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Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por meio da Narrativa Transmidiática1

Maíra Bianchini dos Santos2


Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

Resumo

O objetivo deste artigo é apresentar os principais resultados da pesquisa monográfica Através


do Espelho – Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por meio da Narrativa
Transmidiática (Santos, 2009), a qual procurou analisar de que forma a noção de narrativa
transmidiática (Jenkins, 2008) está expressa no programa televisivo norte-americano Lost.
Para isso, delimitou-se como corpus de análise a segunda temporada do seriado, a qual foi
estudada a partir de três categorias de análise – a presença de portais de acesso, a apresentação
de novos conteúdos ficcionais e a participação de consumidores em comunidades de
conhecimento. A partir da observação de 13 portais de acesso, é possível constatar como
ocorre a expressão da narrativa transmidiática em Lost.

Palavras-chave: cultura da convergência; Lost; narrativa transmidiática.

Considerações Iniciais

Nos últimos anos, o advento das novas tecnologias de informação e de comunicação


provocou mudanças significativas no campo midiático e na relação dos indivíduos entre si,
com os meios e com os produtos que circulam na mídia. Tendo em vista as novas formas de
abordagem de produtores e de consumidores com produtos de entretenimento da cultura
popular, Jenkins (2008) identifica essas mudanças como o surgimento de um novo paradigma
cultural, a cultura da convergência, baseada na articulação de três conceitos: de convergência
dos meios de comunicação, de cultura participativa e de inteligência coletiva. Para o autor, o
termo convergência não se refere apenas à reunião de funcionalidades em um mesmo
aparelho, ao estilo de um celular que também toca vídeos e música, navega na internet e tira
fotografias. Na concepção do autor, a convergência abrange profundas mudanças sociais,
culturais, empresariais e tecnológicas no modo como nos relacionamos com as mídias.
A noção de cultura da convergência abrange outras duas ideias inerentes ao novo
paradigma, ambas baseadas no envolvimento da audiência com os produtos midiáticos. No
âmbito da cultura participativa, os consumidores passam a ser considerados como parte ativa

1
Artigo científico apresentado ao eixo temático “Entretenimento, Produção Cultural e Subjetivação”, do IV
Simpósio Nacional da ABCiber.
2
Aluna do curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM). Integrante do Grupo Jornalismo Digital (JORDI) da UFSM. E-mail:
mairabianchini@gmail.com.
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da criação e da circulação de novos conteúdos. Já a inteligência coletiva relaciona-se ao
potencial que as comunidades de conhecimento virtuais têm de alavancar o intelecto
individual, ao reunir diversas pessoas com saberes diferentes em torno de um objeto de
interesse em comum, sobre o qual elas estão dispostas a discutir e construir novos
conhecimentos.
Neste cenário, a lógica pela qual a indústria midiática opera está sofrendo alterações,
refletindo no modo como os consumidores processam a notícia e o entretenimento, e na forma
como os produtores abordam os produtos veiculados nos meios de comunicação. A partir
dessa mudança de comportamento, surge a narrativa transmidiática, definida por Jenkins
(2008) como nova forma de se contar histórias na qual um universo ficcional se desenvolve
por meio de diversos suportes midiáticos, com cada novo texto contribuindo de forma única e
valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmidiática, cada mídia contribui com suas
características mais fortes, de modo que uma história pode ser introduzida em um filme,
expandida em uma série de TV, transformada em um romance ou em uma história em
quadrinhos, adaptada para uma série de curtas-metragens e remodelada para uma aventura de
videogame. Esses suportes midiáticos são ligados por portais de acesso, os quais permitem ao
espectador conhecer novas camadas de significado em um universo narrativo. Como o
Espelho de Alice, no conto infantil Alice Através do Espelho, de Lewis Carroll, os portais da
narrativa transmidiática concedem entrada para uma rica e envolvente experiência de
consumo ficcional.
A partir deste contexto, o presente artigo tem como objetivo apresentar os principais
resultados da pesquisa monográfica Através do Espelho – Aprofundamento do Universo
Ficcional de Lost por meio da Narrativa Transmidiática (Santos, 2009), a qual procurou
avaliar de que forma a noção de transmidialidade está expressa na construção do universo
ficcional do seriado Lost, transmitido pela emissora norte-americana ABC entre setembro de
2004 e maio de 2010. A narrativa de Lost não esteve contida apenas no conteúdo
televisionado nos episódios de cada temporada. Outros suportes midiáticos foram utilizados
para aprofundar a experiência dos fãs com o universo ficcional da série. Pretende-se aqui
compreender o modo como a narrativa transmidiática oferece diferentes camadas de
significado sobre o conteúdo do seriado para os consumidores que buscam informações em
diversas mídias. Para isso, foram definidas três categorias de análise, a partir das
considerações de Jenkins (2008), tendo em vista avaliar as histórias desenvolvidas nos
diversos suportes midiáticos auxiliares de Lost. São elas: a presença de portais de acesso, a
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apresentação de novos conteúdos ficcionais nas mídias complementares e a participação de
consumidores em comunidades de conhecimento. A segunda temporada da série foi escolhida
como fio condutor para a realização da análise, por ela ser a temporada com o número mais
significativo de contribuições narrativas oriundas de outras mídias além da televisiva.
Os portais de acesso foram identificados como a característica determinante para
expressão da narrativa transmidiática, pois é por meio deles que os consumidores ganham
acesso a informações adicionais sobre o universo narrativo. A presença da narrativa
transmidiática na segunda temporada do seriado foi estudada a partir da identificação de 13
portais de acesso entre o conteúdo da história televisionada nos episódios da série e o das
mídias complementares, entre as quais foram selecionadas quatro para a análise: internet
(site), celular (Lost: Missing Pieces), ARG (The Lost Experience) e jogo eletrônico (Lost: Via
Domus).

