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O ESPÍRITO
DA MÁQUINA
Autor
KURT MAHR

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Os calendários terranos registram os últimos dias do
ano 2.402. A expedição de Perry Rhodan em direção a
Andrômeda, conhecida como operação cabeça-de-ponte, não
registrou apenas sucessos. Também houve revezes.
De qualquer maneira, a expedição terrana conseguiu
uma base segura em Andro-Beta, situada no planeta Gleam, a
partir da qual poderia ser lançada a ofensiva contra a área
diretamente controlada pelos senhores da galáxia. Baar Lun,
um modular que comandava as esferas luminosas por conta
dos senhores da galáxia e acabou passando para o lado dos
terranos, confirmou que os senhores de Andrômeda não
tinham mais armas guardadas em Andro-Beta.
Os misteriosos senhores da galáxia passam a
desenvolver uma atividade terrível junto aos maahks de
Andro-Alfa, a 62.000 anos-luz da nebulosa Beta, e com isso o
palco dos acontecimentos intergalácticos muda de lugar.
Grek-1, um maahk que se aliara a Perry Rhodan, sacrifica a
própria vida para ajudar seu povo e não ter de trair os
terranos.
Os comandos de extermínio dos maahks transformados
em servos dos senhores da galáxia se concentram, e pesadas
lutas são travadas em torno do sistema Chumbo de Caça.
Reginald Bell e seus homens enfrentam uma situação
desesperadora, enquanto O Espírito da Máquina não entra
em ação e provoca uma virada decisiva...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Steve Kantor — Um terrano que se encontra com um
monstro.
Reginald Bell — O homem encarregado da defesa do
sistema Chumbo de Caça.
Tenente-Coronel Koenig — Comandante de um batalhão
de engenharia.
Allan D. Mercant — Marechal solar e chefe do Serviço
de Segurança.
Icho Tolot — O halutense que infringe uma lei de seu
povo.
Sid Lippman, Lucas Delia Fera e Lott Warner —
Membros da equipe de Steve Kantor.
Reggie — O espírito da máquina.
1

Kantor sobressaltou-se. Ficou confuso por um instante, sem saber onde estava. Mas
logo se lembrou. Virou a cabeça e viu o retângulo da porta fortemente iluminado.
Uma figura estranha destacava-se contra a luz. Ainda meio sonolento, Kantor viu
um par de pernas grossas e curtas, um tronco redondo e desajeitado que nem um balão
cheio de ar e inúmeras excrescências, que tremiam constantemente que nem os tentáculos
de um monstro das profundezas do mar.
Foi uma visão tão horripilante que fez gelar o sangue nas veias de Kantor. Nem
sequer foi capaz de gritar. Um som estertorante saiu de sua boca. Foi só.
O desconhecido estava parado na porta aberta, e parecia absorto no exame do
recinto. Aos poucos a inteligência de Kantor voltou a funcionar. Lembrou-se de ter
fechado a porta antes de deitar. O desconhecido devia ter aberto a fechadura. Kantor não
tinha a menor idéia de como poderia ter feito isso, e nem era capaz de imaginar em que
lugar de Califa poderiam viver monstros parecidos com o que estava parado na porta. Só
sabia que tinha medo, e assim que se deu conta disso começou a lutar contra este
sentimento.
O desconhecido começou a movimentar-se. Atravessou a porta e entrou na sala
mergulhada na penumbra. Foi o que decidiu a situação. Os músculos de Kantor
começaram a funcionar de repente. Saltou do leito com um grito marcial e atravessou o
quarto, em direção ao armariozinho no qual guardara suas vestimentas antes de ir para a
cama. O desconhecido parecia um tanto surpreso. Parou e as dezenas de braços que
pendiam de seu corpo chicoteavam nervosamente o ar. Kantor abriu violentamente o
armário. A claridade que entrava pela porta não era suficiente para que visse onde estava
sua roupa de serviço. Mas teve sorte. A primeira coisa em que pôs a mão foi o coldre no
qual estava guardada a pequena pistola energética.
Arrancou a arma. O desconhecido já parecia ter tomado uma decisão. Voltou a
cabeça. Kantor viu-o atravessar novamente a porta. Levantou a arma, soltou um grito de
raiva e atirou. A luz da descarga energética deixou-o ofuscado. Quando voltou a
enxergar, o monstro tinha desaparecido. Kantor correu para a porta. O corredor, que se
estendia a centenas de metros em ambos os sentidos, passando pelos dormitórios dos
engenheiros, estava quieto e vazio. Não se via sinal do desconhecido armado com
tentáculos.
O lado direito do batente da porta estava superaquecido. O cheiro desagradável da
massa plástica enchia o ar. Kantor ligou a luz e olhou em volta. O pequeno quarto tinha o
mesmo aspecto prosaico de oito horas atrás, quando ele o vira pela primeira vez. A cama
estava encostada à parede do lado esquerdo, na parede dos fundos havia um canto
reservado com uma mesa e três poltronas, e junto à parede do lado direito via-se um
armário grande e outro menor. À direita do armário maior havia uma porta que levava ao
pequeno banheiro. As instalações do intercomunicador ficavam bem ao lado desta porta.
O chão estava coberto por um tapete simples de fibra de plástico, e a luz era fornecida por
dois tubos fluorescentes amarelos presos ao teto.
Era o pequeno reino de Steve Kantor. Restava saber o que o desconhecido esperara
encontrar ali.
Parecia que seus gritos não tinham sido ouvidos por ninguém, o que não o deixou
nem um pouco admirado. De ambos os lados do corredor dormiam pessoas que tinham
vindo da Terra há doze horas, tal qual ele. Em Califa costumava-se dar um calmante forte
aos recém-chegados que não pertencessem à classe dos astronautas profissionais. Steve
perguntou-se como conseguira acordar tão depressa.
Dirigiu-se ao intercomunicador. Levantou o fone e apertou a tecla O. A pequena
tela iluminou-se e um rosto cansado apareceu nela.
— Sala de comando. Cabo Bennington. O que posso fazer pelo senhor?
Sem querer, Steve teve de sorrir. Bennington certamente queria que ele fosse para o
inferno, mas recebera ordens para ser amável para com os novos engenheiros.
— Quero dar uma informação, cabo — disse Steve.
— Ah — fez Bennington sem demonstrar o menor abalo.
— Um desconhecido invadiu meu quarto — fez uma descrição do monstro.
Bennington balançou a cabeça. — Dei um tiro — prosseguiu Steve. — Mas antes que
voltasse a enxergar de verdade, o desconhecido desapareceu.
— Já conheço isso — resmungou o cabo. — Tinha três antenas coloridas na cabeça
e, toda vez que fazia um movimento, alguns sinos tocavam La Paloma. Senhor — de
repente sua voz assumiu um tom oficialesco. — O senhor não é o primeiro recém-
chegado que aporta a Califa, nem o primeiro que sofre alucinações. Reflita mais um
pouco sobre o que acaba de contar e se depois disso ainda quiser fazer um registro oficial,
volte a chamar. Até lá desejo-lhe uma boa noite.
Antes que Steve pudesse formular qualquer objeção, a tela apagou-se. Steve ficou
furioso, mas antes que voltasse a entrar em contato com Bennington, lembrou-se de uma
coisa.
— Tinha três antenas na cabeça...
Steve procurou lembrar como era o monstro. Naturalmente o nervosismo e o medo
tinham sido tantos que mal conseguia enxergar, mas tinha certeza quase absoluta de que o
desconhecido nem possuía cabeça.
***
Dali a cinco horas, quando o sinal de despertar arrancou os engenheiros recém-
chegados da cama, as coisas pareciam bem diferentes. Steve Kantor sentia-se calmo e
descansado. De repente não teve tanta certeza se realmente vira o monstro, ou se apenas
era um sonho. Tomou uma ducha e mudou de roupa. Enquanto fazia isso, chegou à
conclusão de que seria preferível não falar com ninguém sobre sua aventura noturna. E
fazia votos de que o cabo Bennington soubesse calar a boca.
Mas antes de sair do quarto para misturar-se à multidão que caminhava pelo
corredor, examinou o batente da porta. O tiro energético deixara uma marca bem
perceptível. Pelo menos este tinha sido real. Num gesto pensativo,
Steve enfiou o dedo na ranhura enegrecida pelo calor, que a descarga energética
abrira no batente da porta. Sacudiu a cabeça, contrariado, e saiu para o corredor. Logo
viu-se arrastado pela multidão.
Dali a alguns minutos viu-se na grande sala de refeições que ficava no fim do
corredor. Tratava-se de um recinto que tinha pelo menos cinqüenta metros de
comprimento por trinta de largura. As máquinas automáticas, nas quais as pessoas
podiam servir-se de comida à vontade, ocupavam pelo menos a quarta parte da área da
sala. As outras três quartas partes estavam cheias de mesas e banquetas. Steve pegou um
caneco de café e um sanduíche, procurou um lugar junto a uma mesa e enquanto tomava
seu lanche ficou quebrando a cabeça sobre os motivos que o fizeram parar ali.
Havia uma enorme tela embutida na parede dos fundos, que permitia uma visão dos
arredores, à maneira de uma janela. Em Califa, que era um astro pequeno, onde o
horizonte ficava a um pulo de gato, estes arredores eram formados em partes iguais pelo
chão firme e cinzento e pela escuridão do espaço cósmico. Steve passou os olhos
rapidamente sobre o conjunto de construções em forma de barraco que preenchiam o
terço inferior do campo de visão. Depois passou a contemplar a multidão cintilante
formada por centenas de milhares de fragmentos cósmicos grandes, pequenos e
minúsculos, que giravam à luz do sol geminado e faziam com que a estranha ilha situada
no nada fosse conhecida pelo nome de sistema Chumbo de Caça.
Os dois sóis dominavam o quadro. As duas bolas de fogo alaranjadas, amortecidas
por meio de filtros para que não fizessem doer os olhos, dardejavam seus raios no centro
da tela. Os dois sóis forneciam a energia para o transmissor que ligava o sistema Chumbo
de Caça com a galáxia Andrômeda. Califa era um dos nove grandes asteróides que
percorriam suas órbitas em torno do centro de gravidade do sol, juntamente com a
multidão de fragmentos de rocha. Califa tinha aproximadamente o tamanho da Lua
terrana — e a mesma densidade populacional.
Steve mal conseguia compreender como tinha sido possível transportar dentro de
pouco tempo uma quantidade tão grande de recursos humanos e materiais a este ponto
afastado do Universo. Califa ficava a mais de 1,3 milhões de anos-luz da Terra. Fazia
quase exatamente um ano terrano que pela primeira vez uma espaçonave terrana chegara
ao sistema Chumbo de Caça. Naquele momento Califa parecia antes uma concentração
de tropas. Docas e oficinas, alojamentos provisórios e usinas de força, hiper-
transmissores e laboratórios técnicos tinham brotado do chão da noite para o dia. Uma
frota formada por milhares de naves permanecia suspensa no espaço, bem perto de
Califa, girando juntamente com o asteróide em torno do sol geminado vermelho.
Quatro meses atrás, quando Steve Kantor ainda trabalhava num instituto de
pesquisas oficial situado na Terra, ouvira falar pela primeira vez nos esforços tremendos
que a humanidade vinha empreendendo para criar uma base nas imediações de uma
galáxia estranha. Sentiu-se dominado pelo entusiasmo. Passou a experimentar um
orgulho que ainda não conhecera — orgulhava-se por ser um terrano. Quando soube que
em Terrânia estavam sendo procurados técnicos em hipercampos, que estivessem
dispostos a passar dois ou três anos bem longe da Terra, num perigoso posto avançado,
compreendeu que só podia tratar-se do transmissor Chumbo de Caça. Candidatou-se ao
lugar o mais depressa que pôde.
Fora aceito. Dali em diante tudo correu muito depressa. Foram buscá-lo no mesmo
dia em que tinha sido avisado de sua aceitação. Levaram-no a um campo de treinamento
situado na costa da África Ocidental. Nas cem horas de aulas sugestivas que lhe foram
dadas aprendeu tudo que precisaria para a tarefa que estava para ser cumprida. Soubera
pela primeira vez o que acontecera no sistema Chumbo de Caça e nas áreas periféricas de
Andrômeda, desde que a nave-capitânia da frota, a Crest II, pousara em Califa no mês de
dezembro do ano de 2.401. Compreendera que os esforços até então feitos com o objetivo
de permitir o acesso da humanidade a uma nova galáxia eram muito mais gigantescos e
heróicos do que acreditara.
Isto só contribuiu para aumentar seu entusiasmo.
Quando ele e outros quinhentos engenheiros tinham aprendido bastante, todos
foram colocados numa gigantesca espaçonave. O vôo, que durou mais de dois dias,
levou-os pelas profundezas de sua galáxia. A seguir um medicamento foi aplicado aos
passageiros, e a primeira coisa que Steve soube depois disso foi que seus olhos viram na
tela de seu camarote os pontos luminosos de dois sóis no meio da escuridão absoluta.
Aliás, a escuridão não era tão completa como no início se poderia ser levado a acreditar.
A luminosidade tênue de uma grande nebulosa cobria o firmamento de lado a lado. Sua
luz era tão fraca que podia facilmente passar despercebida diante do brilho fulgurante dos
dois sóis.
Steve Kantor compreendeu que acabara de chegar ao destino. As duas bolas de fogo
vermelhas que via projetadas na tela eram os sóis que faziam parte do transmissor
Chumbo de Caça. A grande nave alcançara o destino sem contratempos. Dentro de mais
algumas horas seria destacado para algum setor, a fim de colaborar num projeto mais
fantástico do que qualquer outro já empreendido no curso da história milenar da
humanidade.
Steve lembrou-se do que pensara e sentira nessa oportunidade, enquanto consumia
seu sanduíche. O tremendo entusiasmo já tinha diminuído um pouco. A recepção que lhes
foi proporcionada em Califa poderia ter sido tudo, menos poética. Os alto-falantes
berravam ordens, e oficiais subalternos da frota, impacientes, tangiam os engenheiros
como se fossem uma manada de animais. Davam todos a impressão de que teriam
preferido que os recém-chegados tivessem ficado na Terra. No início Steve ficou
decepcionado, mas logo compreendeu que as pessoas que se encontravam em Califa
tinham muito que fazer, e por isso não tinham tempo para recepcionar um batalhão de
jovens cientistas com os braços abertos. Os recém-chegados foram obrigados a entrar em
forma que nem um bando de recrutas, no interior de um pavilhão tão grande que uma
espaçonave de porte médio teria encontrado lugar em seu interior. O entusiasmo
provocado pelo fato de pela primeira vez ver-se frente a frente do lendário Reginald Bell
e ouvir suas palavras foi abafado um pouco pela recepção pouco amistosa, mas Steve
lembrou-se de que ouvira as palavras de Bell com a maior atenção. O Marechal-de-
Estado Bell fez uma descrição ligeira dos objetivos e finalidades da base do sistema
Chumbo de Caça, e a seguir passou a tratar das tarefas dos engenheiros recém-chegados.
Fez a apresentação dos chefes de seção — que eram todos oficiais do destacamento
técnico da frota — para que cada um dos recém-chegados soubesse para quem iria
trabalhar.
Depois receberam alguma coisa para comer. Steve foi conduzido ao seu aposento
em companhia de mais de quinhentos homens. Este aposento até se parecia com o
camarote de uma espaçonave, que era exatamente o que ele esperara. Grupos de
engenheiros andaram de um lado para outro, distribuindo medicamentos. Steve tomara
um banho e fora para a cama.
E agora estava ali. Olhou para o relógio. Eram oito e dez, tempo padrão. Às oito e
trinta deveria comparecer ao local de trabalho, para que lhe fossem indicadas suas tarefas.
Seu chefe de seção era o Tenente-Coronel Koenig, sob cujas ordens trabalharia um total
de oitenta dos novos engenheiros. Steve imaginava que Koenig passaria todo o dia
distribuindo os oitenta homens em grupos menores, nomeando os subchefes e dando
oportunidade para que eles se conhecessem uns aos outros. Acreditava que naquele dia
não teria mais que uma idéia geral do trabalho que iria executar no futuro.
Steve terminou seu lanche, enfiou a bandeja de plástico na qual comera dentro do
recipiente de lixo e saiu andando em direção ao setor em que ficavam os laboratórios. O
interior de Califa era formado por uma confusão de corredores, galerias e salas,
construído com muita pressa e entusiasmo, mas quase sem método. Por isso havia setas
em todos os cruzamentos, que mostravam o caminho aos que se tinham perdido. A altura
e largura dos corredores variava bastante, conforme a finalidade, e todos possuíam um
revestimento de metal plastificado cinzento. Uma, duas ou até três fileiras de tubos de luz
fluorescente estavam presas ao teto. Os corredores maiores estavam equipados com
esteiras transportadoras, enquanto nos outros as pessoas se locomoviam a pé. A
gravitação era igual em todos os pontos. Havia um gigantesco gerador gravitacional,
instalado há pouco tempo nas profundezas do asteróide, que produzia em todos os lugares
de Califa uma gravidade igual à do planeta Terra.
Steve Kantor caminhou cerca de um quilômetro. De repente uma seta apontava para
baixo. Entrou num elevador antigravitacional e atingiu um pavimento que devia ficar
pelo menos quinhentos metros abaixo daquele do qual viera. Quando saiu do elevador,
ouviu o zumbido pesado e ininterrupto de pesadas máquinas. Deu mais alguns passos e
foi parar à frente de uma porta com a seguinte inscrição:
SALA DE CONFERÊNCIAS IP-8, SETOR C
TEN-CEL KOENIG
Entrou.
Era uma sala pequena, cheia de fumaça de cigarro. O grupo de Koenig já estava
reunido. Os homens estavam nervosos e exaltados. As cadeiras estavam todas ocupadas,
e metade das pessoas enfileirava-se junto às paredes. Steve encontrou uma brecha estreita
e entrou nela. O homem que se encontrava à sua direita era um gigante com um traço de
mal-estar nervoso no rosto. Fez um gesto como quem já sabia.
Exatamente às oito horas e trinta minutos o Tenente-Coronel Koenig entrou por
uma porta pequena que ficava na parede dos fundos. Era um homem baixo, mas robusto.
O que mais chamava a atenção nele era o cabelo desgrenhado e muito branco. Devia ser
um europeu e parecia ser um homem que sabia o que queria.
Fez um cumprimento ligeiro. Não usou microfone, mas sua voz se fez ouvir
perfeitamente em meio ao murmúrio nervoso de oitenta pessoas.
— Não pretendo deixá-los presos por muito tempo nesta jaula — prosseguiu. —
Temos muito trabalho e não podemos perder tempo. Dividi os senhores em doze
subgrupos, com base nos dados a seu respeito que me foram fornecidos, e cada um destes
subgrupos receberá uma tarefa específica. Os subgrupos não são todos do mesmo
tamanho. O chefe de cada subgrupo fica diretamente submetido a mim. Todos os chefes
já foram informados sobre suas tarefas. Assim que eu concluir, cada um dará as
necessárias instruções aos seus subordinados. Isto nos ajudará a ganhar tempo — apontou
para a parede dos fundos. — Dentro de alguns minutos um quadro luminoso surgirá nesta
parede. Este quadro mostrará a composição dos diversos grupos, o nome do chefe de cada
um deles e o setor da divisão de laboratórios em que cada um trabalhará. Aqueles cujos
nomes não aparecerem como chefes de grupo deverão ir diretamente aos respectivos
laboratórios, assim que saírem daqui. Os chefes ficarão mais alguns minutos, para receber
instruções especiais.
“Faço questão de ressaltar que Califa é uma instituição militar, e o que está sendo
feito aqui é uma operação militar. No início sentirão falta de certas comodidades que
costumavam desfrutar durante o trabalho. Mas tenho certeza de que não demorarão a
compreender que nosso objetivo justifica essa situação desagradável.
“É só. O quadro, por favor!”
Não dirigiu a última frase a ninguém em especial, mas mal acabara de proferir a
última palavra, a parede iluminou-se. Os nomes dos presentes apareceram do lado
esquerdo, em letras amarelas bem legíveis. Estavam reunidos em grupos de diversos
tamanhos. À direita de cada grupo via-se um nome, que era o do chefe, e à direita deste
via-se a designação do respectivo laboratório.
Steve procurou seu nome, mas não o encontrou na primeira leitura. Começou
novamente de cima, mas de repente alguma coisa que estava do lado despertou sua
atenção. Confuso, passou os olhos pela lista dos chefes de grupo, e realmente encontrou
as palavras S. P. Kantor na extremidade inferior do quadro. S. P. Kantor chefiaria um
grupo de três homens: Lippman, Delia Fera e Warner. O laboratório tinha sido designado
como 13-A.
Perplexo, Steve olhou em torno. Não era possível. Devia ter havido um engano. Não
poderia ser o chefe do grupo, pois não tinha a menor idéia do que este teria de fazer. Quis
protestar para apontar o erro. Mas os homens já tinham lido suas instruções e dispunham
a retirar-se. Steve ficou encostado à parede, para não ser arrastado. Quando a confusão
diminuiu um pouco, viu-se a sós com Koenig e mais onze chefes de grupo. Koenig sorriu
gostosamente.
— Muito obrigado por terem demonstrado que estão conscientes do seu dever —
disse em tom amável. — Sei que deve ter sido uma surpresa para os senhores, e
certamente a primeira coisa em que pensaram foi protestar contra minha decisão. Não foi
mesmo? — fitou os homens um após o outro. Steve fez a mesma coisa e surpreendeu-se
ao notar que, a julgar pela expressão dos rostos, seus companheiros pareciam tão
espantados quanto ele. — Fico satisfeito por não o terem feito — prosseguiu Koenig. —
Temos de evitar que haja confusão entre o pessoal. Os senhores, que são os doze chefes
de grupo, receberam um tratamento especial na Terra. Questões de sigilo, além de certos
fatores psicológicos, foram as razões determinantes disso. Na verdade, os senhores sabem
tudo que é conhecido sobre a tarefa que têm pela frente. Mas existe um bloqueio mental
que mantém esses conhecimentos afastados de sua consciência. Alguns dos senhores já
devem saber como se formam e como são afastados os bloqueios desse tipo. Aos que não
sabem peço que não acreditem que aquilo que está para vir tem algo a ver com a magia
negra. Trata-se de um processo científico. Prestem atenção!
Levantou a mão. Alguém devia vê-lo, pois de repente se ouviu uma música. Era
uma melodia estranha. “Nem chega a ser propriamente uma melodia”, pensou Steve,
“pois não passa de uma seqüência de sons.” Os sons pareciam cada vez mais agudos. O
ritmo da música aumentava rapidamente. No fim um chilrear estridente que doía nos
ouvidos encheu a sala.
Steve sentiu que de repente era arrancada uma cortina atrás da qual estivera
escondida parte de sua consciência. O impacto dos conhecimentos ocultos foi tão
repentino que Steve cambaleou. A sala parecia girar em torno dele.
Finalmente recuperou o equilíbrio. Estava à frente do tenente-coronel. Koenig
sorriu para tranqüilizá-lo.
— Quem sofreu mais foi o senhor, Kantor. Tivemos de enfiar um volume maior de
informações em sua cabeça.
Deu um passo para trás e, satisfeito, contemplou os doze homens enfileirados.
— É só, minha gente. Cuidem do seu pessoal.
Steve retirou-se. Sua cabeça zumbia como se milhares de trombetas e tambores
ressoassem em seu interior. As lembranças perdidas agitavam-se em seu cérebro, cada
uma procurando seu lugar. Finalmente o encontraram, encadearam-se e um quadro
harmonioso surgiu em sua mente.
Steve já sabia exatamente o que devia fazer. Seria ajudado por três homens. Seu
grupo era o menor entre os dirigidos por Koenig. Steve perguntou-se quem neste mundo
teria tido bastante confiança nele para atribuir-lhe esta tarefa.
2

