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Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
Em agosto do ano de 2.400, Perry Rhodan partiu com sua nova
nave-capitânia, a Crest II, a fim de encarregar-se pessoalmente das
buscas do misterioso mundo Kahalo, cuja posição exata na
concentração central da Via Láctea nunca pôde ser determinada.
As buscas não são coroadas de êxito. A Crest penetra no campo
de ação dum gigantesco transmissor solar — e é arremessada para o
abismo intergaláctico, para dentro dum sistema solar artificial
situado a 900.000 anos-luz da Terra.
Este sistema, conhecido como Gêmeos, encerra uma série de
armadilhas mortais para qualquer pessoa que nele penetre. Os
terranos enfrentam a destruição, mas o grosso da tripulação da Crest
sempre encontra um meio de escapar.
Antes que o guarda de Andrômeda entre em cena, inutilizando
os planos dos terranos, até se tem a impressão de que existe uma
possibilidade concreta de a Crest chegar sã e salva à galáxia de
origem...
Icho Tolot, um halutense de espírito aventureiro, que
acompanha Perry Rhodan em seu caminho semeado de aventuras,
tem certeza de ter manipulado corretamente os comandos do
transmissor para garantir o regresso da Crest. Acontece que o
guarda moribundo já condenou os terranos a viver Os Horrores do
Mundo Oco...
***
Dali a um minuto a velocidade da Crest II tinha alcançado cinco mil quilômetros por
segundo, e a distância que a separava do núcleo energético tinha aumentado para dois mil
quilômetros.
No início a aceleração de percurso, em virtude da qual a velocidade com que a nave
percorria a órbita aumentasse cada vez mais, era bem maior que a aceleração radial. Mas
de alguns segundos para cá esta tinha passado à frente, e o dispositivo antigravitacional
empregava a maior parte de sua potência na tarefa de neutralizar a força centrífuga, que
se tornava cada vez mais angustiante. Além disso, a Crest II começara a girar em torno do
próprio eixo, o que tornava a situação ainda pior. Era bem verdade que este último
movimento só sofreu uma aceleração durante um tempo limitado. Assim que o
movimento de rotação da nave atingiu certa velocidade, esta permaneceu constante.
Por enquanto a mensagem circular de Melbar Kasom não tinha produzido qualquer
resultado. Ninguém tinha despertado do sono profundo, ao menos o suficiente para poder
atender ao pedido.
A situação começava a tornar-se crítica. Dentro de alguns minutos o dispositivo
antigravitacional não estaria mais em condições de neutralizar a pressão. Melbar
contemplou as luzes de controle de seu quadro de comando, que estavam mortos. Os
propulsores ainda não estavam funcionando. Seriam capazes de resistir à força inimiga?
Aconteceu exatamente o que Icho Tolot tinha previsto. A espiral foi-se abrindo. A
Crest II aproximava-se da casca do mundo oco. Já se constatara que o diâmetro total do
espaço oco era de 7.800 quilômetros. Dois mil quilômetros separavam a nave da bola
incandescente do núcleo energético, e mil e novecentos quilômetros abaixo deles
estendiam-se as montanhas entrecortadas e os amplos desertos do planeta oco.
Melbar ainda não tivera tempo para fazer uma análise do espaço nas proximidades
da superfície. Se lá embaixo havia uma atmosfera, a Crest II estaria perdida bem antes do
que ele supusera.
Não havia dúvida sobre as intenções do inimigo desconhecido.
Queria destruir o intruso.
Com a abundância de recursos e energias de que podia lançar mão, pouco lhe
importava de que forma alcançasse seu objetivo. Poderia bombardear a nave com
projéteis contra os quais não haveria defesa, ou acelerá-la à maneira duma partícula
elementar, até que se arrebentasse ou se espatifasse de encontro à superfície daquele
mundo que antes parecia um pesadelo. Para ele qualquer coisa servia, desde que
eliminasse o intruso.
Icho Tolot ditava ininterruptamente dados para dentro do microfone do
intercomunicador. Perry Rhodan, Administrador Geral do Império Solar, estava sentado
atrás da escotilha fechada, interpretando estes dados. Melbar Kasom rezava para que seus
esforços fossem coroados de êxito.
Ainda estava pensando nisso, quando o alarme soou.
A pressão acabara de ultrapassar o limite crítico.
Os geradores trabalhavam em regime de sobrecarga.
***
***
— Quer dizer que nos encontramos no interior dum mundo oco — disse Josh com a
voz estridente.
— O que fica lá embaixo é a parede interna da esfera. Vou...
— Cale a boca! — resmungou Fed. — Já sabemos disso.
Josh calou-se imediatamente. Na verdade, Fed não estava zangado por causa de sua
conversa. Ele mesmo mal conseguia conformar-se com a situação em que se
encontravam, e ficar recitando as informações recebidas de certo era um método bastante
eficiente de acostumar-se ao ambiente louco em que se encontravam.
Os três homens estavam num veículo de desembarque que deslizava cerca de vinte
quilômetros acima da superfície plana dum deserto. A Crest já tinha desaparecido atrás
deles. Mas a esfera ofuscante do núcleo energético continuava a brilhar.
A missão que tinha sido confiada a Fed e seus dois companheiros era bastante
simples. Tratava-se de fazer um reconhecimento numa área de algumas centenas de
quilômetros quadrados e descobrir um ponto da superfície do planeta em que a nave
pudesse pousar em segurança.
Parecia simples. Mas Fed Russo sabia por experiência própria que uma operação
desse tipo sempre é bastante problemática, pois do contrário a Crest teria pousado sem
antes enviar um comando.
O veículo de desembarque era dum tipo bastante rudimentar. Não tinha sido feito
para operar no espaço com seus próprios recursos. Sua finalidade consistia unicamente
em levar um grupo de três a cinco pessoas para a superfície, quando a nave não se
encontrava a grande altitude. Era bem verdade que o barco possuía um conjunto
estabilizador de grande potência, que lhe permitia penetrar na atmosfera em qualquer
velocidade, sem depender de superfícies de sustentação.
No interior do veículo havia uma sala de passageiras e uma de instrumentos, a
câmara dos propulsores e a eclusa. Sturry Finch instalara na sala de instrumentos os de
que, segundo diziam, poderiam tornar-se necessários. Sturry dava tanta importância a
esses instrumentos que durante toda a viagem não saiu de cima do assento dobrável que
ficava junto à eclusa atrás da qual tinham sido colocados os petrechos que ele tinha
trazido para bordo. Josh Bonin cuidava das operações de rastreamento e de outros
detalhes. Fed Russo exercia as funções de piloto. Josh ocupava o mesmo posto que Fed,
mas o comando da operação tinha sido entregue a este.
Fed já escolhera um lugar para pousar. Ficava na periferia do deserto, a apenas
alguns quilômetros duma extensa cordilheira que, se necessário, serviria para esconder e
proteger a Crest II. Se dependesse dele, Fed já teria pousado há muito tempo. Só estava
esperando que Josh concluísse suas pesquisas.
— Esta área está cheia de interferências — exclamou Josh em tom triste e lançou
um olhar desesperado para as indicações confusas do estilete dos instrumentos. — Como
poderei saber se há algo de importante?
Fed inclinou-se para o lado e lançou um olhar na tela do estilete. Era bem verdade
que Josh tinha o hábito de fingir-se de perplexo e desorientado, mas quando resolvia
dizer alguma coisa, ainda mais num tom tão triste, geralmente já tinha pensado no
assunto e suas palavras tinham pé e cabeça.
O rastreador estava regulado para o espectro de ondas eletromagnéticas. O estilete
traçava um quadro confuso formado por linhas e manchas. Se havia algum sinal
articulado no meio de tudo isso, não havia como identificá-lo.
— Vamos pousar — disse Russo laconicamente e voltou a dedicar sua atenção aos
comandos.
O barco foi descendo rapidamente. Os raios de partículas muito compactos do
estabilizador rasgaram as camadas superiores da atmosfera, produzindo um véu luminoso
formado por gases ionizados. O ângulo de visão das telas diminuía rapidamente.
Começavam a aparecer certos detalhes da superfície, mas o caráter absolutamente
irreal do quadro continuou.
Fed transmitiu uma breve mensagem para a Crest, mensagem esta que foi recebida
em boas condições e confirmada, apesar das fortes interferências. Dali a pouco o barco
tocou a superfície. Os propulsores levantaram nuvens de areia e poeira. Por isso demorou
alguns minutos até que a visão ficasse desimpedida.
Dois quilômetros para o lado da proa erguia-se um paredão quase vertical,
entrecortado e cheio de saliências, que tinha pelo menos quinhentos metros de altura.
Para a direita e a esquerda havia encostas rochosas menos íngremes. Do lado de cá as
montanhas, em torno do barco, e para o lado da popa, até a linha do horizonte, estendia-se
o deserto, uma área ondulada de areia marrom-acinzentada, que nunca parecia ter sido
tocada pelo vento. Por cima de tudo isso estendia-se um céu leitoso, em meio ao qual
brilhava a bola ofuscante do núcleo energético.
Fed Russo teve um calafrio quando desatou os cintos e verificou seu traje protetor.
O capacete estava dobrado sobre o ombro, à maneira de capuz. Não precisaria dele. O ar
lá fora era respirável. A temperatura era de aproximadamente quarenta e cinco graus na
sombra. No sol o calor seria infernal, mas suportável.
— Fiquem aqui — disse em tom enérgico. — Só vou dar alguns passos lá fora.
Saiu pela eclusa. Saltou pela escotilha aberta e afundou na areia até os tornozelos. O
calor terrível teve o efeito dum choque doloroso. O corpo começou a transpirar
imediatamente, o que proporcionou certo alívio. Fed ficou parado um minuto, para
acostumar-se ao ambiente.
O ar era duma limpidez incrível. Fed percebeu que, para avaliar as distâncias, teria
de confiar exclusivamente nos instrumentos. A vista alcançava tão longe que um objeto
que se encontrava a dez quilômetros de distância parecia encontrar-se bem à sua frente.
Respirou profundamente, com a boca bem fechada. O ar quente deixou as mucosas
ressequidas e provocou dor, mas era inodoro.
Inodoro e livre de germes, pensou Fed.
Realmente, não havia vento. Não se sentia a menor movimentação do ar. Fed
encontrou a explicação. O envoltório do planeta era perfeitamente esférico. O calor
gerado pelo núcleo energético era igual em toda parte. Não podia haver diferenças
localizadas na densidade do ar, e assim o ar não tinha por que movimentar-se.
