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PRELECCÕES
DE

DIREITO PÁTRIO.
I

PRELECCÕES
6
DE
direito pátrio publico,
e particular,
OF FERECIDAS
AO sereníssimo SENHOR

D. J O A Õ

príncipe do brasil,
E COMPOSTAS

FRANCISCO COELHO DE SOUZA E S PAIO

D d0r
ttT , n Rd^ * P°rt0 ' e Len« *****
Jtma de D,reil
° c Pátrio em a Univerfi-
dade de Coimbra.

PRIMEIRA E SEGUNDA PARTE.


Em que fe traíh das Noções preliminares, e do Direito
Publico Portuguez.

COIMBRA:
NA REAL WR^ensa DA UNIVERSIDADE.

AN NO DE CÍD. ,0CC. IXXXXIII.


^ * Con^ Gera, JoLre 0 iW,
e Cen
fura dos Livros.
Foiuiwd« =11= Livro emp,peUsoo„i,.
«C tc * ^
' V uãw*T; . u-iu i

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ihJéA) I XI
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S'ENHOK.

O FFEREÇO aV. A. R. cftas Prelecções,

tujo principal objeSlo he o Direito Publico Por-

tuguez. Nel/as mepropuz demonjlrar aos meus

Dijcipulos os Supremos Direitos dos Nofos

Augujlos Monarchas, os fagrados vínculos,

que lhes ligao os/eus Fafallos com o mais reli-

g>ofo reffeito, e a mais firme obediencia, e os in~

contejlaveis Direitos, que fegurao aV. A. R.

a legitima fucceJfaS da Real Coroa.


NaÕ he 3 Príncipe Excel/o , a vaidade de

ter defempenhado efle ajjumpto, quem cegamen-

te me conduz aos Pés de V. A. R., porque eu fô

d tenho de conhecer, que elle he muito fuperior

ao meu fraco engenho , ao meu limitado talento.

Unicamente me anima a nobrefa do meftno ãf-

fnmpto, e a Natural Benevolência, com que

V. A R. cojluma attetider à todos aquelles, que

feriamente cuidao no defempenho das obrigações

\ v. do
do feu officio, conforme os talentos, que lhes

àejlribuio a Providencia. Permitta-me V. A. R.

« àijlincla honra de receber benignamente ejle

primeiro frusto do meu Magiflerio Académico,

fiel tejlemunho dos meus furos votos , e da mi-

"ha reliè°fa fi^àade. Nejla Benefica Accei-


taçaõ ter ao todos os fubditos de V. A. R. hm

1'ovo monvoparafi animarem mais, emais, n«

defempenho das fuás obriga^ Utterarias, ver.

2 :
* do
do , que V. A. R. nao fe de digna receber buma

Obra , que nao tem outro merecimento, que o do-

feu objeSío , e o ferio trabalho do feu AúSlor*

Deos prófpere por dilatados annos a PreciofiJJl-

tna Vida de V. A. R. para Modelo dos Prínci-

pes , Admiração de todo o Mundo , Felicidade

dos Portuguezes, e para DigntJJimo Succejfor

da NoJJa Augujla Soberana.

Francifco Coelho de Sou/a S. Paio.


* >»<* 0®<">

PROLOGO.

T
ENDO fido nomeado no ultimo de Ju-
lho de 1739 , para reger a Cadeira de Direi-

to Pátrio na Univerfídade de Coimbra, no


principio de Outubro do meímo anno, como
Subftituto Ordinário , eu me vi obrigado a
trabalhar de hum para outro dia as minhas
Pielecçoes, cujas duas primeiras partes íaò as
que formão eíle Compendio. Confeço, que

me nao poupei, a trabalho algum , para fer


titil aos meus Difcipulos, e pôr em toda a
uz as ditas Prelecções ; e fe nao confegui o

defempenko dos meus defejos , e os fruftos


dos meus trabalhos , nao foi por falta das mi-
nhas diligencias, Eftes prudentes receios, e

outias juílas considerações fizerao inúteis as

reiteradas niftancias de alguns amigos, aquém


ou a paixao , ou alifonja obrigou ainftar-me
VI PROLOGO.

quizeíTe da-las ao prelo. Porem ao que aquci-


las inflançias naõ poderão mover-me, me

obrigou huma refpeituofa condefcendencia,

a que era neceílario obedecer.


Eftas Prelecções conftaõ de duas partes.

Na primeira fe traâa das Noções Prelimina-

res do Direito Portuguez, que tem por obje-

& o os diveríos Códigos da Naçaõ, as íuas


fontes, as caufas das fuas compilações , e a
íua autoridade : a autoridade dos coftumes
da Naçaõ , e dos Direitos íubfidiarios , e das

Leis Extravagantes. Na fegunda parte fe pro-


põe o Direito Publico Portuguez combina-

do com o Direito Publico Univerfal, alem


das matérias próprias, e domeíticas, âffim co-
mo a exiftencia das Cortes de Lameso, a
D ^
independencia de Portugal, a forma do feu
Governo Monarchico, a forma da Succeílàõ

Legitimo-Hereditaria dosNoífos Ausuftos.


O /
e a forma das fuas Tutorias , ou Regencias,

Alem deitas matérias fe achará demon-

ílra-
PROLOG O. VII

ftrado : Que os Direitos Mageftaticos , ou


odei Supremo, tem o feu principio conftitu-

tivona mefma Lei Natural,' e que efte Impe-


1
10 eos o quiz, Deos o conftituio, como ne-
ce aiio paia confervaçao, e fegurança dos

ireitos do Homem, e que a peííoa defigna-


a, ou eleita pelos mefmos homens para

mperante, hé em quem o Poder Supremo fe


iat u.a pumaria , dire&a , e immediatamente.
Sei, que eíta douarina do Poder Imme-
diato feia defagradaveí áquelles í^ariós do

^ Pinto dominante da mal entendida liberda-


de , e dos imaginários defenfores dos direi-
tos do Homem: fei, que pela mera enuncia-
ção de fia douarina feraõ por elles defprefa-
as e as í relecções; qUe eu ferei reputado

n
P^tico-Politico , e falto de íenfo lite-
J
aiio. mas eu, longe de penfar que efta dou-
a infringe aliberdade, e os direitos do

1a rr*1 C^°L1 a'tamente perfuadido, que el-


? " íin como a do poder mediato, liga

igual-
VIII PROLOGO.

igualmente os Imperantes, e os Súbditos.

Os Imperantes ou recebaõ o poder immedia-


tamente de Deos, ou pelas mãos do Povo»

elles o recebem para fegurança, e defenfa

dos fubditos, que de outra forte feriaõ efcra-


vos dos mais poderofos, e vi&imas do íeu
Defpotiímo. O officio do Imperante he regu-
lar as acções dos fubditos em benefício dos

mefmos, e do Eftado; efte hé o fim da aílo-


ciaçaõ, efte o fim do Poder Supremo. O offi-

cio dos fubditos he cumprir com as Leis do


Imperante, e obedecer aos feus mandados;

eíle o refultado, efte o effeito dos oífieios

correlativos.

Tenho comtudo pertendido fincera-


mente dos Sábios a indicaçaõ dos vicios das

jninhas demonftracões, o que naõ tenho con-

feguido ; o mefmo pertendo dos meus Leito-


res. Se forem Juizes re&os, eu abraçarei com

vontade , e com reípeito as fuas Cenfuras; fe

forem injiiftos declamadores, deípicar-me-

hei
PROLOGO. xx

hei com o mais notorio áefprezo.


ao me lembro de ter adiantado aíçu-
jna propofiçao contra a Igreja , ou contra o

fitado ; mas, quando affim tenha acontecido

jC Ja me re orto
, P > e me fujeito á cenfura
os UIZe
" J s legítimos.

I N-
————

;
. > -• - ...

,ÕS9 i< O-l tí&Ofl ií: fc&t- ff SSl&b- fôfl

-•.—j
INDEX
DOS TÍTULOS, E CAPÍTULOS
que se contem nestas prelecções.

PARTE PRIMEIRA.
TITULO PRIMEIRO.
V->AP. I. Das Noções preliminares' - . pa*. z
CAP. II. Doprimeiro Código Portuguez. - - I
CAP. III. Do fegundo Co digo. - _
CAP. IV. Do terceiro e quarto Codiçro. - - -
CAP. V. Do ultimo Codigo. - - .

pilaçaõ m&na. Ext a


^ntef PjMiores^ a Com-

Qk
Lk.l\ ^ C0jlumesãaNa aõ
f >* da fua auSlorÍ
CAP. VIII. Das Leis fubfidiarias. ....

PARTE SEGUNDA.
TITULO PRIMEIRO.

AP UN Das Noções, e origem do Direito Publico.


e
dajua divijaõ. - _ _
21
titulo segundo.
_ Do Direito Pátrio Publico.

AP- UN. Da divifaõdo Direito Pátrio Publico. 24


xii INDEX.
TITULO TERCEIRO.
Da Forma e ConftituiçaÕ do Império Portuguez.

AP. I. Das Cortes de Lamego. - - - -


CAP. II. Da Forma e Conjlituiçaõ Monarchica, c Pie-
41
CAP. III. Da Fórma, eConJlituiçau Hcreditaria. 48
CAP. IV. Da Regencia e Tutoria dos Senhores Reis
de Portugal. - - - - ^z
CAP. V. Da lndependencia de Portugal. - - 57

TITULO Q^U A R T O.
Da Fórma, e modo do Governo Interno de Portugal.

c AP. I. Da divifaõ dos Capitais Direitos do Sum•


mo Império. - j
CAP. II. Do Direito Legislativo. - - - - 72,

TITULO Q_U I N T O.
Do Direito Infpeétivo.

(Z<AP. I. Da divijaõ das Pejoas , e das Coujas. 79


CAP. II. Da Infpecçaofobre as Sociedades Civiz. 83
CAP. III. Da InfpecçaÕfabre as CouJ,as, ou Bens Ci-
v'z. 8>
CAP. IV. Da Infpecçaõ fobre a Igreja , Pejoas, e
coujas EcclefiafticasyChamada Jus circa facra. 87
CAP. V. Da bifpeccaõ a refpeito da Igreja em com-
mum reprefentada pelos /eus Minijlros. - - 97
CAP. VI. Do Recurjo d Coroa. ----- 109
CAP. VIL Das Cartas Tui/ivas Appellatorias. 119
CAP.
I N D E X. xiii

^ Pr°bibiça5 das Cenjuras contra os


Mintflros do liei fem 0 Regio Placko. „ . J2Q

. Da probibiçaÕ das Inhibitorias Ecclejiafti-

CAP. X Da prohibiçao, que o Juizes Ecclefiaftkls


tem, de executar as Juas fentenças contra as PeJJoas

**« /«• ^da de braço feCular. ... riJ

In
\càs. ' JPecía5 f°b" as Pefoas Ecclefiafti-

^D° DM
°^ ln
^aõJ°bre ** coujas^da
*3*
TITULO SEXTO.
Do Direito da Policia.

CAPA H l'jP°S t'"ic«!arts da Polkia. 138


a A ' ; Da Populaçaõ. ...
^« Hl. - - «9
C
AP. IV, Da faude dos Povos. - . " 1*1
CAP.V. Da Agricultura

Ía» Z1' Das


AP. VII.
M n
" "Muras.
Do Commercio. -

rAP X!11Dos
CAP. IX. ' DoLuxo e
Vadios' bonomia'- I " ^3

TITULO SÉTIMO.
Do Direito Executivo.

FarteS inte rantes do


tivo ' - ^ & Preito Execu-
CAP. II• Do Direito de impor penas. \ I I 158

CAP.
XIV I N D E X.
CAP. III. Do Direito de impor pena de morte. 160
CAP. IV. Do Direito de Aggraciar. - - - 179
CAP. V. Do Direito de julgar , e crear Magijlrados ,
e da fua divifaÕ. - - -- -- -- - 189
CAP. VI. Do Direito coaclivo. ----- 199

TITULO OITAVO.

AP. UN. Do Direito de impor Tributos, e lançar


Colleóías. - -- -- -- -- -- 200

TITULO NONO.

0^>AP. UN. Dos Officios dos vajfallos para com o


Summo Imperante. - -- -- -- - aoi

ERRATAS.
Pag. 49 not. s lin. 6 aqiiiefceraÓ lea-ft aquiefceo
Pag. 51 40 lin. 11 do - - de
£ag. 5+ not. jc lin. 5 DiíF. - - - Difc.
Pag. 78 not. x lin. 8 e a outros refponder, - e a outros o*
privilegio odiofo de irem refponder
Pag. 86 §. 79 lin. 2 Imperante - Império
Pag. 9. not. n lin. 19 examplincando - exemplificando-
rap/, ii-j §
1
i°3lin. 3 direitos - dilhiclos
Pag. 115 not. n lin. 3 virem deverem
Pag. nó not. p lin. 10 fe fe naõ - - fe naõ
Pag. 121 not. z lin. 2 §• 3 " . " " §• 1 r3 .
Pag. 131 not. y 1 n. 5 temporais corporais
Pag. 142 not. j lin. 1 o;d. lit. - - Ord. liv. 5, tito-

/
PR E-
.
'

.
'

/ •
PRELECCÕES
ò
DO

direito pátrio publico.


•>—*•6- -> <- -><- -><- —e
parte primeira,
DAS
noções preliminares
DO DIREITO PORTUGUEZ.

TITULO PRIME1RÕT

S DiSkCÇ5CS" ^ncl^s daWfttl do


Romana e P' qU° ,Mm fcito
° ob
j^o da Hiftoria Civil
regularemos J££ ° d° ^ Jaridico-,
íam reco
pelos Eftatutos. ' "> ndada

teSPNa nrilv dividiremos a fua matéria em quatro par-


no
mediatas do la &*s Prelim'nareSj e im-
explicaremos o Direito ^re"° Clvil 1)>acrio -Na fegynda
tragaremos do Direito Ci \ v * — uWlco' Na Ccrccira
CUlar Na quarta
daremos a precifa inftrucçuõ daT -
9' da pratica, e modo forenfe.
A
A
CA-
2: Direito Publico Portucbbz

CAPITULO I.

Das Noçoes Preliminares^


m ^ f f % "TF f 'j|

§• I.
X Odos fabem, que o Direito Civil ou he Romano,,
ou Pátrio (<?) , e que em quafi todas as Nações da Euro-
pa, affim como em Portugal (£),íubiiftem eftas duas efpe-
cies de Direito. A autoridade porem do Direito Romano:
naõ he mais, que íublidiaria, e em fupplemento das Leis
Pa-
: : s ;
(a) Romano he aquelle , que fendo eftabelecido pelos Roma-
nos veio a reduzir-fe ultimamente á Compilaçaõ , que delle fez
Juftiniano , governando o Império Romano , chamado vulgar-
mente Direito Comrnum , por ter fido adoptado por quafi todas as
Nações , que fe eftabeleccraõ fobre as ruínas do Império Occi-
dental. Direito Civil Pátrio he aquelle , que cada huma das Na-
ções eílabelece para o feu governo.
(b) O Reino de Portugal , que principiou a go»ernar-fe pe-
las Leis , e coftumes dos Godos das Hefpanhas , aílim gerais ,
como particulares , ( como confta da Hiftoria do nolfo Direito )
veio pelo meio do feculo XIII a conhecer o Direito Civil Ro-
mano , depois que elle fe principiou a enfinar na Univerlidade
de Bolonha , como fe prova pela inílituiçaõ da Univerfidade em
Lisboa pelo fenhor Dom Diniz , na qual mandou enfinar o mcf-
mo Direito. Por efte conhecimento he muito provável, que o Di-
reito Romano tivefTe autoridade no foro Portuguez. Os noffos
Hiftoriadores querem, que o Senhor Dom Joaó I deffe autorida-
de de Lei ao Codigo de Juftiniano , que ( dizem) elle mandou
traduzir por Joaó das Regras ; porem a verdade defle fadto fc
faz fufpeitofa , porque Fernaó Lopes , hiftoriador coevo , e elo-
giador da eloquência de Joaó das Regras, o naõ refere.
Parte I. Titulo I. 3
Patiias , pela adopçaõ que delias fazem os Soberanos , e
nao por audloridade extrinfeca, e própria da Legislação
Romana , como veremos no Cap. VIII (c).

§. II.
_ Nas Leis próprias , e coftumes legítimos de cada Na-
çaõ he, >_m que coníifte o Direito proprio , e principal
t e cada huma; cujas Leis, e coftumes reduzidos a huma
A 2 união,
M Naõ ha duvida, que os Portuguezes, depois que os Romi-
cxpulfaraô os Carthaginezes das Hefpanhas, e principalmen-
,s da
P° «Itima vinda de Julio Cefar a ellas , no anno de 61
antes de Chnílo. em cujo tempo os Portuguezes fizeraÕ com elle
P zes na idade de Beja, ficaraõ fujeitos ao Império Romano, e
por confequencia ás fuás Leis. Refend. Antig. Lufit. Porem eftas

ir'ot: ? feraciueiias • »•** adopí


Leis' de conlpt°ff\Tj ^ abr°gadaS P°r Juftiniano
Vel mUCL ; he Cert0 1
tliaÕ ter , J 'Í'a ' 1ue fó P°-
inano Q ,?roPria' em duraffe o Império Ro-
qUa eCa
belc l inteiramente nas Hefpanhas pelo eíta-
App^rt ?.GÍ°S- D°m Petr- JofcPh- Peres Valiente
Alarico II Rei do's C d' ^ * ***' 4" tCmP
°
S q e s
Leis Rn. ' " ° Hefpanhocs coffumadòs ás
. S 13°dÍaÕ *«« governados pelos coílu-
fez cônmi ! V aC°nfdhado P- Aniano feu Chanceler ,
Hermo^^r e lÍd A;Ían° ^ ^ * G^ano ,
Inftituições de Cii 1 l " ' G daS fcn,ei1Ças ^ Paulo , e
dC Alanco fe
foi publicado ^amou AUrUam , e
nhoes, que Ihp6'11 -5r6 ' Para P°r eile g°ver"arem os Hefpa-
Baion. an. 506 °CCÍd' lmP- *'•1
rem einec
§•";5- Porem Cli" ^ r • ' Rei t"oc
^-''indafvvindo *^'^- 1J»'r. 1Gemi. liv.. 2 cap. 1
« Romano, u, ^ VIU
» ^-OU. VjOt. liv. 2 tlt. I L. 9.
4 Direito Pu b l rc o Portugitez
união, ou collecçao authentica (d), vem a formar o Codí-
go de çada Naçao : ifto mefmo.que fe tem verificado em
todas as Nações, tem igualmente fucccdido em Portugal.

CAPITULO II.

Do primeiro Codigo Portuguez.

§. III.

O Primeiro Codigo he o Affònfíno, o qual, tendo fi-


do mandado compilar pelo Senhor Dom Joaõ I, foi con-
cluído por audtoridade do Infante Dom Pedro, Duque dc
Coimbra , na minoridade dc feu fobrinho o Senhor Dom
Aifonlo V, de quem tomou o nome (e)..
IV:

(d) Colleçaõ authentica dizemos aquelle Corpo de Legisla»


çaõ feito por au&oridade do Legislador.
(e) As muitas , e contrarias Leis , que haviaõ ja no tempo
do Senhor. Dom Joaõ I, obrigaraó os Fidalgos, e povos do Rei-
no a pedirem algumas vezes em Cortes , como refere o Prologo
da Ord. AfFonf. , ao Senhor Dom Joaó I, quizefle reformar as
Leis, e Ordenações antigas , em tal maneira, que ceflaflem as
duvidas, e contrariedades, e os Defembargadores da Juftiça po-
dcíTem por ellas livremente fazer direito ás partes. O Senhor
Dom Joaõ movido por eftes- requerimentos, e pelo zelo da Ju-
íliça , mandou fazer hum Codigo, ou huma Compilaçaó das re-
feridas Leis; cuja obra , por voto do feu Concelho , commetteo
a Joaó Mendes, Cavalleiro , e Corregedor na fua Corte, o qual
por alguns impedimentos naõ pôde conclui-la no«tempo do dito
genhor. O Senhor Dom Duarte,feu filho, recomendou a conti-
nuaçaó
Parte L Título L. 5

§. IV.

Efte Codigo conda de finco livros. No primeiro fe


tradta dos Officiais, e Miniftros dc JufliÇa. No fegundo-
dos Direitos Reais, bens da Coroa , privilégios dos Gran-
des , e dos Eccleliafticos , e mais peíToas. No terceiro
da

nuaçaó da mefma obra ao mefmo Coiregedor ; morrendo porem


efte antes de acabar, o mefmo Senhor a incumbio ao Doutor
Rui Fernandes, do feu Concelho, com grandes defejos de a ver
concluida , o que naô pôde confeguirpelà brevidade do feu go-
>erno. Por tanto o Infante Dom Pedro' Duque de Coimbra-,
lio do Senhor Dom AfFonfò V, ( que fuccedeo no Reino de
idade de fette aunos) elleito em Cortes Gerais Deffenfor do Rei-
no , I utor , e Curador do Dito Senhor logo no principio da
fua Regencia mandou ao referido Rui Fernandes , que profe-
guille na mefma ohra com todo o cuidado , e diligencia ; e com
effeito elle a completou em 17 de Julho de 1446; depois do que
foi por ordem do mefmo fenhor Dom Pedro reviíla , e refor*
mada pelo mefmo Doutor Rui Fernandes , e pelò Doutor Lopo
Vafques , Coiregedor de Lisboa , e por Luiz Martins , e Fer-
não Rodrigues do Defembargo de EIRei. Efta CompilaçaÓ fe
ficou denominando Codigo , ou Ordenações dc EIRei Dom Af-
fonfto V. Efte Codigo he o primeiro fyftematico , de que temos
noticia; porque naõ pôde entrar nefte numero o Livro da lei-
tura amiga , ordenado pelo Senhor Dom Affonfo II , pois nelle
naõ fó foraõ compiladas as Leis Gerais, mas também as Mu-
n'cipais. Talvez que efte Livro , ou algumas Leis extravagan-
es, poftenores a elle , fejaõ as Ordenações antigas , de que falia
O Art. 84 da Concordata do Senhor DomJoaÕ I. Alguns Hifto-
nadores , principalmente Rodrigo da Cunha , Bispo dc Lisboa«
oa.Chxomca do Senhor Dom Duarte , e Soufa no tom. 1. das
pro-
6 Direito Publico Portuguez
da Ordem do Juizo. No quarto dos contraiflos, e ultimas
vontades. No quinto das penas e delidtos (/).

§ V.

Efte Codigo nao chegou a imprimir-fe; porque ain-


da naõ eflava bem conhecida a arte typographica , mas
elle fe tem dcfcoberto em differentes archivos, com algu-
ma alteraçaõ na ordem , e numero dos titulos (g).
C A-
provas genealógicas da Caza Real, referem, que o Senhor Dom
Duarte tinha compiladas pela ordem chronologica as Leis Ge-
rais, defde ò Senhor Dom Affonfo II ; porem efta Collecçaó
nao era corpo fyftematico, mas huma fimples uniaõ de Leis.
]'ernaõ Lopes, hiftoriador coevo , diz, que o fenhor Dom
Duarte, pedindo pareceres em Cortes, mandara abbreviar as Or-
denações do Reino , o que fe verifica na continuaçao das Orde-
nações Affonfinas. NaÕ he crivei, que tendo elle mandado con-
tinuar na compilaçaõ das Ordenações , que vieraÕ a fer as Affon-
finas, mandafíe no mefmo "tempo formar outro Codigo.
(/) Nefte Codigo introduzirão os Compiladores naÓ fó as
Leis de origem pátria , mas principalmente aquellas deduzidas.
l a uris
' J prudencia Romana , fegundo a intelligencia dos Gloffa-
'lores. Ord. Man. liv. 2 tit. 5, Philip, liv. 3 tit. 64, e também
as maximas deduzidas das Leis das fette Partidas, feitas por
nonfo IX, e publicadas nas Cortes de Compoftella por Af-
°n'° XI an- r348, Per. Appar. Jur. Pub. Hifp. liv. 2 cap. 14
"• 3o » que foraõ mandadas traduzir pelo Senhor Dom Diniz.
Brand. Mon. Lufit. liv. 16 cap. 3. As Concordatas feitas com
•os Bifpos do Reino , e-Sé Apoftolica , e o Direito Canonico ,
fegundo as Decretaes , também influirão muito , e fizeraÕ huma
grande parte nefta Compilaçaõ.
{S) A primeira defcoberta , que fe fez nos tempos prefentes
foi
Parte I. Titulo I.
7

CAPITULO III.

Bo fegundo Codigo.

5. VI.

•| Segundo Codigo he o Manuelino , mandado com-


pi ar pelo Senhor Dom Manuel, que depois de varias al-
es
veio a reduzir-fe ultimamente, ao que foi im-
n anno
:j ° ° ^e I521 » ° ^al foi igualmente deftribu-
lnCO livros

ob > cada hum dos quais tem o mcfmo
je(5to , que os do Affonfino [h).

§ VII.

lobri Tí' 3 ' e 4 Livr° na Torre d° Tombo. Ao depois def-


"n e ° 1 i'r ' 3 ' e 4 na livraria dos Religiofos da Merci-
mara ° ' ' *' « 5 -o Cartório da cl-
dercobriJào fn" EcUUÍmamente
Porto „ ' a t' 5 n° Gart0r10 da Camara da Cidade do
da SCCrCtarÍa d Eflad fe achaõ na
do novo o' r ' °
F r ,an, defcob
deite C I ' ° ° "*° ««dos os Livros
I coS,-5 "T he de Confiar , que nenhum cftcja com-
OS oulis lblna?d° 08 d° Po"° «rn os da Torre do Tombo ,
liv 2 defdcm 6 Vanarem na ordem dos titulos, ( porque o
hum ; ou 0rTClpI° até 0,it- 22 ' tcm diverfa ordem em
o Codigo ' °r 'S° ' affim COm° defde 0 tit- 58 até 0 lit- )
& qU
20 tit ' f " "° P°rt°' tcm no fim do liv- 2 mais
tem eadl vT ,T ^ n° da Torre do Tombo- No liv. 4
lelos em h!^!^0'1'805 d°US ' qUC f° naÕ achaó Paral"
{h) O Senhor Dom A/r 1 ,
de algumas Ordenações JIa *'0nfufa6 e repugnância
mo. das extravagantes, {como kLT* cíla;aôi',ncorPoradas • co"
o »\ como le refere no Prologo da EdiçaÕ de
1.514)
$ Direito Publico Portuguez

•$. VII.

Deftc Codigo fe fez nova Edição no tempo do Senhor


Dom

1514 ) mandou fazer huma Compilaçaõ , dc que houveraô vari-


as Edições, por caufa dc muitas alterações , e reformas, ate
que veio a reduzir-fe ao eftado , em que hoje fe acha , que cor-
refpoude ao da Ediçaõ de 1521. Ignora-fe o anno , ein que fe
fez a primeira Ediçaõ. Oforio de réb. Emman. liv. 3 11. 3, nas
palavras Rex Leges multas vétit/lis legibus addidit, W antiqua in-
ftitutione correxit, dá a entender , que a primeira Ediçaõ fe fez
110 anno de 1505. Ifto mefmo feguem Damiaõ de Goes pag. 1
cap. 94, Mariz Dial. 4 cap. 18. Os Eftatutos da Univerfidadc ,
Curf. Jur. tit. 3 cap. 9 §. 4 , dizem , que os primeiros dous
livros foraõ imprcífos em 1513, e os outros tres em 152-1. Silva
na Introd. do novo Codigo ( nota f ) contefta eftas opiniões
com o fundamento., de que no livro 1 tit. 47 in princip.
verf. ult. da mefma Ord. Man. fe diz , que aquella Ord. fora
feita em 1520 , donde conclue., que naó podia fer publicada
em 1513 , e muito menos em 1505 , entendendo as palavras dc
Oforio do anno , em que fe principiou a Compilaçaõ. O certo
he , que no anno de 1514 fe fez fegunda Compilaçaõ das Ord.
Man., com correcçaõ e emenda da primeira, como conda da
Jntrod. de cada hum dos finco livros das mefmas Ord. impreffas
era 1514. He também certo , que nos Livros dos Aflentos da
Cafa da Supplicaçaó fe acha huma Lei do Senhor Dom Ma-
Jiuel , feita no primeiro de Julho de 1513 , para declarar huma
Ord. do liv. 3 do Codigo Man. fobre o privilegio dos Defem-
bargadores. No anno dc 1521 foraõ imprelfas em Lisboa, por
Jacob. Cromberguer, as Ord. Manuel, conforme a nova Com-
pilaçaõ , com emenda e correcçaõ das de 1514 , como fe vê
dus difterentes Prologas de humas e outras , da differente or-
dem
Parte I. Titulo I. 9
Dom Sebaftiaõ cm 1565 , c foi illufirada por alguns In-
terpretes da Naçaõ (/).

capitulo mr.
Do
Areeiro e quarto Codigo,

§. VIII.

j oa °ntrfr no numcr
o dos Codigos P0rtugue7.es i
?a U E itornc
Nunes ri'- T ~ c ° P » °luco Licenciado Duarte
das Lcis
Codi *» Extravagantes, pofteriores ao
8 1 a Uehno
baftin -° , " ' P°r a^oridade do Senhor Dom Se-
Collecca" H 3 ITCk LC1 dC 14 Feverciro de 1569 : 2.° a
3
Dom SebafK
Sebaíbao, ^ C PrOVÍfóes
- tmpreíTa no anno pofteriores
de ,570. do Senhor
B
Em

sr£
dei 2
ultima Compilação Ho 5 °' f°> ingerida nefta
formações c Ed '77 ** ^ ' pel° mcnos' tres R-
CS
outi-a em 1 -rj. *^ antes de ,5:4,
- foi a„tes de ;5;; i "(;521; e
s 4 ,r e
»p--
compilar í n ° " ' D°m Seba[lia5 n-
35 Extra
^fde cfta Época. ° ^ gantes

<h Uniwfidade de rP,-PTCS ^ C°d' Manuel* foraõ 05 Mefires


qUe florerc
Tihor Dom To " TU era5 no tempo do Se-
:
Antonio Correi de S ° ^ ' al]!m com°
*» Comentários d! OrdUC 7T *° ** ' ^ 5

de que fazem menr u'^J Caufas Cri


"ais ,
"7 e I24i Ga®. Deci °^n-liv' 5 ,!t- 2 $* 5 • c
4; d Confult
*3 n. 2o. Gonçalo Vaz Pinto tamh ' *
0rd
foi raelhor mterprctet ~:;^ -
io Direito Publico Portuguez

§. VIIII.

Em o Codigo Manuelino neftas duas Collecçoes; na


Ordem do Juizo do Senhor Dom Sebaftiaõ de 28 Janei-
ro de 1578; na Reformaçao das Juítiças de Filippe II de
27 de Julho de 1582 ; e em algumas outras Extravagantes
^ do mefmo Dom Filippe, confiftia o Direito Civil Pátrio,
até que veio a reduzir-fe ao ultimo Codigo da.Naçao. -

CAPITULO V.

Do ultimo Codigo*

§. X.

O Ultimo Codigo he o Filippino, mandado compi-


lar por Filippe II de Caftella, talvez para radicar mais
a ufurpaçaõ , que fez deftes Reinos; e foi publicado por
feu filho Dom Filippe III em 1603 , pofto que fe tiveflè
acabado em 1595(O-
XI.

(/) Morto o Senhor Cardeal Rei em 1580 , invadio o Reino


de Portugal Filippe II , Rei de Caftella, ( ati&orifado por huma
Sentença dos medrofos, e fobornados Juizes , que o Senhor Car-
deal nomeou em teftamento , para julgarem efta matéria , que
decidiraõ a favor dos Filippes ) com o titulo de fer filho da Im-
peratriz Dona Izabcl , filha do Senhor Dom Manuel , cafada
com o Imperador Carlos V; naõ obftante, que a mefma Senho-
ra eftava excluída da fucceflaó do Reino , pelas Leis fundamen-
tais da Monarchia, por ter cafado com eftrangeiro. Como po-
rem o Reino citava fraco pela perda da fua principal gente em
Africa,
Parte I. Titulo I. n

§. XX.

Confia o corpo deitas Ordenações também de finco


Livros , cujas matérias refpeítivas faõ em geral as mef-
mas, que as das Ordenações Manuelinas. Dilferem porem
na ordem , e numero dos títulos [m). O fundo da fua Le-
B 2 gis-

Africa , foi con lira rígido pelo medo das armas Caftelhanas a fe-
guir a forte de Filippe II , que foi jurado Rei de Portugal nas
Cortes de Tomar de 19 de Abril de 1581. Era eltc Rei fum-
mamente politico, e aíTim difpunha as coufas de Portugal, ufan-
do de huma affeâada afFabillidade , e enchendo os Portuguezes
privilégios , e liberdades , para lhes fazer fuave o jugo Ca-
ítelhano , como deo a conhecer feu filho Filippe III , e como
refere Ioaó Baptifta de Caftro, Mapas de Portugal. Segundo efte
mefmo efpirito , logo que fubio ao Throno fe propôs a fazer
hum novo, e defnecellario Codigo, porque naõ havia mais de 60
annos, que tinha fido promulgado o Codigo Manuelino , e as
Leis Extravagantes eitavaõ ja compiladas, á excepção das Fi-
lippinas ; porem Dom Filippe queria fazer efquecida a mefma
Legislaçag , ou Codigo , feito pelos Monarchas Portuguezes ,
para que o ufo delle naõ renovafTe continuadamente a fua anti-
ga liberdade ; e também fazer-fe amavel aos Ecclefiafticos , pe-
la Compilaçaõ das Leis Extravagantes , que mais favoreciaõ as
Aias liberdades. Ded. Chron. P. 2, Dem. 6 num. 89.
('") A Manuel, no liv. 1 tem 78 , e a Filip. loo. No 2 tem
aquella 50, e eíla 63. No 3 tem a Manuel. 93 , e a Filippini
98- No 4 tem aquella 82, e eíla 107. No 5 tem a Manuel.
'3 , e a I'ilip. 144, Na ordem dos tit. ha muita variaçaó , co-
mo fe vê combinados huns com outros. Baila por ora faber,
lue muitos titulos foraô accrefcentados , e outros fupprimidos,
Principalmente no liv. 1, fegundo forao erigidos , ou fupprimi-
os 0s
ícus obje&os.
12 Direito Publico Portucuez
gislaçaõ, pelo que pertence ao Direito Particular (//), hc
todo de equidade ; nella fe acha o que o Direito Roma-
no , entendido fegundo a glofa , tem de melhor»

§. XII.

Os Compiladores deite Codigo , alem de Jorge de


Gibedo, como elle diz na Decif. CXI num. 7, foraõ os
outros Defembargadores do Paço Paulo AiTonfo , Pedro
Barbofa, e Damiaõ de Aguiar (o), aos quais faltavaõ as
luzes neceflarias para preencherem os fins de taõ gran-
de obra (p); elles mutilaraõ as Ord. Manuel., interpola-
rão

(n) No que pertence ao Direito Publico , principalmente cir-


*a Jacra , feguiraõ os Compiladores os prejuízos do tempo , e os
princípios, que elles tinhaõ bebido nas falias Decretaes.
(o) Ded. Chron. P. 1 , Dem. 6 num. 89 not. c.
{p) Jorge de Cabedo pouco infiuio nefta Compilaçaõ, como
íefere a Ded. Chron. no lugar citado. Os mais Compiladores
foraõ os Au&ores da celebre Concordata do Senhor Dom Seba-
ítiaõ de 18 de Março de 1-578-, em que concedeo aos Ecclefi-
aflicos muitos Direitos MageUaticos. Paulo Affonfo, conjurado
com o Provincial dos Jefuitas Jorge Serraõ, foi a Villa Viçoía
ameaçar a Serenidima Senhora Duqueza Dona Catharina de
Bragança , para defiftir do Reino. Damiaô de Aguiar , defde
que o Cardeal Alexandrino veio a Lisboa , fez com os Jefuitas
a uniaÓ, com que concorreo para efte Reino paliar ao domínio
de Cartel!a , como refere a Ded. Chron. no lugar citado. Eftas
çircunftancias particulares dos Compiladores nos cfko huma idea
da fua obra , principalmente no que refpeita ao Direito Publi-
co: alem difto ha outras circunftancias gerais, quais a ignorân-
cia daquelles tempos. Os eíludos das Humanidades tinhaõ de-
cahi-
Parte I. Título I. ij:
raõ as mefmas com as Extravagantes pofteriores, donde
nafee a obfcuridadc, e antinomias, que ncllas fe achaõ {q),
e con-

cahido inteiramente daquelle efplendor , com qne floreiceraõ no


tc
mpo do Senhor Dom Manuel. Gafpar Eftaço Var. Ant. cap. 4
n. 4 e ç diz3 que os melhores dos noffos Efcriptores defte tempo
íe queixavaõ , que metade dos efludos fe tinha roubado á Uni-
verfidade. O certo he , que as Humanidades , que antigamente
tinhaõ fido taó eftimadas na Univerfidade , vieraõ a fer muito
pouco attendidas. Exiin£lo o conhecimento das Humanidades he
infallivel o prejuízo de todas as mais Difciplinas. O Noflb Di-
reito o experimentou nefta ultima Compilaçaõ ; fuccedeo-lhe o
mefmo , que d Jurifprudencia Romana , em quanto os Glofado-
res chamavaô por zombaria Humaniftas áquelles , que uniaõ os
cftudos das Humanidades ao eftudo do Direito. Bach. Hift.
jur. Rom. L. 4 §. 9.
(?) Sirva dc exemplo 1° o §. 13 do novo Regimento dos Def-
embargadores do Paço, diametralmente oppofto ao tit. 4a in pr.
da Ord. liv. 3, cuja oppofiçaõ nafee, de que lendo os Compilado-
res naquelle §. confervado a determinação do Regimento de Dom
ilippe , contraria a Ord. Manuel, liv. 3 tit. 87 , copiaraó for-
malmente efta Ord. no liv. 3 tit. 42. Sirva de exemplo 2C a
rd. 1. 3 tit. 88, contraria ao §. 11. do tit. 87, porque os Com-
Pi acoies neíle §. feguiraõ a Legislaçaõ do Senhor Dom Manu-
na rd. liv. 3 tit. 71 §. 27 ; e no tit. 88 feguiraõ a Ordem do
Jtiizo do Senhor Dom Sebafliaõ de 28 de Janeiro de 1578. Sir—
de exemplo da fua obfcuridadc a Ord. liv. 1 tit. 3 in pr. aon-
c
parece denominar por petições de graça , em coufas que á
Jufliça polTaõ tocar, as Cartas de privilégios, e liberdades;
quando os privilégios , e liberdades naó faõ coufas , que per-
dição a adminiftraçaõ da Juftiça, como fe vê da Ord. liv. 1 tit.
5 2- 2. A mutilaçaõ, que os Filippiítas fizeraó da Ord. Manu-
el..
*4 Direito Publico Portuguez
e confcrvaraS muitas palavras antigas já defufadas na-
quellc tempo (r).
§. XIII.

cl. , ajuntando o §. 15 ao principio da mefma Ord. , he a caiifa


dcila obfcuridade. No mefnio liv. 1 tit. 9 §. 6 fe lê e pelo di-
lo modo, mas olhando para os §§. fuperiores, e yiimediatos, naõ
fe acha nelles determinado modo algum , porque devaó conhe-
cer os Juizes dos Feitos da Coroa , e fó no pr. do tit. he que
ilto fe determina; ficando em confequencia obícura a relaçaõ da-
quellas palavras; e iilo, porque os Filippillas defmembraraó o
principio da Ord. Manuel., e irieteraÓ de permeio o §. 2, tirado
da Extravagante de 1565 , e o §. 4 da Extravagante de 1561 >
e o §. 5 da Extravagante de 1562. No liv. 4 tit. 96 §. 9 fe lê
Sendo coufas taes , que fejaó obrigadas a trazerem-fe em partilhas ,
corno acima dijjemos , naõ fe tendo com effeito traâado de fe-
melhante matéria ; porem elle erro nafee da mutilaçaõ , que
os Filippiftas fizerao do tit. 77 da Ord. Manuel., formando delle
o tit. 96 e 97 , e tranferevendo no tit. 96 a parle poíterior do
tit. 77.
(r) Aflim como defpeltar, que fe acha na Ord. I. 2 tit 20; fa-
çanha Ord. 1. 2 tit. 35 §. 26 ; Elche Ord. 1. 4 tit. 11 §. 4, e outras
como Alfaqucque, Barregaô , apinhar, filhar , Teiga de Abraô &c.,
algumas das quais explica Bluteau. Sobre os defeitos deitas
Ord. fez huma DilTertaçaó critica Joze Veriílimo Alves da Sil-
va , intitulada fn/roducçaõ ao novo Codigo; tem feu merecimento,
ainda que fuppóe algumas antinomias , que naõ ha ; v. g. a
que elle confidera entre o §. 21 e 27 do liv. 2 tit. 1 ; por quan-
to no §. 21 tracla-fe daquelle Minorifta , que toma eftas Or-
dens, depois de ter commettido algum deli&o, e fer delle accu»
fado , e bufeado pelas Juíliças , o qual para fer remettido he ne-
cellario , que feja também Beneficiado ; e no §. 27 tra£ta-fe do
Minorilta , que depois de o fer , commetteo deliéto.
PARTE I. Titulo I. 1-5;
§. XIII.

Eftas Ordenações ficarao tendo austeridade, ainda


depois da expulfao dos Filippes (f), e ellas faõ as que
ainda hoje conflituem o Codigo das Leis Patrias. Delias
fe tem feito varias Edições (/), e vários Confultos Portu-
guezes tem pertendido illu ftra-las (u).
C A-

(í) No primeiro de Dezembro de 1640 foi juftamente ac-


lamado Rei de Portugal o Senhor Dom Joaò IV, Duque de
Bragança, o qual, fendo folemnemente reconhecido nas Cortes
de Lisboa em 24 de Janeh-o.de 1641 , mandou por huma Lei
Geral, q„e elle refere na de 29 de Janeiro de 1643 , que fe ob-
fervalfem eílas Ord., e as Leis Extravagantes , como até alii fe
ufava ; em quanto naõ mandalTe o contrario , ou naõ fizeífe o
novo Codigo, queosPóvos lhe pediao, mas que os cuidados
da guerra lhe embaraçavaÕ ; o que novamente confirmou na re-
ferida Lei de 1643.
(') No tempo de Filippe IV , no anno de 1636 , fe fez nova
dição no Morteiro de S. Vicente dos Conegos Regulares de
"sboa. O Senhor Dom Pedro II, no anno de 1695 , mandou
aZCr d as E<
" %«es , que fe fizeraÔ no dito Morteiro de S. Vi-
ter
J npo do Senhor Dom JoaóV fe fizeraó mais tres
uiçoes no mefmo Morteiro: «> em ,708 , e outra em ,727 ,
ambas em 8°. Em i747 , fe fez a 3= por jeronymo da Silva em
3 - em foi. , á qual ajuntou o mefmo Silva as Collecções
ÍIS Extrava ante cIeí
asVegun j o o lugar
S dos8 livros"de e1603
titulosaté
, a1747
que ,lhe
collocando-
pareceraó
ais acomodadas; em que naõ foi muito feliz, além de lhe
"aparem algumas , como adiante veremos.

afi em ^nter'Barbofa
anoel
>retes ou
- , que
Commentadores deftas Ord.,
efereveo Remiffóes a todosprincipi-
os tit.

e he
i6 Direito Publico Portuguez

CAPITULO VI.

Das Leis Extravagantes pojieriores á Compilaçafi


Filippina.

XIIII.

L0go depois da Compilaçao Filippina os novos cafos,


c as
e he o melhor Interprete delias ; porque fe propôs unicamente a
dar o fentido proprio muito concifo ; o que executou felizmen-
te. Seu filho Agollinho Barbofa fez algumas correcções, e addi-
tamentos ás obras de feu Pai. Manuel Alves Pegas efcreveo á
Ord. defde o liv. i até o tit. 13 do liv. 3, e nifto encheo quator-
7.c volumes em folio, porque quiz entender a Ord. pelas Ten-
ções de Miniftros , e pelos Areftos ; e difto fe pode conhecer
qual fera o merecimento de taõ volumofa obra. Manoel Gonçal-
ves da Silva continuou o Commentario de Pegas até o tit. 45
do liv. 4 , e nada mais fez , do que traduzir para Latim as pa-
lavras da Ord. Lima continuou a obra de Silva até o tit. 49 do
liv. 4. Gabriel Pereira de Caílro , na fua obra De mam regia,
efcreveo á Ord. liv. i tit. 9 §. 12, e tit. 12 §. 5 e 6, e ao tit. 40
§. 2, e tit. 62 §. 4, e 39 até 76 ; ao tit. 78 e 80 , e ao novo Re-
gimento dos Defembargadores do Paço §. 116. Efcreveo ao 1. 2
trt. 1 até o tit. 33, á excepção do 6, 7, 10, 11, 16, 17, e paffon
ao tit, 33 §. 25, e efcreveo também a alguns tit. dos 1. 3, 4, e 5.
Pode entrar no numero dos Interpretes o referido Jeronymo da
Silva pelo Repertorio , que fez ás Ord. , e Notas que lhe ajun-
tou. Todos cftes Commentadores careciaó dos fubfidios , e re-
gras da interpretação, ignoravaó o Direito Publico , eoefpiri-
fo da Legislaçaõ Portugueza. O único frufto , que fe tira da fua
liçaõ, he achar alguns monumentos antigos , e algumas TençÕe*
ílfi Miniítros eruditos.
Parte I. Titulo I. 17
e as
diverfas circunílancias exigirão novas providencias,
e novas
Leis , que pela viciífitude dos tempos fe fizera5
mais nece
ffirias , principalmente no feliz Reinado do Se-
nhor Dom Jofe I, em que os novos conhecimentos po-
•ticos fizerao huma grande mudança na economia, c co->
ftumes da Naçaõ.
§• XV.
Quafi todas eftas Leis fe achaõ compiladas, ou jun-
tas
' mas ^em autoridade publica (*). Jeronvmo da Sil-
Va
ajuntou a cada hum dos Livros da Ordenação as Ex-
travagantes até o anno de 1747 ( §. XIII not. / ): e das
eis defde elfe tempo até o anno de 1750 fez hum Ap-
Pendix, ao qual ajuntou hum fupplemento das que lhe
efcaparao nas antecedentes Compilações (2). As Leis po-
íleriorcs, c que comprehendem todo o governo do Se-
nhor Dom Jofe I, e as Leis da Rainha Nofla Senhora, fe
achaõ feparadas, e avulfas.

