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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA – 3ª REGIÃO

Ofício PRR/3ª Região


JLBL – 1.002/2019 São Paulo, 03 de maio de 2019.
(Etiqueta PRR3 – 00012276/2019)

Ref.: Encaminha Representação relativa à inconstitucionalidade da Resolução


Conama nº 491/2018.

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Senhora Procuradora-Geral da República,

Cumprimentando-a, os Procuradores Regionais da República


signatários vêm, respeitosamente, representar a Vossa Excelência pela propositura de ação
direta de inconstitucionalidade (ADI) em face da Resolução Conama nº 491, de 19 de
novembro de 2018, pelas razões deduzidas na Representação anexa.

Como se demonstra na Representação, o referido ato normativo, que


dispõe sobre os padrões de qualidade do ar, violou diretamente a Constituição Federal,
ferindo o núcleo essencial dos direitos fundamentais ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, à saúde e à vida, cuja proteção suficiente, adequada e eficaz é dever do
Estado.

Excelentíssima Senhora
DOUTORA RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE
Digníssima Procuradora-Geral da República
Procuradoria-Geral da República
Brasília-DF
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O longo processo que culminou com a edição da Resolução nº


491/2018 foi acompanhado desde o início de suas discussões, em 2012, pelos procuradores
signatários, tendo ambos sido representantes do Ministério Público Federal junto ao
Conama (José Leonidas Bellem de Lima, entre 2012 a 2016, e Fátima Aparecida de Souza
Borghi, de 2016 até o presente).

No decorrer desses trabalhos, como se narra na Representação, não


faltaram providências e manifestações do Ministério Público Federal, em conjunto com as

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entidades ambientalistas independentes com assento no Conama, perante as instâncias
administrativas competentes para o conserto das irregularidades, indicando não apenas as
falhas materiais que ora se consubstanciam na resolução combatida, mas também os vícios
procedimentais que se acumularam ao longo do seu processo de feitura. O resultado a que

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se chegou, com a aprovação de norma patentemente inconstitucional, já demonstra que
aqueles esforços foram, contudo, infrutíferos.

Nesse contexto, foi criado, por meio da Portaria 4ª CCR nº 17, de 6


de julho de 2017, o Grupo de Trabalho 4ª CCR – Qualidade do Ar, sob coordenação do
procurador signatário e contando com equipe multidisciplinar, composto tanto por membros
do MPF quanto por especialistas de áreas afins do conhecimento e dirigentes de entidades
ambientalistas da sociedade civil. Um dos objetivos do GT, conforme o artigo 2º, inciso V, do
referido ato de criação, consiste em “[a]companhar a proposta de revisão da Resolução
Conama nº 03/1990, que dispõe sobre padrões de qualidade do ar, previstos no PRONAR,
assim como de outras propostas de revisões de resoluções que tenham relação com a
qualidade do ar”.

Ademais, em 24 de maio de 2018, já avançado o trâmite na fase da


câmara técnica do Conama, o Ministério Público Federal, em iniciativa conjunta com o
Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM) e o Instituto Saúde e Sustentabilidade,
promoveu, na sede desta PRR – 3ª Região, uma audiência pública sobre o referido
processo e os perigos que adviriam da aprovação da então minuta de resolução.

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Tivemos, no evento, a presença de renomados médicos


epidemiologistas, membros de entidades do terceiro setor atuantes nas áreas ambiental e
de saúde pública, representantes de associação da classe médica e de organismos
internacionais, experts em gestão ambiental e inovação tecnológica, bem como juristas,
tendo contado inclusive com a ilustre presença do Prof. José Afonso da Silva.

Aliás, naquela ocasião foi exibida, em vídeo, a fala que Vossa


Excelência nos transmitiu para a abertura dos trabalhos, e na qual declarou, de modo muito

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consequente, que “no centro desta Audiência Pública estão em jogo dois bens essenciais à
vida: a saúde e o meio ambiente. Com efeito, qualquer regramento que não garanta a
extensiva e eficaz proteção a esses direitos não estará sob a guarda da nossa ordem
constitucional”.

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É assim que, tendo nesse ínterim sido efetivamente aprovada e
publicada a resolução, e subsistindo no texto final todos vícios que já vinham sendo
apontados ao longo do processo do Conama, apresentamos a Representação anexa, na
esperança de que as razões deduzidas e outras informações trazidas possam subsidiar a
elaboração, por Vossa Excelência, de ADI em face da norma violadora de nossa Carta
Maior.

Ressaltamos, por fim, que acompanham o documento os subsídios


técnicos trazidos com exclusividade pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade (Anexo 2) e pelo
PROAM (Anexo 3), e cuja autoria competiu a membros efetivos do referido GT Qualidade do
Ar, Doutora Evangelina Vormittag e os Senhores Carlos Bocuhy e Olímpio Alvares.

Os trabalhos mencionados constituem parte integrante da presente


Representação, por imprescindíveis na adequada compreensão de um tema tão complexo
como os padrões de qualidade do ar (até para que se tenha a justa dimensão da violação
em que incorreu o Estado ao não proteger o núcleo essencial dos direitos fundamentais
envolvidos, quando era perfeitamente viável tê-lo feito). Por conseguinte, a peça que ora
apresentamos tem sua autoria estendida também àqueles profissionais.

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Nesses termos, contando com os bons préstimos de Vossa


Excelência, os signatários solicitam e aguardam a propositura de ação direta de
inconstitucionalidade em face da Resolução Conama nº 491, de 19 de novembro de 2018.

Por oportuno, renovamos os votos de distinta consideração.

São Paulo, 03 de maio de 2019.

JOSÉ LEONIDAS BELLEM DE LIMA FÁTIMA APARECIDA DE SOUZA BORGHI


Procurador Regional da República Procuradora Regional da República

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Coordenador do GT Qualidade do Ar Representante do Ministério Público Federal
da 4ª CCR (Portaria 4ªCCR nº 17/2017) junto ao Conama
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REPRESENTAÇÃO
(REF.: RESOLUÇÃO CONAMA Nº 491/2018)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO. 2. POLUIÇÃO DO AR E SAÚDE. 3. O PROCESSO DE REVISÃO


DA RESOLUÇÃO CONAMA Nº 03/90. 4. ELEMENTOS DE INEFETIVIDADE DA
RESOLUÇÃO CONAMA Nº 491/2018. 4.1. AUSÊNCIA DE PRAZOS

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PEREMPTÓRIOS. 4.2. OS PADRÕES INTERMEDIÁRIOS E SUA BAIXA
PROTETIVIDADE. 4.3. INEFICÁCIA E OBSCURIDADE DOS MECANISMOS PARA
PROGRESSÃO DE PQAR’S. 4.4. OS PADRÕES INTERMEDIÁRIOS E O
LICENCIAMENTO AMBIENTAL EM ÁREAS JÁ SATURADAS DE POLUENTES.
4.5. OS VALORES EXORBITANTES DE CONCENTRAÇÃO DE POLUENTES PARA

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OS EPISÓDIOS CRÍTICOS. 4.6. A BAIXA QUALIDADE DA INFORMAÇÃO
PASSADA À POPULAÇÃO. 5. CABIMENTO DO CONTROLE ABSTRATO DE
CONSTITUCIONALIDADE. 6. A RESOLUÇÃO CONAMA Nº 491/2018 E A
PROTEÇÃO INSUFICIENTE. 7. CONCLUSÃO.

ANEXOS

1. RESOLUÇÃO CONAMA Nº 491, DE 19 DE NOVEMBRO DE 2018.


2. “AVALIAÇÃO DA RESOLUÇÃO 491/2018 QUANTO À SUA EFETIVIDADE PARA
PROTEÇÃO DA SAÚDE E SOBRE OS MECANISMOS DE INFORMAÇÃO À
SOCIEDADE” (SUBSÍDIO DO INSTITUTO SAÚDE E SUSTENTABILIDADE).
3. “VIABILIDADE DE ADOÇÃO DE MEDIDAS DE CONTROLE DE EMISSÕES
ATMOSFÉRICAS NO CURTO PRAZO” (SUBSÍDIO DO PROAM).
4. “RELATÓRIO DE AUDIÊNCIA PÚBLICA: ‘AVALIAÇÃO DA PROPOSTA DE MI-
NUTA DO CONAMA SOBRE PADRÕES DE QUALIDADE DO AR PARA O BRASIL E
SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O MEIO AMBIENTE E A SAÚDE – REVISÃO DA
RESOLUÇÃO 03/90’”.
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1. INTRODUÇÃO

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)1 editou, em 19 de


novembro de 2018, a Resolução nº 491/2018 (Anexo 1), que dispõe sobre os padrões de
qualidade do ar. A nova regulamentação resulta do longo processo de revisão da Resolução
nº 03/1990, originado em 2010 por iniciativa de entidades ambientalistas da sociedade civil
com assento naquele Conselho. A antiga norma do Conama já se encontrava, àquela época,
muito defasada ante as referências internacionais, que se amparavam nas descobertas
acumuladas em vários ramos das ciências médicas, indicando novos e mais intensos efeitos
nocivos da poluição do ar sobre a saúde humana.

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Em 2005, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou — após
o amplo e profundo trabalho de suas comissões compostas por pesquisadores e cientistas
de várias nacionalidades — uma atualização de suas conhecidas “guias” de qualidade do ar

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(air quality guidelines), com base em muitos estudos de alto nível que passam por
cuidadoso processo de peer review, que atesta sua consistência científica. As guias são
valores de concentração fixados para determinados poluentes atmosféricos, considerados
como limite o para indicar o “menor risco à saúde”, e que devem servir de parâmetro para os
Estados nacionais na elaboração de seus padrões de qualidade do ar (PQAr’s).

Conforme será abordado nesta representação, ainda que seja


verdade que não existem níveis “inofensivos” de poluição do ar para a saúde humana (uma
vez que, marginalmente, os grupos mais vulneráveis podem sempre ser afetados, inclusive
com concentrações baixíssimas de poluentes), o fato é que as guias da OMS se prestam
como um limiar (ou um “ponto ótimo”) confiável — no sentido de ser cientificamente
lastreado — para a aferição dos “menores efeitos” adversos da contaminação atmosférica
sobre a saúde.

1 O Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, atualmente vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, foi
criado pela Lei n. 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, configurando-se como órgão
deliberativo e consultivo integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama. No exercício de sua
função deliberativa, o Conama tem normatizado, em caráter infralegal, todos os assuntos atinentes ao meio
ambiente. Essa regulamentação em matéria ambiental se dá principalmente por meio de resoluções, que
têm alcance nacional e constituem, dentre as categorias de atos legalmente facultadas à atividade do
colegiado, aquela com maior caráter normativo. Por meio de resolução, o Conama pode estabelecer
diretrizes, normas técnicas, critérios e padrões ambientais, além de determinar a realização de estudos
ambientais e a perda ou restrição de benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público.

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Os padrões de qualidade do ar, por sua vez, objeto das Resoluções


Conama nº 03/1990 (revogada) e 491/2018 (vigente), são os valores efetivamente
estabelecidos pelo Conama como “teto”, e devem ser respeitados e levados em conta pelos
entes estatais no desenvolvimento de suas políticas programas e ações de gestão
ambiental.

Os PQAr’s são peças centrais e decisivas para o sucesso das


políticas públicas de promoção da melhoria da qualidade do ar, e por isso devem sempre
refletir objetivamente os níveis mais protetivos à saúde da população segundo a ciência
médica atual, ou ao menos conduzir a uma progressiva convergência com esses

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referenciais.

Assim, os PQAr’s — a depender dos valores adotados — também


assumem a função de “meta” a ser atingida, estimulando gestores públicos, setor produtivo

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e sociedade civil organizada a pautarem suas agendas em conformidade com o atingimento
desse norte protetivo, em que pese que autoridades ambientais estaduais poderem
estabelecer suas próprias metas, desde que mais restritivas (mais rigorosas e mais seguras)
que os PQAr’s nacionais.

Desde 2005, com a publicação das guias da OMS, ficou evidente que
os padrões que vigoravam no Brasil por força da Resolução Conama nº 03/1990 estavam
muito defasados em relação a índices baseados em evidências científicas atualizadas. A
resolução de 1990, mesmo sendo extremamente permissiva, não lograra qualquer êxito
como referencial efetivamente aplicado em nível nacional, e não surtiu nenhum efeito para
mitigar a poluição atmosférica em diversas áreas urbanas em que dezenas de milhões de
brasileiros ficam sujeitas à exposição permanente. Não poderia ser diferente, já que aqueles
PQAr’s não vinham acompanhados de um arcabouço de política pública com eficácia e
efetividade suficientes para fazer valer a pretendida obediência ou convergência com os
padrões.

À guisa de ilustração, os estados — efetivamente responsáveis pela


gestão da qualidade do ar em seus territórios — não dispõem até hoje, salvo algumas
exceções, de instalações suficientes para monitoramento da qualidade do ar, ainda que isso

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já esteja previsto desde 1989 em resoluções do Conama, 2 e desde 1993 em lei.3 Sem a
medição da qualidade do ar4, como aferir se os PQAr’s nacionais estão sendo atendidos, ou
como saber quais os esforços de gestão das emissões atmosféricas serão necessários ao
longo do tempo para o atingimento dos padrões seguros e protetivos à saúde pública?
Desse modo, os PQAr’s de 1990 do Conama, além de totalmente desprotetivos, tornaram-
se, acima de tudo, supérfluos.

A oportunidade para reversão desse quadro adveio, enfim, em 2010,


com a abertura do procedimento de revisão da Resolução Conama nº 03/1990, por iniciativa
de entidades ambientalistas da sociedade civil com assento neste Conselho.

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Reconhecendo a defasagem da antiga resolução ante as guias da
OMS, as entidades proponentes desde aquele momento pugnavam pela adequação da
regulamentação brasileira às balizas científicas oferecidas pelo organismo internacional.

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Como será relatado em tópico específico desta representação, o propósito original da
iniciativa das ONG’s ambientalistas foi integralmente mutilado ao longo do procedimento que
gerou a Resolução nº 491/2018, muito em razão da influência prevalente de interesses
econômicos, políticos, classistas etc., que, na composição do plenário e das câmaras
técnicas (CTAJ e CTQAGR) do Conama, são representados por esmagadora maioria e são
em todo colidentes com a finalidade institucional de proteção do meio ambiente, da saúde e
da vida.

Esse procedimento — eivado de vícios, carente de motivação nos


seus atos, e que se alternou entre a letargia e o açodamento, ao sabor das vontades das

2 Resolução Conama nº 5/1989, item 2.4. “Considerando a necessidade de conhecer e acompanhar os níveis
de qualidade do ar no país, como forma de avaliação das ações de controle estabelecidas pelo PRONAR, é
estratégica a criação de uma Rede Nacional de monitoramento da Qualidade do Ar. Nestes termos, será
estabelecida uma Rede Básica e Monitoramento que permitirá o acompanhamento dos níveis de qualidade
do ar e sua comparação com os respectivos padrões estabelecidos.”
Resolução Conama nº 3/1990, artigo 5º. “O monitoramento da qualidade do ar é atribuição dos estados.”
3 Lei nº 8.723/1993, artigo 15, caput. “Os órgãos ambientais governamentais, em nível federal, estadual e
municipal, a partir da publicação desta lei, monitorarão a qualidade do ar atmosférico e fixarão diretrizes e
programas para o seu controle, especialmente em centros urbanos com população acima de quinhentos mil
habitantes e nas áreas periféricas sob influência direta dessas regiões.”
4 Ao longo do ano de 2018, o Procurador Regional da República, Doutor José Leonidas Bellem de Lima,
coordenador do Grupo de Trabalho “Qualidade do Ar”, da 4ªCCR/MPF, oficiou aos titulares dos órgãos
estaduais e distrital do meio ambiente, solicitando informações sobre o monitoramento da qualidade do ar
em cada uma daquelas unidades da federação, o que foi feito sob a forma de um questionário. Até o
presente momento, das 26 autoridades oficiadas, apenas 16 remeteram suas respostas. Dentre as
respondentes, apenas 7 declararam contar com algum tipo de rede de monitoramento de qualidade do ar
instalada no seu território.

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maiorias constituídas no Conama — veio então a culminar com a edição da Resolução


Conama 491/2018.

Em relatório conclusivo de audiência pública (Anexo 4) promovida


em 24 de maio de 2018 pelo Ministério Público Federal, em parceria com o Instituto
Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM) e o Instituto Saúde e Sustentabilidade (que
inclusive participaram do processo de revisão da Resolução nº 03/1990), fica clara a
percepção unânime dos participantes do evento de que aquele procedimento viciado, bem
como a composição dos órgãos do Conama envolvidos no procedimento, foram relevantes
concausas para a edição de uma norma extremamente perniciosa do ponto de vista da

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proteção devida aos direitos fundamentais, em frontal desrespeito à missão do institucional
do Conama.

Cita-se a respeito um trecho do referido relatório da audiência

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pública, que aconteceu durante as fases finais do trâmite do procedimento de revisão no
Conama, quando já estava conformada, em linhas gerais, a norma que foi posteriormente
aprovada:

“De forma sintética e casada com os tópicos abordados, poderia ser lançada
a seguinte formulação em relação ao processo de revisão da Resolução
Conama n. 03/90:

Um processo de cognição eivado de vícios e propício a arbitrariedades (item


3.1) gestou uma minuta de resolução precária e ineficaz do ponto de vista
da proteção do meio ambiente e da vida (item 3.2). Para tanto, não foram
sequer levados em conta os argumentos científicos que demonstram os
impactos que tal resolução causará à saúde pública (item 3.3), tampouco
considerados os estímulos de mudança que a boa norma poderia induzir
sobre os setores produtivos e agentes públicos competentes (item 3.4). Isso
tudo só pôde suceder desta forma por meio da frontal violação a um
consolidado marco normativo de viés protetivo à saúde e ao meio ambiente,
e que prevê a efetiva e concreta participação social nas instâncias
deliberativas em matéria ambiental (item 3.5).”5

Com efeito, a Resolução Conama nº 491/2018 pode ser contestada


em diversos pontos, tanto nos seus aspectos técnicos quanto jurídicos, e isso porque essas
duas dimensões estão, neste caso, imbricadas na demonstração cabal de que a
regulamentação do Conama 1) é intrinsecamente imprestável aos fins a que se destina,

5 Anexo 4, p. 43.

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como norma jurídica e como política pública; 2) materialmente destituída de bases técnicas
e científicas necessárias para sua operacionalidade; e 3) ineficaz como instrumento de
indução da capacitação institucional para monitoramento e gestão da qualidade do ar,
padece de uma incontornável insuficiência protetiva.

Assim, a tese que aqui se defende nesta representação é a de que a


novel norma do Conama é patentemente inconstitucional, por violar os deveres estatais de
proteção de direitos fundamentais da maior essencialidade (no caso, o meio ambiente, a
saúde e a vida), notadamente pela via da proteção insuficiente.

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Conforme será devidamente abordado nos tópicos seguintes desta
representação, a Resolução Conama nº 491/2018 não significou apenas o desperdício da
oportunidade de substituir uma norma obsoleta. Mais do que isso, a norma aqui sob análise,
por sua incapacidade de prover a proteção suficiente, adequada e eficaz — e

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constitucionalmente garantida — àqueles direitos fundamentais, não pode integrar o mundo
jurídico.

Neste quadrante, a Procuradora-Geral da República, Senhora


Raquel Dodge, em vídeo gravado exclusivamente para o evento citado, declarou, em
perfeita síntese, que “no centro desta Audiência Pública estão em jogo dois bens essenciais
à vida: a saúde e o meio ambiente. Com efeito, qualquer regramento que não garanta a
extensiva e eficaz proteção a esses direitos não estará sob a guarda da nossa ordem
constitucional”.6

6Anexo 4, p. 52.

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2. POLUIÇÃO DO AR E SAÚDE

A poluição do ar tem sido há muito tempo uma das mais concretas


preocupações mundiais. Inúmeros estudos, cada vez mais aprofundados, têm consignado
de forma insofismável que essa perniciosa degradação ambiental tem ceifado milhares de
vidas e produzido incomensuráveis danos à saúde humana.

Inúmeros e contundentes têm sido os alertas aos povos e seus


governantes. Contudo, os sérios apelos feitos por uma tutela mais protetiva, capaz de
debelar a mortandade causada pela poluição do ar, não têm recebido das autoridades

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públicas respostas à altura da gravidade do problema.

Alguns países, em especial o Brasil, têm se esquivado, de forma


dolosa e com manifesta desfaçatez, da necessária busca por medidas capazes de

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equacionar essa agressão aos direitos fundamentais do meio ambiente, da saúde e da vida.

Com efeito, destaca-se o sábio alerta feito pelo Professor José


Afonso da Silva, na Mesa de Abertura da Audiência da Audiência Pública, em relação à
dimensão do problema da poluição atmosférica:

“Eu quero apenas manifestar a ideia de que a poluição do ar é a mais


danosa das poluições, porque ela é expansiva. É expansiva no sentido de
que ela provoca a poluição de todos os demais elementos da natureza, na
medida em que os detritos e elementos que ela provoca na atmosfera
acabam descendo à terra e contaminando a água, contaminando as
florestas, enfim, contaminando os demais elementos, e especialmente
porque ela provoca doenças respiratórias que levam à morte, como ficamos
sabendo através das estatísticas de morte em consequência dessa
poluição. E, mais, porque ela provoca o efeito estufa e gera o aquecimento
global, que por sua vez tem consequências imensas, possivelmente
desastrosas e destruidoras a longo prazo, se não se cuidar da própria
humanidade.”7

Parte integrante desta representação, o subsídio técnico elaborado


pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade, sob autoria de sua Diretora Técnica, Doutora
Evangelina Vormittag (Anexo 2 – “Avaliação da Resolução 491/2018 quanto à sua
efetividade para proteção da saúde e sobre os mecanismos de informação à sociedade”)

7 Anexo 4, p. 5.

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relata de forma clara e didática a relação da poluição com a má qualidade do ar e a sua


nocividade à vida humana. Do alentado estudo destacamos:

“A poluição do ar é reconhecida como o maior risco ambiental para a saúde,


ultrapassando a mortalidade por doenças causadas pela água insalubre e
transmitidas por vetores. Além disso, ressalta-se – está entre os quatro
maiores riscos modificáveis relacionado à mortalidade por doenças crônicas
não transmissíveis – antes dela, encontram-se apenas o risco alimentar,
pressão arterial e tabagismo. Como ilustra a Figura 1.

Figura 1: Principais riscos modificáveis por número de mortes em 1990 e


2013.

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Outra característica do ar tóxico, revelado pela International Agency for
Research on Cancer (IARC), foi sua classificação como agente
cancerígeno, o que significa que o ar contaminado por si só, independente
da concentração de poluentes ou do grau de exposição da população,
passou a ser considerado uma causa ambiental de mortes por câncer de
pulmão e bexiga. Isto significa que o risco de se desenvolver os dois tipos
de câncer é significativamente maior em pessoas expostas à poluição
atmosférica.8

Em maio de 2018, a Organização Mundial de Saúde, detentora do


mais amplo banco de dados do mundo sobre qualidade do ar — contando com informações
de mais de 4,3 mil cidades em 108 países — divulgou estimativas alarmantes: a cada ano,
morrem no planeta cerca de 7 milhões de pessoas em decorrência da exposição à
micropartículas poluentes em suspensão no ar. Desse total, 4,2 milhões de mortes são
causadas por contaminação em ambientes externos (poluição atmosférica), ficando o

8 Anexo 2, p. 2-3.

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restante a cargo da queima de combustíveis poluentes dentro das casas, principalmente


para preparo de alimentos.9

Mais recentemente, porém, foi amplamente divulgada na imprensa a


10
notícia de estudo conduzido por pesquisadores europeus que, se valendo de novas
evidências científicas e metodologias de cálculo, chegaram a estimativas de mortes
atribuídas à poluição atmosférica (externa) muito mais drásticas que as últimas que haviam
sido divulgadas pela OMS. O subsídio do Instituto Saúde e Sustentabilidade dá conta
dessas novas conclusões:

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“Contudo, recentemente em 2019, de acordo com pesquisadores do
Instituto Max Planck, as estimativas já são maiores, chegando ao número de
8,8 milhões de mortes por ano em todo mundo, sendo o dobro da
estimativa realizada anteriormente pela mesma instituição. Esse número é
superior ao valor estimado pela OMS para mortes atribuídas ao uso do
tabaco, que é de 7,2 milhões de mortes por ano.” [Grifos nossos.] 11

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Como se lê também no trabalho, a poluição do ar avança no mundo,
produzindo, em consequência, acelerada majoração nos índices de mortalidade, agravando
a saúde da população, independentemente do desenvolvimento econômico do país.

“Em 2013, a exposição à poluição atmosférica estava associada a 4,1% de


todas as mortes em países de alta renda, onde a percentagem de mortes
tem diminuído desde 1990. Porém, em outras regiões, a porcentagem de
mortes relacionadas aos particulados finos (MP 2,5 – material particulado com
diâmetro inferior a 2,5 micras) aumentou entre 1990 e 2013: i) de 2,3 % a
3,5% em países de baixa renda, ii) de 4% a 5,1% em países de renda média
baixa e iii) de 5,7% a 7,4% em países de renda média alta. Em 2013, 75%
das mortes relacionadas a exposição ao MP2,5 – ocorreram em países de
renda média. A situação é mais agravante quando se compara as mortes
por doenças respiratórias em crianças menores de 5 anos, podendo ser
sessenta (60) vezes maior em países de baixa renda, em comparação a
países de alta renda.”12

Além de levar à morte, a poluição do ar atua como eficaz agente na


alta prevalência de doenças crônicas:

9 Fonte: <http://www.who.int/news-room/detail/02-05-2018-9-out-of-10-people-worldwide-breathe-polluted-air-
but-more-countries-are-taking-action>. Acesso em: 15 abr. 2019.
10 Disponível em: <https://academic.oup.com/eurheartj/advance-article/doi/10.1093/eurheartj/ehz135/5372326>.
Acesso em: 15 abr. 2019.
11 Anexo 2, p. 4.
12 Anexo 2, p. 6.

9
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“Por contribuir globalmente com a alta prevalência de doenças crônicas não


transmissíveis, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) –
os dados são assombrosos — a contaminação do ar é responsável por 35%
das mortes por doenças respiratórias, 15% das mortes por doenças
cerebrovasculares (derrames encefálicos), 44% das mortes por doenças do
coração, 6% das mortes por câncer de pulmão e 50% dos casos de
pneumonia em crianças. Dados similares são apontados pelos
pesquisadores REDDY e ROBERTS, em 2019 – que relaciona a associação
do ar tóxico a: 22% das mortes por doenças cardiovasculares; 25% das
mortes por derrames encefálicos; 53% das mortes por doenças pulmonares
obstrutivas crônicas e 40% das mortes por câncer de pulmão.”13

A nocividade da poluição do ar sobre o organismo humano se

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manifesta em todas as fases do ciclo vital. Do nascituro ao idoso, os reflexos negativos se
acumulam ao longo de toda a vida:

“No entanto, antes mesmo de nascerem, as crianças sofrem com a poluição

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do ar: há prejuízos no desenvolvimento fetal, maiores índices de retardo do
crescimento intrauterino, baixo peso ao nascer, anomalias congênitas e
morte fetal e neonatal.

Além disso, crescem as evidências das implicações da poluição do ar no


desenvolvimento cognitivo infantil e a indução precoce do desenvolvimento
de doenças crônicas para a idade adulta.

Em adultos e idosos, a variação tóxica ambiental pode afetar a saúde de


maneiras e níveis de gravidade diversos, já muito bem estabelecidos na
literatura mundial, a qual relaciona a poluição do ar ao maior risco de
arritmias e infarto agudo do miocárdio; bronquite crônica e asma (Doenças
Pulmonares Obstrutivas Crônicas – DPOC); obesidade, diabetes, depressão
e câncer do pulmão e bexiga.”14

Para uma visualização panorâmica de alguns dos graves problemas


à saúde advindos da poluição do ar, é valiosa a ilustração abaixo, trazida pelo referido
estudo:

13 Anexo 2, p. 7.
14 Anexo 2, p. 6-7.

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No Brasil, o quadro não é menos drástico para a saúde da


população. Em 2018, a Organização Mundial da Saúde divulgou estimativas que apontam o
surpreendente número de 50 mil mortes anuais no País decorrentes da poluição
atmosférica. Somadas as Américas, chega-se a 320 mil mortes por ano.

O Instituto Saúde e Sustentabilidade, no trabalho citado, traz dados


mais que alarmantes sobre a qualidade do ar e o impacto na saúde da população de seis
regiões metropolitanas brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória,
Curitiba e Porto Alegre).

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“Para todas as seis regiões metropolitanas descritas, que representam
juntas 23,5% da população brasileira (208.494.900 habitantes), seriam
contabilizadas, de 2018 até 2025, o assustador número de 127.919 mortes
precoces (5.989 mortes anuais), por um custo, em perda de produtividade,
estimado em R$ 51,5 bilhões; e 69.395 internações públicas (8.674

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internações públicas anuais), a um custo estimado pelo SUS em R$ 126,9
milhões. O estudo aponta 44 mortes e 24 internações públicas por dia
devido ao MP2,5 nas seis regiões metropolitanas.”15

Em relação às normativas que têm tratado deste tema no Brasil —


embora isso seja melhor detalhado mais adiante — é importante destacar que a Resolução
Conama nº 491/2018 não foi a primeira regulamentação pós-guias das OMS (2005) a
atualizar padrões de qualidade do ar.

Em 2013, o governo do Estado de São Paulo editou o Decreto nº


59.113/2013, que determinou a revisão dos PQAr’s estaduais, inclusive considerando como
meta final a vigência valores idênticos aos recomendados pela OMS, mas prevendo ainda
mais três “metas intermediárias” (MI), que deveriam funcionar como etapas prévias mais
permissivas que as guias do organismo internacional. Contudo, deliberadamente não fixou
prazos peremptórios para a progressão para os PQAr’s mais restritivos.

Esse registro acerca do decreto paulista se faz necessário, pois a


Resolução Conama nº 491/2018, em seus pontos centrais, é uma cópia do Decreto nº
59.113/2013 (como inclusive foi consignado por diversas vezes nas discussões do Conama,
especialmente nos âmbitos da câmara técnica de origem e do grupo de trabalho).

15Anexo 2, p. 18.

12
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Em razão dessa evidente e confessada relação de identidade com o


decreto paulista, já era ab initio comprovada a total imprestabilidade da resolução que se
plasmava no Conama. Como já houvera sido demonstrado pelo próprio Instituto de Saúde e
Sustentabilidade em alentada análise crítica16 dos dados de qualidade do ar disponibilizados
pela Cetesb em 2015 (crítica que se reitera no estudo anexo, tendo como perspectiva a
nova resolução do Conama), o decreto paulista revelou-se imprestável para conter a
degradação do ar no estado de São Paulo, além de não conter o seu avanço.

Portanto, os resultados esperados para a norma do Conama já

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podem ser sabidos de antemão: desde a publicação do decreto paulista até hoje, vigoram os
valores dos PQAr’s de partida (MI-1), mais permissivos aos agentes poluidores, e muito
superiores ao limiar considerado protetivo à saúde humana pelo parâmetro mais confiável
do ponto de vista científico hoje existente, qual seja, o das guias da OMS. Não pairam

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muitas dúvidas de que o mesmo acontecerá com o leniente PI-1 da Resolução Conama nº
491/2018, como será melhor analisado adiante.

A já citada análise do Instituto Saúde e Sustentabilidade sobre a


resolução do Conama fornece um comparativo entre os valores dos PQAr’s intermediários
iniciais previstos nas regulamentações brasileiras (a paulista e a do Conama), bem como
sua discrepância perante as guias da OMS. Vejamos:

Fica evidente que o aumento da poluição do ar no Brasil deriva da


desídia governamental (nas três esferas) em promover políticas públicas eficazes e capazes

16 Cf. VORMITTAG, Evangelina da M. P. A. de Araújo; SALDIVA, Paulo Hilário Nascimento. “Qualidade do ar no


estado de São Paulo (2015)” sob a visão de saúde. São Paulo: Instituto Saúde e Sustentabilidade, 2017.
Disponível em: <https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/pesquisa-qualidade-do-ar-no-estado-
de-sao-paulo-sob-a-visao-da-saude/>. Acesso em: 03 abr. 2019.

13
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de promover a tutela adequada desses importantes direitos fundamentais (meio ambiente


ecologicamente equilibrado, saúde e vida), e que a resolução combatida só fará permitir
esse descalabro.

Não conseguimos, por inércia e prevalência de interesses múltiplos


(políticos, econômicos, classistas etc) — os quais, em cotejo com os direitos fundamentais
assumem posições diametralmente oposta —, estabelecer um diálogo justo e equilibrado,
capaz de aliar o crescimento econômico, populacional e dos padrões de consumo ao
desenvolvimento social equilibrado e sadio.

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Com efeito, neste quesito estamos longe der conferir a máxima
efetividade constitucional ao direito ao meio ambiente, insculpido no art. 225 de nossa Carta
Política, sequer temos cumprido os ditames de nossa Política Nacional do Meio Ambiente
(Lei nº 6.938/81), constatação esta que não passou despercebida pelo próprio Professor

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José Afonso da Silva:

“A concepção de uma Política Ambiental Nacional foi um passo importante


para dar tratamento global e unitário à defesa da qualidade do meio
ambiente no país. Mas essa concepção tem que partir do princípio de que a
Política Ambiental não é bastante em si mesma, porque há de ser parte
integrante das políticas governamentais, visto como terá que compatibilizar-
se co objetivos de desenvolvimento econômico-social, urbano e tecnológico.
A busca da preservação do meio ambiente e do equilíbrio ecológico não raro
impõe delimitações à exploração de meios de produção, pela exigência de
manejo sustentado, que, por um lado, impede a utilização acelerada e
rendimento mais elevado e, por outro, cria custos adicionais de
racionalização, que os empreendedores sempre procuram evitar. A tensão
entre o interesse conservacionista e o interesse econômico em um lucro
imediato está sempre presente.”17

17 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 9.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 219-220.

14
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3. O PROCESSO DE REVISÃO DA RESOLUÇÃO CONAMA Nº 03/90

Para melhor aprofundamento da análise do objeto desta


representação — a inconstitucionalidade da Resolução Conama nº 491/2018 — é
necessário que se faça, ainda que de forma breve, uma digressão no “processo” de sua
criação, para que se tenha a exata dimensão da inaptidão e do casuísmo do órgão que a
deliberou.

Tal constatação há de reforçar ainda mais a certeza de que a


presunção de validade e eficiência das resoluções do Conama é bastante suspeita, e

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deverá, caso a caso, ser rigorosamente analisada pelos órgãos de controle e pelos seus
aplicadores.18

O processo de revisão da Resolução Conama nº 03/1990 tem

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origem, contudo, em novembro de 2010, quando o Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental
(PROAM) solicita à diretoria do Conselho providências para a criação de um grupo de
trabalho (GT) dedicado exclusivamente ao tema dos padrões de qualidade do ar (PQAr). A
entidade ambientalista proponente afirmava que os PQAr’s em vigência desde a edição da
normativa de 1990 se encontravam muito defasados ante as descobertas e avanços da
ciência alcançados posteriormente, tampouco atendiam às guias da OMS, publicadas em
2006.

O Processo nº 02000.002704/2010-22 inicia o seu trâmite, então, no


âmbito da Câmara Técnica de Qualidade Ambiental e Gestão de Resíduos (CTQAGR),
órgão fracionário sob o qual passou a funcionar o GT.

18 Alerta semelhante aparece, à guisa de conclusão, em artigo de José Leonidas Bellem de Lima sobre a falta
de paridade na composição do Conama e os reflexos negativos que isso gera sobre a produção normativa
do colegiado. In verbis:
“Enquanto não se corrigir esse estado de aberrante desigualdade de forças no CONAMA, caberá aos
aplicadores do direito, bem como aos doutrinadores, quando embasarem suas decisões ou opiniões em
normas que venham daquele conselho, analisar com apurada atenção e senso crítico se elas atendem aos
princípios constitucionais da concreta participação social nas questões ambientais e da igualdade numérica
entre os que defendem exclusivamente o meio ambiente e os demais representantes que labutam em prol
de outros interesses, que quase sempre se colidem com os interesses ambientais.
Caberá ainda perquirir se o CONAMA cumpriu, através da norma examinada, o seu desiderato legal de proteção e
melhoria da qualidade ambiental, e se tais regramentos atendem ao comando obrigatório e, portanto, o único a ser
seguido por esse conselho de normas compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e com a sadia
qualidade de vida.” (LIMA, José Leonidas Bellem de. “Democracia participativa, paridade e a necessária reforma da
composição do Conama. Fórum de direito urbano e ambiental, Belo Horizonte, ano 15, n. 87, p.25-40, mai./jun. 2016, p.
39.).

15
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Já se encontravam em estágio avançado, a essa época, as


discussões em São Paulo, no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), para a
atualização dos PQAr’s em vigência no estado. Disso resultou no Decreto Estadual nº
59.113, de 23 de abril de 2013, que revelou-se uma norma inócua, tal qual ocorre com a
Resolução Conama nº 491/2018, como se demonstrará mais à frente. Na norma paulista,
até são previstos os PQAr’s recomendados pela OMS, mas apenas como etapa final, e sem
estabelecer qualquer prazo ou mecanismo sancionatório que estimulasse a progressão das
etapas intermediárias.

Esse controverso modelo paulista que favorece notavelmente a

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leniência e a procrastinação de medidas saneadoras – embora criticado por ser ineficaz
quanto ao grave e urgente problema da poluição — foi desde o princípio abraçado pelos
setores governamentais e econômicos como o “ideal de regramento” para o âmbito nacional.

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O grupo de trabalho (GT) cuja criação foi requerida no Conama,
contudo, só foi instituído e realizou sua primeira reunião em novembro de 2013. Esse hiato
se deveu à demora do Ministério do Meio Ambiente para elaborar uma minuta de resolução
que pudesse servir de base aos trabalhos do GT, tendo o documento sido apresentado,
enfim, em fevereiro de 2014.

Ressalta-se que essa versão originária da minuta, de autoria do


próprio MMA, era inclusive mais protetiva que a atual, prevendo prazos peremptórios para
avanço progressivo dos padrões intermediários de qualidade do ar, como bem reconheceu a
representante do ministério, Senhora Letícia Reis de Carvalho (à época coordenadora-geral
no Departamento de Qualidade Ambiental e Gestão de Resíduos da Secretaria de Recursos
Hídricos e Qualidade Ambiental do MMA), em fala na audiência pública promovida pelo
Ministério Público Federal e por entidades da sociedade civil ambientalistas em maio de
2018:

“O Ministério do Meio Ambiente em si foi um agente que entrou


declarando um nível de ambição bem mais alto do que a Câmara
Técnica logrou alcançar neste momento. [...] A proposição do
Ministério do Meio Ambiente que fundamentou a discussão no âmbito
do Conama previa um prazo de quinze anos para o alcance dos
valores preconizados pela OMS em 2005, [...] demonstrando um
entendimento claro do órgão federal de que esse instrumento acaba

16
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA – 3ª REGIÃO

por orientar e informar não só a política ambiental, mas várias outras


políticas que terão, a partir desse referencial, que se ajustar.”19

Em outubro de 2014, o Grupo de Trabalho apresentou à CTQAGR


uma nova versão da minuta de resolução, com emendas à proposta inicial.

Todavia, em novembro de 2014 — por provocação do MPF e do


PROAM, que desde então alegavam a insuficiência técnica da proposta, por estar carente
de qualquer fundamentação técnica ou científica —, a CTQAGR, em sua 20ª Reunião
Ordinária, suspende os trabalhos de discussão da minuta.

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A tramitação da revisão da Resolução Conama nº 03/90 só foi
retomada na CTQAGR em fevereiro de 2017, quando se aprovou a recriação do GT
Qualidade do Ar, a fim de que se trouxessem novas contribuições à minuta. Em outubro de
2017, a nova versão da normativa volta à pauta daquela câmara técnica. Na 28ª Reunião

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Ordinária da CTQAGR, em 22/02/2018, foi por fim aprovada a minuta que deu por
encerrados os trabalhos da câmara de origem, para ser então remetida à Câmara Técnica
de Assuntos Jurídicos CTAJ.

Nesta última reunião ordinária no âmbito da CTQAGR, foi aprovado,


por exemplo, o dispositivo que hoje se encontra no artigo 4°, § 4º, do texto final aprovado
pelo Plenário (Resolução Conama nº 491/2018).

O teor desse dispositivo (“Caso não seja possível a migração para o


padrão subsequente, prevalece o padrão já adotado”) tem o condão de neutralizar —
tornando-o, na prática, ineficaz — todo o mecanismo de progressão de padrões.

Se os PQAr’s intermediários contassem com prazos peremptórios


para forçar sua progressão, não apenas garantiriam a vigência futura de padrões
efetivamente protetivos (que são os “finais”, correspondentes às guias da OMS), como
também estimulariam os agentes públicos competentes para enfim tomarem medidas
elementares para a gestão ambiental da qualidade do ar, como a instalação e operação da
rede de monitoramento e o controle de emissões de fontes fixas e móveis, bem como outras
medidas que são por vezes impostas pela própria Lei.

19 Anexo 4, p. 9-10.

17
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Ressalta-se que as emendas que foram mutilando a proposta original


da resolução nunca vieram acompanhadas de estudos ou argumentos de ordem técnica ou
científica que lhes conferissem alguma fundamentação.

O dispositivo acima comentado (art. 4°, § 4º), por exemplo, é fruto de


proposta não fundamentada feita pela Confederação Nacional da Indústria – CNI, e foi
aprovada por ampla maioria de conselheiros, ainda na fase de discussões na câmara
técnica originária (CTQAGR).

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Aliás, o posicionamento original do governo federal no órgão
fracionário — em prol de uma norma relativamente mais protetiva, como já foi mencionado
acima —, foi estranhamente alterado nas últimas reuniões da CTQAGR, sem qualquer
fundamentação de ordem técnica ou científica, quando foram aprovadas as ditas emendas.

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Essa guinada de posicionamento foi apontada pelo MPF e pelo PROAM, em ofício remetido
à CTAJ impugnando vícios de procedimento e materiais no trâmite da minuta até aquela
altura. No documento, lê-se o seguinte excerto:

“De se ver, inclusive, que o próprio governo federal, por meio de seus
representantes nesse Conselho, caminhou em manifesto retrocesso de suas
propostas, que eram, até um mês antes da aprovação [na CTQAGR] da
minuta ora em análise, mais protetivas ao meio ambiente e à vida, quando
propunha prazo para atingimento do padrão final para 2030, o que levou o
MPF, o PROAM e a APROMAC a aderi-las, mesmo que condicionalmente,
uma vez que elas poderiam consolidar um avanço na tutela ambiental, ainda
que não cabal.

Não houve, por parte dos setores do governo federal, nenhuma


motivação para essa mudança de curso. Tal atitude vacilante, sobretudo
por quem tem um especial papel nas discussões de questões e gestões do
meio ambiente, é uma clara e inconteste declaração de que o tema não se
encontra, para os entes públicos federais, plenamente debatido e
sedimentado, pois se assim não fosse, não se mudaria uma posição em tão
curto espaço de tempo.” [Grifo dos autores.]20

Como já dito, o excerto acima consta do ofício de autoria do MPF e


do PROAM, remetido à CTAJ em 07/05/2018, objetando, em diversos pontos, o
procedimento seguido para a revisão da Resolução Conama nº 03/90 e o próprio teor da
minuta dali obtida, que estavam eivados de vícios de inconstitucionalidade, ilegalidade e
20Ofício PRR/3ª Região JLBL nº 1138/2018.

18
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PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA – 3ª REGIÃO

desobediência a tratados e acordos internacionais dos quais o Brasil é parte. O documento


sequer chegou a ser conhecido pela CTAJ na sua 16 a Reunião Ordinária, em 09/05/2018,
por ter sido considerado intempestivo.

Cabe aqui registrar o sofrível teor dos argumentos expedidos pelos


membros da Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos na referida ocasião, na qual deixaram
de apreciar as objeções do MPF e do PROAM ao processo de revisão. As negativas para a
análise do ofício demonstram de forma inquestionável a ausência de conhecimento
daqueles conselheiros sobre a própria função e atribuições daquele órgão interno, como se
lê da transcrição daquela reunião.21

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Não apreciado o documento pela CTAJ, foi então interposto um
Recurso Hierárquico ao Ministro do Meio Ambiente, que, por sua vez, não conheceu do
mérito, alegando ausência de previsão regimental para tanto. A CTAJ, por sua vez, tendo

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usurpado atribuição que não era sua (art. 32, VIII, do Regimento Interno), promovendo
emendas de clara natureza de mérito sobre o texto oriundo da CTQAGR, negou-se a
remeter a matéria à câmara de origem, violando o art. 33, I 22, do Regimento Interno do
Conama.

Aprovada com emendas na CTAJ, a matéria seguiu para o Plenário,


onde foi pautada por três reuniões consecutivas. Nesta fase, as entidades ambientalistas da
sociedade civil com assento no Conama ainda requereram a retirada do processo da pauta,
alegando o dever regimental do Plenário de remeter o texto de volta à câmara de origem, de
modo que fossem discutidas as propostas de alteração de mérito promovidas pela CTAJ,
que para tal não tinha competência, e também para a correção de outros vícios materiais e
procedimentais que se acumulavam no processo e na minuta de resolução.

Porém, mais uma vez, em razão da unificação de posições


antagônicas aos interesses ambientais, tais objeções restaram imotivadamente
desconsideradas.

21 Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/reuniao/dir1863/Transcricao_16aCTAJ.pdf>. Acesso


em: 03 jul. 2018.
22 In verbis: “Art. 33. A Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos, no exercício de sua competência prevista no art.
32 deste Regimento Interno, poderá: I – devolver a matéria à Câmara Técnica competente com
recomendações de modificação jurídica que impliquem alterações de mérito, ou a pedido formal do
presidente da Câmara Técnica de origem;”.

19
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No dia 24 de outubro de 2018, a Associação Paulista de Medicina


(APM) e o Instituto Saúde e Sustentabilidade publicaram um manifesto em nome da classe
média do estado de São Paulo, intitulado Um minuto de ar limpo,23 denunciando a
ineficiência da minuta da norma de PQAr’s prestes a ser aprovada pelo Conama, e tendo
como intuito “clamar por maior efetividade das políticas públicas em prol da melhoria da
qualidade do ar nas cidades brasileiras e conquistar o aperfeiçoamento da legislação
vigente”.

Em 30 de outubro, o texto final da norma foi votado e aprovado pelo


Plenário do Conselho Nacional do Meio Ambiente, por ocasião de sua 58ª Reunião

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Extraordinária.

O resultado da votação nominal do texto-base revela um retrato


fidedigno dos interesses que se chocam frontalmente no Conama, e não apenas neste

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processo. Dos 62 conselheiros presentes, apenas 14 votaram contra a aprovação da
resolução. Destes últimos, 11 eram entidades ambientalistas da sociedade civil. A única
exceção ao segmento denominado de “entidades de trabalhadores e da sociedade civil” a
votar contra a aprovação da resolução foi o Ministério da Saúde.

O novo regulamento foi publicado no Diário Oficial da União em 21


de novembro de 2018, sob a numeração Resolução Conama nº 491/2018.24

Ressalta-se que, durante todo o período de trâmite da minuta,


sobretudo na fase de tramitação na CTQAGR — órgão fracionário originário que deveria se
incumbir dos aspectos eminentemente técnicos da matéria a ser regulamentada — as
propostas cientificamente embasadas de agentes como PROAM, APROMAC e MPF foram
rebatidas com argumentos vagos de variada natureza, mas nunca sustentados em bases
técnicas que atestassem a suficiência da proteção dessas medidas.

Por outro lado, não se pode deixar de registrar que, ao longo de


todas as fases de tramitação, para que fossem negados os argumentos amparados em
conhecimento técnico e parâmetros científicos, era suficiente que a maioria, representante
de interesses políticos, econômicos etc., alegasse o estrito cumprimento do rito
23 Disponível em: <https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/manifesto-um-minuto-de-ar-limpo/>.
Acesso em: 15 abr. 2019.
24 DOU nº 223, de 21/11/2018, Seção 01, p. 155-156.

20
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regimentalmente previsto. Não houve nesse processo — como acontece de modo geral no
Conama — qualquer espécie de ônus argumentativo como compensação à aberrante falta
de obrigatoriedade de motivação das decisões. Assim, todo e qualquer argumento técnico
que não atendesse aos interesses da maioria pré-constituída pôde ser — e foi —
terminantemente desconsiderado.

Isso tudo transcorreu com o aval do Ministério do Meio Ambiente,


que se resignou durante a fase final do processo ao papel de mero “gestor de conflitos”,
embora nos passos decisivos do processo, sempre exercendo a importante função de
condutor do procedimento, favorecesse o andamento do processo em conformidade com os

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interesses econômicos e políticos, de resto dominantes em todas as esferas do Conselho.

É prova dessa estratégica aderência ao espírito de estrita


“regimentalidade” dos condutores do processo — como se nada mais houvesse a ser

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considerado na produção da norma do que a simples obediência do rito — a fala da
representante do MMA, Senhora Letícia Reis de Carvalho, em sua exposição na audiência
pública:

“Então, a despeito de eu poder me sensibilizar como pessoa e como


representante do Ministério do Meio Ambiente pela — talvez — timidez, ou o
progresso limitado que essa minuta tenha trazido ao cenário de atualização,
frustrando algumas expectativas dos agentes que tinham uma ambição mais
alta para este processo de revisão no Conama, nós no Ministério do Meio
Ambiente entendemos que o processo seguiu o seu curso conforme as
regras do Conama.”25

O fato de o Ministério da Saúde excepcionalmente ter se apartado


dos demais ministérios votantes, posicionando-se contra a aprovação da resolução, por si
só, revela a imprestabilidade da norma, uma vez que rechaçada justamente pelo órgão do
Executivo que tem por função a gestão da saúde pública, e por essa mesma razão conhece
minimamente o impacto — inclusive orçamentário — que aqueles padrões.

25 Anexo 4, p. 13.

21
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4. ELEMENTOS DE INEFETIVIDADE DA RESOLUÇÃO CONAMA Nº 491/2018

O artigo 2º, inciso II, da Resolução 491/2018, define padrão de


qualidade do ar como “um dos instrumentos de gestão da qualidade do ar, determinado
como valor de concentração de um poluente específico na atmosfera, associado a um
intervalo de tempo de exposição, para que o meio ambiente e a saúde da população sejam
preservados em relação aos riscos de danos causados pela poluição atmosférica.”

Não é à toa a definição dos PQAr’s como “instrumento” de gestão da


qualidade do ar. Esse é o termo originalmente usado para qualificá-los na Resolução

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Conama nº 05/1989, norma que instituiu o Programa Nacional de Controle da Poluição do Ar
(Pronar). Este programa é o principal marco normativo de gestão da qualidade do ar no
Brasil, pois prevê e articula uma série de outros programas e metas do Estado com vistas a
mitigar a poluição atmosférica e proteger a saúde e o bem-estar da população.

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No plano federal, ainda estão previstos sob o “guarda-chuva” do
Pronar outros instrumentos atinentes à gestão da qualidade do ar, como o Programa de
Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), 26 o Programa de Controle
da Poluição do Ar por Motocicletas e Veículos Similares (Promot)27 e o Programa Nacional
de Controle da Poluição Industrial (Pronacop), todos eles introduzidos pelo Conama. Outros
deles, como o Programa Nacional de Inventário de Fontes Poluidoras do Ar e o Programa
Nacional de Avaliação da Qualidade do Ar, nunca foram regulamentados ou implementados
de maneira sistemática. Além dos chamados “instrumentos” do Pronar, a Resolução 05/1989
prevê ainda a criação de uma Rede Nacional de Monitoramento da Qualidade do Ar, “que
permitirá o acompanhamento dos níveis de qualidade do ar e sua comparação com os
respectivos padrões estabelecidos” (item 2.4).

Pela leitura do programa, fica evidente, contudo, que a fixação de


PQAR’s é medida prioritária para o bom desenvolvimento da gestão de qualidade do ar: foi
listada no grupo das ações de “curto prazo” do Pronar, enquanto outras medidas relevantes,
como a implementação da rede de monitoramento e a elaboração do inventário de fontes e
emissões, são classificadas entre as ações de “médio prazo” (item 2.9).

26 Introduzido pela Resolução Conama nº 18/1986.


27 Introduzido pela Resolução Conama nº 297/2002.

22
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Com efeito, os PQAr’s não são apenas uma das partes integrantes
do programa guarda-chuva, ou apenas uma “ação complementar e referencial aos limites
máximos de emissão” (item 2.2). Mais do que isso, devem funcionar como ponto de partida
e verdadeira bússola a guiar toda a política pública. A própria resolução instituidora do
Pronar elege os PQAr’s como critério por excelência para a correção de rumo do programa
como um todo: “as estratégias de controle de poluição do ar estabelecidas no Pronar
estarão sujeitas à revisão a qualquer tempo, tendo em vista a necessidade do atendimento
dos padrões nacionais de qualidade do ar” (item 4).

Ações visando efeitos concretos de melhoria da qualidade do ar —

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como a limitação de emissões por tipos de poluentes e fontes poluidoras — nunca poderão
ser adequadamente avaliadas pelos gestores e pela sociedade se os seus resultados não
forem submetidos a um referencial que de fato ateste o sucesso ou insucesso dos objetivos
últimos perseguidos pela política pública.

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Num simples silogismo, temos que, se o Pronar tem como objetivo a
“proteção da saúde e bem-estar das populações e melhoria da qualidade de vida com o
objetivo de permitir o desenvolvimento econômico e social do País de forma ambientalmente
segura”, então os PQAr’s devem ser fixados em patamares aptos a efetivamente
protegerem esses bens. Do contrário, se prestarão ao desvirtuamento da política pública,
fornecendo aos gestores públicos um convite ao imobilismo, e dando à população uma falsa
sensação de que o meio ambiente e a sua própria saúde não estão sofrendo danos.

Mesmo que se restrinja a análise da Resolução Conama nº 491/2018


a esse quadro regulatório mais imediato do Pronar, ficará evidente a completa
imprestabilidade da norma — tanto na perspectiva de sua intrínseca ineficácia jurídica,
quanto pela débil protetividade que oferece à saúde e ao meio ambiente como peça de uma
política pública maior.

A inefetividade da norma não se deve, contudo, a um só elemento


problemático, ou a alguns poucos pontos falhos sem relação entre si e passíveis de ajustes
pontuais. Quando observados em conjunto os problemas da normativa do Conama, fica
evidente que todos eles contribuem de forma coordenada e interdependente para um
sistema de PQAr’s propositalmente desprotetivo.

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Assim, ainda que existam elementos mais decisivos para gerar esse
quadro geral de ineficácia — como, por exemplo, a ausência de prazos peremptórios para o
atingimento dos padrões sucessivos —, é certo que outras inconsistências da norma não
apenas se somam, mas se potencializam umas às outras, tornando inviável o
aproveitamento dos dispositivos restantes. Os defeitos e vícios ali existentes não são
estanques: ao contrário, contaminam integralmente a norma produzida e infirmada.

