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ALGUMAS IDÉIAS SOBRE

PESQUISA EM PSICANÁLISE1

Camila Pedral Sampaio*

RESUMO

A partir da experiência da autora na graduação da faculdade de psicologia, com


orientação de projetos de pesquisa em psicanálise, faz-se um levantamento de
questões relevantes que permeiam o campo e as possibilidades da pesquisa em
psicanálise, passando pelas diferentes respostas presentes no campo psicanalítico
acerca das relações da psicanálise com a ciência, e pelas conseqüências dessas
posições em termos da adequação do método psicanalítico ao campo da pesquisa.

Palavras-chave: Pesquisa. Psicanálise. Método psicanalítico.

As idéias aqui sistematizadas originaram-


se fundamentalmente de meu trabalho como ori-
entadora de pesquisas na graduação do Curso de
Psicologia (PUCSP), trabalho que se estendeu,
terminada minha própria pesquisa de doutora-
mento, para orientação em cursos de especializa-
ção e para participação em bancas de qualifica-
ção e em bancas de dissertações e teses, para as
quais sou com freqüência convidada. Faço esta
inicial explicitação porque penso que as questões
emergentes do campo da pesquisa têm sua natu-
1
Este trabalho foi apresentado origi- reza e sua extensão relacionadas aos lugares em
nalmente em evento promovido pela que se pratica a pesquisa e à posição de quem a
Comissão de Pesquisa e Universidade
da SBPSP, na sede da R. Sergipe, em define, de quem a realiza e de quem a orienta.
27/08/2005. Algumas modificações Neste sentido, em se tratando de pesquisas no
foram introduzidas para publicação. campo psicanalítico, não é indiferente o fato de
*
Psicóloga Clínica, Doutora em Psicolo- serem realizadas ou projetadas por alunos da
gia Clínica pela PUC-SP, Professora da
Faculdade de Psicologia da PUCSP e do
graduação, na medida em que isto limita e cir-
Curso de Especialização em Teoria Psi- cunscreve a sua experiência com a psicanálise e
canalítica do COGEAE. Do Instituto de as possibilidades de pesquisa que encontrarão e
Psicanálise da SBPSP. definirão.

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Camila Pedral Sampaio

Assim, é com base nessa experi- fatalmente levados a descobrir posições


ência, fundamentalmente na orientação às vezes irreconciliáveis com a mesma
de trabalhos de conclusão de curso (os denominação de psicanálise. Estas e ou-
famosos TCCs), que se desenvolve mi- tras constatações surgem como efeito da
nha relação com a pesquisa em psicaná- proposta de realização de uma pesquisa
lise; no que tenho observado no decorrer em psicanálise e a partir da tentativa de
dela é que partem as considerações que delimitar o seu campo e a sua natureza.
aqui pretendo fazer. Em função das de- São, por um lado, questões que
mandas do TCC, aliás, foi criada uma poderiam ser debatidas a partir da frontei-
disciplina que lhe desse suporte, Pesquisa ra da psicanálise com a filosofia, o que
em Psicanálise, onde discutimos com os tornaria tudo muito mais interessante.
alunos os passos da elaboração de um Mas também surgem questões mais res-
projeto de pesquisa e como isso se con- tritas, ligadas a tipos de procedimentos
cretiza no caso da psicanálise, em termos utilizáveis, por assim dizer, numa pesquisa
de método, foco, e possibilidades de pes- que se quer psicanalítica. E isso passa
quisa. pelos campos possíveis de pesquisa; por
No contato com os diferentes ní- qual a pesquisa possível no campo psica-
veis e planos da pesquisa emergentes nalítico e o que ela representa; pelo méto-
dessas situações, surgem questões em do psicanalítico, do ponto de vista da
planos também muito diferentes e que, a produção e divulgação do conhecimento;
rigor, podem nos levar muito longe: pode- pelo tratamento dos resultados e conclu-
mos nos perguntar quase tudo nestes sões, etc., etc., etc.
espaços de discussão criados pelo conta- Ora, eu não tenho formação sufici-
to professor-aluno: se há uma psicanálise, ente em filosofia e epistemologia e, embo-
se há muitas; o que é o inconsciente em ra considere o debate epistemológico fun-
cada uma das suas definições; qual a damental, não me sinto inteiramente pre-
relação da psicanálise com a ciência, e parada para encará-lo. No entanto, estas
por aí afora. são dúvidas e perguntas que se apresen-
Costumo sugerir que, tal como pro- tam no meu cotidiano de trabalho, a que
posto por Freud, a tríade inconsciente- não posso deixar de, pelo menos, tentar
resistência-transferência é de fato o eixo responder ou indicar um caminho de ar-
princeps definidor da posição psicanalíti- gumentação, mesmo correndo o risco de
ca. No entanto, mesmo assumindo esse cometer simplificações e de falar algu-
eixo como referência para a análise da mas banalidades. Tentando responder a
produção em psicanálise, acabamos por elas, então, e apelando para a interlocu-
perceber que há diferentes modos de ção com autores que debatem esses te-
entender essa tríade e seu efeito para a mas, fui elaborando algumas idéias e as-
produção de conhecimento e seremos sumindo uma posição e algumas conclu-