§. XVI.
Entre o numero das Extravagantes devem entrar os
_ C Aflen-
r
( )
a a razaõ , porque femelhantes Collecções naõ fc nu-
entre os Codigos , nem tem auâoridade alguma , e fer-
vem umeamente para moítrar as Leis.
orcm
a(T
©m como a de 16 Pde Janeiro
todas, de
, ainda
18 delhe efcaparao
Abril, algumas
de 2 de Junho,;
e Julho , e 3 de Outubro de 1670 ; de 26 de Junho de
7
\ ^t28
5 1 eju
dC MarÇ
10 de 15 de Abril J de Maio 6 de ,inho
16,3 ;°de' 7 de Julho, 'de36 de Outubro,
• deJ 26 do'
1 f 110 1682 IÍC tic
dec tfi
i6 " ° '
99 » c outras mais. ^arço de 1690; de 7 de Outubro
i8 Direiío Publico PortDguez
Aliemos da Meza Grande da Cafa da Sapplicaçao , por
auítoridade da Ordenaçaõ liv. i cie. 5 §. 5 , Extrav. de 18
de Agoflo de 1769 §. 4.

CAPITULO VII.

Dos Cofiumes da Nàçao, c da fua autoridade.

§. XVII.

Naõ fó as Leis Patrias , mas também os cofiumes


legitimos da Naçaõ fervem dc norma aos Portuguezes ,
como fe foflèm propriamente Leis, por auâoridade, que
as Leis Patrias daS a femeihantes cofiumes. Ordenaçaõ
I. 3 tit. 64, Extrav. de 18 de Agoflo de 1769.

§. XVIII.

Por cofiumes legitimos entendemos aqucllcs fados ,


inalteravel e confiantemente praticados por mais de cem
annos (a), que naõ fejaõ contrários á razaÕ natural, civil,
ou politica da Na>çaÕ (l), nem ás Leis Patrias (c) , cujas
tres

- (tf) Só pois peia diuturna , e continuada repetiçaó dc adtos por


todo eíle tempo , he que fe pode conhecer a fua effe&iva utilida-
de , e approvaçaó dos Soberanos ; por elles a terem fixado nefltí
teimo.
(í) Sendo contrarro á razaÕ natural, feria intrinfecámente máo;
fendo contrario ás razões civis e politicas, feria prejudicialiflimo
ao bem coiftimim , que he a primeifa regra para as acções dos
Cidadãos.
- (e) Fallando continuamente os Soberanos pelas fuas Leis ; naõ
po«
PARTE I. T ituio I. 19
tres circunftancias faõ exprcfTamente prefcriptas na re-

ferida Extravagante de 18 de Agofto de 1769 para a li-


gitimidade dos coftumes.

§. XVIIIJ.

Para conhecimento dos coftumes legitimos he de


fumma utilidade, alem do eftudo da Hiftoria da NaçaÕ,
confultar muitas vezes os melhores Pr.ixiftas, aífím co-
mo Jorge Cabedo nas fuas Decifoes; Alvaro Valafco nas
Coníultas, Qucflões, e Dccifocs de Jur. emphit.; Thome
Valafco nas luas AllegaçÕes ; Manuel Mendes de Caftro
na fua Pratica, e outros.

C A P I T V L D VIII.

Das Leis Subjidiarias.

§
XI ' *x'
M A falta das Leis Patrias, e coftumes legitimos, fer-
VCln
"orma ftibfidiaria : i.°os primeiros princípios,
e conclufoes próximas de Direito Natural.- 2.0 o coftume

C 2 das
P em as acções dos fubditos , praticadas contra ellas , deixar de
^rpeccaminofas, eporilfo incapazes de conftituirem Direito,

fra S ^°' ,U J Cas


' '' ^cm°craticas , onde as Leis faõ feitas pelos fuf-
a ^'°S '5°to» j"lgaraõ os Romanos , que o coftume abrogava
ei , porque o coftume era propriamente Lei , conforme o fen-
imento de J„ilano |n ^ ^ de Leg_ porem nos Eftados
narC
con. "C0S ' como
^ 0
Monafrcha lie o A. da Lei, naõ pode o
V0 l ero a a
tin "ÍÍTagno *na° fua' Conftituiçaó
S -' comoreferida
declarounao L.
Imperador Conftan-
2 Cod. de Leg.
2ó Direito Publico Portuguez
das Nações civilifadas nas matérias politicas, ou econó-
micas mercantiz, Eftat. Iiv. 2 tit. 5 cap. 2 §. 16:3.° o
Diíeito Canonico adoptado pelo ufo moderno das Nações
civiliíadas, quando corrige, ou interpreta legitimamente
as Leis Romanas , o meímo Eftat. cap. 3 §. 12 , e 14 /
4,0 e cm ultimo lugar o Direito Romano, que for compa-
tível coma razaõ civil c politica do Eftado (d), Ex-
trav. de 1 8 de Agofto de 1769, declarada pelós novos
Eftatutos da Univerfidade de Coimbra Curf. Jur. tit. 5
cap. 2.
PAR-
(d) As noffas Ord. liv. 3 tit. 64 por hum efpirito tranfcen'-
«Icnte das Leis, e cortumes da NaçaÓ, reduzido a Legislação pe-
lo Senhor Dom Joaó I, Eftat. da Univerfidade liv. a c. 3 §. 4
Curf. Jur., incorporada na Ord. Manuel. 1. 2 tit. 5, tinhaó ado-
ptado por norma fubfidiaria , nas matérias em que naó houvefle
peccado, 1° o Direito Romano; 2° a fentença commúa dos DD.;
3o a Glofa de Accurfio ; 4° a opiniaÕ de Bartholo; e nas matéri-
as , em que houveíTe peccado, o Direito Canonico ; como fe no
foro fe traftafle de peccado! Porem o Senhor Dom Jofe I obrou
«juafi femelhantemente a Dom Fernando de Caftella, o qual ten-
do mandado no anno de 1495 > que na falta de Direito Pátrio fs
obfervaíTe 1° o Direito Romano, 2° a Glofa de Accurfio , e Pau-
lo Caftrenfe &c. , no anno de 1506 abrogou aquella Lei e
mandou , que em fubfídio do Direito Pátrio fe obfervaíTe o Di-
reito Natural , porque tinha viflo os incómodos da Ia Lei.
IX
-q, „g, ygj ^ey ijA.

PARTE SEGUNDA.
D O

DIREITO publico.

titulo primeiro.

CAPITULO ÚNICO.

Das Noções, e origem do Direito Publico, <• dajua divifao.

T) § I.
X OR Direito Publico entendemos hum complexo dc
todas as Leis , que tem por objedo a confcrvaçaô da So-
ciedade Civil , coniiderada como peflòa moral (a)> e que
erve de norma a todos os membros da Sociedade (l>), o

qual '

cle(latIe
fificas i ^° Civil das
eni pela união comporta de amuitas
vontades formarpefloas
huma naturais ,e
pefloa mo-
»l , que por comprehender todas as naturais fe chama Publica,
d tanto aijtrelle Direito , que diz relaçaó a efta peifoa moral, fe
na ubhco a cauja objeiJiva » afiim como aquelle , que diz
e peito a cada pelíoa natural , fe chama Particular a caufu objt-

°-C'vem
'"(!) n° qui Ue
" aCacorrelaçaõ
"^a '^c'en,i hum e (Xitr
o feja
de oflicios, que Publico.
há entre os Ira-

So • |CS|' C ^"',<''tos ' porque huns e outros faó membros da


S C COm ta s
caõ
V ,»da ^Sociedade
' ,°fegvmdo
' °brigados
os f adifferentes
cooperarem para a conferva-
officios.
eus
22 Direito Publico Portuguez
qual fe define: Compkxio legum, feu norma , fecundam quam
in Civili Societatc degentes afiiones Juas circa pullicum Jia-
ium dirigere debcnt.
§. II.

Eftas Leis, de que vem a formar-fe o Direito Publico,


ou faõ aqueilas, que dimanaõ da própria noção da. Cida-
de confiderada indiftinítamente (r); ou Ía5 aqueilas , que
nafcem da forma particular de cada Naçaõ (d) ; ou da
fua particular Policia (.<?); No primeiro cafo vem a con-
fti-

(c) Naõ pode conftderar-fe Cidade , 011 Republica , fem que


relia fc coníidere Imperante e fubditos , porque efla he a fua
natureza, Arberf. Jurispr. Nat. cum Chriítiano collat. Exercit.
I §. 4 e 5; por illo a Republica fe define : Injtgnis hominum tou/ti-
tudo, ttulli alii mortalium ohnoxia, et fub communi Imperante fectiri-
fatis fua: caifa certis legibus confociaia. Heinec. Jnr. Nat. & GenU
Jiv. 2 c. 6 §. 104. Logo os ofHcios de li uns c outros , neíla pre-
cifa accepçaõ, em toda a parte haõ-de fer os mefmos, e por con-
fequencia as Leis, que os preferevem, haõde fer univerfais ; lo<*o
' Õ
o Direito Publico, organizado deftas Leis, ha-de fer univerfal.
(</) A forma , e conftituiçaõ dos Impérios depende dos pa-
£tos da Sociedade ; de forte , que a mefma efpecie de governo ,
ou feja Democrático , ou Arillocratico , ou Monarchico , diver-
fifica fegundo as Leis fundamentais de cada Cidade: logo as Le-
is, deduzidas da fórma particular de cada Naçaõ, naó podem con-
ílituir mais , que o Direito Publico Particular da mefma.
(e) Em todas as Cidades ha Leis Civis, que tem porobjeílo o
bem publico: eflas Leis ou faó Pofitivs-Aforais, ou Mere-PcJi/ivas;
aqueilas nada mais fazem , do <]ue pôr em execução as mefmas
Leis Naturais Publicas ; e eftas tem por unreo obje£h> as acções
publicas objeâive indifrerentes. De htimas e outras fe vein a
formar o Direito Pátrio Publico de cada Naçaõ,
P a R t f. II. Titulo. I. 23
ftitúir o Djreito Publico Univerfal ; c nos dous pofterio-
res ve
m a forniaro Direito Pátrio publico de cadaNaçaõ.
Hubcr. de Jur. Civit. liv. i Sect. 1 cap. 7 n. 8 & feq.

§. III.

O Direito Publico Univerfal prefcrevc as regras gera-


13
, que fervem de norma aos officios dos Imperantes , e
ás obrigações dos fubditos. O Direito Publico Particular
eftabelece .as. regras da fuccefiaõ, e a forma do gover-
no interno da Sociedade.
* ^1
§• iv.
Deftes princípios fe moflra o erro, em que cahirau
Os Glofadores, quando quizeraõ decidir as queftões per-
tencentes ao Direito Publico pelas Leis do Codigo de
Juíliniano , que fó pcdiaõ fervir de norma aos Romanos»
como fuás próprias, e particulares ( §. II e III), Eftat. da
Univerf. Curf, Jurídico tit. 6 cap. 2 §. 10. Poftas cilas
bieves noções paliamos a tradlar do Direito Civil Pátrio
Publico, combinado com o Direito Publico Lmiverfâli.
O mcfmo Eftat. §.5.

^ cr . ; 1'. 1 .,

T I-
24 Direito Publico Portucuez

TITULO SEGUNDO,

Do Direito Pátrio Publico.

CAPITULO ÚNICO.

Da DivifaÕ do Direito Pátrio Publico.

§. V.

Os Direitos Públicos da NaçaÕ Portugueza ou dizem


rcfpeito ás obrigações , e empenhos , que ella tem con-
tra hido com as Nações Eflrangeiras, e ás faculdades,
que lhes competem nos territorios delias, pelos pados ,
convenções , e tradtados com ellas celebrados ; ou pre-
ferevem tao fomente a fórma do governo publico interi-
or do Eftado. O primeiro conflitue o Direito Pátrio Pu-
blico Externo. O fegundo conflitue o Direito Pátrio Pu-
blico Interno, ou Economico. O mefrno Eftatut. Jur.
tit. 6 cap. 2 §. 2.
§. VI.

Paliando cm filencio o Direito Publico Externo, por


naõ fer objedo proprio da Jurisprudentia Civil, e da in-
fpecçaõ dos Magiftrados ; mas privativo da Sciencia de
Eflado, e pertencente ao Concelho, e Miniflros d'Eflado,
traílaremos do Direito Publico Interno, que he da com-
petência do Jurisconf. O mefrno Eflat. §. 3.

TI-
Parte II. Titulo III. 25

—>êK-—

titulo terceiro.

Da Fórma, e Conítitdiçaó do Império


PoRTUGUE 7..

CAPITULO I.

Das Cáries de Lamego.

§. VIL

Ja difiemos, que o Direito Publico.Particular depende


Ga fórma , e conftituiçao dos Impérios , a qual depende
dos padtos fociais ( §. II ), ou das Leis Fundamentais (4^»
As Leis Fundamentais do Império Portuguez faõ as Cor-
tes de Lamego , feitas no tempo do Senhor Dom Affon-
fo Henriques (b), pouco depois da batalha do Campo
D de

(") I odos os Impérios , ou Cidades , faó conftituidos medi-


^ o a convenção , ou pafto focial dos membros tia fociedade ,

de doC°n^uencS ( os
'a al,sfórma, e Conííituiçaó dos Impérios, deperr-
r ^ ° ' k Conftituentes. Eíles paétos ou faõ expref-
1 acitos. tácitos faó aquelles, que fe deduzem preciíamcn-
e ca natureza dos Impérios ; expreílòs fórmaõ as Leis Funda-
mentais de cada Império, Per. App. Jur. Pub.Hifo.liv. 1 c. i.i,
c
2 cap. 6 q. 5,
Senllor
b a Tu
a ia ^o Campo de Qtírique
ÀíFonfb , Henriques
recebeo de, todo
anteso de entrar por
exercito na
amaçao oiitulo de Rei , denp.minando-fe- até entaó Principe
,C 13 <>rma < C eu ai 0
do ; ' '" ^ ^ Senhor Conde Dom Henrique;
W ftonfo \ II de Cafíella nao queria, que o Senhor Dom
Af-
26 Direito Publico Portuguez
Ourique(c), que tem por objedto a fórma do Império ,.e
as regras da fucçeiraõ..

§. VIII.

Eftas Cortes fe achao tranfcriptas por Brandaõ na


fua Obra intitulada Monarchia Lufitana lib. 10 cap. 13
nertas formais palavras.
„ Congregavit vos Rex Alfonfus, quem vos feciftis,
„ in Campo Âuriquio , ut videatis bonas litteras Domini

Affonfo ufafTe do titulo de Rei, fem que fe lhe fizelTc feudatario,


como coníta da Carta., que o dito Senhor efcreveo a S. Bernar-
do para impetrar do Papa Innocencio II a confirmaçaõ do titu-
lo de Rei, Brit. Chron. de Ciíler. 1. 3 c. 4. e 5, o que com effei-
to alcançou por huma Bulla do mefmo S. Padre , como Te ilto
foíTe necelTario! Por occafiaõ defta Bulla convocou o mefmo Se-
nhor Cortes cm Lamego , Congregavit vos Rex Alphonfus , quem
vos feàjis in Campo Âuriquio , ut videatis bonas litteras Domini Pa-
fa, & dicatis, ft vultis, quodfit ille Rex, como faõ as formais pa-
lavras das Cortes. E para radicar mais o feu Direito , e de feus
Augullos Succeflores ; para defvanecer todas as pertcncões de Ca-
ftela ; e para dar hum firme eflabelecimento á fórma , e fuccef-
faó da Monarchia , cedeo por hum pouco dos Direitos Magefta-
ticos , e eftabeleceo com o Povo as Leis Fundamentais , que re-
gulaõ a fucceflaó , e fórma do Império. Vid. Ded. Chron. P. 1
Divif. 12 §. 597.
(c) Naó ha certeza dò anno, em que eftas Leis fe fizeraó; hfl
certo , que foi pouco depois da batalha do Campo de Ourique ,
como fe vê das palavras das mefmas Cortes: Ac pietate divina ai
Regium Solium nuper fublimatus. He provável, que feria depois do
anno de 1143, pela aílignatura do Bifpo de Vizeu , que nellas fe
acha , naô obftante a Ded. Chron. P. x Divis. 12 §. 668.
PARTE II. Titulo III. 27
» Papse , & dicatis , fi vultis, quod fit ille Rcx ? Dixerunt
„ omnes : Nos volumus, quod fit Rex: & dixit Procura-
„ tor: Qiiomodo erit Rex? ipfc , aut filius ejus , aut ipfc
„ folus Rcx ? Et dixerunt omnes : Ipfe quantum vivet,
» & filii ejus , pofteaquam non vixerit. Et dixit Procu-
j> rator: Si ita vultis, date illi infigne. Et dixerunt omnes :
» Demus in Dei nomine. Et furrexit Archiepifcopus
» Bracharenfis, Sc tulit de manibus Abbatis de Laurbano
»> coronam auream magnam cum multis margaritis ,
» quai fuerat de Regibus Gothorum , & dederant Mo-
j, nafterio , &: poíuerunt ília Regi. Et Dominus Rex cum
>, fpata nuda in manu íua , cum qua ivit in bello , dixit:
„ Benedictus Deus , qui me adjuvavit. Cum ifta fpata li-
j, beravi vos , & vici hoftes noftros , & vos me feciftis
„ Regem , & focium veftrum» Siquidem me feciftis,
„ conftituamus leges, per quas terra noftra fit in pace.
„ Dixerunt omnes : Volumus Domine Rex, & placet no»
„ bis conftituere leges , quas vobis bene vifum fuerit, 8c
j» nos fumus omnes cum filiis, filiabus , neptibus , &
» nepotibus ad veftrum mandare. Vocavit citius Domi-
»> nus Rcx Epifcopos , viros nobiles, & procuratores , Sc
,, dixerunt inter fe : Faciamus in principio Leges de has-
», reditate Regni, & fecerunt iftas fequentes-.
„ Vivat Dominus Alphonfus, & habeat Rcgnum. Si
»j habuerit filios varones, vivant, & habeant regnum ,
j> ita vt non fit necefle facere illos dc novo Reges. Ibunt
» de ifto modo. Pater fi habuerit regnum , cum fuerit
», mortuus , filius habeat, pofiea nepos , poftea filius ne?-
». potis, & poftea filius filiorum in laecula fasculorum per
»> fem£>er.
*• Si íuerit mortuus primus filius, vivente Rege pa-
D 2 tre,
28 Direito Publico Portetguhz
yy trc, lecundus erit Rexjfi fecundus, tertius ; fi tertius,
y, quartus; & deinde oranes per iftum modum.
„ Si mortuus fuerit Rex fine fiíiis, íi habeat fratrem ,,
„ fit Rex in vita ejus , & cum fuerit mortuus , non erit
„ Rex filius. ejus, fi non fecerint eum Epifcopi, & Pro-
„ curantes, & Nobiles Curia; Régis: fi fecerint Regem y
„ erit Rex ; fi non fecerint x non erit Rex.
„ Dixit poftea Laurentius Venegas» Procurator Do-
„ mini Régis, ad Procurantes: Dixit Rex: Si. vultis, quod.
„ intrent filias ejus in haereditatibus regnandi, & fi vultis
„ faccre Leges de illas ? Et pofteaquam altcrcavcrunt
y, per multas horas, dixerunt: Etiam filia; Domini Régis

„ funt de lumbis ejus, & volumus eas intrare in regno ,


„ &: quod fiant Leges Hiper iftud, & Epifcopi, &c nobiles
yy fecerunt Leges de ifto modo..
„ Si Rex Portugália non habuerit mafculum , et ha-
„ buerit filiam „ ifta erit Regina , portquam Rex fuerit
„ mortuus, de ifto modo: Non accipiet virum nifi de Por-
„ tugal, nobilis , et talis non vocabitur Rex , nili poft-
,, quam habuerit de Regina filium varonem ,. & quando
„ fuerit in congregatione maritus Regina;, ibit in mana
„ manca maritus non ponet in capite corona regni.
„ Sit ifta Lex in fempiternum , quod prima filia Re-
„ gis accipiat maritum de Portugale , ut non veniat re-
s, gnum ad extraneos ; & 11 cafaverint cum Príncipe ex-
„ traneo, non fie Regina , quia nunquam volumus no-
„ ftrum regnum ire for de Portugalenfibus, quia nos fua
,, virtute Reges fecerunt fine adjutorio alieno, per fuam
„ fortitudinem , & cum fanguine fuo.
„ Ita funt Leges de hasreditate regni noftri, &: legit eas
„ Albertus Cancellurius Domini Régis ad omnes , & di-
„ xe-
Parte I!. Titulo IIT. 29
» xerunt: Bona? funt, juftçe íunt, volumus eas per nos >
» & Per fetnen ejus poft nos {d).

§. vim.

Eftas Cortes fao aquellas, que o Padre Antonio de Fa-


ria , Prepofito da Congregaçaõ do Oratorio , de conheci-
da probidade e literatura affirmou com juramento ao
Conde da Ericeira, como elle refere na fua Bibliotheca
Suzana te-las vifto no proprio original, que lhe fora mo-
ftrado em muito fegredo , e fe guardava na Igreja de S.
Maria de Almacave em Lamego. Deitas Leis fe confer-
ia va hum traslado authentico no livro Porco. Efpim, o qual
refere Fr. Manuel dos Santos, continuador da Monarchia
Lufkana P. 8 1. 23 c. 29, fora levado para Caftella por
Filippe II, eo mefmo refere Joa5 Pinto Ribeiro y Conti-
nuação e Reítauraçaõ de Portugal pag. 7..
§. X.

(W) Eíles Artigos das Cortes de Lamego faó propriamente ,


®s que conflituem a Lei Fundamental, do Eftado : os outros , de
*)ue aqui naõ.fazemos menção, e que dizem refpeito ã Nobreza, c
Juftiça, faó propriamente Leis particulares eílabelecidas em Cor-
tes, fegundo o coítume daquelles tempos , ã excepção do verfo
v timo. ,, Et dixit Procurator Régis.Laurc-ntius Venegas : Vul-
„ US, quod Dominus Rcx vadat ad Cortes Régis de Leone, veL
». det tributum illi ,. aut alicui perfonx for Domini. Papx , qui
h illum Regem creavit ? Et omnes furrexerunt, & fpatis nudis
»• in altum , dixerunt: Nos liberi fumus , Rex noller liber e(l,
» et manus noítra: nos liberaverunt, et Dominus Rex , qui ta-
», lia confenferit, morictur fi Rex fuerit , non regnet fuper
*• nos. ,, Cujo verfo hc fem duvida Lei Fundamental , porqnan-
0
^ardta ao Rei a liberdade de fazer, feudatario o Reino , e . if
as
fortes de Leaõ.
30 Direito Publico Portuguez

§. X.

O S. P. Innocencio IV parece eftar perfuadido da


exiítencia deitas Cortes ; porque arrogando-fe individa-
mente a auctoridade de depôr o Senhor Dom Sancho II,
chamou para feu íucceíTor ao Senhor Dom Affonfo III,
feu Irmão, jure regni ,fi abfque legitimo decederet filio Cap.
Grandi 10 dc fuppl. ncgl. Prjcl. in VI; e naõ fe pode alll-
gnar naquelles primeiros tempos outro Direito do Rei-
no ,quc chamaíTe para a íuccelíaõ do Reino ao Irmão do
Rei, fe cílc morreíle fem filhos , mais que as Cortes dc
Lamego, como Leis Fundamentais , cujas palavras faõ.„
„ Si mortuus fuerit Rex fine filiis, fi habeat fratrem , fit
„ Rex in vita ejus [e).
§. xr.

(í) Prova-fe, que o Direito do Reino, de que falia Innocen-


cio IV, naõ pode fer outro , que as Leis Fundamentais. A elei-
çaõ da pefloa , a quem deve devolver-fc o Império, depende do
pado focial; nem bafta a eleição de huma para fe devolvera
outra , poílo que parenta da eleita ; porque a eleiçaõ tem por
objeclo a induftria da pefloa eleita , e naô transfere por fua na-
tureza mais, que hum Direito pefloaliílimo: logo para o Direito
da devolução competir a outra pefloa , depende do padlo focial,
ou das Leis Fundamentais: logo o Direito do Reino , que cha-
ma para fucceflor ao Irmão do Rei, fó pode fer o que nafee das
Leis Fundamentais. Ora até o tempo do Senhor Dom Sancho
II, IV Rei de Portugal, naõ fe aflignaõ outras Leis Fundamen-
tais, que chamem para a fucceflaõ do Reino ao Irmaó do Rei»
mais que as Cortes de Lamego: logo as Cortes de Lamego faó o
Direito do Reino, de que falia Innocencio I V.Comprova-fe ifto
com o motivo , que Innocencio IV teve para fe lembrar do Di-
reito do Reino. O Infante Dom Pedro , filho do Senhor Dom
San-
PARTE II. Titulo III.. jç

§. XI.

O celebre, e erudito, João das Regras , reconheceo


tanto a audroridade deftas Côrtès , que na falia, que fez.
nas Cortes de Coimbra para a exclufaõ de Dom Joa5 I
de Caftella, terminou com eílas palavras, tranferiptas nas
Memorias do Senhor Dom Joaõ I liv. i.° cap. 4 111 fin.„.
>, E que eftando por todos os princípios vago o Reino , e
»» os Portuguezes na poíTe de eleger Rei, que também
>» lhe dava o Direito; e pelas primeiras, e principais Leis
>>d'elle, inhibido por fer eftrangeiro, cujas difpofíções
>, naõ podia alterar EIRei Dom Fernando.,, Quais fejaõ
as primeiras e principais Leis de Portugal, e que naõ po-
dia alterar o Senhor D. Fernando; naõ podem fer outras,.
que

Sancho I, e Tio do Senhor Dom Sancho II , queria fucceder a


feu Sobrinho por fer Irmaõ de feu Pai; e o Povo eftava dividido
a favor deíle , e do Senhor Dom Affonfo III , Irmaó do Senhor.
Dom Sancho II , para Regente. O Papa decidio a favor do Se-
n
hor Dom Alfonfo III por fer Irmaõ , e o Direito do Reino o
c
hamar para a fucceflaó : e naÔ fe aíligna outro Direito , que pre-
ferille hum a outro pertendente em igual gráo e linha , que naõ
ejaõ as Cortes de Lamego, Vid. Francifco Brandaõ Mon. Lu-
fit. 1. 16 c. xi.
Hé verdade , que até o tempo de Dom Sancho II havia o co-
"me de fe devolver o Império de pais a filhos , cujo coftume
Podia.eftabelecer huma Lei Fundamental , ou pa£to tácito , e
Por confequencia o Direito do Reino para a fucçeífaó do Impé-
rio , porem deftc Direito dos defeendentes naô fe pode deduzir
o Direito dos tranfverfais , muito principalmente para a fuccef-
aõ do Império , que pelas razões ja ponderadas fempre fe de»
ve
entender, reítri&amente..
32 Direito Publico PorTuguez
que as Fundamentais ; porque eftas faõ as primeiras , e
principais de todas as Cidades, eque os Reis naõ podem
alterar (f).
§. XH.

O Senhor D. João III conhecco a verdade deitas Côr-


tes,

(/) Cra <íue eftas fejaó as dc Lamego, fe modra i° porque


naó temos noticia de outras: 2o porque nas mefmas Leis , que
dizemos de Lamego, fc acha determinado , que o Reino naó paffe
para eílrangeiros. Ibi: Nunquam volumus nóflrum Regnurn ire for
de Portugalenftbus. Nem outras Leis, que naõ fejaõ as Fundamen-
tais , podiaõ prohibirafucceíTaõ dos eílrangeiros, porque affim
como a defignaçaó , e eleiçáfi das peífoas, a quem deve devol-
ver-fe o Império, depende das Leis Fundamentais, como ja mo-
ílramos, aílim também a exclufaó de certas pefíoas depende igu-
almente das Leis Fundamentais. E que ifto fe verifica a refpeito
da exclufaó geral dos eílrangeiros , fe prova ; porque a exclufaó
de femelhafttes peíTòas naõ fe deve fubentender na conílituiçaÔ
das Cidades ; porque a uniaó dos Impérios naó repugna á fua na-
tureza, e ào feu fim. Por iflb nos Reinos pura e fimplefmente
hereditários pafla o Império de huma para outra NaçaÓ , como
fe modra pela uniaó de tantas Cidades , e Republicas , como te-
mos vifto, e por cujo principio o Senhor Dom Manuel teve uni-
da a Coroa de Aragaõ á de Portugal, pelo primeiro cafamento
que fez com a Senhora Dona Izabel , filha de Dom Fernando o
Catholico , Rei de Aragaõ , e que fe defunio por rtorte da dita
Senhora, e do Príncipe Dom Miguel. Nem outras Leis, que as
Fundamentais, lie prohibido ao Rei alterar ; porque fó eílas tem
natureza de pa£lo , e convenção entre os Reis , e valTallos ; to-
das as mais dependem do Legislador, que pode livremente alte-
rar , e revogar , fem outra obrigação ou direcção mais, que a d»
fua confciencia.
PARTE II. Titulo III. 33
tes
> ^ando as quiz íuícitar (g) 110 Art. que obfiava o paf-
íar o Reino para eftrangeiro.

§. XIII.
A Univerfidade de Coimbra efiava bem perfuadida
da auítoridade c exiftencia deftas Cortes , porque nellas
eftabeleceo o Direito da Senhora D. Catharina, como re-
fere Damiaõ Goneto. Hift. Chron. dos Papas, e Impera-
dores , pag. 232.
§. XIV.
A mcfma autoridade reconheceo o Senhor D. Pe-
dro II : i.° quando foraõ difpenfadas (h) para ajuftaroca-
samento da Senhora D. Izabel com o Duque dc Sabóia ,
que por fer eftrangeiro naõ podia íucceder no Reino,
nem cila fer Rainha na forma das rnefmas Cortes: „ Sit
„ ífta Lex in fempiternum, quod prima filia Régis acci-
„ piat maritum de Portugale, ut non veniat regnum ad
» extraneos ; & fi cafaverit cum Príncipe extraneo, non
» fit Regina, quia nunquam volumus nofirum Regnum
>> he for de Portugalenfibus : 2.0 quando forao derroga-
das nas Cortes de Lisboa (/') no Capitulo, que obfiava
uccefiao do filho do irmão do Rei : „ Si habeat fra-

V ta C US
"» it ex filius ejus ', fi non ^ Cum mortllus
^ ' fccerint eum Epifcopi ,"on
&c
Procur
" antes, & nobiles Curifc Régis.
E_ §. XV.
(f) Brand. Monarch. Lufit. liv. 10 cap. 14. Era opiniaÕ na-
es tempos , que as Cortes rinhaõ ceifado pelo interregno , e
e
'Çaõ do Senhor D. Joaó I.
W Hift. Geneal. da Çaz. Real. liv. 7 pag. 472.
[ Lei de 10 dc A
' bril de 1698 Col. 2 til. ico liv. 4-
34 Direito Publico Portuguez

§. XV.

O Douto Seneícal, M.r de Rea!, Tom. I da Sciencia


do governo pag. 122, Audtor imparcial nefia matéria, en-
tre as Leis Fundamentais das Nações da Kuiopa numera
em Portugal as Cortes de Lamego.

§. XVI.

Ultimamente a Academia da Hi flori a Porttigueza,


depois dc averiguar com toda a exadtidaõ a verdade de-
itas Cortes , fez que fe tomafle por A (Tento , que feme-
lhante matéria ie naõ puzefíe mais em queílaõ.

§. XVII.

Saõ muitas as razões , que os Hiíloriadores , e Políti-


cos coftumaõ produzir para impugnarem a verdade de-
itas Cortes. i.°Que fendo ellas verdadeiras naõ devia
fucceder 110 Reino o Senhor D. Diniz fem eleição do
Povo , porque era filho do Senhor D. Affonfo III, irmão
do Senhor D. Sancho II. Nem o Senhor D. Manuel por
naõ fer defeendente do Senhor D. Joaõ II. Nem o Se-
nhor Cardeal Rei por naõ fer filho, nem irmão do Senhor
D. Sebaftiaõ. 2.0 Que o Senhor D. Fernando naõ podia
ajuftar o cafamento de fua filha a Senhora D. Brites com
D. Joaõ I de Caítella; porque as Cortes de Lamego im-
pugnavaõ eftes cafamentos. 3.0 Que fendo excluído da
fucceflaõ do Reino o dito D. Joaõ , e fua mulher pelas
mefmas Cortes , Joaõ das Regras naõ fallou nellas , e fe
valeo d'outros argumentos inconcludcntes. 4.0 Que ex-
iftindo efias Côrtes trasladadas no livro Porco E/pim , fc
ha-
PARTF. II. Titulo III. 35
baviaõ de conhecer no tempo do Senhor Cardeal Rei , c
antes da invafaõ dos Filippes, e que ellas tirava» toda a
duvida , de que o Império nao devia paliar para Caftelia
&c.; concluindo deftas ponderações, que as referidas
Cortes foraô fabricadas no tempo dos Filippcs, para fe-
rem excluídos da fucceflaõ defta Coroa , em que de faâo
fuccedeo Filippe II como nino da Imperatriz D. Izabel,
filha do Senhor D. Manuel.

§. XVIII.

Porem contra a primeira razaõ fatiemos , que o Se-


nhor D. Diniz foi jurado fucceíTor do Reino ainda mefmo
em vida de feu Pai (/), por cujo fado fe vê nclle verificada
a eleição do povo , e cm confequencia a determinaçaõ
das Cortes de Lamego (;«). O Senhor D. Manuel foi elei-
to nas Cortes de Monte Mor o Novo, como diz Joa<5
Pinto Ribeiro : e o Senhor D. Henrique foi eleito pelas
Cortes de Lisboa, como fe prova por hum manuferipto,
que fe acha no Cartorio da Camara de Lisboa , e pela
Hift. Genenl. da Caza Real ; o que igualmente moftra a
exiítencia das Cortes por fe verificar nelles a exclufao da
010a, por naõ ferem filhos, ou irmãos dos últimos Reis..

E 2 §. XVIIII.

(I) Brand. Mon. Luf. liv. 16 cap. 10.


.('*) ° Senhor D- Diniz, fendo o V Rei de Portugal , de,
P s de D. AfFoftfo Henriques foi o primeiro jurado fucceíTor

°r°a.' c '^° m°f;ra a exiílencia das Cortes, que o cxcluiaõ ,


que faziaõ neceílkria a eleiçaÔ das Cortes.
36 Direito Publico Portuguez

§. XVIIII,
Contra a fegunda febimos, que as Cortes de Lame-
go nao prohibem ablclutamente os cafamcntos das filhas
herdeiras com eítrangeiro , mas fó com a condição de
ficarem privadas da fucceíTaÕ do Reino: ,, Sit ifta Lex in
„ fempiternum, quod prima filia Régis accipiat inari-
„ rum de Portugale, ut non veniat Regnum ad extrane-
„ os ; & li cafaverit cum Príncipe extráneo, non fit Re-
„ gina. „ 2.° Que o mefmo João das Regras reprova as
Convenções do Senhor D. Fernando , pelas quais paffava
o Reino para o de Caílella (») , como contrarias ás Leis
Fundamentais da Monarchia (o).

§. XX.

Contra a terceira obfervamos: i.°que Joaõ das Re-


gras faz menção das Leis Fundamentais, para impugnar
a dominaçaò de Dom Joaõ de Caílella por fer eftran-
geiro ( §. XI) , que como já diíTemos faõ as de Lamego
(§• XI): 2.0 que os outros argumentos, de que elle fe va-
leo, eraõ naõ fó políticos, mas neceflarios, e conclu-
dentes (p).
§. XXL

(«) Mon. Luf. liv. 22 cap. 59.


(0) Memoria de D. Joaõ I cap. 40 n. 273 in fin. (§. XI).
(p) J°aõ das Regras naõ tinha fó que perfuadir a inhabilidade
de D. Joaõ I , por fer eítrangeiro, mas também a illegitimidadc
do titulo, de que elle pertendia au£torizar-fe por cabeça de
mulher. O primeiro contcftou Joaõ das Regras , com a refiften*
cia das Cortes na fórma acima (§-XI). O fegnndo com as razões»
que deílruiaõ os pertendidos Direitos de Dona Brites , por fer
fi-
Parte II. Titulo III. 37

§. XXI.

Contra a quarta conhecemos: i.° que o mcfmo cfpi-


rit0
^e parcialidade ( P. I §. Xll not. o ) , que moveoao
Senhor Cardeal Rei a convocar Cortes, para obrigar os po-
Vos
, c o Duque de Bragança com juramento a aquiefeer á
ftntença dos Juizes, que elle nomeafle para decidirem a
quem pertencia a Corôa, tinha toda a força para fazer re-
putar em pouco as mefmas Cortes. 2.° Que cilas ie jul-
gavaõ calladas pela eleição do Senhor Dom Joaõ 1, como
íc prova pelo fentimento de Fr. Antonio Brandaõ , Au-
fíor Coévo, e pelo fado do Senhor Dom Joaõ III, de
pertender renovar o Capitulo das mefmas Cortes., que
obftava á lucceflaõ de eftrangeiros: o mcfmo Brand. I. 10
cap. 14 pag. i46. 3.0 Que a Vniverfidade de Coimbra
refpondera a favor da Senhora Dona Catharina, fundada,
nas Cortes de Lamego, como já vimos ( §. Xl-II ) referio
Dam. Gonet.
§. XXII.

Ultimamente contra a conclufao deduzida das rc-


fciidas objeçoes vemos: i.°que as Cortes de Lamego
podiao fazer duvidofa a fucceíTaõ do Senhor Dom Jo-
ão

filha atlulterina, e inceftuòfa , camo nafeida de D. Leonor , em


cc
'fe" primeiro marido Joaõ Lourenço da Cunha. Mem.
e
J03" I cap- 40 n. 268 pag. 205. A politica de JoaÕ das
egras o obrigou a infiftir mais neftes fundamentos, bem per-
«adido , que o Povo , pela affeiçaó que tinlia ao dito D. Joai)
'C Martella, o elegeria, fe naõ tivefíe outro impedimento , que o
as
Cortes; porque o mefmo Povo as podia alterar cm femtlhan-
tes c r
' cunítancias.
38 Direito Publico Portuguez
aõ IV{(])', e por iíTo naõ hc dc prefumir, que fe fizeíTem cm
femelhante tempo , em que fe pertendia vindicar o Direi-
to do dito Senhor. 2.0 Que Fr. Antonio BrandaS, eícre-
vendo no tempo de Filippe IV em 1630, refere o mo-
numento das Cortes, como coufá antiga. 3.° Que o mef-
mo Brandaõ, liv. 10 cap.14 Pag- 146, conta,que naõ ob-
ftante as ditas Cortes o Reino paíTava aos eftrangeiros,
porque ellas tinhaõ ceflado pelo interregno, e eleiçaò do
Senhor Dom Joaõ I, a quem fe naõ impôs alguma condi-
ção. 4.0 Que os cruéis caftigos, que fe davaõ áquelles,
que impugnavaõ a dominaçao dos Filippes, deftróem
toda a verofimilhança , c conjectura , de que naquelle
tempo houvefíe, quem fe animaíle a formar hum tal mo-
numento contra os Filippes (r). 5 ° Que a ignorancia da-
quelles
(q) As Cortes de Lamego chamaõ para fucceflfor da Coroa
ao filho, e ao irmaÕ do Rei, excluindo exprelTamente o filho do
irmaó do Rei, fe naõ for eleito. Ora o Senhor Dom Joaõ IV
naõ era filho , nem irmão do Senhor Cardeal Rei, mas feu fo-
brinho , como neto da Senhora D. Catharina , filha de D. Du-
arte , irmão do dito Senhor , podia entrar em duvida a fucceffaõ
do Senhor D. Joaõ, ou fe lhe feria neceífaria a eleição , e accla-
maçaõ, que delle juftamente fez todo o Reino no 1° dc- Dezem-
bro dc 1640 , ratificada nas Cortes de Lisboa de 24 de Janeiro
de 1641 , a pezar da violenta eleiçaó de Filippe II nas Cortes
de Tomar de 1581, por fer extorquida pelo terror das armas
Caftelhanas, audorizadas por huma fentença notoriamente nul-
la , por fer diametralmente oppofta ás expreífas Leis Fundamen-
tai?.
(r) Manuel Joze Leitaõ, no feu Traétado Analytico, Propof.
%. Dem. 3 p. 226, refere as horrorofas crueldades, e tyrannias »
com
Parte II. Titulo IIT. 39
quelles tempos nao permittc, que nos perfuadamos , que
entaõ houveíTc, quem fofle capaz, e tiveíTe a necefíaria
mRrucçau, para fabricar hum tal monumento, como as
Leis Fundamentais (j).
§. XXIII.
c
om que eraó lançados ao mar, no tempo de Filippe II, os Reli-
g'ofos, c Ecclefiafticos mais doutos , e virtuofos, que conJcmna-
vaó a ufurpaçaô dos Filippes. E o Exceli.mo Conde da Ericeira ,
n
a 1.» part. do Port. Re(t. pag. 36 , refere, que os caftigcs dos
1>ie fallavaó contra o governo eraõ tantos , que fe nao perdoava
n
eni aos Religiofos ; e que aquelles, que a tyrannia fuppunha de-
linquentes , eraó arrebatados de improvifo, e levados ã Torre dc
S. Giaó, donde os lançavaõ no mar ; fados elíes capazes de ator-
mentar os efpiritos mais fortes, e porillomefmo capazes de def-
perfuadir toda a conjeiílura, de que naquelles calamitofos tempos
liouvelFe, quem fe animaífe a formar hum monumento contrario
a dominaçaõ dos Filippes.
(j) Para fe inventarem , c formarem as ditas Cortes, he ne-
ceflaiio fuppor-fe nos feus A A. hum profundo conhecimento de
direito 1 ublico, e d Humanidades, para conhecerem o vinculo ,
e
auftoridade das Leis Fundamentais , e para faberem a fraze , e
cRilo vulgar da Naçaó naquelles tempos, para fe lembrarem da

nia'd a!'a cgislaçaõ


C n rma a
° ^ Çd ®aquelles
Senhor
tempos
I). ; Affonfo
ainda mefmo
Henriques
da particular*.
, da fór-
4 acha nas mefmas Cortes ; dos nomes d'algumas perfona-
ge.,b, em íim hum conhecimento de tudo , o que pertence ás BeU
as Letras, e Humanidades. Ora na P. I. Cap. V, §. XII de-
as
Prelecções ja moítramos , que os eftudos defta importantiffi--
nia fciencia tinhaõ decahido inteiramente era Portugal no tempá
dos Filippes.
40 Direito Publico Portuguez

§. XXIII.

Alem das referidas ponderações (§. XVII ), coftuma


lembrar, que naõ ha Audtor Coevo, que falle em feme-
lhantes Cortes, o que baila para as fazer fufpeitoías. Po-
rem efta lembrança fica deftruida pelo juramento, que o
P. Antonio de Faria ( §. IX) dêo, de as ter vifto no pro-
prio original. Efte Padre era homem de toda a probidade,
e literatura, e de tanta fé, que, fe elle fofíe coévo ás mef-
mas Cortes, a fua au&oridade naõ deixava fufpeitofa
a verdade delias,- logo também nao a deve deixar, quan-
do ellc affirma , que as vio no original, que vem a fer hu-
ma aíferfaõ coeva (/). E quais faõ os AA. Coevos Portu-
guezes? (u).
§. XXIIII.

Provada aílim a exiftencia das Cortes de Lameoro , dc


O '
que depende a forma, e conftituiçaõ da Monarchia (§. I),
por cilas mefmas fe moftra, que afórma, e conftituiçaõ
do Império Portuguez hé Monarchia Plena, Pura, Sim-
ples , e Independente , e Succeffivo-Hereditaria, como
paffamos a moftrar nos Capítulos feguintes.
C A-

(/) Corroboraõ efta razaó as conje&uras deduzidas da Bulla


dc Innocencio IV, as palavras de Joaõ das Regras ( §. XI ) , c a
copia antlieniica, incorporada no liv. Parco Efpim ( §. IX ).
(«) O Efcriptor Portuguez mais antigo, de que tenho noti-
cia, he Pedro Aladio, cem annos depois das Cortes em 1234, e
tra&a do modo de viver dos antigos Portuguezes. Acha-fe no
Cartorio de Alcobaça.
Parte II. Titulo III. 41

CAPITULO II.

F)a Forma, e Conftituiçao Monarcbtca, e Plena.

$. XXV.

X AE Monarchico aqueíle Império, cujo governo he


adminiftrado por huma íó peíToa, em quem fe acha jure
proprio radicado o Summo Império (a). Hé Plena aquella
Monarchia, cujo Monarcha exerce todas as partes inte-
grantes do Summo Império, fern outra norma, que a Lei,
°u preceitos naturais, e communs á Monarchia, confide-
rada indiílindamente (b).

$. XXVI.

O Império Portuguez he governado, e dirigido por


huma fó PeíToa, em quem jureproprio fe acha radicado o
Summo Império, fem que as Leis Fundamentais lhe pr-e-
fcreveílem limitaçaõ; fegue-fe, que o Império Portuguez
hé Monarchico, e Pleno, fem outra norma, que os pre-
ceitos naturais, deduzido da natureza da Monarchia, e
o m da fociaçaõ; ifto hé, a confervaçaõ do Eftado, ea
felicidade do feu Povo,

§. XXVII.
Contra efta fórma fe pôde difeorrer, que o poder le-
gislativo naõ parece ter fido proprio e privativo dos Mo-
F nar-

(«) Carl. Ant. de Mart. Pof. dc Jur. Civ. cap. II.