Por essa razão, nesta exposição crítica das inconsistências da


resolução do Conama, optou-se pela disposição do texto em tópicos temáticos, e não pela
indicação dispositivo-a-dispositivo das insuficiências e das violações jurídicas da norma.

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4.1. Ausência de prazos peremptórios

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O artigo 4º, caput, da Resolução Conama nº 491/2018 prevê que os
padrões de qualidade do ar serão adotados sequencialmente, em quatro etapas. Os valores
das primeiras três etapas (designados pelas siglas PI-1, PI-2 e PI-3) são denominados de
“padrões de qualidade do ar intermediários”, e a própria norma os define como “valores
temporários” (artigo 2º, III). A primeira etapa, o PI-1, passa a vigorar automaticamente com a
publicação da resolução. A cada etapa, vão ficando mais restritivos os valores-limite de
concentração dos poluentes atmosféricos, culminando com o “padrão de qualidade do ar
final” (PF), que reproduz os valores recomendados pela OMS em suas Air Quality
Guidelines: 2005 Update.28

O Anexo I da resolução dispõe os valores de concentração dos


poluentes atmosféricos para cada uma das quatro etapas de PQAr's.

O referido caráter “temporário” dos padrões intermediários não se


confirma, contudo, quando se analisa o teor do restante dos dispositivos da Resolução

28São nove os poluentes referenciados na norma do Conama: além dos cinco já indicados nas guias da OMS
(material particulado – MP10, material particulado – MP2,5, ozônio – O3, dióxido de nitrogênio – NO2, dióxido
de enxofre – SO2), são também previstos parâmetros para o monóxido de carbono (CO), para o chumbo
(Pb), para as partículas totais em suspensão (PTS) e para o material particulado na forma de fumaça (FMC).
No entanto, os PQAr’s destes dois últimos tipos de partículas são considerados “parâmetros auxiliares”, e o
chumbo tem monitoramento restrito a áreas específicas, a depender da tipologia das fontes de emissão (art.
3º, §§ 1º e 2º).

24
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491/2018. Como se verá, um dos pilares da total ineficácia da norma do Conama reside na
não previsão de prazos peremptórios para o atingimento das sucessivas etapas de PQAr’s.

A razão de existência de padrões intermediários é a de que eles


efetivamente funcionem como metas provisórias, que conduzam de forma escalonada ao
atingimento de padrões finais. Para isso, é necessário que existam mecanismos que
possam efetivamente estimular a progressão para os padrões mais restritivos ao longo do
tempo. Se os PQAr’s intermediários fossem de fato etapas temporárias a serem
progressivamente atingidas, então é lógico supor que para sua concretização fossem
previstos prazos peremptórios.

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A norma do Conama, contudo, além de não prever prazos para o
atingimento dos PQAr’s — sejam os intermediários, sejam os finais —, produz como
resultado o oposto do propósito de progressividade, isto é, a estagnação. Isso fica patente,

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por exemplo, no artigo 4o, §4o, da Resolução 491/2018, determina que “[c]aso não seja
possível a migração para o padrão subsequente, prevalece o padrão já adotado”.

Esse dispositivo, é a pedra de toque de toda uma engenharia


protelatória que se pretendeu imprimir na norma do Conama. Por meio dessa sistemática,
que será melhor analisada mais adiante, torna-se não apenas possível, mas provável
mesmo, a perpetuação da vigência dos valores do PI-1, extremamente nocivos ao meio
ambiente e à saúde. Ao contrário, portanto, da definição fornecida pela própria Resolução
491/1918, os padrões intermediários não são, na prática, “valores temporários”, uma vez
que não há nada na norma que garanta essa provisoriedade.

Todavia, os menos instruídos na matéria ou aqueles que não atentem


para os termos concretos da resolução podem até vir a ter a impressão (ilusória) de que os
padrões caminharão rumo aos valores recomendados pela OMS. Afinal, em seus
“considerandos”, a norma chega a estabelecer, “como referência, os valores guia de
qualidade do ar recomendados pela Organização Mundial da Saúde – OMS em 2005, bem
como seus critérios de implementação”. A leitura dos dispositivos da resolução, no entanto,
deixa evidente que a referência não passa, na melhor das hipóteses, de uma declaração de
boas intenções.

25
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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Como agravante, temos que o dispositivo em comento (art. 4º, § 4º),


poderá chegar ao absurdo de produzir o resultado prático oposto àquele supostamente
perseguido por uma norma de PQAr’s, que é o de induzir a mitigação da poluição
atmosférica.

Com efeito, o mecanismo protelatório torna a implementação de


medidas de redução de emissões ainda mais desinteressante do que já é para os agentes
poluidores. Isto porque, caso esses atores decidissem investir em medidas para redução de
emissões, e, portanto, promovessem a melhoria da qualidade do ar, dariam, assim, maiores
condições para que a migração aos padrões subsequentes seja “possível”. Se, no entanto,

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nada fizerem para reduzir a poluição atmosférica, ou mesmo se aumentarem suas
emissões, se torna menos viável a progressão para níveis mais restritivos. Como resultado,
tem-se assim um ciclo vicioso, cujo motor é a própria Resolução nº 491/2018, por meio da
qual o aumento da poluição não é sancionada, mas sim “premiada” com a manutenção ad

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aeternum de padrões intermediários nada protetivos.

Na já mencionada audiência pública que tratou da minuta que viria a


se tornar a Resolução nº 491/2018, o Senhor Carlos Alberto Hailer Bocuhy, presidente do
PROAM e conselheiro titular no Conama, fez uma incisiva crítica ao mecanismo protelatório
contido na norma, ressaltando ainda o desestímulo à proatividade e inovação que ele acaba
sinalizando aos agentes de mercado. Abaixo, um trecho do relatório conclusivo do evento:

“Na sua fala no primeiro painel, ao tratar desses dispositivos, o Senhor


Carlos Alberto Hailer Bocuhy deixou clara a conveniência por detrás da
ineficácia da norma:

‘Ou seja, nós vamos ficar quantos anos mergulhados no PI-1,


com 120 µg/m3 [de MP10] e 100 µg/m3 de ozônio? É um artifício
protelatório, é claro, é óbvio que a norma padece de um vício
insanável. Isso foi colocado pelos estados, que temiam uma
responsabilização em função da morbidade, e também para se
manterem no imobilismo que lhes interessa hoje, porque fazer
política pública de controle de poluição significa mexer em
algumas coisas na sociedade que o governo não tem interesse
de pressionar. Então, para mim ficou claro que o interesse
corporativo dos estados acabou prevalecendo em função da
sua zona de conforto.’

Ainda segundo este expositor, essa sistemática normativa, além de ser


conveniente aos agentes públicos responsáveis pela gestão da qualidade
ambiental, proporciona também ao setor produtivo um estímulo à
estagnação tecnológica, gerando entre esses atores uma providencial

26
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coincidência de interesses. Com efeito, a redação dos referidos §§ 1º e 2º


do art. 4º da atual minuta [correspondentes aos §§ 3º e 4º do texto
aprovado] provêm de proposta, na CTQAGR, de entidades associativas de
órgãos ambientais de estados e municípios em conjunto com as entidades
empresariais, e o § 3º é fruto de proposta da Confederação Nacional da
Indústria, como já foi mencionado no item 3.1.

Assim, não ficam prejudicadas apenas formalmente as políticas públicas de


qualidade do ar vinculadas a esses PQAr ou o bom funcionamento do
Sisnama como um todo. Também, de maneira concreta, a norma acaba por
mitigar o dinamismo e a capacidade inovativa dos setores produtivos, que
não se veem estimulados a investir em soluções tecnológicas que viabilizem
o atendimento a limites de emissões atmosféricas mais restritivos, soluções
essas de que se tem alguns exemplos no item 3.4. A esse respeito, afirmou
o presidente do PROAM:

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‘Quando você sinaliza que a norma não vai ser tão exigente, é
claro que o setor econômico também vai se manter na zona de
conforto. Então nós estamos falando de um artifício protelatório
que implica diretamente na inação, na inexequibilidade e na
inércia de políticas públicas. [...] A partir do momento que você

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tira o estímulo de avançar, por meio da frouxidão de uma
norma, você vai ter problemas sérios, e depois nós vamos ter
que percorrer um longo caminho para recuperar esse avanço
que deveria ter ocorrido.’”29

A injustificável aprovação de uma norma de PQAr’s progressivos


carente de prazos peremptórios já causa, por si só, perplexidade sob o prisma da
efetividade necessária às políticas públicas. Contudo, é ainda mais aberrante quando
aqueles que defenderam a norma não tiveram em compensação qualquer ônus
argumentativo para justificar a ausência de prazos. Sequer tiveram o cuidado de estimar os
danos à saúde e ao meio ambiente que certamente decorrerão da indefinição do período de
vigência dos padrões intermediários. Nesse sentido, a crítica contida no subsídio do Instituto
Saúde e Sustentabilidade:

“Mesmo com o conhecimento acerca das externalidades em saúde, os


órgãos ambientais estaduais, municipais e os representantes do setor
industrial votaram a favor do estabelecimento de metas intermediárias sem
prazos definidos para a mudança. Como exposto, entende-se que possa
haver a necessidade de um período para a para a redução de emissão de
poluentes tóxicos e adequação da gestão até se alcançar os níveis seguros
dos padrões finais. No entanto, o fato de não haver prazos para a mudança
entre as metas intermediarias para a etapa seguinte acarretará,
indubitavelmente, maior sofrimento em saúde e mortes precoces. Os
órgãos responsáveis citados se recusaram a apresentar os seus
argumentos para a procrastinação da defesa da saúde da sociedade

29 Anexo 4, p. 16-17.

27
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frente à manutenção do ar tóxico por tempo indeterminado, muito


menos e sequer elaboraram a contabilização de mortes devido a esta
decisão.” [Grifo nosso.]30

A tendência à eternização dos padrões de partida (PI-1), ou a longos


e arbitrários “estacionamentos” nos PQAr’s intermediários — permissivos aos agentes
poluidores e cômodos aos órgãos públicos de gestão ambiental —, não tem como efeito
apenas o esvaziamento da eficácia da resolução do Conama e da efetividade da política
pública que regulamenta.

Ao não prever prazos peremptórios para a progressão dos PQAr’s,


ou seja, ao endossar a permanência (e talvez o incremento) de altos patamares de

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contaminação atmosférica, aquele colegiado acabou por editar uma norma que viola o
núcleo essencial de direitos fundamentais inscritos na Constituição Federal, como são o
direito ao meio ambiente (art. 225) e à saúde (art. 196).

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4.2. Os padrões intermediários e sua baixa protetividade

Como se sabe, os valores-guia da OMS são uma referência


cientificamente embasada que indica um limiar de menor risco à saúde, sendo ponto
pacífico entre os especialistas na área a noção de que não existem “níveis seguros” de
poluição do ar para a saúde humana.31

É o que atesta o Instituto Saúde e Sustentabilidade em seu estudo, é


parte integrante desta resolução:

“Salienta-se que os níveis de concentração de poluentes preconizados pela


OMS referem-se a níveis que asseguram a redução de risco para efeitos em
saúde da população. É importante ressaltar que não há limites de
concentração de poluentes seguros para o não adoecimento, pois o risco de
se adquirir a doença também é determinado pela suscetibilidade e

30 Anexo 2, p. 24-25.
31 Conforme o próprio relatório das “Guias de Qualidade do Ar” da OMS, publicado em 2006: “In the absence of
clearly identified thresholds, the adoption of air quality standards inevitably assumes that a certain level of
risk is acceptable to the population. For most air pollutants, no ‘safe’ levels have been found whereby no
health effects are observed following exposure. In fact, for many pollutants, adverse effects have been
associated with low, almost background levels of exposure.” WHO. Air quality guidelines: Global Update
2005. Copenhagen: World Health Organization, 2006, p. 177.

28
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vulnerabilidade de um indivíduo. Assim, os limites mínimos preconizados


pela OMS garantem a redução do risco do adoecimento ou proteção para a
maioria da população.”32

Portanto, é inquestionável que, quaisquer valores de PQAr’s que


sejam fixados em patamar superior aos recomendados pela OMS implicarão,
necessariamente, uma escolha do Estado por um determinado nível de desproteção à
saúde da população e ao meio ambiente. Esse é o caso da Resolução Conama nº
491/2018, que, em seu Anexo I, estabelece, para as três etapas de “padrões intermediários”,
valores muito superiores aos das guias do organismo internacional.

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Isso pode ser facilmente visualizado pela tabela constante do
trabalho da Doutora Vormittag, citado acima, que compara, para três poluentes, os valores
das guias da OMS com os das etapas iniciais da norma do Conama e do decreto paulista:

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Necessário ressaltar que a precária revisão normativa promovida
pelo Conama aconteceu treze anos após a OMS ter divulgado suas guias, valores estes
que, mesmo que fossem adotados hoje pelo Brasil, já viriam com grande atraso, importando
per se numa inescusável situação de mora do Estado.

A despeito disso, numa manobra diversionista, os agentes que


defenderam os PQAr’s intermediários ao longo do processo de revisão normativa do
Conama alegam que os valores do PI-1, que passam a vigorar imediatamente com a
publicação da nova resolução, já são mais restritivos que os padrões da Resolução 03/1990.
Por isso, segundo essa lógica, os valores do PI-1 representariam um ganho de
protetividade, e não um retrocesso socioambiental.
32 Anexo 2, p. 22.

29
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Contra esse sofisma, basta constatar que as concentrações de


poluentes permitidas pela norma brasileira chegam a superar em 140% as recomendadas
pela OMS. Nessa perspectiva, indaga-se onde está o dito avanço protetivo que muitos
agentes no Conama invocam em defesa da resolução.

Neste ponto, é elucidativo o seguinte trecho do relatório conclusivo


da audiência pública acima referida, em que se comparam os valores do PI-1 da Resolução
491/2018 com os índices de qualidade do ar usados pela própria Cetesb (e seguindo PQAr’s
idênticos) como parâmetro para informar a população:

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“No que toca aos poluentes material particulado (MP 10) e ozônio (O3)
(considerados pela Cetesb os poluentes que mais comprometem a
qualidade do ar), os valores previstos na tabela PI-1 da minuta são de 120
µg/m3 (exposição de 24h) para MP 10 e de 140 µg/m3 (exposição de 8h) para
O3, enquanto que a OMS recomenda, para as mesmas substâncias, 50 e

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100 µg/m3, respectivamente.

Isso significa que os valores do PI-1 representam, em comparação com os


PQAr fixados em 2005 pela OMS, uma superação de 140% do limite
recomendado para o material particulado MP10 e de 40% para o ozônio.

Segundo a mesma Cetesb, esses valores do PI-1 são suficientes para


qualificar o ar como “ruim”, como se visualiza na seguinte tabela, extraída
dos slides apresentados pelo Senhor Carlos Alberto Hailer Bocuhy na
ocasião:”33

33Anexo 4, p. 14-15.

30
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Já no relatório do PROAM para fundamentar seu pedido de retirada


de pauta, apresentado ao plenário do Conama na fase derradeira do processo de revisão da
Resolução nº 03/1990, mostrou-se por um outro ângulo a insuficiência dos padrões
intermediários da (então) minuta da resolução, cotejando-os com os valores estabelecidos
para declaração de episódios críticos em países europeus. Confira-se:

“Nota-se que, nos termos do § 1º, a meta intermediária PI-1, estabelecida


no Anexo I, será adotada imediatamente. Analisando seu conteúdo,
constata-se que a minuta pretende estabelecer – para a média de 24 horas
de material particulado (MP 10), que é um dos poluentes mais agressivos e
mortais segundo a OMS – um valor de 120 µg/m³ (120 microgramas por
metro cúbico), ou seja, um valor extremamente elevado quando comparado

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aos 50 µg/m³ (24hs) recomendados pela OMS.

Para se ter uma ideia do quanto elevado é este patamar, basta uma
consulta rápida à compilação dos níveis de referência dos países europeus
para a concentração de poluentes na decretação de episódios críticos de
poluição (situações de crise aguda, onde a população é obrigatoriamente

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acionada pelo Poder Público para tomar providências objetivas para sua
proteção).

Na grande maioria dos países listados, o chamado “Estado de Atenção” - e


também o “Estado de Alerta” - são decretados quando a concentração de
PM10 ultrapassa 50 µg/m3 ou outros valores maiores que 50µg/m3, mas bem
abaixo de 120 µg/m3.

Daí, o que nesta proposta de minuta do Conama é considerado como um


nível de concentração normal (PI-1 para os próximos 5 anos), em países
como Áustria, Bélgica, Finlândia, Alemanha, Itália e Espanha, que adotam
as referências protetivas da OMS, caracteriza uma situação de grave crise
(perigo de vida), onde providências devem ser imediatamente tomadas em
termos de recomendações de mudanças de hábitos e intervenções
temporárias objetivas nas atividades econômicas para fins de redução das
emissões na cidade e para a efetiva proteção da saúde pública.” 34

Não se pretende aqui expor em termos quantitativos o impacto que


cada incremento marginal na poluição do ar acima dos patamares da OMS pode causar,
seja pela exposição de estimativas de morbidade e mortalidade, seja pela de custos de
saúde e perdas econômicas em geral (as quais podem inclusive ser estimadas em função
do somatório dos “anos de vida perdidos” por falecimentos precoces causados pela poluição
do ar). Atualmente, não faltam estudos científicos a apurar a magnitude desses danos,
sendo que novos avanços e metodologias mais apuradas apenas têm feito aumentar as já
34 Disponível em: <http://www2.mma.gov.br/port/conama/processos/C1CB3034/Relatorio%20PROAM%20Reti-
rada%20de%20Pauta%20Res%2003_90.pdf>. Acesso em: 02 mai. 2019.

31
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alarmantes estimativas anteriores. Alguns desses dados são competentemente


apresentados no referido trabalho do Instituto Saúde e Sustentabilidade.

Nesse sentido, basta, para os propósitos da presente representação,


a compreensão de que a) cada um dos valores intermediários de concentração de poluentes
dispostos no Anexo I da resolução do Conama — independentemente da etapa ou do
poluente atmosférico — são passíveis de serem traduzidos em termos de números de
internações hospitalares, de mortes prematuras, de custos para o sistema público de saúde
e de perdas econômicas; e que b) toda essa carga de externalidades negativas da poluição
do ar foi admitida pelo Estado (por meio do Conama) e instituída sob a forma de uma norma

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jurídica, sem que nem mesmo tenha se cogitado no procedimento de feitura da resolução a
devida consideração daqueles impactos.

Todavia, conforme será tratado no Capítulo 6, impõe-se

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minimamente ao Estado a fundamentação dessa decisão, tanto mais quando está a se
cuidar do Estado-Administrador, sobre o qual o crivo do controle e a margem de aplicação
da Lei são mais rígidos. E tudo isso dentro de parâmetros consagrados de
proporcionalidade e razoabilidade, e conforme uma compreensiva ponderação dos valores
em jogo, e modo que na motivação do seu ato restassem expostas as razões da mitigação
dos direitos fundamentais, sobretudo na extensão em que se deu.

De qualquer feita, a baixa protetividade dos PQAr’s intermediários,


por si só, já seria razão suficiente para se questionar a legitimidade da Resolução do
Conama. Aqueles valores, de saída — apenas pela sua superioridade em relação a
parâmetros objetivos de segurança à saúde e ao meio ambiente —, representam uma
injustificada restrição ao núcleo essencial de direitos fundamentais. Quando a isso se soma
o problema da indeterminação do período de vigência dos padrões intermediários (como
vimos no item 4.1), essa desproteção assume consequências ainda mais graves, pois
poderá se perpetuar por muitos anos.

No entanto, ao ser feita com a previsão de padrões muito mais


permissivos que aqueles recomendados pelo organismo internacional, e, sobretudo, ao
instituir mecanismos protelatórios que praticamente inviabilizarão o atingimento dos padrões
finais baseados nos valores-guia de 2005 da OMS (e que estão prestes a serem revisados
para níveis ainda mais restritivos), a revisão regulatória do Conama violou os deveres de

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proteção do Estado pela via da insuficiência, editando uma norma débil e ineficaz, que em
nada socorre o meio ambiente e a saúde da população.

4.3. Ineficácia e obscuridade dos mecanismos para progressão de PQAr’s

Como tratado acima, o sistema de padrões de qualidade do ar


intermediários — prévios ao “padrão final”, com valores convergentes aos recomendados
pela OMS — perde toda a sua eficácia se não for atrelado a um calendário de prazos

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peremptórios, que torne necessária a progressão dos PQAr’s para as escalas mais
protetivas.

No entanto, apesar de decisivos, os prazos (ou a ausência deles)

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não são o único fator a responder pelo sucesso (ou insucesso) de um programa de metas
progressivas de PQAr’s. A eles se somam outros elementos acessórios, mas fundamentais
para que os ciclos de progressão não se resumam apenas à passagem de um padrão
menos restritivo para um mais restritivo numa determinada data.

Assim, para a eficácia da norma de PQAr’s (entendida aqui como um


programa, destinada ao atingimento de certos objetivos concretos), é fundamental que haja
uma razoável inteligibilidade nos procedimentos e instrumentos de gestão previstos (planos
de execução, relatórios periódicos de avaliação e de acompanhamento etc.), bem como
uma clara distribuição de atribuições entre os agentes institucionais envolvidos na política
pública (órgãos ambientais estaduais e federais).

De outro modo, com mecanismos de progressão mal desenhados,


em que se inviabiliza e desestimula o avanço para padrões mais restritivos, a própria
existência de PQAr’s intermediários perde o seu sentido, uma vez que, na realidade, o que
se propunha ser meta provisória torna-se da fato a meta permanente.

Isso posto, ainda que fosse protetiva em termos de valores de


PQAr’s, e mesmo que contasse com prazos peremptórios para seu atingimento, ainda assim
não poderia ser aproveitada a nova norma do Conama, uma vez que, como mencionado, é

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desprovida de procedimentos adequados e suficientemente detalhados. Mesmo que


corrigidos aqueles dois graves erros, constituiria, ainda assim, verdadeira “letra morta”:
metas válidas, mas carentes dos meios necessários para seu atingimento .

Esse estado de letargia da política de PQAr’s, por ausência de


procedimentos adequados, não seria, aliás, uma novidade no Brasil. Ao longo dos 28 anos
de vigência da Resolução Conama nº 03/90, muito pouco foi feito no País (seja em âmbito
federal, seja estadual) para que os antigos valores de referência (mesmo que extremamente
lenientes) fossem alcançados ou mesmo levados em conta como parâmetro de limitação de
atividades poluidoras. Inobstante a histórica mora do Estado na persecução dessas metas,

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agentes públicos incumbidos da gestão ambiental continuam a se esquivar de suas
responsabilidades.

Sobre esse ponto, segue a crítica constante do subsídio técnico

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trazido pelo PROAM, sob autoria dos Senhores Olímpio Alvares Junior e Carlos Alberto
Hailer Bocuhy, trabalho que é parte integrante desta Representação (Anexo 3):

“Em suma: o não atendimento de PQAr’s, embora excessivamente


lenientes, tem sido invariavelmente uma regra durante os últimos 29 anos —
em especial, nos grandes centros urbanos congestionados. Ressalte-se,
que essa grave situação de não conformidade com os PQAr’s
regulamentados, com o consequente aumento dos índices de
morbimortalidade, jamais foram objeto de qualquer tipo de sanção,
intervenção, termo de ajuste de conduta ou simples questionamento
administrativo pelas passivas autoridades ambientais estaduais e federais
— configurando um danoso “business as usual” que só faz aumentar a
poluição do ar.

Que fique então muito claro para todos que participam e avaliam essas
discussões, que mesmo diante das rotineiras violações de padrões
extremamente lenientes, durante décadas, as mesmas autoridades
governamentais ambientais brasileiras que hoje resistem agressivamente
para se livrar de compromissos fixos de reconhecimento dos “novos” PQAr’s
de 2005 da OMS, já ignoravam completamente sua responsabilidade de
perseguir níveis mais baixos de poluição do ar, procrastinando ações
simples e eficientes de controle, que poderiam ter debelado — ou baixado
muito — os níveis de poluição do ar nas grandes cidades brasileiras, a
exemplo de outros países que zelosa e persistentemente cumprem à risca
suas obrigações legais e cidadãs.”35

35 Anexo 3, p. 2-3.

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Outros fatores, que transbordam o escopo limitado da norma de


PQAr’s, ajudam a explicar essa inércia dos entes estatais, mas é certo que faltava às
previsões da Resolução Conama nº 03/1990 a mesma inteligência regulatória que hoje falta
ao diploma que a substituiu.

Para a compreensão da ineficácia dos mecanismos de progressão


de PQAr’s previstos na Resolução Conama nº 491/2018, há primeiro que se entender os
gatilhos normativos que, em tese, podem disparar o avanço para padrões mais restritivos,
bem como seus prazos e instrumentos de gestão envolvidos.

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Os §§ 3º e 4º do artigo 4º da resolução sob análise fornecem as
bases desse procedimento:

“§ 3º Os Padrões de Qualidade do Ar Intermediários e Final - PI-2, PI-3 e PF


serão adotados, cada um, de forma subsequente, levando em consideração

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os Planos de Controle de Emissões Atmosféricas e os Relatórios de
Avaliação da Qualidade do Ar, elaborados pelos órgãos estaduais e distrital
de meio ambiente, conforme os artigos 5º e 6º, respectivamente.
§ 4º Caso não seja possível a migração para o padrão subsequente,
prevalece o padrão já adotado.”

Primeiramente, assoma como obstáculo intransponível para o


sucesso do sistema de metas progressivas o § 4º. Se estamos a falar de gatilhos para o
avanço de PQAr’s, esse dispositivo é um contrassenso inaceitável e fatal à lógica proposta.
O mecanismo protelatório previsto já seria inaceitável por inviabilizar a peremptoriedade de
prazos para a migração de padrões. No entanto, ele é mais pernicioso do que isso.

Ao dar lugar a um sistema de avaliações “periódicas” para se aferir


as condições de avanço para padrões mais protetivos, haveria que se estabelecer critérios
rígidos e suficientemente claros para o órgão avaliador (no caso, o próprio Conama)
declarar a possibilidade ou impossibilidade de avanço, de modo que se reduzisse a margem
de discricionariedade da decisão. O texto do § 4º, todavia, é propositalmente vago neste
ponto, deixando alargada ao máximo possível essa margem de arbítrio: “Caso não seja
possível a migração para o padrão subsequente, prevalece o padrão já adotado”.

De plano, questiona-se: o que se deve levar em conta para que se


verifique essa hipótese normativa de impossibilidade de avanço (“caso não seja possível”)?

35
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Que aspectos técnicos devem ser levados em conta para justificar uma decisão de
estagnação nos mesmos PQAr? Ou, ainda, acaso existe a obrigação de motivação, ou
basta que a maioria do colegiado (constituída por entes governamentais e representantes de
interesses econômicos) vote pelo não avanço?

A norma, é silente quanto a todas essas questões — propiciando


uma incerteza que, muito convenientemente, beneficia tão somente aqueles interesses que
sempre prevaleceram na questão da poluição atmosférica, tendentes à permanência inercial
de padrões permissivos e ausência de procedimentalidade na gestão da qualidade do ar.

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E nem se diga que o procedimento será devidamente informado por
peças de alta densidade técnica (Planos de Controle de Emissões Atmosféricas e Relatórios
de Avaliação da Qualidade do Ar), forçando o Conama a uma decisão minimamente
embasada. Como se verifica nos outros dispositivos da resolução, esses instrumentos são

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igualmente vazios e carentes de procedimentalidade; documentos que, lamentavelmente,
devem desempenhar no processo decisório um papel meramente burocrático.

Com efeito, tem-se que o procedimento de análise para migração


para os padrões subsequente terá como subsídios dois diferentes instrumentos de gestão
da qualidade do ar, figuras essas também instituídas pela própria Resolução 491/2018: a) o
Plano de Controle de Emissões Atmosféricas e b) o Relatório de Avaliação da Qualidade do
Ar. A atribuição para elaboração de ambos esses documentos é dos órgãos ambientais
estaduais e distrital.

O Plano de Controle de Emissões Atmosféricas tem seu conteúdo e


prazo de elaboração disciplinados no artigo 5º da resolução.

Além da exigência de que esses planos considerem os PQAr’s


definidos na resolução e que sigam as diretrizes do Pronar (§ 1º), pouco se detalha quanto
ao seu conteúdo mínimo. O § 2º estabelece apenas que o documento deve conter os
seguintes elementos:

“I – abrangência geográfica e regiões a serem priorizadas;


II – identificação das principais fontes de emissão e respectivos poluentes
atmosféricos; e

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III – diretrizes e ações com respectivos objetivos, metas e prazos de


implementação.”

A vagueza é patente. Diante da exigência de que os planos estaduais


considerem os PQAr’s da Resolução nº 491/2018, é mais que legítima a seguinte
indagação: devem esses documentos prever medidas e prazos peremptórios para a
progressão para o PI-2, PI-3 e PF? Ou devem apenas considerar a etapa atual de PQAr’s,
válida para todo o território nacional, sem a necessidade de estabelecer prazos “estaduais”?

Nada de específico é exigido, tampouco, quanto ao planejamento da


rede de monitoramento da qualidade do ar. Apesar de a medição estar prevista desde a

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criação do Pronar, em 1989,36 e ser exigida por lei desde 1993 37, a maioria dos estados não
dispõe até hoje de equipamentos suficientes (ou, em muitos casos, de quaisquer
equipamentos) para medir a poluição atmosférica em seu território. Essa é uma violação da
lei que as autoridades públicas inclusive utilizam como argumento contra a adoção de

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PQAr’s mais protetivos, para tanto alegando carências estruturais em suas — muitas vezes
ausentes — redes de monitoramento.

Pela nova resolução do Conama, a depender do seu Plano de


Controle de Emissões Atmosféricas, nada se faz para alterar esse cenário. Sem sanções ou
mesmo sem a obrigação de que planejem a instalação de suas redes de monitoramento, é
perfeitamente possível, e até provável, que essa deficiência continue servindo de “obstáculo
útil” aos gestores públicos competentes para justificar sua falta, inviabilizando assim a
progressão de PQAr.

Os órgãos ambientais terão até três anos, a contar da publicação da


norma (ou seja, até 21/11/2021), para elaborarem seus planos. Conforme o § 3º, devem,
ainda, a cada três anos, publicar um “relatório de acompanhamento” desse plano; no
entanto, não se diz nada a respeito do conteúdo mínimo deste último documento.

36 Resolução Conama nº 5/1989, item 2.4. “Considerando a necessidade de conhecer e acompanhar os níveis
de qualidade do ar no país, como forma de avaliação das ações de controle estabelecidas pelo PRONAR, é
estratégica a criação de uma Rede Nacional de monitoramento da Qualidade do Ar. Nestes termos, será
estabelecida uma Rede Básica e Monitoramento que permitirá o acompanhamento dos níveis de qualidade
do ar e sua comparação com os respectivos padrões estabelecidos.”
Resolução Conama nº 3/19990, artigo 5º. “O monitoramento da qualidade do ar é atribuição dos estados.”
37 Lei nº 8.723/1993, artigo 15, caput. “Os órgãos ambientais governamentais, em nível federal, estadual e
municipal, a partir da publicação desta lei, monitorarão a qualidade do ar atmosférico e fixarão diretrizes e
programas para o seu controle, especialmente em centros urbanos com população acima de quinhentos mil
habitantes e nas áreas periféricas sob influência direta dessas regiões.”

37
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Já o § 4º do artigo 5º determina que o referido plano, “juntamente


com os resultados alcançados na sua implementação, deverá ser encaminhado ao
Ministério do Meio Ambiente no primeiro trimestre do quinto ano da publicação desta
Resolução”, ou seja, no período que vai de 21/11/2022 a 21/02/2023.

A penúltima etapa do “procedimento” previsto na Resolução nº


491/2018 se dá pela consolidação, pelo Ministério do Meio Ambiente, de todas as
informações disponibilizadas pelos estados. O MMA, então, deve remeter os resultados
obtidos para o Conama, até o fim do quinto ano de vigência da resolução (ou seja, até
21/11/2023), conforme determina o artigo 7º, in verbis:

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“Art. 7º O Ministério do Meio Ambiente deverá consolidar as informações
disponibilizadas pelos órgãos ambientais estaduais e distrital referentes ao
Plano de Controle de Emissões Atmosféricas e Relatórios de Avaliação da
Qualidade do Ar e apresentá-las ao CONAMA até o final do quinto ano da
publicação desta Resolução, de forma a subsidiar a discussão sobre a

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adoção dos padrões de qualidade do ar subsequentes.”

Portanto, é no Conama que se dará efetivamente a discussão sobre


a progressão dos PQAr’s. No entanto, afora a breve menção do artigo 7º à “discussão sobre
a adoção dos padrões de qualidade do ar subsequentes”, nada mais é dito na resolução
sobre a última e mais importante fase do procedimento para a progressão de PQAr.

Não são previstas quaisquer balizas procedimentais (como prazos,


órgãos fracionários envolvidos, necessidade de motivação) sobre as quais deva se dar a
cognição do processo dentro do Conama. Não há, por exemplo, qualquer prazo para que o
Conama paute o início das discussões ou para que prolate uma decisão. Quanto à decisão
a sobre a possibilidade de migração ou estacionamento de PQAr, nada se diz a respeito da
forma que o ato do Conselho deve se revestir (revisão regulatória ou Decisão Conama?) ou
sobre a abrangência e extensão de seus efeitos (poderá o Conama, por exemplo, declarar o
avanço dos PQAr’s apenas para estados com condições para tanto, enquanto outros
permanecem no padrão anterior?).

Tampouco se estabelecem critérios para a motivação da decisão, ou


mesmo parâmetros materiais ou limites e prazos mínimos de adequação para guiar as
discussões, de modo que se possa aferir com alguma objetividade a

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capacidade/incapacidade dos estados para o atendimento dos PQAr’s subsequentes.


Ressalta-se que, se os instrumentos de informação exigidos dos estados (planos e
relatórios) tivessem um conteúdo mínimo adequado, os parâmetros objetivos para
motivação e julgamento poderiam ser facilmente extraídos das informações consolidadas
pelo MMA e apresentadas ao Conama.

À guisa de exemplo hipotético, imagine-se que, na ocasião da


análise do Conama (que não deve ocorrer antes de 2024), apenas uma das 26 unidades da
Federação não possua rede de monitoramento de qualidade do ar instalada em seu
território. Essa carência estrutural minoritária poderá servir como fundamento para que o

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Conama decida pela “impossibilidade” de migração de PQAr para todo o Brasil, ou é
insuficiente para tanto?

Não é que a Resolução nº 491/2018 seja silente apenas quanto a

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balizas elementares para a motivação da decisão. Ela é silente até mesmo quanto à própria
necessidade de motivação do ato. Ou seja, como ocorre invariavelmente nos atos do
Conama, basta que uma maioria de conselheiros manifeste sua vontade num ou noutro
sentido, e estará aprovada ou rejeitada a resolução, decisão, moção etc.

Assim, sem mecanismos de indução ao cumprimento da norma, com


um procedimento decisório de progressão vago e prazos alargados ou inexistentes, unido a
instrumentos de informação sem um conteúdo padrão suficientemente robusto para a
tomada de decisão, a norma do Conama é nula na perspectiva da eficiência de uma política
pública que objetiva diminuir a poluição do ar no Brasil. Os instrumentos de gestão previstos
(planos de controle, relatório de avaliação etc.) são despiciendos, ou melhor, não são
capazes de mitigar a arbitrariedade e o subjetivismo abertos pelo § 4º do artigo 4º: “Caso
não seja possível a migração para o padrão subsequente, prevalece o padrão já adotado”.

Ademais, ao se analisar a redação dos dispositivos sobre o


procedimento estabelecido para a progressão de PQAr, nota-se que os prazos
estabelecidos dizem respeito tão somente ao “primeiro ciclo” de avaliação pelo Conama, ou
seja, não fixam uma periodicidade para a realização de futuras análises. Isso se dá porque a
norma do Conama fixa marcos temporais sob fórmulas como “no primeiro trimestre do
quinto ano da publicação desta Resolução” (prazo para que os órgãos ambientais enviem
seus Planos de Controle de Emissões Atmosféricas ao MMA; art. 5º, § 4º), ou “até o final do

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quinto ano da publicação desta Resolução” (prazo para que o MMA apresente as
informações consolidadas ao Conama; art. 7º).

Disso resulta que, transcorridos esses prazos e proferida a decisão


do Conama sobre a migração/estacionamento de PQAr, não haverá no horizonte um novo
ciclo de análises, uma vez que não é fixada na resolução qualquer periodicidade para a
realização do procedimento. Ao invés de regulamentar um procedimento periódico,
adequado ao sistema eleito de etapas progressivas de PQAr, o Conama acabou
regulamentando um procedimento ad hoc, que terá como objeto um determinado processo,
qual seja, o de análise e decisão quanto à possibilidade de migração do PI-1 ao PI-2.

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Essa carência de procedimentalidade confere à norma do Conama
um “prazo de validade”, após o qual não prestará para regulamentar novos ciclos decisórios
sobre progressão de PQAr’s. Tão logo seja proferida a decisão do conselho sobre o primeiro

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ciclo, esgota-se a utilidade procedimental da norma.

Assim, inviabiliza-se aos gestores públicos e à população qualquer


previsibilidade sobre a ocorrência dos ciclos decisórios subsequentes. A resolução é tão
imprecisa e obscura quanto ao procedimento que abre margem até mesmo para a
interpretação de que não haveria nem mesmo a exigência de que novos ciclos ocorram, o
que é um contrassenso para um diploma que pretende regulamentar a passagem de PQAr’s
por quatro etapas subsequentes.

Como será tratado mais adiante desta representação, a conjunção


de todas essas falhas nos procedimentos e instrumentos previstos na Resolução nº
491/2018 não se limita, como pode parecer, à dimensão da eficácia da norma do Conama,
ou seja, de sua capacidade de gerar os efeitos jurídicos pretendidos. Salientamos que não
se está aqui a defender a tese de que a causa imediata da inconstitucionalidade da
resolução seja a sua ineficácia generalizada — apesar de ser um problema grave por si só.
A violação direta da Constituição está fundada, sim, na proteção insuficiente dispensada
pelo Estado ante o núcleo fundamental dos direitos envolvidos (meio ambiente, saúde e
vida). Com efeito, não há dúvida de que esses direitos fundamentais restam totalmente
desguarnecidos com a edição da norma do Conama, uma vez que, como vem se
demonstrando neste capítulo, ela não será capaz de promover, pelos seus próprios meios,
qualquer melhora da qualidade do ar no Brasil.

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O liame entre a eficácia jurídica e o princípio da vedação da proteção


insuficiente será melhor tratado na fundamentação de cunho jurídico-doutrinário desta
representação. No entanto, faz-se oportuno salientar desde já, que a fruição dos direitos
fundamentais em jogo no presente caso depende de procedimentos capazes de viabilizar
concretamente a política pública pretendida para a gestão da qualidade do ar no Brasil.

Já se reconhece na doutrina que os deveres estatais de proteção aos


direitos fundamentais envolvem também uma dimensão procedimental. Isso quer dizer que,
para que o Estado garanta a realização desses direitos, não basta que prescreva

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normativamente a sua proteção material; deve, ainda, disponibilizar os meios adequados
para que eles ganhem concretude.

A respeito, confira-se a percuciente lição de Gilmar Mendes:

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“Nos últimos tempos vem a doutrina utilizando-se do conceito de direito à
organização e ao procedimento (Rescht auf Organisation und auf Verfahren)
para designar todos aqueles direitos fundamentais que dependem, na sua
realização, tanto de providências estatais com vistas à criação e
conformação de órgãos, setores ou repartições (direito à organização) como
de outras, normalmente de índole normativa, destinadas a ordenar a fruição
de determinados direitos ou garantias, como é o caso das garantias
processuais-constitucionais (direito de acesso à Justiça, direito de proteção
judiciária, direito de defesa).

Reconhece-se o significado do direito à organização e ao procedimento


como elemento essencial da realização e garantia dos direitos
fundamentais.”38

4.4. Os padrões intermediários e o licenciamento ambiental em áreas já


saturadas de poluentes

A ineficácia do sistema de progressão de padrões intermediários,


estabelecida pela Resolução Conama nº 491/2018, não reside somente no problema da
ausência de prazos peremptórios para o atingimento das sucessivas metas, ou então na

38 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9.ed. São Pau-
lo: Saraiva, 2014, p. 636.

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baixa protetividade oferecida pelos altos valores previstos para os diferentes poluentes. Para
além desses graves defeitos, a norma do Conama contém ainda um dispositivo que
praticamente inviabiliza a progressão para PQAr’s mais restritivos, uma vez que não apenas
deixa de estimular a mitigação da poluição já existente, mas possibilita mesmo o seu
agravamento ilimitado, em detrimento da saúde da população.

Trata-se de previsão contida no artigo 4º, § 5º, da referida resolução,


a seguir transcrito:

“§ 5º Caberá ao órgão ambiental competente o estabelecimento de critérios


aplicáveis ao licenciamento ambiental, observando o padrão de qualidade

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do ar adotado localmente.”

O licenciamento ambiental é mecanismo que restringe e controla as


atividades humanas desenvolvidas a partir da exploração de recursos ambientais, com a

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finalidade de impedir ou mitigar os danos ao meio ambiente. O licenciamento ambiental
propriamente dito não se encontra expressamente previsto na Constituição Federal.
Entretanto, pelo artigo 225, § 1º, inciso IV, da CF, o constituinte estipulou a obrigatoriedade
do licenciamento por meio da exigência de estudos prévios de impactos ambientais. Já a
competência para fixação de normas e de padrões para o licenciamento foi conferida ao
Conama (art. 8º, inciso I, da Lei nº 6.938/81).

Ainda que a resolução do Conama não confira qualquer centralidade


ao tema do licenciamento ambiental, é certo que o dispositivo transcrito afeta os critérios
utilizados em todo o território nacional para conceder ou negar a instalação e execução de
atividades efetiva ou potencialmente poluidoras. Assim, para efeitos de emissão de
poluentes atmosféricos, o parâmetro a ser utilizado para aferir previamente o impacto
ambiental de uma atividade — e, no limite, para conceder ou não a licença aos agentes
requerentes — será o “padrão de qualidade do ar adotado localmente”. Como já foi dito, os
PQAr’s hoje em vigência no Brasil, são os valores do PI-1, e, sem a previsão de prazos para
sua superação, é possível que vigorem por muitos anos. É facultado aos estados
estabelecer padrões mais restritivos que os fixados nacionalmente, o que justificaria a
distinção aberta pela expressão “padrões de qualidade do ar previstos localmente”.

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Também é sabido que são muito variáveis as concentrações de


poluentes encontradas nas diferentes localidades do território nacional. Enquanto centros
urbanos com intensa atividade industrial e grandes frotas de veículos automotores possuem,
em geral, altos índices de poluição, outras regiões do território com poucas fontes fixas e
móveis de emissão não teriam qualquer dificuldade para atender a padrões bem mais
restritivos. Esses níveis de poluição podem ser mensurados e inclusive projetados no
tempo, de modo que, com base em inventários de fontes fixas e móveis, por exemplo, pode-
se prever o grau de saturação de determinada bacia atmosférica para tais e quais poluentes.
A confecção de planos de mitigação da poluição atmosférica deve levar em conta essas
peculiaridades locais, prevendo inclusive critérios mais restritivos para licenciamento em

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áreas saturadas ou em vias de saturação.

Assim, é de fundamental importância que os procedimentos de


licenciamento em áreas já muito contaminadas contem com PQAr’s mais rígidos, de modo

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que não possam agregar ainda mais poluentes àquela bacia atmosférica. Do contrário, ou
seja, aplicando-se os lenientes padrões intermediários do presente para permitir atividades
que se desenvolverão no futuro, a política pública de gestão da qualidade do ar se inviabiliza
como um todo. A ausência de um tão óbvio mecanismo de gestão ambiental como esse
dificultaria a promoção da qualidade do ar até mesmo se fossem previstos prazos
peremptórios para progressão de PQAr. Como nem mesmo prazos há na norma do
Conama, a previsão do artigo 4º, § 5º, cumpre apenas o papel de aprofundar a ineficácia da
norma, selando não apenas a sua inocuidade protetiva, como ainda permitindo
implicitamente o agravamento do problema.

A esse respeito, veja-se a crítica constante do referido subsídio


técnico do PROAM (Anexo 3):

“Há regulamentos de licenciamento ambiental que restringem a instalação


de novas fontes estacionárias de poluição em áreas saturadas ou em vias
de saturação (áreas contaminadas que apresentam ou estão na iminência
de apresentar violações rotineiras dos PQAr’s vigentes). Essas áreas,
obviamente, violam os PQAr’s mais protetivos recomendados pela OMS. Ou
seja, à luz da referência da OMS, já há danos notavelmente configurados à
saúde da população ali exposta – pessoas estão ficando doentes e
morrendo em níveis acima do aceitável, e as autoridades de saúde e
ambientais, é claro, tem plena consciência desse fato.

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Mas, a utilização como parâmetro de corte do licenciamento ambiental de


novas fontes poluidoras nas áreas saturadas e em vias de saturação, de
padrões de qualidade do ar com valores insuficientemente protetivos, mais
altos e permissivos que as referências da OMS, acaba permitindo
invariavelmente que novas fontes se instalem naquela área de risco
cientificamente configurado, aumentando ainda mais a carga poluidora local;
elevam-se assim, as concentrações de poluentes naquela região, já
sabidamente insalubre, agravando as violações dos PQAr’s da OMS e os
índices locais de morbimortalidade.

Não é muito difícil de perceber - nem mesmo para um leigo - que o uso de
parâmetros de licenciamento frouxos, aquém da segurança protetiva dos
PQAr’s recomendados pela OMS, acaba, ao fim e ao cabo, por agravar o
risco local à saúde, ao invés de diminuí-lo ou eliminá-lo.” 39

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Não é diferente a visão na perspectiva médica quanto a este ponto,
como atesta o seguinte trecho do subsídio do Instituto Saúde e Sustentabilidade:

“Níveis de licenciamento baseados nos altos padrões vigentes, a Resolução

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491/2018 legitima ainda uma grave questão: baseado nos altos padrões de
qualidade do ar intermediários vigentes, as indústrias poderão obter licença
de funcionamento para se instalarem ou continuarem operando da mesma
forma em locais que hoje já estão com a bacia atmosférica saturada - a
permissividade para se poluir mesmo em locais já saturados com níveis
rotineiros de contaminação danosos à saúde acima dos valores guia da
OMS.

Desta forma, a Resolução 491/2018 defende interesses corporativos, gera


impacto à qualidade de vida da população brasileira, impede a sua defesa e
mantém o status quo de degradação ambiental. Permite a continuidade da
procrastinação do dever do Estado em melhorar as condições
atmosféricas.”40

4.5. Os valores exorbitantes de concentração de poluentes para os episódios


críticos

Os valores de concentração de poluentes fixados para os


denominados “episódios críticos de poluição” não se confundem com os padrões de
qualidade do ar.

39 Anexo 3, p. 6.
40 Anexo 2, p. 26-27.

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Os PQAr’s constituem um importante instrumento de gestão


ambiental, fixados como referenciais para auxílio dos gestores públicos e do cidadão na
avaliação e na promoção da qualidade do ar, podendo também assumir a função de “meta”
a ser atingida. Já os valores para episódios críticos devem, em tese, funcionar como
concentrações-limite de poluição fixadas para curtos períodos de contaminação aguda do ar,
e voltados para a tomada imediata de medidas capazes de informar e proteger a saúde da
população, mormente de seus grupos mais vulneráveis.

Segundo a definição fornecida pelo artigo 2º, inciso V, da Resolução


Conama nº 491/2018, episódio crítico de poluição do ar é a “situação caracterizada pela

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presença de altas concentrações de poluentes na atmosfera em curto período de tempo,
resultante da ocorrência de condições meteorológicas desfavoráveis à dispersão dos
mesmos”.

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De saída, nota-se que não há nessa definição uma menção sequer
ao fator “saúde”. Seguida a lógica implícita nessa formulação, o episódio de poluição é
considerado crítico simplesmente porque as concentrações de poluentes se encontram
elevadas, e não porque a saúde da população pode ser afetada.

O silêncio da norma quanto ao nexo entre a criticidade dos episódios


de poluição e os respectivos efeitos sobre a saúde não é, contudo, fruto do acaso. Ao
contrário: ela abre margem para a escolha arbitrária de valores para declaração dos
episódios críticos, uma vez que o conceito da norma está todo sustentado sobre a imprecisa
— e arbitrária — noção de “altas concentrações de poluentes”. “Altas” em relação a quê?
Poderia até se pensar que se trata de uma medida absoluta, ou seja, lastreada num
parâmetro objetivo, fixo.

Essa abertura conceitual neutraliza qualquer incoerência interna da


norma, o que permitiu ao Conama fixar valores mais do que exorbitantes, mas virtualmente
inatingíveis, de concentração de poluentes para enquadramento nos chamados “episódios
críticos”.

Ainda que possa parecer um elemento de menor importância, essa


definição é reveladora de uma característica que permeia, de maneira mais ou menos
disfarçada, toda a resolução do Conama, qual seja, o da ineficácia e desídia (programadas)

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para com a saúde da população. Todavia, ao se analisar os absurdos valores de


concentração de poluentes fixados para a declaração dos episódios críticos, no Anexo III da
resolução, não restam dúvidas de que a imprecisão conceitual e a sistemática ineficiência
dos mecanismos de gestão previstos ao longo da norma não são fruto de mera falta de
apuro técnico dos conselheiros do Conama: são, antes, engrenagens cuidadosamente
desenhadas para criar a aparência de funcionamento normal de uma motor que, na
realidade, gira em falso.

Feitas essas breves considerações, adentremos, pois, na questão


propriamente dita dos altos valores de concentração de poluentes fixados para os episódios

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críticos na Resolução Conama nº 491/2018.

Os episódios críticos são caracterizados pelo atingimento, em curto


período de referência, de concentrações-limite de determinado(s) poluente(s), em

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patamares capazes de gerar efeitos mais ou menos nocivos à saúde da população. A
gravidade desses casos (e as medidas necessárias para combatê-los) se distingue
conforme três sucessivos “níveis de criticidade”, sendo eles os de “atenção”, “alerta” e
“emergência”, conforme o caput do artigo 10 da Resolução Conama nº 491/2018.

Esse dispositivo segue a mesma vagueza da mencionada definição


de episódios críticos. Ao não fornecer um conceito delimitador para cada um dos três níveis
em termos de efeitos sobre a saúde (tampouco silenciando quanto à natureza das medidas
preventivas e corretivas a serem tomadas em cada tipo de episódio), a norma deixa livre o
caminho para a fixação de valores lenientes. A expressão “riscos à saúde da população” é
mencionada genericamente, sem qualquer tipo de distinção para os três níveis de
criticidade. Veja-se:

“Art. 10. Os órgãos ambientais estaduais e distrital deverão elaborar, com


base nos níveis de atenção, de alerta e de emergência, um Plano para
Episódios Críticos de Poluição do Ar, a ser submetido à autoridade
competente do estado ou do Distrito Federal, visando medidas preventivas
com o objetivo de evitar graves e iminentes riscos à saúde da população, de
acordo com os poluentes e concentrações, constantes no Anexo III.”

Frouxa a noção de criticidade, desancorada da questão da saúde, as


concentrações de poluentes podem assumir quaisquer valores. Essa premeditada margem

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para a arbitrariedade foi de fato usada pelo Conama, concretizando-se nos números do
referido Anexo III, que copiamos abaixo:

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Pode-se ter uma noção da exorbitância dos valores constantes da
tabela acima, bem como do estado de vulnerabilidade que significam à saúde da população,
quando comparamos esses números às guias de 2005 da OMS. Estas são, ainda hoje, o
melhor parâmetro à disposição para aferir a qualidade do ar tendo como critério os efeitos
mínimos da poluição sobre a saúde.

Com relação, por exemplo, ao poluente material particulado MP 10, a


OMS recomenda, para o período de amostragem de 24 horas, a concentração de 50 µg/m 3,
enquanto a resolução do Conama fixa como limiar para declaração do estado de atenção (o
menos grave dos três níveis de criticidade) o valor de 250 µg/m 3. Isso quer dizer que as
primeiras e mais básicas medidas de informação à sociedade só passarão a ser tomadas
pelas autoridades responsáveis quando o ar estiverem contaminado com 250 µg/m 3 de
partículas inaláveis MP10 — valor cinco vezes maior que o limiar de menores efeitos à saúde.
Para declaração do nível de emergência, o Conama chega ao paroxismo de estabelecer a
concentração de 500 µg/m3, dez vezes maior que o valor recomendado pela OMS.

Esses contrastes se mantêm exatamente nas mesmas proporções


quando comparados os valores para o material particulado fino MP2,5.

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A leniência dos valores para episódios críticos da resolução do


Conama é evidente até mesmo em cotejo com as regulamentações de outros países,
inclusive nações em grau de desenvolvimento inferior ou semelhantes ao do Brasil. É isso
que atesta o comparativo trazido pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade, no referido
trabalho de análise que faz da Resolução Conama nº 491/2018:

“Os parâmetros adotados em vários países diferem-se entre si, porém o


Brasil e o estado de São Paulo [por meio do Decreto 59.113/2013] seguem
um dos mais altos níveis no mundo. Os países mais atualizados são os
europeus. Os EUA, China e Índia, por exemplo, estão revisando seus
parâmetros. Países da América do Sul, como Chile possuem níveis críticos
mais atualizados que o Brasil. O Instituto Saúde e Sustentabilidade realizou

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um levantamento sobre os Episódios críticos adotados em outros países do
mundo, que pode ser observado na Tabela 8.

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Os EUA, como mencionado anteriormente procuraram resolver a questão
de desatualização dos padrões e episódios críticos pela ferramenta
qualitativa de comunicação – o IQAr [vide tópico 4.6 desta representação] –
de forma a cobrirem a necessidade da informação à população.

[...]

De forma surpreendente, os padrões de qualidade do ar do MP 10 nacional e


paulista são superiores aos episódios críticos ou critérios de gravidade da
França, por exemplo - representam o valor de 120 μg/m³ em 24 horas. O
episódio crítico adotado pela França como Atenção é o próprio valor da
OMS, 50 μg/m³ e como Alerta é 80 μg/m³, ou seja, o nível de Atenção
refere-se ao próprio índice preconizado pela OMS, como um valor máximo
tolerável para redução de risco da maior parte da população. Sabe-se que a
estes níveis, indivíduos mais sensíveis podem adoecer, como aqueles que
sofrem de doenças respiratórias crônicas. Assim, entende-se - para uma
melhor defesa ou salvaguarda, ao ultrapassar o valor, é deflagrado o nível
de Atenção de forma que a própria população e gestores possam tomar
medidas para sua melhor proteção e redução de emissão de poluentes. O
Nível de Alerta no caso do exemplo, refere-se a um nível correspondente ao
menor efeito em saúde antes de torná-lo grave, geralmente acometendo a

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população de maior risco, idosos e crianças, e um nível anterior à


possibilidade de mortes. Neste caso, deve haver um plano de ações no
município. Além das ações previstas a nível de informação e recomendação,
este nível inclui medidas de restrição ou suspensão de atividades que
contribuem para a emissão de poluentes (indústria e transportes), incluindo,
se for o caso, o fluxo de veículos.

