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TEORIADOS
SE NTOSMORAIS
Oll
1!nsí:lio llara uni.a an.áHse elos princípios pelcys quais os hom e ns
n~1turalmer1te julgam a cond .u ta e o caráter , priineiro de
seus próx: im os 1 clepois de si m.e sn1.os.

~4crescida de t.1rna
Dissertação sobre a origem das línguas -
de

Adam Stnith ·
Biografia crítica por
I)UG -.A.LD STEVVART

Trad ·u çã
., o
lYA 1 ~FT

Revisão
EUNICE OSTRENSJ<Y

Martins Fontes
São Paulo / 999
Nº Registro 027032
Data : 16/05/2002

Tt1ch,;lo
LIALUFr

Rt, ·b.l~ da trltd•ciio Sumário


E11nluô•rtru#;y
H.t•ll5Aoir•nu
li'iltty fic:a110 8Mi.Ua
li'tltB111is1a
Jos So,uw
Prucs~çauvlln..:11
Gf1ald0Alw-1
l)•i;l n1çAo/Fotol to1 111
11wofia critica, por ouga/d Stewart ..... XI_
Slud/o J D,wno(\ •/,u,uo E.dtl'Jrlo l (69J7-71'.UJJ
e,,,.
Alr .wndn Maflins Fo,1fn
Kwlu IJ .ll/WIÍ n1il)UU!
PRIMEIRAPARTE
DA CONVEN[ÊNCIA DA AÇÃO
Dados l.11mw:loruikdt Catalopçio na Pubkaçio (CW)
(t.:lnuni Ur~ldr• 00 lJY!"O,SP, Br~
:itTllh, A42111, 171.)-1790. "iEÇAO I - Do sen.sode conveniência .. 5
r~oru00&M:nti.men1os1IOl'llh.
ou. Eru.do !Rfll 11011 11d.li:;e dos
prbdpiof. pdm quaiAos llocMru nau.ralm:ntc julpm • con,hta e Da shnpaLia ................... . 5
1J,;;-.hcf,p:b1tl,vlkX1ApíÓAb,.__.tv,uitdl:t1 n1CM1""'5,iK
lc.icid. li Do prazer da simpatia mútua . . .. 11
Ide Adam Smith ;
de uma diSM"rucloldon: 1 origrm du 11(11:U:IS
1ruuçt. L,.aLun: rcv• famicf:Oswruty.- SãoPaulo; )bnins
111f) a maneií..t pela qual julgamos a conve01enc 1a ou
l"'orMti, 1999. -( Paldt;a) Inconv eniência dos afet os alheios, por sua co nso-
1f1u10on,uw:· 1bcoryot mo.ai K:11unm1s. nfincia ou d isso nânci a em relação aos no ssos .......... . 15
ISB~ 15·J36-ll6'-3 IV Continuação do mesmo assunto .. 19
1 t, ,c:a- Obf,.. . ,.""""" " • 1800 1 lflulo li Tfrulo· &>saio V Das virtudes amáve is e respe itáveis 24
pua ...,. llllf.li,c dOI pnnefpm pelol quis oa btmcm rwval-
rnmic ,..1pcn • fflftlw to car.tto:r.pnRIICUO1k: kW J'f01.,■-.
rltpr,ic M ,1.-..,-, 1nurid■ ., utU di"'""1.1Çlo <Obrei «etm
"il·'.ÇAO II - Dos grau s dns diversas paixões compatíveis
da• lf~ . 111
.S!nt. com a conveniênc ia 29
9t·3416 CDD-170
l11diu~ pau cac6l"IOllS1,ntá4iro: /11/ruduçiio ........ ....................... . 29
I .Tu11l■ ll.i. .-.,uh:111:11~/!IU"illt. t.a.. 170
1. Das pacxões que se ? riginam do corpo ...................... 30
TodrJs os <llrt ltoJ pr11t1a tr11,:1t1p1mur11esa rnerm,fru à 11.Das paixões que se originam de um pendo r ou há-
l.ivrorio i';1ttrtim l'Otltes t,·dirora Ltd u. bito particular da imaginação .. 34
R,m Cmmlhrim R11mt1/lw. 33íl.340
01325-0<XJSão Paulo SP Bra.sil
111. !)a-, p.:1ixOe!>
in~ociáve;:i5.. 38
Tel.(/l ) 2J9-J677 fa.x (ll )J JUj-6H67 IV , D,1s paixões sociávcis .. 44
tt· t11'1i1: info@m(Ntin$fom e.J.c·om V, D:is paix ões ego ístas .. 46
l11tp:/111ww.mani 11ifimuç.com

SEÇÃO íll - Dos efeitos da prosperidad e e da adversi- \l•:t,AO n- Dt1justiça e da beneficência .. 97


dcule sobre o julgamento dos homens quan-
to à conveniência ela ação;e por que é mais 97
1 Comparação entre aque las duas virtudes· ········:~····:··
ftlci/ obter sua t1proot1çaonuma situação 11. 1)o se nso de justiça, de remorso, e da consc ,e nc1a
mais que em 0111rci.
... 51 do mérito .......... ................ . 102
111l)a utilidade dessa constitu ição da natu reza .. 106
I. Que embora nossa sü11patia pelo so frime nto seja ge-
ralmente um:1 se nsa ção mai s viv:1 q ue nossa si mp :i- 1

é em ger:=tlmu ito me nos intensa q ue


t i~1 pela alegri;i ,
",l~ÇAO UI - Da i'njluêncíu da fo rtun a sobre os senti-
a naturalmente sentida pela pessoa clire tamerne mento s da humanidade quan to tio mérito
atin~ida ..... .... 51 ou demérito das ações 115
II. Da or igem da amb iç,io e da distinção social ..... 59
rn. Da co rrup ç.-ãode no ssos se ntime ntos morais , provo- t111,nd11çãn 115
cada por essa dispo,i ~-:lode admirar os ricos e gran-
des , e desprezar ou neg ligenciar os de condiçào po- Da~ ca usa~ dc:SSJ influência da fortuna.. 117
bre ou mesquinha. ............ 72 11 I) ~ limites d essa influência da fortuna .. 121
111 l)a causa final dess a irregu laridade dos sentimentos 130

SECUND A PARTE 1
TERCEIRAPARTE
DO MÉRITO E DO DEMÉRITO oi: DOS OBJETOS
DE RECOMPEI\SA E DE CASTIGO DO FCNDAMENTO DE NOSSOS JU ÍZOS
Q\;ANTO A NOSSOS PRÔP R[OS SENTIME'ffOS
SEÇÃO I - Do sonso de márito a demérito 81 F, CO\IDlffA , E DO SENSO DE DEVER

Introd uçcio. 81 Do princípio da aprovação e de desa provação de si


n11.:s1no....... ....... ..... . • •· 139
l. O que parece objeto própri o de gratidão pare ce me-
11 Do amor ao louvor, e do amo r ao que é lo uváv el ; e
recer recom pe nsa; e, d o me sm o rno do, o que pare-
do ho rro r ã censum, e ao que é ce nsuráYel 143
ce objeto pr óp rio de resse nt imen to pare ce me rec er 164
111 IJ.1 influencia e autoridade da consciência.
pu nição ... ... . 82
IV, 1),1 natureza do auto-enga no, e da origem e ut ilidade
li . Dos objetos apropriado s de gratidüo e ressentimento 84 de rcgr~ gcra is ........................................................:·· ······ 189
IIl. Quando não há aprovação da co nduta da pessoa V Da in flu ência e d a au to ridade de regras ge ra1s da
que confere o benefício, há po uca simpatia pe la gra- mo ralidade, que são justarn enre cons ideradas co mo
ridão daquele que o recebe; e, inversamente, quan-
:1,1,,leis da D ivindade. ......... 195
do há desap rova ç,io dos motivos da pessoa que co- VI. Em que casos o senso de dever deveri a ser o único
mete o dan o, nào há nenhuma espéc ie de simpatia p rincípio de nossa con duta; e em que casos devena
pelo reMcnti111cnto J~ yul':111 o :,ofrc: .... 87
coincidir com outros motivos ..... 2!J7
IV. Hccapit u lação do s capítulo s ant eriores .. 89
V. A :.1n:.\li
sc do senso d(! mérit o e d emé rito 90
QUARTAPARTE 11.Da ordem em que as sociedades são p or natureza
DO EFEITO DA UTILIDADE SOBRE reco mendadas à n ossa beneficência .. 285
O SENTIMENTO DE APROVAÇÃO Ili. Da benevolência uni versa l. 293

1. Da beleza que a aparência de utilidade confere a to- ~EÇÃO 111- Do autodominio 297
dos os produtos ele arte , e da ampla influência des -
sa espécie ele beleza .. .... . . . 2 19 CONCLUSÃO DA SEXTA PARTE . 327
IJ. Da beleza que a aparência de utilidade confere aos
caracteres e ações dos homen s; e cm que medida a
percepção dessa beleza po de ser considerada cano S.ÉTl!-.1APAR'IT
um dos princíp ios de aprovação originais.. 229 DOS SISTEMAS DE f! LOSOFIA MORAL

EÇÀO 1- Das questões que d everiam ser examinadas


/->
QUl:-iTA PARTI
numa teoria tios sentime11tos morais .. 333'"
DA INFLUÊNCIA DOS USOS E COSTUMES
SOBRE OS SENTIMENTOS DE APROVAÇÃO ~EÇÃO II - Das diferentes descrições quanto à nature-
E DESAPROVAÇÃO MORAL za da virtude 335
I. Da influê ncia dos usos e costumes sobre nossas r.o- /11/roduçâo 335
ções de be leza e deformid ade ... 239
1. Dos sistemas que fazem a virtude cons istir na c:onve-
II. Da influência dos usos e costumes sob re os senti -
mentos mora is .. 246
niênc ia.. 336
11. Dos siste mas que fazem a vi 11ude cons istir na pm -
dência 366
SEXTAPARTE Ili. Do.s sistemas que fazem a virtude consis tir na bene-
volência 372
DO CARÁTER DA VIRTUDE IV. Dos sistemas licenciosos 380

Introdu ção .. 263 SEÇAO 111- Dos diferentes sistemas que se fonna ram
quanto ao princípio da aprovação.... 391
SEÇÃO I - Do caráter do indivíduo, na medida em que
afeta sua própria felicidade; ou da pntdência 265
SEÇÃO II - Do caráter do indivíduo na medida em que Da; ,::;istcmasque deduzem do amor de :,i o prLncí-
pode afetar a.Jeltcidade de outras pessoas .... 273 pio da aprovação . 392
li. D os s istemas que fazem d:1 raZJ.o o princípio d:1
Jntmdução 273 ~1prov~_1,;::~n.. 395
111. Dos siste mas qu e fazem do sent imento o princípio
I. Da ordem em que indivíduos são recomenda cos da aprovação 399
por natureza aos nossos cuidados e atenção .. 274

SEÇÃO IV - Da. maneira como diferent es autores lra.la.-


ram as regras práticas da moralidade .. 409
COI\S!Dfl~ÇÓES SOBRE A PRLvlEIRAFORMAÇÃO DAS
LÍ:'>J
Gl..iASE SOBRE A DIFERENÇA DE G€NJO Et\TRE AS
LÍNG UA S OR!GI:-lAIS E CO MPOSTAS.. 4 29

Biog rafia crítica, por Dugald Stewart*

Do nascimento à pub licação da


Teoriados sentimentos morais
Adam Smith , autor de J11vestigaçàosobrea nature z a e as
rt111 sas da riqueza das naç:ôes, era filho de Adam Smith, inter-
Vl'll l or de aliânclegas em Kirkalcty', e de Margaret Douglas, fi -
lha do Sr. Douglas de Sirathenry . Era filho único do casal, e nas -
' l'll em Kirka ldy , em 5 de ju nho éle 1723, pouco s mese s am es
d,1 1norte de seu pa i.
a inffin cia, su a constitu ição era frac a e do e n tia , exig in-
f\:"
do tod a a ternur:1 d e su a mãe , qu e se cen surava po r trntá-l o
t t 1111tant:1 indu lgê ncia Isso, entr et:mto , nã o produ1 iu efe i-

• Dug~1
lcl Stewatt, anligo pe s.,,;o
;il d e Adam Smith, esc reve u :1 primeira
1•1,ln de.sia.s Memór ias em 1793, prova velmente para a sexta edição da
<1h1,1 Esrn, a vcrsào ck:fini LiV'J., d.--ita de 18 11. (::-{. da H. T)
1. O Sr. Smith. o pai. nasceu em Aber den nshire. e na ju ventud e foi ju iz.
i1Pll' t1.•>0r ( u;r iler to the sig11et•
) cm EdunOOrgo. Mai~ tarde ve io a se to rnar
•·~ll'l;l rio part icular do Conde de Lo ndoun , durame o perlodo em q LK!e~te
<1n1pou os c3rgos de Secro1::tá
rio-Chefo d e Estado e Ch~rnc ck:r . Nessa co ndi-
\ •111"l' inan teve mé 1713 ou 1714. qu ando fo i ind iC'J.dO(Xtra o cargo de inre r-
11•r11ordt: alf:ind egas em Kirkal dy . Também foi juiz das cortes mar ciai s e ch<i
1, 111..,l·lhus dt.: gu eira da EM-(x.J;\,i.:a 1gu e m q u"' .-,,::111<11
1u::n:: Ue 1707 até a ~ 1,1
,11or11• r.0m o p foz 70 imo s que morreu, º-" relato., ~obre -"ll-lvicias.lo h~,;-
l,1IIIL' inipr oc iso.s. Mas. re ios detalhes acima n1encionad 05, JXXle-se p resumir
q111·los'-.C homem de qua lid:1. de~ i nco muns .
• V{lrilcr to thc sigm:t: de acordo com a le i c::;coccsa, t1ma espé cie ele
prú lh s ion ..11do d ireito cm Ed imbt1rgo que atua jun to à Corte Suprema
( '-1. d:1 H T .)

1
XII TEOIUA DOS SENTIMENTOSMORAIS 11/0C.1/AFIACRÍTICA XIII

to s cles favorávt::is sobr e o tempefam ento ou o compo1t a- ro k:gas ainda vive 3: e à sua bond ade de vo as min gu ad as in-
mcn to d o filho, qu e pô de , e nfim , usufruir a rara satisfação formações qu e co nstitu e m a pr imeira pa11e dest a narrativa.
de retribuir a afe ição à rnâe, co m a mai or ded icaç ão qu e a • Enlre ess es comp anh ei ros d e seu s prim eiros an os , o Sr.
grati d ão filia l po deria ditar , d uran te o lo ngo p e ríodo ele ses- ~mir h logo cham o u al'e nção p o r sua paix :'io pe los livros e pe-
senta anos . lo.-.extraor d in ários pod e res de sua memór ia. Embor a a clebi~
Quando contava três anos, foi vírimade um incidente que, 1idade física o impedis se de tomar part e n as diversões que
por ser bastante curio so, não se deve omiti r d o com entário de fossem mais en érgicas, os amig os o amavam mui to por seu
uma vida tão valiosa. Sua mãe o levara a Strathe rny, em visi- le mpernme nto q ue, ap esar de apaixona do , era extraor di na-
ta a seu tio, Sr. Douglas, quando , certo dia, divertindo-se sozi- riamen te am igável e ge n eroso . Mes mo então, era notáve l por
nho à po rta de ca sa, foi seq ües trado p or um ba ndo de vaga- .iquc les hábit os qu e o acompa nh aram po r tod a a vida, como
bundo s con h ecidos na Escó cia p elo nome ele 'lato eiros'*_1-'or l:! lar so zinho , e estar alheio à pr ese nça de o utr os.
so t1e, o rio logo se ntiu su a falta e, ouv indo diz er que u m grup o Da escola primá ria de Kirkald y, foi envi ado em 1737 à
d esses vaga b undos pa ssara po r ali sa iu a perseg u i-los, ped in- Univc.:r:;i <la <le d~ G lasgow, onde pe rmanece u até 1740, qua n -
do aj ud a a q uem podi a, até alcan çá -los na flores ta de Lcs lic . do foi ao Baliol College co mo bols ista da Sncll Fo unda tio n.
Assim , g ra ç a s a se u inter méd io) p rese rvou-se um gê ni o p:-u-~to O Dr. Macb in e , de Ha ia , colega do Sr. Sm ith em Glas:
inu ndo, desti nado não a penas a amp liar as fro nteiras da ciên- gow, co ntou- me há a lguns an os que seus int eresses favo ritos
cia , com o a ilum inar e reformar a po lítica com ercial da Europ a. 11~1 Uni versidade eram matemá tica e fil osofi a natura l; e rec or -
A escola de Kirkald y, ond e o Sr. Smith rece beu os se us do-me de ter ouv ido meu pa i le mb rá-lo de um p rob lema de
pri melros rudim ent os de e<lu caçJ.o, era entã o d iri g ida pe lo geomet ria de b asta nte d ificuld ade ele que se ocupava qua n -
Sr. David -~· lille r, professor de co nsideráve l rep utação em seu do se co nh ecera m , e qu e fora prop osto com o exe rcício pe lo
tempo 1 cujo nome merece se r lem b rado por cont a dos e mi- famoso Dr. Simpso n .
nentes homens que aqu ele se miná rio tão o bscuro prod uziu i\las essas n.c1.o eram as ciências em que se destaca1ia ;
sob sua dir eção . Algun s deles fo ram o Sr. Osw ald, de Duni - ne m o afastaram p or muito tempo das a tividades mais ade-
keir1; se u irmão , Dr. John Oswald , mais rnrde bispo de Raphoe ; quadas a seu esp írito. o que Lorde Bacon d iz de Plarao a pli-
t: 110:;s o excelen te co lega fale cido, Rev . Dr. Jo hn Drysdale: ca-se m uito b em a o Sr . Sm il.h: '"Jllum , lice l ad re pu blic am m m
to dos qu ase conte m po râneos do Sr. Smith , a ele un idos, pel a .icces sisset, tamen natu ra et inclinatio ne o mn ino ad res civi-
vida toda, pelos mais es tre ltos laços de am iz::icle. Um de seus lcs propc n sum, vier eo p raec ipu e inte nd isse; neq ue de Ph i-
losop hia Nalur a li a d mo du m so llicitum esse ; nisi q uaten us ad
Philosop hi nome n et ce lebr ita tern rne nd am, C1' acl majestate m
~ ·'Tinke rs·· no origin al Trata-se de aites 5os itinernn tes que :orn;ertam quan da m mora.libus et civ ilibu .s doc trin is adclend am ct aspe r-
ulcnsíli os domésticos d e meta l. !\ a Escócia e (rlanda do ::'./orte,o norne é
<.."0
1mu ne1u e ,tti:ib1.1ídoa ciganos (N. da R. T.)
Rend am sufficere t. "1 Todas as <livisõ es do estud o da naltl reza
2. O folo:;:-i
dQ c:rvalhe im Ju ne s Os ,..,.-
:lkl, por muito te mp o un de nos- hum ana, mai s pre cisa ment e a hi stó 1ia po lítica da hum an ída-
~ rcp re.sent:mtes escoceses no Parlame nto mais ativos , ca paze s e de maio r de, revelaram um vasto campo para sua cu rio sida de e dese -
espír ito pú blico . Distinguiu-se panicula nn cn tc po r seus conhedmen tos cm jo de sabe r; e ao mes m o tempo em que lhe ofereci am um
.issu ntos de fi na nças e por Hm atc m;ão a tudo o q1Jc dissesse rc 'ipci to ~os
inlere sse.scome rcia i.-; e agrfrnl as do país. Pela mane ira como é mencio nado
ampl o es pec tro de p o s s ibilid ad es para os div er sos poderes
num 1exto do Sr. Sm ith que pesquise i, a essas inform ações de1alhad as, qu e
manifcstamen1e poss uía como estadi sia e homem de negóc ios, mtscl ava um
,;o.sto por disa. 1.ssõcs de cconomiu pul ít it."' ma is gcm is e íilosóficas . \fan ti- 3. Geo rge Diyi &i.lc, c:1v.i.lhé iro de Kirk:1\d y, innilo do fa lecido Dr.
nha grnn de intimidade <..'Olll Lo rde Karnes e com o Sr. !fo me. e OOsarni~os Drysdale.
do Sr. Smith era o m:i is antigo e o maio r con fiden te 4 Redargu tto Philosophiamm .

1
11/0G'J/AF/ACRÍ7TCA XV
XIV TEORIA DOS SEN71MEN70S MORAIS

de seu gênio ve rsátil e ab range nte, sa tisfa ziam :iua p aixão Não co nseg ui obt er nenhum a inform ação so br e o perío-
do mina nte de cont1ibu ir pa ra a felicid ad e e ape rfeiçoam e nto do de sua juve n tude passa d o na Ing laterra . Ou vi-o d izer qu e
freq üentemente p raticava tradu ção (p articularmente cio fran-
da so ciedad e . A esse estudo, subst ituído c m suas horas de la-·
rê /'I) a fim de m e lh o r a r seu p róprio es tilo ; e com freqü ên cia
ze r, pe las mivicbd es me nos 5rduas da literat u ra endita 1 pa-
l'Xpress ava um a o pini ão favoráv el qu ant o à utilid ade d e tais
rece ter-se dedi cad o q uase inte irame nte após deLxar Oxfo rd;
l'Xcrcícios para todos os que cu lt ivam a arte da compos ição .
entre tanto ainda c.unservav a, mes mo em id ade avanç ada, le m- ,·~lament ave l qu e nenhum a dessas expe riências jun :•n is ten ha
br~mça ele suas p rirn e i rAs ;:1q u isiÇ.:ões,o q ue niio só m11nenta- -;idu presen a cla; e , embora po ucas pas.-;agern;, de se us textos
1

va o es plen d or de su a conversa, como também lhe penni tia n.:vclcm sua habü ida d e co mo tra duto r, b astam p ara m ost rar
exemp lificar algum as de su as teo rias favo 1itas qua nt o ao pro - 'lLW exce lê n c ia naq uele estilo litedrio qu e, e m nosso paí s,
gresso n atural elo esp írito na inves tigação da verdade com a tem sid o tão po uco freqüe nt ado po r hom ens de gênio .
histó ria daquel as ciências em que a co nexã o e sucess ão de Foi pro v,we lrnente nessa época de sua vida q ue i,;ede di-
descobertas po de ser deter m inada co m a mai o r vant age m . Se cou ro m o maior afinco ao estu do das língua5. O conhec i-
não estou enganado , além di sso ) a influên cia ele seu gosto 1nenco que tinha d el a s , fosse m antigas o u mode1n as , era ex -
precoce pela Geome tria Grega pode ser no tad a na cla reza e 1n1ord ina riamente amp lo e acura do . E não se servi a desse co,.-
simpliciclacle, por vezes be irando a prolix iclacle, co m q ue fre- 11hec ime mo para ex ib ir uma erud ição de mau-gos to , mas p ara
qüent eme nte de monstr a seus rc1ciocíni o.s po líticos . As con fe- cs<abelecer um elo de ligação com tudo o qu e pu desse lançar
rências do grave e eloqüe nt e Dr . H utches on, a q ue ass istira luz sob re as instiruições, os cos tum es, e as idéias de diversas
antes ele sua panid a para Glasgow , e das qu ais setn ;>re fala- C·pocas e naçõt: s. A segurança com q ue redlav a ob ras de po t -
va co m a m ais e ntu siasmada ad mira ção , tive ram - pod em os ta$ g regos 1 ro ma nos, franceses e italianos, 111esmo após te r-se

pres um ir- co nsi<le rá vd efdl o na or it::m açào de.:.sc.:ustal en to.s c.k.:d ica<lo, na ma turidad e, a vá rias outras ocu pações e llwe.sti-
para se us assu nto s apro pri ados ~. gações 1 pe rmi tia ver que conhece ra a fundo as a 1tes do be m
fr1l:.1r ~. "\J:1líng ua ingles ~, a va riedade de rrec h o s poé ticos , que
mio ap enas citava even tualme nte, mas sa bia reproduzir com
5 . Os que co n he~r.m 1 o O r. H11t çhes o n :.1.p1;n:1s po r mei o d e su: 1s precisão. sur prcm dia mesmo àquel es cuja atenção nunca se
publicações talvez se inclinem :1 conteslar a <.:onveniê nci~1 dt: se a plicar o voltara par a os have res ma is imp ott antes .
adja ivo eloqüente a qualquer um de se us tex1os, no tadamen te o ~eu System Depo is de resi dir e m O xfo rd por sete ano s, voltou a
uf Mu nt! Pb llosop by (SiNt rna de filo~ofia mora l), pub licado pda p1i mt..in 1 Kirkaldy e mo rou do is anos co m sua m ãe ; dedicou -se aos es -
vez depois de su:1 mone . i\fas seus t:dentos co mo ora dor deve m ter sido
tudos1 mas sem nenh um firme d esíg nio para sua vida futu ra .
mu ito super iores ao qu e dcmons tr-ava como escr itor . Todos os seus alu nos
com quem me e ncont rei (algu m d n,:;qua is cert:.1men 1.ecríticos rnui lO co m pe- A princíp io, fora descinad o a serv ir à Igreja Anglicana , e com
te ntes) fornm un:lnhn es ao come ntar a extraordiná ria impres.sao qL.e causava L:.':>:;e propósito fo ra enviado a Oxford; rn a5, recea nd o que a
no espírito de seus ouvi ntes profissã o ecles iás tica não com binasse com seu gosto, dec idiu
As obras do Sr. Hurcheso n , lriqu iry into our !deas Q/ &-auty mui
Virtue Onvestigaçào ~b re no::;sas idê ia::;de beleza e viltud e), Discourseon
11JePasstons ( Discurso ::;obr e a5 pai xões) e 11/usfratlons of the M,mt ~e11se
(l lus tr:tções sob rl:! o senso mo r.il) , tra zem muito mais fortes as marcas do 6. O gra u incomum ern que o Sr. Smith CClinha, mesmo pe ito do fim
da \·ida, lembr an ça <le diferentes espécies de conhecim~nto que há muito
seu gên io do <1ue .sua obra póstu ma. Sua grande e merec ida fan:a. IX)rém.
repo u::;a agora sobren1do na trad iciona l his16ria d e sua,;; conferência<; aca -
t:cssara ele cultivar me foi comenlldo por meu erudito co lega e amigo Sr.
IJ:diél, p rofo:'l~ r de grego nes ta Un ivc rs idéidc. l½rtic ub rmcnte, o Sr. D:dze l
dêm icns, as q uais parece m ter conlril>uido for1emen1e para difund ir na t::s-
cócia o gosto pel a cliscuSAf1 o ::tn:dí tic.i. e :1quelc esp írito de inves ti gaçào libc- mencionou a presteza e e xatidão da memór ia do Sr. Smith em qut..~tõc::;filo -
lóg icas e a p recisão e hab did,1de que demo ns LC
av.1 em co nversas sob re a lgu-
ml - uma das mais valiosas pr0 du ções do século XVII que o mu ndo lhe
:15 ml m.utc,eda gramá tif.<tgreg:<L.
111
deve
XVI TEORIA DOS SE1\TlMEl\fTOS MORAIS IIIOG'RAFIA CRÍTICA XVIl

cons ul tar, a esse respe ito , suas próprias in clinaç ões, sempre- Nada ficou gua rdad o das co nferências do Sr. Smith en -
juízo das expectativas de seus amigos; ignorou, po is, todos os quamo foi p rofessor em Glasgow, salvo o que ele mesmo
conselhos de prudência, e decidiu retornar ao seu próp rio_ 1>uhlícou na Teoria dos sentimentos morais e em A riqueza das
país, rest ringind o sua amb ição à ince11a pe rspect iva de con - noções. Devo o breve resumo dessas ob ras, que vem a se-
segu ir algum desses cargos modestos aos quais a profissão li- f.llllr1 a um caval heiro que foi out rora a lun o d o Sr. Smith, e
terária co nduz as pessoas n a Escéx::ia . l'0n linuou, até a morte deste, a ser um de seus mais íntimo s
No ano de 1748, fixou residência em Edimburgo e. du- t.· dileto s am igos 7 •
rante esse ano e os anos seguintes tendo Lorde Kames como "Na Cadeira de Lógica, para a qu al o Sr. Smith foi ind i-
patrono , deu confe rênc ias sob re re tóri ca e literatura . Pores - rndo cm sua primeira nomeação r1es sa Univc:rsidade , logo
sa ép oca , ta mbé::m , i niciou uma an1izade mui to íntin1a 1 que pc.:rcebeu a necessida de de afastar-se am p lam e nte d o progra -
contin u ou inintc rn apta m en te até sua mo rte, com Alexa nder rn a que fora segu ido por seus ant ecessores, e dir igir a atc n -
\'{ 1eddc rbu rn, agora Lorde Lough b or oug h , e com William ~·:lo ckls alunos p:ira es tv dos mais inte res.santes e mais úteis
Johnstone , agora Sr. Pulteney. tio que a lógica e a metafísica escolásticas . Assim, depo is de
O mom ent o pr eciso em que começou seu re lacion a- ;1presemar uma visão ge ral dos p:::,dere~ do espírito. e cxp li-
mento com o Sr. D avid Hum e não aparece em nenh uma in- r:n a lógica antiga tanto quanto fosse prec iso para satisfazer
formação que receb i; mas alguns documentos que ora estão a curiosid ade sobre u m método artificial de racioc inar, que
em mãos do sob rin ho do Sr. Hume, os qu ais gent ilm ent e me o utrora ocupara a ate nção de quase rodos os erud itos, d edi-
foi permitido exam inar, deixam en trever que antes de 1752 ro u todo o resto do seu tempo a fornece r u m siste,na de re-
já haviam passado de con hecidos a amigos. Tra1ava-se de t6 rica e li teratura . O me lhor méto do de exp !Jcar e ilustrar os
uma afe ição recí proca , basead a na adm iração pe lo talen to e v!trios pode res do es p írito hu mano - a parte mais úiil ela
no a mor à simplicidade, e que cons titu i uma circunstânci a meta fisica - surge de um exame dos vár ios modos de trans-
interessante na história de cada um de sses homens em inen - milir nosso s pensamen tos por meio de discursos, e da a ten -
tes, po is ambos de mons traram o forte dese jo de regis trá-la ~·ão aos pr incíp ios d,-1quelas co mposições literárias qu e co n-
lribuem para a persua são o u en tretenimento . Por e:-.sas artes,
para a posteridade.
tudo que percebemos o u sent im os, ca da operação ele nosso
Em 1751, o Sr. Sm ith foi escolhido professor de Lóg ica
L'Spírito, exp ressa e d elinei a-se de modo tal que pode ser d is-
na Un iv ersidad e de Glasgow; e, n o an o seg u inte, foi nom ea-
1.·
c.:mido e rememorado c om clareza . Ao mesmo tempo , não
do professo r de Filoso fia .Moral da mesma Univers idade ,
11[1 pa rte ela literan 1rn. mais adequada à juv entu de em seu p 1i -
ocup~ndo o lug ar deixado vago pe la mrnte cio Sr. Thomas
rneiro contato com a filosofia do que esta, que agra da ao seu
Cra igie, sucessor ime diato do Dr. Hutcheson . ~essa cond i-
gu:'llü e aos seus ~enümentos.
ção permane ce u po r trez e an os, pe ríodo que retros pect iva- "É mui to larnenl ávd que o manuscr iLOcom endo as con-
mente costumav a cons idera r o mais útil e feliz de sua vida .
l'crências do Sr. Smith 5obre esse te ma fo:,se dest ru ído an tes
Era rea lme nte a situ ação idea l para que se des tacasse , uma
de sua mo rte. A primeira pa 1te , so bre comp osição, estava pra -
vez q u e nos traba lhos diários de sua profissão sua atençã o
tic:1mente p ro nta; e o conjunto d eix av~1 transparecer as ma r-
cons tan temente se vo ltava pa ra sua atividad e favorita 1 fami-
rns inequívocas do gos to e da origina lidade. Por ter perm iti-
liarizando seu espírito com aque las import antes especu la- do aos estudantes to mar notas , muitas op iniões e obsen.,a-
ções que mais tarde com u nicaria ao mun do . Assim 1 embor a
esse fosse um cená rio mu ito p equeno para suas capac idades ,
m u ito contrib uiu, n tSSt'. íme rim . par a a f u LUra tm inência J e 7. O falec ido Sr. Millar, ce lebr:.tdo professo r de DireiLo na Cniversida-
seu cará ter lite rário. dt.>de Gla sgo w .

XVlll WO l<IADOS SBNT!MENTOS MORAIS


11/0G RAFIA CRÍ77CA XIX
çõe s expressas ness as conf e rêncías pud er am se r det alhad as
'·Em nenhu m moment o as habilidade s cio Sr. Smith se
e m d issertações separada.,;, reun idas em coleçõ es gera is., e
1n0Mrararn tão s uperi ores quam o na qualidade de pro fessor.
enfim dadas a público. Mas, como era de esperar, muito da Nas suas conferê ncias, co nfiava q uase in teira me nte num dis-
o riginalidade e do caráte r d istintivo que deviam ao se u pr i- t·urso improv isado . Seu s modo s, embora n ão fossem gracio -
me iro autor se perde u . e estão não raro obscu re cidas pe la sos1 e ram simp les e sem afet:1çflo; e, com o sempre pa recesse
mu ltiplicidade dos assuntos banais em que foram mergulha- in1c ressado no assu n to, nunc a deixava de p rovocar in teresse
das e en volvidas . l'lll seus o uvínt es . Cada d iscurso co n.sistia 1 hab itua lmente, de
"Cerca de um a no depo is dessa nomea ção para a dis d - várias propo sições distintas, as quais sucess ivamen te com-
plina de Lógica, o Sr. Smith foi eleito para a cade ira de Filo- p rovava e escl arecia . Qua ndo an uncia das em termos ge rais,
sofia 1'-'lom
l. Seu cu rso sob re esse objeto div idiu -se em qua- essas propos ições freqüentemente, pela sua extensão, tinham
tro partes. A prim eira , re lativa à Teo logia Natural, tratava d as :ilgo de para doxal. E, tentan do exp licá-las, de início parecia
provas d a exis tê ncia e dos atrib utos de Deus, e os princíp ios não dom inar inte irament e o assunto , faland o co m a lgu ma
do espírito humano sobr e os qua is se funda a relig ião. A se- hesitação. Mas, na medida em q ue avan çava , o tem a parecia
gunda, compreen dendo a Étic-a em .seu sentido estrito, co n- afluir , seu co rnponamento tor nava-se então ap aixona do , o
sistia principalmen te nas dout rinas mais tarde public adas na que o faz ia exprim ir-se com fluência e simp li cid ade. Em
Teoria d os senlimenios mor ais. Ka Lt::n..:eira pa rt t\ Lrn.to u m.ai ::; pon tos l:0nLrove:rsos , e ra pu.ssíve l perc eb er que secretame nt e
<leruora<larnen tc a part e da Mora l relat iva à justiça que, su - agua rdava a opos ição às sua:;. o piniões, parn de:fendê-la.:s com
bord inand o -se a regra s p rec isas e acur ada s, po de, po rta nto, mnior v igo r e veemência . Pel a amp litude e var iedad e de suas
ser expl icada de mod o tã o comp leto quan to m inucioso . t.!xplicaçõe s, o assun to [lOS po u cos avo lumav a em se u d iscur -
"Qu anto .:i est a pa rte , segui u a ord em qu e Montesqu ieu -.o, adquir ind o um a d imensão q ue, sem ted iosa repetição dos
parec e te r suger ido : primeiro delineou o g radua l pro gresso mesmos po n tos ele vista, era c~1lcubda p ara prender a aten-
d1 ju rispmd ên cia , pú b lica e prh·ada, da s époc,-1.sm:i.is p rim iti- ção da platéia. proporcionando- lhe p razer , hem como ins-
vas às ma is civiUzad:as, para entào indicar qu e efe ito..<.:;da.s téc- truindo -a a acom panha r o mesm o objeto atrav és de to da a
nic as cont ribu em para a subsistênci a e acum u laçã o de pro - diversidade de nua nças e aspectos em que era apresentado ,
priedade, p roduzindo me lhor ias o u alteraçõe s correspon de n- Depo is, fazia o cami nho ele volta até aqu e la proposição ori-
tes na lei e no governo. Tarnbém p retend ia que essa impor - gíná ria ou verdade gem i d a q u al n asce ra aque le belo enc a-
ta nte part e de seus trabalhos fosse trazida a público; mas dea m en to de especulações.
essa intenção , mencionada na conclusão ela Teon·a dos sen ti- ''Ass im, sua rep u tação com o pro fessor espal ho u-se po r
mentos niorais , não chegou a viver para vê- la rea lizada. toda patte, e uma mu ltidão de estu da ntes vinha de gra ndes
"Na ú ltima parte de suas conf e rências, o Sr. Sm ith exa - d istâncias para t:Ssa Un iversid ade apenas para vê -lo. Os ob -
minou aque las normas p olíticas qu e se fundam en tam menos j(.'to1, da ciên cia que lecio nava tomarnm-st: moda naquel e lu-
sobre o princípio elaju s/iça qu e da utilidad e, normas cuja fi- gar, e sua s cons iderações tornar am -se tó picos princ ipais na.s
d iscussões de ass0<:i:1Çôt!S e sociedades litc rúrias. Mes mo as
nalida de é aumentar a riqueza , p oder e prosp eridade de um
pe quenas peculiar idades ele sua pronúnc ia ou modo de folar
Estado. Assim, con sid ero u as instituiçõe s polí ticas relaciona -
foram freqüe nteme nte imit::idos.."
das co m o comércio, finanças, instituições ecles iásticas e mi-
Enqua nto o Sr. Smith se d isting uia , po rtan to, por ,..:;eu
litares. O que p rofe riu so bre essas qu estões co ntinh a o ge r-
zelo e habi lidad e como ora do r, ia aos poucos estabelecen do
me da obra depo is publicada sob o ú[Ulo de fm;estig açào so-
os fundamentos de uma rep uta ção ainda maior, pois prepa -
bre a na tur eza e as c.:ausas da rique za das u açôes.
rava-se para p ublicar o seu sistema de mora l. A primeira ed i-
11/0GRA F!A CR177CA XXI
XX IBOR!A DOS SEN11MENIOSMORAIS

ção de sua obrn apare ce u em 1759 com o títu lo de Teoria dos Sobre t i Te oria do s se ntimen tos morais o a Oissert..1.ç
âo
sen ti mento s m orais. so bre a orige m das líng uas
Até e n tão , o mu n do d esc onh ecia o Sr. Smit h com o au-
to r . Nào m e co nsta qu e h ouv e sse p ost o su a c:1pac id:1de a A ciên cia da Ética foi dividid a p e los esc ritore s mo der-
jul gam e nto p o r alguma obra anô nima, ex cet o n u m pe rió di- no s em d uas parte s: u ma comp reen de a teori a da M oral e a
co cha m ado 7b e Edi n bw --gh Rev iew, c1ia do no ~mo de 17S5 ou tra, as doutr inas p ráticas. As questões sob re as qua is se
por a lgu ns c ava lhe iros de ha bilidad es no táv eis , m as cuj os dl:dica a p rimei ra são p rin cip almente as duas que seg ue m:
co mpro misso s com o utro s n egó cios os impe d iram d e ir além /wimeú-o, po r qua l p rincípio de nossa cons titu ição somos
dos do is p rim e iros núm eros . O Sr. Smith contribu iu p ara lt:vaclos a for mar a n oção de d istinções morai s - pel a fac ul-
esse periódico com u ma re sen h a do Di cionári o da Língua dade que , n os ou tros obje to s de conhec ime nto humano ,
Inglesa do Dr. Johnson, e também com uma carta end ere - percebe a d istinção entre o ve rd ad eiro e o falso, o u p or al-
çada aos editores, em que fazia algwn as observações ger ais gum po de r p c::culiar da perce p ção (ch ama do po r alguns de
sobr e a Situaçã o ela lite ratu ra n os d ife re ntes países d a Eu- ·nso rnor al) a que agrada um conjun to de q uali dad es e
"'i(.
ropa . t\ o últilno desses textos, ap ont a alg u ns defe itos na desagrada outr o ? Segu nd o, q u al o ob je to p rópri o de ap rova-
obr a do Dr. Joh n son 1 a qual ce n sur a pe la insu ficiên cia (~lo mora l? Ou, e m ou tras p a lavras, q u al a qua lidade o ú
do aspec co grama tica l. "Os d ifere mc:s significa d os dt: u ma q ualidades comuns a todo s os d iferentes tipos de virtude? É
palavra , ob 5erva , sào rea lme nte colet ados, mas raramente são .1 be ne volênc ia um amo r de s l rac ion al, ou uma d isposição

su m aii zados e m cl ass es ge rais, ou org an izad os seg un do o !resultante do predo mínio ela Razão sobre a Paixão) para
5ignific,1do p rincipal d a pa lavra: E não se tom a suf icie nte .1gir adeq ua da me n te nas d ifere n tes relações em que somos
cuidado em d istingu ir as palav ras a pa renteme nte sinô ni- t'olocados? Essas dua s questà es pare cem esgotar tod a a teoria
mas. " Para ilu strar ess~ crítica , cop ia do Dr. Jo hn so n os v er- dJ Mo ral. A fin alidade ela p rimeira é verificar a oligem de nossas
betes BCT e I-IL\10UR, contrastand o-os a verbetes qu e jul- idéias morais; a da o utra, relacion ar os fenô menos de percepç ão
ga mais confo rmes . Os Yários sign ificados da palavra B UT moral a suas leis mais simples e mais gerais.
são e nu me rad os de mane ira. muito fe liz e co rre ta. O out ro As do utrinas p ráticas da mo ra lidade compreende m todas
verbete, po r ou tro lado, não parece ter sido realizad o co m .is regras de conduta que prete nd em indicar as fmalidades pró -
igu al cu idad o . pria~ da alivicladt:' h uma na e os meios mais eficazes de atingi-
_;\sobse1va ções sobr e a con dição do apr e nd izado na Eu- ao qu e deYemos acrescen tar todos aqu eles texlos liLt:rário~1
la:'.>;
ropa são escrita s com eng e nh o e e legânci ai mas sáo inte res- n,io impo rtan do qu al seja sua fo nna part icular, cujo propó sito
sa ntes prin cip a lme nte po r revelare1n o interesse d o Autor em é fOJtalecer e ~mimar nossas boa s disp o sições, da ndo-nos no-
re laçao à filosofi a e lite ratu ra du Co nlin eme, num pe ríodo yões de beleza, de dignidad e, ou de utilidade da Virtude .
em que não e rarn muito estud ad as nesta Ilh a. l\"à o p reten do quest iona r, po r ora, se es sa clivis::1o é
No me sm o volum e de Teoria d os sen tim en tos mor ai s, o he m funda da . Comentarei apena s qu e as pal avms Teo ria e
Sr. Smith pub licou uma "Disse1taçâo sobre a orige m das língu as , l' rática não são . neste caso, em prega das co nforme se u se n-
e sobre os difere nte s carac te res qu e as origina m e compõem". tido hab itua l. A teo ria ela Moral n..1.o adm ite, por exemplo , a
Os co me nt~rios qu e ten ho :aófe recer ~obre esses dois discu r- mesma relação com a prárica da Mora l que a teor ia da
sos serào tratado s num capí tulo à parte, pa ra maior clarez a. Geometria adm ite com a Geometr ia prática . Nesta última
ciên cia , todas as regra s prática s são funda d as so bre pr incí-
pios teó ricos previame n te esta belec idos . :\1as 1 na ciência da
Moral, as reg ras pr.:1ticas são claras p ara as faculdades de

XXII TEORIA DOS SE/Vl7.MEN


TOSMORAIS lflC) ( i/1..APtA C.Ki11CA XXIJJ

todo s os home n s, ao p asso qu e p rin cíp ios teó ricos formam 10 , ap re,,;;;e
ntam mais d iferença s q ue seme lhanças, se cotejados
um dos mais d ifíce is o bjetos de d iscu ssão qu e já instiga ram 1 t11r
1
e si De aco rdo com o Sr. Hum e, todas ~s qu:.:i li<fades deno-
o enge nho dos me tafís icos . rtilnacbs viituosas são Citeis ou para n ós ou para outros, e o
Para ilustrar as d outr inas da mora lidad e prátic a (se fizer- ll"-17.er q ue sen timos q uando as ob.5e,vamos é o prazer d a uci-
mo s co nces são para algun s infelizes precon ceitos prod uzi- l~d:1dc. Sem rejeitar inteiramen te a doutr ina do Sr. Hu me , o Sr.
do s ou enc ora jado s por siste mas de po lítica violentos e o p res- ,'itn 1lh p ropõe uma out ra 1 be m mais abrangen te; uma doutr ina
sivos) l os antigos par ece m te r-se valido d e tod a luz de que a 1 om a qual as ma is famosas ce01i as d e mo ralidade criadas por

na tur eza pro ve u a razão hun1ana; e . rea lme nte, os escritores ~l' llS predecessores concor dariam em parte já que , segundo o
qu e pos terio 1m ente trataram o tem a co m n1aior sucesso são :-ir. ',mith, toda s ele alg um mod o de la se origina1iam.
o s q ue seg uiram ma is de pe rto as peg ada s do s filósofos gre- Tentarei fazer um peq ueno resum o dessa teo ria tão ori-
go s e roma nos . Tamb ém a qu estão teó rica rela tiva à essê ncia ~ ! 1i.tl i: tão engen hosa . St:i qu e, par.a O!:i já familiarizado s aos
da virtude, ou ao obj eto p róp rio da ap rovaç,10 mora l, era um do s h'nnos corn q ue o au tor expõe sua teo ria, a lem aliva talvt:z
tópic o~ p rt:dil etos nas discussõe5 das acad emia:; da am igu i- p:1rc~a .sup érflua . Apes ar disso, esto u persuad ido de qu e n ão
dad e . A qu estão relativa ao pr inc -ípio da aprov ação mo ral, em- "l 'r:Í inteiramente inú t il aos q ue a inda não d omina m essas
bora não inteira me nte d e o rige m mo derna, tem sjdo principa l- d!grL·ssões abstratas , na me dida em q ue, apr esenta ndo -lheS
me nte d iscu tida desd e os escritos de Cudwo rth , e m oposição 11m ,1 seq üênc ia ent re os pr incípios básicos cio sistema, evita-
aos d e Ho bhe::;; e é essa quesr.c-'io q ue (cu~1 nov idad e e dificu lda- 1.1 que sua atenção inev itave l mente se dtstraia com as vá rias
de atraem de imed iato a cu riosidad e d os espír itos esp ecu lali- ,. felizes ilustrações do autor, e as d iversas e eloqüe ntes di-
vo s) tem p rod u zid o a ma ior parte das teo rias q ue tan10 ca- 1-(l'L' SSê"Jes qu e an imam e en fe itam seus textos.
racte rizam com o distingu em un s dos o utro s os mais recentes Confo rme o princípio fund amental da teo ria do Sr
siste mas d e filosofi a mo ral. ~mith 1 os ob jetos p rimários de nossas pe rcepções morais são
Era opin ião do Dr. Cudworth, e também do Dr Clarke, :ts ações de outros homens; a lém d isso n ossos juí20s mo rais
q ue diferenças morais são p erce b idas po r esse po d er do ~obre n ossa próp ria con duta são apenas aplicações, so bre
esp írito ca pa 2 de distinguir o verclade lro d o falso . A refura- nüs mesmos, de dec isões já profer id as a respe ito da cond uta
ção des se sistema cons tituiu um grande tema ela filosofia do do nos.so próx im o. Desse modo, a o bra do Sr. Smith com-
Dr. Hutcheso n qu e, ao se o p:::>ràquela op inião, prete n de u preende du a5 invest igações <li.stintas que, embo ra pos~am
lll O;>tr a r qu e o~ lt:rmo 1>"c,~rto'' e "errad o'' exp ress am de ten n i- lOnve rgir qua nto a seu pro pósito gem i, o le ito r deve dist in-
nadas quali dades agrad áveis e dcsag radá vçi5 d as ações, q ua- Hlti -bs cuidados amente , par a comp reen der todos os passos
lidades essas as qu ais não cabe à razão percebe r, mílS ao Lb ~1 rgume n raçào . A fina lidade da p 1·ime ira invest iga ç 1o é ex-
se ntime nto ; e 21que le po d er de perce p ção qu e no s to rna plic1 r co mo ap rendemos a j11lw,ir a cond ut~1de nosso próxi-
cap azes de se n tir praze r ou dor quando ::is~istimo s ~ p rát ica 1\10 ; a da se gunda . most rar como, ao ap licarmos es!-e.~juízo ..
d,1 virtu de o u a do vício d eu o no me d e Senso Mora l. Suas sobre nós mes mos, adquirimos um senso de dever e um sen-
de monstrações sobre esse ass unto são. de mo do geral , acei - time nto de sua supre ma autorjdacte sob re todos os n ossos
tas tanto pel o Sr. !-lume qu anto pe lo Sr. Smith; divergem 1,u Lros princípi os de ação .
d ele, no em an to, nu m po nto import an te : enq ua nto o Sr. Nosso s ju ízos moraís q uer re lativos à nossa p rópria con-
1

1-Iutcheson su p õe qu e o sen so mo ral seja u m simples p rincí- duta, quer à de ou tros, ence rra m d uas percepções dis tintas :
p io de n ossa co nstituição q ue n ão pode ser descr ito, os /Wlmetra, uma percepção da co nduta , ce rta ou e rrada; seguu-
o utros do is filósofos ten taram a nalisar es sa fac uldade seg un - rfa, uma pe rcepç,10 do mérito ou dem érito do agent e . Esse
d o princípios mais ge rais. Seus respect ivos sistemas, entretan - .Hrlbulo da co ndu la, a que os mora listas ela.o o nome de Re-

,1
XXJV TEORIA DOS SEN7L'1El\7úS MO!WS
lll <)GIIAFIA CRÍTICA XXV
1idão, o Sr . Sm ith designa co nveni ênc ia e sua teor ia co me ça ,•H· mpre correspo nd em ao.s sent imentos q ue imagina seriam os
com uma inv es tigação sob re a natur eza desse atributo, e ( lc.·quem sofre.
como somos levados a formar uma idéia dele. As propo si- A esse princíp io de noss a natu reza, que n os faz cxp er i-
ções aba ixo compreende m os princípios básicos de sua dou - t11Ln' tar as situ ações de out ros, e divid ir com eles as pa ixões
trina a esse resp eito :
tJIII.' essas situações te ndem a desperta r, o Sr. Smith dá o no-
1. É apenas a partír ele nossa própria expe riência que
111<.:..d~ simpatia ou solidariedade, palavl"3s que em p rega como
podemos formar um a idé ia sobre o qu e sucede, numa dada ·
sirua çào , no espíri lo de out ra pe~so a; e o (mic.u mo do p elo "llrlo ~1~1os. ~econhece que em algu mas ocas iões a sim path 1
'll' o ngma s11nplesmente da visão de certa emoção em outra
qual pode mo~ formar essa idéi a é, supon do -nos em circun s-
tâncias idê nti cas, imaginar co mo ren girí::lmos ne sses casos. l )essoa; embora -geralmen te se deva não tant o à visão da
Ent retan to, é im po ssí vel co ncebe r-nos col o::ados em qu:~l- 1•111 oçào, m as à visão da situ ação que a provoca .
que 1· situ ação , agradável ou não , sem sent irmos u m efeito 2. A simp atia ou solidariedade en tre diferentes pessoas é
semelhante ao que a própria situação em nós mesmos pro - ~l·mpre _agradável a ambas . Qu an do estou num a situ ação
duzir ia: conseqüentemente , a ate nção qu e d amo s, nu m ce rto e!ll C exc ita uma paix.c1.oqu alque r, é agradáve l sab er que os
momento, às circunstâncias de nosso próxi mo dev e nos a fe - qrn; acomp anham a minha situação experi menta m com igo
tar de modo semelhante, em bo ra jama is com a mesma inten- toe.las as suas vária s circu nsLânci.ts e são por elas afetados da
1

sidade co m q ue se d amos afe tad os se nós m esmos estivésse - 111l·sma maneira que eu . De o ut ro lado , é agradá vel ao es-
mos em tais circunstâncias. pt.·ctador obse rvar essa correspondênci a entre suas em oçf,es
O Sr. Sm ith se va le J e vário~ exempl os pa ra mostrar que ,, :1s min has.
e~5a mud ança imaginária de pos içã o é a orig em de nosso 3. Quando o es pect ad or da situa ção de outro homem ,
rea l interesse pelos dest ino s de no ssos próx imos : "Qu:1ndo n ilocando -se em toclas as divers as circuns tân cias do outro
vemos que un.1 golpe está pres tes a ser de sferid o sobre~ p er - ~l'nte- se afetado da mes ma mane ira que a p essoa diretamen~
n::1ou bm ço ele outra pessoa natur alm en te enc olhemos e re- I(' t.:n volvid a n a ação, aprova a emoçã o ou pa ixào de ssa pes-
tiramos nossa própri a perna ou braço: e, quando o golpe fi- ;oa , julgando -a jusra e corret a além de adequada ao seu
na lmen te é des ferido, de algu m modo o sent imos e somos objeto. As exceções a essa observação, segundo o Sr. Smith.
por ele tão atingidos quanto quem de fato o sofreu. Ao adm i- ~.lo apen as apa ren tes . "Um estran ho passa po r nós na rua
rar um baila rino na corda ba mba , as pess oa s da mu ltidão na- 1 om todos os sinais da mais profund a aflição, e iined iata~
tura lmente contorcem, meneiam e bala n çam seus corpos co - mente nos dizem que ele acab a d e recebe r a notícia da mor-
mo o vê em fa ze r1 e co mo sen tem que rer iam de fazer se e::iti- Ir du pai. É imp ossíve l, nest e caso , nã o ap rovarmos su a d o r.
vessem na m et,ma .situa ~ào. ~. Se::gunc.lo o Sr. SrniLh 1 o m es mo Contudo,. pode acontece r, n.lo ntro, sem qu e isso ind ique
oco rre em Ltxlos os casos e m que voltamo s no ssa ate nção pa- desu manidade de nos5a parte, q ue, impo ssibilicados de par -
ra a con dição de nosso próx imo. Seja qual for a paixão sus- 1/d pa r da vio lência de sua dor, mal p ud éssemos concebe r os
citada por um ob jeto qua lq ue r na pessoa d ireta m enre e nv o l- primeiros mov iment os de preocu pação que o acompanham .
vidfl n,i. ação, um a emoção análoga brora no pe ito de todo A exper iência nos ens inou , con tudo , que um tal infortúnio
es pe'-tador ate nt o que se imag ine em sua s itua ção . Em toda 11:tlura lmente provoca tal gra u de sofr imen to; além d isso sa-
paixão de qu e é suscetível o espírito humano , as emoções do licmos que, se nos detivéssemos em refletir plenamen te, em
obse rvador , a o colocar -se a si me smo nessas circu nstâncias, todos os seus asp ectos, sobre a situaçã o do o utro sem dúv i-
' l:t simpatizaríamos sincera men te com ele . É sobre ~ con sciên-
d a dess a simp atia condiciona l qu e se baseia noss a aprova-
• TSM, Parte 1, seção l. C 1p. 1, p 6. (K. ela R. T.)
~.lo de seu pesar , até mes m o nos casos e m que essa simpa -

l l lrU ,'l,,'1IFIA CRÍ77CA XXVII


X:XVI TEORIA D OS SENTIMENTOS M ORAIS
11
11~s.
1 pró p ria dignidad e e ho n ra, e ;'l conve niência. de no ssa
tia n ão chega a ocorrer de fato. Assim , as regras gerais dedu -
p111p n :1 co nduta .
zidas de nossa exp eriência anLerior da quHo a qu e::nossos se n-
timemos habilu a lm<::ntecon espo nderiam corrigem , nessa e em Para ilustra r d e o utra manei ra ~'lia dout rina, o Sr. Smith
mui ta~ outr as o cas iões , a inconveniência d e n ossas em oções
1 111 ,'ilde ra especia lmente os graus das dife rentes p aixões q ue
1111 11lnna111co m o deco ro, e procura m ostrar como, em cada
1n ome n tâneas ."• 1 ,IM l , t.'xpress ar intensa m en te um a paixão é decen te ou inde -
Po rtanto , por conven iên cia de qua lqu e r a feto ou paixão
, l' l lll', conforme a dispos ição da humanida de a simpatiz.ar
demonstrados por outra pessoa deve-se entender sua ade-
i t m1 ela. Por exemp lo, é ina deq u ad o exp ressa r intensamen te
quação ao objeto que a provoca . 56 posso julgar essa ade -
11111~ d~s.s~s paixões que nascem de certa co ndição d o cor p o
quação a par tir da co in cidênc ia do afeto com o que sint o ) se 1

m e ima gino nas me smas circun stânc iasi e a percepção d essa 1'1 ,1-,:nao se p ode espera r de o utros hom ens, qu e n ão estão
coincidência é o fundame nto do sentimento de aprovação 11.1rn_cs1~ 1a c~nd içào, que simpat izem com essas paixões . É
l111 pmp no gnt ar de d or física, po is a simpatia sentida pelo
moral.
4. Ainda qu e o fato de presta rmos atenção à situação de
1
'"-l1x ·c~ador é desproporc iona l à inten~ iclacle do se ntimento
outra pessoa e no s imaginarmos nas suas circun stânci as na- do .,ol·.re~lo r. O C..1So é de algum mo d o semelha nt e ao <laque-
tural men te susc ite em no sso es pírito um a e moção dt:: espé cie 1,, p:11xoe~ qu e se originam de um de te rmina do pendor ou~
semelhan te à qu e o outro ~eme , essa e rnoção de simpa tia, hdhllo da imagin açã o. .
contu do, exist e numa proporção infe rior à que é sen tida pe la No caso de paixões insac iáveis , corno o ódio e o resscn -
p esso a dire tam enl e en volv ida na ação . Por isso, a fim de ob- lhth: ru~, ~ simpatia do espectador se d ivid e en tre qu em sen-
ter o prazer da simpatia mútua, a natureza ensina o espe cta- 11· :1 pa1xao e quem é objeto dela. "Am bos nos interessam• e
d or a se es forçar , tanto quanto possíve l, para elevar sua 110~~0 medo pelo qu e um dele s poss a sofr er ab afa nosso r~s-
e mo ção até o níve l qu e o objeto rea lment e produ ziria: e. de "l 'r1t11n e ~to po r aquilo qu e o o ut ro sofre u ."• Donde O grau
o u tro lad o, ta mb ém ensin a à pessoa cuja p aix ão foi provoca- lmp~rfe~L o com q ue simpat izamos com tais p aixões , e a con-
da por esse obje to a red uzi-la , canto quanto possível, até o H·r11c.:: nc1a, qua ndo sob inílp ênc ia delas , de mo derarmo s sua
nível da emoção do espectador. 111 ,111 ifesta çào, mu ito ma is do q ue é exig ido no caso de q ual-
5. Sobre esses do is diferentes esforços fundam-se do is quer o utra emoção .
diferentes conjuntos de virrudes . Sobre o esforço do especta - .? inve rso d isso ocor re em relação a to dos os afetos so-
d or de experi m entar a situação da pesso a direta ment e envol - nt 1vc 1.'; e ben e volenLes, A simpatia do espec tador para com a
vida na ação e e levar sua e moção ele simpati a ao níve l d as !x·s."' a q~1e a~ sente coi ncide com sua preoc up açào com a pes-
emoções do ator, fundam -se as vittude s gentis e amáveis, as "'"' que e ob1eto delas. Aasim, é essa simpatia dup la que torn a
virtude s da cond escend ê n cia frànca e da human idade indu l- Ps-:e~ :1fetos tão part icul armente dignos e agra dáve is.
gente. Sobre o esforço ela pessoa dire tame n te envo lvid a na As emoções ego í.stas de d or e alegria, quando co nc~b i-
ação d e reb aixa r sua:; próp rias em oções de mod o a co rres- d .1~ em ~~ve ito de no ssa sorte, boa ou má fortuna, ocupam
po nd erem o mai!:iposs ível às do esp ectado r, fun dam -se as 1.1~ 1~1 ~spe~ 1e
d~..,lu~a r inte1m ediá rio e ntre nossas pa ixões so -
grandõ virLUdes graves e respe itáveis : :i.s virmd es da ab ne- < l,neis e msoc tave1s. Nunca são t::io gentis como as de um
gação, do autocon trol e, da que le comando da s p aixões qu e >irupo).nem tão od iosas como as do o utro Mesmo quand o
sujeita todos os movimentos de nossa narureza ao que exige ('Xccss1vas, nunca são tão desagradá \'eis como o exces sivo

• TSM, Pane r, Seçau 11, Cap. III, p . 38. (N. da R T .)


• TSM, Parte 1, Seç ão l , Ca p. III, p 17. (K. da R T.)
///l )(,'f<Af,1A CRÍTlCA XXIX
XXVIJI TEORIA DOS SEl\77MENrQS M ORAI S

ressentimento , porque nenhuma simpat ia ~posta jamais po~e 11•t l ' reco mpensa ou puni ção é, em ou tras pa lavras, afirmar
suscitar no.,;;sointeresse contra essas emo çoes : e , q uando sao 'l lll' ldl pessoa é um objeto adequ ado de gratidão ou ressen -
ma is adequadas a seus ob jetos , nunca se to rnam tão agradá- llrncn to ; ou, o que d ã no mesmo, que é, aos olhos de uma
veis como o sentime nto de imparcial human ida de e a justa 1H'~soa ou várias pessoas , objeto de gra tidão ou ressenti men -
11>,c:om o qua l todo homem sensa to se dispõe a simpatizar,
benevo lência, pois nenhuma simpatia dupla pode jama is nos
11,lo lt1n<lo-01 portamo.
fazer interessa r por e las .
-Depois dessas especulações gerais sobre. a con\~e?iênc ia É fundarne nra l obsc:rvar, n o enta nto, que não simpatiz a-
lllO S ele imediato com a gratidão de um home m para com ou•
das ações, o Sr. Smith examina em que me dida os Jlll ZOs da
11·0 npcn as po rque esse ou tro foi a causa de sua boa fortuna,
humanidade a esse respeito sào suscetíveis da influênc ia , em
11 n:)o se r que p or trás dessa ação h aja motivos dos quais dis-
casos part icu lares , das circunstânc ias favoráveis ou adversas
do agen te . A finalidade de sua arg umentação nessa seção é n ,rdamos inteira mente. Na verdade, no sso sentim ento quan -
mostra r, em opo~ição ao ~c:nso-comum, que, quando não se tc> ~to bom me recimen to de urna ação é composto , con sriniído
u·ata de inve ja, nossa tendência a simpatizar com a aleg ria é d L• uma simp atia ind ireta pela pessoa a quem a ação benefi -
muito maior do que a tendência a simpatiza r com a do r; por d :1, e de simpa tia d ireta pa ra com os afetos e motivos do agen -
isso mesmo é ma is fácíl obter aprovação dos hom ens na lt'. A mesma observação ap lica-se , muJatis mutandfr , a nos -
felicidade d~ que na advers idade. Partindo do mes mo pri ncí- '"º se ntimento de demérito o u de desp rezo.
pio, o Sr. Smith traça a origem da ambição, ou do desejo de Infere-se de sses princípios que as ú nicas ações que nos
honra e preeminência. O grande ob jeto dessa paixão consis- parecem merecedoras d e reco mp ensa são ações de uma te n-
te em alcançar uma situação tal que coloqu e o homem à dência benéfica, orig inadas de motivos adequa dos ; as ún icas
vista da simpat ia e da atenção gerais, conferindo-lhe um fácil ;1~·ôes q ue pa rece m merecer p unição são ações de tend ênc ia
domínio sobre os afetos de outros. danos a, originadas de mot ivos inadeq uados . A mera falta de
Tendo conclu ído a análise de nosso senso de conven iên- hcne ficênCJa não expõe à punição , po is não ten de a nenhurn
cia e inconveniência, o Sr. Smith passa a analisar no sso se nso mal real definido De outro lado, um homem que seja apenas
de rnénto e demérito o q ual JUiga não ter ligação, à prirne ira
1 inocen te. satisfaze ndo -se com a observação est1ita das leis da
vista, com nossos próprios carac teres , lllílS com os de n ~ss? Justiça relativas aos dema is , só pode ter me recimen to se se u
p róxim o . Ao t:xplicar a orig_em desse traço de nos.sa consu tut- próxi mo, po r sua vez, em relação a ele, observar relig iosa -
ção mo ral a plica o mesmo pr ináp io da simpatia por me io do
1 mente as mesmas leis.
qual determ ina o sentimento de aprovação moral. .Essas obs ervações levam o Sr. Smith a antecipar um pau•
Os termos conveniência e inconveniência, arribuídos a
ro o te1na da segun da grande patt e de sua obra, po is introduz
um afeto do espírito, s3o usados nessa teoria (como já se mos-
lima breve inves cigaçao sobre a 01igem do senso de justiça,
trou) para e:xpressar a adequação ou inadeq u ação do afeto à
qut": _pxlt! ~t!r ,;,plicado à no~a própria conduta , e também de
causa que o provocou. Os termos mérito e demérito sempre
nos.ses sentimentos de remur5o e de bo m merecime nto .
se referem (segundo o Sr. Smith) ao efeito que o afeto tende a
A origem do n0550 sen so de justiça, be m como de: todos
produ zir. Quando a tendência de um afeto é benéfica, o a_gen-
os nossos outro:, sentimentos mo rai.s, é expl icada segundo o
ce nos parece objeto adeq uado de recompe nsa; quando e do -
lorosa, o agente nos parece objeto ad equado de puniç.1o . . princípio da simpa tia. Se o uço un icame nte o.s sent imen tos
Os pr in cípios em nossa na tureza que nos tornain ma~ que estão den tro de meu peito, a minha felicidade me pare-
capazes de recom pe nsar e punir sào respectiva menLe a grau- ce muito mais impor tant e do que a de todos os o u tros ho-
dão e o ressent iment o . Por isso, afin nar que uma pessoa me- mens. Mas ten h o consc iência de que, por causa dessa exces -

XXX TEORIA DOS SENILW ENTOS MORAIS 11/C!GRAFIA CRÍ77CA XXXl


siva preeminência, os ou tros não i:xxtem, de modo algum, As observações precedentes cont êm uma síntes e geral
simpatizar com igo: para eles, em contrapartida , pareço ape- do ,; princíp ios do Sr. Smith relativos à o rigem de nossos sen-
nas um dentre a mu ltidão, por quem não estão mais interes - 1lmc ntos morais, pelo menos na medida em que se referem à
sados cio que por qualque r ou tro indiv íduo. Se desejar , pois, ro nduta de outros . Não obstan te , o autor reconh ece, ao mes-
co nquist ar sua simpa tia e aprovação (que, segunt.lo o Sr. 1110 tem po, que os sentimentos de que temos consciênci a,
Smith. constituem os obje tos do maior <lt:sejo de minh a natu- t' rn dete rmin adas situações, nem sempre coincidem com es-
reza), é- preciso cons iderar minha fdici dade não à luz co m ,,., princípios, já qu e freqüe ntemente são modificados por
que se apret.e nta a m im, mas à luz com que ~e apresenta à outras cons idera ções que não as de co nveniênc ia ou incon-
humanidade e m geral. Se me fazem um ma l q ue não provo - v<:niE:ncia dos a fetos do ageme, o u as de tendência benéfica
q uei1 se i que a sociedade ter:i simpa tia por meu ressentir.nen - ou da nosa dess es afetos . Por princípio, a.s ,conseqüênc 5as
to; mas, se eu prejudi car os interesses de outra pesso::a qu e ho.1s ou más qu e acidentalmente se se guem de um a ação , e
nun ca me fez. mal ap ena c; porqu e interfe rem no desenvolvi- que, po r isso não dependem do agente , não dev er iam in-
mento dos meus próprios inte resses, sei que a sociedade há fluenc iar nossa opinião, quer qua nto à <:onveniência, quer
de simpatizar com o seu ressenti ment o , e então serei objeto ( p 1:1nto ao mérito d e sua cond ut a No enta nto, de fato quase
ele indigna ção gera l. nunca de ixam de influenci ar cons ide rave lmente nosso julga:
Se , e m qua lquer ocasião, sou levado pe la violência da incnto : levam-n os a fom1ar um a o pinião boa ou ruim quan to
pa ixão a igno rar essas considerações e, quando há co nflito de ,) prudênc ia co m que a ação foi executada, e animam no5.5o
interesses, a ag ir segun do meus próprios senti mentos e não -,cnso do mérito ou demérito de sua intenção. Esses fatos,
segundo aqueles ele espectadores imparciais, jamais deixo de t:ntretanto 1 oferecem objeçõe s qu e podem ser particular -
sofrer o castigo do remorso. Quando minha paixão se vê sa- me nte empregadas con tra a teor ia do Sr. Smith, po is, seja
ciada, e co me ço a refletir lucidame nte sobre minha conclma, qua l for a hipót ese que adotemos quanto à or igem de nossas
já mio consigo compreender os motivos que a incitamm; pa - pc rcep ções mo rais, todos os homen s têm de reconhecer que ,
rec1: agora tão inac.lequada pa ra mim, como para o res to do na medida em que o evento favorável ou clesfavoráve l de
mundo; lamento os efeiros dessa minh a con duta lenho pena 1 uma ação depende da fort una ou de ac idente , nlo de ver ia
do infeliz sofredo r a qu em prejudiquei; e sinto que sou com ne m aum entar ne m diminul r a nossa aprovação ou reprov-&-
justiça o bje to de indignaçã o da humanidade. "Tal é" , diz o Sr. \~1o moral do age nte. Nesse sent ido, os morali stas de todas
Smith , "a nat ureza do senti mento qu e com propriedade se .1s épocas reclam avam que os sentimentos reais do homem
cham::i de remorso . É composto de ve rgonh a pe lo senso de tiio freqüe ntemen te se contraponham a essa ind isputáve l e
inoonve niência da minha conduta passada : ela dor , pe los efe i- t'qüitativa máxima. É pr eciso conside rar , portanto , q ue ao
tos dessa ação: de piedade pelos que por causa dela sofrem; observar essa irregularidade de nossos sentimentos morais, o
e de pavor, terror, da pun ição , pela consciência do justo res- Sr. Smith não está e videncian do uma objeção peculiar ao seu
sent imento de todas as criaturas racionais."* próp rio sisterna, mas removendo uma dificuld ade que igua l-
O comportamento oposto - isto é, de algué m que , por mente atjnge todas as teorias até aq ui propostas sobre esse
mo tivos razoáveis, realizou uma açâo ge ne rosa - insp ira de tema. Atê onde sei, o Sr. Smith é o primeiro filósofo total-
maneira semelhante o sen timento oposto de cons ciênc ia do mente conscient e da impo rtân cia da dificu ldade, e real me nte
mér ito , ou de merecida recompensa. a tratou com grande habilidade e êxi to . Ao justificá-la, ele
nenhum modo a apresenta distorc ida por qua lquer peculía ri-
dade de seu próp rio e.squema~ o qu e, devo admitir, parece -
• TSM, Parte 11,Seção II, C:.1p . II, pp 105-6. ( N. d:i R T .) inca mais .sólida e val iosa co ntribuição que fez para esse ra•
xxx:n TEORIA DOS SENl1MENTOS MORAIS Ili<)(,'l/AIM CRÍITCA XXXIII

mo da ciênc ia. É impos..;;ível resu mir tal justificativa num es- llll' l'ltOS e conduta , que na beleza ou feiúra de seu próprio
boço eomo este; por isso, devo me contentar em observar lO.'it0. Há, com efeito , um tribunal de ntro de nosso peito, su -
qu e consist e de três partes. A primeira explica as causas des - ill l' lllO árbitro d e tod as as nossa s ações , q ue seg uidamente
sa irregularidade do se ntimento; a segunda , a extensão de 1111~ mortifica em meio ao ap lauso, e nos ampara quando o
sua influ ênc ia; e a terc eira, os importantes propósitos a qu e rnundo nos censura ; mas, me smo assim , objeta o autor, se
se subordina. Seus comentários sob re o último desses tópi - lnvcstigar~os a origem de sua instituição veremos que sua1

cos são mais engen hosos e agradá veis, pois a finalidade é 1mlsdiçao deriva em grande parte da autoridade daquele mes-
mostrar, em opos ição ao que deveríamos estar dispostos a 1110 lribunal cujas dec isões tantas vezes e com cama justiça
apr eender in icialmeme , que , quando a naLureza imp lamou it·vcrtc.
a s seme ntes de.-;sa irregula ridad e no pe ilo d o h ome m, pr e- Assim que nos vemos no mundo, por a lgum tempo per-
tend eu p,in dpa lmencc promover a felicidade e a perfei ção .,.._
,guimos ardoro same nte o imp oss ível projeto de conq uistar
da espéc ie. ,1 boa von tade e aprova ção de todos . Porém, logo descob ri-
O res ta nt e d a te or ia do Sr . Smith destin a-se a mostrar 1nrn • que essa aprovação unive rsal é inatingíve l; que a con-
como se forma nosso senso d e d ever graças ::'iaplicação, sobre dula mais eqüi tativa freq üen te mente prec isa frustrar os inte-
nó s mesmos, dos julga me ntos q ue de início fazíamos quanto 1t·sses ou inclinações de certas pessoas. as quais raramente'
à co nd uta d os outros . ~crão francas o suficien te para ap reciar a conve niência de
Para introduzir essa investigação, sem dú vida a maís im- nossos motivos. ou para ver que essa conduta, po r mais q ue
portante da obra , e para a qual as especu lações precedentes ,1 julguem desagradável, é perfeitamente adequada a nossa
são, segundo a teoria do Sr. Smith, uma preparação necessá - ,1ltuaçào , Para nos defendermos desses julgamentos parciais,
ria, sustenta oJato relativo à nossa consciênci a de elogio ou logo apr endemos a instalar em nossos próp rios espíritos um
cens ura merecidos. É preciso ad m itir, co ntudo , que a p rimei - juiz entre nós e aque les com quem convivemos . Conce bemo -
ra visão do fato, como o próprio autor afirma, não pa rece nos agindo na presença de uma pessoa que nao tem relação
muico favoráve l a seus princípios. Por um lado , reconh ece particu lar, nem co nosc.u, ne m co m aque les cujos intt:resses
aberta ment e que a maior finalid ade de um hom em sábi o e 1'><1o afetados por nossa co nduta; e nos empe nhamos para agir
virtuoso não é agLr de mod o a obter a aprovação rea l do s de mcxlo a ob ter a aprov ação des.se suposto espec tador im-
qu e o rodeiam, mas agir de modo a tornar -se para eles ob je- parcial. É somen te cons ultan do-o qu e po demos ver o que .se
to justo e t,d equado da aprovaç ão. Além d isso sua satisfa ção
1
re fere a nós , segundo t1ma forma e d ime nsões ade qu adas.
com sua próp ria cond uta depen de mu ito mais da cons ciên - Em duas ocas iões diferentes , exam inamos nossa própria
cia de merecer essa aprov .:1çào,do que d e rea lmen te sabo- cond uta e tenta mo s vê- la à luz de um especta do r impa rcial.
reá-la . Por o utro lado, insiste e m que , embora isso à prime i- Prim eiro, q ua ndo es tamos na imin ência de agir; segundo , d e-
ra v ista possa suger ir a ex istência de alguma facu ldade moral po is ele termos agido . Nos dois casos , nossas opiniões mui to
que não seja tomada do ex ter io r, nossos sentimentos morais provavelmente serão pa rciais.
sempre têm alguma se creta relaç:101 ou com o que são os sen- Quando estamos na iminê n cia de agir , a avidez da pai -
time nto.s dos outros, ou com o que seriam e m de terminada xão rara mente nos permite avaliar , com a impar cialida de de
co ndição ) ou finalmente com o que imaginamos dever iam ~1 lgué m indife rente, o que esta mos fazen do. Quando a ação
ser; a ind a, se fosse possível uma c riatura human a crescer até termina, e as paixões que a provocaram cedern.m, embora
a idad e ad ulta sem nen hu ma comunicação com su a própria ~em dú vida possamos pa nilha r dos sent iment os do esp ecta-
etipécie, já não pcxleria p ensar mais em se u próp rio caráter , dor ind iferente com muito ma is frieza do que ames , é tão d~-
n em n a co n veniência ou d emérito de seus próprios se nti- sag radávcl pe ns armos mal de nós mesmos, que muita:s vezes

TEORIA DOS SEN77MENTOS MOJINS /Ili K,'/IAPIA CRJTJCA XXXV


XXXIV

de propó sito desviamos nosso pensam e nto da s circu nsrân- 1l~t1,tc.lflveis, seja para a próp ria pessoa, seja para outros . Tam-
cias que podem tomar desfavorável nos so julgamento. Daí h1•111ad mire q ue o sen timent o d e aprov ação, segu nd o o qua l
j1dw11nosalgo vin:uoso, t: intens ificado pe la percep ção da uti-
aque le auto-e ngano , fonte de metade elas desordens da vida
lld.idc ou , como o autor expli ca o fenô meno , é intens ificado
humana.
prn· nossa simpatia pela felicida de da queles a qu em a ut ilida-
Para no s de fend e rmos de tai s ilusões, a natur eza n os le-
d1• se estende. Aind a assim, insiste e m que não é :1 cons ide ra.-
"ª a formar de mo do ilnperce ptíve l, por me io de contí nuas
\ ,ÍO dessa utilidade a p rime ira ou a p rincipal origem da apro -
obse rYações da con duta de ou tros , certas regras gera is qua n-
1 ,,,·,1
0 moral.
to ao que é justo e conven iente fazer ou evitar. Algumas das
Para resumi r em a lgumas po ucas pa lavras toda a dout ri-
açt'Jes a lheias chocam nossos st n timc::nlos nanirais; e, quando
11;1do Sr. Smith: "Quando aprovamos algum caráter ou ação,
ob~ narn os outras pessoas tão impressionadas quanto nós t l,'i ~cntimentos que expe rim en tamos d eriva m de qu atro fon-
mesmos 1 confirma-se nossa crença d e que nossa reprov ação ll'S , e m a lguns aspe ctos difer en tes entr e si. Primeiro , simpa ti-
foi ju.sta. Portan to , naturalmenie estabe lece mos como regra 1amos com os motivo s do ag en te ; segun d o , participamos da
geral que toda s essas ações devem ser evj ta das, j,í q u e ten- 1-1n nidâo du s qu e rt:cebem o bene fício de suas açC>es;tercei-
dem a nos tornar odiosos, desprezívei s, o u merecedores de ro, observamos qu e sua con d uta ob ede ceu às regra s gerais
pun ição; e, po r re flexão hab itua l, esfo rçamo -nos para fixar por meio das quais essas duas simpatias geral me nte agem;-
em n ossos esp íritos essa regra geral, a fim de co rrigir as de - t', JX>rúltimo, se conside ram os tais ações como parte de u m
turpa ções do amo r de si, caso seja preciso algum a vez agir "ilstema de co nduta qu e tende a promove r a felicidade do
em circun stâncias seme lhantes. Se fosse ouv ir os d itames de Indivíduo, ou da sociedade , então dessa utilidade poderá
sua p aixão, o home m extremamente ressent ido talvez enca- ll'Sultar certa be leza , não muito dist inta da que atribu ímos a
rasse a morte de seu inimigo ape nas como uma peque na qualquer máquina bem engendra da ." De acordo com o Sr.
comp en sação pe los males ord inários que o outro causou . Mas Smith, es ses diferen tes sent imentQS dão conta, em tcxlos os
suas obser vações sob re a conduta de outr os en sinaram -lhe r:-1sos possíve is, d o sentimento co mJX)sto de aprovação mo-
como são ho rríveis essas vingan ças sang uinárias; po r isso, 1,tl. Diz: "Após eliminar os event u ais casos particulares, e ad-
ele imprimiu t!JTI seu esp[r ito , como re gra inva riável , abst er- rnilir q ue melo necessaria mente de ve procede r de um ou vá-
se das vinga nças e m todas as ocasiões . Essa regra preserva a 11 us dess es qua tro pr incíp ios , gostar ia de sabe r o que mais
autor idade sobre si mesmo, control a a im petuos id ade de sua l'C:>ta, e co ncederei pro ntamen te que esse r<:: síduo seja atri-
paixão, e co rrige as op iniões par ciais suger id as pe lo amor de buído a um senso mo r.11,ou a qu alq uer ou tra faculdade pe -
si. Contudo, se fosse a primeir.i. vez qu e levava em conta es- culiar, conta nto que me dem o nstrem em que precisamente
sa ação 1 sem dúv ida esta be lecê- la-ia co mo ação justa e apro- consiste esse resíduo." º
priada, e como algo que todo espe ctador imp arcial aprova - A opinião do Sr. Smith quanto à natureza da v irtu de esrá
ria. A cons idemçâo dessas regras ge rais d e mora lidade cons- compreen dida em sua teor ia rel ativa ao princípio da apro va-
titui o que segund o o Sr Smith se pode chamar adequa da- ç,o moral. Considera que a idéia de virrude sempre implica
mente de senso do dei;er. ,1 idéia de conveniência, ou de adeq uação do afeto ao obje-
Sugeri anteriorm ente que o Sr. Smith não desca rra intei- Loque a suscita; adeq u ação essa que só poder ia ser dete nn i-
ramente de seu 5istem a aqu ele princípio de utilidade, cuja nada pe la simpa tia de especta do res imparc iais para co m os
percepção em qualquer ação ou caráter constitui, segundo o
Sr. Hume, o sentimento de aprovação moral. O Sr. Hume re-
conhece co mo proposi ção un iversalmente válida qut: .só se • TSM, Parte VII, Seção III, Cap . IH, p. 40 6. (J\". da R. T.)
•• TSM, Parte V1J, Seçà() m , Cap . m , p. 406. (N . da R. T.)
aprov am co mo vinuosas as qua lidades do espírito úteis ou
XXXVI TEORIA DOSSENTIMEN7DSMORATS /li( lr.llAPI A CRÍTICA XXX\1 1

motivos do agente. Mas, não obs tante, enten de qu e essa des- A obra con tém urna grande comb inação de importantes
crição da v irtude é incompleta, po is, embora em toda ação \'l'rdades e, embora o autor algumas vezes se-perca no ardor
virtuosa a co nveniência seja u m ingred iente ess en cial, não é d1.•gene ralizar seu s pr incíp ios tem o mér ito de cha mar a
1

sempre o único. As ações benéficas contêm outra qualidade


por meio da qua l parecem não ap ena s merecer aprovação,
mas também recompensa , e excitam um grau supe rior ele es- 11•11:1mente de ixará tcxios choc ados , quer por simpa tizarem com o ressenti-
tima, que nasce de uma simpatia dobrada: pelos mo tivos do llll'ntu de :,eu p róxi mo , quer por Yerem que o mesmo pcxlena acontecer
,11migo Daí surg ir no espín to de todo homem certa noção da natureza e
agente, e pela gratidão daqueles que são obJetos cio seu afe- 1U"\'a do deve r, em que co nsiste o prlncíp 10 e o fim da justiça , De maneira
to . A esse respeito, a bene ficênc ia parece -lhe distinta das vir- •c·1nclhante, o ho mem qu e, par.i. de fe nder outros, é o primeiro a lançar-:,e
tudes inferio res de prudência, vigilância, circunspecçào, tem- 1 111 perigo, suporundo aié: mesmo a fúria dos mais ferozes annnals, nun ca
1lt•1,c1de recebe r d :1 mu ltidão as m.'lis aca lo rada s acbmaçõcs d e :1p lat.100 e
perança , constâ ncia firmeza , que são sempre julgadas com
1
\l' lltraç\ o; enquanto o que mostra uma condma diversa é perse_guid o com
aprovação, mas não confe rem mérito. Avalía q ue essa dislin- 1t.•nsur.i e rep rovação . E assim as pe ssoas com eça m a d isce rn ir a nanircza
çào não tem sido suficiemememe ob~ervada pelo:; mora listas; ,l.1.,ooi.5a.:shvnra.dct:,;e torpe~, em q L1e cun:,i:,re a d lft!~ n1.~1t'nlre elas, e a
os pr incípios de alguns não oferecem um.:1t:xplicaçào para a p1•1'ce ber qu e as primeirn~ . pe lo be nefí cio que trazem, devem ser ;1dmimdas
,, hrntadas, e as ú ltimas, de testadas e ev itadas:·
aprovação q ue concedemo.-, às virtud es inferio re5, e os de "A partir da do utrina con tida nesse trecho' , diz o Sr. GilHcs, "o Dr.
ou Lros expl icam, tambE:rn imperfeitamence 1 a pec uliar exce- "'rnith dcsc uvolve tuna u::od a dos s,:m lmcmos morais . Mas afa si:a-se do seu
1€:ncia q ue se reco nh ece na sup rema virtud e da be neficê ncia . m1tor, redu zindo a percepção de cer10 e e rrado fund :im enrnl e simplesmen-
lt.' a sent imento ou emoção . Políbio. ao cont rário, afim 1a. como Aristóteles ,
Tais .são os contornos da Teoria dos sentim entos morais do 11uc ess as noçõe s res ultam d1 razão o u illfelecto operan d o sobr e afeto ou
Sr. Smith, uma obra que d e ve se r po r todos recon hecida como ,1pct itc; ou, nou tras pa lavras, l j Uc .-. fac ul dadt'. mo ral é um com 1X)sto qu~
um singular esforço da inven ção-, engcnhos idade e sut ileza6 . pode ser reso lvido nos dois princípio.. m:iis simple$ do espírito ,~ (Gillies,
"-\risróteles' , vol. i , pp. 302-3, 2ª edição.)
A Llnica exp ressão a. que objeto nos doi s per íodóS precedemes !! seu
m 1tor, que p.'lr ccc ins inuar uma acu-:mção de plág io oonira u Sr. Smith, acu -
• A inve riçllo ("i nvent io~, no l atim) é t um part e d a retórica qu e ro nsis- ,1ç:lo. estou cena . imerecida . Com efe ito, rrnra-se de um t:-iso d e curios :-1
te em selecionar consideraçõe s ger:ais e verdadeiras, para tomar provável a coincidên da emre doi:s filósofos quanto ao mesm o assu nto, e como tal nilo
causa defend ida e ap licá ~la a casos individuai& Ou seja , trata-se de d escobri r lenho dúvida de que o pró prio Sr. Smith a teria come ntado, se lhe oco rres-
um ru,s umo rum que o ouvintc/k: itor se idéntif iqu c de irne d i:1to. (N. da R. T.) t-C ;1 lc.-
mbra nça enqu anto escrevia seu l:i,•ro. De t., is co inc i<lênciais acidemab
8. Segun do o Dr. Gillie-, o e rud ito tradutor inglês da Éiica e Política de t., 11re d iferentes espíri tos, há diariame nte exemplo s de pe $soas que , tendo
Aristóteles,a ldé ia geral que pe rmeia a reoria d o Sr. Smith foi claramen te haundo de suas fomes intern as todas as luzes que elas poder ia m ofe recer
emprestada da segu ime passa~em de Políbio: "Da un ião dm, dois sexos , -.obre um determ inad o assunto, têm a curios ida de de comparar suas pró-
pa r.:i a qua l tod os c:,tào natura lmenrc incl inados, nasce m os filhos. Qu ando, pr i:1s conclusõe s com as de se u s amcc c.ssorcs . E é muito digno de nota que,
pai~, u m deles , rendo alcan çado a idade madura . em vez d e r etribu ir :, propo rç:1o que qua k1uer o:ind usào se aprox ima da ve rdade . é razoáve l
adequadame n 1e a gratidão e assistência aos que o ge raram., rent a ao contrl - c-:perar que o número de abo rdagen s prév ias a ela se multipliq ue .
rio prejudicá- los por p alavr.is ou atos, pare ce cl.i.ro que , quem acom panha Mas, no caso que temos ã nossa frente, a questão da origina.lidade é de
os sofr imeat0:5 e as preoc upa ções dos pais para a limcnrnr e e<luc:.r os filhos, po ue:t ou ncn h um ::i mOnf.j, po is o méri to particular d1 obra do Sr. Smilh n ão
tem d e ficar mui to o fendido e desgost oso com tal proced imento. Uma vez n~side cm seu principio geral. mas no habilkiOO'.Juso que faz desse princíp K)
qu e, entre as várias espécies de an ima is , o homem é o único do tado da pJ._:aordenar sis:ematicamente as mais importantes discussões e doutrinas sobre
facu ldade d~\ razão, não pode, como os dema is, igno rar tais atos sem ~e :, Etica. Desse po nto de vista, pode-se considerar com justiça a Teoria dos se-mt-
re llira .sob re o que vê; e, comp arand o a inda o futuro ao presen te, n :'io de i- me11tosmomis um dos m:ü.soriginais esforços do espírito hum.mo empreend i-
xará de exp ress ar seu ressentimento po r esse tratame nto noc ivo, ao qual dos ness::: ramo da ciência. E ainda qu e supuséssem os ter sido inicialmente
pre\'ê que 1alve2 um dia també m poderj se expor . Por outro lado , se a l- 1,ugerido ao :1Utor por um comentá rio de que o mundo dispõe já há do is mil
guém é socorrido por ou tro num momento de per igo, mas, a.o irw~ de retri- :mus, eSS:t rnt=smacircunst{tncta apenas refletiria um forte bnlho sobre a novida-
buir a mesma gen tileza ao be n feitor, tenta dc stn1í-lo ou feri-lo, tal ingr-.uidão ck- de sua inten ção e .1 criatividade e gostO aplicados pam sua execução .

xxxvm TT!OIIIA DOS SENTIMENTOS MORAIS


/1/CIG«AFJA CRÍTICA XXXIX
atenção dos filósofos para uma visão da natureza human a v, 1 :1 influê ncia
do acaso em nos sos sentime ntos mora is, a lé m
que antes lhes escapara qu ase totalmente . A predomi n ânci a
1kt espe cu lação, não me nos valiosa , re lativa à influênci a dos
na teor ia de uma a rgument ação justa e sólida é prova sufi-
11~0s e costumes nessa mesma parte de nossa co nstituição .
cienle de sua nolável p lausibilidade ; pois, co mo o pró prio
O estilo em que o Sr. Smith expô s os princípios funda -
au tor obser vou, ne nh u m sistema de mora l pode conq uista r
mentais sobre os quais repo u sa a sua teo ria não me parec e
no55o ass en tim ento se não se ap rox i1nar da verdade.
1,10 pe rfeitamen te ad equado ao tema quanto o qu e u tiliza em
"Um sistem:1 de filoso fia natura l (comenta.♦) pode parecer
outrn s ocas iões . Ao tratar de id é ias ext rema mente abstra tas e
mu ito plausível, encont rar recepção ge n ernlizacla no mu nd o,
~uli s, sobre as qu ais é qu ase impossíve l raciocinar correta-
e mes mo ass im não ter nen h um funda mento sobr e a nat u reza; men te sem a ut ilização escru p ulosa d e termos ap rop riados ,
porém, o au to r que determi nasse como cau sa de a lgum senti- por vezes nos oferece pa lavras alte rnativas que não são, de
mento natura l um princíp io que ou não man tivesse re lação módo algum, sinôn imos est ri tos, o q ue dificu lta a comprec n-
alguma co m ele, ou seque r se asseme lh asse a um out ro prin- ~ilo p recisa e firme d e sua p ro pos ição; pro duz-se um efeito
cípio qu e mantivesse tal relação , soar ia absurdo e ridícu lo mes- 'iimilar qu ando, no curso ele sua sedutora e co pios a compo-
mo ao mais insensato e inexperiente dos leitores." Mas o mér ito ~içào , a me sma verdade assume impe rceptive lment e um a d i-
das rea lizações do Sr. Smith não reside aqui. Se a mai or fina-
versidad e de forma s. Porém, qua ndo o assunt o de sua obra
lidade desse ramo da ciên cia é sub meter Oti ft::nômenos re lali- o leva a d irigir-se à imaginação e ao coração, a varieda d e e
vo.s às nossas perc epçõe s mora is a leis gera is, en tão certa men -
t'Otrveniênda de suas ilu strações; a 1ique za e fluênci a d e sua
te niio há uma única obra , ant iga ou mod e rna, qu e ap rese n te
eloqü ência; e a habili dade com que ganha a atenção e co-
uma visão tão completa desses fatos como a obra do Sr. Smith. manda as pa ixões de seus leitores, de ixa m-no sem rival entre
Por essa razão , merece o cu idadoso estudo de todos aque les nos~os moralista~ ingleses .
cujo gosto os leva a seguir investigaçe>es seme lhant es . Ta is fe- A Dissertação sobre a or ig em das líuguas, que ora for-
nômenos , com efeito, freqüeme mente são expressos numa lin- 111a parte do m es mo volum e em qu e está a Teoria dos sen-
guagem que comp reende teorias pecu liares do auto r. Mas por time ntos morais , fo i, cre io, in id almen te anexada à seg un da
serem sempre ap resentados sob as ma is be las e felizes luzes, ed ição daquela obra. É u m en sa io d e grand e e nge nhos idade,
é fácil para um le itor atento, despindo-os ele tennos hip otéti- ao q ual o próp rio auto r dava grande valor . Mas, num exa me
cos, demonstrá -los para s1 mesmo com aquela precisão lógica gera l de su as public açõ es, mere ce nossa atenção menos pe-
que, em estudos tão dífícds, é a única qu e nos p od e cond uzir las opiniões que contém, elo que como exem plar de um tipo
com s eg uran ça até a verdade .
particular de investi gaçã o , que, até onde se i, é de or igem in-
Convém obs e rva r a in d a q ue às doutrinas teó ricas do li- te iramente modern a•, e qu e pa rece ter suscitado, de mo do
vro entrelaça m-se por toda parte, com singular bo m-gos to e
elegância , as mais puras e elevad as máx imas sobre a cond uta
prática n a vida; e que se encontram a todo momen to interes- • A Disse11açàn snhre a orig (,m rim lf11311as
é p1.1
b lic:1d :1 peb primelra
santes e in stru tivas descrições de carac teres e modos. Con - vez e m 1761. l\"ote-se qu e J.-J. Ro usseau escreve, d ois anos antes, seu
siderável pa rte do li,rn, além disso, é empregada em investi- Ensaio sobrea o,igem das línguas, cuida ndo do 1ncsmo tema. O estudo cien-
tífk.-oda s línguas , (;umu mostra Ik: nd ic l ArH.li.:n,on cm Naçtlo e cunsciênda
gações parale las, qu e são de igual importânc ia em qua lque r 11acíona l (Álica., ai p . 5, •K ov:-is !íng11a~, novO§ modelos ') , reaimcnle se ini-
hipótese qu e se formule sobre os fundamentos da moral. cia no sécu lo XVlll, e se torna um dos pr imeiros a con siderar :~r:= voluçào co-
Desse tipo é a especula ção ante riormen te mencionada, relati- mo seu objeto apropriado . O biógrafo Ougald Stewa n tem r.1zào, ponamo,
ao afirmar que .-;e trata de um e5tudo erninenlcmcntc mode rno. :--l o t:n~mo, ao
com ráriú do que afirma, a ohra d e Sm ith apa rece em 1761 em Philological
• TSM, Parte Vll, Seção II, Cap [V, pp . 388-90, (N. da R. T.) Miscellany, voL l, LOnd res e apenas em 1767 como adend o à Teo,i a dos
sentimentos moraiS. (N. da R. T.)
XL TEORIA DOS SE N7ltv/E N 105 MO l<AJS /110(;11ANII CR.111CA XLI

hasta nte ca rac teríst ico , a cu rios idade do Sr. Sm ith . Algo bem ~, d,t<;ócs ; e às vezes noss as co nclusõ es a priori te ndem a
pare cido com essa inves tigação e ncont ra-se em toda s as su as l·1rnfirm:1r a credibil id ade dos fatos, qu e, num a visão su pe rfi-
diferentes obras, sejam políticas, mora is ou literárias. Em to- 1l.1l. parece m ser duv ido sos ou inacreditáveis .
das e las, o autor a ilustro u com gra nde êx ito. Essas concepçõ es teóricas dos ass u ntos humanos não
Quando, em tal período da sociedade como este em 'l'tVc m unicame nte para satisfazer a cur iosidade. Ao ex ami -
que vivemos , compa ramos nossos haveres intelect uais, nos- 11.1,mos a h istória da humanida de, be m como os fenômenos
sas op iniões, costumes e instituições com os que prevaJecem do mu ndo mate rial, se não conseguimos seguLr o processo
entre tri bos rudes, não pode dei..x
a r de nos ocorrer , como pl'lo qual u m eve nto foiproduztdo , mu ita s vezes é im por ta n-
pergunta inte ressante , po r qu e passos gradu ais se fez a tran- h • ser capaz de most rnr com o pode ter sido produ ziUo por
sição dos prim eiros simples esforços da natureza não-cultiva- l ,IU,"as natmak; . Assim , voltando ao caso que deu ens ejo a
da até um esta do tão maravilhosa men te artifici al e co mpl exo. l'~ l,1.-; observações, ainda qu e se ja impo ssível dete rminar com
De o nde surgiu essa belez a siste m ática que admira m os na l 1·1tc za os pas sos pe los qua is se formou qua lq uer língua p:ir-
estrutura de uma língua culta ; aquela ana log ia que pe rpassa 1k 11l:u , se pude rmos mos trnr , ::i pMtir do ~ p rincír io~ conhe ci-
a mistura d e língu as faladas pel:ls nações m:1is remo tas e drn, da natureza hu mana, co mo tod as as suas várias par tes
:-tpartadas , e aque las p ec uliarid ades pelas qu ais todas se d is- podem gradualmente ter surg ido , não ape nas de algum mO'-
tinguem umas das ou tras? De o nde se originara m as diferen- do se sa 1isfaz o es pírito , corno se põe fim àq uela filosofia in -
tes ciênc ias e artes; e po r q ual cadei a o es pírito foi dirigido dole nte que, inc apa z de ex pli car as dlversas man ifestaçc:ies
de seus prime iros rudim entos até seus últimos e mais refin a- dos mund os natural e mora l, recorre a milagres .
dos progressos? De onde vieram a admi rável estr utu ra da J\ essa espécie ele investigação filosófic a qu e não tem
união polí tica, os p rincíp ios fun damen tais comu ns a todos os no me adequ ado em nos sa lingua tomare i a libe rdade de c ha-
gove rnos e as d ifere n tes formas qu e a soc ieda de civilizada 111:irele História Teórica ou Cor~fetura/ exp ress,lo cujo semi-
1

assum iu nas dife rentes época s do mund o? Para a grande tio ...:uincidt:: bast ante be rn com a de Jlistória iVatural utiliza -
maio ria desses assu ntos a história oferece po ucas informa- do pelo Sr. Hum c9, e com o qu e alguns escritore s franceses
ções , pois muito antes daq uele estâgio da sociedade em que l'lrnnnr :i.m de Hi stoi re Raisonnée .
os homens começaram a pens ar em reg isLrar seus feitos mui- As ciências m::1temá tic:-1.s,p u ras e m ista.,;;,ofere cem, em
tos dos mais impo t tantes passos de seu progresso já hav iam 1111 ,ila'> de sua<; ram ificaçües, temas muito favoráveis para a
sido dad os, Talvez se possam coletar algu ns po u cos fatos iso- l1b tó 1ia teó rica : ta nto assim q u e u m crítico mu ito com pe-
lados de observações casua is de viajantes , qu e vimm como se lt.·nte, o falecido M. d 'Alembe rt, recomendou a o rgan ização
orga nizam as soc ie dades rudes , mas é evidente que nad:t do de.· seu s pr incíp ios e lem entar es , q u e se fu nda na sucessão
11 :11ural de inven ções e de scob e rtas, co mo a mais adequada
que se ob tém de ss::i.m:rneir::i.se ap rox ima de um de talhamen-
p:1r:1 de speita r a curios idade e exe rci ta r a in te ligê nc ia dos
lo regular e coe rente do progresso humano,
L'SlUclantes . O mesm o auto r indic a com o m od elo um trecho
Na falta de ev idê ncia d ireta , p recisamos suprir o lugar
11,1 1/istúria d a matemática dt:: Mon tud a, ~m qu t::St: p ron 1ra
do fato pela co njectura e, se somos incap a zes d e ve rificar
vx ibir a evolução grndual da es pecul ação filosófica , des de
como os home ns rea lmente se conduziram em dete mü n adas ,1:-. pr imdr as conclusõ es suger ida s po r um estudo ge ral dos
ocasiões, devemos cons iderar de que modo provavel mente l'L' US, ::né :a dout rina de Copé rnic o . É bastante notável que
procedera.m i segun d o os princípio s d e sua natureza e as suas urn :1 história teórica dessa mesma Ciência (a qua l no s perm i-
circunstâncias externas . .Em investigações como essa , o s fa-
tos iso lados trazidos atê nós por v iajan tes e ex ploradores po -
dem serv ir freqüentemente como m arcos para n ossas espe - 9 Conferir sua História da religtâo na tural.

li
XLII Th'ORIA DOS SJIV/7MEIV'JDS MOl<AlS
UIOGRAFIA CRÍTICA XU II
te comparar, ta lve z mais qu e q ua lqu er outra , os av anç os tcs um fragmento sobre a História da astro n omia que dei-
namra is do espír ito com :1 rea l su ces s::io de sistemas hi po té- xo u pa ra p ubl icação; e o uvi-o d izt::r ma is de uma vez que
ticos) te nha sido uma das primeiras compos ições do Sr, projetara , na juventude, um a h istória d as outras ciências, se-
Smith . e u m dos poucos ma nusc ritos q ue não des tru iu antes gund o o mes mo p lan o. Em su a A riqueza das naç ões intro-
de morrer , duz várias dissen ações que tê m em vista u ma finalidade se-
Já indiq u ei qu e invest igações pe rfeitamen te an álo gas a melhante, esp ecialme nte o esboço teó rico a respeito do pro -
essas po de m ser uti lizadas pa ra se examin a rem as espécies gresso narur.tl cl;r opulência em um país, e a análise das cau-
de governo e de instituições mun icipais que se formaram n as tiaS que inve rteram essa o rdem nos d iferentes pa íses d a Eu -
diferen tes nações. Mas só recen teme nte esses irnpo 1tantes ropa modern a. Parece que em suas a ulas sobre d ireito, con-
assuntos tê m sido aprec iad os sob esse ponto de vista; an tes forme se com e ntou a ntes, esse tipo d e investigação era fre-
de Montesq u ieu, a maior pane dos teóricos ela política se qüe nte .
comentava com uma desu iç,10 hisló lica d os faros ê com uma O mesmo cavalhe iro que me fez a gent ileza de relatar as
vaga alusão às le is como fruto da sabedo ria de certos leg is la- aulas do Sr. Smith em Glasgow infonnou -me de q ue o ouviu
dores ou de circu nstâncias acide ntais que agora não p cx:lc m algumas veze s mencio nar a inten ção de escreve r um trat adQ
se r verificad as. Montesqu ieu, ao co ntrório, co nsiderav a q ue sobre as repúblicas grega e romana, "E de pois de tudo o que
as leis nasciam pr incipa lment e d:as circuns tâncias da soc ieda- tem sido publicado sobr e esse assu mo, t:stou convt:n cido
1

de , e procuro u atrib uir às mud anças na con d ição da hu mani- (diz ele\ de que as po sições do Sr. Srnith re riam indicado no-
dade , que ocor rem nos diferentes estágios do seu dese nvol- vas e imponantes abordagem; sobr e a situação intern a e do més-
\'imemo . as a lterações correspo nden tes nas instituições. É as- tica dessas naçõe s, de modo q ue os vários sistemãs de pol ítica
sim que , em suas ocas ion a is ex p licações do direito rom a no , seriam expostos numa luz mu ito menos artificial do que aq ue la
em vez de atur dir -se com a enid ição dos esco lásticos e estu- em q ue têm apa rec ido até agora.r
diosos da Antiguidade , freq üe nte men te o ve mos emprestan - Qu ando se encont rava nos salões da socie d ade , fre-
do suas luzes dos lugares mais remotos e afastados do globo , qüente mente emp regava esse mesmo raciocín io nos assun -
e comb ina n do as observ ações casuais de viajan tes e naveg a- tos ma is familiares; e as c riativas teorias com qu e, sem ne-
dores anal fabeto s com um comentáno filosófico sobre a h is- nh uma afetaç ão , exp licava todos os tóp icos hab ituais do d is-
tór ia da le i e dos costu mes . curso , con fe riam à sua co nve rsa originalida d e e variedade
Os avanç os ne.ssa linha dt::-inv~stigaçào desde os tem- quase inesgotáveis . Daí também a minúcia e a precisão de seu
pos de Montesq uieu foram gr and es. Lorde Kamcs, cm seu con hecime nto sobre mui tos art igos triviais, os quais ao lon go
J-Iistoricai!A w Tracts (Tratado histõrico das leis) , fornece u de suas especu lações tratava segundo algum pomo de vista
algu ns exce len tes exe mpl os d isso , n otada men te em se us nov o e interessa nte ; a lém diSso as vigorosas e circunstancia is
Essays in the H istory of Property r.md Cdmina l Law (Ensaios desc riçõ es des:;es ani gos d ivertiam .seu:; amig os, lanlo mais
so bre ::1 his tó ria da prop riedade e d a lei criminal) , e m uitas por q ue pa recia de hábi to extraor d inariamente d esaten to ao
espec ulações e nge n hosas do mesmo tipo apare cem nas obr as que se pa ssava a seu redo r.
do Sr. Millar , Fu i cond uzido a estas anotaç ões pe la Dissertação sobre
Nos textos do Sr, Smith, seja qu al for a natureza de seu a formação das línguas , qu e expõe u m mode lo muit o belo
assunto , rarame nte deixa p assar u ma op ortunid ade de co n- ele h istória teó rica apli cado a u m assunto igualme nte curioso
tentar sua cu riosid ad e , descobrindo, a part ir d os pr incíp ios e difícil. A an alog ia ent re a cad eia de pensamen to d a qual a
da na tureza humana e das circuns tâncias da so cieda de , a o ri- ob ra nasceu e a que sugeriu uma série de outras pesqu isas se-
gem das op iniões e instituiçõe s que desc reve . Mencio n ei an- rá, espero, uma apo log ia suficiente par a a extensão desta di-
XLIV 1EOR!ADOS SENTIMENTOSMORAIS //IOG'RA
FIA CRmcA XLV

g ressào; ma is panicularmcmc po rq ue me permitirá ~implificar dc-.ejava minha permissão para en viar um em teu nome ao
o comenlá r io que fare i, depo i~, de 5uas inve stig a ções sobre Dr. \X'arbunon . Adiei esta carta até poder-te di zer a lgo sob re
economia política. o sucesso do livro , e prognosticar, com algum a p robabilid:1-
Sobre esse assunto observ~trei à penas que, quando dife - dt.:. se deveri a ser definitivamente condenado ao esquec i-
rentes escd tores propõem dif erentes histórias teóricas sobr e me nto , ou inscrito no tem p lo da imor talidad e . Embora re nh~
o progre sso cio esp írito hu mano segundo uma certa linha de ,-,ido publicado há apena s pouc as sema nas, penso qu e já se
rncio cín io , não se eleve imagi nar que essas teor ias ~e1npre se manifestaram sintomas tão forres que quase posso me arriscar
oponham umas às outras . Se o progresso apenas esboçado ,1 predizer seu destino. É em resumo isso -- . Mas tive que
em todas elas for plausível, então é possível que de algum Inter romper esta carta por ca usa da to la e imp ertinente visita
mcx:lotoda s se tornem reais , pois os assu ntos humanos nun- d~ alguém que recent emente chegou da Escócia. Contam-me
ca exibem, em dois exemplos quaisquer, uma unifonnídade que a Universidade de Glasgow preten de declarar vago o
petfeita. Mas, quer tenham ou não se tornado reais é fre- cargo de Rouet, que está indo pa ra o exterior com Lorde
qüenteme n te pouco relevante. Na maioria dos casos o m ais 1lope. Pergunto-m e se não deve rias manter nosso antigo Fer-
impo rrante é cen ificar -se do mais simples prog resso do que gw,on sob ttus oll1os, caso o utr o projeto de procu rar-lhe um
do mais agradáve l ao fato 1 porquanto, por paradoxal que lllgar na Univers idade de Edinburgh fracasse . Fe rguson buri ~
possa parecer esta afinna ção, é cename nl e verdade que o lou e melhorou muito seu tmtado sobre Rcfinamcmo 1', e com
progresso re al nem se m pre é o ma is natu1·a l. Pode te r sido :llgu ns rep aro s dará um livro admiráve l, reve lando um gên io
determinado por ac id ent es particulare s , que provavelmente l'lcg ant e e singu lar. Espero que a Epig o níada vá hem ; mas é
nüo volrn.rào a ocorrer, e que não podem ser co nsiderados um trabalho um tanto árduo. Não duvido de que às vezes
como p::111ed e nenhum:1 previs.to geral que a natur eza ten ha consultes as atu ais resenhas. ~-lesmo assim. se procurares na
feito para o ape1fe içoamento da rnç ~. Criticai Review encon trarás uma carta sobre esse poema;
Na tentat iva de emenda r a exte nsão (e, receio acrescen - peço -te e ntào d irigir tuas conjeturas para descobr ir o auto r.
tar, a monotonia) desta seção , anexo urna cana original do Sr. Deixa-me Yer uma amostra ele tua habilidade em adivinhar
Hume endereçada ao Sr. Smith logo após a publicação da as pessoas, vendo -lhes apenas as mãos . Receio pelos Law
Teoriados sentimentos morais. A carta é fortement e marcada ·n-ncts de Lorde Kames. Um ho mem pode pens ar que fará
por aquele estilo leve e afetuoso que d istingu ia a correspon- um bom mo lho misturando losn a e babo sa, e um a agradáYel
dência do Sr. Hume, e merece um lugar n estas memórias po r com posição junt an do metafísi ca e lei escoct::,a, O livro, co n-
sua ligaçã o com um importante acontecimento na vida do Sr. tudo , tem mé rito, em bora pouc as pessoas se dêem o tra ba -
Smith , o qual pouco tempo depois o transp ortou pa ra um lho de procurá -lo. Mas, voltan do a teu livro e a seu su cess o
novo ce náno e influenciou, consic.leravelmeme, o curs.o pos- nes ta c ida de, devo dizer-te que -- - . Más que praga de
terior de seu:, ebludos. A cart a é datada de Londn::s, 12 de inter rupçõ es ! Ped i que clisses.s-em qu e não estava; mas mais
abril de 1759. 11m a vez alguém me atrapalhou. Trata-se de um hom em de
"Agrad eço -te este presen te tão agradável qu e é tua Teo~ letras, e conversamos muito sob re literan1ra. Tu me havias
rici..Wcddcrburn e eu demos nossos exemp lares de presente dito que tinhas curios idade sobre an edolas li1erárias, por isso
:ique les nossos co nh ecidos que consideramos bons juízes,
informo-te de algumas que chegaram ao meu conhecimen-
10. Acredito já ter aludido ao Jivm de Helvetius, De / 'F,sprit.
ind ic;1dn-. para divulgar a reputação do li vro . Envie i-0 ao
Duque de Argyll, ao Lorde Lyltleron, I-Iorace Walpole. Soame
Jannyns e Burke, um cavalheiro irlandês que e screveu recen- 10. Pub lic:ldo ma is tarde com o título d e An Essay on tbc His/ory of
temente um tratado muito bonito sob re o Sub lime . M.illar <."il'il Sociery(Ensaio sobre a hiStória d a soc ie dad e civil).

11/0G//AFIA CRÍ'l1CA XLYIJ


XLVT TEORIADOS SEN77MEATOSMORAIS
Incis ivo em favor do livro do qu e costu m a ser . Suponho que
Merece que o leias, não por sua filosofia, que não possui gran-
de valor, mas por sua agradáv e l co mposi ção. Receb i carta dele 11 conside ra ou algo exótico, ou que o auto r lhe será útil nas
l'icições em Glasgow . Lorde Lyttleton diz que Robertson,
há alguns d ias, con tando-me que meu nome aparecia mui to
mais freqüentemente no man uscrito , 1nas que o censor de livros ,mith e Bower são as glórias da literatura inglesa . Oswald
,1tirma solenemente não saber se ex traiu del e mais ins trução
em Paris o obrigou a cortá-lo. Recenteme nte Voltaire pub licou
um livrinho chamado Cândido ou o otimismo_ Dou-t e de lalhe ou entretenimento. Mas tu podes julga r facilmente o quanto
1
<e pod e confiar no julgamento de que m passou a vida enga-
dele-- - . Mas o que tem tudo isso a ver com meu livro' dirás
Jn<.lonos negócios públicos, e jamais consegue ver uma úni -
n1. Meu caro Sr. Smith, tem paciência; tranqüiliza-te; mostra -te
ra falha em seus amigos. Millar exu lta, e fanfa rroneia-se de
na práúca tão frlósofo como és na profissão; pensa na vacuida-
qL1edo is te rços da ed ição já fora m vendi dos, e de que agora
de, aridez e futilidade dos juízos comuns dos homen s: como
c~tú 5eguro do sucesso . Já se vê que sujeito é esse qu e valo-
são pouco governados pe la razão , notada mente nas questões
rlza livros apenas pelos lucro s que lhe dão . Nesse sent ido,
frlosóficas,que tanto excedem a compreens ão do wlgo.
r rc io eu, pod e v ir a ser um ótimo livro .
-- --- --1\on .si qu id turbida Roma,
Charles Towns end, que passa por ser o camarad a mai.-.
E!eve t, accedns: ex:arnenve improbum in ilia l'Spcrto da Inglaterr a, está tão entLL5iasmado com o sucesso do
C 1stiges tnHin~: nec te quaesiveris extra. livro que disse a Oswald que botari a o Duque de Buccleuc h
-;ob os cuidados do autor, e va leria a pena aceitar esse encar-
O re ino de um homem sáb io é o seu própr io pe ito; ou, go. Assim que ouvi isso visitei-o duas vezes a fim de falar-lhe
se acaso olha r mais longe , será apen as para o julgamento de 'iObre o assunto e conven cê-lo da conveniênc ia de mandar
uns poucos esco lhidos, livres de preconce itos, e capazes de vsse jovem nob re a Glasgow; po is não podia esperar que ele
exam inar sua obra. Nada na verdade é maior sinal de pre- pudesse oferecer-te qua lq uer cond ição que te tentasse a re-
sunção ou falsidade do que a aprov ação da multidão; e Fó- nunciar à cadeira de profe6So r. Ma.:, não o encomrei. O sr.
cio, tu bem sa bes, sempre suspeiLOu de que estava se::ndo lo- l'o wnsend passa po r se r um p o uc o instávcl em suas decisões ;
grndo, quando rece bia os ap la usos da plebe . .1ssim talvez tu não tenhas de resistir muito a essa investida .
''Supo ndo, pois , que com rodas essas refle xõe s já e ste jas "Como recompens a por tantas mortificações que nada 1
prepa rado par"J. o pior, passo a co ntar -te a melancó lica notí- ..:enão a verdade , pode ria ter ext raído de mim , e que eu
cia de que teu livro teve péssim: 1 sorte; po is o público pare- facilment e poderi a ter multipli cado , esto u certo de que és
ce disposto a aplaudi -lo muitíssi1no. Os tolos aguardaram-no um cristão suficientemen te bom e não retr ibu is o mal com
com alguma impaci ência; e a turba dos literatos já com eça a hem. Por isso , não adula minh a vaida de, cont ando-me que
elogiá-lo em alta voz. Ontem, três bispos foram até a loja de todos os devo tos na Escócia me censuram pe lo meu relato
Millar co mprar exemplares e fazer perguntas so bre o autor. sobre Jo hn Knox e a Reforma'. Imagino que te alegres ver
O Bispo de Peterborough disse que passara a noite na com-
panhia de um grupo ele quem ouvira elog iá-lo mais do que a
todos os outros livros do mundo•. O Duque de Argyll é mais • John Knox, um llos fnàlS radicais t" tnim.n;lg:emt":Sltô logo:; pre:;b ite-
rbnos do sécu lo XVI. Com a ascensão ao trono inglês de M3.ri3. Tudor
y Mary"), tem início uma feroz perseb1t1içioaos presb iterianos. John
('"131ood
Knox então se refugia na França , tomando parte em muitas ações contra o
• O hi6gmfo omite. p ropos it adameme ou não, o seg:uinte trecho da
(,llolicism o. Uma dessas ª \-'ÕeSlhe cus ta a liberdade : t:m 1547 (: aprlstonadu
carta: "Bem 1>0dcsimaginar como o livro será apreciado pelos verdadeiros t• ohrig:ido a sen..·ir como es cr::ivo na.e;g::ilés.
filósofo,, no momen to em que esses servosda superSt1çao(retoiner o/ m-
per:,1i1iu1t) dvg iare111
-no com tanto en lusias mo " (cf. ··rr cfncc to the 'lboory o/
O livro a que se refere Hume é Tbe History oJEngland, cujo primeiro
volume foi publicado em 1753 e o ú ltimo e m 1761. (K . da R. T.)
.itoral 5enfi trum ts' , Morfl'•on.1976,p. 25)
Xl \~Jl WO I/ IA DOS SENTJME!N10S MO I/AIS Ili<U i!Ul.FIA CJ?ÍllCA XI.IX

qu e meu pa pel chega ao fim, e que assim sou obriga do a co n- ,h,inclonar <.eu cargo na Unive rsicb de, de alistar e ntre seus
cluir esta . 11').!.U
idores alguns come rcia ntes mui to import antes 11 •
É possível supor que e ntre 05 estudantes qu e freqüenta -
Teu hu milde cr iad o, ~·.un suas aulas, e cujos esp íritos ainda não hav ia m sido dis -
DAVID HUME." 11,reidos pe lo pre con ceito, suas op iniões se aprimorassem
dnda mais rap idam ente . Por essa razão) esse foi o gmpo de
mligos que desde o início adotou, entusiasticame nte, o seu
Da p1.1blicaçâoela Teo ria dos sen time n tos morais "l,'itCrna, difu nd indo o co nh ecim e nto de seu s princíp ios fun-
d,1111enta is por es ta pane do reino.
à A riq ueza das nações
Pelo fi m de 1763, o Sr. Smith recebe u um conv i te do Sr.
Charles Tow nse nd para acompa n har o Duq ue de Bucc\euc h
Depo is d a p ublicação d a Teoriados sentimentosmorais,
t' 111 su as viagens; e os ter mos libe rais em qu e a pr op osta lhe
o Sr. Smith permaneceu qua tro a nos em Glasgow, des in cum-
lni aprese nt~1da , somados ao forte desejo de visitar o conri-
bindo-se de seus d everes oficia is com in aba lável vigo r en- tll'nte europeu , levaram-no a renunc iar ao seu cargo em
quanto sua repu ta\'à0 aume n tava. Dura nte esse tempo, o t il:isgow. As ligações que resu ltaram dessa mudança de si•
program a de suas conferê n Clas sofreu uma considerável mu- 11wção lhe deram motivos para ficar extrao rd inariamente
dança. Suas do u trinas éticas, das qu ais agora já pub licara u ma 1 ome nte . e sempre falou disso com prazer e gratidào . Talvez
pane tão va liosa 1 ocupava m um espaço do curso bem meno r p:ir:i o pú blico não fosse um a mudança igua lmente feliz,
do que antes; c.:om isso sua aLt'.'rn ,:ão nalurah rn: nlt: se d irig iu pois interrompeu aquele ócio imprescindíve l para os estu-
para uma t:xpJjcação muito mai~ çomp leta dos pr incípi os da do~, para o qual a natu reza p arec ia tê-lo dest inado, e no qua l
jurbp ru<lência e <lc: c:conomfa política. po der ia t~r rt!<1 lizad o os pro jt:Los liLt:rário:,: qut: st:duziam a~
Des de muito cedo , casua lmente se us pen~amcntos pare- ,tmbiçõcs de seu jo vem espírito.
cem se ter voltado para esse último assu nto . E p rováv el qu e Mas essa alteraç ão, q ue des d e esse pe ríodo ocorreu em
a inintern. 1prn. am izade de seu velho companhe iro Sr. Oswald ~t.•L1s húbitos, não foi de todo desv an tajosa . Até ali, viver--.<1.
o encorajasse a prosseg uir nesse r:11110 de estudos; e :a pub li- principalmente den tro dos mu ros de uma universidade ; e,
wç5o dos discursos polí ticos do Sr. Hu me no ano de 1752 ,·rnbora para um es pírito como o seu a menor obse 1vaçào da
não poderia deixar de reiterar essa vi:São libera l da polí tica mm1reza humana bas ta para dar urna co ncepção razoavel -
comerc i1d q ue j.i. se abr ira p ara ele no deco rrer de suas pró - 11\ cn te co rreta do que se passa no grande teatro do mundo,
prias inves l igações. Além d isso, a residência por longo tem- n:10 é de duv idar que a variedade de cenas pe las qu ais pas-

po numa das ma is esclarecidas cidades mercant is desta Ilha . "l;tria de po is d isso de ve ter nu trido seu espír ito com muitas
e a costuine ira proxim idade com q ue convivia com os mais Ideias novas, e co rngiclo muitos daque les equívocos quanto
,\ vida e à naw rt:za, que nem mes mo a~ melho res de~crições
respeitáve is de seus moradores, dava m-lhe uma oportunida-
dificilmente eYitam . Mas, fosse m qua is fosse m as luzes que
de de o bter das me lho res fontes todas as informações ro-
~u~1sviage ns lhe propiciaram como estud ioso da natureza hu-
merciais de que prec isava; e é u ma circunstância não menos 111:1na,prov avelmente foram úte is em grau ainda maior, po r-
honrosa para a liberalidade desses morado res para com os que o capaci taram a aperfe içoar aque le sistema ele econom ia
talentos do Sr. Smith, que, apesa r da relutâ ncia tào com um
entre homens de negócios em o uv ir as co nclusões da mera
especulação, e a opos ição direta ent re princípios básicos e 1 L Menciono esse fato, baseando-me na respeitáve l autoridad e de
todas as velh as máximas do comé rcio , fosse capaz , an tes de J.u ncs liichie, cavalheiro de Glasgow.

TEORIA DOS SEN TIMENTOSMO JWS ///11<,'//AFIA Clll11CA LI


po lítica, cu jos pri ncíp ios j á exp usera em suas confe rênc ias em ·,,·s. Além do
1111 praze r de pti var de uma agradável companhia ,
Glasgow , e qu e ago ra, d epois de muito est udo , prepa rav-i ~a- , 1 S,, Smit. .h teve ali opon unida d e de conig il' e ampli ar suas
ra lan çá-lo a púb lico. A coincidê ncia ent re alguns desses pn n - l11lon-irnções q ua nto à po lítica interna d a França, graças à fre-
cípjos e as do utrinas características dos econ om istas fran ceses, 11(knt:1ç:lo com alguns dos p rinci pais memb ros do Pa.rlamento.
q ue experimen tavam nessa me sma é poca o auge de sua rep u- De Tou louse foram a Ge n ebra , num a viage m bas tante
tação, e a prox imidade co m que conv iveu com a lguns do s lí- 1•x1t·ns~1pelo sul d a França. Lá passaram dois meses . O fale-
deres desse grup o não pcde riam de ixa r de contribuir para tor- ' \tio Conde de Stanhope . cuja ernd içào e d ign idade o Sr.
nar suas e sp ecu laçõe s ma is cla ras e me tódicas ; ao mesmo 1iini1h aprec ia \·a, morava então nessa rep úb lica .
tem po a valiosa coleta de fatos, acumu lad a pe la zelosa ind ús- Pe,to do Natal de 1765 voltaram a Paris, o nde per mane-
tria de seu s n ume rosos seg uido res 1 fornec ia-lht: vasto m alerial u• ram até ou tubro d o ano segu inte . A comp anhia em que
para ilu srra r e con firmar suas conclusões teó 1icas. p.1.,sao Sr. Sm ith , segu indo recomendação do Sr. !-lume, per -
Depo is c.lt: deixar Glasgow, o Sr. Smi th se reu n iu ao nd1c imaginar quão provei tosos foram esses dez meses .
Duque de Bucc\eu ch cm Lo ndres no início de 1764, pa rtindo l\1rgU1.,Quesn ai, N~cker 1 d"Alembe1t , Helveti us, Marmom el,
par a o Con tinen te no mês de março . Em Do ver enco nrr:-1- 1 "1.1dame Riccoboni, e ram a lgum; de seus co nhec idos. De Ma-
ram-se co m Sir Ja mes Macd on ald , que os acompanhou a Pa- ,bmc d'Anville, a res pe itável mãe do exc elen te Duque dC
ris, e co m qu em o Sr. Smith estabe lece u uma ami zad e qu e l(ochefouca u ld, cuja morte fora muito sent ida , rec.."e beu m 1.1i
-
se mp re comen tava com prazer, e cuja brev e duraç ão se mpr e t; 1~ ~1te nções, sempre lembradas com espec ial grat idão.
lame nto u . Os panegír icos com q ue a me mória dessa pessoa É de lamentar que o Sr. Smith não ma ntivesse diá rio
amável e ed ucad a fo i hon rad a po r tantas distintas p erso nali- dc1>s e perícx:lo tão interessante de sua histó ria; e tal era sua
dade s nos d iferentes p aíses da Eu ropa são p rova do q uão 1versão a escrever cartas, que suponho não ex istir nenhu m
apro priados era m seus talentos p ara co nq uista r admi ração istro na sua cor respon d ên cia com amigos. A profundida -
1-..·!,{
gera l. O Sr. Smith tinh a suas habilidades e erucliçao em alta 1k e a precisão de su a me mó ria, e m que po u cos o igua la-
conta, o que é um tescem unho ainda ma is valioso de seus v:im1 torn avam sem impo rtân cia registrar p or escrito o que
extrao rdin ários mér itos . Tam bé rn o Sr. Hume p arecia part i- ouvira ou vira; e tão gra nd e era sua ans iedade, antes de mor-
lhar o en tu siasmo do am igo. "Se estivesses ao meu lado (d iz
nu ma carta ao Sr. Smith ), de rrama ríamos lágrimas pe la morte
do pobre Sir Jam es Macdo nald . Não pode ríamo s ter sofr ido O seguinte excertodos rcgisiros da Universidade , anexado imediata-
maior pe rda do que a d esse jovem notável. " 111t.·nte após a carta de demissão do Sr. Smith, a um só tempo te~temunha sua
,...~iduidade como professor e comprova o JUStOsentlmento que aquela eru -
O Du qu e d e Buccleu ch e o Sr. Smith dedicaram ape nas illt,1in:itituição re:'lcrvava ao talento e va lor do cok ga que acab ava de perder;
dez ou doze dias a ess a prime ira visita a Paris1l . Depo is dis.so, "A Congreg açã o ace itou o pe dido de de missão do Sr. Smith. nos ter-
seguira m para Tou lo use, onde furaram residência po r dezo ito 111()~ ela can.a aci ma, e por co nsegu inte o cargo d e professor d e Filosofia
\•loml des ta Universidade foi declarado vago. T odavia , a Universidade não
1HK lc- de ixar d11 cxp rcss:1r o qu ::ir1to sir1ccron1cntc larncr1ta o. saído. do Sr.
Smi1h. cujas notáve l probi d ade e amáveis qu alidades co nq uis taram a estima
12. No dia seg uinte à su a chega da a Paris, o Sr. Smitb envio u ao Reitor ,. o afeto de seus colegas, bem como sua inteligência incomu m. grandes
da U11.ivc1-.sidade de G lal!gm-v u m ped ido formal de d crnissào de seu C3rgo l1.1b11idades e amplos con heci mentos, que tanto honraram esta instituiçio
de p rofessor. Afirmava na conclusão dessa carta: MNLl nca desejei ma is o be~ l-11:1 elegante e engenhoso Tooria dos sentim entos morais recomendou-o :l
da Facukbde cio q ue neste momenlo; seja quem for ineu sucessor, deseio i'.~tima dos homens refi nados e aos litera tos de toda a Europ a. Seu ab en•
sincerament
e que não apenas honre o cargocom suas habili dades, masque ~oado talento para ilustrar questões abs tratas e sua fiel constância na comu-
garanta, com. .:aprobidade de seu coração e a bond :i.de de seu létnp erame n: 11k:1çào de seu útil co nhecnn ento dist inguiram -no co mo professor e pro ·
ro, tran q üilicb d e aos excelentes homens com que prov avelmente passarJ pordo naram o ma ior prazer e a m:li s importante instrução oos jovens sob
sua vida .M o,.,seus cuidados.~
1

Lll TEOlllA DOSSENT/.ME!'v70S


MORAIS 11/rlUNtll'IA
CRÍTICA Lili

rer, de destrui r todos os papé is que poss uía, que pareci a de- 11.11 11,10 o tivesse impe did o, o Sr. Smilh (segundo me disse)
sejar que não sobrasse mau:ria Lpara ~eus b ióg rafos, exce to o l 11,·h·ndia dedicar -lhe sua A riqueza das nações .
que: fosse fornecido pelo permanente legado de seu gên io e i\l:ts não ap en:is os homens distin tos que ness e período
pe la excn1pl ar dígnid::i.d e de sua vida privada. /111'1.iin époc a tão esp lênd ida na históri:i literária d~1 França
Pode - se im:igin a r faci lmente se u prazer de co nv e rsar 111nV(X'aram a curiosidad e do Sr. Smith enqu am o es teve em
com Turgo r. Tinh am as m esm ~s op iniões sobre os po ntos l'.n/..; Seu contato com a literatura e rndira, tanto antiga como
mais essenc iais ela eco nom i~1 política, e eram ambos anima- 1110(.k•rna, foi intenso e entre .suas vá rias at ividades jam ais
dos pelo mesmo zelo pelos melhores interesses da hu m ani- d1•1xarade cu ltivar o gosto pelas belas-artes; menos , talvez,
dade. Além disso, ambos di1igiram seus estudos favor itos 111•losprazeres caracter ísticos que propiciam (em bora o Sr.
para inves tigar temas sobre os quais o entend imento dos ',111l
1lt nào fosse, em absoluto . despro vido de sensibilidade
mais capazes e mais bem informados não raro corre o risco p,1r:1essas belezas), que pela relação com os princípios ge-
de se deformar por preco nceito e paixão, e sobre os qua is, 1i11~ do espírito humano, cuja análise a literatura fornece o
por conseqüênc ia, é pa1t icularmente grdtificame a coinci- 111.1b agrad ável dos cam inhos . Para os que in vestigam esse
dência de julgamentos. Um dos biógrafos de Turgot nos diz 1~•111:1 1ão delicado 1 um a compara ção dos gostos predomi n an~
que , depo is de se retirar do ministério, ocupava seu tempo h .,.,ent re diferentes nações oferece u m valioso con junt o de
livre numa co rrespondência filosófica com algu ns de seus l,Hos; e o Sr. ::imith, sempre disposto a atribuir aos usos ecos-
amigos amigos; e qut:, em parlicular, vár ias car tas so b re im - llnrn.::; :;eu devido lug ar no governo das op iniões ela huma ni-
portantes as::iunlu::i ci.-culararn entre o Sr. Tur got e o Sr. d,n.11.:rda tiva::. à beleza, natural me nte d eve ter ap rovei tado
Smith. Registr o esse e p isód io mai s co mo prova da pro ximi- L,H.laoportu nid ade que um país es Lrange im llle oferecia p ara
dade que se presume tenha havido entre os dois , pois, e11; lluM rar suas primeiras teor ias.
outros aspectos 1 a hi stória me parece um tanto duvi dosa _ E Algumas de suas n0S,'ÕCsp eculiares relativas às artes imi-
difíc il acredita r que o Sr. Smith destruísse carras de um cor - L11lvasta1nbém parecem se ter confirm ado graças às suas
responde nte como Turgot; e, menos pro\·ável ainda, que oh ...c1v~1çôes no est range iro. Cedo descob riu o pr incípio fun -
es,;;a tro ca ocorre.'ise entre eles sem que ne nh um dos am igos d:1rnental de qu e gran de p :i.rte do prazer que as artes nos
do Sr. Sm ith tivesse conhec imento . Algumas investigações propo rcionam d eco rre da dific uldade da imitação; es:i.e prin -
feitas em Par is por um cavalheiro da sociedade , após a ' ,pio provavelmente lhe foi sugerido por um outro , o da d//
mort e do Sr. Smith, levan1 -me a crer que não existe ev idên- .Jh.:ulté surmon tée, por meio do qual alguns críticos franceses
cia dessa cotTespondên cia en tre os papé is do Sr. Turgot , e u·mara m exp licar o ef eito da versificação e da rim a 1}_ O Sr.
que toda -a história nasceu porque se sabia da antiga proxi - Smith am pliou o m ais possíve l esse princíp io, submetendo a
m idade entre ambos . Ju lgo imJX>rtante mencionar essa cir- de , de modo bastante engenhoso, uma grande variedade de
cunstância, porque suscitou mu ita c uriosidade !:iObre o de1:i- IL·nôrnenos refere ntes a todas as difere ntes belas -a1tes . Mas
tino dess a s supos tas cartas. isso o levou a algumas con clusões que pe lo menos à primei-
O Sr. Smith também era muito conhecido de M. Qucs - t ,1 \'i.sta parecem bastante paradoxais ; e não posso deixar de
n::ti1 profundo e or iginal a1.1tor de Econom.ica! Table; um ho - pe nsar que chegar am mesmo a diStorcer seu julgamento
mem (segundo o Sr. Smith) "da maior modést ia e sim p licida- ~obre muitas opiniões que estava habitu ado a da r a respeito
de"; e cuj o sistema de economia poHtici consi dero u, "co m de poes ia.
tcx:bs as suas imperfeições", co mo "o que ma is se aproximou
d a verd::i.cle en tre Ludo o qu e veio a pú blico sobre os pri ncí-
pios daquela importa nt íssi ma ciência ". Se a morte de Ques - 13. Veja-se o pre fácio de Oedipe de Yo ltairé, ed ição de 1729.

11/0G'l<AFIACRf11C.~ LV
LIV TEORIADOS SENTIMEIVTOS
MORAIS

Os p rincíp ios da composição drarná Lica aLJaí ram p a1tic u-


F.m 011rubro de 1766, o Duq ue de Buccleuch volto u a
larmen te sua atenção; e a hiSLótia do te atro , antig o o u mo- 1nndres. Sua Excelência, a quem devo vários detalhes des sa
t1,1rrativa , perdo ará , espe ro, a liber dad e que tomo transcreven -
derno, provem-o de alguns dos mais notáve is fatos sob re os
do um parág ra fo de suas próp rias palavras: "Em ou tubro de
quais fundava ::.ua teo ria das a1tes imitativas. D essa teo ria pa-
1766 voltamos a Londres, depois de passarmos quase três
recia se segu ir, como conseqüência, que as me sma s circ un s~
11nos juntos, sem o men or desacordo o u frieza; de m inha
tâncias qu e na tragédia conferem van tttge ns aos versos br ..m -
p,1ne.com todos os benefícios que se pode m esperar da com-
cos sobre a prosa, dev eriam dar Vlntagens à rima sobre os
p,inhiade tal homem. wlt ivamos nossa amizade até a hora de
versos bra n cos; e o Sr. Smith sempre ten deu pa ra ess a op i-
-.11a morte; e sempre guardarei a impressão de ter perd ido um
nião ..Mais que isso : chegou ao ponto de a plica r essa dou tri- 1unigo a qu em a rnei e respeite i, não apenas pelos seus gran-
na à coméd ia, lamentando qu e os exce lentes qua dros da 1h.::;talentos , mas por toda s as suas virtudes pan iculares ."
vida e dos costumes que o palco ing lês o ferece não fossem Ainda q 1.1eo n:t iro em q u e o Sr. Smi th passou os p róxi-
execurndos segundo modelo da esco la fra ncesa . Sua admira - 1!10S dez anos contrastasse forteme n te com o mod o de vida
ção pelos g1J.ndes aurores dra má ticos da França tomou-o ,,,..-ante a que se hab itua ra por alg um tem p o, combinava tan -
obst inado; e essa adm iração (resu ltante o riginalmente do ca- 10 mais com sua ín do le natural e com seus ant igo s hábi tos,·
ráter ger al do seu gos to, que se delic iav a mais em notar que só com a ma io r dificul dade era pe rsuad ido a abandoná. -
aquela flexibilidade da inteligênc ia que se adap ta a regras lo novamente . Duran te todo esse pe río do (com exceção de
estabelecidas do que em se surpree nd er com os vôos ma is poucas visitas a Edimburgo e Londres), permaneceu com sua
ousado s de uma imag inação indisciplinada ) aum entou ainda 111
ãe em Kirkaldy, ocupando-se habirualmeme de intensos
mais quando viu intensificadas pela perfeição da aprese nta- l'Studos , em bo ra às vezes descansasse seu es p írito junto a
ção teatral as belezas q ue já o haviam impr ess io nado em se u s ulguns vel hos camaradas de escola , cujos 1'sóbr ios dese jos"
est ud os. Nos ú ltimos ano s de sua vida às vezes d ivertia -se, os prendera ao lugar de nascimen to. O Sr. Smith se deliciava
numa hora d e lazer, apo iando suas concl usões teôricas sob re na comp anhi a de ta is homens; e lhes era caro, não apenas
esse assunto n os fatos suger idos por seus escudos e observa- por seus modos simpl es e desp retensiosos, mas po r conhe-
ções subse qüentes: e, se tivesse VIVido p ara isso, prerend ia rc rem rodas as virtudes domést-tcas que o haviam des tacado
preparar para imp ressão os resultados desses traba lhos . De i- dc:;de a infância.
xou apenas um brev e frJ gmento de:ssa ob ra para publica ção; O Sr . Ilum e (conforme nos re lata) , qut:: considerava "a
poré m, não avan ~--arao suficit:nt t' pa ra aplicar sua dout rina à <'idade como o único cenário p ara um home m de letras", fez
vensificaçào e ao Leatro . Mas como suas idéias relat ivas a essa várias tento.üv;ls para lev ar o Sr. Smith p ara fora d o se u re ti-
doutrina fo5.:>t=m L6pico favorito de sua co nvers a, e se ligas- ro. Numa carta d e 1772, in siste em que o Sr. Sm ith pa sse 1
sem inlimamcntc aos princípi os ger ais de sua crfrica, reria s i- nlgum rempo co nsigo em Edimb urgo "Nfio aceitarei nen h u-
do impróprio om iti-los neste es boço de sua vida.; co nsid ere i ma descu lpa por teu esta do de saúde , que supo nho ser ape-
adequado até mesmo deta lhá -los t11.:'1 is do q ue teria just ificado nas um subterfúgio inventado pela indolência e pe lo amor à
a importânci a relativa do assun to, se tivesse chegad o a execu - solidão. Na verdade , meu caro Smith, caso contin ues te en- 1

l:lr seus planos . Não pre tendo determ inar se seu ímpeto por tregando a que ix~ dessa natureza , afastar-te-ás inte iramente
tudo siste1m1tizar, somado à sua par cialidad e em relação ao tio convívio humano, para grande perda de ambas as par-
drama fmncés, não o levaram a genera lizar um pouco demais les." Em outra carta, datada de 1769, de sua casa em James's
suas co nclu sões, de ixando, com isso , de perc ebe r algu mas pe - Coun (que de um lado tinha vista para o Estuário de Forth , e
culiaridades da linguagem e versificação daque le pais . tle outro para a costa de Fife), diz: "Estou contente por ter-te
L\!1 TEORIADOS S/Ii\77MENfOSMORAIS /1/111
,//ANAG'J<l'17CA

em meu horizon te; ma5, co mo também desejo.1ia. te r-te ao 1 IIHpri11~ípios ... Mas est es e vários ou tros pontos só podem
meu lado, gostar ia que tomássemos ceitas medidas para esse ,·1dt h :tt1dos em um a co nvers:'-tque , espero, ocorra em bre-
flm . Fico morta lmente nauseado com o mar , e vejo com hor- j,t qtie mini:~ condições d e saúde são pé5.5irnas, e não
\ 1 ,

ror e uma espécie de h idrofobia o grande golfo que se este n- me perm1t1ruma espera muito longa ."
11111i"(1)

de ent re nós . Estou tão cansado de viajar, quanto rn natural- Quanto ao livro agora uni versa lmente conhecido como
mente deverias estar de ficar em casa. Por isso. propo nho 1 rlr1 ueza das nações, talvez seja supéríluo analisá-lo em
que venhas até aqui e passes a lguns dias comigo nes ta soli- 1h 1.ilh ci mas de qualquer modo, os limites deste ensaio tor-
dão. Quero saber o que tens feito, e ex ijo uma rigorosa des- 111111nes te momento impossíve l qualquer tentativa . Não obs-
c1içâo do método em que tens te ocupa do nesse teu retiro . 1.irnt.-. é . possí~el apresentar algum as observações so bre o
E.stou seguro de q ue estás errado em muitas de tuas espec u- h 11111
1
i.:: mlençao da obra sem , espero me tomar inconv e-
1

1ili·ntc. A história da vida de um filósofo pode com e r pouco


lações, em panicular as que têm a ülfelicidade de divergir
das minh2s. Tudo isso são motivos para nosso encana-o , e llhl l,'> do qu e a história de suas especu lações; e no caso de
u.11 r1uto r como o Sr. SmirhJ cu jos estudos eram sistematic a-
dese jo qu e me proponhas algo razoável nesse sentido . Não
há casa na ilha ele Jnchkeilh, senão <le:safiar-te-ia a vir me uu•r\lc ~liri?idos, desd e su a juventude, p ara assunto s da maior
enconlrar nesse pomo, e a nenhum de nós deixar o local até h11po11ancra p ara a felicidad e humana, uma resenh::i de seus
1 irrlt?s , .por ilustrar as pecu liaridades do seu gên io, fornece
e~tannos <le pleno acordo q ua nto a todos os pontos de nos-
11 111 :us hel retrato de seu caráter como homem .
sa controvérsia. Espero para amanhã o general Con,vay, a
quem devo acompanhar até Rosenearh , e l:í fica rei uns JX> U-
cos d ias. Em minha volta, espero encontrar uma carta tua
co ntendo uma ace itação franc a deste desafio.
Da investigação sobre a natureza e causas
da. 114ueza, das naçõeS 4
Fina1mente (no começo do ano ele 1776), o Sr. Smith
prestou contas ao mundo de seu longo retiro, publicando sua
Uma concepção histórica das d iferen tes fonn as so b as
lnvestip,ação
sobre a natureza e causasda riqueza das na- qnab fora m trata.dos os pro blemas humanos nas diferentes
ções. Te nho à minha frente, neste momento, uma carta de 1 !~,x;~s e naç ões natura lmente sugere a pergunta : a expc -
congratu lação do Sr. Hume por esse acontecimento. É datada
1lt, n~•.ªde ?utr~s tempo~ pode ou não fornecer princípios
de 1° de ab ril de 1776 (cerca de seis meses antes da mo 11e do
M11:','~, q ue , iluTT11~em
e on ente m a po lítica de fun 1ros legisla-
Sr. Hume\ e revela um crndado carinhoso com a fama literá-
dn1cs. A d1sc~ss~o a que leva essa q uestão, entr etant o, é sin-
ria do amigo. ·'t:uge! Bel/e! caro Sr. Smich: estou mu ito con-
Htdarm~nte d1fícil, pois requer uma aná lise cuidadosa daque-
tente com teu êxito, e acompanhá-lo me fez sair de um esta- l I que e de longe a mais complexa classe de fenômenos a
do de grande ansiedade. Foi uma obra tão espe rada, por ti,
'll1c p~de mos nos ded icar, fenôm enos os quais resultam do
por te us amigos e pelo público, q ue eu receava peb. sua apa- 111v c:arnsmo mmncado e mu itas vezes impercep tível da soc ·e-
riçào, mas agorn estou muito aliviado. !\Ião porque sufl leiruf'3 tl11lle ~o líti.ca. Eis um assunto d ian te do qual. por parecei'. à
nece ssariam ente exija muita atenção, mas po rque o público pd111e 1ra vista impossíve l de ser apreend ido por noss as fa-
est5 disposto a dá -la tão pouco , que às vezes ainda duvido de 1 idd: 1dcs, costu mamos nos pos icion ar co m a mes ma passi-
que inicialmente seja muito popular. Mas tem profundidade,
so 1idez e precisão, e é tão ilustrada por fatos curiosos, que
finalmente terá de cativar a atenção do público. É prováve l ~• , _14 No per i~o em que est1 biogr.1fia foi lida d iante d 11 Real Socic dack:
que tua última estada em Londres a tenha aperfe içoado. Se tu 1 l:(hmburgo, ~ao er_araro, mesmo en tre homen s de algum t.1 Jcnto e infor-
estivesses aqui junto da minhff lareira, discutiríamos a lguns de in.tt,.lo,confundir deltbe radament e as doutr inas espe cu lativas d e econom ia

lllr/c,'IM/.1A CR'tnCA LlX


LVIII TEORJADOS SEN?füEi'ITOSMORAJS
reunidas nos inumerá ve is caminhos da observação e
1111·1\lt.'
vidadc e submissão com que adm iramo s, no mund o mate-
, \l't •rm~en~ação - e na polít ica - ~m que as matérias de nos -
rial, os efe itos produzidos por miste riosas e insond áveis cau- •~ lt•orms igualmente se encontram difusas, sendo reunida s e
sas físicas . É uma sorte , todavia, que neste e e m muitos ou- 111,111 e,om maior dificulda<le ainda - os meíos de comu -
j:11..h1s
tros casos as dificu ldades que por tanto tempo frustraram os 11h,1c.;,,ooferecidos pe la imp rensa aceleraram, no curso de
esforços de esp íritos solitários comecem a parece r menos , 111 h ,'léculos, o progresso do espírito humano, muito além do
terríveis quando se unem todos os esfo rços de un 1 povo, 111H' poderi am imaginar as mais otim istas espe ranças de nos -
pois, à med ida que a experiênda e a razão de diferentes in- ••._nmepassad os .
divíduos co nvergem sobre os mesmos obje tos, e se com b i- O progresso já feito nessa ciência, insignifican te, se com -
nam de uma man eira tal que podem esc larecer -se e limita r-
Jl,11,ldo com o que ainda pode ser esperado, já bastou para
se reciprocamente, a ciênci a política assume, mais e mai.s,
111<1 , ll"Jr que a felicidade do homem depende não da partici-
aquela forma sistemálica 4 ue encoraja e auxilia o trab alho de
p,11:lo cio J)OVO,d,reta ou indireta, na promulgaç ão das leis,
fllluro~ investigadores. 111,1, na eq rnclade_e adeq uação com que as leis são promu lga-
Se a ciência política procede desse mod o , não é n ecessá-
d►i .... A f>ª'1:tc1~ çao do povo no governo interessa princi p al-
rio ir beber apenas na fonte dos antigos filósofo.<.,,cuj a aten-
11wnte a mmona de homens, cujo ob je tivo é obter notoried a-
ção estava voltada nas especul,:içôes políticas, para a compa-
d1- • po lítica; mas a eqüidade e adequa ção das le is interessam a~
ração entre as diferentes espécies de governo e para o qu e
11 ,do..m~mbro da co'.!1unidade, sobretudo àque les cuja insig-
seria necess ário para perpetuar sua próp ria ex istênc ia e a u- rdlka ncm pessoa l nao reserva o utra coragem, senão a que
mentar a glória do Estado. Por outro lado, ftcou destinada aos 1,·, cbem do espírito geral do governo sob o qual vivem .
tempos motjernos a investigação dos princíp ios un iversais de Portanto, é evidente que a divisão mais important e da
justiça e co nveniênci a que, sob qua lqu er forma de governo,
1 lt' ncia polí tica tem como finalidade descobr ir os p rincípios
devem regula r a orctem social , para dist ribuir, da maneira
lllosóficos da jurisprudência; ou (como diz o Sr. Smith) "des -
mais eqü itativa possíve l, os benefícios da unrno polílica c.::: ntrc.::: 1 nhrir os princíp ios gerais qu e deveriam per mear e funda-
todos os diferemes mem bro s de uma comunidade.
11w nta_ r as leis de todas as na ções "1s. Em países onde os pre-
Ta lvez a inven ção da imprensa fosse necessário. pa ra
1111 1cc1tos do P:v.o entra m em conflito co m esses princípios,
preparar o caminho para esses estudos . Em domínios de lite-
,, liberdade pohtica que a constituição assinala apenas lhe
ratura e ciência em que o espírito encontrn dentro de si a
)t1l r:111 te os me ios de realiza,r sua próp ria ruína . E se fosse pos -
matér ia ele seus trab alhos, t~1is como a poesia, a gernne tria em
111vcl ~upor esses princípios co rnplecameme efetivados em
alguns ramos da filosofia moral , os antigos não apenas lança-
' l" ·'!quer sistema de leis, o povo teria pouco motivo para se
ram os fundamentos sobre os qu ais deve mos construir , mas
q11l·1xar de qu e nã o é diretamen te o insuu mcnt o de sua pro-
deixara m grandes e acabados mcxlelos para imitarmos. Mas
na tisica - em que nosso progresso depe nd e de um imenso
111ulgaçüo .. º.
ú~nico '.:ritér io infalível da excelência d e qua l-
q11t•r ro nst1tu1ç-.:10es ra_ no de talhamento ele seu código local·
conjunto de fatos e ele uma combinação das luzes fo11Uita- t' 1>valor que os sáb ios confere m à liberda de po lítica se dev~
pd nci palmente à suposta facilidade com que seriam introdu-
polhica cvm a.-, dbc u~s M)bre os pdmdr o.5 prindpios do Govern o que
1ldos os aperfeiçoam entos na legislação que os interesses da
naque le tempo infe lizmente '.lgitavam o espírito do público. A dou trina d o Li· , ornu~idade ex igem. Não posso deixar de acrescen tar que a
,·re Comércio era retrotada como ten dência revolucionária , e a lgllns do.s q ue , .t pac tdade de um povo de exercer seus d ireitos polít icos de
outrora se tinham orgullw<lode privar da intimidade do Sr. Smith,e do zelo com
qu i.: prupa}lavam ~ u ~i:,tema libcm l, co meçaram .:i co nsiderar :is vnntagens de
sujeitar-se :Is controvér.-i:t!-do.,;filósofos. aos mistér ios da Política de Esmdo 15. Con ferir a conclusão de su:i Teoria dos 5'mtimcntos mora is.
e à sabed oria insondá vel dos tempos feudais .
1

Tl.!ORIA DOS SE1VI'JME.l\7DS MORA IS l/11I<.'RAP.IA CRÍTICA LX.I


LX

mane ira útil para si mesmo e seu país pressup õe a difusão n q11l1a s natura lis, quid gem ium more s, qu id rerumpub lica-
de conhe cimento e boa moral, a qual só pode resultar do 111111 lcwmae cliversae : ideoque possint de legibus , e x princi -
prévio funcionamento de leis favoráveis à ativida de, à ord em 1111 .. l'I praecep tis tam aequi tatis naturnlis, quam politices de -
e à liberdade. , 1·1m·n..:. Quamo brem id nunc agatur , ut fomes justitiae et uti -
De modo geral , os políticos esclarecidos parecem agora llt,11 b public.:aepetantur, ~t i.n ::iingulis juris p a1tibu:>charact-:r
convenc idos da verdade dess as observa çõe s; JX>is as mais fa- q1lldnn1 c t idea justi ex h ibeatur, ad qu am particu larium rcg-
mosas obras que fora m produzidas nos diferemes países da 11111 11m et rerumpublicarum leges probare, atque indc emen-

Euro pa nos últimos trinta anos por SmiLh, Que ~nai, :u _rgot , d.1110 11e m moliri , quisque, cui hoc cordi erit er curae, po ssit."
f\lc) trecho citado , a e numera ção dos difere ntes objetos da
campomanes, Beccaria e:: o utro s, tiv eram como propos 1to_o
aperfeiçoamento da soc iedad e, não porqu.c es~oçaram pro!~- t, l ,o incide com a que foi proposta pelo Sr. Smitl1 na conclusão
tos para novas const ituições, mas porqu e iluminaram a po l1t1- 1h• .i., ua Teoria dossentimentosmorais,e a finalidade precisa das
1 'ilX'tulações políticas que então anunciava, cuja valiosa parte
ca dos atuais legislador es . Tais especulações, embora mais
amp la e essencialmente úte is do que q uaisquer outras , não 111111."i c.ardepub licou em sua A riqueza das nações,era desro brir
1 i-. principias gerais de justiça e conveniênc ia que deveriam nor-
tendem a perturb ~r insritu ições estabe lecidas. o u a inflama r
as paixões da multidão . As modificações que recomen dam l•·.1ras instituições de leg isladores sobre esses importantes arti-:.
~os: ou, nas palavras de Lorde Bacon , descob rir aqueles leges
devem ser efetivadas com meios tào lentos e graduais, qut::
f1;~11111,"ex qu ibus infonmn io p<::ú poss it, quid in singulis legibus
apenas seriam capaz es de aquecer a imaginaç ão de un s pou -
1)4·nc aut pcrpcram posirum aut constitutu m sit".
cos teó ricosi e na proporç ão em que fore m adotadas, ,conso-
A parte da legislação que o Sr. Smith escolheu como
lidarão a política e ampliarão a base sobre a qua_l ela repousa. ,,hjcto de seu trabalho naturalm ente me leva a comentar o
Orientar a política das nações para a mais 1rnportame
titJrpree nde nte contraste entre o es pírito da an tiga e da mo -
classe de suas le is, as qu e form am seu sistema de economia
d~·ma po lítica q uanto à riq uez a das naçôes 16• A maio r finali-
política, constitui a grande finalidade da lnvest;g,,ção do Sr.
d,1ue da primeira era neutralizar o amor pe lo dinheiro e o
Smith. E, inquesrionavelmenc e, o autor teve o mente de apr e-J
MONOpe lo luxo por me io de instituiç õe s positiv as , mant en-
sentar ao mundo a mai::5abrangente e perfeita obra qu e já
do, no grande corpo político , hábitos de frugalidade e seve -
apare ce u so bre os princípios gerais de qua lqu er parte d a le-
rltl:ode de costumes . O declínio dos Estados é constanremen-
gislação . O exe mpl o qu e lançou ser:í seg uido , espe ra,~os , h· tributado pelos filósofos e historiadores da Grécia e de Ro-
c m seu devido te mpo, po r outros escri tores para os quais a 111.1à influência da riqu eza sobre o caráter nacional. Assim,
po lítica inte rna dos Estados o fere ce a inda outros t~mas de ,,,.. leb de Licurgo) q ue durante st!culos bani ram os metais
discussão, não me nos a.1riosos e intere ssantes; e mmtos ace- p•L'ciosos de Esparta , são evo cadas, po r mu itos dos antigos ,
lera m o progr es so daquela ciência que Lorde Bacon de scre- 1 o mo o mais peif e ito mode lo de leg islação já divisad o pela
veu tão bem na seguinte passagem: "Finis et scopus qu em H,1be dori:1 humana. Como isso co ntr asta com a do utrina do s
leges intue ri, atqu e ad quem jussiones et san ctiones suas ~i- polí1icos mod ern os! Longe de considerar a pobreza v::1ntajosa
rigere deben t, non alius est, qua m ut cives felici'.er degant; 1~ p.,ra o Estado, seu gran de p ropós ito é d.ar princíp io a no vas
fiet , si pietat e et re ligione recte instituti; mo nbus honesu; h11uesde opul ência naciona l, e estimul ar as atividade s de to-
anni s aclversus hostes ex te rnos tuti; legum auxilio adve rsus d.11,as classes do povo por intermédio de um gosto pelo
seditiones et privatas inju1ias muni ti; impe rio et magistrati~u::5 rnnforto e comodidades da vicia.
absequ e ntes ; copiis et opibus locupl etes et flo rentes ft_1cnn ~.
- Cerre cognit io ista ad viras civiles pro prie spectat ; qu1 opt1-
me nôrum , qui<l ferat ::iOCietas humana , quid salus populi, quid l6. fi!ang icri, la scic n za dei/a lcgislacioru:, lib. i, cap . 13.


1

L){I] TEORIA DOS SE.1YfTMENTOSMORAIS /J/OCRAFúl CRÍ7TCA LXIII

Pod e-se encontrn.r urna das princi pais distinções en:re o n:lo ap resenta nad a que desp erte seu engenho ou distraia
espír ito da política antiga e o da moderna na d iferença entre ~ua atenção, poderi a deixar -lhe a liberdade de empreg ar su as
as fomes da riqueza nacion al dos tempos anug os e m~er- 1:1c ulclades em assuntos mais interessan tes para si mesmo 1 e
nos. Nas épocas em que o comérci o e as ma nufaturas amda 1nais am plam e nte úteis aos de mai s.
estavam na sua infânc ia, e entre Estados constituídos como a Esses efeitos, apesar da grande variedade de causas opo.s-
maioria das repúblicas am igas, o súbit o influx:: de riqee_zas 1as a inda ex istentes , já resu ltaram , de modo bastant e signifi-
vindas do Pxrerior era temi do como um ma l1 Iª que te rnvel 1·:11ivo, d:-1rolít ic::i lihP~ l cios temp os mode rnos. Em seu Essay
para a moral, a atividade e liberdade do povo . Atualm~nt :, u 11 Cbmmerce (Ensaio sobre o comércio) , o Sr. Hwnt=, proc uran -
entretanto. tão diversas são as circunstânc ias , que as mais n- do con he cer a razão pela q ual as repúblicas do mu ndo antigo
cas naçõe~ são aquelas em que o povo é ma i: la?Crioso '. e 1wc:ess itavam reunir e man ter numerooos exé rcitos, co nclui que
onde se goza do maior grau de liberdade . Mais_am~ , foi a o 1x:>de r militar desses estados se devia à ausência de comér -
difusão general izada da riqu eza e ntre a~ clas~s mfenor~s ~e d o e de luxo. ~uma vez q ue o traba lho dos agric ulto res man -
homens que prim eiro o riginou o espínto de mdep e nd enc1a 1lnha poucos arte sãos, po dia sus ten tar muitos so ld ados ." Mas
da Europa modern a, e produz iu, sob alguns de seus gover- ,1rrcscenta que "a po lítica dos tempo s antigos era VIOLENTA,
nos, sobre tudo o nosso, uma divisão ma is igua l de liberdad e ,. contrária ao curso l\ATURAL das coisas". Isso significa, pr e--
e felicidade do que ocorria sob as mais famosas const1tu1ções '<111110,que havia o forte des ejo de mo dificar a ordem da so-
da antiguidade. . . ' kdade pela força das 111 stituiçôes positivas, segundo alguma
Sem essa difusão da riqu eza entre as ordens mfer.ore::5, idéia preco ncebida de eficácia. Assim, não se confiava sufi-
os importantes efei tos que a invença.o <la irnpr~nsa propor- ' k'ntemente n aqueles princípios da const ituição humana qu e ,
cionou te1iam sido extremame nte limitad os, pms certa tran - ~l·mpre que lhes penn item livre ação não ap enas conduzem
1
qüilidade e indepe ndên cia são necessá rias ~ara insp~~ nos ., hu ma nida de para a felicidade, mas lançam os fund amentos
homens o dese jo de conhec imento , e garantir-l hes o oc10 n~- d~·um apr imorJ.me mo progr essivo ele sua condição e se u ca-
cessá rio para ob tê- lo . Apenas pe las vanta gens que tal. ~nc h- 111 11.::r. AB va nta gen s ela polít ica moderna 6obre a antiga nasce m
ção da sociedade oferece para. a atividad e e a a1:1h1çaoas pd nc ipa lmcnt e de sua conform idad e, referente a alguns do s
paixões egoístas da mu ltidão podem ser levadas a mte ress~r- 1111ti~ importa nte s artig os de econom ia po lítica, co m um a or-
se pelo aperfeiçoamento intelectual de seus filh?s-A mass1_va d~•m de coisas recom e nd ada p ela natureza; e nã o seria difícil
divulga ção de luzes e o refinamento qu~ .sobrev1era~n l?°r in- 1111,stra r qu e, onde pe rmanece imp erfeita, seus erros podem
fluência da imp ren sa, ajudada pelo espmt o de comercio, pa- l'I' relacionados às restr içõe s impostas sobre o cur so na tural
rece ser o remédio que a naturez a provê contra os fatais efei- ili >sassunt os humanos. Na verdade, nessa.,;;restrições po dem-se
tos que, do co ntrário, a divisão do trabalho, acompanhaado o 11nl'Ontrar, em estado ele latência, as semen tes de muitos dos
progresso das artes mec ânicas, produziria : Pa_ra. toma ~ es.s~ pn•t·once itos e to lices qu e infectam os costumes modernos, e
re médio ainda mais eficaz , faltam apenas msmu 1ções sáb las , 111, · por tanto tempo resistiram à argumentaç ão dos filósofos
qu e facilitem a instrução geral, e adaptem a _educa ção dos ,, ,m escárnio dos satír icos .
indivíduos aos car gos qu e ocuparão. O espmt? d o _artista As indicações prece dentes , ainda que irremediavelrnen-
que, limitado à esfera ele sua atividad e, pod~ calf _abaixo do lt' Imperfeitas) constituem não ap ena s um a introdução ap ro-
nível do camponês ou do ::5eJvagem, podena entao receber 111lmfa mas em certa meclida também necessária aos pou cos
de sd e a infância os ff 1eios para o prazer intel ectual, e as se- , , 1111c mários q ue lenho a ofe re cer sobre a Investigaçãodo Sr.
memt::s do aperfe içoamento mora l; e até a insípida un i,~or~~i- '\111l1h , po is ten de m a ilustrar a ligctçâo entre seu sislema de
dade d e seus compr omissos profissiona is, que de orc mano p11l1tka co mercia l e as especu lações de seus prim e iros ano ::;,
TEORIA DOS SENTIMENTOS M ORAIS 11/0(,'I/APIA CW11CA LXV
!XIV

em que buscava mais declaradamente o ava nço do ap rimo- ~;iul rnluitas luzes no vas sobre a h istória daqu ele estado de so
ramento e da felicid ade human os. Apenas esta concepção da , '''. '" e que predom ina nesta região do globo. Suas obs ' :
politica econôm ica pode interessa r os moralistas ) e d ignifi- · \ 111 ~ ~obre esse assumo tendem a m . . en.a
car, aos olhos do filósofo, os cálcu los de lucro e prej uízo. O 111wi~1s,em sua or igem primeirn, fora~s~ra:ei L~l~a~~s circu ns -
Sr. Smith aludiu a tal ligação em vários trecho s de sua ob ra, 1111•v l1ável da s,tuaçào peculia r da humanidad d natural e
mas em lu gar algum exp licou -se plenamente sob re o assun- 1"•11 tx.l~jdecorreria m, adema is, não de qual u:r s~s':e~.::!. certo
to. Adema is, sua grande ênfase nos efeitos da divisão dJ tra- I,_ l)(~ht1ca, mas elos interesses privados e
1 11.1s o rdens de ho mens .
di
preconceitJse:l
e
balho para aum entar a capacidade prod utiva parece, à p ri-
meira vista 1 indicar uma conclusão d iferente, e mu ito rr.elan - Entret~nto, embora a pr incípio tenh a se or iginado de
11111.1 coI mb ma..----3
'Y- 0
s·rngu lar d e ac1
, •d cntes 1 o estado de socieda-
cólica, a saber: que as mesmas caus as que promovem o pro -
gresso das artes tendem a degradar o espír ito do ::irtistai e, ;1\ prc~ongo u -se muito a lém do seu perío do na tural por
1 ""ºsistema de econo mia po lítica ro -d um
li ~ (' ma~ufatureiros , classe de ind iJdu~:~ui ·~ .P~r m:rcado -
por conse qüf:ncia, que o cresciment o da iiqueza nacional
implica sacrifíc io do caráter do p ovo. ' Olpre e O mesmo d , . . m eresse ne m
As dout rinas fundamenta is do sistema do Sr. Smith são i''' ,1lssional lhes de que o o pu bltco, e cu10 conhecimemo
tão amplamente conhec id:;is agora , que seria tedioso recapi- u mrnta s vantagens ma·s •
1111~prunôr dios dessa d ivisão da ciênc ·a ' .., I ~reJi~1sa!11ente·
tu l:í-las aqui, mesmo se eu tivesse a espemnça de fazer justi- nplnlOCs que dese1·avam i ' Jª q ue e t: 1H.i1am ::is
ça ao assunto dentro dos limites que me impus. Por isso , , .• ve r prospera r. Por meio desse siste-
111.i1 <11o_u-se uma nova cadeia de obs tácu los ao progresso da
conte ntar-me-ei em come n tar, em termos gera is, que o gran - 1
de e principa l propósito de suas especulações é ilustrar como
lt ~,~~nda~c naciona l. Den tre e ss es , 0 ~ que emergiram das
• 'i OI e.e ns os pe ríodo s feudais tenderam diretamente a
a na tur eza proveu os princíp ios do espírito humano , e as cir- . pc::::r
cunstâncias da situação exter ior do homem, a fim de aumen-
111d 1,1r a organ ização interna da so 1· d d
.~ c e a e, ao obstn11r de-
tar gradual e progress ivamen te os meios de riqueza naciona l.
11;iu ~go em empreg.o e de lugar a luga r, a livre cfrculaçã~ d e
1' i li 1to e mercadon a. O falso sistema d . ,.
Além d isso, o autor pretende dem onstrar qut:'.'.o plano mais 1111· pre valeceu at' . . e economm po11t1ca
eficaz para levar u m povo à grandeza é manter essa ordem h • 1ir-,d , e a~ u1, n? 11:edlda em que seu ohjetivo
, '. o e regular o mtercamb ,o co mercial entre d •f, .
de co isas que a natureza imlico u , permitindo a todo hom em , i, I\Ot',\ prod uziu efeitos menos diretos e ev·d i e1enr:s
enquanto observar as regras da justiça , pcrseguir à sua ma-
1 nwno~ pre judiciais aos Estados que o aclora/a1~n~s'. mas .nao
neira, !)eu próp rio interesse, e trazer sua ind ústria e seu cap i- ,u 11 tuna vez q ut: ascendeu dos preconceit . _esse siste-
1\·s~cs d ~ os, ou antes dos
tal para a mais livre competiç ão com os de seus co ncida-
dão s. Todo sistema de política qu e se esforce , seja por ex-
11111•
,,
d
o.:; especu 1a ores mercantis O Sr. Smith
1' "ih,ltt:~1~□ Co~er~ia l ou Mercantil, an~lisando longa m !~~:
eh
trao rdinári os ince ntivos, par2 de srinar a uma espécie particu - ll'i ( ois pnnc1pa1s ex d. d .
I• td~·c 1es à . ~ pe . ientc~ e cnnquece r uma nação :
lar d e indúsrria uma parte do capita l da sociedade maior do importaçao e mcent1vo à exportação Parte d
qu e natu ralmente atrairia, seja por ex traord iná rias restrições ,
para afastar de uma espécie panicular de indús tria parte do
1 \'xp~d íentes , ? ~serva o autor , foram orien.tados
11r to e e monopolto, e parte por um es íri d
p:1:
..
capital que do contrário nela ser ia empregado, na re~lidade 11d1· <.'lll relação aos , · p to e poss ess1v1~
pa1ses com os qua is a ba la
subverte o grande propósito que deveria promover. 1li ,, supos tamente desfavoráve l. Seja como for nça iome r-
O Sr. Smith inve stigou , com grande enge nhosida de , qut: 1 1 ••1t1 damme me aca rretar , segundo seu raciocí~i~mte~sd~~-
circuns tâncias, na Europa moderna , co nrribuiram parc1 per- 11·1,H 1ve rsas à riqueza da naç{io ue o . - ' -
turbar essa ordem da nature7....ae, sobre tudo, para enco rajar a i li lt , i ,t n.:speito da possess ividade no sc=~~ioSe us comen:
1111111tom de ind ignaça-o raro em "eus esc .
atividade nas cidades, à custa da4u ela <lo cam po. Assim, lan- ' v ntos expl~~sam
po 1t1cos.

li/rir/!/AFIA CRÍTICA LXVII


TEORIA DOS SJ3NTllv/ENTDS MORAIS
LXVI
ti lt d IH sem ocas ion ar pelo menos
"Dessa mane ira", diz, ' as artes furtivas de co mercian tes
1
'l••'lt irdcns ainda maio;es . Por isso* d:º:: : cu~o perío~o,
::;u baltcrnos são alçadas à condição de máximas políticas ti t ie:itaurar gradu almente o sistema na~1 ane ua ~e d.eve-
para conduzir um grande impé rio . Por imerméd io de máxi- d,1dt•e ·ustiça é d . raJ de per feita hber-
mas como essas ens inou -se às naçõ es que seu interess e con-
. 1 ª 1go qu e evemos deixar pa ,b d .
i 11 •~ futuros home ns de Estado le i J- d . - . ra a s.a e .,ona
e dição de sua Tooria do. g s ~ OJes de(ermmar. Na
sistia em arruin ar todos os seus vizinhos . Cada nação foi for-
mada para lançar um o lha r de tnsídia sobre a prosper idade
de todas as na çoes com q ut: tem comércio, e a considerar o lu-
11111111:1
llllh)duz iu alguns comentár ios
, , i111 .1 mesma importante doutrina A
~~:1::~;;osn:orais , o ~Ul~r
e1:1e ara refe rencia
cro de las como sua própr ia perda . O comércio, que natural- 1111' referir-se mais part icu larmem~ a s~r 1,nte passag:m pa -
mente deveria ser um laço de u nião e amizade tanto er:tre as i •1i 11'lll social que se orig inaram d as in~~:
ª.5
fert~1rb;ç?es da
nações quanto entre os indivíduos, tomou -se a mais fértil O homem cujo es írito úbl' ~ t utç?es .eu ais :
fonte de discórdia e animos idade . A caprichosa amb ição de 111l I huma nidade e ber{evolêici a :~~ m~v 1do mteírame nt~ =·
reis e ministros durante o sécu lo atua l e o pass~ido não fo i Ih Hlos estabe lecidos de indivíduo/ :~~~~s pod eres e pn -
mais fatal para o repouso da Europa do que a impert :nen te ln, o1t lcn!).e soc iedades em que se ct ' 1.v1'd e o etudo d as gran-
Estado Embo a
possessiv idade de mercadores e m::mufatureiros . A violência 1'1•11 ~11 co nsiderar que alguns são em algu
. · ma me d I.d·a abustr -
e injust iça dos senhores da humanida de é um mal antigo , '1, v,11 -sc contentar com modern.r o que às vezes n - -
para o qual talvez a natureza dos assun tos humanos dificil- ' J.tllt' an iquilar sem grande v io lência , . ao COO·
men te admita reméd io. Mas a mesquinha capacidade e o es· d1in1l11 ,1r os preconceítos arra . d d. Quando n.,"lopuder
íl nia os o povo po r razão e
pírito monopo lizador de mercador es e manufatureiros, que º:
não são, nem deveriam ser, senhores da humanidad e , ta l-
vez não possam ser e mendados , embora se p ossa facilmente
111/:
1 í,
::~:~s:;
,~~l~
: 11,~ms_: não tende rá submetê~ Ios pela força , po is observa-
~ qu: com just iça Cícero .chama a d ivina
· sa _er,. nunca usa r de ma1s violência com
imp edi-los de perturbar a tranq ü ilidade de qua lquer um salvo I\11

l
•. 1·\ ;~ mueodcaorma~ os pr?pnos pa is. E então, tanto quanto pos -
seus interes se s p úblic 'b '
deles próprios.
Tais são os princípios liberais que, conforme o Sr. Smith, 1111 ,•!tos estabelec idos do v . os ao s 11a itos e pre -
deveriam dirigir a política comerc ial das nações i: cujo esta~ 11,•I, ir.:meciiará as inconve~~êi~ i=sª ~:da, ta~to quanto pos-
belecimen to os legislador es deviam ter como grande ob jeti- 111 i111dn dessas regras a que as pessoas :ã~v!m re~ultar da
vo . De qu e maneira a execução <la leoria deveria ser trans- •t•" '' Q u.:111clo não puder estabelecer o c ssa: a se su b-
JX>Staa exe mplos paniculares é qucstâo de naturew muito 111111,Ime lhorar o e rrado ; mas , co mo Sólon en~, nao ~esde-

difere nte, cuja resp o sta deve variar nos diferentes países, se- 1,i t•M.1helecer o mell . d . ' quand o n ao pu•
t il11•k·ct:r o melho 1or sistema e leis, empenhar -,5e-á em
gundo as diferemes circunstâncias de cada c::1so. Numa obra r que O povo puder tolerar•
F'i.\a prudênc ia com res p eito à a lica à : . - .
especulariva cmno a do Sr. Smíth, a consideração dessas
qut:5tê>esnão subsume pr opriamente a seu plano geral 1 em- 11111•1 1,1t· _s f<:_isingula rmente necef,;;áriJ
1c1i i:
:op::1~~; ~rm.~
bora o autor estivesse mu ito co nscient e do perig o que a apli- o, ri dns na_çoes,na m edida em que sendo o p rinci ai n
cação pre cipitada de reor ias polí ticas pode represen tar. Isso 1 llcI dessa ob ra recomendar a ilir,;itada l'b d- d p I pro -
se nota não apenas pe lo sentido geral de seus escrit:.s, mas ';" i , ln, facilmente poderia adular a indolên~ i:r d~s eh e e co -

por a lguma observação incident al referindo-se cliretarr:ente ao


;;issunto . ~Tão desastrosos", escreve numa pass age m, ··são os
, l •11,alo, suger indo aos que estão investidos d omens
ti 'ih110 :l idéia de ex ecuta r isso ,·med 'tat amente. e"Nada pode ér
efeitos de todas as regula ções do sistema mercantil, que nil.o
ape nas introd uze m desordens muito perigosas no estado do
1°'IM,Parle VI, Seç-.lo Ir , C:ip . U, p, 292. (N . da R. T .)
corp o político , mas desordens que muitas vezes é difícil re
'I'liOR/A DOS SENTJ;UEi,70S MORAIS lltlr,/llF/A <:RÍ17CA LXIX
I.XYIII
mais contrário à tranqüilidade de um homem de f..5tado=, diz 1•h, lt•6r_icos~ª~enas o capaci tam a adm inistrar suas med idas
o aut or de um Eloge on the Administration of Colbe1t. "do :!, 111i11;c.· 1ra ~1b1a e ~onstante p ara a me lhor ia e felicidade da
que um espírito de modemçâo, porque isso o condena a 1u i lt h~mana, ev1tando com isso desviar -se dessa im or-
uma obediência perpétua, mostra-lhe a todo o tempo a in.:iu- . 1in_a
' 11111 liclade por co ncep ções mais limitadas de efic~cia
ficiênda de sua sabedori a ) e deixa -o com o melan cólico sen - 1•111, l"I011a. "Em [OdOS os casos' \ diz o Sr. H ume, ~deve ser
timento de sua própria impetf e ição . Por ouu·o lado , sob o 1i nh1jo...,osa be~ o qlie é: mais perfeiLo, para sermos capazes
ab rigo de uns poucos princípios gerais, un1 polí tico· metódi- ' ,uk-c;!u~r a esse mode lo, tanto quanto potisivel qua lquer
co goza de uma calma perpétua. Com o auxilio de apen;;is o11111tu1çao real ou forma de governo , por alterações e .
um princípio, o da perfeita liberda de de comé rcio , gove rna- , ,, loc•I..;t;IJo suaves que não causem perturb ação exc..-essiv~n;:;.
ria o mundo e dcixar i~tqu e os assuntos human os se arranj as - Ili l'l ;1( ~ ."
sem por si sós, mesmo sob influência dos preconceitos e <b limites de stas Memórias toma m impossível exam.
interesses p rivados dos indiv íduos. Aliás, se estes se opuse- 111ih dc_talhadamente o mérito da ohr a do Sr. Smith ~uan;:ª{
rem uns aos ourros, não ficará preocupado quanto ao que . ,1l11h1:thdacl';. Que sua doutrina sobre a libe rdade de comér -
pod erá acont ecer, pois insiste em que o resultado não pede- 111 t <k· industna apresen ta notáveis coincidênci as com a que
rã ser avaliad o antes que transcorra um século ou dois . Se, ' li ,11ur.11nos nos escritos dos Economistas Franceses o .~- -
como conseqüência Ua Jesordem cm qu e lançou os assuntos ~ r mos tra, ao menciona1 1api<la1uente o siste:rui
1•t li' ,111t ~~~-
públicos , seus contempo râneos tiverem escrúpulos quatro a h ulli 111?s.Mas cert amente nem mesmo os ma is apaixona-
sub met er-se ã experiência sem reclamar , de os acusa de
imp acientes . Só eles , não el e, dt:'.'vem ser censurados pe lo
que sofreram; e o prindpio contin u ará a ser inculcado, com
·ri' ..,,,
. 1,•1 .1dirmadores daquele sistema pode m pre tender que qual-
t u1~ d~ se us numerosos expos itores tenha -se aprox imado
Smnh na pn:~cisão e persp icácia com que O expres -
o mesmo zelo e confianç a de antes ." Estas são as palavras do •tl, ou ~1~ modo uentífico ~ lumino ~o co m que o dedu .
engenhoso e eloqüente autor do Eloge on Colhert, que rece-
b~u o prêmio da Academia Francesa em 1763. Embora seja
, 1, 11_dm :1p10s eleme ntares. Mesmo os mai..sdispostos a ra!~~
11,1 li\,'. ao~ E~on~mi~tas Fra nceses reconhecem q ue .sua lin-
limitada e enganosa em seus aspectos especulativos, a obr a 1 li IJtl m tecrnca e d ificultosa, e para doxa l a forma em uc
abunda em reflexões de natureza prática just.as e importan- 11 t ,lv~•rn m ap rese ntar algumas de suas opiniões . Ao q
tes. Kão me atrevo a decidir em que medida seus comen tá- •l\11, ,lO •m respeito à Tnvesliaação do Sr· sm 1-th , e, d U VIC
palsso
rios se aplicam à classe particular de políti cos aos quais evi-
r 6 • 0S0
•1111l Xl'ila. a ~m do círcu lo das ciências da naturez~1 e mate-
dentemente d irigia o trecho citado . 111llli .1~, um hvro a um só tempo tão conforme , em sua or ,a-
É desnecessário acrescentar que estas observaçc)(:;:s não 111.1\,lo , às regras da lógica razoável, e tão acessível à g ._
diminuem, ·em absoluto , o valor das teor ias polil icas que ten- 11t,1\:lo dos leitores médios . Abstraindo inteiramente d~~~~:
tam delinear os princípios de uma legis lação pe1fcita. Dever- • hl.11-.e pecu liares especul ações do autor não sei se ·a .-
17
se-ia Lunsiderar tais teorias (corno comentei n o utr:i parte ) , +11111· um assunto qualquer, se produziu ~m noss~s !e:::ª~~
meramente como descr içõ es dos ob jetivos últ i mos qu e o 1lu1 i rn:1 ob r~ co ntendo uma síntese de toda a mais rofu ~cla
estad ista teria de buscar. A tranqüilida de de sua admin istra- lh1<1r:1cla
filosofia do século tão metódica ab p -
çao e o sucesso imed iato de suas medi das dependem cio seu ,H,h,-i;i, · , rangente e JU-
bom-senso e sua habil.idade prática , enquanto seus princí- Po1tanto1 para fazer ju.::;tiçaao Sr. Sm ith, e.levemos obser -
11que , em~ora alguns do s escritores de econo m ia se aclian-
1 1 'il't ll na divu lgaçã o de suas doutrinas ao mundo no
li. Elements of tbe Philosophy of the Hmnan Mind (Elemen :u.:. da
11 11•speil o ao autor, tais doutrinas parecem lhe sc'r ime'f~~
filosofia do espír ito humano).