W Id. cap. t2.
42 D I REI TO PUBLI CO PoRTUGDEZ
narchas Portuguezes, mas dependente do confentimento
do Povo; como fe prova pelo vfo, e coftume de fe faze-
rem as Leis em Cortes, principalmente até o tempo do
Senhor Dom Affonfo V, o que parece fe confirma pela
omifiaõ, que de femelhante Deireito fe acha nos trez prin-
cipais Codigos da NaçaÕ, nos lugares em que propriamen-
te fe defcrevem os Direitos Reais; aflim como na Ord. Af-
fonf. liv.2. t. 23, na Manuel, t. 15 , e Filip. t. 24 -.dedu-
zindo daqui, que o Império Portuguez na fua origem
naõ fó eia limitado, e temperado, porem mixto.

XXVIII.

Porem, que pelo vfo, e pratica das Cortes, fe


nao prova, que o Império Portuguez meímo na fua
origem foi temperado, ou limitado, fe moftra i.° por-
que as Leis Fundamentais ("§.VI1I) naõ preferevem feme-
lhante forma : 2.° porque as Cortes dependerão fem-
pre do arbitrio dos Príncipes: (V) 3.0 porque cilas nao
tinhaõ

(c) Que as Cortes dependerão fempre do arbitrio dos Prínci-


pes , fe prova 1.0 pela natureza , origem , e fim das mefmas Cor-
tes : 2.° pelos eftabelecimentos, que em feu lugar fe formarão.
Moftra-fe i.° pela natureza, origem, e fim das Cortes. A falta de
Miniftros territoriais, e Locais, e de Tribunais, e Relações, que
havia em Portugal naquelles primeiros tempos, faziaó ncceflario,
que os mefmos Monarchas andalfem em correiçaó pelo Reino»
para fatisfazerem aos feus officios. Para cfte fim era precifo o
ajuntamento das Cortes , tanto para os Reis ferem informados t
como também para ouvirem os confelhos dos homens bons;
Dcd. Chron. P. 2, Divif. 12, §. 669 ; por meio dos quais po-
dei'
Parte II. Titulo III. 43
tinhaÕ voto algum diciíivo [d).

§. XXVIIII.

Illuílra-íe iílo com o exemplo de outras Monarchias,


cuja fórma era plena. Na divifaõ das Províncias, que os
Imperadores Romanos fizeraõ com o Senado, as que fica-
rão á parte dos Imperadores erao governadas pelos mef-
mos, fem concurfo algum do Senado. Entre as Provinci-
F 2 as

de fiem melhor preencher os feus dezejados fins; donde fe vê,


que eftes ajuntamentos na6 fe faziaÕ por alguma obrigaçaõ par-
ticular, nafcida da fórma do Império , mas pelo mero arbitrio
dos Princepes , regulado pelas regras da prudência , e da razaõ(§.
XXVI). Moítra-fe 2.° pelos eftabslecimentos, que cm feu lugar
fe formaraó. Em lugar , e fupplemento das Cortes fe inílituiraó
vários Tribunais , e Relações, e fe eftabelecerao muitos Magi-
ftrados Territoriais, e Locais, pelos quais os Monarchas dividi-
rão o exercido do Summo Império, Ded. Chron. loc. citat. Ef-
tes Tribunais , Relações, e Magiftrados, hé certo , que naÓ tem
•ruis Jurifdiçaó , que a delegada , e dependente do mero arbitrio
os Princepes; logo as Cortes, em cujo lugar foraó inftituidos
os differentes Tribunais, e Magiftrados, naò tinhaó autoridade
própria, e dependiaõ do mero arbitrio dos Monarchas.
V) Aflim fe prova naõ fó das Cortes, que refere a Ded.
ron. P. i, Div. 12 , num. 52 , mas de todas as outras , que fe
tem defcoberto; nas quais fe vê decidirem os Monarchas muitas
vezes contra o voto das mefmas Cortes. O feu voto era vnica-
thente confultivo. A mefma razaó natural eftá perfuadindo a vti-
1 a c deflcs confelhos ; os mefmos Imperadores Romanos, cú-
jo mperio era pleno, exigiaõ a neceflidade do confelho para

bUs°rmaÇaÕ daS fu3S Leis


' como fe vé
da L. 8, Cod. de Lcgi-
44- Direito Publico Portuguez
as Imperatorias forao as Hefpanhas (fj.em as quais por
confcquencia tinhaõ os Imperadores hum Império pleno;
comtudo nós vemos os mefmos Imperadores convocan-
do Cortes nas Hefpanhas, como fez Adriano na Cidade
de Tarraco, no anno de Chrifto 119 {/). Vemos também ,
que fendo o Império Romano , no tempo dos Imperado-
res Theodozio e Valente, pleno, naõ queriaõ elles pro-
mulgar alguma Lei fem o confelhodos Magnates , L. 8.
Cod. de Legib.; e o mefmo refere Julio Capit. do Impe-
rador Março Aurelio.
§. XXX.
Provado a (fim, que o Império Portuguez, nao obftan-
te oufo das Cortes, fempre foi Monarchico-Pleno, já fica
provado, que elle nunca foi Mixto*ou Monarchico-Da-
mocratico (g).
XXXI.
O ufo das Cortes, quando foíTe autorizado peia for-
ma da Monarchia, huma vez que o feu voto fofíè unica-
mente confultivo ( §.XXVIIl;,naõ alterava a conftituiçaÕ
Monarchica-Plena ,• mas fó temperaria ,e limitaria a ple-
nitude da Monarchia, em quanto ao modo do exercício
da
(e) Per. Apparat. Jur. Publ. Hiíp. liv. 2, cap. 3, n. 17.
(/) Vafeu in Chron. Tom. 1. da Hefpanha illuftrada: Adria-
vas cum Tarracone bybtrnaret, %ua Hifpanos omnes ad cinventurt
*vocarat.
(g) Monarchico-Democratico fe diz aquelle Império cuja®
partes potenciais fe achaÕ unidas no Rei, e no Povo, e cuja uniaó
confere ao Povo o voto deciíivo: ora as Cortes de Portugal já ma-
is tiveraó outro voto, que o confuítivof §.XX VIII not. c), fegue-
fe , que o Império Portuguez nunca foi Mixto, ou MenarchicQ-
Democratico.
Parte II. Titulo III. 45:
da Suprema Jurisdição (b), o que fe prova pela fórma de
muitas Cidades, cujo Império he Monarchico-Pleno, na»
obftante a audtoridade confultiva das Cortes, eftabelecida
pelas Leis Fundamentais.

§. XXXIL

Os Godos , cuja Monarchia fem duvida era Plena (/],.


fàziaõ as fuas Leis em Cortes; os íeus Codigos eraõ feitos
nos Concilios Nacionais (l). E hé notável o coníelho, que
Eu
(h) Vetriario Inft. Jur. Nat. liv- i , cap. 3, q, 45 ; Per. Ap-
P^r. Jur. Pub. Hifp. liv. 2, cap. 6, n. 43. Daqui vem, que os
a&os praticados em tais circunílantias, com exclufaõ das Cor-
tes , naô fa6 nullos, Pufendorf. Jur. Nat. & Gent. liv. 3, cap. 6 ;
porque efta fórma naõ refpeita direitamente a faculdade , ou Su-
prema Jurifdiçaõ , mas fó o feu exercido, em quanto ao modo.
(') Per. App. Jur. Pub. Hifp. liv. * , cap. 6.
[') Per. App. Jur. Pub. Hifp. liv. 2 , cap. 6 , num.20, & fcq;
omaf. de Ecclef. Difcip. p. 2, liv. 3, cap. 5, num. 10. O mef-
Cod. Gòthico- foi compilado no Concilio lVde Toledo do
nno de 633 , p0r autoridade d'ElRei SiJenando ; foi confirma-

dos"? ri C°"CÍHo de Toledo por Flávio Quintila XXVII Rei


cap. i°9» °S ! epois foi3nnovamente
* 630 ' R°drcompilado
'S- Bolet- de reb Hif
-
com fuas P- li*- 2,
alterações
nos Concílios VIII, XII ee w/t j t 1 » ó
c j- . ' A VI de Toledo ; por quanto Rec-
. '10 ^ ^e' dos Godos noanno 70 de feu Reinado mandou
Um 0nC
fefíkõT
a '/'°deCm
o qual,^depois Toledo
recitar , que
huma foi oou
oraçaõ VIII, na Real,
fedula primeira
de^
rminou , qUe aquelle Concilio executafTe todos os pontos con-

e , ^ n.° Crnoria
l. ou Plano, que aprefentava, exhortando
m S
EUiidr °u "ar"Studo
os del
'e a todos
0 ue
os Bifpos , que traítaflem fe-
'^ ' 1 Ih" pareceire conveniente ao culto
di»
$5 Direito Publico Po rtuguez

Eurico VI Rei dos Godos deo a feu filho Alarico : Que


amajje a Deos, ohfervaffe os feus mandamentos divinos , e hon-
raffe a feus /agrados Minijiros; acfine Procerum conjilio nihil
arduum tentai et (;//).
§. XXXIII.

divino , e governo dos feus citados , dando-lhes auétoridade para


expurgarem, interpretarem, fupprimirem , e declararem todas
as Leis dos feus PredeceíTores, o que elle mefmo tinha executado,
para refrear a liberdade dos crimes. Luc. Tud. Chron. Mund.
an. 686. Pad. Hift. Eccl. Cant. 7. cap. 52.
Flávio Ervigio fendo eleito Rei dos Godos , logo no primei-
ro anno convocou outro Concilio em Toledo , que foi o XII»
110 qual depois de reftringir, declarar, e abrogar varias Leis, de-
terminou, que nefte Concilio fe compilafllm, reformadas, todas as
Leis dos feus Anteceilores, omittindo-fe as que naÓ eraõ confor-
mes ao génio da Naçaõ, principalmente as d'ElRei Wamba, que
o mefmo Ervigio revogou. Id. Pad. fup. cap. 57 , Marian. dc
reb.Hifp. tit.6, cap.17. Egica XXXIII Rei tios Godos no6 an-
ilo do feu Reinado congregou outro Concilio em Toledo, que foi
o XVI, em que mandou, que fe cxecutaíTe inviolavelmente
aquelle Artigo incerto no Plano , que lhe aprefentava, dc re-
formarem com fumma diligencia todas as Leis, abufos , e corru-
ptellas , que impediaõa boa adminiftraçaÓ da Juftiça, e que com-
pilallem fyftematicamente aquellas , que julgafiem importantes.
Nefte Concilio naó fe acha Decreto algum tocante a efta maté-
ria ; porém Luitprand, Chron. ann. 673 , e Jeron. Arguer. i"1
Not. ad Luitprand. affirma, que elles fe perderaô pelas injurias
do tempo, ou que foraõ arrancados, eTeparados das Actas per-
tencentes á Fé, e coílumes.
(m) Joan. Magn. Hift, Goth. liv. 5, cap. 26 ; Per. fup. liv-
2, cap. 6, n. 25.
P ar t e II. Titulo. III. 47
§. XXXIII.

Os Reis de Leaõ, cujo Reino era igualmente Monar-


chico-Pleno, depois da vindicaçaõ das Heípanhas da in-
jufta dominaçaõ dos Árabes ,eraõ obrigados a ouvir o con-
celho de doze homens fabios («), e coftumavaõ ouvir as
Côrtcs, principalmente até o tempo d'Aífonfo XI. (0)
Confervando ainda prefentemente feus fucccííòres, Reis,
de CafteMa o coílume de convocarem Côrtcs nos cafos
mais árduos [p).
§. XXXIIII.

Nem obfta a omiflaõ , que do poder legislativo fe acha


nos Codigos da Naçaõ ( §.XXVII) , porque fabemos, que
a fonte da Ord. Affonf. liv. 2 tit. 23 , de que foraõ ex-
trahidas as pofieriorcs Compilações, he principalmente o
cap. vnico Fceud. lib. 2 tit. 66, Quce fint regalia [q)r
no qual o Imperador Friderico I declarou, naõ quais eraõ
os
(«) Leis Fundamentais de Navarra §.4. Veja-fe Per. Appar.
u
J r. Pub. Hífp. liv. 2, cap. 12 ; Moral. liv. 13 Hift. cap. 2.
(«) No anno de Chrifto de 1020 Affonfo IV convocou hu-
mas Cortes Nacionais , na Cidade de Ouviedo , em que refor-
mou as Leis Gothicas. Marian. de reb. Hifp. liv. 8 cap. 2. No
anno de 1348 Artonfo XI convocou Cortes em Compoltella,
1ue ^ora" publicadas as Leis das fctte Partidas, como fe vê
da
L. 1. Tauri.
(P) Id. Per. liv. 2, cap. 15 , liv. 6 tit. 9 p. 2.
^ (?) O Senhor D. Duarte encarregou ao Douto r Rui Fernan-
s. que confultando as Leis Imperiais , e outros Direitos , de-

liu" F qU3ÍS °S Direitos Rea'S-Ord. Affonf. liv. 2 §. 27; e


rnan es

¥e ,1
d *; ^ ^ ^rvio principalmente deite Capitulo , como fe
a f analogia.
ua
4$ Drr*ito Publico Portuguez
os Direitos Mageftaticos , mas os annexos aos feudos; e
que nas Cidades da Italia, como feudatarias, lhe compe-
tiaõ (r). Os Compiladores das nolTas Orden. fem adverti-
rem no objeâo da ConftituiçaõFridericana paffarao a de-
duzir delia os Direitos Reais, ou Mageftaticos, que com-
petem aos Reis de Portugal.

§. XXXV.

Que o fim dos Compiladores naõ foíle deferever os


Direitos Mageftaticos inconteftaveis, quais o de legislar, fe
prova pela omiíTaõ, que delle fe confervou nas pofteriores
Compilações; tempo, em que já as Leis naõ eraõ feitas
cm Cortes , aífím como naõ foi o Codigo AíFonf. ( P. T.
Cap. II §. III )t em que fe acha originalmente efta omif-
faõ.

CAPITULO III.

Da Fófrna, e Conjliluiçao Hereditária*

§. XXXVI.

As Leis Fundamentais da Monarchia (§.VIII), de que


depende a fórma íucceíTiva dos Impérios ( §.VII), expref-
famente eftabelecem a fuccelfaõ Legitimo-Hereditaria;
mas na linha tranfverfal reftridta os irmaõs do Rei: porem
pela revogaçaõ, que nas Cortes de Lisboa fe fez do artigo»
que obftava á fucceíTaõ do filho do irmaS do Rei ( §. Xl^
num 2.° ), ficou efta fendo regular , e abfoluta.
§. XXXVII.

(r) Sextia. de Regai, in Procm. num. 5.


P A R T e II. TITULO III. 49
§. XXXVII.

Os Portugnczes no cftabelecimento da fórma Legitimo-


Hcreditaria feguiraõ o coftume das Hefpanhas , obferva-
do
naquclle tempo (j) ; e pelo qual o Senhor D. Aftònfo
Henriques tinha fuccedido no Reino (í).
G XXXVIII.
(s) AíFonfo V foi o vitimo Rei dc LeáS, que fúcíedeo no
império por eleição do Povo, deforte, que feu filho D. Fer-
nando I , c feu neto D. AíFonfo VI , fuccederaõ no Reino por
titulo de (ucceiTaõ ; cujo titulo foi tacitamente approvado pelo
ovo , em quem até alli reíidia o Direito da eleição , pois que
aquicfccrao fem hefitaçaõ áquellas fuccelFões , podendo aliás
renuir , como fez no tempo d ElRei Ramiro I , em que perten-
dendo eíle eflabelecer a devolução do Império por titulo de fuc-
ceflaõ, o Povo continuou a eleger os feus Monarchas. Peres
App. Jur. Publ. Hifp. liv. 2, cap. 21. Muitos Hiftoriadores
Hefpanhocs fe perfuadem , que o modo da fucceíFaÕ Legitima
do Rei de Hefpanha traz a fua origem das Leis Fundamentais
a Monarchia , eftabelecidas por Pelagio, Duque de Cantabria
no Val de Cangas, cujas Leis fe achaÓ tranferiptas nos Códi-
gos manufcriptos dos foros gerais de Navarra liv. 1 , tit. 1, cap.
1
> mas prefeindindo deíla opinião , que muitos conteílaõ, hé cer-
to, que no tempo de AíFonfo VI, Rei de LeaÓ, fe achava efta-
belecido eíte coftumG.
(') O Reino de Portugal , ou fcfíe defdc o tempo do naíei-
d ento do Senhor D. Atíonfo Henriques, 011 logo defde o tempo
^ ' oaçaó c do cafanicnto da Senhora D. Tarefa com o Conde
^ Henrique , conferido ccm o Direito de Soberania livre , e in-
dependente , 0 qile naõ h- do nojíb „bjea0) e fe póde yer ;n
. J u| • Lufit. Pafch. Jof. Mel. cap. 5 §. 34. e fe-
1C cert0
ç,' " ' qnc foi doado , fem fc lhe preferever algu-
orma particular de íucceiFaõ ; e por confequencia com a
mefma -
50 Direito Pubuco Portuguez

§. XXXVIII.

Deites princípios fe vê , que os Senhores Reis de Por-


tugal íuccedem no Império por Direito de SucceflaÕ Le-
gitimo-Hereditaria, firmado , e efiabelecido nos coftumes
das Hefpanhas, nos pados , ou Leis Fundamentais da
Monarchia, e independentemente da nova eleição do Po-
vo, e de nomeação de feu Augufto Antecefior.

§. XXXVIIII.

Em confequencia defles principios he certo, que nem


os Reis, nem o Povo junto com elles podem privar da
íucceílao do Reino ao Princepe nafcido, c chamado pe-
las Leis Fundamentais • porque defde aquelle inftante ad-
qui-

mefma natureza de fuccefiaõ Legitima, que entaõ tinha o Rei-


no de Leaõ (not. fupra). Por ette único titulo fuccedeo o Senhor
D. Affonfo Henriques no Império, porque nem o Exercito no
Campo de Ourique , nem as Cortes de Lamego , nem o Santo
Padre Innocencio II lho conferirão. Naó o Exercito , porque
efle naó tinha os Direitos Mageftaticos , em confequencia dos
quais elle o tinha congregado; naó as Cortes , porque antes del-
ias já elle era Rei com o exercicio dos Direitos Mageftaticos.
O Senhor D.Affonfo Henriqvies já no anno de 1125 era Sobera-
no , como fe prova pelo faflo delle fe armar a fi mcfmo Caval-
leiro na Cathedral de Samora, Brand. Mon. Lufit. liv. 16 , cap>
6; o que fegundo as Leis Fundamentais de Pelagio (§.XXXVII)
not. í)era privativo dos Soberanos, como fe vê das mefmas Leis
§• 8. ibi. Pçr entender , que ningun otro Rey terrenal nó aja poder
fobre eill, enigaje eill mifmo fu efpada , que es á femejant <>e
«•az. NaG o Sanálo Padre pelas razoes , que ponderaremos no
Cap. V §. LIV, e feguintes.
Parte II. Titulo III. 51
quirio toda a Real Defcendencia Direito á fucceíTaõ do
Reino, de que naõ pódc fer privada fem o feu confenti-
m
ento: principio efte , que ainda mefmo nos direitos in-
feriores conhecerão os Romanos na L. 3 íf. de intçrd. &
relegai.; e quanto mais naquelics, fuperiores a toda a ju-
rifdiçaõ humana (//).

§. XXXX

Deíles mefmos princípios fc moftra, que a Inaugura-


ção , Acclamaçaõ , e Coroaçaõ , com que os Monarchas
R0rtugue7.es faõ lblemnemente invertidos na pofle do
Império , lhe naõ conferem o Poder Mageftatico. Elles o
íecebem defde o momento fatal da morte de feus Prcde-
ceiíbres: dèfdc efte inflaiite todos os vafíallos lhes faõ to-
jeiros pelos pactos de feus maiores, que elles reprefen-
táS, e pelos feus proprios pactos tácitos , pela continua-
ção na Sociedade, que feus maiores fundaraõ. O Império
fe transfere aos Princepes ipfo jure-, a Acclamaçaõ, e Coro-
ação fervem vnicamente de publico teftemunho do reco-
nhecimento da Soberania,de folemne ratificaçaõ dos an-
tigos Diieitos, e de alegre demonítraçaõ do contenta-
lento dos I ovos, obfervada em todos os tempos (*)•

O'2 C A-

^ ' ei,u'* 'n Apol. cap. ^6, Eybel de mut. indeb. liv. I.
Ca
P- 3» §• 9^ not. in fin.
^ (*) Os antigos depois de terem eleito os feus Monarchas , os

de 'cnlauui a l°do o Povo; e para demonflraçaó do fupremo po-


eft3í CC'"ecit,0;
e tln 1aí rece
' varios
' bido em virtude da antecedente eleiçaô , craõ
ar ' ritos, c varias ceremonias ; e os Reis eraõ
ados de varias infignias: como entre outros elcrevo Alexan-
dre
52 Direito Publico Portuguez

CAPITULO IV.

Da Regencia, c Tutoria dos Senhores Reis de Portugal.

§. XXXXI.

Omo nas fuccefsões hereditárias acontece muitas ve-


zes devolver-fe o Império a hum Princepe de idade in-
com-
dre ab Alexandro liv. i. cap. 28. Entre eíias ceremorias a mais
commum, e principal, era elevatío in ailum. Os Godos por hum
coitume, que dos Gregos tinha paliado para os Romanos , e de-
ites para os mefmos Godos , obfervaraó nas Hefpanhas eíies mefr
mos ufos. Os feus Reis .depois de ferem eleitos pelos Eftados da
Naçaó , e terem recebido o poder fupremo , e preílado o juramen-
to dc manterem cm paz o feu Reino , eraó levantados more helli-
co em hum efeudo fobre os hombros dos Soldados , aonde todos
com as efpadas nuas os acclamavaó , como refere Caífiod. liv. t
epift. 31; cujo coftume durou até o penúltimo Rei o impio Wi-
tifa ; mòfirando-fe aílim pelo efeudo a protecção dos Príncipe»
para com os feus vaifallos ; e pela elevaçaó a fua Soberania , e a
obediencia, e fujeiçaódos vaflallos para com feus Príncipes. Peri
Appar. Jur. Pub. Hifp- liv. 2, cap. 20, n. 21. Eíle curtume com
pouca alteraçaÕ fe foi confervando ainda depois da eleiyaó dc Pe-
lagio , como fe vê das Leis Fundamentais , que entaó fe ellabc-
leceraõ , que ja referimos (§. XXXVII not. s ).
Eites ritos, e eftas ceremonias eraó praticadas, depois dos Rei*
eleitos terem recebido o Summo Império , e dado o juramente
fobre htima Cruz , e os Evangelhos , de governarem em paz . e
juftiça como fe vê da mefma Lei fundamental de Pelagio. Etfe
coftume p.affou para as Hefpanhas, e fe prefume , que delle tra®
a fua origem a quebradella dos efeudos, de que fe ufa em Poru1'
gal
PARTE II. T i T U l O III. 53
competente para o exercido do Império, aflim como al-
gumas pôde fucceder, que o Rei feja privado do entendi-
v men-

§a' , e Caftella pela morte tios Reis. Paliados porem alguns tem-
P°s » c°tno pcnfaó alguns Hiftoriadores Hcfpanhoes, depois que
0
Reino de Leaó fe devolve» por fuccelfaõ , o que fuccedeo def-
ce
' Affonfo V , fe naõ ufou mais levantarem-fe os Reis fobre os
efeudos , mas em lugar defte rito fe pôs em ufo o da Acclama.
Vaõ , e de levantar-fe o Pendaó , ou Eftandarte Real 11a Corte ,
Cioades , e Villas principais dos Reinos. No Reino de Caftella
0
I rincipe das Afturias he , a quem compete indubitavelmente a
JuccelFaõ do Reino, e como tal , logo que nafee , he jurado , e
reconhecido Legitimo Succeífor pelos Eftados do Reino ; mas if-
ío naõ obftante ainda hoje fe conferva inalteravelmente o co-
ílume de fer acclamado folemnemente , como em confirmaçaô
da fé antecedentemente dada. Per. Appar. Jur. Pub. Hifp. liv.
2, cap. 2o, num. 28. Das Heípanhas paffoupara o nolTo Reino o
coílume d Acclamaçaó , de que hoje fe ufa , confervaódo femprs
a mefma
natureza , que a de Hefpanha.
Alem deftas ceremonias haviaõ outras muitas notáveis , que
raõ a Coroaçaõ dos Reis, e a Unçaõ fagrada feita pelos Bifpos.
3 CCr m a c a un
^ ;an°"' '
nas na
Çaõ
deduzida dos Reis de Ifrael , praticada
' ' peífoa d'ElRei Wamba 110 anno de 675 ,
ito^anus,que em 1"rança fe praticalíe com EIRei Pippino no
« nno c.c 752 , fe ficou continuando nas Hefpanhas; pois confia,
que Affonfo VII , V1II , c XI faraó «agidos. O mefmo Per.
cap. num 18. Em Portugal naõ confia , que algi im dos
e S ufaffe
s ' defta ceremonia. O Senhor Cardeal Rei impetrou da
Apoftolica htima Bulla para ferem ungidos os Reis de Por-
gal , mas naõ teve ufo. Os Hiftoriadores Hcfpanhoes referem ,
^ ic: eftes ritos foraõ Vnftituidos , para que os Povos como re-
Peito da Religião demonftrada na UnçaÔ, e Coroaçaõ pelos Bif-
pos ,

\
54 Direito Publico Portuguez
mento, c por iíTo inhabil para continuar no exercido do
fupremo poder , he fem duvida , que fe lhe devem efta-
belecer Regentes , e Tutores , para exercerem por elle os
Direitos Magcflaticos ( y).
§. XXXXII.

As Regencias , ou Tutorias dos Impérios fórrnaõ par-


te da conítituiçaõ dos mefmos ; porque o feu objeiflo he
o pleno exercício do poder fupremo, c devem fazer igual-
mente parte das Leis Fundamentais, e fao nellas com-
prehendidas tacita , ou exprelfamente. Daqui vem que
nos Impérios, cuja fucccíTaõ he Icgitimo-hereditaria, fao
Re-
pôs , fe contivelfem mais firmes na obediencia ; porem que , ao
palio que a fidelidade dos Hefpanhoes fe reconheceo firme, cef-
fou efle ufo. Os Decretaliftas , aproveitando-fe das menores cir-
cunftancias para eftabelecerem o poder da Igreja fobre o tem-
poral dos Reis , fe apoiaó deftas circunílancias. Fleur. DifT. fo-
bre a Hiíh Ecclef. Difc. 3, n. 1. Porem he certo, que eftes ritos
nada influiaó para a acquifiçaó do Summo Império , e que naó
paífaó de íimples folemnidade , dependente do arbítrio dos Prin-
cepes ; porque nada tem de efpiritualidade , como ja moítrou o
Dcfembargador Joaõ Alves da Colla. Vid. Eyb. Jur. Ecclef. tit.
4 liv. 2 cap. 5 de Ordin. Cler. §. 229 nota **. Arbes. Juris-
prud. Nat. cum Chrift. eol. exerc.
0) A menoridade naõ prejudica os Direitos da fucceflaõ,
affim como ademenria naó tira os Direitos do Império legiti-
mamente adquiridos. Do exercício dos Direitos Mageftaticos he;
<le que unicamente faõ privados os menores , e os dementes, e
balia efta privaçaó para fe removerem os prejuízos, que pode»1
refuliar ao Efiado , deferindo-fe interinamente o mefmo exerci-
cio a pefToas dignas. Eftes faó os fentimentos, c efta he a pra-
tica das Nações civilizadas.
Parte II. Titulo III. 55
Regentes legítimos tacitamente comprehendidos os im-
ttiediatos fucceffores da Coroa (a).

§. XXXXI1I.

As primeiras Leis Fundamentais de Portugal naõ tra-


ftaraõ exprcíTamente defte objedto; mas como nellas fe
eftabelelece a fucceíTaõ legitimo-hereditaria, ficaõ fendo ncl-
las comprehendidas as Regencias legitimas ( §. XL1I
n
°t- «).Nas tutorias teftamentarias, e dativas adoptaraõ os
noíTos maiores o Direito Romano , c o coftume das Hef-
panhas, declarado nas Leis das fette Partidas liv. 3 tit. 1 5
partid.2 (b), até que efte objeiíto veio a regular-fe expref-
ía-
(«) O fim porque na conílituiçaõ legitimo-hereditaria , fe
defigna huma família para Imperante, he para ter a Naçaó prom-
pto naquella família defignada quem lhe adminiftre , e exerça
os Direitos do Império. Ora naÓ fendo outro o fim da Re-
gência , he claro , que efta he comprehendida na mefma defigna-
Çao • e em confequencia , que cila fe devolve ipfo jure ao Prin-
c
pe immediato fucceflor , fendo hábil , a (fim como fe lhe de-
volve a Soberania por morte do Imperante. Vid. Henr. de Coe.
Hll
S- Grot. Kv. , cap. 3 §. I5.
(*) Ja os Senhores D. Affonfo II, e D. Sancho II difpuze-
^ -n icíiamento das tutelas de feus filhos , nomeando-lhcs Tu-
°rcs , ou Regentes para governarem o Reino , em quanto os fi-
os fucceUbres naó foflem capazes do governo. O Senhor D.
"'Ttc nomeou por Curadores do Princepe D. Affonfo ao»
n antes D. Pedro, e D. Henrique. O Senhor D. Joaó III
nomeou a Senhora 1). Catharina per Tutora de (eu neto o Se-
or D. Seba,lia5 , em quanto folTe menor de 20 annos. Soufa
01n
- i»n. x9. Vid. Pafch. Jofeph. Mel. Inftit. Jur. Civ. Luf.
tit.
56 Direito Publico Portuguf. z
lamente por huma Lei Fundamental, eftabelecida nas
Cortes de Lisboa, e publicadas pelo Senhor Dom Pe-
dro II na L. de 23 deNovembro de 1674.

§. XXXXIV.

Nas referidas Cortes fe fixa a idade de 14 annos pa-


ra os Princcpes entrarem no exercício do Império , íem
diftinçaÕ de fexo (c) , e fe eftabeleccm as regras para a
Regência, e Tutoria na menoridade, e demcncia do Reis,
ou outro legitimo impedimento. As Regras fa5 1 ° o Rei,
( e em feu impedimento o Regente jurado íucceflbr do
Reino ) (d) pode nomear Tutor, ou Regente cm tefta-
mento, 011 por eferiptura. 2.0 Na falta deita determina-
naçaõ fe devolve a Tutoria, e Regencia á Viuva, Mai
do íucceflbr menor, cm quanto fe coníervar ncfte efta-
do. 3.0 Na5 ficando Mai, ou caiando efta , íaõ Regentes,
ou

tit. 9 §. 22 not. Temos igualmente muitos exemplos das Regen-


cias dativas dadas pelas Cortes: i.a a do Senhor 1). Affonfo III
pela injuítíííima, e efcandalofiffima dethronizaçaó do Senhor D.
Sancho II por Ir.nocencio IV ; 2.° a Regencia do Infante D.
Pedro Duque de Coimbra, na menoridade de feu Sobrinho o Se-
nhor D. Affonfo V; 3.® a Regência do Senhor D. Pedro II feita
cm Cortes, por caufa da execranda dcthronifaçaó do Senhor D-
Affonfo VI.
(r) Limita-fe 11a filha , cafatido antes dos 14 anno«.
(d) Neila Lei le fuppõe o legitimo , e immediato fuccef-
for ( que fe comprehende no mefmo efpirito do Regente jura'
do ) Regente legitimo ipfo jure , por iilo que fuppondo-o
fadlo Regente , c até a viuva deite , nada determina a lefpei'0
deíla Regencia , e ló daquelles, em que podia haver duvida.
P A R T E II. Titulo III. 57
ou Tutores finco Confelheiros de Eftado, mais antigos
no exercício , entrando precifamente nefte numero hum
dos Prelados Ecclefiafticos , dos que forem Confelheiros ,
c mais antigo entre os mefmos Prelados , pofto que mais
moderno que os outros Confelheiros .; e na falta do Pre-
lado Confelheiro deve entrar o Inquifidor Geral, fendo
fagradoj e naõ o fendo, o Arcebifpo de Lisboa ; e na fal-
ta deites o de Braga , ou Évora , o que for mais antigo.
4-° Havendo Infantes, irmãos do Rei, ou do Príncipe ju-
rado, por morte de cada hum deftes fera Tutor o mais
velho dos Infantes, juntamente com os ditos Confelhei-
ros , que teraõ fó voto confultivo; excepto nos cafamen-
tos dos Princepes fuccefíores, na deliberaçao da paz, trc-
goa, liga, ou alheaçaõ de parte do Eftado, em cujos ca-
fos fe deve decidir pela pluralidade, ficando.ao Infante a
decifaõ em cafo de empate.

CAPITULO V.

Dà Independência de Portugal.

§. xxxxv.

'"dependente aquelle eftado , que naõ he obriga-


do a render vaflallagem, a pagar algum tributo, ou á
preftar algum direito feudal a outra Potencia (e). O Rei-
^ • II no
(') Naõ traâamos da Independência a fuperioritale , porque
efla he eífencial a todo o Suinmò Império ; mas daquella , que
«e compatível com a Suprema Mageftade, qual a referida. Grot.
J»J. bel. & pac. Jiv. 1 cap. 3 §. 23 , & ibi Coe., Carol. Ant.
arU I>oíit
» de Jur. Civ. cap. 3 §. 65 fe<j.
5^ Direito Publico Poutuguez
no dc Portugal nem foi, nem he obrigado a render alguns
deites officios y fegue-íè , que elle he Independente (/}.

§. XXXXVI.

Prova-fe efta independencia, i. pelas me (mas Cortes


de Lamego nas palavras: „ Vultis, quod Dominus Rex
„ vadat ad Cortes Régis de Leone, vel det tributum illi,
„ aut alicui perfonas for Domini Papas , qui illum Re-
„ gem creavit. Et omnes furrexerunt, & fpatis nudis in
„ altum dixerunt: Nos liberi fumus, Rex nofter liber efíy
„ manus noftríE nos Iiberaverunt, & Dominus Rex, qui
„ talia confenferit , morietur ; & fi Rex fucrit, non re-
„ gnet fuper nos: 2.0 pelos Diplomas dos Senhores D;
Diniz, D. Affonfo IV, e D. Pedro I, em que fe intitulao
Monarchas Independentes: 3.° pela proteílaçaõ de Egí-
dio Martins, e Pedro Valafco, Embaixadores do Senhor
D. Joaõ 1110 Concilio de Conftança , e fe acha incorpo-
rada na SeíT. 22 do mefmo Concilio, 11a qual fizeraõ ver,,
que os Reis de Portugal eraõ independentes (g); 4.0 pe_
los Diplomas dos Senhores D. Manuel, e D. Joaõ IV, c
do

(/) Exceptuamos o Reino do Algarve, que algum tempo fo»


obrigado a fervir com 50 lanças a D. Affonfo o Sabio de Ca-
rteia pelo Senhor D. Affonfo III de Portugal, de cujo feudo
foi abfoluto , pelo mefmo D. Affonfo o Sabio , o Senhor D»
Diniz , feu neto.. Erand. Mon. Luf. liv. 8, cap. 10, pag. 22-
(?) Protefío efte, que os Embaixadores fe naó atreveriaó fa-
zer á face de taõ refpeitavel Affemblêa, comporta de muitoí
Bifpos Hefpanhoes , fe a Independencia de Portugal naó (oSSf
manifcfta. Vid. Dcd. Chr. P. 6,Dem. 6, §. 5..
PARTE II. Titulo III. 55
do mefmo D. Filippc nas Leis confirmativas das refpc-
ítivas Ordenações.

§. XXXXVII.

Vários argumentos fe coftumaõ propôr contra a Inde-


pendência de Portugal por parte de Caftella, c da Sc
Apoftolica. Por parte de Caftella fa5 : i.° que o titulo dc
Doaçaõ , porque íe defmembrou o Reino de Portugal do
de Leaõ , foi nullo, por naõ fer auctorizado pelo confen-
timento dos Povos de Portugal, c LeaÕ, cujos direitos de
uniaõ nao podia dilTolver D. Affonfo VI pela lua parti-
cular auctoridade ; o que elle mefmo reconheceo na re-
união, que fez das Hefpanhas contra a divifao dc feu pai
D. Fernando I; 2° porque a mefma Doaçaõ foi feita com
obngaçaõ de vaflallagem , como fe prova pelo fado de
ir ás Cortes de LeaÕ o Senhor D. Henrique; e pela Car-
ta de D. Affonfo VI, eferipta ao mefmo Conde, lobre a
queixa do Bifpo de Coimbra, pela falta da Villa de Vopc-
liares, pertencente ao Morteiro da Vacariça; e pela ordem
que o mefmo D. Aftonfo mandou ao referido Senhor D.
Ienriquc, para nomear Arcebifpo dc Braga; Brand.
on. Lu(. liv. 8, cap. 9, pag. 1 8 : 3.0 porque as mefmas
palavras das Côrtes de Lamego: „ Vultis, quod Rex va-
at ad Còrtes Régis de Leone , vel det i!li tributum ? „
TOoftiaÕ, que a Doaçaõ de Portugal tinha fido feita com
0
ligação de irem os feus Monarchas áquellas Côites,
c pagarem tributo ao Rei de Leaõ : 4.° porque D. Affon-
fo VI reconhecia tanto a vaffallagem do Senhor D. Af-
orifo Heniiques , que íe queixou ao Papa Innocencio II
c
elle tomar o titulo de Rei, fendo feu vaffalio : 5.0 que
H2 o Se-
6o Direito Publico Portuguez
o Senhor D. AfFonfo Henriques, fendo prezo- por D. Fer-
nando em Badajós, fe lhe fizera feudatario.

§. XXXXVIII.

Na5 obfta porem o primeiro argumento : r.° por-


que efte argumento he mais contra a legalidade do titulo,
do que contra a independencia de Portugal; e de cuja
illegalidade fe nao pôde fazer argumento para a depen-
dencia : i.° porque as triftes circunflancias, em que as
dilferentes Províncias das Hefpanhas fe achavaõ debai-
xo do tiranno jugo dos barbaros , e de que os Reis de
Leão nao podiaõ liberta-las, permittiaõ a cada hum dos
Povos procurar a fua falvaçaõ por qualquer meio, que
foífe , ainda mcfmo com a total defuniaÕ das outras Pro-
víncias {h) : 3.° porque fendo as Hefpanhas revindicadas
por jufta guerra pelos Reis de Leaõ , ellas, fegundo as
doutrinas daquelles tempos , comprovadas pelos confian-
tes fados.de muitos Imperadores, podiaõ dividir-fe, e
doar-

{h) Direito , que lhe competia pelo eftado de collifaõ , em


que fe achavaõ aquelles Povos , e pela falta de officios das outras
Províncias.- Direito, que ligitima os diferentes Reinos das Hef-
panhas, que fe eftabeleceraõ fobre a ruina do Império Gothico,
aflim como o de Navarra , Cataluna, Caftella , Leaõ , e Aragaõ»
cuja divifaõ tanto approvaraô os Povos de Hefpanha , que ain-
da hoje fervem de titulo aos feus Monarchas : Direitos , q"e
unicamente legitímaõ as innumerav.eis Bietrias , ou Cidades fe""
datariasque nos primeiros feculos fe achavaõ nas Hefpanhas.
Vid. Pafch. Jofeph Mel. Inftit. Jur. Civ. Luf. tit. 3 §. 6x.
Parte IT. Titulo III. gr
doar-fc pelos Reis de Leão, feus Conquistadores (/);
porque fó huma pequena parte de Portugal foi dada por
Aflbnfo VI, porque a maior parte foi conquiftada pelos
Reis de Portugal. Vid. Brand. liv. 8, cap. 10.

§. XXXXIX.

Da mefma forte nao obfta o fegundo argumento : i.®


porque fe nao acha monumento algum, pelo qual fe pro-
ve ter íido feita a Doaçaõ com a claufula de alguma de-
pendência , o que he neceffario por involver hum fado ,
que nao he inherente a femelhantes doações , e que por
iflo neceffita provar-fe 2.0 porque o fado do. Senhor
Conde D. Henrique ir ás Côrtes de Leão naõ fe pro-
va , que procedefle da obrigaçaõ como Soberano de Por-
tugal , ou da faculdade,e Direito, como interciíado no
governo de Leaõ pelos Direitos de fua mulher, hereditá-
ria daquelles Eftados : 3.» porque nem a Carta de D. Af-
foníò VI, fobre as queixas do Bifpo de Coimbra, ti-
nha

(') Grot. Jur. bel. & pacis cap. 3 §. 12. Alem difto o Tioflo
Hiítoriador Joaõ Pinto Ribeiro difeorre, que Aflbnfo VI nao deo
Reino á Senhora D. Terefa com animo de o dividir das
1'cfpanhas , mas como aflignaçaõ de dote , a favor de huma fi-
la
> que, como mai» velha , havia de fucceder em todo o Impe.
r,
°. Ella com effeito o pertendeo , como diz o Padre Jofé Bar-
k°fa ; porem como fe duvidava fe ella era legitima , por fe ter
desfeito o matrimonio de feus Pais , pelo motivo de ferem paren-
tCS
e
' Urraca fua Irmam , como era confiantemente legitima ,
lhe oppôs , e por efFeito de huma amigavel compofiçaô fe
^onfervoU cada huma com os Eftados , que poiTuia, ficando a Se-
ía D
- Terefa com os dc Portugal.
157 Direito Publico Portuguez
nha outra autíloridade, que a declaratória do faiíto do
mcfmo Rei (/) : 4.0 nem a ordem, para a nomeaçaõ do
Arcebifpo de Braga, tinha outra força, que a de mera re-
commcndaçaõ (m).

§. L.

Nao oofta 5porque ainda fuppondo, como que-


rem alguns Hiftoriadores, nao íó Hefpanhocs, mas Por-
tuguezes , que o Reino de Portugal foi com effeito doa-
do

(/) D. Affonfo VI , antes da Doaçaõ feita ao Senhor D.


Henrique , tinha dado a hum D. Cypriano a Villa de Vopelia-
res, que pertencia ao Mofleiro da Vacariça, fujeito ao Bifpo
de Coimbra , cuja pertença ignorava ; queixou-fe o Bifpo a D.
Affonfo VI , o qual efereveo ao Senhor D. Henrique , de-
clarando , que tinha feito aquella Doaçaõ , naÕ fabendo , que
pertencia ao referido Morteiro , e que pertencendo-lhe elle a nao
autorizava. De cuja hiftoria bem fe vê, que efta Carta naõ con-
tem mais , que huma declaraçaõ daquelle faflo , que juítamen-
te devia fazer o Senhor D. Affonfo , como autor delle, fem
que iíto involva algum aa0 de jurifdiçaÓ ; e por ifío termina a
Carta com palavras rogatorias, para o Senhor D. Henrique com-
por aquellas duvidas : Sed vos , quantum mihi , Iene quarith cau-
fam de illa Sede , & de tllos Monajlerios inderesante illas. Valete.
(m) A fimplicidade daquelles tempos ; os vínculos da amiza-
de , e parentefeo , que havia entre o Rei e o Senhor Conde ; °
beneficio , que efte tinha recebido daquelle no cafamento de f"3
filha , e na Doaçaõ de hum Reino , nos obriga a nao entender-
mos alguns factos praticados entre aquelles Princepes, como de-
monílraçaõ de dependencia, mas como effeito de amizade, e gra*
tidaó.
P a r t e II. T r t u r. o III. Cf
do com a referida dependencia , he corto que o mefmo
Senhor Conde D. Henrique chegou a fazer-fe Senhor inde-
pendente, fem oppofiçaõ. ou repugnancia dc feu fogro D.
Aífonfo VI, como diz D. Rodrigo , Arcebifpo de Toledo
liv. 7 cap. 5, referido por Brandaõ Mon. Luf. 1. 8 cap. 9,
e
íe comprova 1.° pela liga , que o mefmo Senhor Con-
de fez com o Conde D. Pedro de Trava contra a Rai-
nha D. Urraca de Leaõ , para fer jurado Rei de Leaõ o
Infante D. Afionfo de Ramon : 2.0 pelos pados celebra-
dos entre a mefma Rainha com a Senhora D. Terefa »
depois da morte do Senhor Conde Henrique, de paz , e
amizade, e de nao ajudar os contrários de LeaÕ; o mefmo
íand. loc. cit. Fadtos eftes, que defvanecem toda a idêa
de vaílallagcm ,, ou dependencia («). Comprova-fe 3.0
pela omilTaÕ , que nas Cortes de Leão de 1134 , e antes
da batalha do Campo de Ourique Míe fez do Reino de
01 tugal, entre os mais, que fe contaraõ dependentes de
Hefpanha (0)*
§. LI.
Da mefma forte na5 obfta o terceiro argumento; por-
que as referidas palavras das Cortes de Lamego fe di-
rigem a impugnar a incompetente , e illegitima perten-

fao

^ (") Hum dos effeitos da dependencia, e dos Direitos feudais,


e
reverenciar , e fervir ao Senhor do feudo contra os feus ini-
^"gos, cuja obngaçaõ repugna á liga do Senhor Conde D. Hen-
*'(]"e contra D. Urraca, e ás guerras da Senhora D. Terefa
^°ntra a mefma; aflim como era fuperfluo o pado da amizade ,
e
nao favorecer aos feus inimigos.
(°) Brand. Mon. Luf. liv. 8 cap. 9 pag. 20; Caítr. Map. de
x pag. 288; 1'aria Epit. P.7 cap. 1, P. 5 cap. 5.
Direito Publico Portuguez
çaõ de Affonfo VII. Nem o quarto ; porque nao duvida-
mos da pertcnçaõ de/Affonfo VII, mas fim da fua jutti-
ça , o que fe naõ prova pelo mero faóto de pertençao.

§. LII.