Lost e Transmidialidade

Uma mistura de drama, aventura e ficção científica, com toques de comédia e


romance, Lost conta a história de um grupo de pessoas cujas vidas estão misteriosamente
ligadas a uma ilha no Oceano Pacífico. A narrativa da série inicia com a queda do voo 815 da
fictícia companhia aérea Oceanic Airlines, o qual havia saído de Sydney, na Austrália, em
direção à Los Angeles, nos Estados Unidos. No meio da viagem, porém, o avião sofre uma
pane nos sistemas, parte-se em três pedaços e cai em uma ilha misteriosa, ao sul do Oceano
Pacífico. O grupo precisa então lutar pela sobrevivência, enquanto percebe que não será
resgatado, e que a ilha guarda diversas surpresas e enigmas. Ao longo da história, cada
sobrevivente também deverá confrontar os próprios medos e inseguranças, em uma jornada
pessoal de redenção. Na narrativa de Lost, a história dos 14 protagonistas3 é contada de forma
fragmentada, mostrando o passado das personagens por meio de flashbacks intercalados com
a ação no tempo presente da ilha. No final da terceira temporada, foi introduzida a técnica de
flashforward, a qual acompanha as personagens em acontecimentos do futuro, e, na sexta
temporada, a narrativa contou com flashsideways, recurso utilizado para mostrar a vida das
personagens em uma realidade alternativa.

3
Número de personagens principais na primeira temporada. Ao longo das temporadas seguintes, outros
protagonistas surgiram, e alguns dos integrantes originais do elenco deixaram a série.
3

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Lost foi sucesso imediato de público. Os telespectadores logo ficaram intrigados com a
ilha misteriosa e a história das personagens. Desde a primeira temporada, o programa
conquistou fãs dispostos a elaborar teorias, discutir ideias e especular sobre os enigmas da ilha
e o destino dos sobreviventes. O elenco internacional ajudou a estabelecer uma relação entre
os telespectadores e o programa, que foi transmitido em mais de 200 países4 e apresentou
diversas experiências de vida e pontos de vista entre as personagens, representando múltiplas
raças e culturas (Porter e Lavery, 2007). A frente dos mistérios que envolvem a ilha, foi a
jornada pessoal dos sobreviventes que esteve sempre em evidência e que cativou o público,
fazendo com que Lost fosse, em primeiro lugar, uma série sobre pessoas. Segundo Porter e
Lavery (2007), o que fez – e ainda faz – o público identificar-se com o programa é a ideia de
que, eventualmente, todas as pessoas enfrentam problemas interiores e sentem-se perdidas,
emocional ou fisicamente, em determinado ponto da vida. Tanto as personagens quanto o
público anseiam por um novo começo, são “sobreviventes de uma vida moderna caótica, que
ainda buscam respostas para questões fundamentais” (PORTER e LAVERY, 2007, p. 67).
Além das informações exibidas nos episódios ao longo das temporadas, a franquia de
Lost conta com conteúdo desenvolvido especialmente para o site e para o lançamento das
coleções em DVD, livros, jogo eletrônico, mini-episódios produzidos para transmissão via
celular e ARGs (Alternate Reality Games, ou Jogos de Realidade Alternativa). Cada suporte
midiático auxilia de forma distinta no entendimento do universo da série, como se o conteúdo
de cada um deles correspondesse a uma peça de um imenso quebra-cabeça que inclui dezenas
de personagens, referências culturais, históricas, religiosas, filosóficas e científicas e uma
história que, em seis temporadas, abrange acontecimentos relacionados à ilha ao longo de
cerca de dois mil anos – da época Romana Clássica até 20085. Com a quantidade de
informações que o universo do seriado disponibiliza, os fãs deixam de ser apenas
espectadores e buscam, por meio da Internet, pesquisar mais informações, reunir-se em
comunidades de interesse e dividir o conhecimento que adquirem sobre a série.
Jenkins (2008) denomina o processo de fragmentação da história em múltiplos
suportes de mídia de narrativa transmidiática. De acordo com o autor,
uma história transmidiática se desenrola através de múltiplos suportes
midiáticos, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o