Na França e Londres, quando o episódio crítico de emergência por


particulados é alcançado, a Prefeitura de Paris determina: 1) a tomada de
uma série de medidas para diminuição da emissão de poluentes e proteção
à população (proibição de tráfego de veículos no centro da cidade,
gratuidade de passagens de metro, feriado escolar, entre outros); e 2) a
comunicação em mídia expressiva que oriente a população para a adoção
de medidas protetivas (não realizar exercícios físicos ao ar livre, entre
outros).

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Tomando como base o Relatório de Qualidade do Ar do Estado de São
Paulo sob a Visão de Saúde 2015, ao se considerar o critério de Alerta do
MP10 adotado pela França, para o estado de São Paulo, haveria 480 dias de
alertas no estado, contra ZERO dias de alerta pela CETESB. Os níveis

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críticos de Atenção, Alerta e Emergência paulistas [Decreto 59.113/2013] e
nacionais são os mesmos e muito altos – respectivamente, 250, 420 e 500
µg/m³ – tão altos, que não são alcançados.”41

Não faltaram críticas a esse ponto da norma do Conama na já


referida audiência pública, promovida pelo MPF em conjunto com o PROAM e o Instituto
Saúde e Sustentabilidade em maio de 2018, em que se debatia a minuta que, em termos
gerais, veio a se tornar a Resolução nº 491/2018. Ali, os expositores abordaram a
necessidade de coerência entre os PQAr’s e os valores de concentração de poluentes para
os episódios críticos, bem como foi feito um alerta para a “falsa segurança” derivada dos
valores lenientes. A seguir, destaca-se um excerto do referido relatório:

“Os níveis de criticidade de poluição atmosférica são fixados conforme o


grau de impacto à saúde da população, quando exposta, em curtos espaços
de tempo, a altas concentrações de poluentes. Além disso, a cada um
desses níveis deve corresponder um conjunto de medidas que agentes
públicos designados devem tomar para informar a sociedade, promover a
redução da contaminação atmosférica e mitigar os danos à saúde da
população. Por isso, estes índices de criticidade devem guardar
consonância com os PQAr’s previstos.

No seguinte excerto — extraído de proposta do MPF e PROAM sobre o


tema no decorrer do processo de revisão da Resolução Conama 03/90 e
exibido pelo representante do PROAM na Audiência Pública —, esclarecem-
se essas relações entre índices de criticidade, PQAr e efeitos à saúde:
41 Anexo 2, p. 40-43.

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‘No caso da Atenção, o nível considerado para informar a população


sobre o estado de Atenção à poluição refere-se ao próprio padrão para
cada poluente, determinados para intervalos de 24 horas (diários). Os
níveis determinados para o estado de Emergência geralmente são os
níveis correspondentes ao menor efeito em saúde antes de torná-lo
grave, geralmente acometendo a população de risco, inclusive início
de risco em mortes. [...] Dessa maneira, o nível de Atenção deve
corresponder ao próprio padrão diário, pois se alcançado, já requer
que medidas sejam tomadas para amenizar o quadro de poluição ou
de prevenir o aumento de emissões, já que sua ultrapassagem
acarretará danos à saúde, especialmente em indivíduos vulneráveis.
O nível de Emergência demonstrado vai ao encontro dos dados do
Airparif, nesse caso, e que possui a medida correspondente ao menor
efeito em saúde antes de torná-lo grave, conforme os valores de
referência adotados pela OMS.’

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Todavia, essas correspondências não foram sequer consideradas para
elaboração da minuta do Conama. No seu Anexo III, fixam-se índices para
os diferentes níveis de criticidade, em valores muito superiores não apenas
ao padrão final da minuta (coincidente com os da OMS), mas bem acima do
próprio PI-1, que é o PQAr de entrada, menos restritivo (e que, como já dito,

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nada impede que vigore por sucessivos períodos quinquenais). Assim, a
saúde da população fica completamente desprotegida, pois a sociedade só
seria informada pelo Estado quando já se encontrasse há muito tempo
exposta a concentrações altíssimas de poluentes.

Na tabela a seguir, exibida pelo Senhor Bocuhy no evento, é possível


visualizar esse contraste gritante. Nela, comparam-se, em relação ao
material particulado MP10, as concentrações previstas na minuta para os
diferentes níveis de criticidade com os valores do PI-1, com o índice de
alerta da AirPraif (França) e com o padrão-guia da OMS:

Ou seja, enquanto na França, por exemplo, já são tomadas medidas


mitigadoras da poluição quando atingida a marca de 80 µg/m 3 de material

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particulado MP10 no ar (franqueamento do metrô, proibição do tráfego de


automóveis, restrição de emissões pela indústria etc.), no Brasil, o Estado
só seria obrigado a tomar alguma atitude aos 250 µg/m 3. Para o nível de
emergência, precisaria ser atingido o irreal patamar dos 500 µg/m 3.

Ademais, o direito de informação da sociedade seria sistematicamente


violado em tal arranjo normativo. Como mencionado acima, para o nível de
“atenção”, a população deveria ser informada dos altos índices de poluição
logo quando fosse atingido o PQAr diário adotado (para MP 10, no PI-1, esse
valor seria de 120 µg/m3 e, no padrão final, de 50 µg/m3), até para que as
pessoas possam, individualmente, tomar as providências necessárias para
proteção da própria saúde. Isso é ainda mais crítico quando se pensa nos
grupos de maior suscetibilidade à poluição (crianças, idosos, doentes
cardiorrespiratórios), como será devidamente tratado no item 3.3.

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A sociedade, desse modo, é induzida a um perigoso estado de ‘falsa
segurança’, como foi colocado pelo representante do PROAM em sua fala:
‘Quando você passa uma falsa sensação de segurança, a sociedade não se
defende, ela acha que está sendo protegida e que tudo está sendo feito pelo
governo para protegê-la, e ela fica mais vulnerável ainda à poluição’.” 42

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Desse modo, ao estabelecer concentrações de poluentes
virtualmente inatingíveis para declaração dos episódios críticos — ou, em outros termos, ao
desincumbir os agentes públicos de proteger a população quando a saúde desta está
claramente sendo agredida poluição do ar —, o Conama deu mais uma prova de que criou
uma norma propositalmente natimorta, não apenas fadada a não mitigar a poluição
atmosférica já existente, mas possibilitando ainda o seu agravamento. E tudo isso sob um
ilusório véu de normalidade, enquanto se permite que a saúde da população siga sendo
silenciosamente prejudicada.

4.6. A baixa qualidade da informação passada à população

Por mais protetivos que sejam, padrões de qualidade do ar não


podem ser entendidos tão somente como um instrumento de gestão ambiental à disposição
da Administração Pública. Quando encarados por essa perspectiva tecnocrática, olvida-se
que o principal destinatário de uma política de PQAr’s não é o Estado-Administrador, mas a
própria sociedade, e é em benefício dela que devem ser pensados e estruturados todos os
elementos da política pública.

42 Anexo 4, p. 17-20.

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Mais que uma meta a ser perseguida pelos agentes públicos


incumbidos da gestão ambiental, os padrões devem se prestar como um referencial
confiável para que os indivíduos possam aferir de forma clara e rápida a qualidade do ar que
respiram. Apenas desse modo poderão tomar decisões livres e informadas, seja na esfera
privada, para melhor cuidar da própria saúde, seja na esfera pública, para cobrar das
autoridades medidas capazes de proteger o meio ambiente, a saúde e a vida, direitos
fundamentais garantidos a todos.

Assim, longe de constituírem um aspecto acessório, os mecanismos

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de informação devem assumir um papel central numa política de PQAr’s.

Como já se pôde vislumbrar no tópico anterior, que tratou dos altos


valores de concentração de poluentes para declaração dos episódios críticos, a Resolução

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Conama n. 491/2018 é extremamente falha para possibilitar uma mínima proteção à saúde
da população em momentos de poluição aguda, já que só serão tomadas medidas para
informar o estado de “atenção”, “alerta” e “emergência” quando forem atingidos níveis
altíssimos de contaminação do ar.

No entanto, ainda que isso já afete sobremaneira o direito de


informação do indivíduo — pois que tomará conhecimento da gravidade da situação muito
tempo após os efeitos nocivos já terem se produzido —, a causa do problema neste caso
reside na exorbitância das concentrações limite, e não na qualidade da informação em si.

Portanto, para avaliar isoladamente a qualidade da informação a ser


prestada em casos de episódios críticos, basta verificar o que dispõe a norma do Conama
para a (improvável) hipótese de atingimento daqueles patamares de poluição. Veja-se:

“Art. 10. Os órgãos ambientais estaduais e distrital deverão elaborar, com


base nos níveis de atenção, de alerta e de emergência, um Plano para
Episódios Críticos de Poluição do Ar, a ser submetido à autoridade
competente do estado ou do Distrito Federal, visando medidas preventivas
com o objetivo de evitar graves e iminentes riscos à saúde da população, de
acordo com os poluentes e concentrações, constantes no Anexo III.
Parágrafo único. O Plano mencionado no caput deverá indicar os
responsáveis pela declaração dos diversos níveis de criticidade, devendo
essa declaração ser divulgada em quaisquer dos meios de comunicação de
massa.

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Art. 11. Os níveis de atenção, alerta e emergência a que se refere o art. 10


serão declarados quando, prevendo-se a manutenção das emissões, bem
como condições meteorológicas desfavoráveis à dispersão dos poluentes
nas 24 horas subsequentes, for excedida uma ou mais das condições
especificadas no Anexo III.
Parágrafo único. Durante a permanência dos níveis acima referidos, as
fontes de poluição do ar ficarão, na área atingida, sujeitas às restrições
previamente estabelecidas no Plano para Episódios Críticos de Poluição do
Ar.”

Como se lê, a norma deixa completamente em aberto a forma e o


conteúdo exigíveis para a informação que os estados devem transmitir para o público em
episódios críticos de poluição do ar. Relegam-se todas essas questões ao dito “Plano para

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Episódios Críticos de Poluição do Ar”, documento a ser elaborado pelo próprio estado, e
sobre cujos contornos e conteúdo mínimo nada prevê a resolução do Conama.

Mas não há vagueza apenas no que diz respeito à comunicação dos

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episódios críticos. Como regra geral da prestação de informações na Resolução n.
491/2018, a valer também para os períodos “não críticos” de poluição do ar, tem-se o artigo
12, in verbis:

Art. 12. O Ministério do Meio Ambiente e os órgãos ambientais estaduais e


distrital deverão divulgar, em sua página da internet, dados de
monitoramento e informações relacionados à gestão da qualidade do ar.

O dispositivo acima apenas estabelece um dever genérico de


divulgação da informação ambiental pelos órgãos ambientais estaduais e federal, sem,
contudo, prever qualquer requisito técnico ou procedimental a respeito da informação em si.
Pela literalidade da norma, cada órgão ambiental poderá interpretar como bem entender o
que sejam dados “relacionados à gestão de qualidade do ar”.

Ou pior: podem os órgãos ambientais eventualmente não divulgar


informação nenhuma, caso argumentem que não dispõem de dados. Aliás, é muito provável
que essa hipótese se concretize repetidamente durante a vigência da resolução do Conama.

A razão é simples: a norma é silente quanto ao dever prévio dos


estados de produzir a informação sobre a qualidade do ar, o que demandaria, antes de mais
nada, a instalação de boas redes de monitoramento de qualidade do ar. Como grande parte

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dos estados não dispõe desses equipamentos básicos, não terão, por conseguinte, dados
de qualidade do ar. Assim, em tese, se aplicada de forma estrita a norma do Conama,
poderão sempre alegar não estarem obrigados a divulgar uma informação que nem mesmo
possuem.

Um outro ponto falho da norma do Conama atinente à qualidade da


informação se encontra no seu artigo 13, que trata do chamado “Índice de Qualidade do Ar”
(IQAr). Vejamos:

“Art. 13. Os órgãos ambientais estaduais e distrital deverão divulgar Índice


de Qualidade do Ar - IQAR conforme definido no Anexo IV.

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§ 1º Para cálculo do IQAR deverá ser utilizada a equação 1 do Anexo IV,
para cada um dos poluentes monitorados.
§ 2° Para definição da primeira faixa de concentração do IQAR deverá ser
utilizado como limite superior o valor de concentração adotado como PF
para cada poluente.
§ 3º As demais faixas de concentração da IQAR e padronizações serão

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definidas no guia técnico a que se refere o art. 8º.”

O IQAr, ainda que tenha relação com os padrões de qualidade do ar


(PQAr), não se confundem com eles. O índice é um artifício construído sobretudo para
simplificar a comunicação da informação sobre qualidade do ar para a população, e, para
esse propósito específico, tem mais utilidade que os PQAr’s. O referido estudo do Instituto
Saúde e Sustentabilidade traz uma explicação técnica do índice:

“Índice de Qualidade do Ar - IQAR: valor utilizado para fins de comunicação


e informação à população que relaciona as concentrações dos poluentes
monitorados aos possíveis efeitos adversos à saúde.
O IQAr é uma classificação qualitativa (cores), representado pela conversão
dos dados de medição em cores pelo resultado da aplicação de uma
fórmula matemática, com o intuito de simplificar a informação à população,
que tem como base a agência ambiental americana - United States
Environmental Protection Agency (USEPA).

O IQAr é uma ferramenta matemática - para cada poluente medido é


calculado um índice, obtido através de uma função linear segmentada, que
relaciona a concentração do poluente com o valor do índice, resultando um
número adimensional. Para efeito de divulgação, utiliza-se o índice mais
elevado, isto é, em uma estação que avalie mais de um poluente, a sua
classificação é determinada pelo maior índice (pior caso). Dependendo do
índice obtido, o ar recebe uma qualificação, que é uma nota para a
qualidade do ar, além de uma cor.

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Ou seja, as medidas são apresentadas de forma qualitativa e não


apresentam qual o poluente responsável por aquela medida e nem suas
reais medidas de concentração de contaminação. O IQAr representará a
qualidade do ar de uma estação ou uma região.”43

Na resolução do Conama, a fórmula matemática usada para o


cálculo do IQAr está disponível em seu Anexo IV, e é idêntica àquela utilizada no decreto
paulista já mencionado. O estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade, contudo, demonstra
as deficiências da informação que é prestada ao público pela Cetesb, órgão ambiental
paulista incumbido dessa tarefa de fazer a divulgação dos IQAr.

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Numa compreensiva comparação com os protocolos vigentes nos
EUA44, o estudo deixa claro que o potencial comunicativo dos IQAr é pouco aproveitado
quando a informação do índice sobre a qualidade do ar (“boa”, “moderada”, “ruim” etc.) não
vem acompanhada da informação dos efeitos concretos que o ar naquela qualidade pode

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causar à saúde humana. Esse é o caso, por exemplo, da sistemática utilizada pela Cetesb.

Ademais, os EUA disponibiliza ao cidadão comum diversos canais


nos quais se tem acesso de forma rápida à informações compreensíveis e completas sobre
a qualidade do ar em determinado local e os efeitos à saúde correspondentes àquele nível
de poluição.

“A agência americana dispõe de uma série de iniciativas educativas


informativas para que a população tenha acesso à informação da qualidade
do ar e saúde, tais como: o AIRNow (<www.airnow.gov>), um website
nacional exclusivo para disponibilizar as informações de qualidade do ar e
saúde de 300 cidades; AQI via e-mail (<www.enviroflash.info>), em que as
pessoas assinam o interesse em receber e-mails que lhes avisem quando
as condições de qualidade do ar são preocupantes na sua área; aplicativos
em tablets e celulares para o mesmo fim; acesso às imagens de diversas
áreas por câmeras via web em tempo real; ferramentas que orientam
profissionais de saúde ou pais a auxiliarem pacientes e crianças a como se
precaverem dos efeitos da poluição do ar. No caso de episódios críticos de
poluição do ar de alerta e emergência há informações em jornais impressos,
rádio e televisão, avisando a população dos seus malefícios, de como se
comportar frente ao problema, além das medidas adotadas pelo governo
para redução de emissão de poluentes e para proteção da população.” 45

43 Anexo 2, p. 48-49.
44 Cf. Anexo 2, p. 51-69.
45 Anexo 2, p. 42.

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Em contraste a isso, pela demonstração do que vem acontecendo no


estado de São Paulo, é possível antever o que a norma do Conama pode gerar em nível
nacional com a sua falta de disciplina sobre a forma como a informação deve ser prestada.
O estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade enumera algumas das deficiências do
modelo de informações paulista:

“1) As informações qualitativas do IQAr remetem à qualidade ambiental do


ar e não aos riscos de saúde (boa, moderada, ruim, muito ruim e péssima);
2) Não há a informação da concentração do poluente (exceto Boletim
horário);
3) Não há a informação de todos os poluentes por estação;
4) A informação dos riscos em saúde é a mesma para qualquer poluente

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(mas na realidade os efeitos são diferentes);
5) Embora se baseie na agencia americana, os parâmetros adotados
relativos ao IQAr são diferentes, o que determina também riscos em saúde
mais brandos do que ocorre na realidade;
6) A informação sobre os riscos em saúde informados também é mais
branda do que a agencia americana utiliza;

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7) As informações ocorrem por estação, não há um mapa ou gráfico que
possam auxiliar na demonstração do que se passa na cidade, RMSP ou
Estado;
8) A metodologia e a ferramenta (fórmula) para o cálculo do IQAr não são
apresentadas, nem claras;
9) O acesso às informações em saúde é muito difícil, ocorre apenas no
website da CETESB, e no website, apenas no Boletim horário (não corre no
Boletim diário);
10) Para piorar, em relação às informações sobre os níveis de qualidade do
ar disponibilizadas pela CETESB, seja no Relatório de Qualidade do Ar
anual, ou no website, ou nos relógios de rua, elas ocorrem baseadas em
duas medidas, o que as tornam confusas para quaisquer públicos,
excetuando-se profissionais técnicos da área para tratar da qualidade do ar
- a CETESB utiliza duas réguas: 1) o Índice de Qualidade do Ar (IQAr) para
efeitos em saúde a curto prazo, baseado em um cálculo matemático
reproduzido com alterações da agência ambiental americana (USEPA) e, 2)
o Padrão de qualidade do ar (PQAr) segundo o Decreto 59.113/2013
desatualizado em relação aos índices preconizados pela OMS.”46

No caso da norma do Conama, adiciona-se a todo esse possível


cenário um outro agravante. No art. 13 e no Anexo IV da Resolução n. 491/2018, só se
determinam os valores de IQAr para a faixa de qualidade do ar tida como “boa”, relegando a
fixação das outras faixas para um futuro “guia técnico” a ser elaborado pelo Ministério do
Meio Ambiente (art. 8º). Como não há nenhum dispositivo da resolução que indique que
esse guia será vinculante para os estados na elaboração de seus parâmetros de IQAr, pode-
46 Anexo 2, p. 66.

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se defender que os órgãos ambientais estaduais ficarão livres para estabelecer


concentrações ainda piores que as indicadas pela Cetesb para classificar a qualidade do ar
como “moderada”, “ruim” etc.

Como conclusão a este tópico, colaciona-se este percuciente trecho


da análise do Instituto Saúde e Sustentabilidade:

“Por fim, conclui-se que a informação é inadequada à população sobre essa


preocupante situação, aos gestores para que tomem uma medida eficaz e
urgente, bem como aos órgãos judiciários que garantam o direito dos
cidadãos.

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As formas como a informação é divulgada são insuficientes e ineficientes,
não são claras ao cidadão — são confusas, difíceis de compreendê-las e
compará-las. A informação do significado de saúde ocorre apenas baseada
em dados horários — é muito rápida.

Se os pais de uma criança com asma, ou mesmo seu pediatra, tiverem o

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interesse em conhecer a qualidade do ar nos locais de vivência desta
criança na cidade e consultarem o Relatório de Qualidade do Ar anual, não
alcançarão a resposta adequada e a liberdade da escolha de uma moradia
ou uma escola em um ambiente mais propício para sua vida plena.
Tampouco a população pode alcançar os seus direitos.

Confere-se o respaldo legal sobre o direito de a sociedade obter a


informação sobre a poluição atmosférica — a Lei nº 10.650/2003 dispõe
sobre o dever do Estado de disponibilizar dados referentes à qualidade do
ambiente. Os órgãos ambientais devem se comprometer a divulgar os
dados de qualidade do ar, sua implicação em saúde e sua gravidade dentro
dos atuais e melhores conhecimentos, em mídia acessível, de modo que os
interessados ou afetados pela poluição tenham conhecimento sobre o
ambiente em que vivem, tenham a oportunidade de participação ativa e a
possibilidade de se proteger e requerer seu direito à saúde em um ambiente
ecologicamente equilibrado, bem como também adotar atitudes individuais
fundamentais em colaboração ao problema e à sua comunidade. Além da
população, os gestores também demandam informações acessíveis e
apuradas, para que possam atuar de forma efetiva.

Os dados indicam a necessidade de ações imediatas para medidas


protetivas à população, a revisão dos conceitos técnicos e ferramentas de
informação mais eficientes à população pelos órgãos responsáveis.

Portanto, o posicionamento do Instituto Saúde e Sustentabilidade é que a


Resolução CONAMA 491/2018 é ineficiente para a própria defesa dos
cidadãos quanto à informação e à proteção à saúde.”47

47 Anexo 2, p. 70-71.

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5. CABIMENTO DO CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE

A Resolução nº 491, do Conselho Nacional do Meio Ambiente —


assim como muitas outras resoluções derivadas da atividade normativa do Conama, por
força do art. 8º, inc. VI e VII da Lei nº 6.938/81 — inovou no ordenamento jurídico com notas
de autonomia jurídica, abstração, generalidade e impessoalidade. Assim, a resolução
qualifica-se, para efeitos do disposto do art. 102, I, da Constituição da República, como ato
normativo primário sujeito à fiscalização abstrata de constitucionalidade.

Como já bem destacado pela Procuradoria-Geral da República na


peça exordial da ADI 5.691/ES — questionando a constitucionalidade de dispositivos de

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resolução do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo —, o próprio Supremo Tribunal
Federal já dispõe de consolidada jurisprudência no sentido de se admitir o controle de
constitucionalidade em face de atos normativos dessa natureza. Veja-se:

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“São numerosos os julgados do Supremo Tribunal Federal pelo cabimento
de ADI contra resoluções revestidas de conteúdo normativo primário. Citem-
se, por exemplo: ADI 5.028/DF (contra a Resolução 23.389, de 9 de abril de
2013, do Tribunal Superior Eleitoral); medida cautelar na ADI 3.731/PI
(contra a Resolução 12.000-001 GS, de 30 de setembro de 2005, do
Secretário de Segurança Pública do Piauí); MC/ADI 1.782/DF (contra a
Resolução 62, de 29 de maio de 1996, do Tribunal de Contas da União),
entre outros.”

Acresça-se a isso o fato de a resolução em tela consubstanciar


parte de uma relevante política pública atinente a direitos fundamentais positivados
em nossa ordem constitucional (direito à saúde, e direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado). Por estarem em jogo direitos essenciais, o Judiciário,
quando provocado para que se manifeste acerca da constitucionalidade da norma,
deverá exercer uma jurisdição de “forte” caráter interventivo sobre a política pública,
restringindo, assim, o âmbito de discricionariedade do formulador da norma para
escolher os meios de conformação ao comando constitucional, como leciona Felipe
de Melo Fonte:

“Como visto anteriormente, o modelo ‘forte’ de intervenção de políticas


públicas impõe a redução da discricionariedade administrativa a zero,
atraindo de forma mais contundente as críticas à intervenção judicial. Neste
gênero de controle, o Poder Judiciário esgota o trabalho interpretativo,

58
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apontando no caso concreto qual é ou era a conduta devida pelo poder


público, condenando-o a realizá-la ou substituindo a obrigação de fazer por
pecúnia. À evidência, as modalidades de intervenção judicial ‘forte’,
como já registramos, deveriam ser reservadas aos casos em que estão
em jogo políticas públicas essenciais, ligadas ao mínimo existencial,
deixando ao controle brando descrito no tópico anterior as políticas públicas
ligadas à concretização de prerrogativas não albergadas no interior do
núcleo essencial ou apenas indiretamente relacionadas aos direitos
fundamentais.”48

No caso em tela, a necessidade de um controle judicial “forte” não


deriva apenas da fundamentalidade dos direitos envolvidos na política pública: a fonte e a
hierarquia das resoluções do Conama no ordenamento jurídico fazem aumentar ainda mais

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o rigor do controle devido pelo judiciário sobre o conteúdo dessas normas e sobre a sua
conformidade às balizas do ordenamento jurídico. Assim, a discricionariedade de que dispõe
o Conama para operar esse trabalho de conformação é, por natureza, menor do que a do
legislador ordinário, em razão da reduzida “legitimidade democrática” do Conselho.

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Confira-se, a esse respeito, valorosa lição de Fábio Ribeiro dos
Santos em tese de Doutorado integralmente dedicada ao tema do poder normativo do
Conama:

“Evidente que, na ausência de lei a respeito do tema regulado, os


parâmetros para aferição da constitucionalidade (e este passa a ser o
termo) das resoluções do Conama se tornam diferentes daqueles utilizados
para aferir a sua legalidade, se lei houvesse. Em primeiro lugar, é de se
concluir que esses padrões se tornam mais rígidos, pois não há mediação
da vontade política do legislador e, em consequência, há uma diminuição
considerável da segurança jurídica dos textos normativos editados praeter
legem; em última instância é a própria legitimidade democrática que diminui,
o que é atualmente objeto de uma ampla discussão quando se trata de
agências reguladoras.”49

Com efeito, o déficit democrático de que padece o Conama — cuja


composição nada paritária confere esmagadora representação a interesses políticos,
econômicos, classistas etc., antagônicos ao dever constitucional de proteção do meio
ambiente — faz redobrar a necessidade de vigilância e intervenção do Poder Judiciário
sobre as relevantes normas de direito ambiental que são ali editadas.

48 FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 318.
49 SANTOS, Fábio Ribeiro dos. O poder normativo do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama. 2006.
Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 74.

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Se deve ser mais estreito o crivo do Estado-Juiz quando diante de


políticas públicas ligadas ao mínimo existencial, o que se dirá então quando o maior
responsável por essa “política pública essencial” e maior “devedor” da proteção a ser
dispensada aos indivíduos — o Estado — tem o exclusivo poder de escolha sobre a
composição do colegiado regulador e tende sistematicamente ao atendimento daqueles
interesses múltiplos?

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6. A RESOLUÇÃO CONAMA Nº 491/2018 E A PROTEÇÃO INSUFICIENTE

O que se objeta na presente representação é a validade da


Resolução Conama nº 491/2018, que — conforme cabalmente demonstrado nos tópicos da
crítica técnica à norma — ao não regulamentar de forma minimamente eficaz e adequada os
padrões de qualidade do ar aplicáveis em nosso território, deixou (ou manteve)
desprotegidos os direitos fundamentais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à
saúde e à vida.

Para o desfecho da questão aqui apresentada será necessário

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investigar se (e em qual extensão) a Resolução Conama nº 491/2018 logrou cumprir o
desiderato constitucional a que está sujeita como política pública essencial, isto é dizer,
como instrumento de efetivação de direitos de inequívoca fundamentalidade e, portanto,
sujeito a pressupostos de proteção mais estritos.

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Sendo, portanto, incontornável a abordagem pela via dos direitos
fundamentais, o deslinde da questão aqui posta — insuficiência das medidas normativas
apresentadas para a proteção dos direitos fundamentais — terá que se pautar pela teoria
geral que rege essa categoria especial de direitos e princípios, em especial pela dogmática
assentada na doutrina e na jurisprudência.

Perquire-se, em última instância, se a conformação normativa


operada pelo Conama garante a efetividade mínima que a Constituição impõe para esses
direitos fundamentais, ou se é, ao contrário, falha, insuficiente, imprestável para o fim a que
se destina. Neste último caso, restará a conclusão de que a resolução do Conama traz em si
um problema muito mais grave que a mera falta de eficácia, já que a sua própria validade
jurídica estará comprometida.

Com efeito, a tese que defenderemos ao longo deste capítulo é de


que a Resolução Conama nº 491/2018 atenta contra todo um marco normativo, firmemente
enraizado em nossa Constituição Federal e irradiado no ordenamento, de proteção aos
direitos fundamentais, os quais o Estado deve não apenas se abster de violar (vedação do
excesso), mas também proteger de modo adequado e suficiente (vedação da proteção
insuficiente), sob pena de descumprir diretamente o desiderato constitucional.

61
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Não só pelos argumentos doutrinários, mas em especial pelo


reconhecimento jurisprudencial, inclusive em julgados do STF, não restam questionamentos
hoje no Brasil de que os direitos à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
são direitos fundamentais, tanto em sentido formal quanto material.50

De lembrar que a tutela ao meio ambiente foi constitucionalizada no


Brasil pela primeira vez de maneira ampla e sistematizada na Carta de 1988, mais
especificamente, em seu artigo 225. Nesse dispositivo, consagra-se o direito fundamental ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ainda ao Estado e à coletividade,

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reflexivamente, um dever de proteção sobre esse bem essencial.

Fórmula semelhante deu a Constituição ao direito fundamental à


saúde, o qual também se desdobra num dever de proteção estatal. No artigo 196, fica

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instituído que “[a] saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos”. O
imbricamento com os direitos à saúde e à vida os colocam como consequenciais51

A sinergia existente entre esses direitos fundamentais (meio


ambiente, saúde e vida) é patente no próprio texto constitucional, que no referido artigo 225,
qualifica o meio ambiente ecologicamente equilibrado como “essencial à sadia qualidade de
vida”.
50 “A fundamentalidade formal encontra-se ligada ao direito constitucional positivo, no sentido de um regime
jurídico definido a partir da própria constituição, seja de forma expressa, seja de forma implícita, e composto,
em especial, pelos seguintes elementos: (a) como parte integrante da constituição escrita, os direitos
fundamentais situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico, gozando da supremacia hierárquica das
normas constitucionais; (b) na qualidade de normas constitucionais, encontram-se submetidos aos limites
formais (procedimento agravado) e materiais (cláusulas pétreas) da reforma constitucional (art. 60 da CF),
muito embora se possa controverter a respeito dos limites da proteção outorgada pelo constituinte, aspecto
desenvolvido no capítulo sobre o poder de reforma constitucional; (c) além disso, as normas de direitos
fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam de forma imediata as entidades públicas e, mediante as
necessárias ressalvas e ajustes, também os atores privados (art. 5º, §1º, da CF) […] A fundamentalidade
material (ou em sentido material), por sua vez, implica análise do conteúdo dos direitos, isto é, da
circunstância de conterem, ou não, decisões fundamentais sobre a estrutura do Estado e da sociedade, de
modo especial, porém, no que diz com a posição nestes ocupada pela pessoa humana.” (SARLET, Ingo
Wolfgang. Curso de direito constitucional. p. 325-326.)
51 “A sadia qualidade de vida só pode ser conseguida e mantida se o meio ambiente estiver ecologicamente
equilibrado. Ter uma sadia qualidade de vida é ter um meio ambiente não-poluído. Além de ter afirmado o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituição faz um vínculo desse direito com a
qualidade de vida. Os constituintes poderiam ter criado somente um direito ao meio ambiente sadio – isso já
seria meritório. Mas foram além.[…] A saúde dos seres humanos não existe somente numa contraposição a
não ter doenças diagnosticadas no presente. Leva-se em conta o estado dos elementos da Natureza –
águas, solo, ar, flora, fauna e paisagem – para aquilatar se esses elementos estão em estado de sanidade e
se de seu uso advêm saúde ou doenças e incômodos para os seres humanos.” (MACHADO, Paulo Affonso
Leme. Direito ambiental brasileiro. 26.ed. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 162-163.)

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Assim, a Resolução Conama nº 491/2018 é um caso emblemático


sob essa perspectiva, já que, ao dispor sobre padrões de qualidade do ar, regulamenta
questão diretamente ligada tanto ao meio ambiente como à saúde e à vida.

A própria normativa do Conama deixa explícita essa sinergia em seu


artigo 2º, inciso II, quando define “padrão de qualidade do ar” como “valor de concentração
de um poluente específico na atmosfera, associado a um intervalo de tempo de exposição,
para que o meio ambiente e a saúde da população sejam preservados em relação aos
riscos de danos causados pela poluição atmosférica”.52

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De outro giro, como já bem assentado na doutrina estrangeira sobre
direitos fundamentais, assimilado por eminentes autores brasileiros, e inclusive com
reconhecimento em nossos tribunais superiores, a ação do Estado, em razão dos seus

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deveres de proteção, deve sempre se situar entre duas balizas: de um lado, pela proibição
de excesso, ou seja, pelo dever do Estado de se abster de intervir no direito fundamental em
questão, ou ao menos de violar o seu núcleo essencial; e, de outro lado, pela proibição da
proteção insuficiente, que gera para o Poder Público um dever de natureza prestacional,
demandando dele ações concretas no sentido de garantir a satisfação — ou ao menos as
condições de fruição — daquele direito para seus titulares.

Gilmar Mendes traz percuciente lição ao tratar desse caráter bifronte


do dever de proteção do Estado, bem como da necessidade de irradiação efetiva da
previsão constitucional em todo o ordenamento jurídico:

“É fácil ver que a ideia de um dever genérico de proteção alicerçado nos


direitos fundamentais relativiza sobremaneira a separação entre a ordem
constitucional e a ordem legal, permitindo que se reconheça uma irradiação
dos efeitos desses direitos (Austrahlungswirkung) sobre toda a ordem
jurídica.

Assim, ainda que se não reconheça, em todos os casos, uma pretensão


subjetiva contra o Estado, tem-se, inequivocamente, a identificação de um

52 Não por acaso, os mais robustos e reconhecidos parâmetros para estabelecimento de PQAr’s hoje à
disposição dos formuladores de políticas públicas ao redor do mundo provêm da Organização Mundial da
Saúde (OMS), e não por uma agência de atuação adstrita à temática ambiental. Os valores recomendados
por aquele organismo internacional compõem as chamadas “guias” de qualidade do ar (air quality
guidelines), que foram publicados em 2006 em amplo relatório, e refletem o estado da arte — existente
àquela época — das pesquisas sobre os efeitos da poluição do ar sobre a saúde humana.

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dever deste de tomar todas as providências necessárias para a realização


ou concretização dos direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção


(Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção
(Schutzgebote). Haveria, assim, para utilizar expressão de Canaris, não
apenas a proibição do excesso (Übermassverbote), mas também a
proibição da proteção insuficiente (Untermassverbote). E tal princípio tem
aplicação especial no âmbito dos direitos sociais.”53

As normas infraconstitucionais que dizem respeito aos direitos


fundamentais devem refletir efetivamente o dever de proteção inscrito na Constituição, ainda
que o texto constitucional não faça em cada ponto expressa menção à legislação

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correspondente, ou detalhe o “grau” e as particularidades da proteção que está a garantir.
Naturalmente, existe para o legislador — e até, em menor medida, para o administrador
investido de poderes regulatórios — uma certa liberdade na escolha dos meios cabíveis
para conformar as normas infraconstitucionais ao desiderato superior da Constituição.

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No entanto, seja qual for a solução eleita pelo Estado
(legislador/regulador) ao operar essa conformação, deverá ele necessariamente atender ao
requisito de proteção efetiva e suficiente dos direitos fundamentais em questão.

Nesse sentido, não há que se confundir o dever de proteção com a


proibição de insuficiência. Claus-Wilhelm Canaris — em lição já muito difundida entre
nossos doutrinadores — destaca que a questão do dever de proteção tem em conta o “se”
da proteção do direito fundamental (ou seja, trata da existência ou inexistência do dever),
enquanto a proibição de insuficiência diz respeito ao “como” (o modo pelo qual) aquele
imperativo de tutela será efetivado:

“A proibição de insuficiência também não coincide com o dever de


protecção, como se não tivesse, em relação a ele, qualquer função
autónoma. Quem assim entende desconhece o significado que o direito
infra-constitucional assume na realização de imperativos de tutela de
direitos fundamentais. Dito em termos um pouco simples, na pergunta pelo
dever de protecção trata-se do ‘se’ da protecção, enquanto a proibição de
insuficiência tematiza a pergunta pelo ‘como’. Pois ‘a Constituição impõe
(apenas) a protecção como resultado, mas não a sua conformação
específica’. Há, pois, num primeiro passo, que fundamentar a existência do
dever de protecção como tal, e, num segundo, que verificar se o direito
53 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9.ed. Saraiva:
São Paulo, 2014, p. 638.

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ordinário satisfaz suficientemente esse dever de protecção, ou se, pelo


contrário, apresenta, neste aspecto, insuficiências.

[…]

Neste quadro, há, pois, que averiguar se a protecção do direito infra-


constitucional é eficaz e apropriada. Aqui não se trata de, por exemplo,
medir – eventual – insuficiência de protecção, ou a omissão do legislador,
da mesma forma que no caso de uma intervenção num direito fundamental,
com base na proibição do excesso. É, antes, preciso verificar se a
protecção satisfaz as exigências mínimas na sua eficiência e se bens
jurídicos e interesses contrapostos não estão sobre-avaliados. Em
todo o caso, a eficácia da protecção integra, em princípio, logo o
próprio conteúdo do dever de protecção, já que um dever de tomar
medidas ineficazes não teria sentido.”54

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Assim, se a eficácia integra o próprio conteúdo do dever estatal de
proteção, disso resulta que a norma ineficaz é ela mesma violadora do dever de extração
constitucional. Portanto, uma vez verificada a incapacidade da norma para propiciar com

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efetividade e suficiência a proteção do núcleo essencial de dado direito fundamental, estar-
se-á diante de uma violação direta da própria Constituição, de onde deriva o imperativo de
tutela.

Por conseguinte, sob este prisma, está longe de ser irrestrita a


“liberdade de conformação” do legislador/regulador na criação de normas que tragam
reflexos sobre a esfera dos direitos fundamentais. Ao contrário, no cumprimento de seu
múnus, deverá ele se circunscrever estritamente à moldura da proteção suficiente, sob pena
de esvaziamento da própria “fundamentalidade” do direito em questão, como bem explicam
Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer:

“Seguindo tal entendimento, não é possível, portanto, admitir-se uma


ausência de vinculação do legislador (assim como dos órgãos estatais em
geral) às normas de direitos sociais (e também dos direitos ecológicos ou
socioambientais), assim como, ainda que em medida diferenciada, às
normas constitucionais impositivas de fins e tarefas em matéria de justiça
social, pois, se assim fosse, estar-se-ia chancelando uma fraude à
Constituição, pois o legislador – que ao legislar em matéria de proteção
social (e ecológica) apenas está a cumprir um mandamento do Constituinte
– poderia pura e simplesmente desfazer o que fez no estrito cumprimento
da Constituição. [...] Em outras palavras, mesmo tendo em conta que o
espaço de prognose e de decisão dos órgãos legislativos é variável,

54 CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. 4.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 122-
123

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ainda mais no marco dos direitos sociais e das políticas públicas para
a sua realização, não se pode admitir que em nome da liberdade de
conformação do legislador o valor jurídico de tais direitos, assim como
a sua própria fundamentalidade, acabem sendo esvaziados.”55

O referido esvaziamento dos direitos fundamentais é justamente o


que fez o Conama ao editar a Resolução nº 491/2018 — como se não estivesse o colegiado
vinculado a esse dever de proteção e fosse dotado de uma larga discricionariedade no
exercício de sua função normativa. Esse fator não poderá passar em brancas nuvens na
análise a ser feita pelo Judiciário, a julgar o restrito “espaço de prognose” que tinha o
Conama para que sua norma atendesse ao imperativo da proteção suficiente. Veja-se, a
esse respeito, a importante lição de Felipe de Melo Fonte:

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave D979C6CF.277C9823.803F328C.09298ECE


“O fundamento da vedação à proteção deficitária está no dever estatal
primário de proteger os direitos fundamentais por meio de previsões legais
e ações administrativas efetivas. Em outras palavras, radica-se na ideia
geral de que o dever de proteger e promover os direitos fundamentais

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irradia-se a todos os poderes e órgãos do Estado, não lhes sendo legítimo
omitir-se em tal tarefa. Sendo assim, onde puder ser reconhecido um dever
estatal de proteção específico, também será necessário cogitar-se a
respeito da efetividade com que o Estado se desincumbiu deste ônus,
incidindo aí o controle judicial. Embora a escolha dos meios de proteção dos
direitos fundamentais seja atribuída, inicialmente, aos órgãos legislativo e
executivo, elas são passíveis de submissão ao controle judicial de
constitucionalidade. Neste passo, cabe aos juízes avaliar os meios que
estavam à disposição dos Poderes Públicos e julgá-los, para dizer se o
dever de proteção foi cumprido de modo adequado.”56

Não se diga, portanto, que a resolução insuficiente do Conama seja


insuscetível de sofrer intervenção judicial para corrigi-la ou anulá-la, sob o argumento de
que a decisão quanto ao seu conteúdo se deu dentro da zona de discricionariedade
conferida à Administração Pública em sua função regulatória. Com efeito, a normativa em
tela trata de política pública essencial para a realização de direitos fundamentais,
justificando-se, assim, o controle jurisdicional.

55SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. “Notas sobre os deveres de proteção do Estado e a
garantia da proibição de retrocesso em matéria (socio)ambiental.” In: LEITE, José Rubens Morato (Org.).
Dano ambiental na sociedade de risco. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 133-184. Disponível em:
<http://www.planetaverde.org/biblioteca-virtual/artigos-juridicos/notas-sobre-os-deveres-de-protecao-do-
estado-e-a-garantia-da-proibicao-de-retrocesso-em-materia-socioambiental>. Acesso em: 18 abr. 2019.
56FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 234.

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Não é outra, aliás, a posição do Supremo Tribunal Federal a respeito


do tema. Veja-se a sintética formulação fornecida pelo Ministro Marco Aurélio sobre a
jurisprudência da Corte, extraída de seu voto como relator no julgamento do RE 440.028/SP
pela Primeira Turma:

“Faz-se em jogo o controle jurisdicional de políticas públicas, tema de


importância ímpar para a concretização da Carta da República, ante o
conteúdo dirigente que estampa. Segundo a jurisprudência do Supremo,
são três os requisitos a viabilizar a incursão judicial nesse campo, a saber: a
natureza constitucional da política pública reclamada, a existência de
correlação entre ela e os direitos fundamentais e a prova de que há omissão
ou prestação deficiente pela Administração Pública, inexistindo justificativa
razoável para tal comportamento.”

http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave D979C6CF.277C9823.803F328C.09298ECE


Seguindo, portanto, os requisitos elencados acima, é perfeitamente
cabível, e por isso mesmo necessário, o controle jurisdicional da política pública
representada pela Resolução Conama nº 491/2018.

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Despiciendo demonstrar na espécie a satisfação das duas primeiras
condições estabelecidas pelo STF. É evidente o liame existente entre a política de PQAr’s e
preceitos basilares de nossa Constituição, bem como a pertinência material de seus
objetivos com os direitos fundamentais ao meio ambiente, à saúde e à vida.

Como já dito, a norma aqui combatida regulamenta matéria em que


se imbricam ao menos três direitos fundamentais (meio ambiente, saúde e vida), positivados
em nossa Constituição e nucleares para a noção de dignidade da pessoa humana, que é
fundamento de nossa República (art. 1º, III, da CF).

Neste sentido, trazemos a valiosa doutrina Felipe de Melo Fonte


sobre as políticas públicas relacionadas a direitos fundamentais, em que propõe uma
distinção muito útil entre políticas públicas essenciais e não essenciais, que implicam
diferentes regimes de controle jurisdicional:

“Seguindo a hipótese inicial, as políticas públicas relacionadas aos direitos


fundamentais podem ser divididas em duas categorias distintas, submetidas
a regime de controle diferenciados, que serão definidas de acordo a sua
vocação para a materialização do núcleo essencial do princípio da
dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), o qual foi identificado
como pilar do sistema de direitos fundamentais posto em vigor pela atual

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Constituição brasileira. O primeiro grupo é composto das políticas públicas


que dizem respeito ao adimplemento concreto do mínimo existencial,
as quais serão aqui denominadas políticas públicas constitucionais
essenciais. Por sua vez, políticas públicas ditas não essenciais são aquelas
relacionadas à área não nuclear dos princípios fundamentais previstos na
Constituição.”57

Se, como ensinado acima, o critério distintivo entre uma e outra


categoria de política pública é a sua “vocação para materialização do núcleo essencial do
princípio da dignidade da pessoa humana”, então não resta dúvida de que se cuida aqui de
uma legítima política pública constitucional essencial.

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O enquadramento proposto para esta política pública é procedente
não apenas porque os direitos nela implicados integrem, no plano teórico-abstrato, o cerne
da garantia ao mínimo existencial. Com efeito, além da essencialidade dos bens
fundamentais envolvidos, deve-se verificar a capacidade real da política pública para a

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“materialização do núcleo essencial”, ou seja, a sua contribuição concreta para o
adimplemento desse mínimo.

Antes dessa demonstração, cumpre apenas que se façam duas


pontuais observações sobre a noção de mínimo existencial e suas aplicações neste caso.

Naquilo que tange ao direito fundamental ao meio ambiente


ecologicamente equilibrado, a doutrina já admite a consagração de um “mínimo existencial
socioambiental”, a ocupar uma posição central na matriz do mínimo existencial. Apesar da
especificidade “ecológica” do novo conceito, toda formulação do mínimo socioambiental não
pode deixar de conter, explícita ou implicitamente, a referência à saúde humana. A interação
entre meio ambiente e saúde é sinérgica por natureza, mas fica ainda mais forte quando
está a se falar de uma medida mínima de qualidade ambiental para garantir a dignidade da
pessoa humana.

Isso se reflete com máxima clareza no ensinamento de Ingo Sarlet,


Paulo Affonso Leme Machado e Tiago Fensterseifer:

“O reconhecimento da condição de direito humano e fundamental à


proteção do meio ambiente tem como corolário a identificação de novos

57 FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 209.

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elementos normativos relacionados ao conteúdo do assim chamado ‘direito


e garantia a um mínimo existencial’, abrindo caminho para a noção de uma
dimensão ecológica do direito-garantia ao mínimo existencial, que, em
virtude da necessária integração com a agenda de proteção e promoção de
uma existência digna em termos socioculturais (portanto, não restrita a um
mínimo vital ou fisiológico), há de ser designada pelo rótulo de um mínimo
existencial socioambiental, coerente, aliás, com o projeto político-jurídico do
Estado Socioambiental de Direito. A preocupação doutrinária de se
conceituar, no plano normativo, um padrão mínimo em termos ambientais
para a realização de uma vida digna e saudável justifica-se a partir da
importância que o equilíbrio e segurança ambiental representam para o
desenvolvimento da vida humana em toda a sua potencialidade. Tais
condições materiais elementares — de natureza socioambiental —
constituem-se em premissas do próprio exercício dos demais direitos
(fundamentais ou não), resultando em razão da sua essencialidade para a

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existência humana, em uma espécie de direito a ter e exercer os demais
direitos. Sem o acesso a tais condições existenciais básicas (que,
todavia não podem ser compreendidas no sentido de uma redução da
proteção dos direitos socioambientais a um patamar minimalista), que
exigem o respeito, proteção e promoção de um padrão mínimo — no

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sentido de necessário — de qualidade ambiental, não há que falar em
liberdade real ou fática, quanto menos em um padrão de vida digno.
Dentre outras justificativas que se poderia invocar, assume relevância a
noção do dever de respeito e consideração, por parte da sociedade e do
Estado, pela vida de cada indivíduo.”58

Ademais, em arguto trabalho sobre o (aparente) embate entre o


argumento da reserva do possível e a garantia do mínimo existencial, aplicado ao direito à
saúde, Ingo Sarlet e Mariana Figueiredo fornecem um panorama valioso de todos esses
conceitos.

Quanto ao problema da delimitação do conteúdo do mínimo


existencial, frisam os autores que o conceito não deve se resumir apenas à garantia das
condições mínimas para a sobrevivência física do ser humano, sob pena de incompatibilizar-
se com uma noção mais ampla de dignidade da pessoa humana. Confira-se:

“A primeira diz com o próprio conteúdo do assim designado mínimo


existencial, que não pode ser confundido com o que se tem chamado de
mínimo vital ou um mínimo de sobrevivência, de vez que este último diz com
a garantia da vida humana, sem necessariamente abranger as condições
para uma sobrevivência física em condições dignas, portanto, de uma vida
com certa qualidade. Não deixar alguém sucumbir à fome certamente é

58 SARLET, Ingo Wolfgang; MACHADO, Paulo Affonso Leme; FENSTERSEIFER, Tiago. Constituição e
legislação ambiental comentadas. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 41.

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o primeiro passo em termos da garantia de um mínimo existencial, mas


não é – e muitas vezes não o é sequer de longe – o suficiente.
[…]
De outra parte, mesmo que não se possa adentrar em detalhes o exame do
tópico, firma-se posição no sentido de que o objeto e conteúdo do mínimo
existencial, compreendido também como direito e garantia fundamental,
haverá de guardar sintonia com uma compreensão constitucionalmente
adequada do direito à vida e da dignidade da pessoa humana como
princípio constitucional fundamental. Neste sentido, remete-se à noção de
que a dignidade da pessoa humana somente estará assegurada - em
termos de condições básicas a serem garantidas pelo Estado e pela
sociedade - onde a todos e a qualquer um estiver garantida nem mais
nem menos do que uma vida saudável. Assim, a despeito de se endossar
uma fundamentação do mínimo existencial no direito à vida e na dignidade
da pessoa humana, há que encarar com certa reserva (pelo menos nos

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termos em que foi formulada) a distinção acima referida entre um mínimo
existencial fisiológico e um mínimo sociocultural, notadamente pelo fato de
que uma eventual limitação do núcleo essencial do direito ao mínimo
existencial a um mínimo fisiológico, no sentido de uma garantia
apenas das condições materiais mínimas que impedem seja colocada

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em risco a própria sobrevivência do indivíduo, poderá servir de
pretexto para a redução do mínimo existencial precisamente a um
mínimo meramente ‘vital’ (de mera sobrevivência física).”59

Frisa-se, por fim, a cautela dos autores para definir os fundamentos e


o alcance do significado do mínimo existencial, prevenindo usos deturpados e restritivos. A
correção do conceito é importante no presente caso. Afinal, é central aqui a questão da
vedação da proteção insuficiente, matéria que, se não for debatida com o devido rigor
conceitual, pode ficar a mercê de subjetivismos vários, notadamente quanto à medida da
“suficiência” da proteção que se exige para os direitos fundamentais.

Nesse diapasão, são despiciendos quaisquer argumentos que se se


sustentem, expressa ou implicitamente, no cômodo pretexto da “reserva do possível”,
pretendendo com isso minimizar a extensão dos deveres de proteção do Estado e atenuar a
sua incúria. Igualmente, não podem ser objeto de relativização os danos concretos que a
poluição do ar têm causado ao meio ambiente e à saúde da população, pois que refletem
aquela compreensão equivocada — reducionista — de mínimo existencial “vital”.

59 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. “Reserva do possível, mínimo existencial e
direito à saúde: algumas aproximações.” Revista de doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 24, jul. 2008.
Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao024/ingo_mariana.html>. Acesso em: 18
abr. 2019.

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Afinal de contas, como bem colocado acima pelos autores, “a


dignidade da pessoa humana somente estará assegurada — em termos de condições
básicas a serem garantidas pelo Estado e pela sociedade — onde a todos e a qualquer um
estiver garantida nem mais nem menos do que uma vida saudável”.

Superados, então, os dois primeiros requisitos estabelecidos pelo


Supremo Tribunal Federal para motivar a intervenção jurisdicional em políticas públicas
(quais sejam, a natureza constitucional da política pública reclamada, a existência de
correlação entre ela e os direitos fundamentais), conforme a síntese do Ministro Marco
Aurélio, verifique-se agora se há na espécie o preenchimento da terceira e última dessas

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condicionantes, qual seja: “a prova de que há omissão ou prestação deficiente pela
Administração Pública, inexistindo justificativa razoável para tal comportamento”.

A exigência de se demonstrar em termos concretos a deficiência da

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prestação estatal é fundamental inclusive para que reste patente a própria essencialidade da
política pública. Nesse sentido, retoma-se a lição de Felipe de Melo Fonte, transcrita acima,
segundo a qual o traço distintivo básico das políticas públicas ditas essenciais (e que as faz
sujeitas a um controle jurisdicional mais rígido) é o seu nexo com o “adimplemento concreto
do mínimo existencial”. Lamentavelmente, a prova da essencialidade dessa política pública,
só pode se dar pela via negativa, ou seja, pela demonstração dos danos que a ausência de
padrões verdadeiramente protetivos já tem causado.

Com os parâmetros de mínimo existencial fornecidos acima, pode-se


aferir com alguma objetividade a extensão da “deficiência” da proteção oferecida pelo
Estado-Administrador na espécie.

No que toca, portanto, a esse requisito, bastaria dizer que a mora,


desídia e inação do Estado para editar uma norma efetivamente protetiva de PQAr’s são a
causa de grande parte das 51 mil mortes anuais atribuíveis à poluição atmosférica no Brasil,
como tratado no segundo capítulo desta representação. Isso sem falar no sem número de
casos de morbidades e nos danos ao meio ambiente como um todo.

A nova norma Conama sequer terá capacidade para limitar os danos


ao patamar em que se dão atualmente. Pela incontornável ineficácia de que padece como
norma jurídica e como política pública (o que já se antevê pelo fracasso da política paulista

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de PQAr, que serviu de modelo ao Conama), a Resolução nº 491/2018 propiciará o laissez-


faire ambiental tão caro aos agentes poluidores. Com a tendência natural de intensificação
da atividade econômica, a tendência é que a qualidade do ar se degrade ainda mais,
aumentando o número de mortes e agravando os efeitos nocivos à saúde e ao meio
ambiente.

Se nem mesmo a perda real e continuada de vidas humanas fosse


razão suficiente para comprovar a violação do Estado à garantia do mínimo existencial, este
conceito seria reduzido a pó.

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A prova da omissão e deficiência da prestação estatal não precisaria
nem mesmo assumir esse grau de concretude, em termos de vidas humanas ceifadas. A
simples leitura da Resolução Conama nº 491/2018 em cotejo com os preceitos
constitucionais e legais que regem a matéria, permite o reconhecimento, prima facie, da

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insuficiência protetiva da norma, a ponto de ser dispensável o “teste de realidade” ou a
mensuração dos efeitos danosos que propiciará.

