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A Pessoa Total, Tricotomia ou Dicotomia?

por

Anthony Hoekema

Um dos aspectos mais importantes da visão cristã do homem é a de


que devemos vê-lo em sua unidade, como uma pessoa total. Os seres
humanos têm sido imaginados como consistindo de partes separadas e,
algumas vezes, de partes distintas, que são, dessa forma, abstraídas da
totalidade. Assim, nos círculos cristãos, tem sido crido do homem como
consistindo tanto de “corpo” e “alma” como de “corpo”, “alma” e “espírito”.
Tanto os cientistas seculares como os teólogos cristãos, contudo, estão
reconhecendo gradativamente que tal entendimento dos seres humanos
está errado, e que o homem deve ser visto como uma unidade. Visto que
nossa preocupação é com a doutrina cristã do homem, devemos dar uma
nova olhada para o ensino bíblico a respeito dos seres humanos, para ver
se de fato isto é assim.

O que devemos observar primeiro de tudo é que a Bíblia não


descreve o homem cientificamente; na verdade,

o julgamento (dos teólogos) é que a Bíblia não nos dá nenhum ensino


científico a respeito do homem, nenhuma “antropologia” que deveria ou
poderia estar em competição com uma investigação científica do homem
nos vários aspectos de sua existência ou com a antropologia filosófica. 1 [1]

Além disso, a Bíblia não usa uma linguagem científica exata. Ela usa
termos como alma, espírito e coração mais ou menos indistintamente. Isto
é por causa

das partes do corpo que são tidas, não primariamente do ponto de vista de
suas diferenças ou de suas inter-relações com outras partes, mas como
significando ou enfatizando os diferentes aspectos do homem total em

1NOTAS:

[1]G. C. Berkouwer, De Mens het Beeld Gods (Kampen: Kok, 1957), p. 211.
Cf. Ray S. Anderson, On Being Human (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), p.
213.
relação a Deus. Do ponto de vista da psicologia analítica e da fisiologia, o
uso do Antigo Testamento é caótico: ele é o pesadelo do anatomista
quando qualquer parte pode ser entendida como sendo a totalidade. 2 [2]

Portanto, não é impossível construir uma psicologia bíblica exata e


científica. Alguns têm tentado fazer isso. Um dos mais notáveis nessa
tarefa é Franz Delitzsch, cujo livro System of Biblical Psychology foi
originalmente publicado em 1855. Mas mesmo Delitzsch teve que admitir
que “a Escritura não é um livro escolástico [or didática] de ciência” e que “é
verdade que em assuntos psicológicos, assim tão pouco quanto em
assuntos éticos ou dogmáticos, a Escritura abrange (ou contém) qualquer
sistema proposto na linguagem das escolas”. 3 [3]

Em 1920, o teólogo holandês Herman Bavinck escreveu um livro


entitulado Biblical and Religious Psychology (Psicologia Bíblica e Religiosa).
Semelhantemente a Delitzsch, ele admitiu que

[a Bíblia] não nos fornece uma psicologia popular ou científica mais do que
ela nos proporciona uma narrativa [schets] da história, geografia,
astronomia ou agricultura...Mesmo se alguém desejasse tentar, seria
impossível retirar da Bíblia uma psicologia que pudesse satisfazer as
nossas necessidades. Porque não somente seria impossível ter uma
narrativa completa de todos os vários dados, mas também as palavras que
a Bíblia usa, tais como espírito, alma, coração e mente, foram emprestadas
da linguagem popular dos judeus daqueles dias, ordinariamente
possuindo um conteúdo diferente daquele que associamos com esses
termos, e nem sempre usados no mesmo sentido. As Escrituras nunca
usam conceitos abstratos e filosóficos, mas sempre falam a rica linguagem
do dia a dia.4 [4]

Embora não derivemos uma antropologia ou psicologia científica exata da


Bíblia, podemos aprender da Escritura muitas verdades importantes a
respeito do homem. Na verdade, isso é o que tentamos fazer nos capítulos

2[2] John A. T. Robinson, The Body (London: SCM Press, 1952), p. 16.

3[3] A System of Biblical Psychology, (Edinburgh: T & T Clark, 1867), p. 16.

4[4] Bijbelsche en Religieuze Psychologie (Kampen: Kok, 1920), p. 13.


anteriores deste livro. Deveríamos nos lembrar novamente que a coisa
mais importante que a Bíblia diz a respeito do homem é que ele está
inescapavelmente relacionado a Deus. Berkouwer coloca este assunto da
seguinte maneira: “Podemos dizer sem medo de contradição que a coisa
mais notável no retrato bíblico do homem repousa nisto: que nunca chama
a atenção para o homem em si mesmo, mas exige a nossa atenção mais
plena para o homem em sua relação com Deus.” 5 [5] Podemos acrescentar
que a Bíblia também dirige nossa atenção para o homem à medida em que
ele se relaciona com os outros seres humanos e com a criação. 6 [6] Em
outras palavras, as Escrituras não estão primariamente interessadas nas
“partes” constituintes do homem ou na sua estrutura psicológica, mas nos
relacionamentos que ele mantém.

TRICOTOMIA OU DICOTOMIA?
Vez por outra, entretanto, tem sido sugerido que o homem deveria ser
entendido como consistindo de certas “partes” especificamente distintas.
Um desses entendimentos é usualmente conhecido como tricotomia — a
idéia que, segundo a Bíblia, o homem consiste de corpo, alma e espírito.
Um dos proponentes mais antigos da tricotomia, como vimos, é Irineu, que
ensinava que enquanto os incrédulos possuiam somente almas e corpos,
os crentes adquiriam espíritos adicionais, que eram criados pelo Espírito
Santo.7 [7] Um outro teólogo que usualmente está associado com a
tricotomia é Apolinário de Laodicéa, que viveu de 310 a aproximadamente
390 AD. A maioria dos intérpretes atribuem a ele a idéia de que o homem
consiste de corpo, alma e espírito ou mente (pneuma ou nous), e que o
Logos ou a natureza divina de Cristo tomou o lugar do espírito humano na
natureza humana que Cristo assumiu. 8 [8] Berkouwer, contudo, assinala

5[5] Man, p. 195.

6[6] Ver acima, p. 75-82 (texto em inglês)

7[7] Ver acima, p. 34-35 (texto em inglês).

8[8] Ver Louis Berkhof, History of Christian Doctrines (Grand Rapids:


Eerdmans, 1937), p. 106-107; J. L. Neve, A History of Christian Thought
(Philadelphia: United Lutheran Publication House, 1943), p. 126;
Anderson, On Being Human, p. 207-8.
que Apolinário desenvolveu primeiro a sua cristologia errônea em um
contexto de dicotomia.9 [9] Mas J. N. D. Kelly diz que é uma questão de
importância secundária se Apolinário era um dicotomista ou
tricotomista.10 [10]

A tricotomia foi ensinada no século XIX por Franz Delitzsch, 11 [11] J. B.


Heard,12 [12] J. T. Beck,13 [13] e G. F. Oehler.14 [14] Mais recentemente tem
sido defendido por escritores como Watchman Nee, 15 [15] Charles R.
Solomon (que afirma que através do seu corpo, o homem relaciona-se com

9[9] Man, p. 209. Ver também o comentário de A. Grillmeier citado em


n.20. Dichotomy é a idéia de que o homem deve ser entendido como
consistindo de duas “partes”, corpo e alma.

10[10] J. N. D. Kelly, Early Christian Doctrines (London: Black, 1958), p.


292.

11[11] System of Biblical Psychology, pp. Vii, 247-66.

12[12] The Tripartite Nature of Man (Edinburgh: T & T Clark, 1866).

13[13] Outlines of Biblical Psychology, (Edinburgh: T & T Clark, 1877), p.


38.

14[14] Theology of the Old Testament, edit. G. E. Day (1873; Grand Rapids:
Zondervan), 149-51.

15[15] The Release of the Spirit (Indianapolis: Sure Foundation, 1956), 6.


o ambiente, através de sua alma com os outros, e do seu espírito com
Deus),16 [16] e Bill Gothard.17 [17] É interessante observar que a tricotomia
é também defendida na antiga e na nova Scofield Reference Bible.18 [18] A
despeito deste apoio, devemos rejeitar a visão tricotomista da natureza
humana.

Primeiro, ela deve ser rejeitada porque ela parece fazer violência à unidade
do homem. A palavra em si mesma sugere que o homem pode ser separado
em três “partes”: a palavra tricotomia é formada de duas palavras gregas,
tricha, “tríplice” e temnein, “cortar. Alguns tricotomistas, incluindo Irineu,
até sugeriram que certas pessoas tinham os seus espíritos cortados,
enquanto que outras não.