— De forma alguma quero acusá-lo de ter-se adiantado a uma decisão minha —


disse Reginald Bell.
Estava com as mãos entrelaçadas nas costas e olhava fixamente para a grande tela
embutida na parede, que mostrava a confusão de asteróides do sistema Chumbo de Caça.
Girou abruptamente sobre os calcanhares e brindou os visitantes com um sorriso
sarcástico.
— E isto pelo simples motivo — prosseguiu — de que uma coisa dessas nunca me
passou pela cabeça. Sempre pensei que a instalação de um equipamento como este ainda
ficasse bem adiante dos nossos conhecimentos atuais.
O homem de aspecto modesto, que se acomodara numa confortável poltrona, ao
lado da enorme escrivaninha de Bell, respirou ruidosamente.
— Fico-lhe muito grato — disse em voz baixa, levantando os olhos para Bell.
Parecia que ainda há pouco tivera muito medo. Quem o olhasse teria a impressão de que
seus lábios tremiam. Havia uma expressão de timidez nos olhos quase incolores. O
círculo de cabelos castanho-claros que se estendia em torno da cabeça completamente
calva completava a imagem de um professor primário aposentado.
Bell fez um gesto de pouco-caso.
— Não fique assim. Gostaria que me dissesse como pretende executar o projeto.
O homem levantou-se.
— Fui obrigado a procurar uma solução intermediária entre a meticulosidade e a
pressa. Em minha opinião, esta base não está em segurança nem mesmo por um segundo,
enquanto não encontrarmos um meio de impedir a passagem do inimigo pelo transmissor.
O transmissor dos seis sóis, controlado a partir de Kahalo, já dispõe de um bloqueio desse
tipo. O senhor deve estar lembrado que este bloqueio não foi instalado por nós. No fundo,
já estava embutido no sistema de normas que encontramos ao nos fixarmos em Kahalo.
Grek-1 veio em nosso auxílio. Sabia da existência da regulagem que permitia o bloqueio.
A única coisa que teve de fazer para impor um ritmo de recepção bem estabelecido ao
transmissor foi realizar algumas modificações de pouca importância. Dali em diante o
transmissor só fica aberto cinco vezes em cada vinte e quatro horas, por dez segundos de
cada vez. Quem quer que apareça num momento diferente, é irradiado de volta para o
transmissor.
“É evidente que aqui precisamos de algo parecido. Por enquanto não temos a menor
idéia sobre se o transmissor Chumbo de Caça dispõe de um sistema de regulagem de
bloqueio. Se existir, não se pode afirmar desde logo que funcione segundo o mesmo
princípio do transmissor controlado a partir de Kahalo. Grek-1 mostrou aos nossos
cientistas como se faz para ativar o sistema de regulagem e para ajustá-lo em
conformidade com determinado cronograma. Mas houve uma coisa que Grek não soube
explicar: o princípio de seu funcionamento. Não sabia como funciona o sistema de
regulagem. Os conhecimentos escassos sobre o assunto que adquirimos em Kahalo não
nos permitem construir um sistema de regulagem de bloqueio. As explicações fornecidas
por Grek contêm certas indicações, e com base nelas nossos cientistas talvez descubram o
princípio básico dentro de cinco ou dez anos. Mas hoje isto não nos adianta nada. Se não
existe um sistema de regulagem de bloqueio embutido no transmissor Chumbo de Caça,
nossos quinhentos engenheiros foram trazidos para cá em vão.
“Mas acho isso pouco provável. É de supor que a construção dos transmissores
tenha seguido um esquema bem definido. Os mecanismos existentes num transmissor
devem ser encontrados nos outros. Tenho certeza quase absoluta que aqui existe um
dispositivo de bloqueio semelhante ao de Kahalo, dispositivo este que ainda tem de ser
ativado. Os conhecimentos adquiridos em Kahalo foram introduzidos por via
psicomecânica na mente dos cientistas que eu trouxe para cá. Cada um deles está tão bem
informado sobre tudo que diz respeito a transmissores como o próprio Arno Kalup. Se o
elemento de bloqueio existe, eles o encontrarão e colocarão em funcionamento.
“A não ser, naturalmente, que o sistema de regulagem daqui seja muito diferente do
de Kahalo. É uma possibilidade que não podemos excluir. Realmente, nem todos os
transmissores foram construídos no mesmo dia. Sua instalação deve ter levado vários
séculos, durante os quais a tecnologia do inimigo naturalmente sofreu suas modificações.
Neste caso teríamos de ter mais alguns dias de paciência com os homens. Mas acredito
que com os conhecimentos que possuem devem estar perfeitamente em condições de
superar as dificuldades.”
O tom de sua voz parecia cada vez mais seguro. Quando concluiu, ficou de pé, ereto
e confiante, encarando Reginald Bell de frente. Seus olhos incolores chamejavam de
arrojo e energia. O homem estabelecera um objetivo, sabia que era muito importante, e
queria alcançá-lo.
Bell fitou-o atentamente. Ficava fascinado toda vez que via este homenzinho de
aparência insignificante transformar-se numa personalidade vigorosa. Allan D. Mercant,
chefe do Serviço Secreto Solar e uma espécie de eminência parda do Império, dominava
todas as facetas cintilantes da expressão humana.
— São palavras bem animadoras — reconheceu Bell depois de algum tempo. — Se
os homens conseguirem... tanto melhor. Mas neste meio tempo já tomei minhas
providências — apontou para a tela. — Grande parte dos pontos luminosos que o senhor
está vendo representa unidades da frota estacionadas lá fora. Concentrei um total de cinco
mil naves nesta área. A situação reinante lá em casa permite isso. A Via Láctea está em
paz. Outras cinco mil unidades virão assim que nós as chamarmos. Se o inimigo aparecer
aqui, terá uma recepção bem quente. Mas para dizer a verdade, não acredito que no
momento haja qualquer perigo. Há cinco dias terranos cinco naves cargueiras de grande
porte regressaram da nebulosa Andro-Beta. Perry Rhodan fez uma limpeza por lá. O
inimigo não mostra mais as caras. Perry está instalando uma base segura em Beta. Os
twonosers se retiraram. Parece que os senhores da galáxia precisam de uma pausa para
avaliar a situação.
— Faz cinco dias que as naves voltaram — objetou Mercant. — Muita coisa pode
ter mudado nestes cinco dias.
— Sem dúvida. Mas devemos enxergar a situação como ela é. Há mil anos os
senhores da galáxia acreditam que o transmissor do sistema Chumbo de Caça foi
destruído. Uma expedição punitiva arrebentou o planeta gigante que gravitava em torno
do sol geminado em milhões de pedaços. Os senhores da galáxia — ou seus povos
auxiliares, os maahks ou os twonosers — teriam de realizar verdadeiras acrobacias
mentais para pensar na possibilidade de que apesar de tudo o transmissor ainda possa
estar em funcionamento. Mesmo que suspeitem disso, certamente não irão mandar
algumas naves para cá. Antes disso teriam de certificar-se por outros meios de que o
receptor do transmissor ainda está funcionando — e também o respectivo transmissor.
Tudo isso exige tempo. Ninguém dá um salto de centenas de milhares de anos-luz de um
dia para outro, para realizar investigações minuciosas no campo inimigo — suspirou,
virou a cabeça e olhou para Mercant. — Não acredito mesmo que haja um perigo
iminente.
Mercant retribuiu calmamente o olhar. Reginald Bell ficou desconfiado.
— Não tem nada a dizer? — perguntou, espantado.
Mercant sacudiu a cabeça. Não disse uma palavra. Bell tinha algumas palavras
ásperas na ponta da língua, mas preferiu engoli-las. De repente teve uma idéia. Não havia
ninguém que pudesse dizer que conhecia perfeitamente Mercant, mas certas pessoas o
conheciam bastante para saber quando ainda tinha um trunfo escondido. Uma destas
pessoas era Reginald Bell.
Bell encostou-se confortavelmente à escrivaninha e cruzou os braços sobre o peito.
— Está bem — resmungou um tanto contrariado. — O senhor ainda tem um bom
argumento. Um argumento para ficar tão desconfiado. Será que ainda o ouvirei?
Mercant sorriu e fez um gesto afirmativo.
— Terei muito prazer em dizer. Pretendia falar nisso, mas sua exposição foi tão
interessante que...
— Bobagem! — interrompeu Bell, impaciente. — Solte logo!
— Está bem — os olhos de Mercant brilharam numa ironia bonachona. — Como
sabe, toda nave que volta do sistema Chumbo de Caça para a Via Láctea me fornece um
relato minucioso sobre tudo que acontece por aqui, além de diagramas, dados fornecidos
pelos instrumentos e registros automáticos. Todo mundo sabe que o senhor está cheio de
trabalho e não pode cuidar destas coisas. Afinal, a Segurança Solar existe, e uma das suas
finalidades consiste em afastar as preocupações deste tipo dos homens mais importantes
do governo — notou que Bell estava cada vez mais paciente e prosseguiu um pouco mais
depressa. — Ao examinar os registros automáticos, notei uma coisa que me chamou a
atenção. Os sistemas de regulagem que controlam o suprimento de energia do transmissor
entraram em atividade duas vezes num momento em que não estava prevista a partida ou
a chegada de qualquer das nossas naves. Em outras palavras, por duas vezes o
transmissor recebeu um suprimento de energia para trazer para cá ou levar daqui um
objeto que não conhecemos. Tenho a impressão de que isto é muito grave, meu amigo.
Bell tinha muitas objeções, e todas elas lhe pareciam plausíveis, mas Mercant
acabara de chamá-lo de amigo, e quando fazia isso tinha muita certeza do que estava
dizendo.
— Talvez fosse um dos pequenos asteróides — contraditou apesar de tudo. —
Sabemos que de vez em quando um bloco de pedra entra no campo de ação do
transmissor. Este é ativado automaticamente. Portanto...
Interrompeu-se. O olhar rígido de Mercant mostrava que o argumento não era nada
convincente.
— Naturalmente logo pensamos nesta possibilidade — Respondeu o homenzinho
de aspecto insignificante. — Qualquer registro automático mostra pelo menos dez
transmissões em cada vinte e quatro horas que não têm nada a ver com qualquer das
nossas naves. Geralmente trata-se de micro asteróides que entraram no campo de ação do
transmissor e foram transportados para outro lugar, conforme o senhor acaba de dizer.
Mas neste meio tempo confeccionamos um complicado sistema de mapas do anel de
asteróides. A órbita de qualquer bloco de pedra que pese mais de um quilograma está
registrada nestes mapas. Sabemos exatamente que bloco de pedra entrará em dado
momento no campo de ação do transmissor. E não devemos esquecer que qualquer
transmissor tem seu limite inferior para entrar em ação. O transmissor não costuma entrar
em ação com uma massa inferior a onze quilogramas. Portanto, a minúcia de nossos
mapas é mais que suficiente para possibilitar o controle do transmissor.
Fez uma pequena pausa. Reginald Bell acompanhou ansiosamente seus
movimentos. Teve dificuldade em pronunciar as duas palavras que ardiam em sua língua.
— E daí...?
— E daí — respondeu Mercant prontamente — temos certeza de que nenhum dos
asteróides se encontrava na área de influência do transmissor nos dois momentos em que
este recebeu um suprimento vindo do campo energético dos respectivos sóis. Quer dizer
que a entrada em ação do transmissor não foi causada por qualquer das nossas naves, nem
por um objeto registrado em nossos mapas. A conclusão, que salta aos olhos, fica por sua
conta.
Reginald Bell ficou estarrecido. Virou pesadamente a cabeça e olhou para a tela,
pois não queria que Mercant visse a expressão de perplexidade em seu rosto. Sabia que
este não estava exagerando. Tudo que dizia tinha pé e cabeça. Mesmo que suas
afirmativas levassem à conclusão de que algum desconhecido usara o transmissor que até
então era considerado absolutamente seguro.
Bell tentou imaginar as conseqüências e sentiu que seus pensamentos se
atropelaram. Quem seria mesmo esse desconhecido? Era praticamente impossível que
tivesse entrado no transmissor por acaso. Usara-o porque sabia de sua existência. Até
então se tivera certeza absoluta de que só a frota expedicionária terrana sabia que o
transmissor Chumbo de Caça estava em condições de funcionamento. E de repente a
situação mudara por completo.
— Acredita que seja um espião dos senhores da galáxia? — perguntou Bell sem
tirar os olhos da tela.
Mercant pigarreou.
— O senhor andou pensando no assunto — respondeu, calmo. — Dê qualquer outra
explicação plausível, e terei o maior prazer em aceitá-la.
Reginald Bell deixou cair os ombros. O sentimento de segurança que até então o
dominara desapareceu de repente. O perigo que ameaçava todos era tão evidente que Bell
chegou a ter a sensação física do mesmo.
Obrigou-se a permanecer calmo. Não devia perder a cabeça! A responsabilidade
pelo destino do transmissor repousava sobre seus ombros — e com isso a
responsabilidade pela segurança de Perry Rhodan e seus homens, que se encontravam a
cem mil anos-luz dali, na nebulosa anã Andro-Beta.
— Com isso as coisas mudam de figura — disse em tom áspero. — Concordo
plenamente com o que disse. Ponha seus homens para trabalhar. A regulagem de
bloqueio deve ser acionada o mais depressa possível.
Bell, que recuperara o autocontrole, voltou o rosto para Mercant.
— Já providenciei isso — observou Mercant. — Meu plano funciona com um
mínimo de perda de tempo.
Bell acenou com a cabeça. No mesmo instante uma voz estridente saiu de um dos
alto-falantes.
— Uma notícia urgente da sala de rádio, senhor.
Bell inclinou o corpo e apertou um dos botões do quadro de comando embutido na
tampa da escrivaninha.
— Estou ouvindo — limitou-se a dizer.
— Estamos recebendo pedidos de socorro vindos de cerca de três anos-luz de
distância, senhor — prosseguiu a voz exaltada saída do alto-falante. — Uma das sondas
exteriores confirma que um objeto se aproxima. Provavelmente trata-se de uma
espaçonave. Segundo se depreende dos pedidos de socorro, trata-se da ANBE 3,
comandada pulo Major Hatski.
A surpresa foi tamanha que Bell perdeu a fala por um instante. Antes que tivesse
tempo para dizer qualquer coisa, a voz saída do alto-falante prosseguiu:
— As máquinas da ANBE 3 sofreram avarias graves, senhor. A nave está usando o
sistema de propulsão linear de bordo, já que os sistemas adicionais se queimaram e foram
largados no espaço. O Major Hatski não tem certeza se conseguirá levar o veículo mais
uma vez ao espaço linear. Pede que algumas unidades sejam enviadas em seu socorro.
— Mande duas naves cargueiras. — ordenou Bell. — E informe Hatski que é
preferível aguardar estas naves que assumir um risco desnecessário.
— Entendido, senhor. A ordem será cumprida.
O alto-falante emitiu um ligeiro estalo ao ser desligado. Bell ainda ficou inclinado
sobre a escrivaninha por algum tempo, até que sentiu o olhar indagador de Mercant
pousado nele. Endireitou o corpo.
— A ANBE 3 está voltando de Andro-Beta — disse, respondendo à pergunta que
não chegara a ser formulada. — É um dos supercargueiros enviados para lá há bastante
tempo. A situação difícil em que Hatski se encontra provavelmente teve causas naturais,
como o inevitável cansaço das máquinas ou coisa que o valha. Todavia...
Interrompeu-se e passou a mão pela testa.
— Todavia...? — repetiu Mercant.
Bell hesitou um pouco. Finalmente prosseguiu com a voz rouca.
— Se alguma coisa aconteceu em Andro-Beta, Hatski poderá informar-nos sobre
isso.
***
O laboratório 13-A era formado por uma única sala de cerca de dez metros por oito.
Estava atulhado de instrumentos de todos os tipos. Só perto da entrada havia uma Área
livre de alguns metros quadrados, onde a gente podia movimentar-se sem medo de
esbarrar em alguma coisa. Ali havia uma mesa de ensaios revestida de azulejos. Quando
Steve Kantor entrou, havia dois homens sentados nessa mesa, enquanto outro estava de
pé, dirigindo-se a eles em voz alta. Steve não ouviu o que ele disse, pois assim que entrou
a conversa foi interrompida.
— Meu nome é Steve Kantor — disse a título de apresentação. — Sejam bem-
vindos no grupo. Façamos votos de que haja uma colaboração muito proveitosa.
O homem que falara tão alto fez um gesto exagerado, estendendo a mão para Steve.
Tinha cerca de um metro e setenta, ou seja, uns dez centímetros menos que Steve e
possuía uma bela cabeça, muito estreita, coberta de cabelos negros.
— Sid Lippman — disse no tom de quem se orgulha de seu nome. — Também lhe
dou as boas-vindas. Farei tudo que estiver ao meu alcance.
Os dois outros saíram lentamente de cima da mesa. Um deles era baixo e gordo.
Parecia ter problemas respiratórios, pois o esforço que teve de fazer para descer da mesa
o fez fungar, e a mão que Steve apertou parecia flácida e fria. O homem possuía cabelos
negro-azulados desgrenhados e piscava constantemente os olhos como quem olha para
uma lâmpada muito forte.
— Lucas Della Fera — apresentou-se com a voz cava. Não disse mais nada.
O último membro do grupo tinha a mesma altura que Steve, mas era muito magro.
Tinha cabelos louros ralos e nariz adunco. Estendeu a mão para Steve, com um sorriso
tímido e desajeitado.
— Lott Warner, senhor, sempre às suas ordens. Steve foi de opinião que aquilo era
uma observação que não combinava com a situação. Deu um passo para trás e pôs-se a
contemplar os homens que estavam parados lado a lado.
Fez um esforço para que não notassem a decepção que sentia.
— Estou informado sobre tudo, menos sobre os senhores — principiou em tom
amável. — Certamente encontrarei seus assentamentos pessoais quando voltar ao meu
galinheiro lá em cima. Enquanto isso, vou explicar-lhes as coisas do jeito que foram
enfiadas na minha cabeça. Se não compreenderem alguma coisa, façam o favor de
perguntar — fez uma ligeira pausa, à espera da reação dos outros. Sid Lippman acenou
tão fortemente com a cabeça que uma mecha do cabelo bem penteado lhe caiu na testa.
Delia Fera e Warner não mostraram a menor reação. — Nossa tarefa — prosseguiu Steve
— difere bastante da dos outros grupos. Os outros executarão trabalhos puramente
técnicos, enquanto nós somos uma espécie de grupo de contra-espionagem que trabalha
em bases técnicas...
Voltou a interromper-se, pois a essa altura já tinha certeza de que haveria uma
reação de surpresa. Mas mais uma vez Lippman foi o único que arregalou os olhos,
enquanto Warner e Della Fera o fitaram como se não tivessem entendido nada.
— Suspeita-se — prosseguiu Steve, deprimido — que algum desconhecido vem
usando o transmissor. A guarnição do mesmo ainda não conseguiu descobrir sua pista.
Isto foi notado da seguinte maneira...
A explicação que deu coincidiu quase textualmente com a que Reginald Bell
recebera pouco antes de Allan D. Mercant. Como se sentia decepcionado, encurtou o
mais possível sua explicação. Quando concluiu, esperava ouvir, quando muito, uma
observação indiferente da parte de Lippman, e nisto não se enganou.
— Ora, é estranho — disse Lippman.
— Perfeitamente — respondeu Steve, contrariado. — E não é só isto. Ainda
acontece...
Não acreditou no que seus olhos viram. Della Fera levantou o braço. Pediu a
palavra.
— Pois não...
— Alguém pensou em realizar a análise estrutural da energia consumida, senhor?
Steve não sabia aonde Della Fera queria chegar.
— Não que eu saiba — respondeu. — Por quê?
— Pelo que sei a respeito do funcionamento de um transmissor, senhor — observou
Della Fera — os objetos que podem ser transportados pelo mesmo são divididos em
várias classes. A classificação mais geral abrange a classe dos objetos materiais e a dos
objetos imateriais. O transporte dos objetos materiais processa-se por um esquema
diferente do dos objetos imateriais. A estrutura da energia consumida pelo transmissor
difere segundo a classe do objeto transportado.
Continuou com o rosto impassível. Apesar da sugestão inteligente e bem
fundamentada que acabara de apresentar, Lucas Della Fera parecia tão preocupado como
antes.
— O senhor tem razão — reconheceu Steve. — Mas como já disse só dispomos dos
registros automáticos do sistema de regulagem que controla a liberação de energia para o
transmissor. Não temos qualquer informação sobre a estrutura da energia consumida pelo
transmissor. É como se disséssemos que estamos informados sobre o interruptor que faz
chegar a eletricidade à lâmpada, mas ignoramos completamente o que acontece no
interior desta.
Teve a impressão de que tinha sido simplório ao fazer esta comparação, mas pelo
menos Lucas não se incomodou com isso.
— Pois é — constatou com a voz abafada.
— Pois é o quê? — perguntou Steve, estupefato.
— É o mecanismo de regulagem, senhor, que faz a classificação do objeto a ser
transportado e proporciona a liberação da respectiva estrutura energética no reservatório
solar. A atividade do sistema varia segundo a natureza do objeto transportado. A análise
estrutural da energia consumida por este mecanismo deveria permitir uma conclusão
sobre a natureza do objeto transportado.
Steve ficou sem fala por alguns segundos. Lucas acabara de manifestar uma idéia
brilhante. Mais que isso. A idéia definia o ponto em que deviam ser iniciadas as
investigações — uma coisa sobre a qual nem mesmo Steve tinha chegado a uma
conclusão.
Finalmente conseguiu acenar com a cabeça.
— O senhor tem razão — disse com a voz apagada.
— Providenciarei imediatamente — disse Lott Warner de repente. — A não ser que
tenha alguma objeção. Sou especializado em análises deste tipo.
Estava radiante. Steve saiu do estado de torpor e reconheceu que não soubera
avaliar as personalidades de Warner e Della Fera. Os dois transbordavam de entusiasmo e
vontade de trabalhar, mas não davam a perceber. Dirigiu-se a Lippman.
— Como é? — perguntou em tom alegre. — Também quer dar sua contribuição?
Lippman sobressaltou-se, mas logo se recuperou.
— Naturalmente, senhor — respondeu com a voz tímida. — Sem dúvida teremos de
reunir uma porção de dados.
3

