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(P-260)

OS FANTASMAS DO
PASSADO
Autor
KURT MAHR

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização
RICARDO GUILHERME

Revisão
ARLINDO_SAN
O veículo usado pela expedição de Andrômeda chefiada por
Perry Rhodan, para avançar na área propriamente sob o controle
dos misteriosos senhores da galáxia,é a Crest III. Trata-se de um
veículo espacial esférico, que é a nova nave-capitânia do Império
Solar. A Crest III tem 2.500 metros de diâmetro e sua tripulação é
formada por 5.000 terranos pertencentes à elite astronáutica do
planeta. O armamento ofensivo e defensivo da nave representam
o máximo em matéria de tecnologia — mas nem assim se
conseguiu evitar que a nave tivesse de enfrentar problemas...
Os calendários do planeta Terra registram os primeiros dias
do mês de abril do ano de 2.404. A Crest já penetrou na zona
proibida do centro de Andrômeda e mais de uma vez teve de
enfrentar as espaçonaves dos guardiões do centro. Mas por
enquanto Perry Rhodan e os terranos que o acompanham não
conseguiram resolver o segredo propriamente dito dos donos de
Andrômeda e de seu povo servil, os tefrodenses, que se parecem
com os homens e agem como estes. Mas nesta altura acontece
uma coisa que poderá trazer a decisão! Os cavalgadores de
ondas de Atlan descobrem uma pista que mostra que os senhores
da galáxia conhecem a Terra. Rakal e Tronar Woolver têm um
encontro com Os Fantasmas do Passado...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — Chefe da expedição de Andrômeda e Administrador-
Geral do Império Solar.
Atlan — Lorde-almirante e chefe da USO.
Tronar e Rakal Woolver — Os cavalgadores de ondas de Atlan.
Bari Staunder — Um oficial da Frota Solar que é reintegrado no serviço
depois de 77 anos de afastamento.
Raviech — Companheiro do Major Staunder.
Günter Emerich — Capitão das forças armadas da Alemanha.
Maurice — Um homem que conhecia pessoalmente os irmãos
Montgolfier.
1

Três dias depois da fuga precipitada do Sistema dos Destroços aconteceu uma coisa
que teria uma influência decisiva sobre a situação reinante na nebulosa de Andrômeda.
Saltando de um sol para outro e usando os gigantescos campos de força dos gigantes do
espaço para proteger-se contra a ação dos rastreadores, a nave-capitânia do Império Solar,
a Crest III, mergulhara no dia 5 abril de 2.404, tempo universal, nas camadas periféricas
da coroa de um grande sol vermelho. Sondas foram envidas ao espaço, para observar as
regiões adjacentes. O setor de radiogoniometria trabalhava a todo vapor. Os feixes de
ondas pouco intensos, mas fortemente concentrados dos rastreadores energéticos
tateavam o espaço em todas as direções à procura de espaçonaves inimigas.
A busca prolongou-se por várias horas, mas nenhum eco foi registrado. A Crest
estava em segurança. O inimigo devia ter perdido contato com ela, ou então resolvera
ficar em outro lugar. O oficial que dirigia os trabalhos do setor de radiogoniometria
resolveu transmitir a respectiva formação à sala de comando. Sabia que estavam à espera
de seu relato. Não tinham tempo a perder. A Crest precisava voltar quanto antes a regiões
mais seguras.
Estava pegando o intercomunicador, quando um estridente sinal de alerta se fez
ouvir nos fundos da sala. O oficial girou abruptamente na poltrona. Uma luz vermelha
acendeu-se em cima de um dos aparelhos. Um alto-falante transmitiu algumas palavras
exaltadas.
— Caramba, senhor, foi por pouco! Um hiperimpulso de primeira categoria. Deve
ter passado bem perto de nós.
O oficial pegou o microfone.
— Analise a estrutura do impulso — disse. — Identifique a natureza da
transmissão.
— Já comecei — respondeu o homem.
Alguns minutos se passaram. Um silêncio constrangedor reinava na sala de
radiogoniometria. Os homens estavam debruçados sobre seus consoles. Sabiam que cada
segundo perdido tornava menores as chances de voltarem para casa sãos e salvos.
Mais um hiperimpulso foi registrado. Também devia vir de uma fonte muito
próxima, ou então se dirigia a um alvo que ficava bem perto. Parecia não ter nenhuma
ligação com a presença da Crest. Isso pelo menos podia servir de consolo aos homens.
O rádio-operador concluiu a análise estrutural do primeiro impulso e comunicou o
resultado ao oficial.
— Trata-se de um impulso de transmissor, senhor. A estrutura é inconfundível.
Deve haver um terminal de transmissor bem perto daqui.
O oficial respirou aliviado. O transmissor era um aparelho que permitia o tráfego
pelo espaço sem uso de veículos. Em si não representava nenhum perigo. Mas
precisavam descobrir quem usava o aparelho. O oficial entrou em contato com a sala de
comando e informou o Coronel Rudo sobre a descoberta.
***
Cart Rudo chegou à conclusão de que já estava na hora de fazer sair uma sonda
ótica. Até então não houvera motivo para isso. A Crest não tinha parado nesse lugar para
pesquisar o espaço, mas para proteger-se das naves inimigas que a perseguiam. As sondas
eram aparelhos muito pequenos, quase impossíveis de serem descobertos, que operavam
independentemente, a grande distância da nave, e eram capazes de transmitir suas
observações a esta. A probabilidade de uma sonda ser descoberta e revelar a posição da
Crest era extremamente reduzida, mas Cart Rudo era de opinião que na situação em que
se encontravam deviam redobrar os cuidados, só enviando ao espaço as sondas
absolutamente necessárias. No momento havia cinco aparelhos deste tipo fora do campo
de interferência do sol vermelho. As sondas captavam os hiperimpulsos. Eram incapazes
de receber outros sinais.
Rudo recolheu uma das sondas e substituiu-a por um detector ótico. Ligou uma das
telas maiores e acoplou-a com a sonda. Esta levou dez minutos para atingir a posição em
que deveria operar. Quando entrou em funcionamento, a tela iluminou-se. Rudo e os
cinqüenta oficiais que formavam a guarnição normal da sala de comando viram o oceano
imenso de estrelas, que estavam tão próximas umas das outras que por vezes se uniam,
formando manchas luminosas de formatos bizarros.
Quase no centro daquela profusão de cores via-se uma luz vermelha, que emitia um
brilho débil.
Cart Rudo sabia o que era isso. O grande sol junto ao qual estavam escondidos
possuía um planeta, e a mancha luminosa era o reflexo da luz do sol na superfície do
planeta. Durante a aproximação a Crest não detectara o satélite, porque este se encontrava
atrás do sol, relativamente à posição da nave. Em si a existência do planeta não tinha
nada de anormal. Conforme ensinava a experiência, os sóis vermelhos costumavam ter
um único planeta, ou no máximo dois, o que era bem mais raro.
O que fazia do planeta desconhecido uma coisa fora do comum era o hiperimpulso
que acabara de ser captado. Cart Rudo achou que era bem provável que houvesse um
terminal de transmissor na superfície do planeta.
A Crest encontrava-se bem no interior da zona proibida. Tratava-se da região do
centro da galáxia de Andrômeda que os terríveis inimigos conhecidos como os senhores
da galáxia acreditavam ser exclusivamente sua. Desta forma o planeta solitário no qual
havia um transmissor em atividade adquiria uma importância toda especial.
Rudo chamou a sala de radiogoniometria e foi informado que o transmissor
continuava a emitir seus impulsos. Certamente um transporte bastante volumoso estava
sendo realizado. Rudo achou que suas atribuições terminavam ali, e que o melhor que
tinha a fazer era deixar o assunto por conta de uma autoridade superior.
Entrou em contato com Perry Rhodan, que estava numa conferência com Atlan, o
arcônida.
***
Um dos maiores problemas que os terranos enfrentavam durante o avanço em
direção a Andrômeda era a falta de informações. Eram estranhos num mundo estranho.
Sabiam que os senhores da galáxia governavam um império imenso a partir de seu
esconderijo situado no centro da galáxia, mas não faziam a menor idéia sobre a estrutura
deste império. No momento a Crest encontrava-se na área ocupada pelos próprios
senhores da galáxia. Dessa forma o planeta recém-descoberto, em cuja superfície fora
instalado um terminal de transmissor, adquiria uma importância enorme.
Neste ponto Atlan e Perry Rhodan estavam de acordo. Mas cada um tinha sua
própria opinião sobre o que devia ser feito em seguida.
— Não se esqueça da situação em que nos encontramos — exclamou o arcônida em
tom insistente. — O inimigo nos mantém cercados por uma verdadeira rede formada por
frotas. Quanto mais tempo ficarmos num lugar, mais fácil será encontrar-nos. Só teremos
uma chance se sairmos daqui o quanto antes. Só devemos ficar num lugar enquanto
tivermos certeza de que não há ninguém por perto. Quando tivermos, a única coisa que
temos de fazer é dar o fora.
Os dois conversavam no escritório particular de Perry Rhodan, situado no convés de
comando. Era uma sala ampla. Não se podia dizer que as instalações fossem espartanas,
mas eram muito mais simples do que seria de esperar no escritório do Administrador do
Império Solar. As placas luminosas embutidas no teto espalhavam uma claridade solar. A
tela enorme, embutida na parede que ficava à frente da escrivaninha à maneira de uma
janela, estava escura. Os receptores estavam desligados. No interior de uma coroa solar
não havia nada que valesse a pena ser visto.
Perry Rhodan instalara-se confortavelmente atrás da escrivaninha. O arcônida
estava de pé no centro da sala, e não escondia o nervosismo que tomara conta dele.
Rhodan encarou-o com uma expressão pensativa.
— Não concordo com o que você acaba de dizer — disse depois de algum tempo.
— Podemos brincar de esconder o tempo que quisermos. A eventual descoberta da Crest
não dependerá do número das naves inimigas, mas da capacidade de reação dos
tefrodenses, e esta permanece constante. Conseguimos agüentar-nos até agora, e também
conseguiremos daqui em diante, desde que fiquemos bem atentos. Além disso, é possível
que neste planeta encontremos mais algumas informações importantes a respeito dos
senhores da galáxia. Você sabe perfeitamente que precisamos saber quem ou o que temos
pela frente. Eu seria um péssimo estrategista se deixasse escapar esta oportunidade.
— Você se deixa envolver por um otimismo que não tem justificativa — exclamou
Atlan. — Só há uma coisa que devemos fazer: ir embora! As descobertas que fizermos
não adiantarão nada, se o inimigo nos pegar.
Rhodan passou a mão pela testa. Um sorriso ligeiro cobriu seu rosto.
— Às vezes — disse em tom sarcástico e levantou – fico satisfeito por ser capaz de
passar por cima de suas objeções. Você tem um jeito muito desagradável de dizer que a
gente é um idiota. Imagine só como estariam as coisas se você mandasse tanto quanto eu
— como acontecia com os cônsules da República de Roma.
Atlan ficou parado. Estava com os olhos semicerrados.
— Este é o argumento típico do covarde — chiou. — Você tem autoridade para
passar por cima das minhas objeções, mas não tem coragem de discuti-las, porque sabe
que não tem argumentos válidos.
Perry Rhodan aproximou-se de Atlan e colocou a mão sobre seu ombro.
— Não é isso. Meus argumentos são muito bons. Acontece que não tenho tempo
para envolver-me numa discussão. Você mesmo acaba de dizer que não devemos perder
um segundo que seja.
O arcônida fez um gesto conciliador.
— Está bem. O que pretende fazer?
Rhodan voltou para junto da escrivaninha e levantou o microfone do
intercomunicador. Atlan ouviu-o falar com o oficial que trabalhava no setor de
radiogoniometria.
— Os impulsos do transmissor continuam — informou depois que tinha desligado.
— A bordo desta nave existem dois homens que não poderão errar o alvo quando
dispõem de um indicador tão perfeito.
Atlan fitou-o com uma expressão de ansiedade.
— Os gêmeos Woolver...?
Perry Rhodan confirmou com um gesto.
***
Tudo começara a um mês, quando a Crest III partira da plataforma espacial KA-
barato, em direção às profundezas da nebulosa de Andrômeda, a fim de colher
informações.
As comunicações com a galáxia de origem funcionavam perfeitamente. Uma
corrente ininterrupta de naves cargueiras entrava no transmissor hexagonal, situado no
centro da Via Láctea, para sair do transmissor Chumbo de Caça, que era um sistema
formado por dois sóis geminados situado a uns cem mil anos-luz de distância, em pleno
espaço intergaláctico. Do transmissor Chumbo de Caça partiam naves equipadas com
propulsores adicionais em forma de cauda, que levavam um fluxo de abastecimentos à
base de Gleam, situada em Andro-Beta. As nebulosas anãs Andro-Alfa e Andro-Beta,
eram pequenas manchas estelares, que ficavam à frente de Andrômeda, da mesma forma
que as nebulosas de Magalhães ficam à frente da Via Láctea.
Quem governava Gleam era Reginald Bell, o segundo homem mais importante na
hierarquia do Império Solar. Bell tomava todas as providências para que o avanço em
direção à área controlada pelo inimigo não perdesse a força.
Por outro lado, KA-barato era um astro artificial, formado por uma plataforma
circular de 96 quilômetros de espessura. A plataforma fora construída para consertar
espaçonaves e sistemas propulsores. Pertencia à raça dos engenheiros cósmicos. No
momento seu dono era o representante mais importante dessa raça, chamado Kalak.
Kalak ligara seu destino ao da expedição comandada por Perry Rhodan. No momento
KA-barato descrevia uma órbita reduzida em tomo de Ollus, um sol anão situado na
periferia da nebulosa de Andrômeda. Havia duas mil unidades pesadas e superpesadas da
Frota Solar estacionadas em KA-barato.
A raça dos maahks, seres que respiravam hidrogênio e viviam em Andro-Alfa,
tinha-se revoltado contra a opressão exercida pelos senhores da galáxia e os povos que
estavam a seu serviço. As tropas dos senhores da galáxia estacionadas em Andro-Alfa por
sua vez eram maahks. Houve uma guerra fratricida, mais cruel e impiedosa que qualquer
guerra de que nos fala a história sangrenta da Humanidade. Os mercenários dos senhores
da galáxia foram derrotados. A raça dos maahks reconquistou a independência.
Os maahks usaram seu potencial industrial, que provavelmente não era alcançado
por nenhuma outra raça, para construir gigantescas frotas espaciais, e dispuseram-se a
levar a guerra para a área diretamente dominada por seus opressores. Suas frotas
começaram a atacar a própria nebulosa de Andrômeda.
Pelos cálculos de Perry Rhodan, a confusão que se formou representava a melhor
possibilidade de penetrar bem para dentro da galáxia estranha e colher as informações de
que precisava para levar avante seus planos.
A primeira informação que a tripulação da Crest III colheu durante seu vôo foi que
em Andrômeda existe um número maior de civilizações e raças astronáuticas que na Via
Láctea. As rotas de navegação espacial, bastante freqüentadas, formavam uma malha
densa. Geralmente a distância entre uma e outra era de apenas alguns anos-luz.
Um estatístico que trabalhava a bordo da nave-capitânia concluiu, com base nos
dados disponíveis, que a qualquer momento havia pelo menos cem bilhões de
espaçonaves em viagem na galáxia Andrômeda.
Outra informação colhida pela Crest, muito mais importante que a primeira, foi a
que dizia respeito à zona central, que parecia constituir o verdadeiro espaço vital dos
senhores da galáxia e era uma região interditada a qualquer ser que nela quisesse penetrar
sem autorização. A zona central formava uma esfera de vinte mil anos-luz de diâmetro.
Assim que soube disso, Perry Rhodan deu ordem para que sua nave seguisse diretamente
para o ponto central da galáxia estranha.
Dessa forma ficou sabendo mais algumas coisas. A zona central era envolvida por
uma zona de defesa de cerca de quinhentos anos-luz de espessura. A zona de defesa
estava repleta de sóis ricos em planetas. Os respectivos sistemas eram habitados por uma
raça humanóide conhecida como os tefrodenses. Os tefrodenses não eram simplesmente
humanóides. Eram tão parecidos com os terranos que os ocupantes da Crest ficaram
quebrando a cabeça sobre se realmente houvera apenas uma evolução paralela. Por algum
tempo suspeitou-se de que os tefrodenses fossem os próprios senhores da galáxia, mas
acabaram surgindo certos indícios que depunham contra esta hipótese.
Em virtude dos acontecimentos que se verificaram no Sistema dos Destroços, a
Crest fora arrastada contra sua vontade cerca de mil anos-luz para dentro da zona central
proibida. Encontrava-se numa área pertencente exclusivamente aos senhores da galáxia.
Dessa forma o cinturão de defesa do império tefrodense com seus quinhentos anos-luz de
espessura interpunha-se entre a Crest e a plataforma espacial KA-barato, que ficava a dez
mil anos-luz de distância. A Crest fugira das naves tefrodenses. Embora superasse em
muito até mesmo as naves mais poderosas da frota tefrodense, ela não tinha a menor
chance de sobrevida diante da superioridade numérica do inimigo.
O fato de os tefrodenses levarem a perseguição para dentro da zona proibida
provava que mantinham um relacionamento todo especial com os senhores da galáxia.
Pareciam formar uma espécie de guarda pessoal, que merecia mais confiança que os
outros povos a serviço dos senhores da galáxia, e por isso tinham sido incumbidos da
vigilância própria zona central.
O avanço para dentro da zona proibida fora realizado num momento em que
nenhuma das pessoas que se encontravam a bordo da Crest acreditava mais que fosse
possível romper a barreira formada pelos tefrodenses. Dessa forma era bem
compreensível que Perry Rhodan não quisesse deixar passar a oportunidade de fazer um
exame mais demorado do planeta do sol vermelho, descoberto por acaso. Era, por assim
dizer, um astro que ficava bem à porta dos senhores da galáxia.
***
Bastou uma mensagem ligeira para que os gêmeos Woolver comparecessem ao
escritório do Administrador. Entraram de uma forma que representava uma de suas
características. Saíram do microfone do intercomunicador, transformados em fenômenos
luminosos finos que nem um fio. Os fenômenos luminosos transformaram-se em nuvens
de névoa fluorescente. A névoa assumiu um formato definido — o formato de Rakal e
Tronar Woolver.
Os irmãos gêmeos eram figuras impressionantes. Tinham dois metros de altura e
eram perfeitamente iguais. Descendiam de colonos terranos que se tinham fixado num
mundo em que havia pouco oxigênio. Por isso seus pulmões sofreram uma mutação no
curso dos séculos. Seu volume aumentara cinco vezes, pois só assim eram capazes de
fornecer o oxigênio de que seus corpos precisavam. O tórax se dilatara. O que mais
chamava a atenção dos Woolver era o tórax em forma de balão.
As radiações estranhas emitidas pelo sol de seu sistema tinham dado uma coloração
verde à sua pele. Os cabelos, cortados bem curtos, emitiam um brilho metálico violeta.
Quem visse os Woolver pela primeira vez sentir-se-ia impressionado — ou então
deprimido — por causa de seu aspecto estranho. Mas esta impressão não durava muito. A
conversa, o pensamento e o comportamento dos gêmeos provavam que eram terranos da
cabeça aos pés.
No entanto, os Woolver possuíam uma característica que os distinguia de qualquer
terrano normal. Eram mutantes. O ambiente estranho do mundo em que viviam
modificara a conformação genética de seus antepassados, fazendo com que no último elo
da evolução surgissem seres que possuíam extraordinárias faculdades parafísicas. Os dois
irmãos eram capazes de numa questão de segundos desmaterializar seus corpos e
incorporá-los em qualquer estrutura energética. Podiam fundir-se com um campo
eletromagnético alternado e viajar pelo espaço com este campo, para rematerializar em
determinado lugar. Também eram capazes de transformar-se num componente de um
hipercampo, o que lhes permitia atravessar a estrutura do hiperespaço, situada em
dimensões superiores, desenvolvendo a mesma velocidade das espaçonaves. Os
biofísicos terranos ainda não tinham descoberto a origem destas faculdades. Mas os
gêmeos Woolver usavam seus dons sempre que isso se tornava necessário.
Mantinham um contato mais estreito que o que geralmente existe entre irmãos.
Cada um sentia as emoções do outro. Por maior que fosse a distância que os separava,
mantinham um contato misterioso, que fazia com que cada um percebesse se o outro
experimentava um sentimento de ódio ou de entusiasmo, de medo ou de alegria. Esse
intercambio de sentimentos não tinha nada em comum com a telepatia, mas às vezes
funcionava melhor e mais depressa que o intercâmbio de pensamentos lógicos.
O Coronel Rudo já providenciara para que a imagem ótica fosse transmitida ao
receptor instalado no escritório de Perry Rhodan. Quando os Woolver entraram, a
imagem do firmamento salpicado de milhões de pontos luminosos brilhava na grande
tela. O misterioso planeta ficava no centro.
Rhodan não perdeu tempo. Apontou para a tela.
— Eis aí o ponto de destino — disse. — Descobrimos que neste planeta deve haver
um terminal de transmissor. No momento está sendo feita uma transmissão de lá ou para
lá. Os senhores sabem o que fazer. Não preciso explicar que qualquer informação que
pudermos colher no interior da zona proibida, por mais insignificante que possa parecer é
muito importante. Quero que dêem uma olhada por lá. Exatamente daqui a três horas
irradiaremos cinco vezes em seguida um hiperimpulso com cinco segundos de duração.
Os senhores poderão usá-lo para regressar à nave. O que farão lá embaixo, e de que
forma colherão as informações, tudo isso fica por sua conta. Só quero que prestem muita
atenção ao relógio. Podemos ser descobertos a qualquer momento. Não sabemos se
haverá uma segunda oportunidade de trazê-los de volta, caso percam a primeira.
Os irmãos confirmaram com um gesto. Rhodan prosseguiu.
— Dirijam-se ao setor de radiogoniometria. O oficial de plantão já recebeu suas
instruções. Os senhores usarão o rastreador para introduzir-se no campo energético do
transmissor. É só.
Rakal e Tronar Woolver fizeram continência. No mesmo instante transformaram-se
em névoas confusas, e dali a três segundos desapareceram, usando o mesmo caminho
pelo qual tinham vindo.
2