Segundo, devemos rejeitá-la porque ela freqüentemente pressupõe uma


antítese irreconciliável entre espírito e corpo. Realmente, a tricotomia
originada na filosofia grega, particularmente na concepção de Platão, que
possuia também um entendimento tríplice da natureza humana. Herman
Bavinck levanta uma discussão útil deste assunto no seu livro Biblical
Psychology. Ele assinala que em Platão e em outros filósofos gregos havia
uma aguçada antítese entre as coisas visíveis e as invisíveis. O mundo
como substância material não foi criado por Deus, diziam os gregos, mas
sempre esteve contra ele. Um poder intermediário se fazia necessário para
que pudesse haver ligação entre o mundo e Deus, e, assim, haver
harmonia entre eles — este era o mundo da alma. A idéia do homem,
encontrada no pensamento grego, pensa Bavinck, é semelhante: o homem
é um ser racional que possui razão (nous), mas ele é também um ser
material que tem um corpo. Entre esses dois deve haver uma terceira
realidade que age como mediador: a alma, que é capaz de dirigir o corpo
em nome da razão.19 [19]

16[16] The Handbook of Happiness (Denver: Heritage House Publications,


1971), 28; ver também p. 27-58.

17[17] Wilfred Brockelman, Gothard, The Man and his Ministry: An


Evaluation (Santa Barbara: Quill Publications, 1976), 85-96.

18[18] The Scofield Reference Bible (New York: Oxford University Press,
1909), no texto de 1 Ts 5.23; The New Scofield Reference Bible (New York:
Oxford University Press, 1967) no texto de 1 Ts 5.23.
A Bíblia, contudo, não ensina qualquer tipo de distinção aguda entre
espírito (ou mente) e corpo. Segundo as Escrituras, a matéria não é má
porque foi criada por Deus. A Bíblia nunca denigre o corpo humano como
uma fonte necessária do mal, mas o descreve como um aspecto da boa
criação de Deus, que deve ser usado no serviço de Deus. Para os gregos o
corpo era considerado “uma sepultura para a alma” (soma sema) que o
homem alegremente abandonava na morte, mas esta idéia é totalmente
estranha às Escrituras.

Devemos rejeitar também a tricotomia porque ela faz uma aguda distinção
entre o espírito e a alma que não encontra suporte algum nas Escrituras.
Podemos ver isto mais claramente quando observamos que as palavras
hebraica e grega traduzidas como alma e espírito são freqüentemente
usadas indistintamente nas Escrituras.

1. O homem é descrito na Bíblia tanto como alguém que é corpo e alma


como alguém que é corpo e espírito: “Não temais aqueles que matam o
corpo mas não podem matar a alma” (Mt 10.28); “Também a mulher, tanto
a viúva como a virgem, cuida das coisas do Senhor, de como agradar ao
Senhor, assim no corpo como no espírito” (1 Co 7.34); “Como o corpo sem
o espírito está morto, assim a fé sem as obras é morta” (Tg 2.25).

2. A dor é atribuída tanto à alma como ao espírito: “Levantou-se Ana e,


com amargura de espírito, orou ao Senhor, e chorou abundantemente” (1
Sm 1.10); “Porque o Senhor te chamou como a mulher desamparada e de
espírito abatido; como a mulher da mocidade, que fora repudiada, diz o teu
Deus” (Is 54.6); “Agora está angustiada a minha alma” (Jo 12.27); “Ditas
estas cousas, angustiou-se Jesus em espírito” (Jo 13.21); “Enquanto Paulo
os esperava em Atenas, o seu espírito se revoltava, em face da idolatria
dominante na cidade” (At 17.16); “(Porque este justo [Ló], pelo que via e
ouvia quando habitava entre eles, atormentava a sua alma justa, cada dia,
por causa das obras iníquas daqueles)” (1 Pe 2.8).

3. O louvor e o amor a Deus são atribuídos tanto a alma como ao espírito:


“A minha alma engrandece ao Senhor e o meu espírito se alegra em Deus
meu Salvador” (lc 1.46-47); “Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o
teu coração e de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a
tua força” (Mc 12.30).

4. A salvação é associada tanto à alma como ao espírito: “Acolhei com


mansidão a palavra implantada em vós, a qual é poderosa para salvar as

19[19] Bijbelsche en Religieuze Psychologie, 53. Cf. TDNT, 6:395.


vossas almas” (Tg 1.21); “...entregue a Satanás, para a destruição da
carne, a fim de que o espírito seja salvo, no dia do Senhor” (1 Co 5.5).

5. O morrer é descritivo tanto como uma partida da alma como do espírito:


“Ao sair-lhe a alma (porque morreu), deu-lhe o nome de Benoni” (Gn
35.18); “E estendendo-se três vezes sobre o menino, clamou ao Senhor, e
disse: Ó Senhor meu Deus, que faças a alma deste menino tornar a entrar
nele” (1 Rs 17.21); “Não temais os que matam o corpo e não podem matar
alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma
como o corpo” (Mt 10.28); “Nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Sl
31.5); “E Jesus clamando outra vez com grande voz, entregou o espírito”
(Mt 27.50); “Voltou-lhe o espírito, ela imediatamente se levantou”(Lc 8.55);
“Então Jesus clamou em alta voz: Pai, nas tuas mãos entrego o meu
espírito!” (Lc 23.46); “E apedrejavam a Estevão que invocava e dizia:
Senhor Jesus, recebe o meu espírito!” (At 7.59).

6. Aqueles que já haviam morrido eram algumas vezes chamados tanto de


almas e outras vezes de espíritos: Mt 10.28, citado acima; “Quando ele
abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as almas daqueles que tinham sido
mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que
sustentavam” (Ap 6.9); “e a Deus, o juíz de todos, e aos espíritos dos justos
aperfeiçoados “ (Hb 12.23); “Pois também Cristo morreu...para conduzir-
vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado em espírito, no qual
também foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais noutro tempo foram
desobedientes quando a longanimidade de Deus aguardava nos dias de
Noé” (1 Pe 3.18-20).

Os tricotomistas freqüentemente apelam para duas passagens do Novo


Testamento: Hb 4.12 e 1 Ts 5.23, para dar suporte ao seu conceito, mas
nenhuma dessas passagens prova o ponto deles.

Hebreus 4.12 diz o seguinte:

Porque a Palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer


espada de dois gumes, e penetra até o ponto de dividir alma e espírito,
juntas e medulas, e apta para discernir os pensamentos e propósitos do
coração.

Estas palavras descrevem o poder penetrante da palavra de Deus. O autor


de Hebreus não pretende dizer que a palavra de Deus causa uma divisão
entre uma “parte” da natureza humana chamada alma e outra “parte”
chamada espírito, assim como não pretende dizer que a palavra causa
uma divisão entre as juntas do corpo e a medula encontrada nos ossos. A
linguagem é figurativa. A cláusula seguinte aponta para o intento do autor:
ele deseja dizer que a palavra de Deus discerne “os pensamentos e atitudes
(ou intenções) do coração”. A palavra de Deus (seja ela entendida como a
Escritura ou como Jesus Cristo) penetra nos recônditos mais interiores de
nosso ser, trazendo à luz os motivos secretos de nossas ações. Esta
passagem, na verdade, está em paralelo com um texto de Paulo: “[o
Senhor] não somente trará à plena luz as cousas ocultas das trevas, mas
também manifestará os desígnios dos corações” (1 Co 4.5). Não há,
portanto, nenhuma razão para se entender Hebreus 4.12 como ensinando
uma distinção psicológica entre alma e espírito como sendo duas partes
constituintes do homem.

A outra passagem é 1 Tessalonicenses 5.23, onde se lê:

O mesmo Deus da paz voz santifique em tudo; e o vosso


espírito, alma e corpo, sejam conservados íntegros e
irrepreensíveis na vinda de nossos Senhor Jesus Cristo.

Deveríamos observar primeiro que esta passagem não é uma afirmação


doutrinária, mas uma oração. Paulo ora para que seus leitores
tessalonicenses possam ser santificados e completamente preservados ou
guardados por Deus até que Cristo volte novamente. A totalidade da
santificação, pela qual Paulo ora, é expressa no texto por duas palavras
gregas. A primeira, holoteleis, é derivada de holos, significando a
totalidade, e telos, significando a finalidade ou o alvo; a palavra significa “a
totalidade de modo que se alcance o alvo”. A Segunda palavra, holokleron,
derivada de holos e kleros, porção ou parte, significa “completa em todas
as suas partes”. É interessante observar que na segunda metade da
passagem, ambos o adjetivos holokeron e o verbo teretheie (“possam ser
guardados ou preservados”) estão no singular, indicando que a ênfase do
texto está sobre a totalidade da pessoa. Quando Paulo ora pelos
tessalonicenses para que o espírito, alma e corpo possam ser guardados,
ele não está tentando separar o homem em três partes, mais do que Jesus
pretendeu fazer em quatro partes quando disse: “Amarás o Senhor teu
Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu
entendimento e de toda a tua força (Lc 10.27). Esta passagem, portanto,
também não proporciona qualquer base para a visão tricotômica da
constituição do homem.20 [20]