De repente Fed sentiu uma repugnância profunda por este mundo. Era quieto
demais; não tinha vida. Não tinha nenhuma ligação com o tempo e o espaço. Quanto mais
lançava os olhos em torno, mais intensa era a impressão de que Fed Russo estava
sonhando. A realidade desmanchava-se, e do irreal vinha a sensação de perigo.
Fed procurou sacudir essa sensação enquanto caminhava pela areia, mas não
conseguiu. Tentou convencer-se de que era apenas o ambiente estranho que lhe causava
medo e desconforto. Talvez fosse assim, reconheceu, mas apesar disso parava de vez em
quando e virava abruptamente a cabeça.
Finalmente voltou ao barco. O corpo circular e achatado do veículo estava apoiado
sobre quatro pernas muito finas. O conjunto dava a impressão dum inseto feio e
desajeitado. Mas sempre que olhava para ele, Fed sentia-se aliviado. Neste mundo de
silêncio e loucura era a única coisa da qual sabia o que era, para que servia e como se
devia lidar com ela.
Segurou a extremidade inferior da escotilha, que continuava aberta, e puxou-se para
cima. Na sala dos passageiros estavam à sua espera; pareciam impacientes.
— Descobriu alguma coisa? — gritou Josh, olhando por cima de Fed.
Fed fez um gesto de desprezo.
— Nada — resmungou em tom contrariado. — Vamos dar uma olhada nestas
montanhas.
Achou que era uma boa idéia. Era o deserto plano e monótono que mais o deprimia.
Certamente as montanhas seriam mais suportáveis, mesmo que nelas também não
houvesse vida.
Fed acomodou-se no assento do piloto. Quando estava atando os cintos, Sturry
Finch, que estava atrás dele, soltou um grito baixo.
Fed virou-se abruptamente.
— Que houve?
Sturry estava olhando para uma das telas. Apontou para a mesma. Continuou a
observar a tela por mais algum tempo e virou a cabeça para Fed.
— Acho que não foi nada — disse, um tanto embaraçado. — Tive a impressão de
ter visto um raio atrás das montanhas.
Fed acenou com a cabeça. Parecia contrariado.
— É isso aí, meu filho — disse em tom mal-humorado. — Se continuarmos assim
mais algumas horas, todos teremos um tique.
***
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***
***
Fed Russo possuía um certo dom de intuição alógica. Não entendia nada dessas
coisas, mas logo chegou à conclusão que só podia ser o estranho ser formado por chamas
que estava retirando a energia do propulsor. E, se era assim, não podia haver a menor
dúvida de que as figuras luminosas que se encontravam do outro lado do campo
defensivo de reduzida potência — naquela altura já eram três — tinham o mesmo
objetivo: paralisar o suprimento de energia da nave.
Fed empurrou Sturry Finch com um gesto aborrecido.
— Fique de olhos abertos! — advertiu. — Vou dar uma olhada. Deixe o campo
defensivo ligado.
Entrou no poço e desceu alguns degraus. A luz pouco intensa que vinha do teto
mostrava os contornos da sala de geradores e, atrás de um dos blocos, a figura imóvel de
Josh Bonin. A chama estava suspensa no centro da sala. Tinha cerca de um palmo de
largura e bruxuleava sobre uma pequena superfície quadrática da qual partiam corredores
que passavam entre as diversas máquinas. Fed teve a impressão de que o ser luminoso
tinha notado sua presença. Parecia que esperava que ele desse mais um passo. Sentiu um
calafrio ao lembrar-se de que talvez poderia tratar-se duma forma de vida inteligente.
Tomou uma decisão rápida. Das armas que trazia consigo só poderia usar o projetor
acústico, em virtude das dimensões reduzidas da sala de máquinas. O mesmo produzia
um efeito paralisante nos seres orgânicos e, quando sua potência era regulada para o
máximo, deixava o ser atingido inconsciente. Fed tinha suas dúvidas de que a arma
sequer chegasse a causar alguma impressão no ser luminoso.
Ficou virado meio de lado, para poder fugir o mais depressa possível caso sua
tentativa não fosse bem sucedida. Finalmente fez pontaria e atirou.
O resultado foi espantoso. A descarga do projetor acústico produziu um zumbido
retumbante, misturado com um fino chiado. As chamas imediatamente começaram a
contorcer-se sob o efeito do raio acústico. Notava-se perfeitamente que estava sofrendo
muito. Fed aumentou a potência da arma para o dobro, assumindo o risco de estourar os
tímpanos. O ser luminoso entrou em pânico. Abandonou sua posição e foi recuando entre
os geradores. O raio acústico acompanhou-o inexoravelmente. A chama subiu,
ricocheteou elegantemente no teto e aproximou-se de Fed. Este firmou os pés contra a
escada e segurou a arma acústica com ambas as mãos. Sem perceber, estava gritando de
raiva e entusiasmo. A chama entrou no foco da ação máxima dos raios e desmanchou-se.
Dentro de um décimo de segundo voltou a formar-se com o tamanho original, mas
resolveu bater em retirada. Passando rente à cabeça redonda de Fed, subiu pelo poço e
desapareceu.
No mesmo instante soou o grito de pavor de Sturry Finch.
— Pegue o vibrador! — berrou Fed. — Já vou aí...
Subiu a escada com uma agilidade que nunca antes tinha revelado. Sturry estava
encostado ao quadro de comando do piloto e começava a disparar sua arma. Fed
adiantou-se. A arma acústica descarregou-se com um rugido furioso, atingindo a figura
luminosa indefesa.
— Abra a eclusa! — gritou Fed, superando o barulho.
Sturry compreendeu. Dali a segundos a escotilha da eclusa de passageiros estava
aberta. O ser luminoso não perdeu tempo: seguiu pelo caminho que acabara de ser aberto
diante dele. Saiu da eclusa que nem uma bala. Quando Sturry voltou a fechar a escotilha,
o ser luminoso encontrava-se no espaço estreito que ficava entre o casco da nave e o
campo defensivo.
Fed desligou o campo. O ser luminoso parecia refletir por um segundo se devia
continuar a fugir. Voltou a pôr-se em movimento, e dali a pouco encontrou-se com os três
indivíduos da mesma espécie que se mantinham à espera numa distância segura.
Fed deixou cair os ombros e respirou aliviado. Sturry fitou-o com uma expressão de
curiosidade. Fed ficou furioso.
— Cale a boca! — gritou antes que Sturry pudesse dizer qualquer coisa. — Sei tanto
quanto você. Vá ver como está Josh. Vamos...
— Obrigado — disse a voz rouca de Josh, vinda de baixo. — Já voltei. Com esse
barulho...
Sua cabeleira crespa apareceu na entrada do poço.
— O que houve? — perguntou, espantado.
Fed não estava em condições de dar explicações prolongadas.
— Você desceu aí — constatou. — E depois, o que aconteceu?
Josh pôs a mão na cabeça.
— Depois... — repetiu, perplexo. Notava-se que teve de fazer um esforço para
lembrar-se. — Vi uma espécie de luz e depois levei um choque elétrico. Devo ter perdido
os sentidos imediatamente.
Fed acenou com a cabeça. Parecia zangado.
— Essa coisa absorve energia. Provavelmente pode expeli-la ao simples contacto,
sob a forma de choques elétricos.
Josh saiu de vez do poço.
— Que coisa? — perguntou.
Sturry apontou para a tela.
— Aquilo... — principiou, mas interrompeu-se no meio da frase.
Os quatro seres luminosos tinham chegado mais perto. Flutuavam bem à frente das
objetivas. Tinham mudado de cor. Antes costumavam ser transparentes e apresentavam
contornos confusos, mas agora apresentavam-se num vermelho carregado e suas formas
eram bem definidas.
No mesmo instante os geradores instalados no poço dos propulsores uivaram
furiosamente. Fed Russo não perdeu a calma.
— Estão nos sangrando — disse. — Retiram a potência do campo defensivo. Os
geradores fazem o possível para mantê-lo, mas estas feras sugam mais depressa do que a
energia é fornecida.
Olhou em torno. Havia uma ligeira tristeza em seu olhar. Até parecia que estava
deprimido por ter que despedir-se.
— Não há mais nada a fazer por aqui — disse em voz baixa. — A nós eles não
podem fazer nada, enquanto os projetores acústicos estiverem funcionando. Daqui não
podemos atingi-los. Vamos descer. A Crest deve estar por perto.
Sturry Finch reuniu seus aparelhos às pressas. Um dos geradores emitiu um forte
estalo e entrou em colapso. Uma língua de fogo subiu pelo poço e chamuscou a perna de
Josh Bonin.
— Vamos — insistiu Fed. — Dentro de alguns minutos isto aqui estará queimando.
Saíram tropeçando pela eclusa. O campo defensivo estava reduzido a um tremeluzir
inquieto e disforme, que praticamente não ofereceu nenhuma resistência à sua passagem.
O ar quente do vale castigado pelo sol atingiu-os em cheio, mas eles não se
incomodaram. Abriram fogo acústico concentrado contra os quatro seres luminosos. As
chamas tinham uma coloração verde-azulada. Já não se importavam tanto com os raios
acústicos, mas estes sempre conseguiram afastá-los um pouco.
Fed e seus companheiros tiveram muita pressa em afastar-se do barco
semidestroçado. Os seres luminosos voltaram assim que o bombardeio acústico diminuiu
de intensidade. Voltaram a devorar com grande apetite as energias do campo defensivo,
continuando a mudar de cor.
Finalmente o último gerador queimou. Uma nuvem de fumaça preta saiu da eclusa.
O que restava do campo defensivo desapareceu, e uma das colunas de apoio do barco
vergou. O veículo tombou de lado, transformando-se numa triste testemunha da presença
humana num planeta medonho.
Os seres luminosos, cujo aspecto quase chegava a ser encantador com seu violeta
fulgurante, ficaram flutuando por algum tempo, como se estivessem indecisos, sobre o
lugar em que há pouco tinham sugado as energias do campo defensivo. Fed apontou a
arma acústica e disparou em rápida sucessão alguns tiros com a potência máxima. Mesmo
a uma distância considerável como esta o resultado foi surpreendente. As chamas
desmancharam-se. Depois dum momento de confusão resolveram definitivamente bater
em retirada. Subiram em alta velocidade para o firmamento pálido e desapareceram numa
questão de segundos.
— É isso aí — resmungou Fed, satisfeito. Esfregou as mãos que nem um leão de
chácara que acaba de pôr na rua um freqüentador que se tornou inconveniente. Depois
olhou para Josh e para Sturry. — Alguém tem uma idéia do que devemos fazer? —
perguntou.
