Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
JOEL BIRMAN2
RESUMO
PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005 203
Joel Birman
204 PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005
O Mal-Estar na Modernidade e a Psicanálise...
PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005 205
Joel Birman
206 PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005
O Mal-Estar na Modernidade e a Psicanálise...
PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005 207
Joel Birman
208 PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005
O Mal-Estar na Modernidade e a Psicanálise...
precisa. Antes de mais nada, como já disse acima, o que está em questão nos
dois ensaios é a relação entre o registro da pulsão e o da civilização. Essa
relação foi sempre pensada, por Freud, como sendo da ordem do conflito.
Quanto a isso, não existe qualquer dúvida.
Entretanto, no texto de 1908 esse conflito foi representado sob a forma
de uma solução possível, isto é, de uma harmonia a ser conquistada entre os dois
pólos de opostos pela mediação da psicanálise. Com efeito, a psicanálise poderia
oferecer ensinamentos consistentes sobre a natureza da pulsão sexual e sobre a
inserção desta na economia subjetiva, de maneira tal que o sujeito poderia alcançar
uma certa relação tranqüila entre a exigência da pulsão e a exigência da civilização.
Em 1929, no entanto, Freud não acreditava mais nisso, de maneira que a
relação conflitual entre a pulsão e a civilização seria de ordem estrutural, isto é, o
conflito não seria jamais ultrapassado. Contudo, a maneira de encarar esse conflito,
de manejá-lo, se transformou aos olhos de Freud. Se na versão inicial o conflito
poderia ser curável, digamos assim, na versão final seria necessária uma espécie
de gestão interminável e infinita do conflito pelo sujeito, de forma tal que este não
poderia jamais se deslocar da sua posição originária de desamparo. Nesse
deslocamento crucial entre o registro da terapêutica possível para o registro da
gestão, pode-se vislumbrar que o discurso freudiano assume uma perspectiva
ética e política sobre o conflito em questão.
Seria, pois, o destino possível a ser oferecido para o desamparo do
sujeito que está no fundamento das diferenças entre as duas versões constituídas
pelo discurso freudiano. Na primeira solução, com efeito, o sujeito poderia
ultrapassar o seu desamparo pelo domínio seguro das pulsões sexuais. Para
isso, o discurso freudiano construiu um conceito específico, que nomeou de
sublimação. Pela mediação desta existiria uma transformação do registro do
sexual naquele do não-sexual, pela transformação do alvo da pulsão sexual
(FREUD, 1969, p. 33-34). Contudo, mesmo enunciando o conceito de sublimação
dessa maneira, o discurso freudiano indica ao mesmo tempo uma série de
contradições decorrentes dessa via para pensar a sublimação, já que assim o
sujeito seria empobrecido não apenas do ponto de vista erótico mas também
simbólico (FREUD, 1969, p. 37-46). Com isso, existiria um duplo handicap da
sublimação sobre o sujeito. Além disso, aquilo que a sublimação deveria re-
solver, isto é, possibilitar um acesso enriquecedor para a subjetividade no registro
da civilização, não se alcançaria, pois o sujeito eroticamente empobrecido seria
também fraturado no registro simbólico.
PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005 209
Joel Birman
210 PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005
O Mal-Estar na Modernidade e a Psicanálise...
4. Descontinuidade e Metapsicologia
É necessário sublinhar, portanto, que a leitura que fazemos do discurso
freudiano se funda no reconhecimento deste de uma descontinuidade funda-
mental e não de uma totalização sistemática. O discurso freudiano é marcado
por uma ruptura crucial que reordenou, então, a sua direção teórica e seu rumo.
Vale dizer, existe uma transformação decisiva naquele discurso que se desdobrou
num outro estatuto para a teoria psicanalítica. Essa mudança teórica de estatuto
da psicanálise se realizou no registro epistemológico pelos efeitos que pudemos
ressaltar até agora.
Contudo, pode-se e deve-se perguntar neste momento de minha
argumentação: por onde se operou essa transformação decisiva do estatuto
epistemológico da psicanálise? Em qual registro teórico pode-se indicar o ponto
PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005 211
Joel Birman
212 PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005
O Mal-Estar na Modernidade e a Psicanálise...
uma hipótese vitalista, pela qual o registro da vida seria algo indubitável e fora
de questão, sendo a construção do psiquismo uma derivação quase automática
da ordem vital. A presença de metáforas vitalistas e a do ideal de homeostasia
permeiam os textos freudianos iniciais. Por causa disso, o discurso psicanalítico
podia ter a pretensão de ser da ordem da ciência e que, conseqüentemente,
poderia, além disso, regular as relações entre a força da pulsão, seu objeto e
seus representantes.
