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10, 9, 8, 7…!

Espera aí, isto é estúpido

Ainda imbuído do espírito da quadra natalícia, quero dizer a todos que vou assassinar a
próxima pessoa que me mandar um SMS a desejar bom ano novo. E sei que o leitor partilha a
minha raiva. Isto da amizade é dos piores flagelos do mundo moderno. Porque o mundo
moderno, estupidamente, oferece um vasto leque de opções para os amigos nos mandarem
mensagens. Ou seja, o mundo moderno meteu a pata na poça mais uma vez. São mensagens
de bom ano a chegar em catadupa e a provocarem um mau fim de ano velho, na medida em
que temos de estar a apagá-las todas. Posso dizer-vos que tenho o polegar em carne viva.
Reparem: ao fim das primeiras 600 mensagens, nós já percebemos a ideia. Os nossos
amigos querem que nós tenhamos um bom ano de 2006. Obrigado. Sinceramente.
Agradecemos a todos. Mas agora parem de mandar mensagens, por favor. Nós prometemos
que vamos ter um bom ano. Parem de desejar. A sério. E, para o ano, organizem-se: mandem
uma mensagem apenas a dizer: «Bom ano de todos os teus amigos.» Revezem-se, e cada ano
manda um. O ideal talvez seja cortar relações com todos os nossos amigos na semana anterior
ao Natal e reatá-las apenas em meados de Janeiro. Evitam-se as mensagens e, até, a troca de
presentes – uma vantagem nada negligenciável. E a verdade é que o Natal é a altura em que
menos precisamos dos amigos porque, de qualquer maneira, as pessoas são ser nossas
amigas por dever sazonal.
Se me permitem, gostaria mesmo de pôr em causa toda a filosofia da mensagem de bom
ano novo. Que sentido faz desejar bons períodos de tempo? E porquê «bom ano novo» e não
«desejo-te um rico semestre, ou «espero que passes um excelente quarto de hora»? Será que,
em Março de 2006, o desejo que formulámos em Dezembro de 2005 ainda está a fazer efeito?
Nesse caso, para poupar tempo, talvez não seja mal pensado começar a desejar «Bom
quinquénio». Arruma-se a questão durante um bom período de tempo. Está desejado, voltamos
a falar em 2011.
A única vez em que não me desejaram «Bom ano novo» foi na passagem de ano de 1999
para 2000. Estava em Nova Iorque e havia nas ruas inúmeros fanáticos religiosos de Bíblia na
mão que, em lugar de me desejarem um bom ano novo, me informavam de que, à meia noite,
eu iria sofrer uma morte horrível e dolorosa, aliás coincidente com o fim do mundo, morte essa
que era mais do que merecida na medida em que eu era um pecador inveterado e repugnante.
Foi muito refrescante e agradável, e tão cedo não esqueço aqueles amáveis fanáticos.
Curiosamente, umas horas mais tarde, quando regressei ao hotel, já não os encontrei. Talvez o
mundo tenha acabado só para eles. Ou então, depois da meia-noite, tendo constatado que o
mundo não acabara, pensaram: «Hum…Isto de ser profeta do apocalipse não é profissão para
mim. É altura de aceitar o cargo de vendedor de alguidares que o meu cunhado me arranjou lá
na fábrica de plásticos.» Pela minha parte, tenho pena de lhes ter perdido o rasto. Gostava de
lhes mandar um SMS a desejar um péssimo ano de 2006.

in Boca do Inferno, Ricardo Araújo Pereira

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