Thomas à teoria e pesquisa sociais;
o resultado foi a publicação de Social Behavior and Personality
(1951), organizado por Edmund H. Volkart.
Metodologia
196
horizonte cientifico, embora nunca se deixasse envolver por
elas. Durante certo período ficou sob o encanto da Psicaná-
lise, mas subseqüentemente rejeitou a formulação freudiana,
considcrandoa tao falaciosa quanto a teoria da superioridade
nórdica.
Apesar de suas mudanças de opinião, Thomas nunca
duvidou dc que a teoria social, termo que usava para de-
signar a Sociologia e a Psicologia Social, precisa ser científica.
Era urgente — disse êle — desenvolver o estudo mais exato
e sistemático da conduta humana em uma escala e com um
método comparável aos das Ciências Físicas e Biológicas. Este
argumento, naturalmente, não é a mesma coisa que advogar
a adoção, pela teoria social, de generalizações ou leis esta-
belecidas pelas Ciências Naturais, posição que Thomas rejei-
tava. Entretanto, afirmava que, sc a Sociologia deve tomar
se científica, precisa aplicar à realidade social o tipo de ra-
ciocínio usado nas Ciências Naturais.
Dado que a procura das relações causais entre os fenô-
menos é a base dc tôda cicncia, a teoria social válida deve
consistir em leis demonstrando relações necessárias entre uni-
dades da realidade social. Essa teoria é essencial para a análi-
se social. Eis o tema central do famoso estudo The Polish
Peasant,, em que Thomas sustenta que as unidades fundamen-
tais sua
ante da natureza
realidade social são atitudes e valores (veremos adi-
c intcrrelação).
À medida que os anos passavam, Thomas se tomava me-
nos confiante na possibilidade de encontrar leis sociais dessa
espécie. Nas últimas obras, adotou a opinião dc que o soció-
logo deve satisfazerse com inferências de menor exatidão do
que a das leis. Crescentemente influenciado por estatísticos mo-
dernos (e provàvelmente por sua espôsa, ela própria estatística
proeminente), substituiu a meta das possibilidades por leis, ob-
servando que quando a situação total se complica as inter
reloçõcs são numerosas e a medição necessária.
Em um de seus trabalhos, Thomas adatou uma posiçio
que, desde logo, rejeita inteiramente o approaeh causai para
o estudo dos fenômenos sociais. Ê essencial — diz êle —
abandonar a idéia de “causação” cui favor de um critério que
investigue conseqüências específicas de antecedentes específi-
cos. Assim formulou a relevante questão, no campo da per-
sonalidade e da cultura: “Como c cm que circunstâncias rca
197
gem diferentes indivíduos e cm que padrões dc conduta, c que
alterações de conduta se verificam quando se altera a situação?”
(pág. 296). Por trás dessa declaração, entretanto, parece ha-
ver uma incompreensão que se tem verificado na história da
ciência empírica, incluindo a Sociologia. Incompreensão que
envolve a identificação infundada do approach causal com a
pesquisa da “causa” de um dado fenômeno. Encontrar a causa,
como declarou Thomas, c impossível. Mas sc o sociólogo pode
formular um sistema de proposições respondendo a tais pro*
blemas, como êle os colocou, essas proposições terão certamen-
te valor causai.
No fim
ajudariam da vida, a Thomas
o sociólogo considerou
aproximarsc de seusváriasobjetivos
técnicas cien-
que
tíficos. Entre diversos procedimentos, insistiu na necessidade
dc usar grupos de contrôlc no estudo da freqüência estatís-
tica dc fenômenos sociais, por exemplo, dos fatôrcs específicos
nas médias de conduta criminosa. Hoje o uso de grupos de
contrôlc é um processo comum, mas não o era nos dias em
que se batia pela adoção dêsse método na pesquisa social.
198
qualquer teoria que pretendesse explicar fato* sociais rrn têr
mos biológinos (embora freqüentemente se referisse ao fundo
biológico da ação humana). Também rejeitou vários approaches
particularistas, incluindo a imitação de Tarde, o constrangimen-
to social dc Durkheim, a consciência da espécie de Giddings.
Mas sofreu profundamente a influência do behaviorismo. Cita
va Watson freqüentemente e usava quase indiferentemente os
termos approach situacional e approach behaviorista. Não obs-
tante, nunca aceitou a principal assertiva do behaviorismo —
de que a ação humana é cientificamente explicável indepen-
dentemente da mente
Entretanto, dos agentes
Thomas na cena
escolheu a social.
conduta e depois especial-
mente a conduta em adaptação, como o interesse central de
sua teoria sociológica. A ação em uma situação social — sus-
tentou — 6 o fato social a ser explicado. A situação social
(freqüentemente citada como a situação totnl) consiste cm
três elementos intcrrclacionados: condições objetivas, que in-
cluem normas de conduta socialmente postas cm vigor; atitu-
des preexistentes do indivíduo e do grupo; a definição da si-
tuação pek> próprio agente, influenciado, todavia, pelo grupo.
Em The Polish Peasant, acentuase o segundo dêsses ele-
mentos,* dado que Thomas e seu colaborador, Znaniccki, acre-
ditavam, ao tempo em que escreviam a obra, que se podiam
estabelecer relações causais entre atitudes c valores. Dos dois
conceitos, o de valor já fôra desenvolvido seguindo linhas de
certo modo diferentes, por Durkheim e Max Weber (ver cap.
XIV). Mas Thomas e Znaniccki intentaram refinar o con-
ceito de valor, de modo que fôsse mais útil na teoria social,
c trouxeram para a própria teoria o conceito dc atitude. Na
Nota Metodológica de The Polish Peasant, freqüentemente ci-
tada, aos dois conceitos são dadas definições bastante embara-
çosas: “Entendemos por valor social qualquer dado que pos-
sua um conteúdo empírico acessível aos membros de algum
grupo social e um sentido com referência ao qual seja ou possa
ser objeto de atividade... Entendemos por atitude um pro-
cesso de consciência individual que determina a atividade real
ou possível do indivíduo no mundo social... A atitude é, as-
sim, a contrapartida individual do valor social; a atividade,
em qualquer forma, o laço entre cies” (págs. 4950). Em obras
subseqüentes, Thomas definiu mais simplesmente autude e va-
lor: atitude é a tendência a agir, representando uma direção
ou desejo; o valor representa o objetivo ou meu do agente.
/99
Mais tarde ainda, Thomas combinou os dois conceitos na ati-
tude frascológica com respeito ao valor.
A substituição das primeiras definições pelas últimas es-
clarece, nitidamente, os pontos dc vista dos autores de The
Polish Peasant sôbre as relações causais entre atitudes e va
lôrcs. Seu principal teorema é que a causa dc uma atitude
ou de um valor nunca é apenas uma atitude ou um valor, mas
sempre um combinação de atitudes e valôres. Por isso, os ho-
mens não reagem da mesma forma às mesmas influências. Ilus-
tram êsse teorema (talvez bastante inadequadamente) com o
caso dc dois filhos vivendo sob a norma tirânica do pai, mas
ícagindu diversamente. Se para um filho o valor da solida-
riedade é forte, pode desenvolverse a atitude de submissão;
se o outro prefere os valôres individualistas, a atitude dc re-
volta pode ganhar o primeiro plano.
Thomas nunca rejeitou inteiramente os conceitos dc ati-
tude c valor, mas em suas últimas obras não têm papel tão
importante como em The Polish Peasant. Mesmo, porém,
ai, não os estudou à parte do contexto da situação total. A si-
tuação total, conforme já observamos, inclui elementos obje-
tivos, de que os próprios valôres são uma parte decisiva. Entre
eles achamse as regras de conduta, isto é, as normas sociais
mediante as quais o grupo mantém, regula e define como de-
sejáveis tipos de ação mais gerais e freqüentes. Os sistemas es-
tabelecidos dessas regras formam as instituições sociais, e estas
últimas, por sua vez, fazem a organização social. A organiza-
ção social, sistema normativo, é o próprio objeto da Sociologia.
A Sociologia, focalizando valôres, diferenciase portanto da Psi-
cologia Social, ciência geral das atitudes (ou do aspecto subje-
tivo da cultura). As duas disciplinas, juntas, constituem a
“teoria social”.
As condições objetivas — primeiro dos três elementos da
situação total, de acôrdo com o ponto de vista de Thomas
— eram pràticamente idênticas às normas e instituições que
moldam as atitudes de uma pessoa c, conseqüentemente, suas
definições de situações. “A definição da situação" — observa
Thomas cm um estudo —* “começa pelos pais... continua
na comunidade... e é formalmente representada pela escola, a
lei, a igreja” (pág. 8). Ao mesmo tempo, entretanto, a defi-
nição da situação, como ponto de vista do agente no momento
de se decidir a agir, também se descreve como o terceiro ele-
200
mento da situação total. Esta contém sempre fatôres subjeti-
vos (atitudes). Podese compreender a conduta sòmente quan*
do estudada dentro de seu contexto integral — a «fruaçjfo não
lòmente como existe em forma objetiva, verificável, mas tam-
bém como parece existir para a própria pessoa. Êsse último
fator subjetivo não deve nunca ser descontado na análise so-
cial, dado que, para citar o conhecido teorema de Thomas,
“se os homens definem as situações como reais, elas são reais
em suas conseqüências" (pág. 81).
29/
t
nem individualmente desorganizados durante o período da de t
sorganização social.
Essa idéia de desorganização c do grupo em equilíbrio
dinâmico, apresentada cm The Polish Peasant, é inteiramente
semelhante a alguns dos teoremas básicos do General Treatise
on Sociology, de Pareto (ver cap. XIII), que aparcceu poucos
anos antes. Entretanto, não há nenhuma razão para acreditar
que Thomas e Znaniecki tenham sido influenciados pelo so-
ciólogo italiano, dado que os pontos dc vista acima foram ex-
postos, cm embrião, por Thomas, nada menos do que em 1906.
202
tos c resíduos (ver cap. XII), c no mínimo incoerente com a
firme rejeição, por parte de Thomas, das explicações biológicas
da personalidade e dos fenômenos sociais, e cm pana a enérgica
ênfase que depositou na influência decisiva, sôbre a conduta*
da cultura c da experiência pessoal de vida.
A segunda série de conceitos adicionais referese a três
tipos dc personalidade. Thomas descreveos como o filisteu,
o boêmio e a personalidade criadora. As atitudes do fitís
teu são tão estáveis que a formação dc novas atitudes está
quase excluída; êle é o conformista. A personalidade do boêmio
se caracteriza por atitudes instáveis e nãorelacionadas, que
tomam o indivíduo suscetível a uma variedade de influências;
os boêmios revelam um alto grau dc adaptabilidade, mas é um
ajustamento provisório sempre. A personalidade do homem
criador é assentada e organizada; envolve, porém, a possibilida-
de e mesmo a necessidade dc evoluir, porque suas atitudes
incluem a tendência a mudar, implícita no planejamento da
atividade produtiva. Thomas explicou que oc três tipos não
exaurem as variações da personalidade humana; são tipos ideais
(têrmo que provàvelmentc tomou emprestado a Max Weber)
c, na realidade, todos os indivíduos, embora em proporções
diferentes, manifestam traços de cada um dos três.
Enquanto, cm geral, a experiência da vida molda a per-
sonalidade na estrutura da definição social da situação (cul-
tura), o indivíduo criador é capaz de influenciar a cultura por
meio da invenção. Thomas não aceitou, entretanto, a teoria
da invenção, do grande homem. Ilustra sua opinião a êsw
respeito uma declaração tirada de um dos seus primeiros
escritos: "A mente do indivíduo não pode ascender muito
acima da mentegrupo” (têrmo pelo qual Thomas significava,
então, grosso modo, cultura) “c a mentegrupo será simples se
as condições ambientes externas e as experiências de antece-
dentes raciais*3 são simples. Aqui, é justo atribuir importan-
tes movimentos c invenções a indivíduos sàmente em um sen*
tido atenuado" (pág. 221). Hoje, os teóricos da tranrformação
social aceitam, comumente, esta posição.
Os três tipo* de personalidade e os quatro desejos, desen-
volvidos com aJguroa extensão em The Polish Peasant, foram
203
nos últimos anos mais ou menos completamente rejeitados pelo
próprio Thomas, embora alguns autores continuassem a utilizá
los, apesar dessa deserção por parte do criador srcinal. A in-
trodução, por parte de Thomas, de uma nova técnica de pes-
quisa iniciou por outro lado uma tendência significativa na
investigação da ciência social.
A nova técnica envolvia o uso de documentos pessoais,
tais como cartas, diários e especialmente histórias de vidas e
autobiografias escritas por solicitação do investigador. (Recen-
temente, batizavamse os documentos desse tipo, apropriada-
mente, de “biogramas”.) 54 Uma única história de vida cons-
titui parte extensa dc um volume de The Polish Peasant, tendo
sido extensamente empregados na obra outros documentos pes-
soais. Thomas e Znaniecki explicaram que esses documentos
trazem esclarecimentos inestimáveis à ação recíproca dc ati-
tudes, valôres e condições objetivas cm uma situação social.
A significação de The Polish Peasant não se limita aos
conceitos, teoremas e sugestões de processos que relatamos.
Igualmente importante é o fato de que essa pesquisa repre-
senta a primeira tentativa, em larga escala, de aplicar con-
ceitos gerais de Antropologia moderna ao estudo da cultura
cm rápida transformação e à organização social das socieda-
des avançadas. Numerosas obras que empregam semelhante
approach enriqueceram a Sociologia contemporânea, como, por
exemplo,
R. L. e H. os M.conhecidos
Lynd e asvolumes Middletown
séries Yankee (1929,
City de 1937)
W. L. Warnerde
e seus colaboradores (ver cap. XVII).
Mas Thomas nos interessa mais do que apenas como exem-
plo da maneira pela qual a Sociologia pode utilizar o approach
comumente empregado na Etnologia: o estudo de culturas
totais. O Source Book on Social Origins (1909) acentua o
principio de que, nos estudos analíticos, nenhum fenômeno será
completamente compreendido quando separado da estrutura
integral de que faz parte, e nenhuma cultura será entendida,
quando considerados isoladamente os seus elementos. Em The
Polish Peasant, destacase a necessidade de considerar, em tôda
análise social, a vida de uma sociedade. Hoje, tanto a Antropo-
logia Cultural quanto a Sociologia sustentam ésse ponto de vista.
204
Resumo e apreciação
205
Essüs críticas a The Polish Peasant são boas. Mas, natu-
ralmente, não oferecem uma explicação satisfatória para o lu-
gar que os escritos dc Thomas ocupam no desenvolvimento da
teoria sociológica. Quais as respostas de Thomas aos proble-
mas fundamentais da teoria sociológica, estabelecidos no ca-
pítulo IP Podem ser resumidas da seguinte maneira:
Primeiro, Thomas nunca definiu explicitamente a natu-
reza da socicdadc. Ao revés, sustentou que a organização so-
cial sc compõe dc instituições que, juntas, constituem um sis-
tema de normas impostas pelos grupos sociais a seus membros.
Empregou a palavra cultura para designar os valôrcs mateiiais
c sociais de qualquer grupo dc pessoas.
Segundo, a socicdadc e a cultura precisam ser analisadas
em termos dc sua unidade fundamental que, para Thomas,
é a ação social. Esta consiste na ação dc um indivíduo em
uma situação social determinada pelas condições objetivas, das
atitudes c valôrcs do agente adquiridos durante sua experiência
dc vida e de sua definição da situação.
Terceiro, a relação existente entre sociedade, cultura e
personalidade e reciproca, a personalidade recebendo da cul-
tura a parte principal de suas atitudes e valôrcs, dentro da
estrutura da organização social. A êste respeito, as personali-
dades criadoras desempenham um papel relevante; não obs-
tante, sua influência é limitada pelas condições culturais que
defrontam.
Quarto, não há um determinante preponderando no es-
tado da sociedade e da cultura c de suas transformações. As
diferenças de conduta e de cultura são o resultado do diferen-
ças na experiência de vida dos vários grupos hem como de di-
ferenças na interpretação psicológica dessas diferenças {as con-
seqüências das definições humanas são reais e importantes).
Quinto, definese a Sociologia como a ciência das insti-
tuições. Mas a Sociologia precisa da suplementa ção da Psicolo-
gia Social, a ciência das atitudes ou o aspecto subjetivo da
cultura. Os métodos da Sociologia e da Psicologia Social de-
vem ser científicos, baseados na mesma lógica das Ciências Na-
turais. O objeto da Sociologia, entretanto, é único, assim como
no caso de cada ciência, e necessita, conseqüentemente, utili-
zar procedimentos próprios. O mais adequado se encontra no
approach situacional, na análise das condições que determinam
as ações dos indivíduos em situações totais. Mais particular-
mente,* cumpre determinar os efeitos combinados da diferen-
ciação de indivíduos c dc situações, inclusive as transforma*
ções néles; método que, sempre que possível, envolverá medi-
ção do impacto das variações nos fatôres e usará grupos de
contrôle. Para compreender a integração de fatôres diferen-
tes na vida individual, os documentos pessoais são inestimáveis.
Estes, então, os principais elementos dos trabalhos teóricos
de Thomas. Em perspectiva histórica, quais os que mais con-
tribuíram para o desenvolvimento da teoria sociológica? Talvez
seja muito cedo para empreender semelhante estimativa, mas
oc pontos seguintes parecem claros:
Primeiro, Thomas foi um dos primeiros sociólogos a re-
jeitar a doutiina evolucionista c, juntamente cem Cooley, um
dos mais convictos e convincentes opositores às teorias monlsti
cas que interpretam a sociedade, a cultura e suas transforma-
ções, com base em algum fator único.
Segundo, paralelamente a Pareto, mas independentemente
dêlc e dos primeiros neopositivistas, Thomas sublinhou a ne-
cessidade de empregar procedimentos científicos em Sociologia.
Sua própria obra ilustrou tanto as possibilidades quanto as di-
ficuldades da pesquisa social empírica. O método hoje coixiu
mente usado de comparar um grupo experimental com um
grupo de contrôle é devido em parte ás sugestões de Thomas.
Terceiro, foi um dos primeiros promotores de uma tendên-
cia persistente na Sociologia contemporânea e que se pode de-
nominar de normatsvismo. Tendência essa que acentua a im-
portância central de normas ou regras de conduta na socieda-
de, normas que exercem “pressão moral” sôbre o agente. En-
tretanto, a obra de Sumner (ver cap. V), encerrando a mes-
ma opinião, já era utilizável como fonte de inspiração antes
que us principais trabalhos de Thomas aparecessem.
Quarto, enriqueceu Thomas o tesouro teórico da Socio-
logia com diversos conceitos importantes, entre os quais a si-
tuação social, a definição da situação e a desorganização rr»»*
pmvaram ser aquisições duráveis. A distinção entre atitude
e valor, apesar de sua falta de precisão, ilustrou o problema
básico de tratar os elementos subjetivo c objetivo na análise
da ação, problema refletido, por exemplo, nas discussões mais
recentes de Maclver sôbre atitude e interesse (ver cap. XVIII).
Êste último conceito é estreitamente afim ao "valor** de Tho
207
mas, que, por sua vez, tem alguma afinidade com o valor
como antes o encararam Durkheim e Max Weber.
Quinto, Thomas foi um dos primeiros a promover o que
se pode chamar o princípio da integração, insistindo em que
os fenômenos sociais devem ser encarados no contexto das cul-
turas totais. The Polish Peasant abriu o caminho para certo
número de estudos dc sociedades modernas desse tipo. Hoje,
o princípio é parte central do approach funcional, em Sociolo-
gia c Antropologia Cultural.
Sexto e finalmente, chamou Thomas a atenção para a
importância fundamental do estudo da relação existente entre
personalidade e cultura. Insistiu em que o problema principal
da teoria social a solucionar centralizase na interdependência
do indivíduo, da organização social e da cultura. Êsse proble-
ma continua a ser do maior interêsse para a Sociologia, a
Psicologia Social e a Antropologia.
Não obstante essas importantes contribuições, os pontos
de vista de Thomas encerram perigosos elementos, perigosos
em sua capacidade potencial de levar a Sociologia para um
beco sem saída. Na formulação de Thomas, a unidade básica
do estudo sociológico não é a interação, mas a ação do in-
divíduo em uma situação social. Dava êle destaque, persis-
tentemente, à assertiva de que a situação social é em parte ob-
jetiva na natureza. Mas a ênfase sôbre os fatores subjetivos
(juntamente com uma tendência srcinada com Max Weber,
que veremos no cap. XIV) encorajou alguns sociólogos ameri-
canos contemporâneos a ultrapassarem amplamente a demar-
cação convencional entre a Sociologia e a Psicologia; êles iden-
tificaram a teoria social com a teoria da ação (ou parte dela),
atendendo a que a ação tem sido, até aqui, um dos temas
centrais da Psicologia. Assim, para alguns sociólogos, a dis-
ciplina relacionase primàriamcntc à motivação da conduta
humana. Isto resulta em um objetivo confuso para a Socio-
logia, dado que parece não haver nenhuma tendência a aban-
donar os velhos problemas que ela apresenta, pertinentes à es-
trutura e transformação sccioculturais.
Como já vimos anteriormente, muitas formulações de Tho-
mas são passíveis de crítica. Os quatro desejos, por exemplo,
embora êle próprio destilasse o conceito, tomaramse, em certo
momento, nas mãos de alguns autores, uma espécie de este-
reótipo a fim de explicar a conduta, embora nem Thomas nem
208
seus seguidores pudessem estabelecer funções especificas dal
diferentes desejos sob condições determinant*. Os ts£ tipos
de personalidade, também descuidadamente usado* por uns
poucos autores, são conceito* antes essencialmente literários
do que científico*. A distinção entre atitude e valor nlo a de-
lineou Thomas claramente: uma e outro parecem pessoais e
sociais, subjetivos e objetivos, cvittndo o estabelecimento de ra-
lações causais entre êles.
Contudo, esses pontos fracos na teoria de Thomas foram
largamente expostos à base dos desenvolvimentos da ciência
social ocorridosTheanosPolish
especialmente depoisPeasant
de .publicada sua notável
Na realidade, obra,
o próprio
Thomas formulou algumas dessas criticas, nos últimos anos de
vida. Não se pode utilizálas como uma medida, para aferir
o valor dc suas realizações. Pois Thomas foi um arrojado ex-
plorador científico, como pouco* na Sociologia americana.
Muito lhe devem a teoria e a pesquisa sociológicas.
m
209
CAPITULO X I I I
Vilfredo Pareto
210
(ado sobre problemas tcóricos e o estudo de Pareto permane
ceu vários anos ignorado.
O Tratado continha algumas declarações cáusticas sôbre
a democracia (que Pareto conhecia principalmente em suas
formas francesa e italiana, algo destorcidas). Essas partes da
obra atraíram a benevolência de Benito Mussolini, que, uma
vez no poder, ofereceulhe um lugar no Senado italiano. Deve*
se reconhecer, para crédito de Pareto, que êle declinou da
oferta.
Em 1936, apareceu uma tradução inglesa do Tratado sob
título Mind
oo srcinal; and Society,
retraçavamse aí as a fontes
muitosde respeitos
tôdas as melhor
citaçõesdo(tra-
que
balho que Pareto negligenciara) e compilavase um excelente
índice, altamente útil devido ao caráter difuso e nãosistemático
da obra. A tradução aumentou a onda de inteztoe relativa-
mente a Pareto, que priápiara nos Estados Unidos no fim da
década de 1920. O interesse era especialmente forte entre cer-
tos cientistas de formação nãosociológica, a exemplo do Pro-
fessor L, J. Henderson, da Universidade de Harvard, fisiólogo,
que estimulou o interesse de jovens sociólogos, entre flct Parsons
e George Homans (ver cap. XVIII), pela teoria de Pareto.
211
O Tratado, porém, trata afinal de fenômenos que não
pertencem a este "inundo experimentar, mas que, não obstan-
te, desempenham papel importante na vida social, como idéias,
alístiações, opiniões, crenças c sentimentos. Pareto concebia
como tarefa principal a redução desses fenômenos a fatos ob-
serváveis pertencentes ao mundo da realidade, tal como 0 de-
finia. Conseqüentemente, previne contra os procedimentos me-
ramente verbais: “as Ciências Naturais nunca foram construí-
das pelo estudo c classificação dc têrmos da linguagem coraum,
mas estudando e classificando fatos. Tentemos fazer o mesmo
com a Sociologia” (n.° 396).87
Pareto insistiu também em que os procedimentos cientí-
ficos devera explicar o desconhecido pelo conhecido. O pas-
sado, portanto, é mais bem explicado pelo presente do que o
presente pelo passado, princípio êsse freqüentemente violado
nas monografias e nos compêndios sociológicos. Finalmente,
acentua que os conceitos fundamentais de uma ciência devem
ser definidos com precisão e suas teorias formuladas era têrmos
exatos. Não é certo, entretanto, que seu próprio tratado cum-
pra essas premissas metodológicas.
2/2
o 1 derivações” que são manifestações de “sentimento^ Dcshs
condições determinantes, Pareto submete a um estudo detalha-
do sòmente os resíduos e derivações.
Nessa fórmula geral de equilíbrio, não há aparentemente
lugar para fenômenos culturais como a lei, a política, a refi»
gião ou a arte. Mas a ausência de tratamento explicito não
significa que Pareto falhasse no reconhecimento de sua impor-
tância. Todos éles executam uma parte na manutençio dos
sistemas sociais, mas, segundo o ponto de vista que sustentava,
sòmente atendendo a que manifestam sentimentos básicos. O
dos sentimentos então é essencial à manutenção do equi-
papel social.
líbrio
A sociedade, para Pareto, é um ssstema em equilíbrio.
Isto significa que existem, dentro de cada sociedade, fôrças
que mantêm a forma (ou configuração) que a sociedade al-
cançou ou que garantem mesmo uma transformação ininterrup-
ta; no último caso, o equilíbrio é dinâmico. Seguese um im-
portante corolário: se o sistema social está sujeito à prrwio
de fôrças externas de intensidade moderada, as fôrças internas
impulsionam a restauração do equilíbrio, retornando a socieda-
de a seu estado nãoperturbado.19 Essas fôrças internas con-
sistem principalmente no sentimento de reação contra qualquer
coisa que perturbe o equilíbrio interno. Sem este sentimento,
cada alteração incipiente do sistema social encontraria pouca
ou nenhuma resistência e cresceria impunemente. Essa situa-
ção pode ocorrer, de fato, mas diminui sua probabilidade ante
o sentimento de resistência, independentemente do número de
indivíduos diretamente afetados, positiva ou negativamente, pe-
las transformações propostas.
Êsse teorema da restauração do equilíbrio dos sistemas
sociais foi confirmado, em certa medida, pelo estudo da rea-
ção social ao crime, do êxito das revoluções e do impacto da
guerra sôbre as sociedades. Nesses casos, como em
outros, uma farta evidência indica a natureza freqüentemen-
te temporária de comoções sociais e a qualidade persistente de
arranjos sociais fundamentais.
A análise das fôrças internas baseiase na distinção entre
ação lógica e nãolôgica. De acôrdo com Pareto, uma ação
?n
c lógica quando objetivamente atingível seu fim c se este
c ot meies usados sr unem objetivamente na estrutura do me-
lhor conhecimento disponível; todas as outras ações, considera
as nãológkas (o que não quer dizer que sejam ilógicas ou
contrárias à lógica) As ações presumivelmente lógicas são
raras. No tratado de Pareto, aparecem sòmentc uns poucos
exemplos, incluindo a formulação da teoria científica, a ação
econômica (que de nenhum modo, na verdade, é sempre ló-
gica) e a conduta dos advogados no tribunal. Mesmo, porém,
a atividade judicial é nãológica porque o papel do juiz envol-
ve mais do que a simples aplicação lógica dc normas legais
abstratas a casos concretos.
judiciais manifestam, em largaPareto
escala,argumenta que as dos
os sentimentos decisões
juí
zes (que compartilham com outros membros do grupo] c que
a referência às leis escritas é uma explicação ex post jacto dc
uma decisão tomada de outra maneira. “As decisões do* tri-
bunais" — escreve élc — "dependem grandemente dos inte-
resses e dos sentimentos vigentes em uma sociedade em um
dado momento; e também dos caprichos individuais e das opor-
tunidades; e ligeiramente — às vezes nem isso — de códigos e
leis escritas” (n.* 466). Esta é uma das muitas ilustrações que
Pareto usa para demonstrar seu teorema básico: a predomi-
nância da ação nãológíca na vida social.
A ação nãológica se relaciona a resíduos e derivações —
ambos manifestações
mente de sentimentos
estados biopsíquicos básicos. indefinidos, roas aparente-
Embora Pareto admita
que êsses estados não são diretamente cognoscívcis, indica a
natureza presumivelmente específica de sua expressão em re-
síduos, derivações e conduta humana. Êle parece acreditar que
os sentimentos são instintos ou tendências humanas inatas; por
exemplo, denomina um dos mais importantes sentimentos “o
instinto dc combinação**. Por outro lado, admite que os re-
síduos estão em correlação com as condições em transformação
sob as quais vivem o* sêres humanos, que as ações cm que os
sentimentos se exprimem reforçam êsses sentimentos e podem
mesmo despertálos em indivíduos que déles careçam, que ns
sentimentos são engendrados ou acentuados pela persistência
dos grupos e que, por sua vez, podem ajudar os grupos a so-
breviverem. Essas qualidades não constituem propriedades de
instintos inatos e imutáveis, mas antes características de con-
duta aprendida. A teoria dc conduta aprendida estavase dc
214
scnvolvendo na Psicologia, k época de Pareto, fato Jf| pe-
sou sem duvida em parte na ambigüidade de sua lermíaolcgia.
Alguns dos sentimentos, de acôrdo com Pareto, animam
05 homens a justificarem
suas ações formulando teorias não
lógicas que os respectivos defensores consideram altamente
lógicas. O exame dessas “teorias” revela a distinção entre
elementos profundos, constantes e portanto importantes, os
resíduos, c elementos superficiais, variáveis, e portanto menos
importantes, as derivações. Podemse descobrir os resíduos
estudandose diversas constatações relativas ao mesmo asamto
e delas abstraindo os elementos constantes. O conhecimento
dos resíduos — mais próximos dos sentimentos do que as
derivações — permite uma penetração profunda na causali
dade das ações humanas. Todavia, os resíduos são também
manifestações, e finalmente e causalidade deverá ser procurada
na profundeza dos sentimentos. Conquanto discutível ou hi
potética esta formulação particular, devemos concordar com Pa
rtto que explicar as ações pela simples aceitação do que os ho
mens dizem a respeito de sua conduta é, naturalmente, um pro-
cedimento vazio de validade cientifica — principio há muito
reconhecido pelos estudiosos da vida humana.
Pareto deu ênfase especial à diferença entre seu ponto de
vista sôbre as ações humanas e a explicação racionalisia. Esta
presume que os homens primeiro pensam, primeiro formulam
idéias oudeteorias
opinião Pareto,e em seguida segue
a conduta agem de acôrdo com
o processo elas. Naa
contrário:
ação precede a racionalização. Conclui êle, por exemplo, a
discusão de doutrinas populares do aparecimento da proprie-
dade privada, declarando: “Uma família, ou algum gmpo
étnico, ocupa um pedaço de terra... O fato da pexpetuidade
da ocupação, da posse, é com tôda probabilidade anterior...
a qualquer conceito de lei da herança** (n.° 256). Para Paieto,
não há relação causai direta entre teoria e ação. Ambas são
causadas pelos sentimentos básicos, revelados na ação de um
modo bastante constante, mas quase por ycara na icoria ou
justificação. Cada modo de conduta é, naturalmente, justifi-
cado por alguma teoria, mas em cada caso concreto o acidente
da invenção determina a justificação teórica e, portanto, não
terá grande
constitui importância
outro teorema na análise
fundamental da conduta.
da Sociologia Esta conclusão
de Pareto.
De acôrdo com Pareto há seb classes (e diversas sub-
classes) de resíduos: primeira, o instinto de combinação» *
215
faculdade dc associar coisas; segunda, o resíduo da persistência
dc agregados, a tendência conservadora; terceira, o resíduo da
manifestação de sentimentos através de atos exteriores (entre
a formulação de justificações; em termos simples, a autoexpres
são); quarta, o resíduo dc sociabilidade, ou a tendência a com-
por sociedades e a impor um comportamento uniforme; quinta,
o resíduo da integridade pessoal, levando a ações que restauram
a integridade perdida, como as que formam a srcem da lei
criminal; sexta, o resíduo sexual. Éstes resíduos podem reu
nirse, na vida social, de formas diferentes. Através, por
exemplo, dc uma combinação dos resíduos do equilíbrio e da
persistênciasocial,
portância de grupo surgem forças
correspondendo compostas vigorosos
a sentimentos de grandee im-
po-
derosos do tipo vagamente denominado pelo termo “ideal de
justiça”.
A classificação de resíduos, feita por Pareto, não se encon-
tra explicada ou justificada em parte alguma. A sexta classe,
o^ resíduo sexual, é heterogênea c lògicamcnte parece que exi-
giria um complemento, como a feme. As classes terceira, quarta
e quinta relacionamse à tendência dos sistemas sociais de per-
manecerem em estado de equilíbrio, ou de o restaurarem. A
primeira e a segunda classes aparecem em sua distribuição entre
pessoas, como adiante se indica. Um grande admirador de
Pareto declarou que essa classificação era “o árduo trabalho
de um pioneiro'*. • Embora tenham sido sugeridas várias adi-
ções e melhorias a êsse trabalho, parece improvável que os
estudiosos tentem desenvolver essa fase da obra de Pareto devi-
do a suas inequívocas deficiências.
A classificação que Pareto íêz dos resíduos baseiase em
parte em seu estudo de material tomado predominantemente
de autores clássicos. Sustentou êle que uma grande literatura
reflete grosso modo a vida real, que a concentração na litera-
tura clássica evita as prevenções e que, sendo os resíduos pro-
posições universais constantes, podem ser derivados da análise
cuidadosa da literatura clássica. (Não obstante, havia recortes
de jornal esparzidos entre as seleções dos clássicos.) Cada
item selecionado dessas fontes era interpretado, primeiro, como
a manifestação de um sentimento particular; depois, compa
716
ravamse os itens individuais, dispondo grandes números dos
semelhantes em classes e subclasses. Êste procedimento (difi-
cilmente precursor da atual análise de conteúdo usada no estudo
empírico de comunicações, embora parecido nos propósitos) é a
aproximação mais Íntima, encontrada na obra de Pareto, com
o método indutivo.