Além disso, como decorrência desses pressupostos, Freud acreditava
ainda que existiria uma espécie de progresso do espírito humano, como afirmava
a filosofia do Iluminismo na crença desta no poder da ciência para empreender
a reforma do entendimento humano e da sociedade. Vale dizer, Freud acreditava
como aquela que seria possível a produção da “felicidade humana” pela mediação
do logos científico. Portanto, a cura das perturbações do espírito e do desamparo
humano seria possível via psicanálise, uma das realizações maiores da razão
científica. Disso se pode depreender que se encontram aqui os pressupostos
teóricos sobre “A moral sexual ‘civilizada’ e a doença nervosa – fios tempos
modernos”, já que nesse ensaio se vislumbrava a possibilidade de uma harmo-
nia entre o registro da pulsão e o da civilização.
Tudo isso se transformou radicalmente, no entanto, pelos fundamentos
da segunda teoria das pulsões, com o enunciado do conceito pulsão de morte.
Com efeito, pela mediação desse novo conceito de pulsão torna-se impossível a
concepção de uma harmonia entre o registro da pulsão e o da civilização. Pelo
viés da pulsão de morte, concebida agora como silenciosa e não inscrita
originariamente no campo da representação, a harmonia com o registro da
civilização não se torna mais possível. Portanto, no que tange à espécie humana,
a vida seria algo a ser conquistado, um vir-a-ser e um destino possível, mas não
um valor instituído de maneira originária. A vida, pois, seria um bem a ser
produzido após a origem, já que a concepção de Freud agora é mortalista e
antivitalista. A partir de agora a homeostasia é uma idéia impossível. Daí o mal-
estar na civilização e o desamparo originário do sujeito. Porém, não basta apenas
produzir a vida como um bem, em contraposição à morte originária. É preciso
ainda reproduzi-la permanentemente, em toda a existência do sujeito. Daí, então,
a idéia de gestão, para que o sujeito possa manter a vida enquanto possibilidade
e um bem em aberto para si.
O discurso freudiano introduziu o significante destino, em seu ensaio
metapsicológico sobre as pulsões, em 1915. Com efeito, em “Pulsões e destinos
PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005 213
Joel Birman
214 PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005
O Mal-Estar na Modernidade e a Psicanálise...
PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005 215
Joel Birman
216 PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005
O Mal-Estar na Modernidade e a Psicanálise...
5. Natureza e Liberdade
É preciso enunciar que, pela reflexão do processo civilizatório, Freud
empreendeu efetivamente uma leitura sobre a modernidade, até mesmo porque
a categoria de civilização foi constituída enquanto tal pela mo dernidade. Nos
séculos XVIII e XIX, a problemática da civilização se transformou numa questão
crucial para a Filosofia e as Ciências Humanas. Assim, é sempre a questão da
modernidade que está em pauta para o discurso freudiano quando este toma a
civilização como objeto de pesquisa e de reflexão. Portanto, a questão freudiana
é se indagar sobre os efeitos da modernidade sobre o sujeito, quando este se
funda nas pulsões como um de seus pólos.
Esta leitura sobre a modernidade se realizou numa linguagem
psicanalítica, efetivamente. Situa-se, aqui, a novidade do discurso freudiano
sobre aquela, seguramente. Isso porque Freud retomou os termos e as
problemáticas em que a modernidade era representada desde o século XVIII,
e deu a eles uma leitura fundada no sujeito e seus impasses. Foi por isso que
Freud fez um recorte delineado pela idéia de conflito, no qual existiria uma
oposição entre os pólos da pulsão e da civilização. Como vimos, esse conflito
foi figurado mediante duas versões opostas, pela qual a primeira versão supõe
PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005 217
Joel Birman
218 PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005
O Mal-Estar na Modernidade e a Psicanálise...
A pontuação que realizamos agora não implica afirmar que Freud tenha
tido um conhecimento filosófico aprofundado e exaustivo dessas diferentes
tradições teóricas. Absolutamente. Não é o que pensamos. Porém, as questões
levantadas pelas diferentes tradições teóricas e as soluções que estas deram
para tais indagações estavam presentes nos campos discursivo e cultural de
Freud. Foi daí que ele as retirou, para desenvolvê-las numa perspectiva
psicanalítica, buscando empreender uma leitura original fundada na oposição
entre pulsão e civilização. Foi esta a matéria-prima das elaborações de Freud,
que repensou então a modernidade pelos eixos do sujeito e da pulsão.
Assim, pode-se dizer que a natureza dos antigos foi pensada pelo registro
da pulsão e que a liberdade dos modernos, pelo registro da civilização. Em sua
versão inicial, o discurso freudiano acreditava que, pela auto-regulação da
natureza, seria possível ainda uma harmonia entre o registro da civilização e o
da liberdade. O determinismo cientificista do primeiro discurso freudiano seria
a revelação mais eloqüente desse encaminhamento teórico. Contudo, em sua
versão final o discurso freudiano não acreditava mais em tal harmonia, já que
esta não mais seria possível. Os conceitos de desamparo e de mal-estar na
civilização revelam a emergência da fragilidade humana num mundo onde não
seria mais possível pensar na auto-regulação da natureza. Da mesma forma, o
indeterminismo que marca o segundo discurso freudiano, do ponto de vista
epistemológico, seria a evidência maior dessa nova elaboração teórica.