20[20] Sobre a interpretação de Hb 4.12 e 1 Ts 5.23, ver Bavinck, Bijbelsche


Psychologie, 58-59; Louis Berkhof, Teologia Sistemática (Campinas: Luz
Para o Caminho, 199....), p.......; Berkouwer, Man, 210; Sobre Hb 4.12 ver
também F. F. Bruce, The Epistle to the Hebrews, in the New International
Commentary sobre a série do Novo Testamento (Grand Rapids: Eerdmans,
1964), 80-83; Para uma defesa do pensamento tricotômico, ver F.
Delitzsch, The Epistle to the Hebrews, (Edinburgh: T. & T. Clark, 202-14,
especialmente 212-14.
A outra idéia usualmente sustentada a respeito da constituição do homem
é a chamada dicotomia — a idéia de que o homem consiste de corpo e
alma. Esta visão tem sido mais largamente sustentada do que a tricotomia.
Nossa rejeição de tricotomia significa que devemos optar pela dicotomia?
Um número de teólogos afirma esta crença. Louis Berkhof, por exemplo,
crê que “a representação dominante da natureza do homem na Escritura é
claramente dicotômica”.21 [21]

É minha convicção, contudo, que nós deveríamos rejeitar tanto a


dicotomia como a tricotomia. Como cristãos deveríamos certamente
repudiar a dicotomia no sentido em que os antigos gregos a ensinaram.
Platão, por exemplo, formulou a idéia de que o corpo e a alma devem ser
tidos como duas substâncias distintas: a alma pensante, que é divina, e o
corpo. Visto que o corpo é composto de substância inferior chamada
matéria, ele é de um valor inferior à da alma. Na morte simplesmente o
corpo se desintegra, mas a alma racional (ou nous) retorna “aos ceús”, se o
seu curso de ação foi justo e honrado, e continua a existir para sempre. A
alma é considerada uma substância superior, inerentemente indestrutível,
enquanto que o corpo é inferior à alma, mortal, e condenado à destruição
total. Não há no pensamento grego, portanto, lugar algum para a
ressurreição do corpo.22 [22]

Mas mesmo à parte do entendimento grego da dicotomia, que é claramente


contrário à Escritura, devemos rejeitar o termo dicotomia como tal, visto
que ele não é uma descrição exata da visão bíblica do homem. A palavra
em si mesma é objetável. Ela vem de duas raízes gregas: diche,
significando “dupla” ou “em duas”; e temnein, significando “cortar”. Ela,
portanto, sugere que a pessoa humana pode ser cortada em duas “partes”.
Mas o homem nesta presente vida não pode ser separado dessa maneira.

21[21] Teologia Sistemática, p..........; cf ª H. Strong, Systematic Theology,


vol. 2 (Philadelphia: Griffith and Rowland, 1907), 483-88; J. T. Mueller,
Christian Dogmatics, (St. Louis: Concordia, 1934), 184; H. C. thiessen,
Introductory Lectures in Systematic Theology (Grand Rapids: Eerdmans,
1949), 225-26; Gordon H. Clark, The Biblical Doctrine of Man (Jefferson,
MD: The Trinity Foundation, 1984), 33-45.

22[22] Cf o meu livro A Bíblia e o Futuro, (pp 86-87 edição em inglês). Sobre
este ponto ver também Berkouwer, Man, 212-22.
Como veremos, a Bíblia descreve a pessoa humana como uma totalidade,
um todo, um ser unitário.

O melhor modo de determinar a visão bíblica do homem como uma pessoa


total é examinar os termos usados para descrever os vários aspectos do
homem. Antes de fazer isso, contudo, duas observações devem ser feitas:
(1) Como foi dito, a preocupação primária da Bíblia não é a constituição
psicológica ou antropológica do homem mas a sua capacidade inescapável
de relacionar-se com Deus; e (2) devemos sempre Ter em mente que J. A.
T. Robinson diz a respeito do uso que o Antigo Testamento faz destes
termos: “Qualquer parte pode ser tomada pelo todo”, 23 [23] e o que G. E.
Ladd afirma a respeito do uso que o Novo Testamento faz dessas palavras:
“A recente erudição tem reconhecido que termos como corpo, alma e
espírito não são diferentes, faculdades separadas do homem mas
diferentes modos de ver a totalidade do homem.”24 [24]

Com isto em mente, nós trataremos primeiro das palavras do Antigo


Testamento e, então com as encontradas no Novo Testamento.

AS PALAVRAS DO ANTIGO TESTAMENTO


Começamos com a palavra hebraica nephesh, mais comumente
traduzida como “alma”. O léxico Hebraico de Brown, Driver e Briggs 25[25]
dá dez significados para essa palavra, da qual os mais importantes para o
nosso propósito são: “o ser mais interior do homem”, “o ser vivo” (usado a
respeito de homens e animais),26 [26] “o homem em si mesmo”

23[23] The Body, 16.

24[24] G. E. Ladd, A Theology of the New Testament (Grand Rapids:


Eerdmans, 1974), 457.

25[25] Francis Brown, S. R. Driver, e Charle Briggs, Hebrew and English


Lexicon of the Old Testament (New York: Houghton Mifflin, 1907).

26[26] Provavelmente o exemplo mais conhecido do uso dessa palavra se


referindo ao homem seja Gn 2.7 – “Então formou o Senhor Deus ao
homem do pó da terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego da vida, e o
homem passou a ser alma vivente (nephesh chayyah)”.
(freqüentemente usado como um pronome pessoal: eu mesmo, ele mesmo,
etc.; neste sentido pode significar o homem como um todo), “o lugar dos
apetites”, “o assento das emoções”. A palavra pode, algumas vezes, se
referir a uma pessoa falecida, com ou sem meth (“morta”). É algumas vezes
dito que a nephesh morre.

Está claro, portanto, que a palavra nephesh pode significar a pessoa


total. Edmond Jacob diz o seguinte: “Nephesh é o termo usual para a
natureza total do homem, para o que ele é e não apenas pelo que tem...
Por isso a melhor tradução em muitos casos é ‘pessoa’”.27 [27]

A palavra hebraica seguinte é ruach, usualmente traduzida como


“espírito”. O significado da raíz desta palavra é “ar em movimento”; ela é
freqüentemente usada para descrever o vento. Brown-Driver-Briggs listam
nove significados, incluindo os seguintes: “espírito”, “animação”,
“disposição”, “espírito de vida e ser que respira morando na carne de
homens e animais” (somente um exemplo deste último: Ec 3.21), “assento
das emoções”, “órgão de atos mentais”, “órgão da vontade”. Ruach,
portanto, sobrepõe-se em significado a nephesh. W. D. Stacey diz:

Quando a referência é feita ao homem em sua relação com Deus, ruach é o


termo mais provável para ser usado..., mas quando referência é feita ao
homem em relação a outros homens, ou o homem vivendo a vida comum
dos homens, então nephesh é mais provável, se um termo psíquico é
exigido. Em ambos os casos a totalidade do homem está envolvida. 28 [28]

Portanto, não deve ser pensado de ruach como um aspecto separado do


homem, mas como a pessoa total vista de determinada perspectiva.

Olhamos a seguir para as palavras do Antigo Testamento usualmente


traduzidas como “coração”: lebh e lebhabh. Brown-Driver-Briggs dá dez
significados para estas duas palavras, incluindo os seguintes: “o homem
mais interior ou alma”, “mente”, “resoluções da vontade”, “consciência”,
“caráter moral”, “o homem em si mesmo”, “o lugar dos apetites”, “o assento
das emoções”, “o assento da coragem”. F. H. Von Meyenfeldt, em seu

27[27] “Psyche”, TDNT, 9:620.

28[28] The Pauline View of Man (London: Macmillan, 1956), 90.


estudo final da palavra, conclui que lebh ou lebhabh usualmente
representa a pessoa total e tem uma significação predominantemente
religiosa.29 [29]

A palavra coração não somente é usada no Antigo Testamento para


descrever o assento do pensamento, do sentimento e da vontade; é
também a sede do pecado (Gn 6.5; Sl 95.8, 10; Jr 17.9), a sede da
renovação espiritual (Dt 30.6; Sl 51.10; Jr 31.33; Ez 36.26), e o lugar da fé
(Sl 28.7; 112.7; Pv 3.5).

Mais do que qualquer outro termo do Antigo Testamento, a palavra


coração significa o homem no mais profundo centro de sua existência, e
como ele é no mais profundo do seu ser. Herman Dooyeweerd, o filósofo
holandês, entendeu o coração na Escritura como sendo “a raiz religiosa da
existência total do homem”.30 [30] A filosofia que ele desenvolveu enfatiza
que o coração é o centro e a fonte de toda a atividade religiosa, filosófica e
moral do homem. Ray Anderson chama o coração de “o centro do eu
subjetivo”. Ele é “a unidade do corpo e da alma na verdadeira ordem deles
— ele é a pessoa”.31 [31]

Todos esses três termos examinados do Antigo Testamento, portanto,


descrevem o homem em sua unidade e totalidade, embora olhando-o de
aspectos ligeiramente diferentes. H. Wheeler Robinson comenta: “Não é
possível fazer uma diferenciação exata das províncias cobertas pelo
‘coração’, nephesh e ruach, pela simples razão de que tal diferenciação
exata nunca foi feita.”32 [32]

29[29] F. H. Von Meyenfeldt, Het Hart (Leb, Lebab) in het Oude Testament
(Leiden: E. J. Brill, 1950), 218-19.