A análise das derivações, feita por Pareto, é menos deta-
lhada do que seu tratamento dos resíduos. As derivações,
conforme acima se observa, são concebidas como manifesta-
ções de superfície — como explicações — de fôrças subjacentes
na vida social. Pareto primeiro considera as derivações sob
o ponto de vista do caráter subjetivo de tais explicações e, em
seguida, delineia quatro classes principais de derivações: pri-
meira, as derivações de afirmação, incluindo as afirmações de
fato e sentimento; segunda, as derivações de autoridade, seja
de indivíduos, grupos, costumes ou divindades; terceira, deriva-
ções que estão de acôrdo com (e portanto servem para manter)
sentimentos e princípio* comuns; quarta, derivações de prova
verbal, por exemplo, as várias metáforas e analogias. As muiias
ilustrações de Pareto a essas diferentes espécies de explicações
verbais de comportamento mostram as categorias se sobrepon-
do. Entretanto, não há nenhuma conexão Íntima entre as clas-
ses de resíduos (esboçadas acima) e de derivações; umas entre
cortam as outras.
2/6
ravamse os itens individuais, dispondo grandes números dos
semelhantes em classes e subclasses. Êstc procedimento (difi-
cilmente precursor da atual análise de conteúdo no estudo
empírico de comunicações, embora parecido nos propósitos) c a
aproximação mais intima, encontrada na obra de Pareto, com
o método indutivo.
A análise das derivações, feita por Pareto, e menos deta-
lhada do que seu tratamento dos resíduos. As derivaç&s»
conforme acima se observa, são concebidas como manifesta-
ções de superfície — como explicações — de fôrças subjacentes
ona ponto
vida desocial.
vista Pareto primeiro
do caráter considera
subjetivo de tais asexplicações
derivaçõese, sob
em
seguida, delineia quatro classes principais de derivações: pri-
meira, as derivações de afirmação, incluindo as afirmações de
fato e sentimento; segunda, as derivações de autoridade, seja
de indivíduos, grupos, costumes ou divindades; terceira, deriva-
ções que estão de acôrdo com (e portanto servem para manter)
sentimentos e princípios comuns; quarta, derivações de prova
verbal, por exemplo, as várias metáforas e analogias. As muitas
ilustrações de Pareto a essas diferentes espécies de explicações
verbais de comportamento mostram as categorias se sobrepon-
do Entretanto, não há nenhuma conexão Íntima entre as clas-
ses de resíduos (esboçadas acima) e de derivações; umas entre
cortam as outras.
217
uc% que não sc encontram em posições de mando. A distri-
buição diferencial de resíduos entre os membros das elites é
muito mais importante para os assuntos sociais do que sua dis-
tribuição entre as massas.co Dependendo da predominância de
resíduos respectivamente das classes um r. dois, surgem dois ti-
pos de homens, designados pelos termos especulador o rendei
ro.61 Quando a elite governante c dominada pelos especulado-
res, a sociedade está sujeita a uma transformação relativamen-
te rápida; quando os rendeiros dominam, a transformação ocor-
re lentamente. Parcto sustenta que há uma tendência natural
nas elites de rodízio entre os dois tipos nas posições de poder
político.
acumulamseSe anaseliteclasses
de uragovernadas
tipo governou durante
elementos algum tempo,
superiores e re-
ciprocamente elementos inferiores se desenvolvem nas classes
governantes. Conseqüentemente, uma elite constituída de es-
peculadores (digamos) comete erros que abrem o caminho ao
ascenso dos rendeiros; mas depois que êstes sc consolidam nas
posições do poder, tamblm cometem erros abrindo a porta
àqueles.
Introduzsc, assim, uma teoria cíclica de transformação
social, com duas fases bem caracterizadas pela predominância,
respectivamente, de atitudes conservadoras ou progressistas.
A ^ História, entretanto, assevera Parcto, “é um cemitério de
aristocracias” (n.* 2053). Teoria que se aproxima de perto
do ponto dc vista de Sair.tSimon da recorrência necessária de
períodos críticos r orgânicos, encontra ilustração na História
antiga c na literatura clássica. Mas a ilustração (conforme
observamos no caso da teoria de Spencer) não é uma demons-
tração sistemática. Na ausência desta última, parece haver
poucos motivos, à base da própria obra de Parcto, para atri-
buir validade uni venal a essa teoria.
Resumo e apreciação
2W
de referências são indivíduos expostos a um número fiiwSB
do que denomina fôrças. Fôrças — antes que tudo sentimen-
tos e resíduos — que determinam a condição do sistema
Nesta concepção, parece pequeno o papel da cultura.
A unidade básica da análise sociológica, no esquema de
Pareto, é uma manifestação única dessas fôrças subjacentes e
persistentes. A análise deve relacionarse primàriamente aos
resíduos, êles próprios manifestações de fenômenos biopsíquicos
incognojcíveis.
Para Pareto, o problema da relação entre o indivíduo e
a sociedade é um aspecto do problema geral da relação entre
a parte e o todo em qualquer sistema. Seu ponto de vista
a 6ssc respeito é essencialmente funcional; qualquer transfor-
mação na parte afeta o todo, e viceversa.
O último ponto de vista é coerente com a rejeição de
qualquer versão de monismo sociológico que pudese reduzir
explicações da vida «nriaI a fatôres ou causas únicos. Pareto,
não obstante, delineia um número limitado de fatôres que acre-
dita determinem o estado da sociedade e a transformação so-
cial. No caso de transformação êle acentua a natureza e a
distribuição de resíduos específicos, ou tendências a agir de
certas maneiras, na elite governante. As transformações nas
elites parecem ocorrer por necessidade imanente.
Pareto não define a relação existente entre a Sociologia
e as outras Ciências Sociais. Mas insiste em que a Sociologia
precisa basearse no método lógicoexperimental, método que
exige observação disciplinada e inferência lógica dessa obser-
vação. Suas vigorosas recomendações a êste respeito são en-
fraquecidas por sua própria inclinação a substituir a coleta
de constatações alheias sôbre fatos pela observação e abando-
nar o procedimento indutivo por esquemas de classificação apa-
rentemente intuitivos.
Essas características ajudam a tomar excessivamente di-
fíceis o estudo e a interpretação dos escritos teóricos de Pareto.
Seu Tratado, não há dúvida, contém um grande núxuexo de
proposições plausíveis sôbre várias fases da realidade social e
cultural
ao estudoqueatualrepresentam uma e fonte
da estrutura de sugestões
transformação e hipóteses
sociais. Todavia,
pouco uso tem sido feito, relativamente a êsse respeito, da
obra de Pareto, cora a notável exceção da marcante pesquisa,
219
no setor d.i Sociologia industrial do Management and the
Worker, dc F. J. Roethlisberger c W. J. Dickson.62
As principais contribuições de Pareto são a insistência
(embora, como vimos, não a prática) em que a Sociologia
deve ser governada por princípios estritamente científicos e a
concepção da sociedade como um sistema em equilíbrio im-
perfeito. Cora relação a esta última concepção, as proposições
de Pareto concernentes à tendência dos sistemas sociais a res-
taurarem o equilíbrio perturbado, os vários fatôres que contri-
buem para a condição dos sistemas sociais, a significação da
ação nãológica na vida social, e a natureza intermitente da
transformação
terações lentas social, assinalada
ou rápidas, são por sucessivos sugestivas
formulações períodos que
de al-
se
aproximam de condições observáveis.
Muito menos útil é a análise de Pareto de fôrças internas
operando na vida social, especialmente a redução dessas fôrças
a resíduos. No balanço final, sua explicação (ela própria uma
derivação?) dos fates sociais repousa cm uma teoria biopsíqui
ca de alguma coisa estreitamente afim aos instintos. Sabemos
hoje que qualquer dessas explicações da conduta individual ou
social é enganosa, devido ao papel ubíquo dos fatôres cultural
e institucional na conduta humana.
Mas mesmo se identificarmos 0 1 sentimentos e resíduos
de Pareto com a conduta aprendida, mais do que com os ins-
tintos, seu procedimento no estabelecimento dessas fôrças é
bastante discutível. Em primeiro lugar, para citar o filósofo
F. S. C. Northrop, “em vez de ser o estado psíquico dado em
primeira mão, imediatamente, ao psicólogo introspective trei-
nado”, os esboços psíquicos de Pareto são “características de
segunda ou terceira mão atribuídas a pessoas... que, ao tem-
po em que Pareto fez suas “observações", existiam sòmente
em sua imaginação... Nem uma vez, ao obter seus “fatos",
deixou Pareto a cadeira de braços de seu gabinete". 03 Em se-
gundo lugar, o próprio Pareto propôsse a difícil tarefa de pe-
neirar resíduos presumivelmente fundamentais de inumeráveis
220
derivações, reconhecidamente enganosas. O cumprimento
sa tarefa exige a identificação de derivações ■«■nría^j» com “o
mesmo assunto"; todavia, os critérios para distinguir o* assen-
tos não são esclarecidos em parte alguma. Ncm são especifi-
cados os procedimentos utilizados na determinação de resíduos
particulares manifestados em derivações. Ôbviamente, a pró*
pria obra dc Parcto sai muito fora das exigências científicas
que éle mesmo anunciava tão forte c claramente.
Seu tratamento de resíduos e derivações, que ocupa gran-
de parte do Tratado, é então o aspecto mais fraco da obra
que produziu.penetrantes
observações Espalhadas,e entretanto,
indicações através
sugestivasdéle,parahá investi-
muitas
gação posterior. E, como vimos, o remanescente da formula-
ção teórica dc Pareto, particularmente sua concepção do sis-
tema social como um equilíbrio dinâmico, continua a ser uma
contribuição importante para o desenvolvimento cumulativo da
teoria sociológica.
CAPITULO XIV
Max Weber
N O primeiro QUARTEL
desenvolvimento
do século XX o fato mais notável no
da teoria sociológica foi o surto da Sociologia
psicologicamente orientada. Essa tendência floresceu indepen-
dentemente ern vários paises, havendo três estudiosos que a
representam em sua mais alta expressão teórica. Já foram
estudadas por nós as contribuições de dois dêles — o behavio-
rismo moderado de Thomas, associado ao approach cultural, e
a obra de Pareto, incluindo sua Psicologia, afim das caracte-
rísticas ins tin ti vistas. Cabe agora voltarnos para o último dos
três, nem por isso menos importante: o alemão Max Weber,
cuja Sociologia é também subjetivista, embora realce os fatò
res racionais da atividade mental do homem.
222
Durante os anos que passou fora das universidades, Weber
não cultivou o ócio. Recursos pessoais permitiramlhe viajar
extensamente (visitou os Estados Unidos em 1904) e dedicar
se à pesquisa. Publicou assombram número de estudos e
ensaios, muitos dos quais apareceram no Archiv für Sozialwtsseni
chaft und Sozialpolitik, que com êle se tomou uma das mais
importantes publicações alemãs de ciência social. Colaborou
também not jornais, com numerosos artigos, e militou ativa-
mente na política. Era um liberal, refletindo o ponto de vista
que prevalecera na casa paterna. Protestou contra a guerra
submarina
pelas irrestrita,de no
negociações paz.primeiro conflitona mundial,
Depois serviu comissão e que
bateuse
pre-
parou o memorando sôbre culpa de guerra, submetido à confe-
rência da paz de Paris, e na comissão que esboçou a Consti-
tuição de Weimar. Podese dizer que sua vida se dividiu, igual-
mente, entre a ciência c a política, sempre em alto nível.
Grande número dos escritos de Weber não pertence ao
campo da Sociologia; dos sociológicos, a maioria trata dc pro-
blemas concretos e não de teoria geral. Mas a inteligência de
Weber era altamente analítica e, embora tratando dc proble-
mas não orientados para a teoria, trouxelhe importantes
contribuições.
Ao morrer, deixou inacabada sua principal obra no setor
da teoria sociológica, um tratado monumental: Economia e
Sociedade. Foi uma grande tarefa preparar para publicação
(em 1922) os inúmeros fragmentos dessa obra que já se en-
contravam bastante além do estágio preliminar. Mau nu me-
nos ao mesmo tempo, suas colaborações em vários jornais e
outros trabalhos seus foram coligidos e publicados como Escri-
tos Reunidos, dos quais três volumes versam sôbre Sociologia
da religião, um sôbre história social e econômica, um sôbre
Sociologia e Política Social, e um sôbre o que hoje denomina-
mos Sociologia do conhecimento. Essa enumeração ilustra a
amplitude excepcional do interêsse cient'iico de Weber.
224
o objeto das Ciências Culturais está sujeito a alteraçio; por-
tanto, sustentava Weber, está fora de dúvida uma dê§g§* da
cultura, sistemática ou generalizante. Cumpre que a dência
social seja uma ciência empírica da realidade concreta.
Essa conclusão exerceu efeito profundo nas pesquisas e
idéias cientificas dc Weber. Possuindo uma das mais bri-
lhantes inteligências teóricas em Sociologia, raramente se per-
mitiu afirmações de ampla generalização, transcendendo sis-
temas culturais concretos. Seu interêuc fundamental repousa
no sistema da sociedade e da cultura em que viveu; seu esfôr-
aço srcem
principal
e o concentrouse, assim,
desenvolvimento em esmerados
das instituições estudaseconô-
políticas, sâbre
micas, jurídicas e religiosas do mundo ocidental. Mas não se
limitou a êsses assuntos, 'lendo chegado a certas conclusões
a respeito de interconexõcs entre o ascenso do capitalismo
moderno e o crescimento c a natureza do protestantismo, de-
cidiu pôr à prova a validade dessas conclusões, examinando
situações comparáveis, a alguns respeitos, não todos, em ou-
tras civilizações. Nesse empenho realizou brilhantes investi-
gações das civilizações chinesa, hindu e judaica (em que os
sistemas filosófico e religioso variavam grandemente), cujos
estudos, ao que supunha, confirmavam as deduções que deri-
vara Ho estudo do desenvolvimento ocidental. Essa análise
comparativa impeliuo talvez a superar seu ceticismo srci-
nal vida
da relativamente
começouà apossibilidade
escrever oda tratado
Sociologia
acimageral. No fim
mencionado,
Economia e Sociedade. A primeira parte da obra, em consi-
derável extensão, é uma teoria sociológica geral cm direção
de uma ciência teórica abstrata, e como o próprio Com te a
compreendera.
Há diferenças, conforme seria de esperar, entre os pontos
de vista expressos na obra mais madura de Max Weber c cm
seus primeiros trabalhos, mas não diferenças de princípio. As
primeiras obras foram precursoras das últimas; portanto, pode
se descrever o sistema de idéias de Weber à basg das obras so-
ciológicas que escreveu, tomadas em conjunto.
Em seu sistema sociológico, Weber tentou tirar vantagem
das possibilidades oferecidas pela ciência natural e pela ciên-
cia “espiritual". Alcançase o mais alto nível da compreen-
são dos fenômenos sociais — sustentou êle — quando essa
compreensão é causalmente adequada e adequada ao nível
dc vjiificado. Es*a proposição exige a análise dc três ques
toes: O que é compreensão carnalmente adequada? O que
o compreensão significativamente adequada? Como se inter
relacionam as duas?
226
bclcccu que na Alemanha contemporânea áreas predominan
(emente protestantes eram mais ricas do que seções fundamen-
talmente católicas da nação c, a seguir, demonstrou a corre-
lação entre o crescimento do capitalismo maduro e o protes-
tantismo.
Isto era raciocinar de acórdo com o método das variações
concomitantes, freqüentemente empregado pelos cientistas so-
ciais dc então. Weber, porém, desejava estender essa conco-
mitância à relação causai, aplicando o método da concor-
dância c, como depois veremos, oferecendo uma explicação
adequada assevera
maduro, ao nívelêlcdocom
significado.
base cm O esmerado
capitalismo moderno
estudo ou
histórico,
não surgiu simplesmente por necessidade econômica interna,
mas como se tivesse sido impulsionado por outra fôrça as-
cendente, a ética religiosa do protestantismo, de nôvo o cal
vinismo cspccialmcntc. Nessa discussão, os têrmos de compa-
ração são o espirito do capitalismo moderno c o espirito do
protestantismo. O vocábulo espírito, neste contexto, significa
um sistema de máximas dc comportamento humano.
O capitalismo maduro não se baseia simplesmente na ne-
cessidade aquisitiva. É uma atividade racional, dando ênfase
à ordem, à disciplina e à hierarquia na organização. Encara
a realização da conduta aquisitiva como uma espécie de apélo.
Acentua o sucesso como tal, não as alegrias que o sucesso eco-
nômico pode comprar.
A ética protestante não sanciona diretamente a aquisição,
mas destaca a salvação. Em sua forma calvinista, a salvação
presumese que dependa da predestinação, dc uma imutável
decisão de Deus e, portanto, nada se pode fazer para alcançá
la. Entretanto, desde que ela é o foco da vida religiosa da
pessoa, esta se encontra necessàriamente interessada em saber
sc está entre os escolhidos. Acreditase que o sucesso no oficio
secular ou mundano constitua uma indicação quase infalível
de scrse um dêles. Qualquer que seja o ofício, além do mais,
deve o indivíduo conduzirsc de maneira disciplinada e ordeira.
Essas máximas de comportamento religioso e secular eram
tão coerentes, segundo acreditava Weber, que o nascimento
da
diçãoorientação ética embora
necessária, protestante
não pode ser considerado
suficiente, para a uma con-
emergência
do capitalismo moderno. Em outras palavras, as máximas
de ação compreendidas na ética calvinista levam os crentes
227
a acreditarem no espírito do capitalismo maduro. (A ciên-
cia moderna, bem como o capitalismo, era estimulada por
essa orientação ética, relação claramente estabelecida pelo so-
ciólogo americano Robert K. Merton.) 64
A afirmação, embora apoiada em extensa pesquisa, não
bastava a Weber, Decidiu cie, portanto, estudar situações que,
semelhantes por outras maneiras, diferissem no fator parti-
cular sob inquérito: a religião. Formulou a pergunta: o que
ocorrerá se as condições gerais forem tão favoráveis ao as
censo do capitalismo maduro quanto eram na Europa à épo-
ca da Reforma, excetuando a ética religiosa? Êste problema
exigia investigação de acôrdo com as linhas do método da
diicrença. Conseqüentemente, Weber desenvolveu na China
e na índia os detalhados estudos mencionados acima. Entre»
tanto, não supôs que a Europa, às vésperas do capitalismo ma-
duro, por um lado, e a China e a Índia em certas épocas, por
outro, diferissem apenas com relação à presença ou ausência
de uma ética religiosa favorável ao surgimento do capitalismo
maduro. Esta aceitação do possível significado causai de ou-
tros fatôres enfraquece substancialmente seus argumentos.
Não obstante, Weber toma claro que a combinação de
condições sociais nãoreligiosas c econômicas era propícia ao
surgimento do capitalismo na China, mas não assim o sistema
ético do confucionismo. Na índia, embora as condições ge-
rais, especialmente o sistema de castas, não fôssem tão favo-
oráveis quanto na
surgimento do China, ainda exceto
capitalismo, constituíam
pela base suficienteKarma,
tradicional para
crença na transinigração da alma, que era hostil ao desenvol-
vimento econômico à maneira ocidental. À base destes e de
outros estudos, Weber pôde afirmar: condições econômicas
específicas não asseguram o surgimento do capitalismo; é
necessária pelo menos uma segunda condição, que pertença
ao mundo interior do homem; deve haver, em outras palavras,
um poder motivador específico, a aceitação psicológica de va
iôres e idéias favoráveis à transformação.
Os dentistas sociais continuam a discutir se Weber pro-
vou, ou não, êsse postulado central. Qualquer que seja a
225
resposta, a obra a que dedicou a vida mostra o tipo de opera»
çõcs científicas necessária* paia alcançar uma compreensão
causalmrnte adequada de seqüências históricas irredutíveis ao
tratamento estatístico. Fazendo awim, abriu o caminho para
o que hoje é conhecido como "experimento sociológico", mak
exatamente chamado "quaseexperimento".
Weber compreendeu que o método comparativo sistemá-
tico nem sempre é possível no estudo sóciohistórico. Neste caso,
permanece o “perigoso e incerto procedimento do experimento
imaginário que consiste cm abstrair certos elementos de uma
cadeia de motivação e trabalhar o curso da ação que provà
velmente se seguiria na ausência dos fatôres abstraídos
Para ilustrar o procedimento êle indicou a obra dc um dos
mais notáveis historiadores do tempo, Eduard Meyer (1855
1930), que fêz essa espécie de experimento mental com re-
lação à batalha de Maratona, delineando as conseqüências de
uma vitória imaginária dos persas e comparandoa com os
acontecimentos reais.M Usando a própria obra dc Weber
como ilustração do método, poderseia perguntar: quais te-
riam sido as conseqüências, para a sociedade ocidental, sem
o protestantismo? Ou, para citar uma situação mais recente
que preocupou muitos estudiosos, poderemos "abstrair" I>nin
da História russa e ainda prever o sistema soviético? Os exem-
plos ilustram — devese observálo — um experimento men-
tal excessivamente difícil, exigindo análise lógica e reconsti-
tuição imaginativa dos acontecimentos, aliás freqüentemente
empregadas por historiadores c outros.
7»
das Ciências Espirituais fôbrc as Ciências Naturais. Vantagem
— argumentava — que se encontra na possibilidade de uma
espécie dc compreensão que sc baseia no fato dc que os seres
humanos são diretamente conscientes da estrutura das ações
humanas. No estudo dos grupos sociais, por exemplo, somos
capa?es de ir alem da simples demonstração das relações fun-
cionais c uniformidades; podemos compreender as ações — e
as intenções subjetivas dos agentes — dos membros individuais.
Nas Cicncias Naturais não podemos compreender, neste sen-
tido, os movimentos dos átomos, moléculas, etc., mas sòmentc
observar ou deduzir as uniformidades presentes cm tais movi-
. mentos. O contraste
foi vivamente expressoentre
por asoutro
Cicncias SociaisMaclver,
sociólogo, e as nos
Naturais
se-
guintes termos:
230
compreendemos. As únicas coisas que compretndetnos
são mutáveis t nunca inteiramente conhecidas.91
231
ocorre a ação. (Vemos aqui um paralelo perfeito entre a mc*
todolcgia de Weber c o destaque de Cooley da compreensão
complacente; ver cap. XII.) O observador não precisa par-
ticipar dos pontos de vista teóricos ou dos fins últimos ou va-
lôres do agente, mas intelectualmente compreende a situa-
ção e a conduta correspondente. Em outras palavras, o ato
particular c localizado em uma seqüência dc motivos cuja com-
preensão pode srr tratada como uma explicação do verdadeiro
curso do comportamento. Êssc procedimento 6 possível porque
o motivo tem um significado subjetivo que parece, ao pióprio
agente c ao observador, adequada base para a conduta cm
questão.
Theodore Abel, recentemente., refundiu engenhosamente
o approach subjetivo de Weber em uma psicologia mais obje-
tiva. Dc acôrdo com Abel, a “operação ucrstefun'* ** (com-
preensão) consiste na internalização dos fatôres observados,
um sendo o estímulo c o outro a reação, e na descoberta de
uma máxima de comportamento comuinente aceita que man-
tem os dois ligados — procedimento aplicável a observações
de casos únicos, generalizações ou constatações sôbre regula-
ridade estatística. Assim, por exemplo, a “pesquisa estatística
competente estabeleceu uma alta correlação... entre a taxa
anua] de produção das colheitas e a taxa de casamentos em
um dado ano... Usamos como itens de informação o fato
de que a baixa nas colheitas... materialmente diminui a ren-
da dos granjeiros...
promissos quando see ocasa...
fato de que se assumem
Intemalizamos então novos com-
[o primeiro
fato] em sentimento de ansiedade... e [o segundo fato]... exu
receio dc novos compromissos... Estamos aptos agora a apli-
car a máxima de conduta: As pessoas que experimentam an
siedade recearão novos compromissos... Desde que podemos
enquadrar o fato da diminuição de casamentos quando as co-
lheitas caem nessa norma, dizemos quç compreendemos a
correlação”.
Weber tinha em mente, é certo, casos mais simples do que
esse, quando apresentou a “operação verstehen”, Mas cm ca-
sos mais complexos o procedimento permanece essencialmente
o mesmo. Precisamos imaginar as emoções despertadas nas pes-
232
soas pc!o impacto dc uma dada situação ou acontecimento;
precisamos imaginar o motivo existente por trás da ação de
uma pessoa ou grupo, c precisamos encontrar ou construir uma
ináxima plausível de ação que deveria mostrar que o “estadode
sentimento por nós atribuído a uma dada ação humana c di-
rigido pelo estadodesentimento que presumimos evocado por
uma situação ou acontecimento superveniente”.69 Nas pala-
vras de Maclver, ao analisar o comportamento humano preci-
samos utilizar a "reconstrução imaginativa". 70
Pedirá êsse procedimento da compreensão ao nível do sig-
nificado uma Sociologia que não sc distinga da Psicologia?
Weber negavao, afirmando que o procedimento que recomen-
dava não era de nenhum modo psicológico. A confusão, asse-
vera, baseiase no érro de presumir como psíquico tudo que
não seja físico. Além dos mundos físico e psíquico há o mun-
do dos significados ou idéias. Quando um homem acredita
que 2x2 — 4, isso é um fenômeno psíquico; mas a idéia de
que 2 x 2 — 4 è independente do conteúdo do pensamento
de qualquer pessoa cm particular. Embora concordemos com
êsse ponto de vista, devemos observar que a questão inicial
ficou sem resposta. Pois, na opinião de Weber, o significado,
atributo necessário da ação, é subjetivo — significado que está
presente na mente do próprio agente ou que pelo menos pen-
sou estar presente. De outro modo, a ação não é compreensí-
vel e seu estudo não pertence ao campo da Sociologia.
Weber supera em parte a dificuldade, afirmando que,
além do significado de um ato para o indivíduo, há também
um “significado médio” atribuível a uma pluralidade de agen-
tes, ou mesmo um significado para agentes hipotéticos em tipos
particulares de atividades. (Aqui, usa Weber o conceito do
“tipo puro” discutido adiante.) Entretanto, o significado mé-
dio e o significado hipotético típico não são o mesmo que o
significado subjetivo. Se a Sociologia se interessa simples-
mente pelo primeiro, seus problemas são diferentes dot pro-
blemas de motivação individual. Mas se o significado médio
ou o significado hipotético diferem dos significados, experi-
mentados concrclamente, de indivíduos, e ainda pertencem ao
233
reino ria Sociologia, não pode esta, enlão, scr encarada como
ciência da ação social, conforme Weber a definiu. Semelhante
dificuldade, ou inconsistência, precisa ser apontada; não é ne-
cessário tentar revolvêla aqui.
m
cm mera* imitações. (Aqui, diverge de Tarde e teus segui-
dores.) Entretanto, não exclui da Sociologia esses modos de
conduta. Os processos c as uniíormidades na conduta huma-
na que n?o sao compreensíveis (porque carecein dc significa*
do subjetivo) c não constituem, portanto, cbjeto imediato pata
a Sociologia não devem por isso ser negligenciados no estudo
da vida social, embora cumprisse estudálos por métodos dife-
rentes. Em outras palavras, o foco da Sociologia deveria lo
calizarsc na ação social que envolve significado subjetivo (ou
pelo menos significado médio ou hipotético), dado que as con-
diçõesconsiderações
são objetivas ou periféricas,
psicológicas embora
que influenciam a açãorelevan-
frequentemente social
tes, para a disciplina.
do tipo ideal
procedimento usadooucomumente
puro, antes procurou
no estudo tomar cxplídto um
cientifico.)
O tipo ideal ou puro é uma construção mental. Ê forma-
do pela exageração ou acentuação de um ou mais traços, ou
pontos dc vista, observáveis na realidade. Podese chamar ideal
ao iipo assim construído porque existe como uma idéia. Rara-
mente se encontram, se é que se encontram — diz Weber —,
na própria vida fenômenos que correspondam com exatidão
ao tipo mentalmente construído. Mas também pode ser cha-
mado puro o tipo no mesmo sentido cm que um químico desig-
na um elemento depois de libeitálo dos materiais a que estava
combinado no estado natural anterior à análise. Um tipo ideal
ou puro difere de uma media estatística que, está claro, é um
instrumento essencial na análise social, como vimos, mas para
fins diversos.
O tipo ideal não é uma hipótese. Ê um instrumento para
a análise de acontecimentos nu situações históricos concretos.
Essa análise exige conceitos precisos c claramente definidos
W
— padrões que sr podem localizar cm tipos ideais. Um tipo
ideal é um conceito limitador com que se comparam, no pro-
cesso dc investigação, as ações ou situações da vida. Quando
assim estudada a realidade concreta — sustenta Weber — toma
•se possível estabelecer relações causais entre seus elementos.
Economia e Sociedade, de Weber, fornecenos uma ilus-
tração. freqüentemente citada, de seu uso do tipo ideal, e tam-
bém salienta as dificuldades desse procedimento. Aqui, Weber
formula um tipo puro de ação racional (cuja natureza adiante
se discute) e argumenta que, para os propósitos de uma aná-
lise cientifica tipológica, é possível tratar condutas nãoracionais
c irracionais como desvios do tipo racional ideal. Donde ficar o
sociólogo apto a estudar as maneiras em que o comportamento
humano real é influenciado por elementos irracionais e não
racionais. O método — conclui Weber — não implica que
a conduta racional predomine na vida social.
Êsse procedimento, entretanto, encontra grandes dificulda-
des, evidenciadas na classificação quádrupla de Weber da ação
social — baseada, em cada caso, no modo de orientação da
conduta. Assim, há duas classes racionais dc ação, uma fa-
zendo uso de meios adequados à consecução de fins racional-
mente escolhidos, outra utilizando meios similares para reali-
zar “valôres absolutos”, tais como os fins éticos e religioso*.
As outras duas classes de ação são os tipos tradicional e afetivo
acima mencionados. Agora, se o tipo ideal neste caso é um
sistema que se fundamenta na açEo social, como será possí-
vel construir tipos ideais dc ação nãoracional e irracio-
nal? A interpretação de Weber não resolve essa dificulda
do ou inconsistência.
Weber íêz abundante uso do procedimento do tipo ideal
ou puro cm seus escritos sociológicos. A Sociologia, que 61c
pretendia centralizar em tômo do conceito da ação social
envolvendo o significado subjetivo, tornouse, em larga me-
dida, um estudo do comportamento humano encontrado em
média ou mesmo cm circunstâncias hipotéticas.
Economia t Sociedade, em considerável extensão, é uma
tentativa de construir um sistema de tipo* ídcaís. Suas defi-
nições são, por assim dizer, “impostas” pelo autor7*: êlé as
236
formula mais ou menos dogmaticamente e então as explica,
atributo por atributo, algumas vêzcs apresentando descrições
longas c detalhadas de situações históricas básicas que presu-
mivelmente ilustrara as definições. Weber não constrói seus
tipos mediante um processo indutivo rígido; antes deriva os
respectivos traços característicos por indução informal baseada
no estudo extenso de materiais relevantes, e, ao que parece,
intuitivamente seleciona os traços a incluir nos tipos ideais.
Entre as numerosas definições de Weber de tipos ideais,
citamse frequentemente as seguintes73: relação social, conceito
logicamente dcpróximo
pluralidade agentes,aonade medida
ação social, 6 a em
cm que, conduta de uma
seu conteúdo
significativo, a ação de cada um interfere na dos outros. Um
grupo organizado é uma relação social na medida em que de-
terminados indivíduos realizam regularmente a função de fa-
zer cumprir a ordem no grupa Um grupo organizado cuja
ordem governante se relaciona em princípio com a validade
territorial é um grupo territorialmente organizado. Um grupo
organizado cujos membros estão, em virtude de sua qualidade
de membros, sujeitos ao exercício legítimo de contrôle impera-
tivo 6 um grupo imperativamente coordenado. Um grupo im-
perativamente coordenado 6 um grupo político se o seu corpo
administrativo estabelece a ordem dentro dc uma irca territorial
dada pela aplicação e ameaça de fôrça física. Um grupo po-
lítico
êxito, éo um estado sedoouso
monopólio seulegítimo
corpo administrativo
da fôrça físicareivindica, com
no estabeleci-
mento da ordem. Eis uma seqüência de conceitos em que a
extensão de cada conceito sucessivo se estreita pelo acréscimo
de um ou mais traços nSo contidos na definição do conceito
prévio. A única exceção a esse procedimento ocorre na defi-
nição do grupo organizado, que se estreita em duas direções,
para se tomar ou um grupo territorial ou um grupo imperati-
vamente coordenado. Quando um grupo organizado é tanto
territorial quanto imperativamente coordenado, é um grupo
político, de que o Estado é o exemplo típico.
As definições de alguns dos tipos ideais acima reproduzidas
contêm, às vezes, atributos definidos em separado, freqüen-
temente como tipos ideais adicionais. Assim, um subtipo do
2P
.',i upo organizado duiincsc pelo adicionamento do atribulo do
controle imperativo, O que, por sua vez, se define como a
probabilidade dc que uin comando específico será obedecido
por um grupo determinado dc pessoas. Em relação a isso,
Weber assevera que cada grupo organizado dotado dc con-
trole imperativo tenta estabelecer c cultivar a crença da
legitimidade.
Uma das mais famosas ilustrações do procedimento do
tipo ideal é a descrição de Weber de três tipos de autoridade
legítima, cada qual repousando em um modo distinto de rei-
vindicar legitimidade. Assim, há a autoridade em base racio-
nal, estribada na crença em normas ou regras impessoais e no
direito dc comandar daqueles que adquirem autoridade de
acordo com essas normas; este tipo legal racional aproximase
da moderna sociedade ocidental. A autoridade tradicional
apóiase na crença na santidade das tradições e na legitimidade
do status daqueles que possuem autoridade dc acôrdo com a
tradição, como no caso das monarquias estabelecidas. A au-
toridade carismática, finalmente, repousa no devotamento à
santidade especifica c excepcional, ao heroísmo, ou no caráter
exemplar de um indivíduo c nos modelos normativos por êle
revelados ou determinados;74 ilustram êsse tipo líderes caris-
máticos como Gândi e Hitler. Êsses três tipos ideais, prova-
velmente, não esgotam as possibilidades de tipos de autoridade
legitima, probabilidade que Weber reconheceu. Sua intenção,
aqui, como em qualquer outro lugar, era formular, em uma
forma conceptuahnente precisa, alguns tipos sociològicamente
importantes. Mais ainda, devese lembrar que esses tipos pu-
ros de autoridade são construções abstratas; os sistemas con-
cretos de autoridade política incorporam dois ou mais elemen-
tos dos três tipos. (Assim, a autoridade política nos Estados
Unidos, ainda que predominantemente legal, revela, às vêzes,
traços carismáticos e, especialmente nas máquinas politicas es-
tabelecidas, é assinalada por elementos tradicionais.)