Pela primeira versão não existiria rigorosamente o desamparo do sujeito,
ou aquele seria curável, pois a auto-regulação da natureza protegeria a
subjetividade. Entretanto, pela segunda leitura o desamparo seria não apenas
inevitável mas também incurável, já que não existiria mais qualquer proteção
originária para o sujeito. Por isso mesmo, impõe-se ao sujeito a exigência de
gestão do mal-estar e do desamparo, pelo registro horizontalizado dos laços
sociais. Nesse contexto, a ética da “felicidade” humana, sustentada na primeira
versão de Freud e no Iluminismo, se toma problemática enquanto finalidade
auto-engendrada pela regulação natural.
Pode-se depreender que a leitura freudiana do mal-estar na modernidade
é o contraponto psicanalítico das leituras de Weber e de Heidegger sobre a
mesma problemática. Se o primeiro enunciou o pressuposto do
desencantamento do mundo como condição da modernidade (WEBER, 1966)
e o segundo se fundou na morte de Deus para se referir a esse desencantamento
(HEIDEGGER, 1962, p. 69), trata-se sempre, nos dois discursos, de interpretar
PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005 219
Joel Birman
220 PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005
O Mal-Estar na Modernidade e a Psicanálise...
PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005 221
Joel Birman
Referências
BIRMAN, J. Figuras do analista no cinema. In: BIRMAN, J. Por uma estilística
da existência. São Paulo: Editora 34, 1996.
CASTEL, F.; CASTEL, R.; LOVELL, A. La société psychiatrique avancée:
le modèle américain. Paris: Grasset, 1979.
FREUD, S. Trois essais sur la théorie de la sexuaiité. Paris: Gallimard, 1962
[1905], Primeiro Ensaio.
________. Pulsions et destins des pulsions. In: FREUD, S. Métapsychologie.
Paris: Gallimard, 1968 [1915].
________. La morale sexuelle “civilisée” et la maladie nerveuse des temps
modernes. In: FREUD, S. La vie sexuelle. Paris: Presses Universitaires de
France, 1969 [1908].
________. Malaise dans la civilisation. Paris: Presses Universitaires de
France, 1971 [1929].
________. Esquisse d’une psychologie scientifique. In: FREUD, S. La
naissance de Ia psychanaIyse. Paris: Presses Universitaires de France, 1973
[1895]. Primeira Parte, Capítulo 1.
________. Le problème économique du masochisme. In: FREUD, S. Névrose,
psychose et perversion. Paris: Presses Universitaires de France, 1973 [1924].
________. Inhibition, symptôme et angoisse. Paris: Presses Universitaires
de France, 1973. [1926].
________. Nouvelles conférences de l’introduction à Ia psychanaIyse.
XXXII Conferência. Paris: Gallimard, 1984 [1932].
222 PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005
O Mal-Estar na Modernidade e a Psicanálise...
________. L’analyse avec fin et l’analyse sans fin In: FREUD, S. RésuItats,
idées, problémes. Paris: Presses Universitaires de France, 1986 [1937], V. II.
________. Considérations actuelles sur la guèrre et sur la mort In: FREUD, S.
Essais de psychanaIyse. Paris: Payot, 1995 [1915].
________. Au-delà du principe de plaisir. In: FREUD, S. Essais de
psychanaIyse. Paris: Payot, 1995 [1920].
HEIDEGGER, M. Chemins qui ne menènt nulle part Paris: Gallimard, 1962.
________. Nietzsche. Paris: Gallimard, 1971, V. I e II.
MUSIL, R. O homem sem qualidades. Lisboa: Livros do Brasil, 1980, V. I, II
e III.
TURKE, S. La irrupción del psicoanálisis en Francia. Buenos Ayres: Paidós,
1993.
WEBER, M. L’éthique protestante et l esprit du capitaIisme. Paris: Plon,
1966.
PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005 223
Joel Birman
NOTAS
1
Conferência realizada em Paris, no Palais de Luxembourg, em 15 de janeiro de 1998, no
Colloque International Transdisciplinaire, com o tema “Dérives et Mutation du Lien-passages:
Situations du Sujet et Modernités”. Colóquio organizado pela Association Rencontres d’
Anthropologie, Psychanalyse et Recherches sur le Processus de Socialisation (ARAPS), e pela
Revue Psychanalyse, Traversées, Anthropologie et Histoire (PTAH). Publicado em Physis, v. 8.
n. 1, 1998, p. 123-144.
2
Psicanalista, professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, professor adjunto do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.
3
Sobre a articulação teórica entre modernização do social e a constituição do movimento
psicanalítico, ver Turke (1993).
4
Sobre esses conceitos, ver Freud (1968).
ABSTRACT
224 PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 15(Suplemento):203- 224, 2005