TEORIA DOS SENT7MENTOS MORAIS


LXX I• '' ,,, 11/'1Cll] T!CA LXXI
mente originais, o resultado de suas próprias reflexões. Pen-
!, i H i~protege r efetivamente de erro, senão um amplo
so que todos os que lerem sua Investigação atentamente,
11111• dt• lOc~ o o ca~po d e discussão, assistido por um a
cuidando de examinar o belo e grad u al avanço das idéias do
111 1d.1t' paoen~e ::malise das idéias sobre as quais apli ca-
autor, deverão, necessariamente, se conve ncer d isso. Mas aca-
1,11 111PM>1-:: 1c io c1n io. ~ão obst ante, c ump re acresc enta r q ue
so reste alguma dúvida em seu espírito, po de ser convcr.ien -
ln •, do do Sr. Hume "On th e Jealousy ofTrade", junto com
te mencionar qu e as conferências políticas do Sr. Smith, com-
preendendo os princípios fund ame ntais da sua investiga ção, 11111111'rn11ros ~e seus Political Disc.ourses, recebeu urna mos -
foram realizadas em Glasgow cm 1752 ou 1753, cert:amenl'e 111 111ul1t1elogiosa da apro vação do Sr. Tu rgDl, qua ndo esre
num período cm que n ão exist ia sobre esse assunto nenhu m , 111111\ 1 :1 tarefo de traduz i-los para o francês 1'>' .
tra balho francês que o pudesse guiar em seus estudos • No
18
1101' º':1• não faz parte de minha em presa (mesmo que eu
ano de 1756, com efeito, M. Turgo r (de quem se diz ter rece- I+ ' , pi:d ,ficado _para tal tarefa) tentar separar as sólidas e
bido as primeiras noções sohr e a irrestrita liberdade de co- 1111111111,11
11cs cloutnnas do livro do Sr. Smith da s qu e são pas-
mércio de um velho com erciante, M. Gournay) publicou na
Encyclopédie um verbe te_que revela suficientem ente o quan-
to se u espírito era emancip ado dos velhos preconce itos favo-
ráveis às regulamentaçõ es comerciais . Mas mesmo então es-
sas opiniões estavam confinadas aos poucos hom ens espe-
cu lativos da França, como mostra um trecho nas Mémotres
sur la Vie et /es Ouvrages de M. Turgot, no qual, depois de ci-
tar brevemente o artigo recém -mencionado, o autor acres-
centa: "Essas idéias que então t::ram considerada s paradoxais,
doravante tornara m-se comuns, e um dia ser:1o univers :i.. 1-
meme aceitas ."
Os Polilical Discourses do Sr. Hume foram evidente -
mente mu ito mais úteis ao Sr. Smith do que qualque r ~utro
liv ro publicado antes de suas confe rênc ias. Mesmo as teorias
do Sr. Hume, por ém, embora semp re plausíveis e engenho-
sas, e na maioria dos casos pr ofunda s e justas , encerram al-
guns erros fundamen tais . Alé m disso, quando comp aradas
com as do Sr. Smith. dão uma impressionante prova de que,
ana lisando um assunto tão extenso e d ifícil, a mais penetran-
te sagacidade pode se extrav iar pelas primeiras aparências se
se debruçar apenas sobre ques tões particulares e que nada

18. Para pro vã-lo, basta -me .1pelar para uma breve história do progr es -
so da econo mia. polític 3 n:,f rança, pub licada num dos volume s das Ephe-
me,ides clu.Citoyen Veja-se a primeira patte do volume sobre o ano é.e 1769:
o arti~ intitula-se '';>Jotice abrêgée des diffêrems Écrit5 Mockrncs, qui ont
concouru en France à fonner la s,cicncc de \'économie po litique ".
LXXll Ti!OJI/A DOS SENTJM/iN/TJS MOIIAiS IIIOGRAFIA CKÍ71CA LXX!l!
síveis de objeção ou dúv ida. Reconheço que a lgumas de suas Imere Daphni pyros , carpent lua poma ncpotes .
conclusões e u não subscreveria integralm e nte , ~obtenido no
capí tu lo em que trata dos p rincípios da taxação - assunto que , _?Sr. S1:11i~h teve me lho r sorte, ou antes, a esse respe ito
ce rtamente analisou de maneira mais vaga e insatisfató ria do ~u.1.~◊rte foi s~n gul ar. Sobreviveu à pub licação de sua obra
qu e a maior ia dos ou tros que su bmeteu a cons ideraçâox,_ 1'.li.:1pe nas 9L~mze anos e, en tretanto, nesse breve lapso de
Seria i mpróprio encerrar esta seção sem menciona r a h rnpo, ~e:'~nao apenas a sat isfação de ver ceder a opos ição
enérgica e digna liberdade com que o autor expressa sua op i- qu~ d~ m1_ci?d~sp e rrar~1, mas tamb ém de testemunhar a in-
nião , e a superio rida de que reve la para com todas as peq ue - lh1cnc1: efetiva de seus escr itos sobre a política come rcial de
~1·u pais. '
nas paixões ligadas às facções da época em que escreveu .
Quem quer que se dê o trabalho de comparar o tom gera l de
seu texto com o período de sua primeira publicação não dei-
xará ele sentir e confi rmar a força deste comentário. Nem sem- Conclusâo ela narrativa.
pre um zelo de sinteressado pela verdade recebe, tão cedo,
sua justa recompensa. Filósofos (usand o uma expressão de da public ação de A riqueza
Ce rc~a de do is anos depois
Lorde Bacon ) são "os servos da posteridade ": muitos dos que ' ,11a.çoes! o . Sr . Smlt· h ei o 1·
dtH nomeado D irelor da Alfândega•
devotaram seus talentos aos melhores in tere ss es da hu ma n i- d1 -~li\ /\.faJ~Stade
~a Esc ó c ia, privilégio que , segundo sua
l\ ,thaç,10, t111ham~11orv~ lor, já que lbe fo i conce d ido a )C-
dade foram obrigados 1 como Bacon, "a legar sua fama" a uma
raça ainda não nascida , co nsolando -se com a id éia de e~ta-
dido do Duque de Buccleuch A maior pan e des ses dois
lll o 'i,pa~o;ou em Londres pnvando de uma sociedade am -
rem semeando algo que o uLrJ gerâção iria coU1eT:
pli1 L' ~·anada demais para lh e permitir ocasião ele dedi car -
ll? 1s a ~eu gosto pel o est udo. Mas não fo i um re m;,o
20. Entre as doutrinas duvid osas que o Sr. Smith sancionou com seu 1·•·rd1~lo, pois_muit~s vezes empregou-o com alguns dos p rin-
nome , talvez não haja nenhuma de conseqüêrx:ias t:io impo rtan tes quanto 1111,11.'i, no_m~ da h_tera tura inglesa. Alguns desses tif-X)s tão
sua opinião sobre a eficácia de restrições legais .sobre a taxa de juros. O Sr IH1,1d:1~e1s f?r-am unonalizado s pe lo Dr. Barnard em seus
Ik:nlhain, irn rn brc\"c tratado chamado Defense o/ Usmy (Defes~1d=i. usura),
demonstrou com sing ular exatidão lóg ica como a argumentaçfto do Sr. Smith
' Hlhco clos ·ve rsos endereçad os a Sir Joshua Reynolds
1·11, a m 1g oÇ; e
sobre esse p ont o é incondusa.Trata-se de uma obra que (apes ar do longo
mtciva lo trJnscorrid o desde a dau de sua publicaçào) não recebeu , até onde
5Ci, ncnhum rt rcfutaçàó ; e q ue um falecido escr itor (Sir Francis B::i.ring , em lf _I have Lhoug lus, and can 't express 'em,
seu ''Pamp hlet on the Bank ri England " ( Panfleto sobre o Banco da Ingla -
te rra), emi nent e conhecedor da5 operações do comé rcio, declarou (com
G1bbon:;halI teach me how to dress ·em·
grand e veracid ade, em minha opini:lo) ser "inteirJmeme irrespondív el'". É Tn \vo rds selec:t anel le rse :
no1ávcl que o Sr. Smith , nesse caso isolado , ace itasse, com t:"io fr1gei<:ha.ses, Jon _es teac h me mo<les ry anel Gr c ek,
uma . conclusão tão radicalment e opo.sta ;i.o espírito i;:ernl de seus debates Snuth how to think, Burke how to .)peak,
políticos , e tão maniíestamenrc disco rd e dos princí pios fLindamcmais que,
noutras ocasiões, ousadamente adotara em todas as s uas apllrn ç()es prát tca:;. Anel Reaucler c lo conv e rse. m
ls~o é ainda mais surpreendente porque os economistas franc eses, poucos
anos antes. apresentaram as mais plaus "iveis objeçõescontra essa extensào
da dout rina da liberdade de comércio. Confer ir, sobr etudo, algumas obser -
vações do Sr. Turg0I nas Reftectkms on l/Je Farmation w1d D is1riúul io11.of
Wchcs (Reflexões sobre a formação e :1 di~tribuiç.-ãod:is riquezas ), e um en-
sa io avulso do mesmo autor, intitul:Jdo ~1\1émoire sur le prêt à intêrer, e t su r
le Comm e rce des 'Fers ~

!.)()(]V 7EORIA DOS SEKllMENTOS MORAIS


11/1/(,'f1AF/A CRÍJICA LJO.'V
Como conseqüência da nom eação parn a Diretor ia da
tiu .,cu ân imo e di_ssipar sua ate nção. Agora qu e sua carreira
Alfândega, cm 1778 o Sr. Smith teve de se transferir para ,·,,1,. L:n~errada , é impossí vel refletir sobre o tempo que isso
Edimburgo, onde passou os últimos doze anos de sua vída, ' •u1st~m1a'. sem la~ncntar que não fosse e mp regado em ativi-
usufruind o uma riqueza mais do que suficiente para suas d.1ek•s n;~1s p rove itosas para o mundo , e mais apropriadas ao
necess idades. Mais va liosa ainda foi a perspec tiva de passar 1•t1 espm to .
seus ú ltim os dias entre seus companheiros de juventude . I .~º~
rr im eir~ anos de resid ência nessa cidade , seus es-
Sua mãe, que, apesar da ve lh ice adiantada , ain da goza - llli o., p~1receram inteiramente suspensos · sua paixão pel
va de cons iderável saúde e mantinha intactas todas as suas s servia apenas para divertir seu ócio' e anima r sua co~~
li ·11.1
faculdades , acompanhou-o à cidade. Ta mbém o~ acompa - ll' P!:t. AB fraquezas da ve lh icei cuja aprox imação começou
nhou sua prima, sen horita Jane Dou g las (qu e ante5 morara 1 111
11.r_mui to ce~o, lembraram -no afin ai , quando e ra tarde
com sua família em G Iasgow, e por quem o Sr. Smith sempr e ,h m,111
_s,? q~e ainda devia ao público e à sua própria fama
sen tira um afeto de irmão), que , enquanto o ajud ava nos ter- t licjprm~1 pa1Sma ter iais para as obras que anun ciara es tava ~
nos cuidado s que doenças da tia e xig iam, aliviav a -o de uma 11 unl_c.l,os há muilo; e talvez apenas alguns anos de saúde e
incumbência pa ra a qual era p:irticularm en re inapto: superv iw l•·: :1l!111i-lent? _b as1ass;m para conf erir-lhes aquela organiza -_
sionava, com mui ta ge ntileza , a sua econotnia doméstica. ~ 1 qt1c deliciava: alem dos ornamento s do seu estilo fluen -
O aumento de seus rend imentos, advindo de seu novo t•, ,1p::1re ntemen te sem nenhum an ifício que cuhivara meti -
cargo permitiu- lhe sa tisfazer, m uito mais que sua ant iga si-
1 • 1llos: 11ne nte , mas que 1 depo is de todas as su as experiêncías
tu:-lçâo poss ibilitava, sua natura l generos idade, pois suas fi- tlt• Ç<~ mposição, adapt ara com extre ma d ificu ldade ao se
nanças na época de sua mor te, comparadas com sua vida 111,1pno gosto.!3_ u
muito modesta , co nfinn avam indubitav elmente o que as pes- /\ morte de sua mãe em 1784, seguida da da senhorita
soas m a is íntimas sempre suspeitaram: grande parte de suas 1h.H:j,tlas ~m 1788, prova':e lmente contri buíram para frustrar
economias anuais era destinada a serviços de caridade ~ere - , "'. pro1etos. A elas havia dedica do sua afeição por mais de
ta. Uma pequ ena, mas exce lente, bibli oLeca que gradua lmen- i "' "' nta anos; em sua comp anhia, saboreara desd e a in fân-
te formara com grande critério na esco lha dos livros , e um a 1 11tudo o que con hecia d os carinhos de uma família24_Agor a 1
m esa simples, emborn hospi1.aleira 1 onde, sem a fonn :1lidacle
de con vites, sempn::: rt:::cc:
bia com alegria os amigos, e ram os
ún icos be:11S que p odi am ser considerados seus21.
A mudan ça de hábitos qu e a transfe rência para Edim-
burgo provo co u n:âo foi igualmente favoráve l a suas aspira-
;:~\;,.:
, 2.1, Ni\~ mu ito tempo :mte:s de sua morte , o Sr. Smith come ntou-me
~é:~,~~~ ~~u~ti prática em ~~n~ver, ainda red ig ia tão lenta-
a e, qua nto no 1mc10. Obs ervou ainda que 0 Sr
1t 11111', f)or sua vez, adqu irira iama ag ilidade em escrever que os - Jt' ·
ções literár ias. Os deveres de seu cargo , emlx>ra ex igissem ' ih1mt·s de sua Hislory of Ensland (Histó ria da Ing laterra) 'rorn . u imos
pouco ex ercício de pensam en to, eram suficientes para esgo- _.p,lltlr do .~ian~.S::rito origi_nal, com umas poucas correções na :; ~~~
r,dvcz sat1Staçaa cunos1dade de alguns leitores saber que q! d .
r;ts
' '1mltl~se concen trava para redigir, gt:mlmt!nte an dava pelo ;eu a; a~~
4.11111 11, ..t: 1:'lndo a um se~retário. Todas as obras do Sr. Hum e (segundo me
22. Algum as circ u nstâncias mu ito comov.en tes da lxnemcrênc ia do Sr. 1
~U1:11,1m) for.i.m escntas _Pºr sua própria pena . Um leitor crítico, penso
;\mith, em casos t::m Qll~ fora impoSSh·cl manter sob sig ilo seus serv iços ftlan•
1 t 11 t• r:l nos d ife ren tes estilos desses do is autores dássícos os efeitos d~
tr6picos, foram-me menc ionados por uma parenta próxima, uma de sua s t~ 1111 l ' IClll CS mod):,: de estudar. .
:11n igas mais ínt ima s, a Srta . Ross, filha do falecido Par.rick Ross, cava lheiro
de Innernety.Segundo me contou1 as doa Çôes do Sr. Smith iam alé m d~ que
t 1 Oi, .imigos do Sr. Smith sahe m que na juventude estivera ligado
1 1 V r1o~ anos, a uma jovem de grande beleza e 1alen1os Nào )ude a ura;
:,,e podertl <=:sperarde: 5Ua fortuna, e eram acompanhadas de ocas iões 1gual-
mcn1e honrosas p~rn a delicadez.a de seus sentimentos e a libera lidade de
~1lt (..uiclados f~ram favo ravelme nt e acolhidos, ou q~e ci~umstâ~cias
1ll lj ' 1 h.un ess a umâo , Ma~ cre io ser bastallle certo que depo· 1 d d
,-.eu coraç-Jo A
I'\ .i, t, O Sr. Smith abando nou toda idéia de c:1sam('nto . dama ~ q~~! m:
TEORIADôS SEV11\1FNTOSMORAIS /1/ll(iRtlNA CRÍTICA LXX\111
LXXVI
l,11\ll· argu menLo , o prog resso da ver dade pxle ria ser ames
estava sozinho e desam p arado. Mas , em bo ra sup ortasse man-
U1.1,-;~1do do qu e adiantado, têm pro vav drnt::ntt! induzido mu i-
samente es.sa perda, e aparenteme nte recuper asse a ant iga
11 1'- ,tulo res a reter consigo os resultados inacabados d e seus
alegria, sua saúde e força aos po uco s decl in avam, até su a
morte, em julho de 1790, cerca de dois anos após a de sua t1.1h:dhos mais v :tli osos, e a con ten tar~se em autorizar ve rd.a-
prima , e seis anos depois da d e sua rn.Je. Sua última d oe n ça, d1•-:q u~ cons ideravam par licularm ente int eressantes p:u:1 :1
1dade 2~.
l1111n:1n
originada de uma obstruç2.o imestinal crôn ica, fo i len ta e
dolorosa. Porém, c omo para abra ndá -la, teve tod os os con - Os ~crésc_imos à Teoria dos sentimentos morai,s, muitos
solos da ma is terna so lidariedade de seus ami gos, e comple-
1 h '" q uais redigidos durante u ma grave enfermidad e feliz-
tlll 'll lL' f~ram en viados para impressão no começo d o' inver -
ta re signaçao de st:u pró pri o cspfrito .
1111:intenor; e _ o au to r viveu o suficien te pa ra ver a abra pu -
PoucO.':id ias antes de sua morte, vendo qu e o fim se
aproximava rap idamente, orde n ou que destruíssemto?os os 1ilkada; O_carater de moralidade e seriedade que domina es-
11•, :1c~e~c 1mos, se re lacion ado ao es tado d e saúde debili ta-
seus man usc ritos, salvo algun s e nsaios avulso s, o s q uai s con-
fiou aos cuidad os de seus restamente iro s. Em segui da, todo ih ,, aclic.1ona um en ~ant o pec u lia~ à sua patética eloqüência,
o re s to foi lançado ao fogo. Nem se us mais íntimos amigos 1 lOnfc1e um novo in tere sse, se isso é possível, às sublimes
sabiam o que conti nham especificamen te tais papéis; não h á \ 1•1d:iclesq~e, ~o ret iro acadê mi co de sua ju ventu de, desper-
1.11,1111os pnmelfos ardo res de seu gênio e sobre as qua is re-
dúvida, entretanto, de que parte deles consist ia de textos so~
bre retó rica, que leu em Edimburgo em 1748, e co nfer t!ncias i" 111~ava m os de rradeiros esfor ços de st=u t=!)pírito .
sob re religião natu ral e jurispru dê ncia , qu e formavam parte Numa carta de 1787, envia d a ao Direlo r ela Unive rsid ade
de seu curso em Glasg ow. Talvez se ja verdade que es.sc irre- di• C l:1sgo w, cumpri m entand o-o por su a eleição como Reitor
• 11•. ..."t:1 ernd ita institui ção, resta uma agradável memó ria da
paráve l prejuízo às letras pro cede sse em pa rte de uma exces -
siva preocupação do autor por .sua re putação póstuma.; mas,
no que djz respeito a alg u ns tle se t~s manuscr it<:s, não .pode -
25. [~po is do que escrevi acima. fui agraciado pelo Dr. Hutcon com as
ríamos presum ir q u e fora influcnaado po r razoes mais ele- 1 HUl111~s informações : ' Algum tempo an1es de sua última enfermidade
vadas? Karam ente u111filóso fo, de sde a ju ventude o cupa do 111,ind< > tc\e ocaslào de 1r a Londres, o Sr. Smith reuniu se 11s am igos e con~
com invest igat;ôe s polí.ticas e mo ra is, rea liza plenamente .º il,ni lh ...s :i posse de seus m:1nuscfltos, n fim de que, qu ando morresse des -
de se jo de demonstrar a outros os fundame ntos so? re,.~ quais. 11w~ ...t;lll lodos os volu mes d e suas conferências, e fizessem O que ' bem
1!11 11<.le~~ em com o restan te. Quando co meçou a erúraquecer, vendo apro-
se erigem suas próprias op iniões; daí que os pnnc1p 10s co- 111111 :,,e O flm c.fa vida, fa.lou novameme aos amigos sobre esse assumo .
nht,,-cidos de um indi víd uo , o qu al pro vou ao p úb lico sua li, 1H1r.,.11 ~-lhc que se trang~ 1li~:1sse, poi.s, se depe ndesse deles, seu de sejo :.e
franq ueza , sua libera lida de e seu julgamento) dão díreito a 11111pr1na.Então ficou ~ t1sfeno . Al,1.?. u ns d ias de po is. entre tanto, con.sideran -
um peso e uma auto ridade ind e pend en te s da evidênc ia que .1,. 11uL·sua s preocup~çocs ainda não haviam sido dissipadas implcrnu a
•ltu dei:.">. que cle~n1b.:,e imediatamente os tais volum es. Assi~ foi feito, e
o autor é capaz ele produzír , em qu alq ue r ocasião pa rticul ar , • 11t•<1p 0 ficou de tal modo ~liviad o, que consegui u receber 05 n.mi •o.o; ii
1r11
em seu ap o io. A secre ta con sciê ncia dess a circu ns tância, so- ,11111 1•, com sua ha bilua l c lima. g •
mada ao temor d e qu e, caso não se faça justiça a um impor - "~s~ unava m cear e m sua com pan hia todos os domingos e naquela
11,1ltt· c:,t,1vam rtunid(l.') t!lll grandt: n(1mero . .'\fao se sentindo capaz de se
1 11!ir lOrll .eles como de cost ume, o Sr. Smith retirou-se pa r:i seu qu:uto
IUh °!'I <.l:tceia; e, enq..ianto se afastava , desped iu-se dos amigos dizendo·
refiro tainbém morreu so l1dra . Sub rcvivcu por v;'1rios :mo-; ao Sr, Smith e
t 11 l11 qu~ teremos de adiar este encontro pa ra um outro mamem ~· . .MorreL;
ainda vivcl1 mui 106 :1nos após; :l publicaçào da prime ira edição dest as !" 111 111,,d ia~ c.k:-pob. "
mem6nas. Tive O prazer de vê-la quando contav;.1 mais de ?itc ~l': a~os, e
~) Sr .. ~fü;lde l, :imigo ínt imo do Sr. Smith que p resenciou uma da s con-
aind a preservava sin ais de sua antiga be leza. A força d e ~ua mteligcn cin e :1
1 1..,,I,'! l"Obu.:o assun to dos manuscritos, me ncionou-me . Por via de acrés-
alegria de seu remperamenLu pare cia m nada te r sofrido pe l:1aç10 do tempo.

/J/OGRA FIA CRÍ 77CA LXXIX


I.XXV]Jl TEORIA DOS SENllMENTOSMORAIS
. ~A.breve narra tiva qu e ago ra concluo, embora pobre em
satisfação com que sempre lembrava o período de sua can eira
l:~~od_10s , ~ lvez de ixe_tran sp arecer u~ noção do espír ito e
literãria mais esp ecialmente cons agrado a esses importan tes es - , ,tr.:ite1 desse ho mem ilu stre; do s dons mte lectuais e realiza -
tudos. Diz: "Nen hum privilégio poderia Ler- me dado tama nha çc)esque t~nto o distinguiram; da originalidade e amp lidão de
satisfação real. Nenhum homem dev eu mais a uma comun idade 'lWlS op1moes ; a extensão, variedade e precisão de sua infor -
do que eu à Univers idade de Glasgow . Ali me instruíram, man- niação ; a inexau ~·ível tertilidade de sua invenção; os orna -
daram -me a Oxford . logo depoLs de retomar à Escócia, elege - mentos que sua nca e bela imag inação em pr es tara da cultura
ram -me um de seus próprios membros ; e em seguich honr.arJ.m - d:íss ica: tu do isso são monumentos du radouros que nos
m e com outro cargo, a que antes as habilidades e virtud es d o l~guu. De sua dignidade pe,soa l encomram-se rn; m ais con -
inesq uecível Dr. Hutche son conferiram superior ilustração . lem - 11: ,vc~s dos testemunhos na confia nça, re~pei to e aíelo que 0
b10 o período de trez e anos que passe i como memb ro daquel a 'l•.:gutra m e m todos os rel ac ionamen tos d e sua vida. A seren i-
com unidade como d e longe o mais proveitoso e, por isso, de dade e alegr ia de que gozava, mesmo sob p ressão crescente
longe o mais feliz e honros o p er íodo de minha vida . Agora, d:ts doenças, e o interesse apaixonado que nutriu até o fon
após vinte e três an os de ausê ncia, ser lembrado de m aneira tão por~t1.1doo que dizia respeito ao bem- estar de seus ami gos,
gen til p or meus antig os amigos e proteto res concede a meu co- 'R'rao sem pre lembra dos por um pe queno círculo de am igo~
r.ação uma alegria qu e mal posso vos exprimir." roin quem, enquanto suas forças o pe rmitiram , passava regu-
lurmen te uma no ite por se mana ; e para qu e m a me mória de
"'l'll valor ainda forma um laço de un ião agradáve l embora
cimo ao que ob servara o Dr. Hutton, que o Sr. Smith lamen tava ~ter feito tão rndancólico•. '
pouco ". "Pretendi \ d isse , "fazer mais, pois h:\ muita:, infornuçõcs cm meus Talvez seja impossível delinear os traços mais delicados
papéis que poderia te r uti!iz:i.do. Mas as<>ra tu do isso está fora de que s1ào.~
A segu inte carta do Sr. Hume, escrita pel o Sr. Smith em 1n3, quando •• {',t_~·a.cterísticosde seu espír ito . Era evidente até ao mais su-
se p reparava para viajar a Londres, com a perspect iva de se ausent 3r da pi..·rhc1al obs erv ador q ue ha via muita s particu laridades tanto
F.scócia lo ngament e, mostra que a idt:i.i de d::::.stru ir as obras incom pletns 1•111 suas maneiras quanto em seus hábi to s int electua is; mas ,
qu e pud essem estar cm seu poder n:1hora d:1 mort e nã o era o efeito de uma
1·111l~ ur ~ para os que o co nh eci am essas peculiaridades natla
reso lução súbitaou apressada: 1llm1mussem do respe ito qu e sua capac idade exig ia, e einbo-
~Edimburgo , 16 de abril de 1773
~Meu caro amigo, 1,1 para se us amigo s íntimos até acresce nt asse m um enca nto
"Como d eixei a teu s cuidad os todos os meus papéi s literãrios, de vo Indizível ao seu d iál ogo, também revelavam da man e ira m:Jis
dizer-te que, salvo os que carrego junto comigo, nenhumoutro é digno de hlll'res sante a simpl icidade sem artifíci os de seu coração. No
pub lkc1ção, senã o talvez o fragme nto d e uma gra nde obra que comém uma
história dos s islem as astro nô micos :;uccs.-;ivamentc cm yognaté o tempode Pr\1:1nto, seria preciso uma pe na mu ito há bil para apr esen tá-
Dc-'C.lrtcs. Deixo inteir:1mente a teu juízo deci dir se isso deve ser publ icado los aos olhos do público. Com certeza , não era adequado
como fragmento de uma obra juven il, embora comece a suspeitar de que em p.1ra as_ocupações gerais do m undo ou os negóc ios de u ma
algumas passa gens haja maisre finamento que so lidez . Encontrara::;essa p~- l'lcl,1atcva. _Asabrangentes especu lações de que se ocupara
quena obra nu ma fina pasta no meu apoxnto do, fundos . Todos os outros
papéis so ltos que encon trares nessa sec retár ia, ou dentro de uma escrivani- 11t·,de_sua Juventude e a varieda de de material com que sua
nha com porta d e vidro sanfonada que fica no meu quano de dormir, junto 111úpna cna ttv1clad e cont inuame nte su p ria seus pensam en -
com cerca de dezoito maouscritoo, qu e 1:1mbémencontrarás nessa mesma es-
crivaninha, de sejo qut: sejam de :;truído5 sem serem examir1ados . A meno,;;
que ven ha a falece r sub i1:1m entc , cu idarei qu e os papéis que trago co migo • O ~cq~cno grupo de amigos :i qu e se refe re o texto era forma do
sejam cuidadosa ment e enviados a ti. 1u•l(
1 pr6pno biógrafo.Joseph Black, James Hutton e Adam Ferguson alC:m
Meu ca ro amigo , sou sempre teu fiel
ADAM SMlTH
d1· Adam Smith, é clar o . Ficou co nhecido em Edimburgo como O ~s' d a -
11pr>l"rs"(Ceias domin icais). (N. da K. T.) un y::;
Ao cavalheiro D,wid Hume, St. Andrew's Squ:ire.M
TEORIADOS SEN)HiEl'ffOS MORAIS //(()GRA FIA CRÍ71CA l.lQiXI
LXXX
tos faziam -no habitualm e nte d esa tento a questões fam iliares ill'I :~1ai.s ~l_as nua nças do gênio e das pai..xões. conn.ado :i.o
e falos comuns; freqüentemente exibia moment os de distra- 1111~ ,lr ind1v1duos , por vezes su;1s interprerações surpreend
ção q ue seq uer a imag inação de La Rruyere poderia alcan- 1t·nu.:nte , afastavam -se da rea lida de ' en-
çar. Mesmo quando entre ou tra s pessoas, conseguia concen- , , T~mpouco eram coerentes, co~o seria de espera r da su-
trar-se em seus estudos; e por vezes, pelo movimento de llt rionc~ad; ?e seu entendi men to e singular con sistênci a de
seus lábios, por seu olhar e ges tos, parecia estar redigindo •;t•u~t ·.mc1p10sfilosóf icos 1 as opi niões que costun;ava emit ir
com fervor . Nem depois de tantos anos, contudo 1 deixa de 'l_°l)l e livros e problemas especul ativos. quando se encontra -
surpreender-me sua memória precisa dos detalhes mais tri - ,.,,"" despreocupação e seguran ça d~s salões . Eram facil-
Yiais; e tendo a acreditar, por esta e outra.s circunstâncias, llH l~te mfluenc1aclas por circun stânci as fortuitas e pelo hu-
que possuía um poder, talvez não incomum entre ho mens 1~1 .oi d...o momento, e quando ind agado pe los qu e a )ena
distraídos, em razão dos seguidos esforços de re fkxâo , de 'I:"'~ even tua lmente sugeria idé ias fals as e contradithrias sd~
lembrar muitos fatos qu e , quando aconteciam, aparentemen- 'H 11 : verda~e 1ros sentimentos. Mas nessa , como em muitas
te nào tinham atraído sua atenção. i11111, 1~ ocas iões, h~via sempre mu ita ve rdade e inteligência
A deficiênci a recém-mencionada talvez se devesse tam - l'l ll s~u:; COl ~ent ános; e se as diferentes o iniôes ue
bém a que ml.o se t:nvolv ia facilmente nas conversas m~is r1n 1111t'ntos dtferentes, proferia sobre o mes~o assu~to, t~~
come7.inha s, e fos.st::, de alg-1.1maforma, mais capaz de expor ,, · 111 tu<las co mbi nadas entre si, de modo a modificaren~ -s~ e
sua~ id~ias em forma de conferénda. Isso, e ntretanto , não 1:111!tarcm.-sc reciprocamente, pro vavdmeme te riam forneci-
procedia do desejo de assoberba r o discurso ou lisonjea r sua ~:' ll1atc na l pa ra uma conclusão igualmente ampla e justa
própr ia vaidade. Ademais, suas inclinações o conduziam tão ·•:" ~m compan hia de seus amigos não tinha <li spoi'.li<;2~
fortemente a saborear em silêncio a alegria dos que o rodea- !1'.11 .1 o rmar as conclusões p recisas qu e ad m iramo:; em :;t!us
vam, que seus amigos muitas \'ezes tramavam peq u enos pla- ' xu~·°' , contentando-se de hábi.to com um esboço ousado
nos para o envo lver em alguma discussão que lhe inte ressasse 111 .1g1s tra l do objeto que partia do • . ponto de vista ' su-e
, ; 1 _ ' · p nmeiro
mais. Tampouco penso que serei acus ado ele ir longe eternais H1 ',lo por seu temperamento ou imaginação Algo scmclh
se disser que quase nunca in lciava par si um novo tópico, h' ,...._ . obs e rvava quando ex pe rimen tava des~rever confor~~~
embora nunca se mostrasse despreparado para os tópicos
, , l lu~o de se us sent imentos , os caracteres que , ela lon a
que eram introduzidos por outros. Na verdade, sua conversa
nunca era tão divertida como quando dava vazão a seu ta- \f111l1111dac!e
lv -. . deveria
. con hecer a fundo • O quac 1ro' era
p sempre g
o .e express ivo. traze~do comumente uma forre e d iverti-
lento nos pouquíss imos assuntos do cunhecirncnto dos quais
d,1M. :me lhança com o original sob u1 .
só possuía alguma noção • iH,1nto, talvez raramente ofe1'.ececee n as~cto part~cu.lar; no
As opiniões qut: formava sobre os hornens que mal co- .:>,J uma co ncepç ao JU~ta e
i I unp 1eta cio original em tock1s as suas d ime nsõ es . ~
nhe cia t:ram freqüentemente e rrôn easi mas ~ tendência de \ I li'"· Numa palavra era cu lpa de seus . 1
sua naLUreza inclinava -o muito mais ti urna parcialidade cega , . , . , JU gamentos eesponta
propo:' -
111er.. o .serem sistemáticos dem ais e muito extremado
clo que a um preconce ito infundado. A extensa visão dos
Mas, não importa de que modo se explique m e s., .
\ l11ls 1~ec.uliar idades de su as maneiras, não há dúvida ~;s ~~
assuntos humanos que hah itualmente entretinham seu espí -
rito n:lo lhe dcix~vs tempo nem disposi ção para o estudo
deta lhado d~1specu liaridades desinteressantes de c..-1racte
res i 1.1111 intimamente
1, , , ~ ~ . ~
relacionadas
' '
com a genuma , nat urali.dade
q
comuns ; assim, não obstante intimamente familiarizado com i : ,'iL.~l ~spin to . ..E esta qualidade tão amável muitas vezes
as ca paci dades do intelecto e o funcionamento do coração, e 11r11 1u_,1v,1aos amigos os relatos qu e se fazem do excelen te La
habituado. em suas teor ias, a marcar com mão delicadíssima l 11rw, 1111 e·' qua' rJdad e que nele adquir ia urna graça peculi ar pela

TEORIADOS SENTIMENTOSMOKAlS
r.xxx:n
singularidade da combinação entre os podere s do raciocín io
e da eloqüência q ue, nos seus e5critos políticos e mor ais, por
muito tempo conqu istaram a admiração da Europa.
Em sua forma exte rna e aparência, nada havi a de inco - TEORIA DOS
mum. Quando perfeitamente à vontade , e entusi asmado pela
conversai seus gestos se tom,wam animados, e não deixa- SENTIMENTOS MORAIS*
vam de ter certa graça; em companh ia d1tqueles a quem ama-
va, muitas vezes seus traços eram iluminados por u m sorriso
de ind izível bond1 d e. Junto de estranhos , sua tendênc ia a se
mostra r distraído, e talvez mais ain da a consciência d essa sua
inclinação, faziam-no pa recer de certa forma constrangido ;
efeito talvez aumentado pelas idéias especulativas ele decoro
que seus hábitos de recluso rendiam, ao mesmo tempo, a
aperfeiçoar em sua concepção, e a diminu ir seu poder de
pe rcep ção . Jamais posou para um retra to, embora o meda-
lhão de Ta ssie dê uma idéia precisa do seu perfil e da ex-
pressão geral de seu semblante.
Sua valiosa bibliot eca , junto com o resto de seus bens, foi
legacia a seu prh110 Sr. David Douglas , advogado . Muito de
seu tempo livre empregou educando ess e jovem cava lhe iro; e
só dois anos antes d e morrer (po is lhe custava privar-se cio
prazer de sua companh ia), enviou-o para estudar dire ito em
Glasgmv, aos cui&clos do Sr. Millar, ma ior prova qu e pod ia
dar de seu desinteressado zelo pelo aprimoramento do am igo,
e estima que devotava à capacidade do em inente professor.
Os executores de seu testamento foram o Dr. 8lac k e o
Dr. Hutton , com que m por long o tempo v ivera na mais ínti-
ma e cordial amiz2de, e qu e , aos mu itos outros testemunhos
que tinham dado de seu afeto, acrescentaram o pesaroso ofí-
cio de testemunhar seus últimos momentos.

• OJtt:_iou-sea traduç:loparn o portugu ês a ver a


, 11
1 d~• 'r:s
sentim ientos mora!tJs, trad. Edmun d~ O'Go:m~:m ; spanho l ('~'eo-
PJl 1). Esta d::i;,u~~,
última, no entanto , é bastante incom pleta. (N. Méxic o,
PRIMEIRA PARTE

1 >ACONVENIÊNCIA DA AÇÃO

SEÇÃO I

Do senso de conveniência"

CAPÍTULO I
Da simpa tia

11or mais egoísta qu e se supo nha o homem , evidente -


· h:'.íalguns
11111111 princípios em su a natur e za que o fazem in-
' " s:11
·-se pela sorte de outros, e considerar a felicidade de-
i 111·r cs s{1ria para si mesm o, embora nada extra ia disso se -
prazer de assistir a ela. Dessa espéci e é a p iedade, o u
11 11 1 , 1
o1n1p.1lxào, emo ção que sent imo s ante a de sgraça dos ou -
11,11, 1p1e r q L1ando a vemos, quer qua n do so mo s lev ados a
1111IHIM1-la de mcx:lo mu ito vivo. É fato óbvio demais para
1•11,l"ar ser co mpro vado, qu e freqüentemente ficamos tristes
, 1111 ,1 tri.,Leza alheia: pois esse sen timento, bem como toda s
111111, 1s pa ixões originais da na tureza humana, de m odo ai-
• 11111
Nt' limita aos virtuosos e hum an itár ios, embora e stes tal-
1 11 ~lntam com um a sensi bilidad e mais de licad a . O ma ior

!11111 11, o mais empedernido infrator das leis da sociedade,


1 ,, 1 " trnalmente desprovido clesse sent imento .
< ·01110 não temos expe riênc ia imed iata do qu e ou tros ho-
1 11li " ~1,.·ntcm, somente podemo:; formar uma idéia da manei -

' , ) .nuor emprega o tenno "propriety' , que aqui significa ~adequaçã o.


m ull ml i, dcccro, legitimidade" . É diverso de "propertyM , isto é, a pro-
11,t,-, ()111
0 direito a bens, embora no século XVII as duas palavras fos-
11111tlll1,1d.1~ind i.-.crimin ad::imente, dcnoL'l ndo os mesmo 6 ob jc1os . Portan•
pu ,1 ,·vlcar am biguick'Kte,poucas vezes traduziu-se "propriety" como
1 ·1tll'll,1dc ". (N . da T. eda R. T.)
TEORIA 00S SHN11'1.Eb7DSMORAIS l'//11\/EJRA
PARTE

ra como são afetados se imaginarmos o que nós m esmos sen- 11•(}Lle, o lhand o as feridas e úlceras ex pos tas pelos me ndi-
tirfamos num a situa ção se me lhant e . EmhorJ. no sso irmâo W ,:i. 1::1s ruas , co m facil idade sent em desc onfo rto ou coceira
esteja se ndo to rturado , e nquanto nó s mesmos estamos tran- 11.ip,1rte co rresponde nte de seus próprios corpos . o ho rror
qü ilos, nossos sentidos jama is no s informarão sob re o q ue 'IIH' conceb e m vendo o infortúni o desses d esgr açad os afeta
ele sofre. Pois não pod em, e jama is pcx:lerào, levar-nos para 111111s qu e la parte es p ecífica do q ue q ua lque r ou tra. por que
::1
além de nossa própr ia pess oa 1 e apenas pela imag inação nos tqud~ ho rror se o rig ina de se concebe r o que elas ,próp rias
é. possível co nce bei· em parte qu ais as suas sensações . Tam - •11/rcnam se rea lmente fosse m os de sgraça dos a quem con-
po uco essa faculdade nos pode ajudar senão represe ntando l•1t11plam , e se aqu ela pane especí fica de seu cor po fosse de
para nós as próp rias sensa ções se nos encon trássemos em l.110 afetada da m esma form a miserá ve l. Basta ape nas a força
seu lugar . ~assa imag inação apenas repro du z as impressôcs dt•s.•mcon cep'?lo p ara produzir , em su as estrut ur as frágeis
de n ossos sentid os , e não as alh eias . Por int ermédi o da ima- ,11p1d a sensaçao de coceira ou desco nfono de que se quei'.
ginação pod emos nos coloc.-J. r no lugar do o u tro, concebe- -_,1m, l romens de con stituiçã o bastante saud,íve l come nta m
mo-nos sofrendo os me~mos torm e ntos, é co mo se ent rásse- qm·,. ao verem olhos feridos , freqü e ntemente sentem uma
mo s no co rpo clde e de certa form a nos to rná ssemos a mes -
11111s1cleráv el irritação em seus pró p rios olhos , 0 que se or igi-.
m a pesso a . formando, ass im, algum a idé i::i das suas sens a-
1111 do ~esmo motivo ; p ois m esmo em hom ens v igo rosos
ções, e: até sent indo algo que, em bor~ em m eno r grau , não é 1·~•H· ó rgao é mais deli cad o do que qua lquer outra pa rte do
inteiramen te d iferen te de las. Assim incorpora das e m nós me s- 1, 11pu do home m mais frágil .
m os , adot~1elas e to rn adas no ssas, suas agon ias começa m fi-
fus~a5.circu nslâncias que produ zem tristeza ou dor não
nalme nte a nos af eta r, e então trememo.5, e se nlim os cala -
frios , ::ipenas à imagem do que ele es tá sentindo. Pois, assim •::>,ts -~n~cas que provoca m nossa solida ried ade. Seja qual
1t ,t ~a1.xao que p roceda de um objeto q ua lquer na pessoa
como semh· uma dor ou uma aflição qualquer provoca a
pdrncira rnc nte atin gida \ uma e moção aná log a brota nu pei -
maior uisteza, do m esmo modo conce be r ou ima gina r que a
estamos sofrendo provoca çe1to grau da mesma e.moção, na lt1 de lodo espe~ tad or atent o ao pensar na situ ação das o u-
medida da vivacidade ou ernbolamen ro dessa co nce pção. 11•1" ~ossa al:s.na pela salvação d os heróis que nos interes-
1111 n:1s trage d1as ou romanc es é tão sincera quanto no s.sa
Q ue essa é a fonte de nossa bolidaric:dade para com a
desgra ça alh eia. que é trocando <lt::lu gar, na imag inaç.~o. di II p~la s:1a :ílição, e nossa so lidariedade p::irn com seu in-
co m o sofre dor , que poc.lt:.:mosou concebe r o q ue ele sen te h 11tun1 0 nao e mais rea l do que p a~ com sua felicidade . Par-
ou se r afeta dos po r bso, ro<lcr -sc-ia de mo nstra r po r mui rns I1ll1;1rnosda sua gra tid ão para com aqueles amigos fiéis que
o bse rvações óbv ias, caso se jul gue qu e não é basrn.nt e evi- 1h10 .º~d esam p arara m em su as tnbu lações; e de bo a vont::ide

dente por si. Quando vemos qu e um go lpe es tá p restes a ser p,1111 c1pamos de se u resse nt ime nto contra aq uele.e;;pérfidos
de:sfer ido so bre a perna ou o bra ço de o utra. pessoa natu ra l- lhddo res q ue os ofenderam, ab andonaram ou en ga naramL
rne nte enco lhc rnos e ret ir.-imos nossa própria pe rna o u bra - 1·111iodas as p aixões de que é sus cetíve l o es pírito do h~
ço , e, quai1do o golpe finalmente é desferido, de algum mo- 1111·m , as e1:1-o~õesdo espe ctador sempre correspondem àqu i-
do o sent imos e somos por ele tão atingidos quanto q ue m de h, qu:, atnb um d o-se o caso , imagin a seriam os sent imentos
,l,1~ !redor.
fato o sofreu. Ao ~dmirar um bailarino na corda ba mba, as
pessoas da multi dão natura lmente co ntorce m, m en eiam e
balança rn seus co rpo s co mo o vêem fazer, e com o seme m
que ter iam de fa2er se estivessem na me sma situaçã o . Pes-
soas de fibras de licadas e const ituição tisica frág il qu eixa m -se

J'NIMETRAPARTE
8
TEORIADOS SENTIMENTOSMORAIS
"'~: re a idéia geral de alguma boa ou má sorte que sucede u
Piedade e compaix ão são palav ras q ue com prop rieda - il pessoa em quem as o bse rvam os, e, tratand o-se dessas ai
d e den otam no ssa solida riedade pclo so fríme nto alheio. Sim- ,,)~s, ,~so é_suficient e p ara exerL-er alguma influ ência s!r ~
patia, c:mbo ra talvez originalmente sua sig nificaç ão fosse a 1111.s. Os efe itos de dor e alegri a se es ata
mes ma, pode agora ser usada, se m gra nde impr opr iedade, ••~p(:ri1nenta essas emoções cujas expfessõ~ ºª~
pesso a que
para denorn.r nossa so lidari eda de com qua lquer paixão• . , , ·m, como as de resse mim ~nco ' a :d. d nao n os suge-
1 eia e nenh uma ou tra
Em alguma s ocas iõe s, a simpaci a parec e surgir da mera
pc•-.;soacom a q ual nos import amo s, e cujos inter ess es se ·am
visão ele certa emoção em out ra pessoa. Em algum as oca - ili ,ostos :los de sta. A i~ ia geral d e boa ou má sorte cria, Jor-
siões , as paixões parecerão transfu nd idas de um homem a
outro instan tanea mente 1 p rev iame nt e a qu alque r conheci -
1.11 1'.º•c~rta _P~~ocupaçao com a pessoa que as exper in;en -
h 111, m~s a ideia gera l de insul to não suscit a simpatia para
mento do que as es timul ou na pe ssoa prime 1ramence atingi-
• ')ll1 a ira d.o home m que foi insu ltad o. Parece que a natur e-
da . Dor e aleg ria 1 por exemplo, intensam ent e expressas no
1, 1 n~s e~ sma a s~nn os mais avessos a partilhar des sa ai-
olhar ou gestos de q ua lquer pessoa, imediatament e afeta m o
\:1IO, ~. ate _sermos mform ados de sua causa, a p referir a:Ces
espectador com uma semelhant e en10çào dolorosa ou ag ra-
1,rnwr par tido con tra ela. ' ,
dáve l. Um ros to ::- orr idente , para os que o vêem, é um o bje-
to q ue alt:gra; um se m b lante sofredor, de o ut ro l~do, é me- Até mesmo nos sa simpatia pela do r ou ale ria d e ou .
ltt'ITI, antes de serm os informados das causas de u g -
t' ,'íl'mp re mu ito impe rfeita . Lamentações genéri ca; ªq~~ ~~~=
lan cólico.
To davia , isso não é univ ersalme nte válid o, o u válido para
todas as paixões. Exi5tem algumas cujas expressões não pro- 'tlre;a
~
1 U( e.; e .mves_
sen~o a angúst ia do sofredor, criam m~is cur iosi -
tigar sua situa ção, junto com al uma d ' ._
voca m ne nhum tipo d e slmpati a , mas, antes de nos inteirar-
\do dt= sunpa uzar com e le, do q ue uma verctaâ . . tspos .1
mo s do que as ocasionou, servem mais para nos provocar
aversão e incitar co ntra e las . O comportam ento furioso de um h.1.'il:lnte percept ível. A p rimeira pergun ta que
1/IH..• lhe acontec eu? Até q ue ob tenhamos a resp t
f:;:n~
~;i
tt~ .
hom em irado provavelmente tende a no.s exasperar mais co n- 1,olidarie dad ;- : d . os a, no ssa
tra e le do que contra seus inimigos. Como não e~tamos a par e nao sera e muita monta, a des peito da in uie
dos mo tivos que o provoc aram, não podemos fazer nosso o t.1ç10 que sentimos pe la vaga idé ia de seu infortúnio q :
seu caso , nem conceber nada pa recido com as p ab,õe s que l11t'ludo,po r nos torturarmos com con1·ctu ras sobre ~• so
dnia ser. o que p o-
esses motivos ex cilam . Mas vemos claramente qua l a siruaçi"io
daqudes com os qua is est á irado, e a que violê ncia eles po- 1 ~or C?1:seguinte, a simpa tia não su rge tant o de con tem-
dem estar expos tos, d e parte d e um adv ersá rio tão enfur ecido . p 11r _~1 p aIXao , co mo da situação q ue a p rovo ca Às vezes
Po r isso, prontame nt e simpa tizarnos co m o medo ou ress en ti- 1,1t11nosP?r outra pessoa u1na pa ixão da qua l ~la ~rece
i-u•
men to d.eles, e imed iata mente nos disJX>mOSa tom ar p artido to1t.ilmente incapaz; porque, quan do nos I p
lu~ar, essa paixão que brota em noss o ~~tocamos _e_rn seu
co ntra o homem q ue apa rentemente os põe em perigo .
Se a mera ap arência de dor e aleg ria basta m para nos lnutgin ação, embor a no de le não se ori
1111110spe lo
i!
o ~e ?n gma da
despudor e mde za de outr~ eia ieal idade . Co-
inspirar algum grau ele emoções seme lhante s, é p orque nos
111,
·sma pareç a ne m suspe itar da impropr i~dasJ:•c1:m~oia ela
11111t~ men~o , u ma vez que não podemos evitar de s:n~i;orn-
• Ruphat:l e Macfic::,edi tores de TaoriCIdos sen timent os m ora is (O xford, 1 111 htr~ ng~ cnto no s in vad iria se nos portásse mos de qu~
1976), obser vam a necessidade de se respeil~r essa definição ampla de ''sim• 1.1t:lo mcltgna. mane1-
pa1ia~.Assim se evita o equívoco de igualar simpatia e bene volê ncia e, por
extensão, de inferir que a 7eon:a.dos senlirmmrosmorais trala cio altruí.smo 1hu 1'l)e t°:1as as ca,la~ idad es às quais a co ndição de mortali -
da cund i'.=ào hum ana, ao p:isso que A riqu uza das na çóes co nsid era o e~ís- L expoe a esp ec1e huma na, a pe rda da razão de longe
ino . (N . da R T.)
TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS /'IIIMEIRA PARTE 11
10
•'.Hora qu; estão e1:1 perigo de ser esquecidos por todos , e ,
parece a mais terrível, mesmo para os que P?~uem a -~eno r
1 om as , as honranas qu e p restamos à sua memória, ten ta-
fagulha ele humanidade, e contemplam esse ultimo estag io de
111os , para nossa própria infe licidade, manter viva, artificial-
desgraça hum ana com comiseração mais profunda do que
mente:::,no::.sa mela ncólica lembrança de seu inforcúnio. o
qualquer outro . Mas o pobre desgra çado que dela padece tal-
l.iw de nossa solidariedade não lh~s dar nenhum conso lo
vez ria e cante , e esteja tota lmen te inconsc iente de seu pró -
il~irc~c agravar ~sa , ~alamidadc: ; e pensa r que tudo O que
prio infortúnio. A angústia que a humanidade sente ~ viSta de
1,odcmo s fozer e muttl, e que aquilo que alivia to das as dc-
tal objeto não pode, pois, ser reflexo de nenhum sennmento
111:1L" aflições - o remorso, o amor, e os lamento s de se us ,
do sofredor . A compaixão do espectado r tem Je surg ir da
consideração do que ele p róprio sent iria se fosse reduzido à
,11nigos- já não os pode confortar, serve :1penas para inten-
~mcar nossa sensação e sua desgraça. Porém, a felicidade dos
mesma infeliz situação, e, o que tah·c:z:seja impossível, se
pudesse, ao mesmo tempo, anaHsá-la com su a atual rnão e mott~ s ': rtamenie não é afetada por nen hum a dessas cir-
1•u nstanc 1as ; nem o pe nsam ento dessas coisas poderá jamais
julgamento . . pt.'1turbar a profunda segurança de seu descanso . A idéia
Quais as dores de uma mãe quando ouve os gemidos de
seu filhinho que, na agonia da enferm idade, não co nsegu e dt.·ssa terrível e intenn ináv el melan colia, que a imaginaç ão
natura_lmente atribu i à sua co ndi ção , or igina-se de associar-
expre.ssar o que sente? Na sua idéia do q~e a crian ça~es~á
sofrendo, ela soma :io real desamparo da cna nça sua propna mos: ~-mudan ça que se produziu sobr e eles, nossa p rópr ia
• onsc1enc1a dessa mudan ça ; origina-se de nos coloca rmos
consciência desse desamparo, e seu próprio teffor das conse -
1•111seu lugar, e 1 se me permi tem a expressà o, de a lojarm os
qüências desconhecidas dessa pertu rbação; .e de tudo isso
no:,,'ia:, alma,:;vivas em seus corpos inanimados concebendo
forma, para sua própria do r, a mais completa imagem da des-
gr~ça e da aflição . O b ebê, entretanto, sente ap enas o d~ - ,1'i~.irn, q.uai~ se~iam n~ as . t:moç ões nes st: c:t~ o . É po r t' SS~
\lt Ida de ira 1lusao da 1magmação que se torna tão terrivel
conforto do momento presente, que nunca pode ser mw lo
para nós a prev isão de nossa própria morte, e que a idéia
grande. Quanto ao futuro, ele está perfeitamem.e segu i'~, e
em sua despreocupação e falta de previsào possui um antido- ilL"•-:ascircunstân cias, que sem dúvida não po dem nos cau-
1i,1r do r qua.ndo estivermos mor tos , n os to rna desgraçad os
to contra o medo e a ansiedad e, grande.s ator mentadores do
peito humano , dos quais a razão e a filosofia tentnrão, em 1·1qu?n_c
', o vivemos. E daí nasce um dos mais impo1ta ntes
pn nc1p1os da natureza hum ana, o terro r da mo1te - grande
vão . defen dê- lo quand o se tornar um homem.
' Simpatizamos att: mesmo com os mortos, e co ntemp lan- Vt.'neno da fe licidade , mas grande freio da injustiça human a·
do o que é de real importâ nci~ em su~ situa ção - esse terrí- 11u c , se de u~ lado aflíge e mortifica o indivíduo, guarda ~
pl'otcge a soc iedade . -
vel fmuro que os aguarda - , princip~lmenre nos afeta m aque-
las circunstâncias que chocam nossos sentídos, mas que em
nada podem influe nciar -"liª felicidade. Pensamos qu~ é uma
CAPÍTULO 11
dcsgrnça se r privado da luz do sol; ser afastado da v~da e do
Do prazer da simpatia mütua
convívio; j.1.zer numa fria sepultura, presa da corrupçao e dos
répteis da te rra; não ser mais lembrado neste mundo, mas ,
Mas , seja qual for a causa da :simpa tia , ou do q ue a pro-
ao cont rár io. em pouco tempo ser apagado das a feições e
\Oca , nada no s agrada m ais do que ob.servar em ou tros ho-
quase da memória dos ma is amados amigos e pa rente.s. Cer-
nw ns . uma. solidariedade com todas as e moç ões de nosso
tamente, imaginamos, Jamais será excessivo lamenta r por
aqueles que sofreram uma tão terrível calamid ade. O tri~uto prl>pr~1~ peito; e nada nos choca mais do que a apar ênci a d o
1 n ntrano. Aqueles qu e se co mprazem em deduz ir todos os
de nossa solidariedade par ece ser-lhes duplamente dev ido,

12 TEORJADOS SFNIL/11ENTOSMORAIS IWI\W INA PAlffE 13


nossos senrimentos de certas sutilezas do amor de s1 julgam 1 h > nos de cepciona . Mas, embora isso possa contri b uir tant o
qu e não se equivocam, segundo seus própr ios princíp ios, ao lh ll ,t o praze r que tiramos d e uma como para a dor qu e ex-
responsabilizarem -no tanto }X)!' esse prazer como por essa dor. Ih 1hnentamos pe la ou tra, n ão é, em absoluto, a única causa
O homem, dizem, consciente de sua própria fraqueza e ili· um e outro; e essa reciprocidade dos sent ime ntos alheio s
da necess idade que tem da ajuda de outros, regozi ja-se ao 111m os nossos parece ser a causa do praz er, e sua au sência ,
observar que adotam suas próprias paixões, porque isso o 1 1 ,1usa de dor, o que não pode ser ex p licado dessa m anei-
assegura dessa ajuda; mas sente-se triste sempre que observa 1,1 /\ simpa tia que meus amigos exp ressam pe la minha ale-
o con trário, porque isso o cert ifica de su a oposição ". Toda- "411;1 po de de fato prop o rcionar-me prazt:r, rean im ando e~a
via, tanto o prazer quanto a dor são sempre sentidos tão ins- ilq; ria; mas a q ue cxpre .ssam com relação à mi nha do r não
tantaneamente, e com freq üê ncia por motivos tão frívolos 111 itk: me causa r nenhum , se serv iu apena s p ara reavivar essa
que parece eviden te que não poder iam resultar de nenhum; 101. Porém, a simpatia reav iva a alegria e alivia a dor . Reavi -
co nsideração egoísta des se tipo . Um homem se sente morti- "• ' , 1 alegria ap resenta nd o outra font e de satisfação ; e alivia a
ficado quand o, depois de se ter esforçado para d ivertir a reu- ilo r insinuando, no coração, q uase a únic a sen saçâo agradá-
niào1 olha em torno e vê que ningué1n , senão ele próprio, ri \·1·1que nesse momen to é capa z de receber.
de suas graças . Ao contrário, a 1ovialid ade do grupo lhe agra- Deve-se observa r, com efeito, que dese jamos muito-
da muitíssimo, e considera essa reciprocidade entre os seus
1111 us com un icar aos antigos nossas p aixõ es de sagradá veis
se ntimentos e os deles como o mais ca loroso aplauso.
do q ue as agradáveis; q ue extraímos mu ito mais satisfaçã o
Tampouco seu prazer parece originar-se inteiramente da
1 h· sua simpat ia parn com as primeiras do que co m as ú lt.i-
v.ivaci~ade com que sua jovialidade se vê aumentad n pe la
111i 1s, e queª . ausência desta nos cho ca mais qu e a d aquelas .
s1mpat1a dos ou tros, nem sua dor brota d a decepção quando
Como fteam aliviados os ínfeJizes quando enc ont ram
lhe falta esse prazer, embora se m dúvida um e outro sejam
11n1:1 pe sso a a qu em pode m co muni car a causa ele sua dor!
em a lguma medid a relevantes . Quando lemos u m livro ou
t .! 1111essa simpatia pa recem livrar-se de parte de sua aflição;
poema tantas vezes que já não nos divertimos mais nem um
,. n;lu st:rn razão se diz q ue essa pessoa partilha dela . Não
pouco len do-o sozinhos, sua leitura a inda pode nos d ive rtir
1p1. :nas sente uma do r da me sma es péc ie qu e ele sent e , mas
em compa nhia de um outro . Para este , terá todas as graças
, t'Omo 5e ho uvesse tran sposto parte d ela p ara si própria; o
da novidade ; partilharemos da surpresa e admira ção que na-
qw.: e b ex per imen ta parece a liviar o pes o do que ele s sen -
turalmente desperta nessa pessoa, mas que nós somos ínca-
1c•m. NJo obstante , ao rela t~rem se us infortúni os , 1'en ov ,m1
pa~es de sentir; apreciamos todas as idéi as que vão surgmdo,
11m rtlguma med ida su a dor. Desperta na memó ria a le m-
mais sob a luz em qu e aparecem a e le do que sob aquela em
ll1;111 ça das circunstâncias q u e pro vocam sua afliçã o. De mo-
q ue aparecem para nós, e nos cliverLimos por simpatia parn
do q ue suas lágrimas corr e m mais rãpidas q ue antes. e co m
com a sua divt:nsâo, que <::ntâoanima a nos :sa. Ao contrário,
ficaríamos vexados se ele não parecesse entretido com isso,
l,1cllidade se abandonam aos excessos do sofrimen io . Mas
Plll tudo isso têm algum gosto , e é ev id ent e que ficam sensi-
e não retira rfamos ma is nenhum prazer da leitura . Trata-se
de um caso seme lhante . A jovialidade da reu nião sem dúvi- vt'lmen ~e aliviados; po rq ue a doçura d a simpati a dessa pes -
, 0; 1 mais do que compensa a ama rgur a dessa do r que , a fim
da anima a nossa própria; e, sem dúv ida também, seu silên-
d,• provoc a r essa simp atia, tiveram de reavivar e reno var. Ao
i º!ll ~ <írio, o ma is crue l insu lto com que se pode ofender os
•e provâvel que Smith se esteja referindo a Hobbes e Mandeville de - 111l~l.1zes é pa recer desdenhar suas ca lamic.Jades . Apar emar
fensores, .segundo o Auto r, de qu e tod o $Cnlim.c nto de riva do amor cÍc si. 1nd tft:rença ante a alegria de no&.S os comp anh eiros na da mais
(N. da R. T.) ,. que falta de educ aç ão; mas n ão mostrar um semblante gra-
14 TEOJUA DOS SENTJMENTOS MORAIS f'Ul .11/
JJl?APARTE 15
ve quando n os coma m suas afliçõe s é verdade ira e gro sse i- • ll,1mamo-la de pusilani midade e fraquez,1. Por outro lado,
ra desum anida de. l111pade nta-nos ver outra pessoa feliz ou. por assim dizer, eu -
O amo r é uma pa ixão agradáv el e o ressentimento, de- l11rlca de mais, por qualq ue r bocad inho de boa sor te. Fica-
sagradável : e , por is.so1 não desejamos tanto que nossos a mi- mo~ :ué mesmo deso briga dos em relação à sua felicidade; e,
gos aceitem nossa amiza de mas que partilhem de nossos res- 111mo nã o conseg uimo s partilhar dela cha mamo-la de vele i-
1

sentimentos.Podemosperdoar os que demonstrempouco inte- d,1dL• e desatino. Perde mos o hum or se nossos companheiros
resse pelos favores que possamos ter receb ido, mas perdemos til·m ele uma piada mais alto ou por mais temp o do que ju l-
tod a a pa ciência se permanecem indifere ntes quanto às ofen - H11111u!)que ela mereça; qu er dizer, mais do que se niimos que
sas que algut::m possa ter-nos causado e não ficamos tão zan - íamos capaz es de rir dela .
111>~,..,cr
gados corn eles por não parti lhar em de nos.sa gratidão qua nto
por não se sol ida rizarem co m nosso ressentimen to . Podem fa-
cilmente evi ta r de ser am igos de n ossos am igos, mas difici l- CAPÍTULO J[l
mente po d em evitar d e ser inimigos daque les; de quem es ta- na mane ira pela qual julgamos a conveniência ou
mo.e;afastados. Rarame nte nos ressentimos porque são inimigos lucnnveniência dos afekJs alheios, por sua consonância
dos prime iros, ainda qu e q uan to a isso po r vezes possamos ou d issonância em. relação aos nossos
simul ar desgosto; mas b rigamos energicame nte se vivem em
amizade com os últimos. As paixe>es agradáveis do amo r e fe- Quando as paixões da pessoa a quem p rincipa lmente
licidad e pod em sat isfazer e ampa rar o cora ção se m qua lquer 11111cern em estão em per feita co nsonâ ncia com as emoções
praze r auxilia r. As amargas e dolorosas emoçõ es da do r e do N1 illd(1rias d o espectador, n ecess ariamen te parec e m a este
ressentimento exige m mais forte mente o conso lo saudá ve l da 11l1lmo justas e própr ias, ad equa das aos seus objetos ; e , ao
simpatia. 1, > ntrário , quando , coloca nd o-se no luga r de le, descobre que
Assim co mo a pessoa a quem mais interessa certo acon- 11.I(> coincide m com o que sente, necessariamente lhe pa recem
tecimento fica sati.:;feirncom nossa simp ati a, t: mag oad a quan - l11l11Ma.) ~ impr óp rias, inadeq uad as ãs ca usas que as susci -
do e.:;ta fa!La1 assim tam bém nós parece mo s sat isfeitos quando 1,un. Po,tan to , ílprovar as paix ões de u m o utro como ade -
so mos ca pazes de simpa tizar com ela, e fica mos mag oados 111i,1d as a seus ob jeto s é o mesmo que ob se1var q ue simpat i-
qu ando inc apazes disso . Não apenas nos precipitamos para ,1rnos inte iramente com ela s; e não aprová -las co rno tal é o
parabe niza r os be m su cedidos mas tam bé m para confo11ar 111t•s 1110 que observ :1r que não simpa tizamos inteiramente
os aflitos; e o prazer qu e encontramos na co nver-.;;acom al- . O home m que se resse nte das ofen sas que me in-
1 • un el:1..,;

guém, com cujas p aixões d o coração pod emo s simpat izar in- lhJ,tiram , e nota que me ressi nto exata mente d:1 mesma ma-
tei ramente, pare ce fazer mais do qu e compen sar a dor da- t1t•lr:1 q ue ele. n ecessa ria mente aprova meu ressentime nt o . O
que la infelicidade co m que nos afeta a vista da sua situ ação. h111 nem cuja s impat ia te m o mesmo ritmo da m in ha do r só
Ao contrário , é sempre des agradável pe rceber que não p o- pude ad mitir q ue minha infelicidade é sensata . Quem admi~
d e mos simp atizar com ela; e, em vez de ficarmos cont entes 1,1 o mesmo poema ou mesmo qua dro , e os adm ira exata-
com essa isen ção d e uma dor solidária, machu ca-nos ve r q ue 111t·n1c como eu faço, certamente tem de admi tir qu e minha
nã o conseguimos partilhar do seu desconforto. Se .ouvimo s uln 1iraçâo é justa. Que m ri da mesma piada , e ri comi go ,
uma pesso a lamentar em altas vozes seus mfortúmos, quei 11,10 po derá nega r q ue meu riso é adequado . Ao contrá rio, a
entret anto , não produzem em n ós um efeiLOt:lo violem o ao pl-.,:.oa que, nessas dife ren tes o casiões, ou não sente a mes-
p ensa rmos que essa siluaçào poderia ser a nossa, sua do r 111.1 l:n1oç ào que exp erimento ou não sente nada pro por cio-
n os é ofens iva; e, como não cons egu imos e xp eriment á-la, 11111co m o qu e expe rimento, nao pode evitar de desaprovar

1t'O l<JADOS SEWWENTOS MORA IS IWJ,\JlifNAPARTt: 17


16
meus se ntim entos , por sua d isso nân cia com os se ~s ..se m: u 1 uli ro, e sentimos qu e é natural e adequa do ao seu objeto; po r-
rancor exceder àquil o a que pode corr ~.s~ nd er a mch~gnaçao 111 w, cmlxwa em nosso prese nte estado d e espírito n~o pos-
de meu a migo; se minha do r exced er aq ~ilo _de q ue e ca~z .onos facilmente pa rtilh ar de le, pe rcebemos que na ma ior ia
sua mai s terna compa ixão; se minha adm 1raçao fo r o u dem~- d1i... vezes o fada mos, en tusias ticamente .
siíldO viv a, ou demasi ado fria para correspon~ ler à de le; se r!r O mesmo oco rre freqüentemente com todas as o utr&;
alto e animad amente qu ando ele a penas som, ou, ao contra- p,1b.ck'S. Um estranho passa po r nós na rua, com todos os
rio, ape n as sorrir quando ele rir alto e a~imad amente; . ~m ln,u.s da mais profund a aflição, e imediatamente dizem -nos
rodos es ses casos 1 assim que, tendo co nsiderado o ob Je~u, tjll l' ele acaba de rece ber a notícia da mo rte do pai . É im pos-
ele passe a observar como me afeta, segt m~u h o uv~r m~1o r 1vd, neste caso, não ap rovarmos sua do r. Con tudo 1 pode
ou me nos desp ropor ção entre os se ntimentos dde e os 1~1eus, 11 oni.cce r, não ra ro, sem que isso indiq ue desumanidade de
inco rrerei em grau maior ou menor na sua d~5aproYaç~o ; e, 1111:-;.~apa,te , que, im poss ibilitados de partici par da violênc ia

e m to da s essas ocas iões, :;t;us próprios sc ntun cntos sao os 111• 1o\Ur 1 dor , mal pudé$.Scmos con ceber 0.) p rimeiros movi-
cnté rios e mt<li <la:s pelos qua is julga os meus. . nu·ntos de preoc upação que o acompanh am . Tanto de quan-
Aprova r as op iniões de o utro homem é adotar essas opi- 10 !-.t..' u pa i rnlvez no s sejam inteiram ente desco nhecido s, ou
niões , e ado tá-las é ap rov:í-b.s. Se os mes mos arb~me ntos qllt·rn sabe est:-unos ocupados co m out ras co isas e não te- •
que te convence m tam bf!m me_co nve ncem, nec es~nament~ td1:11nos tempo d e rep resentar em nossa imaginação as dife-
ap rovo a tua convicção; e se nao o fazem, necessa1:amenre d 11• 1Hcs circuns tânc ias doJorosas po r qu e necessar iamente p:1s-
rep rovo ; nem posso con ceber qu e faça uma co isa se_m ~ 11 /\ expe riên cia nos ens inou , conrudo , que um tal infortún io
outra. Po rtan to, todos admi tem que aproYar ou desaprovar~ as 11.!luralment e provoca la] gra u de sofr iment o ; além d isso.
opiniões de ouu·os significa apena~ o ~servar sua conco rdân- ._,d>l'mosque , se nos deti véss emos em reflet ir ple namente , em
cia ou disco rdâ ncia com nos sas pro p nas. Contud o, o mes mo 11HIr~ os seus aspectos 1 so bre a situação do outro, se m dú vida
caso ocorre com relação a nossa aprova ção ou des aprovaç ão 1lr11patizariamos sinceram ente com ele. É sob re a cons ciência
dos se ntimentos ou pabrões do s ou tros . 1 I ·ssa .:;im patia condiciona l que se base ia nos sa aprova ção de
Há, com efe ito, alg uns casos em que pa recemo::;.aprovar. 1•11 J:X.::5ar , até mesmo nos casos e m que essa simpatia não che-
sem n enhuma simpati a ou correspondênci a de sen t1mcnt~s; H•! +1ocorrer de fato. Assim. as reg ras gera is d eduz idas de n ossa
e nos qu ais, conseqüenteme nle, o sent il:1e~t~ d~ apr~vaçao 1 '\ r><.: riência an terior da q uilo a que n ossos sent imentos habi-
parecer ia diferentt: da peru:pção dcss:a comc ~denaa . Nao obs- 111.dme nte co rresponderiam co rrige m, nessa e em mu itas out.ra~
tante , um pouco de atenção nos conv e ncer.a d~ qu~, m___ eim:o 1 li , 1..;iõcs, a inconveruência de nossas emoções momentâneas .
1

nes~es casos, nossa aprov ação se funda , em u lt'.ma insta~c ta, O se n1imen to ou afe to do co ração, do q ual procede
sob re urna simpatia ou corres po n.dên cia de ~se tipo . Dare i u t~ qu,tlq uer ação, e do qua l depende em l1ltima análise toda a
ex e mplo baseado em co isas muito frívolas. porque nelas os 111;1virtude ou vício, pode ser an alisado so b do is d iferentes
juízos do s hom ens co rrem menos o risco de se pen1e1:er por ,11tpccto s, ou seg undo duas diferentes relações: p rimeiro , em
siste m ;ls errôneos . Freq üentemen te a provamos um a piada ! e 11'1:tçàoàs causas qu e o provoc am , ou o mot ivo que o oca-
admitimo s que O riso do outro é bast~nte justo e ad eq u ado, 'lhina; e, em seg undo lu gar, em relação ao fim que propõe 1
embora nó s p róprio s não este jamos nn ~lo, ~alvez por estar- 1111o e feito q ue tende a produz ir.
mos de mau hum o r, ou por esta rmos d1stra1dos co m .out ros .\Ja ade qua ção ou inadequ ação , na p ropo rção ou des-
objetos . A expe riência n os ens ino u, e n tre ta? toi q~e upo .Ut..: 1uoporção que o afeto par ece mante r com relação à causa
diver são é norm alm ente mais capaz de no s tazer nr , e ?bse r- 1111o bjeto que o susc ila , consiste a conveniê ncia ou inco n ve-
vamos q ue essa é u ma de las. Por isso 1 aprovamos o nso cio 1ll~nd a, a decênci a ou d eselegânc ia da ação cons eqü e nte.
l8 71iORIA DOS SHNTlil1EiYIDS MOJWS l'ft'l \f l{tl(A PAJ<TI:: 19
'.\la natureza bené fica ou prejudicial dos efei tos que esse CAPÍT ULO N
afeto persegue ou tende a produzir consistem o mérito ou Continu ação do mesmo assunto
demérito da ação , qualidades pelas qua is ela merece recon1-
pensa ou castigo . . . . Pode mos julga r a conveniência e inconven iência d os
Nos últimos anos os filósofos têm considerado pn nc1- • 11tlmenros de ou tra p essoa pe la sua correspondência ou
palmen te a finalidade dos afetos, dando pouc a aten çao à _re- 111•,,c>rdância com os nossos em duas ocasiões diferentes: o u ,
lação que mantêm com a causa que os suscita . Mas na v1c.Ja p111nciro,quando os o bjetos que os provoca m são cons ide-
comum, quando julgamos a conduta de qua lquer pe~soa e 1.hlns sem nenhuma rela ção particula r conosco o u com a
os se ntimentos que a orientaram , consideramo-los con5ta ntc- p,•-.,0:1cujos sentimentos estamos julgando ; ou, segundo ,
merne sob esses dois aspectos. Quando cen:;u ramos cm ou q11.111do são conside rados como afetando pec u lia rmen te um
rro homt:m os exo:s~os do amor 1 da dor, do ressentimento 1 1111ou tro de nós.
n:1o apt:nas levamos em conta os ruinosos efeit?s que ten - 1. Quanto aos objetos co nsiderados sem nt:nhurna rela-
dem a produzir, mas o pequeno motivo qt~e ha:'."1ª para el~s ' ,lo pa1ticular conosco ou com a pessoa cujos sent ime ntos
Dizemos que o mér ito da pessoa favo recida nao era ass im , 1.1111osjulgando, semp re que seus sentimentos corrcspo n-
t::'togrande, seu infortú nio n::io é tão terrível, a prov~aç~~ de di•rt·m i nte iramente ao s nossos, at ribu iremo -lh e quali dades"
que fo i objeto não é tão extraordinária a ponto ?e 1ustificar •11• ho m gosto e discernimento. A bel ez a de u ma planície, a
alguma paixão violen ta. Dizemos que ta lvez dev_essemos ser M1, 1ndios iclade de uma m ont anh a, os ornamentos de um edi -
indu lgente s, aprovando a violência da sua cmoçao, se a cau- lh'lo, a ex pressão de uma p intura, a comJX)sição de um dis-
sa fosse, em algum aspecto, proporci o na l a ela. _ • 1uso, a cond uta de uma ter ce ira pess oa, a proporção entre
Quando julgamos desta maneira qualqu'.,r afeto , para dl-.tmtas quan tidades e números , as vá rias aparên cias q ue a
saber se é proporciona l ou d espropo rciona l a causa que o ~1.111de mãq uina do universo exibe perperu amente 1 co m as se-
provoca, é pouc o prováve l que usemo s qu aiqu~r re?ra _u u 111•1;1s rod as e mo las que as produzem; todos os ass un tos ge-
norma q ue não seia o afeLOcor respond~nl<.::~m nos pru1~nos._ 1.11,-.qu e ocupam a ciência e o bom gosto, são o que nós e nos-
Se. analisando o caso em nosso própno peito, descobnmos ~,,., companh eiros cons id eramos como desprov ido s ele uma
qL;e os senrimemos por t:!h::ocasiona d o~ co incidem e concor 1111:tçflo peculiar com qua lquer um ele nós. Ambos os vemos
dam tom us nossos, necessariam en te os aprovamos como q.(tm<lu o mesmo pomo de vista, e não remos motivo para
proporcionais e adcqu~dos a seus objetos; mas, caso contrií- ~lmpa tia, ou para aquela mudan ça imaginári a de ~illla.~-õesda
rio. ne cessari amen te os reprovaremos como ex travagantes e qu,d ela brota, a fin1 de pro duz ir, com respeito a eles , a ma is
de~proporcionais. p 1•1 ícita harmonia de sentimentos e afetos. Se 1 não obstame 1
Toda faculdade de um homem é a medi da pela qua l el e •( 11nfreqüênc ia somos d iferentemente afetados, isso se deve
julga :,i mesma facu ldade em outro . Ju lgo sua ~isão por_ mi- 1u1sdiversos graus de atenção que noss os d iferentes hábi tos
nha v isão, seu ouvido por meu ouvido, sua razao por minha d1•vicia nos permitem conceder facilmente às distinta .._partes
razão, seu ressentimento por meu ressentime nto, se u amor di1queles ob jetos complexos, ou do s difere ntes graus da pers-
por meu amor. Não possuo nem pos.50 possuir nenh um ou - plr:k ia natura l na faculdade do espírito à qu al esses objetos
tro modo de julgá-las . H' (lirigem.
Qua ndo os sentimentos de nosso companh e iro co inci-
d1·m com nossos em co isas desse tipo, que são óbvias e fá-
11·Is, e nas qua is ta lvez nunca encont rem os uma só pessoa
qlll' divirja de nós , ai nda qu e, sem dúvida , tenh amos de

20 11:,'0N.JADOS SElYl1Mt.WTOSMORAIS l'li'/.\ff,fN A PAR'f E 21

aprová -los 1 co ntu d o não p arece merece r e logio ou .ªd:11ira- }. Com relação aos oh jetos que afetam de mane ira p:.tr-
ção por cau53 disso _ Mas q ua ndo não apenas com odem 111111.tro u a nós próprios ou à pessoa cujos sent imentos est a-
com os nossos, mas ainda os orientam e dir igemi quando, 1t111Njulgando, é ma is difícil preservar essa harm onia e cor -
formando-os. demonstra ter considerado muitas co isas que 111ri1ponc.lê ncia e, ao mesmo tempo , imensamen te ma is impor -
nós tínhamos ignorado, e ajustado a todas as várias circu ns - t 11 11l•.Meu co mpanhei ro nào encara naturalmente o ínfo1tú-
tâncias ele seus objetos, então não apenas os aprovamos, 11l11que me sobreveio ou a ofensa de que fui vítima do mes-
sua incomum e inesperada agudeza e abrangência, mas nos 1111f ponto de visra sob o qual as co nsidero eu. Afetam-me
espanta e surpreen cle 1 e ele nos parece merecer enormt: 1111!110 mais de pe 1to. Não os vemos pe lo mesmo pdsma,
ad miração e aplauso. Pois a aprov:ação, in_tcnsificada p~lo 111110 ve mos um quadr o, u m poema, ou um sistema filosó fi-
esp amo e pela surpresa, constitui o se nt1~c nto pro p :1a- • ,, l" por isso, podem nos afetar de maneiras mu ito diferen -
men te chamado de admir oç~1o, cu ja expressao na tura l e o 11 1 Mas posso mu ilO mais facilmente ignorar a ausência
aplauso. O critér io d e um homem q u e jL~lga~ ext rao rdi ná- d, ..,-.,1 correspondência de se ntimenl os quanto a ob jt:f.os tão
ria beleza preferíve l ,l m,iis grosseira detonn1dade, ou que 1111lil ~•rt=ntes,que não importam ne m a m im nem a meu com-
,1dmite que duas vezes do is é igual a quatro. c:rrame!"1te n~e - 1'·1nhdro. do que em algo que me interessa tanto quanto o
rece ap rovação de todos , mas ce rtam e nte nao sera muito !11lm1(mioque me sobreve io, ou a ofensa de qLIe fui vítima."
admirado. É a sutileza e delic-.adodiscern imento do homem l 1111lma desprezes aquele quadro o u poema, ou at é esse sis-
de b om gosto, que distingue as minu ci?sas e quas e_imper- h•tll,1 filosófico que eu admiro, há JX)UC0pe rigo de hr ig,ir-
ceptíveis diferenças de beleza e deformidade; e a ~b 1angen- 1111 1~ po r causa disso . Tampouco um de nós pode, razoave l-
te precisão do matemático experiente , que sem d1ficuldack: uu•rut..· , ter mu ito interesse ne les. Deviam ser, rodos, objeto
desvenda as mais intr incada s e en igm át icas prop o rçõe s; é o d1• j,tl':tndc indiferença para nós dois; de modo que, em bora
grande líder em ciência e bom gosto, o hon_1cmque orienta
h·11h:11 nos opiniões o p ostas, nossos afetos permanecem
e conduz nossos pró ptios sen timen tos, CUJOS talentos nos
111111 10 parecidos. Mas o caso é out ro quando se 1rata dos ob -
deixam atôn itos de admiração e surpresa pe la exten,.ão e
1,•10 -: que nos afetam part icularmente, ou a ti ou a mim. Ape-
super io r justeza 1 q1.1edespeita nossa admiração e parece ~e-
11 de tuas opiniões em que stõe s especulat ivas, ap esa r de
rece r nos s() apla uso ; e sobre esse alicerce funda -se a m_aior
11111:-. M•.:nlimem os t.:m ques tões de gosto sere m bastante con -
p arte do louvor q ue se dirige àquelas q ue chamamos virn 1-
11,1J10/'iaos meus, posso facilmente ignorar essa oposi ç,lo; e ,
des intelectuais. , ' ll.'nho olgum a te mperança , posso até me.s. mo apn;ciar a
Pode -se pensar que a utilidade dessas _qualidades é o
que primei ro as recomend a a nós, e, sem duYtda, tal cons i-
u., conve rsa, ainda que sobre esses mesmos temas . Mas se
11,hI lens nenhuma so lidar ie dade pa r::icom o meu infortúnio,
deração, quando atentamos parn ela, recobre-as de novo va-
1 fl 1 111...-nhuma q ue seja prop o rcional à dor que me assola; ou
lor. Porém, origina lmen te, aprov .:unos o julga me nto de outro
homem não como algo úti l, mas como algo certo , acurado, • 11:iose ntes nenhuma indign ação pelas ofens as qu e sofri.
conforme à verdade e à realidade ; e é evidente qu e se lhe 1111 n:ida que seja proporcional com o ress entiment o qu e me
atribuímo s essas qua lidades é porque d escobri mos que con - 1t11 :hata , já não podere mo s conversar sob re esses remas .
corda com o noss o própr io julgamen to. Da mesm a man eira. l 11111: 11110-nos insuportávei s um ao outro. Não JX)SSO tolera r
0 bom gnsto recebe aprovação orig ina lmente não por se r
111 .1 com panhia, n em tu a minha. Ficarás confus o ante minha
útil, mas justo, delicado, e precisam en te adequado ao se~ ob: \ li1kncia e pai xão, e eu, imd o com tua fria insensibilidade e
jeto. A idé ia da util idade de todas as qualidades desse tipo e 1.d1.1 de sen timentos.
apenas u ma reflexão p oste rior , não aqu ilo que pnmeff0 as Em tod os esses casos 1 para q L1 e haja alguma correspon-
recomenda à nossa aprovação . ' l(\ 11da de sentimentos ent re o espectador e a pes soa atingi -
22 lEOKIA DOS SFN71MEi,705 MORAIS l'l,'l\llIIN A PARTE 23

da, o espectado r deverá , :mres d e tudo, esfo rça r-se tanto ili nt•in mútua, sufic iente para a harmonia da soc iedade . Em-
q uan to possív e l p ara co locar-se na situação do ou tro , e tor - 11111.1 jimais se jam uníssonos , pod em ser co ncordes, e isso é
nar sua ca da pequena circun stâ ncia de ab orre cime nto qu e 111do o que se exige ou de que se ca rece.
provaveln1ente ocorre ao sofredor . Deve rá adotar rodo o /\ fim de prod uzir essa concordância , do mesmo modo
caso do se u companheiro com os mínimos incidentes ; e em- 1 , uno a natureza e nsina o es pecta dor a assum ir as circuns-

penhar -se por inte rpretar da maneira mais perfeita possível a 1111,·ias da pessoa d iretament e e nvo lvida, tam bém ens ina, a
mudan ça imaginár ia de situação so bre a qu al se b ase ia sua 11111.1 ú ltima, a assum ir, em cena med ida, as das espectado res .
simp ati a. \ ti-,lm co mo estes estão continu amente coloca ndo-se na si-
Mas d epois de Ludo isso as emoções do espect ad o r 111.1~·:lo do so fredo r para co nce be r emoções similares às qu e
muito provavelm en te ainda não alcançarão toda a violência d\· .sente . da me.srna forma de está-se coloc and o constante -
d o que o sofre dor sente. Embo ra nat uralm ente :,01idári.o, o nu-ntc na pos ição deles, para conceber ce rta frieza com ql 1e
homem n unca concebe o q ue :sobreveio a alguém com aque- nllt,1111 a sua p rópr ia sort e. As.sim como eles e5tào const ame -
le grau de paixão que naturalmente an ima a pessoa atingida . 111 (•n1c con sidera ndo o que sentir iam em se u luga r se rcalmen -
Essa mudança imaginária de situ ação, _,;obre a qua l se bas eia h • fosse m os so fredores também ele é constantemente levado
sua simpat ia, é apenas momen tâne a. O pensamento de srn:1 1 liw1ginar de que m:rneirn se ria afetado se fosse mero es-·
próp ria seg u í.l.nça, o pensamento de qu e não é ele próp rio o p,'l1ador de su a própria situa ção. Assim como~ • so licbri ed ade
verd-tdeiro sofredor, con'ita ncemente se faz presente; e em- dt ·Me.sos faz ver tal situação em certa med ida co m os o lhos
bora não o imp eça de conceber urna paixão de certa forma ,li, ~ofredo r, tam bém sua solidariedade o faz considerá-la em
análoga à que exper imenta o sofredo r, imp ed e-o de conce- 1 l't!a med ida com os ofüos deles , especial mente quando em
bê-la com o mesmo grau de intens idade . A pessoa direta- 1
111;1 prese nça e ag indo sob sua observação. E, como a paixão
mente atingid a sente isso, mas ao mesmo tempo deseja, apai - 11•llclid~1 que e le assim concebe é muito mais déb il cio que a
xonadamente , uma solidariedade mais comp leta. Anseia por , 11li,:inal, necessariamente red uz a violência do que sentia antes
aque le alívio qu e nada, se não a concordânci a total dos afe- ,h· l'~tar em presença dos es pec tadores, antes de começa r a
tos dos especta dores com os se us, po d e lhe dar. Ve r as emo - 1·1nlna r de que man eira seriam afetados, e antes de consi derar
ções ele seus co rações pul sarem ao mesmo rirmo qu e o dde '111,t própr ia situaçJ.o sob essa luz franca e imparcial.
em paixões v iolentas e t.lesagradáveb con.:ititui seu único con - Haras vezes , portanto, o espír ilo fica tão pe 1t urbado que
solo . Mas ~ó po de espera r ob1er isso se reba ixar su a pa ixão 1 \'Omp~1nhia de um amigo nã o lhe rcsrau rc algu m grau d e
até aquele limite em que os espectadores são capazes de o 11.1nqüilidad e e calma . Em alguma medida o peito fica co m-
ac ompa nh ar. Pr ec isa, se me permitem dizer assim, ab ran dar )li >-.10 e calmo no momento em que estam os em su:1 p resen -
a inten sida de do seu tom n..1.tur:a1
, reduzindo-o à ham1oni::t e \, 1 Somos imedia tame nte lembra dos ela maneira em qt 1e ve-
co ncordância com ~s emoçôes dos que estão ao seu redo r. 1,1nossa situação, e de noss a parte come çamos a vê-fa tam-
De fato, o que estes sentem se mp re será, em alguns aspec - ht·in da mesma maneira, po is o efeito da solidaried ade é ins-
tos, diferent e do que ele sent e, e compa ixão jamais será exa - 111 11,lneo . Esperamos menos simpatia de um mero con hecido
tamen te idêntica à dor original, urna vez que a consciê ncia du <1ue de um amigo; não podemos exfX>r ao pr imeiro rodas
secreta de que a mudança de situações, da qual se or igina o , 1~ p~que nas circunstân cias que podemos reve lar ao segu n-
se ntimento solidário, é apenas imaginár ia, não apen as a re- 1lt); por is.so, fingimos m ais tranq üilidade diante d o conhec ido,
duz em grau , mas , em certa medida, altera se u gênero, dando· , l',...,forçamo-nos po r nos sos pensame ntos naque las linhas ge -
lhe uma mod ificação bastante diferent e . Porém, é evide nte 111"de nossa situação que ele estiver inclinado a analisar . Es-
que esses do is sentimentos po dem manter u ma cor respon- 1wr; unus men os simp atia ainda de um grupo de estranhos, e

24 TEORJA DOS SEJVT!iVIENI'OSMORAIS /'/1/\1/if!IA PARTE 2;

p or essa razão fing imos uma tranqü ilid ade ainda ma ior d ian- Corno se nos re ve la amáve l aquele cujo coração solidár io
te deles, e sem pre tentamos reduzir no ssa paixão àque le níve l p 111•cc fazer eco a todos os sentimen tos da q ueles com quem
que as pessoas com as qua is estamos poderão acompan har. , 111vl'rs a, q ue sofre co m as suas ca\amjdades, q ue se ressen -
Mas não se trata apenas de um a aparência fingida, po is, se for- 11 ,or 11 as ofensas de que foram vítimas, e se alegra com sua
mos inteirnmente donos de nós mesmos, a p resença de um 1u 1,1 lortuna! Quando nos coloc-dillos na siniação de se us com -
mero conhe cido realmente nos deixará com-pos tos, mais ainda p.u1hdros , partilhamos ela gratidão que ex perimentam e perce -
do que a de um amigo; e a d e um grupo de estranhos mais 11•111osque consol o ne cessa riamente retiram ela tema simpa -
ainda do que a presença de um conhe cido. 111 ih.· um amigo tão afe tuoso . E, pe lo mo tivo oposto , como
Por isso, a companh ia t::conversa são os mai:s podero:'.:iü:s 111~pare<.: t: <l.esagrndávd aq uele cujo cur .i.çào duro e obstinado
remédios para restituir ao espír ito :sua tranqü ilidade, caso em 1•rnt· ape na~ com relaç ão a ~i mt::srno, e t: total.mentt: insc.::n~í-
a lgu m mume nto, por infortúnio , a tenh a pe rd ido, e ta mbém 1 1 •1 . 1 fclicicbdc ou desg raça dos outros! Ne sse caso tamb ém,

os melh o res preservadores desse caráter feliz e eq u ilibra do, 1•,utllhamo.:.;da dor que sua presença deve causar a todo mor-
tão necessár io para a auto -satisfação e alegria . Homens re • 1 d , om quem conversai espec ialmente àquele s com quem so-

traído s e esp eculativo s qu e tend em a se fech ar em casa refle- 1111,~ rnnis capazes de sim patizar 1 os infelizes e os ofendidos.
tindo sobre st1a dor ou ress entimento, aind a que ten ham fre- De outro lado, que noh re propriedade e grnça senr imos·
qüentemente maior hum ánid ade , ma is generosidade e um 1111 corn 1:x>rtamemodos que , em seu próp rio caso , rna nifes-

senso de honr-...:i
melhor , raramente p ossuem aque le equ ilíb rio 1,11 11 :i :-erenida de e o autoclomín io que constituem a dignida-
de temperamento tão comum entre os hom en s d o mundo. li• ,k: toda paix:ão, e q ue a reduzem àquilo de que o~ demais
111idt'm pa rtilhar! Sentimo s repul sa pela do r clamorosa que,
1•111 nenhuma delicad eza , reclama nossa compaixão com
CAPÍTULO V ,11spirnse lágrimas, e lamentos imp01tunos. Mas revere ncia-
Das virl udes amáveis e respeitáveis 1111h a do r reservad a, s ilenciosa e majestática, q ue só se ex-
prn· pe los olhos inchado s, o tremor ele lábi os e faces, e na
Sobre esses dois diferentes esfo rços, do espect ad or para dl'it,inte ma~ co m ovente frieza de toda a sua con duta. Impôe-
fazer seus os sentim e ntos da pessoa d ireta me nte afetada, e o 1111..., l llll ~ilf:nd o seme lhantt::. Ob~ervamo -la com rebp eilO :,a

desta para rebaixar suas emoções até o limite em que o .1h'nçJo, e vigiamos com ansiosa preoc upaçã o nos sa própria
espec tador é capaz de acompanhá -la, fun dam-se do is gruIXJS 1,1t1dl 1ta , para não perturbarmos , com nenhum a imp ropric -
d.1dl\ :1 tranqü ilida de p la nejada que tanto esforço exige pa ra
diferente s de virtudes . As virtudes ternas , gentis , amáve is, as
e• in:1nter.
virtudes da franca co ndescendênc ia e indulge me hu man ida-
d e, fundam-s e so b re um de les ; as grandes, as te nívei s e res-
n a me.sma man e irn, a insolê ncia e a brurnlid ::id e da. irn
qt1,u1do pe1mit imos sua fúria sem contro lar ou rest ringi- la, é
peitán~i::i,as vittudes da abnega ção , do autocontrole , do domí-
u 11mís d etestáve l do s ob jetos. Mas ad mira mo s aquele resse n-
nio das p aixões que submete tod os os mov imentos de nossa
1l111c ..:nto nob re e ge neroso , qu e gove rna a repar ação d as gran-
na tur eza àqu ilo qu e exigem nossa dign idade e ho nra, e a pro -
dl'" ofe nsas , não p ela ra iva que podem de sperta r no pe ito
p riedade ele nossa conduta, orig inam-se do ou tro grupo• .
dn ....:-ofredores, mas pela indignação qu e naturalmen te pro-
l 'l>l ,1111 no espec tador im p arcial; q ue não pemtite que nenh u-
111 ,1 pa la vra ou gesto lhe esca p e para além do que esse sent i-
• Sobre a distinção eri lre paixões amáveis, por um lado , e respeiláveis,
por o utro, confir.i.-se Hum e, Treatise of Htmum Náture (Trotad o da natu reza 111 t·n10 mais eqüit ativo d itaria; q ue nu nca , n em mesmo em
hum:ina) , 111, 111, IV \ed, Sclby-Oigge, Oxford) . ('-1. da R T .) pl'll~~unemo, interna maior vingança, nem deseja infligir ne-
26 TEORIA DOS SENITMENTOS MORAIS l 'Nl,H/;'/NA PARTE 27

nh um castigo maior do que aquele cuja execução qualquer 1rn1 1sindignos dos homen s, e às veze.s nem mesmo esse grau
pessoa indiferent e veria com agrado . r 1K·ccssár io. Assim. para dar um exemplo muito mod esto,
E daí resulta que sent ir muito pelos outros e pouco ÇX)í 111111 cr quando temos fome é, cert amen te , em ocasiões co~
nó s mesmos, restringir nossos afetos ego ístas e cu ltivar os be- 1111m s, algo p erfeita men te correto e adequado, e não pode
nevolentes, constitui a perfeição da natureza humana; e so- ll'l<cir ele ser ap rovado como tal por toclos. Mas nada po de-
mente assim se pode produzir entre os homens a harmonia de ll,1"l'r mais absurdo do que afinn ar qu e é virtu oso.
sentimentos e paixê>es em que consiste: toda a sua graça e pro- Ao con trário, pode freq üentemente haver cons iderá vel
priedade . E assim como amar a nosso próximo do mesmo M1,1uele virtude n essas ações que estão longe da mais pe1f ei-
modo que amamos a nós mesmos const itui a grande lei do 11 t o nven iênc ia; por qu e aind a assim é possível que se apro-
Cristianismo, também é o grande preceito da nan1reza amarmos dn u.:111mab ela perfeiçào do que s~ esperaria em o cas iões
a nós mesmos apenas como amamos a nosso próximo, ou, o , 111 que fo5.5e tão extremamente difíci l adquiri -la ; e iss o é
11111110 freqüente nas ocasiões que exigem um imens o e.:ifor-
qu e é o mesmo, corno nosso próximo é capaz de nos amar.
1 11 de autodomíni o . H:í algum as siruações que pesam canto so-
Do n-iesmo modo como bom -gosto e bom julgamento ,
111l' : 1 na tur ez a hum ana, que o maior grau de auto<lom ínio a
quando cons iderad os como qualidade:, q u~ merecem elogio
e admiração, implicam, supostamenle, uma clelicadeza do q11t• pode rtmbicion ar uma cr iaturn tão imper feita quanto o·

sen tim ento e urna ptr5picácia do e n.1


e ndimento incomun s, as homem não ha.,;;t a para sufo car inteirame nte a voz da frag ili-
vi11udes da sen::;ibilidadc e do au 1odomínio não parecem d,1dt· humana, nem abran dar a violência das paixões a té aq ue-
consis tir nos graus ordinár ios daquélas qualidades , mas nos 1,•lom de moderação em que o espe ctador imparcial po ssa
, n 11q x1rtilhá -las totalmente. Po11anto, embora nesses caso s o
incomun s. A amável virtude da humanidade certamen te exi-
1 n rnportamenro do sofre dor não alca nce a mais perfeita con-
ge uma sens ibilidade muito supe rior à que possu em as pes-
vt·11iê 11cia,pode de tod o o modo ser digno d e aplauso e até,
soas rudes e vulgares. A gr:1nde e eminente virtud e da mag-
11111certa medida, ser chama do de virtuoso. Pode aind a mani-
nanimidade sem dúvida exige mu ito mais do que as grnda-
/1",l.ll' um esforço de generosidade e magnanim idade do qua l a
çôes de aurodom ín io de que é capaz o mais fraco dos mor- 111,lloria dos homens é incapaz ; e aind a qu e não alcance a per -
tais . Do mesmo modo como no grau comum das q ualida des 11'1~ .io abso luta, apr ox ima-~e muito mais da pe rfe ição do que ,
inte lectuais não há talentos, n o grau comum da moral não há ,·111tais ocasiões tão difíceis, é comum encontrar ou espera r.
virtudes. A vinude é excelência, algo excepciona lmente gran - Em c;:isos assim, quando de te m1inamo s o grau de ccnsu-
de e belo, que se eleva muito acima do que é vulgar e o rdi- 1.1 ou ap lauso que parece de vido a qua lquer ação, é muito
nário . As virtudes amáve is consistem no giau de sens ibilidade l11·<1üente usa m10s do is padrões difere ntes. O prime iro é a
que sur preende pela sua refinada e inespera da del icad eza e 11k·la de co mpleta co nven iência e pe1feiç~o que, nessas si-
ternura. As veneráveis e respeitáveis, no grau d e autodomínio hm (ÕCS difíceis, nenhuma cond uta humana jamais pôde ou
que sur pr eende pela espantosa superior idade em relação às polk:rá alcançar; e em comparação com a qual as ações de
mais ingovernáve is paixões da natureza humana. 1ndos os homens sempre par ecerão ce nsurávei s e imp erfei-
Nesse aspecto existe uma cons ideráv el diferenç a entre a t. 1-,:, O seg undo é a idéia daque le grau d e aproximação ou
virtude e a mera conveniência; entre as quali dades e ações 1\l,,,:t.1nciamento des sa completa perfeição, usual mente alcan-
que são dignas de ad miraçã o e aplauso, e as que simp les- \, HÜ pelas ações da ma ioría dos homens . Tudo o que exce -
mente merecem aprovação. Em muitas ocas iões, agir com 11,1 esse grau, a despeito de roda a di5tância que pos sa es tar
toda conven iência não exige mais do qu e o grau comum e tl,1 p1.: rfeiçâo abso luta, pa rece digno de aplauso, e o que ficar
ordinário de sensibilidade ou au 1odom ín io que.: p::>ssuem os 11q l1(:m, digno de cens ura.

TEORIA DOS SENn>fENTOS .HORAIS

Dessa mesma maneira julgamos os produtos de todos


artes que se dirige m à imaginação . Quando um crítico ex a-
mina a obra ele qua lquer dos grandes mestres da poesia ou
pimura, por vezes pode examiná-la segundo uma idéia de
perfe ição que fonnou em seu próprio espír ito, à qua l nem SEÇÃO II
essa nem qualquer outra obra humana jamais poderá ak:an-
çaL e enquanto a comparar com esse padrão, na<la pcxlerá
ver senão imperfe içõt:.-,e faltas . Mas se passar a considerar a Dos graus das diversas paixões
pu siçâo que a obra deveria ter entre outra s da mesma espé- compatíveis com a conveniência
cie, necessa riamente a comparará com um padrão muit o di-
ferente, cujo grau de excelênci~1é co mument e alcançado nes-
sa arte específic~, e se a julgar segun do essa nova medida,
pod e rá parecer merecedora do maior apl auso , na medida em
que se aprox ima muito mais da perfeição do que a maioria INTRODUÇÃO
das obras com as quais pode compet ir.
A conve niência de toda a paixão suscitad a por obje to::.
qu e gua rdam uma peculiar rela ção conosco, o grau em que
n especta d o r co nsegue nos acomp anh ar, deve residir. evi-
ill·nLemente, m.nna cerca median ia ( medi ocrity). Se a páixâ o
lor elev ada demais, ou excess ivamente baixa, não poderá
1mr1ilhar dela . Dor e re sse ntimento por infortúnios e ofen-
11,1.~ pe:,soa is, por exemplo 1 podem facilmente ser intensos
d1..·ma is, e par a a maioria dos homens é isso o que ocorre.
l'odc mi 1ambém, aind a que m ais rara mente, ser ba ixos de-
111:iis. Ao excesso chamamos fraqueza ou fúria; ;l falta, estu-
pld c :l, insensibilidad e e ca rênci a de esp lrito . Ot: ne nh um
1ltl., dois pode mos tomar parte, mas ao vê-los ficamo s atôn i-
h 1~e confusos.
Poré m, essa med iania em que cons iste a conv eniên cia é
dlk-rcnte em d iferentes paix ôe!-i.Em algum as é inten sa, baixa
1•1ll outras. Há algumas pa ixões cuja expressão muito intensa
1• Indecente, mes mo na s ocasiões em que se adm ite que não
pm lc mos deixar de se nti-las com gra nd e intensidade. E há
111 11r..1s cujas mais fortes manifestaçõe s são) muitas Yeze::;, ex-
l•~·nwme nte graciosas, aind a que as paixões em si talv ez não
1•j.1rn necessa riament e tão intensa s. As primeiras são as pai-
'-' 1c..·spelas qua is, por algum motivo , há pouca ou nenhuma
11
l111pmia ; as ou tras são as que por outr as razõ es, inspiram-na
1 11mmemenre. E se analisarmos todas as diferentes p aixões
30 TEORIA DOS SENF!J'.fENTOS MORAIS IWIMP.IRA.PARTE :JJ
da natureza hurnana , descob riremos que são cons ideradas de- '11HIC para com o be lo sexo toma um homem desp rezível até
ce ntes ou indecentes na propor ção exa ta da maior o u menor 11wsmo pa ra outros homens.
disposição da huma nidade a simpatiza r com e las. Tmnanha é nossa aversão por todos os ape tites originados
1l11 t'ú rpo, que todas as suas mais fones expressões são repul -
~lv;,s e desag radá ve is. Segundo algun s filósofos ant igos, essas
CAPÍTU LO 1 ..,10 as pa ixões que temos em com um com os animais, e, não
Das pClixões que se originam do corpo lt·ndo ligação com as qualidades próprias da natureza huma-
11,1 cslào, por essa ra1...ão,abaixo da d ign idade h umana. Mas
1. É indece n te expressar com intensidade :.1s p:1ixôes li,1111uita:soutras paLxOes que divid imos com os animais, co -
que se originam de certa situação ou d isposição do corpo, 1110 ressenti men to, afeto natural, até mesmo grntidào, que, por
pois não se pode espe rar que quem eo;tá conosco, não pos- 1••1:-i.1 razão, n ão parecem tão besliai:s. A verdaddra causa da
su indo a mesma dispos ição, simpa tize com elas. Fome inten - 1,•puls~1 carac terística que concebemos em relação aos apet i-
sa. por exemp lo, embora em muitas ocasiões se ja não ape- 11'" do corpo quando os vemos em outros h omens se deve a
nas natu ral, mas inevi tável, é sempre indecente; e comer vo- 11.11) po de rmo s partilhá-las. Para a pessoa que as expe ri.men-
razmenr e é u niversa lmente ,·isto como demonstração de maus
1.1, ., ..,~im que forem sat isfe itas, o objeto q ue as suscitou deixá
modos . Há, entretanto. cena grau de simpat ia at é mesmo com dl• se r agra dáve l; não raro, aré sua p resença _.:; e torn a abjeta:
fome . É agradáve l ver nossos companheiros comerem com bom
111!1 :1em tomo e não vê razão para o encantamento que o ar-
ape tite, e todas as t'Xpn:ssôes de repu l~ são oforo jva~. A
ll'hatou um momen to atrás, e agora partilha de sua próptia
dispos ição do corpo que é comu 1n num homem saudável faz
seu estômago facilmente se ajustar , se me pem1item uma ex - 11 ,lix::lo tão pouco quan to qua lquer outra pessoa. Depois do
pressão tõ.o grossein, com um e não com outro . Podemos sim- 11111 :,r, ordenamos que retirem as travessas ; deve ríamos, pois ,
11,u:u-ela mesma forma os obje tos de noss os ma is ardentes e
p,.1tizar co m a ,1íliçào que ;:i fome exces.siva provo ca, ao ler-
mos sua descrição nos diá rios de um loca l sitiado ou viagem 1p,11 xonados desejos, ou seja, os objetos de pa ixões que se
marítima. Imaginamo- nos na situação dos sofredores, e com 11dj,(lnarn cio co rpo.
isso prontamente concebe mos a dor, o medo, a consternação, Nu domínio dos apet ires do corpo consis te a virtude
que necessariamente os assa ltam . Kós mesmos sent imos cer- 1, h-q uadarn ente chamada Lempernn-;.--a . ;\:lamê-los dentro cios
to grau dess as paixões, e portanto simpat izamos com e las; 1hnhcs prexritos pelo s cu idados r.:0111 sa úde e fonu n a é a
mas como ler essa descr ição nao nos faz sentir fome, nem p, 111c.. · que cabe ô.p rndênc ia. Mas confiná-los dent ro dos limi-
mesmu nesse caso pode -se d izer pmp riamente q ut: nos so li- (1''4exig idos p ela grJça. conveniência, d el icadez a e modést ia 1
darizamos com a fome deles . { nhdo da 1emp eranç; .
O caso é semelh ante qua ndo se trata da paixão pela q ual 2 Pelo mesmo mot ivo , g ritar de do r física, por ma is in-
a natu reza une os dois sexos. Embor-,1 n::itun1lmen re se ja a -11por1ável que seja, parece semp re pouc o viril e adequado.
mai~ impetuosa de rod as as paixões, tod as as suas intensas \.l ,1s cx.iste bastant e so lid ariedade mesmo pela do r física . Se,
man ifestações são sempre indecente s, mesmo entre as pessoas 1 e1m o já comente i, vejo que um golpe está prestes a serdes -
para as quais todas as leis, humanas e divinas, reconh ecem ser h•tldo so bre a perna ou o braço de outra pesso a, natura lmen -
perfe itamente inocente o seu mais completo gozo; embora pa- h l'ncolho e retiro minha própria perna ou b raço; e, quand o
reça have r um certo grau de simpa tia até mesmo para com essa 11 w>lpc finalmente é desfe ri do, d e alg um modo o sinto e e le
paixão. Falar com uma mulher como faríamos com um home m uw ft.:re tanto quanto quem de fato o sofreu. Poré m minha fe-
é mconveniente; espera -se que a compa n hia nos insp ire ma is 1hl:1 é extre mamente leve , e por essa razão se o outro gritar
alegria, m<liS corLesia e mais aten ç ão; e uma tota l insens ibili- 1 h 1l na medida em q ue não posso segu i-lo, nun ca
1.:n1~11111:~me

TfiOKJA DOS SEN71MEN7DS MORAIS l'Nli\f Ell?A PARTE 33


32
deixarei de desprezá- lo . Isso suced e a tcxlas as paix ões que se A dor nunc a prov oca nenhum.:. s impati ~ mu ito viva,
origina m do corpo: n~o inspiram ne nhum a simpa tia , ~u ape: ,, !Ivo se for acompanhada de perig o. Simpatiz amos com o
nas ::i inspiram num grJ.u comp letamente desproÇXJrc1onal a Hll' c.lO, embo ra não com a agonia daquele qu e sofre. P orém,
violência experimentada pelo sofredor . 11med o é uma paix:ão que resu ha inteiramente da imagina -
Algo bem difer en te ocorre com as paixões que se origi- \, IO, a qual represen~a , com um a incerteza e flutua ção que
nam da imaginação . A escrnrura de meu corpo é pou co ~fe- .111111entam nossa ans1eclacle. não o que realmente sentimos,
tada pelas alterações pro vocadas na de meu companhe1 r?; 111 ,1~ o que dorav ant e po.-,sivdmente sofre remos. A gora ou a
mas minha imag inaç ão é mais maleáv el, e assume ma is , 11>I' de dentes, embora pe culiannt:nte do lorosas, inspiram
prontamen te, se posso diz er assim, a forma e configura ção !li >uca sol idariedade ; doenças mais per igosas, c rnb ora cau-
•tt•m rnuito poLJca dor, insp ir am a m aior solida riedad e.
da imaginação daqueles que me sao familiares. Des se rnod~,
uma decepção amo rosa, ou nos neg óci os, provocará ma is Algumas pessoas desma iam e sent e m náu seas ao verem
11111:1 cirurg ia; e a dor física que é causada pel a d ilace ração
simpatia do que o maior dos males físicos . Aquelas paixões
d.1 c arne parece -lhes insp irar ime nsa solidaried ade. Conc e-
se originam inteiram ente da imaginação . A pessoa que per-
1u•mos de manei ra muito mais viva e distint a a d or que pro -
deu toda a sua fortuna, se tiver saúde , nada sentirá no corpo.
11•1k : de uma caus a exte rn a do qu e aque la que se origina de
O que sofre vem só do. imagina ção, que lhe represent a ~
1111 1:1 deso rdem intern a . Quase não posso formar uma idéia
perd a de suo. dignidade, o esq uecimento p<:r p_arte do: an:i-1 - d 1111:,gu nias d e meu pró ximo quando é rorturado pela gota
gos, o d esp rezo de seus inim igos, a d e pend encta, a caren~ia, , 111c·:ílculo s rcnai :;, mas te nho a ma is da ra concep<;ão do
a misé ria que se aprox imam rapidamente. lsso nos faz Slffi- 1p11.· de ve sofrer por causa de uma incisã o , um fer imento o u
patizar mais intensamente com ele , porq u e nossa imag ina- !1.11ur:1.Poré m, a pr incip al causa de tais objetos produzirem
ção mo lda-se mais rap idamente à dele do que no ssos co rpos 1 ld los tão int ensos sohre n ós é a sua novidade. Quem 1es-
se mo ldam ao corpo dele. 1,•1m111h ou uma dúzia de dissecações e igua l núm e ro d e am-
A perda de urna perna pode ser considerada , de modo 11111 ,1_ções assiste a todas as operações desse tipo com gra nde
geral , como uma calamidade mais rea l do q ue a perda de l11dlh.:rcnça, muitas vezes com torai insens ibilidade . Embora te-
uma amante. Seria uma tragéd ia ridícu la, entretamo, aquela 11lw11 os lido, ou visto representadas , ma is de qu inhent:'l.Stragé-
cuja catástrof e dissesse respei to a uma perda desse tipo. Um 11.1..., raramente sentiremos tamanha diminu ição d e nossa sen-
infortúnio como o segu ndo . por mais frívolo que po ssa p are - U11 llc.l,1dt: diante dos objetos que e las nos ap resen tam.
ce r, já foi motivo de vftrias Lragédias excelentes. Em algumas das tragédias grega:; há uma lentativa de
Nada se esq uece tão depressa quanto a dor . No momen- 111 "plr:tr piedade por meio da repre sentação das agonias da
LOem que se vai, toda a agon ia tenni na, e sua lembrança já ,1111 1'1
...ica. Os extre mo s do sofrimento fazem Filoc tctes• gritar
não pode nos causar nenhuma pertu rbação. Então nós f;1e~- 1 ll·...
maiar . Apresentam-nos Hipólito e Hé rcules•• expir~ndo
rnos nã o podemos mais pa rricipar da ansiedade e angust.Ia 1111w rturas tão ime nsas. que nem mesmo a coragem ele
que antes havíam os concebido. U~a pa lavr~ de scu idada d e l l{•rn iles par ece capaz d e supo rta r. Todav ia, em rodos esses
um amigo ocas ionará um descontorco mais d uradouro._ ~ .1~o!i nâ? é a dor Qlle nos interessa, mas alguma o utra cir-
agonia qu e isso cria não te rmina com a pa lavra ._O que ,m- 1111s 1:lnc1a. :.--Jãoé o pé doe nte, mas a solid ão de Filoctet es
cia lmente nos pert urba não é o ob je to do s senndos, mas a •jlll ' 110s afeta e espa lha, po r toda esta enca ntad ora tragédi a,
idé ia da imaginação . Po r ser uma idéia, portanto, o que oca-
sio na nosso desco nfo1to, até que o tempo e o acaso em algu- • f.'i/oc.tetes, de Sófocles. CN. da R. T.)
ma med ida a a pagu em de nossa memór ia, esse pen sa me nto •• I ~ipóll10, de Eurípides, e Trachimae, de Sófocles, respecth·ameme.
cont inua a corroer e ferir por dentro a imaginação . , tl,1 U. I")
34 TEORIA DOS SE:i\'11MEI\/TOS MORA/ ,~ l'l,'IM /:"/l?A PARTE 35

aquele român tico de svario, que tant o agrada à nossa imag i tid!l, ainda qu e se possa admitir que são pe 1fe itamente natu-
nação . As agonias d e Hércules e Hipólito sào interessa ntel'i 1 d~, suscita m po uca simp atia. Pois a imagi nação d o.s homens,
apenas por que antevemos que terão como conseqüê ncia n thin tc.:: n~o _:1-dquirid~ aqL.1e~epend o r particular, não co nsegue
mo rte . Se os heróis pud essem se recup erar , julgaríamos per - 111 111 p.11
~1l_ha-_las; e taIS pa 1xoes, em bora se admi ta que são q ua -
feitam en te ridícula a representação de seus sofrimento s. Qu e 1• lncv 1r.ave1se m algum moment o da vida, são sem pre em

tragédia ser ia aquela cuja ca tástro fe• co nsistisse apenas d e • ,•na m~Jid a rid ículas . Esse é o caso daq ue la forte ligação
uma có lica! No entanto, nenhuma dor é mai s agu da . Essa!i ,pll' n,tluralme nlc: se de senvo lve entre duas pessoas de sexos
tentativas de suscitar a piedade por meio da representação dUt•rc ntcs q u e h á mu ito fixara m seus pensa men tos uma so-
da do r física podem ser consideradas enu·e a5 maiores que- h11:1 o utra. Como nossa imaginação não co rreu pelo mesmo
bras no dec::oro de qu e o teatro gre go deu exemp lo. • .111 :d qu e a do apaix on.1clo, não podemos co mp artilh::tr d:1 ~tn -
A pouca 5lmpatia que se ntimos pela dor físic a é o fun h·dade de suas emoções Se nos!--oam igo foi ofend ido , sim-
<lamen to da propr ieda de da const â ncia e pac iênc ia ao sufX)r- 1i.11l za mos prontamente co m seu ressent iment o, e ficam os ira-
t.í-la. O h o me m que , s ob as m ais int ensas tortu ras, não se..· 1lt 1~ com a mes ma pessoa com que está irado. Se recebeu um
1 u 11<:f
1 ício , comp artilhamos pron ta mente a sua gratidão, e te -
permite nen huma fraque za , nega -se a gemer, n ão manifesta
n enhuma paixão que não possamos compa ,tilha r intei ra- 1111~-. c m alta co nt a o méri to do se u benfe itor. Mas se ele está.
mente, impõe-nos grande admiração . Sua firm eza lhe pe rmi- li1.dxona do , embo ra possamos julgar sua paixão tão razoá-
te segu ir altivo ant e nossa indif eren ça e insens ibilidad e . Ad- \ 1•l qu amo qua lquer outra, nun ca nos senti mos obrig ados a
miramos, acompanhando de par, o esforço m agnâ nim o qu e , , HH·cbcr uma paix ão do mesmo ti po, e pe la mesma pessoa
faz com esse p ropós ito . Aprov amos sua conduta e, por nossa 111 •la qua l ele a con cebeu. A paixã o p arec e a tod os , menos
jl, lt ,I O hom em q ue a sente, intei rame nte des propo rcion al com
experiência da fraqueza com um à natureza hu1;nana, sur-
1 • v.ll or do obje to ; e, embora se perdoe o amor em certa id:1 -
p ree nd e- nos e causa-nos esp anto sua capac idade de ag ir de
modo a merece r aprova~ào . Quando à apro vação vem se iltt, !">O rqu e o sabemos natura l, é se mpr e risível, j 1 que não
soma r e infund ir espanto e surpresa, temos o se ntiment o p,utllha mos d ele. Todas as su as graves e inte nsas exp re ssões
p.11t.·ccm ridículas para u ma terceir a pess oa · e embo ra um
adeq ua d am ente cham ad o de admiração, cuja expressão na -
q 1,lixonado poss a se r bo a companhia pa ra ;ua' am ame não
tum l é o aplauso, como já o bse 1vamos ...
11l· para ninguém ma is. Ele próprio sabe d isso e, na m~dida
11111 q ue pem1anecer só brio. tratará sua p ró pr ia paixão como
111--10 ridí( ulo e: fará lro ça dela . É o ú nlCo est ilo q ue nos inte-
CAPÍTULO II 11•,;:,:1 ouvir, 1:orqllc é o úni co est ilo de que estamos di spostos
Das paixões que se originam de um pendor
' l.11:lr. Enled 1a-nos o gmvc, pedante e prolixo amor de Cow ley
ou hábito particu lar da imaginação 11 l't•lnirat , que jamais se livraram dos exageros da intens idad e

d,• :,;uas relações; mas a ale gria d e Ovídio e a ga lante ria de Ho-
Mesmo as paixões derivada s da imag inação, as que se or i- 1,ldn sào semp re agradáveis .
g inam de um pendor o u h~b ito peculi ar que ela tenha adqui-
Emb ora não sintamos p ropria me nte si mpat ia po r uma li-
K·l\ ,lO desse tipo, embora nem m esmo na imaginação possamos
• "Distress", no or igina l. A catástro fe constitui, segundo Aristó teles , , , 111ccbcr uma paixão por aquela pesso a em especial. contudo
uma das três partes do mito - as outras duas si.o "peripécia' e 'reconheci- 11H1:t vez qu e já co ncebemos ou pod em os estar pred isposto;
11..::mu" - t: n.:krt:-~ a ' uma ação pc:mk~ e do loro sa, como o ,ã o as mor· Mr onc.."e ber paixões do mes mo tipo , pron tamente partil hamos
tcs e m ce na, ;is dor e 1svee ment e- e m:tis caso_,;~ mclh Bntes.~ (Aristóteles,
Poétictt, 1452b; 9; trad. Eudorode Souza). (N. da R.T.) du-. elev ad as es p eranças de felicida d e que a sat isfação dessa
•• TSM, Parte 1, Seçâo l, Cap. IV, pp . 19-20, ( N. da R T.) p,d;,..10 nos ,1c en a, bem c...--o rno daque la intensa aflição qu e a de-

36 1't'OH.1AD05 SEl\·TIMI::NTOS MORAI.'! l'fl'l ,1/FJf?A PARTE 37


cepçio nos faz tem er. Jnteress.i-nos n::io c omo paixão , mas co - 1u 11 vc nlurn uma cena eles.se tipo é ace ira num a tragédia , é sem -
mo uma sit 1.1ação gue proporciona no vas pa ixões q ue nos in - i Ih ', cm certa medid a, impróp ria, e tole ram •na não per sim p a-
teressa m , a saber, espe rança, medo e aflições de todo s os tipos 11, 1 par:i com a paixão qu e expr essa. mas para que a platéia
- do mesmo modo com o, numa d escr ição de viagem maríti • u1k·vc1a , p reoc up-Jda, os pe rigos e dificuldade s que prov avel-
ma , não é a fome que nos interessa , mas a aflição causa da po r 1111·111e cerca m tal amo r.
essa fome. Embora não parlicipemos pro priame nt e do relacio- /\ rese rva que as l~is da socieda de impõem ao belo sexo ,
namen to do ap aixon ado , prontamente acompanhamos as ex - h•v,,ndo em cont a sua fragilidade , apres en ta-o co mo pecu liar-
pectatiYaS de felicidade ro mân tica por q ue ele se deixa levar. 111t•n1c.: sofre do r, e, po r isso mesmo, ma is profundam ente inre-
Sen timos como para o es pír ito é natural, em cen:a situação , 111-.~,1nte . Ficamo s enc amad os com u amo r de Fedra , ral corno
qua ndo a indolência o afroux;1 e a vio lencia d o d t:s~jo o fali- ••' man ifcsla na tragédia francesa d o mesmo nom e, apesa r
ga, as pirar à se ren id ade e qu ietu de , c:spt:rnr encontr á-las na 1 l1•l(Kla extravagâ ncia e c ulpa qu e o cerc am . Pod e-se d ize r qu e

satisfação daquela pai.x: ào que o distrai , e co mpor pa ra si mes - 1 -.-..1 mes ma extrav agâ ncia e cul pa em certa medid a recomc n-

mo a idéia daquela \'ida de tranqüil idad e e retiro bu c.'Õlico s d,1m nos a peç ... 1. O medo de Fed ra, sua vergo nh a, seu re mo r-
que o elegan te , terno e àpaixo nado Tíbulo tanto gosta de de s- 1 j , ~cu horro r, seu desespero , toma m -se com isso mai.<:n:ct turai s
cre ver; uma vicb co mo a que o poeta d esc reve na s llhas clj',I 1· l111 eressanres. Todas as pa ixõ es secun dá rias - se me per m i-•
Fortun a•, uma vida d e am izad e, liberdad e e repouso ; livre de h•m chamá -las ass im - , que surgem da sin 1açâo de am or, tor-
tr.ahalho, de cuidados, e de tcxlas as turbul ent as paL'<ões que 11 ,11n-sc necessariame nte ma is inten sas e vio lent as i e é ape n as
os acompa nha m. Até ce nas dessa eb-pécie n os interessa m mai s 1 e 1m essas pa ixõ es secuncL í rias qu e pode mo s pro priament e
quando pintadas co mo algo q ue se espera do qu e co mo algo ~hilpat izar.
de que se goza. A rudeza dessa pa ixão , qu e ta lvez se mistu - De t0da s as paixões que guardam um a e xtravagant e de s-
re co m o amo r ou seja o fun damento dele , desaparece quan - p1opurção em rela ção a seu s obje tos , o amor é , entre tanto, a
do sua sa tisfação é rem ora e distante; mas torna o rodo ofe n- 1111 k a qu e par ece ) até par a os es p írilos ma is frágeis, te r em si
sivo q uando d escr ito como algo qu e de imed iato s e possui. ,dgo de gracios o e agradáve l: Antc5 de tud o, em b ora possa
1•r' t:m si me smo ridíc ulo , nã o é naturalm ente odioso ; e cm-
Por esse motivo. a pa ix ão fe liz nos interess a muil o mc:no s do
1111r :1 suas con seqüênci as sejam fre qüentemente fatJis e terrí-
que a temeros a e a m e lanc(>lica . Esm.:::mece111osa nte tud o o
que possa de cepc iona r espt::ran ças tão naturais e agradávei s; \1•ls, r:iram e nte su as intenções são ma lévo las. Adei:n a is , e mb o-
e ass im part ilham os de tod a a an siedad e, p reocupa ção e afli- hl na paixã o em si haía pouca prop riedad e, há mui ta em al-
çõ es do apaixonado. l{llmas d as que sem pr e a ac ompan ham . Há no a mor uma for-
Daí qu e . em alguma s tragéd ias e roman ces m cx:lem os , es - 11• 11 1istura d e hum ani d ad e 1 ge ne rosid ade , ix>ndade , am izad e,
sa pa ixão p are ça tão marav ilhos am e nre inte ress ante . Kão é , 11 1ima . paixõ es com as quais, entre tod as as ou tra s, porra -
h k'S qu e serão ex p licadas imediata ment e) tem os a mai or pro-
tanro o amor de Casrália e Monímia q ue nos atra i n o Ó,fãct•,
pt ' ll'ifiO a simp at izar, a desp eito de sabenn os que são em cer-
mas a aflição qu e e sse amor provoca . O a utor qu e ap rese n-
1.1 11 1t.:d ida ex ce ssivas. A simpa tia q ue sentim os por ela s to m a
lasse dois amante s numa ce na d e pe 1feita segur ança , expres -
11wnos desagradáve l a pa ix:â o 4ut: as ao)mpanh a, e nos faz
sand o se u carinh o mútu o, d es p ertaria risos . não simp atia. Se
11prová-la cm nos sa imaginação , ape.sar de tcxlos os vício s que
l111 h 1tualm e me de la se seguem ; emb ora num scx.o nc cess aria-
• ~111ias d a Formna" : m ito da Ant iga Gríx:ia :;ob re: o lug;ir dc,ti nado :ios III cn 1e co ndu za ~ de rrad e ira ruín a e lnfâmia, e no o utro , no
vlrtuows ~lpós l morte . Aí nà o en co ntr3 ri3 m nen hum:i f' <;péc ic de trihulaç..1o
e ca rência . ( N. da R. T.)
•• O órfü o, peça de Thom as Otway. (N. da R T.) • 1(.-'dm, de Racine.
38 TEORIA DOS SENITJ,JEJ
\ 70S MO RAI S l'Uli\lEIRA PARTE 39
q ual se julga seja menos fun esta , quase sempre resulre em in- 1 lcI r':s"'entime nto algo agmdáve l e gracioso , é preciso hu milhá-
capa cidade para o trahalho, negl igênc ia do d eve r, desp rezo lo r lazê-lo ca ir aquém do tom a (JUe nanira lmente se eleva ria.
pela fama e até pela repL1tação co mum. Apesar de tudo isso, Ao mes mo tempo , os homens têm um fo rtíss imo senso
o grau de sensi bilidade e generos idade com que se supõe ve- il ,1:-,o fensas fe itas a o utr em. O vilão d e uma tragédia ou ro-
nha acompanhada torna -a, para mu itos, obje to de vaida de ; e 111;1ncc é ta nto objeto de no ssa indi gnação qu an to o heró i é
gos tam de se mos tra r capazes de sent ir algo q ue não os hon - d1· noss o afeto e simpa tia. De tes tamos lago tanto quanto es-
raria , caso real mente o sent issem . 1h11imos Otelo; e nos d elici amos tanto oom a punição de
Por essa raz ão, ce na reserva é ne cessá ria qua ndo falamos 11111,qua nto sofremos com a desgraça d o outro. Mas embo ra
de nossos próprios amigos, nossos estud os e nossas profis- • 1-. h~)mens tenham u ma tão intensa soli d arieda de par a co m
sões. Nâo podemos esperar que rodos t":>SC::'S
objeto:-iinlere.s.se 1n ,Ih ofensas feitas a seus im 1ãos, nem se mp re se resse ntem de -
nossos compa nheiros no mesmo grau em que in t ere5sam a l.1'1 mais do que o sofredor pare ce fazê-lo . Na ma ior ia das ve-
nós . E é pot carecer dessa reserva que meta de da hu manida de /1'.'I, tanto super ior a sua paciência, sua brand u ra, sua hum a-
é má comp an hia pa ra a outra mcL.1de. Um filósofo só é boa nld,1cle-d esde qu e não pareça lh e faltar inte ligência, o u que
compa nhia para o utr o filós ofo; o membro de um clu be, ap e- .1 rnzao de sua indulgência não ten ha sido o m edo - tanto
na s para seu p equeno gnip o de co m pa nhe iros. 111111:,;intenso será o ressen tim ento com re lação à pess~a q ue·
11 tJÍL'n <leu . A amab ilidad e do ca ráter exaspera o sentido de
,11ndda de da ofensa.
CAPÍTULOIli Mas es5as paixões são com ,ideradas p anes necessá rias
Das paixões insociáveis
dii _carátc r da na tur eza huma na . Uma pessoa que p e1111 a neça
q111~W,submetendo -se a insu ltos, sem tentar repelir ou vin-
Há o utro conjun to de paL'\:Õesque, embora de rivadas da
~11 l()S, pa recerá desp rez íve l. Não p ode mos partilhar de 5ua
imag inação , antes d e pode rmos delas compa rtilhar ou co nsi -
h11l1forença e inse nsibilidade : cha mamos seu comportamento
d erá -las graciosas e adequa das, eleve m semp re se r reduzidas
d1• mesqui nho, e e la nos irrila tanto quan to a inso lência de
a um tom muito mais baixo do que aquele para on de a na tu-
reza indisci p linada as gostar ia de e levar. São elas o ódio e o 1•11~1civersfirio. Mesmo o pov o fica in dig nado vendo qua l-
ressentim ento , com tcx.bs as suas diferenL~ 11iodificações. Com q1u•r home m subm ete r-se pac ientemente a afrontas e exp lo-
rdaçào a lodas essas paixões , nossa s impat ia dividc--se entr e 1,1~:lo. Deseja ve r essa insolência provoca r resse nt ime n to , e
a pess oa que as se nte, e a pessoa que é obj eto delas. Os inte - 11111.: a pe ssoa que a so freu fique ress enti da . Enfur eci do, gr ira-
resses dessas d uas são diretamen te opostos. O que n óss.1 sim- l!w que se de fe nda ou se ving ue . Se finalmente cons egue
patia pela pesso: 1 que as sente nos fa ria dese j~1r,nossa .so lida- d1·spcrtar-lhe a in di~n ação, ap laude-a com ent usiasmo sim-
ried ade pe la outr::i.nos foria temer. Co mo ambos são homens , p,11lzando co1:1 tal co nduta . Isso reforç a sua p rópr ia incÍigna-
::i.mhos nos interessa m; e nosso medo pelo que um de les pos - \ .lo co ntra o inim igo, a quem se regoz ija de ver atacado n a
sa sofrer abafa nosso ressen tim en to por aquilo que o outro Pqliên cia, e fica tão verdade irame nt e reconhecido pela vin-
sofre u. Portanto , nossa simpa tia pelo homem qu e recebeu o in- ~1111~·a - desde qu e não se ja excessiva - , q uanto se fosse e le
sulto necessaria m ent e carece da pa ixão que natura lm ente o 1 vitíma da ofensa.
an ima, não apenas f-X)r essas causas ge rais qu e tornam infe - Mas embora se ad mita a utilidade dessas paixões para o in -
rio res às originais todas as pa ixões so lidá ria s, ma s por aquel a 1Uv1L luo, po is torn am arriscado insultá- lo ou ofe ndê-lo · e em -
causa particular , a sabe r, nossa simpa tia oposta por outra pes- 1111 1;1 sua utilidade para o p úblico, co mo guardiãs da j~tiça e
soa. Po rtanto, mais do que qualq uer outra paixão, para fazer 1l,1tq üidade de sua aclmin istração, não se ja menos cons iderá-

40 1EORJA DOS SENT1MEN70S ~tt ORAI\ ' l'NMJ/.'IRA PARTE 41

vel, como se mostrará d epo is, aind a a s.<.; im há algo de desagra ili ' .1griculrura . Além d isso , seus efeitos re motos, a saú de do
dável nas paixões em si mesmas , que torna sua ma nifestação ·k·nte. são ag radáv eis; mas , co mo se u efe ito ime diato é dor
11,u
em outros homens o bjeto natura l de nossa aversão . A expre~ 1 ,of'rimento, sua visão sem pre nos de sagrada, Instrumentos de
são de ira contra qu alquer pessoa presente, se exceder a me - HlllT l'él.sào agra dáv eis, embo ra seu efe ito imed iato também re-
m insinuação de que pe rcebe mos seu mau trato, é cons ide~ \11k· ro frimenlo e dor. Mas neste caso se trata ela do r e sofr i-

racla não a penas insulto a essa pessoa em pa rti cula r , ma'i 1111 ' nLO ele nossos inimigos, pelos qua is não te mos simpatia .
uma grosse1ia para com todas as demais. O respe ito por elas l ,hi:11110 a nós , estão llnediata me nte relacion ad os às idéias agra-
deve ria ter-nos imped ido de manifestar uma em oção tão im- d,1veis ele coragem , vitór ia e honra . Sup õe -se , po r conseg uin-
pet uosa e ofens iva. São os efe itos remotos de ssa~ pai.."Xõesos 11', que formem um a elas partes mais nobres da indurnent á na
1•, ,u as irnill!ções , um dos mais fmos enfeites da arquit en.tra. O
agradáv eis; os efeitos imediatos são um mal contra a pessrn,
11ll"tlllO oco rr e com as q ualid ade.s d o e~pír ilO. Os amigos es-
a quem se dirigem . Mas é o efeito imediato dos ob jetos, não o
11ikos pensavam que, co n10 o mun do era gove rnad o J'.Jt.:::la pro-
remo to, qt 1e os tom a agraciáve is ou desagradáveis ã imagin a-
çã o. Uma pr isão certa men te é mais úti l 1xi.ra o pú blico do q ue \ ldi:ncia oni poten te de um Deus sábi o, poderoso e bom , cada
um palácio ; e a pessoa que a institu i é gera lmen te mov ida ,•vc.•moisolado deveria ser co ns id erado como p arte necessária
por um esp írito mu ita ma is justo de patriotismo <lo que a4uc:- ln pl,1110do un iverso, e tendendo a promover a ordem e feli(.i-·
la qu e co nstrói o palácio. Mas os e fe itos im edia tos de uma l.ull' ge ral do todo; q u e os vícios e a insensatez cios homens ,
(ltltl:tnto, eram paite tão necessá ria desse plano qu a nto sua s:1-
pr isão , o c:onftnam emo dos <le~graçados aí trancafiados, são
<lt':sa gr adávt:is ; e: a imagi na ção, ou não 5e de dica a bu scar os l1,•doria ou virtud e; e por essa arte eterna que deduz o bem do
remotos, o u o~ enxerga a uma dem asiada d istâ nc ia para ser 111;11, deve riam render igu alm en te para a prospe rida de e p e1fei-
( ,lo do grande sistema ela natureza. Porém , ne n hu m a espe-
po r eles afe tad a. Pott an to , um a pr isão sempre será um o bje to
' 11!açàodesse- tipo , por ma is profu mlamente emaiz.1da que este -
desagradável; e quanto mais adequada for ao pr opós ito a qu e:
.1 no espír ito, pocletia dim in u ir no sso nat ura l horror ao vício
se dest ina , mais des agradáve l será. Um pa lácio , ao con trário,
, ujos efe itos imedia tos são demasiado de stru tivos, e oo rem oto;
semp re se rá ::igrad:ível; m:as se us efe itOS remo tos podem mui-
1!1 ·masiado distantes para qu e a imaginação os encont re .
tas vezes inco modar o p úb lico . Pode se1v ir p,1rn promover }I
Acontece o mesmo co m as paix ões que est am os exam i-
ostentação e dar exemplo de d isso lução d e cos tum es Toda-
1H1ndo . Seus efeitos imedia los sao tão d esagra dáveis q ue,
vi::i, um,i vez que seus efe itos imed iatos, o conforto, o pmze r
111c.·s 1110quando justa a sua cau:,a, ainda a~sim há neles algo
e a aleg ri::idas pessoas que nele vir em . são todos agradáveis e qu e nos repele. Port anto, e5ta5 são as ún icas paixõ1:s cujas
suge rem à im agin ação mil idéias agradáve is, essa fac uldade co - .-:-.pressões, como comente i antes•, não nos pred ispõem nem
mum ent e repous a n eles. e rara m e nte va i além d isso para pro - pn::1x1rampar: 1 co m eb.s simpntiZ1r, antes de sermos infor -
curar suas co nseqüências mais remo tas. Ins tru mentos musi - 111 :ulo.,;;da ca usa que as susc ita. A qu eixosa vo2 d a misér ia.
cais ou de ag ricu ltu ra, imiraclos em pintura ou estuq ue, cons- q11;111do ouv ida à d istânc ia, não [)ermit irá que fiquemos incli~
ticuem e nfeites comuns e agradáve is em nossos vestíb ulos e h·rcn1es quanto à pessoa de quem ela procede . Assim q ue
sa lões de jantar. üm ornato do mes m o tip o, composto de ins- 1h1.. -ga a nossos ouvidos, inte ressamo -nos p ela sorte d essa
trurn entoo drúrg icos, facas pa ra dissecação e ::imputação, ser - pt·~~o~, e, se for continu ada, hà de nos forç ar, q uase inv o-
r-.:1.s
para cona r ossos, o u instrnm e n1os de trepanaçâo etc., seria hmt~mam ente, a correr em se u a uxílio. A visão de um se m-
ab.stirdo e ofensi\"o. Porém, instrumen tos cirúrg icos são se m-
pre mais finame nte burilados e gera lment e mais bem adapta do s
aos propósitos para os quai s se destinam do que ferrnm enla .s • TSi\1, Parte 1, Seçào 1, Cap. 1, p. 8. (N. da K T.)
42 TEORIA DOS SE~TIMEN70S MORA IS l'U/Mt::IRA PAR T'/1 43

bi ante sorri dente, da mesma m aneira , eleva até os hom ens , l)Or vezes muit o c.. urt os, sem se sepa rare m po r pausas regu-
pen sativos pa ra um estad o de espírito aleg re e leve que o htH.'S. Po1tanto , a mús ica p ode imitar qu alque r uma dessas
pred ispõe a simpatiza r com a alegr ia qu e ma n ifesta , com pa r- p.11xc".>es com dificuldade; e a mús ica que rea lmente as imita
tilhando-o; e sente seu cora ção , antes ab atido e enc olhido 11,10 é a mais agradáve l. Uma dive rsão inteira po de cons istir,
com p en samentos e p reoc u paç à es , exp andi r e alvoroçar -se •111 n1 qualque r incon veniência, na imitaçã o d as paixões sociá -
instantane ame nte . Mas é bem difer e nte com as ex pressões \'t•I~ e agradáve is. Seria uma estra nha d ive rsão a qu e consis-
de ódi o e d e ressentim en LO. A vo z rou ca, áspe ra e dissona n- tlh,c inteirame nte em imitações de ó dio e ressen timen to.
te da ira, q uando ouv ida à di stância, inspira -n os medo o u Se essas pa ixões são desag radáve is ao especta dor, não o
aver.:;âo. Não corre mos ao seu enc.:ont ro 1 como para j unLo <lc 10 meno s para a pessoa qu e ·as sente. Ód io e ira sao o mais
'°11
alg uém qu e gr il.:t de agon ia ou dor. Mu lheres e h omens d e pnc.ltroso veneno con tra a felicidade de uma boa alma. No
ner-,os fracos tremem e são do mina dos pel o medo e, em bo ra 111 óprio sentir d essas paixões ex iste algo de rude , desa finado
saiba m qu e não são eles própr ios ob jeto d a ira, concebe m o 1' nrn vuls ivó , a lgó que dilacera e aflige o peilo, e é inte ira-
medo co locando -se no lugar da pessoa que é. Mesmo os ele tlll'lllc d estrut ivo pa ra a compost ura e tra nqü ilidadt:: do espí -
coração mais reso luto fic,im pert urbados;, não ai nda o has- 1ho tão necess ár ia à felicida d e, a qual as paixões contrár ias,
tante para temere m, mas o s uficie nte par a encole rizarem-se; d,· grat idão e amo r, muito mais fazem para prom over. Os bon:
po is a có lera é a paixão que senti riam no luga r da o utra pes- do~o.-,e ge ne rosos não lame ntam tanto o va lo r que perdem
soa . O mes mo acontece com a ód io. !i.· 1e ras express ões de , um :1 perf ídia e ingratidã o daqueles com q uem co nvivem. Se-
ranco r não instigam ning uém senão o hom em que as utiliza.
j,1o que for q ue ten ham pe rd ido, e m ge ral po dem se r mui to
Essas du as paixões são por nat ureza obj etos de nossa ave r-
lt•l1zessem isso . O qu e mais os perturba é a idéia de pe rfídia
são . Sua ap arência desagradável e inqu ieta nunca susci ta,
1 Ingratidão dirigid as con trn e les próp rios; e as paixões dis-
nu nca prepara , e muitas vezes impede a nossa s impat ia. A
-.on:1ntes e des ::tgradáveis q ue isso suscita cons tituem , em sua
do r não tem mais p ode r pa ra com prom eter-nos co m a pes-
soa em qu e a o bserva mos do qut údio e medo, pois haverão 111 (>pria opinião, a parte princip al da ofensa que sofrem .
de 1105 repeli r e afa5ta r dela enqu anto ignora rmos su as cau Quan tas coisas são necessá rias pa ra tornar inteirame nte
sas . A natureza parece ter prete ndid o q ue a s emoções m~is 11J,lradáve l a recompe nsa do ressentiment0. e fazer o especta -
nicles e host is, as qua is afastam os homens uns dos outros, 1lc>rsimpat izar tota lmen te com noss a vingan ça? Antes de tudo,
fosse m mais difícil e ram mente co muni cadas. 11 provocação precisa ser tal que pudéssemos tornar despre-

Qua ndo ,i mús ica imita as modulaç<Ses de dor ou alegria , 11vcís,expostos a perpétuos insu ltos, caso não nos ressen tís-
ou de faro nos insp ira e'5Sas paixões , ou pe lo menos nos põe 1w111os de la em cer ta med ida. Ofensas menores são sempre
no estad a ele espír ito que nos pred ispõe a concebê- las. Mas 111:iis fáceis de neglige nciar; n em existe nada ma is despr e2í-
q uando imita as notas da ira, insp ira-nos med o. Aleg ria, dor, wl do que o humor intrans ige nte e capcioso que se incen-
am or, ad miração, devoção , são tcxJas pa ixões natu ralme nte d1.-·ma qualq uer mín ima ocas ião de briga. Devería mos nos
musica is . Suas ha1m on ias na turais são semp re doces, d a ras e ll'.'i.'iC
ntir mais po r um se nso de conve niência cio ressenti-
melod iosas; e exp ress am -se nan 11d.lmente em perío dos sep a- llH.•nto, po r u m senso que os homens requere m e esperam
rados p o r pausas regu lares, que p::>resse motivo facilmente dl' nós, do que por sen tirmos e m nós as fúrias d essa des a-
se ada ptam aos retornos regu lares das árias correspo nd en tes Hr:id,ível paixao. Nen hum a ou u·a paixao de que o espírito
de uma melod ia. Ao con trário , a \'OZ ela ir.t e a de rodas as humano é ca paz susci ta lanta dú vida q uanto à sua jusle..:a, e
paixões d,1 mes ma família são ásperas e dissonantes. Também 1 l ljíl indu lgc?nda nos le;:va a cons u lLar lào cuidadosam e nte
seus pe riodos são todos irregulares, por vezes m uito longo=i, 110,;sonatural 5enso de con ve niênc ia, e a an alisar tão diligen-

44 TEORJA DOS SE!v71MENTOS .M ORAIS l'NIIINUA PARTE 45

temen te quais serão os sent imentos do espec tad or frio e im 111110a satisfação da pessoa que os expe rimenta , quanto da
parcial. Magnanimidade, ou a consideração por mantermos nos - 1 pu· t: objeto de les. Pois, ass im co mo ser objeto de 6clio e in-

sa próp ria pos ição e d ignidade na soc iedade, é o ú nico mo tivo il111n,1ç ào causa ma is dor do que todo o ma l qu e u m homem
capaz de enobrecer as expressôes dessa desagradáve l pa ixão. 1t 11,1/oso rece ie de seus inimigos, há uma satisfação em sabe r-
Esse motivo deve caracter izar rodo o nosso estilo e co ndu ta, • .\Iludo , o que, pa ra uma pessoa delicada e sens fvel1 é mais
Estes devem ser claros, abeitos e francos; determinad o s sem 1111por1 mc.;para a felicidade d o que tcxlas as vantagens que
.:1
serem obsti nad os , elevados sem serem lnsolen tes; não apenas I" 1d1.·c.;spera r d isso . [ [averá, por acaso, um cará ter tão dt:tt::s-
livres de petulância e vulgar obscenidade, mas generosos , fran- l lvl'l como o de quem sente prazer em semear discó rd ia en -
111• ~1.•usamigos, e co nve rter seu m ais te m o amor e m ód io
cos, plenos de rodas as considerações próprias até mesmo par a
com a pessoa que nos ofende u. Devem transpar ecer, em rt::rn- 1111111:d? E, co ntudo, em que consiste :l a1rocicbd e desse insu l-
mo, t:m todos os nossos hábito:s, ::;t;:m qu e tenha mos de d em an- !•, t.lo de tes táve l? Acaso em privá-los dos frívolos bons ofícios
J1ll' pode riam ter esperado um do outro, se a am izade pros-
da r um afetado esforço para man ifesta r que a paixão não ex •
,•~uisst!? Consiste em privá-los daque la amizade mesma, em
tinguiu nossa humanidade ; e que será co m relrnância , po r nc
!' •nhar-lbes seus mlltuos afe tos q 1. 1e lhes dav am tanta satisfa-
cess idade, por causa das imensas e repet idas provocações que
,lo; cm pem 1rb ar a ha nn on ia de seus corações , pondo termo~
cederemos aos ditames da vingan ça . Q uan do o resse nt ime n-
111lnLcrcâ mbio feliz que até então subsistia entre eles. Esses
to é gu arda do e consi derJ.do dessa maneira, pod e-se adm itir d1•1os, aquela h armon ia, esse inter câmbio, são percebidos
que é até no bre e ge neroso. 11.111 ape nas pelos ho mens ternos t: cleli<.:ados, mas lambém
11'lo:,; rudes e vu lgares, como algo ma is impor tante para a fc-

CAJ'ÍTULO IV
l h ldnde do que todos os pequenos favores que se esperava
1l11N scm de les .
Das paixões sociáwis O sentimento do amor é em si agradáve l à pessoa que o
\JK.'rimenta. Alivia e sossega o pe im. p are ce favorecer os
Assim como uma paixão dividida é o que toma na maio- 111ovim e ntos vita is, e est imu la r a saudável cond ição da cons-
ria das ocasiões todo o con jun to de paixões recém -mencion a- un11 ç:1o humana; e torna-se ainda mais de licioso pel a cons-
d as làO desg raciosas e desagra dáve is, há OLLtru conjunto opo:,- • !1·nc.:iada grati d ão e satisfação que deve provocar naquel e
to a estas, que uma simpat ia dob rada coma quase 5em pre q11c..• (; seu objeto . A a fe ição mllrua deixa ambo.s felizes um
pcc u liannc n lc agradáveis e ad eq uadas . Generosidade, huma - 1r 1111 o oulro, e a sim par ia com es..'-iaafe ição mú tua torna-os
nidade, bondade, co m pa ixão, ~mizade e estima recíproca, ro- IHf,tdáve i.s parn todos o~ d ema is. Com q ue pra zer o lha mos
dos os :1fe1ossac iáve is e benevo lentes, quando expresso..:. no 11111,1fonu1ia em que reinam amor e estima mútuo s, cm q ue pai s
sembla nte ou comportamento, alé mesmo para com aque les • lllhos sào companheiros u ns dos o utros , sem qu alquer ou -
com quem não temos um relacio namento especia l, q u ase se m- t111 difere nça se não a que existe pela re~pe ito.<-aafe ição de
pre agradam ao espectador indiferente . Su a s impat ia com a 111n lado, e bondosa indulgência do o utro; em que liberdade e
pessoa q ue experime nta essas paixões ooincide exatamen te dl•lo . mútuas brincad eiras e bondade , mostra m que nenhum
com sua preo cu pação pe la pessoa qu e é ob jeto de las. O inte- 11 mflito de interesses divide os irmãos, nenhum a rivalidade
resse q ue o homem deve ter pela felicidade des ta ú ltima ani- il,· favores faz d ivergi r as irm.1s1 e em que tud o nos oferece a
ma sua s impatia com os se ntimen Los da outra, cujas emoções h 1\•1 a ele paz , alegria , harmo nia e concentame n tol Ao centrá~
se ocup--J.mdo mes mo ob jeto. Sempr e temos , portanto, ama i~ llo, cu mo nos faz mal entrar numa casa em que a con ten da
fone d ispos ição de simpat izar com os afetos be ne vole ntes. Sob hti:;t il lança uma metade do.">q ue nela vivem co ntra a ou tra;
tcxlos os as pectos nos parecem agradáveis . Compart ilha mos 1,11tk:, enr rc um a b rand ura e com placênci a afe tadas, olha res
46 TEORIA DOS Sl3NTIMElvTOS MORAIS /'Nl\fl:INA PARTE 47
suspe itos e súbitos ron~panres de pa ixão trae m ciúmes recí~ 1, 1n .:lro gmpo de paixõ es. Mesmo qu ando excess ivas, n unCl
procos que ardem dentro deles, e que estão prontos, a cacl,1 h i 1;10 desagradáveis quanto o excess ivo resse ntimen to, por-
momento , a irromper através de todo s os freios imposto.-. •ptt· nen hum a s imp atia oposta jama is pode susc ltar um inre-
pela companhia de outros! 11·"!~\' co ntrário a elas; e mesm o quando mais adequ ada s a
As paixões amáve is, mesm o quando admiLimos que sao 1'11°' objetos, ess as paixões nu nca são tão agradáveis quanto
ex cess ivas , nun ca são vistas com aversão. Há algo agra d áve l t llumarnda de imp arcial e a just a be ne volênciai po rque ne-
mesmo na fraqueza da amizade e da humanidade. Dada a ,d,uma du pla simp atia pode jamais suscita r um interess e fa-
brandura de ::;uas natu rezas, ta~vez à~ vt::zes se contemp le ,1 111lvcl a e las . Existe, por ém, essa diferença entre dor e ale-
mãe Lema demais, o pai d emasi ad o indul gent e, o amigo ex MIl,11 pois gera lmente e.:stamos mais pred ispos tos a simpa tizar
ces.sivamentc generoso e afetuoso com um a es péci e de pie 11 1111 pequen as alegrias e gn1ntle s .:so frim entos . O hom em
dadc, na qual, porém, se mescla a mo r. Mas jamais se rão vis- q111 1 po r Llrna súbita rc Yo lução da fortuna , é a lça do imediara-
tos com ódio ou aversão, exceto pelo ser hum ano mais bru ~ 1m•11h :.'n uma condi ção de vida mui to aci ma da anterior, po-
rnl e indigno. É sempre com preoc upação, com s impatia e.· 111• t'."l:1r certo de qu e nem todas as co ngranibções de seus
lxmdad e, que os cernura mos pela extravagância de seu ape - 1111 1
lhores a migos são inteiramente sinceras. Uma ascensão,
go . Há um desamparo no cará te r da extrema humanidade, dnd:1 que pel os maiores méritos , é geral mente desagrad{lveJ, ·
que interessa mais do que tudo a nossa piedade. Nada há • 1omumente um sentimento de inveja nos impe de de sim-
nesse caráter que o faça desg racioso ou desagradáve l. Ape- p 11i1:1r s inceramente com a aleg ria desse home m. Se ele tiver
nas , lamentam os que seja inadequad o para o mundo , po is o 1p1 ,tlqL1erdisce rniment o, saberá d isso e, em vez de se mo s---
mu ndo é indigno dele, e porqu e deve expo r o home m que 11 11 t'l1fó rlco com sua boa fortuna , e sfo rçar-se-á tanto quanto
o possu i como vítima da pe rfídia e ingratidão da su til falsi- p111k-r pa ra aba far a sua alegria e conter a gra ndeza de esp í-
dade , e a mil dores e desconfortos, dos quais e le, entre to- 11111 que natura lmente lhe ins pirou sua nova situação . Afetará
dos os hom ens, é o menos merecedor, e 4.ue também, entre 1 HI L'Sma simp licidad e no vesti r, a mesma modéstia de com -
todo s os homen s, g~ralmente f:: u menos cap az de suporta r, 111111;1111ento de S l!a situa ç:io anterior. l{edob rarã as atençõ es
Algo bem diferente oco rre com ódio e ressen timen to. Um:1 I' 11,1 com velhos ami gos , e tem ar á, mais cio que nunc a, ser
tendênci a muito fo rte para essas detes táve is paixõ es torna :1. l1n111ll de , diligente e cottês . E este 51,::ráo compo namento que
pessoa objeto d e horror e desgos to universais, e julgamo ,;; 1 ! MW s in1açâo mais aprm·arcmosi po rqu e calvet. e.speremo .s
que de veria ser banido de tod a a sociedade civil, co mo um 1
11wt..·le deva simpatiza r ma is co m nossa inveja e n ossa avcr-
animal selvagem. lr 1 1')ela sua felicidade , d o que nós simpa tizamos com su a
h 11lIdade . É raro que esse es forço ob tenha êxito . Suspe irare-
ttlt ,~ da sinceridade de sua humilda de , e esse embarnço h3
CAPÍTULO V d, 1,nf'im can sá-lo. Então, em pouco tempo esquece rá seus ve-
Daspaixõesegoístas 1111 P, amigos, co m exceção do s mais mesq uinho s, que talvez
i- ,,h1..·m se totn ar se us depe nde ntes : e nunca mais conq'uista-
Além desses do is grnpos o po stos de paixões, as sociá- 1 i novos am igos ; suas novas relaç ões ficarão com o orgu lho
veis e as insocláveis, ex iste outro que oc upa uma espêc ie ó: 11dllo por verem- no co mo seu igual , assim co mo acontece rá
posiç ão intenned iária e ntre eles; nunca é tào gracioso quam o 1 uII seus velhos conh ec idos ao verem que se tornou supe -
ãs vezes é o prime iro grupo , ne m tão o<lioso quan to às vezc:.. llH1 ,1 de:, ; e é preci so a mais obstITTadae pers e,·e ram e ma -
é o seg und o. Do r e alegr ia, quand o co ncebidas de aco rdo l, "tll.1 para expiar essa dupla mortifi cação . Como é de hábi-
com a nossa boa ou má fortuna panic ular, constituem esse 111 , nn muito pouco le mpo ficará aborrecid o e se se ntirá pro-

TEORIA DOS SENI'IMENTOS MORAIS IWWE JRA PAR1'h ' 49


48

vocado, pe lo org ulh o sombrio e desconfi ado de uns, pelo d, " quem lamentam ter estado separad os , e abraçam ma is
desdém insolente de outros, a tratar os primeiros co m negli- 1h·tuosa me nte por causa dessa longa sepa ração .
gência. e os últimos com petulância, até que por fim tamb é m Alg~ bem diverso ocorre com a dor. Pequenas vexações
ele se tome habitual men te inso lente, perden do a estima de: 1110 suscna m sim palia, ao pa sso que profundas aflições pro-
todos. Se, confo rme acredito , a maior paite da felicídade hu \t1ctm -na ime nsame nte . O home m que se abor rece por qua l-
mana surge da consciê ncia de se r amado , essas súbiras mu- 1pwr peq uen o incident e d esagrad ável; qu e se mago a quando
da nças na fortuna raramente cont ribuem muito para a felici - 1 l ozi nheir a o u o mordomo desc umpriram um mínim o arti -
da de. O mais feliz é aque le que avança gradual mc.:: nte até a •1•,de seu de ver; que só percebe dtfe ito na mai s formal po li-
grandeza, cuias passos para a promoção o p úblico antevê mui 1 I,•;,;, :,;ep apre se ntad o a si mesmo ou a qua lquer outra (X!S:,oa _;
to antes de ele a atingir, e em quem, por isso, quando alc~m • tlll ' ~<.·ofende porqu e seu amigo íntimo não lh e deu bom-
\-'á-l a, não despert ará nenhuma alegria extr avag ante, e co m 1 ll.1 quan do se encontrara m pe la manh ã, e seu irmão ca nra-

relação ao qual não possa criar, razoavelmente, nem ciúm1..· 1nlou urn:1 melod ia qwmdo ele próprio es t:Jva contando al-
naque les a qu em supera, nem inveja naquel es a que m de ixou w1111:1 história; que per de o bom humor po rque faz ma u tem-
para trás . j Nl quand o está no campo, ou pe lo mau estado das e.~l'r:-1das
Os homens, co nrudo, simpatizam mais prontam eme com •111a11<.lo em viage m, pe la falta de compa nhia. e monotonia ·
as aleg ri:ls menores que procedem de cau sas me nos impor- d1• iodas diversões pú blicas quando na cidade ; tal pessoa, di -
tantes. É dec e nte ser humilde entr e grande pros pe ridad e; ~t•'• t·mlX>rapossa ter alguma razão, raram ente encontrará mui -
mas, f.X)r outro lado, não conv é m ex pr imir demas iada satisfa- 1 simpat ia. Alegria é uma e moção agradáve l, e co m prazer
ção por todas as pequenas ocorrê ncias da vida co mum 11 entreg amos a ela na men or ocasião. Po rtanto, simpa ti-
1
, ~

pelos am igos t.-om qu e passamos a noite pass a_da , pe la_dive r- .u11osprontame nte com a aleg ria de outras pe ssoas, sem-
são qu e no s foi proporcionad a, pe lo que foi pro fe nd o ou i Ili ' qm: a inve ja não nos pre judique. Mas o sofr ime nto é do -
realizado, por tcd os os pe que nos episód ios da conversa li 11t ,.~o e, ainda qua nd o se Lrata de nosso p róprio infortúnio,
aluai, e todos aqu e les frívolos nadas que pree nchem o vazio 11 1''-l pírito na tu ra lme nt e resiste e afasta-s~ dde . Esforçar-n os-
da vida humana. :"lacta é m ab gr acioso do que o content a· ! 1111 0s para seque r conce bê-lo, ou para nos es quivarm os de le
menta habitu al, sempr e fund ado sobre um encanto pecu\i:u ,,,,1111 que o concebêsse mos . Nossa ave rsão à dor, com efe i-
por tudos os peq uenos praze res qu e os acontec ime nto~ co h 1, t l L'lll sempre nos imped irá de :l expe rimen tarmos por mo -
muns prop orcionam. Simpatizamos prontam eme co m 1ss0'. 111 os muito triviais, mas no s impede cons tante mente de sim-
inspira-nos a mesm ~ alegr ia, e faz cada ninhari a revel ar-se a p.111 1.:11·com a dor de outras pe .,;;soas, quan do causa d~t pelos
nós com o mesmo aspecto agradáv e l com que se apr ese nt:1 111, •o,mos motivos fúteis. Pois resistimos me nos às pa ixões ori-
parn a pessoa dornda dess a feliz disposição . Dond e a juven 1tl11 11I-,que às so lidárias. Além disso, há nos homens um a ma-
tude, estação ela jovialidade, tão facilmente atrair no ssos afetO'-i. 11•111 qL1enão a pen as imp ede tod a a simpatia por peq ue nos
A dispos ição para a a legr ia, que pa rece anim ar os que flores tll'"'"º ntortos, mas de certa mane ira o faz dive rtir-se com
cem, e cintilar nos olhos da juventu de e da be leza, ainda qlll.' 1 11• '1 Daí o de le ite que todos sentimos p ela troça, e a peque-
numa pessoa do mesmo sexo , ex alta até mesmo os idosos a " 1 vc. .-xaçao que obs enramos em nosso compa nheiro q uan do
um esta do de ânimo ma is alegre do que o ord inário. Por um d1 H,dos os lad os recebe emp urrões 1 ape1tões e zo mba rias .
temp o, esquece m de .suas fraqL1ezas, entregando -se às agra ~l1" uno o:, homens qu e primam pe la boa educação disfarçam
dáve is idé ias e emoçõe s das quais há muito es tão dt!sacostu ! dor ,qlle q ua lquer pe queno incideme pode lhes causari e
macios, mas qu e. quan do na prese nça de tanta fe licidade, .n: • 111,11~ prepara dos para a vida social, Yolumariameme, rrans -

toma m ao pe ito e aí se insta lam , co mo um velho conhec ido h 11111;1m todos esse s incide ntes c n1.troça , pois sa be m qu e seus
50 1EORIA DOS SE.JV'rLWE.NTOSMORA/\

compa nheiros farão o mesmo. O háb ito que um homem do SEÇÃO III
mundo adq uiriu, de considemr como os outros observanlo
rudo o que Lhe diz respe ito, faz essas calamidades frívola!-
parecerem para si mesmo tão ridículas como sabe que ct::rta Dos efeitos da prosperidade e da
mente parecer.lo aos oulros .
Ao con tr~rio, nossa simpat ia com a afliç ão p ro fu ndfl (· adversidade sobre o julgamento dos
muito forte e mu ito sincera. É desnecessá rio cb r um exem homens quanto à conveniência da ação;
plo. Choramos até com a rep resentaç-lo fingida de uma trn
géd ia. Por consegu inte, se sofre res por causa de qua lqu<.:1
, ,por que é mais fácil obter sua aprovação
prenúncio de calam idade; se po r algum extraordinário infor- numa situação ma is que em outra
tún io empob receste. adoeceste, caíste em desgraça ou de
cepcio naste; mesmo que em parte a culpa seja tua , ainda as-
sim, em geral podes depe nder da mais sincera si~ ~a lia <ll'
todos os teus am igos, e, na medida em que o pen rnt1rem os CAPITULO I
interesses da honra, também poderás con1ar com sua rnai~ f /,u • embora nossa s1mpatía pelo sofrimento seja gera lmente
bondosa ajuda . Mas se o teu infortún io não for assim tão te1 lllllfl sensação mais viva que nossa simpatia pela a(egria , é
rível se apenas tiv~t1: tua am.biçâo urn po uco fn.15trada,::;<.· p,u ,l!,c:ral
muito menos Intensa que a naturalmente sentida
ape~a ·s foste repud iado pela tua amante , ou se tua ~spos:1 pe la pessoa diretamente atingida
manda em ti, aguarda a troça de todos os teus conhec idos
1\fa is atenção se tem dedicado a nossa simpatia pelo so-
ldnh:nto, embora não seja mais real que nos.sa silnpatia pela
d,•w ia. A palavra simpatio, em seu significado mais apropria-
1111 l ' 0 1igi na l, denota nossa solida riedade (jellówfeeling) pa -
• 1 cnm os sofr imentos, e não para com as alegrias de outros .
1·111 f:ilecido filósofo, talentoso e .suril, co nsiderou necessãr io
111ovmpor argumentos que sen tíamos uma real simpatia p a ra
1 rnn a alegria, e que a congratulação era um princípio da na-

1111t.·z:, humana•. Ninguém, segundo creio, jamais considerou


1wn ·•;sário provar que a compaixão também o era.
Primeiro de tudo, nossa simpat ia pelo sofrimento é em
, 1111 0 sentido ma is universal do que a simpat ia pe la alegria.
1,nlx:>ra o sofrimento seja ex cessivo, ainda podemos senti r
11,11de alguma solidariedade. Na verdade, o que sentimos nes-
1• caso não equiva le a uma completa simpat ia, àquela per-

• n,.-.;1, 0 rdo O'lm Raphacl e ~facfie , editores da vers:io pub licada pel: 1
t h l1nd Univcrsity Press, pmvavelme nrc Smith está-se referindo a uma pas-
1u de Fiftee,z Sennons (Qu inze sermões), de Joseph Butler,obra de
1,11·
t 'I.! . ( N. da R. T.)

52 TEORIA DOS SE.iV71,11.E,'v70S.MORAIS

feita harmonia e reciproc idade de sent imentos que constilul


IWIMFJRA PARTE

n w frimento deve ser mu ito forte, e nossa inclinação para



a aprova ção. Não soluçamos com o sofredor , nem exclam :1- ~lmpatizar com a alegria, muito fraca.
mos ou lamen tamos sua sorte. Ao contrár io, somos scnsíveb Apesar desse preco nceito, porém, atrevo-me a afirmar
à sua debilidade e à extravagância da sua p aixão, mas ao mes que, quand o o caso não inspira inveja, nossa 1endência a sim-
mo temf.X)experimentamos uma preocupa ção muito sensa t:1 p:11izarcom a alegria é muito mais forte do que a simpatizar
para com ele. Porém , se nào participamos inteirame nte da ,·o m o sofrimen to; e que nossa solidarieda de pela emoção
alegria de um o u lrO, se nem mesmo somos capazes de acorn ,,gradável se aproxim a muito ma is da vivacidade do que na -
panhá -la não sentirnus por ela aquela espécie de considera
1 111r:1\mente sentem as pesso as diretamente atingidas, do que
ção e de solidariedade . O homem que salta e dança aqu i t' 11 que conceb emos pela dolorosa.
ali com aquela olegria deste mpernda e insensa t a que não po Temos alguma lo lerância pela dor excess iva de que não
demos acompan J1ar é objeto de nosso desprezo e indignação. 1 onscgu imos compa rtilhar inteiram ente. Sabemos que um
Ademais , seja do espírito ou do co 1po , a do r é urna -.en prod igioso C◊ÍOI")-'O é n ccc!.i-SÚrio ,mt és de o oofrcdor harmoni-
saçào mais pungente do que o prazer, e nossa solidariedadl' 1.1r suas emoções às do espectador. Embora fracasse, porta n-
com a dor. emboraseja inferiorao que naturalmente o sofre, 111, fodl menre lhe perdo::amos. i\fos n~o temos tal indu lgê ncia
dor sente, é em geral uma percepçào mais viva e distinta do p,n:1 com a inte mperança d, alegria, po is não temo s cons -·
que a nossa simpatia pe lo prazer , embora, como passa rei a 1ll·ncia de serem necessários qua isquer vastos esforços para o
demo nstrar em seguida, esta última se ap roxime mais da na 11,11.e rem a um nível em que poss amos compart ilhá-la. O ho-
tura l vivacidade da pa ixão original. 1111 .:111que, diante das maiores calamidades, é capaz de con-
Acima de tudo, freqüen temente lutamos pa ra ini bir nos• 11olarseu sofrimento parece digno da mais elevada admiração;
sa simpatia pelo sofrimen10 alheio. Sempre que nào estamos 111,1<;quem, na plenitude da prosperidade , também é capaz de
sob o olhar cio sofredor, tentamos parJ. nosso próprio bem dominar sua a leg ria cUficilmenre p a recerá digno de louvor. Per-
suprimi- la o mais poss ível, e nem sempre somos bem-suo.:• 1 d x:mos que nu m caso o i111erva lo entre o que naturalmente
didos . A opos ição que fazemos a essa .simpatia, e a relutân - 1( 1 •me.; a pessoa d iretamente atingida e o que o espectador po-
cia com que nos re n de m os a ela , nec essariame nte nos ob ri dl' acomp anh ar inteirament e é muito ma ior.
gam a pre st:lr-lhe uma aten ção mois particubr . Mas nunca O que falta à felicidade cio homem saudá vel , que não
temos oportu nidade de exerce r essa opos ição sobre a solida pot"iui dívidas, e tem a consciência limpa? Pode-se dizer ade-
riedade pela alegri.1. Se o caso chí ensejo -.1 inveja, nun ca sen- 1111ad::1mente que para alguém nessas cond ições todo acrésci-
timos a menor tendência para a solidariedade; do contrário, 1110 de forwna é supéríluo ; e se graças a esse ac réscimo um
cedemos a ela sem qua lquer relutância. Inve rsamente, já qu(• lu unc·m vier a se disting uir muito cios de mais i.sso se deverá
sempre nos envergo nha nossa próp ría inveja, freqüenteme n 1 mai~ frívola leviandade . Porém, esta situação pode mui to
te pretendemos, e por ve2es realtneme desejamos, simpatizai 111 •m ser cons iderada o estado natural e comum ela humani-
com a alegria de ou1ro.s, quando então esse sentimento desa d,ulc. f\!âo obstante a miséria e depravação do mundo atual ,
gradáve l vem nos inabilitar. Dizemos que ficamos contentes 1h>justamente lamentada, este é realmente o estado da maio-
por causa da boa sorte do nosso próximo, quando talve2 em 1! 1 dos homens. Por conseguinte, a maioria deles não enco n-
nos.sos corações estejamos de fato tristes. Segu idamente se n- l 111dificuldad e alguma em ascender a toda a alegria que
timos simpatia com o sofrimento, qua ndo desejaríamos nos 1p1.llquer acréscimo a essa situação pod e muito bem provo-
livrar dele, e muita:, vele:, não a sen tünos pela alegria qua n 1 .1r l' lll seu s companhei ros .
do gostaríamos de tê- la. Logo, ocorre-nos naturalmente, co- Ma:,, embora pouco se possa acrescentar a esse estado,
mo observação óbv ia, que nossa tendê ncia a simpa tizar com 11111110 dde .'ie pode subtr air. Embora ent re essa condição e o
54 rE0RJA DOS SE!V-flME.NTOS MORAIS l 1JU\ll :1N.A PAJ(}F,;

áp ice da prosperidade human a o interva lo seja apenas um :1 111111medo e hesitaçào: até dissimu la pa ne de la e, JX>rser tão
ninharia, entre isso e o mais baixo nível de miséria a distân - d11m o coração dos homens, envergonha-se de dar vazão à p le-
cia é imensa e prcx:ligiosa. Por essa razão, a adversidade ne· 11 l.k: de seu sofrimento. O inverso ocorre com o hom em que
l111
cessariamente lança o espírito elo sofredor para muito mais 1 lunja alegria e sucesso . Sempre que a inveja não nos im-
baixo d o seu estado natu ral, do que a prosperidade é ca paz pl'll' contra ele, espera de nós a mais com plet a sim patia. Não
de e levá -lo acima desse es tado. O espectado r deve , pois, jul- t11111..·1 portanto, anunciar a alegr ia com .gritos de ex ulLação,
gar muit o mais d1fkil simpatizar inteiramente com~ sua infe- lllll' lrmneme confiante de es1annos s incera mente dispostos a
licidade, e aco mp anhar .sua cadência, do 4ue parulha r com- 11 on1panhá-lo .
p letame nte de sua alegr ia, e deve afast ar-se de seu natural ~· l'o r q u e nos enver gonh aria mais chora r do que rir dian-
com um estado de espírito ma is nu m caso cio que em outro. lo do~ outros? Freqüenteme nle nos vemos num a .situação
Daí porque, embora nossa simp atia com a infelicidade seja 1, ,d c m que somos capazes tanto de um quan to de outro;
mu itas vezes uma sensação mais pungente do que a s impa- .1t1sempre
111 percebemos que os espectadores mais provavel-
tia com a alegria. sempre lhe falta a intensidade do que natu 1•111e nos
111 .1companha rão na emoção agradáve l do que na
ra lmente sente a pessoa diretamente atingida. .li 1l11rosa. É semp re dep lorável que ixar-se, mesm o quand o
É agradáve l simpatizar com a a legria; e semp re que a in• 111'" oprimem as mais terríveis calamidades . Mas o triun fo da -
veja não se oponha a is.so, nosso cor.Jçào ent rega-se com Uori:1 nem sempre é des gracioso . Na verdade, a pnidência
satisfação aos mais e levados transportes dessa emoção en ~ lt1•qOcmemente nos aconse lharia a ostenta r com mais mode-
cantadora . Mas é doloroso aco mpanh ar a dor, e sempre dela 1,1\; lo nossa pros perid ade, porque a prudência nos ensinaria
partilhamos com relutância 1 . Quando assistimos à represen 1 1•vitar a inveja que, ma is do que tudo , esse mesmo triunfo
Lação d e uma tra géd ia, lutamo.:; o qu anto podemos cont ra l1·11d c a susc itar.
esse sofrimento solidário que a diver5âo insp ira e cedemos ~1 Quão entusiást icas, num triunfo ou solenidade públ ica,
ele, finalmente, apen~s quando j5 não é ma is possíve l evitá 111111damaçôes da m uhith1o, que jamais de mo nstra inveja pe-
lo . Mesmo então, tentamos esconder dos comp:rnhe iros O ().'-. 1,1•1 ~t 1pe rio res! E como é , habinia lmen te , calma e moderada
sa inquietação. Se derramamos algumas lágrimas, oa J!tamo th l dor diante de urna e xecução ] Nosso sofr imento num fu-
las cuidadosamente, e tememos que os especta dor es, não par 11111,11 1,tera lmente n::io passa de gravidad e afetad a; mas n o5sa
tilhanclo dessa excessiva ternura, atribuam-nas à e fem inação k lkk b<le num batizado ou casament o vem semp re do co ra-
e fraqueza . O desgraçado cujos infortúnios provocam noss:1 ~ ,lo e se m afetação alguma _ Nessas e em rod:-1.s :-1.socas iões
compaixão sente com que relutância provav elme nte partilha .il,•grcs. nossa satisfação, embora não tão duradoura , é fre-
remo s de seu sofrimento , e por isso apres enta-nos sua do1 qn,,111 cmente tão viva quanto a das pessoas diretamen te e n-
' • 11v ldas. Sempre que congrntulamos cordialmente nossos ami-
1 Obje tam-me ql1e, na medida em que fundamen to sobre a simpath1 1111,,o que , para desgra ça da natureza human a, raramente fa-
o sentimento de aprovação , o qual é sempre agradáve l, admitir qua lquc.. ·t 1 111 0s. a alegria deles litera lmente se toma nossa . Nesse mo -
simpath desagradáve l .seria incons isten te com o meu sistema. A isso, rés 11 11111 0 estamos tão felizes quanto eles; nosso coração incha e
pondo qvc há dO,:s aspe ctos a cons idcnu no sentime nto de aprovação , prl
11,111 ,;ho rcla de prazer real; aleg ria e com placência cintilam em
me iro. a paíxão solid51•iado er,pecra~ r; ~gu ndo , a emoçil.o susc it~da nu
espec tado r, ao observar a perfe11a rec1proc1dade entre su~ paixão sol!?firi:i 1• 1111•,<,;os olhos, animando cada traço d e nosso semb lante e ca-
a paixão or igina! da pessoa princ ipalmente afetada , Esta ulttma emoçao, em ·sto de nosso co rpo.
d 11 1,tf..
q1.1c consi:1:c propr iamente o sentimento de aprova ção, é :icmpn.:::'lgr.:idóvt'I Ao cont rário, po rém, quando nos comr:x:1.<.kcemosde nos-
e deliciosa. A ou tra tanto pode ser agrad ,hel. quanto des agrad .'!veL de aco1
do com a natureza da paixão original, cujos traços deve sempre cm algum.1
11•1.1111 igos em sua~ aflições, quão pouco .sentimos em com-
medida reter. l'·u .u,;ao ao que eles sentem ! Sentamo -nos ao seu lado, olha -

56 iEORJA DOS SEl'v71MEt,,.'TQSMORAIS l'WM IHl?A PARTE 57


mos para eles, e enquanto nos re latam as circunstâncias de Hd 11il'd acle e aprov ação compl etas vem se soma r e infundir
seu infortúnio, escutamos com grav idade e atenção . Mas, en - 111prcsa e assom b ro , temos o que se denom ina propr iamen-
quanto as explosões naturais da pa ixão, que freqüe nteme nte 1' ,1d111ira
ção, como já se observou mais de uma vez. Rodeado
parecem sufoc á-los, interrompem sua narrativa a todo mo - di· lriimigos por todos os lados , incapaz de res istir, mas ao
mento, as lânguidas emoções de nossos corações estão lon- 1111smo 1empo desdenhando submeter-se a eles, Catão man-
ge de segu ir a mesma direção ele ta is transportes ! Ao mes mo 11•1 11-sc irredutí vel, graças às orgulhosas máximas da quele
tempo, s01nos capa;,,:~sde perceber que .sua paixao é nan1ral, t11111 po, à necess idade de des truir a si mesmo; p9rém. jamais
não maior do que aquela que nós mes mos .sentiliam os e m 1 H.'t ra i diante dos infortún ios , jama is suplica com a lamen-
ocas ião seme lhante. Podemos censura r-nos interna men te po r 1,l \'t'I voz da desgraça as lágrimas m isera ndas de simpatia
falta de sens ibilidade, e talvez, por essa razão , consigamos q1w ~cmpre estamos tão po uco dispostas a conceder, ao con -
com esfo rço manifestar uma so lidariedade artificbl , que, po 11,lrlo , arma-se de fortaleza viril e, no momento antes de exe-
rém, quando trazida à luz, é se mpre a menos inten sa e dura- • 111,u-sua decisão falai , dá com a sua trnnqüilidade hab ltua l co-
do ura que se PoSsa imag inar: e. geralment e , assim que .sa í- 1 l.1/l ;1.-. ordens necessárias parJ. segura nça de seus antigos: assim
mos do quano, desaparecee se vai para sempre. Parece que , 1 t c.:vd a a Sêneca 1 es te gra nde pregador da insensibilidade,
a narureza, quando nos sobrecarregou de nossas próp rias 1111 1 L'~ !">el:.Í.
culo que até os própr ios deus es contempla riam com·
dor es , julgou-as suficientes e por consegu inte não nos orde - 111.1zc r e admiraç:to• .
nou que tomássemos parte nas alheias ma is do que o neces- Se mpre qu e e nco nt ramos, na vida comum, exemp los de
sário para nos incitar a serená -las.
111 1 heróica magnanim idade ficamos extremamenre ::ife r::idos.
É por causa desse embotam ento da sensibilidad e para
1'il.11n o s mais do que inclinados a chorar e derramar l(ig rimas
com as aflições alheias que a magnanimidade em me io a gran~ p1•los ql 1e , dessa mane ira, parecem sent ir tanto por si mes-
detó catástrofes pa rece sempre cio divinamente graciosa . É
111 ns quant o pelos que dão vazão a toda a fraque za do sofri-
gentil e agradável a po~lura de quem consegue manter-se ale-
1111'nl o; e nesse caso particular, a dor solicl1ria do espectador
gre em m eio a uma série de desastres frívolos . Mas parect:
mais do que mo1t~I quem consegue supo rtar da mesma ma- p,m·cc ir além da paixão or iginal na pessoa diretamente atin-
neira as mais terríveis calam idades. Sentimos que um imenso 11!1 ~1. Todos os amigos de Sócrates chora ram quando ele
esforço é necessfirio para silenciar as violen tas e moções que: l 11•hla a poção derradeira , embora ele própri o exp res.sasse a
natura lme nte agitam e pert urbam quem se enco nrra nessa si- 111 .lls alegre e contente tranqüilid ade **. Em todas essas oca -
tuação. Admira-nos que esse homem ten ha sobre s i taman ho hws ne nhum esforço faz o espeaa dor , nem tem ocasião de
l ,l t:l' I', para co ntrolar seu so lidário sofrimento. Nâo teme ser
domínio. Ao mesmo temp o, sua firmeza co incide perfe ita
mente com noss a inse nsibilidade . Não exige de nós aq uele h •v,1do a fazer algo extravagante ou imprópri o; e stá, ames ,
11 u11 c nte com a sensibilidade ele se u coração, e demonstra
e xtraord inário grau de sensibilidade que descob rimos, e fica
mos mortificados ao desco brir, não pos.suir. Existe a mais per- l'l'IO cum comp lacência e auto-aprovaçao. Com prazer permi-

feita co rrespondên cia entre os seus sent imentos e os nosso:,; 11 ~L', po rtan to, a.:;mais melancólic a.:;visões que podem lhe
e, por isso, a mais perfeita conve niência em seu compom 1 11orn .:r naturalmente quanto à calamidade de .seu amigo,
memo . Adema is, trata-se de uma con veniênc ia que, por nos 1u•I(, qual talvez nunca renha .sentido com tanta intensidade a
sa expe rií?ncia da usual fraqueza da narureza humana, mio 11trl:l e chorosa puixão do a mor. Mas algo bem diverso succ-
poderíamos espera r, se nsat amente , que mantivetó.se.Imagina ·
mos, atô nitos e surpresos, a for ça de espíri to capaz de um
esforço tão nobre e generoso. Quando ao se nt im ento de .so· • Séneca, De Pmv iden tia (Diálogos, Livro O, ii. 9. ([\\ da R T.)
•• Platão , Fédon , 117 b-e. (N. da R. T.)
58 TEORJA DO S SE!VT!MEJ\"TOS M ONA/,\ IWH/IJJRAPAR77J 59

d e à pessoa d ire tament e atingida . Esta é obr igada o mais p0~ 11•rgo nha que pe la do r; e a deso nra qu e assi m lan çava sob re
~ível a afasta r se u o lho de tud o qu e seja natura lmente terrívd 11mesmo lhes p are cer ia a circu n stân cia mais la ment áve l e m
o u desagradá ve l em sua situação . Receia que u m cuidado u inf011únio . Como ficou desg raçada a me mó ria do intré pi-
~, 1

de masiado sé rio co m essas circuns tâncias poder ia lhe caus:11 ,lo Duque de Biron•, qu e ramas vezes desa fia ra a morte no
u ma impre ssão tão viole nta qu e já não con seg u iria man te r-se.• 11111pode bata lha, mas cho rou no cadafalso ao ver o qua nto
dentro cios lim ites da mod eração , ou torna r-se o bjeto da co m Ul'Umbira, e ao re cordar os favores e g lória dos q ua is tão
p leta simp atia e apro vação dos espe ctadores . Fixa, poi s, seu~ 1,,fonunad ame nre sua própria impmdê ncia o arrancara !
pe nsamentos nas circu nstâncias agradáveis , o a plauso e adm l
1·ação d e que se rá di gno pd a ht::rúi c:a grandeza <le seu cuu 1
po rtamc nto . Sentir que é ca paz d e esfo rço tão nob re e gclil..· CAPÍT ULO II
ro sa , se ntir que em sua terrível siruação aind a pode agir co m( 1 Da o t,gem da amb ição e da distin çã o social
dese jaria, an ima e arreb ata-o d e alegria, torn ando -o ca paz d~·
su p ortar a triunfant e alegr ia q ue p arece ex ultar pela vitó ri:1 í::po rque o s homen s estão dispos tos a simpatiza r ma is
que ass im oh 1ém sob re seus infort ún ios. Ao co nt rário , se m 1 omple tam ente com nossa alegr ia do qu e co m nossa dor .
pre parece em cerra med ida mesqu inho e d espre zível aq ue que ex ibim os no ssa riqu eza e esconde mos no ssa po b reza.
le que mergu lha em sofrimento e dep ressão po r q ua lque r c 1 Nada mo rtifica mais do que sermos obr ig ados a ex po r nossa
lamidad e pessoa l. So mos incapaz e s d e se nt ir por ele o Qll l ' 1IH\:ão aos olhos do púb lico , e a sentir qu e, eml:xJfa nossa si-
e le sente por si próp rio, e que talvez sentísse mos por nós , Sl' Hmç:1oesteja expo sta aos olho s ele toda a h umanid ade , ne-
estivéssemo s na sua s ituação . Portanto o desprezam os injus• tihum mort al é cap az ele co nceber um po uco qu e seja de
tame nte, talve z, se for po ssível co nsiderar injus to qu alqu er 110~-;osofr ime nto. Ma is ainda, é sobretudo por co nsiderar -
sentime nto para o qu al a n atur e za no s d ete rminou ele mod o 1110:. O!> sent irnem os cJa hu manid ade qu e persegu imos a ri-

irres istível. A fraqu eza d o so frimen to nun ca pa rece agra dãvcl rp1<:za e evita mos a pobr e za . Pois qua l o pro pós ito de to da a
so b ne nh um aspe Clo , exct:10 quando St': origin a d o que sen l,dm1 e todo o torvelin ho des te mun do? Qu al a finalidade da
li mo::; po r o utro :s rnab do que p or n OO própr io5. Um fil ho, ,w:1reza e amb ição, da busc a d e fornma, po der e p reem inê n-
1 Li? Será pa ra supr ir as nece s.i;id~1
d es da natu reza? Os sa lários
d iante da morte de u m pa i indu lge nte e re~pcitá vcl 1 pode da r
vazão à do r se m ha ver mu ito do que se envergo n har. Seu so do mais hum ilde trabal hado r po de m sup ri-las. Vemos que lhe
frimenlo fundame nta-se profun damente nu ma espéc ie de soli proporcio n am co mida e rou pa , o conforto de u ma casa e de
d ariedade pelo pai falecido ; e pa rtilham os pront ame nte d es- 11mafamília . Se examina rmos sua eco no mia co m rigor, d esco -
sa emoÇ"JOhum ana. Mas, se ele se p e rrnitisse a mes ma fr-i- hrlre mos qu e gas1a grande parte desses salá rios com confor-
q ueza por qu alq uer infortú nio qu e tão-so me nte o afetasse, j f1 h >!'>q L1epodem se r co nside rados supé rfluos, e que, em oca-
não enco ntraria tal indu lgên c ia. Se fosse re du zido à mencli- ~1ocs extmo rdinárias, pode até per mitir-se vaidade e d istin-
\ ,u,, Qual então a causa de no ssa aversao po r sua siru açao , e
câ ncia e ruín a, ficasse ex po sto aos ma is terríve is p erigos, a in-
d a qu e fosse levado à exec ução pú b lica e lá de rramasse u ma por que 05 que foram edu cad os nas orde n:s mais alla~ da
só lágrima no cad afalso, ficar ia desgraç ado para sem p re na
,·kl,1consid eram p io r do qu e a mo rte ser red u zido a v ive r,
o pin ilio da pa rte ge ne rosa e gala nte d a h uman idade . Embora
a co mp aixão desta fosse int ensa e muito since ra, ainda assim • Clrnrles de Gon taut (1562- 1602). Fo i agraciado com o título ele Du-
~e ressenti ria dessa excessiva fraqueza , e por isso nao pe rdoa- l(llt'd1.:Biron e Marechal da Fr.i.nça por Henri que IV, po r su :1corngcm. Mais
ria o home m que se exp usess e dessa ma neira aos olhos do 101k, toi acusado de craição. e execu tado em 31 de ju lho de 1602. (N. da
mun do . O compo rtamento d.d e afeta ria os o uLro.s m ais pela I! I' )

60 TEORIA D OS SENTlMEATOS M OI/Al ,\ l'IUMElRA PA NTE 61


mesmo sem traba lhar, do mesmo simp les mod o d ele , morar 1111H;e com a inso lê ncia de sse farrapo h uma no , q ue se arre--
sob o mes mo te to reb aixad o, ve stir-se co m o s mes mos traje,.., \1' a aprese ntar-se pe rant e eles, e com o od ioso aspec to de
hum ildes? lmag inam que num palácio se u estômag o é me ~1111miséria que, pre:;u me m, irá pe rturb ar su a sere n a felicida-
U1or, seu sonh o mais calmo, que numa choup a na? Observo u d1•, O ho mem d e hon ra e d istinção , ao contrário, é notado
se muitas vezes o cont rár io, e na verdade é tão óbvio qw.:, p1,nodos . Todos anseiam po r contemp lá-lo, e conceber, pelo
mesmo .se nu nca fosse obser vado, ningué m o ign ora ria . POJN 11wno8po r .,imp alia a alegr ia e ex ulcaç:lo que su as con cli-
1

de onde, então, origina-se essa e mu lação que pe rpassa rodns ,,d1·s naturalmen te insp iram. Suas ações são ob jeto de ate n-
as diferent es ord ens de homens , e a que benefícios aspira \. 111 púb lica . Dificilme nte lhe es ca pem um ges to u u uma pa -
mos com esse grande propós iw da vid a hu mana a q ue ch,1 l 1vr,1 que passem des p erceb ido s. Num a gra nde reun ião , é a
mamos melhora r n055a co nd ição? Ser no tad o, servid o, tra rn p1•s~oa p2.ra a qu al todos dir igem se us olh ares; tod as as pa i-
do com simp atia, comp lacência e aprovação, são rod os o~ i il'°' alhe ias pa rece m espernr po r ele com exp ectativa , a fim

bene fícios a q ue pocl emos asp irar. É a vaid ade, não o be m d,• receberem o mov ime nto e d ireç:'.io qu e el e lhe s imp rim i-
esta r ou prazer qu e nos interess a . Mas a va idade semp re .'-t ' t !, l' caso se u comportamento não seja intei rame nte abs ur-
fund~ sohr e a cre nç~ de que somos objeto de ate nção t' 1111,terá a cada mo mento a ocas ião de interessar os de mais
1 !ornar-se objeto d a obseniaçào e so lida rieda d e de tod o~•
ap rovação . O hom em rico jacta-se de sua riq ueza, por qu t'
sente qu e naru ralmenre isso dirige so bre s i a ate nção do mu n •11wo cercam . É isso q ue, não à bstan te as restriçõe s a ele im-
do, e q ue os h omens estão dispos tos a aceder a tod as ,ti', 1•1 ,.,1:is, não obsta nte a co nseqü ente p erda de lib erdade, con -
emoções agradáve is co m qu e os be nefíetos ele sua situação o 11111· grandeza ao o bjeto de inveja, e comp e nsa na op inião
cob re m tão p ro nta mente . Ao mero pe n sam ento disso, seu !ln~ homens todas as famas, toda s as ansiedade s, to das essas
coração pa rece inchar e dilata r-se . e, por est a razâo, aprecia twinlficações a que de ve se sub meter q ue m busca a aten ção
ainda mais su a riqueza do q ue po r tod os os de mais be nc f1 1111,1I. E, o que é ain<la mais grave , essa aqu isiçâo o faz pe r-
1

cios que lhe pro p orc iona . O homem p ob re, ao co ntrário, d. 1 o d ireito a todo o ócio, toda a Lranqü ilidade , toda a de s-
envergon ha-se de sua pob reza . Semt: q ue o u e.ssa .silUação o 111•11{'upa da seg u ra n ça.
co loca fora ela vista da~ pc:5soa.s,ou que, se o pe rcebem, tê m Ao exam inarmos ~1 cond ição dos home ns em in e nt es sc -
q uase nen huma solid arieda d e para com a miséria e afliçiio 111 11,do as e nganosas core s em qu e a im::i gin açâo a p inta,
de q ue é vítima . Sente -se mo1tificado pelos dois rnotivos 1
1 ul<'e -nos qu ase ~ idé ia abstra ta d e urn a cond ição pe ife ita e
pois, em bora .ser neg ligenciad o e d esap rovado s eja in teira h llt:, É a con d ição q ue, q uand o son hamos despe rtos ou de -
men te d istinto, do mesmo modo com o :1 obs cu ridade nw, illl'amos à toa. en trevemos corno o propós ito final d e rodos
ocu lta da luz d iu rna das hon ras e a provação, se ntir qu e nfü1 11 nossos desejos . Por co nseguint e, sentimos um a p ec ulia r
so mos notados necessariamente sufoca a ma is agradável d;t~ 111 pa1ia pela satisfação daqu eles q ue ne la se e ncontra m. Cor-
es~ra n ças e decepc iona o mais arden te dese jo d a naturcz:1 111hora mos tod as as suas inclinações, e est imu lamos to dos os
humana . O ho mem po br e sai e ent ra d esacau telado, e qu an ,·11•,dese jos. Que lame ntáve l, p ensamos, se algo viesse a es-
do n o me io d e u ma mult id ão perm anece tão o bscuro co mo 1! IH,11 ' e corrom p er um a situ ação tão ag radáve l! Poderi am as
se estivesse fech ado e m sua cho up ana . Esses hu mildes Cl ll 111 desejar q ue fosse m imorta is; e pa receM nos d ifícil ac red itar
dados e dolorosas ate nções de qu e se ocu p am os q ue est:lt, q111• ,1 morte por fim venh a re matar táo pe rfeito prazer . É
na sua situação não o ferece m divertimen to aos dissip ados ou 1 1 11d, 1 :x::n5amos , qu e a naw reza os ex pulse de suas lou vá-
aleg res. Desviam dele os o lhos, o u , se a sua extrem a amç,1o 1.. pos ições para aquel a mo ra da hum ild e, po rt:m ho5pita-
os força a o lh ar para e le, é ap enas pa ra ex pu k,ar d e ~eu md<1 h li ,1, que prov ide nciou p ara todos o.s seu s filhos. Vida ete r-
um o bje to tão desagradáve l. Os afor tunados e altivos esp,i n 111 .ic> gr~inde rei! é a sauda ção que gos ta.riamos de lhes fazer ,
62 TEORJA DOS SEl•,TIMENTOS MORAI\ IWMIEIRA PARTE 63

à maneira das ad ulações orienta is, se a expe riênci a não no, l 11,.1 vonta de. Seus benefícios pode m estender•se apenas a
ensinasse como isso é absurdo. Toda calamidade que se aln 111 1, pou cos ; mas se us dest inos intere ssam a quase todos. An-
te sobre eles, ioda ofensa que lhes é feita, suscita no peito h11nospor ajudá- los a completar um sistema de felicidade
do espectador muito mais comtyaix:ã. o e ressentimento do qu l' q11,•mai.s se a prox ime da pe rfeição; e desejamos serv i-los pe-
semir ia se o me~mo suce desse a ouuus hom ens. São aptna:-i 111 .,cu p róprio bem , sem nenhuma recompensa senão a vai -
o.s infonúnios dos reis que fornecem os assuntos próprio, d,1dc ou a honra de lhes agradar. Tampouco nossa deferên•
das tragédias. A esse respe ito, assemelh am-se aos infortúnio-. 1 l.i nJm suas inclinaçõe s se f unda pr incip al ou inteiram ente
dos amantes . Ess:1s duas situações são o que mais in teress. 1 11111n:.1 cons ideração d a u tilidad e dessa submbsào e da on..ltm
no teatro, p:,r qu e, apesar de tudo o q ue a razão e a expc , l.1-:ociedade, a qual essa deferência contrib ui para co nfinnar .
riênc ia nos dig am em contr ,:lrio , os preconce itos da i magina" i\1t...,rno quando a ordem da soc ieda de parece ex igir que nos
çào assoc iam a essas duas condiçe>es urna felicidade sup erior , 1ponhamos aos ricos, dificilmente somos capazes disso. Que
a qua lqu er outra . Estorva r, pôr fim a alegrias tão perf~itas, ,~ rei:- são se 1Yos do povo, a qu em se deve obedecer , resis-
parece a mais atroz das ofensas. Dentre t?dos os ass~s mos, lh, depor ou punir confo rme exija o bem •esta r púb lico, é do u-
o ma is monstruoso é o w1iclor que consp ira contra a Y1dacll' lllna da razão e da filosofia , mas não da natureZ:'l•. A nature-
seu monarca. Todo o sangue inocent e derra mad o nas guer , nos ens inaria a sub mete nno-nos a eles pelo seu próprio·
ras civis causou menos ind ignação do que a morte <le Carlos 1·. l 11 ·111, a tremer e nos curvarmos perante suas s ublimes posi-
Quem nào con.hecc:sse a natureza humana, exa rninando a in• ' 1ll'/'i, a cons iderar seu sorriso como recompensa suficiente de
diferença dos homens pa1.<1com a miséria de seus inferiores , qt1.1lquer serv iço, e recea r seu desprazer, embora nenhum ou-
e a mágoa e indignação <lesres pe los infortún ios e so frimen•
1111mal dele resu ttasse , co mo a mais dura das mo 1tificações .
tos do s que estão acima deles , seria capaz de imag inar que :1
l 1,11;!- los em alguma medida como homens, argumentar e dis~
dor deve ser mais agôn ica, e mais rerrível a convulsão da mor •
1 um curn eles em ocasiões comuns , exige tam anh a decermi-
te, em pessoas de elevada distinção cio que em pessoas de po -
1111~.lo. que há poucos homen~ cuja gram .leza po ssa sus LenLar
sições mais baixas . LtH :uitudcs , salvo se est iverem do mesm o modo amparados
Sobre essa disposição da humanidade a partilhar de ro·
p1•lafomili::irid ade e pa rentesco . Os ma is foites motivos, as
das as pa ix ões cios ricos e poderosos fundamenta -se a distin
1n.i1s violentas paixões - med o, ódio e ressentimen to -, difi-
ção soc ial e a ordem da socied ad~ - Nos.sa obsequiosidad<.·
1 llmenre basta rão para equilibrar essa di sp05ição natural a
para (.'Om nossos super iores se orig ina ma is freqoemememc
de nossa admiraçüo pela!:i vantagens de sua .::iilUaçàodo qu u tt•~pcitá•los: e sua conduta, justa ou injustamente, deve ter
pmvoc1do , no mais alto gra u , todas aquelas paixões antes de a
de qualquer ex pectativa pessoal de benefício advi ndo de sua
111,1loria cio povo ser conduz ido a opor-se a eles com violên-
1111,ou a desejar vê-los punidos ou depostos . Mesmo qua ndo
• Carlos Stuart, execu tado por ordem dos Republicanos em 1649, sob a 11 1xwo é con duzido a esse extrem o, é cap az de desistir a
acw;açào de trair o povo inglês, intrOdl1Zindono reino um poder despótico 1· q11.1lqucr momento , e recair facilmen te em seu hab itual esra-
arbitrári o . Dur.mtc a Repú blica (1649·1653) e o Prot etora do de Cromwc,11 d11tlc de ferência para com aque les pa ra qu em se habi n 1aram
(16S3-16SR), :i Jnglaterr:1 é alçada :'l posiç;;'iod e gr.mde po tênc ia ~ome~al. p
1 1·rguer os ol hos como seus superiores na turais . Não conse-
qu e s.1.o rem ov idos os entraves políticoo e burocrfüicos qu~ impediam it
expansãodo cap ital mermntil ~ um dos grandes temas de A nqueza das'!"
çW.). ,\l~rn d i-'>M>,do-':>rc:sulta<lO.$,da Revolução [n glc:sa (1~40·1~), a dJ'íl:st1(',1
redução do E.~tadoe ;i primazia incontes1ávcl dos direitos ind1vidu~is são • Algo seme lhant e a ô~::l doutrina, de que os gcwern:m tes devem a
conqu istas incorpor.i das pe los liberai s . Mas não se deve cstnm h ar a p1edadt• 1111111de seus atos a seus súd itos e podem JX)re le5 ser depostos se vio larem
de Smith por Carlos I. Ap5s a Rcsrnurnção, Stuan (1660), o mon arca , notôno ~ ln, d vis, encontra -se no Dois tratados sobre o gomrno , H, nota<lamf.!nte
cm \'ida pel.i inabilidade política, toma ·jC postu mam ente miirtir. (N. dn R. T) li J.i? e 243, de John Locke. (N. d.1 R. T.)