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Algumas idéias sobre pesquisa em psicanálise

sões que, ainda que provisórias, posso rica e da ciência empírica, a psicanálise
hoje considerar que são as minhas. não é uma ciência, mas pode vir a ser
Elejo aqui alguns tópicos a partir considerada como tal, se submeter seus
dos quais seja possível abordar e identifi- conceitos e procedimentos a pesquisas e
car algumas respostas possíveis às ques- formulações “científicas”. Então se teria
tões que a pesquisa em psicanálise en- de caminhar no sentido de uniformizar
frenta, respostas que fui reconhecendo conceitos, torná-los mais comuns (o
em meu próprio enfrentamento com os common ground de Wallerstein, 1988,
problemas colocados. No primeiro mo- “terreno da objetividade possível em Psi-
mento, procurarei discernir e discutir as canálise”, in Carone, 2000, p. 3), de de-
principais posições no confronto entre senvolver pesquisas no sentido de com-
psicanálise e ciência, ou no campo de provar a eficácia de nossos procedimen-
debate instaurado acerca da cientificida- tos, etc. e tal. De fato, foi a partir do
de da psicanálise. Num segundo tópico, desenvolvimento, no século XX, da ciên-
discuto as decorrências destas posições cia de inspiração positivista, no sentido de
para a pesquisa, em termos metodológicos. abarcar as ciências sociais e humanas,
que se formulou mais nitidamente uma
Psicanálise x ciência exigência de que também a psicanálise
produza resultados comprováveis do pon-
A polêmica acerca da cientificida- to de vista do método empírico, entendido
de da psicanálise é antiga, poderíamos como o método científico. O pensamen-
mesmo dizer que está colocada desde a to psicanalítico deveria avançar no senti-
fundação da disciplina psicanalítica. Não do do desenvolvimento de uma univo-
é meu propósito aqui retomar os seus cidade conceitual, no sentido da quantifi-
argumentos originais, mas identificar o cação, pelo menos estatística, de seus
formato que essa discussão encontra nos resultados, no sentido da experimentação
dias de hoje. Reconheço, neste campo, replicável, providências que lhe permitiri-
fundamentalmente três posições e, no am comparar-se e enfrentar-se com ou-
meu entender, elas definem, em última tras posições no campo da psicologia
instância, a qualidade da pesquisa possí- científica e da medicina psiquiátrica. Esta
vel e necessária para a psicanálise. é uma posição que tem sido divisora de
1. A primeira dessas posições é, águas dentro da psicanálise e, se eu posso
francamente, a que menos me interessa, dizer que não me interesso por ela, é
mas ela existe e tem tido correligionários, porque me encontro bem acompanhada.
gerando efeitos até mesmo em algumas O debate entre André Green e Wallerstein,
das nossas discussões clínicas na Socie- publicado em 1996 no Newsletter of the
dade. Por isso vale a pena enunciá-la. International Psychoanalytical Asso-
Segundo os defensores da pesquisa empí- ciation (Lowenkron, 2000; 2001), situa