4
Documentário BAFTA Gets Lost, produzido pela British Academy of Film and Television Arts – BAFTA.
Disponível em: http://www.bafta.org/access-all-areas/videos/bafta-gets-lost,815,BA.html. Acesso em: 03 out.
2010.
5
Informação revelada no episódio Across the Sea (6x15). http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Across_the_Sea.
Acesso: 03 out. 2010.
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todo. Na forma ideal de narrativa transmidiática, cada meio faz o que faz de melhor
– a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela
televisão, romances e quadrinhos, seu universo possa ser explorado em games ou
experimentado como atração de um parque de diversões (JENKINS, 2008, p. 135).

De acordo com Jenkins, o impulso transmidiático está no centro daquilo que ele chama
de cultura da convergência, nova forma de relação entre produtores e consumidores com os
produtos midiáticos e entre si. Jenkins não se refere à convergência como a união de múltiplas
funções em um único aparelho – como no caso de um celular que também reproduz arquivos
de áudio e de vídeo e oferece suporte para jogos eletrônicos –, mas sim como uma palavra que
define mudanças tecnológicas, industriais, culturais e sociais no modo
como as mídias circulam em nossa cultura. Algumas das idéias comuns expressas
por esse termo incluem o fluxo de conteúdos através de vários suportes midiáticos, a
cooperação entre as múltiplas indústrias midiáticas, a busca de novas estruturas de
financiamento das mídias que recaiam sobre os interstícios entre antigas e novas
mídias, e o comportamento migratório da audiência, que vai a qualquer lugar em
busca das experiências de entretenimento que deseja (JENKINS, 2008, p. 332-333).

Na cultura da convergência, um universo ficcional bem desenvolvido – e,


consequentemente, uma narrativa transmidiática bem-sucedida – sustenta diversas histórias e
envolve múltiplas personagens, podendo ser expandida em diferentes suportes midiáticos.
Produtos de entretenimento baseados em universos narrativos complexos, como o de Lost,
oferecem grandes quantidades de informação e estimulam os consumidores a explorações
adicionais. Murray chama esta característica de capacidade enciclopédica, a qual “oferece aos
escritores a oportunidade de contar histórias a partir de múltiplas perspectivas privilegiadas, e
de brindar o público com narrativas entrecruzadas que formam uma rede densa e de grande
extensão” (MURRAY, 2003, p. 89).
A complexidade dos universos ficcionais explorados por meio da narrativa
transmidiática exige que os fãs unam-se em comunidades de interesse para compartilhar
informações e opiniões sobre a história e reunir o conhecimento individual de cada membro
sobre o assunto. Muitas vezes, os membros de uma comunidade criam novos conhecimentos
em torno de uma temática sobre a qual não existem especialistas reconhecidos no grupo. Lévy
chama de inteligência coletiva a “capacidade de comunidades de interesse de alavancar o
conhecimento e a especialização de seus membros, normalmente pela colaboração e discussão
em larga escala” (JENKINS, 2008, p. 327).
A troca de informações entre os membros das comunidades disponibiliza para o
intelecto coletivo todo o conhecimento existente no grupo sobre o objeto de interesse comum
em determinado momento. Esse movimento deve-se especialmente ao fato de que hoje são

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colocadas em circulação muito mais informações do que uma única pessoa consegue
processar.
O saber da comunidade pensante não é mais um saber comum, pois
doravante é impossível que um só ser humano, ou mesmo um grupo, domine todos
os conhecimentos, todas as competências; é um saber coletivo por essência,
impossível de reunir em uma só carne. (LÉVY, 1999, p. 181).