A maioria dos tipos ideais de Weber não se aplica dire-
tamente a ações, mas a coletividades sociais (têrmo que êle
preferia a grupo social). Isso pode parecer o ponto de partida
da opinião dc que a Sociologia sc refere primacialmentc às
ações sociais. Entretanto, a relação social, o tipo ideal que
74 A Teoria da Organização Social e Econômica.
238
constitui o fundamento da pirâmide de tipos acima discutida
e dc muitos outros, é definida por Weber coino a probabili-
dade de que ocorrerá a ação social. Essa definição behavio
rista prendese ao fato de que Weber estava perfeitamente cons-
ciente do perigo da “materialização” das relações sociais e de
todos os tipos de grupos sociais. “Um Estado, por exemplo,
deixa dc existir em um sentido sociològrcamcme relevante sein
pre que não houver mais a probabilidade de ocorrerem certas
espécies de ações sociais significativamente orientadas .”179 A
ação — insiste Weber — existe sòmente como conduta de um
ou mais seres humanos individuais, e é preciso tratar as cole-
tividades sociais unicamente como resultantes e modos de or-
ganização de atos praticados por indivíduos. Para a Sociolo-
gia, conceitos como Estado, associação, parentesco e outros
designam categorias de interação humana. Por isso é tarefa
da Sociologia reduzilos a ações compreensíveis dos indivíduos
participantes. Posição que representa o extremo nominalismo
sociológico, oposto ao realismo sociológico de Durkheim, que
encontramos no capítulo IX.
Probabilidade
239
também o conceito de probabilidade; “Podeinos falar dc uma
classe quando: 1) ccrto número dc pessoas tem em comum um
coinponcntc causai especifico das ocorrências dc sua vida, na
medida em que 2) este componente está representado exclu-
sivamente por interesses econômicos na posse de bens c opor-
tunidades de rendimentos c 3) c representado sob as condi-
ções dos mercados dc produtos ou dc trabalho ."19
A ênfase emprestada à probabilidade, como estas ilustra-
ções c outras passagens de seus escritos revelam, e apesar do pe-
netrante “idealismo” de sua obra, ajudou a atrair para a teoria
de Wcber a atenção de sociólogos empírica c estatisticamente
orientados, nos Estados Unidos. Pois as definições dêle, em
sua referência às probabilidades de conduta, são “operacionais’*
e podem ser aplicadas às operações de pesquisa empírica.77
740
tada pela exploração dc “processos compreensíveis” que afetam
o comportamento. A obra concreta dc Weber estava mais de
acôrdo com essa última concepção da Sociologia do que com
a primeira.
Ainda que haja incoerências de Weber, nesse terreno,
entre as definições formais (que êle não considerava, cm ne-
nhum sentido, “finais”), suas investigações de muitas áreas
concretas têm produzido um impacto permanente na Sociolo-
gia e cm outras Ciências Sociais. Já nos referimos aos estudos
comparativos que realizou da religião, inclusive o tratamento
dispensado às interconexões do protestantismo e capitalismo,
e à análise da autoridade política. Pelo menos três outros as-
suntos — história econômica, estratificoção social e burocra-
cia — ajudou êlc a esclarecer com seus esforços teóricos e dc
pesquisa (embora a obra que produziu nessas áreas nunca ar
completasse). Sua História Econômica Geral,19 baseada em
notas dc estudantes das séries finais das aulas que ministrou,
vera sendo encontrada cm inglês desde 1927, mas nem faz jus-
tiça às amplas pesquisas dc Weber nem é de especial interêsse
sociológico. Seus cscritos, porém, sobre classe c status — fe-
nômenos que distingue claramente — e respectivas inter
relações são largamente lidos hoje nos Estados Unidos, par-
ticularmente desde a publicação, em 1946, de From Max Weber:
Essays m Sociology (tradução de Hans Gerth e C. Wright
Mills) e, no ano seguinte, de The Theory of Social and Eco-
nomic Organization (traduzido por A. M. Henderson e Talcott
Parsons). A primeira obra contêm ainda uma grande parte
do estudo sistemático da burocracia. A burocracia, com sua
formalização, hierarquia e estandardização, ê um modo de or-
ganização social congênito à economia monetária e à raciona-
lidade do mundo moderno, como Weber acentua. Não se con-
finando às esferas econômica e política, nem às sociedades “ca-
pitalistas", esta “maior invenção social” do homem, a buro-
cracia, captou inevitavelmente a atenção de muitos cientistas
sociais. Constitui um tributo rendido à obra pioneira dc Weber
que sua análise da burocracia continua a ser, nesse terreno,
um verdadeiro guia teórico.
242
que acentuando a necessidade de manter a ciência (fa
dc valores. Terceiro, demonstrou que muito se pode aWnçir
usando o procedimento do tipoideal na ciência social. Enfim,
contribuiu enormemente para a compreensão da c«*utaçSo ao*
ciai e de sua inseparabilidade do problema do significado uot
assuntos humanos.
Já criticamos certos aspectos da obra dc Weber. Tenden-
do sempre a explicar a realidade social em têrmos de motiva-
ção social, confundiu a linha divisória entre a Sociologia e a
Psicologia. Ponto dc vista que parece terse alterado ao apro-
ximarse do fim da vida é o da variabilidade insuperável dot
sistemas de valor c da resultante impossibilidade de construir
ura sistema sociológico de validade geral. Contrastando com
isto, é possível sustentar que há valores universalmente válidos,
por um lado, e que, por outro, a variabilidade social e cultural
pode ser estudada de modo generalizante.
Apesar dessas realizações, Weber não deixou uma “escola’*.
Talvez se possa atribuir isso, em parte, ao fato de que sua má
saúde lhe impediu uma carreira normal de ensino em insti-
tuições do mais alto nível letivo, e, em parte, ao fato de que
a obra madura dc Weber foi publicada (pòstumamcnte) em
uma Alemanha encarada com suspeita, especialmente r.o cam-
po das kléías sociais. A ausência de uma escola weberiana
também reflete o fato de que semelhante desdobramento nio
interessou ao próprio Weber. Dc acôrdo com as normas da
ciência e do estudo, êle procurava a verdade, e não seguidores.
Entretanto. Weber tem prosélitos entre os sociólogos ame-
ricanos: Parsons, da Universidade dc Harvard, que traduziu
para o inglês algumas de suas obras, inclusive The Protestant
Ethic and the Spirit of Capitalism c The Theory of Social and
Economic Organization (Parte I de Economics and Socicty),
tornando essas contribuições mais acessíveis aos estudiosos anglo
americanos. (Apareceram outras traduções, nos últimos anos,
de modo que as idlias de Weber não são mais um mistério
apenas penetrávcl pelos que dominam o alemão.) Além disso,
Parsons publicou excelentes interpretações da obra de Weber, *
obra que influenciou grandemente as contribuições teóricas do
próprio Parsons, conforme veremos no capitulo XVIII.
243
A utilidade dos escritos do Weber cm tradução, o lugar
importante que posteriores estudiosos europeus, especialmente
alemães, conquistaram, nos últimos anos, nos círculos ameri-
canos acadêmicos e intelectuais, a influencia de Parsons e de
seus alunos (dos quais vários se encontram, atualmente, entre
as primcúas figuras da Sociologia americana) c, mais relevan-
temente, os desenvolvimentos teóricos c de pesquisas na Amé-
rica, desde o fim da década dc 1930, convergiram para dar
à Sociologia de Max Weber posição proeminente nos Estados
Unidos de hoje.
de
lamteoria.
duas linhas
Oi principais
comuns deesforços
pensamento.
realizados nesse sentido reve-
Primeiro, muitos sociólogos procuraram construir sua teo-
ria em mais sólido terreno empírico do que o dos predecessores.
Etpcravam erguer uma teoria de maneira genuinamente cien-
tífica. Dos sociólogos do tempo, foi Parcto o mais explícito a
esse respeito: como tôda ciência, insistiu êle, a Sociologia deve
enraizarse na observação c na inferência lógica à base da ob-
servação. Similarmente, acentuou Thomas a necessidade de
usar em Sociologia as categorias de pensamento empregadas nas
Ciências Naturais; destacou nas primeiras obras a busca do re-
lações causais, mas em seus últimos escritos êsse ponto de vista
cede terreno à determinação das probabilidades. A ênfase atri-
buída à probabilidade também penetrou a obra de Max Weber.
Essa posição central, flanquearamna, por um lado, o
ncopositivismo
vos, especialmentenascente, sublinhando
os estatísticos, os métodos
e fazendo de seu usoquantitati-
condi-
ção sine qua non Ha verdadeira ciência, e, por outro lado, o
ponto dc vista de Max Weber dc que a distinção entre as Ci-
ências Natural e Humana toma o uso de métodos especiais, cm
adição aos das Ciências Naturais, um imperativo para a com-
preensão dos fenômenos sociais.
Devese observar que o inter êsse em tomar científica a
Sociologia não foi compartilhado por um dos mais conheci-
dos escritores dêsse período, Oswald Spengler. Embora Spen
gler não fôsse um sociólogo, a Decadência do Ocidente (1917
21) influiu altamente cm alguns círculos da Europa e dos
Estados Unidos e é uma obra sociològicamente relevante.
(Suas conclusões principais são resumidamente consideradas no
capítulo XX.) Nela. e indo muito além da distinção caracte-
ns ticamcntc alemã entre cícncia natural c ciência social, ne-
gou êle a possibilidade de uma ciência da sociedade e da cul*
tura, afirmando que o conceito dc causação é inaplicável aos
acontecimentos no mundo social. Mas os pontos de vista pes-
simistas dc Spengler não eram representativos dos próprios so-
ciólogos, que se moviam em direção a uma ciência empírica
do homem e da sua vida de grupo.
O segundo desenvolvimento principal dêsse período é a
convicção, compartilhada pela maior parte de seus principais
representantes, de que uma teoria sociológica significativa se
víduo na necessàriamente
basearia vida social. Convicção
no estudoqueda levou
participação
muitos do
sociólo-
indi-
gos a aceitarem a Psicologia como o fundamento da Sociolo-
gia, cm lugar da Física ou da Biologia do período precedente.
As figuras de início do século XX, entretanto, não iniciaram *
246
tendência psicológica da Sociologia. O período precedente,
como se deve recordar, dera margem ao evolucionismo psico-
lógico de Ward c Giddings c à teoria dc Tarde, que reduziam
o processo social i invenção c imitação consideradas principal-
mente no plano da ação individual.
A maior dificuldade encontrada por seus sucessores do
século XX foi a ausência dc uma teoria psicológica comu
mente aceita, situação que ainda existe. Em conseqüência,
cada tentativa para desenvolver uma teoria social geral era
capaz de basearse em diferentes approaches psicológicos. En-
quanto os neopositivistas adotaram o bchaviorismo c rejeita-
ram "senso
do a introspecçào, Cooley escreveu
comum” centralizada no estilo da
na introspecçào. A Psicologia
de Pareto ficava a meio caminho entre o instintivismo e a
emergente teoria da aprendizagem, com que, na melhor das
hipóteses, estava apenas superficialmente familiarizado. Thomas
flutuou entre um moderado bchaviorismo, a teoria psicanalttica
(que finalmente rejeitou), c uma Psicologia situacional que
acentuava a determinação da conduta humana pelas condições
objetivas, inclusive as normas c os valôres impressos na cultu-
ra e na história da vida pessoal. Max Weber negou que sua
teoria fôsse psicológica; pretendia que a Sociologia se relacio-
nasse ao mundo das idéias ou significados, mas, conforme de-
monstramos, tinha em vista a experiência verdadeira ou hipo-
tética dc significados, pelos indivíduos. Podese, assim, afirmar
que a teoria de Weber e essencialmente psicológica, acentuan-
do especialmente os elementos racionais da conduta. Pareto,
pelo contrário, dava ênfase especial aos aspectos hãoiógicos ou
irracionais do comportamento humano.
A aceitação dessas duas ideias mestras, a de que a Socio-
logia precisa ser uma ciência empírica e a de que cia precisa
desenvolver uma teoria da ação humana em sociedade, não
constitui por si uma teoria sociológica geral. Não obstante,
sôbre êsses fundamentos é que algumas das principais figuras
do período assentam algumas pedras para a const rução de tal
teoria.
A mais importante contribuição isolada foi talvez o teo-
rema dc Pareto
consistente dc que
em partes a sociedade ée um
interdependentes sistema, um
caracterizado por todo
fôr-
ças internas trabalhando pela restauração do equilíbrio contra
distúrbios moderados. Em linguagem menos precisa, Cooley,
246
autor do approach orgânico (não organicista) da sociedade
istabclcccu a mesma proposição. Mas a interdependência e a
integração do sistema social foram asseveradas, mais do que
exploradas, por esses autores. Ficou o estudo concreto para a
geração seguinte dc sociólogos, alguns dos quais desenvolve-
ram uma ‘‘escola funcional”, c um, Sorokin, uma teoria da
integração sociocultural (ver caps. XVII c XVIII).
Outra contribuição importante consistiu no rapprochement
da Sociologia e Etnologia, ou, mais exatamente, a aplicação do
tipo etnológico dc exaine ao estudo da sociedade moderna. Esse
método foi empregado por Thomas, também um dos primeiros
sociólogos que compreenderam a importância fundamental da
cultura na determinação da conduta humana.
Finalmente, certo número dc valiosos conceitos socioló-
gicos foi ou formulado ou rcdescobcrto. Coolcy, por exemplo,
especificou a natureza dos grupos primários, conceito que se
tomou parte integrante da Sociologia contemporânea, tanto
quanto certo número dc conceitos atinentes à formação da per-
sonalidade que influenciaram grandemente a Psicologia Social
moderna. Thomas c Znaniecki esclareceram o significado de
organização e desorganização social e pessoal e deram defini-
ções precisas aos conceitos de atitude c valor. Os valôres, em-
bora em sentido um tanto diverso, foram acentuados também
por Max Weber e Durkheim, nas últimas obras que escreveram
(cronologicamente pertencentes ao período em exame).
Realizaramse importantes progressos metodológicos. Como
acima sc observou, os neopositivistas c Max Weber atribuíram
um papel respectivamente dominante e significativo, na Socio-
logia, ao método estatístico. Influenciado pelo Dr. William
Hcaly,81 Thomas trouxe para a dianteira o método do estudo
de caso, revivendo assim uma afirmação de Le Play. Max We-
ber demonstrou a arte de usar o método quaseexperimental;
secundouo Thomas, cuja defesa do emprégo de grupos de
contrôlc na pesquisa social baseouse em considerações lógicas
semelhantes. Mais ainda, Max Weber sugeriu o método, de
certo modo discutível, do experimento mental e tomou clara a
operação verstehen, que dá uma resposta à difícil pergunta:
243
Quinta Parte
CONVERGÊNCIA
NAS TEORIAS SOCIOLÓGICAS
CONTEMPORÂNEAS
¥
Neopositivismo
George A. Lundberg
O neopositivista mais influente, do todos, talvez seja o
Professor George A. Lundbcrg (1895 ), da Universidade
de Washington, onde lecionou diversos anos. Membro de vá-
rias faculdades, na América, serviu como presidente da So-
ciedade Sociológica Americana, em 1943, c continua a publi-
car inúmeros trabalhos, a maioria dos quais transmite vigorosa-
mente seu approach “positivístico". Can Science Save Us?
(1947) c uma apresentação popular dos pontos de vista que
252
sustenta; sua obra principal até hoje é Foundations of Socioton
( 1939) .
253
icndêiuia dc certos ucoposítivistas { c lie muitos outros auto-
res), bem à maneira de Spencer, a adotar comd modelos as
teorias da ciência natural correntemente cm voga.
As três raízes históricas do ncoposiiivismo, que foram dis-
cutidas do capítulo XI, estão plenamente evidentes na obra
dc Lundberg. Já nos referimos a duas delas, o behaviorismo
e o pragmatismo. Êstc último, como adiante demonstraremos,
toma a forma de operacionalismo, ma* dá relevo principal ao
quantitativismo.
Em um dc seus primeiros trabalhos (1936), Lundberg es
rrrveu que a generalização científica é sempre e necessariamen-
te quantitativa;82 em um dos últimos, desacredita a separação
feita freqüentemente entre métodos qualitativo e quantitativo de
estudo.83 No conhecido compêndio, Social Research, declara
que “para a mais exata descrição exigida pela ciência, a cons-
tatação quantitativa é necessária”.84 Esta obra acentuou a me-
dição dc atitudes e a elaboração dc “escalas” dc atitude para
essa tarefa. Dentro disso, Lundberg nega que a manipulação
de unidades artificiais dc medição (comumcntc baseadas no
consenso entre peritos) difere fundamentalmente da manipula-
ção de unidades físicas iniercarabiáveis, afirmando que tôda me-
dição é “artificial”. Mais ainda, seu operacionalismo sustenta
que a “atitude” (como “inteligência”, “opinião”, etc.) preci-
sa scr, para fins científicos, definida como aquilo que é me-
dido por tais instrumentos de pesquisa. Êsse ponto dc vista
permanece
estudiosos. cm aguda oposição ao dc muitos sociólogos e outros
As idéias de Lundberg sôbre a medição são ventiladas em
uma controvertida polemica Uavada com Paul Furfey que,
em seu artigo “Value Judgments in Sociology”, cita o fato de
que há Ciências Naturais nãoquantitativos, como a Biologia
e a Geologia. 83 Lundberg retrucou que a Biologia é essencial-
mente quantitativa, pois suas generalizações se apóiaxn em ob-
servações confirmadas. Furfey respondeu que a espécie c o
254
cípulo Stuart Dodd aplica) não são característica essencial de
tôda ciência. Em carta posterior, Lundberg reitera sua de-
claração inicial de que as generalizações que constituem as ci
encias da Biologia, Geologia, etc., são o resultado de observa*
ção de muitos casos, e que esse tem sido sempre seu conieúdo
básico relativamente à quantificação na ciência. Acreditamos
qutü Furfey, em sua crítica final, demonstra, de maneira ©on*
vincente, que Lundberg fala de quantificação em dois dife-
rentes sentidos: primeiro, a ciência é quantitativa, dado que se
baseia em observações múltiplas — afirmação bastante fraca e
que não satisfaz aos critérios fixados por Lundberg em suas
obras principais; que
senta resultados segundo, a ciência
sc podem é quantitativa, constatar
quantitativamente pois apre-
—
posição coerente de Lundberg. Essa linha de raciocínio reduz
se a um silogismo: porque tóda ciência i quantitativa no pri-
meiro sentido, d*via ser quantitativa no segundo.
Como acima observamos, Lundberg considera o quanti
tativisxno quase inseparável do behaviorismo. Opõese franca-
mente à introspecção: têrmos como vontade, sentimentos, fins,
motivos e valores — afirma êle — são “o flogístico de todas
as Ciências Sociais”. Assevera que o cânone científico de par-
cimônia exige, por exemplo, o desenvolvimento de um único
principio para a explicação de todos os objetos voadores, seja
uma fôlha voando ante o vento ou um homem voando à
frente de uma turba que o persegue. ••
Ê digno de nota que a posição inflexível de Lundberg,
sustentando o behaviorismo, não o impede de considerar o
estudo de valôres e ideais como uma tarefa importante da So-
ciologia. Define êle valor, operacionalmente, como aquilo a
que as pessoas se conduzem de modo a conservarem ou au-
mentarem sua posse do mesmo, ou, negativamente, como aqui
256
aquilo que é medidopela régua, ou outros instrumentos; tem-
po, aquilo que é indicado por, digamos, um relógio; inteligên-
cia, aquilo que é medido por testes de quociente de inteligência.
Podcse perguntar: a população humana é aquilo que
se mede pelo Censo? E ainda: o que são estes instrumento*
padrão — réguas, relógios, testes de “inteligência etc.? Tais
planos foram desenvolvidos para medir determinados aspectos
ou fases da realidade total. Mas as definições conceptual que
levam a semelhantes desenvolvimentos técnicos altamente úteis
— sustentamos nós — são elas próprias formuladas de outras
maneiras, nãooperacionais.
Não obstante, o operacionismo moderado realiza uma ta-
refa científica essencial, exigindo que as definições se refiram
a atributos cmpiricamente verificáveis de tudo o que a ciência
estuda. Mas na forma extrema sustentada por Lundberg, e
certos membros de sua “escola**, o operacionismo freqüente-
mente resulta cm dar forma embaraçosa e desastrada a pro-
posições bem conhecidas e a cujo respeito quase não há
controvérsia.
A veemente adoção, por parte de Lundberg, de quantifi-
cação, behaviorismo e operacionalismo, caracteriza um gran-
de número de seus artigos, em menor extensão os compêndios
Social Research e Sociology (1954) e, especialmente» os pri-
meiros capítulos de Foundations of Sociology. Entretanto, como
Foundations
diversos
sua obra críticos
sistemática
observaram,
mais desenvolvida,
a maior difere
parte muito
de pouco de,
outros tratados gerais sôbre Sociologia. Assim, ao tratar de “di-
nâmica social”, grupos sociais e transformação social, faz uso
freqüente das contribuições de autores (précientíficos) como
Sumner, Vcblcn, Cooley, Park, Mead, Thomas e Sorokin.
Isso quer dizer que Lundberg, como a maioria dos sociólogos
contemporâneos, reconhece c emprega uma variedade de de-
senvolvimentos na disciplina, dc acôrdo com a característica
geral do presente período de convergência na teoria sociológica.
Mais ainda, conforme declarou Furfey, seu amigo e opositor
intelectual, como um dos raros “entre os sociólogos america-
nos, Lundberg tentou, franca e claramente, comprovar suas
definições,
meute*'.80 seus postulados e seus métodos, e seguilos, coeren
17
Stuart C. Dodd
O segundo representante marcante do neopositivismo ex-
tremo é o Professor Stuart C. Dodd, que foi colega de Lundbcrg
na Universidade dc Washington durante vários anos. Antes da
Primeira Guerra Mundial, Dodd ensinou e dirigiu extensas
pesquisas no Oriente Médio, onde também desenvolvera os
princípios que foram incorporados em sua principal obra, Dt
mensiom of Society (1942). Declara Lundberg que esse volu-
me, em que elabora as “ilações metodológicas” de sua própria
posição teórica, constitui um guia para Foundations of Sociolo
gy de Lundberg.
O propósito dc Dimensions, dc acôrdo com Dodd, é cons-
truir uma teoria sistemática e quantitativa da sociedade. De-
nominase TeoriaS, com o símbolo S representando situação.
As situações — explica Dodd — podem ser analisadas eu» qua-
tro classes de componentes: tempo, espaço (que é comum a
tôdas as ciências), população (observado em tôdas as classes de
fenômenos sociais), c afinal características de pessoas ou dc seu
ambiente — categoria residual a última, que compreende “tudo
o mais”. Como a define Dodd, a classificação é exaustiva:
nada lhe escapa. A fim dc designar esses quatro componen-
tes básicos, o autor emprega os símbolos T (tempo), L (espa-
ço), P (população), e I (indicador). O indicador, por defi-
nição, pode servir para quase tudo — por exemplo, a filosofia
budista, os ruídos urbanos, a extensão do desejo humano...
Essas representações simbólicas constituem o primeiro pas-
so no processo de Dodd. O segundo passo é atribuir a cada
verdadeira situação social uma “fórmula quântica”, formada
pelos quatro símbolos básicos e seus expoentes. Se, numa si-
tuação concreta, um dos componentes básicos falta ou não é
mensurável, aparece o símbolo com o expoente 0 (zero) que,
segundo os princípios algébricos, converte qualquer grandeza
cm 1. Noutros casos são aplicados os expoentes 1, 2, 3, 1,
2, como se observa nas indicações seguintes:
L ° — situações envolvendo espaço. L1 — situações
envolvendo
— situações L2 — situações
linhas.envolvendo envolvendo
volumes. T ° áreas. L*
— nenhum tempo
envolvido. T’ — duração. T* — transformação. T* —
1 2 3
256
aceleração. P° — nenhuma população. P1 _ plurels. P1
—■ grupos. Io — espécie de coisas chamada dólar. 10
^ B
— quocicnte dc inteligência de um indivíduo. Io — carac-
terísticas qualitativas. 1 ± 2 — características correlatas.
Dessa maneira, então, elaboramse as fórmulas quânticas.
Uma fôrça social, por exemplo, é simbolizada por T 1 I P por-
que, presumivelmente, envolve aceleração, não espaço, e po-
pulação — para cada fator particular um símbolo caracterís-
tico. Dodd insiste na idéia de estar traçando, com esse tipo de
formulação, o caminho para a quantificação de característi-
cas qualitativas. Estas últimas são tratadas como se tivessem
grandeza 1.
Podese transformar uma fórmula quântica em um nú-
mero quântico pela simples composição de um número de qua-
tro algarismos correspondentes aos elementos da fórmula. Para
simplificar: se 2 é substituído por 8 e 1 por 9, a fórmula
quântica para “fôrça social” resultará no número quânuco
8011. Dodd acredita que tôdas as situações sociais suscetíveis
de representação pelo mesmo número quântico, devem pos-
suir “alguma coisa” em comum.
O terceiro passo, no processo de Dodd, é o estabelecimen-
to de uma “matriz intcrrelacional”, sendo matriz o nome ma-
temático de uma disposição dc números em parcelas e colu-
nas.
de um Considerase essa Assim,
grupo social. técnica cm
a mais
cadaadequada à designação
célula (formada pela
interseção de uma parcela e uma coluna) haveria de mostrar
se a observada grandeza de um indicador qualquer (por exem-
plo, a atitude positiva ou negativa de uma pessoa em relação
a outra). A matriz pode ser então tridimensional, tetradi
raensional, ou pentadimensional — possibilidades estas fora do
alcance da representação gráfica convencional.
A descrição da TeoriaS, feita assim de relance, talvez a
faça parecer uin simques sistema dassificador. Mas Dodd afir-
ma que a teoria tem finalidades de análise e previsão. A seu
ver, a aplicação da matriz intcrrelacional pode auxiliar gran-
demente o aprimoramento dc definições operacionais de concei-
tos, tais
ração, líderes, ingroup,
comoestréias, oulgroup,
plurcl, isolamento, contato,
grupo, comunidade, processo inte-
eco-
nômico, contrôle social, etc. Uma coluna de grandes entradas,
por exemplo, quando o indicador de célula tem prestigio, iden-
259
tifica uma estiela c torna mensurável o grau de estrelato; se,
entretanto, a parcela e a coluna correspondentes contcm gran-
des entradas, espccificasc o líder. A matriz interrelaeional
permite a definição precisa dc um grupo, enquanto a agrega-
ção de tais matrizes, uma para cada característica existente em
comum, define uma comunidade. A exploração dc fórmulas
quânticas em células nãoocupadas permite predizer proprieda-
des dc situações ainda não observadas, tal como a tabela pe-
riódica de elementos de Mendeleyev lhe permitia prever as
propriedades químicas de elementos ainda não isolados.
Essas vantagens da teoriaS, entretanto, só podem ser ob-
tidas sc o sociólogo se limitar estritamente às definições opera-
cionais. De acôrdo com Dodd, a definição é “operacional” na
medida em que especifica o procedimento para identificar ou
gerar os fenômenos em causa e satisfaz ao leste dc alta con-
fiança. Enquanto a primeira parte da definição é similar à
formulação de Lundberg, a segunda exigência relacionasc ao
grau de concordância entre observações sucessivas dos mesmos
fenômenos, usando a mesma definição operacional. Êsse grau de
concordância precisa ser estatisticamente medido, o que, para
Dodd, é uma condição necessária a qualquer constatação
cientifica.
Dodd observa que essa apresentação da teoriaS pode
parecer predominantemente um exercício de dedução. Mas in-
siste em que a teoria emergiu de amplo estudo indutivo. O pro-
cesso indutivoe émonografias
sociológicos invocado, separando certobásicos
de conceitos númeroatinentes
de textosa
situações sociais, e aplicandolhes fórmulas quânticas. Sòmente
13% dos conceitos que aparecem nessas fontes não são ca-
pazes de representação simbólica (entre os quais o de “rea-
lidade**, que o autor acredita ser irreal). Mas verificamos que
êle era capaz de traduzir em fórmulas quânticas 1 600 situa-
ções sociais escolhidas nos campos mais diversos.
Dodd anuncia que sua teoria é inclusiva, digna dc con-
fiança, precisa, parcimoniosa e fecunda. É inclusiva devido a
sua categoria residual sem fim, designando “tudo o mais” pelo
símbolo /. A confiança estabelecese, presumivelmente, pelo
fato de que as classificações feitas por dois estudantes gradua-
dos, cuidadosamente instruídos, concordaram com as de seu
mentor. Supõese que a teoria seja precisa desde que expressa
em conceitos e símbolos operacionalmente definidos. E é de-
clarada parcimoniosa porque utiliza sòmente dezesseis símbo-
260
los: quatro para os componentes básicos; quatro para as opera
ções aritméticas; ^quatro referentes à agregação, clauificação re-
cíproca, correlação, tanto quanto o expoente; e quatro últimoi
designando o número e a natureza das classes, intervalos de clas-
ses c casos. Acreditamos, porém, que a parcimônia assim obti-
da seja ilusória. O símbolo residual I é usado cora um grande
número dc “prescritos” e “pósescritos”, necessários para con-
cretizar as “características’* (por exemplo, como acima obser-
vamos, para distinguir entre a filosofia budista, os ruídos ur-
banos c a extensão de um desejo). Devese acentuar, entre-
tanto, que não há mais justificativas para realizar operações
matemáticas coin o I dotado de vários “prescritos” e pósescri
tos” do que, na Aritmética, para somar o número de pés que
separa dois pontos e o número de pacotes carregados por al-
guém entre eles. O próprio Dodd concorda em que a fecun
didade dc sua teoria só pode ser provada depois que numerosos
sociólogos usarem seu sistema durante algum tempo e acumu-
larem material abundante. É digno de nota que, durante os
doze anos que se passaram desde a publicação de Dimensions
of Society, não apareceu nenhuma obra extensa obedecendo
a essas idéias.
Há boas razões, acreditamos, para não nos abandonarmos
à teoria de Dodd. A fim dc estimar suas possibilidades, selecio-
namos alguns exemplos de produtividade oferecidos por êle
próprio — que, à base de uma matriz interrelacional, oferece
as seguintes definições de amor e concorrência: quando duas
pessoas começam a se amar intensificam o índice de relações
em suas duas células da matriz, para a exclusão de tftdas as
outras células representando seus contatos sociais; a concor-
rência é o processo medido pelo cálculo do desviopadrão da
porcentagem de lucros e perdas do desiderato V pelo qual as
pessoas P concorrem em um período D. Curiosamente, esta
última definição inclui o que está sendo definido: concorrên-
cia é aquilo que aparece na concorrência.
262
pos dc matériasprimas é grande c indispensável o transporte
para lugares de trabalho; neste caso, a economia no trabalho
exprimese na diminuição dos esforços despendidos em condu-
zir bens prontos para os consumidores. Chamase “unificação’*
a fôrça existente por trás dessa segunda escolha. Zipí admite
que não se conhece nenhum método, até o momento, que ca-
pacite o investigador a calcular as grandezas absolutas deuai
duas fôrças. Mas é possível estabelecer empiricamente a pro-
porção dc suas grandezas — acredita êlc — dc uma maneira
a scr brevemente descrita.
Dc acôrdo com Zipf, o impacto das fôrças de diversifica
ção e unificação (ambas derivadas do princípio do menor es-
forço) leva os homens a reuniremse em comunidades de ta-
manho preestabelecido. O tamanho dc cada comunidade for-
mada cm uma grande área, tal como uma nação, exprime» na
fórmula 99
P
P —
» n«
P representa a população da comunidade ocupando a parce
n
la enésima na lista, Pé a população da maior comunidade na
área e q é a proporção da grandeza da fôrça dc unificação di-
vidida pela fôrça de diversificação. Também sc pode exprimir
a fórmula da seguinte maneira:
P P P P
C---------------+ +------------+ ... +
IQ I! 3* n«
264
menor o que a segun a. s es casos — e a vez mu o ou-
tros — dificilmente se enquadrariam no apontado esquema
matemático.
Uma fonte de preocupações para Zipf é o fato de que o
“princípio do menor esfôrço” mi põe que os homens sempre agem
racionalmente c que seus padrões de conduta podem ser ana-
lisados de acôrdu com isso. Esta suposição acompanhou a teo-
ria social durante 150 anos ou mais, com maior clareza na Eco-
nomia Política clássica; representa, porém, uma curiosa ano-
malia na análise atual do comportamento humano. A obra de
Zipf mostra ainda uma espécie de “obsessão matemática". O
autor parece partir da certeza de que cada verdadeiro complexo
de fenômenos
cer precisa,
a uma fórmula por alguma
matemática necessidade
bastante simples. interna, obede-
Pensamos que
a probabilidade de tal coincidência é aproximadamente idênti-
ca à expectativa de que a linha do céu, que se admira nos Al-
pes ou nas Rochosas, siga uma curva matemática.
Em obra do tipo de Humcm Behavior, de Zipf, não po-
demos esperar respostas para as dúvidas básicas da teoria so-
ciológica, exceto talvez a questão rciativa aos determinantes bá-
sicos dos fenômenos sociais. A teoria de Zipf, ao que parece,
implica que o estado de uma sociedade é determinado pela
ação de uma lei matemática. Não obstante, sua obra i assi-
nalada, aqui c ali, por várias “respostas** a perguntas sôbre a
sociedade c à relação entre sociedade e indivíduo. Lemos as-
sim queque“ainfluencia
campo sociedadeoshumana
membrospode ser encarada
individuais como um
e é influenciado
por êles...”.91 E novamente: “O sistema social é um gru-
po de indivíduos que procuram cooperativamente objetos seme-
lhantes por meios de normas semelhantes dc procedimento, sob
a presunção de que todo mundo dá a mesma soma de trabalho
e recebe a mesma recompensa, com um mínimo de trabalho." n
Isto, sustentamos nós, é na realidade uma suposição altamente
irreal.
Mathematical Theory of Human Relations (1947), dc
Rashevsky, supera a preocupação matemática de Zipf. Ras
hevsky, porém — cuja obra citamos sòmente para ilustrar
esta orientação — tem plena consciência de que o tratamento
Ibid.,
•* G.pág.
M 347. “The Hypo the»»
K. Zipf, . of t , t.
thewMinimum
*r Equation ,
American Sociological Review, vol. 12 (1947), pág. 627.
matemático dc fenômenos sociais complexos só é possível cons-
truindose casos e situações imaginários supcrsimplificados. Em
outras palavras, aquilo que é matematicamente explorado é
construção mental que, em contraposição ao ideal de Max
Weber de tipos puros, consiste de traços ncccssàriamcnte cm
desacordo com os observáveis na vida social. Apesar de re-
conhecer a limitação, a análise de Rashevsky dessas construções
freqüentemente resulta em sistemas de equações matcmàtica
mente insolúveis. Contràriamente à obra dc Zipf, não apresenta
nenhum postulado central.