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bem esses terrenos posicionais; se o se- patível com o da ciência, seu método não
gundo argumenta que a psicanálise tem é o da ciência. A psicanálise não pode ser
que evoluir, avançar para fundar seu per- uma ciência nem lhe seria benéfico desejá-
tencimento ao campo científico, o que se lo; tampouco é ela uma filosofia. A psica-
faria pela comprovação empírica de seus nálise, segundo o autor que estou toman-
resultados, o primeiro responde que ne- do como referência, é uma atividade
nhuma descoberta psicanalítica veio da prático-poiética, ou seja, uma atividade
pesquisa empírica e, mais, que nenhuma que cria seu objeto ao deter-se sobre ele
pesquisa empírica produziu qualquer fato no projeto de elucidá-lo. Então, desse
significativo sobre a matéria psicanalítica: ponto de vista, a psicanálise tem seu
o método empírico, argumenta Green, próprio rigor, e não deveria medir-se com
deforma o objeto de estudo da psicanáli- as ciências chamadas naturais e físicas.
se, sendo incapaz de dar conta da radica- O rigor da ciência, diz Castoriadis, é outro
lidade do conceito de Inconsciente (Green, e, a bem dizer, em sua separação da
1996, in Lowenkron, 2000; 2001). Como filosofia, tem levado a lugares tenebrosos,
se vê, os ânimos ficam acirrados nesta por exemplo, à comprovação das equa-
questão. Ao enunciar a posição seguinte, ções atômicas pelos cadáveres de
veremos em parte retomada esta discus- Hiroshima. Sendo assim, a psicanálise
são. ocuparia para ele uma posição singular no
2. A segunda posição que tenho campo da produção de conhecimento.
sido levada a identificar, vou fazê-la re- Ele diz que a conceituação psicanalítica é
presentar pela posição de Castoriadis impossível como conceituação científica:
(1978/1987a)2, por ser um autor com o nenhum dos conceitos propostos é unívo-
qual tenho alguma intimidade, apesar de co, nem operatório. São conceitos
que muitos outros autores, no Brasil e fora dialéticos e filosóficos. E essa contradi-
daqui, compartilham dela. Segundo essa ção é insolúvel e verdadeira, quer dizer,
posição, em contraste absoluto com a essencial, na psicanálise. Cito-o aqui dire-
anterior, a psicanálise não é, de forma tamente:
alguma, uma ciência, mas é uma outra
coisa. Não é uma ciência, não por seu A conceitualização freudiana pode ser
estado atual, nem por qualquer falha aci- corrigida, melhorada, modificada inteira-
dental ou por qualquer lacuna em seu mente. Ela conservará sempre seu núcleo
desenvolvimento, mas por uma impossibi- de atopia. Porque tal é o seu objeto, com
lidade essencial: seu objeto não é com- suas duas faces inseparáveis realmente e

2
Nesta rápida exposição, estou citando suas idéias livremente e de memória. Para uma abordagem mais
aprofundada de sua obra, posso sugerir, além de suas obras aqui citadas, e entre outros, um artigo meu:
“Sobre Castoriadis” em: Revista Psicanálise e Universidade, nos 12 e 13, ano 2000. Núcleo de Estudos
e Pesquisas em Psicanálise do PEPGPC da PUCSP.

