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A ESCRAVIDÃO NOS IMPRESSOS DO PRIMEIRO REINADO: CHAPUIS, PLANCHER E A ESCRAVIDÃO

A escravidão nos impressos do Primeiro Reinado: Chapuis,


Plancher e a escravidão
Slavery printed in the First Reign: Chapuis, Plancher and slavery

Arthur Ferreira Reis


arthurfr23@gmail.com

Resumo: Buscando situar e discutir a questão da escravidão durante o primeiro reinado,


analisar-se-á a opinião de dois jornalistas franceses, Pedro Plancher e Chapuis, a partir dos
textos publicados em seus jornais, o Spectador Brasileiro e o Verdadeiro Liberal, respecti-
vamente. Mesmo sendo rivais e utilizando argumentos distintos, se perceberá que a defesa
do cesse do tráfico negreiro, realizada por ambos, se baseava em informações, argumentos
morais, econômicos e religiosos, além de colocar de manifesto questões candentes sobre o
futuro dos negros e da agricultura após a medida.

Palavras-chave: imprensa, política, Primeiro Reinado

Abstract: Seeking to situate and discuss the issue of slavery during the first reign, will be
to analyze the opinion of two French journalists, Pedro Plancher and Chapuis, out of texts
published in their newspapers, Spectador Brasileiro and Verdadeiro Liberal, respectively.
Even as rivals and using different arguments, the defense of the cessation of the slave tra-
de, held by both, was based on information, moral, economic and religious arguments,
besides manifesting questions about the future of black people and agriculture after measu-
rement.

Keywords: press, policy, First Reign

*Mestrando pela Universidade Federal do Espírito Santo.


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A ESCRAVIDÃO NOS IMPRESSOS DO PRIMEIRO REINADO: CHAPUIS, PLANCHER E A ESCRAVIDÃO

Os anos de 1820 foi um período de intenso reformismo português (NEVES, 2003, p.249). Além
debate sobre as diretrizes políticas e sociais do novo disso, aguçaram a vontade do povo de participar do
arranjo nacional. Por meio de jornais, panfletos e momento único, impulsionando manifestações
movimentos populares, inúmeros temas foram populares, onde demonstravam seus desejos e
discutidos e ingressaramna cena pública brasileira. expressavam suas insatisfações (RIBEIRO, 2001,
Assunto de primeira importância durante todo o p.281).
período imperial, a escravidão e o fim do tráfico
negreiro alcançaram o primeiro plano nos debates O fim do tráfico negreiro como questão
públicos por ocasião da assinatura do tratado de política
reconhecimento da independência. Nesse momento de criação de uma nova nação,

Durante o processo de independência, duas a escravidão foi lembrada nos debates. De acordo com

elites disputaram a direção dos primeiros anos do novo Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves, a possibilidade

Império. De um lado, a elite liberal apoiada por do fim da escravidão ou, ao menos, da extinção do

atacadistas fluminenses e portugueses recém emigrados tráfico negreiro, já existia desde 1810 (NEVES, 2000).

(OLIVEIRA, 1999, p.107). Defendiam a soberania No decorrer dos anos, projetos de suavização dos

popular (OLIVEIRA, 1999, p.130), mesmo que, para prejuízos causados pelo provável fim da escravidão ou

eles, a palavra popular fosse reduzida a um público do tráfico já vinham sendo elaborados por homens

seletivo (OLIVEIRA, 1999, p.147).Usavam para expor como Antonio Pereira Caldas, Hipólito da Costa e o

suas ideias os jornais Correio do Rio de Janeiro e ministro Vilanova Portugal (NEVES, 2000, p.377).

Revérbero Constitucional Fluminense. O outro grupo Destacou-se também a obra Memória sobre a
Necessidade de Abolir a Introdução dos Escravos
que se destacou foi o “Partido Brasileiro”, que, desde o
Africanos no Brasil; sobre o Modo e Condições com
inicio, buscou a independência do Brasil para poder
que esta Abolição se Deve Fazer; e sobre os Meios de
guiar os negócios públicos de acordo com seus
Remediar a Falta de Braços que ela Pode Ocasionar1,
interesses (OLIVEIRA, 1999, p.127). Faziam suas
de João Severiano Maciel da Costa.
propostas serem conhecidas através da imprensa, por
jornais como O Espelho e o Regulador Brasílico. Por ocasião da independência o debate se
intensificou. A pressão inglesa já se fazia sentir, que, ao
O confronto entre as elites serviu para legitimar
se portar como defensora da “humanidade”, queria
a imprensa como local de debate. Contando com regras
e linguagem própria, buscavam conquistar o príncipe e fazer valer os acordos feitos com outros países no

a opinião pública para seus projetos políticos. Com Congresso de Viena. O contexto ideal para conseguir

objetivos políticos, mas também pedagógicos que o Brasil também se comprometesse com o fim do