A ANBE 3 mal e mal conseguiu percorrer o trecho com suas próprias forças.
Acompanhada de mais de uma dezena de naves de salvamento, saiu do espaço linear a
duas horas-luz de Califa e percorreu a distância que faltava em velocidade reduzida.
Alguns engenheiros da equipe técnica subiram a bordo da nave cargueira depois de esta
ter entrado numa órbita estacionaria em torno do sol geminado e inspecionaram a nave,
enquanto a tripulação saía pelas eclusas. A ANBE 3 não passava de um montão de
destroços. Os geradores e propulsores tinham trabalhado muito além de seu tempo de
vida útil e não poderiam ser recuperados. Até chegava a ser um milagre técnico a nave
ainda ter chegado a Califa.
Mas havia uma coisa mais lamentável que o estado do veículo. Eram as novidades
trazidas pelo Major Hatski. Este foi recebido imediatamente por Reginald Bell, que
queria ouvir seu relatório. Allan D. Mercant estava presente quando Hatski transmitiu o
recado de Perry Rhodan.
A reação dos senhores da galáxia não fora a que se esperava!
Em vez de continuar a procurar o inimigo em Andro-Beta, onde ele lhes tinha
infligido pesadas derrotas, resolveram descobrir de que lugar ele tinha vindo. Ainda
pareciam convencidos de que devia tratar-se de maahks rebelados, de seres pertencentes à
raça que respirava metano, e que tinham conservado sua independência. Mas sabiam que
em Andro-Beta não existiam maahks. Se de repente tinham aparecido por lá, só poderiam
ter usado um transmissor, para transportar-se de sua base — fosse qual fosse o lugar em
que esta ficava — até a nebulosa anã.
Só podia haver uma conclusão, e os senhores da galáxia não deixariam de dar com
ela. Era necessário inspecionar todos os transmissores. Frotas de reconhecimento
equipadas por maahks foram preparadas para entrar nos transmissores de Andro-Alfa e
serem transportadas em todas as direções. Acreditava-se que o transmissor Chumbo de
Caça tinha sido destruído há mil anos, mas parecia não haver dúvida de que uma das
frotas dos maahks tentaria chegar a Califa, e isso num futuro próximo.
Grek-1, o maahk que se transformara num amigo e aliado fiel dos terranos, estava
morto. Foi a mais triste das notícias trazidas por Fromer Hatski. O único ser que poderia,
naqueles dias difíceis, dar um apoio eficiente aos homens que se encontravam em Califa,
porque conhecia a mentalidade do inimigo, não existia mais. Revelando uma capacidade
de sacrifício sem igual, encontrara a morte para ajudar seus amigos.
Reginald Bell deu o alarme. No mesmo instante a base de Califa e as cinco mil
unidades da frota estacionadas em torno dela entraram em estado de prontidão. Não se
sabia até onde chegaria a pressa do inimigo. O ataque poderia ser desfechado a qualquer
momento. E enquanto o sistema de regulagem de bloqueio do transmissor não fosse
encontrado e acionado, não haveria como impedir o avanço do inimigo para o sistema
Chumbo de Caça.
Mas depois que Fromer Hatski concluiu seu relatório e quando Reginald Bell já
tinha tomado as providências necessárias, houve uma sensação que fez com que todos
respirassem mais aliviados. Esta sensação era representada pelo halutense Icho Tolot, que
voltara para Califa a bordo da ANBE 3. Icho Tolot, cujo cérebro programador funcionava
com a precisão de uma calculadora positrônica, compreendeu a situação melhor que
qualquer um dos outros. Sabia que o transmissor do sistema Chumbo de Caça estaria
perdido no momento em que os senhores da galáxia tivessem a mais leve suspeita de que
o sistema do sol geminado servia de base a seres desconhecidos. Era praticamente certo
que por enquanto somente uma pequena frota maahk tentaria chegar a Califa. As cinco
mil unidades da frota do Império estacionadas nos arredores do asteróide não teriam
nenhuma dificuldade em rechaçar o primeiro ataque. As unidades dos maahks seriam
destruídas ou obrigadas a voltar para dentro do transmissor. Os controles deste já teriam
sido modificados, fazendo com que as naves fugitivas não voltassem ao ponto de origem,
mas fossem parar em outro lugar, onde nunca mais poderiam tornar-se perigosas. Os que
se encontravam em Andro-Alfa chegariam à conclusão de que o transmissor Chumbo de
caça ainda estava ligado na recepção, mas não tinha capacidade de fazer a transmissão.
Seria a explicação mais plausível para o fato de as naves empenhadas nas buscas não
terem regressado. Os maahks pediriam conselhos aos senhores da galáxia. Sabia-se pouco
a respeito destes, mas quanto a uma coisa não havia dúvida. Enviariam outra frota maahk,
maior e mais poderosa que a primeira, para ver o que estava acontecendo no sistema do
sol geminado. A segunda frota provavelmente levaria certas aparelhagens destinadas ao
reparo do velho transmissor ou à construção de um novo.
O mais tardar neste momento — e quer os defensores fossem capazes de rechaçar o
segundo ataque, quer não fossem — os senhores da galáxia se dariam conta de que havia
algo de errado no sistema Chumbo de Caça. Outras frotas seriam enviadas. Os maahks
que estavam a serviço dos senhores da galáxia e contavam com os recursos imensos de
sua tecnologia, gozavam de uma vantagem que não devia ser subestimada. Sua rota de
abastecimentos era muito curta. Dali em diante a sobrevivência da base terrana de Califa
seria somente uma questão de tempo e da quantidade de naves que os maahks pudessem
lançar na batalha.
Icho Tolot deu uma explicação muito clara de tudo Isso. Como seu cérebro
programador quase nunca cometia um erro, Reginald Bell viu nas palavras do halutense
um prognóstico seguro e afastou o reduzido otimismo que até então ainda entretivera em
sua mente.
— Isso não seria muito grave — prosseguiu Icho Tolot — se houvesse uma
possibilidade de bloquear o transmissor à vontade para a recepção.
Allan D. Mercant observou que esta possibilidade estava sendo examinada. O
halutense demonstrou certa surpresa, mas logo fez uma sugestão que parecia tão incrível
que Reginald Bell não quis acreditar no que acabara de ouvir.
Ofereceu-se a ajudar os cientistas terranos na criação de um bloqueio no sistema de
recepção do transmissor!
Só quem conhecesse as peculiaridades da raça halutense compreenderia por que a
explicação de Tolot produziu o efeito de uma bomba. Entre os historiadores galácticos
não havia dúvida de que os halutenses eram a raça mais antiga da Via Láctea. Os
conhecimentos que haviam adquirido no curso de centenas de milênios ultrapassavam
tudo que os cientistas das chamadas raças desenvolvidas — arcônidas, saltadores,
aconenses e terranos — conseguiam imaginar. Embora seu número fosse muito reduzido,
os halutenses provavelmente estariam em condições de dominar a Galáxia. Mas seu
enorme arsenal de conhecimentos formara a base de uma sabedoria que se procuraria em
vão entre os povos mais jovens. Os halutenses recolheram-se ao isolamento. Viviam
exclusivamente para si mesmos, em busca do seu prazer e do aprofundamento de seus
conhecimentos. Era a única raça de astronautas que não se dedicava à política externa,
embora houvesse halutenses isolados espalhados pelos quatro cantos da Via Láctea.
Havia uma lei segundo a qual um halutense nunca tentaria interferir na história de outros
povos, nem mesmo por meio de conselhos ou colocando seus conhecimentos superiores a
serviço de uma raça estranha.
Icho Tolot estava disposto a violar esta lei. Estava falando sério. Fez questão de
ressaltar isso com toda ênfase, ao ver a expressão de incredulidade estampada no rosto da
Reginald Bell. Não deu outras explicações. Não disse porque pretendia dar ajuda
contrariando as normas que governavam sua raça. Mas todos compreenderam que para
ele os senhores da galáxia representavam um inimigo todo especial, ao qual não se
aplicava a lei halutense.
Reginald Bell e Allan D. Mercant preferiram não fazer perguntas desnecessárias.
Icho Tolot acabara de apresentar sua oferta. Os chefes de seção foram convocados para
participar da conferência. O halutense repetiu as explicações que já tinha dado. O espanto
que os cientistas tinham manifestado no início transformou-se num entusiasmo incontido.
Aquilo parecia ser a grande virada. O sol voltara a brilhar onde antes só parecia haver
trevas e desolação.
Califa ainda não estava perdido!
***
O grupo de Steve Kantor não foi atingido pelo nervosismo geral. Steve e seus
homens não tinham nada a ver com a ativação do sistema de bloqueio de recepção do
transmissor. Sua tarefa era outra. Demorou meio dia até que Steve ficasse sabendo da
oferta sensacional do halutense.
Enquanto isso Lucas, Lott e Sid dedicaram-se com todo entusiasmo à tarefa de
descobrir a estrutura da energia liberada para o transmissor. Steve voltou ao seu aposento,
para examinar os dados pessoais de seus colaboradores. Descobriu que Lott Warner e
Lucas Della Fera eram especialistas em hipercampos, com um grande arsenal de
experiências acumuladas, enquanto Sid Lippman era um químico. Steve não teve a menor
idéia do que um químico poderia fazer numa pesquisa deste tipo, mas confiou no
discernimento das pessoas que tinham escolhido o contingente de cientistas que atuariam
em Califa.
A seguir Steve fez um caneco de café, acendeu um cigarro, sentou no canto e
finalmente teve tempo para refletir sobre o estranho acontecimento que se verificara na
noite anterior, e que continuava a pesar em sua alma.
Quem teria sido o estranho que tentara entrar em seu quarto de noite?
Steve sabia que no sistema Chumbo de Caça havia sobreviventes da raça dos
maahks, que há cerca de mil anos ainda habitavam o planeta gigante cujos fragmentos
formavam o anel de asteróides. Milhões de maahks tinham perecido durante a expedição
punitiva dos senhores da galáxia, que se consideravam traídos por seu povo auxiliar. Só
um punhado sobreviveu, em sua maioria porque ao tempo do ataque encontravam-se no
espaço, a bordo de naves. Voltaram assim que passou o perigo, mas no lugar em que
antes ficara seu mundo encontraram um montão de asteróides. Instalaram-se no maior
bloco de pedra, que ainda estava contaminado pela radiatividade. Os filhos gerados por
estes maahks tinham pouca semelhança com os pais. As mutações profundas eram uma
constante. Houve poucos sobreviventes, mas estes poucos representaram o início de uma
nova raça.
E agora, mil anos depois da cruel ação punitiva dos senhores da galáxia, uma raça
formada por centenas de milhares de mutantes vivia no sistema Chumbo de Caça. Era
comandada por Beukla, um monstro de duas cabeças. Beukla celebrara a paz com os
terranos, embora antes tivesse sido um inimigo encarniçado deles.
Steve Kantor perguntou-se se o ser que tinha visto na noite anterior não seria um
dos mutantes.
A resposta só poderia ser negativa, e isto por dois motivos. Primeiro, não havia
mutantes em Califa. Tratava-se de um dos nove asteróides de grandes dimensões que
gravitavam em torno do sol geminado, e que abrigava o transmissor. Assim que um
objeto estranho se aproximava, o asteróide era envolto automaticamente por um campo
defensivo esverdeado, que os mutantes não podiam atravessar. Os terranos foram os
primeiros que conseguiram remover este campo. Beukla mostrara-se disposto a continuar
a considerar Califa como tabu. O asteróide transformara-se num estabelecimento terrano
em território estranho.
Era um dos motivos. Depois que Beukla tinha celebrado um acordo com os
representantes do Império, nenhum dos seus mutantes se atreveria a descer em Califa.
O segundo motivo parecia menos concreto. Parecia simples. Nenhum mutante
maahk seria capaz de dissolver-se no nada. Mas o monstro que Steve vira de noite
possuía esta faculdade. Não havia dúvida de que entre o momento em que disparara a
arma energética e aquele em que atravessara a porta para examinar o corredor não tinham
passado mais de cinco segundos. E o desconhecido não levara mais que isso para
desaparecer. Seria ridículo acreditar que houvesse uma porta oculta no corredor. O setor
fora instalado há pouco tempo. Diante disso só podia haver uma explicação. O
desconhecido realmente se dissolvera.
Apesar das mutações profundas que tinham modificado o aspecto e o metabolismo
dos maahks, tudo indicava que não se verificara a formação de faculdades psi. Entre os
mutantes não havia telepatas, telecinetas ou seres que possuíssem outros dons
parapsicológicos. Um teleportador, por exemplo, seria capaz de desaparecer da mesma
forma que o desconhecido visitante noturno.
Havia um detalhe importante. Entre os mutantes de Beukla não havia
teleportadores. Steve Kantor teve a noção clara e desagradável de que não havia qualquer
explicação natural para os acontecimentos da última noite.
Quando suas reflexões chegaram a este ponto, o sinal de chamada do
intercomunicador se fez ouvir. Steve levantou o fone e viu o rosto gordo de Lucas Della
Fera projetado na tela.
— Análise concluída, senhor — informou Lucas.
Steve acenou com a cabeça, satisfeito.
— Excelente — elogiou. — E qual é o resultado?
Lucas olhou-o com uma expressão triste.
— Os objetos transportados são estruturas imateriais — respondeu.
Steve praticamente já contara com isso, pois um objeto material certamente teria
sido detectado pelos rastreadores instalados em Califa. Mas agora que já não havia a
menor dúvida não sabia para que poderia servir a informação que acabara de receber.
Que estrutura imaterial poderia ser esta, que usava às escondidas e em seu proveito o
transmissor Chumbo de Caça? O que vinha a ser um objeto imaterial? Uma concentração
de energia? Uma espécie de raio esférico cósmico?
Lucas tinha mais coisas a dizer.
— Fizemos a comparação dos dois registros, senhor. Como deve estar lembrado, o
transmissor entrou em funcionamento duas vezes, sem que fosse possível identificar o
objeto transportado — Steve acenou com a cabeça e Lucas prosseguiu. — Os registros
não deixam dúvida de que da primeira vez houve uma transmissão, e da segunda vez uma
recepção.
Steve ficou bastante impressionado. Era incrível quanta coisa se podia deduzir dos
simples registros automáticos. Mas Lucas Della Fera ainda não tinha concluído.
— Se quiser, veja no que vou dizer agora apenas minha opinião particular — disse
com um sorriso amável. — Só existem indícios, mas nenhuma prova, e Lott Warner não é
da mesma opinião que eu. Seja como for, acredito que das duas vezes o sistema de
regulagem retirou a mesma quantidade de energia do depósito do transmissor. As
diferenças entre a recepção e a transmissão tomam um pouco mais complicadas as coisas.
De qualquer maneira, para mim os indícios são bastante fortes para justificar a conclusão
de que das duas vezes foi transportado o mesmo objeto. Da primeira vez saiu do sistema,
da segunda vez voltou para cá.
Lucas ficou calado. Steve fitou-o prolongadamente. A teoria de Lucas poderia ser
um fator decisivo. Se fosse correta, já se saberia que o ser não identificado que tinha
utilizado o transmissor era um objeto definível, que agia com um propósito certo. Restava
saber se a gente devia confiar nas teorias de Lucas.
Lucas devia ter lido a dúvida no rosto de Steve. Fez uma careta e disse:
— Naturalmente não quererá basear-se exclusivamente em minha opinião. Mas o
senhor é entendido no assunto. Peço-lhe que examine os registros e tire sua conclusão.
Steve estava de acordo.
— Está bem. Já vou.
Dali a dez minutos entrou na sala circular em que estavam instalados os registros
automáticos. Cada aparelho controlava o funcionamento de uma das componentes do
sistema de regulagem. Só naquela sala havia mais de cem registros automáticos com
estiletes de escrita, dispostos junto à parede, e havia mais de sessenta salas iguais a esta.
O sistema de regulagem era formado por cerca de sete mil unidades, cujo funcionamento
tinha de ser controlado ininterruptamente.
Lucas e Lott estavam parados à frente de um dos aparelhos, nos fundos da sala. Lott
segurava uma fita comprida de papel no qual se via um traçado. Os dois discutiam
nervosamente. Sid Lippman estava mais ao lado e aquilo parecia cansá-lo. Lucas viu
Steve chegar e arrancou a faixa da mão de Lott. Foi ao encontro de Steve, agitando
violentamente o papel.
— Eis a prova! — disse, entusiasmado. — Até mesmo um cego seria capaz de ver.
Esticou a faixa à frente do rosto de Steve. Este viu uma confusão de linhas
coloridas, que corriam em todas as direções sobre a rede de coordenadas do papel.
— Olhe esta linha azul — exclamou Lucas. — Ela registra o consumo de energia do
sistema de regulagem. Enquanto o transmissor está fora de uso, a linha corre sobre o eixo
zero. Toda vez que o transmissor recebe um suprimento de energia, ela sofre um desvio e
afasta-se deste eixo. Forma desenhos variados, conforme a quantidade e a estrutura da
energia. Se examinarmos os desenhos com uma lente...
Baixou a faixa.
— Em outras palavras, senhor, os desenhos que representam as duas passagens pelo
transmissor coincidem com todos os detalhes, ângulo por ângulo, curva por curva.
Steve fitou Lott com uma expressão indagadora. Este acenou com a cabeça.
— É verdade, senhor — confirmou. — Quando Lucas entrou em contato com o
senhor, ainda não tínhamos tido a idéia de examinar os grupos de impulsos com uma
lente. Quando examinamos, descobrimos...
Fez um gesto embaraçado e calou-se.
Steve mordeu os lábios. Um objeto desconhecido — e o mesmo objeto — usara
duas vezes o transmissor. Da primeira vez afastara-se do sistema Chumbo de Caça,
enquanto da segunda vez regressara ao mesmo. Que objeto teria sido este? Onde estava
no momento? Quais seriam seus objetivos?
De repente o assunto já não parecia cansar Lippman.
— Que influência pode ter o fato em nosso procedimento futuro, senhor? —
perguntou. — Acho que não tem nenhuma importância que das duas vezes o
funcionamento do transmissor tenha sido provocado pelo mesmo objeto, não é mesmo?
Steve estava absorto em seus pensamentos. Lippman teve de repetir a pergunta, para
ser ouvido.
— No fundo, sim — respondeu Steve. — Acontece que só representamos uma
fração insignificante dos grandes esforços que estão sendo realizados para fazer de Califa
uma base segura. É perfeitamente possível que a descoberta de Lucas seja muito
importante para o conjunto dos trabalhos.
— Está pensando em alguma coisa em especial? — perguntou Lippman, no que não
revelou muita perspicácia.
— Naturalmente. O objeto desconhecido executa movimentos bem definidos. Quer
dizer que age sob o impulso de um mecanismo direcional existente em seu interior, ou
está sendo teleguiado. Em qualquer das duas hipóteses não podemos excluir a
possibilidade de que se trata de um espião. E não pode haver a menor dúvida de quem
sejam os seres para os quais está fazendo espionagem. Se a hipótese for verdadeira,
Califa corre um perigo enorme.
Sid ficou bastante impressionado. Steve passou a dirigir-se á Lucas e Lott.
— Fotografe a fita de registro — disse. — Mande fazer ampliações das fotos e
apresente um pequeno relatório escrito. Neste meio tempo falarei com Koenig. A
Segurança tem de ser avisada imediatamente.
***
Koenig não teve dúvida em confessar que já se esperara algo semelhante. Allan D.
Mercant deixara claro que em sua opinião o ser não identificado que usara o transmissor
era um espião dos maahks. Nem tentou explicar que espécie de espião seria este, como
agia e que tipo de informações transmitia aos seres para os quais trabalhava. Cabia ao
grupo de Steve Kantor descobrir isto. Mercant fez questão de mencionar que a presença
de um espião — caso o objeto não identificado realmente fosse um — representaria um
perigo gravíssimo para a base e seus ocupantes. Era necessário pôr as mãos no
desconhecido e deixá-lo fora de ação.
Depois da conversa mantida com Koenig, Steve ficou um tanto indeciso sobre o que
deveria fazer em seguida. Mas quanto a uma coisa não havia dúvida. Era necessário
procurar e encontrar o desconhecido.
Steve já estava pensando de forma diferente. Aquilo que há pouco ainda fora um
objeto não identificado passara a ser o desconhecido, pois acreditava que se tratava de um
ser pensante que agia por sua própria vontade. Embora não tivesse um motivo palpável
para pensar assim, estava cada vez mais convencido de que o misterioso desconhecido
não era outro senão o estranho monstro que vira na noite anterior. No início a idéia lhe
parecera ridícula, pois o que vira fora um corpo estranho, mas que não deixava de ser
material. Mas logo teve suas dúvidas. Não vira propriamente o desconhecido, mas apenas
seus contornos que se destacavam contra a claridade que entrava pela porta. Se fosse uma
entidade puramente energética, bastaria que seu índice de refração diferisse do do ar
circundante, para que ela se tornasse visível. E uma entidade energética que refletisse ou
absorvesse a luz fatalmente produziria sobre o olho humano o mesmo efeito da matéria
sólida.
Quanto mais Steve tentava pôr em ordem os pensamentos, mais confuso ficava.
Constatou que suas meditações o tinham levado a entrar num corredor errado. Olhou em
torno e encontrou uma placa segundo a qual as salas que abrigavam os registros
automáticos ficavam doze andares abaixo dele, e a sala do sistema de regulagem ficava
logo depois do primeiro cruzamento de corredores. Steve virou a cabeça e quis voltar ao
elevador antigravitacional mais próximo, quando se lembrou de que talvez seria útil dar
uma olhada no sistema de regulagem. Afinal, deste sistema tinha partido a primeira
indicação sobre a presença de um desconhecido. Fez meia-volta e prosseguiu pelo mesmo
corredor.
Koenig lhe contara sobre os acontecimentos dramáticos ligados à viagem de
regresso da ANBE 3. Esperava que, em virtude da oferta surpreendente de Icho Tolot, a
sala em que ficava o sistema de regulagem estivesse atulhada de cientistas e técnicos
muito ocupados. Surpreendeu-se ao ver que a sala estava completamente vazia.
Ficou impressionado com o mecanismo de regulagem. Tratava-se de uma figura
circular, revestida de metal plastificado, com cerca de dez metros de diâmetro e três de
altura. Uma grade protetora baixa cercava o colosso que emitia um zumbido constante. A
sala tinha vinte e cinco metros de comprimento e aproximadamente dezoito de largura.
Suas instalações consistiam unicamente em três enormes quadros de comando, presos à
parede que ficava à esquerda da entrada.
Steve deu um passo para a frente, e a porta fechou-se automaticamente atrás dele.
Aproximou-se da grade numa atitude que quase chegava a ser devota e fitou a figura que
zumbia e era capaz de manipular sem a menor dificuldade as energias estranhas que
permitiam que os homens se deslocassem instantaneamente pelas profundezas do
cosmos.
Por enquanto os cientistas terranos não compreendiam mais de dez por cento do
funcionamento do transmissor.
Ao constatar a penetração de um objeto capaz de ser transportado, o campo do
transmissor enviava um impulso ao sistema de regulagem, que por sua vez abria as
comportas do reservatório de energia representado pelos dois sóis. O fluxo imenso de
energia saído deste reservatório criava um campo que envolvia o objeto a ser
transportado, retirando-o do espaço einsteiniano. A estrutura da energia e, portanto, do
campo envolvente, mudava conforme a natureza do objeto transportado. A quantidade de
energia utilizada variava de acordo com a distância a ser percorrida. As decisões sobre a
estrutura e a quantidade da energia a ser utilizada eram tomadas pelo mecanismo de
regulagem, com base no impulso recebido dos sensores do campo de transmissão. Uma
vez envolto no campo transportador, o objeto percorria quase instantaneamente as
profundezas misteriosas do superespaço, para aparecer no ponto de destino, onde havia
um receptor que retirava o envoltório energético, fazendo com que o objeto transportado
retornasse ao espaço einsteiniano.
A solução dos segredos ainda não desvendados de uma tecnologia altamente
desenvolvida devia estar escondida no interior do conjunto de regulagem. Steve, que
estava de olho no envoltório cinzento do aparelho enorme, entrou numa espécie de transe.
Teve a impressão de enxergar o interior do aparelho atrás das placas de metal
plastificado. O mundo que o cercava desapareceu. Só via diante dos olhos o produto
misterioso de uma técnica estranha, que o deixou cada vez mais encantado.
Ouviu um ruído, mas não lhe deu atenção. Não vinha do conjunto de regulagem.
Sentiu uma dormência estranha na pele. Era como se tivesse entrado num campo de
eletricidade estática. Sentiu um cheiro estranho, que queria desviar sua atenção do
conjunto. Ficou nervoso e preocupado.
De repente o sentimento do perigo que o ameaçava tornou-se tão nítido que o
arrancou das suas reflexões. Endireitou abruptamente o corpo e virou a cabeça. O cheiro
era mais forte. Cheirava a ozônio. A dormência da pele tomara-se mais perceptível. A
atmosfera parecia carregada de eletricidade estática. Os ruídos vinham de trás do
conjunto de regulagem. Era um arranhar e arrastar, dando a impressão de que alguma
coisa se enfiava à força no interior do aparelho, abrindo passagem entre espulas e bancos
energéticos.
Steve recuou. Foi-se deslocando para a porta, passo a passo, sempre de olho no
conjunto de regulagem. Viu uma espécie de nuvem de fumaça levantar-se atrás do
aparelho. O arranhar e arrastar tornaram-se mais fortes, e o medo ameaçou sufocá-lo.
Ninguém sabia o que aconteceria se as energias imensas controladas pelo aparelho
fossem liberadas numa explosão. Era necessário alertar a guarnição da base. Lá fora, no
corredor, havia chaves do sistema de alarme, que faziam soar as sirenes. Era necessário
alcançar uma delas, senão...
Virou-se abruptamente e saiu correndo em direção à porta. A pesada escotilha
deslizou devagar demais. Steve enfiou-se pela abertura que começara a formar-se.
Quando já se encontrava no corredor, o ruído cessou. Steve parou e olhou de volta para
dentro da sala de regulagem.
O quadro que se descortinou diante de seus olhos fez gelar o sangue em suas veias.
Aquilo que acreditara ser uma nuvem de fumaça cercava o aparelho cilíndrico que nem
uma frente de neblina. Mal e mal se distinguiam os contornos do conjunto de regulagem.
O aparelho brilhava num vermelho estranho, dando a impressão de que entrara em
incandescência de dentro para fora. A névoa não tinha contornos rígidos. Algumas
nuvens agitavam-se fortemente. Parecia que mergulhavam no revestimento do conjunto
de regulagem, para voltar a aparecer em outro lugar.
Incapaz de fazer qualquer movimento, Steve pôs-se a observar o estranho
espetáculo. De repente a névoa parecia tomar conhecimento de sua presença. Parecia uma
impressão absurda, mas Steve teve a sensação de que ela se impunha à sua mente. Até
parecia que a névoa se dera conta de que havia um observador desconhecido, que a
surpreendera em sua atividade. Encolheu-se subitamente, formando uma bola opaca,
passou por cima do conjunto de regulagem e desapareceu atrás do cilindro.
Antes que Steve se recuperasse do espanto, o nevoeiro voltou a aparecer. Como
estava mudado! Já não era a concentração de neblina confusa, sem contornos definidos,
que vira segundos atrás. Era uma figura opaca de traços bem definidos, que seguia em
sua direção como se fosse feita de matéria sólida.
Steve foi sacudido pelo pânico ao reconhecer o monstro com o qual se encontrara
na noite anterior. Algum fenômeno desconhecido transformara a névoa numa figura que
caminhava sobre duas pernas muito grossas e agitava fortemente os milhares de
tentáculos presos ao seu corpo.
Steve não se enganara. O monstro não tinha cabeça.
Steve começou a gritar. Já não sabia o que estava fazendo. Só restava o sentimento
angustiante do perigo mortal — e o desejo ardente de sobreviver. Os músculos não
obedeciam mais, os pés não queriam desprender-se do chão. Steve ficou imóvel,
enquanto o monstro se aproximava com movimentos desajeitados.
O ruído de botas pisando o chão fez-se ouvir, vindo de longe. Steve ainda estava
gritando. O desconhecido ainda estava a três ou quatro metros de distância. Dentro de
mais alguns segundos chegaria onde estava Steve. Seria o fim.
O ruído das botas tornou-se mais forte. Steve ouviu vozes humanas. Alguém estava
chamando. Parecia que o monstro não estava ouvindo nada. Aproximou-se
ininterruptamente, com a obstinação de uma máquina.
O chiado de uma arma energética quase rompeu os tímpanos de Steve, mas para
este foi o ruído mais agradável que jamais tinha ouvido. Viu tudo como numa câmara
lenta. O feixe energético ficou suspenso no ar e o terrível ser estranho cambaleou sob o
impacto. Mais um tiro passou sobre o ombro de Steve, que sentiu a lufada de ar quente
passar por seu rosto. A segunda salva também acertou o alvo. As energias tremendas
disparadas pela arma energética pareciam desaparecer no corpo do monstro, mas este
cambaleou, dando a impressão de que perdera o equilíbrio. Um terceiro tiro se fez ouvir,
e desta vez o monstro foi arrancado de cima das pernas grossas e feias. Caiu lentamente,
que nem um balão cheio de ar. O corpo de Steve descontraiu-se. Soltou um grito de
triunfo.
Mas de repente aconteceu uma coisa estranha.
Antes que o corpo do monstro tocasse o chão, ele começou a dissolver-se. Nuvens
de névoa branquicenta subiram para o alto e espalharam-se. O monstro foi encolhendo.
Uma última nuvem de fumaça branco-acinzentada levantou-se — e o monstro
desapareceu. A névoa que enchia o ar desmanchou-se rapidamente. Dali a alguns
segundos o conjunto de regulagem e seus arredores tinham exatamente o aspecto que
todo mundo guardava na lembrança.
Steve virou a cabeça. Havia três homens que usavam o uniforme da frota espacial
atrás dele. Segurando as armas energéticas nas mãos, fitavam a sala de regulagem com
uma expressão de incredulidade.
— Fico-lhes muito grato — disse Steve com a voz apagada. — Se não tivessem
chegado logo...
A simples idéia fez com que sacudisse o corpo.
— Ouvimos seus gritos — respondeu um dos homens. — Viemos o mais depressa
que pudemos. O que foi aquilo lá dentro?
Steve deu de ombros. Não tinha vontade de levar três soldados espaciais a
acreditarem na existência de um ser energético.
— Não faço idéia — disse. — Alguma coisa saiu de repente de trás do conjunto de
regulagem e veio para cima de mim. Não posso afirmar que tenha assumido uma atitude
hostil, mas tive de contar com um ataque. Foi o que me levou a gritar por socorro.
O mais velho dos três, que era um sargento, coçou o queixo.
— Serei obrigado a apresentar um relatório do incidente. O senhor provavelmente
também. O senhor tem conhecimento de alguma coisa que possa fazer com que pareça...
bem, quero dizer...
Parou, embaraçado. De repente Steve conseguiu rir de novo.
— ...com que pareça mais fácil de acreditar? — completou. — Receio que não.
Tenho certeza de que seu relatório e o meu darão a impressão de terem saído de uma
imaginação doentia. Mas cada um de nós poderá testemunhar a favor do outro. Terá que
dar certo.
O sargento confirmou com um aceno de cabeça.
— Naturalmente — respondeu, embaraçado.
De repente Steve teve uma idéia.
— Onde fica o vídeo mais próximo? — perguntou. Um dos homens apontou com o
braço para dentro do corredor.
— A poucos metros daqui. Está vendo aquela caixa vermelha?
Steve estava vendo. Entrou em contato com a sala de registros automáticos. Sid
Lippman estava no aparelho.
— Finalmente sei o que fazer com o senhor — principiou sem embaraço. —
Arranje um aparelho capaz de detectar a presença de ozônio e suba à sala de regulagem.
***
O olfato de Steve não o enganara. A atmosfera em torno do sistema de regulagem
apresentava uma porcentagem muito elevada de ozônio. A explicação era simples. O
oxigênio do ar entrava em reação com a superfície da figura energética que Steve acabara
de observar. As moléculas de oxigênio eram divididas nos respectivos átomos. O
oxigênio em estado atômico é um gás que entra em reação com uma facilidade tremenda.
A maior parte dos átomos voltava a ligar-se para formar oxigênio molecular. Mas uma
pequena fração do gás em estado atômico entrava em contato com o oxigênio molecular
antes existente, para formar ozônio. A molécula de ozônio, formada por três átomos de
oxigênio, é um conjunto extremamente instável. O fato de Sid Lippman ainda detectar
quantidades consideráveis de ozônio, quando o desconhecido já tinha desaparecido, era a
melhor prova de que durante a presença do monstro a atmosfera da sala de regulagem
ficara literalmente carregada de ozônio.
A aventura extraordinária de Steve Kantor produziu duas conseqüências imediatas.
Todos os recintos críticos da base foram equipados com monitores de ozônio, que
emitiam um sinal assim que a porcentagem de ozônio em suas proximidades
ultrapassasse certo limite. Só assim podia-se ter certeza de que o monstro energético não
poderia andar nas proximidades de aparelhagens importantes sem ser percebido.
Além disso os engenheiros e cientistas recém-chegados receberam ordem para
andar sempre armados. Steve Kantor provavelmente não teria precisado de auxílio, se
estivesse com sua arma. Apesar de sua estrutura puramente energética, o monstro parecia
não suportar muito bem o impacto dos disparos energéticos.
Uma vez tomadas estas providências, um discreto otimismo espalhou-se em Califa.
Até que enfim se encontrara uma pista. Seria apenas uma questão de horas que o monstro
estranho fosse encontrado e posto fora de ação. Centenas de tripulantes e suboficiais,
informados às pressas sobre a existência do estranho ser, estavam de prontidão em toda
parte, para entrar em ação e prender o monstro assim que os monitores de ozônio dessem
o sinal de alerta.
A febre do caçador apossara-se dos homens espalhados pelos corredores e salas de
Califa. Os homens conversavam em voz abafada, dando a impressão de não ouvir os
apitos dos monitores.
Mas o que ouviram não foi nenhum apito. As sirenes de alarme fizeram ouvir seus
altos e baixos. O sinal não fora dado pelos monitores, mas pelo sistema de alerta
automático dos rastreadores instalados na superfície do asteróide.
4