Como ficou demonstrado nos tópicos do Capítulo X desta


representação, a normativa combatida, quando submetida a uma análise suficientemente
detida sobre seus próprios termos, se revela uma regulamentação imprestável ante os
objetivos da política pública em que está inserida.

A ineficácia da resolução não resulta apenas dos seus elementos


materiais, mais evidentemente problemáticos, como os valores nada protetivos fixados para
os padrões intermediários, ou então as exorbitantes — praticamente inatingíveis —
concentrações de poluentes necessárias para a declaração de episódios críticos de
poluição. Com efeito, as disposições remanescentes da resolução também padecem de
graves vícios.

No tópico 4.5, por exemplo, demonstrou-se que a normativa não


pode ser aproveitada nem mesmo em seus aspectos procedimentais, ou seja, naqueles
seus dispositivos que pretendem regulamentar os mecanismos de progressão de PQAr’s, ou
que distribuem obrigações entre os órgãos ambientais envolvidos naquele procedimento.
Ainda que não tão gritantes quanto o problema da ausência de prazos peremptórios,

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apontaram-se neste ponto da crítica técnica inúmeras outras inconsistências e obscuridades


que atestam a sua inutilidade normativa como instrumento de gestão da qualidade do ar.

Sobretudo quando consideradas em conjunto, as falhas


procedimentais deixam evidente que a Resolução Conama nº 491/2018 é integralmente
ineficaz, seja como pura norma jurídica, destinada à produção de determinados efeitos
igualmente jurídicos, seja materialmente como política pública, que persegue objetivos
concretos — no caso, os de mitigação da poluição atmosférica e proteção da saúde.

Da referida síntese do Ministro Marco Aurélio sobre o entendimento

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do STF, extrai-se que a intervenção jurisdicional sobre as políticas públicas é possível desde
preenchidos aqueles três requisitos aqui já analisados. A única ressalva que poderia ser feita
em defesa da Administração Pública no caso de omissão ou prestação deficiente se daria
pela existência de “justificativa razoável” para tal comportamento.

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Para essa finalidade, não basta à Administração alegar a existência
de intransponíveis barreiras de gestão, ou de ordem técnica e econômica, com o fim de
objetar a adoção de padrões e prazos eficientes à defesa dos direitos fundamentais
envolvidos.

De fato, como já houvera sido divulgado (antes mesmo da referida


audiência pública) e pedagogicamente explicado, há inúmeras ações que, se tomadas,
contribuiriam de forma decisiva para o atingimento de padrões compatíveis com as guias da
OMS, ou seja, aqueles mesmos valores defendidos pelo MPF e as organizações ambientais
no procedimento de feitura da norma no Conama. Algumas dessas medidas são expostas
com mais detalhes no documento trazido pelo PROAM como subsídio técnico a esta
representação (Anexo 3).

Tais medidas, como se sabe, distribuem os encargos protetivos a


vários segmentos da sociedade (indústria, consumidores etc.), que são os responsáveis,
inclusive de forma indireta, pela poluição do ar. Nesse sentido, há uma concreta
pulverização do ônus e dos possíveis custos, em plena conformidade com o princípio do
poluidor-pagador.60
60 “A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE – é uma organização
internacional e intergovernamental ,. criada em 196. Seus integrantes são os países desenvolvidos e mais
industrializados do mundo – atualmente são 30, dentre eles, Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Japão,

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Outrossim, a partilha dos ônus também presta tributo ao princípio de


solidariedade, de escopo amplo, não restrito ao direito ambiental.61

A viabilidade técnica e econômica da tutela da qualidade do ar aqui


defendida, além de espantar as recorrentes alegações de que “foi feito o possível” ou de que
as condições fáticas não permitiriam aumentar o grau de proteção aos direitos fundamentais
em questão, apenas reforça o quanto aqui já afirmado, qual seja: que o Estado-Legislador,
tomado por outros interesses, tende naturalmente a se contrapôr aos interesses de proteção
e promoção do meio ambiente e da saúde, denegando, propositadamente, a adoção de
medidas plenamente viáveis que inibam a gravidade da poluição do ar.

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Por óbvio, é inócua para sustentar a incúria do Estado a mera
alegação de falta de estrutura administrativa, tecnológica, organizacional etc., seja da parte
dos agentes estatais, seja da parte dos representantes do setor econômico. Como se trata

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da hipótese de restrição de direitos fundamentais, a tal razoabilidade da justificativa estatal
só poderá ser construída e aferida dentro da lógica própria da teoria dos direitos
fundamentais, o que atrai necessariamente a obediência aos pressupostos consagrados
para os casos de colisão entre princípios.

Austrália e Canadá) trata do princípio do poluidor-pagador nos seguintes termos: ‘as pessoas naturais ou
jurídicas, sejam regidas pelo direito publico ou privado, devem pagar os custos das medidas que sejam
necessárias para eliminar a contaminação ou para reduzi-la ao limite fixado pelos padrões ou medidas
equivalentes que assegurem a qualidade de vida, inclusive os fixados pelo Poder Público competente
(1974)’.
[…]
Maria Alexandra de Sousa Aragão é uma das defensoras dessa posição, professando que: “o fim de
prevenção-precaução do PPP significa em suma, que os poluidores devem suportar os custos de todas
medidas, adoptadas por si próprios ou pelos poderes públicos necessárias para precaver e prevenir a
poluição normal e acidental, e ainda os custos da actualização dessas medidas”. (BECHARA, Erika.
Licenciamento e compensação ambiental na lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
São Paulo: Atlas, 2009, p. 33-36.)
61 “Como tivemos oportunidade de apontar, o princípio do poluidor-pagador é reconhecido como um dos mais
importantes na tutela do meio ambiente. De início, não se deve concluir que ele crie um “direito de poluir” em
favor do poluidor, que poderia assim degradar e depois ‘pagar a conta’. Segundo a OCDE (Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 1972), cuida-se de uma regra de bom senso econômico,
jurídico e político.
Em verdade, postula o referido princípio que o causador da poluição arcará com seus custos, o que significa
dizer que ele responde pelas despesas de prevenção, reparação e repressão da poluição. As implicações
práticas do princípio do poluidor-pagador estão em alocar as obrigações econômicas em relação às
atividades causadoras de danos, particularmente em relação à responsabilidade, ao uso dos instrumentos
econômicos e à aplicação de regras relativas à concorrência e aos subsídios”. (LEMOS, Patrícia Faga
Iglecias. Resíduos sólidos e responsabilidade civil pós-consumo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2011, p. 56-57.)

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Por conseguinte, deve-se rechaçar por improcedentes os


argumentos costumeiramente lançados pelos construtores de normas ou julgadores dando
azo à equivocada ideia da possibilidade de livre escolha entre um princípio e outro.

A solução a esta equação não se pode dar à luz da vontade da


maioria que compõe o quórum de aprovação, como se deu no Conama, pela maioria, que
como se viu, foi constituída de forma espúria, à revelia de um processo realmente equitativo
e democrático.

O que olvidaram esses conselheiros — mas que certamente não

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poderá passar despercebido pelo crivo do Judiciário — é que a necessária garantia dos
direitos fundamentais amiúde assume uma feição contramajoritária, ou seja, não pode ser
afastada nem mesmo pela vontade da maioria, por mais legitimamente constituída que ela
seja.62

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Não se pode, como o fizeram os conselheiros do Conama,
desconsiderar completamente os princípios fundamentais em prol de interesses meramente
políticos e econômicos.

Assim agindo, a maioria dos Conselheiros do Conama — culposa ou


dolosamente — acabou por aplicar, num típico caso de colisão de princípios, a receita de
solução para conflitos de regras. Nestes últimos, se não for possível a harmonização das
regras pela inserção de uma cláusula de exceção, uma delas será necessariamente
considerada inválida em benefício da validade da outra. A natureza normativa dos princípios
e os pressupostos usados para solucionar a colisão entre princípios são completamente
distintos, como ensina Robert Alexy:

“O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são


normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível
dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por
conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por
poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida

62 “É importante salientar, nesta linha de raciocínio, que o mínimo existencial, e os direitos fundamentais de
maneira geral, inserem-se em um campo designado contramajoritário. Isto significa dizer que eles devem ser
garantidos mesmo contra a vontade das maiorias eventuais, democraticamente investidas no exercício do
poder.” FONTE, Felipe de Melo. Políticas públicas e direitos fundamentais. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2015,
p. 213.

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devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas,


mas também das possibilidades jurídicas.
[...]
Se dois princípios colidem — o que ocorre, por exemplo, quando algo é
proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido —,
um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o
princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser
introduzida uma cláusula de exceção.”63

No presente caso, em que pese a clareza do comando dos artigos


196 e 225 da Constituição — expressamente reiterando o dever de proteção do Estado em
relação aos direitos fundamentais ali inscritos —, o Conama, na feitura da Resolução nº
491/2018, acabou desconsiderando-os por inteiro, a ponto de ferir até mesmo o núcleo

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essencial dos direitos ao meio ambiente, à saúde e à vida, de cuja proteção depende a
garantia ao mínimo existencial.

E tudo isso foi feito para atender tão somente a interesses de

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natureza econômica, política etc. Esses interesses, frise-se, até poderiam ser sopesados
numa eventual operação de ponderação, se pudessem remeter a outros princípios
fundamentais colidentes com aqueles direitos. Todavia, em nenhuma configuração possível
desse eventual cálculo poderiam prevalecer sobre os direitos ao meio ambiente, à saúde e à
vida, quanto menos a ponto de atingir-lhes núcleo essencial.

Esse é inclusive o entendimento assentado pelo Supremo Tribunal


Federal. Em seu emblemático voto como relator, acolhido pelo Plenário, no julgamento da
Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.540 DF, o Ministro Celso de
Mello deixa clara a necessidade de se fazer valer, na máxima extensão possível, a
efetividade da proteção do meio ambiente e da saúde, em prevalência aos ditames do puro
desenvolvimento econômico, impondo-se como norte interpretativo para essa questão o
princípio do desenvolvimento sustentável, vigente em nossa ordem constitucional. In verbis:

“Concluo o meu voto: atento à circunstância de que existe um permanente


estado de tensão entre o imperativo de desenvolvimento nacional (CF, art.
3º, II), de um lado, e a necessidade de preservação da integridade do meio
ambiente (CF, art. 225), de outro, torna-se essencial reconhecer que a
superação desse antagonismo, que opõe valores constitucionais relevantes,
dependerá da ponderação concreta, em cada caso ocorrente, dos

63 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2.ed. São Paulo: Malheiros,
2017, p. 90-93.

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interesses e direitos postos em situação de conflito, em ordem a harmonizá-


los e a impedir que se aniquilem reciprocamente, tendo-se como vetor
interpretativo, para efeito da obtenção de um mais justo e perfeito
equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, o
princípio do desenvolvimento sustentável, tal como formulado nas
conferências internacionais (a “Declaração do Rio de Janeiro sobre o
Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992”, p. ex.) e reconhecido em
valiosos estudos doutrinários que lhe destacam o caráter
eminentemente constitucional [...].

Isso significa, portanto, Senhor Presidente, que a superação dos


antagonismos existentes entre princípios e valores constitucionais há de
resultar da utilização de critérios que permitam, ao Poder Público (e,
portanto, aos magistrados e Tribunais), ponderar e avaliar, “hic et nunc”, em
função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta,

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qual deva ser o direito a preponderar no caso, considerada a situação de
conflito ocorrente, desde que, no entanto — tal como adverte o
magistério da doutrina na análise da delicadíssima questão pertinente
ao tema da colisão de direitos [...] —, a utilização do método da
ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do

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conteúdo essencial dos direitos fundamentais, dentre os quais avulta,
por sua significativa importância, o direito à preservação do meio
ambiente.

Essa asserção torna certo, portanto, que a incolumidade do meio


ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem
ficar dependente de motivações de índole meramente econômica,
ainda mais se se tiver presente – tal como adverte PAULO DE BESSA
ANTUNES (“Direito Ambiental”, p. 63, item n. 2.1, 7ª ed., 2004, Lumen Juris)
– que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional
que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele
que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz
conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio
ambiente cultural, demeio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio
ambiente laboral, consoante ressalta o magistério doutrinário (CELSO
ANTÔNIO PACHECO FIORILLO, “Curso de Direito Ambiental Brasileiro”, p.
20/23, item n. 4, 6ª ed., 2005, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito
Ambiental Constitucional”, p. 21/24, itens ns. 2 e 3, 4ª ed./2ª tir., 2003,
Malheiros; JOSÉ ROBERTO MARQUES, “Meio Ambiente Urbano”, p. 42/54,
item n. 4. 2005, Forense Universitária, v.g.).”

Esse entendimento também se fez presente no histórico julgamento


da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 101/DF (caso da importação
de pneus usados), em cujo voto de relatoria ponderou a Ministra Cármen Lúcia:

“Na nova ordem mundial, o que se há de adotar como política pública é o


que se faça necessário para antecipar-se aos riscos de danos que se

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possam causar ao meio ambiente, tanto quanto ao impacto que as ações ou


as omissões possam acarretar.

Nem se há negar a imperiosidade de se assegurar o desenvolvimento


econômico. Especialmente em dias como os atuais, nos quais a crise
econômica mundial provoca crise social, pelas suas repercussões inegáveis
e imediatas na vida das pessoas. Mas ela não se resolve pelo
descumprimento de preceitos fundamentais, nem pela desobediência à
Constituição.

Afinal, como antes mencionado, não se resolve uma crise econômica


com a criação de outra crise, esta gravosa à saúde das pessoas e ao
meio ambiente. A fatura econômica não pode ser resgatada com a
saúde humana nem com a deterioração ambiental para esta e para
futuras gerações.

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Como posto no art. 170, inc. VI, da Constituição brasileira, a ordem
econômica constitucionalmente definida em sua principiologia, fixa o meio
ambiente como um dos fundamentos a serem respeitados (art. 170, inc.
VI).”

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A negação da hermenêutica vazada nesses julgados se torna ainda
mais grave quando se considera que, no caso aqui analisado, a operação de ponderação
(que nunca aconteceu de fato) estava a cargo do Conselho Nacional do Meio Ambiente, ou
seja, sob a responsabilidade de um órgão inserido no quadro institucional da Política
Nacional do Meio Ambiente e vinculado, por lei, à precípua finalidade de “deliberar, no
âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente
ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida” (Lei nº 6.938/1981,
art. 6º, II).

De lembrar que não apenas o Conama, mas qualquer fórum


dedicado à normatização de políticas públicas essenciais estão diretamente vinculados
àqueles deveres estatais de proteção de que tratamos acima. Por isso, em respeito à força
normativa da Constituição, devem editar normas que tutelem adequada e suficientemente os
direitos fundamentais.

Quando isso não for possível na extensão ideal e o conteúdo prima


facie do direito fundamental não puder ser satisfeito, recai sobre eles o ônus argumentativo
correspondente, devendo então apresentar as razões bastantes para justificar — sempre
sobre bases técnicas e científicas — o quantum de restrição que se está a promover sobre o

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direito, bem como apontar os outros princípios fundamentais em benefício dos quais a
mitigação se justificaria.

Contudo, essas ponderações nunca foram feitas pelo Conama.


Ademais, como fica claro pela digressão do processo de criação da Resolução nº 491/2018,
não faltaram — por iniciativa das entidades da sociedade civil e do Ministério Público
Federal — propostas perfeitamente viáveis, e que atendessem ao imperativo de
conformação normativa à Constituição, ou seja, que fossem adequadas e suficientes à
proteção dos direitos fundamentais ao meio ambiente, à saúde e à vida.

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As razões pelas quais essas propostas foram renitentemente
desconsideradas ao longo do processo de feitura da norma não foram até hoje explicitadas,
uma vez que as decisões da maioria ali constituída nunca foram motivadas, quanto menos
em bases técnicas e científicas. Aliás, não é gratuita no caso do direito ambiental o dever de

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fundamentação segundo os referenciais mais atuais e objetivos possíveis. Os avanços da
ciência e da técnica são fundamentais para a permanente atualização do significado
concreto da proteção devida pelo Estado, como leciona Canotilho:

“O direito constitucional acompanha o esforço da doutrina no sentido de se


alicerçar a determinação jurídica dos valores limite do risco ambientalmente
danoso através da exigência da proteção do direito ao ambiente segundo
estádio mais avançado da ciência técnica. Isto significa que o princípio
da melhor defesa possível dos perigos e os princípios da precaução e
da prevenção do risco ambiental segundo o patamar mais avançado da
ciência e da técnica marcam também os limites da razão prática no
plano do direito constitucional.”64

Neste contexto a Resolução 491/2018, por desconsiderar os estudos


científicos e aportes técnicos que fundamentaram as críticas desde o início de sua
discussão, e até mesmo os estudos efetuados na área da saúde pública infringiu também
este importante postulado.

O Conama assim não atuando — quer pela defesa de interesses


alheios (ou mesmo antagônicos) aos propósitos de proteção do meio ambiente, da saúde e
da vida, quer por completa desídia, ainda que oriunda de manifesto desconhecimento de

64 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Direito constitucional ambiental português e da União Europeia”. In
_______; LEITE, José Rubens Morato (Org.) Direito constitucional ambiental brasileiro. 3.ed. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 29-30.

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aspecto jurídico, técnico e científico — sorrateiramente solapou a força normativa dos


artigos 196 e 225 da Constituição Federal, além de outros preceitos estruturantes do nosso
regime de proteção de direitos fundamentais.

Por fim, o roteiro a que está submetido o Conama não é outro que
não aquele posto pela Constituição Federal. Os fundamentos desse programa, no tocante
ao direito fundamental ao meio ambiente, foram sintetizados com maestria por Canotilho, e
mesmo que trate da Carta portuguesa, tudo o quanto diz é perfeitamente válido para a
ordem constitucional brasileira:

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“A força normativa da Constituição ambiental dependerá da concretização
do programa jurídico-constitucional, pois qualquer Constituição do ambiente
só poderá lograr força normativa se os vários agentes – públicos e privados
– que actuem sobre o meio ambiente o colocarem como fim e medida de
suas decisões. Neste sentido é legitimo falar da ecologização da ordem
jurídica portuguesa sob os vários pontos de vista. Em primeiro lugar, o

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direito ao ambiente, além do seu conteúdo e força própria como direito
constitucional fundamental, ergue-se a bem constitucional, devendo os
vários decisores (legislador, tribunais, administração) tomar em conta na
solução de conflitos constitucionais esta reserva constitucional do bem
ambiente.

Em segundo lugar, a liberdade de conformação política do legislador no


âmbito das políticas ambientais tem menos folga no que respeita à
reversibilidade político-jurídica da proteção ambiental, sendo-lhe vedado
adoptar novas políticas que se traduzam em retrocesso retroactivo de
posições jurídico-ambientais fortemente enraizadas na cultura dos povos e
na consciência jurídica geral.

Em terceiro lugar, o sucessivo e reiterado incumprimento dos preceitos da


Constituição do ambiente (nos vários níveis: nacional, europeu e
internacional) poderá gerar situações de omissão constitucional
conducentes à responsabilidade ecológica e ambiental do Estado.

Em quarto lugar, o Estado (e demais operadores públicos e privados) é


obrigado a um agir activo e positivo na protecção do ambiente, qualquer que
seja a forma jurídica dessa actuação (normativa, planeadora, executiva,
judicial). Esta protecção, como se verá adiante, vai muito para além da
defesa contra simples perigos, antes exige particular dever de cuidado
perante os riscos típicos da sociedade de risco.”65

65 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Direito constitucional ambiental português e da União Europeia”. In
_______; LEITE, José Rubens Morato (Org.) Direito constitucional ambiental brasileiro. 3.ed. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 25.

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São essas as balizas que amparam a dogmática dos direitos


fundamentais e que foram ignoradas pelo Conama.

Por fim, no que concerne à baixa qualidade da informação contida na


Resolução Conama nº 491/2018 — demonstrada no tópico 4.6 desta representação — é
imperioso consignar que esse direito fundamental (informação) ganha especial relevo no
presente caso, não podendo por consequência ser considerado em mera
complementariedade aos outros direitos fundamentais malferidos pela norma combatida.

Sem a informação correta, clara, plena e acessível, os direitos ao

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meio ambiente, à saúde e à vida não poderão ser bem exercidos pelo cidadão, uma vez
que, por óbvio, sem que ele tenha esta qualidade de informação, deixará não só de cobrar
do Estado medidas adequadas para a sua proteção, como também terá alijado o seu direito
natural de autoproteção.

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Nesse sentido, a doutrina de Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer:

“Com efeito, somente o cidadão devidamente informado e consciente da


realidade e da problemática ambiental é capaz de atuar de forma qualificada
no processo político, ensejando autonomia e a autodeterminação da sua
condição político-participativa. O acesso à informação está diretamente
relacionado à própria esfera de liberdade do indivíduo. Especialmente no
mundo como o de hoje, onde a informação circula de forma desordenada e
complexa, somente o acesso à informação possibilitará ao indivíduo e à
coletividade como um todo (as entidades ambientalistas, movimentos
populares, etc.) tomarem partido no jogo político ambiental.” 66

Ainda, conforme os autores:

“O acesso à informação ambiental constitui componente essencial do direito


pleno da democracia participativa ecológica e, portanto, além de um dos
pilares do princípio da participação pública, assume também a condição de
direito fundamental, que, ademais de assegurado em caráter geral pelo art.
5º, XIV, da CF/88, apresenta uma dimensão particularmente relevante na
esfera da proteção ambiental.”67

66 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Princípios do direito ambiental. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017, p. 175.
67 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Princípios do direito ambiental. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017, p. 175.

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A Resolução Conama nº 491/2018 atua duplamente contra a


sociedade a qual tinha o dever de proteger: não peca apenas pela sua imprestabilidade na
tutela dos direitos fundamentais diretamente envolvidos (meio ambiente ecologicamente
equilibrado, saúde e vida), mas também por não exigir do Poder Público a prestação de
informação de qualidade à população quanto às reais condições do ar que ela respira,
impedindo assim a autodefesa do cidadão, que, se bem informado, poderia, por exemplo,
evitar um centro urbano poluído, usar máscaras quando necessário ou até mesmo deixar de
fixar a sua residência em um local altamente poluído.68

É importante que se registre, uma vez mais, em abono ao quanto já

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foi explanado, que o Conama fora alertado também quanto a essa deficiência por ocasião
da elaboração da norma, como se lê no relatório conclusivo da audiência pública realizada
pelo MPF e a sociedade civil:

“Ademais, o direito de informação da sociedade seria sistematicamente

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violado em tal arranjo normativo. Como mencionado acima, para o nível de
‘atenção’, a população deveria ser informada dos altos índices de poluição
logo quando fosse atingido o PQAr diário adotado (para MP 10, no PI-1, esse
valor seria de 120 µg/m3 e, no padrão final, de 50 µg/m3), até para que as
pessoas possam, individualmente, tomar as providências necessárias para
proteção da própria saúde. Isso é ainda mais crítico quando se pensa nos
grupos de maior suscetibilidade à poluição (crianças, idosos, doentes
cardiorrespiratórios), como será devidamente tratado no item 3.3.

A sociedade, desse modo, é induzida a um perigoso estado de ‘falsa


segurança’, como foi colocado pelo representante do PROAM em sua fala:
‘Quando você passa uma falsa sensação de segurança, a sociedade não se

68 “Ora, somente com a devida informação é possível viabilizar a participação, ou seja, a atuação da sociedade
civil nos termos previstos pelo legislador.
[…]
Ainda, os princípios da informação e da participação servem como instrumentos em prol da maior eficiência
do sistema regulatório ambiental. Com efeito, a literatura especializada aponta que, ao contrário do sistema
privado de controle ambiental, a regulação pressupõe que o Pode Público detenha alto grau informacional
acerca do mercado regulado. De um lado, os instrumentos de regulação ambiental visam à redução dos
impactos ambientais dentro das possibilidades tecnológicas de cada setor — o que requer o conhecimento
específico das técnicas produtivas empregáveis e seus respectivos custos. De outro, o controle e a
repreensão dos ilícitos ambientais exige grande eficiência na fiscalização dos agentes econômicos
envolvidos — caso contrário, as diretivas legais tornam-se inócuas.
[...]
Ocorre que, nos mais das vezes, tais informações necessárias à regulação ambiental são detidas apenas
pelos entes privados. A descentralização promovida pela participação social revela-se então um meio
adequado para minimizar essa assimetria de informação. A participação dos diversos setores da sociedade
na implementação das políticas ambientais agrega ao sistema de informações, que, de outro modo, não
estaria ao alcance do Poder Público. Ainda, os agentes sociais passam a complementar a atividade de
fiscalização das práticas reguladas, diminuindo o número de condutas ilícitas que passam ilesas à
repreensão normativa.” (LEMOS, Patrícia Faga Iglesias. Resíduos sólidos e responsabilidade civil pós-
consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 52-53.)

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defende, ela acha que está sendo protegida e que tudo está sendo feito pelo
governo para protegê-la, e ela fica mais vulnerável ainda à poluição.’” 69

Aliás, a relevância da correta informação nas questões ambientais,


além de afirmada no Princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (1992), foi recentemente reafirmada no Acordo Regional sobre Acesso à
Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América
Latina e no Caribe (“Acordo de Escazú”)70 do qual o Brasil se tornou signatário em 2018.

O artigo 6, parágrafo 1, do Acordo de Escazú dá uma ideia da


extensão do conteúdo do dever estatal de informar o cidadão a respeito das questões

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ambientais, o que de modo algum se limita à vaga obrigação de fornecer a informação
ambiental quando requerida por outrem:

“Cada Parte garantirá, na medida dos recursos disponíveis, que as


autoridades competentes gerem, coletem, ponham à disposição do público

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e difundam a informação ambiental relevante para suas funções de maneira
sistemática, proativa, oportuna, regular, acessível e compreensível, bem
como atualizem periodicamente esta informação e incentivem a
desagregação e descentralização da informação ambiental no âmbito
subnacional e local. Cada Parte deverá fortalecer a coordenação entre as
diferentes autoridades do Estado.”

Em casos de ameaça iminente à saúde da população, como


acontece nos episódios críticos de poluição do ar, a informação tempestiva, veraz e
completa torna-se uma das principais medidas para preservar o direito à vida, já que permite
“ao público tomar medidas para prevenir ou limitar potenciais danos”, como bem enunciado
no artigo 6, parágrafo 5, do Acordo de Escazú:

“Cada Parte garantirá, em caso de ameaça iminente à saúde pública ou ao


meio ambiente, que a autoridade competente divulgará e disseminará de
forma imediata e pelos meios mais efetivos toda informação relevante que
se encontre em seu poder e que permita ao público tomar medidas para
prevenir ou limitar potenciais danos. Cada Parte devera desenvolver e
implementar um sistema de alerta precoce utilizando os mecanismos
disponíveis.”

69 Anexo 4, p. 19-20.
70 Disponível em: <https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/43611/S1800493_pt.pdf>. Acesso em:
18 abr. 2019.

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7. CONCLUSÃO

Por tudo o quanto se demonstrou nesta representação (mormente no


capítulo 4, com a exposição crítica dos elementos de inefetividade da norma, e no capítulo
de 6, de fundamentação mais propriamente jurídico-doutrinária), fica evidente que a
Administração Pública, por intermédio do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama),
com a edição da Resolução Conama n. 491/2019, descumpriu seus deveres de proteção,
tutelando de modo insuficiente os direitos fundamentais ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, à saúde e à vida.

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A total ineficácia da norma — por estar inserida no quadro de uma
política pública essencial e que há tempos carece de uma prestação efetivamente protetiva
pela via regulatória — significou, neste caso, a violação ao próprio núcleo essencial
daqueles direitos. As estimativas de morbimortalidade decorrente da poluição atmosférica no

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Brasil já são suficientes para provar a extensão da violação àqueles direitos.

Não basta, para que o Estado se desincumba de seu dever de tutela,


a edição de qualquer norma de padrões de qualidade do ar. A análise da suficiência da
proteção prestada não pode prescindir de uma avaliação rigorosa da eficácia da norma, ou
seja, de sua capacidade para produzir efeitos concretos, aptos a proteger os bens
fundamentais na extensão devida, sob pena de esvaziamento daqueles direitos.

Neste erro incorreu a Resolução Conama nº 491/2018.

O colegiado que a editou, olvidando a sua vinculação aos deveres


gerais de proteção e a todo um bloco normativo protetivo, imaginou contar com uma
margem de discricionariedade (ou melhor, com um “espaço de prognose) muito maior do
que o que efetivamente possui no exercício de sua função normativa. Esse fator não poderá,
contudo, passar em brancas nuvens na análise a ser feita pelo Estado-Juiz, que se submete
aos mesmos deveres de proteção.

Assim, se, diante da demonstração da cabal ineficácia protetiva da


resolução, não for obtida a declaração de sua invalidade pela via judicial, estará o Estado-

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Juiz desconsiderando a relevância dos direitos fundamentais agredidos e, por conseguinte,


deixando de se exigir a efetividade da própria Constituição.

Urge, portanto, o imediato socorro do Supremo Tribunal Federal para


que, em controle concentrado de constitucionalidade, não apenas declare a nulidade da
norma naquilo que agride a Constituição Federal, mas também para que obrigue o Estado à
feitura de uma norma com suficiente capacidade protetiva, conforme os parâmetros
objetivos já disponíveis na ciência médica e expostos nesta Representação.

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São Paulo, 03 de maio de 2019.

JOSÉ LEONIDAS BELLEM DE LIMA FÁTIMA APARECIDA DE SOUZA BORGHI

Assinado digitalmente em 03/05/2019 18:51. Para verificar a autenticidade acesse


Procurador Regional da República Procuradora Regional da República
Coordenador do GT Qualidade do Ar Representante do Ministério Público Federal
da 4ª CCR (Portaria 4ªCCR nº 17/2017) junto ao Conama
Assinado digitalmente Assinado digitalmente

85
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Assinatura/Certificação do documento PRR3ª-00012276/2019 OFÍCIO nº 1002-2019

Signatário(a): FATIMA APARECIDA DE SOUZA BORGHI


Data e Hora: 03/05/2019 18:51:21
Assinado com login e senha

Signatário(a): JOSE LEONIDAS BELLEM DE LIMA


Data e Hora: 03/05/2019 18:51:42
Assinado com login e senha

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MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE
CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE

RESOLUÇÃO N. 491, DE 19 DE NOVEMBRO DE 2018

Correlação:

• Revoga a Resolução Conama nº 03/1990 e os itens 2.2.1 e 2.3 da Resolução Conama nº


05/1989

Dispõe sobre padrões de qualidade do ar.

O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - CONAMA, no uso das competências que lhe são
conferidas pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, regulamentada pelo Decreto nº 99.274, de 6 de julho de
1990, e tendo em vista o disposto em seu Regimento Interno e o que consta do Processo Administrativo nº
02000.002704/2010-22, e
Considerando que os Padrões Nacionais de Qualidade do Ar são parte estratégica do Programa Nacional de
Controle da Qualidade do Ar - PRONAR, como instrumentos complementares e referenciais ao PRONAR;
Considerando como referência, os valores guia de qualidade do ar recomendados pela Organização Mundial
da Saúde - OMS em 2005, bem como seus critérios de implementação, resolve:
Art. 1º Esta Resolução estabelece padrões de qualidade do ar.
Art. 2º Para efeito desta resolução são adotadas as seguintes definições:
I - poluente atmosférico: qualquer forma de matéria em quantidade, concentração, tempo ou outras
características, que tornem ou possam tornar o ar impróprio ou nocivo à saúde, inconveniente ao bem-estar
público, danoso aos materiais, à fauna e flora ou prejudicial à segurança, ao uso e gozo da propriedade ou às
atividades normais da comunidade;
II - padrão de qualidade do ar: um dos instrumentos de gestão da qualidade do ar, determinado como valor de
concentração de um poluente específico na atmosfera, associado a um intervalo de tempo de exposição, para
que o meio ambiente e a saúde da população sejam preservados em relação aos riscos de danos causados pela
poluição atmosférica;
III - padrões de qualidade do ar intermediários - PI: padrões estabelecidos como valores temporários a serem
cumpridos em etapas;
IV - padrão de qualidade do ar final - PF: valores guia definidos pela Organização Mundial da Saúde – OMS
em 2005;
V - episódio crítico de poluição do ar: situação caracterizada pela presença de altas concentrações de poluentes
na atmosfera em curto período de tempo, resultante da ocorrência de condições meteorológicas desfavoráveis
à dispersão dos mesmos;
VI - Plano de Controle de Emissões Atmosféricas: documento contendo abrangência, identificação de fontes
de emissões atmosféricas, diretrizes e ações, com respectivos objetivos, metas e prazos de implementação,
visando ao controle da poluição do ar no território estadual ou distrital, observando as estratégias estabelecidas
no Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar - PRONAR;
VII - Material Particulado MP10: partículas de material sólido ou líquido suspensas no ar, na forma de poeira,
neblina, aerossol, fuligem, entre outros, com diâmetro aerodinâmico equivalente de corte de 10 micrômetros;
VIII - Material Particulado MP2,5: partículas de material sólido ou líquido suspensas no ar, na forma de poeira,
neblina, aerossol, fuligem, entre outros, com diâmetro aerodinâmico equivalente de corte de 2,5 micrômetros;
IX - Partículas Totais em Suspensão - PTS: partículas de material sólido ou líquido suspensas no ar, na forma
de poeira, neblina, aerossol, fuligem, entre outros, com diâmetro aerodinâmico equivalente de corte de 50
micrômetros;
X - Índice de Qualidade do Ar - IQAR: valor utilizado para fins de comunicação e informação à população
que relaciona as concentrações dos poluentes monitorados aos possíveis efeitos adversos à saúde.
Art. 3º Ficam estabelecidos os Padrões de Qualidade do Ar, conforme Anexo I.
§ 1º O Chumbo no material particulado é um parâmetro a ser monitorado em áreas específicas, em função da
tipologia das fontes de emissões atmosféricas e a critério do órgão ambiental competente.
§ 2º As Partículas Totais em Suspensão - PTS e o material particulado em suspensão na forma de fumaça -
FMC são parâmetros auxiliares, a serem utilizados em situações específicas, a critério do órgão ambiental
competente.
§ 3º Ficam definidas como condições de referência a temperatura de 25ºC e a pressão de 760 milímetros de
coluna de mercúrio (1.013,2 milibares).
§ 4º Adota-se como unidade de medida de concentração dos poluentes atmosféricos o micrograma por metro
cúbico (µg/m3) com exceção do Monóxido de Carbono que será reportado como partes por milhão (ppm).
Art. 4º Os Padrões de Qualidade do Ar definidos nesta Resolução serão adotados sequencialmente, em quatro
etapas.
§ 1º A primeira etapa, que entra em vigor a partir da publicação desta Resolução, compreende os Padrões de
Qualidade do Ar Intermediários PI-1.
§ 2º Para os poluentes Monóxido de Carbono - CO, Partículas Totais em Suspensão - PTS e Chumbo - Pb será
adotado o padrão de qualidade do ar final, a partir da publicação desta Resolução.
§ 3º Os Padrões de Qualidade do Ar Intermediários e Final - PI-2, PI-3 e PF serão adotados, cada um, de forma
subsequente, levando em consideração os Planos de Controle de Emissões Atmosféricas e os Relatórios de
Avaliação da Qualidade do Ar, elaborados pelos órgãos estaduais e distrital de meio ambiente, conforme os
artigos 5º e 6º, respectivamente.
§ 4º Caso não seja possível a migração para o padrão subsequente, prevalece o padrão já adotado.
§ 5º Caberá ao órgão ambiental competente o estabelecimento de critérios aplicáveis ao licenciamento
ambiental, observando o padrão de qualidade do ar adotado localmente.
Art. 5º Os órgãos ambientais estaduais e distrital deverão elaborar, em até 3 anos a partir da entrada em vigor
desta Resolução, um Plano de Controle de Emissões Atmosféricas que deverá ser definido em regulamentação
própria.
§ 1º O Plano de Controle de Emissões Atmosféricas deverá considerar os Padrões de Qualidade definidos nesta
Resolução, bem como as diretrizes contidas no PRONAR.
§ 2º O Plano de Controle de Emissões Atmosféricas deverá conter:
I- abrangência geográfica e regiões a serem priorizadas;
II - identificação das principais fontes de emissão e respectivos poluentes atmosféricos; e
III - diretrizes e ações com respectivos objetivos, metas e prazos de implementação.
§ 3º Os órgãos ambientais estaduais e distrital elaborarão, a cada 3 anos, relatório de acompanhamento do
plano, indicando eventuais necessidades de reavaliação, garantindo a sua publicidade.
§ 4º O Plano a que se refere o caput, juntamente com os resultados alcançados na sua implementação, deverá
ser encaminhado ao Ministério do Meio Ambiente no primeiro trimestre do quinto ano da publicação desta
Resolução.
Art. 6º Os órgãos ambientais estaduais e distrital elaborarão o Relatório de Avaliação da Qualidade do Ar
anualmente, garantindo sua publicidade.
Parágrafo único. O relatório de que trata o caput deve conter os dados de monitoramento e a evolução da
qualidade do ar, conforme conteúdo mínimo estabelecido no Anexo II, e resumo executivo, de forma objetiva
e didática, com informações redigidas em linguagem acessível.
Art. 7º O Ministério do Meio Ambiente deverá consolidar as informações disponibilizadas pelos órgãos
ambientais estaduais e distrital referentes ao Plano de Controle de Emissões Atmosféricas e Relatórios de
Avaliação da Qualidade do Ar e apresentá-las ao CONAMA até o final do quinto ano da publicação desta
Resolução, de forma a subsidiar a discussão sobre a adoção dos padrões de qualidade do ar subsequentes.
Art. 8º Para fins do monitoramento da qualidade do ar, o Ministério do Meio Ambiente, em conjunto com os
órgãos ambientais estaduais e distrital, no prazo de 12 meses após a entrada em vigor desta Resolução,
elaborará guia técnico contendo, dentre outros, os métodos de referência adotados e os critérios para utilização
de métodos equivalentes, da localização dos amostradores e da representatividade temporal dos dados e
sistematização do cálculo do índice de qualidade do ar, conforme estabelecido no Anexo IV.
Parágrafo único. Os órgãos ambientais competentes definirão os métodos de medição da qualidade do ar até a
publicação do guia técnico mencionado no caput.
Art. 9º O Ministério do Meio Ambiente elaborará relatório anual de acompanhamento e o apresentará na última
reunião ordinária do CONAMA.
Art. 10. Os órgãos ambientais estaduais e distrital deverão elaborar, com base nos níveis de atenção, de alerta
e de emergência, um Plano para Episódios Críticos de Poluição do Ar, a ser submetido à autoridade competente
do estado ou do Distrito Federal, visando medidas preventivas com o objetivo de evitar graves e iminentes
riscos à saúde da população, de acordo com os poluentes e concentrações, constantes no Anexo III.
Parágrafo único. O Plano mencionado no caput deverá indicar os responsáveis pela declaração dos diversos
níveis de criticidade, devendo essa declaração ser divulgada em quaisquer dos meios de comunicação de massa.
Art. 11. Os níveis de atenção, alerta e emergência a que se refere o art. 10 serão declarados quando, prevendo-
se a manutenção das emissões, bem como condições meteorológicas desfavoráveis à dispersão dos poluentes
nas 24 horas subsequentes, for excedida uma ou mais das condições especificadas no Anexo III.
Parágrafo único. Durante a permanência dos níveis acima referidos, as fontes de poluição do ar ficarão, na área
atingida, sujeitas às restrições previamente estabelecidas no Plano para Episódios Críticos de Poluição do Ar.
Art. 12. O Ministério do Meio Ambiente e os órgãos ambientais estaduais e distrital deverão divulgar, em sua
página da internet, dados de monitoramento e informações relacionados à gestão da qualidade do ar.
Art. 13. Os órgãos ambientais estaduais e distrital deverão divulgar Índice de Qualidade do Ar - IQAR
conforme definido no Anexo IV.
§ 1º Para cálculo do IQAR deverá ser utilizada a equação 1 do Anexo IV, para cada um dos poluentes
monitorados.
§ 2° Para definição da primeira faixa de concentração do IQAR deverá ser utilizado como limite superior o
valor de concentração adotado como PF para cada poluente.
§ 3º As demais faixas de concentração da IQAR e padronizações serão definidas no guia técnico a que se refere
o art. 8º.
Art. 14. Fica revogada a Resolução CONAMA nº 03/1990 e os itens 2.2.1 e 2.3 da Resolução CONAMA nº
5/1989.
Art. 15. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

ROMEU MENDES DO CARMO


Presidente do Conselho
ANEXO I
PADRÕES DE QUALIDADE DO AR

PI-1 PI-2 PI-3 PF


Poluente Atmosférico Período de Referência
µg/m³ µg/m³ µg/m³ µg/m³ ppm
24 horas 120 100 75 50 -
Material Particulado - MP10
Anual1 40 35 30 20 -
24 horas 60 50 37 25 -
Material Particulado - MP2,5
Anual1 20 17 15 10 -
24 horas 125 50 30 20 -
Dióxido de Enxofre - SO2
Anual1 40 30 20 - -
1 hora2 260 240 220 200 -
Dióxido de Nitrogênio - NO2
Anual1 60 50 45 40 -
Ozônio - O3 8 horas3 140 130 120 100 -
24 horas 120 100 75 50 -
Fumaça
Anual1 40 35 30 20 -
Monóxido de Carbono - CO 8 horas3 - - - - 9
24 horas - - - 240 -
Partículas Totais em Suspensão - PTS
Anual4 - - - 80 -
Chumbo - Pb5 Anual1 - - - 0,5 -
1
- média aritmética anual
2
- média horária
3
- máxima média móvel obtida no dia
4
- média geométrica anual
5
- medido nas partículas totais em suspensão
ANEXO II
CONTEÚDO MÍNIMO PARA O RELATÓRIO AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DO AR

1 - Resumo executivo.
1. Descrição das características da região do estado e do Distrito Federal:
a) Condições Meteorológicas
b) Uso e ocupação do solo
c) Outras características consideradas relevantes
2. Descrição da rede de monitoramento
3. Poluentes Atmosféricos monitorados
4. Redes de Monitoramento
5. Tipos de Rede e Parâmetros Monitorados
a) Rede Automática
b) Rede Manual
6. Metodologia de Monitoramento
7. Metodologia de Tratamento dos Dados
8. Representatividade de Dados
a) Rede Automática
b) Rede Manual
9. Representatividade espacial das estações
10. Descrição das fontes de poluição do ar
11. Considerações gerais sobre estimativas de emissão de fontes móveis e fontes estacionárias
12. Apresentação dos resultados quanto aos poluentes
13. Medidas de gestão implementadas
14. Referências legais e bibliográficas
ANEXO III
NÍVEIS DE ATENÇÃO, ALERTA E EMERGÊNCIA PARA POLUENTES E SUAS CONCENTRAÇÕES

Poluentes e concentrações
Material Particulado
SO2 CO O3 NO2
MP10 MP2,5
Nível µg/m³ ppm µg/m³ µg/m³
(média de µg/m³ µg/m³ (média móvel de (média móvel de (média de
24h) (média de (média de 8h) 8h) 1h)
24h) 24h)
Atenção 800 250 125 15 200 1.130
Alerta 1.600 420 210 30 400 2.260
Emergência 2.100 500 250 40 600 3.000
SO2 = dióxido de enxofre; MP10 = material particulado com diâmetro aerodinâmico equivalente de corte
de 10 µm;
MP2,5 = material particulado com diâmetro aerodinâmico equivalente de corte de 2,5 µm; CO = monóxido
de carbono;
O3 = ozônio; NO2 = dióxido de nitrogênio µg/m3; ppm = partes por milhão.
ANEXO IV

MP10 MP2,5 O3 CO NO2 SO2


Qualidade Índice (µg/m³) (µg/m³) (µg/m³) (ppm) (µg/m³) (µg/m³)
24h 24h 8h 8h 1h 24h
N1 – Boa 0 – 40 0 – 50 0 – 25 0 – 100 0 – 9 0 – 200 0 – 20

Equação 1 - Cálculo do Índice de Qualidade do Ar

Onde:
Iini = valor do índice que corresponde à concentração inicial da faixa.
Ifin = valor do índice que corresponde à concentração final da faixa.
Cini = concentração inicial da faixa onde se localiza a concentração medida.
Cfin = concentração final da faixa onde se localiza a concentração medida.
C = concentração medida do poluente.
AVALIAÇÃO DA RESOLUÇÃO 491/2018 QUANTO À SUA EFETIVIDADE
PARA PROTEÇÃO DA SAÚDE E SOBRE OS MECANISMOS DE
INFORMAÇÃO À SOCIEDADE

Evangelina Vormittag - Diretora técnica do Instituto Saúde e Sustentabilidade

Juliana Delgado – Analista de pesquisa do Instituto Saúde e Sustentabilidade

Ricardo Almeida – Consultor de políticas públicas do Instituto Saúde e


Sustentabilidade

Introdução

O presente documento trata da avaliação técnica elaborada pelo Instituto Saúde e


Sustentabilidade referente à análise da Resolução CONAMA 491/2018 – a revisão da
Resolução 03/1990 – que dispõe sobre os padrões de qualidade do ar - aprovada
recentemente no Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), em 19 de novembro
de 2018 e publicada no Diário Oficial da União (DOU) no dia 21 de novembro de 2018.
A avaliação técnica tem como objetivo relatar os impactos na saúde da população
brasileira devido à utilização dos atuais padrões de qualidade do ar, seja pela indução à
má gestão, pela equívoca informação, ou pela indeterminação de prazos para a mudança
da má qualidade do ar.
Ademais, esclarece pontos de ineficiência quanto às medidas utilizadas para a
comunicação à sociedade sobre a situação da qualidade do ar e a inutilidade dos episódios
críticos de poluição do ar como aprovados - prejudicando a salvaguarda da saúde da
população e o alcance dos seus direitos a uma vida saudável.
O texto também elucida a situação da qualidade do ar no mundo e no território
nacional e o impacto do poluente material particulado na saúde humana.
Para tanto, reuniu-se nesse relatório, resultados de pesquisas que veem sendo
realizadas pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade e outras referências, com base em
relatórios e parâmetros internacionais, principalmente as recomendações da Organização
Mundial da Saúde. Além do mais, apresenta o histórico sobre o processo de revisão que
deu origem à Resolução 491/2018.

1
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Poluição do ar e saúde

A poluição do ar é reconhecida como o maior risco ambiental para a saúde,


ultrapassando a mortalidade por doenças causadas pela água insalubre e transmitidas por
vetores. Além disso, ressalta-se – está entre os quatro maiores riscos modificáveis
relacionado à mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis– antes dela,
encontram-se apenas o risco alimentar, pressão arterial e tabagismo 1,2. Como ilustra a
Figura 1.

Figura 1:Principais riscos modificáveis por número de mortes em 1990 e 2013.3

Outra característica do ar tóxico, revelado pela International Agency for Research


on Cancer (IARC), foi sua classificação como agente cancerígeno, o que significa que o
ar contaminado por si só, independente da concentração de poluentes ou do grau de
exposição da população, passou a ser considerado uma causa ambiental de mortes por

1OECD - Organization for Economic Co-operation and Development, 2016. The Economic Consequences of Outdoor
Air Pollution. Policy Highlights. 2016. Disponível em: <https://www.oecd.org/environment/indicators-modelling-
outlooks/Policy-Highlights-Economic-consequences-of-outdoor-air-pollution-web.pdf> Acesso em: 31 de julho 2017.
2The World Bank. The cost of air pollution. Strengthening the economic case for action. 2016. The World Bank and

Institute for Health Metrics and Evaluation, University of Washington, Seattle. 2016. Disponível em:
http://documents.worldbank.org/curated/pt/781521473177013155/The-cost-of-air-pollution-strengthening-the-
economic-case-for-action Acesso em 13 set 2018.
3Idem.

2
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câncer de pulmão e bexiga4. Isto significa que o risco de se desenvolver os dois tipos de
câncer é significativamente maior em pessoas expostas à poluição atmosférica.
Mais de 80% das cidades no mundo estão expostas à má qualidade do ar –níveis
que excedem os preconizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo
análise da OMS, no Brasil, quarenta cidades que monitoram a qualidade do ar estão
expostas a níveis de poluição atmosférica superiores aos limites defendidos pelo órgão5.
Entre os principais poluentes atmosféricos está o Material Particulado (MP). A Figura
2mostra dados de 2013, as localizações no mundo onde há o monitoramento da qualidade
do ar e a concentração de MP excede os índices preconizados pela OMS6.

Figura 2: Localizações no mundo onde a concentração de Material Particulado excede


os índices de qualidade do ar preconizados pela OMS, em 20137.

A Figura 3 evidencia as localizações no mundo dos diferentes níveis da razão:


concentração da média anual de MP 2013/1990, demonstrando nos tons de amarelo,
laranja a vermelho onde houve, de forma gradativa, onde houve o maior aumento da
poluição do ar nos últimos 23 anos8.

4IARC - International Agency for Research on Cancer. Outdoor air pollution a leading environmental cause of cancer
deaths. Lyon: WHO, 2013. Disponível em: < http://www.iarc.fr/en/media-centre/iarcnews/pdf/pr221_E.pdf > Acesso
em 25 Abr. 2017.
5WHO. WHO Global Urban Ambient Air Pollution Database (update 2016).
6.The World Bank. The cost of air pollution. Strengthening the economic case for action. 2016. The World Bank and

Institute for Health Metrics and Evaluation, University of Washington, Seattle. 2016. Disponível em:
http://documents.worldbank.org/curated/pt/781521473177013155/The-cost-of-air-pollution-strengthening-the-
economic-case-for-action Acesso em 13 set 2018.
7Idem.
8Idem.

3
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Figura 3: Localizações dos diferentes níveis da razão: concentração da média anual de
MP 2013/19909.

Diante da grande mancha da má qualidade do ar no mundo, estima-se que mais de


92% da população possa estar exposta aos riscos da poluição do ar (o que significa
respirar o ar com altos níveis prejudiciais de poluentes). De acordo com a OMS10, nove a
cada dez pessoas do mundo respiram ar poluído todos os dias sendo, portanto, o maior
risco ambiental para a saúde, uma vez que veem causando mais de 7 milhões de mortes
por ano no mundo – decorrente da poluição do ar externa e interna: o que significa 11,6%
das mortes a nível global – estimativas que já ultrapassam as previsões anteriores11,12
Contudo, recentemente em 2019, e de acordo com pesquisadores do Instituto Max
Planck, as estimativas já são maiores, chegando ao número de 8,8 milhões de mortes por
ano em todo mundo, sendo o dobro da estimativa realizada anteriormente pela mesma
instituição. Esse número é superior ao valor estimado pela OMS para mortes atribuídas
ao uso do tabaco, que é de 7,2 milhões de mortes por ano13.

9The World Bank. The cost of air pollution. Strengthening the economic case for action. 2016. The World Bank and
Institute for Health Metrics and Evaluation, University of Washington, Seattle. 2016. Disponível em:
http://documents.worldbank.org/curated/pt/781521473177013155/The-cost-of-air-pollution-strengthening-the-
economic-case-for-action Acesso em 13 set 2018
10 ONUBR. OMS define 10 prioridades de saúde para 2019. Março, 2019. Disponível em:

https://nacoesunidas.org/oms-define-10-prioridades-de-saude-para-2019/
11 OECD - Organization for Economic Co-operation and Development, 2016. The Economic Consequences of Outdoor

Air Pollution. Policy Highlights. 2016. Disponível em: <https://www.oecd.org/environment/indicators-modelling-


outlooks/Policy-Highlights-Economic-consequences-of-outdoor-air-pollution-web.pdf> Acesso em: 31 Jul. 2017.
12OPAS, OMS BRASIL. Nove em cada dez pessoas em todo o mundo respiram ar poluído. 2018a
13 Max-Planck-Gesellschaft. Polluted air shortens the lifespan of Europens by about two years. 12 de Março de 2019.

Disponível em: https://www.mpg.de/12823232/polluted-air-shortens-the-lifespan-of-europeans-by-about-two-years .


Acesso em 26 Mar 2019.
4
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Ainda de acordo com a instituição, a mortalidade média atribuída a poluição do ar
é de 120 óbitos por ano para cada 100.000 habitantes, enquanto que na Europa o número
é de 133 por 100.000 habitantes, ultrapassando a média global. Em alguns países a taxa é
ainda mais alta, como na Alemanha, 154 por 100.000 habitantes. Os autores alertam sobre
o limite europeu de qualidade do ar para MP2,5 de 25 µg/m³ ainda ser um valor muito alto
e recomendam que seja adotado o valor de 10 µg/m³, conforme orientação da OMS.
Enfatizam sobre o MP2,5 como causa atribuível em pelo menos metade das ocorrências de
doenças cardiovasculares14.
A Figura 4 aponta, nas regiões do mundo, as altas porcentagens do número de
mortes relacionadas à poluição atmosférica em 201315.Quase 90% das mortes
relacionadas à poluição do ar ocorrem em países de baixa e média renda; duas em cada
três mortes ocorrem no Sudeste Asiático e no Pacífico Ocidental.
A Índia, como exemplo, é um dos países com o maior índice de poluição
atmosférica. Estima-se que a poluição do ar tenha sido responsável por 8% do total de
doenças no país e por 11% das mortes prematuras em pessoas com idade inferior a 70
anos16.

Figura 4: Percentagem do total de mortes devido à poluição do ar por regiões do


mundo17

14 Idem.
15The World Bank. Op. Cit.
16OPAS. Não polua o meu futuro! O impacto do ambiente na saúde das crianças.: Licença: CC BY-NC-SA 3.0
IGO.Brasília, DF, 2018. Disponível em: iris.paho.org/xmlui/handle/123456789/49123. Acesso em: 13 Fev. 2018.
17The World Bank. The cost of air pollution. Strengthening the economic case for action. 2016. The World Bank and

Institute for Health Metrics and Evaluation, University of Washington, Seattle. 2016.
5
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Em 2013, a exposição à poluição atmosférica estava associada a 4,1% de todas as
mortes em países de alta renda, onde a percentagem de mortes tem diminuído desde 1990.
Porém, em outras regiões, a porcentagem de mortes relacionadas aos particulados finos
(MP2,5 – material particulado com diâmetro inferior a 2,5 micras) aumentou entre 1990 e
2013: i) de 2,3 % a 3,5% em países de baixa renda, ii) de 4% a 5,1% em países de renda
média baixa e iii) de 5,7% a 7,4% em países de renda média alta. Em 2013, 75% das
mortes relacionadas a exposição ao MP2,5- ocorreram em países de renda média18. A
situação é mais agravante quando se compara as mortes por doenças respiratórias em
crianças menores de 5 anos, podendo ser sessenta (60) vezes maior em países de baixa
renda, em comparação a países de alta renda.
Salienta-se que os efeitos adversos dos poluentes atmosféricos se manifestam com
maior intensidade em crianças, idosos, indivíduos portadores de doenças respiratórias e
cardiovasculares crônicas e, especialmente, nos segmentos da população mais
desfavorecidos do ponto de vista socioeconômico19.
De acordo com um estudo realizado nos EUA, onde o MP2,5 representa o fator
ambiental de maior risco à saúde, a distribuição dos efeitos da poluição não ocorre de
forma semelhante em toda a população, havendo prejuízo principalmente da população
socioeconômica mais vulnerável, uma vez que está mais exposta a poluição do ar. Os
pesquisadores evidenciaram que a emissão de poluentes atmosféricos é diretamente
proporcional ao consumo de bens e serviços dos americanos brancos, que por sua vez é
inversa à inalação de poluentes pelos americanos negros e hispânicos20.
Estima-se que a poluição do ar cause a morte de aproximadamente 600.000
crianças por ano, com menos de 5 anos de idade e esteja relacionada a metade dos casos
de pneumonia em crianças no mundo (50% da carga global de pneumonia), à asma e ao
prejuízo do desenvolvimento da sua função pulmonar, ou seja, da capacidade respiratória.
No entanto, antes mesmo de nascerem, as crianças sofrem com a poluição do ar:
há prejuízos no desenvolvimento fetal, maiores índices de retardo do crescimento
intrauterino, baixo peso ao nascer, anomalias congênitas e morte fetal e neonatal21.