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incompossíveis teoricamente. (...) [Seu verso” (Freud, 1933/1994, p. 177). Sali-


objeto que é o] sentido, as condições de entando que o pensamento científico é
sentido, o sentido das condições, o sujei- incompleto e insuficiente, assim mesmo
to como objeto e o objeto subjetivo, a Freud atribui à psicanálise um lugar na
realidade da palavra e a verdade do objeto
ciência. Ela é uma ciência e ponto, não há
(Castoriadis, 1968/1987b, pp. 75-77).
outro lugar, outro terreno de conhecimen-
to em que ela se possa inscrever. Ela
Assim, nada que se faça na dire-
pratica, da ciência, algumas de suas qua-
ção da ciência tornará a psicanálise “mais
lidades fundamentais, como, por exem-
científica”. São problemas eternos, ra-
plo, o antidogmatismo, a abertura à refor-
dicalmente renovados, mas não resolvi-
mulação conceitual, a referência neces-
dos, porque não há como serem resolvi-
sária à experiência e aos fatos e a visada
dos, não por qualquer outro motivo. A
a um horizonte de verdade, provisório
psicanálise é, então, uma atividade práti-
mas necessário. Poderíamos apoiar essa
co-poiética, portanto, criadora e singular,
posição, por exemplo, nas idéias de Roua-
que trata do encontro de singularidades e
net (1993), enquanto ele defende a posi-
do sentido aí encarnado; mas ao mesmo
ção, a seu ver iluminista, do pensamento
tempo ela é nascida sob a regra interna de
de Freud, salientando ali o valor positivo
dar conta e razão de seu objeto, ou seja, é
do Iluminismo, em tempos de dogma-
um projeto de elucidação do singular que
tismos terroristas, dogmatismos que inci-
remete, em sua constituição teórica, ao
dem, inclusive, como incidiram em tem-
universal — psicológico e metapsicológi-
pos remotos, na própria possibilidade do
co. Esta elucidação teórica é o que limita-
exercício da ciência e que têm aterroriza-
ria o risco, para a psicanálise, de tornar-se
do a autonomia humana. A idéia, segundo
literatura ou de promover um saber sem o
esta posição, é que, ao proclamar-se cien-
necessário cuidado no tocante à sua vera-
tífica, não arredando o pé do terreno da
cidade.
ciência e do debate com as ciências, a
3. A terceira posição que tenho
psicanálise pode exercer uma função im-
visto ser defendida e da qual, particular-
portante no alargamento do conceito do que
mente, gosto, talvez correndo o risco de
seja ciência (conceito que se restringiu e
simplificar excessivamente problemas
apertou com a aproximação entre ciências
muito complexos, é, acho que posso dizer,
humanas e positivismo) e do que seja con-
a de Freud, ou, dizendo com maior espe-
siderado conhecimento verdadeiro e legíti-
cificidade, a que ele proferiu na Confe-
mo. Entendo que seja aproximadamente
rência XXXV de 1933: “A psicanálise é,
essa também a posição de Fabio Herrmann
a meu juízo, incapaz de criar uma concep-
(2001; 2004), de acordo com as formula-
ção do universo a ela peculiar. Não o
ções mais recentes propostas nos debates
necessita; é um pedaço da ciência e pode
em torno da “clínica extensa”. Diz ele:
agregar-se à concepção científica do uni-

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Camila Pedral Sampaio

A ciência da psique, a Psicanálise, irmã um suposto método científico, ou empíri-


