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A REFORMA DO DIREITO DAS CONTRAORDENAÇÕES

1.REGIME JURÍDICO DAS CONTRAORDENAÇÕES: REVISÃO,


SISTEMATIZAÇÃO E NOVAS SOLUÇÕES
Venho tratar de um tema que parece residual, mas, passe a imodéstia, contém em si a
totalidade de muitos problemas: as normas remissivas do regime geral das
contraordenações.
No plano substantivo, determina o artigo 32.º do RGCO: «Em tudo o que não for
contrário à presente lei aplicar-se-ão, subsidiariamente, no que respeita à fixação do
regime substantivo das contraordenações, as normas do Código Penal»
Não era assim na formulação originária do regime do ilícito de mera ordenação social,
emergente do determinado pelo Decreto-Lei n.º 232/79, de 24 de Julho, porquanto aí
o que se previa era uma equiparação às contraordenações das transgressões previstas
na lei «a que sejam aplicadas sanções pecuniárias» [artigo 1.º n.º 3], equiparação que
– devido à impossibilidade de adaptação tempestiva da Administração Pública para
passar a tramitar as contraordenações – levou à revogação daquele n.º 3 [e também
do n.º 4] do artigo 1.º em causa.
No ângulo processual, vigora o artigo 41.º do mesmo diploma, o qual, na sua redacção
actual, ditada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, o seguinte [itálico
nosso]: 1. Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis,
devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal. 2. No
processo de aplicação da coima e das sanções acessórias, as autoridades
administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas aos mesmos deveres
das entidades competentes para o processo criminal, sempre que o contrário não
resulte do presente diploma.
Não era rigorosamente assim na formulação inicial do regime, tal como o consagrou o
artigo 57.º do citado Decreto-Lei n.º 232/79, de 24 de Julho, pois então a remissão era
– com a mesma ressalva do «salvo disposição em contrário deste diploma» - para o
previsto no Código de Processo Penal em matéria de «processo de transgressões, não
havendo, todavia, lugar à redução da prova a escrito»
São típicas normas remissivas, em que o determinante e o consequente não estão
determinados [Oliveira Ascensão, O Direito, página 517], e o conteúdo normativo só se
alcança pelo funcionamento da operação imposta pelo legislador ou permitida ao
aplicador.

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Não se trata de lacuna em sentido próprio, e é importante que se clarifique, pois isso sucederia
se o legislador não tivesse previsto o que deveria ter regulado, sim de o legislador determinar,
regulando o caso, que outro conjunto normativo se aplique à zona do Direito que tomou como
seu objecto de normação, espécie de complemento geográfico numa lógica de arquipélago
legislativo: não há vazio que o intérprete tenha de preencher, substituindo-se ao legislador
omissivo, construindo a norma aplicável. Há, sim, autoridade legislativa a impor um plus ultra
legal à lei compendiada. Mas mais: é que a remissão, no caso, é em bloco para todo um
Código, seja o Penal ou o de Processo Penal, consoante seja, e não reenvio para preceito
específico.

Em geral, as normas remissivas são aquelas que num diploma legal determinam a
aplicabilidade de outras, situadas dentro do próprio normativo legal [remissão
intrasistemática] ou em outro compêndio jurídico [remissão extra-sistemática]; é desta
segunda categoria que tratamos e isso coloca desde logo um problema que desde já
introduzimos.

É que, no plano substantivo, o legislador configurou as contraordenações como zonas de ilícito


diferenciado dos ilícitos criminais – e diversas, logo por isso, das transgressões ou
contravenções, que tinham natureza penal e no Código Penal encontravam expressão e no
Código de Processo Penal tramitação adequada – mas, em contradição, previu que
subsidiariamente à regulação da ilicitude contraordenacional se aplicasse, subsidiariamente, o
regime jurídico dos crimes.

Do mesmo modo, ao ter estruturado uma arquitetura do processo contraordenacional que


não tem paralelo com a do processo criminal – e assim se aproxima do procedimento
disciplinar, público ou laboral privado -, determinou que fosse o Código de Processo Penal o
diploma para o qual se remetia no que respeita à demais regulação do processo pelo qual se
aplicam coimas.

Na remissão, enquanto técnica legislativa, é frequente o recurso ao princípio da


adaptabilidade, como na fórmula do artigo 41.º que citámos, ou outros afins, que exprimem o
princípio do mutatis mutandis, tão caro à teoria geral das alterações de circunstâncias pelo
decurso do tempo, mas que encontra expressão também ante o concurso de preceitos legais
diferenciados decorrente da remissão legal.

Trata-se de normas indirectas [na expressão de João Baptista Machado, Introdução, página
105], pelas quais o legislador regula uma situação prevista numa fonte de Direito através da
previsão em outra fonte desse mesmo Direito, onde se encontra o preceito ad quam.

Existem, porém, vários tipos de formas remissivas e, ao enunciá-las, ganhamos consciência dos
problemas que se suscitam. Quando a remissão é determinada e assim exacta [a norma
remetida é preceito individualizado pelo seu nomen iuris ou pelo seu número ordinal], o
normativo é localizável e a tarefa do aplicador está facilitada, a não se colocarem problemas
de compatibilização entre a norma remetente e a remetida, como por exemplo a manutenção
da vigência da remetida, a congruência normativa face à literalidade ou ao espírito dos
preceitos em causa.

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Mas quando a remissão é indeterminada [como nos casos em apreço em que se
remetem para «os preceitos reguladores do processo criminal», ou «as normas do
Código Penal», ou seja, supostamente todos ou ainda para «os direitos e deveres das
entidades competentes para o processo criminal»], já o aplicador tem de se assumir
como intérprete e encontrar as normas passíveis de aplicação, expurgando as
inaplicáveis: aqui, não havendo lacuna directa, ela surge indirectamente, pois a
situação em que o aplicador da lei é colocado tem zonas de semelhança com o que
tem de vencer quando se trata de ele construir a norma, localizando-a, por analogia,
em outra zona do ordenamento jurídico.
Mais: quando à indeterminação se acrescenta a regra da adaptabilidade [mais uma vez
como aqui «devidamente adaptados» explicita o artigo 41.º, citado ou «em tudo o que
não for contrário à presente lei», como o dita o artigo 32.º] aí o aplicador tem,
assumindo-se então claramente como intérprete, tarefa acrescida, porque, não só lhe
cabe selecionar os artigos da lei remetida abstractamente aplicáveis, como está
adstrito a escolher os que são passíveis de concreta aplicação.
Ou seja, trata-se de uma primária devolução, feita pelo legislador de um diploma em
benefício de outro legislador de diverso diploma, mas também uma consequente
devolução legislativa feita pelo legislador de um diploma a favor do aplicador, o qual
terá de localizar a lei em outro diploma ou construi-la a partir do imperativo que a
remissão determina.
Tudo isto gera amplas margens de ambiguidade e incerteza. Daí que na legística se
refira reiteradamente que o recurso à remissão deve garantir certeza e ter natureza
excepcional. Assim o diz o manual de Regras de Legística editado em 2008 pela
Assembleia da República: «As remissões para artigos e números do mesmo acto ou de
outros actos normativos devem ser usadas apenas quando indispensáveis, indicando
primeiro as alíneas e depois os números dos artigos em causa».
E o mesmo diz o diploma que publica as regras de legística a observar no processo
legislativo do Governo [artigo 8.º da Resolução do Conselho de Ministros n.º 90
B/2015]. Ora o que vemos é que no diploma que estamos a apreciar encontramos não
uma excepção, mas sim uma regra, pois a remissão, se bem que efectuada duas vezes,
é para diplomas de âmbito e extensão muito significativos, espécie de remissão em
bloco.
E estando, como estamos, em sede de normas jurídicas de Direito e de processo
criminal tenho dificuldade em contabilizar tudo isso com as garantias inerentes ao
princípio da legalidade dos actos de processo que a Constituição salvaguarda e da
tipicidade dos ilícitos e respectivas punições.

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E isto num quadro legal em que o próprio RGCO estabelece no seu artigo 43.º que «o
processo das contraordenações obedecerá ao princípio da legalidade» e em que a
Constituição, no seu artigo 266.º, n.º 2 determina que «os órgãos e agentes
administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício
das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da
justiça, da imparcialidade e da boa fé». Desta perniciosa técnica conflituante se deu
conta o legislador quando, em 1995 [através do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de
Setembro], alterou o diploma que desde 1982 regulava o regime geral do ilícito de
mera ordenação social, pois no seu preâmbulo estatuiu:
«Por último, afigura-se adequado, no momento presente, proceder ao
aperfeiçoamento da coerência interna do regime geral de mera ordenação social, bem
como da coordenação deste com o disposto na legislação penal e processual penal.»
Cotejando as modificações efectuadas verifica-se que elas incidiram: (i) Por alteração
da redacção dos artigos 1.º, 3.º, 4.º, 9.º, 13.º, 16.º a 19.º, 21.º a 27.º, 29.º, 33.º, 35.º,
38.º, 39.º, 41.º, 45.º, 49.º a 51.º, 53.º, 56.º, 58.º a 62.º, 64.º, 65.º, 68.º a 76.º, 78.º a
83.º, 85.º e 87.º a 95.º (ii) Por revogação dos artigos 84.º e 86.º (iii) E por aditamento
dos artigos 21.º A, 27.º A, 30.º A, 48.º A, 65.º A, 72.º A e 89.º A.
Isso mesmo já sucedera quando a Lei n.º 4/89, de 3 de Março, autorizou o Governo a
legislar em matéria do regime geral do ilícito de mera ordenação social,
nomeadamente [artigo 2.º, alínea g)] no sentido de «adaptar o processo de
contraordenações ao novo Código de Processo Penal e à nova orgânica dos tribunais»,
o que seria efectivado pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro.
Ou seja, em ambos os casos a remissão tinha-se tornado incoerente. Tem sido, porém,
na prática, que a consciência da incongruência se fez sentir, gerando decisões
divergentes, acumulando insegurança para os cidadãos e entidades colectivas e
desprestígio para as autoridades reguladoras e para o sistema judicial.
No fundo, e eis-nos centrados no problema, tudo decorre da remissão decretada
naqueles artigos 32.º e 41.º do Regime Geral das Contraordenações e retomada nos
diplomas específicos que legislaram em sede de ilícito de mera ordenação social nos
sectores vários da economia e da vida social e sobre os quais não terei oportunidade
de me pronunciar.
É que à indeterminação na devolução [remete-se, não para preceitos específicos da
lei, mas para todo um sistema legal junta-se a ductilidade da remissão [«devidamente
adaptados», se diz para a remissão em favor do processo criminal e «em tudo o que
não for contrário à presente lei», se afirma na remissão para o Código Penal] e – eis o
ponto de agonia do sistema – tratando-se de sistemas normativos que, não comungam
da mesma natureza pois se o sistema remetido é sancionatório criminal e processo