Rakal sentiu perfeitamente o nervosismo do irmão misturar-se ao seu. Teve a


impressão de que havia uma ponta de preocupação em meio aos sentimentos, mas outras
impressões, como a atração do perigo e a sede de aventuras eram muito mais fortes.
O transporte não representou nenhum problema. Rakal ficou aliviado ao perceber
que os impulsos emitidos pelo transmissor se deslocavam em direção ao planeta
desconhecido, de forma que não eram obrigados a nadar contra a corrente.
Num tempo incrivelmente curto depois de terem desaparecido no rastreador da
Crest, rematerializaram embaixo de um arco elevado feito de energia cintilante. Era o
terminal receptor do transmissor. Viram-se num gigantesco pavilhão sem janelas,
iluminado de maneira uniforme por grandes placas luminosas instaladas sob o teto. O
pavilhão parecia estar vazio, com exceção de alguns aparelhos que se amontoavam em
tomo do arco energético e certamente serviam para gerar o campo receptor. Além disso,
havia cinco objetos em forma de caixa, que se encontravam no chão, bem embaixo do
arco. Tratava-se de objetos transportados pelo transmissor. Cada uma das caixas
representava um dos impulsos de transporte que despertara a atenção dos homens que
trabalhavam no setor de goniometria da Crest. Rakal passou por cima das caixas e saiu de
baixo do arco do transmissor. Tronar seguiu-o de perto.
— Acho que vamos tratar de encontrar um lugar em que possamos esconder-nos —
sugeriu Rakal. — Certamente virá alguém para levar as caixas.
Olhou em volta. O pavilhão era de formato oval e tinha cerca de sessenta metros de
comprimento. As paredes eram de um material liso. Não se via o menor sinal de uma
porta, mas devia haver algum acesso.
Tronar olhou para cima. Rakal sabia o que ele estava pensando. Poderiam usar a luz
espalhada pelas placas luminosas para transportar-se ao teto. Lá em cima devia haver
condutores que traziam a energia para as lâmpadas. Podiam usar estes condutores para
seguir adiante. Não seria difícil, apenas um tanto desconfortável.
— Acho que vamos esperar um pouco — disse Rakal. — Podemos ficar escondidos
atrás destes aparelhos. Certamente virá alguém para levar as caixas. Então veremos onde
fica a saída. Se houver uma emergência, sempre poderemos usar o caminho que leva para
cima.
Tronar concordou com a sugestão. Agacharam-se atrás de um aparelho em forma de
caixa. Parecia ser um projetor, a não ser que a semelhança que apresentava com os
aparelhos terranos dessa espécie fosse puramente casual. Prepararam-se para esperar
alguns minutos e apoiaram as costas no aparelho. Desta forma viam a parte dianteira do
pavilhão, que estava vazia, e podiam retirar-se imediatamente caso aparecesse alguém. O
arco do transmissor também ficava dentro de seu campo de visão. Mal se tinham
acomodado, quando ouviram um ruído de baixo do arco. Mais uma caixa apareceu, vinda
do nada. Balançou lentamente para o lado e caiu com um baque surdo.
Depois ficou tudo em silêncio. Parecia que o transporte pelo transmissor chegara ao
fim. Os dois irmãos esperaram pacientemente.
Rakal não se enganara. Cerca de oito minutos depois de ter aparecido a última
caixa, sentiu uma leve trepidação no chão. Levantou os olhos e viu que a parede se abrira
do outro lado do pavilhão. Um aparelho entrou, usando uma passagem bem larga.
Deslocava-se pouco acima do chão e em essência consistia numa grande plataforma de
carga. Tratava-se de um robô que recebera a tarefa de levar as caixas. Rakal e Tronar
recuaram para trás do projetor, embora fosse bastante duvidoso que o robô de transporte
fosse capaz de reconhecê-los e estranhar sua presença. Ouviram o ruído das caixas sendo
colocadas na plataforma por um dispositivo que não chegaram a ver.
Os dois irmãos entreolharam-se. Dali a pouco desmancharam-se em fios de fumaça
ondulantes, que pareciam subir para as luminárias. No mesmo instante materializaram
junto à abertura pela qual o robô acabara de entrar.
Rakal não demorou a orientar-se. Do lado de fora havia um corredor largo,
escassamente iluminado, que seguia em ambas as direções, até onde alcançava a vista.
Rakal decidiu ao acaso que seguiria para a direita. A situação era um pouco diferente do
que ele imaginara. A luz forte do pavilhão fora um bom meio de transporte, mas na
escuridão do corredor só podiam contar com as próprias pernas. O inimigo podia estar em
qualquer lugar. Não era possível desviar-se ou esconder-se.
Tronar parou de repente. Rakal seguiu seu exemplo e virou a cabeça,
— Que foi? — perguntou.
Tronar apontou com o polegar por cima do ombro.
— O robô. Não acredito que seja capaz de detectar-nos. Entre as caixas estaremos
bem escondidos. Ele nos levará a algum lugar.
Rakal hesitou um instante, mas acabou concordando. Voltaram para junto da
abertura na parede. Dali a trinta segundos apareceu o robô de transporte. Movimentava-se
bem devagar. Rakal tomou impulso e saltou para a plataforma. Tronar seguiu-o dentro de
instantes. A estabilidade do veículo era tamanha que ele nem balançou. Dobrou para a
direita, seguindo pelo corredor. Rakal e Tronar afastaram duas caixas e esconderam-se
entre elas. Enquanto isso o robô deslocava-se lentamente pelo corredor.
Quando tinham percorrido cerca de cem metros, começaram a subir fortemente. A
iluminação era cada vez melhor. Rakal ouviu ruídos confusos vindos de cima, que
superavam o zumbido do robô. Arriscou-se a sair de trás das caixas e olhar para cima.
Viu que o corredor se alargava e a uns cinqüenta metros do lugar em que estavam
terminava numa espécie de rampa, sobre a qual vários veículos iam de um lado para
outro.
Tronar devia ter sentido o susto que ele levara.
— Que houve? — perguntou sem sair do esconderijo.
Rakal fez um gesto impaciente. Arriscou-se a levantar a cabeça por alguns
segundos, para observar a rampa. Não via nenhuma criatura viva. Os veículos eram
autoguiados. Tratava-se de robôs, como aquele sobre o qual se encontravam. Por
enquanto não corriam um risco muito grande se ficassem onde estavam.
Recuou rastejando e encostou-se à caixa ao lado de Tronar. O robô descreveu uma
curva e subiu na rampa. Ouvia-se perfeitamente o ruído de muitos veículos, vindo de bem
perto. Rakal distinguia alguns deles desde que levantasse a cabeça e espiasse entre as
caixas. Geralmente tratava-se de plataformas deslizantes iguais àquela sobre a qual se
encontravam. De vez em quando um veículo diferente atravessava o estreito campo de
visão. Rakal contou um total de treze tipos de veículos. Achou que era um dado
importante. Encontravam-se no interior de um estabelecimento inimigo. Podia ser tanto
uma base militar como outra coisa. A existência de muitos tipos de veículos era um sinal
de que o estabelecimento tinha certa importância.
Tronar tirou a arma energética do cinto e a destravou. Por enquanto não parecia
haver nada em que pudesse atirar. O tráfego era feito exclusivamente por robôs. “É bem
possível”, pensou Rakal, “que neste planeta não exista um único ser vivo.”
O veículo no qual viajavam descreveu uma curva fechada e entrou num corredor
secundário, que saía da rampa. Quase no mesmo instante o ruído ensurdecedor do tráfego
que se processava na rampa terminou. Estavam novamente a sós. O lugar em que o robô
descarregaria as caixas devia ficar por perto. As paredes do corredor secundário eram
lisas e cinzentas que nem as outras que Rakal tinha visto. Não havia o menor sinal da
existência de uma porta, embora devesse haver dezenas delas Rakal ficou perturbado
diante da idéia de que uma raça que adquirira o hábito arquitetônico de instalar as portas
de uma forma que não podiam ser vistas devia ser dominada pela desconfiança.
De repente o robô parou. Rakal ergueu o corpo. Viu um pedaço da parede deslizar à
sua direita. O veículo girou sem sair do lugar e atravessou a abertura que se formara.
Entraram numa sala escura. Havia uma claridade crepuscular vinda não se sabia de onde,
mas os olhos de Rakal, que se tinham habituado à luz forte das lâmpadas, não
enxergaram nada. Mas não havia a menor dúvida de que o robô acabara de chegar ao
destino. A sala escura na qual se encontravam era um depósito.
Rakal sentiu a tensão interna que enchia o irmão. Precisavam descer da plataforma.
Fosse qual fosse o aparelho que o robô usaria para descarregar a caixa, Rakal não tinha
nenhuma vontade de deixar-se manipular por ele.
Saltaram. O robô prosseguiu implacavelmente e dentro de instantes desapareceu na
escuridão. Rakal ouviu o ruído agudo do motor. Sentiu que Tronar estava mais aliviado.
Foi um impulso repentino. Parecia que acabara de ter uma boa idéia. Rakal estendeu a
mão e tocou em seu ombro.
— Não — chiou. — Deixe a lâmpada onde está. Tronar resmungou alguma coisa
que não soou nada agradável. Rakal virou a cabeça e procurou descobrir o lugar do qual
vinha a luz mortiça, à qual sua vista já ia se adaptando. Teve a impressão de que bem nos
fundos havia uma luminosidade que tomava mais ou menos a quarta parte de seu campo
de visão. Mas não chegou a compreender o que era isso. Em compensação já distinguia
os contornos dos objetos que o cercavam. Notou figuras angulosas, dispostas ao acaso.
Na opinião de Rakal eram caixas do mesmo tipo das que tinham acabado de chegar pelo
transmissor. Bateu cuidadosamente em uma delas e pelo som teve a impressão de que
estava vazia.
O robô voltou dali a alguns minutos, anunciando sua presença por meio do zumbido
do motor. Os dois irmãos saíram de seu caminho. A parede abriu-se à frente do robô e
uma luz forte vinda de fora penetrou na sala, permitindo que Rakal se orientasse. O
veículo não demorou a sair do depósito. A porta voltou a fechar-se, e a escuridão
envolveu novamente os irmãos. Rakal viu confirmadas suas suposições. Em torno deles
só havia caixas formando pilhas de várias alturas. Corredores estreitos abriam-se entre as
pilhas. Um deles seguia exatamente na direção da qual vinha a débil luminosidade.
Rakal esperou trinta segundos.
— Tudo bem. Já pode ligar sua lanterna — disse.
Era o que Tronar esperava. Já devia estar com a lanterna na mão, pois mal Rakal
acabara de pronunciar estas palavras, um feixe de luz rompeu a escuridão, traçando um
círculo luminoso na pilha de caixas mais próxima.
— Acho que deveríamos dar uma olhada lá atrás— disse Rakal.
O corredor que ficava entre as pilhas de caixas só corria em linha reta nos primeiros
dez metros. Depois começava a dobrar para os lados e descrever curvas. Rakal chegou à
conclusão de que o depósito não devia ser muito importante na organização da base. Se
fosse, teria sido mais bem arrumado. Restava saber o que acontecia com o conteúdo das
caixas. As que tinham sido transportadas juntamente com eles pelo robô estavam cheias,
mas as outras estavam vazias. A carga devia ser retirada em algum tempo e lugar. Rakal
gostaria de descobrir mais alguma coisa a este respeito. Era possível que o conteúdo das
caixas tivesse certa importância.
A fonte da luz mortiça foi ficando cada vez mais perto, enquanto crescia em largura.
Rakal mandou que o irmão desligasse a lanterna. A luz crepuscular despertara uma
desagradável curiosidade em sua mente, e Rakal percebeu que Tronar sentia a mesma
coisa. Até parecia que a zona crepuscular estivera à sua espreita, pois abrangia metade do
campo de visão e parecia querer cercar os intrusos de ambos os lados. Rakal percebeu
que de forma alguma se tratava de uma luminosidade homogênea. Havia lugares mais
claros e mais escuros, e algumas das áreas escuras pareciam movimentar-se.
Tronar, que continuava com a arma energética na mão, caminhava cada vez mais
depressa. Rakal percebeu a emoção que o irmão sentia.
— Não faça nenhuma bobagem — advertiu. — Antes de puxar o gatilho, veja no
que vai atirar.
Tronar resmungou alguma coisa. O corredor precário fez mais uma curva e os dois
saíram entre duas pilhas de caixas da altura de uma casa. Viram-se numa área livre de uns
vinte metros de largura, do outro lado da qual começava a zona da qual partia a estranha
luminosidade.
Rakal encolheu-se instintivamente. Uma sombra escura correu em sua direção,
vinda da zona em que reinava a luz difusa. Tronar deixou-se cair no chão, levantando a
mão que segurava a arma. A sombra crescia assustadoramente. Rakal sentiu que na mente
de Tronar tomava corpo a decisão de disparar a arma energética. Quis dar um grito, mas
neste instante a sombra parou. Por um instante ficou parada na escuridão, dando a
impressão de que era uma feia mancha negra em meio à luz mortiça. Depois voltou a
deslocar-se, cresceu em comprimento, encolheu e foi diminuindo rapidamente.
No momento em que atingira o maior tamanho Rakal vira do que se tratava. Deu
uma risada. Tronar levantou-se e limpou a poeira do uniforme.
— Quem poderia ter pensado que fosse uma coisa dessas? — perguntou,
contrafeito.
— Antes isso que uma coisa que não compreendemos — respondeu Rakal.
Tronar confirmou com um gesto.
— Que bicho enorme, não é mesmo'?
— Uma baleia de tamanho médio — conjeturou Rakal.
Atravessaram a área livre e chegaram a um ponto em que não podiam prosseguir
mais. Rakal estendeu o braço e sentiu uma coisa que resistia obstinadamente à força dos
seus músculos. Encontravam-se diante de uma barreira energética. Era formada por um
campo transparente, e o que ficava do outro lado eram as camadas inferiores de um
oceano em cujo fundo o inimigo instalara sua base.
***
Perry Rhodan deu ordem para que mais duas sondas óticas fossem enviadas ao
espaço. Uma delas chegou a menos de dez milhões de quilômetros do planeta
desconhecido. Ficaram sabendo que a distância que os separava do mesmo não passava
de 33 milhões de quilômetros. A órbita que o astro descrevia em torno de seu sol era
menor que a de Mercúrio.
O sol pertencia à classe K-2. Sua luminosidade não ultrapassava um décimo da do
sol terrano, mas suas irradiações térmicas eram somente cinqüenta por cento inferiores às
do nosso sol. Por isso o planeta só podia ser um mundo tépido, banhado por uma
penumbra vermelha. Pertencia à classe dos planetas pequenos, de grande densidade. Seu
tamanho era aproximadamente igual ao da Terra, e a gravitação na superfície chegava a
1,05 gravos. Levava pouco mais de vinte e duas horas para descrever um movimento
completo de rotação em torno do próprio eixo. Não foi possível determinar com precisão
a duração do ano planetário, pois o tempo de observação era muito curto. Mas sabia-se
que essa duração era superior a onze e inferior a doze meses terranos.
Outras observações forneceram alguns dados sobre a superfície do planeta. O
espectro mostrava perfeitamente as linhas de absorção típicas das substâncias orgânicas.
Já se constatara antes que aquele mundo possuía uma atmosfera densa, que tinha certa
semelhança com a do planeta Terra. O espectro provava que existiam muitas formas de
vida orgânica. Era bem verdade que nenhuma sonda, por melhor que fosse, seria capaz de
apurar os detalhes a uma distância destas, mas podia-se imaginar perfeitamente que
naquele mundo estranho existiam gigantescas florestas e extensas pradarias. Pelos
cálculos do centro de computação positrônica, a temperatura média na superfície do
planeta devia ser de aproximadamente 23 graus centígrados. Era um pouco superior que a
temperatura média do planeta Terra.
Assim mesmo aquele mundo parecia ser um exemplo concreto de um planeta
semelhante à Terra.
Perry Rhodan não tinha a menor dúvida de que o terminal do transmissor se
encontrava numa base tefrodense, que em virtude das tarefas que lhes tinham sido
atribuídas, tinham recebido permissão dos senhores da galáxia para entrar na zona
proibida. Por enquanto não se sabia que tarefa era esta. Mas quanto ao resto as coisas
encaixavam perfeitamente. Os tefrodenses eram mais humanóides que qualquer outra
raça extraterrestre com que os terranos tinham entrado em contato. Sua tecnologia pouco
diferia da dos terranos. Suas espaçonaves eram tão parecidas com os veículos espaciais
terranos que se tornava difícil distingui-las. Dessa forma era bem natural que os
tefrodenses tivessem escolhido um mundo semelhante ao planeta Terra para instalar sua
base.
Naquele momento Perry Rhodan ainda não sabia que havia outro motivo, mais
importante, que os levara a optar por este planeta.
***
Depois de resolvido o mistério da luz mortiça, Rakal passou a interessar-se
principalmente pelas caixas que o robô descarregara na amplidão escura do depósito. Era
bem possível que seu conteúdo revelasse alguma coisa sobre a estrutura da base, sua
finalidade e os seres que a guarneciam. Em princípio Tronar estava de acordo, mas havia
uma coisa que o deixava preocupado.
— Quanto tempo acha que levaremos para descobrir seis caixas no meio desta
confusão?
Rakal deu de ombros.
— Com um pouco de sorte devemos conseguir disse.
Arriscou-se, subindo em uma das pilhas de caixas. Era uma pilha muito instável.
Toda vez que Rakal mudava de posição, as caixas balançavam fortemente. Por mais de
uma vez teve-se a impressão de que a pilha iria desabar, soterrando o homem que se
atrevera a escalá-la. Mas Rakal sempre conseguia equilibrar novamente as caixas.
Finalmente atingiu o topo da pilha. Encontrava-se a uns dez metros do chão. Dirigiu
a luz da lanterna para cima e viu a luminosidade fraca projetada pelo teto, que pelos seus
cálculos devia ficar pelo menos a quarenta metros de altura.
A pilha que Rakal acabara de escalar era uma das mais altas. Do lugar em que
estava via a confusão de caixas e corredores, até onde alcançava a luz da lanterna. Fez o
feixe de luz passar por alguns dos corredores que se estendiam em ziguezague entre as
pilhas. Não descobriu as caixas vindas por último.
Quando já ia desistir, um corredor em ziguezague que parecia terminar no vazio
apareceu na luz da lanterna. Depois dele devia começar uma área vazia. O feixe de luz
não chegou a mostrar os contornos de qualquer caixa. Era devorado pela escuridão. Rakal
tentou orientar-se. Se voltassem pelo mesmo caminho pelo qual tinham vindo e
considerassem a rota seguida pelo robô depois que tinham saltado, devia parecer
perfeitamente possível que o veículo tivesse ido à área livre que acabara de ver.
Começou a descer. Não teve tanto cuidado como na subida. Quando tinha
percorrido cerca de metade do caminho, a pilha perdeu o equilíbrio de vez. Rakal saltou
para o chão. A queda das caixas produziu um ruído ensurdecedor. Uma gigantesca nuvem
de pó subiu do chão. Tronar e Rakal, que suportara perfeitamente o salto, afastaram-se às
pressas. O barulho acabou e a nuvem de pó foi assentando. Depois disso o silêncio voltou
a reinar no pavilhão enorme. Ao que parecia, ninguém notara o incidente.
Os irmãos seguiram na direção em que ficava a área livre que Rakal vira de cima da
pilha de caixas. Perderam-se várias vezes, e Rakal resolveu escalar outra pilha para
orientar-se. Finalmente atingiram um lugar em que terminavam as pilhas de caixas. A
penumbra apagada do oceano, que penetrava pelo campo energético, ficara bem para trás.
À sua frente estendia-se o soalho do pavilhão, vazio e poeirento. Bem ao longe havia
alguns contornos retangulares, que a luz da lanterna mal e mal atingia.
Caminharam imediatamente nessa direção e Rakal viu confirmada sua suposição.
As últimas seis caixas tinham sido descarregadas no centro da área vazia, onde seria fácil
encontrá-las. Estavam enfileiradas no chão. Havia alguns aparelhos de forma retangular
dispostos em semicírculo em torno das caixas. Por enquanto não se sabia para que
serviam.
Tronar bateu com o pé em uma das caixas. Emitiu o mesmo som de uma hora atrás,
quando ainda se encontrava embaixo do arco do transmissor. Estava cheia.
Rakal fez a luz da lanterna descrever um círculo. Em seguida fez um sinal para
Tronar.
— Vamos começar!
Separaram uma das caixas. Os aparelhos retangulares talvez fossem equipamentos
de alarme que entravam em ação caso acontecesse algo de imprevisto em seu raio de
ação. Rakal não sabia qual era seu raio de ação, mas quanto mais longe estava deles, mais
seguro se sentia.
A caixa era um produto da mesma tecnologia que criara as portas ocultas nas
paredes do corredor. Não tinham tampo nem fecho. Eram objetos retangulares, com cerca
de um metro quadrado no plano vertical e quatro metros de comprimento, que pareciam
feitos de uma única peça. Eram de plástico, mas não se via nenhuma marca de solda.
Tronar examinou o volume de lado a lado. Finalmente levantou e enxugou o suor da
testa.
— Não quer tentar uma fórmula mágica? — perguntou Rakal.
Rakal fez um sinal para que se afastasse. Pegou a pistola energética que trazia presa
ao cinto, regulou-a para a concentração máxima e fez incidir o raio energético muito fino
contra a extremidade da caixa. O raio térmico atravessou o plástico como se fosse
manteiga. Rakal não levou mais de trinta segundos para recortar uma peça circular de uns
vinte centímetros de diâmetro. Uma fumaça densa saía da abertura. Rakal enfiou a mão
na caixa e tirou vários objetos que começavam a queimar em virtude do calor. Espalhou-
os pelo chão e apagou as fagulhas com os pés. Só então verificou o que acabara de tirar.
Os objetos que começavam a pegar fogo eram feitos de um plástico mole e flexível.
Rakal levantou um deles e sacudiu-o, para que adquirisse sua forma definitiva. Não havia
dúvida. Tratava-se de uma peça de roupa, uma espécie de jaqueta. O outro objeto era uma
calça que combinava com a jaqueta. Era muito apertada e chegava aproximadamente até
a metade da barriga da perna, conforme vez por outra tinham observado nos tefrodenses.
Tronar já tirara mais alguns objetos da caixa. Além de outras peças de uniforme viu
diante de si algumas dezenas de aparelhos pequenos, com uma escala circular, três botões
de regulagem e uma antena recolhível. Sem dúvida tratava-se de aparelhos de rádio
portátil. Havia alguma coisa escrita nos botões, mas nem Rakal nem Tronar foram
capazes de decifrar os caracteres.
— Pelo menos sobre uma coisa não precisamos quebrar a cabeça — resmungou
Tronar. — Esta base não é guarnecida exclusivamente por robôs, pois estes não usam
uniformes nem precisam de rádios portáteis.
Rakal confirmou com um gesto e pegou um dos aparelhos, do tamanho de um maço
de cigarros. Apertou um dos botões. Uma luz de controle verde que até então ficara
oculta acendeu-se.
— Está pronto para transmitir — constatou. — Com quem vamos falar?
Tronar sorriu. Tinha uma resposta na ponta da língua, mas não chegou a proferi-Ia.
Aconteceu uma coisa surpreendente.
Uma luz forte acendeu-se, iluminando todo o pavilhão.
Rakal não perdeu muito tempo.
— Para lá! — gritou, apontando para as pilhas de caixas que ficavam junto à área
livre. — Precisamos de um lugar em que estejamos protegidos.
Dali a trinta segundos estavam enfiados entre duas pilhas de caixas que ficavam
bem juntas. Pelo menos não podiam ser vistos diretamente. Rakal voltou a apertar o botão
do rádio. A luz de controle apagou-se. Rakal olhou para o teto, de onde vinha a claridade.
— Você acha que uma coisa está ligada à outra? — perguntou Tronar.
Rakal deu de ombros.
— Não faço a menor idéia, mas uma coisa me chamou a atenção. Quase no mesmo
instante em que liguei o transmissor as luzes se acenderam.
— Talvez nem seja um transmissor — resmungou Tronar.
— Também pensei nisso. Mas se o aparelho tivesse algo a ver com a iluminação
deste pavilhão, a esta hora ela já deveria ter cessado — sacudiu a cabeça. — Não. Não
tivemos tanta sorte. É um rádio. Quanto a isso não existe a menor dúvida. E alguém
detectou as ondas emitidas pelo transmissor assim que fiz a ligação. E agora eles virão
para ver o que há. Estamos numa fria — voltou a olhar para o teto — A iluminação é boa,
mas não é bastante forte para suportar nosso peso. Acho...
Não pôde concluir. Ruídos confusos, vindos não se sabia de onde se fizeram ouvir.
Rakal ouviu o ruído de motores e as batidas das caixas. Teve a impressão de ouvir de vez
em quando uma voz humana.
— Está começando! — constatou. — Preciso de alguns minutos, Tronar. Este
transmissor é a única esperança que nos resta. Se conseguirmos regulá-lo para um
receptor apropriado, estaremos salvos. Dê uma olhada por aí e mantenha afastada essa
gente enquanto puder.
Tronar confirmou com um gesto e saiu de trás das caixas. Rakal viu uma das pilhas
balançar e concluiu que o irmão estava subindo nela.
— Por enquanto tudo bem — gritou Rakal. — O barulho ainda está bem longe.
Enquanto isso Rakal manejava o rádio. A escala giratória consistia num botão
chanfrado, em cuja borda larga estava marcada uma graduação. Havia uma marca em
forma de flecha bem incrustada na armação. A extremidade da flecha apontava para o
botão. A marcação deste consistia em caracteres ilegíveis. Não se podia girar o botão à
vontade. Havia uma trava de cada lado. Rakal não tinha a menor dúvida de que a
finalidade da escala consistia em regular o transmissor para certa freqüência, para a qual
estava regulado um transmissor que ficava por perto. Desta forma o problema estaria
resolvido.
Voltou a ligar o transmissor. Segurou-o numa posição tal, que a antena sobressaía
entre as caixas. Depois passou a girar o botão selecionador de freqüências. Lá fora o
barulho parou por alguns segundos, para em seguida começar de novo, ainda mais forte.
As caixas balançavam. Tronar enfiou a cabeça no intervalo.
— Não sei o que você andou fazendo — cochichou. — Mas tenho certeza de que já
sabem onde procurar-nos. Vêm diretamente para cá.
Rakal acenou com a cabeça. Tinham localizado o transmissor. Apertou ao acaso um
dos dois botões que ainda não acionara e voltou a girar o selecionador de freqüências.
Devia haver um meio de fazer passar o aparelho da transmissão para a recepção. Desta
vez teve mais sorte. Ouviu um chiado. Apertou o terceiro botão, e o chiado transformou-
se numa voz potente, que dizia alguma coisa em tom monótono, numa língua que ele não
entendia. O receptor estava regulado para certa freqüência, na qual transmitia um
aparelho que ficava por perto.
Era exatamente o que Rakal queria. Saiu de trás das pilhas de caixas. Tronar ouviu o
barulho que fez e desceu do seu posto de observação sem que o irmão pedisse. Sem dizer
uma palavra, apontou para a área livre, em cujo centro de encontravam as seis caixas
recém-chegadas. Rakal viu uma grande fileira de veículos planadores, que vinham da
parede que ficava do outro lado, diretamente para seu esconderijo. Nas plataformas de
carga havia homens agachados, que seguravam armas de aspecto perigoso. Já tinham
visto os dois irmãos. Uma série de raios energéticos brancos saiu dos canos de pelo
menos uma dezena de armas. Rakal deixou-se cair no chão. Uma onda de ar
superaquecido passou por cima dele. Os tiros energéticos atingiram as duas pilhas de
caixas, entre as quais ficaram escondidos até poucos segundos atrás. As caixas chiaram e
crepitaram, enquanto se transformavam numa massa parecida com lava, feita de plástico
derretido, que foi escorrendo para o chão. Nuvens de fumaça levantaram-se, impedindo a
visão.
Rakal rolou no chão, levantou de um salto e saiu correndo, seguido por Tronar.
Enquanto corria, Rakal comprimiu o botão central do rádio. A voz desconhecida calou-
se. Se não estava muito enganado, o aparelho estava ligado para a transmissão.
Atrás deles os inimigos disparavam terríveis salvas para dentro de seu antigo
esconderijo. As pilhas foram caindo uma após a outra. Rakal teve um calafrio. Tentou
imaginar qual não devia ser a mentalidade de um inimigo que, ao farejar um perigo,
começa a matar e destruir a esmo, sem fazer o menor esforço de antes conhecer a origem
do perigo. Não dava a menor chance ao desconhecido, cujas intenções poderiam
perfeitamente ser amistosas.
Parou. A área em chamas, em meio à qual rugiam as armas energéticas inimigas,
tinha ficado bem para trás. Tirou de vez a antena do pequeno rádio e fez um gesto para
Tronar. Este ficou parado bem a seu lado e olhou fixamente para o aparelho. Levou
apenas um instante para desaparecer.
Rakal seguiu-o sem perda de tempo. Sentiu-se envolvido pelas vibrações ligeiras do
campo eletromagnético. Sentiu a estranha tração que acompanhava a desmaterialização
do corpo e viu as caixas que o cercavam se desmancharem em névoas confusas.
Em seguida foi carregado pelo campo eletromagnético.
***
Foi parar numa sala pequena, atulhada por um sem-número de estranhos aparelhos.
A primeira coisa que lhe chamou a atenção foi o corpo de um desconhecido, que jazia no
chão, imóvel. Tronar estava de pé bem ao longe, segurando a pistola energética pelo
cano, com o braço levantado para desferir um golpe. Até parecia que só esperava que o
desconhecido fizesse qualquer movimento.
Olhou para Rakal e sorriu embaraçado.
— Sinto muito — disse. — Este sujeito foi tão ligeiro que não tive alternativa. Fui
obrigado a dar-lhe uma pancada na cabeça. Só está inconsciente.
Rakal acenou com a cabeça e olhou em volta. Havia uma pequena tela de imagem
pendurada num lugar livre da parede. A tela mostrava uma superfície aquática ampla,
com ondas suaves, e uma costa montanhosa bem nos fundos.
— Ele estava falando com alguém — disse Tronar. — Estava falando à frente desta
caixa e segurava uma espécie de microfone.
No mesmo instante a caixa à qual Tronar acabara de aludir deu um sinal de vida.
Uma voz grosseira disse algumas palavras entrecortadas numa língua que os irmãos não
compreendiam. Rakal não pôde deixar de sorrir.
— Ele quer saber o que aconteceu por aqui — disse com uma risada. — A ligação
foi interrompida, e ele ficou nervoso.
Em sua opinião a pequena sala, que tinha quatro metros de lado, era uma estação de
rádio. Os aparelhos em forma de armário eram transmissores e receptores. Ao que
parecia, algumas tarefas da guarnição da base obrigavam os homens a afastar-se bastante
das instalações. E a finalidade da pequena sala consistia em manter contato com estes
homens.
Rakal não demorou a tomar uma decisão.
— Aqui corremos perigo — disse Tronar. — A qualquer momento poderá entrar
alguém, e então teremos problemas de novo. Acho que vale a pena vermos de perto este
malcriado que grita tanto.
Apontou para o receptor do qual continuava a sair a voz potente do desconhecido.
Tronar concordou. Desta vez nem mesmo Rakal julgou-se capaz de descobrir entre os
inúmeros controles do grande transmissor aquele que fazia o aparelho passar da recepção
para a transmissão. Precisavam arranjar-se com o que tinham. Era bem mais difícil viajar
em sentido contrário ao da expansão de um campo eletromagnético do que deixar-se
carregar por ele. O transporte tornava-se mais demorado. Mas no momento o tempo não
era um fator muito importante.
Tronar ficou parado à frente da enorme caixa, dissolveu-se e desapareceu. O
malcriado ainda não parara de falar. Rakal notou quando de repente se interrompeu no
meio da palavra e soltou um grito de pavor. Em seguida houve um baque surdo. Alguém
caiu ao chão, respirando com dificuldade. A voz de Tronar saiu do receptor.
— Por aqui tudo bem! Venha.
Rakal fundiu-se com o campo que estava sendo captado pelo receptor.
3