(LUSTOSA, 2000, p.26), introduziram no Brasil uma tráfico de escravos veio com a necessidade do

cultura política liberal fortemente influenciada pelo reconhecimento da independência.

1
COSTA, João Severiano Maciel da. Memória sobre a Necessidade de Abolir a Introdução dos Escravos Africanos no Brasil; sobre o
Modo e Condições com que esta Abolição se Deve Fazer; e sobre os Meios de Remediar a Falta de Braços que ela Pode Ocasionar.
Coimbra:Imprensa da Universidade Coimbra, 1821.

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O assunto encontrou repercussão nos jornais. De A Hierarquização da Sociedade


acordo com Alain El Youssef, “a maioria dos artigos
que trataram do tema foram favoráveis ao fim do Na busca de compreender o arranjo político que

tráfico e da própria escravidão.” (YOUSSEF, 2011, se efetuou por ocasião da independência, o estudo de

p.79). Nesse contexto de debate sobre o tratado com a Ilmar Mattos ganhou destaque. Os comentários de

Inglaterra, segundo Youssef, defender o fim do tráfico Mattos sobre o período de independência apontam, de

era se por ao lado do Imperador, e, da mesma maneira, maneira brilhante e figurativa, para a existência da

ir contra o tratado era fazer oposição (YOUSSEF, 2011, “moeda colonial”, onde,do lado da “cara”, está a face

p.87). É nesse momento de politização do fim do metropolitana, do lado da “coroa”, a face colonial

tráfico negreiro que dois jornalistas franceses (MATTOS, 1990, p.20). Segundo o autor, a “moeda
encontram-se inseridos. Redator do jornal O colonial” fazia com que os “colonos”(proprietários
Verdadeiro Liberal, Mr. de Chapuis fazia velada brasileiros) fossem dependentes dos
oposição aos membros do governo. No lado oposto, “colonizadores”(elite metropolitana). Com a
dono de uma tipografia e fundador do jornal intensificação da fiscalização e dos impostos (em
OSpectador Brasileiro, Pierre Plancher usou seu decorrência da crise iniciada com a transferência da
periódico para defender o governo imperial e, Corte) por parte do colonizador, a metrópole acabou
principalmente, o Imperador. Entretanto, mesmo de invadindo e incomodando o espaço dos colonos. Gerou-
lados opostos na cena política, militaram em defesa do se a necessidade,por parte dos colonos de, caso
fim do tráfico negreiro. quisessem continuar sendo proprietários, romper com a
metrópole (MATTOS, 1990, p.32).
A posição de ambos os autores podem nos
ajudar a elucidar a posição da elite intelectual existente A nova configuração política gerada ainda pela
na Corte.Essa elite intelectual, composta por jornalistas vinda da Corte deu a oportunidade aos proprietários do
e livreiros, normalmente éconsiderada um meio da elite Centro-Sul, conhecidos como “homens de uma espécie
política ou econômica promover seus projetos e buscar nova”, de assumir lugar de destaque na vida política e
apoio na opinião pública. Entretanto, pode-se perceber social do Império Luso-Brasileiro. Através de uma
claramente que iam muito além das propostas feitas no aliança com políticos, após a independência,começaram
âmbito político, propostas essas que não tinham, muitas a fazer valer seus interesses latifundiários(MATTOS,
vezes, o compromisso de ser conciliadas com os 1990, p.49). Esse aliançacristalizou-se através de
interesses econômicos, as possibilidades políticas e os negócios, uniões matrimoniais e nobilitação dos que
anseios sociais. circulavam na Corte. Atrairam também para sua órbita
os bacharéis em direito formados em Coimbra2, que se
transformaram em representantes dos latifundiários
(MATTOS, 1990, p.66). Com isso, segundo Ilmar