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criminal, sistema remetente é algo sobre cuja natureza ainda não se ganhou sequer
certeza jurídica, tanto na literatura como na jurisprudência, pois sobre ele
encontramos inúmeras soluções contrastantes.

É que, para usar uma expressão que penso terá tido origem no pensamento de Manuel
Lopes Rocha, «o ilícito de mera ordenação social é um aliud em relação ao ilícito
penal». Há, de facto, quem considere que as normas substantivas e processuais
atinentes ao ilícito de mera ordenação social são formas de Direito punitivo ou
sancionatório administrativo, mas existem os que opinam tratar-se de uma outra
categoria jurídica atípica. Fernanda Palma, por exemplo, fala na existência de um
Direito Penal especial, secundário, «disfarçado no poder da Administração Pública,
mais por conveniências práticas, do que por preocupações de rigor da sua natureza
jurídica».
No mesmo sentido Manuel Ferreira Antunes [Reflexões] ao considerar que não é hoje
possível considerá-lo como «ilícito penal administrativo», como o tinha considerado,
por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07.01.86 [sumariado no
Boletim do Ministério da Justiça, n.º 355, página 447], na sequência do que expendera
Cavaleiro de Ferreira [Lições, 1979/1980, página 9]. De facto, o Direito Penal
administrativo se encontra hoje «falecido» [expressão de Figueiredo Dias, Direito e
Justiça, IV, 1989/1990, página 22] pelo que o Direito contraordenacional não pode ser
«a sua máscara» [ibidem] é hoje ponto assente. Que se trata de um Direito
sancionatório de carácter punitivo, reconhece-o o Tribunal Constitucional [Acórdão n.º
366/2008, de 19.06.2008].
Mas, a tentar um critério de diferenciação, o Supremo Tribunal de Justiça, notando
que o Direito Penal, ainda quando secundário, se centra sobre condutas ético-
socialmente relevantes, enquanto o Direito contraordenacional se refere a condutas
ético-socialmente indiferentes, não deixa de reconhecer que «(…) muitas vezes o traço
distintivo radique num elemento aparentemente formal, que não material e
axiológico» [Acórdão do STJ de 12.10.2006, processo n.º 05P4118]; e eis-nos de novo
em pleno território de ambiguidade numa área em que deveria haver da segurança a
certeza.
Já o Tribunal Constitucional, evidenciando a relatividade da situação, fez notar em
1993 [Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 344/93, de 12.05.93] que tal distinção
entre os dois tipos de ilícito «terá, em última instância, se ser jurídico-pragmática e,
por isso, também necessariamente formal», remissão para a casuística, forma de evitar
um problema, gerando problema maior.
Assim se tem feito apelo a «uma diversidade ontológica entre o direito de mera
ordenação social e o direito penal, da natureza de censura ético-penal correspondente
a cada um e da distinta natureza dos órgãos decisores» [Acórdão do Tribunal da
Relação do Porto de 11.04.2012, processo n.º 2122/11.3TBPVZ.P1], mas sem que, vista

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a relatividade da distinção e o seu carácter, afinal, pragmático, se alcance depois, no
plano prático, soluções que resistam à dúvida.
Por isso, com inteligente ironia, José Lobo Moutinho refere o carácter «banal» da
distinção entre ambos os direitos e no carácter tendencial dessa dicotomia.

Na expressão de Henriques Gaspar, actual Presidente do Supremo Tribunal de Justiça:


«A gravidade dos comportamentos, medida e avaliada segundo os critérios da
severidade, intensidade e consequências das sanções aplicáveis, imporia que lhes fosse
atribuída dignidade e natureza penal, com julgamento em primeira ordem de
jurisdição nas instâncias constitucionais de jurisdição que são os tribunais.
«A razão constitucional dificilmente suportará a contradição nos valores e a
desconsideração de princípios fundamentais, como o princípio da proporcionalidade
que se pressente em algumas manifestações dos movimentos de neo-punição.»
Mas mais: é que o núcleo essencial do problema já não é a existência de diversidade
entre os ilícitos criminais e contraordenacionais e, por isso, dos respectivos processos,
mas sim poder não existir denominador comum que os considere parte daquele
Direito sancionatório ou punitivo em que haja regras que sejam comuns não direi por
paridade, mas, ao menos, por um mínimo de razão.
Certo é que, esta divisão de conceitos não é mera questão académica, de relevo
estritamente teórico, pois dela promana uma solução diferenciada no que se refere à
determinação das normas jurídicas aplicáveis em concreto de entre as que estão
clausuladas no sistema jurídico remetido.
Ou seja, uma técnica, a remissiva, que, numa visão gentil, se diz necessária ou útil para
que se evitem «repetições inúteis» [Larenz, Metodologia, página 312], torna-se de
uma inutilidade quase total, porque ao facilitismo para o legislador, sucedem as
dificuldades para os aplicadores e, como não o acentuar como primeira questão – pois
não se trata de mero problema técnico-profissional – para os destinatários das normas
em causa, o decantado povo em nome do qual se administra justiça.
E não se fantasie que se trata de bagatelas – era essa a génese do ilícito de mera
ordenação social, o visar substituir-se às contravenções e transgressões – nem, porque
se aplicando, na área económico-financeira, aos fartos e poderosos, estes bem podem
suportar o risco de esportularem lautas somas em troca de abdicarem de discutirem
questões que são tão essenciais como de legalidade e tão graves como de
constitucionalidade. Está fora de questão enunciar aqui a extensa zona de
ambiguidade e incerteza que disto decorre.
Exemplificativamente, eis zonas de diferenciação relativamente ao processo criminal:

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- Ausência da garantia do princípio do juiz natural, vista a admissibilidade dos acordos
sobre a competência natural [artigo 37.º, n.º 2] e definições de competência a
posteriori [artigo 34.º, n.º 2];
- Inexistência da garantia do acusatória, antes pelo contrário, cumulação «em
promiscuidade» [expressão de José Veloso] na mesma entidade do poder de
investigar, avaliar a prova da defesa e sentenciar, mesmo quando se trata de violação
de normas de que foi o legislador, assim se atingindo o máximo exasperante da
sobreposição de competências;
- A audiência e defesa a não comportar a judicialização da instrução nem o princípio da
estrutura acusatória do processo em termos idênticos ao que a CRP reserva ao
processo criminal;
- Arguido e o seu mandatário a não terem direito a assistir aos actos de produção de
prova na fase administrativa;
- Não poder o arguido impugnar o despacho que indefere as diligências de prova por
ele requeridas na fase administrativa;
- Finda a produção de prova da defesa sem lugar obrigatório a alegações, salvo o
direito de apresentar memoriais que tentem ser um sucedâneo;
E tantas mais, que se torna impraticável citá-las aqui, mas que abrem sucessivas
dúvidas, como, a título de exemplo saber se:
- O prazo para impugnação judicial da decisão que aplicou a coima não ter natureza
judicial, mas administrativa;
- Poder não haver lugar à suspensão ou interrupção da prescrição do procedimento
criminal;
- Ter sido necessário fixar em jurisprudência obrigatória que ocorre prescrição do
procedimento criminal quando ao prazo de prescrição em causa se somou metade
[Acórdão do STJ para fixação de jurisprudência n.º 6/2001, o que seria previsto na Lei
n.º 109/2001, de 24 de Dezembro];
- Se acusação em processo criminal deve respeitar os requisitos da acusação em
processo penal, nomeadamente a indicação dos factos que integram o tipo de ilícito da
prova em que se estriba;
- Se a decisão condenatória em processo de contraordenação deve respeitar os
requisitos de uma sentença penal;
- Possibilidade de aplicação da apresentação electrónica de peças processuais;
- Aplicação do regime de apresentação para além do prazo, mediante o pagamento de
multa, de peças processuais;
- Enfim, haver ao menos como princípio absoluto, um princípio de presunção de
inocência em matéria contraordenacional.