Os maahks estavam atacando.


Quantidades tremendas de energia fulgurante foram arrancadas dos dois sóis
quando o transmissor entrou em atividade, fazendo com que voltassem a adquirir forma
as gigantescas espaçonaves nas quais os maahks tinham arriscado o salto a partir de
Andro-Alfa.
Não sabiam se o transmissor ainda estava funcionando, mas tinham vindo. Mesmo
quando já estavam lá, não sabiam se ainda conseguiriam voltar. Se o sistema de
expedição não funcionasse mais, estariam presos. Os sistemas de propulsão de suas
espaçonaves eram fracos demais para permitir um vôo de quatrocentos mil anos-luz.
Que seres eram estes! Sua vida não valia nada. Partiram sob a carga de um fator de
risco a que nenhum comandante terrano submeteria seus homens, somente para cumprir
as ordens dadas pelos senhores da galáxia.
Reginald Bell teve um calafrio ao tentar imaginar como era a mentalidade dos seres
que tripulavam as espaçonaves cilíndricas. Respirou aliviado quando finalmente terminou
a tremenda cintilância e os rastreadores anunciaram que um total de cinqüenta e duas
unidades tinha aparecido no sistema Chumbo de Caça.
Um silêncio mortal reinava no anel de asteróides que cercava os dois sóis como se
fosse um envoltório esférico poroso. As cinco mil unidades da frota de vigilância ficaram
escondidas, protegidas do rastreamento atrás de alguns planetóides.
O inimigo aproximou-se cautelosamente. Quase nenhuma nave maahk chegara
perto do sistema do sol geminado depois que o planeta gigante fora destruído. As poucas
unidades que tinham avançado em sua direção não se deram ao trabalho de confeccionar
mapas precisos da confusão de asteróides. O anel de planetóides era uma área muito
perigosa para as espaçonaves. Os maahks resolveram operar em formação cerrada, o que
tornava a situação ainda mais imprevisível.
As naves cilíndricas estavam envolvidas em campos defensivos verdes. Há seis
meses o campo defensivo usado pelos senhores da galáxia e seus povos auxiliares ainda
era considerado inexpugnável, mas neste meio tempo a ciência terrana conseguira
desvendar seu mistério. Centenas, milhares de naves receberam novos equipamentos num
tempo muito reduzido. Os novos canhões conversores que traziam a bordo eram capazes
de romper qualquer campo defensivo dos maahks, por mais forte que fosse.
As naves inimigas apareciam em forma de pontos luminosos cintilantes nas telas da
sala de comando, em cujo interior Reginald Bell e um círculo restrito de oficiais do
Estado-Maior acompanhavam a aproximação do inimigo. Os pontos entravam no campo
de visão, vindos da direita. A tática dos maahks era fácil de compreender. Deslocavam-se
junto à periferia interna do anel de asteróides, a uma velocidade que lhes permitira dar
uma volta completa em torno dos dois sóis dentro de menos de cinco horas. Sem dúvida
suas hiperantenas tinham sido reguladas para um máximo de sensibilidade, para que
nenhum impulso irradiado pelos aparelhos instalados na estação do transmissor, por
menor que fosse, lhes escapasse.
O método foi bem-sucedido. Quando os pontos luminosos atingiram o centro da
tela, o grupo de naves inimigas foi parando. Seus movimentos, a manobra de frenagem e
a mudança de rota que se seguiu a ela foram executados com a maior precisão. Até
parecia que as unidades se encontravam num campo de treinamento dos maahks. No
momento em que registraram os primeiros impulsos difusos vindos da estação, os
veículos espaciais ainda se encontravam a dois milhões de quilômetros de Califa. Uma
vez completada a mudança de rota, aumentaram a velocidade o mais depressa que a
confusão de fragmentos cósmicos permitia.
O momento crítico chegara. Reginald Bell não poderia permitir que o inimigo se
aproximasse a menos de duzentos mil quilômetros, pois do contrário a base de Califa
poderia ser atingida pelo ataque da frota de vigilância. Bell deu o sinal previamente
combinado.
As naves da frota de vigilância saíram dos esconderijos. Dali a instantes pontos
luminosos aproximaram-se de todos os lados, precipitando-se sobre o inimigo. Os
maahks tiveram a atenção despertada. Interromperam o avanço em direção ao asteróide.
Pareciam indecisos. Naqueles momentos os receptores da estação de rádio de Califa
crepitaram de tão grande que era o número de mensagens trocadas.
A hesitação, embora pequena, selou o destino dos maahks. As unidades terranas
abriram fogo. A tela de imagem da sala de comando transformou-se num espetáculo de
raios e bolas de fogo, que se deslocavam em velocidade alucinante pelo campo de visão.
A batalha não durou mais de uma hora. As unidades pertencentes à frota de
vigilância destruíram cinqüenta e uma naves. Um único veículo espacial dos maahks
escapou.
O transmissor iluminou-se, o que passou praticamente despercebido em meio às
explosões fulgurantes provocadas pela batalha, engolindo a única nave maahk que
sobrevivera ao ataque da frota de vigilância.
O destino que teve não foi melhor que o das naves destruídas pela frota de
vigilância. Reginald Bell tomara suas providências. Nenhum sobrevivente da batalha
deveria voltar para Andro-Alfa. O sistema de expedição do transmissor foi regulado de
maneira a lançar os objetos para Gêmeos. Este sistema ficava nas profundezas do espaço
vazio, a cerca de novecentos mil anos-luz dos limites da Via Láctea. O sistema de
expedição do transmissor instalado em Gêmeos não estava funcionando mais. O sistema
transformara-se numa armadilha mortal. Havia vários caminhos que conduziam para lá,
mas nenhum caminho de volta. Os propulsores da nave dos maahks eram fracos demais
para que pudessem ter a menor chance de atingir Andrômeda ou a Via Láctea em vôo
linear. O veículo espacial ficaria preso para todo o sempre no sistema de Gêmeos.
Em Califa as sereias uivaram, para anunciar o fim do alarme. O primeiro ataque do
inimigo acabara de ser rechaçado. Os tripulantes da frota de vigilância experimentaram
uma sensação de euforia e alívio. Mas os oficiais das unidades vitoriosas já não tinham
tanta certeza de que realmente havia motivo para tanta alegria. E em Califa o estado de
ânimo descera ao ponto mais baixo. A defesa bem-sucedida contra o primeiro ataque
inimigo era um fator pouco importante na equação que decidiria o destino da base. Todos
sabiam há tempo que não haveria nenhuma dificuldade em repelir o inimigo. A vitória
contra o primeiro comando estava incluída de antemão nos cálculos. Quanto a isso já não
havia nenhuma dúvida. O primeiro ataque viera mais de dez dias antes da data prevista
pelos piores pessimistas. O mecanismo da bomba-relógio entrara em funcionamento. Os
maahks que viviam em Andro-Alfa ficariam à espera de notícias da frota de expedição.
Se estas notícias não chegassem, enviariam outra frota — frota esta que seria mais
numerosa e receberia instruções de agir com o maior cuidado. Era duvidoso que o ataque
de surpresa da frota de vigilância pudesse ser repetido. Mas mesmo que o segundo
confronto terminasse numa vitória dos terranos, a terceira investida viria prontamente,
pois desta vez os maahks tomariam suas providências para poder transmitir notícias.
E mesmo para Reginald Bell, que era um otimista inveterado, as chances de defesa
contra o terceiro ataque eram de cinqüenta por cinqüenta.
***
As conseqüências do primeiro ataque dos maahks, que viera muito antes do que se
esperara, fizeram-se notar imediatamente. Os recintos do subsolo que ficavam em torno
do centro de regulagem ficaram literalmente atulhados de cientistas e técnicos. O
revestimento de metal plastificado que cobria o conjunto de regulagem foi removido às
pressas. O halutense Icho Tolot explicou a centenas de engenheiros o funcionamento de
cada peça do enorme aparelho. O gigante halutense trabalhava ininterruptamente,
ajudando e dando conselhos. Ficava a maior parte do tempo perto do conjunto de
regulagem.
Os engenheiros trabalhavam em três turnos. Desde o momento em que os maahks
tinham aparecido pela primeira vez, não se faziam mais pausas no trabalho. Cada turno
era de nove horas. Depois do fim de um turno qualquer homem que tivesse trabalhado
sob o estímulo de Icho Tolot levaria pelo menos dez horas para recuperar razoavelmente
as forças. As oito horas restantes podiam ser gastas em atividades particulares.
Constatou-se que em sua maioria os recém-chegados aproveitavam este tempo para
aprofundar seus conhecimentos sobre a técnica dos hiper-campos e dos sistemas de
regulagem.
Dez horas depois do momento em que o ataque dos maahks fora rechaçado, uma
equipe que trabalhava sob as ordens de Icho Tolot conseguiu isolar o comando de
bloqueio do sistema de regulagem. As suposições de Allan D. Mercant se confirmaram.
Se o transmissor de Kahalo dispunha de um sistema de bloqueio, em Califa também
devia haver um. Mas os receios de Mercant também se confirmaram. Várias
características do comando de bloqueio diferiam das do transmissor dos seis sóis, o
suficiente para que o objetivo fixado por Mercant jamais pudesse ser atingido, se Icho
Tolot não tivesse oferecido sua colaboração.
No entusiasmo com que se puseram a trabalhar no sistema de regulagem e no
comando de bloqueio, não ficaram muito atentos no monstro que fazia das suas nas
profundezas de Califa. O perigo representado pelos maahks parecia cem vezes mais grave
que qualquer coisa que o ser energético pudesse fazer. Steve Kantor e os que tinham
mantido contato direto com o monstro eram os únicos que se davam conta de que a
primeira investida dos maahks representara uma resposta clara a uma pergunta muito
importante.
Não era possível que o ser energético fosse um espião dos maahks. Se fosse, estes já
teriam sido informados sobre a situação do transmissor Chumbo de Caça e não se
aventurariam a atacar com um número tão reduzido de naves.
Mas nem por isso se podia excluir a possibilidade de o monstro fazer espionagem
para outros seres. Mas não era isto que importava. Mais tarde, quando o perigo tivesse
passado, cuidariam do ser energético, tentando descobrir quem era ele, de onde tinha
vindo e o que queria. Em meio ao nervosismo generalizado causado pela iminência do
segundo ataque dos maahks, a tarefa confiada ao grupo dirigido por Steve Kantor por
enquanto tinha uma importância secundária.
Mas só por enquanto.
Icho Tolot e seus colaboradores se dispunham a desmontar o comando de bloqueio,
quando de repente o apito do alarme de ozônio encheu os corredores de Califa. Dezenas
de monitores entraram em funcionamento praticamente ao mesmo tempo, criando
confusão entre os grupos de plantão. Ninguém sabia para onde ir.
Tudo isso durou apenas alguns segundos. Quando os apitos terminaram, na sala de
regulagem também reinava o silêncio. Vinte engenheiros e cientistas jaziam imóveis no
chão, sob os efeitos de um pesado choque. Nem mesmo Icho Tolot, o halutense
praticamente inexpugnável, escapara ileso. Tinha de fazer um grande esforço para ficar
de pé. Não se lembrava muito bem do tinha acontecido. Explicou que numa fração de
segundo a sala se enchera de uma névoa densa. Ouvira os gritos dos engenheiros terranos.
Ele mesmo percebera que alguma coisa mexia em sua substância orgânica, dando a
impressão que queria retirar toda a energia vital de seu corpo. Quando a névoa
desapareceu, seus colaboradores jaziam no chão como se estivessem mortos, e ele mesmo
mal e mal conseguiu sustentar seu corpo enorme. O conjunto de regulagem e as peças
desmontadas continuavam no mesmo lugar em que estavam antes do misterioso
acontecimento. A raiva do atacante dirigira-se unicamente contra os homens que
trabalhavam na sala de regulagem.
O incidente representava um pesado revés para o plano de defesa de Reginald Bell.
Icho Tolot informou que levaria três horas para ficar novamente em forma. Seriam três
horas perdidas, pois os cientistas terranos não seriam capazes de trabalhar no comando de
bloqueio sem as instruções do halutense. E mesmo que depois de três horas fosse possível
prosseguir no trabalho, não haveria nenhuma garantia de que o misterioso acontecimento
não se repetisse.
***
Steve Kantor ficou sabendo do incidente quando se encontrava na sala de registros
gráficos, examinando velhas anotações juntamente com Lucas e Lott. Sid Lippman estava
confeccionando uma lista de todos os monitores de ozônio que tinham dado o alarme
pouco antes do acontecimento ou durante o mesmo. Um ordenança entrou na sala e disse
que Steve deveria apresentar-se ao Tenente-Coronel Koenig.
Enquanto se dirigiam ao laboratório de Koenig, recebeu um relato resumido dos
acontecimentos. Tal qual todos os outros, começou a quebrar a cabeça para descobrir os
objetivos do desconhecido. Enquanto estava refletindo sobre isso, teve uma idéia. Não
teve tempo para apresentá-la. Já estava entrando no pequeno escritório de Koenig ao lado
do ordenança. Koenig estava sentado atrás da escrivaninha. Parecia nervoso e distraído.
— O que acha disso? — perguntou, indo diretamente ao assunto.
Steve ainda matutava sobre a idéia que lhe ocorrera pouco antes.
— Não sei, senhor — respondeu, desajeitado.
— Droga! O especialista é o senhor — explodiu Koenig. — Se o senhor não sabe o
que dizer, quem poderia saber?
Steve contemplou-o com um olhar de espanto.
— Berrar não resolve nada — advertiu. — Só tomei conhecimento do incidente
quando vinha para cá. Quer dizer que tive três minutos para pensar sobre isto. O que
queria? Que eu fizesse um milagre?
Koenig encolheu-se na cadeira e murmurou um pedido de desculpas. Steve viu que
seus nervos tinham chegado ao limite da resistência. Sem esperar um convite, puxou uma
cadeira e sentou à frente de Koenig.
— A situação está assumindo um aspecto inteiramente novo, senhor — disse com a
maior calma, como se fosse uma coisa sem importância.
Koenig sobressaltou-se.
— O que quer dizer com isso?
— Temos certeza absoluta — disse em tom indiferente — que a entidade energética
não é um espião dos maahks. Resta saber qual é seu objetivo. Não conhecemos a
resposta. Só podemos fazer suposições. Vamos considerar, por exemplo, que nas últimas
vinte horas o monstro foi avistado duas vezes na sala de regulagem, que sem dúvida é a
componente mais importante do sistema de controle do transmissor. Isto não justificaria a
conclusão de que a tarefa do ser energético consiste em evitar que os controles do
transmissor sejam manipulados por pessoas não autorizadas?
Koenig arregalou os olhos.
— Um ser? — repetiu, estupefato. — Até parece que esta coisa tem vida.
— É capaz de desenvolver uma ação coerente — argumentou Steve. — Portanto, é
teleguiado ou possui uma inteligência autônoma. Para nós é indiferente qual das duas
hipóteses seja verdadeira.
Koenig pôs-se a refletir. Finalmente acenou com a cabeça.
— Sua idéia não deixa de ter um fundamento — reconheceu. — Mas será que pode
ser-nos útil em alguma coisa?
Steve sorriu.
— Depende. Temos de forçar mais um pouco a imaginação. Devemos dar-nos
conta, por exemplo, de que qualquer entidade que se movimenta consome energia. Se as
reservas de energia não são completadas de tempos em tempos, a entidade acaba
perdendo a existência. Posso apresentar um exemplo bem elucidativo. O homem que não
come e bebe de vez em quando acaba morto.
Koenig conseguiu segurar o fio da meada. Notava-se pela expressão do rosto.
— Continue — insistiu.
— Como se trata de uma entidade energética, temos todos os motivos para supor
que ele se alimenta com energia. Como exerce uma atividade muito intensa, tem de
arranjar alimentos a intervalos curtos e em quantidades não muito pequenas. Se
descobríssemos o lugar em que se abastece, não seria difícil colocar uma armadilha.
— Excelente — elogiou Koenig. — Acho que podemos pautar nossa ação por este
esquema — fitou Steve com uma expressão de dúvida. — Já tem uma idéia de onde
podemos começar?
Steve passou a mão pelo queixo.
— Tenho uma idéia bastante vaga — respondeu. — De quantas das fontes de
energia existentes em Califa se poderia retirar um suprimento que não pudesse ser
registrado por qualquer aparelho? Não podemos deixar de reconhecer que são muitas.
Com alguma habilidade pode-se retirar qualquer quantidade de energia de máquinas
secundárias, desde que se tenha bastante tempo. Os aparelhos secundários não são
mantidos sob vigilância contínua. Seu consumo de energia é bastante reduzido. Logo, as
quantidades que podem ser retiradas desses maquinismos são insignificantes. Sou de
opinião que o consumo de energia do monstro é tão grande que não pode ser satisfeito
com as quantidades retiradas de aparelhos menores. Precisa de grandes bocados de cada
vez, e estes ele só pode retirar de um lugar sem que nós o percebamos.
— Dos reatores! — exclamou Koenig.
— Exatamente. As quantidades imensas de energia necessárias ao funcionamento
da base são geradas no centro de reatores. As quantidades retiradas são da ordem de
milhões de gigawatts, e os instrumentos que medem o fluxo de energia são regulados
para estas quantidades. Uma divergência de megawatt nem faria tremer seus ponteiros.
Koenig levantou-se de um salto.
— É isso mesmo! — exclamou e bateu com o punho direito na palma da mão
esquerda. — Não tenho a menor dúvida, Kantor — saiu apressadamente de trás da
escrivaninha e parou à frente de Steve. — Eu lhe dou cem homens, Kantor, ou até mais,
se o senhor precisar. O senhor e os outros membros de seu grupo são especialistas em
hipercampos. Pense numa boa armadilha e agarre esta coisa assim que aparecer lá
embaixo.
Steve também levantou.
— Fico satisfeito — disse com um sorriso irônico — que o senhor já aceitou meus
argumentos antes mesmo que eu apresentasse o ponto decisivo.
Koenig parecia confuso.
— Que ponto é este?
— Bem, senhor, nos recintos mais importantes foram colocados sensores que
reagem a concentrações elevadas de ozônio, que se formam toda vez que o monstro
aparece. No entanto, há uma exceção. O reator tem um grau de estabilidade tamanho que
não precisa de qualquer proteção. Quer dizer que no centro de reatores não foram
colorados sensores de ozônio. O monstro poderia permanecer lá por dias ou semanas a fio
sem que desconfiássemos.
Num gesto impulsivo, Koenig ofereceu-lhe a mão.
— O senhor é um homem bem ao meu gosto, Kantor — asseverou em tom exaltado.
— Sabe pensar e combinar os fatos. Vou recomendá-lo aos escalões superiores.
Steve apertou sua mão.
— Estou bastante impressionado, senhor — respondeu com uma leve ironia. — Só
me resta esperar que tenha tempo para transmitir sua recomendação.
***
O centro de geradores ficava no centro do asteróide, motivo por que as condições
gravitacionais reinantes em seu interior eram bem estranhas. O gerador gravitacional que
garantia uma gravidade igual à da Terra em Califa ficava bem ao lado dos reatores. O
aparelho criava um centro de gravitação artificial bem no centro do planetóide, e dali
irradiavam as linhas de gravitação. Por isso o centro de geradores fora instalado no
intervalo entre as superfícies de duas esferas concêntricas, cujo centro comum era
também o centro de Califa e o ponto em que ficava o centro de gravidade artificial. O
diâmetro das esferas era de oitocentos e mil metros. Os reatores tinham sido fixados na
superfície da esfera menor. A face interna da esfera maior estendia-se cem metros acima
deles. O gigantesco pavilhão era fortemente iluminado até o último canto, fazendo com
que uma visão estranha se oferecesse ao olho, em virtude da curvatura das duas esferas.
O horizonte era tão próximo que a pessoa não familiarizada com o ambiente não
compreendia como os geradores de energia podiam ficar em posição tão inclinada no
limite do campo de visão, sem que perdessem o apoio. Tinha-se a impressão de estar no
cume de uma montanha. Para onde quer que se voltava o rosto, o chão parecia descer.
Mas se o observador se movimentasse, chegaria à conclusão de que o senso de equilíbrio
não compartilhava a opinião do sentido da visão. Enquanto a visão lhe dizia que estava
descendo, o senso de equilíbrio não notava nada disso. Percorridos cem metros, o
observador teria a impressão de estar novamente no cume de uma montanha, cujas
encostas suaves desciam uniformemente em todas as direções.
Havia dez elevadores antigravitacionais que ligavam o centro de geradores com o
resto do asteróide. Junto às saídas dos elevadores viam-se pequenos veículos de
superfície de alta velocidade, pois quem quisesse dar uma volta em torno do centro teria
de percorrer dois quilômetros e meio, e a área do mesmo chegava a quinhentos mil
metros quadrados. Quem tivesse um trabalho por ali precisaria de um veículo.
Steve Kantor e seus homens passaram por um dos dez elevadores antigravitacionais,
cujos poços pareciam enormes colunas lisas que desciam do teto ao chão do centro,
quando pela primeira vez entraram nele. Ficaram espantados ao vê-lo. O grupo de Steve
foi seguido de perto por quinhentos guardas escolhidos por Koenig. Metade destes
homens carregava monitores de ozônio, que foram colocados às pressas em torno dos
reatores.
Um zumbido contínuo produzido por centenas de geradores e a aparelhagem
auxiliar enchia o recinto. O chão vibrava constantemente. Nas primeiras horas o olho era
incapaz de fixar os contornos precisos dos objetos, porque estes tremiam
ininterruptamente. Mas com o tempo o olho acostumava-se às novas condições e passava
a enxergar claramente.
Os reatores, em cujo interior os átomos de hidrogênio se combinavam para formar
núcleos de hélio, liberando energia no processo, eram torres cilíndricas de vinte metros
de diâmetro, que se erguiam a cinqüenta metros de altura. Pareciam uma rede de malhas