O principio cia ordem matemática na vida social c com-
partilhado por Homell Hart, professor dc Sociologia na Uni-
versidade de Duke. Enquanto Zipf c Rashevsky tratam ma
tcmàticamcnte fenômenos dc “estática social”, Hart, pelo contrá-
rio, tenta dar expressão matemática a uma teoria de dinâmica
social. Não procura, como o primeiro, fundamentar sua obra
cm um pnncipio único: tenta integrar numerosos achados
próprios c de outros pesquisadores. Por exemplo, diz que
vários estudos relativos a população, informes sôbre o número
de invenções e patentes, relatórios dc velocidade, de tamanhos
de impérios, etc., demonstram que tais fenômenos podem ser
expressos por uma curva algébrica adequada. Assim, em diversas
áreas de transformação social c cultural, depois de um principio
lento, há aceleração, depois inflexão e descenso, tudo de acôrdo
com uma fórmula matemática precisa. Outros processos, como
odo número
poder de invençõesdostecnológicas
destrutivo explosivos,e especialmente
seguem outra o curva
aumento
(a
chamada "curva logfoff’), que, diferentemente do precedente
padrãotempo, não demonstra nenhuma inflexão ou diminuição
de velocidade; em outras palavras, a aceleração continua até
alcançar o limite físico.
Enquanto outros expoentes das teorias matemáticas se
satisfazem, freqüentemente, com fórmulas e leis matemáticas,
Hart, como que seguindo os conselhos de Max Weber, tenta
descobrir por que certas curvas são provàvelinente obtidas na
vida social. Ilustra êsse esfôrço a sua explicação geral da “ace-
leração do desenvolvimento da cultura”: o progresso cultural
dependeu de invenções, bto é, combinações novas de elementos
culturais
rais, velhos.tanto
deduzse, Quanto
maiormaior o número dedeinvenções.
a possibilidade unidades Assim,
cultu-
encontrarseia uma tendência geral dc multiplicação geomé-
trica de invenções. Mas Hart tem consciência de que ocorrem
266
rev venc as c e emen os po remen e n egra os ru cu ue
tôda. Assinala cie a tendência (que não explica) dos ageo*
tes destrutivos a aumentarem em eficiência com uma aceieraçio
mui:o maior do que a dc qualquer outro tipo de transfouiiação
cultural. Hart nega a possibilidade de explicar a conformida-
de de certos processos sociais com curvas matemáticas como uma
questão de puro acaso, proclamando que, além da tendénda
algébrica c outras, há alguma coisa He lei subjacente, na
natureza.w
Mas as leis da natureza são sempre proposições hipó
teticas do tipo “sc A, então B”. Uma lei demográfica, por
268
relação entre seus vários aspectos, atribuindo ênfase —pf«ii| I
assuntos econômicos e tecnológicos. A conhecida pesquisa de
Ogburn, The Social Effects of Aviation (1946), aproximao
mais da ala matemática do nropositivismo do que aias obras
anteriores. Um dos temas do volume é a insistência na neces-
sidade de elaborar métodos com os quais se prevejam, de ma*
neira a inspirar confiança, os desenvolvimentos sociais futurai.
A maior contribuição dc Ogburn para a teoria socioló-
gica, entretanto, está em sua primeira obra, Social Change
(1923), que apareceu simultineamente com o* últimos traba
lhos de Giddings e antes das recentes formulações dos neoposi-
tivistas
últimas mais extremados.
contribuições Podese no
de Ogburn, considerála um prelúdiopre-
estilo neopositivista, às
lúdio importante e meditado que afetou significativamente o
pensamento social posterior.
A este livro se atribuiu a substituição do termo evolução
social por “transformação social”. Em uma edição de 1950
dc Social Change, Oghum acentua êste ponto e explica a es-
colha do título por seu interêsse em ultrapassar o cvducionis
mo psicológico que, ao tempo, ainda era forte. O livro tam-
bém é descrito, às vezes, como o primeiro estudo a usar siste
màticamcnte o conceito de cultura como a indicar os "produ-
tos acumulados da sociedade humana”.* Esta interpretação,
entretanto, 6 discutível, dado que Thomas usou “cultura" nes-
te sentido muitos anos antes (ver cap. XII), embora não tão
coerentemente quanto Ogburn.
Entre as diversas generalizações teóricas do livro a itspei
to de transformação social e cultural (a relação entre as duas
não é claramente estabelecida por Ogburn), uma, particular-
mente, mereceu atenção e provocou muita critica: a hipótese
do atraso cultural. (O autor afirma, na edição de 1950 de
Social Change que a hipótese não é absolutamente fundamen-
tal para seu trabalho.) Esta hipótese é às vfees interpretada
como uma expressão do determinismo econômico ou tecnoló-
gico, interpretação, aliás, explicitamente negada por Ogburn. 5
270
senta cie o problema de como podem ser descritas e definidas
as instituições sociais de modo mais preciso do que na lingua-
gem popular. Para Chapin, as instituições são essencialmente
modelos de conduta humana: teias de respostas condicionadas,
hábitos individuais c atitudes. Seu estudo é difícil, dado que
intangíveis as conexões em que consistem; não são distintas
das fôrças intangíveis subjacentes do universo visível das coisas
materiais. De nôvo é evidente a tendência do neopositivissno
para apoiarse na ciência natural.
Método para definir mais precisamente as instituições é
o simbolismo gráfico. Muitas páginas da obra de Chapin es-
tão ocupadas por gráficos que o autor acredita que ajudem a
visualizar modelos de relações invisíveis. Mas estas relações
também precisam ser medidas. Em Sociologia — constata pe-
sarosamente Chapin — são ainda extremamente poucos os es-
tudos de fôrça social comparáveis à pesquisa nas Ciências Fí-
sicas utilizando unidades dc peso.68 A razão desta situação
— segundo acredita — é que o problema a estudar consiste
cm atitudes psicológicas, reações condicionadas, interações e
traços culturais. O sociólogo precisa inventar unidades e ins-
trumentos de medida padronizados, que tomarão os fenôme-
nos institucionais mais suscetíveis de acurada descrição e trans-
missão do que hoje. Coerentemente, Chapin e seus discípu-
los esboçaram, durante muitos anos, escalas para a men
suração de várias formas de "conduta institucional", por
exemplo, o status social, efeitos dc moradia, meio fami-
liar e “personalidade”.*
Aos procedimentos dc simbolismo gráfico e mensuração por
escalas, acrescentou Chapin outro, a que chamou de experi-
orge
& A.1942,
Co., Lundberg (Social
cap. IX, sôbreResearch , Nova Behaviour**);
"Institutional York, Longmans, Green
e para urn
tratamento recente e mais sofisticado da "cscalaçlo", ver W. J. Oooòe
e P. K. Halt, Methods in Social Research, Nova York, McGraw
Hill Book Co., 1952, caps. XV, XVI e XVII.
271
mental, mas que, no máximo, c quaseexperimental. A idéia
básica dêste procedimento, como a apresenta em Experimental
Design in Social Research {1947),100 é usar a lógica do ex-
perimento de laboratório. No laboratório o físico mantém cons-
tantes, ou controla, tôdas as condições menos uma c, variando
esta, observa os efeitos das transformações no fator variável.
Dado que o cientista social não pode controlar as transforma-
ções sociais para fins de estudo, precisa estudar dois ou mais
estados de um sistema ou duas ou mais situações sociais que
diferem pela presença ou ausência da condição cuja significa-
ção causai está sendo procurada. Assim, podese observar uma
população antes e depois do estabelecimento de novos lares c
aferir o impacto do mesmo na morbidez e na criminalidade.
Ou, para citar um caso mais complexo, podemse estudar duas
populações com a mesma distribuição de idade, sexo, raça,
nacionalidade dos pais, e status ocupacional do pai, mas dife-
rindo no número de anos dc escola; se ambos mostram uma
uma significativa diferença cm salários ou ajustamentos co-
munais, o experimentador pode considerar que provável men-
te estabeleceu uma relação causai.
Chapin descreve diversas aplicações engenhosas desse pro-
cedimento experimental. Mas, raramente, abrem elas novos ho-
rizontes. A concomitância de variações, com tôda a proba-
bilidade, poderia ser descrita à base da observação participante.
Além disso acreditamos que a validade de medições de fenô-
menos institucionais, ou mais exatamente, de sua expressão em
simbolos matemáticos, permanece sujeita a sérias dúvidas.
Dc acôrdo com o neopositivismo, Chapin endossa a im-
portância de definições operacionais na ciência social. Entre-
tanto, adota uma posição bastante moderada. “A chamada
definição operacional” — escreve ele — “não está colocada
como qualquer definição final ou absoluta, mas simplesmente
como um útil desenvolvimento em direção da objetividade.”101
A maioria dos sociólogos subscreveria hoje este ponto de vista.
272
Diversamente da maior parte dos neo positivistas, Chapin
demonstrou considerável interêsse pelo problema dc movimentos
de longo alcance, ocorridos em civilizações consideradas como
todos. Esta fase de sua obra será examinada no capítulo XX,
sôbre a Sociologia histórica.
Resumo e apreciação
it 273
tub a quais «* possível o desdobrannento nãoverificado do
proccsso.
Acreditamos, porem, que o conhecimento assegurado es-
tritamente d* acordo com os cânones neopositivistas permane-
cei ú limitado; permanecerá à altura do nível dc causalidade
de Weber, sem alcançar o nível dc compreensão dc Weber.
Esta limitação é inerente ao verdadeiro approach dos neopo-
sitivistas, que extraem o behaviorismo da Pisicologia, onde não
é mais preponderante, e adotam uma Filosofia pragmática que
leva em si um extremo nominalismo. Os neopositivistas acham
que, por esse ineio, st* libertam da metafísica, que entendem
incompatível
que não sabiacom
que a quando
ciência. falava
Comoestava
um dos tipos de aMolière
empregando prosa,
os neopositivistas parecem inconscientes do fato de que seu ap-
proach repousa neccssàriamcntc cm uma das possíveis posições
metafísicas.
O pragmatismo extremo também embaraça grandemente
os neopositivistas em suas respostas às seguintes perguntas:
O que é sociedade? O que é cultura? Como sc relacionam a
sociedade e os indivíduos? Êles identificam sociedade com
interação dentro da sociedade. Assim — para Lundberg, tal-
vez o mais filosoficamente dotado dêsses autores — um grupo
social é a conduta interacional classificada sob o ponto de
vista estrutural. A sociedade, sendo urna construção mental,
dificilmente
Lundberg, Zipfpode “interagir”
e outros presumemcom o indivíduo;
a interação no entanto,
entre ambos.
A escolha dc unidade para a análise sociológica não é
imposta aos neopositivistas por seus pontos de vista básicos.
Mas há um denominador comum fundamental: a unidade de
análise é aquilo que é quantificável. A este respeito, Dodd
realiza um tour de force tomando tudo quantificável, c tra-
tando características qualitativas como se fôssem iguais a 1.
Nenhum determinante especial da estrutura social ou da
transformação social aparece na obra dos neopositivistas, em-
bora a teoria de Zipf se aproxime, perigosamente, do deter-
minismo econômico.
A contribuição principal do neopositivismo foi metodoló-
gica. Se não oferece garantia a confiança que depositam na
tríade quantitattvismobehaviorismooperacionismo (derivação
do pragmatismo), não obstante sua insistência em cada um
dêsses três elementos deu bons frutos. A maioria dos sociólogos
274
contemporâneos concorda em que as t^cnkaa de quntifitiflH
são altamente úteis, e deviam ser empregadas como uma pes-
quisa auxiliar
, sempre que possível;w e tamWm concorda cm
que as descrições introspcctivas dos fenômenos sociais deviain
ser suplementadas pelas behavioristas. Muitos sociologo* atual-
mente dispensam grande cuidado a suas definições, formu-
landoas menos a priori e inais à base de fatos observáveis do
que os da geração passada. Por outro lado, o neopositivismo
ajudou, sem dúvida, a desperdiçar tempo e energia em es-
tudos persuadindo alguns indivíduos a tentarem medir tudo,
com escassa idéia do possível significado dos resultados, e levan-
proposições embaraçosas
edodesastrosas,
outros aqueformularem definições
muito complicaram coisase bastante simples.
Em conclusão, podemos comparar o neopositivismo ao po-
sitivismo srcinal dc Comte. Ambos exibem a tendência a só
atribuir a verdade à ciência. Ambos dão ênfase especial à
observação e à inferência. Mas o método histórico de Comte
é substituído pelo método estatístico, o realismo moderado dc
Comte deu lugar ao noiuiiialismo extremo, a analogia orgânica
temperada de Comte e sua “Física Social" cederam a vez a
uma confiança muito maior na metodologia da Física mo-
derna. Finalmente, desapareceu a tese do progresso dos fun-
dadores da Sociologia.
776
ccólogos dão ênfase 6 inteiramente diferente; ademais, a Ec
logia combina os approaches biológico e geográfico, estabe-
lecendo correlações entre o fundo biológico dos fenômenos to*
dais e o meio geográfico.
A Sociometria moderna pode ser retraçada até o pene-
trante estudo da comunidade, de Toennies, à análise dos pro-
cessos sociais elementares dc Simmcl e ao tratamento dos gru-
pos primários de Cooley. A Sociometria também tomou al-
guns traços da Psiquiatria moderna. Êsses vários elementos se
têm entrelaçado com uma forte acentuação sôbre a medição,
esta última de inspiração neopositivista.
Ecologia humana
278
volvimcnto nos Estados Unidos, conforme o indica um gnn»
dc número dc investigações ecológica mente orientada*.m En-
tretanto, o padrão de zonas concêntricas efetivamente carece
da validade universal que algumas vê/es lhe é atribuída lofi
insinuada por ecólogos urbanos.
No segundo quartel do século XX começaram a multi-
plicarse as obras de acôrdo com a orientação ecológica, de
modo que se poderia legitimamente falar em “escola” ecoló-
gica. Na década de 1930 a distinção entre interação estri-
tamente ecológica e interação social começou a merecer des-
taque especial; ao mesmo tempo, declaravase que as simples
descrições dos fenômenos humanos em termos dc distribuição
espacial não eram verdadeiramente ecológicas. A interação
estritamente ecológica, declarou James A. Quinn, notável re-
presentante da escola, opera mediante a dependência de al
alguns suprimentos limitados de recursos do meio; cada or-
ganismo vivo afeta neccssàriamente outros, pelo acréscimo ou
decréscimo do suprimento de recursos de que o* outros de-
pendem. O processo é impessoal, e, dado que não envolve
nenhuma troca de significados, é subsocial; mas seu estudo
constitui parte impoi lante da análise sociológica.106 Por ou-
tro lado, Park, um dos fundadores da escola, argumentava,
em tômo de 1930, que nas sociedades humanas deviam dis
tinguirse dois níveis ecológicos (ou sociológicos): o simbióti
co,
seadofundamentado na concorrência
na comunicação impessoal,
e no consenso. e o cultural,
Êste ponto de vista ba-
in
clusivo, entretanto, não é aceito por Quinn, que concebe a Eco-
logia humana como provendo sòmente a um dos possíveis mo-
dos de abstração da rêde indivisível de relações humanas, em
uma área da vida comum.
Começando com a obra inicial dc Park e Burgess, os eco-
logistas correlacionaram vários fenômenos culturais c sociais
com as “áreas naturais" da cidade. Destacaram para estudo
280
da transformação das sociedades humanas.Ift Os
ecológicos, muitas vêzes era combinação com outras técnicas,
aplicamse hoje, freqüentemente, a vários campos de pesquisa.
Parece não haver dúvida de que traços da vida urbana, como
as relações interétnicas, podem usar eficazmente dos conceitos
do habitat, simbiose, c invasão e sucessão — produtos da teo-
ria ecológica.
Soeiometria
282
tão não são mais freqüentes ou intensas do que enUe imlívfclttOi
apanhados ao acaso. Outras estruturas, entretanto, aproximam*
se do nível da coesão social ótima.
A fim de estabelecer o tele, ténno usado em Sociometria
para conotar as fôrças de atração e repulsão entre os indiví-
duos, empregase um procedimento chamado teste tocíomé
trico. O teste exige que cada sujeito em uma investigação
indique suas escolhas de companhias em várias situaçõrs, tais
como brincadeira, trabalho ou estudo. O número de seleções
ou rejeições dos sujeitos pode ser restrito ou ilimitado, depen-
dendo do âmbito da pesquisa.
A fim de conseguir uma descrição total e genuína de um
grupo ou sociedade, todos os indivíduos que o compõem pre-
cisam ser observados como agentes ativos. Tarefa importante
do sociomctrista é estimular as pessoas que estão sendo estu-
dadas a agirem e a escolherem e rejeitaremse umas às outras
de acôrdo com procedimentos sociométricos. Cumprida essik
tarefa, cada domfnio das relações humanas — econômico, étni-
co, cultural — será "esticado1' c tra/ido para o quadro da pes-
quisa. Portanto, os sociomctristas advogam um procedimento
caloroso, a fim de provocar a mais alta espontaneidade pos-
sível das respostas às perguntas e sugestões do observador. Este
deve também coatuar com o grupo; por outras palavras, deve
agir como um observador participante.
Os testes que essas técnicas utilizam proporcionam mate-
rial para gráficos denominados sociogramas. Um sociograma
é uma espécie de mapa do grupo em que, por símbolos apro-
priados, se representam as escolhas positivas e negativas dos
membros do grupo. Os sociogramas permitem o delineamento
dos átomos sociais, definidos como o soma total das relações
que circundam cada indivíduo, numerosas em alguns casos e
poucas em outros. Os átomos sociais, entretanto, são apenas
partes de um padrão maior, a rêde psicológica, representada
pelo entrelaçamento de certo número de átomos sociais. Este
procedimento gráfico revela um número limitado dc configu-
rações típicas; a isolada, ou um número solitário, em tênues
de escolha feita por êle de outros, e dc escolha feita dfie por
outras; a parelha; o triângulo autosuficiente; a cadeia [A es-
colhe B, mas B escolhe C, etc.); e a estrela com sua conste-
lação. Além dessas configurações, características de pequenos
grupos, os socioir.etristas anotam estruturas mais extensas: a
H»
comunidade composta dc redes psicossociais c a humanidade
composta dc comunidades. Embora Moreno ou outros desta-
cados sociometristas não tenham estudado o assunto, outros (in-
clusive Lur.dberg) 103 empregaram sociogramas para traçar mo-
delos dc relações sociais em pequenas comunidades americanas.
Além da construção e análise dos sociogramas, os socio-
metristas usam o método do átomo cultural, apresentando es
quemàticamente os vários papéis sociais dc que os indivíduos
participam, ativa e passivamente, tão bem quanto a matriz
interrelacional sugerida por Dodd.
As averiguações de numerosos estudos sociográficos enco-
rajaram os sociometristas a chegarem às seguintes conclusões:
na vida social há concentração da escolha humana sôbre uns
poucos indivíduos, atuando isto para reduzir o total de esco-
lhas gastas com outros. Esta situação produz um prole-
tariado sociométrico, os bolados, o mais antigo c mais nume-
roso proletariado da sociedade humana. Ademais, existe uma
correlação entre a inclinação do indivíduo a fazer escolhas po-
sitivas e a aptidão a sc tomar objeto das escolhas de outros.
Os superescolhidos assumem facilmente a posição de liderança.
Conclusão posterior de Moreno é que o conflito e a ten-
são social aumentam na proporção direta da diferença socio
dinâmica entre a sociedade oficial e a matriz sociométrica (ex-
primindo relações de ocorridas
tudaram perturbações atraçãorcpulsão).
cm grupos,Os por
sociometristas es-
exemplo, ca-
sas correcionais, e averiguaram as relações entre várias formas
de organização de grupo e diferentes tipos de perturbação.
Se, digamos, a maior parte dos interêsses emocionais de um
grupo familiar se dirige principalmente para indivíduos de
fora do grupo, o funcionamento do mesmo seri perturbado
pela falta de precisão no trabalho, pela superficialidade da
execução, etc. Se, ao contrário, o grupo ê grandemente in-
trovertido, mas muitos des membros sc rejeitam uns aos ou-
tros, surgirão perturbações de outro tipo, expressas no atrito
e no conflito entre os que estão presos à execução das ações
necessárias. Se muitos membros rejeitam a casa materna! mas,
284
por outro lado, sc atram reciprocamente, podem seguirse a re-
gressão no trabalho e a rebelião aberta.
À base de diversos estudos de conflitos intragrupais, os ao
cioraetristas desenvolveram técnicas para reduzir essas tensões,
especialmente o psicodrama e o sociodrama. gmg* técnicas
também podem ser usadas com outros propósitos, tais como
a formação de indivíduos para a liderança de grupos.
Moreno e seus seguidores, como muitos inovadores, in-
clinamse a superestimar a significação das próprias conclusões.
Freqüentemente escrevem como se tivessem descoberto a chave
para a compreensão das relações interpessoais. Com tôda a
probabilidade, a afinidade seletiva entre membros de grupos,
a que eles dão ênfase especial, opera em combinação com
uma afinidade baseada no parentesco, proximidade espacial
e outros fatores. Além disso, os costumes tradicionais, as ins-
tituições e a coerção também afetam as relações interpessoais.
Não obstante, os sociometristas abriram um promissor campo
de estudo. Recentemente, suas idéias encontraram acolhida
na França, onde se fundou um Instituto Sociométrico. Nesse
país, Georges Gurvitch apontou uma flagrante similaridade en-
tre os pontos de vista dos sociometristas e sua própria Micrus
sociologia (ver cap. XIX). As duas tendências começaram
independentemente e a similaridade que apresentam pode ser
considerada outro exemplo da tendência convergente na Socio-
logia contemporânea.
Resumo e apreciação
286
CAPÍTULO XVII
A Escola Funcional
287
funcional, cm Sociologia e cm Antropologia Cultural, são atri-
buídos sentidos diferentes e nãocorrelatos. As vezes, especial
mente na obra de Sorokin, o termo função é usado no senti
do matemático, significando uma variável cuja grandeza é
288
funções essenciais à pcrimêntia (eventualmente, à expansão ou
ao reforçamento) do todo e, portanto, são interdependente *
mais on mrom completamente integradas.
O approach funcional é mais antigo na Biologia, na Psi-
cologia e na Antropologia Cultural do que na Sociologia. A
Biologia, como ciência, organizase em torno da idéia de que
cada órgão, ou parte do sistema denominado organismo, realiza
uma função ou funções essenciais à sobrevivência do organismo
e das espécies a que pertence, ou apenas das espécies; como
corolário, destaca o princípio da interdependência dos órgãos.
Em síntese, um organismo é compreendido como um sistema
de componentes funcionalmente interrelacionados.
Em Psicologia, durante o fim do século XIX e no prin-
cípio do século XX, várias escolas analiticas descreveram acu-
radamente as partes componentes do processo mental (como
cognição, emoção e voliçõo), mas foram incapazes dc apreen-
der sua unidade. Começando antes — desenvolvendose, porém,
nas décadas de 1920 e 1930 — surgiu a influente escola da
Gestalt (configuração), sustentando que qualquer elemento do
processo mental, se se deseja alcançar uma compreensão realista
do mesmo, precisa ser estudado no contexto do todo, porque
o significado de cada elemento varia de acôrdo com a configu-
ração total de que êle é parte.
Em Etnologia ou Antropologia Cultural, Franz Boas (1858
1942) antecipou o approach funcional, escrevendo, em 1S87:
“A arte e o estilo característico de um povo só podem ser
compreendidos estudandose seus produtos como um todo.** 111
Mas o funcionalismo* ná 'Antropologia desenvolveuse muito
depois, em oposição ao evolucionismo e ao difusionismo. O
evolucionismo foi descrito em nossos primeiros capítulos, bem
como seu colapso quando emergiram teorias novas, inclusive
o funcionalismo. O difusionismo é a posição tomada por alguns
etnólogos que destacam a propagação ou difusão de invenções
de um número relativamente pequeno de centros culturais e
seu significado no desenvolvimento cultural. Contràriamente à
orientação histórica de ambas essas escolas, que explicam cada
item da cultura localizandoo seja no esquema evolutivo, seja
em um concreto processo histórico dc difusão, os fundonalistas
declaram que a explicação de cada item da cultura se encon
10 289
1:.1ni> que cie representa para o todo, c, correlativamcnte, nos
tcnnos de sua interdependência com os outros itens que formam
a cultura. Como ocorre freqüentemente aos inovadores, os
funcionalistas pecaram por exageros, parecendo às vezes afirmar
que cada item cultural é funcional no sentido em que contribui
positivamente para tôda a cultura, desprezando claramente os
costumes nocivos, à maneira de Sumner. Similarmente, os
antropólogos funcionais admitem, às vezes, que cada sistema
social é perfeitamente integrado, relegando a segundo plano o 7 .
bem conhecido fato da desorganização social.
As tendências existentes na Biologia, na Psicologia e na
Antropologia Cultural estimularam grandemente o surgimento
da Sociologia funcional. Mas os sociólogos funcionais podem
reconstituir a própria genealogia, igualmente, dentro de seu
disciplina. As idéias da integração de partes cm todos^ c da
interdependência dos diferentes 'elementos de uma sociedade
apareceram no consensus universalis de Comte, na preocupação
de Spencer com a integração compensando a diferenciação,
na teoria orgânica de Cooley e especialmente na concepção dc
Pareto da sociedade como um sistema cm equilíbrio. A ênfase
atribuída às contribuições feitas ao todo por estruturas sociais
particulares, criaramna Durkheim e Thomas. É possível con-
siderar The Polish Peasant, do último e de Znaniecki, o pri-
meiro livro importante da Sociologia moderna escrito no es-
pirito funcional.
290
provimento dc informações. A investigação, largamente reali.
zada mediante a observação participante, à maneira dos mo
dernos estudos etnológicos, utilizou também, no entanto, do-
cumentos históricos e dados estatísticos.
Os resultados convenceram os Lynd de que as maneiras de
satisfazer as necessidades surgidas em Middletown Indicavam um
tipo definido de estrutura social, ou seja, a divisão básica da
população era classes negociantes e trabalhadoras, cada uma
delas preenchendo de modo diferente, as funçõei iodas es-
senciais. Não se verificou ã~ hipótese dê completa Integração
do sistema sociocultural, estando a vida da comunidade mar-
cada por um labirinto de atividades institucionais entrelaçadas
e freqüentemente contraditórias. Os autores encontraram, exis
tinto lado a lado, tentativas de empregar a Psicologia do sé-
culo XIX na formação de crianças c a Psicologia do século
XX nos negócios, a confiança no laissezfaire do século XVIII I
c o uso de máquinas do século XX, etc. Entretanto, estabele "
ceram algumas uniformidades na transformação social: por
exemplo, o fato de que as inovações materiais são voluntárias
c ràpidamentc mais accitas do que 35 novas Idéias atinentes às
relações entre maridocmulherA_ entre pais e lilhos ou 'entre
classes sociais. Isto parece corroborar a hipótese do atraso
cultural, dc Ogburn.
Middletown, saudada por alguns comentadores como a
primeira demonstração importante da aplicabilidade dos mé-
todos c teoria antropológicos às complexas comunidades mo-
dernos, e citada por outros como uma “nova espécie de histó-
ria”, foi amplamente lida nas universidades americanas na
década de 1930. Em 1937, os Lynd publicaram Middletown
in Transition, um estudo, em continuação, da cidade nos pri-
meiros anos da depressão, onde, mantendo embora o ponto de
vista totalista da primeira obra, focalizavam mais agudamen-
te te a estrutura de classes e as relações entre poder econômico
|'e político, em Muncie. Estes volumes estimularam certo nú-
mero de estudos similares, na América e em outros países.
O mais conhecido dêsses estudos é a série Yankee Cky di-
rigidauma
bre por cidadezinha
William L. da
Warner,
Nova informe
Inglaterraemque
quatro volumes
destaca sua sft
es
. trutura de classes e status, seus padrões étnicos em transforma-
ção c seu sistema industrial. O primeiro volume, The Social
Life of a Modem Community, apresenta a opinião funcional
dc \\amcr. nos teruios seguintes: quando a interação recípro-
ca ó oi^anizada em relações definidas, produz sistemas dc agru-
pamentos informais c formais denominados estruturas sociais
que regulam a conduta social dos indivíduos. Cada uma des-
sas estruturas (a família, a organização econômica, a igreja,
etc.) sc manifesta cm normas padronizadas reforçadas por san-
ções formais c informais. Finalmente, as diversas estruturas
sociais, dc tão interrelacionadas, formam uma totalidade di-
nâmica. Esta interrelação integrada do sistema social cm tôdas;
as sociedades resulta da ênfase atribuída a uma estrutura, que
dá forma à sociedade total c integra as outras estruturas cm
uma unidade
to provê umasocial, quasepara
armação da as
mesma
outrasmaneira
partes que
do ocorpo.
esquele-
Em
Yankee City e através da sociedade americana, a estrutura da
classe social exerce o papel do esqueleto.
Uma grande parte da série Yankee City, bem como di-
versos outros volumes empreendidos por Warner, ou fazendo
uso de sua teoria e de seu método, descrevem detalhadamente
os sistemas de classe social e correspondentes interrelações com
o status econômico e o genealógico, e os fatores étnicos, em
comunidades de várias partes dos Estados Unidos. Assim, re-
presentam esta fase da Sociologia funcional por exemplo, Deep
South (1941), dirigido por Warner, Plainvillc U. S. A.
(1945), de James West, e Elmtown’s Youth (1949), de
A. B.Tentativa
Hollingshead.
diferente para agir de acôrdo com o funciona-
lismo foi a que realizaram Conrad M. Arensberg c Solon T.
Kimball em Family and the Community in Ireland (1940).
Êsses autores definem o funcionalismo como o destaque dado
à mtcrconexão da vidasocial humana, declaram que um sis-
tema social é um equilíbrio dc usos e concluem, no aludido
estudo de uma comunidade rural tradicional, que cada aspec-
to da vida irlandesa sc integra no sistema todo. Arensberg
e Kimball escolheram, como ponto de partida para sua apre-
sentação, a família e a comunidade, Da família imediata, pasj
saram a discutir a mais ampla estrutura de prentesco e outrotf
aspectos da associação e, finalmente, a recreação e as crenças
místicas.
da obra, Oscom,próprios
digamos,autores assinalam
a igreja que oteria
como foco, rcajustamento
dado um
quadro completamente diferente da socicdadc. Confissão de
certo modo incoerente, em relação à crença na completa in-
tegração social, pois, sc uma sociedade é perfeitamente integra
292
da, o ponto de partida de sua descrição nSo devia afarar
descrição da totalidade.
nos trabalhos
extensão de umdosgrupo
funcionalistas), a manutenção
e de seu sistema social, ebema como
eventuala
persistência e a possível melhoria da cultura de grupo, são
definidas, pelo menos implicitamente, como os objetivos ou
metas do grupo. O estudo empírico revelaria os requisitos
funcionais de um dado sistema, isto é, as condições cm que
esses objetivos podem ser alcançados. Podese, então, de-
monstrar que partes específicas da estrutura social e da cultura
do grupo operam como mecanismos que satisfazem (ou não
satisfazem) os requisitos funcionais. Seguemse, como ampla
orientação teórica, diversas proposições adicionais. Primeiro, I
é possível satisfazer às necessidades funcionais dc diferentes I
maneiras, ilustradas pela variação social e cultural; e as so|
cicdades individuais, por assim dizer, “selecionaram” seus pro-
cedimentos particulares de uma ampla escala de possibilidades
culturais. Mas, segundo, o número dessas “escolhas** é sempre
limitado, limitado pelas características biológicas do homem e
por suas necessidades sociais e psíquicas; daí a prevalência dc
invenções independentes e paralelas em diferentes sociedades
(fenômeno que serviu aos evolucionista* como um de seus mais
fortes argumentos). Terceiro, a escala de “escolhas” para uma
sociedade especifica é ulteriormente limitada pela interrelação
e, em certa medida, pela interdependência das próprias esco-
lhas; assim, a adoção de um tipo dc sistema dc parentesco, por
exemplo, restringe o número de possibilidades cm outras áreas
institucionais. (Mais concretainente, como sc tem frequente-
mente observado, o crescimento industrial modemo nas soae
296
Tais procedimentos representam apenas algumas das po»i
bilidadcs metodológicas de uso potencial na análise funóooaL
(O experimento mental, o método comparativo e o estudo do»
efeitos da perturbação, naturalmente, têm sido e são empien
dos por alguns representantes de outros approaches.) Diversos
estudiosos, talvez mais efetivamente Merton em Social Theory
otid Social Structure, acentuaram há pouco a interdependência
c a interação da pesquisa empírica de vários tipos, e o cres-
cimento da teoria funcional.
No mesmo volume, Merton faz algumas contribuições im-
portantes à teoria funcional. Tenta êle codificar sistemàtica
mente um protocolo ou paradigma para o funcionalismo, es-
forço destinado a apresentar “a própria essência de conceito,
procedimento e inferência na análise funcional*'.11* Nesse es-
forço, Merton torna explícita a distinção entre função manifesta
c latente, distinção encontrada de forma implícita nas obras
de numerosos estudiosos. As funções manifestas referemse às
conseqüências objetivas dc uma unidade social "õu cultural es-
pecífica, que contribuem para sua adoção ou ajustamento c
que eram pretendidas pelos membros; as funções latentes re-
feremse a conseqüências nãopretendidas e nãoreconhecidas
Assim, para citar uma notória ilustração de Merton, uma fun-
ção manifesta do consumo econômico é o uso, enquanto uma
de suas funções latentes é (ou era em certa época), como Ve
b!en acentuou, a manutenção ou o realce do prestígio. Nos pou-
cos anos decorridos após a publicação da obra de Merton
(1949), esta distinção vem sendo extensamente empregada pe-
los sociólogos americanos. Distinção que — conforme o pró-
prio Merton o destaca c demonstra em um curto ensaio, po-
rém de mestre, sôbre a máquina política urbana, cm que c»ta
organização é retratada como satisfazendo necessidades exis-
tentes de vários grupos, não eficientemente preenchidas por
instituições oficiais — é especialmente válida porque chama a
atenção para funções latentes aptas a serem cxnminadas na
análise social.
A discussão de Merton da máquina política ilustra igual-
mente o conceito das alternativas funcionais, essencial para a
análise “uma vez que abandonamos a presunção gratuita da
indispensabilidade funcional de determinadas estruturas sociais”;
Resumo c apreciação
298
ckttivo para a observação sociológica, mas aem próprio» estu-
dos se relacionam primaciaiinente com as estruturai wciik
O problema da relação de indivíduo e sociedade não é
dccutido explicitamente, embora Thomas, conforme asmala
mos no capitulo XII, realizasse importante obra pioneira sftbre
interrclações funcionais dc personalidade e cultura.
As questões sôbre os determinantes da estrutura social e
da transformação social são enfaticamente respondidas em favor
da causação múltipla. Muitos fatôres, mas funcionalmente I
intnrelacionados, determinam a configuração de uma socie-
dade bem coino suas transformações — ponto de vista que
paicceMas
largamente compartilhado.não participam dc nenhuma definição
os funcionalistas
preferencial dc Sociologia. Alguns dêlcs, especialmente os não
-sociólogos, incorporariam a Sociologia à Antropologia Cultural.