das ciências do espírito, prima das ciênci- co, que tornasse legítimos os conceitos e
as humanas, contraparente da medicina, as abordagens psicanalíticas. É neste sen-
ocupa-se em investigar o sentido humano, tido que há uma correlação íntima entre a
nas pessoas — nos pacientes em particu- posição em que se situa a psicanálise
lar —, nos grupos e organizações dos
frente à ciência e a validação do método
homens, na sociedade e em suas produ-
psicanalítico na produção de conheci-
ções culturais (Herrmann, 2004, p. 61).
mento.
Sendo assim, se nos situarmos, quer
Nesta posição, então, falamos de
ao lado dos que pensam que a psicanálise
psicanálise como ciência e tiramos daí as
é uma ciência, quer ao lado dos que a
conseqüências necessárias para a pes-
incitam a abrir mão desta pretensão, em
quisa.
nome de uma prática mais verdadeira-
mente psicanalítica, teremos uma conse-
O método psicanalítico
qüência semelhante para o desenvolvi-
e a pesquisa
mento da pesquisa, em que pese ao anta-
gonismo das duas posições. Poderemos
A semelhança fundamental entre usar, para a consecução e projeção da
a segunda e a terceira posições das acima pesquisa, o próprio método psicanalítico.
discutidas é que, a partir de ambas, se irá Aparentemente, os problemas se simplifi-
considerar que o método psicanalítico é caram. Mas só aparentemente, é a des-
adequado para o desenvolvimento da pes- coberta que vem a seguir, uma vez que
quisa em psicanálise. Quer dizer, se con- teremos de dar conta do fato de que o
sideramos que a psicanálise não é uma método psicanalítico não foi definido exa-
ciência e não o será jamais, devendo tamente como um método de pesquisa.
desistir de pretendê-lo, então o método Ele é um método de acesso ao inconsci-
psicanalítico é o método adequado para a ente, é um método que orienta a escuta e
produção do conhecimento psicanalítico. o campo da clínica ou da cura, podemos
Da mesma forma, se consideramos que a dizer mesmo que é um método de produ-
psicanálise já é uma ciência, nós o faze- ção de conhecimento — de conhecimen-
mos por pensar que o seu método não é to singular do psiquismo singular —, mas
incompatível com o da ciência. O mesmo não é, ainda assim, um método apropriado
não se aplica, no entanto, quando conside- para nos orientar na condução de uma
ramos que a psicanálise deve adequar-se pesquisa.
à ciência, passando a produzir conheci- Teremos aqui que estabelecer as
mentos de um modo que os tornem váli- decorrências necessárias do método psi-
dos para a ciência. Neste caso, seria canalítico para chegar a definir os ele-
preciso sobrepor ao método psicanalítico mentos adequados a um método de pes-

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quisa em psicanálise. Isso porque somos cer a determinado grupo. Desta forma é
forçados a introduzir, para a pesquisa, que a psicanálise foi inventada, como
alguns elementos que não estão necessa- conhecimento, quer dizer, é porque um
riamente presentes na situação da clínica. caso exibe características comuns a to-
Teremos que estender o método psicana- dos os sujeitos de uma determinada clas-
lítico à situação não-clínica, e, particular- se que a teoria sobre a neurose obsessiva
mente, à situação da pesquisa, levantando pôde ser reformulada inteiramente a par-
suas implicações. Vejamos, então. tir do estudo do Homem dos Ratos, um
1. Uma primeira implicação, que caso singular, por exemplo. E é porque os
penso ser necessário enfatizar: a pesqui- obsessivos participam da categoria uni-
sa em psicanálise é uma pesquisa qualita- versal de humanos que, a partir deste
tiva. O que não quer dizer que não se mesmo caso, temos condições de enten-
beneficie de alguns dados estatísticos pro- der melhor a função paterna e o campo
duzidos por outras disciplinas. Por exem- humano das superstições e da relação
plo, os dados epidemiológicos têm levan- com a morte. Então, na interlocução e na
tado muitas interrogações interessantes construção teórica, a singularidade pode
para o campo da psicopatologia. No en- ser conduzida à relação com fatores mais
tanto, é desnecessário frisar, pesquisas ou menos universais ou particulares a
epidemiológicas não são psicanalíticas, certo grupo. O conhecimento psicanalíti-
ainda que possam contribuir para a com- co é produzido na circulação entre estes
preensão de fenômenos que pertencem três planos.
ao campo psicanalítico. A pesquisa psica- 2. A segunda decorrência em que
nalítica é qualitativa porque ela é uma pensei, já a experimentamos logo acima.
pesquisa do singular, ou seja, considera e Se o que nos interessa é definir o método,
produz-se a partir da singularidade do(s) seus limites, sua natureza, voltemos a
encontro(s) entre o pesquisador e o Freud. Como Freud produziu/criou co-
pesquisado. Mas a referência desse en- nhecimento? Essa deveria ser a nossa
contro é remetida necessariamente a um referência. Qual é, portanto, a partir daí,
universal, considerado a partir da teoria a natureza do conhecimento produzido
— expressamente da interlocução teóri- em psicanálise? Dois textos me têm aju-
ca. Neste sentido, Renato Mezan propõe dado bastante nesta empreitada. Um de-
que o modelo psicanalítico supõe que o les, já clássico neste assunto, é o de
singular, aquilo que é característico de Renato Mezan (1993), “Que significa
uma situação tomada em sua unicidade, ‘pesquisa’ em psicanálise?”. Ali Mezan
seja tomado como expressão do univer- discute a natureza do trabalho e do conhe-
sal, aquilo que compartilhamos todos como cimento psicanalítico a partir da análise
humanos, e do particular, aquilo que al- de um fragmento do trabalho de três
guns de nós compartilhamos por perten- autores: Freud, Kohut e Green. Através