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- Inexistência da garantia do acusatória, antes pelo contrário, cumulação «em
promiscuidade» [expressão de José Veloso] na mesma entidade do poder de
investigar, avaliar a prova da defesa e sentenciar, mesmo quando se trata de violação
de normas de que foi o legislador, assim se atingindo o máximo exasperante da
sobreposição de competências;
- A audiência e defesa a não comportar a judicialização da instrução nem o princípio da
estrutura acusatória do processo em termos idênticos ao que a CRP reserva ao
processo criminal;
- Arguido e o seu mandatário a não terem direito a assistir aos actos de produção de
prova na fase administrativa;
- Não poder o arguido impugnar o despacho que indefere as diligências de prova por
ele requeridas na fase administrativa;
- Finda a produção de prova da defesa sem lugar obrigatório a alegações, salvo o
direito de apresentar memoriais que tentem ser um sucedâneo; E tantas mais, que se
torna impraticável citá-las aqui, mas que abrem sucessivas dúvidas, como, a título de
exemplo saber se:
- O prazo para impugnação judicial da decisão que aplicou a coima não ter natureza
judicial, mas administrativa;
- Poder não haver lugar à suspensão ou interrupção da prescrição do procedimento
criminal;
- Ter sido necessário fixar em jurisprudência obrigatória que ocorre prescrição do
procedimento criminal quando ao prazo de prescrição em causa se somou metade
[Acórdão do STJ para fixação de jurisprudência n.º 6/2001, o que seria previsto na Lei
n.º 109/2001, de 24 de Dezembro];
- Se acusação em processo criminal deve respeitar os requisitos da acusação em
processo penal, nomeadamente a indicação dos factos que integram o tipo de ilícito da
prova em que se estriba;
- Se a decisão condenatória em processo de contraordenação deve respeitar os
requisitos de uma sentença penal; - Possibilidade de aplicação da apresentação
electrónica de peças processuais;
- Aplicação do regime de apresentação para além do prazo, mediante o pagamento de
multa, de peças processuais;
- Enfim, haver ao menos como princípio absoluto, um princípio de presunção de
inocência em matéria contraordenacional.
E, por igual no plano substantivo estão também em causa, as seguintes questões em
que se põe em crise a aplicabilidade, a final, do Código Penal:

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- Possibilidade de suspensão de execução da coima [inviável segundo um Acórdão do
Tribunal da Relação do Porto de 18.09.2002 e outro do Tribunal da Relação de Coimbra
de 23.04.2008, mas admitida por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de
09.12.1987 «quando o condenado não tiver possibilidades de a pagar» e decretada por
um acórdão do TC n.º 628/99 em matéria de infracções eleitorais], se bem que
regimes específicos prevejam a possibilidade de dispensa da coima [RBIT, artigo 32.º,
n.º 1 e CT, artigo 560.º];

- Possibilidade de aplicação às coimas de prisão em alternativa [como teve de ser


decretado impossível por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.04.1988
[recurso n.º 22 829-3.ª Secção, BMJ, n.º 376, página 645];
- A aplicação das causas de justificação, e de exclusão da culpa, bem como o regime de
atenuação especial da pena [admitidos por Simas Santos e Lopes de Sousa, 2011];
- Possibilidade de, fora dos regimes específicos, mas dentro do regime geral do ilícito
de mera ordenação social, proceder à responsabilização dos órgãos ou agentes faz
pessoas colectivas [Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31.01.2005,
proferido no processo n.º 219/04]; - Efeitos do pagamento voluntário da obrigação
pecuniária [Acórdão do TC n.º 245/2000, de 12.04.2000].
Ante este panorama há que encontrar uma via que garanta um mínimo de segurança
e, sobretudo, critério. Ora a remissão legislativa pode ser configurada como se o
legislador assumisse, no diploma onde efectua a remissão, a existência de lacuna
voluntária que, ao remeter, integraria, ele próprio, por analogia através de preceito(s)
que localiza ou entende existir ou poderem existir, ainda que tudo mediado por
adaptação, no diploma remetido, isto [como acentua Costa Pinto, 2002, página 617]
salvo quando o legislador explicita que não pretende que haja norma e, por isso,
estaremos antes não previsão intencional.
Ou seja, a ser assim, estaríamos de pleno ante o previsto, a nível geral, pelo artigo 10.º
do Código Civil, segundo o qual, no que se refere à integração de lacunas há que
operar pelo seguinte método:
1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos
análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da
regulamentação do caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio
intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema. A norma
aplicável nos casos análogos é, quando o legislador o determina, a que ele indique
existir no diploma remetido; quando o não faça cabe ao aplicador assumir essa
procedência das razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. Em

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suma, operando a remissão para diploma em que não possa ocorrer essa identidade
de razão, o intérprete cria a norma que se contenha dentro do espírito do sistema.
Tudo, para ser coerente e legal, respeitando as regras decorrentes do artigo
precedente do Código Civil, segundo o qual:
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos
o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as
circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que
é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que
não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que
imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador
consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos
adequados. Ora, eis-nos, enfim, em plena constatação da natureza ficcional do Direito.
Ficciona-se haver uma «unidade do sistema jurídico», mas sucede que, como vimos, é
de diversidade que se trata, neste caso em que o legislador determina a remissão no
quadro de um sistema legal sobre ilícito de mera ordenação social para outro sistema
legal de natureza jurídico-criminal em sentido amplo, pois que englobando o
processual penal e a execução das decisões.
Ficciona-se fundar-se o sistema numa situação de analogia quando, de facto, ao ter
previsto o funcionamento da regra da adaptabilidade, o legislador reconhece que de
analogia imperfeita ou até impossível se trata.
Por isso e por procurar evitar estas dificuldades construtivistas inerentes a pensarmos
o problema como se de lacuna se tratasse, e por seguramente por lhe percepcionar as
consequências, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2014, de 06.03.2104
[Diário da República, 14.04.2104], considerou que o Direito subsidiário aqui em causa
«tem a ver com o elenco das fontes de direito mobilizáveis como critério para a sua
realização, diferente no problema das lacunas vai ínsita a ausência de uma fonte ou
critério positivo para essa objectivação».
Ficciona-se, mais ainda, que se tenham presente as condições específicas do tempo em
que é aplicada a norma, mas estamos hoje a aplicar um sistema legal
contraordenacional que foi gizado para suceder ao regime das transgressões e
contravenções, ou seja, aplicável às infracções de menor relevo social, que não
colocam em causa bens jurídicos fundamentais, isto quando estamos hoje ante a
possibilidade de coimas de vários milhões de euros e de sanções acessórias altamente
lesivas e estigmatizantes, mais graves até do que é o quotidiano no sistema penal
quando opera em se de penas não privativas da liberdade.
Ficciona-se, enfim, que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos
adequados quando aquilo de que estamos a curar é de uma devolução indeterminada,
maleável, incerta no consequente e imperfeita no antecedente: o que se remete? Para

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onde se remete? Até que ponto se remete? Tudo é insegurança: equipara-se o
diferenciado, presume-se identidade normativa onde não existe sequer analogia
jurídica. E torna-se, isso, lei repressiva. O insuportável não é diferente disto.

Em suma: como o Direito Criminal e seu processo gozam de tutela constitucional,


estamos ante a possibilidade de, por acto do intérprete, por mera manipulação de
etiquetas, recusar a garantia constitucional a zonas específicas do Direito
contraordenacional, bastando que considere e, no caso, a remissão para a norma
criminal ou processual criminal não deverá efectuar-se.
Se tudo quando visto nos faz colocar em dúvida a congruência constitucional deste
sistema com a Lei Fundamental, este último elemento revela-se decisivo para que a
dúvida se reforce, sejam quais forem os critérios pragmáticos e contemporizadores do
Tribunal Constitucional [perdoe-se a irreverência], expressos que sejam, e são, pela
processualização formalista do seu modo de conhecer as questões que lhe são
submetidas para apreciação.
E, se do nosso pequeno espaço nacional, nos içarmos ao espaço europeu onde
estamos integrados, e onde se coloca o problema da aplicabilidade do artigo 6.º da
CEDH na parte em que clausula o direito a um processo equitativo, urge meditar no
honrado aviso de Henriques Gaspar, de novo citado, quando adverte: «No entanto, as
contradições ou desconcertos dogmáticos expostos na fuga para a «jurisdição»
sancionatória administrativa (não digo competência, para isolar a aporia), estão
patentes nesta matéria, e bem reveladas na descoordenação e na autonomização
conceptual entre as perspectivas nacional e a abordagem das instâncias jurisdicionais
internacionais – a jurisprudência do TEDH é, e este respeito, de uma clareza
assinalável.
Em breve síntese, para a instância europeia a «natureza penal» de uma infracção não
depende da qualificação e do nomen no direito nacional, mas da integração da
chamada «noção penal autónoma europeia».
A natureza penal das infracções resulta da conjugação, alternativa ou cumulativa, de
vários critérios; a qualificação jurídica do direito nacional constitui certamente um
critério, mas outros critérios substanciais devem ser considerados na definição da
natureza das infracções, independente da qualificação e mesmo que a qualificação
nacional seja administrativa.
Os critérios materiais referem-se ao grau de severidade da sanção aplicável;
montantes da sanção pecuniária; efeitos das sanções acessórias; consequências de

11
interdições ou inibições previstas, sempre por aplicação do princípio do primado da
materialidade subjacente.
A jurisprudência do TEDH tem qualificado como tendo natureza penal um conjunto
vasto de infracções administrativas, sendo consequentemente aplicável aos
procedimentos de averiguação e à determinação da responsabilidade e da sanção, o
artigo 6.º, par. 1.º da CEDH, que estabelece e garante o respeito do princípio do
processo equitativo.»