30[30] Wijsbegeerte der Wetsidee, vol. 1 (Amsterdam: H. J. Paris, 1935), 30.

31[31] On Being Human, 211.

32[32] The Christian Doctrine of Man (Edinburgh: T. & T. Clark, 1911), 26.
A próxima palavra é basar, usualmente traduzida como “carne”. Brown-
Driver-Briggs lista seis significados, incluindo os seguintes: “”carne” (para
o corpo), “parentesco de sangue”, “homem contra Deus como fraco e
errante”, “raça humana”. N. P. Bratsiotis diz que basar é mais
freqüentemente usado no Antigo Testamento para “o aspecto externo e
carnal da natureza humana”.33 [33] Ele continua a dizer que quando basar
é distinto do aspecto externo do homem e nephesh é entendido como
sendo o aspecto interno, mesmo assim nunca devemos pensar destas
palavras como descrevendo um dualismo de alma e corpo no sentido
platônico.

Ao contrário, basar e nephesh devem ser entendidos como aspectos


diferentes da existência do homem como uma entidade dual. É
precisamente esta totalidade antropológica enfática que é determinante
para a natureza dual do ser humano. Ela exclui qualquer noção de uma
dicotomia entre basar e nephesh...como irreconciliavelmente opostos uma
a outra, e revela o relacionamento psico-somático mútuo entre elas. 34 [34]

A palavra basar é freqüentemente usada para descrever o homem em sua


fraqueza. H. W. Wolff observa que freqüentemente basar descreve a vida
humana como débil e fraca, dando como exemplo deste uso Jeremias 17.5
– “Maldito o homem que confia no homem, faz da carne mortal o seu
braço”.35 [35]

Basar pode algumas vezes denotar a pessoa total, não apenas o aspecto
físico.36 [36] Mas ela pode também ser juntada com nephesh em maneiras

33[33] “Basar”, na obra de G. Johannes Botterweck e Helmer Ringgren,


editores, Theological Dictionary of the Old Testament, (Grand Rapids:
Eerdmans, 1977), p. 325.

34[34] Ibid., 325.

35[35] Anthropologie des Alten Testaments (Munich: Chr. Kaiser, 1973), 55.

36[36] F. B. Knutson, “Flesh”, ISBE, 2.314.


que referem ao homem total. Clarence B. Bass, comentando as palavras do
Antigo Testamento para “corpo”, afirma:

Corpo e alma são usados quase que indistintamente, sendo que a alma
indica o homem como um ser vivo, e corpo (carne) denota-o como uma
criatura corporalmente visível...Esta unidade de corpo e alma [tem]
conduzido alguns escritores a concluir que o Antigo Testamento carece de
uma idéia do corpo físico como uma entidade discreta...Mais
propriamente, contudo, o Antigo Testamento vê o corpo e a alma como
coordenadas que se interpenetram em funções para formar um todo
simples.37 [37]

Basar, portanto, também é freqüentemente usado no Antigo Testamento


para denotar a pessoa total, embora com ênfase no lado exterior.

Assim, o mundo do pensamento do Antigo Testamento exclui totalmente


qualquer espécie de dicotomia ou dualismo que pinte o homem como feito
de duas substâncias distintas. Como H. Wheeler Robinson diz, “a ênfase
final deve cair sobre o fato de que os quatro termos [nephesh, ruach, lebh e
basar]...simplesmente apresentam aspectos diferentes da unidade da
personalidade.”38 [38]

AS PALAVRAS DO NOVO TESTAMENTO


A primeira palavra do Novo Testamento que examinaremos é psyche,
a palavra grega equivalente a nephesh, usualmente traduzida como “alma”.
O léxico do Novo Testamento Grego de Arndt-Gingrich lista um número de
significados para esta palavra, alguns dos quais são: “princípio de vida”,
“vida terreal”, “assento da vida mais interior do homem” (incluindo
sentimentos e emoções), “a sede e o centro da vida que transcende o que é
terreno”, “aquilo que possui vida: uma criatura viva” (plural, pessoas).
39
[39]

37[37] “Corpo”, ibid., 1:528-29. Observe também o comentário de J.


Pedersen: “Alma e corpo [no uso do Antigo Testamento] são tão
intimamente unidos que uma distinção não pode ser feita entre eles. Eles
são mais do que ‘unidos’; o corpo é a alma em sua forma exterior” (Israel:
Its Life and Culture, vol. 1 [London: Oxford University Press, 1926], 171).

38[38] The Christian Doctrine of Man, 27.


Eduard Schweizer afirma que psyche é usado freqüentemente nos
Evangelhos para descrever o homem total, 40 [40] para representar a
verdadeira vida em distinção da vida puramente física, 41 [41] e para
referir-se à existência dada por Deus que sobrevive à morte. 42 [42]
Schweizer diz que Paulo usa psyche quando se refere à vida natural e à
vida verdadeira; ele freqüentemente usa a palavra para descrever a
pessoa.43 [43] No Livro do Apocalipse psyche pode ser usada para denotar
a vida após a morte (como em 6.9). 44 [44] Está claro, portanto, que psyche,
como nephesh, freqüentemente significa a pessoa total.

Agora nos voltamos para a palavra pneuma, o equivalente do Novo


Testamento a ruach, que quando se refere ao homem é mais usualmente
traduzida como “espírito”. O léxico de Arndt-Gingrich dá oito significados,
incluindo os seguintes: “o espírito como parte da personalidade humana”,
“o ego de uma pessoa”, “uma disposição ou estado de mente”. Schweizer
diz que Paulo usa pneuma para as funções físicas do homem, que ele é
freqüentemente um paralelo de psyche, e que pode denotar o homem como

39[39] William F. Arndt e F. Wilbur Gingrich, A Greek-English Lexicon of the


New Testament and Other Early Christian Literature (Chicago: Univsersity
of Chicago Press, 1957).

40[40] “Psyche”, TDNT, 9:639.

41[41] Ibid., 642.

42[42] Ibid., 644.

43[43] Ibid., 648.

44[44] Ibid., 654.


um todo, com ênfase mais forte sobre o seu psíquico do que sobre a sua
natureza física.45 [45]

George Ladd, numa discussão da psicologia paulina, diz-nos que no


pensamento de Paulo o homem serve a Deus com o espírito e experimenta
a renovação no espírito. Paulo algumas vezes contrasta o pneuma com o
corpo como a dimensão mais interior em contraste com lado exterior do
homem (2 Co 7.1; Rm 8.10). Pneuma pode descrever a auto-consciência do
homem( 1 Co 2.11).46 [46] W. D. Stacey argumenta que Paulo não vê o
pneuma como algo que somente o regenerado tem: “Todos os homens têm
pneuma desde o nascimento, mas o pneuma cristão, na comunhão com o
Espírito de Deus, assume um novo caráter e uma nova dignidade” (Rm
8.10).47 [47]

É interessante observar que pneuma pode se referir à vida após a morte.


Como já vimos, Hebreus 12.23 descreve santos mortos como “os espíritos
dos justos aperfeiçoados”, e ambos, Cristo (Lc 23.46) e Estevão (At 7.59),
como moribundos encomendando seus espíritos a Deus o Pai ou Deus o
Filho. Cristo é também dito ter pregado aos “espíritos em prisão”,
obviamente se referindo a pessoas falecidas (1 Pe 3.19).

Pneuma também é em grande parte sinônimo de psyche, as duas palavras


freqüentemente usadas indistintamente no Novo Testamento. Ladd,
contudo, sugere uma distinção entre elas: “O espírito é freqüentemente
usado a respeito de Deus; a alma nunca é usada dessa forma. Isto sugere
que pneuma representa o homem em seu lado voltado para Deus,
enquanto que psyche representa o homem em seu lado humano.” 48 [48]
Em geral, eu concordo com isto, mas há duas exceções. Por exemplo, a
psyche é descrita algumas vezes como louvando e magnificando o Senhor

45[45] “Pneuma”, TDNT, 6:435.

46[46] Ladd, A Theology of the New Testament, 461-63.

47[47] The Pauline View of Man, 135.

48[48] New Testament Theology, 459.


(Lc 1.46), e Tiago nos diz a respeito da palavra em nós implantada que é
capaz de salvar as nossas almas (psychas, Tg 1.21). Pneuma, está claro,
pode ser usado como designativo da pessoa total; como psyche, ele
descreve um aspecto do homem em sua totalidade.