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destes três autores, Mezan quer demons- ciente. Com isso, rompe-se o campo no
trar que: qual o discurso da paciente se estabili-
zava.
(...) é possível descrever e compreen- Procurando aproximar estas idéias
der a maneira pela qual se constitui a do campo da pesquisa, a formulação que
elaboração teórica de um psicanalista e eu consegui encontrar para este processo
que estas elaborações apresentam carac- e que pode ser estendida ao terreno da
terísticas que as aparentam às formula-
pesquisa foi: o método visa à interpreta-
ções científicas: coesão interna, comuni-
ção, entendida como: permitir ou partejar
cabilidade, verificabilidade e cumula-
tividade (1993, p. 115). a emergência de um sentido ou de um
conjunto de significações que se dá na
Seguindo, assim, as formulações relação entre o pesquisador e o pesquisado
desses autores, somos capazes de reco- (transferência), conjunto este que não era
nhecer o modo de produção do conheci- evidente anteriormente a essa visada,
mento psicanalítico, o que nos auxilia na podendo-se dizer mesmo que resistia à
sua enunciação, o que equivale a dizer
empreitada de definir o seu método de
que se trata da emergência de um incons-
pesquisa. Chegamos assim, inevitavel-
ciente, seja ele definido como for. Essa é
mente à idéia de interpretação. Aí é que
a maneira, então, como eu articulo inter-
nos valemos de um segundo auxílio, no
pretação com a tríade inconsciente/resis-
texto de Minerbo (2003), “O método psi-
tência/transferência no campo da pesqui-
canalítico em Freud”. Aqui a autora pro-
sa. Uma pesquisa em psicanálise deve,
cura reconhecer qual é a invariante do
então, idealmente, permitir o surgimento
método psicanalítico. Ela se pergunta a de significações pertencentes ao fenô-
que visa o método psicanalítico. O inte- meno, mas que não se evidenciavam no
ressante é que, para responder a isso, ela primeiro momento, podendo-se dizer mes-
busca um momento muito inicial da obra mo que resistiam dinamicamente a apare-
de Freud, com o intuito de demonstrar cer e que seu surgimento modifica a
que, para este autor, o método precede a nossa compreensão do fenômeno. No
teorização e a conceituação. Conclui, caso de Freud, podemos dizer que essa
então, que o método é a interpretação. E significação é da natureza ampliada da
que uma maneira de compreender como sexualidade.
opera, na prática, a interpretação é a 3. Uma outra decorrência da con-
ruptura de campo, tal como proposta por cepção acerca da natureza da psicanálise
Herrmann (2001). Ao interpretar, Freud para o método de pesquisa, que me pare-
traz à tona a regra pela qual se deu a ce importante sublinhar, é proveniente da
produção do sintoma, no caso estudado, constatação de que a psicanálise não é
questões relativas à sexualidade da pa- uma ciência do laboratório. Nunca o foi.