64 TEORIA DOS SENI'IMENTOS MORAIS IWJME!R.A PARTE 65


guem suporta r a mortificação de seu mon~rca . A compaixão Mia autor idade , e a governar as inclinaçõe ., de les :-i se u be l-
Jogo toma O lugar do ressentimento, e entao e squec em todas praze r; e nisso raramente fica desapont ado. Es...:;asartes, sus-
as provocações p assad as, seus velhos princíp ios ~le lealdacl~ t\.·ntadas pela d istinção e preeminênc ia , são suficientes. em
revivem, e se apre ssam para re estabelecer a au t~n ~ad~ arrui- nrns iões comuns, para governar o mundo. Luís XIV, durante
nada de seus velhos senhores, com a mesma v1olencia co m .1 rnaior parte de seu reinado , era conside ra.do, nã o apenas
que se tinham oposto a ela. A mo rte de Carlos _Iprovocou a res- 11:1França mas em toda :1 Europa , como o mais pe rfeito mo+
tauração da família real. A com paixão por J~1me li, ~ptu ra~o dt:lo de príncipe. Mas po r me io d e que tale ntos e virtudes
pelo pop ulacho ao escapa r a bordo do navio, qua se impediu 11dquiriu essa grande reputação? Pe la esc rupulosa e flexível
a Revo luç:2.o, e a fez prosseguir mois lenta que ~~tes•. i11Miça de todos os seus emp reen dime ntos , os imensos peri -
Parecem 05 grandes insensíveis ao preço focil pe lo qual ~o..,e dificuldadt:s com que foram realizado s, ou pel a ap lica•
podem obte r 3 adm iração púb lica; ou imag ina m que para \,lo infatigável e incansável com q ue os perseg uiu? Por seu
eles, como para outros hom e ns , isso deve ser comp_rad? co m l"'<traordinário conhecime nto, seu ~util julgamf;:n!U,ou seu he-
suo r ou sangu e? Por que important es capacidades ,e~o Jovem 101<.:o va lor? Por nenhuma de 5.5as qua lidad es. Mas, ante~ de
nobre instruído a sustentar a dignidade de sua pos1ç~o, e tor- n1do, era o mais poderoso príncipe da Europa, e conseqüen-
nar•se digno dessa superioridade sobre ~eu_sco_n<;1dadaos,para 11•111en te ocupava a mais alta posição ent re os reis; en tão , diZ:
a qua l a virtude de seus ancestrais os mc1tour E pelo ~onhe - ,1•11histo riado ..., "superava todos os Cortesãos na graça de s ua
cimenro, pela in dústr ia, pe la paciência , pe la a bn egaçao, ~u h •ima, e majestosa beleza de seus traços. O som de sua voz ,
por virtudes de qualquer espécie? Como ~odas as ~uas pala_- tlt~>rce comovente. conquistava os coraçôe.s qu e sua p resen•
was rodos os se us movimentos, sao ass1sticlo~, de aprende ,1
\ 11 Intimidava. Tinha um andar e uma postura que ape na s po-
ha bi,tualmente observar qua lquer circunstância do comport ~·
1 11·1-i:l
m combina r com ele e sua posição , e pareceria m ridículos
mento comum , e es tud a para cumpr ir todos os peque no ~ de
1 111qua lque r out ra pessoa. O em baraço q ue causava no s que
veres com a mais exa ta propriedade. Como está consc 1en1<...·
1 1 lt se dirigiam adu lava a sec reta salisfaçâo com a qu al perce -
do q uant o é observ ado, e o qu:1.nto os homens_s~ di~põem :1
1•I1:-.uapró p ria supe rioridade. O velho oficial que se eq uivo-
estimular roda s ns suas inclinações, age nas ma 1s indif erent es
t 1111t· n;lo conseguiu pe dir -lhe um favor, incapaz de concluir
oportunidades com a liberdade e elevação que o pensamen •
1 11c.hscurso, disse-lhe : 'Senhor, espero q ue Vossa Majestade
to disso naturalmen te lhe inspira. Suas feições, se us modos,
11wd ite que n;to tremo as.sim dian te de se us inimigos '. A,;sim,
sua postura , tudo marca o ele ga nte e gracioso ~e~so _de S~il
tt,ln tt:ve d ifü.:uldade i;:m obte r o que pedia· . Essesfrívolos
própria sup erioridad e, qu e os nasci~os para pos1çoes mf~n?.
d111l:.., ancora dos em sua po.:jiçâo e, claro, também em algum
res dificilmente alcançarão. Essas sao as artes pe ~as qua is si.:
propõe a fazer os homens se submeterem mais facilmen te:) w,111 de outros talentos e virtudes, os quais não pare ciam, con•
111do,c:-:tar mu ito ac ima da media nia, estabelecera m e&ie prín -
1 11~• n:1 estima de su a própria época, suscitaram , mesmo à pos•
• Jaime Jl herdoudo pai Carlo s 1 (e ta lvt:Z do av6, Jain~c y
a in~~du 1111d:1de,muiro resp e ito pe la sua me mór ia. Compa rada s a es•
no traLo com a coiM pública. Após um:i. longa série dé ~ .cisnes poh tic,i~ t ", 110 se u te mpo e em sua presença, pare ce , ne nhuma outra
d-es:ii;.cros:1s_ entre elas. a tcnwtiva de restaurar o ca_toltcismo mm~~ln IIIHdl' revelava mérilo. Conhec imento, indústria, bravura e be-
!aterra · · ~om inant e mcnte prülcstan t.e - obteve o êxito _de unir W 1!Y, 1'
fcries. Ócposw sem que houvesse qualquer derrnman:icnro de san8;1c,lol
11111\ t·rê ncia tremiam , eram esmagados e pe rdiam toda :-1dig ni-
1!d!' dí:Jnte de las.
caplui· ado por pescado res de Kent, mas logo depoi s de1xaram*n~ fugrr p:11:1
exila r-se na França de Luis XIV. Ascende ao trono a Dinasti a 0ran~<,
Guilh cm ,e m e Maria li, marc ando o fim da chama d a Revol ução Glono~.1
(1688). (N. da R. T.) 'Vn hairc, SWciedelouts XIV, cap. 25. (N, da R T. )
66 TEORIA DOS SEMLSI/J,\705 MORAIS IWIMEIRA PART1! 67
M:is não é po r dons dessa espécie que o homem de po - I' (0 111secreto entusiasmo e dele ite divisa, em toda a con fus:io
siçio inferior deve espera r distinguir-se. A cortesia tanto é a 4' derrama men to de sa ngue que as acom panham, a probabi~
virtude dos grand es , qu e confer irã honra a ninguém mais se- lld:1clede se apresen ta rem as tão espe rad as ocas iões e m que
não eles próprios . O janota, que imita suas maneir as e afeta pode rá chamar sobre si a a te nção e admiração dos ho mens.
em inênc ia JX)r caus a da supe rior conveniênc ia de seu co m- ' > homem de posição e distinção , ao contrário, cuja glória con-
po rtame nto habitu al, é recom pensado com dup la dose de des- 11is1..::inteirame nte na conve niência de seu comprnt amento ha -
dém por su a presunção e loucura. Por que o homem, que h l1u~1I. não se con tenta ndo com o humild e renome que isso
ninguém se interessa po r olhar, importar-se-ia com a maneir.:1 111ide lhe proporcionar, mas não tendo talento para adquirir
como ergue a cabeça ou dispõe os braços, enquanto atraves- 111• nhum outro, não dese ja em baraçar -se co m o que (X)d e re-
sa um aposento? Certamente, preocupa-se com uma atençao ~ult:i '.· em dificuldade ou afliç,.lo. Figurar num baile é seu gra n-
muito superficia l, e uma atenção que também indica um sen - d1·triunfo, e obter êxito numa intriga ou galant e1ia, sua maior
so de sua própria importâ ncia, com a qua l mort al algu m po- Li,·.mha. Tern aversão a todas as confusões pública s, não por
de concordar. A mais perfeita modés tia e simp licidade, asso- ,1n1or à human idade, pois os granclt:s nunca cons idera m seus
ciada a toda a neg ligência que for con sistente com o <levido 111kriorcs como criaturas igu a is; lampouco por falca de bra-
respeito à compa nhia, deveriam st:r as carac terísticas princi - 1111.1, pois isso rarame nte lhe falta; ma 5 pda co nsciência de·
pais do componamemo de um homem . privado. Se por vcn 1
11w não po...c;s ui nenhum a das virn 1dcs necessár ia.-,para lais
lura espera distingu ir-se, deverá se r por virtudes mais impor ,l 1t1 :1ções, e de que cena me nte outro s homens afast.::-i rào de si
tantc:s. Deve adq u irir dependentes para contrabala nçar os sel'- 1 lllt· nçflo pl1blica . Pode dese jar expo r-se a um pequ e no pc -
viçais dos gran des, e não tem outros recursos para p3gá- Jo, 11~0. e a part icipar de um::i campanha se isso fo r a voga, ro-
senão o lab or do seu corpo e a atividade d e seu espirita . Por- 1.i,b treme de horror à idé ia de qu::1.l quer situaÇlo que exija
ta nto, será necessário se cul tlva r: deverá adqui rir um conh e- 11h111~10 e contínuo exercício da pac iência , da indústrla, da for-
cimenlo supe rior em sua profissão, e uma supe rio r indústria ,! 1• ap lica~o de raciocínio . Essas virtud es raramente se rão
no exercício dela. Deverá ser paciente no trabalho, resoluto no 111,1n1tradas em homens na scidos para esses altos postos . As -
pe rigo, firme nas aflições. Precisará trazer tais ta len tos à vistn 1111, em todos os governos, até nas monarquias, os mais altos
do púb lico, pela dificuldade , impo rtância e ao mesmo temp o 1 u,1-10 ~ são ge ralmente ocupados, e tod a a admi n istração con -
discernimento de seus empreendimentos, e pela seve ra e in- d111kla, por ho mens educados nas posições média e inferior
cansável aplicação com que os pe rsegue. Probidade e pru• fl.1 vida, que ascendera m por sua própr ia indústria e habili-
dênc ia, generos ídade e franqueza deverão caracterizar seu d ub;, e mbora opr imidos pelo ciúme e confrontados pelo res-
componamento em todas as ocasiões comuns; e ao mesmo 1 111llnc nto de todos os que nasceram seus super iores; e a
tempo, deverá mostrar ~se solícito em todas as situações effl
1
111rn 1os grandes, depoi s de os co nte mp lar prime iro com des -
que ag ir com prop rieda d e requ er os maiores talentos e vinu ,li-rn, cm seguida co m inve ja, fina lmen te se contentam em se
des, mas em que o ma ior aplauso deve ser obtido pelos qul' Hjt l1.1r co m a mes m a ab je ta so rdidez com que desejar iam
conseguem conduz ir-se com honra . Com que impaciência o •p11 • o resto da human idade deveria se po1tar com relação a
1,,,..p16prios•.
hom e m de espírito e ambição , abatido por sua situação, olha
em lorno buscando alguma grande opo rnmidade pa ra se dili
tinguir! Nenh um a circunstâ ncia que lhe possa proporcionai
' Adam Smith. a caba de des c rever o perfil do funcion:ir io público. É
isso pa rece-lhe indesejável. Até agua rda com salbfaç;;lo a per~ 1i 41 not 1r, _en tretanto, que .ª burocracia estata l, necessá ria parn a cobran•
pectlva de uma guerra no es trangdro. ou uma db5ensào civil, 1 1, ~ul,1r tk..:1mfX)stos,consl!tui -sc na Inglaterra a partir de meados do sé -

68 TEORIA DOS SE.VTIME!.\70S MORAIS l'lt'l ,11/J/RA PARTE 69


É a perda desse fácil domínio sobre os afetos dos hom en:, 111.1~11:m imidade roma na ma l pod er ia co ncebe r que um ho-
que torna tão insuportáve l a queda da grandeza. Segundo uu•m fosse sórdi do a ponto de sob reviver.
dizem, quando a família do rei da Macedônia foi lev ada cm ''Do amor ", diz milo rde La Hochefou cault, "semp re se-
triunfo por Paulo Emílio, seus infortúni os os fizeram divid ir :i )llll ' ~, amb ição, mas da amb ição dificilmente se seg ue o
atenção do povo romano com seu conqui stad or. A visão ela~ u11or•." Quando aq ue la pa ixão tomar inte iramente posse do
crianças reais, cuja te nra idade os fazia ignorar sua s1tuação1 111 ,ho, não admitirá ne m lival nem sucess ora . Para os que se
impress ionava os espec tadores, en tre júbilo e prospericlaclt· ll11hl1Uaram a tal posse ou até à espe rança da adm iração pú-
púb licos, causand o a mais terna dor e comp aixào . O rei era o ltlkil, todos os dema is prazeres rep ugna m e se arruínam. De
seguinte na procissão; par ec ia con fuso t: aLô nito, desp ido ck: 1111k>s os es tad istas de pos tos que , para seu própr io conforto ,
qualq uer emoção pe la magniLude de suas calamidad c.s. Seus ,.111 cl.aram como ba ter a ambição , e de sp rez ar as honra s que
amigos e ministrot->vinham logo atrás. Quando se moYiain , 1 11,10poder ia m mais alcançar, quào poucos consegu iram ter
multas vezes olhavam seu de caído t>Oberano, se mpre rom 1 ,110! A grande ma ioria passou seu tempo na mais a pática e
pendo em pranto a essa vista; todo o seu comportame nto 1n~1plda indolência , vexada pela idéia de sua própria insignl-
demons trava que não pensa v:am em seu próprio in fortún io, th ,lncia, incapaz de se interessar pdas ocupações da vida pri-
po is estavam inteiram e n1e tomados pela gra nde:za superio, ,1da , sem alegria, senão qt.iando falava de sua an tiga grande -·
da desgraça do reL Os generosos romanos , ao contd rio, tm .1, t..' se m satisfaçã o , exce to quand o se de dicava a algum vàu
tavam -no com desdé m e indi gnação, considerando não mer<.: 1111J/(.•10 de recupe rá-la . Est::ís se riamente reso lvido a nun ca
ce r nenh uma compaixão o homem cujo es pírito era tão pP1n1ut~1 r tua liberdade pela serv idão sen horial de uma Cor-
m iseráve l que suprntava viver sob tais calamidad es . Mas qu<.· li , lll :J'> viver li vre, se m m edo , e indepe nde nte? Parece have r
calamidades eram essas? Segu ndo a maior parte dos historia- 11111c:11ninho pa ra con tinua r nessa virtuo sa resolução; e ral-
dores, o rei deve ria passar o resto d e seus dias so b a proteç :1o i'/ some nte um. Nunca ent res no lugar de onde tão poucos
de um povo poderoso e huma no, uma cond ição q ue por s1 111 1,1m ca pazes d e retornar: nun ca ent res no círc ulo da amhi-
só parece ria digna de inveja, u1na condição cJe abundánci<1,
1,11 >, nem jama is compara-te àqueles donos da Terra que antes
confo1to, ócio e segurança, a qual nem por sua própria insen d1 tu jú chamara m a atenção de me la hum an idade .
1

sa tez e le pod eria perd e r. .tvlas nâo mais se ria rodeado p<:l:i
Parece de imensa importânc ia, na imag inação dos ho-
mu lLidâo admira da do s tolo5, bajuladore s e dcpc ndcn les que.: 1111•ns1 permanecer na situação que mais os coloca à vista da
a ntes costu m.i.vam assistir a rcx:losos seus movimentos . Não
lr11pa1iae atenção gera is. E assim, a pos ição, aque le grande
mais seria contempla do peb.s mu ltidões, nem estari,1 em seu
1111jl'IO que separn as es po sas dos edis (alde1me1t) 1 é a finali-
poder fazer-se objeto do seu respe ito, .c: ua gratidão, amor, sua
d111k·de metade dos esfo rços da vida humana; e é a causa de
adm iração . As paixôe.s das nações não mais seriam influen 11~1,,v tu,nulL o e toivelinho , toda a rapinagem e injustiça , que a
ciadas por sua irreso luçào . Essa era a mais insuportável 1,, lf',;Z J e a amb ição introd uz.iram n~ te m undo . Dizem que
ca lam idade que ceifava ao rei todo sent imento; que fazi:t 111 •M~o: 1s de bom -senso na verdade desp rezam a posição, i~to
seus amigos esquecerern se us próprios info 1túnios; e à qua l a 1 , 1 k·sprez :irn senta r-se na cabece ira da mesa, e .são indifcre n-

1,-".1 quem essa frívola circunstânc ia, que a menor vantagem é


1 !p1 1 de de seq uilibrar , indica como co mp:1nhia. Mas hiera.r-
culo XVIJ, Ames disso, os cargospúblicos são ocupadospor concsàost'
uu trO:l membros da alta nobreza - os gmn<le~, como q uer Smith - , que ~:1n
indicados ~ lo própri o monarcaou por seu s favoritos. Tal indicação é hon
rosa, naturalmente. Mas lambém cria oport un idade para mu ita corrupção l' • "'mith traduz te liberdade a.máx.im, mxc
com b:i.5tan d e MaxfmeJ ,
troca de favores. (N. d:i.H. T.) 1.1 Hochefouc.1u lt . (N. da R. T .)
70 TEORIÀ DOS S&\T IMENTOS MOflAI .\ 1W!J\llilR A PAf<TE 71
quia, dis1inçào, preeminência, homem algum despreza, salvo t11•rososcom.o _os nu !s te rríve is. No que concerne :\s pesso as
se houver se elevado muito acima, ou c aído m uito abaixo do d11qucla pos1çao, po is, tais ca stigos sã o un ivers~lme nte de i-
pa dnlo comum ela narureza humana; salvo se ou for tão im- .idos de lado , e a lei, em b ora em mu iras ocas iões lhe s tire a
buído de sabe doria e verdad eira filosofia qu e, embora a con~ \'ld.1, respe ita sua honra acim a de tud o. Chic o rcar um a pes-
veniência de sua condu ta o torne justo objeto de aprova ção, '111;!honrad a ou prend ê-la ao pe lourinh o, seja po r qu e e.Time
é-lhe de somenos importância ser notado ou nào , aprovado 1111, é urna brutalidad e da qua l nen h um governo europ eu é
ou não; ou esteja tào habitua do ã idéia ele sua pr ópria mc- 1,1paz, exce to a Rússia.
cliocridadc, rao mergu lhado em indolente e cmb rultd da in- llm ho mem valoro so não se rorna desprezive t se ndo le-
<llfe ren ~a, qu e se Lcnhti t::.'KIL't:d<lu inte iramente do de sejo e ck· , ,ulo ,to cadafalsoi m~ts :>t: for prt:~v ao pd u urinho, sim. Seu
qu ase toda a vontade de su p erioridadc. 111111 port amcnto na p rimeira si tuação p ode lhe g ranjt'.;H e:-,li~
Dessa maneira, assim como tomar -se o objeto naru ral d as 11111 e :1dmir3çào universal. Nen hum co mpo rtamento na outra
aleg res congrmulnçôes e so lidC,rias me nções d::i.hu m~mid::i. ck· 1u1Clt·to m á-lo :tgradáv el. A simp atia dos es pectado res ap oia 0
é a circunstânc ia q ue co nfe re à p rosperid ade rodo esse o fu s- 1111111 caso., e sa lva-o da vergon lrn, da co nsciência de q ue sm,
cante esple ndor, n::1d:::i
anuv i:1rnnto o de,a le nto da ad\ •ersicla- 1!!•~graça e pe rceb ida apenas por ele mesmo, qu e ele rodos
de quanto ~entir qu e nosf;OS infortún io s sâo objetos , não da 11'i ~cntimentos é o mais insuportáve l ele tod os . Não há sim-·
so lklarieclade mas do desdé m e aversão ele nossos irmãos . f~ 11, 11!:l_i~o ~u~o caso; ou , se ho u ver alguma, não é pe la sua do r.
por essa razão que as mais terríve is calam idades nem sem prL' qm·, e 111s 1grn_fica_m:, mas pela sua consc iê n cia ~a falta de sim-
são as ma is difíce is de su po rtar. Muitas veze s é mais morli fi- p.1111. que ce1ca sua do r. Ê por sua vergon ha , nao por sua dor.
1 )!-! q ue ~êm p i_ eda d e de le co ram e baixam as cabeças po r sua
ca nte ap arecer em púb lico por ocas ião de peque nos desa s-
1 ,111,-.,a. Ele bai xa a sua da me sm a maneira , e sente-se irre -
tres cio q ue de grand es infortún ios. Os prime iros n ão desper-
tam simpati a; mas os últi mos, embora m1da poss am su scit:u ' 11pc..:r avelme nte degra dado pdo t.:a:;ligu, ainda que não pelo
que se aprox ime da angústia do so fred or, prov ocam uma • 1lm<..·. Ao co n,trár io, o ho me m que mo rre com dete rminaçã o,
com paix:lo muito v iva. Os sent imento s d os espe c tadon:s es- 11111 ,1vez.q ue e naturalm e nte cons ider3do com o resp eito e re-
111 tl:i C'8l'1ma e d::i.aprova s.·::i
o , ostenta o mesmo se mbb me des-
tãu, nes te último caso , menos apart ados do s se ntime ntos do
.suf redu r, e sua imperfeita so lid a!'icd~1dc o ferece- lhe a lgum h•111l do; e, se crime não lhe ro ubar o resp eito :-1lhe io, o casti-
am pa ro pa ra suportar sua de sgraça. l.ím c~valhe iro fic~nfa Hil nunca o fará. Não suspe ita d e qu e 5rn 1 situa ção seja o bjeto

m~1is mortificado por aparecer dbnt e de uma animada re u dt' tk:spre~o ~u riso par.a ning uém , e pode, com proprieda-
nião cobe1to de sujeira e farrapo s, do qu e d e sangu e e feri- dt'. assunur na.o apenas um ar de pe rfe ita serenidad e, mas ele
11h1nlo e exultação.
ch1s. Ess:1úlri m~, ,._
itrn1ção atrairia piedade deles; a out ra p ro -
vocaria seu riso. O juiz qu e ordena qu e um criminoso se ja "Grandes perigos", di z o Cardea l de Relz, "têm seu s en-
1 f1 11 lo:;, po rqu e há alguma glória a se r alcançada , mesmo
col ocado no pelourinho desonra-o mais do qu e se o tivesst
q11.1ndo fracassamos. Mas pe 1igos moderados nada têm sen ão
condenado ao cadafal so . O grande prín cipe que há alguns
n qu e é horríve l, porq ue a perda de reputação sempn: aco 111 -
anos verga stou um general d ianre d e se u exército desg raço u
p,11 1ha a folta ele êx ito .n• Sua máx im a tem o mesmo fund a-
o irrecu pe ravelme nte . O cas tigo te ria sido mui to menor Sl'
uwnto cfaquilo que :1ca bamo s d e obse1var qua nto ao castigo.
ho uvesse crivad o todo o se u co rpo d e bal~1s. Pe las le is da
A _virtud e hum ana é .su pe rio r à do r, à pob reza , ao pe ri-
honra, vergastar co m a vara desonra 1 golpear com a es pacl:i
W1, e a mo rte ; nem ao me no s req ue r se us maiores esfor ço ._
não , por uma razão óbvia . Os cast igos mais leves, quam Jo
1nfl1gidos a um cavalh<::iropar ti quc:m ~ d~sonra t: u 111aiurd,.:
Lodo:; o:; maks, :silocon,:;idi::rados e ntre os humanitários e gc· • Cardeal de Hetz, Mémoires (1648J. (N. d a R. T. )

IINIMEJRA PARTE 73
TEORIA DOS SEKllME 'vJOS .\10flAI.,
72
de::iprezá -los . Mas ter sua desg raça expo sta ao insulto e ridí- 1;1, Dois d iferentes ca racteres são ap resen tado s à nossa emu -
culo, ser conduzid o em triunfo para ser exposto ~ mão em ristl' l,1\-;.10 : um, o da orgu lhosa ambição e ostemos a a viclez- o ou-
1111, o da hum ilde mod ést ia e justiça eqüitat iva. Dois m~de los
do escá rnio , é a situa ção na q1rn1 su a constânc ia tende mab
a falhar . Comparados com o de sprezo dos homens , todos o~
tllll'l'~ntes,_do is retratos d ifere ntes ofe recem -se a nós, seg un-
1h1 05 quais podemos de se nhar nosso pró prio caráte r e com -
o utros males ex ternos são facilmente suportados .
i'' mamemo; um , mais vistoso e brilh ante em suas cores; omro,
11111b 1,;urreto e mais sutilrne me be lo em seu contorno ; um, i.m-
1•imdo-sc a todo o lho erran te ; outro , .tlrain du a atenç ão de
CAPÍTULO lll
11 11u st! ningu é m, sen ão do ob .sc1Yado r mais ate nt o e c uida <lo-
Da corrnpçâo de nossos sentiment os morais, provocada p or
•1 , . São prindp almente os sábio s e os virtuosos, grupo sel eto
essa disposição de admirar os ric os e grandes, e desprezar
111, 1~, rece io, pequ e no, os verdade iros e co nstan tes admirado -
ou negligenciar os de condi çllo pobre ou mesquinha
11•-.d:t sabe do ria e virtu de . A grande multidã o de homen s é
11 11 1stituíd a de admiradores e venerador es - e , o que talvez pa-
Essa diSÇX)Siçàode ad mirar, quase d e adora r os ricos -..·
i!'\,\ mais ext raordin ário. freqüentement e os ma is des interes-
pcx:lerosos, e de~pn:zar ou pelo me nos neglige nciar pesso as
de cond iç-Jo pobn :::o u mesqui nha, embor a necessá ria ta nto 1dos ad miradores e vener ado res - da fortun a e da grandez~:
para estabelece r quanto para mant er a distinçã o d e hie r:11 O respeito qu e se ntimos pela sabedo ria e virtude é se m
l11vltla d ife re nte do qu e concebemos peJa forn 1na e grand e-
quias e a ord em d~1 socie dade , é ao mesmo te mpo a grnnck·
e m~üs universa l causa de co rrnp çâo de no 550S sentimento,., .111.· n~o é preciso um discernim ento muito apu rado pa ra
mora is. Qu e rique1.a e gran dez a seg uidam ente sejam co n°'l U,11 lngu_1 r a difere nça. l\.fas , não obsta nte essa diferença, aque-
deradas co m o resp e ito e admira ção devidos ape nas à sabe.· h -t ,-;cn~1n:1 en tos guard am uma notá vel se melha nça en tre si.
u- 111 duv id a, em alguns traços part icular es são difere ntes.
d a ria e vinude; e que o desp rezo , do qu a l vício e loucu ra sàt >
>1 1.1 • no at-pe ct o ge ral do sem b lante p arecem qu ase [âo iguais;
os únicos o bjetos apropri ado s, é muitas vezes injustam e n!l'
dirig ido à pobr eza e deb ilidade, tem sido qu e ixa de mora lb pw obsc1Yadorcs des atentos mu ito po ss ive lmente co nfun-
h1111 rnn co m o outro .
tas d e todos os tempo s .
Conside rando idênticos grau s de mé ritos, quase não há
Dese jamos ser tão respe itáve is quanto re speitados . Apa 111lltll·m q u e ~ão respei te mais os ricos e grande s do q ue os
vara -nos se r tão d esprezív eis qu anto despreza d os . Mas, c.:n1
1111hli,':-.e humildes. A nrniori a cios home ns admira muito mais
segu ida à entrada no mun do, logo dt:::scobrimos que a sa lw
'l lll'St111çàoe vaidade d os pr ime iros d o qu e o real e sól ido
daria e a virtude não são de modo algum os úni cos o bjeto~
1t11•rltocios últimos. Ta lve z raram ente seja ag rad áve l à boa
de resp eito; nem o vício e a inse nsatez são únicos o bjetos d1•
d espr e zo. Frt:qü e nte mcnt c vemos as ate nções respe itosas dn ,11111,II, ou mes mo à boa linguagem, afirmar qu e a mera riqu e-
1 1' ).(rrt ndeza, abstraídas de mérito e virtude me recem no s-
mundo d irig irem~se m3is fortemente para os ricos e grandt ·,
d o q ue p aro. os stíbio.s e vir1uosos. Freqü entement e vemosº" 11 ll'Spl.'.i to . Deve mos admitir 1 contu do, q ue quase sempr e o
vícios e :as lo ucuras dos poderosos be m menos desprezadm •1uqu 1~tam; e po dem, po r consegu inte, se r cons iderad as em
do qu e a pobr eza e a fraq ueza do s inocentes . Merece r, ob tl.'I, ◄ lu11 11s aspec tos se us objeto s natu rais. Essas louváveis po si-
11 ~ ~ ">odc m,_sem dú vida, deixar -se degra d ar inte irame nte pe-
sabor ea r o respe ito e admira ção do s homen s são os g ran cll-.,
ob jetos d a ambição e emula ção. Dois dif erentes caminhm l , \ h lo e a luucura. Mas o vício e a loucura dev em ser muit o
t u1rk·s, ant es de pod e re m op e rar essa comp lela degradaçã o .
nos são a prese ntado s, levando igualmen te à ob tenção d e.-;,-.,1
\ 1 I ·v:1:-.:, idão de um homem da m oda é vista com muito me-
tão dese jado obj eto ; um , pelo estu do da sabedoria e p.:111
1, 1 ilt':-.prczo e avers ão do qu e a de um homem de con dição
prática da v inud e; o utro , p ela aqu isição de fortuna e gram h ·
74 TEOR/A DOS SEN/1MEN 7DS MORAI,\ IWIM/{JRA PARTE 75
mais mesquinha. Comumen te, ressente~semuíto maís uma si m 11•111pouca oportunidade para serv ir a a lgué m, ou que os
ples trans gressão das regras de temp era nça e conv eniên cia qu<.· quv o distraem são suficie ntemen te capazes de o servir . As
porventura prati que o último do que o desp rezo constante t· H•,l\':ts exte riores, as rea lizações frívola s dessa coisa imperti-
co nfesso dessa s mesmas regras por parte do primeiro. 11i•nte e tola ch am ada home m da moda, são co mum.e nte
Nas camadas méd ia e infe rior da vida, a estrada para a 11111!1, admiradas do que as virtudes sólidas e viris de um gue r-
virlude e a estrada para a fortuna, pelo menos a que home m; 1d 1o, um estadis La, um filósofo ou um leg islado r. Todas as

em tais posições pod em razoave lmente esperar obte r, são ,Mt,1n.des e veneráve is vi1tu<lc:s, Lodas as vilt uclt::, que pode m
feli zmente, na maioria dos casos, q uase a mesma. Em tod a:-- 1•1v1r 1anto para o conselho , o sen ado o u o ca mpo de ba ta-
as profi ssões m~clias e inferi ores, habi lidades profissionab 11111, .-.:ioco ncebidas com exLremo desp rezo e riso pelos aelu-
rea i.s e só lidas, assoc iada s à cond uta firme, prude nte , jtLSl3 l' l.1tlorcs inso lentes e insignificantes que habitualm en te mais
moderada . rara mente deixam de tra zer êxito. Às vezes. a~ IJ>i111wn nessas sociedades co rrnp ras. Quando o Duq ue de
hab ilidad~s prev.ilcccrào mesmo qua ndo a condut a nã'a t 11ll y foi convocado por Luís XIII para aconselhá-lo em algu-
n:.1d:1 co rr eta. Porém, um a ha bim ~l i mprudência, ou injusr iç 1, 111iigra nde eme rgência, obse rvou os cortesãos e favoritos
ou fraqueza, ou dev}lssidiio, se mp re nub larão e por vezes ul~'iurrando uns aos outros , e sorrindo, por caus a de sua
deb iliiariio inteir:imen te as mais esp lêndid as hab ilidades p ro" tp,1rl•ncia fora de moda . "Semp re que o pai de Vossa Ma-
fissionais. Além disso, os hom ens da s classes inferior e mé· 1,•~1.1de", disse o ve lho guerreiro e estadis ta, "fazia-me a honra ·
dia da v ida jamais serão suflciemem ente grandes a ponto eh: d,• rons ultar-me , ordenava aos bufôes d a Corte que se re ti-
1 1"1'i<.'lll pa ra a antecâ mar a .·••
es tar acima da lei 1 a qual deve, gera lmente, su bjugá-los a ai
guma espé cie de teme roso respe ito, ao menos pelas mais Ess,:1dispos ição para admirar e, <.:o nse qüem ememe, par,1
importantes regras da justiça. O êxito de tais pessoas , ac!c· llnhar os ricos e os grandes, é que os to ma capa:!:estlt: c:stabe-
mais, quase sempre depen de do favor e boa opin ião de seu:- 1..n•r OL l co n~uzir o qu e se chama a moda . Seu traje é O traje
1 l 1 ,noda ; a linguagem ele sua conversa é o es tilo do moda,
vizinho s e igua is; e, se m uma can dura regu lar tolerável, es tL::-
,1u :1re postura são o comportamento da moda . Mesmo se us
rar.m1ente pode m ser alcan çados. Assim, o bom t: velho pro
11, los e loucur-.a s são moda; e a maio ria do s homens org ulh a-
vêrb io, de que a hont::,tidacle E a melh or po lítica, pcnnanc c,·
i de imitá-lo s e parece r-se com e les ne ssas mes mas qu ali-
nesses casos quase semp re peifcitamen tc verdade iro. Por isso
em tais casos gera lmente podem esperar cons ideráve l grau il1Hlcs q ue os de son ram e degradzi.m. Muitas vezes ho mens
HHl'ls dão-se ares de moderna devass idã o, embo ra em se us
de virtude, e , felizmente pa ra a boa mora l da soc ieda de, essa
1 1 11 ,1rões não a aprovem e ela qual talvez nem sejam real-
é a s ituação ela ma ior par te dos homens.
nlrnt <: culpa dos. Desejam ser louvados pe lo que e les p ró-
Infelizmente , n~s camadas 5uperiores da vida o caso
nem sempre se passa assi m. Nas cortes de príncipes, nos sa pth,s não Julgam digno de louvo r, e e nvergonha m-se de vir-
111ilt·.-. fura- de-moda , que por vezes pr atic am em seg redo, e
Iões dos grande s, onde sucesso e privilégios depen dem, não
11 1.!.-.
1
~1u~1is'. secre tamen te, tê m algu m a rea l vent: rc:tçào. Há
da estima ele inte lige ntes e bem informados iguais, mas do 1tlpbn 1tas ncos e poderosos , bem como religiosos e virtuo-
favor fantasioso e tolo de pres unçosos e arrogantes sup erio- 1 "•: dt! uma par le, um homem fútil é t:1o capaz de fingir ser
res ignorantes; a adu laç-J.oe falsid ade muito freqüemement1..' • qt1t· niio é quanto , de o u 1ra , o é um ho mem :1stuto. Assume o
pr evalece m sobre mérito e habili dades . Em tais círrulos so hl''<Oe a vida pompo sa de seus supe riores, sem cons ider:-ir,
ciais, as habilidades em agra da r são ma is consi derndas do
que as hab ilidades em servir. Em tempos calmos e pacífico:;,
quando a temp estade está longe, o príncipe ou grande ho ~ 1.."
:.';;oirr!s du Duc de Sully, supp lémen t: vi, 186 (Udo ux , Paris, 182 2).
mem deseja apena s cli.strair-se, e até consegue fantas iar qLu.:

76 TfiOJ/JA DOS Sfi,Vl1M fiN T OS M ORAIS IWIMHIRA PARTE n


entr etant o, que tud o o que ne les possa ser digno de louvor nc'ncia com todos os praze res devassos , infame mas habitua 1
de iiva de sua conform idade co m aq uela pos ição e tortura 11•nirsodos caracteres arm inados ; seja pe la pre ssa dos assun-
todo mérito e co nven iência que es tes exigem , e assim facil- t1,, públicos ou pelo n1mul to mais arrogant e e ofuscante da
mente podem prover as despesas . Muito homem po bre colo ~ ~IIH' r'fa,ainda que procure apaga r de sua memória e da de ou-
ca sua glór ia em ser julgado rico, sem levar em co nta que os 11,1i.. pesso as a lembrança do que fez, ess a lem bra nça nu nca
deve res (se pode mos cha ma r essas loucuras de um nome tão d1·1xmáde persegu i-lo . Em vao invoca os obs curos e lúgubres
venerável) que tal repuração lhe impc"'x::muiro em breve u poderes do esqu ecime nto e o lvid o. Lembra-se do que fez, e
redu zirão à mc::ndicânc ia, e tornarão sua pos lçào ainda mais • ·H-.:1 lembrança lhe diz que ou tras pessoas hão de lt::mbrar
desigual à dos que admira e imita, do q ue originalmen te era. 1 unh~~n. No me '.o de toda ::t luxuoso. pompa da grand iosa 05 •
Para alcançar essa invejada situação, os ca nd icb tos :.1for~ 111 111:1~'30 ; no me io da ':"en.tl e vil ad ulação dos gr an de s e ern -
!Una abondon"1m com excessiva freqü ênc ia as trilhas da vi1t u- 1 Htos: no meio da <;ma1s inoce ntes, a inda que mais tol:as acla-

de; pois infelizmente a es tr-.a


da que leva a um .t e ~1 que lev~ :1 111,1~ .s da ge nt~ comum ; no meio de todo o orgulh~ pe la
·<">e
outrn se estende m, às vezes, por direções hem opos tas. Mas o 1,mqtusta e cio tnunfo pela guerra bem suced ida, ainda é se-
homem ambicioso se engana ao pensar que, na esplêndid:1 ' 11•1:imente
perse6'1.tido pelas vingativas fúrias da vergonha e
situação para a qua l avan ça, deterá inúmeros meio s para go- 1li>remorso; e , ; n<:Juanto a glória o parece rodear po r todos.
verna r o respeito e adm iração dos homens , e se penni tirá agir 1 1•1lad.os,~le prop':º • em sua imaginação, vê a neg ra e pod re
com tão superior co nven iência e graça, que o lustre de su:1 1111.hrna vindo rápida em sua perseg uiçd.o, p ro nta a atacá- lo
futura condu ta encob rirá ou apaga rá inteiramente a podridão 11d.1:;co~tas, a qua lquer mome nto. ALé o gra nde César, co n-
dos passos pelos qua is chegou até esse cume. Em muitos go· ,prnnt? t1v~sse a magnani midade de dispe nsar seus gua rdas,
11.to pode igual mente se de sfaze r de suas suspe itas• . A lern-
vemos, os candidatos aos mais altos cargos estão acima da
lei; e, se podem conqu istar o objeto de sua amb ição, na o re- l u.mç:.1de Farsália ainda o assomb ra va e pe rsegu ia. Quando,
ce iam prestar contas dos me ios pelos q uais os adq uiriram. 1 P<.: d1do do sena do, teve a ge ne .-osidade de pe rdoar M:irce-
Po1tanto , freqüe nte rnen le se esforçam, não apenas valcndo-s<.: lt1,disse àq uela as.sembléia que não ignorava os des ígnios que
01•r11: 1va m contra sua vida; mas que , assim como vivera o su-
de fraud e e falsidade - as ord inárias e vul gares artes da intri
ga e consp iração - , mas às vezes perpetrando os piores cri o,h·nte para a natureza e para a glória, estava contente de
u1orrer, e portanto desp rezava todas as consp irações . Talvez
mes, assassina ro e morte, re be lião e guerra civil, par a sup enl!'
p.11,, :1 natureza Já tivesse vivido tempo suficiente; mas o ho-
e elestnlir os que impede m ou fecham o ca minho para a sun IIw11 1 que .sese~tia objeto de tão mortais ressentimentos da pa r-
grand eza . Mais freqüentemente alcançam fracassos do que h d;tqu~les CUJO favor dt:.sejava obter, e a quem ainda deseja-
êxi tos ; comumente nada obtêm senão a ominosa pun ição que é
tderar ~'?-1º
, ! <'<Hl.5 seus amigos, pa ra a verda deira glór ia, ou
dev ida a seus crimes . Mas , embora possam te r a so rte de ai p,1 1,1 1ocb ~1 febc 1dadc q ue po de ria jamais espera r gozar no
canç ar a desejada grandeza, semp re se decepc ionam misera unor e est1m:-1ele se us igua is, vivem tempo dem ais••.
velmente com a felicicl'lde que acred itam sabor ear nela . Não
é ócio ou prazer, mas sempr e honra de um tipo ou outro, em-
bora seg ui damen te um a honra ma l co mpree ndid a, o que o
ho m em amb ícioso realmen te persegue. Todavia, a honra dt· .'!>~?
.de. pal~vr,is intracluzível. Na primeira oração desse período,
sua e levada posição ap arece ramo a seus próprios olhos qu an • •h~•IIN; ( d1sm,ss h,s g u:ird:s") tem o se nti do de dc:.p1::dir,mand ar emtx>ra
i,l "('~unda ed ism_iss his suspiciorn"). significa livrar-se de ..;.alv:ir.se df!
to ao5 das ornras pessoas, c..urrornp icla e mac ulada pela bai ,,11
Mrdc.(N,d:i. H. T.) . ' '
xe za <lm meios pel os q uais ascend eu até e la. Seja pela pro · •• Pas.sagc m pro\·avelmen te tomada de Cícero (Pro Marcel/o, vm, 2S).
fusão dos gastos pródigo s (liberal); seja pe la excess iva inclui t~ 11,
1K T.)
SEGUNDA PARTE

DO MÉRITOE DO DEMÉRITO
ou
DOS OBJETOSDE RECOMPENSA
E DE CASTIGO
CONS ISTINDO DE TRÊS SEÇÕES

SEÇÃO I

Do senso de mérito e demérito

INTRODUÇÃO

Existe um outro gru po de qua lidades atribu ídas às ações


1ados homens, distintas de sua conveniência ou in-
, 1111du
1nw niência, decência ou deseleg ância, qu e são objetos de
('Spl.lCie d iferent e de ap rov aç ão e d esapro vaç ão . São Mé-
11111
111111 · Demérito, qualidad es de recompensa merecida, e me re-
td ,i pun ição.
J:'ise observou que o sen timent o ou afeto do cora ção do
111,11procede toda a aç ão, e do qua l depende to da a su a vir-
1ui!1•OLL víci o , pode ser co nside rad o sob do is dife rentes as-
n, 1os,o u segundo du as diferen tes relações; pri meiro, em re-
lll 1lo co m a causa ou objeto que o suscita ; segundo, em rela-
111,10 fim que se propõ e, ou o efe ito que rende a produz ir:
,l.i ,ulcquaçào ou inadeq uação , da propo rção ou despropor-
111c111 e o afeto parece guardar com a causa ou objeto que o
,11"'IX.:rta , depe nde a conveniência ou inconvernência, a decên -
1.1ou deselegâ ncia da ação conseqüente; dos efeitos benéfi-
11-. ou dolorosos qu e o afeto propõ e ou tende a produzir de-

p1•1xll'.o mérito ou demé rito, o bom ou mau mer ec ime nto da


1,, 10 que tal afeto pro voca . Em qu e co nsiste no sso sen so de
11t1VL·ni ê ncia ou in co nv eni ência da s ações já se exp licou na
11111e:u-uer ior deste discurso. Devemos agora examinar em qu e
.,iste o senso de seu bom ou mau merecimento .
, , 111
82 TEORIA DOS SENTl.\1FATOSMO///\/\ 1/, i//NDA PARTE 83
CAPÍTULO I 1 11~':lo,embora isso agrade ao nosso amo r, não cont en ta
O q1-1
e parece objeto próprio de gratid ão pan:ce merecer 1111 '-1'i:t g ratidão . Até que o ren hamos reco mp ensa do , até que
recompen sa; e, do mesmo modo, o que parece objeto próp rio 1• nh,1111 us sido os instru mentos de promoção da sua felicida-
de resse ntim e nto parece merecer pun ição ,1,, .... cn timo-n os ainda so bn:::t:arregados com essa divida que
, 11 ., :,;enriças passa dos noo impusera m.
A nó s pare ce rá, po is , mere ce d ora de recompen sa :1 a ç:10 E, do mesmo mod o, o ód io e a aversão produz idos pela
q ue se ofereça como o ob jeto próprio e ::iprovado des se s~n 1! 1hltual rep rov:1ção, freqüent eme nte podem no s con du zir a
timento que mais imed iata e diretame nte n os incita à recorn 1 ,ulr um malig no regoz ijo peb clesgraç:i dess e homem cujo
pens.:'l, ou a fazer o bem a outro. E, do m e.smo modo , pa ren· 111111por 1amento e caráte r p roduze m em nós um ::. p-..tixãotão
rá merece dora de puniçã o 3 ~çào qu e se ofe reça como ohjl ' 111 llnrosa. Mas, embora a aversão e o ód io no s impeç am tod a
to p róp rio e aprovado desse senti mento que ma is imediata t' , ~lmpatia, e JX)r vezes até no s predispon ham a nos regozi-
diretam ente nos incita ao castigo , ou a in fligir mal a outro. 1li 111 0s com a aflição d o ou tro, mesmo assim, se não ho uver
O senti mento que mai s imed ia1a e d iretamente nos ind 11 '·('ntimen to - se ne m nós nem nossos am igos ten ham os
ta à recomp ensa é a graticli o; o que ma is imed iata e diret;i h lo pessoa lmente insultado s - , essas pa ixões não nos leva-
mem e nos incita ao castigo é o resse ntimento . 111 1111naturalment e a d eseja r co nvertermo-nos e m instrumen-.
A nós parecerá, pois, me recedora de reco mp ens a a aç:lo 111'1 d1::.sa aflição . Embor a não pudéssemos temer cast igo po r
que se ofere ça co mo o ob jeto própr io e aprov ad o da grall 11·1111 os co labo rad o de certa fonna para isso, preferi ríamos qu e
dão; ass im com o , de outro lado) parecerá merecedora de pu !in•"'·"l..'acont ecid o por o utros meios . Para algu ém sob d omí-
niçào a ação que se o fereça como o objeto próprio e aprovad,1 111t! de um ód io violento , talvez fosse agradável sabe r q ue a
1u-~so;1 a q u em exec ra e dct e5ta foi morta cm a lgu m aciden -
de ressenti m en to .
1• M:is se tivesse a meno r fagulha de jtt5tiça, qu e , embora
Reco mpen sar é rem une rar, d evolv er o bem pelo be111
11,1 p:tix~o não seja muito favorável 3 virt ud e , aind a poderia
que se recebeu. Castiga r é, tamb ém, recompensar , remu m·
1 i!. 1-,tlr, se ria uma dor excess iva parn ele, ter sido, aind a qu e
rart ainda que ele man e ira diversa : é d evo lver o mal p elo mal 1111intenção, a causa do infortúnio desse ou tro. A simp les
que se fez.
ldl'l.1de ter con tribu ído volunt ariamente para a mmt e o im-
Há o utras paixões, al~m Ue gratidão e ressen timc.::11111,
p11•~sionaria de mane ira desmed ida. Reje itaria com hor ror até
qu e n os fazem lmert::.Ssa r pel a felicidad e ou m ist:ria do s ou
1111.11-;ina r tão exec rável intenção ; e se pu desse imaginar-se
tro.'); mas nã o há ne nhuma que, de um modo tão distinto, 1,1pn de tama n ha en ormida de , começari a a ver-se com o
nos leva a convcr tcrmo -n05 cm instrumento de uma ou ou 1111•.-. 111 0 ódio co m que vira a pessoa qu e fora o objeto de sua
tra . O amor e e5tima produz idos pela co nvivência e hobitll;d 1\ 1·r:,;ao.Mas co m o ressentime nto ocorre exatame nte o opos-
ap rovação mútua necess ariamente nos levnm a regoz ijattno t11· st: a pessoa que no s infligiu uma gra nde ofe nsa 1 porque ,
nos com a boa sorte de qu em é objeto de tão ag rad {J\rl'I" p1u (,:.-.cmp lo, as.sa.ssinou no:,su pa i ou no sso irmão, pouco
emoções , e , co nseqüentemente 1 a vol un t 1riaine nte estencll'I ,!,,po i:; mo rresse de febre, ou fosse levada a o cadafalso por
mos a mão para promovê-l a. No~so a mo r, po rém , es tá ple n:1 1lw11n o utro cri me, ainda que isso pudesse abra nda r nosso
men te satisfe ito, aincb qu e a bo a so rte lhe venha sem ,1 1 11 llo, n~1osatisfa ria inteiram en te nosso ress entimen to . O rc s-

nossa ajt1da . Tudo o qu e esta pai xão mais deseja é vê•lo lc· 11t11 imenlo nos incitaria a des eja r não apen as o cas tigo , mas
liz, in dep ende n te ment e d o autor de sua pros perid ade. Toe.ln qlu· o castigo resul tasse de nós mesmos, e p or conta p recisa -
via , a gratidão não se satisfaz d essa maneira. Se a pesscx1 ,1 1111•111<.: ela ofe nsa de qu e fomos vítima s. O ressentim en10 não
q uem elevemos muila s ob rigações fica feliz sem nossa i nu: 1 ,'l,llisfaz plen amente, a não ser que o ofensor não ape nas

84 TEORIA DOS SFA77ME1'TOSMOR/\/.\


W(G'UNDA PARTE 85
pade ça por su a vez, mas q ue pad eça po r causa desse mal e~
pec ífico que nos fez so frer. É rn:ct:ssário que se arrepe nda r n'I que de la têm conh ec imento , e, po r tal mot ivo lhes rego 1.i-
se lamente prec i5amente daquela ação , de medo q ue outro:-i l11vê-la pu nida.
por med o de merecere m castigo se mel hante , se a terrorizem 1. Assim como simpa tiza mos com a a legria de nossos
1 r1mpanh eiros quand o p rosperam, també m nos reunimos a
de incor rer em ig ual cu lp a. A natural satisfação dessa paixfü1
ten de :1. produzir por si mesma rod as as finalidades polítJca11 1•k..:;na oomp lacê nda e satisfação co m q ue, natura lmen te, jul-
ela puni ção: a rege neração do criminoso e o exemp lo pa ra o J-t11 m o que é a cau sa de sua boa sorte . Pa rtilham os do amo r
11 afe içã o que po r ela concebem, e també m co meça mos a
públ ico.
G ratidão e ressen timento são , po rtan to, os senrime nro~ ,on:1-la. l ame ntaríamo s po r seu be m se fosse destru ída, o u
que mais imed iata e diretamente nos incitam a recomp e nsar 111 t,')mo se estiVesse muito d istante e fora do alcan ce de se us
e a puni r. A nós , po is, pa re cer á merecedor de recom p en:;:i 11lidados e jJroteçao, ainda qu e nad a pe rdess em com sua au -
qu em pare ça obje Eo próprio e aprovado de grati dão ; e co mo ~í"ncia, senão o prazer de cont emplá -la . Se t: um hom em qu e
me recedo r de castigo , quem o seja d e resse ntiment o . 1H-.imse tornou o afortun ado instrumen to da felicidad e de
'lt'US irmãos, o caso é :1incb. mais pec uliar. Qua ndo ve mo s
111li.' um home m é socorr ido, proteg ido, tran qüil izado po r
H111ro, noss::i simpat ia com a felicida de d a pessoa ass im be-~
CAPÍTULO II
Dos objetos apropriados de g ratidão e ressentime nto ndi ciada serve un icamenre para anima r nossa sol idari edade
p,1raco m a gra tidão qu e expe rimenta pe lo benfe itor. Quan-
Ser o ob je to próprio e aprov ado de g ratidão , bem como do fitamos a pesso a que é cau sa desse prazer co m os olhos
de resse ntimen to, n ão pode sign ificar nada senão se r oh í(..'IO • lllll os qu ais imag ina mos de ve fitar o ourro, seu be nfeitor se
daq ue la gr'..ttidão e d aq uel e ressen time nto qu e , n arura lmenw 1111~apresen ta so b a mais en cantado ra e amáv el das luzes .
parece apropr iado e a prov ad o. Portanto , s impa tizamos pront a men te com o afeto gra to q ue
1 , ,nccbe por essa pessoa à qu al tanto deve, e, em con seqüê n-
Mas es tas, com o tod as as d ema is pa ixões da naturcz;1
t l,1,aplau d imos as retn bu ições qu e está disposto a concede r
human a, pare cem apropri adas e aprova da s quando o cor..,
çào de cada espec tador imparc ial simpa tizar inteiramen te co111 1111 lol) bon s serviços que lhe foram prestados. Quand o corn-
p.111illtamos sem re::.erva do afe to que or igina essa:; relribui -
elas, quando cada obs ervad or in diferen te delas parti cipa l'
part ilha inteirame nte . \Lks, forço samente nos figu ram muit o aprop riadas t: adeq ua-
Pmtanto , parec erã merecedo r de recompensa q uc 111 il11s ao se u obje to.
pa ra alg um a pessoa ou pessoas, é o ob jeto natu ral de u 111 ,1 2. Do mesmo modo , :1ssim como simpat izamos com ~
1l 1 11 de nosso próx imo se mp re que prese n ciamos sua aflição,
grat idão que tcx:l.ocoraçao hum ano este ja disposto a ex pt.:11
men tar, e , po r ~Sfil razâb, a ap laudir; e , de ou tro lado 1 pa 1v t.11 11bém pa rtilha mo s d e seu horror e aversào po r tudo o q u e
ccrá merecedo r de pun ição qu em, da mesm:l. mane ira, é o i motivar. Nosso coração,assimcomo adota sua dor , palpitando
ob jeto na rural 1 para um a pe sso :1 ou pes soas, de um ressenti 11,1 mesma cadênc ia e m que e la, também se seme anímado com
, H'(L' espírito co m qu e se esforç a para afastar o u d estruir a cau-
menta que o pe ito ele tod o h omem sensa to está p ronto ,1
1 dessa d or. A solida riedad e indo lente e passiv a com que o
ado tar, solid arizando-se co m e le. A nós , se m dúvida, parCCl'
11 om panhamos em se us sofr imen tos pron tamente toma -se
rá me rece dora de re co mpe nsa a ação que todos os q ue e<1
, -.~i.•sentimento mais vigoroso e ativo com o qual part icipam os
nhecem dese jariam reco mpe nsar, e po r isso se aleg ram <.·11 1
ver recom pensad a; e com a mesma segu rança parecerá nw lt• -.cus esforços para os repe lir, ou pa ra satisfazer sua ave rsão
rece d ora de p uni ção a ação co m que se zangam co m rodm u 1 ! 1ucos ocasio nou. O caso é ainda mais imenso qu an do é um
,1•1 humano a ca usa d os so ftim ent os. Qu an d o vemos um ho-
86 TEORIA DOS SEl\'17.MENTO S MOR.ti/ ,\ \l({ ,'UNDA PARTE 87

mem oprimido ou ofendido por outro, a simpatia que expt CAPÍTULO III
rimentamos pe la aflição do sofredor parece servi r apenas pa Quan do não há aprova ção da conduta da pessoa que
ra anim ar n Ossa so lidariedade com seu ressenlimento contr :1 , 111,j
'ere o beneficio, há pouca simpatia pela gratidã o daquele
o ofenso r. Reg ozija-no s vê-lo atacar por sua vez seu aclvl.!r ,111eo recebe;e, inversamente,quan do há desaprovação dos
sãr io, e ficamos ansios os e dispostos a ajudá- lo, sempre qut· ,11otivosda pessoa que co mete o dano, não há nenhuma
tentar defesa, ou, em ceita grau, até mesmo vingança . se o espécie de simpatia pelo ressentimento de qu em o sofre
ofendi do pereces.se na luta 1 não apenas simp atizaiia mos com
o rea l res sen timento d e seus amig os e pa rentes, mas co m o De ve-se ad verrir, entretan to , que po r ma is benéficas, de
imaginirio ressentimento que em nossa imag inaç::'ioempre:-; Hill lado , ou por m ab da no:sas, po r oulro, que pos sam se r a~
t::tm os :10 mo ita , que já não é capaz de se nlir ne nhum a ou1.r:1 •\·llc.'.-ida pessoa q u e age para a ou tra pes soa sob re qu e m (se
emoçã o hum ana. Mas níl medida em qu e nos coloc.:1mos n:1 U l l pcrrn item a expressão) se atua , se , no p rime iro caso, pa -
sua situa ção. na medida em q ue entramos, por assim d izei ll'll' não haver propried ad e no s moti vos do age nte, se não
no se u corp o, e em no ssas fantasias, de ce 110 modo , an ima pll(k.•nnos compartilhar cios afeto s qu e influenciaram su~l co n-
mos novam en te a disforme e decomposta carcaça do mo no d111 a , tere mos pouc;i simp <Hiacom a gra tidão cb pesso;.1 que
quando dessa maneira mostramos seu caso para nosso pró li'< L'be o benefício. Ou se, no outro caso , pa rece nào haver im-:
prio peit o, nessa ocasião , como em muitas ou tras, expcri
p1opnedade nos motivos do agente, e se, o contrário, os afetos
mentamos uma emoção que a p-~ssoa d iretam ente atingi da t
qll l' influencia ram sua conduta são tais que ne cessariame nte
incapaz de experimentar, a qua l 1 contudo, ex perime ntam o.,
di·k.·scom partilhamos, não teremos ne nhuma simpati a com o
por uma ilU5ória solidariedade p ara com ele. As lágrima .,
n•,.;entimen to do sofredor. No prim eiro caso, parece pouca a
com passivas que derramamos pela imensa e irrepar-.ível pc,
-"1,1 1iclão dev ida, e todo o tipo de ressent imento parece injusto
d a, que em nossa fantasia o mor to par ece ter sofrido, n::1o
,uI o utro Uma da s açõe s parece merecer pouca recompensa, a
são senão uma p eq_uena part e de no sso de ve r para co m elt.•
11111ra , não merecer nenhum castigo.
A o fens a ele que foi vítim a exige, pensamos nós, uma partl
1. Primeí m, digo qu e sempre qu e não pude rmos .simp a-
considerável d e nossa atenção. Experimemamos o ressenli
111.U" c.om os aÍeLOsdo agente , sempre (jLI~ part'C.:t' n ão havn
mento que imaginam os e le de ve ria expe rimentar, e qu e ex
per imenta ria se, em seu corp o frio e iner te, restas se qualqu L'I prnp ricda de nos motivos que infl uenciaram sua co ndu ta,
consciência do qu e se pass a na Terra . Ju lgamos que seu sa11 111,rn1os menos d isp osto s a pa1tilh,1r da grutidõo da p essoa
gue clam a por vinganç a. As próprias cinza s do morto pan: qul' recebeu o benefício de sua s :1çôes. Parece-nos que uma
ce m perturbad as à idé ia de qu e as ofensas sofridas pas::it:111 11•1rlhuiç ,1o muito peq ue na se deve a essa to la e p ród iga ge -
se m vinga n ça. Os horror es qu e supostament e assombram a Ul'rosidade, que confere os maiores benefíc ios pelos motivos
cama do assà.ssino , os fantasma s que, imagina a superstiç:lo, 11111 1:,;triviais, e concede uma pos ição a um homem apen as
erguem-se de seus túmulos p ara ex igir ving an p conr~ o~ porq ue se u nom e e so bre nome por acaso são os mesmos
q ue os levaram a um fim prema turo , tudo isso obedece ~ ljll l' os do doa d or. Tais favores não parece m ex ig ir uma re-
natural simp ària para co m o imaginá rio ressen llm ento das v1 11111 1pensa propo rcional. ~ osso desprezo pe la insensa tez do
cimas. E p elo m eno s com relação a esse, o ma is execrável Lk ,litt·ntt: imped e -nos de pa rtilhar rea lme nte da gra tidão da
todo.,; os crimes , a natu rez a , antecipan do-se a tod as as refk jtt '.~SO,l que rece beu o bom ofício . Seu berúe itor nos parece
xões sob re a utilidade da pun ição, à sua maneira maroou 1111 Indigno desse se ntimento. Como ao nos colocarmos no luga r
coração humano, co m letras fortíssimas e indeléve is, um,1 d,t pessoa devedora sent imos que nao po deriam as con ceb er
aprovação imed iam e instintiva da sagrada e nec essá ria lei c.l,1 Jll11tH.lt: reverê ncia po r tal be nfeit or, facilmen 1e a abso l vt:mo ~
reta liação . d1· ~rande parte des sa subm issa vene ração e es tima qu e nos

88 TEORIA DOS SEN7 1MEJVTOS MO/?A/ ,\


\/1'(,'UND
A PARTE 89
pareci am devidas a alguma person alida de mais res pei tável; i.'
1(1guidor ou se u juiz. A ten<l2ncia natura l da justa ind ignação
de sde qu e sempre trate seu amigo mais frágil com bondad<.'
,l~·stt:5 con tra tão vil c.-iminoso é, com d eito , a mais fatal e
e humanid ade , estamos dispostos a perdo ar-lhe a falta ck·
Hlinosa para ele. Mas é impossível qu e nos desagradasse a
ate nção e cuidado que exigiríamo s de um p rote tor mais di g
lc•ndência d e um sent imento qu e, se ap licarm os o caso a nós
no. Os príncip es que amontoaram profusamente fortuna , po
de r e honrarias d e seus favo ritos, rarament e susc itaram esSt • Ull.'Smos , sentimos que não po d eríam os ev itar de ado tar.
grau de assentimento às suas pe S$0aS, de que muitas vezt.·~
de sfruLa1<tm os mais fr uga i.s em se us favores. A be m-intencio
na da, ma.:, pouco jud iciosa, prod igalidade de Ja ime I da Gr:I CAPÍTULO IV
Bretanha • parece não ter atr:1ído n in guém par-J. a sua pessoa; Recapitulação dos capítulos an teriores
e esse p ríncipe, apesar de sua dispos ição socia l e inofens iva,
par ece ter vivido e morrido sem um só amig o . Tod a a fidal 1. Não simpa tizamos, po is, inteira e since ramente co m a
guia (gentry) e a nobreza (n obility ) da Inglaterra expô s sua ., µratidão de um ho mem para com o utro simp lesm en te por-
tJll C esse ou tro fo i causa de sua boa sort e, a n ão ser que co n~
vidas e fomma s na causa de seu filho, bem mais moderado ,.
• 1 >rdemos inte iramente com os motivo s que o imp ulsiona- .
cé lebre, não obstante a frieza e distante g ravidad e de sc:11
comportamento habi n1al. r.un p ar.a isso. Nosso coraç ão de ve adüfar os p rincíp ios do
2. Segundo, digo que se mpre q ue a condut a do agenh .' llle , e conco rda r com todo s os afetos que influe nciara m
••Hl.'."
'4!1.i condu ta, ant es de pod er simp atizar int eira ment e co m
parec e obed ece r inteiramente a mo tivos e afetos qu e com
1 k•, e aco mp anhar a gratidão da pessoa ben eficiada p or suas
preende mos e aprovamos de rodo, não temos ne nhu ma t::i
pécie de simpmia com o ressentimento do .sofredor, por mai o1 ,1~·ôcs. Se a cond u ta do b enfeit or não par ece aprop riada , por
qu e possa te r sido o dano a ele feito. Qu ando du as pess oa~ 111:ií-. benéficos que .sejam seus efeitos , não exige , nem par e~

br iga m , se tomamo s part ido e adot amo:; inteirame nt e o res 1t' forçoso reque rer, uma recompensa proporcional.

sentime nto de u ma de las, é impossível com partilharmo s do Mas qu ando à ten dência benéfica da ação vem se so mar
da outra . Nossa simp atia peb pessoa co m cujos mo tivos sim 1 prop rieda de do afeto do qu al procede, quando simpatiza-

patizamos , e a q ue m portanto julga mos estar com a razão, sb 111 0~ inteiramente e partil hamos do s motivos d o agente , o
pod e nos endu rece r contra toda a so lidariedade para com a 1111 ,or que co ncebem os por e le enqu anto tal estimu la e vivifi-
outra , a quem necessa riame nte julgamos estar errada. Por isso, 1 ,1 nossa solidariedade com a gratidão dos qu e de vem a su a

1udo o que es ta última te nha sofr ido , e nquanto não ex cedei 11ro~pe rid ade à sua boa cond ut a. Suas ações pa recem en tão
o que nós próp rios teríamos dese jado qu e ela so fresse , cn 1·xigir e, se me penn ite m dizer, clamar po r um a reco mpensa
qu anto não excede r o que nossa so lidár ia indign ação no s inci prc1porcio nal. Ent ão partilha mo s inte irame nte a gra 1idão qu e
tari a a infligir a ela, nã o po de nem desa gradar nem nos pro ,, outorg a. As:;im, ao simpa tizarmos com o senti.me nta que
voca r. Q ua ndo um assassino des uman o é levado ao caclafal promove a reco mp ens a, ao aprovarm o-lo, o benfe itor nos pa-
so) ainda que sinta mos a lguma compaixão por sua de sgraç, 1, H' l 'C o bjeto aprop riado de recompe nsa. Ao aprova rmos e com-
não pode mos te r nenh uma .:,impatia po r se u ressen timento, M: p.ir1ill1:1rmoso afeto do qual proce de a ação , necessar bm e n -
come tesse o ab surdo de expressar a lgo assim co ntra seu per 11• aprov ::imos a ação e con side ram os a pe ssoa parn qu em tal
,1~·,to se dirige co mo se u ob jeto próp rio e adequ ado .
2. Da mesma mane ira, não pod em os simpatizar em absol u -
* Jaime Stu art, ou Jlim e VI da Escócia, Sllcessor de Elizabeth I, ascen 11) como resse ntim ento de um homem contra out ro meramen -
dt=uao trono ing lês em 1603, legando-O com sua morte, e m 1625, ao filho,
11' porque este outro fo i a causa de seu infortúni o , a não ser
Cario:;"1. (N , e.la R. T.)
lj\ll.' o te nha causado por motivos que não oonseg uimos com -
90 TEORIA DOS SENTIMENTOS M OJW\ \J<'<,'UN
DA PARTE 91
precndcr. Antes de podermos adotar o ressentimen to do M 1 p.11ia indire ta com a gratidão de quem recebe o benefício de
fredor, devemos d esaprovar os motivos do agente , e pcrc cht·1 ~uJs ações.
que nosso coração renuncia a toda a s impatia para com º" Em diferentes ocasiôes podemos di stingu ir claramente
afetos que influe nciaram sua cond uta. Se estes n5o pare c1..·111 1•~~1s duas emoções diferentes, comb inando-se e unindo-se
inadequados, po r mais fünesca q ue seja para aqueles con11,1 1w nosso senso de mérit o de um caráte r ou ação particular.
quem é dirigi da a rendênc i;:ida ação que proce de d e tais l Ít• i,)u::mdo lemos na h istór ia sob re a ções de gra ndez a própr i;-ie
tos, a ação em s i mesma não pa rece mere cer n en hum castigo, lwnéfka do esp írito, com que ze lo pa rtilham os de tais desí g-
ou ser objeto próprio de nenhum ressentim en to. nios! Co mo nos an ima a eleva da ge nerosidade que os or ien-
Mas quando ao sofrimento provocado pela ação vem M t.11Co mo dese jamos seu bom êxiro! Co mo sofremo.s com seu
som ar a impropr iedade do afeto da qual procede, quando l1,1cassot Na imaginação, tomamo-nos a própria pessoa cujas
nosso co ração rejeita com ho rror toda a solidarieda de pai ,1 ,1~·õesnos são represen tadasi nossa fan tas ia nos transporta
com os motivos do agente , simpatizamos sincera e intei r,1 ,n,.~ cen ários daquelas distantes e esquecidas aventuras, e ima-
mente com o re ssen timento do sofredor. Tai s ações paree<.:
111 Hlnamo-nos d esempen hando o papel de um Scip io ou Cam i-
e nt ão mer ecer e, se me pe tmit em dizer, clamar por um ca.!ill lo, um Timóleo ou um Aristide s. Até aqu i nossos sen timentos.
go proporcional; e compartilham os inteir-J.menre e assim apio li\' funda m sobre a simpatia direta pela p esso a que ag e . Mas
vamos aque le ressentimento que tend e a infligi -lo . Ao simpa 11ossa simpa tia pe los que recebem o benefício dessas ações
tizarmos com o sen timento q ue conduz à puniçào , ao ap10 11,10é menos sentida . Sempre que nos colocamos na situa ção
varmo-lo inteirament e, o ofensor for çosame nte nos parece o iiL'Stesúltimos , com que ardo rosa e afe tuos a solidariedade par-
ob jeto própr io de cast igo . Também nesse caso, ao aprova, iIlhamos de sua gratidão para com aq ueles que lhes serviram de
mo.s e partilh armos o afeto do qua l proce de a ação, necest,:1 1n:1neira t.:1.oessenc ialt É corno se abraçássemos, junto com eles,
ri m11t:nte aprovamos a aç-J.o e cons ideramos a pessoa con t1,1 Hl'U be nfeitor . Nosso coraçao simpatiza promamenre com os
a qu al tal ação se dirigt: como ~eu objt:Lo pr6p1io e adeq uado, 111:tisex lremos arrebmamemos de sua gra ta afeição. Nem lio n-
1,1:; nt:rn recompe n sas, pensa m os, seriam gra ndes o basta nte
p,u-J.1..:onferir-lhe . E qu ando retr ibuem ad equa da mente seus
CAPÍTULO V l,1vores, .sincer an1cntc os aplaudimos e os companilharnos. Mas
.4 aná lise do senso de mérito e demérito lk :unos desmed idam en te escanda lizados se po r su a conduta
, kmo nstram pou co se nso da s obrigações que lhes foram im-
1. Assim co mo, pois, nosso senso de propriedade d, con postas . Em resumo , todo o nosso se nso do méri to e bom me-
d uta surge do que chamare i s impatia dire ta com os afetos t ' 11• c..ime nto de tais ações, ela co n ven iê ncia e just iça de as re-
mot ivos da pessoa que age, nosso sen.~o de seu mér iro n::is('c• 1 ompensar e de fazer alegrar-se , por su a vez, a pes.soa que as

do que chamarei uma simp at ia ind ireta com a gratidão da pL'.'i t'Xécutou , surge das emoções so lid árias de gratidã o e amor
soa sobre a qual. se ass im posso d izer, se agiu . t 11111que, quando adotamos em nosso peito a situ ação das pes-
Como não podemos, rea lmente, compartil har inteiramen ~oasp1incipa lment e afetadas, sen timo-nos natura lmente trans -
te da gratidão da pessoa que rec."ebe o benefício , a não s~, po1tados para o homem que pode agir com tão pettinente e
que de antemão aprovemos os mo tivos do benfeito r, assim 1 nob re be nemerência.
por causa dis so , o senso de mér ito parece ser um senr imen 2. Da mesma mane ird. como nosso senso da improprie -
to compos10, cons tituído de du as emoções distin tas; um:i dncleda conduta surge da falta de simpatia ou de uma direta
simp a tia diret a com os sentimentos do agente, e uma s im 11111ipatia com os afetos e m ot ivos do agente , também nosso

1f1,'f/NDA PARTE 93
92 TEORIADOSSEN17MEh70SM0/11111

senso de seu demér ilo surge do q ue chamarei igualme nt e u111,1


111,"~ºse nso e sen timento d e seu ma u me reci m ento, da con-
11:ncia e justiça de se infligir o mal à pess oa cu lpada, e de
1 11
indireta :;impatia com o r~~limento do sofredor. 11111hémfazê-la sofrer, surge da so lidár ia in d ignação que
Como certamente não po de mos pa rtilhar do resscn11
n 11uralmeme ferve no peito do espectador, sempre que as-
mento d o sofre dor, a não ser que no.sso coração de antem: to 11111l'inteira mente o caso do sofredor~.
desaprove os motivos do agente e renuncie a toda a so licl,1
rieda de com ele, o se nso de d em érito, be m co mo o de mé rl
to , pare cem ser um sentimen to co mpo sto , const ituído eleclu:1" l Atribuir cie~1l mandra nm,.-;o senso 11a1
uml de clcmérito <la.-;açõ:::~
emoções distintas: um a antipa tia direta com os se mim en10~ 11111111
11'1~ a uma simpatia pelo ressent imenl'Odo sofredor talvez pareça , pam
do age nte e uma simpat ia ind ire ta com o resse ntime n to (111 11,tlnrla dos homens, uma degra dação deste sentimento. O ressentimenlo
so fredor. 1,11n umeme considerado um:i paixão tào odiosa, que as pessoas tende-
111111 11 pe nsa r que: f: impo.s5ível um princíp io tão louvável como o do senso
Aqui também podemos, em muitas ocasiões d istint as. cli-. 1, dt•rnl<-ri tn do vício fundar-se, de algum modo, soh rc e le. ~las tah·ez ~
tingu ir claramente as duas emoções diferen tes, com bin an clo -M li 1H11 1ham ma is " adm itir que nosso senso de mé rito das boas ações se
e unindo-s e e m nosso senso de mau merecimento de um <.:,1 hlll Li l)()bre a simpatia pe la gratidão d as pessoas por e las ben e ficiadas, pois
ráter ou ação particula r. Quando lemos nas histórias sob re ,1 M1,HIJ,1o, bem como todas as out ras paixões bene volentes, é cons iderada
1rn princíp io amável , que nada retira da d ignidade d o que sobre ela s(!
perfídia ou a cru eld ade de um Bórgia ou um Nero , nosso cu /1111l,1 Entretanto, sob todos os aspectos, gratid ão e ressentimento evidente-
raç.1o rebela-se cont ra o:; det es távt'is se ntimentos q ue inílui.:11 111 •ltl' ~:l o a contrapartidauma do outro; e se noss o senso de mé rilo surge
ciaram sua cond uta, e renuncia co m horror e abominação ,1 l 1 ,!111paliapor umu, no sso senso de dcmé rilO nào pod e se or igina .r meno s
toda a solida riedade co m tão execráv eis motivos . Até aqu i no, 1, 1olid:1r ieda<lepelo outro.
J\Ck:ma is. consid ere-se qu e o res:.enti m ento, talvez a mais odiosa das
sos sen timentos se fund:1m sobre a an tipatia dir eta para co111 1·•1 ~1)'.'S, nos graus em que com muita freqüência o vemos, não é por nós
os afeto s do agente; e a simpatia indireta com o ressent im<.:11 1, tj)fovado quando , dev idam ent e hum ilhado, rebaixa-se intcirnmcntc ao
to elos sofredores é sent ida d e modo ainda mais ag ud o. Qw11, 1hi1Id.1 indignação solidária do espectador . Quand o n ós. os observadores,
do nos colocamos no lugar das pessoas as quais esses flagl· ullmos que nosso próprio rancor corresponde em rudo ao do sofredor;
111 , 11t10o ressentimento deste em nada excede o nosso; q uando nenhuma
los da humanidad e in sultaram . assassinaram, traíram, quan1.1 1 1l~v1. 1, nenhum gesto , que lhe escapa d1:mota um a emoçào ma is v iolenta
indi gna ção se nrimos co ntra tão insolentes e d esumanos oprc-. 1111 ,t txpcrlmentada por ná; mes mos, e quando de modo algumse propõe
sares da Ter ra! Nossa sim patia com a inevit ável aflição cio~ 11,t li}(1rum castigo, ou ma is severodo que o que gostarfamos de ver infli-
in ocen tes sofredores não é mais real ou mais viva do qu e .1 hl-1,ou, por ta l razão, de q ue desejarlam05 ser, nós mesmos , a; instrumen -
, 1,· .iplicaçi o, é imp oss h·el que deixemos de aprovar inte ir.i.mente seus
nossa solida riedad e com seu justo e natur al resse ntim ento. O 111l 111 ciitos. Neste caso, nossa própria emoção certamente iustificará a dele
prime iro sentimento apenas intensifica o úl timo, e a idéia dr 11,11'>C1S olhos . E como a experiência nos ensina quão incapaz de ta l mode -
sua afliçào se rve apenas para inflamar e fazer ex plodir noss.1 ~1111t.·:1 maioria dos homens, e quà o grande esforço é ne cess.1riopara re-
an imos idade co rnrn os q ue a ocas ionaram. Quando pen~mo-. 11.,11t) rude e ind iscip linado impul so do re ssenrimento :l um temper:iment o
11 h1lmc, não podemos deixar de concebe r wn grau considerável de estima
na angústia dos sofredores , mais av idamen te tomamos o .s1.11 t•l11 1lraçào por quem demonstra ser capaz de exe rcer tamanhodomínio .so-
part ido con tra se us o prc s.sores; in cluímo -no s co m ma is afin 11 111 1i1 tias mais rcvoltC6aS paixões de s ua natureza. Q u,md o ele fato o rao -
co e m todos os seus planos de vingança, e na nossa imag ii~a 1 d1, ..:ofredor excede , como q u:ise se mpre 0<,urre, .io de que pcx:lemos

çào sen tim os, a todo mom e nto, lançar sobr e esses transgn. ..•~ t 111 11lp:,r, uma vez q ue não o oompartilh amos , necessariament e o desapro-
,1rn11'I . Desaprovamo-lo ainda mais do que faríamos com um ígual excesso
sores das leis da soc ieda de o cast igo qu e nossa solidária in 1, •1u11,;c toe.la~as Outras paixões dt::rl\ada.s
clilimaginflção.E c&t:rt:sst:rui -
dignação nos diz ser devido a seus crimes. Nosso senso do 1111 tll!I de masiad o violento, ao invés de nos arrebat:u , ,1cab:1 por se tomar o
horror da med onha at rocidade de cal conduta, o deleite com l•I•11,dc.:nosso próprioressentimento e indignação. Comparti-lhamos o res-
que tom amos conhecimento de sua punição , a indignaç ão qur ,lu1cnto contrário, ou seja, o da pessoa que é o objeto dessa emoção in-
11
1 1 t , ,· que está t:m pt:rigo J e .sofrê-la.
sent imos se escapa à ret aliação devida, em re sumo, todo i 1
94 'TEORIA DOS SE.IV'71ME!.\i70S
M OU1II\ t //IND A PAR TE 95

A vingança, po 11an to, excesso d e! rc~:.c11tirncnto, :.urge como a mab d ctl·~t, ~ 1lht,1dcdesses casos. a nat ure2:i nos orient ou com instintos prim.'irios e
vcl de iodas a.s paixõeF-, e é objeto do ho rror e indigm1çâo d e todos. E cn rnu u1,,11tLO~ Fome , sede, a paixão qu e u ne O..'>
do is s<.-xoo,o am or ao prazer, o
a nwneira em que esta paixão comumcnte se revela aos hcxnens é cem \ ,um :l dor , incitam-nos a 1plit:ar esses meios por si mesmo s, ind ependente -
zes excessiva para cada vez em que é m oderad a, tendem0ti a julgá-la l nh 1 11~ 1111
• de qu alquer co nsidera ção sobre sua tend ên cia àque les fins benéficoo ,
r::un cnl<: dctc :stávcl e odio.sa , por que é a 5~im qu e h ab itualme iitc ~e 1c\t·l1 1(> gra nde Diretor da nature za intento u produzir.
11111
Contudo, mesmo no estado presente de deprnvn ç~o d,i huma ni cb de, :i. nat,1 An1es de con du ir esta nota, dev o ressa lta r a diferença en tre a ap rQva-
reza não parece ter-nas tratado com tanta bm ta hdade, do tando- nos dl' 1,I 1do que é con venie nte e a do que é mer itório ou benéfi co. Ante s de co n-
gum princípio que sep integra lmente, e sob todos os aspectos , mau, ou (1111 rlt 1 1,o~ Laprovaç.lo aos se ntimen tos de urna pessoa co mo ap ropn ados e
cm nenhum grau, ou por ratão nenhu ma, possa se r oUjc to ,1prup riad i;1 111 , q, mlos aos seus objetos, dev emos não 11pcnas nos sent ir a feiado.s do
lou\ ·or e aprovação . Em algumas oosiões, sentimos que esta p aix::1o, cm M 111 -mo modo que cl:t , ma s aind:t pe rceber essa ha rmo n ia e co rre-spondén -
ral dem a siado fone, pode do mesmo modo ser demas iad o fraL'a. Às v(·1, 1• rntr1,;os seus sent ime ntos e os nossos . Assim , qua ndo me inte iras se de
nos Jament.1.mosde que um a certa pesso a demo nstre tão pouco esp írilo, , 1+,111111 :1desgr aça se 11bate1.1 sobre o meu ~imigo, deveria expe rime ntar pre -
tenJw tão pouco se nso dai. ofcn:rns d e que foi vítima; e tã o pron tam en tv ,1 1 1111 mt:smo graude afl!çào a qu e ele se :1.
l ·n 1t· 1.::.,:,~t:: b ando n a, contudo, at e
desprezaríamos pela falta, como a odiariamos pelo exce•so dess.-.pai~-1!1 11,1o,1•iamfonnado da man e ird como se comp01ta . até que perceba a cor -
Segu ramen te , os auto res que esc reYeram por insp iraç-Jo d ivina n ,11 1 111111di?nci a e ntre suas emoções e as m inh,is, n,1ose pode espera r de mim
ter iam falado, nem com 1anta freqüência, nem cem tanta v1:em&neia, da lr,1 1• 1•11prove os sent ime mos q ue go vernam 5L1aco ndu ta , Para se aprovar a
e có lera de Deus, se h o uvesse m co11sidcrndo qu e cm todos os gra us c:1:u 11vl'11lênda , pona mo , é: llt."Cessário nao apen as que slmp atizen10s inte!ra -
paixõ es er:im viciOSàs e más , mesmo nu ma crialum tão fraca e imperfl'lr,1 w 1111 t'tlO l a pe sso::i que age, mas que pcr ceb::imos a '-'Oncor <l.inCLa entre Ós
como o hom em . 1~ "t'lltimem os e os nossos , Ao cont rário, q uando temo s no tícia de um
Considere--se , ainda, que a presen te investigaç,l o não se ocupa de um t ! ut<hdo confe rido a ou tro , seja qual for o mcx.k>co mo isso afeta o ben efi-
questão d e di reito , por ass im d izer, mas de uma questão de fato. Não c.~1., 1 du, l>C, alr ib Liind o u <;a::,o 11 mim , sinto a gra tid ã o ~u rgir cm m e u próp rio
mos an alisando po r ora sobre que p rinópi os um ser txrfeito ap rovar b o l ·.1 1 lhl, fnrço.<.. 1men te aprov o a co ndurn de se u ben feitor, co nside ran do-a mc-
ligo para as m.'is ações , mas sobre qu e princíp ios uma cri.11Uratão fraç., 1 111-1 11111,;objcto apro p riado de recompensa . 5c a pesso a q ue recebe o bene -
t
im perfüita de fato a aprovaria . evidente que os pr incíp ios recém -men cioru 11,111rn ncebc ou não gratidão, não :iltera, clar o, nenhum g rau de nossos
dos têm um gran de efe ito so bre seus se ntimentos, e pa rece sábio que :.( ,1 n1l11 .c11lll.$ 1x::lo mérito dm--1u clc: que: o c..vntç:(.(..: l1. A4ul, pob , n ao E:n ~ce s-
assim. A mera e.'<i&ênciad;1soc iedad e exig iu que a i.mere<:ida e grat uita urnl1 111.1 111rn1 co rrespo r1dênc ia re:11erv re s;e n tim enros. R:;s;ia im:1.gim1r ql•c , caso
eia fosse comida por p uniçõe s ;1cleq uad as; e , por conseq üência . que iníllWr M'llli:-se gra to, haver ia co rrespo ndênci a entre 110ssos sentim entos e os
ub puniçOCs fu::.st' crn::;i<lt:rada uma açtto conve11lente e louváve l. l'ortamo , 114,po r essa raii.l o , n osso se nso de mérit o freqüente men te se fun da sobre
11mhoN1 o ho me m seja n:uura lment e. dota do de um desejo de bem -es t.1r 1 11101 ~11,:ss ~,::,.$imp.1tia:i ilu:.órim,, pelas q uais , qua nd o fazemo~ n rn,so o casu
consen 1ação da socieda de, o Auto r da naturez a não confi ou à sua razão dl'' ,11,n1ho, <;empre somm afetados de uma mane ira romo o princip-.11 interes -
cobrir qu e um a Certa a plicação punitiva cons titu i o me io adequad o par:1 ,11 uh • é Incapaz de se afetar. f-l{i uma d ifere nça aná loga ent re nossa des a pro-
t, mça r c:l>St fim; do 1o u-u, e n tretanto, de um a Imed iata e instin tiva apr0\ ·:1~·.1u !, .h , do de mér ito e a de inconven iênci a
daquela aplic:içào , a qua l é a m:ais :id equada parn a lci.nÇ!i- lo . A esse respd
to, a eco nom ia da natureza tem exatamen te o mesmo car:íter de muh, 11
outras ocorrê ncias. No qu e conce rne a rodo s aqu eles fins, que , por s ua p.1
tJCular lmpominci a, podc:m-::.t:con::.idernr - se me pt:rm item a expre ssào - o,
fins favo ritos eh naturez:t, os ho me ns fornm do::1.dos, não :1pen ;is de um apt'
tite pel as finalidade s que ela propõe , mas igualme nte d e um apeti te pelt ,
únicos me ios pe los quais es.sa fina lidade p.xle realiz ar-se , por cau sa d::sM ~
mes m ru meio s e ind ependc 1m::: 1n::::ntc de s ua tend,?nç ia a produzi -la . As.-,im, ,1
con se rvaçào do ind ivídu o e a pr opa gação da espéc ie co nstituem as gmnd l -
flllalidades que a na tureza parece se ter propost o para formar todos os :1111
m ais. Os homens são dotados de u m dese jo p::>r tais fin s e de uma avers,I 1
pe lo contrál"io; de um amor à vida e: de um h()rror à morte: ; d<: um de::.c]',
pe la con tinua ção e perpetuação cL1 espécie, e de um a .iversjo pe b idéi:-i <~
sua comp leta extinçã o. Mas, embora assim domdos de um forte desejo 1x• 1
ver rea liwdos esses fins, não foi confiado às lerda s e inseguras determin; 1
çõcs de n ossa r.:tulo dc5Cobri r os ineio:5n eces s.iriu; par. 1 tamo . Para a q ua~ •

SEÇÃO II

Da justiça e da beneficência

CAPITULO I
Compamçâo entre aquelas duas virtudes

Ações de te ndê ncia be néfica, que se originam de mot i-


\ ti ., apro priados, parecem merece r unicamente reco mpe nsa;
plll'que só e las são ob jetos apr ovados de gra tidão, ou por que
,11~c itam a gratidão solidá ria do especta dor .
Ações de tendênc ia dan osa, que se originam d e mot ivos
1111 pr6prios , pare ce m as úni cas dignas de punição ; o u por -
qut· ape na~ elas 5ão ob je tos apmvados de ressenti mento, o u
pol'qu c suscitam o rc55cntim cnt o so lidário elo espectador .
A bene ficê ncia é sem pr e v o lunt ária, n do pod e .se r cxtor -
•111ld :1 pe la força , e a mera au sê ncia d ela nã o expàe a n e -
11h urn castigo, porq ue a me ra ausência de bene ficênc ia não
h'tHJe a produzir mal rea l e determinado. Pode decepc ionar
111'1 0 be m que se ria razo áve l espe rar-se e, por essa razão,
pode com justeza suscitar desgos to e desaprov ação; não po -
dl·, entretanto, prov ocar um resse ntimento de que os home ns
, 111 npa11ilhe m. O homem que não rec omp e nsa seu ben fe itor,
quando está e m seu poder fazê-lo e seu benfe itor precisa de
,11,1ajuda, ~t.::mdúvi cla é cu lp ado ela mab n~gra ingr atidã o . O
t I lr.ição de qu alqu er es pe ctado r rejeita to da a 5olidarie dade
11,11 "-1 co m o eg oís mo de seus mot ivos, tornando o objeto apro -
pd:1do da mai or des,iprova çà o. Mas mes mo ass im não pro -
\Ot':l dano de finido em ning uém. Apenas de fato não faz o
l,~·mque com prop riedade dever ia ter feito . É objeto de ódio,
11,dx~lo naturalme nte suscitada pela incon ven iência do sent i-
TEORIA DOS SEVTIME'v70S M O/1111\ I 1 ,IJN[)A PAR'lE 99
98

mento e componamento, n~o do rei:>Se


nlimento , paix ão G 111 111·011..-dcs aprovados. É, porta nto, objeto aprop riaUo de re.s.sen~
sa cia prop riamente apenas por a ções qm: te ndem a provoc11 th111•1110 e de punição, esta , .1 conseqüência natural do ressent i-
dano re al e ev id ent e em algumas p essoas dete rminada s . Su,1 11!11010 Na med ida em que os ho mens ace itam e apr ovam a
falta de grat idão, porta nt o, não pode se r pun ida . Obrig t'i-lu ' n~ia ~mpr ega da parn ving,1r a m:.tl ca usado pe la injusti-
111k
pela força a cumprir o que deve ria cu mpri r pela grntidâo i • c 111a1s amda deve m aceitar e ap rovar a que é e mp regada
ca da espectador impa rcial aprova ria se assim o frzesse - ~,· 1111,1 prevenir e repe lir a ofen sa, coibindo o ofensor de ferir

ria, se poss ível , ain da mais impróprio do que sua ne gligC-n • 11,,-"K:m elhantes. A pessoa que premedita uma injustiça sa-
eia Seu henfeitor ficaria desonrado se tentasse coagi- lo ,l h1 d1sso, e se nte que a força pode , co m a ma is extr ema Jegi-
gratidão, e se1ia impertinent e que um terce iro qualquer, q11t· umltlade, se r usada tanto pela pes soa a quem está na iminên -
não fosse superi or a nenhum dos dois, interm ediasse . Mar, Ll dl' ofender , co mo po r ou tras ; quer a fün de obsuuir a exe -
de todo s os deveres da be ne ficê ncia, os que a gratidão no ... 11~,to de seu crime, que r para pun i-lo ap ós rê-lo executado,

reco menda são os que mais se ap roximam do que chama 1 11obre isso fundamenta-se a not áve l distinção entre justiça e
1 1d l~ .15 outms vim1Je5 socia is, em q ut.::ultimam erne insistiu
mos pe rfeita e co mp leta obrig ação . O que a amiza de, a gL'
nero sidad e e a caridade nos levariam a fazer com unive rsal p 111l r ul:1rmen te um ator de grande e original genia lidade*, a
aprovação é ainda mais vo lunt áno, e menos passível aiml11 1lwr·: que sentimo -nos sob a obr igação mai s es trita de agir·
de ser extorq uido pe la força, do qu e os deveres da grnlich\o ,11 ;1eo rdo co m a justiça, do que seg undo o q ue é ::igradáve l
Falamo ::,d t: dí vida da gralidào , não de caridad e, genc ros id:1 1 ,nnizade, caridade ou gen eros idad e; q ue a pr át ica das vir-
d t:, nem m esmo de amizade, se a amizade é mera es tima , ~• llldl s recé m-menc ionadas p arece ter sido deixa da em certa
não foi ap rimorada ou dificu lta<l:::ipela gratidão por bon,'I 1111•did a à nossa própria esco lha, mas que , d e um mo do ou
dr ouLro,sen timo -nos de man eirn peculiar atados, forçados e
prést imos .
• ,1•ligados ao respeito à ju stiça. Isso quer d izer que sentimo s
O resse ntim ent o parece nos te r sido d::ido pe la natureza 1
0, com a mais extrema leg itimid ade e com a aprovação
1111
para defesa, e apenas parn defesa . É a salvaguarda d a jus ti~\1
1,' 1odos os homens , pode-se empregar a fo rça para constra n •
e a seguran ça ela inocên cia. Incita-nos a repe lir o ma l qul'
nos tentam faze r, e reta liar o q ue já nos fize ram ! de modo
1
~ _· \/):;>~=
1
~~:~ :var as regrd.s d e uma, mas não a segu1ros pre -
q ue o o fensor seja levado a a rrepende r~se de sua injustiça,~·
Scmp re deve mos, entre tant o, d istin gu ir cu idadosa me nte
nos ou tros o medo de castigo semelhante insp ire-se o tenu 1
1 Hll' c o que é ap enas censu rável, ou objeto ad eq uad o de de-
de ser culpado de semel han te ofensa. Portanto , o resse nti
,q,mv açâo, e a f~rça que se pode empregar que r para pu nir,
mento deve ser reserv ado para esses fins, e o espectador nao
lj l ll ' I para prevern _r. Parece ce nsur:-'ível o q ue carece do grau
pcxlerá parti lhar d ele caso obede ça a q ualq uer omra fmalid:i 1 nn1 um de a propri a d a b enefi cênc ia, a qual a expe riên c ia nos
de. Mas a mera ausênci a de viltu des beneficentes, emb m, 1
, n~lna a esper ar ele rodos; e , ao co ntrári o, parece louváve l o
possa nos decep cionar quanto ao bem que se ria razoável e~
q11,· cx~ede esse grau comum. Em si mesmo, esse gra u co-
p e raí-se, n ão p rovoc a, nem te nta p rovoc ar, ne nhum mal do
11111m _nao se °: os t~a nem cens uráv el nem lom·áv el. Um pai ,
qua l tenham os ocas ião de nos defender. 1 filho, um 1rmao, que se compo rta com seu respe ctivo
1111
IIá, entret anto, outra virtud e cuja observância não se k: p,lll'ílle nem melhor nem p ior do que é o habit ual para a
ga à liberdade de nossa própria vo nta de, mas, ao co n tr:-írio, m,dmia dos homens , nao dem o nstra merece r p rop riamente
pode ser extorquida pe la força, e cuja vio lação expõe ao res
sent imento e, co nseqüe nte me nte, à pun ição . Essa virtude é a
justiça, e violá-la const itui ofensa, pois assim se fere real e cb ' Lorde Kamcs (Henry Home), um dos amigos de Smith, citado por
ramente algumas p essoas determi na das , por motivos natural 1h11-1,
1kl S1cwart (cf . p , >.VI). (J\".d J R. T.)

11,/ lf\f)A PAR7E 101


100 TEORIII DOS StWTIMENTOSM O/1..11\
11111, -.tlç:1, mas de promo ver a prosperi da de da República ( com-
n em e logio ne m cen su ra. QL1e m n os surpr ee nde por uma l':\ ,,1111111 ealth). estabelecendo boa disciplina e desenco rajand o
1rao rd inária e ines perada bon dade , embo ra a i.nda ap ropri :ul.1 , I, ~011ede vício e d e inconveniência; pod e, portanto, p res -
t:!adeq uad a, o u que , ao contrário , po r uma ex trao rdin.fü·l.1 , 11Vt'I' regras, proib indo não apenas as mútuas ofe nsas entre
inesperada, adem ais, inad eq uada, crnd dadc , pa rece clogl.1 t oncidadàos, mas o rdenando, em certo grau , ajudas recí-
ve l num caso, e censuráve l no o utro . 111"-·ai,. Quando o sobera no o rdena algo apenas indiferent e,
M esmo o grau mai s comu m de bondade ou bene fict'11 •pu.· previamen te ãs suas o rdens se po de ria om itir se m qua l-
eia, porém, não pode, en tre iguais , ser extorquido pe la for,·,, 11111r cnsura , desobedece r toma ~se _m lo apenas censurável mas
Entre iguais, cons ider a-se que cad a indi vídu o tenha, natur;d 1 P1 'i1vd de cast igo. Logo, qu and o ordena algo que , am eri or-
ment e e prevü 1mente à in stit1.1ição cio governo civil rnnlo 11 •111 1n h.: a qua lquer uma dessas ordens, não se pockria o milir
dire ito a de fe nde r.se de o fen sas, como o d e ex igir um ct•t' 1t1 , 111 Incorre r cm grau de censura , certa m e nte se torna aind a
grau de puni ç.ão para os que as caus aram. Todo espec tadrn 10.d •, pass ível de rn stigo pela falta d e obed iência . De todos
ge neroso não apena s aprova sua con duta quando isso ocorn·, 11• dL"v e res do leg isb dor 1 este, porém, talvez seja aque le cuja
maspartilha de tal maneira de seus sentimentos que não nu,, • 1(1 •cuçào :r1propriad;1 e jud ic iosa ex ija maior del icadeza e re-
de seja ajudá -lo . Quando um ho m em. ataca, roub a ou ten1,1 1 t \ :1. 'Jeg lige nciá-lo expõe to da a Repúb lica :1 mu itas grave s •
assassinar ou tro, todos os vizinhos se alarmam e pensa m qu r 1!.•"ordens e ofe nsivas eno rmid ad es, e levar isso mt1ito adia n-
agem correta men te ao correr, seja par a vinga r quem fo i oft:11 !1 e· destni tivo para to da a libe rda de , seg uran ça e justiça ...
dido, seja para defender qu e m está e m perigo de ser. A u111 Embora a mera a usência de beneficênc ia não pareça
pai falta o g rau comum d e afeto pat ernal em re lação a u111 1111•1c cer punição po r parte dos iguais , as maio res prátic as
filho; um filho parece des prov ido da füial reve rên cia qllt' d,•~s:1 virtude parecem merecer a mais a lta recompensa. Uma
seria d e esperar para com seu pa i; innãos carecem do grau \l' t, q ue prod u zem o bem maior, são obje tos natura is e a pr o-
usu al de afeto fraterno; um home m fecha se u pe ito par a ., \ 11tlos ela m ais viva gra tid ão. Embora a infração à justiça, ao
compaixão, recusand o·se a suavizar a desg raça de seus s1.• , t 111 lr ário, expo n ha à puni ção, a observânc..ia das regras des•
me lhantes, embora o pu desse fazer com grand e faci11dadl' i virtude parece não merecer q uase nenhuma recompensa.

em todos esses casos, ainda que todos cens ur em a co nclu1:1 , 1•111 dúvida, há conveniê ncia na prátic a da justiça, e essa prá-

nin gué m imagina qu e os homens qu e talvez tivessem razfü, lh . 1 merece, por con segu inte, toda a aprova ção d evida à con -

de espt:rar mais bonda de poss uam qua lqu t:r dirdto dt:! a ex \1•11lt·ncia . Mas como não promove nenh um bem pos itivo, tem
l orq uir pda fo r ça. O :>ofredor 5Ó pode se q ueixa r, e o es JX:(
,Ihcito a muito pouca gratidão. A mera justiça é, na maior pa r-
cador pode inter media r un icamente por co nselho e pc rsL1,1 11 • tlJs ocasiões, apenas uma virtude nega tiva, po is apenas nos
1111p ,,;de d e ferir nosso vizinho. O hom em q ue tão-so mente se
são . Em todas essas ocasiões, julgar-5e-ia que co nstitui 11
.11,...,té m de violar a pessoa 1 a propri eda de ou a repu tação de
mai s allo grau de insolê ncia. e presu n ção igu ais fazerem u :,:;11
111.·us vizinhos certame nte tem muito pouco mé rito pos itivo .
da força um contra o outro.
t ,umpre, no e n tanto , todas as reg ras do que é peculia rmen te
A esse respeit o, um sup e rior pod e por vezes, com a pro 1 h:11nadojusliça, e faz n1do o que seus iguais podem com con-
vação un iversa l, obr igar os que estão sob sua jurisdição ~•
portar-se co m certo grau de co nveniê n cia recípr oc:,1_ As l(;I-.
ele tod as as nações c ivilizadas ob rigam pais a sustent ar seu~ • Note--se. po is, que a .<l:mçiio moral apenas ;id quire forç;i de lei peh
filhos, e filhos a sustentar seus pais, e impõem aos ho me n~ Yiln1a<le do leg!Slador. Entretanto , acrescenta Smith, é necessário que esse
11J.lblador seja judicioso, JSIOé, não confunda seu d ireito de baixa r leis com
outr os deveres be ne ficentes. Ao mag istrado civil é co nfiado 11 u.~o da p !'erJ"Ogativae, por cx tc:m;ào, co m o podt:r absu lulo (N. da R. T.)
o poder não ape na s de co nservar a paz públic a, co nten do :i
102 TEORIA DOS SEN71MENTOS Af( JU1 1 ,'V/ )11 PARTE 103
veniência forçá-lo a fazer, 01.1 que o podem punir por nào f;1111 ,l11"t,L' como é mais adequ:1.do para cuidar de si mesmo do
Freqüen temente podemos cu mprlr todas as regras da jusll~ 1 11 qu:dquer outra pessoa, é adequado e correto que faça
sentando-nos, quietos e sem fazer nada . IIH Portanto, todo hom em está muito ma is profundamen -
Como tudo o que cada homem faz lhe será feito, a wl 1 lnl<'tc.:ss ado no que diz respeito imed iatamente a si,. do
liação parece ser a grande lei que nos dita a natureza. J ulH1 1111 no que d iz respeito a outro homem qualquer ; e talvez
mos que beneficência e generos idade são devidas ao ~wrn t 1111tíc:i a da morte de outra pessoa com a qua l não tenha-
roso e ao beneficente. A que les cujos cora ções jama is ad1111 11 1•11p ecial ligação nos cau se muito me nos interesse, tire
tem sentimentos de hum anidade não seriam, segund o p1·11 ,1111 111menos nosso apetite, interrompa menos nosso descan -
sa mo5 , ad mitido5 da me.::;ma manei ra pe los afe tos d e l\1d11
1ln que uma insignificante desgraça que se abata sobre
os seL1s seme lhante s, e perrn itir-lhes -ia vive r no mei o dn !'lt ~las embo ra a ruína de nosso pró ximo possa nos afetar
cicdadc como num grande deserto , onde ninguém se im p1,1
111nicnos do que um diminuto infortúnio nosso, nào deve -
tasse com eles, nem indagasse por e les . Dever -se-ia f.1111
" I + 1 urltiná-lo para prevenir esse pequeno info rtún io, nem
sent ir ao violador das leis da jusriça o mesmo ma l que fr, 1
11 1110 para prevenir nossa própria ruína. Aqui, como em
outro ; e urn a vez qu e nenhuma cons ideração pelo~ solt l
, d 11'l os outros casos, devemos nos ver não tanto sob a lu z .
mentos de seus irmãos é capaz de de tê-lo, deveria se r suh j11
111que naLUra lmence nos mostram os a nós mesmos, mas sob
gado pelo medo de seus próprios sofrimen tos. O homem e111
111 1 L·rn qu e nal uralment e nos mostramos aos outros. Em-
é meramente inocente, que apenas observa as leis da ju MI\ 1
u,1 iod o homem possa , :;egundo o provérbio, ser pa ra si
com relação a outros, e meramen te se abstém de ferir -.1 11
1, mo o mundo inte iro, pa ra o resto ela hum anida de é a
próximo, pode merecer apenas que seu próximo, por ~,11
, 1111• tna is insignificante. Embora sua p róp ria felicidade {X>::i-
vez, res~ ite sua inocência, e que as mes mas leis sejam oi
servadas religiosamente com relação a ele . ' 11•1 mr1is importância para ele do que a de todo o mund o
li 111 de si, para e.ida uma da s outras pessoas não é mais
IPviu11e do que a de outro homem qualq uer. Ainda qu e se -
CAPÍTULO[] ~ \ 1•1d:1deiro, por tanto, que todo indivíduo, em seu própri o
Do senso de justiça, de remorso, lrn. 11 :::i
tura lmente prefere a si mesmo a todos o s outros ho -
e da consciência do 1nérito 1111li " , ninguém our;a olhar os outros de frente e declarar qu e
t , -.qN ndo esse p rincíp io. Cada um perc ebe qu e esta p re-

l\"ào pcx:le haver nenhum motivo apropriado para ft•111 1, 111n('ia os outros jamais pod er.lo aceitar , e qu e por mai~ na -
nosso próx imo, nenhum inc1t::unento para fazer o mal a ou 1w,d q ue isso possa ser, deve rã sempre parecer, aos olho.<;
trem, que con te com a anuênc ia de todos os homens , exu li 1•1 outros, e xcessivo e ext ravagante . Qua ndo alguém se vê
to a justa indignação pelo ma l que outro nos causou. P,:1 , 11 f .1 luz cm que sabe q ue os outros o vêem, comp ree nde
turbar sua felicidade tão-some nte porque está no cam inhn 1111• 11:to é, para esses, mais do que um indivídu o na multi-
da nossa própria , tirar del e o que é de seu verdade iro ape 1la ! h 1, t.:m nenhum aspecto melhor do que qualque r out.ro. Se
porque pode ter igual ou maior uso para nós, ou permiti! litl'l~c de modo que o espe ctado r imp arcial pudesse compar-
nos, dessa mane ira, à cus ta de outras pessoas, a preferênd 1 llll111r os princípios da sua condu ta, o que é, entre toda s as
natural que todo homem tem por sua felicida de acima d 1 1 +l"M,, a que mais dese ja ver realizada, deveria nessa e em
dos outros) constitui algo ao qua l nenhum espeaador imp:11 • 11Li.; :1 s our.ras ocasiões , tornar hum ilde a arrogância de seL1
cial pode aceder . Sem dúvida, mdo homem é por natun:i' 1 111 11ir c.le si, reduzindo-o a algo que os outros possam aceitar.
primeiro e principa lmen te recomendadv a se us próp rio.s u11 1 , 1 ,.., c rá L0lerado na med ida em que o de ixe a rdentemente

l 1,/ INl)A PARTE 105


104 1EORIA DOS SENilMENTOS MUN.1/
e) violado r das mais sag radas leis da justiça jamais pode-
desejoso de sua própria felicidade, mais do que a de qu ,11 i 1 11'1 k li r sobre os sent imen tos que a human idade deve nu-
quer outro, e em qu e a bu sque com a m ais grave co nstfint l 1 1111 por ele, sem semir rodas as agonias de vergonha , horr or
Assim, sempre q ue se co locarem na sua siruação, prcrnl,1 , , ,m,tc mação. Quando :sua p aixão é sac iada , e de co me ça
me nte a ele ace derão. Na co rrida pe la riqueza , honras e p11 1 111IIL·lir friamente sobre sua conduta pass ada , não consegue
vUégios, poderá coner o mais que puder , tens ionanclo c,111 unpree nder ne nhum do s m ot ivos que a influ enciaram. Pa-
ne rvo e cad a múscu lo, para supera r todo s os seu::;cornpt'II 11 , ,•rn-lhe tão de testáveis agora quan to sempre o foram para
dores. Mas se emp urra ou derruba qualquer um destc.:1>, 11111ros. Simpat izan do com o ód io e horro r que out ros
tolerância cios espectadores acaba de todo. É uma violaç :111 h1 1111 L' lls cultivam por ele, torna-se, em certa medida, ohjeto
eqü idade , que não podem aceitar. Para eles, em todo:,, 11 li °ll'U próprio ódio e ho rro r. A situação da pesso a que so-
aspectos, esse homem é tão bom quanto o concorre 1:ne : 11,111 111 u por sua injustiça agora ap ela à sua pieda de. Esse pensa -
partilharão desse amor própri o, por meio do qua l prefere !;111 1111•111 0 o faz sofrer ; lamen ta os infelizes efe itos de sua pró -
to mais a si que ao outro e não podem aceder ao mouvo pd u 111l ll conduta e, ao mesmo tempo, pe rcebe que o conve rte-
qual prejudicou a esse ou tro. Prontamente, por consegu\1111 1111 no objeto apropr iado ele ressentime nt o e indignação da
simpatizarão com o narura l ressen Limento do ofendido, l. 11 1u1111ani clacle1 e em objeto de vingan ça e puniçào , conseqüên-.
ofe nso r torna-se objeto de seu ódi o e ind ignaçã o . Este i,,lln 11 n:Hural do ressentime nto. Tal pensamento o assombra
di$.SO,e sen te qut: lodos os sentimentos estão preste5 a 1.·111 111qll.'11.iamente,enchendo-o de terror e pe rplexidade, Já não
plodir de todos 01, lados con tra e le. ui,..1 olhar a soc iedade de frent e , pois se imagina rejeiLado e
Quanto maior e ma is irreparável o mal causado, 111.d , 1,111 :;o das afeições dos homens . Já não pode t:spe.-ar pelo
intenso se torna na tu ra lm en te o ressen tim en to do sofr<'d<11 , 111-.olo da simpatia nessa sua imensa e renívd aflição. A me-
O mesmo ocorre co m a sol idária ind ignação do espectad(l l 111,1rl:t de seus crimes estanco u dos cora ções de seu s se me-
bem como com o sent imento de culpa do agente. A m<ull lh.1nlL''- . toda a solidarie dade para com e le . O qu e mais teme
é o ma l maior que um homem pode infligir a ou tro , e p111 111o.~.<;e ntime ntos que cu ltivam quan to a ele. Tudo lhe pa -
voca o mais alto grau de ressen timen to no s que man1<. 1
111 h 1 1· hostil, e ficaria feliz em fugir pa ra algum cleserro inósp i-
uma relação imedíata com o morto . Portanto, o assass inato !11, onde nunca mais tivesse de mirar o rosto de um a criatura
é o ma is atroz dos crimes passíveis de afetar ape nas o~ 111 ll11111 ana 1 nem le r, no semblante dos hom ens, a condena ção
<livídu os, seja aos olhos da humanidade, se ja aos olh~!l d.i d1 ◄ M .'ll':icrimes . Mas a solidão é a inda mais terríve l do que a
pessoa que o comete u . Ser privado daquilo que f.X>Ss um 111 11~k:dade. Seus próp rios pensamentos só o pod em defrontar
é um mal maior do que decepc iona r-se com algo d~ q111 nrn o que é negro , infeliz, desgraçado, a melancólica previ -
tào -somen le :;e e:::aáà espera . Portanto, a violação da pt11 ll Ida incompreensível desgraç a e ruína. O horror da so lidão
priedad e, o roubo e assalto, que nos tiram aqu ilo de que H 111 purra-o de volta para a so ciedade , e retorna à pr esenç a
mos a posse , são crime s maiores do que quebra de con t1,1 d, 1·, hu111ens , sur preso por se mostrar diante deles carregado
to , a qual apenas nos frustra quanto a algo de que est:ív,1 h· \.(,.' rgonha e transtornad o pelo m1:Uo, p,ua suplicar um pou-
mos ::i espe ra . As mais sag radas leis da justiça , por conM H I de proteç ão à autorid ade do:-. mesmo~ juízes que , ele sa -
guinte, aque las cuja vio lação parece clamar mais a lto p1,i 11, •11{1o condenaram unanimemente . Tal é a naturez a do scn -
vingança e punição, são as le is que p rote gem a vida e ])('!'I lioH•nto que com propriedad e se cham:1 remorso , o mais tcr-
soa do nosso próx imo; a segu ir vêm as que protegem :-1111 11\·1·1 de rodos os sentimentos q1. 1e podem intrc:xluzir-se no
propri edade e posses; por último, as que proteg em o qu c ~, 1,1 ,[10 human o. É composto de vergonha pe lo senso de incon-
cha ma seus direitos pessoai s, ou o que lhe é devid o pe la \ 1 111 1ê ncia da minh a cond uta pass ada; da dor, pe los efeitos
promess as de outro s.
1o6 TEORIA DOS SENTIMENTOS MO// li ,/ '.VIM PAR7E 107

dessa ação ; de piedade , pe los que po r causa d ela sofrem; ,. d, 1 1,1 llC{.'C SSari ameme, po is pod e subs istir ent re diferentes
1, 1111ll'i, como emre d iferentes merc ado res, por um senso de
pav or, terror d a pu n ição , pela consc iê ncia cio justo res1'.wnll
mento ele todas as cr iatura s racio n ais. , i 11 t ll h.l.tde, sem q ua lquer amo r o u afeto redp roco:,. E em-
O compo rtament o oposro in:spi ra naturalmen te ó ~w1111 1 1 1 tll'llhum homem que vive c m sociedade deva obcdiên -

mento oposto. O home m que, não po r capr icho frívolo, 111,1 ' 11 11{·:.: 1eja atado a outro po r grati dão, aind-i assim é poss í-
po r mOLivos apropr iados, re a lizou urna ação genero5à, olll 111 ! 111,1111&- b por um a troca mercená ria de bo ns serviços,
do na d ireção da q ut'ks a qu em se1viu, sen teMsc o bje to n,1111 11ndo uma va loração acordada ent re eles.
ral de se u amor e gratidão, e, po r simpa tia com eles, da l ..,11 A 'i<K 'iecbde , e ntreta nto, n ão pode .suh.s-
istir entre os que
ma e aprovação de todos os outros . Ao olhar par :1 trás, p.11 1 11• 1 l'll'1npre pro ntos a se fe rir e ofen der mutuamen te. J\o
o mo tivo que o levo u a agir, e o exam inar sob a luz com qu1 • 1111H P11to em que tem início a ofe nsa . no mome nto em que
verá o espectad or indife ren te, aincb co ntimw. a expe1imenL1 1,1 l1111 1.1l,1m ressen timen to e animos idade mútuos, rompem-
11itlns os elos da soc iedade , e os difere ntes me mbros de
e aplaude a si mesmo por solidariedade co m a aprovaçfü">d1
se supos to j u iz impa rc i al. Soh es.<;esdois po ntos de vism , 1111.1
p1, d .t co nsistia _fi cam como se dissip ados e espalha dos pela
h•h rida e oposição de seus afe tos disco rdantes• . Se existe
própr ia co ndu l~ lhe p,1rece agraclílvel em todos os aspL:Cl11
I' 1dq11t•r soc iedade en tre ladrões e assassinos, estes pelo m e-.
Esse pensa mento faz seu esp írito encher-se de aleg ria, ,'il'II
" 1 d<·vcm, segundo o senso co mu m, abster-se de rouba r e
nidade e paz . Está em ha rmo nia e am izade co m todos o~ 1111 4 ,,.~ln ar uns ao.; Olllros. A benefict:ncia é, assim, menos es-
mens, encara seus semelhantes co m confiança e benevo!u111 11, l,1I :1 ex istência d a socíedadc q ue a justiça. A sociedade
satisfação. certo de qu e se to rnou digno d e sua mais favrn.l 1 l,•1,1 subsistir, :1ind:.1que não s~gun do a condição mais con -
vel op inião . Na comb inação de todos esses sen time ntos nm 1, 111l\.·1•1, .sem beneficê ncia, mas a prev::dência da injus tiça dc -
siste a consciênc ia do mérito, o u de merecida recompen:-.,1 1.! 1lest111í -la comp lernme nre .
Po rtanto , e mbora a natureza exo rte os home ns a aros de
1 ,1111/cência pela consc iê nc ia ag rndável de merecida recom-
CAPÍTULO Hl i' 1111,1, nfio julgou necessário protege r e constra nger a sua
Da utilidade dessa constituição da natureza 111 11li I rx::l os terro res do me recido castigo , no caso ·d e se ne-
l11i11111d arc in tais atos . São eles o orname nto q ue embe leza
Ê assim que o homem, que ape nas pode su bsistir em 'ill , 111 11 alice rce que sustenta o edifício; bastava, pois, reco~
c ieclacle, foi adeq uado pe la natu reza à situação parn a qua l 111 1111rn l.1los 1 não necessa ria mente impô-los po r q uaisq uer
criado . Todos os mem bros da sociedade humana p recba!ll d 11t1ln•,, A just iça , ao conl rário, é u pri ncipal pila r que susten-
ajuda uns dos outros , e esr:lo igualmen le expo!iLos a ofc.;n."1, 1 , • h ido o edifício . Se removida, a grandt!, imen!ia estrutura
mútuas . Onde a ajuda necessária 6 reciproca men te prm ld 1! ,11L·kd adc hum ana , c5s a est rutura cuja instauração e su-
pdo amor, grat idão, amizade e es tim a, a sociedade fl orcs(·1· l 1111• ncslt:::mundo parece ter exigido , se me permi tem dizer ,
é feliz. Todos os seus diferentes me mbros estão atados c r\11 Pl'(t1 li,1r e caro cuidado da narmeza , deverá em pouco
si pelos agradávei s elos do amor e afe ição, como se mrníd11 t 111po e::.b o roar em áto mos. A fim de constra nge r a observa-

para um centro comum de bo ns serviços recíprocos.


Mas, a indt1 que a ajuda necessária não se ja prov icb p111
• ll po.ssível que Smilh se esleja referindoa Hobbes , com a intenção de
mot ivos tão generosos e des lnteressa dos, aind.1 que e nt1'l·11 ,10 ,li ,111...-.c
segundo a qua l os home ns naturn lmeme tendem a ataca r-se e
diferentes membros da sociedade não haja amor e afeto n111 1 '11111 ,;L'un s aos muros (conf e rir Lovia tban, cap. X.Jll , p. 186; ed. Pe ng u in,
tuos, a sociedade, embora menos feliz e agradáve l, não se dl 1 11! !N. d:1 R. T.)

TEORIA DOS SEN71MENTOS MOR 1/


11-'NIM PARTE 109
ção da jusliça, po rtanlo, a nalureza implantou no pt:ilO 1111
mano a co nsciência de mau mere cimento , os terrores d<.:111,
1 •·ln ou inten ção, mas sim ao re lo joeiro, e sabe mos qu e
1,, 111ov iclas po r uma mola que p laneja tão po uco quanto
recida punição que resu ltam de sua violação, co mo gn.11 ·u 11
1-4• 11l..'Í e ito qu e pro d uze m . Mas embora, ao exp lica rmos as
salvagua rdas d-i assoc iação hum ana., pa ra protege r os fran,
I' t,H~·ücs dos co rpos , nu nca d eixe m os de d istinguir dessa
frear os viole ntos, e cast ig,1r os culp,1.dos. Emborn sej:lm 11,1
111u1 Pl1a a causa eficiente da causa fina l, ao explica rmos as
tura \me nte solidár ios, os homens sentem mu ito po uco pn
1, •"ip ínLo tendemos a co nfundi r essas duas coisas rã.o dife-
outr o co m qu em não tenh am nen huma part icu lar ligação, "
1111 •~. Qu~mdo os princípios naturais nos leva m a p romove r
co mparado ao que sen tem por si mesmos; a desgraça de 11111
1 <t J1n :; que uma n: finada e esclarecida razão teria nos re-
qu e é apen as seu semelhante, é mu ito pouco imp ot1a1111
,1,11·11dado, temos a forte tend ência de imp utar a c55a razão ,
pa ra eles, mesmo se comp arad a a qua lqu er pequeno inco11 111111 (.':iusa eficiente desses pri ncípios, os sentimentos e açõe s
ven iente p rópdo; tê m tan to poder pa ra feri-lo, e p ode h:tvt 1
1·li '" ciu~tis pro movemos aque les fins, e de imagina r que se
tantas tentações de o fazer, que se esse prin cípio não se 1111
11U1' da sabedo ria do home m, qua ndo n ,1.realidade se trata
pusesse ent re eles para defendê- lo , e os subj ugasse p or n.·v,
,11".11ledoria ele Deus. Segundo uma Yisâo su perfici;il, essa
reme temor a respeitarem sua inocênc ia, estar iam pro n lO,'i,1
lançar-se sobre ele a q ualquer mamemo como animais frm
111 ,.1parece suficiente para produzir os efei10s a ela atribuí-
ili ~, t' o sistema da narureza h uman a parece ser mais simp les
zes, de modo q ue um ho rnem en t'r.aria n uma assembll'l.1
,1w; 1dá ve l quando todas as suas dife rentes operações são
como q u em entra n um covil de leões .
11 0,,1 maneira deduz idas de u m só princípio .
Em todJ parte do un iverso observamos os meios aju:,.1,1
Co mo a soc ieda de não pode subs istir se m que as leis da
dos com o mel hor artifício para os fins que devem p rodul' lr,
111 ·41\:1 sejam razoavelme nte cump ridas , como ne nh um trato
e no mecanismo de uma planta ou corpo de a nimal, :1d rnlt,1
111 l,1I pode ocorrer entre homens que em gera l não se abste-
como tudo é planejado pa ra promove r os dois gra nde~ pro
11!1 1111 ele ofen de r u ns aos outros, a cons idera çao dessa neces -
p6s1tos da natu reza: a manute nção cio indivíduo e a prop, 1
!d.1tlc, p~nso u-se, co nslituiu o fundamento de aprovarmos
gaçào da espécie. Mas nesses, co mo em todos os ob jetos :,.e
, jt h · ,1-, leis da justiça coagissem pelo cast igo os que as vio -
melhantes, ainda disting uimos ent re a causa eficiente l' ,1
l 1~~1·111. Dizem q ue o home m ama natu ra lmente a sociedade
causa final de seus vários movimentos e orga nizações. A d l
dt·M:ja que a un ião da human idade deva ser p rc scrvad;
gestão do a liment o , a circulação do sangue, a secreção d(n
11 H,1 i,,eu própr io be m, mesrno que não tire benefício disso. O
diversos sucos extra ídos de le: todas essas são operações 1H·
, ~I ido or de iro e fl orescente de soc iedade lhe agrad:::i, e clelei-
cessãnas para os grandes propõsi tos da vida an imal. Co11
11 llt' cm cont emp lá-la . A desordem e con fusão ao contrário
lu<lo, nunca temamos ex plicá-las segundo esses pro pós ho'i.
ln o bjeto de su a aversão, e n 1do o q ue tende' a prod u zi-la~
bem como 5egund o suas causas eficie n tes , n em imagim unrn
, ,111 1>;1-lhe pesar . També m pe rcebe que seu próprio inte resse
que o sangue circu le, ou que a com ida seja d igerida por .-.11,,
própria vontade, de aco rdo co m a finalidade ou a inten\,'; ln , ~11:1ssociado à pros peridade da sociedad e, e que a fe licida-
dii, ta lve z a co nservação d e sua vida , depende da conserva-
dos propósitos de ciicu lação ou digestão. As eng renagens dt 1
l 111 ela seriedade . Por todos esses motivos, por tanto, o ho -
relógio são todas adm iravelmente ajustadas segu ndo o f1111
llll'lll detesta tudo o qu e pode te nder a d estru ir a soc iedade ,
parn o qua l foi fabricado, ou seja, ind icar a hora . Todos o~
1 t'N t~ disposto a usa r de todos os meíos para imped ir u m
seus vár ios mov imentos são comb inados da mane ira m:11 ~
1 w nto tão odiado e remido . A injustiça necessariamente ren-
sut il para produz ir esse efeito. Se fossem dotadas de d es('j11
di• , 1 destruí -la. Toda manifestação ele injustiça, po is, deixa-o
ou in_tençào de produz ir tal efeito , não o poderia m fabdc,•;11
ih1rmado, e ele corre, se ass im posso dizer, pa ra frear a pro-
melhor . Toda via, n unca atribuímos a essas engrenagens 1.11
u11-ssào daqu ilo que, se pudesse p rosseguir. rap idame nte aca-
110 TEORIA DOS SE ' ll1NIFN70S /11(W i 1 'v/>A PARTE 1 11

baria com tudo o que lhe é caro, Se não o pude r comei lk H 1.1 0 detestáve is princípios. Mas em bora seja seu intrín-
me ios suaves e justos, te rá de sub metê- lo po r me io de fcm,.1 •, ,11;\ler odio50 e detes tável o que originalmen te nos in-
violência, para interro mp er, d e qualq uer forma , seu uh1•1h 111 l'O lllra eles, resistimos a crer que es.sa seja a única ra-
avanço. Do nde, dizem, o homem freqüentemente ap rm,11 o1 p,•l.i qual os con dena mos, ou a alega r que os condena -

caráter coerc itivo das leis de justi ça, incl u indo-se pena c:1pll 1 ,ipl·nas porq ue nós mesmos os odiamos e detesta mos .
para os que as violam. O perrurba dor da paz públi ca é ª""'Ili i .1111os que a razão não parece conclusiva. Contudo , por
afastado do rnun do 1 e se u dest in o aterro rizará outros, i111p1 1, n ln seria, se precisamen te os odi a mos e detes tamos por
<lind o -os de seg uirem .seu exe mpl o. 11 111objeto natu ral e aprop nado de ódio e repulsa? Mas
Tal é n d escrição habitual de por que apr ova.m os pn nl 1111111 10 nos perguntam por que não dever íamos agir de tal e
çào p:ir-.1 a injusti ça. E tão indubitavelmente verdade ira (.:t'<t l 111 ,111dm, a própr ia pt::rgunta pa rece supor que, pa ra os
descr ição, que n ão raro temos a oportu n idade de confiri1111 111111lazem, e sse mo d o de agir não pa rece se r por si mesmo
nosso natural senso de conveniência e adequação do casi1111 11jr10natural e própr io daq ueles sen timentos. Temos, pois,
ao reflet irmos em quão necessá rio é para co nservar a ordc·111 t, li 11'.'l mostrar que dev e ria se r as sim po r be m de algo mais.
da soc iedade. Quando o culpado está na iminên cia de sol II f 1 •l l'~')n.razâo geral mente procu ram os outros argumentos, e
a justa retaliação que a natura l indignação dos homem, Ih 1•d111c ir::1 conside ração que nos ocor re é a des ordem e con -·
diz se r devida por aq ueles crimes; quando a inso lên cia d(.' ~uia
ht 1t) <. b socied:1de que result ariam da prevalência universal
injustiça é des1roçada e humilhada pe lo terro r de seu imh1\·11
11q1 1d ~1s práticas. Port.'ln to, rarame nte deixa mos de insistir
te castigo; qua ndo cessa de ser objeto de medo, pa ra se 101
11 t.11• 16pico
na r, en tre os gene rosos e humanos, ob jeto de piedade, o t \'
sentimento d~tes pe los sofrimentos alheios que o cul pa1k1 M:1sembo ra comumente não seja necess ário grande dis.
causo u se ex ting ue, ao pensa rem no que está prestes a sofn·1 111l111 e nto para entender a tendênci,1 destrn tiv,1 de tocl::isas
Estão di spostos a perdoá- Lo e descu lpá -lo, sa lvando -o daqut 111ulc:1slicenciosas para o be m-estar da sociedade, rarame n-
le castigo que, nos momento s de lucidez, julgaram a retribui t l'Ssa consideração que a princípio nos anima cont1J elas.

çâo de vida a tais crimes . Aq u i, po ttanto, tê tT\ a oportun iclml1 1rnlos os home ns, mes mo os mais ignorantes e estúpi dos,
11 111horror à frau de, perfídia e injustiça e regozi ja-nos vê-las
de chamar em auxílio a cons ideração dos interesse,; ger.1.is d.1 1

soc iedade. Compe nsam o impu lso dessa hu man ida de fracn 1 1tmklas. Mas poucos homens refletiram sobre a ne cessidade
parcial com os ditames de uma humani dade ma is gene ros:1, 1t 1us1iça para a existência da sociedade, po r mais evide nte
compreensiva . Refletem que a misericó rdia co m os culpado 1111•cbSa necessidade possa parecer.
const itui crue ldade para co m os inoce ntes, e opqem às emo Pode-se demonstra r, por muitas consideraçõe s evidentes
çôes da compaixão que sen tem por um ind ivíduo uma com 11111 · n:io é a conservação da sociedade o qu e nos interess~
paixão ma is amp la, pe la humani dade roda. 11IJ,1 lnalrnente na punição de crimes comet idos contra indiví-
Também ãs vezes temos a oport unidade de defender ,1 11uos. :--.Jo mais das vezes , nossa preocu pação pe la fortuna e
conveniência de se observa rem as leis ge rais da justiç a, :10 l1 •lll'iclacle dos indivíduos não su rge da pre ocupa ção pela
cons idera r como s~o necessár ias p ara manter a soc iedack h 111un.i e felicídade da socied ade . NJo nos preoc upa m ais a
Freqüen temente ouvimos os jovens e os lice nciosos 1iclicul:i .i..~1ruiçào e perda ele um s6 ho mem - porque é membr o ou
rizar as mais !)agradas leis da morn lidade, e p rofessar,. algu p,ulc da sociecladt:, e porgue a de:,truiçào da socie dade deve
mas vezes por corru pção, mas mais freqüe nteme nte pe la v,d IIU't preocu par - do que a perda de um só guiné u, porqut:
dade de se us corações , as ma is abom ináveis máximas de con , 'l'iC guin éu é parte de mil gu inéus, e por que deve 110 5 pre o-
duta . :'-fossa indigna ção despe11a, e ansiamos por refu tar e rl' + 11par a perda da soma total. Em nenhum dos dois casos

112 TEOmA DOS SENTIMENTOS MI!/,' 11 d'Nl>APARTE 113

nosso interesse pe los indivíduos se origi na do interesse 111 1 1 ,1 ''"~trazão, justa e adeq uada. Qua ndo a con servação de
multidâoi mas , nos do is casos, nosso interesse pela mul1l1l 11 11111 1dlvíduo é inconsis tente com a seg urança de . uma mu i-
é composto e cons tituído dos inte resses particu lares qw.: /-11'11 . l 111, nada pode ser mai.s ju sto do que preferir os mu itos a
111 ~o , Contudo, po r ma is necessá rio que seja, esse casligo
rimos pe los diferentes indivíduos que a compõem . Do 1111
mo modo co mo, ao nos subtra írem injustamente uma pL·q tu 111p1t' :;e mostra excessiv amente severo. A atrocidade natu-

na quantia, não buscam os tanto re parar a ofensa com vl\11 11tio lri me parece tão pe quena e a pun ição tão grande , que
, , 11H muita dificuldade nosso cora ção se reconcilia com
a co nserva r toda a nossa fortuna, mas com vistas àq1111
quan tia particular qu e perde mos, assim, q uan do st:: oíl·11d 1 Nllo ;:1ç:1o.Embo ra esse descu ido p:::1.
reça muito censurá -
1 1 Idé ia dess e crime, porém , não susc ita naturalme nte um
ou des tr6 i um só ho m em, ex igimos pun ição pelo nrnl q11,
lht: foi feito, mc1105 po r preo cu pa ção p el o interesse gcr: d ti ,1,mhncnto tal que nos fizesse rea lizar tão terríve l vingan-
i t !in huma nitário de ve se recompor, fazer u m esforço e
sociedade 1 que por preocupaç ão co m aquele indivíduo o i, 11
• H l ' I' toda a sua firmeza e res olução antes de poder o u
<lido. É precioo notar, porém, que ess a preocupação 11 h
inclu i ne cessa riamente nenh um grau daque les sent inwnlo 111111Hlr o_ ca:l igo ou p articipar dele, qua ndo infligido por
!1111~. Nao e dessa m ane ira , entreta nto, que conce be o justo
pe cu liares, com umente ch ~m:1dos amor , estima, afeto, pl'111
1 H)(o d e u m ingrato assass ino ou parricida . Nesse caso , seu
qu:::1.i
s disting uimos nossos amigos particula res e conhe cld11
11 l\' ,IO aplaude com fervor, e mes mo com arrebat a mento, a
A pr eoc upação que se exige nesse caso não é mais do q ut
11 1.1 reta liação que pare ce dev ida a tão de te stáve is crimes .
solidar iedade gera l que temos para com rodo homem, mt , .-
por ~ll gum acaso, o criminoso escapasse, ficaria muitissi-
mente por ser nosso se melhante. Compartilhamos até 1111
''" • 11 ·,1cloe desapo ntado . Os senti mentos mu it o difere ntes
mo o ressen timent o de uma pes soa odio sa, qua ndo é oft.'rnli
•111 que o espectador assiste a esses diferent es castigos são
da por aq ueles a quem não provocou. Nesse caso , no 11,11v.1 de qu e :1 ap rovação d e um está longe d e se funda -
des aprovação de seus hab ituais caráter e conduta não in111t
11,1Ul , H' so bre os mesm os princípios que :::1. de outr o. Consi-
de nossa completa solida rieda de com sua indignação rw111
1 1.1 . 1 senti nela um a vítima inf eliz qu e, de fato, deve devo -
ral, embora entre os que nao são extremame nte francos, 1111
111 •11•:1 segurança de muitos, mas a qu em, mes mo assim, em
não foram acostumados a co 1Tigir e regu lar ~e us senti nu.::11111
H , oração ficaria feliz de salvar ; lamenta apenas qu e o inte -
naturais por regras gerais, essa solidar ied ade :">ejaprova,, 1
n w de muitos se oponha a isso. Mas se o assassino esca -
me nte reduz ida. 1'i ,,. de punição, isso suscitaria sua maior indignação, e cla-
Em algumas ocas iões, co m efeito , a um tempo puninu
m 1du por Deus para que vingasse em outro mundo esse
e aproYamo s a puniçio ape nas com vistas ao interesse ~1•111
d:i socied ade que, imaginamos, não pode se r assegurado d1 111 1\t'que a injustiça hu mana deixou de castigar na terra.
outra mane ira. São d essa e spécie todas as pun ições infligld.t Pois ê dig no de nota que estamos tão longe de imaginar
1111 1 ;1 mjustiça deveria ser punida nesta vida ap enas em
por infração ao que se chama cód igo civil ou discip lina 111 1\1
, 1 ,111 dei ord em da sociedade , a qua l de outra maneira não
tar. Tais crimes nã o ferem imediata ou dire tame nte nenhum
pessoa em particu lar, mas suas co nseqüên cias remoras, ~n 1•11d,· :,;er man tida, que a natu reza nos ensina a ler esperanç a
põe -se, produze m ou poder iam produ zir quer um cons idt·11 1>1
11pon1os , a religião nos autoriza a aguardar que será puni-
! 1 ,11 (• mesmo nu ma vida futura. Nosso sentido de seu mau
vel inconvenient e, que r uma grande deso rde m na soc icd:11h
Por exemp lo, um a sentinela qu e adormec e na sua vigfll.1 ,,.,·wdmen to busc a essa puniçào, se me pe rmite m dizer , até
cond e nada à morte segundo as leis da guerra, por que t ~ 1111•t.111 10 a lém do túmulo, e mbora o exe mplo de seu castigo
descu ido po de ria pô r e m pe rigo o exérc ito inteiro. Em mui 111q11de lugar não pos sa servir para deter o res to do s ho-
tas ocasiões , essa severidade pode se mostra r necessá ria, 1 111 , n~- que não o vêe m e dele não sabe m - de ser culpado
114 TEORIA DOS SENTIMENTOSMOIW

das mesmas práticas aqu i. Mas a justiça de Deus, pen sa11111


ainda exige que se vinguem as ofe nsas da viúva e do órl,h,
ramas vezes insult ados com essa impunidade . Assim, t:111 111 SEÇÃO III
d a religião, em toda superstição que o mundo jama is n111
temp lou, tem havido tanto um Tártaro quanto u m Elísio; un
lugar para castigo dos maus, bem como outro, para recom /Ja influência da fortuna* sobre os
pensa dos justos.
l<'rtlimentos da humanidade quanto
ao mérito ou demérito das ações

INTRODUÇÃO

:-icjaqu al for o louvor ou ce nsu r-d devido a qualquer ação,


111, 1'~"ia
riarnente pe11ence, prime ir o, à intenção ou afeto do
, u ►•ç:)o, do qua l proce de; o u, segu ndo , à ação ou movimen •
1,,,·:<lemo do corpo, que esse afeto provoca; o u, finalment e, às
1~1,1,'j ou más conseqüências que na verdade e de fato dele pro-
' 1 lt•rn. Essas três diferentes coisas constitue m toda a natureza

1 t ltt·unstâncias da ação, e devem ser o fundamento de qual -


1111f!rqualidade que lhe possa pertencer.
Q ue as duas últimas dessas três circunstâncias não po-
d.i111 constituir o fundamento de nenhum louvor ou censura
, ,unplamente óbvio, e ninguém jamais afinnou o conrrário.
~ 11\;lo externa ou movimento do corpo é freqüentemente a
ou•sma nas ações ma is inocentes e nas mais censuráveis. O
q11t· ~1Li ra num pássaro e o que atira num homem realizam o

• "Fo r1une· , no Ofiginal . Designa sorte, desti no , acaso, em sum a, o im -


p111h.lt•r{ivc l. Todas ess:is exp ressões pcxlcrinm ser utiliz adas, não fosse o
u11t(í1clo estó ico , por ass im dizer, que Smith confere à pa lavr a. Como o lei-
1,1 ver(!, isso ficará mais claro no cap . Ili da seção III, no1adamente p. 181,
1111
dt· o :1utor fala em •cirrulo da experiênci a" , 1déia que remete, ainda que
1~f(.um:ntc, :\.imagem d:i Rod:t da Fortuna. Além disso, é p rcci50 marc ar a
i!M,
•rt.1
1ça entre Smith e seu amigo David Hume. que utiliza não a palavra
lrntun<!·, mas "chance" (acaso), de teor m.iis mecanicista, por assim dizer
h unft:rir Enqu tres Concemtng Human unaerSlandtng , VI, 46-47, ed . Selby-
lllm,t\.', Oxford, 1957). (N. da R. T.)

116 TEORIADOS SENTIMENTOSMO/1.11 •ilWl) A PARTE 1 17

mesmo movimento externo: cada um deles puxa o gatilho l' 'iS3irregu laridade do sen tim ento , que todos pe rcebem,
de uma arma. As conseqüências que realmente e de fato p1, 1 1111111• 11inguém con hece suficien temente e ning uém está dis-
cede m de qualquer açào, se poss ível, são ainda ma is indU,
1 1 11j ,1 admitir, é o que passa re i a explicar agora; e primeiro
rentes a louvor ou cens u ra do que o m ovimento externo d, 1
11 11 ro nside rar a causa que a origina, ou o mecanismo pelo
corpo. Como não dependem do agente , mas da fortuna , 1hll 1
plll ,1 natureza a produz; segundo, a ex te nsão de sua in-
podem constituir fundament o adequado de nenhum S(.•111 1
lhu 111l:1; e, por último, o fi m ao qual respon de, ou que pro-
mento do qual sejam objeto seu caráter e conduta .
l dHJo Autor da nani reza teria pretendido com ela.
As ún icas conseqüências pelas quais o agente pocl<.: N 1
responsáve l ou pelas qua is pode merecer qualquer esp(.•(11
de aprov ação ou desaprov ação são as que foram de algu111
modo intencionadas ou, pe lo meno s, mostram alguma qu:iH CAPÍTULO 1
dacle agradável ou desagradáve l na intençã o do coração, 11 Das causas dessa influência da forluna
pa rtir da qual ele agiu. À inten ç;lo ou afeto do coração, polN,
à conveniência ou i nconveniência, à beneficência ou ma IIH Sejam quais fore m as ca usas da d or e do prazer, ou os
nidadc do desígn io, deve cm última instância perte ncer todt, 1111 iloi.:como operam , parecem const ituir os objeto s que, e m
o elogio ou censura , toda a espé cie de ap rovação o u deSi1pn 1 11dn'i os animais, imediatament e suscitam essas duas pai-•
vação, que se possa conferir com justiça a cada aç3o . , w~ c..ll! gratidão e ressentimento . São suscitadas por objetos
Quando essa máxima é assi m proposta, em ter1110" 1111nl11wdosbem como por an imados. Zangamo-nos , por um
abstratos e gerais, não há quem não conco rde com ela. Suu 11111n1L 'nto, até com a pedra que nos mac huca. Uma criança
e vident e justiça é reconh ecida pe lo mundo todo, e não h 1 l,111 1
nch1, um cão late parJ. ela, um h ome m encoler izado po-
voz discordante na hum anidade. Todo o mundo ad mite (jlw. !11,1 ,unaldiçoá- la. Mas a menor reflexão , com efeito, cor rige
por mais diferentes que sejam as conseqüênci as ac ident :11N. ntimento, e logo percebemos que aquilo que n ão pos-
<' ,..,c
não -intencionadas e imprevisíveis das ·diferent es ações, mt'" 111 1wrcep çào é ob jeto muito impr óprio de vingança. Poré m,
mo assim, se as inten ções ou afetos de q ue se orig inam íof'I 1111111<.lo o dano foi muito grande, o ob jeto que o causou
sem, por um lado, igualmen te apropr iados e igualment e::lx· 1 111p1t.:~e nos é desagradável, e sentimos prazer e m queim~ -
ncfi ccntcs , ou, por outro , igualmente impróprios e malevo lt 1 11u destruí-lo . Dest a maneira deveríamos trat ar o insc.ru-
lentes, o mérito ou dem érito das ações ainda seria o mes,rn 11 qh•1110 que acidenta lment e causou a mort e de um amigo, e
e o agente igm 1]mente ob jeto ::tdequado de gratidão Oll d1 lti•q<lcntemente no s julgamos cul pados de uma espécie de
ress e ntimento . ,1, 1111rn nidade, por deixarmos de revidar essa absurd a espé-
Mas ainda que , ao cons ide rarmos desse mod o essa n1.1 11,dl' vinganç a
xima imparci al, isto é 1 em abstra to, estej amos ba stant e pt·1 1)o mesmo modo, concehemos uma espécie de gratidão
suad ido s de sua verdade, ao alcançarmos os casos particu lu 1u it .1queles ob jetos inanimados que foram causa de grand e
res, as reais co nseqüências que eventualmente procedem dt· 1111ln.:q üente prazer no sso. O marujo que, tão logo alcan ça
qualquer ação têm um eno m1e efeito sobre nos sos sentimen 111111 furne, acende seu fogo co m a pranch a sob re a qual aca-
tos a respe ito de se u mérito ou d emérito, e quase semp r1 l 1.1 de escapar de um naufrág io pareceria culpado de uma
tanlo inten!iific.:am quanto redu zem nosso se nso de a mbu:,. 1 i\,IO antinatural. Deveríamos espera r que a preservass e com
pouco provável que, após exam inarmos um caso qua lqm·1 11idndoe afeto, como monu men to de certa fonna q ueri do .
venhamos a desco brir que nossos sen time ntos são int eir.1 ! 1111hom em passa a gos tar de uma caixinha de rapé, d e um
mente reg ulados por essa regra , a qu al, todos admi timos, dl· , .111lvc 1e , de um bastão do qua l fez uso durante muito tem-
veria regu lá-los inteiramente. i n ,, e.:a co nceber algo pa recido com um verdade iro amor e
118 IB ORJA DOS SENTifl tENTOS ill <)N, 11 ,l'NIM PARTE 119

afeto por e les. Se os quebra ou perd e, seu aborr edm enti1 fazê-lo sabe r que ex perimenta sua re co mpens a por
111:is
tnreiram ente des propo rcional ao valor do pre juízo. A casa n 11,.1 de sua cond uta passad a, wrná-lo feliz com essa con -
qual vivemos por longo tempo, a árvore cujo verdor e so111
1o 1 lnl ,ft' su isfe ito, po is a pe ss oa a qu em prestou seus bon s ser-
sabor ea mo s lon go temp o , são conte mpl ados com uma Ml llc ' 11, não é indigna de les . O q ue mals nos e ncan ta em nosso
de respeito qu e pare ce de vid o a tais benfei Lor es. A deca<k'n nlt'ltor é a ha rmoni a entr e seus se n time nto s e os nossos
eia de uma, a ruína de outra, afetam-nos com uma espécit: ti qul' diz respeito ao q ue nos intere ssa tanto quanto o va-
m elan co lia, embo ra não so fram os pe rda nenhuma co m i1u,11 i II dt• noss o próp rio cará te r e a e stima que nos é de vida. Fi-
É provável que a:; dríades e os deu ses-lares dos antigos, t ' -; e ncantados ao enc o nt rar uma pessoa q ue nos atribu i
111111
pé cie de gê nio s das árvor es e da s cas as, Lt::nhan.1.';ii
clo rnlJ-11 •~1110 valor qu e nós mesmos nu :; au i b uírno s, e nos d istin-
1111
nalmcn te sugeri dos po r esse tipo de afeto que os autores ele~., ., H• do resto cios homens c.: o m uma aten ção semelhante àqu e-
supe rstições se ntiam p or tai s objetos, e que p arece ria in:-;(.'11 l 1 ,im que nós no s d ist ingu im os. Conservar nela c~ cs sc nti-
sato se não houvesse nesses objetos nada de animado. 1111 0s agrncláveis e lisonjeiros é uma das principais finalidades
111
Mas para qu e algo poss a ser ob jeto apropriado d e g 1,1II j'tilp m,las pe las ret ribuições que nos disp o mo s a lhe faze r
dão ou resse ntim ento, deve nã o ape nas ser a ca us a d o p1 .1 1 111t •-;pír ito ge n eroso m uitas vezes de sde nha ~ idé i:1inreres-
zerou dor , mas igualm ente de ve ser capaz de os sentir. ~i.•111 h,1 de exto rqu ir novos favo res de seu be nfei to r, o q ue se
essa outra qua lidade . aque las paixões não podem dar vm:;111 pi • ll· cha mar de impert inência de su a gra tidão . J\'las conse r-
a nenhuma satisfaçã o. Como são suscitada s pe las cau sas dt > 11, •• 1ume nta r a es tima do be nfe itor é um inte resse que nem
praz er ou dor, sua gra tificação consiste em revida r essas Sl.'11 ~1110um
1111" grande espir ito ju lga indigno de sua ate nção . E es-
saçõe s so bre o que as causou , o que é inútil qua ndo se tr.11,1 ' ,, o fundamento do qu e ob servei inicialmente : quan do não
de algo sem se nsibilidade . Os animai s, portan to, são objell "' ,11110-; capa zes de co mp artilhar o s mo tivos de nosso be nfei-
me nos impróprios de gratidão e ressen timento do que o bjt· 1111, quando sua co nduta e ca ráte r nos parece m ind ignos de
tos inanimado s . O cão que mo rde, o bo i que chifra , sào :1111 111,i,sa ap ro vaç lo , por maior es que sejam se us favores, nossa
bos punidos. Se foram a cau sa da morce de uma pes soa 1 m · 111 111111tb o se mpre diminu i co nside ravelme nte . A dislinçào nos
o pú blico nem os pare ntes d o 1110 1to fica rão satb fd tos, a 1111· li nnjda menos; e LOnse lv ar a estima Ue um pau·o no tão fra-
nos que po r sua ,·ez o s a nimais sejam mortos; e isso nã o t 1, 1>ll indigno t' o bjeLo qu e não merece ser bu sca d o só po r
ap e na s por segu rnnça dos vivos, mas d e ce rta m an e ira p:11,1 1 111(.' ."Jlll O .
vinga r a ofensa ao s mortos. Ao contrá rio, os an ima is qu e fo Ao co ntrário, o prop ós ilo mciis almejado pelo res sem i-
ram notave lme nte úteis aos seus donos tornam -se objetos d, •111<> não
1111 é tant o fazer qu e nosso inimigo , po r sua vez,
u ma gratidão muito intensa. Ofe nde -nos a brutalidade d:i 1unh é ffl sinta do r, mas fazê-lo s::ihe r q u e a sente p or cau sa
q ue le funcionário , m encio na do em O espião turco, que esí,1 d1• ~u:1 co ndu tapassada, fazê- lo arre pen de r-~e de ~sa condu-
queo u o C'dvalo qu e o conduziu por um bra ço de mar, teme u 1t t' pe rceber qu e a pe ssoa a que m ofen deu n ão me rece ser
do que no futuro o an ima l dislinguisse uma outra pe ssoa com 11.tl.Kb daque la ma ne ira. O que mais nos en raivece no ho-
ave ntu ra sim ilar. 1iu·rn que nos ofende ou insu lta é a pouca co nta em qu e pa-
Embora os anim ais não sejam a pe nas a causa de prazt·1 ii·n· nos ter, a prefe rência insensa ta q ue dá a si me5mo em
e dor , p o is tam bé m são ca p aze s de ter essas sen sações, niltl d1•lrimc nto de nós , e o absurdo amor de si que o faz imagi-
constituem, to dav ia, objetos co m p leto s e pe rfe itos , seja d(' 11iir que ou tras pesso as podem a qualque r mom en to se sacri-
gra Lidà o, seja de resse nt ime mo, já qu e falta àqu elas p aixô(.'l'I lh .n· po r seu s ca pricho s ou hum o r. A ber rante inconve niên-
algo que as sati sfaça int eiram t:nte. O qu e a gratidão m ais d1..· 1 1,1 dessa co n duta , a grosseira insolênc ia e injusti ça que d a
se ja é nã o apena5 fazer que o be nf eitor sin ta por sua vez pr;1 11.in.:U;! envolve r, m ui.las ve ze.::.no.::.dt:ixam ind ignados e t: Xa5-

120 TOS M( U, 11
TEORIA DOS St.'l \7L i1.E!'Y 121
, I NIIA PARTE
1:>erados mais que rodo o dano que sofre mos. Restau rar-llH• 11111 ,i 111 no demérito, no segund o. E, na mc di-
p 1i mc iro ca5o, e de
sentido mais justo do que é devido aos outros , fazê- lo ]}t'11, 11, m que as co nseq ü ências das aç õe s estão inteiro.men te sob
be r o que nos dev e e o mal que nos fez, é freqüentemcnt, 1 tn! p(•iio da fortuna, surg e d aí sua influênc ia sob re os se nti-
princip al fin alidad e a que se prop õe no ssa v ingan ça, :i q,1,11 n -:d o s ho me ns, no q u e co n ce rn e a mé rito e demé rito.
•" 111
é sempre imperfe ita quando isso não sucede . Quando no~ 11
inimigo parece não nos ter fe ito ne nhum a ofe nsa , qu :111 1111
p erce bemos que ag iu de mane ira bas tante convenient e, q 111 CAPÍTULO li
e m sua situaçã o, te ría m os feito o mes mo, e que merecc mt 1 Dos limites dessa influ ên cia da f ortun a
d ele todo o dano que nos foi causado. nesse caso, se l<:11111
a meno r fagulha ele since ridade o u jus tiça , n ão pcx:h::n.:trn1 1) primei ro efe ito de ssa influên c ia da fortuna é o de d i-
cultiva r n e nhum a espécie de resse ntime nto . w11111lr nosso se nso do mérito ou dem érito da s ações que, ori-
Portan to, para q ue algo possa :,cr objeto co mpleto e a p11, 111.rnclo-se das ma is louváve is ou cens uráve is intenções, sã.o
priado de gratidão o u ressentiment o, deve poss uir três c!ii-11 11 1u 11pazes ele pro d uz ir os efe ito s prop os LOs; o seg undo , o de
tas qua lificações. Prime iro, deve ser causa de praze r num t .1 11111 1r nt;1r no sso st:n so do mé rito o u d em érito de aç õc:s que,
so , e de dor no outro . Segu nd o, deve ser capaz de p e rccl,1 •1 1 1 ·dt.:n<lo os dev idos mo tivos ou afe tos d os qu ais se origi:
essas sensações. E, terce iro, não de ve ape nas ter produ7ido t' "' 111111, pr o voc am a c iden ta lm e nt e extrao rd inário prazer o u ex -
sas sen sações , mas deve tê-las produzido com um desígnl, t 1!"1•nlinária dor.
e um des í3n io que se ja a provado nu m caso , e desap rovml11 1. Prime iro, afirm o q ue , embo ra as inte nções d e alguém
no out ro. E pela prime ira qua lificação que um objeto qualq 1w1 ,h \lt''-SCm ser tão apropriadas e be ne fice ntes, po r um lado,
p ode suscitar aq uelas paixõe s; pela segunda , é ca pa z d e , 1 1111Impró prias e ma levo len tes, por outro, se ma lograrem em
satisfazer em algum as pecto; a te rceira qualificação é nct '(·~ p111tluz ir os efe itos . seu mé rito se revela imp e rfe ito num ca-
sária não ape nas para a co mp leta satisfação dessas paix(k~. 1,, L' se L1 de mé rito incomp le to no outro . Essa irreg ularid ade
mas , por provoca r do r ou praz e r a um tem po re finado e I)(' , 11 Ml'ntim en to não é , en tret ant o, pe rce bida ap enas pelos que
c uliar 1 cons tílu i igualme nte causa rnouiz sup lem e ntar claqut· li1 !med iatame nte afetados pe las cons eqüê ncias de qu al-
las paix õ es. q1wraç:to . Em ce rra med ida, mesmo o espectado r impa rcial
Aind a q ue as int ençõe s de alguém .:,e mpr e fo.s:,em ap n 1 1 pL·rce be . O homem que so licita um favor para outro, mas
p riadas e beneficen te s, por um lad o, o u impróp rias e m rilt· 11e, o ob tém , é cons ide rado seu amigo e pare ce me rece r seu
vole ntes , por o utro , como o que pro voc a praz e r ou dor (: , 1 ,111\0I e afeição . Poré m, o ho mem que não ape nas solicita ,
única ca usa motriz de gratid ão e resse ntimento , se não 'I' uu s o con seg ue , é mais p ec uliarm ente c:: ons ider.:tdo .se u pa -
con seguiu produz ir o be m o u m al qu e se p retendia, por foi llon o e be nfeitor, e po ssui o d ire ito a seu res pe ito e gratid ão .
tar nos dois ca sos um a da s c ausas motrizes. me nos gra tid:h , 1c'!l(lcmo s a p e n sar que a pe ssoa de vedora pode, co m a lg u -
pa rece se deve r nu m caso , e noutro , menos re ssent ime nt o . I', 1111 justiça, imag ina r-se no mesmo nível da pr im e ira ; mas nà ú
inversame nte, ainda qu e nas inte nçõé'S de algué m não hou podemos pa rticipa r de seus sentimen tos, se e l::i.n::lose se nrir
vesse, de um lado, nenhum grau louvável de be ne vol ênci :11 lnfc: rio r à seg unda. D e faro , é com um dizer qu e somos igual-
ou, de out ro, nen h u m grau ce nsuráve l de ma lignid ade 1 M' 111 t·n 1c de vedores do homem que te ntou nos se rvir, e do que
suas açõ es produz irem ou grand e be m ou g rande mal, prn 11k tir:1m ente o fez. É o discurso qu e co ns tante mente fotja -
es tar prese nte nessas du as ocasiões uma das cau sas mot rizes, nu,s em toda tentativa ma l suced ida dessa espé cie; e mbora .
alguma grat idâo pode surgir nu m caso e noutro, a lgllln t'l.'S , 1,mo todos os outros belos discursos, d eva ser com preen di-
.sentim c::mo. Uma som br a d e rné rtLO p are ce recair sobre o ho do com alguma condescendência . Os se ntimentos qu e u m ho-
122 TEORIA DOS StíV17MENTOSftl<J// li 123

mem generoso nutr e pelo amigo que malogra frcqücnu: 111,11 111q ·ncido.s da capüc ida de de os prod uzir. O gene ral que
te estão, com efeito , muito próximos dos que co ncebL' 1u 11 1111p1•tl ido, pela inveja dos ministros, de ganhar algum 1gr.an-
qu e é bem suced ido; e qu ;'.l.ntomais ge n eroso for, mais P'" 1111;1gcm sobre os inimigos de seu país lamenta a pe rda
ximos estarão esses sentimenros de um nível idêntiro . P ,11 1 11, 11111 11unidade para semp re. E não é só pelo púb lico qu e la-
os verdadeiramente generosos, ser amado e est imado pt•11, 111., Lamenta ter sido impedido ele realizar u ma ação que
q ue eles mesm os julgam dignos de estima promove mab p1.1 1, i 111,c.·scentado, que r a seus olhos, quer aos olhos de to-
zer e, por isso, suscita mais gratí dâo, do que todas as v;u 11, l I ttt nutras pessoas, novo brilho a seu ca rfüer. Não satisfaz,
gens que JX)Ssamesperar daqueles sentimentos . Quand o p, 1 111,1 e.: lt: nem a outros, refletir que o p lano ou desígn io era
dem essas vantagens, portanto, demonstram te r perdid o rrnd1 , 111 11 qu e depen dia dele ; q ue não se exigia maio r capacida-

além de u ma n inharia, que qu ase nem vale a pen a levm t'III 1 p,11.1exec utá-lo do que p ara pro je!á- lo; que seria extrema-
conta . Ainda assim. entretamo, perderam a lgu ma coisa. 1'111 1111 llll ' rn paz de pó-lo em p rát ica e, st:. lhe Livt:ssem pen nili -
isso , seu prazer, e co nseqüen temente sua grat idão , não ,..,,1t, 1.,·,1•~uirad iante, o êxito não tardaria . Mesmo assim , não o
, 1 utou; e, embora po ssa me recer to d~ a aprovação devida
inLeiramente (..0tnpl~LO:s. De~~e modo, se são iguais as circun,.
râncias restan tes e nu·t: um amigo que m;1lugra t: uuu·u, hv111 1 11111~r~ mde e magnâ nimo desíg n io, ainda assim fa ltou -lhe o
suced ido, mes mo no melhor e mais nobre espír ito lia vl· 1,1 1111dto real de ter realizado uma gr.mde ;1yfo. Subtra ir ;1 admi -·

uma pequ ena diferença de afeto cm favor cio bem succdid(, 11111,t(f•o de qualquer assunto de interesse público a um h o-
Mais aind:;1:tão injust~I é a humanidade a esse respe ito (jlH'. 111, 111que quase o trouxe a ten no é conside rado a mais in si-
em b ora o he nefício pretend id o seja obtido , se não o for p, 11 111 ...1injustiça . Como fez ta nt o, pensamos que deveriam per-
meio de um benfe ito r pa rticular, po de-se pens :1r·q ue se ck-v1 n11tlilhe ob ter o mérito co mp leto d e levar o assun to a cabo.
1 111jL •tou-se a Pompeu que e le se intromet era nas vitórias ele
menos gratidão ao homem que, com as melhores intençrn•i.
do mundo, não pôde senão ajudar a avançar um pouco 111:11~ l 1111110\ recebe nd o os !ouros dev idos ao valor e so1te de o u-
Como nesse caso a gratidão dos homen s se divide en tre ,1"' 111,Ao qLLe pare ce, a glória de .Lúculo foi menos com pleta até
111 opmi ào ele seus amigos, pois nào lh t: pe rmitira m cu nduir
dif erentes pessoas qu e contribuíram para seu praze r, u ni,,
1 1on1. 1L1b la que sua c.:on<lutae corage m tornaram possí vel a
parte menor dela p arece devida a cada Lima. É comum ouvir
1111,dq uer homem co ncluir. Um arquiteto fica mo1t ificado qu an-
rr~os os homens dize rem que taJ pessoa sem dllv ida prct1...·r1
+111 :-.<.:u~ projetos ou não são inte iramente postos em prática ,
dia nos sen·ir, e realment e acred itamos que empenhou tod,1.,
1111 -.:lo tão alterados que danific am a exec ução do edifício .
as suas hab ilidades para esse fim. Mas não lhe somos dew
d ores pdo :,c:u lkneficio, uma vez que, nào fosse pe la con i\t.,.,,o rrojero é tudo o (] Ue depende do arq ui teto . Segundo
l11ms crítico s, todo o gênio ele um arqui teto se revela tanto no
co rdância de outro~, tudu o qut: p u<lt:.:,.,sefazer não trar ia 1:11
beneficio. os ·homcns imaginam que, até me:smo aoo oll10:,Jn 111 ujcto qua nto na execuçào de falo. No entan to, mesmo os
espect :1dor imparcial, essa ponderação diminuí a dívida Cjl W
111 .1!..., inteligentes considera m que o proieto não proporciona
l.tnto praze r quanto u m nobre e esplênd ido edifício. Podem
têm para com essa pess oa . AqL1e!e q u e ten tou sem êx ito pro
dt•.~ r obrir tanto OOm gosto e ge nialidade num e noutra. Mas
mover um benefício n:1o depen d e, de modo al gurn, da gra ti
,1inda assim os respec.:nvos efeitos são enorm eme nte difere n-
dão do homem a quem pretend ia m~mrer sob obrigação, nc.•111
\l's. ~ a distração que encontram com o p rimeiro jamais ~e
possui o mesmo serno de seu própr io mér ito em relação a e~
,1proxima do assombro e ad miraçio que por vezes a segun-
se , em caso de êxito.
Nlesmo o mérito de talent os e hab ilidades, os quais ::1 1
gum aciden te impediu ele produz irem seus efeitos , rcvela -~c.· • Lúcio Ludnio lúculo. comandante do exérc ito rom:mo de 74 a 66
em certa medida imperfeito, até parn os que estão plena men 1( (N da 1t T.)

