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08/12/2019 Um ano com os coletes amarelos - Le Monde Diplomatique

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O MAIS LONGO MOVIMENTO SOCIAL FRANCÊS EM DÉCADAS

Um ano com os coletes


amarelos
Edição 148 | França

por Pierre Souchon


31 de outubro de 2019

Surgido em novembro de 2018, o movimento dos coletes


amarelos mantém suas mobilizações, seguidas de forma
irregular. Outras causas foram rapidamente somadas à
defesa do poder de compra: meio ambiente, luta contra a
violência policial, referendo de iniciativa popular. Enquanto
isso, o poder teme que sua reforma da previdência reacenda
as brasas da contestação

“É triste… Aqui já não é mais o que era antes.” Nicole lança um olhar
desolado para a rotatória de Massibrand,1 que passou um tempo
ocupada pelos coletes amarelos de Ardèche. O vento mistral de janeiro
faz estalar uma faixa arrumada sobre uma pilha de paletes. “Tivemos de
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mudar para um terreno particular, mas é longe da via. Ficamos menos


visíveis, então perdemos gente.” Logo após o discurso do presidente da
República, em 10 de dezembro de 2018, retroescavadeiras, tratores e
forças da ordem entraram em massa nas rotatórias. Logo um vocabulário
militar se impôs entre os coletes amarelos, como se o nome das
rotatórias designasse campos de batalha: “Recuamos em Chanaleilles”,
“Amanhã retomaremos Orcival”. Muitas foram as instalações incendiadas
enquanto as luzes das viaturas brilhavam ao longe, em uma retomada da
política da terra arrasada. “As rotatórias eram um lugar caloroso. A gente
aparecia a qualquer hora, brigava, se abraçava”, continua Nicole. “Alguém
saía para uma ação de manhã, dava uma volta ao longo do dia, à noite
decidíamos o que fazer… Agora só sobraram as reuniões. Mas é chato
demais! Você precisa se organizar para ir, como qualquer atividade,
sentar, ficar em uma sala ouvindo alguém falar…”

O tempo da organização
Ao destruírem esses novos locais de sociabilidade, vivamente defendidos
por seus ocupantes, as autoridades retomaram um velho hábito – e um
conhecimento adquirido ao longo da história social: atacar os locais
onde as classes populares se reúnem impede que elas se organizem. Para
conseguir isso, também era preciso intervir a montante, junto aos
“líderes”. Assim, desde o fim de outubro de 2018, os administradores do
evento de 17 de novembro no Facebook passaram a receber telefonemas
intimidadores de origem duvidosa. “Eram ligações estranhas”, conta
Stéphanie, “que davam informações sempre vindas da mesma pessoa:
‘alguém do círculo de Macron’. A ideia era que tudo precisava parar, que

Macron lançaria o país em uma guerra civil e que seríamos os primeiros


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a cair.” Isso assustou os militantes pouco experientes – a maior parte


mulheres –, levando à retirada da maioria.

No entanto… “Eu vou continuar…” Longe das armas de balas de borracha


e das granadas de efeito moral lançadas nas cidades, as primeiras
mutilações que ela descobriu horrorizada pelas redes sociais, Vanessa
não desistiu: “Eu quero lutar contra a violência”. Essa palavra de ordem
não está entre as 42 reivindicações nacionais dos coletes amarelos, que
Vanessa divide em dois campos: “Economia, porque não podemos mais
esperar; e democracia, porque, se não nos protegermos, eles nos
enganam hoje e nos pegam de novo amanhã! Mas cuidado: primeiro de
tudo tem de haver comida na mesa!”.

Riqueza compartilhada, decisão compartilhada: essa não era, no início


do ano, a linguagem das confederações sindicais. Acostumadas com
apelos mais defensivos e menos diretamente políticos, na época elas
faziam declarações muito cautelosas sobre o movimento, que
contrastavam com a hostilidade aberta do início. Do lado dos coletes
amarelos, o cancelamento pelos sindicatos dos transportes rodoviários
de uma greve marcada para 9 de dezembro pesou muito: “Eles não
continuaram, tudo por causa de uma vitória minúscula”, lamenta Brigitte.
“Naquele dia, eu estava em um pedágio na estrada. Nós éramos duzentos
no começo da manhã, estávamos esperando por eles… Era uma
oportunidade de ouro para dobrar nossos adversários.” Esse ponto foi
longamente debatido nas reuniões, e todos condenaram os sindicatos.