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Algumas idéias sobre pesquisa em psicanálise

Já em Freud ela se fez contaminada, que não e está aqui a minha descoberta,
cheia de germes, a partir da intimidade que é igualzinha à de todo e qualquer
com produções de outra natureza. Então, orientador de pesquisas, e da maioria das
o método psicanalítico se beneficia do pessoas que realizaram uma pesquisa,
contato com áreas não-psicanalíticas do mas que eu acho que vale a pena ressal-
conhecimento, como a sociologia, a teoria tar, porque muda a nossa visão do proces-
da cultura, a arte, a filosofia. A pesquisa so de pesquisa. O que faz de uma pesqui-
psicanalítica aspira à condição transdis- sa uma pesquisa, e isto vale para a psica-
ciplinar, deseja-a. No contato com essas nalítica, é o fato de que ela tem um
disciplinas, freqüentemente, as significa- problema e que este problema tem que
ções engendradas no olhar psicanalítico ser enunciado como um problema de
ganham formulação. Essa é a marca de pesquisa. O problema é o eixo de gravi-
toda visada psicanalítica no campo do que tação da pesquisa. A pesquisa é montada
Laplanche (1987/1988) chamou de e circula em torno dele, ainda que ele
extracura, extraclínica. Essa saída da dis- possa ir encontrando formulações dife-
ciplina — indisciplina? — é desejável na rentes ao longo da pesquisa. O problema,
contextualização do fenômeno pesquisado, então, é o que aponta para o não-sabido,
contextualização que é geralmente objeto é o que pede o movimento de pesquisa, na
da revisão de literatura feita em toda medida em que se dirige para o desconhe-
pesquisa. cido. Não para o não-sabido por mim,
4. Então, para finalizar, retomo a enquanto sujeito particular, mas para algo
formulação proposta de modo sintético que verdadeiramente não está no fenô-
por Fábio Herrmann (2001). Ele diz do meno para o qual eu olho, antes de eu
método psicanalítico que se trata de dei- olhar para ele. É isso, por exemplo, o que
xar surgir para tomar em considera- permite diferenciar uma pesquisa teórica
ção. Um pouco sintético em demasia, eu de um comentário, ou de uma elucidação.
poderia desde já aumentar a tarefa para Um último ponto que poderíamos
adaptá-la a uma pesquisa: deixar surgir abordar aqui, ainda que brevemente, se
para tomar em consideração, sim; mas é refere aos campos ou áreas de pesquisa
preciso também trançar teoricamente, cir- emergentes dessas considerações, as-
cular pelas vizinhanças epistemológicas, sunto que tem íntima relação com a popu-
engendrar uma interpretação dinâmica, o lação que eu oriento, que são estudantes
que não é pouco. E que mais? O que faz universitários, ainda não psicanalistas, e
a diferença entre, por exemplo uma pes- que também não são propriamente pes-
quisa e um relatório? Entre uma pesquisa quisadores, mas que querem ter uma
e uma aula, ou um bom texto sobre certo experiência com a psicanálise através da
assunto? Será que é o fato de a pesquisa realização da pesquisa. Essa condição
ter um capítulo metodológico? Eu diria dos pesquisadores com os quais trabalho