Desde o momento do pouso forçado, não tivera um segundo que fosse para refletir
sobre a situação em que se encontravam. Agora, que tinha calma para isso, chegou à
conclusão de que a situação não era nada fácil. Antes de mais nada, não tinham mais
nenhuma possibilidade de entrar em contacto com a Crest. Qualquer comando de
desembarque recebia ordens para permanecer sempre à vista do veículo de desembarque,
e por isso não era equipado com receptores e transmissores portáteis. O plano não previa
a hipótese de o barco ser destruído, enquanto a tripulação continuava viva.
Não havia dúvida de que a Crest começaria a procurar os desaparecidos assim que
as comunicações pelo rádio fossem interrompidas. Acontece que ninguém sabia por
quanto tempo a Crest ainda estaria em condições de movimentar-se livremente.
Além disso, a operação de busca de três homens numa área de milhares de
quilômetros quadrados, cheia de montanhas muito acidentadas, não era nada fácil.
Sturry Finch ajoelhou-se e começou a espalhar seus micro instrumentos pelo chão.
Examinou-os um após o outro e disse:
— Se eu desmontar alguns deles, talvez consiga montar um transmissor de sinais
morse de pequena potência.
Fed fez um gesto animador.
— Já é alguma coisa — elogiou. — Mas acho que devemos esperar mais um pouco,
para ver se não há outra saída.
Lançou um olhar provocador para Josh.
— Qual é a sugestão que você nos dá? — perguntou em tom de escárnio.
Josh olhou por cima dele, em direção a um paredão íngreme.
— Não tenho nenhuma — respondeu com a voz triste..
— É o que a gente espera dum suboficial consciencioso — resmungou Fed.
— A não ser... — prosseguiu Josh.
— A não ser o quê?
Josh fitou-o de cima para baixo e sorriu.
— Ora essa, não é possível que você ainda não tenha pensado nisso.
Fed estreitou os olhos. Josh recuou um passo e estendeu os braços num gesto de
defesa.
— Não... espere aí! Eu já...
— Vamos! Diga logo — gritou Fed, fingindo-se de zangado.
Sturry, que estava sentado no chão, com os brinquedos espalhados em torno dele,
acompanhou a cena com um espanto indisfarçável.
— O local em que os raios vermelhos atingem o chão deve ficar por perto, não é? —
disse Josh. — Provavelmente do outro lado do paredão. Fomos mandados para lá, para
fazer uma verificação. Se a Crest resolver procurar-nos, começará nesse lugar. Portanto,
vamos ver se damos um jeito de ir para lá. Além disso... — passou a mão pela testa —
...acredito que lá em cima seja um pouco mais fresco que aqui.
Fed olhou para o alto.
— É uma excelente idéia — disse em tom irônico. — Você poderia fazer o favor de
explicar como faremos para subir lá?
O paredão era uma superfície vertical de rocha marrom-clara, quase completamente
lisa. Josh hesitou.
— Vamos contorná-lo — disse Sturry. — Se caminharmos um pedaço pelo vale,
talvez encontremos um lugar em que este paredão se torne mais praticável.
Fed concordou. Pegaram sua escassa bagagem e saíram andando. Mas antes que se
tivessem afastado cem metros do último local de pouso do veículo de desembarque, o céu
esbranquiçado começou a despejar raios vermelhos em cima de suas cabeças.
***
Fed deixou-se cair para a frente. Num acesso de pânico ficou com os olhos bem
fechados, mas a trêmula claridade vermelha atravessava as pálpebras fechadas.
O silêncio que acompanhava a trovoada vermelha era terrível. Não havia nenhum
vento. Não se ouvia qualquer ruído. Finalmente Fed chegou a acreditar que sua vida não
corria um perigo imediato e arriscou-se a dar um ligeiro olhar obliquamente para cima.
O céu branco tinha desaparecido. Trilhas vermelhas ofuscantes atravessavam o
mesmo. Pareciam descer verticalmente e desapareciam do outro lado do paredão. Fed não
tinha a menor idéia de qual era a causa da trovoada e de quanto tempo a mesma duraria.
Percebeu que ele e seus companheiros não correriam nenhum perigo enquanto os feixes
de luz descessem do outro lado do outro paredão.
Levantou-se e cutucou Josh e Sturry, que continuavam deitados, com a ponta da
bota.
— Levantem! — gritou. — Nada lhes acontecerá.
O mundo estava modificado. Ondas de luz vermelha atravessavam um vale, em cujo
interior há poucos segundos ainda se estendia uma claridade monótona. O firmamento
tranqüilo parecia ter desaparecido de vez. Tinha-se a impressão de que as montanhas
balançavam e o chão tremia em convulsões selvagens. Por algum tempo Fed se sentia
como um viajante que enjoa num navio, mas logo se acostumou às estranhas condições
de luminosidade.
Os raios vermelhos provavelmente vinham do núcleo energético — da mesma forma
que os outros dois, que tinham observado antes. Não havia nenhuma base para a suspeita
de Fed, mas em algum lugar de seu subconsciente tomou corpo a idéia de que a causa da
agitação era a Crest II. Com uma nitidez assustadora deu-se conta de que se encontrava
num mundo desconhecido, a cujas táticas de ataque mortíferas possivelmente nem
mesmo a gigantesca espaçonave estaria em condições de resistir.
E se a Crest fosse destruída?
Fed Russo lançou um olhar zangado para o alto e prosseguiu em sua caminhada.
Josh e Sturry seguiram-no sem que ele pedisse. Enquanto caminhava, Sturry tentou pôr
em funcionamento dois dos seus instrumentos. Conseguiu depois de algum tempo, mas
não obteve nenhuma indicação além da proveniente da energia pouco intensa irradiada
pela luz vermelha.
Quando já tinham caminhado trinta minutos, chegaram a uma grota em forma de
chaminé que subia obliquamente no paredão. Além disso, Fed teve a impressão de que a
borda deste não era tão alta como no outro lugar. Atravessou o vale, para ter uma visão
melhor sobre a chaminé. Quando voltou, a satisfação estava estampada em seu rosto.
— Vai até o alto — disse. — Nem sempre é confortável, mas é perfeitamente
praticável. Vamos tentar — mas antes disso faremos uma pequena pausa.
Entraram na chaminé. A inclinação da fenda era aproximadamente de sessenta
graus, mas as paredes eram ásperas, oferecendo apoio suficiente para as mãos e os pés.
Cerca de vinte metros acima do fundo do vale a chaminé descrevia uma curva em
cotovelo, formando uma placa rochosa de quatro por seis metros. As paredes da chaminé
protegiam esta placa dos raios ofuscantes do núcleo energético — isto se a trovoada
vermelha parasse e a luz voltasse a alcançar a superfície do planeta. De qualquer maneira,
Fed chegou à conclusão de que a placa era um excelente local para acampar, e decidiu
que descansariam pelo menos quatro horas.
Ninguém formulou qualquer objeção. A marcha pelo vale escaldante deixara os
homens completamente exaustos. Colocaram a bagagem no chão e adormeceram
imediatamente.
O sono foi tão profundo que nem perceberam que a trovoada vermelha parou de
repente e o céu branco voltou a aparecer.
***
Os reparos dos geradores demoraram cinco horas. Nestas cinco horas mais de
noventa por cento dos tripulantes ficaram ocupados nos trabalhos de restauração. Os
outros ficaram em regime de rigorosa vigilância. Somente dois homens — o major Bert
Hefrich e o tenente Nosinsky — dedicaram-se ao problema de Horror propriamente dito,
mais precisamente, à busca duma resposta à pergunta do que mantinha vivo este mundo
impossível e de quais eram suas peculiaridades.
Em outras palavras, queriam saber como funcionava Horror.
Bert Hefrich fez um exame mais detido do núcleo energético e apurou que não se
tratava duma figura material no sentido da mecânica da quarta dimensão. Um feixe de
microondas atravessou esse núcleo sem encontrar a menor resistência. O mesmo não
possuía nenhuma substância reflexiva. Hefrich fez uma série de cálculos, com base nas
observações feitas pelo mutante Wuriu Sengu, e chegou à conclusão de que o núcleo
energético provavelmente era uma projeção parcial dos três sóis que circulavam em torno
do planeta, do outro lado de seu envoltório externo. O triângulo solar poderia suprir a
projeção dum volume suficiente de energia para fornecer quantidades adequadas de luz e
calor ao envoltório interno do planeta Horror.
Não era somente esta energia que vinha dos sóis. A gravitação reinante no
envoltório interno da esfera, cujo vetor estava apontado para fora, em direção ao
envoltório externo, era de origem artificial.
Neste meio-tempo Conrad Nosinsky elaborou uma teoria segundo a qual o núcleo
energético supria de energia não somente o envoltório interno, mas também os
intermediários. O núcleo velava sobre um balanço energético que tinha de ser
rigorosamente mantido. Se, por exemplo, em virtude do ataque que os seres luminosos
tinham desfechado contra a Crest ele recebia um volume de energia superior ao
estabelecido no balanço, o excedente tinha de ser irradiado para algum lugar. E esta
irradiação também desempenhava a função de abastecer de energia os envoltórios
situados mais para fora.
Nosinsky não se contentou com isso. Fez uma avaliação da necessidade de energia
dos três envoltórios intermediários, no que também se baseou nas observações feitas pelo
espia, e obteve uma fórmula estrutural que descrevia completamente a estruturação das
descargas energéticas que ao olho humano eram raios vermelhos. Com base nessa
fórmula estrutural fez o ajuste de alguns instrumentos que, caso sua hipótese fosse
correta, apurariam, por ocasião da próxima descarga através dum raio, o exato conteúdo
de energia da mesma.
Bert Hefrich ficou mais impressionado com o entusiasmo de Nosinsky que com sua
imaginação. Mesmo que os três envoltórios intermediários recebam sua energia do núcleo
central, concluiu, essa energia não encontra nenhum caminho de abandonar a esfera oca
situada no centro.
Em outras palavras, teria de haver um buraco no envoltório interno. E ninguém
havia visto o menor sinal dum buraco dessa espécie.
Em outro lugar, mais precisamente, no convés de chefia, onde Perry Rhodan e seus
colaboradores mais chegados se haviam recolhido, era impressionante e deprimente ao
mesmo tempo ver que até mesmo o espírito superior do halutense Icho Tolot já começava
a abandonar a luta contra os enigmas incompreensíveis do mundo chamado Horror.