A metodologia da escola tem sido fraca, freqüentemente
apoiandose na intuição ou na capacidade do observador para
“ver** funções realizadas por estruturas parciais, correlações, in
kegrações, etc. Temos sugerido algumas idéias sôbre procedi-
mentos mais precisos. Um tratamento mais compIcto dos <. Q#
problemas metodológicos encontrase na obra de Merton.
A experiência relativamente curta do funcionalismo parece
indicar o fato dc que uma descrição significativa das estruturas
sociais c da cultura em termos funcionais exige um “tema central"
em tômo do qual seja possível organizar, inteligivelmente, o
resto do sistema sociocultural.l,# Além disso, conforme Sorokin,
Merton c ou tios acentuaram, devese reconhecer que a integração
social nunca é completa c que tôda sociedade e cultura contêm
clementes mal ajustado» dentro do todo. A falha em conceber
a sociedade como um equilíbrio dinâmico e imperfeito caracte-
riza, infelizmente, a obra de alguns funcionalistas, especialmente
na Antropologia Cultural.
Finalmente, há boas razões para acreditar enganosa a
hipótese dc funcionistas extremos, de acôrdo com o» quais tôdai
as partes dc uma cultura têm funções positivas. As formulações L
299
mais realistas c mais cautelosas do antropólogo Ralph Linton,
quc pro ume a existência de “itens não-funcionais”, 120 c as
dc Merton, que formula a hipótese das conseqüências 121 não-
-funcionais e disfunções, devem encorajar o desenvolvimento
dc uma teoria funcional mais sofisticada.
O funcionalismo talvez seja antes uma promessa do quc
uma conquista. Mas 6 uma promessa importante. O neoposi
tivismo, como vimos, reduziria a Sociologia à medição. O fun-
cionalismo não a exclui (ou a outras técnicas dc pesquisa). A
análise funcional, porém, concentra sua atenção no significado;
procura responder à pergunta: O que significam fenômenos
| cspccíficos e diversos, sob o ponto de vista da ordem social
[ como um todo?
300
CAPITULO XV11I
Sociologia Analítica
W
tem tamlx-m suas predileções, mas via dc regra as subordinam
a tarefa dc construir tuna teoria unificada e ampla.
Pitirim A. Sorokin
302
ticipou ativamente na luta contra o comunismo. Foi prfao,
julgado c condenado à morte; teve, porém, a pena comuudá
em exílio. Passou dois anos na Tchccoslováquia e radicou*
•sc cm seguida nos Estados Unidos.
Na América, tornouse professor de Sociologia da Univer-
sidade de Minnesota, cscrcvcndo aí duas obras relevantes, Social
Mobility (1927) c Contemporary Sociological Theories (1928).
Êste último volume é um estudo sistemático c critico das prin-
cipais “escolas” de Sociologia, destacando os diferentes approa-
ches do problema dos determinantes da estrutura da sociedade
c da transformação social. Em 1930, Sorokin passou a lecio-
nar na Universidade de Harvard, onde fundou o primeiro de-
partamento de Sociologia, que presidiu durante uma década.
Durante os anos de Harvard, numa fecunda atividade, publi-
cou suas obras principais, inclusive a opus magnum, Social and
Cultural Dynamics (quatro volumes, 193741); a monogra/ia
Sociocultural Causality, Time and Space (1943), que sc pode
considerar um suplemento à anterior; e um tratado sistemáti-
co de Sociologia, o único na Sociologia americana cm termos
dc compreensão c integração Society, Culture and Personality
(1947); cm 1950, com The Social Philosophies of an Age of
Crisis, fez um acréscimo substancial a Sociological Theories.
As publicações de Sorokin podem ser divididas nas que
contribuem fundamentalmente para a Sociologia analítica c
SOI
e congeries, t c) peisonalidades cm seu aspecto estrutural, ti-
pos principais, inter-relações e processos de personalidade.1,4
Alguns dos têrmos usados nesta definição exigem explicação,
que será dada nas páginas seguintes.
Em concordância com o ponto dc vista de muitos soció-
logos, c voltando a Simmel, Sorokin escolhe a interação como
a unidade cm que os fenômenos sociais devem ser analisados.
“Em suas formas desenvolvidas'' — explica êle — “encontrase
o superorgânico (têrmo empregado por Spcncer) exclusivamen-
te no domínio dos scres humanos interatuantes e nos produtos
de sua interação”.125 Interação aqui abrange “qualquer even-
to pelo qual uma facção influencia sensivelmente as ações pú-
blicas e o estado da mente da outra”.126 Os sujeitos da inte-
ração são ou indivíduos humanos ou grupos organizados de se-
res humanos.
Limita êle o conceito de interação sustentando que “o mo-
delo mais genérico de qualquer fenômeno sociocultural é a in-
teração intencional de dois ou mais... indivíduos ”.127 A razão
dessa limitação deve ser encontrada no conceito de Sorokin de
interação sociocultural Esta inclui três componentes inseparà
vclmcnte interrclacionados: “1) personalidade, como o sujeito
da interação; 2) sociedade, como a totalidade das personalidades
interatuantes...; 3) cultura, como a totalidade das intenções,
valôrcs e normas possuídos pelas personalidades interatuantes,
e a totalidade dos veículos que objetivam, socializam c trans-
mitem essas intenções.” 128 Cada um dos três aludidos compo-
nentes é submetido a extensa análise, na obra de Sorokin. O tra-
tamento da cultura, entretanto, constitui, de longe, sua contri-
buição mais importante.
A sociedade está cristalizada em grupos sociais ou sistemas.
Dependendo do caráter da interação, podem os grupos ser or-
ganizados, nãoorganizados ou desorganizados. Afirma Sorokin:
Um grupo social, como uma totalidade de indivíduos intera
tuantes, se organiza quando o quadro central de valôrcs e in
1947, pág.Society,
17. Culture and Personality, Nova York, Harper & Bros.,
125 Ibid., pág. 4.
1M Ibid., Pág. 40.
in Ibid., Pág 40.
128 Ibid., Pág. 63.
304
taxções, como a razão de sua interação, / de certo modo coe-
rente em si mesmo e reveste a forma de noimaslei definindo
precisamente todas as relevantes açõesreações dos indivíduos
interatuentes, em suas relações de um para outro, para os de fora
e para o mundo em geral; e quando tais normas são eficientes,
obrigatórias e compulsórias se preciso fôr, na conduta das pessoas
interatuantis.129
Esta afirmação bastante complicada pode decomporse em
quatro proposições interrelacionadai: 1) cada grupo organiza-
do sc caracteriza por "um quadro central de intenções e valô-
res”; aqui o têrmo "intenção" é quase sinônimo de “idéia”.
Esta proposição assemelhase ao ponto de vista dos institucio
nalistas (ver cap. XIX) de que um grupo social se constrói em
tômo de uma “idéia diretiva”, isto e, uma idéia que exprime
algum valor a ser conquistado pelo grupo;190 2) o quadro cen-
tral de idéias e valôres deve ser coerente cm si mesmo: êste
princípio aproximase muito de um teorema defendido por
muitos funcionalistas; 3) essas idéias e valôres coerentes assu-
mem a forma de normas a serem obedecidas pelos membros
do grupo; 4) tais normas, que Sorokin chama de “normas
lei”, precisam tornarse efetivas c, portanto, eventualmente
compulsórias.
Observese que a identificação, com a lei, das normas de
conduta dos grupos, só é sustentável se usarmos o têrmo “lei"
em sentido
tudioso muitoPetrazhitsky
russo mais amplo do que odefine
,m Sorokin usual. normalei
Seguindo ocomo
es-
a que atribui direitos a uma parte e correspondentes deveres
a outra parte. A formulação dá ao conceito um sentido mais
inclusivo do que o atribuído às normas legais, que exigem a
sanção da sociedade politicamente organizada.
Sorokin sustenta que, partindo de sua definição de inte-
ração, a qual enfoca a conduta humana que influencia outros,
podese derivar a proposição de que “qualquer grupo dc indi-
víduos interatuantes é antes de tudo uma unidade causai
N 305
.funcional, cm que todos os componentes são mútua c sensi-
velmente interdependentes”.132 Em outras palavras, cada gru-
po social, para Sorokin, é um sistema social.
De que maneira trata file a cultura, que, como antes ob-
servamos, é um aspecto tão importante de sua teoria? Em So-
cial and Cultural Dynamics, ele define a cultura como “a soma
total de tudo o que é criado ou modificado pela atividade
consciente ou inconsciente dc dois ou mais indivíduos intera
tuaudo um com o outro ou condicionando mutuamente sua
conduta”. m A cultura, cm Society, Culture and Personality,
conforme vimos,
põem; nessa obra,é odescrita em termos
significado das partes
de cultura que a à com-
incorporase de-
finição de interação social, ficando cuidadosamente demons-
trada a interrelação dc todos os elementos, uns com os outros.
Primeiro, há “sistemas de cultura pura” — sistemas de idéias
ou intenções no sentido mais elementar; por exemplo, a pro-
posição de que 2X2 — 4. Tais sistemas independem de sua
aceitação ou rejeição pelos homens. Segundo, podese “obje-
tivar” ou exprimir um sistema de cultura de modo a tomálo
cognoscível para a maioria dos seres numanos. Terceiro, os
sistemas dc cultura podem ser “socializados”, transformandose
em fatôres operativos na interação social. Um sistema de in-
tenções expresso em têrmos comunicáveis e que constitua ele-
mento relevante
cultural, de uma
conceito chave áreasociológia
na teoria dc interação é um sistema socio-
de Sorokin.
A característica mais importante dos sistemas culturais e
socioculturais é sua tendência a se integrarem em sistemas de
níveis cada vez mais altos. O primeiro volume de Saciai
and Cultural Dynamics, por um lado, e o quarto volume da
mesma obra, bem como Society, Culture and Personality, por
outro, abordam algo diferentemente o problema da integra-
ção da cultura. No tratamento inicial, “as numerosas inter
relações dos vários elementos da cultura” — declara Sorokin
— “reduzemse a quatro tipos básicos”. Tais interrelações
culturais são assinaladas pela adjacência espacial ou mecânica,
pela associação devida a algum fator externo, pela integração
causai ou funcional, ou, finalmente, pela integração interna ou
306
lógicaintencional.w Aqui, a integração causalfuncional dot
fenômenos socioculturais é identificada com as relações caunl
funcionais do domfnio dos fenômenos naturais, indicadas pela
uniformidade de relações entre as variáveis. O critério da in-
tegração "lógicointencional**, entretanto, é idêntico à intenção
central ou idéia.
No seu tratamento mais recente das in terrelações cul-
turais, Sorokin revela cena tendência a negar ou diminuir a
aplicabilidade do conceito de causação (pelo menos como é
usada nas Ciências Naturais) aos fenômenos socioculturais c
a identificar causalidade sociocultural e integração lógicointen-
cional. Assim, em Society, Culture and Personality afirma que
os “fenômenos culturais, em sua relação uns com os outros...
podem ser ou integrados (solidários), nãointegrados (neutros),
ou contraditórios (antagônicos). São integrados... quando
dois ou mais fenômenos culturais interatuantes, isto é, causai
mente ligados, ficam em coerência lógica ou, para os fenômenos
da arte, em coerência estética, nm com o outro”. Êstes, en-
tão, formam os sistemas socioculturais. Sorikin prossegue:
"Não só as intenções, os valôres c as normas podem permane-
cer, um para o outro, na relação de coerência lógica ou estéti-
ca, nãorelacionados ou em contradição, mas também as ações
públicas e outros veículos materiais, na medida em que
articulam e exprimem as respectivas intenções, valôres e
135
normas *'.
Os trabalhos teóricos de Sorokin revelam seu interesse pela
hierarquia dos sistemas socioculturais e o grau dc sua corres-
pondente integração. Concebe êle o sistema sociocultural to-
tal dc uma "população” como um "supersistema’' que pode ser
mais ou menos integrado. Cada supersistema consiste em cinco
sistemas básicos, e funcionalmente essenciais, de linguagem,
religião, arte, ética e ciência. Cada um destes, por sua vez,
dividese em sistemas, subsistemas, subsubsistemas etc., tam-
bém mais ou menos integrados.
Sorokin acentua que o "supersistema'' não é de nenhum
modo identico à soma total dos itens de cultura encontráveis
em uma dada sociedade. Pois a cultura total dc uma socie-
dade inclui, além de um supersistema, certo o número de con
308
menos influente de sua obra, embora dois capítulo* inteiro#
de Society, Culture and Personality se relacionem diretamente
ao assunto, bem como numerosas passagens desse e de outrot
volumes. A seguinte citação sugere o approach sociológico de
Sorokin, francamente convencional:
309
fora do debate sociológico: “sua análise pertence à reli-
gião e à metafísica".138
Os pontos dc vista metodológicos de Sorokin estão, na
maioria, completamente desenvolvidos no quarto volume dc
Dynamics e em Sociocultural Causality, Time and Space. De-
clarase adepto de uma “escola integralista'* em Sociologia, que
investiga os fenômenos sociais dc três maneiras. Estuda os fe-
nômenos sociais em seu aspecto empírico, através da percep-
ção dos sentidos c da observação scnsórioempirica. Segundo,
o aspecto “lógicoracional” dos fenômenos socioculturais pre-
cisa ser compreendido através da lógica discursiva da razão
humana. Finalmente, a “realidade sociocultural tem seu as-
pecto supersensorial, superracional e metalógico. E o mesmo
representado pelas grandes religiões, éticas ahsolutistas e as
belasartes verdadeiramente grandes... Esta... fase da rea-
lidade sociocultural... deve ser apreendida através da verda-
de da fé, isto é, através de um ato de intuição ou experiência
mística supersensorial, superracional e metalógica". **
Eis uma afirmação realmente dúbia. A intuição não eqüi-
vale a um ato de fé, o qual envolve a aceitação de alguma re-
velação. O conceito dc Sorokin de intuição muito se apro-
xima do procedimento fenomenológico da “abstração ideacio
nal”, a ser discutido no capitulo XIX. Portanto, o pluralismo
metodológico dc Sorokin não c tão complcto quanto parece
inicialmente. Ademais, sustentamos que sua posição metodo-
lógica não transforma sua teoria sociológica (no sentido defi-
nido no capitulo I) em uma teoria filosófica.
Um dos aspectos mais desapontadores da metodologia de
Sorokin é a falta de precisão relativa ao que êle chama de
método lâgicointencional. Na medida em que este método
é puramente lógico, é compreensível; c talvez o seja também
quando compara entre si os fenômenos da arte (embora al-
gumas autoridades discutam este ponto). Mas a correlação
dos fenômenos intelectual e estético provoca um problema sé-
rio. Como se poderá estabelecer firmemente, à base da conco-
mitância dc tempo c espaço, que certas configurações de fe-
nômenos intelectuais são “Intimamente” ou intencionalmente
integradas com configurações especificas de fenômenos esté-
310
ticos. As ilustrações de Sorokin para esta integração »âo com
frequência perfeitamente plausíveis, mas a prova convincente
prima pela ausência.
Embora Sorokin discorde fundamente das pretensões dot
expoentes extremos do quantitativísmo em Sociologia, faz uso
abundante de métodos quantitativos. Assim, a fim de estabe-
lecer o estilo de um dado subsistema sociocultural, por exem-
plo a Filosofia, organiza listas dos fenômenos culturais que
mais claramente manifestam o subsistema (no caso concre-
to, as obras dos filósofos da época), distribui cada item en-
tre os três tipos principais de cultura e atribui, a cada um,
determinado peso edições
filósofos, últimas (dependendo do número
e traduções, de critérios
e outros seguidoresobjeti-
dos
vos) . Simples cálculos aritméticos resultam em conclusões
que tomam a forma seguinte: no século n, a por cento da Filo-
sofia ocidental era sensual e b por cento idealística. Essas con-
clusões sustentam a teoria de Sorokin da transformação so-
cial, mas também revelam a limitada possibilidade de quan-
tificar dados sôbre o estilo cultural. De maneira semelhante
medc-sc a intensidade variável dc fenômenos como a guerra e
a revolução. Medições rudes, sem dúvida, fato este reconhe-
cido pelo próprio Sorokin; mas, com raras exceções, não le-
vam a conclusões que se desviem grandemente dos pontos de
vista expressos em têrmos qualitativas por muitos historiadores.
As correlações de Sorokin abrem às vêzes perspectivas inespe-
radas para regiões inexploradas do passado sociocultural do
homem.
Talcott Parsons
312
talvez, em certa medida, da obra dc Thoma». Era The
Structure of Social Action, Parsons apresenta uma teoria extre-
mamente complicada da ação sociaÇ em quê sustenta que k
trata de conduta voluntária. Ã~análise baseia-se largamente
no esquema meios-fins. Esta complexa formulação de urna teo-
ria da ação social, representando, por parte de Panons, um
esfôrço ambicioso, mas inicial, entrelaça-se com uma análise
detalhada das teorias de Wcbcr^ LKirkhciina Pareto c Alfred
Marshall (c como tal constitui uma importante fonte secun
dária sobre êstes estudiosos), e, ainda mais, tem sido frequen
temente considerada difícil demais ou excessivamente abstrata
para utilização em pesquisa SoE a influência de Henderson.
Parsons reexpôs sua teoria dc forma mais apropriada para ser
aqui apresentada.
Formulada inicialmente em uma serie de artigos reuni-
dos em Essays in Sociological Theory, Pure and Applied (1949),
a teoria reexposta se transformou depois cm The Social System
(1951). Enquanto Parsons escrevia o livro, certos pontos de
vista teóricos seus estavam em curso de modificação, parcial-
mente sob a influência da cooperação com diversos colegas .141
A obra rcccntc de Parsons mostrase especialmente próxima à
de Edward A. Shils, com quem escreveu um longo trabalho,
intitulado “Values, Motives and Systems of Actions”, publica-
do em um simpósio editado por ambos c intitulado Toward a
General Theory of Action (1951). O ponto de vista teórico
expresso neste documento, uma das mats recentcs formula-
ções de Parsons,142 é, a certo respeito, ainda mais complica-
do em comparação com o srcinal Structure of Social Action;
não obstante, aproximase em muitos aspectos da opinião so-
ciológica geralmente sustentada. Entretanto, aqui a ação social
314
rência contínua à precedente análise da ação social. Os iads
víduos são “motivado» por uma tendência i satisfação mási
maü de necessidades que, como vimos, dominam a orunufSo
moliv acionai. Além disso, a relação dos indivíduos para com
suas sityaçpcjL sociais é definida em termos dc padrões cultu-
rais específicos. Provàvelmentc, o têrmo “relação” referese ao
que é chamado cm outros lugares de “orientação" — caio em
que esta parte da proposição dc Parsons indica a orientação de
valor para os outros componentes principais da orientação do
agente quanto à situação. Aqui, na análise, o têrmo “valor**
não aparece explicitamente; mas podese presumir que oi pa-
drões envolvem valôres. Êstcs padrões são culturalmente es-
truturados c compartilhados. Este aspecto do sistema social
pode servir como uma espécie de ponte entre os sistemas so-
cial e cultural: o sistema social inclui alguma coisa que per-
tence à cultura.
Sistema social no sentido descrito no parágrafo anterior
e sistema socai como uma pluralidade de indivíduos interatuan
tes sãcTduaT coisas diferentes. Muitas pluralidades dc indiví-
duos interatuantes não possuem os traços descritos na primei-
ra afirmação, mais complexa. Ê possível afirmar que Parsons
ainda não designou com firmeza os elementos dc um sistema
social, omissão que impede uma focalizaçõo incisiva, no estu-
do sociológico. Cada caso de interação humana pode ser vis-
to como um sistema social, nos têrmos da definição simplista dc
Parsons. Freqüentemente se refere êle a "sistemas sociais cs
táveii”; com efeito, sua teoria do sistema iodai é antes uma
teoria do sistema social estável.iq Esta observação, feita por
diversos críticos, não diminui, entretanto, o esfõrço cm larga
escala, C talvez piomissor, dc Parsons, para distinguir conccp
tualmcntc sistemas sociais, cultura e personalidade, c para fundi
los em um unicõ esquema teórico.
Parsons encara a cultura como “por um lado, o produto,
c, por outro, o determinante de sistemas de interação social
10
gsres, como
Os sistemas
"estruturas”,
estáveis.
têrmoParsons
que êletambém
usa para
os cita,
designar
cm cestos
conjuntos
fc
mais ou menos estiveis de papéis iodilt, como «diante demonstraremos.
Também emprega o ttrmo coletividade* (que prefere a "gnrpo social**,
mais freqüentemente utilizado) com referência a agentes que compar-
tilham de padrões comum de valor, senso de responsabilidade no cnm*
primento de obrigaçftct fde aluicloj e solidariedade de grupo.
J/J
humana”.144 De acôrdo com a afirmação convencional an
tropológica, acentua que a cultura é transmitida, aprendida e
compartilhada. Seguindo seus três modos de orientação mo
tivacional (descritos acima), distingue três grandes classes dc
padrões de cultura: 1) sistemas de idéias ou crenças, caracte-
rizados pela primazia de interesses cognitivos; 2) sistemas de
símbolos expressivos, como as formas de arte, caracterizados pela
primazia de interêsses catéticos (adoção ou rejeição de obje-
tos) ; e 3) sistemas de orientações dc valor ou “padrões inte-
grantes”. Os padrões de cultura tendem a se organizar em
sistemas à base da consistência lógica dos sistemas de crença,
da
dade harmonia
racional estilística
de um das corpoformas de arte morais.
dc normas ou da Parsons
compatibili-
não
se dedica à análise dos sistemas culturais, parecendo considerar
essa tarefa como pertencente à Antropologia Cultural. Atémse
fundamentalmente aos sistemas culturais, na medida em que
afetam os sistemas sociais e a personalidade.
O tema central da teoria sociológica de Parsons é “o
funcionamento das estruturas”. A análise cstruturalfuncional
exige tratamento sistemático do status e dos papéis jJos agentes
cm uma situação social bem como dos padrões institucionais.
O status reíercse ao lugar do agente cm um sistema de rela-
ções sociais considerado como um estrutura; o papel, que em
cada caso concreto é inseparável do status e representa o seu
aspecto dinâmicodo (donde
se à conduta agente cmo conceito de ito/i/spapel),
suas relações refere
com outros, quando
encarada no contexto dc sua significação funcional para o
sistema social. Os padrões institucionais são concebidos como
expectativas padronizadas (ou “estruturadas”) que definem cul-
turalmente a conduta adequada de pessoas que desempenham
papéis sociais variáveis. Uma pluralidade de padrõespapéis
interdependentes forma uma instituição.
Em outra formulação, Parsons identifica “instituições” com
um complexo de padrões institucionais que é “conveniente’* ana-
lisar como uma unidade estrutural no sistema social. Esta for-
mulação transfere o conceito de instituição do nível de uin
símbolo representando a realidade social para o de estudo da
realidade social porque essa conveniência é científica e não so-
cial. Mas êsse ponto de vista, aparentemente nominalístico, pa
316
recc ter sido modificado nos escritos mais recentes de PtrmÉ
pois neles uma “instituição" é declarada dc significado estra-
tégico em qualquer sistema social em estudo. Afirmação <
provàvelmente, significa que a existência e o funcionamento
mais ou menos eficiente das instituições são prérequisitos da
estabilidade que distingue uma estrutura, ou o sistema estável,
do sistema social em geral.
As instituições — sustenta Parsons — são o nódulo da
Sociologia. Define Sociologia ou teoria social (em oposição
à Antropologia que encara como a teoria da cultura) como o
aspecto da teoria dos sistemas sociais fjue se relaciona à
institucionalização.
“A institucionalização” — acentua Parsons — "pode ler
encarada como o mecanismo integrativo fundamental dos sis-
temas sociais.”145 Pois envolve tanto a estruturação ou padro-
nização das orientações de valor no sistema social quanto a
“interiorização” dos sistemas de valor na personalidade huma-
na. A institucionalização é, então, o processo integrativo e es-
tabilizador por excelência; forma um laço entre a sociedade
c a cultura, por um lado, e a personalidade e a motivação, por
outro. ‘TÔsto em termos dc personalidade isto significa que
há um elemento de organização do superego, correlativo a
cada padrão de orientaçSopapel do indivíduo em questão. Em
todos os casos a “interiorização" dc um elemento de superego
significa motivação para aceitar a prioridade de interesses co
letivosjôbre as pessoas, nos limites e ocasiões apropriados**.
Esta afirmação, cuja substância é longamente ilustrada em Va-
lues, Motives and Systems of Action e em The Social System,
exemplifica por que a recente teoria dc Parsons é considerada
freqüentemente como sendo mais psicológica (e, em certa me
dida, psicanalítica) do que sociológica.
Naturalmente, Parsons tem plena consciência dc que seu
tratamento do sistema social muito aproxima a Sociologia da
Psicologia. A afirmação seguinte indica a opinião que tem sô-
bre a relação entre as duas ciências: “A relação da Psicolo-
gia para com a teoria dos sistemas sociais aparenta ser extre-
mamente análoga à que existe entre a Bioquímica e a Fisiolo
318
Quanto a este approach normativo, podese remontar a linha
gem dc Parsons a Durkheim, Thomas e Sumner
Parsons, estudioso ainda jovem (cmra agora na casa dos
cinqüenta), mas influente, já produziu um corpo de traba-
lho teórico que tem provocado extenso “ c intenso —co-
mentário nos círculos soçiológicos. A crítica à obra de Par-
sons inclui o^ seguinte: primeiro, sua teoria baseiase na pre-
sunção arbitrária (c, sob o nosso ponto dê vista,’ inconeta) dc
que a teoria sociológica é um aspecto parcial de uma teoria
geral da conduta humana; podese replicar que a “ação so-
cial” (ou melhor, a “interação social’1) é simplesmente o ma-
terial
social empírico
e que o aúltimo
empregar na oanálise
constitui do grupo
verdadeiro objeto ou
da sistema
Socio-
logia. Segundo, a teoria sociológica dc Parsons, apesar dc
suas explicações modifications que acima observamos, é in-
separável da teoria psicológica. Ademais, em sua obra inicial,
a Psicologia freqüentemente parece uma variedade de “senso
comum", ignorando a moderna teoria educacional e o approach
da Gestalt; nos últimos anos apoiouse êle, muito pc**da*pe"t^
na teoria psicanalitica. De qualquer maneira, sua inclusão
da análise da motivação exige a transferência, para a Socio-
logia, da confusão reinante na Psicologia relativamente a êste
complexo problema c toma incerta a delimitação entre as duas
ciências! A teoria sociológica, sustentamos nós, só pode ser
eficientemente
víduos (cujas construída
motivações “admitindose” as decisões
são psicològicamente dos indi-
da maior im-
portância) e concentrandose na composição das fôrças sociais
ou culturais que ajudam a determinar a conduta. Terceiro, o
cmprêgo desnecessário de novas palavras para conceitos anti-
gos obscurccc às vezes assuntos bast an ie simples, bein como
marca as obras de Parsons, com frequência escritas era um
estilo dificílimo dc lcr, cspcciahncnte para o estudante não
riniciado.
Os trabalhos dc Parsons provocam às vêzes, compreensl
velmente, o comentário dc que êle reivindica apresentar o gK
tema teórico geral da Sociologia (se não de tôdas as “ciências
aa conduta”) 7 Esta impressão deforma a afirmação, expresu
| cm publicações recentes, de que seus esforços deviam ser en-
carados como um programa para a construção de uma teoria
conceptual geraí! Resta verificar se seu programa particular
5c tomou um guia para os esforços sociológicos cm escala ver-
dadeiramente grande — embora já se tenha realizado consi
9Í
derávei trabalho fazendo uso da orientação teórica dc Par
149 Ademais, comõ adíàntê veremós, o sistema teórico
dc Parsons não é, do modo algum, na Sociologia contempo-
rânea, uma inovação única, apresentando, na realidade, afini-
dades diversas com as obras de outros escritores, inclusive as
de seu colega e rival, Sorokin.
Florian Znaniecki
da tendência
conhecido analítica
do leitor, é Florian
coautor de The Znaniecki
Polish Peasant(1882in ),Euro-já
pe and America (ver cap. XII). Znaniecki nasceu na Po-
lônia, começando a atividade acadêmica, em seu país, como
filósofo e sociólogo. Veio para a América durante a Primeira
Guerra Mundial, colaborando com Thomas no famoso estudo
de ambos. Posteriormente, voltou para a Polônia, mas nos
anos subseqüentes visitou os Estados Unidos como professor
nas universidades de Chicago e Colúmbia. E9tabeleceuse aí
permanentemente durante a Segunda Guerra Mundial e em
1953 tomouse presidente da Sociedade Sociológica America-
na. Suas principais contribuições para a Sociologia Geral,
além de The Polish Peasant, incluem The Laws of Social Psy-
chology (1925), The Method of Sociology (1934), Social
Actions (1936) e Cultural Sciences: Their Origin end Deve-
lopment (1952). O resumo seguinte baseiase largamente na
última das obras que escreveu e que representa o pensamento
mais maduro de Znaniecki.
O sistema teórico dc Znaniecki pode scr melhor compre-
endido como um desdobramento do postulado da ordem cultu-
ral universal, cuja aceitação é essencial para a compreensão
sociológica dos fenômenos sociais e culturais.
&5ta proposição pressupõe definições precisas, e geralmen-
te aplicáveis, de fenômenos sociais e culturais. Cultura, de
320
acôrdo com Znaniecki, 6 um conceito indutivo, simbolizando
religião, língua, literatura, arte, costume, mores, leis, organi-
zação social, produção técnica, troca econômica, filosofia e
ciência. As sociedades são encaradas como todos separados,
territorialmente localizados, incluindo sêres humanos e cultu-
ras sistemàticamente integradas.
Znaniecki, como Parsons, especifica a unidade da análi-
se sociológica como ação. Ação definida como conduta “cons-
ciente”, ponto de vista que contrasta com a posição behavio
rista e, a êsse respeito, com a de Pareto. Entretanto, nem tô
das as ações humanas são sociològicamente relevantes. A ação
social de interêsse primário para Sodologia é a conduta que
tende a influenciar sêres humanos conscientes, ou coletividades.
Em outro lugar, o têrmo “interação” é usado para conotar
aproximadamente a mesma dasse de fenômenos. Classifica as
ações sociais em tipos: criador, reprodutor e destruidor, clas-
sificação baseada em obra muito anterior de Tarde.
Indivíduos interatuantes relacionamse, freqüentemente,
pelo consenso ou acôrdo mútuo. Tal fato indica que os va-
lores em que se baseia os julgamentos de indivíduos relacio-
nados dessa maneira são compartilhados em certo grau. Tal
acôrdo pode enraizarse na aceitação comum de modelos ideo-
lógicos, caso em que as ações são “axionormativamente orde-
nadas”. A observação mostra que a maioria das ações dos
participantes, em cada coletividade, segue, por compulsão, pa-
drões culturais definidos. Znaniecki explica esta padronização
ubíqua do comportamento social mostrando que os padrões
culturais de ação tendem a satisfazer necessidades humanas
básicas. Por outras palavras, as ações são culturalmente pa-
dronizadas de tal maneira que, seguindose os padrões, os pro-
pósitos respectivos serão regularmente realizados. Esta expli-
cação serve para prestar esclarecimentos à “ordem cultural
universal” postulada no princípio. Ordem cristalizada em “sis-
temas limitados” (têrmo que Znaniecki prefere agora ao têr-
mo “sistemas fechados” usado em suas primeiras obras). As
ações sociais, funcionalmente interdependentes de sêres huma-
nos ou “agentes”, integramse em sistemas axionormativamente
organizados. Assim, a ordem cultural tem um duplo signifi-
cado: é uma ordem de conformidade (com as normas sociais) e
uma ordem de interdependência funcional.
Ponto de vista este coerente com o conceito de Znaniecki
da natureza da Sociologia (similar ao de Simmel). A Socio
21
login — acentua ele — conccntrasc nas relações sociais ou
humanai e nos grupos dentro dos quais ou entre os quais exis-
tem tais relações.150 A limitação da Sociologia a relações e
grupos sociais é cm grande parte resultado do rápido avanço
da pesquisa social. Pois as conclusões da pesquisa capacitam
agora os sociólogos a generalizarem acerca dos fundamentos
sociais comuns de todas as categorias da ordem cultural. A im-
portância da Sociologia para as outras Ciências Naturais —
susienta Znaniecki — cresceu na proporção em que ela se li-
mitou ao estudo dos sistemas sociais dos quais depende a exis-
tência dc cada domínio da cultura.
A posição metodológica dc Znaniecki não é explicada em
sua recente Cultural Sciences, Entretanto, suas primeiras pu-
blicações, especialmente The Method of Sociology, situamno
em um grupo de sociólogos cm que sc incluem Weber, Cooley
e Maclver. Como os dois últimos, Znaniecki opõese forte-
mente à Psicologia behaviorista na análise sociológica, consi-
derando o behaviorismo extremo como uma espécie de supers-
tição científica. Revelou este ponto dc vista cm The Method
e repete o argumento em Cultural Sciences. De acôrdo com
êle, aqueles que condicionam a conduta humana assim agem
a fim dc fazer com que os objetos de sua atividade condicio
nante se comportem como sc êlcs próprios fossem agentes cons-
cientes, e tais atividades muitas vêzes se mostram altamente
eficientes. O sucesso dessas atividades condicionantes — de-
duz Znaniecki — é um argumento forte em favor da propo-
sição básica de que os objetos humanos do condicionamento
são eles próprios seres conscientes, com capacidade para com-
preender ações simbólicas a eles dirigidas.
A metodologia, bem como a concepção da natureza da
ordem social, de Znaniecki, incorpora seu conceito do “coefi-
ciente humaníftico”, que caracterâa relações sociais e traduz
a significação da consciência humana na vida do indivíduo
e da sociedade. Esta convicção apóia a defesa de Znaniecki,
do uso, na pesquisa, de autobiografias e outros documentos pes-
soais — que revelam atitudes e estimativas das pessoas; também
apóia sua oposição a uma confiança absoluta nos métodos
322
quantitativos. Finalmente (e ainda aqui seus pontos de vis-
ta assemelhamse aos de Cooley e Maclver), a ênfase que
Znaniecki atribui à ação humana consciente e seletiva o con-
duz à opinião de que a Sociologia c a Psicologia Social são
disciplinas necessariamente relacionadas muito estreitamente, se
não interdependentes. Sua própria obra representa importan-
te contribuição a ambos os campos.191
Robert M. MacIver
A Sociologia
melhase, sob muitosde aspectos,
Znaniecki, à como
de seuacima indicamos,
amigo e antigoasse-
co-
lega, Robert M. Maclver (1882 ), que selecionamos como
o último grande representante do approach analítico. De nas-
cimento e educação escoceses, Maclver ensinou em seu país
natal, no Canadá e, a partir de 1927 até aposentarse, há al-
guns anos, na Universidade de Columbia. Como Znaniecki e
Parsons, presidiu a Sociedade Sociológica Americana.