Lévy denomina os produtos midiáticos capazes de elucidar investimentos intelectuais


comuns entre os consumidores de atratores culturais, expressão que define “os modos como
fãs e críticos se aglutinam em torno de textos considerados uma oportunidade valiosa para a
construção de significados e de avaliações“ (LÉVY apud JENKINS, 2008, p. 330). Para
Jenkins, tais produtos também podem ser considerados como ativadores culturais, “textos que
funcionam como catalisadores, desencadeando um processo de construção compartilhado de
significados” (2008, p. 330).
Tanto os atratores culturais de Lévy quanto os ativadores culturais de Jenkins
representam os produtos que instigam a curiosidade do público e que investem na capacidade
dos membros de uma comunidade de conhecimento de se envolver emocionalmente com um
produto de entretenimento. Muito do sucesso de franquias midiáticas como Matrix, Star Wars,
e Harry Potter deve-se à dedicação e ao comprometimento de seus fãs mais inspirados com a
história que acompanham apaixonadamente. Aqui, o conceito de economia afetiva, da área de
marketing, aplica-se ao modo como os produtores midiáticos desenvolvem produtos que
apostam na capacidade de comprometimento dos consumidores: a estratégia “enfatiza o
envolvimento emocional dos consumidores com a marca como uma motivação fundamental
em suas decisões de compra” (JENKINS, 2008, p. 334). A diferença é que, na narrativa
transmidiática, o investimento financeiro dos fãs é complementado – ou, em alguns casos,
substituído – pelo investimento emocional em um mundo ficcional.
Para que os produtos midiáticos provoquem tamanho envolvimento, no entanto, é
preciso que a obra não seja só uma história, mas sim um universo ficcional, rico e complexo o
suficiente para sustentar o desenvolvimento de toda uma franquia. Segundo Jenkins, esse
universo “deve ser detalhado o bastante para permitir o surgimento de muitas histórias
diferentes, porém suficientemente coerentes para que cada história dê a impressão de se
ajustar às outras” (2008, p. 332). Dividindo informações do universo ficcional em diversas
mídias, os produtores midiáticos oferecem aos fãs possibilidades de compreensão adicional
sobre a narrativa, uma mudança de perspectiva oportunizada pela introdução de elementos
complementares à história (JENKINS, 2008). Ao oferecer níveis de compreensão mais
6

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aprofundados, as narrativas transmidiáticas também motivam ainda mais o consumo entre os
fãs e alimentam uma forte relação de cooperação entre os espectadores, tornando o consumo
de um produto de entretenimento um processo coletivo, no qual os membros do público
conseguem processar mais informações sobre a história juntos do que se assistissem a ela
individualmente.
Tendo em vista as considerações de Jenkins (2008) sobre a narrativa transmidiática,
pretende-se analisar, a seguir, de que forma o conceito é utilizado em Lost, a partir da
definição de categorias de análise e da observação de uma das temporadas do seriado.

A expressão da Narrativa Transmidiática em Lost

Lost e as narrativas desenvolvidas em seus suportes midiáticos auxiliares foram


observadas com o objetivo de mapear o uso da transmidialidade ao longo das temporadas do
seriado. Esta observação foi facilitada pelo fato da autora deste trabalho ser fã de Lost e
acompanhar a história da série há alguns anos e, portanto, já estar familiarizada com o
conteúdo dos episódios e de algumas das ações desenvolvidas em outras mídias. No esquema
representado pela Figura 1, a estrutura da narrativa transmidiática de Lost em relação ao
conteúdo apresentado nos episódios televisivos é apresentada visualmente.

Figura 1: Esquema estrutural das narrativas complementares de Lost em relação à história


central do seriado.