18The World Bank. The cost of air pollution. Strengthening the economic case for action. 2016. The World Bank and
Institute for Health Metrics and Evaluation, University of Washington, Seattle. 2016.
19 WHO. Air Quality Guidelines - Global Update 2005. Copenhagen: WHO, 2006.
20TESSUM, C. W. et al. Inequity in consumption of goods and services adds to racial ethnic disparities in air pollution

exposure. Proceedings of the National Academy of Sciences, Mar


2019, 201818859; DOI:10.1073/pnas.1818859116
21PEREIRA, L. A. et al. Association between air pollution and intrauterine mortality in São Paulo, Brazil. Environ
Health Perspect, v. 106, p. 325 - 329, 1998.
6
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Além disso, crescem as evidencias das implicações da poluição do ar no
desenvolvimento cognitivo infantil e a indução precoce do desenvolvimento de doenças
crônicas para a idade adulta22,
Em adultos e idosos, a variação tóxica ambiental pode afetar a saúde de maneiras
e níveis de gravidade diversos, já muito bem estabelecidos na literatura mundial, a qual
relaciona a poluição do ar ao maior risco de arritmias e infarto agudo do miocárdio;
bronquite crônica e asma (Doenças Pulmonares Obstrutivas Crônicas - DPOC);
obesidade, diabetes, depressão e câncer do pulmão e bexiga23,24.
Por contribuir globalmente com a alta prevalência de doenças crônicas não
transmissíveis, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) – os dados são
assombrosos- a contaminação do ar é responsável por 35% das mortes por doenças
respiratórias, 15% das mortes por doenças cerebrovasculares (derrames encefálicos), 44%
das mortes por doenças do coração, 6% das mortes por câncer de pulmão e 50% dos casos
de pneumonia em crianças25. Dados similares são apontados pelos pesquisadores REDDY
e ROBERTS, em 2019 – que relacionam a associação do ar tóxico a: 22% das mortes por
doenças cardiovasculares; 25% das mortes por derrames encefálicos; 53% das mortes por
doenças pulmonares obstrutivas crônicas e 40% das mortes por câncer de pulmão26.
A Organização das Nações Unidas estabeleceu como objetivos para 2019 a
ampliação do atendimento de saúde e da promoção de bem-estar para 1 bilhão de pessoas
do mundo a mais. Para tanto a organização elencou as 10 prioridades para atuação: 1)
poluição do ar e mudanças climáticas; 2) doenças crônicas não transmissíveis; 3)
pandemia de gripe; 4) cenários de fragilidade e vulnerabilidade; 5) resistência
antimicrobiana; 6) ebola; 7) atenção primária de saúde; 8) relutância em vacinar; 9)
Dengue e 10) HIV. Nota-se que a primeira prioridade da lista se refere à poluição do ar e
mudanças climáticas, pois além dos impactos diretos na saúde, a principal causa de
poluição do ar - a queima de combustíveis fósseis - também setrata de um dos principais
fatores que contribuem para as mudanças climáticas nas cidades, que implica em impactos

22OPAS. Não polua o meu futuro! O impacto do ambiente na saúde das crianças.: Licença: CC BY-NC-SA 3.0
IGO.Brasília, DF, 2018. Disponível em: http://iris.paho.org/xmlui/handle/123456789/49123 Acesso em 13 Fev. 2018.
23Idem.
24POPE, C. A.; DOCKERY, D. W. Health Effects of Fine Particulate Air Pollution: Lines that Connect. Air & Waste

Management Association, v. 56, p. 709 - 742, 2006.


25OPAS. 2018. Op. Cit.
26REDDY, K. S.; ROBERTS, J. H. Mitigating air pollution: planetary health awaits a cosmopolitan moment. The

Lancet Planetary Health, v. 3, n. 1, p. e2–e3, 2019.


7
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na saúde das pessoas de várias maneiras. Estima-se que entre 2030 e 2050 cerca de 250
mil mortes ao ano serão causadas em decorrência das mudanças climáticas27.
A Figura 5 associa o MP aos efeitos já conhecidos para a saúde humana - desde a
irritação nos olhos, nariz e garganta, como diversas outras doenças do trato respiratório,
às doenças cardiovasculares, reprodutivas, e outras sistêmicas.

27ONUBR. OMS define 10 prioridades de saúde para 2019. Março, 2019. Disponível em: https://nacoesunidas.org/oms-
define-10-prioridades-de-saude-para-2019/
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Figura 5: Impactos do poluente Material Particulado na saúde28

28ExposiçãoUm Minuto de Ar Limpo (Associação Paulista de Medicina e Instituto Saúde e Sustentabilidade, 2018).
Dados não publicados
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Um estudo realizado pela Universidade de Chicago mostrou que, entre 1998 a
2016, a expectativa de vida da população global diminuiu 1 ano e 8 meses em decorrência
de doenças relacionadas à poluição do ar. Ademais, apontou que as doenças causadas
devido à poluição por MP diminuem a expectativa de vida em mais tempo do que o fumo,
o uso de álcool e drogas, poluição da água, acidentes de trânsito, AIDS e malária29.
Por outro lado, a boa notícia, é que as reduções das concentrações de particulados
finos (MP2,5) chegam a expressar 15% de acréscimo na expectativa de vida30 - um
excelente alvo para ações e políticas públicas – e a esperança para a mudança.

Poluição do ar no Brasil

Em 2018, a OPAS/OMS divulgou que a poluição do ar é responsável, anualmente,


por 320 mil mortes nas Américas e 51.000 mortes no Brasil31.
Os primeiros estudos do Instituto Saúde e Sustentabilidade (ISS) avaliaram o
impacto em saúde decorrente dos altos níveis de concentração do MP2,5 nos estados de
São Paulo e Rio de Janeiro.
O estudo para o estado de São Paulo analisou o período de 2006 a 2011 para o
impacto em saúde pública (mortalidade e internações) e sua valoração em gastos públicos
e privados32.Em todos os anos analisados, as médias anuais de MP2,5, observadas no
estado de São Paulo (SP) situaram-se entre 2 a 2,5 vezes acima do parâmetro
recomendado pela OMS (10 μg/m3). Sob o prisma das cidades, em 2011, os 29 municípios
estudados, sem exceção, apresentaram média anual de MP2,5 acima do nível recomendado
– como ilustra o Mapa 1 - e 12 deles, acima da média da cidade de São Paulo: Cubatão,
Osasco, Araçatuba, Guarulhos, Paulínia, São Bernardo, Santos, São José do Rio Preto,
São Caetano, Americana, Taboão da Serra e Mauá (em ordem decrescente).

29GREENSTONE, M.; FAN, C. Q. Introducing the Air Quality Life Index: Twelve Facts about Particulate Air
Pollution, Human Health, and Global Policy I. n. November, p. 19, 2018.
30 POPE, C. A.; EZZATI, M.; DOCKERY, D.W. Fine-Particulate Air Pollutionand Life Expectancy in the United

States. The New England Journal of Medicine, v. 360, n., p. 376-86, 2009.
31OPAS, OMS BRASIL. Nove em cada dez pessoas em todo o mundo respiram ar poluído. 2018. Disponível em:

https://nacoesunidas.org/onu-9-em-cada-10-pessoas-no-mundo-respiram-ar-poluido/ Acesso em: 13 Fev 2018.


32Instituto Saúde e Sustentabilidade. Avaliação do impacto da poluição atmosférica no Estado de São Paulo sob a visão

da saúde. São Paulo. 2013. Disponível em: https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/pesquisa-avaliacao-


do-impacto-da-poluicao-atmosferica-no-estado-de-sao-paulo-sob-a-visao-da-saude/. Acesso em 13 Fev. 2019.
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Mapa 1: Densidade demográfica e média anual de MP2,5 nos municípios que possuem
monitoramento do ar no Estado de SP.33

Ao interpretar os dados por regiões metropolitanas ou aglomerados urbanos no


Estado, observam-se níveis de poluição similares aos da Região Metropolitana de São
Paulo (RMSP), com exceção da Baixada Santista, que apresenta níveis de poluição muito
mais altos. Em relação à mortalidade, em 2011, o estado de São Paulo apresentou 17.443
mortes, a RMSP e a capital paulista, respectivamente, cerca de 8.000 e 4.655 óbitos.
Considerando-se as mortes atribuíveis ao Estado de São Paulo para os seis anos do estudo,
de 2006 a 2011, observam-se 99.084 mortes34. Além das mortes, observou-se que, para o
Estado, houve 68.499 internações públicas atribuíveis ao impacto da poluição do ar (por
doenças isquêmicas cardiovasculares e cerebrovasculares, neoplasias do trato
respiratório, doenças pulmonares obstrutivas crônicas e infecções de vias aéreas
inferiores) em 2011. O gasto público dessas internações, na cidade de São Paulo, em
2011, foi em torno de R$ 31 milhões, correspondendo a 0,51% do orçamento público para
aquele ano. No estado de São Paulo, os gastos públicos e (suplementar) privados de

33InstitutoSaúde e Sustentabilidade. Avaliação do impacto da poluição atmosférica no Estado de São Paulo sob a
visão da saúde. São Paulo. 2013. Disponível em: https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/pesquisa-
avaliacao-do-impacto-da-poluicao-atmosferica-no-estado-de-sao-paulo-sob-a-visao-da-saude/. Acesso em 13 Fev.
2019.
34Idem.

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internações pelas mesmas doenças, em 2011, foram respectivamente, em torno R$ 76
milhões e R$ 170 milhões, totalizando valores em torno de R$ 246 milhões.
No estado do Rio de Janeiro, a situação era semelhante35. A Região Metropolitana
do Rio de Janeiro (RMRJ) apresentou os maiores níveis de poluição que as demais
analisadas e, inclusive, acima da média do estado (Mapa 2). Sob o prisma das cidades,
em 2011 e 2012, todos os 15 municípios que compõem a RMRJ apresentaram média
anual de MP2,5 acima do nível recomendado pela OMS, sendo que seis destes municípios
apresentaram níveis mais poluídos que a cidade do Rio de Janeiro: Duque de Caxias,
Itaboraí, Nova Iguaçu, Macuco, Resende e Porto Real. Contabilizaram-se 36.194 mortes
(cerca de 14 mortes por dia no ERJ) e 65.102 internações na rede pública de saúde devido
a doenças cardiorrespiratórias e câncer de pulmão, cuja valoração alcança um gasto
público de R$ 82 milhões.

Mapa 2: Densidade demográfica e média anual de MP2,5 nos municípios que possuem
monitoramento do ar no Estado do RJ.36

35InstitutoSaúde e Sustentabilidade. Avaliação do impacto da poluição atmosférica no Estado do Rio de Janeiro sob a
visão da saúde. São Paulo. 2014. Disponível em: https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/avaliacao-do-
impacto-da-poluicao-atmosferica-no-estado-do-rio-de-janeiro-sob-a-visao-da-saude/. Acesso em: 13 Fev. 2019.
36Idem.

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Em relação ao DALY (Disability Adjusted Life Years), contabilizaram-se159.422
e 79.149 anos de vida perdidos por mortalidade precoce, respectivamente, nos estados de
São Paulo e do Rio de Janeiro.
No estado de São Paulo, morrem mais que o dobro de pessoas por poluição do ar
do que por acidentes de trânsito (7.867), quase 5 vezes mais do que câncer de mama
(3.620) e quase 6,5 vezes mais que por AIDS (2.922) ou câncer de próstata (2.753)37.
Se houvesse uma redução de 10% de poluentes atmosféricos entre os anos de
2.000 e 2.020, na cidade de São Paulo, haveria uma redução: de 114 mil mortes; de 138
mil visitas de crianças e jovens a consultórios; de 103 mil visitas a prontos-socorros por
doenças respiratórias; de 817 mil ataques de asma; de 50 mil casos de bronquite aguda e
crônica e evitaria a restrição de 7 milhões de dias de atividades e 2,5 milhões de
absenteísmo em trabalho38.
No entanto, esta realidade não se restringe apenas aos estados citados, São Paulo
e Rio de Janeiro, mas também a outros estados que realizam ou realizavam o
monitoramento de qualidade do ar e publicaram seus dados.
No Brasil, a Resolução CONAMA Nº 05 de 15/06/198939 instituiu o Programa
Nacional de Controle da Qualidade do Ar, o PRONAR que determina a criação de uma
Rede Nacional de Monitoramento da Qualidade do Ar. O monitoramento de qualidade do
ar no Brasil é muito restrito em relação ao território nacional40. Em 2014, apenas 1,7 %
dos municípios nacionais realizavam monitoramento de qualidade do ar, por 252 estações
– 85% delas localizada na região Sudeste, como ilustrado no Mapa 3.

37.Instituto
Saúde e Sustentabilidade. Avaliação do impacto da poluição atmosférica no Estado de São Paulo sob a visão
da saúde. São Paulo. 2013. Disponível em: https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/pesquisa-avaliacao-
do-impacto-da-poluicao-atmosferica-no-estado-de-sao-paulo-sob-a-visao-da-saude/. Acesso em 13 Fev. 2019.
38BELL, M. L. et al. The avoidable health effects of air pollution in three Latin American cities: Santiago, São Paulo,

and Mexico City. Environmental Research, v. 100, n. 2006, p. 431 - 440, 2005.
39BRASIL. Resolução CONAMA nº 05, de 15 de junho de 1989. Dispõe sobre o Programa Nacional de Controle da

Poluição do Ar –PRONAR.
40ISS. Monitoramento de qualidade do ar no Brasil. Instituto Saúde e Sustentabilidade. São Paulo, 2014.

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Mapa 3: Monitoramento de Qualidade do Ar no Brasil em 2014 - por município e
densidade populacional estadual41.

Fonte: ISS, 2014


Dados recentes mostram a precariedade de monitoramento de qualidade do ar no
Brasil, estabelecido pelo PRONAR em 1989. Passados 30 anos, conclui-se que o
programa não foi efetivo.
Em 2018, o Procurador Regional da República - PRR 3ª Região, José Leonidas B.
de Lima, na condição de membro-coordenador do Grupo de Trabalho (GT) de Qualidade
do Ar - constituído no âmbito da 4a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério
Público Federal, por meio da Portaria 4a CCR nº 17, de 06 de julho de 2017 - solicitou
às Secretarias de Meio Ambiente de todas as unidades federativas da união, por meio de
um questionário, que prestassem informações sobre a situação atual da rede de
monitoramento da qualidade do ar. Destaca-se, dentre os objetivos do GT, os de
“identificar e acompanhar os mecanismos de medição e fiscalização da qualidade do ar
que vêm sendo adotados no Brasil” (art. 2o, I) e de “identificar os Estados e Municípios
que não possuem mecanismos de medição dos índices de poluição do ar” (art. 2o, II)”.

41Instituto
Saúde e Sustentabilidade. Monitoramento da qualidade do ar no Brasil. São Paulo. 2014. Disponível em:
https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/pesquisa-monitoramento-da-qualidade-do-ar-no-brasil/ Acesso
em 13 Fev 2019.
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O levantamento foi realizado entre outubro de 2018 e março de 2019. Observou-
se, para as 27 unidades federativas no Brasil, que o monitoramento é realizado em apenas
7 unidades (26% delas): Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Pernambuco, Rio
de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. A união dispõe de 319 estações de
monitoramento ativas. A região sudeste contempla 93,4% delas (298 estações), seguida
pela região sul, 4,1% (13) e regiões CO e NE, igualmente 1,3% cada uma - 4 estações. O
Distrito Federal e o estado de São Paulo são os únicos em que 100% de suas estações são
públicas. Podemos dizer que são 162 estações públicas - 58,3%, que, de fato, representam
o monitoramento de qualidade do ar da união. Observa-se o monitoramento na união
utilizando-se 47,7% (162/310) de estações de empreendimentos privados, existentes para
fins de licenciamento. As estações privadas representam 100% das estações de MG,
84,6% do RS, 75% de PE, 63,6% do RJ e 40% do ES. Rio de Janeiro é o primeiro estado
em número de estações ativas – 161, além de 42 inativas (20,7%), porém, ao se considerar
apenas as estações pertencentes ao estado, ou seja, as públicas, SP possui o maior número
delas - 90 estações públicas. Rio de Janeiro possui 55 estações públicas.
Quando se observa os poluentes monitorados pelas estações a situação se agrava
ainda mais. O poluente mais monitorado é o MP10 (186 estações – 58,3%), NOX (125
estações – 39,2%), seguido pelo O3 (120 – 37,6%), PTS (94), SOX (85), CO (80), MP2,5
(65 – 20,4%), Fumaça (12) e carbono negro (4). Considerando os poluentes mais
importantes do ponto de vista da saúde, o estado de SP monitora MP10 em 67,8% das suas
estações; seguido pelo O3 em 56,7%, NOX em 54,4% e MP2,5 em 32,2%. O Rio de Janeiro
monitora, na mesma ordem de poluentes, 39,7%, 23,6%, 21,7% e 14,3% das suas
estações. Interessante notar que o número de estações que monitoram MP10 no RJ (64/186
– 34,4%) é praticamente o mesmo número de SP (61/186 – 32,8%). Além disso, o estado
de SP possui 29 estações que monitoram o MP2,5 e do RJ, 23 estações. Apenas os 4 estados
da região sudeste monitoram MP2,5.
Alguns dados retratam a dificuldade de investimento e o desenvolvimento nesta
área, como o número acentuado de estações privadas para o monitoramento, pouco mais
de 50% serem automáticas, e o número ainda muito baixo de monitoramento de MP2,5.
Do ponto de vista de registros e comunicação, as sete unidades elaboram o
relatório anual de qualidade do ar, embora apenas duas delas estejam em dia com os
relatórios, o último, referente a 2017 - SP e DF. PE não elabora seus relatórios desde 2007

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e MG desde 2013. A última publicação do RJ refere-se ao ano 2015, enquanto ES e RS,
2016.
A comunicação dos dados à população é fundamental. Observa-se que apenas
duas unidades federativas - SP e ES - apresentam um boletim diário de qualidade do ar
online de acesso público. Porém, a publicação dos dados de monitoramento de qualidade
do ar em tempo real ocorre apenas em SP e RS – nos dois casos, em 7,4% de todas as
unidades federativas.Enfim, o acesso público aos dados sobre o monitoramento não é
adequado; o PRONAR não foi cumprido; parte das unidades federativas não
implementaram o monitoramento em seus territórios ou o realizam de forma incompleta,
com prejuízo, minimamente, do combate à poluição do ar, da saúde dos brasileiros e da
divulgação da informação à sociedade.
A Resolução 05/89 pecou em não definir prazos para o estabelecimento de suas
determinações e não previram sanções cabíveis ao descumprimento por seus destinatários
- os governos dos estados e o IBAMA. Tais fatos indicam que ainda há um longo caminho
a ser percorrido, e urgente, para atender o monitoramento da qualidade do ar no país,
defasado e precário.
Ademais, a qualidade do ar no Brasil não é satisfatória. Segundo o Relatório de
Qualidade do Ar no Estado de São Paulo42, há 17 anos são registrados no Estado, níveis
de 1,5 a 2,5 vezes maiores do que o parâmetro anual de qualidade do ar recomendado
para a melhor proteção à saúde pela OMS (20 μg/m³)43. E, pior - em algumas localidades
do estado de São Paulo a média anual ultrapassa em até 5 vezes os valores recomendados
pela OMS.
Em 2016 44, o Instituto Saúde e Sustentabilidade, estudou a qualidade do ar e o
impacto em saúde na população de seis regiões metropolitanas brasileiras: São Paulo, Rio
de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória, Curitiba e Porto Alegre.
A Tabela 1mostra as concentrações de MP10 de cada região - nota-se todas com
níveis de poluentes superiores aos preconizados pela OMS (20mcg/m3)45.

42CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. Qualidade do ar no estado de São Paulo 2017. São Paulo,
2018. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/ar/publicacoes-relatorios/. Acesso em 13 Fev. 2018
43WHO. Air Quality Guidelines - Global Update 2005. Copenhagen: WHO, 2006.
44Instituto Saúde e Sustentabilidade. Avaliação dos Impactos na Saúde Pública e sua Valoração devido à implementação

do Gás Natural Veicular na Matriz Energética de Transporte Público – Ônibus e Veículos leves em seis regiões
metropolitanas no Brasil. Dados não publicados. 2018.
45WHO - World Health Organization. Air Quality Guidelines - Global Update 2005. Copenhagen: WHO, 2006.

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Tabela 1: Média diária anual de MP10(µg/m³) por Região Metropolitana e fontes.
MP10 - Dados do FONTE (Relatório Órgão
Regiões
concentração último ano Anual de ambiental
Metropolitanas
em µg/m³ disponível Qualidade do Ar) estadual

São Paulo – RMSP 31,0 2015 CETESB, 201646

Rio de Janeiro – RMRJ 38,6 2015 INEA, 201647

Belo Horizonte –RMBH 33,0 2013* FEAM, 201648

Vitória – RMVI 24,9 2013* IEMA, 201549

Porto Alegre – RMPA 22,4 2015 FEPAM, 201650

Curitiba – RMC 22 2013* IAP, 201651


*Ano base 2013, publicado em Relatório de Qualidade do Ar em 2016

A pesquisa identificou que se a poluição do ar devido ao poluente inalável fino


MP2,5 se mantiver a mesma até 2.025 na RMSP, estima-se que haverá 51.367 mortes -
equivalente a 6.421 mortes anuais na RMSP, a um custo, em perda de produtividade, de
R$ 22,3 bilhões. Além da mortalidade, ocorreriam 31.812 internações públicas por
doenças respiratórias, cardiovasculares e câncer de pulmão, que se referem a 3.977
internações públicas anuais a um custo de R$ 58,7 milhões para o Sistema Único de Saúde

46CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. Qualidade do ar no estado de São Paulo 2015. São Paulo;
2016. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/ar/publicacoes-relatorios/. Acesso em 13 Fev. 2018
47INEA - Instituto Estadual do Ambiente. Gerência de Qualidade do Ar - GEAR. Relatório da Qualidade do Ar do

Estado do Rio de Janeiro – Ano Base 2015. Rio de Janeiro, 2016. Rio de Janeiro, 2016. Disponível em:
http://www.inea.rj.gov.br/Portal/MegaDropDown/Monitoramento/Monitoramentodoar-
EmiQualidade/Qualidoar/RelatorioAnualAr/index.htm&lang=PT-BR. Acesso em 17 Set 2018.
48 FEAM - Fundação Estadual do Meio Ambiente. Monitoramento da qualidade do ar na Região Metropolitana de
Belo Horizonte: ano base 2013: relatório técnico. Fundação Estadual do Meio Ambiente. Belo Horizonte, 2016.
Disponível em: Disponível em: <http://www.feam.br/>. Acesso em 8 de novembro de 2017.
49 IEMA - Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Relatório da Qualidade do Ar- 2013: Grande
Vitória. Cariacica, 2015
50
FEPAM - Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler. Rede Estadual de Monitoramento
Automático da Qualidade do Ar: Relatório 2017. Porto Alegre: FEPAM: 2018. Disponível em: Disponível em:
http://www.fepam.rs.gov.br/. Acesso em 18 Set. de 2017.
51
IAP - Instituto Ambiental do Paraná. Relatório Anual da Qualidade do Ar na Região Metropolitana de Curitiba –
Ano de 2013. Curitiba, 2016. Disponível em: <http://www.iap.pr.gov.br/>. Acesso em 8 Nov 2017.
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- SUS. Lembrando que as internações públicas representam metade do total no estado de
São Paulo.
Trata-se de um problema grave de saúde pública, ultrapassando os níveis de
mortes brasileiras por acidentes de trânsito ou câncer de mama e próstata.
Em relação à RMRJ, estima-se 54.580 mortes precoces a um custo, em perda de
produtividade, de R$ 21,6 bilhões e 19.294 internações públicas por doenças
respiratórias, cardiovasculares e câncer de pulmão, a um custo de R$ 25,7 milhões para o
SUS. Para a RM de Belo Horizonte, são 12.175 mortes precoces e 8.945 internações
públicas, ao custo respectivo de R$ 4,4 bilhões e R$ 21,1 milhões. Na RM de Vitória, em
Espírito Santo, calculou-se 2.236 mortes precoces a um custo de perda de produtividade
de R$ 711 milhões e 1.477 internações públicas, aos custos do SUS, em R$ 3 milhões.
Para a RM de Curitiba, 2.818 mortes e 2. 467 internações ao custo respectivo de R$ 1,2
bilhões e R$ 7,7 milhões. A RM Porto Alegre contabiliza 4.743 mortes precoces e 5.403
internações, que custaram R$ 1,64 bilhões e R$ 10,47 milhões respectivamente.
Para todas as seis regiões metropolitanas descritas, que representam juntas 23,5%
da população brasileira (208.494.900 habitantes), seriam contabilizadas, de 2018 até
2025, o assustador número de 127.919 mortes precoces (5.989 mortes anuais), por um
custo, em perda de produtividade, estimado em R$ 51,5 bilhões; e 69.395 internações
públicas (8.674 internações públicas anuais), a um custo estimado pelo SUS em R$ 126,9
milhões. O estudo aponta 44 mortes e 24 internações públicas por dia devido ao MP2,5nas
seis regiões metropolitanas.
Além do risco à saúde humana e à redução da expectativa de vida, a poluição
atmosférica também é um fator que afeta o desenvolvimento econômico das cidades, uma
vez que prejudica a qualidade de vida, diminui a capacidade produtiva da população, além
dos custos despendidos nos serviços de saúde por doenças atribuídas52.
Estima-se, nos países da União Europeia, que os custos diretos da poluição do ar
estiveram em torno de US$ 25 bilhões em 2010 e os custos de saúde, direta ou
indiretamente relacionados a poluição do ar, foram de US$ 1.025 bilhões em 2010 para
os países da União Europeia53.

52The World Bank. The cost of air pollution. Strengthening the economic case for action. 2016. The World Bank and
Institute for Health Metrics and Evaluation, University of Washington, Seattle.
2016.http://documents.worldbank.org/curated/pt/781521473177013155/The-cost-of-air-pollution-strengthening-the-
economic-case-for-action
53IGU – International Gas Union. Case Studies in Improving Urban Air Quality. Published by the International Gas

Union (IGU). Norway, 2016


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As graves consequências para o meio ambiente, para a saúde e, cada vez mais,
para a economia, da dependência por combustíveis oriundos do petróleo têm estimulado
o desenvolvimento e a implementação de fontes alternativas de energia. De acordo com
o Relatório de Qualidade do Ar do Estado de São Paulo54, a contribuição para emissões
de MP2.5 devido ao diesel na RMSP é de 49,5%, tornando-se um excelente alvo para
políticas de redução de emissão de particulados.
Nesse sentido, ressalta-se a importância da atuação direta nas fontes de emissão
de poluentes. A maioria delas é diretamente influenciada pelas tecnologias energéticas e
de combustíveis utilizados e, portanto, a prevenção de doenças associadas à poluição
atmosférica depende da aplicação de políticas setoriais específicas que objetivem a
diminuição da poluição na fonte de emissão55.
O Instituto Saúde e Sustentabilidade avaliou o impacto benéfico em saúde pública
a partir de uma intervenção na política de transportes: a adição de diferentes níveis de
biodiesel ao diesel automotivo, em termos de alteração da concentração ambiental de
partículas finas. Considerando as duas regiões metropolitanas mais populosas do Brasil,
São Paulo e Rio de Janeiro, por um período de 11 anos (2015-2025), tendo como matriz
energética no transporte público - o B5 (adição de 5% do biodiesel no diesel), estimou-
se mais de108 mil óbitos, a um custo de perda de produtividade um pouco superior a US$
7 bilhões, em valores de 2012. Nas duas regiões, poderiam ser evitadas mais de 2 mil
mortes precoces caso a parcela de biodiesel no diesel aumentasse para 7% (B7), a um
custo em perda de produtividade evitado de mais de US$ 134 milhões. Se o percentual da
mistura aumentasse para 20% (B20), haveria um salto para mais de 13 mil vidas salvas e
um ganho gerado da perda de produtividade evitada superior a US$ 816 milhões. Em
relação às internações, nas RMSP e RMRJ seriam contabilizadas 239.635 internações
públicas com o uso de B5 entre 2015 a 2025, em custos aos cofres públicos de US$ 207
milhões. Com a introdução de B7 em 2015, estima-se a redução de 4.539 internações
públicas, e que poderiam passar a ser 28.169 internações públicas evitadas se já se tivesse

54CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. Qualidade do ar no estado de São Paulo 2015. São Paulo;
2016. 165p.ISSN 0103-4103.
55WHO - World Health Organization. 2015. Health and the Environment: Addressing the health impact of air pollution.

Draft resolution proposed by the delegations of Albania, Chile, Colombia, France, Germany, Monaco, Norway,
Panama, Sweden, Switzerland, Ukraine, United States of America, Uruguay and Zambia. Sixty-Eighth World Health
Assembly. Agenda item 14.6. A68/CONF./2 Rev.1. 26 May 2015. Disponível em: <
http://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/WHA68/A68_ACONF2Rev1-en.pdf>. Acesso em 25 Abr. 2017.
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adotado o B20. A adição de B7 e B20 representam uma economia em internações de
aproximadamente US$ 4 milhões e US$ 25 milhões, respectivamente5657.
De forma inversa, é possível contabilizar os números de vidas salvas e das
melhoras na saúde devido as ações de mitigação das mudanças climáticas e da qualidade
do ar.

A Revisão da Resolução CONAMA 03/1990

Em decorrência do resultado da revisão da minuta da Resolução Conama nº


03/1990, aprovada pelo GT de Qualidade do ar da Câmara Técnica de Qualidade
Ambiental e Resíduos Sólidos do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, o
Instituto Saúde e Sustentabilidade, em parceria com as organizações da sociedade civil,
Associação de Proteção do Meio Ambiente do Cianorte - APROMAC, BH em Ciclo,
Greenpeace, International Council on Clean Transportation - ICCT, Instituto Brasileiro
de Defesa do Consumidor - IDEC, Global Call For Climate Action - GCCA, Instituto
Alana, Movimento Nossa BH, Rede Bike Anjo, Rede Cidades por Territórios Justos,
Democráticos e Sustentáveis, Rede Nossa São Paulo, e Toxisphera lançaram o
“Manifesto em Defesa dos Padrões de Qualidade do Ar” durante a reunião preparatória
para Primeira Conferência Global sobre Poluição do Ar e Saúde da OMS, em 25 e 26 de
setembro de 2018, em Brasília58.
Além disso, diante da gravidade da situação, a classe médica do Estado de São
Paulo decidiu se unir e se posicionar frente à necessidade premente de defesa da
população decorrente dos agravos e mortes provocados pelo preocupante quadro de
poluição do ar nas cidades do estado de São Paulo. Em 24 de outubro de 2018, a
Associação Paulista de Medicina (APM) e Instituto Saúde e Sustentabilidade lançaram o
Manifesto Público da Classe Médica do Estado de São Paulo “Um Minuto de Ar

56 Instituto Saúde e Sustentabilidade. Avaliação dos impactos na saúde pública e sua valoração devido à implementação
progressiva do componente biodiesel na matriz energética de transporte. São Paulo, 2015. Disponível em:
https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/avaliacao-dos-impactos-da-saude-publica-e-sua-valoracao-
devido-a-implementacao-progressiva-do-componente-biodiesel-na-matriz-energetica-de-transporte/ Acesso em 13 Fev
2019.
57Vormittag et al., Aerosol and Air Quality Research, 18: 2375–2382, 2018. Acesso em:
https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/artigo-cientifico-assessment-and-valuation-of-public-health-
impacts-from-gradual-biodiesel-implementation-in-the-transport-energy-matrix-in-brazil/. Acesso em: 13 Fev. 2018.
58 Instituto Saúde e Sustentabilidade. Manifesto em Defesa dos Padrões de Qualidade do Ar: Revisão da Minuta Revisão

da Minuta Resolução CONAMA 03/1990 que define os padrões de qualidade do ar nacionais. São Paulo, 2018.
Disponível em: https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/manifesto-em-defesa-dos-padroes-de-
qualidade-do-ar/ Acesso em 13 Fev 2019.
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Limpo”59,O posicionamento dos profissionais paulistas é pioneiro neste âmbito no Brasil
e se ergue para a defesa da sociedade brasileira e a salvaguarda de sua saúde, dando assim
voz e visibilidade às necessidades da população perante os órgãos ambientais federais,
estaduais e municipais, responsáveis pelas decisões para a melhoria da qualidade do ar
em nosso País.
Dentre suas reivindicações, os profissionais médicos apontam para a impugnação
e a correção da minuta de revisão da Resolução CONAMA 03/1990 como aprovada pela
Câmara Técnica de Qualidade Ambiental e Resíduos Sólidos no Conselho Nacional do
Meio Ambiente CONAMA, antes da sua última etapa de aprovação- a votação em
plenária- com a esperança de que este ato pudesse alterar os resultados mais relevantes
em defesa da saúde: a implementação dos padrões de qualidade do ar em níveis
satisfatórios e com prazos fixos para a mudança; os episódios críticos adequados; a
comunicação acessível à população– além de garantia dos instrumentos de controle
necessários para redução de emissões - de modo a assegurar o meio ambiente saudável.
O documento foi entregue às autoridades brasileiras competentes, bem como aos
responsáveis pela Primeira Conferência de Poluição do Ar da OMS que ocorreu nos dias
30 a de outubro a 2 de novembro, na sua sede em Genebra.
Destaca-se que o documento aponta também que neste caminhar, o Brasil não
conseguirá cumprir o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável – ODS, que diz respeito
à saúde e a poluição do ar: ODS 3.9 - Reduzir substancialmente o número de mortes e
doenças por produtos químicos perigosos e por contaminação e poluição do ar60.
A Resolução CONAMA nº 03/1990 estabeleceu os padrões de qualidade do ar
nacionais em 1990, que esteve em vigor durante 28 anos, sem atualização dos novos
conhecimentos científicos sobre o tema.
Em 2014, iniciou-se a sua revisão na Câmara Técnica de Qualidade Ambiental e
Gestão de Resíduos do CONAMA. Sem consenso no final, o processo foi interrompido.
Retomado em 2017, chegou-se à aprovação de uma minuta INEFICIENTE, em 2018,
após uma votação liquidante para a sociedade, na contramão aos melhores e mais recentes
conhecimentos científicos e aos avanços promulgados e experimentados por diversos

59 APM. Instituto Saúde e Sustentabilidade. Um minuto de Ar Limpo: Manifesto da Classe Médica do Estado de São
Paulo. Disponível em: https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/manifesto-um-minuto-de-ar-limpo/.
Acesso em 13 Fev 2019.
60 ONU BRASIL. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.2015.

Disponível em: http://www.br.undp.org/content/dam/brazil/docs/agenda2030/undp-br-Agenda2030-completo-pt-br-


2016.pdf. Acesso em 13 Fev 2019.
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países, inclusive vizinhos na América do Sul (BRASIL, 1990; BRASIL, 2018a; 2018b;
2018c). Por fim, a Resolução CONAMA 491/2018 de 19 de novembro de 2018 é
resultado do processo de revisão da Resolução CONAMA 03/199061..

Os Padrões de Qualidade do Ar – PQAr

Em 2006, a OMS publicou o Air Quality Guidelines, an Update 200562com


sugestões de níveis de qualidade do ar ou de concentração de poluentes que indicassem o
limiar do menor risco à saúde pública - são alavancas para programas de controle da
contaminação atmosférica e utilizados como referência científica no processo de
comunicação oficial desse risco. Salienta-se que os níveis de concentração de poluentes
preconizados pela OMS referem-se a níveis que asseguram a redução de risco para efeitos
em saúde da população. É importante ressaltar que não há limites de concentração de
poluentes seguros para o não adoecimento, pois o risco de se adquirir a doença também é
determinado pela suscetibilidade e vulnerabilidade de um indivíduo. Assim, os limites
mínimos preconizados pela OMS garantem a redução do risco do adoecimento ou
proteção para a maioria da população. Estudos publicados na literatura já revelam a
necessidade de revisão dos limites mínimos estabelecidos pela OMS em 2005.
Segundo o Artigo 2º da Resolução CONAMA 491/201863, define-se:

Art. 2º Para efeito desta resolução são adotadas as seguintes


definições: I - poluente atmosférico: qualquer forma de matéria em quantidade,
concentração, tempo ou outras características, que tornem ou possam tornar o
ar impróprio ou nocivo à saúde, inconveniente ao bem-estar público, danoso
aos materiais, à fauna e flora ou prejudicial à segurança, ao uso e gozo da
propriedade ou às atividades normais da comunidade; II - padrão de
qualidade do ar: um dos instrumentos de gestão da qualidade do ar,
determinado como valor de concentração de um poluente específico na
atmosfera, associado a um intervalo de tempo de exposição, para que o meio
ambiente e a saúde da população sejam preservados em relação aos riscos de
danos causados pela poluição atmosférica; III - padrões de qualidade do ar

61Brasil. Resolução CONAMA nº 03 de 28 de junho de 1990.


62WHO - World Health Organization. Air Quality Guidelines - Global Update 2005.Copenhagen: WHO, 2006.
Disponível em: < http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0005/78638/E90038.pdf>. Acesso em 25 de abril de
2017
63 Brasil. Resolução CONAMA nº 491 de 19 de novembro de 2018.

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intermediários - PI: padrões estabelecidos como valores temporários a serem
cumpridos em etapas; IV - padrão de qualidade do ar final - PF: valores guia
definidos pela Organização Mundial da Saúde – OMS em 2005; V - episódio
crítico de poluição do ar: situação caracterizada pela presença de altas
concentrações de poluentes na atmosfera em curto período de tempo, resultante
da ocorrência de condições meteorológicas desfavoráveis à dispersão dos
mesmos;
Art. 4º Os Padrões de Qualidade do Ar definidos nesta Resolução
serão adotados sequencialmente, em quatro etapas. § 1º A primeira etapa, que
entra em vigor a partir da publicação desta Resolução, compreende os Padrões
de Qualidade do Ar Intermediários PI-1. § 2º Para os poluentes Monóxido de
Carbono - CO, Partículas Totais em Suspensão - PTS e Chumbo - Pb será
adotado o padrão de qualidade do ar final, a partir da publicação desta
Resolução. § 3º Os Padrões de Qualidade do Ar Intermediários e Final - PI-2,
PI-3 e PF serão adotados, cada um, de forma subsequente, levando em
consideração os Planos de Controle de Emissões Atmosféricas e os Relatórios
de Avaliação da Qualidade do Ar, elaborados pelos órgãos estaduais e distrital
de meio ambiente, conforme os artigos 5º e 6º, respectivamente.

O Estado de São Paulo, em 2013, tomou a iniciativa, antecipada ao governo


federal, de atualizar os padrões de qualidade do ar (PQAr), por meio do Decreto nº
59.113/201364 que determinou a revisão dos PQAr, em quatro etapas - que chamou de
Metas Intermediárias até se alcançar, na última etapa, o Padrão final igual ao índice
sugerido pela OMS. No entanto, não determinou os prazos para as etapas subsequentes a
MI 1 serem alcançadas, o que significa, que hoje, o valor do PQAr adotado em 2013
continua, no Estado de São Paulo, o mesmo após mais de 5 anos da publicação do
Decreto, e está ainda muito acima do que é preconizado pela OMS.
A Resolução CONAMA 491/2018 adotou, por sugestão do órgão ambiental
paulista, os mesmos parâmetros aprovados no Decreto 59.113/2013 e, da mesma forma,
SEM PRAZOS definidos para as mudanças para as etapas posteriores.
A decisão dos governos federal e paulista em implementar metas intermediárias
com o intuito de ter tempo hábil para acomodar a situação, tomar as medidas necessárias
para reduzir gradativamente a concentração de poluentes e atingir os padrões sugeridos é

64 São Paulo (Estado). DECRETO Nº 59.113, DE 23 DE ABRIL DE 2013. Estabelece novos padrões de qualidade do
ar e dá providências correlatas.
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compreensível, porém é muito importante limitar o período para a adaptação para tal, pois
isso não ocorre sem prejuízo à população.
O Guia de Qualidade do Ar 200565, publicado pela OMS, explica, que se adotados
níveis intermediários para a implementação dos valores guia de qualidade do ar - em
etapas, até se atingir os melhores níveis que preconizam, como maior segurança para a
saúde, haverá, indubitavelmente efeitos em saúde: exposição à concentração alta de
poluentes com riscos para mortalidade e adoecimento. Por esta razão, é de extrema
importância que se adotem prazos limites para as mudanças entre os padrões
intermediários vigentes e que sejam os mais breves possíveis.
A Tabela 2 mostra os riscos para mortalidade ao se adotar cada nível
intermediário. Por exemplo, ao se adotar o padrão 15 μg/m3 para MP2,5 (IT-3), haverá a
redução do risco de mortalidade de aproximadamente 6% em relação ao IT-2 - 25 μg/m3.
O nível IT-1 levará a um aumento da mortalidade precoce, em 15%, em relação ao
parâmetro preconizado pela OMS (10 μg/m3).

Tabela 2: Guia de Qualidade do ar em níveis intermediários e sua externalidade em


mortalidade66

Mesmo com o conhecimento acerca das externalidades em saúde, os órgãos


ambientais estaduais, municipais, e os representantes do setor industrial votaram a favor

65WHO. Air Quality Guidelines - Global Update 2005. Copenhagen: WHO, 2006. Disponível em: <
http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0005/78638/E90038.pdf>. Acesso em 25 de abril de 2017
66 Idem.

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do estabelecimento de metas intermediárias sem prazos definidos para a mudança. Como
exposto, entende-se que possa haver a necessidade de um período para a para a redução
de emissão de poluentes tóxicos e adequação da gestão até se alcançar os níveis seguros
dos padrões finais. No entanto, o fato de não haver prazos para a mudança entre as metas
intermediarias para a etapa seguinte acarretará, indubitavelmente, maior sofrimento em
saúde e mortes precoces. Os órgãos responsáveis citados se recusaram a apresentar os
seus argumentos para a procrastinação da defesa da saúde da sociedade frente à
manutenção do ar tóxico por tempo indeterminado, muito menos e sequer elaboraram a
contabilização de mortes devido a esta decisão.
A Tabela 3 apresenta os padrões de qualidade do ar estabelecidos na Resolução
CONAMA 491/2018 (intermediários e finais) - ANEXO 1. Enquanto que a Tabela 4
apresenta os padrões da qualidade do ar do Estado de São Paulo definidos pelo Decreto
Estadual nº 59.113, de 23/04/2013 – são os mesmos.
Tabela 3: Padrões de qualidade do ar estabelecidos na Resolução 491/2018– ANEXO1
(intermediários e finais).

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Tabela 4: Padrões Estaduais de Qualidade do Ar de São Paulo (Decreto Estadual nº
59.113, de 23/04/2013)67

Tabela 5, a seguir, mostra as diferenças dos níveis de concentração de MP


recomendados pela OMS, comparadas aos padrões adotados pela Resolução CONAMA
491/2018 e o Decreto Estadual de São Paulo nº 59.113/2013.

Tabela 5: Comparação dos padrões de qualidade do ar determinados pela OMS,


Resolução 491/2018e Decreto Paulista 2013.

Resolução Conama
Tempo de
Poluente OMS 2005 491/2018e Decreto
amostragem
Paulista 2013
24 horas 50 120
Partículas inaláveis (MP10)
média anual 20 40
24 horas 25 60
Partículas inaláveis finas (MP2,5)
média anual 10 20
Ozônio (O3) 8 horas 100 140

67CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. Relatório de Qualidade do ar no Estado de São Paulo
2017. São Paulo: CETESB, 2018. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/ar/publicacoes-relatorios/ Acesso em 13
Fev. 2019.
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O Instituto Saúde e Sustentabilidade realizou um levantamento sobre os padrões
de qualidade do ar adotados em alguns outros países que podem ser observados na Tabela
6 - é possível comparar os padrões estabelecidos do Brasil com os de outros países.
Também foram comparados aos limites estabelecidos pela OMS.
Verifica-se que os parâmetros recomendados pela OMS são os mais restritivos
para todos os poluentes. Quanto aos de outros países, os valores diferem considerando o
poluente e as concentrações médias diárias ou anuais. Quanto à média anual do MP 2,5,
por exemplo, a OMS recomenda o nível de 10 μg/m³ para o menor dano à saúde. O
Decreto Estadual de São Paulo 59.113/2013 e a Resolução CONAMA 491/2018 adotam
como padrões, as concentrações de até 20 μg/m³. Há países que adotam valores menores,
como México, Argentina, Estados Unidos (EUA) e China (12- 15 μg/m³) - são aqueles
que mais se aproximam dos limites indicados pela OMS, enquanto outros, como Índia e
Colômbia apresentam os limites mais altos (36-40 μg/m³). Os padrões adotados em
diferentes países podem ser examinados na Tabela 6.
No caso dos países da União Europeia, o padrão adotado é 25 μg/m³, porém vale
ressaltar o exemplo do Decreto-Lei n. 102 /2010 de Portugal. Embora mais alto que o
nível do Brasil, atualmente, Portugal está à frente em termos de avanço do alcance de
suas metas - em um ano alcançará seus padrões finais aos níveis preconizados pela OMS.
Baseado em diretrizes da União Europeia, o Decreto-Lei determina os objetivos para a
qualidade do ar, levando em conta as normas, as orientações e os programas da OMS. De
acordo com a Comissão Europeia, no âmbito do Programa Clean Air For Europe (CAFE),
os padrões de qualidade do ar devem seguir os objetivos do programa e o cumprimento
de medidas, a partir do nível de qualidade do ar local e os efeitos nocivos na saúde, de
forma a alcançar os valores alvo a longo prazo. Em 2010, os padrões de qualidade do ar
finais nacionais foram programados para serem alcançados em 2020, passando por uma
meta intermediária em 2015. O nível da meta intermediaria foi estabelecido de acordo
com a taxa média de exposição anterior.
Outro ponto que vale ser destacado no decreto português é que o mesmo
estabelece a adoção de um regime da avaliação e gestão da qualidade do ar ambiente,
“atribuindo particular importância ao combate das emissões de poluentes na origem e à
aplicação das medidas mais eficazes de redução de emissões, a nível local e nacional,
como formas de proteção da saúde humana e do ambiente” (página 1 do decreto).

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O decreto define metodologias, responsabilidades e periodicidade para as
avaliações da gestão da qualidade do ar além de consolidar o regime jurídico relativo a
elaboração das avaliações. Os resultados destas avaliações servirão de base para adoção
ou não de medidas e planos de ação com vistas a atender as metas de redução de emissão
de poluentes de curto e médio prazos. Ou seja, o que é óbvio, o padrão de qualidade do
ar em Portugal é utilizado como alavanca de gestão e como meta para redução de
poluentes, enquanto no Brasil ocorre o inverso, a redução dos padrões de qualidade do ar
está facultada ao nível de qualidade do ar vigente, sem a garantia de esforços para a sua
redução.
O que se pretende para a adoção dos padrões intermediários e finais no Brasil são
os resultados dos planos de controle de emissões atmosféricas e relatórios de avaliação
de qualidade do ar. No entanto, quando se considera a realidade do monitoramento e
reporte da qualidade do ar país, conforme descrito anteriormente, percebe-se que o efeito
deste cenário pode impactar na obtenção destes planos e relatórios de avaliação da
qualidade do ar. Seja pela falta de dados e seja pela atual estrutura e desempenho dos
órgãos estaduais, visto que, passados 30 anos, o PRONAR não cumpriu seu papel.
Contudo, mesmo diante desta realidade, os estados ainda terão mais três anos, a
partir da publicação da referida resolução, para elaborarem seus planos de controle de
emissões atmosféricas, conforme descrito no Artigo 5 da resolução CONAMA 491/2018.

Art. 5º Os órgãos ambientais estaduais e distrital


deverão elaborar, em até 3 anos a partir da entrada em vigor
desta Resolução, um Plano de Controle de Emissões
Atmosféricas que deverá ser definido em regulamentação
própria.
§ 1º O Plano de Controle de Emissões Atmosféricas
deverá considerar os Padrões de Qualidade definidos nesta
Resolução, bem como as diretrizes contidas no PRONAR. § 2º
O Plano de Controle de Emissões Atmosféricas deverá conter:
I- abrangência geográfica e regiões a serem priorizadas; II -
identificação das principais fontes de emissão e respectivos
poluentes atmosféricos; e III - diretrizes e ações com
respectivos objetivos, metas e prazos de implementação.
§ 3º Os órgãos ambientais estaduais e distrital
elaborarão, a cada 3 anos, relatório de acompanhamento do

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plano, indicando eventuais necessidades de reavaliação,
garantindo a sua publicidade.

Outra fragilidade observada no texto desta resolução em comparação com o


decreto de Portugal é no que tange a falta de atribuição de responsabilidades e obrigações.
Pelo PRONAR, é reconhecido que os estados são responsáveis pela gestão da qualidade
do ar (aqui vale destacar que o monitoramento é instrumento básico para tal), porém, na
atual resolução não há referências ao tópico. É notório a falta de atendimento das
obrigações legais, entretanto, reconhece-se o papel das resoluções do órgão como
normativas. Pode-se inferir, portanto, que grande parte da realidade da gestão da
qualidade do país é fruto desta da falta de compromisso dos estados em atender as
orientações do CONAMA e a aparente falta de responsabilidade e obrigações nas normas.
O decreto português deixa claro não apenas a metodologia de avaliação e as
atribuições, responsabilidade e obrigações dos órgãos envolvidos na gestão da qualidade
do ar como também define os tipos de infrações e penalidades a elas sujeitas.
Voltando aos padrões de qualidade do ar de outros países, no caso do MP10, o
limite de concentração preconizado para 24 horas - média diária - estabelecido pela OMS
é 50 μg/m³ e, assim seguem os países da União Europeia e a China. Os países da União
Europeia são, inclusive mais exigentes, pois delimitam a ultrapassagem do padrão diário
em até 35 vezes ao ano. O México admite o nível de 75 μg/m³, bem como os EUA e a
maioria dos países da América do Sul, inclusive o Brasil permitem concentrações de até
150 μg/m³ por dia. No entanto, os EUA apresentam uma diferença fundamental–
estabelecem o limite de ultrapassagem do padrão de 150 μg/m³ em apenas 1 dia no ano.
No Brasil, não há limite para ultrapassagens.
Ademais, o Instituto Saúde e Sustentabilidade contatou o órgão ambiental
americano, o EPA, por comunicação eletrônica, para indagar sobre os altos níveis do
padrão de qualidade do ar e episódios críticos e quando teriam sua atualização. O órgão
explicou que os padrões defasados determinados pelo Código de Regulação Federal dos
EUA68 na década de 70 estão sob revisão, e, que, para a mudança será necessária a
aprovação de uma nova lei. No entanto, para absorver os novos conhecimentos desde a

68 CFR. Title 40: Protection of Environment. PART 51—REQUIREMENTS FOR PREPARATION, ADOPTION,
AND SUBMITTAL OF IMPLEMENTATION PLANS. Disponível em: https://www.ecfr.gov/cgi-
bin/retrieveECFR?gp=&SID=f9242f3aa70c3b0c2a401070831c7abb&mc=true&r=PART&n=pt40.2.51#sp40.2.51.a.
Acesso em: 13 Fev. 2019.
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publicação do Guia de Poluição do ar da OMS, o EPA elaborou a ferramenta de
comunicação, o Índice de Qualidade do Ar – IQAr (que será abordado adiante), a qual se
baseia, por cálculo matemático, nos níveis de referência da OMS e admite as informações
de saúde correlatas para divulgação à população69. O IQAr é seguido por diversos países,
inclusive, Brasil.
Quanto ao poluente Ozônio (O3) a principal medição é para a média de
concentrações a cada 8 horas. Os valores dos padrões no mundo variam de 100 μg/m³
(limite da OMS) até quase 160 μg/m³. O Decreto Estadual e a Resolução
491/2018permitem concentrações de até 140 μg/m³, a segunda maior medida entre os
países.