124 ,1 /\/>.ti PARTE 125


TEORIA DOS SBVT1}.1E/I.TOS
MI/// 1/

da suscita. Podemos acreditar que mu itos homens têm 1:tl, 11 11 i'lM>, <:er suje itas à mesma pu n ição . Pode•se afirmar ainda
tos superio res aos de César e Alex andr e , e qu e nas m<.!:-.it11 ,11,"nmos capazes de reso lver e até tomar medidas para exe -
situações realizariam feitos ainda maiores Entretanto, n;lí111 11111mu11ascoisas qu e, à hora marcad a, contu do , nos senti-
contemplamos com o mesmo assomb ro e ad miraç'io <:0111 ,1 1 lnt<.:lramente incapazes de exec utar. Mas esse racioá n io
qu e aque les do is heróis têm s ido contemplados em todos 1, IH 11•111 lugar quando a intenção foi levad a às ú ltimas conse-
sécu los e por tcdas as na ções . Os juízos calmos do espu 1111 pll 111lns. Porém, o h omem que dispara a p istola cont ra o
podem aprová -los mais, falta•lhes, porém, o esple ndor d1, 1111111lgo, mas não o acer ta, é punido com a morte pelas leis
grand es feitos para desl umbrar e arr ebata r. A su perior id:id, I• q11.1 sc lOdos os países . Segund o a ant iga le i da Escó cia",
de virtud es e talentos n ão tem, inclusive sob re os q ue r1.·111 und,1qw.: elt: fira seu inimigo, sal vu se a mo n e oco rrer den -
nhecem tal superio ridad e, o mesmo efe ito que a sup eriorld 1 " • d1·l·crtu tt:mpo, o a5sass ino, contu d o, não me recerá a pu-
de elas conquistas. th ,lt > e.:xtre ma. Mas o ressentimento dos hom ens contra ess e
Assim como o mérito de uma fracassa da tentativa dt..· 1,1 1h111·(· tão gra nde , se u terror ao homem qu e se mo stra ca-
zero bem parece, aos olho.:; da hum anidad e in grata, dimi11111 l d L·prat.icá.Jo é tão imen so , que a mera te ntativa de o pra-

do pelo malogro, igu alm ente oco rr e com o dem éli to de l11111 Ih u dl•veria ser passível de pena cap it~I A renrnrivj de prn ti-
fracassada tentativa de fazer o ma l. A intenção de praticar i1111 111times me no res é qu ase sempre su jeita a pen as leves , e·
crime, por mais que se comprove, dificilment e será punl d,1 1 ,1·1.csnem é pun ida. O ladrào cuja mão foi apa nha da den -
com a mesma severicfade co m que se pun e a prática efe11'·,1 ,111 do bolso do vizinho, antes de tirar dali alg um a co isa, é

Ta lvez o caso da traição co nstitua ,1 ún ica exceç::'io. Coou 1 11111ldo ape nas com a ignomíni a. Se tivesse tido temp o de re-
afeta diretam ente a existê n cia do próprio gov erno, nm ui.d 111,11 d 11li um len ço, teria sido co nd ena do à morte. O a rrom-
me nt e o governo é mais cioso deste do que de qualqrn•1 1 11lc11· que fosse encont rado co locando uma escada junto à
outro crime. Ao punir a traição , o soberano ressente -se d,1" H1t1LI de seu vizinho, mas sem e ntrar po r ela , não seria ex-
agressões que o atingem diretamente; ao pu nir ou tros crinW!\, •••·ti J ,l pena cap ital. A tentativa d e violentar oào é punida co-
•11111•:,1upro . A tentativa d e sed uzir urna mulher casad a não é
resse nte-se das que foram come tidas con t ra outros homc.:11-.
Num caso, cede ao seu próprio ressentimento; no outro, ,H 1 11111ilda cm absol uto, embora a .'iedução seja severamente p u-
de seus súd itos, do qual po r simp atia participa. No prim <.:irc1 11h l I Nosso ressentimento contra a pessoa q u e apenas ten-
i, 11tprovocar dano raramente é tão forte que nos leve a infli -
caso, pois, como julga em causa própria, tende a infligir u 11H 1
p un ição mui to mais vio lenta e sang uin ária elo que a qu e po 1tlt pu n iç ão idêntica a que julgásse mos dev ida, se realm ente
d e aprovar u m espect ador impa rcia l. Seu rt:~entime nlo t<.1111 ,. llvL•~seprovocado. Nu m caso, ~ .lieg ria po r nos te nn os li-
bém se insurge cm ocasiões menores, e nem semp re, co11111 Lido abranda nosso senso da atroc idade de sua conduta· em
nos outros casos, agu ardará que o crime seja p erpetrad o, 011 1111110. a aflição pelo nosso irúonú nio aum en ta esse se nti~1en-
mesmo qu e se tente pra ticá- lo . Uma conjuração trai çoe ir.1, 1i1 'Viaso verdade iro demérit o dessa pessoa é , sem dúvida, o
ainda que nada se ten ha rea lizado ou inte nrndo em coni-l' 11wi-1r110 nos do is caso s, uma vez q ue suas in tenções eram
qü ência dela, e mais ainda, um diálogo traiçoei ro, é puni do 1u1w l mente crimino sas; a esse respeito há, portanto , uma irre-
em muitos países do mesmo modo como a prátic a efetiva d.1 Mlll,1ridade nos sent imentos de todos os home ns, e um canse-
traição . No que concerne a todos os outros crimes a mera in
tenção , se não for seguida d e nenhum a te nta!iva, ~aramente.;1,• • De acordo com os edito res Raphacl e Macfic (Oxford, 1976) , nã o lrn-
pun ida, e nunca o é com severidade . Pode -se afirmar que um,1 1 m:1lei ei.cocesacom tal conteúdo, É verdade que. em muitos sis-
tl,1111...,,hu
intenção crimino sa e uma ação criminosa de fato não sup ôt!lll f• 11
IJ<1!1.
1rldicos europeus, a monc ou o dano deveriaocorrerno período <ll·
necessa riamente o mesmo grnu de depravação e não deveriam, IIUI •no ( ,\1, da R T.)
126 TEORIA DOS SENTIMEN l"OS 1\U 1/.'t 1 .\1 >A PAl?TIJ 127

qüente relaxamento da d isciplina, creio eu, nas leis d<: 1rnl, ,11 1111 pe lo menos que os me recesse no grau em que est a-
as nações, das mais civilizadas às mais bárbara s. A hunHu11 p0s tos a conce dê-los . Assim, até o mensageiro de más
1!1-{
dade ele um povo civiJizaclo o predispõe quer a exi..mir, , 1111 111 Li-. nos é d esag ra dáve l; e, ao contrá1io, sent imos um a
a m itigar as penas, sempre que as conseqüências do rd111 I" 1lt• de gratidão para com o homem que nos traz boa s
não inci lem sua natural ind ignação . De outro lad o, os b:uh 1 1... Po r um momento , olham os para eles como se fossem
ros não rendem a se esmera r na perquirição dos motivo." d 1111w , , um da boa fornina, omro ela má, e em certa medida

crime, se nen hu ma conseqüê ncia real re sultou da ação. 1 • u,-;klcramos corno se rea lmente tivessem causado os e ven-

A pessoa que, se ja por paixão, seja por influên cia eh: 1111 1111 t· ~1pe na s nos descrevem . O primeiro autor de nos.sa
compan hias, re50lveu e ta lvez Lomou mt:1.hdas para peqwu 11 1, ~du (: na tu ralmente o objeto de uma gratidão tran sitória:
um cr im e , mas felizmente foi impedida JXlr um aüd c.:.: ntL·1111 .!111~ 111110--lo c:1lo ros:1 e afetuos:imente, e dur::tnle o tempo d e
a impossibilitou de p raticá-lo, se lhe restar alg um a consdr11 1 prnsperidade gostarí am os d e recompensá-lo, como se
ci.1, certamente não deixará, ao longo ele toda a sua vida, d1 • por um no láve l servi ço. Segllndo os costumes de toclas
conside rar esse evento como urn a grande e notáve l lilwrt 1 , 1111t ·s, o oficial que traz a no 1ícia de uma vitória !em dire i-
ção. Jamais o poderá lembrar sem ::igr::idecer ;:10sCéus po r ti ! pdv ilég ios cons ider-Jveis, e o genera l sempre escolhe um
rem con cedido a graça de salvá -lo da cu lpa em qt1e (•s1,1\ 1 ,1•ut- principais favo ,itos para levar tão agradável mensa- -
pronto a mergulhar. não permi tindo que transfor masse o 11' 111 () primeiro autor de noss a tristeza é, ao con trário, tam-
111 11 ,lluralme nte o objeto de um ressentimento Lr:rnsitóri o.
to ele sua vida num cenário ele horror, remorso e arrept·11d1
mente . Mas, embo ra suas mãos este jam inocentes, sabe q,11 111podemos ev itar ele füá -lo com mágoa e d esco nfor to ; e os
seu coração tem tanta culp a quanto se de fato houvesse 1..·x1 11t1 ,,..,l º brulai:; Lendem a despe jar sob re ele a bílis que u re-
cutado o que tão decid idam ente espe rava fazer. Mas c 111 1 1,l,1provo cou . Tigranes , re i da Armên i.a, co rto\.i a cabe ça do
h•1nwm que lhe tro uxe o p rime iro informe da aproximação
grande alívio.-., sua consciência considerar que não exe cutt 111
1, 11 111formidáve l inimigo•. Parece b::í.rb:iro e de su1nano pu -
o crime. embora saiba que o malogro não se deveu a n cn h11
1111 d( '!'i.-.:1 maneira o }lu t0r de m{ls no1ícias ; contudo , recom-
ma vinude sua . Cont ud o, considera-se menos merecedor eh
i" o-.;1r o mensageiro ele boas novas não nos desagrada; jul-
castigo e ressenlimento, e essa boa fonuna ou d imin ui uu aL1
ta inteiramente seu se ntimento de cu lpa . Le1nb rnr o quanlo 1·-.
u11t>S que comb ina co m a generos idade de reis. Mas por que
t 1 1 ,nos essa d iferenç a , um a vez que se não há e rro <le um ,
decidido a cometer o cr ime tem o llnico efe ito de f:m
1...1vn.
, 1111 pouco há méri to do outro? É porque qu alque r esp éc ie de
lo co nceber sua salvação c omo a maio r e a ma is mibg ro-.,1,
1 11 h )l'inio pa rece suficient e para au toriza r o exer cício dos afe-
pois a incb imagina qu e fo i salvo, e o lha para trás , para o pt
1, 11 ~oci..iveis e benevolentes; mas são ne cessá rios os rnais só -
rigo a que fora expos ta a paz de seu esp írito, com o me.-.11111 l!do..,l.: subManci ai:; mciod nio :; para comparti lham 1os os afe-
te rro r com que às vezes algu ém em segura nça pode le mh r.11 ,, 1 1 Jn:-,oc iáveis e male volentes.
o risco em q ue esteve de cair de um precipício. e a esse pt·n M ,1s embo ra gera lme nte sejam os avessos a compar tilhar
sarnento treme de horro r. ,1 ,lfl ·l os insociáveis e ma le vo len tes, emb ora estabel eç:.imos
2. O segundo efe ito de ssa influência da fortuna é aum<.·11 t 1H10 regr:1 nu nca :iprovarnios sua justifi c:lçflo, salvo na me-
tar nosso senso do mérito ou demér ito das ações que, exn- ilh l,t t."!ll que a intençã o maliciosa e injusta da pesso a com ra
d endo os mot ivos ou afetos dos quai s se originaram, fortui t.1 1qual 5ào dirigidos a tome objeto adeq u~1do.em algu mas oca-
ment e prcx:lu zem prazer ou dor extraordi nários. Os efeitoN li ,\ s, t.:ontuclo) atenuamo s essa seve ridade . Quando a neg li-
agradáveis ou desa gradáveis da ação frequen temente lançJ111
uma sombra dt: mériro ou demérilO sobre o ag ente, embo1, 1
nada houv esse na sua intençã o que mert:ct s::it:lo uvor ou L:l:11 • l",st;: · fo rmidáv el in im igo" é Lüculo, Já d tackJ. (N. da R. T. )

128 TEORIA DOS SEI\ITlMEi\70 S.AION li 129


/'M M PARTE
gência de um hom em cau sou a outro algum dano nào -ptt 1111 1111 ,.>;.A ponde ração acerca dessa difere nça pode nos con -
me ditado , geralme nte partilhamos tanto do ressemimen10 1h 1,11,1 do quanto a indignação, mesm o de um espectador, te n~
sofredor que aprovamos a ap licação de uma pena ao ofon.., 11 1 1 .ljt' I mo tivada pe las rea is co nseqüências da ação . Em ca-
muito super ior à que a ofensa parecia mere cer , não tiw.~ 1 dt•,,;.-.n espécie , se não me enga n o, encont raremos u m gran-
d ela se seg uido tamanha infeliz co nseqüência . 1, 1i1,1u de severidade nas leis de quase tcxlas as nações: do
Há um grau de negligência que, embo ra não caust.: nc 111 ,1110 modo como) conforme já observe i, houve nas de uma
nhum prejuízo, parece merece r severa pun içao. Assim, se lLl 111 1"•, ·le oposta relaxam ento amplo d a disc iplina .
pessoa jogasse uma grande pedra po r sob re um mu1u n:i dl l 1:1 outro grau de negligênc ia qu e não e nvo lve nenhum
rcçào de uma via pública, sem advertir os que po d eriam 1..•.o.;1.11 11111dl.' injustiça. O cul pado por negligência ~rata seu próxi-
pas sando e sem pensar onde ela provave lmente cairia , nwu 1111110 1no trata a si mesmo, não deseja preJud1car ningué m, e
ceria certam ente uma puniç ão severa . Um polici al extr<.'nu 1~ longe de cultivar qualq u er inso lente desprezo pela segu-
menre cuida doso pu niria tão abs ur da ação mesmo qu e n.111 ., ,, e ft:licidade
111 dt": OUUD5. Por ém. não é t ão c ui d adoso e
tivesse provocado dano algum. O culp ado reve la um insoh·n IHun spccto cm sua cond uta como dever ia, e merece, pore s-
te desprezo pela felicidade e segurançados demais. Há venl 1 1 1,11:ào , a lgum grau de censura e crítica, ma s nenh um casti-
deira injus1iça em sua co nduta, po is expõe cap richo samt..•1111 ' • c:ontud o, se por uma neglígênc ia-idessa espécie p rovocar·
seu próximo a algo a que nenhum homem sens ato ?ecidirl. 1 ~l11111ndano a outra pessoa, acrediro qu e seg un do as le is d e
se expor, e evidentemente falta-lhe o senso do q ue e devldu
11ln.-. os pa íses será obr igad o a inden izá-la. E. em bora essa
aos seus seme lhantes , o qual fundamenta a iustiça e a .sor1c·
1 j11, sl!m dúvida , u rna pu nição rea l que , não fosse o infeliz
dad e. De acordo com a lei, porta nto, a flagrante negligênl'l11
11hh•nte que sua condu ta causou , nenhum morta l pen saria em
quase: t:quivale a intt:nção dolosa l. Quando alg um a con.-.1· llu lníligir, essa decisão da lei é aprov ad a pe los senti mentos
qüência infeliz resu lta de tal d escuido, o culpado é freqüt.·11
11.1t111,.1is de todos os home ns. Para nós, nada pod e ser mais
tement e pun ido corno se d e falo ho uvess e pre meditado l'~
1111110 do que um homem não sofre r pe la imprudência ele o u-
sas conseqüências; e sua cond uta que, sendo ape nas irrefü 11
1,11, l' que o dan o provocado por cen suráve l negligênci a seja
cb e insolente, merecer ia algum castigo , é cons iderad a atroz ,.
11 p I rac.l o pe la peS50à cu lpada dele.
passíve l da mais severa punição. Assim, se pe la _ação irnpru
l 1;L um.i o utra t:spéde de negligência \ que consis te ap e-
de nte ac ima mencio nada essa pessoa matasse ac1denta lmen1t·
11.1>, n:1 falta d o mai s receoso acanham ento e circunsp ecção
um homem , seg un do as leis de muitos países, particll lannt' n
•111 ,111Lo a todas as possíveis conse qüênci as de nos..c;os:1tos . A
te a antiga lei da Escócia , ser ia passível da pena capi tal. E c m
111,iC:ncia de ssa aten ção min uciosa , quando não segu ida d e
bora seja sem dúvida excessiva ment e severa , não é imeir;1
ud-: conseq üênc ias, está tão longe ele ser cons iderad a censu -
m ente inconsiste nte com nos sos senti mentos na rurais . No~-.;1
1 lvl·I. que se prefere censu rar a q ualidade cont rária . Aque la
ju5ta indigna ç.-ao comra a insensalez e desumanidade da (01 1
111111<.bcircunspecç ão que tudo receia nun ca é vista como vir-
duta dessa pessoa é agravada po r nossa simpatia pel o infcll1
111dc , mas co mo um a qualidade qu e, mais do que outra qua l-
sofredo r. Mas nada agred iria ma is nosso senso natural de eqill
q11u-, incap acita pa ra a ação e os negócios . Por ém, q uand o ,
dad e, do qu e levar ao cadafa lso um homem apenas por t<..•r
jogado uma pedra descu idadam ente na rua, se m ferir ni11 p11 1 falta desse cuidad o excess ivo , uma p essoa casual~e~t e
p1ovoca dano a outra , mu ita s vezes é obrigada , pe la lei, a m-
guém . A insensatez e desumanidade de sua conduta, se riam.
d1•ntzá-la. Assim, pela Lei Aquilina, o homem que, incapaz
nesse caso, as mesmas; mas mo iro diversos seriam nossos scn

4 , Culpa !evis.
3. "lat a culpa prope dolum esl. ~ 5. Culpa levissima
130 TEORIA DOS SENTIMENTOS /\li 1/,'J 1 \'/ >ti PARTE 131

de dominar um caYalo que acide ntalm ente se assustou, ,111 1,,11i t> f,1to do agente , não d eve ria exercer nenh uma influên-
pebsse o escravo de seu vizinho, se ria ob rigado a i.nc.k1111 1 , 1h1 ·c nossos se ntimentos relati vos ao mérito ou conve-
o prejuízo. Quand o oco rre um ~cide nt e como esse, rendl·1111 111 f I t.k· $ll:l co nduta. Mas qua ndo exa minam os os p :-1
rticula-
a pensar que esse homem não deve ri::i montar tal ani m:1I.1 1h•'icnhrim os que num caso qua lque r noss os sent imen tos
considera r sua tenta tiva de o fazer como imperdo ável IC.'vl111 1111! ll111t.·nte estão em exara confo rmidade com o que o rden a-
dade. No entanto, sem esse acidente não apenas não l.11 1 i 1 •,,1 máxima eq üitat iva . A ocorrência feliz ou infon u nada
mos tal reflexão, mas cons ideraríamos a sua recus a a mor!! 11 1 q111l1que r ação não ape nas te nde a nos dar um a op inião
o cavalo como efeito de uma tímid a fraqu eza, e d e um I\TI h ' 1 ou má da p rudênc ia com que foi condu zida , mas quase
quanto a even tos mera mente possíve is, q ue é inútil lev:11e 111 rnpn·motiva nossa gra tidão ou ressent ime nto, nosso senso
conta. A própria pessoa, qu e por um acident e desses fen .· nu 1,1 uwrito o u demérito da intenção .
tm sem querer, parece ter algum senso do seu mau me u •, 1 Poré m, quando implantou as sementes dessa irregu lar i-
mente. '.'Jaturalmente corre até o sofredo r para expr essar ~111 111t., no pe ito humano, como em todas as demais ocasiões.
preocu paç,,10pel o oc orrido . e para 1umar ruda:; a.'j prov idt 11 11.u11rl:z :1 pa re::cete r pretend ido a felic idade e perfei ção da
cias qut: estão a .st:u alcance . s~ tiver a lgu111a:;~ nsi bilic.l:ul1 1u I k. Se a no civida de da imençào ; se a malevv l~nd a d o .
necessariamente deseja rã repara r o da no, e faze r todo o pc" h 1,1 fo.s:-; em as únicas caw;as a su .scitar nosso ressentim ento .
.')ÍYel para ap laca r o furio so ressent imento que sa b e tcndt.•1,1 1 !1 \ ,•t /:i mos sent ir to das as fúrias dessa paixão contra qual -
suscita r no pe ito do sofredor. Não se d esc ulp ar, não oh.•,1 111,·1 pesso a em cujo pe ito suspe itássemo s ou :icredi tússe -
cer-se à exp iação, é considerada a m;:iior das brutal icbd í' , 111• que se ancoram tais intençCle's ou afeto s, ainda q ue estes
1\lfas por q ue ele deveria se d esculp ar mais do qu e quc1lqrn t 11111111s tivess em irrompi do e m atos Sen time nms , p ens ~1r1en-
outra pe ssoa? Por que , já que fol tão inocente quanto qu d 1 11, propó sitos, tornar -se- iam objetos de castigo; e se a ind ig-
quer o utro especta dor , seria assim isol ado d e todos os ou t 10 1+1~,lo dos homens fosse tão intensa contra eles qua nto con -
homens par a repa ra r a má sorte d e outro ? Essa ta refa ccn11 1 1 11.-i :1ções; se a baixeza cio pensamento que deu origem à
me nte jamais lhe ser ia imposta , não se ntisse o espec tador hu 1, .10 pareces.sé\ aos olhos do mund o, clama r tão alto por vin-
parcial alguma indulgência pelo que se pode cons iderar o 111 111\, 1quanto a baixeza da ação, tod os os tribuna is de magis -
justo ressent..imento do o utro . 11tl\11 -;1 -;e transfo rmariam numa verdadeira inquisi ção. !\ão ha-
•'1 b .-.c ..:gurança para a ma is ino cente e circunspecta das co n-
hiu,. Maus dese jos, maus olha res, más intenções , pod eriam
CAPÍTU LO m ,orn ar su::;peila.'j; e q uando e.slas suscilaS!)em a mesm a in-
Da caus a fi rtal dessa irregularidade dos se11limentos d1~11. 1çio q ut: a rná co ndu ta , qu ando se ressentisse tamo da/;,
111.1 -1 inte nções como das más ações, a pe."i5 óa ee;taria exposta
Ta l é o efe ito da boa ou m:í co nseqüência das ações :,;o ! IH11: d pu nição e re ssentimento. Po rtant o , ns ações que ou
bre os sentim en tos , tanto da pessoa que :as realiza quanto d\ l induzem mal efe tivo ou exper im enr am produz i-lo - cau -
m , ~ fo11wH1 , que governa o mun d o , rem algu
outn-is; é :-1ssi 1ndo-nos, desse modo , ,nedo imediato - o Auto r da narure-
ma intluência onde me nos desejmfamos lhe co nceder algunm 1 1orno u-as os úni cos o bjetos apropriado s e aprovados d e
e gove rna , e m certa medida . os se ntimentos dos homens qwm 1111n1rão e ressentim ento humanos. Se ntim ent os , intenções .
to ao caráter e cond uta deles própr ios e de outros. Qu<.:o 1!1•10 ,-,: embora deles , segundo o frio raciocínio humano . os ato s
mu ndo ju lga pel o falO e não pe la intenção, tem sido a q uL·i li11manosd er ivem todo o seu mérito ou demé rito , o grande
xa de todos os tem pos . e o maior deses tímulo à virtude. To ju/1,Jos corações os co loco u alé m dos limites de qua lquer ju-
dos concordam com a máx ima univ e rsal de qu e , não clepe 11 1!-. diçfio human a, rese1vand o-os unicamente ao co n heciment o

132 TEORIADOS SENTl1'1ENIDSMO/,' li ,VJMPARTE 133

do seu próprio infalível tribun al. Por co n segu inte, a ncct.•i1-. 1 ,, , 1.11111 ilizada apen as por falta de opo rtunidad e de serv ir,
ria reg ra da justiça, segu n do a qual nesta vida são pa1:i,.'>IV\ 1 1111•1k .•r a e la honras e pr ivilég ios que , embora em certa me-
de pu n ição somente os atos dos homens, n ão seus desígiuu ,,,!11,., niereça , o decoro não perm itiria qu e os ex igisse, é o
e lntenções, funda- se sobre essa salutar e útil irr egula1idrnl1 , Ili • tia ma is divina be nevolê n cia. Ao contrár io , p uni r ape -
1 11111 causa dos afetos do coração, ainda que nenhum crime
nos senü mentos hum anos relativos a mérito e demérito, a q11i1I
1tl,, 1 -.ido p raticado, é a mais bá rbara e inso lente tirania. Os
à p rime ira vista pa rece tão absurda e inexp licáve l. Mas tocl,1
as partes da natureza, se examinadas ate nta me nte, igualnw 11 ., l>cnevo lentes pa rece m merecer ma ior lo uvor se não
h 111
te demons tram o cu idado providencial de seu Autor; e pod, dos até o momento em que quase configu re cr i-
11, 1111.~terga
mo s adm irar a sabedoria e bo nda d e de De us até mesmo 1111 11 11.10 t.:olot.:á-los em pr ática. Ao co ntrár io , o.s malevolentes
fraque1.a e insensatez dos homens. IH!•llrm.:n te .são de ma siad o tardios, lent os e deli berados.
Tampouco é inteiramente inú til essa irr egula rid adl' 1h 11.ué mesmo de co nsiderável importância q ue se co nce-
sentimentos, por meio da qu al o mé1ito de uma mal og1·;11 l1 , t,, causa do se m intenção co mo infottúni o pai-3 o ag e n-
11h11
11,,,n co mo para o sofredo r. O home m é. ens inado , desse
tent at iV'd.de se rvir, e sobretudo o de mera s bo as inclinaçm
.i, 11111,a reverenciar a felicidade de seus irm:los, a tremer ante
e bons desejos , mo stra-se imperfeito. O homem fo i criad o p,1
ra a ação t:' para promov er 1 pelo exercício de suas faculdade· t pw1~ihilidad e de que faz, mesmo inconsciente mente, a lgo ·
as modificações nas circuns1ân cias exte rnas, pr ópr ias e alh l..'í,1 1111 n.-,possa fer ir, e a sen tir p avo r da que le bru ta l resse nti-
1111 1110que, pe rcebe ele, está prestes a irromper sob re si, caso
que lhe pareçam mais favoráve is à felicidade de todos. N, 111
dev e se satisfazer com um a benevol ência indo len te, nem illl,1 1i1111c, sem intenção , o inte rmed iário da calamida de de.5.5 es
ginar-se amigo da human ida de , só {X>rq u e e m seu co mçào dt
11r- 11mãos . Na ant iga relig ião pagã, o solo que forn cons :1-
1,1do a alg u m de us não de veria ser p isado, sen ão e m oc a-
seja a p rospe ridade do mundo . A natu reza lhe ens inou qu,
• +1•<1:..olenes e necessár ias, e o homem qu e o vio lasse, mes -
pode invoca r todo o vigo r de sua alma. e tens io nar cada 1w1
11111 por igno râ ncia, do ravant e se tornar ia sacrflt::go•, t: incor-
vo, a fim ele produz ir as finalidades as quais sua existêrn l,1
1 tl,1 n:, vingan ça daq uel e ser po d eroso e invisível a q ue m o
tem como p ropós ito promover, e que nem ele nem a hun m
1111fora reservado, até qu e se reali zasse a reparação apro-
nidade podem -se satisfazer plenament e com sua conduta, con
1i l.1dn; a ss im também, peb S3be<loriad-i natureza, a felicid:ide
cedendo- lhe to dos os aplausos, a não se r q ue e le rea lmc.:1111
,1, iodo hom em inoce nte é da mesma mane ira tomada S:;tgr,i -
os tenha produ zido. A natur eza o faz saber que o louvor dutt ,11 cons~gra da, e cerca da con tra a apro ximação de qua lquer
boas inten ções, sem o mérito dos bons serv iço s, será de pou
ulu) homem, para não se pisar nela à toa, e mesmo para não
ca valia para susc itar ou as mai~ e~trondosas aclama çõt:s d11
1, l' ITI nenhum aspecto , vio lada, por ignorâ ncia ou invo lun -
mund o, ou me smo o ma ior g rau de aplauso de si mes mo. <•
t uhunente , sem que seja necessá ria a lgu ma expiaç ão, a lguma
homem que não exec utou u ma só ação importa nte, m as <.~1j 1
1111,iraçà o , propo rcio nal ã grandeza d essa violação não inten-
conversa e comp ortame nt o express am sempre os ma is ji1"
' !1111:il.Um hu ma nitário, que acide ntalmen te - e sem o me -
tos, nobres e generosos se ntim entos, não tem direito a recl.1
111 11 grau de neg li gênci a ce nsuráv el - causou a mo11e de ou -
mar uma recompe n sa muito elevada , embo ra sua inut ilicl:id 1
1tt1 home m, se nte -se um sacrílego 1 embora não um cu lpad o .
não se deva nada senão a uma falta de op:ntunidade pa ra St' I 1lt 11.1nLe toda a su a vida cons idem esse acidente como um do:-,
vir. No entanto , podemos recus ar-lhe essa recompensa, S(,·111
o censura nnos. Mesmo assim, podemos -lhe perguntar: O qt 11·
fizeste? Que serviço rea l podes prod uzir, q ue te dê dire ito ,1 • "Piacular", no original. Palavra de origem no !mim arcaico (piacu-
tão gra nd e recompensa? Estimamo-te e am amo-te; m as n:\I, llrn,) que designa tanto o crim inoso (o sacrílego,expiatório ) qu.into a pena
t~ t·Xpiaç:io). (K d a H. T.)
te deve mo s nada . De fato, reco mpensar a virtude latente qt u
134 TEORIA DOS Sl]NTL',!JE.t,rro
s J\11IH 1 \J1 1 l'AR7E 135
maiores infortúnios que lhe podiam suceder. Se os falilllLu 1111i.'l':I e bon dosa da humani dade concorda inteiramen-
do mo 1to são pobres, e sua própria situação é apenas p,1 1111,i-. esfo rços que ele e ntão faz para amparar -se em sua
vel, ime dia tamente os tom a sob sua pr ot.eção, e se m rn· 11h111 111.Jn 1>ini,lo . Exerce toda a sua generos idade e grand eza
outro mériro j ulga que têm direito a todo fayor e bond11 d pldto pa ra corrig ir em si mesma essa irregu laridade da
Se estão em melhor situação , exper imenta toda a submb~ 1 IIIw1,I hum ana , e se em penha em ve r a infortun ada mag-
tod as as expr essões de tristeza, procura prestar-lhes tcxl11 , 11111
1hlndt,;desse homem sob a mesma luz em que 1 se êxito
bom ofícios que çx:issadivisar ou que eles possa m aceit:1r p 11 11.nmwa lmente estaria dispos to a consid erá-la, sem qua l-
repara r o ocorrido, e aplacar, na medida do possíve l, o 11 11 1 '11'111-ço d e generosidade .
sentiment o talvez nan1ral, embora sem dllvid~ injustí&:;i.nu), I'
la gra nde , mas invo luntá ria, ofen~a qu e lhes ca usou.
A aflição qu e sen lc uma pessoa inoce nte, a qua l atid1 11
talmen te foi levada a faze r algo q u e, se fe ito co nsciente t' 111
tenciona lmente, rê-la-ia exp osto com justiça à ma is prof11111I
censu ra, pro piciou a lgumas elas ma is be las e inte ressa ntt.•., 1 1
nas tanto do dra ma antigo como moderno. É es.c;efol~1d11 •
se ntimento de culpa que constitui toda a aflição de Édipo i.• I•
casta no teatro grego, de Mo nímia e Isa bela no teatro ingl1
São to do s eles sacr ílegos no mais alto g rau, em bor a nenl 11111
tenha nen hum gra u de cu lpa
Entretanto, n ão obsta nte toda s essas manifes tas irr<:,R td 1
ridades elo semnn ento, se infelizmen te o homem causa mal,
que não pre1encleu, ou fracassa em p roduz ir o bem que p11
te ndia , a na tureza não deLx:asua ino cência inteiram ente M'I II
consolo, nem sua virtude inteirament e sem reco mpensa, A
s im, o homem chama em se u socorro aquel a máxima ju~1.11
eqü itativa segundo :J. qu::tl os eventos que não d cpc nd cni d,
nossa co nciu1;1não devem diminuir a estima qu e nos é devid, 1
Evoca toda magnanimidade e firmez:1 d e sua ,alma, e esfo,~.1
se por ve r-se. não sob a luz e m qu e ago ra se mostrn, m,is :.oh
a luz em que deveria mostrar-se, em q ue teria se mostrado
fossem suas generosas intenções coroadas de êx ito, ou , a ck•'I
pei to de fraca sso, em que ainda se mostra riam se os sem 1
mentas cios homens fossem inteiram ent e since ros e eqü it<lli
vos, ou até perfeitamente consistentes co nsigo mesmos , A pan1

• Person:1gens fem inina s que se m saber viobram a::ireg ra!! sagradas do


matrimônio . As peças s.io, respeclivamenie: Édipo Rei. Sófocles: O 6rfào, dt
O tway; O çasamemo /arai, ot1 O adultén·o inocente, de Thoma s Southerrw
(N . tia R T.)

TERCEIRA PARTE

DO FUNDAMENTO DE NOSSOS
JUÍZOS QUANTO A NOSSOS
PRÓPRIOS SENTIMENTOS
E CONDUTA, E DO
SENSO DE DEVER
CAPITULOI
/)o princípi o da aprovação e de desaprovação de si mesmo

Nas duas pane s ant eriores deste discu rso, cons iderei prin-
1lpalmente a origem e fund ame nto de nossos juízos quanto
s senti mentos e cond uta de outros . Pa:,so a conside rar ago-
~11
1,1 mais p-,;1.rticu
lannente a or ige m dos que dize m res peito aos
i\tl /',.')05 .
O p rincípio pe lo qual n atural mente aprovamos ou desa -
p1ovamos nossa própria condut a parece em tudo igua l ao
pdncíp io pelo qual formamos juízos se me lhantes a respe ito
i\11 co nduta de outras pessoas. Aprovamos ou desapro vamos
i rnnd uta de outro homem segu n do sintamos que, ao fazer -
111o
'i nosso seu caso, podemos ou não simpatizar inteiramente
11,111os sentimentos e motivos que a nortearam. E, da mesma
11Hineira,aprovamos ou desap rov amos no ssa própria co ndu -
q ,",Cg undo sintamos que, quando nos co locamos na situaçã o
i\1• muro ho mem, co mo se a con lemp lá~n10s com seus o lho s
, de seu pon to de vista, podemos ou não en tender os senti-
nwrHos e motivos que a determin aram, simp atizan do int eira -
n11•r11e co m ela. J am ais pod e m os ins peciona r nossos própr ias
t 111lme ntos e mo tivos , jamais pod emos forma r juízo algum
ohre e les, a nã o ser abandonando, por ass im d izer, no ssa
1~ ,~1t."1onatural e procurand o vê-los corno se estivessem a ce rta
1ll"tlílncia de nó s. Mas o único modo de fazermos isso é ten-
t II divisá-los com os o lhos de outras pessoas, isto é, como pro -
\ .1vdmente outras pessoas os veriam . Todo juí zo que forme-

TEOJ/lA DOS SENTIMENTOS MORAIS /l!HCEIRA PARTIJ 141


[40
moo sobre eles, portanto, deverá gu:uda r ne ce&Sariamente uma 111
,1s , e se enojam com o utr as. Num ca so se sent irá exaltado,
secreta relação, seja com o q ue é, seja com o que ~eria em c.e~- 1h:11idoem outro; agora, seus dese jos e aversões, alegrias e tris-
tas cond ições - ou com o que imaginamos dev ena se r - ? iu_ 1- 1c•1.asfreqüentemente se co nve rte rão em ca usas de novos de -
zo dos ou tro s. Empenhamo- no s em examinar nos sa propna 1t•jos e novas aversões, nov as alegr ias e novas tristez as . e, po r
co nduta como ima gin amos qu e outro espectado r impa rcial ~ ('!~O, agora lhe interessarão profundam e nte, e muitas vezes
lea l a exam in aria. Se, co loca nd o -no s em seu lug a r, consegu i- 11( ·uparão sua mais atenta consideraçào
mos compartilha r inteUâmente as paix.:ões e moti vos que a ct:- Nossas pri m eiras idéias de beleza e deformidade das pes -
•t1:tssão extraídas da fib,1Ura e aparência de ou tros, nao das nos-
terminaram, nós a ap rov amos por s impati~ com a ap~ovaçao
desse suposto eqü itativo juiz . Se, ao contráno, compartilh am os ~.1.,próptias . No entamo , logo cuidar nos que os o utros exe rce m
sua desaprova ção, condenamos essa conduta. . 1 IIH.:sma crítica quanto a nó s. Alegra -no s que ap rove m no ssa
Se fosse possível que uma criatu ra humana vivesse em llrtura, e abo rrece- nos quando lhes incomoda. Ans iamos por
algum lugar so litário até alca nçar a idade madura, sen:i qu al• \,thc r cm que me dida nossa aparênc ia merece sua cens u ro ou
quer com unicação com sua própr ia .:s~cie, não po .dena pen ~ ~11:, aprovação . Exam inamos membr o a memb ro nossa pesso a ,

sar em ~u próprio ca ráter, a convemenaa ou demém~ de seus 11,colOC".i. nd0-nos diante de um espelho, ou por algum outro ex-
própr ios sentime nt os e conduta, a beleza ou deform 1da~e de pl•dienre, ten tamos o ma is possíve l nos ver à d istânci a com·
s<:u próprio es pírit o, ma is do qu e na l~e1eza e <l:_form 1dack (!lhos de o utr os. Se de poi s dess a inspeção ficamos sa tisfeitos
de se u próprio rosto . Todos esses são ob1etos que nao pode fo ( om nossa aparência, podere mo s suporta r mais facilme nte os
cilment e ver , para os qua is natur alme nt e não olha , e co m rela 111ai s adversos juízos alheios ..Se, ao contrário, temos consc iência
çâo :10s quai s carece de espe lho que sirva pa~a. apr~sentá- lO,'\ ill' que somos objeto natural de aversão , toda mostra de sua de-
à sua vista. Tragam-n o pa ra a sociedade, e s~ra 1med1atam e ntl' .,,pm vação nos mortifica des medidam ente . Um homem razoa-
provldo do espe lho de que antes carecia . E co lo ca~o ant e o w lme nte bonito pennitirá que se riam de qua lquer insign ifican-
se mblant e e co mpo rtament o daqueles com quem vive - qu\· 11·defomiação de sua pessoa; mas todas essas brincad eiras são
sempre reg istram qua nd o compartilham ou desap rova n~~set~:-- l111hitualmente insupottáveis par.:t.algué m que seja realmente de-
se ntim entos - , é aí que pela prim e ira vez verá a co nveruencm i!mnado . De tcxlo modo, é ev iden tt que nossa própria beleza. e
ou inconveniência de suas própr ias paixões, a beleza ou defo1• 1 lvfo1111 idad e nos preoc upam somen te por causa de seus efeitos
midade de seu espírito . ParJ. u m homem que desde o ~s~irncn ,obre os demais. Se estivéss emos com pletamente des ligad os da
to fosse estranho à sociedade, os ob je to s de suas paixoes , os 1CX.le dadc , ambas nos se tiam totalmente indiferentes .
corp:,s exteriores que lhe agradassem ou maltratasse m , oc u~ a Da mes ma maneir:1, nos sas primeiras críticas mo.r-,ds se re-
riam roda a sua atenção. As paix ões em si mesmas, os deseJC1" 111aos caracteres e conduta d e outros ; e com grande dese m-
!.·1'1..!
ou ave rsões alegrias ou tristezas qu e tais ob jetos su sc itasse m 11, 1mço observa m os como cada u ma de las nos afeta. Porém ,
embora foss~m, de todas as co isas, as ma is presentes a ele , cll h1~0apren demo s qu e outras pes.c;oastêm igua l franque za ares -
ficilmente ser iam obj eto de su as reflexões. Pe nsar neles nun pdt o das no ssas. Ansia mo s po r sabe r em que m edida mere -
ca pod eria Lhe interessar o bastante para cha~ar sua a~enta C~)ll 1l'mos sua ce nsura ou a plauso , e se pera nte elas necessari a-
sidera çã o. A cons ide ração de sua ale gria nao poden~ :_usc1~:1 1 nll'nte mostra m o-n os tão ag radáve is ou desagradáveis como
uma nova alegria, nem a de sua aflição uma nova atltça o, ai!\ 1 l,1 s pe rante nós. Com eçamos, pois, a exa mina r noss as pr ó-
da qu e a consideração das causas dessas paixões pu~esse írt· 111 l:ts paixões e conduta, e co nsiderar o que devem par ecer aos
qüentemente suscitar amb-as. Tragam -no para a s~ 1edadt:: , 1 , iutros, pensando o que a nós nos parece riam se estivéssemo.'-
todas as suas paixões imedia tamente se convenerao em c.:111 11111seu lugar. SuJX>roc>- nos espectadores <lenosso próp rio com -
sas de novas paLxões. Cu idará qu e os home ns ap ro vam algu pwwme nto , e proc uramos imagina r o dt::ito qu e, sob essa luz.
142 11i0111.4DOS SENW ,1EN TOS MORAI\ I /,~ Fll<A PARTE 143
p roduziria sobre nós. Esse é o único es pel ho co m o qu al, em Hu111. 1lmcnte a aco mp anham . a.ssim como a :,u.-;pdt.a do co n-
certa me dida , consegu imos esquad rinhar a conveni ên cia dt· 1111", d:í ocas ião :1Os to nn ent os do vício. Há fe licidade maio r
nossa própria conduta por inte1111édio
de olhos alheios. Se de&I<' 1111,l'r amacio e !-ahe r qu e merecemos o amo r? Há desgraça
ponto de vista nos agrada , ficamos moderada mente satisfeito~ 111tini- que ser od iado e sabe r q ue merecemos o ódio?
Pod e mos se r mais indiferentes quant o ao a plau so e, em cert,1
med ida, desp reza r a censura do mundo, contan to qu e esteF1
mos segu ros de ser, por mais que não nos compreen dam ou CAPÍTULO U
nos inter pretem mal, objetos natura is e adequados de ap rovJ Oo amor ao louvor, e do amor ao que é louvável:
ção. lnversameme, se carecennos dessa segurança com mu11
.11 e do horror à censura , e ao que é censurável
freqüência e precisameme por esse motivo, ficaremos mah
ansio sos por obter aprovação alhe ia, e, se ainda nao tivt:rmo~ N:1turalme nte o homem n ão apenas deseja se r amado , mas
ape rtado a mão da infâmia, como se diz, a mera idéia da cen 1,11,IVl'I; ou ser objeto natural e apropriado de amor. Narural -
surn. alh eia, qu e então nos go lpeará com r(.-dobrada sevc ridadt •, nas teme se r
w1·111l· não apc.:: od iado, mas ser od ioso; ou se r
bastará para nos deixar inte iram ente tran stornados. ,!1l1·ton~1tural e ap ropri ad o d~ ód io. Nao des eja apen as !ou- .
Quando me esforço para exa mina r minha p rópria con 111, mns o que é digno de louvor; ou , ainda qu e n.:'l o louvado
duta, quand o m e esfo rço pa ra pro nunciar se ntença so b re e la, li' 11 rling uérn, se r objeto na tu ral e apropria do de louvo r. Tem
seja pan1 ap rov~-l::1ou co nd e ná- la, é evide nt e q ue , em todo~ or n;lo :lpe nas à censura , mas ao que 6 digno de ce nsura·
lt, 111
esses caso~, tudo se p assa como se me div idisse em duas pc., 1111,t•mbora ninguém o cens ure, ser, contud o, ob jeto natur al ~
soas; e que eu, exa minado r e juiz , rep resento um home m d1~ quopriado de ce nsura .
tinto perante ao o utro eu, a pessoa cu ja co nduta se examin.1 1)e nen hum modo o amor ao que é louvável de riva in
e se julga. A primeira pessoa é o espec tador , de cujos sen timc11 11h.1111 cnte do amor ao lom·or . Esses do is princípi os, e mbor-.i
tos qu anto à minha co ndut a tento partici par , colocando-me <.:111 111dhantes , e mbora assoc iados e mu itas vezes m isn 1rados
seu lugar e co nsiderando co mo a m im me pa receria se a ex., 11111,10 outro, s,io todav ia, em mu itos as pectos, dis tintos e m-
minasse d esse pont o d e vista pa rticular. A segunda é o ag<.·11 d1•pçnclen1es ent re s i.
te, pessoa a quem pr opria me nte des igno como eu mesmo , 1 O amo r e admi raçã o que na turalmente co ncebemos po r
sobre cu1a co nd uta te ntm ·a form a r um a op in iao, como :,e ÍO!-o 11ila♦,~-:; cujo caráter e ca ndura aprov-.unos predis põe m -nos, ne -
se a dt um e;::,pc::ctado r. A primt=ira é o juiz; a segunda é a pc,::-. -.,111<.m~emc::, a desejar nos convert em1os em objetos dos mes-
soa a quem se julga. Mas, que o juiz 5Cja cm tudo o mes mo q111 111•1 nto:, agradávt:is, e se nnos tão amáveis e ad miráve is
'1 .'i<.'11L1111e
a pessoa julgada, é tão impossív el quanto a causa se r em tud11 11,,10 :0 aqueles a que m mais am amoo e ad m iramos. A e mu-
o mesmo que o efei to. 11\,lo , o ::iflitodesejo de se rmos excdente::i, funda-se orig in al-
Ser amáve l e ser meritório, is10 é, merece r amor e reco n1 1111·nll' em nossa adm iraç-.1 o pel a excelência de outro::,. Tam~
pensa, são ::1sgra ndes c-.ir-Acterísticas da virtude: e ser odio-.u 1111 11<0 n~ s.1ti!.foz sermos adm irados tão-somente pelo que o u-
e pa ssíve l de puni ção, as d o vício. Mas todas es sas caracten!', 11•'" o são ; ao menos d evemos acredit:ir qu e somos ad mirá -
ticas quase não têm uma imed iata refe rência co m os sentiml..'n ' l'I pe lo que e las são. Mas, parn obt ermos essa s::itisfação,
tos de outros. Da virtude não se diz que é am áve l ou meri tó ri ,1 ol1 \(·rnos nos tornar es p ec tadores imp arcia is de nosso pró-
porque obieto de seu próprio amor, ou de sua própria gi,111 1111111..aráter e co nduta. E preciso nos esfo rça,mo s par::i vê- los
dão, mas porque provoca ta is se ntimentos em o utros ho • 1111os olhos de o utras pessoa s, ou como outras pesso as pro-
m ens , A co nsciê ncia de sa ber-se objeto de opiniões tão favor,1 1 .I\Tlrnc:nte os ve rão . Vistos nessa luz, se nos aparecem co-
veis origina essatranqü ilidade interior e satisfaçao co nsigo q 111 11111 <.k:,,eiamos,fi camos felizes e co ntent es . Porém, co nfim, a-se

77:.0RJA DOS SENTIM EIVTOS MORAI\ li /U HRA PART!l


144
grnnclemente essa felicidade e contentamento , ao descobrinm,.. , ·111dúv ida se alegram co m o ap lauso que im ag inam receber.
q ue oulrOS. ve ndo nos.so caráter e condut a com aqueles olho, \l.h sua vaidade se or igma de uma tão grossei ra ilusão da ima•
com os quais nós, apenasem imaginaçdo, e.sforçávam o-n~ prn r:io, qu e é difi cil concebe r roma podena co nv encer qual-
I11.t
vê-lo.s,vêem-nos prec isame nte sob a me.sma luz em que nos º"' •pu r tTiaiura raciona l. Q uando se colocam no lu gar daqu eles
víramos . Sua aprova ção necessa riamente confimrn a aprovaç..lc , , 1111L"mpe n sam ter eng a nado, impressiona-o s a grand e adm i-
de nós m esmos. Seu louvor necess ariamente fonal ec~ nrn,M1 11i.,ll,1x">r.:,uas próprias pess oas. Sabem que olllam para si me s-
se nso de qu e so m os dignos de louvor. T\" ess e caso, o amor :u 1 11111~ não co mo d eve m se ,no strar aos companlu: iro:,, masco-
que é louvãvel está rào cllstame ele derivar inteiram ente do amot 11HI rcrilmc ntc acreditam que os olham . Sua fraqu eza .::upe rficial

ao louvo r, qu e e!:ile parc::1...1:


, cm gra nde med ida,_pelo menos, cli• 1 t11vi:1I loucur:i imp edem -n os de alguma vez voltar os o lhos
rivar Uaqud c, i::iloé, do amor ao que é louv:rve \. p.11.1ck•n1ro de si, ou d e se ver d e aco rdo co m es.se desp rezível
O mais since ro lo uvo r pod e propo rciona r po uco p~1:rt·1 p111110 ele vi.'-l~1 e m que ..,u::is pró prias con sciên cias deve m-lhes
qL1anclo não se p ode considerá-lo como um::. espécie de pro dltl'r que aparece ria m a todo o mundo, caso ,1ve rdad e viesse
va de qu e se é louváve l. N?io basta . e m ab so luto , qu e de um 1011:1.
modo o u o utro nos co ncedam, por ignorância ou engano, n, lima vez que um louvor tolo e infundado não propor-
tima e ;idm irnç~o . c;eestamos conscie ntes de não merecerm(l 111111:1 uma só lida aleg ria, e tampou co uma sat isfação Qtie re- ·
que façam de nós uma idéia tão favoráve l, e de que se a v t ·1 l'\t;1 a um sé rio ex ame 1 e ntão, ao co ntrári o . não raro confor-
dad e viesse a lume se ríamos vistos com sent imento.s bas 1:t11 t I vc.:r<l1dcirame nte reflet ir que, embora nenhu m louvo r rea l-
te d ive rsos, nem de longe nossa satisfação é comp leta. O tu 1 1111•n1c no s seja dado, nossa conduta mesmo assim o merec ia,
mem que nos apl aude ora por ações que não realizamos, 0 1,1 • li ,1cm tud o adeq u ada a med idas e regras pelas quai s ha bi-
rx>r motivos qu e não ti,,eram nenhu ma influênc ia sobre no~ 11.il111cruc:: ~ <..unfere louvor e aprm· ação. Alegra-nos não apc-
sa condu1a1 mio aplaude a nós , m as a out ra pesso a. Não pc1 1 ,1, o louvor. mas tc:m1ospr~uicadu algo louv ável. Alegra-nos

demos e>.1ratr ne nhuma satisfação de seus lou\'orc::;. Pa íd no 1•·1har que nos conve rtemos nos ob jcto::i nalu rab Ut: ~1prova-
seriam m ais mortificantc::s do qu e::qu alq ue r censura, e pcrp 1• 11,, cm bor-.t nenhuma aprovação jam ais n os fosse realmente
mamente nos trt1.riama lt::m brança da mais humilhante da.., 11 11ll'l'dida. E monifica -nos refletir que a censura daqueles com
flexôt::,: u qu e ck.:vcriamos se r, mas não soma; . Pode r-se-ia inu 1t1t'nl,·onvive mos foi mer ec ida ju stam ente, ainda qu e esse
gin ar que tun a mulh er que pin~a se envaid ece ria p~uco rom •111lme nro nunc a ~e di rigisse efe tivamente co nt ra nós. O ho-
que es tá oonscienl e de ter respeitado exatamente ,1,c;; me-
os elog ios ao se u semb lant e. E de espe rar qu e ta is elo~ 111 1111•111
ant es fizessem~na lembr:u dos sen tim entos q ue seu semb l;111 dhl,1s ele con d uca, as qu ais a experiê ncia lhe d iz se rem gem l-
te desperta, e muilo a mo rtificasse o contrast e . Aleg~r-se ~0111 1111•111e agradãveis, reflete satisfeito sobre a conveniên<..ia de se u
um a pl:rnso 1ào i~fond ad o é prova da mais ~u perfic1al lev~:111 1•101 >rio com portament o . Quando o vê so b a lu z e m que ove-
dade e fraqu eza . E a is.so que se chama propnament e de va1d.1 11,1o es pe ctad o r impa rcial, part icipa int eira mente de todo s os
de. fund amento dos m ais ridícu los e des pr ezíveis vícios, a 1-1,1 rnuHvos que o de lerminaram. Relembra com praze r e aprov a-
be r, 0 da a fernção e d a mentir a contumaz: loucu ras de qw ~ ln cada pa1t e desse seu comportamento e , emb ora a hum a-
alguém imagin aria , a meno r cen telh a d e ~m-senso nos p1, 11ld .1llc Jama is venha a sabe r o q ue fez, cons ide ra-se não tan-
de ria libertar, se a ex per iência nào nos e nsinasse o qu anto /'1,111 '" lonforme a ILIZ e m qu e rea lmente o vêem, mas con fonn e
comuns. O ro lo me ntiroso que pr oc ura susci tar a aUmirai.,1•1 1l11i cm que: o ver iam, se::fossem mais bem informad os . An-
dos ou tros pe lo relato de ave nluras que: nunca ocorre ra.mi o h, h dp:.1o aplau so e adm iraç âo que nesse caso lhe ser iam d t:di -
fluente janota que se <lá ares d t: elas.se e di5tinçã o, quan to ,11 ,1dos; e aplaude e ~•dm ira a si me smo po r simpat ia com sen-
quais bem ::iabt:qu e::nã o pode nutrir just..1.s p retensões, 3ml ll ll1t1t•ntosC)l. •e de fato nã o oco rrem , mas que apen as a ignor:1n-
146 TEORIADOS SEN77MfiNTOSMORAI,\ 147

eia do público impe de de ocorre r. Sabendo que esses se nti 1J1,parece ser o m ais fo1tc dos d ois. Apenas os m ais super-
menios são efeitos naturais t: com un s de tal con du ta, :1sso 1111.1be mais fracos dos ho mens podem se delici ar com o lou-
eia-os em sua imagina ção, e adquire o háb ito de concehê-los 11111ue sabe m e m tudo imerecido. Um homem frac o p ode
com o algo que dda deveria se segu ir n:1tural e aprop riada men p111 vezes regozijar-se com isso, ao p ass o q ue um home m sá-
te. l-lá homc:ns que abandonaram voluntaria mente a vida para h111o rejeita e m codas as ocas iões. Porém, embo ra um sáb io
adq uirir após a morte um nom e de que não mais poderiam USLI ,11.1ia pouco pra ze r do louvo r qu an do sabe que na da há pa-
fruir Entrementes 1 su a imagin:tç:lo ant ecipava a fama que lhe~ 11 •..e.·louvar , freqü entement e extrai o mai s inte nso prazer de
seria conce d ida em tempos futuros . Os aplau sos que nunc a ,, 11!1.ar algo que sabe louváveL em001d tam lkm não ignore;;qut:
ouvir iam ressoa m em seus ou vidos ; os pensam entos da admi 1d ,u,;;1u lx rá louvo r algum. O bter a aprovação do s
jamais re<..1::
ração, cu;->$e feitos jr.mais p erce beriam, brin cava m em se u~ h11111~·111'.l , quando ne nh uma aprovação é d cv ida 1 nu nca terfl,

corações, baniam de se us peitos o mais forte dos medos na 11,1de, relevância , Obte r aprov ação quand o é realm ente de-
mra is, trans porta ndo-os a exec uta r ações qu e parecem quast. h l.1pode, por vezes, ter po uca relevâ ncia para ele. Mas ser
fora do alca nce d a na tureza humana. Mas, no que diz rt::s pd 1111 111,.•(·edor de aprovação se mpre deve ter ex trema relevânc ia.
to ã realida d e, certamente não hã grande diferença t:ntre a a pn 1 l)ese jar ou a1é acei ta r louvor. q uan do nenhum louv or é
vação que apenas será co ncedida qu ando já nãu a pudc rmm 1,\Ido, pode ser apenas efeito da mais desprezível vaida de.•
ap rove itar, e a que nun ca se rá co m:edid a de fato, e mbora pu l lt•~l'j:í-lo qua nd o é rea lment e dev ido é n ada men os que de-
desse ser , caso o mund o algum dia co mpreend esse apro pria j.u que se nos faça o mais esse ncial ato de justiça. O a mo r ã
da mente a s reais circun:,tância.s de nosso comport amento. St· thl.1 foma, ã verdadeira glória, mesmo por si mesmo e inde-
uma freqüt:mt::mente pro duz tantos efe itos viole nto s, não no -. " ndc:nte de qualquer vantagem que possa trazer, não é indig -
surprtX nd e qu e a o utra sempre seja tão be m recebida. ,111nem mesmo de um hom e m sáb io. As vezes, no entan to, es te
Quando criou o homem para a sociedade. a natureza 11 1 111·ghgenc ia e até a despreza, e tende a fazê-lo quando está
dot ou de um dese jo original ele agradar, e de uma aversão pn 111lll'Hamcnte se gu ro q uanto à perfeita conveniência c.lecad ,1

má.ria a ofende r seus irmão s . Ensinou-o a senti r praz er co m .1 11,1'1...11 de sua co m.luta. Nesse t:asu, r1.:1
o €: ntc t::,.sário qu e a apro-
op inião favor.lvel de stes . e a sofrer com sua opi nião desf an, t\,lo dt: ~i mesmo l'.lt:jaconfirmada pela aprovação de outros
rável. Tornou a aprovação dos serndhantes em si mesma mui 1111111cns: basra por si .só, e is.so sat isfaz ao sá b k>. Ess.1 oprova

ro lisonje ira e agradável a ele , e s ua desa provação mui to mot ,111lk .:,i é o p rincipa l, se nã o o úni co, objeto com o qual p o-
tificante e ofe nsiva. li 11,.1 deve precx.up a r-se. O amor a ela co nstitui o amor pe la
Mas esse desejo de ap rovação e essa aversão ã d e~apro 1t1ude.
vação d e seus innâ o.s nã o seriam suficientes para Lo111á -lo ack Do me<:m o modo como o amor e ad miração que natu -
quado à sociedade para a qual fora criado. A natureza o dotou, 1dn1L•nre co ncebemos po r alg uns perso na ge ns nos inclinam
pois, não apenas de um destjo de ser aprovado, mas de se ll r 1,I ·~ jar noo tom a rmos objetos adequados de tão agradáveis
n ar ob jeto de aprova ção necessá ria, ou de ser aprov ado pt· 1 1111menlos, tam bém o ódio e desprezo qu e concebemos na-
lo que ele mesmo ap1ova cm outros h ome ns . O p rimeiro dt· 1111
,ilmcnte por outros no s pred ispõem, ta lYez a inda mais for-
sejO apena~ o fa ria espe rar mos ITTr-se adequad o à sociedade t, uwnte, a temermos a simp les idéia de nos pa recennos a eles
O ::;t:gu ndo foi ne cessário a fim de fozê-lo preoc upar -se L'III 1111meno r aspec to. Também ne sse caso, não tememos tanto
ser realmente adequado. O prime iro apenas pode ria tê-lo 11111 1ldt'l:1de ser odiado e despr eza do, mas a de se1mos odiosos e
tivado a afeta r virtude e a oculla r o vício. O segundo foi necc.·, 1, prczí\•eis. Teme1nos a idéia d !! fazer algo qUt::,us po:,.:,ato r-
sá rio pa ra insp irar-lhe o verdadeiro amo r à virtude e o real hrn u II ohjetos justos e adequad~ ele ódio e des prezo de noss os
ror ao vício. Em todo espí rito es clarecido, esse segund o dr 1·111c.·ll1,111
Lt::>, ainda que es tejamo s pcrfcitan1cntc seg uros de

148 TEORIA aosSF.Nl1MEN/OSMORAI.\ 11I(< '1'.'/llA1-'IIRTE 149

que esses sentimt:mo::, nu nca 5e di ri gira m realmen te co ntra 11111' m1 exec ução cios maic; hedio nd os crimes friamente toma -
nós. O homem q ue violou todas essas normas de con duta, as , 1111 decic.ões para evita r até a suspe ita de culpa , às vezes são
ún il:a::,capazes de torn á-lo agradáv e l :1 humanid ade, embOTi l li•\,1dos pelo horr or ele sua situa ção a re vela r de bom grado
i.:stivessc perfeita.men te seguro de q ue oc ultou se us atos d e to 11 q11e nenhuma sagac idad e humana jamais pod eria investiga r.
do ol ho humano para sempre, sabe que tudo isso é inútil. Ac li•'\ on hecendo sua culpa, sub metendo-se ao ressentimento
rcm emorá ~los e vê-lo~ sob a luz em que o espe ctador 1mpar d,~ tunci cladãos que foram o fe nd idos e , com isso, sac iando
cial os veria, descohre que não consegue entender nenhum cio~ 1 \ln gança da qua l sa biam ter-se tornado objetos adeq uado s,
motivffi que o.sdetenn inara m. Tais pensamentos o deixam pt·r , rx.•1-am co m sua mone reconcil iar-se. pelo menos em sua ima-
plexo e con fuso, e necessar íamente se nte com intensidade ,1 Hlll,l\'ao, com os se m ime ntos ruuumi s dos outrul'.l homens ; es-
vergonha a qu e es taria exp os ta, se seu s :atos v iessem a se , LP 1111.11n se r capazes dt se corn; iclerar meno5 dig nos de ó d io e
nhecidos de todos. Também nesse caso, sua imag inação ant1..· 11 '"cnl imemo, e dt: alguma fo rma pag ar por se us crimes, tor
cipa o desprezo e escárnio de q ue nada o salva, ex(.eto a igm> n mdu-~, as.sim, ant es obje tos de compaixão do que de horror,
r.1nciad os qu e com e le co nvivem . Ainda sente que é ob jcin • til' possív el morrendo em pn, com o perdão ele tO<lnsos seus
natural des ses se ntime ntos, e a111 da treme ao pe ns3r no qul 1 111cllwn1es . Comp..1rado ao que se nti~m ante.<:da reve lação,
sofreria, se potventura e:;ses :,entimc ntos realmen te lhe fo."'-t'lll HP esse pens:1men10, ao que p::i.r ece, lhes traz felicidade.
ded ica dos . Porém, ::,c.;:não fosse culpado meram enle de um.1 Em casos corno esse , o horror a ser digno de censura pare -
dessas ioconve n iências que constituem obje to de s imples cll' ' , , .,ubjugar com pletame nte o honur â cens ura , rnesmo quando
sa prov~1ção, ma5 de um desses c rime s enormes. que suscit ~m , · trata de pessoos insuspeitas de qualquer ex traordi nária se n-
horror e resse ntiment o, e nqu a nto lhe restasse al~uma sens1h1 'llhllidade ou de licadeza de cará te r. A fim de aliviar esse horro r,
Jidade , jam ais pensaria e m seu.<;aros, sem se ntir toda a agrn11:1 d1• paci ficar de alg uma mane ira o remorso de suas consciê n-
do horro r e do remorso ; e, embora es tives.se seguro de qu • l.1~,•mbmerem -se volun tarilme n1e tanto à repreensão q uanto
ne nhu m hornem jamais viria a saber de nada , e a té pu de.S.\t ,111 ntst igo que sabem lhe foram devidos ix>r seus crimes, mas
.1creditar qu e não exjste Deu s par a se vingar sobre ele, alnc.l,1 quv, ao m esmo te mpo, po de riam facil mente te r evit ad o.
assim. o que experimen taria desses do is sen time ntos bas 1:.11 l,1 Sào as pessoas mais frívolas e ::iu~ rficiab as llnicas que
para ama rgu rar toda su a vida. Adema is, cons ide rar-se- ia uh i t·ncam am sobremaneira cum o louvor qu e .sabem ser intc i
jeto natu ral d e ó dio e indignação de todo s os seu ,:;::sem d ha n 1.101l'!llt.::ime red<lu. A rep ree nsão imerecida, ent retam o , n.:1o
tes e, se seu coração já não est ivesse ca lejado pelo há.bico dt ,,ui, é capaz de monificar severamen te mesmo homens de cons-
cometer crimes, não pode rta con c.: eber sem terro r e perplcx1 Lhll'ia mais que comum. Na verdade, homens de comaânci a
dade até mesmo a mane ira como o.s o ulros o ol hari am, ~1 <:x ,1mais comum facilment e aprend em }l d espre7ar as tolas his-
pressão de se us rosto., e::o lhos, se a tcrrí~el verd:ade um _~ll,1 11 ,1 lctas que co m freqüê n cia c ircula m em soc ied ade e que, por
viesse a ser conhocida. Essas agonbs nan.tr.us de uma consc1t 11 1 u ahsu rdo e falsidade. sempre acabam no curso de poucas
eia att:mor li.,ada são os demôni os , as fú ria.'- vingativas qu e :1, ,1 manas ou poucos d ias. Mas um home m inocen te, ainda que
::;om bra m os cu lpa dos nesta vida , qu e não lhes penn item nc.·1 11 1 lt• l'Onstância incomum, muitas vez es não apenas se ofe nd e,
calma nem repouso, qu e freq üen te mente os levam ao dest·-. .1,
o se mort ifica severa mente com a imputa ção g rave, em bo-
pero e louc ura, de qu e nenhuma certeza de sigilo os protc~l·. 1, 1 falsa, de um cri 1ne 1 sobrerudo quand o, por infelicidade, a im-
nenhum p rincípio de irre ligião os pode sa lvar inteiram en lc, , p111 :1çào tem apoi o em circu nstânci as que lhe conferem ar ele
de que nada os pode libertar , senão a ma is vil e abjeta das co11 p:ohabiliclade. Deixa-o hu milhado descob rir que algu ém jul-
chçôes, Lc;roé, a completa indiferença quanto a honra e infâml.1. wu.· seu cará ter tão mesquinho , a po mo de su por que íos,e: ca-
vício e vim.ide . Hom ens de tem pera men tos os mais dete.sl~"a vt·l!'I, p.11 . ele&er cu lpad o disso . Embora pcrft:itamente cient e de sua
TT!ORIA DOS SENflMENTOS MORJI/\ 11~UiRA PARTE 1) 1

própria inocência, a mera imputação muitas vezes parece, att' rI t· 111 Tou louse pelo su po sto :1.
ssassim 1to d e seu pr óprio fi -
cm sua própria imaginação 1
lançar uma so mb ra de desgrn<i,·;1 11,,, <lo qual era co mpletamente inocente). mostrou com se u
e desonra sobre seu caráter. Além disso , ~ua ju~ta i ndig naçúo 1111 11110 suspi ro co nde nar me n os a cnieldade do castigo , que
diante de tão vulgar injúria, a qual, cuntlldo, é freq ücnt cmcn 1 il,,,.~graça que essa impu rnçto poderia la nçar sob re sua me -
te inconveniente e às vezes até impo ssível vinga r, e m si me!-ó nu11-i:tDepo is de arrehen tad o, na imi nê ncia de se r lan çado ao
ma é uma sensação mu i10 doloro:,a. Não há ma ior torturadrn 111µ0 , n monge que acom)Xln ha\'a a execução o exortou a co n-
do p eiro humano do que o intenso resse ntiment o que nào po 1, , ...1ro crime pelo qu al fora conde nado . "Meu pai '", d isse Ca-
de.::st:r sacia do. Um homem inocente, leva do ao cad afalso Pl' j ,1., "o senhor conseg ue conve nce r-se de que so u cu lpa do?~•
la falsa imputação de um cr ime odio so ou infam e, sofre o mai, Para pes soa s em circu nstfi.ncias 1ão infe lizes. aquela mo-
cruel infortún io que um inocente pod e ~ frer. A agonia de seu 111•,1;1 filoso fia, cujas opiniões est.:-'io
con finada s nesta vida, tal-
es pírit o, nesse caso , po de mu ita s vezes ser mais inten sa que: \ 1·1.~irva de pouco consolo. Tudo o que poderia tornar a vi -
a agonk1 dos qu e sofre m p elos mesm os crime s, dos quai s fo di1o u a morte resp eitávei s lhes foi lirad o. Estão condenadas à
ram efetivame nte culpado s. Crim ino sos devasso s, tais como 111o nc.:e à ete rna infâmia. Somen te a religiâo pode lhes prup i-
ladrões comu ns e barKloleiros, freqüe ntemente têm pouco sen 1 1.11q ualq uer conforto efetivo. Apenas da ~ lhe.:, dizc.::rque

sod a baix eza de sua própri a co nduca, e, por cons eg uirne, nc 1 t!<:pouca imporutnd a o que o hom1.: m venha a pensar da s ua·
nhum re mo rso . Sem se incomoda rem co m a jm;t·iça o u in1us 1 ,111duLa, ::;eo Juiz O ni:;d e1ite d o mun do a aprovar . Só el a po -
tiça da pun ição, habitu aram-se desd e sempre a o lhar pa ra o dt• lhl.'.'s,1prcsentar a visão de o utr0 mundo, um mundo de rrn1is
patíbul o como um d estino que mui to provavdmente so bre: 1nn.:ridade. hum:midade e justiça do qu e o p resente, onde sua
viria. Quando, po rtanto , rea lme nte so bn.::vt:111
1 cons ide ram ~l' 1111 K·ênc ia sed declarada n o de vido tempo, e sua virtud e fi-
apenas meno s afo rtunado s <lu que ~eu.s co mpanh eiros, e M' tt.1l111cnte comp ensada . E o mesmo gr.:tnde princípio, ú nico qu e
sub merem à su a sonr.::se m nenJ, um desconforto , se não o qut• pode esp elhar terror pelo vício rriun fant e, fornece o único
surge do medo d a morte, um med o que freq üe nteme nte Vl' , 1111'.olo e ficaz para a inocênci a des graç ada e insu ltad a.
rnu~, me smo por ta is indign os d esgra ça dos, subj ugar tão fácil 1:111ofe nsa s me no res , bem como e m crimes maiores, fre-
e comp letame nte . Ao contr:iri o, o inoce nte , a lém do des co n q(k•111cme me sucede de um a pessoa se nsíve l fe rir-se mui to
forto qu e esse medo pode provocar, é torturado pela sua prú 111.u.-.co m a injus ta impu tação do q ue o verdade iro crimin o-
pr ia ind ignação an 1e a injustiça qu e lhe fize ram . Oc orr e-llw 11 ro m sua culpa real. Uma mu lher galant e ri até das insi-
com horro r o pen sa ment o da infâmi a que a pu nição podcr,1 t\11.1\·úcs be m fundadas qu e circul am quant o a sua condut a.
derramar sobre sua mem ór ia 1 e pr evê co m a ma is inten sa an \ mais infun dada insinua ção d essa espécie é uma punh alada
gúst ia qu e dorava nt e será lembrado por se us mais quend<1'1 omrt:11nu ma virgem inoc e nte. Creio que podemos estabele-
amigo s e parem es co m ver gonha e até horror p or su a supo ~ 11• 1 co mo reg ra ge ral qu e a pessoa delibera<lameme cu lpada
ta conduta infam e, não com pe na e afeto. E assim as som b ra" tlt· um atu Lle sg raçado n:7\olern mu ilo se nso da desgraça , e a
da morte pa rec em fec har-se ao seu redor com um <lt.::ialent,, 111 ~"ºªha bitualmente culpada de tal alo dificilmen te terá qual -
mais lúgubre e m ais melanc õ llco do que: a~ aco mpa nham nu 'P"-'1desse .senso.
tu ralme nre . Para a lranqüili da dt: dos homen5, deve-se csperm
que esses funest os indc.lentc::s ocor ram muit o rara mente l'lll
qua lquer país , ap esar de às vezes ocorrerem em t0dos os p:u • Jc-Jn ú. la.s,executado em Toulouse , em 10 de mar ço de 1762, sob a
h u,.,~;io de 1er ass.1ssinado seu próprio íllho. :"jào h.1vta. por~m , nenhuma
!:it"S,al é: naqueles o nd e a justiça é, de modo g e~1I, muito be m ljUC o incrimi na,:1:,c
1•1111,1 . Atom1cn1acb por dúvid a.s religi 06as, o mh o - que
admini strada. O infel iz Calas, homem d e cons tânc ia mui to M I 11n,'i:n11il reliziilo rnlvinis ta dos p ;1is. p:1.ra corwcner-s e ao catolicismo -
1111
pc rior à comum (a rre bent ~1do na roda e queimad o na fo$?.Ul'Í 11kldJr.1-sc. (K. d:1 R. T.)

Tf!ORIA DOS SEtmME/1170S MORAIS //RCEIIIA PARTE


152
Se todo homem, me smo o de e ntend imento mediano, cão num ;a co meteu. Nesse ca so, a natureza não ape nas torno u :1
p rontament e despr eza o aplau so in:1-er edd?, talvez val~a a P~· dor mais pungente do qu e o prazer o pos to e co rrespond e nte,
na considerar co mo suced e q ut: a 1111 crec1d:1 repreens.10 mu~- nu s fez isso em um grau mu ito superior ao comum. Uma ne-
tas vezes co nsiga monifi car tão grave mente hom ens do 1n.11s H·•ç:.loimediatam ente livra o hom em do prazer tolo e ridículo,
só lido di sce rnime nto. 111,1-. ne m sem pr e o livrar{! da dor . Quando recusa o mé rito
· Já tive ocasião de ob serv ar• que :1dor é, em quase todo _s que lhe atr ibu e m, ning uém duv ida de su a ve racidade. Pode -
os c.."a~:, , uma sensação mais pungente d o qu e o praz~r ºP':>S· ,,. duvi dar quando nega o crime de qu e o ac usam. A um só
co e correspondente . Uma quase sempre nos faz ca ir muito 11•mpoenraivece-o a falsidad e da imputação, e morufica-o des-
abaixo do co mum , ou d o que se pode chamar n arura l_estado 1 ,~)rir que se deu algum crédito a ta l imputação Percebe que
de felicid:1cle. do que o outro porventura nos e rgue acima _de · ,1 •u caráte r não basta pa ra o pro te ger. Percebe qu e seus innãos,
!e. um ho rnem sensíve l ten d e a ser ma is humilhad o p ela Jll &· 1·mvez de o verem sob a luz e m que deseja ardo ro sa mente
ra censura do que porventura é elevado pelo ju~tu ap la_uso " visto, julgam -no capaz de se r cu lpad o d aquilo de qu e u
Em rodas as ocasiões 1 um hom e m sáb io n::jeita o apl auso 1mc 111 usam. Sabe perf eitamente que n~o fui cul pa d o; .:;abc per-
rec ido co m desdém; mas freq üente;:mente sc nrc de modo -~n~- ll•uame nte o que ft:z; la lvcz , 1..o nl udo , quase nin gu ém saiba
tance intenso a in 1ustiça da cr.::n sura ime recida. Ao pe nn!tll' a IM1fc1tarneme o que: de p16prio é capaz de fazer. O que a co ns·
si me smo o ap lauso pelo que não realizou , Jao pres u mir d~· !Hui,·;iu pecu liar de seu esp írito pode o u n..'10penm tir é 1alvcz
um mérilO que n ão lhe é dev ido, se nte que e culpado d e vil q u1..•~1ào m ais ou menos du vido sa para q ualqul' r um A con -
fulskla<le e merece, não a admir.iç-.1o,ma s o des pr ez~ ?as me~ ll,111 ç a e boa opiniao dos amigos e vi1inhos tencle ,n , 111aisdo
mas pessoa s que , por engano , foram levadas a ad n: 1ra-lo. Tal 'IIIC..
' 1udo, :t a liviá- lo desra dúvi d a tão desagr.idável; su.-1 dcs -
vez Ulc dê :ilbrumprazer hem fundamentado descobnr que _mui ' • 111fi.1np e op inião des favoráve l te ndem a aum en1á-la . Po<lc-
ras pe ssoas o julgaram capaz de realiza r o ~u e não r~ah zo u 1• julgar mui to confia nt e d e que esse julga mento desfovorá -
Mrts, e mbora possa ser d evedor de seus a1rugos p o r sua bo.1
\1 1 c<,f:Í errado; mas essa co nfian çJ. raramen te é tão g rande
opinião. jul gar-se-ia cu lpado da m_aior batXeza, ca:,o ~o os <ll·. quL· impeça tal julga mento de impre ssioná -lo ; e qua mo maior
siludisse imediat am ente. Pro po rc1ona- lht! pou co prazer, ver -~l
so b a luz em que o utros realmente. o vf:r.::m,q ua ndo es ta co n-.
,~1sensibilidade , sua delicadeza, sua dign idade , tanto maior se·
1.1 provavelmente , essa imp ressão .
cien te de que, se soubessem a verdad e, o lhari:1Jm para ele sol:
Deve-s e observ ar que o acordo o u o desac o rdo qu e r dos
uma luz bem difert::ntt::.Um homem ff".100, porem ,_nã? :3 ro M
1 nli mentos, quer dos juízos ele outras pes.soas <.:omo:, 11o.-,..-,u.:,
deleita ime n~ mente vendo -se so b essa lu1. falsa e 1lu~aJ. P1\ ·
1 1 t.·m todo s os casos. de maio r o u menor import ância pJr a
sum e do mé rito de t0 d:1 ação lo1.1vável qu e lhe é acnbu1da , 1·
110-. , na pr opor ç.lo exata e111que nós mes mo s est amo s m ai:-,
muitas vez es re c b m~1 o qu e ninguém jamais pe ~sou em lht·
• m me nu:, in~eguros qu anto à conv e niên cia d e nossos se nti
atribuir. Recl ama te r feito o que nunca fez, ter escnto? que um
11~·1110~ e quan to à p rccis..'10de nossos próprios juízos . Às vc-
curro escreveu, ter in ventad o o qu e outro de scob riu, _sen do
,p~ um homem sensí vel pode sen tir grande d esconforto :10
ass im co nduzido a todos o s miseráv e is vícios do plág io e d11
mentira vulga r. No ent ant o, ainda que nenhum ~mt: rn d:
nw 1111..•:1r que ce dera d e masiacl.1me n1e Mé mesm o à quilo :1 (Ju e
• h.1111ar íamos p aixão honrnd a isto é, à sua ju sta indigna ção
di ano bom-senso possa extrair m uito prazt.::rda unpui:,ç_ao de
uma a ção louvá ve l que nunca rea lizo u , lllll home m ~ b ,o Pº 111ll' :-i ofe nsa que talvez se te nha perpetrndo ou co ntra ele o u

de sofr er gra nd e dor com a sé ria im putação d e um crime q1w • ont m se u a migo. Apreensivo, receia que , ao prete nd er a pt:-
111, agir co m inteligê ncia e fazer justiça , por causa d a grande
1ol~ncia de su a emoção ten ha cometido uma ofensa \"Cr<la-
• TSM, Parte:: I. Scç-lo 111,C:1p 1, p. 52. ( K, da R. T.) d 111r:1 co ntra uma outr a pessoa, a qu al , e mb orn n ão seja ino-
TEORIA DOS SENTIMENTOSMORAI\ li R<.1:JRAPARTE
ce nt e, talvez não fosse tão culp ada co mo d e início pensar;i 155
A opinião de o utras pessoas adquire, nesse caso, a maior i111 1111magoado pelas críticas dos mais baixos e desprezh•eis au-
ponância par:i ele . Sua aprovação é o bálsamo mais curati\0 " 11t
·.,.Grny (que reúne à sublimid ade de 1\ililton a elegância e
1
sua desaprovação, o mais am argo e to11uranr e veneno que:-< h.111n Qnia de Popt:, e para que m nada falta para se to rnar tal-
possa despejar em seu perturbado espírito. Quando está pl'r ,., o prime iro poela da língua inglesa , exceto ter escrito um
feitam e nte satisfeito com cada fração de sua pr6p rin co nclu w 111co ma is) ficou, segundo .:,e diz, rao magoado com uma p a-
ta, o juízo que outros façam é freqüenteme nte de me nor i111 11u lb tola e impe1tin cn tc de duas de suas melh ores odes, qu e
ponância para ele. •lq)Oi-.disso nunca mais tentou n enhu 1na obr.t co nsiderável.
Há algumas anes muito bel as e nobres na s quais o gr:111 1111:tlgll!na med ida, os homens de letras que va lorizam a si
de exc.-elência pode ser d eLennina do unicamente por meio dt· jlri>prios pelo que ;<;ech~ ma a bel:i escrita em prosa aproxi-
certo requinte::ele gosro, cujas de cisõe s, porém, semp re se mo ... 111,1m-se da sensi bilidad e dos poet as.
tram em certa medkla incertas. Outras hã em que o suces.r..o Ao co ntrário, os matemáticos, que podem adq uirir a mais
permi te uma demonstração clara o u uma prova mu iro satisfa p1•rfc i1a ceneza da verdade e da imponâ nda de suas desce
tó ria. Entre as ca ndidat,1s à excelência nessas difc.:::rent~:, anl·s, l 1•rl.ls, freq üe nte mente são ln uito indif erente s quan to à re -
a preo cupação qua nto à opinião públic a é semp re muit o maio1 • ·prn o que venham a ter do púb lico. Os dois maio res 1nate má- -
nas p rimeiras do qu e nas últimas. u os que já tive a honra de conhecer, e creio eu, os ma iores que
A beleza da poes ia é ass umo de tal requime, q ue um jo vlvcrn m em me u temp o, o Dr. Rob ert Simpson de GJasRow. e
vem inic iante quase jamais está segu ro de tê-la a lc.rnçado N.1 , , 1>r. Mauhew Stewarc de Edim bur go•. nunca deram mostras
da o de leita mais, po1tanto, do qu e os juízos favoráveis ele sell' .. • 11• ~ pertu rbar nú1ima mence com a negligência co m que a
amiga, e do púb lico; e na da o mo nifica tão severamente quan lp11orânci:1do público nx:ebt:u alguns de seus trabal hos mais
to o contrário . Um firma, o outro ab ala, a boa opin ião que an \ .1lto sos . A grande obra de Sir Isaac Newton, seus Ptincipios
siosamente deseja cultivar sobre seu próprio desempenho. Ex mmemrílic os de,filosofia natu ra~ foi nt!g/Jgcnclada pelo pú-
~ 1it?ncia t: êxito com o temp:::>podem dar -lhe um pouco mm~ hlk o durante m ui tos :mos, segundo me dissernm. É pr ovave l
de confian ça e m .:;eu prúprio juízo. JVJas , e m t<Xios os mom e n tjll l' por essa ra1.ào a rrnnqüilidade desse g rnnd e hom em ja-
1os, está sujeito a ficar gravc:men te mo nifkado pelos juíz.os de!i 1111/ s tenha sofrido a inte m 1pç:lo de um qu:ino de hora sequer.
favoráveis do público. A Racine desgostou lamo a indiferenw 1j/fr.;ofos da natu reza , em sua independênc ia em relação à
acol hid a de su a Fedn , talvez a melhor tragédia já existente t:111 opinião pública, aproximam-se bastante cios matem:iricos , e
quaJquer idioma , que , em bora es tivesse no vigor de seus ano:. ,·m 'ieus juízos quamo ao mérito de suas próprias descobe r-
e no aug e de suas ha bilid ades, dec idiu -se a nunca mais e~ 1,I\ e observações goza m de alg um grau da mesma segura n-
crever para o palro•. Essegrande poe ra cosn1 ma v.1 dizer a seu ~ ,1 e serenida de.

filho que a dor que a críti ca mais mesquinha e 1ola lhe cau A mora l dessas diferentes classes de home n s de letra s ral-
sava era superio r ao prazer que o maior e mais justo e logio ,· l ·t. seja à,5vezes um tanto afetada pores.~ grn nd e diferen ça
lhe proporc ionav a. A extrema sensibilidade de Voltaire à m<.: d 1· ~ua situação com relaçcloao público.
nor censura dessa espécie é be m con hec ida por todos . A Dun - Matemáticos e filósofos da nawr ez a, graças ::1sua ind e-
á,1<l de Pape é um monumento pere n e de quanto o mai .. pt •ndêncb com relação à opinião pública. têm pouca lenta-
corre to, mais elegante e harmoni oso dos poetas ingleses fi

• Rc:ben Simpson 0687-1 768), professor de m:uem.ioc-.1 n:i Uni


• Depois do fracasso de Fedra, e m 1677, Rad n\? .se retira d:i ccn~ po, \ '°'"<.fade de C,lasgow e Mauhew Stewan O 71 7-1785). professor de mmem.:í-
12 anos. (N. da R. T,)
th ,111,1 Unh•c~i<:ladc de ü.limburgo. l:S!e últ imo é o pai <lo biógr-.1.foDug:ild
111 (K
'111'1\o-; d.:IR. T.)

Tl!ORJA DOS SP.1\TliHEN70S MOR/li\ 11Nt.FJUA PAKTI.J 157


156
- , m facções e seitas , seja para apoiar su.1 i, ,1.•
nt:1r essa amável qualid:1de como car-.acleríst
ica da classe
Çào de reun irem-se e d • d e seus rivais. SJ.<Jqu.i
. ã sei·a para re u z1ra . . li ho rnen!óide !erras a quem celebra. . . d à
própna repuraç o, d . licidade nas mane iras, v1 A incerteza quanto a nosso própno ménto , sorna a
se semp re homens de ~rJn e sm:p amig o:, da reputação lllll K'Upação em ju lgá-lo favoravelmeme , nmuralmente bas-
vendo em boa harmonia ent re s~u-i a para garant ir o ap lau : ','i11' para que desejemos conhecer a op iniã o de muras pessoai5

so público, emb~ra gos~em t:


ficarem nem mullo vt:xados , nc
v:
d o out ro, qu e não participan~ de su!s obras :1.provada'-. sem
mui to irado s, q uando s:11>
e ocorre qu ando se t.r::t
1 ' ~,e rcs pe ilo , para estam)()s mais an imados que o habitua '
i t'."i~a o pin ião é favoráve l, e m ais mort ifi~dos quando nào ~·
~11l"ntanto , não dever iam nos deixar deseJosos ~e ob t~r ~.~ p 1-
negligenciado:,. O mesmo ne~ s_em~r p elo qu~ se chama bel a 11Llo favorável o u eYitar a desfavorável por n 1t:10 de m~11~a ~
ta de poetas, ou os que se v~ ~:t~~'. e m certas facções liter!I
prosa. Tendem bastante a_se;iv~1~amente equase se mpn·
i 'ut .,piraçao.
. Quando um home m subornuu to<lus os JlllZes,
1111,li~ unâni m e decisão do tribuna l não lhe pod e '!3r_ncnhu -
riM, muita s ve.z~s ~ad~ :~~ da'\ eput açâo d'e tod.:1sas outm .,, n1,1 l'l:Ilt:l~1 tlc qu t: ag iu e m confom1idade co m o d1rc1~0 , em -
secre tam en te , ,_n11n1ga ~. nas artesda intriga e do apelo par.1 l,11r, 1 possa fazê-lo ganhar seu p rocesso'. e se .c?nduziu es_se.
e empr ega toda s as . ma ig - ·- ública e m favor das obr. 1., •1occsso .ipena s paro comprov:i.r que ag ira leg1tm:ame nr: , 1a-_
previ mnen te con quistar a opmlao p, de seus inim igo::-.e ri
:11,11. -. teria subornJ.d o as juízes. Mas, emh ora de ~ 1asse rer as-
de seus próprios membros, ~~~/~o achamm indisno <ll
vais. Na França, Desp~e~ux
si mesmo coloca~ -se r~!~
!de wna seita lilcníri a, para r~·
de Quina uh e Pe rraul r, depo1\
•·Nur.tdo se u di re ito, também queria ganhar seu proc e ss~~ne
p1ir ess,1razão subo rno u os Juí zes . Se o lo uvor fosse ,re 1~' ·. -
li ' l: 1ra nós apenas co mo prova de que som?s lou~av7 1s, Ja-
00.Lxara repura çao , p t: até mc5mo p::un tra tar .º ho~ 't 111 .:/'i no s esfo rça ríamo s para o btê-l o por me ios d esle-J1s. Po-
de Fontene lle e L1 Motteda . desrespeitosa amizade . N:1
Fontaine com ur~:1a so 11e dr:~ não achou indigno de seu
Inglaterra, o amavcl Sr. A? . ,. fre nte ele uma pe quena sei
w111,ainda que para homen s s{1bios o lo~uv<:>r
11 ,h cm casos duv i?osos, card~al relevanc1a por ess a
1.1111bé m tem relevancia por s 1 mesmo; e. _portanto ho ~
:z:,~~
te nha, pelo t~~e-

.
c-J.rater ge ntil e. mode:oa~~;~;ea \scendente reputação do S~ multo acima do nível co mum (nessas ocas,oes, nao p~em~.:;
'ª do mes mo tipo p:i sobre as vida s e carach. .!,· lato chamá-los sáb ios) por vezes tentaram, pur mem:, u1u1-
Pope . O Sr. Fonte nell e, a~ cs~ :e~ ~r ciências. uma soc ied ad t•
t, 1 dc.slea is, conquista r louvor e::t:vitar censura . ~ r lou
rcs dos memhroo;;;da ?~ efill filósofos da narureza , tem Sl
Louvo r e censur-.t c.:::xpr~am o qu e realmente saoi se
const ituída de ~1atema~1~ocse~b~ r a amáv el simplicic.la_dt:c.ll· \ ,lvd e.:::cen5u ráv e l, o que natura l.mente deveri:im ser os sen-
g11idas ºP<?rtun1dade s :ilidade que, observa, erd lào universal 1h11 nto.s dos outros cm rela ção a nosso caráter e c.-ondu~a.?
1.-·
suas mane iras, uma qu. is parecia car.i.cterí.stica de to<l.,
nno r ao louvor é o desejo de obter os se nlim en_rosfavor:we 1s
e ntre esses home n s que ~a s 'do qu e: d e um ind ivíduo. ( 1
i lt•nossos innã os . O am o r a ser louvável é o d~eJO de nos c<:>n-
uma classe d e homens d~ etr~ xc as vid as e Clracteres ~O!'i
\ t•n ermos em objetos apropriados desses senu~1entos. Assim,
Sr, D'Alemben , ao e~re,~r :,~ a uma sociedade consti ltn da
l ''-l' L'."i do is princípios se as.semelham e se relaciona m. A~~ -
membros da Academia Fr,t:es ~e deve riam se r, não revela
de poetas e escntores, ou , s q rtunidades de fazer qual ma afin idade e semelhan ça oco rre entre o horror fl censu 1a e
,1 M.~r censurá\'el. .
Le r tid o e:ssas n_1csrnas s~g~1d::1~~enhum lugar pret ende t'l
QUt!r come ntãno desse t1p ' O hom e m que de~eja pmticar ou realm ente p ra t.I<:_a um~
,~·lo louváve l pode igual m ente desejar o louv<:""que e dev1-
_ __ . ) Racine eram partidárl05 do,
;lo :1 ,lçã o, e às vezes ialvez mais do q ue o devido. Nesse ca-
• Aoileau (~icolas Ooil~ u-Des::a~;od~mo~ ·. Pcrrault, Fontenelk• t "º· os dois prinápios se mesclam um ao ou tro. Em qut: i~t:-
antigos n1 "Que rela dos Anll~ e Ú' s do.
R. T.) dlda sua conduta foi dele rmin ada po r um, e e m que nu:c.hda
Hordas advogaram pelos nttx.k1 °'· .
158 TEORIADOS SEN11MEN1'0SMON.11\ 11N(.'Hf/?A PARTE
159
foi detem1inada pelo ouLru, eis o que frcqücntcmenle e le mL·-. 111 11:10 apenas ser digno de censura mas, tant o quan to pos-
mo desconhece. Qua.:,e sempre os outros tampouc o sabem. ( )" 1,d , toda prováve l imputa ção de censura . Com efeito. jamais
4ue i:Mào predispostos a dim inui r o mérito de sua cond uta im , \U,1rá a censura fazendo algo que julgue censurável, deixando
putam-na principal ou in1eiramenre ao mero amor ao louvrn, de• c.:umprir qualque r part e de seu dev er, ou negligenciando
ou ao que cha mam me ra va idade. Os que se incl inam a con 1 111,tlquer oportunidade de praticar algo que julgue real e gran-
siderá-la de moclo mais favo ráve l imp uta m-na princi pal 011 d, 'lllCnte louvável. Com rodas essas modilkações, evitará for-
nte ao amor a ser louv ável , ao amor ao que é real
inte ir-..tme ' "'1 e diligentemente a censura . Demo nstrar preocupação com
mente honr oso e no bre na conduta humanai não apenas :10
11 louvo r, ou até co m ações louváveis, rara mente é marca ele
desejo de obte r. mas ao de mere ce r a aprovação e aplauso dt
Mt,01desabe d oria, ao contrá rio, em gera l revela algum grau
seus innà os. A imaginação do espectador confere a i::~saLo n
d, Jmqueza. Mas pode não haver fraque1..aalguma em preo-
duta uma cor ou outra, quer segundo seus hábil os de pen:,;,
t 11par-se em ev itar a sombra da ce nsura ou repre ensão, ao con-
menta, quer confonne ao favor ou desgosto que pos.sa gua rdar
11,uio,isso revela freqüente ment e a mais lou váve l prudência.
pe la pessoa c uja c.:un<l uta está con5 idcran do.
Ao julgar a natureza humana, alguns filósofos biliosos po, '"Uma ce nsura injus ta", diz Cíce ro, "monifica m ais gravc-
taram-se cumu pessoas irritadiças tendem a se port:ir quando 1111 ·ntc, e de modo de masiado incoru;isteme, us qut:: dt::>prezam
1 gl6rla. • E.ssaincon:;lstência, por~m, parece fum.lar-sc n~ inal:
julgam a conduta umas dos ou tras, impl1t.indo ao amor ao !ou
vor, o u ao que chamam va idad e, toda ação a que dever ia .',t' I 11•1';'\vcis p1incí pios da na tureza humana .
atribuído o amor ao que é louváve l. Mais a diante terei ocas i;lo De~ man eira, o sapientíssimo Autor da natureza ensinou
, 1 homem a resp eitar os sen timentos e juízos de se us innfios;
de desc rever alguns de seus siste mas. e por essarazão nã o nw
,1 flcar mais ou menos conte nt e quand o aprovam sua cond u
deten ho po r ora a exa miná-los .
Muito po uco s homens pod em esrar co n ve ncidos em ~u.1 1.1, e mais ou men os mago~do quando a des:1provam. Fez 0

própria consciência privada de ter a lcançado as qualidade,, homem. se me pe rm item a expressã o, juiz imedia lo d:t hu m:1-
ou reali1..ad o as ações que ad miram e julgam louváveis em ou 11ld: 1de; e a esse respeito , como em mui tos 0111ms , cr iou-o :)
tr'.iS pessoas, a 'não se r que ao mesmo te mpo se reco nheça a m ~11.tpr6p ri::iim:-1gem, ind ic:rndo-0 co mo seu vice-re i na terra
piamente que possue m uma ou realizaram a outra. Ou, em uu 11.1r 1 i;;upervisionar o comportamen to de seus irmãos. A natu~
-::
tras palavrns, a m enos que tenham rea lmente obli do u louvo , 11• z:1 os ensina a reconhecer o poder e jurisdição qu e assim foi
que julga m dev ido tanto a uma quanto a outra. Nesse aspec to, 11 inferido ao homem, e a fica r mais ou me nos humilhados e
cont udo, os homens diferem <...""Onsideravelmcnte un s dos ou 11101tificados quando incorre m em sua censura, e mai s ou me-
tros. A1gunsparecem indift::rent t:S ao lol 1vor 1 se em Ê.CU espírl nw, ex ultante s quando ob têm seu ap lauso .
to estao perfeitamt:mc:: convencidos de se ter tornado louv.1 Mas, ainda que dessa maneira o homem se torne juiz
veis. Outro .':Ipa rece m mu ico menos preoc u pados qwmto a M't ln1ccliato da hu man idade, isso se deve apenas a uma decisão
louvável do que quanto ao louvor. dl' prime ira instâ ncia; dessa sen Le nça cabe apelação para um
Nen hu m homem pode estar completamente ou até t0IL' 111hunal su perior, o u-ibunal de suas próprias consc iências, o tri-
ravclmcn tc co nvencido de ter ev itado tudo que há de censura huna! do especLador su postame nte impar cial e escl arecido, cio
vcl em sua co nduta , salvo se igualmente tiver evitado a cem;,1 h•1111c m den tro do pe ito - o grande juiz e árbitro de s uas con-
ra ou ~l rep ree nsão. Um homem s{1bio pode freq üen te me nll· 1h11as.As jurisdiçc>esdesses cbis tribunais se fundam so bre p rin-
negligenc i:ir o louvor. mesmo quando ma is o mereceui porém, 11p1osque, embora em alguns aspeaos pareçam seme lhantes
e m todos os ass unt os de gra ve s conseqüências, esforçar -se-a 1 ,. iuarde m alguma vincu laçâo em re::si, m1 r~dlidade ~.lo diíe-
com grand e diligênc ia , p:ira regu lar sua conduta e ass im evl l l'lltes e St::para dos . A juns<li<;ãodo homt::nt ext erio r (witbonl)

160 TEORIADOS SEl\71J\IEN/USMO/IA/ \ li !'t'/11/A PAJ/Tli 161

funda-se inteiramente no dese jo do real louvor, e na avcrn:\o 11 ido s pelo senso do que é louv~ve l e do que é cens uráve l. pa-
ã real censura. A jurisdição do homc::m inler io r (witbin) ftrnda 1,, , ;1),{irconfom1e su,1 :t.<;eendênciadi vin .• 1: mas qu andose dei -
se inte iram ente no dese jo ele st:r louvável e na aversão ~l M' ' 1 ,•111orpec-e r e co nfundir pelos juízos d o homem fraco e igno-
censuráveli no de seJO de pos t-.uir as qualida d es e pra tiCJr ;\'- 1 uw , revrla seu pa rentesco co m a mortalidad e, e parece agir

ações que amamos e ad mirnmm em ou tras pessoas; e no hor 111con formidade com a part e humana de sua origem, não com
ror a possuir as qua l\<laUcs t: pra ticar as ações que od i~urn1, 1 divina.

e desprezamos t!rn outras pessoas. Se o home m exterior no~ Fm tais casas, o único co nso lo eficaz do homem hum ilha-
aplaude , ou por .ações que não pr.:iticamos, ou por mo tivo~ ,li,,. :11lito repousa num apelo a um tribunal ainda mais su pe-
que não nos iníl uerx:íaram, o hom em inte rior imed iatamen ll' lhll , o Juiz on iscie nte , cujo olho jamais pode ser engana do , e
sujeita o u 1gu lho e cxa ltnç5o cio espírito que do contrário C'i 11;1"11ulgamen tos jamais podem ser pe rvertidos. Apenas a con-
s:,1s infundadas aclamações poderi~,m ocasionar, dizendo-no .... 11111\ (: 1 firme na rctid~o in falíve l desse grande tr ibu na l. chame
qll e, por nós sabe~mos rn1o as merecer, ~ornar-nos-e.mos d~..., do qual t-.ua inocência serã p ronunciada no rempo devido e
prezh·eis se as ace u.am10s Se, ao con lrán o, o homem exten oi ~1rnvirrude finalmente recompensad a, pode ampará-lo c.11:rn -
noo repreende ou por ~ções que nunca pralicamos ou prn ,, , l,1fraqueza e desalen to de seu espí rito , da perrurtJaçao t per_-
motivos que ruio tiveram influência sobre as ações que talvt•J pl1·xidade do home m qu e vive em seu peiL01 a que m ,j m1tu-
tenhamos pra tic;tdo. o homem interio r im ed iatamente cor ri}W 11'/; 1 instauro u com o granUc gua rdiãv, dc_:::,w vicia, não apenas
esse falso juí7..o, asseg urnndo-nos de que não somos, de mo 1 lc•'Ilia inocênda 1 mas Ut:: su a t-.c:rt::nidade.N:;Sim, cm muitas oca
do a lgum, objetos apropriad os da ce n~ura que sob re nós foi "ll11t·snossa feliciUadc nt::::>La vicia depe nde ela IR1mildc cspe
exercida de mcxio tão inius to. Nesse e em algun s out ros caso!-,, 1.HI\ ; 1 e t:xp1.:..-c 1aliva de urna vida vindoura, cspcn mça e cxpec-
porém, o hom em interior par ece por vezes co mo estupefa w t 11h que, por se enraizare m na naturez:1 hum ana 1 s:'io
,,1 t:t,:-,d::,
e confuso pela \·eemência e o clamor do homem eX[eriur. A 1•1 1111icas a poderem amparar suas nobres idéi~1s sobre :1 s ua
violência e o alar ido com que às vezes a cens u ra f: dc~pc j.t p,.,pria dign idade, a iluminare m a ass ustad o ra perspec riv:1d:1
da sobre nós parecem emb na ecer e e mbotar nos:,o -,cn.50na 111111ta lidade qL1C se aprox ima con tim.1~1ml•nre, e: , m~n rer em
rural do que é louvável ou censuráve l e, a5,.')im,~ julga me nto ... >tll 1 ,1lcgria sob as mais graves cabmiclade$ a qu e pode se ex-
do homem inte 1ior. ainda qu e ta lvez nã o .':lete nham abso lut:1 por por c:.1usad~1,._ de.<;orden s desta vida. Que ex iste um mun do
1nente alterado ou pervert ido, fic 11m Lào abalados na cons t:in dndouro, onde.~ farã perfei ta justi~--aa cada homem, onde to-
eia e fim1eza de suas dccisOes, qu~ .':leuefe ito natu ral de :iss<.· d1,..,-.('n1o equ iparados aos que são realment e seus iguais em
gurar tranqüilidade ao es p frllo f: freq üent eme nte em grn nd(• •111 ;1lid~des mor.ais e intelectua is; onde, por so frer os reveses da
medida destrnído. Mal nos acrevcm05 a absoh·er a nós mesmo~. lo:tuna, o dono desses hu mildes talentos e virtudes que não
quando todos os no.':lsos irmão s parecem nos co ndenar ela lh-t ra, nesta viela, ocas i:1o de exib ,-loo, ocoltando-os do públi -
morosamente. O .::iupostoespectador imparcia l de nos..-.aco ndu 1tJ e de si mesmo, pois não estava certo de possuí-los e tam -
ta parece d ar ~ua oplni ào cm nosso favor com medo e hes1 1>11uco o homem de dentro do seu peilo aventurou-se a dar tes-
taçao, quando a opiPJào de todos os espE>C tadores re ais, a dr h·munho claro e d istint o delas; digo, o nde esse mé rito m odes-
wdv.::ipor cujos o lhos e de cuj ,1 po.~içào esforça-se po r co n:,,i 11► ,-,ilencioso e descon hecido será colocado no mesmo pa lamar,
dc::rá-laé unânime e viole nrnmen te co ntrãria a nós. Nessei; ca ,, !;dvez até acima, daq ueles que neste m undo gozaram da maior
sos, esse se mideu s dentro do pei to, con10 os sem ideuses do:\ u·pu1açào e, pela vanwgem de sua s1tuaçao, conseguiram pra-
poetas. pa rece descender parte de imorta is e part e, todav ia, dt· tlwr as açres mais esplêndida s e des lumbrantes: rudo isso c.:un:,-
mortr1is. Quandn seu~ juízos são finne e constante me nte govc.-1 lllui uma dou tri na em ge ral tão vene rávd, tão n.:cunfortante
162 TEOIIIA DOS SEN/7MEN/05 M QH,1/\ // N<'/'/RA PARTE
163
para a fraqL1eza, tão lisonje ira para a grandeza d a natu reza hu E em todas as açékb qu<.::lende:, feito, em toda:, a!,
q1111x:1.1sa?
mana, que o ho mem virtuoso, se 1iver o infortún io dt: dda <lu 1
11 ,l, 1:ua.')4ut:::tc:nde!>comet ido contra vós próprios, o que Ele
vidar, JX)SSivelment e não pode evitar de: dese jar, do modo o 1,\·,·na pesar? Os mel hores dias de vossas vicias, porém fo-
mais determinado e ardente , de nela aa-w.itar. Tal doutrina nu n 11111 s,1crificados d vossa profissão, e dez anos de serviço e~au-
ca teria sido exposta ao riso dos zombadores, não fosse a d 1!'1 1111111 :1isvossos corpos do que talvez um~ vida inreir:i de ~tr-
uibuiçào de reco mpensas e castigos - que seria fc irn.no mun 11 pc•ndimento e morlificação. Hélas ! Meu irmão, um s6 dia de
do vmdo uro, segu nd o nos t:n.sinara m algu ns de se us mais /t' • 1h imemos consagrado ao Senho r talvez vos tivesse obtido
losos defensores - l âo freqüe nteme nte avessa a todos 01; no~ 11111,1 fc:licidade e terna. Uma só ação, do lorosa para a narureza,
sos senLiint::mosmora is. ult·1ta~a a Ele, ialvez vos tivesse assegurado a herança dos
Que:=mu itas vezes se favorece mais o corte.Ciâo assíduc1 Hlhls. E fizestes tudo isso, em vào, por este m undo. "
do que o serv idor ativo e fiel; que muitas vezes servilidadl: t Comparar dessa maneira as fúteis mon ificações do mo -
adulação são caminhos mais curtos e seguros para os p rivil<· 1J.1 ~tl.'rio co m~ e nob rece do ras durezas e riscos da guerra; su-
gios do que mérito o u préstimo; e que mu itas vezes uma cam l" que um dia ou uma hora empregadas nas primeiras seriam,
1

panh:i em Versalhes ou Sr. James vale duas na Aleman ha ou 111, olhos do Grand e Juiz do mun d o , ma b rneri16 rio.s do q ue
F1andre~. é queixa que todos ouvimos de mui tos antigos o ll 11111,1 ' ida inteira passada honrav elmente nas úlLimas é cena-·
ciais. venerãveis mas descontentes . No entànLo, conside ra-M 1w r11c contrário a tcxlos os no ssos sen timen tos mor.iis, e a to-
que a maior repreensão, mesmo à fraqueza dos sobt:1,mo ,lo~ o~ princípios pe los quais a natureza nos ensinou a regrar
Lerr enos, deva ser atribuída, como ato de just iça , à pt 1fe iç,1t• WHMJ desprezo o u noss~ ~dm irnç~o. Porém, é esse espír ito
divina; e os deveres d a devoçà o, o culto públil."O e privado 1
1111·, <-nquanto reservouª" leg iões celestiais para monge s e fra-
da Divindade, tê m sido rep resema d o!>, até po r home ns <.h· dt•~ou para aque les cuja co ndu ta e conversa parecem às dos
virtude e habilida des, como ;:isúnicas virtudes que pode m ou munges e frades, condenou ao inferno 10dos os he róis, todo s
dar dire ito a recompt:n.sa, ou eximir de punição na vida vi ndou • •"+l'-"l,1?isras e legisladores, todos os poeras e fil ósofos de épo-
ra. Talvt::z fossem virtudes mais adequ adas à condição qw ' ,~ar_u,gas, todos os que inventar-dffi, melhoraram as anes que
vcup, 1va m , e nas quais princ ipa lme nte eles pr óprios se Ir 1 irunbuem para a subsistência, o co ntorto , os orname ntos da
1

nham excedido, pois todos esrnmos naturalmerne incl inadt"' hlt illu~na ou que nelas se sobressaem; rodosos grandes pro-
:1 superestima r as excelênc ias de nossos próp rios ca racten ..•., l! ·1orL'S, mstrutores e benfeitores da humanidade; todos aq uele.:;
No di scurso que pronunciou o eloqüente e filosófioo Ma, 1c1u1..:1 11nQ,)!,Ona tura l .::<::nsodo que é louvável força a atJibuir
silJon, 11bençoando os estandartes do regimento de Cacinat, h,I 11 111.ii o r mér ito e a mai.:,elevada virtude. Podemos nos admi -
o seguinte recado aos o ficia is: "'O mais dep lorável em voss. 1 1.11deque uma aplicaç:.1o tão estran ha dessa respe itabilíssima
situação, cava lh eiros, ~ q ue, n uma vida du ra e dolo rosa, e11 1 1h11nn:i por vezes a le n rul exposto:;i desdém e ridículo jun-
1
que os seiviços e deve res às vezes vão além do rigor t::: ~vi· t 1111~·n1':
com os que rnlve 7 ao menos n:lo tiveram grande gosto
rid ade dos mais austeros co nventos, vós sofn::reL':> !'.l
t::m p re c ru 1
111
1nchnação para as virtudes devotas e con1emplativas?6
vão pe la v ida vindoura , e freqüememt=me aLE me5mo por t.·,
ta Yicla. Hé las ! O mo nge so litário 1.:111 a cela, ob rig ado a mo•
!'.ili
tificar a carne e su jeiUí-la ao t:5pírito, é ampa rado pe l:i.espi· •
ança ele uma rt:compensa certa e pela secreta un çílo da gr.1\, I
que suaviza o jugo do Senhor. Mas vós, no leito de morte. pu
t.lt:is atrever-vos a apresenrar-l he vossas fad igas e as dure1.1"'
6 V<'i:1se Voh:t1re: "Vous y Rrillez s:1ge et doei.e Pfaton. Divine Homeri:.
diárias de vosso cargo? Podeis ousa r so lici1ar-lhe qua lquer I\' 1 l1~llll 'tll Ckcron, ele.~

164 TEOIIJA DOS S&VllME/V10S MO I/ AI.\ 1 U, NN/1 P1IRT/:,'


165
CAl' ÍT ULO III 1111,•rn. com que m não temos nenhuma relaç-Jo específica .
Da injluéncta e autoridade da comciência 1
1~ Interesses. na medida em que são exa minados de sua po -
1, 1 >,nunca poderão ser contraba lançados aos nossos nunc a
Ainda que:: a aprova ção de su a própria consc iência mal 1
11 l'i lmpL~irào de fazer o que possa ajudar a promover~ nos-
consiga, c.:111ocasiões extraordinár ias, con1en1ar ~ fi.=lqt1e7.adu próp nos interesses, por mais ruinoso que isso seja para ele .
homt::m., a inda que o testemunho do supos10 espect ado r imp,11 \1t11•s ,etc pocle1mos faze r uma comparação apropriada ent re
c ial, do grande hab itan te do peito h umano, nem semp re co n 1..,mtere~scs opost.os, devemos mudar no ssa posiç-Jo. '.'lào
siga, por si só, dar- lh e guarida, a influên cia e autorida d e cll'" 11 1
1dvmos ve-los de nosso lugar, nem tampouco do de le nem
se pri ncípio é, em rodas as ocas iões, enorme; e é ap e nas co 11 1
11 nc,ssos olhos , nem, todavia, com os dele. É prec iso vê-los
su lrnndo esse juiz interior que poderemos ver o que nos di1 11
1 , lo-.. :al e com o~ o lh o!! d e un ia tt:rl.:eira ptssott, qut: não te-
respeito cm sua forma e dim ensões aprop riadas; ou que pc• 11!.,nenhuma relação particular com algu m de nós , e que nos
deremas estabe lecer u1TL:, comparação apropr iad a e ntre no.., 1•1IH11 -..:c.om imparcia lidade. Também aqui, hábito e experiência
sos interesses e os de outras pessoas. 1
'• ~•nsina.ram :i fazer isso l:3o fácil e prontarneme, que mal nos
>lo que se refere ao o lho do corpo, os objetos se apreM·n Lw1osconta de qne o fozemos; també m n esse caso, é nec es-
ram gran des ou pequeno s, não tamo conforme suas n:ab d l 1do a lgum grau de reflex ão , e até de filosofia parn nos co n- ·
mensê:>e.s,
mas conforme a proxim idade ou di:,tância em que M , ·tHc1:ele quão pouco interesse teríamos pe las maiores preo -
encontr.<1.m;o mesmo OC'Orre com o que se pode cha mar o olh,, 11p,1<, ·oes de nosso vizinho . de quão pouco seriamos afetados
natural do espírito; t: remt:eliamos os defeitos dess es do is ór J•orludo o que a ele se relacio na, se o senso de conveniência
gãos de modo lr.as1ante parecido. No lugar em que me enco n J1/\liç-1não corr igisse a desigualdade de nossos sem i,nemos .
tru ago ra, uma imens a pais .igem de c:impinas , bosques e mcm 1 1111· de o utra maneira ser ia natural.
ta nha s distan tes parece apenas cobri r a pequena janela ju1111 Supon hamos qu e o gra nde império da Ch ina, com sua s
da qual escrevo, e ser desproporc ionalmen te menor cio qu e 11 111l11,1c.l es de habitantes, fosse subitamente engolido por um ter -
quarto em qu e estou . Pos..~ estabelecer uma justa co mparaç;H 1,·moLo , e .imaginemos corno um hum anit.lrio na Europa , sem
ent re os gmncle..;e pequenos objetos ao meu redor , tão-somc:11 1
111i1lq uer hgaçao com aqutla pane do mundo, seria af~tado ao
te me transportando. ao menos na imagina ção, a uma posip11 ,, 1 d:x..:1 a noticia d~ terrí vel calamidad e. Jmagino que , antes
diferent e, de onde posso exam inar ambos a d istâ ncias qu:1M' .t, Ilido, cxp~~aria intensamente .:,ua tristeza pela desgraça de
iguais, e a5Sim forma r algum juizode sua real pro1x:>rçao.O h; 1 IHdos esses infe lizes, faria muitas reílexões mclan có lims so -
bito e a expe riênc ia e n sinaram -me a fa ze r isso tão fácil e 1;111 l li' ;t precariedade da vida humana e a vacuidade de todos os
prontamente que mal me dou co nta de que o faço; e um ho 11lwwes. human os, que num insran1e pud er.~m ser :1niquilados
me m deve estar 1 em certa med ida , familiarizado co m a filo:m ~k·m drsso, se fosse um homem especularivo, talvez ponderas -
fia da visão, antes de se co nYencer inteiram ente de quão pt· , muitos rac iocín ios sobre os efeitos que esse desastre pode-
quenos aque les objetos se apn:senmriam ao o lho, se 3 im: 1~l ,•' produzir no. co mérc io da Europa e m panicular , e nas tran -
na çao, tendo con he ci111t:11to de suas reais magnitud es, não i,.. 1\'<ICS e negócios do m undo em geral. E quando ioda essa be -
fizesst> inc h ar e: d ilat.u-sc. l I lilosofia tivesse ac ab ado, quando todos esses sent imento s
Dd mesm a maneira, p:ara 3S paixões egoístas e originária.., l111111a~10s tivessem encontrado sua ex pres são defi nitiva , con -
da natureza hu m~na, a perda ou ganho de um exíguo intcrt·, 1111u:in a seus negócios ou se u prazer, teria seu repouso ou sua
se particula r se mos tra de impon:ân c ia muito mais ampla, srn ,llvcrsao,com o mesmo relax am ento e tranqü ilidad e qu e teria
cita uma aleg ria o u dnr m uito ma is apa ixonada, um desejo 011 ,. 1:11acide nte n:'lo tivesse oconi do. O mais frivolo desastre qu e
aversão mu i10 mais arde nte, d o que a maior preocupação( ~· 1
' ;1bat.e~ .:,obre ek causaria uma pcn urbaçào mais real. Se
TEORIA DOS SENI7M1'iVJUSM0/1-1/\ li /Ir HRA PARTE 167
perdesse o dedo mínimo de manhã, na o donniria de noite; nl.l 1111orofcnSJ., a fim de obter m:1ior benefício para nós mesmos.
desde que nunca os visse, roncaria na mais profu nda scr<.:1.11 111l.' o amor ao nosso próx imo, não é o amor à hu manidade
dad e ante a mína de cen tenas <.lt:milhares d e seus inn3.os, 1· i4 qut· i~os rnotiva, em muirns ocas iões, a praricar as virtude,; di~
de struiç-J.odessa imensa multidão parec e daí.tinen te ap<:n:111 1111,. E um amor mais fone, um afeto mai s poderoso, o qu e
um objeto menos imt::rt:S)3ntc d o que seu reles infortúnio p:11 1dmente tem lugar nessas ocasiões: o amor ao que é honra-
ticu lar . Para eviuu, po,tanto, esse rel es infortún io, um hu111,1 i,,,. nobre, à grandeza, cligrndade e su perioridade de nossos
nitárlo ~slaria d isposto a sacrificar as vida~ de ce ntenas de mi 1111,prios carac teres.
lha res de irmãos seus, desde que nunca os tivesse visto? A Quando de algu m a maneira a felicidade ou desgraça de
natur eza hum ana fica atônita de hor ror em face de tal iclL•1,1 1
11110sdepen de de nossa conduta, não ousa mos , co mo tal-
e cm sua maior depra vação e corrupção o mund o jamais pro 1 1 ~ugi~1 amor de si, a p refe rir o interesse de u m aos de ran-
<luziu um vil:\o que fosse capaz de cultivar esses pensament o~ 0 homem mtenor rxJS grita que nos est imamos dema is e a
Mas o que causa essa dif erença? Se nossos sentimentos pai, 1
111r.1s pessoas de me nos, e que, ao fazer isso, convertemo-nos
sivo." são quase sempre tão só rdidos e egois tas, co mo oco, u til objetu apropriado du <lt:s pr ew t: ind ignação <lc nossos
que nossos pr incípios aLivos sejam freqüentemente cao gcm 1111 los. Tampouco esse sentimento se restri nge a horne ns d e
rosos e nobr es? Se sempre somos mais profundamente a fL't,, .ir.1ordinária magnanim idade e virtude . Está profundamen - ·
dos pelo qu e interessa a nós mes mos do q ue pdu que d iz rc.·~ 11 Inscri to e m todo so ldado r:1zoavelmente bom , o qua l sente
pei 10 aos ourros homens, o que leva o.:, generosos, cm toda 1111• -.eri,1ridicularizado por seus camaradas se o imag inassem
as ocasiões, e os maus em mulla.-:.,a sacrificar se us próprios 11 lpM de recua r d iante do perigo ou de hc ,,;; irar em se expor
teresses pe los inter esses ma ivre5 de o utros? Nio é, enü'io. o 111perder a vida, qua ndo o be m do se u serviço o exigisse.
brando poder da humanidade, não é a débi l cenLell-iade he:·m· Um indivídu o nunca deve se preferir tamo a outro a pon -
valê ncia qut: a natureza acendeu no coração human ~º• o que. , dt..·ferir ou prejud icar esse ourro pa ra ben eficiar a si mesmo
pc:x.k rt:sistir aos mais fottes impulsos dn a mor de si. E um po 1lnda qL1eo benefício de um fosse mu ito maior do que a do;
dc::r1nais forte, um motivo ma is co nvincente, q ue nessas ?<',I 1t 1 prejuízo de outro. O homem pobre não deve def rauda r nem

siõcs se põe em ação. É a ra1..ão, o princípio, a consciência, n , ,11 ·,ar o rico, embora a aquisição possa benefK:iar muito mais
habitante do pe ito, o homem interior, o grande juiz e árbilrtt 1 um do que a perda poderia pre iuclicar a outro. O homem
de no.ssa conduta. É e le que , sem pre q ue es tamos f.X)r ag ir, d, 111tl'l'ior imed iatam e nte lhe grita, tam bé m neste caso, que não
mod o a afetar a felicida de alheia, grita para nós , co m uma vo1 n :: l~1orque St.::U vizin ho, ~ que, por L"".:IUsa <lt::~ua prc:ít::r ên-
ca paz de deixar es tupefata as nossas mais presunçosas pa i 1,1lllJu.:,ta, converte -se em ob jeto apropri ado de desprezo e
xões, que somos apenas um na multidão, em nada mdh urt'" 1111l1g nação da humanidad e, bem como da punição q ue esse
do que qua lquer outro indivíduo; que 1 ao nos prefer innOb dO!'I ,11•-,prczoe indignação deve natura lment e predis pô los a in -
outros tão vergonhosa e cegamente,nos lomam ~ obje tos a pn, 1t1~w!po r ter assim violado uma das regras sagradas, de cuja
priados de resse ntimento , horror e 1,;xt.'Cração.E apen:1s co m .uo:1vel nhserv;:iç:lo depende roda ::i seg u r:rnç:;i e p:u d,1 s0-
ele que aprendemos nossa v~nJa<leira pe qu enez, a de tudo 11 h•dade humana. !\'ão há ho me m habitualmente honesto que
que nos diz respei to, pois unicamente o olho desse especr.1 1.10tema mais a desgraça interna de 1al ação, a indelé ve l nó-
dor inpa rcia l pod e corrig ir as fa lsas represenrnções d~ amo r 1li 1,1que impori a para sempre em seu espír ito, do que a ma ior
de si E de: que:: nos mostra 3 conveniência d1 ge neros1dack l 1 ,il:1111i dade ex terior que, sem nen huma cu lpa sua, pudesse se
a ddunnaçào da injustiça; a conveniência de se renunciarªº" ,11,uer sobre e le. t\"ào há homem habitua lmen te honeSto que
nossos maiores interesses p,11ticu lares em favor dos ainda mai<, 11,lc >s inta int ernam ente a ve rdade daquela grande máxima es-
rcs interesses de Ol ll ros; e a defo nnidade de caus ar a ou tro ,1 !411(~1. segundo a qua l para Lltn homem, p rivar injustamente ou -

li HUi!RA PAR7E 169


'JEORJADOS SESTIMl!NTOSMON,1/
168
,,1,toda a sorte de ca lamidades, no langor da pobreza, na ago-
tro de qua lquer co isa, ou promover injustamente sua prop , 1 1111 da enfennidade, nos horrores da morte, sob os insu llos e
Yantage m pe la perda ou desvan tagem de outro, é ~ais c'?"~r,1111 1111t'.\Sàode se us inimigos. Ju lgam que a comi.seração pores-
.l n:1tureza do que a morte, a pob reza. a dor, lodo.:, os 1nfrn1u
"' desg raças que nunca vimos, d e que nu nca livem os nolícia,
nio s que o possam afe1ar, seja no co rpo , s~ja nas ctrcun..,t!'in
111.1" que, pode mo s esta r seguros, a todo mome nto infestam
cias externas. 1.1111015 de nossos seme lhante s, deveria impregnar os prazeres
Com efeito, quando a felicidade uu desgraça de outro~ (· I t
dn~ :1fortunados, e tornar hab itual a todos os ho mens ceno me -
nenhum aspecto depende de nossa condu ta; quando nos"
l 111·óltco desalento. Porém, antes de n1do, ess:i extremada so-
inte resses estão inteirnmentc scp:ira d os e apa rtados ?~ dl'lt
de modo qut:: não haja nenhuma relaç:io ou compeuçao CIIII llLl,triedade para com infortún ios dos quais nada sabt-m(J.')pa-
eles nem stinprc julgamos necess.1rio co nter. por um lado, Il i 1 tr'I'-! inteirame nte abs urda e insensata. Tomt::rnos toda a Terra
sa ;rcocup3ção natuf'31 -e talvez inadequada-qua ntoª , n, 1111110média: para um homem que sof~ dor ou miséria havc-
1 LI vime próspe ros e akg rt:.So u, pdo m enos, vivendo c m cir-
505
próprios prob lem~1s,ou, por o utro, nossa natural - e t.1h 1
igualm ente inadequada - indiferern;a pe los problemas ele 1"' 1 1111\t:lncia::, .su1xm{1vcis.Certamente não se pode da r raz.1.opelo.
trOS homen,;. A mais vulgar educação nos ensina a agir, cm 1, q11.tldcvclia mos ames chorar co m um, do que nos alegrarmos
das a~ ocas iões import an tes, com alguma espécie dt ilnp.tn. W 1,1111vinte . Essa comiseração artificia l, :1demais, nào é ape nas·
!idade entre nós e outros, e at~ mesmo o ordin ár io ~orn(·1d1 .,li..urda, m as pa rece inteiramente inatingível, e os qu e afetam
deste mundo é capaz de ajustar nosso::, princípios ~t1vos _:i 11 , ......_.
caráter co mumcnte nad:1 têm, senão cert a tristez;1 ~,feuda
gum gra u de co nveniênàa. Ma::,.:,0mentc a educaçao m:11...,Jr , ....._-numental que , sem atingir o coraç:'io, ~JVe :irenas p:1ra tor-
tifici al e refinada. diz em, pode cor rigir as desigua lchi.cie,;
de 1111 11.lro semblante e a conversa impett inen1emen1c desanimados
sos sentimen 10s pas:,ivos; e . com esse propós iro, alega-se <1111 , dcs:)gradáveis . E, fimilmenre, e,;;.sad isros içào do espírilo. po5-
devamos recorre r à mais grave, bem como à mais profuml h) (Ili<:' alcançada, seria perfe itament e inútil, e rulo seJViria a o u-
fi1015ofia. . 1I0 propósi10, q ue não tor n ar m iserável a p essoa qu e ..1 po s-
Dois diferentes gn.1pos de filósofos tentaram e nstnar -1111 ,.t,i..,~. Seja qua l for nosso interesse pe la fortuna daqueles com
essa lição de moral, ~, mais dura de 1cxlas.U": grupo se em1ll , 1111.:111não temos familiaridade nem lig,,ção, ou com quem es-
nhou em alimentar nossa sensibilidade pe los interesses de 011 t.1~iluado comp letamente fora da nossa es fera de acividacle 1 só
tro s· o outro. em dim in uir nossa sensib ilid ade por nQ&io~11'º
)l<M.leproduzir inqui etaç-J. o em nós, sem qua lquer vantage m pa-
prio'.sinteresses. Para o primeiro, deveriamos senlir pelos ou:11
1,1 eles. Qual a finalidade de nos atonnentanuos com o mun -
que naturalme nte se ntimos por nós. Parn o ::,egund~, devc.:1,.,
0 do na lua? Todos os homens, m es mo os que estão à maior dis-
mos sentir por nós mesmos o que nalllra lmente scn tunos pd_,
1.lncia, sem dúvida 1êm direito a nos sos votos d.e felicidade, e
out ros Ambos , talvez, Lenham le vado suas d~~tri~as m1111t
lllhSOS YOtos de felicidade narural m eme desejamos a tod os.
além do justo padn1o da natu reza e da conven1encta .
os pr ime iros .:,ão os mora list::is l:unufrrntes e me_la.ncúll .\l,1s1 a despei to disso, se forem tnfelizes, não parece fazer par-
cos que perpetuamente nos recrim in,im pe la nossa !e ltc1cladc it· de nossodever inquietanno-oos por essa razão , TenTlO~po u-
1 o interesse , portanto , na fonu na da q ueles a quem nãu po-
enquanto tantos de nossos im 1ãos esrão na desgraça '. qu~ con
sideram igua lm en te ímp ia a nmu ral alegr ia pela prospend, tth 1lt·mos ne m servir nem ferir, e que c::mtodo o se ntido estão
a qual não leva em con ta os muitos desgraçados que u-aba lh:1111 n1uIto remo tos de nós , par~ ct::se r sab imnente o rdenado pela
N;uureza; e tit:: f~ possív el altera r nesse aspecto a constitu i
\,,lo original de::nossJ estru tura, mesmo as:.im nada poderíamos
7 Conferir As estações,"Inv erno', de Thompson : 'A I~ Linlc 1hink ti, H,11li 1ar com ess a muda n ça .
gay licentious proud ', etc. Conferir t.1rnbémPuSCII.
TEORJA DOS SENTlM/;/V/0S M OH, 1/ ,t /,'!.'EIRAPART'E 171
170

Nun ca no:, ob jeta m que temos mui to pou ca salid ari(•d,1 , 11IX), o u fo rtu na , ou em nossa reputação, como dor , e nfe rmi-
de pa ra com a alegr ia do êxito . Sempre que a i nvep não a im 1"~'." proxinúdade da morte, pobreza, desgraça, e1c.
pede, a boa -vo ntad e que demo nstram o~ para co m a prm,1w Sem dúvida, em infort únio s da primei ra espécie, nossas
ridadc tende a ser imens a; e os mes mos morJ.listas que nos Ct'll moções pod em ir muito além do que a exata conv e niên c ia
surn m por faka de su ficiente sim patia com os desgraça dos IH• 1•1mitiria;mas também podem fi car aqu ém disso , o que fre-
recriminam pela lev iandad e com que tendem os a admira r, , 11ll'ntcmente ocor re. O home m que nao se m b:,e ma i!:ta mo 1-
quase a venerar, o.s afortunados, os poderoso s e os ricos. 11 eJll aíliçâo de seu próplio pa i ou filho , do que a do pai ou fi-
Entre os moralistas que se esforçam para corrigir a ch.'!\I lu, Ue qua lque r o ulro home m , não dcmons1raria ser nem bom
gualdade natura l de nosso s sentimentos passiv os, díminul 11
d1, ,.d nem bom filh o . Tal indi ferença a ntinatu ra.!, longe de sus-
no ssa se nsibil idad e pe lo q ue particul armente nos d iz re:;pd (hu · nosso aplau so, incorr eria na noss a mai or desapr ova ção.
to, pode mos re gistrar tod as as antigas seitas de filó:;ofoo, m,d 111 rc os :tfetos doméstico s, en trelant o, algun s tendem a ofen-
especificamente o..'i antigos estóicos. Segundo os estóicos, o h<1 li·1 por excesso, outros por falta. Para os m<1 is sábios fins, a
mem deve co nsiderar -se não cu mo a lgo ~eparado e :1p a 11:1d11 11.11 11rez;i co nvert eu na ma ioria dos ho m ens. talvez em todo s,
mas co m o cid adão do mundo, membro da va sta repúb lic.i d. 1 IL'rnurn paternal num afeto mui to mais forte do qu e a pi e-
natur eza. Pelo imere.::isedessa gran de co munidad e, de ve ri:1t.·, l,11lcfilial. A con linuaçào e propagação da espécie dep end e.
tar disposto, c=m l0<.los os mo ,nc ntos , :1 sac rificar se u p equ L'nn ,utdr:11nente da primeira, não da segunda. Em casos comuns,
pa rticular. O que quer que dig ::i respe ito a si mesmo
i.Jnerc:::.):)C 1 ,·xistênc ia e conse1Vação d o filho estão e m co mpl eta depen-
não deveria afct.'1-lo mais do q ue o qu e diz respe ito a q ualqrn·1 lc11:dados a. 1idado.s dos pais. As d os J:xtis raramente depe nd em
out ra part e iglrnl mente unporrnnte desse im enso sistem a . Dt'. 11,, cuidados do filho. Po r consegu inte, a natureza to rnou a pn-
veríamo s nos ve r, não sob a lu z em qu e nossa s próprias p:11 111t·ira afeição tão intensa , que gera lmente nào é nec..'es:; {1riu
xões egoíst~1srende m a nos coloca r, mas sob a luz em qu e qual º"ntá- la, mas moderá-la, e os morali stas St: ~ força m para 110!:t
qu er outro cidadã o do mund o nos veria . Devería mo s co n~idt 11-.Jnarme nos co mo to lera i, que c.:01110 conter nosso amo r,
raro que nos ac om ete como o que ac ome te o nosso vizi nht •, 1111 :,sa ex cess iva ,:1fe içâo , a inju.sta pr eferência que tende mos
ou , o que dá no mesmo, co mo 1105.50 vizinho considera o qu 1 ti.ir a nossos próp rios filhos, em de t1imento dos filhos de ou-

no s aco met e. Epít eto diz: '·Qu ando teu próximo perde a e, po 1,,).',. Exortam-nos, :io contr3rio, a um::lafecuo.ça atenç-lo aos nos-
sa ou o filho, ningu é m há que nào pe rce ba qu t: e5Sa é un,.1 °'" pa is, e :1 retrib ui r-lhe s adequ adame nte n íl ve lh ice a ho n-
ca lamidad e humana , evento n atu ral inldra1n ent c conforme 1 1 ' l.1tk•com que no." tmraram em nossa inf ân cia e juvent ude. No
curso or din ârio da s coisas; ma::,quan do a mesmo. co is3 ~tco n / lt•ttílogo, somos exo rtad os a honrar pais e mã es . Não se men -
tece co nosco, e nrão grilamo:, como se tivé sse mos sofrid o e1 1 lnna o amo r aos noss os filh os, pcis a natur ez a no s prepa rou

mais te rrível infOitúnio. Dev e mos lcmbr:u, po rém , como fo rnfü.:ientememe para o cumprimento d esse último cle,·e r. Ra-
mos afetados quando esse acide nte aconte<.'fl.lcom outro, e n.:.1 1.1mcntese acusa os homens de gosta rem ma is de se us fdhos
gir c.:m nos so caso do mes mo modo com o reag imos no delt '' 1h1(Jlle realmente gostam. Às vezes, porém, suspei ta -se de qu e
l:sses infortúni os particulare s, pe los qu ais no ssos se n!i d1·1nons trem com exces.siva os tenta ção sua piedad e pelos pais.
mcntos tendem a excede r oc; limites da conv eniê ncia, são de l1d I mesma razã o, desco nfia-se de que a dor ostell.5iva das viú-
du :1s difer ent es espécies. Ou são tais que nos afeta m a pcn, ," \ ,1, M.'J ª insmcem. De veríam os respe itar, se acreditássemos em
indir eta men te, por afeta rem e m prim eiro lug ar algumas outra h 11unsinceri dade, até mesmo o excesso de Lais afdo .'>;t:: embo-
pe.."oas qu e nos são es pe cia lme nte caras, como nossos pais, t ., 11:10 o aprovássemos inteira mente , não deveríamos conde
filhos, no ssos irmãos e innàs, nossos am igos ín timos; ou sào ta,~ 11,1 lo .5eVC r..tmentc. De que se mostra louváve l, peto menos ~os
q ue afetam a nós mesmos, imed iata e diretam e me, e m nu:.:;-.11 11lhos de quem a a feta, a própria :1fetaçi o é prova .

172 ITORJA DOS SHN/lMENfOS MOR li f H<RIRA PARTE 173

Até o e xc..~o dos afetos bo ndosos , que p red i.:;põem rn,11 I" º"ºa se r cont rariado pel o excesso que pe la falta d e sensi-
a ofe n der, p recisa mente pelo excesso, e mbo ra possa mosu .u ' ,111 1.ide,e há apenas uns po ucos casos em que podemos nos
5c cen surável , nunca se mosrrn odioso. Cens u ramos o exu· q uoximar de fato da ap atia e ind ifer ença es tó ica .
sivo arnor e preocu pa ~o de um pa i com o a lgo q ue po ssa, p, 11 Já se obse rvou que temo s muit o pouca solidariedade com
fim, reve lar-se nocivo ã criança e que, entrementes, é de m:1, 1.1 ,111, lquer das paixões que se originam do corpo. A dor pruvoca-
do inco nven iente para o pai ; mas J:X!rd o amos isso facilmcnti 1 l I rx> r uma causa manifesta, tal co mo cortar ou dilac.'erara c.âr-
jamai s o cons idera n do com éx:lio ou ave rsão . Mas a ausend.i 111\ (• talvez o afeto do corpo pe lo qual o e:,pea ador sinta a
desse afeto habitua lmente excessivo semp re parece particll\;11 111.11, viva Simpatia. Ta mlxm a mort e iminent e de seu v izin ho
me nte odiosa . O homem q ue n ão de mons tra sent ir nada P"' 111.1111cnte deixa de afetá -lo basta nte. Nos d ois casos , porém , é
seu s p róprios filhos, qu e sempr e os trata com imt: recido n>-1,111 1,11, pouco o que sente, se compo.rad o ao que sente a pessoa di -
e aspereza, pa rec e o m ais det estáve l dos brutos. O senso de> •• t.uncntc alingidi , que esta últim:t dificilm e nt e poderá ofe n-
co nve niência 1 em vez de exig ir q ue erradiquem os compk•u l,·1 o primeiro , ao demo nsirar que sofre com mu ita facilida d e.
ment e a extraordinár ia se nsibilida de qu e natura lmen te temo A me r:i falta de fortuna, a mera po breza, susc ita pouca
pelos lnfu11ún ios de nossos parenles mai s próxim os, é scmp1" , 11111 paixào. Su as quet<as tendem muito mais a ser objeto de
muito mais co ntrariad o pela fa lia do q ue pelo excesso dc,..,,.a d1•,prezo do que de solidarieda de . Desprezamos um mendi ---
sensibil idade . Ness es casos, a ap~ti a estó ica nunca é agradávt•l, w1, e embora ~-uasimpo rtuni da des possam- nos exto rqu ir uma
e todos os so fisrnas me tafísicos que a ampara m raramenlc t( 1rn , '1111o la, dificilmente se rá ob jeto de sé ria comi se ração . A deca-
outra finalidad e, senão inflar a dura inse nsibilid ade de u m j.1 d1111l'iada riqueza para a pobreza, urna vez qu e hab1nialmente
nora ::idez vezes sua inso lênci a primit iva. Os poet as e ro m:111 1,1t1 sa a mais ve rdadeira aflição ao so fred or, rarame nt e de ixa
cisms, que melho r pintam os refinam e ntos e delicadeza, d 11 tl1•suscirnr a mai s s ince ra co m ise raçao no especmdor. Aind a
amor e da amizade e todos os demais afetos d omés ticos e p 11 •1111. : no presente estad o da soci edad e ess e info rtúni o 1a.1'1m t:n-
vados , Racine e Volta ire, Richar dson, Mar ivaux e Riccobu n1• " · ;1começasem qu e ha ja negligência nu.-; nt:g6c ios e c.-on.sidc-
são mu ito me lhores instr ument os nesse~ casos do que Zen1111, 1,ivcl dose de deslei xo também do sofred or, es te, cont ud o , ca u
Crisipo e Epíteto. .1 l•mta pe na, que d ificilme nte lhe perm iti.r-Jodec :iir na mai s
A se nsibilid ade m cxlerada p elo s in fortúnios o.lhe ios, q,,, 11,11:,,;,1cond ição de po breza ; mas pel os meios de seus amigos,
não nos desqu a lifica pa ra o cum prime nt o de nen hu m devt·t ••lrcqüe ntemente por toler-.ância até dos cred ores que têm mui-
- a mc.::hmcólica e afetuosa lembra n ça do s amigos que panl 1.1 razão de se qu eix arem de '-11ª impn1d ência, quase sempre é
ram - a pungênci a, co m o diz Grny, cara à dor secreta - 11;10 ,rnten tado nu m grau de med iani a decen te, embora humilde.
são, de modo a lgum , des::igr::icláveis . Embo ra ex terna mc n1, N,,.,pessoas subme tidas a ta l info núni o, talvez facilmente p er-
cubrom -se dos tr.:.ços da dor e do sofrimenm , intem ament e :;:11 • 1 l1>.ísse mo s algu ma fraqueza; ao me smo 1empo 1 porém. os qu e
inse riras com os caracteres enobl'ecedores da virtude e da a pro 1110:,tram o se mblante ma is finne, que se acomodam co m maior
vação de si. l11Lilidadeà sua nova situaç ão, q ue rt:1o parece m se sentir hu-
O mesm o n:io oco rre com os infonún ios que afer.am , irnt· 1n!lhados pela mud ança, po is mantêm sua posi ção na socie da-
diata e diretame nte , seja nosso corpo, nossa fortun a, sej a nm dL·graças a seu caráter e conch.lta, não ã sua riqueza, são sem p re
sa reputação . O senso de conven iênc ia está muil o mai s pm 11~que mais apro vam~ e q ue nunca deL~m de conqu i.sl::irn~ -
111;1 iriaio r e mais afetu os a adml raçao.
Como <lc lod o::,~ info1t ún ios externos qu e podem afeta r
• Rlchar~n (168?-1i61) . autor cuji<; obr..s Pnmela e Qanssasc trn
naram referênd :i estf:lic.:i para Didcrot; Riccobon i (1713-1792), a excmpl1,
11111 home m inocente imediata e diretame nte o maior é, com
de Richardson , oompôs rom:inces epistolares. (N. da R. T. ) , l'1teza 1 a perda imere cida da reputação, ent do um cons iderá-
TEORIADOS SE,VnMEi'T OS MORAI 1 1 IU,'l;'fl{A PAR1'E
174 175

ve l grau de sensibilidade para com o qu e possa caus ar tam:mh 1111los e amea~. esses pra etores mui ias vezes são ob rigados,
calamidade nem se mpr t: parec e dc5gracioso o u desa grac\{ivt·I l' 11,1 ~cu próp n o confo rto, a coagi r a crian ça a um me lhor te m-
t-reqüememente maior é nossa estima por um jovem quan do i' 1.unenl ?; e a p~i.xào qu e a incita a enfrentar é conti da pe la
e le se re:,:,e;::nt
c , posto qu e co m a lguma v iolên cia , de qualq\.U 1
1111• .1 ens ina a cwdar de sua própria seg urança. Quando está
n: pre ensào inju sta qu e tenha sofrido o seu caráter ou sua hem 01 idad e d e i r à_escola, ou misturar -se co m seu s iguais, logo
ra. A aflição de uma jovem dama inocente, por co nta de boato d1 11irob re que nao terão essa par c ialidad e to l erante com ela.
infundnd os qu e possam circular quan10 à sua con dut a, muit.1 uurahnent e dese jará conquistar os favores das out ras, e ev1-
veze s reve la-.'-e pe rfeitamente amá Yel. Pessoas muit o idosa.'i, J 1u sc..·u ódio ou clesclêm. At ê mesmo a considera çao da própri a
quem ~ longa expe riência da loucura e injusti ça dest e muncl 1 >(111.lll\'.tlhe::t:nsina l$:so; e::logo vc:rá qu e::pod e::falcr i~u uni-
(•nsinnu a dar pouca importân cia à sua censura. ou ao seu apl:11 11111.:n te modemndo, nã o apenas sua mim , mas todas as suas
so, negligenciam e desprezam a difamação, e nem se dignam -11 111a is paixões, a um nível que p rovav e lm ente ,1grade a se us
a hon rar seus levianos autore s co m algum resse ntim t nto .,t , 111gas e co mpan heiros. Assim a cr ianç a entra na gra nd e es-
rio . Essa indiferença, fundada mteirameme sob n: uma firnK" ' 11.1do autodomínio ; es tuda pa ra se r ca da ve2 mai s don a de
confian ça em seus próprios caracte res prov •,1Jos e estáveis, ..,, 1 nk:, 111:-1 , e começ~ a exercer sobre seu s p róp rios .c.enrimen-
ria desagradáv e l em pessoas jovens, qut: nem podem nem de" 1 11111.1 disciplina qu e a pr.ítica da ma is longa vida rarame nte ·
vem sentir tamanha conflança. N t:les, poder -se -ia supor que pr, li !'li .ir á para levar ã perfe ição com pleta.
diz para a velhice;:a ma is inoonvcnie nte insensibil ida de q u:111 Em todo s os infortúni os pr ivado s. na dor, na do ença, na
to à verdaddrn honra e à infâmia. hloa o mais fraco cbs homens, quando visitado por seu ami -
Em ttxlos os outro s infortúnios priva dos que nos afc1.11n ' 1 ,, ~obretudo po r um estr,rnho , imediatam e nte se impre ssio -
imediata e dire tam ent e, ê mu ito raro que pQssamos ofemk f 11110111 o_juízo que provavelmen te fazem so bre sua situação
mos tran do- nos pouqu íssimo afe tado s . Freqüentem e nte 1cm 1 ,, <.ksvra a su a atenção do juízo que faz sob re si mesmo, e
1 1
bramos de noss a sensib ilidade para com os infortúnio s alhcin h nma maneira seu pe ito se aquie ta no momento em que
1 111~) sua pre se nça . Esse efeito é produzido in.stanrane amen-
com prazer e <;atisfação. Rarame nie podemos le mbrar da st·n
sibilid~1c le para com os nossos, sem sentir algum grau de vcrv 1 1 , 11ua~<.:! mec ani ca rnt:nte; ma~, num homt! m fra co não lt!m
nh a e humilh ação . 1111 ~;1 dura ção. O juízo de 5Ua situa ção imediara ment ~ .se repe -
Se exami narmos asdiferente s nuanças e grad ações de f ., l·ntrcga -.sc co mo antes aos suspiros , lágrimas e Jam eniaçõcs ,
queza e au todomínio tal ro ma os en co ntramos na vitkl com u1n 1 111110 cr ian ça que ai nda n:'lo fo i à escola , pr ocur3 p roduzir

muit o facilmente nos co nve nc e rem os de qui:: o domínio d lnum tipo d e harm onia entre sua próp ria do r e a co mp aixão
nossos sent ime ntos pass ivos dev e ser ad qu irido não por :th 1,1 t ..,fX'ctador,não mode rand o a primeirn, mas importun ame n -
trus os silogismos de um a dl alél ica ~ofística , m as pel:-1g~od 1 .1pcla ndo à seg und a .

di.scipl ina qu e a Natu rt:Zd estabdcccu par:i :1 aquisi çã o de..''-"" Com um homem um pou co mais firme, o e feito é mais pe r-
e de todas as out rns virtudes: a co nsidera ção dos sentimenlc 1 w .~nte. Esforça -se o ma is qu e pode para fixar sua aten çã o
do esp ec tador , rea l OL1 imaginário , de nos .,;;aconduta. 1111Ju1zo que os outr os pro vavel mente fazem de sua situação

Uma crian ç-d muiro pequ ena n ão le m domí ni o ele si, 11u \ 1 1mcs,~10tempo, percebe a es tima e aprova ção que natural-

~c;jam quais forem suas emoções, se medo. tristeza o u ~11\" u-111ctem por ele quando desse modo preseIYa sua tranqüi-
se m pre proa. ira., com a violên cia de seus gritos, alarmar o m.11 lu1.1clc;e, embora sob a pr essã o de algum a g rand e e rece nt e
que pode a atençã o de sua ama ou de seus pa is. Enquanto p1·1 1L11rndade,nada de mons tra sent ir por si além do que seus
m:mec e sob custódia de prot e tores tão pa rciais, sua ra iva t· • n1panheiros realmente sent em. Aprova e apl aud e-se por sim-
1

prime ira, e calvez a única, paixão qu e ap rend e a mod erar . (011 p 11!.tc.:um a aprovação ddc::s, e o pra zer qu e extrai d esse :,c;::n -

176 TEORIA DOS SEi>17ME,\


TOS M<J/11/ Ih FINA PARTE 177

timen to ampara e capacita-o mais facilmente a pru ssegui1 m hH,1.J:11


nais se atreveu a permitir qu e o homem int erio r se :t 11-
se ge ner oso esfo rço . Na mai oria dos caw s, e ,·ita mcnd1111.a 11l,l'i.'iC um só instant e de sua :1tenção. Sempre o.e hab inmu
seu própno infortúnio; e stus amigos, se forem tole r:tvdm 11 , 1 t t·om os o lhos desse grnnde inquilino tudo o que se rela·
te bem educados, 1em cuidado em nada di zer que o faç 1 k111 1111111~ ~~ c::o e cosrume se lhe torn o u perf eitamente
nsigo. Es..~
bmr disso. Tenta di:,traí-los d e sua ma ne ira habiwal com dlh , 111111i:i r· esteve subme tido à prática co nsta nte, e, na verdade
rentes lema~, ou, se se sentir forte o bastante p-.,i~avent ur.ir 111.1 necess idade pennanente, de m ode lar ou empenha r-se
a m t:ncionar seu infortúnio, procurn fal,1r de le corno julga qu 1,111 model ar não apenas sua co nduta e maneiras e:xiemas, ma s,
serão capazes de o fazer , e a1é busca não semir mais do qu 111 111e .:dida d o possível , seus se n timentos e em oções in terna s,
eles seriio c~1pazes de .c;entir. Se não é afei to à du ra discip'1n uundo os desse terrível e respe itável juiz. Não ap enas afeta
do autodomínio, logo ficará enfa stiado desse comedi mt11111 '-t'nlímen tos do espectador impar cial, realment e os adora.
Uma lon g~ visita o fatiga. já no fun dela constantement~• l\1Jsc se identifica com ele. qua se se torna esse especra c.lorim-
arri~ca a fazer o que sempre faz no mom e nto em que ac:-1h,1 1111d :il, e até mesmo q u:ise sente o que esse g:mndc.::: árb itro de
visita,ou seja, entregar-se a tod a a fraqueza d a dor excet,;:-l\" 11.1con duta co manda que sinta.
As boas maneira s modernas, ex-rrem am ente to lera ntes co m • O gra u da aprovação <les i com que rod o hom em ex ami•
fraqueza humana , proíbem p::>ralgum te mpo vlsiras d e cM 1,1 11,1 ~u: 1 <..:o nduta ues.sas ocas iões é mai s alto ott ma is ba Lxo , de·
nhos a pessoas s ubm etida s a uma grnnd c atliçào familiar , 1w1 ,, 111-doco m a propo rção exata do gr3u d e :rntodomínio ne-
mitind o apenas as dos parentes m ab pr óx imos e mai s íntinu ' ..,,,rio para ob ter essa apro,·ação. Quando rou oo au todomí-
amigos . ConsiclerJ-se que a pre~n~ dest es último s imporfl ou 11111 é necessá rio , pouca aprov~ ção d e si é dev ida. O homem
nos comedimento do qut:.' c1 dos primeiros, e os so fredores 114 p11• :1penas arranhou o dedo não pode aplaudir-se cm de ma-
derao acom odar -~t:.'ma is fac ilme nte aos se ntim entos daqu·l1 u, :linda que logo de mon5rre ter se esq ueci do dess e reles in-
de que m nau tt:111razão para espera r uma simp ~1tia m ais tolt 11u11·111K1. O homem qu e . logo depois de ter pe rdido a pema po r
rnnte. lnimig os secretos, que imag inam não serem co nhec.idc 111sade um tiro de can hão, fala e age co m sua frieza e tran -
como tais , fre qüentemen te go_.;; rnm de fazer essas visitas c111 11lllidade habiniais, na medida e m que ex erce um grau rnu 1-
do sas sem rard·rn ç:.1, tal como os mais íntimos amigos. O m. 11 111 maio r de autodomí nio, sente naruralmenle um grau muit o
fr3co ho mem do mundo , nesse caso . empenha-se em mo:,;11.11 111.1•ordeaprovação de si. Quanto à maioria dos homens, nu m
seu sem hlant e viril, e. por indig nação e des prezo por ess~1 n1.1 11ldcnte como esse, s ua vi.5âo natural do próprio infonú nio ::.t:
lícia, portar -se com a alegria e o desembaraço possíveis. Uw-;imp oria com tam anha vlvacidadi= e força ele co res, q1.. 1c
O homem verdadei rament e co nstante e firm e, o homt.•111 ipagana inteiramente toda a ponderação de uma outra vis.lo.
sábio e justo que receb eu tod a a sua ed ucaçã o da grande ("" ~.ida sentilia m, nada pu<leriam leva r cm conta, sen:'io sua p ró-
cola do autodomínio, da a1..áfama e do s negóc ios des1c 111uu pd ,t dure: sc:u próprio me do; e não ap en as o juíz o do home m
do , talvez exposto à violência e injustiça da.s facções, às d 1 hk. 1! de ntro d o peito, mas ~ mbé m o do espectador real que
rezas e riscos ela gue rra, mantém t::sst:<..untrole dos scnt inw11 por acaso estivesse prese n te, se ria inte irnmente ignorado e
tos passivos em todas as ocasi~; e que r na .solidão, quer 1.·111 111• i;lige nciado.
socieda de, mosrra qu ase o mesmo semb lante, e é afetad o qu a A reco mpe n,;;a que a natureza ofe rece ao bom compor-
se da me sm a m andra . No êx ito e na fnistraçã o, na pro~p<.·11 1.1rnento no infortúni o é, assim, exatamen te propor cio nal ao
dac.lt::e na adversidade, dian te de amigos ou de inimigos, mui Ml ,JU desse bom com portamento. A única compe nsação que
ta.s vez es estev e subm etido à nec es sidade de conse rvar c:,..,,1 1 11,1 possivelme nt e daria pela amargura da dor e da aflição ê,
virilidad e. Nunca se atrev eu a e squ ece r po r um instant e o ju11.u 1i1111bém assim, em graus id ênticos de bom co mp o11:11 nent o,
que o espectador impa rc i:1\ faria de seus sentimen tos e sua crn1 1•x.ttamente proporcional ao grau da do r e da afhça o. Em pro-
178 TEORIADOS SENITMEm'OSM( >Wli , tt, 'JJN/1 PARTE 17')

porção ao grau de autodo mí.nio necessárin para co nqu,,111 utUlli.!nte reduz ir sua utilidade tanto para si próprio quanto pa-
nossa natural sensibilidade, o prazer e o orgulho da com 111 • 1 "'x.:iedade;e a Natureza, pelo; seus cu idados matern ais para
ta são muito maiores; e esse pr-.1z e r e orgulho são tão gran, lt 1111.,mbos, quis que o ho mem evitasse ansiosamenre tod os
que nenhum home m con~gue se r inteiramente infeliz. Sl' M' '.'I acidemes. Ponanto , ele sofre e, emborJ. na agonia dop a-
za deles 1otalmen1e . A desgraça e a misé ria nunca fX>dem t 1 1~1 ..mo, mant êm não apenas o se mblant t! viril, mas a calma e
tr.:irno pe ito onde vive a total satisfaç-Jo cons igo; e emborJ 1.1 •luh.. lade do juízo, o que exi ge c.lc:kos maior es e maiscxaus
"C.
vez po~ ser excessivo aflrrnar como os estóicos que, num ,u 11111 .. t'.'>Ío
rços.
dente como o acima mencionado, a felici dade de um honu 1 Pela con::ilituição da nan1reza humana, entretanto , a ago-
sábio é em tod os os aspecto s igua l à que sentiri a em qua lq111, 111,1nun rn é permanente e, se e le sobreviver ~o paroxismo,
outra circu ns1..:incia,deve~re admitir , ao meno s, q ue: e~ pr.1, 11,..0,-;cm esfo rço, voltará a g ozar de .su a h,1bin1al tranqüili-
comp leto de aplaudir -se a si mes rno, em bo ra não a cxting.1 ln 1t.ll', Um homem com pern:1 de pau sem dú vida sofre. e pr e-
tei.ramente, certamente deve aliviar 1nuito a sensação dos pií • que deverá continuar so frendo, pe lo resto de sua vida ,
prio s sofrimen tos. 11111.1 inconveniê ncia mui10 cons iderável. Mas cedo passa a
Imagino que em tab paroxi 5mos da aíli ç:io, se me rw1 mi t' L1,exatamente como um espectador imp arcial, como uma
tem chamá- los a~im, u homem mais sáb io e m.1is fim1e é o i 1 1 1111o,we niên cia que não o imped e de usufrnir tod os os pra-.
gado, a fim de cunsc ,var sua equanimidade, ~ fazer um eSÍOI\ • rt·s com un s tanto da solidão como da sociedade. Cedo se
consklerávcl e até do loroso. O próprio semimenro nantra l 11 1d1•nti lk a com o h ome m idea l dentro do pe ito, ced o se tor-
sua aflição, sua opi ni ão natural da própria situa çâo, prc:,,k, 11,1c:lc mesmo, o espe ctad o r imparcial de sua própria :,itu.1-
nam -no duramente, e n;io consegue, sem um enorme c:,hll \.111. Não haverá m ais de so luçar, de se lam~nta r, já 1.ti.o M>-
ço, fixar sua atenção na o pin ião do espectador imparcial. AI 1111;1 por isso co mo talvez um ho mt:m frac..o Ía\-:t no início . A
duas opiniões t1presemam -se a e le ao mesm o tempo. Seu :--tn 111 \1111.10 do espec tador impa rcial Lorna -se tão pcrfci1amcn1c
so de hon ra, sua ro n sid eraç.-'io pela própria dignidade, oli tl luhitua l a ele que, sem qua lquer c.sfor ço , sem qua lqu er di fi-
gam-no a fixar toda a sua atenção numa das opiniões. St u 11ld:1dc,nunca pensa em exa mina r seu infortún io de ou1ro
sentimentos nat urais , seus sentimentos que nào fomm cu ltlv,1 1u 11110 de vista.
dos, nem disciplina dos , desviam-na connnuarnc:::mc:para a o u11.1 A infalíve l certez:i com que todos os hom ens , ce do ou
Nesse caso não se identifica perfeitamcntt! com o hom em id1 .-1 , 11dc,acomodam -se ao qu e vem a se tornar sua siruação per-
dentro do Peito, não se lOma. de mesm o, cspcctldor i1111 1
,1r 111.,nl'nl e talvez nos induza a pen sar que ao menos os Estóic os
eia! ele sua própria condu ta. A::idiferentes opi niõe s dos do i, ~ .1 1 av:1m quase inteiramente cenos; q ue entre urna situação per-
racreres ex istem em ::ieu e.spírito aparta d as e d istin t:;tc.uma d 1 111.1ntntee uma outra nenhuma diferença essencial relativa à
outra, e cada wna o d irige para um compa rt~me:nto difer<:nt< , rdadeira felicidad e havia ; ou que, se houvesse alguma, se-
Com dtiLo quando segue a op inião que lhe é a pOntada pd 11,1 su ficiente apenas para co nven e r algumas d essas situações
honra e pela dignidade , a N,itureza não o deixa se m reco111 1 111ob jet0s d e simples esco lha ou preferência - nã o, con1u-

pensa . Goza d a inteira aprovação de si e do ap lauso de wd, 1l11, cm objetos de um desejo determinado ou aru;ioso-, e uu-
espectador sincero e imparcial. Por sua s leis ina lteráveis, pon• 111 1111..,,em o bjet os de simples rejeição, poi s adt::quado::, a sere m
o homem aind a sofre; e a recompensa que a Narureza lhe oh po~tos de lado ou evitados - ma:, não <li::algum a aversão de
rece, posto que co nsid erável , não bastará para reparar os :,,1, 1t·rm1nada ou ansiosa. A felicidade co nsi5te na tranqüihcb dc
frimentos que tais leis infligem. Nem é adequado que isso c.x:111 ,, pra:o,::r.Sem tranqüilidade não há prnzer, e qu a ndo há per-
ra. Se os reparasse inteirJmemc , ele poderia , por imere~ p11 li li., 1ranqüilidadc dificilm ente algo n:lo diverte Mas em toda
pri o, não rer motivo para evi ta r um ac ident e qut::dt::ve nc.x·l· ,1 situação pcrmanente 1 qu:1ndo não h á es pe rnnç.·a de mud an-

IRO TEORIA DOS SE.\17ME/\TOSMOR,I1 ft HCEIRA PARTE 181

ça. o espíri to de todo hom em ct::clo ou tard e retoma :1 ,t u ,1,1111à ú hima delas . o favorito disse: "E o que Vossa Majes ta-
natural e usua l esrado de Lranqüilidade . Na p rospe ridade, d, dc•sc propõe fazer, então?". O Rei re spond e u: "Proponho en -
JX)iS de algum lempo , rerua a esse estado; na advero;;id:1dt 1lcI diven ·ir-me co m meus amigos, e me esforçar para se r boa
clt:pob dt'. certo temp:>, avança até ele. No co nfin amento e M 1 , , llllpl nhi a d iante de uma garrafa." "E o que impede Vossa
fü.lão da 13astilha, depois de ce rto tempo . o mundano e frív11 Mufcst ade de faze r isso agora?", pe rguntou o favorito . Na mais
lo Cond e de Uuzun recuperou suficieme tranqü ilidade pai lulKtlrJ.nte e g randi osa situação que nos.sa ocios a imagin ação
co n seguir div e rtir -se ::iliment.tndo uma aranha . Um esp írito m:11~ 111 11.lc nos apresentar, os prazeres dos qu a is nos propo mos ex-
bem alent ado talvez rec upera sse a tranqüilidade mais cedo 11.urnossa verdade ira fe licidade são quas e semprt: iguai.s aos
e mais cedo e nco ntra sse em seus próprios pensamentos u111.1 ljll l', em nossa humiltl e po:,,.ção 11:',!1 1
temos todo o tempo à
diver são bem melhor- . 111,1 0 t t:1n nos:,u pcxlc:r. Exceto os frívolos prazere s da vaidade
Ao que parece, a grande fonte da mi.séria e ainda das pl'I • ..upe rioridade , podemos encontrar na mais humilde pos iç:io,
1urba çõe.s da vida humana se or igina de se superestimar a d1 1·111que só há libe rdade pessoa l, tudo o que 3 mais gr:indiosa
íerença entre uma siruaçiio pennane rue e uma outra. A a~•u 1k1~i~'ào pode oferecer; e os prazeres da vaicl,1de e super iorida -
za su perestima a diferen ça ent re pobre:1..a e 1iquez.a; a ambiç;111, ,lc•-.1ramente são consisrenre.i,;com a perfeita tranqüilidade,
a diferença entre condiÇlo pública e privada; a vang lória, entn 111lncípio e fundamen 10 de todo o prazer rea l e sat isfatório. Ta m--
obsc u ridade e grandt! fanr.<1.. A pessoa sob influência de qu:1 iMM.1c- o é sem pre cerro q ue na esplêndida sin.1ação a que al-
que r urna d c:::,sa.spa ixões ex travaga ntes não é ,1pe nas desg , .1 1m·jamos esses praz e res reai s e satisfatórios possam ser usu-
ç.:1da t::11"1
:,ua .situa ção atual , mas m uitas vezes inclina-se a pt•r l111ídoscom a mesma segurança que os usufruímo s na nos sa
turbar a paz da soc ieda de , parn ,1lcançar o que tão to lame nt, lnunikle posiç ;io, a qual desejamos tanto abandona r. Examina
adm ira. A mais superficia l observação, com u do, poder ia con , ,.. reg istros da história , relembra o que acontec eu no círculo
ve ncê-l o de que em toda~ as sit ua ções o rdinárias da vid a h11 ill · 1ua própria experiência. considera com atenção qua l foi a
n-1~m ,1 um espírito bem disposto pode se r igua lmente ca lmu 1 onduta de quase todos os desgraçados, seja na vida pública,
igualmente alegre e igualmente salisfeiro Sem dú vida, alguma-. l'~t na pessoal, sobre quem possas ler üdu , ou ouvido, uu de
dessas situações me rece m ser prefer í\'eis a ou1ras, ma s nenhu 11ucmte lembres, e dt::Scobrirá:i-qu e o:,, infortúnios da grande
ma dela s mer ece ser buscad a com o ardor apaixonado que n,, 111,1lu1ia dt:ssas p~soa~ :,e deveram a não .saberem qua ndo cs ta-
impele a violar as regras da prudênc ia ou da JUStiça, ou a <.<-1 \,11t1lx:tn, quando era adeq ua do ficarem quietos e satisfeitos.
romper a futum tranqüilidade de nosso t::spírito, quer pe la vc., \ inscrição na sepul tu rn do homem que fez o possível p,ira
ga nha de rememorarmos n ossa p1ópria loucura , quer pe lo u· 1•111cndaruma cons tituição físic,1 satisfotóri:-1 tomando remé-
morso cio hoITOrà nos:i-a própria injustiç a. Quando a prudêm 1.1 dios - "'Eu estava bem, quis fic::irmelhor; eis-me aq ui"-, pode
nao comand<II't: a justiça n:lo p er miti r a exper iê ncia de rn 11 P lll ger,i l ~er ::iplbt da co m gran d e acerto à aflição da avar ez a
Uar no:,~ .situação, o homem que de faro insist ir com isso l' .. ,. decepção que se frustraram .
tará arr iscando sua sorte no mai s desigual dos jogos de az.11. Considera -se singular, embo ra para mim seja justa, a obser-
po i.s apos tará tudo con tra quase nad a. O que o favorito do Ht•I \'açflo segun d o a qual nos infortúnio s que admitem a lgum re-
de Épiro disse a seu se nh or pode-se aplicar aos homens) c.-m 111cdioa maioria dos homens não recupera tão pronramente ou
todas :1s ~ituações ordinárias da vicia. O Rei lhe co ntara um a ,1 1.10inteiramente sua rranqü iliclade natural e hab itual , como
uma rodas as conqu istas que se propu nh a fazer e, quando cht· 11<1s info rrúnios que claramente não admi tem remédio algum.
Nos info rtúnios da segunda espécie, é princlpalmcmt:: no qut::
• Conde de L.auzun, npri.siom<lo du r.mte ~is meses. cm 165), p:ir dt "t' pode chamar paroxi smo, ou na primeira investid a, qut:: Ues-
respe ir:ir J,ui~ XTV. C-1.da R. T.) ' 1~>rlmos uma sens[vel d 1fert!n ça dt! ::ienrime nto s e comporta -
182 TEORIA DOS SBNTIME/\70S MO//◄ / Ili< '/iJNAPARTE 183

mento entre o home m sabio e o írntu. f\o fim, o tt:mpo, 1-11,111 111, 1110nflo pode usufruir a despreocupada seg uran v1,que até
de e universal confortador, gr Jdua lmentc traz ao homem lri& 11 1110 uma pris ão pode. lh e oferecer. Ac; drogas do médico
<.:Oamesma tranqüili dad e que ao homem sábio u m olh~r p u '" -i11tn1ement e são o maior tormento de um paci ente incurá-
sua próp ria d ignidad e e virilid1de ensina a adotar já de ~:lida ' 1 N,lo foi ca paz o m ong e de res taurar a se ren idade ao es-
O caso do hom em co m a perna de pau é um cl;:1roe xc111pl11 1111110 perturbado de sua infeliz rainha, Joan a de Castela, ou
disso. Nos ineparáveis infortlln ios oc.1."ionados pela mO l'll' ti 1111,·rlhe co nforto pela mort e do ma rid o Felipe , coniando-lhe
filhos , ou amigos e parentes , até um S<íbio pcxle pennir ir-sc IHlf , lrncfa do re i que, catorze anos depois ele morto , fora resti-
algum 1empo um so frime nto moderad o. Nessas ocasiões, unhl 1111110 ,1vid a pe las p reces de su a aflita rainh a . Pois esta empe -
mulh er afetuosa, ma s fraca, não raro fica quase inteiramcnu ul111u-<ic em repetir a m esma experi ência na espe ran ça domes-
transtornada . Num período maior ou menor, o tempo, con111 Uhl t·xito; resistiu por muit o tempo ao ent erro do mar ido, logo
do, nun ca d eixa de trazer à mai s frágil da s mu lheres a me~11u1 1h·pols ret.irou seu corpo da tumba , cuidou dele quase constan-
tranqüil idade do mais forte dos hom en s. Tào log o se an1111 h III L'ntc, e aguardou. com loda a impaciente ansiedade de uma
ciern as irre paráv eis cala midad es qu e o afetarã o c.liret.a t: inu 'lJK"l..
1aliva desvairada. o abençoado momemu em que .::icusde-
diatame nte, um homem fort e esfo rça-se para ant tx:ipa ,-sc ,11, + /1)~ se realiza riam co m a r~ssurreiçào de ~t::u amado f'ili~.
temp o e us ufruir a Lranqüilidadc:. prev endo qu e cc rtam cntt..·1 Ao invés de inc on:, iMt::nte co m o vigor do autodomínio ,·
cu rso c.lc un:, po uco s meses ou an os afinal a res tituirá a eh.· li• 1is: 1 se ns ib ilidade pa ra co m 05 sen time ntos de out ros é o
Nos infortúni os pa ra os quai s a natureza das coisas adnil h l'lindpio .sobre o qua l se fun da esse vigo r. Precisamen te o mes -
ou pa rece admitir remédio, mas nos quais os me io..~de o flpll 11111 princí pio ou in.st.into que no infortúnio de nosso vizinho
car n:io estio ao alcance do sofredor , a.!>vãs e infm tfferas 1c11 111011va nos a ter com p:ü ..x:lo de sua d o r, em n osso própri o in-
t:i..ti
vas de restabel ecer a anti ga siniação, a co ntínua ansied, 1 11utllnio nos rnotjva a co nt er os lament a- :ibjero..,r; e miseráv eis
de po r qu e iais tent ativas tenham êxito, as re pet idas frustr.1 p,•l:1nossa própria dor. O mesmo princípio ou instinlo que .
ções resultantes do s fracassos, isso tudo é o qu e mai s o im 1111 , 11:1 prosper idade e êxito, mot iva-nos a fe licitá- lo pe la ale-
ped e de recuperar sua t.ranqüilidade na tural. Adema ís tudo 1sM1 MI l 1, f' ll'l nossa própria pr ospe ridad e e êxito nos mo tiva a
freqü en temen te toma mise rá vel para o res to da vid a um ho 11n1cra lev iandade e intemperança de nossa própria aleg ria .
mem a quem um in fo rtúnio maior , que não admi tiu , e ntre1an ~""' dois casos, a conveniê ncia de nossos sent imentos e emo-
to, nen hum reméd io , não pe m1rbaria po r mais de um a qu in l t k.'S pa rece se r exatame nte proporcional à viv acidade e for-
ze na. No de clínio da s mercês reais para a desgraça, do podl'I l+I com que pa1tilhamos e conce bemo s os sentimentos e cmo-
para a insignificânci a, da riqu eza para a pobreza , da libercfa ~ 1ks do o utr o.
de para a pnsão, da boa saúde para uma doen ç.."í! le nta, crô nl O homem mais perfeitamente virtuoso, o homem a que m
ca e talvez inc urável , o homem q ue menos lu1a, que mai.::if,1 11,1111rol mente mais amamos e revere nciamos, é o que associ a
ci1 e promamen te aquit:.:,t.:t: com a f01tuna que sobre ele se aba .1i1 mais pe rfeito controle de seus sem imemo::,originais e r:goí.s-
teu, br t:vt: n::cup e ra sua habitual e natura l tranqüilidad e, exa 1.1";1 mais refmada sensib ilidade par a o:, .sentime nt os origi nais
minando a:, mais desagra dáve is circu nstâncias de sua situaçã o ,, ~oliclários de ou1ros. O homem qu e às viitudes doce~, amá ·
real sob a ,ne sma lu z, ou talvez sob uma luz men os des favo - \ l'i" e gc nt b, a.:-.sociatod as as grandes, vcncr:1vcis e respe itá·
rável , em que o m:1is ind ifere nt e espectado r es 1a ria inclin::ado ,1
\ d~ "inudes deve ser, sem dúvid a , o objc 10 apropriad o e naru -
examiná- las . Facção , intriga e conl uio pe rturba m o sossego do 1,11 de nosso ma ior amor e admiração.
infortun: 1do es tad i.<:ta. Projetos extravagantes, visões de mina..,
de ouro , interrom pe m o repouso de quem fo i à bancarrota . O
prision e iro que conti nuamente trama sa far~se de seu confi na 8. Ver Cad os V, de Robenson,vol. ii, 1>?• 14•5, 11 edi ção

184 TEORIA DOS SEXTh\fENJOS MON.1/ 185

A pessoa mais indi cada pela naLureza p-draadqu irir o prl 1111piodl" benevo lência. Ac;sim como freqüen temente o de -
+ ,

rneiro desses do is conjuntos de vi11udt:.::ié necessariamen te ,.\ 11 ' d > soldado é nã o rer miser icó rdia, às vezes seu dever é
quad a tamb ém para adquir ir as últ imas . O hom e m mms :111 11 ~,, t·dê~la; e a ben evo lênci a do home m que inúmeras vezes
gido pd..is alegria5 c dores dos out ros é o ma is ad eq ua clo p :11 h'Vl' sob a necess idad e d e se subm eter a esse de sag radáve l
adqui rir o co mpleto domínio de suas próp rias alegrias e dnrc 11\ 1•1 d ificilment e de ixa de sofre r uma co nsid erá ve l redu ção .
O homem da ma is refinada benevolência é naturalment e o m,11 1 11.1 \Cu própr io bem, rapidamente apr ende a fazer pouro ca-
1 d, ft infortúnios qu e tant as vezes precisa ca usar: e as saua -
capo.z de adquirir o maior gra u de domínio de si. No cn tallh
talvez ne m & mpr e is.,;otenha ocorrido e m uito freqüent enwn ' "I que trazem ã tona os mais nobres esfo rços de autodomí-

re não cx or re. Talvez esse homem se mpre vivesse com mrnlu 11111, por im porem a ne cess idade de vez por o utra vio lar a pro-

co nfort o e tranqüilidad e. Ta lvez nun ca se ten h a expos to ~1vii 111,1•ll.tc.le 0t1 a vida de: no&,o próxi mo , :,.c:mpn: tendem a red uzir,
lência da facção. ou às dure zas e perigos da guerra . Pode nun, tn•q(h:ntt:lllcnt e a ex tin gL1ir inteirament e, a sagrada consi-
ter experimentado a insolência d os superiores, a inveja dunH.'n 1, I.u•.'io para co m ambos, a qua l constin1i o fundament o da jus•
1h I t..'d~1humanidade. E é essa a r:lzâO de enco nlrann os amiú-
ta e malign a d e seus igua is 1 o u a funiva injustiça de se us 11
feriores. Na velhice, qu ando algu ma ac id enta l mudança ela frn t. no mundo homens de gr-.mde be nevolência , m ::isqu e têm
tuna o expõe a tudo isso, causam -lhe uma enorme i111pn::,::i,10 1••111 ro ~•utodomínio , são indo lent es, ind eci.o;;o.,;;, e, ou por difi:.
Tem a dispo sição adequada para adq uirir o mai:, perfe ito ,11; 1 nld:1de , ou por perigo, facilmen te desanimam dos rrrnis hon -
todomínio 1 o qual , en tretanto, nun ca teve oportunidade tk 1, 1-.t1. .. misteres; e, ao contrári o. homens do mais petfe ito autodo -

adquirir. Exercício e prát ica faltaram e, se m e les, nen hu m lu 111 ,nio, a que m nenhuma di ficuld ad e consegue desen corajar ,
bito p.x lt: ser razoa velmente estabelec ido. Du rezas, pe rigo . 11111hum pe ri~o abalar , e que a todo momento est io prontos
ofensas, infortúnios, são os único s mes tres sob os quais pu 1111, 1 os e mpreendimentos mms audacios os e desesperndos,
<lc1nos aprender o exe rcício dessa virtude . Mas todos e les s:lo 111. 1-;, ao mesmo temp o, parece m e ndu rec idos cont ra toclo o
mestres em cuja esco l,1 ninguém entra de bom gra do . ,•nsoc.lcjusti ça ou de humanidade.
As sin 1ações em que a ge ntil vütud e da benevo lê ncia po Na so lidão 1 rend emos a sen tir de mo do muito im enso tu-
de .ser culti vada ma is sa tisfato riamente não são , d e modo .ti , ln o q ue nos diz respeito : 1endemos a supert::.::i- timar o.::i.bons
gum, idênticas às mais adequadas para se fom,ar a vutude a lh 1•1v iços que possamo:> ter rt::ali,-:ado , a:,.oft::n sas que poss.:unos
tera do autodomíni o. O homem que es tá d esp reoc up ado , 11•r,-,ofrit..lu;a c:Marrad iantes por nossa boa fortuna, e prostra -
mais capaz de as sistir à aflição do s o utros , uma \'CZ q ue o ho d11s pela má. Nosso hum or melhor a ao co nversa rmos co m um
mem ex po sto a dificuldades é chamado imediatam ente a acom uuígo , e me lhora ainda ma is se conver sa mos co m um es1ra-
pa nh ar e dominar seus própr ios sentimen tos. Sob o so l am1::1H 1 11ho. Pois freqüen 1emente é necessário que o es pectador rea l
do sossego não perturbado, no calmo reco lhime n10 do laz ~·• d1·,perte o home m que o peito ence rra, ~se espectado r abs ·
regrado e filosófico , flore;ce:: e c resce mel hor a su ave virtud1· 11,110 e ide-Jl de nossos sent imen tos e cond ut a, para relem -
ela benevolência. Contudu, t::mtais situa ções, 0.5 maiores e mriii,. 111,1 -lo de se u dever; é semp re esse espectador rea l, do qual
nobres c:::.forço:sUê dom inar•se sào pouco pratkados. Sob o ct.:• 11 p1Klernos espe rar uma ínfi ma simpat ia e to lerância , qu e pr o-
ameaçador e 1empcs tuoso da guerra e d a fac ção, do tum ulto \ ,1velmente nos ensinará a ma is perfeit a líção sobre como
públi co e da confusão, a enérgica sev erid.ade do do mínio dt· 110..,domi narmos.
si prospera mel ho r, pod endo se r culti vada com êxito Ness: 1.... Estás na ad\ -en; idade? Não lamen tes no escuro da sol id áo,
situa ções 1 to davi a, a.s m ais fortes propos tas de ben evo lênd1 11.t<>reg ules tua d or segundo a indul gente solidariedade de
muit as vez es devem se r sufoc ad as ou neg ligenciad as; e ca da tt·us am igos ínti mos; volta assim que poss ível à luz d iurna du
um des.,;;esdescuidos necessariamente rend e a en fraq u ece r o 1rn1ndo e das co mpan hl a/:i.Vive co m t::»tr.:tnho.::i, c..um os q ue
186 7EORIA DOS SHt,m N M TOS MOH,1/ · lr l'/IU PARTE 187
nada sab em de t1::u:, in fortúni os nem com eles se impa n .1111 11, dificilmen te lança alg uma desonra so b re o viol ador . O
nem evil t:~ a compa nhi a dos i nimi gos; ooncede- 1e. poré m, 1 11111.uxador qu e enga na o m ínistr o de uma nação e:stran ge ira
prazc::rde: mortificar o aleg ria ma lig na de sces, faze ndo-os i-llllll r 11lrrnrJdo e apl audid o. O ho mem ju.sto que desdenha ora ti-
c::omo estás pouco afetado pela tua calamidade, e o q ll :111
11 , 11.or:t cont-eder vantagem, mas que julgaria menos desonroso
estás acima dela . , ~u·t·der do qu e tira-la - e.sse home m , qu e ser ia o m ais ama-
Estás na prospe rida de ? [\ão confines a aleg ria de rua l "M1 • d, 1· c~timado em tcx.la5a5 transações particu lares, nas púhl i-
so rte à tua próp ria casa, à co m pa nhi a d e seus am igos , mi\, 11 t· <.:unsk.lerado tolo e id iota, algué m qu e não ent ende de
de te us ha jula do res, os qu e co nstroe m sob re tua fo rtun a a t ' ,~ negóc ios, inco rrendo se m pre no des prezo dos ou tros, às
perança de conserta re m a própria; freqüen ta os que sao ln , 1,·-.até mes mo no ódio de seus co ncida dãos. Na guerra, nã o
dependen tes de ti, que só pode m te avalia r pelo te u ca ti'Ltc..:1 11•rn:is s~1o violadas re gularmen te as chamadas leis das nações,
cond uta, não pe lo teu dinhe iro. Nem pr ocura ne m ev ila a t,1 1 1 , 1ul! não to m a desonrado o v iolad or (en lre os seus co nci-
ciedade, ne m te introd uzas nela ne m fuja~ da co m pan h ia <.lt, ' 11d:lns, cujo ju ízo uni cam e nte lh e interess a), mas essas 1nes-
q ue o ut rora fora m teu s supe ri on.:.s, e que podem -se mago.t r 111 i-. leis são, em sua gra nde maioria, estabelecidas sem razoá-
ao descobr irem que és seu igual agora, ou talvez até se l1 , u d co nfo rmi da de rom a.smai s simp les e claras le is da justiç~.
pe rior. A impe rtin ê nci a do 5eu o rgu lho p oderá ta lvez torn .u 1 >li(.' os inocen tes, apes ar da ligação e depe ndê ncia m amk.la
essa compan hia desag1.1dável de mais; mas , se não fo r, pod,• um os cu lpados (o q ue talvez n em possam <.."Vi lar) n:lo ~fram
ter cen eza de que essa é :.i m elho r com pa n hia q ue p:x:lerás l (.1 1uH causa d isso 1 n em sejam pun idos pe lo~ t..:ulp.ados, l u nw
t:: se pela simplicidade de na co ndu ta d iscreta co nseguires g1 , l 1, mais sim pl es e claras le is da jut;liç,1. Na mais injus la gl1er-
nh ar seu favo r e su:1 bo ndade, JX>desficar satisfeito po r sen · 1i1, porém, é comu m que sobe rnn o ou o.s legislado res sejam os
suficie nteme nte mode .~to , e po r tua cabeça não ter sido prcj11 111!cos cu lpados. Em gemi, os súdi tos são qu ase semp re <:rnn-
d icada pe la rua bo a fortuna. plt•l3m em e ínoc~mes . No enta nto, o inim igo pú blico, ~cmprc
A co nve niê nc ia de noss os se ntim ento s m orais nun ca < 111l'lhe L:onvêm, apree nde em terra ou rnar os bens do s dda-
mai~ passíve l de corrupção que q ua ndo o espectado r to lera n d I0:'1pacíficos; suas prop ried :ides são devas ta das. suas ca-;as
te e parcia l estã à mão , enq ua nto o impa rcial e indife rente t:M ,\ 1111'-·imadas, e eles próp rios, se cogi tarem de resistir. s,1.om<>I1 0.-,
be m lo nge . • •1 ,1prision:1.<los;e n1do isso em pe rfeita co nfonn ida de com o
No relacionamen to en tre du as nações im1epe nde ntcs, nu •111l · se chamam leis das nações .
ções neu tras são os únicos es pec tado res inclifcrc n rcs e imp ,u A animos idade de facções hos tis, sejam civ is ou cdc•.'s1{11,
cia is. Mas estão a taman ha disúlncia qu e ficam q uase fo ra d .1 1k; 1:-., é freqüenteme nt e a ind a mais irad a do qu e a de n:H11'0C5
vista . Q ua ndo d uas naçoc.5 entra m em con flit0, os cidad ãos de lioMis, e seu m odo de agir urna com a outra a inda ma is a11oz
cada u ma pres tam po uca impo rtân cia aos senr ímentos q ue ;1, f) que se pode ch amar de leis d e facção são muita s VCZl' S cs·
nações esuangeiras possa m n utrir p ela ge~tão intern a. To da .1 1.,lx:lecidas por aU(ores graves respei tando men~ aincfa ;.1:-, rc ·
amb ição do país é ob ter aprovaç-Jo de seu,; conc idadãos ; eco H'•'·"'da justiça do que as ch amadas lei:, da:, naçõc5. O ni.ii ~
mo :>ão todo s anim ados pe las mesmas pa ixões hos tis q ue o l1•roz patrio ta jamai s deda rou co mo q ues tão releva nte se cm \-.
a nim am , nu nca co nseglle .tg radâ- los tan to quan to é ca paz dl' 1j1uiri a dever rnamer a palavm empenhada com inimigos p ú
enfurece r e ofend er os se us in imi~os. O espectador parcial es1,1 hlkos, o u co m rebe lde,:;,ou hereges: t~is q uestões am iúdl· s,10
pe rto; o imp ílrcial, a grand e distância. Na gu erra e na negoc ia lurlosame nte debat idas por reno mados doutores, civ is e ede-
çào , po rtanto, raramen te se observa m as leis da justiça. Verda ,Ltsticos. É desnecessário nota r, presumo, que os rebeldes, bem
ele e proced imen tos justos são quase mtalm ente desro nsidera 1omo os hereges, são os infe lizes que, quando as cois as a1in-
dos . Violam -se u-atados; e a violação, se co nfere a lgu ma van t.t )<lram certo grau de violênci a, tiveram o infortúnio de pc1tcn-

188 TEORIA DOS SENTIMENTOSM0/1.1/ 1/1/C


.'l'II/A PAR11I 189
cer ao part ido mais fraco. Numa naçã o co ntu rbada p<::! ,1s l.u l'.ntrt:ta nt o, a se nsibilidade de 3lg uns hom ens parn co m
ções sempr e há, sem dúvida, uns po ucos, comw neme 1111111t 1IKun-,dos obje tos q ue ime d iatamente os afetam é po r vezes
JX>UCas , que conserva m seu di~t:rn imen to li vre do co nt.1)-lh 110 forte, que lorna imposs íve l rodo autodo mínio. Nen hum
gera l. Rara men te so m am 111 ai:s do qu e um solitário aq u i<.·,ali 11-.0 de hon ra pode domi na r os temo res do homem que é
sem ne nhuma influência, po is sua since ridade os exclu i ti ulkil'n teme nre fraco a pon to de desmaiar ou sofre r convu l-
confian~ d~ do is p a11idos . Adc..1 n.:1is, a despe ito de se rem <li ' ~•-.:1nte a a prox imação do peri go . Pode ser talvez duvidoso
homens mais sábios , ou p recisa men te por ess,1 r~m1o,não lt 11 1t:t• essa fraq ueza de nervos, como tem sido chamada . não
nenhuma relev::incia para a sodect ~de. Tod as essas pess<1,1 po.,;sa admi tir a lgum a cur a por exe rcíc ios g raduais e disc1pli-
são desp re7-1.cbs<: rid inilar i1.adas. freqüen teme nte detestad; 1 111apropria d a . De todo modo, parece ce n o que ja mais se de-
pelos fu riosos ze lotes do s dois part idos. Lm ve rdade iro p.,. ' t·onfL:1rnesses métodos, ou emp regá- los.
tid ário ode ia e des pr eza a since rida de e, na verdade, não li\
vício que o pudesse desqualificar mais pa ra a profissão de p,11
tid ário que essa única virtud e. Portanto, e m nen huma oca ~l;111 CAPÍT ULO IV
o rea1e revere n ciado espeaado r imp arcial está 111.:1 is d i.st;111 Da natureza d<Jauto-e ngano , e da on"gem
ciado que em meio à violência e fúr ia dos p a1t1dos em lu1, e utilidade de regras gc rt1is
Talvez se possa afirmar q ue, pa ra esses, ta l espectador d ifü 11
mente exista em algum lugar do un iverso. Ati: ao gran d e _1,u A fim de que a ret idão de no-sa<. próprios jLIÍZO!'t rd :11ivn.,
d o u niverso imp uta m seus pró p ri o.:; pr econcei tos, e m1o r,1ro 1,·onvcnié ncia de nossa conduta so fra desvio nem sc..·111pa• t·
cons ideram esseSer d ívinu como algué m animado por 1od. 1 que o espec tador real e imparcial esteja ll1LIÍIO di"
11,..,_·css.'lrio
as suas próp rias paixões vingativas e im p ladlve is. Dentre 10 1.mcb do. Qu ando está por perto , q ua ndo es tá prescnu:, ,b, vt·
dos~ <.urru ptores dm sentime n tos mora is, por co n seg ui nlc 1•·~ h;\c;t:ama violência e a injustiça de n oss:is paixócs '-'Hoi-.
a d issensão e o fa natismo semp re foram os maio res . l.1-4 para induzi r o ho mem em nosso peito a fazer Llm rL'L llo
No q ue co ncerne ao proh lema do autodo mín io, deve1 1• ·m diíere nte do que as reais circunstâncias do caso :-,. to rapa
acrescenta r aind a que noss.;1admiração pelo homem qu e cou ,, ..., de au tor izar.
tinua se po rrnndo com forta lez a e firmeza n os m ais gra ve:-.1 1lá duas d i\'e rsas ocas iões e m que exa minamos nos.<i; 1 pio
inesperados infortúnios semp re pressupõe ser imensa sua s1:11 p1ia conduta e nos esforçamos por vê-la sob a luz 1.:'ill q ue o
sibilidade pa ra com esses info rtú nios, e co m o tal é necessfi ru 1 1·"pcctador tmpa rcia l a ve ria; primeiro, q ua ndo cswmos prc.-.
u m gra nde esfo rço a co nq uis!á-lo ou gove rná-lo. O hom 1.-111 11 ·, a agir; segundo, depui:> de agim1os. Em ambos os ca~o.-.
in1eiramente insensíve l à do r física não podería merecer ap l:111 1iossos ju ízos tende m a ser bas tante pa rciais; mas w nck:n:im
so por suportar a tonu ra com a mais pe rfe ita paciência e eq u,1 muito ma i~ a sê- lo quando seria de su p rema impot1 :i.ncfa (Jlll'
n imj dade , uma vez que o fa to de se ter criado .sem u medo n,1 1, ,~:,i;;m de outro modo .
tural da mo rre n.ão lhe pe nn ite reclamar v mErito ele consc rv.u Quando esta mos na iminê ncirt de agi r. a avidez d:1 p:ti
s ua frieza e presença ele t:~pírilo t:m mei o aos mais terrívt.·1"' ~.10 raramente no,s penn irirá considerar o q ue fazem o~ tom
perigos Urna d,is ex trnvagâ ncias d e Sêncc a fo i as~ver3 r CJlll ' lLicidez de uin ::i.p es..::.oain d iferente. A5 vio lentas e moç_ót·,
o sáb io e.stóico, n~e se nt id o, era 5uperior :1té mes mo~ 11111 que nesse momento nos agitam nublam nossos juízo 5 .,oh n·
de us. uma vez que , se a seguf311ça do deus se de rn inteiramt 11 ;i~ co isas, mesmo q uando nos esforça mos por ocupar o lug:tr
te ao benefício da natur eza , ex imin do-o de sofrer , a seg u ran dL· outro. e cons iderar os objetos de oosso interess e so~ :1lu1
ça do s :íbio constituía um beneficio p ara si mes 1no, cleriva d.1 1·mque ele narura lmen 1e as conside raria. O ímpeto ele no%: 1,
ínteiram e nLe de si e de se us pró pri os esfo rços. p.1ixôes nos cha ma co nstante m ent e de volla para nosso p 1(>
TEORIA D OS SENW 1E!vTOS MOH.11 li Nt HIRA PAKFE 19 1
190
prio luga r, on de, por c.:ausa de nos.50 amo r de si, rud o p:m ·• ptln c.·orpoi e muitas vezes é igu alme nte o usa do q uem não
am pliad o t: ddig ura do. Da man e ira co mo esses objeto s sc ri.11, 111 · 11, em :irra nrn r o ,·éu m isterioso d o auto -engano. qu e es-
vis tos po r ou Lra pesso::i, do juízo qu e s ob re eles form ari:i 11mk.· ?e seus olha, as defonn idades de sua p róp ria co ndu ta.
pode mos ofe recer, se me pen11i1em a exp ressã o, vis lumh n \, 1 nwcs de ve m 10s nosso própri o com po rtame nto sob um as-

fugaz es qu e n um i nc;tante se desva necem e qu e, me smo ,·1 1 , 10 tão desa~ra dá vel , co m ex cessiva freqüência nos esfo r-
qua n10 pe rduram , não são inte iramen te justos . Nem por e~"• nu~,, tola e frac~~e nte , para exasperar d e novo essas pai-
ms1an 1es pod emos nos des p ir int eiram ente do calor e da vn ,,.,~ inJUsta~q,ue Jª nos ha viam de sencam inh ado ant es; po r
mê ncia que n os insp ira nossa situa ção peculiar , nem co nsid1 1111'10 c~c art~fi~10,es força mo- nos p ara d espe rtar nossos anti-
raro que estamos pre stes a fazer co m a perf eita imparciahd:HI ''"' ücl1ose 1mtar uma ve z m ais nossos ressent iment os quase
de u m jui z cor reto. Por essa razão, co mo diz o Padr e 1\l :1!1 1 1111 cddos; até nos ap licamos nesse m iserável propós ilo e dS-
branche, as pa ix ões sempr e se ju sti ficam a si me smas, e fM 1111perseveram os na injus tiça , a pe pa s porq ue urna Vt!Z fomos
rece m razoáveis e pro po rcio nais a se us objetos , en quan to C(111 . e porque nos envergonha.n10s e tem os medo de reco-
11,111.-.tos
ti nuann os .is expt:r il 11
ent ando • . 11ht•(.c1 qu e o fomos .
Tã o lo go te 1m ina a ação, tào logo arre fec em as paixrn· Tao pa rcia is são as o p iniõe s dos ho mens quanto à con-
q ue a p ro voca ram, po de mo s, com efe ito, compr eender mal \ 1111l~ nd a _de su 3 próp rb co ndu ta, seja n o mo mento da ~ç:lc\
friament e os se nt ime nto s do esp ecta do r indif erente. O qu e an Pl, 1 de po is dela, e tã~ dl_fíci
l é julga re m-na soh ~1 lu ;, em qrn.·
tes nos inte res.,;;m1, agom é transfo rmad o em algo q uase tão in q11u lqner e,-;pectad or indifere nte a consid e ra riri. Mas se fosi:H.:
diferenre para nós co mo sempre foi para ele, e p odemos e nt,111 p111' algu ma faculda d e p eculiar, co mo se supõe sejt1 o se nso
ex am inar nossa condut a co m franqu eza e imp arcialidade igual11 1111> ral, pela qual julgassem sua pró pria co ndut a, se fossem do-
às d ele . O ho mem de hoje já não m ais se agita pe las mes nu 11d.1s de_alRum especial poder de percepçüo que servisse para
pa ixões qu e pe rturbar am o ho mem de on tem ; e quando ru, d ~tlnguir ent re a be leza e a defo rmid ad e das pa ixões e dos
da o paroxismo da emoção, assim co mo o pa r ox ismo da alll 1k•tos, co mo s ua s paixões e sta riam mais im ed iatamente ex-
ção, já pode m os nos ide nt ifica r por assim dizer com o h01m:111 1' ,,t.1s à vista dess a faculda de , esta as ju lgaria com mais pre-
ide al q ue nosso peito encerra, e ve r, ass im com o n um c :1-.11 1 h.io que as d e o utro s ho m ens , das qu ais apenas reria u ma
nossa sltua t,:âo, nu ou LrO,n ossa co ndu ta, co m os olho s sen 1•·1spectiva mais remota.
1-0.sd o mais imparc ial especta dor. Mas :1go ra no s.ses juízos ,;111 Esse amo-e ngano, essa falai fraqut:t.a dos l 1omen.s1 é fon te:
cm gera l de po u ca impo rtância, se co mp amdos ao q ue fo ram d 1• metade cla.s <lewr dem, de: nossa vida. Se pudéssemos nos
a ntes, e com freq ü ência nada p rod uze m , se não remo rso v.1◄ 1 \ 1·1 lOmo 05 ou tros nos Yêcm , ou como nos venam se soubes-
e arrepend imen 10 inútil, sem que isso n a, assegure co ntra e rn ,.. 1·mde tudo, seria inev itável um a re fonn :1geral. De outro mo-
semel han tes no fururo. É raro . co ntu do , que mesmo nesse mo il ,, não po de rfa m os m aLSsupo rtar essa visão.
me~to nossos ju izos sejam inte irame nte sinceros . A op inião qUt ~ Poré m, a nature;,a não de ixou se m remédio essa fraque-
culuva mos acerca de noS-50pr óp rio cará ter em tu do de pendl 1.1 1ao grnYe; ta mpouco nos aba ndonou inte irame nte às ilusões
d~ nosso juízo sobr e noss a co nd ut a pa ssad a. É tão desagra d , :imor de si. N05sa co nstant e observação da co nduta alheia
<lavei pensa nn os ma l de nós me~mos , qu e amiú de afas1an"H"'
hnpcrce pu~elmente nos le va a forma r pa ra nós p róprios cert as
p roposi tadarnente nosso olhar das circ um>táncias q ue JX)Cleri:a,11
a·~r:1s ge rais q uanto ao que é adequa do e ap rop riado faze r ou
to rnar esse julga mcnlu d~ favorável Dizem que é um cirurg idc,
1•v11 ~r1. Algum as das açõe s alhe ias escand aliw m todos os nossos
u u:;aUo ,1qm::le cujas mâoo não treme m qua ndo ope ra se u p ró
',l'1_1timentos natu rais. Cuidamos que to do s ao nosso red or ma-
11!1c?tam o me smo horro r a tais aç ões . Isso de no vo confü1na.
1• ate agrava, no sso n atwa l se nso da sua de fon rudad e . Fica mo~
' Hccbercbe de la 1J
e1i té, vol . li . (N . d:t R. T.)