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No centro da estrutura, na Área A, encontra-se o conteúdo canônico da série, aquele
que é televisionado semanalmente ao longo das temporadas. Agrupados por tipo de suporte
midiático, os produtos complementares da série estão organizados de acordo com a
contribuição narrativa que apresentam para Lost.
Os conteúdos disponibilizados por meio da internet e das coleções das temporadas em
DVDs (Área B) encontram-se na base da estrutura, pois são os suportes que dão sustentação
ao universo da série. O material das coleções proporciona uma visão aprofundada sobre os
bastidores e a produção do programa. Já as comunidades de conhecimento formadas na rede
mundial de computadores são, inegavelmente, a principal fonte de dados e informações sobre
tudo relacionado ao universo de Lost – a versão brasileira da Lostpédia6, ferramenta wiki7
focada inteiramente na série, contém mais de três mil artigos sobre assuntos como episódios,
personagens, atores, cenários, temas recorrentes, entre outros; na versão em inglês8, existem
mais de sete mil artigos. Essas comunidades muitas vezes constroem conhecimentos sobre
elementos narrativos apenas mencionados brevemente ao longo dos episódios.
Localizadas lado a lado da história central, as contribuições dos mini-episódios para
celular e dos ARGs (Áreas C e D) muitas vezes apresentaram informações substanciais para o
entendimento de alguns aspectos da série ou revelaram pontos de vista até então inéditos para
os telespectadores. No topo da Figura 1, pairando sobre a história principal, os livros e o jogo
Lost: Via Domus (Áreas E e F) mostram a história de outros sobreviventes do acidente aéreo,
aqueles que aparecem apenas como figurantes nos episódios. A interação destas personagens
secundárias com os protagonistas proporciona pequenos insights das personalidades já
conhecidas do público por meio da televisão, provocando a sensação de aproximação entre
elas e os consumidores.
Para realizar o estudo de caso proposto, foi escolhida a segunda temporada de Lost
como fio condutor, porque se observa ser a temporada com o número mais significativo de
contribuições narrativas procedentes de outras mídias além da televisiva9. A análise é
realizada por meio de quatro suportes midiáticos complementares: internet (site), celular
(Lost: Missing Pieces), ARG (The Lost Experience) e jogo eletrônico (Lost: Via Domus). A

6
http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Pagina_Principal. Acesso em: 03 out. 2010.
7
Software colaborativo que permite a edição coletiva de documentos utilizando um sistema que não necessita de
revisão antes da publicação. O termo havaiano “wiki wiki” significa “super rápido”.
8
http://lostpedia.wikia.com/wiki/Main_Page. Acesso em: 03 out. 2010.
9
Tal constatação foi feita levando em consideração apenas as cinco primeiras temporadas de Lost. A sexta
temporada ainda não havia sido exibida quando o trabalho foi elaborado.
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Figura 2 ilustra as mídias complementares que contribuíram com a narrativa da segunda
temporada, as quais estão destacadas na imagem e serão analisadas na sequência.

FIGURA 2: Relação dos suportes midiáticos cujas histórias complementam a narrativa


da segunda temporada de Lost destacada em negrito.

Tendo em vista as considerações de Jenkins (2008) sobre a narrativa transmidiática,


foram destacadas três categorias de análise para o estudo: a presença de portais de acesso, a
apresentação de novos conteúdos ficcionais nas mídias complementares e a participação de
consumidores em comunidades de conhecimento.
Os portais de acesso criam a conexão entre as histórias de cada suporte midiático.
Dias Souza e Mielniczuk, ao abordarem a presença da narrativa transmidiática no jornalismo
da revista Época, afirmam que os portais de acesso são caracterizados por “elementos que
vinculam, por meio de um determinado conteúdo, um suporte midiático ao outro, fazendo
com que o leitor busque outra mídia ou ferramenta de comunicação para complementar ou
acrescentar informações” (DIAS SOUZA e MIELNICZUK, 2009, p. 5). Os portais são a
forma de ligação entre os conteúdos da narrativa transmidiática e representam os meios pelos
quais os consumidores transitam entre as histórias das múltiplas mídias.
Por meio dos portais de acesso, tornam-se disponíveis novos conteúdos ficcionais nas
mídias complementares, os quais implicam compreensão adicional para os consumidores que
procuram por esses produtos. No entanto, identificar os portais de acesso para os conteúdos
inéditos de uma narrativa transmidiática nem sempre é fácil para os consumidores. Muitas
vezes, eles enfrentam dificuldades para encontrar ou compreender determinados elementos
narrativos, ou mesmo não sabem da existência deles. Nesse sentido, torna-se de extrema
9