Mostrei todas as aporias do sistema, as incongruências normativas, as colisões de


princípios. Sinto-me obrigado, na modéstia da minha opinião, a sugerir uma via que
isto resolva. Atrevome: passará por dois pontos.
O primeiro, aprovar uma lei reforçada, que seja, enfim, o regime geral inderrogável do
ilícito de mera ordenação social, que obrigue o legislador a respeitar princípios
fundamentais uniformes, poupando-nos ao irrequietismo da sua imaginação criadora e
aos nefastos efeitos.
O segundo, a supressão das remissões em causa, pois nenhum sentido faz, se o Direito
de mera ordenação social é um Direito Punitivo não penal que se remeta para as
normas do Código Penal e do Código de Processo Penal, antes se faça um esforço para,
em nome da tipicidade das infracções e da legalidade dos procedimentos, se rediga um
Código que tudo preveja e vede o que não previr.
Um Código de que preveja uma separação de poderes entre quem – a nível
administrativo – investiga e acusa e quem, garantindo o contraditório e a defesa na
fase da audição do acusado, avalie a prova global e profira a proposta de decisão final,
um Código que vede a possibilidade de reformatio in pejús, um Código que garanta
efeito suspensivo à impugnação judicial da decisão que aplicou a coima.
Todos ganharemos: defendidos do legislador e protegidos dos entendimentos
jurisprudenciais e das entidades reguladores. Com o devido respeito por todos eles.

2.O ARTIGO 69.º, N.º 2, DA LEI DA CONCORRÊNCIA, LEI N.º 19/2012, DE 8


DE MAIO
I - Direito da Concorrência e o seu enquadramento no direito das contraordenações
Desde logo, é curioso o enquadramento sancionatório do legislador do direito da
concorrência no direito contraordenacional. E digo isto porque o direito das
contraordenações é tendencialmente associado às bagatelas penais, àqueles ilícitos a
que se associam uma neutralidade axiológica.
Ora, esta neutralidade axiológica ou as bagatelas penais não se verificam no direito da
concorrência visto que trata de bens constitucionalmente protegidos, sendo aliás uma

12
das principais incumbências do Estado garantir a livre concorrência. Neste sentido, se
ao direito da concorrência fosse aplicável o direito penal, parece-me que seria uma
opção legislativa igualmente válida, porque se trata aqui de um bem com dignidade
penal.
Todavia, há vantagens na aplicação do direito contraordenacional. Desde logo, a
estrutura inquisitória que este processo pode ter e que no processo penal seria até
inconstitucional (32.º, n.º 5, do CRP).

Permite-se assim a concentração na mesma entidade, neste caso, na Autoridade da


Concorrência, dos poderes de regulação, investigação, acusação e sancionatória,
entidade esta a que se reconhece a alta competência dos seus quadros e, por isso,
permite-se aqui uma especialização importante.
Ora isto dito, também me parece que esta opção legislativa, não deve pôr em causa
direitos e mecanismos de defesa dos arguidos visados num processo
contraordenacional no âmbito do direito da concorrência, isto porque não deve a
opção do legislador determinar medidas mais gravosas com menos direitos por parte
dos arguidos, porque mesmo que não esteja em causa uma pena preventiva, podemos
estar a falar de uma coima com valores tão ou mais elevados como uma pena de
multa.
II - Análise da Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
A Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem sido no sentido de
que o direito das contraordenações deve, em regra, considerar-se “matéria penal” nos
termos e para os efeitos previstos nos artigos 6.º (relativo ao direito a um processo
equitativo) e 7.º (relativo ao princípio da legalidade) da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem.
Diz este mesmo Tribunal que “matéria penal” não é um conceito que esteja na
disponibilidade dos Estados definir, sem prejuízo do enquadramento legal que os
Estados fazem.
Todavia, este enquadramento não é o critério que prevalece, sendo necessário aferir
de outros dois critérios: a natureza da infração e a severidade da coima.
A natureza da infração desdobra-se em três subcritérios: o raio de ação da norma de
proibição (saber se afeta grupos específicos ou a sociedade em geral, sendo que só
neste último caso é que em princípio será matéria penal); a finalidade dissuasora da
norma e o cunho repressivo da coima.
Verificando-se este segundo critério nem é necessário aferir do terceiro, considera-se
logo que se trata de matéria penal. No Acórdão Menarini Diagnostics S.R.L. contra

13
Itália, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem entendeu que atendendo à
severidade da coima (6 milhões de euros) a norma pertencia ao domínio penal.
III – Não diferenciação dos ilícitos anticoncorrenciais
Focando a análise no artigo 69.º, n.º 2, não há aqui uma diferenciação dos ilícitos
anticoncorrenciais. À partida, a censura ético-jurídica dirigida a estes atos é igual, ou
seja, releva da mesma forma um abuso de posição dominante; um acordo que, por
exemplo, fixe coimas ou o incumprimento das medidas cautelares isto pode levantar a
questão se não é conflituante com o Princípio da Culpa, porque todas as práticas
anticoncorrenciais são aprioristicamente tratadas da mesma forma.

Fazendo um paralelo com o Direito Penal, a previsão da Lei da Concorrência seria


como que o Código Penal apenas dissesse que a pena máxima aplicável não pode
ultrapassar os 3.000 dias ao valor diário de no máximo 10.000, 00€ sem depois em
cada crime concretizar qual a moldura penal abstrata daquele crime.
IV – Amplitude da norma
Esta questão já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional que decidiu no sentido da
não inconstitucionalidade e parece-nos que bem. Apesar do possível distanciamento
entre o limite mínimo e máximo da coima, não me parece que haja aqui uma
“demissão” do legislador de estabelecer os limites legais. Cabendo depois à Autoridade
da Concorrência ou ao juiz determinar segundo o caso concreto qual a coima mais
ajustada à situação.
Parece-nos que esta norma levanta outros problemas, mas não este em específico da
“amplitude da norma”.
V – Volume de negócios como critério e indeterminabilidade do limite máximo da
coima
Um desses problemas, é a utilização do volume de negócios como critério e a
indeterminabilidade do limite máximo da coima. O artigo 69.º, n.º 2, da Lei da
Concorrência diz que o limite máximo da coima é aferido pelo volume de negócios do
infrator no ano anterior ao da condenação pela AdC, com o limite de 10% desse
volume de negócios. A indeterminabilidade do limite máximo da coima é contrária ao
Princípio da determinabilidade da pena que deve ser um Princípio aplicável no âmbito
das contraordenações.
Por outro lado, utilizar o Volume de Negócios como critério para a fixação da coima, é
utilizar um critério subjetivo, que depende não só do mercado em que o infrator
desenvolve a sua atividade como também de outros fatores, mas fatores que
seguramente não são objetivos e abstratos como uma moldura penal abstrata deveria
ser.

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A fixação de um limite máximo de coima dependente do volume de negócios viola os
Princípios da igualdade e da proporcionalidade, porque sem qualquer razão
substancial ou de fundo, podemos estar a analisar o mesmo ato anticoncorrencial e a
um infrator ser estabelecido o limite máximo de x e a outro de y, ou seja, a coima
aplicável é inicialmente diferente. Não parece justificável que para o mesmo ilícito a
moldura penal abstrata seja diferente.
Na realidade, de acordo com a previsão legal em vigor, a situação económica do
agente é duplamente valorada: num primeiro momento, fixa o montante máximo;
num segundo momento, é tida em conta para a fixação da medida concreta da coima.
Não nos parece o melhor sistema, parece-me preferível um sistema semelhante aos
dias-demulta como existe no direito penal e a fixação do limite máximo deveria ser
abstrata e objetiva e não nos termos que se configura.
VI – Momento de aferição do Volume de Negócios
A lei estabelece para a verificação do montante máximo o ano anterior à condenação.
Exatamente por levar à indeterminação do limite máximo da coima, não nos parece
que este momento seja também o mais correto.
Na verdade, não adiro a qualquer critério que determine que o limite máximo de uma
moldura penal, que num primeiro momento, deveria ser abstrata, esteja dependente
do infrator. Pelo que vim dizendo anteriormente, a moldura abstrata seja penal seja
contraordenacional não deve depender de critérios subjetivos.
Mas mesmo que assim seja, fixá-lo reportando o critério ao momento da condenação
quando o agente não sabe quando é que esta vai ocorrer é contrário ao Princípio da
segurança e certeza jurídicas, do Princípio da Confiança e Princípio da Legalidade,
corolários do Estado de Direito.
Concluindo, muito mais há a dizer sobre cada um destes pontos, mas o tempo
escasseia, tudo sem prejuízo de mais tarde se aprofundar cada um destes pontos.
Mas, sumariando tudo que vem sendo explanado, considero que face à importância do
direito da concorrência e o bem que está aqui em causa, bem como a severidade da
coima que pode vir a ser aplicada é necessário uma reforma do sistema sancionatório
no sentido de rever certos direitos e mecanismos de defesa ao arguido, porque, caso
contrário, podemos até chegar ao ponto de ser preferível para o arguido estar perante
um processo penal do que num processo contraordenacional, porque aquele lhe
garantia mais direitos, uma multa determinada, porventura menos elevada. Ora, se o
enquadramento no direito contraordenacional é uma opção legislativa, não devem
direitos básicos e, na verdade, fundamentais, ser retirados por causa dessa opção.