Em Vernet, lentamente, em meio ao caos, aplausos, abraços e portas


batendo, Evelyne trabalha na “estruturação” dessas reuniões: “Faço
trabalho militante de base”. Aposentada, ela participa de ações de todos
os tipos e também dos momentos festivos – e, ainda trabalhando na
“base”, compartilha os conhecimentos adquiridos ao longo de quarenta
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base , compartilha os conhecimentos adquiridos ao longo de quarenta
anos de luta política e sindical: definição das ordens do dia, organização
das falas, imposição de mandatos obrigatórios e revogáveis… Eles
avançam rápido, e essas práticas fazem da assembleia geral de Vernet
um caso singular na paisagem de Ardèche – o tempo longo da
organização funcionando em simbiose com o tempo da ação, o das
manifestações de sábado, principalmente.

No entanto, o mesmo “trabalho militante de base”, observado pelos


coletes amarelos muito além do departamento, não é realizado em
nenhum outro lugar em Ardèche. Nem mesmo em Férenches, onde a
esquerda sindical e política mobiliza regularmente várias centenas de
militantes para manifestações. Entregues a si mesmos, os coletes
amarelos operam ali em comitê restrito: algumas pessoas reunidas por
afinidade decidem sobre ações, reflexões e folhetos no segredo de uma
sala, para depois apresentá-los a todos como finalizados. Esse modo de
organização logo cria tensão no público, e boa parte acaba deixando o
movimento. Então as divergências tomam o próprio comitê, que explode
em diversas frações. Pacientemente, sozinha em uma cidade distante,
Evelyne lembra “as coisas de base”: a longa história das divisões, a
necessidade de unidade, de organização…

Primeiras divisões
Organizar-se. Sem o comitê restrito, imperceptivelmente três grupos se
formaram em Férenches. Dois deles, muito minoritários, começaram a
se enfrentar em janeiro. Um desses grupos, composto por muitos
profissionais de nível superior, homens na ativa ou aposentados, queria

fazer das manifestações de sábado um tipo de evento festivo e


identitário – aceitando apenas os coletes amarelos O outro grupo
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identitário aceitando apenas os coletes amarelos. O outro grupo
reprovou a rotinização e o fechamento em si mesmos, estando
claramente mais inclinado a buscar ações radicais, novas, que pudessem
atrair outros apoios para o movimento – é um grupo amplamente
dirigido por mulheres solteiras e precarizadas. Entre ambos, dezenas de
pessoas cujo coração balança. “O pior”, lembra Audrey, “é que no início
estávamos todos de mãos dadas! Os dois grupos, nós passávamos a noite
juntos! Dançávamos, fazíamos festas… Não entendo o que aconteceu.”
Mais estranho ainda: no início do movimento, a maioria dos membros de
ambos os grupos votava no Reunião Nacional (RN, ex-Frente Nacional,
de extrema direita); as preferências políticas não eram, portanto, motivo
de divergência. “Esses caras não eram do nosso mundo, na verdade”,
analisa Anne. “Desde o início, eles diziam que tudo ia bem para eles, que
eram donos de seu nariz, que podiam sair de férias, mas que nos
apoiavam…”

Na verdade, foi a classe social de pertencimento que determinou as


preferências de cada um e sua forma de se envolver no movimento. Ela
também selou a condição minoritária difícil de superar do grupo dos
profissionais de nível superior, bem como o distanciamento em relação
às teses da RN. O grupo oriundo das classes populares identificou o
partido como inimigo em decorrência da descoberta gradual de que se
tratava de um partido da ordem – a RN foi contrária à anistia dos coletes
amarelos condenados, apoiou a repressão – e liberal – é contra o
aumento do salário mínimo. Mas essas mesmas teses repressivas e
liberais não incomodavam o grupo mais favorecido, que reprovava as
manifestações violentas e cuja motivação essencial para votar na RN era
a imigração – um tema que tentou em vão importar para o movimento.