TEORIA 00S SEN11.\fENl 'OS .110 /1 1, li NO,RA PARTE


192
,mte.:,de o espectador formula r paro si ess a regra gc-
111c:-.n10
satisfeitos po r tê-las julga do de u m modo con ven ie nte qua11 1.il Au co ntrário, a regra gera l que pôde formar depo is <.'SHl.ri:1
do notamos que o utms pessoas as julgam d o me smo nmdu lum.l.tda so bre o ho rror qu e nec ess ariame nte sentir ia cm se u
Dec idimo.e:;nu nca ser culpad os de açõ es se melh antes, nen1j.1 1 •!10,:10 pens ar ness a e em q ualq ue r ouLra ação partic L1iar d a
1

ma is nos com·ertermos, ass im , em ob jetos de desa p rovJ\, 111 mc•i;rna espéc ie.
univ e rsal. Essa é a mane ira co mo naturalm ent e estabe lec cmn Qu~md o lemos na histó ria ou nos ro man ces a desc:ri~·~ to
a regra gera l p:ira nós , de acordo com a qu al todas essas m~·oc .11•;t<;f)esde ge neros ida de ou ba ixez.:-i ) n em a admi ração (lll l '
devem ser ev imdas, porqu e tendem a n os torna r od io so~, d l • 11H :cbe mos por u ma, nem o desprezo pe la o utni se origi na m
pre zíve is ou pa ssíveis d e pu ni ção , e ob j~to de todo s o s :-:i<.·11 11.i 1~flexão sob re ce rtas regras gerais, as qu ais decla ram ac.lmi
time nro s q ue nos insp iram o ma io r temor e aversão . Ot Hri t tvc:is tod as as açõe s d e um a espéc ie, e desp rez íve is tcx.las as
ações, ao co ntrário , p rovoc am noss a aprova çã o , e de todos . 11 • ,,11 1r,1s.Ao co nt rário, todas essas regras ge rais se formam Llt..:l'X
nosso redo r ouvimos a mesm a op inião favorá ve l a res r)(.'ili 1 pl'l'irnent:mno s os e feitos so bre nós q ue tod a s as cs péd1.:~d l·
dela s. To<los de::icjam ho nrã-las e rec om pensá-las. Suscitrun li 1 1\ ,lo natura lment e pr od u zem .
dos ~ !>Cn llmentos qu e po r natu reza dese jamos int ensa menll Uma açao amáve l, uma ação res peitável, um a açllo hor
o an1o r, a grat idão, a adm iração dos hom ens. Surg e em nú~ .1 1 •nda, todas s:lo açOt::sque natu ralment e susc itam, cm t\..• l:a~·:lo
ambição d e lm it.6.-los, e assim rn1tura lment e estabe lecem os p,1 quem a~ rt:aliz.a,o amor , o respe ito ou o horror do l'"f'M..'l1.1
ra nós um a regra distinta: qu e d eve m os proc u rar cu idad o .!> a d 111 A Lmic a ma n eira de form ar regras ge rais, dt· tt•rnlirundo
mente tocfa~ as ocas iões de ag irmos d essa maneira. 1\ a~-õcsque são ou não obje tos de cad ,1 um de!-tSC:-. ~·ntln1l' ll
É ª"si m que .sefonna m as regras gerais da mo ralidad e . Fu11 1 •~.é obse rvar as ações q ue ve rdad eirJme ntc e de f.110 ...tl:-il 1
damentam-se em última in stân cia n a ex peri ên cia do qu e, l't11 t 1111t~1is se ntime ntos
casos pan icu lares, aprovam o u desa prova m noss as facu ldad<.'"' Com efe iro, quando essas regras gera is já c:-.tao 1'01111,1
mora is ou n osso se nso natu ral de méri to e da con venit!nd ,1 11.1-. q uando são uni versal m en te acei 1as e es tabdcdda., pdn
O rig1nalme nLe, não a prova mos o u co nd e namos a çõc:5 e:m pai , 11nt1.1rsodos sentune ntos de todos os hom ens, frl'<(Lk:nu..·111l'll
cicu lar, porque ao exami ná•las parecem agradá ve is ou inco n ti• ;1pclamosa elas co mo pad rões de julgamento para c.h.• tt·rm1
sistentes com ce rta regra geral. Ao con trá rio, a regra gero ! M u.1ro grau de louvor o u ce nsura q ue merece m certa!->a<i.,<>c~ <.k
forma po r se descob rir, a pa 1tir d a expe riência, que se aprov am n,1tureza dúb ia o u co m pl icada . Em casos como esse~, citam•
ou desa p rovam Lo<la~ as ações de detem1 inada espécie, ou cii 11,1, como fundame nto ú ltimo do q ue é jusw Ull injuMo n.1
cunsta nciad ,I!)de ce rta ma nei ra. O ho mem qu e pe la pri m cir, 1 1 ondL1 ta huma na 1 e essa d rcun stânci a pa rece te r co nfundi dn
vez pn:::,cnci ou um assass ina to des um,1no co me tido po r av:i ',mos auto res multo emin ent es, leva ndo-os a esboça r se us ,-.b
reza, invqa ou resse ntime nto inju s10 , se nd o a vitima algu é n1 h •1n:-1~sobre a ~U(XJ.siçãv de que o rigina lmente os juízos hum !l
q ue a mava o 3ss~1ss ino e ne le confiav a; qu e além diss o co 11 110~ a respe ito do ce rto o u errado te riam se for 1T 1ndo co m o :1.,
temp lou as L1\tirn~!i ~1go nias d o m oribundo e qu e o o uviu, corn ,vntcnças jud icia is, isto é, cons iderand o-se pr imei ro 3 rew·:1g<.·
o úllim o suspiro, queixar -se ma is da perfídia e ingratid ão des 1,d 1 e, cm seg uid a, se a ação particu lar qu e se exa mina ~l' i 11
se fa\so ~1migo dó que da vio lência com etida sobre sua pe sso a: l lu, adeq u ad a mente 11:1 sua co mpr eens ão.
para esse es pectado r, não have ria n ecess idade de refle tir, a fim Essas regr:1s gera is de con du ta, uma vez fixadas cm 110SM 1
de co nce be r o ho rro r d essa ação, que u ma das mai s sagrad a"' t•i.pírilo po r uma reflexão h ab itu al, são mui to út e is par a <.·o r
regras d e conduta é a qu e proíbe tira r a vida de um ino c.:entl·, tlgir os eq uívocos do amor de si quant o ao qu e adeq u ada v
qu e nesse caso h ouve nag rant e violaç ão d a rt:grn e qu e, p01 prop riamente se deve fazer em nossa situação pait icular. O ho
coraeg u inre , trata-se d e uma ação allamenle cen surável . É cv1 111 1:m<le resse ntime nto violento , se esc uLaSSeos ditames dcss; 1
dente q ue se u ho rror a esse crime surgiria in stanta.neam entL'
194 TEORIA DOS SENT7M&\70S MOIW li Nr'liJ/IA PARTE 195

paixfto , consideraria talvez a morte de seu inimigo como um.a 11 t.uue::i.tr:ísdecidira evitar . Exausto e perturbado por ess:u;
pequena compe n.saçáo pelo mal que imagina ter receb ido, , , Hmw1s indec isões, fin almen te, por um a e.'ipécie ele deses-
que. co ntudo, pode nàu passa r de umo1leve provocação. M.1 !+•10, dá o passo fatal e irreversível. Mas o faz com o terror e
suas obseIVaç-õt:swbre a conduta de outros ens inaram -lhe <.11 , irll redu lidade de alguém que ao fug ir de um inimigo se lan-
mu pa recem horríve is todas essas vinganças sangui n:'iri:i". A i ,obre um precipicio, onde o aguarda uma destruição mais
não ser que su a educação tenha sido m uito p ec ltliar, es t~hc 111.1 do que aqu e la que encon traria se a lgo o atacasse pelas
leccu para si mesmo , co mo norma inviol.lve !. abster -se int cir. 1 , • 1.1s.Tais são seus sentimen tos, mes mo no instante de agir;
mente de tais v inganças. Essa regra exerce sua autoridade !-.e1 111horaen tão perceba menos a incom·en iência de sua con-
bre e le e torn~-o incapaz de fazer-se cu lpado dessa violênt• iu h1L1do que depois ele ter saciado e ani quilado sua paixão, co-
Todav ia, " fúria de seu temperamento pode ser tanta, q ue ,,r 1111 •\·aa Yer o qu e fez, do mesmo m oela como rendem a vê -lo·
fos..,;,,e
essa a primeira vez em que meditava sobre tal ação, M' III dl'veras se nte o que apenas antevira rnuilo lmpe lfei 1arnem~
dú vida a teria qualifi cado como muito justa e aprop riada, dlH u1tc.·sas pon 1adas do remorso e cio arrepen d imento princi-
na da aprovação de lodo espectador imparcial. J\1as o respl'I 1'1.m<lo a perturbá- lo e at orme nt á-lo.
to à regra que a exper iência passada lhe inrulcou detém a 1111
peruosidade de sua paixão, e o ajuda a co rrigir as opiniõc.:i l'X
cessivameme parciais q ue de outra fonna lhe sugt:ri.ria seu airn ,, CAPÍTULO V
de s i, quanto ao que ser ia conven ic:nte fazer nessa sit ua ç:1o Da influência e da autoridade de regras gerais da
Mesmo no caso de St:! permi lir ser arrebatado por um:1 p:1.bu 1 moralidade, que são justamente considerculas
tão forte, que o k.""Vt: a vio lar essa regm, ainda assim é inc.lp:a, como as leis da Divindade
de afasw inlt:iramentc o temo r reveren cial e o respeito com
que foi acostumado a consider:í- lo. No tempo exa to de agir, O respe ito às regras gerais de conduta é o que se chama
no momento em que a paix:'io alcança o ápice ao pensar 1111 p11ipriamente senso de dever, princípio ela ma ior importânci a
que está prestes a fazer, hesita e trem e; secretame nte sabc-M n,, vida humana , e o ún ico pe lo qual a mai o ria da humanida-
rompendo a.;:;regras de conduta que, quando lúcido, decidir,1 .11·é capaz de ordenar suas ações. ! lá muitos hom ens que se
jam~is infringir, que nunca vira outros infringirem sem suscit;1r p111tam com bastame decência e evitam, ao longo de suas vi-
a maior desaprovação, e cuja infração , antecipa -lhe seu próprn , d,,.;, agir de modo ce nsur ável, m a:-.;qut: talvez nun ca te nham
espírito. logo deve tomá- lo objeto dos mesmos desagrad avc.·1, <lo o !>t:nli.memo sobre cuja conveniência funda-
1·\1)t.'rimt:111a
sent ime ntos. Antes que tom e a última resolução fata l, at or 111c.·ntamosnossa aprovação de sua con dut a, agindo apena s
mentam-no todas as agon ias da dúv ida e da incerteza; o pl.:n p11rcons ideração ao que julg avam se r as regr-.1sde co mpor -
sarnento de violar uma regr a tão sagrada o aterroriza , ma.:, ao t.,mcnto já estabe lecid::i.s.O homem que recebeu grandes be-
mesmo tempo o en coraj a e Impele o dc.:sejo furioso de a vi, mfícios de um outro pode, pela natt1ral frie7-a de $eU rempe-
lar. Muda de propósiro a todo nmment oi às vezes decide :1g~ir 1,11nc·nto , ex pe rime ntar apenas um gra u muito pequen o do
rar-se a seu princípio , t: não alimentar uma pai:xào que podt' ,•ntimento de gratidão. Porém , se recebeu uma educação vir-
corromper o 1t:s10 de sua vida com os horrores da vergonh: 1 111CN1 . com freqüência lhe terão feito ootar corno parecem odio -
e du arrepend imcn tOi e uma cal ma mom entâne::i roma posst· ,as as ações que deno tam falta desse sent imen to , e co mo são
de seu peito , em r:iz:io da perspectiva ele gozar a seguranç. 1 11m::ive is as co ntrária s. Port an to, a inda que nenhuma afe ição
e tranqüi lidade, râo logo resolva não se expo r aos perigos dt· wa1a aqueça seu coraçào, lutará para agir como se de fato aque-
um:1 outra conduta. Mas imed iatam ente a paixão se insurgt· ' t"'iSe,empenhando-se em retnbuir a seu benfeitor a estima e
d e novo , e com fúria rev igorada o leva a prati car o que uni n cu idado q ue apenas a mais viva gratidão poderia SL1gerir. Há

196 TEORIA DOS SENrtMJ.:7'705 MO/UI N1HRA PARTE 197

de ,·isitá-lo regularmente, de portar-se respe itosa mente: J .11 1• de princípios e um sujeito indigno . O primeiro sebiue, em
{.'Omele; para falar de le sempre usará expressões da mai:, d, l'I .1s ocas iões, suas máximas firme e resoluta ment e, e con-

vada estima , e semp re mencionará as in(une ras obrigações <111 t\',1 por toda sua vida a m es ma reg1ilar idacle na conduta. O
lhe deve. E, o que é mais 1mpo nante, aprove itará cu idado._. 1111,,.ige de rnodo inconstante, acidental, ao sabo r de seu hu-
mente todas as opo rtunidades d~ rt:Lribuirde m aneira apropn.1 1, -.ua inclinação, ou seu interesse pre dominante. Mais ain-
111
da seus favores passado.,. Pode também fazer tudo isso ,;1•111 l1 ,; 10de tal sorte as des igua ldad es de humor a que todos
nenhuma hipocris ia ou dis.simul::i.çãocensu rável, sem qua lqu, 1.10sujeitos. qu e, se m esse princípio, mesmo um homem qu e
in tern;,110e~oís1a de obter novos favores , e sem o des ígn i~ d 111 .,l·us rnom entos de lucidez tinha a mais aguda percepção
aprovt:ita r-sc de seu benfeito r o u cio púhlico. O mothu de su,1 l I t ( mveniên cia de sua conduta, nas ocasiões mais frívolas
ações não pode ser outro sen:lo uma reverê ncia pela regra d 1u1,ll·ria,muitas vezes, se r leva do a ag ir de manei ra absu rda,
dever cs1abelecida, um sério e grave desejo de agir em tt1d1 q11indo seria quase impossí\'el apontar um motivo sério para
segundo a lei de gra ticl1.o.Da mesma maneira, às Y~zes unu , omporrar assim. Teu amigo Lefaz uma visira quando casu al-
espos. pod e não sent ir pelo marido o te mo respe ito qu,· < @ 111 e e.'itás com um péssimo humor , o qut: tvrna desagrn dá -
.ldequado ã relação qu e e.xiste entre eles. Se rece beu edur ... ' 1recebê- lo; tm (eu atu al t:::>taclode espúito, talvez a civilidade
çâo virtuosa, en tretanto, esforça r-se-á para agir como se nuu1 11,,,11nigoparqã-te uma impertinente inlrusào; e se desses va -·
se tal sentime nto, mostrando-se cuidadosa, solícita, fiel e sinc1.,.·
1,1 lo ,h op iniões q\.le o ra te ocor rem , em bora sejas de te m pe-
e não negligenciará nenhum dos cui dados que o scnthn<:nh 1 t 11111.,.·nlo educa.do, tr::it:í-lo-ia co m fr ieza e dec.dém_ O qu e te
de a feto conjuga l poderia inci tâ-la a aLt::n<lc:r. Sem dúvidn. t 11 1"111:t incapaz dessa grosseri; 1 nad::i ma is é que o respeito às
amigo e tal esposa nào sào, nem um nem ou tro. ~s mell:oH' 11•w-:. 1:,,gerai s de civilidad e e ho.'ipitalidade, as qua is proíbem a
que há e, e m bora possam ter o mai5 grave e sé no deseJO d1 ,t111 ,;-.cria. A hah inrnl reverência que tua experiência passada
cumprir ime1ramen tt: o !>eude\'er , igno rarão muitas delicad 1 11 ·nsinou per mit e-te ag ir em todas essas ocas iões com con-
e refinada~ c.:unc:~ ias, pe rderão vár ias opo rtunid ades de ag 1.1 ••rliênciaquase impertu rbá,·el e impede as des igua ldades de
dar que jamais lhes passari:1m desperceb idas. se possuíSSl'III 11•111peramen to - a que todos estão sujeitos - de influenc iar
o st:nLimento que convêm à sua situação . Posto não sere m c:-..1 1 ·nsh.elmen te tua conduta. Mas se fossem freqüentemente vio-
tamente os pnmeiros, são t:llvez os segundos; e se lhes incu 1l11 l,11lo.,até mesm o os deveres da polidez, os quais são facilmen-
fortemente o respe iro às regras gera is ele condu ta, ~1Ulu111lll' 11•t>hservados e dificilmente há um mot ivo séno para violá-los,
les ignorará o que é essencial a seu deve r. Ningué ~\ sen li• 1' n:lo houvesse respeito por essas regras gcrnb o qut: .:,e1ia
os de molde mais ditoso, é capaz de adequar com precLSaos<:u" d1)',deve res da justiça, da vcrtla de , da cast idade, da fidclida -
sentimentos e comportame nto à me nor diferença de situaça11, d1•, o~ 4u~is :ctmiúd~ .são Lào cliílceis de: observa i\ e pode have r
e de agir em todas as ocas iõe s c001 a mais delicada e acurad.1 1.11110~motivos fo1tc:s para violá -los? Da razoável obseiv:incia
conveniência. A argila tosca de que se forma a maiori a dos ho dt·-.scsdeve res depende a própria existência da sociedade hu-
me ns não pode ser esculpi da com ral pe rfdção. Dificilmcnt\', nwna, a qua l desmoronaria se nos home ns n::l.o.se incut isse
po rém, haverá um homem em que 1 cum dis ciplina , edu~aç:111 uma reve rência por ess as importantes regra.'i de conduta.
e exemplo, não se possa inculir u rt::.:,peitoàs rcgr,;is ger.11s,d, Essa reverência é a inda ma is aprimora da por uma opi-
modo que aja em quaSt: toda s as ocasiões com tolerável dect'n 11i.1 n, que pr imeiro a natureza incut iu, deJX)is o raciocínio e a
eia. e evite, ao lo ngo de sua vida , ser fortemente censu rado lllosofia co nfirmaram , segundo a q ua l essas impo1tantes re-
Sem es:;i;:.:,agrado respei to :ls regras gerais, mio existe ho ur.1sda mornl idade são os mandament os e leis da Divindade ,
mem t:m cuja co ndut a se possa confütr demasiad ament e , ls~c que fmalmcnte recompe nsará os obedien tes e punirá os q ue
é o que const itui a m:iior diferença entre um homem de hon tr,1nsgridem se us deveres.
198 TEORIADOS SENI'IME/\7'0SMOR11 199

Digo que essa opinião, ou apreensão, parece pr i111d1 C,)u,mdo tais estudos ocorreram, no ent anto, confirma-
mente inrutida pe la narureza.Os hum~rn, são narur,1lmcntt 1 111~4,,• as prev isões orig in ais d:1 na narez:1. Seja qual for o fun-
vados a atribuir àqud~:, rnbteriosoo seres, o que quer qul' 1 11111•1110 de nossas faculdades morais, quer ce rta mocliílcação
jam os ob jc::tosde temor religios o cn-1qual qu er país, todrn. 1 ! , 1.11:10, quer um inst into origina l cha mado senso mor~II. ou
seu.s p r6 prios sentimentos e paixõ es. N3o possuem ncnluu 1h111m outro pri ncípi o de nossa nat urez a, não se pode duvi-
ouuo, nenhum outr o s:1o capazes de co nceber, p::i~ atril.._,
1, 1111k· que nos foram dad as para orientar nossa conduta nes-
Lhes. Esses descon hecidos intelectos que imagin am, mas ·1.1 , 1 \1d;1 . Tmze m consigo as mais evidentes insígnias dessa au +
vêem , devem necess:triamen le ser fonnados com alRuma e~1 , 11d,1<k:, o que denota que Foram instaladas dentro de nós para
cie de semelha nça com os inte lectos d os qua is têm alguma t'll 1, m :trbitros su prem os de todas as nos sas ações, para di rigi r
periên cia Ourant e a ignorância e treva da supersti ção paga, 1,11 lns os nossos sentidos , paixõe s e apetite s, e julgar em que
humanidade pare ce ter formado as idéias de sua s divindad, ,wdkb cada um deles deve se r satisfe ito ou contido. Ao co n-
com tão pouca delicadeza , que lhes at ribuíram , indiscrimi1111 u h 10 do que alguns pretenderam , de nenhuma maneira nos-
damente, todas as pai.xões da na tureza humana , sem excluir J '" taculdades mora is ocupam a me:,ma posição da:,.ourrns
qu e menos honram a nossa espécie, como luxú ria, fome, .1, .a li, 1:l<.lacJt=::,
e apetiles dt: n~.:,a na1urc:za, uu :;t:ja, lt:riam tanto
reza, inve ja e vingan ça . Por isso, não puderam deixar de ;11 11 l1w110de co nter es tes últimos, quanto estes de as conter. Nc- ·
bu ir àque les seres, por cuja natureza excele nte ainda (.;unu. 11IH1m~ 1 o utra foculd adc ou pri ncí pio de ação jul ga q ualquer
biam a mais extrem a adm iraç-Jo, os :,i::n timent o.s e quali d:1dt 111110.O amor não julga o resse ntiment o , nem o res.sentimen-
que são o grande orna mt:::nlo da hum an idade, e que paren·r 1 1,, julg:i o amor . Essas duas paixões podem ser oposta s e ntre
alçá-lo à semel han ~-a da perfeição divina, a saber 1 o amor l '"ª"não .:;e pode dizer propria ment e que aprovem o u de-
virtude e à bene me rência, o horror ao vício e à injust iça. O tu 1provem uma ã outra . Po rém, é ofício pec uliar das faculda-
mem ofenclido invocava Júp iter paro testem unh ar o mal que Ih, d1•1r( que ora exam in amo s julgar, censurar ou aplau dir, todos
faziam, e n:1o duv idava de que eso;;eser d ivino conte mplad.a ..., rnllros princíp ios da nossa naturez a. Podem ser cons idera -
a prática dessa injus tiça com a me.:;maindigna ção que anim~ .! t'I uma espécie de sent ido, dos quais e;ses princípios são obje-
ria o espectador mais ,nesquinho. Quem prati cou a ofensa st.·n t ,,. C1da sent ido é supremo em relação a seus objetos. O olho
1iu-se ohjeto apropriado de ódio e resse ntimen to dos outro 11.10apela da beleza ou das cores. nem o ouvido da harmonia
e seus temo res naturais o levaram a imp ut ar os mesmos st·n onor:1, nem o gosto de sabores ~gradãveis. Cada um desses
timentos àqu eles te rríveis seres , cuja presença não poclia c..·v l 1•11 1iclos julga seus ob jetos em ú ltima instância. O que con tenta
tar, e a cu jo poder não podia resistir. Esperanças, medos e su.., u ,l,(OStoé do ce, o que agrnlla ao olho é bt!lu, o 4u e t.uníorta u
peitas nalllrais foram propagados por solida riedade e conl h 111,·idoé harmonioso. A prúpria t:5.'>ê:nciade::cada uma d~~a.s
mados pela educaçã o, e universalmente se represc:::ntar-.un t •111.11i<lades co nsi5te em sua adequação a ag radar ao se ntido ao
se julgaram os d euses co mo os que rt::<.:ompensam a human1 1111a l se remete. Da mesma maneira, cabe às nossa.s faculdades
clade e a m isericórdia, e os que vingam a perfíd ia e a injus1i~.1 t111,r:.1is determinar quando se de,·e confortar o ouvido, quando
Assim , muito tempo an lt:s da era da fil osofia e do raciocínio 1• deve agradar ao olho, quando se deve contentar o go.c:m,
artificial , ainda qut: em sua fonna mais mde, :1 religião sancii, qu:indo e em que med ida qualquer ou tro pr incíp io de nossa
nou as regras da moralidade. Par3 que a natu reza n:'io d€ix:1, u,11urezadeve ser sa tisfeito ou comido. O que é agradável a
se a fe licida de dos homens depender d.t len 1idào e incertCl,I 11ossasfaculdades morais é ade quado , certo e apropriado fa-
dos estudos filosóficos foi de demasiada imporrânci a. (X)is, Q\ll l'r-se; o contrãrio, errado, inadequado e impróp rio. Os se nti -
os terrores da rel igi i\o dessem cump rimento ao senso natur ;il lllL:ntosque tais facu ldades aprovam são graciosos e d ignos; o
do dever . 1 onlrá1io, ê desg racioso e indigno. As próprias pa lavras "ce rto",

200 TEORIAVOS olfNJlMBIW'OSM( JH11 IM'Wf<AP/IRrE 201

"errado ", "adequado'\ "impróprio ", "gracioso" , "indigno' " ,UI cm certa medida o plano que o Autor da Katu reza es ta-
nificam apenas o que :tgr:lda ou desagrada essas facu ld:u' ll'rcu para a Fe licidade e períeiçào do mundo. e nos decla -
Portanto, um a vez que estas foram claramente d<-'°'ígn 111o~, se assim posso dizer, em a lgu ma medida inimigos de
da s como princípi os reg uladores da na turez a huma nn, a., 1 l1•t11'i,Donde se rmo s natu ralmen te encoraja d os a esperar Seu
gr-.Js qu e prescrevem deve m ser cons ideradas como m:1ml lr;1ordinário favor e recompensa num caso, e a temer sua
menros e leis da Divindade, promulgados pe los vice- rci.'i 11u ltl~M,ça e puniç ão, no ou tro .
F.le ins1alou dent ro de nós . Todas as regras gera is são co111u 1IJ, a lém desses, muitos ou tros motiv os e princípio s naru-
mente denom inadas leis, donde as regras gerais a q ue o:-.11 n 11'1que tendem, todos , a co nfirmar e inculcar a mesma saiu-
pos obedece m ao efetuar o mov imento sere m cha mada~ 1,1 , li douuina. Se::con.si<leram10::, as regras gt:n:1issegundo as quai s
de movimen to. Conn 1do, as regras gerais a que nossas íau11d 1 ~ p10::;pt:1idade e ad vers idade ex leriort:s s~u co murn enLt: di.:r
des morais obedecem ao aprova r ou condena r qualque r ~, 11 tdhoidas nesta vida, desco briremos que, ma lgrado a desordem
timenro o u ação sujeito à sua juris<liç.lo com muito mab 111 tu que tudo parece estar neste mundo . mesmo aqui toda virt u -
liça (X)dem ser ass im chamadas. Gua rdam muito ma is sc.::H ,1, ll;tlllrahnente encontra sua recompensa :i.propriada, ou seja,
lhança com o que :,e chama propriam e nte de le is, :t salx·r, J , 1111ii. adequac~ p-..1r::i.encor:aj:1r e promovê- la; e isso é tão cer-
regras gtrab que o .soberano estabe lece para ordena r ::1 ,on, lu 111qur é prec iso um cona. 1rso ext raorcl inflrio ele circtin,"-ti1 n- •
ta de sc::u~ súd itos . Col'no c.stas, são regr3s pa ra ordemtr n.,; a~t 1t l,1-.para fmstrá-la. Qua l a reco mpensa mais apropriacb para
livres dos homens; s:lo prescr itas mnis acertadamente p o 1 111 111·orajara des1reza, a prudência e a circunspecção? Êxito em
superior tegítimo , e também resultam na sanção de rccom 1lt·n tnd,t sorte de negócios . E é possíve l qu e na vida inte ira essas
sas e pun ições. Pois oo; vice-reis de Deus dentro de nós num li rudes não o co nsiga m ob ter? Riqueza e honrarias exte rna s
dei.xam ele punir a viola ç-do delas com os tormentos da ccIl!'l\ 1 lt) sua reco m pensa apropriada, a qu e raramente de ixam de
rn imerna e autoc o ncle na çào, e , ao co ntrário , sempre rcum ullkr. Qu al a recompensa m ais aprop riada para prom over a
pensam a obediência com tranqüilidade de espírito, contt•nt.a p1,11lca da verdade , j ustiça e hu man idade? A co nfiança, a est i-
men ta e auto-satisfação. 111.1 e o amor daque les com quem vivemos. A hu manidade
Há inúmeras outras considerações que servem para ccmtu 1111 > a lmt!ja ser t!min ente, 1m 1::,~r amada A ven..lade e a juMi-
mar a mesma concl t!S(;0.A fe licidade dos home~ a~ im u 1111 1 r1..iose regozi jariam co m a riqueza, mas com a confiança e o

de todas as outras criaturas racionais , par e<.:eLt::: r ~ido o p,u 1 11·dil0 1 rec ompe nsas que tais vi1tude s quase semp re obtê m.
pósito 01iginal do Autor da Natureza quando os crio u . Ncnllu 11tll ' alguma circuns tând::1 extraord in i rb e m uito infeliz um
ma outra finalidade pare::ccdigna da suprema sabedori a e dl\l ltnrnem bom pode se tornar su sp eito de um crime qu e ~eria
na ben ignidade qut: neccs.sar iamcnr c lhe atribu ímos; e ('' 1 11:1lmente in c::tpaz de comerer, e por es.o;;~razão ser injuo;;1::1-
op inião, a que: chegamos pela abstmw cons ide ração ele Su.1 1111·nteexposto. pelo res10 de sua vida, ao horror e aver.ilo dos
infinitas pe rfe ições, co nfim1a-a mais ainda o exame das oh1,1 l111111ens. Pode-se dizer que esse o faria perder tudo, a des-
da Karurcza, q ue p:arecen11 tod:-1.~, de~ignadas para pr omover h 1wllo de sua imegr ida de e just iça, do mesm o modo como um
licidad e e proteger contrn a desgraça. Mas. ao ag irmos de aro1 home m caute los o, a despe ito de sua extrema circun specçào,
do com os ditames ele nossas faculdades morais, necess: 11l 1 ptKleser arruinado por um terremoto ou inundação . Acide n-
meme bu sau nos os meios mais eficazes de prcmover felicid:11 1 ,, , como os do pnmeiro tipo , porém, 1alvez sej am ainda mais
dos ho men.5. e fX)r consegui n te se pode dizer que, em ct111 111,~ e comrários ao cu rso comulJ! das coisas do que os do
sentido, co labora mos com a Divindade, e na medida de ru •'>(lindo; ainda assim perman ece verda dei ro que a prática da
sas poss ibilida d es fazemos avança r os proje tos ela p rov 1dv11 \.11rdade 1 jusUça t: humanidade é um méwdo <.:ertoe quase ln-
eia. Ao aginnos de outro moela, inversamente, parecemo:; oh.11 1d1\'d dc: adquir ir o qui.:: t:.s~m,vi1tud ~ ma is almt:ja'm: a <..un-
TEORJADOS SF.NllftlE/\TOSMOH,11 rt li< '/:/NA PARTE 203
202

fiança e o amo r daquel es com qut:rn vivemos. Uma pesso a IH 1 • 11 vezes de les se segue m. O ve lha co indu strioso cultiva o
de muito facilmente ser mal inlcrprctada qu~into a uma a~l 1111 , t) bom ho mem indolente o deixa sem cultivo. Quem
particula r; mas é quase;; impos.sível que o seja quanto ~o wn d, •·1• colhe r os frutos? Quem deve passa r fome. quem deve
udo geral de sua condu ta. Pod e se acred itar que um homt·I li 1 11 !.!m abundância? O curso nat u ral da s coisas decide em
1
inocente pr aticou o ma l - o que, ent retanto, raramente me1n l\t 1r do velhaco, os sentimentos narura 1s da hum anidade
tect:. Ao contrá ri o, a fim, e opinrno da inocência de seu:; lu\ · 111lavor do virtuoso. O homem julga que as boas q ualid a-
bitos, freqüentemente nos faz absolv ê-lo quando realmc.:111 h • dt• um sao exce.5sivame nte recompensadas pelos benefí-
erra , apesar de ind ício!--muito fortes. Da mesma maneira, 1111 1 11\ que tendem a lht: proporcionar, t:.!que a!) omi:,~ cio
velh::ico pode escapa r da censu ra ou até re ceber aplausos pc 1111 10 ~•1o pun idas co m demasiada severidade pela afli ção
uma de term inada patifaria, porque não se co mp reende a ,u Ili' ohv 1amcntc lhe causam; e as leis humanas . conseqüên
conduta. Mas nenhum homem se comportou habitua lml' 1ll l,1 c.k se ntimentos human os, privam o d iligente e cauteloso
assim , sem que quase todos o soubesse m, e nenhu m honu m 1111dorde sua vida e posses (estale), enquamo dão extrao rdi•
foi freq üen1emente suspei to de culpa, quando na rt:'olid.nlf u lrt;l recompensa i1 fidel idade e ao espírito púhlioo do bo m
era perfeitamen te inocente. E, na medida em qut: víc io e vi 1tl;1d:,o, o qua l, no enranto. é imprev id ent e e descu idad o .
tude podem ser pun idos ou recompensado:, pelos .sentinwu \ ,1111 . a natureza ordena ao homem que corrija em certa-
tos e o pini ões dos homens, ambos, seg und o o curso nonn 11 1111d ida essa dist ribui ção das coisas, pois do co ntrár io ela
das coisas, recebem mesmo aqu i algo mais do que um~, ill'•II OH ,m a teria co rrig ido. Com esse propósito, incita-O a seguir

ça exata e impar cial. . 1,•~Lt!'I , as qua is 5ào diferen tes das que e la própria obedece.
Ainda qut: , ~ considerada s des se viés isento e filosóllc 11 \ l'ada virn1de e a ca da vício a naLUreza dá precisamente a
as re gras gc::rais pelas quais prosperid ;1de e adversidade ,.u 11e ompe nsa ou castigo que seja o mais adequado par.t enco-
comurnentc distribuíd:1s p~tTeçarnperf eitam en te adeq uadal'I 111.1ruma, e refrear o our ro. Apenas essa consideração a
s in1açào dos homens ne,;;rn vida, contudo, não se adapL1111 111lvnta, e pouco lh e imponam os diversos graus clt:.!mérito
cm nenhum:\ meclida, a alguns de no ssos sentimentos natur.u 111du11~rilo dt:.!que vhuidt:.! e vído pareçam se apossar nos
Kosso naru1,1l amor e adm ira cão por algumas virtudes (· 1,1 1 n11!1111;;n to s e pa ixões do hom em . Ao contrário, é isso un ica
que desejaríamos conferir•lhes toda sone de honrarias e ra·o111 1111ntc o que lhe impúrta, e se empenha ria em conceder a c:i-

pensas, mesmo as que reconhecemos como próprias de qu11 l.1 virtude uma posiçào (slate) exatamente proporcional ao
!idades que nem sempre aco m pan ham essas virtudes. Au u 1n )11,(U de estima e d e amo r, e a cada vício ::io grau de dc!-iprezo
trário, nosso ódio a alguns vícios é tal que desejarían1us amo u , l1nrror que ele própri o roncebe. As regras que a narureza se-
toar sobre eles toda sorte de desgraças e malt:.!:,.sem cxccw,11 Hiil' lhe são adequadas, as que o hom em seg ue ~ão aclequa -
os que são a conseq üência naiural de::qualicL1.dcs bastante d1 d .1>tp:m.1si mesmo; mas ambas são calculadas para propiciar
versas. Magna nimidade , genero::; idadc e justiça ordenam u1111 1 mc:-.ma~rande finalidade: a ordem do mundo , a perfeição e
admiração tão elevada, que desejamo s vê. los coroados dt· 11 1 ldi cida de da nan 1reza human a.
queza, pode r e hunras de toda sorte - conseqüência naLU1,1I [mbom desse modo o homem esteja empenhado em
de prudênda, de5trcz a e aplicação, qualidades com as qua l ,1lll'r-:tra distribuição de cois as que os eve ntos naturais fa-
essa:, virtudes não estão inseparavelmente associadas. Fr,111 11,un,se isso lhes fosse legado; embora, como os deuses dos
de, falsidade. bnu alidad e e violência. por outro lado, susci1,11n p, k.:t::L'\,esteja intervindo perpetuamente po r meios extrno rdt-
no pcim de todo homem ta l escám io e repúdio, que açula no 11,h'iosem favor da vinude t: em upo.s içà v ao vício, e, aind a
sa indign ação vê-las possuírem benefícios, os q ua is talvc;, d1 11M 11uo:,i deu :,c;::,esfoCLe-se por afastar a se1a apontada para a
algum modo tenham merecido, pela diligência e dest reza qu, 1 ,,beça do ju Mo, e, ao contrário, apresse o glád io da clestrni

204 TEORIA DOS SE/\171A1ENTOS


MOHH l't IJ/RA PARTE 205

çao empunhado con trn o pt:rve rro, de nenhum modo é c,q ,1 "Serviráà grandeza de Deus", diz o eloqüente e filosófi-
no enramo, dt:.!mudar a fortuna de qualquer um dos doi.-;,,, 11 t 11hpo de Clermont com a apaixonada e exagerada força
nando-a adequada a seus próprios se ntim entos e de,;;(•!o, ( 1i jmaginaçâo, que por vezes par ece exced er os limiles d o
curso natura l das coisas não f.X>deser inte iramente domh.i 1,1 oro , "serv i rá ã grandeza de Deus deixar o mundo que Ele
do pelos esfo rços impot en1es do homem, po is a corrcnt1 !11111 cm meio a tão un iversa l desordem? Ver o p erve rso
demasiado rápida e fone para que a interrompa ; e po.-,,toJ 111J,t• sem pre prevalecer sobre o justo; o usurpador d esu-unar
regras que a nnentam apare nt em ter sido estabe lecida<.; ll.11 lnoceme; o pai coroar-se vítima dd ambição <.lt:.! um fiU10
os melhores e mais sábios propósitos , às vezes prc<luzem d, 1 11, 11a 1urado ; o marido expirar sob os go lpes de uma esposa
tos que escandalizam tod os os nossos se ntim e ntos nt1tu1,11 1 1th,1rae infiel? Do alto de Sua grandeza. , deveria Deu s co n-
Que um grande conjunto de hom ens devesse preva lece i .,u 1• rnplar cs.ses melancólicos eve nto s como um~• fant:.ísti~ cli.
bre um pequeno; q ue os envotvidos numa em presa que rcq1111 • i-..lo, sem participar deles? Por ser grande, Ele deveri a ser
prev is.;1oe muito preparo preva lecesse m sobre os que can.:c..1·11 h u o, ou injusto, ou bí rbar o? Porque os home ns são p eque-
de preparo e se opõem aos o utro s; ~ que todo fim deveria ,11 1111\, dever-se- ia perm itir-lhes ser dissol utos sem punição, ou
alcançado som ente pdo:, mt: ios que a natureza cstabdc , 1 1 sem recompensa?Ah, Deus! Se isso é uma caracte-
11111oso.s
para sua aq uisição, parece co n stituir regra n a.o so men te 1H 11·11k:1do Vosso supr e mo se r, se sois Vós a qu em adoramo.5•
c.-cssíria e inevi tável cm si mesma , mas até útil e aprnpri,u l I" H 1:io 1erriveis idéias, jã não Vos posso reconhecer como
para suscitar a destreza e ate nção cios homens. Todavia. M' pa i, meu protetor , conforto de minha tristeza, amparo
111111
conseqü& ncia dessa regra é o predomíni o da vio lênci a e. du 11•tnmha fraqueza, recompensa d e min ha tide lidade. Não se-
artificio sobre ::i sinceridade e a just iça. quanta indig nação 11,111 111'1, mais do que um tirano indolente e fantástico , que sacri-
se provoca no peito de cada espec tador humano? Quan ta d• 1 111 :& os homens ~Isua va idade inso le nte , e que os tirou do na•
e compaixão pelos sofrimentos do inocente , e que furioso u· i11,1penas para fazê-los servir de pilhéria do seu óc io e aoo
sent imen to con tra o êxi to do o pressor? Todos ficamos igu,11 , 11, caprlc hos.M
mente agravados e irados pelo mal causado, mas freqút' 11 Quan do as regras gcrail! que determinam o mérito e dc -
tememe pensamos que está inteiramente fora de nosso 1:xx.li, 11111110 de ações passam a ser assim consideracbs como leis
repará• IO. Quando então desespera mos d~ t:ncomrar íurç,1 111 d1· um ser onipot ente - que vigia nossa condut a e, num ~1vida
terra capaz de conter o triunfo da injus:iç.&,naturalmente apd,1 h1111ra,recompensará :l. observância e punirá a infração des-
mos aos céus e ~pt:ramos que dor.ivantc o gro.nde Autor d t'I leis - passan1 ::i adriuirir, necessariamente , uma nova sa-
n~ natureza executará por si m esmo tudo o que os pdnt ' 1.1llcbde. De qu e nos sa cons idera ção pe la vontade d a Oivin-
pios, fornecidos a nós por Ele para :1 onent.ação de nossa romh, 1l,11lccleYeria ser a regra suprema de nossa conduta, ninguém,
ta, nos inclinam a tent~tr e.xecutar aqui' mesmo; que Ele co mplc , (Ul' acredite em Sua existênc ia, pode duv ida r. O mero pen•
t::1r:.lo plano que nos ensinou a iniciar: e, numa vida futum, rn .1t1ll'nto de desobediência parece implicar a mais ofensiva in-
tituirá rt <'ada um confo nne as obras que realizou neste mundo ' 1111,~niência. Como seria vão e absurdo que o homem negli -
E assim somos levados à crença numa condição futura , não apr .Ml'rH.:1asse o u contrapusesse os co mandos que a infin ita sabe•
nas pela s fraquezas, esperanças e medos da na n neza human.1, 111da e o infin ito poder lhe impingirnm. Como é desnaturado
mas pe los mais nobre s e melhores princípios que a ela pertl'n , i111p iedos am ente ingrato quem 0;10 reverencia os p rece ito s
cem: o amor à virtude e o horror ao vício e à injustiça. qur a infinita bo ndade do Criador prescreveu para si, embo-
1.1 de ta l viulaçào não ~e:jiga nenhum casligo! Também aqu i
11!-Inmis fortes rnotivo 5 do interesse próprio re iteram o scn 50
• Comparc --&e J. Loc:ke, Doú tmtad0< sohre o governo. II, §S 20 1
(X da R. T.) .11·t:onvc niência. A idéia de que sempre esraremos sob as vis-
206 NTOSMOH il
TEORIADOS SElV71ME li l'IIIAl'A«n" 20 7

tas de Deus e exp ostos ao castigo dt:!ilt: grande vingado, i1 CAPfTUJ.0 VI


injustiça, ma lgraêlo possamos nos furta r à vig ilânci a do:-. l11 J.'mqu.e casos o senso do deuer deveria ser n ú 11ico
men s, ou rn~ po~icionar fora do alcan ce d:i. puni ção hu111 princípio de nossa conduta: e em que casos devena
na, é razão para refrear as mais obstinadas p:1ixões, re k) 1111 coincidir com. outros moUvos
nos as dos ho mens que, por reflexão co n Mante , fizerarn
afeitos a tal Kiéia. A rcl igiào provê moth·os tão fortes para a prática da vir -
É assim q ue ::i rel igião dá cumpr imen to ao senso naiur 1 •, prote ge-n os da tentação do vício po r me io de restr ições
1, l1
de deve r, e é daí qu e a m aio ria dos hom ens está disposta n dt
· 1111)(xlerosas,que muitos foram levados a supo r que os prin -
positar grande confiança na probidade cios que parece m p1 11 1pli).'t religiosos constituíam os únicos motiv os lou váveis d e
fund amen te imbu ídos de sentimentos religiosos. Irnagin.1
11,"\"~o devería mos", dizem , "recompensar po r gratidão ,
que tais pessoas estejam aradas po r outra amarra, além d:1s q11 m 111pun ir p or ressentimento ; não deveríamos proteger o de -
regulam a cond uta dos demais. O respeito à conYeniêncl;1d
1111p :1rode nossos filhos, nem prover conf orto às fraq ue zas
qualqu er ação, bem como à rep uta çâOi o rt::;pdto ao apl.111
so de seu próp rio peito , bem corno du de outre m, são 1111111 1111 0.,s:'s pai s, por afeto natural. Todo s os afetos po r obje-
vos que, su põe-se, têm ~brt: o homem religioso a mc ..,11 p:11t1cularesdevem se r ext intos de nosso peito, para que .
influ ênc ia qu e sobre o mund an o. Mas o primei ro so fre ou 11• 110,1 gra nde afeição tome o lugar de lDclas as outras: o amor
rt5triçào, po is nun c-..i.age de modo ponderado , senão em p 11 1>1vindade , o desej o de no s rornarmos amáv e is a Ele, e de
sença do grnnde Sup erior , o qmd finalmente o recompcn" 1 ,, 11'11l ~mnos nossa condu ta cm toclos o:, a:;peclos segundo a
rá de acor do com se us aios' . Depo sita-se, por isso, maior n ,n thl vontade . Não de vt:ríarno:) :,er gra tos por gratidão, ca rido-
fiança na reg ubri dade e precisão de sua co nduta. E, se mp1 '" po1 humanita rismo , n ão deveríamo s ter esp írito público
que o s princíp ios naturais da re ligião nào são corromp1d1 11111 ,,mor a nosso paí s, nem ge nerosos e ju stos apena s por

por facções e pelo fervor parti dário de algum conluio intll~ ~11H,r aos homens . O único princípio e motivo de n ossa. con
no; se mpr e q ue o p rimeiro dever ex igido seja cumprir t<x l.1 1111.1no cu mp rimento de todos esses diferen1es deveres de•
as ob 1ig ações da moralidade ; sempre que aos hom ens nfü, 1 1 l.1 .ser um senso de que Deus no s ordenou que os cum prís-
en sine que o respe ito às observânc ias frívolas são <lt:.ven.:.-.,k ntos." !\'ão me dete rei, por ora, e m exam inar particu larme nte
religião ma is imedi atos qu e atos d e justiça e be ne ficênci.i, i "' 1 o piruão ; apenas ad virto que n ão se espe re e ncontrar um a
que JX)dem n egociar corn a Divindad e , troca ndo sa.crlfíd t 1 , 11.1 que :1 man tenha e ao me~o rempo se prof esse de uma re-
cerimônias t! vãs súp licas po r fraude, perfídia e violê ncia, ,t•m hul. o na qua l o prime iro prec e ito seja o de a mar Deus , nosso
dúv ida o mundo dá , a esse respeito, um vere dito correto , d1 1, 111 hor, de todo o cora ção. co m toda a no ssa alma, co m toda
pos itan do, justamente, d obrad a confia nça na ret idão de ,·0 11 , nossa força, e o seg und o, de amar nosso próximo como a
duta do homem religioso 1111 'i mesmos. Ce11ameme nos amamos por nós mesmos, e não
•1111 e nlc porque isso nos fo i ordenado. Em nenhuma pane o
1
11.,,ianismo orde na o preceito de que o senso de de ver co ns-
1111 il o ún ico pri ncípi o de nossa conduta; mas, qu e deva se r o
,t,•minante e o regula dor, ordena-o a filosofia, e d e fato o sen•
,,romum ,
Poder-se -ia pergunt ar, e ntretam o, em que casos nossas
• Roma m.J~2:6 : "De us rccompcnsor:!. n c:i.d:1 u m seg lmdo suas ohr .1, ,\C\..'Sdeveriam se originar prmcipal ou inteirament e de um sen-
(Xd nR. T.) 11 de dever, o u de um a consideração por regra s ge rais, e em

208 TEORIADOS sa,-nMENTOS M( IN' '1 I.'<NRA PARTli 2Ql

que casos algum ou 1ro semi me nto ou afe to de veria co iiu hll ,lu lc elenossos p rópr ios corações, sem n enhum a relutância ,
ou c:xt!rccr uma influ ênci:t decisiv2. 111.\Cm10s obrigado s a refletir sobre a no1ãvel co nveniência
A solução dessa pergunta , qu e talvez nã o se prn,!-i:t1111 11 •u• reco mpensar; mas sempre deve ríamos punir com relu-
ncce r co m grand e ex atidão, dependerá de duas circun~.h · 111 1..1, mais fX)f um senso da conveniência de se punir do que
cias difere ntes: prim e iro , da natur al am abilidad e ou dcfo 111 11 1111 qualquer selvagem disposição pan1.vingar-se. Nada e mais
dade do se ntimento ou a fe to que nos levaria a prat ic,1r 11111 1 11·loso do qu e o comportamento <lo home m q ut apan:nla
:iç3o qualquer, inde pe ndentemente de toda considern çúo pt .. ,l·ntir-:,e da s maion:::, o fe nsas, mais por u m senso de q ue
regras gerais; segu ndo , da precisão e exa tid ão, ou imprc 1 , 1s merec em ressent iment o e são se us ob jetos apropr iados,
são e incert eza das próprias regras gerais. ! 1 que po r sen tir as fúrias dessa des agra.dáve l paixioi qu e,
I. P1imeiro, afirmo que dep en derá da natur al amahHld , 11110 um juiz , leva em conta apenas a regra geral , a qu al de-
de ou defonni dade do própr io afeto, iSlO é, em que medi<l:11111 , 1111lnaque vingança ê de vida a cada ofensa p art icu lar; que ,
sas a ções d eve riam se origina r da1, ou procede r inteir.:111w11 111 pAr em execução essa regra, sente menos o qu e ele pró-
de se respeitar a regra geral. pdn sofreu do que o ofe ns or está prestes a so frer; qu e, em-
Todas essas ações amáveis e ad miráveis o. que no~ 111 II.I i,,do. lembra-se da misericórrlia, e es 1á disposw a inter-
pe liriam os afeLos lx rn:volen tc s dev eriam pro ce der tan 10 1lo1 p11 t.ir a regra da mane ira mais gentil e favorável, e a pe rmitir-
p ró pria s paixõc::s, quanto de q ua lque r consideraç ão chi, 11 , •k>.,os pa liativos que a mais sincera hum anidad e poder ia, e m
gras gerais d e co nduta. Um benf eitor julga-se mal recompc 11 1111 lormidade com o OOm-senso, ad mitir.
sado qua nd o a pessoa a qu em prestou se us bons serviço~ • Já.se observou ant eriorm ente qu e, em outros aspectos, as
retribui npe n::is por um frio senso de dever, sem qualq11 1 1l!<c)es egoístas ocupam u ma espêcie de posiçélo inte rme-
afeto para com a su,1 pes....,;;oa. Cm marido fica insat isfe ito l 1,111 dl!lrla ent re os aFetos soc iáveis e insociáve is•. o mes mo ocor-
a mais obediente esposa, se imagi na q ue nenhum o utro ptM 1, .1qui.Em tock:>s os casos comuns , miúdos e ordinários, a bus-
cí pio motiva sua conduta, além do respeito pe lo que exiHt 1 ' por objc::tosde imcr es:x: parti cula r <lc:veriader ivar ant es de
víncu lo qu e a pren de. Embora um filho não devesse se esq, 11 1111 1,1Lonsideraçào por regras ge rais que prescrevem tal con -
cer de nenhuma das tarefas do de\'er filial, se lhe falta a a fc.:111, 1 1111 .1, do que de qualquer paixão pelos o bjetos em sii no enta.n-
sa reverê ncia que lhe conv ém sobre man ei ra sentir, o pai prnh h ,, '-'ITI ocasiões ma is importantes e extraordinária s, deveríamos
justamente rec lamar de su a indiferen ça. Tampouco u11 1 fllh, 111 ,u· (.inbaraçados , estúpidos e sem -graça, se os próprios obje-
poderia satisfazer-se plenamente com um pai que, embora c:\1111 t, 11t n:lo p~rece;sem no s animar co m um grau co nsideráve l de
prisse todos os deveres de sua condição, nada tives.se cio '-, 111 p.ilx:lo. Estar apreensivo ou arquiteta r alguma trama seja pa-
nho paterna l que se pod e ria e~pera r dele . No que d iz rc!-.p 1 ' , M.mhar, seja para poupar um só xelim degradaria o mais vul -
to a todos ess e s aft:to:; benevo lentes e sociáveis, é agrndm•, 1 M1l1comercia nte na op inião de seus vizinhos. Contanto q ue
ver o ::,cnso de deve r emp regad o ~ntes para os refrear , do qo 11.1~ circuns tân cias sejam míser as, n enhuma atençã o a assun -
pa ra os animar, antes p1.ro imp edir d e nos exce derm os, 1111 lt ,, po r si só tão peq uen os deve transparecer na sua conduta.
q ue para nos impelir ::i fazer o qu e deveríamos. Dá-nos pr;111 1 1wsituação pod e exi gir a mais rigorosa poupa nça, e a mais
ver um pai obrigado a con trolar o próprio car inho, um am1w !{~ta diligênc ia; mas cada esforço pa n.icular dessa pou panç a
o brig~•do a est.1belece r limites par a sua ge neros idad e nan11fd 1 diligê ncia dev e proceder, não tan to da con sid eraç ão pe la

uma pec;soa que recebeu um beneficio obrigada a conte r a 1,i11 pqupança ou ganho específicos, como da regra gera l qu e lhe
t idão sanguínea de se u pró prio ternperamemo.
A máx ima contrári a d iz respe ito ãs paixões malé fic:h 1
insaciáveis. Deveríamos recompensar pe la gratidào e gern.111 • TSM, Pane 1, Seção 11.Cap. V, pp . 46 8. (N . cb R. T.)
210 TEOHJ.ADOS SE!v'1IWE.VTOS M( JN 1 /1 IU,'/'IRA PARTE 211

prescreve , co m ext remo rigor, essa regu laridade da condut Ut·tz. Os objems da avareza e da ambição diferem apena s
Sua parc imônia de hoje não deve se originar especificamt 1 11 >,tr,mdeza.Um miserável enfu rece -se tanlo por um cenr.:1vo,
1e do desejo pelas três moedas que isso lhe permite !X)l,JI 1 ,,1111110um ho mem ambicioso pela con quista de um reino.
tampouco o trabalho em sua loja deve proceder especificai·11· 1 li. Segu ndo , afinn o que depend erá p arc k1lmente da pr e•
te de uma paixào pelas dez moedas q ue obterá com isso; 1.1111 1 10 e exa tidão , ou da imprecisão e incerteza das próprias
uma como outro de\'eriam se orig inar apenas de uma con~h1, 1,wa~ gerais , isto é em que medida nossa cu ndu la deveria
ração pela regra ge ral que presc reve, com a mai~ imphu,:; 1u 1 prou.;dt:I intt:immen Le de se respe itá-las .
seve ridade, esse p lano de candura a wda:, as pess oas quv , 1 As regras gera is rc lalivas a qu ase toda::i as vinudcs , as que
vem da mesma w.aneira que elt:. NlSM> con5i.ste a difcrcn \·:1,·n ld L•nninam quais as tar efas da prudência, da c~ridade , da ge
tre o car.iter de um miserávele o de um homem de correta l·1 1 111·rosidade,da gra tidão, da amizade , são em mu itos aspectos
nomia e dihgênda. A uns os assunto s miúdos preocupa m l'H 1111precisas e irx:ertas, pois ~dmi rem muiras exceções, e exigem
:,i mesmos ; ao outro, cs.ses assun tos interessam apen:1s por l ,111 11111.1s modificações que é quase impossível regular nossa co n-
sa do progmma de \'ida que estabe lece u para si própr io. d111;1 inteiramente por respe ito a elas. As ntáximas proverbia is
Dá-se o co nt rário quando se !mia ele obje tos ele intl'n , t 1111uns da prudê n cia, se ndo fundadas na expe riência u ni-
se pessoa l mais importante~ e extraordi nário s. Revela~~(.'11 l, talvez sejam as me lhores reg ras gerais que a esse res-
1,1.<t:i
espúiro mesquinho quem não persegue tais objetos por s i nu 1H'1to .:;epossa oferecer. Entretan to, afetar que se as seg ue de
mos, com alguma perseverança. Deveríamos desprezar um p 1111 1111 do rigorosamente estrito e literal evidenciaria o mais absur-
cipe que não se preocup asse em conquistar ou defe nde r um do e ridícu lo pe dantismo. De mdas as virtudes recém-men-
província. Devería mos ter pouco respeito po r um cavalhc.•111 1 lt,nada s, talvez a gratidão possua as regras ma is precisas, e
de b aixa patente que não se e mpenh asse em adquirir po~-.c uhnll,t o menor número de exceções. Que tao logo pudésse-
ou mesmo um cargo cons iderJve l, quando os po deria oll 11 1 1111 1s<levt:"rümos d ar igua l e 1tit: po ss ívt:l, .)Ltpt;rior reu ·ibu içàu
sem mesqu i nharia o u inju stiça . Um membro do Par!a1m::nt1 111.~f..1vores rece bidos, pareceria um a regra basta nte clara , e
que não demonsm1 ent usiasmo pe la .sua p rópr ia ele iç;.lo 1p 1-: adm ire pou quíss imas cxccçõc.s. No e ntant o, ao mais su-
abandonado pelos amigos por ~er tot" lmen te indigno de :,,1 pwficial exame, essa regra revelará o ma is ::tito grau de im
afeição. At é me:::~mo os ookgas julgam frouxo o comerci: 1n1, p1,:ci.&'10e ince11eza e ad mitu-.ídez mil exceções. Se leu ben-
que nao muvt:: um a palha para ter o que chama m u~1 ex, 1 ll'1lor cu idou de ti quand o estavas enfem10 , deverias ru cuidar
leme st:rviço ou um benefício incomum. Essa ou,ad rn t' l' II , ll'k.:• se adoent asse? Ou podes cumprir a ohrigaçào de gratidão,
tusiasmo fazem a diferença en tre o ho mem empreendedor 1 1,·1ribuindo--ode o utra mane ira? Se devesses ruidar dele, seria
o hom em de obt usa reg ularic\;lde. Aqueles gmndes ob jt:lo por qua nto te mpo? Pelo mes mo tempo em que ele cu idou de
de interess e próp rio, cu ja perda ou aquisição mud a inl c i1,1 ti, ou mais , e q uanto mais.' Se teu amigo empres tou-te din hei-
mente a posiçã o soc ial de algué m, são objetos da paixão pr, 1 11,qua ndo estavas aflito, d everias emprestar -lhe dmheiro quan-
priamen te chamada ambição. paixão que, quando mantida ck n 11< , precisar? E quanto dever ias empresmr? Quando> Agora, ama-
tro das front ei ras da prudên cia e da justiça, é se mpre admn ,1 uh.i, no mês que vem? E por quanto tempo? É evidente que
da no mundo, mas, quando ultrapassa os limites dessas du,1 11.10se pode estabelecer regra geral que forneça resposta pre •
virtudes, assumindo um esple nd or irregul ar que ofusca :1 iln, 1 1 is:i a todas essas quesrôes. A diferenç.J en tre o caráter do ou-
ginaç-.âo,torna-se não a penas injus~, mas ext~avagante.1?ª ' ,1 llO t: o teu, a ~ituaç ào dd c t: a tua, pode ser lal qut: seja5 pe r-
a<lmiraç.1o gera l por heróis e conqmstadores, até por ~ tm.!1:,;1,
1-.. ldtc1mentc grato mas te recuses a lhe e mpre 5tar um centavo;
cujos projetos foram muito audaciosos ~ amp los, e~1bo.ra to~.d 1·,ao contrário, pode s estar di.sposto a emprestar, ou até lhe d ur
mente despidos de justiça, 1.aisco n10 os dos carde ais R1cheht•11 tlcz vezes a quantia qu e ele te empres tou, e, contudo, ser jus-

212 1710RJA DOS SE/YTI.M.ENTOS M<m t N<HR,<PARTE 213

tame n te acus~1do da ma is negra ingra tidão, de não ter <.\11Hpll 1111tc.·xtorazoável. que u ma determinada violação não provo -
do um centés imo da o brigação a qu e estás atado. Assim ~·0111 11!.1dano algum . Não é raro que um homem se transfonne e m
os deveres da grat idão ta lvez sejam, emr elanto, os mais MIHI 11,!ono moment o em que co meça, aré no seu foro íntimo , a
do s de todos os que nos são pre scritos pelas virtud es bt.·m 11 11',.inea r dessa mane ira. No instante e m que cog ita d e aban-
cenres, também as regras gera is que os determinam s.h,1 1 1 111•1,tr a ma is firme adesão ao que lhe prescreve m esses pre-
mo já comen tei antes, as ma is preci sas. As que dete rmin a Ili inviolávei s, não mais é confiáv el, e Já não se sabe a que
111>.<t
ações necessá rias para a amizade , humamdade, hospit: 1hl ,.111 de culpa pode chegar. O ladrao imagina que nao há mal
de, generosidade , são ainda mais vagas e inde Lermi 11a<la.-.. 1w11h um em roubar do~ rico:; algo de qu e, :,egundo supót:, se-
Há , porém, uma virtud e cuja:, reg ras ge rais de tc rmi1111111 Mllr,1111enlenão darão por falta, algo qu e po5sivclmcn tc nem
com a maio r exm tdão, o qm :: se ex ige de cada ação exa·111t1 ,\hl:rào qu e lhes foi roubado . O adú ltero imagina que não
Essa vinud e é a Justiça . As regras da•justiça são extrem~ urn •n 11.1 mal nenhum em co rrompe r a mulher do seu amigo , desde
tt: precisas, e não ad mitem exceções, nem modif icaçõc::,, 1 111acobe ne su a intri~ da suspeita do marido , e não pertur-
1•

cet.oas que podem ser determinadas de modo tão preciso qu,111 l,i• .1p::1zda família . Uma vez que começamos a ceder a ta.is su-
to as p róprias regras 1 e que gernlmente de rivam de fato du 11b:ts, não há enormidadede que não sejamos capazes.
mesmos princípios qu e essas Se devo dez libras a u m honwrn As regras de jus tiça podem ser comparadas às regras de
a justi ça exige q ue eu lhe pagu e exa tamente dez libras, ou 111 t,unfüica: as regra s das ouLras vim1des . às regras que os crí-
tempo aco rdado, ou quand o e le o ex ig ir. O qu e eu d,•-.1 lh os estabelecem para a lcançar o sub lime e elegante na com-
cumprir. quanto deveria cumprir, q uand o e ond e devo cu111 111 Hl~·ao.As p1imeiras são precisas, exa tas, indispensáve is; as
prir, a natureza e as circ unstâ ncias completas da ação p11 11 111w,,imprecisas , vagas, indeter minadas, e nos apresentam
crita , tudo isso está precisamente fixado e detenninaclo . 1•1 r 111,1jsuma idéia gemi d a pelfeição qu e deveríamos buscar, do
tanto, e mbora possa ser embaraçoso e peda nte afetar que.· qw• orientações certas e infalíve is para a atingir Se seguir as
seguem estriLamente as regras comuns da prudênci a uu <l.1 >< 1q,:1;1s, um ho me m pode ap render a escrever, do pomo dt: vb-
nerosidad e, não há pedant ismo em manu:r-5e in1pe11ur b,1\1 1 11wa mmical, corret.tnlt::lllt:, i.:orn a mais absoluta infalibilida -
no cumpr ime nto às regras da justiça. Ao co ntrário, a c b ~ 1 d1• \.: assim talvez se possa ens iná- lo a agir com justiça . Mas
deve o mals sagrado respe ito; e as ações que essa virtude n l 111\!1 hú regras c uja observância nos condl 1zirá infalive lmente
ge nunca s:1o 1t:aJiz.adas de maneira lão npropriada como qu.111 i ,1lc.:a nçar o elegante e o sub lime na pro~a 1 embo ra haja al-
do o p rincipa l motivo de as rellizar é o reverente e religil 1 11 "u1nas que poss.1.m nos ~ju da r, em certa medida , a co rrigir e
respeito às regras gerais que as exigem. Na prática de ou tr 1 1 def<•m,inar as vagas idéias que cio contrár io poderíamos for-

virtudes nossa conduta deve ria ser o rientada mais po r C't'II I


1
111.1rsohre essas perfeições. E não há regras por cujo conheci-
idéia de convemênc ia, cerro gosto por uma detenninada 11 1mmo somos ensinados infalivelmente a a~ir em todas as oca-
gularidade ele cond uta. que po r respeito a um a máx ima 011 11:...·s com pru dência , com justa magnanimidade, ou beneftcên -
regra exata; e deveríamos respeitar a finalidade e o fundainc. 11 1 l,1apro priada , embora haja algumas que podem nos capacitar

to da regra ma is do que a regra em sL Mas dá -se o co mn'ulu 1 mrr igir e discern ir em vários aspectos as idéias imperfeitas
quando se trata da jus tiça: o homem me no s cu ltivado, o q111 tjlll' de ou tro modo p<Xl erfamos formar des.sas virtudes.
segue com a mais obst inada co nstânc ia as regras gera is nl'l • Algumas vezes, pode suced er que, rendo o n1ais sério e
mesmas, é o mais recome ndá ve l, aquele em quem mais ~ 1'11 d\•lcrminado dese jo de agir de modo a merecer aprovaçao ,
de confiar. Embora a finalidade das regras de justiç a sc1a im 1 n~anemo-nos sobre as regrns apropriada-, de::{;onduta , e: en-

ped ir-nos de provoca r dano a n~ p róximo, f.rcqüen tc,m :1111 1.10 nos desencaminhe e~ mesmo princípio que dever ia nos
pode constin 1ir crime violâ- las, a despe ito de alcga nn os, co 1111
1
111k:11tar.É inúLil esperar qu e nc::;.secaso os homens aprov em
214 TEORIADOSSEJWlME/\70SMOIW 11Wr'l!J
IIA PARTE 215
inteira ment e nosso compona memo N.lo podem comp an 1lh 111,1d o qua is deveriam se r nos.sos se ntim ento s para com cri-
a absurda idé ia de dever que nos influenciou , nem toma r p.ar 11u~ que procede m de tais m otivos f'.:ess.'l tragédia , do is jovens
lC d e nenh uma da s ações que dela resu ltam. Ainda ass i111h 1, .,cxos dife rentes, de disposição a ma is inocente e vin1.1osa,
1och1via algo respeicáv cl no caráter e co mpon:amento de :1lgut n t'lll nenhuma o utra fr.-1q ueza , .senão ::i que os torna ainda
que é de ssa. mane ira atra ído :10 víc io por u m senso errado il 111.d " c;1ros :i nós , ou seja, uma afeição mútua um pe lo ou tro,
dever, ou pdo qu e se chann co nsciência errôn ea. Por mais ,111 ln instigados pe los mais fortes m ot ivos d e uma falsa reli-
se tenha dese ncaminhad o por fa1alidacle. ain d a se rá, en lrt' , Lk1 a come ter u m horrendo assassinato. que ofende todos os
generosos e human 0<;,objeto de comiseraçã o ma is do qut· ti l'ltndpios da na ture za h uman a. Um veneráve l ancião, que ex-
ódio 0\ 1 resse nt imento . Lamen tarão a fraqueza da natureza 1111 111h11ira o ma is temo afeto pdos do is; po r quem, ma lgrado ini-
m:1n:1, que nos expõe a tão d esafortu nadas ilusõ es, m c!i 111 1 1111),(0 confesso de sua religião, amb os co nce biam elevada re-
quando mais since ram e nte labutam os pe la perfeição e 111 1•1l·nda e es tima ; e qu e, embora não soubesse m, na verdade
esforçamos para agir confonne o melhor priocíp io que nos ri(• 1, seu pai, é-lhes indicado para o sacrifício que Deus ex igi-
sa orientar. ~esse sentido, falsas noções de religião sao q11.1 ' ·xpres.samen te que fizessem com suas próp rias mã os, sen-
se as únicas causas que podem ocasio na r algum a pervcr:-.,11 ,1,,<.·m:10 lhes ord en ado que o m uasstm. Quando e:,tào pn:sle~
mais vulgar de nossos sent imen tos natura is; e apenai; L'~ 1, xc:n aar o t:rim t:, tonu ram-nos tod a:, a:, ~1gonias que podem ·
princíp io que confer e a ma ior au toridade às r<::gra:,du (.IL-v1r , . <n igina r do con flito en tre a idéia do dever rel ig ioso ind is-
é capaz de disto rcer co nsideravelm 1::: 111cnossas idé ias a rct.p1·1 p1·11:">:ívcl, de um lado, e, de outro, a co mpa ixão, ghu id5:o, re-
to de tais se ntimentos. Em lodo s os ou tros caso s, o sc nso- t c 1•rênci~1 pe la id ade, amor à humanid :1de e i virtude do ho -
mu m basta pard nos rnic:ntar, se não na dire ção d!t mais n:I 011·in !1 que m vão destrui r. Essa represen 1:1ç:io ex ihe o m aic:.
nada conveniência de conduta, pelo menos na direç.lo de ;11~ • 1111,•n ."-S:m1e,e talvez o m;1ic:.instrut ivo, doe; e,;pet áculos já !e-
qu t: nào t:stá lon ge d isso ; e desde qu e dese jem os derem1in .1 \ .idos à cena em q ua lquer teatro. Mas afinal o senso de deve r
dame nte agir lxm , no sso co mpo1tamen to se mpr e será, e m gt• pH'Valece sobre todas as am{1veis fraq uez as da natu reza h u-
ral, louvável. Que obedece r à von1ade de Deus cons tirui a p11 111.111:1 Executam o crime que lhe s fora impos to, porém ime~
meir::1 regra do dever, todos os homens estão d e aco rdo . N, • 1ll;,t..1men te descobrem se u e rro e a fraude que os e nganou.
entan10, no que se refere aos ma nd am entos específicos que 1 ,10 :1tonncntad os pelo horror. remorso e res.senrimemo. Tais
essa vo ntade pod e impor sob re nós, divergem ampla 1nc n1c ,lo nossos sentime ntos pe los infelizes Seid e Palmira, rais de-
un s d os outros . Aqui , po rtanto, espe ra-se a maior paciê nci:1e \t·riam ser nossos sentimentos por toda pessoa que desse
to lerân cia mútuas; e ainda que a defesa da soc ieda de ex lj,1 111ocla foi desencam inhad a pe la religi:lo, se estamos ceno.s
que os cri me s seja m punidos, sejam quai s fore m os motivo ill' q ue fo i realm ente a relig 1ào o qu e a c.ltSt:nca minh u u , não
de que procede ram , u m bom hom e m sempre os pu nirá com 11111:1prt.1c:n:,ardigi, l o, d e que: :,e fat. uma c.1pa para alguma5
re lutância, se procede rem claramente de fal.sas noções de::dt:vr r d.1-.piort:s paixões humana:i.
re ligioso . J amais se ntirã co ntra os qu e os comeLem a ind ign.1 Ass im co mo um homem pode agir nx1l, seguindo um mau
ção qu e se nte contr a outro s cr iminotiüs , mas, ao co ntrári o, n 1 .,,,nso de deve r, t.1mbém ils vezes a narure za pode p rcvt dece r,
mesma hora em que punlr seu s crimes, lament ará, e às vcit·1t l1•,:1ndo-o :i ag ir bem, em o posição a e.--. ...e senso _ Nes.,;e c,1.c.o.
até adm irará , s ua infonuna da firmeza e magnani m idade. N,1 11;1-l pocle nos desagrad:1r ver a preva lência do ITkJtivo qu e ju l-
Lragédia fttfaomé, das melh ores de Vo lta ire., es tá be m rep w Mama; deva pre\'a lecer, embora a própr ia pessoa se ja dema-
"i.ido fraca para julgar de outro modo. Mas como sua con du -
1,1re~L1lta de fraque za, nã o de pr incípio, é clifícíl lhe conceder
• T ragl-d ia en cenada pe la pr imeir.1 ,·cz ern 1741. (N. da n. T.) ,llgo seme lha nte à compl e ta ap rovação. Um catól ico fan áti -

216 'mORIA DOS SF.i


\ 71MENTOSA/OK 1/

co, qu e, d urant e o m assacre de São Bart.olo meu, foi tão d, 1111


nado pela comp aixão, qu e salvou alguns infelizes pro:es t.in
tes ~ quem pensav}1 ser se u dever de.carnir, n ão parece ri:1 Ir
di reito ao a lto ap lauso q ue dever íamo s ter- lhe co ncedido , li
vesse ele praticado a me sma gen erosidade co m a com plt·t QUARTA PARTE
ap rovação de si. Pod eria agrada r-nos a hum anidad e d e seu 1,·111
peramento, mas ain da ass im o vería mos com uma es p éc it.·d
piedade , a qua l é inteiramente inconsis tent e com a ad mir:.1\ ,lt
de vida à virtude perfeira. O me smo ocorre com codas as d,
ma is pa ixões . :--.iãonos desgo sta vê- las pr.ni cacla::od t: 111od11
ap ropriado ainda q uand o a fals a noçàv de de ver o rdena::;.,t·•
1)0 EFEITODA UTILlDADESOBRE
pe ssoa que a5 con Livcss c. Não d esagradaria que um qu:u 1 O SENTIMENTODE APROVAÇÃO
muit o devoto, levan do um tapa num :i foce, e m vez de oÍ<.'lt
cera outra, esquecess e de tal modo su a inrerprernçào lirer::1 11111 CONSISTINDO DE UMASEÇÃO
precei to do Salvador , a ponto de a plicar um a boa disciplit1i•
ao brut o que o insu lto u• . Havíam os de rir e nos d ivertir co m
se u esp írito, e gosta r ainda ma is de le. Mas d e m odo alg uni 11
ve ríamos co m o respeito e estima que parec iam dev idos a .li
guém que, numa OC'dS ião seme lh ante, tivesse ag ido proprl, 1
me nte po r um se nso justo do q ue e ra conveniente fazer. Nc
nh uma ação pod e se r propr iamente c hamada virtuosa , st: 11,lo
for acompanhada <lo ~ mi me m o de apruva ção d e si.

• Os quacres têm imponanle papel políti co dur.lmea d&.adadt: 16c.i1


na Ingla1c:rr.1, 'luando dd'c:nJi.im po.siçõc ,5 radicai., dcri,..ada.5 do pro tcst: m
tisn\O Frnm a,..imonarqui.'-ta.s,rcivindicivam a passe em comum d:ts cem,,
recusav::irn-se a tirar o chapéu penmte os superiores (evidenl2mcnte,uru
gestode protesto 50Cial) e preconiz:.1.vam liberdade a todos os homens. com
.i c.ty11 às b1ux:a:"1
da Rc!'ltaumç;lo (166o) , =frcm vio lenta pcrscgu~'.i'IO e se tOI
nam um:1seita pacifis l:i. A e-iserespei to, h:t o n0<ável livro ele Christopht•t
Hill, O mrmdo depoma-cabeça(Cia. das Letr as, 1991) . (N . da lt T.)
CAPfTUlD 1
Da beleza q11ea aparência de utilidade confere a
1orlns os pmdulns de arte, e da ampla influência
dessa espécie de beleza

Todos os que já considernram com alguma atenção o que


, onsttlu i a na tureza da beleza observaram qu e a utilid ad e é
uma das principais fomes de beleza. A comod idade de uma ca-
"·' proporcio na tanto prazer ao espectador, quanto a regula-
' ill1dc; e do mesmo modo causa -lhe pesar observar o defeito
, ontrár io, como, por exemp lo , ver que as janelas correspon-
cll'nl~ s.io de diferentes fonnatos, ou a p:>rta n:io colocada exa-
1.unenteno meio do edificio. Que a capacidade de qualquer
,btema ou máquina para produzir a flllalidade para a qual to-
1.11nplanejadas confere certa conveniência e p ropriedade ao
l1Klo e torna agradáve l tão-somente imaginá-lo ou contemplá-
lo. é algo tJo óbv io qu e ninguém jamais deixou de norar.
També m, a C-.d.usa por que nos agrada o util ind icou-nos
ultimamente um filósofo engenhoso e ag rad.1.vel,., que reúne
grande profundidade de pensamento à maior elegância de ex-
prt:ssão, e que possu i o singular e feliz talento de cracar o;; te-
mas mais abstrusos nf10 ap enas co m a mais perfeita pcr.:,pkui-

• O aulor S<' ref ere ;1 l):1vid Hrnn~ (mnferir Treati.<;f> m1 l·llmum N11t11rc,
li , ii, 5; .363-5. Ili, iii , i. 576-7 ; cd. Se\by-Bigge ). ()l'. da R. T.)

TEOl/JA DOS SE/l/7lMF.iV/TJS


MO// I/ 1/ 1117ilPARTE 221
220

dad e, mas com a mais viva elCX(üência. De acor do com CSS4..'li D.a mesma mane iro, um relógio que se atr.1Sam:iis de dois
111lnut os por dia é desprezado por um indivíduo interess.tdo
lósofo, a utilidade de qualquer ob,e:to agra da ao seu dono pi ,1
01 rc.•lóg1os Ta lvez o venda por um par de guinéus, e co mpre
que lhe sugere, constan temente, o prazer o u comoclidad~ q 111
111111u por c inqüenta , desde que este não se atrase mais do que
é capaz de lhe propor ciona r. Toda vez que o conlemp la, vt•,u
11111 minuto a cada quinze dias. A única util idade do s relógios,
lhe ã lembrança esse p razer, e dt:s.sa mandra o objeto to m,1
1 llllt;tanto, é dizer -nos as horas, impedindo-nos de descumpri r
se fon te d e perp é tua ::;alisfas-.lot: dde ite . Por simp atia, oi'" q11.tlquercompromisso, ou de passa r por o utro incômodo po r
pectador co mpan ilha o.:, ~entimen tos do dono , e ne ccs.sa1h1 iH1\<mmnos o horário. Mas a pessoa que tem tanto zelo por essa
me nte co nsidera o ob jeto sob o me smo asp ec to ag radfl,i• I 111.1quinanem se m pre seria mais escrup ulosamen te po nn 1al do
Quando visitamos os pa lácios dos pod erosos, não pode mo qul' ou Lros h o mens, nem por alg um ou tro mot ivo ter ia uma
evitar de concebe r a s..-it isfação que nos daria se fôssemos 11(1 p1l'ocupaçào maio r dt: sabt:r exa tamente a hoia <lo J j a. O que
os d ono s, e se poss\.líssemos acomod ações fabricad~s de nu 1 • hllt:rt::,:,a não é tanto a obtenção dess e conhecime nto parti-
do tdo inventivo e e nge nh oso. É semelhan te a razão por (]llt • 1111r, como a perfeição da máqu ina que serve para alcançí.- lo.
a aparênctl de desconforto torn~ qualquer objeto desagrad,1 Q uantas pessoas arruínam-se gas tando dirtheir'o em en-
vel, tant o ao dono , qtrnnto ao espectador . li•lti.."Sde utilidade frívola? O que agrada a esses amantes de brin -·
Mas, até onde ~ i, ningu ém antes cuidou que essa cap., 111 ll"<los não é mnro a utilidade, ma5 a aptidão das máqu inas que
cidade, essa feliz inven ção de qual que r produção artística M' ,lo adequadas para prom ovê -la. Todos os seus bolsos estão
ja com freqüência mais valorizada do que o fim para o ql1;1I 1·111up 1dos de peq ue nas comodidad es. Inventam novos bolsos,
tais objetos foram designados e, do mesmo modo, que o aju., tJ ll C não exis tem nas roupas de outras pessoas , para carregar
te exato de me ios para ob ter qualquer comcxl idade ou prazt·t ,Kl,tndcnúmero dessas coisas. Passeiam abarrotadas de um sem -
seja, não raro, mais valorizado do que a própria comod idadt numero de bugigangas, que não são irúeriores em pero e ãs ve-
ou prazer, em cuja obtenção parece ria residir todo seu mérill) ll'S nem em vaJor a uma ord inána sacola de mercadorias4', algu-
Porém, q ue isso aconteça amiúde , é algo que se pode obSl'I 111;.1!,das q uais por veze, são de pouco uso, mas q ue por vezes

va r em mil exemplos, tan to na; mais frívolos, quanto nos ma\, 1xx.k:riam se r, todas, dispensadas , e que, jumas , certamen te n ão
importantes assuntos da vida human a v,dcm o cansaço e o peso suport ados.
Entret.1.nto,esse princípio não influi em nossa conduta ape-
Quando u ma pessoa entra em seu aposento e vê as ca
11:1s qu ando se trata de obfetos tão frívolos: é muito freqüenle-
deiras toda s no meio do quarto, fica zangada e.um seu criado
1nc,,reo motivo secre to das mais sérias e importantes ocupações
e , a vê-las nessa d eso rdem , pref ere , talvez, o tra.balho de <.;(I
da vida, seja privada, seja pública.
locá- las em seus lug ares co m os encostos contra a parede. A
O filho do ho mem pobre, a qu em o céu , na sua ira, cas-
conveniência dessa nova situaç::lo surg~ da ma ior comod id.ic.k
1lgou com a ambição, admira a cond ição dos ricos tão logo
de deixar o ast,ua llio livre e sem estorvos. Para conseg ui r cs
l'Omeça a olhar a seu redo r. Pensa qu e a choupa n a do pai é
::;a como dü.h1clc:::,impõe-se vo lu nta riamen te mais traba lh o do pequen a de m ais p ara o aco moda r e imagi na que estaria co n-
que a falta de la teria provocado, po is nada se ri3 mais füc ll l01t.:1.ve l se estivesse hosp eda do n um pa l1cio. Não gosta d e l:it!f
do que sentar-se nu rna das cadeiras, o que provavelmen te farfi, obriga do a an dar a pé, o u SLIJX>llar a fadiga d e cava lga r no lom-
quando seu trab a lho termina r. Portanto, pare ce que des ej~1v:1 hu de.: u m cava lo . Vê seus s upe riores se ndo condu zidos por aí
não tanto ~1 co modidad e, co mo o arran jo que as coisas pro
movem. E, no entanto, é essa comodidade o que em última in~
td.ncia reco menda o amrnjo e o que lhe confere toda a sua co n • "... an ord inary Jcw's -box~. no orig inal. Provavelmente a a ix.a con -
veniência e bele1~. te ndo as mercadorias que o mascate jude u vende. (N. da R. T.)
222 TEORIADOS SENTIMENIDS M<11,'~ li ' 1/<TII PAR TE 223

cm carros, e acredita. que num de les vi:tjarb co m muito in 1!0 que as de outro. O s pal ácios, jardlns. ca r11.1age ns , servíçais
nos lncômodo. Sente-se por natureza indo lente , clesej~1ndo, , 1 1!11~ podero sos são objeto s cuja man ifesta comodidade impres-

vir-se o me nos possível com !-.Uas próprias mãos e ju lga qt h ,na a todos . N ão é necess ário qu e seus donos nos ind ique m
uma nu mero sa com itiva de criados lhe pou paria muito ll,1h 111que con siste sua utilidade . De bom grado os apreciamos
lho . Pensa que se alcançasse tudo isso ficaria sentado, co 111t1 p11)ntamente, po r simpatia usuf ruímos e, por isso, aplaud imo s
te . quieto, divertindo -se com a idéia da felicidade e tranq1\II , ..itisfaçâoq ue são capazes de proporcionar aos do nos . J\'las a
clade de sua situa çàa, Está encantado com a remota idé ia d \'I\ 1 11rl osidade por um paJito de cientes , um limpador de ouYidos
felicidade. Em sua imaginaçã o, essa pa rece a vida de a lgum , 1 1111 l1rn aparelho de co11ar unhas, por qua lquer bugiga nga des-
1 tipo, não é tão man ifesta. Sua comod idade pode se r igual-
superior, e p ara asce nder a ela consagr a-se a p erseguir p,11
sempre riq ueza e honra . A fim de ob ter as comodidades qu, 1mme g rand e. mas menos impressio name, além <le nàv apr e -
es.sas coisas proporc ion am, submete-se du rante o primeiro ,1111 1 l,fflllü~ tão pron lamt ntt: a satisfação do home 1 n que as possui .
ou me lhor, durante o primeiro mês de seu e~forÇó, às malc11 1 ,to, ponan to , objetos de vaid ade rnenos razoáYeis do que a
fa<lig~ corpvrais e à maior pe rtur bação elo esp írito do qu\.' 11 111 .•Hnificênci a da riqueza e da g randez a; e n isso cons iste a ún ica
da ~ a!, qut= poderia sofrer du ra nte su a vida int dra 1 se não h o11 \ ,11110.gern dest as (1ltim a s . Satisfazem ma is efetivamente aquele
ve5se am bicionado ho nra e riqu eza. Estu da para d istingl 1il 11 11or:à distinção. tão narurn l no homem . P~mt quer n vivesse'
em alguma árdua p rofissão . Com a m::üs incansável ded ic:.1,·, tu ,!IZinhonuma ilha des erta, talvez fosse duv idoso que urn p a-
traba lha d ia e n oite para adquirir wle nros superiores a tod11 l,1d o ou u ma coleção dos pequenos utensílios. que por vezes
os seus cornpeiido res_Em .segu ida, esforça -se para exibir cs:,1 1 ,1hcm numa caixa de quinq uilharias, pudessem co ntribu ir
talen tos ao púb lico, e com igua l cuidado solicita toda oprnh1 n1:1ispara sua felicid ade e de leite. Se vive e m comp an hia de
nidade de os empregar. Para isso, faz a corte a tcx:laa humm 11 11111 ros, com efe ito, não há comparação 1 porq ue nesse 1 corno
clade , serve aos qu e odeia, é obsequioso com aqueles a qul·111 ,•m Lcxlosos outros casos , se mpr e levamos mais em coma os
despreza. Du rant e toda a sua vida , persegue a idéia de n· ,111 1•1uimentos do espectador do q ue os da pesso a diretamente
rep o uso artificial e elega nre. qu e talvez jama is a lcanc~ e 1wl11 11nvolvida e constclera mo s mais co mo sua situação se mostra-

q ual sacrifica um a tranqüilidade verdade ira qu e a todo o t<..·111 1,1 .10s outros, qu e como se mostrará a ela mesma . Poré m , se
po es1á a seu dispor; repouso que, se nos extremos da vell1111 1•1cu11inarmos po r qL1e o espectado r dis tingut:-com 1al adm irn-
chega por fi m a conq uistar, descob rirá que não é . d e mod11 \,IU a co n<liçào dos ricús e poderosos , desco briremos qu e não
a lgum , prefer ível a essa humilde seg uran ça e cunt e n1.arnc n 111 t 1bcdccc tanto ao ócio e praze r de q ue su po 5tamcnte dcs fru-
que abando n ou por de. É t::ntão, nos Liltimos arran cas de :-11i.1 1,tm , quJ.nto oos inumerúveis ex pedient es art ificiais e elegan -
vida , o COfJXJ exaurido por fad igas e doe nças, o esp ír ito an 1:11 1t'S ele que dispõe m para obte r esse ócio e esse prazer . N~1rea-
gurado e as.5alta00 pela lembrança de mil ofe nsas e eles ilus()l• lkbd e, o espectador n~o imagina qu e gozer n de maior felici-
que imagina procederem chi.injustiça d e seus inimigos ou d.1 cl:1de qu e as outras pessoas : imagina qu e dispo nham de mais
p e rfídla e ingr atidão do s amigos , quan do fina lmente com c<;:1.1 1ncios pa ra alcançá -lo. E a princ ipa l causa de sua ad miração ra-
se dar con ta de que rique7,a e honra são mero s enfe ites frívolti dica na enge nh osa e inve nt iva ada ptação desses meios para
em nada mais cap azes de propicia r alívio ao cor po e tranqui ,1 finalid ade para que foram criad os . Mas no langor ela e nfer-
!idad e ao espírito do que os es to jos dos aficionados po r bu1,11 111idadee no cansaço da velhice1 d esaparece m os prazere5 d05
gangas e que, como elas, são um fardo mais pesado para quL·111 vaos e quimé ricos sonhos de !,rr,mdeza. Para algu ém q ue se en-
as carrega, que cômoda:; pela so ma de vantagens q ue pocl· ro ntre nessa situa ção, esses prazeres já não possuem atração
riam proporc ionar. :\lenhuma o utr à verdadeira d iferença hl1 c..:11 ~l1ficíe nt e para recomendar os penosos des velos que antes o
tre e les, exceto que as comod ida des ele u m são mais notáv<.:I" t>c.: uparJ.m. No fundo d e se u coração amaldiçoa a amb ição e em

11 1///)1 PARTE 225


224 M( !N 1
TEORIA DOS SEJ\71Jv/ENTOS

vão lame nta a despreocupação e indo lência ela juve ntu de, 111 ,lquina ou eco nom ia que a prod uzem. Os pr::izere s da ri-
, 111
zeres que se foram para se mpre, e que to lamen1e sac~c.uu 111 p11•za e da:; honra s, consid erados desse ponto de vista com -
algo que, quando o possuiu, já não pode lhe proporcio nar 11111 1,h)(0 , atingem a imaginação como se se trata sse de algo gran -
satisfação verdadeira. Tal é o miserável as p ecto que ofcr<..•, 1
ll11•K>, belo e nobre, cuja obtenção va le b em todo o trab a lho
gnrndez a a todo hmnem reduzido, por melanc o lia Ol l dm 11 , 1dclado que tão d ispostos es tamos a lhe d edic ar.
ça, a observa r atentamen te sua própria situação, e a consi~k-t li 1~ é bom qu e a natu reza se impon ha a nós d essa mane i-
o que rea lme nte falta p~ra sua felicidade. Então, JX>(ier e nqm 11 (,:ess a ilusã o que dá or igem e mantém em con tínu o movi-
za se mostram co mo n~ verd ade são: gigantescas e trab alho" 1 tHl'l\lOa destreza do s ho men s . É o que primei ro os incitou a
máq ui nas fahrica da s para produzi r algumas poucas ins iµnll 1 uhlvar o s010 1 a cons trui r casas, a fundar cidad es e esta dos e
ca ntes como di dade s para o co rpo, consistindo de mo las lwl 1 i Inventar e a ap e rfeiçoa r todas as ciên ci as e artes, que e no-
e delicacL'ls que se d evem manter em bom esta d o com a n111 I 1t,1,ccm e embe lezam a vid a h u mana ; que mudaram toda fa-
ardorosa ate nção , e que, apesa r d e todos os nossos cuidad1 1 1 do g lobo, transformando as rudes flore stas naturais em pla-

estão semp re prontas a arrebentar em mil ,1Jedaços , esmaga_mh1 111dc ~ (plains) agra.dáveis e férteis... o insondável e esté ril ocea-
em seus destroços, se u infeliz don o. Sào tmt!ruos edH'ícios q111 111 1 cm nova fonte de subsist€:ncia 1 e na gra n de via de comu -
exigem o trab alho de uma vida inteirn para se re m crgu iclrn,, 1 ulr:tçào e ntre as dife renk: ~ nações da terra. Por ca usa d.esses
tod o mome nto ameaçam d ominar quem nel es hab ita , e qui 11,1h:.llho.-, hum anos , a terra foi obr igad a a redobrar sua ferti li-
enquanto e~tâo de pé, embora possam po u pá-lo de algu m do ,1.ide natural, para manter um númer o maior de hah itantes.
meno res incômod os, não o pode m proteger de ne nhu ma dJ rli lo é cm vão que o altivo e insensíve l senho r fe ud a I vê seus
mais severas inclemê ncias da es t ação. Afastam as chuv a~ eh ,m1plos campos e, sem pe nsa r nas ca rê ncias de seus irmão s,
verão , não a tempes tade d e inverno, mas a todo o te m~ o dd 1 e1 nso me em imag inaçào tudo o que a li está p lantado. Nun ca
xam cad a vez ma is exposto à ans iedade, ao med o, e a dor ; ,1 11 provérb io popular e comu m, de qu e os o lhos são rnaio res

doenças. à ira e à mo rte. do que a barriga, confirmou -se maís que nesse caso. A capa ci-
Mas ainda que essa filosofia biliosa, familiar a tod os 1.·111 1l,1dc do seu estôm ago nã o manté m nen huma propo rção co m
tempos de doença ou in fortúnio, dep rec ie de modo ca,o abso ,t unensi dào de seus desejos , pois nâo recebe rá nt1cta a lém cio
luto os grandes objetos do desejo hum ano , qua ndo dt::.:sfrtnu 1111e o ma is vil camponês. É obr igad o a distr ibuir o q ue -;ohr:1
mos de me lho r &'lúd e o u melho r humor, jamais d eixamos dt
cons ide r.1-los sob um a.:spt:ctomais agradáve l. Nossa imag in:,
ção, que na dor e no sofriment o pa rece con finada. e ence rr:1d.1 • Segund o os editores Raph::tel e Madie, pod e 11ào ~a .,sar de col ~d
de ntro dos limites de nós mesmo s, em te mpos de co nforto 1 1lfncia Sm ith repet ir a fo.1se j5. encontr.1d:i no Di1cm1rs 5lU' / orf g/111
! (Jl l(',\)C J/1
prosperidad e exp and e-se p ara tudo que. nos rod eia: ~nca nt.1 1/,mu•nt.s d' inégalité pann i /e5 hom mes, de J.-J. Rousse au (p ublic ado <.: 111
17';5).~1es vastcs forê ts se changérent en des Campag ncs riantes..:•. No cn
no s então a be leza do conforto qu e rema nos palaao s e nu 1,!ntO, lembr am que também t:' poss'ível ~~ie Smith c:ittjn contcs .t and ~ Houi:-
eco~omia dos poderosos, e admiramos oorno n.1do concorre p:i w ,1u, para quem o sur gimen to d:i propri eda de e~tabelec ,e a m_aissé nn clc~l-
ra promover sua tranq üilid ade, para evi tar que lhes falte algo1 Htlt1ldade e ntre os homens. Com efeito, para Smith a ex1stên.cia. da prop1·1c.: -
e para divertir seus mais frívolos desejos. Se co nsider,mno s pt 11 dudt.: não funda a des igu ald ade , uma vez que há uma mão mv1sivcl govc1-
si só a sat isfação que tod as essas colsas são capazes de pro 11rndo a di.stribuição eq ulrn.tiva d o.s bens
O trecho recém-cit;1.dode Roll'>seau conclui-se da seg uinte m:mcir:1·
porcionar, separada da beleza de disposi çilo adequad a para suti ,,s vastas florestas se tr.i.n sfonnara m em campos risonhos que cl impria rcg:u
citá-la, sem pr e pa recerá mu ilO desprez ível e trivia l. No enta11 , rnn o suor dos homens e nos qua is logo se viu a escravidão e a mlsCri:1l(CI'·
to raras sao as vt:":zesem q ue as vemo s sob essa luz abstrat:1t· 111111,uem e medrarem com as searas • (Discurso sobre as on'gcns o osf,111dt1
fil~sófica. Em nossa imagina ção, natura lmente a co nfundimo ~ m l •111os da des ígua ldn de e11treos homens , São Paulo. Matt ins Fontes, 1993,P

co m a orde m, o movimento unifo1m e e harmonioso do sistemn, 1')0: Gailimard . 1985, p. 105) . (N. da R. T.)
226 7F.ORIA DOS SF.,·\'TIME.i\'70S AIO/.' 1 INIA PARTE 227

entre os que melhor preparam o po uco de que ele faz uso. t 1 , 11.1dariedade com cocheiros condutores de canuagens que
tre os que arrumam o palácio em que se co nsumirá esse 11 r 1llnmem de espirito público encoraja o conserto das estradas.
co, entre os que provêm ~ 111 amêm <::m ordem todas as ch\t r 11111tk> a leg islatura esrabelece prêmios e outros estímulos pa-
sas miudcz.-is e bugigang.1.s em pregada~ na economia <lahom 1 11 progrc~u da~ manufatu rds de là ou linh o, t:S!la cundula
entre todos os que de seu luxo e capricho extraem a po1\,h , 111t n1c procede de mera simpatia oom o usuário de roupas
das necessidades da ,·id:1 que debalde teriam esperado de ,11 111 ou harata5, mu i10 menos com o manufaturista ou comcr-
hum anidade nu ele sua justiça . Em todos os terr-.pos. o prod 1h ltllt '. A perfeição d, política, a extensão do comércio e das
do solo sus tenta aproximadame nte o núm ero de ha hiranre~ q11 1111111f.1111r:1.s, ~'10objetos nobres e magnífico..,;;.Agr.ad:1-noscon-
é capaz de sustentar. Os ricos apenas escolhem do monlc" 1 111pl;'1-los. e interessa -nos tudo qu e tenda a promovê-los. Pa-
que é mais precioso e mais agmcL1.vel. Consomem JX)UCO 111.11 111parte d o gmnde sistema de governo , e as rodas da máqui-
do que os pobres ; e a despeito de seu natural ego ísmo e 1.1 1 política pa recem mover-se co m mais harmonia e facilidade
pacidadc, e mbora pe nsem tão-somente em sua própria como u 1lll'i0 deles. Sentimos prazer em contemp lar a perfe ição de
didade, embora a única fina li dade que buscam, ao emp rc~.11 111 hl'lo e gra ndioso sistema, e nos senumos intranqüilos até
~ Lrabal h~ de::muitos, seja satisfazer seus próprios dese jos v:u, 11Kwcrmosqualquer obstácu lo que JX)SSa pemirbar ou esror-.
e insaciáveis, apt:!1:1r di:s~o di videm co m os pob res o produto o n11nunamente a regulariclacle ele seus mov1memos. Toda s
de todas as su~1sme lho rias. São co ndu .ddo:s por uma nu1o 111 o1 1u11stittiiçôes de governo , entre tamo, são valor izadas apena s
visível• :.1 fazer qu~1sea 1nesma distr ibui ção das nccc:;s idad\ 111 pmpo rção em que 1enclem a promover a rdici<ladt.: Jo::i 4 ut!
da vicl;1qu e teri:1 ,;;idofeita, caso a terra fosse dividida em prn l\'l 'tn sob elas. Esse é seu único uso e propósito . Porém, por
çàes iguais entre rodos o~ -;eus mor~-1.dores;e assim, sem io 11111 ,·c ito etõpírito de sistema, po r um certo amor à ::utc e ao cn
tenção, sem saber. promovem os interesc;;e~ da sociedad1:, 1 1•nho, parecemos às vezes valorizar mais os m eios do que
ofe recem me ios para multiplicar a espécie. Quando a prm 1 , !ln~, e a e-.rar :1110:.iosos po r promover a felicid::i.cl
e de nos-
dência dividiu a terra entre uns poucos orgtilhosos sen hort.'"' 11•,:-;cmelhantes mais pelo intento de apetfeiçoar e melhorar
não se esqueceu e ta mpouco abandonou os que pareciam h·, 11111 certo sis tema ordenado e belo, do que por uma sensaç.1o
ficad o fora dessa partilha. Também estes usufru íram sua pa, 011 ,c.:mimemo imediato do que os outros sofrem ou gozam.
Le em rnclo o que a terra produz. l\o que se refere à \Crd.i h•m tu.vida homens de grande es píri10 públioo, que se reve-
deira fdicidadt: da vida humana , n:lo são em nada infe riorc.••, l u.un em outra; aspectos pouco sensíveis para com os sem i-
a os que pareceriam estar tão acima dele:s. Ko confono do cor 1.u•1,tos elahumanidade. E, ao contrário , tem ha\·ido hom ens ele
po e na paz de espí rito 1 todas as di ferentes posições da vid,1 1,11 \c.lC hum anita rismo , que parecem inteiramente va21os ele es-
es1iio quase no mesmo nível, e o menc:Hgoque se aquece ao 50J puito públk.v. 'Toe.lohomem pode encontrar no drc.:ulo <.leM! US
junto da e:-1mda f'K).;;.,;;ui;1 seguranç-.J por que se batem os rei,
11,nhecidos exemp los de um tipo o u out ro. Quem alg um <lia
O mesmo princíp io, o mesmo amor ao sistem a , a mt•, 1,•vc menos humanidade e mais espírito público do que o cc
ma consideração ela beleza da ordem. da arte e da invenção, l1•hr:1do legislador da Moscóvia ?- O socia l e bondo so Jaime I
freqüememente servem para recomendar as instituições ql1t· d.1 C.r:-1-Rr e t :m h :1••, ,10 cont F.trio, parece que ti\'er~ potica p~1i-
tendem a promover o bem-estar público . Quando um patriot.1 \,lo. Lanto pela glór ia, quanto pelos interesses ele seu fY-! Í~. Se
se empenha pela mel horia de qualquer pane da pol ítica pllbli 1k.•.-.cj arc~ despertar a diligência de um homem que pare ce q ua-
ca, sua conduta nem semp re na sce de pura simpatia pela felici ., · moIto para a ambição, com freqüência não adiantará des-
c:laclt: Uo:, que c.1da vao co lher be neficias . Comumente, não t·

• l>eclro, o Grande, czar que fundou S.io Petersburgo. ( N, d:i. K T.)


• Con f(:'rir A 1-IIJIIPZl'I dt1s 11a5,-&x, IV , ii, 9. (N , da R T.) •• l'SM, P:ute li , Seçio 1. C:ip. Ili, p. 88. (\1. d3 R T.)

228 TEORIA DOS SE,VTJMEN70S .Il i N t 1/(lil l'AKl"E 229

crever-lhe a fe licidade do:, rico:, e poderosos; d izer-lhe qu(· • 1 1 juslas, razoáveis e praticáveis, são, entre toda~ as ob':'5
'\l'

gera l C5tâo sob o abrigo de so l e ch uva, que rara mente p, •.,.,11 1 1•-iixx·ulação, as mais úteis . Até as ma is fracas e piores na o
fome , rnrnmente passam frio, raro.mente são expos tos ô.fodiJ,1 1111inteira ment e desprovidas de ut ilidade. Servem ao men os
ou :a qualquer espécie de carência . A mais e loqüente exu,1 1 11.1.mimar as paixões públicas dos hornens e incitá-los a pro-
ç~o desse tipo rerá pouco efe ito sobre ele. Se dese jares tt.•1 .,1 •H.H meios de promm·er a felicidade d a sociedade.

ces,;;o, deves lhe descrever a comodidade e d isposição cio.•,1 I


feren tes apartame n tos em seus pa lácios; deves ex plicar~lh1 1
conve niên cia de suas ca teças, e chamar-lhe a atenção p; 11,1 CAPITULOIl
número , a ordem 1 os diferentes cargos de todos os se us <:tl1• /)a beleza que a aparêncta de utilidade confe re aos
dos. Se alg uma co isa é capaz ele o impressionar, é essa. ~11 ca racteres e ações dos homens; e em que medida
toda s essas coisas te ndem apenas a manter afastados sol e dm a percepçao dessa beleza pode ser considerada conw 1,1,n
va, a poupá-loo da fome e frio, elascarências e da fadiga. 1,1 dos prin cípios de apro i,·ação ori.ginais
mesma maneira, se desejares imp lanta r a vinude púb lic,1 11"
peito do que parece desatento dos interesses de seu país, 11111 1 Os caracteres dos homens, bem como os produtos de ~ne
tas vezes _.,era inútil falar- lhe das van tagens super iores de q111 ,11 ,1s institu içõesdo governo civil, pod em servir ou p ara pro -·
gozam o:, .súditos de um &:it.adobem governa do; que e.st.ão 111,1 ,mNcr ou p:tra perturbar a felicidade , tanto do indivíduo quan-
bem alojada:;, mais bem vestidos. mais bem nutridos. Essas cor, 11i ti:I sociedade. O caráter prud ente. eqüitativo e diligent e, re-
sidernções habirun.lment e não causam grande impres&io. É mu 1IL110e sóbrio, promele prosperidade e satisfação, tan~o para
prováve l que o persua das se descreveres o grande sistem: 1 (~ 1 própria pessoa. como para rodas as que a e la se relaciona~.
serv iços públicos qu e trazem essas va ntagens; se exp licare~ , \o contrár io, o ímprudente , o inso lente, o relaxado , o efcm1-
relações e as d ependên cias entre suas várias partes , sua subo 11,1do e volup tuoso, pre nun cia a ruína do indivíduo, e a des -
dinação mútua umas ãs outras, sua subserviência universal .1 Mf,l\,>I de rodos com que mantenha alguma relação. O primeiro
felicidade da sociedade; se mostrares como es.,sesistema podr d,•,ses modos de ser tem pelo menos toda a beleza que pode
ria ser introduz ido no seu país, o que impede isso de oco m ·1 .,dornar a máquina m ais perfeita jamais invemada para _pro-
no momen to, como se poderiam remover esses obstácu los, p.1 move r o mais agradável fim; e o segundo, rcx.laa defonmdade
ra que todas as várias rodas da mãquin a no governo pudessc.·111 d.1mais desasu-acia e dt::sajeitadd invenção. Que instituição de
se mover com mais h armonia e s uavid ade, sem raspar um:1, HOVt:mo pvderia se r mais adeq u ada para promove r a felici-
nas outras, se m recardar os movimentos umas da s outras . É qu.1 d.1de dos seres human os que a prepond e rância da sabedoria
se impossível um hom em ouvir um d iscurso como esse e n:u 1 \' da virtude? Todo governo não é se não um re médi o imp er-
se semlr animado e m alguma medid a de espírito público. Ao k·i10 paro a deficiênci a destas Portanto, a bel~~ que possa p ~r-
meno s por ora, se nt irá als um de,:s.cjode remover esses obs1.1 lL'11cerao governo civil por causa de sua util1d~de necessan~-
culo s, e de pôr cm mov imento uma máqui na tão bela e orck mente d everá co rrespo nder em grau m uito maior à sabedo n a
nada . Nada pred ispõe tanto a promover o esp írito público qunn l' :i v irtud e. Ao co ntrário, que po lítica civil pode ser ma is rui-

to o estudo da política - os vá rios sistemas de gove rno civil, nor,a e des u·utiva que os vícios dos homens? Os efe itos fatais
sua s v;mtagens e desvantagens - , cfa const ituição de nosso p~•ío.;, de um mau governo se devem unicamente a ele não pr~t egc r
sua siruaçào e interesses com re lação a naç(>es estrangeiras, sc11 suficienteme nte co ntra os ma les causados pela pervers idade
comércio, sua defesa, as desvan tagens sob as quais opera, o, humana .
perigos a que pode es tar ex posto, como remover umas e de.• Essa be leza e deformidade que os caracteres demonstram
fender-se contra as outras. Por essa razão, as digres.5Õespolí11 retirar de sua utilidade o u inconveniência rendem a imp ressio-
2j0 TEORIA DOS SENJ1MENIOS /\/IIN1 tl(J /\ PARTE 231

nar de man eira pec uliar aos que co nside ra m em abstr :Ho ~ ll to ou desaprovação . Sem d úvida esses sentimentos estão
losof icamente ::1s ações e a con du ta dos homens. Quando 11 11\.idos e intensificados pe la percepção da be leza ou deformi -
filósofo examina por que se aprova a humanidade e se c<»ul 11il1• que resu lta da utilidade ou da no. J\'las, apesa r disso , insisto
na a cme ldacle, nem se mp re forma pa ra si de modo d:1111 1111111 t: são or iginal e e§encialmente distintos dessa percepção .
distinto o conceit o de uma ação particular. seja de <-rueldac.k-, Anles de mais na da, pa rece impo ss íve l que a aprovação
ja de humanidade, ma s habitualm ente se conte nta com a II h 1( \Ihtuele seja um sent imento da mesma es péc ie que aque le
vaga e indetenninada que as desi gnações ger ai s dessas q11 1 11meio elo q ual a provamos um edific io cômodo e bem pro-
!idades lhe su gerem . >lo entanto, é só nesses casos p an in li ' 1,1do; o u que não tenha mo s ou tra razão parn e logiar um ho -
res que a conveniência ou inconveniência, mén to ou dl'111 1111 111qu e n ão seja a mesma pela qual reco mendamos um ar-
rito das ações sàu óbvios e discerní ve is. Apenas quanclo Sl' , l 1 111,ido cum gavelas.
exemplos paiticulare;:::sixxlt:mos pe n..:ebe r com t.listinçãu o :u 11 l! m ~t:gundo luga r1 caso se exam ine bem, descobr ir-se-á
do e desacordo entre nos.ses própr ios afetos e os do agc.·n1 1111• a utilidade de qual qu er d ispos içào de es pfrito raramente
ou ainda sent ir, num caso, que surge u ma gra ticl1.ode solldd , 111/ititui o pr ime iro fund ame nto de nossa ap roYaç ào, e qu e
riedade p o r ele, ou de ressentimento) no outro. Quando rt ,11 1 111•nt imento de aprovação sem pre imp lica um se nso de con-
sideramos virtude e vício de m:ineira abstrat a e gera l, prni'I • nlên cia mu ito d istinto da percepção de utilidade . Podemos·
que as qualidade s qu e provocam esses d iversos sen rim(•11 11 1h~ ·1Vd. r isso em relação a todas as q ua lidade.'; aprovad as como
em boa parte desaparecem, e os sentimentos mesmos torn :1111 11111 osas, tanto as qu e, segundo esse sístem a, são orig inalmen -
se menos óbv ios e discerníveis . Ao co ntrário, os efeitos felizc 11 eonsíde radas úteis a nós mesmos , q uant o as qu e sâo esti -
num caso, e as conseqüênc ias fata is, no outro, pa rece m eru.111 u111das por causa de sua utilidad e para outras pessoas
erguer -se ame a nossa vista, como se des 1acassem e se separ.1 As qua lidades ma is úte is a nós mesmo s são, em prim ei-
sem de todas as outras qua lidades de um e outro . 111lugar, razão e ent end imento su pe riores, que nos capacitam
O mesmo autor engenhoso e agrackivel que pela pri111c1 1 dL5c ernir as conseqüên cias remot as de todos os nossos atos ,
ra vez exp licou por que o útil agra da impr essiono u-se w 11111 ,, .1 prever o benefício ou preju lzo que provavelmente resul-
<.:om~sa maneira de ve r as coisas, que reduziu roda a nos~, 1.1r:10 de les. E, em segundo luga r, o autcx:lomínio q ue pennit e
aprovação da virt\1de a uma simples percepção dessa espfa 11 d,stermo- nas de um prazer momen tâneo , ou de .:,---upo 1tar uma
de beleza que resulta d" aparência de utilidade . Nenhuma qu., dor presen te, a fim de obt er um prazer maio r, o u eYirar uma do r
lid~de do espírit o, adverte, é aprovad:1 como viltuosa, sc n:lt• 111nior no futuro . Na união dessas dua s qual idades con siste a vir-
as que são úreis ou agrnd{iveis, seja para a p rópria _pessoa) s1.·11 111<.Je da pru dê ncia, de todas as virtudes a ma is útil ao indivíduo.
para outra; e nen huma qualidade é desaprovada co mo vicio No que se refere à primeira dessas qua lidades , já se obse r-
sa . exceto as de tendência con Lrária •. E. na verdade . a Kat u vou ~nteriormen te que ra7..àoe en tend imen to superior es são o ri -
reza ao que parec e ajustou de modo tão feliz nossos senrirm:11 ~!nalmeme ap rovados co mo justos, certos e precisos, e não
tos d e aprovação e desaprovação à conveniência do indivídu1, ,1pena s como úteis ou vantajosos . É nas ciência s m ais abstrusas )
e da soc iedade, que após o mais rigoroso exame se desco b1i 11ot. 1damente nas altas matemá ticas, que se revelaram os maio-
rá, creio eu, q ue se trata de uma regra unive rsal. Não obstanlt', 1cs e mais admiráveis esforços da razão huma n a. Mas a utili-
afirmo que nào é o m odo co mo se vê essa utilidade ou es~· dade dessas ciên cias, para o indi víduo ou para o púb lico , n ão
dano que consti tui a primeira o u pnnc ipal fonte ele noSS:1.apro (•ó bvia, e prová-la exige u ma de monstraçào que nem sempre é
lacilme nte en tendida . Não foi) portanto, sua utilidade que pn-
• David !fome , Treatise 011Human ,-Vature, Ili, ii i. i (ed . Selb y- Bifü,ld
rneiro as recomen dou à admiraçã o públi ca . Pouco se ins istiu
. da R. T.)
(:-.l" nessa qua lidade , até que se tomou necessár io responder ele

JI \N'/11PARTE 2.33
232 1EORJADOS SENTik!ENTOS MCJH,1
, 11i11o agente na observação desse modelo de conduta. O pra -
algum modo às ac.usações dos que, não tendo gosto po r t:.\11
. 1 que usufruir emos dentro de dez anos nos interessa tão
blimes espec u lações, esforçam-se por depreciá -hs como inUlt'
,111 co em comparação com o que talvez goze mos ho je; a pai -
Da me sma maneira , wn to sob o aspecto da co n vcn l, 1 \11 c1ueo p rimeiro despena é , natu.rdlmtnte , tão fraca em co~ -
eia, como da utílidade, aprovamos o autodomín io por nu 1 p u,u; :1o com a vio le nta e moção que o segundo pode oc asto-
do qual refrea mos nosso s ap etites p resentes a fim de satl.-.1 11u que um jamais poderia compensa r o out ro, a não se r am-
zê-los me lhor em o utra ocas ião . Quando agimos dessa 111 1' 11,1do pe lo senso de conveniência, pela co nsc iência d~ q ue
neira, os sentimentos que influenciam nossa conduta pa re..,1 1 1wcce mos a estim a e ap rovação de tcxlo o mundo ao agirmos
11
co incidir exa tamente com os d o especta dor . Este não ex pt·r 1.. 11 1n modo , e d e que no s torn aríamos, ao nos po rtarmo s do
menta as súplicas de noss os apetites presentes. Para ele. o p1, 1111ro modo, ob jetos apropriados de seu des p rezo e es~ám io.
zer qu e vamo s usufruir dentro de uma semana ou um fino l lurnan ida de, justiça, ge nerosi dade e espírit o púbh co são
tão interessante quanto o que estamos usu fruind o neste 111 •~ qualidades mais úteis aos outros . Anteriormente exp liquei em
tant e. Quando , po isi pelo bem do presente sacrificamos o fuu ,1, lt ' consiste a conveniênc ia da. humanidade e da iustiça, e mos-
ro, nossa co ndu ta lh t parece ext ra.Yagante e abs urda ao extu 1wl quan to nossa esuma e aprovaçao dessas qualid ades depen-
m o, e é incap az de co mp a1til har os princípios que a infüwn ll,11n do acordo enue os afetos do agente e os Uos espectado1e.:,
ciam. Ao contrário, qua ndo nos abstemos de um praze r prc:-;l•11 A conveniência da ge neros idade e do esplf ito públi co ÍL!n
te, a fim de assegu rar um pra ze r ma ior futuro , quando agi illt ,1.1se nu mesn10 prin cíp io que o da justiça . A gene ro sidad e é
como se o objeto remoto nos int e ressas se tan 10 quanto o qu ll:-.1inta de human idade . Essas duas qua lidades que à pr ime ira
pre.,;siona imediatame nte nos ,sos sent idos, qua ndo nos sos alt vhfü1parecem tão in tima m ente ligadas nen1 ,;;empre pe rte ncem
tos co rre';po ndem exata mente aos seus, ele sempre ap rm 1 i mesma pessoa. A hum:rnidade é a virtud e de uma mulh er, a
nos.so compo rtament o; e, como sabe por experiência qu ão p<n1 l{l'n c ros id ade, de u m homem. O belo sexo, qu e com um ente
cos são capazes desse autodomínio, o lha noss a co nduta com 111 111muito mais tern ura do que o nosso, raram e nte te m ig ual
muita es tranheza e admiração . Daí surge essa em inente c:~u ~1.m e rosidade. A lei civil observa que as m ulh eres po ucas vc-
ma com que todos os homens consideram natura lmente a nr ll 'S fazem doações co nsid eráve is9. A human idade consiste me -
me pe rs everança na prát ica da fruga lidade , diligência e de dl 1,11nentena refinada solidariedade qu e o espec tador nutre pe-
cação, ainda que dirigidas apenas para aqu isição de fo rtu1u lc>ssent imentos das pessoas prm cipalme nre afe tada .si a fligin -
A firmeza reso luta da pessoa que assim age e que, a fim <.k do-se pelos so frime ntos delas, ressentindo-se com as ofen5as
obter uma vantagem g rande , embora remma, n ão apt:nas 1t· que lhe s fazem, e alegrando-5e com sua boa sorte . As ações
nun cia a todos os praLe res prese ntes, mas s upo11a os ma io 1nais humanas não ex igem abnegação nem autodomí nio, ne m
res trabalhos, quer do espí rito, quer d,o corpo, neccssariam<.:n um gra nde esfo rço do senso de co nveni ênc ia. Consiste m si m-
te o rd ena nos sa ap rovação . A pe rspectiva de se u interesse 1· pk.>S mente em fazer o que essa refinada simpat ia por , ;;.i ~ó nos
sua felicidad e, que parece regu lar sua cond u ta, correspo ndi• Incita a realizar . O mesmo não ocorre com a generosidad e .
exata me nte à idé ia que naturalme nt e formamos d ela . Exi~ll' Nunca somos generosos, sa lvo quando de algum modo pre-
a mais perfei ta corre.o;;.rxmdência e ntre os seus sen timento .,;;e· fe rimos outra pessoa a nós mesmos , e sacrifica mos algum
os nossos, e ao mesmo tem po, por causa de nossa experiê n gnmde e importante interesse próprio por outro igua l int e-
1csse de um am igo ou de alguém que é nosso superior. O ho-
eia da comum fraq ueza da natureza hu m ana, não é razoáv(·l
esperar -se tal correspondência. Não apenas aprov amo s, po1· mem qu e re nun cia ãs p rete nsões a um cargo q ue fo i grande
tanto , mas, em ceita med ida, adm iramos sua conduta, e a ju l
gamos merecedora de co nsideráve l apl auso . Un icamente :,
9. Raro mulieres do11aro .)'()ltml
consciência dessa merecida ap rovaç-Jo e est ima é capaz de am
234 TEORIA DOS SENTIMENTOS 111 lh'J:il PARTE 235
objeto de sua ambição, p:>rque imagina que outro LeH n mMUC, se, derramando-o, co ntribuir com um pro pósito tão va-
dire ito a ele: o homem que expõe sua vida para defenU· 1 1 1, o. O heroísmo ele sua conduta consiste, por senso de dever
seu amigo, que julga ma is valiosa que a sua, nenhum clck•,. ,k• ,o nveniênc ia, em vergar a ma is forre ele rodas as incli -
am bos os casos, age por l1umanidade, ou porque sinta m " 1~0t:.'>naturais. J-1 {1 muilü~ ing!e5e5 honratlos a (,,,jUt.:::111
par t i-
imensamente o que se refere a OLllrapessoado que o qu,· li 1111nnt:llle a pt::rda tlt: um gui néu t ra ria mais inqL1ic ta ção do
diz re.spt'ito . Ambos consideram esses imeres....<;(!s
opo sto~, 11 11111•., pe ida nacional ele Minorca , mas que , se estivesse cm seu
,l luz em que natura lmeme aparccern a <:lt::.':l,
mas em qlu,• 11 1M1,kr a defesa dessa fortaleza, prefeririam mil vezes sacri ficar
rcccm aos demais. Para qualquer circun5tant e, o êxito 0111 11 u.1 vida a deixú b cai r, por culpa sua, nas rnàos do inimigo.
senraçào dessa outra pessoa p ode. com justiça, ter m ois 1111 1J11 indo o primeiro Bn1n1s levou seus próprios filho-. ao cada-
resse do que o êxüo e conservação próprios; mas é impi, ' 1I',(\ rorque havimn consp irado co ntra a nascente lil:X!rdade
vei que seja assim para e les. Porta nto , quando sacrif,cam, fk 1 I,•Roma, sacrificou o que. se consultasse o próprio peito. re-
interesse dessa outra pessoa, os seus próprios in1eresscs, .u 1 -ia a mais forte das débeis afeições. Bmru s deve ria na-
1•l,1r-::;e
modam -se aos sentimentos do espec tador. e, com um c.sfi li\ 1111.1\mente sentir muito mais a morr e de seus filhos do que
de magnanimidade, agem segundo a opinião que sabem tk·\1: h ,dos os possíveis ma les de que Roma reria pad ecido por fal -
rã naturalmente ser a de um terce iro qualquer . O so ldad o, 111 1.1de tào grande exemplo. Porém , via os filhos não com o lhas.
sacrifica sua vicia para defender a do seu oficial talvez lo~ dl· pa i, mas com os ele cidadão romano . Tão profund amente
pouc o afetado pela mort e dest e se acontecesse sem nen hu11 nmpanilhou os sentimentos próprios destacond ição, que não
cu lpa sua, e uma pequena desgraça que o tivesse abat ido 1,tl h·u importância ao laço que o un ia aos filhos; e para um ci-
vez provocasse uma dor mais viva, Mas quando se esforç,11, l,1cl,10romano, os filhos de Brutus, ixistus na balança com o
ra ag ir de modo a ser aplaudido e a obrigar o espectador 111 meno r dos intt:fe.'>.'Ses de Roma, part'Üam dc ~p , ezívcis. Kes.se
parcial a panilhar dos princípios de sua condma, seme q111 crn 1odos os outros casos semelhantes, nossa adm iração se
p,ua Lodo o mundo, mt:no.-. p,1ra ele, ~ua vida t:: u1Tu1ninh, 111.1 lunclamcnta menos sobre a u1ilidadc que sobre o insólito, don-
comparada com a do seu ofic ial, e que, sacrificando uma pt k· .1 grande, nobre e sublime conve niência de tais ::1ções. Cer-
L'loutra, est..'lrá agindo muito apropriadameme e em co nfo 1;11nente,quan do contemplamos essa utilidade, compreendemos
midade com o que seriam as apreensões naturais de iodo o l ir que lhes confere unrn nova hel e1..a,e por essa razão as reco -
cunsrnn te imparcial. rnenda ainda mais para nossa aprovação. Porém. essa be leza é
O mesmo ocon-e com os m~1iore!; esforços de espíri to pu principa!mcme percebida por hom ens de reflexão e espec u la-
blico. Quando um jovem ofick1Iexpõe sua vida para aumcnt.u (:lo, e n.:loê, em abso lu10, a qua lidade que p rimeiro recornenda
cm muito pouco os dom:ínios de seu so bera no. não é porqu, 1:iisações aos sentimentos naturais <la maio1t1 ck:>shomens.
a aquisição do novo tenitório seja, para ele mesmo, objeto m:11 Deve-se obse rvar que, na medida em que o sent imento
desejável do que a conseivação da própria vida. Para ele, MI.I de ap rovação se deve à percepção da beleza da utilidade, não
vida é infinitamente mais valiosa do que a conquis ta de um r<.·I 1emrelaçào algumt com os sentimentos alheios Por conscgu in-
no inte iro para o Estado a que se rve. Mas ao compara r es..\c.."' lC, se fosse possível uma pessoa crescer e 1oma r-se adulta sem
dois objetos, não os di\'isa sob o p:>mo de vista em que natu qua lquer comunicação com a socie<latle, aixsar di~, ~uas
ralmence lhe aparecem. e adota o da na ção pela qual esU lu .1ções 1xx lt=riam lhe ~r agradávc:is ou d1::sagrad~heis, segundo
modo . Pam ~ta, o êxilO da gu<::mtt! im(X)rtanüssimo e a vida c.k· h.:ndesse m para sua felicidade ou desvantagem. Pod eria per-
un-1indivíduo pan icular q uase não tem conseqüênc ias . Qu~111 cebe r urn a beleza dessa espéc ie na prudênci:1, temperança e
do o oficial 5e co loca na situaçào dos outros, imcdiatamcnt\· na bo a cond uta , e uma deformi dade no comportamento opos-
compreende que não esta rá sendo pród igo demais com S'-'º 10; de um lado poderia considerar seu próprio e,1rJter e tem p e-

236 Tl!ORIA DOS SENT/ME/\/TOS ,\fl 1//A

ramento com essa espécie d e salisfaçào com que vemo:-. 1111


mãquina be m cons truíd a, ou, de outro, com essa espéd1· 1
desgosto e insatisfação com que co ntemp lamos um objeto 11111
to incômodo e inconveniente . l\"o entanto, romo essas JX'ht 1
çõcs são apenas questão de gos to 1 e guardam t<Xlaa fn18ilil ,H
QUINTA PARTE
e de licadeza dessa espécie de percepção - 5obre: cuja prcl 1
se fundamenta o que se chama propriamente de gos to I l111
v-..tvelmentealguém que se encontrasse nessa condição so111.111
e miserável não lhe s da ria atenção. Ainda que lhe oco rresw u
antes des.se contato com a soc iedade . não teriam em absol11h
DA INFLUÊNCIA DOS USOS
o mesmo efe ito sob re ele, que teriam como conseqüência de• E COSTUMF.S SOBRE OS
se contato. A mera idéia de sua dcfonnidade não o abateria n 111
a verg onha interna, nem a consciência da beleza oposta p11 SENTIMENTOS DE APROVAÇÃO
duziria nele a exaltação de um secreto triunfo do espírito. A 111
çâo de merecer recompensa 1 num caso , não o faria exul tar, 1w11 E DESAPROVAÇÃO MORAL
tn:::meria ante: a suspe ila de um merecido ~igo, no o utro. 11
dos esses sentimen tos supõem a idéia de algu m outro ser q11 CONSISTI:NDODE UMASEÇÃO
fosse o juiz natuí.11 da pessoa que os experimenta; e é apc.·1M
po r simp atia com as decisões desse árbitro de sua condu ta, q11
pode conceber ou o triunfo d e aplaudir-se a si mesmo, o u íl wr
gon ha de se condenar .
CAPÍTULO 1
na üifluência dos usos e costumes sobre nossas
noções de beleza e deformi dade

1W outros princíp ios além do s já enumerados , que L:Xt· r


, 1,1co nsiderável influê ncia sobre os sentim entos mo r:1is d:t
11,0,rnniclade,e são as pr incip ais causas d as d iversas opinlt X.·~
1111'Ht 1lares e discordan tes que prevale ce m nas difert mc:, ép<>l,l!'i
u ,~ôes, quanto ao que é censur:1vel ou luuv ávd. Es:;c:;p r in
lplt}'i são os usos e os costum es, que estendem seus do mí nio~
i<luc nossos juíz os re lalivoo a toda a es p écie de lx: h.:z~1.
Quan<lo dois objeto s são fre qü ent emente vistos junLos, :1
u11.1wnação adq ulfe um hábito de passar facilmente de urn :-1ou
1111Ql i.mdo o primeiro apa rece , acredita mos qu e o seg undo v,1i
, Huir. 11or si mes mos, um nos faz lem brar o outro, e a atcnç.lo
11..111.~l facilmen te po r e ntre eles' . Ainda qu e, ind epende nte
11,111H c do costume , n:1o haja ve rdade ira beleza na su~1 uni:l.o,
11111,1 vez que o cosn.1me os assoc iou dessa mane im1 expe rim c n-
1.unos uma inconven iência em sua separa ção. Ju lgamos um
.1,k•s des ajeita do quando ap arece sem se u usu al aco mpa nha-
·nLo . Sentimos falta de a lgo que esperávamo s e ncon Lrnr, e a
111,
11,l)ltual dispos ição de nossas idéias pe rturba-s e com essa fn.1s-

• Confim-se Davi d Hum e. Trealise 0 11 Human Natu re, ~Enquirie,:;Co n


1, ng Human Und ersta nd ing", V, ii, 43--4 (ed . Selb}'-B
111l igse). (N. cl:1R. T.)

1\1.· \ /JAR1'E
240 TEORIA DOS SENrIMENTOSMI 11/
111ml:11nmenos rapid am en te do que a s de roupa , pu rq u<.:
tração. Um traje, po r exemp lo , parec e carecer de algo, M' 11 11ncn te a mobilia é mais duráv el. Ge rahn t::nle, po ré m , c m
1111
está presente o ma is insignificante ado rno que habin1td111 1, 111,,1i )li sei.5anos sobrevém uma completa revo lução, de modo
o acompa nha , e reputamos vulgar ou inconve niente até 111e·11 , 11 1rnlo homem, ao longo de sua vida , vê vári..'lsmu dança s nos
a ausênc ia de u m botão . Quando existe algu ma convenl1•1u 1 1 Os prod utos
tJl11• das outras artes são mu ito mai<;.duradou -
naturol na un ião , o costu me aumenta nosso senso de la , 1 1 -.e foram imaginados de ma ne ira feli z, pod em continua r
1, .

uma di spos ição diferent e pa.rece r ai nd a mais d esa grad (i,1 1111 ,IUun<liro uso que lhes deu feitio po r muito mais tem po. Um
que de outro mod o seri a. Os que se acosrumaram a ver rot 111111()bem conce bido pode durar muitos séculos; uma lx: hi
ele bom gosto al:x:>rrecem -se ainda mais com rudo que seja HII 111pode dest inar-se , por urna es p éci e de tradição, a várias
seiro ou d esa je itado. Quando a conjunção é impróp ria, o 1 11 , 1,1\0C S sucess ivas; um poema bem escrito pode durar tanto
cume red uz ou remove inteirament e nosso senso de in c;t111\1 111011 0 o mund o; e todos continuam por sécu los a fio impri~
niênci a. Os que se acostumaram à desordem desleixada 1x· 11l111 1 lrnk>voga àq u ele estilo, gosto, ou modo p~1rtic ula r, .scgL 1n
todo o seu senso de esme ro e elegâ ncia. As modas de 1n<111111 l 1 1 ,1dH um dele s foi comp os to. Poucos llornen.s tt: 111 opor tu
e roupa que parecem ridícu las para es trangeiros nao in~ult.01 i,.l.ldl' ele ver, durame sua viUa, os usos de qualque r uffl fl
os que se hab ituarnm a elas. 1 ~.,s :.11tes mudar cons ideravelmen te. Pou cos horné n.~ l~ t"rl
O uso é diferente do cosrume o u, antes, é: uma c:,,p t 1 1 Hlh 1c11tt: expe riência e co nh ccimen lo do s vários uscl't mí:,;
parti cular de costume . N:lo se tra ta do uso que todos manH 111 +H~1).:s e épo cas remotas, a ponto de se rccon cilbn .•111COtll
mas do qut:: é man tido pe los de posição social ou carát1.• 1 1h t,,.., ou podere m julg~1r imparcia lme nte e ntre isso l' o (l \\ t'
vado . Os modo s graciosos 1 naturais, dignos dos pod e roso~, .1 111n·em se u próp rio tempo e país. Poucos homcn:-, prnt:111
10. 1•,;1~0 dispostos a conceder que os usos ou co~tumt'S t·:<n
::iodad os à habitua l rique za e magnifi cê nc ia de s uas vesres, um
fere m gra ça ao p róprio figurin o que lh es ocorr e usa r. Na 1111 111 considerável influê ncia sobre seus juí1.nsrel:ttivos no quv l'
d ida em que co nt inu am :a us ar esse figurino, relacion an.•111 11 1 11, , ou, de outro modo, sob re a produ ção de qua lquvr dl'~-.:,s
lo e m nossa imaginação à idéia de algo refinado e majcst\f •
111,·~. Imaginam que todas as regras que deveriam, sl'>.: undo
11 11,:im, ser observadas em cada uma c.lm;mtc.:::.::i :,e fund:1111
1111
que , embora em si mesmo indiferent e, parece ter, po r ca11 1
111,10 \.! na natureza, não no há.bilo ou preconceito. Uni po u
d essa relação, algo de refinad o e ma jestoso . Assim que pt M111
111lnho ele atençao , comudo , pode rá o:mvcncê los do c:01111 -(i
de lado esse figurino, toda graça que manifestava possu ir :1111i 1111 L' provar-lhes que a influência dos uso s e cos 1urnes sohr(.'
se perde , e, sendo u sado agora apen as pe las condiçõe s l111t 1
1" trajes e a mobília não é mais absolut,1 do que é sobre a
riores, parece ter algo da vulga ridade e falta ele graça dc st.i
O mund o todo concede qu e as vestes e a mo bília t·~11 11q 11itctura , poes ia e mús ica
Pode-se , por exe mplo, ind icar qual quer razão por que o
jam inteiramen te sob domín io cios usos e costume s. Porl:m , , \1 1 q1l1el dó rico dev esse ser adap tado a um pilar 1 cuja a ltura se
modo algum a influê ncia desse s princípios se limita a um: 11 1t lµua! a oiLOdiâ metros; a voluta jônica, a um pilar de um por
fera tão est rdla, es tendendo-se a tudo o que de algum n1nd• 1t1>V1.:; e a fo lhagem coríntia, a um em d ez? A co nven iencl.:1d e
St"ja objeto de gosto - mú sica, po esia, arquit etura . As mod.1 1 ,1d a uma dessas adaptaçõ es só pode se fundar no háb ito 1.:
ele roupa e mobilia estão cm rons tante muda nça; e a expc l'lt•11 • 11stt1me . Ten do-s e hab ituado a ver uma dt:te rminad a prop or
eia nos convence de que estilos, ridícu los hoje, mas aclniil,1 \ .ltJ assoc ia da a um de lerminado adorno, o olho se ofend eria,
00s cinco an os atrás, devem su,1voga principal ou inteiramt nt• 1 ,1-,0 não estive:;sein associados. Cada uma d::is cinco orde n-.
aos cosn1mes e usos. Roupa s e mobília não são feitas de n1,1 1,n11:>eu s adornos específicos, que não pod em ser trocado s 1xJ1'
reriais mu ito duráve is. ü m casaco caro de mora um ano p:11, 1 1111tro, sem insu ltar todos os que sahem a lguma co isa das rc-
ser pro d uzido e por isso, co mo a moda. não ma is é capaz d1 ),\t,1~de arquitetura. Com efeito, de acordo com alguns arqu ite•
divulgar o figuiino seg undo qua l foi feito. As modas ele moh1
242 TEORIA DOS SENTIMENTOSAli 1/, 1 1111/'Ai/Tfi

to s, tal é o refinado juízo com que os amigos indicar:1111 \' 1 c ao ve rso herói co de dez sílabas em ing lês . O cu::iLu
lh ,1111 -
cada ordem seus adornos própr ios, que nã o se podem 1.·11111 h I uma na ção associar às idéias de gravidade , .sublimida-
trJ.r outros igualmente adequados . Em rera nto, parece u111111, 1 ,,1•rlcda de àque la med ida que a outra relacionou com tudo
co difíci l conceber q ue essas formas, embo ra sem dúvld.1 1 111 ,, .,k:gre, irreve n.::nte e cô mico . Nada se mo straria mais
trcmamcnt c agradáve is, fossem as úni cas que possam~\' ,111 1udo t:111inglês do que uma tragédia escrita nos versos ale-
qunr a essas propo rções , ou que nâo haja quinhenta .,; rnll1 franceses; ou cm francês, do que uma obra da mesma
111111/nos
que , previamente do costume esrahelecido, não lhes M'II 111 p, 1 li:, cm versos d e dez sílabc1s.
igual mente bem adequadas . Porém, uma vez que o co:-.1111I1 1hn artista eminente d eseja provocar uma consideráve l mu-
estabeleceu regGlS particulares de construção, contanto qlh • 111 111,.1 nos modos estab elecidos de cad a uma dessas a1tes, e
sejam absoluta ment e insensatas, é absurdo pensar em alt<.• 1,1l 1 1111,11 luzir um novo fe itio p ara a escrita, música. ou arqu iterura.
por outras que sejam apenas igualmente lx>as, ou mesmu 1• w~1cs de um agradáve l homem de alta pos ição se recomen -
outras que, do ponto de vista da elegância e da be leza, tcn li 111 , 1111 por si, e, por mais peculiares e fa ntásticos qu e sejam, em
naturalmente tuna pequena vantagem sobre elas. Seria ridu 111 1111 '\\. ' l'ierfio admiradas e cop iadas . Do mesmo modo, as exce-
o homem que aparecesse em público i.:om roupas dif e 1\· n 11 1 111l:i:~de um mestre eminente recomendam suas peculiarida-
elas habitualmente usadas ~ por mais grncioso e adequado q11 11 , e..·suas mane iras tornam-se o estilo da moda na ane que .
seu novo traje fosse cm si mesmo. E parece haver um :1hi,u1d1 p1,111r:1. Nesses últimos cinq üenta anos , o gosto dos italianos em
do mesmo tipo em ornar uma casa segundo maneiras bem< 11f1 11\ll'lk: .1 e arq u itetura sofreu considerável m udança, po r imita r
rentes dás prescritas pe los usos e cosnunes, ainda que os 1H1\11
1~ pc..· uliaridades de algun s mt:SLres t:m im::ntes em cada um a
c.:
ornamentos sejam em si um pouco supe riores aos com un 'i.
11'i"'as .aJtt:s.Quin liliano acusa Séneca de ter corrompido o gos -
Conforme os antigo s re tó ricos, cerra medida ou ve r~o I t 1
'" ckn, romano.s, e de ter introduzido uma bel eza frívob nos
naturalmente apropr iada a cada espécie particular de prosa, 1)1•I
11111 ~cntos da razão ma jestosa e ela eloq üên cia ma scu lina: Sa-
expressava natura lmente o caráter, sentimento ou paixão q111
111 ,,1lo e Tácito foram acusados por outros d:is me,o;;masc01sas,
dever ia predominar . Diziam que um verso era adequado p ,11 1
obm s f_.rraves,OlHrO para alegres, e não podc.::1iam,~egundu In 11 • 111h ora de um::i.man ei ra difere nce. Alega -se que dera m rep u -
savam, ser intercambiadoo sem gra nd e inconveniência•. Mw, 1 11i.;to a um e.1-ti lo que, embora m uito conciso , elega nte , expres-
experiência dos tempos modernos talvez contrad iga esse pn11 lvo e :ué poético, carecia de d ese nvoltura , simp licidade e na -
cíp io, emOOr:1 em si me smo parecesse ext remamente prov, , 1111:1lidade, e era obviamente p roduto d a mais esme rada e es-
vel. O que é o verso burl es co em inglê s é o verso heró ico l'111 11 1dacla afetação . Quantas grandes q ualidades deve possu ir o
1 "lt'ri tor que assim consegue toma r agradávei s os seus defei-
francês . As tragédias de Racine e a Henriadan de Voltaire ....u,
1 l'i1 Dep ois de louvá- lo po r refinar o gosto de uma nação, ta l-
quase iguais, em verso . com
\t'Z o maior e log io que se pcx:le fazer a um autor é dize r que
"Let me haYe your advice in a ,;veighty affair.',.º 1i1L• o co rrompeu . Em nosso próprio idioma) o Sr. Pope e o
D1'. S\vift introduz iram, cada um, uma manei ra distinta da
O verso burlesco em francês, ao contrário, é bastant e M' que ante riormente se p rat icav a e m todas as ob ra s escritas e m
d1na, um em versos longos, outro em versos curtos. A origina~
!Idade de But lcr cedeu lugar à clar eza de Swift. A liberdade
• Aris tóteles, Poética, 1459 b3l•I 460a4 ; H,ir:kio, Ar.-. Poc>fica, 73.<m 1·rrante de Dryden e o coffe-to, m1s muit::tsvezes ted ioso e pro-
(N da R T.) ~.iico, l:ingor ele Addison , não mais são o bje tos de im itação.
•• Poema ép ico de 1723, escritoem versos alexandrinos . (N. da R. l l
... Trndu zindo lil~ra!mi;:nte: "Dai-me vusso conselho num nd to~,, Agora todos o.s versos longos são escr itos à maneira da ner -
assumo. " (N. d:1 R. T .) vosa precisão do Sr. Pa pe .

244 TEORIA DOS SEN77 .HE/V1YJS Mt J/J 1 245


Tam pou co é apenas sobre as produções da a11c q111 , 11 1n1111 :1is com ela do qu e uns com os outros. Portanto, a forma
uso s e costumes exercem seu domín io. Influenciam igu(1l111 11
1, ,1.. 1·
1>..,tumeira é em cada espéc ie de co isas, segundo o padre
te nossos juízos relativos à be leza dos objetos naturais. <,>11.11 11ul1h 1r, a mais be la. Daí que cen a prática e exp e riência de con -
ras formas variada5 e opostas sao cons id eradas belas e m dU 1npl.1r ca da espéc ie de objetos é ne cess ár~a, an tes de pod~r-
remes espf:cies de caisas1 As prupo rçt.Jes que se.:: admira111111111 m '" ~11 wir sua beleza, ou saber em que consiste a forma media-
.animal são inte irament e distintas das que se: apreciam em <11111, 111 , , mais usual. O mais sutil dos juízos relativos à be leza da es-
Tod a classe d e co isas tem u ma conformação peculiar, q111 l , li' hu man a não nos ajudará a julgar a be leza das flo res ou
aprova, e possui uma be leza própria, distin ta da be leza c..k,, , 111,, ,M1!0s, ou de qualq uer ourra espécie de coisas . Pela m es -
das as out ras espécies . É precisament e po r ess a razã o q,.w 11111 1111 1,1z;Jo , em d iferentes climas e on de ex iste m diferen te s cos-
enidiro jes1.1íta, Pm.l re Buffier, detenn inou qLae ~ he leza d(· 1 1 llltlll"i 1..::modo s de vida, na medid a em q ue a gene ralida de de
da objeto cons iste na forma e cor mais comuns e ntre co is:1~1I 1 ptidtjlJ e r espécie recebe um:1 conformação d iferente daque-
grupo patticul ar a que o objeto pertence . Assim, na form:11111 111 1·1r ct mstâncias , preval ecem as difere nte s idé ias de sua bele-
mana a beleza de cada traço res ide em ce rro meio-teimo, ig11 ►d 1 A beleza de um cava lo mo uro não é ex ata me n1e a mes ma
mente retirado de uma variedade de outras formas qu,· '· '" ,1, '"" c iv•lo inglês. Quantas idéias distintas a respeito da bele-
feias . Cm nar iz b elo, por exemplo, n ão é nem muito comptl ,1sfom,as humanas e do rosto fom1am-se em diferences na -
1( 1
do nem mui to cutto, nem mu ito reto nem muito cu rvado, 111.1 l oc•s1Uma pele clara é uma d eformid ade espantosa na costa
uma espécie d e mei o-te rmo entre lOdos esses extremos , e;: 1111 d.1(Juiné . Lábios grossos e na riz cha to são be leza . Em algum.as
nos diferen te de cada um de les do q ue estes são entre si. É a li ,1 u,,~·<:ies, o relhas compridas penduradas até os ombros são obJe-
ma a que a r..-arur eza parece rer visado em todos eles, da qu,11 11,. de admiração gera l. Na China , se o pé de uma clama é gran -
port:m, e la se desvia por uma grant...le variet...lade de linh ;1~, t d1•:, ponto de poder-se andar sobre e le, ela é considt1:'~ª um
muito raram e nt e ace r1a com precisão, e com a qua l tcxlo.:iL· 111 rn1.stro de feiúra. Algumas na ções se lvage ns da Amenca do
ses desvios ainda guardam forte semelhança. Q uando se l.11 Norte amarram quatro tiras ao redor da s cabeças de suas cr ian-
uma quanti dade de dese nhos segundo um padrão, embora I! 1 \•'·", e.spremt::n<lo-as e nquanto os osso s são tenr os e maleáve is ,
dos sejam difere ntes d este num áSpec to, ser::lo mais parecldt, p.ira res u ltar numa forma qu ase perfeitame nte ~q~iadrada . ~s
com ele do que une; com os mitro,; o cari'iter geral do padrão h 1 1, 1iropc us fic-J.mhorroriz..1.dosante a ab surda ~ rhán e des .~ pra -
de traspassar por todos e les; os ma is sing ula res e b izarros .,l. llrn, à qua l alguns missionãrios imputaram a singular obtusidade
rão os que mais se afastam dele; e posto muito poucos _o c.·1, d 1s nações entre as quais preva lece. Mas. ao conde~rem es-
piem com precisão , as linha s mais acura das terão maior se1m M'S .-elvagern,, não refletem que a.sdamas na Europa , ate poucos
lhan ça co m as mai s descu idad as do que as descu idadas ter;li 1 ,1110!)atrás, esfo rçaram-se durante qua se um sécu lo para ªI?ert a r
entre si. Da mesma maneira, em cada espécie de criatura, a m~11-. ,1 be la redo ndez de suas formas naturais para ob te rem 1gual-
be la traz os caracteres mais fortes da estJutur J. geral da espéck, 111cnte uma fonna quadrada . E que, apesar das muitas distorções
e guarda a mais forte seme lhan ça com a maior parte dos in div1 l' doe nças q ue essa prática sab ida mente ocasio nava ,~ c~s~~-
duos com que se dassifica. Monstros , ao co ntrário , ou tudo qrn· mc a torn o u agradáve l entre algumas das naçõc:::smar.s c 1v1li-
seja comp letamente <leformatlo , .são sempre mais s ingulares l' zadas qu e o mundo 1arnais ren ha cornt.:!mph1do•.
bizmTOS, e guardam a meno r sem~lhança çom o gê nero da e.:-
péc ie a que pe11encem. Assim, a beleza de cada esp écie , e mb o
rJ. num se ntido a ma is mm de tod as as coisa s, porqu e pouco.,, • Em seu ensa io "Doo cani bais\ Mo nt':iigne e~tabelece a romparaçáo
indivíduos atingem precisamente essa forma mediana, em outro l'i,tre os co1>111mesdos civilizado s e os
costumes dos selvagens, para entàó
, 11:-pendcr o juízo so bre quem se ria,
de ntre os dois grupos humanos, o
se n1ido é a mais com um , porqu e todos os desv ios se ass eme-
h.1rbaro. (K da R. T.)
247
TEORIA DOS Sl:.!\TL+tEi\7'0S Ml 1111
11,\1111
PARTE
246
, por mais absurda e fant ástica, com a qual o costu me não
. Tal ~ o ~istema desse erud ito e enge nh oso p ad re, no 111 111!,1 a nos reconciliar, ou que o uso não torne até mesmo
diz respe ito a natureza da beleza, cujo encanto todo , segu111I 111l.1vda nós . Mas o ca ráter e a condut a de um Nero ou de
ele , pareceria se or igin ar assim da sua co ncordância com h
bitos que o cosrume imprimira na imag in ação, re lativos tis l l
11 11t ,l.1udio é algo com que costume algum jamai s nos re con -
111u ,1, e uso algum jama is tornará agradá vel ; um semp re se-
sas de ~ada espécie pa11icular. Poré m, não posso ser indwhl 1 11hjt.:to de horror e ódio, o out ro, de escárnio e zomba ria.
a acreditar qL'.e nosso senso de beleza, mesmo ext e rna , 1lllll l 1 1 1r!11cí p ios da imaginação, dos quais depe nde nosso senso
mente-se in teirame nte sobre o cosn1me. A utilidad e de cada 1,,1 1
,1, hl'ieza, são de nawreza mu ito su til e delicada, e podem se r
ma, sua adequação pa ra os propósitos úteis para o:s qu,d:--1+ 111ll111ente altera dos por háb ito e educa ção; os sentimentos de
<lesi_gt~da,evidentemen te a recrn nen d;un, e a tomam agrad,1,, I 11, 111,ação e desaprova ção mo ra l, contu d o, fundamenram-.st ::::
a nos, tndepe nclen.te ment c de cost um e. Certa s co res são 11111 1111 11 1:iisfortes e vigorosas paixces da natureza humana e, ainda
agr~dáveis do que outras, e dão mais deleite ao olho na 1111 11 11•possam de alguma forma ser distorcido::-,nunc a pode m ser
m_etra vez que as conte mpla . Uma superf ície macia é mais :11-'11
1111,•h ,1incnte perven idos .
<i'l.~1 do. que outm áspera. A variedad e agrada mais do que 11tnA Embora a influê nc ia d os u.so.st: cost u mes sobre os senti -
uniformidade redio.sa e se m diversidade . A va riedade cmwx 1 1111 •ntos morais nun ca seja lâo grande, é todav ia pe rfe iramen-
em qu e cada nov a apar ição parece ser inrrcxluzida pelo qu1·A 11 "lt'mclha nt e à q ue ocorre em todos os outros casos_ Quan-
antecedeu, e em que todas as partes reu nida s parece m ni:111 !111o.~usos e cos tumes coincidem com os prin cípios naturnis do
ter uma rela ção natural entre si, é mais agradáve l que o amon • 1 110 t: do en ad o, aument am a d elic:ctdez.a de nossos sen timen-
toado desconexo e desordenado de ob jetos sem nenh u ma 11
l~aç~o em.re :i..
Embo ra não poss a adm itir que o costume sc:jH , ,
11'" • l ' intens ificam nosso ho rror a n1do que se ap rox ime do mal.
1 l"I qtic realmente fontm educados junto à boa companh ia, e
unteo ~nnc1pt0 da be leza, posso aceitar , co ntudo, a ve rcl:uh 11lo 1unto ao que habitua lmente se cha ma assim , que foram
desse sistema engenhoso, na me dida e m que co nce d e Qlll' 1 11ni;Ltunados a enxergar nas pessoas a quem estim am e com
raro ex istir um a forma externa tão bel a a p:,mo de agradar 1 qHt·in conv ivem nada além de justiça, modésti a, hu m anidade
ao mesmo tempo ser inte ir.amem e cu nlráría ao costume e dl , hrn disposição, ficam mais agastados co m tudo que pareça
f~reme de t~do a qu e fomos aco::;turnad os nessa espéc i~ p; 11 111ronsistenteco m as reg ras prescritas par essas virtudes . Ao
tJcul ar de c01sas; ou tão defom1ada que não se ja agradável, l'i 11111trdrio, os qu e tivera m o infortúnio de ser criados no meio d a
o costume a to lera uniformemente, e n os ha bitua a vê- b 1..·111 , !olência, licenciosidade , falsida d e e injuSli~-a, perdem não ape -
cad, ind ivíduo d.a mesma espéc ie . 11.1stod o o senso da inco nveniênc ia de tal cond uta , ma is ain-
1l1ttodo o senso de sua terrível enormidade, ou da ving an ça e
1
.u,,ligo que lhe são devklos. Fami liarizam -se com esses vícios
CAPÍTULO li dvsde a infância, o co sturn c tornou-os hab in.1al, e estão mui -
Da in:fluência dos usos e costumes sobre 1!1pred i~po:;tos a co nsiderá -los como o que se chama o je ito
os sentimentos morais do mund o, algo que pod e ou dev e ser praticado para impe-
tlli que sejamos logrados por nossa própria inte~ridade .
Uma vez qu e nossos sentime ntos relativo.s a redas as e~ Ta mbé m o uso por vezes dará repu tação a certo grau de
pécies de beleza sofrem a influência do s usos e costumes , nâ!l di..•so rdem, e, :-10 contrário , d esencorajará q ualidades q ue m e-
se pode espera r qu e os sentime ntos relativos à beleza da con rt•ccm esrima. No reinad o de Carlos IT1 certa licen cios idade foi
d~t a este jam inteiramente isentos do d omínio desses pri ncf 1 <>ns iderada caracterís tica de uma ed ucação liberal. Segundo as
pios, Porém, aqu i sua irú1uência parece muito me nor do qut: i.:111 11oc;ô es da época , estaria assoc iada à generosida de , sincer ida-
todo o re sto. Talve:t: não haja uma forma par-.,i.os ob jetos extcr

248 TEORIADOS SENTIMEN70SMOA't 1 /\ I , 1 PARTE


249

~e, mag~an imidadc, lca ldade 1 e provava que quem agia tlt lt 11 .1os d iferentes período s da vida cab em d iferente s mo -
sa man e ira em um cava lhe iro , não um puri tano . De out 1•n 1 11speramos na velhke a grav idade e a tr,;1. nqü ilidade que
do, seve ridade nos háb itos e conduta regular estava m inh 1 ! ,111 La.:za~, a lo nga exp eriê ncia, :1 sen sibilidade esgotada pa-
ramen1e fora de moda, associando -se, na imagina ção da q111 1 111torna r natu rais e respe itáveis; e acre ditamos encontrar
le temp<:, .com arenga , astúc ia, h ipocr isia e modos vu lgar, 1 i 111wn wdc a sensibil idade , a leg ria e vivacida d e de espí rito
Para espmt os superficiais, os vícios dos grand es em rodo 11, 1111 ,1 ex per iência nos ens ina a esperar a partir das fortes im-
tempos parecem agrad áveis. Associam-nos não ape nas ao 1 •11 ,-.1)!.!S que todos os ohjeros interessantes conseguem produ -
plendo r da fortuna, mas também a muitas virtudes superio11 111111~ se ntidos tenros e inexperie nt es d esse período da vid a .
que atn?uern aos que lhes são superiores; ao espírito de lihi·i ida uma dessas duas idad es , porém, facilmen te pode ter
dade e ind ependênc ia, à fmnq ueza, gen<:'.f0sidacle 1 hu mamd.1 11•s~ dessas pecu liarid ades que lhe pertence . A descuida-
de e polidez . A:5vi1tude.s da gen te de posição soc ial inferior 11 1
i t (,·viandade da juvent ud e, e a inamovív e l insens ibilidade d a
~ntrário~ su~ ~rci ...
moniosa frug alidade, sua penosa diligên~ h1 1 \hkc são igua lmente de sagra dáveis . Os jove n s , co n forme o
s~a ~desao n.g 1da as re gras, parecem- lhes vulgares e desai1,1
j+I•-vt1b io pop ular 1 são ma is agradáveis quando há ern seu com -
~ve1s . Assomun-nas tanto à vile2a da pos ição a que es.c;:isr111,1
IH111 ,tlll ento algo dos nxx:ios dos velhos ; e 05 veil1os, quand o
!idades com umente pertencem , como a inúmeros e imeri..so.sv i
11Wrllalgo da alegria da juventude. Ma~ cada um deles pod e ter,"
cios q~e, supõem , acompanh am -nas hab itualme nte tais co111 11 l 111lmente, exces.so dos modos do outro. A extrema friez., e em-
um a disposiçã o abjeta, covarde, doent ia , me ntiros~ e ba ixa•
1• 11,1dafonnalidade que são pe rdoada s na ve lhice tom,1m a ju-
. _Como os. °?jetos c_omos ~:1ais homens das dife rent es p1 t 1
t mude ridícula. A k.."Via nda de, a despreocupaç~o , a vaidade ,
fiss~es e pos1çoes estao fanul iarizados são muito cliferent<.•.-..
11111·:são permitidas na juventud e, tornam a velhice despre zível.
habit uan do-os a paixões muito dif erentes , natura lmente foi
mam -se neles caracteres e modos m uito d ive rso.s. Supomos ..:m O caráte r e os modo s pecul iares qu e o costume nos le va
1 ,111'1hu ir 3 cada c un,d:a socia l e profissão talvez tenham às ve-
~da cam ada .so~~al ~ profissão um grau do::i modos q ue, t: 11
1·~ uma co nveni ência independente do costume: e const ituem
sma-nos a expenenc1a, pertence m a elas. Porém assim como
~os agrada particula nn ent e em cada es pécie de ~oisas a con 1l1toque deve mos aprov'J.r por si mesmos,se consi deram1os to-
f1m~ção med iana q ue, em tod a parte e feição, coincid e mnh 1!.1,.;:-1s diferences ciramstâncias qu e naturalment e afetam os qu e
1 11tao e m diferentes es tág ios de v ida . A co nven iência do com -
prec isament e oom o padrão gera l que a natureza parece tl'f
estabelecido para co isas desse tipo, em cada camada socia l, i Kll1amento de uma pesso a depende da adequação, não a qual-
ou, se me p~mlitem diz er:..em cada espéc ie de homens, agra •111 r circunstância de sua situ ação, mas a todas as circun stâncias
i:.:
da -nos partJ.cularmente nao te rem nem d e mais nem de nw 111 1c 1 quando fazemos nos.so o se u caso, sen timos que na tura l-
~.os d? carát~r que h.abitualmeme acompanha su a co nd ição l' 1ncnle ex igiriam a sua atenção . Se apa renta esta r tão oc upada
s1tuaçao particul~r. Dizemos que um homem deveria parecer-Sl' 1 om qualqu er uma dessas circun st.âncias a ponto de n eg ligen-

com se~s negó cios e sua profissao e se us ass un tos, embora o t hir por comp leto as demais , desaprova mos sua cond uta co mo

pedanusrno de cad a profis são seja desagra dável. Pela mesm:t 111 ~0 de q u e não podemo s pa rtilhar inte irame nt e, po rque não
\'Sl~• adeq u ada men te ajustada a tod as as circu nstâncias da sua
Nltuaçâo, contudo, talvez a emoçã o q1.1etal pessoa exp rime pe lo
• -~ R~stauraçào Stuan 0660) trouxe à \'Oga antigos coitesâos e no ohjcto que mai s a interessa não exceda aqu ilo que deveríamos
bres, caídos ern desgr.1ça d uran te as guerras civis (1640- 1660) , Era hábito .1provar e com que simpa tizaríamos inte iramente em alguém
e ntào nd 1cula~1zaros p~riranos, grandes protagoniStas dessa s guerras, acen
tuu~do su ~ º,1'' 8.cm soc ial e seu feiv or relig ios o, sobre tudo a ên fa se n a prc rnj:1 atenção não fosse reque rida por nenhuma outra coisa. Na
gaçao, a d 1sc1p lma e a aleg açào de santidade dos propósitos. (TSM Parte 1 vicl~1 p riva da , um p ai poder ia, em face da perda d e seu único
Seção III, Cap. U, p . 62). (N_ da R- T.) , ' 1ilho . expressar sem ce nsura um gra1.1de pes ar e ternura que
250 TEORIADOS SENTIMEll/7D.\MI •H 1 I\ I ti PAR113 25 1

se ria imperd oávd num genera l qu e C5tivcsse à frcnt<..·d1 1·1 ronv iria melhor àqueles cujas vida s estão con rinuam en-
exérc ito, quando a glória e a segur.:tnç a púb lica exigem lr\h •1 1 l(postas a um pe rigo inco mum, e qu e deveriam, portanto,
ment e a sua atenç:1o . Assim como diferentes obje ros d (·\· 1·11 , up.u-se mais consu n temenre com as idé:ia5 de mott e e suas
1par 3 aten ç?ío d e hom em, de dll 1·1
em ocas iões co ,nu ns, cx..1. ,11,('<]Üf:ncias, do que os outro s home ns . Mas é prova.velmen-
tes profis sões, paLxões rào d ifere ntes deveriam natur.1lm1 1 • ,;1 1nesma circunstânc ia a razão po r que o modo d e se r
1o rn ar-se lrnbituai.,;;a eles; e quan do, nesse asp ecto pa 11/c 1111 11~1. 0 tanto prevale ça enu-<:
111 : home ns dessa proflSSào. Ao exa-
fazemos nossa a sua situação, devemos perceber que t0<.l:
1(k 1 11l11, 111nos co m fim 1eza i:: ate nção o med o da mo rte , é nec es-
rência dev e ria afetá- los mais ou m enos, co nform e :1 l'!lll •~ u 11, um e~ru rço tão grande para do miná-lo, que os homens
que SUS(,ita coincida com o hábito e temperamento fixo ,k.·" , u1'i1:ulle.::rncntc cx:pos tos a isso co n.~idera m mais fácil afasta r
espíri tos ou deles divirja. Não poderemos esperar de um l l , 111rh .unente seus pensai:nen tO$ de ma ne . cobrir-se de uma se-
go a mesma sensibilidade para com os alegresprazeres e dh, 111i111ça e ind iferença desc u idadas, mergulhando, para tanto,
Umemos da vida q ue creditamos a u m ofici al. O hom em l 111 rn todo tipo de divertiment o e d issipação. Um acampa men to
oc u pação p ec uliar é lemb rar ao mundo o terrívc:::1futuro 11
11 ,nllh:ir não ê o ambient e para um homem pe nsativo ou mela n-
os aguarda, que deve anunci ar as pt.)!:i~ívt:bcon~ üênd,1!'1ht nlko ; de fato. p essoas dessa dis pos ição freqüentememe sao
nes ras de todo dc:;vi o das reg m:; <lo dev e r, e qu e dev e dar , 1 1 h1,1.1ntc dere nnin adas, e capazes, com grande esforço, dt: avan-
pró pr io, o exe mp lo da ma is exa ta co nformida d e, p:m:("l' 1 11l'<Til inflexível reso luçfio para a morte inevitável . No t::n l ant o,
men sageiro de novas que não pod em ser p ropria mente tr .tn 1 t,1rexposto a perigo co nst ante, emborit menos imin ente, se r
mit idas co m leYiandade ou indife rença. Supõe-se q ue S(• 111 1hdg.1do a p raticar por longo te mpu um gra u desse es for ço,
pírito esteja co nt inuam ent e oc upa do co m o q ue é d e rn;.1:-,1.ul, ~ ,u re e dep rime o espirita, mm anc.lo-o in c-.apaz de toda felici-
grandioso e so lene para deixa r es pa ço para as impressões d1 1l.11 lc e regozi jo. Os alegres e cli::ocuidados , que não têm oca.siào
ses objetO'i frívo los que preenchem a atenç-Jo dos alegres e th 1 11 fazer esfo rço alg um , qu e ho nestamente reso lvem nun ca
diss ipados . Pron ta ment e percebemos q ue, ind e pend en tl' du 11ll1:1rem frente, t: sim dissipar em contínL10<iprazeres e diveni-
oosn 1me . há uma conven iên cia nos modos que o costu me d1 lllt'ntOS toda ansiedade com sua situaç-- ]o , su portam mais facil-
tennin ou a ess a p rofissão, e qu e nad a pod e ser ma is aclequ ,11111 lll L'nt t: es.sas c ircunstân c ias . Sempre que , por qua lquercirc un s-
ao caráter de um clérigo do que a sever idade grave, arn,tt·1.1 1lncia pecu liar, uin oficial não tem mot ivo pa ra acr ed itar-se
e absorta q ue est amo s ha bituados a esperar em se u co rnp c,1 ,·xf><)6 to a um perigo inus itado, pode muito bem perder a ate-
tamen to. Essas reflexões são táo óbvias q ue dlflcilme mc l 1.1 }(lb e a dissipada desp reocupação de caráter . O capitão da guar-

verá um homem tio imprude nte qu e rnlo a.s tenha feito alg u111, ' 1.,d:1 cidade é habi1ualmente um animal tão sóbrio, cuidadoso e
vez , e não tenha co nsid e rado tks:, a ma ndra a razã o po r q 111 1v:1rcnto quan to o resto de seus con cidadãos•. Pelo mesmo mo-
dt: m esmo aprov; t o carát e r habi tu a l dessa ordem. llvo, uma p rolongada paz tem a fo rte tendência de rt:c.luzir a
O fundamcn lo do car át er cos tumei ro de alg uma s oul r ;1" diferenç a entre cará ter civil e milit ar. A situa\'"'àoordi n ária de
profis.sõcs não é Ião óbv io, e nesse caso nossa .iprovaç:io ._ llnmc ns dessa pr ofissão, ent retanto, faz a aleg ria e ce rta d is-
fundam enta inteiramenl e no h::ibito, de modo que re flexllt·-. ~rpaç:io se tom arem de tal maneir-.t .:,eucaráte r habitua l, e ade-
dess a espéci e não a co nfirm::im nem a esc larecem. Somos lev:1 111ai s na nos.sa imag inação o t..:os tum c associou tio inten,sanien-
do~ pe lo cos rum e, por ex empl o, a anexar o caráter de ale~riu,
leviandade e libe rda de jovial, bem co mo alguma diss ip ação, .1
• Os edil ores R:tphael e Macfic (Oxford, 1976) lembram um a curi OSJ.
profi.s&1.omilitar. Todavia se considerássemos o hu,nor ou cli., 1roni:1. citada por Ecks1ein: quar.do escreveuesta obr:i,:>mnhmal poderia.
Posição de ân imo m ais adequados a essa situação, talvez fôsSl' prcwr que , em 4 de junho de l7tH, v!rta ,1~ tornar Cnpit:'\o da Cu:m:b cb
mos capazes de estabelecer qu e o mais sério e pensativo ITl()(j,1 t.id:i.de de Edimburgo (~- da R. T.)

252 TEORIADOS SE!vl7ME,VTQS/.li, 1\/ 1 l'ARTE 253

te esse caráte r a essa cond ição de vida, qu e somos capai't 1, 11 e· po lidez oferecem po uc o e...,fo rço ao desp rezo pelo p e-
desprezar qua lqu er home m cujo hum or ou situa ção pen ill 11 1 .1 p.1ciência e m supo rtar c.rabalhos, fom e e dor. Pode-s e

to rnem i.11cap az de adquiri -lo. Rimos do rosto grave <..:r. 1111 1111 l'r1dlm ent e a pob reza, e po r essa razão o desp rez o por
loso do guarda munic ipa l, tão pouco p-dre ck.lo a UUlrC.J !'.,u t'!I 1 qu ,1~ cessa de ser virtude. A abstinê n cia do pr aze r torna-
de su a profissão; ele mesmo pare ce com freqü ência env, ·rM• 1111110 s necessária, o qu e dei xa o espírito ma is livre para re-
nhad o da regu la ridad e de se us próprios modos , e, pm·,, 11 , 1 H l' para perm itir suas inclina ções natu rais em tod os ess es
fic :lr fora da mod a de se u mister, gosta de afetar umo k·\hll + w11os pa rticu lares.
d::ideque não lhe é natura l. Seja qual for o co m ponamento. 111 O caso é o utro en tre b ár ba ros e selvagens . Tod o st::: lva-
nos acos rumamo s a ver numa ordem respeitável d e ho nw 11 111rxpe rimen ta uma espécie de discip lina c:spa11a na e, pc -
,·em a esta r tão ass oc iada em nossa imag inação. àque la nn k 11 l 1 1i, •cessidad e de sua situaç .lo, acostu ma- se::a toda a sorte de
Que sem pre q uand o vemos um a ac reditamos que depararL·nu h111•1:1!'.,.listá em continuo pt:rigo , freq üen te men te exposto a
com 3,outra, e, se nos de.5aponramos , sentimos falta d e algo q 11 ltt •mos dt: fo rni::, não raro mor re de pura ai.rência. SL1 as
esperavamos encontrar. fi camos embaraçad os e hes itamc.,. , 1.1, 11, 1111::.tâncias não apenas o habituam a tod a sort e de ,1flição,
sabe ndo co m~ no_s~hngir a um cará ter qu e afeta claramentt ... 1 1111 0 o ensinam a não d~r vaz ão a nenhu m::\das paixões que
de uma es~c1e d1Stmta daquela s em que estávamos predb i-w, ., aíliç-.iotende a suscitar. Não pode espe rar a simpa tia nem a
tos a class 1hcá- lo . 111, lulgê ncia de seus co mp atr iotas por cal fraqueza. Po is, ame s
~ Da mesma mane ira, as diferentes situaçõe s de dife rcnri 1, l.1me n1annos tanto por outro s, de ve mos, em cerra med id a,
t:p~a s t: pa í:,es tende m a atr ibuir d ive rsos cara cte res à gc..•111 , 1.1rdec.preocu pados . Se no ssa própria miséria nos aguilhoa
ral1dade dos que nel t:S vivem , e .:;eus ~ mimemos rda Livrn, ,111 111, :-,everamente, nã o temos vaga r para 01idar da m iséria alheia ;
~ra u e:;pccífico de cada qualidade lo u váv el ou censurável '",1 1 '1 K..los os selvagen s estão ocupados demais com suas próprias
na_rn segu nd o o grau comum cm seu própri o p a ís e seu p , 11 1 .11 ê ncias e nec e ssidades , para dar mu ita atenção ãs de ou tras
pno tempo. O grau de po lidez que seri a de est imar prof w 1 111,"iOas.Portanto, seja qual for a natureza d e sua aflição, um sd-
da ment e t~lvez fosse visto na Rús sia como ad ulação afem lrni \'U~cm não espC:1aso lidaried ade dos que o rodeiam, e preci-
da e, na corte da ~rança, co mo grosseria e har harismo. O gr.1 11 .uucnle po r isso desdenha expor -se, pe nnitin do que não lhe
d~ ordem e fn1gahclade que se co nsideraria excess iva pa rci 111 c1 1 ~( .tpe a menor fraq ueza . '.'lunca pe rmite que suas paixões,

n_ia n~m nob re pol onês ser ia visto como extravagânc ia nu iu por mais furi osas e vio lt.:: ma:; que sejam, pe rturb em a sereni -
adadao ~ Am sterd am. Toda época e país consi dera 0 gra u di , l.1dc <le~ .'k:1 nblante, ou a composturn de sua oonduta e com-
ca~~ q~al 1dad e que habitualment e se enco ntra nos homens l"l'' 11111tamento . Os selvagens da América do No rte, segu nd o nos

pe itavers _como ~ JX)nt~ médio do tale nto ou virtud e pan icul;11 lol relat ad o, assu me m em todas as oc2s iõe.,;;uma enorme in-
e'. como isso va n a conto nn e as diversas circunstân cias tornt'lll dife rença, e julga r-se-iam cleg mdado~ se algu ma vez se mos-
di fere ~tes qualid ades mais ou me nos ha bitu ais por co nseg ui n li l'tSCm, em qualque r aspecto, dominados ou po r amor, ou dor,
t~ vanam os se ntimentos relativos à exa ta co n~en iência de c-;1 , u1 ress enrim ento . Nesse sent ido, sua magn an imidade e aum-
nut:r e co mporta mt:nto . d111nínio estão qua se além d o enten di men to dos europeus .
Ent'7 nações civilizadas, as virtud es qut: ~t: fun dam ::.ulm · Num país em qu e todos os homens estão no mesm o níve l com
a humani da de são ma is cu ltiva das d o que as que se fundam rl'laÇ'.1oà pos içã o e fortuna, pode r-se- ia es pera r que as incli -
sob re a ab neg ação e o domí nio das pa ixões, O c~iso é outro 11.1ções mútuas das duas pa rtes deveri am ser a úrnca coisa le -
qmindo se trata ele na ções rudes e bárb:ar-.is:as virtudes de ab nc..• v,1tla e m coma nos casa men tos , e deveriam se r pe1m ilid~ sem
ga çào são mais cult ivad as do qu e as ele hum:mid ade. A seg u 11cnhuma espécie de cont role. Esse, poré m , é: o pafo onde to •
ran ça e felicidad e gera l qu e p reva lecem e m temp os de ci vill dos os casa me ntos , se m exceção, são act1tados pelos pais, e
254 TEORIADOS SENl1ME/v70SM<•N /\f.,\ J~AHTE 255

onde um rapaz se julgaria desgraçado para sempre se m( 1-.11 •i 1111.1ndo th' e r a1ido na s mãos do inimigo , e estiver expiran-
se a me nor preíerênc ia po r uma mu lher em det.rimento d, 1 1 , d) :,-. tortura,; qu e lhe infligem . Consiste e m insu ltos aos

trn, ou não exp ressasse a mais co m pleta indiferen ça tanto I" 1 11>1 lur..1dores, e exp ressa um enorme de sprezo pe la mor-
época e m q ue e.edeve casa r como pela pessoa com quem ti 1 111, •la dor. Entoa essa canção em melas as ocas iões extraor-
, ·e fazê-lo. A f raque1.a do amo r, q ue tanto se tolera na~ t 1 1111 u ,1s: qua ndo va i para a guerra, quando encontra seus ini-
11,111 " no ca m po de ba ta lha , ou se mpre que pretenda mos1rar
cas de hum an idade e po lidez. é vista entre os selvagens t 1111
a mais imperdoáve l efeminação. Mesmo depois do cas:11111 1 , , ,1n)s tumou su a imagina ção aos mais terríveis infortúni o~,
11111 • n<: nhum humano pode rá intimida r sua <lt:Lt::nninação ou
to, os dois parecem envergonhados de uma ligação fund,d,.
bre tão só rdida necessid ade. Nào vivem junt os, só se e m, ,1 11,1.11 :i-t:U propósilu . O mesmo des prez o pela mo rte e pe la
tram furtivame nte; ambos continuam a h abitar as casas cil' ,, 11 1111 ,1 p 1c valt:ct:: entre todas as demais nações se lvagens . A
, IL':;peito, não exis te um úni co negro d a costa da Áfric~•
respect ivos pais, e a coabitação aberta dos dois sexos, pi..'l 111
111. 1 magnani midade a a lma de seu só rdido se nhor mal con-
tida se m cens u m em todos os dem ais pafses, lá é conskil·r,nl
l(lll' co nceber. A fortun a nun ca exerce u mais crue lmente seu
a mais indecente e pouco vir il sensualidade. Nao é apt' 116t
quamo a essa paixàu ag raU{1vd que exercem e:,se auto<lu n 111111 111 111t·rio wh re os homens do que quando sujeitou essas nações
abso luLo. Às vbtas ele se u s co mpanhe iros, muitas vezes at rn ,11 11 l wrfi ic;ao rebata lho das masmorra s da Europa, a pobres-dia ..
ofensas , rcp roc hcs, insu lto s grosse iros, aparentando um a imt·11 l II f'I que não possuem nem as virtudes do país de o nde vêm,
sa inse nsibilid :1d e, não ex pre ss an do o menor ressentim..,.·1111 w 111Mi daqueles para onde vão, e cuja leviandade, brutalidade
11,l!xcza os expõem tão jusram ente ao de sdém do s vencidos.
Qu:ind o feito prisione iro de gu erra, o selvagem recebe, c0t111
E..,,, finneza heróica e indomá vel, que o cost u me e a e du -
de costume, um~ sentença d e motte de seus con quist ad or e
1 l\ ,IO do país demandam de cada selvagem, não é ex igida aos
mas a ouve sem ex p ressar qualquer emoçJ.o, e em seg uida ~ui
mete-se às mais terríveis rom 1ras.sem se lamuriar ou exibir ou11
1m·loram criados para viver em sociedad es civiliz:u.las. s~ cs-
h '<-queixa m quando rêm dor, lamentam -:,e quando estão afli-
paixão, além de desprezo pe los inimigos. Enquanto é pe nd u
h 11, r cnnltem-se St:r sob n:p ujados pelo arnor ou dc.Komposto s
rJdo pelos ombros so bre um fogo lento 1 ridiculariz a se us 101
rurado res, e lhes desc reve com que superi or habilidade wnu l'd ,1 ira, ::taufacilmente perdo ad os. Entende -se que tais fraque
raria tais inimi gos que tivessem ca ído em suas mãos Após ,. , 1" 1li.1 u ,1fctam os demen to5 esse nciais do seu car.írcr . Na me-
calcin ado, qu eima d o e lacera d o durante várias horas na s p,11 1lkl,1 cm que não se pcnnitcm arreb at:imentos q ue os le\'em a
tes mais tenras e se nsíve is de seu COíJX), sempre lhe pen1111c.:11 1IIL"r ~1lgo contrário à justiça e à hu ma nid ade , perd e m pou co
uma bre\ ·e trégua, e o rerira m do cadafa lso, a fim de prolon ili• sua rep utaç :1o, embora a se renidade d e se u se mb lant e ou
1 omposru m de seu discurso e conduta fiquem um tanto toca-
gar sua d~grnça.
Emprega esse interva lo pa ra faJar 50bre oo mai.s indifcn:1 d.1, e pertu rh:idas. 1Jm povo human o e polido, que tenha ma is
tcs assuntos , para perguntar pe las notíc ias do paí s, pareccnd , 111 , ihilidade para co m as pai.xôes alheias , mais prontamente
indiferente :1sua própria siruaçüo. Os espet.tadores m.,'lnifesL11 , 1 onsi.:gue compart ilhar um comportame mo vivaz e passiona l,

11 111ai s facilme nte ro nseg ue pe rdoa r algum pequeno excesso .


a mes ma insensib ilidade; a visào de objeto tão ho rrível par<.·l
não os imp res:c;ion:1r , qu ase nem olham o prisioneiro, ,.:,alvo pa \ p<.:ss oa princip alm ente atingida per cebe isso e, segura da
ra ajud a r a torturá- lo . Nas outras horas fumam tab aco, e clb 1•c10idade de seus juízes, pemlit e-se expressões mais fortes d e
traem-se com qua lqu e r objeto co mum . como se nada estives.,· 1,,d:<:lo,rece ia menos que a intensidade de suas emoções expo-
ocorrendo. Diz-se que todo se lvage m se p repara desde a mali; nha-:1ao desprez o do s home ns . Podemos ave ntm ar-nos a ex-
tenra juvenrude para esse pavo roso fun: compõe par' à esse pl'O prl·ssa r m ais emoção na p resenç a de um am igo do q ue::na dt:
pós ito o qu e chamam ca nç.1oda morre, canção qu e deverá en um cstranho 1 po rque esperamos mais indul g€:m:ia de um que

256 TEORIADOS SEATIMEN10S AI<,, 2S7

de outro. E, d a m esma ma ne ira, as regra s de decoro e n111n 1ssa d iferença dá ocas ião a mu itas outras, não menos cs-
ções civilizad as pennlt em um compon am enro ma is aninu " l.11 s, Um povo polido, em alguma med ida acostu mado a dar
do que se ria ap ro vado pe los bárbaros . o~prime iros co nvi\1 • 111 ,tos imp ul sos da natureza, torna-se fran co, abe rto, sin ce-
entre si com a franqu cz.a de amigos ; os últimos, com a r<..·~ 1, 1h h:1rbaros, ao conuá io, obrigacb5 a abafar e ocu ltar t0da
de estrangeiros. A emoç ão e vivacida de co m qu e francc,1 1 u 1il l '.':i
tação dt: paixão 1 necess ariam en te adqu irem h áb iros de
ilali:inos , as dua s na ções mai s polid'ls no Contin e nte •1 cxp1, , ,111111tdc e <li:,,::,imula ção, Todos os q ue con vivera m com se lva-
sam-se nas ocasiões públ icas qu e de algum modo tê m in1~•11 11,, M.: j..1 na Ásia , África ou Amé rica, observara m qu e são ig ual-
se surpreendem de início os estrange iros que viajam entre c-11 11~111 ~· impc netr dve is, e que , se pr etendem oc ultar a ver dad e,
os quais, se ndo edu cad o.:,entre um povo de sens ibilidaclt.:111.11 11111h\ 1nt int erroga tóflo é capa1. de arra ncá-la deles. Não po-
embotada, não pod e m co mparti lhar esse compo rtame nto .111,11 1, 111'"-' r trep ~nados nem pelo mais hábil interrog ató rio. A pró-
xonado, de que j amais viram exempl o ern seu país. Um jm c 11 1,111 10rtur~ é in capaz d e fazê -los confessar algo que nã o te-
nob re 'fran cês chomrá na presença da Corte inteira , se lh1,,• lo 1111.1m a intenção de co n1.1r. As p aixõe s de um selvagem , tam -
recusado um regimento. Um italiano, diz o AbadeDú Bo~, ,·~ 11 111 ainda que nunrn .:Jt::expressem por ne nhum a emo ção
pr essa mais e moção ao ser co nden ad o a uma multa de v1111 11•1iore fiquem ocu ltas no pe iro de quem so fre, atingem lo-
xelins do que um ingl ês ao rece ber um a se nt enç a de mn11, 11vla o mais alto pico de fúria . Emlx>ra raramente demo nstre=:
Cícero, nos termos da mais elevada po lidez romana , po , 11., q,1,1\quer smtoma de ira, sua vingança, quando d1ega a descar -
se m se degradar, chora r com toda a ama rg ura da dor, na pr, 11>4 , I la, é sempre sanguinária e terrível. A menor afronta o levo.
se nça de todo o senado e de tod o o povo - JX>isé evidente qu. 1 , dl'ses pero. Com e feito , St:U se mblant e e se u discurso :1in -
deve ter chorado no final de quase todos os seus disrursos. t 1 d, ~o só brios e co m postos, nada c.xpressando se não a ma is
oradores dos tempos mais amigos e mais rudes de Roma pru 111 •1lctta tranqü ilidade de espíri to ; mas seus atos são com fre-
v-dvelme ntt: nao po<lt::r lam expressa r-se com tama nh a cmu qtlt•ncla o:. mais furiosos e vio lentos. Entre os norte-america -
ção, co nform e os modos de sua é1X>Ca . Suponho que Leria .i;I 111 r,, nJo é incomum pessoas da ma is tenra idade e do sex o
do co nsid erado violação da natureza e da pr opriedade n, ,~ 111.1i ., medroso afogare m-se, apenas porque recebera m uma le -
Cipiõcs , nos Lélios e cm Catão , o Velho, expo r tama nh a sc n.,I \1 ' reprime nda de sua s mães 1 e is.50 também se m expressarem

bilidade à vista do pú blico . Os antigos guerre iros poderiam 1..·x ,,1lx:lo algum~ , o u sem dize rem n ada, exce 10: "Vós já não te -
1
pressa r-se com apru mo , grav idade e bom d isce rniment o, m:111 1,•i, filha ." Em na ções civilizadas , as paixões humanas não são
diz-se qu e eram estra nh os ã e loqüên cia sublim e e apa ixonad,1 , omum e nte tão furios as o u tão desesperadas. São mui tas ve -
qu e fo i orig in~ lmente introdu zida em Roma, niio mu ita. ,mm H ':; clamorosase ruidosas, m as rarame nt e são demasiado no•
t lva~. e amiúde parece m visar apenas à satisfação d e convc n-
antes do nascimentode Cícero. pe los dois Graco.s,Crasso e Sul
~ício . Essa e loqüência vivaz, que foi durante muito tempo prn l l'r o espec tador de que têm razâo de se move rem a::.sim,e=: <le
t1cada co m ou se m êx ito na frança e na Itália, a penas agora cc> 11h tcr ::i.simpatia e aprova ção d este .
meça a ser introdu zida na lnglaterra. Assim, gra nde é a difercn Todos esses efeitos dos usos e cos tumes sob re o s s enti-
ça entre os graus de autod omín io exigidos em naçõe s civilizada11 1ncntos mo rais da human idad e :,ão, entr etanto, insignificantes ,
M.' comparados aos qut: ge ram em alguns o utra s casos , e n:\o é
e bárbaras, e ta is são os d ife renl es padr ões co m qu e julgam ;1
conven iê ncia d o co mpo rtam ento. qu:mto ao t::stil o gera l do car áter e comportamento que e,ses
piindp ios prod u zem a m::iior perversão de juízo, mas quanto
,l to nvcn iência ou inconve n iência de usos pa rticula res .
• NContincn tc" é a maneira co mo o.:, hritàn iros se referem aõ5 o utnn Os difere ntes modos que o costu me nos ensina a aprovar
p1íses da Europa. (N. da R. T) r\ :1!::>di versa s p rofissões e situa çõ es de vida não d izem re spei-
259
258 TEORIA DOS SEiV1Z#ENTO S ,1f ( li/ 1 ff,,'111 PAR TE

to a coisas de gra nde imporrânc ia. Esperamo.s ver da de e..·111 cruel. O que imaginar e ntão do coração <le um pai
1\1u lrndo e
,, pudesse ferir essa fragilidade, a qual até um inim igo cn-
ça de ~~ anc::_iã0como de u m jove m , de um clér igo comi, d
•dc.lo rece ia vio lar? Con ludo, o ab ando no, isto é, o assa s-
111n
um of1c1al; e e ape nas n~es assuntos de pequena mont,1q11
o itn de bebês recém- nascidos, era prá lica perm itida em quase
procuram?s as mar cas d istint ivas de seu s res pec tivos c: 11.111
~hl'I05 e:;tadru <la Grécia , mesmo en tre os polidos e civiliza-
1:5· !ambém qua~to a es tes freqüentemente há al!,'Umacir{ 1111
,., .1tt.:nienses; e rodas as vezes e m qu e ,1s circunstâncias do
tanc ,a despercebida, a q ua l nos mostr aria, se a tivéss emo~ 111
, 111nrnasscminconve niente criar o filho , julgava-se que aban -
tado 1 que , ind epende nte do costume, havia con ven iê n<.'1, 111
•11111 lo a fome ou aos anima is se lvage n s n ão era censurável,
caráte r que o costume no s ensinara a au·ibuir a cada prufü,;•i,11
1, 111 p:.iss'ivel d e co nd ena ção. Provave lmente tal prát ica co me-
Ne.s..-:e
caso , JX)~tanto,não podemos nos qu e ixar de qu t::ti I" 1
u ,1 nos tem po s da mais se lvagem barbári e. A imaginação dos
ve r.sao do se nrunento natura l é mui to gra nd e . Embora os 1111,
11111ui. ,:ns primeiro se coroo u familia r a essa pr ática durante o
dos de d iferentes nações req ueiram di ferentes gra us ela 111
111.II~ anLigo período da socieda de , e o pro ssegu imento unif or-
~a qua lidade no cará ter que julgam d igno de est ima , podt •
1111•do cosrume a imped ira mais tarde de p ercebe r su a e no r-
dizer que m es mo aq ui o qu e de pior pode acon tece r é o~ tl1
111h Iide. Vemos qu e ainda hoje tal prát ica prevalect:: entre todas
ver~s de uma virtude por vezes se E.'Stenderem a pomo clt•111
,~11:iç:ões selvagens, mas ce1tamente no mais ba ixo e rude es - ·
va? 1r um po uco os recintos de alg um a outra . A rústica hw,pl
, ido de socie dad e é mais perd oável Uo qu e em qu alquer ou -
talidade, . voga entre os po loneses, talvez invada um pouri, 1 1111 , /\ ex trema ind igência de um se lvage m é com Freqüênc ia
eco no rn,a e a boa ordem; e a frugalidade, estimada na l lol.111 1il, que o e xpõe aus extremos da fome; mu itas vezes mo rre ele
da , talv ez. in vada a generosidade e a solidariedade . A rigld1
pur,t c irência , e freqüentemente lhe é im poss'ive l sustentar a si
que se ex ige dos se lvage ns diminui sua humanidade , e mh1 111,·s 1110 e a 5cu filho. Não p odemos nos ad mirar entã o qu e
a delícada sensibilídade requerida nas naç ões civilizada s pt 11 111•:-;'i\.: caso o :;.tb:mdone. Algué m que. fu gindo de u m inimig o
vezes destrua a firmeza másc ula de caráter . Em geral, p ode..•.,,
1 11 uc m foi impossível resistir, largasse seu bebê porque o im-
aftr~r que o estilo do s modos existente em qua lq ue r naç:H, , 11• •dl:t de correr, certamente se ria descu lpáve l, pois, se tenta5 -
o mais adequado à sua situação. A rigidez é o cará ter md
1• sa lvá-lo, só pode ria esperar o conso lo de mor re r c::omele .
adequ ad o às circun stâncias de um :selvagem ; a sensibi liclad , 11tutanto, não deveria nos surpr eender tanto que nesse estado
~ mais adequado ãs de q ue m vive numa nação bastante c,;1vl
d,1 socie dad e a um pa i fos se permitido ju lgar se JX>deria ou
hzada . Mesmo aqui, por co nseg uinte, não pod em os nos qlwl 11110criar seu füho. Nos últimos tempos da Gréc ia· , porém , a
xar de que os sent imentos mom is dos homens sejam m u ito fiLI 111 ...srna co1sa era pe rmitida com vistas ao intt:re55e remoro ou
vemente pervertidos. ,1 conve niênc ia, o que de modo algu m po de ria ser des culp:í-
Portanto , não é no estilo gera l de cond uta ou compo rt,1 vd. A ess a altura, o cosLUme inint errupt o aut or izar a tão com-
ento que.? c~srum e autoriza a mais ampla sepa ração do qu1·
1_;1 i 111.tame nte es:,a prática, que nã o ape na s :c1svagas máx imas do
e a ~onvemenoa natural da ação . No q ue diz respei to aos uso ... 111un do tole ravam essa prerroga tiva bárb ara , como até mesmo
part iculares, sua influência co m freqüência é mais des trul iv,1 ,1 Uou trina dos filósofos, que deveriam ser ma is justos e cuida-
para a bo~ m~ral,)JOis é ~apaz de estabe lecer co m o legítimas l' d!),',05, de ixou -se levar pelo cost um e esta be lecid o; e n esse ca -
ure preens1ve1Saçoes particulares que co lidem com os mais sim l'tO como em muito.-: o urros. em vez de cens urar em , apoiavarn
p ies princípios do certo e do errado .
Pode have r ma ior ba rbárie, po r exe mpl o, do que ferir u111
bebê? Seu desamparo , sua inocência, sua amabi lidacle, provo • "ln thc b tter ages of Gree ce", no o riginal. O auwr M: rdt:l'e , como
carn c.:omp aixao aré mesmo no inimigo , e não poupar essa tt:11 p.ut.-ceóbv io, ao fim d o chamad o pe ríodo clássico, compre end ido entre 405
1 L .11é a morte ele Aristótele-; (322 a.C.). (N. da R. T.)
ra idad e é cunside ,ad o o mais en fure cido ato de u m conqub

260 TEORIA DOS S/JNTIAfENTOS .111J//l

o horrh~el abuso com imp lausíve is co nsiderações de ui llh1


de pública. Aristóteles fala disso co mo algo que em mui1a~ e11
siões o magistrado deveria e ncorajar-. O humanitá rio Pl.11 SEXTAPARTE
é da mes m a op inião, e apesar de todo o a mo r ã humanl<liul
que parece animar lcdos os seus escritos 1 em lugar algu m c: 11 1,
reriza essa prática co m d esa provação ••. Se o co.sturnc: t: e...q 1
de: sa ncionar uma viol ação da hum a nida d e tão terrível. ~ 111 1
p~ssívcl i~1aginar~nos que qua se não há prática re pu lsiv:.í, I"
ºª? autonze. O uvun os os hom ens dizerem todo s os dias Cjllt" 1
DO CARÁTERDA VIRTUDE
co isa se faz com umen te, comn se julgassem que is..c;ocom thul CONSISTINDO DE TRÊS SEÇÕES
apo log ia .~uficien te para algo que , em si mesmo, é co ndn 11
ex trem am en te injusta e nad a razoá vel.
Há urna razão óbv ia por que o cosrume jama is de veria 111
ve rter nossos sen timentos relativos ao es tilo e caráter gl'I ,11
da condu ta e co mp on am ento, do mesmo modo como os n •l,1
tivos à co nveniência o u ileg itimidade de usos pa n icular cs. IJ
mais pode haver tal costume. Nenhun~ sociedade poderia ('lid 1
sistir por um momc.::nto,.se nela o im pulso usua l da corn.:h1t,11
co m po11am ent o dos homen s acom panha sse a h orre nda pi ,111
ca qu e aca bo de m enci onar .