— Digo e repito, Staunder. Já está na hora de acabarmos com esta praga. Afinal,
possuímos as armas. Por que esperar?
O homem que dizia isto usava uniforme de campanha cinza e capacete de metal.
Pelos padrões terranos, devia ter seus quarenta ou cinqüenta anos. Falava o inglês com
um forte sotaque. Além disso, estava zangado.
Staunder estava sentado numa cadeira tão desajeitada que até se tinha a impressão
que ela fora feita pelo processo do “faça você mesmo”. Abanou a cabeça. O que mais
chamava a atenção em Staunder era a altura descomunal. Mesmo sentado, tinha quase a
mesma altura que o homem zangado que se encontrava à sua frente. E era tão magro que
até parecia que fazia dois meses que não comia bem.
— Bobagem, Emerich — respondeu. — Aqui não corremos nenhum perigo. Seja lá
quem for que venha nos atacar, ele não terá nenhuma chance contra os muros de dois
metros de espessura. O inimigo não possui armas de fogo, nem sequer arco e flecha.
Deve tratar-se de uma raça muito primitiva de nativos, que se sentem incomodados com a
nossa presença. O que poderíamos ganhar se atirássemos neles?
— Pois eu lhe digo — respondeu a voz retumbante de Emerich. — Ontem
Hannemann saiu para caçar um pouco. O senhor sabe tão bem quanto eu que precisamos
de carne. Quando estava atingindo a primeira colina, levou uma pedrada na cabeça.
Felizmente teve bastante presença de espírito para disparar toda a carga de sua
metralhadora. Isso deve ter espantado os caras. Hannemann bateu em retirada e mal e mal
conseguiu chegar ao castelo. Se quiser, pode ver o galo que tem na cabeça. Estes tipos
estão cada vez mais atrevidos. Se deixarmos que continuem assim, dentro de alguns dias
não poderemos sair mais do castelo.
Staunder parecia impressionado. Passou a mão pelo queixo, produzindo um
farfalhar. Nos últimos três dias não julgara necessário nem tivera tempo para fazer a
barba.
— Acho que o senhor tem razão, Emerich — confessou a contragosto. — Mais dia
menos dia seremos obrigados a tomar providências. Mas não serão as que o senhor tem
em mente.
Balançou a mão direita e fez uma cara que mostrava perfeitamente que não gostava
nem um pouco da situação em que se encontravam. Emerich era um teimoso.
— O que faremos então? — perguntou.
Staunder levantou. Tinha quase dois palmos mais que Emerich. O homem de
capacete de aço tinha de jogar a cabeça para trás se quisesse ver seu rosto.
— Procure compreender — insistiu Staunder. — Não temos a menor idéia sobre as
características dos terrenos adjacentes. Quase nunca saímos do castelo. Antes de atirar,
precisamos saber com quem estamos lidando.
Emerich sacudiu a cabeça.
— Talvez o senhor tenha razão — resmungou. — Mas é bom que nos próximos
dois dias alguém tenha uma boa idéia, senão não teremos mais nada para comer. E com o
estômago vazio não se consegue pensar muito bem.
Staunder sorriu debochado.
— Já sei! — exclamou. — Quem foi mais longe lá fora é Pavlech. Por que...
— Que nada — resmungou Emerich contrariado. — Qualquer um dos meus homens
chegou cem vezes mais longe que seu Pavlech.
A idéia formidável que acabara de ter deixara Staunder tão bem-humorado que por
nada deste mundo ele se envolveria numa discussão.
— Pois é, o que eu quero dizer é que ele chegou mais longe depois de a situação ter
piorado tanto.
— Está certo. Neste ponto o senhor tem razão. O que faremos com Pavlech?
— Vamos pedir sua opinião. Vamos perguntar a ele quantos selvagens existem nas
imediações, e se as armas que possuímos poderão ensiná-los a respeitar-nos. Se ele
concordar...
Emerich fez um gesto de pouco-caso.
— Está bem. Fale com Pavlech. Onde está ele?
— Deve estar voando lá fora. Vou chamá-lo.
Levantou o braço e mexeu num pequeno aparelho, que carregava em cima do pulso
à maneira de uma pulseira. Colocou o aparelho junto ao rosto e começou falar.
— Pavlech! Staunder falando. Responda se estiver ouvindo.
Repetiu o chamado três vezes, mas Pavlech não respondeu.
— Deve estar fora de alcance — afirmou Staunder.
— Pois volte a tentar daqui a pouco — sugeriu Emerich. — Caso não tenha
nenhuma objeção, esperarei aqui mesmo.
***
Rakal materializou-se na carlinga de um barco voador que naquele momento se
encontrava cerca de quinhentos metros acima da superfície de um grande oceano. A costa
montanhosa destacava-se junto à linha do horizonte. Rakal viu que era o mesmo quadro
que vira no interior da estação de rádio.
Também já estava familiarizado com o interior da carlinga. Tronar viu aos seus pés
o corpo de um homem inconsciente, que segundos antes certamente ocupara a poltrona
do piloto. Tronar sacudiu a cabeça.
— Estes caras são de uma rapidez incrível — observou, contrariado. — Viu-me sair
do receptor, e isso deveria ter congelado o sangue em suas veias. Mas não foi nada disso.
Levantou de um salto e já estava pondo a mão na arma quando finalmente pude entrar em
ação.
Rakal examinou o homem inconsciente. Era um tefrodense. Usava o uniforme desse
povo. Se envergasse as vestes militares dos terranos, poderia perfeitamente andar pelos
corredores de uma espaçonave terrana ou passear nas ruas de uma cidade do planeta
Terra sem causar nenhuma estranheza.
— Eles se parecem conosco. E não é somente por fora — disse Rakal.
Virou-se para o console de comando do piloto. Ao que parecia, o veículo estava
sendo guiado pelo piloto automático. Não havia ninguém junto ao console, mas o barco
voador permaneceu na mesma altura e deslocava-se em velocidade moderada em direção
à costa montanhosa. Rakal descobriu um objeto com aspecto de microfone, que
balançava junto ao console de comando, preso a um fio de plástico. Pegou-o e voltou a
colocá-lo no suporte. Uma luz vermelha apagou-se no painel. Rakal acreditava que dessa
forma interrompera a ligação com a base. Nenhuma pessoa que aparecesse por acaso na
cabine de rádio da base ligaria o operador inconsciente aos acontecimentos que se
verificavam no barco voador.
Tronar tirou a jaqueta do homem inconsciente e amarrou suas mãos com ela. Pelo
menos não poderia causar problemas quando recuperasse os sentidos.
— E agora? — perguntou Tronar.
Rakal apontou para o console.
— Não adianta tentarmos compreender os comandos. Levaríamos alguns dias para
aprender a pilotar este barco. Acho que os tefrodenses não nos darão tanto tempo —
apontou para fora da carlinga cercada de material transparente. A costa já estava bem
mais perto. — Este terreno até parece bem familiar, não é mesmo?
— Sim, exceto quanto à iluminação — resmungou Tronar.
O sol estava quase no zênite. Era um disco vermelho que parecia um pouco maior
que o sol visto do planeta Terra. Devia ser perto do meio-dia, mas tinha-se a impressão de
que estava quase na hora do pôr do Sol, pois uma luz vermelha crepuscular cobria o mar.
— A gente acaba se acostumando — disse Tronar em tom pensativo. — O que
vamos fazer? É a pergunta que ficou em aberto.
Rakal sentou na poltrona do piloto. Passou a mão levemente por alguns dos
controles que ficavam perto do microfone.
— Ficaremos na escuta. Deve haver uma estação lá adiante, em terra firme.
Ligamos o rádio em sua freqüência e saltamos.
Tronar concordou com um gesto. Rakal sondou os controles. O rádio do barco
voador não se parecia nem um pouco com o aparelho portátil que tinham usado para fugir
do depósito. Era obrigado a aprender tudo de novo, para poder usar o rádio.
— Vai demorar um pouco — disse, falando por cima do ombro. — Acho que será
conveniente ficar com o canal do sensor aberto. Não sei por que, mas tenho a impressão
de que não nos deixarão em paz por muito tempo.
***
— Nada feito — disse Staunder. — Está fora de alcance.
— Droga — respondeu Emerich em tom grosseiro. — Está dormindo numa boa
sombra.
— Pavlech não seria capaz de fazer uma coisa dessas. É...
— ...é um bicho indolente igual a todos nós. Não se iluda, Staunder. Há alguma
coisa no ar, que nos tira a capacidade de ação. Fico todo arrepiado se fico pensando no
que poderei dizer ao comandante de meu batalhão, se ele aparecer de repente e perguntar
o que andei fazendo. Vivemos num mundo intoxicado. Não sei qual é o veneno, mas...
— ...mas é um ótimo remédio contra o envelhecimento, não acha? — interrompeu
Staunder.
Emerich sorriu debochado.
— Sim. É só o que há de bom em tudo isso.
Virou a cabeça e olhou por uma das estreitas janelas em arco e sem vidraças.
— Quer que eu lhe diga uma coisa? — principiou depois de algum tempo. — Volte
a chamar Pavlech. Grite até ele acordar.
Staunder suspirou e voltou a ligar o pequeno transmissor.
***
Finalmente Rakal encontrou aquilo que acreditava ser um seletor de freqüências.
Retirou o microfone do suporte e fez um giro de trezentos e sessenta graus com o disco
do seletor. O receptor, que ficava não se sabia onde, permaneceu mudo.
Havia cerca de duas dezenas de controles perto de Rakal. Eram botões e luzes. Era
difícil saber qual deles servia para ligar o receptor. Só lhe restava ir experimentando um
após o outro.
Mal começara, quando Tronar se fez ouvir.
— Escute. Estou recebendo alguma coisa — disse em voz baixa. Rakal sentiu o
mal-estar que partia do irmão. — São impulsos breves de microondas, sem nenhuma
modulação, mas de comprimento variável.
Rakal recostou-se na poltrona. Esqueceu por alguns instantes o console, para
concentrar-se nos impulsos condensados que Tronar acabara de captar. Não teve a menor
dificuldade em senti-los. Eram intensos e possuíam um volume elevado de energia. Não
havia dúvida. Estavam sendo irradiados por uma antena direcional, exatamente para o
barco voador.
Rakal sabia que impulsos eram estes. Costumavam ser usados pela técnica de rádio
dos terranos e representavam mensagens de alerta, que acionavam algum alarme
automático. No fim havia um último impulso, modulado, que provocava uma explosão.
As mensagens de alerta tinham por fim proteger o piloto. Representavam uma ordem de
abandonar o veículo. O petardo explosivo servia para destruir o inimigo que se apoderara
dele.
Rakal não perdeu tempo quebrando a cabeça sobre se a comparação entre os hábitos
terranos e tefrodenses era aceitável.
— Prepare a arma energética! — gritou para Tronar. — Só dispomos de alguns
instantes.
Voltou a inclinar-se sobre o console. Talvez ainda encontrasse um transmissor cujas
ondas pudessem aproveitar.
— Isto não chega até a costa — resmungou Tronar. — Só posso dirigir as ondas
para a água. Está disposto a nadar vinte quilômetros?
— Antes isso que morrer numa explosão — gritou Rakal. O silêncio de Tronar era
um sinal de que ele achava que o argumento era válido.
Rakal mexia nas chaves que nem um louco. Finalmente o receptor respondeu
através de alguns chiados desagradáveis. Rakal fez um giro completo com o seletor de
freqüências, mas não conseguiu estabelecer contato.
Rakal parecia estupefato. Não captava mais os sinais de alerta. Num instante viria o
impulso que provocaria a explosão da bomba montada no interior do aparelho. Quanto
tempo concediam os tefrodenses aos seus homens para abandonarem o veículo?
— Deu mais um empurrão no disco do seletor de freqüências e levantou de um
salto.
— Precisamos dar o fora — disse, dirigindo-se a Tronar. — Vá na frente. Dê-me
sua arma!
Tronar estendeu o braço. No mesmo instante uma voz arrastada saiu do receptor.
— Caramba, Pavlech! Acorde!
Tronar puxou para trás a mão que segurava a arma energética. Rakal e ele não
precisavam de palavras para comunicar-se. Cada um sentia o alívio imenso que partia do
outro.
Rakal fez um gesto em direção ao console.
***
Staunder estava exausto. Pingos de suor apareceram em sua testa.
— Não sei, não — disse Emerich, pensativo. Quem sabe se não lhe aconteceu uma
coisa? É possível que tenha levado uma pedrada na cabeça, que nem Hannemann.
Staunder suspirou.
— Pelo amor de Deus! Não diga isso...
Cansado, deixou-se cair na cadeira tosca. Voltou aproximar o rádio de pulso dos
lábios, dando a impressão de que isso lhe custava um esforço enorme, e dispôs-se a
chamar Pavlech.
Mas não teve tempo para isso. Aconteceu uma coisa estranha. Uma nuvem de
fumaça em espiral saiu da pequena cápsula. Subia rapidamente e ia se condensando.
Staunder saltou da cadeira, apavorado, e esticou o braço.
— Isto está quebrado! — gritou para Emerich. — Queimou...
As fumaças dançavam enquanto eram sopradas pelo vento e formaram uma nuvem,
que flutuava no espaço. Staunder respirou aliviado ao notar que não saía mais fumaça do
aparelho. A nuvem deixou-o fascinado. De repente Emerich soltou um grito de alerta e
apontou para o pulso. A cápsula voltara a soltar fumaça. Staunder ficou confuso. Tentou
soltar o fecho de seu rádio de bolso para livrar-se do aparelho que tanto o assustava. De
repente Emerich soltou um grito de pavor. O sangue congelou nas veias de Staunder.
Arregalou os olhos ao ver a nuvem tornar-se mais densa e mudar de formato,
adquirindo os contornos de um ser humano. Numa questão de segundos perdeu a
transparência. Um par de pernas compridas e robustas formou-se, seguido de um tronco
robusto com um peito grosso que nem um tonel, dois braços, duas mãos, cobertas de uma
pele esverdeada, um rosto humano da mesma cor, e uma porção de cabelos violetas
curtos que cobria parte da testa.
Staunder já vira muita coisa em sua vida, mas aquilo era demais. Deu um gritinho e
recuou apavorado. No mesmo instante arrancou instintivamente a pistola e apontou-a
para o desconhecido. Esqueceu o rádio de pulso. Estava tão concentrado na figura do
desconhecido que nem notou a segunda nuvem de fumaça, que flutuava atrás dele, junto à
parede de pedra bruta, realizando dentro de poucos segundos o mesmo processo de
transformação da primeira.
Emerich viu tudo, mas estava tão apavorado que não conseguiu dizer uma palavra.
Staunder continuava a recuar. O desconhecido estava no centro da sala, fitando-o com
uma expressão de espanto. Parecia tão surpreso por ter aparecido neste lugar como o
próprio Staunder.
Staunder fez um gesto com o cano da pistola.
— Levante os braços, meu chapa — disse em inglês, porque não se lembrou de uma
língua melhor.
De repente um par de braços passou por cima de seus ombros. Antes que Staunder
compreendesse o que estava acontecendo. uma mão robusta arrancou-lhe a pistola. A
força do movimento foi tamanha que fez Staunder girar abruptamente. Pensou que estava
enlouquecendo ao ver atrás de si o mesmo desconhecido que há pouco se encontrara à
sua frente.
Fez um grande esforço para controlar-se. Não existiam milagres. Devia haver uma
explicação razoável. Virou a cabeça bem devagar e olhou para o lado. Suas suspeitas
confirmaram-se. O primeiro desconhecido, que era exatamente igual ao que neste
momento se encontrava à sua frente, continuava parado no centro da sala.
Quer dizer que eram dois. Staunder teve uma idéia. Talvez fossem robôs. Só mesmo
dois robôs poderiam parecer-se tanto como estes desconhecidos.
“Calma”, disse a si mesmo. “Um deles está com minha arma. Isso lhe dá uma
grande superioridade.”
De repente notou que o segundo desconhecido o fitava com o mesmo ar de espanto
do primeiro. Começou a ter suas dúvidas. Será que um robô podia parecer espantado?
A voz rouca de Emerich, vinda dos fundos, começou a falar tão de repente que
Staunder ficou assustado até a medula dos ossos.
Droga! Já está na hora de alguém abrir a boca!
***
A fuga fora tão repentina que só no momento em que materializava Rakal deu-se
conta de ter ouvido uma voz desconhecida e compreendido a língua que ela usava. Era o
inglês, por mais que ele se recusasse em acreditar nisso.
De repente viu-se no interior de um recinto cercado por pedras toscas. Bem à sua
frente, de costas para ele, havia um ser humano muito alto, que usava roupas estranhas,
que lhe pareciam familiares. O homem ia recuando, enquanto ameaçava Tronar, que
acabara de materializar no centro da sala, com uma pistola. Rakal afastou o perigo,
passando os braços por cima do ombro do compridão e arrancando-lhe a arma. O
desconhecido virou-se abruptamente e Rakal viu-o de frente. Teve de fazer um grande
esforço para não perder o autocontrole.
O homem que viu à sua frente usava o uniforme da frota Espacial do Império Solar!
Alguns segundos se passaram num silêncio cheio de espanto. Rakal fitava o homem
que usava o uniforme da Frota Solar, e este por sua vez encarava fixamente. Rakal viu
pelo canto do olho o céu iluminar-se, por uma fração de segundo, do outro lado da
pequena janela em arco. Dali a pouco se ouviu o ribombo de um trovão não muito forte,
que ninguém mais parecia ter notado. Rakal sabia o que tinha acontecido. O barco voador
em que ele e Tronar tinham estado trinta segundos antes acabara de explodir.
Finalmente ouviu-se uma voz rouca vinda dos fundos da sala. Rakal ficou
estupefato ao notar que na sala havia uma figura muito mais esquisita que o homem com
o uniforme da Frota Solar. Saiu da penumbra junto à parede do lado oposto e usava
vestes antiquadas. Um enorme capacete metálico cobria a cabeça. Era um homem
robusto, de altura mediana. O rosto era magro, de traços inteligentes. Os olhos que
examinaram os irmãos, um após o outro, pareciam ser de um homem que sabia misturar a
energia e reflexão.
O homem de capacete contornou Tronar e plantou-se à frente de Rakal. O instinto
parecia dizer-lhe que Rakal era o porta-voz dos dois. O homem não tinha nenhuma arma
na mão. Mas Rakal viu um coldre preso ao cinto que prendia a jaqueta, e teve a
impressão de ver nele o coldre de uma pistola. Rakal, que segurava sua arma energética
na mão direita, e na esquerda a que acabara de tomar do outro homem, sentiu-se um
pouco esquisito.
— O senhor compreende a língua que estou falando? — perguntou o homem.
Rakal fez um gesto afirmativo.
— É claro que sim. Fomos criados falando esta língua.
O homem que estava falando também vestia uma espécie de uniforme. Rakal não se
lembrava de já ter visto esse tipo de roupa, mas esta lhe parecia conhecida. Tentou
descobrir algumas características. Uma águia estilizada sobre o bolso do peito despertou
sua atenção. A águia estava com as asas estendidas horizontalmente, e suas garras
seguravam uma coroa em cujo centro se via um símbolo parecido com uma cruz
inclinada, com traços perpendiculares em cada ponta.
Rakal lembrou-se. A idéia de que aquele homem pudesse ser tão velho como
indicava seu uniforme deixou-o atordoado.
— Pois permita que eu me apresente — disse o homem de capacete. — Sou o
Capitão Emerich, Günter Emerich, do Exército do Báltico. A última lembrança que trago
na memória é a da retirada da Prússia Oriental, em mil novecentos e quarenta e quatro.
Rakal engoliu em seco. Se aquilo que o homem acabara de dizer era verdade, ele era
o mais velho entre os terranos vivos.
“Por quê?”, perguntou-se, martirizando o cérebro. “Por que justamente aqui?”
O homem alto que estava parado ao lado de Emerich também começou a mexer-se.
Seguiu o exemplo do capitão
— Meu nome é Bari Staunder. Sou major da Frota do Império, setor leste. Minhas
recordações chegam a dois mil trezentos e vinte e sete. Setor leste, guerra contra os blues.
Rakal perguntou-se que recordações seriam estas que os dois faziam tanta questão
de realçar. Mas pensou em tantas coisas diferentes ao mesmo tempo que nem chegou
fazer a pergunta.
Em compensação Emerich voltou a falar.
— Ainda que mal pergunte — disse no seu inglês atrapalhado. — Como vieram
parar aqui? De onde vieram? E, principalmente, de que ano são?
— Dois mil quatrocentos e quatro — respondeu Rakal prontamente.
As coisas com que se deparara tão de repente ainda o deixavam atordoado.
Emerich fez um gesto vago.
— Quanto tempo faz mesmo?
Alguma coisa nos olhos de Rakal lhe devia ter dito que este não compreendera a
pergunta.
— O que quero saber é em que ano estão hoje no planeta Terra.
Rakal sorriu.
— Continua sendo o mesmo ano de dois mil quatrocentos e quatro.
Emerich baixou os olhos.
— Perry Rhodan ainda está vivo? — perguntou Staunder, exaltado.
Rakal fez um gesto afirmativo.
— Está sim. E não se encontra longe daqui.
— Graças a Deus — suspirou Staunder. — Eu sabia que ele não nos abandonaria.
Rakal deu-se conta do que havia de irreal nesta situação. Nenhum dos quatro
esperara um encontro como este. Fora tão surpreendente que todos ficaram sem saber o
que dizer. Ainda não tinham tomado plena consciência do que acabara de acontecer.
Havia necessidade de uma palavra descontraída, de uma manifestação objetiva para
acabar com o constrangimento.
Esta manifestação ficaria por conta de Pavlech. O rádio de pulso, que há pouco
Staunder tentara soltar, começou a transmitir uma mensagem. Uma voz distorcida disse:
— Da próxima vez que eu estiver cercado por quinhentos selvagens sem poder dar
um pio, faça o favor de não gritar tanto, Staunder, senão terá um homem a menos no
grupo.
4

Staunder encostou o rádio aos lábios.