Maclver é autor de uma longa lista de destacados volu-
mes de teoria política e econômica bem como de Sociologia.
Neste último terreno, suas obras mais sistemáticas incluem
Community (1917), Society (1931) — revista em 1937, e no-
vamente em 1949, em colaboração com Charles H. Page —
Social Causation
esociológicos (1942).considera
de Maclver Recente quádrupla
apreciação a dos escritos
contribuição
que prestou:
Primeiro,... desenvolveu êle nstemàticamente e ex-
plorou fecundamente uma impressionante rede de con-
ceitos sociológicos fundamentais. Segundo, ajudou a en-
frentar a maré do positivismo excessivo e do empirismo
cru. Terceiro, reafirmou o ponto de vista do homem
como ser humano criador, com subjetivas esperanças, sen-
timentos, aspirações, motivos e vatôres. Finalmente, de
323
rnonstrou positivamente que o trabalho sociológico pode
ser belo, claro, artístico e literário.15*
multidão,
dos em suas culturaobras
e civilização.
com uma Êstes e outros
coerência conceitos,
incomum. utiliza-
Ademais, as
agudas distinções conceptuais que delineia entre diferentes as-
pectos de fenômenos empiricamente relacionados — por exem-
plo, entre interesses semelhantes (individualizados) e comuns
(compartilhados), Estado e sociedade, ordem “interna” (en-
volvendo a consciência humana) e “externa” (biológica, geo
graáfica e tecnológica) dc fenômenos — formam o esquema
básico de sua teoria da estrutura social e da transformação
social.
Podese atribuir a maioria dos conceitos fundamentais de j
Maclver aos primeiros sociólogos; em suas mãos, contudo, êles
se tornam refinados e lògicamente interxelacionados uns com
os outros.
plexo Assim, sua
de relações compreensão
sociais, de sociedade
assunto da primeira como um com-
importância para
a Sociologia, é semelhante ao conceito de Simmel e outros. A
distinção, muito anterior, de Toennies, entre Gemeinschaft e
Gesellschaft (ver cap. VIII) provê a base para o contraste de
Maclver entre comunidade, o grupo social mais inclusivo e .
territorialmente enraizado, e associações, organizações promo-
vendo um número limitado dc interesses específicos. Seguin-
do esta distinção, a comunidade e a matriz de tôda organiza-
ção social, enquanto o Estado e a família, bem como nume-
rosas associações menores são necessàriamente limitados em
sua escala de atividades. O conceito dc Maclver de interesses
sociais e do papel essencial que exercem, ajudando a mode-
lar padrões de relações c organização de grupo, tem afinida
189 Harry Alpert, “Robert Maclver'» Contributions to Sociolo-
gical Theory", capitulo XIII, em Freedom and Control in Modem
Society, de Berger, Abel e Page, págs. 28687.
324
d es com os pontos dc vista dc muitos teóricos, incluindo Spen-
cer, Giddings, Small c Durkheim; entretanto, sua classificação
de interesses e sua análise das correspondentes implicações *>
ciais vão além da obra destes primeiros estudiosos. Para to-
mar uma ilustração final (há muitas outras), a distinção dc
Maclver entre interesses objetivos, os “objetos” para os quais
se orientam as pessoas (por exemplo, “amigo”, “inimigo”,
paz, dinheiro), e atitudes subjetivas, “estados de consciência
dentro do scr humano individual, com relação a objetos154
está conceptualmente muito próxima da distinção de Thomas
entre valôrcs objetivos c atitudes subjetivas (ver cap. XII).
Tanto Thomas como Maclver acentuam que as definições aca-
badas de relações sociais precisam sempre incluir atitudes e
interesses ou valôres, e que conseqüentemente uma teoria com-
pleta da conduta humana envolve necessàriamente as duas dis-
ciplinas, a Sociologia c a Psicologia Social.
Observamos acima que a Sociologia de Maclver também
apresenta semelhanças com os pontos dc vista de Cooley. Não
há sòmentc similaridades metodológicas entre os dois, mas o
primeiro acentua c desenvolve o tema, do segundo, da inter-
dependência do indivíduo e sociedade, sem, entretanto, fazer
desta relação fundamental e reciproca uma relação de harmo-
nia completa. Assim, discutindo o aspecto normativo da vida
social, freqüentemente negligenciado, analisa em detalhe não
sòmentc a naturezamoral,
sociais” (religião, das normas sociais
costumes, lei, emoda),
os “grandes
mas ascódigos
rela-
ções positiva e negativa entre o contrôle normativo social e a
vida do indivíduo.135
Em Society, onde se apresenta, de maneira mais com-
pleta, sua teoria sociológica geral, o tratamento que Maclver
dispensa às normas sociais forma uma parte da prolongada
discussão da estrutura social (normas referidas como “fôrças
sus tentadoras do código e do costume”). O resto da análise da
estrutura social relacionase bastante com vários tipos de gru-
pos sociais, incluindo família, comunidade, classe social e cas-
ta, grupos étnicos, multidão, e as grandes associações econômi-
cas, políticas e “culturais”. Ainda que Society, especialmente
325
na edição mais recente, seja designado como um compêndio
geral de Sociologia, Maclver utiliza largamente seu sistema
teórico e coerentemente aplica suas definições conccptuais bá-
sicas a uma grande variedade de materiais extraídos da moder-
na pesquisa social. Ademais, o destaque atribuído por êle ao
papel fundamental dos sentimentos subjetivos, aspirações e ati-
tudes na vida social envolve sua interpretação, bem como sua
convicção, fundamente assentada, dc que o homem c um ser
tanto social e culturalmente criador quanto criado.
Convicção que se revela francamente em Social Causation,
obra negligenciada, porém a mais madura, talvez, de Maclver.
Acreditamos
áureo entre aque, neste de volume,
posição encontrou êle que
muitos neopositivistas, o meiotêrmo
identificam
a causação social com a causação natural, e o ponto de vista
cético, recentemente propalado por Sorokin, entre outros, que
nega a aplicabilidade do conceito de causa aos fenômenos so-
ciais. Maclver não sustenta que podemos conhecer as condi-
ções ou causas determinantes de tôda a conduta do homem.
Entretanto, insiste era que é possível desenvolver um concei-
to geral de causação que envolva as relações psicológicas e
sociais bem como as nãosodais. Mas estas últimas — por
exemplo, a relação causai entre vento e onda, solo e cresci-
mento — é prcciso entendêlas como relações de “ordem inva-
riável” de natureza externa, refletindo leis naturais, não so-
ciais.
relaçõesAs (por
proposições
cientistas e físicos
os métodos usados não
c biológicos) parasão,estudar
como estas
ar-
gumentam os neopositivistas do tipo de Lundberg, suficientes
para compreender a causação dos fenômenos sociais. Pois es-
tes últimos incorporam um elemento psicológico: há uma fun-
damental “distinção entre o tipo de causalidade existente quan-
do um papel voa ante o vento e o revelado quando um ho-
mem voa ante uma multidão que o persegue... o papel não
sente mêdo, nem o vento ódio, mas sem mêdo e sem ódio o
homem não voaria nem a multidão o perseguiria”.186
Maclver assinala que a conduta humana é influenciada
por uma grande variedade de circunstâncias, sociais e não
sociais. Distingue três “grandes domínios dinâmicos”: o do
ser físico, o do ser orgânico e o do ser consciente. Embora cada
qual tenha atributos distintos (exigindo distintos métodos dc
investigação) interrelacionamse finalmente. Mas o “domf
18* Social Causation, Boston, Ginn and Co., 1942, pág 299.
326
mo do ser consciente', consistindo nas ordens cultura], txfVh
lógica c social, constitui o interêsse primário dc Maclver; aqui
é que se descobrem as peculiaridades da causação social. Escxt
ve êle:
Em toda conduta consciente hi... um processo du-
plo de organização seletiva. Por um lado, o sistema de
valôres do indivíduo, seu complexo cultural ativo, sua
personalidade, é focalizado em uma direção particular,
para um objetivo particular... Por outro lado, certos
aspectos da realidade externa são seletivamente relacio-
nados às estimativas de contrôle, distinguemse do resto
do mundo externo, são de certo modo extraídos dêle,
dado que se tornam agora, eles próprios, fatôres de valor,
meios, obstáculos ou condições relevantes para a indaga-
ção de valor O sistema interno ou subjetivo é focalizado
por sua estimativa dinâmica; e o sistema de fora, ou ex-
terno, i “refletido” nesse foco, sendo a parte que se acha
iluminada transformada de mera exterioridade em algu-
ma coisa que também pertence ao mundo dos valôres,
eomo veículo, acessório, obstáculo e custo de realização
de valôres.187
sistema são
fatôres de contribuições
trazidos para pora meio
ordem doúnica
qual elaos causação
diversos
social.159
329
A própria Sociologia (embora mcno» do que ma teoria poB
tica, igualmente famosa, e que não discutiremos aqui) apare-
ce claramente colorida pelas convicções sodas e es-
pecialmente pela vigorosa defesa da democracia potttica, e peia
filosofia social idealista de Maclver. Quaisquer que aejam
as limitações de sua obra, entretanto, permanece êle uma fi-
gura rdevantc na Sociologia analítica de hoje.
rie, As
para teorias discutidas
empregar têrmo neste capítulo formarão
frequentemente congc
usado nasumaobras de
Sorokin? Ou representam esforços convergentes rumo à neta
de uma teoria sociológica unificada?
Tais perguntas provocaram com relação ás teorias de So-
rokin e Parsons, um documento bastante incoxnum. Seguindo
a publicação, em 1951, de The Social System e Toward a Ce
ncral Theory of Action, de Parsons, Sorokin distribuiu um me-
morando, “Similarities and Dissimilarities between Two Socio-
logical Systems** (parte do qual foi reproduzida, em tradução
alemã, e comentada por Leopold von Wiese, sociólogo respei-
tadíssimo, na Kõlnischê Zeitsehrift fur Soziclogie). Sorokin
afirma aS que há uma gritante concordância entre o esquema
Não Mas
Sorokin. nos ainteressa
tendênciaaquidc aconvergência
justificação na
das Sodologia
afirmaçõescon-
de
temporânea é o tema básico dêste livro. Parece não haver
quase dúvida dc que significativas similaridades entre as teo-
rias dos dois estudiosos rivais ilustram essa tendência. O que
329
cm parte resulta do fato de quc Sorokin passou muitos anos re-
formando e experimentando teorias de numerosos eminentes
pensadores sociais antecedentes; sistematizouas e enriqueceu
-as com contribuições próprias. Parsons, mas recentemente,
entregouse a empreendimento semelhante c apresentou propo-
sições teóricas freqüentemente parecidas, em conteúdo, às dc
Sorokin, embora claramente diferenciadas na forma (e deci-
didamente contrastantes em estilo). As contribuições criado-
ras do próprio Parsons, embora não tão espetaculares quanto
as de Sorokin, são consideráveis, conforme assinalamos. Mas
as afinidades teóricas entre Sorokin c Parsons — e cm certa
medida entre seus pontos de vista e os dc Znaniccki e Maclver
— exigem estudo mais acurado do que têm tido.160 Os se-
guintes parágrafos de resumo indicam brevemente a direção
que tal estudo poderá tomar.
Em primeiro lugar, os quatro estudiosos cuja obra exa-
minamos neste capítulo concordam em um problema básico
para a teoria sociológica: o problema da natureza da socieda-
de. Êstcs sociólogos analíticos (e muitos outros, vários dos
quais freqüentemente citados nas notas de rodapé do presen-
te capitulo) concebem a sociedade como um sistema ou, mais
exatamente, um sistema de sistemas. Os componentes últi-
mos dos sistemas sociais são agentes, personalidades humanas,
cuja conduta social envolve neccssàriamente seletividade ou
contribuição,
tivas de outros mas e quepor é valôres
tambémculturais.
padronizada pelas a expecta-
Entretanto, unida-
de básica da análise social não é o própria agente, mas sua
"ação” como situa Parsons (talvez, mais acuradamente, inte-
ração) ; as “relações sociais” de Maclver também implicam
um approach interativo.
Sorokin, Parsons, Znaniecki e Maclver concordam em
que a cultura é um sistema de sistemas. Mas o conceito dc
cultura nSo se refere às interações sociais como tais, e sim
a seus produtos duráveis, materiais ou não. (Maclver iden-
tifica a “cultura” com produtos humanos caracterizados por
valôresfms, distinguindo a cultura, neste sentido, dos produ-
tos utilitários ou instrumentais, como a tecnologia, a que de
331
CAPITULO XIX
Escolas Filosóficas
332
nard, mas apoiou a própria teoria, fundamentalmente, na s»>
dcscobcrta dc uma afirmação dc Santo Agostinho: “Um povo
c uma assembléia de seres racionais unidos por um io6nio
comum quanto ao objeto dc seu a mor."m
O ponto de partida de Hauriou é esta proposição bastan
te platônica: “As idéias objetivas existem por antecipação no
vasto mundo que nos rodeia." Entre essas idéias estão as que
sc referem a tarefas a cumprir que não podem “vagar ao lar-
go” na socicdadc amorfa; precisam ser apreendidas e corpo
rificadas cm instituições.
Hauriou distingue dois tipos de instituição: o primeiro
consistindo de coisas que correspondem a sistemas dc noimas
de conduta, c o segundo composto de pessoas ou grupos sociais.
Interessavase ele, primacialmente, pelas instituições do segun-
do tipo.162 Portanto, seus escritos sociológicos constituem prin-
cipalmente uma teoria do grupo social, campo surpreendente-
mente negligenciado, à época, pelos sociólogos profissionais.
A instituição (ou grupo social), de acôrdo com Hauriou,
compreende três elementos: a idéia organizadora, o govémo
organizado e a comunhão mútua dos membros em tômo da
idéia. A idéia organizadora, a idéia da tarefa a cumprir, m
troduzse na mente de um número indeterminado de indiví-
duos. Em estilo verdadeiramente platônico, Hauriou acentua
que, embora a idéia comum receba formas algo diferentes
nas várias mentes individuais, permanece “objetivamente” a
mesma. As idéias organizadoras conferem uma existência pró-
pria às instituições e são significativamente diferentes das idéias
dos membros que constituem os grupos.
O segundo elemento institucional de Hauriou é a organi-
zação, análogo ao govémo no Estado. O governo é manifes-
tação da vontade humana. O exercício da vontade, portanto,
é um elemento essencial da realidade social de uma institui
334
A ideia geradora’, de acôrdo cora Renard, prtxku axm
grau de solidariedade entre as pessoas que sustentam ou de-
sejam sustentar o grupo social. O grupo ou instituição, **m,
une as pessoas — mas não elimina sua individualidade com
seres racionais. A estrutura interna de uma imütuiçio é com-
posta de relações sociais. Mas ao passo que outras relações
mantêm juntas as pessoas, como indivíduos, de várias manei-
ras, dentro das instituições o grupo resulta do fato de que os
membros compartilham de uma entidade que os domina.
No segundo volume da obra, que é mais filosófico do que
o primeiro, Renard desenvolve as seguintes idéias: cada pes-
ções elas
outra; sociais nunca a média
atravessam se estendem diretamente
de um “objeto”. de uma pessoa a
Tais obje
336
tos podem ser materials, em natureza, ou podem conâstir de
fins ou idéias. A cicncia, por exemplo, é realidade objetiva,
embora imaterial, unindo estudiosos e estudantes.
Sob um aspecto, Delas corrige o que encaramos como um
engano comum a seus predecessores filosóficos na escola ins-
titucional. Compreende êle que os grupos sociais não são sem-
pre instituídos pela aceitação comum de idéias diretivas; em
alguns casos os indivíduos estão ligâdos uns aos outros em vir-
tude dc influência exercida sôbre éles por um objeto, antes do
desenvolvimento de qualquer propósito consciente. Neste caso,
o propósito individual é conseqüência de alguma influência
objetiva, assim como o compartilhar solo a tradição comum.
Em grupos dessa natureza, o propósito coletivo domina o pro-
pósito individual. Em outros casos, o propósito individual
precede o fato social e a formação de um grupo, üm ou al-
guns indivíduos concebem a idéia de uma tarefa comum.
Propagamna e conseguem aderentes. Uma vontade comum
se desenvolve, sem dúvida, mas o propósito individual a
precedeu.165
Recentemente, as teorias dos institucionalistas começaram
a penetrar em alguns tratados gerais de Sociologia. Dáse
isso no Essay of Sociology (1946), do estudioso belga Jean
Hacsacrt, que, talvez significativamente, como os outros mem-
bros da escola institucional, 6 um homem de formação jurí-
dica.
gem De do acordo
contato com
e daHaesaert, as estruturas
cooperação sociais sinérgicos
são "sistemas que sur-,\
Êstes sistemas podem ser estruturas simples ou complexas, as
últimas consistindo em certo número de sistemas mais simples.
O sistema sinérgico é um fenômeno inteiramente srcinal,
transcendendo os indivíduos cujas atividades o criam. Tem
“realidade” própria, embora secundária e artificalrr.ente cria-
da. Seus elementos básicos incluem uma idéia diretiva, os meios
para realizar esta idéia através das atividades dos membros do
grupo e os estabelecidos padrões de ação adequados a esta idéia.
Esta formulação das características das estruturas sociais
parece ter pouca influência sôbre o conteúdo do extenso en-
saio sociológico de Haesaert, exceto em sua parte final. Aqui,
A escola fenomenológica
W
Originária da Alemanha, a Sociologia fcnomcnológica
espalhase para a França. Aí, seu principal expoente foi Ge-
orges Gurviteh (1896- ). Gurvitch nasceu na Rússia, vi-
veu na Alemanha, Tchecoslováquia e Estados Unidos, fi-
nalmente se fixando na França, onde é agora professor na
Sorbonne. É autor de muitos volumes, entre os quais seus
Ensaies de Sociologia (1936) pertencem ao setor desta in-
vestigação. Em 1950 apareceu uma versão nova dos Ensaios,
sob o título A Vocação da Sociologia.
Gurvitch constrói uma “Sociologia em profundidade” em
que
dados o e ponto de partida
que passam consiste
a níveis cadadc vezfenômenos imediatamente
mais profundos. Tais
níveis incluem: 1) as bases geográfica c demográfica da so-
ciedade; 2) o nível simbólico manifestado, por exemplo, no
fato de que as pessoas reagem de maneira definida a símbo-
los como bandeiras c sinais dc tráfego; 3) as “superestrutu
ras organizadas” da sociedade; 4) os h&bitos (mais corre-
tamente: costumes) e práticas sociais; 5) os fenômenos re-
volucionários ou reformistas (sendo a relação entre este ní-
vel e o precedente a mesma entre invenção e imitação do
ponto de vista de Tarde); 6) os valores subjacentes às ati-
vidades observáveis no nível precedente; e 7) a realidade
social imediata ou mente coletiva — o que indica a aceitação,
por
heim. parte de Gurvitch,
A mente coletiva dc
— certos
sustentaaspectos
êle — daé sentida
teoria dc
nas Durk-
pro-
fundezas da consciência individual, opera através das men-
tes individuais e proporciona ao homem o mais intimo co-
nhecimento da reciprocidade das relações de valôres na vida
social.
Assinalemse ainda dois elementos ulteriores da Sociolo-
gia de Gurvitch. Primeiro, a distinção que estabelece entre
Microssociologia e Macrossociologia indica dois tipos princi-
pais da Sociologia, cada qual usando métodos de investigação
perfeitamente distintos. (Esta distinção metodológica é ne-
gada por muitos sociólogos, inclusive neopositivistas e funcio-
nalistas como Merton, que sustentam a necessidade de em-
pregar a mesma lógica de procedimento no exame de todos
os fenômenos sociais.) Estuda a Microssociologia, por exem-
plo, pequenos grupos informais, enquanto a Macrossociologia se
interessa por fenômenos de larga escala como Estados e ci-
vilizações inteiras. Segundo, Gurvitch construiu uma com-
plicada classificação das formas dc sociabilidade, um tanto
342
. , -
crição dr nada mcnos de 162 tipos de soriahilidade c cm
cinlmcnte um exercício cm materia de definições | oferece
pouco desenvolvimento teórico.
Outro representante francês da Sociologia fcnomenoSjgi]
ca é Julcs Monnerot, autor de Os Fatos Sociais São São Coi-
sas (1946). O titulo do volume indica o ponto de vista anti
durkheimiano de Monnerot.
Sòmente os fenômenos de atração que formas o ponto
de partida da Sociologia — sustenta Monnerot — podem ser
realmente compreendidos (no sentido da verstehen de Max
Weber ou, ainda mais, dc acôrdo com a “abstração ideado
naT). Em geral, “compreendemos” certos acontecimentos, ao
passo quo “explicamos** outros. Compreendemos quando es-
tamos na presença de evidência válida per se. Tal evidência
é encontrada na experiência imediata, e as tentativas de ba-
sear a compreensão na induçio destorcem a própria evidência.
Contràriamentc ao ponto de vnta de Durkheim, Mon-
nerot insiste cm que os fatos sociais não são coisas, pois apre-
sentamse à mente de maneira claramente diversa do modo
pelo qual as coisas o fazem; estai são “condições humanas",
localizadas e datadas. O material primário da Sociologia con-
siste cm seqüências de tais condições, o que significa que os
dados fundamentais da Sociologia são os mesmos da História.
O objetivo da própria Sociologia é dar um nôvo significado
a fenômenos já estudados por outras ciências. A Sociologia,
então, é uma forma de olhar para outras Ciências Humanis-
tic as, de comparar seus elementos, e de procurar uma nova com-
preensão da vida social; mu não é a ciência da sociedade,
pois, de acôrdo com Monnerot, não hi “sociedades*’, e sim
apenas estados de sociedades, situações sociais experimentadas
pelos homens.
Os fatos sociais ou condições humanas (que na obra
de Monnerot parecem referirie à condição dos homens quan-
do se defrontam com experiências imediatas) não explicam,
em si mesmos, fenômenos como os movimentos sodais. Para
compreender os últimos, por exemplo, deve uma pessoa pri-
meiro sentir o toque do movimento particular e, em segui-
da, libertarsc dele; sòmente então pode alcançar a compre-
ensão objetiva.
343
Essa* tentativas de descrever o ato da compreensão c
seus objetivos são suplementadas pelo exame que faz Mon,
nerot do que chama representações fundamentais. A mais
importante delas é o fato de que cada indivíduo “transcende
seus limites naturais”, produzindo em conseqüência efeitos
na ordem sociaíT Efeitos que se encontram e se opõem; en-
tram cm “duelos” (reminiscência dos “duelos lógicos” de Tar-
de). Mas não há sociedade sem atração. Dizse de fato que
a sociedade é primacialmente um agregado humano que de-
senvolve laços de coordenação e cooperação (formulação ein
choque com a afirmativa de Monnerot, referida acima, ne-
gando a própria existência da sociedade). Dentro dêsse agre-
gado surgem padrões ou estruturas à base de proximidades es-
paciais e afinidades. Distinguemsc três grandes tipos de es-
truturas sociais, que Monnerot designa pelos termos alemãs
Gemeinschaft, Gesellschaft e Bund, baseandose o último em
afinidades e experiências afetivas comuns. As duas primei-
ras categorias, como vimos tomaramse quase conceitospadrões
na Sociologia moderna.
A Sociologia fenomenológica também está representa-
da, nos Estados Unidos, na pessoa de Friedrich Baerwald
(1896 ), nascido na Alemanha, e desde 1935 professor
na Universidade de Fordham. Podemse resumir os pontos
de vista teóricos de Baerwald da seguinte maneira:168
A realidade social é equivalente à sociedade. A socie-
dade não é um fenômeno psicológico manifestado na des-
coberta de relações de reciprocidade na consciência da pes-
soa. Os dados fundamentais incluem a existência real de
pesioas sJém de nós mesmos, c nossa dependência delas. Pre-
cisamos, porém, compreender não apenas o fato da coexis-
tência, mas seu modo geral. A dependência humana baseia
se na insuficiência do indivíduo para assegurar a própria
sobrevivência. Sua “estrutura temporal" é limitada k pró-
pria existência e experiência; a “estrutura espacial” do indiví-
duo também é similarmente limitada. Tais limitações são ven-
cidas por meio da coexistência.
344
processo a coex s nc a no tempo— exp ca aenn
cria padrões de grupos sociais cm que se integram 1
indivíduos e através dos quais êJcs são colocados em coo-
diçces dc vincular seus esforços, uns aos de outros. A par-
ticipação social integra o indivíduo em uma cadeia de re
levantes acontecimentos passados; no mesmo sentido leva-o
a participar na projeção para o futuro da existência do gru
po. Através desse envolvimento na estrutura transpessoal o
indivíduo experimenta uma ampliação de horizonte no tem
po e íntegra, na consciência, aptidões, costumes, significadas
e valôrcs desenvolvidos no decurso de longos períodos.
cdeterioração
intenções social.
dos membros
Como individuais,
unidade dee análise
o perigosociológica,
inerente daé
destacado o todo ou o grupo, mais do que o agente indivi-
dual ou a interação social. O problema dos determinantes
da ordem social e da transformação social achase fora das
principais preocupações da escola.
O approach fenomenológico é vulnerável por numerosas
críticas. Em primeiro lugar, os fenomenologistas afirmam que
os conceitos básicos dc ciência, incluindo a Sociologia, devem
ser formulados pela Filosofia (especialidade própria deles).
Aceitar a afirmativa tomaria impossível um universo comum
de raciocínio, prérequisito para o desenvolvimento da ciên-
cia empírica. Segundo, as formulações sociológicas dos feno
menologistas, que eles
tração ideacional”, acreditamcomserem
baseiamse, tôda o a resultado dc “abs-
probabilidade, efe-
tivamente em conhecimento prévio, acumulado através da ob-
servação participante da vida social. Finalmente, os fenôme-
nos que os fenomenologistas afirmam “ver” na sociedade pa-
recem selecionados de maneira arbitrária e mesmo vesga. A
descrição de Vicrkandt da atitude do indivíduo para com o
grupo, por exemplo, pode retratar apuradamente o ponto de
vista alemão, mas, dificilmente, o dos amcricar.os ou france-
ses. E a construção dc Gurvitch de níveis de profundidade,
além de arbitrária, confunde estruturas sociais com processos
sociais.
Não obstante, alguns dos esclarecimentos dos fenomeno-
logistas, todos sensíveis observadores da rena social, podem
ainda mostrarse válidos apesar do preconceito filosófico e da
metodologia falha. Se isto ocorrer, as percepções dos fenome-
nologistas tornarseão talvez valiosas pedras angulares para
os futuros construtores de uma teoria sociológica unificada.
346
CAPITULO XX
Sociologia Histórica
348
despertar, ou do coméço da primavera, as pessoas vivem em um
ostágio précultural; de fato, a maioria das peams nunca
ge desse estágio. Uma vez iniciada a cultura, entretanto, os
quatro estágios se sucedem em ordem. O último dêsses está-
gios, o inverno, tomase impcrceptívelmente uma “civilização”
agonizante, termo depreciativo no vocabulário de Spengler. A
civilização é, assim, o epílogo de cada cultura: a morte seguindo
-se à vida, a rigidez sucedendo à criação intelectual.
A longa tese de Spengler dedicaa amplamente a oito
culturas: egípcia, mesopotâmica, hindu, chinesa, clássica (ou
apolínea), árabe (ou maga), maia t ocidental (ou íaustia
na).179 (Também considera uma nona, a cultura russa nas-
cente, mas não afirma que a tenha tratado exaustivamente.)
Cada cultura, de acôrdo com Spengler, possui um período de
vida de aproximadamente mil anos. Para atender aos fatos,
nesta fase de sua concepção organicista da cultura, Spengler
organiza as culturas de modo muito artificial. A cultura
árabe ou maga, por exemplo, começa no tempo do cristia-
nismo primitivo, continua em Biz&ncio e chega ao fim no
califado árabe, assim privando a cultura ocidental de qual-
quer continuidade com o cristianismo primitivo.
Sòmentc uma dessas culturas, a maia (na fase mexi-
cana), foi destruída por fatôres externos. As outras morreram
ou estão morrendo em virtude da senilidade da civilização
urbana. Spengler
destruíram proclama
a cultura clássica,que uma
as vez
invasões
que, germânicas
ao tempo, nãoa
civilização grecoromana já morrera há muitos séculos. A cul-
tura ocidental — sustenta êle — emergiu por volta de 900
D. C.; portanto, seu fim deve estar próximo. Donde o título
da obra, A Decadência do Ocidente, e a sensação que
provocou.
A popularidade dos volumes de Spengler atingiu o auge
na década de 1920. Desde entio, com a acumulação do co-
nhecimento sociológico, sociólogos, antropólogos culturais c his-
toriadores fizeram novas tentativas para formular teorias em
grande escala das flutuações de culturas ou civilizações. Duas
dessas tentativas mereceram atenção mundial, as de Toynbee
Arnold Toynbee
ções srcinais
riana, emergiram
a chinesa, a mala e e floresceram:
possivelmentea a egípcia,
indica; áas sume-
outras
filiaramse a civilizações anteriores. O reconhecimento de
civilizações “filiadas” separa o ponto dc vista de Toynbee da
teoria de Danilevsky e especialmente de Spengler. Algumas
das civilizações — sustenta Toynbee — são marcadas por um
estilo definido — estético no caso dos helenos, técnico no oci-
dental, religioso no rusio; como na obra dc Spengler, entre-
tanto, não sc elabora o conceito de estilo.
Mas a resposta de Toynbee à pergunta sôbre a unifor
midade no movimento da cultura é, de modo geral, RiDdiaa>
te à de seus dois predecessores. Em certa época e era certo
espaço — observa êle — emerge uma civilização. Sob con-
dições particulares, cuja natureza vai descrita adiante, a ci-
vilização cresce, se não é detida nem é um dos tipos aborta-
dos, como a espartana ou polinésia. O crescimento, porém,
traz consigo uma “crise” seguida pelo declínio. Diversamente
de Spengler, Toynbee não usa as imagens bastante poéticas
Hat quatro estações ou das quatro idades do homem para
descrever êsse circulo. Mas adere a Spengler na crença de
que o curso de cada civilização (com as exceções menciona-
das) é uniforme, que passa através de estágios predetermina-
dos e se dissolve. Diferentemente, não atribui uma duraçio
definida às civilizações.
O estudo da srcem e do crescimento das civilizações é
a parte mais brilhante da obra dc Toynbee. Uma dc suas
teses principais consiste* em que o paradigma de desafiorração
domina os processos de srcem c crescimento. O desafio
pode derivar de fôrças naturais, como um clima severo, ou
dos homens, especialmente de vizinhos belicosos. A civiliza-
ção emerge e cresce quando, por um lado, o desafio não é
violento
inteligentedemais, e, por outro,
que encontra a reaçãose existe
adequadaumapara minoria ou elitem
o mesmo.
Êste ponto de vista representa um melhoramento substancial
na concepção de Spengler do destino como explicação da
srcem das civilizações.
As civilizações crescentes — de acôrdo com Toynbee —
exibem características definidas. Cada uma contém uma
minoria criadora que é seguida pela maioria do povo. Êste
consiste de um “proletariado interno** da mesma sociedade,
bem como de um “proletariado externo”, vizinhos bárbaros
influenciados pela civilização crescente. Cada civilização cres
interessante
caçlo de Aplicação
Toynbee do crescimento dêste Nova Inglaterra:
da conceito à Américaos colono#
é a expU*
dal,
enfrentando oc desafios severíssimos do clima local, doi reentsos limi-
tados e de terra virgem, propriedade de uma inteligente minona,
desenvolveram civilização que finalmente dominou uai conti-
nente inteiro.
551
cente se expande como um todo, mais em têrmos qualitati-
vos do que numericamente; tamanho não c de nenhum modo
sintoma de civilização cm desenvolvimento. O processo de
crescimento inclui os tiaços importantes de integração pro-
gressiva e autodeterminação da civilização e sua diferencia-
ção de outras através da aquisição de um estilo único.
Mas o crescimento da civilização é interrompido pela
crise, que ocorre quando a minoria não encontra a reação
adequada a um desafio sério. Desenvolvimento inexorável:
em nenhum caso histórico a minoria criadora encontrou res-
postas apropriadas a todos os desafios enfrentados por sua
civilização. A crise comumente ocorre sòmente alguns sé-
culos depois da emergência de uma civilização. Assim, a
maior parte da História abrange civilizações em declínio.
A crise — prossegue Toynbee — é seguida pela desin-
tegração e dissolução. O declínio e a morte se manifestam
como uma “necessidade interior”, através da atuação de fôr-
ças internas da própria civilização, tais como a dissidência
entre elite e proletariado e não pela ação de inimigos ou pelo
declínio da técnica ou por qualquer necessidade cósmica. Du-
rante o período da desintegração da civilização a cultura já
não se desenvolve como um todo, mas em partes decompostas,
produzindo, por exemplo, desenvolvimentos na arte, na reli-
gião e na economia. A minoria, não mais capaz de reações
adequadas e perdendo o poder criador, tomase uma elite
governante, impondose pela força. O tamanho das unidades
políticas cresce, por exemplo, emergem impérios, processo que
Toynbee acredita prejudicial ao bemestar da civilização. E
as guerras tomamse freqüentes. O proletariado interno, en-
tretanto, apartase da elite e se opõe a ela; os proletariados
externos estão aptos a atacar a civilização em declínio, ponto
que Gumplowicz formulara muito antes, conforme observa-
mos no capitulo V. Depois de um “período de perturbações*',
que se pode prolongar, a minoria governante cria um “Esta-
do universal”, universal no sentido de controlar tôda a área
da civilização particular; ao mesmo tempo, o proletariado
pode criar
Toynbee da uma
História“Igreja
clássicauniversal” Aqui dcvemos
(seu campo estudoo profissio-
uso de
nal) o império político romano representando um Estado uni-
versal e o emergente cristianismo uma Igreja universal.
Nessa fase, pode uma civilização viver séculos ou até mi-
lênios. Assim, o sôpro mortal invadiu a civilização helênica
352
600 anos antes de sua inorte; a sumeriana, 900 ano» antes; e
a xninoana, 500 antes. Entre a data Ha crise e a data da
morte, essas civilizações existiram em estado petrificado.
Durante o estágio final do ciclo da civilização emergem
quatro tipos de personalidade: a arcaica, procurando a sal-
vação no retomo ao passado (o "salvador com a máquina
do tempo”); o futurista, que aparece como o "salvador com
a espada"; o estóico indiferente; e o salvador religioso. Dêsse
estágio, a única forma de salvação é a transfiguração, à base
da religião. Uma orientação religiosa ampla não salva a
civilização em declínio, mas pode preparar o caminho para
a emergência de uma nova maneira vitoriosa de viver, filiada
à própria civilização ultrapassada.