A próxima palavra que olharemos é kardia, a palavra do Novo Testamento


equivalente a lebh e lebhabh, usualmente traduzida como “coração”.
Arndt-Gingrich dá o seguinte sentido principal da palavra: “a sede da vida
física, espiritual e mental”. Ele é também descrito como o centro e a fonte
da totalidade da vida mais interior do homem, com seu pensamento,
sentimento e vontade. O coração é também dito ser o lugar de morada do
Espírito Santo.

Johannes Behm semelhantemente descreve o coração no Novo Testamento


como o principal órgão da vida psíquica e espiritual, o lugar no ser
humano no qual Deus testemunha de si mesmo. O coração é o centro da
vida mais interior de uma pessoa: de seus sentimentos, entendimento, e
vontade. O coração significa a totalidade do ser interior do homem, a parte
mais profunda dele; ele é sinônimo de ego, a pessoa. Kardia é
supremamente o centro no homem para o qual Deus se volta, no qual a
vida religiosa está enraizada, e que determina a conduta moral. 49 [49]

Anteriormente já observamos que lebh no Antigo Testamento é também


usado para indicar o coração como a sede do pecado, a sede da renovação
espiritual e o lugar da fé. Isto também é verdade de kardia. Além disso,
podemos observar que as outras virtudes cristãs são descritas como
kardia. O amor é associado com o coração em 2 Tessalonicenses 3.5 e 1
Pedro 1.22. A obediência é ligada ao coração em Romanos 6.17 e em
Colossenses 3.22. O perdão é associado ao coração em Mateus 18.35. O
coração é ligado com humildade em Mateus 11.29, e é descrito como o
assento da pureza em Mateus 5.8 e Tiago 4.8. A gratidão é associada com
o coração em Colossenses 3.16, e a paz é dita guardar o coração em
Filipenses 4.7.

Em uma seção de sua Dogmatics na qual ele trata com “o homem como
alma e corpo”, Karl Barth, falando do coração no Novo e no Antigo
Testamentos, diz:

Se fôssemos verdadeiros com os textos bíblicos deveríamos dizer do


coração que ele é in nuce o homem total em si mesmo, e, portanto, não
somente o locus de sua atividade mas de sua essência...Assim, o coração

49[49] “Kardia”, TDNT, 3:611-12.


não é meramente uma realidade mas a realidade do homem, ambos – da
totalidade da alma e da totalidade do corpo. 50 [50]

Assim, novamente aqui vemos a ênfase bíblica na totalidade do homem.


Kardia significa a pessoa total em sua essência mais interior. No coração a
atitude básica do homem para com Deus é determinada, seja de fé ou de
incredulidade, de obediência ou de rebelião.

Embora estritamente falando o Antigo Testamento não tenha uma palavra


para corpo, ele usa basar para descrever o aspecto físico do homem, sua
carne. No Novo Testamento há duas palavras para corpo: sarx e soma.
Arndt-Gringrich lista oito significados para sarx, usualmente traduzidos
como “carne”; entre outros significados estão: “corpo”, “um ser humano”,
“natureza humana”, “limitação física”, “o lado exterior da vida”, e “o
instrumento desejoso do pecado” (particularmente nos escritos de Paulo).

Sarx no Novo Testamento, então possui dois significados principais: (1) o


aspecto externo, físico da existência do homem — neste sentido ele pode
ser usado do homem como um todo; e (2) carne como a tendência dentro
do homem caído para desobedecer a Deus em todas as áreas da vida. 51 [51]
Neste segundo sentido, encontrado principalmente nas epístolas de Paulo,
não devemos restringir o sentido de sarx como se referindo somente ao que
usualmente chamamos de “pecados da carne” (pecados do corpo); ao
contrário, deveríamos entendê-lo como referindo-se aos pecados cometidos
pela pessoa total. Na lista das “obras da carne” (ta erga tes sarkos)
encontrada em Gálatas 5.19-21, onde cinco de quinze dizem respeito aos
pecados do corpo; o restante diz respeito ao que chamamos de “pecados do
espírito”— como ódio, discórdia, ciúme, e que tais. Assim, mesmo quando
a palavra sarks é usada neste segundo sentido, ela diz respeito à pessoa
total, e não apenas a uma parte dela.

Agora nos voltamos para a palavra soma, usualmente traduzida como


“corpo”. Arndt-Gingrich dá cinco significados, incluindo os seguintes: “o
corpo vivo”, “o corpo da ressurreição”, e “a comunidade cristã ou igreja”.

50[50] Church Dogmatics (Edinburgh: T. & T. Clark, 1960), III/2, 436.

51[51] Um estudo mais antigo, embora competente, a respeito do


significado de sarx nos escritos de Paulo é o de Wm. P. Dickson, St. Paul’s
Use of the Terms Flesh and Spirit (Glasgow: Maclehose, 1883). Um estudo
mais recente é o de J. A. Robinson, The Body (1952.
Clarence B. Bass, num artigo sobre o corpo nas Escrituras, também lista
cinco definições da palavra soma: “a pessoa total como uma entidade
diante de Deus”, “o locus do espiritual no homem”, “o homem total como
destinado para a membrezia no reino de Deus”, “o veículo para a
ressurreição”, e “o lugar do teste espiritual em termos do qual o
julgamento acontecerá”.52 [52] Ele chega à seguinte conclusão:

Assim, está claro que o corpo é usado para representar a totalidade do


homem, e milita contra qualquer idéia da visão bíblica do homem como
existindo à parte da manifestação corporal, a menos que seja durante o
estado intermediário [que é, o estado entre a morte e a ressurreição]. 53 [53]

Podemos resumir nossa discussão das palavras bíblicas usadas para


descrever os vários aspectos do homem, como segue: o homem deve ser
entendido como um ser unitário. Ele tem um lado físico e um lado mental
ou espiritual, mas não devemos separar esses dois. A pessoa humana deve
ser entendida como uma alma corporificada ou um corpo “espiritualizado”
(“animado”).54 [54] A pessoa humana deve ser vista em sua totalidade, não
como uma composição de diferentes “partes”. Este é o ensino claro de
ambos os Testamentos.55 [55]

52[52] “Body, ISBE, 1:529.

53[53] Ibid.

54[54] Barth, Church Dogmatics, III/2, 350.

55[55] Em acréscimo aos estudos da visão bíblica sobre a pessoa total


referida acima, podemos enumerar os seguintes: G. C. Berkouwer, “The
Whole Man”, em Man, 194-233; C. A. Van Peursen, Body, Soul, Spirit: A
Survey of the Body-Mind Problem, (London: Oxford University Press, 1966);
H. Ridderbos, Paul: Na Outline of His Theology (Grand Rapids: Eerdmans,
1975), 64-68, 114-26; Rudolf Bultmann, Theology of the New Testament,
vol. 1 (New York: Scribner, 1951), 190-227; Werner G. Kümmel, Man in the
New Testament (London: Epworth, 1963); Robert Jewett, Paul’s
Anthropological Terms (Leiden: E. J. Brill, 1971).
UNIDADE PSICOSOMÁTICA

Embora a Bíblia veja o homem como uma totalidade, ela também


reconhece que o ser humano possui dois lados: o físico e o não-físico. Ele
possui um corpo físico, mas ele também é uma personalidade. Ele tem
uma mente com a qual ele pensa, mas também um cérebro que é parte do
seu corpo, e sem o qual ele não pode pensar. Quando as coisas andam
errada com ele, é necessária uma cirurgia, mas outras vezes ele pode
precisar de um aconselhamento. O homem é uma pessoa que pode,
contudo, ser vista de dois ângulos.

Como, então, haveremos de expressar esses “dois lados” do homem? Já


observamos as dificuldades relacionadas com o termo dicotomia. Alguns
tem falado de um dualismo,56 [56] enquanto outros preferem o termo
dualidade, fazendo maior justiça à unidade do homem. Berkouwer, por
exemplo, explica que “a dualidade e o dualismo não são idênticos de forma
alguma, e...uma referência ao momento dual na realidade cósmica não
implica necessariamente em dualismo.”57 [57] Semelhantemente, Anderson
diz que “devemos fazer uma distinção entre uma ‘dualidade’ do ser no qual
uma modalidade de diferenciação é constituída como uma unidade
fundamental, e um ‘dualismo’ que opera contra essa unidade”. 58 [58]

Minha preferência, contudo, é falar do homem como uma unidade psico-


somática. A vantagem desta expressão é que ela faz plena justiça aos dois

56[56] John Cooper, “Dualism and the Biblical View of Human Beings”,
Reformed Journal 32, no. 9 e 10 (Setembro e Outubro de 1982).

57[57] Man, 211.