Quando a dinâmica inicial começou a dar sinais de esgotamento, os


olhos passaram a buscar outros horizontes. Em dezembro de 2018 foi
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olhos passaram a buscar outros horizontes. Em dezembro de 2018 foi
lançada a primeira “chamada de Commercy” – nome de uma vila do
Meuse – para criar uma coordenação em nível nacional. Mais de
quatrocentos coletes amarelos de toda a França foram, no fim de janeiro,
a essa “assembleia das assembleias”, logo seguidos por outros. No
começo, a iniciativa teve pouca ressonância em escala local. No final de
janeiro, Commercy não recebeu nenhum delegado de Ardèche, ao
contrário de Saint-Nazaire em abril e Montceau-les-Mines em junho.
“Não entendemos o que eles querem fazer”, suspira Claire algum tempo
depois de Commercy. “Os relatórios deles têm quinze páginas… E
discutir um fim de semana inteiro, quando é hora de nos mobilizarmos?
Além disso, em nosso grupo, os dois delegados para Saint-Nazaire são
um professor universitário e um sujeito que paga imposto sobre a
fortuna…” Esses mesmos delegados chegaram ao movimento obcecados
pelo chamado de Commercy, quando outros o abandonaram por causa
da família negligenciada, por medo de repressão, pela falta de saídas
imediatas para a luta…

Ao mesmo tempo, o Referendo de Iniciativa Cidadã (RIC) ocupa as


mentes: apresentado como uma solução pronta para resolver todos os
problemas, o assunto dominou várias noites de debate na primavera,
inicialmente lotadas, depois cada vez menos. De fato, as oficinas
constituintes, com caneta e papel na mão, atraíam um público satisfeito
de se ver novamente em uma situação de estudante diante do
“professor” – mas esse público estava longe de constituir a maioria
sociológica dos coletes amarelos, cada vez mais fechada em torno das
classes populares.

Em campo, eles contam com muitos ex-sindicalistas em suas fileiras.

Além disso, depois do balde de água fria inicial, a convocação da


Confederação Geral do Trabalho (CGT) e de outras organizações para
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Confederação Geral do Trabalho (CGT) e de outras organizações para
construir em 5 de fevereiro um “dia nacional de greve de 24 horas”
aumentou a esperança de uma greve geral. O fracasso dessa mobilização
confortou os coletes amarelos em sua convicção de que somente eles
teriam a capacidade de fazer o governo recuar, embora o movimento se
retraísse. Ao mesmo tempo, em toda parte, as solidariedades se
aprofundavam, tecidas nas rotatórias, nos bloqueios, diante da repressão
– dando uma impressão muito concreta de que uma comunidade estava
se constituindo. Estranhos se acolhem, confiam seus piores segredos e
seus filhos, emprestam seus carros… e suas casas. “É inacreditável!”,
espanta-se Elodie diante de Nicolas, sindicalista e “colete amarelo”.
“Neste verão, posso passar férias em três departamentos diferentes sem
pagar aluguel, só porque somos ‘coletes amarelos’! Somos mais do que
isso, na verdade. Somos… somos…”

– Camaradas.

– É meio velho isso, não?

Nicolas está convencido: “Eles começam tudo do zero. A tal ponto que, a
certa altura, muitos gostariam de tirar o colete, por se sentirem
estigmatizados, apontados… O problema: se ninguém diz a eles que eles
são a classe trabalhadora, o que é que eles são?”.

Algumas semanas depois, outro fracasso: a jornada de ação sindical de 19


de março reuniu pouca gente em nível local. Muitos militantes foram
convidados para a próxima assembleia geral dos coletes amarelos de
Vernet: “Lá, tudo ficou claro”, relata Roland. “Houve uma discussão
franca, honesta: os sindicalistas explicaram que não tinham condições

de fazer nada melhor que aquilo, de fazer mais mobilizações nas


empresas ou nas ruas. Estava muito claro.” Diante dessa constatação, os
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coletes amarelos logo decidiram ir panfletar na frente das empresas. Por


causa da pouca disponibilidade de pessoal, a iniciativa não teve muito
resultado, marcando o fim das esperanças de uma aliança com os
sindicatos.

O conforto de estar entre os seus


Outros ausentes notáveis: os militantes políticos. Por acaso, na rua, em
Rastel, Anne cruza com um punhado deles tomando cerveja e logo
pergunta: “Por que a Revolução Russa é tão importante? Aqui é a França,

certo?”. As repetidas referências a “trotskistas”, “stalinistas” e “anarcos”


produzem uma incompreensão sincera. “Mas me explique!” E os risos
continuam. “Vocês sabem muita coisa e não compartilham nada! Além
do mais, por que nunca apareceram nas rotatórias?”