largas que cobria todo o pavilhão. Havia um reator em cada ângulo de um quadrado de
cento e cinqüenta metros de lado. Os tanques de hidrogênio e os geradores de plasma
tinham sido montados no interior desses quadrados. Tubulações partiam dos tanques e
iam dar nos geradores, que por sua vez estavam ligados aos reatores por canais de
plasma. Havia conversores de energia acoplados aos reatores de fusão. Cabos da
espessura de um braço humano desciam pelas paredes das torres e desapareciam no chão.
Embaixo do piso do pavilhão ficavam os coletores e distribuidores, que faziam retornar
aos aparelhos instalados no pavilhão uma parte insignificante da energia gerada, enquanto
a maior parte era conduzida a centenas de centros de consumo situados nos pavimentos
superiores.
Steve Kantor resolveu que por enquanto o grupo se instalaria nas imediações do
elevador antigravitacional pelo qual tinha descido. Estava firmemente decidido a não sair
dali enquanto não tivessem pegado o monstro. Trouxera mantimentos e outras coisas de
que precisava. Parte dos guardas começou a instalar o projetor energético que queriam
usar para pegar o ser feito de energia. Lucas Della Fera e Lott Warner deram uma ajuda.
Enquanto isso Sid Lippman, que ainda não se tinha recuperado do espanto, caminhava de
um lado para outro, sem conseguir tirar os olhos das gigantescas torres dos reatores.
Finalmente Steve o chamou.
— Seus monitores já devem ter sido instalados — disse. — Não quer verificar se o
sistema de alerta está funcionando?
Lippman limitou-se a acenar com a cabeça.
— Que instalações fantásticas, não é mesmo? — murmurou.
— Sem dúvida — concordou Steve. — Ei! O senhor prestou atenção ao que eu
disse?
Lippman sobressaltou-se.
— Naturalmente. Eu... providenciarei imediatamente, senhor.
Parecia perplexo e um tanto embaraçado. Mas dali a mais alguns minutos já estava
instalando o sistema de alerta, que ao entrar em ação mostraria qual dos monitores de
ozônio detectara alguma coisa.
Steve não se sentia muito à vontade. O pavilhão era muito maior do que imaginara.
O plano já não parecia tão bom como parecera uma hora antes. Tinha certeza quase
absoluta de que nunca conseguiria pegar o monstro — a não ser que este fosse bastante
tolo para aparecer nas imediações do elevador antigravitacional. Se tivesse mais
projetores, a situação mudaria de figura. Acontecia que a montagem dos projetores com
as peças existentes em califa levava algum tempo, e o tempo era a única coisa que faltava
em Califa.
A função do projetor consistiria em criar um campo energético esférico do qual o
monstro não pudesse escapar. Este campo possuía uma estrutura semelhante à dos
campos defensivos que envolviam as espaçonaves, com a diferença de que o efeito
protetor era voltado para dentro. Steve pretendia colocar o projetor perto de um ponto ao
qual o ser energético se dirigisse regularmente. Assim que aparecesse, o projetor
montaria em torno dele um campo esférico impenetrável para a matéria e para qualquer
estrutura energética conhecida.
Acontece que o alcance do projetor não ultrapassava trezentos metros. Se o monstro
aparecesse num ponto situado fora dessa distância, o projetor teria de ser aproximado
dele. Steve tinha suas dúvidas de que o ser energético ficasse quieto até que pudesse ser
preso.
Naturalmente não se podia excluir a possibilidade de que o terrível desconhecido se
alimentasse sempre da mesma fonte, isto é, que retirasse sua energia de um único reator.
Se conseguissem descobrir este reator, o projetor poderia ser instalado nas proximidades
do mesmo. Por enquanto o mais importante eram os monitores de ozônio. Enquanto estes
não entrassem em ação, nada se poderia fazer.
Lippman montou seu painel de controle de tal forma que um dos lados ficou
encostado ao poço do elevador antigravitacional. Tudo se agrupava em torno do elevador,
pois todo mundo queria ficar o mais perto possível da saída, que poderia representar a
salvação. Steve Kantor não foi nenhuma exceção. Deu ordem para que as quatro camas
dobráveis que seriam usadas por enquanto pelos homens fossem colocadas lado a lado,
com as cabeceiras voltadas para o poço. O pequeno veículo ficou estacionado junto ao pé
das camas e era fácil de alcançar por quem se encontrasse nelas. A antena quadrada do
projetor erguia-se sobre a plataforma do veículo. Ao lado dela havia uma caixinha
cinzenta. Era o gerador que alimentava o projetor.
Os cem homens pertencentes à guarda se retirariam assim que tivessem concluído
seu trabalho. Steve não sabia quais eram os padrões lógicos pelos quais se guiava o ser
energético, mas não se podia excluir a possibilidade de que na presença de tanta gente
ficasse desconfiado. Por isso os homens da guarda acampariam no andar de cima, e só
entrariam em cena quando Steve julgasse necessário.
Os veículos nos quais estes homens tinham saído para distribuir os monitores e
instalar o sistema de alerta foram voltando. O condutor de cada veículo apresentava um
ligeiro relato a Steve. A posição de cada monitor foi registrada num cartão magnético,
que seria introduzido no console de Lippman, servindo para identificar a posição exata do
aparelho que detectasse alguma coisa. Assim que Steve fazia suas anotações, o condutor
do veículo reunia seu grupo e este entrava no elevador antigravitacional.
O pavilhão estava ficando vazio. Os carros ficaram parados em desordem em torno
do elevador. Steve notou que os homens tinham pressa de chegar ao andar de cima, e ele
mesmo sentia-se cada vez mais atordoado. Surpreendeu-se mais de uma vez levantando
os olhos e olhando em torno, porque tivera a impressão de que havia uma sombra
suspeita por perto. Fez um grande esforço para ficar calmo, mas não conseguiu.
Finalmente o último membro da guarda foi embora. Um silêncio apavorante
espalhou-se pelo pavilhão, pois os ouvidos já estavam acostumados ao rugido incessante
dos reatores. Sid ainda estava mexendo no seu console. Lucas Della Fera e Lott Warner
ficaram sentados na cama, olhando fixamente para a frente. Lott fumou um cigarro.
Steve foi para perto do pequeno veículo e pôs-se a examinar o projetor, somente
para fazer alguma coisa. Estava tudo em ordem. Bastaria apertar os respectivos botões, e
o gerador entraria em funcionamento, fazendo com que o projetor montasse um campo
esférico de certo tamanho em tomo de um ponto bem definido. Virou-se. Sid também
concluíra seu trabalho. Levantou e limpou as mãos.
— Pronto — limitou-se a dizer.
Steve acenou a cabeça. Não disse uma palavra.
Dali em diante era só esperar.
***
No interior do pavilhão reinava uma claridade eterna. Na primeira metade do dia
nenhum dos homens de Steve conseguiu dormir. A luminosidade branco-azulada
atravessava as pálpebras, espantando o sono.
Steve já conhecia esta situação. Depois de dez horas distribuiu os turnos dos
guardas. Cada um ficaria sentado quatro horas junto ao console. O próprio Steve
encarregou-se do primeiro turno, pois sabia que dali a pouco chegaria o momento crítico
em que os homens cairiam e adormeceriam, mesmo que a luz fosse ainda mais forte.
Lucas foi o primeiro a ser dominado pelo sono. Estimulado pelo exemplo, Lott só
levou alguns minutos para fazer a mesma coisa. Sid, que era muito nervoso, levou mais
meia hora, mas também acabou caindo para trás e pegando no sono, com o cigarro aceso
na mão. Steve sentia-se atordoado. Fazia trinta horas que não descansara. Fez um bule de
café e tomou três xícaras. Depois sentou à frente do console e ficou de olho nas
numerosas luzinhas de alerta, que ainda estavam completamente apagadas. À esquerda
das luzes havia uma fileira de botões, que serviam principalmente para desligar os
monitores depois que estes tivessem detectado alguma coisa e voltar a ativá-los. Uma
chave amarela larga colocada no fim da fileira transmitia um alerta automático aos
homens da guarda. Em cima desta chave ficava o videofone, que punha a base avançada
de Steve Kantor em contato com o resto do asteróide. Do lado direito o cartão magnético
fora introduzido na tampa do console. No caso de um alarme, um sinal luminoso
mostraria qual era o monitor que detectara alguma coisa.
Só para passar o tempo, Steve foi comparando os números das luzes de alerta com
as marcações do cartão magnético. Cada luz correspondia a um monitor. Além da posição
dos monitores, os contornos dos reatores e das aparelhagens ligadas aos mesmos estavam
registrados no cartão. Havia uma confusão quase inextricável de linhas e pontos. Por
algum tempo Steve achou a brincadeira muito interessante. Mas o interesse logo foi
diminuindo. Steve bocejou. Fumou um cigarro, mas não gostou. Jogou o toco aceso no
chão.
Devia ter adormecido ou caído numa espécie de transe. Não compreendeu logo o
que tinha acontecido quando ouviu um chiado agudo. Sobressaltou-se. Uma das luzes
vermelhas de alerta se acendera, e cada vez que piscava o chiado se fazia ouvir.
Steve ficou logo bem acordado. Uma linha indicadora fina, mas muito luminosa,
apareceu no cartão magnético. Os olhos de Steve ardiam enquanto lia a posição do
monitor. Era o número 138. Este aparelho ficava no setor 1, a cerca de setecentos metros
dali.
Steve levantou-se de um salto. Berrou uma ordem, mas os homens continuaram
imóveis. Agarrou Sid pelos ombros e puxou-o para fora da cama, fazendo com que caísse
pesadamente ao chão. Sid protestou violentamente e acordou Lucas. Lott ainda estava
imóvel e teve o mesmo destino que Sid. Foram levantando um após o outro, atordoados.
— Lott, Lucas, para o carro! — gritou Steve. — Sid o senhor cuidará do monitor.
Reative-o de trinta em trinta segundos. Entendido?
Sid acenou preguiçosamente com a cabeça. Steve segurou-o pelo braço e levou-o ao
console. Sid enfiou-se desajeitadamente na cadeira. Quando finalmente estava sentado à
frente do console, já não parecia tão sonolento Steve não teve tempo para cuidar dele.
Lucas dera partida no carro. Lott estava ajoelhado na plataforma de carga, mexendo no
gerador. Steve saltou para o assento do motorista e movimentou o veículo. Passou
cuidadosamente entre os carros largados pelos guardas. Olhou para trás e viu Sid
Lippman ocupado com os comandos dos monitores.
Acelerou. O motor emitiu um zumbido agudo, e o carro passou em alta velocidade
entre as torres dos reatores. Steve não teve nenhuma consideração pelos seus passageiros.
Entrava na curva sem reduzir a velocidade, roçava o revestimento dos geradores de
plasma dos quais não conseguia desviar-se. As placas com números foram passando em
alta velocidade. Os números tinham sido colocados pelos guardas.
Steve parou junto a uma placa vermelha com o número 123. Lott estava ajoelhado
atrás dele, na plataforma de carga, com as mãos nos comandos do projetor. Aguardava
instruções. Lucas, que durante a viagem louca afundara profundamente no assento,
endireitou o corpo e pegou o microfone do intercomunicador.
— Cento e trinta e oito — chiou Steve, estendendo o braço. — Mais ou menos a
oitenta metros, ali do outro lado. Força total!
Lott não disse uma palavra. Acenou com a cabeça. A antena quadrada girou
rapidamente. O gerador emitiu um zumbido grave. Os relês estalaram. De repente um
apito agudo se fez ouvir em meio à babel de ruídos.
O campo esférico tinha sido montado! Steve olhou para a torre do gerador junto ao
qual se via o número 138. Sentia-se angustiado. Viu o ar cintilar ligeiramente, enquanto o
campo energético se estabilizava.
De repente a atmosfera parecia estar envolta numa cortina de ar quente. Se o
monstro ainda estivesse perto do monitor, a essa hora já estaria preso.
Steve fez um sinal para que Lott mantivesse o projetor focalizado para o reator. O
veículo foi seguindo devagar em direção à extremidade do campo esférico. Lucas
continuava a segurar o microfone, embora ainda não tivesse dito uma única palavra.
Estavam todos muito tensos. Steve fez o carro descrever uma curva suave, contornando o
campo esférico. Seus movimentos eram automáticos, como se fossem executados por
uma máquina em perfeitas condições, enquanto Steve não tirava os olhos do campo
cintilante.
Deu algumas voltas em torno do reator, mas não viu sinal do desconhecido. Não se
podia excluir a possibilidade de que entre as numerosas formas que o monstro assumia
houvesse uma que era invisível ao olho humano, mas Steve não acreditava muito nisso.
Profundamente decepcionado, começou a conformar-se com a idéia de que o ser
energético escapara. Parou.
— Entre em contato com Sid — disse, dirigindo-se a Lucas.
Finalmente Lucas começou a falar. Mal tinha dito algumas palavras, foi
interrompido por Sid. Steve compreendeu perfeitamente a resposta.
— Reativei o monitor três vezes. Das primeiras duas reagiu imediatamente. O
monstro ainda se encontrava nas proximidades. Mas da terceira vez ficou tudo quieto.
Lucas lançou um olhar sombrio para o receptor.
— Por que não disse logo? — gritou em tom de acusação.
— Não consegui contato — afirmou Sid. — Acho que alguém estava com o dedo
na tecla.
Lucas baixou a cabeça, cônscio do seu erro. Ficara todo o tempo com o microfone
na mão, apertando a tecla de transmissão. Steve desligou o motor. Lott fez a mesma coisa
com o gerador do projetor. A cintilância do campo energético desapareceu. Sid Lippman
recebeu ordem para ficar onde estava.
— Vamos dar uma olhada por aí — disse Steve.
Saltou do carro e examinou a gigantesca torre do reator. As energias geradas no
interior dessa torre eram imensas. Representavam uma mesa bem-posta para o mais
faminto dos seres energéticos. Restava saber como este se servia nesta mesa.
— Ficarei muito grato por qualquer boa idéia — disse Steve, zangado. — Em que
ponto esta coisa retirou energia do reator?
Lott e Lucas ficaram calados. Lucas fazia uma figura esquisita, com o ventre
proeminente e os braços atrás das costas, levantando os olhos para a torre.
— Em primeiro lugar devemos descobrir alguma coisa sobre o mecanismo da
retirada de energia — disse com a voz aguda. — De que forma a energia passa do reator
para essa criatura estranha?
Lott grunhiu alguma coisa. Steve fitou-o espantado Lott estava com os olhos
fechados. Os braços pendiam molemente junto ao corpo, mas estava com os punhos
cerrados. Até parecia que estava travando uma luta silenciosa consigo mesmo.
Quando finalmente voltou a abrir os olhos, tinha um aspecto estranho, mas parecia
sentir-se muito seguro. Não perdeu tempo. Aproximou-se do canal que levava o plasma
ao gerador. O canal era uma espécie de tubo retangular, com cerca de cinqüenta
centímetros, e estava envolto nas espirais do que parecia ser uma serpentina de
refrigeração. A temperatura média do plasma que atravessava o canal era de 12.000 graus
centígrados. O canal era feito de um metal plastificado ultra-resistente ao calor. A
serpentina de refrigeração não tinha por fim proteger o canal, mas evitar que o excesso de
calor fosse irradiado para o ambiente. Se não fosse ela, a temperatura no interior subiria
dentro de poucas horas a níveis insuportáveis. No interior da serpentina havia um fluxo
constante de hidrogênio altamente concentrado, que saía dos tanques e ia para o gerador
de plasma. Ao mesmo tempo que refrigerava o ambiente, absorvia certa quantidade de
calor, que acelerava o processo de transformação em plasma, isto é, em hidrogênio
ionizado.
Lott Warner parou à frente do canal, que passava a pouco menos de dois metros de
altura, formando uma espécie de ponte entre o reator e o gerador.
— E a hipótese mais simples — disse no tom lacônico que lhe era peculiar.
— Não poderia explicar melhor? — perguntou Lucas entre os dentes.
Steve ficou perplexo. Tinha a impressão de que sabia aonde Lott queria chegar. De
tão simples, a idéia era genial.
— Sempre pensamos — explicou Lott — que o desconhecido fosse satisfazer suas
necessidades no lugar em que há mais energia, ou seja, no reator. Acontece que este é
bastante inacessível. Produz uma quantidade enorme de calor em seu interior. Este calor é
transformado em energia elétrica no envoltório do reator, por meio de uma série de
processos termoquímicos. Onde haveria de começar alguém que sentisse fome de
energia? O reator é protegido por um envoltório de dois metros de espessura, que reduz
qualquer transmissão de energia a tal ponto que quase não vale a pena. Mas no canal de
plasma a situação muda de figura. O plasma é formado por partículas com uma carga
elétrica, representa um fluxo de eletricidade pura acoplada à matéria. Normalmente a
energia flui desimpedida. Mas basta que alguém o faça vibrar, para que irradie energia.
— Até que enfim você diz uma coisa sensata! — gritou Lucas, entusiasmado. — O
monstro não precisa nada além de uma pequena grade direcional...
— Esta grade já existe — disse Lott calmo. — É formada pela serpentina de
refrigeração, que está isolada de ambos os lados e também na face voltada para o canal.
Basta criar uma pequena corrente alternada, e o plasma começa a vibrar.
Steve compreendeu instintivamente que Lott acertara em cheio. Não havia meio
mais simples de retirar energia do reator. Uma corrente alternada aplicada na serpentina
de refrigeração ora aceleraria, ora retardaria o fluxo de plasma no interior do canal. E um
fluxo de partículas eletricamente carregadas que sofre alternadamente uma aceleração e
uma desaceleração emite ondas eletromagnéticas. Como a carga do plasma que fluía no
interior do tubo era muito intensa, qualquer tensão, por menor que fosse, seria capaz de
irradiar e liberar energias que chegavam a alguns megawatts. A serpentina de
refrigeração desempenhava neste processo uma função semelhante à da grade de um
triodo.
— Até aqui você também tem razão — reconheceu Lucas. — Resta saber como esta
coisa consegue criar uma tensão no mecanismo de direção.
— Trata-se de um ser feito de energia — ponderou Lott. — Não deve ter muita
dificuldade em criar uma pequena corrente alternada de alta freqüência.
Lucas olhou-o de lado.
— Pode ser — confessou. — Mas ninguém gosta de trabalhar enquanto está
comendo. É só imaginar que você está com sede e quer beber água de um poço.
Suponhamos que para tirar o líquido do mesmo você tenha de mover fortemente o
embolo, e isso em rápida sucessão. Você gostaria de ficar movendo a bomba enquanto
estivesse bebendo, ou preferiria arranjar um martelete mecânico que fizesse o trabalho
para você?
Lott fez uma careta. Até parecia que tinha mordido numa maçã azeda. Steve riu.
— O senhor imagina que o monstro é muito humano — objetou Lott. —
Provavelmente nem seria capaz de acompanhar a comparação que fez com a bomba. Não
devemos esquecer que estamos lidando com uma criatura bem diferente. É possível que a
criação de uma corrente alternada de pequena intensidade seja uma de suas funções vitais
automáticas, tal qual a respiração é para nós. Neste caso basta que fique perto do canal.
— Bem, senhor, o que eu quis dizer... — respondeu Lucas.
— Vá para o inferno com seu senhor! O que você quis dizer mesmo?
Lucas não deu atenção à repreensão que acabara de ouvir, mas quando voltou a falar
seus olhos já não pareciam tão tristes.
— Pensei que, enquanto não temos dados concretos, uma teoria é tão boa como a
outra. E já que estamos aqui podemos perfeitamente examinar a serpentina em vez de
ficar discutindo.
Steve riu e deu uma pancadinha em seu ombro.
— É verdade. Procuraremos encontrar o martelete automático que aciona
regularmente a bomba. Só assim Lucas pode saciar a sede com toda calma.
Até mesmo o rosto rígido de Lott Warner esboçou um sorriso amável.
Examinaram a serpentina. E o milagre aconteceu. Constataram que a hipótese de
Lucas era verdadeira. Quem descobriu o “martelete automático” foi Steve. Naturalmente
não se tratava de um martelo. Era um cristal envolto num campo elétrico cuja intensidade
permanecia constante, e que estava cercado por um campo de corrente alternada de alta
freqüência. O cristal tinha sido soldado diretamente na parede da serpentina, num lugar
de difícil acesso, e mantinha um contato muito estreito com o material condutor desta,
fazendo com que a corrente alternada que emitia se espalhasse prontamente por todo o
comprimento do canal de plasma.
O ser energético estava cercado constantemente por um campo de eletricidade
estática. Quanto a isso não havia a menor dúvida. Este campo produzia uma alteração no
índice de refração do ar, o que por sua vez fazia com que o ser pudesse ser visto como
uma névoa. Desta forma, tudo que tinha que fazer era, conforme dizia Steve, permanecer
perto do canal de plasma, de tal forma que o pequeno cristal ficasse dentro de seu campo
estático. O resto era automático. O cristal produzia vibrações, através das quais era
retirada energia do fluxo de plasma. Depois disso as funções do ser estranho se limitavam
a servir de antena que captava a energia irradiada.
Havia outro detalhe importante. O cristal formava uma estrutura muito complexa.
Nem mesmo um ser feito de energia seria capaz de produzir este tipo de cristal em grande
quantidade. A forma pela qual este fora reunido revelava muito trabalho e cuidado. Tudo
levava a crer que o estranho ser não aparecera por acaso nas proximidades do monitor
138. Não usava reatores diferentes para saciar a fome. Tinha um ponto de alimentação
fixo, conforme Steve exprimia em pensamentos que nunca o deixavam.
Pela primeira vez desde que entrara na sala dos geradores Steve voltara a ter uma
leve esperança. Já tinham encontrado o lugar em que teria de ser colocada a armadilha. O
projetor seria instalado nas proximidades do monitor 138, ao qual poderia ser acoplado.
O resto era somente uma questão de tempo.
Quantas vezes o ser energético sentia fome?
5