— OK, Pavlech. Volte o mais depressa que puder. Entendido?
Desligou sem aguardar a confirmação de Pavlech. Dirigiu-se a Rakal.
— Precisamos discutir algumas coisas — disse. — Esta sala não é muito agradável.
Vamos descer?
Emerich virou-se e abriu a porta, que era de pranchas toscas e rangia horrivelmente.
Emerich foi o primeiro a sair, seguindo por Tronar e Staunder. Rakal seguiu por último.
Enfiara a arma de Staunder no bolso e voltara a guardar a sua no coldre. Do lado de fora
havia um pequeno patamar, de onde descia uma escada esculpida na rocha, que descrevia
curvas fechadas. Rakal fechou a porta e ficou no escuro. A escada não era iluminada.
Mais trinta degraus e duas curvas mais embaixo havia uma janela que deixava
entrar um pouco de claridade. Rakal teve a impressão de que podia ser antes uma seteira.
O campo de visão era muito restrito, mas apesar disso Rakal parou, surpreso, ao olhar por
ela.
Encontravam-se no interior de uma torre. Inclinou o corpo e distinguiu as
construções que cercavam a torre. Ficavam uns vinte metros abaixo do lugar em que
estava. Tratava-se de construções baixas e rudimentares, cobertas de palha. Formavam
um grupo compacto, cercado por um grosso muro de pedra. Em certo lugar do muro
havia outra torre, mas esta era bem mais baixa que a em que se encontravam. A base era
formada principalmente por uma espécie de portão em semicírculo, bastante grande para
deixar passar um planador de carga.
Rakal vivera muito tempo na Terra e sabia que construções eram estas. Tratava-se
de um castelo, um remanescente de um passado remoto do planeta Terra.
Rakal continuou a examinar os arredores. O castelo ficava no topo de uma elevação,
tal qual os modelos terranos. A vista era impressionante. À direita e à esquerda, do
primeiro plano até junto à linha do horizonte estendiam-se outras cadeias de elevações.
Uma floresta rala crescia em seus flancos. Rakal teve a impressão de ver uma estrada
estreita que serpenteava morro acima.
Percebeu que ficara para trás e saiu andando depressa para alcançar Staunder.
Sentiu a onda de espanto partida de Tronar, que tal qual ele sentia o que havia de
extraordinário na situação.
Mais embaixo voltou a escurecer, mas Rakal notou que Staunder o fitava enquanto
abria a porta.
— Isso deixa a gente abalada, não é mesmo? — perguntou depois de algum tempo.
— Quase nos faz perder o juízo.
Rakal limitou-se a acenar com a cabeça. Por enquanto não tinha nada a dizer.
Primeiro queria ouvir a história de Staunder e Emerich. Emerich acabara de abrir a porta
que ficava ao pé da escada. Uma luminosidade vermelha entrou pela abertura. Os homens
foram saindo um após o outro e viram-se num pátio de formato aproximadamente
retangular, cercado de todos os lados por edifícios baixos. Rakal viu alguns homens
agachados à frente dos edifícios levantarem de um salto. Usavam uniformes parecidos
com o de Emerich, e a continência que fizeram parecia destinar-se ao homem que usava
capacete de aço. Emerich agradeceu com um gesto desleixado e gritou algumas palavras
numa língua que Rakal não compreendeu. Devia ser o alemão. Os homens ficaram mais à
vontade, mas continuaram onde estavam, olhando espantados para os dois irmãos Um
deles gritou algumas palavras, mas Emerich fez um gesto de pouco-caso.
— Aqui, por favor — disse Staunder e abriu a porta de uma casa que ficava junto à
torre.
Rakal viu que a quarta parte inferior da torre estava firmemente ligada às
construções. O pátio era cercado por um segundo muro, isto para o caso de a primeira
linha de fortificações não resistir à investida do inimigo.
Mas que inimigo poderia ser este?
O interior da casa para a qual Staunder levou os hóspedes aparecidos de forma tão
surpreendente era muito mais agradável que o exterior. A porta dava diretamente para
uma sala bem ampla. Os móveis eram grosseiros, mas o ambiente era acolhedor. No
início só havia duas janelas pequenas na parede lateral. Eram semicirculares, que nem as
que Rakal vira na torre. Mas ao que parecia Staunder não se contentara com estas janelas.
Mandara abrir mais duas. Rakal viu que havia uma porta na parede dos fundos e outra em
uma das paredes laterais. Concluiu que havia vários aposentos na casa. Na verdade,
Staunder não tinha motivo para queixar-se de ter uma residência como esta num lugar tão
distante de seu mundo.
Sentaram em torno de uma grande mesa redonda, que ocupava todo o centro da
sala. Staunder fez questão de oferecer alguma coisa aos visitantes. Trouxe uma bacia
cheia de nacos de carne-seca e copos que antes pareciam resíduos de uma fábrica de
vidros, cheios de um líquido marrom.
Emerich recostou-se confortavelmente na cadeira e acendeu uma coisa parecida
com um cigarro, que espalhava um cheiro difícil de descrever. Parecia feliz. Fez um gesto
de quem quer pedir desculpas e disse:
— Isto provavelmente ofende seus nervos olfativos, mas um velho soldado não
pode passar sem fazer fumaça. Por aqui não existe tabaco. Por isso sou obrigado a fumar
o que encontro.
Levantou o copo e brindou.
— À sua chegada — seja lá o que ela nos trará.
Em seguida tomou um grande gole.
— Temos várias coisas a discutir — observou Staunder, voltando ao assunto que os
trouxera a este lugar. — Os senhores pertencem à frota espacial do Império. Permitem
que eu pergunte qual é o posto que ocupam?
Tronar sorriu como se aquilo o divertisse. Staunder perguntou quem falava pelos
dois irmãos.
— Ninguém — respondeu Rakal, alegre. — Não ocupamos nenhum posto. Somos
simples membros da frota. Acho que o senhor deveria falar em primeiro lugar, major.
Staunder parecia não ter percebido a ironia que havia nestas palavras. Começou a
falar em tom indiferente.
— No mês de julho do ano dois mil trezentos e vinte e sete nosso grupo de naves foi
envolvido numa batalha com uma poderosa frota dos blues. A nave em que eu servia, um
cruzador da classe Estado, foi atingida várias vezes. Dei ordem para abandoná-la.
Staunder não sabia quantos homens tinham sobrevivido ao desastre. Ele mesmo
saíra num barco salva-vidas, com mais três homens, e tentara afastar-se o mais depressa
possível do campo de batalha. A situação era desesperadora. A base terrana mais próxima
ficava muito além do raio de ação do barco espacial. Por enquanto não poderiam
transmitir nenhum pedido de socorro. Os blues estavam muito perto. Só lhes restava
esperar que antes que a batalha espacial terminasse algum veículo terrano se aproximasse
o suficiente para detectar e recolher o barco.
Mas em vez de terranos apareceu uma gigantesca espaçonave cuja forma exata
Staunder não pôde descrever. Apareceu subitamente à frente do barco. Antes que
Staunder e seus companheiros pudessem fazer qualquer coisa, um forte raio de tração
arrastou o barco para junto dos estranhos. Foram parar no interior de uma eclusa.
Staunder ainda tinha uma lembrança vaga do aspecto da câmara dessa eclusa, mas suas
recordações terminavam ali. A próxima coisa de que se lembrava era o castelo. Ele e seus
homens acordaram em uma das casas baixas cobertas de palha, cercados pelos homens de
Emerich. Emerich era o único que falava fluentemente o inglês. Demorou um pouco até
que explicassem a Emerich, e ele por sua vez explicasse aos seus homens, que os quatro
recém-chegados eram pessoas pacatas.
— E dali em diante — concluiu Emerich, fazendo um gesto de quem pede
desculpas — vivemos neste castelo.
Rakal fitou-o com uma expressão de espanto.
— Há setenta e sete anos?
Staunder passou a mão pelo queixo.
— É aí que está o problema — confessou, contrariado. — Quando me deparei pela
primeira vez com Emerich, não tive a menor dúvida de que ele arranjara as vestes que
trajava num museu, para enganar-nos. Mas hoje já sabemos que não é nada disso. Foi
mesmo em mil novecentos e quarenta e quatro que Emerich viu a Terra pela última vez, e
eu me despedi na primavera do ano dois mil trezentos e vinte e sete. Se a informação que
o senhor acaba de dar é correta, realmente faz setenta e sete anos terranos que me
encontro neste mundo, e Emerich está aqui há quatrocentos e sessenta anos. Oh, meu
Deus!
Apoiou a cabeça nas mãos.
Emerich passou a apresentar seu relato.
— Pois é como eu disse. Estávamos nos retirando. Nosso regimento foi destroçado.
Finalmente só havia dezenove homens, três caminhões e um veículo blindado perto de
mim. Os russos nos descobriram e dispararam uma salva de lança-foguetes contra nós.
Felizmente a pontaria não foi das melhores. Não saímos feridos, mas em torno de nós era
tudo fogo e fumaça. Mal se enxergava a mão à frente do nariz. Depois...
Deu de ombros. O resto ele não sabia explicar muito bem. Só sabia que de repente
se sentira agarrado por uma força estranha, que o levara para cima. Acabou parando num
recinto que segundo suas próprias palavras, parecia uma grande eclusa antiaérea. Os
dezenove homens, os três caminhões e o veículo blindado o acompanharam. Dali em
diante a história era a mesma de Staunder. Emerich ficou inconsciente. Quando recuperou
os sentidos, estava junto à torre do castelo, com os caminhões e o blindado estacionados
perto dele. Os homens começavam a levantar-se. Não havia ninguém no castelo. Emerich
e seus companheiros instalaram-se da melhor forma possível.
— Desde então — concluiu — vivemos aqui. Os dias vão passando, um igual ao
outro. Nenhum deles traz uma novidade. Temos de dispensar certos tipos de conforto aos
quais estamos habituados. Não passamos fome. Nesta região existe muita caça e plantas
comestíveis. Um dos meus homens exercia a profissão de biólogo. Ajudou-nos bastante.
Esvaziou o copo e colocou-o ruidosamente sobre a mesa.
— Mas há uma coisa — disse em tom amargo — que ninguém, por mais inteligente
que seja, consegue explicar. Gostaria de saber por que quem vive aqui tem a impressão
de ter chegado ontem. A retirada para a Prússia Oriental que, como o senhor afirma,
aconteceu há quase quinhentos anos, está gravada na minha memória como se fosse um
acontecimento recente. Aqui o tempo passa monotonamente. Nunca acontece nada. Não...
não se colhe nenhuma impressão nova. É como se a gente nadasse por um mar de águas
turvas, cercado constantemente pela escuridão, sem qualquer ponto de referência que
permita avaliar a distância percorrida. Esta terra não tem passado. A gente tem
consciência do momento que vive. O que passou antes torna-se confuso e desaparece da
mente — olhou para Rakal. — Não sei se o senhor compreende. O que quero dizer é que
não tenho a impressão de ter passado quatrocentos e sessenta anos neste lugar.
Rakal acenou com a cabeça. Até compreendera muito bem o que Emerich acabara
de dizer. O estranho planeta em que se encontravam estava cercado de mistérios. As
pessoas que viviam nele não envelheciam e não sentiam o tempo passar. O mesmo
fenômeno que impedia o processo de envelhecimento colocava um véu misericordioso
sobre a capacidade de recordação e fazia com que num retrospecto um lapso de tempo
infinito parecesse um breve instante.
Restava saber para que servia isso.
Rakal não era o único que tinha perguntas.
— Talvez o senhor pudesse me dizer — principiou Staunder depois de dois ou três
minutos de silêncio cheio de reflexões — como vieram parar aqui. Bem que eu gostaria
de saber. O senhor disse que Perry Rhodan encontra-se perto daqui. Quer dizer que os
senhores sabem onde fica este lugar?
Rakal acenou com a cabeça. Hesitou um pouco antes de responder.
— Antes de dizer o que tenho em mente, gostaria que me dissessem se têm alguma
idéia de como vieram parar aqui e quem os trouxe.
Staunder deu uma risada. Parecia contrariado.
— Pois é justamente isso. Não temos a menor idéia a este respeito. Parece que os
únicos habitantes deste mundo somos nós e um bando de selvagens. Temos certeza de
que não é por causa destes selvagens que estamos aqui. Um grande barco voador passa
por cima deste planeta com alguns meses de intervalo. Acreditamos que os seres que nos
trouxeram para cá estejam nele. Mas nunca chegamos a vê-los.
— Sem dúvida — acrescentou Emerich — fomos trazidos numa espécie de nave
espacial.
Rakal contemplou-o espantado.
— Fico espantado por o senhor saber o que é uma espaçonave. Afinal, o senhor
nasceu na primeira metade do século vinte.
Emerich sorriu.
— Ora essa! Nem quero saber o que seus livros de história dizem sobre o século
vinte. Devem achar que somos bárbaros, não é mesmo?
Rakal quis responder, mas Emerich fez um gesto de pouco-caso.
— Basicamente o senhor teria razão se pensasse assim. Naquele tempo ainda não
havia espaçonaves. Não tínhamos alcançado este estágio da evolução. Mas certas pessoas
formavam sua visão do futuro e escreviam romances nos quais as espaçonaves ocupavam
uma posição importante — olhou para os dois irmãos, com uma expressão um tanto
dominante. — Os senhores não devem estar lembrados do escritor Hans Dominik —
Rakal sacudiu a cabeça. — Não importa. De qualquer maneira, tínhamos uma idéia de
como seriam as coisas dali a cem anos. Além disso estou convivendo há bastante tempo
com este cavalheiro — fez um gesto amplo em direção a Staunder. — Ele me contou
muita coisa sobre suas aventuras astronáuticas.
— E onde está agora?
Rakal soltou a pergunta de repente. Queria que Emerich respondesse sem pensar.
Estava interessado em saber até onde chegava a capacidade de imaginação de um homem
que vivera na primeira metade do século vinte.
Emerich virou as palmas das mãos para cima e meneou a cabeça.
— Não sei — respondeu. — Encontro-me num planeta desconhecido. O sol é
vermelho. Portanto, não pode ser nosso sol.
Rakal fitou Staunder com uma expressão de espanto.
— Não faço idéia — confessou Staunder. — As constelações que se vêem daqui são
completamente desconhecidas. A julgar pela densidade estelar, devemos encontrar-nos na
região central de uma galáxia. Nos meus tempos de astronauta estive várias vezes nas
proximidades do núcleo da Via Láctea, mas aqui não consigo identificar um único traço
conhecido no céu noturno.
— É porque — respondeu Rakal, dando um tom suave à voz para diminuir o
choque que suas palavras iriam produzir — o senhor não se encontra mais na Via Láctea.
Staunder empertigou-se na cadeira. Seus lábios abriram-se num grito de protesto,
mas este não chegou a sair-lhe da boca. Rígido e silencioso, com os olhos arregalados de
espanto, Staunder olhava fixamente para seu interlocutor.
Emerich não parecia tão espantado. Afinal, para um homem do ano de 1.944 Marte
ficava tão longe como Vega, e quem chegasse a Vega não teria nenhuma dificuldade em
alcançar outra galáxia.
— Onde... onde...? — balbuciou Staunder.
— Estamos em Andrômeda — respondeu Rakal.
Depois disso passou a contar a história. Falou nos ataques dos maahks à galáxia em
que viviam os humanos, no transmissor dos seis sóis, em Twin e no planeta Horror, dos
avanços que levaram a expedição da Frota Solar para Califa, e finalmente para Andro-
Alfa, Andro-Beta e a própria nebulosa de Andrômeda. Falou durante trinta minutos sem
ser interrompido. Staunder parecia mergulhado num transe, mas Emerich acompanhava o
relato com o interesse ansioso de um homem que acha tudo muito interessante, mas não
tem a menor idéia das proporções e da importância da operação.
— Estamos no interior da área dominada por uma raça desconhecida — concluiu
Rakal. — As intenções desta raça para conosco parecem ser tudo menos amistosas. A
espaçonave mais poderosa que os terranos já construíram está nas imediações. Mas é um
único veículo espacial, enquanto o inimigo dispõe de dezenas ou até centenas de milhares
de naves. Descobrimos este planeta por acaso. Tronar e eu fomos mandados para cá para
fazer uma sondagem. Devemos...
Interrompeu-se de repente. Muito devagar, como se o movimento doesse, fitou o
braço para ver o mostrador do relógio que trazia embaixo do pulso. Olhou com uma ex-
pressão de perplexidade para o traço luminoso fino que era o mostrador.
— Que houve? — perguntou Emerich.
Rakal levou algum tempo para recuperar o autocontrole.
— Esquecemos do encontro que tínhamos marcado — conseguiu dizer depois de
algum tempo. — Em determinado momento seríamos recolhidos pela Crest. A conversa
foi tão interessante que perdemos este momento.
Voltou a olhar para o relógio. Os mostradores caminhavam implacavelmente. E
segundo eles os sinais de hiper-rádio transmitidos pela Crest já eram coisa do passado.
Fazia trinta e três minutos que tinham sido emitidos.
Rakal lembrou-se das palavras de Perry Rhodan. Não sei se haverá uma segunda
oportunidade...
***
Rakal sabia perfeitamente o que devia fazer. O importante era saber se a Crest iria
transmitir outra mensagem de busca. Pediu a Tronar que deixasse de acompanhar a
conversa com Staunder e Emerich e se concentrasse exclusivamente em seu sensor. O
sensor era um órgão impossível de localizar, que permitia aos gêmeos a percepção dos
campos energéticos. Não possuía a autonomia do ouvido humano, que percebia os sons
mesmo que a pessoa não quisesse ouvir nada. O sensor exigia bastante atenção e
concentração. A distração punha-o fora de ação, conforme mostrava o passado mais
recente.
Rakal explicou a situação a Emerich e Staunder. Sobre Tronar e os dons especiais
que os dois possuíam não explicou nada além do necessário. Staunder teve a gentileza de
oferecer seu quarto a Tronar. Tronar recolheu-se ao mesmo, não sem antes ter prometido
que daria o alarme assim que detectasse o raio de busca.
Enquanto isso Rakal refletia ansiosamente, à procura de outras possibilidades de
fuga. Tanto ele como Tronar possuíam microcomunicadores. Tratava-se de minúsculos
hipercomunicadores que tinham alguns anos-luz de alcance. mas não possuíam o
equipamento necessário à emissão de raios orientados. Irradiavam um campo que se
espalhava em todas as direções, que nem um radiotransmissor comum. A uma distância
de apenas dez segundos-luz este campo tornava-se fraco demais para servir de meio de
transporte aos dois irmãos embora pudesse ser detectado por um receptor. A “cavalgada”
de um campo de vibrações energéticas pressupunha uma intensidade mínima deste
campo. Rakal e Tronar Woolver não podiam locomover-se nas ondas de um transmissor
muito fraco, da mesma forma que isso se tornava impossível nos raios emitidos por uma
fonte de luz de pequena intensidade.
Rakal chegou à conclusão de que não havia alternativa senão esperar que a Crest
transmitisse outro raio de busca. A não ser que conseguissem voltar à estação submarina
do inimigo e acionar o transmissor ali instalado.
Staunder e Emerich demonstravam um nervosismo perfeitamente compreensível.
Staunder vira o microcomunicador que Rakal carregava no antebraço e pediu-lhe que
usasse o aparelho para informar a Crest sobre a descoberta que acabara de fazer. Rakal
pensara nisso, mas abandonara a idéia. O inimigo que se encontrava na estação
submarina localizaria imediatamente o ponto de chamada. Já sabia que dois seres
estranhos tinham chegado ao planeta, mas não tinha a menor idéia da presença de uma
espaçonave desconhecida a apenas dois minutos-luz de distância. Qualquer mensagem
transmitida pelo rádio anularia esta vantagem, que era a única que a Crest tinha no
momento.
Staunder ficou decepcionado com a recusa de Rakal, mas Emerich, que voltara a
encher o copo com a bebida marrom, observou em tom indiferente:
— Sem dúvida há de aparecer uma outra chance.
Rakal obrigou-se a ficar calmo e tentou fazer com que Staunder e Emerich lhe
revelassem mais alguma coisa sobre o estranho mundo em que ele e Tronar pareciam
estar presos, ao menos por algum tempo. Ficou surpreso ao saber que nem Emerich nem
Staunder se tinham afastado muito do lugar em que se encontravam. Emerich afirmou
que o máximo que se afastara do castelo era dez quilômetros. Staunder não foi capaz de
fazer uma indicação precisa, mas tinha-se a impressão de que estava longe de alcançar o
recorde de Emerich. Entre os ocupantes do castelo só parecia haver duas pessoas cujo
interesse chegava um pouco mais longe. Um deles era um dos subordinados de Emerich,
um sargento chamado Hannemann, enquanto o outro era Pavlech, um dos homens
pertencentes ao grupo de Staunder. Ao entrar no barco salva-vidas, Pavlech usava um
traje voador de fabricação arcônida. Pavlech usava este aparelho, cujo gerador com o
tempo se queimara a ponto de mal e mal conseguir criar um campo antigravitacional,
para voar por aí. O sargento Hannemann era um simples soldado de infantaria. Andava a
pé. Era impelido pela curiosidade e pela paixão de caça, segundo afirmava Emerich.
De repente Rakal compreendeu o que vira nos olhos de Emerich ao defrontar-se
com ele pela primeira vez. O olhar não combinava com sua pessoa, e por isso não
conseguira identificar sua expressão. Era um misto de depressão e indolência. Nos olhos
de Staunder via-se a mesma expressão. Staunder era major da frota espacial. Um homem
que, depois de ficar encalhado num planeta, nem chega a interessar-se pelas áreas
adjacentes, nunca chegaria a ser major. A mesma coisa podia-se dizer de Emerich, que
lutara durante cinco anos na guerra. E nestes cinco passara por momentos muitos mais
difíceis que os que atravessariam numa expedição mais extensa. O fato de dois homens
como estes ficarem num marasmo, deixando as pesquisas por quem se interessasse por
elas, simplesmente não fazia sentido.
No planeta em que se encontravam havia mais de um segredo. O mesmo fenômeno
que impedia o processo de envelhecimento e colocava um véu benigno sobre as
recordações dos tempos passados parecia privar os homens da coragem e da iniciativa,
transformando-os em criaturas deprimidas e conformadas.
Houve um forte ruído. Rakal sobressaltou-se. A porta abriu-se violentamente e
bateu na parede. Um homem que vestia um modelo antigo de traje voador arcônida
apareceu no vão. Só podia ser Pavlech. O suor porejava em sua testa.
— Prepare-se para ouvir uma coisa, Bari — disse em tom apressado — Esta noite
será o diabo.
5