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Camila Pedral Sampaio

limita, por exemplo, imediatamente, a re- maioria, são alunos de graduação em


alização de pesquisas diretamente vincu- psicologia, eles não têm, nem poderiam
ladas à experiência clínica, fonte primor- ter, uma experiência clínica de longa du-
dial do conhecimento psicanalítico e ori- ração; quando muito, têm experiência de
gem própria de toda a pesquisa psicana- análise pessoal. Não sendo psicanalistas
lítica. A compensação para essa limita- nem pesquisadores, a pesquisa que eles
ção é a descoberta de outras possibilida- empreendem tem que ser entendida, en-
des de interrogações e áreas de pesquisas tão, como um contato em profundidade
mais abertas ao campo social. com um fenômeno escolhido e esse fenô-
Laplanche (1987/1988) propõe a meno está freqüentemente no mundo,
existência de quatro territórios da experi- não foi produzido pela situação de cura,
ência e do desenvolvimento da psicanáli- ou encontra-se em situações clínicas bas-
se: a teoria, a história, a clínica e a clínica tante diferentes da clínica-padrão, como
ampliada, decorrente da incidência da por exemplo na atividade de acompanha-
psicanálise em hospitais e instituições; e, mento terapêutico, que, em minha experi-
finalmente, tal como ele propõe, a psica- ência, tem sido objeto de interessantes
nálise extraclínica, extracura, como ele reflexões. Também é possível, ainda que
elucida, enfatizando que a clínica não é mais raro, já que demanda um fôlego
tudo na experiência psicanalítica. Como especial, que o foco da pesquisa dirija-se
nós não somos pesquisadores de labora- à teoria ou à história da psicanálise.
tório, podemos dizer que, se a clínica é o De todo modo, o fato é que as
nosso laboratório, ela não é, entretanto, condições apresentadas são tais que se
um laboratório asséptico. Isso tudo colo- formula a exigência de novas áreas de
ca não só a clínica, mas também a cultura, incidência da pesquisa psicanalítica, fre-
como um locus importante de incidência qüentemente no campo do que Laplanche
da interrogação psicanalítica. Apostamos, chamou de extracura e no que tem sido
neste aspecto, que a psicanálise tenha chamado de clínica ampliada ou extensa,
algo a dizer quando interroga ou é interro- exigindo, a partir da especificidade do
gada pela cultura, pelas artes, pelos movi- fenômeno enfocado no estudo, a escolha
mentos socioculturais. Este, aliás, é, evi- de procedimentos adequados a uma re-
dentemente, o sentido do movimento de flexão psicanalítica. O resultado deste
extensão da clínica proposto por Herrmann trabalho tem sido, no mínimo, inventivo e
(2005). podemos com tranqüilidade afirmar que
A situação em que eu oriento pes- tem legitimado a peculiaridade e a potên-
quisas é interessante, nestes termos. Uma cia da visada psicanalítica no campo dos
vez que os meus alunos, em sua grande fenômenos culturais.

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Algumas idéias sobre pesquisa em psicanálise

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Algumas idéias sobre pesquisa em psicanálise

SUMMARY

Some ideas on research in psychoanalysis

From the author’s experience on supervising research projects in psychoanalysis,


in the graduation level of psychology, some important issues, that permeate the
possibilities of research in psychoanalysis, are discussed. Among them, are the
different answers present in the relationship between psychoanalysis and science, and
the consequences of these positions, in terms of the adequacy of the use of the
psychoanalytic method for research activity.

Key words: Research. Psychoanalysis. Psychoanalytic method.

RESUMEN

Algunas ideas sobre investigación en psicoanálisis

A partir de la experiencia de la autora en el curso de psicología en la universidad,


en el cual ella fue asesora en proyectos de investigación en psicoanálisis, se coloca en
debate cuestiones relevantes pertinentes al campo y a las posibilidades de investigar
en psicoanálisis. Se estudian las diferentes respuestas encontradas en el campo
psicoanalítico sobre las relaciones del psicoanálisis con la ciencia, y las consecuencias
de esas perspectivas en términos de la adecuación del método psicoanalítico al campo
de la investigación.

Palabras-llave: Investigación. Psicoanálisis. Método psicoanalítico.

Camila Pedral Sampaio


R. João Moura, 300/41 — Pinheiros
05412-001 São Paulo, SP
Fones: 3085-1174 / 3819-1432
E-mail: camilapedral@uol.com.br

Recebido em: 27/04/06


Aceito em: 25/05/06

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