O brilho e a erudição de Toynbee e a qualidade suges-
tiva de sua obra são amplamente reconhecidos. Entretanto,
esse ambicioso esquema interpretativo levanta algumas per-
guntas cruciais. Primeiro, o que é uma cultura ou uma civi-
lização? Toynbee não provê nenhum critério objetivo para
este conceito básico, que designa sua verdadeira unidade de
estudo. Por que, por exemplo, encara a Rússia como uma
civilização própria? Não será arbitrário considerar que Es
parta desenvolveu uma civilização separada e interpretar a
História romana cm sua totalidade como parte, quase intei-
ramente, da fase cm declínio da civilização helênica? A “nô-
made” é realmente uma civilização ou, como às vêzcs se afir-
ma, apenas um grupo nominal? Perguntas dessa natureza fo-
ram feitas pelos críticos de Toynbee, tanto sociólogos como
historiadores.
Um segundo tipo dc dúvida atinge sua concepção de
crise da civilização e o período subsequente de declínio e
inorte. Como podemos estar certos sôbre os "momentos" de
crise, ao examinar o passado? E, depois dc uma crisc, por
que, exatamente, uma civilização não é capaz de retornar o
movimento ascendente? Dificilmente constituirá uma virtu-
de da teoria geral dc Toynbee o fato de que êle julgue ne-
cessário catalogar duas diferentes civilizações chinesas e duas
diferentes civilizações hindus para explicar o fato inegável
dos florescimentos sucessivos.
Finalmente, as uniformidades de Toynbee, no desenvol-
vimento das civilizações, são largamente "substanciadas” por
exemplos extraídos da História holênica e ocidental. Suas am-
as 353
pias generalizações poderiam provavelmente não ter sido de-
riva !as da História egípcia ou chinesa; na realidade, Toynbee
apresenta sòmentc constatações dispersas sôbre a maioria das
civilizações, que nem confirmam nem refutam sua teoria (no
caso da civilização árabe, êle reconhece que ela parte de um
paradigma geral). É evidente que a teoria de Toynbee não
emergiu (ou foi testada) pelo estudo indutivo, mas £_ essen-
cialmente o produto de idéias recolhidas na investigação das
civilizações helênica e ocidental. Podemos concluir que a
teoria foi arbitrariamente superposta na História de outras
civilizações.
Tais de
tentativas críticas aplicamse,
desenvolver teoriacerta
uma em geralmedida, à maioria
e inclusiva das
da trans-
formação social. A autêntica imensidade dessa tarefa leva
a maioria dos estudiosos a não empreendêla. É um crédito
indeclinável a favor de Toynbee que êle tenha produzido um
esforço sério a fim de localizar o padrão da transformação
social. O mesmo comentário se aplica ao outro grande so-
ciólogo histórico, Sorokin.
analítica,
historiadoresdescrita
que háno aspectos
capitulo únicos,
XVIII. nãorecorrentes,
Concorda file dacomtrans-
os
formação social. Mas os processos sociais não são tecidos
com materiais inteiramente únicos. Ostentam elementos re-
correntes e repetidos, que a Sociologia deve isolar e estudar.
A tendência geral da transformação — sustenta Sorokin
— é o avanço em linha reta para certo limite; quase alcan-
çado esse limite, ocorre o reverso da tendência linear (ou,
cm alguns casos, a estagnação cultural), O desenvolvimento
reverso avança ainda para outro limite, e í mais uma vez
sujeito a reverso. Assim, o paradigma da transformação é
unia flutuação entre o que Sorokin chama (conforme expli-
camos no capitulo XVIII) culturas idcacionais e sensuais
marcadas por saltos em uma direção através do tipo misto do
cultura e no outro através do tipo idealístico.
Demonstra que êsse paradigma caracterizou tôda a His-
tória da cultura ocidental que, de acôrdo com Sorokin, pode»
se remontar aos dias da Grécia antiga. Descreve a cultura
354
i
grega como uma forma ideacional do século VIII até o
do século VI A. O.; depots, no século e meio tegumte, idra
Kstica, incluindo a Idade de Ouro ateniense. I>a úhww pMft
do século IV A. C. ao século IV D. C., durante as quais <
pérío romano emergiu e floresceu, a cultura foi sensual Am
dois séculos subseqüentes de cultura mista, seguiuse um
período de cultura ideacional. Do fim do século XII ao início do
século XIV, a cultura revelouse idealíitica; é a idade das cate-
drais góticas, de Dante e dc São Tomás de Aquino. A partir do
fim do século XIV, a cultura tomouse cada vez mais sen-
sual, atingido o clímax cm décadas recentes. Hoje podemte
perceber alguns sintomas de uma mudança na direção do
pólo ideacional.
Esta descrição, baseada em conscienciosos estudos reali-
zados com a ajuda de vinte colaboradores, Sorokin a suple-
menta com breves incursões na História egípcia, chinesa e
hindu. Os últimos materiais, entretanto, não são fundamen-
tais para sua teoria, formando sòmente a base para algumas
afirmações muito cautelosas. Finalmente, Sorokin presume
que a polaridade entre o ideacional e o sensual pode ser atri-
buída à cultura primitiva.
O salto do padrão de transformação acima descrito —
acentua Sorokin — localizase no próprio sistema da cultura:
é da natureza da culiura a transformação porque a transfor-
mação é a lei de tôda vida. Isto não significa que a trans-
formação
como climada e cultura não que
lugar, mas seja exercem
afetada papel fatôres Aexternos
por menor. (ram
formação imanente é uma espécie de destino ou carreira de
qualquer sistema sociocultural; 6 um desdobramento das po-
tencialidades imanentes do sistema. Embora a direção prin-
cipal e as fases principais desse processo de desdobramento
sejam predeterminadas pelas fôrças íntimas de um sistema,
subsiste uma considerável margem de variação.
Conforme vimos, Sorokin declara que o movimento his-
tórico em uma direção aproximase do limite que atingiria
se a cultura viesse a se tomar perfeitamente ideacional ou
perfeitamente sensual. Mas esta situação extrema nunca ocor-
re: cada supersistema cultural é incompletamente integrada
Quando o desenvolvimento cultural se aproxima do limite
teórico há o reverso da tendência (embora a estagnação cul-
tural seja uma possibilidade). Entretanto, a cultura, como
tal, não morre nunca; algumas partes são rejeitadas, outras
355
md absorvidas por diferentes culturas c sobrevivem. Aqui,
Sorokin mostrase muito mais otimista do que Toynbee e
Spengler.
\ teoria de Sorokin da dinâmica cultural, de que apre-
sentamos apenas um rápido esbôço, sujeitase a diversas crí-
ticas. Para começar, parece supcrsimplificar os fatos. Por
exemplo, a Idade Aurca dos gregos c a era de Dante foram
ambas presumivelmente idealísticas; mas diferem sensivelmen-
te cm muitos aspectos. Em tais casos, elementos adicionais e
contrastantes deviam ser considerados, de modo a determinar
situações culturais concretas pela coincidência de fases espe-
cificas cm processos diferentes. Êstc ponto não 6 ignorado
por Sorokin, mas continua pouco desenvolvido em sua
apresentação.
Em segundo lugar, a distinção entre os elementos cul-
turais que mudam ou flutuam juntos ou interdependentemen
te e os que não o fazem é o critério de Sorokin dos “siste-
mas” socioculturais. Quando atribui propriedade de flutua-
ção interdependente aos elementos de tais sistemas, pelo
menos em parte, raciocina em um círculo fechado.
Terceiro, a escolha da concepção cultural da verdade,
definida em têrmos sensuais, ideacionais ou idealísticos (ca-
pítulo XVIII), como o determinante básico do desenvolvi-
mento sociocultural, não 6 muito convincente. Podese ar-
gumentar que é possível reescrever a obra de Sorokin, sele-
cionandose elementos alternativos como os determinantes
fundamentais do crescimento cultural, com resultados quase
similares.
Chapin e Kroeber
antes consistindo
correspondendo em dc certo
a “culturas número
grupo”, em dc correntes
que se podem separadas,
956
estabelecer ciclos de crescimento e decadência nacionais Cada
ciclo, finalmente, precisa scr entendido como o produto
um complexo de fôrças, consistindo nas fases individuais da
cultura, tais como a econômica, a política, a religiosa e a H
telectual. Êstes componentes individuais da cultura caracte-
rizamse, cies próprios, por um ciclo de crescimento e declí-
nio. Quando os ciclos de diversas formas culturais são cro-
nologicamente correlates, quando crescem juntos e alcançam
um elevado grau de desenvolvimento, ao mesmo tempo, o
resultado é uma era de maturidade da nação ou do grupo.
Apresentando essa concepção da maturidade cultural,
Chapin conclui que é impossível determinar os traços parti-
culares
põem tododa cultura ou o número
o complexo, de forma»
indispensáveis sociais que
à produção com-
e flores-
cimento de uma cultura nacional. Entretanto, aplica sua
teoria a alguns desenvolvimentos concretos, por exemplo, ao
avanço da civilização da Grécia, à luta dc classes e aos pro-
blemas agrários em Roma, a algumas mudanças na cultura
material da Inglaterra medieval, bem como a certos aspectos
da civilização ocidental de nosso tempo. Na ausência de
comprovações posteriores, a teoria de Chapin permanece mais
como uma brilhante sugestão.
Em 1944, Alfred L. Krocber (1876 ), antropólogo
proeminente, publicou Configurations of Culture Growth, in-
vestigação sôbrc a maneira pela qual as culturas de alto ní-
vel se transformam. Esta obra se baseia em um esmerado
estudo do crescimento e do declínio das fases individuais da
cultura, dentro de certo número de culturas, adicional-
mente, dentro dc nações selecionadas que participaram dessas
culturas.
As conclusões de Kroeber, entretanto, não sustentam uma
teoria geral da transformação cultural. Afirma êle que não
existe “lei” que possibilite prever o crescimento (ou o declí-
nio) de uma cultura. Em oposição aos pontos de vista dc
Spengler e Toynbee, declara que a mesma cultura pode flo-
rescer muitas vêzes. Não encontra correlação estrita entre
o crescimento e os diferentes aspectos de uma cultura, embora
sustente que sc podem estabelecer períodos de um alto nível
de criação cultural em que diversas correntes culturais mos-
trem desenvolvimento maduro ao mesmo tempo. Kroeber
argumenta que não se pode atribuir a determinação do cres-
cimento ou declínio cultural a nenhum fator específico único,
957
cm conjunto de fatôres, excetuada, talvez, a tendência geral
di» movimentos a se exaurirem.
Alfred Weber
358
pela racionalidade e por considerações de utilidade. Desde
que transfcrívcis e cumulativo* o« produto» da civitiza^fco, o
processo de civilização é unilinear e progressivo,
segundo o ponto de vista dr Weber, o processo de civilização
é ainda irreversível e levará finalmente a uma ávifizaçio
unificada.
Mas a cultura é assunto diferente, de muitos modos dia-
metralmente distinta da civilização. O processo cultural carac
terizase pela criação. Os produtos culturais são exclusivos e
únicos c, pois, dificilmente transfcrívcis dc um a outro período
histórico. Fundamentalmente, a cultura é uma sintese do mun-
do e da personalidade individual. Exprimese na arte, na
religião e na Filosofia — campos de criação genuína. Neste»
domínios, não há paradigmas predeterminados, nem critérios
universalmente válidos e necessários (como na tecnologia da
civilização), nem leis geralmente aplicáveis de crescimento e
declínio. ™ Entretanto, podemse observar, nesse terreno, pe-
ríodos de produtividade e períodos de inércia, bem como “ida-
des” culturais distintas e conflitos culturais.
Não obstante, os processos social e civilizacional entrelaçam
sc invariavelmente com movimentos culturais, e os influenciam;
de fato a criatividade e a espontaneidade dos últimos pela
realização do homem dr seu lugar no esquema social e civilizado»
nal das coisas e pelos diversos esforços individualizados feitos
359
Em obra ulterior, Principles of Historical and Cultural
So i^logy (1951), Weber elaborou e elucidou êsses pontos dc
vista. Desenvolve ainda, o tema de que a cultura se desdobra
de acordo com um paradigma de ondas rccorrcntcs. Êsse con-
ceito é de certo modo similar à teoria da dinâmica cultural de
Sorokin, embora, no uso de Weber, a cultura abarque uma
classe mais estreita de fenômenos do que nos dc Sorokin. O
processo cultural — prossegue Weber — só indiretamente é
afetado pelos dois outros processos básicos, o social e civiliza
cional. Os produtos destes proporcionam continuamente ao
homem, como criador de cultura, novos materiais que podem
e devem ser espiritulmente “superados” (bewãltigt).
Resumo e comentário
360
cultural, entre a eficiência e a ineficiência econômica. O pa-
radigma geral de transformação nesses cam é talv«z o formu-
lado por Chapin e Kroeber: curvas semiindependente* de a6
vidadc cm vários campos sociais e culturais que podem ou &>
sincronizarse, mas que sugerem, durante períodos de alta
desenvolvimento, um florescimento interdependente da cultura
em geral. Entretanto, as condições sob as quais as tendências
de crescimento das várias fases da cultura se iniciaram e sob
as quais se harmonizam estão ainda por estabelecer. Conside-
rável esclarecimento dèsses problemas se manifesta na obra
de Toynbee.
Por outro lado, Sorokin abriu um campo nôvo, chamando
a atenção para o ponto dc vista quantitativo, na Sociologia
histórica, e estabelecendo a teoria da flutuação ondular entre
os grandes estilos dc cultura. Sua teoria necessita de refi-
namento c, como tôdas as teorias científicas, está sujeita a
correções. Mas os objetivos da dinâmica cultural e o esquema
de referência das investigações que realizou são um signi-
ficativo avanço sôbre os de Danilevky, Spcngler e Toynbee.
Se estiverem certas as conjeturas dêsses diversos estu-
diosos pode surgir uma teoria do desenvolvimento social e
cultural que permita a análise de cada configuração socio-
cultural concreta, localizandoa em um esquema tridimensio-
nal c envolvendo, primeiro, a fase da evolução tecnológica;
segundo, a fase do movimento cíclico nas atividades criadoras
e na organização política e econômica; e, terceiro, a fase da
flutuação ondular dos amplos estilos culturais. O segundo
talvez corresponda a um grupo de processos relacionados. Mais
provàvelmcnte encontrarseá uma interdependência entre os
vários processos. Sorokin já demonstrou que fases diferentes
na flutuação do estilo cultural determinam, com tôda a pro-
babilidade, a intensidade da atividade criadora em campos es-
pecíficos do esfôrço humano.
Por infelicidade, poucos estudiosos, relativamente, estão
hoje trabalhando de acôrdo com as linhas sugeridas pelas
investigações dos sociólogos históricos. Êste fato é especialmente
lamentável cm um mundo dinâmico como o nosso. A Sociolo-
gia, não há dúvida, bem como a sociedade necessitam de uma
teoria geral da transformação social e cultural, cmplricamente
verificável, relacionada a uma teoria geral da estrutura e da
organização sociocultural que a suplemente.
367
Sobrevivência^ c Revivescências
Neoeuoltiçionismo
362
teoria da cultura como uma explicação psicovociológica em
termos do traços nitidamente humanos. A evoluçSo cultural
— declara — ocorre pela invenção que — quer física, quer
social — é impossível sem a fonnação de conceitos ou pa-
drões mentais. Seguese que os estágios que a cultura atra-
vessa eqüivalem necessariamente aos estágios do proccao de
aprendizado. Reconhece, contrariamente aos ensinamentos dos
primeiros evolucionistas, a ausência dc uma única linhn típica
de evolução cultural, mas admite a existência dc estágios ine-
vitáveis de aprendizado. Assim, o homem primitivo não era
apenas iletrado, mas não descobrira ainda a arte do cultivo;
no estágio seguinte, iletrado ainda, já descobrira essa arte; no
estágio mais recente, aprendeu a ler e escrever.
Elhvood sustenta ao mesmo tempo que a evolução cul-
tural é um produto da evolução social, por sua vez unia fase
distinta da evolução universal. Identifica o crescimento cul-
tural com uma “mutação” na evolução social, processo que
existe entre os animais nãohumanos. Essas formulações co-
incidem, de certo modo, com a teoria spenceriana da evolu-
ção cósmica.175
Muito mais limitado é o ingrediente evolucionista na teo-
ria sociológica de Madver, cujos pontos de vista sôbre a es-
trutura e a causação social delineamos no capitulo XVIII.
Em Society (1931),1TO Maclver reelabora a doutrina de Spen-
cer da diferenciação, liberandoa todavia das referências a
leis cósmicas, ao paralelismo com a evolução orgânica e ao
progresso inevitável. De acôrdo com Maclver, a evolução é
o desdobramento da natureza de uma coisa, processo em que
esta se adapta melhor ao meio, mas que não representa ne-
cessariamente progresso, que é a aproximação de algum ideal
humano à realidade. Cada uma pertence a diferentes cate-
gorias de pensamento: a evolução à ciência, o progresso às
humanidades — reino dos ideais humanos.
A evolução social — acentua Maclver —• existe onde
quer que a história da sociedade é assinalada por uma cres-
cente especialização de órgãos ou unidades, dentro do siite
M
tan , :e serve à vida do todo. Assim, a evolução social 6 es
sc C ilmente diferenciação, processo que sc manifesta cm
maior divisão do trabalho, crescimento dc número c varie-
dade dr associações e instituições funcionais, e maior refina-
mento c diversidade de instrumentos dc comunicação social.
A linha geral da evolução social procede da sociedade primi-
tiva, caracterizandoa a fusão de usos políticos, econômicos,
religiosos e culturais, através dc instituições comunais diferen-
ciadas (as instituições, no emprego de Maclver, são procedi-
mentos estabelecidos), para associações diferenciadas, como o
Estado, a corporação econômica, a família, a escola e a igre-
ja. A diferenciação de “grandes associações" da vida política,
econômica c “cultural” tem sido acompanhada por uma vas-
ta diferenciação dentro das respectivas estruturas.
Maclver, entretanto, nega que a evolução abarque a trans-
formação social em sua totalidade. Distingue entre civilização
que é “o mecanismo inteiro... que o homem imaginou no
esforço de controlar as condições dc sua vida * e que com-
preende organização social, técnicas c instrumentos materiais,
c cultura como “a expressão da natureza do homem em seus
modos dc viver e pensar, na... convivência diária, na litera-
tura, na religião, no divertimento e na alegria”. 177 Somen-
te a civilização está sujeita à evolução. A cultura — declara
Maclver — “só pode avançar se a expressão do espírito hu-
mano
pria aé exprimir.
capaz de Aesforços mais éfinos,
civilização tem alguma
o veículo coisa pró-
da cultura: sua
melhoria não é garantia da qualidade mais fina daquilo que
ela conduz”.17* Conforme observamos no capitulo XX, essa
distinção entre civilização e cultura lembra Alfred Weber.
Maclver reconhece a semelhança existente entre suas idéias
c as que Weber exprime em um dos últimos artigos que es-
creveu e que apareceu antes de Society; mas reivindica “in-
venção independente” com respeito a Modern State, em que
desenvolveu a distinção aludida antes de tomar conhecimen-
to do documento de Weber.
A distinção de Maclver entre cultura e civilização (ou
tecnologia, têrmo que êle parece preferir, em publicações re-
centes) destaca a qualidade última ou valorfim dos produ-
177 Sociêty, Nova York, Ray Long and Richard C. Smith Corp.
(1931), pág. 226.
pig. 228.
364
tos culturais e a contrastante natureza instrumental dot fo»
nômcnos da civilização. Empxega essa distinção de meios •
fins no tratamento dos tipos de grupos soc ia is e nas rlUrna^ft
da difusão dos produtos humanos e conseqüente transforme*
ção social bem como na análise da evolução social.
Reconhecimento limitado do evolucionismo é também o
que se apresenta em Human Group (1950), de George C
Homans. Êste volume, embora francamente uma análise de-
talhada dos sistemas sociais dos pequenos grupos, conclui que
a sociedade não sòmente sobrevive, mas cria, ao sobreviver,
condições novas, que lhe permitem existir em um plano mais
elevado. Não será êsse excesso emergente — pergunta Ho-
mans — o segredo da capacidade dc evolução tão característica
da vida orgânica?
Entre os antropólogos culturais, Malinowski, aliás expo-
ente principal da escola funcional (ver capítulo XVIII), de-
fendeu vigorosamente um moderado evolucionismo. As pre
sunções principais do evolucionismo — sustenta — não são
apenas válidas, mas indispensáveis para o etnólogo. E o cor.
ceito de estágios continua muito útil. “Certas formas prece-
dem outras, definitivamente; um quadro tecnológico assim
como o expresso nos têrmos “Idade da Pedra", “Idade do
Bronze”, “Idade do Ferro”, ou os níveis de clã e organização
gentSlica, ou grupos numèricamente pequenos bem esparsos
como que em oposição às fixações urbanas ou semiurbanas,
têm que ser encarados sob o ponto de vista evolucionis-
ta..."17* Entretanto, Malinowski mesmo não desenvolveu
uma teoria da evolução.
Dois outros autores, porém, Leslie A. White e V. Gordon
Cliilde (1892 ), assim o fizeram. Em uma obra esti-
mulante, The Science of Culture (1949), tenta White levar
avante o evolucionismo de Spencer, Tylor e Morgan, par-
tindo dc onde o mesmo se interrompera, em 1900. Os antro-
pólogos culturais e muitos sociólogos abandonaram — em sua
opinião — a Filosofia do evolucionismo, junto com os erros
de alguns evolucionistas.110 Ê preciso dar uma nova partida.
iaipis, 25.
366
guns milhares de anos, as grandes civilizações amigas emer-
giram, no Velho e no Nôvo Mundo. Mas, em seg3dB*H|
período de rápido crescimento, a curva ascendente do pio*
gresso estabilizouse, ate que nova revolução cultural ocorreu,
iniciando a Idade do Petróleo, por volta de 1800. E nova-
mente, depois de rápido crescimento, a curva do deKnvol*
vimento cultural começou a declinar. Finalmente, (oi do-
minada a energia atômica, que poderá — ou não — anun-
ciar uma nova era tecnológica.
Cada estágio tecnológico — declara White — correspon-
de a traços particulares do sistema social. Se o povo é de
caçadores nômades, precisa de um tipo de sistema social;
se leva vida sedentária, terá outro. As instituições socuô,
não há dúvida, relacionamse à tecnologia de modo bastante
indireto; e as instituições de povos que alcançaram um alto
nível tecnológico variam tremendamente. Mas todos os sis-
temas sociais que repousam sôbre a energia humana per-
tencem a um tipo comum; tôdas as sociedades pastoris e
agrícolas dos primeiros estágios do desenvolvimento tecnoló-
gico pertencem a outro. White apresenta uma revisão apres-
sada das linhas principais da posterior evolução das institui-
ções sociais, acentuando sua dependência das conquistas
tecnológicas.
Essa apresentação dificilmente supera as objeções nume-
rosas e sérias formuladas contra o primeiro evolucionismo,
especialmente a crítica à crença na existência de estágios ne-
cessários e corrclatos no desenvolvimento das sociedades e
culturas. Ademais, White não faz nenhuma tentativa para
relacionar o desenvolvimento ideológico ao avanço tecnoló-
gico. Insiste êle cm que a ideologia é parte relevante da
cultura. Mas sc esta parte relevante da cultura não obedece
o qualquer lei evolutiva, fica desguarnecida sua reivindicação
de apresentar uro ponto de vista unificador sôbre a evolução
cultural.
Em Social Evolution (1951), Childe discorda da suges-
tão dc White dc reviver, sob nova forma, as teorias dr Sprn
cer e Tylor, mas, não obstante, valoriza algumas proposi-
ções de Morgan (ver capitulo IV). O único tipo de evi-
dência digno de confiança a respeito da evolução social e
cultural, o arqueológico, sustenta Childe, confirma a idéia
de que pelo menos o avanço tecnológico dot homens atraw
367
otúgioe identic os cm lugares vários. Solvagcria, barbárie
e civilização — as categorias dc Morgan — representam de
fato os estágios do avanço humano. A civilização primitiva
escreve Chi Ide — foi concretamente muito diversa em
cada caso. Mas cm tôda parte sc encontra a prova efetiva
de grandes cidades a diferenciação entre produtores, a con-
centração eficaz dc poder politico c econômico, o uso dc sím-
bolos convencionais para relatos, medições de tempo e espa-
ço, a cultura de ccrcais c a criação de alguns animais. O au-
tor concorda, entretanto, cm que os estágios intermediários
não apresentam paralclismos nem mesmo abstratos. O fato
não invalida o social
desenvolvimento uso do comoconceito
um deprocesso
evoluçãoracional
para descrever
e regular,o
llá, no entanto, grande diferença entre evolução social e or
gânica. A evolução orgânica se baseia na divergência e na
diferenciação; a evolução social ostenta êsses padrões, mas
também manifesta convergência através dc contatos culturais,
fato sem paralelo na evolução orgânica.
Apesar dessa diferença, Childe sustenta que a fórmula
darwiniana da variação — hereditariedade, adaptação e se-
leção — pode ser transferida da evolução orgânica à social,
e que tem ate mais sentido na segunda do que na primeira.
A variação corresponde à invenção; a hereditariedade social,
ou a transmissão da cultura dc geração a geração, é uma
fôrça familiar. A adaptação sc dá muito mais ràpidair.cnte
na História humana do que na História natural; a seleção
exprimesc no fato de que somente uma fração das invenções
sobrevive, como benéfica, a longo prazo. Nesta sobrevivência
seletiva, há afinidade com a seleção de mutações na natureza;
o processo seletivo na sociedade, porém, difere significativa-
mente, pois caminha sem destruir ou substituir um tipo de
ser por outro.
Essas formulações enquadramse no estilo da Societal
Evolution, de Keller, publicada 35 anos antes (ver capítulo
XI). Talvez as primeiras críticas feitas à interpretação de
Keller do darwinismo social sejam igualmente aplicáveis à teo-
ria de Childe.
Apesar das deficiências dessas obras modernas, escritas
no estilo neoevolucionista, podemse incorporar alguns de
seus argumentos e proposições a uma teoria geral da trans-
formação social. Apresentamos, no capítulo XX, como ten-
tativa, um esbôço dc tal teoria.
368
Determinismo geográfico e demográfico
M
No progresso humano — sustenta Huntington — é básico
o vigor físico. Outras coisas sendo iguais, o progresso cul-
tural é favorecido pela saúde, que resulta em alta capacidade
de trabalho. Enlre o* fatôres que influenciam a saúde, o
clima decididamente ocupa o lugar principal. A alta “efi
c itncia climática” f rara c coincide com a eficiência econô-
mica elevada. Portanto, Huntington submete a eficiência
climática a um detalhado estudo. Ilustra bem este ponto
sua afirmação de que a “humanidade como um todo parece
trabalhar melhor quando a temperatura, ao meiodia, é de
cerca de 17 a 219 C.183 Huntington alega ainda que o cli-
ma explica as variações religiosas e o caráter nacional dife-
renciado. Resume suas conclusões xia declaração dc que a
eficiência climática exerce papel fundamental no estabeleci-
mento do padrão geográfico da civilização.
Huntington hesita, porém, em entregarse com armas e
bagagens ao monismo geográfico. Afirma, por exemplo, que
a invenção da máquina a vapor exigia, além dc clima ade-
quado, as seguintes condições concomitantes: povo com uma
capacidade inata relativamente alta, motivo forte para agir
em direção a padrões de vida mais elevados e um grande
suprimento de combustível.184 Reconhece também a signi-
ficação das diferenças dietéticas.
A comparação entre as obras de Huntington e Buckle,
370
êsses autores, o traço mais visível da história humana é u
processo de migração (consideram a guerra uomi de MÉÍÉ
formas). À migração é ocasionada pela densidade diferencial 4a
população em diversas partes do mundo. Entretanto, a den*
sidade é importante não apenas em seu sentido mais simples,
aritmético, de população proporcional ao tamanho do terri-
tório, mas principalmente em têrmos da relação do número
de habitantes para os meios de subsistência disponíveis. Cha-
mam os Kulisher a isto de densidade social. A “tendência
natural” parece ser no sentido de igualar a densidade social.
Mas o processo sc complica pelo fato de que se têm de con-
siderar não sòmente os meios de subsistência atuais, mas tam-
bém os potenciais,
migração isto da
e a aplicação é, os que melhorada.
técnica estarão disponíveis
Por outroapós
lado,a
o processo está sujeito às limitações impostas pela existên-
cia de grandes reservatórios de água e pela resistência polí-
tica e militar à migração. Não obstante, o mecanismo da
migração é uma fôrça tão natural quanto outra qualquer.
A teoria dos Kulisher destaca um aspecto significativo
da transformação social, mas não a explica em sua integri-
dade. O maior defeito consiste aqui na impossibilidade de
estabelecer empiricamente a “densidade social**; os autores che-
gam ao fenômeno a posteriori, baseados no fato de que a mi-
gração ocorreu. Por outro lado, acentuam a importância da
disponibilidade imediata dos meios de subsistência. As na-
ções podem viver trocando
A recente produtos
literatura industriais
histórica por alimento. sublinha o
freqüentemente
fator da migração. Por exemplo, a proposição básica de Hen-
ri Pirenne (18621935), afirmada em Viíles du MoyenÁge
(1925), sustenta que a História européia, do século VII1 ao
XII, foi determinada pelo fechamento e subseqüente reaber-
tura das rotas de comércio, como resultado das migrações.
E ainda Frederick J. Tcggart, em Rome and China (1940),
considera que as fases mais importantes da História romana
e da chinesa, nos primeiros séculos da era cristã, podem
reduzirse à pressão diferencial das tribos fronteiriças como
resultado da migração de populações.
371
cecio dos institucionalistas e dc alguns fenomenologistas (ver
cap XIX), podese considerar que a Sociologia na França
continuou a inanter a tradição durkheimiana, especialmente na
forma que lhe deu em Les Formes Elémentaires de la Vie
Rêligiemc (ver cap. IX).
Os sociólogos franceses, cm sua maioria, se concentraram
no estudo da sociedade primitiva, c seriam classificados nos
Estados Unidos como antropólogos culturais. Sua obra ha-
bitualmente vai além da simples descrição (não muitos se
empenharam em pesquisas de campo entre povos primitivos),
conccntrandosc antes na interpretação teórica dos dados da
Etnologia. A este respeito, conservarainse fiéis à crença de
Durkheim de que na sociedade primitiva os fenômenos so-
ciais básicos aparecem na forma mais simples e são, portanto,
especialmente compreensíveis.
Mareei Mauss (18721950), o mais renomado adepto de
Durkheim, declara que a escola francesa de Sociologia isolou
para estudo “a história social das categorias básicas do espí-
rito humano** — em um ensaio sôbre “O Conceito de Per-
sonalidade** (1938),185 que trata, na maior parte, da histó-
ria do conceito de acôrdo com a orientação habitual em
qualquer história de idéias. Mas os durkheimianos enfren-
tam outro problema: a relação entre a Sociologia e a Psico-
logia. Problema dràsticamente colocado pela afirmação de
Durkheim dc que os fatos sociais são “coisas” e assim irre-
dutíveis aos fatos da Psicologia individual. Deuse com esta
opinião uma transformação interessante. Em 1924, Mauss,
passando à ofensiva, disse aos psicólogos que havia muitas
outras coisas essenciais na sociedade, que não as “represen-
tações coletivas**, que pertencem aos domínios da Sociologia.
Há também coisas materiais c homens, fenômenos morfoló
gicos (estruturas sociais como a família c o clã), fatos esta-
tísticos (digamos, o número de erros cometidos pelos correios
ou o número de crimes) c, finalmente, história, tradição,
linguagem e hábitos. A Sociologia — declarou Mauss — é
o estudo do homem total, enquanto a Psicologia estuda ape-
nas seus processos mentais.
Vinte e cinco anos depois, em uma introdução a Sociolo-
gia e Etnologia de Mauss, outro durkheimiano, Claude Lévi
372
Strauss, apresenta o seguinte ponto de vista: o fato social
total é real quando integra um sistema que transcende ot
aspectos particulares da vida social, como a família, a tec-
nologia e a organização política. Devese incorporilo na
experiência pessoal de duas maneiras: em uma história de
vida concreta e única e na “dimensão físicopsíquica". Sòmen-
te em um indivíduo essas duas dimensões e a sociedade ie en-
contram; há aqui, talvez, uma reafirmação nebulosa do en-
sinamento dos analistas americanos atinente à tríade intf
ratuante dc sociedadeculturapersonalidade. Nunca — pros-
segue LéviStrauss — podemos estar certos de que compre-
endemos o significado c a função de uma instituição, a me-
nos que estejamos aptos a verificar seu impacto sôbre a cons-
ciência individual. Na ciência social, ademais, o observador
é parte do que está sendo observado. Essas afirmações apre-
sentam muita semelhança com as opiniões de Max Weber
sobre a verstehen (ver capítulo XIV). Sòmente no fim do
debate é que o estudioso francês volta a uma proposição
autenticamente durkheimiana, sustentando que os objetos da
Sociologia são tanto as coisas quanto as representações.
Outro sociólogo francês, M. Duffrenne, o acompanha m:
A Sociologia — declara — dividese entre a tendência a de
sumanizar os fatos sociais, estudandoos de acordo com a “Fí-
sica Social" c a tendência oposta a reintroduzir o homem no
social e assim compreender êste último elemento como uma
experiência humana. As duas tendências podem ser abrevia'
das como explicação c compreensão, outra idéia no estilo de
Max Weber. A tarefa principal da Sociologia contemporânea
consiste na reconciliação das duas tendências.
A fim de promover essa tarefa, Duffrenne voltase para
o estudo da relação entre cultura e sociedade, sob a forma
de um comentário a recentes obras americanas de Antro-
pologia Cultural. A cultura — diz êle — é o aspecto huma-
no social. A sociedade e a realidade última devido a seu
caráter morfológico, externo c coercitivo — opinião nitida-
mente de tradição durkheimiana. Na experiência individual,
a sociedade aparece como uma enorme máquina. E, neste sen-
tido, a sociedade precede a cultura: a sociedade tem uma
373
cultura que só pode manter uma vida adequada no meio
daquela sociedade. Concebe uma cultura mai* ou menos
idêntica às instituições. A cultura — acentua Duffrenne —
pode ser entendida apenas em têrmos dc conduta humana:
a cultura é a sociedade integrada na conduta humana. Por-
tanto, seu estudo dá à Sociologia um sabor psicológico, uma
concepção diferente da teoria dc Durkheim.
Podese extrair daqui a conclusão de que a Sociologia
francesa, no momento, se encontra em uma encruzilhada. O
realismo sociológico de Durkheim não c mais aceito sem con-
testações. Várias fontes — inclusive as opiniões teóricas de
Max Weber, os sociólogos analíticos e os antropólogos cultu-
rais americanos — estimulam novas orientações.