Quando viu Rakal, engasgou de tão espantado que ficou. Assim que o acesso de
tosse passou, Staunder contou em palavras ligeiras o que tinha acontecido. Via-se
perfeitamente que Pavlech não entendia mais que a metade, mas estava tão nervoso que
parecia disposto a aceitar as coisas tal qual elas eram, sem fazer perguntas. Parecia muito
mais interessado em contar as novidades que trazia.
Pavlech era um homem alto, de ombros largos. Tinha cabelos negros e curtos, e
sobrancelhas espessas que se juntavam em cima do nariz. Dava a impressão de ser um
homem que não se espantava por pouca coisa, mas no momento devia estar tremendo por
dentro, a não ser que Rakal não tivesse interpretado corretamente a expressão de seu
rosto.
— É o diabo, Bari — repetiu. A porta, presa por tiras de couro, fechou-se enquanto
Pavlech caminhava em direção à mesa. — Há uns dez mil selvagens lá fora. Só esperam
o pôr do Sol para atacar-nos.
Bari Staunder parecia preocupado.
— Dez mil? — perguntou, aflito. — De onde vieram tantos?
Pavlech parou a calma.
— Será que isso importa? — gritou, furioso. — O fato é que estão lá. E nós estamos
aqui Se não tivermos logo uma idéia inteligente, amanhã estaremos transformados em
cadáveres.
Emerich levantou a mão.
— Acho que isso não é problema — disse calmo. — Ainda temos meia carroça de
munições. Basta usarmos o tigre e eles fugirão mais depressa do que vieram.
— O tigre? — perguntou Rakal.
— É um blindado — respondeu Emerich. — Tipo tigre. — Voltou a dirigir-se a
Pavlech: — Então. Que acha?
Pavlech deu de ombros.
— Por que faz essa pergunta? Afinal, Bari nunca gostou de violência.
Staunder levantou-se.
— É claro que agora as coisas mudaram de figura respondeu. — Precisamos
defender-nos — coçou o queixo. — São mesmo dez mil, Pavlech?
— Mais ou menos. Estão bem escondidos. Desci no meio deles, mas suas sentinelas
só cuidavam do que ficava na frente ou atrás deles. Consegui esconder-me numa moita.
Estão sentados em grupos, até onde alcança a vista, e todos eles trazem uma sacola cheia
de cunhas. Suas malditas mensagens de rádio por pouco não me traíram. O receptor
berrou tão alto que quase me ouviram — voltou a passar a mão pela testa. — Não quero
entrar outra vez numa armadilha destas.
— Como conseguiu sair? — perguntou Emerich.
— Eles fizeram uma espécie de dança marcial. É uma coisa horrível. Fizeram uma
imensa fogueira com lenha seca, numa clareira. Quase não houve fumaça, mas o calor foi
enorme. Reuniram-se em torno da fogueira.
— Os dez mil selvagens? — perguntou Emerich em tom de incredulidade.
— É claro que não. Foram feitas várias fogueiras. Refiro-me à que ficava mais perto
de mim. Uns mil selvagens ficaram pulando em torno das chamas. É claro que para mim
foi uma excelente oportunidade de dar o fora. Fiz algumas fotografias e tratei de ir
embora. Mas tenho certeza de que estes selvagens estão a fim de atacar-nos. Quando
começar a escurecer, isto aqui será um verdadeiro fim de mundo.
Respirava com dificuldade.
— O senhor está usando um traje voador arcônida, não é mesmo? — perguntou
Rakal.
— Estou — respondeu Pavlech.
— Por que não liga o campo de deflexão para ficar invisível?
Pavlech fitou Rakal como se este tivesse materializado de repente diante dele. Deu
uma risada. Estava aborrecido.
— Pois é bom que saiba — respondeu, contrariado — que o gerador de meu traje
voador mal e mal consegue produzir bastante energia para fazer-me subir e voltar numa
relativa segurança. Costumo descer que nem um pára-quedista em cujo pára-quedas haja
um buraco. E o senhor vem me falar em defletor e campo defensivo? Isto ele não
consegue fazer mais. Até mesmo o rádio está quebrado. Não se consegue desligar o
receptor.
Rakal limitou-se a acenar com a cabeça. Um ou dois minutos se passaram sem que
ninguém dissesse nada. Finalmente Emerich levantou-se.
— Vou avisar meu pessoal, Staunder. Isto se não tiver nenhuma objeção. Sua
pontaria é melhor quando estão devidamente informados.
Staunder fez um gesto distraído.
— Sim, naturalmente. Convoque todo mundo para cá, inclusive minha gente.
Apresentarei um relatório a eles.
Emerich foi para junto da janela, para ver o que havia do lado de fora.
— Terá de ser um relatório bastante resumido — disse. — O sol está a apenas meio
palmo acima do horizonte. E teremos de resolver muita coisa antes que escureça.
Emerich retirou-se. Staunder pediu licença e saiu por uma porta lateral. Rakal
seguiu-o com os olhos. Staunder parecia muito abatido. Pavlech e Rakal ficaram a sós.
Pavlech sentou na cadeira que estivera ocupada por Emerich e ficou com a cabeça caída.
— O senhor disse que tirou algumas fotografias — disse Rakal depois de algum
tempo.
Pavlech encarou-o.
— Tirei, sim. Por quê?
— Gostaria de vê-las.
Teve suas dúvidas. Pavlech era um homem muito sensível naquilo que dizia
respeito ao seu equipamento. Por isso Rakal preferiu não perguntar se o sistema de
revelação automática de sua máquina fotográfica ainda estava funcionando.
— Quer vê-las reveladas? — resmungou Pavlech. Naturalmente. Aqui estão...
Pôs as mãos no bolso e tirou um rolo fino. As fotografias tinham sido tiradas com a
câmara embutida na parte do ombro do traje voador. Pavlech certamente retirara o filme
exposto e revelado enquanto estava voltando.
— Divirta-se — disse, enquanto estendia o rolo para Rakal.
Rakal abriu o rolo e examinou contra a luz. Havia umas vinte fotografias, cada uma
com um centímetro de comprimento e meio de largura. Os olhos de Rakal era de um
formato especial. Por isso não teve nenhuma dificuldade em reconhecer os detalhes.
As fotografias mostravam as cenas descritas por Pavlech. Uma floresta de regiões
altas, não muito espessa, com uma vegetação rasteira densa. Uma das fotografias
mostrava faixas escuras confusas, que correspondiam aos galhos do arbusto atrás do qual
Pavlech se mantivera escondido. Rakal viu um grupo de humanóides semi despidos,
agachados em círculo. Os crânios apresentavam traços grosseiros, com as testas recuadas
e as sobrancelhas salientes. Correspondiam à descrição dos antecessores dos homens da
Terra, encontrada nos livros de história do Império. Sem dúvida seu nível intelectual era
baixo. Uma centena ou mesmo um milhar desses seres não representaria nenhum
problema para o castelo.
Mas com dez mil as coisas mudavam de figura. Se atacassem de todos os lados ao
mesmo tempo, o castelo estaria perdido. Havia poucos homens para defendê-lo. Emerich
dispunha de dezenove homens e Staunder de três. Isso sem contar com Rakal e Tronar
Woolver. E vinte e seis homens seriam pouco para controlar todo o perímetro abrangido
pelas muralhas.
Rakal devolveu o filme a Pavlech. Emerich tinha razão. Estava na hora de usar os
veículos blindados. Não deveriam esperar que os selvagens aparecessem junto às
muralhas. Tinham de agir antes disso. Era necessário intimidar e enxotar os selvagens
antes que eles cercassem o castelo.
Houve um agitação no pátio. Ouviram-se vozes de comando e as batidas de pesadas
botas. Rakal foi para a janela. Emerich convocara seu grupo. Havia dezenove homens
enfileirados, ouvindo as explicações de seu comandante. A voz de Emerich era muito
forte, mas Rakal não compreendia suas palavras, porque não dominava o alemão. Chegou
à conclusão de que Emerich aludira a Tronar e a ele mesmo, pois quando a fala chegou ao
fim, vários homens olharam para a casa de Staunder.
Um dos homens, um tipo atarracado, de aspecto grosseiro, com testa recuada e boca
saliente, tinha certa semelhança com as fotografias que Pavlech lhe mostrara. Até parecia
um dos selvagens que dançavam na floresta.
De repente Rakal teve uma idéia estranha.
Os homens que estavam enfileirados no pátio tinham vindo do século vinte,
enquanto o grupo de Staunder nascera no século passado. Talvez aqueles selvagens não
fossem apenas parecidos com os ancestrais dos terranos. Quem sabe se não eram mesmo
exemplares do homem de Neandertal?
***
Staunder podia ser o oficial mais graduado do castelo, mas não havia dúvida de que
Emerich possuía mais talento de organizador. Quando o sol ia tocando a linha do
horizonte, os três caminhões e o veículo blindado de que dispunha Emerich já se
encontravam junto à torre, prontos para sair. Havia dois homens na cabine de cada
caminhão. Um deles estava sentado junto à direção, enquanto o outro cuidava de uma
metralhadora leve montada num dispositivo giratório. Cinco homens tiveram de ser
destacados para guarnecer o blindado. Os nove homens restantes estavam espalhados na
carroceria dos caminhões. Rakal resolveu que acompanharia a operação. Tronar seria o
único a permanecer no castelo. Staunder e seus homens também subiram nos caminhões.
O veículo em que viajaria Rakal era ocupado pelo Capitão Emerich e pelo Major
Staunder, além de Pavlech e Hannemann, que estava com o capacete dobrado para trás,
porque de outra forma apertaria a ferida produzida pela cunha de um selvagem. O
caminhão era dirigido pelo sujeito atarracado que chamara a atenção de Rakal, quando os
homens estavam enfileirados no pátio. Rakal não sabia seu nome. Um homem chamado
Schmittke estava sentado atrás da metralhadora ligeira. Schmittke era um homem de
estatura mediana, esbelto, louro e muito calado. Tinha um rosto inteligente, que às vezes
assumia uma expressão sonhadora. Na opinião de Rakal, devia ser mais culto que a
maioria dos companheiros e só vestira o uniforme por ter sido obrigado em virtude da
guerra.
Já Hannemann dava a impressão de sentir-se bem à vontade em qualquer lugar em
que houvesse barulho. Um sorriso de deboche parecia envolver constantemente seu rosto
coberto por uma barba rala. Não parava de fumar uma coisa parecida com um charuto,
que espalhava um terrível mau cheiro. Estava sentado na plataforma de carga, com as
pernas encolhidas e as costas apoiadas na lateral. Havia uma pistola automática
atravessada em seu colo.
Emerich montara uma metralhadora pesada no centro da plataforma e distribuía
caixas de munição em torno dela, bem ao alcance da mão. Se necessário, Pavlech se
encarregaria de carregar a metralhadora. Entregara sua arma energética a Staunder. Desta
forma possuía armas, cada uma das quais capaz de fazer mais estragos que uma
metralhadora.
Um dos homens que ocupavam o primeiro caminhão abriu o portão. Os veículos
partiram com um forte ronco dos motores. Rakal ficou fascinado diante do gigantesco
blindado tipo tigre, que foi envolto numa nuvem de fumaça azulada enquanto os dois
motores entravam em ação com um ruído ensurdecedor.
A silhueta compacta parecia espreguiçar-se que nem um animal selvagem e foi
deslizando pela escuridão, empurrando o cano longo do canhão instalado em sua torre.
Emerich levantou-se. Apoiou as mãos nos quadris e contemplou o blindado
enquanto este desaparecia na escuridão. Rakal notou que estava sorrindo. O grupo de
caminhões partiu ruidosamente atrás do blindado tigre. Emerich voltou a sentar atrás da
metralhadora. Viu que Rakal estava de olho nele.
— É nossa última saída — gritou, superando o ruído. — A gasolina está acabando.
Quando Emerich e seus companheiros foram afastados abruptamente da frente
oriental, os três caminhões estavam carregados de munições e combustível. Isso
acontecera há quatrocentos e cinqüenta anos. Emerich fizera tudo para evitar que
houvesse qualquer desperdício. O fenômeno misterioso que evitava o envelhecimento dos
homens parecia produzir um efeito semelhante sobre os combustíveis e explosivos.
Emerich garantia que suas granadas continuavam com o mesmo poder explosivo de
quatro e meio séculos atrás. E Rakal já se convencera de que o combustível ainda era
capaz de movimentar os motores dos veículos.
A coluna desceu a colina em velocidade reduzida. Uma vez no fundo do vale, os
blindados seguiram pela rua que Rakal avistara do alto da torre. Passaram a ir mais
depressa. Se mantivessem a velocidade, deveriam chegar ao acampamento dos selvagens
dentro de aproximadamente duas horas. Mas tudo indicava que o inimigo já começara a
deslocar-se em direção ao castelo, motivo por que o confronto se verificaria mais cedo.
Quando viajava no caminhão sacolejante, com as mãos cruzadas na nuca e os pés
firmemente apoiados no chão, Rakal teve uma sensação de irrealidade. O céu estava
limpo. O imenso oceano de estrelas espalhava tanta luz que até se tinha a impressão de
que a paisagem em que predominavam as florestas era iluminada por duas luas cheias.
Que mundo estranho era este em que fora parar? Tinha bem a seu lado homens vindos de
duas épocas distantes. Um deles estava sentado atrás de uma metralhadora que tinha
quase quinhentos anos, enquanto o outro segurava duas armas térmicas. Acabavam de
sair de um castelo que dava a impressão de ter sido construído na época das Cruzadas e
dali a pouco teriam de enfrentar uma horda de selvagens com aspecto de homens de
Neandertal. O que significava tudo isso?
Alguém bateu em seu ombro. Era Emerich. Estava sorridente.
— Sei por que está quebrando a cabeça — disse como quem se diverte. — Não faça
isso! Não adianta.
Rakal acenou lentamente com a cabeça.
— Pode ser — respondeu. — Mas gostaria de saber por que tudo isso está
acontecendo.
— Compreendo perfeitamente. Sua situação é bem diferente da nossa. Há uma
espaçonave à sua espera, pronta para recolhê-los. Mas já pensou como seriam as coisas se
tivesse de ficar aqui? O senhor não acha que a coisa mais sensata que se pode fazer é
conformar-se com as coisas tal qual elas são e procurar arranjar-se da melhor maneira,
sem fazer muitas perguntas? Ainda mais quando se trata de perguntas para as quais não
haverá resposta.
Rakal encarou-o.
— Sim — respondeu em tom sério. — Tenho certeza de que existe coisa mais
sensata que pode ser feita. Alguém deve tê-los trazido para cá. Temos de descobrir quem
foi e por que fez isso. Temos de fazer um esforço para descobrir onde estamos e como é o
mundo em que viemos parar tão de repente. A acomodação significará a morte. Se
sairmos à procura de informações, acabaremos dando com uma indicação que nos mostre
como escapar da prisão.
Emerich ficou calado por muito tempo.
— É possível que o senhor tenha razão — confessou finalmente. — Talvez
tenhamos tomado uma atitude errada diante disso — de repente passou a falar em tom
exaltado. — Mas que quer que façamos? Rebelar-nos contra um inimigo cuja tecnologia
tem um avanço de vários séculos sobre a nossa, se dispomos somente de um blindado e
de três caminhões? E isso quando nem sequer conseguimos ver o inimigo? Afinal,
enfrentamos cinco anos de guerra. Suponha que alguém nos pergunte se queremos ficar
calmamente instalados numa região pacífica, ou se preferimos enfrentar novos
problemas, somente para lutar por um princípio maluco. Qual seria em sua opinião a
resposta?
Rakal não disse nada. Do seu ponto de vista, Emerich tinha razão. Acontece que o
ponto de vista de Rakal era outro. A idéia que acabara de manifestar lhe fora insuflada.
Insuflada pela coisa apavorante que lhe concedia a juventude eterna e turvava suas
lembranças, fazendo como se não tivesse consciência do passado.
Tivera oportunidade de observar os homens do grupo de Staunder e de Emerich,
pouco antes que saíssem do pátio do castelo. Staunder lhes explicara de que jeito ele e
Tronar tinham ido parar neste mundo. Fizera uma descrição exata do fenômeno. Contara
que os dois irmãos foram saindo um após o outro de finíssimas nuvens de fumaça
desprendidas pelo rádio de pulso. Mas o estranho fenômeno não deixou seus
subordinados nem um pouco nervosos, da mesma forma que não deixara a ele mesmo.
Todos aceitavam a presença dos gêmeos como um dado da realidade. Ouviram o que lhes
foi dito a respeito da Crest, que se encontrava estacionada nas proximidades e talvez
traria auxílio. Para eles Rakal e Tronar Woolver não passavam de dois homens perdidos
no espaço. Eram mais dois homens na guarnição do castelo, homens estes que felizmente
dispunham de armas muito eficientes. As preocupações que enchiam sua mente eram
seus problemas, preocupações estas que giravam em torno da melhor maneira de
enfrentar os selvagens, da forma mais conveniente de produzir tabaco para os cigarros
fumados por Hannemann e mais alguns homens, e do tempo que duraria a munição que
lhes permitira abatera animais comestíveis. As armas energéticas usadas por Staunder e
seus homens não se prestavam a isso, porque queimavam o animal abatido.
Rakal estava preocupado. Não sabia quanto tempo levaria a influência deletéria,
paralisante, para manifestar-se. De vez em quando fazia um auto-exame, para verificar se
ainda achava que era importante e urgente regressar à Crest para informar Perry Rhodan
sobre o que tinha acontecido. Por enquanto não constatara nenhuma diminuição de seu
entusiasmo. Mas era bem possível que isso mudasse dentro de uma hora.
Teve uma sensação dolorosa ao dar-se conta de que, se ele e Tronar não
conseguissem sair deste planeta quanto antes, estariam perdidos. Se a Crest não emitisse
o raio de busca, dentro de algumas semanas ou meses os gêmeos seriam iguais a Staunder
e Emerich, a não ser pelo aspecto exterior. Ficariam indolentes e abatidos como eles, e
passariam a incomodar-se exclusivamente com os problemas do dia-a-dia.
***
O blindado parou no topo da primeira colina. Os caminhões também pararam. Um
homem veio correndo da frente e gritou alguma coisa para Emerich.
— Estão lá embaixo, no vale — traduziu Emerich para Staunder. — Temos de
assumir nossas posições aqui.
Staunder limitou-se a acenar com a cabeça. Emerich gritou ordens. O blindado saiu
da rua, e entrou na floresta, fazendo crepitar os galhos. O primeiro caminhão avançou
mais uns vinte metros e parou no lugar em que a estrada começava a descer. Os dois
veículos restantes entraram na floresta, um de cada lado. Emerich espalhou sua tropa
numa frente bem larga. O blindado tomou posição na ponta esquerda. Era o veículo que
possuía maior mobilidade nesta espécie de terreno, e talvez precisasse dela se os
selvagens conseguissem romper a frente.
— Ainda temos alguns minutos — disse Emerich. — Vou dar uma olhada por aí.
Rakal acompanhou-o. O blindado e os caminhões estavam com os motores
desligados. Era uma noite tépida calma. Os ruídos sonolentos da fauna desconhecida
faziam-se ouvir na floresta. Emerich saiu caminhando em direção lateral relativamente
aos veículos. Quando atingiu um lugar em que não havia vegetação, ajoelhou-se. Rakal
ficou obliquamente atrás dele e imitava todos os movimentos que fazia. Não havia dúvida
de que na guerra corpo a corpo Emerich era mais competente que ele. Sem dúvida Rakal
só poderia sair ganhando se fizesse tudo que ele fazia.
Do lugar escolhido por Emerich viam todo o vale, tinha duas cadeias de montanhas
baixas. A luz das estrelas era tão forte que se distinguiam objetos do tamanho de um
arbusto a trezentos metros de distância. A vegetação do vale não era muito espessa. Só
havia algumas árvores e arbustos. Rakal viu grandes grupos de pontos escuros, que se
movimentavam lentamente.
— Lá estão eles — disse Emerich, calmo. — A linha de frente está a menos de
trezentos metros. Ouviram o ruído dos motores e por isso agem com cuidado. Levarão
pelo menos meia hora para chegar aqui.
— Quanto tempo pretende esperar para abrir fogo?
— Dez minutos. Aí estarão a duzentos metros. É uma boa distância para a quarenta
e dois.
— A quarenta e dois...?
— É a metralhadora. Tipo MG-42.
— Ah, sim — respondeu Rakal.
— Quando começarmos, a oito-oito poderá cobrir o outro lado da colina. Acho que
será suficiente. Estes caras são muito duros e persistentes, mas se perceberem que há uma
metralhadora em funcionamento, acabam fugindo.
Na opinião de Rakal, a oito-oito devia ser o canhão da torre do blindado. Emerich
levantou-se, formou as mãos em concha e gritou algumas ordens. Demorou apenas dois
minutos para que cinco homens do seu grupo saíssem da penumbra. Três deles
carregavam metralhadoras. enquanto os outros levavam caixas de munições. Emerich
indicou-lhes as posições. Montaram as metralhadoras, e fizeram um ensaio, fazendo
pontaria por cima dos canos. Emerich olhou para o relógio.
— Faltam quatro minutos — disse, dirigindo-se a Rakal.
Rakal não tinha muita vontade de presenciar a carnificina que seria causada pelas
metralhadoras, voltou ao veículo que o trouxera. Pavlech e os outros continuavam
agachados no mesmo lugar em que ele os deixara. Olhavam para o chão, deprimidos.
Pareciam indiferentes a tudo pois nem sequer perguntaram como estava a situação.
Rakal olhou instintivamente para o relógio. Faltavam menos de dois minutos. Fez
uma autocontemplação, para verificar se estava tudo em ordem com Tronar. O irmão
irradiava um fluido quase imperceptível, feito de uma mistura de vigilância e tensão
mental, o que mostrava que continuava a postos. No interior do castelo parecia tudo
calmo.
Mais um minuto. De repente Rakal lembrou-se de que Emerich talvez estivesse
prestes a trucidar centenas de exemplares da mais antiga das raças humanas. A existência
destes seres poderia ser da maior importância na pesquisa da pré-história da Humanidade.
Isto naturalmente caso realmente se tratasse de membros da raça de Neandertal, segundo
sua teoria.
Os neandertalenses, refletiu, viveram a cerca de cem mil anos. E a idéia de que de
repente poderia ter aparecido alguém mais velho que Atlan, que afinal de contas já vivera
uns dez mil anos, deixou-o alegre.
Estava tão absorto em suas reflexões que esqueceu de olhar para o relógio. O
matraquear furioso das metralhadoras atingiu-o como um choque físico. A noite tranqüila
transformou-se num verdadeiro inferno. No lugar em que estava Emerich e seu grupo
viam-se línguas de fogo vermelhas cortar furiosamente a noite. Os homens que
manipulavam as metralhadoras apareceram à luz das línguas de fogo, debruçados sobre
os canos. Emerich mantinha-se calmamente nos fundos, observando o resultado do fogo
das metralhadoras.
Finalmente o blindado entrou em ação. Para Rakal Woolver, que nascera na era das
armas energéticas, que só produziam um leve zumbido ou chiado, já achara que o ruído
das metralhadoras era ensurdecedor. Mas quando o canhão pesado do tanque deu o
primeiro disparo, teve a impressão de que seu tímpano iria estourar.
Staunder e Pavlech pareciam ter acordado. Taparam os ouvidos, com o rosto
desfigurado pela dor. O matraquear das metralhadoras e os estrondos do canhão duraram
cerca de três minutos. De repente o barulho parou. Rakal sobressaltou-se. Emerich estava
parado junto às metralhadoras, agitando os braços. Devia estar gritando alguma coisa,
mas Rakal não entendia o que era. Saltou do carro e saiu correndo.
Aos poucos voltou a ouvir melhor. Percebeu que a noite já não era tão tranqüila.
Centenas de gritos de raiva e de dor vindos do vale cortavam a noite. Teve a impressão de
que o ruído vinha de cada vez mais longe. Rakal sabia o que Emerich teria a dizer antes
mesmo que chegasse perto dele. Os selvagens tinham sido rechaçados.
Emerich fez um gesto triunfante na direção do vale. Centenas de pontos escuros
subiam em velocidade alucinante as encostas que ficavam do outro lado. E outras
centenas jaziam no fundo do vale ou na encosta da colina em que eles se encontravam,
completamente imóveis. Mais adiante o impacto de uma granada abrira uma grande
clareira na mata. A fogueira desencadeada pela explosão produzia uma luminosidade
fantástica.
— Isso está resolvido! — gritou Emerich. — Eles não voltam mais. De repente uma
figura apareceu a seu lado.
Emerich virou-se abruptamente.
— Schmittke...?
Schmittke ficou em posição de sentido e fez continência. Fez um gesto comedido
para Rakal. Falando num inglês com menos sotaque do que Emerich teria sido capaz,
disse:
— Peço que o senhor capitão me dê permissão para ir buscar um desses cadáveres.
— Para quê, Schmittke?
— Gostaria de examiná-lo, capitão. Faço estudos de pré-história. Acho que seria
conveniente descobrirmos até que ponto chega a semelhança entre estes seres e os
neandertalenses do planeta Terra.
Emerich olhou para o relógio.
— Está bem. Mas não posso destacar ninguém para acompanhá-lo, Schmittke. Trate
de estar de volta dentro de vinte minutos. Entendido?
Schmittke bateu os calcanhares.
— Perfeitamente!
Emerich seguiu-o com os olhos e sacudiu a cabeça. Seus lábios abriram-se num
sorriso.
— Este menino nunca compreenderá que é soldado, não um pesquisador de
antigüidades — disse.
Em seguida passou a dar ordens aos homens de seu grupo. As metralhadoras foram
desmontadas. Os homens voltaram aos veículos em que tinham vindo.
Uma figura apareceu mais embaixo, no fundo do vale. Movimentava-se
cuidadosamente entre as fileiras de manchas imóveis. Era Schmittke. Rakal viu-o
inclinar-se sobre o cadáver de um dos selvagens e mexer nele.
Emerich tirou do bolso alguns dos charutos com os quais Rakal já travara um
conhecimento nada agradável e acendeu-o com um isqueiro antiquado. Voltou-se para
Rakal numa atitude de vencedor.
— Podemos embarcar — disse. — Não temos mais nada a fazer aqui.
Schmittke já estava voltando. Andava devagar. Arrastava um objeto de contornos
pouco nítidos, que parecia ser bem pesado. No seu íntimo Rakal admirava o entusiasmo
do jovem.
— O senhor não vai? — perguntou Emerich.
Rakal quis dar uma resposta, dizendo que gostaria de ajudar Schmittke, mas não
teve tempo. De repente sentiu um veemente impulso de alerta, transmitido por Tronar,
que enxergava um perigo, não para ele, mas para o irmão. Rakal olhou em volta.
Emerich, que já ia saindo, parou surpreso.
— Cuidado — disse Rakal. — Há alguma...
Não pôde terminar a frase. Alguma coisa passou com um estrondo enorme entre as
copas das árvores. No mesmo instante o mundo mergulhou numa tremenda explosão.
Rakal jogou-se instintivamente no chão. Emerich ficou deitado bem a seu lado. Pedaços
de pedra e troncos de árvores passaram sibilando por cima de suas cabeças. Um torrão de
barro úmido caiu nas costas de Rakal, que deu um grito assustado.
Logo viram o fogo. Um dos caminhões se incendiara. Seus ocupantes trataram de
pôr-se a salvo. Rakal ouviu o selvagem grito de dor de um dos homens, que não
conseguira sair antes que o tanque de gasolina explodisse.
Ouviu-se outra explosão mais adiante. De repente Emerich voltou a pôr-se de pé.
Rakal ouviu seus gritos. O incêndio do caminhão devia ter atingido uma das caixas de
munições. Os cartuchos de metralhadora explodiam que nem busca-pés.
Emerich saiu correndo em direção ao caminhão mais próximo, seguido por Rakal.
Ficaram sabendo que a ordem de Emerich fora ouvida. Quando Rakal atingiu o veículo, o
motor já estava funcionando. Mal subira na carroçaria, e o veículo começou a
movimentar-se. Descrevendo curvas entre as árvores, desceu para o vale em cujo interior
o ataque dos selvagens fora detido.
Staunder e Pavlech acompanhavam os acontecimentos com um enorme espanto. As
explosões continuavam a trovejar na floresta. Rakal viu algumas línguas de fogo esguias,
branco-ofuscantes, subirem para o céu, arrastando consigo verdadeiros esguichos feitos
de terra e destroços. A fumaça começava a obscurecer a luz das estrelas.
De repente viu Emerich sentado a seu lado.
— A coisa veio de cima — gritou em voz alta, para superar o barulho, apontando
para o alto. — Precisamos ter a visão desimpedida e temos de ficar em movimento.
Prepare sua arma energética.
Rakal confirmou com um gesto e segurou a arma energética. Emerich tinha razão.
Ele mesmo ouvira a primeira bomba atravessar as copas das árvores antes que houvesse a
explosão. Estava tão confuso, que o fato de que neste planeta havia alguém lançando
bombas antiquadas, não o deixava nem um pouco nervoso. Se os tefrodenses os tivessem
localizado, certamente não usariam este tipo de arma.
Os veículos foram descendo em ziguezague, o mais depressa que podiam. O
blindado seguiu-os em velocidade reduzida. Emerich atirou a cabeça para trás e pôs-se a
examinar o céu noturno. A mata ainda era bem densa. Só em alguns dias enxergava-se
além dela. Finalmente aproximaram-se do fundo do vale. As árvores foram ficando para
trás, deixando livre a visão.
Emerich estremeceu. Gritou algumas ordens o mais alto que pôde. Hannemann pôs-
se imediatamente de pé e apontou a pistola automática para o alto. No mesmo instante
disparou uma rajada.
Rakal olhou na direção em que Hannemann apontava sua arma e descobriu um
objeto redondo e escuro, que se mantinha suspenso a baixa altura, aparentemente imóvel
sobre a mata da qual tinham saído.
A pontaria de Hannemann era excelente. O objeto redondo iluminou-se de repente.
Caiu, deixando para trás uma trilha de fogo avermelhada. Desapareceu por uma fração de
segundo atrás das copas das árvores. Em seguida uma língua de fogo branca subiu para o
alto. O ribombar de uma explosão encheu o vale, fazendo passar uma onda de ar
superaquecido por cima dos caminhões.
A coluna de veículos parou. Emerich virou a cabeça e sorriu para Rakal.
— Só poderiam ter sido mesmo estes malditos francões — disse.
6