3.O LUGAR DA PROTEÇÃO DE DADOS NA EFETIVIDADE NECESSÁRIA AO


DIREITO DA CONCORRÊNCIA

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Atendendo ao motivo que justifica o lançamento deste desafio é nosso propósito
abordar alguns pontos de interseção entre o regime das Contraordenações e o Direito
da Concorrência, analisando questões substantivas e práticas.
Nesse sentido, e pese embora a temática possa parecer deslocada, a minha
intervenção tratará das repercussões e interrogações que o novo Regulamento Geral
sobre a Proteção de Dados (doravante RGPD) poderá ou não suscitar ao nível dos
poderes inspetivos amplos da AdC. Ainda nesse âmbito, e considerando que a violação
do dever de colaboração - que incide sobre os representantes legais das empresas e
outras entidades destinatárias da atividade da AdC, como também sobre as pessoas
que colaborem com aquelas - configura uma contraordenação, nos termos da alínea j)
do n.º 1 do artigo 68.º do Regime Jurídico da Concorrência , importa esclarecer qual a
base legal que poderá justificar a atuação destas entidades, sempre que esta possa
conflituar com o disposto no RGPD.
Na verdade, a especificidade do Direito da Concorrência reclama soluções de
efetividade que não se compreendem nos estritos cânones tradicionais do Direito
Processual Penal, do Direito Civil ou do Direito Administrativo. Tecendo íntimas
ligações com todos estes ramos, de todos eles se distancia, bebendo de uma lógica
própria e empregando uma linguagem singular.
Não obstante, a defesa do interesse público na preservação da liberdade de
concorrência, assegurando um funcionamento eficiente do mercado e uma
concorrência equilibrada entre agentes económicos não é, de todo, uma bolha imune
a jogos de interferências externos, que limitam o seu âmbito e restringem a sua
margem de atuação. Entre os mais destacados agentes conformadores se encontram
os Direitos Fundamentais dos particulares.
Com o novo Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados e a elevação do “direito à
proteção dos dados de caráter pessoal” a Direito Fundamental cumpre repensar uma
outra frente de conformação do Direito da Concorrência. O nosso escopo é,
precisamente, o de colocar, em diálogo, complexos normativos que, prosseguindo
valores distintos, se compreendem numa moldura harmónica que permite conciliar os
vários interesses, sem prejudicar a força de nenhum deles.
Nesse sentido, devemos começar por recordar a amplitude de poderes conferidos à
Autoridade da Concorrência na prossecução de missões ao nível sancionatório,
regulador e de supervisão, bem assim a necessária colaboração imposta às entidades
visadas em processos de investigação. Tentaremos encontrar o lugar da Proteção de
Dados no seio dessas ações e concluir por uma resposta que olhe ao interesse público
em causa, sem esquecer o pesado colete de forças que são os direitos dos particulares.
Para o efeito, cumpre considerar o peso não menos significativo do Princípio da
Efetividade, amplamente tratado e desenvolvido pela jurisprudência do Tribunal de
Justiça da União Europeia. Não poderemos concluir sem referir, portanto, o que
poderá resultar deste jogo de valores.

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Em primeiro lugar, cumpre notar que, aquando das suas ações inspetivas, e para
efeitos do exercício da tríade de poderes sancionatórios, de regulação e de supervisão,
quer a Comissão Europeia quer as Autoridades Nacionais da Concorrência (entre nós, a
AdC) têm amplos poderes, consagrados no artigo 6.º dos Estatutos da AdC e nos
artigos 18.º a 20.º, 43.º, 61.º e 64.º do RJC.
Entre eles, cabe certamente o de analisar os registos da empresa, pedir a consulta de
faturas e apreender as mesmas, examinar os emails dos funcionários, enfim, recolher
cópias e, inclusive discos rígidos com informação relevante.
Toda esta atividade nos leva a reequacionar a sua compatibilidade com o RGPD,
impondo descortinar as eventuais restrições que este último coloca à competência da
AdC para apreender dados em inspeções realizadas.

Em segundo lugar, a questão poderá, ainda, colocar-se a propósito do dever de


colaboração das entidades destinatárias da atividade da AdC, obrigação essa prevista
no artigo 8.º dos Estatutos da AdC e no artigo 64.º, n.º 4 do RJC , e cujo desrespeito
leva a:
• Abertura de inquérito no âmbito do processo de controlo de concentrações de
empresas, nos termos do 58.º, al. d), do RJC;
• Contraordenação, prevista nos termos do artigo 68.º, n.º1, al. j), do RJC;
• Agravamento da medida da coima, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, al. i), do RJC. Por
último, poderão ainda ser as próprias empresas as reais interessadas em colaborar
voluntariamente com a AdC.
É que, para efeitos de descobrir e “desvendar” eventuais violações do Direito da
Concorrência que comprometam empresas terceiras, não será difícil pensar em
hipóteses como o acesso e fiscalização de e-mails que contenham dados pessoais dos
respetivos funcionários, de terceiros ou até mesmo de concorrentes.
Com efeito, essa informação poderá permitir o preenchimento das condições
necessárias à dispensa ou redução de coima, nos termos do Programa de Clemência,
previsto nos artigos 75.º a 82.º RJC. Seguindo o esquema que propomos, e no que
respeita às investigações lançadas pela AdC, cumpre referir que as mesmas têm
crescido em meios e instrumentos.
São vários os tipos de software que permitem pesquisar volumes de dados
relativamente consideráveis, sendo ainda pensável importar a chamada “forensic data
analysis” para este domínio, a qual possibilita a análise de dados, o traçar de
tendências e a aferição da probabilidade de existência de um determinado
comportamento anticoncorrencial.

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Documentos, ficheiros e outros registos na posse de entidades sujeitas a investigação
poderão conter e frequentemente contêm dados pessoais dos funcionários, ou mesmo
de terceiros, sejam eles fornecedores, distribuidores, clientes ou concorrentes.
Ora, considerando a definição de “Tratamento” dada pelo RGPD, no artigo 4.º6 , fácil é
de constatar que estas novas formas de investigação, se, decerto, mais eficazes,
eficientes e servientes da defesa do bem público de qualquer economia de mercado
que é a concorrência, não podem deixar esquecer a necessidade de reforço da atenção
e cuidado por que se deve pautar a conduta das entidades atuantes.

Dada a escassez do tempo, não me será possível fazer uma análise exaustiva do RGPD
e das soluções nele previstas. Apresentarei, no entanto, as conclusões que retiro da
análise do regime: Em primeiro lugar, • A AdC, enquanto entidade administrativa
independente que “tem por missão assegurar a aplicação das regras de promoção e
defesa da concorrência nos setores privado, público, cooperativo e social, prossegue
um interesse público que, portanto, legitima o tratamento de dados, ao abrigo da
alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º do RGPD. Os seus amplos poderes sancionatórios, de
investigação e de regulação, previstos nos respetivos estatutos e no RJC constituem
base legal clara, para efeitos do n.º 3 do artigo 6.º do RGPD.
Por sua vez,
• A empresa que esteja obrigada a colaborar com a AdC, na sequência de pedido
formulado pela Autoridade ou de despacho da autoridade judiciária que tenha
ordenado a apreensão de documentos contendo dados pessoais, deverá legitimar a
sua ação com base na alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do RGPD. Tal apenas será o caso,
se os dados constituírem objeto imprescindível ao cumprimento da obrigação,
nomeadamente pelo facto de o pedido ou despacho se referir a eles, ou, ainda, se os
mesmos se revelarem necessários à finalidade da ordem, neste caso impondo uma
fundamentação mais premente por parte de empresa.
• Resta-nos considerar a situação da empresa que, não estando “obrigada a
colaborar”, opta por fazê-lo, a título voluntário, seja na sequência de uma inspeção,
seja nos termos de um Programa de Clemência, para efeitos de redução ou dispensa
de coima. Na verdade, a colaboração prestada à Autoridade no decurso de
investigações relativas a infrações à concorrência, funciona, não apenas como
circunstância atenuante de entre os vários critérios de determinação da coima, como

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pode, ainda, significar a isenção (dispensa) ou a redução substancial (atenuação
especial) da coima que seria normalmente aplicável pela prática da infração, se
aplicados fossem os critérios gerais. A este propósito, importa recordar que a ratio da
clemência se prende, sobremaneira, com a eficácia necessária na prossecução de um
interesse que, porque público, reclama soluções de efetividade que se coadunem com
o valor comunitário que lhe subjaz ( artigo 78º do RGT) .
Posto isto, não tem o sujeito nenhuma obrigação jurídica, nem sequer natural de
colaboração, mas há, de facto, um verdadeiro ónus jurídico, que parece, atentos os
valores envolvidos, preencher o conceito de interesse legítimo, para efeitos de
permitir a cedência e transmissão de dados à Autoridade competente, nos termos da
alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º do RGPD.

Em face do exposto, e porque o tempo de que dispomos apenas nos permite avançar
algumas notas essenciais, cremos que a proteção dos Direitos Fundamentais é, de
facto, um limite à atuação das Autoridades Nacionais da Concorrência e da Comissão.
Sem prejuízo, cremos ser importante convocar o princípio da Efetividade, o qual mitiga
a força compressora dos Direitos consagrados na Carta. Com efeito, uma leitura in
concreto revela, à luz de um juízo de proporcionalidade, a possibilidade de manter a
amplitude dos poderes conferidos àquelas Autoridades. É que a defesa do interesse
público da Concorrência reclama soluções de eficácia. E para tal não basta a
consagração formal de prerrogativas que, na prática, possam ser bloqueadas pela
invocação de interesses e direitos pessoais cuja afetação será mínima.
• Assim, atenta a proteção ampla reclamada pelo RGPD e expressa nos seus
Considerandos 10, e sobretudo atendendo à permissividade conferida aos Estados
Membros para adaptarem a sua legislação, quando em causa esteja uma obrigação
jurídica (dever de colaboração, por exemplo), ou o exercício de funções de interesse
público (pela ADC, no nosso caso), proporíamos um artigo em paridade com o
preceituado no 30.º do RJC, replicando-o em lugares paralelos.