"Polílica, 133Sb20-1. (N. da R. T.)


•• Replibllcr1 , 460t:, 46tc. (N. da R. T.)
INTRODU ÇÃO

hi,u\do cons ide ramos o caráte r de um indiv íduo qu alqu e r,


1
uu,.dincn tc vem o-lo so b do is aspe ctos dif erent es : pri me iro ,
,iHo pode afetar sua pró pr ia felicid ad e; e, seg undo , co mo
ui\· ;1fet:ar :i felicid2de de o ut ras pe sso as .

SEÇÃO I

I )(/ cará ter do indivíduo, n a medid a


1 que
, •11 afeta sua própria f elicidade;
ou da prudên cia

/\ co nscrvaç.10 e o estado saudável elo corpo parecem ser


1 il1jt.1os que a natureza primei.rameme recomenda ao cu idado
h 1 ,ld,1 ind ivídu o . Os apet ites de fo me e sede , as se nsações
w,1d.1vcis e de sagra dá veis de prazer e dor , calo r e frio, etc., po -
t, 111~l.:r co nsid era das co m o lições pr efe rida s p ela voz da pró -
111II N:tn1reza, orien t ando- o qu~rnto ,10 q ue deveria esco lher e
\ li.Ir p~n::tesse prop ósito . As prim eiras lições q ue lhe ensin am
q11 l•il•,;a quem sua infância foi co nfiada te nde m. em grande
I' ilh', ao mesmo prop ós ito. Seu principal objeto é ens ina r-lhe
11100mante r-se afastado da v ia do.s danos.
Na me dida e m que cresce, o homem logo ap rende que a l-
t11l\ cuidado e previsão sã o necessá rios para prover os meios
h .~:11isfa zer esse s ap etites n alUrais , de obt e r pra ze r e e vit.ar
1101, c.k ubtt:r a Lt:mperaturn de calor e frio agradável e evitar a
,l1•'-;1g radávcl. !\"a orienta ção ad e qu ada d esse cuidado e prev i-
1,> ço ns iste a art e d e co n se rvar e intens ificar o que se cham a
1 <j11:1 fortt ina exre rna.
l~mho ra seja para supr ir as nece ssidades e con veniê ncias
d,1 corpo q ue as vantagens da fortun a extema nos são origi-
11.1l111l!nte recomenda das, não podemos viver muito neste mun -
do ~cm perce ber que o res peito de nossos iguais, nosso cré-
t lllo e posição na sociedade em que vivemos, depe ndem muito

do grau em que possuímos , ou e m que se supõe poss uirmos ,


• '!.'tis vanta ge ns. O des ejo de nos torn armos objetos aprop ria-
do.-.desse res pe ito, de merecer e alcanç ar e sse créd ito e p os i-
\ •lo entre nossos iguais , é talvez o mais forte de tO<l os os nossos
1 ll'scjos ; e , por cons eguint e , esse desej o sus cita e exaspera nos -
266 TEONJA DO S SE!V'JlMflNTOS J\lt iN 1 l /',..1/{fE 267

sa preocupação de alcançar as vama~ens da fortuna rm1 11111 1 atençao e repuraç-.ao do públic o . Por reputação
~l' 11~
que o desejo ele suprir rodas as necessidadese comod 1d,11 1.1 profissão, esu\ naruralrnemt: prtdb_posto a confiar um
do corpo, qu ase se mpr e muit o fãceis de se sup rirem. 11h 111,1 sol idez de.:;:seu co nhec imento e d e suas habilidades,
. ossa posição e crédi to entre nossos iguais rambt·n1, rn·m M:mpre pensa cm c ultivar os favore s das pequenas
pendem muito daquilo ele que t.:1lve
z um homem virtuoso th • 1.,~-0<.:Se juntas que , na s arte s e ciências su periore s, co m
jaria que d ependessem inteiram ente: nosso caráter e comh11 1011-11.td:i freqüência se e rigem em jL1ízessupremos do mé-
ou da co nfü1~ 111 estima e boa vontade que~ natu mhm 111 111111:inclo par-..1s i a incu mbênc i:-
1 de cele brar talento s e vir-
susc lram nas pc~soas cvm quem viYemos. 1, un, dos ou1ro.s, e denegrir tudo que possa vir a compe-
O t:uid;.ido e.lasaúd e, dz1fornma, da pos ição e rcpt ll ,1\ , • 1 , 1111e les . Se porv entura se associar a algLJm.aorg anização
do indivídu o - objetos dos qua is se supõe que d epe ndam p1,1 .1 l·~pCcic, é meramente para autcx:lefesa, não com vistas
cipa lmeme se u conforto e felicidade nesta vida - é cons1d1 ,1""" do púb lico, mas a impedir que do públ ico se abuse,
do ;;1 emp res:1 própri a cbqueb virtlld e com um enre chm11,11I 1 11 ~tia des van tagem, por meio de clamore s, sussurros, in -
prud ê ncia l1t1"des.-,aorganização part icular , Oll alguma outra da mes-
J:'í se comentou que o sofrimento causado por deaiim11 1l'"'lfJéCie.
de um:1 situação melhor para uma pior é mu ito supe rior .ic, 11 () homem prudente é sempre sincero, e se nie ho rrur au
gozi jo que senlimos ao ascende rmo s de uma situação pirn p 1 1,1111> pcmame nto ele expor -se à desgra ça q u~ ~ st:gue da eles•
ra urn a me lhor. Po rtanto, a segurança é o pr im eiro e prim 11•1 1lw11ad a falsidade::.Ainda qut: sernp re s incero, co nruclo, nem
obje to de prndência. É avessa a expo r nossa saúde, nossa 1111 111pr< : E:franco t: d!X.rto, e aind a que nunca diga senão a ,·er -
tuna, nossa po sição ou re puta ção a qualquer espécie ele 1-w11 l 1<1 1·,nem se mpre se ju lga obrigado, caso n~o o te n ha m pro•
go. E an tes ca u1elosa que empr ee nded o ra , e mai s p reoc up 1 1•1l.c11 cn 1c co nvoc ad o, a dizer a verdad e completa . Do me smo
da em co nservar as vantage ns q ue já poss uím os do q_L11. ..• dl 111,do como é cauteloso em suas ações, tam bé m é reserva do
posta a nos inci1ar à aqui.siçào d e vantagl:m, aind a maior t:,"'I ,11 11H 't'tl discurs o, e jam::iis ex-pressa prec ipitada ou desn ece ssa-
mél odos µu-.:1md ho rn1 1~ fo1tuna, os qu ais a prudênci:.1 11,• 11rnwni e i.m1 opinião sohre co isas ou pessoa s.
O!llt:nda principalmente, s.1.oos que nã o nos ex põem a pc.·1
J1;'C C>homem pruden te . embora nem sempre se destaque pela
das ou risco 5: vcrd'ld ciro conhe cimento e habilid ade em n, 1 111.1li; delicad a sen sibilidad e, é sempre capaz d e mant er am1za-
so negóc io o u profis são, const:1ncia e d iligência no exern1 li, 1l1 ·~.Sua amizade, po rém, não é aquel a afeiç:ào arden te e apai -
d esta, fmg3lid ade , e :ué mesmo certo grau de parcimônia l' III 1111,1da . muitas vezes trans itória. que se revela tão deliciosa à
tolb s as no s<;asdes pesa.-;;. w·111.· rosidad e da juvennide e da inexperiên cüt É um a ligação
O homem prud ente sempre es tuda sér ia e determin:1tl.1 ada, 1nasconstante e fiel, com poucos comp anheir os bem
, 1•1'<..'g
mente para entender o que professa entende r, e não mer,um·11 , JC, 1111inadose bem esco lhid os, e m cu ja escolha nao f: gu iado
te para persuad ir outra s pe ssoa s de qu e entend e; e posto M'II 11l'L 1 fnvola aclmiraç.1o das n::alizaçót; ,:,brilhant c5, mas pe la só-
Lalentos nem se mpre sejam brilhan tes, são sempre perfeita111L·11 hda csrima c..h.1 mud6 ti a, dis crição e bo a cond uta.
te genuí n os . Tampou co se esforça para impor -se a ti pc:lo 0J mutlu 1 ernbora capaz de manter amiz.1des , nem sempr e
persp icazes expedi en tes de um impostor astuto, ou pelos :iu· , '11.t mu ito disposto a uma soc iabilidade ger:11.Raram e nte fre-
affogantes de um prete nso pedante, nem pelas afirmações con 111\lnw esses grup os sociais marcado s pela ::ileg ri::te graça da
fiant es de um pre tendente superficial t:' irnpu de mt::: não 0.-,11...·n 11;1t-onversa e ma is rnl'dmente aind a figura entre eles. O modo
ta sequer as habllida~~ que n;a lrrn;nle poss ui. Sua convcr:i;1 1 d1• vida de-.1es freqürntemenle poderia interfer ir na regu lari-
simplt:s t:: mod c.sta, e é avesso a todas as a11cs charla tanc t-(';I,. d.1tlcde sua temperança, poder ia interromper a constância d e
por meio da s quais o utras pessoas corn tanta frt..-qüênc t:1 intr,, , 11a diligência. ou perturbar o rigor da sua frugalid ade.

TEORIA DOS SEVTI.MENfO.", 111 11 /'.llffE 269


Fmho ra .su::ipales,~ ne m sempre sej~ brilha~t e ou d1\ ,•mhora peque nos, melhora a cada dia. Conseg ue gra-
rida, é roda v ia sempre pe rfeitamente inofe nsiva. Odci:1 .1 111 11!11•111crelaxar rnn10 no rigor de sua parc imônia, quanto na
de ser culpado de petulância ou grosser ia; nunca é imrx•11i111
, d1l,1de de :i:.uadedicação; e percebe co m satisfação dobra-
te em relação a quem quer que se ja e, em todas as oc as1<x· 1
•t' gr::1d ual aum e nto de co nfort o e de leite por ter ex peri -
muns , d e boa \'Ontade coloca-se antes abaixo cb que acn1.,,1
11111l0 a ntes as dureza s que acompanham a falta deles Não
seus igua is. Tanto em sua co nduta quanto em sua p;ill':-ill1
1111u•nhuma preocupação em alterar uma situação tão con-
um observador rigoroso da decência, e respe ita, com e-,( 111 1,
11hd, e não sai em busca de novos empreendimentos e aven-
lo qua se re ligioso, todo o decoro e cerimonia is estabdc..·t III,
1 1 que poderiam colocar em perigo, mas não aume n taria m
da socie dade. E, nes se aspecto , ofe rece um exemp lo mune1111
lhor do que com freqüência ofere<.:c::m homens de talc::ntu~ ,. , , 1111,1 , :1seg ura tranqüilidad e de que verdadeiramente usufrui.
tudes bem mai.s e.-,plêndi<lus, os quai:,, t:111 tcxlo.:iu.:itc n11u1 • 1111 ~1em novos projetos ou em preen dlmentos, provavelmen -
cle5Cle Sócra te :5e Ari5tipo, até o Dr. Swift e Voltaire, dc :s<lt 1 ' · .10 bem planejados e preparados. Jamais pode ser apres-
lipc e Alexand re, o Grande , até o gra nd e Czar Pedm de ~li , 1!111>ll impelido a eles por a lguma nec essidad e, poib sc:mpre
co u -, muitas vezes se de s laC'.lram pelo mais imp róp rio , 11 1 pol' de tempo e ócio para d eliberar sób ria e lu d<larnern e ::;o-
mesmo insolen te, des prezo por tcxlo o decoro comu m :·, \ 11 • 1111.1 is serão suas prováveis c.xmseqoencias.
e à palestrn e, pnr i'>so, ofereceram o nrnis pern icio~o l'Xi ·m <) homem prudente nào se predbpõe a ~ujeitar-se a uma
p io a qu em, des ejando parecer-se a eles. não raro se com, 11 11 ~p1111~ abilidade que não renha sido itnpos ta por seu dever .
ta em imitar suas loucurn s, sem tent ar at ingi r sua perfei1,..11, 111poe em alvoroço negócio s que nã o lhe dizem respeito 1
~a constância de sua diligência e frugalklade, em seu c.c111 11, 111:-;eintrome 1e em a.ssun1os alheios; n:io é co nselheir o o u
ta nte saa·if'ício ao confo1to e rego zijo do presente pela expi·, o1 11~11i (Jrio pro ícsso , qLie despeja sc\.1parece r o nd e nin g u ém
tativa prov ável de confono e regozijo ainda maiores nu m tc:1111 1 pc:dill: confina-se, na medida cm que lhe pennirir o seu dever ,

mais remoto, mas 1nais duradou ro, o hom em prudente é St·111 1 +, ,ni:, próp rios ne gócios, e n:io tem gos to peb1 tob impor -
pre amparado e recompensado pela inteira aprov açao do 1· !Jm 1;1q ue mui ta5 pessoas desejam obter, apare ntando ter algu-
pectador impa rcial, e pe lo representa nte do especrador imp.11 111,1 iníluê nci.i na administra ção dos as$1.mtosalhe ios; é avesso

<.:ial, o homt:m qu e: u pd to t::nce rrn. O t:Spet.1a dor i.mpa rd al 11,11, 11Hl' lcr se em di sputas, odeia fa cções, e nem sempre se pron-
se se nle ex aurido pelo pres ente labor dos homen 5 cuja co 11 11111,l a ouv ir seq uer a voz de uma ambição nobre e grande.
duta examina; tamix,u co se sen te so licita do pelos c ham..1d11 1111.111d o d istintamenl' e convocado. não decJinarã servir a seu
importunas de seus apetit es presen tes . Paí.l ele , o presente d<· 1,11 .., rnas não maquinará para forçar que o aceitem nesse servi-
ses hom e ns, e o que provavelm e nte será su a situação futu1 1 \• 1, (' lhe agradaria muito mais que outrn. pes50a administrasse os
.-;;
;lo q u~se iguais: vê-os quíl .-.e à me s ma dis1ânci.i, e ~fetam 1111 1•,,u n1os públicos a ter ele me smo o traba lho, a responsabili -
quase da mesma manei ra. Sabe. entretanto. que para as pesso,1 ,1.1dcde os administ.mr. No fundo de se u cor-Jção , prefe rina o
principalmente envolv idas seu pre se nte e se u futuro estão 1011 dl'ldle impa ssível da tranqüilidade segura, não apenas a todo
ge de se r iguaís, e que naturalm ente as afetam de modo mui H1 1,10 esp lendor da ambição b em-sucedida, mas il glória só4da
d iverso. Portanto, o espectador imparcial só pod e aprova r e :r t 1·rL-:: tl de realiz ar as maiores e mais mag nân imas ações.
ap laud ir o esforço adequad o de autodominio que as toma e·1 Em resumo , quando orientada meramente pa ra o cuidado
pazes de ag ir como se sua situação presente e futura as atc ta, d:1~aúcle, da fortuna 1 da pc6ição e repu taça.o do inclivícluo, 1:::111-
se m quase da m es ma manelfa qu e afetam a ele. IK>r,1co nsideíàda uma quali da de mu ito respeiláH:: l i; até, c m
O homem que vive d e acordo com su a renda está natur:d n:n:1 me dida , amável e agr&dável , a pru<lencia n unca é. co nsi-
me nte comente com sua situação, a qua l, po r acúmulos lunu d<:rada uma das virtudes mais caras o u 111 ,lis nobr es . Conquistn
, I' 1/ffl! l, 1
270 Jt'ORJA DOS SE~71MENTOS \1<1

certa es tima fria , ma s n:.1opa rece ter direito a um :ude ntt· JI 11 \ 1tlt..'nTcme nte g randes loucuras. No prime iro, nem se m-
e admií.!çâo. 10 1 onside radas e nquarno tais. Na Itália, durame a ma ior
Uma ro ndu ra sáhia e judteio."3. quando oriemad,1 p.11.1 1 1, , I,, ~c ulo XVI, c rimes 1 assassinatos, até homicíd ios c n-
pósiro s maiores e mais nobres do qu e cu idados com ~. 11 ' 11!;1d<~,parecem ter sido quase fam iliares entre as cama-
fortuna. po;iç.lo, reputação do indivíduo, não raro é p111p 111k.riores. César Bórgia co nvid ou quatro dos pequenos
ment e chamada Prudência. Falamos da prudência do w 111 c.lcs uas vizinhanças , q ue possuía m pequenas sobe-
., 1111,•,
ge neral, do grande estad ista, do grancle legislador Em 1<
xh, 111 e.•c:omandavam pequenos exé rcito s. para um a co nfe-
ses casos, à Pm dê nc ia se co m binam muitas virtudes m,1h11 1i ,,migável em Senigaglia, onde , assim que chega ram , man-
e mais espl êndi das: valo r, amp la e forte benevolênc ia, u 111 1111'-i matar. Esse ato infa me , e mb ora cenaim:: r11enau fo=,se
grad o respe ito às regras da iusli ça, e tudo isso am parado p 111\,uJo nem mesmo naq uele tempo de c.:rilm:!,,parece ter
um grdu apropr iado de dorníni o de .:;L ~ prudertcia supn h 1111 1huido muito po uco para o descrédito t: em nada. par,, a
quando transpo rtada para o ma is allü grau de per feição, nr11 111.11k· quem o perpe trou. Essa ruína suce de u p ouc os anos
sa riamcntc supõe a art e, o rnlcnto e o hábito ou dispos i\·;ic,•I 1u11,, por ca us as imt:irame nte di stintas de sse crim e. Maqub-
ag ir co m a ma is perf eita conven iêncb em todas as po!-óM\, 1 1 dt.· fato, wn home m cuja mora lidade m1o era 1 nem mes mo
circunstâncias e siwaç õe s. Supõe necess:1riam en te a e x1u·111 u.1 \C.'ll lt;:!11\XJ, da~ mais e ncanta do ras ~ res idia . co m o minis-
perfe ição de tod as ::is vinudes int e lecn.ia is e m orais. P.:1 11~ , d,1 lkpC1b lica de Florença , n a Coite de César Bó rgi:1, q u an dn
lhor cabeça uni da ao me lho r coração. É a ma is pe rfe ita s.1h 1 1 dm c foi co me tido . Ofer ece urna de ...criçã o ba stant e mi-
doria combinada co m a mais perfe ita virrude. Constitui , l H I 111,los.1c.k-sse e vento, co m aqu ela lingu,igem pu ra , e lcganre
muita prox imidade 1 o ca ráter do sãb io acadêm ico ou pu 11 1 1111 p lcs que dislingu e to dos os seus escr itos : fala di sso com
rérico, do mesmo modo co mo a pmdência inferio r cons111111, , 111dL' frieza; a8 ra d.1-lhe a hahilid ad e com que César Bórg ia
caráte r do epic urista. ,oduziu tudo; desp reza muilO a ingenuidad e e fr.iq uez a dos
A mern imprudência, ou a mera falta de cap acid ade.•li hc•dnres,mas ne nhuma co mpaixão po r sua miscr::lvel e pre-
cuidar de si mes mo , é para os gen erosos e humano s 0111111
1111111:1mor te . n enhuma espécie de indigna ção pela cru c lda-
de compai.xao . para os de se mímemos menos de licados, ck.·tll 11,, falsidade de se u assassino •. A violência e a injus 1iça de
gligência ou, pi or, de de:,prezo, mas nunca de ód io ou irnh>t
1 uulcs co nquistadores são freqüentem ent e vistaS co m tola
na ç-Jo. Quando (.Umbina<la a outro5 vícios, po rém , agravil ·~,
11111111:1<,110 e assombro, as dos pequenos ladrões , assaltant es
brcmane ira a infâmia e desgraçaque p:>routras razões os a<.'(>111
1,,1ssinos, em rodas as acasiões, com d esp rezo, ócho, e até
pa nhariam. O velhaco astuto, cuja <lcstre7.ae oratória o ex im1.•111
1!11nor. As primei.ras, ameia qu e cem vezes mais danosas e des-
se nã o de fortes suspei tas, pelo men os de ca stigo ou de d.111
111111us, se alca nça m êxito , passam am.iúde por faça nhas de ht:-
den úncia , é com muit:1 freqüên ci..1 receb ido no mundo com u1 11
u+h.1 m,1g nanin11dade . As últim as são sempre vistas c:um Cxliu
indu lgê ncia q ue de modo algu m merece. O desa jeitado<.· h,
, ,1, l'1-sào.tu rno as loucuras e os crim~ doo piores e mais bai-
lo , que por faIra dessa dest re1.a e ora tó ria, é sentenciado e pu
,,..,"l.'rcs humanos. A injustiça dos primd.r~ é, certa rncntc 1 pe
nido, é objeto de ód io universa l, desprezo e sa rcasmo. Em p,11
h, 111 cnos tão g rand e quanto as d()!, últimos ; nws , 1 loucu ra. e
ses onde grandes crimes freqüentemente passam sem pu niç:l(1,
1t11p,udf:ncia n:10 s.lu nc:m de lunge tão grandes . Um homem
os atos ma is atrozes se tomam quase familiares às pessoa5i ct·,
saneiode impress ioná- las com o horror que uni versa lmente ,1·
sente em paíse s onde existe uma administra ção exa ta da jw,tl • /\ ob m d e ,\fa,quiavcl a que Smith se refore é De.scrizlone dei mod o tl'-
ça. A injustiça é a me sma nos do is país es, m as não raro a in, ,iro11 tia/ Duca \lt1fe11tir1011
e!Jo amm azare \lilelozzo Vttr!llt, Olu,-emrro d"
prud ência é muito diversa. No últ imo , gra nd es crimes co n~11 /i•11n,. li )(q110t Pa1:,oloe lld11cu dt Gmuina Orsi 11i. ( K d :1 R. T.)

272 TEORJ.A DOS SEN7l 41ENTO.\ 11,

hábi l, peiverso e indigno. mu itas vezes passa pelo mund•, •


muito mais créd ito do que merece. Um ho mem tolo . 1w1,,
e indigno a pr esen ta-se se mp re como o ma is odioso 1.·11 1
desprez ível dentre todos os mon a is. Do mesmo mock>l 011
SEÇÃO II
prud ê nc ia, com binada com outras virtudes, consti tui o ll\.11 1
bre d os carac teres, a imp ru dência , comb in ada com our111 / lo caráter do indivíduo na medida
cios, const itui o ma is vil.
c>mque pode afetar a felicidade
de out ras pessoas

fl\ lROD UÇÃO

<>caráter de cada ind ivíduo, na med ida em que pode afe-


11 1 ldicklade de o utras pessoas, deve fazê-lo pe la sua di:,po -
ht .,,._.
;a de prejudicar, seja de benefic iá-las.
e) ressen timento aprop riad o pela in1ustiça que ~ lcntuu
uiu:tcr ou que rc.:almcmt::se corm ::Leu é o úni co mot ivo que,
, ,, o lho:, do espectado r imparcia l, pode justificar que pn!ju
,h,lll l'lnOO o u perturbemo s em qualquer aspec to a fe licidad e
,1, no..•,so p róximo . Fazê-lo por qualquer ou tro motivo co ns-
111111 l'm "i mesmo uma violação das leis da justiça, e nesse ca-
• i!c.·vt'.r-se
-ia emprega r a força , quer parn refrear. quer para p u-
1111A sabe doria de cada E.sr. ado ou repúbl ica (com mon wealth)
111p c.:nha-sc, tanto quanto possív el, em empregar a força das~
, 1t·d:1clepara co ibir os que são sujeitos à sua au to rid ade, de
l11l'luclicarou pe rturbar a felicid ade un s dos o utros . As reg ras
1·'!tal>elec idas para esse fim const ituem as leis civil e c rim inal
di· c~1da Estado o u pais e m par ticula r. o~ prin cíp io:, sobre os
q11,1b ess as regras são Ol l deve riam se r fund adas são ass unt o
d1· uma ciê ncia pa 1t.ic ula r , de longe :1 m ais imp ort ant e d e t o-
d:1~, mas at é aqui talvez a m enos cult iva da - a ju risprndên cia
,uwral -, a respe ito d~ qw1l não cabe a noS5o te ma entrar em
1h•1alhes. tJm sagrad o e religioso respe ito a não prej udicar nem
Pl'llurbar em nenhum aspecto a felicidade de nosso p róx imo,
1nL·smo nos casosem qu e nenhuma lei pode proteger ad equa -
11:imente, cons titui o caráter do homem perfeitamente inoce nt e
1· justo, caráter qu e, quando trnz co nsigo ce rta de licadeza de
274 TEORIA DOS SEN/1ME..i\''ltJ.\111t 1/' \/(/e

aLcnçà o , f se mpr e mu it o r esp eit {1vc l, até Yé ne r{1vel p o1 1 11 , tll'l<.!rmin:1d~, cio que pode ser com a ma ior pa rte das ou-
mo, e dificilmente delx!t de ser acompanhado de m uira, ,111 1w,..;o:1s. Em suma. é mais próx ima do que e le sente po r
virtudes, como grandes ~nlimenro-. para com outras pt ,~ mo.
grande humanidade e gran de benevo lência. Tra ta-se c1
...11111 \\k..-mais, essa simpatia, e as afeições nela fund ad as, por
rátcr suficient emente comp reend ido e por isso não l',, i1t1 1n1w1:t <lirigem -se ma is intensamente para os seus filhos do
pl iclçào suplemen tar. l\"csra seção , apenas procuran:1 1 p.1ra se us pais, e su:1 t~m ura pelo::; pri111eir<:sJ~arcce e1~
caro fundamen to dessa ordem que a ~aturei.a parc ct· 111 1 ll'll pri ncípio mais auvo do que.: :::iuareverencia e grat1 -
çaclo para a clistrib u içüo dos no ssos bons serv iços. 011 1 1 11 1idos pais. :No natur a l c:::;tadoele coi sas. jf: se ob~ervou• ,
direção e emp rego de nossos limitadíss imos pcx:leres d~· 11111 do íilho, d 1.1rant e a lgum tempo :lpos 1er vtndo ao
l,1111.:ncia
ficência. em primeiro lugar para com os inchvíduos: em ,1·,M11 uudn, depende inrcirnmente do cu idad o do-; pa is; a dos pais
do lugar, para com as sociedades. IH dq>cndc naturalmente do cuidado dos filhos. Aos olhos
Ver-se-.:íque a mesmasabedoria infalível, que regul., t11 1 11 11,iturcza, ao qu e pa rece. u111a criança é um objeto mais im-
os ou tros ele mc nw::. d::i c.:unclu La da nature za, o rienta t.11111 ,, 11i.1111l:do que um ancião . e susc ita uma sim pat ia bem ma is
a.:-:.peclO a ordem de 5uas reco mendações, as qu,11-.
nt:::,::.c.:: 11 1 • mais universa l. E devena realmente ser assim. Da crian-

sempre rnais fortes ou m~1is fracas. :\ proporç::1o que no~-..• 1, 1 tudo se JX)de esperar; ou ao menos deseja r. Em situações

ncficên.cia. seja ma is ou me n os necess:í ria , 111111111~,mt1ito po u co pode -se espera r ou cle~jar ele um a1~-
ou menos ú ti 1. ! 141 A fragilidade ela infânc ia inte ressa aos att::LOS du .:, mais
1111,11-. e duros de coraçao. É somente aus vi11uooos e huma -
11, que as fraquezas da vdhicc: nào são objeto de desprezo

CAPÍTULO l tVl·r.-:.10. Em rn~os LUrnuns, qu ando um ancião morre poucos


, 111111u1tarn111ui to . Dificilmen te quando morre uma criança nã o
Da ordem em que ind ivíduos são recomendados por
natureza aos nossos cuidados e afl>nçâo 11,,1 dt..--.troçJdoo coraç-Jo de :1.lguém. ,
""' prim eir::1samiz ades,ª" amizades naturalme_nteconcr~1-
1 l 1"i q u:rndo o co ração é mais suscetíve l desse sentun ento, sao
Como cos tuma vam d izer os &Ló ico s, teclo home m (• ptl
11p1d: 1s entre irmãos e irmãs. Enquanto pen11anecem na mes-
meiro e principalmente recomend ado a seu próprio cuid,111,
111.1bm íha, sua concordância é necessária par.a tranqüilidade
e todo homem é certamente, em rodos os aspectos. mab ,1d1
quad o e capaz de cu i<.i.lrd~ t,i mt.:.:,modo qL11:: q ualquer Ol 1l11
h·lkic.ladedesta. São capazes de dar mais prazer e dor uns ao..,
111111rn, <lo que à maior parte d as outms pe1,5oas. S~ta :,ituação
pt:.:»Ua.Todo l 1ome:111se nte seus próp rios prazeres e dores ni.11
111in:1 a sua silnpatia mútua de ex trema í111punânc1a pa n1 sua
intc:n.:,amente do que os de ou tras pessoas. As primeiras ~1,, .,
ld :dda de comum; e, pe la sabcdutfa da natureza. a me sm a si-
scnsa.çõcs originais, as últimas, imagens refletid3s e simpf 1tk .,
tll,l\'~lo,ao obrigá- los a :,t:: acom od arem un 'i aos outros, torn:;i
de ssas se nsa ç,.-õcs.As primei ras pod em se r d i1~
1s ;1S1..1
bst~ncia, .,
,,'l,:t simpa tia mais habitual e por isso mais viv~1,mais distinta
our ~1s, a sombrn.
, . 111abdeterminada.
Oepoi-. de si mesmo, os membros de sua família. o.s q11 Os fil hos de innã os e innàs ~o natura lmente uni dos pela
hahinialmente vivem cm sua casa. seus pa is, filhos. irm:1o~ em diferen tes famílias.
11111izad e qu e, depois de se separarem
irmils. sào narural ment c ob jetos de se us mais cá lidos afoto., on tin u a a ex islir e nl re seus p ais. Sua concordânc ia au menta
1
São n:~tural e com um ente as pessoas sob re cuja felicid acl1.·11 1
desgraça a sua co ndtl(a deve ter maior influência. Es1á 111;11
1
1, pr:1zer dessa am izad e, sua discórd ia o perturbaria. Embora

habituado a sim p :niz ar com elas; conhece melhor como p r1,


vave!mente tu do as afetará, e sua simpa tia po r e las é mais p1l· • TS.\1, Pane Ili. C:ip. Ili , p . 171. ( N. Ua R. 1'.)

276 71JORIADOS SEN77MENtn, 1111 111' 11/'/"/i l 77

~j,m1 m ais im(X)nantt::s uns par.a os outros do que para ,1 111 1, ,1kto Entre os reveren1es e \'irtuo.~. J'.X)rém,O respei to
ria das o utras pessoas, um a vez qu e ran unc::nle vivt::m 11.1 111 , 1 H'Hf,l gera l freqüentement e pro duz irá a lgo que, embora
ma família, s.1o bem menos importantes do que inn ão,<.; ,.. 111 1111do ~algum idênti ro, pode ser 1nuito pa recid o ao s_aferos
Como sua s impa ti1 mú1ua é men os ne cessária, taml,C.11:1 1111, \11ei.mo durante a separação. o pai e o filho , os mnàos
nos habitual, e por isso proporciona lmente m::1isfr:ica 11111.1,,n:lo são de modo a lgum indifer en1es uns aos outros.
Os filho~ de primos, sen do ainda menos un idos, H·11111 1 111•1 ronsideram-se pessoas a quem e de quem se elevem cer-
da menos i111portância uns para os ou tros; e o aforo dl111u e vh·em na esperança de poder a lgum a vez usufni ir
1'1-trn,.
gradualmente na medida em que a relação se torna 111.11 1 .unizade que naruralmenLe deveri1 ter suce di do entre pe~-
mais remot a. 1 1,10 próximas. Até se encontrarem, o filhu ausente , o innã o
O que se chama afeição nada é, na rea lidade, se n:io ,1, ,11 1•t1IL', são am iúd e o filho ou o innau favor ito . Nu nca ofcn
palia habi tual. l\ossa preoc upação pe la felicidade ou d,·,;, , 11111
ou se o fizeram . foi há rnmo tetnp::>,que a ofe n sa foi es-
dos que são objetos do que chamamos na;sos afetos; no.-..-., 11 I 1,1,, ld,1 r~mo u~ brincaddrn infant il que não vale a pena. l_em-
se jo de p romover uma e ev itar a o utra, são o real sc nu1111·111 1 , 11 Todos o~ rdat~ q ue ouv iram um do outro, se 1mnsm 1udos
dessa simpatia hab itua l 1 o u as conseqüências neces~tri ,1.-.1h 1 1 pt·ssoa:, dt! ín do le toleravelme nte boa, for.tm extre inament e
se se mi.roemo. Estando os parentes usualmente colocaclo'i 1 1 mj:•hu..,e favoráveis . O filho ausente, o irmão atLSenre. não
t,iluaçõt:s 4 uc.::n.uumlmtmc <.:riame:;.sa habltual simp:uia, l'"I' 111 1 omo os filhoo e innàos comuns, mas um filho perfeito, um
rn-sc que um gra u adequado de afeto oco rra entre eles. (; n .11 I" !11'110irmão; e cult iv:::im-.se as ma is ro mânticas espera nças
mente descobrimos que de fato isso ocorre; portanto, na1111. 1I 1i lt•licicbde a se fniir co m a am izade e co nví vio dessas pes ~
me nte esperamos que ocorra sempre, e por tal razão no:-.JH 1 .... N:lo raro , quando se encontram, têm tão forte disposição
n.trba descobrir 1 em qualquer ocasE\o, que n:1o é as.sim. 11:'i u1 11 ,li nmceber a simpatia habitua l que constitui o afeto tamiliar,
regrn ge mi esrahelec id:l, de qu e pesso;1s aJY-iren tad ;1s <.•111 l 1 1 q111• tendem a ímagina r tê-la real1nente conce~ ido, 1XJrtando-se
to grau deveriam sempre ser afetadas umas pelas ou tras d: n·1 11 111nu.une nte como se i.s.s<)foose verdade. Receio, porém, que o
modo, e de que há sempre a ma ior inconveniência, e poi \1 ti 11pot: a experiê ncia com muita freqüênaa os de.siluda. A~
zes até urna espé cie de impiedade, em serem afetadas ele 1111, 111 ,llor co nvívio familiar, nâo é raro descobrirem um no ou tro ha·
dos diferentes. Um pai sem afeto pate mo , um filho que c:m ·,, !1k1 >S,humo res e i nclinações dife renLes du.::.que espcravan\ e
de toda a reverência filfall,revelam-se monstruosos, objeto.'; 11111, 111-,quaLi,,por falta de simpatia habitual , por falta do rea l princí-
apenas de éx:lio, mas de horror. 111, l fundamento do que se ch.,ma propriam en1e afeto ~mil~r,
Embora num caso part icular as circun stâncias que co 1111 1 11.1 0 conse gu~m agora facilmente se acomodar. Nun at viveram
men te produzem esses afetos naturais, como são chamadi) . n.1,itu a\''àü q ue quase neces.sariamente força~ fücil acomoda-
possam i:x>ralgum acidente mlo ter ocorrido, cm cena medi< 11 ~.lu. e:,embora po ssam desej :ir agora ,;;inceramence ado~á:la,
o rcspe'.lo pela regra gc:ral LUm fn:qüê nc.ia prc:t:nche o ~u lug.11, 1111n:1ram se rea lmente ine1p~1 e..c:; de fazer isso. Sua conv1ven-
produzindo a lgo que, pos to qu e não seja intei ram ent e igL1,d, 1 1.1 e trato familiar logo se tornam menos agradáveis p ara
pode guard ar, todavia, bastante se melhança com aquel es :tft ,•k•s, e, por es.....emot ivo, menos freq üent es. Pod em co ntin uar a
tos. Um pai 1ende :i. se r menos afe içoado a um filho de quem, \ ,n:r um oomo outro. retribuindo-se mutu amente todos os bons
po r acidente, ten ha-se separado desde a infâ ncia, e que n;lo .,,.,v,çO'i essenciais, e com !Odas as man ifes tações externas de
reto rn e a e le se n ão depoi~ de se ter torrn1do ho me m fciio . O tk.·ccmerespeito. Contudo, essa satisfação cord ial, essa delicios a
pai tende a se ntir menor ternura palemal pelo filho; o filho. 1m· ..1,npatia, essa abenura e infom1altdade co nfidenc iais, que nai_u-
nos reverência filial pe lo pa i. Irmãos e irmãs, quando ed ue;1 1.llmente têm lug ar no convívio dos que v1verJ.m por mu110
dos e m países distantes, te nd em a sent ir uma redução sim ilar tl·mpo e m família, raramente podem usufruir po t completo.
278 TEORIA DOS SENllME!VTO.\ \11

Tod: 1vi :1, é apen:i.s entre os reve rentes e os viJtl l(,.-.1• 11.1·, <.·filho.<.,im1ãose im1.:1S.Imaginar qualquer n1isterio.sc>
a ~gr:1 gera l exc..--rce
sua fr{igil aulor idade. Entre os dis, q ,u l , nllL' primos, ou até entre rias ou tios, sobrinhos ou sobri-
os li he11ino, e os vadiO'i, é inte irame nte desrespeitada. J\ 1.11
,1 • 1•da bastan1e ridícu lo .
longe de a respeitar. que muitas vezessó falam dela com 1 1111 ,1, r1..-giõesp astoris, e em todas as o utras onde a autori-
indecente escárnio: e uma sepa raç1o precoce e longa d1.·."'
.. 1 d1 d,1 lei não é sufi ciente pa ra garanti r perfelm st:gurança a
pécie nunca deixa de apartá-tos complecameme uns do., ,1 1111 l 1 111<.•mhro do Estado , todos os diferemes rnmus da mesma
Enr~e tais pessoas, o respeito pela regra gernl po de, qn .111 1111!1,1 rom umente escolhem mor.ir um na vizinhança dos ou -
muuo, prod uzir uma civilidade fna e afetada (uma scmdh 1 ~u;i associa ção é freqücmt:mente nccessC1riu JXtF.l sua de -
ça m uito frágiJcom o verda deiro respe ito), e até disso a n, ;11 1 11rnnum. São lodos, ck>s:,upcnores ::ios inferiores , de maio r
sign ificante ofensa, a menor oposição ele mtcress~, d:11 .d t 1111·11oi im portâ ncia u ns p~tr::tos outros Su:1 co ncórd ia for-
A eclucaçào ele meninos em grandes escolas d1sta111
l"o 1 1,, ,-,ua :1:-;.50C iaç:1onecessária, sua discó rdia sempre a cnfra-
rnpa1.1..,~
t.:!mfarnl da<les distanlc~. de jovens damas em inll.'11,,il 111 11•t.: pode destnt í-b. Têm mais rrato un s com os outros do
~u conve,~tos .distantes. parece ter preiudicado, na sua n1.:1i., I ''' 1•• wn membros de qualque r outra tribo. Os mais remo tos
fu nd a c.:,~cncm, a mora l dorn6.stic;a da s cam adas soci.iis 111.11 111 rnhros da mesma tribo redamam algu m laço entre si; e quan-
altas, e conseqüentemente a íelicid1de doméstica, tanto na 1 1, 11 1 • 11Kl:L~ as circuns1âncias são iguais, esperam ser tr.uados com
ça. como na Inglate rr:1. Desejas ed ucar leus fil hos p~1r:.t N.'•• 11 11 11~.10 mais dis tinta do que a dev ida aos que não têm tais pre-
reverentes com seus rx1is. bon dosos e afeiçoados com St·u-.11 ,, 11,1X.•s. Não faz muitos anos que, nas H ighlancls ela Escócia•,
mãos e irm,1s?Coloca-lhes a necess icb clc de serem filhos 11•\1 11lide cos tumava considera r o home m mai.-,JXlbrc:de seu clã
re ntes. de serem inn.,iose innãs afetu050S e bondosos : edm ,1 , 1 ltllf) $C U pr imo e pare nte. D izem que a mt':::itn.i ampla co nsi-
em tua próp ria casa.Co m conve niénda e V-.!ntaAempodem 11, 1 ~ 1.1~-; lo com parentesco ex.um: emre as tártaros, C6 iirobes, os
xar todos os dias a casa pa terna para freqüe ntar esco las pul li H111·omanos, e, creio tLI, en tre tod as as de mais nações que cs-
c:3s,contanto qL~C sua rnoracL1sem pre stja o lar. O respeili > 1• 11 1J11<1uasem 1 mc::::,masituação socia l em que os escoce.,;;es d:1.,
tt .sem pre de ve lll"'tfX)r uma res triç.io muito útil so br e sua l t 111 1ll1-1hb nd.., 1scc ncomrav am n o começo deste século .
d~ta, e~ rcspeüo JX)r eles pcxle freqüentemente impor uma 11 N as regiões comerciais, onde ~ auto ridad e ela lei é sempre
tn çao nao menos útil so bre a rua. Certamente nen hu ma :1q111 11·1kita mente suficiente para proteger o mais humild e dos ho-
s iç;1o que pos.shelmente resulta do que se chama ecluc:1~11, 1r1~•n~ do Est:1d o, os descendentes da mes ma família , não ten -
públk :a cu 1111 :x::n.:ia c.k : ;1fguma ma m::im u t.lUt: quase certa.._. 111 do, li motivo p:ua m anter-se juntos. naturalm e nte se separam
cess.ariamente se per d e com ela. A ed ucação domé5tica é .i 11 1 dispe rsam, confo m 1e os co ndu zem imcresses ou inclinaçocs.
1..
tituiçào da naturez a, a cd1.1caç:lo públic:1, a invcnçõo do 11,, 1m breve deixam de ser importantes uns para os outro s, e em
me,n . Decc 1to é des necess:.'írio d izer q1.1..1 I p rovav elm ente M ., .1 poucas ge rações nã o ape nas perde m todo o cuidado uns pc-
a m;.11.<.sáhi:1. 11,., outros, mas ioda a lembrança de sua o rigem com u m, e do
F.111algum as tragédias e ro mance s, enco ntra mos vária.°' n· l 1çoque havia entre seus ancestrab . O .-espeito po r pa rcmes dis-
nas helas e interessantes, fundadas sobre o que se chama a fo 1c..1 1tnlCstorna-se cada Yt:Z menv r em toda rcgif10, confo rme esse
do sangue, o u sobre a maravilhosa afeição que deveria m os p.1 t•,1:1dode civili.taçào e.:,tiver estabelecido h:í m:tis tempo e de
rentes próximos conceber uns pelos outros, mesmo antes .lt modo mai~ lomplt:to . ro i e5tabelec ido h:.í m ais tem p o e de mo-
saberem qLtema ntinham tais la~us, Receio, porém, que essa frn
ça do sa ngue nào ex ista se não em romanc es e tragéd ias. E .ih
mesmo em lragéclias e ro mances supõe-se que nunc.--.iocon.1 • Regi;lo nlOlltan hos..1no nort e da E.",Cócia,ontle atê o começo do si·-
' ulo X\.lII os celtas con1inu:1vama se reunir em cl:ls e a 1er o g.téllco wu'kJ
e ntre parentes, sc nào os na rnrntmente criados na mesma ca:-.a M.liom; 1, resistindo ao Clomln lo lnglCs. (N . 0.1 R T .)

l1iUI/JA DUS S/iKl7MENTU., \/1 I 11'1\k '/1:.' lHI

do n~ais compl eto n a Ingl:tterra do qu e na Escócia, e o~ p 11 1 111ll,h>


. Os vizinhos pod em ser mu ito convenientes, e poclt!m
le<. distantes, por con~guinte, silo muiro ma isco nsider;:1( 111 1 11muitos problemas uns para os outros. Se forem boos pes-
te último país do que no p rimeiro, em bora a ess e res pc:it,, ,1 ~.10na tura lmente inclinados a co ncordar. Espera rnus ::iua
fe~nça emre os dois países esteja-se reduzindo a cada di,1 e 111111d;incia,pois ser um mau vizinho é u ma ca racteríst ica
efe11 0 , en, tod a regüio os gra ndes senho res orgulha m-~c..·, 11 , ,11111u 1m. Assim, reconhe<.e-~e un iversalmente que um vi-
co rdar e recon hecer seus laços un s co m os out ros, po, 111 a p rimazia de ce::
11lttI tl.'111 rtos cargos, pe que nos , mas bo ns,
rem otos que se.iam. Sua recorclaç.:lo de parentescos 1âo il11 , 1 111t1111a outrn pe.ss0::1.qu alqL1cr, que não mantém conosco
liso n1eta bas tan te o org ul110 familiar ele todos eles, e nau t· •li \ltllll]O.
1
afe::Lo,n«::mpor algo .:,emt:Jhame a afeto, mas pela mais 11I\. l .,.,..,;1
disposição nan11.-dde acomodar e assim.i.lar,na medi da
e in fant il da:s vaid ades, qu e essa reco rd ação é tàu 1..:
uid ,ul11 1 , l lf t--swel, na.ses pró pri os sentimen tos , prinápios e emoções
mente cu ltivad a, Se algu m paren te mais humilde, cmbo, ,1, 1 q.1t· ve mos estabelecidos e enraizados nas pessoas com
vez, muito m..1ispróxi m o, aven tur:1-se :1 relembro r :1 esN.•~,li 111·111 temos a obrigação de conviver e conversar é a causa dos
mens em inenrec; su~ refação com ;:i fomília des tes, rar:11 111111 uu.1~iosos efeitos da boa e da m á com panhi a. O homem que
deixam ele lhe dizer que são maus gene:;,logistas. e muir"' "" ,l'l~K"ta principalmente aos sábios e vim.tosos, embora tal-
m~I in formados q ua nto ã histó ria de sua p rópr ia fa míli:i Ih ', 11 ,10 ~e tome nem sábio nem vitu oso, nãv pode deixar de
ceJO que nessa ord em não devamos esperar uma extraord i11. 111 , it ·dx.'f um cena respeiro, pelu menos pela sabedoria e pe-
am pliação d o cha mado afe to n atural. 1i \·htudc..:;e o ho mem que:: ~e associa principalmente :1 liber-
Considero o chamado afeto natural an tes o efeito do, 111 11111"l: <li~ lutos , em bora talvez não se torne ele p róprio li-
cu to mor.il en lre pai e filho, do que cio s up os to vínc ulo l1.,1c.11 l,1 1tino e disso luto, e m breve deverá pelo m enos perder seu
Na verda<k:, um marido ciu men to, apesar dos laços mo rais, ,11 " lu 11or original :l liben.inage m e ,1 di,;;.sol u ção cios cos tumes . A se -
s.1r de 1er ::,ido o filho educa d o t::m ~ua ç.:1s.1, co m freq úê nt Li \ 1111•lh:mça dos c ,racte res familia res, os quais vemos com tan -
com ód io e aversão a infeliz a ia nç.i que supõe ser fruto ck: l ll ll 1t irl'qí.'lência transmitid os através de várias gerações, talvez se
infide lid~de da es posa. Essa criança é 1 lemb r anç:i. perm: u"lt·n 111v;1 cm parte a essa disposição de nos assemelhannos àque-
te da ma1.s d esag rad ;lvel avenn1~ , de su:.1 própr ia deso nra , C.' d 1 11·~ rom q uem temos a obr igação de viver e conversar. No en-
desg rnça de sua família. 111110 . .i característica familiar, como o se m bla nt e familiai, n ão
Entre as pessoas amáve is, a necessida de ou co nven it·nt 11 , p.1n.:ce ser int eiramente devJda ao víncu\u mural. ni.:,stambém
de ~comodação recíp roca muito freq üentemente produz um. ,•m r,artc ao vino .11 0 físico . E ct:n u qu e o se mblant e famil iar se
am ,~ de semelhante_~, que rem lugar entre os que nasceram p.1 d~·vc intei rameme au último.
ra v 1~er na mesma f~milia. Colegas de oficio, parce iros de <.' l, Ma::,Ue todas as afe ições por um ind ivíduo , ~ que se fun -
mérc10, cha mam -se 1m1àos,e muitas vezes sentem-se como"' d.t inteir..imen l c n a estifll:l e aprovaçlo da sua boa conduta e
alme nlt: u fos~t:m. Sua cont..ordilncia e vamajos a parn tm lm
n.-: 1·111npom 1men to , a que mu i1:1expe riência e longo conhecime n-
~- ~ fore m gente razoavelmente tolerante, são nat ura lmcnh 10 confirmam , se m dúv ida é a ma is respeitável. Tais ami1..ades,
mclma dos 1 conco rd ar. Espera mos que foçam isso, pois seu dt• origina ndo-se não de uma simpatia forçada, não de uma sim-
s:1cordo é uma espécie de pequeno esclnd:1l0. Os romanos c.·x p.Hiaque se asten ta e se toma habitual pelo be m da conveniê n-
prcssa~m es~ tipo de afeição com a pa lavra necessiludo, que.• \ u e da acomcxlaç-Jo, mas de uma simpatia natural, ele um sen-
~ la et1mo log 1a, pa rece denotar que era impos ta pe la ncce,-.; 1l1nentoinvolunt ári o de que as pessoas a quem nos ,1ft:içoa111os
sid ade da siruação. ~10 ob jetos próprios e naturais de estima e aprovação, podem
Até as triviais circu nstâncias de v iver na mes m a vizinhan l' Xistlf so me nte en tre homem; dt: viitude. Apenas homens de vir-
ça prcxluzem efeito semel hante. Respeita mos o rosto de un : tude podem sem ir inte ira confiança na condu ta e comporta-
home m a quem vem os todo d ia , dcs cle q ue n unca nos te nh ~1 mento Lms dos outros, JX>iSisso lhes ..1ssegurn:, iodo momen-
lK,\
282 1EORIA DOS SE1\77MENTO,\ ,1111 1 t 11,\Jtff.

to que:: jamais ,-;eofe nder ão ou strào ofen did os mutu,11111 111 \ !'l(,"g
uir ús p essoas que são recomendadas a no ssa. bene-
O vicio é :_.ç mp rc capr icho so, só a virtude é regular e 01 d1 111 1 1. ou po r seu víncu lo co no sco , o u por su~s qua l!da~les
da . Cma vez que a afeição funcbcb no a mor <la virtudl' • , 11.11,..,ou ::.inda por seLLSserv iços passados, vem as md 1ca -
tame nt e ::i m~li s virtuosa das afeições, é, p ortant o, 1:1111111, .. 1,,1ode foto para o que se ch ama nossa amizade, mas _r~ra
mais feliz, he m co mo a mais permanenre e m ais segw. 1 l 1 1,11cnção benevo len te e bons serv iços , os que se d1st111-
amiza des não precisam se confinar a uma só pessoa . ;ui t , 1 1.1;1\H. :la su a siruaçào ex traord in ária - dema~ iaclame nte ~for-
trári o, podem abarca r co m segurança rodos os sáb ios<.: 11•1 11 11 11los e de ma siadame nt e info rttm ados, os ncos e podc::: 1osos
tuoso s com que m estamos longa e intimament e fami liari1,1,I, piihrcs e desgra çados . A distinção em eMralO.-;,a paz e or-
e e1~1 cu_jasabedoria e b onda d e JX)d em os , por essa razão, , 1111 1, 1 d; 1so ciedade, estão em grand e medi da fündad~s so bre~
11
fiar 111te1rament e. Os qu e deseja riam confina r a am iza de :1 , h11 111
•ho que nat uralmente conce b em os pelos ~rin~e iros . O alt_ -
pessoas parecem co nfundl r a sábLa seg urança ela amizadv , ,u 1>1, , rn nso lo ela m iséria hum ana de pende m 111te ir:une nt e d~1
u ciúm e e a insensatez cio a1nor. As imimid acles pr ecipitad 1 1111'1; 1com paixão pelos último s. Mas a paz e a orde~1 c~a s?-
ingênuas e to las dos jove ns, fundadas de praxe nu ma fr{il,(il , 11 1.
1
o ainda mais impmta nres q ue o ;1lívio dos m1Ser
itlc :-;ã ..-1
ve1s.
melhança de caráter que n:lo mantém rela ç:io algum a <:0t 11 , "I() respeito pelos eminen tes, po~anro, é mais °:p az... de_ofe ~-
bo~•co nduta, talve2 num gosto pe los mesmos estudos , m t:~1 11 1
1
11 pd o excesso, e a noss.1 solid:-tne~lad e_pelos m1ser..-1ve1s.,
1
ge-
diversôes, mes mas distrações, ou ern sua co nco rdânci::i q1 1:111t,, 1, 1,di.1. Os moralist:is no s exo rtam a candade e à comparxao,
a algum princípio ou op inião singul ar que nào os co mum,·• 1h +,l\i·tt<:m-nos contra a fascinação da gran d eza. Com efeito, essa
ado tad os; aque las intim idade s que uma extrav ag ància in ll l 1 1 1~1 ln:içã o é rão r oderosa que os ricos e emi nen tes co m exces-
e a que um a extr avagâ ncia põe fim, por ma is agradáv eis tp11 1v.11r~<7üência são pref e ridos aos sáb ios e virtuosos . A natu-
possam apa renta r enquanto du ram, d e modo algu m me rí..•u·rn 11 julgou sa b iamen te qu e a distin~'ào em estra tos, a ~az e a
111
o nome sagrado e venerável de amizade . 1cm da sociedade, repo usa riam mais segu ra me nte .".iO b re a
1111
Porém, de rod as as pesso as que a natureza indica para IH 1~ 1 , e pa lpável diferença ele nascimen to .e fo11una elo que s~-
1 11 1
sa p eculiar beneficênc ia, não há nen h uma a que m c:::.sta p : 111 !m· a d ifere n ça invisível , e mu itas vezes ince rta , d e sabcclon~l
ça ma is adeq u adamen te se d irigir d o que àquel as de cuja ht v!,·tude. Os o lhos ind iscerníveis da grande po pulaç a p od em
1
neficência já tivemos expe riênci~LA natureza , que fo r mn1 1 e, j wm pe rcebe r os pnme iros, 1m.1::; E com clific~\dade q u~ ~ bo1:1
home ns p ~ra aquela bondad e recípró<'.:a tão n ecessá ria p:11.1 .1 .Jl~<.' l'rn imento elos sábiü$ e vilt 1.1osospode as ve_zes d1..c: t1~gu1r
sua fe licidade, torna t odo bomern objeto peculiar de honclad1 )~ ultimas . Na ordem de todas essas reco n1endaç oes, fica 1gual-
1
p ara pesso as para qu em ele mesmo já foi bon do so . Embo r.111 !ll l' l1te evide nle a benevolente s.ibedori:1 da natureza .. _
g ratidão d essas pessoas ne m se mpr e correspo nda à sua b~1w Talve z ~eja des n ecessá rio obs e rvar que a combmaç-ao ele
ficênc ~a, o se!15o de se u mér ito e a so lidár ia gratidão do espv1 dua :i ou mais dessas ca usas mot rizes de bondade aumenta a
tad or unparcial semp re corresponder-do. A ind igna ção gera l d1 bondade. O favor e parcia lidade que natu ralmen te concebemo .s
o utras pessoas contra a baixez a dessa ingratidão por vezes a1c ,.,:la e minên cia, qu ando não há inveja no caso, aumenta m mw -
aumemará o st:nso geral ele se u mérito . Nun ca um home m hl' 1
u-,1'eunidos à sabedo ria e virtude . Se, malgrad o essa sa~edo -
nevo lente p erd eu todos os fn.1tosde sua lx nevo lên c.:ia. Se m · 1H
1 :i e vir1ude, homem eminente se precip ita num desses mfor ·
sem pre os co lhe das pe sso as de quem deveria co lhê- los, 1111·,1 1 0
tlmios, perigos e afliçõe s, a qu e os de posiçã o ~levad~ sàu com
men te dei xa ele os co lher dez ve zes ma is ele outras p es.so~,~
Rondade ge ra hon t fade; e, se ser a mad o por no ssos irmãos{,_,o
fr~qüên cia os mais expostos, interess a-no:, mu t~o mais profu~ -
da mente sua fortuna do qu e a d e uma p essüa 1gua lmcn tc vir-
g ran de o bjeto de nossa amb ição. o cam inho ma is cerro par:,
alcançá -lo se rá mos trar, por inte nné dio de nossa con duta, qu~· 1uma, mas de situação mais humild e ._Ô.".in;a i~ intc rc~ntes ~e-
11,as de trag éd ias e romances s:lo o::,mfo1tumos de reis e pnn-
rea lme nte os amam os .

284 TEORIADOS SEN(hWEN/0\ ,111•I / 11'11/ffE

cipcs vírtuosos e magnânimos. Se pela sabedoria e vigor d1 CAPÍT ULO li


esfo rços safam -se desses infortúnios, recuper an do co1ll11111 1)a ordem em que as sociedades são por na tureza
men te sua ant ig a super ioridade e segurança, não po cle 111 u"l 1 recomendadas à nossa beneJlcência
rar ele vê-los com a mais en n1siástica e até extravagan te :id 111h
çào . O pes ar que se ntíamos pe la sua aflição, a alegria qu i • , eh, mes mo s princípios qu e onentam a o: c~em_e 111~u e os
11 li\ 1duos são recomendad os à nossa benef1Cenc 1a onc nta1n
timos por sua prosper idade , parecem comb inar-se para :111111
a admiração parc ial que nat u ralmente co ncebemos tan to 1• 1 1
dni~ntc aqu ela em que as soc.ie<lades nos são recomen-
posi ção, quanl o pe lo ca ráte r. 11d,1~, As so ciedades para as q ua is a beneficência é ou po?e
Quando sucede desses diversos afetos beneficen tt·1.i1\ 1 rn.1is impo rtan te no:; são rceomcndo.clo.s prim e irn e pnn-
line arem camin hos dife rentes, talvez seja comp letam cn 11• ,111
poss ível det erminar po r regras prec isas em qu e casos cll'Vt·n lji,
d;
i)l~:
~:~o ou soberan ia em qu e na scem os e fomos educa -
mos seguir uns ou e::mque::casos deve1iamos segu ir o ut ro~. l 11 i•1 , l :;ob cuja proteção cont inuamos a viver é , em casos ordi-
que casos a am izade deveria ceder à gra tidão ou a grntid, 111 11 ll J>j a maio r sociedade sohre cuja felicidade ou despraça nos-
11
am izade - c m que casos o mais fo,1e de todos os afe to~ rn1111 1 h,~ ou má condu t ã pode ter mu ita influ ência . E por essa
1
r..is deveria reder à cons ideração pela se gu rança desses ~11p1 , u 10 que por n:1tureza é- nos a ma is fortem ent e recome nd a-
rio res , da qual d epe nde a de toda a sociedad e, e em que <..',1~11 11,1 Cornume nte , encerra não apenas nós mesm os , ?1as todos
• ohjc l'Osde nossos ma is bon do sos afetos . noss os filho~, no s_ -
o afeto nan,ral pode, sem inconveni ência, preva lece r sobn.· l''• 1 1

co nsideração - tudo isso deve ser de ixad o inte iramente :1ti• 1 " p.ais, noss os parentes, nossos amigos , no ssos be n.fe uvr~ s,
1

cisão do home m qu e n05so peito ence rra, o su posto espl't 1.1 11~1n~a qu em naturalm e nt e am a mos e mais re verenoamo~. e
dor imparcia l, grande juiz e árbitro de nossa condu ta. S<.'111, 1prrnperidade e segurança destes de~ndem, em ce ita med ida,
co locamos comp letamen te em sua situação , se rea lmemc 111, ,l.tprospe ridade e segurança des.sa soc1cc.lade . Ponanlo . por n,a-
vemos co m seus olhos e como ele nos vê, e o uv imos com d1 ll ll l' i.: I nos é cara, não apenas por todo.-;os nossoo afetos ego1s-
ligente e reverente atenção o que nos sug e re , sua voz m111 1,1 t 1-4 mas por todos os na;sos afetos paiti culares ~ benev~ lent e~.
1
nos enganará. !\"ao nos sento nece ssár ias regras casuísticas p,11,1 1•1 u·conta de nosso vínculo co m ela, sua prospe ndad e e :-;uaglo -
d irig ir nrn,.sa co ndu ta . Muitas Vt:!zesé impossível acomcxlá l.1 111parecem refletir robre nós algum:1espécie de honra . Quando
a toda!>às d ife rentes nuanças e gra da ções d e circ::unstáncia, l ,1 1r ompar,1mex5 com out.ra.s soc iedades do mesmo tipo. orgi..1~ha-
rfüer e sin1ação, às diferençn s e distin ções que , embora nJ.o ,•w 1110 .110s de sua su perio ridad e, e de algum modo nos ~1ort1fica
jam imperceptíve is, são peb sua sutileza e delicad eza, c o rnph, f, • c in qualquer aspecto se mostr a interior. E~tamos p~d 1spost~ s
1
tamente indefiníve is. Naquel::i bela trngéd i~1de Voltaire, O 6,f,1,, .i v~r todos os c.irncteres ilustres que produziu no passado ( po is
da China\ enqu a nto adm iramos a magnan imidade de Za111 1I , Inveja nos tor na ca pazes de p :e iulgar um P<?
1
~co ?Sele nos -
o qu a l es tá disposto a sacr ificar a vicia ele se u pró prio filho .1 '40S dia s), se us guerreiras , estad istas , ~eta s ,_f1!
o sot? s e todo s
fim de conserva r a do úni co e frágil rema nesce nte d e seus ,111 , ~ 1ipos de hom ens de letras, com a ma is parcia l admira.ção , co -
tigos sobera nos e sen hores , não apenas perdoamos, mas an1:1 loca nd o-os (às vezes mu ito in justament e) acima d?s d e tud.a5
mos a ternura maternal de ldame, que , correndo o risco de rev(' , s dem ais na çõe s. O patri ota qu e ren uncia à sua \'lda p~la sc -
1
lar o important e segredo de seu marido, reclama seu bebê da~ )lUrança ou até pe la van glória de ssa soc i~ade revela agir com
crué is mãos dos Tártaros , aos qua is fom entregue. 1
ma is exa ta co nveniência. Reve la yer-se a luz c m q1.1cnatura l
~.ne cess ariame nte o es pectado r im parcial o vê, ou seja, corno
:ipen as u m no m eio da m ultidão, que nâo é, aos olho ~ d e~se
• Peça de 17;5. (N . da ll T.)
juiz eq uânime, mais Lmpo 1tante qu e qualq uer um den tre esta.
286 TEORIA DOS !,'Ji;\íJlMl:.iVTOS
MI 1 / l l' ,l/171! 287

embora esteja a toclo momento obr igado a se sacrific ai 1 1 11,l'l'lllnto, •Também sou de opini:'io qu e Cattago deve ser
votar à segur ança, ao favor e mé à glória da maior ia , Ahi t11mla", era ~1expressão natura l do ~elvagem patriotis mo de
qu.: c:.:tse~ crifício * mo:-.itrepc1fei 1amen1e justo e aprol'' , . ·Iinito forte , porém rude. irado quase à loucura contra uma
do, sabemos po rém como é difí cil fazê-lo, e quão pouc 1~ I' 111 t•..,1r:mgciraque fizera a sua sofrertamo. A sentença mais
soas s:io capazes de o realizar. Sua condut~1. portanto •,11 , 1101.1111 1:lria com que se diz que Cipião Nas ica con cluía todos
ta não 3pcnas n ossa inteir-.1 aprovaç::1o, m::is nosso m :1i111, , , 1..,discursos - ·T ambém sou de opini.lo que Cartago não
pant o e admiraçil o , e parece merece r todos os :-ipl:wso, q1, , . ......-rdestruída" - era a ex pr essão liberal de um espínto
podem ser devidos à maior virtude heró ica. O traidor. :10 1t ,, 11-t,1herto e es clarecido, que não sent ia se quer avers ão pe-
1rário, que cm cena situaç-dopeail iar imagina-se capaz d1..·111 1p,, •..,pe ridade de uma antiga inimiga, agora reduzida a um
mover seu própri o pequeno interesse traindo ao inim ij.(o 1111 1 1,1doque já nào podia fazer Roma cremer. Tanto a frança
blico o inte resse ele seu país nativo ; qu e1 a despe ito do j111 11110:i Inglaterra podem ter razão c.k lt:m er u aumento dopo ~
do ho mem que seu pei!o encerra, prefere a si, de mancir.1 11 1 • 11;1vale militar c.b outrn ; rnas, pam cada uma delas, invejar
baixa e desavergonha da, em delrimenro ele todos com q111 11 1 li•llckbde e pros~ridade int e rna da outra, o cultivo de suas
mantém algum víncu lo, reve la-se o mai s detestável de totl• 11,I'-, o progr~ de .suas manufatur:.1s, :1 intensificaçiio de ,;;cu
os vilões. 1111l•1uu, a segumnça e número de seus ponos e :mcoradou-
O am o r à nossa prôp1ia naç.1o co m frt:y ü<.?n<.:ianv s pti.•dl 111~, .~t.1,1 proficiê ncia e m toda s as artes lihernis e ciên cias, cena-
JXJe ··om o mais malicioso ciúme e inveja a pro.sJXrid.1d1
a vt·:rt.. 11wn11..•está ababm da d ignidade de duas nações de tal po rte.
crc.scimcnto de qu..ilqucr ou trn na ção vizinha. ~ações indt:pl'I 1 .1.. s:1o a~ ve rdade ir:is melhorias do mundo em que vivemos.
dentes e vizinha s, não tendo um superior co mum p :.1 r3 dt:d1 h1 l~•rwficiam ::1human idade, enob recem a natu rez.a humana. Ca-
suas dispuws. Yivern tcxb.s em contínuo temor e suspe ita lm1,1 ' l I n 1ç:1o não apenas deveria esfo rça r-se por ser a melhor nes-
das outras. C.1ciasoher.mo , e,;;per:ando pourn jusriç::1ele seus \·i1· ~ ava nços, mas por amor aos hom ens, por promover. em vez
nhos, tende a tratá-los com tão pouca quant o espera dele ~• ( • 1~• obstru ir, a exce lência de suas vizinhas. Esses todos sào obje-
respei to às leis da,; nações o u às regras que Estados inclcpl'I 11,, J propriados de em ulação nacional, nào de pre co nceito e
dentes declaram ou prete xta m julga r-se obriga do s a o bs<.:rv,11 111Hia nacionais.
em suas tran5ações uns com os outros é freqüe ntement e pow 1 1 O amor a nosso próp rio país n:lo pa rece deriva r do amor
mais do que mero pretex to ou dec laração. Em razão do 1111 1htnru.midade. O primeiro semimemo t: tm mdo independente
nor inleress e, pela menor provocação 1 vemos essas regras dl a ,lo seg undo, e às veze~ parece até pre disp o r nos o. ag ir in con -
riamente sere m eludidas ou diretamente violadas sem vergonll.1 1stL11temenit:com t:stc. A França pode con ter talvez qua se três
ou remoISO. Cada naç-J.o prerê ou imagina prever sua prúp , !.i \l'/.C!'.Io númer o de habitante s da Gcl-Breranha Na grande so-
subj ugaç:àu ame o <.:n::scentt:1xx.lere grnn dt:.a:1dt: qua lquc:r u1 11,1 1 k·t..bde dos homens, pois , :1 prospe ri dade ela Fran ça deveria
de sua:, vizinhas ; e o mesquinho princípio do preconcei to n,1 .tprcscnta.r-se como objeto de muito maior importância do que
cional muitas Yezcs se funda no nobre princípi o do amor :1n ,1 d:i Grã- Bretanha. f\'o entanto, o súd ito britâniro, que por essa
no sso país. A se nten ç:1com que Cat1o, o Velho, teria conclu ído, 1,z{io prefe ri..:;,,;;e semp re a prosperi d ade cio primeiro país e não
segundo se diz, cada discurso que foz no Senndo, fosse qu~I fo~ , <lo ...egtmd o, não sc,,ia considerado bom cicL1Cll1o da Grã-Bre-
unha. Não amamos nosso país apena s corno parte da grande
,c>eiecla de dos ho mens - nós o am amos po r si, e independen-
• O argumcmo de que as sobe-ranias vivem em estado de guerr:1 urn,1
com as outras , SL--m ~rhitro par.1 JUigar su.1s controwrs,as, e ncon1r.Mc nu
lt.:niente de qualquer consideração desse ripo. A sabedoria qu~
rnpitl 1lo XIII d o Leviatâ , e serve par:i qu e Hobbe s ilu<;trc a condiçiio nawr, d planejou o sistema dos afetos humanos, bem como o dt: tod<1
do hom em (N. d:1 R. T.) outra parte da na tur eza . par ece te r julga do que o intt:resse dc1

288 TEORIA DOS SE/'v71A11!N1'0S


,111 1/j 11 l't llffE

grande sociedade hurnana seria mais bem promov ido se :1 , 11 1oc.loEstado independen te é dividido em muitas ord1.·1is
çào principal de cada indivíduo se vollasse à po rç.lo par1h 11 M. I\t bdes d iferentes, cada uma elas quais com se us poclerc/-.,
de interes..~ernai._inserida no inrerior da esfera tanto dt , 1\ llqcios e imunidades específicos . Todo indivíduo é narural-
hab ilidad e,;;, qu anto de !-'.eu e ntend imento. " 1111,111:.1.is afeito à sL1a ordem ou sociedade parti cular do que
Preconceitos e ódios nacionais raramente se estenck:111 11 111.1l11u~r ouLra. Seu próprio interesse, sua própria \'t1idack::, o
além de nações vizinhas. Talvez muit o frágil e to lamen te d ,111 111u•~..,t'e a vaidade de muitos de seus amlg~ e companhei-
mos os franceses de nossos inim igos naturais ; e talvez c!1•.>1j 1·~1~10 usu~1lmente mu ito assocía<los a b :,o: amb iciona c s
modo igu almente frágil e tolo, conside re m-nos da mes nt1 li 11 h·1 seus ptiviJégiü.5t: imunklad c:s, zela por OCfendê-los con -
ma. Nem nós, nem eles, nutrimos nenhu ma espécie de 111\1 1,I'-. ltsurpa<;Ot:~de qualque r outra ordem ou sociedade.
pe la pros pe ridad e da Chin a ou do Japão . Porém , muito 1,11 1>,1111 a ne ira <.-om o cada Estado se divi de em difer en1es or-
mente acontece de nossa boa-vontade em relação a paí St•..,1 t, 11'1t. .-~x:icdadcs que o co m põe m , e da distri buição pan icula r
distantes ter mllltO efei to. pu- sl' fez de seus respect ivos pode res privilégi os e imun i-
A mais amp la be nevo lência pública que se pode h..ihi11111 l 1dl' ..., depe nd e o que se chílma a const ituição desse Estado
mente:: t'Xt:rct:r com ;;1lgum t:ft:ito cun~ iderávd é a d(.),!,c:~.ult utkub.r.
la~, q ue projt:tam e furmam alianças en tre nações vizinh,1" 1,11 ll:, hahilidade de cada o rde m ou soc iedade part icular de.
não mu ito d istantes para a conservação, qu er do que s1..·( h 1 111ullL ' r se us próprios pod eres, pr ivilég ios e imuni dade s contra
ma equilíbrio de poder, que r para a paz e tranqüili d ade 1,tt·1 11 • 1i...tirpações de todos os demais depende a estabilidade des-
dos Estad os que es1fío den tro do ~rnb iro d e suas negocfa~·o 1 ronstit u ição particul ar. Esta é necessariamcme mais ou me-
Mas os estadistas que planejam e executam esses r~1adc,.., 1.1 u,•~alterada quando qua lquer elesuaspartes subordi nadas é ou
ramente têrn algo em vista ,;,;enàno interesse de sew; respn 1 l1'\';tcla ou re ba b::.a da de su a posiçao e condição ameriorc.::!'.I.
tivos p aíses. Por vezes, ele fato, sua visão é mais amp la. o C:011 'Iodas essas diferentes orde ns e socie dade::;dc::pt.:ndemdo
de d 'Avaux, ple nipotenciário da Franç-J no Tratado de Mün..,11·1 1,1.1do a que devem sua seguran\a--ae.-::p 1ott:ção. Até mesm o o
estaria disposto a sacrificar sua vida (segundo o Cardeal de ll, 11 111 .11s parcial membro <lt::S::a~ sociedades reconhece como ver-
homem não muito créd ulo a respei to da vütude de o utras p1·s t l,1ddro que LO cla~ estão subordinadas a e5se Estado e que fo-
soas), a fim d e restaurar , com esse tratad o. a tranqüilidade ~i 1.1111 L~tabdec iclM apcn&s em sub5erv iênc ia à sua p rosperi dad e
ral da Europa. O Rei Guilherme parece ter sido u m verdatk·I , lOmeivaçào. Con tudo 1 freqüentemente pode ser clifkil con-
ro e mu siasta da libe rdade e indepe ndênc ia da ma io r pm 11 ' 1•11cl' lo de que a pr ospe ridad e e conservação do Estado re-
dos Estados soberanos da Europa , o que Lalvez pudesse 11'1 •pM..'rem alguma dimi nuição doo; poderes. privilégios e imuni-
sido em boa medida es tim ula do pela sua panicula r ave rs:1o 11 d.1Ucscl:t sua pr6pria ordem ou sociedade. Essa parcialidade,
Frnnça, Estad o que, tm ~ua época, punha 1;:111 ri:;i.cupr incipa l pn.~10 seja às vezes injusta, não é por isso inútil. Con lrola o es-
mente e5sa liberdade e independência . Algo do mesmo c:-;pl plrito de inova ç-Jo. Tende a conservar o que quer que seja o
rito parece se ter transm itido ao pr ime iro m ini5tério da n.11 1•quilíbrio estabeleci do entre as diferentes ordens e sociedades
nha An.1•. 1•mque se divide o Estado, e, em bora po r vezes apa re nte obs-
1,uir algumas alterações de governo que podem ser modema!'.I
t' rop ulares no momento , na realid ade contribui para a c::,1a -
' O Rei Guilherme Ili , ou Güilherme de Ornnge, sucedeu Jaime ll 1111 hilidade e permanê ncia de todo o sisLtma.
trono inglês, cm 1689. Uc ongem holandesa, teve o apoio maciço dos (ti
merci:1n1es e me rcndores ingleses p:1r.1riv:tliz:i.r com a Fra nça pcfa h eRcn1,,
. os casos ordinária:,, o amor a 11055 0 pais parece Lmzer em
nia do comércio marít imo. Sua cunhada, :1 ~linh a Ana, ascende ao 1rono l1.J11I s1.·u bojo dois pr incípio:, diferen tes: prime iro , certo respeito e
sua mor1e, em 1102. (N. d:1 R. T.) H:ve rência pda constituição ou forma de gove rno rea lmen1e
290 TeORIA DOS SENI7MEN70S,, U1N , 1 /',1/(/7:

e.-,calxlc:dda; .segundo, u m desejo detem1inado de torm u , 1 1 • 1 1111ponamedo que as maiores vitórias e mais vastas con-
di ção de no55os conc idadãos lào segura, respeitável l' 111 1 111,1 ,..,Pode restab elec er e melhorar a consti1uiçào , e, por ai u-
quanto puderm os. N:lo é c idad;i o quem n.1.oestá inclin.11li ,~ 1p16prio carát e r muit o duv id oso e ambíg uo de um líder
respe itar as leis e :J o bed ece r ao mag istrado civil; e cen,11111 1 I' 011do, pod e assumi r o ma ior e mais nob re de lod os os
te não é bo m ci d~dào q uem não deseja promo\'e r, por 1rnl1 11 11h 'tl'S, o ele refo rmad or e legis laclor d e um grande Eswdo .
çào, o hemMestar de toda a sock· 1u
os m eio" ~,sua d is("Xlsi 1 ,•l.1s:1bedoria de suas instituições , asseg urnr a tran4üili·
de seus concidaclãos. 1 11 I lnlerna e a íelicidade de seus c..:o dc:lão5 por mui tas
nci <.l
Em tempos pacíficos e C'J.imo.,;,esses dois princípios ~1 , 1 111\'íx·s sucess ivas.
mente coincidem. e levam à mesxnaconch..na. O apoio do g,,, 1 11mrndu à tu rbulênci a c dc 50rdem da facçao, certo es -
n o e5tabclec ido parece eviden teme nte o mel h or expcdll'11I p!Hlo til.: .-,b tt:ma pode mistu rar-se :io espírito públ ico que .,;;e
vel e feliz a situaç.-ãode nossos 1,1n
para man1ersegura, respeit::1 h11ul,1 -,obre o am or ã hum a nida de, sobre uma verda de ir:1 ~o-
cidadãos - q uan do vemos que esse governo realmen te O}. 111.111 i u k'<L1deco m as inconveniências e aflições a que algun s de
rém nessasituaç-J.o. Mas cm tempos ele descomenrnmemo pul ~I 11•,.,o,'ico ncidadftos pode m estar exposro s. Comumente esse
co, facções e desordem, esses d ois prin cíp ios dif t:rt: nu:~ prn 1c11 111 ho de si,;fema toma a direçã o do esp írito púb lico mais ge n-
caminho., dtve ~, c.:-att: um hurnt=msábio pxk: 1~111k t
deline-.:1.r il ,<•mrre o :mima nd o. e co m freqüência inílamando-o mé a.
a julg ar qut: t'. ne cess ária a lgu ma altera ção n a co n.stitui t·úo 1111 1111tu r.1 do fanatismo . Os líderes do pa1t1do descontente rara-
forma de gove rn o, poi~, na sua real condiç-Jo, re vela -se d; 11,1 1w111 c de ixam de oferecer algum pla no p lausív e l de reforma
men te inca paz de ma n ter a tranqüilid:1de p ública . Frcq0t 11 1111 , pretendem eles . não apen as removení. imed iatam ente as
Lemente em tais caso s , porém , dete rm ina r qur m clo um vvrl1,1 11111mvi;:niê ncias e aliviará as aflições d e qu e recla 1nan1i mas cvi-
cieiro parriota clevertl ap oiar e proctm1r restabe lece r a auto1Jll. 1 11,1l·rn rodo o tempo futuro qua lqu e r retomo das mejma.-;: in-
de do velho sist em a, e qu a ndo deve ria faze r con cessões :1 \1111 111:vcniênc ias e afl ições . l'or essa razão com freq üC:ncia pro -
espúito de inovaç;:1omais audacioso, mas não raro mais per!µ, 1 p1Wm remode lar a consti tuiç:to, altc::rando t:m algu mas de suas
so, talvez exija um esforço supr e mo d e sa bedoria política ,.111l'<;esse nciais o sbtt::.ma de::gove rno sob o qual os súdit os de
A guerra ex te rna e a facção civil são duas situa s.,--ões q111 11111 gra nde impfa io talvez ten ham usufruído, no curso de ,r1rios
oferece m as mais esp lêndidas opo rtun idades µ.ra manif esta i ~1 1•rulu:,.paz , seguran ça e até g ló rio . O grande corpo d o paTTido
o espírito público. O herói que serve a seu paíscom suces.."iO m1 , m1umentc cs 1á intox icado com a iinaginári 3 beleza desse siste-
ma guerra externa satisfaz os dese jo.s de toda a nação, e prn 111, 1idea l, do qual não têm expe riên cia alguma, mas que lhes foi
1SSOé objeto de admiração e gra ti~1o universais. Em tern po.'i de 1q)n..!scn1ado co m 1o ck1s as cores mais desl u mbran tes em qu e a
deso rd em civil, os líde res dos p-J ni<.lu, em di:-..puw, embora po, •loqüência de seu, líderes a pôde pintar. Muitos d os líderes, em-
ja m ~er admirado s por lll t: Lack: <lc seus co ncid ad ãos , são u, hnr:1origirn1lmcn te nada tenham pretendido , senão seu própOO
mumcnte execrados JX!lao utra. Seus caracteres e o mé rito d1 1•n grande ci mento, com o te mJX) caem no log ro de sua pr ó-
seus respectivos serviços se mostrJm us ualmente m:1is ince rto~ pria softstica, ficando tão entusiasmados por essa gran de refor -
A g:ló rb :ldqu iricb pela g ue rr.1 ex tern a é, por es sa razão , qw iM• 111:iqua nro os mais fracos e leio s d e seus seguidore s. Muito em-
semp re m~tis pura e esplêndid:: 1 do qu e a que se pode o bter 11.1 lk>raos líderes devessem te r conservado suas próp rias rnbt:ças
facção civil. hv1"-:s desse fanarismo - como de fato usualmente faze:m -, nem
O líde r do parti do bem-sucedido, todavia, se tem au tori ~ mp re se atreve m a desapontar a exp::ctat iva út: seus seg uido-
dade suficiente para indu z ir seus amigos a agir co m a temrx.· 1cs. pois estão freq0 emc::mentt:: ob rigados, ainda qu e contra se us
rança e mcderaçào apropriadas (e freq üe nte ment e não a tem ), princípi os e conS1..: iênda, a ag ir como se partilhassem da ilusão
pode às veze s pre star a seu país um se rv iço mu íro mais essen ro mLtm. A viulGncia do pa rtido, que recuso todos os paliativn,;; ,

292 TEORIADOS SEV'/1\1/NtrJS 111 11/'1/llli .l'J\

as rempernnça s e aco mocb ções rozoá veis , freq li ente ml' nll 1 1, 1•11111pio de movim ento próprio, inteiram ente diferente do
da co nseg ue, pois exig e demais; e as incon ven iên ci;1.<.l' :1111 1 11 \t i...l:inirapode escolher imprimir-lhe. Se es.sesdo is prin-
qu e com um pouco de moderação pode riam em boa nw,11 ' 1 l 11ncidirem e agirem na mesma direção, o jogo da so•
ter sido remoYicl as ou mjrigadas res tam in teiramente st· 111 ,luk · liumana pr osseg u irá fácil e ha11nonia 1me nte, e é mui-
pe rança de reméd io. p111\ ·,1vel que seja feliz e bem-sucedido . ~ forem opostos
O homem cujo es pirito público é movido inteirarncmt· 1 1 lil 1'll.'nles, o jogo prosseguirá de maneira miserável, e a w·
huma nidade e ben evo lênc ia respe itará os pode res e p rivilt·MI il.uk• l.'stará a todo mo mento no maior gr.tu <lt: d e~ord em .
estabe lec idos, de indi vídu os, e sobrerudo da s grandes onlt 11 -\l~tuna idéia gerJI e até sisrem{1 Lh.:ack per feição da po
soc ied ades em qu e se d ivide o Estad o. Ern bora pos:i.ac:rn1,111 111 l' Lia lei ce n ame nte pude ~er necessár ia para orienta r os
ra r que alguns são e m alg u1na mt:dilia ab u::,ivas, vai -~c c:onh 1 plnlrn .:s do esw di sla . M.t s ins15t.i r cm cs rn.b elecer, e es tabel e-
lar co m 111 0<.lcrar o qut: ãs vezes não consegue aniquil:11 , 1 eh• uma ~6 vc:z, a despeito de toda :1 opos ição, tudo o que
granó:: violência. Quando m1o pu der dominar os precon~1 11 1 1c..ld.1 1:,ossaparece r exigir, com freqüê ncia deve consriru ir o
ar raig::1dos do povo por rn3o e per suasão, não rentarflsul1111 1111 1, .,ltl) grau de affog{° mcia . É erigir seu próprio juízo co mo su-
tê-los pela força, pois observ:1rnreligiosamcnre o que corn lt
1 ,, 111 1> "-' ritério de certo e errado Isso é presu m ir de único ho-
liça Cícero cham a a di vina máx ima de Platão•, a sabe r, nu11 111•111~;1bioe dig no da n:-ição, e imaginar que seus concidadão s .
usar de ma is violência co m seu país do qu e com os pr6p1 h
\ 1'1Nc111 ::1comodar-se a ele, em ve z de suceder o con trário. É
pais. E então, 1amo quanto possivel 1 acomodará seus intcn ...
1 ,, 1•,,1 razão que de todos os especu ladores políticos os prí n •
públi cos aos há bitos e pr econce itos es tabe lecido s do po, 1 ,, ,
ip,...,e sobe ranos são os mais perigosos. Essa arrogância lhe::,
ainda , tant o quanto possível, remediará as inco nvenic?:n cia., e111
p1·rfc1 t~1mente familiar. !\"ão têm d úvida algum a da ime nsa su •
pcx:lem resultar da ausência dessas regras a que a'> pesso a..,.,J,
1 li )rida de de seu próprio ju ízo. Quando tais reformadorc~
avessas a se sub mete r. Qu ando nào puder estabe lece r o n•1111
1, ,d-. e impe riais cond esce n de m , porr.an to, cm co ntemplar a
nào des denhará mt:lhurar o e11:1do; mas, co 111 0 Sólon, qu ,111d11
11m1ituiçào do país confia da ao seu gove rn o, raramen le vêer n
não pude r estabe lece r o melhor sistema de le is, empe nhar ~
cm cstt1bclcccr o mel hor qu e o povo puder tole rar. IH' tão errado q uanto obstácu los q u1: por vezes poss am se
O hom em de sis tem:i., 30 contrá rio, é cap, 12 de .<: er mu ll1, 11po r a exe cução de sua p rópr ia von tade . Despreza m a divin:i
111.l'.:1ma de Plaulo 1 e c..un:,idemm o Estado como algo criado p ~•·
sábio em seu próprio co nce i10, e fre qi.ientemenre es tá tão <.·111
mo rado d a su pos ta bele za eleseu ph100 idea l de gove rno, q111 u dL'S, nJu de:, para o üstad o . O grande objeto de su:i reforn1a
1•1.1, po is, rem ove r os obs táculo s, red uzir a autoridade da no-
não pode to lerar o menor desv io d e qua lque r de suas p :11k
Perseverará em esta be lecê -lo comple1.a1neme,em lOdas as si1. 1 hrl·z.a,retirar os privilégios de cidades e província5, e tomar os
partes, sem levar em co ma nem os grand es intere sses, nem (, 111,1iores indivíduos e ~1s maiores ord ens do Estado tão incapa-
fortes preco nce itos q ue po ssam se opor a isso; par ece im:t)(I ,,,., d e se opo r :rn seu domín io. como os m ais fracos e ma is
nar que pode d ispo r os diferentes mem bros de u ma gran de~ •, 111,ignific:imes.
ciedade com a mesm a fac ilidade c..:umq ue tfo>põt:a.::;d ife 1u 1
tc.::spe ças :,ob1c um tabu leiro de xadrez. nào cons idera qu e..·,1·,
peças :sobr e o tabu le iro não têm outro princípio ele movi1m.11 CAPÍTU LO Ili
ro senão o q ue a m:i o lhes imprim e, mas qu e, no g rande tahu Da benevolência universal
leiro de xadrez da sociedade human a, cada peça i~la d :1 tl'l1I
Eml:x:>ranossos eficazes bo ns st::ivi<
..u~ raramcn1e possam
r eslcnclidos pma qua lquer ~icdadc mais am p la do que nos-
'>l.'
• Cri/011. Slc. (N. da R. T.) '•º prô p no país. no:,sa boa -vontade não cstú circu nscrita po r
294 7EORJA DOS SENTl'ttENros· "'' 1 t 11'.-INTC 295
nen huma front e ira, e pode . pois. abarcar a imensidão d 1 11 , 11,mi o própno Deus ~ admlni.:,uadvr e diretor imcd i.i.to.
verso. :--Jàopodemos formar a idéia de um ser inocenti.:p1 1 1 +1.1profundamente mau.:ado 1x:la convicção lwbltua l e p ie~
sa to cuja felicidade não deseje mos, ou por cuja desgrara, q1 1 11 llll' e!>& Ser benevolente e onisciente n:i.o pode admitir
do darame nt e co nceb ida pela im aginaçélo, não teríamo:-i ,li~•• ma de governo nen hum mal parci.1l que não c;eja
11 1·11 :-,L..,te
grau de a\·ersão A idéia de um ser nocivo, embora sens:t'.1,. • 1 ~--.11in JXlf' J. o bem un iversal, deve co n sidera r rodos os in-
n 1ralme nte provoca nosso ód io, mas a m á-vontade qu<:, 111 que (X>SS:llll
111111,(>..., se 3bater sobre ele , seus amigos. sua so-
caso, ternos com ele é realmente efeito de no&>.l bt:::nt:v<11'1,, l.1d'-· o u seu país, como necessários para a prosperida de
qut:: .-,entimos pela mh• ,
universal. É efeito da solidarit::clac.lc.::: , 11111-vcr--o,e ,
portanto, co mo algo a que não apenas deve -
e ressentimento claque!~ uuUTuSseres i nocente s e scns.1t<1!'-,• 11 •• •.a1hrnerer com resignação, mas co mo algo qu e ele pró-
,1'
felic..
idad~ .-;ua mal ícia pertu1ba. "" -.e.•conhecess e iodas as relações e dependências das co i-
Essa be nevolê ncia universal, po r mais nob re e gent•111 1 t kvuia ter desejado sincera e devor adame n1e.
que scp, não pode cons titui r a fonte de uma felicidack: ..,e11tl v...
sa magnân ima res ignação à vontade do grande Diretor
par.a u m homem que não estej a p len anic nte convencido dv q11 l, 111111vcrso tampouco parece estar, de algu m mod o, alé:m do
rodos os h:abitanresdo universo, os m.:11s me..,;:,quinhose ( ,_.,11111 111 111u: d~, natureza hu ma na. Bons soldados, q ue an1.:1111t: co n-
superiore.,, esr;:io sob o cu idado e a proteç::1oimediatos do HJ.111 111111 un seu genera l, frequentemente marc ha m <..ummais ale-·
de Ser bene\'olen te e onislicnre que dirige todos os movi 111,11 p e ra da da qual jamais es-
111l' :ilar id o pa ra a pos iç:"lo c..k:.:,es
tos da nat u reza, e que está dete m1inado, pel as suas p rúp, 11 1 ,1111reto mar , do qut: para o utra onde não hou vesse difi-
1

inalteráve is peife ições, a semp re mante r ne la a maio r ql1;11111 1 11kladc nem pt:r igo . Enquanto marcham para esta últim:1 , não
dade p:>ssívelde felicidade Ao contrário, para essa beneV<u 11 pnk·1ia111experimentar outro sentimento que não o da inér-
eia universal, a mera suspe ita d e u m mu ndo ó1f ao deve :,,t •r 1 1111do deve r comum; :i.o marchare m p:'lr.1 a primeira, sentem
mais melancólica de todas as reflexoes, qual seja, o p<:.ns;ma•11 11 ,111 v es1àorea lizando o m:"lis nob re esforço qu e um homem é
de que tcxfas as regióes desco nh ecida~ do e.spaiyoinfi nito~· ln ,q1;17 de realiw r Sabem que seu general não lhes teria orde-
comprecnsh'el possam estar ocupm.las com nada m:iis, st.•11,111 11.ulnque fossem a essa posição. se não fosse necessár io para
com inte rmin ávd rnbf:Tia e desv e ntura . Todo o esple n drn 11! 1•1,tnr.mça do exé rcito. para o êxi10 da guer ra; sac rificam ale-
maKJr pru.:,peridade jamai5 poderá iluminar a triste1..:. 1com q111 ~1t•111ent c seus própr ios peque nos sistemas à prosperidade de
uma idéia tão tcrrive l deve necessariame nte obscurecer fl 1111.1 11111sistema maior; despedem-se aferuos ~ 11nen1ede seus cama-
g i naç ào; ta mpouco to da ::i.do r da m~ i, :1fliriv;.l ~1dvers ida d1..·l11 1i1clas. deseja ndo-lhes toda a felicidade e l?xi to , e caminham não
mais poder:í sec .u num homem sáhio e vim.toso a alegria qu, .1pl·nas com obediência submiS&1,mas não raro cu m grito.:,da
necessari:unenrc hrorn chi co nvicção, hab itua l e profunda, q u;11 111abaleg re exu ltação, pa ra aquela posição fatal, t::mbora cs-
to à verdade do sistema conirár io. pl~ndlda e hon rosa, que lhes ê im lica da Nenhum cond ut or de
A todo momen to o homem sáb io e vinuoso está disrx>~11, 1•xcroto pode mere:x:t:1 cunfldnça mais ilimitada, afeto m:1is ar -
a sacrificar seu próprio in teresse particular ao interesse púhL lkn te e em u.:,ia!'.lmaJo,do que o grande Condutor do univ t •~o
co de sua própria ordem ou socied ade. Ademais, a todo mo Quer no.:i maiores dc.:,astrcs públicos, quer nos privados , um
menta está d isposto a q ue o interesse de sua ordem o u sod1· lit1 111c m ~fibio deveria cons ide r:1r q ue a ele mesmo , a seus ami-
dade seja sacrificado ao interesse maior do Estado ou ela Sol,(· Hº:i e compatrio tas, apenas ordc no u-.;;ea estação desolada do
ran ia da qual é apenas p arte su bordina d a. Dtv l:ria, pois, c1"1L11 universo; que se nfio fosse necessárío para o bem do todo, n.-'io
igualmente disposto a que t(X!0!'.1t:s.-,es i.nlt:-resscsinferiore s fc,,, tl· riam receb ido essa ordem: e que é seu dever submeter -se não
sern sactifl cadol::iao intere:-,,')t:maior do un iverso, ao intc rc.::-,.~\· .1pc : nas co m humilck! resignaç-Jo a esse destino, mas <.'sforçar-se
da grnmk :,ociedadc: de todos os seres se nsatos e inteligcn 1t.•,, por ::i braç:'1-lo com alexria e alacridade. Cercamente um ho mem

2% TEORIADOS SENTJMEN10.\ 111


sãb io deveria ser capaz de fazer o que um bom sol dad, 1
sempre pronto a fazer.
A idé ia <ll.!Sseser div ino, cuja ben evolência e salx:d111l I r
bricaram e cond uziram desde roda a eternidade a imciv,.1 1
qu ina do uni ve rso paro q ue produ zisse, em tod os os tl'111 p
3 maior quan tidade possível de felicid,Kle. é c:emdl1vtl1 dt· 11
ge o nmis .sub lime de todos os ob jctos da contem p lação 111 111
SEÇÃO III
na. Em comparação a este, todo ou tro pensame nto mo~11,1
necessariamente insignificante. Ac red itamos que o honw 1 11 Do autodomín io
te i.rameme abso rto nessa sublime co ntemp lação ra1Jmc11 1,• ,J
xa de ser objeto de nossa mais elevada veneraçãoi e a ind.1' ll
sua vicia se ja t,1o-so me nte co ntem plativa, nao ra ro o crn 11+h1
ramos com uma espécie de respeito religioso. mu ito M1pn11
àq ude <.:omque.:;: divisamO:Jo m~1balivo e útil .servido r cL1 1q1 1) homesn qu e ~ge de acorck:J com as regras da perfeita
b lica (commonwealtb). As meditações de Marco Anton ino, ' I' , 1111Pncia, d~ justiç:a e.c;trita e da benevolê n cia adequada po-
giram princip aJmcntc em to rno desse tema , talvez tenh:1111 l, , 1 !, n · conside rado perfeita men te virn1oso. Mas o mais perfeito
tribuído mais para que todos admirns.c;emse u c-.i.níte r, do (Jlk' 11 1111IK·cimento dessas regras não b asta p ara capacitá-lo a ag ir
dos os d iferen ces acorck::>sde seu reinado just o, mise rironllt 1 1, ...., mane irai suas próprias paixões podem muit o facilmen-
e bene fi cente. h 111t1u,i-lo - às vezes impe lincb-o, outras sedl 11Jnclo-o- a viu-
Po rém, a admin is tração do grande sistema do univcr.,t, 1 l II UKl:isas regras que ele mesmo, em seus mon-11:ntos de so-
cuida do d a felicidade u n iversal de Lodos os seres racion. 11" 1 hit,·tbde e lucidez, aprova . O mais pt::1feitu co11hccimcnto, se
sensatos, é negócio de Deus, e não do homem . Ao homem t 11111 for amparado pe lo mais pc:ríeito autodomínio, nem sem-
tá reservado um departame nto bem mais hum ilde, ma~ 111 .11 1•11•o capaciLará a cu mpri r o se u dev er.
adequado à fraqueza de seus poderes e à estreiteza cJe sua n1 111 Alguns dos m elho res dos ::tntigos m orn lisrn.,;,parecem te r
pree~o: o fato de ~Mar ab::;0 110 n.:1con templaç-J.o do m.ib ,11 do as paixões co mo divid ida e;;em duas classes dife-
1111:-,idcra
b lime ja mais pode ser"i r de d escul p a pa ra negligenci ar o d4 •••nh:s:primeiro , as paixô es q ue, para serem refreadas por um
p:1rtamento mais humilde; e não deve-se expor à acusaç'io <111 ,, n~omento, exigem um considei-ável esforço de autodomínio;
seg undo se d iz, Avíd io Cássio hlnço u , ,~ilve7 inju.st:1men re, <Hll 1·, 'l'gund o , as que são facilmente refreadas por um momento
1r:1 Marco Antonino , de qu e, enquanto se entregaYa a espcn ll 1
1 ~1 .né por um breve período, mas que , por suas súp licas contí·
çõcs filosóficas. con templando a prosperidade do universo, 11 1111.1!>e quase incessantes, podem, no a1rso de uma vida, induzi r
gligenciava a do Império romano. A ma is sub lime espec ub (,111 .1 gmndcs d esv ios.
do filósofo con templa1ivo difictlmenie compensa a neghgl•1, Medo e cólera, a que vêm se tnislUmr e ~r outms pai
eia do me nor deve r ativo. ,cX.:s,constituem a p rimeira d a~e. O amo r ao sos sego, no pr::i.-
ri.•r,ao aplauso e a muitas outras sa tisfações egoíst"1sconsl ituem
11 M.:gund;1.O medo incomum e :1 có lera violenla são muitas
\t.'t.es dificeis de refrear, rnesmo por um só momento . O a mor
,u• t,0ssego , ao pr-.J1er,ao ar>lauso, e a outrJ S satisfações egoís•
11..:semr>re é facilmente refreado por um mo mento ou até por
um breve período de tempoi mas, por suas súplicas comínuas,
11:lo raro nos induz a mu itas fraq uezas de que depois com
298 '/EORJA DOS SE-'V'.tIMEi\TOS tll tJ/,', \ /.1 l 11INTE 299

u:1a~azão nos e~v: rgonha remos. Pode-se dizer q ue o )1!11


1_11 111 1l11111nv.: haverá a lguém qu e nào sima que o machado simbolo
lüconiumo de pa1xoes co m freqüên cia nos impele e <IJo1H !, dí'r:ip itaçào que se grava sob as ma is ilustre s - co~ o as de
:: J ~du z _para longt" de '1:o&so dever. O domí ni o d~ pri r1111 ' h l 111 nas Nlorus, .Kaleigh, Rus.sel, Sydney , etc .•- , deJTama uma
é1?omma ~lo, pelos antigos mornl l':ilas acima alud idos 't 1I t 11l,,dcira dign ida de e importância sob re os caracte res a que se
ge m .,.vi?or e força de espírito; o ú ltimo , te mp era nça d tx\ ,-11111 111,1, mu ito su perio res ao que pos&'tm obt er ele lodos os fllteis
mcx:1esua e mod eração ' ,111,1111cntos heráld icos que po r ve ze s os acomp an ham .
O do mín io dos doi s con junt os de paixões indep <:nd111 Hi-~am3gnan irni dade nã o co nfere lus tre ap enas ao s ca-
~~m~nreela beleza que ~l:riva de sua utiJich1de, d~ nos ca p:1<lt u I h lt ' rl:'s de ho men.:; in oce ntes e Yirn1osos . L'lnça ::i.
lgum grau de
' ª?1r ~m rodas as ocas1oes seg und o os ditame s da prud ll/lt 11 1 ut~lt.lcraçào favorável mesmo sob re os maio res crim inosos ·
e1a 1_u~1ça e ela benevolê .nda apropriada, poss ui beleza pr(1111! 1 11u.111c.lou m assa lta me ou band o leiro é levado ao cad afalso·~
e1p, u ece m erecer por s1 só cer l.o gra u de esti ma e ad mir.1 lu l 1 '"' 1X)rta com decê ncia e firm eza , embora ap rove mos in tei -
;\u!n ca~o, a f?rça, e gra ndeza d o esforço suscita ce1to r:·11~ 1•11, 1 1111v ntc seu cast igo , com freqü ência m1o pode mos ev itar de
~~ m:a ...e a dmim ~ao;_n o ou tro , a un iform idade , a iguafcladc· 1 1uut·nt~ir que um hom e m em po sse de tão grandes e nobres p o-
11 ,ltlgave 1 consr,:mcia desse esforço .
h 11•:,; losse ca paz de tão vis e norm id ade s.
O hom e m 9 ~1e, no p erigo , na tom1m, na prox imid<H.ll· d 1 A guerra é a gran de escola tanto para adqrnrír, quanto para
moite . conse rva ma Iterad a a sua trnnqüil idade e não pc rnillt ,nl·cr t:ssa espEck dt: m~gn;mimida de. Co mo .st:di z, ~ mu rt.e
qu e lhe esc ape uma palavra ou gesto qu e n~o este ja int~•li •' ,.linh a dos terro res, e o home m qu e conqu istou o medo da
i~1ent_e confor~e aos semimemos do mai s indif ere nte esp1·; 1ni111 c provavel ment e não perde rá a pre sença de espírito na
~~d:~f ne ce~a,namente .conqu is ta ~m alto gra u d e admir ~i~.111 11111t_1
C::ncb de qu alqu er ou tro ma l na tura l. Na guerra , os homens
. . repel a causa da liberdade e 1usttça, pelo bem da hun11t 1 f.tmiliarizam com a mo rte . e com i.,;;soneces s:1ri::i. men 1e se
; d,t~I~e_amor.ªº . paíst a mais rema compaixão pelos seu.-,"' • 111.1111do su pers ticioso horror com q ue a enc a ram os fracos
un~rno:5, a mat.Sfom: lf}(_
rs urt ores, a mais ~áJida e so lidár ia gr::1tidilo por suas 1i::;~~!::
ligna Çào contra a infustiça ele . , '

:>ene icemes, o mais 3lto senso cio se u m<:rito, tudo isso t:it: n•11
1t
1· ln~xpe rien:es . Considera m -n a s implesmente com o a perda
1L1 vida, e ob Jeto de tanta ave rsão quanto a vida suce d e ser ele
111•-.l:jo. também aprend em po r ex periênc ia qu e muitos perigos
ne e n~scla com a admira ção ele su 3 magn ani.mid.,de, e l11l1ho1
q1;1rcn teme nte g ran des n.:-'iosão tão gran des q uanto p are ce m,
veze s mflarnam esse ~entirn e nto , rornando -o u m:i entu si:'1:- 1h ,1
r q ue com coragem , dilig ência e presen ça de espí rito, há mui -
e ar re batad~ ven~ra çao . Muitos dos he róis da história anti ,1 •
1.11'1veze s u ma bo a p roba bilidad e de se de1icmbarn çarem hon-
mot?erna~o.squais são lem b rado s com o ma is pecu liar ag1~tl1,
1, l',arnen lc de situações em que a p rincípi o não vía,n espe ranç:.;.
~: i! t~,i.:â ~s qu_e ~onera m no cadafa lso pela causa da vt.1 \ <1,~1111, d iminui cm gmndc med ida o tCn'Or d a m orte e au,ncnta
' . . a e~ Justiça, e que ali se portaram com a dese nvt1I
~ra e d1g1m.._fa~cle 4 ue lhes conv ~nha . Tivessem os in imigos ele S,i ,1 t'onfiança ou es peranç: 1 de escapa r a ela. Aprend;m a expo r-
: : t:s ~rr:.1t~10-
'Jh~8
lhc morr: r 9L~Jetoem sua c~ma , é possíve l q111
esse gra n de filosofo nunca tive sse adqu irido 1 ,
~,• :10 pe rigo co m m eno s rel utânc ia, fic:i.m m enos p reoc up::i-
ilos em safar-se dele, e menos ªP !OS a perder a pr ese nça d e es -
1Jfl Ll~t~ e,<;ple n: lo; 9u_ plrl10 en quant o est iverem ne le . E esse habitual des prezo pelo
e co ns ervou d urante todos os séc.ui! 1
posteno , es . ~ a h1stona mg le.,;;a, qua nd o exam ino.mos a il SI.
cabeças escu lpidas por Vertue e Howbra ken•, imagi~o ~u~ 'd\~j
• TornãsMorus, decapitado em 1535 por ordem de Henrique V!ll. sOO
111u.;m,açào de 1r.1içilo; W <lhc r Ralcigh, crítico do Dircilo D ivino <l0$Hei~, foi
,t 11,,do de conspir:ir contra Jaime I e morto em 1618; Russel e Algemon
lnc~'. arnbos ams ados de envoh·imcnto na con.spim
~y~ ção de Rve House.
lru;11ncxec:ut<ido.sem 1682. Nào h ,1via pr ova, con tudo , de sua p~tticipaçào
, ll•llva . ('.'--1
. du R. T.)

1I f' l li<TE
301
300 TEORIA DOS SEN7ZWBNTOS1IU J/11 I

perigo e pela mort e que enob rece a profissão de so ldado,, li 1 11101lv o retira toda a nobre za do contr ole . A có lera incita ao
confere, n a concepção natural da humanidade , p osição<:: dlM11I ujlll' e às vezes . qua ndo é sac iada, de ixa à m ostra uma sorte
d .lde superio res às de qualquer outra profissão. O exercírn I h 1111,1get n e super ioridade diante do med o . Saciar a cólera é
+! \·< ·ws obje to de vaidad e; saciar o medo , jamais. Entre seus
b ilidoso e bem -sucedi do dessa profi ssão no se1viço ao p:li"I 11
rece ter cons titu ído o traço mais distint ivo do cará ter d os h l·1,,1 nli tlnrcs , ou e ntre os qu e não se atrevem a resistir-lhes, os ho-
11111., , :,idosos e fracos não raio afeta m ser ost ensivamente pa~
favorito s em todas as época s.
i, + 11
,11 ~, e sup õem que, assim , mostram o q ue se chama deva-
Uma grande façanha bélic a , embora empreendi da 01 11111
todo~ os p~incípio s de justi ça, e levada adiante se m qLwlq111 1
•1 \ lm fanfa rrão conta muita s h istória:, dt: sua própria inso \ên-
11.que nao são verdad eira:;, e imag ina q ue com isso se torna,
cons 1deraçao com a hu man idad e, às vezes nos inter ess a 1· .n
11,10 ma is amávt:1 e respei tável, pe lo men os ma is formidáv e l
con quista algum gra u ele certa est ima pe los vis carac tere- qn
l i llll l' de t-;Ua platéia. Os cos tum es modern os qu e, em alguns
a conduzem. Int eress am-no s até mes m o as façanhas dos B! h 1
t ns, e nco rajam a vin gança privada , po r favo recer em a r rá-
neiro s, e temos co m a lgu ma esti ma e adm iração a his tó ria dt 1
homen s mais vis qu e , em busca dos mais crimin osos prop fl 1 llt I do d uelo , talvez co ntribu am mui to , nos te mpos modernos ,

lo s, suponaram durtzas maiores , supi:rnrarn di.ficuldadt:s 111;1111 1i 11,1torn ~u a restriçio da cólera pelo medo ainda mais des-
res e enc on lrararn perigos ,n aiores d o que la lve z q ua i"iq\111 1+11·11vd do qu e do co ntrário po de1ia pa rece r. Há se mpr e algo.
o utro s de qu e nos relate o cu rso com um da histór ia
dli,.tnono domí nio do medo, seja qu al for o mo tivo sob re o qu al
111· :..e funda. O mesm o não oco rre no que se refere ao do -
Em mu itas ocas iões o domínio d1 cólera se mostra. não ,111
111111!0da cólera: a menos que se fund e inte iramen te sob re o
n ~s gene roso e nobr e do q ue o do medo . A ex p ressão :,pri,
1 tt'-10de d ecên cia , de d ignidad e, de co nveniênc ia, nunca é pe r-
pn ad;i. de jt1st::i.ind igna çfio co mpõe mL1itas das mais esplêndk l.1
e admiráv eis pas sage ns da e loqli ência , tanto antiga quanto 11111 h lt,111 1ente ag radáve l.
Agir de acordo co m os ditames da prudê ncia, da justiça e
derna . As Filípicascle Dem ósten es, as Catilinári asde Ck<.·111
1 h1 bene ficên cia apropriada , par ece não ter gra nd e m éri to se
de:i\ :1m toda a sua be leza da nobre propr iedade co m qu e L·~,.,
11.lo ex iste a ten tação d e agir de ou lra forma. Mas agir co m fria
paixao se expressa. Mas essa justa indignação nada mais é <1111
1h•liberação em meio aos ma iores pe rigos e dificu lda des~ obser-
cólera refreada e adequ adamen te modera da àqu ilo de qLH'11
\ ,11 rcligiosameme a!) sagradas regra5 de jus tiça, a despei to qu er
e?pec tador imparcia l pode part ilhar. A paix ão ruid os a e exp lt}
do-. irnt:nsus interesses qu e no s po ssa m ten tar , e das ma io res
s1~a que o excede é se mpr e od ios a e ofensiva, e nos imp o11 ,1
nao o homem irad o, mas o homem com quem esLe está iradt1 t1knsas qu e no s possam ins tiga r a violá-las; nu nca to le rar que
Em muita s ocas iões, a nobreza do pe rdã o reve la-se supe rior :111· , hc ncvo lênc iJ de nosso te mp eram e nto seja enfra quecida ou
m e.srno à mais pe rfeira propri~dade do re ssent imento . Q L1a11 d\"iCncoraj:ida pela malign ida de e a ingratidão dos indivíduos
1 oin q uem po ss:1t.er sido pratic ada , é característica da mais e le-
do a parte ofensora admi te ade qu adame nt e, ou mesmo s,:111
v:1ll:i '>ab e dori a e virtud e . O autodomín io não é ape nas em si
a dmiti-lo, quando o int eres se púb lico requ e r que os inim i~o~
m :l.is mortais se unam para cu mpr imen to de algum dever i111 1t1L·smoum a grand e virtude , ma s del e todas as ou tras virtud es
port ante , o hom em que consegue p ôr de lado toda a anim o" ! parec em derivar seu pri ncipal b rilho.
d ade e ~g ir com con fi:mça e cord ia lidad e para com a res~o. 1 O domín io do m edo, o domíni o da có lera, são se mp re
qu e mais do lorosamente o ofendeu p arece merecer co m jw, >1randese nob res poderes . Quando or ientados po r justiça e b<:::-
111 :vol ênc ia, não sã o ape nas grandes virtud es , co mo tam b 6 11
uça nossa mais eleva da admira ção .
Mas o domín io d a có lem nem se mpre se mo stra sob con ..•.-. ,1umen tam o esp len dor dessas ou 1ra s vinud eti. Todav ia, às vc -
1~ (X)d em ser or iemaclo s po r mo tivos mu ito diversos e , ness e
tão es plêndid as . O m edo é o co ntrár io da có lera, e com frt.•
caso , em bor a a ind a grande 5 e respc itáYcis, pod em se r exces -
qü ê ncia é o motivo qu e a co ntrol a e, nesses caso s, a b aixezi 1
,, ( />11/?TE' 303
302 TEORJADOS SEi'vTIMEA'TOS1111li
n, Tempe rança, de cênc ia, modéstia e moder aç:;io , são sem-
sivamente pe.rigosos. A mais in_t répida bravura 1xxle ser <.·111111
i , 11111.i veis, e raramente são orientadas para alguma má fina-
g~cla na causa das maiores inJustiças. EnLre grandes prrn 11 ,
çoes, a apa rente tranqüili da de e o bom humor ocul larn , 1•, , l 1, 1,·, 1-:do. incm sável constânc ia desses esforços mais brandos
1 11 1 dom in~lr-se que a amáve l virtude da castidade, as respei -
zes a .mab <lt.:tcmti.rn1dae cruel decisão de vingança. A fo,~.111
1i lt.1virtudes da diligênc ia e da frugalidade extraem todo o
esp ínto exigida para essa dissimula ção, embora scmpr<.· 11
1 1\11,) sóbrio que as acompanha . A conduta de lodos os que se
ces.sariarnente contam inada pel a baixeza da falsicbde , tt,\111 11
11urnwmem segui r pelas humildes trilhas da vida privada e
adm imdo rom freqüência mui tos hom ens de disce miment11 ,,1
I' 1111'1< :a retira do mesmo princípio a maio r pa11e da be lez a e
da despre zível. A d is.sim1,.1Ltçàode Carnrina d e !\•tédic is (· 111111
1~,t q ue lhe pertencem; beleza e graça que, emlxna muito mc-
t:is vezes celeb rada pe lo p rofundo historiador Oávila; a de l.i11,I
1111\lulgurantes, nem sempre são mt:nos agr adávci.s do que as
Oigby, depois Conde de Bris10I,pelo grave e co11Scienci 11,11
o.'><.
1111 · ,1companha m as ações mais es plêndidas do heró i, does -
de_Cla_r~ndon; a cio primeiro Ashley, Conde de Shaftesbury, 1
lo 1:1d1ooso Sr. Locke*. Até Cícero p arec e considera r qu e 1• 111lh1a , o u do leg islador.
'l\;ndo e i.n vbta o que já se afim1ou em v{uías partes des -
c~rat,e: enganador, embora de fato não seja altamente dig1111 11 1 lbc;ur.so no que se refe re à na tureza do au todomín io, julg o
nao e 1nadequa:10a certa flexibilidade de mane iras, a qua l 1111~ 1 , rmccessário en trar em m ai~ detalhes sobre aque las virtudes . .
em geral agra davel e respeitáve l. .Exemplifica-o com os car:1111 t lh•,~rvarei apenas , por ora , que o ponto de conveniência, o
res d_o Ulisses ele l lomero, do ateniense Tcmístoc les, cio csp; 111.1
111.111 de q ualquer paixão que um espectado r imparcial aprova -
no Lisandro,e do romano Marco Cí.:t.Slo . E&iecarált;r de son il 1111 1t.1,c:slá diferentemente situado nas dive rsas pa ixões. Em a lgu-
e profund a dN imubÇ 10 ocorre mais co mu mente cm tempo.-.1 h 11111~ paixõ e s o excesso é menos desagradável do qu e a falta; t
grande deso rdem pública - cm meio à violênda da dissE:ns:1111 , 111la is paixões o ponto de conveniência parece loca li zar-se
g uerra civil. Quand o a lei se tomo u em gmnde medida impO!t 11 1111,1llo" ou mais próximo do excesso do que da falta. Em outras
te, quando a mais perfe irn inocência é incapaz , po r si só, ck· ,1 1
11,1!xõcs, a falta é menos clesagraUável do que o exce sso; e e m
se~ ura r segurança , a cons ideração pe la au todefesa obrig,l ,1 t 1h-1paixões o pom o de conven iência parece localizar -se emhai-
1:1a1o r pane dos hom ens a recorre r à sagacídade, à eloqü êm.•i.1,1 ~, 1, o u mai~ p róximo da falta do que do excesso. As primeiras
a ~parente acomodação ao que seja çx::>r enqua nto o particb d,, ,h, a:-:. paixões com que o esperudo r está mais dispos to , as últi-
mmante. Além disso, esse caráter falso é freqüenternen1e ac()111 11Ht:i, as com que está menos disposto a simpa tizar . As p ri-
p~ado da mais fria e de tem linada coragem. O exercício aprt 1 llll'ir:1ssão tamb é m as paL-xões cu ja sensaç:: lo ou sent imento
pnado da falsidade impõe corage m, pois a mo1te é cornuml'11h h1\c..'( \iato é agrad ável à pes soa princip alm e nte atingida , as úl-
~ conseqüênci~ certe ira da detec ção. Pcxie ser empregada inc.11.i. 1l,11as,as que lhe são desagradáveis. Pode -se estabe lecer , como
tin_tarne_nte. seia para exa sperar, seja para apaz iguar as furio~.,'1 wµra geral, que as paixões co m que o espectador está mais in-
arnmos1dades das facções adv e rsas, as quais impõem a nt'Cc~.,J ' llnado a simpatizar e nas quais , por isso , se diz q ue o pom o de
dâdt: dr.: admili -la; t: t:mbora às vezes .seja ú til, é pelo menu., wnven iência está localizado no alto, são aqu elas cuja sensação
ig ua lmente passív el de ser cxccs.sivamcntc perni ciosa . 1>li e moção imed iara é mais o u meno5 agra dável à pes.so:1 pri-

O donúnio das paixões menos violentas e turbu!enras p~m,


ce muit o me nos pas sh·el de abuso por algum propó sito pe111I
• ''Stand high ~, no origim1I. Literalmente, s iinifi ca ' ter em alta conta~,
\•i;ttrnu!,u", etc. A seguir, no mesmo parágrafo, Smith utiliza a expressão
• • Enrico C~te rino Dáv ila, Htsto:ia delleguerre ciuili d,: Fmncia ( 16:\01, •,1,md low'', o que indic:iria "ter em pü Uca conta ". Ocurre, no entanto, que
nu parigra fo chu-:m1t:'ntc se mi:Jturam as linguagens "mo ~11'e a "geométr i•
E:'\\
1 •ardHydc, Earl of Cla rcndon, H1s10 1y o} tbe RelX!llion rmd Cfvif Wrm /11
, .1". Tudo se pass~ com <;efosse poss lvel medir o pomo ele conveniência
/Jng ftmd, Jo hn UX:kc:, '"Mcmuir1>n::lating to thc Jifc o f Anthony First Earl , ,t
SIHfte~hui,•~ - ( N . da lt. T .) .' C~. da R. T.)

1 l l'Mt/1:."
304 TEOIIIADOS SENIINJIJl\7D.\,\ /1 1
11111plo, cm cujo excesso e imprópria orien tação co nsl!,t<.'.1
m eiramenLe at ing ida ; e qut:, ao contrário, as paix ões c1>1111 1 1!11 ,1 l' d etestáve l paixão da inYeja, pode se r imperfciLO. A
o e5pt::1.:~ador e5tá menos dispost o a s imp a tizar e em q11t 1 1,1, • .1paixão que vê com maligno desgosto a supe rioric.hHk
essa raz.ao, o pont o de co nveni ên cia está loca lizado cn ,I, 11 1 q11~•realmente têm direito a tcd a a supe rioridadt que pm; -
s ã o aquel:1s cu j:l sensação ou emoção imedi ata é mais 011 1111 11
1, m Porém, o hom em que, em questões impo rtantes, tolera
desagradável, ou até do lo rosa pa1.:1. a pessoa ptimeimmenll 111
111~. 11ne nte que outras pessoas, n~o tendo direito a ta l supe-
gida. Essa regr.:1.gera l, até onde puder obseJVar. nào admiti 111
1dd,1dc , erga m-se acima dele ou :-;t: ponh a m na .sua frent e é
só exceção . Poucos exemplos bastarão a um só tempo r, ;111 11
,, 11lp11,1do, justame nte, co mo medí oc re. llab itualmentc essa
p licá -la e para demonstra r sua veracid ad e.
,. 11p1l'l.:t se funda sobre indo lênci a, às veze s sob re afa b ilidade ,
A disposiç ão para afetos que tende m a unir os homl'11"•
scx:iedade, em humanitarismo, bondade, afeto natura l, aml1,11I , 1,,ln ;'I o posiç.lo, ao alvoroço e às súplic as , e, ademais, so-
11111:1 cspée ie de magnanimidade mal interpret ada, que , ima-
estima, pcx:ie às vezes se r exc ess iva. W ntu do, até o exu· 1 ,

dessadisposi ção roma um homem inreressante aos olllos ,h , 11, 111H.lo-se capaz de seg ui r desprezando a van tage m que ora
dos . Embora cens ur emos esse ex cesso, ainda o considl· 1,111,, ~pl'l't~I, tão facilmen te sucumbe . Mas ti l fraqueza habitua l-
co m compaixão ou até bo ndade , nunca com desgost o. j, 11111 1111 llll' (: a1.:ompanhada de m uito arrep end imento e remorso,
digno de pena qu e de raiva. Em m u itas ocas iões, to lcr; 11 111 , 1qlll.: ele início possuía cert a aparênc ia de magnan imidade, •
afelos exces sivos não é , para a p róp ria pe ssoa, apena~ ,IJtl ,,11111,1:- ve~e.s cede lug ar, po r fim , à ma is maligna inveja e a
dável , como ainda delicioso. Com efe ito , em mui tas oc:1...lt 11 11Húdio i't s upe rioridad e - a qu e po dem rea lmente te r direi -
o excesso a expõe a uma verdad eira e sincera ,ifliç~o, snb11111 , 11 -.que uma vez a ::tlca nçara m - , pelo mero fato de a terem
do se e stá voll:-i.dopma ob jeros indig nos , o q ue com freqú(•1111 1h,u,~·ad o. A flm de se viver confortave lm ente no mundo, é
ocorre. Mesmo nessas ocas iões, entretan to. um espírito bem dl ,111pr~ necessário defender tanto nossa di gnida de e posição
posto considera -o com a mais de licada piedade , e senle i111,11 , +1110 noss:1 vida ou nossa fortuna .
sa indi gnação contra os qu e afetam d esp rezá-la pe la su:t h , Nossa se nsib ilidade a peri g o e aflição pessoa is, bem co -
queza e impnidên cia. A falta dessa dispos ição, ao c.Dntr;u h, 1111,.1 sensibilidade à provocação pessoa l, tende a ofender mais
cl1amada dur eza de cora ção, se torna o homem insensíVc' .:l ,111 11•!0 excess o do que pela fa lta . Nenh um ca ráte r é mais des -
sentimento s e aflições dos out ros, to rna os ou tros igu alrrn·n 1
pll't 1vel do qu e o de um cova rde - nenhum caráte r mais ad m i-
te in se nsíYe is aos del e; e, exc!ui nclo-o ela amizad e de todo 11 11111> cio que o do homem que enfrenta a morte com intrep idez ,
mundo , tamb é m o e xclu i dos mdhor t:S e mai:s confo rwdo11 , onserva sua tranqüilidade e pr esença de esp ír ilo perante os
prazeres so<.:ials. 111, 11~ terríveis perigos. Estimamos o homem que .su p o tta a do r
Ao con trário, a di sposiçã o para afetos q ue afastam o~ h,, ,tlé mesmo a tortura com virilidade e firmeza, e podemos te r
,nens uns d os outro s , como se tendessem a romp e r os 1:1\11 1w,11 L<.Ico nsideração por quem, dei xa ndo- se abater 1 abao don a-
da soc iedad e human :i; a di spo sição para a có lera. ódio , im, •t' a gritos inúte is e lamentaçõe s afeminad as . üm 1emperamen-
ja, malí cia 1 vingança, é muito m ais capaz ele o fender pelo !ll'U t11Irritad iço , sendo excessiva 1nenle sensível a qualque r pequ e-
ex ces.so do que pe la su a falta. O excesso tom a um home m 111!1 11,1 <:onrrariedade, torna um ho mem miseráve l o. se us pr óp rios
liz e des graç ado aos seus própr ios olhos, e ohjeto do ódio 1t 11l ilos, e ofen sivo aos o lhos do s o u tros . Um te mperamento cal-
ve7ei. até de horror , aos o lhos dos outros . Raram ente SL' 11· 111 0 nao permite que pequ enas ofensas ou peque nos desastr es,
clama da falta. Esta, en tretanto , pod e se r imperfeita. A aus ênt l 1 111dd emes ao curso habítual dos negócios human os , pertUrbem
de indi gna ção apropr iad a é a princip al falta do car áter vi~n •111:1 u·an qüilid ad c; e, em meio aos males natur ais e mora is que
rosa , e em muitas ~as iões toma o home m incapaz de prou..·1,t1'1 lnlc8tc1mo mundo, não se abat e to lerando um pouco de am -
d e insu ltos e in iust1ças a si ou a seus amigos. Me. mo a qt1l• l1
306 'Jl:.VNJA DOS St}'llflM.JiNT(J!J /111 11 l' , IN'/1i Ili

bos, é um:.1bênç:1o pan o próprio homem, e dá a todos°' 1 1 n)ln gra nde esforço que o indivíduo porta-se perrc1t.1
companheiros co nfor to e segurança. uh l K'm, pois a con te nda entre os dois princípiu, , a h o.,o;l 1
Porém, embora nossa sens ibilidad e, quer ãs nos.-.a...r ,11htll'ntro do pe ito, pode ser demasiado vioknta para .ser
pnas ofensas. quer aos nossos infortúnios. seja geralmenh.·111 111 lo <:ongrue nte com a uanqüilid,1de e felicidadc.i~t~or.
to intensa, pode também ser muito fraca. O ho mem q1H 1n•m sáb io,
11111 a qu e m a natu reza dotou dessa sens1b1hdade
resse nte pouco de seus própr ios infortúnios meno~ ,111 ,lvamc ntc agu da, e cujos .:,entimcntos demasi~do v igo ro-
deve ressentir-se dos alheios, e está me nos predisposto ;1 l 11,11,!oram suficiemt: mente embota dos e endurecidos pe la
~olá-los. O homem que se ressente pouco das ofensas ql.1' 1 hh ,l\'. IO precoce e pl!:lo exercício ::apropri~do , tanto quanto
~~zem eleve necessariamente ressent ir-se menos ainda cl:h 11 rn111hc:111 o deve r e a conveniência, evitará as situações para
fizerem a ou tras pessoas , estan do menos disposto a p io , 11111-. não é perfe ita me nte adequado ..O horne~ cuja consti-
ger ou vingá- las. A insensib ilid ade obtusa dos fatos d:i \ 1 . ,11111fr:'igil e delicada o rorna de ma siado se ns1vel à dor, às
humana ne~c:,sariamentc ext ingue toda a ate 11çâo agudn l', 11t.ts e à 1001 sane de sofrimen to fisico, não deveria abra~r
terminada para con.1 a conven iência de nossa própria comlu ,1t1.11 ·l:1menre ;1 pro fissão de so ldado. O homem com sens1-
a qual co n.slitui a verdadeira essência da virtude. Podcmcl', 11 , h1\.11k· exces si\'a à ofensa nào deve en gajar-se prec:ip1tada-
preocupar po uco com a conveniência de nos~lS ações M' 1111 • t m contendas entre facções. Embora o senso de con-
mos indif ere nte s aos eventos qu e dehs possam resu ltar. () ti 11h•m •ia se ja forte o bastante para domi nar todas essa::i sen-
mem que !.ent e plenamente a aflição da cala midade q ue o 1 ,1Ud.1des. o conflito deve sem pre pe 1turbar a comp~tura do
solou, que sente toda a baixeza ela injusliça que lhe infliJ,1i 1.11 ,1111 Nessa desordem , o cliscemimen lo nt:m sempre pode
1 0
mas que sen te de mane ira ainda mais intensa o que a dignil 1111 11, 111t t·I'-;u a acurácia e pre c isão ha b ituais, e ainda que sempre
de seu próprio cará te r exige; que não se deixa guia r por I' 11 1 ,·jl' agir de modo apro pri ado, 1mc.muitas v7zes agir com
xões indisciplinadas, as quais sua siniaçào JX)Clenanaruralt111 1 ,1p rl>çip itaçào e impntdência. q~e mais t:t.rde ha de se enver-
te insp irar , po is governa todo o seu compo11amento e co111l 111 111 11,tr para sempre. Ct:Jta intrcpt d (..'Z,certa. firmez:i. ~I~ nen'?S
de ~corda com as emoções contidas e retificadas que o gr.111I tnblênc..i a di: constiru ição, se jam naturai s ou adquind as, sao
habitante, o grande semide us demro ele seu peito prescn·\1 111 ,,hiv id a os melhores preparativos para todos os grandes
aprova; ta l homem é o único de virwde rea l, ú111coobjc lo u 11 IIH \U'> do autodomínio.
e apropriado de amor , respeito e ad miraçao. Insensib ilid l llt Embo ra a guerrn e a facção seiam cert ame nt e as melho-
e:-..:xinub rt: firmc:za, e.:::;seelt:v ado <lomín iu de si qu e se fu111I 1 • , ,·scobs p~ua formar rodo homem nessa dureza e finn eza
menta sobre o se n so de dig nida de e conveniência, est:lo 111 1i tvmpera mento, embo ra se jam os melho res ~emé~ i~ par.:1
longe de se r exata.mente a mesma co i~1 que , à medida q 111 111•.. \0 das fraqueza s opostas, co ntud o, se o dia do JUtZO su -
primeim tem lug:1r, o mérito do seg und o é, em muito s <:;1-.0 111 lt'"-'i.t! ocorrer antes de te r ap rendido completamente a liçilo,
in teira mente remo,·ido. ntl's de o rem éd io ter tempo de produz ir se u efe im ad1:::quc.Jo,
Aind a que a 1otal falta de se nsib ilidade à ofensa p<.·'i-.uil 111umscqüê ncias poderiam não ser agrac!ávd:, . .
ao perigo e afli ção pessoais remova nessas situações todc 1 Do mesmo modo, nossa sens ibUldade aos prazeres , diver-
mérito do autodomí nio . co ntud o . essa sens ibilid ade poch: \I 1 " k.'" e gozos da vida humana pode n1 ofe nder quer pelo exces-
demasiado aguda e freqüentemente o é. Q uand o o sen-.;od, 11, qu er pela falta. Dos dois , porém , o excesso par ece m enos
conveniência, quando a au tor idade do juiz que o pe ito e:rn 1·1 di•:-:tgradável do qu e a faha. Ta nto para o espectador _quanto
ra consegue do min ar a extrema sens ibilidade, essa autoridac li 1,11;1 a pessoa c.lireLamentcafora da., u ma forte ~ropen~a.~ par.i
se m dúvida d eve se CTK)Stra r mu ito nobre e muit o grande:. M 1 1 .1lcgria certa 1nentc agrada ma is do que uma msens1b1hdade
exercê-la pode se r fatigan te demai s - pod e haver mui 10 ,t ,1 ,, 1,1lxJ1ada aos objeLos de divertllncnro e distração . Enc-.anta-nos

308 TEOJ/lA D~ SEJVT/MEA?-0,\',li<•H 11/'AlffE


a ale gr ia da juventud e, ou mc:,mo os fo lgucdo.s da inf.111111 \o cMimarrnos nosso próprio mérito, ao julgam10~ no~
logo no.s cansamo.s da gravidade superf icial e sem gm,111 11 1'1,,prio cará ter e conduta , há dois pad rõe s diferenl es co m
co m excessiv::t freqüência aco mpanha a ve lhice. Qwindo 1
111.11-. n:1n1ralmen te os oomparamos. O prim eiro é a idéia de
propensão não é, co m efe iro, refre:ida pelo se nso de r• 111 1u I n nveniência e per fe ição, na medi da em que cada um
niência , quando é inadequada ao tempo ou lugar , à k.lad1, 11," e ca paz de compreender essa idé ia. O o utro é aquel e
sin1ação da pessoa . qua nd o para satisfazê -la negligencia 1111 11 dl' aprox imação co m essa idéia que habitualm ente se
intere sse ou seu dev e r. é com justi ça censurada como l '"-1 l~•·1nno mundo , e qu e a maior pane de n~ arnigos ~ c?m -
siva e com o prejudicial tant o ao indiví du o, como à soch:d.11 1 111Jwiros, rivais e competidores, podt: ter realmente m111g1? º·
Na ma ioria desses casos, porém, cr itica-se princ ipalmenll 1 1 hillU r.immente (inclino-me a p::nsar que nunca ) tentamos 1ul-
nos a força da propensão para a alegria, que a fraqueza d, 1 1,, 11 u .1 nú~ mesmo s sem atemarmos de 1.1rnmcxlo ou de ourm ra-
so de conveniênc ia e dever. Um jovem que não 1enha go.-.t,1 , , ' 1 .._~ dois dtferemes pa drões. Mas a atenção de diferentes ~o -
las diversões e distrações nan 1rais e adeq uadas à sua idadl\ q11 111•m, e até do rrtt::-..moh omem cm distintos momentos, ~':11~as
nào fala se na o de se u livro ou seus negócio.:;, de:,ag1..,1da I" 1i·s :,e divide nm ito desigualm ente en 1re tais padrões , dmgm -
seu fom ,alismo t: pedantismo; e não lht: damos a-éd ito prn 11 1,1 ,t' , algumas vezes, principalm ente parJ. u m, algumas vezes
abs linência, nem me~mo de prazeres impr óp rios, para , 1 qn ,1 1•11i1outro. .. . .
par ece rer tã o po uca incl ina ção. \la medid :1 em que nossa atenç ão se dm ge pa ra o p nm ei-
O prinápio da. auto-estima pode se r muito elev: 1clt , ' 1.1ério.o ma is sábio e melhor de nós nada pode ve r em seu
igualme n te, muito b aixo. É t~o agrad~vel julga rmo -no:-. Lt\ 11
1
1111prio c aráter e co nduta, senão fraq ueza e in.1pe~e1ça~l n~~
ravelmente, e tão des agradável ju lganno-nos medí ocres, qi, on'l·gue descobrir fundamen to algu m para a1rogancla e p, e
próp ria pessoa não du vida de que a lgum grau de excesso dt \ 1 unç"io, mas inúmeras razões para humildade , rem~~ e aire-
ser me nos desagradável do que qualquer grau de falta. Mn.-.; ,.,1 l, •ndin1<;!ntO.Na med ida em que nossa atenç-ao ~ dmge paíd o
vez se pense que para o espect ador imparci al as co isas dc:\.,01 Kllndo, pode mos ser afetados de um m<Xlo~u de o utro, ~en,
se mostrM de modo basrante d.Nerso, e que para ele a falta d ·\ 1 lhldo-nos rea lmente acima ou re-.<1.lmc:::nte abaixo do padra o ,1
sempre se r me nos de sagradável do que o excesso. Ce 1taml 111i •jllL' nos co m paramos. . . _
aiticamos nossos oomp anh e iros muito mais pe lo último do 11111 O homem sabio e vinuo.so dirige sua pnnc ,pa l aten ç-,1.O p~-
pela prim eira. Qu and o são arrogantes co nosco, ou se cal()( .1111 1 1 o pnmciro padrJ.o - a idéia da exata conve _ni ê~ i::te pe~e1-
em p ree minên cia em relação a nós , sua auto -es tima morl lf 1, • 1 .10. ll. xiste no espírito de todo homem um .1 1dé 1a dess e ...ripo,
a nossa. Nosso orgulho e v:1i<lade nv:, incilam a acusá-lo~ d, hl;tdualn1ente formada de suas observações sob re o cara ter e
org ulho e vaidade, e cess am o:, de ser os espect ado res im p.11 1 nndLtti'l.tanto ele si mesmo , como de outras pessoas . T~ ta-se
dais dt:: s ua conduta. Mas, qua ndo os mesm os companhc1111 1\ 11 trabalho lento, gradua l e progressiv o do g rande se1rn ~le~L:s
toleram que qualquer outro home m arrogue-se uma supe r~111 1h:ntro do peito , o grande jui z e árbitro da conduk'l. Essa 1de1a
da.de que não poss ui, n:1o ap en as os cens urnm os , m.11-mu i1,1 1•-.t:í m:iis o u m enos dehneada co m precisão e m todo homem ,
vezes os desprezamos como ignóheis. Ao contrário , quando l ' II \ ll:t'> core<.são mais ou menos justas, se us conta m os, d esenha-
tre outras pes..,:;oassohressaem um pouco mais , e ascendem J do.-. com maior ou menor exat idão, seg und o a delica d eza e
uma aln1ra que ju lgamos desproporciona l ao se u mérito , L'll1 wurácia da se nsibilidade com que aque las obscn ,1~õe:s f~-
bora não aprov emos inte iramente sua conduta, isso tudo Ct>111 r.un feitas, e segundo o cuidado e menção c1npregados ao t~
freqüência nos diverte; e se o caso não for de inveja, quase Sl'III ,l·-las . No home m sáb io e virtuoso , fora m feim.s com. a. m~us
pre desagradam-nos muito me nos do que se se tlve sse m dd ,1gud a e delicada sen sibilidade, c:::~ mais cxfrc ~ o cu1da~o e
xado cair abaixo da sua posição adequada . ,llL'nçào foram empregados ,1u faze-las. Todo dm me lhora -se
3 10 TEORIA DOS SEi\TIMENJ'OS ,1/f, 111'-IRTE li 1

algu m tr..tço , todo dia corrige-se algum a falha. Esre ho1t11·111 1111todas as arte s libe rai.'-e inventjvas. na pintura , n:1 J)Ol'
uu.l_ou .e:~ idC:ia 1mti.:, do que uutra:, pt:::,so,1.s,compn.T111le 11.1nm~ic-.J,na rerórica, na filosofia , o grande artista se mpr e
mai s distintamente , fom10u dela uma imagem muito mal 1 ~1 .1rl-:1l imp e 1feição de suas melh ores o bras, e é mais sen -
reta , e es tá mui10 mais profundamente en am orado de Mii 1 1do que qua lqu er outro homem de co mo lhes falta a per-
gu l.ar: divin:a ~ le~::t,es~orçando -se en tJo o mais possíw l 1 ' 1 1iI klcril de que fo rma algu ma co ncep çã o e imita tao
assimilar seu propn o carater a esse ::irquétipo de perfeiçao 1t 111qu~tnto pode, embora d esespe re de algum dia a igualar.
~a, co ntudo, :1 obrn de um d ivino ~•rti!-it:l., q ue j:-1
mai, pod,• 1,1 11111'11\l' o artista inf e rior sem pre está perf eitament e comt:ntt:
igualada. Sente o êxi to imperfeilo de rodos os seus mt:l h1 1 ,111"''l i pró prio de se mp enho . Quase nào concebe e.s.-,aper-
~ forças, e vê com dor e aílição os distinto s traços em qur ,1 1 ' 1\ \o Idea l, na qual penso u mu ilO pouco; t:' é p rinc ipalm cn-
p,a mona! fracassa perdnte o original imorta l; recorda, 1111 1 1 ►hras de outro s artisLas, <le nhd 1alvez ai nd a infer ior, qu e
cupado e humilhado, as vezesem que, por falta de mença(,1 f 11 , m"IXL' cm com parar sua~ ubrn.::..Ooilcau, o grande poeta Íí3n-
ta de disce rnimento e falta de modera ção . violou. em p:tl,n 1 <t•m:.ilgumas de suas obra s talvez nã o seja inferior ao maior
e ações, em condu ta e conversa as regras exatãs da fX"rl•11
1 1
1.1 do mes mo gênero, seja antigo ou mod erno ), cos tuma -
conv e niê nc _ia, afastando-se , desse modo, do modelo scg u ml i t ll 1cr que nenhum grande h omem j~un-tis se sat isfez pl e na -
o _qua l deseJa ra mo ld ar seu pró prio carãter e co nduta Q,..1.111d 111nll t·oin suas própria s ob ras . Se u con hecid o, S:mteuil (autor•
diri ge sua atenç:lo para o seg und o padr ilo - o grau de exn ·h 11 11 vl·r.sos br inos qu e, gr,tç~ .,;;; a esse trabalh o de co legial , tinha
eia que 5CUS amigos e co nhecidos co mumente atingiram -. pt" 1 , h ,1qucza de im agina r-se poeta), ass eg urou-lhe que se mpr e
d_cfato se ntir sua própria supe rio ridade; todavia, com o su. 1 , 1111 1 ,11b -se r,lename n1e sat isfeito com a sua pró p ria obra. Com
1
cip::tl atenção se mpr e se dirige pam o prim eiro padr.:io, nt·, 1 11111.1 ambigüidade rnlvez ma liciosa, Boilea u respon d eu-lhe que
sari ament e a primeira co mpara ção humi lha -o mui to m:1i,..,d, 1 ,t.nncmeele era o (mico grande homem que jã experimentara
qu e ja mais pod eria elevá- lo a segunda. Nu nca está t:.1 o euf(nh , 11"l'nsaç-J o. Ao julg ar suas pró prias obras, Hoileau as compara-
para lan çar um ol ha r insol ente aos qu e es tão rea lmente ,1h. 11 i ,10 JY.id r-.lode perfeiç-.lo ideal relativo ao se u ram o partk.:ular
x_odele. pai~ sente tão bem sua própria imperf e ição, conh1·11 di, .111 e poé tica, e pre su mo que o tenh a meditado d t: 1noclo tão
tao bem a dificuldade para se apr oxi mar da longí n qua rctid,I• 1 111 ,lündo e o conc ebido uto d istimam entt: quanto é poss ível
qu «: não conseg ue olhar com desp rezo a imperfeição, ~1i11d1 11111 homem fazer. Santeu il, ao julga r suas pr óprias ob ras, pro -
~a,or, de outras pessoas. Longe de se r insultado pe la inft,.-: 111 ' 1vclmen te as co mparou piincipalm c ntc às de out r os poetas
nd ade ~estas, divisa- a com a mais indu lge nte co miseraçã o, 1 l.u!nos dt: & u tc::mpo , e ccrtamcnce estava longe de se r infe rior
por meio de seu conselho e d e seu exemp lo, está se mpr e dl 1w~mdt::ma ioria del es . Ma s mant e r e re ma1:1r, se r,osso d izer
posto a promov er o progresso del as. Se por acaso são supc: 11, 1,,irn, a co ndu ta e c onv ívio de toda um11 vida à semelhança
~ a ele em~qualque r qua lidade pa1ticular (pois quem ê tão pi,, 1 ln1sa perfe ição id e~ •I é ce rtam ente muito mais difícil d o q ue
fetl o qm: nao tc:nha mu ito!:I ~upt::riur~ t::m mu ilas qualidm h· .1,;1ncar igual seme lh ::tnça em qualqu er d os prcxlu tos de um a
d!ve~s?), não lhe.:, inveja a supe rio lldad e. pois, sabendo qu,11, 11t <.: enge nhosa. O art ista sen ta-se <liame de su a obra quand o
dillcil e exceder-se, estima e honra sua cxcclLTicia, e nunca dt·1 .--.tí impe nurb áve l. ocioso, em pl ena posse e remin iscência de
x:i.d e atribuir a esta a plena me did a de aplauso de qu e é clignu ioda a sua habilidade, e xperiênci a e conhecime nto O ho rncm
Em suma , todo o seu esp írito est1 profundameni e ma rcado ..;1hio d eve man1er a co nv e niên cia de sua conduta na saúde e
rodo o seu comportam e nto e pm tu ra nit idam e me esta mp:id rn doença , no êxito e na frustração, na hora da fadiga e da in
com o caráter da sua verdade ira modéstia. de uma estima mul dolência so n ole nta , bem como no moment o tlt: m«i::.d c:,,pcr
to mcxlemda de seu próp rio mé rito, e, ao mesmo tempo , de un. 1.1 atenção. Os ma is sú bitos e inesperado:, <C>!).thus de dificu kl,1
senso completo do mé rito de outras pe sso as. til' e afli ção jamais o devem surprt:endc:r. A inju stiça ele 0111 1a. ..

312 TEORJA DOS S&Vf/MEN/0.\ 1111 1 l'JIR'l1i Ili

pessoas jam ais deve inc itá-lo à inju stiça. A vio lê ncia t111 1
çao jamais o dev e confund ir. Todas as du rezas e pc nH•' 1 • 10-,, co mpletos e p erfeill.n)os caract eres qu e. em m: 1i1 _0..,
1K,11~.,, s:.iotao dignos <lc adm.iraç'do. Talvez os hom en; ,;;a_h10...,
gue rra jamais u podem desanim ar, nt::rn estarrec.:c:r. ,11 pH.'cndam e até des velem, com algum grau d~ escarn10 , a
Entre a!, ~d!:I que , estimam.lo :icu p róp 1io n1ériH.,, j11M, ~lo que os g ran des ho me ns senrem por s1 me s mos , e,
10111,K
Liu st::u próp rio c.:aráit:r e <..u nJuta , dirigem a maior pari<:d,· u 111lwn .:ndo- os de perto, secret.trnen te sorriem das elev ada s
arençào para o segundo padrâo 1 para o grau ord inário d~ , ,, , 11 ,. •11~<>es, muitas vezes vistas com reverência, quase adorn çào,
!ência q ue os outros hom ens comumcntc alcançam , há a1~n 111 111)l':•,soas ma is afastadas. Em toda s as épocas, ~m,_ a mai?"
que real e justtficadame nte se se n tem mu ito acima dck• 1 ( 1p , d, 1..,homens têm buscado para si mesmos a mais nndosa fa-
assim s:1o reconhecidas por tod o espect ador intelige nte 1.• i1111, u 111, .1 111:ii:-;;1mpla re putaçã o - fama e re putação , adema!s, que
c ia l. Po rém , co mo sua atenç ão se mp re se d irija princip :d1m ,111 li \'<lüência transm itiram-se até à mais remota postendade.
te não pa ra o padrão do ideal , mas para o de pe rfeiç:lo 01 .ti ( ;r::rnde êxit o no mu nd o , g1.ancle autoridade sobre semi-
rnlria , rnis pe..:..c;oastê m pouco senso de sua s própri~s fr:1q111 11 111• ·11ose op in iõe s da humanidad e, raramente f~ram ob~idoo
e imperfeições. Têm pouca modéstia, com freqüência s:l u .,11 111algum grau dessa excessiva admir.i ç;lu de s 1. Os ~1a1s e~-
vas, arrogantes e presunçosas, gra nd es admiradoras de .,l 1111 pll'mHdosca racteres , o s homem que realizara m as açoes m~1s
mas, e grandes con lemptoras de outros. Embora seus c:11 ,11,, 1lu-11c-; , que pro voca rnin as maiores revo luções, tanro _n;:i.s c1r-·
re.ssejam em ge ral meno s COJTetos, e se u mér ito mui to inft•11111 1111 ~1◄-mcias quamu nas opi ni õc5 dos hom ens ; os maLli bem-
aos d o homem de real e mod esta vim.ide , co ntud o, sua <."(e1 11H:d1UU') guer re iros , os mai o res esta di!-taS e leg isladores, os
siva presu nção , fundada so bre su a exc ess iva admi ração d1· ,1 1 loqlk:n tcs fundado res e líde r~ das mais n~u mero~~ e ~_m-
111l'd1das se itas e p.irtidos - mu itos destes nao se chstmgu1ram
ofus ca a multidão e muita s vezes prevalece até mesmo !->o liu
os q ue são muito superior es à mu ltidã o. O freqüen te - e.:n,1,1 111,11..,por seu imenso mérito do qu e por um grau de pres un -
\ .ln l' de adm iração de si inteirame nte desp ropor ciona l atê mcs-
raro admir-J.vel - êxi to dos ma is ignorantes cha rlatãe s e im111
1110 c.:mrelaç-.Joa esse imenso mérito. Talvez essa presun ção f u-,-
tores, sejam civis ou religiosos, c!e mon strn suflcie ntemente {'1 1111
t , m:cessária não ape,nas para incitá-los a em prt.~ em que u m
que facilidade se abusa cl1 multidão co m as mais extrava~.m
1 , 1p11itomais sóbrio jamais teria pens.:1.do, como ainda para c?~-
tes e infundadas pretensões . Ma s quando essa s preten sóc~ ,
1 llll'il:Jr a submi s.s.1oe obediência de ::.c:ussegui dores, n~a na
tão ampara das em altíssimo grau de só lido e rea l mér ito, qu; m
do sao exi ~id as co m todo o esple nd or que a osremaç.:10 pocl,
p.ira man ter tais emp resas. fui~im, qu and o co roada d:
eJoto, tal
1u,:.'lunção mu ita::,vezes 05 traiu, levando-os a um a vaidade q ua-
lhe5 confenr, quando estão éjJTiparadas~m elev ada po 1,if:lo 1 \' próx ima da in.san1clacle e cb insen s,uez. Ale~nd"? , o Gra nde,
grJnd:: 1xx:k::r, quando con 1freqo enc i(I :,ao prnLicad ,1~ com .... 11 1v~d ,1 não ap enas ter dese jado que outros o unagma s.sem um
c.;c::~o,e::po r i:,~u vê:111acompa n ha da~ da.-sruid o5a~ ad a1111J1,,.ovN 1ku s, ,nas te r-se forte me nte incl inado a imaginar-se como tal.
da multidão, até mes mo o homem de sóbrio di.sccmi mc 111; 1 1 111seu leito de morte - a menos divina de tcxlas as situaçõe s -
pode deixar-se levar pela ad miraç-dogera l. O próprio rumor ck.-. 1•xigiu dos amigo s que sua vel ha mãe Olí mp ia tivesse a ho nra
sas tolas acfama ções contribui mui ras ve zes para co nfundir :.,.11 dl' ser incluída na respe itáve l lista de divincL1desna qua1 ele prú-
e ntendim ento; e embora ape nas divise e&.5esgra nd es homc n.:--,1 prio havia mu ito for-dinserido. Diant e da respe it~sa admiraçã,o
ce rta d istância , freqü entem en te se dispõe a ad orá- los co m Lim, 1 dl' seg uidores e discípu los , dian te do aplau::,o un1ver5a\ do pu -
sin ce r-..t~dmirnç;lo, :11é mesmo superior i) a:dmir:t~ o com q 11e rt• hko, após o oráculo, que prova velm e nt e seguira a voz de sse
ve lam ;1clorar a si próp rio:<- . Quan do o caso niio é de in vcj ·1, 1o ,1plauso, tê-lo pronL1nciado co mo o mais sá b K) dos homen.,;•, a
dos senti mos prazer e m adm irar e, por essa razão, naturaJ me n
re nos di spom os. em no ssa s fantas ias, a to rnar, em todos o-. • Pl;,l;lo, A atx')/(J~ia de Sócml eJ, 2 hi. (N'. da R, T.)
314 71:0RIA DOS SE:\'Tllv/EN'IOS\li , li

gra nd e sabedoria de Sócrates, ainda que não o fizcs.'lt' 11111 , n1m lc ração de modo ::ilgum era rào perfe ita quamo a do
nar-se um deus, não foi , contudo, suficientemen te grandt· 1111 111,k Duque de Marlb oro ugh .
imped ir de imaginar que ~uía a:,cueld e fn::qüentt: int11 11 '-lo..:humild e -, pro jetos da vida privada , bem como na s
de com um &r invisível e divino. A sensata cabeça de Ct.:~,11 n 111,!d()!-.~1se altivas bu scas por JX)Stos e leva dos, grande s ha-
era tão peifcitamcnt c se nsa ta a ponto de imped i-lo de:!11·~• 1 l1d.1dese em preendimentos que são bem -su ce did os no co-
jar-sc demasiad amente com sua divina genea log ia, o riurtd, 1 o lrt.,qüenrerneme encordjaram empreendimen tos que, no
deu s~1 Vênus; e de recebe r, diante do templo d e sua pn•h 11 1 n, Jll.'te&>a riamente co nduziram à bancarroia e à ru ína.
tat:uavó , sem se erguer do asse nto , o Senado Romano , qu,111 A tstima e ad miração qu e rodo es pectador m1pan:lal con -
essa ilustre corporação vinha ap resentar-lhe algum decrctt 111 1w pc.Jo méri to real dessas pessoas brilhanl~.>, magnânimas
ferin do-l he as mais extravagantes honrari as. Essa insoil'1111 p, ,hrcs, po r ser um sentimento justo e: bem fundam e ntado,
acompan hada de alguns outros atos de vaidade quase inl,111111 1m1hém constante e pen nan ent<::,indepe ndendo por com ple-
pou co provável num entendiment o a um só tempo tão ag1111,, ' 111• sua boa ou má fortuna . O mes mo não ocorre com a admi-
amplo, ao exas pera r o ciúme políti co, pare ce ter estin111h1 tl l l\ ,lo que o espc=<.tadorimparc ial é rn pnz de co ncehe r pel a
seus as.sassinos, e apressado a execu ção de sua trama. A rt..'11>(1 , n,:;iva auto-c:.>tima e prcs un ç::l.o.Enqtian to têm bom êx ito.
e os costume s dos tempos mo dernos pou co encord jam no, 1 , 1111deito ru1o raro o co nqu ist3m e sobre puj am inte irament e .
grande~ hom ens a St:: imaginarem <leuse.s ou até me smo p,, ,t 111•~ilo en~ob rc de seu s o lhos não ape m1."a grande imprudên•
tas. Contudo, o êxito , aS5<X:iadoa grande favo r popub r 1 ulo li 11, mas muitas vezes,- grande injustiça desses empre endim en-
qücntcmcnt c tmnstorma as cabeça s dos mais pod eroso~ 1111 1 1e, longe de cen-,u rar-lhes essa falha de caráter, com freqüên-
chegam a atribu ir a si pró pr ios uma importânci a e habilid .ul 11,1 ;i vê co m a mais entus iástica admira ~io . Qua ndo ma logram ,
muit o superiores às que r~ 1lmence poss uem e, por caus a dt· , 11t n.•rnn10, as coisas mudam de cores e ele nomes. O qu e antes
presun çiio , chega m a precipita r•se em muitas avenru ras imp111 , 1.1 heróica magna nimidad e rea dquir e sua pró pri a designaç-Jo
dent es e por vezes ruinosas. Trata -se de un1.aca rac..terís tica lll 11 d1• precipitação extrav agante e loucura i e o neg rume da avid t:.z
se peculiar ao grande Duque de Marlborough, a de que em d 1 ln1us1iça,que ames se ocu ltava sob o esp lendo r <la pru.>per ~ -
anos de um inintem.tpto e esplê ndi do êxito - de que dificiln1t11 d,1tk.:, salta às vistas, e bo rra todo o bri lho dt! ~ u emprccnd1 -
te ou tro general poderia jactar-s e - jamai s lenha traído um 1 lll\'lllO. Se em vez de ga nha r, Césa r tivc.:s,~p::rd.ido a b,ttalha de
única palavra ou expressão precipi1ada. Pe nso que não se pc1111 l ,11'>ú lia, nesse momento consic.lt:rariam seu cará ter pouco me-
atribuir a mes ma frieza moderada e o me smo autodomínlo ,1 lhor do que o de Catilina, e talvez mesmo o mais fraco dos ho -
nenhum outro grnnd c g uem :iro <los ú!Limos le mp o:, - 111,;:111
,,, , 111t·nsvisse sua t::mpres.:1.conLra as leis do seu paí~ e m cores
Principc Eugênio , nt:111ao faleci do Rei da Prússia, nem ao g,~111 1lnda mais negras do que um Ca tão, com toda a animos ida de
de Príncip e ele Condé , nem mesmo a Gustavo Adolfo•. Talw, d1..· uir1parlidário. Seu verd adeiro mérito, ~ juc;re1.ade se u gosto,
Tu renn e•• renha -se aprox im::ido mais dis so, embora div er, , 1 1 ~imp licidnde e eleg ância de seus escritos . a propr ieda de d~
procedimentos de stia vid a de monst rem suficienre m enre q111 ,u; 1 eloqüênc ia, sua ha.hilidade na guerra, seu s recursos na afli-
\•lo, seu d iscem imen to calm o e frio no perigo , sua fie l afeição
ª Príncipe Eugênio de Savoy (1(,63. p .36), conuncb ntf! do exérotu .,rn, ain igo.s, sua generos idade inigua lável com seus inimigos,
ia ~ rrcd erko, 1,
:mstrfa co na Gm.Tr:.1 da Sw.:c~Jo E:,panho!a; u rei ,._lt Prú,:1,5 11·ri:1m sido todos admilid os, do me s1no modo como o ve rda-
Grrnd e, mort o cm PRÓ; l.ui~ li d e Rourhon , Príncipe d e Condé (1621-l(ü4<,I 1k·iro mér iro d e Catilina , que possuía mui tas grand es qualid a-
e Gustavo Adolfo, rei da Suécia que comandou os procesmnccs na Guc:rr,1 dt...'~. é reconhecido até hoje. Mas a insolência e injustiça de .sua
dos Tnma Anos. (l\" . da R. T.)
- l lcml lk 1:i Tour U"Au\el ·gnc, Vi:.co nde de Ti ircnn c, (..'Qnhccido por ,unb ição insaciáve l teria obscurecido e ext inguido a glórid.de to-
seus t;1len1os como m ili rnr ( I\' da R T.) do esse verda deiro mé rito . Nesse , bem c.umo em o utros asp cc

316 TEORJA DOS SF.N77.41FA·70S ,\li 1 l l'AR TE 3 17

tos já men cion ados• a forLtina exe rce gra nd e intlu ênci:1 "11 111 11.10 ser muito nu me rosos, ne m mu ito ruidos os em seus
os sentim entos morais dos homen s, e, conform e for fa\'C1 1 1
,l u,,,os, porém o sáb io qu e o ~vL<,tarde perto e que o conhe-
ou adversa, pode to rnar o mesmo caráter ob jeto de :1111111 • 11wlhor muiro há de adm irá-lo. Para um homem rea lmeme
admi rdçâo ge nerall zado.s, ou de ó<liu e de~prczo tm ivtr:-al ., 1 1h10, :1 :q,rovação judiciosa e pond erad a de um ún ico sábio
sa grande clQOrdem em n~.sentimenras mo rais, po1ó1,, 11 ,,11t'<.k: mais satisfação interior do que todos os ruidosos aplau -
deixa de ter stia utilidade, e nessa, assim oomo em muita~ c,1111 ll· dez mil admira do res ignorantes , embora entusi ásticos .
oca siõ es , podemos admirar a sab edoria d e Deu s, mesmo , 1•1 111, laça sua s as palavras de Pa1mênides qu e, en quant o lia um
seja na fraqueza e loucura do homem. Koss ::iadm irnçào p11 h , 111~ fdosó fico pemnte um a assembléia públ íca em Atena.s,
êxiro fund::i-se sohrc o mesmo princípio do nosso resp<.:i li 1 1 l, ,,•rvou que toda a gente, salvo Platào, o deix am; nã o obs 1a n -
la riquez a e poder, e é igu a lmente neces sá ria para est:1bd1·1 1 1n1H1nuou a leitura, afim1ando qu e Platão sozin ho lhe bast::tva
a distinç-ão ele posições e a ordem da soc iedade. Por essa ,H 1,11 •1110 ;tudiê nc ia•.
raçã o pelo êxi to , somos ern,inados a subrn e te r-nos mais l,1111 O mes mo na.o ocor re CO ff l o home m de au to -esti ma ex-
mente ao.s sup eriore s que nos forem reservados pelo curs11,~ ' tt,lv;1.Qua nto mab de perto o :1vist~1rem os sáb ios , rnnto m e•
assuntos hu ma nos; a considera r co m reverência, e às vez('' ,,1 ,1, 1~ h ..10 de admir-..í- lo Em meio à ernbri::iguez da prosperidade.
com uma espécie de afeto res peit oso, essa vio lência afortu11.1d1 11•~1irna sóbr i:.1e justa dos sáhio" falrará tanto a extravagância -
a qu e não mais somos capazes de res isrir - não a~nas :t , , , ,l I adm irJÇâo que cu hiv~ fX)f si n.esmo, que a co ns iderará como
lência dt::caracten.::.::,e:iplêndidos como os de um Césa r ou 11111 111•r:1 nrnlignidad e e inveja . Suspeita d e se us me lhores amigos;
A~cxand re, mas frcq_ücntcm cntc a do s ma is brutai s e sclvat\( 11 • , ornranhia d estes se lhe toma ofens iva, afasta-os de sua pre-
barbaras , a de um Atila, um Gê ngis C:l, o u um Tamerlào. li 1 i ·nça. e muitaS vezes reco mpe nsa seus fayores não ape nas com

ra todos esses poderosos conquist: 1dores, a gra nd e popul.1, 1 n){ratidào, mas co m crue lda de e injustiça ; abandona s ua con-
esl:-'ina 111r:-:ilmen1e predispos t;1a e rgL1er os o lho,.,com u ma ad111I !l,mt,;a::i adulad ores e tra idor es qu e fingem ince nsar sua vai-
ração es pa ntada, embora se m dúvid1 mui ro fra ca e tola Fv 1 l.1dc e presunção; e o caráte r que a princípio , e::inbora falho em
admi raçd.o, contudo, e ns ina-os a aq uiescer com menos relu1.,11 ilxuns aspec tos, era de modo ge ral amável e respeitável, 1or
eia ao governo que uma for ça irresistível lhes imp õe, e d e q111 11.i•'ie po r fim des pre zíve l t: odivso . Em meio à e mbria guez cb
relut ânc ia al&1t 1ma os poderia livrar. pwsper ida de, A lt:x;m<lre matou C!iro por te r preferido as fa-
Ainda que na pr os perida de o hom e m de auto-estima \'X ,. ,nha~ de .-,eu pai às s uas p ró prias; man dou matar Ca lístenes
cessiva às ve zes po ssa apre senta r-se avanta jado em rela~.111 "' ih lOrturas, p or ter ~se rec usado a ad rnirá -lo à man eira p ersa,
ao hom em de virrude corr eia e mud t::ita; ainda qut::u aplat ", ,. ;t,;sass inou o grande amigo de ~u pai, o venerável Parmênio,
da mtlllid;:lu e: dos qut: vêt:111a ambos apenas à distând1 l1l' l,1 jH,•l:t m~tis infun dad a suspe ita , tend o pri meiro ma ndado à tor -
muit as Yezcs mais ruidoso crn favor de um do qu e jamai ,; M' l,1 1111 ~1, e em seguida ao cadafal so , o úni co filho que restava àque -
em favor de out ro; no en 1an10, tudo so ma do, o praco da lx.11:tn 11 · :indào, de po is qu e todos os outros havtam 1nonid o a seu se r-
ça talvez penda, e1n todo s os rnsos , muiro 1rn1i s p~rn o úllinu 1 vii,.o. Era esse o Parmênio a qu em Filipe costum ava refenr-se,
qu e par,i o prime iro. O ho mem q ue nào se a lribui , ne m cltM' di :,end o que os atenienses eram mui to afortunados, po is po-
ja que outr os lhe alri buam. ne nhum mér ito além do qu e re,11 diJm e ncontrar a cada ano d ez ge nerais , enquanto ele, ao lon-
ment e lhe pe rten ce rnlo receia a hum ilhação, nào reme ser cll·., µo de tod a a sua vida, jamai s p ude ra encontr.tr nen hum ou tro
mas cara d o, pois repo usa , contente e seguro , sobre a genuín.1 ,t não Parrnênio. Es.se era o Parmê:niu ~b rt: cuja vigilânc ia e
verda d e e so lidez de seu pró prio caráte r. Seus admirado res po
• 'lo e nlanLo, Plalào n:i.scc
u pe r voltade 128 a.e. t: Parmênides n1orrt!-
• TSM, Pane li . Seç-lo Ili , n01ad;1;mcn1c Cap. 111.(.X. d:i. R T .) r.1em 400 a.e (N. da R. T.)
l l8 nME N'tOS Mt Ili
TEORJA D05 SB.."v l l l' :llnE

atenção sempre repousava com confiança e seguranç;:1,• 1, 111 1,1m e r su a pretensa posiç-lo menos fazendo-te perceber a
mando dizer, em seus momentos de alegria e júbil o: "\11111 11•11om..lac.lc dele, que tua própria torpeza ; l:'arece desejar ~ão
beber, amigos, podemos fazê-lo com seguran ça, porq 1w I' 111 111~u-.ciiar a tua estima p or ele, mas mo rtificar a tua es uma
mên io nu nca bebe." Era esse mesmo Pannên io com cu j.1 11 , ,, ti mesmo.
sença e conselhos, diz ia-se, Alexand re obt ivera tocl:t.::,.,,, 11 <) ho mem v~idoso não é since ro e, no fundo do seu ca-

L1japrest:rn;a e cu11.::,dh lJ::.jama is teria co 11


\'ító r la~; e sem <.: ~1" 11 l.lo , r.1r:mic.-n te e:-il á co nvencido da su perior idade que dese-
du uma .:,Ó. O::.am igos hu mildes, admiradores e adula<.k,11 1q11t• lhe :.1lribuas. Quer que o veja s e m co res muitO 111a is es-
quem Alexa ndre legou o pode r e .i aurorida.de, div idir:1111 1~.11lidas que aq uelas em que , ao colocar -se na tua situação,
impéri o ent re si e, depois de tere m então rou bado a h i.•1.111 1t 1 /'ill!)0r que sa ibas tudo o que ele sabe, re-.ilmeme pocl~

de sua família e parentes, mataram tcxlos os so brev iventl'~. 1, , •,1.•a si mesmo. Portan to, se d emo nstras ve-lu em cores d1
sem homens ou mul heres. !1wntes talvez as suas verdadeiras core::;1 fica muito mais mor -
Freqüen temen te n ão só perdoa mos a excessiva au1111 111, .,do ;,o que ofendido. Aproveira todas as opo rtunidades para
lima dos esp lêndidos caracteres nos quais di visamos g1.1111I por os motivos pe los quais rt:d ama c.: ~e ti a atribu iç,.<lod_esse
e distinguida supe rioridade em relação ao níve l com u111d 11.1tcrque r exibindo de modo oste nsivo_e desnece~!-.ãr~o as
humanid ade, corno também deles pan ilh amos e com elt:., '11111 1 1,,h qualidades e hab ilidades qu e possui em grau razoavel. ·
p~tizamo s integralme nte . Dizemos que são e5piritu osos, m:i~, 11 1111 1•r1 üs vezes, rr1ed iant c falsas pre tensões iis ~ 11 alidades qu e,
mmos , e nobres - palavras cujo significado implica um u 111 111n;lv pos.sui em grou nenhum, ou em gr..tu tao pequeno que
deráve l grau de louvor e ad miraçào . Todavia, nao po<.lc.·:111 • pode mui to bem dize r que não as possui em grJt~ algu?1.
panillrnr ela excess iva auto-es tima cios caracteres e m q ul· 11.1 11 lqnHc de des prez ar a 1ua estima, co rteja-a com a mais a~ 10-
p<Xfem05 discernlf uma ta.o dis1ingu ida superio rid ade e.:1,111 1 pc rseve~ nça. Longe d e dese jar mo rtifica r tua au10-es u_ m a,
JX)UC..U com eJa simpat izar. En oja-nos e nu, revolta. e não l· ,, , 1 flt ,1 feliz em cuhivá-la, na espera nça de que em Lroca culuves
dificul dade qu e a pe rd oamos ou .sup01tam os . Chama mo ln 1., 1 dt•le Lisonjeia para ser lisonjeado; es tuda como agmda r, e

gulho ou vaidade - dua s palavras cu jo sig nificado im pli, , 1 1 1 ~torça-se por subornar-te p ara que tenha s boa opin Hlu ct: le
última sem pre, e ..1primeira, na maior13. das vezes, um gr.lll n 11 1lll'1.liante polidez e com plac:ência , e por vezes até co m prcs-
siderá ve l de censu ra 11111,>S reais e essenciais, ainda que calvez os t!XJXmha co m des
No entanlo , esses dois vícios, ainda que em a!~11.ms as1:x:<11 tlt'l'cssária ostenta ção .
sejam i;;emelhames , JX)rquemodificações da excessiva aulo-t·.,11 O homem va idoso vê o res~ilo prestado à posição e for-
ma, em muitos aspectos s.:~obastante diferemes um do outn,, tuna, e dese ja usurpá-lo, bt::m <.: omo o prcswdo aos talenlos ~
O home m orgulhoso é sincero e, no fundo do seu COhl\,\11 vllt L1des.Assim, sua:, roupa s, sua eq uipagem , se u modo ele v1-
está com·enc ido de sua super ior idade, rosto que às vezes ,, \'l'f1 anunciam uma posição e uma fortu na maiores do que as
ja difíci l adiv inhar em que se fund amen ta essaco nvicção. 1k qu t.: rea hn1::n1c possui; e, a flm de man ter. no começo de sua
seja qu e não o vejas sob ou tra luz. se nã o so b a qtie, ao co lo vlUa c:ssa tola imp ostura po r a lgum:- í)O UCOS anos , não raro se
car-se na tua siruação, realmen1e se enxerga; nada exige de.:11 , 1:r~duzido à pobreza e :-lf1içàomui to an tes do fim da vida.
:1lém do que conStdera ;us10.Se demonstrc:1snao resp!i tá-lo t ·o r-,;.,medida em que pode persistirnessa despesa, en tretan to, sua
mo ele mes mo se respe ita, ftca m .ii:, oft:n dido do q ut: rnrntl va1cbd e delicia -se em ver a si mesm o, não sob a lu z em que o
ficado, e seu 1-es:,entimcmo não é menos ind ignado d o q ul· e1 vt.'rias se souhesse tud o o q ue ele sabe, mas so b a lt1zem qu e
seria se rea lmcn1c fosse ofe ndid o . Nem mes mo então ousa l'X de imagi na que te ind u ziu a enxergá- lo pelo seu ta to. De 10-
plicar as bas es ele s uas próp rias preten sões : desden ha co rtt· d:1. <;~1s ilusões da vaidade, talvez essa seja a ma is comum. Es-
p.r a sua est ima ; afeta :Hé mesm o desprez .-1- la, e ernpen lrn ,<· ,r.rngeiros obsc u ros que visitam outro s paí ses. o u qu c:1n, vindo

320 7EOR/A DOS SEA77.41ENTOSil/1•P1 \I I / 11lHTE

de uma pro,· in cia remota , visita por breve tempo a c~1p11


.il 1 i\1.-•st:r t..
•md ida to a fortu n a e privi légios. qua ndo ll;I H',I
se u pr ópno país, muito freqüen temente tentam p ratid- 1:,. :\ 11 ti t 11:t· possui uma fe licidade mui to mais prec iosa - se a ~ou
se nsaLez des.sa te ntat iva, e mbora st:mp re seja im e n sa L" 1111111 1 ,1•~1boreo.r - de não ser um deles; gosta de ser ad mitido na~
indigna ck: um homem de bom-se nso , pode não.ser intci1;11u11 1111 ,..., <los em inentes , e mai s a inda d e exager ar qu ando em
letão grande ness as, como cm mui1as ou1ras o casiões. &· ,11 '"1,•nça de out ros a fa miliaridade com que o honram por láj
tada é curta, é poss ível que cscnpem de um3 de smom l!1.,, 1 1 , 1t·l~ •-se o ma is que pode à gen te da moda , aos qu e supos-
e, d ep ois de a.Iltiv:uem sua vaidade por uns po ucos m t, 1"• 111 •1111•n1c dirigem a opi ni ão públi ca - os esp iritu osos, os cultos ,
:anos, pode m retoma r a seus lares, e reparn r com parci 1tu1111 lk ,pulares; e rejeira a companh ia de seus melhor~s ~migos,
futura o de.,;;perdício de stm pas~ada profu são. 11,prc.::q ue a corre nte muito mcena dos favo rt:~ publi cos su •
O ho mem o rgulh oso raramente pode se r acu sa d o dr , 1l.1 de fluir co ntra e les e m qu alqu er as pecto . Com a.s pessoas
insensatez. Seu senso da própria d 1~nidade o toma cau1d1• 1jUl.'111 deseja reco men dar- se, nem ~mpre empr ega me ios
na conservação de sua ind e pen dência e, caso sua fortun: 111.lt 11 111110delicados p3ra alcançar e~:,e fim: ostentação desneces -
seja grande , ainda que deseje ap resenta r-se co m decê ncia, l"1 l 11 11l,11 pretensoes infunili.ida~,anu ência constante 1 bajul~ç.io fre-
da meios de ser fru&,ale atento em todas as suas des pesas. A 11 •illtillc, embora e m geral agradáv el e jovial, e, .muiro raramen te.
te ntação d ispe nd iosa d o home m vaidos o lhe é sobrem~ 1nd1.a 1 11.11L1l ,1ç~o gro~i ra e fasttdiosa de um p~r::1s 1t~. O hom em or- ·
ofe nsiva, talvez po rque ofusque a sua própna. Provoca ':iL 1:1111 111 1lhosu, ao co ntrári o, jam ais ba jula, e freqüenteme nte sequer
d ignação , co m o presunçao insole me de uma po!>içào intd, , 1 111uilo cor tês co m l lgué m .
men te inde,·ida; e ja mais fala dest a :,em a t.obrir das nrni, . 1 Mas, apesar de toch1sas suas infundadas prcte~ , a vai-
pe rns e St:vt.::r
a:, ci.:n surn s. .1.itk· é quase sempre urna paix:ão alegre e jovial e, m uitas vezes
O ho mem org ulh oso nem sempre se se nte à vo nt..·Kk· 111 ~1•n1il; o orgu lho é se mpre uma pa ixão grave, so mbri a e se-
co mpanh ia de seus iguais , e menos ainda n..-i de seus supe ri<11 1·n Até mesmo as falsidade s do homem vaidoso são inocen-
Não conseg ue deixar de lado sua s su blimes p rere nsêies, p01, 11 li"•, poi.s têm o pro p6s ico de e leva r-se a si própno, não de rt.:: -
se mblant e e conversa d essa comp :rnhia o inlimidam de tal 111.1 11,1lx:tr os ou1ros. Parn fazer justiça ao homem org ulho:,u, é p rc-
neira, que não ~e alreve a ex pô-las ; recorre à com panh ia 111,11 ' i"">c.hzerque rarame me humilha -se até a baix cza e.la falsidade.
humild e, pela qu al tem pouco respei to, que não escolher ia d i\l.1~.quando o faz, de modo algum suas falsidades são 1ào ino -
bom grado, e qu e de modo algum lhe agrada - a de seus !11 , 1,.•n 1cs. São tod as danosas , po is têm o propós ito de reb aixar
feriores, seus ba juladores , seus dependentes ; rara m ente vbu , 1111 tr.:15pessoas. Está che io dt: ind ignação pel:a su per iorida d e,
se us supe riores, ou se o faz é anres para mostrar que tem di1l 'I , 1 <1Laal julga injusta , qm:: lhes é concedid a: considern.as com
lo a viver em tal co mp anhi a, do que por qual qu e r verda( k •1 111 :dign idade e inveja e, fala ndo de b s, muita s vezes esforça .-se
m sat isfação que lhe ca usem. É co mo d iz Lorde Claren d on ,, 1 1 mais qu e po d e para ate nua r e reduz ir to da e qualque~ ra-
respei lo do Cond e de Arundel: de vez em quando esLc::ia à e,,r 1;1u:,obre a qua l deve-se fund ar ..:i superiorida de delas. Amda
te porqu e ape na s lá pod eria en<.:onlrnr um hom em 111 ais iin que raro inve nte as hi stó rias de pr eciativas que Circul am sob re
panante que eltj mas qut.::ia muitu raram ent e, porque lá l'll l ':-:1:1s pessoas, freqü en te mente se co mp raz em es palh á-la s , e
cumrara urn hom em rna is importa nte que ele. n,10 lhe desgosta repet i-las, al~um as vezes alé co m exagero.
O caso é out ro quando se trata do ho m em vaidoso . E"'h· A, piores fal~idacle.s da vaid ade são o que pode mos ~hama r de
corteja a comp:i n hia de seus superi ore s, tanto quanto o homl' lll h;1:,úfias; as d o o rgulho, se mpr e que se rebaixa à fals1clade, são
org ulhoso a evita. Parece pensar q ue o esplendor delet- refü:11· de comp leiç-.1oopos1a.
um esp lendor ~hre os q1,e sem pre es r:'io ã sua volta. Freq üe nt,1 Nosso desgos to pe lo orgu lho e va idade gcrnlment e nos
as cn rtes ele re is e as rece pções (lewes) cios ministros , d ando -.,t· predispõe a co locar as pessoas a qu em acusam os desse s vícios
322
TEORIADOS SiiNTIMfiNTO,\',Ili•#
' 11 1/'AI/TE 323
~n~es abaixo do que acima do nível comum. Nesse j ll/11, 1 1 ,1111
, penso que geralmente escamase d · -1;~uc se mostrava indole nte e até relaxado, de modo ne-
mem orgulh oso como O v.1id · ~ OS, e que tan1(11, 11 ,1l11un >oMo a fazer a larido por pequenas que5tõcs, mas a
d1:-.1
. . d oso frequentemente (1 ih,· 1
ma 101~a a~ vezes) estão ba.,;; ran te :1cima desse nível. l'111li , 111om a mais detcnninada e vigorosa resoh.1ç,tocm todas as
1041
11c5 gra nd es e ilustres ; que não era amante do perigo, ou
nem tao acm~ como um deles rea lmente pensa esta r ~u' '' ,
o ou tro de sc Ja que tu penses q -•I , • 111111 .ad o a expor -se a perigos pequenos, m:ts a gr::rndes pe -
ãs suas pretensõe pod ue e e esta. Seº" c-onip :u, 1111, 11;,,1-.; e que, quando se exp u nha ao perigo, era com 101a l des-
zo Ma . s, em parecer objetos justos de dn1" ll "llcle raçào pela p róp ria vid a.
· .~s, se OS compara rmos ao q •
vais e competidores I ue a maio r pa 1te de.·fü•u.-.' O home m org ulhoso co mum en1e está satisfei Lo demais
rea meme são podem mostra 1
dif~re~tes, muito acima do níve l co~um . Quando
peno11dade,freqüentemente o orgull ,
hr~t' 1'I 1 11 , lgo mesmo para pensar que seu caráte r p recise de qual-
,c..1 11 1111•1 reparo. O homem que se sente perfe ito naturalm ente d es-
tas vutudes re.:,peilávei.s _ t± ~ e ª<:Ompanhad o dt• 111111 1•1•1;1 tcxia melhoria. Sua auto-suficiência e o absu rdo conceito
d h . ver acle, mtegndade, um alto ',t'l 1
e onia,_am1zade cordial t: cunscam e, a ma,sinflexíve l fl '1, ,111 própria superior idade co mum ent e o aco mp-.mham da ju-
e resoluçao; e a vaidade d . . , _ . 11111 + 111udeaté a mais avan ç."a da idad e, e mon -e, como diz f laml et ,
n idade, polid ez, um des~· td111~1tas ~r~cl es amáve is - '1111111 1•111rodos os seus pecados sobre sua cabeça , sem comun hão
assuntos JO e c1gmciai em lodos os pcqtu •1111
· , e por vezes uma reil gencrosidad • 111n1 rema-u nção•.

d
:;~:"~º•
!~n~::~'::a~~
que
f
f;eqüentemin~~~~:;:::: 11 ,::"',
n oros!ls <o que p:,d e. No sécu lo fl"I" i 1111
O co nt rário ocor re freq üen temente, quan do se trata do
'm vaidoso. O desejo de que outros nos estim em e admi -
111\.
o, os ranceses fora m acusadn~ de vaidade • ,, 111 , por q ualid ade s e ta lemos que são objelOs naturais e prô-

oram levadas a co nsiderar um o .


d
tim igos; os es panhó is, de orgt~ll10; as M1ç~ ::: ri~·'.i\ •
11Hl, 1
pno:- de. est ima e ad miração, é o rea l amor à vcrdadcirJ gló-
I •
11.1 palXào que:, ~e não é d m elh o r da na tun:z.a humana, E
o mais respeitáve l. (X)vo mais amavel, o <1111111 11·n,11 nen te um a das melhores. Muim freqüente ment e, a vai-
Ai3 pa lavras vaid oso e vaidad, ~ •L,dc nada mais é qu e uma tentati va de usu rpar prcmatura -
bom sentido. Às ,·ezes dizemos de e ~un ca sao tornadas 1111111
tnr·mc a glória, ontes de ser devida. Embom teu filh o men o r
dele com bom humo um io mem, quando falao1•1
I

r, que e Ie e melhoraindapela sua 'd 1 d1· vinte e cinco anos seja apenas um pret ens ioso , n:lo deses -
ou _que~a vaidade é mais cliveni<lado ue of . . vai :1e 1..-T:-1 de que antes dos qu arenta se tome um homem muito sá-
assun a con..si c:=
ramo :, uma fraque q ens1va, ~n ~s :111
1tl.1
bio t..' digno, e vercbcleirmnente c::ip a z em todo~ os r~lentos e
seu caráter. za, e um aspeao nd1culo d1
unud es para os quais rnlve7 ora sej<l apen as u m d issimulador
As palavra s orgulhoso e orgulbo 1 ao oomrário às . , 1
•~1b _k ionisra e vazio. O gran de seg redo d a educa ção é di rigir
tomadas no bo m sen tido F .. . ' vezes ~. , '
1 \ ,1~dadepara objetos apropriados. Nunca to lera que teu filho
mem que e le é orgu lhos~ ~:ua~;1em e nte d1Zt'n~-; de u m ho
masiado nobr e f ' ou que po ssui orgu Jl iu dr ,1v.il1c-sepelas rea lizações triviais, mas nem sempre dese nco-
ca , para suportar azer al go mesquinho I\<.•~,. 1,1j;1 suas pretensões às ve rdad eiram ente im portant es. Não as
fil~~ f~oqn~~
n:ee~se org ul ho clom_magna ni ntidade. A ris.tótl'it••. l ," l!~cnc~e ~ia se n ão desejasse seri a?1ente pos.suí-las. Enc.uraja
1 amenre con le cia o m undo ao e h,..,.~ • ' ,";: <leseJo;fornece-Ih~todos os meios pam facilitar a aqui.';ição 1
rater do homem magnâni mo re tra , . s<J\...')-
..1 o <.1 1 n.10 te o fen das demms se de vez em qua ndo ele assumir ares
nos dois últim ~ 1 , ta-o com muno.e;tr::içosqu 1•.
ráter espanhol·oqsuS:ceuos, colmum ente eram at ribuídos ao c1 1 k· :.i ter conseg u ido um pouco anLes da hora.
· ra caure oso em Iod as as su
lento e aié mesmo relutant e em toda s 3::res oluçc) t•, ,
voz era grave, seu discurso I as suas açoes; ~ue M1.1
' caure oso, seu passo e movuncn11'