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importância para a narrativa transmidiática a participação de consumidores em comunidades
de conhecimento, nas quais eles entram em contato com novos conteúdos e reúnem todas as
informações disponíveis sobre o universo da série.
Neste trabalho, os portais de acesso que ligam as histórias distribuídas em múltiplas
mídias são considerados como o eixo de sustentação da narrativa transmidiática, pois eles
representam o modo pelo qual um universo ficcional rico e complexo transpõe as limitações
de um único suporte – a televisão – e perpassa outras mídias para oferecer conteúdo adicional
aos consumidores e, consequentemente, incentivá-los a participar de comunidades de
interesse e a compartilhar informações com outros telespectadores.
Dessa forma, a partir das ligações formadas entre os portais de acesso, pode-se mapear
a presença da narrativa transmidiática na segunda temporada de Lost, período determinado
como fio condutor para a análise. Por meio de alguns episódios da segunda temporada, é
avaliado de que forma a história contada em cada uma das mídias complementares apresenta
novas informações e novos pontos de vista sobre o que foi exibido na narrativa dos 24
episódios do segundo ano da série.
A análise foi realizada a partir de cada ligação entre os portais das múltiplas mídias
utilizadas no seriado. Ao todo, identificamos 13 portais de acesso entre as histórias contadas
na segunda temporada de Lost para a televisão e a narrativa desenvolvida nos produtos
complementares selecionados. Para facilitar o entendimento, os portais são descritos
conforme a ilustração da Figura 3, a qual representa o esquema estrutural de como as histórias
estão interligadas no universo narrativo de Lost.

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FIGURA 3: Esquema estrutural dos portais de acesso que representam as conexões narrativas
entre as mídias auxiliares e a história central de Lost.

Os portais AB, AC1 a AC3, AD1 a AD4, AF e ADF correspondem às contribuições


dos suportes midiáticos complementares para a narrativa central do seriado. Já os portais BC,
BD e BF representam um exemplo da influência da participação de consumidores em
comunidades de conhecimento para a construção de significado sobre o conteúdo de cada uma
das mídias adicionais.
Devido à limitação de espaço deste artigo, não é possível descrever em detalhes como
ocorrem as ligações entre cada um dos 13 portais encontrados10. Assim, a presença da
narrativa transmidiática em Lost será apresentada, de forma resumida, nas tabelas 1 e 2. A
Tabela 1 mostra como os suportes midiáticos auxiliares de Lost contribuíram para a narrativa
central.

10
Veja as descrições completas de cada portal no item ‘3.2 Análise das Narrativas Complementares de Lost’ da
pesquisa monográfica Através do Espelho – Aprofundamento do Universo Ficcional de Lost por meio da
Narrativa Transmidiática (Santos, 2009).
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Tabela 1: Conexões entre o conteúdo narrativo dos episódios de Lost e dos suportes
midiáticos complementares, a partir da definição de portais de acesso entre as histórias.

Portal Episódio de Lost Suporte Midiático

Live Together, Die Alone (2x23, 24)11 – Sayid, Jin e Site oficial de Lost – três anos depois do episódio
Sun avistam o que sobrou de uma gigantesca estátua 2x23, 24, o resumo online do episódio The Incident
AB
de pedra – um pé com quatro dedos. (5x16, 17) revela a identidade da estátua – a deusa
egípcia Taweret.
Two For the Road (2x20) – Hurley e Libby Mini-episódio The Adventures of Hurley and
combinam um piquenique romântico na praia. Libby Frogurt (02)12 – enquanto Libby vai até a
AC1
vai buscar as toalhas na Escotilha, mas é assassinada Escotilha, Hurley está na praia conversando com
por Michael. Neil “Frogurt” sobre a garota.
Mini-episódio The Deal (04) – momentos depois da
Three Minutes (2x22) – Bea Klugh propõe um acordo conversa entre Michael e Bea, Juliet entra na
AC2
para Michael em troca da liberdade dele e de Walt. cabana e informa Michael que ele irá ganhar o
Michael concorda, mas com uma condição: ele quer o barco. Eles conversam sobre Walt, Ben e a irmã de
barco dos “Outros”. Juliet, Rachel.

