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O que são direitos humanos e por que há quem acredite que seu

propósito é a defesa de 'bandidos'?


Juliana GragnaniDa BBC Brasil em Londres
25 março 2018

Na semana passada, o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL)


fez com que brasileiros debatessem o que significam exatamente os direitos pelos
quais ela lutava, gerando acaloradas discussões online.

De um lado, aqueles que lamentavam a perda de uma política ativa na defesa dos
negros, dos homossexuais e dos moradores de comunidades carentes, e do outro
insinuações de que como defensora dos direitos humanos ela "defendia bandidos" e que
isso poderia ter uma relação com seu assassinato.
Mas afinal, o que são direitos humanos? Defender os direitos humanos é defender
bandidos? E há razões para o conceito ser comumente relacionado a determinados
grupos políticos?
Direitos humanos são os direitos básicos de todos os seres humanos, como,
simplesmente, o direito à vida. Mas estão incluídos neles também o direito à moradia, à
saúde, à liberdade e à educação.
"São muitos direitos - civis e políticos, como o direito ao voto, à liberdade. E o direito
ao devido processo legal", diz a advogada especialista em direitos humanos Joana
Zylbersztajn, doutora em direito constitucional pela USP e consultora da Comissão
Intramericana de Direitos Humanos na OEA (Organização dos Estados Americanos).
Para Maira Zapater, professora de Direito Penal da FGV e doutora em Direitos
Humanos pela USP, "a democracia é praticamente sinônimo dos direitos humanos".
"A escolha do representante se dá pelo método da maioria. Para que essa escolha
aconteça, há diversas premissas: o direito ao voto, por exemplo, e que as minorias
tenham seus direitos resguardados", afirma. "É o único regime em que é possível
assegurar os direitos humanos."

Direitos e impunidade
Uma pesquisa realizada pelo Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, em 2016, apontou que 57% da população de grandes cidades
brasileiras concorda com a frase "bandido bom é bandido morto". Na prática, a
afirmação é uma violação aos direitos humanos. Significa que mais da metade da
população de grandes cidades defende a justiça feita pelas próprias mãos, atropelando o
devido processo penal do Estado democrático de direito e defendendo o fim da vida de
alguém, ou seja, violando o princípio mais básico dos direitos humanos: o direito à vida.
Zylbersztajn lembra que "uma pessoa que comete crime tem direito à defesa, ao devido
processo legal, e que cumpra pena à qual ela foi julgada".
"Os direitos humanos não vão garantir impunidade, vão garantir que a pessoa tenha
defesa, tenha um processo justo. Isso é difícil de entender, às vezes", diz, citando os
sentimentos de "vingança", de "não querer que criminosos tenham direitos protegidos".
"É natural para o ser humano sentir isso. Mas o Estado não pode oficializar o direito de
vingança."
A proteção dos direitos humanos de criminosos garante que os direitos humanos sejam
universais.
"Criminosos também têm esses direitos, o que não tira sua responsabilidade pelos
crimes que cometeram. Eles têm direito à vida, de não ser torturados. Direitos humanos
são de todos", diz Rogério Sottili, diretor-executivo do Instituto Vladmir Herzog que foi
secretário nacional de Direitos Humanos nos governos Lula e Dilma Rousseff (PT).
Zylbersztajn cita um estudo da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República feito há dez anos que mostrou que a percepção negativa dos direitos humanos
era algo muito mais "vociferado" do que de fato percebido dessa maneira pelas pessoas.
Ou seja, direitos humanos serem coisa de "bandido" seria muito mais um discurso do
que uma crença verdadeira. Quando questionadas, as pessoas identificaram direitos
básicos como o que são de fato: saúde e educação para todos, entre outros.

História
Não há consenso sobre a origem dos chamados direitos humanos. Estudiosos citam
diversos momentos da história em que determinados direitos foram reivindicados ou
garantidos por diferentes grupos. Mas há alguns momentos-chave citados pela maioria.
Filósofos da Idade Média e do início da Idade Moderna já falavam em seus livros que
humanos tinham direitos fundamentais, explica à BBC Brasil o americano Samuel
Moyn, professor de direito e história da Universidade Yale e autor do livro The Last
Utopia: Human Rights in History (A Última Utopia: Direitos Humanos na História, em
tradução livre).
Mas ele diz que só nas revoluções que levaram à independência dos Estados Unidos em
1776 e a Francesa, em 1789, normatizaram esse conceito.
Mais citado entre todos os especialistas, o documento que organizou e internacionalizou
essas normas foi a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, da ONU,
criada depois da Segunda Guerra Mundial.
"No Holocausto, não era uma verdade que todas as pessoas tinham os mesmos direitos
por serem pessoas. Os homossexuais, os negros, os judeus eram considerados como não
pessoas e, portanto, não tinham direito à vida. Pelo simples fato de serem quem eram,
deveriam ser retirados da sociedade", diz Zapater.
"É com a Declaração Universal dos Direitos Humanos que surge a noção
contemporânea de que determinados direitos não podem ser retirados das pessoas por
ninguém sob qualquer pretexto", afirma. "Quando a pessoa é condenada por um crime,
ela tem seu direito de ir e vir restringido, mas não perde outros direitos porque não
deixou de ser uma pessoa."