Nem obfta o quinto argumento, que o Senhor D. Af-


fonfo Henriques, fendo prezo cm Badajós por EIRei D.
Fernando, fe lhe fizera feudatario para obter delle a foltu-
ra , i.° porque ifto prova,, que até entaÕ o naõ era : 2.°
porque antes pelo contrario confia , que offerecendo-lhc
o Senhor D. Affonfo o Reino de Portugal para dilpor
delle, D. Fernando de Leaõ lhe refpondeo , que fe con-
tentava lhe refiituiffe as terras , que em Galliza, e outras
partes lhe tinha tomado ; e que ficaíTe com o Reino dc
Portugal, que lhe pertencia. O mefmo Brand, 1. 8, c. 9,
pag. 19.
§. LI II.

Omittimos outros argumentos , que fe cofiumaõ pro-


pôr por parte dc Caffella , e que produzirão D. JoaÕ Ca-
ramuel no íeu Tradiado loannes Brigantinus illegitimus
Rex demonjlratus , e o D.r Nicolao Fernandes de Ca firo
no feu Tm ciado Portugal convencido; porque fe achai)
baftantemente refutados por Francifco Valafco de Gou-
vea no Tradlado da Jufta AcclamaçaÕ ; por Joaõ Pinto
Ribeiro , no Tradlado das lnjufias e JueceJJivas ufurpafâ5
de Çajlella , e Leão ; por Manuel Fernandes Villa Real no
livro Anti-Cramuei-, D. Jofe Barbofa, Cathalogo das Rainhas
de Portugal; e por Antonio Paes Viegas nos Princípios de
Portugal.

§. LIV.
PARTE II. Titulo III. 65

§. LIV.

Por parte da Sé Apoftolica fc coftuma propor: i.° que


as terras de Portugal foraÕ occupadas pelos Sarracenos ,
e
por iíTo pertencentes á Sé Apoftolica (/>), e que em vir-
tude defte Direito os SS. Padres Innocencio II , e- Ale-
xandre III, confirmaraõ o Senhor D. AfFonfo Hènriques
10 Império de Portugal , e lhe impuzerao em reconheci-
mento aquelle , quatro, e efte, duas onças de ouro de
tributo annual: 2.0 que pelo Direito das Chaves hc a Co-
roa de Portugal fujeita ao feu poder indirecto, cujos fun-
damentos faõ evidentemente falfos.

§. LV.

He falfo o primeiro fundamento : 1.° como eftabelc-


cido nas maximas das falfas Decretais (q): 2.0 porque
nem o Senhor D. Affonfo recebeo o Império dos SS. Pa-
I dres

(í) Como fe vê da mcfma Bulla de Alexandre III , dirigida


a
° Senhor D. Affonfo Henriques ibi: Nec non omnia loca , quce
c
""' auxilio ctclejlis grati<c e Sarracenorum manibus eripueris , in
1"ibus jusfibi non poffunt Chrijliani Príncipes eircumpofui vendica-
Te
> Excellentia tua conccdimus, is Aueloritale Apoftolica confirma-
"Vis.
(?) Vid. Fleur. Difc. 3 , §. 18. E fe os Papas difpfiem das
Pr°piedadcs temporais , porque naô as tomai) para fi ? difeorre o
mefmo
Fleur. n.7. Para que he neceffario valerem-fe da Doaçaô
de Conftantino , para fe conftituirem Senhores de Roma r Na5
foi c a
" occupada pelos Barbaros f Vidi Petav. Ration. Temp.
lv
- 6, cap. 10, pag. 291, e feg.
66 Direito Publico Portuguez
dres Innocencio II, c Alexandre III (r). Nem o tributo,
impofto por Innocencio II, foi mais que hurna acceitaçao
da liberal offerta , que lhe fez o Senhor D. Afíonfo (sj.
Nem

(r) O Senhor D. Aftbnfo naó impetrou do S. Padre Inno-


cencio II mais , que a confirmaçaõ do titulo dc Rei , o que fe
comprova iporque na Carta de proteflaçaó , e fubmiifaó Ca-
tholica , que o mcfmo Senhor eferevêo ao S. Padre no ide
Dezembro de 1180 , que correfponde ao anno de Chrilio de
Í142 , ja fe intitula Rei : Alf>h:tt\u$ Dei gr alia Portugalli Rex i
Brand. Mon.Ltif. liv. xo cap. 10 : 2.° porque da Carta de Doa-
çaó, que o mcfmo Senhor fez a S. Maria de Claraval da Ordem
de Cifter em França , reconhece ter recebido o Império de De-
os immediatamente: Lgo Alphonfus miferatione divina Poriuga-
lenfium Rex noviter, Deo jubenle, erratur. 3.0 porque o mefmo Se-
fihor D. AfFonfo , ainda antes uaquella confirmaçaõ , ufava do
1 itulo de Rei , como fe vê da Efcriptura do Conto , feita a S.
Joaó de Tarouca em 1140 ; na do Couto do Morteiro de Villa-
boa em 1141 ; e na DoaçaÕ feita a Grijó cm 1 r42. O mefmo
Brand. loc. cit.
(í) Da Carta , que o Senhor D. AfFonfo cfcrevfo ao S. Padre
Innocencio II, em que faz o Reino feudatario á Sé Apoftolica .
fe moftra , que o motivo naó foi fó o da Religião , mas tam-
bém o dc reconhecimento dos Direitos temporais da Sé Apofto-
lica ; o que fe confirma com a Bulla do mefmo S. Padre , q"e
traz Brand. Mon. Luf. liv. 10 cap. 10. Kofle porem qual foife 0
motivo , he certo que femelhante feudo naó fez Portugal depen-
dente da Sé Apoftolica no temporal. Naó: fendo o tributo em
reconhecimento da Religião ; porque efte fó involvia a depen-
dência Chriftam, que naó negamos. Naó-.fendo em reconheci'
mento da Jurifdiçaõ temporal; porque, prefeindindo fe o Senhor
D. AfFonfo fe podia fujeitar fem confentimento dos Povos , elle
o fe»
P A R T E II. Titulo III. 67
Nem o que lhe impôs Alexandre III pôde ter outra ac-
eepçaõ , fenaõ recorrermos aos prejuízos das falfas De-
cretais.
§. LVI.

He igualmente falfo o fegundo fundamento , eftabe-


lecido no poder das Chaves ; porque he contrario a todos
os princípios de Direito Publico ; porque he deítrudtivo
dos Direitos Mageftaticos, que Chriíto Senhor NoíTo
naõ diminuio com o eftabelecimento da fua Igreja (/), a
pezarda diftincçaõ machiavellica dos dous poderes, dire-
ito e indirecto («) , e a peznr dos fados praticados pelos
Summos Pontífices nas pelToas de muitos Imperadores (ar)/
I 2 os

o fez por erro de Direito , e imbuido nos falfos princípios , de


que a Sc Apoftolica pertencia tudo o que tinha lido oceupado
pelos barbaros; cujo titulo fendo notoriamente falfo, fica fendo
nulla a obrigaçaÔ. O Defenibargador Joaó Alves da Cofta refe-
re , qjje o Papa Alexandre VII pertendendo novamente efte tri-
buto fora diíTuadido pelos grandes homens , a quem confultára;
o certo he , que desde o tempo do Senhor D. Affonfo III fe
naõ pagaraõ mais, nem fe pedirão. O mefmoBrand.liv. 8 c. 11
pag. 130.
(/) Rieg. Jurisprud. Eccl. P. 1 cnp. 4; Eyb. Jur. Eccl. liv. 1
demut. independent. cap. 2; Pedro de Mare. de Concord. Sac.
& Imp. liv. 2 cap. 2, & feq.; e demonflraremos cm feu lugar.
(u) Eyb. loc. citato §. 88 Sc feq.; Rieg. loc. cit. §.189 & feq-
(*) Gregorio VII depôs a Henrique IV Rei da Germania.
ern ,um
' Concilio de Roma no anno de 1080: Innocencio III rer
Provou a eleição de Filippe , Duque de Suécia , e declarou a
°tho por legitimo Imperador , e abfolveo os Súbditos de Filip-
P?
68 Direito Publico Portdguíz
os quais naõ provaõ mais, que oabufo, e ignorância
dos tenjpos , que naõ podem conftituir Direito (z).
§. LVII.

pe do juramento de fidelidade C. Vencrabiletn 34 dc eleâ. O mef-


mo S. Padre no anno de 1212 depôs a Joaó, Rei de Inglaterra,
chamado por iíTo Joaõ fem terra. Innocencio IV depôs o Impei-
rador I'riderico II. Joaó XXII mandou ao Imperador Luiz, que
fe abflivefie do governo , em quanto fc naó decidiiTe fobre a elei-
ção de Fridcrico Auítriaco. Omittindo outros exemplos , que nos
offerecem aquelles calamitofos tempos ( Fleur. fupr. loc. citat.
$.10, e 18; Per. Appar Jur. Pub. liv.i, cap.14, num. 46 e feg.)
temos entre nós a efcandalofa dethronifaçaÓ do Senhor D. San-
cho II por huma Bulla do S. Padre Innocencio IV de 24 de Ju-
lho de 1245 > c'e 1ue fe fez mençaó no Capitulo Grandi de fup-
pl. neglig. Prxlat. in 6.° , fem outro motivo , que o de exercer
a fua jorifdiçaõ contra as violências dos Bifpos do Reino , pelo
que ja tinha fido excómungado em 1240 pelo Bifpo do Porto
por Breve do S. P. Greg. IX.
(a) A inda que ertes faflos naõ foíTem praticados contra to-
dos os princípios de Direito Divino , Natural , e Politivos :
(Mat. cap.5 f. 17, Luc.cap. 12 f. 14, Joan. cap.3 f. 17, e cap-
18 y.36. Vid. Doutrin. da Igrej. offendid. tom. 2, pag. 227,®
feg.) bailava a enunciaçaó , que a Igreja faz todos os annos em
o Hymno da Epifania do Senhor contra Herodes , que temia íer
privado do Sceptro por Chrifto Senhor Nolfo
Crudelis Herodes, Deu/11
Regem venire , quid times ?
Non eripit mortalia ,
§jà rrgna dat cielejlia :
para deftruir todos os abufos da Curia a efte refpeito; porque os
Ponlifices naó tem aquelle Direito , de que Clirifto naó qui'a
«far; Joan. cap.6 f. 15 , e cap. 20 f. 21 , Luc. cap. 12 f.
Eyb. demut. indep. liv.2, cap.2, $. 88 not. (/), e §. 100 not.(/)*
Parte II. Titulo III. 69
§. LVII.

Também em algum tempo os Imperadores de Ale-


manha , como Imperadores Romanos, pertenderaõ, que o
Reino de Portugal lhe folie fujeito, como parte das Hef-
panhas (_y). He notável o faéto dc hum D. Beltrão, que
no tempo do Senhor D. Diniz , a 26 de Novembro de
1309, fe introduzio nefle Reino como Notário a fazer ci-
tações em nome do Imperador.O Senhor D.Diniz o man-
dou reprehender por D. Eftcvaõ de Beja, e lhe pordo-ou
pelo julgar ignorante das Leis do Eftado, como refere
Ir. Antonio Brandão. Porém a independencia das Hef-
panhas (a), e particularmente a de Portugal, tem fido de-
cidida (bJ.
§. LV1II.

Lembraõ alguns a facrilega, e execranda depofiçaõ do


Se-

Cy) Os Romanos , com o efpeciofo fundamento de ierem do-


minado as Hcfpanhas antes dos Godos , pertenderaõ, que eflas
lhe deveííem fujeiçaó ; como fc o Direito da guerra , os paclos ,
e
convenções feitas pelos Imperadores Honorio , e Avito coin
Alarico , Walia , e Theodorico Reis dos Godos ( Per. Appar.
Jur. I 11b. Hifp. liv. 2, cap. 4 ) naõ folie iuflo titulo para a
independencia dos Godos do Império Romano.
{"/ No Concilio Florentino, confirmado por Vrbano II,
reinando em Leaó Fernando I, foi decidida a independencia das
Hefpanhas do Império Romano. A me fina independencia reca-
'"t-^eo o Imperador Carlos V, no feu Diploma dado cm Barce-
na a 5 de Setembro de 1519.
{l>) A independencia privativamente de Portugal foi decidi-
* em Roma, no tempo do Senhor D. Affonfo VI, fendo feu
r
°c«rador D. Soeiro Gomes de Faria.
7o Direito Publico Portugufi.
Senhor Dom Affonfo VI, para provarem a dependencia
dos Senhores Reis de Portugal dos feus mefmos Povos;
porem alem defta dependencia deftruir toda a noçaè do
Summo Império (c), além da manifeíla injuftiça delle
rebeliofo attentado (d), o mefmo Povo reconheceo tanto
a falta de jurifdicçaõ para depor o dito Senhor, que o
obrigou a renunciar o Império (e).

T I-

(<•) Heinec. Jtir. Nat. & Gent. liv. 2 , cap. 7 , §. 190.


(d) Martin. Jur. Civ. cap. 14 §. 498, como contrario a to-
dos os princípios de Direito Publico Vniverfal , ilkiftrados pelas
Divinas Letras, fegundo os quais os Princepes foberanos, co-
mo Lugar-1 enentes de Deos, e por auétoridade de quem vni-
camente governaõ , devem fer obedecidos , ou fejaó bons , 011
máos; Pctr. Ep. I cap. 2 f. 18 ; fem que os va(Talos tenhaó
liberdade de lhes perguntarem, o que fazem. Eccl. 8 f. 4. Vid.
Doutrin. da Igr. offend. tom. 2 p. 227 , Ded. Chron. tit. 1 p.2.
pag. 395 & feq.
(V) A ruftica , e barbara plebe de Lisboa, fuggerida, e enga-
nada por hum efpiriío de fanatifmo , e animada por finco, ou
feis Fidalgos Portuguezes , ( porque todos os outros cheios de
horror, do que viaÕ executar , huns deixaraõ a Corte , outros
pailaraô para Hefpanha j tendo barbaramente encarcerado a Re-
al Pefloa do mefmo Monarcha em hum fegredo , o conllranse-
raÔ no dia 25 de Novembro de 1667 , a que aílignaíle hum»
cédula, em que o fizeraó declarar, que de feu motu próprio»
Poder Real, e Abfoluto , havia por bem fazer defiftencia delles
feus Reinos , aflim, e da maneira , que os pofluia; Ded. Chron.
P. 1. Dívifi 11, §. 557 & feq. ; defillencia cfta que feria inútil ,
fe o mefmo bárbaro povo naft reconhecelíe , que elle naó tinha
Jurifdicçaõ, nem aufloridade para dethronifar feu Monarcha.
P a r t e IT. Titulo IV. 71

TITULO QJJ A R T O.

Í-)a Fórma, e modo do Governo Interno


de Portugal.

CAPITULO I.

Da divifao dos Capitais Direitos do Summo Império.

§ LVIIII.
1VJL Oftrada a indcpcndencia de Portugal, a fórma, e
conllituiçaõ da Monarchia, e o modo, e titulo, porque
nella fuccedem os Monarchas ; pafTamos a tradar da fór-
ma, c modo do Governo Interno, e Economico da Mo-
narchia; ido hé, dos Direitos dos Suppremos Imperantes
para com feus vaflalos.

§. LX.

^ Já vimos ( §. XXVI ) que a Monarchia Portugueza


nao tem outra norma para o feu Governo Economico,
que aquella, que provem da natureza, e fim da mefma
Monarchia , confiderada cm geral, fem rtlaçaõ a alguma
órma particular. Segundo os princípios de Direito Pu-
lico \ niverfal ( §. XXV ) hé certo, que aos Monarchas
na accc
PÇa» genérica compete a audtoridade de governa-
rcni
' c regerem a Monarchia a feu arbitrio, fem outra
n
orma, que o fim da mefma Sociedade.

LXI.
72 Direito Publico Portuguez
§. LXI.
Eftcs Direitos em fi raefmo muito vaftos, e abundan-
tiífimos, fc podem commodamente reduzir a finco Capí-
tulos: Legislativo, Inspeítivo, Policiativo, Judiciativo, e
Executivo. Defies Direitos efienciais, e inabdicavcis da
Suprema Mageftade, ufaõ effe&ivamente os Monarchas
Pcrtuguezcs.

CAPITULO II.
Do Direito Legislativo.

§. LXIL

O Primeiro officio do Imperante he regular as acções


dos fubditos cm beneficio da Sociedade, c dos feus mem-
bros, cujo regulamento fe chama Lei, a qual fc define: Vo-
luntas ímperantis fifficientcr declarala, vt jubditi acliones fu-
ás ad eam componanl (f). Ora no Efiado Monarchico , af-
fim como o de Portugal, o Rei he o Imperante (§. XXVI);
fegue-fe, que os Monarchas Portuguezes tem o Direito
Legislativo §. XXVIII, e íeg.
§. LXIII.
O modo porque os Senhores Reis de, Portugal ulaó
deite Direito, ou porque declaraõ a fua vontade para
norma dos feus vaíTallos , heou de viva vóz, Orden.liv. 1
tit. 41 ; ou por eferipto (g), e tem differentes nomes , c
fe

(f) Mart, Jur. Civit.cap.4, §.7. Wurf. Jur. prud. defin-


§. 22.
(g) Os Romanos por diverfos modos declaravaô a fua vonta-
de
PARTE II. Titulo IV. 73
fe denomina Carta de Lei (b) , Lei (/) , Alvará (/), De-
K creto
de para obrigarem os ffeus fubditos ; alfim como por Edidos ,
Refcriptos, Decretos , e por Mandados, fegundo os differentes
fins , a que fe dirigiaõ , L. i ff", de ConJI. Princip. ; §. 6. In-
íiit. de Jur. Nat. & Gent.; Heinec. ad Pand. P. i, tit. 4 §.109
& feq. Por qualquer deftes modos a: vontade do Princepe obri-
gava áquelle, a quem ella comprehendia; mas Lei propriamen-
te a(Tim chamada era fó aquella vontade declarada por Edi£tos ;
porque fó efta obrigava a todos os vafTallos, ao mefmo tempo
que os Refcriptos admittiaõ embargos de ob , e fubrepçaó , por
ferem eílabelecidos fobre informações particulares; e os Decre-
tos fó conftituiaó Direito naquelle negocio , e entre aquellas par-
tes fobre que fe proferiÕ, L. 2 Cod. de Legib. & Conji. Prin-
{
'P- > excepto fc os Princepes determinaílèm , que aquelle Di-
reito fe applicafle a outros cafos femelhantes, L.3 Cod. eod.
(h) Carta de Lei chama-fe aquella Lei, cujo edido ordina-
riamente tem por principal objedo os negocios públicos do Ef-
tado, O formulário dellã efpecie de Lei he principiarem pelo
nome de Legislador v. g. Dona Mana, e aflignar-fe A Rainha
com guarda; ifto he com huma firma no fim, do nome.
(') Leis tem ordinariamente o mefmo obje&o , que as Car-
tas de Lei ; principiaõ do mefmo modo que eílas , mas diffe-
r>-m no modo da aflignatura ; porque fe aílignaó ordinariamente
A Rainha, ou Rainha.
(/; Alvarás faõ de dous modos. Huns fimplices, que faS aquel-
les Refcriptos de mercês, cujo effeito naó dura mais de hum an-
110
> Ord. liv. 2 tit. 40 , fendo as mercês tais , que fc polTao
cumprir dentro de hum anno: outros com força de Lei, que tem
Vigor, e aufloridade como Lei. Huns , e outros principiaõ pelo
titulo do Legislador , v. g. Fm a Rainha , e fe afligna v. g. Rai-
nha. Efta efpecie deLei tem por obje&o os negocios particulares
do Eftado. Todos eftes formulários muitas vezes fe achaó altera-
dos.
74 Direito Publico Portugoez
creto (m), Provifaõ («J.
§. LXIV.

A vontade dos Monarchas Portuguezes, por qualquer


deites modos declarada, hé certo, que obriga a todos os
vaflalos, que ella comprehende, mas nem por i-flo toda
ella tem o mefmo principio, e a mefma aucfloridade: por
quanto a Carta de Lei, a Lei, o Alvará com força de Lei
faõ feitos de motu proprio para obrigarem geralmente a
todos; e os Decretos.ProvifSes, e Alvarás fimplices faõ
eftabelecidos fobre informações particulares , para regula-
rem o direito das partes,.a cujo refpeito faõ paflados.

§. LXV.
Daqui vem, que as Leis, Cartas de Leis, e Alvarás
com força de Lei naõ admittem embargos de ob, e fubre-
pçaõ , nem o Juiz ex oíficioafíim as pôde declarar,- por-
que nellas fe naõ pôde achar o motivo do erro, e das falfa*
informações (oPelo contrario os Decretos , Provifões, e
Alva-
(m) Decreto he huma efpecie de Refcripto, que o Rei man-
da particularmente a algum Tribunal, Relaçao, ou Miniílro,
para certo e determinado negocio , e nelle fe a/ligna o Rei com-
firma.
(») Provifaó he também huma efpecie de Refcripto »paffaJo
pelos Tribunais a requerimento de partes , ou ex officio ; e (U6
de dous modos. Hum com particular , e exprefla auaoridade
do Rei, e fe diz feito por Confulta, v. g. as Cartas de perdão »
Ord. liv.i, tit.3, §. 8; Nov. Regim. do Defemb. do Paço §. 22-
Outro por jurifdicçaõ própria , que os Monarchas concedem aos
Tribunais. O formulário de hum e outro he principiarem pelo
nome do Monarcha v. g. D. Maria &c.
(0) Ded. Chron. Div. 12, §. 670..
PARTE II. Titulo IV. 75
Alvarás fimplices pódem fer embargados por obrepticios,
e lubrepticios; e o mefmo Juiz, aquém faÕ mandados pa-
ra a fua execução, deve remetter os embargos para o Tri-
bunal , donde proceder a Ordem ,e reprefentar-lhe ex of-
icio ameíma obrepçaõ (/>).

$. LXVI.

Para obrigarem as Leis, tomadas na própria accepçaõ,


dependem de trez e (Tendais requifitos. i.° Que fejaõ paf-
Jadas pela Chancellaria , e nella felladas com o Sello do
Rei; Ord. 1.2, tit.39 (l)>e Ofd. 1.x, tit.2, §. 3 (r). 2." Que
K 2 fe-

(p) Extrav. de 30 d Outubro dc 1751. Por Direito da Orden.


liv.2, tit.43, cuja fonte hc a Ord. AfFonf. 1.2, tit.47, e Man. tit.
23 , podiaõ os mefmos Juizes conhecer dos embargos , e decla-
ra-los ex officio obrepticios; porem o Senhor D. Jofé attendendo
á indecencia, que refultava aos Tribunais fuperiores defta auflo-
ndade dos Juizes inferiores, eílabeleceo nova forma na referida
Extravagante.
(?) Ord. AfFonf. liv. 2 , tit. 25 , e Manuel, tit. 2o-
(') A razaó he, para que o Chanceller Mór do Reino obfer-
ve , e vigie , naõ fejaõ as novas Leis contarias ás Ordenações , e
Direitos do Reino , e prejudiciais ao Eftado, Ord. l.i, tit.2, §. 2,
Para informar difto mefmo ao Rei, como fe acha exprefío na
Ord. Man. liv.I, tit. 2, §. 3. Sendo porem Alvarás fimplices , e
rovilões dos Tribunais fem confulta , pôde glofa-los o mefmo
Chanceller conforme o efpirito das referidas Ordenações. Os
n
°flos Monarchas, embaraçados com infinidade de negócios, pó-
t cm muil
' as vezes naô fe lembrar de todas as Leis do Eftado,
^porilTo determinarem coufas contrarias ao Direito eftabelecido.
•tia occurrer a eíles prejuízos, além do determinado na Ord.1.2,
tit.
~jS Direito Publico Portuguf. z
fejaõ promulgadas (s). 3.° Que naõ ícjaõ contra a Ordff-
naçaS, c Leis eftabelecidas ; ainda mefmo , que as novas
Leis contenhao a claufula derrogatória x todas as veies ,
que

tit. 44, clles crearaõ eite Magiílrado maior, para vigiar fobre
as Provifões dos feus Tribunais, e fobye as Aias mefmas Leis. Ef-
te magiftrado he muito antigo: delle fe acha memoria no tem-
po do Senhor D. Affonfo Henriques em hum Diploma dfe 1129,
confervado no Cartorio do Convento de Tomar, pelo qual do-
ou aos Templários o Caftello de Soure.. O Senhor D. Affonfo V
lhe deo Regimento, que fe acha na fua Orden. liv. 1 tit. 2, que
paffoti para a Manuel, liv. 1 tit. 2. O Senhor D. Joaõ III lhe
deo novo Regimento na Lei de 1564. Efte rafgo dc prudência,
he bem femelhante ao de Filippe IVno Decreto de 24 dc Feve-
reiro de 1624, c de Filippe V de 7 de Fevereiro de 1715,.expe-
didos ao Supremo 1 ribunal de Caftella , em que lhe recõmendaõ-
os naõ deixem errar , e que até repliquem ás fuas injuítas deter-
minações.
(s} Para obrigarem as Leis he neceilario, que fejaó declaradas
aos fubditos( §.LXII),o que fe faz pela promulgaçaô. Em Por-
tugal fe cofiumaô fazer duas promulgações: a primeira he na
mefma Chancellaria pelo Chanceller Mór, logo no dia da data da
Lei, e em virtude defia promulgaçaô obriga na Côrte palTados
oitto dias e nas Províncias tres mezes, ainda que nellas fe naõ
promulguem, e contenhaôa claufula , que fejaõ promulgadas nas
Comarcas, Ord. 1. 1 tit. 2 §„ 10 ; porque prudentemente fe pre-
fume fer badante efte tempo para- chegar á noticia de todo o
Reino. A fegunda publicaçaõ he, a que fe faz nas Cabeças das
Comarcas , a cujos Corregedores faõ remettidos os traslados pelo
mefmo Chanceller ( a mefma Ord.), e também nas Cabeças dos
Termos, aonde por cofiume faõ remettidos os traslados pelos
zefpeóUros Corregedores.
P A R T F. II. Titulo IV. 77
que naõ fizerem exprefia menção da Lei , que derro-
gai) , de modo que confie, que os Legisladores forno
informados da Ordcnaçaõ, ou Lei que derrogaÕ, Ord.
liv. 2 tit. 44 (/).
§. LXVII.

Preenchidos efies requifitos, he fem duvida, que


as Leis obriga5 em quanto o Legislador na5 determi-
nar o contrario. Por trez modos fe verifica efta contra-
ria determinação ; 1.0 por dcrrogaçaõ da Lei («) j 2.0 por
con-

(t) Efta lcgislaçaõ, eilabelecida ja na Orei. Man. liv. 2 tit. 49,


tem a fua fonte na Lei das fette Partidas L. 29, 30, 31 , Parti-
da 3. q»e paflbu para as Leis 1, 2, c 3 do liv. 4, tit. 14 da
Recop.laçaÓ de Hefpanha. He notável o fentimento de Antiocho
a cite reípeito, como refere Plutarcho nos feus Apophtega-
matas.: S, qu,d contrariam legibut per Epijiolam juffero , nolite pare-
re
>Jed me ignora/Ione lapfum putetis,
(") Por derrogaçaó: quando fe faz expre(Ta, e efpecifica men-
Ç ó do contheudo na Lei, ou Ordenaçaõ, que fe revoga ; por-
que nao baila a pofteridade da Lei derrogante , ou mençaõ gené-
rica da derrogada, para que as noíTas Leis , ou Orden. fejaÕ der-
roga as, Oul. ]. 2 tit. 44; ç efta derrogaçaó íe faz por Carta de
^ ci, e na6 por fimples Alvará , Decreto , ou ProvifaÕ , porque
errogaçaõ da Lei conflitue hum Direito perpetuo e commum»
abelecido motu proprio dos Soberanos , e por iifo naõ pôde
\ f!Í,a/0r ^imP'es Alvará ( §. X ), conforme o efpirito da ci-
lada Urd. principalmente no tit. 40.
78 Direito Publico Portuguez
conccfiaõ de privilegio contra a Lei (x); 3.° por difpen-
fa da Lei (zj.

TI-

(*) Por privilegio: quando os Princepes concedem pofitiva-


mente a algum de feus vallalos em particular, ou a certa claflè
delles , a faculdade de poderem obrar contra a difpofiçaõ da Lei;
ou quando lhes impõem algum ónus, ou obrigaçaõ particular
que nao hé comum aos mais concidadãos ; v. g. o privilegio do
foro , de que trada a Ord. liv. 3, tit 5 & feq„ qiie fe concede a
huns o privilegio favoravel de levarem ao feu foro os Reos, e a
outros refponder ao foro do A., contra o regra geral, que o A.
he obrigado a feguir o foro do Reo; Ord. liv. 3 , tit. 11.
(z) Por difpenfa: quando os mefmos Legisladores por juf-
ta caufa eximem algum de feus vaflalos da obrigaçaõ geral da
Lei , e lhe concedem tacitamente a faculdade de obrar contra a
Lei: de forte, que o privilegio, ea difpenfa differem fó, em
que o privilegio concede ao privilegiado hum Direito pofuivo ,
ou expreffo contra a Lei ; e a difpenfa hum Direito negativo ,
óu tácito ; Eyb. Jus. Eccl. tom. 4, liv. 1, cap. 1 , §. 246,
not. (a).

> 6
Parte II. Titulo V. ^

TITULO quinto.

Do Direito Inspectivo.

CAPITULO I.
Da divifao das Pejfoas, * das Coufas.

§• LXVIII.
Ara os Supremos Imperantes exercerem o Direito de
legislar, affim como todos os Mágeftaticos , lhes he in-
djlpeníavelmeHte neceíTario o Direito de Infpecçaõ. Con-
e
r . Direito ^ autoridade, e obrigaça5 de vigiar , e
confiderar attentamente fobre todas as PeíToas , Coifas, e
egocios, comprehendidos nos recindlos do Eftado.

§* LXVIIII.
As PeíToas fe devem confiderar em duas accepções j
ica , c moral. Na primeira fe comprehende cada huma

,er0a; cm Parcicular : na fegunda le entende cada huma


Scort,p°fta de PeíToas Fiiicas, e inílituida no
*neio do Eftado.
§. LXX.
As PeíToas na accepçaS fifica fe dividem em Secula-

fH-1 CClefiaftÍCas-As Seculares fe dividem em Grandes,


fe • ,Cavalheiros » Nobres, e Plebêo? • e todos eítes
!jVI C,m Peffous
foci e a ados.As Cm t ver as c
'' Ecclefiaíticas
^ 'afles , fegundo os feus
fe dividem em diver-
Arce-

bifpos,
8o Direito Publico Portucuez
bifpos, Bifpos, Presbíteros &c.; e eftas igualmente fe
fubdividem ein diverfas clafles. Todas eítas Pcíloas ou
faõ naturais , ou extrangeiras , aílim como Embaixado-
res, Núncios, Enviados, e outras peíToas particulares.

$. LXXI.

As PeíToas na accepçaõ moral fe dividem em Civiz ,


e Ecclefiafticas.As Civiz faõ aquellas, cujo objeílo he uni-
camente temporal: eftas ou faõ publicas, aílim como Vni-
verfidades , Cidades , Villas &c.; ou faõ particulares , af-
fxm como as Sociedades Familiares , Domefticas , e Con-
jugais. AsEcclefiafticas faõ aquellas, cujo objedlo he uni-
camente a felicidade eterna, e o bem efpiritual dos Soci-
os: eftas ou faõ publicas aílim como a Igreja, ou Reli-
gião adoptada pelo Eftado ; ou particulares , aílim como
Mofteiros , Confrarias , e Ordens eftabelecidas no meio
do Eftado. *
§. LXX1I.
Sobre todas eftas PeíToas exercem os Imperantes o Di-
reito Infpe&ivo, para que naõ fejaõ prejudiciais ao Efta-
do, e aos Cidadãos (_y).
§. LXXIJI.
(y) Deftes principios fe deduz a auítoridade da Ord. 1. a, tit.
45 in pr. v. ult., e liv.5, tit. 80 §.5. Daqui vem o Direito ,
legitima as Devaças fobre o procedimento, e faétos de cada
liuma das peiTòas comprehendidas no Eftado, Ord. liv. 1, tit. 58»
65, e 82, e Ord. liv. 5, tit. 17 §. 5, tit. 45 §. 3, e tit. 76 §. 10.
Já obfervamosf §.XXVIIII) que nos principios daMonarchia»
quando erao raros os Miniftros Territoriais , e Locais , a quen*
podeffem os Soberanos encarregar o exercido delia Jurifdic
çaó »
Parte II. Titulo V. 8r
§. LXXIII.
As coufas fc podem igualmente confiderar de dons
Wodos : no fentido generico por tudo o que cxiíte no Ef-
íado, a que os Romanos chamavaõ Res; e no fentido par-
ticular , e cfpecifico , por aquellas coufas, que eítaõ no
domínio particular dos homens , a que os Romanos cha-
mavaõ Pecunia , L. 5 ff. de V. S.

§. LXXIIII.
As coufas no fentido particular dividem-fe em Civiz ,
9 Ecclefiaíticas. Ecclefiaflicas faõ as dcftinadas para o
ufo, e minifterio da Igreja: Civiz faõ todas as outras, que
naõ tem efta applicaçaõ. Eílas fe dividem em publicas,
e particulares. As publicas fe dividem em communs, e
próprias da Cidade. Communs faõ aquellas , que naÕ
obílante ferem do Patrimonio Real o feu ufo he com-
mum a todos os Cidadãos, ulfingidi, affim como ruas
L pu-
Çaõ , clles viajavaõ pelas Comarcas do Reino , e nellas faziaó
Correição para obfervarem os procedimentos, c coftumes dos
feus vaíTalos, e lhes darem as neceífarias providencias; mas depo-
is que deraõ ao governo a forma, que hoje conferva, elles delega-
ia5 de certo modo em feus Miniftros efte Direito de Infpecçaõ ,
o que ju(lamente fc comprehende na JurifdicçaÓ de devaçarem ,
c na Correição dada aos Corregedores das Comarcas. O effeito
deftas devaças , fendo nellas comprehendidas as pefToas exemptas
da JurifdicçaÓ ordinaria , e que naô tem fuperior ordinário no
eino , he remetter as inefmas devaças ao Rei, ou dar-llie del-
as conta, para efte lhe dar as providenciasneceflarias; Ord. l.i »
58 §. 18 , e tit. 65 §. 26 , por effeito do Direito da Sobe-
a
nia, Ord. l.i. tit 9 §. 12 ; e fendo comprehendidas nellas pef-
oa
s dejurifdicçaó ordinaria, devem proceder contra cilas os mef-
mos
Miniftros , na fórma de feus Regimentos.
82 Direito Publico Portuguez
publicas, rios caudais (a). Próprias da Cidade faõ aquel-
las, cujo ufo he commum a todos, ut vniverfi; iflo he de
que nao pôde ufar cada hum a Teu arbítrio, mas que de-
vem fer diftribuidas em beneficio publico : tais faõ os
bens do Fifco (b) c os bens da Coroa , ou Erário (c) , e
proprios dos Concelhos (d). Bens particulares fa5 aquel-
les, que eítaõ no dominio particular das peíToas, ou fejaõ
morais, ou íificas ; em cujo numero entraõ os patrimo-
niais do Princepe, coníiderado como peíToa particular;
Martin. Pofit. de Jur. Civ. cap. 7.
C A-

(a) Ord. I. 2 , tit. 26 §. 8.


[b) Bens do Fifco faó aquelles , que os vaflalos em cafligo
dos feus delidos perdem para a Coroa; Ord. 1.2, tit. 26, §. 18
& feq., c tit. 36 ; e conflituem o patrimonio publico do Prin-
cepe para a confervaçaó da lua Peíroa, Dignidade, Aula &c. Eftes,
fe confiftem cm fundos , ou prédios , fc chamaó domaniais , e
os feus rcdditos faó proprios , e particulares do Princepe.
(c) Bens do Erário faó aquelles, que fe determlnaõ para a
confervaçaó, e defeza da Cidade. Vid. Grot. Jur. bel. & pac.
liv. 2, cap. 6, §. 11 & feq., & ibi Henr. de Coe. de Jur. Civ.
cap.7; Per. in Cod. liv. 10, tit.1. Ma. efia efpecie dc bens eftaÓ
hoje confundidos, principalmente nos Eftados Monarchicos,
como refere o mefmo Per. loc. citato.
(d) Bens dos Concelhos faó aquelles, cujo dominio he das
Cidades , Villas , e Lugares , como pefloa moral , cujo ufo he
para beneficio do mefmo Concelho. Vid. Ord. 1. 1 tit. 66 ,
§. 11 & feq. ; Decreto de 20 de Maio de 1734, Col. 2, n. 5>
ao §. II da dita Ord.
PARTE II. Título V. «3

CAPITULO II.
Da Injpecçao Jobre as Sociedades Civiz (e).
§. LXXV.

•*Y. Socicdade conjugal he a que lança as primeiras raí-


zes á confervaçaõ , augménto, e felicidade do Eftado ,
e
que faz o primeiro objcdlo do bem commum ; e por if-
fo merecêo fempre a todas as Nações a maior circun-
fpeçaÕ , eo primeiro cuidado. Entre ellas tem fido igual-
mente vigilantes os noflbs Monarchas , ja prohibindo os
caía mentos de peííoas nobres , que adminiftraõ bens da
Coioa, e dos bidalgos, fem o prévio confentimento do
Soberano (/) ; e dos outros de inferior Jerarchia , fem o
confentimento daquelle , em cujo poder eftiverem até a
2
L ida-
(e) Tanto he mais necelTario e indefpenfavel o êZíáúo
e c Direito fobre qualquer obje&o , quanto efte pode fer mais
' ou Prejuc^icial ao Eftado. Nada ha mais util ao Eftado , do
<l»e as fociedades formadas no recinfto dos feus dominios. O no-
0
vinculo da amizade, c de officios, que refulta da fua particular
«iniaõ: efta mefma uniaÕ de vontades , que conftitue o eITencial
ociedade , he fegtiramente o meio mais proprio para elevar
os omens .1 fua maior felicidade. Mas por eftes mefmos princi-
pios f.iu as mefmas fociedades muito mais perigofas ao Efta-
(
o: hum efpirito de parcialidade , que anima a qualquer de feus
^enibios , he capaz de fuggerir os outros á execuçaõ de feus per-
v
erfos intentos , pela mutua cõmunicaçaó de feus confelhos , e
efignios . Quiri enim eji tu tifu hominum bono , ac licito , unde >r,n
P--J]it etiam pernich: errogari ? S. Auguft. F.p. 154 ad Remp.
(/) Extrav. de 23 de Novembro de 1616 ; Col. 1 ao tit. 37
la
' Ord. liv. 2; de 29 de Janeiro de 1639 ; de 29 de Novembro
de
*775-
84 Direito Publico Portúguez
idade dc vinte finco annos (g), ou dos Magifirados com-
petentes (b); ja annullando os Elponfais celebrados fem
cfcriptura publica (/'); ja regulando a jurifdicçaõ do mari-
do a re(peito da mulher (/) ; ja prohibindo finalmente os
adultérios , como hum dos crimes mais prejudiciais ao
fim da fociedade (m).

§. LXXVI.
O mefmo Direito exercerão iempre Cobre as focie-
dades familiares, nao fó regulando os Direitos de fuc-
çeííaõ entre pais, e filhos, e mais parentes mas regu-
lando os ferviços dos creados (o), os feus falarios' (p), e
preferevendo certas penas para os delidos familiares dos
mefmos creados (7), e em particular dos eferavos (r), e
as obrigações , a que pelos fados dos mefmos efta5 os ie-
nhores obrigados (/), e regulando o modo dc rcfiaicir o
damno, que receberem dos creados (/).

§. LXXVII.
O mefmo Direito exercem igualmente fobre as ou-
tras fociedades mais comportas, e publicas, pela delega-
çao nos feus Miniftros ; fobre as determinações das Cida-
des , e Villas ; a (fim como fobre as Pofturas das Cama-
ras, e Concelhos, que reprefentaÕ toda a fociedade (u).
Deite
(g) Ord. I.5 tit. 22. (b) Extrav. de 29 de Novembro dc 1775,
c de 6 de Outubro de 1784. (/) A mefina Extravag. de 1784.
(/) Ord. I.5 tit.38.(m) Ord. I.5 iit.25,e tit-38.(n)Ord. I.4 tit.çr.
efeg. [0) Ord. I.4 tit. 31 §. 12. (p) Ord. liv. 4 tit. 31, e tit. 34.
(?) Ord. 1. 5 tit. 24, c 37. (r) Ord. liv. 2 tit. 5 §. 6, e liv. 5
tit. 41. (/) Ord. I.5 tit. 86 §.5. (/] Ord. liv. 4 tit. 35.
(«) Ord. 1. 1 tit. 66 §. 29.
Parte II. Titulo V. 85
Defte mefmo Direito vem o coftume do Reino de fe
"ao poder erigir alguma Cidade , ou Villa , fem permif-
íaõ Regia , nem outra qualquer corporaçaõ , aílim como
Univeriidades , Collegios &c. (x).

CAPITULO III.

Da In/pecçao /obre as Coti/as, ou Bens Civiz.

§. LXXVIII.

J A vimos a natureza , c diverfas efpecies defles bens


( §. LXXIV ); todos elles he certo ferem de huma in-
difpenfavel neceflidade para a confervaçaõ do homem , e
das Cidades ; porque aílim como cada hum dos homens
naõ pode fubfillir fem o ufo das coufas , que em bene-
ficio delle creou o Auftor da Natureza, aílim também
as Cidades , compollas dos mefmos homens, e que for-
mão huma peffoa moral , naõ podem fubíiílir fem o ufo
dos mefmos bens.
§. LXXIX.

Sendo os bens neceíTarios para a confervaçaõ do ho-


mem , e das Cidades , he igualmente certo , que os ho-
mens na conflituiçaõ das Cidades naõ fó procuraõ a fe-
guiança de feus bens , em beneficio particular dc cada
hum

(a) Daqui vem deverem, fer os Ellatutos confirmados, c au-


o. .zados pelos Soberanos ; coílume adoptado dos Romanos na
e
' 1, e 3 ff. de Col. & Cor por., e pela Lei 6, tir. ult. Partida 1;
e
Por Filippe III pela Carta de 26 de Setembro de 1610, que
refere Pereir. de Man. Reg. tom.u
86 Direito Publico Portuguez
hum , mas em beneficio publico da mefma Cidade , cm
cuja confequencia o Summo Imperante naõ fó fe eíten-
de i.° a confervar o dominio , e promover o bom ufo ,
que cada hum dos membros da Cidade tem , e pôde fazer
cm feus bens, mas igualmente 2.0 a difpôr do mefmo
uío , c fubítancia , ou propriedade, para remediar as ne-
ceflidades de Eltado , e confervar a fegurança interna e
externa da Cidade (s).
§. LXXX.

Como os Monarchas Portuguezes naõ tem outra nor-


ma, que a que reíulta da natureza do fummo Império
( §. XXVI), he evidente que lhes competem os referidos
Direitos , naõ fó fobre os confedarios , mas fobre a fub-
ftancia dos bens civiz do Eítado.

§. LXXXL

Deites princípios dimana a audoridade das Leis Pa-


trias , que regulaõ as difpofições dos bens particulares
ou feja por pados e convenções, ou por ultimas vonta-
des

(z) Efte exercício extraordinário do Império , que vulgar-


mente fe chama Dominio Eminente, naõ he por fua natureza
tal, que praticando-fe nos bens de algum dos membros da Socie-
dade em particular, fiquem os mais exemptos de concorrerem pr«
rata para a indamnifaçaô deite; Grot. Jur. bel. & pac. 1. 1, cap. I
§.16, & cap.3 §. 6, & ibi Coe.; Mart. Pofition. Jur. Civil. c.7
§. 182 , & feq. ; porque todos faó obrigados a cita indamnifa-
çaô naÔ fó pela juftiça, que refulta dos paílos fociais, mas pe-
lo motivo de equidade nafeido do beneficio , que todos recebem
pelo ufo , e confummo dos bens daquelle focio.
Parte II. Titulo V. S7
des , que formaõ o importantiflimo objedro dos Codigos
da Naçaõ. As que eftabelecem o modo porque os Dona-
tários da Coroa devem fucceder nos bens delia; Ord. 1.2,
tit. 35. As que mandaõ dar de íefmaria os fundos , que
feus donos deixaõ de cultivar; Ord. 1. 4, tit. 43. A-s que
regulaõ a adminiftraçaõ dos bens dos Concelhos-, Ord. l.i
tit. 66 §. 11. As que permittem refeindir pela lefaõ-to-
dos os contratos, naõ obflante a renuncia da mefma le-
faõ; Ord.l. 4, tit. 13. As que audtorizao as prefcripçôes
das acções peífoais (y)-, Ord. 1. 4, tit.79. Das hypothecas ;
Ord. 1.4, tit.3 §. 1 , e outras , de que tradaõ varias Ord.
Deites mefmos princípios fe legitima a juftiça das Leis
das Encravações, de 9 de Julho, e 14 de Outubro dc
J e
773 > Decreto de 17 de Julho de 1778.

CAPITULO IV.

Da Infpect-ao folre a Igreja, Pejfoas, e coufas Ecclefta-


Jiicas , chamada Jus circa facra.

$. LXXXII.
A
%rcí3> de que falíamos, he aquella fociedade in-
da por Chrifto Senhor NoíTo , que dirigindo-fe uni-
camen-

(>') As Leis doReino na6 tra&aõ efpecificamente das preferr-


Pçoes das acções reais , nem das prefcripçôes acquifitivas, e ficart
ni con equencia fendo eftas ommiflas ; obrigaô porem no foro
P' a adopção do Direito Romano , adoptado pela maior parte
"as Nações civilifadas.
88 Direito Publico Portucuez
camente ao fim cfpiritual (a) hc em toda a parte a mef-
ma , e obferva as mefmas regras, que lhe fa5 eflenciais,
e que pela fua univerfalidade fe chama Catholica \b),
a qual fe coíluma definir; Congrega tio bom inum per Baptif-
rnum in Chrijio eum in finem unilorum , ut fecundam normam
in Evangelio preferi piam verum Deum colanl, & ater-
uam falulem con/equantur (e).

§. LXXXIII.