2
Um estudo mais elucidativo e completo sobre esses magistrados formados em Coimbra foi feito por José Murilo de Carvalho. De igual importância e
qualidade, a pesquisa de Murilo também se destaca na busca de compreender a formação do Império. Cf:CARVALHO, José Murilo de. A Construção
da Ordem: a elite política imperial / O Teatro das Sombras. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
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Mattos, a cidade do “Rio de Janeiro foi-se constituindo sociedade devia governar a casa e o Estado, coibindo
o feixe de forças políticas que concretizaria o exageros dos cidadãos ativos e, principalmente, dos
rompimento com as Cortes portuguesas em escravos e livres pobres (MATTOS, 1990, p.120).
1822.”(MATTOS, 1990, p.54). Formavam uma sociedade dividida nos mundos do

A aliança entre políticos e a classe senhorial fez Governo, trabalho e desordem - os


mundos constitutivos do império do
com que, cada vez mais, conseguissem fazer os Brasil, mundos que se tangenciavam, por
interesses latifundiários sobressaírem na nação. O ápice vezes se interpenetravam, mas que não
da aliança aconteceu sob a direção Saquarema. Desta deveriam confundir-se, por meio da
diluição de suas fronteiras, mesmo que
maneira, “enobrecidas e condecoradas pelo Estado os componentes da boa sociedade,
imperial, essas famílias ligaram suas vidas a ele, ao fossem obrigados a recorrer à repressão
mais sangrenta a fim de evitar que tal
qual não raroconcebiam como instrumento de seus
acontecesse. (MATTOS, 1990, p. 123)
interesses corporativos”(MATTOS, 1990, p.67).
O resultado dessa união foi lucrativo para a
Baseavam sua união em princípios como ordem e
classe senhorial. Segundo Ilmar Mattos, na década de
civilização (MATTOS, 1990, p. 3), constituindo uma
1850 o Brasil alcançou o monopólio virtual do café,
classe, onde
chegando a 60% da produção mundial (MATTOS,
A vivência de experiências comuns, 1990, p.63). Entretanto, a medida que a economia
experiências essas que lhes
possibilitavam sentir e identificar seus cafeeira crescia, também se tornava ainda mais
interesses como algo que lhes era necessária a proteção de seus representantes. A
comum, e desta forma contrapor-se a
expansão cafeeira fez com que as fronteiras sociais e
outros grupos de homens cujos interesses
eram diferentes e mesmo antagônicos aos territoriais das fazendas se alargassem, aumentando o
seus constituía-se, sem dúvida, na conflito com posseiros e escravos (MATTOS, 1990,
condição para uma transformação.
p.70). Dessa maneira,
Intimamente ligados ao aparelho de
Estado, expandiam seus interesses,
Fundar o império do Brasil, consolidar a
procuravam exercitar uma direção e
instituição monárquica e conservar os
impunham uma dominação.(MATTOS,
mundos distintos que compunham a
1990, p.57) sociedade faziam parte do longo e
tortuoso processo no qual os setores
A divisão social também era importante. Para
dominantes e detentores de monopólios
manter a ordem e continuar a desenvolver a civilização, construíram a sua identidade enquanto
apostaram na hierarquização da sociedade. Aos uma classe social (MATTOS, 1990, p.

proprietários de outrem e de si mesmos, coube a 126).

direção da sociedade, responsáveis pelo mundo do Como estavam, ou se propunham a estar,


governo(MATTOS, 1990, p.117). Aos escravos, diretamente ligados ao Estado, faziam seus interesses
protagonistas de rebeliões e insurreições, coube o prevalecer, construindo o arcabouço político e social do
mundo do trabalho(MATTOS, 1990, p.119). Aos livres Estado segundo o que lhes convinham(MATTOS,
pobres, desempregados e desorientados dentro da 1990, p.69)Guiando o estado de acordo com seus
sociedade, o mundo da desordem(MATTOS, 1990, interesses, fica explícito que os proprietários donos de
p.121). Responsável pelomundo do governo, a boa fazendas escravistas colocaram a manutenção da ordem