Se nem mesmo Icho Tolot com sua experiência e os recursos variados da lógica não
estava em condições de desvendar os mistérios de Horror, como não deveria ser forte o
espírito que tinha criado o mesmo.
***
Era claro que as questões metafísicas desse tipo não pesavam nem um pouco no
espírito de Fed Russo, quando o mesmo voltou a acordar depois dum sono muito
profundo. Em vez disso sentiu-se deprimido porque, enquanto estava dormindo, rolara até
a extremidade da placa de rocha, e provável mente teria quebrado o pescoço no fundo do
vale dentro de dez minutos, se não tivesse acordado antes disso.
Sacudiu o corpo e levantou. O ar era fresco e agradável no interior da chaminé. Fed
olhou em torno e teve a impressão de que, depois que deitara para dormir, o ambiente
sofrerá uma transformação completa. Finalmente descobriu o que era. A trovoada
vermelha tinha parado. Os raios já não cortavam o céu. Virou a cabeça para acordar Josh
e Sturry.
A pausa tinha revigorado suas forças, mas também despertara a fome. Ingeriram
parte das rações que traziam na bagagem e, uma vez concluída a refeição, Fed subiu
numa pedra que sobressaía da chaminé para dar uma olhada no vale. O deserto rochoso
estendia-se embaixo dele, silencioso e sem vida. Não havia sinal da espaçonave no
firmamento branco. Pelos cálculos de Fed, agüentariam mais dois dias terranos com suas
rações. Admitindo que fossem bastante robustos para passar mais dois dias sem qualquer
alimento, concluía-se que dispunham de mais quatro dias para passar sem apoio da Crest
II. Sturry levaria aproximadamente um dia para construir um transmissor em morse com
as peças dos seus aparelhos. Quer dizer que teria de começar com esse trabalho dentro de
três dias.
Disse isso a Sturry quando voltou de seu posto de observação.
Continuaram a escalada. Quando se encontrava no fundo do vale, Fed avaliara a
altura do paredão em pouco menos de um quilômetro. Como não era um alpinista
experimentado, não tinha a menor idéia de quanto tempo levariam para atingir a
extremidade superior da chaminé. Por isso aproveitava todas as oportunidades de
verificar o progresso que tinham feito, olhando dos lugares mais expostos para o vale e
para o alto do paredão. Foi um método bastante confuso. Enquanto o olhar para baixo
parecia provar que já se encontravam muito acima do fundo do vale, o olhar para cima
parecia mostrar que não se haviam aproximado nem um pouco do destino.
Depois de algum tempo Fed desistiu de fazer a avaliação de seu progresso e
dedicou-se furiosamente à escalada. Deu-se por satisfeito porque em muitos lugares, e às
vezes em trechos bastante extensos, as paredes da chaminé os protegiam contra os raios
do núcleo energético. Dessa forma o calor mantinha-se nos limites do suportável. Lá
embaixo, no vale banhado de sol, uma marcha que exigisse o mesmo desgaste de forças
seria totalmente impossível.
Mais tarde Fed não saberia dizer quanto tempo já tinha passado. Pusera pé ante pé,
segurava-se com as mãos e subia pela chaminé. Suava por todo o corpo, mas o líquido se
evaporava assim que saía dos poros. Sturry e Josh tinham ficado alguns metros para trás,
mas nem por isso Fed reduziu a velocidade.
Finalmente atingiu uma placa de rocha igual àquela na qual tinham descansado há
não se sabe quantas horas. Nesse lugar a chaminé descrevia uma curva à maneira de saca-
rolhas. Fed virou a cabeça para ver se já conseguia enxergar a extremidade superior da
fenda.
Nesse momento ouviu alguém dizer:
— Olhe bem! Está vendo alguma coisa?
Fed sobressaltou-se. Diante de seus pés a cabeça negra de Josh Bonin ia chegando à
altura da placa. Josh estava com a boca aberta e respirava com dificuldade.
— Você disse alguma coisa? — perguntou Fed.
Josh cravou os dedos robustos na rocha e puxou o corpo para cima. Rolou sobre o
ombro direito e ficou deitado, arquejante. Fed inclinou-se sobre ele.
— Você disse alguma coisa? — voltou a perguntar.
Josh virou a cabeça de lado e fitou-o.
— Meu Deus... — disse, bastante abalado. — ...será que pareço um tagarela?
— Não foi ele — ouviu Fed. — Fui eu.
Naquele momento Sturry estava aparecendo.
Parecia cansado, mas não dava a impressão de ter problemas respiratórios. Fed
esperou que puxasse o corpo para cima da placa.
— Acho que nem vale a pena perguntar a você — disse em tom zangado.
Sturry fitou-o com uma expressão de surpresa.
— Perguntar o quê?
— Há pouco você disse alguma coisa?
— É claro que sim...
— O quê?
Sturry cocou a cabeça.
— Um momento. — Pôs-se a refletir. — Já sei. Eu disse: Perguntar o quê?
Se o espaço não fosse tão reduzido, Fed teria investido contra ele. Ao perceber a
raiva inexplicável de Fed, Sturry fitou-o com uma expressão desolada e sentou no chão
ao lado de Josh.
— Não está batendo bem da bola — resmungou Josh, que continuava deitado na
placa de rocha para restaurar as forças.
— Não se impressione — ouviu Fed. — Eu já disse. Olhe para trás com muita
atenção.
Fed obedeceu. Sentia-se tão perplexo que mal sabia o que estava fazendo. O
resultado correspondia a esse estado. Viu rochas, rochas e mais rochas. Nada que valesse
a pena ver.
— Não vejo nada — confessou.
— Meu Deus — lamentou Josh. — Além de tudo ainda está cego.
— Cale a boca! — gritou Fed.
— Calma — disse a voz. — Não há nada a recear. Controle seus nervos e olhe
mais uma vez.
Fed engoliu em seco.
— Está bem — disse.
Sturry olhou-o de baixo para cima.
— Diga uma coisa. Com quem está falando?
Fed não respondeu. Esforçou-se para controlar os nervos, conforme tinha sido
pedido. Na verdade, agiu assim impelido pelo instinto de autoconservação. Teve medo de
ficar louco. Se quisesse conservar a sanidade mental, teria que descobrir o que estava
acontecendo.
A voz ficou calada. Não se ouviu nenhum ruído, além da respiração pesada de Josh.
Sturry estava tranqüilamente sentado e olhava pela fresta, para o paredão que se erguia do
outro lado do vale.
Fed também sentou. Fechou os olhos e tentou convencer-se que aquilo tinha uma
causa natural. Horror era mesmo um planeta estranho. Não se podia esperar que nele tudo
seguisse as mesmas trilhas que na Terra. Talvez houvesse inteligências nativas, cujos
corpos eram invisíveis ao olho humano. Quem sabe se as mesmas não podiam ler em seu
cérebro e talvez fossem capazes de numa fração de segundos apropriar-se dos seus
métodos de raciocínio, com o que lhes seria possível comunicar-se com ele. Sem dúvida
havia explicações às dezenas.
Voltou a abrir os olhos e dispôs-se a olhar cuidadosamente em torno. Começou na
extremidade interior da placa, iluminada pela luz do sol, que avançava meio metro além
da extremidade da chaminé. Três metros à esquerda havia uma borda que parecia ter sido
traçada por uma régua. Atrás dela via-se uma fresta, que era aquela pela qual tinham
vindo. A mesma tinha dois metros de largura e separava a extremidade da placa do lado
oposto da chaminé. Fed examinou a parede, mas não viu nada de extraordinário. Passou a
olhar mais para a direita, onde a placa sobressaía da parede oposta da fresta; a pouco
menos de sessenta ou setenta centímetros de seu ombro. Logo atrás dele a placa também
estava ligada à parede da chaminé. Atrás dele a parede só subia um metro na vertical,
para depois inclinar- se para dentro da rocha. Nesse lugar a chaminé descrevia uma curva,
que era a mesma que pouco antes Fed comparara com um saca-rolhas.
Fed fez avançar os olhos, centímetro após centímetro. Finalmente descobriu aquilo
que estava procurando.
Foi no lugar em que a parede da chaminé começava a descrever uma curva. Não o
vira antes porque ficava na sombra e, além disso, estava semi-oculta atrás da curva da
parede.
Tratava-se duma fresta, ou melhor, dum buraco alongado, que tinha cerca de metro e
meio de altura e largura suficiente para que um homem robusto como Fed Russo pudesse
aproximar-se através do mesmo.
Atrás do buraco estendia-se uma escuridão compacta, mas para seus olhos ofuscados
tudo que não fosse inundado pela luz forte do núcleo energético devia ser escuro.
Fed levantou-se.
— Já vamos continuar? — perguntou Sturry com a voz cansada.
Fed abanou a cabeça.
— Descansem mais um pouco — respondeu. — Vou dar uma olhada por aí.
Sturry não teve nenhuma objeção. Encostou o lado esquerdo do corpo ao paredão.
Josh não fez o menor movimento. Parecia que tinha adormecido.
Fed puxou-se para cima junto a um pedaço do paredão liso. A extremidade inferior
do buraco oferecia apoio suficiente aos seus dedos. Dali a alguns segundos estava
pendurado um metro acima da placa de rocha e enfiou a cabeça cautelosamente pela
abertura estreita.
No início não viu nada. Seus olhos levaram trinta segundos para habituar-se às
novas condições de luminosidade. O buraco era a entrada duma galeria não muito
comprida. A saída que ficava do lado oposto recebia de uma fonte que Fed ainda não
podia ver claridade suficiente para que Fed pudesse reconhecer pelo menos seus
contornos.
Fed apoiou-se nos cotovelos, tirou a cabeça do buraco e gritou:
— Vou dar uma olhada lá dentro. Se demorar demais, venham atrás de mim.
Entrou na galeria sem aguardar resposta. Estava admirado porque a voz estranha não
dava mais sinal de sua presença. Quando chegou à outra extremidade da galeria, o quadro
que se descortinou diante de seus olhos prendeu tanto sua atenção que quase chegou a
esquecer a voz.
Do outro lado da galeria uma fresta estreita atravessava a rocha. No chão da mesma,
que ficava apenas alguns palmos abaixo da saída da galeria e não tinha mais de metro e
meio de largura, e era ladeada pelas paredes paralelas, subindo a alturas estonteantes. A
fonte de luz era o céu branco. Uns duzentos ou trezentos metros acima de sua cabeça a
fresta rompia o teto do paredão, e a luz produzida pelo núcleo energético chegava às
profundidades da fresta, depois de ter dado algumas voltas.