– Para não bancar os professores.


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Para não bancar os professores.

O argumento agressivo não põe o fim desejado à discussão:

– Você não sabe como chegar a um lugar e ter uma conversa normal,
falar, ouvir?

Na realidade, o círculo militante, melindroso, confortável no âmbito de


seus conflitos habituais, não tem a menor vontade de enfrentar uma
realidade social externa a ele, que ignora os tópicos usuais do debate
entre militantes. No entanto, esteve maciçamente presente em uma
jornada organizada pelos coletes amarelos: a projeção de J’veux du
soleil!, na presença do diretor François Ruffin, deputado (França
Insubmissa, esquerda) do departamento do Somme. Todos tomaram
longamente a palavra, no meio de várias centenas de pessoas vestidas de
amarelo, sem medo de bancar o professor. A imprensa local imortalizou
o momento, mas não continuou ali quando esses mesmos militantes
deixaram a sala, indignados com o “antissemitismo” de uma “colete
amarelo” de seus 50 anos cujo casaco fazia uma referência à quenelle,
gesto francês que pode ter conotação antissemita. No entanto, ela não
sabia nada sobre o comediante antissemita Dieudonné e estava se
preparando para participar, na semana seguinte, de uma marcha dos
coletes amarelos contra “todas as formas de violência, racismo e
discriminação”.

Por um tempo, a lição ecologista foi um esporte amplamente praticado:


Nathalie e Brigitte comprometem-se a deixar os coletes amarelos de

Salettes mais verdes. “O que importa”, ensina Nathalie na primavera, “é a


rotação das culturas e principalmente – principalmente! – colocar adubo
orgânico, senão a terra morre. E nada de fertilizante sintético, jamais, é
poluente!” Já Brigitte insiste nos benefícios da permacultura, mostrando
uma cartilha. A assembleia ouve atenta, por um longo tempo – até que
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Noël, depois Marcel, Guy e Pascal respondem timidamente que, como


filhos de camponeses, eles já fazem tudo isso há quarenta anos em suas
hortas e jardins…

Os militantes, porém, têm a dimensão de tudo o que poderiam ganhar se


ouvissem mais: “As 42 reivindicações dos ‘coletes amarelos’ são
extremamente pertinentes. Elas vêm praticamente com o início do
movimento”, observa Émilien, que passou muito tempo envolvido no
Partido de Esquerda. “As formações de esquerda deveriam ter aderido a
elas prontamente, sem discutir, porque era um verdadeiro programa de
transição real e vinha do povo.” Em vez de compartilhar suas
observações com os coletes amarelos, Émilien, como tantos outros, as
guarda para as conversas com seus amigos.

Todos iguais
A simples palavra “transição” teria o imenso mérito de oferecer
perspectivas. O movimento precisa muito disso, pois já constatou que
“convergência das lutas” é apenas uma frase de efeito. “Isso não significa
mais nada”, esbraveja Vanessa logo após o 1º de Maio, “não assustamos
mais ninguém, andando em círculo todo sábado! Caímos na mesma
rotina dos sindicatos! Há cada vez menos gente, mas continuamos assim
mesmo, e cada vez mais entendemos menos a situação! Precisamos nos
reconectar com o início do movimento.” É verdade, porém, que a

dinâmica não é mais a mesma: o apoio do resto da população está


desmoronando, e ao tempo curto de uma onda inesperada e vitoriosa
sucede o tempo longo da história. “No início, achávamos que tudo era
possível”, lembra Amandine. “Depois o movimento começou a murchar, e
então começamos a ler tudo o que podíamos. Conforme você aprende,
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percebe que não se trata simplesmente de Macron. Tem a União
Europeia, o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do
Comércio… É todo um sistema econômico e político; o capitalismo, que
é muito organizado, poderoso, existe há muito tempo…” E se revela
difícil de derrotar. Na ausência de perspectivas políticas, pensamento
tático ou estratégico, as questões muitas vezes se fecham em torno de
brigas interpessoais.