Efta Congregaçaõ de homens efpalhados por todo o


mundo (d), mas unidos pela crença debaixo de huma ca-
beça viíivel , o Summo Pontífice , fucceflor de S. Pe-
dro (e), e fujeitos ao regimen particular dos Bifpos (f),
for-

te) Ricg. Jurifprud. Ecelef. P. i, cap. i §.6; Eyb. liv. i.


de mut. indep. cap. i §„ 87. Ainda que pois a Igreja promo- '
vc muito a felicidade temporal , ifto procede em quanto a Igreja
enfina, e prefereve, como neceflario para a falvaçaó, cumprir ca-
da hum com os feus oíficios.
(í) Id. Ricg. P.2, I.i Decret. §.5; Fleur. Difc.3, §.12 n.3.
(c) Id. Rieg. P. 1, cap. x §. 4.
{d) Matth. cap. 28 f. 19; Mare. cap. 16 f. 15.
- (e) S. Pedro foi, fem duvida , o que entre os Apoílolos me-
receo a Primazia dc jurifdicçaó , e honra, para vigiar fobre toda
a Igreja , mas fem offenfa dos Direitos proprios do Epifco-
pado. Vid. Rieg. Jurifprud. Ecclef. P. 1, cap. 1, §. 14 & feq.,
cap. 3 §. 104., & feq.; Eyb. Jus Eccles. liv.i de regi mine fac.
cap. 4.
(/) Os Apofíolos , de quem os Bifpos faó fuccelTores , rece-
bera'. igual, e juntamente com S. Pedro os Direitos do Epifc"-
pado , para regerem a Igreja de Deos. Idem Rieg. cap. 1 §. I1
e feg.; Eybel. loc. cit. cap. 2,03.
ParteII. Titulo V. 89

fórma huma Sociedade , ou Republica Ecclcfiaftica [g),


comporta de membros da Sociedade Civil, e Politica (h).
Eftes membros, fendo todos os de hum eftado, e que
Conflituem huma Republica Civil , de tal forte fe unem
pelo vinculo da caridade, e communhaõ da Fé de Chri-
fto, com a íòciedade Ecclcfiaftica, que vem a conftituir
^uma Republica Chriftã, comporta de ambas as Repu-
blicas Civil, e Ecclcfiaftica (i).

§. LXXX1V.

Efta uniaõ longe de prejudicar os Direitos dc ca-


da huma das fociedades unidas , ella as ajuda mutua-
mente (!) j fem ja mais perturbar a perfeita indepen-
M den-

fe) A ISrcja he huma Sociedade defigual , porque nella ha


Surnmo Império Sagrado; Rieg. Jurisprud. Eccles. cap.i, §.50;
e por ilTo fe colima chamar Republica; Pedro de Mare. Con-
cord. Sacerd. &. Imp. liv. 2, cap. 1 , §. 2.
(h) A Republica Chriftã principiou o feu eftafoelecimento
depois de eftarem os homens todos unidos em Sociedade Civil,
e por confequencia os que >doptaraó efta Religião eraô antece-
dentemente membros da Sociedade Civil.
(/') Pedro de Mare. loc. cit.
(/) A Igreja prefereve a todos os homens a obediencia aos
Summos Imperantes; Math. cap,22, f.iô & feq.; Joann. c.19,
l0
^ ' e 11 > Pctr. Ep. 1 , cap. 2, ^.13 & feq. ; Paul. Ep. ad
om. cap. 13. Ella manda orar pelos mefmos Imperantes, Paul.
ad 1 him. 1, cap. 2, 1 , e 2; S. Chrifoft. in Hom. 30 fuper
p. ad Rom.; Conc.Tol.4, can.75. O Império, igualmente aju-
1
a. e auxilia a Igreja . como feu Protedtor; S. Aug. in Epift. ad
0nif n-I
. 9» & S contra Crefcenc.j S. Leo Pontif. in Ep.
"5.
90 Direito Publico Portuguez

dencia do Sacerdócio x e do Império (;»)..

§. LXXXV.

Deftes princípios fe deduz , que os Imperantes Civiz,


i.° confervaõ illeíos os Direitos do Império , naõ obllan-
•te a adopçaõ do Chriftianifmo: 2.0 fe conflituem na
precifa c nova obrigaçaõ de protegerem a Igreja Catho-
lica
125, alias 75 ad Auguít.; Cauf. 23, qua:lt.5,can. 20.V1J. Eyb.
dc mut. indep. liv. 1 , cap. 6; Rieg. Jurisprud. Ecclef. P. 1
cap. 8, e cap. 9 §. 466.
(m) Id. Eybel liv. 1 dc mut. indep. cap. 2 & feq. , e cap. 6
§.101 n. 4. Id. Rieg. lcc. cit. cap. 4. Bud. in Dilíert. de Con~
cord. Relig.. Chriftian. vitxque civil. cap. 1 §. 9. & feq. A in-
dependência de hum e outro poder fe moftra pela differefíça dos
feus diverfos e independentes fins. O fim- da Igreja he unica-
mente efpiritual ( §. LXXXII );eodo Império he unicamente
temporal ( §. I ). Efies diverfos fins faó entre fi taõ independen-
tes , como enfina a mefma experiencia ; pois vemos continua-
mente homens verdadeiramente religiofos , externamente infe-
lizes.c homens defpidos da verdadeira Religião , cheios de feli-
cidade temporal. Fleur. Difc. 3 , §. 3 , n. 2, & feq. He verdade:
que a Igreja tem neceUidade dos auxílios do Império , naõ para
fua exiftencia, mas fim para fua maior tranquillidade; porem eft»
neceflidade naõ he hum refultado da jurifdiçaõ do Império fobre
a Igreja , ou hum effeito de dependência fubjeftiva , que a Igre-
ja deva ao' Império ; mas hum refúitado da falta de Direitos coa-
ílivos externos da Igreja , ou de armas carnais; ad Corint. 2 , cap*-
lojf\ 4:Eyb. de mut. indep, 1. 1, cap. 3, §. 91 not. (b), & §-92
n.(í); Rieg. Jurisprud. Eccles. P.4,§.245 & feq.;e hum effeito
da protecção , e dos auxilios , que os Princepes devem á Igreja
Catholica. Vid. infr. §. LXXXV, XCV not. {h).
Parte II. Titulo V. çr
íica do fcu Eftado («): vindo em confequencia a compc-
M 2 tir

(tf) Eda cbrigaçaó vem naõ fó da qualidade de membros da


re a
^S j » como penfa Eyb. Jus Ecclef. 1. i, c.6 §. ioi , not.(m),
nas também da qualidade de Princepes. A Igreja Catholica,
confiderada em particular nos recinctos de hum Império , forma
ma pefloa moral Ecclefiaílica, comporta dos membros da So-
ciedade Civil ( §. LXXXII1 ). Efta pefioa necelíita dos auxílios
d
° Império para fua maior tranquillidade , c maior fegurança ;
iie muito util para a confervaçaÓ da Sociedade (§. LXXXIIII);
logo eíta peíToa moral Ecclefialíica naõ pode deixar de procurar
no Chefe da Sociedade Civil a fua protecção: logo os Princepes ,
como tais, faõ obrigados a proteger a Igreja do feu Eftado. Vid.
'"Ira §.XCV nota(£). Confirma-fe iíto com a doutrina dos PP.
S. Agoftinho na Ep. 185 ad Bonifac. n. 19 : Qt.omodo ergo Regei
Deofervtunt in li more , nift ea, qua contra juffa Domini funt >
religiofa feveritaU prohibendo , atque pleRendo ? Aliter enim fer*
vit, quia homo ejl; aliter quia Rex efi. guia homo eji, fervit-
fivtndo fideliter ; quia vero et iam Rex eji, fervit leges jujlas pra-
ciptentes , & contraria prohibentes , couvenienti vigore fancienda.
t «amplificando o modo de fervir como Rei conclue : In hoe
ferviunt Domino Reges , in quantum funt Reges, cum ca faciant ad
Jerviendum iJli , qu£ „en pojunt jracere ^ R(geu £ S< Lea5
«a Ep. 75, dirigida ao Imperador Leaõ: Debes incunílanter
advertere Regiam Potefatem tibi nonfolum ad mundi regimen , fed
"laxime ad kcclefi£ prafidium ejje collatam ; ut , cajus nefarios
c
"'"pi imendo , & quee bene Jlatuta defendas , (3 veram pacem his,
funt turbata, refiituas. E o Arccbifpo Hifpalenfe , S. Ifi-
d°io . referido na Cauf. 23 , q. 5, can. 20 : Cognofcant Príncipes
*cuji Deo debere fe reddere rationem prtpter Ecclefiam , quam a
tuendum ffcipíunt. NamJive augeatur pars , disciplina
eclejia per f deles Príncipes , Jive ftlvatur, ille ab eis rationem ex-
qui cor um potejlati fuam Ecclefiam credidit. E o Papa Celefti-
no
92 Direito Publico Portucuez
tir ao Imperador Chriltão a refpeito da Igreja, do feu
Eftado, das peílòas.e coufas eccleíiafticas , os Direitos,
da Infpecçaõ ( §. LXVIII ) , com© Imperador t e coma
Prote&or,
$. LXXXVL

Como Proteftor para auxiliar as determinações da


Igreja , e promover particularmente o bem da mefma (o).
Como Imperador » para impedir os prejuízos , que os
Miniftros da Igreja podem caufar ao Eftado {p) y para
promover a obfervancia da Religião em beneficio do Efta-
do

no na Ep. 19 dirigida ao Imperador Theodofio : Major vobis Fi~


dei ca ufa deíet ejfe, qiuim Regni : amplius pro pace Eci.lefiar.um cie-
mentia vejlra debet tjje felicita , quam pro omni fecuritaíe terra*
num ; fequentur enim omnia profpera , f, primitus , qua Deo furit
cariara, ferventur-
(0) Rieg. Jur. Eccles. P.icap. 8, §. 452; Eyb. Jus Eccles.
liv.i, cap. 5, §. 101. Vid» Arbes. Jurisprud. Nat. cum Chr. colV
Exerc. 2, §. 25 & íeq.
(p) Id. Arbes». loc. cit. Van-Efp. Tr-aét.. de Rec. ad' Princ.i
Petr. de Mare. de Cone. Sae. & Imp. liv.4 , cap. 18 , 19, e ai V
Joan. Gerf. tom.3 , p. 97 ; Text. in can. Regam 23 , cauf. 23.
q. 5_ Nem por iflo a Jurisdrcça» da Igreia fica dependente d»
Império Civil, i.° porque a Igreja naó tem Jurifdicçaó para pre-
judicar o Eftado ('§. LXXXIIII): 2.0 porqtie o Imperante naí
ufa fó da Jurifdicçaó propriamente dita ; mas de defeza contra
os perturbadores da Republica. Vid. Eyb. Jus Ecclef.. li*-2*
de mut. indep. cap. 2, §. 3-
Parte II. Titulo V. 93
do (7) j regular ás acções das peflbas (r), e o Direito das
toufas Eccleíiafticas (s).

§. LXXXVII.

A pratica, c ufo deites Direitos fe vê nas Conftituí-


cões dos primeiros Princepes ChriftSos , cujos fragmen-
tos fe achaõ compilados nos feus Codigos (/), a cuja imi-
tação feguiraõ o mefmo plano os Monarchas da geraçaS
Ciothica («)»
_ M3 ^
(q) Hc certo que a obfcrvancia da Religião conduz muito pa-
ra a felicidade , e confervaçao do Eftado ; porque ella enfina , c
prefcreve a obrigaçaõ , que todos tem de cumprirem com os fe-
us oílicios ( §. LXXXIIII not. /. ) ; por ifTo ao Princepe como
I mperante compete o Direito de promover efta obfervancia. Vid.
Ar.bes. loc. cit. Naõ quero niílo dizer , que o Princepe tem di-
reito coaótivo para obrigar os fubditos a feguirem a Religiad
Chrifta ; porque o homem nada tem mais livre , nem ha coufa
mais incapaz dc coacçaó , do que a Religião ; porem elle tem to-
do o direito de a promover pelo bem , que delia refulta ao Efta-
do , ufando dos meios proprios e competentes á natureza da Re-
ligião. Vid. Eybel loc. cit. §. 106 j Tradt. de tolcrant. Eccl. &
Civ. cap. de tolcrant. Civ.
M Rieg- loc. cir. P. 1 , cap. 6, §. 448.
(s) Id. cap. 8 , §. 450 & feq.; Eyb. liv. 1 , cap. 5 , §. 102.
(') Principalmente no liv. 1 , tit. 2, até o 14 do Cod. de
Juft. Repct. Pral. E lie notável a Lei 14 de Epifc. & Cler. il-,
luflrada por Jacob. Gothofr. in Cod. Theod. tom. 6 , p. 308 , e
a Lei 30 do mefmo tit.-, aíTim como a Carta do Imp. Valcntin..
eferita aos Bifpos da Afia , que refere Theodoret. liv. 4 , cap. 8.
(«) O Cardeal de Aguirre refere , que eftes Monarchas con-
vocava© os Concílios neceflarios para a confervaçao , e pureza da
Dou-
94 Direito Publico Portucuez
$. LXXXVilI.

Os novos Monarchas , que fe feguíraÕ nas Hefpanlias


depois da expulfaõ dos Árabes v praticaraÕ os mefmos
Direitos. Pelo motivo de Protedlor mereceo- Affçmfo i. de
Leão o titulo de Catholico , cujo titulo pelo meimo mo-
tivo foi conrirmado pela Sé ApoftoLica a EIRei D. Fer-
nando (*). E pelo de Imperante elles exercerão também
os feus Direitos , como fe vê das fuas Leis (s) , c dos fa-
ótos da fua Monarchia (j).

§. LXXXIX.

Os Senhores Reis de Portugal fempre exercera®'


cftes Direitos. As fuas Leis (a), as luas Ordens» enuncia-
das

Doutrina. Recearcdo Rei dos Godos, initruido pelo? beatificado*


Leandro , e Fulgêncio , fez celebrar no anno de Chrifto dc 589-
o ConciMo III.ToIetano, no qual todos os Godos renunciara» »
herella Ariana , e defde efte tempo fe confervaraG os Reis de
Hcfpanha Proteélores da Igr. Cathol.; Per. Apar. Jur. Pub»
Hifp. liv. 2 , cap. 5 , n. 14, e 15.
(*) LI. Per. liv. 2,cap. 5, n 29 e 30; Marian. de reb. Hifp.
liv. 7, cnp. 4 ; e liv. 16, cap. 12.
(z) Principalmente da Lei 16, tit. 3, Part. 2, que paliou par»
a Lei 13, tit. 3, ]„ 4 Recop.
(y) Salgado de ProteíL Reg. Fpil. Proem. e Prelud. 2, n. 72;
Covar. in Regul. Poflef. P. 2, §. 2 , n. B.
(a) Aílim fe moftra , i.° da Orden. liv. 1, tit. 7 , §. 8 , em
quanto concede ao Corregedor da Côrtc o conhecimento da he-
refia: 2.° da Ord. 1.2, tit. 26, §. 21, em quanto fe eftabelece s
pena
P a r t e II. Titulo V. 95
das aos feus Miniftros , provaõ evidentemente efta ver-
da-
pena de hfco contra os hereges ; o que ja tinha eílabelecido a
Ord. Affonf. 1.2, tit.24; e Manuel, tit.15, §.20: 3.0 da Ord. I.4,
B8, §. 17 ; em quanto fc permitte ao pai , ou mai Catho-
1'COS desherdar os filhos hereges , o que ja fe acha eftabclecido
Jia Ord. Manuel, liv. 4, tit. 72 §. 17: 4.0 da Ord. I.5, til. 1 ,
cm que trafta dos hereges, e apoítatas, deduzida da Ord. Affonf.
e Manuel. I.5, tit. 1; 5.0 da meíma Ord. I.5 tit.2, em que fe tra-
ja dos que blasfemaõ de Deos, ou dos feus Santos, deduzida da
Ord. Affonf. tit. 99,e Manuel.43: 6.° da Ord.l.5. tit. 34, em
que fe caíKgaÔ os feiticeiros, deduzida da Ord. Affonf. tit. 13, e
a11uel. tit.33: 7'° t'a meíma Ord. I.5 tit, 5 , em que fe prohi-
bem as vigílias de comer e beber nas Igrejas , ea fantificaçaÓ do
oalibado, nao fendo mandado guardar pela Igreja , ou por Con-
• ituiçaõ do Prelado , o que ja tinha prohibido a Ord. Manuel.
<!a
'"5 ''*• 117, em quanto eftabeleceo por
n ° CrÍmC dC herefia • C0m°Ía ,inha cftabelecido
, " ' 1 ", "Cu t;t- T3 5 porque ainda que o conhecimento da
jere ia , e da apoftaf.a pertença a Igreja , conforme a Ord. 1. 5

CCrt C lle enf


1 TV'
irLito, iíio° he,
' fe'^°
tal, e talende
acçaóemhequanto
hereticaao; conhecimento
mas em quan-

darad00"1 CC 'nient° ^ ^a<^° ' '^° ' ** cornrnetteo acÇa" <'e-


. ',e'a *§reja como heretica, iflo pertence ao Princepc,
e exprello no §. 4 da referida Ord,, deduzido dos coftu-
> e leis antigas do Reino, como refpondeo o Senhor D:

o 3r-ifpos
110 2 t a lla
, e Cabidos' do^ Reino;
chwnada Concordata
c como , qtiedeftinguio
fabiamente fez com

^ ^"'10r D. Jofé I na fua Lei de 12 de Junho de 1769: o.° da


!V ' *' $*39» em quanto manda baptizar os eferavos de Gui-
antes, e entregar os adultos aos competentes Parrochos,
P a os inílruirem : 10. e finalmente fe moftra efta protecção na
juua do biaço fecular, que lodos os Miniftros do Reino devem
pre-
96 Direito Publico Portuguez
dade(£). O titulo dc FideliíTimos, com que os deftinguio
Benediâo XIV, he hum irrefragavel teftemunho da lua
protecção.
§• XC.
Porem o fanatiímo, filho da ignorancia, fufcitou nos
feculos paliados ( c prouvera a Deos naõ fuccedera o
meírno no prefente ) huma alluviaõ de rebeldes contra os
fa-

preítar aos Miniflros Ecclefiafticos, na fórma da Ord. 1.2 , tit.8,


deduzida da Extravagante do Senhor D. Sebaftiaõ de 2 de Março
de 1568 , Leaõ P. 2, tit. 2, L. 13; obrigaçaõ , que o Senhor D.
Manuel tinha importo á Cafa da Supplicaçaó , como conda da
fua Ord. liv.i, tit.4, §. 7. Naõ feríclo menor prova da referida
protecção o eftabelecimentò do refpeitavel Tribunal da Inqui-
fiçaõdeftcs Reinos por Paulo III no anno de 1536 a inítancias
do Senhor D. Joaõ III, para melhor confervaçaó da pureza da
Religião, a que os Prelados Diocefanos, implicados com a oc-
currencia de outros ncgocios , naõ podiaó completamente acu-
dir; a cujo Tribunal delegaraó os nolTos Monarchas a fua tempo-
ral jurifdicçaõ, para cafligarem com as penas temporais, e exter-
nas, que faó privativas da jurifdicçaõ temporal , aos incurfos no
crime da Religiaô , como fe vê da Lei de 12 de Junho de 1769 ;
fendo por iíTo obrigados todos os Miniftros do Rei a cumpri-
rem as fuas fentenças , fem algum prévio conhecimento da fua
legalidade, Ord. 1. 2, tit.6. Vid. Ord. 1.x, tit.58 §. 18; Ord. 1.2
tit. 1 §. 28, e tit. 3; Ord. liv. 5, tit. 40 &c.
(í) Os dous Portuguezes Egidio Martins , e Pedro de Valaf-
co, Embaixadores do Senhor D. Joaó I no Concilio de Confian-
ça, proteítaraó na prefenca do mefmo Concilio , que as fuas de-
terminações naõ prejudicariaó nem ainda aos Prelados , nei»
aos Beneficiados do Reino, nem teriaôalguma execuçaõ, e obe-
diência , antes da approvaçaó de feu Amo , como fe acha incor-
porado na Selfaõ 22 do mefmo Concilio.
P a r t e II. Titulo V. 97
Agrados Direitos do Summo Império (r) , por cujo mo-
tivo fomos obrigados a tradfctr mais largamente efta in-
tcrefiantiílima parte do Direito Publico; o que faremos
nos feguintes Capítulos, conliderando os referidos Direi-
tos: i.° a refpeito da Igreja em commum reprefentada
pelos feus Miniftros: 2.0 a refpeito das pelToas : 3.0 a re-
fpeito das coufas Eccclefiafticas.

CAPITULO V.

Da Infpeccao a refpeito da Igreja em commum repre-


Jentada pelos feus Minijiros.

f. xci.
OEgundo a noçaG de Igreja ( §. LXXXII ), e feu efta-
belccimcnto, he da noíTa crença , que Chrifto Senhor Nof-
N fo
(') Aífim o perfuadem, i.° as reiteradas queixas do Corpo
cclefiaflico , quetleraÕ occafiaõ ás Concordatas , que colligio
Gabriel Pereira de Caítro, liv. 2.° de Man. Reg.: 2.° o defpo-
1 mo de Soeiro Gomes Prior de S. Domingos , com que fe ar-
x jou a promulgar duas Leis annullatorias da Lei do Senhor D.
011 o II , qUe refíringio ás Igrejas a liberdade de adquirirem
v.ns dc raiz : 3.0 a animofidade, c atrevimento de D. Eítcvaõ
rcebifpo de Braga de excomungar por cite refpeito o mefmo
e
nhor. 4.0 a(Iim o perftiade finalmente o arrojo de Alexan-
fe
^"P° c'e Nicaftro , Colleâor Apoftolico, no tempo de Filip-
P® IV , que em obfervaiicia das Bulias de Urbano VIII de 1636
1638 declarou por públicos excomungados os Miniftros do

dc ^UC§. eXecu,a
'c R ec. ^emvem
107 , que
a
Ordenaçaõ liv.na2 2.»
incorporada , tit.parte
18. da
Vid. Pctiç.
Deduo*6
^-hronolog.
98 Direito Publico Portuguez
fo deixou á fua Igreja todos os poderes neceiTarios para a
lua perpetua duraçaõ. Eftes Direitos fe cofhimaõ reduzir
pelos DD. Catholicos a dous Capítulos, Miniiierio, e Re-
gimen.
§. XCII.

O Minifterio confifte na faculdade de celebrar o tre-


mendo Sacrifício , e de adminiftrar o neceflario para a
fua celebração o qual compete aos Miniftros da Igreja
por Direito Divino , e Eccleliaftico (d). O Regimen con-
iille no governo interno , e externo da Igreja , que igual-
mente compete a os Miniftros delia por inílituiçaõ Divi-
na, e Eccleliaítica (e).
§. XCIII.

O governo interno confifte na faculdade de inftruir os


Fieis , pregar o Evangelho , declarar a Doutrina , e os
Dogmas da Religião, adminillrar os Sacramentos &c. O
externo confifte no poder de legislar íobre as matérias
propriamente Ecclefiafticas, (id. Rieg. loc. cit. §. 55 ) e
fazer regulamentos para confervar cm toda a fua pureza o
Dogma, e a Moral , os quais conflituem a Difciplina ex-
terna, e arbitraria da Igreja. Id. Rieg. P.i, Cap. 1, §. 8í,
Febron. Eftado da Igreja, Rezumo cap. 10.

§. XCIIII.

Todos eftes poderes faõ de inftituiçaÕ divina , em


quanto á fua fubftancia, ou thefe,( como fe explica o
mefmo Riegger em a nota ao dito §. 54 ), e por confe-
quen-

{d) Rieg. Jurisprud. Eccl. P.i.cap. 2, §. 58.


{e) Id. Rieg. loc. cit. §. 54.
P a r t k II. Titulo V. 99
quencia fao proprios da Igreja ; porem nem todo o feu
objecto he neceílario , ou eílencial cm íi mefmo , e cm
Quanto ás circunftancias externas ; porque o objcdlo dos
poderes externos he arbitrario, ou accidental, aílim co-
mo 0
objeiflo dos poderes internos cm quanto ás circun-
ftancias externas (f).
§. XCV.

Deites princípios he evidente , que os Direitos da


r
% eja fe reduzem a dous capítulos : Direitos effenciais ,
ou necelíarios; c Direitos arbitrarios, ou accidentais. Por
tanto devemos ccnliderar os Miniftros da Igreja, ou a
tnefma Igreja, como corpo miftico por elles reprefenta-
da , debaixo de quatro pontos de vifta : 1.° ufando de
Direitos fubftanciais : 2.° ulando dos accidentais : 3.0
N2 abu-

(/) Chrilto Senhor N0IT0 fg prefereveo como necelíarios ,


e eITenciais para a confervaçaó da Igreja , os Dogmas da Religi-
ão , e a forma eílencial dos Sacramentos e deixou todo o mais
governo ao arbítrio, e á prudência dos feus Mini ftros: por exem-
plo , he do fubftancial da Igreja inflittiir Miniftros para fuccef-
fores dos Apoftolfes , e Difcipulos de Chrilto &c.; mas o nume-
ro , as idades , qualidades , pelíoas , e confraternidades Religio-
fas , iíto he accidental , e externo. He fubftancial da Iereja , que
eltes Miniftros inftruaÕ os Fieis , preguem a fua divina palavra ,
e
adminiílrcm os Sacramentos ; más a occafiaó , o tempo , o lu-
gar , e o numero dos Fieis , iíto he, a divifao dos Bifpados , das
I arrochias &c , he accidental , e externo. JuftinianO dividio os
Bifpados, Nov. 11. He do fubftancial da ReligiaÓ , que a Igreja
julgue os crimes puramente Eccleliafticos , fepare da commu-
R
ha6 os incorrigíveis ; mas a folemnidade do foro , o modo de
Proceder nefta matéria , .ifto he accidental, e externo; Eyb. Jus
'ccl. liv. 2, cap. 5, §. 109 e 125.
ioo Direito Publico Portuguez
abufando de huns , e d'outros : 4.° ufando dos Direitos,
que lhe naõ competem. No primeiro, e fegundo caio naõ
tem o Imperante mais autoridade, que a de Protec-
ção , e Advocacia , porque o legitimo ufo daquelles
Direitos nunca pôde Ter prejudicial á fociedade Civil
( §. LXXXIV; , ou á Igreja. No terceiro, e quarto cafo
compete aos Princepes o Direito defeníivo contra as de-
terminações da Igreja , como Prote&ores , e Imperado-
res. Como Proteílores , quando ellas faõ em prejuízo
da mefma Igreja íimplesmente (g) ; como Imperadores,
quando ellas redundaõ em prejuízo do Eftado, ou dc
feus membros (h).
§. XCVI.
(g) Daqui vem o Direito, com que S. Luiz Rei de França,
fez a celebre Conftituiçaõ em 1268 , fem o concurfo do Clero
Gallicano , na qual rejeita as novidades introduzidas pela Corte
de Roma , e incita a Igreja Gallicana á obfcrvancia dos antigos
Cânones. Petr. de Mare. de Cone. Sac. & Imp. cap. 38, liv.6,
n. 2.
(h) Segundo os principios conftitutivos das Cidades he cer-
to , que o Teu fim principal foi para fe defenderem os homens
das violências , e opprelfóes dos outros. He igualmente certo ,
que para i'c obter efte fim foi dc liurr.a abfoluta neceílidade o
Surr.mo Império. Em confequencia he certo , que os PrinccpcS
íoraõ conftituidos por Deos , para que os opprimidos achaíTem
nelles protecção, e defeza contra os attentados e violências
que faõ mais poderofos, o que reconhecco S. Jeronymo referi''0
no Can. Regum 23, cauf. 23, q.5 , ficando por iífo fendo a mef-
ma protecção eíTencial, e inabdicavel do Summo Império ( co-
mo confiante , e uniformemente eniinaó todos os DD. ) naó
a favor dos vaflallos feculares , mas dos Eccleliallicos , qoan«l°
íaõ vexados pela perpotencia de feus fuperiores. S. Ifid. in can-
Prin-
P a r t e II. Titulo V. IOI

§. XCVI.

Podem abufar dos Direitos fubftanciais dogmatizan-


do , pregando , e enfinando falfas doutrinas , legislando ,
e preferevendo Cânones contra o Dogma , e Moral. Po-
dem abufar dos accidentais, preferevendo regras difeipli-
nares prejudiciais á Igreja, ou ao Eítado (/), nao obler-
vando as leis difeiplinares da Igreja, ou do Eftado. Po-
dem

1 rinctpes ao , cauf. 23, q. 5; Van-Efp. de Recnrf. ad Princip.


cap. 1; Fr. Joaó de Pariz da Ordem dos Pregadores , de Proteft.
Reg. & Pap. cap. 20; Pctr. de Mare. de C. S. &. I. I.4, cap. 18,
19, 2i ; De Real. Scien. do Govern. tom.7, cap. 4, §. 68, Defte
principio procede a audtoridade com que em França fe nao fez
acceitaçaõ do Concilio de Trento em quanto á Difciplina ; Hjioi-
re de Ia receplion du Concite de Trcntc tom. 2, p. 314; A br cg}
Chronologique de la Hijíoirc Ecclefwjlique armo 1115. Cailos Bif-
F° de Labak na fua Paíloral de 1783 , dirigida a inftruir as
luas ovelhas fobre os legitimos procedimentos do feu Impera-
dor Jofe II , affirma , que a Difciplina externa da Igreja lie
fubordinada ao Sununo Império na extenfaõ de cada Eftado ; e
que os Bifpos a eíle refpeito faõ fubordinados aos Princepes feus
oberanos , elle refere, que a mefaia Roma depois do 5 Século
do Chi iítianifmo reconhecia , que aefte refpeito faõ os Reis re-
prefentantes de Jefus Chriftd, e que participaõ do Epifcopado.
Allim fe explica Conftanttno apud Eufeb. liv. 4, cap. 25 ; o que
'le vei"dade no fentido em que falíamos , em cujo fentido naõ
fazemos a Igreja dependente do Império para o exercício da
fua jurifdicçaõ ( §. LXXXIIII ).
(/') A Igreja »aõ pôde prejudicar a Sociedade Civil com os
feus regulamentos difeiplinares , ou accidentais; Eyb. Jus Ecch
e
mut. ind. 1.1, cap. 6, §. 101, n. 5 ; porque naó faó de r.e-
cef-
102 Direito Publico Portuguez
dem ufar da JurifdicçaÕ, que lhe naõ compete, legislando
fobre matérias temporais, c impondo femelhantes pe-
nas (l). Podem abular da JurifdicçaÕ , que lhe compete ,
fulminando cenluras fobre matérias temporais , e pofter-
gando a ordem prefcripta pelos Cânones (>«).

§. XCVII.
Poíta a potencia deites abufos, eufurpaçaõ verificada
muitas vezes pela experiencia he certo que os Princepes,
poíta a inviolabilidade dos feus Direitos originários , e a
adjedicia obrigaçaõ de Protectores pela adopçaÔ do
Chrifiianifmo ( §. LXXXV ), tem autoridade de remo-
verem, e impedirem femelhantes abufos, e prejuízos co-
mo Imperadores (a), e Protectores ( §. LXXXVI ).
§. xcvur.
celTidadc para a confervaçafi da Igreja( §. XCIIII not. /). Em
confequencia os Miniítros da Igreja naõ podem prefcrever regras
difciplinares prejudiciais ao Eílado , fenaõ por abufo de júris-
tlicçaõ.
(I) A Igreja hc huma fociedade efpiritual ( §. LXXXII ),
por iiro a fua Jurifdicçaó , e os meios de a promover fó podem
ler efpirituais; Eyb. Jus. Eccl. l.i.demut. indep. cap.6, §.ior,
axiom. i, &feq. ;e todo o poder temporal hc fó privativo do
Império temporal. Id. Eyb. loc. cit. axiom. 4. Portanto os Mi-
niftros da Igreja abufaÓ do feu Direito, e infringem os Direitos
do Império , quando ufaó do poder temporal. Petr. de Mare. de
Cone. Iiv.3, cap.2, 11.10.
(m) \ id. Rieg. Jurisprud. Eccl. P. 4, §.633, &feq.
(«) Pc'r. de Mare. de Cone. Iiv.2, cap. 10, n. 1; Claud. Ef-
penf. apíid Fevret. 1. 1, cap.5. tit. r, pag.49 ibi: / /fi Principum
riihil intereji rerumfacrarum , cur de negotih EccUfmJlieis in Códi-
ce , 111 Ani. tot auguji£ leges , a!que conjiilutionei ; tot in nojlris,
ei/inium Chrijlianorum annalilus ediíla regia ?
Parte II. Titulo V. 103

§. XCVIII.
O meio ordinário, e commum dé ufarem deita âu&ori-
dade, he pelo Recurfo ao Princepc, e Placito Régio. Re-
curfo ao Princepc he huma efpecie de appellaçaÕ (0) , ou
elpirito da nofla legisiaçaõ, propriamente hum aggra-
Vo
(P)> que os vafiallos interpõem para o leu Princepe con-
tra as violências dos Juizes Ecclcíiafticos (q), ou feculares
( §.XCV n. h), para impetrarem a fua protecção (r). Pla-
cito

(o) Ord. 1.1, tit.g §. 12 , e tit. 12 §. 5 ; Orei. I.3, tit. 78.


(/') Rieg. Jurisprud. Eccl. Patt.2, tit. 28, 1233 & feq.
(f) Vid. Eybel Jus Ecclef. 1.2,cap.2, §. 117 ; Van-Efpcn
dc Recurf. ad Princip.; Rieg. Part. 1. §. 383,5c §. 1233 & feq.
(r) A autoridade do Recurfo he hum refultado dos officios de
protecção , que os Princepes devem aos feus fubditos, e á mefma
Igreja opprimi.ia , e vexada mefmo pelos Miniftros Ecclefia-
fticos( §. XCV not. b), quando elles ufao da Jurisdicçaó, que
'he naõ compete , ou abufaó da que lhe compete ( §. XCVI );
porque em hum, e outro cafo fazem notoria injuftica , e violên-
cia notoria , procedem de mero fado , e fazem notoria injuria »
(L. 13, íi. quod metus caufa ) que deve fer repellida pelo Prin-
cepe , fonte de toda a juftiça , e legitimo defenfor dos feus vaf-
fallos. Nos , diz o Papa Leaô III eferevendo ao Imperador I.u-
'Z' fi ivcwfetcnler aliquid egimus, in fubditis jujite legis tramitem
"cn c:"fervavitnus , vejiro , ac vejhcrton mijjorum cuníta velumus
c
'"endari judicio. Id. Rieg. fupra §. 1234.. Pelo effeito delie Re-
c»ifo naõ fica a Jurisdicçaó própria da Igreja dependente da au-
toridade dos Princepes ; porque elle naõ tem lugar , quando os
Juizes Ecclefiafticos ufaõ da ftia competente Jurisdicçaó , mas
0
quando fazem violências , e oppreirCes ; para o que naõ tem
júris-
104 Direito Publico Portugukz
cito Régio dizemos aquella autoridade (s), que o Prin-
cepe tem para examinar as Leis , Conflituições , Refcri-
ptos Eccleíiafticos &c., antes de promulgados, e fufpen-
der , ou prohibir a promulgaçaõ , e execução dos que fo-
rem prejudiciais.
§. XCIX.

Os noíTos Monarchas juftamente tem fempre ufado


deite

jurifdicçaó. Eyb. loc. cit. "§. m not. Pode fim dizer-íe . que
afiim como os abufos, e violências dos Princepes naó audtóri-
fa5 aos feus fiibditos para os obrigar a reformar eires abufos ,
nem para recorrerem ;i protecção dos Princepes eftranhos , tam-
bém parece , que os Princepes , como fubditos da Igreja, naó
podem reformar os abufos delia ; nem os fubditos do Princepe,
fendo fubditos da Igreja, podem recorrer á protecção dos feus
Princepes , que a refpeito da jurifdicçaó da Igreja faÓ como
Princepes eftranhos: porem a razaó de differença confifte emque
nem o fubdito da Igreja, como tal, recorre ao feu Princepe ; nein
efte como fubdito da Igreja protege o feu vaiTallo opprimido': mas
o Princepe procede no Recurfo corno Soberano temporal, e legi-
timo defenfor dos feus vaílullos ; cos fubditos da Igreja , fendo
também fubditos do Eftado , recorrem ao feu Soberano tempo-
ral , como feu Juiz legitimo, e legitimo defenfor de feus Direi-
tos , o que (e naó verifica na apparidade propofta.
(jj Vid. Van-Efpen de Promulg. Leg. Ecclef.; Eyb. Jus Eccl.
1.2, cap.2 §.no not. (<r); Ricg. Jurisprud. Eccl. Part.i §.447-
Efta autoridade fundada nos Direitos de Infpecçaó §. LXVIII >
e nos Officios de Protecção §. XCV not. (h), naÓ oftende a inde-
pendencia da Igreja ; porque ella naó fe extende a autorizar as
Leis Ecclefiafticas-, nem a impedir a promulgaçaõ , e auálorida-
de de outras Leis , que as prejudiciais , para o que a Igreja naó
tem
P a r t e II. Titulo V, 105
deftc mefmo Direito de Infpecçao fobre os Miniftros da
O Igre-

*etn Jurisdicçaó §.84.As Leis Ecclefiaíticas ou faó meramente


declarativas de Dogma , ou faó propriamente Leis difeiplinares:
luunas e outras, he certo, eílaõ fujeitas ao exame Régio ; porem
exame , pelo que pertence ás difeiplinares , fe reduz a de-
clarar que naó faó prejudiciais ao Eítado , eá Igreja , de que
lie Prote&or ; e que por iflo fe podem promulgar , e executar:
c a refpeuo das dogmaticas o exame fe limita , i.° a averiguar
que fe naó introduza na mefma Lei alguma coufa difeiplinar,
•que feja prejudicial; vid. Eybel Jus Eccl. liv.2, cap. 1 §. 105
J1
- 5 llot* (g): 2.° a fufpender pro ínterim a fua promulgaçaô ,
•quando ella poIFa caufar revoluções no Eílado, ou na Igreja , ç
o Régio exequatur fe reduz a declarar , que a fua promulgaçaô
Jiaõ prejudica o Eítado. Nem bailaria , que elles exames fe fizef-
Jcm depois das Leis promulgadas: Ipelas revoluções , que co-
íiuma fazer no Povo o efpirito mal entendido da Religião; 2.0
porque na hypothefe de ferem as Leis prejudiciais, feria injufta a
fua promulgaçaô.Dir-fe-ha que as Leis Civiz também podem fer
prejudiciais á Igreja , e que a pezar de naó ter a Republica Ju-
rifdicçaó para prejudicar á Igreja , naó tem ella auctoridade para
examinar as Leis Civiz antes de promulgadas , nem para fazer
dependente a fua promulgaçaô do Placito Ecclefiafiico : pórem a
razaõ de diíFerença confifte 1.° na <lifferente natureza, e diffe-
rentes fins dos dous poderes: o poder temporal he todo de coac-
Çaõ, e dominaçaó, S. Luc. c. 22; eo poder efpiritual he todo de
os eus ns
brandura, e paciência, o mefmo S.Luc. c. 21 ^ ^
faó inteiramente diverfos, §. LXXXIV not. (/); e por confequen-
cia os meios de os promover haó-de fer differentes: 2.° nos dif-
íerentes objo&os das Leis Civiz, e Ecclefiaíticas: as Leis Civiz
n
aõ tem por objedto eftabelecer , ou declarar os Dogmas da Re-
*'£'aó, motivo porque femelhantes Leis dogmaticas faô notq-
lia-
ic6 Dirutq Publico Portuguez
Igreja , como rcprefcntantes da n.cfir.a , naõ ío pelos
meios

riamente nullas, e naõ obiigaó os Chriftaõs ; as Leis Civiz naí>


podem cteftruir a nnidade da Igreja, o eflcncial da Religião ;
pois , como diz o Evangeliíla S. Matthens cap. 10 tf. 28: Noli/e
hmere, qtii ociidunl corpus , animam au/em non pojjunt occidere. Pe-
lo contrario a Igreja mefmo, dentro dos fetis limites , e muito
mais no prefente citado da aflual difciplina , pódc legislar fobre
matéria , que poftas certas circunftancias offenda a Republica , e
a mefma Igreja, qual a matéria difeiplinar externa ; cujas Leis
como de objeiíto competente ( prefeindindo daquellas circunfian-
cias ) obrigaõ depois de promulgadas : he por Lflo neceíTario, que
cilas fejaó examinadas primeiro pelo Princepe , de quem he pri-
vativo o conhecimento des prejuizos, pelo exercido do Poder Ma-
gcftatico Infpeílivo ( §. LXV1II ) , razoes, que fe naõ verificaÕ
nas Ltis Civiz. He verdade , que , podo que as Leis do Princepe
naõ poflaõ deftruir a unidade da Igreja , podem de faâo pertur-
bar a mefma unidade; porem a Igreja naõ tem outros meios pa-
ia fe oppôr, que os da paciência, os da oraçaó , e dcprecacões 3
l)eos, e o das ftipplicas , e admoeílações fraternais: a fua efpacla.
he unicamente a do efpirito , Paul. ad Ephes. cap. 6, e a da fe-
paracaõ dos incorrigíveis, e contumazes, Math. cap. 28 y. 17;
cujas balizas naôpóde paliar, Concil. Conftanc. Sefr.25, c C. i°
de Judiciis. Por ilfo S. Gregorio , fendo-lhe mandado pelo fc'1
Imperador promulgar huma Lei, e tranfmittilla para diverfas
partes da fua Igreja, elle cumprindo com os officios de valTallo, e-
executando o mero fado da promulgaçaõ, fe oppôs com a f<líl
doutrina á injuíliça da mefma Lei , como confia da Carta, quC
elle efereveo ao Imperador , Epifi. 62 liv. 2, ibi: Pote/las J"per
«rimes homines deminorum meorum pie/ali Cerlitus data eji. Ego <]«'"
í/em juffioni fubjeílus eamdem legem per diverfas terrarum par!'5
tranfmitti feci; bf quia lex ipfa amnipotenti Dco minime concordo/ >•
ecce per JuggeJlionis mea paginam JertniJJimis dominis meis nuntia-ui-
Utro-
w
Parte II. Titulo V. 107
111
cios communs do Placito Régio (t), e Recurfo á Co-
roa («); mas tambcm prohibindo a publicaçaõ das cenfu-
O 2 ras

Uirobrque ergo , qua deiui , exfolvi, qai Cif Imperatori olcdienliam


fcebui, & pro Dco, quodfenfi, minime íacui\ Bofluet. liv.6, cap.9.
He também verdade , que as Leis Civiz podem verfar fobre ob-
Jtílo , que prejudique ao difciplinar, e acCidcntal da Igreja , cu-
jas Leis , pela competencia do feu objeólo, obrigaõ depois dc
promulgadas , aífim como di fiemos obrigaõ as da Igreja \ porem
a relpeito delias melmas feria inútil o exame Ecclefiaflico ; por-
que a utilidade da Republica , que ferve dc objecto áquellas Leis
Civiz, deve prevalecer ao prejuizo , que ellas caufaó ao acci-
*'ental da Igreja ( §. XC VI not i ) , cuja utilidade he do privati-
vo conhecimento do Princepe ; Eyb. Jus Eccl. liv. r , cap. 6,
§. ror., num. 5. Depois difto competindo á Igreja o mefmo Di-
reito de examinar as Leis Civiz, aflim como compete á Repu-
blica o de examinar as Eccleliallicas, elle fe tornaria impraticá-
vel tanto ao Sacerdocio , como ao Império ; porque fe deftrui-
riaó mutuamente , e deíle modo prejudicaria a Igreja á Republi-
ca ; Chriflo com o feu efiabelecimento viria a difiòlveras Leis
da fociedade ; viria a formar hum novo Reino nefte mundo ; vi-
ria a exercer o officio de Juiz temporal ; mas o contrario ellc
«os enfinou pela boca dos feus Apoftolos , e Evangélicas.
(/) Concord. do Senhor D. Joaô I art. 85; Orden. Affonf.
liv. 2 , tit. 9; Deduc. Chron. Part. 2, Dem. 6; Decreto, e Lei
de 10 de Março de 1764.
(«) Ord. 1. 1 , tit. 9 §. 12 , & ibi Col. e tit. 12 , ; e 6.
O Recurfo á Coroa he antiquiflimo em Portugal , como fe pro-
i.° da primeira Concord. do Senhor D. Diniz art. 2,4,
5 . e 6 , em que os Ecclefiafticos ja fe queixaó defte mefmo ufo:
2
-° da Carta do mefmo Senhor dada em Lisboa aos 21 de Ou-
tubro dc 1356, dirigida ao Alcaide , e Alvazis dc Lisboa , con-
tra
ioS Direito Publico PorTuguez
i as contra os Mini fixos do Rei fcni o Placito Régio (x) j
as Inhibitorias liccleíiafticas, para cíics naõ conhecerem
de certas caufas (2); a execução das fentenças Ecclefiafti-
cas contra os valíallos feculares fem exame dos MinL-
flros Régios, ou auxilio de braço fecular (y); e concedendo
Cartas tuitivas para fe naõ executarem as fentenças Ec-
.clefialticas, antes de decidida a Appellaçaõ (a).
C A-
tra os Vigários , e Ouvidores da mefma Cidade para naõ con-
fira ngerem os RafToeiros de Santa Cruz de Lisboa a refponder
perante elles , nem lhes pôrem penas de excommunhaÕ ; Ded.
Chron. Prov. da 2 P. Dem. 7, n. 15 : 3.0 da quarta Concor-
data do mcfmo Senhor, art. 2,4, e 6.: 4.° da Concordata,
do Senhor D. Pedro art. 32:5.° da do Senhor D. JoaÕ I, art. 8 t
6.0 do AlTento da Cafa da Supplicaçaõ , fobre hum aggravo , que
os Mouros de Loulé interpuzeraõ de feu Prior pela excomunhão»
c feparaçaõ dos Pieis , importa por caufa dos dízimos , que paf-
fou a fer incorporada na Ord. AfFoní. liv. 2, tit. 109 : 7.° das
Cortes do Senhor D. Affonfo IV de Santarém na era de 1456 „
e de Coimbra a 10 de Agoíto de 1472 ; Ded. Chron. P. 2„
D.6. : 8.0 Ord. Manuel, liv. 1 , tit.11 §. fin., e liv.5 , tit. 47:.
9.0 da Concordata do Senhor D. Sebaíliaõ, art. 15 , e 16: e ul-
timamente da actual Legislaçaó.
(*) A Extrav. de 18 de Dezembro, de T516 ; Leão P. 4,.
tit. 12, L. 2 ; Ord. 1.2, tit. 14 j Decreto de 10 de Março de
1764, e L, do mefmo anno.
(z) Ord. l.i, tit. 9 §. li; e Ord. 1.2, tit. 14.
(y) Ord. 1,2 , tit. 8, e tit. 9 §. 1.
(«) Ord. 1.2, tit. 1 oj Reg. do Dcfembargo do Paço §.1x6.
Parte II. Titulo V.