• Na verdade, ainda que um juízo de proporcionalidade sempre permita a


sindicabilidade da atuação, e pese embora o RGPD e o Princípio da Efetividade
justifiquem e legitimem a atuação da AdC, cremos ser de aproveitar a abertura

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concedida pelo Regulamento, clarificando a proteção que dele resulta para os
particulares.
• No que concerne à colaboração voluntariamente prestada pelas empresas, e como
em causa está um verdadeiro ónus jurídico, afigura-se-nos legítimo considerar que o
seu intento de beneficiar da redução ou isenção de coima deve ser balizado pelo
respeito devido ao RGPD, sob pena de incorrer nas coimas nele previstas. Sem
prejuízo, sempre que cumpra com o disposto no Regulamento, a divulgação dos dados
será legítima, e permitir-lhe-á obter a vantagem procurada.
• O que suscita mais interrogações é, segundo cremos, a divulgação de dados de
administradores ou outros sujeitos de empresas implicadas no ilícito anticoncorrencial.
É certo não poder negar-se o grau elevado de lesividade para o(s) titulares dos dados,
porém, de igual forma se deve recordar que, oculta nesta colaboração voluntária
(ainda que prosseguida com fins meramente egoísticos), está a efetiva realização de
um interesse público. Ora, parece-nos que o pressuposto da legitimidade do interesse
estará preenchido, sempre que a empresa se limite à transmissão dos dados que sejam
estritamente necessários, enquanto “meios de prova”.

Por outro lado, cremos avisado sublinhar a importância de considerar meios


alternativos que não tolham com o âmbito de aplicação do RGPD. Isto é, a visada
deverá evitar a transmissão de dados sempre que disponha de provas igualmente
efetivas na revelação da participação de um determinado sujeito num acordo ou
prática concertada.
Em suma,
A entrada em vigor do RGPD e o debate em seu torno certamente trarão consigo uma
maior consciencialização dos sujeitos em face de um direito que é seu e cujo respeito
podem reclamar de terceiros.
Ao nível dos amplos poderes investigatórios da AdC, não é sem consequências que o
tema da proteção de dados irrompe como novo leitmotiv. Na verdade, se fácil é de
legitimar a atuação da AdC na prossecução de um interesse público premente, sempre
se recorda a necessidade de a mesma se coadunar com a extensão de intromissão
necessária (e apenas na medida do necessário) à realização desse mesmo interesse.
Mais dificuldades levanta a atuação das empresas visadas nestes procedimentos.
Quando haja ordem expressa da AdC ou de autoridade judicial, poderão as mesmas
acomodarse na obrigação jurídica sobre elas impendente, não servindo esta, porém,
para autorizar a transmissão de dados que extravasem, no seu todo, a vinculação em
causa. Quando essa ordem inexista, concluímos pela possibilidade de invocar um
interesse legítimo, dada a vantagem obtida em Programas de Clemência ou na simples
colaboração que vá além do dever legal existente.

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4.RESPONSABILIDADE DA EMPRESA-MÃE POR INFRAÇÕES DAS
SUBSIDIÁRIAS
1. “EMPRESA” – breve referência
O conceito de empresa refere-se a qualquer entidade que exerça uma atividade
económica com elementos pessoais, tangíveis e intangíveis que se destinem a
prosseguir uma determinada atividade económica. O estatuto legal e o seu
financiamento são irrelevantes. Conforme resultou da jurisprudência do TJUE a
separação meramente legal das empresas não pode ser mais relevante do que a sua
conduta unitária no mercado (é a ideia da separação entre aquilo que é um grupo de
facto).
Esta personalidade jurídica coletiva é uma das razões para que a responsabilidade da
empresamãe seja aceite, a forma de atuação reflete essa ideia de unidade económica.
O conceito de empresa foi precisado pelo juiz da União e designa uma unidade
económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja
constituída por várias pessoas singulares ou coletivas. (Acórdão Schindler Holding v.
Comissão). O conceito de entidade económica única procura identificar a verdadeira
natureza de uma empresa a operar no mercado.

De certa forma, quando se diz “empresa” na letra dos arts. 101.º e 102.º do TFUE será
um sinónimo daquilo que é a entidade económica única, a doutrina da entidade
económica única é uma maneira de descrever aquilo que a Comissão entende por
“empresa”.
Tratando-se de uma subsidária, a empresa não tem independência para tomar ações
no mercado sem a supervisão da empresa-mãe seguindo inclusive as suas instruções
(Acórdão Europemballage and Continental Can v Commission).
2. A PRESUNÇÃO ILIDÍVEL, INFLUÊNCIA DETERMINANTE E JURISPRUDÊNCIA DO TJUE
a) Presunção dos 100% (DETENÇÃO DE TOTALIDADE DO CAPITAL):
Lançada no ACÓRDÃO AEG e consolidada com o ACÓRDÃO STORA KOPPERBERGS.
Ganhou os contornos atuais com o ACÓRDÃO AKZO NOBEL. O ACÓRDÃO BOLLORÉ
disse à data que não bastava a detenção de 100% do capital, mas essa foi a exceção e
não a regra. General Química vs Comissão:
Em seguida, no n.º 59 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância observou
que, segundo jurisprudência igualmente consolidada, no caso especial em que uma
sociedade-mãe controla a 100% a sua filial, autora de um comportamento infrator,
existe uma presunção ilidível segundo a qual a referida sociedademãe exerce
efetivamente uma influência determinante sobre o comportamento da sua filial (por
referência ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de setembro de 2006,
Avebe/Comissão, T-314/01, Colect., p. II-3085, n.º 136 e jurisprudência referida), de

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modo que as duas sociedades constituem uma única empresa na aceção do artigo 81.º
CE (por referência ao acórdão do Tribunal de 15 de junho de 2005, Tokai Carbon e
o./Comissão, dito «Tokai II», T71/03, T-74/03, T-87/03 e T-91/03, n.º 59).
Incumbe, pois, à sociedade-mãe que impugna perante o juiz comunitário uma decisão
da Comissão que lhe aplica uma coima por uma infração cometida pela sua filial, ilidir
essa presunção apresentando elementos de prova suscetíveis de demonstrar a
autonomia desta última, tendo, a este respeito, o Tribunal de Primeira Instância feito
referência ao acórdão Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão.
É incontestável que esta presunção dos 100% tem vindo a ser aplicada em
jurisprudência constante dos tribunais da União — a chamada jurisprudência Akzo
Nobel (43) —, sendo que, mais recentemente, foi confirmada por duas vezes por
acórdãos da Grande Secção do Tribunal de Justiça (44): Acórdão ArcelorMittal
Luxemburg e o./Comissão + Acórdão AOI Defesa da Schindler quanto à validade da
presunção:
• Quanto ao princípio da separação de responsabilidades, consagrado no direito das
sociedades;
• Quanto à alegada ingerência nas competências dos Estados-Membro;
• Quanto à alegada violação da reserva da essencialidade.
b) Com o passar do tempo deu-se um alargamento dessa presunção: passou a aplicar-
se a casos em que a empresa-mãe detinha mais de 90% do capital da sua subsidiária,
deixando de ser necessário a totalidade dos 100%: ACÓRDÃO ARKEMA.
Ou seja, o caminho foi o alargamento da presunção e, com isso, o aumento do número
de casos em que a empresa-mãe é responsabilizada pelos atos da sua subsidiária. Foi
nesse sentido que caminhou a jurisprudência do TJUE.
A presunção tem como efeito operar uma inversão do ónus da prova: já não é a
comissão que tem que mostrar a influência da empresa-mãe, mas é sim a empresa-
mãe que tem que provar a autonomia da sua subsidiária no mercado. A comissão tem
tão só que mostrar que a empresa-mãe detém uma percentagem superior a 90% da
sua filial.
c) Abaixo dos 90%: Não funciona já uma presunção ilidível, já não opera a inversão do
ónus da prova. Cabe à autoridade que investiga a possível prática violadora do art.
101º fazer prova de que a empresa-mãe não só podia como efetivamente exerceu
influência decisiva sobre a subsidiária. A influência determinante tem agora que ser
mostrada pela Comissão que deve apresentar provas de que a empresa-mãe pode e
efetivamente exerceu essa influência.
A influência determinante é averiguada em vários termos: política de preços,
distribuição de atividades, objetivos de vendas, fluxo de capital, stocks e marketing. Os
elementos que se têm considerado relevantes são:

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• Poder da empresa-mãe de definir ou aprovar determinadas decisões comerciais
estratégicas;
• Aplicar as instruções que lhe são dadas;
• Presença de um elemento da empresa-mãe na direção da subsidiária.
A Comissão deve apresentar elementos factuais que permitam comprovar uma destas
coisas como por exemplo o cúmulo de lugares pelas mesmas pessoas singulares, as
atas das reuniões do conselho de administração, análise de documentos assinados
antes do início do funcionamento da empresa, etc.
Determinar a responsabilidade da empresa-mãe por violações dos arts. 101.º e 102.º
por parte das suas subsidiárias tem as seguintes consequências jurídicas:  O montante
da coima seria dado pelo valor do grupo e não da subsidiária.
O limite de 10% pode basear-se no volume de negócios do grupo a que a empresa
pertence se a empresamãe do grupo exerceu uma influência decisiva sobre a
exploração da filial durante o período de infração. Comission Guidelines: Sempre que a
infração de uma associação de empresas incida nas atividades dos seus membros, o
valor das vendas corresponderá em geral à soma do valor das vendas dos seus
membros.

 Coima pode ser aumentada para assegurar o efeito dissuasor;

 Maior possibilidade de reincidência;  As investigações de uma alegada infração


podem ocorrer não só na sede da subsidiária que é suspeita de ter violado o direito da
concorrência, mas também na sede da empresa-mãe e até de outras subsidiárias.