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escravista e latifundiária no topo das prioridades do intelectual3, o governo seguiu defendendo a ordem
Estado, fazendo “com que a Coroa assuma, deste modo, escravista, de forma explícita ou não, confirmando o
o papel de um Partido”(MATTOS, 1990, p. 92). que Emilia Viotti chamou de “o limite do liberalismo
no Brasil” (COSTA, 1971, p.92). Esse caso de
Dois Intelectuais no Debate discordância entre a elite intelectual e as elites política
e econômica fica ainda mais claro quando observamos
Como já apontado, o fim do tráfico negreiro foi dois autores com posições políticas distintas, mas que
amplamente discutido no Primeiro Reinado. Para se portaram contra o tráfico negreiro. Percorreremos
Youssef, o grande problema foi D. Pedro I não então as páginas dos jornais O Verdadeiro Liberal e O
consultar previamente a Câmara dos Deputados sobre Spectador Brasileiro para podermos perceber quais as
um assunto de tamanha importância (YOUSSEF, 2011, opiniões desses homens.
p.90). Além disso, o fim do tráfico negreiro era visto
como um caminho sem volta rumo ao fim da Das poucas informações que temos do francês Mr. de

escravidão, o que prejudicaria, de maneira incalculável, Chapuis, sabemos que teve uma breve passagem por

os planos dos grandes fazendeiros. Sendo assim, o fim Espanha e Portugal, sendo expulso de ambos os países

do tráfico pode ser considerado um dos principais por suas opiniões políticas radicais (O SPECTADOR

motivos para a deflagração da oposição ao executivo no BRASILEIRO, 15 mar. 2014).

Primeiro Reinado (PARRON, 2009, p.63). Não sem A primeira notícia que temos de Chapuis no Brasil

motivo, é em 1826 que os representantes da elite remete a um poema publicado em 15 de Novembro de

econômica do Centro-Sul começaram a fazer oposição 1825 no Diário do Rio de Janeiro, onde fazia referência

organizada ao governo imperial (LENHARO, 1979, ao nascimento de D. Pedro I (DIÁRIO DO RIO DE JA-

p.22). Segundo Youssef, as críticas à D. Pedro I sobre o NEIRO, 15 nov. 1825).

tratado continuaram até 1828, e após isso, os opositores Seu jornal O Verdadeiro Liberal teve vida curta,

passaram a acusar o governo imperial de ser incapaz de contabilizando apenas 16 exemplares, que vão de 02 de

preparar o país para as consequências que o fim do março de 1826 até 06 de abril do mesmo ano. Como de

tráfico traria (YOUSSEF, 2011, p. 95). praxe em sua vida, foi exilado do Brasil em 17 de abril.

Com excessão da recente tese de mestrado de Nosso segundo jornalista, o também francês

Youssef, poucos estudos se concentram na atuação da Pierre Plancher é mais famoso. Livreiro de sucesso,

imprensa dos anos de 1820 sobre a escravidão. dono da Typographia de Plancher, criou três jornais: O

Levando em conta as conclusões de Ilmar Mattos, fica Spectador Brasileiro, L’Indépendant – Feuille de

claro que a elite intelectual fluminense tinha um projeto Commerce, Politique et Littéraire, e o mais famoso

social distinto das elites política e econômica, defensora deles, o Jornal do Commercio. Chegou ao Brasil em 27

da escravidão e do tráfico.Sendo assim, mesmo sob de março de 1824 (PACHECO, 1917), e, desde sua

protesto dos jornalistas e de políticos ligados a elite chegada, utilizou seus jornais para fazer defesa do

3
Podemos observar esse caso em José da Silva Lisboa (Visconde de Cairu) e José Bonifácio. Cf. ROCHA, AntonioPenalves. Idéias antiescravistas da
ilustração na sociedade escravista brasileira. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23, 2005, Londrina. Anais do XXIII Simpósio Nacional de
História – História: guerra e paz. Londrina: ANPUH, 2005.