Disputa ideológica
Desde sua sistematização, porém, os direitos humanos sempre foram disputados por
diferentes forças: a progressista, de um lado, e a conservadora de outro, por exemplo.
"Em todos os lugares, direitos humanos são usados para defender minorias. E em todos
os lugares direitos humanos são então tratados retoricamente como um plano
partidário", afirma Moyn.
Ele explica que a esquerda e a direita, como ideias, têm origem na Revolução Francesa,
quando os direitos humanos estavam associados à redefinição de o que significava ser
um cidadão moderno. "Muitas pessoas prefeririam viver em uma sociedade em que os
direitos humanos não precisassem ser garantidos, porque interferem na hierarquia da
sociedade", afirma.
No século 18, diz Zapater, surge o posicionamento de que o Estado não tem o direito de
tirar a vida, de restringir a liberdade religiosa ou a de ir e vir. A defesa dessas liberdades
era encampada pela direita em seu início. "Os liberais, que falam que o Estado não deve
intervir, são aqueles que historicamente defendiam o direito à liberdade" - portanto, os
que, no início, defendiam direitos humanos.
O papel do Estado na garantia dos direitos humanos divide, então, os campos
ideológicos.
"A esquerda, alinhada com o marxismo do século 19 e 20, diz que o Estado tem sim que
realizar intervenções porque o fato de as pessoas serem iguais perante a lei não quer
dizer que vão ser iguais na prática. O Estado tem que assegurar os direitos, tais quais o
direito à educação, tomando determinadas medidas."
Moyn diz que atualmente a revolução se dá de outra forma. "Hoje, os direitos humanos
atraem uma nova forma de mobilização: não a revolução política, mas a informação sem
violência e o ativismo legal", afirma.

O debate no Brasil
O debate sobre a expressão dos direitos humanos chega ao Brasil no fim da ditadura
militar no país (1964-1985), quando se começa a denunciar a violação dos direitos dos
presos políticos, segundo Zapater. A transição da ditadura para a democracia foi o
período em que se discutiu as limitações do uso abusivo da força policial. Foi quando
ativistas passaram a reivindicar a proteção aos direitos humanos dos presos políticos.
E os direitos fundamentais, da vida, das liberdades civis, segurança, o direito de não ser
acusado de forma arbitrária, tudo isso foi incorporado à Constituição de 1988.
Como a defesa aos direitos humanos, porém, se tornou no Brasil e outros lugares
sinônimo de defesa a "bandidos"?
Especialistas têm diferentes hipóteses para explicar o fenômeno.
Na visão do sociólogo Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência
da USP, e de Zapater, da FGV, essa associação se consolidou após o fim da ditadura.
Adorno diz que durante a transição, houve "uma verdadeira explosão de conflitos" no
Brasil, "homicídios associados com quadrilhas que disputavam territórios no controle do
crime organizado onde habitam trabalhadores de baixa renda e a polícia".
"Foi gerando a percepção que a democracia não era suficiente para conter a violência.
Com isso, aqueles que eram herdeiros da ideia de que havia segurança na ditadura
mobilizaram de maneira eficaz a ideia de que direitos humanos era para bandidos, e não
para cidadãos."
A consolidação dessa associação teria se dado no fim dos anos 1980 e ao longo dos
1990.
Zapater cita o papel da imprensa sensacionalista como propagadora da mensagem.
"Quando se tem a democratização em 1985, se libera uma série de programas (de TV)
sensacionalistas, que exploram crime violentos com o discurso de que 'direitos humanos
são direitos de bandidos', reformulando a ideia que já vinha se disseminando no senso
comum nos anos 1970", diz.
A mensagem transmitida, segundo ela, era a seguinte: "Se os direitos dessa pessoa que
roubou, matou ou estuprou não tivessem sido defendidos, ela não estaria em liberdade,
não teria praticado esse crime". Apresentadores de programas de rádio sensacionalistas
comumente se elegeram para cargos como de vereadores ou de prefeitos encampando
esse discurso, lembra ela.
"Se elegeram falando: 'Vou colocar a Rota (grupo de operações especiais da Polícia
Militar de São Paulo) na rua' para dizer 'aqui a gente não dá direitos humanos para
bandido'", diz, citando frase notória do ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, hoje
preso em Brasília.
O discurso é convincente, segundo ela, porque explora o medo legítimo das pessoas. A
ideia é: "Vou fazer o medo e a sua sensação de insegurança diminuir, perseguindo os
bandidos".
"As pessoas não entendem que a garantia de seu direito à vida depende do direito à
garantia à vida de todos, inclusive de quem é acusado de um crime. E que muitas vezes
isso vai atingir quem não é acusado de crime."
Sottili, do Instituto Vladmir Herzog, também cita a mídia como causadora dessa
percepção. "A mídia brasileira é muito elitista, e acaba produzindo uma visão que
privilegia um olhar. Seu controle social estabelece que determinados grupos não devem
ter direitos. Qualquer pessoa ou movimento que tente defendê-los são discriminados",
afirma.