 Empresa-mãe responderia solidariamente com a subsidiária pela infração quer no


plano administrativo quer no plano cível (nas ações de private enforcement)
3. A EXTENSÃO DA RESPONSABILIDADE À EMPRESA-MÃE NO PRIVATE
ENFORCEMENT
A Diretiva é omissa, mas a proposta de lei do Governo, no seguimento daquilo que foi
o Anteprojeto de Transposição da Diretiva consagrou no art. 3.º (‘Responsabilidade
Civil’), no n.º 2, a responsabilidade da empresa-mãe ao processo cível. Diferença entre
o que era a norma no primeiro anteprojeto em relação ao segundo que é quase igual à
proposta de lei do governo.
Se a finalidade da diretiva é reforçar o exercício efetivo do direito de reclamar uma
indemnização aos lesados da prática anticoncorrencial, esta extensão só poderá
traduzir-se num alargamento dessa possibilidade de ressarcimento dos danos
emergentes e dos lucros cessantes, com a possibilidade dos lesados, poderem não só,

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pedir indemnização à subsidiária, mas também, poderem socorrer-se também do
património detido pela sociedade-mãe.
4. A ATUAÇÃO DA COMISSÃO EUROPEIA E DA AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA
A lei da concorrência portuguesa parece permitir a mesma interpretação que tem sido
feita ao nível da União Europeia no que diz respeito à aplicação de coimas e à
responsabilidade da
empresa-mãe. No entanto parece haver substanciais diferenças na prática levada a
cabo pela Autoridade da Concorrência e pela Comissão. Na DUE não tem havido
dúvida nenhuma, conforme demonstramos acima o caminho até tem sido o
alargamento das empresas-mãe que respondem pelas infrações das suas filiais, de que
se deve responsabilizar a empresa-mãe, todavia em Portugal não tem funcionado
assim.
Efetivamente, no site da Autoridade da Concorrência consta a metodologia a utilizar na
aplicação de coimas, mas em nenhum desses pontos trata da responsabilidade da
empresamãe pelas infrações levadas a cabo pelas suas subsidiárias. A AdC aplicou
coimas a subsidiárias que participaram em cartéis em vez de o fazer às empresas-mãe
em alguns casos:
• Nestlé Portugal – coima de 1 milhão à subsidiária nacional em vez do grupo sediado
na Suíça;
• Vatel, uma coima de 545 mil à subsidiária nacional do grupo Esco com sede na
Alemanha;
• Coimbra Hospital Center, coima de 650 mil à subsidiária nacional do Roche Group
sediado na Suíça;
• CASO DA AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA ESPANHOLA:
http://www.tvi24.iol.pt/economia/09-03-2018/multa-de-3-1-milhoes-parasubsidiaria-
dos-ctt-por-alegado-cartel A Tourline Express, subsidiária espanhola dos Correios de
Portugal – CTT, foi condenada, a 9 de março de 2018, a uma multa de 3,1 milhões de
euros por “alegada prática de cartel”, divulgou hoje o grupo português, assegurando
que a companhia vai recorrer da decisão. A mesma prática restritiva é imputada à
subsidiária ou à empresa-mãe, tudo depende de qual autoridade está a investigar o
caso – se a CE, se a AdC.
Se assim for, a autoridade nacional da concorrência passa um pouco ao lado da teoria
que falamos acima da empresa enquanto conceito funcional e não estritamente
jurídico. presente na lei dirigindo as decisões sobre práticas restritivas da concorrência
às subsidiárias nacionais em vez de o fazer às empresas-mãe estrangeiras.
A uniformidade e o reforço do DUE não será conseguido enquanto diferentes
empresas sejam responsáveis por uma infração dependendo da autoridade que
investiga o caso. Pai e filho são, afinal de contas, duas componentes da mesma
entidade.

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5. A PUNIÇÃO DA EMPRESA-MÃE PELO CONTROLO NEGATIVO
O foco da comissão e dos tribunais da UE tem estado no controlo positivo: a
possibilidade da empresa-mãe compelir a subsidiária a atuar de determinada forma.
No que se prende com as contraordenações o controlo positivo é primordial. Toda a
jurisprudência relevante trata de casos controlo positivo.
O controlo negativo, isto é, a capacidade de prevenir a subsidiária de uma
determinada ação, é ignorada. O foco no controlo positivo não é acertado porque o
art. 23.º do Reg. 1/2003 diz que se deve punir as atitudes intencionais e negligentes.
Alem disso, punir por negligência éconsistente com os princípios de Direito Europeu,
defende-se uma extensão da responsabilidade da empresa mãe pela negligente
vigilância das suas subsidiárias de forma a contribuir para um mais efetivo programa
de Compliance e para reforçar o incentivo à prevenção do antitrust.
A falha da empresa-mãe em exercer este controlo negativo sobre os seus agentes
deve ser base sudiciente para as responsabilizar.
É esta posição que é compaginável com o art. 23.º, n.º 1, do Reg. 1/2003. Assim deve
ser desde logo porque a negligência também é punida nos crimes, é um princípio do
direito europeu. Há bases para se responsabilizar a empresa-mãe pela falha no
exercício de controlo sobre a subsidiária que levou às práticas anticoncorrenciais. Aqui
referir o art. 23.º, n.º 2, do Reg. 1/2003. Falamos aqui de falha no exercício de
controlo. Faria sentido, seria uma aplicação do princípio “who gains, pays”.

Num regime de negligência a empresa-mãe tem um dever de garante, um dever de


supervisionar a conduta da sua subsidiária. A Hand Formula surgiu no acórdão U.S vs
Carroll Towing Company (1947) em que o Juiz Leanerd Hand procedeu a um cálculo de
negligência. A regra impõe responsabilidade nos casos em que a acusada não investiu
o suficiente em prevenção do antitrust.
Este sistema reconhece que a empresa não será responsabilizada pelas atividades que
não podia, de forma eficiente, ter detetado ou prevenido. “ONDE OS CUSTOS DE
PREVENIR A INFRAÇÃO SUPERAM OS CUSTOS DA PRÓPRIA INFRAÇÃO, A HAND
FORMULA RECONHECE QUE ESSE GASTO NA PREVENÇÃO É UM DESPERDICIO DE
RECURSOS E ASSIM NÃO SE IMPÕE RESPONSABILIDADE” Assim dá-se um incentivo em
prevenir as condutas erróneas e em promover programas de Compliance.
Assim, examinar-se-iam não só as ligações legais e operacionais existentes entre a
empresamãe e a sua subsidiária, mas também as ligações que poderiam ter-se
estabelecido para que a atividade não se tivesse verificado, numa perspetiva ex ante.
Aquilo que se pergunta é como é que poderia a prática anticoncorrencial ter sido
prevenida? A defesa das empresas será o seguinte: se a pratica não pudesse ter sido

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prevenida através da tomada de medidas eficientes com vista à prevenção então não
pode haver responsabilização.
Consequência da aplicação deste modelo - Caso BMW Belgium - foi considerada uma
subsidiária desonesta e que agiu ao contrário das instruções da empresa-mãe, mas era
evidente que a BMW Munique podia influenciar a conduta da BMW Bélgica. A
Comissão não responsabilizou a empresa-mãe porque a ação da subsidiária foi
contrária às instruções da empresa-mãe.
Neste caso, o que perguntaríamos era se a empresa-mãe podia, de forma eficiente ter
prevenido este tipo de atividade da subsidiária, como por exemplo, proceder vetar ou
até mesmo escrever pela BMW Bélgica a resposta que eles deveriam ter dado aos
fornecedores. Negligência seria definida como falha na supervisão. Usar programas de
compliance deve servir para reduzir a coima, ver n.º 47 das guidelines.

6.BREVES NOTAS SOBRE O ART. 71.º, N.º 1, AL. A), DA LDC


O tema escolhido para esta exposição oral é a sanção acessória consagrada no art.
71.º, n.º 1, al. a), da Lei da Concorrência (doravante “LdC”).
Não se pretende, nesta sede, analisar o conceito jurídico de sanção acessória, de uma
forma geral e abstracta. O que se comenta é a específica sanção acessória plasmada no
art. 71.º, n.º 1, al. a), da LdC, assim como a sua aplicação prática e possíveis conflitos
com outras disposições legais.
Um ponto essencial que se retira da leitura do comando legal é a exigência que o
legislador expressamente estatui: a publicação da decisão condenatória ou de parte da
decisão condenatória só se poderá verificar “após o trânsito em julgado”.
Ora, o art. 71.º, n.º 1, al. a), da LdC não pode deixar de ser interpretado, segundo as
regras gerais do Direito, de uma forma sistemática. Nesse sentido, assume especial
interesse a sua articulação com o art. 32.º, n.º 6, da LdC.
Repare-se que no n.º 6 deste artigo não é feita qualquer menção ao trânsito em
julgado. Recorrendo a uma imagem matemática, se fosse possível representar estes
dois artigos num Diagrama de Vern, as duas circunferências estariam praticamente

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sobrepostas. Juridicamente, há uma antecipação, por parte da AdC, da aplicação da
sanção acessória, o que é manifestamente anti-jurídico.
Com a publicação, por parte da AdC, no seu site, de uma decisão final por ela aplicada,
a sanção acessória perde o seu efeito útil. Existe um esvaziamento desse mesmo efeito
útil, em particular aos olhos do homem/consumidor médio. Por uma questão de
facilidade de exposição, far-se-á a divisão da questão em dois momentos distintos:
1. Publicitação de actos processuais anteriores à decisão definitiva da AdC, mesmo
que esta não englobe o seu conteúdo.
2. Publicitação de decisões finais da AdC (art. 32.º, n.º 6, da LdC) Quanto ao 1.º ponto
(publicitação de actos processuais anteriores à decisão definitiva da AdC, mesmo que
esta não englobe o seu conteúdo):
a. Se o processo se encontrar sob segredo de justiça, mesmo que a informação
veiculada no site da AdC não abranja o conteúdo dos actos processuais, acompanha-se
a posição do Professor Medina de Seiça (a protecção do bem jurídico salvaguardado
abarca a simples ocorrência de actos, motivo pelo qual a mera publicitação na página
oficial da AdC da realização de buscas, por exemplo, viola o segredo de justiça).
b. Mesmo que o processo não esteja sob segredo de justiça, nem no art. 32.º, n.º 6, da
LdC, que se refere apenas a decisões finais da AdC, existe cabimento para estas
comunicações (uma vez que, obviamente, não se está perante qualquer decisão final).