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governo imperial. Sua estadia foi longa, e apenas em todos os habitantes do país, coube ao Imperador apenas
1834 voltou para a França, provavelmente rico após ter aceitar o destino da nação e unir-se a ele. Já para
vendido sua tipografia e sua livraria (PACHECO, 1917, Plancher, foi D. Pedro I o proclamador da
p. 112). independência, pois havia percebido que havia chegado
a hora de o Brasil se emancipar.
Suas posições políticas não cabem no limite desse
trabalho, mas faremos um breve resumo de suas Chapuis considerava o tráfico de escravos “um
opiniões. Para Chapuis, a constituição e o legislativo commercio abominável, que offende tanto a Religião,
eram sobranceiros ao Executivo. A constituição era a como a Moral, e que deve ser prohibido.” (O VERDA-
“única taboa em que se podem salvar os Brasileiros dos DEIRO LIBERAL, 18 mar. 1826). Para o redator, a
males das revoluções, e das guerras, tanto civis como gradual proibição do tráfico em nada atrapalharia o
estranhas.” (O VERDADEIRO LIBERAL, 16 mar. desenvolvimento nacional, mas reconhecia que
1826).
provar ao agricultor, que a importação
Além disso, deixava bem claro suas posições a respeito dos escravos ao Brasil não he de
utilidade alguma, e que elle mesmo
da soberania popular. Segundo ele, havia sido “a Nação ganhará com esta prohibição, não he
quem proclamou a sua Independência”, sendo“o tarefa de um dia: será necessário tempo
para lhe persuadir.
Príncipe forçado pelas circunstâncias a unir os seus
A solução para o fim do tráfico seria tratar
interesses aos da Nação...” (O VERDADEIRO LIBE-
RAL, 16 mar. 1826). bem os escravos, que dando-lhes
melhores alimentos, que cuidando nas
Já Plancher, defensor da soberania monárquica, suas enfermidades e fazendo-os adquirir
defendia o Imperador como “o mais firme Garante de amor e interesse á casa, augmentará,
triplicará a sua cultura, e que sem
Sua liberdade.” (O SPECTADOR NACIONAL, 03 abr. comprar um só escravo, terá sempre
tantos braços quantos lhe forem
1826). Essa soberania se reflete também em relação à necessários.
independência. Diferente de seu compatriota, a Devia-se mostrar aos agricultores, no decorrer
independência, em sua opinião, havia sido “proclamada dos quatro anos, que se antes
pelo nosso Immortal Defensor”, cabendo aos
vós gastais dous contos de réis cada
brasileiros, “animados com a Augusta Presença de S.M.
anno em compra de escravos; mui bem,
o Imperador, applaudimos, e abraçamos a declaração da tratando melhor, os que já possuia, tendo
cuidado das pretas, educando com mais
Independencia”, que “nos remio da intentada
humanidade os creolos, não necessitareis
escravidão das Cortes”. (O SPECTADOR NACIO- comprar mais alguns, ganharei todos os
NAL, 13 mar. 1826) annos esses dous contos,e o vosso
trabalho augmentar-se-ha... (O VERDA-
Essa rápida explicação serve para mostrarmos DEIRO LIBERAL, 18 mar. 1826)

como ambos os jornalistas posicionavam-se comideias Com isso, apoiou o governo na decisão de não
distintas no jogo político fluminense. Chapuis, defensor abolir de vez o tráfico negreiro, pois “uma medida de
da soberania popular, afirmava que a responsabilidade tal importância não deve ser precipitada, e que o
pela formação do novo pacto entre povo e Imperador Governo Brasileiro, quando tratou de conceder os
havia sido da Nação. Diante dessa vontade unânime de quatro annos conciliou sabiamente todos os interesses”,

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pois, caso fosse abolido imediatamente, seria “um golpe escravos, o que acabava diminuindo sua expectativa de
fatal, não só na agricultura, como na industria em vida e ainda mais a população (O SPECTADOR NACI-
geral”, o que iria “paralisar todos os meios de ONAL, 03 fev. 1826).
produção”e “atacar na fonte a prosperidade do
Ainda por meio da mesma transcrição, o
Estado” (O VERDADEIRO LIBERAL, 18 mar. 1826).
periódico de Plancher destacava que o segundo
Oposição no que diz respeito a propostas políticas,
problema causado pela escravidão era a degradação
defendeu o governo imperial na questão do fim do
moral, tanto dos escravos, quanto dos senhores.
tráfico.
Segundo ele,