Three Minutes (2x22) – Bea Klugh leva Walt para ver Mini-episódio Room 23 (06) – Walt causa pânico
AC3
Michael. Quando o garoto diz que os “Outros” estão nos “Outros” e provoca a morte de diversos
fingindo, ela ameaça colocá-lo na “sala” de novo, o pássaros quando é trancado na Sala 23.
que deixa Walt aterrorizado.
ARG The Lost Experience – a Fundação Hanso foi
Orientation (2x03) – Jack e Locke assistem ao vídeo criada por Alvar Hanso e tem como objetivo
de Orientação da Estação 3 – O Cisne da Iniciativa desenvolver projetos de pesquisa científica que
AD1 Dharma, projeto científico financiado pela Fundação promovam o bem-estar global e a preservação da
Hanso. vida humana. No século XXI, a Fundação foi
tomada por Thomas Mittelwerk, e seus meios de
ação foram deturpados.
Orientation (2x03) – a Iniciativa Dharma é ARG The Lost Experience – no video do Sri Lanka,
apresentada como um projeto de pesquisa científica Alvar Hanso explica os motivos históricos e
AD2
implantado na ilha e responsável pelo funcionamento políticos por trás da criação da Iniciativa Dharma.
da Estação 3 – O Cisne e de outras estações no local.
Orientation (2x03) – no vídeo de Orientação da ARG The Lost Experience – no video do Sri Lanka,
Estação 3 – O Cisne, o Dr. Marvin Candle explica que Alvar Hanso afirma que os números 4 8 15 16 23
os números 4 8 15 16 23 42 devem ser executados no 42 representam os fatores ambientais e humanos
AD3 computador a cada 108 minutos. nucleares da Equação de Valenzetti.

11
Este código é utilizado no trabalho para identificar a qual temporada e a qual episódio refere-se o título
mencionado. No caso de Live Together, Die Alone (2x23, 24), por exemplo, o número ‘2’ significa ‘segunda
temporada’, e os números ‘23, 24’, ‘vigésimo terceiro e vigésimo quarto episódios’.
12
No caso dos mini-episódios produzidos para celular, o código refere-se apenas ao número do episódio, já que
apenas uma sequência de 13 mini-episódios foi produzida.
12

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Two For the Road (2x20) – Sawyer está sentado na ARG The Lost Experience – Bad Twin foi
praia lendo o manuscrito do livro Bad Twin, de Gary publicado como parte do ARG e apresentou
AD4
Troup, quando é interrompido por Jack. informações sobre a Fundação Hanso e sobre
Thomas Mittelwerk.
Everybody Hates Hugo (2x04) – Jack e Sayid Lost: Via Domus – episódio 5 – Hotel Persephone
examinam as fundações da Estação O Cisne. Sayid – Elliott Maslow explode a porta de entrada da Sala
AF
conclui que as paredes de concreto maciço protegem do Incidente e encontra um gigantesco imã no
um gerador geotérmico. local.
Orientation (2x03) e ARG The Lost Experience – Lost: Via Domus – o flashback de Elliott Maslow
ambos os suportes midiáticos apresentam informações situa Thomas Mittelwerk trabalhando em nome da
ADF
sobre a Fundação Hanso e Thomas Mittelwerk no ano Fundação Hanso em atividades ilícitas realizadas
de 2006. durante o ano de 2004.

Já a Tabela 2 apresenta de que forma a participação de consumidores em comunidades


de conhecimento sobre o programa ajudou na compreensão do conteúdo das histórias
contadas em Lost: Missing Pieces, The Lost Experience e Lost: Via Domus.

Tabela 2: Contribuição da participação de consumidores em comunidades de


conhecimento para a compreensão do conteúdo das mídias complementares de Lost.

Portal Situação em que o consumidor precisou Contribuição da Comunidade de


recorrer ao intelecto coletivo Conhecimento
Disponibilização dos mini-episódios no site
Lost: Missing Pieces – mini-episódios foram lançados YouTube; no caso da comunidade brasileira, os
somente para aparelhos celulares da empresa Verizon mini-episódios foram baixados, legendados,
BC
e, depois, no site da emissora ABC. postados novamente e divulgados em blogs, redes
sociais e fóruns de discussão.
ARG The Lost Experience – a construção narrativa do Uso da internet permitiu que os usuários buscassem
ARG se dá a partir das ações dos consumidores em pistas, decodificassem enigmas, trocassem
BD
resposta aos mistérios apresentados no jogo. conhecimentos e construíssem, juntos, a história do
game.
Consumo como processo coletivo permite que a
Lost: Via Domus – resolução das missões do jogo e comunidade tenha acesso a todas as informações
BF
revelação de conteúdos extra, tais como algumas das disponíveis sobre o jogo. Se um jogador descobre
artes conceituais do jogo. algo, divide com o resto do grupo.