Os cientistas e engenheiros que tinham presenciado o incidente ocorrido na câmara


de regulagem juntamente com Icho Tolot sentiam-se deprimidos demais quando
pensaram em recorrer novamente aos seus serviços. O halutense já estava em plena forma
quando eles ainda não tinham saído do estado de rigidez provocado pelo choque.
Reginald Bell resolveu mandá-los para casa na próxima nave-correio. Fez questão de
manter o maior segredo possível em torno do assunto. Ninguém sairia ganhando se o
estado dos homens que tinham ficado inconscientes fosse o assunto de todas as
conversas. Isto só poderia concorrer para espalhar o pânico entre os outros engenheiros.
Desta forma Icho Tolot não teve dificuldade em conseguir mais vinte homens, com
os quais faria mais uma tentativa de ativar o mecanismo de bloqueio. Desta vez um
batalhão de guardas foi postado junto à sala de regulagem. Era de esperar que houvesse
outro ataque de surpresa.
Era bem verdade que as previsões não se confirmaram. Icho Tolot e seus
companheiros puseram-se a trabalhar. Nas primeiras duas horas conseguiram bons
progressos. Ninguém os perturbou. Reginald Bell respirou aliviado. Talvez nem tudo
estivesse perdido. Quem sabe se não conseguiriam instalar o bloqueio antes que os
maahks voltassem a atacar!
Mas não se conformou com este débil raio de esperança. A nave-correio que levou
para casa os cientistas feridos também foi portadora de uma ordem escrita dirigida ao
comandante de uma frota de cinco mil naves, que permanecia de prontidão perto do
transmissor dos seis sóis. Esta frota deveria dirigir-se imediatamente ao sistema Chumbo
de Caça, para unir-se à frota de vigilância composta de igual número de naves.
Enquanto isso estavam sendo realizadas negociações com Beukla, chefe dos
mutantes maahks. Beukla controlava milhares de espaçonaves pequenas, mas muito
poderosas, espalhadas por diversos portos instalados no interior do grande asteróide. Um
ano atrás, quando as unidades da frota do Império tinham avançado a primeira vez para o
sistema Chumbo de Caça, estas naves lhes tinham causado tremendas dificuldades. Nem
mesmo a poderosa Crest II, nave-capitânia da frota, escapara ilesa. Tivera de retirar-se às
pressas.
Não era difícil conseguir a colaboração de Beukla. Bastava explicar que sua ajuda
prejudicaria os senhores da galáxia. Beukla e seus mutantes nutriam um ódio profundo
pelos senhores de Andrômeda, que há mil anos julgaram necessário realizar uma
expedição punitiva contra o planeta do sol geminado, destruindo-o e exterminando seus
habitantes. A lembrança deste ato abominável ficara bem viva na mente dos descendentes
dos raros habitantes que escaparam por um milagre.
Desta forma Reginald Bell dispunha de uma frota enorme, tanto em número como
em poder de força. Não teria dificuldade em rechaçar o segundo ataque dos maahks,
desde que a força dos grupos atacantes não ultrapassasse os limites do previsível.
Mas nem por isso se podia dizer que suas preocupações tivessem desaparecido. As
fontes das quais os maahks recebiam ajuda eram inesgotáveis. Se mil naves não fossem
suficientes para conquistar Califa, voltariam com dez mil, e se ainda assim não
conseguissem, voltariam a decuplicar seu número. A base não poderia ser mantida por
muito tempo, a não ser que o sistema de bloqueio de transmissor pudesse ser ativado
antes que fosse tarde.
As horas foram-se arrastando preguiçosamente e com uma monotonia incrível no
interior da sala dos reatores. Os homens desempenhavam suas atividades rotineiras,
tensos no início, mas dominados cada vez mais pelo tédio. Apesar do nervosismo que se
apossara dele, Steve conseguiu dormir cinco horas em seguida. Mas quando levantou
sentiu-se tão exausto e abatido como antes.
Já se dera conta que nunca seria capaz de desvendar o mistério do ser energético por
meio de simples reflexões, mas assim mesmo o problema nunca lhe saía da cabeça. Às
vezes, quando por um instante sua mente adquiria uma lógica cristalina, teve a impressão
de ter-se conscientizado de uma coisa inteiramente nova. Mas quando tentava absorvê-la,
ela se desmanchava. Sentia-se como uma pessoa que afastasse sem o menor cuidado os
pedaços de uma pintura rasgada, porque não tinha a menor idéia de que com eles se podia
fazer um quadro.
Tinha certeza de que as informações desconexas que possuía sobre o ser medonho
poderiam ajudá-lo a desvendar o segredo do monstro — desde que conseguisse colocá-las
na devida ordem.
Finalmente cansou-se das reflexões estéreis e espantou na mente todos os
pensamentos ligados ao ser energético. Para facilitar as coisas, sorveu alguns goles
grandes da garrafa de sinto, que um oficial precavido colocara entre os mantimentos do
grupo. O sinto continha quarenta por cento de álcool sintético. O resto era formado por
suco de fruta.
A operação fora um fracasso completo. As dúvidas voltaram a tomar conta de sua
mente assim que descansou a garrafa.
Zangado e um pouco atordoado, sentou na cama e pôs-se a fazer um exame lógico e
sistemático do problema. Principiou bem do começo, a partir do momento em que na
primeira noite se sobressaltara na cama, com o monstro parado na porta de seu quarto.
Avançou às apalpadelas. Recapitulou as observações, as informações, uma após a
outra, e chegou a lançar pequenas anotações numa folha de papel.
De repente o quadro que queria ver começou a destacar-se em meio à neblina que
lhe parecera impenetrável. Já o enxergava claramente.
O ser desconhecido tinha a capacidade de modificar à vontade seu aspecto exterior.
Em sua forma normal não passava de uma névoa cinzenta, mas podia assumir o aspecto
de um objeto material ou, no extremo oposto, ficar completamente invisível. As
transformações eram realizadas de acordo com as necessidades. Se o ser energético não
possuísse inteligência própria, mas era teleguiado, a gente poderia imaginar o tamanho e
a complexidade do respectivo mecanismo de direção. Além de liberar as quantidades de
energias necessárias à transformação numa fração de segundo, este teria de manter o
objeto teleguiado ininterruptamente sob uma vigilância precisa, para saber o que fazer.
Steve já examinara a lista confeccionada por Sid Lippman depois do incidente que
houvera na sala de regulagem. Continha os números de todos os monitores de ozônio que
tinham reagido antes ou depois do incidente, bem como o momento exato em que tinham
entrado em reação. Sid só organizara a tabela depois que se tinham instalado no pavilhão
dos reatores. Esta lista representava a melhor prova de que o ser energético tinha saído do
centro de reatores quando atacou a sala de regulagem — e isso pelo caminho mais curto,
atravessando as paredes feitas com a matéria do asteróide. Mas da tabela ainda se podia
extrair outra indicação.
Os monitores de ozônio tinham sido regulados de tal maneira que emitiriam um som
agudo assim que a concentração do gás venenoso registrado em seus arredores
ultrapassasse um nível crítico. Nestes cinco minutos não haveria nenhuma modificação.
Se neste tempo a concentração de ozônio baixasse aquém do ponto crítico e voltasse a
subir além dele, o monitor não perceberia, a não ser que fosse ativado em virtude de
alguma falha. O monitor era capa de registrar se o monstro aparecera uma ou várias vezes
nos cinco minutos que se seguissem à ativação do aparelho.
Os registros elaborados por Sid pareciam revelar que depois de ter posto fora de
ação Icho Tolot e seus colaboradores, o ser energético não saíra mais da sala de
regulagem. Nenhum monitor entrara em ação depois do ataque. Mas Steve tinha certeza
absoluta de que as coisas não eram bem assim. O monstro voltara à sala de reatores
usando o mesmo caminho pelo qual tinha vindo. O regresso verificou-se menos de cinco
minutos depois do momento em que o primeiro monitor dera o sinal. Quando o terrível
ser passou perto dos aparelhos na volta, os aparelhos não detectaram nada.
A travessia de porções de matéria, quer se tratasse de ar, líquido ou material sólido,
representava um problema todo especial para um ser energético. As características de
diversas espécies de matéria variavam, em relação à sua permeabilidade. Numa parede
metálica, por exemplo, a energia eletromagnética se perderia dentro de alguns
milionésimos de segundo, já que o campo que formava a sede dessa energia se
desmoronaria dentro da massa metálica. Steve não teve a menor dúvida de que a estrutura
de monstro não era a da primitiva energia eletromagnética, mas assim mesmo a travessia
de matéria muito sólida deveria trazer problemas ligados à dissipação da energia. Devia
haver um processo que evitasse que ao atravessar a matéria o ser energético perdesse
parte de sua substância.
Um sistema nervoso central que funcionasse bem poderia perfeitamente
desempenhar esta função — isto naturalmente sob o pressuposto de que o monstro fosse
um ser inteligente capaz de agir com independência. Se fosse um objeto teleguiado,
conforme acreditava o Tenente-Coronel Koenig, haveria necessidade de um aparelho
enorme para conferir à substância energética uma concentração tamanha que esta só
perderia um mínimo de substância. Durante o ataque à sala de regulagem o ser energético
atravessara, dentro de cinco minutos, os mais variados tipos de matéria, a começar pelo ar
que enchia os espaços vazios do asteróide, e passando para a matéria rochosa amorfa de
que era formado Califa, até chegar às grossas camadas de metal plastificado com que
estavam revestidas as paredes dos corredores e das salas. O índice de refração mudava de
substância para substância, motivo por que havia necessidade de uma forma de
concentração completamente diferente para cada substância, a fim de evitar perdas de
energia.
Dificilmente um mecanismo de regulagem do tamanho de um edifício de escritórios
seria capaz de desempenhar todas estas funções, e desempenhá-las de maneira a não
haver nenhum erro.
Naturalmente era possível que houvesse um aparelho gigantesco como este
escondido nas profundezas inexploradas de Califa. Nos doze meses que já se tinham
passado desde o momento em que a primeira nave terrana pousara no asteróide, todos os
espaços de fácil acesso tinham sido examinados. Ninguém tivera tempo para sair à
procura de salas ou corredores ocultos. E o asteróide oferecia espaço de sobra para
espaços vazios ocultos.
No entanto, um rastreamento energético de alta precisão fora feito em Califa.
Aparelhos ultra-sensíveis foram usados para procurar radiações não identificadas. Toda
vez que uma radiação deste tipo era detectada, o aparelho ainda não conhecido que a
produzia fora procurado e analisado.
Na opinião de Steve era impossível que um aparelho do tamanho do hipotético
mecanismo de regulagem que comandava os movimentos do ser energético tivesse
escapado aos rastreadores de energia. A sensibilidade destes era tamanha para, numa base
de interferência conhecida, descobrir uma pilha de lanterna de bolso embaixo de uma
camada de rocha de dez metros. Já o mecanismo de regulagem, caso existisse, produziria
um campo de radiações difusas de tamanha intensidade que faria entrar em ação um
rastreador a mil quilômetros de distância.
Quando Steve tinha desenvolvido suas reflexões a este ponto, preocupado sempre
em eliminar eventuais fontes de erros, concluiu que a hipótese de o ser energético ser um
objeto teleguiado poderia ser definitivamente arquivada.
As conseqüências eram evidentes. O monstro devia ser pelo menos um ser semi-
inteligente. A forma pela qual pusera fora de ação Icho Tolot e seus colaboradores,
quando estes puseram as mãos em peças importantes do mecanismo de regulagem, até
indicava que se tratava de uma inteligência que trabalhava para um objetivo definido.
Mas ainda havia alguns pontos obscuros.
De onde tinha vindo o estranho ser? E haveria um meio de modificar seu
comportamento para com os ocupantes da base?
Steve resolveu que por enquanto não comunicaria suas conclusões a ninguém.
Enquanto os homens acreditassem que se tratasse de uma coisa teleguiada de forma
muito eficiente, mas que não possuía vida, ainda se sentiriam mais à vontade para
desempenhar suas tarefas. Ninguém seria capaz de dizer qual seria seu estado de ânimo
quando descobrissem que na verdade se tratava de uma inteligência independente.
Até mesmo Steve não se sentiu muito à vontade ao imaginar que naquele momento
o monstro devia estar escondido nas profundezas da sala dos reatores, acompanhando
atentamente seus movimentos, pronto sempre para investir contra qualquer intruso e
destruí-lo.
Chegou à conclusão de que seria preferível comunicar suas suspeitas ao Tenente-
Coronel Koenig.
Mas Steve não chegaria a pôr em prática esta idéia. Antes que Koenig atendesse ao
chamado de videofone, os acontecimentos começaram a precipitar-se em Califa e nas
áreas adjacentes.
***
Tudo começou quando Icho Tolot, juntamente com seu grupo, quis testar o
mecanismo de bloqueio que acabara de ser montado. Uma vez ligado o sistema de
bloqueio, e desde que este funcionasse perfeitamente, o suprimento de energia do
receptor do transmissor seria interrompido por algum tempo. A terça parte do sistema de
regulagem ficaria praticamente paralisada. O halutense resolvera que na primeira
tentativa a duração do bloqueio seria de dois minutos. Era um tempo suficiente para que
os engenheiros examinassem cuidadosamente todos os componentes do sistema de
regulagem, mas de outro lado não representaria um risco maior para os veículos espaciais
que no momento se dirigissem a Califa através do transmissor. Reginald Bell, que
conhecia os tempos de chegada previstos de todas as naves, com uma diferença de mais
ou menos dez minutos, autorizara Icho Tolot a dar início à experiência, pois verificara
que o próximo veículo só chegaria dentro de duas horas.
A sala de regulagem estava sendo fortemente vigiada, quando o halutense deu o
sinal para o início da experiência crítica. Era bem possível que nestes momentos o ser
energético fizesse outro ataque. A vigilância do pavilhão foi reforçada com mais um
batalhão. Havia novecentos guardas ao todo, que vigiavam todos os acessos e os recintos
vizinhos.
Mas a desgraça já encontrara seu caminho.
No início, o sistema de regulagem nem reagiu quando o bloqueio foi instalado. Por
um minuto os cientistas discutiram apaixonadamente, formulando hipóteses. Icho Tolot
foi o único capaz de manter a calma, realizando cálculos ultra-rápidos com seu cérebro
programador, a fim de descobrir as causas do estranho comportamento que o aparelho
estava assumindo.
Mas nem mesmo ele conseguiu evitar a catástrofe. Antes que chegasse a uma
conclusão, o mecanismo de regulagem começou a esquentar. Numa questão de segundos,
sua temperatura subiu para mais de mil graus. O ar na sala ficou tão quente que vários
engenheiros desmaiaram antes que pudessem pôr-se a salvo, saindo da sala.
O halutense evitou o pior. Com uma alteração estrutural instantânea transformou
seu corpo numa figura cristalina inexpugnável, protegeu-se contra a investida do ar
superaquecido e com movimentos rápidos levou os homens inconscientes ao corredor,
onde já havia membros da equipe sanitária à sua espera. Feito isso, voltou ao inferno
incandescente e desligou o mecanismo de bloqueio, interrompendo o processo de
aquecimento do aparelho. O gigantesco conjunto foi esfriando devagar. Mesmo a um
exame superficial notava-se que várias peças tinham sido danificadas pelo calor.
Dessa forma a experiência de Icho Tolot criou a certeza de que por enquanto nem se
poderia pensar na instalação de um mecanismo de bloqueio. Além disso brindou os
ocupantes da base com um ridículo mecanismo de regulagem avariado, do qual não se
sabia se seria capaz de fornecer ao transmissor as quantidades de energia necessárias ao
processo de recepção e expedição.
Não havia necessidade de quebrar a cabeça sobre a causa do fracasso. Icho Tolot,
que resistira também ao segundo acidente sem sofrer nada, era de opinião que o
mecanismo de regulagem só reagiria adequadamente ao teste se antes disso tivesse sido
devidamente manipulado para este fim. E não havia duvida de que o manipulador era o
ser energético desconhecido.
Sem que ninguém o percebesse, preparara o mecanismo de regulagem de forma a
provocar um superaquecimento do conjunto se o mecanismo de bloqueio fosse ligado.
Era só graças à coragem e à capacidade de reação do halutense que o sistema de
regulagem ainda existia.
Mal Reginald Bell acabara de ouvir o relato preliminar de Icho Tolot, as sereias de
alarme se fizeram ouvir.
O prazo chegara ao fim. Quatro dias depois da primeira investida, os maahks
estavam voltando ao ataque.
***
Desta vez trouxeram cento e onze unidades — o que era um sinal de que atribuíam
o desaparecimento da frota de expedição a uma causa natural. Em sua maioria as naves
que saíam entre os dois sóis traziam uma carga de peças sobressalentes, com as quais se
pretendia consertar o setor de expedição do transmissor.
Reginald Bell não deu tempo para que o inimigo se orientasse sobre a situação
reinante no transmissor Chumbo de Caça. Lançou mão de todas as forças de que
dispunha e esmagou os maahks com a superioridade contra a qual eles não tinham a
menor chance.
A batalha durou menos de uma hora. As unidades terranas, apoiadas pelas pequenas
espaçonaves de Beukla com sua elevada mobilidade, destruíram os cento e onze veículos
dos maahks. As perdas dos terranos e de seus aliados foram iguais a zero.
Foi uma vitória, mas uma vitória que não garantia a tranqüilidade. Reginald Bell
acreditava que, com o conhecimento que possuíam sobre transmissores, os maahks
seriam capazes de ativar dentro de cinco a seis horas um expedidor que não estivesse
funcionando. Conforme as circunstâncias, o tempo até poderia ser menor.
Era o tempo que lhes restava. A quatrocentos mil anos-luz dali, em suas bases
espaciais de Andro-Alfa, os maahks aguardavam o regresso das duas frotas. Se não
voltassem, só poderiam ser levados a acreditar que alguma coisa tinha acontecido no
sistema Chumbo de Caça. Bell tinha certeza de que os maahks raciocinariam mais ou
menos desta forma.
Naquele momento a terceira frota estava preparada para partir. Decolaria assim que
tivesse passado o prazo marcado. Levariam somente alguns segundos para chegar a
Califa, usando o transmissor cujo mecanismo de bloqueio nem mesmo o halutense com
seus formidáveis conhecimentos técnicos conseguira ativar. Pelos cálculos de Bell,
deviam ser milhares de unidades. As dez mil naves de que dispunha, apoiadas pela frota
de mutantes de Beukla, certamente seriam capazes de repelir o terceiro ataque. Mas o que
viesse depois só poderia deixar em grande desvantagem os homens que se encontravam
em Califa.
Neste instante, em que as notícias alarmantes pareciam formar um quadro cada vez
mais sombrio para o futuro, Reginald Bell resolveu ser sincero com seus homens. Levou
pouco menos de vinte minutos falando aos ocupantes de Califa e aos tripulantes das dez
mil espaçonaves.
Deixou claro que nem poderiam pensar em retirar-se de Califa. Havia muita coisa
em jogo. A base tinha de ser mantida enquanto fosse possível. O corpo expedicionário
comandado por Perry Rhodan ainda se encontrava em Andro-Beta. Perry Rhodan e seus
homens não podiam ser abandonados. Enquanto Califa conseguisse defender-se, Perry e
seus homens ainda tinham uma chance de voltar à Via Láctea, usando o transmissor. Se
Califa caísse, estariam isolados.
O fato de que a exposição de Reginald Bell foi recebida com toda calma era um
sinal de que o moral dos homens era bem elevado. A maior parte os homens já sabiam. A
novidade era que por enquanto não havia possibilidade de ativar o sistema de bloqueio do
transmissor.
Tudo ficou em silêncio nos corredores e pavilhões de Califa, nos conveses de
dezenas de milhares de naves espaciais. Uma espécie de obstinada resolução tomou conta
de todo mundo.
***
Steve Kantor encontrava-se nas profundezas do asteróide ao ser informado sobre o
segundo ataque dos maahks. Tentara falar com Koenig pelo videofone. Não conseguira
encontrá-lo em parte alguma. Certamente encontrava-se em uma das posições de
artilharia, coordenando o fogo da frota.
Pelo menos uma hora depois disso a exposição de Bell foi transmitida para a sala
dos reatores. De repente Steve teve a impressão angustiante de ter falhado
miseravelmente. O ser energético impedia a ativação do sistema de bloqueio do
transmissor, e coubera-lhe a obrigação de encontrar o monstro e pô-lo fora de ação,
protegendo Califa contra uma nova investida dos maahks.
Alguém confiara bastante nele para transmitir-lhe esta tarefa. Este alguém colocara
à sua disposição três homens, cujos conhecimentos deviam ser suficientes para resolver
qualquer problema, por mais difícil que fosse. Mas Steve falhara. Nem sequer conseguira
chegar mais perto da solução do problema.
Levantou a cabeça e viu o olhar tranqüilo de Lucas Della Fera.
— Somos mesmo uns palermas — disse Lucas com a voz aguda. — Tivemos mais
de quatro dias, e não conseguimos absolutamente nada. A culpa não é só sua, Steve. Todo
mundo ajudou a estragar a situação.
Lott Warner assentiu com a cabeça. Sid Lippman torcia as mãos e esforçava-se para
olhar para outro lugar.
Neste momento um dos monitores deu o alarme.
***
Mais tarde Steve não saberia dizer como entrara no carro. Menos de dez segundos
deviam ter passado desde que ouvira pela primeira vez o chiado do console de comando,
quando o veículo passava em alta velocidade pela coluna grossa do poço do elevador
antigravitacional, seguindo em direção ao monitor 138. Sid Lippman passara correndo
pelo console e vira que o monitor que tinha entrado em ação realmente era o de número
138.
Os freios do carro rangeram quando este parou junto à base cintilante do campo
energético que cercava a torre do reator. Ali de perto ouvia-se perfeitamente o chiado
desagradável do monitor. Steve soltou um grito de triunfo quando viu a névoa que se
agitava no interior da bolha energética, turbilhonando nervosamente, dando a impressão
de que procuravam desesperadamente uma saída. Imóvel, Steve contemplou o estranho
espetáculo.
Mas logo lembrou-se da tarefa que devia cumprir.
O monstro estava preso, mas as paredes da prisão eram muito fracas. A potência do
projetor transportável não era muito elevada. No seu desespero, o ser energético talvez
conseguisse reunir forças para romper o envoltório energético.
Teria de ser levado para cima. Nos laboratórios havia projetores capazes de
aprisionar até mesmo a energia contida num sol.
Steve saltou de cima do carro. Dirigiu-se a Lott, sem tirar os olhos do envoltório
energético.
— Reduzir o diâmetro! Continuar com a potência máxima.
Lott confirmou o recebimento da ordem. Steve tirou a arma energética que trazia
presa ao cinto e destravou-a para estar preparado para qualquer hipótese. Lucas chegou
perto dele. Fungava de tão nervoso que estava. Steve ouviu-o falar em voz baixa para
dentro do microfone do intercomunicador. Informou os membros da guarda de que o
golpe fora bem-sucedido.
Com os comandos do projetor que Lott passou a manipular, o diâmetro do campo
energético foi diminuindo rapidamente. A gigantesca esfera, que no início cercava
totalmente o reator, foi encolhendo em silêncio. A medida que diminuía, a névoa que se
agitava em seu interior tornava-se cada vez mais densa. Quando o diâmetro da esfera
ficou reduzido a cinco metros, ela assumiu o aspecto de uma porção de água barrenta,
encobrindo totalmente o gerador de plasma que ficava do outro lado do campo
energético.
— Basta reduzir o diâmetro a três metros, Lott — disse Steve. — Assim poderemos
colocar a coisa sobre o carro.
Lott disse alguma coisa em voz rouca. Steve virou-se abruptamente. A figura magra
de Lott estava fortemente inclinada sobre o projetor. Lott mexia nos comandos com
movimentos rápidos e nervosos e soltava pragas.
— Que houve? — perguntou Steve.
— Não dá para girar mais a chave — fungou Lott.
Steve saltou para a plataforma de carga. Lançou um ligeiro olhar preocupado para o
campo energético envolvente, mas a esfera brilhante parecia ser tão estável como antes.
Em seu interior a neblina, que se tornara completamente opaca, executava uma dança
maluca.
— Deixe-me tentar — disse Steve, empurrando Lott. Steve segurou a chave entre os
dedos indicador e polegar e tentou girá-la. Era a chave que regulava o ângulo de abertura
do projetor e, portanto, o diâmetro do campo esférico. Steve sentiu que conseguiu dar um
décimo de volta quase sem encontrar resistência, mas depois disso a chave oferecia uma
resistência cada vez maior à pressão dos dedos, dando a impressão de que estava
enrolando uma fita de borracha, que tentava puxá-la de volta para a posição anterior.
Steve já conhecia o fenômeno. A chave possuía peças metálicas de todos os tipos.
Certamente houvera uma ligação errada no interior do projetor. Qualquer movimento da
chave gerava turbilhões energéticos, que agiam em sentido contrário ao do giro do botão.
Endireitou o corpo. O campo esférico continuava como antes, mas Steve teve a
impressão de que representava um perigo. Se o projetor falhasse, o campo desmoronaria,
libertando o monstro.
— Não é possível reduzir o tamanho mais que isso — disse com a voz rouca. —
Temos de tentar assim mesmo. Vou ver se dou um jeito de colocar a esfera sobre a
plataforma.
Girou cuidadosamente o botão que regulava o alcance do projetor. Ficou aliviado ao
notar que o campo esférico se movimentava. Parecia não encontrar nenhuma resistência
ao passar sobre as saliências no chão e aproximar-se do carro. Steve girou a saída do
projetor para cima. O campo acompanhou o movimento, subindo dois metros do chão.
Nesta altura passou por cima do gradil que cercava a plataforma. Steve recuou um pouco
e passou a manipular a chave com o braço estendido. O contato com o envoltório
energético talvez não causasse a morte, mas poderia produzir queimaduras ou choques
elétricos.
Por algum tempo Steve ficou tão ocupado manipulando o projetor que não pôde
ficar de olho no campo energético. Fez um esforço para dirigir a esfera de tal maneira que
passasse rente à plataforma de carga, sem entrar em contato com ela. Só assim o
transporte poderia ser feito em segurança.
Pensou que já tinha conseguido, quando de repente ouviu um zumbido. Virou-se
abruptamente e viu a chave que pouco antes tentara virar girar loucamente em torno do
próprio eixo. Instintivamente deu um salto para o lado e rolou para o chão. Viu pelo canto
dos olhos o campo esférico aumentar numa questão de segundos, transformando-se numa
figura enorme.
Caiu e por alguns segundos teve de lutar para não ficar atordoado. De repente ouviu
Sid dar um grito de pavor. Isto o ajudou a ficar de pé. De arma energética em punho, viu
o envoltório cintilante bem à sua frente. Crescera tanto que até parecia tocar o teto do
pavilhão. Steve recuou. Gritou para que os outros se colocassem em segurança, mas não
via sinal de Lott ou Sid. Não sabia se estes o ouviam.
O campo energético parecia interessado em pegá-lo. A névoa que havia em seu
interior ficara tão rarefeita que quase não se via mais. Antes que compreendesse muito
bem o que estava acontecendo, Steve deu-se conta de que o diâmetro do campo
energético era dez vezes maior do que poderia ter sido com a regulagem do projetor.
E o tamanho continuava a aumentar. As faixas ondulantes das descargas elétricas
corriam junto ao teto, quando o campo energético entrou em contato com a rocha maciça.
Mas nem por isso a esfera parou de crescer. Em vez de aumentar para cima, dilatava-se
para os lados, transformando-se numa figura elíptica. O envoltório energético
aproximava-se de Steve muito mais depressa do que ele poderia recuar para fugir ao
perigo. Girou resolutamente sobre os calcanhares e saiu correndo o mais depressa que
podia.
Depois de ter corrido alguns metros, olhou para trás e viu que a distância continuava
a diminuir. Passou por baixo de um dos canais de plasma que ligava um gerador com um
reator. Mas o envoltório superou este obstáculo. Por alguns segundos o canal foi cercado
pelo fogo de artifício colorido das descargas elétricas, mas logo a parede cintilante
chegou mais perto de Steve do que antes.
Steve fez um esforço tremendo, precipitando-se para a frente, com uma dor
lancinante nos pulmões maltratados. Sentiu os músculos se contraírem. Não agüentaria
correr mais muito tempo. Viu anéis coloridos dançando diante de seus olhos e ouvia o
sangue zumbir em seus ouvidos que nem uma gigantesca queda de água.
Caiu de bruços. As pernas recusaram-se a obedecer. Bateu com o rosto e por um
instante sentiu o sabor salgado do sangue na língua.
Girou para ficar de costas o mais rápido que pôde. A parede cintilante do campo
energético estendia-se bem em cima dele. Fez um esforço tremendo para levantar o braço
e dar um tiro com a pistola energética, que por milagre ainda segurava na mão. O campo
envolvente refletiu a energia contida no raio fortemente enfeixado. Uma lufada sufocante
de ar superaquecido bateu no rosto de Steve.
Instintivamente este fechou os olhos.
Sentiu uma coisa macia e suave que o envolvia. Por um instante sentiu um estranho
bem-estar. Era como se mergulhasse numa banheira cheia de água morna.
Logo perdeu os sentidos.
***
Quando acordou, sentiu-se forte e recuperado como se tivesse dormido
profundamente durante dez horas. Não teve a menor dificuldade de lembrar-se do que
tinha acontecido. Sabia que fora alcançado pelo campo esférico e que ficara inconsciente
por causa do contato com o campo energético.
Mas foi bem mais difícil combinar suas recordações com o ambiente em que
repentinamente se encontrava.
Não conhecia a sala em que estava. Nem era capaz de afirmar à primeira vista se
realmente se tratava de uma sala no sentido literal da palavra. Não se via paredes, nem o
chão, nem o teto. Uma luz leitosa vermelha enchia o ambiente. A intensidade da
gravitação era aquela a que estava acostumado, e o senso de equilíbrio lhe dizia que se
encontrava em posição horizontal. Foi incapaz de descobrir qual era a base que o
mantinha nesta posição. Estendeu os braços e apalpou os arredores, mas suas mãos não
encontraram resistência onde quer que as pusesse. Quando fazia movimentos rápidos com
as mãos, sentia o ar passar entre os dedos. O ar e seu corpo pareciam ser as únicas
porções de matéria existentes no grande abismo vermelho.
Atordoado, procurou erguer-se. Não houve nenhuma dificuldade. Ficou de pé, mas
não sentiu a pressão que costumava experimentar quando pisava em chão firme.
Deu alguns passos. Notou que naquele ambiente sem contornos fixos não conseguia
controlar seus movimentos. Quando dava um passo, ficava sem saber se realmente estava
saindo do lugar. Revirou seus bolsos e descobriu uma ferramenta versátil, em forma de
canivete. Segurou-a na mão, estendeu o braço e abriu os dedos. A ferramenta continuou
no mesmo lugar em que ele a soltara, embora aparentemente não houvesse nada que a
segurasse.
Steve fez mais uma tentativa de andar. Quando tinha dado cinco passos, mal
conseguia distinguir a ferramenta em meio à penumbra leitosa. Voltou e pegou-a.
Ninguém sabia se a ferramenta não poderia ser-lhe útil.
Começou a acostumar-se à idéia de que o incidente ocorrido na sala de reatores o
arremessara para um ambiente completamente desconhecido. Não tinha certeza se ainda
estava em Califa. Deu uma olhada no relógio de pulso e verificou que desde o momento
em que o monitor 138 deu o sinal só tinham passado vinte minutos. Era um tempo muito
curto para que pudesse encontrar-se muito longe de Califa, mas tinha certeza de que o
recinto em cujo interior se encontrava não ficava no asteróide.
O que teria acontecido com seus companheiros? Será que também estavam ali?
Steve resolveu ficar parado, porque os passos que dava não o levavam a lugar algum, e
começou a chamar os nomes dos três companheiros. No início chamou a meia-voz, e
sentiu que as ondas sonoras eram absorvidas pelo meio condutor sombrio e viscoso.
Teve a impressão de encontrar-se num cubículo à prova do som. Chamou mais alto,
mas tudo continuou na mesma. O som perdia-se no ar compacto. Steve teve certeza de
que a dez metros de distância sua voz não podia ser ouvida.
De repente o eco atingiu seus ouvidos. Foi um som abafado, medonho, que fez com
que sentisse um calafrio na espinha. Ouviu os nomes dos companheiros, na mesma ordem
em que ele os chamara. Só podia tratar-se do eco de sua voz, embora não tivesse
reconhecido o tom da mesma.
Pôs-se a escutar. Depois de algum tempo um segundo eco, mais fraco, parecia vir de
outra direção. Seguiu-se um terceiro, um quarto, numa seqüência cada vez mais rápida,
como se se encontrasse no foco de um espelho parabólico acústico, que fizesse retornar
todos os ruídos ao ponto de origem.
Aos poucos o barulho foi diminuindo. Os ecos múltiplos começaram a apagar-se.
Steve sentiu-se mais calmo e confiante, quando finalmente os ruídos cessaram de vez,
fazendo retornar o silêncio que antes enchia o ambiente. O eco tinha algo de
fantasmagórico. Não tinha certeza se voltaria a tentar chamar seus companheiros. O eco o
deixava assustado.
De qualquer maneira não tinha dúvida de que qualquer pessoa que se encontrasse na
sala mergulhada numa penumbra vermelha teria ouvido seus chamados. Se Lucas, Sid ou
Lott também tivessem sido levados para lá, os ecos não teriam escapado à sua atenção.
Era provável que dentro de alguns minutos ouviria uma resposta.
Um som primitivo e estertorante saiu do nada leitoso e literalmente investiu contra
Steve. Virou-se apavorado. Pôs a mão na arma energética, que estranhamente voltara ao
cinto. Estreitou os olhos, pois teve a impressão de que assim enxergaria melhor, e
descobriu uma mancha escura na neblina, bem à sua frente. A mancha aumentava
rapidamente, dando a impressão de que se aproximava em alta velocidade.
O grito estertorante voltou a fazer-se ouvir. Desta vez era bem mais forte. Steve
teve a impressão de ter reconhecido a voz de Sid Lippman. O eco distorcia os sons, mas
Sid tinha uma forma bem peculiar de gritar. Steve saiu andando na direção em que estava
a mancha escura. Chegou mais perto e identificou os contornos de uma figura humana.
Dava saltos grotescos, agitando os braços e jogando as pernas bem para a frente. O grito
fez-se ouvir pela terceira vez, mas desta vez Steve já estava bem perto e em vez do eco
ouviu o som da voz. Não havia dúvida de que era Sid Lippman. Steve saiu correndo. Era
estranho que conseguisse deslocar-se em linha reta, embora não houvesse chão firme sob
os pés. Agarrou Sid pelos ombros quando este se dispunha a dar mais um salto.
— Cale a boca! — gritou. — Sou eu, Steve. Ouviu? Estou perto de você.
Sid contorcia-se sob suas mãos.
— Solte-me! — gritou.
Steve tinha certeza de que Sid não o reconhecera. Seu rosto estava coberto de suor.
Tremia e esperneava como se estivesse sentindo dores horríveis. Estava com os olhos
arregalados de medo, mas as pupilas pareciam fitar o vazio.
Steve não teve alternativa. Tomou impulso com o braço e golpeou o rosto de Sid
com a mão espalmada. Sid soltou um grito.
— Largue-me! Não quero... não quero dizer nada. Você não... não é você que pode
interrogar-me...
De repente o corpo de Sid amoleceu. Não ofereceu mais nenhuma resistência e
Steve passou a segurá-lo com menos força. Sid tombou para a frente e ficou jogado,
imóvel, dando a impressão de que havia um chão invisível em que seu corpo se apoiava.
Ficara inconsciente. Steve viu que sua respiração era tão forte que o tórax subia e descia
rapidamente.
As palavras que acabara de ouvir de Sid deram-lhe o que pensar. Enquanto o eco
dos gritos furiosos rugia sobre sua cabeça, Steve tentou compreender o que ele dissera:
“— Não é você que pode interrogar-me”.
Será que os nervos de Sid se tinham descontrolado? Estava tendo alucinações?
Ou havia alguém que queria interrogá-lo?
Foi antes uma impressão que uma percepção que levou Steve a virar a cabeça. Dois
vultos estavam saindo da névoa vermelha. Caminhavam lado a lado, conforme pareciam
ter feito toda a vida, e o estranho ambiente não parecia interferir em sua calma estóica.
Lucas Della Fera e Lott Warner não se lembravam de jamais terem experimentado
um alívio tão forte como naquele momento.
— Ouvimos os gritos — grasnou a voz aguda de Lucas. — Orientamo-nos por eles.
Lott ajoelhou-se sem dizer uma palavra e pôs-se a examinar Sid. Depois de algum
tempo sacudiu a cabeça e levantou-se.
— O que houve com ele? — perguntou, espantado.
— Bem que eu gostaria de saber — suspirou Steve. — Teve a impressão...
Interrompeu-se no meio da frase, pois teve a impressão de ter ouvido um ruído.
Parecia alguém chamando seu nome bem de longe. Aí estava de novo!
— Alguém ouviu? — perguntou, apressado.
— Ouviu o quê?
Steve fez um sinal. Pela terceira vez ouviu seu nome ser chamado por uma voz
distante e suave, que ninguém mais escutava. De repente deu-se conta de uma porção de
coisas. Por exemplo, do motivo por que Sid gritava tão desesperadamente. Certamente
também ouvira a voz. Provavelmente esta lhe fizera algumas perguntas. Sid percebera
que não se tratava mesmo de uma voz, mas de um pensamento formado em seu cérebro, e
de tão assustado que ficou perdeu o autocontrole.
— Steve...!
O impulso estranho foi penetrando lenta e cautelosamente em seu consciente. Até
parecia que a reação de Sid deixara prevenido o desconhecido, que resolvera agir com
mais cuidado. Steve não teve medo. Somente experimentou um ligeiro sobressalto
provocado pela impressão de ser o primeiro que entrava em contato mental com um ser
terrivelmente estranho.
Resolveu ter cuidado. Não sabia quem era este desconhecido e quais eram suas
intenções. Provavelmente se tratava do ser energético que andaram caçando. Era
perfeitamente possível que suas intenções fossem hostis.
— Não! — disse a inteligência estranha claramente.
Steve assustou-se. O ser desconhecido possuía faculdades tremendas. Era capaz de
ler todos os seus pensamentos.
— Isto mesmo — ouviu Steve. — Sou capaz de ler seus pensamentos.
Fechou os olhos para concentrar-se melhor. A última coisa que viu foram os rostos
de Lucas e Lott, que o espanto indizível transformara em máscaras.
— Não tenha medo — prosseguiu o ser estranho. Parecia ter chegado mais perto, ou
tinha outro meio de tornar mais audíveis seus impulsos mentais. — Ultimamente parece
ter havido uma série de mal-entendidos. Mas isto já passou. Seus pensamentos me
revelaram a realidade.
Steve estava nervoso. Trazia centenas de perguntas na ponta da língua, mas estava
tão confuso que não sabia qual delas deveria formular em primeiro lugar. Finalmente
escolheu aquela que acabara de aflorar em sua consciência.
— Onde estou?
— Não compreendo — respondeu o desconhecido. — Suas palavras representam
uma indagação e uma afirmação ao mesmo tempo.
Steve estava cada vez mais confuso. A pergunta que acabara de fazer era clara e
bem compreensível. Será que não soubera articular devidamente seus pensamentos?
— Já começo a compreender — fez-se ouvir a voz. — Você perguntou: Onde
estou? Talvez quisesse dizer: Estou aqui. Onde é aqui?
Steve sacudiu a cabeça. Era um gesto de embaraço, pois mesmo que o desconhecido
o visse, não saberia o que significava este gesto humano.
— Não. A pergunta é: Onde estou neste momento?
Esta formulação não parecia representar nenhuma dificuldade para o desconhecido.
— É a mesma coisa — reconheceu. — Você se encontra no recinto em que costumo
ficar escondido quando estou em perigo.
Talvez fosse uma resposta lógica para quem a estava dando, mas Steve não
compreendeu seu significado.
— Onde fica isso? — perguntou, apressando-se em acrescentar: — Quero dizer,
onde fica em relação aos outros recintos? Da última vez que estou lembrado estávamos
no interior de um asteróide chamado de Califa. A que distância estamos do asteróide?
Formulou os pensamentos, pronunciando as respectivas palavras em sua
imaginação. Não sabia se era este o melhor meio de comunicar-se com um telepata. De
qualquer maneira, era a melhor maneira de articular os pensamentos de que era capaz.
— Você ainda se encontra no astro ao qual deu o nome de... (o nome não passou de
um impulso vago e confuso). Meu esconderijo fica embaixo do recinto que vocês
chamam de sala dos reatores, nas imediações do centro de gravidade do astro.
Era uma resposta clara e facilmente compreensível. Tinha certa semelhança com a
reação de um computador positrônico. Realmente parecia que a lógica do desconhecido
seguia suas próprias regras.
— Quem representa um perigo para você? — perguntou Steve.
— Negativo — respondeu o ser. — Minha memória não chega até lá. Mas sei que
alguém já tentou destruir-me. Quando você e seus semelhantes chegaram, pensei que
fossem os mesmos que me atacaram no passado. Era o que indicava seu comportamento.
Mas já vejo que estava enganado. Suas intenções não são estas.
De repente Steve teve uma estranha idéia. Antes que o desconhecido tivesse tempo
de decifrar seus pensamentos confusos, perguntou em tom apressado:
— Quem é você?
O desconhecido não titubeou. Sua resposta foi bem clara, e os pensamentos
estranhos ressoaram no cérebro de Steve que nem o ribombar de um sino:
— Sou aquele que vocês chamam de mecanismo de regulagem!
6