69AirNow Air Quality Index Basics. Disponível em: https://www.airnow.gov/index.cfm?action=aqibasics.aqi

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Tabela 6:Padrões de qualidade do ar em diversos países.
Instituição/ MP2,5 (μg/m³) MP10 (μg/m³) O3 (μg/m³)
País
legislação 24 horas Anual 24 horas Anual 1 hora 8 horas
OMS70 25 10 50 20 _ 100
Conama n PI1
PI1 60 PI1 20 PI1 120 _ PI1 140
491/201871 40
Brasil
D. Estado de São72 MI1
MI1 60 MI1 20 MI1 120 _ MI1 140
Paulo 59.113/2.013 40
74
Primário
150 0,070 (ppm)
12
EUA EPA73 35 Não exceder mais do que 1 vez por _ _ quarta maior concentração
Secundário
ano, por 3 anos. anual média de 3 anos
15
União 50 -Não exceder mais do que 35
EEA75 _ 25 40 _ 120
Européia vezespor ano
120
Não exceder mais do que
50 - Não exceder mais que 35
França76 _ 25 40 _ 25 dias, em média, por ano
vezespor ano
civil , num período de 3
anos
50- Não exceder mais do que 35
Alemanha77 _ 25 40 _ 120
vezespor ano

70
WHO. Air Quality Guidelines - Global Update 2005. Copenhagen: WHO, 2006. Disponível em: < http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0005/78638/E90038.pdf>. Acesso em 25 Abr.
2017.
71 BRASIL. Resolução CONAMA n. 491 de 2019.
72 SÃO PAULO (Estado). Decreto n. 59.113 de 23 de abril de 2013. Estabelece novo padrões de qualidade do ar e dá providências correlatas.
73 EPA. United States Environmental Protection Agency. NAAQS Table.Disponível em: https://www.epa.gov/criteria-air-pollutants/naaqs-table Acesso em: 15 dez 2017
74 Primário: Padrão estabelecido para proteção da saúde pública, inclusive para populações sensíveis, como asmáticos, crianças e idosos. Secundário: Padrão estabelecido para proteção do bem-

estar público, incluindo proteção contra diminuição da visibilidade e contra danos a animais, vegetação, agricultura e construções.
75 EEA. European Commission. Air Quality Standards. Disponível em: http://ec.europa.eu/environment/air/quality/standards.htm#_blank Acesso em: 15 dez 2017
76 AIRPARIF. Les critères nationaux de qualité de l’air.https://www.airparif.asso.fr/reglementation/normes-francaises
77German Environmental Agency. Air Quality 2016: Preliminary Evaluation. Dessau- Roblau, 2017.
https://www.umweltbundesamt.de/sites/default/files/medien/377/publikationen/171010_uba_luftqualitat_en_bf.pdf Acesso em 15 dez 2017
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Tabela 6:Padrões de qualidade do ar em diversos países (cont.).
MP2,5 (μg/m³) MP10 (μg/m³) O3 (μg/m³)
País
24 horas Anual 24 horas Anual 1 hora 8 horas
50 - Não exceder mais
Reino Unido78 _ 25 40 _ 120
do que 35 vezes por ano
79
Canadá 30 _ _ _ _ 65 (ppb)
Índia80 60 40 100 60 180 100
África do Sul81 _ _ 75 40 200 120
Nível 1: 35 Nível 1: 15 Nível 1: 50 Nível 1: 40 Nível 1: 160 Nível 1: 100
China82
Nível 2: 75 Nível 2: 35 Nível 2: 35 Nível 2: 70 Nível 2: 200 Nível 2: 160
México83 45 12 75 40 186 137
Argentina84 65 15 150 50 235 157
Chile85 50 20 150 _ _ 120
Peru86 50 25 100 50 100
Colômbia8788 21 36 10 58 92 26
Costa rica89 _ _ 150 50 160 _

78UK. United Kingdon. The Air Quality Standards Regulations 2010. Disponível em: http://www.legislation.gov.uk/uksi/2010/1001/contents/made Acesso em 15 dez 2017
79CANADA. Guidance Document on Air Zone Management. Disponível em: https://www.ccme.ca/files/Resources/air/aqms/pn_1481_gdazm_e.pdf Acesso em 15 dez 2017
80CPCB. Central Pollution Control Board: Government of India. National Air Quality Index. 2014. Disponível em:
http://www.indiaenvironmentportal.org.in/files/file/Air%20Quality%20Index.pdf Acesso em: 15 dez. 2017.
81SOUTH AFRICA. Department Environmental Affairs. Air Quality standards and objetives. Disponível em:

https://www.environment.gov.za/sites/default/files/docs/stateofair_executive_iaiquality_standardsonjectives.pdf Acesso em 15 dez 2017


82CHINA. República Popular da China. Ambient air quality standards. 2012. Disponível em:
http://english.sepa.gov.cn/Resources/standards/Air_Environment/quality_standard1/201605/W020160511506615956495.pdf Acesso 15 dez 2017.
83 MÉXICO. Secretaria de Medio Ambiente y Recursos Naturales. Estrategia Nacional de Calidad del Aire 2017-2030. Propuesta. Disponível em:
https://www.gob.mx/cms/uploads/attachment/file/171917/SEMARNAT_-_Estrategia_Nacional_de_Calidad_del_Aire.pdf Acesso em 31 jan 2018
84 BUENOS AIRES. Lei Nº 1.356/04. Calidad Atmosférica. Disponível em:
http://www.buenosaires.gob.ar/areas/leg_tecnica/sin/normapop09.php?id=59418&qu=c&ft=0&cp=&rl=1&rf=&im=&ui=0&printi=&pelikan=1&sezion=1094340&primera=0&mot_toda=&mot
_frase=&mot_alguna Acesso em 31 jan 2018
85 CHILE. Biblioteca Nacional del Chile. Disponível em: https://www.leychile.cl/Consulta/listaMasSolicitadasxmat?agr=1021&sub=514&tipCat=1 Acesso em 31 jan 2018.
86 PERU. Normas Legales. 2017. Disponível em: http://sinia.minam.gob.pe/download/file/fid/59018 Acesso em 31 jan 2018
87 Metas para a Área Metropolitana del Valle de Aburrá, Antioquia- Colômbia Pacto por el aire.
88 COLOMBIA. Pacto por el aire área metropolitana del Valle de Aburrá. Disponível em: https://www.metropol.gov.co/ambiental/calidad-del-aire/Paginas/Gestion-integral/Pacto-por-el-aire-

2007.aspx# Acesso em 01 fev 2019.


89 Costa Rica: Informe de Calidad del Aire: Área Metropolitana de Costa Rica. Disponível em:
https://www.ministeriodesalud.go.cr/images/stories/docs/DPAH/2016/DPAH_VI_informe_anual_calidad_aire_GAM_2013_2014.pdf Acesso em 01 Fev 2019
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As consequências dos altos padrões vigentes: comunicação irreal e gestão
ineficiente
Sabe-se que os padrões de qualidade do ar recomendados pela OMS indicam o
limiar do menor risco à saúde pública e devem ser vistas como alavancas e metas de
programas de controle da contaminação atmosférica.
Segundo a resolução recém aprovada, como anteriormente comentado, os altos
níveis dos padrões vigentes, comparados aos preconizados pela OMS, sem prazos para
sua implementação futura, podem dificultar o controle mais rigoroso dos níveis de
poluição pelos gestores públicos, protelar medidas efetivas para o combate da de emissão
de poluentes por fontes automotoras e industriais no país, além de comunicar os dados de
qualidade do ar de forma errônea. E isso tem sido uma verdade, que pode ser examinada
por alguns aspectos e exemplos reais:
- A permissividade à degradação ambiental por tempo indeterminado.
- Prejuízos sobre os níveis de licenciamento baseados nos altos padrões
intermediários vigentes - a Resolução 491/2018 legitima ainda duas graves questões i) a
obtenção de licença de empreendimentos para continuar a operar ou novos em se instalar
em locais com bacia atmosférica saturada - a permissividade para se poluir mesmo em
locais já saturados com níveis rotineiros de contaminação danosos à saúde, e ii) o longo
período para resolução do problema. Por exemplo, o diagnóstico das sub-regiões do
PREFE (Plano de Redução de Emissões de Fontes Estacionárias) em São Paulo está muito
atrasado em mais de 1 ano e meio, o que já comprometeu a implantação do PREFE 2, e
assim seguimos sem avaliação e sem respostas nos locais com altos índices de poluição
atmosférica.
- Alteração da referência científica no processo de comunicação oficial desse
risco, seja por meio de boletins oficiais periódicos ou relatórios anuais de qualidade do ar
das agências ambientais – devido aos padrões de qualidade do ar nacionais e paulistas
estarem tão defasados e muito superiores aos defendidos pela OMS.
Da mesma forma, a população não possui a informação clara da real situação da
qualidade do ar para conhecimento, tomada de medidas efetivas próprias em sua defesa e
alcance de seus direitos.
Observa-se, após cinco anos, não haver a efetividade do Decreto Estadual
(59.113/2013), como se esperaria, em relação às ações que poderiam reduzir os níveis de
poluentes para a mudança para a meta intermediaria seguinte. Aliás, como se vem
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observando há mais de 10 anos. Sem determinação de prazos, o processo para melhoria
torna-se muito lento. E para a saúde pública muito oneroso.
De fato, ao se observar o Gráfico 1(Gráficos 20 e 14, reproduzidos do Relatório
de Qualidade do Ar do Estado de São Paulo 2015 - CETESB, 201690), que representam a
evolução das médias anuais de MP10 no interior do Estado de SP e baixada santista, desde
2006 até 2015, constata-se que as medidas vêm mantendo um mesmo nível de tendência
ao longo dos últimos 10 anos, e em valores muito altos, o que mostra que as ações de
controle não foram eficientes – observa-se as linhas coloridas das medidas de MP10 na
diversas estações, ultrapassando a MI1 paulista para MP10 – 40μg/m3 e da OMS 20μg/m3
- linha verde e setas laranjas. Um dos fatores para justamente ocorrer o retrato da NÃO
melhoria da qualidade do ar no estado de São Paulo, refere-se ao alto padrão vigente
durante mais 23 anos (150 μg /m3), mais 6 anos com o padrão de 120 μg/m3e um prazo
indefinido para assim se manter –ambos os valores muito altos - ou seja, não há motivação
e nem urgência para gestão em diminuí-los .

Gráfico 1:Evolução das concentrações médias anuais de MP10 no interior e baixada


santista91.

90CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. Relatório de Qualidade do ar no Estado de São Paulo
2015. São Paulo: CETESB, 2016. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/ar/publicacoes-relatorios/. Acesso em: 13
Fev. 2019.
91CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. Relatório de Qualidade do ar no Estado de São Paulo

2015. São Paulo: CETESB, 2016. https://cetesb.sp.gov.br/ar/publicacoes-relatorios/. 13 Fev 2019.


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Concluindo, os altos padrões adotados pelo governo de São Paulo não cumpriram
sua função, para redução das emissões, ou como o próprio texto no Relatório da Cetesb92:
“... para o estabelecimento de ações mais restritivas de controle, visando a
redução de emissões e melhoria gradativa da qualidade do ar”.
Entende-se que o poder público tem o dever de zelar pelos direitos fundamentais
à saúde e ao meio ambiente. Essa responsabilidade é inegociável, não deve admitir
concessões, e uma ação contrária a ela é imprudente e, acima de tudo, inconstitucional.
O Relatório de Qualidade do Ar do Estado de São Paulo sob a Visão de Saúde
201593, -Figura 6- elaborado pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade, é uma releitura do
Relatório de Qualidade do Ar do Estado de São Paulo 201594, aplicando-se os coeficientes
utilizados pela Organização Mundial da Saúde. Ou seja, este estudo reanalisou o banco
de dados de monitoramento do ar, tendo como parâmetro as concentrações de qualidade
do ar recomendadas pela OMS, revelando na prática as disparidades dos resultados
apresentados frente aos reais impactos em saúde95.

Afirma o médico Prof. Paulo Saldiva:

Os coeficientes adotados pela Organização Mundial da Saúde são o resultado


da análise de centenas de estudos realizados por grupos de pesquisa de várias
partes do mundo (incluindo o Brasil), onde, por meio de técnicas de revisão

92 Idem.
93Instituto Saúde e Sustentabilidade.2017. Relatório anual de Qualidade do Ar do Estado de São Paulo, da CETESB,
sob a Visão de Saúde 2015. Disponível em: https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/pesquisa-qualidade-
do-ar-no-estado-de-sao-paulo-sob-a-visao-da-saude/. Acesso em 13 Fev. 2019.
94 CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. Relatório de Qualidade do ar no Estado de São Paulo

2015. São Paulo: CETESB, 2016.https://cetesb.sp.gov.br/ar/publicacoes-relatorios/. Acesso em 13 Fev. 2019.


95Instituto Saúde e Sustentabilidade.2017. Op. Cit.

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sistemática e de meta regressão, foram obtidas evidências conclusivas
relacionando poluição do ar e morbidade e mortalidade prematura por doenças
respiratórias (incluindo o mais letal dos tumores, o câncer de pulmão) e
doenças cardiovasculares. Ao produzir o presente documento, o Instituto
Saúde e Sustentabilidade procura preencher uma lacuna da legislação
ambiental de nosso país, que aceita como seguras concentrações ambientais de
poluição do ar reconhecidamente lesivas à saúde da população. As razões para
que a legislação brasileira não seja atualizada não encontram respaldo nos
achados da saúde e, porque não dizer, no tocante ao direito da população de
acesso pleno à informação. As melhores revistas médicas do mundo, bem
como as sociedades médicas internacionais, têm reconhecido de forma
sistemática que a poluição do ar é importante fonte de agravo à saúde humana,
provocando, em escala global, a morte prematura de mais de sete milhões de
pessoas por ano. Por sua vez, não apresentar com clareza as consequências da
poluição sobre a saúde, mantendo uma legislação leniente, afronta o princípio
da plena informação sobre tema que afeta o mais fundamental dos direitos
humanos, a própria vida, prejudicando o processo de decisão sobre as
alternativas e medidas ambientais necessárias para a melhoria da qualidade do
ar.

Figura 6: Relatório de Qualidade do Ar do Estado de São Paulo sob a Visão de Saúde


201596.

96Instituto Saúde e Sustentabilidade.2017. Relatório anual de Qualidade do Ar do Estado de São Paulo, da CETESB,
sob a Visão de Saúde 2015. Disponível em: https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/pesquisa-
qualidade-do-ar-no-estado-de-sao-paulo-sob-a-visao-da-saude/. Acesso em 13 Fev. 2019.
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O que o relatório anual da CETESB não mostra, devido aos padrões de qualidade
do ar extremamente altos e defasados e o que foi possível observar por meio da sua
releitura, baseada nos padrões preconizados pela OMS97.
O padrão anual de qualidade do ar para MP10 adotado pelo Decreto Paulista
59.113/2013, de 120 μg/m3, foi ultrapassado naquele ano em apenas 5 estações
automáticas (9,6%) no estado, enquanto que ao se utilizar a régua da OMS - 50 μg/m3 -
observou-se a ultrapassagem quase a totalidade das 48 estações automáticas (92%)! – o
que revela os altos índices de concentração desse poluente e o consequente malefício à
saúde, inadvertidamente sem proteção pelo governo de São Paulo e sem que a população
ou quaisquer leitores do seu Relatório Anual de Qualidade do Ar tenham o conhecimento
desta informação, pois a informação não é real.
Todas as cidades paulistas do interior e baixada santista - excetuando-se quatro
delas (Tatuí, Marília, Presidente Prudente e Taubaté), apresentam médias anuais acima
do índice recomendado pela OMS. Treze cidades estão acima dos índices da Região
Metropolitana de São Paulo: Cubatão, Santa Gertrudes, Rio Claro, Ribeirão Preto,
Cordeirópolis, Piracicaba, Paulínia, Americana, Limeira, São José do Rio Preto, Barretos,
Catanduva e Campinas.
Sobre o monitoramento da concentração das médias diárias do MP10 (ao se
considerar todas a estações automáticas do Estado de São Paulo e os 365 dias do ano),
observa-se 2.214 ultrapassagens em relação ao padrão da OMS, em contraposição a 128
ultrapassagens em relação ao padrão paulista - ou seja, a CETESB divulga em seu
Relatório anual 2015, apenas 6% das ultrapassagens pelos critérios em saúde da OMS.
As 9 estações que registraram o maior número de ultrapassagens dos padrões
OMS foram Cubatão-V. Parisi (registrou 302 ultrapassagens, 87% dos dias, sob a visão
de saúde, contra 94 dias relatados pela CETESB); seguida pela Cubatão-Vale do Mogi
(194 ultrapassagens, 54% dos dias, contra 3 relatados pela CETESB); Santa Gertrudes
(181 ultrapassagens – 51% das medidas do ano, contra 22 relatados pela CETESB); São
Caetano (79 ultrapassagens – 22% do padrão diário, contra zero dias relatados pela
CETESB); Santos – Ponta da Praia (76 ultrapassagens – 23% do padrão diário, contra

97Instituto Saúde e Sustentabilidade.2017. Relatório anual de Qualidade do Ar do Estado de São Paulo, da CETESB,
sob a Visão de Saúde 2015. Disponível em: https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/pesquisa-
qualidade-do-ar-no-estado-de-sao-paulo-sob-a-visao-da-saude/. Acesso em 13 Fev. 2019.
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zero dias relatados pela CETESB); São José do Rio Preto (75 ultrapassagens – 21% do
padrão diário, contra zero dias relatados pela CETESB); Osasco, com (73 ultrapassagens
– 21% do padrão diário, contra zero dias relatados pela CETESB); Piracicaba (66
ultrapassagens – 18% do padrão diário, contra 1 dia relatado pela CETESB); e, Paulínia
Sul (62 ultrapassagens – 18% do padrão diário, contra zero dias relatados pela CETESB).
A situação de Cubatão, Santa Gertrudes e Rio Claro requerem atenção prioritária
e urgente para medidas de redução de emissões de particulados pelos órgãos responsáveis
– 87%, 54% e 51%, respectivamente, de ultrapassagens dos dias do ano.
No caso do poluente ozônio O3, ocorreram 1.895 ultrapassagens do índice
preconizado pela OMS em contraposição a 245 ultrapassagens do padrão de qualidade do
ar estadual (considerando-se todas as estações automáticas do estado de São Paulo e os
365 dias do ano).
Segundo a CETESB, no caso de Ozônio (medida de 8 horas), nas 48 estações de
monitoramento da Região Metropolitana de São Paulo, o padrão estadual foi ultrapassado
em 169 dias. Pela visão de saúde, o índice da OMS foi ultrapassado em 1.034 dias nessa
região. Como exemplos, as estações mais poluídas: IPEN-USP – 107 ultrapassagens;
Interlagos e Piracicaba – 76 ultrapassagens; S.Bernardo-Centro – 75 ultrapassagens;
Jundiaí – 73 ultrapassagens; Ibirapuera – 72 ultrapassagens, e tantas outras.
Os índices diários e anuais da OMS foram ultrapassados excessivamente durante
o ano, pelos poluentes MP10, MP2,5 e Ozônio, justamente os mais deletérios para a saúde,
e a níveis que alcançam até dois terços ou quase a totalidade dos dias do ano. As análises
mostram diferenças brutais nas análises utilizando-se os dois parâmetros de avaliação.
Os resultados são alarmantes e estarrecedores.
Assim, altos valores de referência de concentração de poluentes dificultam o
entendimento dos gestores e legisladores para atuarem em prol do controle mais
rigoroso dos níveis de concentração de poluentes e protelam medidas efetivas para
o combate da poluição atmosférica por fontes automotoras e industriais no país, que
têm custado a vida de milhões de brasileiros, mortos precocemente ou adoecidos
durante todos esses anos, em contramão à garantia da saúde da população.
Mantendo-se os níveis de atuais de poluição atmosférica, no Estado de São
Paulo, de 2012 até 2030 haverá 250 mil mortes precoces e 1 milhão de internações
hospitalares, com dispêndio público de mais de R$ 1,5 bilhão em valores de 2011.
Caso houvesse a redução de 5% da poluição no Estado, em 15 anos haveria uma
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economia de 62 milhões de reais por parte do poder público, decorrentes da
diminuição das internações. Há um dispêndio de recursos não contabilizados, e
invisíveis diante dos gestores que são os gastos públicos em saúde pública98.

Os Episódios Críticos de poluição do ar

Outro ponto relevante refere-se à atualização dos parâmetros de gravidade,


também chamados de episódios críticos de poluição do ar: Atenção, Alerta e Emergência.
De acordo com a Resolução CONAMA 491/2018:

Art. 10. Os órgãos ambientais estaduais e distrital deverão elaborar,


com base nos níveis de atenção, de alerta e de emergência, um Plano para
Episódios Críticos de Poluição do Ar, a ser submetido à autoridade competente
do estado ou do Distrito Federal, visando medidas preventivas com o objetivo
de evitar graves e iminentes riscos à saúde da população, de acordo com os
poluentes e concentrações, constantes no Anexo III. Parágrafo único. O Plano
mencionado no caput deverá indicar os responsáveis pela declaração dos
diversos níveis de criticidade, devendo essa declaração ser divulgada em
quaisquer dos meios de comunicação de massa. Art. 11. Os níveis de atenção,
alerta e emergência a que se refere o art. 10 serão declarados quando,
prevendo-se a manutenção das emissões, bem como condições meteorológicas
desfavoráveis à dispersão dos poluentes nas 24 horas subsequentes, for
excedida uma ou mais das condições especificadas no Anexo III. Parágrafo
único. Durante a permanência dos níveis acima referidos, as fontes de poluição
do ar ficarão, na área atingida, sujeitas às restrições previamente estabelecidas
no Plano para Episódios Críticos de Poluição do Ar. Art. 12. O Ministério do
Meio Ambiente e os órgãos ambientais estaduais e distrital deverão divulgar,
em sua página da internet, dados de monitoramento e informações
relacionados à gestão da qualidade do ar.

A Tabela 7apresenta os episódios críticos de qualidade do ar estabelecidos na


Resolução 491/2018- ANEXO III.

98RODRIGUES, C.G.; VORMITTAG, E.M.P.A.; CAVALCANTE, J.A.; SALDIVA, P.H.N. Projeção da mortalidade
e internações hospitalares na rede pública de saúde atribuíveis à poluição atmosférica no Estado de São Paulo entre
2012 e 2030. Revista Brasileira de Estudos de População, v.32(3): p.489-509, 2015. Disponível em:
https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/artigo-cientifico-revista-brasileira-de-estudos-da-populacao-
projecao-da-mortalidade-e-internacoes-hospitalares-na-rede-publica-de-saude-atribuiveis-a-poluicao-atmosferica-
entre-2012-e-2030/
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Tabela 7: Episódios críticos de qualidade do ar estabelecidos na Resolução 491/2018–
ANEXOIII.

Em relação aos parâmetros de gravidade, a OMS não sugere, no Guia 2005,


parâmetros de gravidade para o estabelecimento de medidas emergenciais. No entanto,
como citado anteriormente, apresentam o aumento da mortalidade correspondente aos
graduais níveis de aumento de concentração de poluentes. Além disso, os índices
adotados para precaução da gravidade seguem o conhecimento científico baseado em
pesquisas mundiais há mais de 20 anos.
Os níveis de Atenção, Alerta e Emergência estabelecidos pelo Decreto Paulista
59.113/2013 e pela Res. 491/2018 são os mesmos – não sofreram alteração na revisão
(exceção para o O3) e são altíssimos, dificilmente serão alcançados para tomada imediata
de medidas protetivas à população. Os níveis propostos não são nem aceitos para fins
experimentais científicos, estão muito aquém dos níveis de qualidade do ar seguros,
portanto deveriam ser mais restritivos.
Os parâmetros adotados em vários países diferem-se entre si, porém o Brasil e o
estado de São Paulo seguem um dos mais altos níveis no mundo. Os países mais
atualizados são os europeus. Os EUA, China e Índia, por exemplo, estão revisando seus
parâmetros. Países da América do Sul, como Chile possuem níveis críticos mais
atualizados que o Brasil. O Instituto Saúde e Sustentabilidade realizou um levantamento
sobre os Episódios críticos adotados em outros países do mundo, que pode ser observado
na Tabela 8.
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Tabela 8: Episódios críticos de países da América Latina.
Decreto SP
Parâmetro CONAMA491/19 USEPA França99 México100 Argentina101 Chile102 Peru103 Colômbia104105
59113/2013
MP2,5 (µg/m3)

Atenção 125 125 _ _ 97,5-150,4 _ 80-109 _ 38-55

Alerta 210 210 _ _ 150,5-250,4 _ 110-169 _ 56-150


Emergência 250 250 _ _ 350,5-350,4 _ 170 ou superior _ ≥151
MP10 (µg/m3)
Atenção 250 250 350 50 215-354 255-354 195-239 250 155-254
Alerta 420 420 420 80 355-424 355-424 240-329 350 255-354
Emergência 500 500 500 _ 425-504 acima de 425 330 ou superior 420 ≥355
O3 (µg/m3)

Atenção 400 (1 h) 200 (8 h) 200 (8h) 240 (1h) 155-204 _ 400 (1 hr) _ 139-167

Alerta 800 (1 h) 400 (8 h) 400 (8h) 300 (1h) 204-404 _ 800 (1 hr) _ 168-207
Emergência 1000 (1 h) 600 (8 h) 600 (8 h) 360 (1h) 405-504 _ 1000 (1 hr) _ ≥208

99AIRPARIF. Les critères nationaux de qualité de l’air. Disponível em: https://www.airparif.asso.fr/reglementation/normes-francaises Acesso em: 15 dez 2017.
100 MÉXICO. ¿Como se calcula el Índice de Calidad del Aire?. 2014. Disponível em: http://www.aire.cdmx.gob.mx/default.php?opc=%27ZaBhnmI=&dc=%27aQ== Acesso em 31 jan 2018.
101BUENOS AIRES. Niveles diarios de contaminación del aire. Disponível
em:http://www.buenosaires.gob.ar/areas/med_ambiente/apra/calidad_amb/red_monitoreo/index.php?contaminante=3&estacion=3&fecha_dia=30&fecha_mes=01&fecha_anio=2018&menu_id=
34234&buscar=Buscar Acesso em 31 jan 2018
102 CHILE. Biblioteca Nacional del Chile. Disponível em: https://www.leychile.cl/Consulta/listaMasSolicitadasxmat?agr=1021&sub=514&tipCat=1 Acesso em 31 jan 2018.
103 PERU. Decreto Supremo Nº 009-2003-AS. Aprueban el Reglamento de los Niveles de Estados de Alerta Nacionales para Contaminantes del Aire. 2003. Disponível em:

http://sinia.minam.gob.pe/download/file/fid/59018 Acesso em 31 jan 2018.


104 Níveis para a Área Metropolitana del Valle de Aburrá, Antioquia- Colombia Pacto por el aire.
105 COLOMBIA. Acuerdo Metropolitano N° 04 DE 2018. Disponível em: https://www.metropol.gov.co/ambiental/calidad-del-aire/Documents/POECA/Acuerdo-Metropolitano-04-de-2018-

POECA.pdf Acesso em 01 fev 2019.


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Os EUA, como mencionado anteriormente procuraram resolver a questão de
desatualização dos padrões e episódios críticos pela ferramenta qualitativa de
comunicação – o IQAr – de forma a cobrirem a necessidade da informação à população.
A agência americana dispõe de uma série de iniciativas educativas informativas
para que a população tenha acesso à informação da qualidade do ar e saúde, tais como: o
AIRNow (www.airnow.gov), um website nacional exclusivo para disponibilizar as
informações de qualidade do ar e saúde de 300 cidades; AQI via e-mail
(www.enviroflash.info), em que as pessoas assinam o interesse em receber e-mails que
lhes avisem quando as condições de qualidade do ar são preocupantes na sua área;
aplicativos em tablets e celulares para o mesmo fim; acesso às imagens de diversas áreas
por câmeras via web em tempo real; ferramentas que orientam profissionais de saúde ou
pais a auxiliarem pacientes e crianças a como se precaverem dos efeitos da poluição do
ar. No caso de episódios críticos de poluição do ar de alerta e emergência há informações
em jornais impressos, rádio e televisão, avisando a população dos seus malefícios, de
como se comportar frente ao problema, além das medidas adotadas pelo governo para
redução de emissão de poluentes e para proteção da população.

De forma surpreendente, os padrões de qualidade do ar do MP10 nacional e paulista


(120 μg/m³ em 24 horas) são superiores aos episódios críticos ou critérios de gravidade
da França (União Europeia) (80 μg/m³) , por exemplo. O episódio crítico adotado pela
França como Atenção é o próprio valor da OMS, 50 μg/m³ e como Alerta é 80 μg/m³, ou
seja, o nível de Atenção refere-se ao próprio índice preconizado pela OMS, como um
valor máximo tolerável para redução de risco da maior parte da população. Sabe-se que
a estes níveis, indivíduos mais sensíveis podem adoecer, como aqueles que sofrem de
doenças respiratórias crônicas. Assim, entende-se - para uma melhor defesa ou
salvaguarda, ao ultrapassar o valor de menor risco, já é deflagrado o nível de Atenção de
forma que a própria população e gestores possam tomar medidas para sua melhor
proteção e redução de emissão de poluentes. O Nível de Alerta no caso do exemplo,
refere-se a um nível correspondente ao menor efeito em saúde antes de torná-lo grave,
geralmente acometendo a população de maior risco, idosos e crianças, e um nível anterior
à possibilidade de mortes. Neste caso, deve haver um plano de ações no município. Além
das ações previstas a nível de informação e recomendação, este nível inclui medidas de

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restrição ou suspensão de atividades que contribuem para a emissão de poluentes
(indústria e transportes), incluindo, se for o caso, o fluxo de veículos.
Na França e Londres, quando o episódio crítico de emergência por particulados é
alcançado, a Prefeitura de Paris determina: 1) a tomada de uma série de medidas para
diminuição da emissão de poluentes e proteção à população (proibição de tráfego de
veículos no centro da cidade, gratuidade de passagens de metro, feriado escolar, entre
outros); e 2) a comunicação em mídia expressiva que oriente a população para a adoção
de medidas protetivas (não realizar exercícios físicos ao ar livre, entre outros).
Tomando como base o Relatório de Qualidade do Ar do Estado de São Paulo sob
a Visão de Saúde 2015106, ao se considerar o critério de Alerta do MP10 adotado pela
França, para o estado de São Paulo, haveria 480 dias de alertas no estado, contra ZERO
dias de alerta pela CETESB. Os níveis críticos de Atenção, Alerta e Emergência paulistas
e nacionais são os mesmos e muito altos – respectivamente, 250, 420 e 500 mcg/m³ - tão
altos, que não são alcançados.

O direito à informação

Devido aos padrões de qualidade do ar defasados, bem como os episódios críticos,


e, por conseguinte, a comunicação equivocada à população e gestores, a população
brasileira segue desinformada e sem a opção de lutar e alcançar seus direitos.
A comunicação da qualidade do ar é de responsabilidade dos órgãos ambientais
estaduais. Tomemos como exemplo a comunicação da CETESB, que dentre os órgãos
ambientais estaduais, possui a melhor estrutura de website para informação à população.
Além disso, os demais órgãos tendem a seguir o modelo adotado pela CETESB, porém o
fazem de forma mais precária.
Em relação às informações sobre os níveis de qualidade do ar disponibilizadas
pela CETESB, quais sejam a forma de comunicação ou veículo utilizado, como o
Relatório de qualidade do ar anual, ou boletins diários, em website, ou relógios de rua
ou jornais, elas ocorrem baseadas em duas medidas, o que as tornam confusas para
quaisquer públicos, excetuando-se o pessoal com alto conhecimento técnico a respeito.

106Instituto
Saúde e Sustentabilidade.2017. Relatório anual de Qualidade do Ar do Estado de São Paulo, da CETESB,
sob a Visão de Saúde 2015.
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As duas medidas utilizadas são:
 Padrão de qualidade do ar vigente (PQAr) segundo o Decreto
59.113/2013; e
 Índice de Qualidade do Ar (IQAr) baseado em uma ferramenta matemática
utilizada pela agência ambiental americana.

1) Padrões de qualidade do ar vigentes e defasados segundo o Decreto


59.113/2013

Os PQAr são ferramentas na determinação de medidas ou programas de controle


da contaminação atmosférica e utilizados como referência científica no processo de
comunicação oficial desse risco à saúde da população - seja por meio de boletins oficiais
periódicos ou relatórios anuais de qualidade do ar das agências ambientais. Neste caso, a
comunicação correta sobre o risco não ocorre, pois, os padrões de qualidade do ar
paulistas estão defasados e muito superiores aos preconizados pela OMS.
Embora já relatadas anteriormente, as informações sobre o Relatório anual de
Qualidade do Ar do Estado de São Paulo, seguindo a releitura do Relatório sob a Visão
de Saúde 2015, observa-se, de forma didática, os gráficos:
O que o relatório da CETESB não mostra devido aos padrões de qualidade do ar
defasados e que a sua releitura, baseada nos padrões da OMS apresenta (alguns
exemplos)107:
No Gráfico 2, Gráfico 3 e Gráfico 4, as barras horizontais - em roxo - representam
as médias anuais de concentração de MP10das diversas estações de monitoramento
automáticas reproduzidas do Relatório anua de Qualidade do Ar do Estado de São Paulo
2015. A linha vertical vermelha representa o padrão paulista anual (40μg/m3) e em verde
a linha que representa o índice preconizado pela OMS (20μg/m3). Observa-se no primeiro
gráfico, a esquerda, todas as estações seguem dentro dos limites da linha vermelha –
padrão paulista; e a direita, a ultrapassagem de todas as estações segundo alinha verde,
limite da OMS. O que significa que a informação não condiz com a referência da saúde.
Ou seja, todas as estações nos gráficos mostram, na verdade, a ultrapassagem dos valores

107Instituto Saúde e Sustentabilidade.2017. Relatório anual de Qualidade do Ar do Estado de São Paulo, da CETESB,
sob a Visão de Saúde 2015. Disponível em: https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/pesquisa-
qualidade-do-ar-no-estado-de-sao-paulo-sob-a-visao-da-saude/. Acesso em 13 Fev. 2019.
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de concentração de poluentes que causam danos à saúde. A população segue desavisada,
bem como outros públicos técnicos ou gestores públicos. O Gráfico 5representa o mesmo
para MP2,5.

Gráfico 2: Concentrações médias anuais de MP10 na Região Metropolitana de São


Paulo – RMSP.

Gráfico 3: Concentrações médias anuais de MP10 na Baixada Santista

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Gráfico 4: Concentrações médias anuais de MP10 no Interior do Estado de São Paulo

Fonte: ISS, 2017108


As medidas são apresentadas de forma quantitativa e significam a própria medida
de concentração do poluente na atmosfera.

Observa-se que as medidas do monitoramento de qualidade do ar das estações são


comparadas aos padrões de qualidade do ar anuais, ou seja, representam as medidas
anuais, que revelam os efeitos a longo prazo da poluição do ar ou efeitos crônicos para a
saúde.

108Instituto Saúde e Sustentabilidade.2017. Relatório anual de Qualidade do Ar do Estado de São Paulo, da CETESB,
sob a Visão de Saúde 2015. Disponível em: https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/pesquisa-
qualidade-do-ar-no-estado-de-sao-paulo-sob-a-visao-da-saude/. Acesso em 13 Fev. 2019.
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Gráfico 5: Concentrações médias anuais de MP2,5 na RMSP, Baixada Santista e interior
do Estado de São Paulo

Fonte: ISS, 2017109

No Gráfico6observa-se que todas as estações estão acima dos níveis preconizados


pela OMS (valor 20μg/m3) nos últimos 10 anos.

109Instituto Saúde e Sustentabilidade.2017. Relatório anual de Qualidade do Ar do Estado de São Paulo, da CETESB,
sob a Visão de Saúde 2015. Disponível em: https://www.saudeesustentabilidade.org.br/publicacao/pesquisa-
qualidade-do-ar-no-estado-de-sao-paulo-sob-a-visao-da-saude/. Acesso em 13 Fev. 2019.
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Gráfico6: Concentrações médias anuais de MP10 no Interior do Estado de São Paulo
durante o período 2006 a 2015

2) Índice de Qualidade do Ar (IQAr)

Índice de Qualidade do Ar - IQAR: valor utilizado para fins de comunicação e


informação à população que relaciona as concentrações dos poluentes monitorados aos
possíveis efeitos adversos à saúde.
O IQAr é uma classificação qualitativa (cores), representado pela conversão dos
dados de medição em cores pelo resultado da aplicação de uma fórmula matemática, com
o intuito de simplificar a informação à população, que tem como base a agência ambiental
americana - United States Environmental Protection Agency (USEPA).
O IQAr é uma ferramenta matemática - para cada poluente medido é calculado
um índice, obtido através de uma função linear segmentada, que relaciona a concentração
do poluente com o valor do índice, resultando um número adimensional. Para efeito de
divulgação, utiliza-se o índice mais elevado, isto é, em uma estação que avalie mais de
um poluente, a sua classificação é determinada pelo maior índice (pior caso). Dependendo
do índice obtido, o ar recebe uma qualificação, que é uma nota para a qualidade do ar,
além de uma cor.

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Ou seja, as medidas são apresentadas de forma qualitativa e não apresentam qual
o poluente responsável por aquela medida e nem suas reais medidas de concentração de
contaminação. O IQAr representará a qualidade do ar de uma estação ou uma região.
No entanto, não foi encontrada, em informações públicas no website da CETESB
e nem no Relatórios de Qualidade do Ar anual de 2018110, a fórmula matemática utilizada,
que segundo a CETESB, o cálculo se dá baseado em critérios da OMS (mas este dado
não é demonstrado em literatura científica, documentos ou Leis – deixa a dúvida se segue
o critério da OMS ou o critério do padrão vigente no país) – o que cria uma imensa
dificuldade para a interpretação dos dados. A CETESB apenas informa que a ferramenta
matemática americana utiliza os níveis de qualidade do ar sugeridos pela OMS como
referência (ou os valores dos padrões de qualidade do ar americanos para cálculo? – O
que não é claro, nem demonstrado no seu relatório):

Quando a qualidade do ar é classificada como BOA, os valores-guia


para exposição de curto prazo definidos pela Organização Mundial de Saúde,
que são os respectivos Padrões Finais (PF) estabelecidos no Decreto Estadual
nº 59.113/2013, estão sendo atendidos. Observa-se também que a classificação
de qualidade RUIM não indica obrigatoriamente a ultrapassagem dos padrões
de curto prazo vigentes.

A Resolução CONAMA nº 491/2018, recentemente aprovada, inclui a fórmula


matemática (Anexo IV) na descrição sobre o IQAr determinado para ser a ferramenta de
informação à população. (Figura 7):

Art. 13. Os órgãos ambientais estaduais e distrital deverão divulgar


Índice de Qualidade do Ar - IQAR conforme definido no Anexo IV. § 1º Para
cálculo do IQAR deverá ser utilizada a equação 1 do Anexo IV, para cada um
dos poluentes monitorados. § 2° Para definição da primeira faixa de
concentração do IQAR deverá ser utilizado como limite superior o valor de
concentração adotado como PF para cada poluente. § 3º As demais faixas de
concentração da IQAR e padronizações serão definidas no guia técnico a que
se refere o art. 8º.

110CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. Qualidade do ar no estado de São Paulo 2017. São Paulo,
2018. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/ar/publicacoes-relatorios/. Acesso em: 13 Fev. 2019.
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Figura 7: Anexo IV da Resolução 491/2018

O IQAr representa uma medida em tempo real e seus efeitos em saúde são os
imediatos ou agudos, ou também ditos como de curto prazo. Sua comparação se dá em
relação aos padrões diários de qualidade do ar, ou seja, de 24 horas, e significa a máxima
concentração do poluente que o indivíduo poderia estar exposto durante 24 horas, ou seja
trata dos riscos de exposição momentânea de um indivíduo. Segue, na Figura 8, a fórmula
reproduzida em documento da agência ambiental americana:

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Figura 8: Fórmula americana para o índice de qualidade do ar (AQI)

O Quadro 1mostra os índices IQAr adotados pela agencia ambiental paulista, a


classificação da qualidade do ar em significados e cores; os índices correspondentes em
valores determinados pela CETESB; a faixa dos níveis de concentração de cada poluente
correspondente ao índice; e o seu significado em saúde.

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Quadro 1: Índices – IQAr, valores numéricos, significados e cores e sua relação com as
faixas correspondentes da concentração dos poluentes e dados de saúde determinados
pela CETESB111:

Como exemplo, se lê: o cálculo que alcança, como resultado, o índice de MP10
entre valores de 0-40 representa uma qualidade do ar BOA, identificado pela cor verde,
que corresponde a uma medida real de MP10 entre 0 a 50 μg/m3– sendo 50
mcg/m3correspondente ao índice de qualidade do ar preconizado pela OMS em 24 horas.
NOTA IMPORTANTE: observa-se, no quadro acima, a classificação RUIM
da própria CETESB para MP10 entre concentrações de 100 a 150 μg/m3 -
JUSTAMENTE o valor que o Decreto 59.113/2013determina o padrão vigente
(120μg/m3), ou seja, um contrassenso de informações pelo mesmo órgão.

111CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. Qualidade do ar no estado de São Paulo 2015. São Paulo;
2016. 165p. ISSN 0103-4103.Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/ar/publicacoes-relatorios/. Acesso em: 13 Fev.
2019.
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A partir do índice de qualidade do ar BOA- os demais são calculados a partir da
fórmula matemática apresentada anteriormente. Embora a diretriz adotada pela CETESB
baseia-se na agência americana, a CETESB modificou os dados, tanto os índices, como a
informação qualitativa em saúde à população – diferentes dos critérios adotados pela
agencia americana. Por exemplo, a comparação do IQAr americano com a concentração
do poluente MP2,5: o índice de qualidade do ar americano = 100 refere-se à
concentração de MP2,5 = 35 μg/m3. No caso da CETESB, o índice de qualidade do Ar
americano = 100 refere-se à concentração de MP2,5 = 65 μg/m3 – quase o dobro
utilizado pela USEPA112.
No caso da agência americana, por exemplo, no AQI BROCURE113 -um folder
explicativo disponível à população -, ela informa ao cidadão que o IQAr para MP2,5 de
100 (moderada) corresponde a 35μg/m3 e para MP10 corresponde a 150μg/m3– o que não
o faz a CETESB.
O Quadro 2 mostra as informações qualitativas adotadas pela agência americana.
A agência americana utiliza 6 índices e a CETESB, 5 índices. As faixas de valores dos
índices também não são as mesmas que a agencia americana. A CETESB adota faixas
com múltiplos de 40 e a agencia americana, múltiplos de 50. Os significados dos 6
índices, com exceção dos dois primeiros (Boa e Moderada) são também diferentes dos
adotados pela agencia americana, que adota palavras com significados para a saúde:
insalubre e perigosa. O significado da informação da CETESB é uma informação
ambiental de qualidade do ar e não o seu efeito para a saúde. OQuadro 2 e o Quadro
3podem ser comparados.

Quadro 2: Índices – IQAr, valores numéricos, significados e cores segundo a agência


americana114.
Índice de Qualidade do Ar Níveis de preocupação com a
Cores
Valores de IQAr saúde:
Quando o AQI está na faixa: ...condições da qualidade do ar ...simbolizadas por esta cor:
são:
0 a 50 Boas Verde
51 a 100 Moderadas Amarela
101 a 150 Insalubres para grupos sensíveis Laranja
151 a 200 Insalubres Vermelha
201 a 300 Muito insalubres Roxa
301 a 500 Perigosas Marrom

112USEPA. AQI. Air Quality Index: A guide to air quality and your health. 2014
113.Idem.
114Idem.

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Enquanto a CETESB adota:

Quadro 3: Índices – IQAr, valores numéricos, significados e cores segundo a agência


brasileira.
ÍNDICE QUALIDADE COR
0 a 40 N1 - BOA Verde
41 - 80 N2 - MODERADA Amarela
81-120 N3 - RUIM Laranja
121 a 200 N4 – MUITO RUIM Vermelha
>200 N5 - PÉSSIMA Roxa

A CETESB não utiliza os termos para níveis de preocupação com a saúde, e sim
níveis de qualidade do ar: boa, moderada, ruim, muito ruim e péssima. Desta forma, o
primeiro passo para a compreensão do significado dos índices, que é para a saúde, já é
equivocado considerando a facilidade da compreensão e transparência da informação.
Observa-se que as informações da agencia americana são mais claras.
A Tabela 9exemplifica os valores de IQAr adotados pelo México. Observa-se
quão diferentes são os intervalos de índices propostos para cada poluente. Observa-se que
para MP2,5, o índice de 100 corresponde ao padrão de qualidade do ar de 45 μg/m3.

Tabela 9: Pontos de quebra propostos para a revisão do IQAr no México115

Tabla 1. Puntos de quiebre propuestos para la revisión del índice.

Índice O3 PM10 PM2.5

0 – 50 0 – 70 0 – 40 0.0 - 12.0

51 – 100 71 – 95 41 – 75 12.1 - 45.0

101 – 150 96 – 154 76 – 214 45.1 - 97.4

151 – 200 155 – 204 215 -354 97.5 -150.4

201 – 300 205 – 404 355 – 424 150.5 - 250.4

301 – 400 405 – 504 425 – 504 250.5 - 350.4

401 – 500 505 – 604 505 – 604 350.5 - 500.4

Em relação ao conteúdo das informações sobre saúde adotadas pela agência


americana e pela CETESB são diferentes, além do que particularizam as diferenças dos

115 MÉXICO. ¿Como se calcula el Índice de Calidad Del Aire?. 2014. Disponível em:
http://www.aire.cdmx.gob.mx/default.php?opc=%27ZaBhnmI=&dc=%27aQ== Acesso em 31 jan 2018.
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efeitos de saúde de dois poluentes, o material particulado e o ozônio. A CETESB utiliza
a mesma informação para os dois poluentes, no entanto, a depender do poluente, o efeito
será diferente, o que não está sendo considerado pela CETESB.
Seguem o Quadro 4 e o
Quadro 5 com as informações (traduzidas) de saúde adotadas pela agência
ambiental americana.

Quadros 4 e 5.Significados em saúde dos IQArs da agência americana:

Quadro 4: Significado em saúde dos IQArs da agência americana116


Índice de Qualidade do Ar Níveis de preocupação
Significado
Valores de AQI com a saúde:
O valor IQAr para sua comunidade é entre 0 e 50. A qualidade do ar é
0 a 50 Boa satisfatória e apresenta pouco ou nenhum risco de vida. Pintar o fundo de
verde
O IQAr é entre 51 e 100. Qualidade do ar é aceitável; no entanto, a poluição
nesta faixa pode representar uma preocupação de saúde moderada por um
51 a 100 Moderada número muito pequeno de indivíduos. Pessoas que são incomumente
sensíveis ao ozônio ou à poluição por material particulado podem apresentar
sintomas respiratórios.
Quando os valores de IQAr estão entre 101 e 150, membros de grupos
sensíveis podem ter efeitos para a saúde.Grupos sensíveis são as crianças,
idosos, pessoas portadoras de doenças e pessoas de nível socioeconômico
mais baixo.
Insalubre para grupos
101 a 150 Ozônio: pessoas com doença pulmonar, crianças, idosos e as pessoas que
sensíveis
estão ativas ao ar livre são consideradas sensíveis e, portanto, em maior
risco.
Material particulado: pessoas com doença cardíaca ou pulmonar, idosos e
crianças são considerados sensíveis e, portanto, em maior risco.
Todos podem começar a experimentar efeitos na saúde quando os valores do
151 a 200 Insalubre IQAr estão entre 151 e 200. Membros dos grupos sensíveis podem ter efeitos
mais graves para a saúde.
IQAr valores entre 201 e 300 desencadeiam um alerta de saúde, o que
201 a 300 Muito insalubre
significa que todos podem experimentar efeitos mais sérios para a saúde.
Valores de IQAr superiores a 300 disparam avisos de alerta de saúde de
301 a 500 Perigosa condições de emergência. É ainda mais provável que toda a população seja
afetada por graves efeitos na saúde.

* Para MP2,5, a OMS sugere o limite de concentração de 25 μg/m3 diário, ou seja,


a concentração máxima que um indivíduo deveria respirar em 24 horas. É importante
ressaltar que não há limites de concentração de poluentes seguros para o não adoecimento,
pois o risco de se adquirir a doença também é determinado pela suscetibilidade e
vulnerabilidade de um indivíduo. Assim, os limites mínimos preconizados pela OMS
garantem a redução do risco do adoecimento ou proteção para a maioria da população.

116Traduzido de USEPA. Air Quality Index: A guide to air quality and your health.2014.
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Estudos publicados na literatura já revelam a necessidade de revisão dos limites mínimos
estabelecidos pela OMS em 2005.

** Grupos sensíveis para a poluição por MP incluem pessoas com doenças


cardíaca ou pulmonar (incluindo insuficiência cardíaca e doença arterial coronariana, ou
asma e doença pulmonar obstrutiva crônica), adultos mais velhos, idosos (que podem ter
doenças cardíacas e pulmonares não diagnosticadas) e crianças. O risco de infarto
(ataques cardíacos) pode começar tão cedo quanto por volta dos 40 anos para homens e
dos 50 anos para mulheres.

Outros exemplos podem ser visualizados no website do Air Now da agencia


americana117:

Quadro 5: Significados em saúde para Ozônio e Material particulado118

117 Air Now. Disponivel em: https://www.airnow.gov/index.cfm?action=airnow.actiondays


118Traduzido de USEPA. Guideline for Reporting of Daily Quality – Air Quality Index (AQI). 2006.
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Vários são os efeitos em saúde atribuídos à exposição a curto prazo, até mesmo
aumento da mortalidade diária, visitas de emergência em prontos-socorros e internações
hospitalares por agravamento de doenças respiratórias e cardiovasculares, visitas em
consultórios para cuidados primários respiratórios e cardiovasculares - sintomas agudos
(chiado, tosse, fleuma, infecções respiratórias) e alterações fisiológicas (por exemplo,
alteração da função pulmonar), aumento do uso de medicamentos e aumento de
absenteísmo escolar e no trabalho.
A proporção da população afetada é determinada pela prevalência de exposição
ao ar poluído. A ampla gama de efeitos sobre a saúde associados à poluição do ar é
parcialmente explicada pelas suscetibilidades individuais diferenciais aos poluentes, que
dependem tanto do indivíduo, como de fatores ambientais. Identificar a contribuição da
suscetibilidade à ocorrência de efeitos na saúde causados pela poluição do ar é
fundamental para determinar quem tem mais probabilidade de desenvolver efeitos
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adversos. Os fatores do indivíduo incluem idade, estado de saúde, nutricional e genética.
Fatores ambientais incluem características de exposição, bem como moradia e condições
da vizinhança.
O padrão de exposição é influenciado por muitos fatores individuais que
frequentemente estão inter-relacionados - incluem diferenças nos padrões de tempo-
atividade ou hábitos, concentrações micro ambientais na área de residência e
características da moradia. Outro determinante da suscetibilidade é o nível
socioeconômico de grupos populacionais mais desfavorecidos economicamente. Um
estado nutricional inadequado, acesso limitado a cuidados de saúde e exposições maiores
podem ser algumas das razões para uma carga de exposição mais elevada. O nível
educacional, outro indicador de nível socioeconômico, também está associado a um maior
adoecimento e mortalidade.
As crianças menores que cinco anos, por exemplo, estão entre as mais suscetíveis
aos efeitos da poluição do ar. As crianças têm frequência respiratória maior do que os
adultos e, portanto, uma maior inspiração de poluentes atmosféricos por unidade de peso
corporal. Elas também passam mais tempo ao ar livre do que os adultos, aumentando
assim o seu potencial de exposição. O pulmão em desenvolvimento pode ter uma
capacidade metabólica limitada para a defesa de componentes tóxicos. Como 80% dos
alvéolos são formados no período pós-natal, e as alterações no pulmão continuam durante
toda a adolescência, a exposição aos poluentes do ar representa um sério risco a esse
grupo populacional, inclusive há prejuízo do desenvolvimento da função pulmonar.
Pessoas com doenças cardíacas ou respiratórias pré-existentes também são mais
suscetíveis e apresentam maior risco.
A exposição à poluição por MP pode levar pessoas com doença cardíaca a
apresentarem dor torácica, palpitações, falta de ar e fadiga, bem como foi associada a
arritmia cardíaca e infarto do coração.
Quando expostas a altos níveis de poluição por MP, as pessoas com doença
pulmonar existente podem não ser capazes de respirar tão profundamente ou
vigorosamente como normalmente fariam. Elas podem experimentar sintomas como
tosse e falta de ar. Também pode aumentar a suscetibilidade às infecções respiratórias e
pode agravar as doenças respiratórias existentes, como asma e bronquite crônica,
causando maior uso de medicação e mais visitas ao médico.

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Pessoas saudáveis também podem experimentar esses efeitos, embora não sejam
suscetíveis a terem os efeitos mais graves.
Como exemplo, o Quadro 6, a seguir, elaborado pela CETESB(Tabela7 do
Relatório de Qualidade do Ar 2017119) observa-se os sintomas respiratórios a que a
agencia americana quer chamar a atenção, não se restringem apenas à tosse seca, cansaço,
ardor nos olhos, nariz e garganta – apresentam efeitos de morte, inclusive. Além do que,
a depender do poluente o efeito será diferente.

119CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. Qualidade do ar no estado de São Paulo 2017. São Paulo;
2018.Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/ar/publicacoes-relatorios/. Acesso em: 13 Fev. 2019.
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Quadro 6: Qualidade do Ar e Efeitos sobre a saúde.

Por fim, como se dá a comunicação à população dos IQAr no estado de São Paulo?
No site da CETESB há a informação, e, no caso da cidade de São Paulo, há também a
informação disponível em “relógios” em vias públicas que informam a cor e o seu
significado. Não há informações em jornais impressos ou televisivos.
O que a CETESB presume que o cidadão deva entender, do ponto de vista de
conhecimento ou proteção, ao passar na rua e deparar-se com o relógio com a informação:
qualidade do ar MODERADA, cor amarela, ou RUIM, cor laranja, etc?
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i) O objetivo do IQAR em cores é ajudar o cidadão a compreender o que a
qualidade do ar local significa para sua saúde. As cores do tráfego facilitam o
entendimento da gravidade respectiva. A agência americana informa o IQAR utilizando
palavras com significado do efeito ou preocupação com a saúde - já a CETESB informa
o significado ambiental apenas. Agregando o significado do dado ambiental à saúde (por
ex. Insalubre versus Ruim), há mais clareza e transparência nas informações do que se
quer informar – o dano à saúde, e, por conseguinte, a conscientização dos cidadãos sobre
o problema e a apropriação do conhecimento para buscar mais informações a respeito ou
agir;
ii) O cidadão apenas terá a informação imediata da qualidade do ar, e para ter
acesso ao seu significado em termos de saúde, ele terá que entrar no website da CETESB,
cujo acesso não é simples, e assim, a grande maioria acaba por não buscar os dados.
Mesmo que busque os dados no website da CETESB, a informação não estará disponível
como se esperaria. Seguem os exemplos:

A informação no website da CETESB

No website, o cidadão se depara com a área de qualidade do ar em tempo real e tem


algumas opções na forma de se obter os dados:

MAPA DA QUALIDADE – não há dados de saúde


Acesso em: https://servicos.cetesb.sp.gov.br/qa/

BOLETIM DIARIO - não há dados de saúde (Quadro 7):


Acesso em: http://s.ambiente.sp.gov.br/html-ar/boletim-diario.html
Observa-se que não há o valor da medida quantitativa do poluente.

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Quadro 7: Reprodução da página do Boletim Diário do website da CETESB.

Boletim diário - 31/08/2018 - horário de fechamento: 11:00


Índice Qualidade Número de Estações
Capital RMSP Interior Litoral
0 – 40 8 9 20 2

41 - 80 9 3 6 2
81 –
0 0 0 1
120
121 –
0 0 0 0
200
> 200 0 0 0 0

O boletim de qualidade do ar é emitido diariamente às 11 horas, onde é apresentado um resumo das


condições da poluição atmosférica das 24 horas anteriores e uma previsão meteorológica das condições de
dispersão dos poluentes para as 24 horas seguintes."
A qualidade do ar em cada estação é determinada pelo poluente de pior situação.
O Estado de Atenção é declarado quando as concentrações dos poluentes atmosféricos atingem a qualidade
Péssima e previsão das condições meteorológicas desfavoráveis à dispersão dos poluentes nas próximas 24
horas.