58[58] On Being Human, 209. Ver também Robert H. Gundry, Soma in


Biblical theology (Cambridge: Cambridge University Press, 1976), 83.
Gundry prefere “dualidade” ao invés de “dualismo” como sendo ensinado
em ambos os Testamentos, particularmente nos escritos de Paulo.
aspectos do homem, ao mesmo tempo em que enfatiza a sua unidade. 59
[59]

Podemos ilustrar isto olhando para o relacionamento entre a mente e o


cérebro. Reconhecendo que o homem deveria ser tido como uma unidade
com muitos aspectos que constituem um todo indivisível, Donald M.
MacKay faz três comentários significativos a respeito da relação entre
mente e cérebro:

Nós não precisamos retratar a ‘mente’ e o ‘cérebro’ como duas espécies


‘substâncias” que se interagem. Não precisamos pensar dos eventos
mentais e dos eventos cerebrais como dois conjuntos distintos de
eventos...Parece-me suficientemente melhor descrever os eventos mentais
e seus eventos cerebrais correlatos como os aspectos “interiores” e
“exteriores” de uma e da mesma seqüência de eventos, que em sua plena
natureza são mais ricos — tem mais para eles — do que pode ser expresso
tanto numa categoria mental como física, isoladamente. 60 [60]

Nós os estamos considerando [minha experiência consciente e as obras do


meu cérebro] como dois aspectos igualmente reais de uma e da mesma
unidade misteriosa. O observador externo vê um aspecto, como um padrão
físico da atividade cerebral. O próprio agente conhece um outro aspecto
como sua experiência consciente...O que estamos dizendo é que estes
aspectos são complementares.61 [61]

59[59] Este termo também é usado por John Murray, “Thrichotomy”, em


sua obra Collected Writings of John Murray, vol. 2 (Edinburgh: Banner of
Truth Trust, 1977), 33 (“o homem é um ‘ser psico-somático”); e por G. W.
Bromiley, “Anthropology”, ISBE, 1:134 (“o homem tem um lado físico e um
lado espiritual...ambos pertencem conjuntamente a uma unidade psico-
somática”); ver também Henry Stob, Ethical Reflections (Grand Rapids:
Eerdmans, 1978), 226.

60[60] Donald M. MacKay, Brains, Machines and Persons (Grand Rapids:


Eerdmans, 1980), 14.

61[61] Ibid., 83. Mais nesse livro (p. 101) MacKay descreve a vida futura do
cristão dum modo no qual ele parece deixar lugar somente para a
ressurreição do corpo e não para uma existência continuada do crente no
estado intermediária (ver abaixo, p. 218-22). Se esta é a posição de
MacKay, eu não concordaria com ele. Podemos ainda, contudo, aceitar as
O homem, então, existe num estado de unidade psico-somática. Assim,
fomos criados, assim somos agora, e assim seremos após a ressurreição do
corpo. Porque a redenção plena inclui a redenção do corpo (Rm 8.23; 1 Co
15.12-57), visto que o homem não é completo sem o corpo. O futuro
glorioso dos seres humanos em Cristo inclui ambos, a ressurreição do
corpo e uma nova terra purificada e aperfeiçoada.62 [62]

O ESTADO INTERMEDIÁRIO

Agora, enfrentaremos uma pergunta importante: O que dizer a respeito do


período entre a morte e a ressurreição, o chamado “estado intermediário”?
Quando uma pessoa morre, o que acontece? Visto que alguém não é
completo sem o corpo, então uma pessoa cessa de existir até ao tempo da
ressurreição? Ou ela “existe” num estado completamente inconsciente? Ou
imediatamente após a morte recebe a ressurreição do corpo? Ou ela recebe
uma espécie de corpo intermediário, para ser substituído mais tarde por
um corpo ressuscitado?

A idéia de que o homem cessa de existir entre a morte e a ressurreição,


sustentada pelas Testemunhas de Jeová e pelos Adventistas do Sétimo
Dia, deve ser rejeitada como não-bíblicas. 63 [63] A idéia de que após a
morte as pessoas recebem imediatamente corpos “intermediários” também
não encontra base nas Escrituras. O contraste no Novo Testamento é
sempre entre o corpo presente e o corpo ressuscitado (cf. Fp 3.21; 1 Co
15.42-44). Os aderentes dessa idéia, às vezes, citam 2 Coríntios 5.1 para
provar que receberemos tais corpos “intermediários”: “Sabemos que, se a
nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus
um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus.” Mas esta passagem
fala a respeito da casa eterna no céu. Se tivéssemos que entender esta

afirmações feitas nas citações acima como descrições corretas da unidade


da mente com o cérebro durante esta presente vida.

62[62] Ver esse assunto no meu livro A Bíblia e o Futuro, capítulos 17 e 20.

63[63] Ver meu trabalho The Four Major Cults (Grand Rapids: Eerdmans,
1963), 345-71.
“casa eterna” como se referindo a um novo corpo, ela não designaria um
corpo “intermediário”, temporário.64 [64]

Uma outra idéia, usualmente chamada de “sono da alma”, é a de que o


homem, ou sua “alma” , existe num estado inconsciente entre a morte e a
ressurreição. Esta idéia tem sido sustentada por vários grupos cristãos.
João Calvino escreveu sua primeira obra teológica, Psychopannychia, para
combater os ensinos do sono-da-alma sustentados pelos anabatistas da
sua época.65 [65] Mais recentemente, esta posição tem sido defendida por
G. Vander Leeuw,66 [66] Paul Althaus67 [67] e Oscar Cullmann.68 [68]

Herman Dooyeweerd, rejeitando a dicotomia alma-corpo, afirma um novo


entendimento dos dois aspectos do homem: coração e “função de capa”
(functie-mantel), sendo este último termo relativo ao corpo, que é a
totalidade de sua existência temporal e a estrutura inteira de todas as
suas funções temporais.69 [69] O coração e a função-de-capa não devem
ser entendidos como duas substâncias distintas dentro do ser humano,
mas ao contrário, como descrevendo o homem em sua totalidade unitária.
64[64] Para uma interpretação diferente da “casa eterna no céu”, ver A
Bíblia e o Futuro, pp. 104-6 (em inglês).

65[65] Ver Calvino, Tracts and Treatises of the Reformed Faith, ,vol. 3,
(Grand Rapids: Eerdmans, 1958), 413-90.

66[66] Onsterfelijkheid of Opstanding, (Assen: Van Gorcum, 1936).

67[67] Die Letzten Dinge, (1922: Gütersloh: bertelsmann, 1957).

68[68] Immortality of the Soul or Resurrection of the Dead? (New York:


Macmillan, 1964), 10-11.

69[69] William G. Young, “The Nature of Man in the Amsterdam


Philosophy”, Westminster Theological Journal 22, no. 1 (Novembro, 1959):7.
Mas isto não responde à nossa pergunta sobre o que acontece ao ser
humano entre a morte e a ressurreição. Quando a Dooyeweerd foi
perguntado: Que espécie de funções podem ainda ser deixadas para a
“alma” (anima rationalis separata, alma racional separada) quando ela
separada de sua conjunção temporal com as funções pre-psíquicas 70[70]
(i.e., pós a morte), sua resposta foi: “Nada” (niets!).71 [71] Em sua resposta,
contudo, Dooyeweerd

Não nega a existência continuada da alma após a morte, nem ele


apresenta o estado da alma desincorporada como sendo de inconsciência.
Todavia, por privar a alma de suas funções temporais, ele parece deixar
somente o mais indefinido dos aspectos no lugar das almas racionais
desincorporadas.72 [72]

No mesmo raciocínio, Berkouwer afirma que nós não deveríamos concluir


da “negativa” de Dooyeweerd de que ele rejeita a idéia da comunhão com
Cristo após a morte.73 [73]

Quando Dooyeweerd pronunciou o seu “nada!”, ele estava respondendo a


uma questão a respeito de uma idéia do homem que ele próprio não
subscrevia: a de que o homem possuía duas “partes” separadas, um corpo
mortal inferior e uma “alma racional” superior, indestrutível e imortal — o
ensino dos filósofos gregos antigos. Assim, nós não seríamos justos com
Dooyeweerd se aplicássemos suas palavras ao seu próprio entendimento
do estado intermediário. Não obstante, devemos admitir que a afirmação é
enigmática. Ela tem conduzido muitas a levantar questões a respeito da

70[70] A saber, as funções aritméticas, especiais, físicas e orgânicas.

71[71] Herman Dooyeweerd, “Kuyper’s Wetenschapsleer”, Philosophia


Reformata 4 (1939): 204.

72[72] Young, “The Nature of Man”, 10.

73[73] Man, 256.


posição de Dooyeweerd a respeito do estado dos crentes entre a morte e a
ressurreição.74 [74]

O ensino central da Bíblia a respeito do futuro do homem é o da


ressurreição do corpo. Mas o Novo Testamento indica que o estado dos
crentes entre a morte e a ressurreição é o de alegria provisória, expressa
no dito de Paulo de ser “incomparavelmente melhor” do que o estado aqui
na terra (Fp 1.23). Se isto é assim, a condição dos crentes durante o
estado intermediário não pode ser um estado de não-existência ou de
inconsciência.