CAPITULO VI.

Do Recurfo á Coroa.

§. C.

' Eixando de tradlar do Placito Rcgio por naõ ter


norma particular (í), tragaremos primeiramente do Re-
cuifo á Coroa. Eíte Recurfo fe pode confiderar de dous
díodos, ordinário, e extraordinário: extraordinário hc
aquclle , que naõ fendo determinado , e regulado pelas
Leis Patrias , fe pode com tudo interpor para o Princepe
ímmediatamente , em virtude do imprefcriptivel, e in-
abdicavel officio da Protecção Regia , cujo Recurfo na5
tem norma alguma particular , c he commum a todas as
Rações, e fe regula unicamente pelas regras de Direito
l ublico Univerfal; ordinário he aquelle , que fe acha re-
gulado pelas Leis Patrias , em certas e definidas circun-
ftancias , e debaixo de certas formulas. Por tanto tradta-
rcmos
fomente do Recurfo ordinário , para cujo fim ex-
poremos , i.o em que cafos tem lugar : 2.° que pefíòas o
podem interpor : 3.0 qUC Miniftros podem delle conhe-
cei : 4.0 a fórma com que fe deve interpor; 5.0 o feu
effeito.

%. CL

(/') Para fe confegnir o Placito Régio , aprefentaõ-fe na Se-


cretaria de Eftado as Conftituições, Bulias , Paftorais , ou De-
Cretos
0s
Ecclciiafticos , para ferem aprefentados ao Rei , e ellc
examinar.
110 Direito Publico Portuguez
§. Cl.

Os cafos, em que o Recurfo tem lugar, fe podem redu-


zir a dous: i.« quando os Juizes Eccleíiafticos ufaõ de
Jurisdicçaõ, que lhe nao compete (çj : 2.0 quando abufao
da Jurisdição, que lhe compete (d) ; porque em cada
hum deftes cafos ha notoria violência , e notoria oppref-
faõ (e), requifitos neceflàrios para efie Recurfo (/).
§. CII.

{c) Ord.1.1 , tit. 12 §. 5> e Ord. 1.2. tit. I (J. 14. Para fe
conhecer fe a Jurisdicçaõ lhe compete, ou naõ , fe devem obfer-
var as fcguintes regras. 1. Aos Juizes Eccleíiafticos, como tais ,
nao compete outra Jurisdicçaõ , que a efpiritual; porque eíla he
fó a própria da Igreja , de quem faõ Miniftros ( § LXXXII ).
2. A Jurisdicçaõ temporal, que exercem, he por delegaçaõ dó
Imperante Civil ; mas como eíla delegaçaõ naõ he plena , c
abíoluta , mas rcílriâa, e limitada , fegue-fe 3.0 que aos Juizes
Ecclefinllicos naõ compete mais Jurisdicçaõ temporal , que a
que elles provarem lhes he delegada.
(d) Ord. l.i, tit.9§.i2,& ibid. Col. ; Ord. 1.2, tit.ro; ou
feja a Jurisdicçaõ Ecclefiaftica , ou Civil , porque no abufo de
Cada huma delias fe commette notoria' violência.
(e) No primeiro cafo ; porque infringe a liberdade natural
de cada hum, e lhe faz notoria injuria aquelle, que fem legitima
auCloridade fe arroga a conhecer das fuas acções. No fegundo
calo ; porque naõ havendo Jurisdicçaõ, que auólorize eííeS
abufos , elles fe reduzem ao eftado de ferem commettidos fem
Jurisdicçaõ, e fem legitima audtoridade.
(/) Lei de 29 de Setembro de 1617; Col. 2 ao $. 12 da
Ord. l.i, tit.9 ; Decreto de 14 de Junho de 1744, §. 1 in fin.,
e dita Col. n. 14. A difficuldade eftá em fe conhecer quando ha
notoria opprelTaõ , c notoria violência. Para iílo fe conhecer lo
deve
Parte II. Titulo V. m

§. CII.
A falta de Jurisdicçaõ ou he cerra , ou duvidofa , af-
como o abufo. Quando he duvidofa a Jurisdição ,
°u o abufo delia, fó podem ufar defte Recurfo as peífo-
as feculares , e naõ as Eccleiiafticas (g): quando he cer-

ta
deve advertir , i.° que toda a violência , e toda a oppreflaõ , que
fe faz ao homem , provêm neceflariamente da infracçaõ da fua li-
berdade. Efta liberdade ou he natural , em quanto fe regula pe-
las Leis Naturais f.mplcfmente, o que ainda fuccede no Eftado
' cl,,an<'° as Leis Civiz naõ tem limitado a liberdade natu-
ral ; ou he civil , quando cila fe regula pelas Leis Civiz : donde
toda a violençia, que fe faz ao homem , nafeeda notoria tranf-
greilaõ, e infracçaõ das Leis Naturais, ou Pofitivas : 2.° que
os Min litros da Igreja fó podem como tais, e como Juizes, tranf-
gred.r citas Leis , julgando, ou proferindo fentença final , ou
interlocutom; logo toda a violençia, e ©ppreflàô commettida
pe os Juizes Ecclcfiafticos , fó pode fer por fentença notoria-
mente ntiha , e injufta. Eflabelecidos eftes principios , he fácil
e conhecer quando ha violençia , ou oppreflaõ noloria ; porque
ac amos decidido nas Leis Patrias , quando a fentença he noto-
amente nulla. i.o Quando he proferida por Juiz incompetente.-,
em citação de parte: 3.0 com fa[fa prova: 4.0 por pei-
ta, ou uborno: 5.o contra outra fentença paliada em julgado/
rr • I.3 tit. 75 , Extrav. de 3 de Novembro de 1768. He no-
t<"iamente injulta , quando he proferida contra Direito Pátrio,
ou feu fubfidiario exprelTo ; a mefma Extrav. §. 3.

^ n"' '* 1 *tit.


rd. 1.2,
, t 12
5 >e ver
' *1 §. 14, ' ome
15.'* A I'noda
razaó ferdifferença
" • combinado
he ,
porque os Ecclefiafticos , fegundo os fetis privilégios, faó por
j.'a de re^ra f"Jeit0S á Jurisdicçaõ dos Juizes Ecclef.afticos; Ord.
lv
- 2, tit. 1 per tot.; e pelo contrario os feculares íàÕ por via
de
H2 Direito Publico Portuguez

ta a falta de JurisdicçaÕ, ou o feu abufo, podem ufar de-


ite Rçcurío todos 05 vafiallos de hum, e outro Eftado (h)\
e em

de regra excmptos deíla JurisdicçaÕ. Naõ devem por tanto os


Ecclefíafticos fubterfugir á JurisdicçaÕ dos feus Juizes , na duvi-
da fe ella lhe naõ compete ; e os feculares naõ dc.vcin pela mef-
ma razaõ fujeitar-fe a ella.
[h) Quando he certo que a JurisdicçaÕ naõ compete aos Jui-
zes Ecclefiafticos, cefia a regra ( fupra ) deduzida do privilegio ;
por confequencia fe faz aggravo tanto ao Ecclefiaftíco , como ao
fecular ; por ilFo nelle calo pode aggravar tanto hum , como
outro, como fe deduz a contrario da Ord. 1.2, tit.i §.15, e fe vê
da Ord. l.i , tit.12 §.5, verf. e o me/mo ferã\ na qual fe com-
prehendem douscafos: 1.° quando fe aggrava na duvida da Ju-
risdicçaÕ , o que fó he permittido ao fecular nas palavras e for
leigo, combinadas com a Ord. 1.2, tit. 1 §.15: 2.° quando as
partes fe aggravarem na certeza de falta de JurisdicçaÕ, oque he
permittido tanto ao Clérigo, como ao Leigo , nas palavras ou
caufa de tal qualidade, que pertença ás noffas JuJliças o conheci-
mento delia , pojlo que as partes fejaa pejjoas Eccleftajiicas : cujo
efpirito fe comprova com a Ord. 1. 2, tit. 1 §. 14 , e com a in-
dilVm&a deterrninaçaó da Ord. 1. 1, tit. 9 §. 12, fundada nos of-
ficios de Protecção , que os Soberanos devem a todos os vaffal-
los , em cujo numero fe comprehendem também os Ecclefiafti-
cos ( §. XCVI not. b), e fe confirma particularmente i.° pela
Ord. 1.2 tit. 10, em que fe permitte aos Ecclefiafticos o Recurfo
ao Defembargo do Paço , para obterem Cartas Tuitivas : 2;°
pelo Decreto de 9 de Maio de 1654, Col. 2 , n. 13 a Ord. l.i»
tit. 9 §. 12, em que fe declara , que as pefloas Religiofas p0'
dem aggravar para o Juizo da Coroa do abufo da JurisdicçaÕ
dos Juizes Apoítolicos, nas fu^s çaufas , e procedimentos extra
clijultra.
Parte II- Titulo V. 113
* em ambos os cafos deve o Procurador da Coroa uíar
delle ex officio (/). «
CIII.

Os Juizes competentes deftes Recurfos faõ os Jui-


zes da Coroa, da Cafa da Supplicaçaõ, c da Relação do
Porto, fegundo os feus refpetílivos direitos. Ord. liv. x,
tit. 9, §. 12; tit. 12, §. 5 , e tit. 40 (/).
P §. Cl V.

(»). Ord. 1. 1 , tit. 12, §.15. Em todos os referidos cafos fe


pode interpor o Recurfo, omittindo o meio das Appellaçóes para
os Superiores Ecclefiafticos , pofto que o contrario fe verifique a
refpeito das fentenças notoriamente nullas , proferidas pelos Jui-
zes feculares , cujo Recurfo, ou Revifta , naÕ fe pode interpor fe-
riaõ depois da ultima inftancia, Ord. 1.3, tit. 95, e Extrav. de 3
de Novembro de 1768. Por quanto a regra lie , que o fubdito tem
direito de recorrer ao Soberano todas as vezes, que injuftamen-
te for opprimido ; porque efte lie o effeito do Summo Império
( XCV. liot. h j, cuja regra fe acha limitada a refpeito das fen-
tenças dos Juizes Seculares , no cafo de naó ter precedido a deci-
faó da ultima inftancia ; e como a refpeito das fentenças dos
Juizes Ecclefiaftkos fe naó acha limitada, parece, que fendo
notoria a violençia deftas, fe pode logo interpor o Recurfo , omit-
tindo orneio da Appellaçaõ-. o que muito mais procede, quando o
Recurfo he pela falta , ou na duvida de Jurisdicçaó ; porque ap-
pelando-fe para o Superior Ecclefiaftico , fe faria efte Juiz em
caufa própria, e fe appellaria para o mcfmo, cuja Jurisdicçaó
fe duvida , enega. Depois difto o motivo do Recurfo naõ he a
fimples decifaõ do Juiz Ecclefiaftico , nem alimitaçaó da Alça-
da , mas a notoria violência , e oppreifaõ notoria , que elle com-
rnetletm qualquer inftancia, que profira alguma fentença final,
O" interlocutoria notoriamente nulla , 011 injufta.
W No Brafil, attendendo á diítancia da RelaçaÕ , fe eftabe-
leceo
ii4 Direito Publico Portuguez

§. CIV.

A forma, e modo dc fe interpor e procedcr neftes


Recurfos , que prefentemente fe obferva (w), conlifte em
fe reprefentar por petição ao Juizo da Coroa o gravame
commettido pelo Juiz Ecclefiaftico, o qual he mandado
citar por ordem daquelle Juizo, para que refponda : fe
eíle refponde, fe julga em Relaçao ouvido o Procura-
dor

leceo pela Provifaó de 18 de Janeiro de 1765 huma Junta de


finco Juizes em cada Comarca , que faõ os Miniftros da ter-
ra , e alguns Letrados , a qual conhece dos Recurfos ; ficando
porem dependente da confirmaçaô da Relaçao , mas fem pre-
juizo da execução; porque defde logo fe executa a determinaçaó
da Junta.
(»;) Eda fórma tem fido varia nefte Reino. No tempo do Se-
nhor Dom Manuel, Ord. liv. 1 , tit. 9 , 4 , o Procurador dl
Coroa , quando os Juizes Ecclefiaflicos ufurpavaó a Jurisdic-
çaõ Real, dava parte ao Regedor, o qual com alguns Defcmbar-
gadores, que lhe parecia, julgava fe havia ufurpaçao: o Procura-
dor da Coroa fallava , c difputava fobre iffo com o Juiz Ecclc-
íiaíhco ; fe eíle naó reconhecia , que a Jurisdicçaó lhe naó com-
petia, eraÓ obrigados os Defembargadores a moftrar-lho por Di-
reito; e fe ainda aíllm mefmo o Juiz nao deffltia, fe davaõ Cartas
ás partes aggravadas , para que os Juizes Seculares os naó pren-
defiem , nem lhes levaíTem pena de excommunhaõ , nem execu-
taíitm as fentenças contra elles proferidas. Ao depois fegtindo í*
refpoíla do Senhor D. Sebafliaó ao undécimo apontamento d3
.chamada Concordata, fonte da Ord. liv. 1 , tit. 12 , §. 6 , e fc
gundo os cílilos do Juizo da Coroa , de que nos informa Ga-
bi iel 1 ereira de Caílro de Man. Reg, á mefnia Ordenaçaó, veio
a ter a fórma, que hoje fe obferva.
Parte II. Titulo V. 115
dor da Coroa; fe naõ refponde, juftiiicando a parte de
algum modo o gravame, fe procede á fua revelia («).
Julgando-fe o gravame , fe manda primeira , c fegunda
Carta Rogatoria ao Corregedor da Comarca, para a inti-
mar ao Juiz , para que defifta do gravame, e nao defi-
ftindo vaõ os Áudios ao Defembargo do Paço , para nel-
Je íe decidir em ultima inftancia , fegundo o feu mere-
cimento, fendo peiroalmente ouvido o mefmo Juiz (o).

§. cv.

O effeito do Recurfo, julgado o gravame, he reduzir


P 2 tudo

(n) Extravagante de 30 dc Julho de 1694; Decreto de 16 de


Dezembro de 1675 ; Col. 2 á Or.l. liv. 1 , tit. 9 , n- 3, e 9.-
He também pratica o virem aprefentar-fe os Recurfos den-
tro em 30 dias , cuja pratica , além das razoens com que he
impugnada pelo mefmo Pereira cap. 11 , n. 2, he contraria í
analogia do noilb Direito , e efpirito da Ord. liv. 3 , tit. 75 ,
íegunclo o qual as fentenças notoriamente nullas, e injuílas nunca
palFaõ em julgado.
[o) Extrav. de 28 de Julho de 1620, e de 4. de Outubro
de 1686 ; Col. 2 á Ord. liv. 1 , tit. 9, n. 4, e 6. Pela nof-
fa Ord. liv. 1 , tit. 12, §. 6 , faó os Juizes Ecclefiafticos cha-
mados por Carta aílignada por ElRei , eftando elle fóra da Côr-
le
; e eftando na Corte, faó chamados por recado de ElRei, pa-
T
a darem a razaõ do feu procedimento , e para ferem ouvidos
Perante os Defembargadores do Paço , com o Juiz , e Procura-
dor da Coroa , os quais devem difputar fobre o cafo ; e naô
querendo o Juiz Ecclefiaftico reconhecer, que a Jurisdicçafl
Pertence ao Rei , fe manda obfervar a determinação do Defem-
bargo do Paço.
ii6 Direito Publico Português
tudo ao primeiro eíTado (p) , afíim como em outro qual-
quer aggravo; e naõ querendo o juiz Eccleíiaftico obe-
de-

(p) Duvida-fe fe o Recurfo Aifpende a JurisdicçãÓ do Juiz


recorrido. Pegas refere alguns Arcítos , em que affim fe julgou »
e o Decreto de 14 de Junho de 1744, §. 1 , aíiim parece deter-
minallo ; o contrario porem parece mais provável. Para fe for-
mar huma idêa clara delia matéria , deve coníiderar-fe o Recur-
fo debaixo de dous pontos de viíta : i.° antes cias Cartas Roga-
tórias; 2.° depois delias : em nenhum deites cafos fe fufpende a
Jurisdicçaõ. Naó no primeiro , porque o motivo , e fundamen-
to do Recurfo he unicamente a violência , e opprcfFaó notoria »•
aqtial, fe fe naõ prefume, deve provar-fb; Decreto de 16 de Ou-
tubro de 1675, Col.2. á Ord. liv. 1 , tit. 9 §. 12, n. 9 ; e por
ilfo em quanto fe naó prova, naó deve fufgender-fe a Jurisdicçaõ.
Naõ fuçccde aflim na Appcllaçaó , por ilTo mcfmo ,, que o feu
fundamento naô he o mero gravame , mas a limitação da Alçada
dú Juiz a quo, e a faculdade eja parte para levar a califa ao Ji:<-
jzo ftiperior para a fua ultima decifaõ. A mefma fórma de c'ú-
taçaõ , que fe faz ao Juiz recorrido em virtude da petição do
aggravo , perfuade iíto mefmo , porque nella fe naó inhibe para
proceder ad ulteriora , c fe dirige unicamente a que refponda ao
aggravo, e remetta qs auâos, Ord. liv. 1, tit. 12, §. 5 ,.verf. ult.j
« he pratica confiante. NaÓ no fegundo cafo ; porque feme.-
Ihantes Cartas naõ faõ propriamente fentenças a refpeito do
Juiz Ecclefiaílico , mas fimples recommendações, c rogativas ;
A lie n to de 10 de iMarço de 1640, Col. 3. á Ord.. liv. 1, tit. I»
24, num. 6 ; e por tanto eílas naó obrigaó por confequencia»
nem fufpendem. Compxova-fe ifto pela mefma Ord. l.i, tit. 12.»
§• 6 ibt: L quando os Prelados , ou Juizes Eccleftajlicos, fenl'
embargo das ditas Curtas nao quizerem deixar de proceder cort'
ira es leigos, ou naõ dcfi/lirem dos procedimentos , que t>ve~
rern
Parte II. Titulo V. n-j
decer ao Affento do Defembargo do Paço, fc procede
contra elle ás temporalidades, na fornia determinada pe-
las

Tem feito contra elles , TSós como Rei , e Senhor o chamare-


n s
" para nos darem a razaõ de como tomaõ nofja Ju-
risdicçaõ , e para Jobre ifjo ferem ouvidos perante os no[fos Def-
tmhargadores do Paço os quais fali ar ao , e difputaraÕ fo-
bre o cafo t3c. Cujo lugar efpecifica dons cafos diflinâos:
l.° quando o Juiz Ecclefiaílico continua no exercicio da ftia
Jurisdicçaõ ibi : Naõ quizerem deixar de proceder : 2.° quando
naõ revoga as fentenças já proferidas ibi: Ou naõ de/ijiircm dos
procedimentos , que tiverem feito contra elles. SuppÓe por tan-
to efta OrdenaçaÓ , que o Juiz Ecclefiaíiico pôde de fofio proce-
der ad ulteriora , naó obftante as Cartas do Juiz da Coroa ibi;
Sem embargo das ditas Cartas. A Juftiça , e audoridade defte
fado fe prova : i ° porque o Rei chama ao Juiz Eccleíiaftico,
naó para o reprehender por femelhantes fa&os ; mas para Te co-
nhecer , e decidir no Defembargo do Paço fobre a razaÔ e ju-
ftiça do aggravo : à íí como Rei, e Senhor os chamaremos para
fios darem a razaõ de como tomaõ noffa Jurisdicçaõ , e para fobre
ffo ferem ouvidos perante os noffos Defembargadores do Paço :
os quais fallaraõ , e diiputaraõ fobre o cafo iffe.: 2,° porque fe-
melhantes faílos naó vem cm contcmplaçaõ di(lin£ta para a
decifaõ do Defembargo do Paço ; porque nelle fó fe decide
fobre o merecimento do Recurfo , declarando fimplesmente fe
as Cartas foraõ , ou naõ bem paliadas. He verdade , que eftas
Cartas, a refpcito dos Juizes feculares faÕ fentenças ( o mefmo
A.lento ), e como tais obrigaó, e inhibem eftes para a exectiçaÓ
das fentenças recorridas : donde parece, que eftas fentenças , de-
pois das Cartas rogatórias , i.° faó injuftas : 2.0 faó inúteis. Pa-
recem injuftas por ilfo mefmo , que fe lhes prohibe a execu-
ção; parecem inúteis, porque naó pódem exccutar-fc fem o au-
xilio
ii 8 Direito Publico Por tuguez
las Leis de 12 de Junho de 1617 , e de 28 de Julho de
1620, e de 1626; Col. 2 á Ord. liv. 1 tit. 9, §.12,
num.3. 4, e 5.
C A-

xilio fecular, Ord. liv. 2 , tit. 8. Porem todos faben» , que


as fentenças , que naõ tem paliado em julgado , fe fufpendem
pelos embargos , até eftes fe decidirem na ultima inflancia.Ora a
refpoíla , que o Juiz Ecclefiaftico dá ás Cartas Rogatorias , faó
embargos reffeBive á parte , em que fe reputa propriamente
fentença ( o mefmo AíTento de 1640), a fua ultima inftancia he
no Defembargo do Paço : fica por tanto nefta parte fufpenfo o
eífeito da fentença , e o Juízo fecular com obrigaçaõ de executar
as fentenças Ecclefiafticas. Confirma-fe iíto com a mefma pra-
tica ; pois que as Cartas faõ tornadas a remetter paraojuizo
da Coroa, com a refpofta do Juiz Ecclefiaftico , fem anteceden-
temente ferem intimadas ás Juíliças feculares , a quem fe pôde
recorrer. De tudo o referido fe deduz , que a Jurisdicçaõ do
Juiz recorrido fe naõ fufpende nem antes, nem depois das Car-
tas Rogatorias ; mas fó depois da decifaõ do Defembargo do
Paço, Oliv. de for. Ecclcfiaft. p. 1, cap.25 , num. 5 e 17 ; Lan-
celot de Attent. cap. 19, num. 16. Faculdade efta, que naó
provém de privativa autoridade Ecclefiaftica ; mas unicamen-
te da permiíTaó , faculdade , e privilegio do Princepe. Nem ob-
ítaõ os Areftos referidos por Pegas depois da Lei de 18 de Agoílo
1769, §.4 ; Eftat. da Univ. Curf. Jur. tit. 6,c.8,n. 12; af-
ilm como naõ obíla o Decreto de 1744, como Mandado diri-
gido privativamente ao Núncio. Vid Heinec. Elcm. Jur. Civ«
fecund. ordin. Pand. p. 1 , 113.
-

Parte II. Titulo V. 119

CAPITULO VII.

Das Cartas Tuilivas Appellatorias.

§. CVI.

*V-S Cartas Tuitivas Appellatorias faõ aquellas Pro-


vifões, que o Defembargo do Paço concede (q) , para
fe naõ executarem aquellas fentenças, que juftamente (> )
eftiverem appelladas (s), em quanto fe naõ decidir a ap-
pellaçaõ.
§. CVII.
A autoridade deftas Cartas provem do mefmo prin-
cipio da autoridade do Recurfo ( §. XCVIII not. r ),
que a efte refpeito os Monarchas Portuguezes tem delega-
do no Régio Tribunal do Defembargo do Paço ( §. CVI).
Elias tem lugai naõ ío nas Caufas Cíveis, mas igual-
mente nas Ecclefiafticas (/).
C A-

(q) Ord. liv. I, tit. 3, §. 6 , e Novo Regimento do Defem-


bargo do Paço §. nó.
(>) Nao baila , que a appellaçaõ fc tenha iriterpofto , mas he
nece ano , que ella folie de' receber. Nov. Regi ment. §. 116.
aia fe impetrarem eftas Cartas, he neceílario, que o im-
P trante te.iha appellado em tempo, e que profiga na appellaçaõ;
P o que ella lhe naõ tenha (ido recebida pelo Juiz a quo , per-

Vid Nov" RX'-> n°""° D irei,


. °' a
PPcl!a Para Juizo luperior.
l,V 2 ti1, 10
}' ' ' • princ. Sendo pois hum Direito
: 1 C Ce
n ca
can • 12 de
j" Rcfcript. } L. 32 ,' §.3
^ppcl.
, Cod.' de Appel.
P- 19 ^; Judie, in
L. unic.
princ.

L
120 Direito Publico Portuguez

CAPITULO VIII,

Da frohibicdij das Coifaras, contra os Minijlros do Rei,


Jem o Régio Piacilo,

f. CVIII.

Do que fica dito ( §. LXXXIII } he ccrto, que a


Igreja tem autíloridade para caftigar os feus fubditos
máos, e contumazes (a) com as penas próprias, e priva-
tivas da fua Jurisdicçaõ , quais as Cenfuras (x) ; mas do
que íica ponderado ( §. XCVI ) he certo, que os Mini-
ítros da Igreja podem abufardefta auftoridade. Po fia efta
potencia he igualmente certo , que os Princepes tem au-
toridade para removerem eftes abufos (§. XCVII ) , naõ
{o prohibindo que fe publiquem refcriptos , ou íenten-
ças das Cenfuras , fem o Régio Placito ( §. XCVIII ) j
mas

princ. ÍF. Nihil innovari appellalione interpofua; Ord. liv.3, tit. 83;
he certo , que o Juiz Ecclefiaftico faz notoria violência ao appel-
lante , executando a fentença appellaiia , antes de decidida aap-
pellaçaõ , e em co.nfequencia, que ao Princepe pertence a auto-
ridade de prohibir eíla execução ( §.XCV. not. /.>, e §. XCVI1I-)
(«) Matth. cap. 18 , f. 19- Nós diflemos, que a Igreja he
huma fociedade redoria defigual , porque nella há Império Sa-
grado ; Vid. Rieg. Jus. Eccl. P. 1 , 1511e P.4, §. 243; p°r
coníequencia devemos confiderar-lhe audoridade para caftig3'
os que offenderem , e violaiem as fuas Leis.
(atJ Rieg. loc. cit.
P A"R T E II. Titulo V. 121
filas até para annularem as Cenfuras , com notoria inju-
ftiça fulminadas Çz).

§. CIX.

Della autoridade , de que tem ufado os mais Ortho-


doxos Princepes (y), tem igualmente ufado os noffos
Monarchas , naõ fó prohibindo, que fe publiquem algu-
mas Cenfuras contra os feus Miniftros, como tais, fem o
Placito Régio (a); mas annulando as que de outro mo-
do fe tem publicado (í>).

CAPITULO IX.

Da prohibiçao das Inhibilórias Ecclejiájficas

§. CX.

P
A Or Inhibitorias Ecclefiafticas entendemos aquelles
Refcriptos Ecclefiafticos, pelos quais os Juizes da Igreja
mhibem os Juizes feculares, para conhecerem de certas
caufas mefmo temporais , pena de excomunhão. Nin-
guém duvida, que o Direito Judiciário he huma das
paited integrantes do Império Civil LXI,); aflim co-
tio, que a Igreja naõ prejudica aos Direitos do Império
(§• LXXXIV ) ,• e que fendo a Jurifdiçao da Igreja fó
Q_ efpiri-
(«) Id. Rieg. Part. 4> § 633'& feq. ; Eyb. Jus Eccl. liv. 2 ,
cap. 2, de Jur. Princip. in aft. F.cclef. §. 3 , not.
M Vid. Rieg. loc. cit. 635, & feq. ; Eyb. loc. citat.
(") Lei de 10 de Março de 1764.
ib) Decreto de xo de Março de 1764.
122 Direito Publico Portuguez
efpiritual ( §. LXXXIIJ, naõ tem alguma au&oridade pa-
ra julgar as caufas civiz.e temporais (c).

S.CXI.

Deftes princípios fe moílra, que a Igreja naõ tem au-


íloridade de inhibir os Juizes feculares para conhecerem
das caufas da lua competencia, eda Jurifdicçaõ tempo-
ral : e que em confequencia difto os Princepcs tem aucto-
ridade naõ ío para prohibirem a publicaçaõ de feme-
Ihantes inhibitorias ( §. XCVI, e XCVI1I ) ; mas para
as annullar huma vez, que ellas fe publiquem (§. CV1I1J.

§. CXII.

Os noflos Monarchas naõ Í6 tem prohibido feme-


lhantes inhibitorias fem licença Regia (d); mas também
annullado as que Tem fua licença fe publicaraõ (e), como
abuíivas, e offenfivas da audloridade Regia (f).
C A-
(f) Vid. Rieg. Jurisprud. Ecclef. Part. i, feff. i, cap. 4, e
Part. 2, §. 388, & feq.,c §-750, & feq.Vid. fupra(§. XCVI).
(d) Ord. I. 2, tit. 14. Hum dos meios tergiverfivos , porque
os Juizes Eccleíiafticos queriaó levar ao feu Foro todas as caufas,
era o das Inhibitorias , de cujo meio naó fó ulavaó os Summos
Pontífices, e os Prelados do Reino, e os Juizes Apotfolicos ,
mas ate os Meftres-Efcólas de fóra do Reino. Vid. Ord. Affoiíf-
Jiv. 2, tit. 9 ; Concord. do Senhor D. Joaõ I, artig. 85; Extra*'*
de 18 de Dezembro de 1516 ; e Ord. Fiiippina liv. 2 , tit. 14'
§. 11.
(r) Lei de 10 de Março de 1764.
(/) Decreto de 10 de Março de 1764. Huma das Jurifd>c"
ções do Juiz. da Coroa he conhecer des aggravos, que fe inter"
puze-
Parte II. Titulo V. 123

C A PITULO X. .
-D<z prohibiçao, que os Juizes Eclefiafiicos tem de execu-
tar as fuás fentenças contra as Peffoas leigas , /em ajuda
de traço fecular.
%. CXIII.
P Ara a execução de qualquer fentença he neceflario,

que o exequente tenha Jurifdicçaõ, ou direito coadivo


próprio (g), ou delegado. Eíle direito confifte na audo-
fidade externa, e coadiva de reduzir a ado aquellas fen-
Q 2 ten-
puzerem dos Juizes fectilares , que fe derem por inhibidos pelas
Inhibititorias Ecclcfiafticas, Ord. liv. 1, tit. 9, §. 11, corobo-
rada pela pratica, e ufo do foro , Valafc. ConJ. 159. Per. de
Man. Reg. ad Ord. liv. 2 , tit. 14., cap. 65 , num. 7 , limita a
fentença de(la Ord. ao calo de ferinjufta a inhibitoria; porem
alem das razoes que elle inefino pondera em contrario num. 6 ,
e que juftificaf) a indiílinâa necellidade da licença Regia, bem co-
mo a do Placito Régio para apublicaça& das ConttituiçGes Ecc le-
fiafticas ( §. LXXXXVIII. not. s ) he certo , pelo que pertence
ás caufas eiveis , e temporais , que os Juizes Eccleliafticos naó
tem jurifdicçaô para paliarem inhibitorias com cenfura?, i.° por-
que a mefma matéria naô he objeflo de cenfuras ; 1 0 porque
ainda competindo as caufas aos Eccleíiaíticos por privilegio dos
iVincepcs ( §. Cl not. e ) naó faó a efte refpeito fupenores aos
Juizes feculares , requifito necelíario para a inhihiçaÓ; eji enim
"1hlbitio prirceptum , vel prohibilit faãa a fuperiore inferiori, diz O
citado Pereira num. 6.
(g) Todos fabem , que há executores de mero faéto, e de
Tiera potencia fifica , ou armai* manus ; e que htins , e outros faò
huns meros inílrumentos do exequente de Direito. A execução,
ou
o direito executivo fe divide em principal, e fubfidiario. Prin-
ci-
124 Direito Publico Portuguez
tenças, a que o condcmriado nao quer voluntariamente
obedecer (b).
§. CXIV.
Oi Juizes Eccleííafticos nao tem efte Direito, nem
como tais (/) , nem por concefíaõ dos Príncipes (/), dc
quem
cipal he aquelle , que o mefmo Julgador exerce por fi immedia-
tamente, ou por meio de outra pellba ; Rieg. Jus. Eccl. P. 2 ,
tit. 27, §. 1182: fubfidiario he aquelle, que o Julgador, por falta
dc Jurisdicçaó executiva no condemnado , ou nos feus bens .ex-
ige , e implora do Juiz competente; id Rieg. loc. cit. §. 1185;
donde he certo , que para a execução da fentença he neceflario
direito executivo.
(h) Id. Rieg. loc. citat. §. 1179.
(/) Os Juizes Eccleííafticos, como tais , nao tem outra au-
toridade , que a Igreja , de quem faõ delegados. Nós temos
vi fio , que o Direito executivo he proprio do Império ( §. LXI);
que a JurifdicçaÕ da Igreja toda he efpiritual (§. LXXXII ) ; e
que a fua efpada , e o feu direito coa£livo termina na feparaçao
dos incorrigíveis (§. LXXXIV. not. m , e §. XC V not. s ); he
por i(To evidente , que os Juizes Eccleííafticos, como tais, naó
tem Direito executivo.
(/; Nas Leis Civiz dos primeiros Imperadores Chriílaos,
cujos fragmentos fe achaõ nos Codigos Romanos, em que con-
cederão aos Ecelefiafticos a autoridade do foro contenciofo,
mefmo a refpeitode pefibas leigas, naõ fe lhes acha concedido o
Direito executivo, nem clle fe pódc deduzir da Lei 2. ff. de Ju-
rifdiSl. ibi : Cui jurifdiSlio data eji , ea quoque concejja ejje videi"
iur , fine quibus Jurfdiãio explicar] non poteji ; por quanto os Ro-
manos diftiuguiaò a JurifdicçaÕ judiciaria da executiva ( vid-
Heinec. Element. Jur. Civ. fecund. ord. Pand. pirt.i , §. 244)'
e por i(To da referida Lei fe naõ pôde deduzir, que pela razaó de
fe ter concedido aos Juizes EcclcGafticos a faculdade de julgac
** cer-
Parte II. Titulo V. ía£
quem he privativo eftc Direito (§. LXI). Os noíTos Prin-
cepes, que a maneira dos mais Imperadores tem conce-
dido aos Bifpos a faculdade de conhecerem de certas
caufas de pefiòas feculares, meímo temporais (»>), e a au-
cto-

Ce
rtas caufas , fe lhes concedelle também a faculdade de exe-
cutar as fentenças. Para illuftraçaÓ delta matéria devemos faber,
que-os Romanos diflinguiaô a jurifdicçaó do mero, e mixto im-
pério. A jurifdicçaó, conforme Cujacio no Paratitlario ao Dige-
1 0 tit. de Jurifd. , e/l cagnitio jure Magjratus compctens: impé-
rio, conforme a L.3 de Jurisd., naõ he outra coufa mais do que
ormala potejlas. Divide-fe o império em mero, e mixto : mero ejl
potejias glaiiii ad aniniadvertendum in facitiorofos homir.es, fpeciali
lege comeffa, L. 3ff. de Juri/d. , L. 1 ff. de Offic. ejus , cu! mand.
jurijd. ; nnxto ejl módica coercitio, qua jurifdiílioni coharet ;
L.i , §. ult., L. ult. §,1, ff.de Offic. ejus, cui mand. jurifd.: don-
de fegundo a jurifdicçaó , que por Direito Romano competia a
cada Magiítrado, aflirn lhe competia o império mixto. A'quel-
. que tinha jurifdicçaó de julgar fimplefmente , competia-lhe
o império mixto para exercício da fua jurifdicçaó judiciam ; e
aquelle , a quem era concedida a jurifdicçaó executória , compe-
tia II.e o império mixto para a execução da fentença. Porto ido
naõ fe íegue , que por fer concedido aos Bifpos o privilegio de
con ecerem , e julgarem certas caufas contra os leigos , fe lhe
eva neceifariamente julgar concedida a faculdade de executa-
rem as luas fentenças. Õs mefmos Cânones reconhecem a falta
Jurifdicçaó executiva , em quanto ordenaú aos Juizes Eccle-
ia icos a imploraçaõ do auxilio publico, 011 do braço fecular
Para a exefcuçaô das fuas fentenças , quando os condemnados
naõ quizerem voluntariamente obedecer-lhes. Vid. Cap.14 °f~
fc- jud. o rd. , [Cap.i o de Jud.; Struc. , dc Brach.fecular.,
W Ord. liv-. 2, th. 1 , per totum.
116 Direito Publico Portuguez
dtoridade de munirem as fuás fentenças com penas tem-
porais (?;J, e a de terem Meirinhos, Alcaides, e cár-
ceres , lhe tem prohibido o direito executivo con-
tra os vailàllos feculares (o), naõ fó das caufas tempo-
rais

(») Ord. liv. 2 , tit. r , 13, C tit. 9.


(o) Na Ord. liv, 2, tit. 9, §. i,fe concede a faculdade de ex-
ecutar as fentenças contra os leigos áquelles Bifpos unicamente,
que eftiverem em poíTe immcmorial defte Direito , que nunca
folie contraditado pelos Miniftros feculares, e que lhes folie
confentido pelos mefrnos Reis ; cuja excepção firma a regra em
contrario, de que fóra defte efpecifico cafo naõ pódem executar
as fuas fentenças contra os leigos. Elie Direito antiquiffimo em
Portugal ( como moftraõ as Leis, que concedem a ajuda do bra-
ço fecular, Ord. Manuel, iiv. 1, tit. 4, §.7, que palfou para a Fi-
lippina , liv. 2, tit. 8 ) conteftaõ alguns com o fundamento, de
que tendo fido eftabelecido , ou renovado efte pelo Senhor D.
Sebaftiaó por huma Lei de 2 de Março de 1568 , fóra pofteri-
ormente derrogado pelo mefmo Senhor por outra Lei de 19 de
Março de 1569, e que tendo o Concilio de Trento ( fef. 24»
cap.8 , de Reform. matrim., c fef. 2ç , de Reformat. ) conce-
dido aos Bispos expreflamente a faculdade de executarem as fuas
fentenças contra os feculares, fôra efte Concilio acceito , fern
reftricçaõ alguma , cm 8 de Abril de 1564, pelo Senhor Cardeal
Rei , governando na minoridade do Senhor D. Sebaíliaó; porém
nem a Lei dc 19 de Março de 1569 , nem o Concilio de Tren-
to foi nefta parte adoptado pelas noíTas Ordenações. A Ord»
Filippina publicada em 1603, (fupra P. I, §. XVI)muito p<>-
fterior ao Concilio dc Trento , adoptou a Lei do Senhor D. Se-
badiaó dc 2 de Março de 1568, cujo tranfumpto, tirado d»
Epitome de Duarte Nunes de Leaõ, part. 2, tit. 2 , Lei 13 ,
pra P. I, §.Y III) forma o §.1 da Ord. 1.2, tit. 9. Nem a accei-
taçaó
Parte II. Titulo V. 127
rais
(p) , mas também das Ecclefiafticas meias, ou
mixtas (q).

§. CXV.

Mas, porque feria muitas vezes inútil a conceíTaõ , c


privilegio de julgar, feo mefmo julgado fe na5 executaile
coadtiva , e invitamente contra os condemnados, que naõ
( u
3 'zeflem voluntariamente cumpriras fentenças; os nof-
ios Princepes concederão aos Juizes Eccleíiafticos a ex-
ecução fubíidiaria (r), e obrigarao aos Juizes feculares a
cx-

taçaô indiftin&a do Concilio de Trento podia entender-fe com


relaçaõ aos Direitos Mageftaticos( vid. Petiç. de Rec. §. 123,
nque fervi o de fundamento a Ded. Chron. ) e aílim o declarou o
Santiflimo P. Pio V, pela Bulla de 5 de Janeiro de 1570: e
quando neftc ponto tivede fido acceite, efta acceitaçaó dependia da
vontade dos noifos Monarchas , em quanto lhe agradalle. Lem-
braõ-fe alguns da Concordata do Senhor D. Sebaftiaó de 1578 ,
que veio a formar o §. 13 da Ord. liv. 2, tit. 1 , em que fc per-
nil tte aos Ecclefiaflicos a faculdade de procederem contra os lei-
gos com prifaõ , pinhora, e degredo ; porem nem a Concorda-
ta , nem o §. diz , que os Juizes Ecclefiaflicos poíTaõ executar
por fi as mefmas penas: o que unicamente dizem he , que nos
referidos cafos pódem os Juizes Ecclefiaflicos impor femelhan-
,es
Penas; mas a execução delias deve fer pelos Juizes feculares
»a fornia da Ord. liv. 2 , tit. 8 , e tit. 9 §. 1 ; ou quando muito
a
refpcito dos Bifpos , que eftiverem na pode immemorial, alias
haveria contradicçaõ entre o §. 13, e o §.1 do tit. 9.
(p) Ord. liv. 2. tit. 8, §. 2 , e 3.
(?) \ id. Pereira de Man. Reg. ad Ord. liv. 2, tit. 8 , cap.
52 > num. 20, & feq.
(O Vid. Rieg. Jus Eccl. Part. 2, tit. 27 , §. 1185.
128 DrRElTO PuBLICO PoRTUGU EZ
executar as fuás fentenças (5) com audiência das partes
(/;, e achando nellas obfervada a ordem do proceflò (11).

CAPITULO XI.

Da Infpecçao fobre as Peffoas Lcclefinjlicas.

§. CXVI.

D Os princípios eftabelecidos (§.LXXXIII) fe moftra


que as Pcflbas Eclefiafticas de qualquer ordem, e Jerarchia
fao igualmente vaíTallos, e membros da Republica Civil,
afíim como os mais Chriftaos membros da mefma Re-
publica; e por confequencia fao igualmente fujeitos aos
Princepes feus Soberanos; ( S. Chryf. Hom. 23,cap. 13 ;
S. Bernardo Ep.4 ad Arch. Senon. ) e ás fuas Leis crimi-
nais. Vid. Rieg. Jurispr. Eccl. P. 4,

§. CXVII.

Ertes Direitos, de que ufarao os Godos , como vemos


do feu Código L. 2,8,9, 14, tit.i, e L. 18, tit. 3, liv.4,
fe praticaraõ fempre em Portugal; já legislando fobre os
me imos Eccleíiaíticos; já declarando-os fujeitos ás fuas

Leis
(1) Ord. Iiv. 2, tit. 8. Os Juizes feculares fao as Relações
do Porto , e Lisboa no circuito de cinco legoas no refpeíiivo
diilri£lo, 011 em todo elle, excedendo a quantia de 30^0000 r.,e
çbi menor quantia todos os Juizes de vara branca competentes.
(/) Ord. Iiv. 1 , tit. 6 , §. 19.
(u) Ord. Iiv. 2, tit. 8, §. 1 , e 2.
PARTE II. Titulo V. 129
Leis (.v), jí fdzcndo-os caftigar coiu penas graves, e atro-
zes (z). E os mefmos Direitos reconhecerão fempre os
Ecclelíafticos pelo novo vinculo do juramento, que no
íauftiíTimo dia da Acclamaçaõ prefta o Eílado Ecclelia-
ftico.
§. CXVIII.