Informes Meteorológicos - Região Metropolitana de São Paulo, Litoral, Vale do Paraíba,


Jundiaí e Região de Sorocaba
Condições Meteorológicas para as próximas 24 horas:
DESFAVORÁVEIS à dispersão dos poluentes: Dióxido de Enxofre, Partículas Inaláveis,
Partículas Inaláveis Finas, Dióxido de Nitrogênio, Monóxido de Carbono e
DESFAVORÁVEIS para Ozônio.
A atuação de uma massa de ar quente e seco ocasionará, principalmente durante a noite e
madrugada, ventos fracos e períodos de calmaria, com ocorrência de inversões térmicas em
baixa altitude, situação está que manterá a qualidade do ar predominantemente MODERADA,
podendo atingir a qualidade do ar RUIM.
CAPITAL Qualidade Índice Data Hora Poluente Estado
Capão Redondo 48 MP10
Cerqueira César 36 MP10
Cid.Universitária-USP-
46 MP2.5
Ipen
Congonhas 57 MP2.5
Grajaú-Parelheiros 75 MP10
Ibirapuera 35 30/08/18 19:00 O3
Interlagos 33 30/08/18 18:00 O3
Itaim Paulista 38 MP2.5
Itaquera 34 30/08/18 19:00 O3
Marg.Tietê-Pte
76 MP2.5
Remédios
Mooca 46 MP2.5
N.Senhora do Ó 39 MP10
Parque D.Pedro II 48 MP2.5
Pico do Jaraguá 35 30/08/18 20:00 O3
Pinheiros 56 MP2.5
Santana 36 MP2.5
Santo Amaro 47 MP10

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REGIÃO
METROPOLITANA Qualidade Índice Data Hora Poluente Estado
DE SÃO PAULO
Carapicuíba 45 MP10
Diadema 34 MP10
Guarulhos-Paço
36 MP10
Municipal
Guarulhos-Pimentas 43 MP10
Mauá 30 MP10
Mogi das Cruzes 29 30/08/18 18:00 O3
Osasco 71 MP2.5
S.André-Capuava 30 MP10
S.André-Paço
--
Municipal
S.Bernardo-Centro 32 30/08/18 18:00 O3
S.Bernardo-Paulicéia 40 MP10
São Caetano do Sul 35 MP2.5
Taboão da Serra 36 MP10
LITORAL Qualidade Índice Data Hora Poluente Estado
Cubatão-Centro 32 MP10
Cubatão-V.Parisi 114 MP10
Cubatão-Vale do Mogi 43 MP10
Santos 24 MP10
Santos-Ponta da Praia 50 MP2.5
VALE DO
PARAÍBA, JUNDIAÍ
Qualidade Índice Data Hora Poluente Estado
E REGIÃO DE
SOROCABA
Guaratinguetá 23 30/08/18 18:00 O3
Jacareí 26 30/08/18 18:00 O3
Jundiaí 29 30/08/18 18:00 O3
S.José Campos 23 30/08/18 18:00 O3
S.José Campos-
23 30/08/18 18:00 O3
Jd.Satelite
Sorocaba 39 MP10
Tatuí 45 MP10
Taubaté 25 30/08/18 18:00 O3

Informes Meteorológicos - Região Metropolitana de Campinas, Norte e Centro-Oeste


do Estado
Condições Meteorológicas para as próximas 24 horas:
DESFAVORÁVEIS à dispersão dos poluentes: Dióxido de Enxofre, Partículas Inaláveis,
Partículas Inaláveis Finas, Dióxido de Nitrogênio, Monóxido de Carbono e
DESFAVORÁVEIS para Ozônio.
A atuação de uma massa de ar quente e seco ocasionará, principalmente durante a noite e
madrugada, ventos fracos e períodos de calmaria, com ocorrência de inversões térmicas em
baixa altitude, situação está que manterá a qualidade do ar predominantemente
MODERADA, podendo atingir a qualidade do ar RUIM.

REGIÃO DE
CAMPINAS, NORTE
Qualidade Índice Data Hora Poluente Estado
E CENTRO-OESTE
DO ESTADO
Americana 44 MP10
Araçatuba 32 MP10
Araraquara 33 MP10
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Bauru 35 MP10
Campinas-Centro 28 MP10
Campinas-Taquaral 31 30/08/18 18:00 O3
Campinas-V.União 36 MP2.5
Catanduva 45 MP10
Jaú 34 MP10
Limeira 33 MP10
Marília 30 30/08/18 18:00 O3
Paulínia 34 MP10
Paulínia-Sta Terezinha 28 MP10
Piracicaba 48 MP10
Presidente Prudente 32 30/08/18 18:00 O3
Ribeirão Preto 32 MP10
Santa Gertrudes 61 MP10
São José do Rio Preto 42 MP10

BOLETIM DIARIO POR POLUENTE – não há dados de saúde:

Acesso em: http://s.ambiente.sp.gov.br/html-ar/boletim-diario-por-poluente.html

BOLETIM DE ULTIMA HORA – esta página apresenta dados de


saúde(Quadro 8), ou seja, os dados de saúde estão disponíveis apenas em dados horários.

Acesso em: http://s.ambiente.sp.gov.br/html-ar/resumo-ultima-hora.html

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Quadro 8: Reprodução da página do Boletim de Última Hora do website da CETESB.

LITORAL Qualidade Índice Poluente


Cubatão-Centro 77 SO2
Pessoas com doenças respiratórias podem apresentar sintomas como
Efeitos à saúde
tosse seca e cansaço
Pessoas com doenças cardíacas ou pulmonares, procurem reduzir
Como proteger sua saúde
esforço pesado ao ar livre.

Cubatão-V.Parisi 88 MP10
Pessoas com doenças respiratórias ou cardíacas, idosos e crianças
Efeitos à saúde têm os sintomas agravados. População em geral pode apresentar
sintomas como ardor nos olhos, nariz e garganta, tosse seca e cansaço.
Reduzir o esforço físico pesado ao ar livre, principalmente pessoas
Como proteger sua saúde
com doenças cardíacas ou pulmonares, idosos e crianças.

Cubatão-Vale do Mogi 31 MP10


Efeitos à saúde --
Como proteger sua saúde --

Santos 12 O3
Efeitos à saúde --
Como proteger sua saúde --

Santos-Ponta da Praia 16 MP2.5


Efeitos à saúde --
--

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Considerações
Conclui-se que a informação da qualidade do ar e seus riscos para a saúde direcionada à
população realizada pela CETESB é falha no que diz respeito:

1) As informações qualitativas do IQAr remetem à qualidade ambiental do ar e não


aos riscos de saúde (boa, moderada, ruim, muito ruim e péssima);
2) Não há a informação da concentração do poluente (exceto Boletim horário);
3) Não há a informação de todos os poluentes por estação;
4) A informação dos riscos em saúde é a mesma para qualquer poluente (mas na
realidade os efeitos são diferentes);
5) Embora se baseie na agencia americana, os parâmetros adotados relativos ao IQAr
são diferentes, o que determina também riscos em saúde mais brandos do que
ocorre na realidade;
6) A informação sobre os riscos em saúde informados também é mais branda do que
a agencia americana utiliza;
7) As informações ocorrem por estação, não há um mapa ou gráfico que possam
auxiliar na demonstração do que se passa na cidade, RMSP ou Estado;
8) A metodologia e a ferramenta (fórmula) para o cálculo do IQAr não são
apresentadas, nem claras;
9) O acesso às informações em saúde é muito difícil, ocorre apenas no website da
CETESB, e no website, apenas no Boletim horário (não corre no Boletim diário);
10) Para piorar, em relação às informações sobre os níveis de qualidade do ar
disponibilizadas pela CETESB, seja no Relatório de Qualidade do Ar anual, ou
no website, ou nos relógios de rua, elas ocorrem baseadas em duas medidas, o que
as tornam confusas para quaisquer públicos, excetuando-se profissionais técnicos
da área para tratar da qualidade do ar - a CETESB utiliza duas réguas: 1) o Índice
de Qualidade do Ar (IQAr) para efeitos em saúde a curto prazo, baseado em um
cálculo matemático reproduzido com alterações da agência ambiental americana
(USEPA) e, 2) o Padrão de qualidade do ar (PQAr) segundo o Decreto
59.113/2013 desatualizado em relação aos índices preconizados pela OMS.

Como proteger sua saúde?

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A agência americana dispõe de uma série de facilidades e iniciativas educativas
para que a população tenha acesso à informação da qualidade do ar e saúde, tais como:
AQI Brochure (caderno sobre o tema com várias perguntas e respostas simplificadas);
AIRNow (www.airnow.gov), um website nacional exclusivo para disponibilizar as
informações de qualidade do ar e saúde de 300 cidades; AQI via e-mail
(www.enviroflash.info), em que as pessoas assinam o interesse em receber e-mails que
lhes avisem quando as condições de qualidade do ar são preocupantes na sua área;
aplicativos em tablets e celulares para o mesmo fim; jogos que ensinam as crianças sobre
IQAr; acesso às imagens de diversas áreas por câmeras via web em tempo real;
ferramentas que orientam profissionais de saúde ou pais a auxiliarem pacientes e crianças
a como se precaverem dos efeitos da poluição do ar. No caso de episódios críticos de
poluição do ar de alerta e emergência há informações em jornais impressos, rádio e
televisão, avisando a população dos seus malefícios, de como se comportar frente ao
problema, além das medidas adotadas pelo governo para redução de emissão de poluentes
e para proteção da população.
Exemplo de texto explicativo que a agência americana apresenta para elucidação
de efeitos para a saúde à população e não encontrados no caso da CETESB:

OZÔNIO
Quais são os efeitos para a saúde?
O ozônio afeta os pulmões e o sistema respiratório de muitas maneiras.
Ele pode:
Irritar o sistema respiratório, causando tosse, dor na garganta, irritação das vias aéreas, aperto ou dor no
peito quando se respira profundamente.
Reduzir a função pulmonar, tornando mais difícil respirar tão profundamente e vigorosamente como faria
normalmente, especialmente no exercício. A respiração pode começar a tornar-se desconfortável, e você
pode perceber que está fazendo respirações mais rápidas e superficiais do que o normal.
Inflamar e danificar as células que revestem os pulmões. Dentro de alguns dias, as células danificadas
são substituídas e as células antigas descamam - muito parecido com a forma como a sua pele descasca
depois de queimaduras solares. Estudos sugerem que se esse tipo de inflamação acontece repetidamente, o
tecido pulmonar pode se cicatrizar de forma permanente e a função pulmonar pode se reduzir
permanentemente.
Tornar os pulmões mais suscetíveis à infecção. O ozônio reduz as defesas do pulmão danificando as
células que movimentam material particulado e bactérias para fora das vias aéreas e reduzindo o número e
a eficácia dos glóbulos brancos nas células pulmonares.
Agravar a asma. Quando os níveis de ozônio são insalubres, mais pessoas com asma apresentam sintomas
que requerem atenção do médico ou o uso de medicação. O ozônio torna as pessoas mais sensíveis aos
alérgenos - os mais comuns desencadeadores de ataques de asma. Além disso, asmáticos podem ser mais
gravemente afetados pela redução da função pulmonar e por inflamação das vias aéreas. As pessoas com
asma devem pedir ao médico um plano de ação para a asma e segui-lo cuidadosamente quando os níveis
de ozônio são insalubres.

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Agravar outras doenças pulmonares crônicas, como enfisema e bronquite. Com o aumento das
concentrações de do ozônio ao nível do solo, mais pessoas com doenças pulmonares irão necessitar ir aos
médicos ou prontos-socorros e serão internadas no hospital.
Causar danos pulmonares permanentes. Danos causados pelo ozônio, repetidamente em curto prazo, aos
pulmões em desenvolvimento das crianças podem reduzir a função pulmonar na idade adulta. Em adultos,
ozônio a exposição pode acelerar o declínio natural da função pulmonar que ocorre com a idade.
MATERIAL PARTICULADO
Quais são os efeitos para a saúde e quem tem maior risco?
As partículas com menos de 10 micrômetros de diâmetro podem causar ou agravar uma série de problemas
de saúde e estão relacionadas com doenças e óbitos por doença cardíaca ou pulmonar. Esses efeitos têm
sido associados a exposições de curto prazo (geralmente maiores de 24 horas, mas possivelmente tão curtas
quanto uma hora) e exposições de longo prazo (anos).
Grupos sensíveis para a poluição por material particulado incluem pessoas com doença cardíaca ou
pulmonar (incluindo insuficiência cardíaca e doença arterial coronariana, ou asma e doença pulmonar
obstrutiva crônica), idosos (que podem ter doenças cardíacas e pulmonares não diagnosticadas) e crianças.
O risco de ataques cardíacos, e, portanto, o risco de poluição por material particulado pode começar tão
cedo quanto por volta dos 40 anos para homens e dos anos 50 para mulheres.
Quando expostas à poluição por material particulado, pessoas com doenças cardíacas e pulmonares e idosos
são mais propensos a ir a prontos-socorros, ser internados, ou, em alguns casos, até morrem.
A exposição à poluição por material particulado pode levar pessoas com doença cardíaca a apresentarem
dor torácica, palpitações, falta de ar e fadiga. A poluição por material particulado também foi associada a
arritmias cardíacas e ataques do coração.
Quando expostas a altos níveis de poluição por material particulado, as pessoas com doença pulmonar
existente podem não ser capazes de respirar tão profundamente ou vigorosamente como normalmente
fariam. Elas podem experimentar sintomas como tosse e falta de ar. Pessoas saudáveis também podem
experimentar esses efeitos, embora não sejam suscetíveis a ter efeitos mais graves.
A poluição por material particulado também pode aumentar a suscetibilidade às infecções respiratórias e
pode agravar as doenças respiratórias existentes, como asma e bronquite crônica, causando mais uso de
medicação e mais visitas ao médico.

O Relatório de qualidade do ar anual da CETESB

Por fim, em relação ao Relatório de qualidade do ar anual da CETESB, a análise


dos dados anuais ocorre baseada em duas medidas (IQAr e PQAr)

- Classificação qualitativa IQAr, baseada em medidas diarias;

- Análise de medidas anuais, que consideram os PQAr paulistas

Portanto há informações baseadas em duas réguas: i) a análise de medidas diárias


baseadas na classificação qualitativa IQAr - que considera a referência dos padrões atuais
recomendados pela OMS (calculada pela fórmula matemática -segundo a CETESB) -
Gráfico 7e, ii) a análise de medidas anuais, que considerarem os padrões determinados
pelo Decreto paulista 59.113/2013, desatualizados do ponto de vista de saúde – o que cria
uma imensa dificuldade para a interpretação dos dados, até mesmo para técnicos
especialistas.

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Gráfico 7: Exemplo de análise pelo IQAr:

Observa-se a distribuição percentual de Qualidade do Ar na estação Cubatão –


Centro (primeiro gráfico), cujos resultados em 2015 (terceira barra), mostram que 90 %
das medições se encontram classificadas como BOA qualidade, e 10% MODERADA.
Observa-se também a evolução destas medidas em 3 anos consecutivos.

Na mesma seção, outras estações, como Cubatão – Vila Parisi, os resultados são
piores, com 44,8 % das medições são classificadas como qualidade do ar MODERADA,
24,7 % como qualidade do ar RUIM e 13,6% qualidade do ar PÉSSIMA.

Seguindo ainda o exemplo de Cubatão, pagina 65 (Relatório 2015), são


encontradas as duas formas de informação em uma única página, determinadas por
medidas diferentes– o que cria uma imensa dificuldade para a interpretação dos dados,
até mesmo para técnicos especialistas (Gráfico 8):

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Gráfico 8: MP10 Distribuição percentual da qualidade do ar – Baixada Santista.

Por fim, conclui-se que a informação é inadequada à população sobre essa


preocupante situação, aos gestores para que tomem uma medida eficaz e urgente, bem
como aos órgãos judiciários que garantam o direito dos cidadãos.
As formas como a informação é divulgada são insuficientes e ineficientes - não
são claras ao cidadão - são confusas, difíceis de compreendê-las e compará-las. A
informação do significado de saúde ocorre apenas baseada em dados horários - é muito
rápida.
Se os pais de uma criança com asma, ou mesmo seu pediatra, tiverem o interesse
em conhecer a qualidade do ar nos locais de vivência desta criança na cidade e
consultarem o Relatório de Qualidade do Ar anual, não alcançarão a resposta adequada e

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a liberdade da escolha de uma moradia ou uma escola em um ambiente mais propício
para sua vida plena. Nem tão pouco a população pode alcançar os seus direitos.
Confere-se o respaldo legal sobre o direito de a sociedade obter a informação
sobre a poluição atmosférica – a Lei N.º 10.650/2003120 dispõe sobre o dever do Estado
de disponibilizar dados referentes à qualidade do ambiente. Os órgãos ambientais devem
se comprometer a divulgar os dados de qualidade do ar, sua implicação em saúde e sua
gravidade dentro dos atuais e melhores conhecimentos, em mídia acessível, de modo que
os interessados ou afetados pela poluição tenham conhecimento sobre o ambiente em que
vivem, tenham a oportunidade de participação ativa e a possibilidade de se proteger e
requerer seu direito à saúde em um ambiente ecologicamente equilibrado, bem como
também adotar atitudes individuais fundamentais em colaboração ao problema e à sua
comunidade. Além da população, os gestores também demandam informações acessíveis
e apuradas, para que possam atuar de forma efetiva.

Os dados indicam a necessidade de ações imediatas para medidas protetivas à


população, a revisão dos conceitos técnicos e ferramentas de informação mais eficientes
à população pelos órgãos responsáveis.

Portanto, o posicionamento do Instituto Saúde e Sustentabilidade é que a


Resolução CONAMA 491/2018 é ineficiente para a própria defesa dos cidadãos quanto
à informação e à proteção à saúde.

A referida Resolução, como aprovada, corrobora para o relevante adoecimento e


mortalidade precoce da população e por prazo indeterminado.

120Brasil.Lei N.º 10.650/2003. Dispõe sobre o acesso público aos dados e informações existentes nos órgãos e entidades
integra
ntes do Sisnama.
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Ofício PROAM 01_250219 São Paulo, 25 de fevereiro de 2019

Ref: Encaminha subsídio técnico para representação do MPF – Resolução Conama


491/2018 dos novos PQARS

Excelentíssimo Senhor
José Leonidas Bellen de Lima
Procurador Regional da República
São Paulo - SP

Excelentíssimo Senhor Procurador

Cumprimentando-o, segue subsídio técnico referente à resolução 491/2018, que estabelece


novos padrões de qualidade do ar.

A segurança da vida humana é fator inegociável e não precificável, e guarda inequívoca


relação com a estandartização de padrões de qualidade ambiental adotados por diferentes
países.

É inadmissível que o Brasil siga o caminho de sacrificar vidas humanas, como vem
fazendo, à exemplo do que ocorre em outros países carentes de dispositivos legais que
reconheçam os direitos fundamentais dos seres humanos, ignorados para beneficiar
setoriais da economia e governos interessados em objetivos imediatistas, lucros financeiros
e corporativos.

Felizmente contamos com dispositivos constitucionais que visam a garantia da


incolumidade da saúde pública e do meio ambiente equilibrado.

Colocamo-nos à disposição para contribuir no que for necessário.

Atenciosamente,

Carlos Alberto Hailer Bocuhy


PROAM-Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental
Presidente

Av. Brigadeiro Faria Lima, 1811-1º andar-conj.127/128 - Jd. Paulistano - São Paulo-SP - CEP 01452-913
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SUBSÍDIO TÉCNICO PARA REPRESENTAÇÃO DO MPF – RESOLUÇÃO
CONAMA 491/2018 DOS NOVOS PQARS

VIABILIDADE DE ADOÇÃO DE MEDIDAS DE CONTROLE DE EMISSÕES


ATMOSFÉRICAS NO CURTO PRAZO

Prefácio

“Padrões de qualidade do ar em vigor que de fato correspondam à ciência médica atual


(Recomendação da OMS de 2005), refletem com fidelidade e transparência o risco a que está
submetida a população exposta à poluição do ar; serão eles os principais propulsores da
estratégia global de melhoria da qualidade do ar - a centelha motora das ações de mitigação. A
consciência precisa do risco à saúde em cada quadrante das áreas urbanas contaminadas, gera
pressão e demanda política sobre as autoridades governamentais locais e regionais. É essa, pois,
a alavanca que, afinal, vem faltando para romper a inépcia, rumo à efetiva deflagração das
medidas essenciais de controle de emissões, que de outra forma, seguiriam procrastinadas,
conforme vem ocorrendo há mais de 25 anos no Brasil.”

1. Relação direta de dependência das políticas públicas de controle da poluição do ar em


relação aos PQArs representativos do verdadeiro risco à saúde

Padrões de qualidade do ar em vigor que de fato correspondam à ciência médica atual


(Recomendação da OMS de 2005), refletem com fidelidade e transparência o risco a que está
submetida a população exposta à poluição do ar; serão eles os principais propulsores da
estratégia global de melhoria da qualidade do ar - a centelha motora das ações de mitigação. A
consciência precisa do risco à saúde em cada quadrante das áreas urbanas contaminadas, gera
pressão e demanda política sobre as autoridades governamentais locais e regionais. É essa, pois,
a alavanca que, afinal, vem faltando para romper a inépcia, rumo à efetiva deflagração das
medidas essenciais de controle de emissões, que de outra forma, seguiriam procrastinadas,
conforme vem ocorrendo há mais de 25 anos no Brasil.

1.1. Políticas públicas insuficientes de controle das fontes de poluição - há décadas em


mora com a proteção da saúde pública

Durante o ano de 2016 e o primeiro semestre de 2017, o Instituto Brasileiro de Proteção


Ambiental - PROAM promoveu levantamento sobre tecnologias consagradas adotadas
internacionalmente e que possibilitariam ao Brasil e às cidades brasileiras a avançarem
rapidamente - por meio de inovação tecnológica básica e articulação de um pacote de medidas
simples, triviais e essenciais - na direção de uma política eficiente por ar limpo, com emissões
tóxicas e de gases do efeito estufa reduzidas. Nesse sentido, o Proam empreendeu uma série de
investigações e consultas a especialistas, sobre quais seriam as medidas e meios tecnológicos
que possibilitariam ao Brasil avançar num curto espaço de tempo rumo ao atingimento dos
padrões de qualidade do ar recomendados em 2005 pela Organização Mundial da Saúde - OMS.

1
Desde o início da década dos anos noventa, quando foram regulamentados os padrões nacionais
de qualidade do ar pela primeira vez, pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Resolução
Conama 03/1990), e ao longo das duas décadas subsequentes (dos anos dois mil e dois mil e
dez), algumas dessas medidas essenciais amplamente conhecidas e praticadas nos países
desenvolvidos e em muitos outros países em desenvolvimento - embora extremamente simples,
baratas e eficientes - foram rigorosamente ignoradas, sem constrangimento, pelas autoridades
ambientais, de transportes, e demais agentes públicos.

Essa estridente negligência continuada dos gestores, vis a vis sua atribuição (em vigor desde
1990 – 29 anos atrás) de atingir os então padrões de qualidade do ar, deu-se provavelmente por
simples irresponsabilidade e/ou por não entenderem a gravidade do problema ambiental, e que
se tratava de um pacote de ações simples e essenciais de suma importância para a redução dos
níveis de poluição urbana e dos correspondentes altos índices de morbidade e mortalidade -
especialmente entre os grupos mais vulneráveis da população e os mais expostos às altas
concentrações de substâncias tóxicas: a população de baixa renda.

Consequentemente, não se trata neste momento, em absoluto, de nenhuma novidade para as


autoridades governamentais, pois essas vem resistindo, reiterada e deliberadamente, há mais
de duas décadas, à uma ampla adoção das medidas típicas necessárias à redução das emissões
– inclusive, incorrendo sistematicamente em frontal e acintoso descumprimento sistemático da
legislação ambiental, como será visto mais adiante neste documento.

Por outro lado, esses mesmos agentes ambientais públicos, vem alegando verbalmente nas
recentes discussões relacionadas com a atualização dos padrões de qualidade do ar de 1990 que
se arrastaram durante cerca de dez anos no Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo
(Consema), e em seguida no Conama - sem apresentar qualquer tipo de documentação de
justificativa técnica - que necessitam de um tempo, maior e indefinido, para estruturar-se e fazer
suas articulações institucionais e os investimentos necessários (há mais de vinte anos atrasados)
- investimentos que, na verdade, são irrelevantes, como será mostrado a seguir.

Essa falsa retórica “do agente público pego de surpresa por uma situação inusitada”, tem sido
repetida à exaustão pelas autoridades ambientais no Conama durante as muitas discussões que
se desenvolveram nos últimos cinco anos. Observa-se uma forte truculência por parte dos
agentes de governo em não reconhecer sua notável paralisia histórica, que se arrasta por
décadas e o não-cumprimento da legislação ambiental de controle da poluição pelos próprios
agentes públicos - em que pesem as violações frequentes dos PQArs vigentes, por eles mesmos
atestadas, nos relatórios de qualidade do ar das agências ambientais estaduais.

Essa retórica forjada, artificialmente construída para propósitos escusos, não pode ser em
nenhuma hipótese aceita para justificar ainda mais procrastinação das mesmas ações simples,
sabidamente essenciais há mais de vinte anos anos, que vem ocorrendo dramaticamente em
concurso com as sistemáticas violações dos padrões de qualidade do ar então vigentes.

Em suma: o não-atendimento de PQArs, embora excessivamente lenientes, tem sido


invariavelmente uma regra durante os últimos 29 anos - em especial, nos grandes centros
urbanos congestionados. Ressalte-se, que essa grave situação de não conformidade com os
PQArs regulamentados, com o consequente aumento dos índices de morbi-mortalidade, jamais
foram objeto de qualquer tipo de sanção, intervenção, termo de ajuste de conduta ou simples
questionamento administrativo pelas passivas autoridades ambientais estaduais e federais –
configurando um danoso “Business as Usual” que só faz aumentar a poluição do ar.

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Que fique então muito claro para todos que participam e avaliam essas discussões, que mesmo
diante das rotineiras violações de padrões extremamente lenientes, durante décadas, as
mesmas autoridades governamentais ambientais brasileiras que hoje resistem agressivamente
para se livrar de compromissos fixos de reconhecimento dos “novos” PQArs de 2005 da OMS, já
ignoravam completamente sua responsabilidade de perseguir níveis mais baixos de poluição do
ar, procrastinando ações simples e eficientes de controle, que poderiam ter debelado - ou
baixado muito – os níveis de poluição do ar nas grandes cidades brasileiras, a exemplo de outros
países que zelosa e persistentemente cumprem à risca suas obrigações legais e cidadãs.

1.2. O ardiloso jogo das autoridades oficiais de eliminação de prazos fixos para entrada em
vigor dos PQArs da OMS e o esvaziamento das políticas públicas de controle de emissões

Lamentavelmente, ao final das discussões e trâmites observados no Conama no processo de


regulamentação da atualização dos ultra-defasados PQArs nacionais de 1990 - e graças aos votos
da grande maioria dos membros da desequilibrada composição da Câmara Técnica deste
Conselho - prevaleceram os claros objetivos procrastinadores concertados das autoridades
oficiais de meio ambiente dos três níveis de governo, dos representantes do setor produtivo, e
até mesmo do Ministério da Saúde, visando à danosa eliminação de prazos fixos para a entrada
em vigor dos PQArs da OMS. Desse modo, “quebrou-se as pernas” da esperança de prevalência
da transparência do real risco (científico) à saúde pública nas áreas urbanas contaminadas. Mas
não apenas isso, implodiu-se a mais eficiente ferramenta de mobilização política e institucional
que poderia, finalmente, animar a deflagração do ignorado pacote básico de medidas essenciais
para o controle das emissões.

É evidente, que sem um claro e preciso reconhecimento oficial das violações dos níveis
protetivos recomendados da OMS (que só pode ser obtido com a vigência dos PQArs da OMS),
fica muito mais difícil para as vacilantes autoridades ambientais justificarem junto à cúpula do
governo a implementação de ações essenciais polêmicas, como por exemplo, a imediata
implantação da inspeção veicular obrigatória, a adoção disseminada de combustíveis
alternativos, a adaptação massiva de filtros (retrofit) em frotas cativas de veículos a diesel que
operam sob regime de concessão governamental, ou a implementação das conhecidas zonas de
baixas emissões (LEZ – Low Emissions Zones), com restrições aos veículos mais poluentes - entre
outras medidas eficazes de simples articulação, conforme descritas neste documento.

Com a postergação da adoção dos PQArs da OMS, mantem-se o espaço político para a não-ação
(o conhecido Business as Usual poluente). Trata-se de lógica simples: sem prazos fixos
oficializados para entrada em vigor dos PQArs recomendados pela OMS, segue - como tem sido
nas últimas duas décadas - o relaxamento e omissão generalizados em relação às ações políticas
e institucionais básicas voltadas ao eficaz controle da poluição; assim, com a manutenção, ou
um possível aumento da carga poluidora pelo crescimento da frota e retomada das atividades
produtivas, “cresce a bola de neve” e fica a cada dia mais distante e complexa a possibilidade de
atingimento de níveis mais baixos de contaminação atmosférica, compatíveis, ou mais próximos
das referências da OMS (aqueles que garantem, ao fim e ao cabo, a proteção à saúde pública
segundo a ciência médica atual).

Observe-se, esta oportuna analogia com o mecanismo de combate às mudanças climáticas:


enquanto não fosse estabelecido nos protocolos oficiais dos acordos internacionais do clima, a
meta final segura a ser atingida, num dado prazo fixo, peremptório (nesse caso, o aumento de
temperatura da Terra limitado a 2 graus centígrados, até o ano de 2100, conforme o acordo da
COP-21 de Paris de 2015), as diferentes comunidades teriam enormes dificuldades políticas para
justificar e estabelecer uma agenda positiva pragmática de controle das emissões, em

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convergência com a meta final proposta na COP-21. Usando uma máxima popular
esclarecedora, tanto para o caso das mudanças climáticas, quanto da agenda de melhoria da
qualidade do ar: “A cenoura vem sempre antes do burro.” Sem um “norte” bem definido, não há
movimento. Eis o sumo do princípio que fundamenta a regulamentação de prazos fixos para a
entrada em vigor dos PQArs da OMS.

O agravamento da contaminação, ou sua manutenção, ou mesmo uma pequena melhoria


insuficiente, retroalimentarão vigorosamente nos próximos anos o discurso derrotista das
autoridades oficiais de meio ambiente (repetido à exaustão como um mantra nas discussões
que se desenvolveram no Conama) de uma suposta impossibilidade de atingimento nos
próximos 11 anos (em 2030) dos PQArs da OMS, conforme inicialmente previsto na proposta
original que tramitou na Câmara Técnica do Conama.

Os lenientes requisitos da regulamentação aprovada pelo Conama, ensejarão o pleito de


adiamentos sucessivos da entrada em vigor dos PQArs da OMS - um ciclo vicioso, irresponsável
e potencialmente criminoso, legitimado pelo Conama (e pelos seus membros votantes,
especialmente, os da Câmara Técnica que concebeu e acatou esse inaceitável e ardiloso
modelo).

Tentando justificar o dramático e reiterado discurso dos órgãos ambientais oficiais, da suposta
necessidade de os agentes públicos adquirirem uma certeza absoluta prévia, da possibilidade
de atingimento dos PQArs da OMS, antes de aprovarem no Conama a entrada em vigor dos
padrões protetivos da OMS, com prazo fixo (inversão do princípio, que coloca o “burro à frente
da cenoura”), o representante do órgão ambiental do Rio de Janeiro, Sr. André França - porta-
voz da Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Meio Ambiente - Abema - alegou por
algumas vezes ao longo das discussões que se desenrolaram na Câmara Técnica do Conama, que
em caso de o Conama aprovar um prazo fixo para a entrada em vigor dos PQArs da OMS, haveria
um forte temor da parte dos técnicos das empresas estaduais de meio ambiente, de serem
acionados na justiça, caso houvesse insucesso dos Estados em atingir os níveis de qualidade do
ar recomendados pela OMS no prazo previamente fixado.

Trata-se, obviamente, de discurso ardiloso, anti-cidadão e especialmente sem sentido e


falacioso; uma declaração proferida por um agente público de alto escalão, lamentavelmente
não contestada pelos demais silentes membros governamentais da Câmara Técnica ali
presentes, à exceção dos indignados representantes da sociedade civil: Proam, Apromac e
Ministério Público Federal - MPF.

O representante da Abema foi ao Conama para, indevidamente, colocar na mesa do mais


importante fórum regulatório brasileiro, supostos interesses corporativos dos técnicos das
agências ambientais, à frente do interesse nacional, do meio ambiente e da saúde pública de
dezenas de milhões de brasileiros. Os representantes da sociedade civil presentes nessas
discussões, argumentaram em resposta ao representante da Abema, que esse (suposto) temor
dos técnicos das agências ambientais não faz nenhum sentido, pelas seguintes razões:

- Ficar em mora com o atingimento de padrões de qualidade do ar rigorosamente


representativos e previamente fixados, é um fenômeno corriqueiro na história da
regulação da gestão da qualidade do ar, desde os primórdios do Clean Air Act dos Estados
Unidos, na década dos anos setenta. A situação de não-conformidade não pode ser
entendida como erro ou negligência cometidos por profissionais individuais de agências
ambientais, até mesmo porque esses não são de fato os responsáveis diretos pelo
desencadeamento de todas as medidas abrangentes de controle das emissões previstas
nos planos oficiais de controle da poluição do ar;

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- Por outro lado, a configuração oficial objetiva da mora, ou inadimplência, no âmbito de
um rigoroso código legislativo de gestão da qualidade ambiental, deve ser vista como um
momento oportuno e positivo, para que as devidas advertências sejam publicamente
feitas aos gestores governamentais, e planos e compromissos detalhados e transparentes
de ajuste de conduta sejam deflagrados para sanear o problema da letal e danosa má
qualidade do ar;

- Nunca houve no Brasil, e em nenhum outro país, qualquer sanção administrativa ou


judicial de cunho individual, dirigida a técnicos de agências ambientais ou outras pessoas
físicas, pelo fato de uma região não conseguir atender Padrões de Qualidade do Ar
vigentes. Não poderia ser diferente, devido à alta complexidade das causas do não
atingimento de PQArs. Esse é o estridente caso dos PQArs nacionais de 1990, que embora
lenientes, foram rotineiramente violados nos grandes centros urbanos e outras
localidades durante os últimos 29 anos, e nenhum técnico ambiental, autoridade ou
político foi responsabilizado individualmente por essa não-conformidade. Nesse caso,
embora as autoridades públicas regionais brasileiras tenham sido negligentes e falhado
em desencadear as ações e medidas triviais essenciais para o controle das emissões
(conforme citado neste documento), nenhum agente público e nenhuma instituição
sofreu qualquer tipo de advertência, sanção administrativa, nem tampouco foi objeto de
intervenção do Ministério do Meio Ambiente ou da Justiça, para estabelecer um plano de
ajuste emergencial de despoluição do ar para sanar as não-conformidades;

- Na verdade, é extremamente positiva a possibilidade material e objetiva de intervenção


de órgãos superiores em caso de não-conformidade com os PQArs vigentes; se houver,
de fato, pressão social e vontade política, isso pode ensejar o desenvolvimento de
detalhados e transparentes Termos de Ajuste de Conduta, visando a sanar em
determinado prazo os problemas ambientais remanescentes. Exatamente isso está
acontecendo neste momento na União Europeia, que está intervindo em algumas
regiões/cidades/países que não estão atingindo os rigorosos PQArs europeus. O artigo do
periódico The Guardian descreve esse fato: ..... “The UK and five other nations have been
referred to Europe’s highest court for failing to tackle illegal levels of air pollution.”

https://www.theguardian.com/environment/2018/may/17/uk-taken-to-europes-
highest-court-over-air-pollution

A intervenção nas regiões/cidades inadimplentes pode incluir sanções administrativas,


multas, Termos de Ajuste de Conduta, mas jamais aplicados aos agentes públicos,
somente contra governos e instituições governamentais com responsabilidade sobre o
desenvolvimento das muitas medidas essenciais de mitigação da poluição previstas nos
planos de despoluição originais.

- O princípio invertido do “burro na frente da cenoura” - estranhamente defendido pelo


representante da Abema - que afinal foi encampado pela maioria votante da Câmara
Técnica do Conama, colide frontalmente com o princípio que mobilizou as instituições
governamentais, a sociedade brasileira e o setor produtivo a atingirem o sucesso
retumbante de alguns programas ambientais, ícones e referências internacionais de
sucesso na gestão ambiental brasileira: o Proconve, o Programa Nacional de Controle de
Ruído de Veículos, o Inovar Auto, o Rota 2030 - todos eles são baseados invariavelmente
até os dias de hoje, na fixação sistemática de prazos a serem atingidos pelo setor
produtivo para atingimento de padrões de qualidade ambiental altamente desafiadores.
A propósito, no caso do Proconve de veículos pesados a diesel, a fase P6, que deveria ter

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entrado em vigor em 2009, não foi atingida no prazo previsto, e foi necessário que se
fizesse um Termo de Ajuste de Conduta para sanear a não-conformidade. Nem por isso,
agentes públicos foram processados, punidos, sequer advertidos individualmente.
Lembre-se, que esses programas não são exceções no contexto geral, mas uma regra
abrangente da prática internacional de gestão da qualidade ambiental.

Pelo exposto acima, recusar-se a aceitar a regulamentação de prazos fixos num foro regulatório
como a Câmara Técnica do Conama, em nome de um suposto “temor corporativo” de eventual
inadimplência, é uma hipótese absurda, e pode ser entendido como um subterfúgio que
mascara os motivos econômicos da resistência ao estabelecimento de prazos fixos para a
entrada em vigor dos PQArs mais protetivos da OMS: fortes pressões de agentes poluidores que
operam persistentemente junto aos gabinetes para afastar as restrições ambientais mais
incômodas às suas atividades poluentes, somada à corriqueira falta de autonomia decisória das
autoridades ambientais instituídas, diante dessas pressões políticas nas altas esferas de
governo.

1.3. Política pública de “pernas para o ar”

A título de ilustração, para que eventuais dúvidas sobre os danos inerentes a esse modelo
invertido de gestão da qualidade ambiental sejam eliminadas, apresenta-se a seguir um exemplo
concreto do efeito contra-producente do adiamento (sem prazo peremptório definido) do
reconhecimento oficial (efetivação da vigência) dos PQArs da OMS.

Há regulamentos de licenciamento ambiental que restringem a instalação de novas fontes


estacionárias de poluição em áreas saturadas ou em vias de saturação (áreas contaminadas que
apresentam ou estão na iminência de apresentar violações rotineiras dos PQArs vigentes). Essas
áreas, obviamente, violam os PQArs mais protetivos recomendados pela OMS. Ou seja, à luz da
referência da OMS, já há danos notavelmente configurados à saúde da população ali exposta -
pessoas estão ficando doentes e morrendo em níveis acima do aceitável, e as autoridades de
saúde e ambientais, é claro, tem plena consciência desse fato.

Mas, a utilização como parâmetro de corte do licenciamento ambiental de novas fontes


poluidoras nas áreas saturadas e em vias de saturação, de padrões de qualidade do ar com
valores insuficientemente protetivos, mais altos e permissivos que as referências da OMS, acaba
permitindo invariavelmente que novas fontes se instalem naquela área de risco cientificamente
configurado, aumentando ainda mais a carga poluidora local; elevam-se assim, as concentrações
de poluentes naquela região, já sabidamente insalubre, agravando as violações dos PQArs da
OMS e os índices locais de morbi-mortalidade.

Não é muito difícil de perceber - nem mesmo para um leigo - que o uso de parâmetros de
licenciamento frouxos, aquém da segurança protetiva dos PQArs recomendados pela OMS,
acaba, ao fim e ao cabo, por agravar o risco local à saúde, ao invés de diminuí-lo ou eliminá-lo.

Daí, pergunta-se aos gestores ambientais e ao Conama:

- Que tipo de política pública de gestão de áreas saturadas é essa, que ao invés de promover a
melhoria da qualidade do ar (usando a referência científica de risco da OMS), promove seu
agravamento adotando referências frouxas, que nada tem a ver com o real risco à saúde pública,
segundo a ciência médica atual?

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- O que precisamente move os especialistas de diversas agências ambientais, e até altos
executivos dos Ministérios do Meio Ambiente e da Saúde - membros da Câmara Técnica do
Conama - a votarem em ativa concertação com os representantes dos agentes poluidores, a
favor de uma política pública acintosamente invertida, devastadora, com potencial de vitimar
dezenas de milhares de pessoas, e que contraria o interesse do meio ambiente, da saúde pública
e a missão institucional precípua dos órgãos públicos que eles representam?

1.4. O caos estratégico do equivocado modelo decisório de avanço para PQArs nacionais mais
restritivos

Segue abaixo extrato da Resolução Conama 491 de 2018:

“Artigo 4º

§ 3º Os Padrões de Qualidade do Ar Intermediários e Final - PI-2, PI-3 e PF serão adotados,


cada um, de forma subsequente, levando em consideração os Planos de Controle de Emissões
Atmosféricas e os Relatórios de Avaliação da Qualidade do Ar, elaborados pelos órgãos
estaduais e distrital de meio ambiente, conforme os artigos 5º e 6º, respectivamente.

§ 4º Caso não seja possível a migração para o padrão subsequente, prevalece o padrão já
adotado.”

A simples leitura dos requisitos dos parágrafos terceiro e quarto do artigo quarto da Resolução
Conama 491/2018, chama a atenção pela total fragilidade e inconsistência do mecanismo
decisório do avanço para PQArs nacionais mais restritivos, condicionado à conformidade
ambiental simultânea de todos e cada um dos estados da federação.

O Brasil tem 27 unidades da federação, 26 estados e o distrito federal. Diversas unidades, pelas
características regionais de concentração de atividade econômica e atividade veicular, podem
abrigar uma ou mais áreas urbanas que apresentam problemas de contaminação atmosférica.
Algumas dessas áreas, como São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória, Salvador, Curitiba e outras, já
tem estrutura instalada de monitoramento contínuo da qualidade do ar, mas nem todas elas,
procedem conforme as melhores práticas disponíveis. Essas, mal ou bem, já apresentam
capacidade para enviar ao governo federal seus respectivos históricos detalhados de qualidade
do ar.

O estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade sobre o panorama geral do monitoramento da


qualidade do ar no País indica a existência de monitoramento de qualidade do ar em apenas
40% das unidades federativas (11 unidades da federação); 10 estados em 4 regiões e o Distrito
Federal, excetuando-se a Região Norte. Os detalhes sobre o monitoramento da qualidade do ar
no Brasil podem ser obtidos no seguinte endereço eletrônico:

https://www.saudeesustentabilidade.org.br/site/wp-
content/uploads/2014/07/Monitoramento-da-Qualidade-do-Ar-no-Brasil-2014.pdf

O estudo desse Instituto denuncia uma preocupante realidade de histórica negligência de uma
parte significativa das autoridades ambientais no País com o monitoramento da qualidade do
ar:

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- Aponta o não cumprimento do Pronar estabelecido há 30 anos - Resolução Conama 05/1989,
no que diz respeito a: Rede Nacional de Monitoramento da Qualidade do Ar; Programa Nacional
de Avaliação da Qualidade do Ar; Coordenação da gestão e fiscalização no âmbito federal.

- Indica o histórico não cumprimento da Resolução Conama 03/1990 nos últimos 29 anos, no
que diz respeito a: atendimento aos padrões nacionais de qualidade do ar e episódios críticos
de poluição defasados frente aos novos conhecimentos científicos, em prejuízo à transparência
da informação e ao combate dos altos níveis de poluição atmosférica e seus efeitos sobre a
saúde da população; não cumprimento, por 60% das Unidades Federativas, da implementação
do monitoramento da qualidade do ar em seus territórios.

O estudo ainda menciona que passados 30 anos da criação do PRONAR, a Rede Nacional de
Monitoramento da Qualidade do Ar não foi implementada. O Ibama, como órgão responsável
pelo gerenciamento do Pronar, não formulou programas de controle, nem mesmo sua avaliação,
pois a Rede Nacional não existe, como informação compilada pública e eletrônica. O próprio
Ministério do Meio Ambiente - MMA, em 2009, concluiu que houve poucos ganhos na gestão
da qualidade do ar no país decorrentes do PRONAR.

Nesse cenário, diversos centros urbanos de alta densidade de atividade industrial e/ou veicular,
com provável contaminação atmosférica em níveis superiores aos PQArs vigentes e aos da OMS,
ainda não contam com essa capacidade instalada de monitoramento da qualidade do ar,
tampouco com recursos humanos e estrutura técnica adequada em seus respectivos órgãos
ambientais para construírem no curto prazo redes operativas de monitoramento contínuo da
poluição do ar.

É, portanto, evidente, que, em nenhuma hipótese, no curto e no médio prazo, haverá


informação abrangente disponível e confiável para tomada de decisão em consenso nacional,
sobre a possibilidade de avanço para os padrões nacionais de qualidade do ar subsequentes
(PI2, PI3 e PF).

Sem contabilizar os esforços institucionais e investimentos para capacitação de pessoal e


implantação da estrutura administrativa para o gerenciamento de uma rede de monitoramento
da qualidade do ar, o investimento na instalação de uma rede é relativamente alto, e é
proporcional à extensão das áreas a serem monitoradas e do número de estações que se deseja
instalar. Um exemplo, para se ter noção da ordem de grandeza dos recursos necessários, é
apresentado no endereço eletrônico que segue:

http://www.qualital.com.br/ambiente-qualidade-do-ar/

“As 16 novas estações automáticas de monitoramento da qualidade do ar e de meteorologia


foram instaladas, ampliaram e modernizaram uma rede já existente de monitoramento da
qualidade do ar no estado.

No total, somando-se às cinco estações que já existiam, o Estado do Rio de Janeiro conta
atualmente com 21 estações de monitoramento da qualidade do ar em operação. Essa rede de
estações servirá para medir os índices de poluição em regiões próximas aos locais de
competições das Olimpíadas do Rio.

O Governo do Estado investiu (em 2012) R$ 28 milhões na instalação e operação dessas novas
estações em pontos próximos dos estádios e arenas olímpicos .........”

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Ainda que (na mais otimista das hipóteses), daqui a cinco ou seis anos, haja uma quantidade
bem maior de informação disponível da qualidade do ar nas dezenas de regiões/cidades que
apresentam problemas de altos níveis de poluição do ar, somente algumas poucas dessas
regiões terão promovido efetivamente as ações essenciais e suficientemente abrangentes de
controle de emissões atmosféricas. Entretanto, as unidades da federação inadimplentes terão
em mãos, e certamente poderão apresentar ao Conama abundantes justificativas, testemunhos
de autoridades, e farta documentação para justificar sua suposta impossibilidade de fazer a
“lição de casa”, com a adoção de um pacote eficaz de medidas de controle de emissões. Essa
conhecida e histórica “choradeira” das autoridades ambientais vem ocorrendo até mesmo nas
regiões mais ricas, como São Paulo e Rio de Janeiro - quem dirá nas regiões mais carentes de
recursos.

Por outro lado, o (leniente) parágrafo quarto do artigo quarto da Resolução Conama estabelece
exatamente o seguinte, de modo extremamente vago:

§ 4º Caso não seja possível a migração para o padrão subsequente, prevalece o padrão já
adotado.”

Trata-se de dezenas de áreas contaminadas no território brasileiro, cada uma com sua história
e respectiva conjuntura local; e a decisão a ser tomada pelo Conama de migração para o padrão
de qualidade do ar subsequente, não será de caráter individual, focada em uma área
contaminada específica; ela é essencialmente de cunho coletivo, de abrangência nacional - igual
para abranger todos os estados. Daí, conclui-se, que a decisão de avançar para um padrão de
qualidade do ar mais restritivo, somente poderá ser tomada pelo Conama se todas as dezenas
de áreas contaminadas do País, simultaneamente, derem o sinal verde ao Conama para tal. Mas,
dada a precariedade institucional e estrutural em boa parte do território nacional, essa situação
dificilmente ocorrerá no Brasil tão cedo.

A seguir, indica-se a chave para o entendimento dessa bizarra situação criada pelo Conama. O
“timing” para uma migração segura (modelo invertido vigente do “burro à frente da cenoura”)
para padrões nacionais unificados de qualidade do ar, será determinado pelo elo mais fraco e
mais lento da corrente: o estado/região/município com problema de contaminação atmosférica
com menos capacidade, estrutura e menos vontade política de desenvolver um pacote eficaz de
controle de emissões.

Esse mecanismo (de nivelamento pelo pior) tem ainda o fatal agravante do “efeito dominó” de
esvaziamento das possíveis políticas de controle de emissões em estados que estão melhor
estruturados para atingir mais rapidamente os padrões mais restritivos:

.... Com tantas prioridades de governo prementes na frente, por que razão investiriam sua
energia institucional no controle da poluição, se ainda não há no horizonte padrões nacionais
desafiadores em vigor a serem compulsoriamente atingidos em um prazo fixo? ....

Trata-se, portanto, de uma estratégia equivocada, que se caracteriza essencialmente pela


abertura de espaço para confusão generalizada, contestação por agentes políticos e do setor
produtivo com grande influência sobre agentes decisores federais.

A consequência desse modelo “inovador” de gestão da qualidade ambiental, será a


procrastinação continuada (deliberada ou não) da capacitação de recursos humanos, da
captação de recursos financeiros, do projeto e instalação de estrutura de monitoramento
operativa; e da deflagração das diferentes medidas essenciais típicas de controle de emissões,
já muito atrasadas. Os avanços, na velocidade do elo mais lento, faz como que todos os demais

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elos (unidades da federação) percam a motivação e a pressa para monitorar a poluição
ambiental e controlar as emissões.

Não se trata aqui de ceticismo crônico e preconceituosa falta de confiança nos agentes públicos
competentes; a intimidade do comportamento histórico majoritariamente negligente das
autoridades governamentais ambientais brasileiras tem sido evidenciada reiteradamente, como
se fosse uma atitude do tipo Business as Usual, tanto no campo do monitoramento da qualidade
do ar, quanto na carência das medidas essenciais abrangentes de controle. O Brasil, que teve
um arremedo de pioneirismo inovador no início da década dos anos 90, com a criação do
Proconve e do Pronar, desacelerou rapidamente, perdeu o protagonismo regional e ficou para
trás na corrida da gestão da qualidade do ar, mesmo entre países da América Latina.

Infelizmente, é impossível imaginar que esse mecanismo decisório aberrante, sem prazos fixos,
do avanço para padrões nacionais de qualidade mais restritivos, tenha alguma chance de
sucesso. Trata-se de um mecanismo vago, leniente e que dá margem a todo tipo de contestação
por parte dos estados inadimplentes.

Esse mecanismo (retirada dos prazos fixos originalmente estabelecidos) foi uma improvisação
de última hora inventada pelo Governo do Estado de São Paulo, em meio a um trâmite polêmico
no âmbito do Consema em 2013, especialmente para atender as fortes pressões do setor
produtivo, e foi levado pelo pressionado Governo do Estado de São Paulo como o modelo a ser
seguido no fórum nacional do Conama.

Em verdade, esse mecanismo coloca o Conama numa situação de absoluto caos decisório; e isso
favorece a subjetividade, a contestação, os invariáveis pleitos procrastinadores do setor
produtivo, e por fim, o confortável e corriqueiro imobilismo institucional no campo do
monitoramento da poluição e das medidas de controle de emissões. Nesse cenário de flacidez
regulatória, diversidade e precariedade conjuntural, pressão política do setor produtivo,
sobressai o alto potencial de inadimplência futura continuada.

Parece, portanto, óbvio, que a decisão convencional, simples e correta, a ser tomada, é a
imediata revisão desse requisito da Resolução 491/2018 do Conama e estabelecimento de
prazos fixos adequados para entrada em vigor dos padrões mais restritivos de qualidade do
ar - conforme a proposta original que foi impiedosamente mutilada pela maioria concertada dos
membros da Câmara Técnica do Conama, fragorosamente a favor dos anseios dos
representantes do setor produtivo.

É claro, que muitos estados/regiões/cidades brasileiras terão maiores e menores desafios para
atingirem os PQArs mais protetivos em caso de novos prazos fixos determinados pelo Conama;
mas, nos casos de não atendimento dos PQArs, a exemplo da prática corrente de outros países,
poderão ser feitos Termos de Ajuste de Conduta customizados, na medida exata da capacidade
e possibilidade de cada estado/região. Assim, seriam modulados e otimizados nas áreas ainda
não-conformes, os prazos de implementação das medidas essenciais de controle da poluição do
ar necessárias ao atendimento dos PQArs mais restritivos; e lembre-se, nenhum técnico de
nenhuma instituição de proteção ambiental no País, será acionado na justiça em caso de
inadimplemento do estado em atingir as metas previstas, conforme já citado neste documento.
Trata-se de uma hipótese absurda - a não ser que agentes públicos sejam deliberadamente
negligentes no cumprimento de suas obrigações funcionais e cometam infrações que afrontam
a legislação que rege a conduta profissional de agentes públicos.

2. Sobre a viabilidade da adequação tecnológica

10
Não há nenhuma contradição ou preciosismo nas propostas de implementação e adequação das
singelas ações de controle de emissões, especialmente para os veículos automotores equipados
com motores a combustão interna - grandes responsáveis pela maior parcela da poluição do ar
nos grandes centros urbanos.

Entretanto, sempre será considerada a gradual adoção de novos e eficientes combustíveis,


energias e tecnologias mais limpas, como, por exemplo, a dos consagrados e economicamente
viáveis biocombustíveis (etanol, biodiesel, HVO - óleo vegetal hidratado), gás natural ou
biometano, e mais recentemente, a eletrificação do transporte público, que já se apresenta
atualmente em níveis economicamente competitivos com o diesel convencional poluidor (Figura
5-7 - pag 71 - International Evaluation of Public Policies for Electromobility in Urban Fleets –
International Council on Clean Transportation – ICCT)

https://www.theicct.org/sites/default/files/publications/ICCT_Brazil-Electromobility-EN-
01112018.pdf

A frota circulante sempre demora a ser substituída. Trata-se de um processo gradual. Serão
ainda produzidos e comercializados no Brasil dezenas de milhões de unidades de veículos com
motores convencionais nos próximos 20 ou 30 anos; assim, esses devem necessariamente estar
necessariamente em conformidade com os melhores padrões tecnológicos existentes de
proteção da saúde humana. É inadmissível, que ao longo da vida útil de 20 a 30 anos de um
veículo diesel moderno, não haja qualquer tipo de iniciativa de política pública articulada para a
adoção de práticas adequadas de inspeção e manutenção e dos hoje triviais e bem-sucedidos
equipamentos de controle de emissão, que permitem uma drástica redução de poluentes
tóxicos e cancerígenos.