324 TEORJA DOS SE!\77Ml!.l\TO\ M•, :l25

Tais são, digo eu. as cara cterísticas dislint ivas do Ol)-111 t 1 p1u hes ilaçâo , por algum de seus com panh eiros mais atre-
e d a vaidade, qua ndo ca da uma de las age segu n do st.·1. 1 , 1 1, , l'mborn lx::m menos meritóri os. Um h omem com es.'-e
ter próprio. Porém, o home m orgulhoso muitas vezes é v,1lcl1 111t1 •r tc.:rásido muito afortunado ao escol he r seus ririmei ros
o h_omem vaidoso é muitas vezes orgulhoso. Nad a podt 1 tp,1 nhc iros se, pass3ndo pe lo mundo , ~mpre enc ontra um
mais natural do que o homem qu e se julga mui lo md h, 11 1 11 u um·nto ju.st◊ por part e d,lquele~ a que m, po r sua ge ntileza
que realmente é dese jar que outras pessoas ju lguem , 11011 1
, .1d:1, pode ter algu ma ra7.ão de co n side rar seus melhores
lhor ainda; ou que o homem, que deseja qu e ou tras pesso;p,1111 muw)',;; e uma juventud e excessivamence despretensiosa e
guem-no melhor do que ele m<:!smo::it::ju lga , julgar-st:, ,tt.> 11 1 1 1111 o ambiciosa freqüentemente é seg u ida de uma velhice in-
mo tempo, muil u melhur d o qut: dt: fato é. Um a vez qu(.: l' lM!lllic:1me, queixosa e descontente.
c.lob vícios fn:qüc:=memenrese mesclam no mesmo car.ítt..·1,11 ,,, pesso as infelizes , a quem a natureza formou bastante
ccssa riarncnt c sua 5 carac.te risricas se conf und em; e às VCI.\'', 1 11,i1C o cio nível comum, às vezes parecem atribuir-se um valor
co ntra mo s a osten tação sup erfic ial e impertinent e d:1 v:1i11111 ~Inda mais baixo do que realmente possuem. Às vezes e::,::,a
re u nida :1 m:tis m align a e ridícula inso lênci ~ do orgu lho. I'• 1 l111111iltlade parece mergulhâ-las na iclioria.Qut:111quer que tc-
essa razão, algum:1.,;;ve7.es nos a1rap::ilhamos ao clas sifico 1111 111111 se da d o o trabal ho d e ex a mina r o.:; idio tas d tentamente,
ca rfüer especial, não sabe nd o se o elevemos coloca r Cllllt 1 11•M'O!Jrirá que em mu itos dele::, as fac.uldacb do cmcnd imen -·
orgulhos os ou enlre os vaidosos . h I n:to são e m absoluto ma is fracas do que em v:'.í.r ias outras
Homens de mérito co nsid erave lmenre acima do nív<:I1, 1 111• \-.ua.:;as quais, embora sabidamente embotadas e es 1úpida,;;,
mum podem tanto se sube sti mar como se superest im;1r, /\11111 11.11 1 .:;.1o considcmdas idiot:ts . Muito s idiorn.,;;, que receberam
que não sejam mu ito dignos 1 freqüemem ente estão lonttl d 1111 1;1 instrução comu m , aprenderam ~1 ler, esc reve r e contar ra-
ser desa grad áveis em com panhia privada . Todos os seus <:rnu ,, .1velrnente bem. /\·luilas pe,;soos jamais consjderadas id iotas,
panheiros sen tem-se m uito ã vontade jun to de um home m 1,111 1 despei to d~ • mais u 1ída dos a instr uçlo, e a despe ito de terem,
pe rfeitament e mode sto e despreteruloso . Tcxlavia, St:: ~ l.111, 1 1·111•am idade avançada, su ficiente espírito para tentar aprend er
panheiros rnlo têm mais discernilllt:!nto e mais gencro..,id,ul, 11 que na infânc ia sua instrução n ão lhe s ensino u, nun ca con -
do qu e o comum, ainda que: ~ jam gentis p ara co m ele, é r,1111 t •guiram obter em grau razoáve l uma só dessas três habi lida-
4uc: ll11:tenham muito respe ito, e o calor de sua gcmilew mu 11, 1 dL·s.Por um orgulho instintivo, contudo, elevam-se ao mesmo
raramente ba sta para compensar a frieza ele se u respe ito. J 11 , mvel de seus iguais em idade e situação, e, com corage m e fir-
me ns de d iscern imen to merament e comum n on c::iatrihuL'1111 meza, manrêm ad eq uada sua pos1çao entre seus compa nhe i-
uma pesso:e um v:.lor mais .iho do q ue e<.ta revela atribuir .,1 1c>S . Por um instinlO oposto, o idiota scnte-::.c ilút: 1ior a tod os os
Dizem qu e p1-rece duvid~1rde que seja perfe itamen te ad cqu: 11l.1 rompanhe iros a quem o aprc:,c:ncarc:=::i. . Maus-tratos, aos quais é
para tal siruaçào o u cargo. e JX)risso imediatamente dão a ri 1 muito exposto, poc.lc:mlanç á- lü ao.:; mais violen1os ata q ue s de
ferência a q ua lquer estúpido que não alimente dúv idas qua,11,1 rô lcra t: fúria . Mas nenhum trato agradável, nenhum, genri-
às sua s próp rias qualificações. Emlx>ra tenham discern iment, l1,;zaou toler{i nc ia pod em a n imá-lo a convers.1 r cont igo como
se lhes falta ge ner os idad e, nunca de ixam de timr vantage m d 1 leu igual. Se ao menos pude res fozê-lo co nve rsar contigo, \.C-
simp lid dade dess a pessoa, e de assumir com relação a ela 111 111 ds, poré m , q ue muitas vezes suas re,;postas são bastante 1x-r-
supe rioridade impe rtinent e, a que de modo algum têm dirl!llc 1 tinentes, e até sensaras. Mas estã o se mp re marcadas co m u ma
Seu bom temperamento pode capac itá-la a to lerar is.';iopor .d nítida consciê ncia de sua imensa irúerioridade .
gum tempo , m as finalmente se can~, não rnro quando j{tf d, O id iota parece encolher-se, como se se afastas se de tl'll
masiado rarde, qu~mdo a po~i çilo q L1t! <lt::via a5sumir e.5tá inl ülha r e da tua con versa, e, ao co loc-M-se na rua situação, par<.·-
u11xrc1velmcnte p;!rclida e usur pa da, cm cons eqü ênc ia de M1. 1 ce se nt ir que, apesa r de tua apare nle con des ce nd ênc ia, rl:l o
326 Tt::ORJADOSSENTIMEN'fr)\ l/1 327
l l l',1111E
ÇX)Ciesev itar d e o cons ider-J.rimensamente inferior. Al~ 1111 , subc~tima, a não ser que tenhamos mais dis ce rnimen -
t~s, tah~ez ~ grande maioria deles, pa recem ser assirn, 1,111 11111Ili generos idade do que a maioria dos homens, é raro
pai o u inteiramente po r certa esrupidez ou torpor d:i-; 1.11 ui , 1 11nH>sde fazer pelo menos t oda a injustiça qu e ele faz a
ct:s do en tendimento . Mas h á outros em que essas frH'llld, 1 1111~1110, e freqüente fazennos injustiça ainda maior. Estenão
nao parecem ma is ~túpida~ ou entorpecklas do que c.rn ,1
1 1w, é mu ito mais infeliz , quanto a seus próp rios sentimen-
tas ou tras r-x:s~as nao consideradas idiotas. o org ulho 111 1 1 l1> que os orgu lhosos ou os vaidosos 1 com o também muito
:ivo, necessano para provê-las de uma igualdade co 111 , , 111p;1:,;'iíve l a toda a so1te de ofensas por paite das out ms pes-
irmà?s'. parece, todav ia, faltar toralmeme aos p rimeiro.-.1 11 p1, Em q uase todos os casos, é me lhor ser um po uco org u-
ao.., u lumos. 1• 11d~mais, do que demasiado humilde em qua lquer aspecto;
_P~1-ianto, o grau de auto-estima que mais contr ihtd p 11 qirnnto ao sen timento de au to-estima, algum grau de exces -
a _fclic,dac~e e co 1~t t: nta menLO e.la próp ria pessoa parcn· 1111 t p.1rccc, tanto para a própr ia p ess oa , como p ara o especta-
bem ~ mais agrad'lvcl ao espectado1· irnpàrcia l. O homcrll q n l, -1lmp:ircia l, ser menos desagra dável do que qual quer grau
se es~una como deveria, e não mais do que dt:veria, rar:,nu 1 ,111.1lta.
•~ de 1x:_de obt~r de ,outros toda a estima que ju lga se r-liw d, Nc.'x:ia,como em toda out ra emoção, p aixão e hlbi to, o
vida . Nao dese i::ima1S do que lhe é devido, e fia-se n isso 1111 1 ~t u 1 nrnis agradável ao espectador imparcia l é1 portan to, tam-
total satisfaçlo . t,, 111 o 1nais agr adável para a própr ia pessoa; e conforme o
_ O homem orgu lhoso e o homem vaidoso, ao co ntr;u 11 ,1 ~•.-.s<Jo u a falta seja menos ofensiva para o primeiro, assim
estao sem'?re. insatisfe itos . Um é a torme ntado por indign:t~.IH 11111hém um ou out ro será, propo rcio nalme nte, m enos desa -
pel a supe ~1011dad e, que julga injus ta, de outras pessoas; ou111 , »1.1d~ve l p ara a última.
teme continuamente a ve rgonha que prevê resultar ia do dl·
mascarame nto _de suas infundadas p retensões. Até as ext rav,1
~ant~s pretensoes d?h~mem d~ :ea l ma gnanimidade , q u:cind n CONCLUSÃODA SEXTA PARTE
ai~paradas por esplen chdas hab ihclades , \'Ütudes e, sob re1udi,
pela ~a fon u na, impõem-se ã mu ltidão , cujos aplausos pou A preocupação oom nossa próp ria feli cidade nos reco-
co .lhe unpo rtam, emtu ra não se imponham aos homens sábio., 1nt:nda a virtude da prudênc ia; a preocu pação com a de ou -
cup aprovação .só pode valorizar, e cuja esrnna está tão prcc 1' 11.1spessoas, as vitt ucles da justiça e da bene ficê ncia - uma das
cupad o e~ obte r. P~rccbc que ~ecifr·.aram, .-su.sp;::ita de que d!.:,._ qua is nos impede de prejudicar, a out ra nos leva a promo ver
~reze?1,. sua excess i va presLinçao; e muitas vezes x.,frt:: 0 crU<..'l 11quela feli ci<ladt:::
. l n d ept:::nt.le m e mente de q ualquer cons ide-
mfortunao de torna r~se, primeiro , inimigo invejoso e 5ecreto l' 1i1ç:1o com o qut: s.:1.oou deveriam scr 1 ou o que seriam em cer-
~n_alm~te, declaF,1.d~, furioso e vingativo, das mesmas pess;a.~ 1,1,, cond içõei; os sentimentos de outras pessoJ.s, a primeira des-
CUJ~ am12~de lhe tena proporc iorrnclo imensa felicid:1de usu ,,...,três virtudes orig imlment e nos é recomen dada por nosso s
fruir com msuspeila segurança ,tfelos egoíst~1s1 as outras d uas , pe lo.s benev olente s. O respei-
Embo~ nosso desgos to para com os o rgu lhosos e v~i- '° ::1ossentimentos de outr.:is pessoas, con tudo, advém para im•
d os?s frequentemente nos pred isponha a posicioná- los anre.,;; l"'°r e orien ta r a prátirn de todas essas vinudes , de modo que
abaL'{o que ac ima de ~eu lugar apropr iado, muito rarament e homem algum, no curso de sua vida inteira , o u de considerá-
~os av~n~u~mos a_trma -los mal, a menos que nos instigue uma vel pa ne dela , jamais 1rilho u de mane ira cons tante e uniforme
1mpe111,nenc1a paltl cuJa~ e pessoa l. Em casos comuns, esforça- os cam inhos da prudência, just iça e beneficê ncia apropr iada,
mo-n~s, para nosso propno bem , para aqu iesce r e, co nforme sem que sua conduta fosse pri ncipa lme nte orientada p or um
p ude1 mos , p,tra acomoda r-nos ã sua lourura. Mas ao homem respe ito aos sent imentos do suposto e spectado r imparc ial, cio

328 l\111 PARTE 329


TEORIA DOS SEN77lV!ENJ
D.\ ,1/111

grande moraclo r do peito , gwnde )uiz e á rbitro da co nd 111., ,ij.1 ró lera é refreada pe lo medo ne m semp re a deixa de lado ,
no curso do dia nos desviamos em qua lquer aspecto da:, 1, ., 1 m ,,..,1penas reserv a sua sat isfação para uma ocas ião mais se-
w111.1. Porém, o homem que , relatando a outro a ofensa q ue lhe
Qu~ este nos prescreve; se excede mos ou relaxamos 1101'>'>,!h 1
ga !1d_ade ; se exc~em~ OL~ relaxam os nossa diligência; .-.i 1, 1nlllgiram, sen te imediatamente a fúria de sua pa ixão esfriar e
11.d mar-se por simpatia com os sent imen tos mais mod erados
parxa o ~u -desc uido pre 1ud 1camos em algum a.~pecto o lnlt ••,
se ~u felicidade de nosso vizinho; se negligenciamos u ma ui u 1 d1•seu compa nhe iro - o qua l d e imed iato adota esses st:n ti -
~1~1~lade cl~ra e adequada de promover esse inte resse ,. , 1n1. •nios mais moderados - e pas sa a ver essa ofe nsa , não nas
• 1)1\.'~ negras e atrozes em que a comemplara originalmen te, rnas
fehc 1dade, e esse morador que. à noite, chama-nos pat'a p, ,
tarm os conta de todas essa ~':.omissões e vio lações, e frL·q1li11 , luz 1nuilo ma is branda e cla ra em que seu companheiro na -
111mlint:ntea Yê; assim não apenas refr eia, como ainda e m cer -
te~en ~e suas censuras nos fazem corar internamente, tant<1 1u,1
no.s.sainsensa tez.e ~esate nçao para com nossa p rópr ia fdh !d, !.1med ida subjuga a sua ira . A paixão re a lmente se to rn :1 me-
de, q uanto pela md1ft=rença e desa rençao talvez ainda m:11111, nor do que em. antes, e menos capaz de açu l~r ne le a vio lenta
1· sa nguin ária vingança qu e a p rincíp io pensara rea lizar.
pela felicidade de outras pe:itioo.s.
Embora as virtudes da prudê ncia, justiça e benefic( 111 1 Todos os poixões refreadas pelo senso de conve niência
po5sam em difere~t es ocasiões ser-nos reco mendad a::,qt i,1 1 em ce rto grau , moderadas e subjugadas po r ele . Mas as
111fln,
1gualmen~te. por me io de doi s princíp ios distintos, as virtuc.lt..."IdH c são refrea das apena s por co nsideraç ões d e pnid ê ncia de
1111
autodorruruo, JX)routro !ado, nos são recomenda das, na 111.1111 qu:dquer espécie são, ao contrário , freq üernem ente inflam a-
ria. da: ?C3Siões, principal e quase inte ir.lmente por mei o c.k·11111 d,1s pela co ntenção, e algumas vezes (muito de po is de sofrer
11 provocação, e quando ningu é m mais pe nsa niss o) explo•
prmc1p10:O senso de conveniência , a consider:1010 dos :-: 1•1111
t h.:111
de maneir a absu rda e ines pe rnda, co m dez vezes mais
me ntos. d<: s.uP?sto ~espec tador impa rcial. Sem a restr ição <1111
e~s~ pnnc1p 10 unpo e, toda a paixão geralmente acudiria p11 1uria e violê ncia .
cip:tadam ente , se n~~ permitem d izer assim, sua própr ia s:111 Mas a cóle ra, bem como rodas as dc:mais pa ixões, pode
façao , A có lera seguiria as suges tões de sua própria fúiia, o nu t'll1 mu itas opo n un ida des ser muito adequadame nte refreada
do, as de suas próp1ias violentas agitações . Nenhuma consick·i ,1 por cons iderações de prudência. Algum esfo rço d e vigor e au-
t<K.io mínio ê até ncce5Sário p ara esse tipo de contenção; e o
çàc~d e ~empoou lugar pcx:ieria ind uzir a vaidade a abste r-se d 1
mai:; ru1do~a e impert ine nte oste ntação; ou a volúp ia, da 1n:II" 1':ipCcta clor imparcial pode por vezes vê-la com aque l.:1espécie
desc-.J.':da,mdece1~tet: escandalosa ind ulgência. O respeito pl'I! 1 dt: fria estirn:1devida à espécie de conduta que co nsidera ass un-
10 de vulgar prudênc ia , mas jamais com a afe tuos a admiração
qu e _sno ou dcvenam ser ou seriam, em cenas cond ições, 0 .,
com que exam ina as mesmas paixõ es , quando são moderadas
~ nll~en tos -~e ou llns ~essoas é o Cmicoprincípio que, na maio-
l' suhjugadas pelo senso de conv eniên cia , a um grau de que
n~1.d~s ocas1oes, mantem em temor reveren cial todas aquel:i '1
pa1xoes reb elcle.s e turbu lentas, adequando-~1s a modu lação 1. !'X.>SSa partUhar pronta mente . ~a prime ira espécie ele contenção,
tempe ram ento de ~ue o esp ect;.idor imparcia l pode partilhni, o espe ctador impar cial po de amiúde discernir algum grau d e
e com q ue pode simpati zar. conven iên cia e, se qu iseres , até mesmo de virtude; trata-se ,
~ Em tats ocasiões, co m efe ito, essas pai xões são refre ad: 1,, 1x:>rém, de conveniência e virtud e de ordem mui to inferior às
nao ta nto ~r um s~enso da sua inconve niência. como por pru que, na segunda espécie , sempre sent e com arrebatamenlo e
dentes cons1deraçoes das más conseqüências que podem se admir.:ição.
g~ir.d e se inclultá-l~s . Ne-:5es casos, em bo ra refrea das, as p~•i As virtudes da prudência, justiça e benefic ência, não ten -
dem a produz ir senão os ma is ag rndávci s efe ilos . A co ns ide -
xoes ne~1 s~mpre sa.o subJugadas, e freq üen temente pennanc
cem à esprena no pe ito, com toda a sua fúria origina l. o homem ração de sses efeitos, na medida em que os reco mend a origi -
330 TEORJA DOS SEN71ME11tro s /11('" 1

na lme nte ao agente, recomendará posteriormente ao e~


,
dor imparcial. Em nossa apro vação cio caráter do homc:111p t11
11 11

de nte, se ntimo s com complacê ncia pe culiar a .seguran\·;1 q11


este deve se mir t:nquamu anda sob a salvaguarda des sa ( ,11111 SÉTIMA PARTE
e de liberad a virtude. Em nossa aprovaç ão do caráter cio h<,1111111
justo, sentimcs com igual compla cênci a a sc.:gurança qu e II h 11
os ligados,a ele , seja em vizin han ça, em .sociedade , t:m n q.p1
cios, devem obt e r de su a escrup ulosa preoc upação po r 1111111 1
ferir nem ofender njnguém. Em nossa aprovação do C1rtíh: 1 d 1,
homem beneficente, partilhamos d a gratidão ele todos o~ c1111 DOS SISTEMAS
estào dentro da esfera de seus bons se1viços, e conce he mos, ri 1
mo eles, o mais elevado senso de seu mérito. Em nossa aprm .1 DE FILOSOFIAMORAL
ção de rodas essas virtudes , nosso senso de seus efeito s :1).(1.1
dáveis , de sua utilidade, seja para quem as exerce, seja p ar:t u11 CONSISTINDO DE QUATRO SEÇÕES
tros, as.soda -:,e ao nosso se nso d e sua conveniência , e scni 111,
constitui uma parte considt:rável , freqüen temente a maior, dt •'I
sa apr ova ção
Às vezes , po rém, não tem pa rte e m nossa aprova ç.:lo d,1·
virtudes do amodom ínio a compla cênc ia com seus efe ito:,, 1111
freqüentemente tem uma part e mu iro pequ ena. Esse s efe ito ,
pod em por vezes ser agradáveis, por \'ez es desagradáv eis, i
e mbora nossa apro vação seja sem dúv ida mais imensa no p, 1
meiro caso, não é de modo algu m inteiramente dest m ícla 1111
segund o . A mais herói ca bravura pode se r empregada indií(·
rememe nre, ou na causa da justiÇJ, ou da injustiça; e e mbo1.1
se m dúvida seja muito mais amad a e admirada no p1ime iro e:1
so , a inda parece uma grande e respeitá ve l q ualidad e até me~
mo no seg undo . Nessa e cm tcxlas as demais ,,irrudes do auto
domínio , a qualidade esplê ndi da e de slumb rante pare ce &.' t
sempre a grand e7a e constâ ncia do e mpen ho, e o fon e .senso d"•
conveniência ne cessá rio parn faze r e manter esse e mpenho ,
Muitas vezes os efe itos são 1X)r érn mu ito pou co cons ide rad os,

SEÇÃO I

Das questões que dev eriam ser


examinad as numa teoria
dos sentimentos morais

Se examinarmos as mais célebres e notáveis dentre as


1 llw rsas teoria s a respe ito da nanireza e origem ele nossos se n-
1ln K·n10s morais, verem os qu e q uase 1od1s e las coinc ide m
1 rn alguma pa rte ou ou tra com o q u~ ~enho ~ e esforçand o em

1 1 111~ider ar; e qu e, se tudo o que já foi cltto fo r ple na mente le-


, ,ido cm co ma, nào ser ã difíc il exp licar q ual visão o u asp ec-
111da nalur eza levou cad;;i a ut or p ::trticul.:1 r a formar !;eu .sisre-
111,1 p~uticu lar. Talvez todo si.ste rna de moralidade que gozou de
1IMt1ll ia rep utação no mu nd o d erive fundamen talme nte de u m
1 111 oLUrodos pri ncípios q ue Yenh o tratand o de des dobra r. Co-

nu I nesse aspec to tod os se fundam so bre pr incípios n::i. tura is,


1 it.ln todos em certa medid a cOireros. Poré m, corno muilos de-

11•Ndcr iw m ele uma visão p arcial e im perf e ita da nature za, há


L1111h é m muitos errado s em algu ns asp ectos .
Ao tratar do s prináp ios de mor.ai é neces_sário conside rar
1111;1,,;questê>es. Primeiro, em qu e consisle a virtud~ - . o u o t~:m1
1li 1 1t·mperame nto, e o teor da con duta qu e constttu1 o cara ter
1 ,t 1,
:k:nle e louv ável, caráter qu e seja objeto natural de estlma,
1111n1 ,1e aprovação? E, segu nd o, po r que poder ou faculdade do
1 11 /d lO esse c:1r:iter, seja ele qual for, se reco men da a nós? Ou,
1 111outt-as palavr:1 s, como , e por que meiOs, sucede ao esp írito
111,·lc..•rirum reo r de condut ~ ;:i outro; d enomin~r um,º correto e
+t nutro. o e ffado; co nsiderar um o bjeto de aprovaç ao, ho nra e
11·, nmpcnsa e, o ou tro, de verg onha, cens ura e castigo?
1•
:xamjnamos a primeira questão quando consideram os se
i \'t1tude co nsiste na ben evo lência , como imagina o Dr. Hu t-
111 ~on, ou em ag ir de acor do com as d iferentes re lações qu e
334 TEORIA DOS SEl\7l+JEN'H 1\ \11 ,

man tem os, como supõe o Dr . C!arke, o u na sábia t· p1ud,,


busca de nossa própria real e sólida felicidade , comi I tt •111 1
op ini ão de outros .
Exam inamos a segu nda questão quando consicll'1,1111
11
o caráter ~ittuoso, seja este o que for, é•nos recomcncJ.ult, 1 1 SEÇÃO II
am or ele s1, o qual nos faz perceber que esse caráter, cr11tu• ,
cm oulros, é mai~ lendeme a pro mov er nosso intel'(.''i.'-il11"'
cu lar; ou pela razão, a q ual nos ind ica a difert'OÇa Clllfl' 111111 , Das diferentes descrições quanto
r'Jter e o u tro, da mesma maneira que o faz entre vcrdad(.· 1· l ,1 1 à natureza da virtude
dade; ou po r um poder pea.1liar de percepção , chamado •u 11
mo ral, que esse ca ráter virtuoso s~tisfaz e agrada, ::1ss i111,, 1,,
o contrá rio repugna e desagrada; ou, por último , po,· d}-ldli
outro princípio n a natureza humana, tal como u ma 111od lll1 1
ção da simp atia, ou coisa seme lhante . INTRODUÇÃO
Começare i cons iderando os sistemas que se fonn: 11.1 111,
respeito da primeira dessa s questões , e em segu ida pro{ 1·1h As di ferentes des crições quanto à natureza da virtud e, ou
rei ao exame dos que dizem respeito à segunda. do tempera mento de esp írito que consti tu i o caráter excclen-
11•e louvável, podem ser reduzidas a três classes diferente ::..De
1u•o1'Clocom alt,11..ms, o temperamt'. nto Viituoso não consiste e•~
11vnhuma espécie de afe tos, mas no conve niente gove rno e d1-
11·\·ào de todos os nosso s afetos, que podem ser v irtuosos _ou
viciosos>segundo os objetos qu e bu scam e o grau de veeme~-
, l:t co m que os buscam. Segu ndo essec. autores, po rtanto, a Vlf-
tudc co nsi.<:tena conve niên cia .
De acordo com outros. a virtude co nsiste na busca judicio -
'-,1 de no;s o interesse e felicidade partic ulares, ou no convenien -
11.· gove rno e direção dos afetos egoístas q ue visam ~nicament e
,, esse fim. Na op inião desses auto res, portanto, a V1rtucleco n-
~1:,te na prudência.
Outro grup o de auto res faz a virtud e corc,ist.ir!>ome1~te no~
,1fctos que visam à fe licidade de outros, não º°: q~ e v1s~m a
110 ~sa. De acordo com es tes, p o1tanto , o benevole nc1a des inte -
1c:;sada é o únic o motivo que po de impri mir a qu alquer ação

o caráte r de virtude.
É ev ide nte qu e o caráter de virtude ou deve se r atribuído
Indiferente m ente a tod os os nossos afetos que sejam apropria-
damen te governados e d irigidos, ou de~e ser confina do a ~ma
d asse ou d ivisão de aferos. A grande divisão de nossos atetos
(; em ego ístas e be nevolentes . Portanto , se o caráter de virtude
nào pode se r atribuído indiferentem ente a todos os nossos afe-

336 TllORJA DOS S.Ei\71MEN'fVS 1\/11>,1 \JIIMt1 f'ARTE 337

tos que estejam sob governo e direção aprop riados , dt,, , • , , 11 1 ,l vc~o nh a, desejo de vitór ia, de superioridade, de vingan-
finar-se ou aos que visam diretament e a oossa feliciclad,· 111,• \ili i.'111 resumo,todas as pa ixões q ue se sup õe se or iginem de
da, ou aos que visam d iretament e à dos ou tros . Se, pt111.11H•• 11"'1)ou algo de notem que, seg undo uma metáfora de nossa lín -
virtu de não consiste em conven léncia, deve consisti, 1111 , 11 Hll,t, i.:om ument e ch am amos espíri to, o u fogo na tu ra l. A seg un -
prudência ou em benevolência . Além dessas três, é qu.1-,11111 d I rons istiria da s paixões funda da s no amo r ao prazer , ou no
poss ível imaginAr alguma ou lra descriçd.o ela natur ez; 1d:t, 11111 q111·os esco lásticos chamavam a pane co ncu piscentt'. da alma .
de. Tratarei de mostrar doravante co mo todas as outra :-,th , , 1 1 111Hpreende co<lo!Sus apeUte~ d o corpo, o amo r ao bem-estai
ções, aparentemente d iferentes de qualquer uma clc,:~~ ...1 11 1 "lq~uran~a, e de lOdas as sat isfações sensuais.
realid ade coincidem com um a ou outra des tas . É raro interrom perm os o plano de conduta que o princíp io
Hovc..-r nanl c prescreve, e que nos m o me ntos de lucidez esrn -
l 11
•ll'cê rfnnos para nós mesmos co mo o mais próp rio para bus-
CAPÍTULO I ' .u. Se isso oco rr e, é po rque nos inc itou um ou outro des'>es
DossistemasqueJazem,a virtude dnl, dife rentes grupos de paixões - seja uma ambição ou um
consi.sUrna conveniência 11
•1.1sc
ntimento ingovernáveis, seja as importunas súplicas de
111 1m-c.;s tar e prazer presentes. Posto que essas duas ordens •
De acordo com Platão, Aristóte les e Zenào, a vinutk• 11111 d1·paixões tenh a m tal capacidade de nos ex traviar sào 1 con-
slste na conveniência da cond uta, ou na adequaçao do 1111I• rndo, co nsideradas partes nec ess ári as ela n atureza h ununa; a
po r que ag i11105ao ob jt:to q ut: o s uscita. pd1neira das q uais n os foi concedida para que nos defendês -
T. No .:;ist cma de Platão m, a a lma é cons iderada a lx11, • 11mos das ofensas para que afinnássemos nossos postos e d ig-
mo um pequeno est ado ou repúb lica, composto de tn:":-.dll nul:ide no mundo, para nos fazer visar ao qu e é n obre e hon -
rentes faculdad es ou ordens.
A prim e ira é a facu ldad e d e ju lg ar - facu ldad e qut· d1 11 1
'º"º· e disti n guir os que agem ela mesma m aneira: a segunda,
p 1ra prover o apoio e as necessi dad es d o corpo .
min a não ape nas qua is os meios apropri ados para st: ,1tln~11, Na força, acurác ia e pe rfeiçã o do princípio goYeman te dc -
qualquer fim, mas também quais os fins adequados de~· l 111
11!1si1o u-sc a virtu de essencia l da prudênc ia, que, segundo Pla-
car, e que grau de valor relativo elevemos atribuir a cada u1111I. t,1o, co nsistiria num discernimento claro e jus to, funda do e m
les. A essa faculdade, Platão chamou, muito aprop riacl;inu•nh itk•i:t,; gerais e científicas dos fins :...dequados que se devem bus-
de Razão, e a cons idero u como a que tinha o di rei to c.k·,1 1 ,
1 ,l t', e dos meio~ adeq uados para atin gi-los.
prin cípio governa nte do todo. Está claro que, sob essa c.lt-111,
Q ua nd o o pr i meiro grupo de paixões , as da parte irascí -
minaçào, co m pree ndia nào apenas a faculdade pe la q ual 1111
\ 't•I da alma, obtivesse o gra u de fo rça e firmeza qu e as capa-
gamos verdade e fab idade , mas aq uela pela qual jul gi 111H1-.,
, 1t.11ia.sob orientação da razão, a desp reza r toclos os perigos
conven iê nci a ou inconveniência de desejos e afeto::i.
11.1busca cio qu e era hon roso e nobre, constitu iria a virt ude
As diferentes p:iixões e apetites 1 sú ditos natura is dess(· 1n 111
1l.1 co ragem e da ma gnan imidade . Essa ordem de paixões, se-
cíp io governante, ainda que capazes de se rebe lar contr:, .,, L
HUndo esse sistem a, seria de natureza ma is generosa e nob re
sen hor , foram por e le reduzid,1s a duas diferenres dass<.·,, u
1h 1 que a outra. Em muitas oc as iões , eram con sid era das auxi-
ordens . A prime ira consistiria das paix fles fundadas no orµ11!111
11ll'L'S da razão, para contro lar e refrea r os apet ites inferior es
e no ressentimento. ou no que os escolás tica; chamam a p,!lh
11 h1t1t ais . Observou-se que mu itas vezes nos za nga m o.:; co -
irascível da alma; ambição, a nimos ida de, amo r à honra e lu 11
no~c.v me:,mos , freqü enteme nte tornamo-no s objetos de nosso
ú prio resse n timento e ind ignação , se o amo r ao prazer nos
111
10. Veja-se Pl<ttão, De Rt:p.lib. iv . lndla a faze r algo que reprovamos, pois dessa maneim a p arte
338 TEONIA DOS SEt\·TJMEN'J'O.\M, 1 11r1UPARTE 339
irascível de no ssa natureza é convocada a ass ist ir:) 1.11 h i • Nl':,.sesen tido diz-se que cometemos injustiça contra o ho-
conLra a concupiscente . 1wtH de.,;mé ri10 qu e ma ntenh a u m relacio name nto conosco ,
Quando essas crês diferentes partes de nossa natu1o t !IH 11 11 0 qua nd o nos abs temos de o prejudicar em qua lq uer as-
tivessem cm pe rfeito acordo en Lre si, qu ando nem as p.11 l , t1>,se não no s e mpenhamos em ~rvi-1~, ~ em o ~a loca r 1:.ª
irascíveis, n em as concupisccntcs 1 visas.sem a urna gm tllh ,1 11,I,t \, lO em que o espectado r imparc ial gos taria d~ v:-to. O p1t-
que a razão não aprovasse , e quando a razão nacL1o rdn1 ,1 111,110 sent ido d a pala vra coincidt: co m o qu e Anstotclc s e _os
senão o que es tas de bom g rado execucar i:1m; essa f1..:lll". 1 1 jl,i~ticos ch amam justi ça co mutativ a, e com o qu e Grot1us
ni<lade, essa perfeira e comp leta ha m1onia ela alma, com1h11u 111111, 1 de justitia e.xpletrix , a qual cons iste em abste r-se d~ que
a virtude que na linguagem dos gregos se expres.sa por 11111.1 1 111 , Ol Ltrem, e em fazer volunt ariamente o que con:1 propn eda-
lavra que ha bitualm ente traduzimos por Temperan ça, 1111,, 1111 11 podemos ser forçados a fazer. O segun?o ~enu~l. o _da J?~l~-
poderia ser mais apropriadam ente traduzida como boa n 11 1 ,1 11 t·olncide com o que alguns cham aram Justiça d1stnbut1\ a ,
ou sobriedade, e moderação do espírito. 1 t 11 n a Justitia attributrix de Grot ius'. a qua l cons i~te em be-
De acordo com esse sistema, a Justiça, a última e m:u(11, l 1 111 !lrii ncia, ad equada , no uso conveniente do qu e e noss ? , e
qua tro vinudes ca rdeais, teria lugar quando cada uma di• 1
111 ~11a de stin ação aos propós ito s de caridad e ou ~e~eros1da -
três faculdades do esp ír iLO.se con finass em a sua funça o .1p11 , I, 11 que, em no ssa sirua çào, é mais adequa.d? cles ttna-1~._N~s-
pr ia<la, se m tentar iiwadir qualquer uma das ouLras; qu ;u11~ 1 1 ~n·n tido , justiça compreende todas as virtudes socia\ ~eis .
razão dirigisse e a paixão obed ecesse , qu ando cada pul, 1 \ vc:ze s o te rmo just iça se emprega ainda em o:nro sen tido,
cu mprisse seu deve r apropriado, exercesse -se em rela çfl<1,1 t Hml:i mais amplo do que qualquer um dos amt.::non::s, embo-
objeto aprop riad o, com facilidade e se m relutância, e: crnn 11mu i10 se melh ante ao últi m o; ~entido que, até o nde sei, tam-
grau d e energia e força adeq uado ao va lor cio que buscav.1 NI 111 ,n cxist~ em tcx:la.-;as línguas . Nesse último sentido se diz q~e
so consistiri a a virtude comp le ta, a perf eita conven iên('l.1d 1 1110:-. injustos quando não parecemo s valoriza r nenhum obie-
conduta, que Plat:1.o, seguindo algun s antigos pitagóric os, <lt·,11 h • p;uticular com o grau de estima, ou buscá -lo co m o grnu d e
minou Justiça.
h rvor que, aos olhos d o espeaado r _imparei~!, re~el ~ merece r,
Dev e -se observar que a palavra grega que expre ssa j11
11u (· nan mdm e me adequado a suscttar . Assim , diz- se que c~-
tiça poss ui vários significados dite renr es , e na medida c111 qu 1u,·IL'll'lc.t-injustiça contra um poema ou quadro se.não os ad.m1-
o tenno cor respondente em todas as o u tras língua s Lcm, 111
1,11n os o bastante , e diz- se que lhes faze mo s ma is do qu e J~S-
onde sei, o mes mo , dev t.::lu.ve r alguma afin idade natura l l'l1111
tl~,1 quando os admiramos e m demasia . Da mesma m~ne1rJ.,
esses v6.rios s ignificados . Num sentido, diz-se que fazt.::mo.-. j11
1 Ili :,e que come temo s injustiça contra nós mesmos s~ nao no_s
tiça a nosso vizinho quando no s abstemos de lhe causar qu,11
tno~trnrnos ate mos o suficien te pa ra com algum o b;eto pa rt 1-
quer mal po sitivo, e n.1o o pre judicamos diretam en te, nem r 111
1 11 1:!rde nosso próprio in 1eresse. Nesse último sentido,~ que se
sua pessoa . nem em suas poss es, nem em sua rep uta ção. 11~.. 1
1 hama justiça significa a mesma coisa qu e exara e perft!1ta co~-
é a justiça que abordei acima•. cuja observância pod e ser e•,
v,•ni ência ele conduta e comportame nto, e co mpr ee nde nao
"Ujaviolaç-J.oexpõe ao cas tigo. Em o u1,, 1
torqu ida pela força, e <..
,1pl'i1<:tS as fun~--õe~da justiça com uta tiva e distributiv a, C0"30 de
sent ido, diz-se que não fazemos justiça a no sso vizinho , sah:11
111da o utr a virtude, da pmdência, corage m, tem per-.mça. E da-
se sen tirm os por ele todo o amor, re sp eito e estima qu e se u 111
hUll<nte .: nesSé ú ltimo sentido que Platão co mpre end e o qu e
ráter, sua situa çã o e sua re lação conos co tomam adequa d, 1 ,
apropriado sentirmos, e salvo se aginnos em conformidad e o 1111
11. É um tanto diferente a justiça distributiva d e Aristóteles, po is OO?·
~1~11,11; 1 distribu ição apropriada das recompe nsas pertern:enrcs ao bt:rn pu•
' TSM, P:ane li, Seç:1o II, Ctp . I, pp . 98-9. ( N. do R. T.) hlilo dt.: urn.1 comunida d e. Veja-se Arist6 1clcs, Eth,c, ,Vic. l. v . e . 2

340 TEORIA DOS SEi\?IMENI OS 11/f 1/ t 341


\f,/11\111PARTE

chama justiça , e qu e, port anto, segundo ele, inclui a Pl'rh h 1 11tk·d::-iação , quer co mo qu alida de da pessoa . Cons id:m?a co -
de toda espéc ie de virtude . 1110 quali d ade da ação, con siste, mesmo segundo An stote l:s ,
Essa é a descrição qu e Platão ofe rece da naturc;,:1<h1 \ 11 mi razoável mo deraç ão do afeto de q ue p rocede ess .a aça~,
tude, o u cio lemper.1mento do espírito que COl15titui obj ch> ,11111 ,t'l!I ess a dis!X)siçâo habitua l à pesso~ o u não . ~o ns1~~.ra~a
p riado <lt' louvor e ttprova ção. D e aco rdo co m o auto r, \ HII 1 1 t n-. o qualidade de uma pessoa, co ns1s~e no _h!b no des:;a ra -
te no estado de e~pírito em qu e tod a a faculdad e se co nl ln 1 111, ivcl moderação, em ter-s e tornado d1spus 1ça o usual e c~s~
su a própria esfera, sem invadir nenhuma outra , e d esc 111p1 •11h1 11lm eira do espírito. Assim, a açã o que p roce de d_: um acesso
sua fun çã~ apropr iad a com o grau pre ciso de força e vigt li 11111 111 .i~ional de gt:nerosid ade é se m dúv ida un.u açao ge ner os a ,
lh e cabe . E ev idente que sua de scrição co inc id e em todt '"' 11 11111 5 0 home m qu e a re aliza n:io é necess:u1 ament e u~~ pes-
aspec to.<;.com o q ue dissemos aci m a sob re a co nv cn iênd,1 1 I 1 i.o. 1 b,cncrosa , porque pode ser a ú ni ca açã~ dessa ~spec 1e que
co nduta . p rcr1\izou. O motivo e disp r;l5iç:1o de cora ça_oa parnr de q~ie s~
11. De acord o 00111Aristóteles 12, a virtude co nsiste no 11,,111 1~,, dizou essa ;1.ção pode ter s ido bas ta nte Justo e ap~op nado ,
to da mediania, co nform e a reta razão. Tod a a v irtude p :1111 ni.is, co mo esse e stado de ân imo feliz parece t~r sido antes
cular, segundo ele, reside numa espécie de meio entre clol, , 1 ,fo io de humor acidental do que de qualquer coisa constante
cios opostos, da.e;quai s um o fende po r se r exc essivam( 'llh nu pennane nte no caráter, não pode reflet ir _gran de honr "'"so-
outro por se r insufici ente m ente afetado por uma espécil' p,11 bre O exec utor. Quando chamamos um cará ter de ge neroso o u
tiu 1lar de objeto . Assim, a virtud e da forta leza o u coragem 11 i·:iricloso, ou viituo so em qualqu er aspec.to, queremos ~dize: q ue
side no meio e ntre os vícios opostos de covard ia e preciph ,1 .i di sposição express a por cada um J e~es no ~ne s_e a dis.po-

çào pr esu nço sa, uma das qua is o fende p :x se r exc ess ivanx.·1111 ~lçao us ual e costumeira da pessoa. Porem, açocs 1so ~adas de
ouuâ por .ser insufi cientemen te afetada pe los objetos ele mtdt, qmllquer espf:c k, por m ais ap rol:'ri.adas e adequad1s, te:1: po_:1 -
Assim tamb é m a virtude ela frugali dad e reside no meio c nlu l':I relevância para mostrar que e esse o caso. Se. um .i s 0 aça~

avareza e prod igalidad e, uma das quais co nsiste num exce.-.:,,0 hli suficiente para marc ar o caráter d e qu ;:i_lq uer v1rtude_na pe s-
1
orn r:1 numa falta da a ten ção ad eqt1ada aos o bjetos de in terl''l soa qu e a reali zou , o mais ind igno dos homen s pode na recla-
se particul::ir. D:1mesma manei ra, a magn.,.n.i.mida<le reside nu 111 1nar para si tod as as virtudes. po is não exis te h~m~m _que, em
meio entre o excesso de 3rrog5ncia e a falta de pusilanimid :1(.]1 , :tlgumas ocasiões . não tenh a agido com prn dê na a, 1us~ça, tel'I;-
das qu ais uma co nsiste nu m sentimento dema siado ex tra.vagan l'lCrança e corag em. Ainda que ações iso ladas, po r mais lou_va-
te . outra num sent i mento dem 2si:e1dofraco, de nosso p róp r111 vds qu e sejam, tragam pouco louvo r à pe sso~ q ue as realiz~,
valor e dignidade . É d esnecessá rio obsetvar que essa descriç:11) uma só ação viciosa, realizada por alguem CtlJa con clut~ é _~a -
h itualmence muito reg u lar 1 diminu i gra nd eme~tt::, e p01 vt::zes
da vi.Itude guard a um a co rres pondência bastante precisa co111
destró i por int eiro, nossa op inião sobr e sua virtude . u,~a. só
o que acim a se disse a respe ito da conv eniência e J nco nvl'
ação dess a espécie mos tra suficienteme nte que os seus hab1t~s
niência da conduta.
não sã o pe rfeitos, e que se deve confiar menos nele do 9l~e, se-
De acordo com A.ristóte les 13, co m efeito , a virtude não co n
gundo a su a seq üência hab itual de co mpo rtame nto , se ria mos
sistiria tant o nesses afetos moderados e corret os, como no h:í
bito des sa moderação . A fim de compr ee nd er isso, deve -:-il' cap az es de imagin a r . . . . , . , .
Ademais, quando fez a v ntucl e cons1s t :r em háb itos prati -
obse1var qu e a v irtude pode ser cons iderada qtier co mo q uali cos Aristóte les prov av elme nte tinha em vista opor-s~ à do u-
11

trin~ d e Platão , 0 qu al pa rece ser de op i nião q ue se ntimentos

12, Veja-se Aris tóte les, Etbic. ,\'te.!. i i. e. 5 s. e L iii . e. G s


13. Vej:i-se Aristóte les, Ethic. Nic . lib. iL ca p .s, 1, 2, 3 e 4. 14. Veja-se Aristóteles, Mag. ,-wor. lib . 2. dl. 1.
342 T!JORIA DOS SE"7IM..r.NH)., ,111•A 1 I I IMtl PAR'JE
just os e juízos razoáveis quanto ao mai s adequ,id o ,1 ,,, l 1 1 ,lo. Assim, na primeir :i class e, :1saúde se mostraria :viden-
a const ituir a ma is perfe it::1vinud, 11
ou ev itar bastavam JYJ.r ,nt.c
1, 1111 idade, r~pura çao, p re-
pre ferível à fo rç::1..e a força~ ag il_
acordo com Platão, a vinude poderia ser considerac~ 1 c:or)M 111111 li il\'l'l :w !Xlder, e poder à riqu ez a. E assim tambern, na s~gun-
espécie de ciência, e nenhum homem pod eria ver d: 1r,1 1 1 I ,11 1 Lissc.deve r-se-ia evitar ma is a doença do que defom11clacl .e
monslrntivamente o certo e o errado, sem agir de acorck>.A 1• 11 .111 rrnpo, a igno mínia ma is do que a pobreza:~e ayobreza ma ts
xão fX)deria nos fazer agir contrJ.riamente a opiniões duvh 11 1 ilu qu e a per da de poder. Virtude e co nven~enaa de c~nduta
e incertas, não a j ulgamentos claros e evidentes . Aristótt,.'lt·,, 1 1 , ,nsi..,liiiam em escoll1er e rejeitar todos os diferentes obJetos e
contrário, era de op ini ão que nenhuma convicçã o do t· t1l1 11 lininstâncias confom 1e a na tureza os convertesse em ob1e1os
dimento seria <:apaz d e vencer hábitos inveterado.s, e qul' , 1 ln 1 ili• menor ou malar escolha ou re1eição; em selecionar semprt: ,
mora l nã o .se clevi:i ao co nhecimento, mas à ação .
1 wn. .:os diversos objetos de esco lha qu e no s fo!st: m apr :st: n-
III. De aco rdo com Zenà o 1\ fundador da doutr ina l',-.1111 1I(lt )~1 o que mais se deve1i a escolher, quando nao -º~pud~ssc-
ca,. todo an imal seria por natt1reza rerome ndado a seus pró 1111• ll t<h obter todos; e em se lecio nar ainda, enlre os vanos obJet~s
1
a11dados , e dotado do princípio do amor de si, pa ra que M' 1
111, rLidç ào qu e nos fossem oferecidos, o que m~ os se devena
forçasse em c.unsetifar não apenas a sua ex istência, como 111d ,, n h.u, quando não estivesse em n~o IJO?er ev1~ar todos. Ao
as diferent es partes de sua nmureza , na melhor e ma is r(•rklt 1 , ro !hcrmos e rcjeitunnos com esse d1scemunento Jl~sro e acura -
con dição de que ser ia capaz.
i lo , :io atribu ir desse m odo a cada objeto o grau prens o .de aten-
O amor de si do homem abar caria , se assim posso cli1.<•1 1
, 1
\ílO que mer ece r, de acordo com ~ posição que ocupana_1~ ne~-
seu corpo e todos os seus diferentes membros 1 seu espírlto 1
,l l'sca!a nan.,ral de co isas, mantenamos . segundo os Esto 1 ~s, a
todas as suas diversas faculdades e poderes, e d esejaria ,1 rP 11 ,1-fcita retidão de conduta que. constituiria .ª essência d~ . vutu-
se ,v açào e ma nuten ção de ru<lo isso em sua melhor e 111,11 111
dt•. Is.se era o que cha mavam viver hannomosa mente, v1"er se-
p erfe ita co ndíç~1o.Portanto, fosse o q ue fosse que tencle~M' 1
" undo a natureza, e obedece r às leis e nonnas que a na tureza
m:inre r esse estado de ex istência , a natun::za lht: indicari a <(1
1111 o Autor da natureza prescrevera para nossa co~duta. _ .
mo escol h a adequ:ida ; e o que quer que tendesse a de stn.1í-lo,
Até aqui, a idéia estóica de conven iência e_v11 1U~e nao d 1-
ser-lhe-ia indicado romo adeq uado para se recusar. Assim, ;-;,111
lvre muito da de Aristóte les e dos antigos Pe nparéncos .
ele, força, agilidade e bem-estar do corpo, bem como as com,,
Entre os ob jetos prima.rios que a nalureza nos recon:e_ndou
dídades exte rna s que os poderiam pro move r; riqueza , podt·1
l' Oll1 0 desejáveis, estaria a prosperidadt: <lc:,nossa fam il_1a, de
honras, res peito e e&ima daque les com quem vivemos, ser-no.,
nossos parernes. d e nossos amigos, nosso pais, a huma~1dad~,
iam naturalmente indicados como coisas desejáveis, cuja pos-.1•
<· du univt:rso em geral. Além d isso, a natureza nos tena ,ens1:
se ria pr efe rível à falta. De outro lado,. doença, enfermidade.·,
tlt=fu1midade, dor física, bem como todos os incômodos exu:, IMdo que, assim como a pro speridade de ~ois er~ ~r~fenvel a
no.s que tendem a ocasionar ou intensificar qualquer rnna de la:,;, de lll11 só , a de muitos , a de todo s, clevem1 se r in fm 1t a~1ent e
tal como pobreza , falta de aworiJade, despre zo o u ód io daqu c.· ,n:tis pre ferível. Que nó s seríamo.s_apenas um _e, conseq ue nte-
les com quem vivemos, da mes ma mane ira nos ser iam indica llH.::nte , se mpre que nossa prosp endad~ fo~se 1~coe rent e, quer
dos como co isas a serem afastadas e evitadas. Em G:tda Uma de;. ro m O tnclo quer com qual quer pan e s1gruficat1.vado todo, de -
sas duas cbsses opos tas, haveria objetos que se apre.-;enlaria m, ver ia dar lugar. até mesmo em nossa própria esco lha, ao que
ma is do que outros da mes ma classe, co m o de escolha ou rc- loi tão amp lamente prefe rível. Uma vez q~1 t°?os os eve nto s
'=:,
des te mu ndo foram conduzidos pela proY1denaa de um Deu s
s:íbio , poderoso e bom, pcx:leríamo~ter certeza ~e q ue tudo o
15._Veja_- se Cícero, De Finibus, lib . iii: e também Diógenes L1ércio em que oco rreu tendia pa_ra a pros pe ndade e perfe ição do, texto.
Zc:mon,l1b. vii, .segmem o 84. Po rta nto. se nos atingisse a pobreza, a doença, ou qualqu e r

344 'fEOKlA DOS SEN7I l;JEN'/O.I ,\Ir11 r 345


///,\I A !'ARTE
outr.1 calamidade, antes de cudo, eleve m.mos emp enh:11o-. H + H'L'u se a is:,u, não sení. mais um p é. Tam bém assim d everia -
sos maiores esfo rços, tanto quanto per mitissem a justiç.".1 t· 111 ,._ <.:
1111 (.Jncebe r o que nos diz respe ito . O que..és tu?:- u°:. ho-
dever para com o ut ros , parn fugir a essa de.sagrad:ivd t 1111.11 m ·in. Se te con sideras separado e apanad o, e ::igrndavel a tua
tância . No entanto, se depo is de tudo o que fizésse mos, vii -eza viver até a ve lhice, ser rico e ter s..1úd e . Mas se te CO_!l-
11,11111
mos a descobrir qu e r..ãohaveria saída, deve ríamos serc11; 11
, 11111 idvr,1s como um hom e m, e como p a1te de um todo . em razao
a ordem e pelfeição do universo exigiram que entremenll'•, ,11 ,11 ,,.~ icx:lo às vezes te cabe rá ficar doente , às vezes ser exposm
tinuá sse rno s nes.sasituaÇ"
.10. E co mo a prosperid ade do 1<xl11 11 1 Inco nveniência d e um a viage m marítima, às vezes so fre r de
a nós deveria mosrrar ~se preferível à part e ião insignificantt· q 11 1 11 t•ncias. e po r fim, talvez, morrer ames d.a hora . ~nrào por qu~
som o.-;, nossa siniação, fosse qual fosse1 deveria tornar -Sl', .1 p 11 1,• qt K.:i xas? Não sabes que, quando fazes isso , assim como o pe
tir d es:se mo me nto, objeto de nosso agra do , caso nrnnth ,. , 111'1x a de ser pé , de i~as de ser home~1? ,. • .
mos a comp lela c,;onveniencia e retidã o de sent1menco (' 1 t 111 Um homem sábio nunca se qu eixa do de stino da l1 iov1-
<luta cm que consis tiria a p:::rfd\"'à.Ode nossa natureza. 'w, 111 i11 1nc.ia, nem ju lga que o u niverso é co nfuso quando e le mes -
verdade, surgisse alguma oportunidade de no,~livra rmo .,, 1 nio está em deso rdem. :--Jã o se vê co mo um todo , :..c:pai:acl o e
ria nosso dever abr-J.çá-b . Seria evidente que a o rdem do 11111 ,qmriaclo de qualqu er outra pane da muur~za , ~ue prec isa ser .
verso não mais exig ia noss a permanência n aque la s itlin ~·.11,, • 1uic.lado por si e em si; vt:-:st à lu~ em que una g11_:a _que o gran-
o grand e Oiretor do mu ndo claramente nos convoca ria~• d1 1 dl' gl:n io <la iulurt z.a hum ana e do mundo ov e ; .~ troduz-se ,
xá- la, apo nt ando com nitid ez o rumo que devêss emos 10111 11 ,r a~sim po550 dizer, nos sentimentos desse Ser chv~n~, ~ co_n-
O m esmo ocorrer ia quando se trata sse da adve rsidad e dl' ru, ,;ldc ra-sc um 5.tomo, uma partícula de um imenso e mfm1to SIS-
sos parentes,. amigos e do nosso país. Sem vio lar alguma 01111 h m a, de que se deve dispo r segu ndo a co nveniên cia d?todo .
gaçào mais sagrada, se estivesse em nosso po der evi tar 01111 <J>nfiante na sabedoria que dirige todos os eventos da vida hu -
quida r sua calamidade , decerto nosso deve r seria fazê-lo. A n111 in:ma, sej~1 qua l for a :,;orle q ue lhe co ub er. ace itá-la:á com. ale -
veniência da ação, a regra qt1e Júpiter nos dera para dirigin111i }-tf i:, e satisfação , pois, se co nh ecesse rod as as relaç~es e as_<le -
nossa co nduta , evidentemente exigiria isso de nós. Mas, se 1.1111 p,.:n dê nc ias entre difere ntes pa ~·res cio ~ni~~rs?, teria ?es~ iad_~
po uco isso estivesse em nosso pod er , deve ríamos então ('flll i·ssa me sma sane. Seja esta a vida , esta sat1sfe1to de viver, se1a
.siderar t:s.se evemo como o mais afo11un ado qu e poss ivel1rn:1111 l' Ma a morte , um a ve z que a natureza não m ais deve ter neces -
rer ia ocorrido, porque e.srnifamos cenos de que tend ia mais p,1 'iid ade de sua presença aqui , vai de boa vo ntade ~onde lhe
rJ a prosperidade e o rdem do todo - o q ut: nós mesmo,, se 1(,.., Indicam. "Aceit o" , disse um filá,Qfo cínico cujas cloumnast=_ran1
semos sábios e equân imes, deveríamos desejar ma is qut: tudo nesse asp ecto , semel hante s às dos Estóicos, "ace ito com _igu al
Seria considerar n osso int eresse final como pa1tc desse to d11, :ileg ria e satisfação qua lqu er fortu na qu e me couber-_ r_1quc-
cuja prosperida de não deveria ser ape nas o objeto p rincip,d, za ou pobre za , prazer ou do r 1 saúd e ou doen ça, tudo e 1gu:ll;
mas o único objeto de nosso desejo 1,un po uc o deseja ria que os dcuse~ de algu!11modo alternssem
"Em que sentido" , diz Epíteto, ';se diz que -tlg umas co b :1-. meu dc.stino. Se lhes pudesse pedir algo além do que sua ho~ -
sào conformes à nossa natureza, e outras con trárias? É no s(•n Lhclc já m e concede u, pediria que me inform assem de antemao
tido em qu e nos co nsidera mos separados e aparta dos de rocb~ ll que de sejam faze r com igo, para q ue eu possa de bom gra-
as ou tras co isas . Pois de sse modo pcx:ie-se d izer q ue é confo1 do colocar- me nessa situação. e demonstrar o cont enta m em_o
me a na tur eza do pé es tar semp re limpo. Mas se o cons idcr:it-. co m que abraço a sorte qu e me cabe ." "Se vou naveg ar", d iz
como um pé , e ík"ioa lgo apa1tado do resto do corpo, deve rn l:píteto, "escolho o me lhor nav io e o n:e iho: piloto, e aguar?o,
ber -lhe às vezes atolar-se na lama, às vezes pisar e m espinh O,'i, i:mto qu anto me pe rmitirem m inha s1tu açao e me u ~ev ~1'. o
t: às vezes ainda ser co rtado para bem de todo o corpo ; e caso d ima m ais favorável. P n 1dência e co nve niênci a, os pnnc 1p1os
34ó TEORIADOS SEN71MENTOSMW/ li , [;"
11MAPARTE 347
que os deuses me deram para dirigir minha conduta, exi,1,tn11 ~umnça à sabedorta e poder do grande Superintendem ,: do uni-
que eu foça isso, mas nad:. ex igem além disso; e se , m~mo 1 verso. Sua única prc:ocupaçâo seria quanto à Nttisíação do pri-
sim. advém uma tempestade a que nem a força do navio, nn 11 me iro, não quanto ao evemo, ma5 qu anto à conveniência de
a habilidade do piloto sejam capazes de resist ir, não mt>c..~·1 "lcus próprios esforços. Fosse qual fosse o evento , confiaria a
xo perturbar pelos efeitos. Tudo o qL1e me era possível f:111, um poder e sabedoria superiores promover o gra nde fim qu e
já estã feito. Os diretores de m inha cond uta nu nca me ordl·n.1 l':c mesmo tanto desejaria promover.
ram que fosse miserável, ans1o.so,desalentado ou amedron L1< lo L.:m:1 ve1 famili~irizados plenamen te com a com ·eniê ncia
Se nos afogaremos ou se chegarema; a um ÇX>no, é problt•111.1 de se escolher ou de se rejeirar - ainda que tal conveniência nos
de Júp iter, não meu. Deixo-o inte iramen te ã sua deterrnirt:i(.u 1 <.;cj:1 o rigina lmente indicada . como se recomenda da e apresen-
nem interrompo o meu repouso cons iderando de que 1110(111 1.1da à nossa familia ridade pel as coisas e para o bem das coi-
provave lmente decid irá, po is receberei o que vier com igu,d ~;1s escolh idas ou rejei tadas-, a o rde m , a graça, a beleza que
indiferença e segurança.• d1scernísse 1nos nessa co nduta , a felicidade que de la resultasse,
Dessa perfeita uJnfia nç..c
t na benevolen te sabedoria qu e 1,ll, ntcessariamentepareceria, aos nossos olhos, possuir valo r mu i-
vema o un iverso, e da compl eta r~signação à orclem qu e l ' /'1-'1,
I 10 supe rio r ao ela real ob tenção de todos os dife rentes objetos .
sabedoria julgar ndcquado e~tabe lct:..~ r, :,,eguirta necessariam c.:11 ele esco lha, ou ao da real ave rsâo a tod os os ob jetos ele rejei-
te que, pa r:t o s:1bio estó ico, g rnndc p a 11e du.'St:vencu .sd a vitlu ~·ao. Da observação dessa co nve niê nc ia originou -~<::: a fdidda-
hu man:i deve riam lhe ser indiferentes. Sua felicidade: consis ti rll, dc e.:::a gl6 ria; de.::: igenc iá-la, a misé ria e desg raça da nat u -
n c.:::gl
inteirame nt e, pr ime iro, 11::lcon rem plaç:1o cb. felicida de e pc rfo1 1cr.a humana
çào do grande siste ma do universo , do bom gove rno d:1 gra nd, Mas para um ho m em sá bio, alg u ém cujas paixões foram
rep ública de de uses e homens , de todos os se res racio nab 1 perfeitamente subjugadas pelos p rincípios q ue governam a sua
sensa tos; e , segundo , em desi ncumbir-se de seu dever, agir adt• n,,lllfe7.a, a exala obse r\'ação dessa conven iên c ia .<:eriaig ua l-
quadameme nos assumas dessa grande rep ública. não se in1 rne nre füc il em iodas as oc asiões . Na prosperidade, agradec e -
portando se tal sabedor ia lhe atr ibu iu um peque n o papel. /1 r'I.I a Júp iter por ter-lhe proporcionado circuns tâncias fácei s de
co nve n iência ou inco n,·eniência de seus esforços JX}deriam llu do minar, em que ha,·eria pouca tentação de fazer o mal. Na
ser de gmncle re levância. O êxito ou malogro desses esfo r~·o" .1dve rsidacle , igualmente agradeceria ao d ireto r des se espetá-
po<leriam nao ter relevân cia alguma - não pode riam susc i1.11 m io ela vida humana por ter-lhe oposto um \ igoroso atleta , SO·
apaixonada alcgna ou dor, apaD.::onaclodesejo ou aversão. ~t hrc quem a vitóri a seria ma is gloriosa e igua lmente certa em ·
preferiu alguns evenlrn, a OlllfOS, se algumas situações for.mi hora provavelmente a disputa fosse mais violen1a. Como se
obje tos de sua e.xo lha e oumr., de sua rejeição , não foi porque t.'nve rgonhar dessa af1ição, a nós causada sem que lenhamos
cons ider:isse que un s de algu m moclu emm melho res que ou ro mettdo falha alguma, apesar de agirmos com pe ríeita con -
tros, ou julgasse que sua própria felicidade 5Cria 1T1aisco 111 plc1,1 vcnU~ncla? Pona mo , nenhum ma l existe , ao contrári o, u111imen-
na situação qu e s e denom ina afortunada que n a co n 5id era(l1 "º lxm e::pruvdto. Um homem coraj050 exulta nos perigos cm
aflitiva, mas porq ue a conveniência cfa.ação, a regra que os deu que, 111algrado não .se ter prec ip itado, a fo11una o envolv era.
ses lhe dera m par.i dirigir sua cond uta, exigiria que assim esco 'l',li s perig os ofe recem -lhe a oportunidade de pr:1ticar a intrt>•
lhes.se e rejeitasse. Todos os seus afetos esta riam absorv ido,._< p1dcz heróica, e ness:1 prática frui o exa ltado delei te, que re su l-
engolfados em dois grandes afetos : no afeto relativo ao m mpri 1:1 cb consc iên c ia de um;. conven iênc ia superior e ele merecida
me nt a de seu dever, e no q ue diz respeito à ma ior felicida dl' ;1clmiração. Qu em é senhor de todos os seus empenhos não
poss ível para todos os se res raciona is e sens at os . Para sa tisf':t lt·m ave rsão a medir sua força e at ivid ade com o ma is fo11e. E,
zer esse último afero. aban d ona r-se- ia co m a mais p erfeita Sl.' tia mesma mane ira, q uem é senho r d e todas as suas pa ixões

348 TEOI/IA DOS Se,V/7MEN/l J\ t, , 349


/ J/1111PARTE
não rem e nenhu ma circunstância cm que o Supcrl111t·11d,, 111 .1, e mo rtifica ntes. Se a de(Xls itamos em jogar bem , e~ i<:
do univer.-o f)O'- S:1 julgar :1dequ:1do colocá -lo. A g~1w 11 ,h 1 11l,>rn lcalcladc, cm jogar s1bia e habilmen te. na conv_en,1e~c1a
desse Ser divin o o proveu d e virtudes que o tornam .,,, ,, , 1 ,1 11 1,'-ó.':i,,.
1 conduta, depo..<;i
tam o-la e m algo que ,. coi:n d1sc1phna ,
1
a roda situa ção Se for pra1.er, possui tempe ra nça par.1 \t 1 1,11:1<,.-ãoe atençã o apro priacbs , poderia est~~ 1nte 1rame~ te em
ter; se for dor, possui cons1ância para sup ort á-b; se (cu 11 11
1 u ,,,o pod er, e soh nosso contro le . Nossa fehc1dade esiana per -
ou mo rre, possu i magnanimidade e forta leza para de>sp11 1 11 1111.11n en1e i;egura, além do alcance da fortuna. O evento d~ nos-
Os eventos da vida hu ma na nunca o encontrarão ck·,pi. 1 111;ições, se estives.se fom ele nosso poder 1 t~bém esr.ana f~ra
rado , ou confuso quanto a manter a <unve niência de s<.·rn h11, 11 11, nosw interesse, e nunca pode ríamos sentJ.r med.o ou ans1e_-
10 e conclma que , em .seu próp rio en ten dimemo, cons111111 1 tl id t · por isso, e tampouco sofre r qu alquer fnistraçao dolo rosa
mesmo tempo sua gló ria e sua felicida de. 1 ~1 mcsn10 signi ficativa.

Au.-;Estóicos a vida hu mana ap rese ntava-se como 11111 I• A próp ria vida hum ana, bem co mo todas as dif~ret1L~._v.~n-
go de grnud c hab iUdade , e m que , po rém, haver ia unm ,111 1 I 1,1gt·ns ou desvantagens que a acompanhem , pcxknam, d 1z1<rn 1

~le acaso , ou do q ue .-,e em~nde vulga m1ente JX)racaso. h 11 111 , ,, i,:.,161cos, ser objeto p róp rio uu de nossa esco lha ou de no s
iog~s a apost~1 é comume nlc uma ninha ria , e todo o p1,1 1 1 , , rc1c içao 1 de acor<lo con ~ vá.rias cir~un~tâncias . ~e ~m n os~: .
do Jogo d ecorre ele se jogar b em, d e se jogar com le::ih.!.ul 1 11U:1çao real llouv t::.:,~ ma is c1rcunstanc1as agradave1 s do. q
h.ahilidad e . Se, ma lgrado toda a sua hab1Jidade , pu r inll w 11 1 > nu'{ufa.:,à natureza - mais circunstâncias que fossem .ob,et~ s
eia do aca so ,,;;uce de~-.e ~o jog:i.dor perder , a perd,i deveri.i , 1 ik• 4...-<;eolha do que de rejeiçio -, nesse caso a vida inte ira sen~
ant e s motivo de alcgn a do que de grave so frime nt o. N~t1) 11, 1 hJ<.I O próprio d e escolha , e a conveniência da conduta ex1-
fou; nada fez de que de\esse envergonhar -se; sabo reou u11, 1 >Jlri:1q ue penn :mocêssemos vivos. Se, de outro lado . em ~os -
r.tmeme todo o prazer do jogo. Se , ao co nrrário , o mau jog,u l ,1 ' situa çã o real houv esse , sem nenhuma esperan ça p~va vel
malgrado ioda s as suas asneira s, igua lmente vencer , seu ('\li•. dt· re p:,ro , mais circunstância s co ntrárias q ~e agrad ã~e.1s ã na •
não )X)(Jelhe dar senão pouca satisfaclo Mortifica-o a lemh,. 11 rnrcza - mai s circunstâncias que fossem obJelo de reJe ~çào do
~.i de tcxlos os err os cometkl os. Mesmo durant e o jogo, e.- 11 que d e escolha -, a próp ria vida , nesse caso , se_torna na , ~ara
~paz ele sabor ea r pane do prazer que es1e pode lhe propo, um ho mem sá bio , objeto de rejeiçào 1 e não sen a ap en as hvre
1t, 1r:1 a bandoná -la , com o ainda a com ·e_niênci a da co ndtna , ~
uon~r . Por ignorar as regras cio jogo , cada uma de suas j<1,-;,1
das t:: qua& sem pre pre ce dicla ele sem imenros desagrad:ivl'I-.
com o medo , dú vida t: fu~sitaçào, e co m umeme suce d ida (1.1
n.·gm que os deuses lhe deram para ding1r su: conduta, lht: c.:::XJ-
kiria que assim fizesse. ·Ordenam-me que nao permane ça cm
mortifica ção por d e::scobrir yu~ no..'ilances comete ra uma gr,111 Nico polis" , d iz Epíteto. "Não pem1aneço lá. Ordenam -me qu e
de asneira, comp lc r.tnclo•sc a:,,sirn u drculo d e.sagradãvel d1 uao pcnna neç a em Ate11a8. Não perma neço c m Aten as . Orde -
su :1sscm ~1ções . Para os Eslóicos , a vida humam ,, com [0d;1s ,l'i 11 :1111-me qut:: m1o \Jt;:rn tane ç-d em Roma. Não penn::i.neço ~m Ro-
v~nrnge 11. c;que ross ive lrnen te a acompanham , deve ria ser <.:or1 111,1.Ordena m-me que pcnnanec;.. --ana pequena e n:xh~s ;1 1l~a de
s~cl~rac. la ;:~penas como mera aposta de do is centavos - q LI L'" (i yrirac. Vou e permn n eço lá . Mas e m Gyarn e a ~asa. e e~ tum~-
tao ms,~~ •flcarne dem ais p,,m me rece r qu::ilque r preocu p aç:to \-.,da. Se a fumaça for moder.ichi. eu a supo 11a re1 e_fü:a re 1 lã. Se
Nossa u n1ca preocup ação d ever ia dizer resp e ito não à ªfX>~ l;1, lor exc cs siv11,irei a uma casa de onde nen hu m ura no poderâ
mas ao método apropriado ele se jogar. Se depos itamos no,.., 111c re mover . Sempre m e lembro de que a p orta está aberta, d~
sa fe licid~d e em vencer a a JX>Sta, depo sitamo-la em algo qttl' , 1,,c posso sair quando qu iser e recolher -me àq uela casa h~sp1-
dependena de cau sa s qu e es tariam acima de nosso r:xxler, e f(1 1:1kira.que em todo o tempo es 1á aberta; po i~, além de minha
ra de nosso contro le . Necessa riamente expusemo -nos a pe rpt: miserá vel vest ime n ta, além <lo me u corjX), v1ve me al~um 1e m
1uo medo e d esconforto , e freqüememen te a dec..'epções do lo poder sobr e mim." Se tua siruação é em tudo desag1,1davcl - se
350 rEORJA DOS S/N/1'1ENJVS MC•li li \r.71.'MPAIITE 351
nia casa é enfumaçada clemai.,;;,di ziam os Estóicos, sai 1><11 1.. ri.l que a deixássemos . Dir-se-ia então que ouviríamos a voz res-
dos os meios , mas sai sem recla mar, munnurar ou lamem~u ,1 1-'>l!itável
e benevo lente desse Ser divino. cham and o-nos clara-
Sai calmo, sat isfeiLo, aleg re, agradecendo aos deuses, qut" 1k ,, n:t•nte a fazer isso
sua bondade infin ita, abriram o seguro e qu iem po no da n1111 Essa a razão pa r q ue, de acordo com os Estóicos, poderia
te, semp re pronto para receber-nos do tem pestuoso ocearn , , , 1 r on~tituir deve r de um homem sáb io abandon ar a vida a inda
vida humana; que preparara m esse sagra do, esse inviolável, e·, que fosse perfeitamente feliz , ao passo q ue JX)deria co nstiruir
se grande asilo, sempre aberto, sem pre acessível -inteiramL·11h dever de um hom em fraco contin uar vivo. ainda que fosse ne-
além do alcan ce da ira e injustiça humana, e grand e o baM,111 cessariame nte desgraçado. Se houvesse . na situação do homem
te para abrigar todos os que dese jam e os que não desejam 1c· s:ibto, mais circunstâncias q u e foS5<:! m objelOs natu rais antes
colhe M,e aí: u m a~ilo q ue tira de lodo homem qualqu er ("l1t· de rejeiç ão do que dt: e;:scolh a, toda situa ção se torna ria o~je-
de q ueixa, o u a té: dt: imag inar que JJC6S3haver qualq un
tc115.o'lo 10 dt: rcjc:::i1são,
e a regra qu e os deuse s lhe deram para a d1re
mal na vida hu mana, exce10 o que pode sofrer po r sua próp11.1 \·;io ele sua condu ta exigiria que tal home m abandonasse a vida
louc u ra e fraqueza. túo dep ressa q uanto suas circu nstâncias pa rticul:-ires torn~s.'iem
Nos poucos fragmentos de suo filoso fia qu e chega ram :llt conve niente. Eswria, poré m, perfeitament e feliz, mesmo du ran•
nós, os Estóica. po r vezes falam em deixar a vida com ta l g r. 1 I(• o rempo em que julgasse aprop1iado continuar vivo; coloca- ·
ça , até mesmo co m mi levi~ndad e, que, se consider:isse mos e..·~ ria sua felicidad e não em obter os objetos de sua esco lha ou em
sas pa ssagens em si mesmas. poderi am induz ir-nos :::i ,1credi 1.u evitar os de sua rejeição , mas em esco lher sempre , e sempre
qu e imaginavam pud éssemos com conven iênc ia de ixá- la sem reje itar, com exata conven iê ncia; não no êxito , ma s na ade-
pre qu e no s in spi rasse, arb itrá ria e cap richosame nte. o meno1 quação de seus esforços e de sua práti ca. Se na situação do h o-
desgos to ou desconforto. •Quando ce ias com tal pesso a", dl1. memfraco, ao contrário, h ou vesse ma is circuns tâncias que fos-
Epíte to, "qu eixas-te das longas histó rias que esta te conta~< ► sem ob jetos natura is antes de escol ha do que d t: rcjei<.,'ào,toda
bre suas guerrJs da Mísia. 'Então, meu amigo', diz ela, 'tenclo,.11· sua s ituação se Lom arla ob jelo apropri ado de esco lha, e seria
narrado co mo tomei uma colina em tal lugar , conto-te agora c,,. :,t:U <lc:ver continua r Yivo. Seria, porém , infeliz, por ignora r co
mo fu i sitiado em tal lugar· Mas se nã o deseja res ser iocomo mo se vale r das ci rcunstâncias . Dessem- lhe as melhores car-
da do com suas longas his tórias, não aceila sua ceia. Se aceiW· ias, e não saberia jogar , e não pode ria usufn..lir d e uma sat is-
res, não terás preten~o algu ma dt: tt: queix ares de suas lo nga, faç:lo real, du ran te ou no fim do jogo , não impo rtando como
histó rias. Dá -se o mesmo com o que cha ma:, o:s males da vida f."'-te1enn1nasse16•
hu mana. '.\Junca te queixes de algo de que está sempre em teu Ainda que talvez os Estóicos, mais que outras se itas dos
1x,der livrar-se ." Malgrad o essa g raça e at é mesmo ess a k:· filósofos antigos, insistissem na eventual conve niência da mor-
viand ade de ex p ressão, poré m, a altern ativa de deixa r a Yicl,1 te voluntária , cuida-se de u ma doutrina comum a todos e les. até
mes mo aos pac ificos e ind olentes Epicu ristas. Dura nte a épo-
ou penna necer nela seria, segundo os Estóicos, quest ão da mais
ca em que floresceram os fund ad ores de rod as as principa is
grave e import ante de liberação. Jama is deveríamos deix;'i-b an-
se itas da filosofia ant iga, Ourante a Guerra <lo Peloponeso, e
tes de o poder superimend ente. o qual o riginalme nte nela nos
mullo~ ano:, ap6.:,.:,eu térm ino, todas as diferen tes república s
coloco u, claramente nos ter co nvoca do . Deveríamos, entretanto ,
da Grécia se viram pe rturbadas internamen te pelas mais furier
co nside rarmo-nos co nvocados não mera mente no 1ermo in-
sas facções, e envo lvidas extername nte nas mais sanguin1lri~,._
d icado e inevitável da vida huma na. Semp re que a prov idência
gue rras, em que cada uma buscav a não ap enas su perioridade
d esse Poder supe rintende nte to rnasse toda nossa cond ição na
,oda ob jeto própr io de rejeição mais que ele escolha, a grande
regra qu e Ele nos dera para a di r eção de nossa co ndut a exig i- , lib. iii. e. 13. Edição de O livc1.
16. Veja-se dcero , !Je Fi11tb11s

352 TEORIA DOS SE/1T/JlfE!vTOS MI >P1 \/ /1,1/APARTE


o u do mínio , mas ext irpa r completamente todos os seu.:, 11111111 I' vctc.s atE: mes mo o expusesse a tais calamida des. Esforço.-
gos. ou, o que não era menos crue l, reduz i-los à mais vil dt · 11 ~ .un-sc, porta nto, para mostrar que a felicidade era inteiramente ,
das as condições - a escravidão domés 1ica -, vendendo 11 , ,u 1~lo menos em gra n de medid a , independente da fortuna;
h?mem, mulher e filho , co mo cabeças de gado, pe la mc:11111 1 11,1l'ir.1mente, para os Estóicos , em grande me dida, para os fi-
otena do mercado. Ademais , a peq uena dimensão da m:1l11 i 1i1 11,sofos Acadêmicos e Pe lipatéticos. A conduta sábia, boa e pru-
desses Estados não tomava mu ito impro vável que cada uni d, 1kntt.'.era, em prim ei ro lugar , a mais pro vável para assegurar
le~ sucum b isse :l calam idad e que co m tanta freqüên cia, t:dn i':dto e m roda espécie de em pree n dimentos ; e , segu ndo, ain -
~te .ff~t:smo naque le momento , intligira ou ao menos tc ni.11,1 1111 que não alca nçasse êxito, não d eixaria o esp irita sem con -
infl igir a aJgu ns d e sc::u.s vi:linhos. Nesse es tado deso rd en:1d11 ,.010 . O homern virtuoso pode ria ainda usu fruir a pe1fd la apru-
de coisas, a mais perfe ita inocfa 1d a , associ ada à ma is e levad .1 v,1r.;üode seu próprio peito, e p(x.kria ainda sent ir q ue , por mais
pos ição e aos ma iores serv iços públi cos, n ão pcx.leriam a~-.c· dl.'sfavorávei::,que fo.s::.t:mas coisas de fora 1 den tro tudo era cal
gur ar ::i um hom ~m ci_,ue,mesmo em ca.sa e entre seu 5 pró p 1h 1,. 1110,pac ífico e harm o n ioso . Al ém disso, co mumente poder i::i
p_arentes e conc1daclao,c;,a qw 1lquer momento, pela prev:il(·n n)nfon:a r se com a certeza de p::>ssuiro amor e a esrima de lodo
eia de algu ma facção hostil e enfu recida, não seria co ndcn :1tli, o esp ectador imeligenl'e e impa rc ial, que não pode ria deixa r
ao cas tigo mais crne l e ign omini oso . Se fosse feito pri sionl'i 11• e1,1,·r de ad mirar sua cond uta . quer de lamentar se u i nfortúnio.
de ~erra, ou se a cidade de que era memb ro fosse a:mq uistad.1 Ao mesmo tempo, 1ais filósofos se esforçaram p-dramos-
sena exposto, se possíve l, a o fensas e insultos aind a maion.•-. 11:,rqu e os maiores infortúruo.5de que a vida humana era passí-
M~~ 1~ homem naturalmente , ou ames ne cessa ria1nente, f.1 , ·d podiam ser mais facilmente tolerados do que se imaginava
m 1lrn : 1z a sua im:~?inaçao co m as aflições, às qua is prevê que l1..1birualmente. Esforçaram-se por assinalar os confortos que um
sua s1. tuaçâo frcqut::nlc:n1~mt o exponha. E impossíve l que u111 homem poderia usufru ir ainda se reduz ido à rx>breza, se for-
maru10 não pense amil 1de em tc:mp::stades e na ufrágios, em \·,tdo ao exílio. se expos10 à injustiça do clamor popu lar , se la-
a fund ar no nur, e m como prov avelm ente .se:sentiri a e como lx.uasse, cego t: :,urdo, nu c:xtrcrno da velhice, quan do a mor
agir!a e m tais OCl.<;;iões , Seria igualmente impossível q ue u 111 ti: :,e aproxima. Assinalaram também as considerações que po-
patnot a ou h erói grego não famili~rizasse sua im::iginaçào con 1 deriam contr ibuir para ma nter a co nstância sob as agonia~ da
tod as as diversas cala mid ades a que , por sua situaÇ2o, sabia-se.• do r, atê mesmo da tortura. m1 doença , no S()Ífimento - pela
exposto freqüe nte ou an1es constantemente. Do mesmo rncl• perda de filhos, pela morte de amigos e parentes, etc . Os po u-
d o como L~m selvage m da Amér ica prepara su a canção fúne- <'OS fragmentos que nos restam do qu e os antigos filósofos es -
bre e considera como ag ir se cai r nas mãos d os inim i~os, qu L' cre\'e ram sobre esses te mas forma m, talvez, um dos mais ins-
o matar ão sob as mais clemo 1Adas torturas e em meio a insul lmt ivos e interess:mtes legados da antiguidade. O va lor e o vi-
t<?~ e t:sci.n~iu de tecles os espec tadores, um p atr iota ou hc- go r de suas dou trin as estab elece m um marav ilhoso comras re
ro1 grego nao pod ia t:,·itar d~ freqüente mente em preg ar se us c.om o tom desa nimado , lamen toso e choroso de algu ns siste-
pensame ntos n:1 cons ide raç ão do qu t'. havt'.ria ele sofrer e fa- mas mode rno s.
zer no ex ílio, no ca 1ive iro, se fosse red uzido â esc.:ravidao .se Assim, enquanto os lllósofm, antigos esforçava m-se pa ra
o levasse m ao c::icl:l folso. Mas os filósofos de todas as difer~n- Ut:.>.'iemo<lo suge nr toda a consideração que, como diz Mihon,
tes seitas com mui ta just iç:;i repr ese ntava m a virtud e, isto é , a poderia arma r o peito empede rnido com obs tinada paciência,
co~du ta s~bia, jus~a . firme e tempera n1e, não a penas como o como se for:1 co m três camadas de aço ., labo ravam para con-
mais provave l canunho pa m a felicidade - mesm o nesta vida - vence r seus c:eguidores de que acima de tudo não haveria nem
· como ainda.ª m~is ~ 1ta e infalível. Essa conduta. porém, ne~
~ 1~pre pocha ex1m1r quem a seg uisse d e tod as as ca lamida des
in<.:Jdemes sobre a predir ia situação dos n egócios públicos; e • Parafs-OJXJrdido, li , 568-9 . (K. d:i. R. T.)
354 TEORIA DOS SENI1MFA 7VS ;li ( J/111 \/ i l1MA PAI/TE 355
po de ria hm:er algum mal na m orte ; e que , se a qua lqu<.•1'
11111 I IL'acordo com o primeiro, de p ois d e gozar por nove nta e oito
me nt o a s ituação se tomasse tão difícil q ue a co ns15ndu 111 •11tos da ma.is perfe ita saúd e , su cedera a Zenào cair, quand o safa
mais a tol erasse, o remédlo estari a à mão , a po rta, ab<..•
11.1, 1 dt sua escola; e embora não sofress e outro dano , sen ão q ue-
qua ndo dese jassem pocletiam sair sem medo . Se n ão hrn 1vc hr:1r ou des lo car u m de seus d ed os, batia no solo com a mão,
se um mu ndo além deste, d iziam . a mo rte não p od eria St.'1 11111 di zendo. confo rme as p alavras da !Viobe, de Eu ríp ide s: "Estou
ma l; e , se houv ess e out ro mu ndo, os de uses d everia m tam hc 111 (mio, por que me ch a mas?" e imedi atame nte foi para casa, e
estar lá, de m odo q ue um ho mem justo não p oder ia te lll L'I' 111,1
1 t•nforco u-se. Era de esperar qu e com essa id ade av ançad a pu-
algum enquant o es ti\•esse sob sua pro teç ão . Numa palavrn, 1.1111 d~ e ter tido um pouc o mais de p aciê ncia . Segundo um ou -
filós ofos prepara m u ma canç ão fúne lx e, se assim po sso d tl't'r ' ro rela to , na mesm a idade , e co mo res ultad o de um acident e
que os pat riotas e heróis gregos pod eriam usar nas oca.sirn o.;
c melhante, Zenâo deixara-se morre r de fome. O te rceiro rela -
apro p riada s; e, de todas as d iferentes seitas, pe n so qu e dl·vc 10 dá conta de que aos sete nt a e do is an os de id ade Zemlo
mos adm itir que sem dúv ida os Esróicos prepararam a ca 11t,..1,1 morrera de morte natural - relato qu e é de longe o mais provâ -
de maio r ânim o e va lo r. vel elos três, e que, adernai:;,e.-;l.áapo iad o na autorida de de um
No ent ant o, o suicíd io não par ece ter sid o muit o co mu 111 comemporâneo , o qual tivera todas as o portu n idades de est ar
entre os g regos . .'\ exceção de Clêrne nes, não me recordo p1,, b~m informado: Pe rseu , originalmente escravo e de po is am i-
o ra d e al gum pa triota o u heró i bastante ilustre d a Gréc ia qut· go e d iscípu lo de Zenão. O pri m eiro relato é dado po r Apo-
te nha morr ido pe la sua pró pria mão. A morte de Aristônw lônio d e Tiro , q ue sobr e ssaiu por vo lta da época de Augu sto
nes é tão anterio r ao pe ríodo d a ve rd ade ira hist ória qua nto ,1 César, en tre d uzentos e trezent os 2.nos após a mo1te de Zen ào .
de Ajax• . A histór ia co mu m da mo rte ele Temístocles, em bm,1 Não conheço o au tor do seg u nd o relato. AJX> lônio , ele mes-
se ins im no pe ríodo h istó rico, traz na face toda s as marcas d,1 n10 um Estóico, provavelme nte julgou que mon-er desse modo,
mais rom ân tica fábula. De to dos os heró is greg os cu jas viciai, por sua próp ria mâo , h on raria o fund ado r de uma se ita qu e
fo rnm desc ritas po r Pluta rco 1 Clême nes pa rece ter sid o o ún! tanto falava em morte voluntá ria . Homens de letras, embo ra
co que pereceu d essa mane ira. Te rârnines 1 Sócrates e Féx:i o, com freqüência sejam mais comentados depois da morte do q ue
a qu e m certame nte nã o faltava co ragem, supo 1tara m a p risflo os maiores p rínci pes ou estad istas de seu tempo , ge ralmente
e sub me teram -se pac ientt:mente à morte a qu e a jllstiça ck em vida são tão o bscuros e in significantes, que raro os histo-
seus co ncid adãos os conde nou . O bravo Eumenes permitiu qu~· riadores con tempo râneos registram suas aven ruras. Os historia-
seus próp rios soldado s amot ina dos o en treg assem a se u ini dores d e épocas pos teriores, a f im ele sat isfazer a curiosi dade
migo Antíge no , e <le i.....aram-no mo rrer à mín gua , sem q ue tcn pública , mas na o dispo ndo de docu me ntos au tênticos que con-
tasse q u<llquer \'io lência . O galante Filopêm en tolerou ser aprí f1nnasst::m uu contradissesse m suas na rrativas, parece m ter se-
sion ad o pe los messê nios, foi lanç ado n uma masmo rra, e su guid amen te urd ido e sses relatos conforme sua própria imag i-
põe -se que tenha sido sec retamen te e nvenenado. Diz-se , co m nação1 qu ase se mpre com uma grande mes cla do fant ástico .
efeito , que vários filósofos teriam mo rrid o dessa maneira , mas Nesse caso p articular, o fantástico, ainda que não o confinn e
suas vidas foram descritas de maneira tão rola, que se deve pou- au to rid ade algum a, p arece te r pre valecido so b re o provável,
quís simo crédito à maior pa 1te das histórias que contam sob re }linda qu e o con firme o me lhor. Diógen es Laércio dá claramen -
eles. Há três d iferen res re lato s da morte de Zenão, o Estó ico. te p referê ncia 1 h istó ria de AJX)lôn io. Luciano e Lact.ân cio re-
vel am , ambos, dar crédi lo à história da idade avança.da e da
• Ao :lfi rm;ir que as mo rtes de Arisrôinc ncs e Aj ax são anteriores ao
mo rte violen ta.
período da verd ade ira história. Smith indic a qul! estes sào pe rsonagens A voga da morte volun tária pa rece ter predo mina do mais
lege ndá rios. (N. d a R. T.) e ntre os orgulhosos roma nos do q ue entre os vivazes , en ge-

356 TEOIUA DOS St N7IMEATOS M( !/,' 11 357

nhosos e o bsequiosos gregos . biesmo entre os rom ano:--,,1 ,,, q11 c se mostra ria, inclusive ao sób rio e judicioso Estóico. ~pro-
ga parece não ter-se es1abelec ido nos p rimeiros sécu los d a Ih prl~1da ot.1neces.sá ria. Mesmo as senh oras , que rarame nte f1:am
p ública, também chama dos de sécu los v irtuosos. A hi,..,H 1111 1tn1s cm seg u ir a voga , parecem ter freqü e ntemente escoll: 1do,
usual da morte de Régulo, embora seja provavel men te u 111.1 11 1l,1 maneira mais des necessária, morrer assim, e , a exe m plo das

bu la , jamais pode1i a ter sido inventada , caso se supuses~<.·q 111 d.unas de Bengala, em alguns casos aco mpan har seus marid os
po d e1ia reca ir qualq uer deso nra sob re esse herói, po r su lH111 11é a tumb a. O predomínio dessa voga ce11ame nte ocasio nou
ter-se pacien temente às tonuras que os cartagineses lhe ti.:rhrn1 111uita s mortes qu e de o utro modo não teriam oco rrido. No en-
mfligido. Nos séculos pos teriores da Rep úb lica, e ntendo quL',11 !;1n lo toda a d estruição que isso - talvez o mais ext remo de
guma desonra se seguina dessa sub missão. Nas diferentes ~l Jt •· iodos os afãs de vaidade e impe rtin ência hu mana - po de ria
ras civis que p recede ra m a queda da repúb hca 1muitos do!-!1!11 provocar p rova velmenre nu nca se ria mui Lo gra nde .
mcns eminentt:s ele todos os pan idos em disputa preferiram pt O princíp io do suicídio , que nos e nsinari a e m certas oca -
recc r pel as próprias mãos a cair na~ dus inimigos. A mont· 1~ ,,;iõe~ a consid erar e,-,:saviolen ta ação co mo ob jeto de apl au so
Cat.:;o~,ce leb r:1da por Cícero e cens u rada po r Cbar , tt::ITl,1 e11, l: ap rovação, cm tud o parec e u m refin ::tmen to da filoso fia. A
controvérs ia mu ito sé ria entre talvez do is dos mais i.Ju()\ll-. nalurcza , em su a co nd iç:lo pe rfeita e saudáve l, nu nca p:-1.rece
advogados a que o mu ndo jama is assist iu, imprimiu um ,::i , ,1 rlos incitar eto su icídio. Há, com efe ito, u ma es pécie de me-
te r de es ple ndor ne.'ise méro do de morrer, que este p;1recc lt. 1 bn colia (d oe n ç a à qu al a natu reza hu m a n a, entre suas outras
conservado por vários séculos depois. A e )O{Jü ência de Cíccn 1 c::11:lmidades, e'>tá infelizme nte sujeita), q ue pa rece vir aco mpa -
era superio r à de César. O partido dos q ue a admi ravam preva nhada d o q ue se po de chama r de um irres istíve l apet ite p ara a
leceu grandemente sob re o cios que a cens uravam, e os aman :1u todestru içào . Freq üentemente se tem no tícia de que essa
tes da liberdade muitos séculos dep o is respe itaval'n Catào po1 doença , a despei to de grande prospe1idade exte rna, e até mes -
ser o ma is venerável márt ir do pa rtido rep ub licano . "O líd1.·1 mo de sérios e profundame nte incu lcados sentime ntos relig io-
de um partido", o bserva o Cardea l de Rerz , "pode fazer o qut• sos, conduziu suas desgraçadas vítimas a esse fatal extremo .
des eja, po is enq uanto ma ntiver a confiança de seus amigos, j:1 Os in felizes que perece m dessa mane,rn mic;erável são ob jetos
mais e rrará" - máxima cuja verda de Sua Eminência várias v<.· apropria dos não de censura, mas de comiseração . Tent ar puni-
zc5 teve a opoitun idadt: de expe rimenta r. Ao que p arece, a los, quando estão além do alca nce d a pun ição h umana , não é
suas o utras virtudes Catão acresct: nlava a de ser um e xcelc n mais absurdo do q ue injuslO. Ta l pun ição 5Ó pode recair so -
t_e amigo da be bida. Seus inimigos o ac u 5aVam de embriag uc.:z, bre us amigos e parentes que sobrev ivcmm 1 os quais são sem-
'·mas" , d iz Sêneca, "quem obje t:.tr esse vício a Catào descob ri pre inte iramente inocentes, e para os qunis :1 p erda de seu am i-
rá q ue é muito mais E'icil prov ar como a embrb .guez é uma go dessa mane ira d esgraçada d eve semp re , po r si ~ó: ser um_a
virtude do Que como Catào pod eri:-1ser depe ndente de qu al p e so.díssima calamidade . A nah1rez-:-i , em sua concl1ç~o perfe~-
qu er vício". ta e saud áve l, incita-nos, em todas as ocasiões, a ev itar a afli-
Sob os impe ra do res, esse método de morrer pa rece ter ção ; e m muitas, a nos defe ndermos des ta, ainda qu e co m o
sido voga du rante muito tempo. :Nas ep ístolas de Plinio, enco n- risco , ou mes mo a certeza, de perece nnos ness a defesa. Mas,
tramos u m relato de várias pessoas que esco lheram morrer des- q ua ndo fomos incapazes de nos de fen der da aflição, tampo u-
sa maneira mais por Yaidade e ostentação, que po r u ma razão co perecemos nessa defesa, nen h um p rincíp io natu ral, nen ~u-
ma co nsideração pe la ap rovação do sup osto espec tador un-
parcia l, do juízo do home m q ue nosso pe ito encerra, parece
• .\forco l'órcb Gi.t:'io (ütào de Útica - 95-46 a ,C.), bi~nc to de Catào ,
o Velho . Seguiu l'ompe _u na Gue _rra Civil e , ao ser derroca do por Césa r em
nos convocar p ara, destru indo-nos, escaparmos a essa aflição
Tapso, suicidou-se em Utica, na Afi'ic1, com a próp ria es1xida
. (N. da R. T.) somente a consciê ncia de noss a próp ria fraqueza, nossa p ró-
358 TEORIA DOS SEIVT/J11ENTOS /li<li' 1 l/,17MA PAK/1; 359
pria incapacidade de SUfX)Ttar a calam idade com vigor e fii 111 1 11'11cia e vi!,10rda outra. Ade ma is, a morte é apenas o fim ap~-
apropriadas, pode nos leva r a essa resolução. Não me ll·rnl11 1''bdo da velhice do mesmo modo com o a juventude é da m -
de ter lido ou o uv ido falar sobre algum se lvagem amt·rh .u1 l,tnd a, ou a idade adulta da juve ntude ." ·'Assim como freq ü en-
que , após ser aprisio nado por uma tribo host il, ten..hawM.: 1111 h·rncnte d izemos", come nta, em outra ocasião, "que o médico
tado para evi Lar ser mo110 sob tortura, en tre insulto s e zo111I
11 pi escreve a ta l homem que ande a ,cavalo, a_ou tro) ~ue tome
ria de seus inim igos. Para ele, a glória reside em supornu ..... 1 11,mhofrio, ou ande desca lço, tambem deven amos dizer que a
tormentos com vigor, t: tm tirar a d esfo rra desses ins ullO'i 11,111 n:nureza, grande condutor e méd ico cio un iverso, prescreve
dez vezes mais desprezo e :Gómbaria.
para esse homem uma e nfermidade, o u a amJ?utaçao ~e .u~
Porém, pode -se considerar esse desprezo pe la vida t: 11111111 ~mbro, o u a perda de um tilho. Pelas prescn çoes de medic ?s
111
e , ao mesmo tempo , a ma is co mplet a submi ss :1o à ord<..· n1 , l 1 1·omuns , o paciente engole muita poção amarga, sofre mult a
Providência - o mai.,;;pleno contentamen to com todo CVl'll lo , operação dolorosa. Porém, na esperança bastam e ince rta de
qu e a correme dos assuntos humanos possivelmente podl II 1 r1uc isso tenha c::omoconseqüênc ia a saúde, subm ete-se de bom
calcular~, como as duas dout rinas fundame ntais sobre Rc;;q11.11
1-1rmJo a tudo . Da mes ma maneira , o pacien te }X><let~r_espe-
repousa tod a a estr utura da moral es tóica . Epíteto . ind t.:p1·11 1,1n ç a de qu e as ma is severas pres crições do grande Mechco da
dent e e audacioso , mas muitas vezes severo, pode ser consld1 natureza contribu irão para a sua sa úde, su3 pr ospe ridade e fe-
rado o grande apóstolo da primeira dessas doutrinas - o h1.1n
licidade firuis; e pode estar inte iramente seguro de que não ape -
cio, humano e benevolen te Anton ino , o da segunda.
n:1s co n tribuem, m as s~o indispensáveis para a saúde . pros-
O escravo emancipado de Epafr id ito, que em sua juwn
per idade e felicidad e do universo, para ª.promo~âo e a~an ç_o
tudc es tivera sujeito à inso h":nda de um se nl1or brnta l, qul' 11,1
id1de adulta, por ciúme e cap richo de Domiciano, fora banhlt 1 do grande plano de Júp iter. Não fosse ass im, o umv~rs~ 1am~1s
. 1~ teria produzido; seu Arquiteto e se u Cond utor ornsc1ente Ja-
de Roma e Atenas e o brigado a morar em J\"icópolis; e qu t:, pt•
lo mesmo tirano, poder i:1ser ::i qualquer momento mand ado 11 mais te ria pem1itido que ocorr essem. Assim , todas, mesmo as
Gyarae, o u talvez assass in,1do, apenas pôde conservar sua 1r~111 menores partes coex istentes do univ erso, estão perfe itamen-
qüi lidade porque nutria em se u espír iLo o m ais soberano dl'" te adaptadas umas às outras , e todas contribuem para comJX:>r
um sistema ime nso e coe rente; do mesmo modo ) tod os, mes-
prezo pe la vida hu ma na . Nunca exu lta de masiadam e nte, e p111
isso sua e loqü ência jamais é tão vivaz como qua ndo repreSl'll mo aparentemente os mais msignificant es dos suc essivos ~v~-
ta a futilidade e insignificânc ia de todos os prazeres e sofrim<.:n lOSque resu ltam u m do outro, são pane s, e panes necc&:;anas ,
tos da vida. da grande cadei a de causas e efe itos que nã o teve _comcço, e
O imper ado r de boa índ o le, soberano absoluto de toda .1 q rn: não terá fim ; e, co mo todos rc.sultam necessanam?ntc da
parle civilizada <lo mu ndo , o qual cert ame nt e não linha unm d ispo sição e tram a o riginais do tod o, são todo s essenc1almen-
mzào especial para reclamar da porção que lhe co ubera, cl<:11 1c neces.sário s, não apenas p:1ra prosperi d 3de desse todo , mas

ci:oi-se em expressar seu co ntentam ento com o c urso or di nári<1 para sua cont inuação e conservação . Que m nã_oabraça cor-
das coisas, e em aponta r belezas mesmo na s partes em ql ll' diahne nte tudo o que lhe sucede, qu em lamenta l.5SO lhe ter su -
obsen ado res vulgares são incapazes de ve r alguma . "Existe um:1
1 cedido, quem d eseja que isso não lhe tivesse suce~do , dese ja ,
conven iên cia e até uma graça cativan te", observa ele•, "tanto na medida ele suas forças, parar o mm 'irnento do urnverso , rom-
na idade avançada . bem como na juvenn1de, e a Ílrlqueza e ck• per a grande cade ia de sucessão - por cujo prog resso ~mica-
crepitude de uma são tão adequadas à natureza como a flores mente tal sistema pocle continu ar e conservar-se-, e deseJa, por
ca usa de um peq ueno confcxto privadot perturb ar e decompor
tod a a máquina do mund o. " "Oh, mundo ", diz em outra r:as -
• A referên cia pOSSi
velmente ê a Marco Aurél io. (N. da R. T.) sagem, "rodas as coisas que me convêm são as que te convem.

:lóü TEORIADOS 5Elv771',/Ei


\T OI' M<11,1 1/ /)MA PAKIE

Nada é muit o cedo ou muito tarde para mim se for opo111,11 , i 11m 11nentefaziam uso, rea li:z.:1
ria uma a~'io em todos os aspe c-
pa ra ti. Tudo é fnao para mim, se trazido pe la tua c.s t <h,.,!11 1t h ►'< l~lo meritória, tão digna de louvor e admiraç.âo, como q ua n-
ti vêm todas as coisas; em ti estão todas as co isas; para ti 11.. 1, dt I pu -.e ra sua vicia a serv iço d o país. Do mesm ~ modo co mo
as coisas .sào. Um homem diz, Ah, ama da cida d e de Ct•<.· 1,11 p,1mo grande Superi ntendente do unive rso os maio res e meno-
Não dirás, Oh, amada cidade de Deus' " 1,,,'iesforços d o seu poder, a formação e disso lução do mundo,
Dessas do utrinas muito sub limes, os Estóicos, ou P<,·111 111, 1 formação e diss ol ução de uma bo lha, se riam _igualm e nte fá-
nos alguns d eles, te ntaram deduzir todos os seus para<.11 1~ , 1 i •l-;,igualmen te admiráveis, e igua lmen t~ e_fe ,tos , ~a mesma
O sábio estóico esforço u-se por pa1tilhar dos pro s1w1 .. di vin a sabedor ia e benevolência, pa ra o sab10 estrnco, o q ue
do grande Superintende nt e do universo , e ver as coisas :11n 1 h:1rnaríamos a gran de aç-.áonão exigiria mais esforço do que a
ma luz em q ue esse Ser divino as con temp la ria. Para o gt.1111h 1wque na, se ria igualm e nte fác il, pro cede ria exa tamente dos
Super intenden te do univer~o, no emamo . todos os difc.:rt•11l1 tlll'Smos p1incíp10s, não seria mais meritória, em nenhu m Q~pec-
eve ntos que o curso da Sua p rovidênc ia pÓ(le produzir , o.-;q111 to , nem d igna de maior grau de luuYor e admir aç~~ - .
para nós parecem as maiores e os menores, a exp losãu ck- 11111, To do.:;os q ue alcança ram esse estado de pc rfc 1çao se nam
bo lha , como diz o Sr. Pope 1 , e a de um mundo, po r cxcnipl11 lKu:tlmente felizes, assim como todos os que no menor aspec-
seriam perfeit arne nle igu::iis, igualmenLe partes da grand~· i ,1 to frncas saram 1 não imp orta o qtwn to se tenham aprox imado
deia que Ele predes tinara des de tocfa ::t.e ternidade, ig1.1a lr111 ·11 1k: 1a\ es tado ser i:im igua lme nte miseráveis . Assim como o ho -
te efeitos da mesma infalível sabedor ia , da mesma univer .... ;11 1 mem q ue es 1\v esse apenas uma polega~ abaixo d~ sup e rfíci~
ilimitada benevolência . Da mesma maneira, p ara o sábio v.,H11 d:1::ígua não resp iraria maio;q ue o que estivesse cem Jardas abai-
co, todos esses diferent es eve nto s seriam pe rfeitament e igu,1li,, xo, diziam, o homem que não sub jugasse inteira mente todas as
No curso desses eventos, com efeito, um pequ eno depa11~1111111 suas pa ixões privadas. parciais e ego ístas ; que não possuísse
to, o q ual ele próprio tinha pouco pode r de dirigir e aclmin!.. outro dese jo de terminado senão o da felicida de un iversal; q ue
trar, fora-lhe destinado. Nesse departamento se esforça ria Jk ll n:1oe mergisse complet a mente do abismo de _miséria e d.esor-
agir da mane ira mais apropriacL-i p~siv el, e conduzir -se de anir <.
lcm em qu e o lança ra sua ansieda de para saciar es sas paixões
d o com as ordens que en tendia lhe ter iam p rescrito. Mas 11,111 privadas. parcia is e egoístas, não pod eria respira r m ais_o ar ~u -
cultivaria um interesse preocupa d o ou pass io na l quer pelo (lxl 10 da libe rda de e indepe nd ên cia, e tam po uco usufrutr mai s a
to, qu er pehl frustr3çâo de seus mais fiéis esforços. A m;t h 11 :-;cgurança e felicidad e do hom em sábio, do q ue quem c:stivts-
prosper idade e a complet,1 dest ruíçào desse pequen o dcp:i, :,;c mais dislant t! Ues:,a condi ção. Assim com o todas as ações do
ramenro, de sse pequeno sistem a qu e de algum modo fora con home m sábio seria m perfeitas, e igualmente pe rfeitas , toda s as
fiado à sua custódi a, seriam p erfeitamente ind iferent es :t <.'lt• ,i<;ões do homem q ue não atingira ess a suprema s~~edo~i.-'1se -
Se tais eventos dep end esse m de le . teria esco lhido um , e rcjl·I riam falha s, e , se gundo pre tendiam alguns dos Estoico s, igua l-
tado outro ; mas, como de le nã o dep endessem, acreditar ia n11 mente falhas. Assim co mo uma v e rdad e, diziam eles, não po -
ma sabedor ia superior, e es taria perfei tamen te satis fe ito , J)(>i. 'I deria ser ma is verda de ira, nem uma falsidad e mais falsa que ou -
o evento produ zido , fosse qual fosse, seria igua l ao que <.:lt• 1ra, uma ação honrosa não pod eria ser mais h onros a. nem uma
m esmo te ria des ejado, grave e devora d ament e se conhecesM •
ação ve rgonhosa mais vergonhosa do qu e o utra. As.sim como,
toda s as relaç ões ~ dependências c!as coisa s. Tudo o que fizc..,
ao at irar con tra um alvo, o homem que e rrasse po r uma po le-
se sob a influência e direção d e:x,es prin cípios seria igualmcn
gada erraria tanto co mo o qu e en-ard por cem jardas : o homem
re perfe ito ; e se este nd esse o dedo para dar o exem plo de lllll'
q ue, na ação que no s parece a mais insign_ificante, ag isse de ma-
neira impróp1ia e sem razão su ficiente ta lhar ia ta nto como o
• lissayon ManCEnsa io sobre o homem), 1, 90. (N, da R. T.) que pra ticasse , aos nossos o lhos, a ação ma is importante; po r
362 TEORIA DOS SENllMEATOS MO/! 11 \'h°l'WA PAKI7J 363

ex emplo, o homem qu e, de mane ira imprópria e sem r::1z~10r,11 Cícero• , e seria também, segu nd o se d iz, de ou tro livro, escri-
ficiente, matasse um galo erraria tanto como o que assassin:1~11 to por Marco Brnto, mas que se pe rdeu.
seu pai. o p lano e sistema que a nature za esb oçou par~ nossa
Se o primeiro dos dois paradoxos se mostra suficienten1~•11 ro ndut a par ece ser inte iramen te distint o daq uele da filosofia
te grave, o segundo é dara m enre demasiado absurdo para 1111 1,,.•stó
ica.
recer qualque r cons ideração séria. Na verdade , é tão absu r di 1 Por na tun:!za> os even tos que afetam imed iatame nte o pe-
que é impossível não suspei tar de que deva ter sido , em :1lg 11 queno depa 1ta1n ento em qu e nós mesmos possuímo; a lgu ma
,1dm jnistração e direçâo, q1.1 e afeta im ediarnm ent e a nos, a nos -
ma medida, mal com preendid o o u mal a prese nt ado . Seja co
.-::o
s amigos, nosso paí.s, são os eventos que ~ ais nos int:'essam,
mo fo r, não posso me pem1itiT acreditar que Zenão ou Cll':111
e que principalmente suscita m noss?5 des~os e aversoes, nos -
tes, homc::ns, segundo se d iz, cuja elo q uência era tão simplt•~ ~m•espera nças e medos, nossas alegnas e tr~tezas. Fossemessas
qLZanto sub lim e, pudes.sem ser os aurores desses ou da nui lo paixões demas iado veementes - ? qu~ a~1asten d e~ ~ ser em
ria dos paradox os estó icos, os quais são e m gera l meros so!J,., grande medida -, a na tureza prov1dencian a um remed10 e cor-
mas impertine ntes, e honra m Lâo pouco o seu sistema, qu e n~lc1 reção apropri ados . A presenç-a real o u até imaginária d~ espt:c~
os descrevere i mais. Inclin o-me a imp utá-lm ant e~ a Crisipo , tl1 tador impa rcial, a autoridade do homem den u·o do peito, esta
fato discípu lo e segu idor de Zenào e Clc:anres, t:mbo ra, co n~f se mpre d isp oníve l pam as sujeitar ao tom e temperamento de
derando tudo o qu e nos fo i transmit ido a seu respe ito, pa1t· modera ção apropriados .
ça ter sido apenas u m dialético pedante , sem nenh u m gost11 Se, malgrado no ssos mais fiéis esforços, todos os eve n-
ou e legã.ncia. Crisipo pode ter sido o primeiro a reduzir s1.1:1. -. tos que podem afetar esse pequeno departamen to p rovassem
doutrinas a um siste ma escolástico ou técnico de definições, dl ser os mais infelizes e desastrosos, a natu reza de modo algum
visões e subd ivisões artificiais - talvez um dos mais eficie n H.'.'i nos de ixaria se m co nsolo. Este po d e ser retirado não ape nas
expe die nres para ex tingu ir tcxlo gra u de bom -senso que pos:-:1 da comp leta aprovação do homem que nosso pe ito encerra,
haver em alguma doutrina moral ou metafísica. Pode-se supor fo mas, se possí vel, de um princípio ainda mai s nobre e ge nero-
so - de uma firme confiança na e de uma submissao revere1:-
cilmenre que tal homem comp reendesse de maneira excess iva
le à sabedoria benevo le nte que dirige todos os eve n tos da v i-
mente literal a lgum as expressões vivazes de seus mest res, de~
da hmna na, a qua l, pode mos estar cenos, ja,_rnli~ toler~ria_que
crevendo a felicidade do homem de \'im tde pe 1fe ita, e a infr
esses infortúnios ocoITessem se não fosse m 1nchsp ensav e1s ao
licida de de todo qu e carecesse de tal cará ter.
bem do todo .
Os Estóicos em geral parecem admitir que rx>deria hav ei A natureza não nos presc reveu essa sublime contemplação
um grau de proficiência nos que não lograssem promover a per como o grande negóc io e ocupação ~e no~a: v ic!_as.~pen~s
feita virtude e felicidade . Distribuíram esses proficientes e m eh- no- 1,i indica como conso lo de nossos 1nfom1mos. E a f1losof1a
ferentes classes, segundo o grau de se u progresso, e chamaram estó ica qu e a prescreve como o grande ne gócio~ ocupação de
as virtudes imperfe itas que os supun ham capazes de exercer nossas vidas . Tal filosofia nos ens ina a não nos inte ressarmos
não ele retidões, ,nas de propr iedades, adequ ações, atos decen-- detenn inacla e ansiosamente por nenh um evento exte rior à boa
tes e conve nientes, para os quais se poderia atribuir uma ra~ dispos ição de nossos es píritos e à con\'e niênc ia de nos~ pró -
zâo pla_usível ou proráve l, o que Cícero expressa com o termo
latino q{flcia, t: Séneca , penso qu e com mais exa tidão, com
.. De Officiis (44 a.C.), livro dedicado a Marcos Cí~ero, ~u filh~ . Embo-
o de con.tx:n ientia. A doutr ina da.s vinude~ imperfeitas, mas atin~
ra Smith se refira à obra com o Offices,atualmen te o rnulo e trM.luzido pa ra
gíveis, par ece ter co nstituí do o que podt:mos chama r de mo~ 0 inglês como 011 Duties (Dos deveres), de modo que as outr.ts mt:nçõe..-.
ao
ralidade prátic a dos Estóicos . É esse u assunto dos Oficias ele 1ítt1IO, nest.t pane, vir.lo :;cmp re no ori gina l , cm líltim . (N . d:. R. T .)

364 TEOR IA DOS SENTJ1vJE.-\1'lDSM(JN.ll'1 Sfrl1MA PARTE 365


pria escolha e rejeição, salvo por aque les qu e d izem respd11 1 las como o que realmen te são) e não como o que não são ;
tr:1l-í.-
a um departam ento onde nào te mos, nem deve ría mos ter, 111 e o sistema de milorde Shafresbury, que a faz residir em manter
nhuma espéc ie de admi nistraÇão ou clireção - o departam1. •11111 um equilíbrio aprop riado dos afetos , e n :10 pe nnitir a nenhuma
do grande Supe rinteude nte do universo . Pela perfeita ,1p:ttl.1 paixão qu e exceda sua esfera aprop riada. Todos es5es siste-
que essa filosofia nos prescreve, por esfo rçar-se não apena:,; pi,, ma~ são descrições ma is ou m~nos imprecisa;.,da mesm a idéia
moder-.ir,ma s po r erradica.r todos os nossos afetos privados, p.11 l\111darnen[al .
eia is e egoístas, por imped ir-nos de sentir por tudo que nos 1:x,., Nenhum desses sistemas oferece o u seq u er pretende ofere-
sa ocorrer, nossos am igos , nosso paí!-, sequer as so liclJri,ts t·" cer qua lquer medida precisa ou distinta pela qu al essa adeq ua-
<luzidas paixões do espectador imparcial, empenh a-se ein no~ ç:io ou conven iência do afeto possa ser averigu ,1da ou julgada.
tornar inteiramente indifere ntes e desin teressados quanto ,1,, Tal medida precis:l e d istinta não pode ser encon trada em par-
êx ito ou fracassa de rc:xfasas coisas que a narureza nos p rcs<11 te a lguma , senão nos sent imentos solidários do espectador im-
veu como n egóc io e oc up ação apropriados d e no ssas vid 1,, parcia l e bem-informado.
Pode -se dizer que os raciocínios da filosofia, em bora Pº" Além d isso, na med id a do possíve l, a descr ição da virtu-
sam confu ndir e d eixar perp lexo o entendimento, jamais 1xxk' 111
de que cada um desses sistemas oferece ou pelo menos pre-
ro mp er a cone xão necessária q ue a na LU rez a es tabdeo,::u t::111I1 tend e oferece r - pois alguns dos autores modernos n ão são .
a.s causas e seus efeitos . As ca usas que natura lmente susd t,ni1 muito felizes em seu mcxio de se exp ressar - é sem dúvida bas-
nossos desejos e aversões, nossas espera nças e medos, noss11"
tante justa. Não há virtude sem conveniênc ia, onde quer que l1a-
alegrias e tristezas , :lpes?.r de todos os raciocín ios do Estoid"
ja conv en iên cia, a lgu m grau de apro vação será de vido . Aind,1
mo, ce rtamente produzi.riame m cada indivíduo, segun do o gr :111
::tssim essa descriçao é imp erfeita. Pois ainda q ue a conve nif::n-
de sua sensibili dade rea l, seus efeitos apro p riados e neces'i,I
cia seja um ingredierne essencial tm toda ação virtuo 5a, nem
rios. Os juíws do homem que o peito encerra , porém, pocleri:1111
se mp re é o único . Ações beneficentes têm cnt.rc si outra qua -
ser bastan te afetados por esses raciocínios, e pode riam ens in,11
lidade pela qual pa recem n..:1 o ape na5 merec er aprov:tçâo , co -
esse grande inqu ilino a tenta r impor a todos os nossos afl!Lrn,
mo també m recompe nsa . Nen hum desses sistemas explica de
p rivados, parciais e egoístas uma cranqüilidade mais ou mcno~
perfeita, Orientar os juízos desse inquilino é o grande propó,-iil11 modo fácil o u suficient e o grau supe rior de est ima que parece
de todos u.s sistemas de moralid ade, Está fora de dúv ida 4w · devido a tajs ações, ou :l divers id;1de de sent imento que natu -
a filosofia estó ica exe rce u eno rme influên cia sobre o carát1,,.· 1 ~· 1,1.lme nte suscitam. Tam1x,uco a descrição do vício é mais com -
cond urn.de seus segu idores, e, embora às vezes os possn in pleta. Pois, da mesma maneira , a inda q ue a inconven iência seja
ci1ar a uma violência desnecessária, que sua tendência gera l f'(,! um ingred ie me necessário em roda aç ão viciosa, ne m sempr e
estimulá-los às ações da mais heróica magnanimida de e da ,mil,, é o único; e não raro há o mais alto grau de absurdo e incon-
ampla be nevo lê ncia . veniência nos atos mais inofens ivos e insign ilkan Les . Ações de -
rv. Há, além d esses sistemas antigos, algu ns modernos, st· liberadas , de tendência pern iciosa para quem vive conosco,
g undo os quais a viJtude cons iste na co nveni ência, ou na a<ko 1X>SSUem além de sua i.nc:onven iênc ia, uma qua lidade pa1ticu lar,
qua ção do afeto por que agimos à causa o u objeto qu e os su~ pe la q ual se mostram merecedoras não apenas d e d esa prova -
cita. Há o sistem a do Dr. Clark , qu e faz a virtude residir e m agh çao, como d e punição , e ademais objeto~ não apenas de de s-
segundo as relações das co isas, em regu lar no ssa cond uta st· gosto, como ele ressentimen to t: vingança. Nenhum desses sis-
gun<lo a adequação ou inc..ungniência que possa haver na apl! h::ma::; exp lic:à de modo fácil e suficiente o gr.i.usuperior de abo -
cação de cer tas ações a certas co isas) ou a ce rtas relações; 011 minação que sent imos por ta is açõe s.
do Sr. Woollaston , que a faz residir em agir segu ndo a verd~Kk
das coisas, segundo sua natu reza e essên cia aprop riadas, ou c 111
366 TEORIA DOS SEN"Di11..ENTOS M()N U \'/r!HfA PARTE 367
CAPÍTULO 11 lt '1'>com quem vivemos de struiriam toda a segura nça, e neces•
Dos sistemas que JClzem a virlude cons istir na pmdê,u /11 1nriameme nos exporiam a gra nd es males corpó reos .
De aco rdo com Epicuro, todos os praz eres e do res do es•
O mais anti go dos sistemas que fazem a virtud e <.."On:;l~ Ut p1íito deriva riam fundamen talme nte dos p razeres e d ores do
~a pt~ud~n\ia , e de que chegaram a nós algun s resquícios ri 111 ('0rpo . O es pírito ficaria feliz ao p ensar nos prazeres passados
s1derave1s,e o dt: Epicuro, de q uem se diz , porém, que reri:1pi· do corp o , e esperaria que ou tros ta mbé m viesse m; e ficaria in-
go d e empré stimo todo.::;os pri ncíp ios dom inant es de sua lj feliz ao pensar nas dor es que o corpo supo11ara anterionnente,
losofia :1 algun s de seus antecessores , especia lmente a Aris1lp 11 t' temeria dore s iguab ou maiores n o por vir.
Mas, apesar dessa a legaçã o de seus inimi gos, é mu ito prov;'I No e ntanto, embo ra der ivasse m fundam enta lmente d os
ve l.qu~ pe lo menos a ma ne ira de ap lica r esses princípios fo~ prazeres e dores do co rpo , os do es pír i10 seria m mu ito mais
se mtem im ente própria de Epicu ro . Intensos que seus originais. O corpo teria apenas a sensação do
De acordo com Epicuro 17, o prazer e a dor do corpo ls( Instante presente, ao passo que o esp írito sentiria também o pas-
riam os únicos obje tos fundamentais de dese jo e aversão n : 1111 ~:1cloe o futuro, um, por lembra nça, o outro . po r a ntecipaçã o ,
?is . Que tais seriam sempr e os objetos naturais dess::t!-.paixô~·~, t· conse qüentemen te ambos sofre riam e usufruiriam muito mais .
JUl~v a des necessár io prova r. Poder~se- ia dar a impressão, com Quando estamos sob intensa dor física, obseIVou Epicuro, sem -
efe1to , de que ãs vezes se evitaria o prazer, não, entretanto, p 11 1 pre descob rimos , se atentamos a isso, que não é o so frimento
se t_ra~r de praze r, mas po rque ao usufru irmo -lo perderíamo,. cio instante presente o que princip almente nos aronne nta , mas
o dire1to a um pra zer maior, o u nos expo ríamos a algu ma dor , :1 lemb rança ago nizante d o passad o, ou o terror ainda mais ter-
a q ual deveríamos evitar mais do qu e dese jar esse praze r. 1),1 rível do futuro. Tomada em si mesma, e isolada de tudo o que
mesma ~ n eira, às vezes se po deria dar a impressão de qu 1• ve m an tes e seg u e depo is de la, a dor de cada instan te é uma
a dor sena des eiãvel, não, porém, por se tratar de dor, mas po1 bana lidade indigna de consideraçao . Po de-se afinn àr, poré m ,
que ao supor tarmo -la poderíamos evitar uma dor ma ior, ou que é cudo o qu e o corpo já sofre u . Da mesma mam:ira , q ua n-
obter algum prazer muito mais lnten so. Que a dor e o p razc 1 do usufr uímos um gran d e prazer, sempre desco brimo s qu e a
do corpo , portanto, fossem !>empre os objetos natumis de des<: :i:ensaç ào do corpo , a sen sação do instante prese nte , é apen as
jo e av ersão, Epicu ro cons ide rava de ma:siado ev ide nte . E não uma peq ue na pa rte de nossa felicid:1de . Nosso praz er se o rigi-
julgava meno s evidente que fossem os ún icos ob je to:; funda na p rincipa lmente da alegre reco rd açjo do passado, ou d a an-
menwis dessas paixões. Tu do o mais que se desejasse ou se evi tecipaç ão aind a mais jubilosa do futuro, de modo q ue sempre
tas.se seria, de acorclo com Epicuro , por conta de sua tendên c ia vem do espír ito a maio r comr ibu içào p ara o divertim ento .
a produ7.ir um a ou ou trn dessas se nsações . A tend ência .i o bter Uma vez que nossa felicidade e d esg raça dependeriam,
prazer tomaria desejáveis a riqueza e o po de r, ass im como :1 portanto, principalmente do espírito , se essa parte de nossa na-
t~ndên: ia ~onuár ia a produz ir dor tomaria a pohreza e a in- tureza est ivesse bem d isposta, se no ssos pensa mentos e opi -
s1gmficancia objetos de aversão. Honra e rep utação seriam va . niões fosse m o qu e deveriam ser, po uco impo naria a ma ne ira
lor~zados porque a estima e amor daqu eles com quem vivemos como nosso corpo seria afetado. Embora sob grande dor físi-
tenam extrema relevância, seja para obte r prazer, seja para nos ca, p oderíamo s ainda usufru ir cons ideráve l pa rcela de felicida-
defend er da dor. Ignom ínia e infâ mia, ao contrári o, deveriam de, se nossa razão e juízo mantivessem sua superioridade. Pode-
ser ev itado s, porque o ód io, desp rezo e resse ntime n to da qu c• ríam os no s ent rete r com a reco rdaç:10 do pa ssad o e co m as
t'Sper anças de prazt:r fuLtiro ; pod eríamoo abr and ar o rigor de
nossa.s dor es, reco rdando o que, mesm o ne ssa situação , fomos
17. Vc_p..se Cícero, De Fmibus, lib. i. Dió gen~ Laérdo, [. x . obrigad os a suportar. Pensaríamos então que essa er:1 :1penas

368 TEORIA DOS SEi',T /ME.:VTO S .t,J( )N, 11 ,kn-WA PARTE

co rpórea, uma d or cio instante presente, a qu al por si mt'MIIJ Ademais, abste r-se do praze r, con trolar e restringir nossas
nunca pcxleria se r muito g rande; que toda a ag onia sofridn 1·111 paixões natura is pelo de leile, o que esta ria a cargo da tempe -
f~~e do hon'?'. a que a dor prosseg uisse fora efeito de um n 0111 rnnça, jamais poderia ser de sejáve l por si. Todo o valor dessa
mao ~o esp mto, a q ual poder ia ser corr igida por sent iml'nll 1 vi rtude resu ltaria de sua utilidade, de nos capaci ta r a adiar o
mai s JUStos, pe la cons ide ração de q ue , caso nossas dore.-;lo" tldeire preseme em be nefício de o uu-o maior qu e viria, ou de
sem violentas, pro vave lmente seria m de curta dura ção; e, c.1•111 i.;vitar uma dor maio r q ue poderia sobn::vir-lhe. Ern ~u111a , a lt: m-
fo.ssem prolongadas, provavelmente seriam mcx:leraclas,e )Wt pcrança nada seria senão prudênc ia relat iva ao p raz er
mit iriam vá!lcn; intervalos de bem-esta r; e, ele qualq uer m;:nwl Supoit ar o trabn lho, tolern r a dor , ser exposto a per igo o u
ra, q ue estana se mpre à mão, pronta par a no.s aliviar, a mo 1l<• morte, situa ções e m qu e a firmeza com freq üênci a nos co n-
a qual segundo Epicuro, por extingu ir toda a ::;ensaçào, fo~<.·(11, duziria, seríam ce rrnmente me nos aind,:i.obj etos de desejo n,1-
do r ou de praze r, não poderia ser cons iderada como um ni,d 1ural. Apenas para ev itar males ma iores as esco lhe ríamos . A sub -
Dizia ele que, qu:.mdo nós somos, :1 m o11e não é , e qu ando ,1 missão ao traba lho teria como propósito evi tar vergonha e dor
mane é, nós não .somos; po r essa razão, a moite nada podi· maiores qu e a da pob reza, e nos exporíamos ao perigo e à mor-
ser para nós te em defesa de nossa liberdade e proprieclade,meios e ins~
Se em si mes ma a se nsação rea l de dor po.c;itiva clever/;1 Lrumentos de prazer e fe licidade, ou em d efesa ele nosso pais ,
ser tão pouco remida, a do prazer deve ria ser ainda menu~ cuja segura nça necessariame n te compree nderia a nossa própr ia.
dese jada . l'\at u ralrnente a sensação d e prazer seria muito m~· A firmeza nos tornaria capazes de fazer tud o isso com a le-
1~ospunge~t e do que a ele dor. Se, por conseg uint e, essa úl gria, oomo o me lhor a fazer em nossa situação p rese nte, e na-
tima po clen a rou bar tão p?uco da felicidad e de um espírit<1 da ma ls seria, na rea lidade, do qu e prud ência , bom juizo e pre-
bem-cl_isposto, a o utra clific1lmente pod ia lhe acrescenta r a lgu st:nça <le espír ito ao ap reciar adequada mt:nle a dor, o trabal ho
ma c01sa. Q uando o corpo estives se livre de d or e o es pí1ito, e o perigo , semp re esco lhe ndo o menor para eYítar o ma ior.
de mc::do ou an~iedacle, a sensaçào acresc ida d e prazer co rpó O 1nesmoocorre coma justiça. Abster-se do que é de o utro
rco podc da te r po uca impor Lánci a; e em bora pudesse d iv<:r não seri::t des ejáve l por sua próprb conta, poi s certam ente pa -
sifica r, não poderi a prop riament e aum em ar a felic idadt' dt:b r:ari n3.o s.e ria me lhor qu e eu poss uísse o q ue é m eu, do que tu
Sà situ ação . o possu ísses. Deves, conru d o, ahsrer-te de tud o o que me per -
No bem-estar do corpo e na seg uran ça ou tranqüilidade 1ence, porque do contrádo provoca rás o ressent imen to e in-
d o e5pír ito co nsisriri,t, po is, de acordo com Epicur o. o m:1is dignaçã o d os ho mens. A seguranç a e a tran qüllidade de teu
perfeilO estado da n aturez a hurnam, , a m.tis completa foli ei espírito serã o inte ir.m,e nte destruí:clas. f icarás tomado de me-
clacle qu e o homem seria capaz d e u5ufruir. Oh ter ess,'l grnndt· do e consternação ao pe nsares no castig o que , imagin arás, os
finalidade do des ejo natu ral seria o único objeco de toda.e;as vir- homens est ão sempre prontos a te infligir, e cio qual nenh u m
tudes, as quais, ainda segun do Epicuro, não seriam desejáveis pode r. nenhuma arte, nenhum segre do, jama is b astará , em tua
po r si sós, mas po r sua tendênc ia a ca usar essa situação . própria imaginação , para p rotege r-te. A outra esp écie ele jus -
Por exemplo, embora para essa filosofia a prudência seja liça, q ue cons iste e m ofe recer p rés{imos adequados a d iferen-
causa : p~·incípio de todas as vi1tudes, não seria desejáve l por tes pesso a s, segundo a~ vária~ rdaçôes 4u e vizinhos, pa.remes,
sua prop n a conta. O estado de espírito cuida doso , labor ioso c amígo.5, be nfe itores , 5upe riores ou igua i:s possam te r conosco,
circunspeLto, sempre alerta e semp re ate mo às mais distan tes é rcco mcnda cla pelas mesmas razões . Agir adeq uadam ente cm
conseqüê ncias d e Gtcla ação, seria prazeroso ou agrad"í.vel não tocb s essas difer ent es reb ções granjeia-nos a estima e :1n1or
por si mes mo, mas po r Slk"1 tendê ncia a promover u maior bem, dos que conosco vivem, ass im como agir de modo Inverso sus-
e m~mter afas tado o ma ior mal. cita seu desdé m e ód io. Por meio ela pr ime ira ação n ::irura lme n-
370 TEORIA DOS SEVTJMENFOS,WOU:lf\ SÍ:.77.tf.A P.AR-m 371

te asseguramos .nosso própr io bem•estar e tranqüUi da dc , oh jr maneira , deseja rias ser cons ider ad o ca paz de servi r ao seu país
tos fu ndame ntais de nossos desejos ; por meio da segu nda , 111· como genernl ou estad ista? Tam bém nesse caso o melhor meio
cessanamente pomos tais o bjetos em risco. Portanto, a vi11ud1· é adqu irir rea lmen te a arte e expe riênc ia da gue rra e d o go-
da justiça, a mais imponame das virtudes, nad a mais é do qw verno, e torna r-se rea lmente apto a ser gene ral ou estadista . E,
a conduta j uc.li dosa e pnidente com relação a nosso p roxi11111 da mesma maneira, se queres que te su ponham sóbrio, tem pe-
Tal é a doutr ina d e Epic uro quan to à natun:za da virtudr rante, justo e e4 ufu1ime, o melhor meio de adquirir essa reput a-
Pode par ece r extraord inário qu e esse filósofo, d escrito con111 ção é tornar~se sóbrio , temperante, justo e equân ime. Se pod es
pessoa da s mais amáve is maneiras, ja mais obse rvasse que, :w realmente tornar -te amável , respeitáv e l e apro priad o ob jeto de
ja qual for a tendência dessas virtudes ou dos víci os co nt rári( 1." estima, não temas, pois em hreve obterás o amor, o respei to e
relarivos a nosso hem- es tar e segur.-1nça físicos, os senrim en111-. a C'Stinrnd :i.que les com qu em vives." Urna vez que a prática da
que natumlmente susc itam em outros sào obj etos ele um desl' virtude é, portamo, geralmente tão vantajosa, e a do vício ião
jo ou avers.:"í.o muito mais passionais do que rodas as suas o utr:1\ contrária ao nosso interesse , a cons ideração dessas tendências
conseqüências ; que, para o espírito bem-disposto, m ais vale ,:,,l' I o postas indu bit avelme nte imprime be leza e conveniênc ia ad i-
amáve l, respeitáv el, ser objeto apro p riado de estima do que t<1 cionais nu ma , e uma re novada defonnidade e inc onve n iênc ia
do o bem ~estar e segu rança que o amor. respeito e estima p<i na outra. Tempera nça, magnanim idade , justiça e be neficênda,
dem nos granjear; que, ao co ntrári o , é mais terrível ser od ioso, vêm a se r ass im aproYadas, não a~nas por seus pró p rios ca-
desprezív e l, ser obj eto apropria do de indignação, do que tudo racte res, mas pe lo caráte r adicional da mais elcYada sabedoria
o que pode mos sofre r em nosso co1po em decorrência de ódio, t: mais ve rdade ira pr ud ência . E, da mes ma mane ira, os vícios
desprezo e lnd ignação; e, co nseqüentemente ) que nosso dl' contrários da intemperança, pu silan imidade, injus tiç::i e ma le -
tiejo por u m caráter e no.">saav ersao pelo outro não po dem vo lê neb ou egoísmo sórd ido , são desa prov ados não apenas
5e odgmar de um a consideração dos efeitos que cada um ddt.:.'I
por seus car:tcreres próprios, mas pe lo caráter ad icional da mais
provavelmente pro du zirá cm nos so co rpo . míope insensa tez e fra queza. Em to da virtude, Epicuro reve -
Sem dúv ida, esse siste ma é em tud o inco nsislente com o la te r atentado unicamen te a essa espécie de conveniê nci a . É o
que ma is tende a ocorrer aos que se empenham em persuad ir
qu e me esfo rce i por demo nstrar. J\":âoé d ifícil, por ém, desco
ou tros à regu lar idade de con duta. Quando os homens, po r in-
brir de que fase, se ass im posso d izer, de que visão part ia.11:ir
termé dio de sua p rática , e talvez também de suas máx imas, cla-
ou aspeao da nan1reza essa d esc rição das coisas der iva su,1 rame nte mostram qu e a be leza natura l da virtud e não exerce,
probabi lidade. Pe la sáb ia invenção cio Autor da natureza a vir
prov-élvdmente, muito efeito sob re eles, como é poss ível co mo-
tude é em rod as as ocasü)es ordinár ias, mesmo as relativas ,1 v~-los, senão rcprc 5en tand o a insensa tez de sua co ndu ta, e o
esta v ida , um a sabedo ria rea l, e o meio ma is cer to e imedia10 qu ant o eles próprios acab arão por fim sofren do por e la?
de obte r segurança e van1agem. Nosso êxi10 ou ma logro em Aa.1muLmclo todas as virtudes .soh essa co nven iência, Epi-
nos sas em presas devem depender grandemente da boa ou m{1 curo pe rmitiu , ad ema is, uma p ropensão - natural a tod os os
opinião que com umente cultivam a nosso respei to e da d ispo ~ homens . embora os filósofas sejam pan icu lannente capa zes ele
siçâo geral cios que con osco co nvivem, seia para nos ajuda r, se- a cult ivar com espec ial afeição, po r ser o gr ande meio de ex i-
ja p·àra se opore m a nós. Mas o melh or meio, o ma is segur o bir sua inventivi d ade - a exp licar rodas as apari ções , p artindo
mai s fácil e mais i.mediaLo de conquistarmos o.s juízos vantajos( ~ do menor núm ero possível d e pd ncípios. E sem dúvida per -
de outro s, ev itando os desfavoráveis, é cc1tamentc 1o rn am10- mitiu que essa propensão fosse ainda mab longe, qu ando atri·
no s ob jetos apropriados dos p rime iros, e não dos últim os . '·De- buiu todos o:; ob jet os p rimários do desejo e aversã o natura is
sejas", diss e Sócrates, "a reputação d e bom músi co' O llnic o aos prazere~ e dores do cor po. O grande patrono da filos ofia
meio seguro de ob tê*la é romar -se i.llTI bom músico . Da mesma aLOmista, qu e extraía tanto prazer ele deduzirtodos os pod eres

372 TEORIA DOSSE.NT!ME'.


·VTOS.1/(JNII\ \HTLMA PARTE 373
e qualidades dos COfJX>S a partir dos ma is óbvios e familinw, os q ue já descrevi . Pa rece ter sido a dout rina da m aio ria d os
a figura, o movime nto e a orga nização das pequenas partc, :.'1d 1 filósofos q ue , por volla e depo is da era de Augus to, chama-
matéria - sem dúv ida se n tia uma satisfação similar ao exp li, ,u ram-se Eclét icos, os qua is pre tende ndo seg u ir princ ipalmen te
da me~rna rna r1eira, todo s os sentinientos e paixões e.lot:~1)1111,, .1s opi niões de Pla tão e Pitágoras, são JX)resse motlvo comu -
a pattu- dos mais óbvios e familiares .
rncnte con hecidos como ne op latônicos .
O sistem a de Epic uro co n co rda co m os d e Platão, Ari.-,IP
De acordo com tais aut ores , a benevolênc ia ou amo r se-
te les e Zenão ao fazer que a virtude consis ta em ag ir ela m:1111•1 da o único pr incípio da ação na natureza div ina, e d irigiria a
ra mais adequada p ara se ob terem obttos primflrios de c.lc.•-.c•j, 1
pra tica de todos os o utr os arriburos. A sabedoria da Divinda-
na~1raP15. Di verge de tcx:los eles em do is o utros aspectos: p11 de se::ria em pr egada ern 1.kscobr ir o.s meios de rea lizar c55cs fins
meiro, na d escrição dos ob jetos primá rios de desejo m 11111,11
qu~ Sua bond.ide sugeria, e nqu anto Seu infinito poder se exer -
segundo, na descr ição ela excelênc ia da v irn1de. ou da r:u.111 n .:ria ao e.xecutá• los. A lxncvo lência, entret ant o, ainda seri:t
pe la qua l essa qualidade dev ia ser estimada. ·
o atributo supremo e dom inante, ao qual os de m ais seriam sub -
Os ob jetos primá lios de desejo na tural cnns istiriam. s<.:l-{
1111
1.::crvientes, e do qual em última instânc ia der iva ria toda a exce-
do Epicuro, em prazer e dor do co rp o, e nada mais ; ao Pª·""t 1
lência o u tod~1 a mo ra lida de , se me perm item di ze r assim . das
qu e, para os crês outros filósofos, haveria muitos outros olij1
ope rações div inas . Toda a peife ic,.'â o e virtude do c5pírito huma -
tos, tais c.:omoo con.hec.:i
mento, a felicidade de nvsso~ pan:::1111·\
dos amigos, d e nosso pa ís, q ue se ri:am em última instânc i:J <.li no co nsi stiria em alguma seme lhança ou participação nas pe r-
sej6veis por si mesmos. ki çOCsdivinas 1 e, conseqüen reme nre, em ser repleto do mesmo
Segundo Ep icuro, a virtud e tam bém não merece ri:1 .,( 1 princípio de be nevolê n cia e amo r que inílu encia 1ia todas as
huscad a po r si me<,ma, ne m ser ia em si um dos objetos fund 11 ações da Divindade. Apenas ações hum an as que procederi"am
mentais de apetite natural; seria desejável apenas graçac; i\ sll.l desse motivo seriam verdadeira mente lou váve is 1 ou pod eriam,
tendência a evitar dor e proporcionar bem-es tar e pra zer N 1 aos olhos ela Divindade, reclamar qualquer mé rito. Som ente por
op inião dos o utros três , ao contrá rio , a virtude se ria desej (tVl'I atos de caridad e e amor po deríamos imitar, confom1e nos con-
nã_?,apenas co~10 meio de proporcionar os outros objetos p11 viesse, a condu La <.k:Deus; po deríam os exp ressar nossa hu -
manos do cleseio nanira l, mas como algo qu e em si mesmo s1 111ilJ.ee de vo tada .:Ldmir açào p or Suas perfeições infinitas; po ~
ria mais valioso cio qu e IDdos estes. Pensavam que , sendo o h< dcría mos , por abrigarmos c m nossos espíritos o mesmo prin-
mem rn1sciclopara a açJ.o, sua felicidad e deve consistir náo a p( cípio divino, tornar nosso s próptios afetos mais sernelh::-\ntesa
nas no que há de agnldávd nas ~Lias pa ixões pas:, ivas, m: 1·, Seus atr ibu tos d ivinos , e assim nos conver term os em ob je los
sob retud o na (."'Onvcniê ncia de seus esforços ati vos . nuis apropriados do Seu amor e e.stima, até por fim alca n ç.ir-
rnos o convívio e comunicação imed iatos com a Divindad e, <:tOS
qua is essa gra nd e filosofia ter ia como objeto nos alçar .
CAPÍTULO 11T Muitos dos aritigos Pa is ela Igre ja Cristã es timavam sob re-
Dos sistemas que jaz em a t/i11ude maneira esse sistema, de modo que, após a Reforma, ado ta-
consistir na benevolência ram-no vários teólogos de reconhec ida piedade e erudição, e de
amável cond llta, sobre(lldo o Dr. Ralph Cud wo r1h, o Dr. Henry
O sistem a qu e faz a virtude consistir na re nevolência é b:1..., Ntore e o Sr. Joh n Smith d e Camb ridge. Mas ele todos os pa-
t:1.nteantigo , em bora . segundo julgo 1 nem tant o quan to todo" tronos de sse sistema , sejam an tigos ou modernos, o falecido
D r. Hutch eso n cettameme foi, de lon ge , o mab agudo , o m ais
dis tirno, u m ais filosóftco, e, o q ue é a ind a mais importante , o
18 Pn'ma Natu me .
lll.ti:, .:,úb rio e ju dicioso .
374 TEORIA DOS 51:.
"N T/At EN'fOS M ONill, sE'nwA
PARIE 375

Q ue a virtud e consist e na be nevolê ncia é uma noção c.'<111 recomp ensa finance ira , ess a de scob e1t a d estruiria inteiram ent e
firmada por mu itas mani fes taçõe s na na tu re za hu rna~ a . J~1.,, ioda noç ão do mér ito ou do ca ráter lou vável de qualq ~er des s_as
o bs ervo u q ue a benevo lência ap ro priada é o m ais gracioso 1 ações . Po rtanto , urna ve z qu e a mesd~ de ~lgu~ 1:1ot~v.° eg o1s-
agraciável de todos os afetos; qu e nos é recomen da do po r lll )l,1 ta, a exem p lo de u ma liga co m metal mfe no r,_~nn mu ma ou .re -
dup la simpatia; que , como su a tendênc ia é nec essar iament e !11· move ria inteira ment e o mér ito que do con tr.m o pe rtencen a a
ncficen te, torna-se o bjt:to aprop 1iado de gra lidào e recom pe n-.1, uma ação, ser ia ev ident e, im agina va o Dr. Hutch~es?n , q ue a
e qu e . por tud o isso, mos tra, aos no sso s sen time nlm na tura h, virtud e deve ria cons istir un icame nte em be nevo len cia pum. e
possu ir mérito su pe rior a tocl06 os de ma is. Também se obscrvrn1 desi nteress ada. .
que até mesmo as fraqu e1.as da be nevolência n ão nos são muir<1 In ve rsame nte , di::.scobrir qu e se orig inaram d ~ u m mot ivo
desagradáv eis, enqu an to as d e todas as outras pa ixõe s nos s:111 bene vole nte ações q ue .se su põe proc eder, no malS cb.s vezes,
sempre extremamente repulsivas.Quem não abomina a exces..,I de um motivo ego ísta aum enta fortemente nosso se nso ele se u
V"d. malícia, o e xcessivo egoísmo, ou o exces sivo ressen tim ento?
mérito . Se déssemos créd ito a alguém qu e se esforçasse po r am -
Mas a mais excessiva condesc e n dê ncia, mesm o à amiza de p:11
pliar s1.1a fo rtun a ape nas p ara conce der ~résrimos ai;1igávei: e
d ai, nao é tão ofe n siva . Apena s as pa ixõe s ben evolente s po
dem exe rct:r-.se :,em co ns ide ração ou atenção para com a con par--J.retribuir adeq uadam ente seus be nfeitores , dev en am~s tao -
ve niê nc ia e ainda assim çon.servar a lgo de cat ivantt: . .Há algo somente ama r e e stimá-lo mais ainda. E e ssa ob se rvaçao p a- -
de agra d :l.ve l :lté me sm o na me ra boa- von tade instint iva , q1.w rece ria co n firmar aind a ma is a conclu são segun d o:, qual ap e-
co ntinua a fazer bons p rés 1imo s sem reflecir uma só vez se con1 nas a be nevolência p oderia imprim ir a qu alque r açao o ca rater
es sa cond ut a se torn a objeto apropri ad o de cen su r.i. ou a pro de virtude . .
vaçâo . O mesmo n ão oco rre co m as ou tras paixõ es. A pHrt11· Fina lm ent e, imaginav a o Dr. Hut ches on qu ~ a prov a ev i-
do mom ento em qu e ficam ab andon adas, a pa rtir do mom entc1 dente da justeza de sua descrição da v~ 1? e estana em qu e e m
em q ue nã o as aco mpanha o sen so de co nve niência , cessam todas as disputas de casuístas so bre a reudâo da con~u_ta , o be1~
de se r agradá ve is. público, obse ivou ele, seria o critério ao qual se ref~nn ar~ co ns-
Assim com o a b en evo lê ncia confer e ãs ações que pro cc tantemen te ; po r int erm~d io disso se reco nhecen ~ ~m ve 1sa l-
dcm del a u ma beJe za sup erior a lo cla s a s d ema is 1 a falta de la, me nt e q ue tudo o q ue tendesse a pro m ove r a fe hod ade ,d.o s
e mu lto mais a tendên cia con trária, com un ica uma defonn id..td l.' se res humano s se ria co rreto, louvável e virtuoso, e o contrn n o,
pecu liar a tudo qu e evide ncie ta l dispo sição . Ações pe rniciosa':> t ITado, ce nsu rável e vicio .so. Nos últimos deb ates sobre obe-
com freq üênc ia são pu níveis ap enas por qu e most ram falta dL· diência p assiva e direito de resistência',.~ ú nico ~o nt o de con -
sufi cient e aten ção par a co m a fe licid ade de nosso vizinh o. trové rsia entre home ns de bo m-senso d1z1a respe 1ro a se , q uan-
Além de tudo isso, o Dr. Hu tcheso n 1g obseIVou que , q uan- do se inv adissem privilégios , mais males se segu iriam da su~
do se de sco bre algu m o ut ro mo tivo p ara uma ação qu e se su- missão uni versal ou de insurreições tempo rárias. Nenh uma so
po ria pr oce de r d e af etos ben evole ntes, na medi da em qu e se vez, d isse o D r. Hutch eso n, se q uestiono u se o qu e em su a t~
acreclilasse qu e tal motiv o a influenci ou, cluninuilia nosso senso talida de tenderia mais p ara felicidade dos seres hu manos nao
do mériLo da ação . Caso se descobr is.si;:qu e uma a~'ào, a qu al se
se ria també m mora lme nte bom
sup oria proce der da grat idã o , tives.se se originado da ex p a: ta~
tiva de um novo favor, ou caso o qu e se ju lgasse pro cede r d e
es pírito púb lico viesse a se revelar or iu ndo d::t espera nça d e ~ Esses últimos debates sobre direito de resi&ênn a e obedlê n~ia passi-
\·a a que alud e Smith ~'\o, poss ivelmente, os qu e ocor rer3m no r em: ido de
Jaime 11 (1688), dos qu a is. aliás , lonx:iu parte John Locke . Tra,ta-se, em suma,
19 . Veja -se Inquiry Conceming Vfnu e (in ve~tig ação sobre a virtude), do di reito de rebelar-se contra um soberano que viola as leis fundamentais
-5(:.,:Uc:.i e ii da cumunidade. (N. da ll T.)

376 TEORIA DOS SJ;'Nl7MENT0S M O!.', 11,


,1an 11
A PARTI! 377
Porta mo, u ma vez q ue a be nevo lênc ia se ria o único me,
di: um m otivo egoísta, o qual, na me dida em qu e co ntribu ísse
livu que pode ria confe rir a uma ação o car{1ter ele vinude, q u: 111
p.1ra qua lquer ação, de mons traria a fraq ueza da be nevo lência
to m aio r a be nevolênci a evide nciada p o r qua lq uer ação, tanrt 1
maio r o lou vo r qu..: d ever ia lhe p eiten ce r. pura e des int eressada, a única ca paz de inc ulcar na co nduta d o
ho mem o cará te r de virtud e. Nos juízos com u ns dos home n s,
As ações que visassem .) fel iciclac!e ele uma grande co mu
fX)rém, es.sa atenção para com a aprovação de nosso esp írito
nidade , n~1medi da em q ue de mo rn;trariam uma benevo lêrn l,1
está tão lo nge ele se r cons ide rad a co mo o que pode , e m qu al-
ma is ampla do qu e as açõc.s qu e visas.sem ape na~ ;l fe licicladt•
quer asp ec to , d im inu ir a virtude de algu ma ação, queª. ve mos
de u m .sistem::1men o r, se riam pro po rcion alm ent e a::. m ai~ v 11
~rntes como o ún ico m otivo que me rece o no me de vut u oso
tuosas . O m ais virtuo so de rodos os afeto s, po r co nscg uin1v,
T al é a desc rição q ue esse amável sistem a ofe rece sobre
se ria o q ue abarcasse com o seus ob jetos a felicid'lcle de todo ..,
:1 na tu reza da virlude , SiSLe ma cu;a lendê n cia pec uliar é a de
os seres inteligentes . Ao co nt rário, o menos virtuoso dos afotm,
alime ntar e ampara r no coraçao hu ma no o ma is no b re e agra-
a que pode ria em qua lquer as pe c to perte nce r o carále r ele v ir
J.ível de todos os afetos, não ape nas por equ ilibrar a injustiça
tude seria o q ue visasse a pe nas à fe licidade de um indivídu o,
do amor de si, mas cm alguma me dida p,or dese nco rajar inte i-
cal co mo a de um filho , ümão 1 amigo.
r:.unente esse pr incípio, repr ese ntando -o como algo que jamais
Em orie ntar tod as as noss as ações para pro move r o ma írn pode ria refletir hon ra sob re qu em influenciasse . ·
bem poss íve l, em su bmeter tod os os afetos inferiores ao de.Si.'
Se a lguns dos outros sistem a~ q ue j á descrevi não exp li-
jo da felic kfad e ge ral da hum an idade, em co nside rar-se ap(•
cam suficie ntemente ele on de surge a pec ulia r excelên c ia da
nas co mo um de ntre m uitos, cuja prospe ridade não se dev(.'
sup rema vi1tud e da bene ficência, es te pa rece ter o defe ito con-
ria bu.scar além do qu e fo.sse c..:onsb te m e com a felicidad e cio
trário a saber, o ele não e.'Xplicar suficie ntemente ele onde .surge
todo ou além do q1.1 e conduzisse a esta, con~tilllilia a perfeiçao
da virtude. nos~ apro vação das virtud es inferio res da p rudê ncia, vigilâ n-
cia, circu nsp ecçà o , tempe ran\-â , co nstância, firmeza . O desíg-
O amor de si se ria um princíp io q ue jamais poder ia se r vir
nio e a meta d e noss os afe tos , o s efe itos be ne fice nte s ou da -
tuoso em nen hum gra u ou se nt ido. Seria vicioso se m pre que nosos q ue tendem a pro duzir , são as únic as qua lida des para
obs tr:uísse o be m gera l. Quando não tivesse ou tro efeito , senJo que st:: ate nta nesse s btem a. Sua co nvt:niênt.ia e inconve ni ên -
fazer o indivídu o rni da r de sua própr ia felicid::ide, seria :i.p en (t.o;
cia , su a adequação e inadeq u ação ã ca u sa que os suscita .são
inoce nte e, embora n :io merece sse elogio algum, tamp o uco in- inte iramente descuidadas
corre ria e m alguma ce nsu ra. As ações be nevole nt es q ue fos-
Tam bém a cons ideração de no ssa felicidade e interesse
se m realizadas, malg rado algum mo tivo de in teresse pró pr io . pr iv:idos apresen t2-se, em mu itas ocas iões, co m o um pr incí-
seriam , por essa razão, as mais virtuosas. Demo nstrariam a fo r-
pio de llÇàO bastante lo1.1v..ível. Supõe-se que os hflbitos de eco-
ça e vigor do pr incíp io bene vo len te.
nom ia, d iligência, cliscerniment.o, atenção e ap licação de pen -
O Dr. l lutchc:~onN escava tão longe de adm itir o amo r d e
si como mo tivo cm qua lq uer ca.':iode uma ação virtuos a, que same nt o. sejam gera lmente cukivados por mo tivos de inte resse
própr io ao mesmo tempo em que se julgam quali da des mui-
até um a con sidE!4lç:âodo praze r da au to-apro vação , cio co nfo r-
tável ,ipb uso de nossas p róp rias con sciê ncia:;, d iminu iria, se- to louváve is . dig n as da estima e aprovação de todos . A mes-
gun do ele, o mérito d e uma ação benevo len te. J ulgava tra la l-.St: cla de um mot ivo egoís ta, é ve rda de, com freq i..iência pa rece
em bo tar a be lez a da s ações que d ever iam se or iginar de um
afeto be nevo lente. A causa disso, entretan to, não se deve a que
ZO. l nquiry Conceming ViJtue(ln vestigação sob re a virtude), seção ji, o amor de si jamais p ossa constitui r o motivo d e uma ação vir -
'lora l Sense (Ilustrações sd)rC
artigo -i; confira-se ainJ,, lllus1rt.1tium an tbe i1- tuos a, mas a que nesse caso particular o pri ncíp io ben evo lente
o .senso mor al), seç:ào v. l1ltimo par:1gmfo.
apare nta carece r ele se u grau dev ido de fo rça , e se r em tudo
378 TEORIA DOS SElv7lMEl ffO S Mm • ti 379
l/il1MA /'ARTE
in~deq u a~o a seu o bjeto. Por isso , o caráter pa rece clara nu 11 nossa co nd ut a, jamai~ pudi::.ssem mootrar-5c virn1oso s ou dig
re 1mperfe110, e em ger:11merece antes cens u ra do q u e Jou,·i11 nc~ da cs lima e ri::come nda çâo de alguém.
A mescla d e _u m mo_rivo benevo le nte numa ação a q u e ap1.:n.i Esses três s iste mas, o que faz :1 virtude resid ir na co nve-
o a_mor d~ s~deveria ba~tar para incitar não é tão ap ta, <·o111 niência, o que a faz res idir na prud ência, e o q ue a fa7 co nsis-
efeito. a dlffimuir nos."o senso ele sua co nven iênci a ou da vh tir na bene vo lência, são as principa is d escr ições que se ofe re-
tude d ~ q uem a pratica. Não estamos dispos tos a suspei wr qrn n.:ram cb natureza d a virtude . Toda s as outras descrições da
a alg uem fa lte egoísmo. Esse não é, d e mane ira aJguma, 0 1,1 virtude, po r mais diferentes que possam aparentar, são facil-
do fraco da n~rureza humana , nem aque le 01ja falta nos d l '\ 1 mente red utíve is a um ou outro deles.
parecer suspeita. Mas se real mente e xist isse u m home m qu 1 O sistema que faz a vim 1de residir na obediência à von-
nã~ fosse por cons ideraç.:io com sua família e amigos , não nit tade da Di,·indade pode ser inclu ído entre os que a fazem con-
da n a adequ adamente de sua saú de, sua vida ou sua fo rtu n;1 sisir na pm dên cia, o u entre os qu e a fa2em co nsistir na conve-
a que a~nas a a utoco nservaçào bas ta ria pa ra o incitar. tal hc1 niCncia. Quan d o se pergun ta po r qu e deve ríamos obedecer à
mem sen a, se m dúv ida , fraco, em bora de u ma fraqu eza am, 1 vontade da Divindade , essa ques 1ão. que seri a ímpia e ab.:;ur-
vel, a qu al torn a a p e ssoa antes ob jeto de p ieda de d o que dt da ao extre m o, se ense jada por se du vida r de: qut: lhe: dt:van 1~
~es prezo ou ódio. Ainda ass im, po rém , essa fraq ueza d imin u i obe diênc ia, pode ad m itir ap en a::. duas n::~postas d iversas . E
r:a em cen a medid a a di gn idad e e res peita bilidade d e seu ca p rec iso afirmar qu e d~ vt:rnos ubedece r ã vontade cfa. Divin -
rati::r. Dt:sap rova -se u nive rsa lme nte a desp reoc u pação ou fal c.hid..: po is Ele é um se r de infinito pod er, qu e nos recomp en-
ta de :c.0~1omia , lodav ia nâo po rq ue p roce deria de falta de bt..· :-.aráetern am ente se o fizennos ou do con trário nos pu nirn e re r-
?cvo le nc1a, mas Ut:::falta ela aten çao apro priada ao s o bje tos <ll' namc ntc; ou de ve se afirmar que , indepen de ntemenr e de roda
111 Lcre.ssc próp rio . c.-o
n sideraçlo com nossa própria felicidade ou com recompen-
Ei~bora o critério pelo q ua l os cas u ístas freq üememen tt: sas ou castigos de qua lque r espécie, há uma co ngruência e ade-
q uação na ohediência da criatura ao se u criado r, na submissão
d ete':111~am o que é ce rto e erraOO na cond uta hu ma na seja ;I
re_nde n c1a para o bcm •CStarou dcsordt:m da socieda de disso de um ser limitado e imperfe ito a outro de infinita e inc om -
p reens íve l pe rfeição. Além dessas du as, é im possível co nce·
~a~ se se~ue qu e o respeito ao bem-estar d a .socieda de seja 0
0

be r outra resp os ta a essa questão . Se a primeira resposta for


urnco moti vo vir1~':5° de ação . Segue-se apenas qm::, 00 1110 em
a apropr iada, a virrude cons istirá na p rudência , na busca ade-
qu~l q~er co m pe11ç.i o, devia garant ir o equi líbrio co ntra a pn:-
va lencia de qualqu er o utro mot ivo. q uada de nosso pr óprio interesse e felicidade finais, razllo pe la
q ua l somos obr igados a o bedece r ã voncade d a D ivinda de:. St::
. _Talvez a bene\'olência seja o ú nico pri n cíp io de ação ct:1 a resposta apropriada for a segunda. a vi11ude dt:verá consi.5tir
D1vmdade. e há vários a rgu mentos bastante pb.usíveis qu e tc n- na conveniência, iX)i.S o mOlivo ck: nossa ob rigaçã o de obcdc
d~ a nos pers~adir disso. Não é fácil co ncebe r po r q ue outro cer (: a adt:qua~ "ào ou co ngruênc ia doo sent imen tos de humil -
mou~o um Ser mdependente e intei rnmeme pe rfeito, qu e n ad~ dade:: e submissão à su pe riorida de do objeto que os suscita .
pr ecisa d~ ex r~rno, e cuja fe licidade é com plet a em si mes- O sis1ema que foz a virtude res id ir n1. ut ilida de coincide,
~• pode n a ag1r. Mas, seja q ua l for o cará ter da Divindade , u ma por st..iavez , co m o qu e a faz consistir na conv eniência. De acor•
c na~ura de •.ai _modo imper fe ita como o homem. cuja conse r- do a:,m esse sistema, iodas as qua lidades do espírito agradáve is
vaça~ da ex 1stencia ex ige tant as coisas exterio res. não raro de- 01.1 ~n tajnsas, seja pa ra a pr ó pria pessoa, seja para out ras , são
ve ag lf P?r m u~tos ou tros motivos. A co nd içào da natu reza hu- aprov adas como virtuosas , e as co ntrá rias, des ap rovad as co·
~ na se na pan 1cularrnente du ra se os afecos, os q uais, pela pr ó- mo vicios as. Mas o ca ráte r ag rad áv el ou útil de qua lquer afe.
pria na tureza de nossose r, de viam seg uidame nte influe nc iar to depe nde do g rau e m que lhe é perm itido su bs istir. Todo

38) 1/ /1.\IA PA RTE :181


TEORIA DOS S.El\77MENTOSM, n.-11
afeto é út il quando se co nfina a ceno grau de modem~ 11, 11.1.-,, parece negligenciar intei rament e qualidades do espírito
r~lo a feto é desvan tajoso qua nd o exc t:dt: seus limite~ .'11111 : 1 1,1b lcgítuna s e res peit áve is. Nega-lhes até mesmo o nome de
~nado~ . Port:mro, de acordo com esse si5tcma . a virtudt· 11111 drtud es. Chama- ~lShab ilidades mora is, e as trata como quali-
s1ste nao e m qualquer afeto, ma s no grau aproP riado de u 111-, d.1, k:s q ue não merece m a mes ma espécie de estima e apro-
os afetos. A única d ife reny1 entre es te e o que ven ho p rocu ,,111 \.1ç:1o devida ao qu e se denomina pro priame nte d e virtu de .
cio esmbe lecer é fazer da ut ilidade , e nã o cb simp :uia ou ,111 1,. rr~11:1 todos esses prin cíp ios de ação, os qu ais vlsam apenas
corresponden te. do especta dor, a med ida nanrr-.1l e orig in~ddt ,10 nosso pr óp rio interesse, de maneira ainda pior, se isso é pos-
se grau apropriado. ' 1vcl. E.ssc sistema preten de que , em vez de terem mé ri[O p ró-
prio, tais princípios dim inuem o mérito da benevolê ncia, q uan -
do coo p eram co m es ta; e asse vera que 1amais se ixx lcrá se-
CAPITU O IV l lucr supor qu e a pmdê n cia, q uando empregada ap.::n a~ para
Vos sistemas licenciosos promover o interesse pr ivado , seja virLude .
O s iste ma, por ~ua vei , que faz a v irtud e co nsistir ape n as
,., .Tod os o.s sbtc:m a ~ que até aqui descrev i supõem a 1..·.x r~ na prud ênci a, " despe ito de enco rajar fo1tcmc nte os hábitos
te_nc ~a d e uma di sti nç,io rt:c1I i;: e;:ssencla l entre vício e vi11udi• de 1,; a ule la, vigilânc ia, sobriedade e moder.tçào judi cios a, pa- ·
nao impo rtando cm que con sistam tais 4ualidades. Há uir1,1 dl ,c cc degradar igU:J.lmente tan to :1s virtu des amáveis, co mo ~~
f~rença real e esse nci:1! entre a con veniência e: inconvenil•n r<. :spcit:lveis. despindo as primeiras de roda a ,;;uabeleza, e as
c~a _dequal<_! uer ::1.fe10 , cn t': ~evolência e qualq uer outro p,111 ultimas de toda a s ua grand eza
'-'~'° de a~~· enrre pmd enc 1a real e insen satez cega ou t<.: n\l· Porém, não oh.<=tanteessas imp e rfe ições, a te ndência ge-
ndad~ prec1p1rada. De moclo gera l todos e.ses sistemas tarn lx- 111 r.il de ca da um desses três sisLemas é encorajar os me lhores e
c~m nb uem pard encora jar a d ispo,;;ição louváv el, e dese no mais lo uváve is hábitos do esp írito hum ano , de modo que se -
raiar a cens urá ve l ria bom para a soc ied ade se o s home ns em geral, ou mesmo
.Talvez se ja verd ade que a lguns de les rendam em ceri 1 os po uc os que p rete ndem viver segundo qu alq uer regra filo-
me d ida ª ro?1per o equil íbrio dos afetos , e dar ao espí rito u m sófica, regulassem sua co nduca pelos preceitos de q ua lquer um
pe~or particular por a_lg uns pr~cíp ios de ação além da pro- deles. Em cada u m pcxlemos aprender a lgo a um tempo valio-
P:' Ção q u~ l.hes é devida. Os s istemas amigos , que fazem ,1 so e peculia r. Se fruse poss íve l insp irar, po r preceilu e: 1.:::xor-
vutu clt: r~ 1d1~ na conv eniênc ia, parece m recomendar princi taçao, fim1eza e mag na ni m idade ao e~pfrito, os antigos siste-
palm cn tc as v111L1ck:-~ emin entes, cemiveis e res pe itáveis, as vir- mas ele <.unvi::niE:ncia pare cer iam 5ufid entcs para fazê lo. O u
~udes do _?O~crno e dumíniu clt: si; finneza, 1nagnan imid ack \ !:it: fu~ pu:.sível, pelos mc5mO.Sme ios, rcd u zi-b s a hum3 ni-
ndepen~ lenaa quan to à fortuna, <.k:sprt:zopor rodos os acide n• dacle e dcspc 11ar os afetos de bo ndad e e a mor ge ra l par:1com
tes exteriores, po r dor, pob re za, ex ílio e mone . É n e~ses g ran. os qL1e co nosco co nvivem, alguns cios qu:1drns qu e o sisrem a
d es esforço.,;;q ue a ma is nob re co nveniên cia d ;1 co ne.luta st: r<..'· be nevol ente nos apresenrn poderiam p arece r ca pazes de pro-
1
; el~.,P? uco en~ari;,;1m, em ~o mpe nsaç:1o, as virtud es bra nda ~, du:dr esse efe ito. Pcxlemos ap re nde r com o sistema de Epicur o ,
amme 1s e ~ent 1s, roclas.as vinu d es da bu m::midade indul ge nte e mh(')~ ce11ame nte o ma is i.mpe1feito dos três, o qu anto a prá -
ao co ntráno, com freq üência a.~ vêem , notadamen te os Estó i' rica. seja das vilt udes a máveis, se ja das respeitáveis, é favor{1vel
c?s, como me.ras fraqueza s, as quais ca ber ia a um homem sá- ao nosso próp rio inte resse, nos.se pró prio be m-estar, seg uran -
bio não refug iar cm se u pei to. ça e sosse go, até mes mo nesta vida . Uma vez qu e Epicuro fez
Por out .ro lado, o sistema ben evo lent e, a d espe ito de ad o- a fel.icidade residir na ob tenção de bem-esta r e seguran ça, em-
tar e e nco raJar em gran de medida todas as virtudes mais bran - pen hou •se de modo part icular em mostrar qu e a vi1tude nao
382 1EORJADOS SEN11MENTOS\lf N \ 1//IMAP ARTE
383

era 1;1erament e o melh or 111. eio e o ma is cct10, ma~ o unh lt' .'t elogios. Em sua op in ião , o prazer q ue t:::spera disso ::;upc~
poss 1ve l para se ad quirir em esses be ns ine stimáve is. O:- lu ,1 1,10 interesse que, a fhn de obtê- lo, aband o_:1a . Ne~ caso, po
efe~t<?sd~ v1nude sobre nossa tranqüilidade inter io r e p.1, d 1
nn~guinte, sua conduta é na realidade tao ego1sta, e se de-
cspm to sao o que outros filósofos p ri ncipa lmente celeb,-;1,,111, n .•._1 uma razão tão mcsqui.nha quan to qu alquer ouLra. Sen te-
Epi cu ro, sem negl igenciar esse tóp ico . enfatizo n sobreuid11 1 -;r lisonjea do, entret::1nto, e lisonje ia-~ co m a cre n~::\de q~1~
influê ncia dessa qua lidade amáve l sob re nossa prosper id.u 1. 1-..", é inte ir:tmen:e desinteressado prns, se não acreditasse rus
externa e segura nça. Por essa razã o seus escritos foram tac1e· ,,o. não pareceri a merece r nenhuma aprovação, nem a seus ?~6-
rudadus "º~ mundo ant igo por hom ens de todas as corn.:1111 pno.<:. ol hos, nem aos olh os de outros. Porta~t o '. todo o esp 1:1to
filo ~ ficas. E d di: que Cícero, o grand e inimi go do sistema q 11 plth lico, toda a preferê ncia por interes~e pub lico sobre pn v~-
<.unsta, empres ta :,uas p rovas mais agradáveis , a saber, de 11111 du. é, segundo ele , mero log ro e impostura sobr e ~ hu mani -
somente a virtude basta para assegurar a felicidade . Sênn ,1 dade. e a virrud e humana , de que tanto se ,·anglona, e. tan~a
embora urn estó ico, a seita que ma is se opôs à de Epicu ro, ch,1 l·mulaç ào ocas iona en tre o s h ome ns, é me ro frut o da hsonia
ma is ve2.es es te fil6so fo do que ouu ·u qua lquer. causa da pe lo orgu lho. .
Há, co ntud o, um ouLro sistema que pan::ct: remover 1od.1 :--Jãoexa minarei por ora se as ações mais gen erosas e <lt:
a dis linçào ent're vício e vi nude , e cuja tendên cia é, por i!--.'ill, maior espír ito público n ão podem, em ce no se ?l ido, ser c_on-
totalmente pern iciosa. Falo no sistema do Dr. Mande villt:. 1111 :.ider adas co rno algo que pro cede do amor de=s_1.A detAem.un:1~-
bora as noções desse autor sejam errôneas em quase to do ., \--:'IOdessa qu e!itào não po55ui, segundo _penso, llll~rta nc1a
os as~tos, há na nature1..a huma na, todavia , 2lgurnas ma n 1 gu ma para estabelecer a realidade da_vut\ ~d_e, pms o ª1:1ºr de
festa çoes que, quando vistas de certa maneira, parecem :i pri :,l pode ser O ma is da s vezes um motiv o v1rt~oso de açao. Es-
n~e!ra :ist~ favorecê~las. Estas, descr itas e exa ge rad~s pela elo forçar -me ci ape n as pa ra m os lrar que o deseio ~e faze r o q~1e
q uencrn viva e bem-humorada, pos to que vulgar e rusric-:1do é ho nroso e nobre, de nos conve rtennos em ob et~'i apropria-
Dr. Mandeville, lança ram sobre suas doutrinas u m ar de ver• dos de est ima e aprovação , não pode. com pr opn edade, se r
d ade e probab ilidade, mu ito capa z de logra r os pouco ve rsados. clrnmado de vaid ade. Até mesmo o amor por fama e reputa-
O Dr. MamJt:vJIJeconsi dera qu e tudo o que se faz por se n ção bem fundamentadas, o deseio de obter estima po r inter-
so de co nveniênci a, por respeito ao q ue é recomendáve l e médio do que é realmente estimáv el , não merece esse. º.?me.
louv~vel, se faz po r amor ao louvo r e à aprov ação, ou, co mo o primeiro é O amor à virtude, mais no bre e mell!or pa~ao da
e le diz , por vaidade. Observ a que o ho mem naturalment e está natureza human a. O segu ndo é o amor à verd ad ei.rag ló~a,.cer-
mui to mais interessado em sua própri a fdicicJade do qu e na mmente paixão in ferior à primei ra , ma s que parece vu. ime-
de outros , e que é impossíve l, em seu foro Último, preferir real- d iatamente depois de la em dignidade . É cul pa do de vmdad~
me nt e_a prosperid ade dest es :\ su a própria. Quand o a parent a quem deseja lou vor por qualidades que nao são louvávc:1s em
prefenr a de outros . pcxlemos estar certos de qu e nos ludibria ne nhu m gr.au, ou não o são no gra u ern que se espe ra ser 10\.~
e de que está agindo pelos mesmos motivos ego ísta s de ro~ vado por da~, quem detennina seu caráter I?°r om ament?s fn -
das as o~tras ':zes· Dentre todas as suas oulras pai..'<õesegoís volos d e vestimenta e equipagem, ou pe las igualme nte f~volas
tas, a vaidade e uma das mais fortes. e se mp re fica facilmente ap tidõ es do comporta m ento ordinário É cu lp ado de vaidad e
lisonj eado e intensa1nem e de liciado com os a plausos do s que ~ue m desej a louv or por algo.q ue com ~:feito o merec e , ai~~•
o rodeiam. Quan do aparenta sacrifiat r se u próprio interesse e ntreranto , que ele sahe perfeitamen te nao lhe perte ncer. ~ J~-
pelo de seus companheiros , sabe que essa co ndu ta será imen- norn fútil , dando -se ares de importância a que nã o tem d lf~l-
same nte agradável ao amor-próprio destes, e que não d eixarão 10. 0 tolo ment iroso ostentando o mérito de aventuras que 1a•
de expr essar sua ~tisfaçào, ded icand o-lhe os mais ext ravagan - m~is aco ntecera m ; o bobo plagiador fazendo-se pass ar por

384 TEORIADOS SENT/MEtffOS MO//.11,

auto r de algo a qu e não pode ter pretensões, são apropd .1d,1 <'C.co nsidera a menor negligência na cer imô nia UI~ª. afr~1~1a
men te acus ad os dessa púx:1o. Também se diz q ue é cu lp:u lt inortal, u ma e xpre ssão d o mai s acab ad o despr e zo. E m.qu1e1u
d e va ida de qu em não se co nrent a com os sentimentos sil,•11 e.·impa c iente, perpetuamente teme qu e lt!nhamcr., perdido .to-
ciosos de estima e aprovação. quem parece go.~rar mais d~ 1.;11;1 do 0 respeito por ele, razão 1:x::la~uai esr.:í.~ sempre apreens ivo
expressões e aclamações midosas do que dos sentime n10~ ('111 por ob Lt:::J' novas exprt::>~ões de ~suma, e nao pocl? ser ac alma
si, quem nun ca está satisfeito senão quando seus próp rios ]011 \ ) senão po r meio de aten ção e adulaç.lo co nl!n u,1s.
vares ressoa m a seus ouvidos, e qu em co m a ma is ansiosa nu u ' l lá ain da uma afin idade enlre o desejo de adequa r-se :1
portumdade solicit a todas as mar cas exteri ores de respc 10. algo honro so e eslim!h:el e o desejo .de ho~ra e e o;11ma,ent re
que m gosta de tín llos, elogios 1 de ser visitado , eleser atendi do , amo r à virtude e o ;1mor i\ verdade ira gló na . Parecem-se um
0
de ser not ado t:m lugar es públicos co m d efe rência. e arençflo ,10 ou tro n~o apena~ porque ambos visam realme nte a tornar -
Essa paixão frívola é inteirame nte d 1S irna de qualquer uma d:1, -.e algo honroso e nobre, m as por qu e tanto o amo r à v.erda -
dua s an teriores, e é a paixàu do~ mais baixos e insignifican tl·~ de ira glória como o que se chama pr<:>pr iamem e e~ ,·a1d~de
seres humanos, ass1m como as outra.:, dua~ silo as pa ixões do~ mantêm alguma referência com os sentunen tos all1eK)s. Ass1~,
mais nobres e em ine ntes. não obstan te desejar a virtud e por si mesma e .ser em tudo in-
Aind::1que essas trê s p:1ixõe s, o desejo de nos co nv~n..:1 diferente ao que sejam de fato as op iniões al~e ras a seu respei-
mos em objetos apropriad os de honã.t e estima, ou de nos ade- to O homem de elevada magnanimid ad e dehc1a-5e ao pensar ~o
quarmo s ao que é honroso e esrim{ivel; o deseJO de alcanc.11 q: 1e seriam tais opini oes, com a consciê1:cta d~ que , t:m~ ra 11<10
honra e es tima por realme nte me recerm o s e~es se ntim ent o~; 0 lx:mrem nem o aplaudam, é a inda a.-»m1ub1eto apropnado de
e o frívo lo d esejo de louvor a qualquer preço . seja m muito di apla uso e honra; e: de q ut: o:>homens não se furtariam a hon
ferentes; ainda que as du as primeiras sejam sempre aprovada:--, ra-lo e aplaucJHo, se fossem lúcidos, francos, coc ren r:s,: ad e~
enquanto a últirna nunca deixe de ser desp re zada . há ce rra re- ((Llad am enrc inforrnad os 5ob rc os motivos e circ unstancias de
mota afin idade entre elas, afinid ade es ta qu e , ex agerada pela sua conduta. Posto que desp reze as opin iões que de foto n utrem
ben1-humorada e d ivenida eloqüência de seu vivaz autor, ca- ~1 seu respeito, tem em alta conta ~s que de\'ia ,n .nulrir. O g_ran-
pac iwu-o a ludibr iar seus le itores . Há uma afin idade emre va i- de e subli me mot ivo de sua conduta se deve a JUigar-se d.,g~o
dade e u amor o:) vt!rcladeira gló 1ia, po is ambas as paixões visam desses sentime ntos ho nroso s. e, ademais , seja q ua l for a 1dé1a
alcançar es tima e aprm .açào. Mas são diferente s na medida em que outros pudessem co nceber de seu caráter, a semp1: ter, ª?
q ue uma é uma paixão justa, razoávd t: eqüitativa, enquanto co locar-se na s itua ção desses outros e consi de rar nao ~u a~s
a ou lra é injusta, :ibsurda e 6día. 1la. O home m que deseja esti- e ram, m as q uais d ever iam se r as opini ões ~lestes, uma id éia
ma por ~lgo re:dmcnte estimá vel nad a mais dese j11scnàu aqui- bas tante fa\'orável d e si mesmo . Portan lo, assim como no amor
lo a que com jt1.~ t iça cem dire ito, e aq uilo que não lhe pode: .::,c
1 à virtud e substSte ainda algum a referên cia, não ao que é, n~s
rea..isado sem que se CT)fll6;:i ~lgum.1espécie de ofens:1. Ao co n- ao q ue co m razão e conveniência deve~ia. ser a opi~.1:o alhe1~~
mírio, q uem a deseja em quaisq uer mirros term.os reclama algo também n esse caso subsiste alg uma afuudadt:: eoue es sa ~p 1
que co m justi ça não pod e re ivindi car. O prim e iro é facilme n- niào e o amor à vc.::rdadei.ra glór ia. Ao me5mo tem po, porem,
te sat isfe ito) não tende a ter ciúmes ou suspeita de que n:lo o há u ma gr,mde diforença en tre essa ::;paixões. O homem ql~e
est imemos o bas1arne, e mra m eme fica apre ensivo por rece - age uni came nte po r cons ideração ao que é. co rreto e ~dequa-
ber muitos sinais exterio res de nossa consi d eração . O o utro , do fazer -se, por cons ider::.1ç3o ao qu e é o bJeto ::1prnrna_<lode
ao contrá rio, nunca se satisfaz , está cheio de ciúmes e suspe i- es tim~ e aprovação, :1ind3 que jam:i.is lhe con~e~le.sem ta is sen-
ta dt:::que na o o estima m os tanto q uanto deseja, po rque tem timen tos , age pelo mo tivo mai~ subl ime e d ivino que . a •nat_u-
algum d !tecn:ta consciência de que deseja mais do que mere- re7..ahu m;ma Jxx1e amceber. Por outro lado, embora ha,a mu ito
386 TEORIA DOS SEN71MENTOS MO/i 11 W/11/APAJITE 387
o que louvar nos mot ivos tlt q uem, malgrado deseje ap111,1 elide d ess.1 paixao, e ricliculartza a LempernnÇJ. t: .t L~tida<le que
çào, anseia por obrê-l a, tais môl ivos tJazt::m um a mescla 111,11,1 1 podem ser prat icadas a um ws to tão b-dixo . Aqui, com~ C~l
de fragilidade hum :ma Anisca.-sc a mortificar -se pela igm 11,111 muitm, outnc, ocasiões, o engenhoso sofisma de seu rac1oc1
e ia e injusr;ça d3 humani dade, pois sua felicidade ftca cxrx , 1 1 nio é encoberto p el a ambigüidade da lingu agem. Há algumas
à inveja d e seu.°' ri vai-. e à insensatez d o público. Ao co nt r.111,, de nossa~ paixões que não possuem ou tros n~mes, senão os
a felicidad e do outro está inteirame nte assegurada e indep<.•11d1 tjUCdesigna m o seu grau deS1gradável e ofensivo . O especta•
d a fortuna e do capricho dos q ue com ele convivem. Por 11.11, <.loré ma is cap:12 de notá -las nesse gr.J.u do que em o u1ro q u,1\.
cons idera r que lhe pertença m o desprew e o ódio que a 1g1 1,• <iucr. Q uando escandali:rnm seus p~óp~os sentimentos; qu ando
rância dos ho mens é capaz de lançar sob re si, de modo alJ,ttu11 lhe causa m alguma ~pécie de antJ pa tra e ?esconfo_rto , neces-
se mortifica por isso . Os ho mens o de sprezam e ode iam pot -.;1riamente é obrigado a prestar- lhes atençao. e ass im natma l•
ca usa de uma falsa noção de seu cará ter e co nduta. Se o conlu mente levado a dar- lhes um nome. Qu ando coin cidem com o
cesse m melhor, have riam de est imar e am á-lo. Para falar con1 l'!'ttado natural ele se u espírito, mu ito possi velmente ~s ignora
propriedade , não é a t:le qL1eode iam e desprezam, mas :1o u
de todo e ou não lh e dá nome algum ou, se o faz, e um no-
tra pessoa, com quem u coníundt:m. Cm amigo, a quem en<.:011
me qu e d~sign a a nt es a suje ição e res tri~ã~ d~ paixão, d~ ~ue
tr:íssemos mun b:1.il e de m á.!icaras L'Om u~ traje~ d e nosso in!rn l
0 gra u em qu e ai nd a se permite a subs1sten cia de tal paix ao,
go, achar ia mais graça que razão para 111011ifi ca r-se caso, <:(.)li 11
fund ido.e.pe lo disfarce, ex 1e rn!'1ssemos nossa indigna ç.:io co n11~1
após ta l sujeição e restrição. Daí por que os nomes con:1L~ns
do amor ao praze r e o am or ao sexo denotam um gra u v_1c 1oso
ele. Tais são o.-,se nrimenros ele llm homem de real magnon J
~ ofensivo dessas paixões . As palavras temp erança e c~stJdade,
midade, q u and o ex posto :i ce nSuííl. injus t:1. Rarament e suct.·dc
à natu reza humana, porém, alc-J.nçar esse grau de firmeza . Em por sua vez, par ece m designa r antes a re striça~ e suje 1çac~~b
bo ra ningu ém, salvo o mais fraco e indigno ser humano , eh• :1s quais são m antidas, do que o grau em que mn~ St: pcrnut c
lici e-se em demasia com a falsa glória, por uma estranha in ccw :-.ua su bsistência. Po namo, q uan do o Dr . Mandcv 11lc:co nseg ue
rência , a fa lsa ignomínia corn freqtiência consegue monific:.u m~trar que ainda ~l.lm,istem em certo grau , imagina rer clcmo-
os que se most ram mais reso lutos e determi na dos . hdu intdmment e a realidade das virtudes da temperança e cas-
O D r. Man dev ille não se co nt en ta em represent a r os mo tidade , a presentan do--a, como meras im posturas q~e ~ vale-
tivos frf volos da \'a idade como a fonte de rodas as ações co ram da dcs:1tcnção e inge nu idade dos homens. Tais vu1ud~s ,
mumente esti madas vinu osas. Procu ra assinalar a impeif eiçd ,1 no entanto, n..-loexigem uma insensibilidade complern aos ob!e-
da virtude humana em muiLlXi ou tros aspec tos. Assevera C(ll (' tos das paix ões q ue desejam gove rnar. Visa!n a~na.: a ~~t n n-
falta, em ca da ea50, a co mpleta abt1t::ga\.lO a que aspira 10<l.1 gir :i vk>lência dessas paixões, de modo a nao fenr o md1v1duo.
virtud e e, ao invés de co n quista, comu m c::: mc:::nada mais há Sl nem perturbar ou ofende r a socied ade.
não indu lgência diss imu k1da de nossas paixões. Toda vt.:zq m· E a grande falácia do livro do Dr. Mandev i11e 22 represen-
nossa re..c;erv:trelat iva ao p m ze r carece da mais ascé tica ab .:,, tar cada pa ixão como inteiramente viciosa, em qualquer grau
tinê ncia , o Dr. Mandev ille a trata co m o lux úria e sc nsua lidadl' e se nt ido. É assim que trata como vai dade rud o o q ue g~iarde
grosseira s. De acordo co m ele, é luxúria lu do o que ex cede o alguma refe rê ncia com o que são ou deve riam ser os ~ n11men-
abso lutam ente necess.:"i. rio para conserv:ir a natureza hum:in :1, 1osalheios; e é por meio desse sofisma que estabel~e s~aa~on.-
de mod o que há víc io até mesmo no uso de u ma ca mis a lim clusào favorita, de q ue vícios privados são be nefícios p ublicas.
pa o u de uma mo rad ia co nfortá vel. Cons idera qu e a indul gên
eia para com a inclina ção ao sexo, me smo na mai s legíti111:1 2'J. Luxúria e l:1scív1:1
un ião, possua sens ualida d e idê ntica à da mai s d anosa sacie - 22. A jdbr ilo das abelbas.