Deites princípios fe fegue i.° que as exempções, e pri-


vilégios , aífím reais, como pelToais, de que gozaõ os Ec-
cletiafticos, lhes foraõ concedidos pelos Princepes (v)
R para
(*•) Os Senhores Reis de Portugal fempre reconhecerão, que
a lua Jurifdicçaó fobre os -Ecclefiallicos era maior , do que eftes
pertendiaõ , como fe moftra principalmente pela refpofta , que O
Senhor D. Joaõ I deo aos arligos 10, 12, 13, 14, e 15 da
fua Concordata, de que as Leis gerais comprehendiaõ os Cléri-
gos.
(z) O Senhor Dom Joaó II mandou prender o Bifpo de
Évora D. Garcia de Menezes pela conjuraçaó, que fez contra
a fua Real Pelfoa. O Senhor D. Manuel mandou eftrangtilar, e
queimar depois de degradados das Ordens , aos dous Frades de
S. Domingos, au&ores da laílimofa conjuraçaó de 1506 ; Ofor.
de Rebus Eraman. liv. 4. O Senhor D. Joaõ III defnaturali-
zou o Bilpo de Vifeu D. Miguel da Silva, pelo fimples fa&o dc
ir a Roma a impetrar o Capello de Cardial fem fua licença. O
Senhor D. Joaó IV mandou prender o Arcebifpo de Braga D.
Seballiaó de Matos , por fer complice na conjuraçaó de 29 dc
Agoíio de 1641 &c. &c.
!.y) Conftatino Magno, o primeiro Imperador Chriftaó , con-
cedeo aos EcclefialHcos a exempçaó, e immunidade peffoal , per-
mittindo-lhes a liberdade de litigarem perante os leus Bifpos,
c
°nio refere Sófomeno , Hiftor. liv. x, cap.9, o que igualmente
per-
i.3° Direito Publico Portuguez
para fazerem mais refpeitavel o minifterio, que cllcs
ex-

permlttio aos leigos. Nicephor. in liv. 7 Hiílor. Eccl. cap. 46 ,


referido por Rieg. Jurifprud. Eccl. P. 2 , liv. 2, cie for. compet.
§.030. Queixando-fe ao depois os Bifpos, que fe lhes tranfgredia
a lua Jurifdicçaõ por fe fubterfugirem a cila, e naõ ufarem da
dita permiílaõ nem os Clérigos , nem os leigos , Valentinia-
no III , eftando em Roma , no anno de 452 declarou por hu-
ma Conftituiçaõ, que refere Fleur. Hiftor. Eccl. liv. 28, §. 39,
que os Bifpos naó tinhaõ poder de julgar , nem ainda os Cléri-
gos , fenaÕ por confentimento dos Imperadores , e por modo de
Árbitros. O Imperador Marciano na fua ConftituiçaÓ de 8 dc
Abr.l de 456 , referida na Lei 13 de. Epifcop. audicnt., conce-
deo aos Clérigos do Patriarchado de Condantinopla o privile-
gio de ferem demandados perante o Arcebifpo, ou Bifpo feus
imiraganeos. Os Imperadores Leão , e Antêmio , depois de eíla-
belecerem na fua Conílituiçao de 469 , tranferipta na Lei 33
W«P. & Oleric., que os Clérigos em razaó do ferviço pelToal
da Igreja naõ poJeíTcm fer obrigados a litigar em outro Foro,
além do Ordinário do feu territorio , que he o Cível, elles con-
cederão aos Bifpos , Presbíteros , e mais Clérigos , que fe achaf-
fem em Confrantinopla , o privilegio de refponderem no Juizo
do Prefeito Pretorio. O Imperador Jufliniano a inftancias dc
Mena, Arcebifpo de Conflantinopla , concedeo aos Ecclefiafli-
cos o privilegio de ferem demandados perante o mefmo Arce-
bifpo nas caufas eiveis , nao havendo nifto diíficuldade ; porque
Jiavendo-a deviaÓ fer demandados perante os Juizes feculareS
dos feus competentes territorios, Nov. 83 in praf.: cujos pri-
vilégios limitou o mefmo Imperador na ConftituiçaÓ de 552»
compillada na Lei 25 de Epifcop, & C/eric. Nas caufas crimes»
fendo o crime eccleiiaftico , declarou o mefmo Jufliniano na
íelerida Novella §, 2, que deviaõ fer accufados perante os Bif-
pos
PARTE II. Titulo V. 131
exercem na caía de Deos; c lhes remunerarem o fer-
R 2 viço,

Pos na forma <!;i Lei 29 de Epifeop. and. ; fendo eivei, 011 fe-
cu ar
' > deviaò fer accufados perante o Juiz fecular ; ilto lie, na
Cidade perante o feu Prefeito , e nas Provindas perante o feu
Prcfidente , fendo degradados das Ordens pelo Bifpo, para a ex-
c
cuça5 das penas temporais. O mefmo Juftiniano na Nov. 123,
ca
pt 21, em que eftabeleceo mais geralmente o privilegio do foro
para todos os Clérigos, e Monges, lhes permittioappellaçaõ pa-
ra o Juízo Ordinário do lugar. Vltimamente o Imperador Fri-
dcrico, como fe refere 11a Anthentica Statuimns , confirmou
0
privilegio do foro em todos as catifas eiveis, e criminais.
Alem defte privilegio, e immunidade pelToal do foro, concede-
rão os Imperadores Romanos aos Eccleftafticos a immunidade
de todos os munus , e officios pefloais ; aflim o fizeraô Con-
ílantino Magno na Lei 2 , Valentino , Valente , e Graciano na
Lei 6, e Jufliniano na Lei 52 de Epifeop. tf Cleric., Nov. 125,
cap.5, e 6. Juftiniano porem na referida Novella cap. 5 exce-
ptuou unicamente as tutelas legitimas. Tlieodofio, e Valen-
tiniano na Lei 4 de facros. Eccl. exccptuaraó os Ecclefiaíticos,
que nao fizeifem ferviço á Igreja.Naõ eraõ da mefma forte exem-
Ptos dos munus reais , ou tributos , L. 3 de Efpifcop. tf Cie-
rC
' " L' IO> e 11 de facros. Eccl., L. 12 de annon. tribut. ,
L. unic. de Áaut. Tiber., c outras ; foraõ porem exemptos de al-
gum , L. 2, e 8 de Epifeop. tf Cleric., L. 5, e 22 de facr. Eccl.;
VVan-Efp. P.2, fe(T. 4, tit.4, cap.i; Rieg. P.3, pag. 531, §.907
& fcq. A invafaõ , que os Francos fizeraó nas Gallias , ena
Germania , os Lombardos na I tal ia , os Gregos no Illirico , c
os Sarracenos na Hefpanha , com que foraõ fupprimidas todas as
feollas publicas , ( Corinquius Tract. de Antiquit. Academ.;
ichacl a S. Jof. O rd, SS. Trinit. infingulari Tract. de Crit.
^rte' 1
« an
* 3>e 5 ' Fleuri Difc. 3. fobie a Hiltor. Ecclef.;
13- D í r, e r t o Publico Portuguez
viço, que c:n particular fazem a Igreja : a.° que por
iiío

Febrou. de Jlnt. F.ccl. tom. I , cap. 7 ) fez, que pelo meio do fe-
culo VIII fe ignoraffe a fonte delias exempçôes Ecclefiailicas .
que fe acluvaõ em ufo. Por eile motivo Iiidoro Mercador, perfua-
dido talvez, que eflas exempçôes provinhao deTradieçaõ Apoílo-
lica, ou para levantar a Igreja do abatimento, em que havia cabi-
do, como penfa ChriíUano Lupo, referido por Febronio loc, cit,
iorjou quatro falias Decretais em nome dos Papas dos primei-
ros feculos para eílabelecer efta immunidade.. Fleur. Difc.4, e 7.
E!la impoítura enganou por efpaço de 700 annos a todá a Chri-
ílandade , aflim como enganou aos Papas , aos Bifpos , e aos mef-
raos Concílios; deforte que todos fe julgavafi obrigados a fuf-
tentar elles Direitos , que fe perfuadiaó terera-lhe fulo tranfmit-
tidos pelos Apoiloíos. Nicolão I, no anno de 860, fez diílribuir
eíla Collecçaõ por todas as Igrejas, e a fez enfinar na Vniuerfi*
dac.e de Bolonha , e quiz que os Bifpos de França a confultalTem
11a catifa de Rolhado , Bifpo de SoiíToens. O Concilio de Rhcims
cm 992 a feguio na caufa de Arnaldo. Os feguintes Concilios fe
ferviaõ igualmente delta Collecçaó, Febronio loc. citat. Gracia-
no no feu Decreto, fabricado no anno de 1151 , naõ fó colliçio
;is mefmas Decretais , e os Cânones poíteriores deduzidos das
fuas maximas ; mns acrefcentou outro de novo a favor da im-
munidade dos Clérigos , Fleur. Difc. 7,n, 3. Efte Decreto foi
recebido em todo o Mundo Catholico, e he provável, que tam-
bém o foi em Portugal defde o tempo do Senhor D. Affonfo H •
e que delle faó as Decretais , de que pela palavra degredo fe fal-
ia nas Cortes de Coimbra de 1211, e he fem duvida aquelle de
que fe falia na Concordata do Senhor D. Affonfo, que Gabriel
Pereira attribuio ao terceiro do nome , fem reparar , que neHe
tempo ainda naõ havia o VI das Decretais, de que fe faz men-
ção no artigo 5, e 6 , EUe acabou de íolidar aquella impoftura •
Parte II. T i TU lo V. 1-33
'(To mcfmo na5 fuõ excmptos da íuprema Jurifdic-
çaõ
pela aiiSoridade intrinfeca dos Cânones , que nelle fe achayaõ
compilados , e muito niais pela autoridade extrinfeca, que lhe
<!eo Gregorio XIII. He verdade , que defde que os fabios inci-
tarão a Gregorio XIII a emendar o dito Decreto, elle foi
expurgado das falfas Decretais; porem o mcfmo S. Padre na6
expurgou os Cânones legitimos , que tinhaó fido eftabelecidos
n
os principios das mefmas Decretais ; nem emendou os abu-
f°s , que efles livros tinhaó introduzido na Igreja, como pondera
Febronio loc. cir., ficando por iíTo ainda depois da referida Col-
lecçaõ, e emenda, fubfiftindo muitos prejuízos introduzidos pe-
las íalfas Decretais. Efles prejuizos, vniverfalmente adoptados,
naÕ podiaó deixar de contaminar os piedofos efpiritos de nof-
fos Auguftos Princepes , os mais fabios , c mais illuflrados em
toda a (ciência do Governo. Affim o perfuade , 1.0 0 primeÍFO
catafhofe de Portugal da depofiçaÓ do Senhor D.Sancho II, por
autoridade Apoftolica: 2.° a renuncia, que o Senhor D. Af-
fonfo III fez cm Pariz , aos 8 de Setembro de 1245, dos feus
Direitos fobre os Ecclefiafticos : 3.0 a condefcendencia , que
fempre tiveraó com os Eccleliafticos , até o ponto de comporem
as controvertias fobre pontos de mera Jurifdicçaô temporal pe-
lo meio das Concordatas : 4.0 os diverfos lugares das noífas Or-
denações , em que fe diz , que os Ecclefiaflicos nao fa6 da Ju-
nfdicçaÓ dos Reis , e que efles conhecem de alguns fados da-
quelles, alias da fua Jurifdicçaô, naó como Juizes, mas como
Reis , e Senhores. AfTitn o perfuadem as differentes Bulias , que
os rioilos Princepes impetraraó para o conhecimento das caufas
eiveis , e crimes dos Minoriflas, aííim como a de Pio II em
1461 , pela qual concede ao Senhor D. Affonfo V , que os Jui-
zes feculares conhcceífem das" caufas eiveis , e crimes dos Mi-
noriflas: a de Leaõ X de 1516, pela qual concedeo ao Senhor D.
Ma-
134 Direito Publico Portuguez
çao (a): 3.° que podem ufar delles para o ferviço do Efta-
do, quando a neceffidade publica o pedir (/>).
C A-

Manoel, que o feu Capellaó Mór pudeíTc prender os Minori-


flas em cafos de furto , e entregallos ao Juiz fècular : a de Cle-
mente VIí de 1531 , porque conredeo ao Senhor D. JoaÕ IN,
que o feu Capellaó Mór conhecelfe dos crimes de furto, falfida-
de, moeda falfa , e matar com béfta: a de Julio III a inftanci-
as do Senhor D. Joaó III , para que os Minoriftas, que naó an-
dallêm com habito , e tonfura, depois de terem lido remettidos
duas vezes ás Ordens , e naó tendo lido bem caftigados pelos Jui-
zes Eccleliaflicos , que naõ foliem mais remettidos; mas que os
Juizes feculares os podellem caltigar: a de Pio III , impetrada
a infiancias do Senhor D. Sebaftiaó , para que em fua vida pu-
defle o feu Capellaó Mór conhecer dos crimes de lefa Mage-
ftade , fodomia, alJaffiiiio , e homicídio deliberado, commetti-
dos pelos Minoriftas. Lcaó P. 2, tit. 4 , L. 5.
(a) He certo que o privilegio naõ prejudica a fuprema Ju-
rifdicçaÕ , de quem o concede, e que por ifle mefmo depende
do feu arbitrio derrogallo fegundo o pedir a utilidade publica,
cuja confervaçaó he a fuprema Lei do Império.
{h) Ainda que as pefloas Ecclefiafticas naó deixaÕ por iíTo de
fer vaffallos , e fubditos do Princepe ( §. CVI ) , com tudo, co-
mo o novo Eítado Ecclefiaílico pede , q„e elles fejaÓ feparados
dos negocios temporais, Paulo Epift.a ad Thimot. cap. 2, 4,
quanto for compatível com a confervaçaó da Sociedade Civil , a
que a Igreja naó prejudica ( §. LXXXIV), no que o mefmo
Princepe confente , pela permiílaó de que aquelles de feus valíal-
]os paliem ao Eftado Ecclefiaílico , he certo , que fem neceffida-
de da mefma Republica, ou da Igreja, em cujas circunftancias
ceifa a referida compatibilidade , naó podem os Princepes ufar,
e difpôr das PeíToas Ecclefiafticas, com feparaçaó do feu mi-
niíiexio.
Parte II. Titulo V.

CAPITULO VIII.

Do Direito de hfpeeçao /obre as coufas da Igreja.

§. CXVIIII.

Í£reja Catholica conflitue huma Sociedade EccTe-


íiaftica ( §. LXXXII), compofla de Miniftros, que a di-
rigem ( §. LXXXIII ), e obrigada a render ao fcu Divi-
no Inftituidor oculto externo ( §. LXXXII j; deve por
tanto competir, lhe a faculdade de adquirir bens moveis ,,
e de raiz (c), para fuftcnto de feus Miniftros, e confervâ-
ÇaÕ do culto externo, como perfuade a mefma Lei natu-
ral ; como fe acha preferipto no Velho, c Novo Tefta-
mento; e como enfina o Apoftolo na Ep. i. ad Thim.
cap. 5 , f. 17- e Ep. i. ad. Corinth. cap. 9, f. 9 (d).

§. CXX.

U) Defue o principio da Igreja, lie tradicçaó confiante , que


cila poíTuia oblações voluntarias , que lhe faziaÓ os Fieis, e que
conftituiaõ o fundo para fuftento de feus Miniftros, e para a
confervaçaÓ do culto externo. Ao paífo que os Princepes ado-
ptarão o Chriíiianifnio» lhe concederão o ufo da faculdade de
aiqunir bens moveis, e de raiz, como fe vê principalmente
da Lei 4 do Codigo Theodofiano de. Sacro/. Eccl., e das L. 12,
J3> e 14 do Código de Juftiniano do mefmo titulo. Por cuja
razaõ fe condemnou Arnaldo de Breília , que rebelhva os Roma-
nos contra o Papa, fuftentando em geral, que a Igreja naó podia.
PoiTuir nem domínios , nem terras , nem bens immoveis, que el-
a o devia fubfiftir de efmollas, e offertas voluntarias. Fleur.
4,§-9,n. 5.

§ ^ Eyb. Jus Eccl. liv, 2 , cap. 4, §. fty, Rieg. p. 3, tit.5^


136 Direito Publico Portuguez
CXX.

Eda faculdade fc pode confiderar como potencial


íimpl.esmente, ou como reduzida a ado. Pofto iíto de-
vemos confiderar na Igreja bens moveis, e de raiz le-
gitimamente adquiridos para o fuftento dos feus Mini-
ítros, e confervaçaõ do culto externo, e externa Difci-
plina ( §. LXXXII).
CXXI.
Lftes bens, pofto que determinados para o ferviço,
e ufo da Igreja , he certo, que também faõ do Eftado, e
que antes deíla applicaçao effavaõ fujeitos ao Summo
Império. Como a Igreja naõ prejudica aos Direitos ordi-
nários do Summo Império ( LXXX1V ), fegue-fe que
ainda depois defta applicaçao os bens da Igreja eftao fu-
jeitos ao Supremo Imperante como Prote&or, e Impera-
dor , para os proteger, para os regular, e para difpor, c
ufar delles em beneficio, e vtilidade da Igreja, e do Ef-
tado (e), Eyb. Jus. Eccleí. liv. 2, cap. 5, §. 127.

§. CXXII.
Os noíTos Auguftos, a exemplo des primeiros Impe-
radores Chriftãos (/), tem fabiamente exercido os Direi-
tos

(<?) Ainda que efta autoridade em thefe he evidente , coro


tudo o objecto da dedicaçaó , e determinação deftes bens , pede
que q Princepe ufe do Teu dominio eminente fobre elles , mo-
vido de maior neceííidade, do que para ufar dos outros bens do
Ellado ; o que tudo depende da prudência dos mefmos Prince-
pes.
{/) Conftantino Magno, e ícus fuceeffores, depois de terei»
1 Jota-
Parte II. Titulo V. 137
tos de Proteílores, e Imperadores fobre a faculdade da
%reja para adquirir, e fobre os bens adquiridos,- já per-
ttuttindo-Ihe novas acquiíiçoes ; já reftríngindo-lhas ; já
Prohibindo-lhe a faculdade de alienar fem licença Re-
os bens legitimamente poíTuidos ; iá obrigando-a a
v
ender os outros (g).
s T I-

doiado liberalmente a Igreja, e permittido a acquiliçaô de hum


património e fundo fuperabundante para o fuftento dos feus
Miniílros , e cfplendor do divino culto , elles, como confia dos
fragmentos das fuas Conftituiçócs , principalmente do Impera-
dor LeaÕ , referidos na L. 14 , e de Anaftacio na Lei 16 Cod.
de SS. Eccl. e de Juftiniano na Novella 7, e 120 , prohibiraó,
que eftcs bens fe podeflem por qualquer titulo alienar; prohibi-
çaô, que renovaraõ os mais Princepes Catholicos, como refere
Wan-Efp. J. E. Vniv. P.2, fef. 4, tit. 5, cap.3 §.17; fendo uni-
camente permittido por judas caufas, id. Wan-Efp. loc. cit.
eap. 4: porem o Grande Theodofio, e Valentiniano III, cujas
Leis fe achaõ no Codigo Theodofiano tit. de SS. Eccl. , e refe-
re o mefmo Wan-Efp. 1'. i, tit. 29, cap. 3 , 22 & feq. ,
logo que viraõ a excefliva acquifíçaõ, e o abufo dos Miniftros
da Igreja, abufos , e exceflos , de que fe queixou S. Jcronymo
liv. 2 , Ep. 12 , Non de lege conqueror, Jcd de caufa , quia hanc
Itgem meruimus, virão-fe obrigados a prohibir-lhe novas acqui-
fiçoes.
(i) Defde o principio da Monarchia , que as Igrejas e Mo-
leiros na5 podiao adquirir bens de raiz, por ifTo he que foi ne-
ceflaria a Real permiflaõ do Senhor D. Afforifo Henriques, pa-
ra os Cavallciros de Malta , e Abbade de S. Salvador de Caftro
os poderem adquirir. Brand. Monarch. Lns. P. 1, L. 17.
ca
P-11' Lfta prohibiçaõ, talvez adoptada dos coftumes dos Ro-
manos, renovou o Senhor D. Affonfo II nas Cortes de Co-
ira-
138 Direito Publico Portuguez

-$

TITULO SEXTO.

Do Direito da Policia.

CAPITULO I.

Dos objeíios particulares da Policia.

§. CXXIII.

J. Or Direito da Policia entendemos a autoridade, que


os Princepes tem para ejlabelecerem e proverem os meios, e fub-

fidios ,
imbra de 1211. O Senhor D. Diniz a reítringio ás acquifiçóes
for titnlo de compra , ou em pagamento de dividas, permittin-
« o-l c as acquiíiçõe. por doaçaõ. ou tcílameuto ; mas com a
clauiula de fe alienarem os bens aílim adquiridos dentro do an-
no e d,a Ord. Affonf. liv. 2, ti.. 14, e15 ; o que adoptou o
Senhor D. Manuel na fua Ord. liv. 2 , tit. 8 , qi!e paflou para
a Filip. l,v. 2, t.t. 18, corroborada pela Extrav. de 30 de Julho
de 1611. Mas feas noflas Leis mandaõ vender os bens nova-
mente adquiridos, ellas prohibem a alienaçaó dos outros fera li-
cença Regia, Ord. liv. 2. tit. 2+; fazendo do contrario cafo de
devaíTa, Ord. l.i , tit. 65 ,§. 62; concedem vários privilégios,
c immunidades aos bens legitimamente adquiridos, e pofluidos,
Ord. hj. 2, tit.21, & feq.; regulaÕ o modo, com que os Religi"
ofos podem contrahir dividas paflivas, Extrav. de 6 de Junho de
1776 , e ultimamente preferevem os meios de fe miniftrar o né-
celfano para a reedificaçaÓ dos Templos, e fuitentaçaÓ dos
Parochos, Ord. l.i, tit.3 , §.3 ; Reg. do Defemb. do Paço $.84»
c Ord. liv. 1 , tit. 62 §. 76, e 77.
Parte II. Titulo VI. 139
fiàios, que facilitem , e promovao a obfervancia das fuás
Leis (b). Os meios faõ principalmente a cultura das Di-
sciplinas, o augmento da Populaçaõ, a faude dos Povos,
0
Comercio , a Agricultura , as Manufacturas.

CAPITULO II.

Da cullura das Difciplinas.

§. CXXIV.

Ada faz o homem focial mais, do que a razao de que


he animado, e nada auxilia, e promove tanto o bom ufo
da niefma razaõ , como a cultura das Difciplinas (/). E
porque nada intereíTa tanto á fociedadc, como fazer os fe-
us membros fociaveis, e aptos para fatisfazerem aos feui.
S2 offi-

(h) Para huma Republica confeguir os fins da fua inftitui-


caõ naõ bafta , que os Imperantes preferevaó Leis fabias , e
juftas; he neceifario, que ellas fejaõ ajudadas de alguns foccor-
ros
> que promovaó a fua obfervancia ; porque de outra forte el-
las naõ fervem mais do que fazerem viclimas da Juíliça aos ho^
mens por fua natureza propenfos ao mal.
(«) ! odos os Filofofos concordaõ , que a cultura do efpirito
l'e o primeiro officio , que o homem deve a fi mefmo como diri-
gido á parte principal da fua elTencia ; porque todos conhecem
pela própria experiencia , que o efpirito, c a razao, no eftado da
natureza lapfa , naõ pôde atinar com a verdade, nem fer indica-
tiva das obrigações do homem deixada a íi fomente. Werenkò
]• N. & G- fed. 1 , cap. 2 , §. 5 ; e por ifTo neceflita de admi-
niculos externos , que fe adquirem pela cultura das Difciplinas,
Vid. \Verenko loc. cit. articul. 3.
140 Direito Publico Portuguez
officios, affim públicos, como particulares, juílamente to-
dos os Filofofos entre os primeiros, e principais cilícios do
Imperante, numeraõ o eftabelecimento, e cultura das
Artes, eSciencias. Daqui vem o Direito, que os Princepes
tem de eftabelecercm Academias publicas, independen-
te da auftondade Ecclefiaflica (/), e de prohibir os livros
pcrnicioíos (m), e proferever as falfas doutrinas , e impor
iilencio ás queftõcs prejudiciais («).

§. CXXV.

_ Por iflb os Senhores Reis de Portugal fempre cuida-


raõ fenamente neíte importantiflimo objecto , já eftabe-
lecendo Academias para o enfino publico, e educaçao dos
feus vaíTallos (o); já proferevendo os livros , cujas dou-

~ tri-
w Hei„«c j. N. &^nr,.2,cai,8i 5.l88. M„t.7„

L ' Ceftabelecido
tem a'!' rP? ' nas 258 ' Qilafi t0das
Republicas
as Vn
'verfidades
mais civi.ifadas , que
c pias , tem
dependido da audtoridade dos fe,!S refpeaivos Soberanos. Bento
Pereira na fua Academia liv. r Difp. *, q. , , f. ^ e f

cl n ' P'2Jurisprud.
P- I . S ioo, ; Rieg. ' DCm- 1' Eccl.
& E b JS Eccl
P. t,> -§.J'438.
- - ' 2
'
,0C cit
j j *<* - §" 436, e 437.; Eyb. loc. cit.; Mart.
217 ; He neC N & G liv 2 Ca 8
S loo
CO , n. 183.
o ' - - - - ' P- '
(>) O Senhor D. Diniz cm 1290 fundou em Lisboa hu-
ina Vniverfidade , cm que mandou enfinar os Direitos Civil, e
Canonico , porque a Grama ti ca , Filofia , c Theologia fe enfi-
navao nos Conventos , e Cathed.rais do Reino. Eíta Vniverfida-
de foi mudada pelo mefmo Senhor para Coimbra no anno de
»3o8, como diz. Brand. liv. 16, cap. 83, para nella fe enC-
narem
PARTE II. Titulo VI. 141
trinas fao prejudiciais ao Eftado, á Igreja , e aos bons co-
ftumes

narem os mefmos Direitos: ordenando, que a Thcologia fe en-


linaíTe em Conventos dos Domtnicos, e Menores , como contta
da fua Carta , que refere Bento Pereira na fua Academia liv. 1,
q. 5 , num. 108 , aonde fe confervou até o tempo do Senhor D.
Affonfo IV, que a mandou para Lisboa. Duarte Nunes de Leaõ
Cron. dEIRei D. Diniz. O Senhor D. JoaÓ III em 1537 fez
nova reforma da Vniverfidade em Coimbra, prefereveo-lhe Efta-
lutos fabios, como deixou referido nos feus manuferiptos I'ran-
cifeo Carneiro de Figueiroa ; cftabeleceo-llie proporcionadas
rendas para aquelles tempos ; e mandou vir de fóra do Reino
Meftres para ella. O mefmo Pereira num. III. Filippell em
1598, e Tilippe III cm 1611 , lhe deraõ novos Eftatutos , por-
que ella fe governou até o anno de 1772 , em que o Senhor D.
Jofé de immortal memoria lhe deo nova fórma , e lhe prefere-
veo os mais fabios Eftatutos, e a dotou mais liberalmente , que
todos os feus Auguftos PredeceíTores. Em Évora inftituio o Se-
nhor Cardeal Rei na minoridade do Senhor D- Sebaftiaõ outra
Vniverfidade , em que fe enfinava Grãmatica Latina , Rheto-
rica, Filpfofia, e Thcologia. O mefmo Pereira n. 117. Eílas
Vniverlidades foraÔ eredtas por audloridade própria dos Senho-
res Reis feus Inftituidores, fuppoíto que pofteriormente confir-
madas por Nicolao IV, Clemente V, c JoaÕ XXII , com
refpeito ao ufo , e applicaçaõ dos reditos Ecclefiafticos. O mef-
mo Bento Pereira Queft. 5,(0 que talvez fc julgafle ne-
ceífario ). O mefmo Senhor D. Jofé em 28 de Junho dte
1759 , reformou os Eftatutos das Lingoas Latina, Grega, He-
braica , e da Rhetorica, fundou em todos os lugares notáveis do
Reino Efcolas publicas das mefmas Artes , e até da Giamatica
Portuguesa , eferever, e contar , pela Lei de 6 de Novembro
1772: fundou o Collegio dos Nobres cm Lisboa em 1761 ,
e lhe
142 Direito Publico Portucuez
ftumes (p); já prohibindo a impreíTaõ, e publicação de
quaisquer livros fem licença Regia (q).

CAPITULO III.

Da PopuIaçao.

§. CXXVI.

O Augmento da populaçaõ he a principal columna ,


em que fe funda a fegurança publica, e felicidade do Ef-
tado, por i ffo mefmo, que fe multiplicaõ os focios, e
com elles a reciproca preftaçao de officios , e fe firma a
fegurança interna, c externa (r).
§. CXXVII.
e lhe deo Eíiatutos a 7 de Março do mefmo anuo , que foraó
ampliados pelo Alvará do 1.° de Dezembro de 1767: em Ma-
fra fo, também inftituido pelo mefmo Senhor hum Collegio
deBellas Letras, e Artes Liberais em 1772. Eíles Collegíos
foraó inílitnidos para nclles fe inftruir a mocidade da Nobreza
do Reino.
(p) Defle principio tem dimanado a auaoridadc, com que o
Régio Tribunal da Mefa da CommiíTaS Geral fobre o exame,
eccnfurado livros, probibe o commercio-, impreflaÔ, e leitu-
ra dos livros pcrniciofos.
(q) Ord. tit. 102 , & ibi Col. Ertc Direito eílava delegado ao
Tribunal do Santo Officio, c do Defembargo do Paço , ate o
anno de 1768 , em que o Senhor D. Jofé o delegou no Tribu-
nal da Mefa Cenforia , pela Lei de 5 de Abril do mefmo anno ,
e que a Rainha N. Senhora D. Maria I declarou, e interpretou
pela Lei de 20 de Junho de 1787.
(r) Convém os melhores Políticos com Ariftoteles, Polit. 1-7*
cap.
Parte II. T i T U L O VI. 143
§. CXXVII.

O meio , que todas as Nações juftamente tem eftabe-


lécido para eíle fim , lie a fociedade conjugal, 011 o con-
tracto do Matrimonio (s) ; por iífo o primeiro objecto da
Policia a eíle refpeito he promover eíla importantiítíma
fociedade (/), remover aquelles obflaculos , que lhe fao
Prejudiciais (u), prcfcrever-lhc certas regras, que regulem
a li-

Ca
P- 4 • que a populaçaõ he muito útil em quanto naõ he ex-
ceffiva , mas proporcionada á Republica.
(J) Nada ha mais contrario á populaçaõ , c ao fcu fim , <lo
que os vagos , e incertos coitos , os temporários concubitos ,
e as promifcuas cohabitações de bigamia , e poligamia. Os va-
gos , e incertos , porque faõ prejudiciais á propagaçaõ , e educa-
ção : os temporários , porque impedem a educaçaõ : a bigamia ,
porque perturba a paz das familias: e a poligamia , porque
impede a propagaçaò , tudo contra o fim da populaçaõ.
[/) Os privilégios, que os Romanos concediaõ aos cidadãos,
<l"e tinhaõ tres filhos de legitimo Matrimonio , e as penas , que
Jmpunhaõ aos que chegavaõ fem filhos á idade de naõ os poderem
ter , antes da Lei Papia Popeia , e muito mais por eíla Lei ,
( Heinec. ad Leg. Jul. & Pap. Pop. tom. 3; id. Antiq. Rom.
tom. 4 , liv, 1 , tit. ii, §. 2 j foi o prudente meio de que elles
fe íervirao para promoverem eíla importantiflima fociedade , que
os Romanos tanto aborreciaõ , como pondera o mefmo Hein.
^ntiq. Rom. liv. 1, tit. 25.
(u) Por efte motivo as I.eis Romanas caíligaõ gravifiima-
íttente os crimes de fodomia , L.3. Cod. ad leg. Jul. de adult. ;
de bigamia , e poligamia , Nov. 117. c. 11 .junta L. 1. Cod. ad
'eg- Jul. de adult. , L. 7 , Cod. de repud., Heinec. Pandcdt,
P'7 > §. 187 ; os concubinatos na Novella Leonina 2. O mef-
mo
144 Direito Publico Portuguez
a liberdade dos vaflallos, para naõ ficar dependente do
arbitrio de cada hum a execução de hum adio o mais in-
tereflante ao ilfiado (*); e eílabelecer os meios para a edu-
caçaõ
mo tem feito os Imperadores íucceífivos ; Conft. Carolina ,
art. ii , e 16 ; Heinec. Elem. Júris Germ. L. i, tit.13, §.310
&c. feq. ; e o mcfmo tem praticado todas as Nações civilifa-
das como fe vê dos feus Codigos. Daqui vem igualmente o
Direito , que compete aos Princepes , para reftringirem aos feus
vaiTallos a liberdade da addiçaÕ do Eftado Ecclefiaftico, para re-
gularem , e abolirem as fociedades Religiofas pelo voto de ce-
libato, que lhes he annexo.
(*) Ninguém hoje duvida, que os Princepes tem a principal
au&oridade para preferever impedimentos impedientes , e diri-
mentes ao Matrimonio. Todos fabem , que a qualidade facra-
mental, com que Chriíto Senhor Noffo fantificou o contra£lo do
Matrimonio, naõ o exttahio da claflc primordial dos contraílos >
Cap. fin. de Prnturatorih. in VI; Sanch. de Matr. difp. n; e por
i(To ficou dependente da vontade dos contratantes , e em confe-
quencia fujeito á norma dos a£tos humanos: os aftos humanos ,
de que depende a utilidade do eftado, he certo, que eftaõ fujeitos
á vontade dos Princepes. E que aftos humanos mais intercíTantes
ao Eftado , que os cafamentos ? Deftes princípios deduzio toda
a Antiguidade , que os Princepes podem pôr impedimentos de-
rimentes ao Matrimonio , o que fizeraõ com cífeito naõ fó os
primeiros Imperadores Romanos, de que fe achaõ veftigios nos
fragmentos dos JCtos. ( vid. Mufcet. Diíl. de SpoUf. í3
trim. parent. in/ciis, vel invi/is, dub. 1, n. 29 ) mas os mefmos
Chriftaos , como fe vê principalmente da L. 1 Cod. 'de na!-
Vib.\ L. 5 de Epfcop. & Cleric.; L. 6 de Jud.; L. unic. àt
rnptu virg.; Nov. 134, cap.12, e Nov. Leon. 89, a cuja imi-
tação fizerao o mefmo muitos Princepes Catholicos, Rieg> J"'
risprud. Eccl. P. 4, §. 81 , c cuja autoridade naõ deviaõ fuften-
tar
Parte II. Titulo VI. 145
caçaõ dos pupillos, e infantes (2), c creaçaõ dos cxpo-
flos (y).
§. CXXVIII.

Já vimos ( §. LXXV ) o cuidado, que cita fociedade


tem merecido aos noíTos Imperantes: elles alem diiTò tem
todo o difvélo em remover os impedimentos á populaçaõ
( §. CXXVII ), caftigando-os feveriífimamente (a)elles
tem regulado a liberdade da addiçao do Eftado Eccleliaíti-
co , e Religiofo, fazendo-a dependente da lua auótorida-
T dei-

tar S.Thomas contra Gentes 1. 4, cap. to8 ; Souto, Seft.4, de


Matr. Vid. Eyb. J. E. de mm. indep. liv. 2 , cap. 10, §. 205. Os
GoJos , cuja legislaçaõ lie cheia de humanidade, naõ duvidarão
prefcrever os referidos impedimentos , comoJc acha preferipto
no liv. 3 do feu Codigo, tit. 1 , e 2 , preferevendo impedimen-
tos dirimentes, principalmente no titulo 2, L. 3 , e 4» He ver-
dade , que a maior parte dos Princepes fe tem limitado a por
impedimentos impedientes.
(z) A me ima utilidade , que refulta da populaçaõ, exige a
educaçaõ, e creaçaõ dos pupillos, c infantes; porque d'outra for-
te huns pereceriaó ás máos da fua mefma necellidade , e outros fe
, tornariaõ inúteis , e prejudiciais á Sociedade. Por efte motivo ,
cite objedto tem devido a primeira contemplaçaõ a todas as Na-
ções ; os feus Codigos , e os feus coílurnes eftaô enrequecidos
de providencias tutelares.
(>') L. 14, Cod.defacrof. Eccl.
(o) Efle o motivo , porque cafligaó o crime de ftídomia , c
alimaria Ord. liv.5 , tit. 13/ o de poligamia Ord. liv.5 , tit. r9;
.os concubinatos Ord. liv. 2, tit. 1, §. 13, tit. 9 in princ., e
l'v. 5 , tit. 28 , e 33 , Extrav. de 26 de Setembro de 1769 ; og
alcoviteiros Ord. liv., 5 , tit. 3a.
146 Direito Publico Portuguej
de (b) ; cllcs teitt júftamente rcftri&o o numero das Cor-
porações Religiofas (r), tudo pelo voto do celibato annexo
a eítes eftados ( §. CXXV1I n. u ); c naõ he menor o cui-
dado , que lhe tem merecido a creaçaõ , e cducaçaõ dos
infantes (d) , e expottos (í).

CAPITULO IV.

Da Jaude dos Povos.

§. CXXIX.

A Necefl-dade da popufaçaG ( §. CXXVI ) pede nc-


ceflariamente a fua confervaçaÕ : o meio deita fe confer-
'var , he pelo cuidado na faude dos Povos. Ella depende
da boa qualidade dos alimentos , de hum perfeito eonhe-
ci-

(b) O Senhor D. Jofé I naõ permittia, que os feus vafTalloS


fc addiíTcm a algum defles eflados fem o feu Régio beneplácito.
(c) O mefmo Senhor D. Jofé fez reduzir muitos Conven-
tos a menor numero. Por cfte motivo D. Filipppe III , gover-
nando efles Reinos , proh-ibio pela Carta de 26 de Setembro
de 1610 , que fe naó edificaflem Morteiros fem a fua Regia a»i-
floridade: regulamento ja eltabelecido pelos Imperadores Ro-
manos na L. 1 , c 3 , ff. de Cal. & Corp. ; e pelos Reis dc Hcf'
panha L. 6 , tit.ult. part.2, confirmada por Henrique IV, L-3'
c 4, tit. 14, Recopi; coflume obfervado em Portugal.-
(d) Ord. liv. 1 , tit. 88 , e 1 iv. 4. tit. 102 & feq.
(*) Como feprova pela finta, que por au&oridade Regia co-
fluma Iançar-fe para a creaçaõ dos enjeitados ; e pelo eflabelC"
cimento das Rodas , que a Senhora D. Maria I fez erigir.
Parte II. Titulo VI.
cimento da Medicina, e do cfíabelecimcnto de lugares
públicos para cura dos enfermos, fuftentaçaÕ dos pobres,
e para creaçao dos expoftos {f). Efte importantifíimo ob-
jecto, que tem merecido o primeiro cuidado a todas as
Nações civilifadas, tem feito o primeiro objedlo da Policia
Portugucza (g).

CAPITULO V.

Da Agriailiurn

§. cxxx.

.1—/lipois da confervaçaõ da faude dos Povos, que pede


aneceífidade da populaçao ( §. CXX.IX ), he igualmente
T2 necef-

(/) Eftes cftabelecimentos pelo feu piedofo fim chamados


religiofos, ainda que eftabelecidos pela piedade dos Particula-
res , Eyb. Jus Eccl. liv. 2, cap. 16, §. 396, n. a.***, e §. 414,
«incumbidos á adminiftraçaõ dos Bifpos, id. Eyb. §.415 . tem
merecido a protecção dos refpe&ivos Princepes , Atith. Hoc jus
porre SI um Cod. de facros. Ecclef.
(íf) Além do cuidado , que a Medicina fempre mcreceo
aos nolTos Monarchas , ( como fc moftra pelo eftabelecimento
«iefla fciencia entre as Faculdades maiores da Univerfidade)
« lies tiveraó fempre hum particular difvelo cm tudo o que po-
dia concorrer para a faude dos Povos : i.° ordenando aos Cor-
regedores huma particular infpecçaõ fobre os Médicos , Cirur-
giões, e Sangradores, Ord. liv. r , tit. 58, <§. 33 : 2.° prohibindo
®os Médicos fazer contradlo com os Boticários, e receitar pa-
ra a Botica dos feus parentes, Extrav. de 1561, e 1563: 3.0 pro-
hibindo receitar por cifras , e abfcueviaturas, Extrav. de 13 de
Marça
148 Direito Publico Portuguez
neceilaria a Agricultura. Por efla arte fe utilifao os ho-
mens
Março de 1652 : 4.0 prohibindo ter , ou vender rofalgar, ou fo-
Iimao , naõ fendo Boticários , que o naõ podem, dar feni fer
pedido pelos Médicos , Ord. liv. 5 , tit. 79. Em Lisboa já
antes do Senhor D. Manuel havia hum Provedor da faude , pa-
ra vigiar fobre os mantimentos , que vem de fóra do Reino. Os
Almotacés, fegundo o feu Regimento , Ord. liv. 1 , tit. 68, §. 18
& feq. , tem obrtgaçaó de vigiar na limpefa das ruas , e que
nellas fe naõ lancem coufas , que pofTaó corromper , e inficio-
nar cs ares. A ir.ftituiçaõ, e boa adminlftraçaÓ dos Hofpitais lhe
tem igualmente devido o primeiro cuidado, já permiitindo a
todos os vaííallos a faculdade de os inftituirem , Ord. liv. 1 ,
tit. 62, §.39; ja impondo aos Provedores das Comarcas a obri-
gação, i.° de tomarem conta daquelles, cuja inftituiçaô for feita
por feculares fem au&oridade Ecclefiaftjca, a mcfma Ord. §.39»
ou que nao folfem fundados , nem fejaÓ adminiftrados por Clé-
rigos , nem por auaoridade Ecclefiaftica; permittindo ainda ne-
ftecafo, que os Bifpos viiitcm cites Hofpitais , §.39 in fin- :
1.° de promoverem a cura dos enfermos , a qualidade dos ali-
mentos , c limpeza das fuas camas , §. 65. Naquelles Hofpitais
porém que faó inílituidos , ou adminillrados por peíTòa, ou au-
ítoridae Ecclefiaftica, pertence aos Bifpos prover, e tomar con-
tas, fazer cumprir a vontade dos inftituidores, obrigar os admi-
Ttiftradores a feguir as demandas, que pelas dividas fe moverem»
das quais faó Juizes os Miniftros do Rei fendo os devedores lei-
gos , §. 39. Exceptuaõ fe os Hofpitais da immediata protecçaá
Regia , §.42, em qnc fe comprehendem os annexos ás cafas da
Mifericordia, os quais faó exemptos da Jurisdlcçaõ dos Bifpos, e
Provedores, incumbindo a eftes a obrigaçaô de informar a S.Ma-
geftade dos tranfgreflbres , que por informaçaõ acharem , no
cumprimento das obrigações do Hofpital. Do Juiz do Hofpital
de Lisboa , inílituido pela Senhora D. Leonor , mulher do Se'
nhor D. Manuel em 1448 , trada a Ord. liv. 1 tit. 16.
PARTE II. Titulo VI. 149
mens (h) da admiravel producçaõ da Natureza ; por elIa
alcariçaÕ tudo o que lhes he neceíTario para a fua confer-
vaça5 , e para fatisfaçaõ do feu efpirito; por cila fe enri-
quecem os Patrimonios , fe íertilizao os Eítados, fe en-
groíTa o Comercio. Ella he o nervo principal do Ellado,
fem o qual nao há comercio durável , nem riquezas pró-
prias (/). Ella tem juflamente merecido o primeiro cui-
dado , e feito o primeiro objedto da Policia de todas as
Nações (/}.
§. CXXXI.

Deftes princípios fe conhece a jufta razaõ , com que


os Povos muitas vezes pediaõ aos Senhores Reis de Por-
tugal providencias fobre a Agricultura (mj, e a audlorida-
de ,
(h) A Agricultura , que ordinariamente fe vê praticada por
homens míticos , he certo, que depende de hum perfeito conhe-
cimento da natureza , e da qualidade das terras: os feus diffe—
rentes minerais , e contextura , exigem hum diíFerente amanho,
c cultura , e pedem diverfidade de fementes , e plantações: tudo
ifto, e o modo de utilifar os fru&os, que a terra produz , depen-
de de hum profundo conhecimento filofofico da Hiftoria Natu-
ral ; e tudo forma huma arte fublime, admiravel , ea mais util
á confervaçafl dos homens , e das Republicas: Omnium rerum, ex
guibus aliqutd acqturltur, nibil ejl cultura rnelitis: Cie. liv. 1 , dt
Off. cap. 24, 4; Diccion. Univ. des Scicnc. Moral, e Politique
na palavra Agricultura p. 1533.
(') Joaõ Chrys. de Faria e Soufa Hiítor. Univ. Tom. 2»
cap. 2 , p. 113.
(/) O mefmo Diccion. fupra loc. cit. Vues rcenomiques , t po•
litiquesfur VAgriculture par M.' le Baron de Haller.
{m) Aflim como nas Cortes de Santaiem de 26 de Junho
de
150 Direito Publico Portucuez
de , com que os meftnos Monarchas ferapre providen-
ciarão fobre cila matéria , naõ fó conftituindo Leis Agra-
cias (»), mas incitando a induftria , e cuidado dos feus
vallallos (o), e promovendo-lhes o meio mais adequado
para fe inftruirem no conhecimento de (la Arte, qual a
fciencia da Hiítoria Natural ( §. CXXX not. h ), pelo
eíta-
de 1375 , convocadas pelo Senhor D. Fernando \ Mon. Luf,
tom. 8, liv. 22, cap. 19;5 Duarte Nunes de LeaÓ, Cron.; Ord.
Affònf. liv. 4, tit. 79 ; a que fc pode também referir a repre-
ientaçaõ, que o Sefmcho díEftremoz Alvaro Goncalves fez ao
Senhor D. Duarte , e vem na mefma Ord. Affonf. loc. cit.
(f') A mefma Ord. Affonf. liv.4, tit.79, em que foraõ com-
piladas as Leis dos Senhores D. Fernando, D. Joaó 1, c D. Du-
arte, Ord. Man. 1.4, tit. 67; a Extrav. do Senhor D. João III
de 8 de Julho de 1533 ; LeaÓ P. 2, tit. 2, L. 8 ; de todas as
quais veio a formar-fe o tit. 43 do liv. 4 da Ord. Filip. Ser-
ve também de objedo á Agricultura a prohibiçaó , que a Lei do
l.° de Junho de 1766,§. 1 , faz , para que peffoa nenhuma pol-
ia entrar nas quintas muradas , ou valladas, fem licença de feus
rcfpeiSlivos donos. O mefmo efpirito he o da Ord. liv.i, tit. 66,
§. 27, que permitte aos donos das propriedades, ou a feus
mordomos, a faculdade de acoimarem com huma fó teftemu-
nha as pefloas, gados, e beftas , que nos mczes defefos pelas
pofturas dos feus Concelhos acharem em fuas herdades. A Lei'
dc 9 cje Julho de 1773 » declarada , e limitada pelo Decreto de
28 de Julho de 1778 ; finalmente a inftituiçaõ da Companhia
do Alto Donro p.ola Lei de 11 de Agofto de 1766; e outras
cílabelecidas a eile refpeito pelo Senhor D. Jofé I tem por
principal objecto a Agricultura.
(o) Ailim o fez o Senhor D. Jofé I, concedendo vários
privilégios aos lavradores, e feus filhos, pelas Leis de 24 de
1'eycieiro de 1764, §. 24, e de 20 de Fevereiro de 1752.
PARTE II. Titulo VI. 151
eftabelecimento publico defta importantiflima fciencia ,
pelo Senhor D. Jofé I dc immortal memoria, na Vniver-
fidade dc Coimbra.

CAPITULO VI.

Das Manufacturas.

§. CXXXII.