Rakal fitou-o com uma expressão de perplexidade.


— Os francões...? — repetiu automaticamente.
— Os franceses — explicou Emerich. — Quando chegamos aqui, eles tinham um
castelo lá adiante. Eram gente esquisita, muito antiquados e com certas idéias bizarras.
Virou a cabeça e voltou a olhar para o alto. Não chegou a notar a expressão de
estupefação que cobriu o rosto de Rakal. Este se sentia tão perplexo que não conseguiu
proferir nenhuma das inúmeras perguntas que iam surgindo em sua mente. Ficara
discutindo nada menos de uma hora com Staunder e Emerich para convencê-los de que
era importante descobrirem mais alguma coisa sobre o planeta em que se encontravam.
Precisavam saber por que o inimigo reunira neste lugar seres humanos pertencentes a
duas, ou talvez até mesmo três épocas diferentes. E Emerich naturalmente já estava
informado sobre os franceses que, segundo dizia, viviam por perto em outros tempos...
Mas não dissera uma única palavra a seu respeito. Rakal não sabia se devia rir ou
chorar. Não tinha motivo para acusar Emerich. Certamente não se lembrara dos
franceses. Havia alguma coisa envolvendo sua memória que nem um véu espesso, uma
coisa que só podia ser atravessada por um raio de luz concentrado.
Não era o momento adequado de preocupar-se com isto. O caminhão e o blindado
pararam de novo. Gritos de comando energéticos se fizeram ouvir. Mais um objeto
redondo apareceu em cima das árvores. Fosse o que fosse, seus ocupantes certamente
andaram tão entusiasmados lançando bombas que não haviam notado a partida dos
veículos. Foi sua desgraça, conforme Hannemann iria provar em seguida.
Levantou calmamente a pistola e fez pontaria sem demonstrar a menor pressa. Uma
rajada de fogo saiu do cano estreito. Teve-se a impressão de que o objeto redondo estava
encolhendo. Mais uma vez houve uma queda seguida de uma explosão trovejante, e uma
onda de ar escaldante varreu o fundo do vale.
Emerich voltou a cabeça.
— Acho que é só o que eles têm.
— O que têm de quê? — gritou Rakal.
Emerich quis responder, mas antes que tivesse tempo para isso Pavlech soltou um
grito e levantou-se abruptamente. Rakal virou a cabeça, espantado. Pavlech estava na
ponta dos pés, com o corpo inclinado para a frente. Seu rosto parecia uma máscara de dor
e surpresa.
Ouviu-se o ruído de uma explosão fraca, vindo não se sabia de onde. Pavlech
tombou para a frente. Hannemann inclinou-se apressadamente sobre ele e apalpou suas
costas.
Quando voltou a tirar a mão, havia um brilho úmido e escuro em seus dedos.
— Protejam-se! — gritou Emerich a plenos pulmões. — Ponham os veículos em
movimento.
Os motores matraqueantes foram aumentando a rotação. O caminhão partiu com um
solavanco que por pouco não derrubou Rakal. Os ocupantes do blindado deviam ter
notado alguma coisa suspeita, pois o canhão disparou. Nas curtas pausas entre os tiros de
canhão, Rakal ouvia o ruído ma metralhadora. Alguém agarrou-o pelo ombro e puxou-o
para baixo. Rakal ouviu a voz furiosa de Emerich.
— Abaixe o nariz, cara!
Rakal rolou para o lado e ouviu alguma coisa batendo na plataforma. Um objeto
pequeno e pesado caiu sobre seu ventre. Segurou-o, embora quase chegasse a queimar-
lhe os dedos. Contemplou o objeto à luz mortiça das estrelas e viu que se tratava de uma
peça achatada de metal cinzento, provavelmente chumbo. Levou algum tempo para
compreender que o objeto que segurava entre os dedos era uma bala de fuzil. Era uma
bala de grosso calibre, que certamente fora disparada de um fuzil de cano largo. O
homem que usava o fuzil provavelmente tinha colocado primeiro a pólvora, para em
seguida colocar a bala.
A confusão reinante na mente de Rakal atingiu o auge. Já não sabia a quantas
andava. Bem atrás dele, quase na extremidade traseira da plataforma de carga,
Hannemann e Emerich estavam ajoelhados, o primeiro segurando a pistola automática na
curva do braço, enquanto o outro se encontrava atrás da metralhadora montada num tripé.
De vez em quando disparavam uma salva para a penumbra. Queriam atingir um inimigo
que Rakal não vira, e que viera voando sobre as copas das árvores, em objetos negros de
formato redondo, lançando bombas e atirando antiquadas balas de chumbo. Staunder
estava agachado atrás de Hannemann e Emerich. Dava a impressão de final-mente ter
abandonado a atitude de indiferença e brandia uma arma energética que, embora não
fosse do tipo mais recente, representava uma sensação em comparação com as armas de
Emerich.
E não era só isto. Em algum lugar, lá fora, milhares de seres fugiam em carreiras
desabaladas. Seres que não sabiam o que eram balas de chumbo ou armas energéticas, já
que as únicas armas que conheciam eram as cunhas de pedra lascada.
“Em algum lugar, lá fora”, refletiu Rakal, “ainda deve haver muitas coisas
incríveis que nem cheguei a ver.” De repente teve a impressão de que já sabia o que havia
com o planeta misterioso. Deu-se conta de que alguém devia ter gasto muito tempo e
esforço para instalar neste mundo uma espécie de zoológico, povoado por seres
pertencentes à história do planeta Terra — desde os neandertalenses até os homens do
passado mais recente, como, por exemplo, Staunder e Pavlech.
Pavlech! De repente lembrou-se dele. Emerich, Staunder e Hannemann pareciam
manter a situação sob controle. Não precisavam dele. Rakal saiu rastejando para a figura
que jazia imóvel, enquanto o caminhão tremia e sacolejava, e o trovejar ininterrupto dos
tiros de canhão e das salvas de fuzil enchia o vale.
Pavlech estava morto. Tinha um buraco nas costas e estava deitado numa poça de
sangue. Rakal teve um calafrio e virou o rosto. O caminhão começava a subir a colina
seguinte.
Hannemann continuava a atirar ininterruptamente. Emerich gritou alguma coisa
para Staunder. Rakal compreendeu algumas palavras.
— Lugar livre... mais em cima. Vamos entrar em formação... fazer uma limpeza!
Saiu correndo pela plataforma, com o corpo encurvado, e gritou alguma coisa para o
motorista, através da janela traseira da cabine, que estava aberta. Rakal lembrou-se de
Schmittke que estivera sentado ao lado do motorista. O que era feito dele?
No meio de tanta confusão, esqueceu-se de prestar atenção às emanações que o
irmão irradiava. A última vez que recebera uma mensagem dele fora lá no alto da outra
colina, pouco antes que as bombas começassem a cair. Fez um esforço para não se deixar
distrair pelo barulho e procurou concentrar-se. Quase no mesmo instante sentiu o fluxo de
espanto e ligeira preocupação que partia de Tronar, que parecia encontrar-se numa
situação que não sabia se era perigosa ou simplesmente esquisita. Rakal sentiu um mal-
estar. Tronar não poderia deixar de notar, se estivesse prestando atenção.
Rakal pensou em usar o minicomunicador para entrar em contato com o irmão. Já
não tinha a menor idéia da situação em que se encontravam. Estava em perigo, e Tronar
também devia estar. Perry Rhodan dera ordem para que o minicomunicador, cujas ondas
podiam ser captadas e medidas pelo inimigo, só fosse usado numa emergência extrema.
Rakal não tinha certeza se a situação já chegara a este ponto.
De repente o fluxo mental emitido por Tronar cresceu para uma intensidade muitas
vezes superior. E o sentimento transmitido era inconfundível. Tronar encontrava-se em
grave perigo.
Rakal guardou a arma energética no cinto, para poder pegar o minicomunicador.
Ligou o aparelho às pressas e começou a falar.
— Tronar... Trate de sair daí! Você me ouve? Isto se transformou num inferno.
Você é o único que...
— Interrompeu-se ao notar que a recepção deixara de funcionar de repente.
Instantaneamente o estouro dos fuzis e do canhão foi abafado por outro ruído. Um chiado
furioso encobriu o barulho produzido pelas armas antiquadas. Um forte lampejo rompeu
a escuridão. O matraquear das metralhadoras silenciou por alguns instantes. Rakal
levantou-se de um salto para ver o que estava acontecendo. Viu um feixe de luz ofuscante
descer por cima do topo da colina que ficara para trás, para atingir o chão no fundo do
vale. A terra fumegou no ponto de impacto. Os arbustos transformaram-se em tochas
luminosas. Figuras negras saíram correndo em pânico.
A sensação de alívio que Rakal experimentou foi tão forte que seus joelhos
tremeram. Satisfeito, viu o raio energético apagar-se de repente, para reaparecer depois
de uma fração de segundo no mesmo lugar em que terminara antes. Desta vez subiu a
colina e atingiu uma árvore solitária, que ficava a uns dez metros do lugar em que estava
o caminhão de Emerich. A árvore incendiou-se. O fogo foi consumindo o tronco e os
galhos, produzindo uma série de estrondos e um crepitar. Uma nuvem compacta de
fumaça acinzentada subiu ao céu.
O raio energético apagou-se. Uma figura saiu cambaleante da nuvem de fumaça. De
repente Rakal voltou a sentir as emoções do irmão. Gritou, para atrair a atenção de
Tronar. Tronar ouviu-o e veio caminhando na direção do veículo. Parecia exausto.
Materializara pelo menos duas vezes no calor inconcebível do raio energético disparado
por sua própria arma. Rakal ajudou-o a subir no caminhão. Staunder e Emerich fitaram-
no com uma expressão de perplexidade. Hannemann foi o único que parecia não se
interessar pela cena. Estava agachado na carroçaria, atirando que nem um louco sobre as
figuras que fugiam no fundo do vale.
Emerich lançou um olhar titubeante para Tronar.
— Um dia — disse com voz embaraçada — o senhor terá de explicar como faz isso.
Tronar deixou-se cair no chão. Estava exausto.
— Este mundo enlouqueceu — exclamou.
Fungava. O calor lhe chamuscara a pele do crânio. Rakal passou-lhe a mão pela
cabeça e afastou os restos de cabelos queimados. Tronar afastou seu braço com um gesto
impaciente.
— Preste atenção — disse. — Este planeta é uma monstruosidade. Mal vocês
tinham ido embora, ouvi vozes de bem perto. Virei a cabeça e vi um bando de pessoas
que estava abrindo o portão do castelo. Usavam capacetes metálicos, escudos e espadas.
Gostaria muito que acreditasse no que vou dizer Rakal... Estes homens falavam o latim.
Rakal limitou-se a acenar com a cabeça.
— Continue — disse em tom insistente.
— Ocuparam o castelo. Tive de esconder-me. Subi na torre. Mal tinha chegado no
alto, alguma coisa passou chiando sobre minha cabeça. Vocês já tinham entrado na
floresta. Posso jurar que eram balões. Vi os homens inclinando-se para fora das gôndolas.
Vi três destes balões. Todos eles voaram na mesma direção em que vocês tinham
desaparecido — passou a mão pelos lábios. — O número dos romanos que ocupavam o
castelo já tinha aumentado para cerca de dois mil. De repente alguma coisa subiu pelo
outro lado da colina, matraqueando. No início não sabia o que era. Mas depois de algum
tempo um grupo entrou cavalgando pelo portão, que continuava aberto. Eram cavaleiros
enfiados em armaduras. Parecia uma cópia fiel de um livro de história.
Quase chegava a gritar de tão nervoso que estava. Tentou apoiar-se nos cotovelos,
mas Rakal empurrou-o delicadamente para o chão. Staunder e Emerich, que estavam de
pé atrás deles, não tinham perdido uma palavra.
— Não sei por que isso o deixa tão nervoso — resmungou Emerich. — Afinal, são
coisas que acontecem. Por aqui temos todo tipo de gente.
“Bem que ele poderia ter dito isso antes”, pensou Rakal.
Levantou e olhou em volta. O canhão do blindado não estava atirando mais. E os
homens que ocupavam o segundo caminhão também tinham suspendido o fogo.
Hannemann era o único que vez ou outra disparava uma rajada, isso quando via alguma
coisa mexer-se no vale. A forma assustadora pela qual Tronar aparecera no campo de
batalha fizera com que o inimigo se pusesse em fuga. No campo de batalha só restavam
os veículos de Emerich.
Ouviu-se um grito prolongado, vindo de baixo. Hannemann levantou, fez as mãos
em concha e respondeu. Uma figura de estatura mediana saiu de um dos arbustos que
cobriam o fundo do vale e subiu rapidamente pela encosta.
— É Schmittke — disse Hannemann.
Schmittke sacudia alguma coisa que trazia na mão. Quando já se encontrava mais
perto, Rakal viu que se tratava de um crânio humano.
— Até que trabalhou depressa, Schmittke — gritou para o arqueólogo. — Será que
não poderia ter trazido pelo menos a pele?
Schmittke saltou para cima da carroçaria. O suor pingava de sua testa. Não
respondeu à observação de Emerich.
— Um deles andou carregando este crânio — disse a Rakal. — Deve ser um fetiche,
ou então queria fazer alguma coisa com ele. Dessa forma não precisei dar-me ao trabalho
de examinar um dos cadáveres. De repente começou a confusão. O vale ficou cheios de
pessoas que carregavam fuzis compridos e antiquados. Entraram em posição perto da
moita atrás da qual estava escondido. Compreendi tudo que disseram, até que começou o
tiroteio. Bem, o senhor sabe melhor que eu como ficaram as coisas depois disso. Mas os
caras acabaram fugindo. O tiroteio terminou. Saí do esconderijo e tive de prestar muita
atenção para que Hannemann não me matasse por engano — levantou o crânio muito
branco, examinou-o por algum tempo e de repente ficou muito sério. — Tive muito
tempo para contemplar isto. Não preciso de instrumentos para ter certeza do que vou
dizer. Existem duas explicações. A natureza fez um jogo duplo, o que é pouco provável,
fazendo com que dois formatos de crânio absolutamente idênticos aparecessem em dois
mundos diferentes — ou então trata-se realmente do crânio de um homem primitivo da
era pré-glacial.
— De um neandertalense? — perguntou Rakal.
Schmittke confirmou com um gesto.
— Sim. É este o nome que lhes dão.
Dali em diante não havia mais ninguém que segurasse Tronar, que se levantou de
um salto.
— Quer dizer — disse, dirigindo-se a Rakal — que neste mundo existem
exemplares verdadeiros de homens nascidos no planeta Terra, espécimes de todos os
períodos da história?
— É precisamente o que eu quero dizer — respondeu Rakal em tom enfático. —
Alguém instalou um enorme zoológico por aqui.
A perturbação que estas palavras causaram na mente de Tronar quase chegou a
provocar uma sensação de dor em Rakal.
— Por que...?
Rakal deu de ombros.
— Não sabemos. Talvez um dia ainda descubramos, mas no momento temos coisas
mais importantes em que pensar. Por que você foi obrigado a abandonar o castelo?
Tronar hesitou.
— Alguém deve ter-me visto em cima da torre disse finalmente. — De repente um
bando de legionários romanos entrou porta a dentro. Não pareciam nada pacatos. Poderia
tê-los matado, mas não quis fazer isto. Preferi fugir. O raio energético disparado por uma
arma não é um meio de transporte muito confortável, mas em caso de necessidade
também serve.
Rakal passou a dirigir-se a Emerich e Staunder.
— Quais são seus planos? — perguntou.
Staunder não tinha planos. Mas Emerich respondeu à pergunta.
— Poderíamos reconquistar o castelo, mas depois disso não nos sobraria uma única
granada. Sugiro que procuremos outro lugar em que estejamos seguros. Deve haver
muitos.
Alguém o interrompeu. Era um homem que vinha correndo do segundo caminhão.
Falou com Emerich e voltou ao veículo. Emerich dirigiu-se a Rakal.
— A operação me custou seis homens e um veículo — disse, amargurado. — Se
quisermos sair com todos os carros, nossa gasolina ainda dará para uns vinte quilômetros.
Sugiro que transfiramos o combustível no blindado, carreguemos este veículo de
munições e viajemos em cima dele. Os caminhões não nos poderão servir de mais nada
— lançou um olhar ligeiro para Staunder. — A propósito major. Seus homens também
morreram no bombardeio.
Staunder engoliu em seco. Por um instante deu a impressão de que iria irromper em
lágrimas. Rakal compreendeu seus sentimentos. Era o único sobrevivente do cruzador
ligeiro Lienz, que há setenta e sete anos deixara de regressar de uma missão em território
inimigo. Até então estivera cercado de três companheiros, e o destino comum os ajudara
a suportar a vida neste mundo esquisito. Staunder passara a ficar só. Era o único
representante da época moderna num mundo repleto de representantes de todas as épocas
da história.
— Que tal?
Rakal sobressaltou-se. Emerich dirigira a pergunta a ele. Rakal acenou calmamente
com a cabeça.
— Nenhuma objeção — respondeu. De repente teve uma idéia. — Mas gostaria de
fazer uma sugestão sobre a direção a tomar.
Tronar levantou os olhos. Captara o impulso provocado pela idéia que viera de
repente à cabeça de Rakal.
— Pois não — disse Emerich.
Onde fica o castelo dos franceses? — perguntou Rakal.
— Não sei — respondeu Emerich. — Há algum tempo moravam bem perto daqui.
A guarnição do castelo era formada por homens e mulheres, em partes iguais. Éramos
vinte homens solitários, e teria sido mais que justo que os franceses... — fez um gesto de
pouco-caso. Deixe para lá. De qualquer maneira, resolvemos atacá-los. Reconheceram
que não estavam em condições de enfrentar-nos e foram embora. Ninguém sabe para
onde.
— Pois eu sei — respondeu Hannemann, que se encontrava um pouco mais
afastado.
Passou a falar no seu inglês desajeitado.
— Andei muito por aí. Os franceses estão a uns cinqüenta quilômetros daqui.
Ocupam um castelo semelhante ao de Niederlahnstein, perto de Coblença. Não sei se
alguns das senhores conhece. E continuam construindo seus balões de ar quente.
— Poderia levar-nos para lá? — perguntou Rakal.
— É claro que sim.
— Por que escolheu justamente o castelo dos franceses perguntou Emerich,
confuso. — Existem muitos lugares vazios por aí.
Rakal abanou a cabeça.
— Isso não faz muita diferença. Só faz meia hora que lutamos com os franceses.
Devem ter feito um grande esforço mobilizando os neandertalenses, os cavaleiros
medievais e os legionários romanos para atacar Staunder e seu castelo. Acho que a maior
parte da guarnição masculina do castelo participou do ataque. Eles andam a pé.
Chegaremos ao castelo muito antes deles e o encontraremos praticamente indefeso.
— O senhor tem razão — reconheceu Emerich prontamente. — Quer dizer...
— Um momento — interrompeu Rakal. — Gostaria de explicar meus motivos. Os
seres que são responsáveis por nossa presença neste mundo vigiam o planeta. Quanto a
isso não precisamos iludir-nos. Meu irmão e eu chamamos a atenção dos vigias mais que
qualquer outra pessoa. Os desconhecidos sabem que viemos parar aqui de uma forma
completamente fora do comum. Sem dúvida estão à nossa procura. Há meia hora usei um
rádio para entrar em contato com meu irmão, e as ondas emitidas por ele podem ser
detectadas facilmente pelos desconhecidos. Em outras palavras, eles sabem onde Tronar e
eu nos encontramos. Farão tudo para capturar-nos. Devem ter uma idéia muito precisa
sobre as condições reinantes nesta parte do planeta e sem dúvida sabem que Staunder e o
senhor estão cercados de inimigos. Naturalmente cuidarão primeiro do castelo dos
senhores. Chegarão à conclusão de que fugimos. Para onde poderíamos ter fugido? Para
um lugar em que possamos descansar em paz, ou seja, para uma das casas vazias que há
por perto. Dificilmente pensarão que podemos ter ido ao castelo dos franceses. Por isso é
o lugar em que estaremos mais seguros.
Emerich deu um passo para trás e fitou Rakal com uma expressão de perplexidade.
Rakal sabia o que Emerich estava pensando. Sentiu a desconfiança que tomara conta da
mente do alemão.
— Já sei o que vai dizer — observou, calmo. — Conheço suas objeções. Que
motivo poderia ter o senhor para ficar conosco, quando os forasteiros nos perseguem e só
representamos uma carga e um perigo para sua gente.
Emerich não negou que era exatamente isso que estava pensando. — Isso mesmo —
respondeu. — O que poderei ganhar ficando com os senhores?
— Pois eu vou dizer o que o senhor tem a ganhar respondeu Rakal. — Tronar e eu
precisamos de sua ajuda. Se não pudermos contar com o senhor e os outros homens de
seu grupo, estaremos praticamente perdidos. Mas de outro lado somos sua única ligação
com a Terra. Se não conseguirmos voltar à Crest, os senhores não terão a menor chance
de um dia voltar ao seu planeta.
Bem de propósito deu à sua voz um tom penetrante, que quase chegava a ser de
comando. Emerich teria de estar com eles, pois sem o blindado não teriam a menor
possibilidade de entrar no castelo dos franceses. Bem no íntimo amaldiçoou-se pela
mentira que tivera de dizer, pois no momento não havia a menor possibilidade de levar
Emerich e seus homens para a Crest. Mais alguns séculos poderiam passar até que a
situação evoluísse para chegar a um ponto em que as espaçonaves terranas pudessem
dirigir-se livremente ao planeta e levar para a Terra os habitantes que quisessem voltar
para lá.
Mas o importante no momento era que Emerich não o abandonasse. Pouco
importava o que fizesse para convencê-lo. Rakal sabia que não tinha a menor
possibilidade de obrigá-lo a fazer o que ele queria. Ficou muito tenso, enquanto Emerich
olhava fixamente para o chão, demorando um pouco com a resposta.
Finalmente levantou os olhos.
— Está bem — respondeu laconicamente. — Estamos nessa.
Rakal teve vontade de abraçá-lo.
***
Os homens levaram uma hora para transferir todo o combustível para o tanque do
blindado. As vinte granadas de que ainda dispunham, e que até então tinham ficado na
carroçaria dos caminhões, também desapareceram no interior do tanque. Mais duas
metralhadoras foram montadas, uma na torre do blindado e outra na parte traseira, e
guarnecidas por homens do grupo de Emerich. Toda a superestrutura do veículo estava
repleta de caixas de munições. Emerich destacou mais três homens para formarem a
guarnição do blindado. Os outros, nove ao todo, inclusive Staunder, os dois irmãos e os
homens que guarneciam as metralhadoras, acomodaram-se entre as caixas de munições.
Por uma fração de segundo Rakal teve a visão enervante de algum francês audacioso, que
pudesse estar escondido por aí e desse um tiro com boa pontaria, acertando uma das
caixas de munições. Seria o fim.
Finalmente o veículo partiu, comandado por Hannemann. Passou ruidosamente pelo
alto da colina, desceu do outro lado, atingiu o fundo do vale, subiu a colina seguinte e
assim por diante. Finalmente o ruído ensurdecedor acabou deixando Rakal cansado e
indiferente, fazendo com que perdesse a noção do tempo e do espaço.
De repente alguém o sacudiu fortemente pelo ombro. Ainda estava escuro. Rakal
virou a cabeça e viu Emerich, que estava sentado junto à entrada da torre, agitando
furiosamente os braços. Rakal levantou, cansado, e olhou para frente. Finalmente viu o
que estava deixando Emerich tão nervoso. O terreno já não era tão acidentado. Uma
planície coberta de capim, sem árvores ou arbustos, estendia-se a perder de vista. Havia
uma elevação cerca de um quilômetro à sua frente. Parecia um monumento às tremendas
forças geológicas que haviam criado a série de colinas.
Via-se perfeitamente à luz das estrelas o castelo que ficava no alto da elevação
solitária. Emerich inclinou-se para baixo e gritou ao ouvido de Rakal, para superar o
ruído dos dois motores.
— Chegamos! É o castelo francês.
O cansaço de Rakal desapareceu de repente. Observava atentamente as muralhas
escuras, enquanto o veículo blindado se aproximava rapidamente da colina solitária e
acabou subindo pelo caminho estreito que dava uma volta completa em torno da
elevação, terminando trinta metros acima da planície, junto ao portão do castelo.
Este parecia despertar para a vida. O ruído dos motores acordara sua guarnição.
Rakal viu pontos luminosos saltitantes. Eram tochas. Viu confirmada sua suposição. Não
houve resistência. Ao que parecia, só havia mulheres no castelo.
Quando o veículo blindado atingiu a entrada do castelo, Emerich deu ordem para
que parasse. Os motores foram desligados. Gritou uma advertência em francês, que
dominava muito melhor que o inglês, mandando que os ocupantes do castelo se
afastassem do portão. Deixou passar algum tempo e deu ordem para que Hannemann
abrisse fogo. A trinta metros de distância o projétil disparado pelo canhão despedaçou o
portão, além de fazer desabar um pedaço do muro.
O blindado entrou no castelo sem encontrar resistência. A julgar pela disposição das
construções, este devia ter sido levantado em fins do século treze. Era muito mais
moderno que o castelo em que Emerich e Staunder tinham morado. Muito preocupado,
Rakal pôs-se a contemplar as paredes altas dos edifícios, com centenas de nichos e
balcões. Um único atirador escondido seria capaz de fazer explodir o blindado.
Emerich receava mais ou menos a mesma coisa. Mal os motores pararam, deu
ordem para que seus homens vasculhassem as casas até o último canto. Os homens
entraram em ação, revelando muito cuidado e o sexto sentido adquirido em anos de
experiência na luta com os guerrilheiros. Dali a meia hora toda a guarnição do castelo
estava reunida no pátio interno. Emerich garantiu que não havia mais viva alma no
interior dos edifícios.
Dois homens, vinte e três mulheres e cinco crianças estavam reunidos no pátio.
Eram iluminados pela luz do alvorecer e Rakal não escondeu seu espanto ao contemplá-
los. Traziam nos olhos a mesma expressão de apatia e indolência que notara em Staunder
e Emerich — principalmente no primeiro. Mas havia um testemunho muito mais
eloqüente do destino que um inimigo desconhecido e impiedoso reservara
propositadamente a esses seres humanos. Rakal não tinha a menor dúvida de que a parte
masculina da guarnição era formada por pelo menos cinqüenta homens — ou ao menos
fora, antes do ataque à coluna de veículos de Emerich. E à frente de Rakal estavam
enfileiradas vinte e três mulheres, em sua maioria bem jovens.
Mas não havia mais de cinco crianças à sua frente.
E estas crianças não tinham nascido neste mundo. Havia em seus olhos uma
expressão de quem sabia o que estava acontecendo. As experiências de muitos séculos
estavam refletidas em seus rostos. De repente Rakal sentiu-se deprimido e desanimado.
— Os dois homens eram velhos. Pelos cálculos de Rakal deviam ter mais de
sessenta anos. Pareciam inteligentes. Rakal desceu desajeitadamente do veículo blindado
e aproximou-se do grupo. Falou alto, para que todos pudessem ouvi-lo.
— Não viemos para subjugá-los ou fazer-lhes qualquer mal — disse em francês. —
Precisamos de ajuda. Permitam que explique de que se trata...
Falou durante quinze minutos. Os franceses ouviram sem interrompê-lo uma única
vez. Usando uma linguagem simples que, segundo acreditava, todos entendiam, explicou
que planeta era este em que se encontravam, qual era o motivo de sua presença, e quem
eram os seres responsáveis pelo destino que lhes fora reservado. Não disse como ele e
Tronar tinham parado ali. Eles não compreenderiam. Mas fez questão de ressaltar que
havia uma possibilidade de serem libertados.
— Mas só poderemos concretizar esta possibilidade se pudermos contar com sua
ajuda — concluiu.
Passou-se um minuto, durante o qual Rakal esperou ansiosamente pela reação dos
franceses. Ao que parecia, o peso da decisão cabia unicamente aos dois homens idosos.
As mulheres olhavam ansiosamente para eles. Algumas pareciam impacientes, dando a
impressão de que achavam que homens estavam demorando demais. Os velhos
entreolharam-se por um instante, com uma expressão pensativa. Finalmente acenaram
com a cabeça. Um deles, um homem baixo, de cabelos brancos e calças justas, que
trajava uma camisa impecavelmente branca enfeitada com rendas, avançou um passo.
— Não vou dizer que confiamos nos senhores — principiou. — Mas no momento
não temos alternativa. Somos obrigados a fazer aquilo que pedem. Além disso sempre
existe a possibilidade de que estejam dizendo a verdade, e na situação em que nos
encontramos vale a pena aproveitar qualquer chance, por menor que seja. O que podemos
fazer pelos senhores?
Rakal respirou aliviado. Já elaborara seu plano. Explicou-o ao velho, e este
confirmou que o plano poderia ser executado com os recursos de que dispunham. Rakal
deixou bem claro que era necessário agir depressa, para que o inimigo não tivesse tempo
para procurá-los. O velho prometeu que usaria toda a guarnição do castelo nos trabalhos.
Rakal agradeceu.
Voltou para junto de Emerich e explicou o que este deveria fazer. Era de esperar
que os homens dispersados, que tinham sobrevivido ao tiroteio entre as colinas,
regressassem dentro de três horas. Emerich recebeu ordem para não permitir em hipótese
alguma que entrassem no castelo. Sua presença seria um fator de desordem, e a desordem
era a última coisa de que Rakal poderia precisar. Esperara que Emerich não concordasse
em receber ordens de um forasteiro. Mas para seu espanto Emerich acenou com a cabeça,
e disse que era exatamente o que ele faria, mesmo que Rakal não lhe tivesse dado ordens
para isso. Distribuiu seus homens pelas muralhas e mandou que ficassem atentos. O sol já
raiava no horizonte. Névoas brancas brilhantes cobriam a planície, mas para o lado das
colinas a visão estava desimpedida.
Maurice, o velho, deu uma palmadinha no ombro de Rakal e disse que já poderiam
iniciar o trabalho. Rakal olhou atentamente para o céu. O firmamento estava azul. Não
havia nuvens. Ao que tudo indicava, seria um dia bonito.
Se as coisas corressem como ele imaginava, não teria muito tempo para apreciar as
belezas deste mundo. Só poderia ser bem-sucedido se concluísse os preparativos dentro
de uma hora. Do contrário, a Crest não poderia vir em seu auxílio antes que chegassem os
tefrodenses.
7