A título de ilustração preliminar, esse é o caso dos retrofits - filtros de material particulado com
mais de 95% de eficiência que são rotineiramente adaptados desde meados da década dos anos
dois mil em milhões de veículos existentes (em uso) produzidos originalmente sem os filtros.
(The Santiago de Chile Diesel Particle Filter Program for Buses of Public Urban Transport Model
Case for Cities of Emerging Countries and Success Story of the Swiss-Chilean Cooperation - Berne
– Switzerland/Santiago de Chile – November 2011).

https://www.vert-
dpf.eu/j3/images/pdf/article/25/Report_on_the_Santiago_de_Chile_DPF_Program.pdf

Existem centenas de referências disponíveis na internet sobre programas de retrofit (instalação


de filtros em veículos a diesel) em muitos países, como veremos mais adiante. Destaca-se neste
documento essa referência chilena porque se trata do mais importante programa de adaptação
de filtros da América Latina, em 3.200 ônibus urbanos de Santiago. De modo exemplar, ao
contrário das autoridades ambientais e de saúde brasileiras, o chileno zela pró-ativamente (ao
máximo quanto lhe é alcançável) pela melhoria da qualidade do ar e pela saúde
cardiorrespiratória de seus cidadãos. Desafortunadamente, ainda que os programas de retrofit
sejam simples, economicamente viáveis e consagrados desde o início da década dos anos dois
mil, as autoridades ambientais e de transporte público brasileiras jamais esboçaram iniciativas
objetivas para adoção disseminada dos filtros de partículas diesel em frotas urbanas.

A mesma falta de interesse em controlar a poluição urbana ocorre em relação a diversas outras
ações e medidas simples e essenciais detalhadas mais adiante.

11
3. Da continuidade do financiamento de agentes econômicos para processos poluidores

As tecnologias poluidoras - como a tecnologia Euro 5 citada nos estudos do ICCT - em que pese
serem obsoletas e responsáveis por um ambiente poluído, que ceifa milhares de vidas no Brasil,
continuam a obter financiamento de agentes econômicos que em sua maioria, já assinam pactos
de compliance, onde existem rigorosas salvaguardas éticas. Destacamos do Código de Ética do
BNDES os seguintes dispositivos que versam, dentre outros aspectos éticos, sobre qualidade e
sustentabilidade ambiental:

http://www.bndes.gov.br/wps/wcm/connect/site/a93394b5-0d84-4c2a-aa73-
b95593933e58/Codigo_de_Etica_BNDES_2016.pdf?MOD=AJPERES&CVID=lwrlH2B&CVID=lt3U
OpH&CVID=lt3h2QG&CVID=lt3aSE7

Pagina 8, Art 3, II
“... da valorização e do respeito à vida e à dignidade de todos os seres humanos,...”

Página 9
“IV. da justiça social, com o fim de assegurar a todos existência digna;
V. da prevalência do interesse público no desempenho de suas atividades;
VI. do desenvolvimento sustentável, proporcionando condições de vida ambientalmente
saudáveis e socialmente.....”

Página 50
“MISSÃO
Promover o desenvolvimento sustentável e competitivo da economia brasileira com geração de
emprego e redução das desigualdades sociais e regionais.”

Página 53
“Compromissos com o Desenvolvimento
Promovemos a sustentabilidade econômica e socioambiental em todas as nossas atividades.”

Página 54
“Espírito público
Nossa atuação é norteada pelo espírito público, expresso pelo compromisso inarredável com os
interesses da sociedade brasileira, o foco na coletividade e o zelo com os recursos públicos.”

Parece que a apresentação formal dos fatos citados sobre a defectiva tecnologia Euro 5
(Proconve P7) aos agentes financiadores, devidamente acompanhados dos índices de
morbidade com indicadores de nexo causal fartamente documentados pelo Laboratório de
Pesquisas Atmosféricas da Universidade de São Paulo, poderá ser um forte elemento de
convencimento para que o fluxo financeiro não continue sendo direcionado para tecnologia
suja.

O link abaixo trata do financiamento para aquisição e comercialização de máquinas,


equipamentos, sistemas industriais, bens de informática e automação, ônibus, caminhões e
aeronaves executivas:

http://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/financiamento/produto/bndes-finame-bk-
aquisicao-comercializacao

12
4. Revisão geral dos critérios e requisitos do PCPV (regulamentado pela Resolução Conama
418/2009)

Devido à ausência de critérios adequados na regulamentação atual do Plano de Controle da


Poluição Veicular - PCPV, os Planos publicados pelos estados relacionam uma série de medidas
de redução de emissões veiculares de modo genérico; isso não permite uma percepção apurada
de quais medidas foram ou serão de fato implementadas, quando e como, sob responsabilidade
de quem, seus custos, qual foi a contribuição de cada uma na redução das emissões para cada
poluente específico etc. As medidas são citadas sem método, de forma imprecisa, vaga e
genérica, sem avaliação de custos e cronograma e não são associadas a compromissos firmes
das instituições responsáveis pela gestão ambiental e dos transportes, com metas claras e
prazos fixos para sua implementação, identificação das fontes de financiamento etc.

A título de ilustração, observa-se, por exemplo, que a essencial inspeção veicular ambiental no
Estado de São Paulo - programa do tipo ganha-ganha e com custo zero para o Estado, que
poderia reduzir as emissões médias globais de partículas cancerígenas da frota diesel em cerca
de 20% (algo muito relevante para uma única medida) - é reiteradamente citada nas diferentes
edições do PCPV Paulista desde 1998, sem que tenha havido sua efetiva implantação até os dias
de hoje, por falta de vontade política e mesquinhas questões eleitoreiras, como no caso do
Município de São Paulo, que teve o programa cancelado de modo truculento e sem reposição
por causa de uma promessa de campanha.

https://cetesb.sp.gov.br/veicular/wp-content/uploads/sites/6/2018/01/PCPV-2017-2019.pdf

Mas, a cada versão do PCPV do Estado de São Paulo, lá está a (virtual) inspeção veicular
mencionada como medida de controle da poluição veicular. Trata-se nesse caso de um antigo e
persistente exercício de ilusionismo de gestão ambiental deliberadamente realizado pela
Agência Ambiental Paulista - justamente o órgão que mais danos trouxe à discussão nacional
dos novos PQArs, sugerindo ao Conama o modelo procrastinador de supressão de prazos para
a adoção da recomendação da OMS; além disso, essa agência levou ao Conama a proposta de
adoção dos desproporcionalmente altos valores de referência de episódios críticos,
completamente fora da realidade praticada no mundo.

Como consequência dessa falta de detalhamento de responsabilidades, metas claras e prazos


de implementação de cada medida, as ações de mitigação acabam levando anos para serem
implementadas, ou simplesmente, como no caso da inspeção veicular e outras medidas, não
saem nunca do papel, sendo sistematicamente repetidas nas versões consecutivas do Plano (“de
boas intenções”). Caberia, assim, a revisão da regulamentação do PCPV pelo Conama, de modo
a transformá-lo em um documento executivo pragmático e consequente.

5. Pacote de medidas essenciais típicas de controle de emissões

As medidas típicas essenciais, muitas delas sem custo para o Estado e eminentemente simples,
são lançadas repetidamente nos PCPVs dos estados, sem nenhum compromisso firme de que
serão de fato implementadas.

Esse é o caso da inspeção veicular; do equacionamento do problema da evasão do licenciamento


e da inspeção veicular; de programas disseminados de instalação de filtros adaptados (retrofit)
em frotas cativas diesel; dos muitos avanços necessários ao Proconve e ao Promot, como a
correção dos requisitos de comprovação da durabilidade de catalisadores, a implementação dos

13
sistemas de controle de vapores de combustível no momento do abastecimento dos veículos,
da antecipação do Euro 6 (Proconve P8); de programas de troca de combustível em frotas
urbanas (ônibus urbanos, caminhões de lixo, etc.) em substituição ao diesel; da utilização
adequada do opacímetro como ferramenta de controle preventivo de frotas diesel; da
fiscalização ostensiva instrumentada nas ruas da emissão excessiva de fumaça preta e do ruído
estacionário de veículos excessivamente barulhentos; dos programas de renovação de frotas;
de programas eficazes de incentivo à penetração de veículos elétricos na matriz de transportes;
da implementação de medidas de redução das emissões de dióxido de carbono - CO2 (gases do
efeito estufa), por veículos leves e pesados, conforme previsto desde 2009 nas políticas federal
e regionais de mitigação das mudanças climáticas; da implementação de medidas de restrição
de deslocamentos motorizados por transporte individual (pedágio urbano, zonas verdes de
baixo carbono, teletrabalho, gestão de demanda de deslocamentos corporativos - GDM) etc.

Ressalte-se, que a maioria dessas medidas demanda apenas uma articulação vigorosa por parte
dos agentes públicos e não requerem investimentos relevantes; algumas, como por exemplo, os
programas de renovação de frota, demandam instrumentos econômicos criativos para sua
realização. Outras encarecem minimamente os veículos, o que é aceitável do ponto de vista do
Princípio do Poluidor-Pagador e para evitar a transferência de custos para a saúde pública
(externalidades), amplamente absorvido pela sociedade moderna. Algumas medidas tem custo
zero e até ensejam benefícios econômicos decorrentes de sua implementação - como no caso
da inspeção veicular, que gera ganhos em economia de combustível, que suportam os custos da
taxa de inspeção e da manutenção periódica dos veículos.

Note-se, que, com algumas exceções, que ocorreram com muito atraso, a maioria absoluta
dessas medidas essenciais citadas não foram implementadas, sequer esboçadas, embora sejam
aplicadas há décadas em outros países e plenamente conhecidas pelas inertes autoridades
ambientais brasileiras. O fato que salta às vistas é que, neste campo, o Brasil andou para trás.

O PCPV, obrigatório para os estados desde 1995, foi regulamentado em sua última versão pela
Resolução 418 do Conama de 2009. Como mencionado, deve ser transformado em uma base
técnica e estratégica suficientemente detalhada e representativa da realidade regional, que
permita um consistente gerenciamento e rastreamento objetivo das medidas individuais de
controle das emissões veiculares, ao invés de ser campo estéril e vago, propício para o
seguimento da procrastinação de medidas essenciais de controle da poluição veicular.

5.1. Antecipação imediata da adoção da tecnologia Euro 6 para motores diesel em ônibus
urbanos

É preciso adotar imediata e definitivamente a tecnologia Euro 6 (Fase P8 do Proconve), que


introduz a partir da fábrica os filtros de material particulado nos veículos novos. Os filtros
praticamente eliminam as emissões de partículas cancerígenas dos veículos a diesel, principais
fontes de material particulado (MP) nos centros urbanos.

Mais abaixo segue o endereço eletrônico de um artigo do International Council on Clean


Transportation - ICCT, que detalha os argumentos técnicos sobre o estágio atrasado em que se
encontra o Brasil e sua perda de protagonismo no cenário mundial, no que se refere à adoção
de padrões tecnológicos mais avançados de controle de emissões. Ressalte-se, que a tecnologia
Euro 6 foi adotada em 2010 nos Estados Unidos e em 2012 na Europa. É incompreensível a
excessiva demora do Conama (sempre mais sensível aos reclamos da indústria do que à
necessidade do meio ambiente e saúde pública) para regulamentar a Fase P8 do Proconve ao

14
final de 2018, para vigorar somente em 2023. O danoso atraso dificilmente se explica quando
se considera o processo avançado de harmonização mundial da regulamentação do mercado
automotivo, relacionada com as emissões de poluentes, e a característica global da produção e
comercialização de veículos automotores.

Outro aspecto que causa estranheza, é que até o presente - em que pesem relevantes estudos
indicativos de gravíssimos problemas inerentes à tecnologia Euro 5 - não se discutiu de modo
transparente e, aparentemente, não houve da parte dos responsáveis pelo Proconve (Ibama e
Cetesb) qualquer iniciativa no sentido de investigar localmente em profundidade os conhecidos
problemas da tecnologia Euro 5, quanto às emissões de poluentes no mundo real das ruas em
regime de operação urbana. Se esses estudos tivessem sido realizados, poderiam ter levado, há
alguns anos, à mesma conclusão de alguns organismos técnicos especializados internacionais,
sobre a necessidade da imediata correção dos problemas existentes dos veículos diesel Euro 5,
concomitantemente com o avanço em caráter de urgência para a tecnologia Euro 6 (como
ocorrido há quase 8 anos em outros países).

Sabe-se que Euro 6 corrige os problemas da tecnologia Euro 5 e ainda, traz consigo os
imprescindíveis filtros de partículas - o que infelizmente ainda não ocorreu, implicando sérios
danos à saúde pública nas grandes cidades brasileiras, com dezenas de milhões de cidadãos
expostos a esses altos níveis de poluição não controlada por falta de iniciativa das autoridades
ambientais oficiais fortemente pressionadas pela indústria automotiva. A tal fenômeno, se
poderia eventualmente atribuir a alcunha de “Proconve Gate”.

A recente decisão de vetar o defectivo e poluente Euro 5, o quanto antes, para benefício de
dezenas de milhões de habitantes em áreas urbanas, já foi tomada no sistema TranSantiago (um
modelo de gestão ambiental de transporte coletivo para a América Latina), na frota de ônibus
urbanos da cidade do México, na India, China e em Londres, por recente decisão do atual
Prefeito Sadiq Kahn (ver referência no endereço eletrônico abaixo), que só aceita ônibus urbanos
Euro 6 no centro expandido de Londres, pois também lá os ônibus Euro 5 são sabidamente
defectivos quanto às emissões de poluentes em operação urbana.

https://www.london.gov.uk/what-we-do/transport/green-transport

Nesse sentido, o Comitê do Clima e Economia do Município de São Paulo propôs ao Executivo
Municipal em meados de setembro de 2017, o veto aos supostamente defectivos e caros ônibus
novos Euro 5, para a frota de ônibus paulistana e também a aquisição, a partir de 2019, somente
de ônibus Euro 6, que corrigem os amplamente anunciados problemas insanáveis dos Euro 5 e
ainda, trazem os filtros de partículas cancerígenas com mais de 95% de eficiência, praticamente
eliminando este que é o mais crítico de todos os poluentes. Essa proposta do Comitê do Clima,
ignorada pelo governo, está descrita no artigo da Associação Nacional de Transportes Públicos
– ANTP (ver item 6.3).

http://antp.org.br/noticias/ponto-de-vista/recomendacao-de-diretrizes-gerais-para-a-revisao-
do-artigo-50-da-lei-municipal-14-933-2009.html

Além de promover benefícios de grande valor (inclusive econômico) à saúde dos paulistanos,
segundo o International Council on Clean Transportation - ICCT, não há motivos plausíveis para
haver algum incremento significativo no custo dos ônibus Euro 6, comparativamente aos
equivalentes Euro 5 (Proconve P7):

"Nós completamos um estudo bem extensivo, e específico para o Brasil, onde concluímos que o
custo adicional da tecnologia Euro 6, que consiste no DPF (filtro de partículas) mais alguns outros

15
ajustes no motor, fica em torno de USD 2.000 para ônibus, então representa menos de 2% do
preço do veículo. .... O estudo concluiu que os benefícios do Euro 6 superam seus custos numa
razão de 11 para 1."

http://www.theicct.org/cost-benefit-analysis-brazil-HDV-emission-standards-p-8

http://www.theicct.org/blogs/staff/euro-VI-para-o-brasil-um-caminho-claro-para-ceus-mais-
limpos
As montadoras brasileiras já se mobilizam para fornecimento dos veículos Euro 6 para outros
países, enquanto seguem colocando no mercado brasileiro ônibus e caminhões equipados com
a cara e deficiente tecnologia Euro 5, que não trouxe para as ruas as reduções de emissão
apresentadas no igualmente defectivo processo de licenciamento ambiental em testes de
bancada em laboratório – que, aliás, precisa evoluir e adotar em sua completude os novos
padrões de teste, critérios e procedimentos do Euro 6, especialmente a comprovação do
atendimento dos limites de emissão regulados em operação de rua.

Caso houvesse algum zelo maior pela saúde dos brasileiros, e se houvesse de fato boa vontade,
os ônibus Euro 6 poderiam ser homologados no Brasil (como se fossem Euro 5, vigente), pois
atendem com muita folga os padrões de emissão dos obsoletos Euro 5. Os veículos já estão
sendo disponibilizados pela Mercedes, inclusive às centenas, para o exigente sistema de
Santiago - e também para Bogotá pela Volvo, que acaba de fornecer 700 ônibus Euro 5 com filtro
de partículas para a frota urbana do Transmilenio.

https://diariodotransporte.com.br/2019/01/28/mercedes-benz-vende-500-onibus-para-o-brt-
transantiago/?fbclid=IwAR3ZchM4fyI1srMY72LaMDMnpKpcrUhrmYX6tC7r0H5iwjb_jhWBoOkF
X5g

Enquanto a Volvo entrega em Bogotá esses 700 ônibus dotados de filtros e a Mercedes entrega
500 ônibus com tecnologia Euro 6 com filtro de partículas cancerígenas com eficiência de mais
de 95% - e com o defeito de funcionamento do velho e obsoleto Euro 5 vendido no Brasil
corrigido pela tecnologia Euro 6, para garantir a devida redução do tóxico NOx, também
precursor da formação do Ozônio troposférico - as passivas autoridades ambientais e do
transporte público brasileiras comandam sem nenhum constrangimento o despejo dos
defectivos ônibus Euro 5, sem filtro, e sem controle eficiente de NOx em áreas urbanas, até o
ano de 2023 (prazo excessivo regulado pelo Conama ao final de 2018).

A pergunta que fica: por que as autoridades brasileiras não fazem como chilenos, bogotanos e
mexicanos e encomendam ônibus Euro 6 ou Euro 5 com filtro para proteção da saúde pública
nas cidades brasileiras desde já? O que os impede? Parece que de trata de falta de iniciativa e
boa vontade; e da sucumbência da autoridade pública diante de pressões de quem quer vender
tecnologia obsoleta há muito amortizada e poluente, a perder de vista no Brasil – algo que, numa
leitura mais ousada, pode eventualmente ser interpretado como captura de decisões prioritárias
de Estado por grandes conglomerados empresariais da área automotiva.

Assim, como atingiremos os níveis mais protetivos de qualidade do ar, com políticas que
reforçam alienação das autoridades ambientais brasileiras? Daí a importância da entrada em
vigor de padrões de qualidade com prazos fixos, o que será um estímulo e uma razão para
justificar uma postura mais agressiva das autoridades ambientais e de saúde brasileiras.

16
5.2. Inspeção veicular anual obrigatória com prioridade para veículos a diesel

No campo do controle das emissões dos veículos em uso, uma medida essencial e urgente é a
discussão no âmbito do Conama de mecanismos regulatórios eficazes que garantam a imediata
implementação prioritária de programas de mitigação de emissões veiculares como, por
exemplo, a inspeção veicular - obrigatória por lei federal desde 1997, mas não cumprida (à
exceção do Estado do Rio de Janeiro, que cancelou recentemente seu programa, e do Município
de São Paulo, que extinguiu seu programa, iniciado em 2008, em 2013).

Eis abaixo um exemplo de mecanismo de indução baseado em sanções econômicas, que o


governo federal americano exerce sobre os governos estaduais, conforme citado pela
publicação da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos:

https://www.nap.edu/read/10728/chapter/6#124

“Institutional Accountability in the SIP Process

The original 1970 CAA Amendments required SIPs (State Implementation Plans) to demonstrate
that the primary National Air Quality Standards - NAAQS would be achieved in every area within
a state by 1977 at the latest. When most urban areas of the country failed to meet that deadline
for one or more pollutants, Congress amended the statute in 1977 to require states to
demonstrate that attainment of NAAQS would be achieved in every area by 1987 at the latest.
In addition, the 1977 Amendments provided for sanctions that EPA could impose upon states
that failed to submit adequate plans and for states that did not attain the standards by the
deadlines. In especially difficult cases, EPA could take action by writing a federal implementation
plan (FIP). Possible sanctions included the withdrawal of federal highway funds for all but the
most critical safety-related highway projects in the area and a ban on construction of new
major stationary emission sources in the area. In the mid-1980s, EPA instituted sanctions on a
few areas that failed to meet the 1983 deadline for PM and SO2 …..”

O fato é que a simples instituição de um mecanismo regulatório baseado em sanções aos


gestores inadimplentes, traz a certeza de que a lei ambiental será cumprida.

Os motivos do desrespeito à lei ambiental pelos próprios agentes oficiais são geralmente
eleitorais, podendo incluir a falta de orientação adequada quanto aos amplos benefícios das
medidas de despoluição à sociedade. Essa é a realidade atual brasileira.

No caso dos prioritários programas de inspeção veicular de veículos diesel, seu raio de circulação
típico é muito amplo. Mesmo que eles estejam registrados fora de áreas contaminadas, uma
parcela desses veículos contribui com as emissões de particulados nas áreas contaminadas
críticas, e isso requer especial atenção das políticas públicas de proteção ambiental e da saúde
pública.

O potencial médio de redução das emissões totais anuais da frota circulante de MP ultrafino
cancerígeno desses programas, se implementados de modo abrangente, é da ordem de 15 a
20% (FIGUEIREDO, S. A. Benefícios ambientais com a implantação da Inspeção Técnica Veicular,
Seminário Inspeção Técnica Veicular, 2003, São Paulo, 2003); e a redução do consumo de diesel
e emissões de gases do efeito estufa (CO2), é de cerca de 5% - uma contribuição muito relevante.

Ressalte-se, que essa expressiva economia média de combustível, compensa integralmente os


gastos com a tarifa anual de inspeção e manutenção preventiva e corretiva, o que torna essa
política pública desejável por todos, plena de benefícios sócio-ambientais e praticamente sem
custos diretos para a sociedade e para as instituições governamentais; pelo contrário, os

17
benefícios ambientais e de saúde pública indicados na bibliografia, convertidos em valores
monetários, são geralmente muitas vezes maiores do que os custos envolvidos com taxa de
inspeção e manutenção mecânica.

Segundo comunicação pessoal do ex-gerente de programas de controle de veículos em uso da


Cetesb, Eng. Olimpio Alvares, a redução de modo eficiente das emissões de MP ultrafino da frota
circulante com a inspeção veicular anual dos veículos diesel, resultaria em São Paulo, por
exemplo, num impacto inquestionavelmente relevante, da ordem de até 6% de redução das
concentrações atmosféricas de MP - se o programa fosse cem porcento abrangente e bem
implementado.

Com mais de vinte anos de atraso, o Governo do Estado de São Paulo anunciou em 01.02.2017,
por meio da sua Secretaria do Meio Ambiente, que iria implementar o Programa de Inspeção de
Veículos a Diesel em todo Estado a partir de 2018 - ano de eleições gerais. Tratava-se de notícia
auspiciosa, entretanto, o fato de o anúncio mencionar que a operação das inspeções seria
realizada diretamente pela própria Cetesb, por meio de suas agências distribuídas em todo
Estado, trazia preocupação aos especialistas. É amplamente sabido, inclusive pelos próprios
técnicos da Cetesb que estudam o assunto há mais de trinta anos, que a operação
governamental direta dos programas de inspeção veicular é uma tarefa institucionalmente
pesada e extremamente arriscada - especialmente para uma frota de cerca de um milhão de
veículos. Empresas de governo não detém as mínimas condições necessárias para a operação
desse sistema - em todos os sentidos.

O artigo apresentado no endereço a seguir detalha as razões pelas quais a inspeção


governamental não é recomendada em nenhuma hipótese. Essa inciativa verbal do Governo
Estadual Paulista, que afinal não foi além do seu anúncio, foi mais um exercício do ilusionismo
de gestão ambiental do governo paulista, com a continuidade da procrastinação da
implementação de um sistema simples e adequado de inspeção veicular, no Estado mais pujante
da federação.

http://www.antp.org.br/noticias/ponto-de-vista/a-operacao-governamental-da-inspecao-
veicular.html

Quantas dezenas de milhares de mortes por aumento evitável das concentrações de material
particulado ultrafino cancerígeno poderiam ter sido evitadas nos últimos 22 anos, se o governo
paulista cumprisse de fato a lei da inspeção veicular, logo em seguida à sua promulgação em
1997, acompanhada de um pacote singelo de outras medidas simples e baratas!

Uma vez que a Prefeitura de São Paulo teve uma experiência relativamente exitosa durante
cinco anos (2008 a 2013) com a pioneira operação terceirizada da inspeção ambiental de
veículos, caberia aos organismos reguladores e gestores locais sugerir os modelos adequados
contratuais de operação do sistema, nos quais o papel do Poder Público deveria
preferencialmente limitar-se à rigorosa e isenta supervisão e auditoria física e estatística das
estações e linhas de inspeção, bem como à severa aplicação de penalidades contratuais por
falhas persistentes de performance contratual; esse sim tem sido o típico e mais adequado papel
do Poder Público nos programas de verificação técnica veicular em todo mundo.

Ressalte-se, que não há custo para as atividades de supervisão contratual citadas, uma vez que
essas são geralmente remuneradas com um pequeno percentual da taxa da inspeção, paga pelo
proprietário do veículo (jamais com recursos próprios do tesouro).

18
A propósito, a previsão detalhada em regulamentação de requisitos objetivos mínimos de
auditoria e controle de qualidade das estações de inspeção devem necessariamente fazer parte
da regulamentação nacional da inspeção veicular, que carece de ampla revisão, incluindo
procedimentos técnicos gerais atualizados, compatíveis com a tecnologia veicular atual.

Recomenda-se, ainda, para estímulo à competição pela qualidade do serviço e para evitar
eventual impugnação do processo licitatório, a inclusão de requisitos regulatórios para que não
haja um prejudicial monopólio de operação do sistema com exclusividade a uma única empresa,
como ocorreu recentemente no Município de São Paulo.

É importante ressaltar, que em todo mundo predominam os programas de inspeção veicular


integrados, onde numa mesma linha de inspeção são verificados os itens de segurança e
emissões de poluentes dos veículos. Este é, sem dúvida, o modelo que atenderá de modo eficaz
o interesse público, a conveniência, os direitos dos consumidores, a segurança viária
(contribuindo com a redução das mortes no trânsito, atualmente assombrosas 60 mil por ano,
sem contar as centenas de milhares de casos de invalidez temporária e permanente e perdas
materiais) e a qualidade ambiental. No entanto, naturalmente, a inspeção isolada de emissões
ambientais é melhor do que nenhuma inspeção e principalmente, não custa nada para o Estado,
pois quem remunera os operadores privados são os próprios usuários de veículos mediante o
pagamento da taxa de inspeção (Princípio do Poluidor-Pagador).

Ressalte-se, que há mais de 20 anos, países como México, Chile, Argentina, todos os países
desenvolvidos, adotam com sucesso a inspeção veicular conforme as melhores práticas, assim,
não há qualquer motivo pelo qual o Brasil, não possa cumprir o artigo 104 da Lei Federal
9.503/1997, que obriga a execução da inspeção veicular em todo território nacional desde 1997.

No estudo a seguir, o International Council on Clean Transportation - ICCT cita diversos exemplos
de programas de inspeção veicular em diferentes países: Review of current practices and new
developments in heavy-duty vehicle inspection and maintenance Programs:
https://www.theicct.org/sites/default/files/publications/HDV%20insp-
maint%20White%20Paper%20v2.pdf

5.3. Evasão do licenciamento

A gigantesca evasão descontrolada do licenciamento anual que ocorre no País pode tornar a
inspeção veicular quase inócua e deve ser equacionada. Sem coibir a evasão da frota do
licenciamento, a eficiência de programas de fiscalização de trânsito para melhoria da qualidade
do ar e da segurança viária fica prejudicada, pois esses veículos são imunes a multas. Os que
evadem também são imunes aos programas de inspeção veicular, com o agravante de que são
eles, os mais inseguros e poluentes, pondo a perder grande parte do esforço para o controle da
poluição urbana e do aquecimento global. Questiona-se, inclusive, o valor real de um programa
de inspeção veicular dirigido apenas à parcela mais nova e “bem-comportada” da frota e
deixando de lado os evadidos, velhos, perigosos e sujos.

As autoridades de trânsito e ambientais tem sido historicamente omissas em relação ao


equacionamento do gravíssimo problema da evasão do licenciamento anual. Trata-se de uma
ameaça constante à integridade física e à saúde da população. O problema sequer é mencionado
nos fóruns de segurança automotiva e meio ambiente. Mas, o eventual foco das autoridades na
implementação objetiva da inspeção dos veículos a diesel, de extrema urgência, poderá em
breve abrir caminho para início das discussões do processo de equacionamento do gravíssimo

19
problema da evasão de cerca de 30% da frota circulante do licenciamento anual. Aliás, esse
percentual para as motocicletas, que são tipicamente muito mais poluentes do que os
automóveis, é da ordem de 50%, de acordo com informação do programa de inspeção veicular
realizado entre 2008 e 2013 pela Prefeitura de São Paulo.

Uma recomendação essencial ao Conama e ao Conselho Nacional de Trânsito - Contran nesse


sentido, é certamente a do estabelecimento de requisitos regulatórios na revisão das resoluções
que tratam da inspeção veicular, para que as autoridades de trânsito realizem estudos
permanentes e reportem sistematicamente os detalhes do fenômeno da evasão do
licenciamento: quantos evadem, idade média dos evadidos, quilometragem típica anual
percorrida (tudo separado por categoria e tipo de veículo, por município e no conjunto dos
estados). Este é o primeiro passo para que o Poder Público possa conhecer o tamanho real da
evasão, o que permitirá iniciar as discussões sobre uma possível solução para esse gravíssimo e
gigantesco problema, historicamente ignorado pelas autoridades governamentais.

5.4. Viabilização de programas de adaptação de filtros de material particulado no Brasil


(retrofit)

Recentes workshops consecutivos, realizados no início de 2017 pelo International Transport


Forum da OECD, International Council on Clean Transportation (que revelou o Diesel Gate), Clean
Air Institute (organismo criado pelo Banco Mundial que apoia programas de melhoria da
qualidade do ar na América Latina e Caribe), California Air Resources Board e Environmental
Protection Agency dos Estados Unidos, representantes especializados da União Européia, Chile
e Brasil e autoridades ambientais locais da Cidade do México e da Área Metropolitana de
Medellin na Colombia, trataram de discutir exaustivamente uma estratégia emergencial para
redução da contaminação atmosférica que vitima dezenas de milhares de pessoas todos os anos
nessas áreas urbanas, de modo similar às grandes cidades brasileiras. Como esperado, os
retrofits constaram novamente entre as mais relevantes e custo/efetivas medidas de redução
da contaminação atmosférica recomendadas pelos especialistas.

Retrofits são filtros de partículas finas e ultrafinas do diesel adaptados em veículos e motores
diesel existentes, geralmente equipados com motores a partir da tecnologia Euro 3 (Euro 3 e
Euro 5) - ônibus urbanos, escolares, de fretamento, caminhões de entrega em áreas sensíveis,
de coleta de lixo (especialmente pela questão laboral dos coletores, que correm por horas a fio
dentro da pluma de fumaça dos veículos), moto-geradores, embarcações etc. Os retrofits,
podem (e devem) também ser objeto de programas específicos destinados às máquinas de
construção civil, pavimentação, mineração, onde também a questão da salubridade laboral é
essencial etc.

Os filtros adaptados nos veículos e motores a diesel são utilizados como medida de efeito
imediato e drástico no combate à poluição do ar emitida em grandes quantidades,
principalmente pelos veículos mais velhos. Os veículos diesel produzidos originalmente sem
filtros, sobrevivem por até trinta anos e contribuem com a maior parcela das emissões de
particulados da frota.

Há abundante experiência internacional disponível para ser compartilhada com as autoridades


ambientais brasileiras. A instalação de filtros com redutor de NOx (SDPF) em veículos Euro 5 em
substituição ao deficiente SCR - Selective Catalytic Reduction System, é plenamente viável e
também pode corrigir a pobre performance desses veículos atuais na redução desse poluente
crítico, e consequentemente, do perigoso ozônio formado na baixa atmosfera - além de reduzir

20
drasticamente o MP cancerígeno. Os filtros também contribuem com o clima do planeta, pois
evitam as emissões de grandes quantidades do Black Carbon (BC) contido na fuligem,
responsável por cerca de um terço do efeito de forçamento climático.

Os filtros para retrofit - similares aos que serão instalados nos futuros veículos novos da próxima
fase P8 do Proconve (Euro 6), podem durar cerca de dez anos (um milhão de quilômetros), não
requerem manutenção rotineira (apenas uma limpeza simples anual) e são intercambiáveis
(podem ser retirados e reinstalados em outro veículo); tem potencial de redução imediata de
mais de 90% em massa das emissões de partículas cancerígenas (e 99% do número de partículas
ultrafinas nanométricas - as mais tóxicas - inferiores a 0,1 micron ou 0,1 milionésimos de metro).

O consumo real de combustível dos veículos “retrofitados” - a depender do tipo e


dimensionamento dos filtros - pode indicar reduções médias de até cerca de 10% pelo efeito da
redução da contra-pressão no sistema de escapamento com a instalação do filtro no lugar do
silencioso. Isso representa para os ônibus urbanos um "pay-back" do custo do filtro de três a
cinco anos, a depender do tipo de motor; e economia de cerca de USD 1,5 a 2,0 mil/ano por
veículo após o retorno do investimento.

Movido pela campanha nacional “Kein Diesel Ohne Filter” (nenhum diesel sem filtro), os retrofits
foram adotados em todo país na Alemanha, na década passada, como principal estratégia para
debelar de modo radical o problema do material particulado cancerígeno fino e ultrafino do
diesel. Todos os ônibus escolares dos EUA instalaram filtros devidamente aprovados e
certificados pela Environmental Protection Agency - EPA e pelo California Air Resources Board -
CARB, entre muitas outras frotas cativas naquele País, atendendo regulamentos federal e
estaduais, apoiados por fundos criados para esta finalidade. Recentemente, cidades
contaminadas da China também promovem a instalação de filtros em 10 mil ônibus e 12 mil
caminhões e seguem multiplicando os programas nas cidades mais contaminadas. A China
também desenvolve um programa de instalação de filtros em máquinas de construção civil e
mineração com apoio técnico Suíço. Muitas cidades europeias adotaram filtros em ônibus
urbanos e outras aplicações. Diversas cidades da América Latina também promovem programas
de sucesso de instalação massiva de filtros devidamente certificados, em veículos diesel de
circulação urbana: Santiago do Chile instalou 3,2 mil filtros em seus ônibus, Medellin está em
processo de testes e a Cidade do México, iniciou um novo programa em 2016, com a meta de
instalação em toda frota de ônibus urbanos e escolares e frotas cativas selecionadas de
caminhões de entrega, que ganham isenção no Programa de Rodízio local (Hoy no circula!). Há
cerca de dois milhões de filtros de particulados em operação no mundo.

http://vert-
certification.eu/j3/images/pdf/article/25/Report_on_the_Santiago_de_Chile_DPF_Program.pd
f

Por sua vez, o Prefeito de Londres acaba de anunciar um dos maiores programas de retrofit já
realizados no mundo envolvendo toda frota a diesel de ônibus de Londres de tecnologia anterior
a Euro 6. Todos os ônibus deverão atender os padrões de emissão similares a Euro 6, mediante
a realização de upgrade ambiental. Para tanto, o Poder Público acaba de iniciar o processo de
regulamentação da certificação dos filtros para atendimento da demanda da frota local e
treinamento de mão-de-obra para realização de milhares de adaptações. Londres quer sua frota
de transporte coletivo totalmente renovada e limpa em prazo recorde.

As iniciativas citadas demonstram que a consciência por parte da população e dos gestores
públicos a respeito da degradação da qualidade do ar, a vontade política, a vitalidade da

21
Administração e uma regulação singela, absolutamente descomplicada (como fizeram Santiago
do Chile, México e a cidade de Londres), que autorize a comercialização de modelos de filtros já
certificados em outros países por organismos de idoneidade reconhecida, são condições
indispensáveis para o sucesso de programas disseminados de retrofit, com vistas à despoluição
de cidades contaminadas pelo diesel.

Os filtros mais eficientes de fluxo total, tem custo entre 6 e 8 mil USD e os de fluxo parcial, com
metade da eficiência dos de fluxo total, tem custo entre 3 e 4 mil USD. Trata-se de um
investimento pequeno quando comparado, por exemplo, à instalação de ar condicionado em
ônibus, com custo aproximado inicial de USD 15 mil, custo anual de manutenção de um mil USD
e custo adicional pelo consumo de cerca de 10% a mais de combustível de cerca de 3 mil
USD/ano. Os filtros apresentam benefícios ambientais e sócio-econômicos muitas vezes
superiores aos custos envolvidos em sua implementação. O ICCT reporta um benefício 11 vezes
superior aos custos, relativo à introdução da tecnologia Euro 6 - com filtro semellhante aos
citados aqui. Há na bibliografia estudos disponíveis de programas de retrofit que confirmam sua
custo-efetividade.

Um mecanismo comum de custeio dos filtros, aplicado no Chile, é a extensão por dois ou três
anos do prazo de operação dos ônibus urbanos, cujo custo já foi amortizado nos dez anos de
operação contratual. Com essa extensão, o custo dos filtros é coberto, e os operadores tem
ainda ganhos financeiros com o adiamento da troca dos veículos por ônibus novos. No caso da
implementação de áreas de restrição da circulação de veículos poluentes (Zonas de Baixa
Emissão), os filtros podem ser o passaporte que isenta os veículos a diesel da restrição. Os
veículos com filtro podem ainda ter uma tarifa menor nos programas de restrição de circulação
do tipo rodízio ou pedágio urbano. Outra possibilidade de custeio dos filtros, são possíveis
projetos estruturados de aplicação massiva dos filtros mediante financiamento de fundos
internacionais de desenvolvimento limpo (os filtros reduzem as emissões de BC, segundo maior
agente do forçamento climático).

Recomenda-se, geralmente, a realização de programas piloto locais prévios com suporte técnico
especializado para verificação da performance das diferentes tecnologias de filtros. Há, porém,
resistências corporativas naturais das montadoras de veículos, cujo maior interesse é a venda
do maior número possível de ônibus novos, jamais a competente restauração ambiental de
veículos velhos, que apresentem performance de veículos novos Euro 6 (quanto à emissão de
particulados), a um custo muito reduzido; e sem apresentar os atuais problemas dos caríssimos
e defectivos ônibus mais novos Euro 5, que seguem abastecendo o mercado, embora com os
supostos graves problemas já sinalizados neste documento. Há também uma única experiência
mal conduzida e mal sucedida realizada há mais de dez anos em São Paulo de medição de um
único filtro mal dimensionado, que não pode - em nenhuma hipótese - sobrepor-se às fartas
evidências (inclusive atuais) da eficiência dos retrofits e aos milhões de filtros que seguem
produzindo benefícios ambientais, salvando milhares de vidas em todo planeta.

Quanto à adaptação de filtros em veículos de tecnologia Euro 5, sabe-se que existem


possibilidades de adaptação dos filtros de material particulado cancerígeno além dos SDPF,
especialmente nos veículos equipados com a tecnologia EGR. A esse respeito, existe um projeto
em andamento em empresas de coleta de lixo em São Paulo para execução em breve de testes
de performance desses filtros.

Diante de todas essas consistentes evidências da utilidade e viabilidade técnica e financeira de


diferentes programas de retrofit, nos mais diversos nichos da frota existente, bem como em
motores de máquinas de construção civil, moto-geradores etc, constata-se que os especialistas

22
e autoridades ambientais brasileiras - ainda que, aparentemente, sem motivos plausíveis –
também decidiram ficar de costas para uma das mais eficazes estratégias de redução da
contaminação por material particulado pela frota diesel. Essa atitude de capitulação frente a
mais esse pequeno, porém, importante desafio do desenvolvimento ambiental brasileiro, soma-
se à incompreensível resistência das autoridades constituídas à imediata atualização dos PQAr
para valores convergentes com a recomendação de 2005 da OMS e à inaceitável procrastinação,
por muitos anos, da implementação da inspeção veicular (não apenas da frota diesel), da
regulamentação da fase Euro 6 do Proconve, da implementação da regulamentação do simples
e barato sistema de controle das emissões de vapores durante o abastecimento de veículos
leves em postos de combustível (que desde 1996 equipam os veículos americanos), da correção
da distorção dos requisitos regulamentados pelo Conama de comprovação da durabilidade de
catalisadores de automóveis e motocicletas, da regulamentação de limites de emissão de CO2
de veículos leves e pesados, entre outras diversas medidas de grande relevância para a gestão
da qualidade do ar - todas não realizadas.

Dado o evidente desconhecimento dos especialistas brasileiros sobre esta matéria, o PROAM
sugere ao Ministério do Meio Ambiente, a realização imediata, de um seminário técnico
internacional com a participação de representantes da área da saúde pública e qualidade do ar,
do Climate and Clean Air Coalition (CCAC) - que encabeça a Campanha Mundial "Soot-free Bus"
- e de autoridades e especialistas que operam ou participaram da implementação de programas
em larga escala de adaptação de filtros em motores diesel, visando a: ampliar o conhecimento
local sobre o potencial de contribuição dos filtros no combate às mudanças climáticas (com a
redução de Black Carbon) e à contaminação por material particulado fino cancerígeno; conhecer
em detalhes os mecanismos praticados em diversos países para certificação da qualidade dos
filtros, a serem replicados no Brasil; conhecer as possíveis vias para o engajamento do Município
de São Paulo a programas similares, tais como o Soot-free Bus e o Clean Bus Declaration do C-
40 e; levantar informações sobre as formas de acesso às fontes de financiamento disponíveis
dentro e fora do País.

http://www.ccacoalition.org/en/content/soot-free-urban-bus-fleets

http://www.c40.org/blog_posts/c40-clean-bus-declaration-urges-cities-and-manufacturers-to-
adopt-innovative-clean-bus-technologies

O esclarecimento geral sobre essa medida estratégica para redução da contaminação diesel e a
edição de uma simples resolução ou portaria contendo o procedimento de autorização para
comercialização no Brasil de filtros certificados em organismos certificadores internacionais
devidamente reconhecidos, bastaria para instrumentar as autoridades ambientais e de
transportes locais a desenvolverem seus programas de disseminação de filtros adaptados em
motores e veículos diesel.

5.5. Regulamentação pelo Conama de limites de emissão de CO2 por veículos leves e pesados

Há mais de dez anos os países desenvolvidos iniciaram o processo de regulamentação da


limitação das emissões de CO2 por veículos automotores como parte do esforço global de
mitigação das emissões de gases do efeito estufa.

O PROAM entende que o Brasil não pode se furtar a seguir os passos de outros países visando
ao desenvolvimento de uma regulamentação consistente para veículos leves e também para os
veículos pesados, para aumento de eficiência energética ou redução de emissões de

23
CO2/consumo de combustível, impondo limites máximos para atendimento em prazos
claramente determinados.

As medidas deverão seguir preferencialmente as diretrizes regulamentadas na Europa e Estados


Unidos, que estão promovendo uma revolução tecnológica, que resulta na melhoria contínua
da eficiência energética global da frota circulante, no downsizing dos veículos, com redução do
consumo e das emissões de CO2.

Os requisitos definidos em 2013 exclusivamente por representantes da indústria, sem a


participação efetiva de organismos ambientais, no âmbito do Programa Inovar Auto,
coordenado pelo Ministério de Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), não foram
suficientes e duradouros, tendo sido aplicada uma única meta para 2017 somente para os
automóveis, muito próxima de uma progressão do tipo business as usual. Assim, o País está
ainda em mora com a definição de requisitos mais ambiciosos, que de fato possam ser elencados
como medida eficiente para reduzir emissões fósseis de CO2 da frota nova comercializada no
País, no âmbito do compromisso brasileiro de mitigação das emissões de gases do efeito estufa
(GEE), firmado na COP-21 de Paris em 2015. Já passou da hora de o Brasil começar a agir
concretamente para lastrear minimamente o tão propalado protagonismo que exerceu na
articulação de propostas de mitigação de emissões de GEE nas conferências internacionais do
clima (COPs).

5.6. Medidas de redução de emissões veiculares complementares

- Correção do requisito de comprovação da durabilidade de catalisadores de motocicletas e


automóveis: há uma notável ausência de providências dos agentes reguladores visando à
correção das distorções que podem estar diretamente relacionadas com o não-atendimento dos
padrões de emissão ao longo da vida útil dos veículos automotores, já identificado em estudos
e atividades de monitoramento da frota em circulação em campo e laboratório. Os problemas
são devidos provavelmente à excessivamente curta durabilidade dos catalisadores brasileiros
de automóveis e motocicletas - resultado de inadequados requisitos de comprovação da
durabilidade dos sistemas de controle de emissões constantes da regulamentação de
certificação ambiental de veículos novos. Os automóveis, por exemplo, devem comprovar no
Brasil a durabilidade dos sistemas de controle de emissões por 80 mil km, enquanto nos países
desenvolvidos esse valor é de 160 mil km.

A questão foi tardiamente regulamentada pelo Conama (com atraso de 30 anos) para os
automóveis a partir de 2023, entretanto, para as motocicletas ainda permanece pendente.

- Implementação do ORVR e atualização da regulamentação de testes de certificação das


emissões evaporativas: percebe-se um atraso excessivo na implementação da regulamentação
da tecnologia de controle das emissões evaporativas durante o abastecimento dos veículos leves
(conhecido por ORVR - On Road Refueling Vapor Recovery System, obrigatório nos veículos
desde 1996 nos Estados Unidos). Essas medidas configuram avanços tecnológicos fundamentais,
sobre os quais já nos referimos neste documento. A eficiência desses sistemas é superior a 95%
e esse controle de emissões de vapores de combustível representa a possibilidade de redução
de uma grande parcela do total das emissões de compostos orgânicos voláteis emitidos pela
frota veicular. É também necessário e oportuno neste momento, fazer a atualização da
regulamentação dos testes de certificação das emissões evaporativas de veículos leves e
motocicletas, harmonizando o procedimento brasileiro com os praticados nos Estados Unidos.

24
A questão foi tardiamente regulamentada pelo Conama (com atraso de 28 anos em relação aos
Estados Unidos) para os automóveis, a partir de 2023.

5.7. Política de incentivos à penetração de veículos elétricos

O espantoso avanço no mundo dos veículos elétricos nos últimos anos, vem chamando a
atenção de todos os players do mercado automotivo. Trata-se de uma revolução cultural em
curso. Entretanto, no Brasil, esse setor ainda carece de uma política pública específica de
incentivo à penetração gradual no mercado consumidor. Especialmente nesta fase inicial de
crescimento, é necessário discutir mecanismos regulatórios e incentivos tributários privilegiados
de caráter municipal, estadual e nacional. Diversos países, tem promovido a competitividade
econômica dos veículos elétricos e híbridos plug-in, por meio de isenção e redução temporária
de impostos na cadeia de produção das diversas categorias de veículos de duas, três ou mais
rodas e de todos os portes e aplicações, bem como da infraestrutura de geração distribuída,
armazenagem e abastecimento de energia.

Entende-se, que o tradicional apoio dos governos aos veículos flex-fuel e ao Proalcool, não pode
e não deve ser um empecilho para que haja, da mesma forma, um forte apoio à penetração
gradual de veículos elétricos - preferencialmente os compactos e os mini-veículos de uso
exclusivo urbano, compartilhado ou não - na frota nacional, sob pena de o País ficar
tecnologicamente estagnado e isolado no inexorável processo de desenvolvimento da dinâmica
e robusta indústria global dos veículos elétricos.

Considerando que os elétricos - dada sua natureza silenciosa e limpa, sob o aspecto local e global
- são os substitutos naturais dos veículos convencionais equipados com motores de combustão
interna, esses últimos já começam em muitos países a ser gradualmente suprimidos, ou mesmo,
com data já marcada, banidos das decisões locais de mobilidade urbana e das agendas nacionais
de incentivos tributários.

No Brasil, houve sensível evolução nos últimos anos da competitividade das formas renováveis
de geração de energia elétrica, como as usinas eólicas, fotovoltaicas, o biogás, bem como da
geração distribuída local, por meio de painéis solares fotovoltaicos instalados nos locais de
consumo. Isso tornará em breve o incremento do uso de veículos elétricos neutro em relação à
emissão de GEE.

Sugere-se, assim, que as autoridades ambientais, de desenvolvimento industrial e de


transportes brasileiras, municipais, estaduais e federais, abram suas portas para a oportuna e
estratégica estruturação técnica de programas objetivos que relacionem um pacote prioritário
emergencial de ideias, medidas, mecanismos regulatórios e incentivos diversos, que convirjam
com as tendências mundiais e, essencialmente, com as necessidades e propostas do setor de
veículos elétricos brasileiro – representado pela Associação Brasileira de Veículos Elétricos –
ABVE. Essa associação inclui as montadoras representadas no País, cada qual com sua linha
específica de produtos, que já atendem as necessidades do mercado internacional e aguardam
o bem-vindo desenvolvimento de condições favoráveis para seu rápido crescimento no Brasil.

Nesse sentido, há uma série de ideias de aplicações dos elétricos, que envolvem a articulação
proativa e decisão de autoridades ambientalistas e administradores de reservas e de áreas e
corredores urbanos sensíveis, que carecem de regulamentos específicos, que impliquem o uso
e passagem exclusivos de veículos elétricos, a exemplo do que já está sendo feito em outros
países e até mesmo em alguns locais no Brasil.

25
Alguns exemplos de ações governamentais desejáveis: zonas sensíveis urbanas ou recreativas
exclusivas de baixa emissão de poluição e de carbono, veículos de operação noturna em áreas
urbanas, transporte escolar, veículos de monitoramento e manutenção de parques e reservas
ambientais, corredores de ônibus, frotas de bicicletas e mini-carros elétricos de uso
compartilhado, adequação de diretrizes de emissão zero para Planos Diretores municipais e
Planos de Mobilidade Urbana Sustentável (obrigatórios para municípios brasileiros com mais de
20 mil habitantes) ajustados para incorporação das aplicações de transportes de emissões nulas,
ocupação plena da rede existente de trólebus, instalação de estações de recarga de veículos em
estacionamentos públicos e privados etc.

Lembre-se, que incentivos fiscais podem ser concedidos em caráter temporário, e que a escala
de produção e a concorrência aberta, tornará essa classe de veículos em breve competitiva e
independente de privilégios.

5.8. Gestão da demanda de deslocamentos motorizados

O Estado de São Paulo prevê em sua lei do clima (PEMC - Lei 13.798 de 2009 na SEÇÃO XII - Do
Transporte Sustentável) e no seu atual Plano Estadual de Controle da Poluição por Veículos
Automotores (PCPV) - além de outras muitas medidas não adotadas, passados 10 anos de sua
promulgação - ações efetivas de governo para o controle da demanda de viagens motorizadas
em transporte individual.

https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2009/lei-13798-09.11.2009.html

Além de aumentar a produtividade, incluir deficientes e trazer benefícios à empresa e


empregados, o Teletrabalho se consolidou no mundo desenvolvido como estratégia de melhoria
da mobilidade urbana e qualidade de vida, redução global do consumo de combustível, da
poluição e do aquecimento do planeta. É curioso, mas esse pacote de benefícios não possui
desvantagens, pois o trabalho em casa pode ser revertido a qualquer tempo pelo empregador
ou pelo próprio empregado.

Nas agências federais americanas, as virtudes ambientais foram o “main drive” para que o
home-office fosse instituído por lei desde os anos 90. Na Carolina do Norte, a redução
obrigatória em 20% na milhagem corporativa nas agências estaduais resultou em 100 mil
ton/ano de gases estufa evitados. No Brasil, há abundância de casos de sucesso - e também na
área pública: Banco do Brasil, Dataprev, TCU, TST, Receita Federal, Serpro, TJSP, Metrô etc.

O Governo Paulista, por sua vez, decidido a convergir com sua própria política climática, também
incluiu recentemente em suas leis e decretos e no Plano de Controle da Poluição Veicular (PCPV)
as medidas de restrição de viagens motorizadas – até o momento não implementadas.

Mas, a Secretaria do Meio Ambiente publicou em 2013, em parceria com a Sociedade Brasileira
de Teletrabalho e Teleatividades – Sobratt, um relatório de suporte para adoção do Teletrabalho
(Livro Branco do Teletrabalho), que se tornou a mais importante referência bibliográfica
brasileira sobre o tema.

Caberia, portanto, considerando a experiência desenvolvida em diversos órgãos públicos e


privados no Brasil e os novos compromissos da COP21; considerando a contaminação
atmosférica crônica, o caos da mobilidade urbana em São Paulo e os múltiplos benefícios que
esses programas trazem - e sem que haja qualquer risco à produtividade das empresas - dar

26
continuidade ao programa de home-office iniciado em 2013. Mas não foi o que ocorreu até o
momento presente.

http://www.sobratt.org.br/index.php/10082013-estudo-de-estrategias-de-gestao-de-
mobilidade-via-teletrabalho-e-teleatividades-no-estado-de-sao-paulo-resolucao-sma-n-24-de-
10-de-abril-de-2013/

Mas, na prática, os programas de home-office previstos na lei do clima e no PCPV, ainda não
decolaram no âmbito das empresas de governo e não há uma política pública eficaz de incentivo
ao teletrabalho para o setor privado. Caso tivesses sido implementados, esses programas
poderiam evitar centenas de milhares de deslocamentos motorizados nas áreas urbanas,
reduzindo significativamente as emissões de poluentes tóxicos e permitindo mais fluidez no
tráfego remanescente, o que pelo efeito sinérgico, reduziria ainda mais as emissões.

Caberia ainda, ao Ministério do Meio Ambiente, ao Ministério das Cidades – que coordena as
ações decorrentes da nova Lei da Mobilidade Urbana de forte viés sustentável – instituir, com o
apoio desse Livro Branco, uma política nacional objetiva de “ganha-ganha”, de incentivo às
empresas públicas e privadas, visando à adoção mais disseminada do Teletrabalho e também
dos Programas de Gestão da Demanda de Viagens Corporativas (GDV), na esteira da legislação
norte-americana.

http://www.ambiente.sp.gov.br/wp-
content/uploads/2013/09/Teletrabalho_e_Teleatividades_SMA_Ago20131.pdf

6. Considerações finais

As providências e ações essenciais de combate à poluição urbana citadas neste documento,


estão detalhadas no Manifesto do Ar Limpo, encaminhado pelo Instituto Brasileiro de Proteção
Ambiental – Proam em 2014 aos Ministros de Meio Ambiente, Saúde, Transporte e outras
autoridades da gestão anterior do Governo Federal. Embora o documento apresente em
detalhes as medidas e os argumentos que justificam sua urgência, muito pouco foi realizado
pelas autoridades ambientais, de transporte e planejamento nas três esferas de governo.

http://www.saudeesustentabilidade.org.br/site/wp-content/uploads/2014/09/Manifesto-Por-
Ar-Limpo-versao-final.pdf

Com a ratificação do compromisso brasileiro firmado na COP21, talvez estejamos neste


momento vivendo um momento propício à inflexão de atitudes, onde as essas ideias, iniciativas
e soluções sustentáveis prioritárias possam cair em solo fértil e gerar bons frutos para a melhoria
da qualidade de vida e contribuírem com a melhoria da saúde pública e com o controle do
aquecimento global, como previsto na recém-aprovada INDC brasileira.

Carlos Alberto Hailer Bocuhy Olímpio de Melo Alvares Junior

PROAM – Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental Assistente Técnico do PROAM

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