Já Plancher foi mais minucioso quando Qualquer que tenha observado os effeitos
defendeu o fim do tráfico negreiro. Suas opiniões,foram da escravidão; qualquer que tenha
meditado sobre este objecto, não pode
publicadas transcrevendo a obra Cours D'écon. polit., dissimular-se que esta desgraçada
relação corrompe igualmente a alma do
do economista, estatístico e historiador russo Heinrich escravo, e do Senhor. Notamos já quanto
Friedrich Von Storch. Para Plancher, faltavam “luzes” a falta de estabelidade, a que he exposto
o escravo, tende a faze-lo preguiçoso,
aos brasileiros para poderem compreender que o descuidado, ladrão, dissipador e bêbado:
o seu estado lhe faz contractar de mais
ministério estava certo ao se comprometer com o fim outros hábitos não menos funestos aos
do tráfico negreiro. Buscou, além de opinar bons costumes e á prosperidade
individual e social(...) mas debaixo deste
politicamente, trabalhar de maneira pedagógica para exterior enganoso, elle occulta hum
ensinar aos brasileiros os reais benefícios da decisão do coração ulcerado pela injustiça da sua
situação (O SPECTADOR NACIO-
ministério. Nesse sentido, uma das primeiras NAL, 03 fev. 1826).
desvantagens causadas pela escravidão era a baixa Dessa maneira, por mais que o escravo tivesse
população do país. O texto transcrito, traduzido e um bom coração, a sua condição injusta e degradante
publicado no O Spectador Nacional afirmava que acabaria destruindo sua moral e o transformando em