Maurice saiu do pátio interno do castelo e levou Rakal para a faixa de grama que o
contornava, sendo limitada do outro lado pela muralha do castelo. As francesas,
comandadas pelo outro velho, trabalhavam apressadamente na construção de uma
armação de madeira de aspecto frágil. Esta armação consistia em quatro barras dispostas
em quadrado. Estas barras eram de uma madeira parecida com o bambu, que se erguiam a
uns dez metros de altura. Eram mantidas unidas por meio de travessas de madeira
pregadas de maneira pouco firme. Havia um fogareiro solitário, instalado no chão, bem
no centro da armação de madeira, do qual subiam vapores e fumaça. Duas mulheres
idosas tentavam acender um grande fogo. Havia mais cinco ou seis mulheres, que
arrastavam um objeto de pano parecido com um gigantesco saco. O saco foi amarrado
com cordas nas barras da armação de madeira, de tal modo que a extremidade inferior
ficou virada para baixo, abrindo-se sobre o fogão à maneira de uma chaminé. A
extremidade fechada por enquanto continuava no chão, mas o saco incharia à medida que
o ar quente produzido pelo fogão o enchesse, transformando-se num balão.
Maurice informou que, quando foram arrastados para este lugar por um grupo de
desconhecidos, estavam assistindo a uma demonstração dos irmãos Montgolfier, que
preparavam um vôo de balão. Os Montgolfier acabavam de decolar, quando os
desconhecidos entraram em ação. Dois balões vazios foram levados ao novo mundo,
juntamente com Maurice e seus companheiros. Mal chegaram, os franceses tentaram
seguir o exemplo dos irmãos Montgolfier, preparando um dos balões para o vôo. O balão
foi queimado na primeira tentativa. Maurice sugeriu que saíssem à procura de uma fibra
vegetal com a qual pudessem fabricar balões, antes de fazer experiências com o outro
balão que tinham trazido. Levaram alguns anos procurando uma fibra que se prestasse a
isso. O estranho clima mental do planeta produzira seus efeitos em Maurice e nos outros
membros de seu grupo. Transformaram-se em criaturas indolentes. Continuavam a usar
os balões, mas a atividade entusiástica acabara por transformar-se numa rotina cansada.
— Já não acreditamos — observou Maurice com a voz triste — que um dia
possamos voltar à Terra num balão.
Rakal fitou-o com uma expressão de surpresa.
— Já acreditou nisso? — perguntou.
— É claro que sim. Evidentemente acreditávamos que tivéssemos sido levados para
a Lua. A única coisa que teríamos de fazer era construir um balão que voasse bem alto,
para escapar ao mundo lunar.
Estas palavras foram proferidas num tom tão convicto que Rakal se perguntou se
aquele homem realmente não tinha mais nenhuma esperança de chegar à Terra num
balão.
— Chegou a ver a Terra do lugar em que se encontra? — perguntou em tom
cauteloso. — Como ficou sabendo que se encontrava na Lua?
Maurice deu de ombros.
— Onde poderíamos estar? Na Terra não estávamos... Será que existe mais algum
lugar além da Terra e da Lua? — de repente sorriu com uma expressão marota. — A
pergunta sobre se vimos a Terra só pode ter sido uma brincadeira, não é mesmo? Vista da
Terra, a Lua fica em cima. Quer dizer que vista da Lua, a Terra só pode ficar embaixo.
Como poderíamos vê-Ia, se há centenas de milhas de rocha lunar no meio?
Rakal viu que assim não conseguiria nada. Confirmou que o argumento de Maurice
era perfeitamente lógico e ficou satisfeito por não ser obrigado a dar outras explicações,
pois o balão já começava a inchar sob o efeito do ar quente que penetrava nele.
Dentro de mais alguns minutos arrebentou a frágil armadura e exerceu uma tração
violenta nas quatro cordas que o mantinham preso ao ar. Maurice passou a comandar a
operação, pois o mais difícil era interromper o fluxo de ar quente no momento exato.
Rakal aproveitou a oportunidade. Tirou o microcomunicador do braço e regulou-o de tal
maneira que em determinado instante irradiaria automaticamente uma série de impulsos
com a duração de cinco minutos. Estes impulsos informariam os homens que se
encontravam na Crest de que havia muita necessidade de sua ajuda.
Staunder e Tronar vieram caminhando para o local de decolagem. Rakal sentiu
perfeitamente a onda de satisfação que partia do irmão. Por enquanto não se dera ao
trabalho de informar quem quer que fosse sobre seus planos. Mas Tronar o conhecia
muito bem e adivinhou suas intenções. Enquanto isso, Staunder parecia perplexo e
confuso. De pé ao lado de Rakal, olhava estarrecido para o balão que se ia enchendo.
— O que pretende fazer? — perguntou.
— Vou transmitir um pedido de socorro à Crest — limitou-se Rakal a responder.
— E para isso... — não completou a frase, mas apontou o balão, fazendo avançar e
recuar o dedo indicador.
— Isso mesmo. Preciso do balão. Não seio que fará a Crest quando receber o pedido
de socorro. É bem possível que demore uma ou duas horas até que chegue o socorro.
Acontece que o inimigo talvez esteja em condições de captar a mensagem e atacar numa
questão de minutos. Por isso precisamos colocá-lo numa pista falsa. O pedido de socorro
deve ser expedido num ponto que fique o mais longe possível do castelo. Penduraremos o
microcomunicador no balão e deixamos que este seja tangido pelo vento, até que se
encontre a pelo menos vinte quilômetros daqui antes de transmitir o pedido de socorro.
Entendido?
Staunder abanou a cabeça. Parecia aborrecido.
— Não entendi nada. Estou com o traje voador de Pavlech. Seria muito mais
simples usar este traje e voar para algum lugar, onde poderei transmitir o pedido de
socorro para em seguida voltar para cá.
Rakal sorriu.
— É uma boa idéia — disse com uma ponta de ironia na voz. — Mas só encaixa em
parte no plano.
Staunder encarou-o com uma expressão de perplexidade.
— O traje voador também terá sua utilidade — explicou Rakal, solícito. — O
microcomunicador preso ao balão irradiará um sinal automático. Se a Crest dependesse
exclusivamente deste sinal, seus ocupantes não teriam nenhuma indicação sobre o ponto
do planeta em que nos encontramos. As buscas durariam várias horas. Portanto, um de
nós sairá juntamente com o balão, mas voará em outra direção, para transmitir pelo
microcomunicador uma descrição precisa do lugar em que nos encontramos. Irradiando
duas mensagens de dois pontos diferentes, dificultaremos as buscas do inimigo e teremos
pelo menos trinta minutos de vantagem. Deu para entender?
Staunder fez um gesto confuso.
Sinto ter sido tão estúpido — respondeu, abatido.
***
O balão foi carregado por uma brisa fresca e acabou desaparecendo bem acima das
colinas. Tronar, que colocara o traje voador de Pavlech, saíra quase no mesmo instante
que o balão. Voou em sentido perpendicular relativamente à rota do balão. Quando os
microcomunicadores entrassem em funcionamento, eles se encontrariam a uns quarenta
quilômetros do castelo e cerca de cinqüenta e sete quilômetros um do outro. A reta
imaginária que ligasse os pontos de transmissão passaria a vinte e oito quilômetros do
castelo. Só mesmo uma operação mental digna de um gênio levaria os tefrodenses a
estabelecer uma ligação entre os dois microcomunicadores que funcionavam ao mesmo
tempo e o castelo francês. Acabaria chegando ao castelo. Quanto a isso Rakal não tinha a
menor dúvida. Mas levariam duas ou três horas procurando os dois transmissores. Se
tivessem sorte, dentro destas duas ou três horas a Crest poderia vir em seu auxílio.
Rakal experimentou um estranho mal-estar. Isso o deixou admirado, pois desde o
momento em que passara a contar com o auxílio de Maurice as coisas passaram a correr
melhor do que esperava. Tinha todos os motivos para sentir-se confiante e esperançoso.
Mas estava deprimido, e a débil esperança que lhe restava era como um fraco raio de sol
antes da tempestade que se formava no céu e fatalmente desabaria sobre ele dentro de
alguns minutos.
Estava preocupado porque a Crest não fizera mais nenhuma tentativa de levar Rakal
e Tronar de volta por meio do raio de rastreamento.
Naturalmente não se podia excluir o risco de a nave ser localizada por meio do raio,
mas Rakal conhecia Perry Rhodan e sabia que ele estaria disposto a arriscar muita coisa
para salvar seus homens. O fato de o raio de rastreamento não ter chegado levava à
conclusão de que a Crest se encontrava numa situação em que não podia assumir o risco
de usar o hipertransmissor, ou não estava mais em condições de fazê-lo.
“É bem possível”, confessou Rakal, “que todo o trabalho destas últimas horas
tenha sido em vão.” Talvez a Crest tivesse sido destruída pelas frotas tefrodenses que há
alguns dias estavam à sua procura. Quem sabe se não tinha de conformar-se com a idéia
de ser a aquisição mais recente do zoológico de criaturas humanas?
Para distrair-se, conversou com Maurice e o outro velho, que atendia pelo nome de
Felipe. Estava interessado em saber como os franceses encaravam a si mesmos e à sua
vida num mundo estranho, e qual era a explicação que encontravam para o fato de não
terem envelhecido, apesar do tempo enorme que se passara desde sua chegara ao planeta.
Os primeiros homens que tinham participado da batalha estavam voltando. Emerich
não os deixou entrar, cumprindo as ordens de Rakal. Os homens fizeram tanto barulho
que Maurice se viu obrigado a cuidar deles. Subiu na muralha e explicou a situação.
Rakal mostrou-se disposto a permitir que entrassem no castelo, desde que concordassem
em entregar suas armas ao passar pelo portão. Maurice mostrou que tinha muita
autoridade sobre eles. Explicou que os forasteiros iriam embora e os homens receberiam
de volta seus fuzis. Os recém-chegados concordaram com a sugestão. Emerich permitiu
sua entrada. Hannemann ficou postado junto ao portão e prestou atenção para que
ninguém se esquecesse de entregar seu fuzil.
Já fazia uma hora que o balão tinha partido. Rakal estava cada vez mais nervoso.
Pelos seus cálculos, a velocidade de vento nas camadas superiores da atmosfera, onde o
balão se deslocava, devia ser de trinta ou quarenta quilômetros por hora. A qualquer
momento o microcomunicador começaria a transmitir o pedido de socorro. Os sinais
automáticos seriam captados pelo aparelho de Tronar, que diante deles transmitiria sua
própria mensagem. Depois disso um breve sinal provocaria a explosão de uma pequena
cápsula presa ao balão. Este seria destruído, e os tefrodenses que certamente chegariam
ao local depois de alguns minutos não encontrariam nenhuma indicação. O traje voador
permitiria a Tronar voltar ao castelo dentro de alguns minutos. Portanto, devia regressar
de um instante para outro.
Rakal subiu na muralha, onde Maurice continuava de pé, observando seus homens,
que passavam pelo portão e iam entregando seus fuzis. Quando viu Rakal, sorriu.
— Está nervoso? — perguntou em tom amável. Rakal confirmou com um gesto e
olhou para cima do muro, examinando a paisagem acidentada. Havia bandos de pássaros
sobre as florestas, mas não se via sinal de Tronar.
— Faz pouco tempo que chegaram — disse Maurice de repente, ficando de olho no
portão. — Ainda estão muito nervosos. Não têm paciência. Andam sempre agitados. Isto
se torna estranho para alguém que está aqui tanto tempo como eu.
Rakal não estava com vontade de conversar.
— Sim, sou novo aqui — respondeu.
Maurice não parecia disposto a mudar de assunto.
— Pois trate de acostumar-se ao mundo em que vive. Na verdade, não é tão ruim
assim. Pelo contrário. Às vezes a gente tem a impressão...
Rakal viu um ponto prateado subindo entre as copas das árvores que cobriam a
colina mais próxima. Estremeceu. O movimento repentino fez com que Maurice inter-
rompesse sua fala.
— Que é...? — perguntou, espantado.
— Nosso trabalho não foi em vão — exclamou Rakal, alegre, mas já tinha descido
metade da escada que levava ao alto da muralha.
Dali a trinta segundos Tronar passou por cima das ameias da muralha e pousou no
pátio externo do castelo. Staunder veio correndo do lugar em que subira o balão. Depois
que perdera o amigo, parecia mais entusiasmado com sua atividade.
Tronar tirou o traje pouco confortável e deixou-o cair no chão. Parecia preocupado.
— A Crest tem problemas — principiou, indo diretamente ao assunto. — Foi
localizada por um pequeno contingente da frota tefrodense, que se encontra a menos de
três horas-luz de sua atual posição. Realizou algumas manobras para enganar o inimigo, e
voltou para junto do sol, onde está protegida contra a ação dos rastreadores. No momento
os tefrodenses quebram a cabeça para descobrir onde ela pode ter ido parar. Mas se a
Crest der um pio, não precisarão quebrar mais a cabeça.
— Com quem você falou? — interrompeu Rakal.
— Falei com Rudo em pessoa. Compreendeu imediatamente e foi desfiando as
informações, para evitar que ultrapassássemos o tempo de transmissão. Fiz uma descrição
exata da região em que nos encontramos. Se resolverem enviar um veículo, não terão
dificuldade em encontrar o castelo.
Rakal hesitou antes de formular a pergunta mais importante. Staunder, que não se
sentia tão inibido, perguntou em seu lugar.
— Quais são nossas chances?
Tronar deu de ombros.
— Rudo não prometeu nada — respondeu. Rakal sentiu que estava deprimido. —
Só disse que fariam tudo que está ao seu alcance.
Staunder respirou resignado. De repente ouviu-se um grito estridente, vindo do alto
da muralha. Rakal virou-se abruptamente. Maurice estava no estreito passadiço, agitando
os braços. Quando viu que Rakal o observava apontou para fora.
Rakal subiu a escada correndo. O velho veio ao seu encontro. Agarrou-o pelo braço
e arrastou-o até a ameia.
— Ali... — fungou.
Rakal viu imediatamente. Tratava-se de um objeto oval, que emitia um brilho débil,
que passava pela primeira colina, aproximando-se do castelo. Era um barco voador do
mesmo tipo daquele em que Rakal e Tronar tinham ido parar depois de fugir da base
submarina.
— Que houve? — gritou Tronar, que continuava embaixo. Sem dúvida sentira o
profundo desânimo que se apoderara de Rakal.
Rakal não respondeu. Ficou de olho no veículo que se afastava das colinas,
seguindo diretamente para o castelo. Parte da carlinga era de vidro. Rakal teve a
impressão de que três ou quatro seres se movimentavam atrás do revestimento
transparente.
De repente teve uma idéia. Dirigiu-se a Maurice.
— Estes são os verdadeiros inimigos — disse em tom sério. — Vêm para cá. Não
sei o que estão procurando. Sem dúvida não sabem que meu irmão e eu estamos aqui.
Vamos esconder-nos. Só temos alguns minutos. Acha que terá tempo de convencer seus
homens a não dizerem nada que possa comprometer-nos?
Maurice fez um gesto de assentimento.
— Acho que sim — respondeu em tom apressado. No mesmo instante desapareceu
pela escada. Rakal seguiu-o. Antes de chegar perto de Tronar e Staunder, viu Emerich,
que se aproximava vindo do portão. Agitou os braços e gritou de longe.
— Estão chegando!
Quer dizer que Emerich também avistara o barco voador. Rakal contou em palavras
ligeiras o que tinha acontecido. Emerich já se aproximara.
— Em minha opinião — prosseguiu Rakal — eles vêm para cá por acaso. Os
tefrodenses não sabem que estamos aqui. Ficaram sabendo que a região está se rebelando,
e vieram para restabelecer a paz e a ordem. Talvez perguntem por nós, mas não esperam
encontrar-nos aqui. Maurice tentará convencer seus homens para que não revelem nossa
presença. Pode ser que dê certo por algum tempo. Mas em qualquer grupo de pessoas
sempre há alguém que não quer acompanhar a maioria. Se deixarmos estes elementos à
vontade, logo saberão que estamos aqui. Ficaremos escondidos em um dos edifícios que
têm acesso tanto para o pátio interno como para o pátio externo. Assim que os
tefrodenses tenham pousado e saído do barco espacial, vamos apoderar-nos dele. Além
disso os tefrodenses serão postos fora de ação. Temos de evitar que transmitam uma
mensagem.
Passou a dirigir-se a Emerich.
— O senhor poderia explicar isto a seus homens? Emerich respondeu com um
aceno de cabeça.
— Está bem. Staunder, o senhor irá conosco.
Emerich fez meia-volta e correu para o portão, para dar as instruções a seus
homens. Rakal, Tronar e Staunder atravessaram calmamente o pátio do castelo e
passaram por uma pesada porta de madeira que dava para um dos edifícios. Tronar saiu
correndo, para certificar-se de que o edifício possuía um acesso ao pátio interno. Logo
voltou.
Dali a mais alguns minutos apareceu o barco voador tefrodense. Passou por cima
das muralhas e pousou no pátio externo. Rakal observou-o por uma fresta da porta. De
repente não parecia haver mais viva alma no castelo. Um silêncio terrível espalhou-se por
ele. Um grupo de homens que voltavam da batalha surgiu junto ao portão. Pareciam
indecisos sobre se deviam entrar ou continuar onde estavam. Hannemann não se
interessou por eles. Naquele momento já não importava que eles conservassem seus fuzis
ou não.
Rakal viu cinco tefrodenses saírem do barco voador, que se encontrava a uns vinte
metros do lugar em que estava escondido. Reconhecia perfeitamente os tefrodenses, que
pareciam indecisos. Quando o último deles desceu e a escotilha automática do veículo se
fechou, formaram um pequeno círculo e discutiram a situação. Rakal ouvia suas vozes.
Finalmente chegaram a uma conclusão. O círculo abriu-se. Os tefrodenses fizeram meia-
volta e saíram caminhando em direção à passagem que dava para o pátio interno.
Rakal prendeu a respiração, de tão surpreso que ficou. Já notara que a estatura dos
cinco tefrodenses era idêntica. Quando viraram a cabeça, percebeu que seus rostos
também eram parecidos. Cada tefrodense era a imagem fiel dos outros. Os rostos tinham
sido traçados, linha por linha, segundo um único modelo. Não era possível que fosse uma
semelhança casual. No aspecto exterior, os cinco desconhecidos eram idênticos um ao
outro.
Rakal viu-os atravessarem a passagem. Depois desapareceram. Tronar dirigiu-se
furtivamente à entrada principal da casa, que dava para o pátio interno. Rakal viu-o
levantar o braço. Os tefrodenses acabavam de atravessar a passagem e apareceram no
pátio, onde estava Maurice e seus homens. Maurice se encarregara de responder às
perguntas dos desconhecidos.
Enquanto isso Rakal examinava o barco voador. A parede transparente da carlinga
permitiu que visse uma figura que se movimentava atrás dela. A tripulação do barco era
de seis homens ao todo. Cinco deles tinham descido, enquanto o sexto ficara para vigiar o
barco. Com isso a situação se tornava mais difícil do que eles esperavam. O homem que
permaneceu a bordo sem dúvida mantinha contato com a base submarina. Se notasse algo