Algumas vezes o Novo Testamento simplesmente diz que o crente


continuará a existir neste estado de alegria provisória:

Entretanto, se o viver na carne traz fruto para o meu trabalho, já não sei o
que hei de escolher. Ora, de um e de outro lado estou constrangido, tendo
o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor.
(Fp 1.22-23)

Jesus, respondendo ao pecador penitente, disse: “Em verdade te digo que


hoje estarás comigo no paraíso. (Lc 23.43)

Temos, portanto, sempre ânimo, sabendo que, enquanto no corpo,


estamos ausentes do Senhor; visto que andamos por fé, e não pelo que
vemos. Entretanto estamos em plena confiança, preferindo deixar o corpo
e habitar com o Senhor. (2 Co 5.6-8)

Na passagem aos Filipenses Paulo contrasta “o viver na carne” com “partir


e estar com Cristo”, sugerindo claramente que é possível para uma pessoa
não mais estar vivendo no presente corpo e, todavia, estar com Cristo —
um estado que é muito melhor que o presente estado. Particularmente
significativo neste ponto é a passagem de 2 Coríntios, onde Paulo
contrasta o “enquanto no corpo” (endemountes en to somati) com o estar
“ausente do corpo” (ekdemesai ek tou somatos). Se Paulo tivesse
pretendido descrever a bênção do crente após a ressurreição, ele poderia
Ter usado uma expressão como “ausentes deste corpo”, sugerindo que os
crentes então estariam “habitando” um novo corpo. Mas ele simplesmente
“ausentes do corpo”, dizendo aos seus leitores que ele está pensando de
uma existência entre o corpo presente e o corpo da ressurreição. Observe
que, em ambas as passagens, Paulo afirma que é possível para os crentes

74[74] Ver a discussão de Berkouwer sobre este assunto em Man, 255-257.


estarem com Cristo, mesmo quando eles não mais vivem em seus
presentes corpos e antes deles receberem seus corpos ressuscitados.

Em outras vezes, contudo, o Novo Testamento usa as palavras “alma”


(psyche) ou “espírito” (pneuma) para se referir aos crentes enquanto eles
continuam a existir entre a morte e a ressurreição. A palavra “alma” é
usada nas seguintes passagens:

Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma” (Mt 10.28).

Quando ele abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as almas daqueles que
tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e por causa do
testemunho que sustentavam (Ap 6.9).

A palavra “espírito é usada nos seguintes textos:

Mas tendes chegado ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém


celestial, e a incontáveis hostes de anjos, e à universal assembléia e igreja
dos primogênitos arrolados nos céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos
espíritos dos justos aperfeiçoados. (Hb 12.22-23)

Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos
injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado
no espírito, no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais
noutro tempo foram desobedientes quando a longanimidade de Deus
aguardava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca, na qual poucos,
a saber, oito pessoas, foram salvos, através da água. (1 Pe 3.18-20)

Assim, às vezes, o Novo Testamento diz que nós que somos crentes,
continuaremos a existir num estado provisório de alegria entre a morte e a
ressurreição, enquanto que em outras vezes ele diz que as “almas” ou
“espíritos” dos crentes ainda existirão durante aquele estado. Mas a Bíblia
não usa palavras como “alma” e “espírito” no mesmo modo que nós o
fazemos; dessa forma, estas passagens estão pretendendo tão somente nos
dizer que os seres humanos continuarão a existir entre a morte e a
ressurreição, enquanto esperam a ressurreição do corpo. A Bíblia não nos
dá qualquer descrição antropológica da vida nesse estado intermediário.
Podemos especular a respeito dela, podemos tentar imaginar a que esse
estado será, mas não podemos formar nenhuma idéia clara da vida entre a
morte e a ressurreição. A Bíblia ensina sobre ela, mas não a descreve.
Como Berkouwer diz, o que o Novo Testamento nos conta a respeito do
estado intermediário não é nada mais do que um sussurro. 75 [75]

75[75] De Wederkomst van Christus, vol. 1 (Kampen: Kok, 1961), 79. Sobre
o estado intermediário, ver adicionalmente Berkouwer, The Return of
Embora o homem exista agora no estado de unidade psico-somática, esta
unidade poderá ser temporariamente rompida no tempo da morte. Em 2
Coríntios 5.8 Paulo ensina claramente que os seres humanos podem
existir à parte de seus corpos presentes. O mesmo ponto é assinalado em
duas outras passagens do Novo Testamento:

A fim de que sejam os vossos corações confirmados em santidade, isentos


de culpa, na presença de nosso Deus e Pai, na vinda de nosso Senhor
Jesus Cristo, com todos os seus santos. (1 Ts 3.13)

Pois se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus,


mediante Jesus, trará juntamente em sua companhia os que dormem. (1
Ts 4.14)

Ambos os textos falam a respeito dos “santos” e “daqueles que dormem


com Cristo”, como existindo após a morte e antes da ressurreição —
observe que a ressurreição daqueles que dormiram em Cristo é
mencionada mais tarde em 1 Tessalonicenses 4.16. 76 [76] Pode ser
observado também que neste verso a expressão “mortos em Cristo”
claramente sugere que os crentes falecidos ainda estão em algum estado
de existência antes da ressurreição.

O estado normal do homem é o da unidade psico-somática. No tempo da


ressurreição ele será restaurado plenamente ao da unidade e, assim, uma
vez mais, será tornado completo. Mas nós devemos reconhecer que,
segundo o ensino bíblico, os crentes podem existir temporariamente num
estado de alegria provisória, mesmo fora de seus corpos presentes durante
o “tempo” entre a morte e a ressurreição. Este estado intermediário e,
contudo, incompleto e provisório. Nós anelamos para a ressurreição do
corpo e a nova terra como o clímax final do programa redentor de Deus.

Christ, (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), 32-64; e A Bíblia e o Futuro, 92-


108 (texto inglês)

76[76] Sobre esses versos ver W. Hendriksen, I and II Tessalonians, no


Comentário do Novo Testamento (Grand Rapids: Baker, 1955); Leon
Morris, The First and Second Epistles to the Thessalonians, in the New
International Commentary on the New Testament Series (Grand Rapids:
Eerdmans, 1959).
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

O entendimento do homem como uma pessoa total, como foi desenvolvido


neste capítulo, tem importantes implicações práticas.

Primeira, a igreja deve estar preocupada com a pessoa total. Em sua


pregação e em seu ensino a igreja deve dirigir-se não somente às mentes
daqueles a quem ela serve, mas também às suas emoções e suas vontades.
A pregação que meramente comunica informação intelectual a respeito de
Deus ou da Bíblia está seriamente inadequada; os ouvintes devem ser
despertados em seus corações e movidos a louvar a Deus. Os professores
na escola dominical devem fazer mais do que simplesmente dar aos alunos
uma rota de “conhecimento” versos da Bíblia ou das afirmações
doutrinárias; seu ensino deve exigir uma resposta que envolva todos os
aspectos da pessoa. Os programas da igreja para a juventude não deveria
negligenciar o corpo; os esportes e as atividades externas deveriam ser
encorajadas como um aspecto da vida cristã globalizada.

Em sua tarefa evangelista e missionária, a igreja deveria lembrar-se


também que ela está tratando com pessoas completas. Embora o propósito
principal de missões seja confrontar as pessoas com o evangelho, de forma
que elas possam se arrepender de seus pecados e serem salvas através da
fé em Cristo, todavia a igreja nunca deve se esquecer que os objetos de sua
empreitada missionária têm necessidades tanto físicas quanto espirituais.
Com isto em mente, o fato de que o homem é um ser unitário, deveríamos
evitar expressões como “salvar a alma” quando descrevendo a tarefa do
missionário, e deveríamos optar por uma abordagem holística ou
abrangente em missões. Esta abordagem, que algumas vezes é conhecida
como “o ministério da palavra e das ações”, direciona o missionário a estar
preocupado não somente a respeito de ganhar convertidos para Cristo,
mas também em melhorar as condições de vida desses convertidos e seus
vizinhos, trabalhando em áreas como agricultura, dietética e saúde. O
estabelecimento de escolas para a educação cristã dos nacionais e a
manutenção de clínicas e hospitais tanto para o cuidado da saúde
rotineira como da emergencial, entretanto, não deve ser considerado como
estranho à província da atividade missionária da igreja, mas como um
aspecto essencial dela. Arthur F. Glasser, ex-deão da Escola de Missões
Mundiais do Seminário Teológico Fuller (California), diz que na tarefa como
missionários cristãos,

O desenvolvimento da fé individual e interior deve ser acompanhado por


uma obediência solidária e exterior ao mandato cultural extensamente
detalhado na Santa Escritura. O mundo deve ser servido, não evitado. A
justiça social deve ser promovida, e as questões de guerra, racismo,
pobreza e desequilíbrio econômico devem se tornar uma preocupação ativa
e participativa daqueles que professam crer em Jesus Cristo. Não é
suficiente que a missão cristã seja redentora; ela também deve ser
profética.77 [77]

A escola deveria também estar preocupada a respeito da pessoa total.