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Considerações Finais

Por meio da análise das histórias contadas no seriado Lost e em suas mídias
complementares, pode-se mapear a presença da narrativa transmidiática ao longo da segunda
temporada da série por meio de 13 portais de acesso, como demonstram as tabelas 1 e 2. Nos
suportes midiáticos selecionados para o estudo, é possível apontar a expressão das três
características definidas a partir das considerações de Jenkins (2008): a presença de portais de
acesso, a apresentação de novos conteúdos ficcionais nas mídias complementares, os quais
oferecem uma compreensão adicional sobre a série, e a participação de consumidores em
comunidades de conhecimento.
A convergência tecnológica, cultural e social em andamento apresenta oportunidades
de expansão para outros campos, podendo ser explorada, futuramente, por áreas como a
educação, a política, a religião e a cidadania. O campo jornalístico também pode beneficiar-se
dessas mudanças. As redações já caminham em direção a um jornalismo mais participativo e
com maior densidade informativa, no qual o público possa contribuir com notícias, pautas,
fotos e vídeos. A produção de conteúdo jornalístico procura convergir conteúdo em mais de
uma mídia, relacionando matérias impressas com informações disponíveis online e pelo
celular. Quando se pensa o jornalismo como forma de contar uma história que estabeleça
relação entre o leitor e os fatos do mundo, o formato da narrativa transmidiática ganha ainda
mais destaque, pois representa a chance de proporcionar, por meio da reportagem, uma
experiência que mantém a atenção do consumidor na história narrada.
Mesmo reconhecendo a diferença entre histórias ficcionais e o jornalismo,
Christofoletti (2009) afirma que a experiência narrativa envolvente que é proporcionada pelas
séries de televisão atuais pode oferecer elementos que ajudem a revitalizar os produtos
jornalísticos e torná-los mais prazerosos e interessantes para os consumidores de informação.
Ao espalhar camadas de conteúdo em múltiplas mídias, o jornalista pode pensar o
leitor/telespectador/ouvinte/usuário não apenas como consumidor, mas também como um
parceiro na construção narrativa em uma experiência informativa. Consideramos ser relevante
para o campo jornalístico colocar em discussão essas novas estratégias, até então utilizadas no
entretenimento, para que se possa refletir sobre a criação de produtos transmidiáticos na área,
o que pode ser tema para estudos futuros.

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Referências Bibliográficas

CHRISTOFOLETTI, Rogério. Lost, House e a Salvação do Jornalismo. 2009. Disponível


em: http://monitorando.wordpress.com/2009/05/25/lost-house-e-a-salvacao-do-jornalismo/.
Acesso em: 03 out. 2010.

DIAS SOUZA, Maurício; MIELNICZUK, Luciana. Aspectos da Narrativa Transmidiática


no Jornalismo da Revista Época. In: Anais do VII SBPJor - comunicações coordenadas e
livres. São Paulo: USP, 2009.

HAPKA, Cathy. Lost: Identidade Secreta. São Paulo: Prestígio, 2006.

HAPKA, Cathy. Lost: Risco de Extinção. São Paulo: Prestígio, 2006.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.

LÉVY, Pierre. A Inteligência Coletiva: por uma Antropologia do Ciberespaço. 2 ed. São
Paulo: Loyola, 1999.

MURRAY, Janet. Hamlet no Holodeck : o Futuro da Narrativa no Ciberespaço. São


Paulo: Itaú Cultural: UNESP. 2003.

PORTER, Lynnette; LAVERY, David. Desvendando os Mistérios de Lost: guia não


autorizado. Osasco, SP: Novo Século Editora, 2007.

SANTOS, Maíra Bianchini dos. Através do Espelho – Aprofundamento do Universo


Ficcional de Lost por meio da Narrativa Transmidiática. Monografia (Graduação em
Comunicação Social – Habilitação Jornalismo) – Curso de Comunicação Social –
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), 2009. Disponível em:
http://www.scribd.com/doc/33554585/santos-monografia-2009. Acesso: 03 out. 2010.

THOMPSON, Frank. Lost: Sinais de Vida. São Paulo: Prestígio, 2006.

TROUP, Gary. Bad Twin. Rio de Janeiro: Prestígio Editorial, 2007.

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