de suspeito, sem dúvida daria imediatamente o alarme. Tinham de impedir que isso
acontecesse.
Correu para junto da porta da frente. Queria ver o que estava acontecendo no pátio
interno. Um dos tefrodenses fazia o interrogatório, enquanto os outros quatro estavam
dispostos num círculo pouco compacto, lançando olhares desconfiados para os homens de
Maurice e os edifícios. Não acreditavam na calma aparente.
O tefrodense que conversava com Maurice usava uma pequena tradutora, que trazia
pendurada a tiracolo à maneira de uma máquina fotográfica. O aparelho traduzia para o
francês qualquer pergunta que fosse formulada pelo tefrodense.
— Toda a região está rebelada — ouviu Rakal. — Qual é a causa?
Maurice demonstrava muita habilidade. Não negou que soubesse da rebelião.
— Os homens que o senhor viu junto ao portão respondeu — espalham a confusão,
principalmente com o grande veículo blindado. Achamos que já estava na hora de dar-
lhes uma lição. Juntamos algumas pessoas que também pensam assim e...
O tefrodense interrompeu-o.
— O senhor cometeu um ato de subversão — disse em tom enérgico. — Não
achamos nada demais em que de vez em quando haja um pequeno conflito. Parece que
vocês são seres esquisitos, que não podem viver sem luta. Acontece que o planeta em que
vivemos é um mundo pacífico. Se alguém acha que tem de envolver os outros em suas
disputas, este alguém viola a lei básica. O senhor irá conosco para prestar contas dos seus
atos. Escolha alguém para representá-lo durante sua ausência.
Maurice olhou em volta. Parecia confuso. Para Rakal este era o momento decisivo.
Mais dois ou três minutos, e os tefrodenses levariam Maurice para bordo de seu barco
voador e iriam embora. Fez um sinal para Tronar e Staunder. Maurice acabara de
descobrir Felipe no meio da multidão e mandou que se aproximasse.
Quando começou a dizer alguma coisa, a porta de madeira atrás da qual Rakal e
seus companheiros tinham acompanhado a cena abriu-se abruptamente. As pessoas que
se encontravam no pátio ouviram o estalo da madeira batendo na parede. O tefrodense
que se encontrava à frente de Maurice soltou um grito de alerta e olhou para o lado à
procura de um lugar em que estivesse protegido.
Rakal não lhe deu tempo para isso. O tiro que saiu de sua arma energética produziu
um chiado. Os franceses saíram gritando. Tronar e Staunder escolheram dois tefrodenses
e usaram o mesmo processo que Rakal usara com o primeiro. Depois disso os dois que
sobravam tomaram outra decisão. Movimentando-se cautelosamente, atiraram fora suas
armas energéticas, para mostrar que não pretendiam oferecer resistência.
Um deles carregava uma tradutora igual à que fora usada para interrogar Maurice.
Rakal fez um sinal para que se aproximasse. Em sua opinião o aparelho devia estar
regulado para a língua dos habitantes do castelo. Por isso fez sua pergunta em francês.
— Quantos homens estão a bordo do barco voador?
— Um — respondeu prontamente o tefrodense.
— Mande-o vir para cá — disse Rakal. — Invente um motivo qualquer. Caso pense
em transmitir uma mensagem, vocês estarão liquidados. Entendido?
O outro tefrodense também se aproximara. Mais uma vez a extrema semelhança dos
dois deixou Rakal perplexo. Ainda bem que somente um deles carregava uma tradutora
senão seria impossível distingui-los.
— Venha cá, Alec — disse o homem que carregava a tradutora. — Precisamos de
você. Não precisa vigiar o barco espacial.
Alguns dos homens pertencentes ao grupo de Maurice já se sentiam mais confiantes
Saíram dos esconderijos. Homens e mulheres formaram um círculo em torno de Rakal,
Tronar, Staunder e os prisioneiros. Dali a alguns minutos o sexto tefrodense apareceu na
passagem. Olhou em volta, perplexo. Tronar abriu caminho às pressas entre a multidão e,
de arma em punho, explicou ao homem, que ainda se mostrava titubeante, que a situação
já estava decidida. O sexto forasteiro também era igual aos outros, conforme Rakal
esperara.
Rakal dirigiu-se a Maurice.
— Dispõe de um lugar em que os prisioneiros estejam bem guardados?
Maurice fez que sim.
— Temos um calabouço Acho que ninguém conseguirá sair dele, a não ser que
alguém o ajude.
Tronar estava revistando os tefrodenses. Tirou-lhes as armas que não tinham jogado
fora, as tradutoras e os aparelhos de rádio. Os tefrodenses não ofereceram nenhuma
resistência. Demonstraram um conformismo que deixou Rakal um tanto desconfiado.
Três dos homens de Maurice foram destacados para levá-los ao calabouço. Tronar
seguiu-os de arma em punho, para certificar-se de que tudo seria feito conforme estava
programado.
Rakal sentiu que a tensão começava a abandoná-lo. Uma sensação de alívio tomou
conta de sua mente, enquanto sentia o cansaço físico acumulado nas últimas horas. De
repente teve dificuldades em movimentar-se. Os braços e as pernas pareciam ser de
chumbo. Olhou para o relógio. Demoraria pelo menos duas horas até que os tefrodenses
que procuravam os intrusos chegassem ao castelo. Poderia aproveitar o tempo para deitar
e descansar um pouco. Maurice e os homens do grupo de Emerich poderiam ficar de
vigia.
Virou a cabeça e tentou localizar Maurice na multidão. O velho notou seu olhar,
separou-se do grupo de pessoas que discutiam violentamente e veio na direção de Rakal,
que quis perguntar se havia um lugar tranqüilo, em que pudesse dormir algumas horas.
Mas não chegou a fazer a pergunta.
O setor parapsíquico de seu cérebro captou um impulso elétrico tão intenso que
Rakal chegou a ter sua percepção acústica, em forma de um estalo. Numa fração de
segundos ouviu o estrondo de uma explosão, vindo do pátio externo. Uma onda de ar
superaquecido atravessou a passagem entre os pátios, levantando nuvens de poeira. As
pessoas do grupo de Maurice soltaram gritos de pavor. Rakal saiu correndo para a
passagem e em meio da poeira viu um cogumelo de fumaça levantar-se no pátio externo.
Os destroços ainda silvavam no ar.
Rakal compreendeu imediatamente o que tinha acontecido.
O barco voador tefrodense acabara de explodir.
***
É o fim. Foi a primeira coisa que lhe veio à mente.
Alarmado pelo estrondo da explosão e pelos sentimentos confusos irradiados pelo
irmão, Tronar aproximou-se. As pessoas do grupo de Maurice aproximaram-se
hesitantes, ainda assustadas, para ver o que tinha acontecido.
Rakal fez um gesto cansado em direção ao pátio externo.
— Não sei como isto não me ocorreu — murmurou. — Antes que o último
tefrodense saísse do barco, ele ligou um transmissor de impulsos que funcionava na base
do tempo. Se depois de determinado tempo não regressasse, o transmissor de impulsos
era ativado. Estava acoplado a uma bomba, que fez explodir o barco. Pouco antes deve
ter transmitido um pedido de socorro.
Virou a cabeça e fez um sinal para que Maurice se aproximasse. Não teve de fazer
nenhum sinal para Emerich, que atravessava a fumaça em saltos grotescos.
— Isso estragou nossos planos — disse Rakal prontamente. — O inimigo foi
alertado. Seus veículos poderão chegar de um instante para outro — conseguiu exibir um
sorriso triste. — Sinto muito, minha gente, mas perdemos o jogo.
Emerich quis protestar, mas de repente ouviu-se um grito vindo do lado do portão.
Via-se Hannemann atrás das nuvens de poeira, Estava parado no portão, e agitava os
braços. Gritou alguma coisa que Rakal não entendeu.
Emerich já não tinha vontade de protestar.
— Ele diz — traduziu este, deprimido — que vê pelo menos vinte veículos inimigos
que se aproximam em alta velocidade.
***
Rakal tentou convencer Maurice, Emerich e os homens pertencentes ao seu grupo a
abandonarem o castelo, mas eles nem queriam ouvir falar nisso. Rakal sabia
perfeitamente que não estaria em condições de enfrentar as tripulações de vinte barcos
tefrodenses. Era bem verdade que ele e Tronar ainda tinham uma chance. Poderiam usar
os feixes energéticos de suas armas para transportar-se a um lugar em que estivessem
seguros. Mas Rakal tinha suas dúvidas de que isso daria certo por muito tempo. Além
disso, cada metro que se afastassem do castelo tornaria mais difícil a orientação para os
homens que se encontravam na Crest. Viajar nos feixes de ondas de uma arma energética
era um processo muito doloroso, por causa das temperaturas extremamente elevadas que
reinavam no ponto de impacto. Além disso, o inimigo não teria nenhuma dificuldade em
acompanhar a trilha de cada disparo energético. Uma vez descoberto este meio de
locomoção, poderia perfeitamente ficar nos calcanhares dos fugitivos e pegá-los quando
fossem dominados pelo cansaço.
Rakal resolveu ficar onde estava. Afinal, tinham em suas mãos três prisioneiros
tefrodenses. Talvez o inimigo se mostrasse disposto a negociar.
Os barcos voadores pousaram no pé da colina formando um círculo em torno do
topo. Desta forma todos os caminhos de fuga foram fechados.
Rakal e Tronar acompanharam a manobra em cima da muralha. Emerich os
acompanhava. Os tefrodenses saíram — cinco de cada veículo — e subiram a colina bem
devagar. Rakal viu que usavam trajes protetores pesados. Estes trajes certamente estavam
equipados com geradores que produziam campos defensivos. O comportamento do
inimigo lançava uma luz forte sobre sua maneira de pensar. Os tefrodenses poderiam
perfeitamente destruir o castelo, usando bombas ou canhões. Se não o faziam, não era
porque estivessem preocupados com a sorte dos ocupantes do outro barco voador. Não
havia ninguém a bordo da Crest que não soubesse que a vida de um soldado tefrodense
valia muito pouco. O comportamento dos tefrodenses certamente era inspirado pela
preocupação com o destino de uma espécie valiosa do zoológico humano. Em vez de
destruir o castelo, os tefrodenses preferiram dar-se ao trabalho de penetrar na toca do
leão, para agarrar os verdadeiros culpados, deixando intocados os inocentes
Rakal resolveu lembrar-se disso, caso ainda tivesse oportunidade.
Teve muito trabalho em evitar que Emerich pusesse fim a tudo com algumas salvas
de sua oito-oito. Explicou que nenhuma granada convencional, por maior que fosse sua
potência, seria capaz de romper um campo defensivo. Emerich acabou acreditando nele e
saiu correndo para junto de seus subordinados, a fim de dizer-lhes que deviam ficar
quietos.
As primeiras linhas dos tefrodenses atingiram o portão do castelo. Hannemann
mandara fechar o portão por iniciativa própria, embora isso correspondesse às intenções
de Rakal. Um dos tefrodenses, que estava equipado com uma tradutora acoplada a um
auto-falante, postou-se junto à entrada do castelo e explicou com a voz retumbante o que
o trouxera.
— Abram o portão! Estamos à procura de quem é responsável pela destruição de
um dos nossos veículos. Só levaremos estas pessoas. Nada acontecerá aos outros. Vamos!
Abram logo.
Emerich, que estava parado embaixo, junto ao portão, olhou para Rakal com uma
expressão indagadora. Rakal fez um gesto negativo e apontou para o próprio peito. Era
sua vez de falar.
Inclinou-se sobre a ameia, para que os tefrodenses o vissem, e gritou em francês.
— Sou a pessoa que vocês procuram. Não vou deixar que vocês me levem.
Mantenho presos três dos seus homens. Podem levá-los, desde que me deixem ir em paz
juntamente com meu amigo.
O tefrodense respondeu imediatamente, exatamente da forma que Rakal previra.
— Não estamos dispostos a negociar. Onde estão os ocupantes do castelo?
— Meu amigo os mantém sob controle, senão eles já nos teriam expulsado.
Dizendo isto, Rakal protegia Maurice e Emerich contra eventuais represálias.
Passaram a ser considerados inimigos dos homens em que os tefrodenses queriam por as
mãos.
— Quero falar com o comandante do castelo — disse o homem que carregava a
tradutora.
— Não vou fazer nada disso — berrou Rakal.
Tinha mais algumas palavras na ponta da língua, mas de repente ouviu um ruído
estranho, que atraiu sua atenção.
Tratava-se de um sibilar agudo, que parecia vir bem do alto. Rakal levantou os
olhos. Um pontinho brilhante apareceu no firmamento azul-avermelhado. O sibilar
aumentou, transformando-se num rugido, que por sua vez foi crescendo, até que o
ribombar de milhares de trovões parecia encher o vale e a colina, fazendo tremer o chão.
Uma agulha que emitia uma dolorosa claridade desprendeu-se do ponto prateado e foi
descendo. Os tefrodenses que se encontravam à frente do portão pareciam assustados.
Rakal viu-os confabular. Acabaram fazendo meia-volta para descer a colina.
Uma sensação de triunfo incontida apoderou-se de Rakal, que levantou os braços e
soltava gritos de entusiasmo.
Estão chegando. Uma nave terrana vai pousar.
***
Era apenas uma corveta. Mas até mesmo uma corveta era demais para vinte barcos
voadores tefrodenses. Mas assim mesmo eles tentaram. Vinte canhões térmicos
despejaram uma furiosa salva de fogo sobre o veículo espacial que se preparava para
pousar. A reação da corveta não se fez esperar. Cinco barcos voadores desmancharam-se
sob os raios verde-pálidos de um pesado desintegrador, transformando-se em névoas
flutuantes. Isto fez com que os outros desistissem. Afastaram-se em alta velocidade.
A corveta pousou ao pé da colina, a menos de duzentos metros do portão do castelo.
Foi uma despedida dolorosa. Rakal teve de forçar o coração para explicar a Emerich e
seus companheiros que o momento da redenção ainda não chegara. Emerich não levou a
coisa muito a sério.
— Não queria mesmo sair tão depressa daqui — disse — Nestes últimos dias
conseguimos agüentar-nos muito bem. O senhor não acha? Não se preocupe conosco. Um
dia há de aparecer uma nave em que caibamos todos. Teremos o maior prazer em esperar
até lá. Até parece uma brincadeira, uma vez que a gente não envelhece.
Maurice não se mostrou menos compreensivo. Apertaram-se as mãos. Finalmente
Rakal e Tronar desceram correndo a colina. Preferiram não olhar para trás. A figura
gigantesca de Dom Redhorse, que estava à sua espera no passadiço da corveta, com as
mãos apoiadas nos quadris, parecia antes um anjo da guarda.
Ainda não tinham atingido o passadiço, quando uma coisa muito magra e comprida
apareceu entre a vegetação. Os gêmeos pararam, surpresos. Bari Staunder contemplou-os
com um sorriso forçado. Até parecia que queria pedir desculpas por tê-los acompanhado
sem que fosse convidado.
Rakal irrompeu numa gargalhada, na qual pôs para fora as tensões e angústias que
experimentara nas últimas horas.
— Eu sabia que tínhamos esquecido uma coisa — exclamou.
***
O resto foi uma brincadeira. A Crest conseguira livrar-se de quinze naves que a
perseguiam e mantinha-se estacionada a meio caminho entre o planeta zoológico e seu
sol. A corveta foi recolhida pela nave-mãe.
Em seguida veio o momento que deixou Rakal e Tronar profundamente
emocionados, embora estivessem tão cansados que não sentiam os próprios pés. Foi
quando levaram Bari Staunder ao gabinete de Rhodan. Ao ver o Administrador-Geral,
Staunder fez continência e disse:
— Com sua permissão. Major Staunder regressando à nave-capitânia depois de
setenta e sete anos de ausência.
Seguiu-se uma série de perguntas — ou uma investigação, segundo diziam os
especialistas. Rakal e Tronar foram interrogados. A recordação de cada segundo passado
naquele mundo estranho foi sendo espremida. Só depois disso permitiram que
descansassem. Voltaram aos seus camarotes e adormeceram no instante em que suas
costas tocaram na cama.
***
— Na minha opinião, deveríamos chamar este mundo de History — disse Perry
Rhodan.
Atlan acenou com a cabeça. Parecia distraído.
— Também acho — respondeu, mostrando pelo tom da voz que não estava muito
interessado no nome que o planeta estranho iria receber. — History é um nome excelente.
Mas o que eu gostaria de saber mesmo é o que significa tudo isso.
O que significa o quê?
Por alguns instantes reinou um profundo silêncio no escritório do Administrador-
Geral. A grande tela que funcionava como uma janela refletia as constelações de uma
galáxia distante, conforme eram vistas do planeta History, a quatro anos-luz de distância.
A Crest retirara-se para este lugar, enquanto os homens que estavam investidos do
comando discutiram sobre o que deveriam fazer em seguida.
— Por que será que os tefrodenses colecionam justamente exemplares do homem
terrano neste planeta? — perguntou Atlan. — Por que não escolheram arcônidas,
aconenses, ferronenses ou seja lá quem for? Por que querem justamente os terranos?
Perry Rhodan fez um gesto de pouco-caso.
— Não é o que importa — respondeu.
Atlan fitou-o com uma expressão de perplexidade.
— O que importa então?
— Em History existe uma coisa muito mais espantosa. É o seguinte. Como se
explica que seis tripulantes de um barco voador tefrodense dêem a impressão de terem
sido tirados do mesmo molde?
Atlan sacudiu a cabeça.
— Não vejo por que sua pergunta seja mais interessante que a minha.
— Isso é uma questão de ponto de vista — respondeu Perry Rhodan com uma ponta
de ironia. — Mas não precisamos discutir por causa disso. Não demoraremos a obter a
resposta a ambas as perguntas.
Atlan já se habituara a controlar a expressão do rosto quando conversava com seu
amigo terrano. Por isso não demonstrou o menor espanto quando formulou a pergunta
seguinte.
— Como pretende conseguir isso?
Perry Rhodan fez um gesto de pouco-caso.
— E simples. Voltaremos para History.
Atlan levantou-se.
— Há poucas horas mal e mal conseguimos escapar de um grupo de naves inimigas
— respondeu em tom penetrante. — Eles sabem que nos encontramos neste setor do
espaço. Neste exato momento estão chamando reforços. Encarado deste ponto de vista,
seu plano só pode ser considerado uma idéia idiota, meu chapa.
Perry Rhodan deu uma risada.
***
O sono de Rakal Woolver era interrompido por sonhos maus. Estava sentado de
novo na plataforma de um caminhão que tinha quatro séculos e meio de idade, e o
estrondo dos tiros disparados pelo canhão do blindado soava bem a seu lado.
Sem que se desse conta disso, estava preocupado com o destino de um estranho
terrano chamado Günter Emerich e de seus companheiros.

***
**
*

Muitos habitantes do Planeta History são


mais velhos que Atlan, pois vivem num planeta
em que o tempo não existe. Um dos homens
aprisionados em History chega à Crest e volta a
apresentar-se para o serviço depois de setenta e
sete anos de ausência. O que acontecerá com os
outros seres humanos que ficaram presos em
History...?
Leia a história no próximo volume da série,
intitulado: A Fábrica do Diabo.

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www.perry-rhodan.com.br

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