Fed hesitou alguns segundos. Era um quadro irreal. O ambiente fresco ao qual não
estava acostumado provocou-lhe um calafrio. O olhar só conseguia penetrar alguns
metros; mais além os objetos se desmanchavam na penumbra. Finalmente Fed lembrou-
se das armas que trazia consigo. Preparou a pistola energética e resolveu não soltá-la um
instante.
Ergueu o corpo e saiu caminhando pela fresta.
Esta prosseguia mais uns dez metros em linha reta, para depois descrever uma curva
suave. De vez em quando Fed lançava um olhar para cima, mas não via nada além dum
traço de claridade branca fino que nem um lápis. Depois de ter percorrido mais alguns
metros, a fresta abriu-se repentina e inesperadamente numa espécie de bacia com cerca de
duzentos metros de diâmetro, cujas paredes subiam na vertical que nem as da própria
fresta. As condições de luminosidade eram um pouco melhores, mas apesar disso os
olhos tiveram de esforçar-se para romper a penumbra. Fed levou cerca de um minuto para
notar que nos fundos da bacia havia um edifício.
O sangue parecia congelar em suas veias. De repente lembrou-se com uma dolorosa
nitidez da voz que lhe pedira que olhasse em torno. Aquele edifício dava a entender que
havia seres inteligentes. Horror era habitado.
Sem que se desse conta disso, Fed saiu caminhando lentamente em direção ao
edifício. A forma do mesmo era bastante estranha. Tinha forma abobadada e erguia-se a
mais de sessenta metros de altura. O diâmetro da base circular era de aproximadamente
cinqüenta metros. A construção impressionava pelo tamanho, mas esta impressão era
prejudicada pelas dimensões amplas da bacia de pedra.
Fed arriscou-se a chegar a vinte metros da parede abobadada e parou. Esperava
alguma coisa. Aquela voz desconhecida devia ter tido alguma coisa em mente ao pedir-
lhe que olhasse em torno com atenção. Deixara que ele encontrasse a fresta e a
construção abobadada. O que deveria fazer por ali?
A parede abobadada era cinzenta e opaca. Não parecia haver nenhuma porta. Fed
esperou dois ou três minutos. Convenceu-se de que o ser que possuía aquela voz
medonha não tinha a intenção de conversar com ele, ao menos no momento. Fed
dependia exclusivamente de suas próprias habilidades.
Isso significava que podia dar livre curso à curiosidade. Continuou a caminhar em
direção à abóbada. Quando ainda se encontrava a dez metros da mesma, teve a impressão
de ver frestas e ranhuras na mesma. Isso estimulou seu entusiasmo, pois tinha certeza de
que essas frestas representavam os limites duma porta. Parou mais uma vez para olhar em
torno. Atrás dele a bacia de pedra estava vazia e continuava às escuras. Encontrava-se só
e estava firmemente decidido a desvendar o mistério. Virou-se e continuou a andar.
Só conseguiu avançar mais um passo. Esbarrou numa barreira invisível que se
erguia a sete ou oito metros da parede.
O impacto foi bastante doloroso. Fed foi atirado para trás e caiu ao chão. A arma
caiu-lhe da mão. Perplexo, voltou a segurar a arma e pôs-se de pé.
Fez outra tentativa, mais cautelosa que a primeira. O resultado foi o mesmo, com a
única exceção de que desta vez o impacto não foi tão violento. Havia uma parede
invisível à sua frente, que o impedia de entrar na construção abobadada.
Fed recuou, sacudindo a cabeça. A existência dum campo defensivo não o deixava
muito espantado. Estes campos existiam em toda parte. Suas funções eram tão variáveis
quanto sua estrutura. Não havia motivo para que os seres inteligentes que habitavam o
planeta Horror não cercassem suas construções com campos defensivos.
O que mais deu a pensar a Fed Russo foi a sanidade mental do estranho ser cuja voz
ele ouvira. Por que ele o ajudara a encontrar a fresta e a construção abobadada? Somente
para que descobrisse que esta era inacessível?
Fed resolveu voltar. Continuava decidido a desvendar o segredo da cúpula. Mas
para isso seria necessário paralisar o campo defensivo. Como não era muito versado na
teoria dos hipercampos, julgou recomendável consultar Sturry Finch.
Absorto em seus pensamentos, foi voltando pela fresta e finalmente rastejou pela
galeria que ligava a mesma com a chaminé. A luz do dia brilhava com uma claridade
dolorosa. Quando saiu da galeria, teve de fechar os olhos, porque a luz ofuscante o
incomodava.
Quando olhou para trás, viu Josh Bonin, que fitava a parede dos fundos da chaminé
por cima da cabeça de Fed. À sua direita, Sturry Finch estava encostado à parede lateral
da fenda, com os olhos semi-cerrados, dando a impressão de que refletia intensamente.
Os dois estavam com as armas energéticas nas mãos. E as mesmas apontavam para
Fed.
Este ficou imóvel.
— O que é isso? — resmungou, zangado.
— Deixe cair a arma e entregue-se — respondeu Josh com a voz muito grave.
4
***
***
A voz o enganara.
A sua frente não havia nada por onde pudesse correr à vontade. Se tivesse dado um
passo que fosse, a essa hora já estaria morto.
A faixa rochosa sobre a qual estava ajoelhado tinha cerca de um metro de largura.
Abria-se de um lado e de outro, mas a voz lhe recomendara que saísse para a frente, e na
situação aflitiva em que se encontrava estaria disposto a fazer o que diziam.
Do outro lado da faixa rochosa não havia nada, absolutamente nada. Fed inclinou-se
ligeiramente para a frente e viu uma parede lisa e compacta que descia na vertical. A
mesma parecia estender-se ao infinito para os lados. Fed notou que era ligeiramente
encurvada. Olhou para a frente e viu bem ao longe os contornos apagados de outras
montanhas. Era possível que a parede encurvada que estava vendo fosse o interior duma
gigantesca cratera circular, que se estendia até as montanhas distantes. Se fosse assim, o
diâmetro da cratera seria de aproximadamente cinqüenta quilômetros.
Mas o que deixou Fed mais impressionado não foi o diâmetro da cratera, mas sua
profundidade. O fundo do gigantesco buraco perdia-se num negrume impenetrável. Pelos
cálculos de Fed, a luz ofuscante do núcleo energético que penetravam livremente na
cratera devia proporcionar uma visibilidade de pelo menos vinte quilômetros. Se o buraco
tivesse essa profundidade, devia enxergar o fundo do mesmo.
Acontece que não enxergava, do que se concluía que a profundidade da cratera era
bem maior.
Com uma nitidez martirizante Fed percebeu a importância da descoberta que
acabara de fazer.
Encontrava-se num mundo oco, mais precisamente, na superfície interna duma
esfera oca. À sua frente havia um buraco de cinqüenta quilômetros de diâmetro e
profundidade insondável.
Seria apenas natural que esse buraco fosse o canal de comunicação entre a superfície
interna e externa da esfera.
Levantou.
— Saia andando à minha frente! — gritou Josh.
Fed estendeu o braço e apontou para o buraco.
— Não está vendo isso? — perguntou sem olhar para Josh.
— É um buraco — disse Josh em tom indiferente. — Vamos logo!
— Você está maluco — resmungou Fed. — Quando voltarmos para a Crest, farei
com que seja internado numa clínica de doenças nervosas.
— Você não terá oportunidade para isso — asseverou Josh. — Assim que voltarmos
à abóbada, você será morto.
Nesse instante um lampejo vermelho ofuscante atravessou o céu. Uma torrente de
luz precipitou-se do alto. Fed viu um raio de claridade vermelha, compacto que nem um
corpo sólido, penetrar no buraco. Foi um fenômeno silencioso e fantasmagórico. O
diâmetro do raio era muito menor que o do buraco, mas sua luminosidade era tamanha
que por uma fração de segundo as profundezas do inferno pareciam abrir-se lá embaixo.
A luz vermelha bruxuleante refletia-se nas paredes e parecia subir de novo. Fed ficou
completamente ofuscado e fechou os olhos.
Quando voltou a abri-los, o fenômeno tinha desaparecido.
Encontrava-se exatamente no lugar que lhe haviam mandado procurar. Tinha sido
submetido ao treinamento habitual dos suboficiais da frota, e por isso mesmo sabia
reconhecer um fenômeno de grande interesse científico.
E este era um. Não compreendia as causas è as origens do mesmo. Mas sabia que
certas pessoas que se encontravam a bordo da Crest ficariam loucas de entusiasmo se
pudessem examinar a cratera com os raios vermelhos.
Por isso mesmo teria de continuar vivo de qualquer maneira. Talvez a cratera
representasse uma possibilidade de chegar à superfície externa desse mundo. Os
tripulantes da nave precisavam ser informados.
Se Josh e Sturry tentassem impedi-lo de fugir, não deveria recuar nem mesmo diante
da perspectiva de matá-los. A vida de dois mil homens e mulheres que se encontravam a
bordo da Crest II estava em jogo. Nestas condições pouco importava a forma pela qual
três homens, dois dos quais submetidos a uma influência hipnótica inimiga, decidissem
seu destino.
Fed começou a descer. Viu que Sturry já tinha descido até a faixa de rocha, onde
ficou à sua espera, com a arma em punho. Josh seguia-o da parte de cima.
As chances de escapar nunca tinham sido tão reduzidas como naquele instante.
***
***
Durante a descida, Fed Russo teve tempo para refletir sobre os acontecimentos dos
últimos minutos.
Chegou à conclusão de que a voz o enganara. Na verdade, não havia duas forças
diferentes — uma, que teria mantido Josh e Sturry submetidos à influência hipnótica, e
outra que o teria ajudado na fuga. Provavelmente eram ambas a mesma coisa. Era de
supor que a voz que tinha ouvido era uma manifestação do mesmo fenômeno que havia
eliminado as faculdades mentais de Josh e Sturry. Fed estava mais convencido do que
nunca de que devia tratar-se dum aparelho, e não dum ser vivo. A forma pela qual era
exercida a influência apresentava todas as características da mecano-hipnose.
Não havia dúvida quanto ao objetivo do inimigo. Quando Fed ouvira a voz pela
primeira vez, ele e seus companheiros estavam prestes a descobrir o planalto — e
naturalmente também a cratera. Em virtude dessa descoberta, a Crest II poderia ter uma
possibilidade de abandonar a parte central da esfera oca. O inimigo não queria que isso
acontecesse. Desejava destruir a nave ali mesmo. Por isso atraíra Fed para uma
armadilha. Enquanto isso Josh e Sturry tinham sido submetidos à influência hipnótica.