Cinco horas depois da batalha ligeira na qual foram destruídas cento e onze naves
maahks, o campo do transmissor situado entre os dois sóis gigantes voltou a iluminar-se.
As sereias de alarme soaram. As descargas gigantescas do transmissor, projetadas nas
telas de imagem que mostravam os arredores do asteróide, pareciam antes as línguas de
fogo do apocalipse. As naves inimigas foram saindo uma após a outra do campo do
transmissor e precipitaram-se sobre o planetóide.
Reginald Bell mudara de tática. A maior parte da frota de vigilância continuava nos
esconderijos, no interior do anel de asteróides, à espera do momento mais apropriado
para o ataque. Mas uma frota de oitocentas unidades pesadas, que se achava estacionada
oblíqua mente acima da rota dos maahks, avançou assim que surgiram as primeiras naves
inimigas. O transmissor funcionava com uma rapidez surpreendente, expelindo dez ou
mais naves inimigas por segundo. Foram atacadas pelas oitocentas naves antes que
tivessem tempo para orientar-se.
Foi o lance decisivo. A batalha de Califa teria sido perdida para os terranos, se o
grupo de oitocentas naves não tivesse destruído inúmeras unidades antes que o inimigo
pudesse entrar em formação de combate.
A confusão estabeleceu-se entre os maahks. Sua ordem de batalha desmanchou-se.
Não havia dúvida de que os comandantes das diversas naves tinham recebido instruções
para assumir determinada posição assim que saíssem do transmissor, e esperar que toda a
frota se reunisse. Mas não lhes deram tempo para isso. Cada veículo teve de confrontar-se
com um inimigo que atirava desesperadamente, mal tinha saído do campo do transmissor.
Quando o transmissor encerrou sua atividade, quatrocentas naves maahks vagavam
pelo anel de asteróides, transformadas em destroços ou nuvens de gases fumegantes.
Outras cem unidades, levadas pelo choque do ataque de surpresa, voaram de volta para o
campo de condensação situado entre os dois sóis, para serem transportadas ao sistema de
Gêmeos pelo transmissor que tivera a polarização invertida.
O restante da frota, que ainda era um grupo imponente de seis mil naves, da classe
mais pesada que um terrano já tinha visto, avançou para Califa. Cada veículo estava
cercado por um campo defensivo verde, cuja estrutura os cientistas terranos só tinham
determinado há pouco tempo. As cinco mil naves da frota primitiva de Califa estavam
equipadas com armamentos capazes de romper os campos defensivos dos maahks. As
demais naves da frota, que Reginald Bell só convocara há dois dias, ainda não tinham
sido equipadas com estes armamentos. Cinco das dez mil unidades terranas estavam em
situação de evidente inferioridade diante dos maahks, além das pequenas unidades de
Beukla, que sem sua incrível mobilidade não teriam a menor chance de vez por outra
desferir um golpe de surpresa.
Surgiu outro problema. Por enquanto os terranos estavam perfeitamente em
condições de medir-se com o inimigo — ou até gozavam de uma boa superioridade sobre
o mesmo, graças ao moral, resultante da certeza de que o destino da Terra estava em
jogo. Mas para aproveitar essa superioridade precisariam de espaço para operar. A
distância entre a saída do transmissor dos dois sóis e o asteróide Califa não era superior a
cinqüenta milhões de quilômetros. As naves inimigas eram expelidas pelo transmissor a
uma velocidade que por vezes chegava a vinte mil quilômetros por segundo. O poder de
combate da frota de guerra teria de ser muito superior, para deter um inimigo
praticamente igual em forças a uma distância tão reduzida e até obrigá-lo a bater em
retirada.
A frota de vigilância fez tudo que estava ao seu alcance. Sem preocupar-se com a
própria sorte, as unidades terranas precipitaram-se sobre a frota inimiga, isoladamente ou
em grupos. Cada avanço transformava dezenas de naves inimigas em bolas de fogo
reluzentes. Centenas de naves maahks sofreram avarias tão graves que se viram obrigadas
a separar-se dos grupos a que pertenciam, transformando-se em vítimas fáceis das naves
que ainda não tinham seu equipamento mudado.
Mas apesar do heroísmo das tripulações terranas não foi possível deter os maahks
antes que fosse tarde. Avançavam obstinadamente em direção a Califa, sem dar atenção
às tremendas perdas que sofriam. Seu número ficara reduzido a menos de metade quando
as naves estavam a menos de um quilômetro de Califa e pela primeira vez ficaram
expostas ao fogo dos fortes instalados na superfície do asteróide.
Por um instante teve-se a impressão de que o fogo fulminante despejado pelos fortes
de Califa, que destruía duas unidades por segundo, finalmente seria capaz de quebrar a
obstinação dos maahks. O avanço interrompeu-se por dois minutos, nos quais perderam
cerca de trezentas unidades. Mas logo se espalharam para os lados, dividiram-se em
grupos menores e passaram a avançar de várias direções para o asteróide que servia de
base aos terranos.
Foi quando Bell reconheceu que a batalha estava perdida. A frota de vigilância e os
fortes juntos talvez fossem capazes de destruir mais mil, ou até mil e quinhentas unidades
inimigas, antes que se encontrassem bem em cima de Califa. Restariam pelo menos
quinhentas naves inimigas, que abririam fogo cruzado sobre o planetóide.
Furioso, Reginald Bell mordeu os lábios e tentou conformar-se com a idéia de que
não lhe restava mais muito tempo de vida.
***
Steve flutuava numa nuvem de irrealidade. Esquecera as coisas que o cercavam.
Continuou com os olhos fechados, para não distrair a atenção. Mantinha contato
telepático com uma máquina — ou, o que era pior, com o espírito de uma máquina. Fez
um esforço para não pensar nisso. A idéia o deixava confuso.
Apesar de tudo, teve suas dúvidas do que estava ouvindo. Uma vez superado o
choque causado pela surpresa sem limites, começou a fazer perguntas. Queria saber de
que forma o sistema de regulagem tinha criado sua própria inteligência.
A máquina não soube informar nada sobre isto. Não tinha conhecimento sobre o
começo de seu ser, da mesma forma que os primeiros anos de vida são desconhecidos ao
ser humano.
— No início fiquei desorientado — ouviu Steve quando o ser desconhecido
começou a relatar o que havia acontecido numa época que mal e mal era alcançada por
sua memória. — Estava preso no interior de um objeto metálico. Era capaz de pensar,
tomar decisões e cumprir estas decisões através de mecanismos de controle pertencentes
ao objeto metálico. Mas estava preso.
“Comecei a aprender. Recolhi informações, fazendo experiências. Descobri certas
informações que sempre possuía, sem conhecer seu significado. E comecei a usar as
energias tremendas que atravessavam minha prisão metálica para criar um corpo. Até
então não passava de um pensamento, e o pensamento sempre continua no lugar em que
é gerado. Se possuísse um corpo, seria capaz de abandonar minha jaula metálica.
“Levei muito tempo, mas finalmente consegui. Pude movimentar-me. Pela primeira
vez pude explorar o mundo no qual me encontrava. Meu corpo não era formado por
metal ou qualquer das substâncias que se encontravam em volta de mim. Sua estrutura
era exatamente igual à da estrutura que fluía através de minha pressão.
“Receei que o ataque que por pouco não me destruíra fosse repetido. Realizei
pesquisas para detectar a presença de outros seres pensantes, mas por mais que
procurasse, não encontrei nenhum.
“Finalmente vocês chegaram. Tive certeza de que tinham vindo para concluir a
obra que fora começada. É bem verdade que não compreendi o que estavam fazendo. No
início não fizeram nada que pudesse representar um perigo para mim.
“Meu medo foi passando. Comecei a admitir a possibilidade de que pudessem
existir três espécies de seres — eu, o inimigo e vocês. Tentei entrar em contato com
vocês. Eram diferentes de mim. Se quisesse comunicar-me com vocês, teria de assumir
seu aspecto. A forma de minha substância física pode ser facilmente modificada. Imitei o
corpo de vocês. Dirigi-me a um lugar em que muitos de vocês ficam deitados em certos
períodos em recintos pequenos.”
O desconhecido sentiu a surpresa que atravessou a mente de Steve e hesitou.
— Foi de mim que você tentou aproximar-se — afirmou. — Pensei que fosse um
monstro. A imitação não foi muito bem-feita.
— Foi o que notei. Não consegui estabelecer contato. Tentei atingi-lo com meus
pensamentos, mas você estava tão nervoso que não consegui penetrar em sua mente.
“Finalmente vocês começaram a trabalhar com a figura metálica que já tinha sido
minha prisão. O metal não significava nada para mim, mas vocês passaram a mexer nos
mecanismos que antigamente dirigiam meus pensamentos e aos quais retornava para
descansar por algum tempo. Não podia permitir que danificassem estes mecanismos.
Expulsei-os. Sabia que voltariam para prosseguir no trabalho. Estavam interessados em
determinado aparelho. Apliquei nele um tratamento que faria com que, caso voltassem a
mexer nele, toda a figura metálica seria destruída.
“Depois vocês passaram a caçar-me. Senti o círculo fechar-se cada vez mais em
tomo de mim. Vocês quiseram colocar-me fora de ação, mas subestimaram minhas
forças. Não me poderiam fazer nada, pois sou mais forte que vocês.”
Os pensamentos estranhos silenciaram. Steve demorou algum tempo para
responder.
— Você é forte e pode destruir-nos. Mas há muita coisa que nós sabemos e você
não sabe. Mexemos na figura metálica para evitar a chegada daqueles que querem matá-
lo.
A pergunta cheia de surpresa penetrou violentamente em seu consciente:
— Como pretendem fazer isso?
— Sabe para onde correm as energias encerradas em sua jaula metálica?
— Já as segui e fui parar num mundo desconhecido. Tive medo e voltei.
— Pelo mesmo caminho que você voltou seus inimigos podem chegar aqui. Sua
substância é diferente, mas o meio de transporte é o mesmo. É impossível impedir sua
chegada, a não ser que a gente ponha em atividade o aparelho de que você acaba de falar.
Sabe como funciona?
— Sei tudo — respondeu o ser. — O aparelho exerce sua influência sobre o fluxo
de energia com as quais em outros tempos criei meu corpo.
— Isso mesmo! — apressou-se Steve em dizer. — O fluxo de energia, por sua vez,
exerce sua influência sobre o processo de transporte que o levou a um mundo
desconhecido e o trouxe de volta. Seus inimigos, que também são nossos inimigos,
podem chegar aqui pelo mesmo caminho usado por você. Tentamos proteger-nos contra
eles, regulando o fluxo de energia de tal forma que o transporte é impedido.
Estava muito exaltado. Os pensamentos vieram tão depressa que não conseguiu
articulá-los. Não tinha certeza de que o ser desconhecido o tinha compreendido. Dera a
entender que acreditava em suas palavras. Era bastante inteligente para saber que os
pensamentos não mentem. Será que continuaria a confiar nele? Estaria disposto a
acreditar que seus inimigos também eram inimigos dos terranos? Chegara mesmo a
compreender o que ele tentara explicar?
Steve sentiu-se dominado por um nervosismo dilacerante. Onde estava a resposta?
***
Um lance imaginado durante a batalha pelo comandante da terceira frota de
vigilância trouxe a virada decisiva na luta. Com o consentimento de Reginald Bell, a
terceira frota reuniu todas as naves sem equipamento e o grupo de naves de Beukla e
realizou um avanço fulminante, que lhe custou mais de trezentas naves, sobre um dos
grupos em que se dividira a frota dos maahks.
Isso aconteceu num setor espacial que estava fora do alcance dos cinco grupos
restantes de naves maahks.
A terceira frota prosseguiu em direção a Califa, conforme tentara fazer o grupo de
naves inimigas que acabavam de ser destruídas. Quando o círculo se fechou em torno do
asteróide, a frota terrana apareceu nas telas das naves maahks que restavam. Mas os
comandantes destas não tinham motivo para acreditar que se tratasse de unidades
inimigas. A distância era tão grande que os ecos projetados nas telas não permitiam que
se reconhecesse o formato das espaçonaves.
O grande momento da terceira frota chegou quando os maahks deram início ao
ataque concentrado a Califa. Que nem lobos que acabavam de tirar as peles de cordeiro,
as quatrocentas unidades penetraram entre os grupos compactos do inimigo, que seguiam
em direção ao asteróide, seguros da vitória. Enquanto o resto da frota de vigilância
mantinha o inimigo plenamente ocupado na periferia do anel formado em torno de Califa,
a terceira frota começou a fazer a limpeza de dentro para fora.
O choque da surpresa causada pelo fato de ver o inimigo surgir bem no meio de
suas fileiras acabou de vez com o moral dos maahks. Não se tinham esquecido das perdas
tremendas que já haviam sofrido. Quando a terceira frota passou a desenvolver sua ação
fulminante em suas próprias fileiras, perderam a esperança de vez.
Ainda se defenderam. Se ainda possuíssem as naves destruídas nos primeiros doze
minutos pelo destacamento avançado dos terranos, a terceira frota provavelmente teria
sido dizimada.
Mas na situação em que se encontravam os maahks preferiram fugir. Precipitaram-
se numa confusão completa sobre o transmissor, e mal foram capazes de oferecer
qualquer resistência às unidades da frota de vigilância que se precipitavam sobre elas que
nem gaviões. Perderam mais quinhentas unidades, antes que o transmissor os acolhesse e
os transportasse para Gêmeos, de onde jamais poderiam escapar.
***
Fazia dez horas que Reginald Bell não saía do lugar que ocupava atrás do console
de comando. Quando a última nave maahk entrou no transmissor e desapareceu, sentiu de
repente o cansaço que pesava sobre seu corpo.
Tomou um medicamento para espantar o cansaço. Dentro de duas horas no máximo
apareceria o próximo grupo de naves maahks. O último grupo, retificou em pensamento,
pois a frota de vigilância fortemente dizimada não seria capaz de repelir mais um ataque.
A batalha em tomo de Califa já custara mil e duzentas unidades a Reginald Bell.
Um terço delas era formado por naves especialmente equipadas, cujos canhões eram
capazes de romper os campos defensivos verdes dos maahks. As perdas de Beukla
certamente tinham sido bem maiores. Os mutantes tinham entrado na luta que nem um
bando de vespas enfurecidas e foram dizimados às centenas.
A frota de vigilância reagrupou-se e voltou aos antigos esconderijos. O sistema
Chumbo de Caça continuava de prontidão. Os minutos de pausa que lhes restavam antes
do grande ataque foram tiquetaqueando preguiçosamente. Reginald Bell pôde dar-se ao
luxo de tomar algumas xícaras de café e um lanche preparado às pressas. Não saiu do
lugar. Um ordenança lhe trouxe tudo numa bandeja.
Ainda não ingerira o primeiro bocado, quando alguém quis falar com ele no
intercomunicador. O rosto do Tenente-Coronel Koenig apareceu na tela. Parecia confuso
e preocupado.
— Senhor, há alguns minutos as áreas adjacentes à sala de regulagem foram
bloqueadas por um campo energético — principiou, indo diretamente ao assunto. — Os
homens pertencentes ao batalhão de guardas perceberam de repente que uma força
desconhecida os empurrava. A força só deixou de atuar quando cada um dos homens se
encontrava a pelo menos cem metros do aparelho de regulagem. Os homens tentaram
avançar de novo, mas esbarraram no campo energético, que é completamente
impenetrável e não é afetado pelas armas.
Se a notícia surpreendeu Reginald Bell, ele não o mostrou. Enfiou calmamente um
pedaço de sanduíche na boca e pôs-se a mastigar. Olhava ininterruptamente para Koenig,
que começou a ficar nervoso. Bell tomou um gole de café e pigarreou.
— Isso já não importa, Koenig — disse, calmo. — Os maahks voltarão dentro de
uma hora e meia, com quinze a vinte mil unidades, pelos meus cálculos, e o fato de o
sistema de regulagem ser ou não cercado por uma barreira energética não pode exercer
nenhuma influência sobre o resultado da batalha.
Koenig não estava preparado para esta reação. Deixou cair o queixo.
— Mas...
— Já sei — disse Bell com um gesto calmo. — Seria interessante saber como o
campo energético foi aparecer nesse lugar. Provavelmente foi criado pelo ser energético
que não conhecemos. Gostaríamos de saber quais são suas intenções. Mas não temos
tempo para isso, Koenig. Procure compreender.
Koenig parecia deprimido.
— Compreendo, sim senhor.
A tela escureceu. Reginald Bell voltou a cuidar do seu lanche. Comeu com o apetite
de um homem que aprendera numa experiência de mais de quatrocentos e cinqüenta anos
que a calma nos ajuda mais que o nervosismo a suportar um destino que não podemos
evitar.
***
— Terminou — ouviu Steve Kantor. — A obra foi concluída.
As últimas horas pareciam um sonho. O ser estranho prometera seu auxílio. Levou
Steve e seus companheiros diretamente à sala de regulagem, atravessando canais que
passavam pela matéria sólida e se fechavam assim que tinham passado. Sid Lippman
recuperara os sentidos. Depois de um ataque de histeria, mergulhara num estado de
letargia total. O ser desconhecido, que flutuava sobre o sistema de regulagem que nem
um véu delgado, obrigara as tropas de vigilância a afastar-se das áreas adjacentes da sala
de regulagem. Depois pusera-se a trabalhar. As peças deformadas, semiderretidas da
periferia do aparelho voltaram a assumir sua forma primitiva. Enquanto a névoa fina que
o estranho ser passara a formar penetrava lentamente no interior do gigantesco aparelho,
várias peças se desprenderam inexplicavelmente e desceram ao chão. Uma força invisível
manipulava estas peças, desmontava-as, voltava a montá-las e as ligava entre si.
Finalmente elas voltaram para o interior do sistema de regulagem.
Sid Lippman estava agachado perto da porta, sem tomar conhecimento do que
estava acontecendo. Steve, Lott e Lucas estavam parados junto ao revestimento do
conjunto de regulagem, acompanhando os acontecimentos com olhos que lacrimejavam
de tanta incredulidade diante do que viam.
Finalmente Steve captou um impulso mental que lhe dizia que a obra fora
concluída.
— Quer ir conosco? — perguntou Steve.
— Não — respondeu o ser. — Vocês e eu... nós pertencemos a espécies diferentes.
Voltarei ao meu esconderijo.
— Não precisa esconder-se mais — insistiu Steve. — Somos amigos, se é que você
entende o que significa isto.
Houve um silêncio completo. Steve sentiu alguma coisa remexer levemente em seus
pensamentos, como se o ser desconhecido quisesse descobrir o que estes significavam.
— Você pode aprender alguma coisa conosco — prosseguiu Steve. — E nós
podemos aprender com você. Você não sabe nada a respeito do mundo...
Seus pensamentos foram interrompidos por um impulso estranho.
— Irei com vocês.
***
Faltavam dez minutos para que o prazo de duas horas, previsto por Reginald Bell,
chegasse ao fim, quando a concentração de energia que se estendia entre os dois sóis
emitiu uma luminosidade bruxuleante. Bell ficou estarrecido atrás de seu console. O
momento decisivo chegara. Era uma sensação estranha poder calcular com a precisão de
um minuto quanto tempo de vida restava à gente.
Foi quando aconteceu o milagre. O espaço que se estendia à frente dos dois sóis
continuou vazio. O transmissor chamejava sob o impacto constante de inúmeros impulsos
de transporte, mas nem uma única nave inimiga penetrou no sistema Chumbo de Caça.
Até mesmo Reginald Bell levou alguns segundos para acreditar no que seus olhos viam.
O receptor do transmissor fora bloqueado! A passagem para Califa tinha sido
fechada ao inimigo. Suas naves eram arremessadas de volta para o ponto de partida. Bell
tentou imaginar como seriam quando chegassem lá. Talvez estivessem semidestroçadas,
com os tripulantes mortos ou inconscientes por causa da descontrolada transição em
sentido inverso.
Aos poucos a idéia de que isso representava a vitória foi-se espalhando. Os maahks
nunca mais se atreveriam a usar um transmissor bloqueado. A base estava salva. O
Império saíra vitorioso da batalha de Califa!
Reginald Bell sabia pensar com lógica. Apesar do entusiasmo que sentia, gostaria
de saber quem bloqueara o transmissor.
Finalmente o bruxulear do campo de energia condensada parou. O rastreamento
registrara um total de dezoito mil impulsos. Teria sido o fim de Califa, se o bloqueio não
tivesse funcionado.
Ainda não fazia cinco minutos que o transmissor se iluminara pela primeira vez,
quando um ordenança se aproximou de Reginald Bell e em meio ao entusiasmo
generalizado gritou que havia cinco homens que queriam falar com ele. Bell deu ordem
para que fossem trazidos à sua presença.
Reconheceu Steve Kantor, o chefe do grupo incumbido de procurar o ser
energético. Os outros deviam ser membros do mesmo grupo. Mas Bell lembrava-se
perfeitamente de que o grupo, incluindo Kantor, não era formado por mais de quatro
homens. Examinou os homens um por um e constatou, surpreso, que um deles tinha uma
semelhança extraordinária com Steve Kantor.
— Quem é este? — perguntou sem rebuços, apontando para o sósia de Kantor.
Steve Kantor sorriu. Em torno dele os oficiais da sala de comando dançavam de
alegria. Teve de fazer um grande esforço para comunicar-se.
Reginald Bell acreditou que o barulho o fizera ouvir errado.
— Este é o sistema de regulagem!
Epílogo