a escravidão, da mesma sorte que toda a um ser preguiçoso e ladrão. A degradação moral do
administração oppressiva, he hum dos escravo acabava se refletindo no seu senhor, que
mayores obstáculos à população. Onde
“rodeado de escravos desde a sua infância, como
os escravos se compõem de estrangeiros,
que se introduzem no pays, os Senhores resistirá o coração do senhor moço ao veneno da lisonja
achão em geral que he mais profícuo e do deleite, aos agrados vergonhosos e servis que os
compra-los já feitos, do que cria-los em
casa; assim para manterem o numero seus escravos lhe prodigalisão?” (O SPECTADOR NA-
necessário, convem recruta-los todos os CIONAL, 03 fev. 1826).
annos. Onde elles se compõem de
nacionaes, á sua multiplicação nunca Outro problema da escravidão, segundo
iguala a dos homens livres. (18 jan.
Plancher, era a desordem social. Descontentes com sua
1826).
situação, os escravos tendiam a revoltar-se, causando
De acordo com Plancher, graças à busca “rebelliões tanto parciaes como geraes” (O SPECTA-
incessante por escravos, causadora de guerras, os
DOR NACIONAL, 08 fev. 1826). A alternativa à
Estados escravistas da antiguidade tinham uma baixa
escravidão proposta por Plancher era, inicialmente, a
população. Afirmava também que a difícil travessia do
reprodução interna de escravos e a posterior utilização
Atlântico causava uma grande mortalidade dos
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de trabalhadores europeus, que seriam trazidos por intensidade da defesa do fim do tráfico é justificada
intermédio do governo. Em sua visão, pelas posições políticas de cada autor. Plancher, eterno
defensor do governo imperial, defendeu o fim do
Virá tempo em que a experiencia mostre,
assim como em outros payzes, que o tráfico de maneira veemente se não por opiniões
serviço de homens livres assalariados, he pessoais, sim por posição política. Já Chapuis,
muito mais perfeito e vantajoso, do que o
considerado pelos contemporâneos, um jornalista de
de miseráveis escravos, que nenhum
interesse tomão em servir, e que se o oposição (O VERDADEIRO LIBERAL, 11 mar.
fazem, he só contragi-los pelo açoute de 1826), também foi contra o tráfico negreiro, mesmo que
quem os trata como authomatos, e ás
vezes ainda peyor do que as suas bestas. de maneira velada. Se, como afirmou Youssef, a
(O SPECTADOR NACIONAL, 08 fev. posição dos jornalistas sobre o fim do tráfico negreiro
1826)
era esclarecedora sobre sua opinião política
A substituição da mão de obra escrava pela livre e (YOUSSEF, 2011, p. 87), o caso de Plancher e Chapuis
assalariada causaria muitas melhorias, como o fica como um ponto de interrogação. Vale destacar
crescimento da população, que “he para admirar que os também a atuação de João Maria da Costa através do
fazendeiros argumentem em favor com a falta d’ella, periódico Atalaia da Liberdade, que, na mesma
sem attenderem que a escravatura he hum dos seus situação política de Chapuis, foi árduo defensor do fim
mayores obstáculos”. Porém, também se veria que “os do tráfico negreiro e, até mesmo, da escravidão.
fundos empregados na compra de escravos podem ser A análise dos autores reforça a tese de Penalves
applicados em milhares de especulações lucrativas, de de que, no Brasil, o argumento econômico foi o mais
que resultem os salário dos trabalhadores livres, sem o utilizado para fazer oposição à escravidão ou ao tráfico
perigo dese perderem pela morte do escravo.” (O negreiro (ROCHA, 2000, p. 44). Segundo Penalves,
SPECTADOR NACIONAL, 08 fev. 1826) esses homens “estavam de fato convencidos de que a
escravidão impedia a prosperidade” (2000, p. 53). Além
Geraria também um maior emprego dos livres
disso, e, ao menos Plancher, também entendiam que o
pobres nas oficinas, que “fogem d’ellas por se não
fim da escravidão seria o “fim de um percurso marcado
sugeitarem ás direcções e castigos de hum escravo
pela sucessão das seguintes etapas: fim do tráfico
contra-mestre, ou primeiro director dos trabalhos de
negreiro, abrandamento da escravidão sob o controle do
seus parceiros.” Além disso, a moral
Estado e início da abolição gradual.” (2000, p. 57).
não será tão corrompida, nem a
corrupção tão publica, e tão
Conclusão
escandalosa, porque não haverão mais
negros e negras atulhando as nossas Por meio dessa pesquisa, buscamos problemati-
ruas e as nossas casa, dando máo
zar a opinião de Plancher e Chapuis a respeito do fim
exemplo com palavras e acções á incauta
mocidade, invenenando os bons costumes do tráfico negreiro. Como dito acima, grande parte da
até no interior das famílias. (O SPECTA- historiografia estuda os jornais e a elite intelectual em
DOR NACIONAL, 08 fev. 1826).
geral como integrante de determinado grupo político.
Como percebido, ambos os autores se utilizam do
Principalmente nos primeiros anos do Primeiro Reina-
tratado de reconhecimento da Independência para
do, quando ainda não existiam grupos políticos tão bem
defenderem o fim gradual do tráfico negreiro. A
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organizados como os grupos moderador, exaltado e Além disso, o estudo desses homens e suas opiniões
caramuru, é difícil perceber uma aliança tão clara entre sobre o tráfico de escravos devem ser comparados com
políticos e intelectuais. Muitas vezes os pesquisadores as conclusões de Ilmar Mattos. Se para o autor a socie-
não levam em consideração as diferentes propostas que dade do Segundo Reinado era hierarquizada e defendia
integravam a elite intelectual que, às vezes, não esta- a instituição da escravidão e do tráfico através da dire-
vam em acordo com a elite política ou econômica. Co- ção Saquarema, o Primeiro Reinado não foi assim. A
mo exemplo disso, Plancher e Chapuis, mesmo tendo existência de uma elite política e econômica não exclu-
opiniões políticas distintas, defendiam um ponto de vis- iu a independência de propostas da elite intelectual. Es-
ta parecido sobre o fim do tráfico negreiro, um assunto sas elites, mesmo que por vezes se interceptassem, ti-
tão disputado politicamente no período estudado. Per- nham propostas distintas, e tiveram que se sobrepor ou
cebe-se a carência de um estudo mais atento às propos- entrar em consenso para compor o novo arranjo nacio-
tas da elite intelectual, ao menos do Primeiro Reinado, nal.
que mesmo dispersas, não podem ser desconsideradas.

Referências Bibliográficas

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Periódicos
Diário do Rio de Janeiro, n. 318, 15 nov. 1825.
O Spectador Nacional, n. 225, 18 jan. 1826.
O Spectador Nacional, n. 231, 03 fev. 1826.
O Spectador Nacional, n. 233, 08 fev. 1826.
O Spectador Nacional, n. 247, 13 mar. 1826.
O Spectador Brasileiro, n. 248, 15 mar. 2014.
O Spectador Nacional, n. 254, 03 abr. 1826.
O Verdadeiro Liberal, n. 5, 11 mar. 1826.
O Verdadeiro Liberal, n. 7, 16 mar. 1826.
O Verdadeiro Liberal, n. 8, 18 mar. 1826.

Submissão: 13/10/2015
Aceite: 01/06/2016

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