Assim que voltou, aprisionaram-no. Cabia-lhes matá-lo assim que tivessem uma
oportunidade. Depois disso o inimigo invisível cuidaria de apagar a lembrança dos
acontecimentos em sua memória, ou então os induziria ao suicídio. De qualquer maneira,
as pessoas que se encontravam na Crest não teriam conhecimento da existência da
cratera.
Até ali estava tudo claro. Restava esclarecer alguns detalhes. Por que o inimigo se
dava tanto trabalho, se teria sido bem mais simples hipnotizar tanto Fed Russo, como
Sturry e Josh? Só podia haver uma resposta: Fed não podia ser hipnotizado. Tinha pouca
experiência e contacto com os problemas da parapsicologia. Mas sabia que certas pessoas
eram imunes à influência mecano-hipnótica. Ao que tudo indicava, ele era uma dessas
pessoas.
Depois, por que Sturry e Josh não tinham aproveitado uma das tantas oportunidades
de matá-lo? Durante a subida pelo poço do elevador, por exemplo, Josh poderia tê-lo
matado, mas não o fez. Por quê?
Devia ter algo a ver com o fato de que andaram procurando alguma coisa no interior
da abóbada. Por estranho que pudesse parecer, tinha-se a impressão de que precisavam
encontrar primeiro aquilo que estavam procurando para ter força de matar. Fed sabia que
a proibição de matar realmente formava um poderoso bloqueio no cérebro humano,
bloqueio este que só podia ser vencido num estado de excitação extrema ou sob a ação de
influências mentais muito poderosas.
A situação podia ser tudo, menos clara. Mas Fed teve a impressão de que, enquanto
Josh e Sturry não tivessem encontrado o objeto de suas buscas ansiosas, ele estaria em
segurança.
A essa altura a tática da voz era facilmente compreensível. Ajudara-o a fugir e
esperara que depois de sair do poço fosse precipitar-se na cratera. O plano falhara, mas
isso não representava um problema grave, pois Josh e Sturry ainda poderiam eliminá-lo.
Fed pensou nisso enquanto percorria o caminho pelo poço, no qual subira tão
depressa, mas estava descendo bem mais devagar. Sturry Finch estava à sua espera na
faixa de rocha. Examinou-o com um olhar frio de indiferente. Finalmente apontou para o
elevador antigravitacional.
— Entre! — ordenou.
Fed teve uma idéia horripilante. Se confiasse no elevador antigravitacional,
dependeria do campo antigravitacional numa altitude de centenas de metros. Para o
inimigo invisível seria fácil desligar este campo assim que ele se encontrasse no interior
do poço. Cairia uns duzentos ou trezentos metros e nunca mais incomodaria o inimigo
com sua presença.
— Vamos! — disse Sturry em tom impaciente.
Josh desceu e postou-se do outro lado.
— Deixe-me pensar um pouco, seu idiota! — resmungou Fed.
Há pouco usara o elevador. Por que o desconhecido não o deixara cair naquela
oportunidade? Porque nesse caso também teria arrastado Josh e Sturry, e o desconhecido
talvez ainda precisasse dos dois? Isso era muito improvável. A idéia de que o aparelho
mecano-hipnótico não tinha nenhuma influência sobre os geradores que produziam o
campo gravitacional era bem mais plausível. A finalidade do hipnotizador consistia em
proteger a abóbada. O elevador antigravitacional servia unicamente para transportar
pessoas da abóbada para o platô e vice-versa. O acoplamento entre os projetores e o
hipnotizador exigiria uma série de dispositivos de controle, que excluíssem a
possibilidade dum erro.
— Empurre-o para dentro! — ordenou Josh.
Fed levantou as mãos.
— Um momento — disse com a voz calma. — Já vou.
Saltou para dentro do poço. Manteve o corpo inclinado para o lado, para agarrar-se à
parede da rocha assim que sentisse que a ação do campo antigravitacional estivesse
diminuindo. Mas não aconteceu nada disso. O campo envolveu-o suavemente e o fez
descer bem devagar.
Soltou com um chiado o ar que prendera entre os pulmões. Sua teoria era correta. O
hipnotizador não podia fazer-lhe nada enquanto estivesse no interior do poço. O alívio
que sentiu foi tão profundo que afetou seu estômago. Quando chegou ao fundo do poço,
sentiu-se enjoado.
Sturry e Josh levaram-no de volta à abóbada. Como das vezes anteriores, o campo
defensivo não representou nenhum obstáculo para eles. A porta abriu-se imediatamente.
O interior bem iluminado da abóbada abriu-se à sua frente. Continuava tal qual o tinham
deixado.
— Fique aqui — ordenou Josh, apontando para um lugar situado entre dois
conjuntos de máquinas não muito grandes. Era um lugar bem escolhido. Fed teria de dar
uma volta para atingir a porta que não ficava muito longe. A volta era tão grande que
Josh e Sturry teriam tempo de sobra para persegui-lo.
Fed obedeceu. No momento não tinha alternativa. Ficou pensativo, vendo os
homens reiniciar as buscas no lugar em que há pouco as tinham interrompido.
De repente lembrou-se duma coisa. Para o que ele pretendia fazer dali em diante era
muito importante saber se a voz desconhecida era ou não capaz de adivinhar seus
pensamentos. Era bem verdade que as comunicações com a mesma tinham sido feitas por
via telepática, mas a forma normal do intercâmbio telepático tinha certa semelhança com
a palestra acústica, já que cada parceiro só recebia as mensagens que o outro emitisse em
voz alta ou duma forma nitidamente orientada. Em outras palavras, para o telepata médio
era impossível reconhecer os pensamentos que o parceiro quisesse esconder, da mesma
forma que num contacto acústico era impossível entender as palavras que o parceiro
dirigisse em voz baixa a uma terceira pessoa.
Havia certos indícios de que o hipnotizador não estava em condições de ler todos os
pensamentos de Fed. Assim, por exemplo, não dedicara um único pensamento às
fotografias tiradas pelo mesmo. Também se obstinara em afirmar que a fuga seria
impossível, embora naquele momento Fed já tivesse a intenção de atrair Josh e Sturry
para perto do campo defensivo, para fazer com que o mesmo se abrisse. Era um método
fácil e seguro. O hipnotizador não teria motivo para ser pessimista, se conhecesse o plano
de Fed.
Fed sabia perfeitamente que estas circunstâncias não permitiam uma conclusão
segura. Apesar disso resolveu basear sua atuação futura na suposição de que o inimigo
não conhecia seus pensamentos.
De qualquer maneira, não havia outra possibilidade. Se o hipnotizador soubesse o
que estava pensando, de qualquer maneira estaria perdido.
Naquele momento as buscas de Josh e Sturry se concentravam em determinado
ponto dos fundos da abóbada, onde havia uma série de aparelhos pequenos, mais ou
menos do tamanho duma calculadora de mesa. Estavam bem arrumados em cima de
bancos compridos. Naquele momento Josh estava acompanhando um cabo que saía da
parte traseira de um dos instrumentos, passava sobre o banco e se perdia entre os outros
aparelhos.
— É isto! — disse Josh em voz alta e exaltada. — Aqui está o amplificador!
Sturry virou a cabeça e olhou para Fed.
— Venha cá! — ordenou. — Devagar e com cuidado.
Fed obedeceu. Movimentava-se de tal maneira que Sturry via o que estava fazendo
com as mãos. Sturry esperou até que se aproximasse a dois metros do banco e mandou
que parasse.
— Fique parado aí! — disse.
Josh tinha passado por baixo do banco. Fed não podia ver muito bem o que estava
fazendo por lá. Ao que parecia, mantinha-se ocupado com dois ou três aparelhos ao
mesmo tempo. Às vezes parava em meio ao movimento e ficava na escuta, como se um
ser invisível lhe estivesse fornecendo instruções. Fed acreditava que realmente era isso.
Por si mesmo Josh não saberia lidar melhor com esses instrumentos do que ele mesmo, e
isso significava que não entendia absolutamente nada dos mesmos. Estava agindo
segundo as instruções do hipnotizador, e a demora decorria do fato de que este tinha
dificuldade em explicar as funções dos diversos aparelhos aos dois hipnotizados.
Finalmente Josh concluiu seu trabalho. Saiu debaixo do banco. Tinha o rosto
encharcado de suor. Mandou que Fed recuasse um passo. Depois ele e Sturry colocaram-
se à frente do banco, de costas para os aparelhos. Pôs a mão para trás, em direção à série
de botões de um dos instrumentos. Fed viu o dedo negro descer em um dos botões.
— Cuidado! — disse Josh com a voz rouca.
Neste momento Fed compreendeu o que estava acontecendo. Lembrou-se de que
Josh usara a palavra amplificador. Ele mesmo já tivera a idéia de que Josh e Sturry ainda
não haviam tentado matá-lo, porque o impulso hipnótico a que estavam submetidos era
muito fraco para isso.
O comando do desconhecido obrigava-os a procurar um amplificador hipnótico.
Acabavam de encontrá-lo e fizeram seu acoplamento com o aparelho original. Assim que
o tivessem ligado, teriam forças para matar.
Fed viu o botão baixar lentamente e procurou conformar-se com o fato de que só
teria mais dois ou três segundos de vida.
5
A suposição de Perry Rhodan foi confirmada pelos fatos. Demorou menos de uma
hora até que a abertura fosse encontrada. Tinha cerca de cinqüenta quilômetros de
diâmetro, ficava nas montanhas e tinha mais de mil quilômetros de profundidade. Diante
das informações que Wuriu Sengu lhe tinha fornecido, não havia a menor dúvida de que
aquilo que para os instrumentos era o fundo da abertura na realidade não passava da face
interna do segundo envoltório.
Mas a alegria com o achado não durou muito. Outras medições revelaram que numa
profundidade de cerca de cem quilômetros o poço era hermeticamente fechado por um
campo defensivo oticamente invisível. A Crest não poderia chegar ao envoltório seguinte
sem eliminar este campo. Por enquanto não se sabia se a aparelhagem de bordo tinha
capacidade para isso.
De qualquer maneira a nave partiu. Ergueu-se do local em que estava pousada no
deserto e passou lentamente sobre a selva de montanhas entrecortadas. O platô atrás do
qual se ocultava a abertura de cinqüenta quilômetros de diâmetro foi avistado de dez
quilômetros de altura.