Se havia alguém capaz de encontrar uma explicação para o incrível fenômeno, este
alguém era Arno Kalup, o homem que tinha aperfeiçoado o sistema de propulsão linear.
Reginald Bell pediu que o cientista comparecesse à sua presença. Arno Kalup já fora
informado sobre as declarações prestadas pelo ser energético.
— Na verdade — principiou — o desenvolvimento de um ser independente a partir
de uma máquina não é uma coisa tão estranha como pode parecer à primeira vista. O
sistema de regulagem é um conjunto muito complicado, feito especialmente para
influenciar as energias tremendas do transmissor e direcioná-las, tudo isso sem qualquer
controle humano. Quer dizer que o conjunto dispõe de um sistema de computação que
não fica nada a dever, em capacidade de armazenamento e potencialidade lógica, aos
nossos sistemas de computação positrônica. Mas além do sistema de processamento
positrônico o conjunto de regulagem dispunha de um comando protetor, que lhe permitia
identificar as situações de perigo e conduzir os fluxos energéticos pelos canais
adequados. Foi uma medida necessária à proteção da preciosa aparelhagem.
“Dali só se pode concluir que a inteligência do ser energético se formou a partir do
mecanismo de proteção. A base do pensamento independente achava-se presente no
mesmo. O mecanismo estava em condições de observar o ambiente que o cercava e
formar um juízo lógico sobre se havia uma situação perigosa ou não. Quando os senhores
da galáxia mandaram destruir o antigo planeta gigante, este dispositivo teve pela primeira
vez a oportunidade de usar plenamente sua capacidade. Evitou que o sistema de
regulagem fosse destruído. A lembrança destes acontecimentos ficou gravada em seu
pensamento. Esforçou-se para descobrir meios de fazer com que, caso houvesse outro
incidente deste tipo, a defesa fosse ainda mais eficiente.
“O espírito do sistema de regulagem nasceu da necessidade de auto-proteção. No
curso dos séculos durante os quais não tinha nada a fazer, porque o transmissor não
estava sendo utilizado, o mecanismo de proteção apoderou-se de todo o conjunto de
processamento do sistema de regulagem, e foi aprendendo aos poucos a conceber
pensamentos diferentes daqueles ligados à proteção contra as desgraças. Atravessou o
fosso que separa o pensamento puramente finalista da verdadeira inteligência.
“Havia conhecimentos sobre a estrutura da energia que usava guardados em sua
memória. A passagem do estado de inteligência imaterial para a condição de um ser
corporal, capaz de deslocar-se livremente, deve ter sido bem mais fácil que a formação de
uma capacidade intelectual autônoma — embora seja justamente este passo que nos deixa
mais espantados.
“Dali em diante o ser energético ampliou cada vez mais seus conhecimentos. Pelos
meus cálculos, o volume de recordações de que dispõe hoje consiste em somente vinte ou
trinta por cento das informações originariamente introduzidas em sua programação. O
resto foi adquirido por experiência própria. Pelo que diz Mr. Kantor, até chegou a fazer
uma viagem ao transmissor mais próximo — o que é um feito notável, se considerarmos
que ele mesmo teve de controlar a liberação da energia necessária ao processo de
transmissão. O mundo em que foi parar deixou-o assustado. Voltou o mais depressa que
pôde.
“Um ser tecnológico é uma coisa formidável, embora seja altamente especializado.
Acho que dele podemos aprender muito mais sobre o funcionamento dos transmissores
do que do próprio Icho Tolot. Mas em outras áreas seus conhecimentos não devem
exceder os de uma criança de seis anos. Tem medo dos ambientes que não conhece. E
mostra-se desconfiado diante de qualquer ser estranho.
“É aqui que começa nossa tarefa. Temos diante de nós um espírito completamente
formado. O fato de ter-se originado de uma máquina não nos deve fazer esquecer que
merece nossa atenção tanto quanto um ser feito de carne e sangue.”
***
Ainda faltava desvendar muitos mistérios, mas isso seria uma tarefa para o futuro.
Havia coisas mais urgentes para fazer. O ser energético, que na presença de outras
pessoas gostava de assumir a figura de Steve Kantor, mostrou-se disposto a continuar a
colaborar com os terranos. Steve Kantor e Icho Tolot ajudaram-no a elaborar um
esquema que removia o bloqueio a intervalos previamente estabelecidos, tomando
possível a entrada de naves no sistema Chumbo de Caça. Reginald Bell enviara uma
nave-correio à Via Láctea e mandara que o horário de funcionamento do transmissor
fosse entregue ao comandante da frota metropolitana. Os dados foram armazenados nos
computadores positrônicos das naves. Com este lance Califa transformou-se numa
fortaleza inexpugnável, à qual somente as naves terranas tinham acesso. A probabilidade
de uma nave estranha atingir o transmissor num dos breves intervalos de funcionamento,
distribuídos segundo uma seqüência estatística, era praticamente igual a zero.
Desta forma o Império Solar dispunha de uma base bem segura nas imediações da
galáxia inimiga. A operação cabeça-de-ponte, que no ano anterior assumira várias vezes o
aspecto de uma ação desesperada, transformara-se num êxito total, que representava um
excelente ponto de partida das novas operações dirigidas contra os senhores da galáxia e
seus povos auxiliares.
***
Sid Lippman tomou a primeira nave em que havia lugar para sair de Califa. Sua
despedida de Steve, Lott e Lucas, que resolveram continuar na base, foi muito breve.
Suas últimas palavras foram as seguintes:
— Vocês são sujeitos formidáveis, mas para dizer a verdade devo reconhecer que
não gosto nem um pouco do trabalho que é feito por aqui. Não nasci para ficar no espaço.
Os que ficaram estavam reunidos numa sala, observando a decolagem da nave que
levaria Sid Lippman de volta para a Terra. A grande tela ofereceu uma representação fiel
do jogo de cores do transmissor, quando o veículo desapareceu em seu centro de
condensação energética.
Reggie, o ser energético, flutuava embaixo do teto como uma nuvem de fumaça de
cigarro. Enquanto não houvesse ninguém além dos três amigos, não se julgava obrigado a
assumir formas humanas.
Lucas Della Fera levantou os olhos para ele, e disse com um suspiro:
— Imaginem só — grasnou — se Reggie tivesse ativado o mecanismo de bloqueio
e se recusasse a subir conosco.
— Neste caso o transmissor ainda estaria bloqueado — resmungou Lott. —
Nenhuma nave poderia chegar a Califa.
Lucas sacudiu a cabeça como quem não estava gostando.
— Não foi o que eu quis dizer. Estou pensando em nós. Vocês acreditam que, se
não fosse Reggie, teríamos sido capazes de explicar a alguém o que tinha acontecido?
Fariam pouco de nós — bateu com o dedo na testa. — Se Reggie não tivesse vindo
conosco, todos acreditariam que não estávamos muito bons da cuca...

***
**
*

A frota de Reginald Bell saiu vitoriosa


da terceira batalha de Califa — e o espírito
da máquina entrou em ação para evitar a
quarta batalha, que seria o fim do sistema
Chumbo de Caça.
No próximo volume da série, intitulado
A Sexta Época, o ultracouraçado entra em
ação — e o engenheiro cósmico faz sua
apresentação!

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