'Amadurecimento'
Mas, ao longo dos anos 1990 e 2000, observa Adorno, houve um "amadurecimento da
militância dos direitos humanos" frente ao discurso vigente, que passou a tratar também
"dos temas ligados à segurança e polícia, condenando o uso abusivo da força, mas
dizendo que era preciso ter condições de trabalho adequadas aos policiais". Ou seja:
articulando interesses sociais diferentes para "construir uma sociedade com controle
legal da violência".
"Isso teve um impacto muito grande e confesso que até muito recentemente considerava
essa questão de 'direitos humanos são para bandidos' como algo superado", desabafa.
Marielle Franco, por exemplo, foi assessora da Comissão de Direitos Humanos da
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, onde prestou auxílio jurídico e
psicológico a familiares de vítimas de homicídio ou de policiais mortos.
"Com suas bandeiras, ela defendia muito mais nossos policiais do que nós fomos
capazes de compreendê-lo e de fazê-lo", escreveu no Facebook o coronel Robson
Rodrigues, ex-chefe do Estado Maior da Polícia Militar do Rio. Marielle contava ter
ingressado na militância por direitos humanos depois que perdeu uma amiga vítima de
bala perdida num tiroteio entre policiais e traficantes no Complexo da Maré, no Rio.
Questionado sobre as "prioridades" dos defensores de direitos humanos -acusados,
muitas vezes, de defender direitos humanos de criminosos mais do que defendem
direitos humanos de policiais-, Samuel Moyn, o professor da Yale especialista em
direitos humanos, diz que "a situação normal é que a polícia receba muita atenção e as
vítimas menos, então é natural que as organizações de direitos humanos procurem
corrigir esse desequilíbrio". "Se a balança mudasse radicalmente, as organizações de
direitos humanos seguiriam essa tendência", afirma.

Direitos humanos a quem, se poucos os têm?


Há outras hipóteses para a percepção negativa dos direitos humanos. Adorno, por
exemplo, observa que a sociedade não conseguiu universalizar os direitos fundamentais
e que isso teria aprofundado o desgaste em relação ao conceito.
"Nas democracias consolidadas, há um fundo de valores que é comum, como a vida,
que é direito de todos", diz. "A nossa é uma sociedade que não se reconhece nos direitos
universais. A classe média acha que os direitos que ela desfruta são prerrogativas
enquanto mérito pessoal, de classe - e isso tem vem da história das sociedades
modernas, tem a ver com o liberalismo, o individualismo."
Zylbersztajn tem opinião semelhante. Primeiro, ela diz achar que há um problema
básico de comunicação. "Se as pessoas não entendem o que são direitos humanos, é
porque não se está explicando direito", opina.
Ela também lembra que é difícil identificar os direitos humanos como universais se o
Estado não os garante para todos. "O Estado democrático de direito não está presente na
vida de todo mundo o tempo todo", diz. "A população não gosta de direitos humanos
porque não se identifica como sujeito de direitos humanos. Mais do que isso, ela não
identifica o que são direitos."
Para Sottili, uma questão central é que "a cultura da violência é base de todas as
relações sociais" no Brasil. "Há pessoas que experimentam no seu dia a dia a
discriminação, a subalternidade, o preconceito, a violência física."
Por outro lado, diz ele, quem tem uma "condição de vida razoável acha que seus direitos
estão garantidos". "Pelo processo de privatização, ela garante seus direitos, estuda na
melhor escola da cidade, tem direito à cultura porque paga por isso. A pessoa mais
pobre depende da atuação do Estado."
Para Zapater, há quem não acredite na universalidade dos direitos humanos por causa do
"preconceito racional e econômico que falam bem alto".
"Existe a ideia de que pessoas negras, periféricas, de classe econômica mais baixa
estariam automaticamente associadas ao crime. Então garantir direitos humanos a essas
pessoas significa garantir direitos humanos a bandido" - que também deveria ter seus
direitos garantidos, de todo modo.

Soluções
Se a causa do problema é diferente na percepção de especialistas, a solução é unânime:
educação.
De acordo com Sottili, "é preciso uma construção cultural, um processo de longo prazo.
(...) Depois da redemocratização do Brasil, as políticas públicas foram muito
intensificadas, mas não conseguiram promover uma mudança cultural que pudesse
mudar a percepção dos direitos humanos. Uma cultura de 500 anos você não desconstrói
em cinco, dez anos".
Zapater defende educação sobre direitos humanos desde o início, na escola, até a
formação dos operadores de direito para que eles também conheçam melhor a questão.

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