Embora um dos principais propósitos da escola seja a instrução
intelectual, o professor nunca deveria esquecer que o aluno que está
ensinando é uma pessoa total. A escola, portanto, não deveria treinar
apenas a mente, mas deveria apelar para as emoções e vontade, visto que
o ensino eficaz deve produzir no aluno tanto o amor pela matéria como um
desejo de aprender mais a respeito dela. Além disso, as escolas deveriam
evidenciar uma preocupação pelo corpo assim como pela mente. Os
esportes de espectadores, no qual poucos jogam e muitos meramente
observam, têm o seu lugar, mas muito mais importante para o corpo
discente como um todo é um bom programa de educação física, com uma
ênfase nos esportes de jogos internos que envolvam todos os estudantes.

O conceito da pessoa total tem também implicações para a vida de família.


Os pais crentes ficarão preocupados em ensinar a seus filhos a respeito de
Deus, em treiná-los na vida cristã, e a discipliná-los em amor quando
carecem disto. Mas os pais devem também estar preocupados a respeito de
assuntos como uma dieta saudável e própria para o cuidado do corpo.
Está sendo cada vez mais reconhecido hoje que um programa regular de
exercício físico é essencial para uma boa saúde; os pais, portanto,
deveriam tentar ensinar a seus filhos o cuidado do corpo, não somente por
preceito mas também pelo exemplo.

Além disso, o conceito da pessoa total tem implicações para a medicina.


Em reconhecimento do fato de que o homem é uma unidade psico-
somática, a ciência médica desenvolveu recentemente uma abordagem
chamada medicina holística.78 [78] A medicina holística tem sido definida
como “um sistema de saúde que enfatiza a responsabilidade pessoal para a

77[77] “Missiology”, no Evangelical Dictionary of Theology, editado por


Walter ª Elwell (Grand Rapids: Baker, 1984), 726. Ver também William
Dyrness, Let the Earth Rejoice: A Biblical Theology of Holistic Mission
(Westchester, IL: Crossway Books, 1983); Francis M. Dubose, God who
Sends: a Fresh Quest for Biblical Mission (Nashville: Broadman Press,
1983); e J. H. Boer, Missions: Heralds of Capitalism ou Christ? (Ibadan,
Nigeria: Day Star Press, 1984).

78[78] The American Holistic Medical Association foi fundada em Maio de


1978.
própria saúde e empenha-se por um relacionamento cooperativo entre
todos os envolvidos em proporcionar cuidados de saúde.” 79 [79] Os
praticantes da saúde holística “enfatizam a necessidade da busca pela
pessoa total, incluindo condição física, nutrição, maquiagem emocional,
estado espiritual, valores de estilo de vida e ambiente.” 80 [80]

Num livro fascinante entitulado Anatomy of an Illness (“Anatomia de uma


Doença”) Norman Cousins faz um comentário de que um dos aspectos
mais importantes na recuperação de uma doença está na “vontade de
viver”: “A vontade de viver não é uma abstração teórica, mas uma
realidade fisiológica com características terapêuticas.” 81 [81] Cousins relata
que centenas de médicos lhe têm dito que “nenhum remédio que eles
podem dar aos pacientes foi tão potente como o estado de alma que um
paciente traz para sua própria doença.” 82 [82] Segundo Cousins, nos
exercícios de graduação da Escola de Medicina da Universidade John
Hopkins em 1975, o Dr. Jerome D. Frank disse aos graduandos “que
qualquer tratamento de uma doença que não ministre também ao espírito
humano é grosseiramente deficiente.” 83 [83] A Conclusão é clara: A cura e
a manutenção da saúde física envolve a pessoa total. Médicos,
enfermeiras, pastores e pacientes devem sempre ter isto em mente.84 [84]

79[79] “Holistic Medicine”, Encyclopedia Americana, vol. 14 (Danbury, CT:


Grolier, 1983), 294.

80[80] Ibid.

81[81] New York: Norton, 1979, 44.

82[82] Ibid., 139.

83[83] Ibid., 133.


Finalmente, o conceito da pessoa total tem implicações importantes para a
psicologia e para o aconselhamento. Estudos recentes de psicologia têm
levado a uma nova ênfase na totalidade do homem — uma ênfase que é
chamada algumas vezes de “teoria organísmica”. 85 [85] Hall and Lindzey
afirmam que a nova ênfase em psicologia sobre a pessoa total é uma
reação contra o dualismo mente-corpo, a psicologia das faculdade, e o
behaviorismo (comportamentalismo). Esta nova ênfase, eles dizem, tem
sido grandemente aceita:

Quem há em psicologia hoje que não seja um proponente dos principais


princípios da teoria organísmica que o total é algo além da soma de suas
partes, que o que acontece a uma parte acontece ao todo, e que não há
nenhum compartimento separado dentro do organismo? 86 [86]

Os conselheiros devem lembrar-se também do fato de que o homem é uma


pessoa total. Eles deveriam ser treinados a reconhecer os problemas que
requerem a especialidade de outros além de si mesmos, e deveriam
encaminhar seus aconselhandos, quando necessário, a médicos e
psiquiatras. Os problemas mentais não deveriam ser tidos como
totalmente distintos dos problemas físicos, porque nenhum tipo de
problema está sempre separado do outro. Visto drogas anti-depressivas
podem curar certos tipos de depressão, um conselheiro sábio fará uso
desses meios. Pacientes que possuem problemas muito profundos, de fato,
podem mais eficazmente ser curados através de esforços combinados de

84[84] Entre a literatura volumosa sobre a medicina holística, os seguintes


estudos podem ser observados: David Allen, Whole Person Medicine
(Downers Grove: InterVarsity Press, 1980); Ed Gaedwag, Inner Balance:
The Power of Holistic Healing (Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1979);
Jack La Patra, Healing: The Coming Revolution in Holistic Medicine (New
York: McGraw, 1978); Morton Walker, Total Health: The Holistic Alternative
to Traditional Medicine (New York: Everest House, 1979).

85[85] Ver “Organismic Theory” na obra de Calvin S. Hall e Gadner Lindzey,


Theories of Personality, (New York: John Wiley, 1970), 298-337. Observe a
bibliografia no final do capítulo.

86[86] Ibid., 330


uma equipe terapêutica, consistindo, talvez, de um psicólogo, um
assistente social, um médico e um psiquiatra.87 [87]

O conselheiro não deveria pensar de uma saúde mental e espiritual como


coisas totalmente separadas. Visto que o homem é uma pessoa total, o
espiritual e o mental são aspectos de uma totalidade, de forma que cada
aspecto influencia e é influenciado pelo outro. Howard Clinebell diz o
seguinte: “A saúde espiritual é um aspecto indispensável da saúde mental.
Os dois podem estar separados somente numa base teórica. Nos seres
humanos vivos, a saúde espiritual e mental estão inseparavelmente
entrelaçadas.”88 [88]

Algumas vezes o conselheiro pastoral pode pensar que a mera

citação dos versos da Bíblia pode ser tudo o de que necessita para ajudar o
membro da igreja a resolver um difícil problema espiritual. Mas um
entendimento do homem como uma pessoa total conduz-nos a perceber
que tal abordagem pode ser totalmente inadequada. David G. Benner, num
artigo no qual ele desafia a opinião comum de que a personalidade
humana pode ser dividida em duas partes, uma “parte” espiritual e uma
psicológica, ilustra seu ponto da seguinte maneira:

A tentação, portanto, de rotular a dificuldade de uma pessoa em aceitar o


perdão de Deus de seus pecados como um problema espiritual deve ser
resistido a fim de deixar o conselheiro muitíssimo aberto para tratar com
ambos os aspectos, psicológico e espiritual, daquele problema. Assumir
natureza espiritual essencial e proceder por meio de uma apresentação
explícita de certas verdades bíblicas é esquecer que o perdão, esteja ele
sendo dado ou recebido, é mediado por processos psico-espirituais da
personalidade e, portanto, esses outros fatores psicológicos podem
também estar envolvidos e outras técnicas sejam apropriadas.89 [89]

87[87] Karl Menninger The Vital Balance (New York: Viking Press, 1963),
335.

88[88] Mental Health Through Christian Community (Nashville: Abingdon,


1965), 20.

89[89] “What God Hath Joined: The Psychospiritual Unity of Personality”,


The Bulletin: Christian Association for Psychological Studies 5, no. 2 (1979):
11.
O conselheiro cristão, portanto, deveria ver os problemas de seus
aconselhandos como problemas da pessoa total. Ele deveria não somente
tratar com o aconselhando como uma pessoa total, mas deveria também
tentar restaurá-lo à sua totalidade, que é a marca de uma vida saudável e
piedosa.90 [90]

90[90] Sobre a pessoa total, veja também Salvatore R. Maddi, Personality


Theories (Homewood, IL: Dorsey Press, 1980).

Capítulo 12 do excelente livro “Criados à Imagem de Deus”, da Cultura


Cristã.
 

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