Entende-se a relevância do princípio da transparência, o objectivo e a salvaguarda da


economia democrática, mas o ordenamento jurídico deve acautelar mais bens
jurídicos e defender outros institutos jurídicos, que, seguindo um critério de
ponderação dos interesses em causa, terão que ser atendidos, conforme se referirá de
seguida.
Entre eles, a título de mero adiantamento, cabem a presunção de inocência, o direito
ao bom nome, o efeito negativo da mediatização da justiça, entre outros. Para além do
mais, a publicitação destes actos processuais não encerra em si mesma a virtualidade
de prestar qualquer esclarecimento relevante para o mercado, nem concorre para a
descoberta da verdade material ou defesa das garantias dos visados.
Quanto ao 2.º ponto (publicitação de decisões finais da AdC):
a. Existe uma certa esquizofrenia do legislador: a cautela que o legislador teve no art.
71.º LdC já não é reflectida no art. 32.º da LdC, em que não se exige o trânsito em
julgado para que haja publicação da AdC no seu site.

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b. Verifica-se uma situação de manifesta desproporcionalidade no art. 32.º LdC (a
sindicância popular da decisão da AdC e a transparência da sua actuação não podem
falar mais alto que a presunção de inocência e o bom nome do visado.)
c. A percepção geral do cidadão comum da decisão publicada no site da AdC (ainda
que esta faça, e bem, menção da possibilidade de recurso, por parte do visado, da
decisão que aplica) é a de uma decisão firme, sólida, já transitada em julgado, cujo
conteúdo material é exactamente o da sanção acessória. Não seria mais sensato,
atendendo às exigências de proporcionalidade já referidas, esperar 30 dias pelo
trânsito em julgado, quando não haja recurso?
E mesmo que seja interposto o recurso, a presunção de inocência ainda existe e deve
ser tida em conta. Para além do mais, mesmo no fim da fase de recursos, quando se
atinge uma decisão já transitada em julgado, a publicação das sentenças sempre
acontecerá por via do art. 32.º, n.º 7, da LdC. Aqui chegados, cabe dizer que a posição
defendida segue no sentido da inconstitucionalidade do art. 32.º, n.º 6, por violação da
presunção de inocência. Ancorada a esta questão está uma outra; a dos danos de
reputação dos visados, abarcando vários temas:
1. Especialidade no Direito da Concorrência – neste ramo jurídico em particular, o bom
nome dos visados assume uma importância central, tratando-se de um conceito
bastante sensível, pelo facto de a sua lesão poder afectar as escolhas dos
consumidores e, consequentemente, influenciar drasticamente o volume de negócios
dos visados. Aliás, é possível descredibilizar e assassinar uma marca ou pessoa
colectiva que levou anos ou décadas a ser construída, em horas ou dias, pela simples
propagação de uma decisão não transitada em julgado (ainda para mais no seio de um
processo que oferece poucas garantias aos visados, quando uma única entidade
investiga, acusa e condena);
2. Redes Sociais – na viragem do milénio, as redes sociais tornaram-se num importante
instrumento de acesso à informação. No entanto, o crivo racional neste meio nem
sempre é o mais desejável, o que permite, amiudamente, que uma mera informação
sofra um efeito de bola de neve, com os inerentes exageros e distorções. A isto há que
somar a errada percepção das informações propagadas nas redes sociais, realidade
que se verifica frequentemente numa sociedade cada vez mais sedenta de informação
compactada e rápida;
3. Informação ao segundo e facilidade extrema de disseminação de informação por
todos os pontos do globo – Algumas das questões que se levantam neste tópico são
comuns às tratadas no ponto anterior. Em virtude dos avanços tecnológicos das
últimas décadas, a informação deixou de ter fronteiras físicas. O mundo é cada vez
mais global e aberto (no que ao Direito diz respeito, veja-se as suas implicações no
caso dos actos administrativos transnacionais). Actualmente, uma qualquer notícia
pode ser acompanhada, no outro lado do mundo, em tempo real (quantos dos
participantes nestas Jornadas não assistiram em directo à queda das Torres Gémeas,

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em 11/09/2001 ?). Multiplica-se o potencial danoso para os visados com a publicação
das decisões da AdC na Internet, de acesso aberto a todos os cidadãos;
4. A Internet é aberta e propensa à potencialização de um efeito danoso indirecto –
Como já abordado, toda e qualquer pessoa pode ter acesso ao site da AdC e decisões
por ela proferidas, nos termos do art. 32.º LdC. Assim, os Media têm acesso a estas
decisões, verificando-se um efeito danoso indirecto. Contra o que já foi aqui
apresentado não se refira a possibilidade de posterior anulação das decisões. Ainda
que o n.º 7 do art. 32.º tenha a virtualidade de acautelar uma espécie de dever de
retratamento (por via da publicação no site da AdC das sentenças proferidas pelos
Tribunais, no âmbito de recursos de decisões da AdC e que podem ser favoráveis aos
visados), o seu efeito útil é já muito reduzido.
Na verdade, o dano já foi consumado e a sua reparação nunca será integral ou até
satisfatória (imagine-se o caso de uma sociedade que se torna insolvente). Ainda
assim, não se propõe uma solução de justiça privada ou de justiça secreta (como que
saída d’O Processo Franz Kafka), próprias de um regime ditatorial ou de um modelo
inquisitório. O caminho que se sugere é outro, diferente daquele que se verifica entre
nós, mas certamente se conseguirá acautelar a publicidade do processo por outra via
que não a da administração da justiça dentro de quatro paredes, à porta fechada. A
solução que se avança é a via normal. A via que acautela os interesses de co-visados e
terceiros (que gozem de um interesse atendível).
É a via comum dos tribunais judiciais nacionais: a notificação aos intervenientes e
terceiros que gozem de um interesse atendível e o depósito da decisão e posteriores
sentenças (no caso de serem interpostos recursos) na secretaria competente. Reforça-
se: o processo público é diferente do processo publicitado.

A exigência do Estado de Direito é de um processo público, longe das ameaças e


prejuízos da publicitação dos processos, que, de uma forma geral, não mereceu
acolhimento legal no ordenamento jurídico nacional, não podendo o art. 32.º LdC
assumir-se como uma excepção a esta regra, ainda para mais quando completamente
injustificada.
Um outro aspecto que levanta dúvidas e cria alguma confusão é o facto de o art. 90.º
da LdC se perfilar como incongruente, quando interpretado em conjunto com os
restantes preceitos do diploma (em especial o art. 32.º da LdC), uma vez que este
artigo, que tem como epígrafe “Divulgação de decisões”, não abrange todas as
decisões finais adoptadas pela AdC (ao contrário da letra do art. 32.º da LdC). Com
efeito, no n.º 1 do art. 90.º da LdC faz-se expressa
menção a um dever de publicação, pela AdC, das suas decisões, que abrange as als. c)
e d) do n.º 3 do art. 24.º da LdC, deixando de fora a al. b) (“Proceder ao arquivamento
do processo, quando as investigações realizadas não permitam concluir pela
possibilidade razoável de vir a ser proferida uma decisão condenatória”). Não se

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entende esta opção do Legislador: o facto de o arquivamento não ter sido incluído
neste elenco choca de frente com o interesse de informação ao mercado, que poderia
ser apontado como um dos motivos que concorreria para a necessidade de publicação
das decisões da AdC no seu site.
Na verdade, também o comportamento dos visados que se apura estar dentro da Lei
deve ser reconhecido, salvaguardando-se uma hipótese de reposição da sua imagem
social (sendo que a lesão verificada sempre manterá as suas sequelas), na
eventualidade de ela ter sido beliscada. Cabe, então, apresentar soluções para este
problema: Crê-se que não existe necessidade de se defender uma tese radical, de uma
interpretação abrogante do n.º 6 do art. 32.º da LdC.
Os caminhos que se apontam são os da interpretação sistemática e, eventualmente,
correctiva ou extensiva. Neste caso, a letra da lei fica aquém do espírito da lei. Assim,
as implicações deste entendimento importariam alterações na leitura do n.º 6 do art.
32.º, que passaria a ser interpretado da seguinte forma.
Resumindo: o n.º 6 do art. 32.º seria referente a decisões finais transitadas em julgado
não impugnadas judicialmente, ao passo que o seu n.º 7 diria respeito a decisões finais
transitadas em julgado impugnadas judicialmente.
Por fim, no que tange aos mecanismos de reacção à publicação das decisões no site da
AdC: podem os visados lançar mão de um procedimento cautelar, alegando, entre
outros argumentos (alguns dos quais adiantados nesta exposição), a
desproporcionalidade do fim acautelado pela publicação de uma decisão não
transitada em julgado no site da AdC, face aos prejuízos que causaria ao visado.
Existirá sempre a possibilidade de proposição de uma acção de responsabilidade civil.

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