374
Von Wiese retomou o objetivo de Simmel: construir a
Sociologia como ciência independente. Como Simmel, vi
o aspecto especificamente sociológico da realidade na forma
de fatos sociais, mas, em desacôrdo com Simmel, deu à forma
uma interpretação bastante dinâmica ao concentrarie na
ação e no movimento. Novamente como Simmel, acredita que
a sociedade c uma abstração, um determinado ponto de vista
sôbre as ações humanas focalizando as relações humanas. Con-
tràriamente a Max Weber e aos fenomenologistas, Von Wiese
limita seus estudos àquilo que é cognoscível através da
observação externa, um tanto k maneira dos behaviorista*
americanos.
Para Von Wiese, a unidade básica de investigação socio-
lógica é a relação social ou processo social. O primeiro nível
da investigação sociológica ambiciona atingir a classificação
dêsses fenômenos. Podem ser reduzidos a dois tipos básicos,
associativo e dissociativo, e a um terceiro, misto, contendo
elementos de ambos. Comum a todos os processos sociais é
o fato de que êles afetam a distância social, aumentandoa
ou diminuindoa (não se confunda distância social com dis-
tância no sentido espacial). Cada uma das classes principais
de processos se divide em subclasses com base no grau do
efeito associativo' ou dissociativo do tipo particular de proces-
so. Embora Von Wiese formule refinadas definições das sub-
classes, estas são encaradas essencialmente como posições ao
longo
ção (ou dc amalgamação)
uma linha contínua,
ao maisdo alto maisgrau
alto degrau de associa-
dissociação (ou
conflito). Von Wiese também classifica os processos sociais
de acôrdo com as categorias opostas de integração c diferen-
ciação, c os processos construtivo e destrutivo.
À base de relações ou processos sociais emergem estru-
turas sociais; seu estudo, de acôrdo com Von Wiese, forma o
segundo nível da investigação sociológica. Uma estrutura é
ccrto número de relações sociais tão ligadas na vida diária
que se pode considerálas unidades ou substâncias — defi-
nição que atesta a concepção nominalista de Von Wiese da
realidade social. As estruturas sociais são classificadas de
acôrdo com a duração e o grau de abstração. Formamse,
assim, quatro tipos de estruturas básicas: multidões concre-
tas, visíveis e de curta duração; multidões abstratas, invisí-
veis e de duração indefinida (por exemplo, o público); gni
pos, caracterizados pela presença pessoal de membros e pela
or^mização; e coletividades abstratas, como o Estado ou a
igreja, em que se dispensa relativamente pouca atenção aos
indivíduos concretos.
Von Wicse e seus adeptos aplicam essa classificação, às
vêzes multo sugestivamente, à descrição de configurações so-
ciais diversificadas. Mas, em geral, parecem esquecer um
importante critério de adequação científica da classificação.
Uma classificação é adequada quando, com relação a cada
classe e subclasse, podemse demonstrar proposições nãoconti
das na definição da respectiva classe ou subclasse, mas apli-
cáveis a todos os itens compreendidos pela definição c não
aplicáveis a qualquer outro fora dela. Naturalmente, há di-
versas proposições sociológicas estabelecidas relativas a con-
corrência, conflito, etc.; proposições, entretanto, conhecidas
muito antes que Von Wiesc iniciasse suas tentativas de classi-
ficação. Ademais, o exame das subdivisões de Von Wiesc
sugere um approach formalista bastante estéril. Relações e
estruturas são objetos importantes do estudo sociológico; en-
tretanto, não abrangem o campo da Sociologia, e, desligadas
de considerações funcionais, normativas e dinâmicas, trazem es-
clarecimentos mínimos à realidade social.
Entre os sociólogos de outras escolas, Gurvitch (ver ca-
pítulo XIX), especialmente, deixouse influenciar muito pelo
approach elassificador de Von Wiesc. As obras de Gurvitch
contêm inúmeras classificações complexas, mas, como Von
Wiese, raramente ele procura analisar os fenômenos sociais
representados pelas subclasses, além de suas definições formais.
Resumo
376
valiosas para o tesouro do conliecimento sociológico. Nlo hi
dúvida dc que as configurações tociais são significativamente
afetadas pelas situações ou processos geográficos ou demopé»
ficos. ou que deviam ser sistemàt ícamente descritos ot tipo* de
estruturas e relações sociais. Também c provável que, dentro
de limites definidos, o evolucionismo seja o ponto de vista
acertado de um aspecto fundamental do viraser social.
Os atuais representantes das idéias aqui tratadas, sob a
rubrica de “sobrevivencias e revivcscências”, compreendem,
crescentemente, as limitações dos respectivos approaches,
reconhecimento está especialmente claro entre os expoentes
do neoevolucionismo, do estudo sociogeográfíco e da Socio-
logia durkheimiana. A compreensão de tais limitações, en-
tretanto, será imperativa quando essas tendências se toma-
rem partes valiosas do todo que um dia formará uma teoria
sociológica geral utilizável.
Sexta Parte
CONCLUSÃO
CAPITULO X X I I
ofundador
estudo dadoforma dos approach,
terceiro fenômenosque identificou
sociais, a Sociologia
e Giddings. Os ante com
XI
ccdr aics podem ser rctraçados ate Comte, cuja dc que a
Sociologia se tornaria a ciência geral teórica dos fenômenos
sociais se desdobrou na definição amplamente aceita de
Sorokin.
Segundo, os íenômenos sociais, objeto da Sociologia, são
agora habitualmente icconhecidos como «ii generis, ou por
outra, como irredutíveis a fatos nãosociais (físicos ou psicoló-
gicos, por exemplo). A êste respeito, prevaleceu o ponto de
vista dc Durkheim, contra o dos sociólogos psicológicos, que,
por sua vez, estavam certos em sua oposição aos que viam na
sociedade a simples interatuação dc fôrças impessoais, ou, por
assim dizer, superhuman
nt ris; resultam, não obstante, daas.composição
Os fenômenos humanas.são sui ge-
das açõessociais
Entretanto, observese uma opinião particular, derivada
de Max Weber e Thomas, e mais bem representada agora por
Parsons. Opinião que reintroduz a confusão entre Sociologia
c Psicologia devido a sua preocupação com a “ação”.
Por outro lado, como corolário da irredutibilidade dos
fenômenos sociais a qualquer outra classe dc fenômenos, a
opinião corrente entre os sociólogos rejeita as analogias bioló-
gicas em tôdas as suas variações (organicismo, darwinismo
social etc.), bem como a compreensão dos fenômenos sociais em
têrmos de um modelo teórico, esboçado para estudo dos fenô-
menos físicos, que entra em grande parte no sistema de pensa-
mento dc Spenccr. A tentativa de Lundberg para compreender
a sociedade humana em têrmos da estrutura do átomo é um
visível anacronismo.
Terceiro, o fenômeno social básico, a unidade para aná-
lise sociológica, é comumente identificado como a interação
entre dois ou mais seres humanos. A interação exige a depen-
dência inteligível da ação de um ser humano sôbre a existência
ou ação — passada, presente ou antecipada — de outro ser
humano. A interaçãd é diretamente observável, dado que a
ação é movimento no mundo exterior. O elemento de depen-
dência inferese fàcilmence, seja pela interpretação de um ob-
servador participante, utilizando a capacidade do homem de
fazer reproduções mentais dc progressos que lhe sugerem as
ações dc outros homens — a verstehen de Max Weber — seja
estabelecendo correlações estatísticas entre universos dc ações
consideradas como antecedentes e subseqüentes.
382
Onde há interação, dizie que ot participants estão em
relação social. A interação e a relação social, portanto, tão
dois pontos de vista relativos ao mesmo fato básico; a relafft»
é estática (ou estrutural), a interação é cinética (usual, mas
não corretamente, chamada funcional ou dinâmica.)
Quarto, quando as relações sociais duram, formam grupos
sociais em que os homens se dispõem sob múltiplas formas. O
grupo social é geralmente considerado um dot principais assuntos
do estudo sociológico, especial c explicitamente pelos sociólogos
analíticos, os institucionalistas e ot sociometristas. No estudo
dos grupos, as principais proposições que ficaram firmemente
estabelecidas incluem as seguintes:
O grupo social é um sistema, isto é, uma estrutura consis-
tindo cm partes que, sem perder sua identidade e individuali-
dade, constituem um todo que as transcende. Por outras pa-
lavras, o todo possui propriedades que não se encontram em
nenhum lugar nas diversas partes. Esta concepção reflete o
realismo sociológico moderado que agora prevalece; distingue
se melhor nas obras de Pareto, dos institucionalistas e dot fun-
cionalistas, bem como nas dos sociólogos analíticos contempo-
râneos, à exceção, talvez, de Parsons. Os neopositivistas, cuja
posição nominalista apresenta estreita afinidade com Simmel
e von Wiese, não compartilham êste ponto de vista, o qual
também difere grandemente do extremo realismo sociológico dos
marxistas, de Gumplowicz e Durkheim, todos, é certo, sociólo-
gos do século XIX.
Os indivíduo* que formam o grupo social permanecem
em relações padronizadas de modo que a cada pessoa é atri-
buída uma posição social definida, às vêzes chamada status.
Papéis diferenciados são atribuídos aos indivíduos que ocupam
várias posições sociais.
A interação dentro dos grupos sociais visa à satisfação das
necessidades humanas. As realizações dos grupos sociais na
satisfação das necessidades são suas funções. As necessidades
que é preciso satisfazer dentro do arcabouço dos grupos sociais
distribuemse entre vários grupos; existe um número quase ili-
mitado de esquemas dessa distribuição. Esse aspecto da vida
de grupo foi evocado pelos funcionalistas, que, conforme vi-
mos no capítulo XVII, tiveram alguns prcdccessores.
A interação dentro da estrutura dos grupos é regulada
por normas, ou proposições que determinam a conduta etpe
383
í.uLl por p a t . j c scu> membros, sob condições especificas. As
normas do grupo são comumente accilas por seus membros,
mas são também reforçadas por sanções aplicadas em caso de
violação. O ponto de vista normativo dos fenômenos sociais,
promoveramno, independentemente um do outro, Toennies e
Sumner. Entre os últimos sociólogos, Thomas, Parsons e Mac-
lver deram o maior relevo a êsse aspecto da vida de grupo.
O sistema, que é o grupo social, possui a propriedade de
restabelecer seu equilíbrio, ou estado normal, se e quando
ocorrem distúrbios. Esta proposição deriva da teoria dc Pareto.
Os grupos sociais existem em muitas variedades. As dis-
tinções
há entremaiscomunidades
import antesc entre os tipose de
associações, entregrupos são primários
grupos as que
c secundários. A distinção entre comunidade e associação,
antecipada por Augusto Comte, ficou explicita cm Toennies,
Sorokin e Maclver. Recebeu um nôvo tratamento por parte
dos institucionalistas, cujos ensinamentos levam à identifica-
ção da associação com os grupos sociais organizados em tômo
de uma idéia diretiva. A segunda distinção, entre grupos se-
cundários c primários, foi acentuada inicialmente por Cooley
e posteriormente desenvolvida na teoria de Maclver.
Outra distinção básica, e crescentemente empregada pelos
sociólogos, é a que existe entre grupos informais e íoiznais.
Os sociometristas, certos sociólogos industriais e outros concen-
traramse no estudo dos grupos informais dentro de organi-
zações formais; independentemente, Gurvitch trabalhou no mes-
mo sentido. No momento, esta é uma fase da Sociologia em
rápido crescimento.
Os grupos sociais revelam a tendência a formar hierarquias
em que um grupo, o que inclui tôda a sociedade, forma o
ápice. Dentro de uma sociedade há uma visível tendência
dos grupos menores e dc seus membros a sc disporern em ca-
madas horizontais, a que são socialmente atribuidas diferentes
participações na riqueza, poder e prestígio. Mas as sociedades
variam no grau de rigidez da distribuição de homens c gru-
pos sociais, ao longo da escala social, e nos status diferenciais
dos grupos e pessoas. Hoje, a cstratiíicaçáo social, têrmo atri-
buído a esses fenômenos, é outro setor de intensa pesquisa.
Quinto, outra área básica dc estudo, na Sociologia, con-
siste nos processos sociais. Neste tipo dc investigação, os fenô-
menos fundamentais de interação dispõemse em um plano di-
384
ferente do usado no estudo da estrutura iodai. Os prow»
sos sociau são classificados de acôrdo com as orientações finais
das ações que os compõem.
Entre os processos sociais, a cooperação ê básica na vida
social. A cooperação é a interação orientada para a *&ííaaÊfm '
de objetivos comuns e flui da própria natureza dos laços que
mantêm unidos os membros dos grupos sociais. Manifestase
na solidariedade intragrupal, usualmente reforçada pelo anta-
gonismo a outros grupos sociais. O fenômeno básico da coope-
ração era conhecido de Comte; Durkheim desenvolveu nota-
velmente seu estudo, que agora Sorokin vem especificamente
promovendo. A correlação entre a solidariedade inti agrupai
e o antagonismo externo foi salientada por Sumner e tomou
se um conhecido princípio em Sociologia.
O contrário lógico da cooperação, o antagonismo, apare-
ce sob duas formas principais, a concorrência e o conflito. Em
alguns casos, elementos da cooperação e do conflito sc entre-
laçam tão estreitamente que o estudo sociólogico exige o con-
ceito de “processo misto1*.
Além desses processos básicos, observase certo número
de processos sociais secundários. Os processos básicos foram
examinados por alguns estudiosos, inclusive Simmel e os ecó*
logos sociais. Mas a análise dos processos secundários não
avançou bastante, tendo sido as maiores contribuições, aqui,
feitas por von Wiese e Gurvitch.
Sexto,usualmente
é a cultura, o terceiro ponto fundamental
considerada comodo estudototal
a soma sociológico
de
modos de pensar e agir em uma dada sociedade, relativa-
mente estáveis e padronizados. Estabeleceramse pelo menos as
seguintes proposições básicas, atinentes à cultura:
Todos os elementos da cultura são funcionalmente inter
relacionados; por outras palavras, os itens culturais individuais
integramse em sistemas. Esta integração, entretanto, nunca
é perfeita, como ficou demonstrado, particularmente por Soro-
kin e por funcionalistas moderados como Merton.
Os inúmeros determinantes da cultura incluem o duna,
a densidade de população, o nível dc progresso tecnológico e
a “vizinhança social”, isto é, o tipo de cultura que prevalece
na sociedade ou nas sociedades com que a cultura dada se
acha em contato. Mas não há nenhum determinante isolado
da cultura a que se possa atribuir predominância. Êste ponto
de vista representa uma transformação decisiva das idéias que
ainda prevaleciam no início do século. As Sociologias mo
msiicas, ou de um único fator (econômico, racial, geográfico,
demográfico, ctc.), estão mortas, ou quase. Reconhecese que
a maio. ia dêsses latôres predominantes exerce papel definido
na formação e no desenvolvimento da cultura; papel, entre*
tanto, desempenhado em complexa interação com outros. Acres*
centouse fator ecológico aos vários determinantes já acentua*
dos no século XIX.
Entretanto, êsses diversos determinantes da cultura não
implicam uma determinação estrita da vida social. As socie-
dades possuem uma larga margem de liberdade, embora não
dc escolhas ilimitadas. As escolhas, realizadas nas fases iniciais
do desenvolvimento de uma cultura, estreitam a margem de
liberdade relativa a outras escolhas; as escolhas relativas a
uma fase da cultura estreitam a margem dc liberdade rela-
tiva às outras fases.
Os traços que constituem uma cultura são instrumentos
para a satisfação de necessidades social e culturalmente reco-
nhecidas, dos membros da sociedade correspondente c dos vá-
rios grupos que a formam. (Porém, como destacam Merton
e outros, a investigação pode revelar certos traços nãofuncio
nais ou disfuncionais.)
386
ç o e us o as nvenç es per encem ao om n o comum »
Sociologia e da Antropologia Cultural contemporâneas.
Pode definirse cada cultura como uma nmnmitfc
invenções — tecnológica ideológica e social. Em cada toda»
dade esta acumulação é seletiva e portanto fmio, nunca re-
petindo exatamente as acumulações feitas em outras socieda-
des. Por isso, cada cultura tem teu próprio estilo, assim como
cada homem tem uma personalidade que o distingue.
Nenhum acôrdo geral existe quanto às uniformidade* que
caracterizam as tendências a longo prazo da transformação
cultural e social. Mas um ponto está definitivamente esta-
belecido: o arcaico evolucionismo, que exigia o estudo de um
processo
terminados,básico e irreversível
desapareceu consistente em
das cogitações estágio* prede-
sociológicas. Entre-
tanto, é possível uma fusão de pontos de vista expresso* por
diversos sociólogos, a saber: as fases tecnológica e econômi-
ca da cultura se desenvolvem de acôrdo com um padrão de
acumulação, que é interrompida por recuos; outros aspectos
da cultura, especialmente o intelectual e o estético, estão su-
jeitos a flutuações quantitativas do tipo ascendentedescenden-
te e flutuações qualitativas em estilo. A obra de Sorokin,
Alfred Weber e outros, discutida no capítulo XX, é que su-
gere essas generalizações.
Oitavo, as afirmações acima não constituem uma teoria
sociológica. Simplesmente delineiam uma área de concordân-
cia que, cm alguns aspectos, incorpora o* pontos de vista da
maioria dos sociólogos importantes de hoje, mas que, por
outro lado, apresenta sòmente uma opinião da maioria, não
compartilhada pelas minorias, às vêzes influentes.
Mesmo dentro dessa área de concordância há muitas
divergências na apresentação das conclusões básicas. Os qua-
tro setores principais do estudo sociológico acima delineado*,
e suas subdivisões, formam um sistema integrado, de modo
que a compreensão completa de qualquer parte é impossí-
vel sem o conhecimento das outras. Entretanto, é pocsivel
destacar algumas fases ou setores do sistema, à custa de ou-
tras, digamos a interacional (cinética) ou normativa, ou fun-
cional ou uma combinação de duas entre as três; ou, como
fazem muitos antropólogos, podese partir da cultura como
conceitochave. Assim, emergirão variedades de teoria so-
ciológica que, ao primeiro vislumbre, têm pouco em comum,
387
mas jue, sem grande dificuldade, são redutiveis umas às
outras.
Ademais, persiste a confusão na terminologia. Os mesmos
termos são empregados para designar diferentes aspectos da
realidade social e cultural; por outras palavras, os mesmos
termos servem freqüentemente a conceitos diversos, e o mesmo
aspecto da realidade sociocultural c designado às vezes por
dois ou mais têrmos. Confusão terminológica encontradiça
até nos trabalhos do mesmo autor. Além disso, raramente
os conceitos são definidos de acôrdo com as exigências ló-
gicas: aparecem nas definições muitos traços redundantes. Em
inúmeros uma
recendo casos, definição
ainda, é a difícil
ser decidir se o instrumento
usada como autor está ofe-
para
identificação c análise dos fenômenos socioculturais ou se está
enunciando as propriedades de fenômenos definidos cm al-
gum outro lugar.
Essas dificuldades terminológicas poderiam ser fàcilmcnte
vencidas. Mais sérias são as discordâncias atinentes aos mé-
todos. Até o momento, não se resolveram as querelas entre
os quantitativistas e seus oponentes, e os argumentos mencio-
nados entre os behavioristas e seus antagonistas. Ainda mais
acentuam o impasse os problemas relativos às definições opera-
cionais e ao procedimento da verstehen. Diferenças, todavia,
que não parecem insuperáveis.
Muito poucos sociólogos negam hoje que a enumeração,
a medição e os requintados procedimentos estatísticos sejam
técnicas desejáveis a empregar em qualquer investigação —
quando se pode aplicálas razoavelmente. Os quantitativistas,
com raras exceções, concordariam também que uma fórmu-
la matemática, ou um coeficiente de correlação, não consti-
tui objeto de pesquisa. Nas Ciências Sociais, como nas Ciên-
cias Naturais, é preciso interpretai* conclusões envolvidas nes-
ses termos. Aqui, segundo acreditamos, a esplêndida análise
de Max Weber, da compreensão ao nível de causalidade e
da compreensão ao nível do significado, poderia realizar a
reconciliação, sc fôsse compreendida e amplamente conhecida.
Muito poucos sociólogos subestimam a importância das des-
crições behavioristas das ações humanas, na medida em que
sociològicamente relevantes. Hoje, porém, apenas uma mino-
ria de sociólogos discorda da proposição de que, através do
processo de comunicação simbólica, os estados mentais estão
388
abertos um para o outro, reciprocamente, ponto brittumrmcn
te sustentada por Znaniecki. Sempre que os estados nmttah
forem sociològicamcnte relevantes e puderem ter revelados com
clareza em forma verbal, parece quase absurdo valerse de
subterfúgios behaviorístas.
O operacionalismo extremo 6 raro. Muito» sociólogos,
porém, concordam em que as definições sociológicas deviam
ser moderadamente operacionais, consistindo em traços direta
ou indiretamente observáveis, ao nível da conduta externa ou
da introspecção.
É provável, portanto, que, com boavontade e firmeza,
sc possa formular, em futuro n£o muito remoto, uma teoria
sociológica geralmente aceitável. Isto não significa que che-
gará o dia em que todos os sociólogos concordarão uns oom
os outros. Tal situação não ocorre nas Ciências Naturais —
nem é desejável em ciência alguma. Não devr estar longe,
porém, o dia em que todos os sociólogos falarão a mesma lín-
gua e, portanto, compartilharão um verdadeiro universo do
discurso — o que c uma exigência de qualquer ciência.
Mesmo agora, a despeito do fato dc não se ter tomado ainda
uma ciência completamente madura, a Sociologia teórica já
progrediu bastante para proporcionar fundamentos muito me-
lhores para a pesquisa nos campos especializados do que os
de há cinqüenta anos. Novas especialidades apareceram, como
a Sociologia do conhecimento, a Sociologia da religião, a So-
ciologia jurídica e a Sociologia industrial. O fato de que
emergiram como ramos da Sociologia, e não como itens novos
na lista das Ciências Sociais concretas, atesta a existência de
um núcleo central dc conceitos, de um ponto dc vista geral-
mente reconhecido, de uma promissora perspectiva. Essas es-
pecialidades conservamse unidas pela teoria sociológica.
389
APÊNDICE
Nota Para os Professôres
gisttr1*8 T. — ofArtium
tf. do(Master
Artium Arts) Boccalãurtus (Baehilor
€ Philosophiag Doctorof(Doctor
Arts), M+
•*
PhUo&phy),
393
melhor r interesses individuais, como este proccdimcnto ajuda
a resolver o problema técnico dc prover a todos os estudantes
do material de leitura — dado que poucas bibliotecas possuem
um número suficiente de exemplares, mesmo dos clássicos, para
satisfaver às necessidades dos membros de uma classe.
Aj “Sugestões Para Leituras Posteriores”, que se seguem a
esta nota, contêm certo numero dc indicações de leitura, tanto
nas fontes srcinais, quanto secundárias.
Dado que a teoria sociológica e um assunto difícil de es-
tudar, tornase altamente desejável a recapitulação. As vêzes
c aconselhável organizála em ordem diferente da utilizada no
curso — cronológica, geográfica ou sistcmàticamente. A fim
de facilitar as recapitulações, adicionamos a este volume duas
sinopses. Podese utilizar a tabela cronológica a fim dc orga-
nizar debates de tópicos, a exemplo dos seguintes: que idéias
novas apareceram no horizonte dos sociólogos, de 1901 a 1905?
ou de 1946 a 1950? À base da sinopse geográfica, podese
interrogar o aluno, digamos, para que relacione as opiniões
sociológicas com as condições de vida dentro das diferentes
nações em que elas surgiram e persistem.
Especialmente com estudantes adiantados, é possível con-
seguir excelentes resultados, examinando o desenvolvimento his-
tórico das idéias atinentes aos problemas básicos da teoria so-
ciológica apresentados no capítulo I. Podese usar, com bons
resultados, o índice, para preparar tais deveres.
394
Sugestões Para Leituras Posteriores
395
Herbert Spencer (1916); J. Rumney, Herbert Spencer's Socio-
logy (*934); R. Hofstadtcr, Social Darwinism in American
Thought (1944), págs. 1836.
396
umner ; . . age, as an mer can oc o ogy
(1940), pigs. 73110, c Hofstadter, op. cit., pigs. 3751. A
coleção póstuma dos Essays, de Sumner (1934), é de
teórico relativamente pequeno.
397
iia na forma mau c Iara, enquanto Les Lois Sociãles dá um
conhecimento mais completo da teoria como um todo; ver
também a obra excelente, mas infelizmente difícil de encon-
trar, Gabriel Tarde (1906), dc M. M. Davies, depois incor-
porada a Psychological Interpretation of Society (1909), do
mesmo autor.
do
A. Neopositivisrno).
Goldenweiser, cmSôbre o declínio
Barnes c Becker,do Contemporary
evolucionismo, Social
ver
Theory (1940), págs. 43790. Sôbre Kovalevsky, ver N. S.
Timasheff, em Barnes, op. cit., páginas 44157; sôbre
Hobhousc, ver Barnes, op. cit., páginas 61453, c H. Caster,
The Social Theory of L. T. Hobhouse (1927) ; sôbre Wester
xnarck, ver House, op. cit., págs. 15357, e Mills, em Barnes,
op. cit., págs. 65457. Sôbre o ascenso do neopositivisrno, es-
pecialmente a escola de GaltonPearson, ver Lundberg, em
Barnes e Backer, op. cit., págs. 12530.
398
, . ,
Rcsearch in the Social Science: I (1939) é altamente «da•
rccedora.
400
Capitulo XVIII (Sociologia Anaiílua)
vista teóricos de Sorokin são desenvolvidos, anpktiM^
em sua Social and Cultural Dynamics (4 volumes) « Mé|
Culture and Personality (1947); esta última foi popuboMW
resumida em sua The Crisis of Our Age (1941), ainda que Sflr
kin aprovasse a excelente condensação dc F. R. Cowell, History,
Civilization and Culture (1952). As avaliações da obn de
Sorokin incluem: L. J. Maquet, The Sociology of Knowledge
(1951); H. Speier, em Barnes, op. cit., e R. L. Simpsoo, “Ptó
rim Sorokin and His Sociology”, Social Forces, dezembro, 1953.
Os Essays in Sociological Theory (1949) contem as opiniSei
de Parsons sôbre diversos problemas sociológicos, enquanto Tht
Social System (1951) talvez seja, até esta data, sua obra teó-
rica mais completa; entre as criticas correntes de sua teoria, ver
o artigo de G. E. Swanson, na Am. Soc. Rev., vol. 18 (1953),
págs. 125 e segs. A opinião teórica de Znaniecki é apresentada,
provàvelmente na forma mais adequada, em The Method of
Sociology (1934), Social Actions (1936) c Cultural Sciences
(1952). A teoria sociológica de Maclver está mais bem exposta,
dentre os muitos volumes que escreveu, em Society (1931 e
1937; revisto com C. H. Page em 1949) e Social Causation
(1942); e é rapidamente apresentada por H. Alpcrt em Freedom
and Control in Modern Society (1943), de M. Berger, T. Abel
e C. H. Page. Os pontos de vista de Parsons, Znaniecki e
Maclver foram accrtadamentc resumidos por R. e G. Hinkle,
em The Development of Modern Sociology (1954).
rokin, ver
History as indicações
de Toynbee foi bemdo resumido
capitulo por XVIII.
D. C.A Somervell
Study of
em um volume (1947); para as criticas & teoria de Toynbee,
ver Sorokin, Philosophies of an Age of Crisis, págs. 11320 e
401
21ÓJ3. c P. Geyl, Can We Know the Pattern of the Past?^
(1949). Cultural Change, de Chapin, e Configurations of
Culture Growth, dc Kroebec, devem ser consultados direta
mente, assim como Cultural History as Cultural Sociology,
de A. Weber, para cuja avaliação, ver N. Neuman, em Barnes,
op. cit, págs. 35361. Critica excelente & Sociologia histórica
ú a do capítulo de Becker sôbre o assunto, em Barnes e Becker,
op. cit.
Obra
citada recente, curta, e deof grande
The Development Modem utilidade,
Sociology,é de
a anteriormente
R. c G.
Hinkle.
402
Tabela Cronológica
403
glish Aten o/ Genius. 1875 Gumplowicz, Raça t Estado. 1876:
Spencer, Principies o/ Sociology, vol. I. 1877: t Ba gr hot. 1878:
Schiifflc, Estrutura t Vida do Corpo Social; Morgan, Ancient
History, 1879: Spcncer, PrincipUs of Ethics, vol. 1. 1880:
Fouiliéc, Ciência Social Contemporânea.
ciety;
Suicídio. fundação do
1898: Tardc, Anntc
As Leis Sociologique. 1897:
Sociais; Ratzenliofer, Durkheim,
Estudos
Sociológicos; Ward, Outline of Sociology. 1899: Chamberlain,
Foundations of the 19th Century; Veblen, Theory of the Leisure
Class; Crate, Princípios de Uma Sociologia Objetiva; t Lavrov
Mirtov.
404
/9//29. 1911: Durkheim, Julgamentos de Realidade e Julga-
mentos de Valor; Gracbner, Métodos de Etnologia: f Gthoa.
1912: t Novicow: t Fouillée; Durkheim, As Formas EUmen
lares da Vida Religiosa. 1913: t Ward. 1915: Pareto, Trata*
do de Sociologia (depois traduzido c ampliado como The Mind
and Society); Keller, Evolução Social; Hobhouse et al., The
Material Culture and Social Institutions of the Simpler Peoples;
Galpin, The Social Anatomy of a Rural Community* 1916:
t Kovalevsky. 1917: t Durkheim: t Tylor; Maclver, The
Community. 1918: t Simmel: Spengler, A Decadência do
Ocidente; Thomas e Znaniecki, The Polish Peasant, vol. 1;
Cooley, Social Process. 1919: Sorokin, Sistema de Sociologia
'em russo
Eurasian 1920: tIndividual
); Litt,
Heartland. andWeber.
Worms: t Max Society; Mackinder, The
405
1111' Paisons, Structure of Social Action; Lynd e Lynd,
Middletown in Transition. 1959: Lundberg, Fundamentos de
Sociologia; Lynd, Knowledge lor What? 1940: Mannheim,
Alente e Sociedade no Tempo da Reconstrução.
406
Sinopse Geográfica
407
surgimento da Sociologia analítica: Tarde e Durkheim. Os
pomos <ic vista de Durkheim tftm dominado o ambiente fran-
cês até hoje. Entretanto, adicionouse, desde 1925, à Socio-
logia durkhcimiana, uma srcinal cscola institucional que. em-
bora nascida (la fenomenologia alemã, invadiu a França,
nas pessoas de Gurvitch (também de ascendência russa) e
Monnerot.
A Inglaterra deu o segundo fundador, Spencer, cujo im-
pacto sôbre o movimento da Sociologia foi por muitos anos
inigualado. Símultâncamente com a obra inicial de Spencer,
Buckle produziu uma obra clássica, no estilo do determinismo
geográfico,
terminismo enquanto
tecnológico.Tylor, algunsabriu
etnólogo,
Apenas anos o depois
caminho da ao publi-
de-
cação dc First Principles, de Spencer, Bagchot inaugurou o
darwinismo social. Durante o século XX, as contribuições
da Inglaterra foram de importância menor. Entretanto, o evo
lucionisino religioso de Kidd e o evolucionismo modificado
de Hobhouse e Ginsberg exerceram alguma influência. Ainda
que polonês de nascimento, Malinowski deve ser considerado
um líder inglês na Sociologia c na Antropologia, especialmen-
te na tendência funcional. A obra dc Toynbee, na Sociologia
histórica, 6 uma contribuição fundamental para o pensamento
social.
Na Rússia , a “escola subjetiva" apareceu na década de
1£60. quase ao mesmo tempo em que sc publicava Firt Principies,
de Spencer; concorrentemente, Danilevsky prestou significativa
contribuição ao approach não evolutivo da Sociologia histórica.
F., no fim do século XIX, os pontos dc vista de Kovalevsky
somaramse à ala moderada do evolucionismo. O empreen-
dimento sociológico foi interrompido pela revolução comunista,
após a qual só se permitiu a teoria marxista. Não obstante, é
facilmente reconhecível o fundo russo na obra de dois estu-
diosos, de ascendência russa: Sorokin, que se tornou um emi-
nente sociólogo americano, e Gurvitch, que usufrui destacada
posição na Sociologia francesa.
A Sociologia americana começou com a Dynamic Sociology
(1883), de Ward. Logo Sumner, grande darwinista social,
aderiu a Ward, criador do evolucionismo psicológico. Giddings,
que pertenceu a uma geração mais jovem, começou como evo
lucionista psicológico, mas depois combinou esse approach com
idéias que, mais tarde ainda, tornaramse conhecidas como o
408
r.copostivismo. Não se devem eiqueccr at cootnbuiçfa
ciais de Morgan e Veblen, ambos defensores da ínSfeM^^H
tecnológica. No princípio do século XX, Goolr) 1 TboM»
iram eminentes representantes da Sociologia psicológica (nls
confundir com evolucionismo psicológico). O segundo quand
do século testemunhou um florescimento sem precedente fl
produção sociológica, dividida em escolas: durante cae perío-
do, além do neopositivismo predominante, desenvolveratn«§e a
cscola ecológica, a escola sociométríca (criada por Moreno,
emigrante austríaco), o approach funcional, e a Sociologia
analítica, bem representada por Sorokin, Parsons, Znaniecki
e Maclver (de srcem escocesa). Sorokin também deu uma
contribuição brilhante à Sociologia histórica. Ademais, Keüer,
White e Maclver representam o neoevoluck>nismo, e Hun-
tington foi, durante muitos anos, o portabandeira do deter-
minismo geográfico.
A Sociologia alemã começou pràticamente com Marx,
que influenciou profundamente certo número de sociólogos que
não compartilhavam de sua Filosofia básica, entre os quais,
por exemplo, Gumplowicz, darwinista social, Toennies e Mu
Weber. O darwinismo social desenvolveuse, ulteriormente, nos
trabalhos de Ratzenhofer e Oppcnheimcr, ao pano que, além
de Toennies, frutificava a Sociologia analítica ainda na obra de
Simmel. Lilienfeld e Schâffle representaram o approach or
ganicista. Max Weber, cuja posição na Sociologia quase de-
safia
nha, aumamaiorclassificação,
influência.exerceu
Novas sôbre a Sociologia,
tendências também nase Alema-
desen-
volveram, como a Sociologia formal de \on Wiese, a teoria
fcnomenológica de Litt e Vierkandt, e o approach histórico dc
Alfred Weber. Hoje, a Sociologia alemã parece ansiosa de
aprender com a americana, visando a libertarse da preocupa-
ção filosófica e expandirse na pesquisa empírica.
A It ilia produziu o grande sociólogo Pareto, cujas idéias
influenciaram enormemente a Sociologia americana. Entre
outros sociólogos italianos, talvez sòmente A. Loria deva ser
incluído na história do desenvolvimento da teoria sociológica
tal como é apresentado neste volume.
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DuvEfíCER, Ciência Política
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Fray, Desenvolvimento Econômico e Estrutura do
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