É nesse momento que os militantes políticos decidem fazer algumas


tímidas – e raras –aparições: as eleições europeias estão chegando…
Seus discursos soam ainda mais “sectários”, dedicando-se a reclamar
desse ou daquele partido adversário, nenhum dos quais apareceu nas
rotatórias. “Todos iguais”: é mais uma vez o balanço dos coletes
amarelos, cansados de “Vote em nós” – “É o que todos dizem” – e
convencidos de que todo mundo só aparece “quando interessa, sem dar
a mínima para os coletes amarelos”. O sentimento se aprofunda quando
as participantes do movimento menos hostis aos partidos logo são
abordadas para se candidatar às eleições municipais. Carole diz: “A
maioria eram professores aposentados. A conversa era uma só: ‘Você é
jovem, é ótimo! Se precisar de nós para uma ação dos coletes amarelos,
estamos às ordens!’. Então, seis meses depois…” A esquerda política está
feliz em finalmente lutar suas batalhas em campanhas, e não nas
rotatórias. Sem uma perspectiva política unificadora, as fileiras do
movimento se fragmentam um pouco mais.

A volta da história operária


– Achei!

Enquanto observava uma pausa na mobilização, Amandine cuidava de


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suas plantas.

– Eles nos pegam pelo crédito, pelas dívidas… A grana. Então, temos de
refazer tudo, mas sem isso!

– Refazer o quê?

– Tudo! Primeiro, garantir o material, o concreto, tudo de que as pessoas


precisam. Uma mão amiga para preencher os arquivos administrativos,
trazer alimentos, roupas… E, por trás, garantir o cultural, porque nunca
temos acesso a ele: dar cursos de dança, de música, arranjar fundos para
uma sessão de cinema, fazer duas horas de esportes coletivos por
semana… A questão em tudo isso é que não queremos o dinheiro deles.
Só usaremos o nosso, e sem ter lucro!

A ideia de Amandine vai em frente: e já levou consigo Agathe, Juliette e


outras amigas. Não é uma ideia nova: são as casas do povo, cuja fundação
foi o prelúdio do nascimento da CGT e, em seguida, da eclosão dos
partidos de massa. Apesar de antiga, ela se apresenta de maneira
singular nas discussões inflamadas dessas jovens – o que indica seu
desapreço pelo eleitoralismo e seu desejo de ver as organizações se
preocuparem com a existência concreta das pessoas. “Eles começam
tudo do zero”, repete Nicolas, desconcertado pela iniciativa: elas
chegaram sozinhas a essa etapa de juventude do movimento operário,
sem a mediação dos livros de história – nem de nenhum militante…

Ainda em estado embrionário, a proposta está longe de ser isolada: a luta

se espalha. Alguns coletes amarelos estão envolvidos na campanha pelo


referendo de iniciativa compartilhada contra a privatização da Aéroports
de Paris. Outros mudaram radicalmente seus hábitos de consumo,
construíram galinheiros e criadouros para coelhos e começaram a
plantar, depois de se livrarem de seus aparelhos de televisão. Outros,
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ainda, dedicam-se a lutas locais: “Anunciaram uma redução de vagas


escolares para o próximo ano. Normalmente, eu logo teria deixado para
lá”, conta Julie. “Mas apareceram os ‘coletes amarelos’: mergulhei de
cabeça na luta! Eu, que era muito tímida, fui falar com as pessoas, pedi
assinaturas para petições, falei com políticos… Aprendi a estratégia e, o
mais importante, não tenho mais medo. Moral da história: nós
vencemos!”

E ganhou de brinde o fim de uma terrível solidão: se a fraternidade das


rotatórias é uma lembrança, ela de fato existiu, e todos se reconhecem
em um outro que acreditava ser um estranho. Pelas redes sociais, no
início do movimento, Vanessa encontrou apoiadores até no Magreb: “Um
tunisiano me explicou que em 2008 eles passaram por seis meses de
manifestações em Gafsa – é uma região de mineração. Ele disse para eu
não desanimar, porque as manifestações de Gafsa foram esmagadas, mas
as pessoas saíram dali de cabeça erguida e, três anos depois, derrubaram
um ditador. Então, os ‘coletes amarelos’ têm de ser a nossa Gafsa!”

Pierre Souchon é jornalista.

1 Para falar com a reportagem, os entrevistados pediram total


anonimato. Todos os nomes foram modificados, e o nome dos lugares é

fictício.

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