388 TEORIA DOS SEW7MENTOS,11' Ih' 11 l//111A J>Af(rlJ

Se o amor à magnificênc ia - um go:,to pdas an es elcg.1 1111 11, \'ét1iccs de Desc-.irtes uma expl icação bastante satisfatór ia
pelas me lhor ias n:t vi&, humana, por tudo o que ~ja :1g1, 1l 1 p.ir~, us revo luções dos corpos ce lestes . ~ntret ~nto , :1 hum~-
velem roupas, móveis ou equ ipagem, por arq uitetura, e-,~ 111111 11icbde se convenceu co in a demons rraçao de qu ~ as s~~os-
ra, pintura e mÚ-"ica - for cons iderado luxúria, scns ua lid;1d1 • 1.1,causas des.<;(_>sefe ito. m:1ravilh()';O.snão apenas nao ex,su am
ostentação, mesmo no!; hnmens cuja situaçã o permita, se m 111 dl · f:11n,co mo e ram ahso lutamente unpos.síve is. e. caso realmcn-
conveniência, a indu lgl?!nciapara com essas paixões, ce11anh'111, lt• t·xisti.s~em, nào poderiam produzir os efe itos que lhe s eram
a luxúiia , sens ualidade e os tentação serão benefícios- pllb li( e•· ,11ribt1ídos. O mesmo rnlo se dá, po rém , com os siste m as de fi-
No entant o, sem as qualidades às quais juJga apro p1iadn :1111 lo."°foi rnornl, pois um autor que pretenda exp licar a 0 1ige111de
buir nomes ti.o infaman tes, as an es refinadas jamais pock:11.1111 nossos se ntime ntos morais não pode nos e nga nar de modo
enco ntr ar estímu lo, e te riHin d e lan guesce r por falta de uso . A I t:io grosse iro, nem afastar · se tan to de toda a semel!1a n~a co m
gumas doutrinas popL1 lares ascéticas, que foram c.:oirent es :11111· ;t verdade. Qua ndo um viajante descreve um pais chstan te,
de sua é poca e as quais fa ziam a virtude res idir na total cxth pod e fazer nossa cre dulid ade acei ta r a ficção mais inftrn ~ada
p<1çà o e an iquila ção ele nossas p aixões, co n stituíram o ve,,.hl L: absu rda co mo se fosse o ma is certo arrazoa do. Mas, a in da
d ciro fundamc:mu d~sse sistema licencioso . Fo i fácil para 11 que urna pessoa. ao pretender infom1ar-nos do .que se p~ss_a
Dr. Mandcville prova i , primdro, que ess a con qu ista compk•1.1 -..:mnossa viz inh ança e dos ass unt os da paróq uia em que vi-
nu nca cx.is:iu realmente em n:: u:; hun'lt.::ns;segu ndo, que se exi~ vemo~ tam bém aq ui po ssa nos enga n ar em muitos aspcc~os,
tisse urnvers almeme, seria perniciosa para a sociedac.le, pois pc) G ISO ~,a m os rao descuidados q u e não exa min emo s c:1sL01:ia=>
ri:1 term o a toda a indústrü1 e comérc io e, de algu m m odo, , 1 <.·om nossos próp rios o lhos, as maiores falsid :tde:, que no~ faz
todas a~ ativicl::1des da vida humana . Pela primeira de ssas pn, ~lt-eirar devem, todavia, guardar alguma ~emdhan~.t com a ver·
pos tas. pareceu prov ar qL1e não haver ia ver dadeira virrudc, e.: dacle, e até mc::smoLl"dt.c:f em :,.c:::ubojo uma consideráve l dose
o que pret end ia passar-~ po r virtude nada mais era se n:io lo de verda dc:::. C111autor que trate da filosofia natural , que pre-
gro e impos tura; pela segunda. q ue vícios privados seria m bi..· tenda dete rminar as causas dos gran des fe nôme nos do univcr •
nefici os públicos, pois se m eles nenhum a sociedade poder b so, ou exp licar os ass unt os de um pais muito dist~nte , acerc~l
prosperar ou florescer.
dos quai s pode nos con tar o qu e qui~er: na medida em que
Tal é o siste m a do Dr. Mandeville, que de uma feita cau
sua narrativa pennanecer dentro dos limttes da aparente pos -
sou tan to alarido no mL1ndo , e qu e, embo ra talvez nunca cr ia.s
sibilicbde , não precisa desesper: u de co n quistar nos.'sa cre nça .
st: ma is vkios al(:m cios que exis tiri am se m e le, no mínimo en•
M:is quando se p ropõe :1 just ificar a or ige m de_ nossos dese-
sinou e:sse vído uri unc.lo ele Olltras ca usas a mos trar-se com
mais insolência, e a rna nií c.::, tar a corrupç;to de seus motivos jos e afcl0 .'-1 de nossos se nt ime ntos de aprovaçao e de5:1pr~-
com uma oucl:'í.cía libertina de que jam ab lt:Vt.:notíc ia ames. v:1ç::lo,prerencle exp licar não ape nas os ~SSL~n t~ da p,a.roqu1a
Porém, 1X)r mais des trlltivo que esse siste ma poss a part: - em qu e vivemos. como ai nd a nossos propnos int eresse~ do-
cer, jama i-"p oclcri~• re r ludibr iado tão gra nd e núm er o d e pe s- mésticos. Emb ora também aq ui, a exemp lo de senho res ind o-
soas, nem provoaidn um ;"t l,inn a tão general izado entre os a mi- len tes qu e d epos itam confia nça nu m ad mi nistra dor que os e n-
gos dos me lhores pri náp ios, !-e n~o tivesse em algu ns asp ectos gana. se ja be m possíve l que nos lud ibr !em~ so mos inca paz e~,
OOrdejado a verdade. Um siste m a de filn•=;ofon:m 1ral çxxle pare - co ntudo de dar crédito a qua lqu e r exp licaçaa q ue não co nse 1-
ce r muit o plau síve l, enco ntra r rec epção genera lizada no mun- ve um 1~ín imo de Yerdade. Ao menos algu ns dos art igos pre -
do e mesmo assim nã o ter fundame m o sob re a natureza, n em cisa riam se r justos; mesmo os mais e.'<agerados preci~ariam ter
guardar nenh uma espécie de se m elhança com a verd ade . Por algum fundamento, do contrário até a inspeção descuidada que
quase tcxlo um séc ulo, um a na ção muito engenhosa cori.siderou no s dispomos a fazer descobnria a fraud e.
390 1EURIA DOS SEA71AfEbTOS N OIIA/1

O autor qu e detenrunílsse como causa de algum scnt im<.:n


to natura l u m pr incípio que ou não manti vesse re laçã o alg,u
ma cm~ el~. ou sequer se assemelhasse a um outro p rincípio
qu e m~1~ uvesse tal relação, soaria abs u rdo e ridícu lo mesmo
ao mais insensato e inexpe rien te dos leitores. SEÇÃO III

Dos diferen tes sistemas que seforma ra m


qua nto ao p rin cípio da apr ovação

I NT RODU ÇÃO

A qu estão ma is impo 11ant e e m Filos ofia Mora l. de p ois da


investigação sob re a natureza da virtude, diz respeito ao pr in-
cípio da ap rovação , ao pode r ou facu ldade do espírito que faz
certos caracteres nos serem agradáv eis ou desagra d áveis, ob ri-
ga-nos a prefer ir u ma linha de co nduta a outra; leva-nos a de-
nom inar uma de co rreta e a o utra de errada e a cons idera r a
primeira como objeto de aprovação,honra e recompensa,a ou-
tra, de ,·ergonha, censura e cas tigo .
Há lrês d iferentes explicações acerca desse princí pio da
aprovação. ~egundo alguns, aprovam-se e des aprovam-se as
próprias ações, bem como as de o urros, apenas por amor a :,,i
mesmo ou por algu ma op inião sobre sua tendência a fazer-nos
fdi.to ou uli::.erávcis;segundo outros, a razão, a mesma facu l
dade que no s permite distinguir o verdadeiro do falso, capaci
la-no, a distingu ir o adeq uado do in:ideqw.do, seja em :1ções1
sep. em afetos; :imch segundo outros, essa distinção é em tudo
o efeito de sent imen to e emoç:i:o imed iatos, e se ongi na da sa-
tisfaç.1o ou aversão que a visão de certas ações ou afetos nos
inspira. O amo r de si, a razão e o se mime nto são. pois, as três
cliferenres fon tes atribuídas ao pr incíp io da aprovação.
Antes de proceder ao exame d esses dif erentes sistemas,
devo advert ir que o esclarecimen to dessa segunda questão, em-
bora d e grand e impo1tância para a espec ulação, é irrelevante
para a prática. A q uestão relativa à natureza da virtud e neces-

392 TEORIADOS S&\71MENTOSM<1/' 11 \F'/11\IIA PARTE 393

sar iamen te exerce alguma inAuência sobre nossas n<x:ot·-.1 1, piamos de ce rto pon to de vista abstrato e fdosófico , mostra-se
lllll..1 imensa máquina, a.ajas movimentos regulares e hannonio-
ce'.10~e.ermdo ern muitos c:iso.s P3rticubre s . A que se rcl1.•t\ 1,
pr_mc1p10da ap rovação po.~-;ivelmente nã o tem tal efeito . h 1 -.os produzem in úmeros efeitos agradáveis. E assim como em
n~mar de que artificio o u mecanismo interior se rnigin.1111L''- , qw1\quer outra máquina bela e nob re produzida pe lo artifiClO
d ,fere nLes noções ou sent imentos é assunto de rner.1 cu , iml humano, Ludo o que tend esse a tornar seus mov1memos mais
dade filosófica. -,uaves e láceis extrairia be]e7...
a desse efeilO e, ao comr.'1rio, ludo
o que tendesse a ob.stn1í-los selia, po r es~ razàu, desagradável;
1ambóm a vil1utlt::, como o fino polimento da.s rodas da socic-
da di.:, net.::essariame nte agra da; e nq uan to o víc io, como a fer-
CAPÍTt.:LO I
fl1gcm vil que as faz trep idar e ran ge r um a sob re as ou tras, ne-
Dossistemas que deduzem do amor
cessa riamente ofende . Po1tanto , essa expl ic-.1ç:loace rca d:1 ori-
da si op rincípio da aprovação
ge m da aprOV!l'Í,,'àoe des:tprovação , n:l meclid.t em que a deriv ~t
de Llm:~cons idera(;;~1ode ordem social, colide com o princípio
f\'~m to<lu.-;os ~rntores qu e explicam o p rincípio ela ap111
que confere beleza à utilida de, já examinado em ocasião an-
vação a luz. du amor e.li::,,i e,'ipBcam-no da mesma manc11.,
tcno r: donde esse siste m a deri\'ar toda a aparência d e proba-
have ndo bastan te c;:;onfu.-,ão t: i111preci~1o i.:mtutlos os seu:. dl
bilidade qu e possui . Qua ndo esses aurores descrevem as inú-
ferentes si51cm as. De acordocorn o Sr. Hubbe~ t;: muitos de :SL'II"
men1s vantagens que a vida cultivada e social leva sobre a vida
seguid~res~, o homem é impe lido a busca r refúgio na scxil·
.-,clvagem e soütária, quando discorrem sobre a necessidade da
clade na.o por_amor natur.:al :l sua próp rio espécie, mas porq la
virtude e da boa ordem p ara a manuten ção de uma , e demons-
faltander lhe ::11udade O Lll ros, é incapaz de subsistir com conh 11
tram quão mfalível 1 a preval ece r o Vício e a desobediê ncia ls
t~ ~ segura.nç:t. Por es1oarnz,io, a sociedade se lhe tom:1 nca.·,
leis, é a volrn da omra vida, o leitor se seme fa~cinado cu 111a
sana: considera que tudo o que 1enda à conservação e t,(.'Hl
novidade e grandiosid tde das visõe:,,que se lhe descortinam,
~star desta tenha uma remota tendência a promover os sL."u~ vê chmw1ente uma nova beleza na virtude e uma nova defor
mle resses prirndos e. inversamente, julga tudo o qu e possa rx.•1 midade no vício, as quu is nunca até entã o notar.i; e o mais das
nirb-.1-la o_udestruí -la em alguma med ida danoso ou pemido vezes a descobe rta o delicia de tal modo , que raro tem tempo
so para s1 mes mo. A vi11ucle é o que ma is conserva a sodl' de refletir que essa visão polílica, por pm,tis lhe ter ocorrido an-
~ade hL~ m ana, e o vicio, o que mais a pertwba A primeira, pob, tes em ~u:1 vida, possivelmente não é o fundamento da apro-
e agíJdavel e o segundo, ofensivo a todo homem, u ma vez qu~· vação e desaprovação com qu e se hab ituou a considerar es-
uma lhe pe nrnte prever prospe ridade e o o ulro, a ruína e ck sas diferen tes q ualidades.
sorclem do que é tao necessário par..1 o con forto e segu ran ça Por outro lado, quando esses autores deduze m do amor de
c.k :SUC:I t:xis lencta.
s i o nos so inte re<;Scpe lo be m- estar da sociedade, e por con-
~u e ª· tendê nü ::1.da virtLH.IL:~1 pru mo ver , e do vício a per seguin te a estima q ue dedicamos à vi1tude , não pretendem afir-
turbai a orde m da soc1edz1cle, quando a c.: vmi d eram~ fria t: filo • mar que, q uando aplaudimos, em nossa época . a vim 1de de Ca-
soficamentc, reflete grande be leza sobre uma, e gm ndt: defu n ni tão e abomi namos a infâmia ele CatJlina, no ssos sen tunemos
dad c sob re outr~, ntto pode, como j5 co mentei anrc ri orme nl l..'., -.cjam i nfl uenciados pe la noção de algum benefício que rt::u:-
ser pos ta cm d(n·id:1•. A sociedade humana, qu ando a con tem bemos de um ou de algum p reiuízo yue sofremos da pa 11e de
o uLrO. >IJu fui por pt:n:,annos, conforme querem esses filósofos,
í.jLlt:: a prosperidade ou subversão da soc iedade n os séc L1 l os e
• TS\1, ParteI\', Cap.li, p. 221-).
(~. da R. T.)
13. Puífendorf, Mand cvillr.:. nações remo tos teria qua lque r influência sobre noss:1felicidade
si::n~PA RTE
395
394 TEORJJJ DOS SEJ, 77/vll1NTOS Atc ,;,.•11
tr..í.rio.uma paixã o inte iramente OOJpada c.-omo que se relacio-
ou desgra ça nos tempos pr ese ntes, que estim amos o c:u.'i1t·1, 11
tuoso e <."ensura
mos o desordeiro. Jamais únaginaram qul' ru •
na a 1i? Um homem pode so lidarizar-se com uma mu lher que
es tá por da r à lu z, embora seja imp os síve l q ue se conceba 50 -
sos senti me mos foss em influen ciados por qua lq uer be nd11 lo
ou prejuízo que real men te supu sésse mos re d unda r d e u111 , frendo em sua pes soa as dore s do parto. De todo . o modo , essa
descnção da narurezahumana que deduz os se nnm entos e afe-
o utro ca ráter, se houv ésse mos vivido naquele s séculos 1.:p.11
ses distanles; ou ainda influen cia d os pelos que pocleri:111111
los do amor de s1- a qual, apesar do alando causado no _mun -
do, até o nde se i nunca recebeu ex plicação plena e disu nta _-
dundar a nós se, em nosso s dias, encontrássemos ca r a('li.'11'\
pa rece- me te r sur gido de alguma inte rp retac_:aofab a t: ~:onfu:sa
cio mesmo tipo. Em suma, a idéia que tais autores tatearam, t· 111
tx:>rajam ais tenham podido apreendê-la de modo distinto, 1 do sistema de simpatia.
a da si mpalia indire ta que experimentamos pela gratidão en,
rc:s.se
ntilnc:ntodos que recebemm beneficio.sou sofreram prt'jl11
CAPITULO ll
zos resu ltant es de caracte res tc1o oposto s; e era isso qu e c.·rn,
Dos sistemas que Jazem da rt1zão
fusame nte apo ntavam quando aíinnaram que nosso aplau,1 o princípio da aprovação
ou indignação não seriam mouvadu:, pt:lo p<::nsamemo de 1)( ,.,
so proveito ou sofrii11cn to, ma s pela concepção o u imagina p1, É he m sab ido qu e o Sr. Hobbes d efende u a dout rin a s_e-
do possível proveito ou .sofrimento no caso ck Lt:nnos dt: :m 1;11 gundo a q ual o estadoda natureza é um es_ta_do _de gu~1ra, ra~ao
numa socieda de com wis sócios. po r que an tes da instin liçào do gove rno c1v1I ~ao sena passivei
A simpat ia, no en tanto. de m:meira alguma pode ser con a ex istência de uma soc iedade seg u ra ou pacífic ~ en tre os ho-
siderada um princípio egoísta. É possível aleg:1r, com efe ito, qul· mens. Po rtamo, conserva r a sociedade equ ivalena. de acordo
qua nd o simpat izo com a tu a dor o u a tua indign :1çào minho co m O Sr. Ho bbes, a manter o governo civil e, in versa meme,
e moção se funda sob re-o amor de si, porque se or igina de M' des tmi r o governo c ivil eq tlivaler ia a pôr term o à ~~ i~a<le.
aplicar o teu caso a mim mes mo, de me colocar na tua situaç.h ), Mas a exisr:ência do govt:mo dvil depende da obed1cnc1..'lque
e assim co n cebe r o que e u sen tiria em circu nsrfinciac: (Xlred se ckvt: ao ma gi:,trndo supremo. No moment o cm que es te ~ r-
das . No e ntanto, embora se diga mu ito apropr iadame nre q t1l• .1 dt: ~ua autoridade , todo o governo chega ao fun. Po r is~o, assm1
simpatia surge de um a troca imaginár ia de siniaçâo com a PL':-l co mo a autoconscrv ação e nsi na os homens a ap laud u- tud o o
soa diretamen te atingida , supõe -se que tal troea imaginária n:io que tenda a promover o bem-esta r da ~ ie~a_ctee a c~ nsu~r
suced a a mim, em minha pr ópria pessoa e caráter , mas na pl!'s 0
que a pode p rejudi car, e.s..c:;e
m esmo p nn c1p10 devena ens1-
soa com quem sim pallzo. Quando presto-te condolências pela n~- los, ..e fossem coe rentes ao pensar e fala r, a sempre ap lau-
morte de teu único filho, não imagino, a fim de qu e possa pa r d ir a obe diên cia ao magistrad o civil , e a cens u r#ar toda a des1?-
tilhar de teu pesar, o que eu, pessoa determina da JX)rtal cará bediê ncia e rebe lião. As meras idéias de louv avel e_ce ~sura-
ter e p rofissao , sofrer ia se tivesse um filho e se esse filho infc vel devi am se r idt!micas às de obe d iência e desobed1 ênc1a'. As
lizmeme morresse; considero o que eu sofre ria se rea lme n1e leis do magistrado civil, por conse guint e, devi am ~r _conside-
fu:x-.elll i e não ape nas troco de situação contigo, troco de pcs- radas os ún icos cn 1érios definitivos do justo e do inius to, do
.-,ua.se: cara u i=res.Toda a minha aflição, portanLo, é po r tu a ca u ce rto e do e rrado .
sa. não por m inha . Po r consegu inte, em nada é egoís ta. como Ao propagar essas idé ia!), a intt:rn.-ào cOJ.úc:s~'l do Sr.
se pode considerar paixão egubta a que ~que r se or igina d a Hobbes era ~ujdtar a cunsciência dos homens 1mcd1::m1~en-
lt! au poder civil, não ao eclesiástico, cm cu ja turbul~nc1a e
imaginação de algo que se abatesse sobre: mim, nt:m se rel:1-
cio n:1.sse co m igo. cm minha próp ria pessoa o u cará tt:r, ao cu 11~ am bição apr end era a ver, pelo exemp lo de seu próprio tem -

396 TEORIA DOS SENT1MENTOSMORAI\


7 St77MA PARTE 397

po, a pri ncipa l ca usa das desordens ela sociedade•. Por essa r:1 te ace ita na ép oca e m q ue a ciê ncia abst rata da natureza hu -
z::1u,sua dout rina era pec uliarmcnre ofensiva aos teólogos, º" rrnna estava apenas engat inh ando. e ante.s q ue os ofícios e~-
quai::i, pvr su a vez, não se furtaram a evidenc iar com grandt· deres das distintas faruldades do espír ito humano tivessem si-
aspereza e amargura a indign ação qut! po r ek Stntiam Tal dou do cuidadosamente exami n2da; e diferen ciados uns dos ou tros
trina soou igualmente ofens iva a todos os 1nora li.stas jud icio~u~, Kos d ias em que se en ga java co m gran de calo r e vee mência
po is supunlu que não have ria uma d ife ren ça de natureza e n nessa co ntrov érsia com o Sr. 1Iobbes, não se ha\'la pensa do em
tre o certo e o errado, que estes seria.m valores mu távci:; e v.1 nenhuma outra facu ldade da qual se supusesse q ue tais idé ias
rt::lveis,dependentes da mera vonta de arbitrária do magistrado pudessem se o riginar. Por esses an os_,pois , vt;~ a s~er a do_u-
civil. Essa maneira de explic ar ~s coisas foi, portanto, atac:acb tnna e m voga a de que a essencia da vutmlt: e vK: 10 rn10 con.s1s-
de lodos os lados e co m toda a sone de arm as, tan to pe la r~1 liria na confonu idadt: ou di::.saco rclo da s ações hum anas co m a
zão sóbria 1 como pela declamação en fu recida. lei de um supe rior, mas cm sua confor rnida d e ou dcsac~r d?
Para poder refura r uma doutrina tão odiosa, era necess.1.rio com a razão, que deste modo fo i considerada OTige m e p nnc 1-
provar que. pre viame nte a qualque r lei ou institu ição posit iva pio de aproV3ç:io ou desaprovação. . .
o espírito se ria por natureza dotado de uma facu lda de por in- Em certo sen tido, é verchld e que :1 v111,1 c\e cons 1.~te na a:m-
tenné c!io ela qu al f-X)deria dist inguir em cerras ações e afetos a.-. form id :1d e com a razão, e co m mu ita justiça pode-se co nsiderar ·
qualidades cio certo , do lo uvável e virtuoso, e cm outros as do c<;S.'lfaculdade, em a lguma med ida. co mo causa. e p rincípio de
t:rradu, do censurável e vicioso. aprovação e de saprovação, e ~e rodos _os só lid o~s1ulgam entos
O Dr. Cudwonh 1• observou co m justeza que a lei na o po· quan to ao certo e ao errado. E po r m e ,o da razao qu~ desco·
dcria ser a causa pri me ira dessa:; Ui~linçôt::s, p ob, pre s.supon br imos essas regrns ge rais de justi ça , segundo as qu a is d eve -
do -se t:d le i, ncccssar iarncntc, ou bem 5eria corre to ubt:dt.'LC:· · ríamos regular nossas ações , e por es ta mesma faculdade for-
la e errado desobede cê-la, ou bem indiferente que a obcde- mamos as idê i3S ma is vagas e indetenninadas do que é pni -
cêssem0$ ou desobedecêssemos. A lei cuja obediência ou dcso den te, do q ue é dece nt e, do que é generoso ou nobre, idé ias
bed iência no<; fos se indiferen 1e nã o po cleri:a, evide ntemenh..•, que sem pr e no s aco mp anh am e a cuja confo rmida<k nos es-
ser a causa dessas disun çõe s; ma.e:;ramp oucn pode ria sê-1~ :1 ld força mos pa ra model ar , u mab possívd , u teor J.e 11vssa co n-
a que ser ia cer to obedecer e errado desobede cer, p orque- ;llt' duta. As máx.i t1t:l~ gem i:, da mora lidade se formam, co mo t o-
mesmo nesse caso estariam pressupos1as as noções ou idéi:1s das as outras máximas ge rais, po r experiência e por indução.
de certo e errado, e as d e que a obediênci a à lei seria confonnL' Obscn amos numa gr:1ncle v:iriedade de casos p:1rtic ubres o
à idéia de certo, e a desob ediênc ia, à de e rra do . que agr"da ou desagrad::i às nossa s faculcb~~s ~1o rais, <) qu e
Portan to, uma vez que o espírito poss u iria, previa menu.: e las apro vam ou desaprov2 111 , e dessa expene nc1a estabe lece-
a qualquer lei, uma noção dessas d istinções, pareceria seguir- mo.e:;po r indução e,..:;sa.sregras gerais. Mas a indução sem pre
.se,ne cessariam ent e. qu e essa noção derivar ia da razão, a qual tem sido considerada como uma das operações da razão, e por
indi ca ria a d ift::re nça t::mr e certo e e rrado, assim como o faria isso se diz com m uita prop riedade que da razão de rivamos to-
e ntre a ve rd ade e a folsid ct<l c:; e e~a con cl usau, v<=
rdad eira cm das essas máx imas e idéias ge rais. Estas regu lam grand e pa11e
certo sen tido, embora precip itada em ou tro, foi mais facilmc n de nossos juízos morais , os quais seriam ex tre ma mente ince r-
tos e precários se dependessem inteiramente de algo t..1.oexpos-
to a var iações, como os sentime ntos e em oções ime<.hatos, que
• Por ter vivido in críveis 91 an0'5, em pleno século XV!Jl, Hobbes prL'
senci01.1 toc1o o processo revolucionário, o qual atribuía :to desejo de p odt:r os d ive rso s es Laclos de s~1úcle e humor são ca paz es de a ltera r
dos ~p is t:is e:presbiterianos, principal me 1'i!:. (K. Ja. 1t T.) ele um modo tào esse ncial. Portamo , m)sim como no::.süb mai:,
24. lmmutableMomli/y(A imut ~v(•l mmalidacle) 11 só lidos juÍZC):,rel,uivos a cc 1to e: crrn<lu ~o n::gulados po r máxj-
398
mORJA DOS SEN71MENTOSMU/,',1/I
\l!'l!M A PARTE 399
:~ ~i:~~er~~~~Jede um~ ~dução da ~tzàu, pudc~sc ~ll1i·t, \,lo da quela facu ldade. Coube ao Dr. Hut cheson o mérito de
dade co m a ra~ào e n; ~ue ::i v1_rtud e consiste nurn a cc:mfrn1111 'lt·r o prime iro a distinguir com alguma prec is,:1oe m que me-
, )d d ' ssa me dicla, pode -se cons idt rar I ti / 1
cu a. e como cau~a e princípi o de aprovação e desaprov.'11.,·,1: i
dida se pcx.le diz er que todas as distinções morais procede m
d,1 razão, e em qu e medida se fundam enLam em sentidos e sen-
das r~;r:;;:°.• ~nela qu f . a razão seja sem dúvida :i O n S,,{1'111
timentos ime diatos . Em sua lllustrations upon tbe Morai Sense
ais e mo ra idade e de tod os os juízos mrn .i~
d~: e led iante essas reg_ras, _é co mp letamen 1e :1h.,;11
f~n~~;~ gº~,m
sup or que as pnm e1ras p erc ~ , 1•
<Ilustrações sob re o senso moral) explic..uu isso de mo do tão
('ílhal, e, em m inha op iniào, t.lo incontestáve l, que se alguma
e errado pó-Ssarnser deriv ad as da ~ , epç oes e e n ·1 11' rom rQvérsia ainda persisl~ sob re e.:ise as.:,1.1nto
, ~6 a posso atri-
particulares de cu · -~ _ razao, ate mes mo nos (.\IM ,•1 huir à desatenção ao q ue esse cava lheiro esc reve u , o u a urna
s::i.s erce õe~ ~ ~~~ nencia se formam as regras gerab 1:~
. P . pç :, pnma, ,a.:;, bem como todas as ou tras exp<.:1ic.\ 11 ,d't.:içà o superst iciosa a ceitas formas de ex pressão - fraq ueza
cias sob 1e que se fundam quaisquer regras gerais não 1 mio incom um aos e.n.1di tos, sob retudo em matéria cão pro fun da-
:~;ijeto de razão, mas de sentido e sentimento 'unedi~t~~~•;r; mente int eressa nte como a presente , na qual um home m de v ir-
111denem sempre acei ta abandona r até mesmo a prop riedade de
cobrinJim L~ se formam :is regras ge rais de mora lidad e é d 1.."1
uma .só frase a qu e se habituou .
duta cons~ e nu ma grande va riedade de casos um teor de c.011
1 1
com igual c~:s~~:ri~,n~~::::~:-~~~~~n~~:~:i ~::ã~n~à~t~ 1\ •
~a~~: ; um objeto pa l1JCular em si mesmo ag~dáve l OL;d~.'ia CAPÍTULO Ili
g . . A razao some nte p ode mostra r que esse objeto é.·ti Dos sistemas que fazem do sentimento
;e~o pa~ se ob ter algo que seja natura lmente agra d:ívcl oi1 o princípio da aprovação
' e=:'gr_adaveJ,e que dessa maneir a pod e torná-lo, por considL·
-a~ao a algu ma outra co isa, agra dáve l ou desagradável J\.h Os sistemas que fazem do sentimento o pnn dp io da apro-
na a P?llt: ser agradável ou d esagradá ve l por si mesmo . Ql·u~ vação podem dividir -se em duas classes d istint as.
os senti os e o st:mimemo não nos ten ham apresen tad~ en I. Segundo a lguns, o princíp io da aptova ção se fundamen -
qu~nto tal, Porta n to, se em rodos os caso s particu lares neces ta num sentime nt o de na tu reza pec u liar , num pod er especial
sa rwmente n~s -agra da a Virtud e por si mesma, e se do me~ de percepção que o espí rito exerce na prese nça de certas ações
mo '.11odo o v1c10 causa ave r.sào, não p ode ser a razào , ou a.fetos; algun s destes afetam essa faculdade de modo agra -
se nt:1~?5e o sent imento iinédiatos, o que dessa maneil~
conc ilia com uma , e nos afosra do outro :
r~~ ::ss dáve l1outros, de modo des agrnd~ve l; os prim eiros ficam mar-
cados com os caractere. de ce 110, louvável e virtuoso, os ou-
;-- . O praze r e~ dor ~o os grandes obje tos dt::tlese jo e aver~ Lros,com os de errado, censuráv el e vicioso. Tratando-se de um
s_ao, mas es_tes nao .se dist inguem raciona lmente, mas o r sen - sentimento de natureza peculia r, dist into de todos os ou tros,
ti.dos e sentunen to unediatos. Se a vim,de , fX>ÍS, é dcseSvel por na medi da em que é efe ito de um poder espec ial de pe rcep-
~~mesma, e se, do ~1esmo modo, o vício é objeto ele aversão, ção, a tal senti mento dão u m nom e pa11icu lar: senso moral.
u~ ~~de ser a raza~, ?1ª s sentidos e .'.entiment o imed iatos 0 II. Segundo outros , não é necessário, pa ra explica r o prin -
q gmalmente d1st.mgue essas diferentes qu:1lida des . cípio da aprovação, supo r a ex istên cia de um novo poder
de percepção de qu e até então n ào se tivesse not ícia. lmag1-
certa ~~t::~::mo , c'?mo co~1j~stiça se pode cons iderar que em
na-se que a natureza opere nest e, com o em todos os outros ca-
saprova çâo ~r~~ao c_:stt tu.1o princípio da apr~vação ou de-
.:ios,com a mais rigorosa t::conomia , pro du zindo uma mul tidão
.' P escu1 ' pe nsou -se durante muito tempo u
esses scnr 11ncmo:s procedes sem o riginalme nte de uma o~ra ~ de efeitos de uma e mesma causa; e a ~impatia, poder que 5ém -
pre foi notado e do qual o esp írito está manifes ta ment e do ta-

400 TEORJA DOS Shl\-"f'JMENT(),\ MI ,~· 11 \{t'fJM A PAHTE 4 01

do , é, pensa m eles, sufic ien te para explicar todos o,., \•/ 1 lt1 l,i<.·uldade dess.-1espécie. A facu ldad e a q ue o Sr. Locke cha-
atribuídos a essa facu ldade esp ecia l 1n:i reflexão, da qu al der1\·ou as idéias simpl es das diferentes
I. O Dr. Hutcheson~ esmera -se em demonst rar quL• 1111 1111 paixões e emoções do esp írito huma~o , segundo o Dr. Hutch: -
óp io da aprovação não estava fundado sobre o am o r dt 1 'lo n ser ia uma sensação inte rna e d11 -eta. Por seu turno, a fa-
·1~mbé?1 de monstrou que não pod ia proceder de tima opn 1 c 1itdade med iant e a qual pe rcebe ríamos a bel eza o u deform _ i-
çao racio nal. Pensou, pois, que nada restava , senão supm 1p11 dadci a virtude ou víc io das diferentes pa ixões e emoçães se na
se tratava de u ma faculd ade de tipo es pecial, com qu1.· ., 111 uma se nsação intern a e reflexa.
tu~·eza dotou o espirita humano, a fim de produz ir esse 1..:~Jl('í 111' Para susten tar sua doutr ina , o Dr. HULcht:son emp enhou -
e importante efe ito . Excluído~ o amor de si e a razao , 11:1111111 'il' ainda m ais para mostrar que ser ia agr adá vel à a na log ia da

ocor~eu que poder ia h ave r o utra faculdade Llo e:;píritO j/1 1 • 1 nmureza, e que o t::spíritose ria dotado de uma variedade de ou -
nhec1da que pudesse de algum modo sa tisfazer e.s.seproprn-,11, 1 m.1:i: :sensações reflexas med iante as quais simpatiz amos com
C"hamou senso mora l a esse no vo p oder de pe rcer"i.:,111,i , 1 felicid ade ou desgraço d e nossos semelha ntes · o senso de ver-
o supos em alguma medid a aná logo aos sen tidos externot-, A•· go nha e honr a e o senso de rid ículo .
sim como os corpos que nos cercam, ao afetá-los de cert:1 11 11, Não obsrnnre rodosos esforços que o engenhosofilósofo
neira, aparentam possuir as diferentes q ualidades de som , w1,i1,• L'111pr ee ndeu !YJ.raprovar que o p rincíp io da a provação se fu~-
odor e cor, também os vár ios afetos do esp írito humano , :u 1111 da num p ode r espec ial de percepçâo, de algu ma forma a na-
ca:em d~ certa mane ira essa faculdade espec ial, aparen Lam J"kll'I logo ao dos sentidos externos, reconhece que algum as co~-
su1r as diferentes qu alidades de amável e od ioso, virtuoso 1.· vi seqüências de sua do utrina talvez sejam considera~ por mui -
cioso, certo e errado . tos como refutação suficien te de si m esmas. Ad mit ez· q ue as
Segundo tal Sistema, as várias sens ações ou poderes d 11 qua lidades pe 1t e ncenres aos objetos de um sent ido não po-
p ercepçàd" de que o es pirita humano deriva todas as su, 1~ dem ser atribuíd as à pró pria sensação sem se incone r em grJ.-
idé ias simples seria m de duas e.spécies <listi.nras,uma ela s qu,11,, ve absurdo. Quem jama is pensou em chamar a sen sação de
fora cham ada de sensações diretas o u anteceden tes , e" ou ver dt: bran ca uu negra , a sensação de au dição, de ba ixa o u alta,
tr:i, de reflexas ou conseq ü entes . As sensações direta s seria 111 o u a se nsação de gosto de amar ga ou doce? E, segun do el_e,
as facu ldade1- das qu ais o espírito derivaria a percepção da~; é igualm e nte absurdo chama r nos sas faculda:les ~or ais. de .vir-
espécies de co isas qu e não pressuporiam a percepção ~11111,_• C\.losasou viciosas, mora lmen te ix>as ou mas. Essas qu alida -
cedente de n enhuma ou tra. Assim. sons e cores ser iam objP des p ertencem aos objetos dessas faculdades, não às faculdades
tos da sensação direta. Ouvir um som ou ver uma cor não pn :.., mesmas. Ponanto, se ho uvesse um homem tão absurdame n -
supõe a percepção antecedente de alguma o utra q ualida de o u te const itu ído que aceitasse a crueldade e a injustiça como as
objeto .. As sens ações reflexas ou conseq üentes, ele out ro la ma is a ltas virtudes, e rejeitasse a eq üidad e e a ~u mani d.ad~
do, sen am as faculdades das quais o espírito der ivaria a per • co mo os maís lam en táveis vícios, um espír ito ass im const1tu1-
cepçào elas espécies de coisas que pressup01iam a percep ç.1o do poder ia com efei to ser cons iderado como pe rnic ioso , seja
antece clentt: de alguma outra. Assim, harmon ia e beleza seriam para o ind ivíduo, seja para a sociedade , e igualmt:nte t:.'!Lra nho,
ob jetos da.s se nsa ções reílexas , JX)iS para que percebamos a surpreenden te e antinatura l em si; mas nã~ se pod eria, sem in-
harmonia do som ou a beleza da cor, devemos primeiro per4 correr em grave absu rclo , den om iná-lo vicioso ou mora lmen -
ceber o som o u a cor. Cons iderou -se o senso mora l co mo um,1 te perver:so.

25. h_zquiryC~ncerning Vtrttie (Investigaçãosobre a vinude). Olustrações sobre o senso


27. Jllust,·ation.s upon tbe Moral Se11-se
26. 7reatiseoj Pas.t1ons(Tratado das paixões). moral), seção i , pp . 237 ss .. 31 ed ição .
402 TEORIA DOS SE.i.VTIMEiV10SM<JII' 11 1'f;l1MA PAJ/'17J 403

Toda via , se vísse mo s al gum hom em aclama r e :1dni11u de.!imperfeições , é incompatíve l com o que seja grosseiramen-
urna execução bárbara e imerecida que fosse ordenad :, 11• ,1 h..·criminal, e é o fu nd~mento tmlis só lido sobre o qual se Po-
algum tirano i nsolente, não nos sentiría mos culp ados cl1.: )U 1 deria co nstruir a su perest rntura d a perfe ita virtu de . H á muitos
,·e absurd o ao qualifi car de vicioso e moralme nte penre r~o ,,., , homen s he m intencion ados q ue se propõem seriamente exe -
com portamento , embora foss e ape nas a expressào d e focuh 1.1 ('utar o que julgam seu dever, mas qu e, apesar disso, são desa-
des morais deprava das ou de uma abs urd a aprovação d 1•0j-.1 gradáve is por conta da rudeza de seus sent imentos mor ais .
horre nd o ato , co mo se fosse nobre, magnân im o e grand lwu Talvez se po ssa d izer q ue, em bora o pri ncíp io de ap rova-
Imagino que nosso coração, ao ver tal espe ctador, esqt 1<.T( •t ! 1 \·:)o não este ja funda do nu m pode r de pe rcepção qu e seja de
por um momento sua simpatia p elo sofredor , e não senti rl:I .,, algum modo aná logo aos senti dos externos, poderia ainda fun-
m:lo horror e abomina ção ao pens ar em criatura tão infü1ll1· 1 c.1~1r-se em algum sent imen lo espec ial que respondesse a esse
execrável . Nós o abom inaríamos ainda mais que ao Li111111>, n flm parlicular e a nenh um outro. Poder -se- ia pre te nd er que
qu al r.ús~ivelmerne agirn tom ado pelas inte n sas p aixôt:,; dn nprovação e desa p rovação são de termin ados se ntimentos ou
ciúm e, medo e ft:':>.Semilntnt◊, e que, por esse mot ivo, :,;vr 111 c..:moç(}e3 qu e surgem no es pírito à vista de certos caracte res e
mais descu lpávt:l. Ma!:iu.s .sentimentos <lo espectador p, 111' ações, e, assim como ao ressent imen to se pode ria cha mar sen-
re riam-nos inteiram e ntt: insens ato:, t:, p ortam o, mais 1x:rfd1,1 so das ofensas , o u à gratidão se ns o dos benefí cios , estas pude -
e com ple tamen te abo mináveis. Kào existe pe 1versào de.:M'II riam com muita propriedade receber o num<::d<::senso do cer lo
timento s ou afetos qu e nosso cor .ação ma is n.=- s ist15se a cu 111 e do errado, o u se nso ITK.Jral.
part ilhar ou que rejeitasse com mais ód io e indign ação do q 111 Mas essa exp licaçã o, embora não seja passível das mes -
algu m dessa espéc ie, e, longe d e considerar scmd h.:'lntc cmto; ma.-; obje çõe s q_ue a ante rior, está cxpo.sta a ou tras igua lmcn-
tituição de esp írito co mo algo simplesmente estranho o u 1w 1 lt: irrt:spond h'eis.
nicioso e de moc lo ;:ilgurnvicioso ou mor:::1lm ente perverso, :111 Cm prime iro lugar, sejam q uais fore m as variações il que
teso cons id erariarnos como o ú ltimo e mais terrível estágio dl• tiina emoção partic.ular possa estar sujeit a, co nse rva ~inda as-
dep ravação moral. sim os tra ços gerais que a distinguem como emoção de ta l espé -
Ao con trário, os sentimentos mora is corre tos na tu r~lmvn cie, e esses traços gernis sempr e são muiro mais impressio nan-
te se mos tram em ce 1to grau louváve is e moralmente bons. e 1 tes e notáve is q t1e qu alquer v~riação q ue possa e xpe riment ar
homem cuja censura ou aplauso em toda a ocasião está.adcqu: 1 c m casos pa rticula res. Assim, a ira é uma emoção d e es pécie
cio, com gra nd e prec isão , ao valor ou indignidade do objeto 1x1.11icul:ir e, po r consegu inte, seus traços gerais sempre são mais
parece merecer certa med ida de aprovaçào moral. Adrn.iramo~ percep tíveis qu e tod as as variações que possa ex pe rime ntar
a deLicada precisão de seus sentimentos morais; condu zem no,, cm casos pan icu lares . A ira co ntra um hom em é, sem dú vida,
sos próprios juízo s e, graças à sua incom um e surpreenden ll a lgo dife rent e da ira contra u ma mul her, e est a, po r su a vez,
exatidã o, até susc itam nossa admira ção e ap laus o. Certamcn difere da ira co ntra uma criança . Em cada um desses três ca-
te não podemo s esta r se mpre certos de q ue a co nduta de um:1 sos, a pa ixão da ira e m geral admit e uma modificação disti n-
pesso a como essa corre spond a à precisão e a cur ácia de se u!-, ta seg undo o caráte r part icular de se u objeto, corno o obser -
juízos relativos à co ndut a alheia . A virtude requer háb ito e n.: vad or atento pod e fac ilme nte perce be r. Mas, apesa r disso , em
solução <le esp frito. be m como clelicacleza d e se nt imen to, e in todos esses casos predo minam os traços ge rais da pai xão . Pa-
fdizm e nlt: est as primeira s qualidades às vezes fa ltam ali o ncl1..• ra distinguir tais traços não é necessári a uma obse rvaçao pe-
a última existe com a maior pe rfeiç,10. Todavia, essa disposi netrante; é necess ár ia, ao co ntrá rio, uma observaç ão b astan -
çào de esp írito, ainda qu e alg uma s vezes venh a a compa nha da te de licada para descob rir suas variaçõe s. Todo o munclu cu ida

404 TEORIA DOS SEN TTMENIDS MORA IS Sf:1JA1A PAJ(!E 405

das prime iras, quase n in gué rn obse rva as ú ltimas Se a prov~- que também a aprov ação conven iente ou inconve nie nte se
çào e desaprov--.açãofossem, p o is, como gratidão e resse niime n- aprese nta aos no ssos sentimen tos na turais co m a marca des-
to , e moções de um a espé cie paiticul ar , distin tas de todas as ses mesmos caracteres . Ocor re-me pergu nta r, p orta nto , como,
dema is, seria d e es pera r q u e e m todas as variações qu e uma segundo esse sistema, ap rovamos ou desaprov amos a ap rova -
ou outra pud esse so frer, a inda se conservar iam claros , mani- ção con ve niente e inconven ie nte? Imagino que exis ta apenas
festos e facilmente perceptíveis os trJços gerais qu e a.s carac- urna resposta razoável a essa questão . Deve-se dizer qu e, quan-
terizam como emoções de certa espécie pa1ticular. Contudo, de do a aprova ção com que nosso próx imo obse rva a co nduta _de
fa to sucede o con trár io. Se ate ntam1os ao qu e rea lme nte sen- um terce iro coincide co m a nossa, aprovamos sua ap rovaçao,
timos q u ando , em difere ntes ocas iões , aprovamos ou desap ro~ e a cons ide ramo s em ce rta medi da mora lmen te boa; ao con -
vamos algo, descobri remo s que nossa emoção num caso é to- trário, quando não coincíde com nossos pró prios senll~tmos,
tal mente d istinta da emoção d e ouu-o caso, e que n ão é p os- nós a desaprovamos e a cons ideramos em ce na med ida mo-
sível perceber traços co muns entre ambas . Assim, a aprovação mlmente má. Deve-se, por consegu inte, ad milir que pelo meno s
com que d ivisamos um se ntim ento terno, de licado e huma no, nesse caso a co incidênc ia ou op os ição dos sen timento s e ntre
é bastant e distinta daque la q u e nos ocorre diant e de ou tro se n- o obse nrador e a pessoa obse rvada const itui aprov ação ou de-
timento que s<:::nos apresen la gran de, ousado e mag nân imo . sap rovação mo ral. E se fo r assim nesse a lS0 1 indagaria: por qu e
Nossa aprovação d e amb os pude , ern d ift:re ntes ocas iões , ser não em todos os outros? Qua l o propós ito de imag inar-se um
pe rfeita e completa, mas un1 delc:.:snos enternece e o out 10 nos novo p ode r de percepção para explicar esses sent imentos?
eleva, e não há sem elhan ça a lguma entre as emo ções q ue sus - Cont ra toda exp licação do princípio da ap rovação q ue o
cirnm em nó s . Ora, d e acordo com o sistema qu e venho me faz depende r de um sentimento peculiar, d istinto de to~os os
esforçando po r demonstrar, tal deve, necessa riamente, ser o de mais, eu objet ar ia: é bastan te estra nho que esse senttm ~n-
caso. Como as emoções da p essoa a que m aprov:.1.rnossã.o, to, o q ual a Providência certamente prerend~u que fosse o prin-
nesses do is casos, o postas umas às outras, e como nossa apro - cípio governa nte da natureza huma na, ate agora ten ha pas-
\-açào surge ela simpatia co m essa s emoçõe~ opos tas, o que s~n- sado d espe rcebido, a ponto de seque r receber um nome nos
vários idiomas. O termo "senso moral" foi cu nhado tardiame n -
timos num caso não pode e m n ada assemelhar -se ao que senti-
te e aind a não se pode cons iderá- lo parte da líng ua ing lesa.
mos em outro . No entan to, isso não poderi a ocon-er se a apro-
APena s recentemente apro pri ou -se do temm "aprovação~ pa-
vação cons istisse m una emoção p eculiar, que n ada tivesse em
ra de n otar com pe cu liari<lade cols as dessa espécie . Pat.1.folar
comum com os se ntiment os q u e apro vam os, mas que surgisse com proprieda de, aprovam os tu do o que nos satisfa~ in_teira-
ame a pr ese nça desses se ntim en10s, do mesmo modo co mo ment e: a fonna de um ed ifício , o enge nh o de u ma maqum:a, o
qualquer outra paixã o su rge ame a prese nça do ob 1eto que lhe sabo r de um prat o de carne. O termo "consc iê ncia" nào deno -
é própdo . O mesmo ocorre com relação à desaprova ção. O h or- ta imed iatame nte uma faculda de mora l que nos perm ita apr o -
ror que nos insp ira a crue ldad e e m nada se assemel ha ao d es- var O Ll desaprova r algo . A consciência supõ e , na ve rdad e, a
prezo que sentim os pela m esqu in h aria . É uma espécie muito exi.5tê ncia d e alguma faculdade dessa espéc ie, e sig nifica pro -
ctistin ta de discó rdia a qu e se ntimos a nte a presença desses doi s priamente a consc iência de tennos ag ido conforme ou c_ontra-
d iferentes vícios, e ntre n osso próprio esp írito e o da pe55oa riamen te a suas ordens. Q uando amor, ód io, alegria , rnsteza.
a..1;os se ntimentos e co nduta observamos. gratidão, ressen timento, e tantas outras paixões que s~ supõe m
Em seg un do lugar, jâ o bs ervei qu e n:lo ape nas as diferen - sujeita s a esse pr incípio, fizeram-se suficientemen te •:11porta!'1-
Lt:.S paixões ou afetos d o espí rito hum ano aprovados o u desa - tes para receber títul os pelos qu ais no s são conhe~1d a:,: nao
provados se nos apr ese nt am m ora lment e bo ns ou maus, mas é sur preendent e que a sob erana entre todas elas ate aqu i fos-
40ó 407
rEORJADOS SE\?Z WENTOS M<1N1/ \/ /1,1/A PAl<TH

~~ tà~ pouco n?tada que, sa lvo uns poucos filósofos 1 nin iu r11 +l,111uda pe la qua l nos introduz imos n os motivos do agen te,
,ttnda a tenh a Julga do dign ~tde receber um nome ? g 1 111110 cbque la pela qu al pan Hhamos da gra tidã o d as pes soa s

Quando ~provamos algum carát er ou ação os sen li1111·11 hl'llt:ficiadas por seus atos . Trata -se do mesmo princíp io pelo
t?s qu e, expe rimentamos, segundo o sistem a ~ci:na ~irado . d, q11:il ~1provamo s uma máqu ina bem engendrnda . No entant o,
n~am _e e q~1atro ~omes, e m a lguns aspe ctos d iferentes entrv, 1 l\l'l\hurna máq ui na pod e ser o bjeto de u ma o u o utra des sa:,
Pn n!e_lfo, s1mpa t1zamos com os motivos cio agente · segu r1d11 doas simpat ias recém -mencio nadas . Na quana p arte dt::'jle d is-
1 Ul'SO já forneci alguma explicação cles::,t:sbl ema .
~a~_nc ~pam o? da gra tidão dos que recebem o benefí~ io de <111i1
a~oes, ~te~ce1ro, obse rvamos qu e sua co ndu ta obedeceu :h 11
g1.1s gerais por meio elas quais essas dua s simpatias geralni ,,,
te agem_;e, po r ú ltim o, se cons ideramos tais ações com~ 11:~1 lc
?e ~1~ sistema_dt::c<:>rxl ura que tende a promover a felicidade d11
mdiv1duo ou da socied ade, enlào dessa utili dade JJOde º . 1
tar ce rta bel ,- - - - rn f~M!
, . b eza, n,lo mu tto dJ.Stmtada que atribulmos a qualqLU't
1
~;:~ : ;a~-e_em_eng~~drada . Após el iminar us event uais caMh
~ 1 s, _e_adm ltlr que tudo necessa riament e deve pn ..x.;t.:dl'I
e um ?u vanos desses quatro pri ncípios, gos tari a de sab 1..:ro
~ue ~1a1: re.sta, e mncede rei pro nt~mente que esse resídu o S<.'
Ja a rr;?u1do a um senso moral , ou a qual quer outra faculd :;dt·
::;ecu ia_r, co ntan to que me demonst rem em qu e p rec isamc..·11
e conc;1st~~sse resídu<?. ~alvez se p udesse esperar qu e, se re:11
::~:e :x 1st1s.seum__pnnc1p io p ecu liar, como se supõe ser esM•
. . 1 oral, devenamos sent.J-lo, em alguns casos pa rticulares
~~para~-~ e ~pa rtado de todos os demais, como com demasi-1
a frequenc~a sent imos, em toda a sua pu reza e sem mesch de.·
o~ tra em~ao, a alegria, triste za, es perança e medo. Mas i,111 :1
~~no que i::,sonc:m sequ~r .se possa pre tender. Nunca o u vi ale
g~r~se ~nhum ~cmp!o em qu e se pudesse diZer que esse prin
~tp'.º,a_g 1u por s1_i~cs mo, sem mescla alguma de simpat ia ou
~nt1p.tt1a, .de gralldao ou ressent imento , da perct:pçâo do aco r-
o ou ~esacordo de qualquer ação com urr,a rcgrn e.-stabek:cich
ou , mu ito menos, se ~1 mescb do gosto geral por bel eza e o:-~
d_em qu e, ta~to os obJetos inanim ados , como os an imados sus
cna m em no s. • ·
U. Um o utro siste ma d istinto cio que ve nh o me e~forçan-
c_1o p or estabel~ cer, proc ura explicar a origem cios nossos se n-
tu~ e~tos m?_ra1s por meio da simp atia, É o qu e faz a virtud e
re~1drrna utilldacle, e atribui o prazer com que o espec tado r exa
~~~:= ~ u~ilidade de qua_lque r qua lidad e à simpatia pela felici:
Q:'jque p or ela sao afetados . Essa simpat ia d ifere tant o

SEÇÃO IV

Da maneira como diferen tes


au tores trataram as regras
práticas da moralidade

Observou-se na terceim parte deste d iscurso que as re-


gras da jus tiça são as ún icas regras mora is p recisas e acuradas,
ao passo que as reg ras de tod as as ou tras virtude s são impre -
cisas , vagas e inde te rminadas; as primeiras pode m ser com -
paradas às regras de gram ática, as outra::,, à:; que os críticos
estabe lecem para alcançar o sublime e degant e na composi ção ,
razão pela qua l ames nos apre sentam um a idéia geral da pc rfei-
çào qu e d everíamo s bu sca r, do que nos fornecem orient:ições
certas e infalíve is pa ra a obte r.
Uma vez que as d iver sas reg r:is dJ mor alidade adm item
1::ssesdistintos grau s de precisão, os auto res qu e se esforça-
rnm por reco lhê -las e comp il:í-las em sisrem ::is procederam d e
dua s manei ras difere ntes : um gnipo adotou integr alment e o
métod o impr eciso a que foi naturalm e nte orienta do pela con-
sideração de um a es pécie de virtud e: o o utro empenhou -se
universalmente po r introduzir em seu s preceito s o üpo de pre-
cisão de que ap enas alguns de les são suscetíveis. Os primeiro s
esc reve ram como críticos , os o u tros, como gramáticos .
l. Os prime iros, ent re os qu ais pod emos inclu ir todos os
a ntigos moralista s, co ment aram -se em desc rever de modo ge -
ral o.5 difere ntes vícios e virtudes , e em apomar a deform idad e
e desgra ça ele uma disposição , bem como a proprt edacle e fe-
licidade d a outra , mas não se dispus era m a estabe lecer muita~
regras p recisas qu e cont inu assem em vigencia , d~ modo inata-
cáve l, em tod os os casos parti cL1lares. Apenas es fo rçaram-se por
determin ar, na medida em que o permi te a linguage m, prime i-
4 10 TEONJ.1.DOS Sl5lV7TMJ;)V10S M ORA I \ ::,ÚflMA PAR TE 411

ro, em que cons iste o senti mento do co ração no qual se fund:1 cm que se funda me nta , se m re alizar a lgo d essa espéc ie. A l!n-
cada virtud e parti cu lar; q ue espéc ie d e sen tid o ou sen ti mc n guage m é incapaz de expressa r, por ass im dizer, os traços m-
lo int erno constit ui a essência ela amizad e, da hum an idaclL·, visíve is de todas as d ifere ntes mo dificações da paixão rnl co -
da g ene rosidad e, da justiça, da magnan imidade, e de todas :1:-. mo se mos tram inte rnamente. Não há outro modo de desig -
dema is virtude.s, bem como dos vícios q ue lhe são opostos; l' , ná-las e d istin gu i-las u mas das outras , se não de screve ndo os
segund o, qual o modo gera l de agir, o tom e teo r o rdi nário tk- efeitos qu e prod uzem, as alterações que ocas ionam no sem-
condu ta qu e cada um de sses sen timentos nos ordena ria: ou co blante , n o aspec to e compo rtamento ex te rio r, as reso lu ções
m o esco lheria ag ir , em oc:asiões co mun s, um ho m em amável, qu e sug erem t os atos a que nos inc ita m . Assim é que , no pri -
gc:neroso, bravo , j usto e huma no . me iro livro de seus De OJ/iciis,Cíce ro esfo rça-nos para no ::;
Caraclerizar o sentim ento do coração sobre o qua l se fun- ordena r à prát ica da s quatro virtudes car deais•; e que Aristóte -
da cac4t. \'irtude pan icu lar é tarefa que p ode ser executada co m les, nas pa1tes práticas de sua Éttca••, indique-nos os d iferentes
ceno grau de exa tidão, em b ora pa ra tanto seja necessária uma háb itos pe los quais d eseía ria quê regu lássemos nosso cor1:-
pe na a um tempo prec isa e del icada . Na verdade , é imposs1- portame nto , tais como libe ralida tlt:, magnificência , magna ni-
ve l exp ressa r todas as variações qu e cada .semimemo ex pe1i- midade, e até graça e bo m hum or ~ q ualidades q ue es~e in-_
m.e?ta ou d ever ia expe riment ar, co nfo rme Lod as as possíve i.s clulgenre filósofo julgava d ignas de um espaço no cata logo
v:mações de circun stâncias . Estas sào infin ita.s, dt' modu qu e das virtu<l~:s, e mbor a a levia ndade da ap rovação qu e natu ral-
m carece de no mes p aro os des ignar. Por exem pl o,
a lin g1.1,1ge mente lhes dest inam os não pareça dar -lhes d ire ito a n ome tão
o se nt imen1 0 de am izade q ue nutr imos por um anc ião d ifcn.: ve ne rável .
cio que nutrimos por u m jov em; o que cultivomos por um ho- Tais obras nos ap rese ntam retratos agradáv eis e vivos das
mem austero difere cio que expe rimentamos por alguém de m a• mane iras. Por con terem desc rições de tal vivacidade, intlamam
ne iras mais bran das e gent is e dife re, po r sua vez, do qu e te nosso amor na tu ral à virtude , aumenta m nossa abo minação ao
mos po r algué m de mexias alegres e esp irituosos. A amizade vício; p or causa de suas justas e de licadas o bse rvações , com
que concebe mos por um hom em não nos afeta. da mesma freq üênc ia po de m aju dar a um só temp o a cor rigir e a d eter-
maneira como nos afeta a _por uma mulher, aind a quando nes se: min~1r nossos sentimemos nanirai s relativos à conven iên cia da
se ntim ento não se mistu ra al,Q: um a pa ixão mais grosse ira. Qu e cond uta , e , por sugerírem inúmeros cuidados belos e delica dos,
autor poderia enum era r e dete 1minar estas e todas as ou tras a forma r-nos pa ra uma justeza d e comport amento mais pre-
infinitas variações d e q ue é passível esse sen timent o? Cont u- cisa cio que pode ríamos imag inar se m tal instrução . A ciência
do , é poss ível cletenn inar, com razoáve l precisão, o sentime nto que consis te em tratar desse~modo as regras da mora lidad e cha-
geral de amizade e de afeição familiar com u m ,1rOOas e ssas ma-se , com pro prieda de, Etica - ciência qu e, em bor a co mo
variaç<>es.Embo ra seja em muitos aspec tos incomp leto, o retra - crítica não pe rm ita a ma is estrita prec isão, é, co ntu do, bas-
to que se esboça do se ntimen to de a mizad e po de g uar dar se- tante úti l e agmdáv el. Dent re todas as o utras ciênc ias, é a ma is
me lhança q ue nos pem lita reco nhece r o original quando co m susc etível dos e mbeleza mentos d a e loqüênc ia e , por meio des-
elt:!deparnmos, e até disting ui-lo ele outros sentimeruos com que tes, de confen r, se isso é possível, uma nova importân cia às
mante nha u ma seme lhança co nsid eráve l, como , por exemplo, me nores regras do deve r. Assim rev e.slidrn; e adornados, scu.s
boa-von tade, re.speitu, eMima e admiração .
Mai.s fácil ainda é cle.sr.;
reve r e m Lraços gera is o modo co-
• Essas virtude s são: S.'lbeclona, justiça, grandeza de cspírilo e decoro
mum de ação a que cada virtude nos incitar ia . Com efe ito e
quas e impossível descreve r o sent ido ou ::.entimemo inter:10 (X da.. Rn~ia
a Mcihnaco , nota d a mcn te livros 11, 111e IV. ( N, da R. T.)

412 TEORIA DOS SE,-\·71MEJVJOS MONAIS SfTIMA l'AR1E 413

preceitos são ~apazes de prod uzir sobre a flexib ilid,-ide d a ju mos as regrn s da cas u ística, por sup or mo -las tais COff lO deve-
ve nru de as mais nob res e duradou ras impres.c;ões ; e, na med i riam .,;;er, tería mos direito a conside rável lou vor, em razão da
da em ~ue coin : idem com a magnan im idad e nan1ral dessa gc - exara e escrupulosa del icad eza de nosso comporta me nto .
? e r~sa ida de , sao capa zes , ao meno s por algum p eríod o, dL' Pode suce der com freqüência que u m ho mem bom jul-
insp irar as mais heróicas reso luções, tende ndo , pois, a es ta- gue-se ob rigado, po r sagrado e conscie n cioso respe ito às re-
belecer e confirmar os melh ores e mais úte is hábitos de que G g ras gera is da justiça , a cumprir muitas co isas ~s quai s s~s~a
susce~ve l o esp írit_:>hum an o. Tudo o que se possa faze r, po r bastante injusto extorquir de le, ou q ue qua lquer arbitro ou 1~1z
preceito e exortaçao, para n os estimu lar à prática da Yirtude1 infligisse- lhe pe la força . Un:. exemp lo b ana l: um ba ntlo leJro
essa c iência o faz e dessa man eira O transm ite. o briga um viaJante, sob ameaça d e mo rte , a prome Ler-U1e certa
II. _o.s 1~ora liSta s do segu nd o grupo , entre os qua is p o- soma de din heiro. Se ta l p rome ssa, t:xtorqu ida dessa man e ira
demo.:, mclu1r lod os os cas uístas d a Idade 1\-'l éd ia e rece nte da por me lo da força injusta, d eve ser co nsid erada o brigatória, é
Igre ja CrisLâ, bem como rodos os qu e n este sécu lo e no pre- queS làO qu e há muito se debate .
ced ente trataram a chamada ju1isprudênc ia narura l, não se con- Se a tratam os como mera questão de jurispn.idé ncia, a de-
tent:1ndo em caracterizar d e&:;ama ne ira geral o teor de condu ta cisão não p ode admit ir dúv ida. Seri;I ab.c;urdo supor q ue um
que nos seria recomend ável, esforçaram -se por esta belece r re- bando leiro possa te r direito a usar a força p ara coag ir o ou tro
gra s exmas e precisas par a a dire ção tle to Ua a cirn mst üncfa ~ cumprir uma promessa. Exto rquir a promessa foi um crime
de nosso compo rtament o . Uma vez q ue a ju stiça é a única vir- me recedor de p un içâo ext rema. e extor quir seu cu mp rime nto
tude _de q1.1ese pode propriamente da r tais regras exa tas, nãu seria ape nas adici onar a prática de um outro crime ao p rimei-
adm ira que a ate nção dess es do is grupos d istintos de au tores ro. Não p ode reclama r ter sofricb ofensa que m apenas foi en ga-
tenha recaído sob re essa \·irtude. Tr:.1t:.1m-na , por ém 1 de mo- nado pela pessoa po r quem justamente pode ria s~r assassinado,
do baseante d iver so . Sup or qu e um juiz d eve sse faze r et nnp~ir as ob rigações resu~-
tantes de cais prom ess as, ou que o ma gistrado dev esse per m i-
~ ?s atn~ res que escrevem sobr e os princí pios da jurispru -
tir que essas promessas respa.l dassem ações le?a is, .seria o in: is
~enc1~ co_ns1dera m a pen as o que a pesso,1 a quem a-ob riga ção
ridículo absu rdo . Se considera rmos essa ques tao como q ucstao
e devida Julga se u dire ito ex igir pe la força; o que todo espec- de jurisprud ênc ia, portamo, não pode remos ter dú vidas qu a n-
tad ? r i_mparc ial ap rovaria tal pessoa exigir, ou o qu e um ju i2
ro à dt:cisào.
ou arbitro , a q uem o caso fosse sub me tid o, e qu e emp ree n de s- Mas se a tratarmos como q uestão de casu ístic.:1 1 a co n -
se fazer -lhe justiça, deve ria obrigar ao outro sofrer ou cum prir. clusão não será tão simples. Suscita mu ito mais dúv ida sab e r
~or outro lado, os casuísta s ex am inam meno s o que se pode- se um ho me m bom, por conscien cioso respeito à mais sagra-
na, com prop riedade, exigir pela força , e mais o que o devedor da. regra da justiça, a qua l orde na a observân cia de rodas as p ro-
julga -se ob rigado a cum pr ir, em razão do ma is sag rad o e es - messas celehra das, dev eria julgar-se ou não Õbrigado a cum -
cmp uloso respeito ãs regras gerais da jus tiça, e do mais cons- p rir uma promessa como aquela . Não esrarJ suje ito à dispu ta
cien cioso horro r a fazer o mal a seu p róximo ou a violar a in- co nsidera r-se que nenhum res peito é dev ido à frustração d o
legr idad e de se u próp rio ca ráte r. A finalidade da jurispnidên- infa me qu e põe a outro em tal situ ação, qu e nen hu ma ofensa
cia t:: prescrever regras para as deci sões de juízes e árbitros. A se com ete conlf'J o ass altan te e, conse qü ent emente, que nada
finalidade da cas u ísLic:a é p resc reve r reg ras para a co ndut a de po de se r extorqu ido pela força . No entanto 1 talvez se possa
u'._11l~m h om e m. Por o b se1Yarrnos todas as reg ras da jurispru- indaga r, com mais razão , se nesse caso não se deve algum re:;-
dencw, po r suponno- las tão perfeitas , nada ma is mereceríam05 peito à própria dignidade e honra , à invio lável sant itlade doc a-
sen:io não cs ta1m05 suje itos a puni ções ex ternas. Por observar~ ráter q ue faz reverenc iar a lei d a ver dad e, e abom ina r tud o o
414 TEORIA DOS SEN11MEN1DS M(JH, lf\ stn'1Al'AR7E 415
que se aproxima de traição e falsidade . Ne.s.se po nro, os r.1 dev ida, é ev identemente impo ssível. Isso va riaria conforme os
suístas se dividem. Lm pa rlldo, formado por autores antiµo'i, cara cteres d as pessoas, confor me suas circ u nst flnci ::as, a .c:ole-
como Cícero; mcx:lern os, como Puffenclorf; Barbeyrac, seu u, nidade da promessa, e até confonne os incidentes do confron to;
mentado r; e, sobretudo, o falecido Dr. H utcheson - que, 111, e. caso o prom itente fosse tratado com muita da ga lanteria que
maioria dos casos, de modo algum era 11111casuísta indefin ido 1 se e ncontra às vezes em pessoas dos caracteres mais perd idos ,
de term ina ~em hesi taçã o que nenhuma espécie de respeito 1· ma is p arece ria dev ido do q ue em out ras ocasiões. Pode -se
d ev ida a tal pmmessa, e qu e pensar o contrário é m era fraqlR' dizer, de modo geral, que a justa co nveniê ncia exige a obser -
z..1.e 5upcrs tição . O utro grupo, no qu al podemos incluir algu11,,
vância de todas essas promessas, sempre que nào for inco n -
dos ant igos p~ is da igreja 211
, lxm como alguns caSL1í5tas mocll'I
sistente co m a lgu ns outros deveres ma is sagrados, tai~ como
nos muito eminentes, é de ou trn opinião, e ju lga ob rigat6rL1....
lodas ess;:is promessas. o re spe ito ao interesse público e àque les a quem a gra tidão, o
afeto natural o u as leis da beneficênc ia aprop riada nos inci-
Se tratarmos a ques tão de acordo com os scnr imenr.os co
tam a ma ntê-lo . Mas, como já se observou anter iormente , não
mu ns da hu manidade, desco b riremos que se ju lga dev id::i nl
dispomos de regras precisa s para determin ar as ações externas
gu ma espécie de respei to até me:-mo a 11111~1 p romessa como
dev idas por respeito a tais mOlivos, nem, conseqüememe nte,
aque la, embora seja impossíve l determinar , por qua lq uer !'e
q uando aque las vi1tudes são incons istentes co m a observância
gra geral , em que med ida isso se ap licaria a todos os casos, sem
de tais promessas .
exceção . Não escolheríamos por amigo e compan heiro um ho
Deve-se advel' tir, porém , q ue, ernbora pelas razàe~ mais
mem que com bas tan te liberdade e facilidade fizesse promes
nec essá rias, nunca se violam ta is promessas sem incorre r em
sas . para logo em segu ida violá-las com a mesma sem -cerimô
algum grau de desonra. Depois de feiras, podemos nos con-
nia. Um cavalhe iro que prometesse cinco Hbras a um bando lti
ven<..ser<la inconveniê ncia de sua observ3nci::i., mas ainda exis-
ro e não as entregasse incorreria em algu ma censura. Se, po rém,
te a lgum er ro em havê -las feito . É, no mínimo, u m desv io das
a .soma pro metida fosse mu ito grande, poder ia ter ma is dúv i-
mais altas e nobres máximas da magnanimi dade e honra. O bra-
das quamo ao melhor a se fazer. Por exemplo . se q pagamen
vo home m deveria morrer a fazer uma pro m essa que nã o pu-
to de~.sa soma arruinasse imelfamente a família cio promitente,
dess e manter se m tornar-se inse nsato, o u violar sem comete r
se fosse tão vultosa que baSLasse para promover propós itos ignomín ia, pois algum grau de ignomín ia semp re ::i.companha
mais úteis, pareceria de ci;:rLa fa nna cr iminoso, ou ao men os uma situação como essa . Traição e falsidade são vícios tão pe-
extremamente imp róp rio, lançá -la em m ãos tão ind ig nas, por rigQ&)S,tão tetTíveis e, ao mesmo te mpo, tão fácil e seguram en-
c~1usa de um excess ivo forma lismo. O ho mem qLtt: men J igasse te perm itidos , que somos mais ciosos deles do que de quase
cem mil libras ou, ainda que disp usesse dc55a quantia, abr is::.c todos os outros . Po r consegu inte nossa imag inaç ão associa a
mão d ela apen,is para manter a pj_lavrn em penh ada a um la- idéia ele vergonh a a melas as violações da confiança , em Lo<las
drão. pareceria, ao bom-senso dos homens, abst 1rdo e extra- as circunstâncias e si1uaçôes . Nesse aspec to, asse melham-se
vaga nte no mais a!to grau . Essa profusão pareceria incoerente à violação de cas tidade no belo sexo , virtude da qual, porra -
com o seu d eve r, com o que era devido a si e a outros, e por- zões seme lhantes, so mos excessiva men te ciosos: nosso s sen-
tan to de modo algu m aut orizari a a promessa ass im extorqu i- timentos por uma não são nu is de licados que por ou tra. A
da. Entretanto, fixar po r qu alquer regra p recisa que grau de res- t.ra.nsgressâo da castidade significa uma desonra irrec up eráve l
peito se deveria prestar a tal promessa , ou qua l a maior qu antia Nen hum a circunstànc ia, nen huma súplica. p<Xlem descu lpá-

28. S,mto 1\go:stinho , La Pk1<.:efle. • TSM. Pane VJ, Seçào II, Cap . l, p. 284. ( :l'. d.'l R T.)

416 TEORIA DOS SE,Vnl/ENTOS MI >1111' SÉ'fl\1APARTE


417

la; nenhuma aflição , nen hum arrepe n dimento, expiam n:1.°"11 tição catól ica em tem pos d e barbár ie e ignorância. Por e~ a ins -
mos tão escrupu losos nesse aspecto, que mesmo um es 111p111 ti~uiç:'l.o,os mais secretos ::atos, mesmo os pensamemos de al-
desonra , po is em nossa imaginação a inocência do espírhi 1, gi.iém suspe ito de retrocede r min imamente das regras d~ pureza
incapaz de limpar a su jeira do co rpo. O mesmo ocoff e coi 11 11 cristã deviam se r revelados ao co n fessor. O confessor infonna-
vio lação da confiança, mesmo quando fo i empenhada sok·111, va se~s peni ten tes se haviam vio lado seu d~ver, em que me-
mente ao mais indig no dos homens. A fidelidad e é uma vi1111 dt dida isso se dera, e que penitênc ia lhes caben a sofrer _ames que
tão necessár ia que em geral a tributamos dev ida até me~n1i1 os pudesse abso lver em no me da Divinda~e ofendida .
aque les a quem nada ma is se d eve , e a qu em ju lgam os k•g l A consciênc ia, ou até mesmo a suspeita de ter co meti~o
timo matar e dt::s Lruir. É inútil à pessoa culpada de transgrC/i/'iih1 erro, é um pes o sobre rodo o esp írito, e em t~?~.?sque nao
à relação de fidelidade argumemar que prometeu para salv.11 fornm endurecidos por an tigos h ábitos d e m1qrndad e vem
sua vida, e que rompeu a promessa porque mamê-!a ser i~1 111 acompanhada de ans ie dade e terro r. Ness_ae em tO~'ls as ou-
consistente com algu m outro dever respe itável. ESSa.':i cin.;u n."l
tras aflições, os homens na tura lmente anseiam por_re 11raro fa~-
tânc ias podem aliviar , mas nu n ca ap agam inteiramente es.,.1
do que oprime seus pe _nsam entos, reve lar a a~ma de s~u .e~
desonra . Tal pessoa se mostraria culpada de um ato qu e a ini: 1
pír ito a alguém em CUJO s1g1lo e dtsc riçao ~o_s~a~nconfiai. A.
ginaçào dos homens associa, inseparav e lmente, a algum g1:n1
simpati a do confidente 1J.ro deixa de pro<lu:llrahvKJ ao ~ u de-
de vergonha . Por transgred ir uma pro m essa que ju rar::a.c:ole nt•
sassossego, o que compensa plenam t n:e ª.ve~gunha d~ c~n-
me nte manter , seu caráter, se não se tomou irrecuperavel mtn
te maculado e fX)luído, ao menos fica ma rcado com a pc ch,1 fessar-se. serena-os descobri r qu t:: não sao t!}tciramcnt e inchg-
de ridícu lo, a qual dificilmen te poderá remover . E .imag ino qul ' nos de respeito, e que po 1 mais censu~vcl ~u~ s: ja s~; v:~: -
ninguém que passasse por uma aventura como essa gostaria dl ' d uta passad a, ao 1m:nos sua presente d1spos1çao e ap ,
contar sua histó ria . 0 que ta lvel baste para compensar a outra . o u ao.menos p~-
&.se exemp lo pode serv ir para mostrar em que cons istt· rn cun seiva r em alguma med id.-ta estima de seu ami~ . E_m t,us
a diferença en tre ras uística e ju rispru dê nci a, m esm o quan épocas de superstição, um clero astut_~_e nurnerô;o se m.c,1.m~a1d
do am bas examinam as ob rigaçt:ie.s rela rivas às ·regras gernb na con fiança de quase todas as familia s . Possllt a a pouca ins-
de justiça. trução que os tempos pod eriam oferecer, e seu'> costume~, e m-
Ainda que essa diferença seja real e esse ncia l, a inda que bom em mu itos aspectos n.1des e desregra dos, eram polidos e
ess::as duas ciências p roponham finalidades bast ante dis tintas, regu lares , se co mparado s aos das p essoas daqu ela é poca . _Co n-
a un ifonn idade do assumo tomo u-as tão semelhantes, que ~1 side rava-se es .,;e clero, port a nto, não ape nas o grande chretor
maior ia dos autores cu ja intenção manifesta era tratar da juris- de todos 05 dever es religiosos, mas de todos os deve res mo -
prudência demonstrou as d iferenres qu es tõe s que examinam rais. Sua fam iliaridade conferia reputação ao afor~nado qu.e
ora co nform e os princíp ios de sua ciência, ora co nforme os dela pr ivasse, e qualque r sina l de sua des aprovaça o bastava
princíp ios da casuística, sem di stingui-los , e talve z sem se dar para imprimir a mais profunda ignonúnia so bre r~os os que
conta de quando faziam uma co isa ou quando faziam out ra . tivessem O infortúni o de so frê-lo . Uma vez que o tinham por
A d out rina dos casuístas, porém, não se confina de mo - grande juiz do certo,e do erra do, natura hnente o c~n~ultava1~
e.loalgum à consicleraç-Jo do que o resp eito co nsciencioso às sob re todos os escrúpu los que lhe ocorressem: conferindo boa
regras gerais da justiça ex igíria de nós. Ta l dou trina abra nge re putação a qua lquer pessoa dar a conhecer que esses ~omen s
mu itas outras partes do deve r cr istão e moral. O que sobre- santos eram seus confidentes em todos esses segredos, e que
tudo parec e ter oc asionado o a1 ltivo dessa espécie d e ciência não davam um passo lJTip.)rtante ou delicado em sua .co ndu ta
foi o coscume ela confiss.:1.oauricu lar, introduz ido pe la supers- sem conse lho e apro va ç."ãode les . Não era, po is , difíc il para o
418 TEORIADOS SEJ\Th\fENTOSAIO~ 1/ .\Ji77MAPARTE

clero estabe lece r como regra geral que lhes deviam confi.11 H Da segu nda espécie são as transgressões d:is regras de
q ue j:í se 1omar.1.voga confia r ·lhcs, e o que universalruenLc 11
11 ...-.,srk.lade. Estas. cm todos os msos flagrante s, são as verda dei -
teriam confi.1.do,a despello de não se estabe lecer tal regra. Q111 1 ras 1ransgressões das regras de justiça, e ningu é m que de las
lificar-se parn ouvir a confiss:lo tomm1-se então parte nen··. seja a.ilp!.ldOclei.xade comeler a ou1ro a mais imperdoável ofen-
sá ria d o ec;tudo ele religiosos e teólogos, de modo que for.1 111 s.1. Em casos menos graves , quando não pas.-ia. m de violaç-J.odo
levados a recolher º" ch:1m~dos casos de consciência, si1u,1 exato decoro que se deveria observar oo convívio emre os dois
ções delicadas e d1ficeis, nas qu .ai.-.é di fícil determinar ond<.; 1, 1 -.exos, mio podem ser justamen te cons ideradas como violações
dica a conveniência da conduta. Imaginava m que tais obras p,, elas regras da justiça. Em geral. po rém, tmta-se de violações ele
dcriarn ser úteis para diretores de consciência e os que se n:1111 orna regra bastante clara e. ao menos num dos sexos, Lendem
dirigidos, donde a orige m dos livros de casuística . a causar ignomínia à pessoa culpada , e, conseqüentemente , são
Os deveres morais submetidos ao crivo dos casuístas em111 aco mpanhadas , nos escrupulosos, de algum grau de vergonha
princi palmente os que em certa medida podem ser definidm e conLríção de espírico.
por regras gerais, e cuja violação é na luralmente arompanh:1.d.1 A te rce ira espécie de trans gressão d iz respeito às regras
de ceita grau de remorso, e certo lerror a sofre r puniçõe s. o de veracidade. Deve-se advert ir que a vio lação da verdad e nem.
desígnio de se instituir a confis.s::1o, o que ocasionou suas obr:L~ sempre é um a 1.ransgressão d as norm as de justiça, emb ora isso
ele casuís tica, era ap lacar os terro res de consciência que acom ocorra e m muitas ocas iões , e, conse qü entemente, nem se mpr e
panham a infraç-Jo desses deveres . Porém, nem toda a falta ck' s.:1opassíveis de expo r a caslig o externo. O vício ela memirn
virrtKlevem acompanhada ele com punção tào grave, e hom em habitua l, embora seja a mais mise rável mesquinhcza, c..:omfre-
algum roga a seu confessor que o absolva por não ter pratica qüência a ninguém preju dica e, nesse caso , não bt! pude: rc:i-
do a açdo mais generosa, a mais amâve l ou a mais magnâni - vindicar vingança ou com pensaçao à~ pe&:;ua~ ludibr iadas ou
ma po::,.sívd <.k :St! praticar e m suas circuns tâncias . Em maio a outras. ='Jo emamo, ainda que a violação da ve rda de ne m
gros dessa espéc ie, com umc:nte não !>edt:lem1 ina com preci ~m pn: re!>U llc: c:111tr..-1.nsg
1essào das leis da justiça , é invar ia
sào que regra se viola, a qua l, por !>eulumo. geralmente é ele ,·dme nte u,m sgrcssào de uma regra basrantc dara, rn71io por
r.alnature za que, embora sua observância pucJe5::,ecorúerir Uirci- qUt:: naturalmente tende a cobrir de vergonha a pessoa que de-
to à honr3 e recompensa. a violação não parece expor a algu m la é cu lpada.
opróbrio, censura pos itiva, ou punição. Os Gtsuístas parec e m Par ece haver nas criança.s pequenas uma disposição ins-
rer considerado a pr:í lica de tais virtud es como uma e5pécic tintlv:1 a acreditar em rudo o que lhe dizem. A nan,reza parece
de remi.,.<cioexcess iva que , não se podendo exigir de modo ter julgado nec essário para sua con.....;ervaçãoque, ao menos por
demasiado estrito, e~ d esnecessá rio abordar. certo tempo, def-XJSitassem confiança irrestrita nas pessoas a
Portanto, as transgressões cio dever mor::il que se apresen - que m cabe o cuidad o com sua infância. e das primeiras e mais
tava m perante o tribunal do confec.sor e QLJe'.,po r ess a razão, se es.,.enciais fasesde sua educação. Sua cred ulida de , por essa
tomavam conhec idas dos casuístas, er.am principalm ente de três razão, é exc essiva e é preciso uma lon~a experiência da fal-
difere ntes espécies. sid ade dos ho mens pa r.i reduzi -las a a lgum grau de descon-
Pri1ne ira, e principalmente, as transgress ões das regras da fiança e suspei1a . Em ad ultos, os graus de credulidade s.io, sem
justiça. Compr eendem-se po r tais regras todas as leis ex pr essas dúvida, bastarnc distintos . Os ma is sábios e exper ientes são
e po sitivas, ele cuja violação natura lme nte se se~ue a cons- ge ra lment e os menos créd ulos. Mas raro é o homem m enos
ciência de m erece r, e o medo elesofre r, o castigo d e Deu s e créd ulo do q u e deve ria, e que mu itas vezes não dê crédito a
dos home ns . co ntos qu e não ape nas se mo stram pe1feitamente falsos , co-

420 TEQ}(JA DOS SENrJMENTOS MOHA/1 .~f.71MA PARTE 421

mo ainda não poderiam parecer-lhe verda de iros, se os ex.1 super ic ricL1de, de guiar e dirigir, p arece ser inteiramente pe-
min asse com um grau mu iro moderado de reflexão e a1en culiM an ho mem, e o discurso é o grande instrument o da am-
ç.'ão. A di spo.siç-.lo natural é semp re a acreditar. Apenas ~1 ~a bição, da ve rdad e ira superioridade , de guiar e dir igir os ju ízos
bedor ia e experiência adqui ridas ensin am a incred ulidade t e a conduta de outras pessoas•.
raramente a ensin am o basrant e. O mais sá bio e ca u 1eloso ~lt. Semp re nos n10rtificaque não nos dêem crédito, e tal se n -
nós com freqüênc ia dá créd ito a histórias de qu e depois eil sação é dobrada quando suspeitamos de que isso ocorre por
mesmo se envergonha e se espant a de ter sequer co~ia do e m nos jul garem ind ignos de créd ito, capazes d e enganar algué m
nelas acred itar. de modo grave e deliberado. Dizer a um homem que ele me n-
Necessariamente , o homem em quem acred itamos é, na.-. te é a mais mortal ele todas as afrontas. Po ré m todos os que
co isas a que lhe damos créd i10, nosso gu ia e co nselheir o• l' eng anam de modo grave e deliberad o necessaria m ente têm
e rguemos os olhos para ele com certo grau de est ima e re~~ co nsc iência de merece r essa afronta, de não ser dignos de cre n-
peito. Mas, do 1nesmo modo como, po r aclmiram10soutras pes - ça, e de perde r todo o dire ito ao ürnco crédilo qu e podem ex-
soas , pa.ssamus a desejar ser admirados tam bém 1 po r sem1os Lrair de qua lquer espécie de be m-estar , conforto ou ~aLbfaçào
g~iado5 e .tcom,dhados por ouLras apr endemos a desejar que na companhia de seus iguais. O homem que ~r info1tún io ima- .
nos mesmos nu, tornt:mo.s gulas e conselhe iros. E uma vez gmasse que ninguém acrt::dilaria numa só palavra por de pro -
que nem sempre pode ni os nos ,:,;:.Hisfazer meramente co m ser- ferida se si:nliria um pária <lasociedade humana, temeria a sim
mo s ::tdmir:1dos a menos que, ao me.mo Lt:mJX>,possamos plt:S idéia de introduzir-5C nessa sociedade ou de apresentar -se
nos persuadi r de sermos cm algum grau rca Lnente dignos dL· diant e dela, e dificilmente seria aipaz, penso eu , de evitar mor-
ad miração -, nem se mp re es tamos sa tfafe itos meramente cu 111 rer de desespero. No entanto , é provável que homem algum
acreditarem em nós , ::t menos que , ::tomesmo tem,x>, tenhamo..., jama is tenha Lido justa. razão de a1imentar essa humilhan te op i-
co nsciê ncia de se r realmente dignos de crédi to. Embora o de- nião de si mesmo. Inclino-me a acreditar que, para cada menti·
sejo de louvor e de ser louvável sejam muito semelh ante s s..1.o rJ grave e del iberada , o mais notório mentiroso conta a verdade
não obstante de sejos distintos e se p arados; do mesmo m~o, pe lo menos vinte vezes , e assim como ent re os ma is cautelo•
embora o de sejo de se r objeto ele rrença e o de se r digno ele ~os a disposição de crer consegue p revalecer sob re a de du-
crença sejam muilo semelhantes, são nào ohstante igualme nte vidar e desconfiar . também entre os que mais ne~ ligen ciam a
desej os separados e distintos . verdade a disposição natural de contá -la prevalece, na mai oria
O desejo de ser objeto de crença. o desejo de persuad ir, das ocas iões , sobre a de enganar , ou, em qu alque r aspecto , de
de guiar, de dirigir outras pessoas pa rece se r um dos mais for- alterá-k1ou disfarçá-la.
tes d e toclos os nosso s de sejos naturais. Ta lvez seja o in stinto Mo1t1fica-nosquando nos sucede enganar otnras pessoas,
sob re o qu al se ftinda a faculdade do discurso, faculdade ca- embora sem inlençào, e qu ando os e nga na dos somos nó s.
ra~te ríst ica da natureza humana. Nenhum ou tro anim al po s- Posto que essa falsidade involunt ár ia com freqüê n cia não in -
sui essa facu ldacle, e é impossíve l enco ntrar em qua lqu er ou- diqu e falta de ve raci da de, ou do mais perfeito amor à verda -
tro an ima l o de sejo de guiar e dirigir o juízo e a co nduta de seus de, se m pre é, em algum grau, sinal de falta d e d isce rnimento ,
stmelhantes. Uma grande ambição, um d esejo de verdadeira

, no,.original.Podcr-...e-ia (rndu,ir :,inda como diretor men-


• ~Dir<."Ctor~
tor, mestre. Na seqüi:ncil,Smithemprega o wrbo ~,o direct", que pode 5er
ret~ri:o cd:ni~~~
~:~~:e;;:c;;; à;~;e~:s
~r:~~;. r~/n~:~ ~:
1

trctanto, que, ao contrário de alguns outros filósofos (como Descartes, por


Lrnduzido como dingir , aconselhar, orienu r. ú'J. da R. T.) exemp lo), Smilhconlb no bom uso da rctóno . (N. da R. T.)
r
'Í22 n:.'"ORIA D0S SENJ1MENJVSMf11 1'11
SÉ71MA PAR'/f 423
falta de memóri a, de cred ulidade inad e quada , de alg um 8 1 111
dt: ocuh .ar; t:, cm muita s ot..t~iõe s, exige pmd ência e um forte
d e p recipitação e impu lsiv idade. Sem p re diminui noss:1 .uu,,
~n~ Ut: L.vnve niê ncia governa r es sa , bem co mo todas as o u-
rida dc para persuadir , e se mp re lança algum gra u de M1., 111-1
tras paixõe s da natur eza humana, reduzindo-a d o plan o que
~a so bre n ossa capac idade de guiar e or ientar. O homem q111 quaiqucr es pec tador imparcia l possa apro v:1r. Porém , se essa
~s vezes perve n e po r erro, porém, é muit o diferente de <iun 11 cu rios idade ê mantida dentro de limites apropriados , e nào visa
e capaz de engana r d eli bera dame nte . Em mui tas ocasi0t·, 1
ao que com justa razão se dev a ocu har , frustrá-la é por sua vez
possível con fiar, com seg uran ça, no prime iro; no outro, nwl igua lrnentc desagradável. O homem que se funa :ls nD'- S:lS per-
to raramente .
gu nta s mais inoce ntes, q ue nJ o satisfaz nossas ma is inofensivas
A franqueza e a sinceridad e co nquistam a confiança . Con
indagaçõe-. , que clarame nte se esconde atrás d e uma obscur i-
fiam os no homem que pa rece disposto a co nfiar em nós. Jul
cfad e imp enetráve l, par ece co nstruir, por ass im d ize r, um mu -
gamos ver claramente a es tra da pela qua l ele pretende no ,
ro e m torno de seu peito . Acudimos pa ra nel e entra r com toda
conduzir , e abandonamo- nos co m p razer à sua o rienta pio e tli
a im paciência eleuma tur iosid ade inofensiva, ma s se ntimo- nos
reção. Ao contráriu, 11.::x::rva e sigllo provocam desco nt1anÇt1.Tt•
1ente empurrados para trás com a ma is rude e ofe n-
im ed iata 11
mcmo.s seguir o ho111i::m cuju rnmo desconhece mos . Adema í,,
siva vio lê nci a.
o grande prazer cio co nvív iu t: e.lasociedade surge de ceita co ,
Embora o ho mem reserva do e discreto raramente seja de
respondê ncia entre se ntimc utu~ e opiniõe s, de cert a harm o
cará te r amáve l, não o desrespe ita m ou o desprezam. Se pa rece
n ia en tre espíri tos, que , ~1 exemp lo de inúmt:ros insLrumento:,;
frio para conosco, somos frios para com e le; um a ve z qu e nã o
mus ica is, coincidem e mant êm o mes mo ritmo. ES5allann oni; 1
o lo uvamos ne m o amamo s em demasia, pouc o o o dia mos o u
tão enc:intad ora, co ntud o, n:1o pode se r alcançada , salvo !>e.i
o ce nsurnmos. Rarasvezes, no ent anto , te m a oportunidade
comunica ção entre se nrime nto s e op iniõe s for livre. Por it.~o.
de arr epe nde r-se de sua ca ut ela , ante s, gera lm en te se incl ina
to~o s des ejamos -.enrir como o o utro é afetado, penetra r no
a va lor izar-se pela prud ê ncia de su a reserv a. Ponanto , ainda
pe110do outro, e obse rvar o.-.~entiment os e afetos que realm en-
que sua co ndut a possa se r muito imperfeila, por vt:zt::Sau:: <lu-
te ali sub sistem. O hom em que nos perm ite essa pai..-...ã o natu
lorosa, e raro La! homem inclinar ~:;e a propor t.ua ca u~ pt:ra n-
~I , que nos convida ao seu coração, que nos abre, por assim
te ~ c::isubla:,, ou imaginar que: tt:nha qualq ue 1 chan ce de ser
dize r, os ponões de seu pello. parece praticar a espécie de ho :,.
ab ~ lvitlo ou aprovado .
pi talidad e ma is encantado ra. Nenh um homem que seja de pra-
O mes mo nem sempre ocorre quando se lrata do homem
xe be m-hum ora d o consegue des agradar. se tem a co ragem
que, por informa ção falsa , po r inadvertência , por p rec ipitação
de exp re~ar seus rea is se nt imentos co mo os se nte . e porqul~ e imprudl'tlcia , eng:mou involunt:ufament e. Ainda qu e num as-
os seme. E essa sincer idade se m rese rvas q ue toma agradáv el sunt o de pouca re levância , como por exemplo uma pequena
até mes mo a taga relice de uma crian)''a. Por mais fracas e im- nov idade co mu m, trata-se de um verdadeiro aman te da vercl:1-
perfe itas q ue sejam as opiniões dos homens de coraç:io aber to, d e, envergon h:u-s e-fi d e seu próp rio descuido , e jama is dei-
gos ta mos de co mpartil há- las, e ele nos esfo rçar, o mais pos -
xará d e apm,·e itar a prime ira oportunid ade para rea lizar a mais
sível, para reb aix ar nosso ent e ndimento ao nível de suas ca-
co mp leta cn nfissão . Se o assu nto tem ai,b1Umare levânci a, su a
l~cidades, e pa ra cons ider-Jr tod o tem a à luz particu lar em qu e
co ntrição é ainda maio r e. se de sua de sinfo rmação segu iu-se
mos.ram té- lu co nsicleraclo . Essa paix ão de descob rir os reais
algum a co nse qüê ncia infeliz ou fatal, será qu ase inca paz de al~
sentim entos de: uu tru.::;é natura lmente tao forte, que m uitas
gum dia se perdoar. Posto não seja cu lpado , se nte que inco r-
vezes dcgc ner.1 numa CL1 ade impo1tu na e impertinente ele
r iu.si<.l
reu no mais alto grau do qu e os antigoschamav am de p iacular ,
inque rir seg redos qu e no.s.su.spr6xlmos têm justific.-adas1.:1.zôe s to rnando-s e ansioso e im paciente p or fazer tod a a sorte de re -

424 TcO HJA DOSStN/lMENIVS M0/1 .,1\ SÉ71MA PAKJ'c 425

paração que esliver em seu pod er. Tal pe ssoa poderia freq dt •11 mo Sllp:>ndo-se que suas demonstrações sejam justa.e.,poder iam
remen te inclinar -se a propo r sua causa ~r.mte os casu ísta...;,w, ter pouca ut mdade p.tra qu em as consultasse ocas 1on almente,
q uais de mod o geral lhe são muito favoráveis , po is em ho r:1 1-. porque m.1\grado a mulnp liciclade de preced entes comp ilados.
vezes tenham -no co ndena d o justame nte pela sua imprud l!n p recisame nte por causa da var iedade aind a maio r d e circuns-
eia, univer sa lment e o abso lveram de ignom ínia e falsid adt· tâncias poss íveis, ser.í um ac aso se. entre tod os esses casos 1
Mas o homem q ue co m mais freq üência tinha ocas i~io d,• encontrar-se um exato paralelo com o que se está co nsidera nd o .
co nsultá -los e ra o p revalicador , o homem d e espí rito reservadt ), Serámu ito fraco quem , preocup an do-se realmenre em cu m pr ir
qu e de modo grave e deliberado pre tend ia en~nar 1 em bo r::t :1c• seu deve r, pud er imaginar que achará ocasião para tais p rece-
mesmo temp o dese jas.se pe rsuadi r-se de que realm e nte diSSt' de ntes. Qua nto a qu em neg ligencia seu dever , pro vave lme n-
ra a verdad e. Com tal homem proce diam de vá rias maneir ~1\i, te o est ilo desses esc ritos não lhe de spe rtará muita a ten ção .
Qua ndo apr ovav am intensa mente os mot ivos que o lev aram Nenhum de les ten de a ani mar-nos a prat icar algo generoso e
a iludir, por veze s o abso lviam. Mas, para fazer-lhes justiça, en1 nob re, nenhum d eles tende a nos enternece r com o que é h u-
geral e co m mui to mais freqüência o conde n ava m. ma no e ge nt il. Ao con trário 1 muito s de les tend e m a nos e nsi-
Portam o, os p1inc ipais temas da s obras dos casuístas cuida nar a usar d e c hican as co m nossa própria co nsciência e , por .
vam do respdm consc iencioso qu e se deve às regms da justi(\1, sua s vãs sutilezas, se rvem para autorizar u m sem-número de re -
em q ue: medida dt:vt:Iiamos respeitar a vida e a propriedad e de.: fina ment os evasivos quanto aos mais essenciais arugos de no s-
nosso pr óxi mo , o dever de •~ iluiçào; a:, leis da cast idade e mo so dever. A ac urád a frh-o la 4u e tentam introdu z ir nos assun-
dé.stia, e crn qu e con5istiam , de aco rdo com t.ua lingua ge m, o:, tos qut: nao a adm itt:m nt:ct::5:rariame nte qu ase traiu seus pe-
chamados pecados da concup iscê nci a, as 1egrns da vt:racitla - rigosos erro~, tornand o, ao mesmo tempo, suas obra:, secas e
de , e a o briga ção de cum prir pactos, promes.5a:, e co ntrato::,ck: <lc::.:,agradáveis,abundantes cm distin ções metafí sica s e abst ru
toda s as espécies. .sas, e portanto inca pa zes de susc itar no co ração as emoções
De modo ger.il , pode-se diz e r que as obras dos cas uísta:-, qu e os livros de mora l tê m co mo pri ncipal utilidade susc itar
cm vào tenrarnm o rien tar , p or me io de reg ras pre cisas, o qu C." Por conseguinte, as duas pa rtes úteis da filoso fi1. .. moral s:io
apenas o sent ime nto e a emoção podem julgar. Como é pos a Ética e a Juri spru dênci a . Dever -se-ia rejeiiar in te iram e nte a
sível de term inar por inte rm éd io de regras o ponto exato em c:isuística. Q u:mt o aos anti gos moralis tas , ao trat:u e m dos me s-
qu e, em cada caso, um de licado se nso de justiça começa a oo in- mo~ ~s.-.untô'-, moc;tram -se ju íze s mui to mel ho res, pois nad a
cidir com um a frí,,ola e fraca escrup ulos idade de con sciênc ia? afe raram des <;aexa tidão escrup u losa, contenta nd o-se e m des-
Quando o segredo e a resenia co meçam a transfor mar -se e m crever de maneira gera l o sent imento sob re o qual se fundam
d issimu lação ? Até que po nto se p ode ir com uma iron.ia agra- a justiça, a modéstia . a vera cid ad e, e qu al o me io de ação ord i-
dável e e m qu e momen to exato começ a a degenerar numa de - ná rio a que essas vinu cles habitu alm ente nos incitariam .
tes táve l me nt ira? Qual se pode co nsiderar o pico gracioso e Vários filóso fos, na verda de , inte nta ram algo seme lhant e
agradável d a liberd ade e do sosse go no modo de agir, e q uan - ã dou trina dos cas uístas. Algo assim se enc o ntra no te rceiro
do com eça a transfo rm ar-se em lice nciosidade neglige nre e im- livro d e De Oj]icíisd e Cícero, onde o auto r se esfo rça, co mo um
pensada? No qu e diz respeito a toda s essas ques tões, o que num casuís ta , po r fornece r reg ras para nossa cond uta em casos de -
caso seria bom ta lvez nà o fosse e m outro, e o qu e corn titui a ma siado sutis, casos em que é difíc il deten n in ar on de res ide a
<.unveniência e felicidade de comportame nto varia e m cada ca- exata oonven iência. Muitas passag e ns do mesmo livro mostram
so, co nform e a menor mudança de situaÇdo. Por isso, os livro s ainda que vários outros filósofos anteriores a Cícero intentara m
à:: c~uí stica em geral s.,o cào in úte is quant o e nfadonhos . Mes- algo parecid o. Mas nem Cícero, ne m esses out ros revela m ter
426 rEOR/A DOS SENrJMENTOSMI 1N11 St77MA PARTE 427

buscado oferecer 11msis1em,1 completo dessas regras. ,, 1w 11,1 1nereçam a mais nobre autoridade , pois são regi.:;trosdos sen-
pretender2m _mo.,;1rarcomo oco rrem sin1ações em que edil\ 1 1imcntos da hum:mid.tde em diferentes éJX>C<L"i e nações. os sis-
doso se a maior conveniência da co nd u1a consiste. nos 1., 1.,,, cemas de lei pos iciva nunca podem ser considerados como
ordinários , em observar o que são a'i regras do dever, ou t·1o acurados sistemas das regras da juSliça nawral.
retroceder a essas regras. Poder-se-ia esperar que as argumentações dos advoga-
Todo sistema de lei positiva pode ser considerado 11111.1 dos sobre as diferentes imperfeições e progressos das leis nos
ten~at~va ma!s ~u menos imperfei ta de se ating ir um sisfc._•111,1 diferen1es países proporcionassem uma investigação acerca
~e Junspn1d.en~ta natuml ou uma enumeração das regr::1sp, 11
1
cio que s.1oas regras naturnis cfajustiça, independentemente de
urulares d e Justiça. Como jamais aceitarão uru dos outros :1v1t, toda a insutuiç.:iopositiva Pcx:ler-se-iaesperar que tais argumen-
la ção da justi_ça,.o magbrrnclo p úb lico necessita em preg:11" tações os levassem a visar ao estabelecimento de um sistema
poder da republica para fazer cumprir a prá tica dessa vimah do que se poderia cha mar, com propriedade, de jurisprudência
Sem essaprecaução, a sociedade civil em breve se tornaria wn natura l, ou uma teoria dos princí pios gerais que dever iam per-
cenário de carnific ina e desordem, pois cada homem se vin passar e fundamentar as leis de todas as na c;;0t:s.No ent,rntu,
g~ria com suas própnas mãos sempre que se imag inasse of'l·n ainda que a argument ação dus advoga dos realmente tenha pro-
~1clu. ~ fl~11ele preve n ir a confusão que se seguiria de cada lllll dL1zidoa lgo tk:s:;a e::~pécit:, aim.la que h omem a lgum trata sse .sis- ·
1~1:t:er1us11çapor si mesmo, cm todos os gove rnos que aclqu! tema ticame::nlt: ao!)lds de qualqller país se m entre mear su,1s
. nram .um~ autor idadt: 1..: un~idcrave l, o magis trado emprecnd(· obras corn muitas observações como es.sa, apenas mu ito recen-
fazer Just iça a t:><10s,prv nu:tt:ndu ouv ir e reparar todo o pli..'i teme nte foi pos;ívc l pens~1rem 3.lgum desses sistemas gera is,
to de of~n~'l. Amcb, e m todos ();:)&Lados bem governados nao OLI tmmr C.>Jn si mesm~1::i filo sofia do direito, sem lev::irem conra
apen3.s mdicam ~sc juízes para decid ir a.s controvérsias cios m as instiluições 1x1rticulares de qualquer n::i.çào.Em nen hum dm,
divídu~ s, co m o prescrevem-se regras para regular as decisõ(.'~ antig os m or:.1lis1as e ncon 1r.1mos uma tentativa. de enumerar de
1

d esses 1u1z~s;e em geral a intenção de ssas regras é coindc.J i, modo e~pecífico a~ regras da jtl5tiçd. Cícero em seu De Q[ficüs
com ::is da Justiça, na tu ral. De fato, isso nem sempre ocorre em e Aristóleles cm sua Ética tratam a justiça com a mesma gene•
todos o~ e:t'-Os. As vezes 1 o que se chama de co nstiruiçâo do )idade com que tratam todas as demais virtudes. :'<as Lei.sde Cí-
Estado, isto é, o intere~e do govem0; as vezes, o intere sse d<.· cero e de Platão. em que naturnlmente seria de esperar a lgu -
o rdens parti~ula re~ ~le homen,,; que tiraniz am o governo, per mas temativas de se enumerarem as regras de eqüidad e natural
verrem as leis pos1L1vas d o país, co nrr-,1riando o que a justic a que as leis posi 1ivas de todo país deveriam fazer cumpri r, nada
nan1ral prescreveria. Em alguns paíse,, a n1de1..,1e barbarismo se enco ntra nesse sentido. Suas leis se referem à ordem públi·
dos homens impedem os se ntimentos naturais de jus tiça de ca\ nã o à justiça. Grotius parece ter sido o primeiro a intentar
alcançar a ac urácia e precisão que, nas nações mais civili7..1- oferece r ao mundo algo semel hante a um sistema cios princí-
~s , ~aruralme? te atingem. A exemplo de seus costumes. suas pios que clevenam perpassar e fundamentar .a~ leis d e toda.:.
leis sao grosseira~, 1:-'des e indisce rníveis. Em outros países, a as naçoes, e seu tratado das leis de guena e paz, .tpi;;:sarde to-
desgraçada_ consu twção de seus tribunais de justiça impe de das as su as imperf elçõe~, wlvez :,t;ja alt: hoje a obra mais com·
º.est~belec1mcnto ele qu al quer sistema regula r de jurisp rud ê n- piera que.:já st: ft!z .!>Ubrt=
t!Sjt: assu nto••. Em outro discurso tra-

cia: ainda qu~ os costume~ desenvolvido s do povo admitis.sem


o ~tstema mais ac~11-ado.Em nenhum país as detenninações da
• "Poltce", no orig ir,al. ~mith se refere :i cxcau;:io dc1justiça e:\ manu•
lei positiva coincidem exatame nte, e m cada caso, co m a1i re-
tenção da p .12 clomést1ca. (X da R. 1'.)
gra.s q u~ u .senso natural de justiça d itaria. Portanto, embo ra .. Gro tius, D<!/11re Belli. (N. d:i R. T .)

428 TEORIA DOS SElV71MEN10S M<>/,'1,

~rei d e explicar os princípios gerais da lei e do governei,,., 11


diferent es revoluções qu e experimentaram nos diferentl'' ln 11
J><?Se_pe ríodos da soc ieda de , não apenas no que diz re,,Jt•ihi
à iusu ça '. mas ã ordem e ã fazenda pública, ao exérc ito t. 111
do o mais q ue seja objeto da lei. Portanto , não me estcndt'H 1 CONSIDERAÇÕESSOBREA
nesm obra, sobre as minúcias da his tória da jurisprudénn, 1• PRIMEIRAFORMAÇÃODAS
LÍNGUASE SOBREA DIFERENÇA
DE GÊNIO ENTREAS LÍNGUAS
ORIGINAISE COMPOSTAS*

• Trata -x: d e A ,•iquezu das naçôes, de 1776. (N. da H. T.)


• Cotejamos o original à versão francesa de j. Ma\lget, Genebra , 1809.
,
Considerações sobre a primeira
f ormação das línguas etc .

A invenr;.io de certos nomes particulares para denotar ohje-


tos partic ula res, isto é, a criação de nomes substa ntivos, ser ia
provave lme nte um d os prime iros passos para a for mação da
língua . Dois selvage ns que nunca tivessem ap rend ido a falar,
mas qu e crescessem longe do co nvívio dos homens, nat ura l-
men te começariam a forma r a língua com a qua l se esforçariam
p ara d ar a co n hece r suas carências mútu as) e mitindo cer tos
~on.s sempre q ue desejassem dc:nma r cer tos o bjeLos. Ape nas
aos objetos que lhes fos sem mais fam ilia res e qu e com maior
freqüên cia tivessem 3 oc asião de men cionar atribu iriam nom es
p artic u lares . Assim . a ca ve rna p arricular que os ab rigasse do
ma u tem po, a árvor e pan icu\ar qu e aliviasse sua fome , a fon-
te pa 11icu lar cuja águ a saciasse sua sede, seriam prime iro de -
signadas pelo s tennos caverna,árvore,fonte, ou por qua isquer
outros nomes que julgassem apropr iados para ma rcá-las nesse
jargão primitivo. Depois , qua ndo urna experiê ncia mais amp la
leva sse esses selvagens a obs ervar ou tras cavernas, outras árvo-
res e outras fontes , e suas necess idades obrigassem -nos a men-
cioná- las, v~r-se-ia111nalUralrm:nte inclinados a aufüu ir a ca d a
um dcS5es novos obj etos o me smo no me pelo qual se acos tu -
mara m a ex pr essar o ob jeto sim ilJr que p rimeimmente conhe-
ceram . Nen hum desses novo s ob jeto s teria um nome que lh e
fosse pró prio, mas cada um de les se asseme lharia exa lame nte
a outro objeto que recebera lal nome. Seria impossív el àq ue les
selvagens contemplar os novos objetos sem reco rda r os anligos ,
e sem recor dar o nom e do s ant igos, com os qua is os novos
g uardavam tal semelhança. Portanto, quando acha ssem ocasião

432 TEORIA DOS SEN11MENTOS MOR 1II\

de men cionar ou apontar um para o outro qua lquer dos novo•,


objetos, naruralme nte pronu n ciariam o nome d e seu correspo n
de nte antigo, cuja id éia não poderia deixar, nesse mome nt o, d 1·
7 DJSSEJ<lAÇÀO SOHRE A ORIGEM DAS ÚNG UAS

É essa aplicaç:lo do nome de um ind ivídu o a um a grande


mult idão ele ob jetos, cu ja semelhança natura lmente reco rda a
idéia desse ind ivíduo e do nom e qu e o expressa , o que parece
433

aprese ntar-se, da manei ra mais intens a e viva, à sua memó ri:t a igina lmente ter cx:asionado a fon n ação das classes e dos agr u -
E assim cada um a dess as pa lavras, q ue originalmen te havia m pamentos cham ados nas escolas de gê nero s e espécie s, e cuja
sida no mes próprios de indivíduos, imperceptivelme nte se co n explicação da o rigem d eixa tão pe rp lexo o en gen hoso e elo -
ve;;r;er ia no nome comum de uma multid ão . Uma cria nça qlll ' qü e nte M. Rousseau d e Ge n eb ra 1• O qu e co nstitui u ma esp t•
esta ap rendendo a falar cha ma toda pessoa que entra na casa cie é sim plesmente u ma co leç ão de ob jetos, com certo grau de
de papa i 01.1 mamãe, co nferindo ass im a toda a esp écie:::: o!>no semelhan ça en 1re si e , por e!)Sa ra lào, de nom inados po r um
mes q ue ap re ndera a ap lica r a do is indiví duos. Conheci LUll só termo, o q ual pode 5er ap licad o pa ra expr essar q ua lque r
camponês que não sab ia o nome próprio do rio que co rria dian um d eles
te d e sua porta . Era o rio, diz ia, e nun ca ouvira n enhum outro Qu an do e ntão se disp ôs a maioria dos o bjetos sob suas
nome para isso. Ao qu e pa rece, su a exp eriên cia não o leva r:t classes e gn1pos ap rop riados , d istinguindo-o s por esses nomes
a ob.servar nenhum outro rio. Ec;tá claro, pois,que em sua ace p- gern is , remou-se impossí vel conferir à grande parte dessenú-
ção a p-.:1. lavra g eral rio era um nom e próprio , sign ificando u m mero qu ase infinito de indivíd uos, compre endidos em cada gru- ·
obje to ind ividual. Caso o levassem at é outro rio, não o teri::i po ou espéc ie part icular, nomes pe culiares ou própr ios , d istin-
pro nta mente chamado de rio? Seria poss ível supormos alguém tos dos nomes ge~ da espécie. Por consegu inte, quand? hav ia
que, vivencio às margens do Tâmisa , fosse tão ignorante a pon - oca sião de mencionar algu m objeto particu lar, não raro tazia-se
to de não conh ecer a pa lavra geral tio, mas que tivesse fam ilia- necessár io distingui -lo de ou tros obje tos compreendidos so b
ridade apenas com a palavra particu lar Tâmisa, se levada ai: e o mes mo nome gera l, qu er, em pri meiro lugar, por me io d e
ou lro rio, não o cha ma r pro ntamente de um Tâmisd! Isso, na suas qua lidade..s pecu liares , qu er, em segundo lugar, por me io
rea lidade , é o qu e eSlào aptos a fazer os qu e conhecem bem da relação pecu liar qu e g uarda va com outr as co isas . Donde a
a pala vra geral. Ao descreve r um grande rio que tivesse visto necessá ria origem de doi s outros grupos d e pa lavms, um dos
num p oís estr--J. ngeiro, um inglês naturalm ente diz qu e se Lmta q1.1
ais destinad o a exp rimir a quali da de; o ou tro, a relação
de outro Tâmisa . Q uand o os espa nhóis aportaram pela pritne ira Nomes adjet ivos são pa lavras qu e expressam u m,1 q uali-
vez na costa do México , te ndo ob se rvado a riqu eza, a popu la- dade considernd~, co mo qu;:ilificadora de qua lquer suje ito par -
ção e moradias daquele belo país, tão supe riores às das nações ticular, ou, como dizem os esco lásticos, em concreto co m esse
selvage ns que hav iam antes visitado , excl amaram que se tra- sujeito . Desse modo, a pal1vra verde exprime ce rta qu alidade
tava de o u1ra E.spanha. Donde chamarem-no de Nova Espanha, considerada com o qua lificadora de um sujeito, ou e~ concreto
nom e qu e esse infeliz país re tém desde en tão . Da mesma ma- com o sujeito particula r ao q ual pcxie se r a plicad a. E evide nte
neira, dizemos que determinado h erói é um Alexa ndre: q ue um
orador é um Ocero, que certo filósofo é um ::-.I ewton . Esse mcxlo
ele falar 1 que os gramá ticos chamam an to nomásia, e q ue aind a l. Orig i ne de l'füégali té. Partie pre miere, pp . 3i6- 7. Édition d'Amster-
d.im des Oi:uvres dhm:se:; dej .·J Roussea u º.
é extre mamente com um, posto qu e agora não seja de todo ne-
• Ta lvez Smith esteja se refer indo à segui nte ~ , ssage m: "Cada objeto
cessár io, demonstra qua nto os home ns são natu ral mente incli- re<:ebeu de inído um nome pa rtin tlar, se m levar cm consideuçio os gé-
nadas a da r a um objeto o nom e ele um outro com o qua l ma n- neros e as espécies, que esses p rimeir05 in~ tui::loresnão estavam em con-
te nha uma est reita semd ha nça, e assim deno min ar um a mu l- diçõe~ d e d istinguir (. ..), pois pa ra classificar os seres em denom inações co-
muns e gené ricas cump ria con hecer -lhes as>propr iedades e as d iferenças"
tidão p or uma palavra que fo i o rigin a lt111:,11te d esignada para (Discurso sobre a ongem e os fundamentos da desi'gualdadeenlre os ho-
exp ressar um indivíd uo. mens, Sào Pau lo , Martins Fontes, 199.i, p. 164.). (N. d a K. T .)
TEORIA DOS S/iN/fülfNTOS M O// 1/1 DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS ÚNCUAS
que pa l~vras dessa espécie podem sen•ir par..i dis tinguir objt· parado entre si um grJ.nde número de objetos, marcado su.1s
tos pa rticulares de outros com pr eendidos sob o mesmo nonH· seme lh:mç:is e disse melhanças quanto à qu al idade d:.i cor, e
geral. As palavras árvore verde, por exe mplo. pcxleriam serv u tê-los ::irrnnj::idoem seu espírito em diferentes classes e agru-
para disti n guir uma ãrvore particu lar de ou tras árvores que e., pa mentos , seg und o essa s semelha nças e dissemelhanças. Um
tivessem desfo lhadas.
adje tivo é por sua natureza uma pa lavra _ge~ e,. em cerra me-
. As preposições s.10 pa lavras que expressa m a relação con dida, abst rata; neces.saria ment e pressupoe a idéia de certa es-
s.1derada,.da mesma maneira, em concreto com o objeto correi: , pécie Oll agru p amento de co isas, ao qua l tud o é igualmente
t1vo. Assim, as pre posições de, a, para, com, fX)r, sobre, soh, ap licável. A palavra oordenão JX>deria - como supomos que po-
etc. denota m alguma relação que: subsiste en tre os obje tos e:x de ria ocorrer com a palavra caverna ~ ter sido originalmente o
pre ssos pe las palavras entre as quai::, !)e colcx:am as preJX)Siçõc~, nome de um individuo, e d efX>iSter-se tornado, pela transfor-
e elas den0tam que essa rclaç::1oé cons idc::rada 1:m co ncreto com mação qu e os gramã ticos chama m d e ant onomásia, o nomt
o ~bje t~ correlati_vo. Esses tipos de palavras servem para dist in ele tod a uma espécie. A palavra verde dencxandot não o no-
guir ObJetos pamcu lare~ de outros da mes ma es pé cie , quando ire de um;i ~ubMânda, mas a qua lidade pa rtirula r de uma subs ~
esses obje tos particula r-e.e.n::lo podem ser des ignados de modo ttlnda, dt:vc t~r sido , des de a origem, uma pa lavra gera l, co n
tão ~propriado por q uaisq uer qua lidades particula res . Quan s idc:rnda apli cável igua lmen te a qual qu e r ou tr:.lsub st5nci:i do- ·
do cl1zemos , por exe mplo , a árvore verde da ca mpina, d istingu i iada da mesm a qualidade . O ho mem que pr imei ro disting u iu
mos uma áivore panicu lar, não apenas pe la q ua hdacle que lh t· u m ob jero pmticu lar pe lo ep íreto d e verde d c~e ter o?s erva clo
pe rtencei mas p ela relação qu e gua rda com outro obje to. ou tros objcros qu e nào era m verdes, do s quais dese,o u sepa-
Como nem a q ualidade nem a re laçl:lo podem existir abs- d-los por essa de nominação . A institu ição de sse no m e, por-
tratamente , é na tura l supor que as pa lavras que d enotam essas tanto. supõ e que se faça um a comparação. Supõe igua lmente
idéi.as1 consiclerad1s em concre lo (o mod o como semp re as ve- a lgum grau de abstração . A p rime ira pessoa que inve n ~ou es-
mos subS~lir), 1eriam sido inventadas mu ito antes do que aspa- sa denominaç-Jo dev e ter distinguido a qualida de do ob1eto ao
lavras que exp1in11:mt!.>Sasmesmas idéias consideradas em abs- qua l e la pe rten ce, e ter conceb ido o objeto como suscetível
trato (o modo como nunc:1 as \•emos subsistir ) . Tud o no s le- de subs istir sem essa qualid ade . Por isso , a inven ção dos no-
''ª a crer que as pala,·ras verde t: branco teriam sido inventadas mes adjetivos, mesmo os mais simp les, deve ter exigido mais
am es das palavras verdura e brat1cura:, as palavras sobre e de metafísica do que estamos dJspostos a acredilar . As diferen-
sob, ames das palav rJs sr1pe,1oridadce inferioridade. A inven - tes operaçôes intt:lcnuais de arranj ar ou classificar, de co m-
ção das µt lavras da segunda classe requer um c.sforço de arni- parn r t:: dt:: albu .t.ir, <l~em ter :lido todas empregadas antes que
t~ção m~iro maio~ do que a das pa lav ras da pr imeira. É pro- ~ pudes.sem institu ir mesmo os nome s da s diferentes cores.
vavel, P?'S, que tats lem10-" ahstrn10s fossem uma ins litu içào ele tod oo os nomes adjetivos, os me n os metafísicos. Tudo SO·
be m mais recente. Sua et imo logia e m geral mostra que assim é, macio, infiro que , quando as línguas estavam começando :1 se
uma vez que essas palav ras ha bitu alme nte derivam de outra,; formar, os nomes adje tivos não se riam, de modo algum , as pa-
palavras qu e são conc retas.
lavr:ts que p rimeiro ~e inve n taram .
. Mas ainda qu e a invenção de nome s adjetivos seja m uito f-lá um outro meio de indi car as diferentes q ual idades de
mais na tu ral do que a dos nome s subs tantivos ab.stratos deles d iferen tes su bstânc ias, que, não exigindo abs tração o u sepa•
d:'r ivad:>s, um cons ideráve l grm1de abstração e genera lização ração mental da qualidade e do sujeito, parece mais narural do
nao sena menu~ necessá rio para produzi- los . Por exe mpl o, os que a invenção dos ad jetivos e que, por essa razão, dificilme n-
home ns que pr imdru invent ara m as palavras verde, az ul, ver- lc deixar ia de se aprese ntar ao esp írito antes de les , na épocada
melho, e os ou tro.s nomi:::, d ~ co res, devem ter observado e co m - .primeir.-1formação da língua. Esse meio con siste em fazer o pró-

'i
436 TEORIA DOS SENTTMF.NTOSMOU. \ I \ DISSERTAÇÃO SOBRE A ORJGEM DAS ÚNCU4S 437

prio nome subs tant ivo expe rimenta r alguma va riação, st.·1-,11111 d iferentes formações ele nomes suhsta nlivos f~m capa~ d~
do as d iferentes qualidades de que é dotado. Assim, em v;11,., expressar muitas outras qu alid ades distint:15.Os diferen tes dtm 1•
línguas as qualidades do sexo e da falta do sex o se expri nu 111 nut ivos do italiano e de algumas oulras Línguas às vezes expn-
por d iferentes termina ções dos substantivos, denota ndo oi>t mem rea lmen te uma gra nde var iedade de modificações nas
tos qu e possuam essas qualidad es. Em la tim, por exemplo, , 1• substâncias de notadas pelos nomes que sofrem ta is variações.
palavras lupus 1 lupa ; equ11 s1 equa;Jttvencu..s,J uvenca;J11/Ju\ Contudo, seri a imposs ível q ue os nomes substanuvos so-
Julia; Lu.crettus, lucretta, etc ., denotam as qualidades de 111.1 fressem, sem per der inteira men te sua folllla origin al, tan:as va-
cho e fê1m:·d~m an imais e 1:x:s.soas a quem pe 11encem ta is nn riações quant as fossem suficientes p ara e~pressar _essavanedadt:
mcs, se m ser necessá rio adicionar LIIII adjc th o para <::sscf1111 quase infinita de qu alida des , pe las _quais p och:;~rn se r n ~ces~á •
De out ro Indo, as pn lav ras Jorr..t m, p r·antm, plaustru.m Ul.·1111 rio espec ificá-las e dis1ingul -h1st::md1vt:rsas ocasiões. _Assim, tun
tam po r sua termina ção pea.ilinr a total ausên cia de sexo n ,1·1 da qu e as diferentes rnuclillcaçôes de nom~ substan_uvo.s pudes •
diferentes sub stâncias q ue rep rese nta m. Como tanto o sexo, se m pn:::venir,po r algum temJX), a nec css klade de invent ar no-
quan10 a ausência do ,;;exo for:im n~tura lme nte cons idewd.1~ vos nomes, foi imp oss ível preven i-la inteir-.-u n ente . Q11:1nclofie
corno qu alidades modificadora,i;:e insepalilve is elas subst:1ncl ,~ invcnrnra m nomes adjetivos, foi natura l q ue se fonm1ssemcom
partia..ilares a que pertencem. foi natural. expressá-las antei. p 11 algu ma semelha nça com os subs 1ant ivos aos ~ua is serv iriam de·
um a m<Xlifi caç-J.ono nome substantivo. mais do que po r q1rnl epítetos ou qualific-açõe.,;,;.Os homens ~es da n am ~ruralmen~e
que r palavrd geral e abstrata, destinada a expressar essa e:spc ac. mesmas terminações dos substan uvos, e, por 1ntennéd10
cic pa ni cu lar de qual idade . Es~iclaro que a expressão tem, d,·., desse amor à similirude d e som, desse encanto pelos retornos
sa mane ira, um a analog ia m uito mais exata que a o utra, com .1 das mesmas sílabas, que é o fundamento da analogia e m todas
idéia ou ob1eto que a de nota. A qualidade se apresenta n:1 n 1 as língua s, esta riam disJX)StOSa -~ariar a t~~inação do mesmo
nireza co mo um a mochficaç:lo de sub stância e, como é ac;siri1 adjetivo , segundo tivessem ocas1ao ~~ aplica-lo a um subs rantt-
r::xpn..~ na linguagem por uma mo:Jificaçao do substantivo qm· vo masculino, fem inino ou neutro. Omam , assun, magnuslupus,
denota essasubsW.n1.:ic1 , a lf Uõ.i
li<lc1<l Ujelto esr.:'lo,nesse <.·,1
c: e o -'> magna lupa, magnum pratum, quando qul scss ~rn expr0:,a r
so, co m bina dos um com o outro, se a~ im p~o d izi::r , na i..'X um grande Jotx,, uma g rand e loba, ou um gn111~e_prado
pressão, da mesma maneiro que p arecem e:,tar no objt:lo e 11;1 Esse uso de variar a ttr m inação do nome ad1ct1vo, segun -
idéia. Daí a origem dos gêneros masculino, femin ino e ncu tH> do o gênero d o ~ub:,tantivo, que tem lugar cm toda s as línguas
em todas ;is líng11~~an 1igas , Por meio desses gêneros, as m:u.•, am iga:,, pare ce ler s ido introd u zido pr incipa _lmente por amn r
im po rtantes de todas a~ distinçõe,o,, ot1 se ja, as distinçõe!i en ã sim ilitud e de so m, u ma certa espécie de nnrn , qu e n~1ural-
tre su bstâncias animadas e inanimadas , e as de anim ais em m:, incntc ag rada tanto ao ouvido hum .1no. Deve•se advertir q~1e
chose fêmeas, pare cem ter sido suficientemente marcada~ se n1 0 gl}n ero n:1o pode pro pr iamente pertencer a um nom~ ad1e-
o auxílio de ad jetivos ou de toda o ut ra espéc ie de no mes gc e
tivo, c11jn .signit1cado sempre precisame n~e o mesm o, S~J.ª qua ~
rais q ue se rvem para den otar essa especie de qualidade, de to for ::i natur eza do substa ntivo a que se apl ica. Quando chzemos
das a ma is ex tensa. um grande homem, umap,rande mulher,~ palavra g,-au~e ~e m
Não se encon tram ma is do que esses três gêneros nas Jín. exatamente o mesmo significado nos dois casos, e a ?_1fe1en-
guas que con heço, que r d izer, a fonnação cios substantivos n:lo ça do sexo no obje lo a q ue se aplique não i_ntrod uz chferença
pu de por s i só , e se m o a uxilio de acljelivos , ex pre ssar outr :-1:-. alguma na sua significação. Da mesma manemt, Ailagnus, mag-
qualidades .::t:nào a~ três adma mencionadas , as qualidades dL' na, magnumt são palavras que expressam predsamemc;:: ..t nu::,-
macho, de fêmea, ou de nt:m macho nem fl:mca. No enramo, ma qualidade, e a muda nça da te~ a~ o não f: aco mpanha ~t
não me surpreenderia ~e cm outms língua-, qut: nào <..unhe\.U ª" de a lgu ma espécie de vanac;ao no signific ado. O sexo e o gc -
438 TEORIA DOS SENI1MEN'IOS MOI( 11\
, DISSEKTAÇÀO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS
n~ro sào qua lidades que pe rtencem às s ubstânci::1s, ma., qi1t mente fonnar se m um con sideráve l esforço de :i.bscração . Uma
nao pode m pe ~encer ãs qualidades das substânc ias. Em gt•1,1I preposição denota. uma re laç..-ã o , e nada além de uma rel:tçio
nenhuma ~ual,dade , quando considerada concretamemc. 111 Mas antes q ue os homens pudessem instiruir uma pa la\'ãd.que
~o qual.ifica~ora de algum sujeito panicular. pode ser COl"llt· sign ific:ti;;seuma relaçã o, e nada além de uma relação, foi pre-
bi da co mo suieno de qua lq uer o u1ra qualidade, embora , qu: 111 ciso q ue pud esse m considerar em alguma medida essa re lação
do con.s1derada em abs trato, isso possa ocorrer. Desse mcx:11 independcntememe dos objetos relacion ados, pois a idéia des-
um adjctivu j.t~na!s pode qua llficar outro adjetivo. Um grmut/, ses obie los de modo algum pani lha do significado da p repo-
homem bom s1g1~nc~ u~ ho mem q ue é a um só tempo gnm sição. Por conseg uinte, a invenção de ta l p alana deve ter exi-
dee. bom. Os doas adJet.lV~ 1.. 1uali íica m o sub&antivo, mas n,u, gido u m grau coruicleráve l de abstração. Emterceiro lugar , uma
qua lificim um ao outro. De outro la<lo. q uarx:.lod izemos a gran preposição é por natureza um a palavra gera l, que desde sua
1e Jxmdad e_dohomam, o termo bondade, denot ando uma qu;1 prime ira mstitu içdo deve te r sido considerada como lgualmen-
~,~ade co nsidera.da e rn :1bsu:aco, que pode se r ela rnc; ma :;u te própri a para den otar qua lquer outra re la<r-aosimilar. O pri-
Jetto _de outras qua lidades, é suscetível, por essa razão, d e Sl.' I meiro homem q ue inventou a pa lavra sobre d eve não ap en as
m od ifica do pe la palavra grande.
ter distingL1i dv , t:m l:t.::1ta med ida , a relação d e superioridade cios.
Se a invenção o,igina l de adjetivos apr esen tasse tonta d ifi ttx1assim relacio nados , mas dcYe ainda ter distingu ido ess:t
ubjc.::
culda de, a das prepos ições oferece ria ainda mu ito m~lls. Confor rel ação de ou tnis relações, tais co mo da rela\,-5.0de inf e riori-
rr:iejá come nte i, cada preposição denota a lgum a relaçã o co n- dt1da, deno tada. pel a pa lavra sob, da rel:tção de j11staj)osiçâo,
side rada e m co ncreto co m o ob jeto co rrela tivo . A pre po sição denornda pe la exp res.s~o ao lado de, e assim por d iante. Deve,
sobr e, po r exemp lo, denota a relação de su pe riorida de , nào
en tão, ter conceb ido esse ter mo como exp ressão de um tipo
ab stratamente como é expressa pela paJavra supe,iori dad e, ma:, ou es pl-"C ie particu lar de relaç:io . d istinta de todas as demais, o
em co ncreto e.umalgum obje to co rrelat ivo. Nessa frase, por que n:lo poder ia fazer sem co nsiderável esforço de compara-
exem plo , a á1vorr:sobrea caren1a,o termo sobreexpressa cer-
ção e generalização
ta relação entre a á,wre e a caverna, e exp ressa essa relação Portam o . fossem qu ais fossem as d ificuldades envolvid as
em co~cre to_com o objeto co rrdativo que é a caverna. Para qu e na pri meira inven çào dos adjetivos, as me smas e muitas mais
o sentJdo sep completo, uma preposi ção ~tmpre requer algu- de\'e m ter se oferec ido quando da invenção das preposi çoes.
ma pal~vra depoi s deki, como se pode observar nesse exem - Se os ho mens, na época da primeira forma ção de língua s, pa -
plo p articular cit:tdo . Mas digo que a invenção o rig inal dessru, rece m ter-se esq uivado , por a11,,rnn1ei1~XJ. ela neL--essicladcde oe
palavras ~eve ter exig ido um esfor9=>ainda maK>rde abstração serv ir de adjelivo::i, variando a tt:rminaçào doo nom es das su bs-
e generaliza ção q ue a dos adjetivos. Antes de tudo uma relo tam.:ia~, ::it:guml o t:~tas variasse m cm algumas de suas qualid a
~oé em_si m:sma um objeto mais metafisico do qu;
uma qua <.k~ mais irnportantc5, devem ter-se \'isto .ls voltas co m :l ne-
]idade. Nmguem pode se confundir ao explicar o que se eme n- cessidad e mui to mais premen te de ev itar , por 3\gum artifício
de por u ma qualidadei mas pou cas pessoas se se nt irão capa- se melhant e , :1 inven ç,io aind a mais d ifícil das pr eposi ções. Os
zes d e explicar_ muito claramente o que se e n tende por uma diferen tes casos na." língu as antígas são um artifício exammente
relação. As_qualidades são qua se sempre objetos de nossos se n- do mes mo gê ne ro. Os casos genit ivo e da tivo na s líng uas gre-
l1dus exceno res; as relações, ;amais. Não ad rni.r,1, porcanto 1 q ue ga e latina su prem clarament e o lugà r de preposições, e ex pri-
uma da, d uas classes de Objetosseja incom paravelm ente mais me m por uma va riação no nome substant ivo ) q ue representa
comp r~c_nsívcl do qu t: a u utra. Em seg undo lugar , e mbo ra as o termo co rrelativo, a relação que su bs iste emre a idé ia que o
prepos 1çocs se mpre exp ,~~t:111a rdação que repres ent am co n~ nome subs tant ivo e ncerra e a idéi a qu e algum o utro termo e.la
ere tamente co m o objeto co rrelativo , nâo se::pode riam orig mal•
frase encerra. Por exe m p lo, nas exp ressões fr u ctu.sarboris, o

440 11!011/A D0s Se.VIIMENIOS MORAI\ DISSERTAÇÃO SOllRE A ORIGEM DAS LÍNGU~S 44 1

/rnto da ámore, socer Herculi, co nsagrado a Hércules, as v, t ção, no começo devia se r mu ito mais nan ara!e fácil exprimi- la
riações rea lizadas nas pa lav ras correlativ:ts árvore e llérc 11//•, assim do que express á-la por essas pal av ra s gerai.5 chamadas
e.'\'.pr essam as mesnrns re lações que em inglês exp rimi mos pl' preposições. cuja invenção deve ter exigido alg1.1mgrau d e to-
las prepo sições of (de) e lo (a, para). das aq uelas operações.
Para expressar um a relação dessa maneira não foi neces~a O número de casos não é o mesm o nas diferentes línguas.
rio es forço algum de abs tração. A relação não foi. aqu i, expn:, Há cinco em grego , se is e m latim, e dez , segundo dize m , no
sa por uma pa lavra pecu liar que denotasse um a relaçào , e na<la id io ma armên io. 0 e,·e ter n atu ralmen te s uced ido que o nú -
além de um a re lação, mas por um a va riação no tenno co m~:la mero de casos fosse ma io r ou menor , segundo os prime iros
livo. Assim como se mostr::ina natureza, foi exp ress a não co inventores ela linguagem estabelecessem um número m aior ou
mo algo separado e apa ,tad o, mas co mo algo com pleta m enw me no r ele va riações na termi nação d os subMant ivo~, a fim d e
mescla d o t.: fL111<litlu curn o obj eto cor rela tivo ex p ressar as d iferen tes rch1çõe~ qu e pu d eran.1observar, antes
Essa ma neira de ex p 1t:~~i:lr a co n e laç àu enLre as pal avra-' da lnvt nçao th.~~l::. p repos ições mais gera is e abstrata s que po
nã o exigiu esforço algu rn de generalização . Os termoo arúo t:.kriam ocupar o lug ar dess as variações .
ris e Her culi, emb o r:. encerre rn em sua significação a mcsm,1 Talvez valha a. p ena notar que ess as preposi ções, as qu:1is
re l:açào express::1 pe las preposições de e para não são, como oc u pam, nas líng uas mode rn as, o l ugar OOsan tigos rnsos, .'> ã o·
essas p repo s içõe~, palavras gerais. próp rias para express~1r :i de tocb s as m:iis gera is. abs tratas. e metafísicas e, por cons e -
mes ma relação entre ck>is outros objetos quaisquer enrre º" qüência , provave lmente foram as última s a serem inventadas.
quais po deria sub sistir. Perguma a um homem de sag acidade or din ária: que relação
Essa mane ira de expressar a relação não exigiu nenhum expressa a preposiç ão sobré' Ele responderá pro niam ente: a
esfo rço de compa 1&ç-do As palavras arb01ise J-J erculi não sú:) de superioridade. Que relação expressa a preposição sob' Ele
palavras gen is, destinadas a denota r uma espl-cie particular de,: respo nderã com a mesma rapidez: de inferioridade. Mas pe r-
relação, que os inventores dessas expressões pretendessem se gunta-lhe que relação expr essa a prepos ição de, e se de ante-
para r e dist ingu ir de rodo OUlrO tipo de rebç.lo, e m conseqüêr. mão não tiver refletido bastam e sobr e isso, segura mente pode;
eia de alguma comparaçao anterior. O exemp lo desse att ificiD dar· lhe um a se mana para pe nsar na resposta . As prepru,içCJQ
pro v,n dmcn1 e em brev e se ria segmdo. e todo home m que en sobree sob de notam alguma das rda\, Oe::.1::xpre.:,sa~pdo5 ca-
contJ'cl&it:oca~iào <lt:..:xpn:~r a rela\.,-ao .similar entre q uaisq u er sos nas línguas am igas . Todavi a, a preposição de denota a mes -
outros ob jeto:; pode ria m uito be m fazê -lo 1X)r mtio de:: unu mo,rdaç ãu ~xpressa . pelo caso ge nitivo, rela ção que, como se
v:1ri:1çào similar co m o nome do objeto co rrclat iYo. D igo que,: pode facilmente observa r, é de na turez a mu ito meta~sica . ~
isso provave lm ente ou, 3.ntes, certam ente oco rreria; mas é p n.: denota rclaçào em gera l, co nsid erada e,n concre to com o oh ie-
ci.,;;o~1ssinalar q ue isso !-e fari a sem nenh uma intenção ou pr e vi to corre lativo. Essa pa lavra ind ica qué o .'-ubstanrivo q ue a an-
são da parte dos que i,rirneiro e"it:1he lece 1~m o exe mplo, e qL11.: tecede est~ liga do de um modo ou ou tro ao que se segue, mas
nu nca cog itaram es tabe lece r um a regra geral. A reg ra gera l vi ~ m dere rmin ar ele alguma maneira, co m o faz a prep os ição so-
ria a se est2.be lece r ele moclo imp ercep tíve l, e po r gradaç<X:'.1.; bre, q ual a nawr eza pec uliar dffisa re lação . Assim, freq ü ent e-
lentas, se m outro motivo , se não pelo amor à ana log ia e seme- men te a aplica mos pa ra exp ress ar as relaçàffi ma is opo stas,
lhan ça de so ns, que é o fund a ment o da ma ioria das regm~ porque tais re lações têm em com um o fato de c-J.da uma de-
gramatica is. las en ce 1Tar e m si ,nes tna a idé ia gera l ou a natureza de uma
L'ma vez qu e pa ra se expressar um a rela ção pe la variação re lação. Di1,emos o pai do filho e o fil/Jo do pai ospinheiros da
no no me do ob;eto corre lativo não se fazia necess.:íria n em ab s- floresta, e a floresta dospinheiros. A relação do filho com.º pai
tração, nem generalizaçao, nem nenhuma esp( "Cie de co mpara - é ev iclentememe uma relação inteiramente oposta à do pa i l.:0 1n
442 JEORIA DOS SENI1J1E,VTOSMORAI.\ D!SSERTAÇ'ÀOS0/31/EA ORIGEM DAS LiNGUAS 443

o filho*. A relação das p artes co m o todo é comp letamente pe rceber as re lações que elas denotam . Ora, nenhu m expe die n-
oposta à do todo com :ts pa 1tes . A palavrn deseive , co ntud o, te é tão óbvio qu::tnto o que consi~te e m variar a terminação de
bastante be m para denota r todas essas relações, porqu e em .c:i uma das palavras p rincipais .
mesma não denota uma relação particular, ape nas uma relação Talve z seja inúlil advertir que ent re os casos das línguas
em gera li e na medida em q ue se retira uma relação particu lar antigas, por motivos particu lares , algu ns não podem ser rep re-
de tais expressões, o espí rito in fere não mais da preposição e m sentados por prepo sições . São os casos nominativo , voca tivo
si mesma, mas da natureza e d isposi ção elos substantivos, en - e acusativo. Nessas línguas mode mas que não admitem nenhu-
tre os qu ais se coloca a prejX>sição . ma variedade semelhant e nas term inaç ões dos substa ntivos,
O que venho de d izer qua nto ã preposição de pcxle 1 em as relações co rrespondentes são exp ressas pelo lugar dos ter-
certa med ida, ap licar-s e às preposi ções para , com, por e a ro- mos e pe la ordem e construção ela frase.
das as outra s pre pos ições u tilizacla.s pda.s línguas modt::rnas Como os ho mens têm freq üent es ocas iões <le men cion ar
para s uprir o lugar dos antig os casos . Todas ex pressa m rela- multic.lúes be m como objetos isolado s, tomo u-se necessãrio
çõec; muito abstra tas e mu ito metafís icas, as quo is alguém qu e ob lere m algum método de c>..-prcssarnúmero . O nllmero pod e
se dê o trabalho de ex,imin~ -las desco brid ser muito difícil ex- ser expresso ou por uma p alavra particu lar, que exprima o nú -
pressar po r nomes substant ivo.,;;, d a mesma m;meirn que po - mero em gera l, co mo as pabvcis mui tos, mai~\ e le. , ou por al- ·
demos e xpressa r a relação deno tada pela p repos ição sohre, guma variação nas palav ras que exp ressam a coisa numerada .
pelo nome substantivo de superioridade. Porém , toda.s elas ex- É a esse último ex pediente que a hum anidad e p rovavelmente
pressam alguma relação es pecífic a, e conseqüentemente n e- teria reco rrido na infância da lingu agem . Cons iderado em ge-
nhuma de las é tão abstrata quanto a prepo sição de(of), que rdl. e sem relação co m algu ma classe especial de ob jetos enu -
se pode1ia considerar como a mais metafís ica de tocfas as p re- merados o nú mero é u ma das idé ias mais abstratas e me tafísi-
posições . Portant o, as preJX>sições que são capazes de oc upar cas qu e ~ espúito hum ano é capaz de fo1m ar e, precisamente
o lug.:1.
r dos antigos casos , s~ndo ma is abstratas do que as ou - por essa razâo. não é uma idéia que se ap resentasse proma men -
Lra.
s prepos ições, foram natur almente mais dificeis dt: invernar. Le a homen s rude s que apenas estivessem começa ndo a fonnar
Ao mesmo temp o , as relações q ue essas prepos içõe~ expres- um a língua. Estes foram n aturalmente cond uzidos a distinguir
sam são dentre todas as qu e mais amiúde ad1r1mos ocasião de em se u discurso a exp ressão ele um obje to simples e a ele uma
mencionar no disa..m;o _As preposições sobre, sob , c1, arr1, som, mult idào, não por meio de ad je1ivos me tafísicos , to mo as pa-
contra , etc., são empre gadas muito mais raramente nas língu:is lavrn::,um e uárius, mas po r meio de uma variação na te rmi-
modernas do que de(q f) , para (to). para (for), com, de (Jrom),
nação da palavra que significasse o.sob jetos enume rados . D aí
JX)r( by). Uma preposição como a da primeirn espécie não ocor - a origem d os núme ros sing ular e plura is em toda s as línguas
rerá duas vezes no espaço de uma pág ina, ao passo que difi- ant igas, díst inção que se conservou em toda s as línguas mo-
cilmente pod e mos compo r uma só frase sem ajuda d e uma ou
de rnas, pelo menos mt m:t ior p arte das pa lavrns
dua s pre posições da segu nda espéc ie. Se en tão essas prepo -
Tod as as línguas p rimitivas e não-compostas pa recem te r
sições que ocupam o lugar dos casos fossem unrn invenção tão
um núme'ro dual e um plu ral. É o caso do grego, e. segu ndo me
difícil, ern razão d e se u rnr ále r demasia d o abslrato, seria indi s-
dizem . d o hebra ico. d o gót ico e d e mui tas outr-.as. É possív el
pensável na origem imaginar a lgum tXJ=-.::d iente pJr a ocupar se u
que nos m des primórdios da soc iedade as palavras um, doise
lugar, gr-..1.çasà freqüente opo11u nidadc qu e os homens têm de
mais fossem talvez as únicas di:,tinções nu méricas qu e os h o-
mens tiveram necessidade de empregar . Ju lgariam mais natur al
* Talvez fosse o caso d e dizer que as duas relações - a do pai cem o expre ssá-las por uma variação e m cada no me su bstantivo pa r-
filho e a do filho com o pai - são antes inv er. as que opostas (N. da R. T.) ticular. qu e por palana s ge rais e abstratas, tais co mo um, do iS,

444 1EOR!A DOS SENTIMBvTOS :110RAIS DISSERTAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS ÚNGUAS 445
IW.s,qua,ro etc. Essas palavras, embo ra o costume as ten ha to r- de, g ran des, tC:mprecisame nte uma e a mesma significaç~_o,
nado fami l iares a n ós, talvez ex press assem as mai s sutis e rc embora os substantivos a q ue se aplica m n ão tenh:1m. A dife-
finad as abstrações qu e o espírit o human o é cap.iz de form ~tr. ren ça da tenni naç:lo no nome adje tivo não é acomp:mh ada de
Que cada um de nó s considere em si m esmo , por exemp lo , o ne nhuma espécie de d iferença no sentido. Um adjetivo d eno-
que en tende pela palavra três . qu e não signif ica nem 1rês xe - ta a qu alificaç ão de um nom e sub sta ntivo. Mas as diferentes
lins, nem três pence, nem três bomens 1 nem três cavalo s, mas relações na s qua is o no me sub stant ivo pod e acide ntalmen te
três e m ge ral, e não custare mos a no s conve n ce r q ue, por de- se en contra r n ão trazem co nsigo d iferença algu ma em su a
nowr uma abstração tão metafísica, tal p alavra não poder ia se r qua lifi cação.
inventada d e man eira tão ó bvia e tão precocemente . Li a res- Se as declinações das língu as an tigas são tão comp lexas,
pe ilo de algum as na ções selvage ns, cuja língua era capaz ele suas co njugações o são infinitam ente mais . A co mplex idad e
expre~ar a pe nas as três primeiras distinções numér icas . Ma..., de um a fundamenla-se sobre o mesmo princíp io qu e o da ou-
não m e lembro d e ter visto a lh,10que pudesse de term inar se essa tra, isto é, sobre a dificu ldade de criar, na origem ela líng ua , te r-
língua exp ressava essas d istinções por trt.:: s palavras gera is, ou mos a bstratos e ge rais .
po r va riações nos nom es subst antivo s qu e designam as coba ~ Os verbos devem nt!cessariamtnte ter sido coevos das pri-
numeradas. me iras Le ntativas de formação da língua . Não se pode cxprc s- ·
Uma vez que as me smas relações existe ntes ent re obje- sar afrnm ;çâo alguma sem ajuda de u m verbo. Nunca falamos
tos simpl es podem também sub..,;;is rir entr e objetos múltip los, senão para exp rcs.sar no sso. crenp de que algo é ou não é. No
está claro qu e deve ter havkl o ocasi:10 no du al e no plt1ral pa ra entanto , a pa lavra que de nota esse evento ou fato, q ue é o su-
o mes mo núm ero de caso s que no singu lar. Da í o i ntrin cado e jeito de nossa :ifinnação , semp re de ve ser u m ve rbo.
a d ificuldade elas decl inações em todas as línguas antigas . Em Os verhos impessoa is, que e xpr essam num a pahwra um
grego existem cinco casos para cada um dos três núm eros , e evento comple to, que conse rvam na exp ressão a simp licidade
conseq üenteme nte qu inze ao todo . e uni dad e perfeitas q ue semp re exjstem no objeto e na idéia , e
Assim como os nomes adjet ivos nas lín guas amigas varia- que não supõe nem abstraçào, nem di\'isJo met.:'Úísicado eve~ -
vam suas terminações segund o o gênero do su bstantivo a que to em se us d ive rsos elem en tos co nstituint es de sujeito e atn-
se ap licavam 1 vaiiavam também sua rennina çào segundo o caso buto, tais verbos, digo , muito provave lmente seriam a p ri me ira
e número do sub stant ivo. Uma vez que cada nome adjetivo na espécie de verbos que se inven taram . Os verbos pluit, chove-,
língua grega po 55ui três gene ros e m?s números , e cinco ca- ningil, neva ; tonat, trov~ja: lucet, é dia; turbatur , há uma con -
sos para cada número, pode -se dizer qu e e~5a líng ua poss ui fusão etc., exp ressam , cada um, uma afirma~:ão co mp leta , o
quar enta e cinco va riaçõ es diferente s. Os inven tores da lingua - conjunto de um eve nto. cum a sim plidda <le e unidade perfei-
gem p:i.recem ter varb.do a te rminação do adjetivo segu ndo o ta <..--Omqu e o esp ír ito a s concebe na na lur cza . Ao co ntrário, as
caso e núm ero do subslan tivo , pela mesma razão que os fez frases Al exande ram bu lat, Alexandre caminha ; Petrus sedet,
variar segundo o gê nero: o amor à an:ilogi;l e a uma ce rta re - Pedro se senta, dividem o evento, por assim dizer, em duas p~1r-
gu laridade d e som. Não há caso ne m núm ero na sign ifi c<lç?io tes, a pessoa o u suje ito , e o atributo o u foto afirmado desse su-
d os acljelivos , de modo qu e o se ntid o ele tais pa lavras é se m- je ito . Porém 1 na n~1ti1reza . a idé ia nu conce pção de Alexandre
pre exatame nte o mesmo, a despei to d e tcxla a variedad e de te r- cam inha ndo é um conceito simp les t~lo pe rfeito e u no q u~nto
minação sob as q uais se apresenram. 1'1agnus vi1~maRna viri, o de Alexandre não caminhando . Por essa razão, a divisão des-
magnorum virorum, um g rande homem, de um grande ho- se evento em du as partes é inteiramente artificial, e é o e feito
mem, de grandes bomens. em todas essas expressões. as pala- da im perfe ição d a língua , que nessa como em mu itas o utras
v ras magnus, magni, magnonm1, bem como as pa lavras gran • ocasiões su pre por uma série de pa lavra.s a falta de uma que
446 nw11A DOS SEJ\71MEl,70S.MORAI \ DJ5:Jl!J(/ :4ÇÀOSOHNEA ORJGE/1,1DASLÍ:YGL:AS 447

pudes ...
o;e expressar de unrn vez todo o fato que se pretendia afir mo, no poster ior progresso da sociedade, a palavra venit po-
mar. l\"ào há uma única pe~~ que n:io enca-itre mais simplici- cleria adqui rir um -.entido ainda mais geral, e passar a signifi•
dade na expressão natura l pluit que nas expressões mais artifi car. como atualmente. a aproximação de qualqu er coisa, seja
cia.is imberdecidi!, a chuva ca~ ou /empestasestp/uvia. o temj)o boa. má. ou indiferente.
é chuwso. J\uma dessas duas frases, o simples evento ou fa Foi provavelmente de uma maneira semelhante a essa des-
to é artificialmente dh·idido em duas partes e, na outra, em trê.i,. crita que quase todos os verbos se tomaram pessoais , e que os
T an to numa, como na outra , o evento se exprime por uma es- homens ~,prenderam gradativame n te a panir e divid ir quase to-
pécie de circunlóquio gramatical,cuja significação se fundamen dos os acontecimentos num grande número de parte s metafísi-
ta sobre uma certa anãlise metafisica das partes componemc, cas, expres.sas pelas diferentes partes do discurso, combinadas
da idé ia que se expressa pela palavra plwl. Portanto, somos le- co m variedade nos diferentes membros de cada frase e senten-
vados a pensar que os pr ime iros verbos, rnlvez atê as pr imei çal. Ao que parece, a arte de falar exper imemou o mesmo pro-
ras palavra!, U!>adasn;i or ige m e.la lú1gua , mu ilO p rovave lme nt l' gres_çoque a arte de escrever. Logo quem homc.::nscomc.::çanun
se riam verbos imr,x:sooais como aqueles. A!:iS im, os gramá lico:, a i:xp n:~~r i>U<t~idt::ias por escr ito 1 cada caracter representa-
hebreus obse 1vamm 1 segu ndo me con tara m, que as palavras m va um a p,ilavra inte ira; mas, uma vez qu e o núm ero de pab
dicais de sua língu~. cb qu:1I derivam todas as ou tr.1s, são scn, vras é qL1asc in finito, a me mór ia se viu sob rec.1rregada e opr i ·
pre verbos, e verbos imp essoais . m ida pe la multid ão ele caracte res q u e er:.t obrig a<b a reter. A
É fácil co nce ber como . no progrCS.'-Oda língu.1, os ve rbo ., necess id~1de e nsinou-l hes enrito a decompor as p:i.l~1vrns cm
impessoaisvierama se tomar pessoais.SufX)nha
mos, por excm seus ele mentos, e.a inventar caraaeres que represen lassem,
pio, que a pa lavra venil, vem, fosse originalmente um verbo irn n~o a,,;;pah1vras em si mesmas, mas os elementos que as com*
pessoal, e q ue denmasse não a vinda de um objeto qualquL'r, punham. Como resu ltado de ssa in\'ençào, cada palavra pa11i-
como hoje, mas a vinda de um ob jeto particular, como o /eâo cular ve io a ser represe ntada não mais po r um , mas por uma
Suporemos que os primeiros se lvagens inventor es da língua, mu ltidão de caracteres, e sua exp ress ão escrita tomou-se mui-
ao cbservarem a aproximação desse tenível animal, estavam ha to mais intrincada e clifíal que antes. Mas, posto que as palavras
bituado s a gritar uns parn os outros uenil, isto é, o leão vem particu lares fossem ass im representadas por um maior núme-
e que essa pa lavr.a expressava aSSJ.mum evento comp lew, sem ro de caracteres , toda a língua foi e xpre ssa por um número
a1ucla ~ nenhuma out.r.1.Depois , tendo a linguagem rea liz.1th1 mu ito menor , e encontraram-se vinte e quatro letras, sufic ien-
novos progressos , e tendo começado a dar nomes às subs1n11 tes para sub...~tuir a imensa multidão de c.1racreres
atuesneces-
cias parti rularcs, os selvagens qu e observava m a aproxinwr,ic, s.írios. Da mesma maneira, na origem c.Jaslínguas, os hornt:n::,
de outro terrível objeto na 1urn lmcntc tcnam associado o no
me desse objeto à p3ktvr::t venil, e gritariam vaniJ ursus, wnh
tu.pus. Por grad:1çõe-., a palavF.1 venil p:iss:1ria, assim . a desil-( 2 Como :i mai or pane dos verbos atualmenfe em t.so expri mem , n:lo
na r a aprox imação de um ohjeto te rrível qual qu er, não apen; 1, um even10 comple10, mas o atribu10de um evenio, e cxig.._,'111, JX>rconseguin-
te , um su;ei10 ou um aso nomin a1ivo para complcmr seu sentido, alguns gr:1.
a do leão . De agora em diante, pois. expressaria não a vinda th
m:'lllcos, po r n3u ;u..-u111panJ1;m::m..:~ progn::s:.o da mHura.i e poi · dc:seprem
um obje to pa rticular, mas a de um objeto de uma espécie p:11 torn:ir su:1s rt.-gms oo mun~ int e ir.unente unive,-.;;li<•, -.em exceç;.lo, prcfcnde•
ticular. Tendo adquirido uma significação mais geral, é impo-;:-;1 ram que tocbs os verbos exigiri:1111
um nominativo, quer expresso, quer !;1.1ben-
vel que tal p alavra representasseum evento parcicular e d istin o. Ess:1a rnz~opor Qllt' se impuserama torturaOCencontrar algunsner
tendJCl
111inalivv:, l'k.lk.1.dv:,p.tr.:1os pouco., ve1·bos que , embora expr imam um evcn-
to, únic o e sem a ajuda de um nome substaru ivo, que pud cs.•-t
tn, cl1r;1me11ten:lo admitem nnm inmivo ~lgt1m. Pluit, por exemplo, d e ::ico rclo
serv1r para determina r seu significado . De impessoa l, tal Vt:r com Scu.ctlus, ~igni11capluvta plutt, ou a chuva chove. Veja-se S:mctiiMin ei•
bo passara então a pessoa l. Podemos facilmente concebe r c·o va. 1.i ii., e. 1.

448 TEORIADOSSEN71MEN10SMORAI\ DISSERTAÇÃOSOBREA ORIGF.MDAS ÚNGUAS 449


p~recem ter ensa iado cxprc5$ar todo evc:n..to pa 1ticu lar que u ma lc::nuinaç:Jo cio verbo que expressava a terceira pessoa s in
nh am OJX)rtunid:ide de notar por uma palavra particular que ex guia r, e a.ssjm dizer: e,go veniJ, tu venit, bem co mo ilia ou illud
pres.sava de um:. \'eZ todo o coniunto do evento . Contudo, co uonil. E n.}j,oduvido efetivamente que agiss em assim se, n~ p n-
mo nesse ca.,;;o o nlln,cro de pabvni<.;deveria tomar-se realmcn meif3 oasião que tiver..m de ex pr es-.ar es..<.;as reh1çõe~ do ve r-
te infin ito, cm ratito da variedade realme nte infinita de evento!'!, bo, houv esse n:1 &1:1linguagem pa lavra s com o egoou tu. Mas
os home ns. em parte compelidos pela força da ne cessi dade , ne.o,sepe ,iodo inicial da linguagem. cuja histó ria esforç-~mo•nos
em pa rte guiados pela nan1reza, lmaginaram dividir cada even10 por traçar. é ext re mam ente improváve l qu e se conhe cessem
no que se pode chamar ele seus e lementos metafísicos, e ins pa lavras seme lhantes. Ainda qu e o costume as tenh a tornado
tituir palavras que designassemmenos os eventos qu e seus ele familiare s a n ós, am bas expressa m idé ias extrema mente me-
mentos constit11llvos. Dessemodo, a expressàode cada eve nt o tafísicas e abstrat as. A pa lavra eu, po r exe mpl o, é d e um a es-
pan icular to rnou-se nrnis intrincada e difícil, embora o siste ma pécie muito particular. Todo sujeito que fala pode de notar-se
rola i da linguage m se te nha tornado ma is coe rent e, ma is re la po r esse pro nom e pessoal. Po11anto, a pala vra eu é mna pala-
dunado, 111aisfacilmente retido e compr ee ndid o ,1ragem l 1suscetive l de recebe r 1como d izem os ló gk.:os, uma
Quando , pur ~:,.¼t Uivl~àu du cvenLO em seus elemen tos Yarledade ln.finitade ubjt:Lai. Difert:, t:J1lrt:1.an
tu 1 dt: tüt.la:-ia.-,ou -.
me tafísicos, os verbo:, tornaram de.:impessoais parn pessoais, e lfaS pa lavra::, gerais nt:5st: aspecto: os objet05 que lhe podem
natural supor que se riam us:1dos primeiro na terceira 1~:-0.-1e.lo !)t: f at libuídos não forman, uma espéc ie particular de ob jetos,

s ingular . Nem no inglês, nem , :ué onde sei, em nen hum o utro dis tint os de tod os os demais. A palavra eu n:io denoL:11 como
idioma mod e rno emp rega.se o verbo no imp essoril. Mas na~ a pa l3Vr'J bomem, uma classe part icular de objetos, se p:u·Jcb
línguas antigas, semp re qte .i:.eemp rega um verbo no modo de todos os demais por qualidades pecul iares e próprias. Lon-
imp essoa l, emp rega-se se mpre na terceira pes.,;oa d o singular ge de c.er o nom e de uma espécie , designa, ao contrário, to-
A rermi naplo dos verbos que ainda pennanecem impes$oais t.· da s as vezes em que é emp regada. um ind ividuo de1c1111 inado,
sempre a mesma que os da terce ir".1pessoa do singular dos ver- a pessoa qut! fala no n'K>me nro . Pode• se dizer que é, ao mes-
bos pessoais. Essas considerações, somadas às que se supõe Ler mo tempo, o que os lógicos chamam de um termo singular, e
em si mesmas algo ele na rura l, podem servir p-.1raconvencer-nos o qu e chamam term o comum, unindo em sua significação as
de que os verbos come\-11rama se toma r pessoa is primeiro no qu alidades aparent eme nte opostas da mais precisa in dividua -
qu e hoje ch ama mos te rceira pessoa cio sin gular. lidade , e da mais ampl a genem.liz.ação. Por ex pressa r, pois, essa
Ttx.lavla , co mo o evento ou o fato que expressa um verbo idé1,atão abstrata e metafisica , essa palav ra não se apre se nta-
JXXle ::,crafü ma<lv qut:r t~ l pessoa que fala, quer da pessoa com ria fáci l ou prom ameme aos primeir(.l.';forma<lurc:::,da lingua-
quc ,n se fala, bern 001110 th: uma tc.:rcdm 1:x:::;~uaou ob jeto, tor gem. Podemos ubst: rvar qut: u:-i<.: hamad os pruno111espessoais
nou 5c nccc .ssfü'io cncomrnr a lgu rn métodu Ut: t:xp n::::.sar c~a:-, c::.ü1uentre ;.1:sLIILima.s palavra:, que as crianças apre ndem a usar.
duas re lações pecu liares do even to. Nil ltngua inglesa, co rnu• Falnndo de .si mesma, uma criança diz Bílly ft1la, Billy sonto ,
mence isso se faz coloc~indo o qu e se cha ma pr onome pessoal em vez de dizer e L1 falo, eu sen to . Assim , do mesmo modo co-
à fren te da p:il:wr:1 gem i qu e expressa o fato qu e se ;1firm3. Eu mo nos p rimórd ios d~1línguagem , os homens p~1 recer n rerevi -
vim, tu vieste, ele ve io ("1 r: 11n e yn11 c::une, he or it came"). t~do pe lo me-nos :1 inve nç~o cl:!s prepos ições mais abstratas,
Na prim e ira dessas frases, a ação de vir é afirm:1dada pesm: 1 exp ressando, por urna variação na term inação do termo co l'f'e-
que fala; na segunda, da pessoa a quem se fala; na terceira. de lativo, as mesmas re lações que essas preposições a~ ra repre -
alguma outra pessoa ou ob jeto . Talvez seja possíve l imaginar sentam, natum lmente também buscaram furtar-se ã necessidade
qu e os primeiros inventor es d a li nguagem pude sse m ter feito ele inventar esses pron omes (palavras ainda mais abstratas) va-
o m esmo, fazendo preceder de dois p ronom es pessoa is a mes- riand o a tenninaçào do verbo, segundo o eve nio que exprimis-
450 1é 0RJA DO S S/i,V'/I #F..\ 70S M 0/111/,\ DJSSERTAÇAO SOBRE A ORJGE# DAS lJNGUAS 451
se devesse se r afirma do ela prime ira, seg unda o u terc eira pes da a falar, d e sorte que fo rçosamente aprendeu ::.i líng ua da o u-
soa . Essa também pa rece ser a p rát ica u niversal de todas as lín rra. Também ficariam emb araçados com a dificuld ade das decl i-
guas antigas . Em latim, as palavras vem~venisti. venit, de nou1111 nações e con jugações os m u itos indivíduos que es tudavam a
suficientemente, e sem qu alq uer o utro acrésc imo , os d ife rente..\.., nov a língu a, não por arte ou pa r pri ncípio, mas por rotina e pe-
eve ntos ex pr essos pe las frases inglesas f came, you came, hl' lo que com ume nte ouviam na conversação ordinátia. Tmtaram,
ou it came ("eu vim, tu vies te, ele ve io'} Pela mes ma razão, pois, de reme diar sua ignorânci a a esse respe ito, com todos os
o verbo haveria de va riar sua te rminação confonne o ev e nto exped ien tes que a língua lhes oferecesse. Naturalmente, substi-
tivesse a inte nção de afirma r o da prime ira, segunda ou tercei 1uíram as declinações, qu e ignorava m, po r p repos ições . Um
ra pessoa d o plura l; e o q ue é expresso nas frases inglesas lill ' lomb arda que tentasse falar latim e tivesse ne ce s.sidade de fa-
came, you cctme, they ca me (" nós vimos, vós viestes, eles v ie- ze r comp reende r que tal pessoa era cidadão de Roma, ou ben-
ram") sc.-::
rta denotado em latim pelas palavras venimus, i<enisl1,\\ feitor de Roma , se ignorasse os casos gen itivo e dat ivo da pa la-
venerunt. Adema is, as línguas primit ivas que, em mzào da dit1 vra Roma, naturalme nt e se expressaria co loca ndo as prepo~i-
cukl adc de inventa r nomes de núl'nero, introduziram um nú mc• çôes ade de ante:>do nominativo e, em vez de Romae, diria ad
ro dual e um plural na dcd inaçâo de seus nome.s .su b5tan tivos , Roma , e de Roma . Al Roma e di Roma é como 05 atuai.s italia -
provavel mente, por analog ia , fariam o mesmo nas co njugaçõc.'i nos , desce nd en tes dos antigos lomb ardos e roman os, cxprcs -·
de seus verOOS.Assim, em todas aq ue las línguas o rigina is pode sam ess o e todas JS re lações semelh;:i,ntes. É assim qu e as pre-
ríamos esperar encontra r pe lo menos seis , se não oito o u no pos ições p arecem ter sido introd uzicl,:is no lug m· das ::intigas
ve variações na term inação de cada verbo, segund o ·o eve nto ded inaçôes. Conforme pud e ap urar, a mesma alteração .'>epro -
deno tado devesse se r afirmado da p rimeira, segu nda ou ter duziu na língua grega depo is ela tomada de Constantinop la pe-
ce ira pessoa do singular , do dua l ou plural. Repetidas ainda con los turcos . As palavras dessa líng ua são em grande medida as
junta mente com outras, em todos os diferentes tempos verbais , mesm.:1sque antes , mas o ant igo siste ma grama tica l perdeu-se
todos os seus diferen tes modos e vozes, essas Yariações nec e~- inte irament e, e as ant igas declinaç ões cede ram lugar para as
sariameme tomaram suas co njugações ainda ma is intrincad,1~ p repos ições . f.ssa muda n ça é, sem dúv ida, u ma simp lificação
e comp lexas do que suas decl inações . da língua, em relação aos ru dime ntos e princípio. Intro duz no
A língua provave lmente teria continuado a subsis tir sobn.: luga r de uma gra nde variedade de dec l ina çõ es um a ún ica de-
essa base e m todos os pa.íses, e na.o se teria jama is tomado mais cLinação universal. que é a mesma pa ra rodas as pa lavras, se jam
simples em su as decl inaçõe:s e con ju gaçõeti, :,;enão liVe!>stS(..' de qu e gêneru, número o u tenn inaç ãu forem.
toma do mais complexa cm sua rompo.siçào, como co nseq liên• Cm t:xpe<.lientt: si.mllar capacita os homens na situ ação aci-
eia da mistu ra de várias líng uas entre si, ocas ionada pda m i6- ma mencionada a se livrar de q ua5e toda a compl icaçào de su as
n.1ra de difere ntes naç:>es. Enquan to uma língua openos era fala- con juga ções. Em todas as língu as existe um verbo conheci do
da pe los que a aprend e ram n-;1 infância, a comp lexidade de su3s pelo nome de verbo substan tivo; em btim, su mi em lnglês, l am
decl inações e con jugações não podia l hes cau sar ma ior e m- ("eu so u ~)_Esse verbo n~o dennrn ,:iex istência de um evento
ba raço . A grande maioria dos que tinham ocasião de a fahlf, particu lar, mas a ex istência em gera l. Por essa razão, é o mais
adqui riram-na tão cedo em sua vida, de maneira tão imperceptí • abstra co e metafísico de todos os ve rlx:>s, e conseq lientemen 1e
vel e em gradações cão lenras, que quase nu nca perceb iam essa não poderia de modo algum ser uma das primeiras pa lavras in-
dificu ldade. O caso figurava, entre tanto, de modo basta nte db - ven tadas . Mas , q uando a criaram, como possu ís.se todos os tem -
tinto , quando dois povos vinha m a se mistu rar, como resu ltado pos e modos dos outros verbos , foi reunid a ao particípio passi -
de uma co n quista ou imigração. Cada uma das nações b uscH vo, de modo que se1visse, sob essa forma , para subs tituir to-
va fazer-se compreender por aqueles com q uem estava obriga- da a voz pass iva, e par a torna r essa p atte das co njugações tão

452 TEORIA DOS SENTl',fENTOS MORAJS DISSEKFAÇÃO SOBRE A ORIGEM DAS ÚNGUA S 45)

sim p les e un iforme qua nto as declinações pe lo uso d.e pr epo - O latim é compo.c;;to das línguas g rega e tosca na a nriga.
sições. Cm lombardo que dese jasse d izer eu sou amado, nus Su as decl ina ções e conj ugações, portanto , são muito men os
não consegu isse lembrar a pa lav ra amor, namra lmente te nt a- comp lexas do que as gregas. O latim abando nou o núm ero du al
ria remediar sua ignorância , dizendo ego smn ama tus. lo sono em ambas . Seus ver bos não po~uem modo optativo dístinto
amato é atu a lmen te a expressão ita lian a qu e correspo nde à por nenhum a te1111 inaçà o pec uliar. Só possuem u m futu ro. Não
frase ac ima me ncio nada . poss u em o ao risto disti nto do pre térito pe1t"eito; não possuem
Há um ou tro ve rbo qu e pe rpassa da mesma ma ne ira to- voz intermed iária; e mui tos d e seus tempos na voz pass iva fo-
das as línguas e se distingue pe lo nome do verbo possess ivo . ram removidos, como nas lfnguas moderna s, pelo verbo sub:,-
É o ver lXJ lati no habeo, em ing lês, 1 haveC'eu tenho") . Esse tan livo, un ido ao pa rticípio pass ivo. Na5 d ua5 vozes . o núm e-
ve rbo denow também urn everno de n aLUrez,1 ex u·emamernt:: ro de in fin itivos e part icíp ios é muito me n or no latim do que
ab5tr ata e rnetafí5ica, e, conseqüente ment e, não se p od e su- no grego
por que se inclu a nas prime iras pa lavras inve ntadas . No e ntan - As línguas france sa e ltaliana sfio co m postas , u ,n a do latim
to, urna vez inventada, pôde servir par.a subst itu ir uma gra nde e da língua dos an1igos francos, a outra cio mesmo latim e da lín -
parte das formas da voz a1iva, assim como o verbo subs tantivo gua dos antigos lombardos. Essas duas línguas, mais comple-
substituíra toda a passiva . t.:m lom bHr<lo que desejasse dizer eu xas em sua com pos ição do que o latim, também são as mais -
tinha amado, mas não co nseg uisse lembrar a pa lavra amave- simp les em suas d eclina ções e co njugações . Quan to ãs declina-
ram, trataria de supri-la 1 dizendo ego habeba.mamatut;. ou ego ções, ambas perderam inte iramente seus casos; e quanto às con-
habui amatum . lo aveua amato, ou lo ebbi amato, são atual- juga ções, ambas perderam toda a voz pass iva, e part e da ativa
mente as expressões italianas correspo nden tes . E assim, como de seus verbos. Suprem in teiramente a falta ela voz pass iva pe -
efeito da m isn1ra de diferen tes nações umas com as outras, as lo verbo substan tivo unido :.10 paiticíp io p a:,.sivu, e formam paru:
conjugações se aproxim aram, por meio de difen ::ntes verbos da ativa da mesma man e ira, com a a jud a d o verbo possessivo
auxil iares, da simplicidade e unifo rmidade das decl inaçõ es. e do mesmo parcicípio passivo .
Em geí •.d , pode -se ado tar co mo máxima qu e , q uanto mais O inglês é composto do francês e das antigas línguas sa -
simples for u ma língua em sua cornposiç:ão, mais complexa de- xônic as . O franc ês fo i intr od uzido n~1 Grã-Brernnha pela co n-
ve serem suas decl ina~'.õeSe con jug-..ições;e ao contr.írio, quan- qu ist::i normanda, e até o tempo de Edua rdo III continuou a
to mais simp les for em suas de clinações e co njugações , tanto se r a única língua da leg islaç ão, be m como o pr inci pal idiom a
ma is comp lexa deve ser em su a composição . da co ite"'. O inglês que se veio a falar em seg uida e q ue con -
O grego pa rece ser, em grande med ida, uma língua simp les tinua a se fubr hoje é uma mistu ra cio ant igo sa..-xãoe desse frd.n-
e n..1.o-composta,formada do jargão prinlitivo dos selvagens nô- cês non n ando. Po1tanto , como a língua ing lesa é maLs co mp le-
mades, os an tigos h elenos e pelasgos, de que a na ção grega, xa em sua compos ição do qu e o francês ou ita liano , rambêm é
segundo se diz, descende. Todas as p ala\TaS em grego denvam mais simp les em suas declinações e co nju gações . Esta::.<lua~
ce rca c.leln ::zc::ntasp.1bvra s p rirn ilj vas, ev idência clara de que
c..lc:: línguas ao me no ~ retiveram pa rte da distin ção do5 gêne ros , e
os gregos formaram sua língu a q uase inte iramente ent re si, e seus adje tivos rnriam de tcnn inaçã o, segu ndo se apl icam a um
que, quando liveram ocasi:Io de inventor uma palavra nova, não subs tan tivo mascu lino ou fem inino . Mas não existe um3 distin-
estavam hab ituados, como nós , a emprescá-h de alguma língua ção semelhante n:1 língua ing les a, ru jos ad jetivos não admitem
estrang e ira, mas a fonná- la ou {X)rco mposição , ou por de riva- variedade ~ilguma de ter m ina ção. As língua s franc."esae italiana
ção de alguma out ra palavra ou palavras de seu própr io idiom a. conse rvaram os resq uícios de co njugação , e todos os tempos da
Assim, as decl ina ções e con jug ações do g reg o são mu ito m~1 is
comp lexas do que as de qua lquer outra líng ua européia qu<..·
eu conheça. • Trata-sedo "Frénch -L'l\V' . ( N. d1 R. T.J
454 TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAI\ Dfül.i/lTAÇÀO SOIJRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS 455

exp ressos pelo verbo possessivt


voz ativa que n íl.o po dem S<..:>r 1 infinito de signos , e que quatro ou c inco preposições e meia
unido ao particípio passivo, bem como muitos dos que podem , dll:,ia de verhos auxiliares hastariam para responder à finali-
são ma rcados. nessas língua s, pel a mudança de term inação d<1 dade de todas as declinações e de todas as conjugações das lín-
verbo principal. Mas quase todos os out ros tempo s são. no in guas antig as.
glês, subsr iruídos JX)routros verbos aux iliares , de m odo Qllt.' Toda via. essa simplifi cação das língua s, posto que talvez
ness a língua quase não há resq u ícios de coní uga çào . ! /ove, t surja de causas semel hanle s, não te m , de modo aJgum, efeitos
/oved , /ovir,g ("eu amo, eu amei, amandO') são as únicas v:i similares aos da correspondente simplificação das máquinas.
riedades e tennina ção admitidas na maior pa rte dos verbos 111 Esta as toma mais e ma is perfe itas, ao passo que a simphficaçào
gleses. Todas as difere ntes modificações do sentido que ruto dos rudimentos das línguas as toma ma is e mais imperf eitas,
JX)dem ser expressas po r nenhuma dessas três tenninaçôes de.• mes mo apropriadas para mu itos dos propósitos da linguagem,
vt::111 por d if ert:nte::, verbos auxi
forçosamt::nlt: st::r t:xpn.::-.:,.:,a::, pel as seg uintes razões:
liares unidos a uma ou o ul ra dela s. Dois verbos auxilia res ba~ Prime ira: as línguas torn am -se mais prolix as com essa sim-
tam para suprir tocl1s as lacunas das conjugações francesa~ l' plificação, pois são necessár ias várias palavra s para exp rimir o
italian as; é preciso mais do qu e me ia dúzia para sup rir as con qu e poderia se r anter ior me nt e expresso por uma só palavra .
ju g,içY'\esingles::1s,qu e, alé m dos ver bo." substa ntivos e posSl'"
Assim , as palavras !minas Dei e Deo mostram sL1ftcientc111t=ntt:,·
sivos. emprega did: wi!I, would; sha/1;should; can, could; may,
se m qLialquer acréscimo, a rd a\ào suben tend ida q ue o objeto
migbt•.
~ig nificado guarda para com os obje tos expresso s pela s outrus
É dessa maneira que a líng ua se to ma mais simp les l.'111
p,11.ivms cl::ifrase. Porém, para exp ressar a mcsffia rclaçào e m
seus rudini enLos e princípios, :1 proporção que se toma m:1i,
inglês e todas as línguas modernas, devemos emprega r pe lo me-
complexa em sua compos ição. Pode-se comparnr esse pro cc~
nos d oas palavras. e dizer de .Deus 1 para.Deu..,;. Portanto, no que
so ao que ocorre com as máquinas. Tod as elas. no momento tlt·
diz respei to ris dec linações. as línguas modernas são muito mais
sua invenç:io, são em gemi ext remamente complexas em seu-.
pnncipios , e oom freqü ê ncia guarda m um ptinápio motor pa 1 prolixas do que as antigas A diferença é aind a maio r com res-
peito :\s conjugações. O que um romano expres.'-:lva apen a.e.pe-
rja.Ilar para cada mov imento particular que estao destinada~ ;1
exc:cula r. Suct:!,...',ivu,me di.nicas ob !,t:IV"Jm 4ue se pode apc , la palavra a mavi sSPm, um inglê s é ohrigado a expressar co m
feiçoar a máquin a, emprt:gando-.)(;: um úni{.""O prinápio parn pm quat ro pal~vra~ difere ntes / sbould bave loved("e u deveria ter
<luzir vários desses mov imen tos. Assim, a miquina grad ua ln1'..:n amado"). É desnecessário esfo rçar-se para mostrar qua nto essa
te se toma mai.s sunpl es, e produz seus efeitos com menos roda, pro lixidade deve debilitar a eloqüên cia de todas as línguas mo-
e menos princípk>s motores Na linguagem , da mesma m.,n t.•i dernas. To dos os que poss uem alguma experienci a em com-
ra , cada C-..lSO de e.ida nome , e c:icb temJX>de cada verbo foi ori pos ição sabem o quanto a beleza de uma expressão depe nd e
ginalmen re ex pr esso por um a palavra distinla, que servia r:i de sua co ncisão.
ra esse propósito e para nenhum outro. Mas. por inrennédi o d\· Seg unda razão: es.sa simplificação dos princípios das lín-
ob:;ervaçõcs pos teriores, os homens descobriram que uma lin i guas as toma menos agradáveis ao ouvido. A variedade ela ter-
ca classe de palavras era capaz ele suprir o lugar desre númen 1 minação em grego e latim, ocas io nada por suas declinações e
co njugações, confe re ã sua língua uma do çura que a língua in-
glesa ignora inteiramente 1 e uma var ieda d e que tampouco as
• Essas palavr.is s:'lo os 1empc.:,,presente e pretC!ritodo inclic:iuvo d1• outras línguas conhecem. No qu e concerne à doç ura , talvez o
,~s. Ali três prirncir:1i; pode riam cor responder, cm l'lo;II
ci nco ve rbos auxiH::u-
italiano consiga supera r o latim, e qu ase se equipare ao grt::gu ,
tu~,uês, a fazer, dcse~1r. dever; ;is três últimas s.io quase sinônim: 1s, pol-.
denotam o verbo poder. (X da H. T,) m as 1 no que concerne à vartedad e, é: muito inferior às duas .

456 TEORIA DOS SENTIMENlOS MORAIS D ISSERTAÇÃO SOB RE A ORIGEM DAS ÚVGUAS 457

T erceirn· essa simpl ificação não ape na s toma os sons de Somos obrigados a recorrer ao or iginal para interpretar algumas
nossa língua menos agra dáveis ao ouv ido, mas também nos im- partes ela tradução literal que Milton fez de Horácio:
pede de dispor desses sons de modo qu e p udessem ser ma is
Who now enjoys thee credulous ali ~old,
agrndáve is . Tolhe muitas palavras a uma situaç-ã.opartiru lar, em - Who alway5 vacant, always amiablc
bora com freqü ê ncia pudessem se r colocadas e m ou tra com Hopes thee; o f fhu ering g :1les
mu ito mais be leza . Em grego e latim, ainda que o adjetivo e UnmindfuJ...•
o substantivo estivessem separados um do outro, a corres p on -
dência de suas te rmina ções mostrava, conn 1do 1 sua referência Eis versos imp ossíve is de interpretar de acordo co m as re~
rnút ua 1 e a separação não pro vocava necessa riamente nenhum gras da línglla inglesa . Nenh uma das reg ras da língua ing lesa
tipo de confus ão . Veja-se, po r exemp lo: pe rmite descobrir que no prim e iro verso credulous se refe re
a wbo e nao a tbee, ou que allgold se refere a qualquer co isa;
Tityre tu palulae recuba,is sub tegmú 1eJagl; o u que no quarto verso unmi ndf ul st: n:fen.: a u.ho no segun-
do e não a tbee, no terce iro ; ou , ao contrári o , que n o segu ndo
Esse primeiro verso de Virgílio pennite-nos ver facilment e verso always vaca.nt, always am.iabla se refere a thee no ter-
que tu se refere a recubans, e patulaea fugi emborn a, pala- ce iro verso e n.'io a wbo, que se en contra no mesmo verso que"
vras relacionadas estejam St:par..H.Jaspela inteivençào de vária ::i seus dois ep í1e1os. Fm latim, na ve rdade, rudo isso está abun -
ou tra:;. Po i!) as term inações, ao mostr are m a correspondê ncia dantemente claro:
de seus casos, de te rminam sua refe rê ncia mútua. :-,.,oentanto. Qui nunc te fmitur credulus aurea,
se fizéssemos uma traduçã o literal desse vers o para o inglês. Qui sempe r vac uam , semper arnabilem
e disséssemos Titynts, tbou o/ sprcading rccli11ing undcr lhe Spc.mHte ; 1k!M:iu::iaurne fallaós.
shadc beccb ("tu estimdo reclinado sob a sombra fala "), ne m
o própr io Édipo en ten deria n:1da, porque aq ui não há dife ren- Po is as termin ações em latim dete rminam a referência de
ça de terminação par.t d ete rminM a que subst ant ivo pe rtence cada adjet ivo com seu substan tivo ap ropriado , o que é impos-
cada adjetivo . O me.'-mo ocorre com os ver bos. Em latim, nãn ,:;ível faze r e m inglês . É difícil imaginar como essa liber dade
raro .'-e pode colocar , se m inconveniê ncia ou amb igü idade, o de tran spor a ordem das pal avras pode ter aux iliado os latinos
verbo em qualque r luga r cL-i frase: em inglês , todavia, seu lu- a compor, seja em verso, seja em prosa. Mas é desneces sáno
gar é qua se sempre exa tament e determinado. Em tcxlos os caso~ adve nir que deve ter facilitado grande mente sua versificaçã o ;
deve segu ir o su je ito e an tece der o ob jeto da frase . Assim, em e na prosa, todas as be lezas que depen dem do arranjo e cons -
latim, se disseresjoannem verberavitRobertus, ou Robertusve 1i tn1ção do s vários membros d o pe ríodo devem ter sido por eles
o b tidas de modo mui to mai s fácil, e com uma per ft::iç;'.loque:
beravitjoannem, o sent ido é exatamente o mes mo , e nos doi~
casos a termin ação estabe lece J oão como o que sofre a ação, não enco ntra riam o.s esc ritores cuja expressão c.stá co nslanr c-
rncntc obstmída pela prolixida de, e pela mono tonia das língua s
Mas e m inglês John becllRobert (''.João bateu Roberto ") e Ro-
mode rn as .
be11beatjobn.("Roberto baceu João") não sign ificam de moei()
algum a mesma cols a. Portanto, o lugar dos n·ês prinà p ais ele·
mentos da frase é, em inglês, e, pe lo mesmo motivo, em fran
•Seguimosa cdid o fomcesa de J. Mauge1, que não traduz esses ver-
cês e italiano , qua se se mp re exatamente determin ado, enq uan bOS O leitor pode vc:rque a cn1ica de Smith comparao l;nimao ingl~s, de
tO nas língua s antigas se permite uma latitude maior, e o lugar modo que uma tr.1d 1ç:lo para o porruguê.s Oíngu.i de ongem launa) em
d esses elemento s muitas vezes é , em grande medida . dislimu nad., aiudaria,(N d:1 H. T.)

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