Dali a pouco foi feita mais uma descoberta. Junto à borda da abertura um poço de
cerca de duzentos metros de diâmetro rompia a superfície do platô que nos outros lugares
era liso. Constatou-se que o poço tinha trezentos metros de profundidade, e no fundo do
mesmo havia uma saliência que apresentava um estranho formato geométrico. Perry
Rhodan chegou à conclusão de que valia a pena investigar a área e enviou um barco de
reconhecimento.
Enquanto isso a Crest ficou suspensa bem em cima da borda da abertura que ligava
o centro do mundo oco ao envoltório seguinte. Na sala de comando e nos laboratórios
foram iniciadas experiências com o objetivo de determinar a estrutura do campo
defensivo e descobrir um meio de conseguir a passagem da nave.
***
Fed caiu.
Um décimo de segundo disso as descargas de duas armas energéticas passaram por
cima dele, atirando uma onda de ar aquecido em seu rosto. Rolou o mais depressa que
pôde para a viela que se abria entre dois aparelhos de grande porte. No momento estava
fora do alcance dos tiros de Josh e Sturry. Tudo dependia que fosse mais rápido que seus
perseguidores.
Parecia que a fuga os deixara confusos. Por um segundo tudo ficou em silêncio
junto ao banco. Isso bastou para que Fed se retirasse para mais longe. Havia passagens
mais estreitas de ambos os lados. Fed encontraria muitos lugares para esconder-se. Mas
sua intenção não era esconder-se de Sturry e Josh. Precisava chegar ao grande quadro de
comando que ficava na parede, atrás dele. Só teria uma chance se conseguisse, e se esse
quadro prestasse o serviço que esperava dele.
Ouviu os passos dos dois homens, que vinham pelo corredor principal. Não diziam
uma palavra.
Fed recuou para dentro de um dos corredores laterais. De ambos os lados erguiam-se
as colunas metálicas de máquinas desconhecidas. Por um instante viu a cabeça loura de
Sturry através duma fresta estreita. Havia uma decisão mortífera em seus olhos. Estava
totalmente submetido ao hipnotizador.
Um tiro energético chiou através do corredor em que Fed estivera há poucos
instantes. Viu a energia ofuscante refletir-se nos campos defensivos individuais das
máquinas.
Por um instante lembrou-se do amplificador. Quando Josh estava manipulando o
mesmo, tinha-se a impressão de que não havia qualquer proteção. Será que isso acontecia
em virtude do mesmo efeito que desligava o campo defensivo externo da abóbada assim
que Sturry e Josh se aproximavam do mesmo? Será que o próprio Fed, ao aproximar-se
do aparelho, se defrontaria com o mesmo campo impenetrável que envolvia as outras
máquinas?
Não havia tempo para refletir sobre isso. Alguém estava caminhando pelo corredor.
Fed recuou mais um pouco e conseguiu esconder-se atrás duma máquina, no exato
momento em que avistou a bota pesada de Josh. Este passou sem descobrir o fugitivo.
Fed olhou para trás e percebeu que só se encontrava a quatro metros do quadro de
comando.
Precisava ter cuidado. O hipnotizador não conhecia seus planos, mas podia vê-lo.
Sem dúvida transmitia constantemente suas instruções a Josh e Sturry. Mas as mesmas
dificuldades que tinham causado a demora na busca do amplificador naturalmente
impediam os dois homens de seguir as instruções com a necessária rapidez. O
hipnotizador conhecia as máquinas. Mas o que adiantava se alguém dizia a Josh que o
fugitivo estava escondido entre o conjunto A e a máquina B? Precisaria duma descrição
detalhada para que Josh soubesse de que aparelho se tratava — e uma descrição era
demorada.
Mas o quadro de comando era bem simples. Josh e Sturry compreenderiam
imediatamente se o hipnotizador percebesse que o mesmo era o objetivo de Fed.
Este seguiu por um corredor estreito, que o afastou dois metros do alvo. Josh e
Sturry estavam bem longe, mas vinham se aproximando. Fed tentou imaginar como as
ordens do inimigo deviam atropelar-se em seus cérebros. De vez em quando disparavam
uma salva, mas atiravam sem fazer pontaria, mostrando que não sabia onde estava a
vítima.
Fed deu mais uma volta, para enganar o hipnotizador sobre seus verdadeiros
objetivos, e acabou por aproximar-se do quadro de comando, vindo do outro lado. O
banco com o amplificador encontrava-se obliquamente atrás dele, a uns dez metros de
distância e separada por alguns conjuntos de tamanho médio. Fed gravou na memória a
disposição dos mesmos.
Voltou a respirar profundamente e saltou. De tão nervoso que estava, calculara mal
a força do salto e batera dolorosamente contra as chaves de metal plastificado do quadro
de comando. Josh e Sturry imediatamente tiveram a atenção despertada. Viraram-se
abruptamente e dois tiros feitos sem muita pontaria fizeram entrar em ebulição a parede
da abóbada em cima da cabeça de Fed.
Este abaixou-se e foi pegando as chaves que estavam ao alcance de suas mãos.
Sentiu nos dedos a dormência provocada pelo campo defensivo. A dor inundava seus
braços, mas através do manto protetor do campo a força das mãos transmitiu-se para as
chaves. Baixou duas. Fed atirou-se para trás e rastejou mais um metro. Outras duas
chaves — e nenhum resultado ainda. Fed ouviu os ruídos dos passos de Josh e Sturry, que
pareciam ser transmitidos através dum tubo fino e comprido. Mais alguns segundos, e
seria o fim.
As mãos tinham perdido a sensibilidade em virtude dos efeitos produzidos pelo
campo defensivo. Era como se não existissem. Mas continuava a estendê-las, segurou
duas chaves e conseguiu baixá-las.
De repente...
Estava envolvido por uma escuridão completa.
As lâmpadas solares instaladas no ponto culminante da abóbada se tinham apagado.
A parede da abóbada não deixava passar a luz vinda de fora. A escuridão era completa.
Reanimado pela confiança que o resultado de sua ação lhe trouxera, Fed foi
voltando. Josh e Sturry sabiam onde estava. Encontrariam o quadro de comando até
mesmo no escuro. E quando chegassem não deveria estar mais lá.
Descansou alguns segundos ao pé duma grande máquina.
— E agora? — perguntou a voz. — Acredita mesmo que conseguirá escapar?
— Naturalmente — respondeu Fed em pensamento. — Afinal, já consegui uma vez.
Lá em cima, no platô. Está lembrado?
— Ali foi diferente — disse a voz. — Mesmo que não saltasse para dentro do poço,
seus amigos estavam atrás de você. Não havia como escapar.
— Acontece que desta vez escaparei — afirmou Fed.
Conversar com o hipnotizador parecia uma boa idéia. Como o aparelho era incapaz
de ler seus pensamentos, talvez pudesse dar-lhe algumas informações sobre seus planos.
Informações falsas, evidentemente.
— Espere até que um desses idiotas chegue perto de mim — disse. — Diga-lhes
onde estou. Quando compreenderem, já estarei em cima deles e... deixe para lá. Por que
haveria de explicar a você?
— Seja lá o que você pretende fazer, — disse o hipnotizador em tom indiferente —
não vai dar certo.
Fed ouviu um ruído vindo de bem perto. Não deu mais resposta às palavras do
hipnotizador. Alguém se aproximava do quadro de comando. Não sabia se era Josh ou
Sturry, mas quem era sabia que Fed estava à sua espera. O hipnotizador lhe contara.
Fed contornou a base da máquina sem fazer nenhum ruído, a fim de que esta se
interpusesse entre ele e o inimigo que se movimentava na escuridão. Era difícil orientar-
se no escuro. Se não conseguisse, seu jogo estaria perdido.
Foi recuando lentamente. O ruído seguiu-o. O projetor enxergava-o mesmo na
escuridão, e era fácil orientar uma pessoa que se encontrasse bem perto dele. Bastava dar
comandos como “para a direita” ou “para a esquerda”.
Um segundo tiro deteve Fed no meio da corrida. Atingiu-o no ombro e a dor
lancinante fez com que caísse.
— Peguei-o! — gritou Sturry.
Fed levantou-se resmungando. Sentiu o fedor dos restos queimados de seu traje
especial. O braço esquerdo estava dormente. A dor que fustigava o lado esquerdo de seu
corpo era quase insuportável.
A segurança de Sturry deu-lhe mais uma chance. Em vez de certificar-se de que
realmente o tinha atingido, o mesmo esperou até que Josh saísse do lugar em que estava
escondido para juntar-se a ele. Seus passos eram tão forte que superaram os ruídos
provocados por Fed.
Quando o hipnotizador explicou aos dois que o perigo ainda não tinha passado, já
era tarde. Fed sentiu o cabo entre os dedos. Ficava fora dos aparelhos e não possuía
campo defensivo. Segurou-o com ambas as mãos e pôs-se a puxar com toda força. Um
mundo de raios e manchas coloridas começou a girar diante de seus olhos. O único elo de
ligação com o mundo real era o cabo que sentia entre os dedos. Puxava violentamente,
gritando.
Finalmente o cabo cedeu. Fed caiu de costas, e a dor selvagem que sentia no ombro
queimado deixou-o inconsciente por um instante.
Quando recuperou os sentidos, as lâmpadas solares amarelas estavam acesas. Josh e
Sturry estavam parados perto dele, com as armas apontadas para seu corpo. Fed apoiou-
se no cotovelo direito. Continuava a segurar o cabo, que estava rasgado de ambos os
lados.
Levantou-se. Isso lhe custou o mesmo esforço que normalmente teria de gastar
numa marcha de um dia através do deserto, mas a sensação de triunfo ajudou-o a pôr-se
de pé. O cabo estava rasgado. Não tinha mais nada a perder.
Josh e Sturry recuaram um passo.
— Sua hora chegou! — disse Josh, enquanto sua arma acompanhava os movimentos
de Fed.
Fed deixou cair a mão que segurava a ponta do cabo.
— Você não pode matar-me, Josh — disse em tom calmo. — Sei disso. Não tente
impressionar-me. O amplificador foi posto fora de ação.
Enquanto falava, fez um movimento rapidíssimo com a mão. O cabo atingiu a mão
de Josh. Foi uma pancada violenta. Josh soltou um grito e deixou cair a arma. Fed atirou-
se ao chão e cobriu a arma com o corpo antes que Sturry pudesse esboçar qualquer
reação.
Agora tinha tempo. Sturry não se atreveria a matá-lo. Procurou calmamente a arma e
tirou-a de baixo de seu corpo. Pôs-se lentamente de joelhos e levantou, apoiando-se na
borda do quadro de comando. Sem dar atenção a Josh, colocou-se à frente de Sturry e
encostou-lhe a arma ao peito.
Por um instante teve-se a impressão de que, mesmo sem o amplificador, a influência
do hipnotizador bastaria para manter Sturry sob controle. Mas o rapaz não demorou a
levantar as mãos e atirar a arma resolutamente para o lado.
Fed deu-lhe as costas. Sentiu que estava para ficar inconsciente. Ninguém sabia que
plano o hipnotizador inventaria enquanto Fed estivesse inconsciente.
Disparou alguns tiros contra os aparelhos espalhados sobre o banco. Os mesmos
foram deslocados pelos campos defensivos. A energia mecânica do impacto atirou os
aparelhos para o lado, mas não os afetou. Pareciam ser muito resistentes.
Saiu cambaleando em direção ao quadro de comando. Devia haver uma chave que
interrompesse o suprimento de energia dos campos defensivos. Certamente ficava num
lugar muito discreto, pois do contrário todo o sistema de campos defensivos seria inútil.
O problema era encontrar a chave certa antes que ele ficasse inconsciente.
Mais uma vez foi baixando chave após chave, tendo sempre o cuidado de não tocar
naquela que desligava as luzes. Toda vez que um dos objetos finos de metal plastificado
cedia à pressão de seu dedo, disparava um tiro contra a extremidade superior do quadro
de comando. Se o tiro não acertava o alvo, isso era sinal de que os projetores
continuavam ligados. Mas se atingisse, teria atingido seu objetivo.
Por muito tempo teve a impressão de que seria tudo em vão. Chave após chave foi
sendo baixada, e os tiros ricocheteavam de encontro ao campo defensivo do quadro de
comando. Fed era um espírito bem vivo num envoltório sem vida. Já não sentia os
objetos em que seus dedos tocavam. O contacto com o campo defensivo começou a
paralisar seu sistema nervoso. As coisas chegaram a um ponto em que não sentia mais a
dor no ombro e tinha de ficar de olho nas pernas para não embaralhá-las quando desse um
passo para o lado.
Sabia perfeitamente que não agüentaria muito tempo. O fim seria repentino. Para
trabalhar, recorria às reservas de energia que o ser humano só costuma mobilizar quando
se defronta com a morte. E quando essas reservas tivessem sido consumidas... Esta idéia
atravessou preguiçosamente sua mente, concebida por um cérebro que estava à beira do
desespero. Tão devagar como concebeu esta idéia teve consciência de que o último tiro
disparado contra a parede em que ficava o quadro de comando tinha provocado bolhas.
Ficou parado, cambaleante. Quase não tinha forças para segurar a pequena arma
energética. Pôs-se a contemplar o buraco que a última salva queimara na parede.
Com uma lentidão incrível a idéia de que atingira o alvo foi tomando corpo em sua
mente. Os campos defensivos das máquinas tinham deixado de existir. Já estava em
condições de destruir o hipnotizador.
Virou-se abruptamente. Saiu caminhando com as pernas duras em direção ao banco.
Sturry, que estava no seu caminho, foi afastado com um movimento violento. Depois
começou a atirar.
Atingiu o alvo. O banco e os aparelhos que se encontravam sobre o mesmo
desmancharam-se numa nuvem de fumaça e fogo.
Fed viu pelos cantos dos olhos o rosto cinzento de Josh. Este olhava para ele como
se fosse um fantasma. Fed quis perguntar alguma coisa, mas as cordas vocais não
obedeceram. Ficou espantado ao notar que de repente as coisas que o cercavam
começavam a ficar menores e pareciam desvanecer-se ao longe.
No mesmo instante perdeu os sentidos.
***
Uma decisão foi tomada. O método que Perry Rhodan tinha usado para neutralizar o
campo de sincrotron do núcleo energético seria empregado de novo, desta vez para
eliminar o campo defensivo situado nos fundos do canal de ligação. Mais uma vez
defrontavam-se com o mesmo problema. A estrutura do campo defensivo estava situado
na sexta dimensão. Até mesmo as energias complexas irradiadas pelos aparelhos da Crest
situavam-se uma dimensão abaixo disso.
Mas os cálculos revelaram que, se a energia cinética da nave fosse suficientemente
grande, a mesma seria capaz de substituir a sexta componente. Icho Tolot, o halutense,
usou uma comparação que só não foi desprezado porque ele mesmo se incluiu na classe
dos ignorantes. A tentativa de romper o campo defensivo, que seria realizada pela Crest,
assemelhava-se aos esforços duma criança que desejasse abrir uma gaveta que possuísse
três fechaduras. A criança era capaz de destravar duas dessas fechaduras, mas a terceira
era muito complicada para sua inteligência. A criança usou os músculos e abriu a gaveta
à força, quebrando a lingüeta da terceira fechadura.
Acreditava-se que o rompimento do campo defensivo paralisado em cinco das suas
dimensões causaria uma súbita perda de impulso. Tudo que não estava preso foi firmado.
Os tripulantes receberam ordens terminantes para durante a operação de ruptura
permanecer em posição horizontal numa base bem macia. A manobra propriamente dita
era bem simples. Não havia necessidade de mais de um homem na sala de comando.
O escolhido foi Icho Tolot. O halutense ofereceu-se voluntariamente. Era o único
que, graças à sua estrutura orgânica especial, podia ter esperança de resistir são e salvo ao
impacto.
A Crest II foi preparada para a partida. Os barcos de reconhecimento já tinham
descoberto os destroços do veículo de desembarque no interior dum vale. Não havia a
menor dúvida de que Fed Russo e seus companheiros estavam mortos.
Só se esperava o regresso do barco que estava examinando o poço de trezentos
metros de profundidade, situado junto ao canal de ligação.
***
A única coisa que os homens do comando de busca tiveram que fazer foi entrar na
abóbada e recolher três homens inconscientes. O chefe de comando constatou que todas
as máquinas que se encontravam no interior da abóbada eram protegidas por campos
defensivos impenetráveis. Tentou manipular as chaves dum quadro de comando, mas na
primeira tentativa sofreu um choque tão forte que preferiu abandonar as experiências.
Entrou em contacto com a Crest e recebeu ordem de voltar para bordo quanto antes.
Dessa maneira Fed Russo, Josh Bonin e Sturry Finch, que já tinham abandonado todas as
esperanças, ainda puderam desfrutar uma cama macia, uma claridade agradável e uma
relativa segurança.
Fed Russo foi o primeiro que recuperou os sentidos. Os propulsores estavam
entrando em funcionamento, e a Crest II dispunha-se para precipitar-se canal a dentro.
Fed fez um relato breve, mas completo da operação de que tinha participado. Fez questão
de ressaltar que, quando Josh Bonin e Sturry Finch quiseram atacá-lo, não estavam
agindo por iniciativa própria, mas sob a influência dum aparelho mecano-hipnótico.
Garantiram-lhe que Sturry e Josh não teriam a recear qualquer punição.
As fotografias tiradas por Fed foram reveladas e interpretadas. Com base nas
mesmas foi possível determinar com um razoável grau de precisão a posição atual da
nave. O resultado foi decepcionante. A Crest afastara-se alguns milhares de anos-luz de
Power, mas o salto fora dado em sentido paralelo às extremidades das duas galáxias. A
nave não se aproximara de nenhuma delas. O caminho a ser percorrido para chegar em
casa continuava a ser tão longo quanto antes.
Houve certa discrepância entre o relato de Fed Russo e as observações do chefe do
comando de reconhecimento. O primeiro afirmava que tinha posto fora de ação os
campos defensivos individuais dos mecanismos, enquanto o chefe do comando constatara
que não conseguia aproximar-se de qualquer dos instrumentos sem levar um tremendo
choque. Concluía-se que, depois que Fed Russo alcançara uma vitória sobre o
hipnotizador, os campos defensivos voltaram a ser ligados automaticamente. Ninguém
seria capaz de avaliar o número de aparelhos e mecanismos de controle que havia no
interior da abóbada. Era perfeitamente possível que existisse um dispositivo que
corrigisse automaticamente qualquer manipulação dos comandos realizadas por uma
pessoa não autorizada. Ao que tudo indicava, os campos defensivos eram reforçados na
mesma oportunidade, a fim de que nenhuma mão estranha voltasse a mexer no quadro de
comando.
Restava uma pergunta. Por que o comando de reconhecimento não encontrara
qualquer campo defensivo do lado de fora da abóbada? Será que Fed Russo tinha
destruído alguma componente importante, indispensável à manutenção do campo
defensivo externo e que, uma vez destruída, não podia ser reparada? Ou será que o
inimigo invisível resolvera fazer um novo jogo e se cansara do mesmo, motivo por que
não tinha mais nenhuma objeção a que a vítima de sua atuação fosse levada a um lugar
seguro?
Ninguém sabia. Talvez nunca descobrissem.
Havia problemas mais importantes pela frente.
A Crest precipitou-se em queda livre, em velocidade cada vez maior, em direção ao
campo defensivo situado no interior do canal de ligação.
***
***
Havia poucas enfermeiras a bordo da Crest. Uma delas fora destacada para cuidar de
Fed Russo.
Quando a mesma se aproximou da cama de Fed, este ainda se sentia fraco e mal
acabara de recuperar-se das conseqüências do choque causado pela travessia do campo
defensivo.
— Há dois homens lá fora que querem falar com o senhor — disse a enfermeira com
um sorriso.
Fed apoiou-se nos cotovelos.
— Dois? — perguntou em tom de espanto.
— Isso mesmo — respondeu a enfermeira. — Acho conveniente não ser muito
rigoroso com eles. Sabem tudo e basta um pequeno choque para roubar-lhes o equilíbrio
psíquico.
Fed viu que a escotilha estava entreaberta. Sorriu para a enfermeira e gritou:
— Entrem, desde que não queiram liquidar-me mais!
A escotilha deslizou para o lado. O primeiro a entrar foi Sturry. Segurava o boné do
uniforme com ambas as mãos e revirava-o ininterruptamente. Josh entrou atrás dele,
olhando para cima, como se houvesse uma coisa muito interessante logo embaixo do teto.
Pareciam não ter a consciência muito tranqüila, mas de resto estavam na plena posse
de suas faculdades mentais. A enfermeira deu um passo para o lado e desapareceu.
— Então — principiou Fed Russo. — Agora vocês vão ouvir uma coisa...
***
**
*