I^Epois da Agricultura, fazem Igual objecto da Po-


licia as Artes fabriz, ou Manufacturas. Na5 vive pois o
homem fomente da íimples producçaõ da terra, nem os
Eftados fe confervaõ vnicamente pelo íimpjes beneficio
da Natureza ,• he neceflario , que a induftria', e artificio
do homem fupraÕ eftas faltas. Em todas as Nações maia
civilifadas fempre merecerão a maior contemphçaõ as
manufacturas ; naõ fó as da primeira neceffidade , mas
também as úteis , e voluptuofas : aquellas pela fua mel-
nia neceílidade ; e eftas porque ellas fazem induftriofos
os homens , enchem de fatisfaçaõ o feu efpirito muitas
vezes abatido com as incalamidades da vida, occupaÕ os
vafTallos , evitaõ a ociofidade, diminuem os mendigos ».
fazem crefcer a populaça5pelo muito que por efte
meio fe promovem os cafamentos (/>) > Sev. dc Far.
Dif.
{p) Eítas razões politicas tem perfuadido a todas as Repu-
blicas o legitimo ufo e prudente exercicio das Artes fabriz. Erra
ortugal delde os (eus princípios fe exercerão aquellas manufa-
^uras da primeira neceílidade. No brilhante feculo do Senhor
D..
152 Dr reito Publico Português
Dif. 1, §. 2,e4; e fervem dc grande utilidade para o
Commercio (q).
C A-

D. Jofc , em que fez época a Policia Portugueza, ellas fc au-


gmentaraÕ , e chega raÕ a maior perfeição. O exercício deltas
Artes faz hum particular objeâo cia Policia , naõ fó para fe pro-
moverem , mas tamb.em para que o feu excelíivo numero, e a
lua imperfeiçaÕ naõ venha a fer prejudicial ao Commercio , e ao
Filado. O Senhor D. Sebaltiao, pelo Regimento de 1573 , regu-
lou as fabricas dos laneficios em que mais abundava o Reino, cu-
jo Remigento foi augmentado pelo Senhor D. Pedro II cm 7 dc
/-Fevereiro de 1690 , fujeitando todas as fabricas á inípecçaõ dos
Juizes de Fóra dos diltridtos , ena falta deites aos mais vizi-
nhos. O Senhor D. Jofé fufeitou com novas providencias ef-
te Regimento em 3 de Setembro de 1759; Apend. de Jeronym.
da Silva pag. 277. As differentes Fabricas , que depois fe eftabe-
leceraõ , e de quem nos informa a hiftoria deite feculo, tem fido
inftituidas por permiflaó Regia, e fujeitas á infpecçaó dos Ma-
giltrados públicos, como vemos das Leis, e Decretos publicados
a eíte refpeito, de que ainda teremos occaílao de fallar.
(.q) Naõ obítante a fertilidade de cada paiz , a induitria dos fe-
us habitadores, e progreíTos de fuas manufadturas, naó tem,
nem pôde ter ordinariamente cada hum dos homens em particu-
lar , nem o mefmo paiz , ou Eítado, no feu pratrimonio , e nos
feus domínios tudo o neceíTario, util, c voluptuofo para as ne-
ceílidades da vida , e fatisfaçaó do efpirito ; he por tanto neccf*
fario , que fe commutem os generos de huns com os dos outros ,
e os nacionais com os eítrangeiros j e deite modo as Manufa-
cturas promovem o Commercio.
PARTE II. Título VI.

CAPITULO VII.

Do Commercio.

§. CXXXIII.

o Commercio conhecem todos , que he o meio pelo


qual cada hum vende , ou cotnmuta os generos , que lhe
fbbejaõ , pelos que lhe fulcaS , e de que neceflita; por iíTo
fe define : Mutua: eorum , qua: ad vila: ncceffitalem , & com-
moditatem pertinent, commutationes [r). Della definição do
Commercio , e dos fins a que elle fe dirige , fe moftra
quanto clle he intereflante, naõ fó a cada hum dos ho-
mens em particular, mas á mefma fociedade (j); por ilTo
naõ deve fer unicamente dirigido pela liberdade natural '
de cada hum. Ncfle ponto tanto mais intereíía a regula-
çaõ , modificaçaS, e eftimulo da mefma liberdade,- quan-
to a inacçao do homem , e abufo pôde fer prejudicial ao
mais intereflante objedodo bem commum. Ella tem fido
V fabia-

(r) Wurf. Jurisprud. defínit. §. 153 ; Vlpian. Fragm. 5,


c. i9;Dire£lor. dos Índios do Pará, e Maranhaó de 175^7 , §-39-
(j) Os fentimentos communs de todas as Naçíies a e!te re-
fpeito , firmados na própria experiencia pelas vantagens daquel-
as , em que mais florece o Commercio , moílraõ a grande uti-
lidade defle importantiífimo objedto. Heinec. Exerc. 15 , de lib.
Mercai, for. cedcnt. §.2, Sc feq. O Senhor D. Jofe no preambulo
da fua Lei de 30 de Agoílo de 1770 reconheceo fer o Com-
mercio hum obje£lo mais intereflante ao Ertado , e mais digno
de attençaó, e cuidado do Governo Supremo, do que os pleitos
judiciais , as fabricas Cerviz , e mecanicas.
154 D r r F. i t o Publico Portugufz
iabiamcntc regulada pelos noíTos Monarehas (t). A infti-
tuiçaõ iciencifiça do Commercip; os privilégios , e gráos
de

(/) Os no (Tos Soberanos fempre tiveraÓ em vifta promover o


Commercio dos feus Eilados , e prefcrever-lhe os meios mais
adequados.O Senhor D. Moinei pelo Capitulo 30 do Regimento
do Conluiado da Cafa de índia c Mina naÔ "concedia algum
.privilegio, ou liberdade, que por direito commum gozaó os
Commerciantes, fenaÕ úquelles , que foircm habilitados , e julga-
dos capazes de commerciar ; meio cfte que foi fufcitado , e pro-
mulgado no anno de 1594, e ultimamente pelo Senhor D. Jofc
na Lei de 30 de Agofto de 1770. O meio para fe inftruirem os
que fequizerem deflinarao negocio, tem fido eflabelecido pela
infhtuiçaô da Aula do Commercio do Senhor D. Jofé de 19 de
Maio de 1759 , fobre os Eítatutos de 19 de Abril do mefmo an-
no. A efpecial protecção , e eítimaçaõ, que o dito Senhor pelo
coreto dc 30 de Abril de 1775 fc dignou declarar merecerem-
°S Com'ncrciantes dos feus Domínios : a dcclaraçaô , que o
mefmo Senhor fez , que o Commercio , qLie naó hc pelo mef-
mo Commerciantc exercido em Iogeas ou tendas pelo miúdo, naó
prejudica á nobreza dc cada hum , como fc deduz do §. 39 dos
Eítatutos do Grã Pará c MaranhaÓ ; fendo unicamente prohi-
b.do aos Grandes , Fidalgos , e Cavallciros, pelo abufo, com q»e
em virtude da fua audoridade o convertiao em monopolio , co-
mo fe declara na Lei dc 25 dc Janeiro de 1757 , e a regatia pu-
blica pela fua indecencia, Ord. I.4 , tit. 15 , e ,6: os privilégios ,
c liberdades concedidas aos Commerciantes, aílim como o bene-
ficio dos fali idos fem culpa, 011 malicia , Ord. liv. 5 , tit. 66»
§.8 , Extrav. de 13 de Novembro de 1756: a fé e prova femipl»
na dos feus livros legais, e authentieos, Extrav. dc 17 de Ou-
tubro de 1756 , e 30 de Agorto de 1770: as penas contra os
Mercadores, que fe levantaõ com as fazendas alheias , 'li'3
Ord.
P A R T E II. T I T U L O VI. I55
de Nobreza concedida aos Commerciantes; os caíHgos
contra o dolo , c fraude dos Mercadores, que fc levantaõ
com as fazendas alheias; e contra os perturbadores, ever-
fores do mcfmo Commcrcio, faõ os meios, de que elles
fe tem fervido para a utilidade, e augmento do Commcr-
cio.
V 2 CA-

Ord. liv.5, tit.66, e contra os que falfificaô as mercadorias, Ord.


1-5- tit,57.Todas ellas providencias politicas dos noflos Soberanos
faõ os meios , que elles fabiamente tem eflabelccido para a con-
fervaçaõ , e augmento do Commercio dos feus Domínios: c
porque muitas vezes faltaõ os cabedais necefiarios para o eftabe-
lecimento do Commercio , os quais fó pelo meio da fociedadc
de muitos homens , cujo capital conflitua hum fundo fufficiente ,
fe podem ajuntar ; pede a mefma Politica, que fe crijaõ eftas
Sociedades, ou Companhias, para eflabelecimento do Commer-
cio, cm quanto os mais valTallos fe naÕ habilitao para o faze-
rem cada hum de per fi. Por efta regra de Politica foraõ erigidas
as Companhias do Alto Douro, e do Grã Pará, Maranhaõ,
Pernambuco, e Paraíba, pelo Senhor D. Jofé de gloriofa me-
moria : porem naõ fendo mais neccíTarias eflas ultimas , foraô
jilílamente abolidas pela Rainha Nolla Senhora. Moftrado af-
fim , que o Commcrcio conflitue hum dos primeiros objeftos
da felicidade publica , e particular , he evidente, que os feus
perturbadores, e de fuas utilidades fe conflituem huns inimigos
communs do Eflado, e como tais dignos dos maiores cafligos :
ta
is laõ os contrabandiftas; aquelles homens infames , que tem
merecido a abjecçaõ e defprezo de todas as Nações civilizadas ,
como inimigos communs do Erário Real, da Patria, e do Bem
publico ; homens manifeftamente ladrões , que alem de rouba,
rem os Direitos Reais das Alfandegas, que tem defpacho , de-
fraudaõ os intereffes , que os Commerciantes pódem juftamen-
te
156 Direito Publico Portuguez

CAPITULO VIII.

Do Luxo , e Economia.
§. CXXXIV.

E/Nriquecido hum Eftado , e os fcus membros , he do


primeiro objcdo da Policia , que elles naõ ufem mal das
fuás riquezas , que nao as diflipem , e confumaS inutil-
mente , para que na5 fiquem fcm fruíto as fuas fadigas ,
e de nenhum intereffe, e proveito ao Eftado as utilidades
do Commercio, e da Agricultura, e das Manufactu-
ras (u); por iffo efte objedo tem fido também das fabias
providencias dos nolfos Princcpes (x).
C A-
te receber do feu commercio ; extrahem os dinheiros do Reino
para os eflrangeiros ; introduzem fazendas ainda mefmo prohi-
bidas, que deminuem o confumo das Fabricas do Reino , pre-
judicando defte modo os Artífices , e Commerciantes ; e arrui-
nando o Commercio do Eftado. Para cohibir , e obviar taõ de-
ieltavel crime, fe tem eítabelecido e reiterado ncfte Reino certas
penas contra os mefmos contrabandifbs ; e contra os que au-
xiliaõ, ou ocultao os contrabandos; efpccialmcnte pelas Leis
de 26 de Outubro de 1757 , e 14 de Novembro do mefmo anno.
fu) Nada ha mais prejudicial, e contrario á confcrvaçaõ dos
bens , que o abufo do luxo, e principalmente dos generos eftran-
geiros , que naõ fó diífipaõ os bens dos particulares , mas ab-
forvem as riquezas do Eflado. O abufo dos jogos, que fendo por
fua natureza lícitos, principalmente aquelles em queopéra mais a
induftna, do que a fimples fortuna, os faz muitas vezes illicitos.
(x) Principiando pelo luxo , elles tem cohibido o exceíTo dos
gaílos no ufo dos vertidos , trages , e outros adornos , e até nas
pom-
Parte II. Titdio VI. 157

CAPITULO IX.

Dos Vadios.

§. cxxxv.

Naô fó he prejudicial ao bem commum , e particu-


lar, a má adminiftraçaõ, que cada hum faz do feu patri-
monio ; mas igualmente ografiamento dos vadios, ifto
he, daquelles homens ociofos, que naõ fe occupando
em algum util exercício, ou diííipando inutilmente os
feus cabedais , fe conflituem inúteis , e prejudiciais aos
Concidadãos, a cuíla de cujos patrimonios vem á fer fu-
ftentados ; motivo porque os nofios Princepes tem re-
movido femelhantes homens do meio da Sociedade (2).

T I-

pompas funerais, como fe vê da Ord. liv. 5, tit. 100, e das


Extrav. na Collec. 1 do mefmo tit., c ultimamente da Pragmat.
do Senhor D. Joaõ \> , de 24 de Maio CUM749 , fufeitada pelo
Senhor D. Jofé em 21 de Abril de 1751. Os jogos de parar de
dados , e de carias ( em cujo numero foi comprchendido o da
banca , pelo Alvará de 29 de Outubro de 1756 ) tem fido pio-
1)ibidos pela Ord. liv. 5, tit. 82, e pelas Extrav. infertas na
Collec. i ao mefmo tit.
(z) Ord, Hv. 5 , tit. 68 , Extrav. referidas na Collec. 2 ao
mefmo tit., L. de 25 de Junho de 1760. Defte mefmo efpiíito
fe reveíle a prohibiçaõ dos mendigos pedirem cfmola fem Ucen-
Ça » dita L. 19.
158 Dr RE I TO Pu B L I CO Po R TUG VT.Z

TITULO SÉTIMO.

Do Diu eito Executivo.

CAPITULO I.
Das partes integrantes do Direito Executivo.

§. CXXXVI.

jPor Direito Executivo entendemos a autoridade ,


que os Princepes tem para fazer obfervar as fuas Leis (a).
Para eíte fim he neceflario que o Princepe tenha auto-
ridade 1.0 de fanccionar com certas penas as fuas Leis:
2.0 de julgar as acções dos fubditos : 3.° de executar co-
activa , e externamente as mefmas Leis.

CAPITULO II.

Do Direito de impor penas.

§. CXXXVII.

± Or Direito de impor penas entendemos: Poteftas mala


cum deliãis copulandi eum in finem , ut fecuritas afuturis U-

>-
{a) Os Direitos Mageftaticos feriaÕ imiteis nuô tendo os Im-
perantes auéloridade para os fazer executar ; porque o vinculo
da eonfciencia, que he infeparavel da obediencia devida aos So-
beranos , naó baila para promover a obfervancia das fuas Leis:
a pena efpiritual, a que eítaó íujeitos os feus tranfgreflores, naá
acautella os males , que nafeem da tranfgreffaó da Lei.
Parte II. Titulo VIT. 159
fionihus, & Jalus publica obtiticalur {b). Defta deíiniçaõ fe
ttioftra , que a pena he hum mal, que o Superior efiabc-
lcce contra o fubdico , que viola as fuás Leis, e commet-
te alguma acçao prejudicial á Sociedade, a íim de que
cila fe naÕ offenda (c).
§. CXXXVIII.
O Direito de impor penas he taõ efíencial para a
conftituiçaõ das Leis, que aquellas , cujo edi&o naõ he
munido com fancça5,ou pena , fe chamaõ imperfeitas; c
aquellas, que unicamente propõem prémios para promo-
ver a fua obfervancia, fe reduzem á claífe de Leis permif-
fivas (d). C A-

(b) Rieg. Jurisprud. Eccl. Part. 4, §. 242.


(c) Deites princípios fe fegue: 1.° que a pena deve fer ao
menos taõ grande , como amoralidade da acçaó , que fecafiiga ;
porque para eíla fe naõ commetler , he neceífario , que fe apre-
fente a no Ha vontade , de enjo alfenfo pendem os deliclos , hum
motivo maior , ou igual , que a obrigue a adverfar , ou naõ ap-
petecer a acçaó contraria : 2.0 que a pena fó pode impor-fe ao
aucior do delicio ; devendo reputar-fe calamidade , e puro effei-
to da pena , os danos , que os filhos , e defeendentes experimen-
taõ pelos deli£los de feus pais, Ord. liv. 5 , tit. 6 , §. 9 , e 13 ;
Exirav. de 13 de Agoflode 1770, §. 11 : 3.0 que a pena fe de-
ve regular pelo feu fim , e proporcionar-fe naõ com a moralida-
de da acçaõ cm fi mefmo , mas com relaçaó ao fim da Socieda-
de , L. 16, 1 , e 1, ff. de peenis.
(d) 1 odos os Políticos conhecem , que as Leis Civiz feriaó
inúteis, fe ellas naõ folfem munidas com penas externas, cujo ef-
ieito fenfivel , e immediato á tranfgretfaõ da Lei , poffa conter
aquelles homens pouco ítudiofos da utilidade publica , e pouco
a
dvirtidos das Leis do feu coraçaó , e infenliveis aos didlames
da
i6o Direito Publico Portuguez

CAPITULO III.

Do Direito de impor pena de morte.

§. CXXXIX.

A Qualidade das penas naõ fe pode determinar pof


huma regra invariavel ; elias fe devem regular pelos Im-
perantes de modo, que fe preenchaõ os fins, que as le-
gitimaõ ; elias fe podem eftender ate á pena de morte (<?)•

§. CXL.

Prova-fe a auctoridade defte Direito i.° pelo exem-


plo da 1 heocracia do Povo Hebreo ,a quem Deos, corno
Princepe temporal, impôs muitas vezes a pena de mor-
te

da confcicncia ; para os quais nem o eítimulo dos prémios tem-


porais , nem o receio das penas eternas ferviriaÔ de freio á fua
defordenada liberdade, como comprova a pouca obediencia , que
o homem tem á Lei do feu Creador.
[é) O fim das penas he evitar os delidos prejudiciais á fo-
ciedadc: logo todas as vezes, que a pena de morte for necelTaria
para le obter efle fim , deve competir ao Imperante a auclorida-
de de a impor. Quando ella feja neceíTaria he do privativo co-
nhecimento do Imperante , auxiliado pelo exercido da fjiprenia
Infpecçaõ : o génio , cara&er , e coflume dos Povos , a frequên-
cia dos delidos , e outras circunftancias externas , podem fazer
mais , 011 menos neceflario o ufo deftas penas. As regras da ju-
íliça , e da prudência , he que devem decidir fobre o ufo , c
exercício de femelhantes penas. E fe a pena de morte for a mais
eflicaz, quem pode duvidar da fua jutlica !
Parte II. Titulo VII. 161
tc (/)-, 2.° pela Revelaçaõ : Per me Reges regr.anl, Prov. 8,
15 •' ^ atitem malum feceris time ; non enim fine caufa gla-
dium porlat. Dei Minijier efi, vindex in iram ei, qui malum
ogit, Ep. ad Rom. 13 f.j\.{g)\ 3.0 pelo confenfo da Igreja
X Univcr-

(/) Dcos governou o Povo Hebreo , naõ como Senhor abfo-
luto da natureza ; aias como Rei, e Soberano temporal, que
dirigia os feus regulamentos pelos princípios da lua Lei eter-
na , e de huma Republica a mais bem civilifada: por tanto os
Direitos , que elle como Princepe temporal exercia naquelle
Povo, he certo, competem igualmente aos mais Soberanos nos
feus refpe&ivos Povos. Ora nas Leis daquclla Theocracia acha-
Je muitas vezes impoíla a pena de morte contra os delinquentes,
yelo génio , e caracter daquelles Povos ; feguc-fe que em thefe
elle Direito compete aos Imperantes.
(g) Eftes lugares moflraó clariiTimamentc , que os Reis tem o
poder vila & nccis como Miniftros de Deos ; S. Jeronymo refe-
rido in Cauf. 23, qusefh 5 , cap. 27. E que a efpada, de que fal-
ia o Apoftolo, denota o poder da vida , fe prova, porque alem de
a confiderar o Aportolo para exercido da juftiça de Deos , Dei
Mimjler ejl, a quem fe naS pode negar efte poder, o mefmo Chri-
íio o reconheceo em Pilatos. Sabia elle , que Pilatos o condem-
nava á morte , e com tudo fallando-lhe como a Miniftro de Ce-
far lhe diffe: Non habires potejiatem adverjus me ullam, nift tibi da-
ta effet defuper , Joan. cap. 19, fr. 11 ; e quando Pedro cortou
com a efpada a orelha a Malco, Chrifto fignificou aquella efpa-
da pelos mefmos termos do Apoftolo; Converte gladiam luum in lo-
cum fuum ; omnes enim , qui accepirint gladiam , gladio perilunt,
Matthcus cap. 26 , . 42. As mefmas Divinas Letras confir-
ma6 a auâoridade da efpada. S. Joaõ, Precurfor de Chrilló ,
«juando os Soldados de Tibério lhe perguntaraó , que deviaõ el-
les fazer , naô lhes diffe , que abjuralfem a milícia , paia o que
era
162 Direito Publico Portuguez
Univcrfal , a qual ncc eppmlat, nec lacet, quod rfi contra
lonos mores (b): 4.° pelo confenfo dos SS. Padres , fegu-
ros interpretes da Lei Evangélica , e Miniftros irrefraga-
veis da Moral Chriííã (/J: 5.0 pela pratica univerfal de
todas as gentes (l).
§. CXLI.
era neceifario o ufo da efpada , antes tacitamente lha approvou
11a rcfpofla , qUe lhe deo: Contenti ejlote ftpendiis vjlris , Luc.
ca
P-3» t i+. Chriíto, quando S. Paulo lhe diiTe , que en-
tre elles havia duas efpadas , nao o reprehendeo , antes lhe difle :
Saiu eji. S. Pedro , tendo convertido a Cornélio CenturiaÕ, naÔ
o obrigou a depor o cargo, nem confia, qUe o depuzeffe, Aã. dos
-Ap. cap. 10, 5^.23, & feq. S. Paulo convertendo a Sergio
Pau!o Proconful de Cypro , e como ta! com poder vila nc-
as , I-. fi ft. D? offm Proconf. , também o naõ obrigou a lar-
gar a Magiflratura, nem confia , que a largalTe , A&. 13, f. 27
& feq. O mefmo S. Paulo , fendo conduzido á prefença de Fe-
Prefidcnte oa Cefarea , naõ duvidou da jnlliça da pena de
morte: Si enim nocui, VdigHUm morte allquidfeci , mn rccufo moru
Aã. 25, f. 21.
{b) A Igreja recebe no feu grémio pelo Baptifmo a todos os
feus membros ou fejaõ Magifirados, ou Soldados : ella conta
a muitos delles entre os feus Santos.
(/) Os Santos Padres, reputando como por obrigaçaÓ do
feu Minifterio Sacerdotal o officio de interceíTores pelos re-
os depena de morte, Wan-Efpen Dif. Can.de afú. Templ
cap. 1 , elles fempre entenderão eftes officios falva jtíftitia, co-
mo diz S. Agoftinho na Ep. 53 ; aonde trada a quefiaõ fe hc
illicito interceder pelos reos.
(/) Hum effeito univcrfal depende de huma caufa tambet»
univerfa!: entre os homens Tiaõ ha coufa mais univerfal , do
que a razaõ, para norma das fuas acções ; logo huma acçaó vni-
ver-
Parte II. Titulo VII. 163

§. GXLI.

Contra efte Direito Mageftatico fe pôde produzir:


Os Direitos Magcftaticos , ou do Imperante , tem o
leu principio conftitutivo na renuncia , que pelo pado
íocial os homens fizeraõ livremente dos feus direitos, e
da fua liberdade nas mãos do Suinmo Imperante, para
°5 governar, e defender; porque i.° Deos creou o
homem com huma perfeita igualdade , e independencia:
2.0 naõ fe pode aífignar a que peíloa em particular folie
concedido por Deos o poder fupremo : pofto iílo os Im- '
perantes naõ tem mais poder , que aquelle, que os ho-
mens lhe rcnunciaraÕ ; e como elles o naõ tem fobre a
fua vida, naõ íe pôde eftc comprehender naquella re-
nuncia.
§. CXLII.

Nem também fe pode comprehender na renuncia


dos direitos dos pais ; nem dos chefes das famílias; nem
dos direitos inculpata tutela. Naõ dos pais de famílias;
porque os feus direitos fe reduzem aos da creaçaÕ , e
educaçaõ fegundo o fim do matrimonio ; e quando el-
les tiveflcm o jus vita fobre feus filhos, a renuncia fc
extenderia fobre eftes , e naõ fobre os mcfmos pais.
Naõ do chefe da família; porque como tal, naõ tem
mais direito, que o que provêm do paiíto focial dos fa-
miliares, que também lhes naõ podiaõ renunciar o di-
X 2 rei-
verfalmente adoptada , he huma prova quafi evidente de fer per-
inittida por Direito Natural.Ora todas as gentes ufaõ , e tem ufa—
do da pena de morte» Cocc. ad Grot. liv. 1, cap. 1. §.5. num.6}
fegue-fe , que as penas dc morte faõ jultas.
164 Direito Publico Portuouez
rcito da fua vicia ; e pofio que as Leis Civiz o permittif-
fem , efla autoridade he de que fe duvida , e quefiiona.
Naõ pela renuncia do direito inculpala tutela, que no
eftado natural compete a cada hum para defender a fua
vida , i.° porque efte direito ficarao os homens conser-
vando ainda depois de unidos em fociedade : 2.0 porque
clles o nao podiaõ renunciar indiftin&amente , como
neceflario para a fua confervaçaõ: 3.0 porque os SS.
Padres, aííim como S. Agoftinho lib. 1 de lib. arlitr.
num. 13, Ep. 47, aliás 154, S. Ambrof. liv.3. de ojjic.
cap. 4, e S. Cypriano Ep. 57, p5em em duvida fe he li-
cito a cada hum ufar deite direito inculpaia tutela: e da
renuncia de hum direito duvidofo naõ fe pode eítabele-
cer hum direito certo: 4.0 porque pofta efta renuncia o
direito vita & necis fó teria lugar prafentijfimo periculo
tia Republica , ou de cada hum dos feus focios ; e para
evitar o delido , que fe perpetra, e naõ para caftigar o
perpetrado.
$. CXLI1I.

Efles faÕ os principais fundamentos , de que podem


munir-fe os impugnadores do direito vita & necis; pç-
rem nem efte direito , nem os outros Mageftaticos faõ
huma autoridade renunciada pelos fubditos na pefloa
do Imperante (a); nem hum fimples complexo dos di-
reitos

(m) Os Direitos Mageftaticos , c proprios do Imperante


como tal, fafi realmente diGin^os dos direitos do homem. Os
Direitos do Imperante faÕ os de fuperioridade fobre os outros
Jiomcns ; e os de autoridade para governar , dirigir, c caftigar
as
P a R. T E II. Titulo VII. 165
reitos do homem («); mas hum rcfultado neceflario da
eflabclecimenco da Republica.

§. CXLIIII.

Eda fociedade 011 fcja huma obfervancia do preceito


natural da confervaçaÕ do homem (0), ou hum puro ef-
fcito
as acções dos mefmos ( §. LXI). Pelo contrario os direitos do
homem , a refpeito dos outros , faõ de igualdade , e independên-
cia ; logo os Direitos do Imperante naõ fe podem julgar huma
autoridade renunciada pelos fubditos ; porque ninguém pôde
renunciar o que naõ tem.
(") Direitos, que os homens podem renunciar, faõ os fa-
cultativos , e permiílivos ; efta renuncia faz hum complexo, ou
umao dos direitos facultativos de muitos homens na pelToa do
renunciado, mas cite, como fimplesmente tal, naõ pode ter mais
direitos , que os mefmos facultativos , que lhe renunciaraÓ :
nao tem os direitos imperativos judiciários, e executivos , por-
que os homens os nao tinhao , porque lhes naõ eraõ concedidos,
nem permittidos , como repugnantes ao íeu citado dc igualdade,
e independência. Hc certo , que por effeito daquella renuncia ,
( que fe prefunie) o renunciado tem au&oridade para difpôr ,
ou regular eífes mefmos direilos facultativos renunciados , e
qtie fe pode dizer de algum modo, que em virtude deita renun-
cia elle tem aquclía autoridade , que conflitue os Direitos Ma-
b(-llaticos , porem elta naõ lha conferirão dire&amente os ho-
mens, porque he realmente diftinfta dos direitos renunciados ;
mas ella vem por hum effeito confecutivo da mefnia renuncia :
lo^o os direitos do Imperante nao faõ hum fimples aggrega^o
dos direitos do homem.
(•>) Os homens foraõ fempre obrigados a confervarem-fe , e
promoverem a fua felicidade por huma ebrigaçaõ natural. A cor-
166 Direito Publico Portuguez
feito da fua liberdade, e faculdade natura! (p), neceíTa-
riamente hade ter Imperante, que a governe, e dirija
( §. II , not. c) ; efte Imperante necelTariamente hade ter
os direitos proprios , e precifos para aquelle fim , ifto he
os Mageftaticos (q) ; logo os Direitos Mageftaticos , ou
do Imperante , faõ huma eonfequencia neceflaria do efta-
belecimento da Sociedade , e do Eftado do Imperante.

§. CXLV.

Sendo os Direitos Mageftaticos hum refukado necef-


fario do eftabelecimento da Sociedade, e do mefmo Efta-
do de Imperante fegue-fc : i.° que eftes direitos lhes naõ

faõ

rupçaõ da natureza , e dos coftumes , e o eftado hypothetico


dos homens naô permittia, que elles fatisfizeflem a efta obri-
gação , confervando-fe no eftado , ou fociedade natural ; e foraó
por ifTo obrigados por hum preceito da Lei Natural a unirem-fc
em Sociedade Civil , ou Republica; donde fe fegue , que efta fo-
ciedade he huma obfervancia do preceito da mefma Lei natural:
Arbes. Jur. Prud. Nat. cum Chrift. coll. Dif. i.
(p) O effeito da fociedade , e a fua natureza , depende dos
fins da fua conflituiçaÔ , e do feu eftabelecimento , ou efte feja
obligatorio , ou voluntário ; porque efta differença fó refpeit.a
ao principio remoto da fociedade: logo os mefmos refultadas
eflenciais da fociedade coadia, e obligatoria, faõ os da focieda-
de voluntaria , e permidiva na fua origem.
(j) Todos fabem aquelle vulgar axioma : Quem quer os fins ,
neceffariamente hade querer os meios para ejics fins fe corjegui'
rent. Defte axioma fe moftra , que os Imperantes neceffaria-
mente haõ de ter os direitos precifos para confeguirem o fim d*
Sociedade , e do proprio Eftado de Imperante.
Par th II. Titulo VH. íS7
faõ concedidos , ou renunciados pelos fubditos: 2.° que
os Imperantes os recebem primaria , direita, e immedia-
tamente de -Deos (r) ; ifto he íegundo a -foa divina *on-

tade

(r) Aílim como os Direitos Naturais Mageftaticos, por iiTo


que faõ conftituidos por Djreito Natural , fe dizem conílitm-
dos immediata e unicamente por Deos; affim também dizemos ,
<3"e recebe os mefmos direitos única , e immediatamente de De-'
os aquella peíToa , que fegundo a vontade do mefmo Deos , de-
clarada pela razaõ , necefiariamente os hade exercer. Ora a pef-
' 1ue fcS"ndo os da noffk razaó hade exercer por
vontade de Deos os Direitos Mageftaticos, he o Imperante ; logo
o Imperante recebeo fummo poder immediatamente de Deos.A
-neceííidade do poder fupremo , de cuja neceííidade podemos co-
nhecer pela razão qlIC Deos o concedeo aos homens , he para
fe preencher o fim da Sociedade, que Deos mandou, ou permit-
t.o , que fe eftabeleceífe ( §. CXLLI H ): para efte fim fe confe-
guir nao baila conf.derarmos o poder fupremo em f. , abftrahin-
(cu cxlTiicio , he neceílàrio , que efte mefmo poder fe
ex
-erça, ou fe confidere no eílado de fe poder exercer ; logo a
neceííidade do poder fupremo he para elle fe exercer r para fe
cxeicei he necéftavio pefiba., que o exerça; logo fó podemos
confiderar de neceffidade, ou pela vontade de Deos declarada pe-
la razaõ , concedido efte poder á peíToa , que o hade exercer ,
ífto he ao Imperante: logo o Imperante he aquella única peffoa,
a
quem pela razaõ podemos conhecer , que Deos concedeo o po-
der fupremo. Nós podemos conceder , qu.e os direitos do Impe-
rante faõ hum rcfultado da renuncia dos direitos do homem
r§ CXLIIII not. „),e hefem duvida, que a eleiçaõ dapef-
oa para Imperante depende da vontade dos eleitores ; porem
»|em ella eleição , nem aquella renuncia lhe transfere per/c , e
'regiamente os Direitos Mageftaticos 1 o Imperante nomeado o
rece-
168 Direito Publico Portuguez
tade declarada pela razaõ, o que íe confirma pela meíma
Reve-

rccebe em confequencia daquella eleição , ou renuncia. Os Mi-


niftros do Altar, os Bifpos , e os Pontífices, recebem o poder fa-
grado em confequencia da impofiçaõ das mãos , e obfcrvancia
dos ritos eíTenciais do Sacramento da Ordem ; ir,as naó faó os
imponentes, os confagrantes , quem por eíle meio lho confe-
re ; elles o recebem immediatamente de Deos, por meio daquel-
la impofiçaõ, e daquelles ritos. Depois diilo fe o Imperante naó
recebe os poderes dire&a , e immediatamente de Dees , he de
neceflidade , que outra pelToa os tenha recebido primeiro para
lhos transferir. A doutrina hoje dominante ( que lia pouco naó
paliava da clalTe de opinião) decide ( proh do\or\) que a primeira,
c única peiTòahe o povo ; que os Imperantes faó feus meros de-
legados , porque o Império foi eítabeiecido para beneficio do
povo ; e porque aliás o povo naó poderia redringir , e limitar os
poderes dos Imperantes , nem refervar para fi parte delles; mas
cu vou medrar o contrario. O povo deve confiderar-fe de dous
modos , antes , e depois de formada a Republica. No primeiro
caio deve também confiderar-le de dous modos , ou confideran-
do cada hum cm particular, e difjunflive ; ou em comum , e
ccnjunílive, para virem a formar huma a Republica. No primeiro
modo he evidente , que o povo naó tem império, porque o eftado
de cada hum dos homens he de igualdade, e independencia. No
fegtindo modo naó podemos confiderar mais , que hum aggrega-
do dos mefmos homens iguais , e independentes , fetn que entre
clles haja império commum , porque ainda naó ha Republica»
ainda naó ha fujeiçaõ, nem uniaÓ de vontades a luima fó , moral,
ou filica, que 08 governe ; mas fomente huma uniaó pa£liva de
igualdade e independencia , que augmentaa força dos focios uni-
dos, e do feu direito defenfivo; como fucccde na liga de muitas, e
diverfas Cidades, iguais, c independentes, que naó conflituem e"1'
t*e
Parte II. Tiruto VII. 169
Revelacao: In unamquamque gcntem propofuit Reflorem, Ec-
clef. cap. 17 t f. 14 ; Audite Reges , & intelligite, quoniam
Y data

entre fi huma Republica , que naõ tem Imperante commum. Re-


fta confiderar o povo depois de formada a Republica: mas nefte
citado naõ pode confidcrar-fe fem Imperante ; porque a eleição
<iefte lie o que conflitue o eílencial da Republica (§. II not. c). A
Republica pois pôde fer formada tacita , ou expreíTamente: ex-
prefla, quando o povo deligna expreíramente o Imperante : tacita,
quando elle fe alFocia fem exprelfa defignaçaõ dc Imperante. No
primeiro cafo conflitue huma Republica, debaixo dc forma efpe-
cifiea , cujo Imperante lie o delignado , e eleito expreflamente ,
c cuja eleição aperfeiçoa , ou confuma , para aífim me explicar,
o pa£to focial , e conftitutivo da Republica: no fegundo cafo
conflitue o povo huma Republica Democratica, cujo Imperante,
tacitamente defignado, he o maior numero de fuftragios do mef-
mo povo conftituinte. Em cada hum deftes cafos ha fim o po-
der fupremo na Republica; porem como ha Imperante , cin
quem pelos di&amcs da razaõ fe pode confiderar conftituido por
Deos o poder fupremo , hc certo que naõ pode moftrar-fe pelos
<li<ítames da razaõ , que efte poder fe radique neceilariamente no
povo. Nern iflo perfnade o moíivo de fer eíle direito conftitui-
tlo , e concedido por Deos , para beneficio , e utilidade da Re-
publica , e dos feus indivíduos ; porque também o Império Sa-
grado loi conftituido , e concedido aos Miniftros do Altar, pa-
ra beneficio , e utilidade de todos os homens ; e o poder paterno
foi concedido aos pais para utilidade , e beneficio dos feus fi-
lhos ; mas nem por iíío Chrillo concedeo aquelle Império a to-
dos os homens ; nem Deos concedeo aquelle poder aos filhos.
Nem he verdade , que o Povo pode reftringir , e limitar ao Im-
perante o poder fupremo, nem refervarpara fi parte delle. O que
Un
icamente pode lazer o povo, a quem compete eleger o Im-
peran-
170. Dirrito Publico Portuguez
data eji a Domino poteflas vobis, & virtus ab AlíiJJhno, Sapi-
ent. cap. 6, $.2, e 4: Per me Reges regnant, & legam con-
dito-

perante , he eleger diverfas pelfoas , para cxcrcerem as diverfas


partes do (iimmo Império; mas todas ellas conflituem hum Sum-
mo Imperante, aííim como as diverfas partes do poder fnpremo
conflituem o mefmo fupremo poder. O poder fupremo confia,
de partes integrantes ( §. LXI J, o exercicio delias partes pode
dividir-fe pordivejfas pelibas fificas , ou morais ,. e daqui reful-
tao as diverfas formas de Republicas mistas ; mas todas ellas
peflbas conflituem hum Sumrrio Imperante r per exemplo, o po-
vo elege huma peíToa fifica para exercer a parte executiva , e
ekge os feus Comícios para exercerem as outras partes do po-
der fupremo ; tila forma de defignaçaõ de Imperante vem a for-
mar o Elbdo mixto. Monarchico-Demoeratico ; porque em am-
-•s ellas pelicas òlica , e moral eflá o poder fupremo , ambas faó.
eleitas Para exercerem as revivas partes , que recebem enx
confequencia da defignaçaõ , e ambas fazem hum Summo Impe-
rante Pode fim o povo nas fuás leis fundamentais , ifto he , no
pado focal, prefere ver algumas condições ao Summo Imperan-
te, que limitaÔ o modo do exercicio: mas naõ pode reftringir-lhé
o poder fupremo; naõ pode «atuir, que na Republica fe naó
exerça alguma das partes integrantes do poder fupremo, porque-
ifto repugna á natureza , e ao fim da mefma Republica : o Sum-
mo Imperante , qualquer que elle feja , hade ter todos os Direi-
tos MageftatLcos neceffarios para o fim da affociaçaõ, podo que
fej aobrigado a exerce-lo debaixo de certa forma: logo he verda-
de , que o povo naõ pode reílringir , limitar , ou refervar parte
do fupremo poder. Pode também o povo eleger Imperante de-
baixo de condição refolutiva ; porem eíla condição naõ limita „
naó reftringe o poder fupremo; porque ofeu proprio objetfo
naõ he o exercicio do poder , mas a fua duraçaÕ no mefmo Im-
pelia-
P A R T E II. Titulo VIL j 71
ditores jujta deeernunt: Per me Príncipes imperant, Prov.
ca
P- S , tf. 1 5 , c 16: Omnis anima poleflatibusfubPnnioribus
Súbdita fa , non rjl cnim potejias nifi a Deo: quaàutcm funt, á
tieo ordinata" funt. Itaquc qui refifiit potefaii , Dei ordina-
honi refijit, Paul. ad Rom. cap. 13.
Y 2 §. CXLVI.

perante: cila naõ indica no povo fuperioriclade, nem império:


cl'a he importa por meio de hum paflo entre o povo , c o Impe-
rante: o feu efteito he lium mero refuitado do mefmo paclo.
i-ile pacto adje£lo ao pado da eleição faz , por hum effeito na*
tnral do mçfmo pado, que fe rcfolva o da eleição verificado o
da condição, o que naó moílra fuperioridade no povo, comofuc-
cede em fcmclhantes pados feitos entre peíToas iguais , qual o
Imperante com o pov„ , qi;ando emrc e],es fc cflabe,ece Q ao
da eleição. Deites princípios fe moílra a falfidade do difciirfo
que o Imperante he hum mero reprefentante , ou delegado do
povo , para o exercicio dos Direitos Mageftaticòs. E que abíur-
dos fe naõ leguem dc hum tal difeurfoí Se o Imperante foíTe
hum mero reprefentante, ou delegado do povo, os poderes Mage-
ftaticòs fe confervariaó realmente no povo, a pezar da eleiçaó do
Inípciante: do arbitrio do povo dependeria remover o mefmo
Impei ante: as Leis , mefmo as judas , do Imperante nao ligari-
a5 o povo coaSivamente; e entaó aonde o vinculo da uniaõ"? o
edcncial da afTociaçaó r o conflitutivo da Republica ? Se o Impe-
rante folie Miniilro do povo , Chrifto Senhor Noifo pela boca
dos feiís Evangeliftas , e Apoílolos, naó chamaria aos Reis feus
Miniftros: Dei minijier ejl ; mas Miniftros do povo : e em lugar
<*a exprelTaõ do Apoftolo na Epift. ad Rom. c. 13. Sive Regi quafi
pracellentt, five ducibus tamquam ab eo niffit". diria Sulditi eflo-
Upopuh tamquam practllenti ,ftve Regi bus tamquam ab eo mijjis.
i-]2 Direito Publico Portuguez

§. CXLVI.

Dcílcs principios , e nao do direito renunciado pelos


povos, he que devemos deduzir a autoridade do Direito
Mageflatico viu & necis ; porque Deos , donde proce-
de o poder fupremo , o podia conceder aos Summos Im-
perantes . cujo direito pelos mefmos principios podemos
confiderar nos chefes das fociedades familiares, antes de
fc unirem cm Republica ,ea cujo principio fe deve refe-
rir a autoridade com que o Patriarcha Judas, fabendo
que fua Nora Thamar fe tinha proftituido, a mandou
queimaií Ducite eam ut combttrútur, Genes, cap.^8, f. 24.

§. CXLVIL

. 1 Te verda<3e , podem inflar os contrários , que detfe


principio „ Deos podia conceder aos. Princcpes o direito
'JiU & necis „ nau fe deve deduzir : Logo lho conce-
deo. He por tanto neceflario recorrer a outros principi-
os, para fabermos , fe Deos elíeclivamente lho concedeo.
Os principios naõ podem fer outros , que o fim do mef-
mo Império, porque eíle he o único meio de conhecer
a vontade de Deos pela razaõ»

§» CXLVIIL

O fim he a confervaçao da fociedade , ou a interna , c


externa fegurança, c dos feus membros em particular.
Para eíle fe obter naõ he necefiario a pena de morte, an-
tes lhe repugna; porque pri\-a a fociedade dos feus mem-
bros,,
Parte II. Titulo VII. 173
bros, cm lugar de conferva-los, priva a cada hum da fe-
gurança , que procurou na fociedade. As penas pecuniá-
rias bem reguladas , as de degredo , as de cárcere , as de
trabalhar nas obras publicas fatisfazem perfeitamente ao
fim da fociedade. Nós temos a prova difto no fadto de
Sabaco , Rei do Egypto, o qual, como refere Theodoíio
Siculo liv. 1, cap. 65, felizmente mudou as penas de
morte para os trabalhos das obras publicas. Grot. Jur.
Belli àj Pac. liv. 2 , cap. 20, §. 13, num. 3.

§. CXLIX.

Ido mcfmo he mais analogo com o fim das penas.


Efte fc reduz fubftancialmente a três objecflos: emenda do
delinquente ; fatisfaçaÕ do ofFendido ; e exemplo para os
mais. A pena de morte naõ pôde ter lugar nos primeiros
dous cafos: naõ no primeiro, porque a morte naõ emen-
da o morto , nem o pódc fazer melhor; naõ no fegundo ,
porque involve huma pura vingança, e fatisfaçaõ dos
vingativos defejos do ofFendido contra todos os princí-
pios da Moral Chrifiã, porque por maior que feja a of-
fenfa , naõ pode indamnifar-fc o ofFendido com a morte
do offenfor.
§. CL.

Refia por tanto o terceiro cafo, ifto he , o exemplo ;


mas o da pena de morte he menos profícuo , que o da
pena de cárcere , ou o de trabalhar nas obras publicas
porque os homens facilmente fe efquecem dos males paf-
íados-,. e a nofía alma fe toca mais- vivamente pelos aiffos
cx-
174 Direito Publico Portuguez
externos, do que pelos da fimples cogitaçaõ: por tanto a
pena, cuja execução for mais durável, he mais capaz de
conter os homens, do que huma maior pena momentâ-
nea. A pena de morte he mais cruel, mas he momenlanca,
cujo efieito fenílvel termina com a execução da pena , o
que naõ íucccde nas outras.

» ••• •- §- CLI.

Ií quantos homens nao vemos nos íacnficarcm a vi-


da para alcançarem honras, e riquezas ? Quantas Nações
naõ (eguem por coftume o mefmo fuicidio? Quantos Fi-
JofoÍQS nao preferem a morte aos incommodos temporais
do corpo, e da fortuna {s) ? Mas rariffimos faõ os que
naõ íintaõ padecer, e que naõ temaõ os males, que os
mortificaõ.Os mefmos PP. parecem citar perfuadidos da
injuftiça da pena de morte (t).

§. CLII.

Ifto naõ obftante, fempre ferá certa a auctoridade de-


ite Direito. Nós convimos, que o fim da fociedade he,
que regula os legitimos Direitos do Surnmo Império ;
con-
(í) Coe. ad Grot. liv. 2 , cap. 19 , §. 5.
(/) Ideo compeli;mur, diz S. Agoftinho na Carta 153, em
refpofta a Macedonio , hum/ml generis carltate Intcrvcnlre pro
reis , ne ijlam vltam ftc finiant per fupplieium , vt eu finita non
pojjintfinirefupplicla. E ifto porque Deos alíim o manda, ain-
da mefmo na incerteza da fua emenda, como diz cm o nume-
ro 6 da mefma Caria.
PARTE II. Titulo VII. 175
convimos , que o fim he a interna , e externa fegurança
da meíma, e dos feus membros; logo aos Princepes com-
petem aquelies Direitos, que forem neceííirios para fc
promover eita fegurança.
11
* '•'* • » >íl C/ i òr" 1:'"' r' ' '"t ' '' »,.« .
f. CLI1I.

Os homens nao fe unirão em íociedade unicamente


para evitarem a fua ultima, e indifpenfavel rui na ,• mas
para mais fegurança do que tinhaõ no eílado natural , e
promoverem melhora fua felicidade, a que faõ obrigados
pela mcfma Lei Natural : logo tudo o que for necellario
para etfe (tm , compete aos Princepes em confequencia
do Summo Império. O génio,o caracter, o cóftume da
NaçaÕ , he que deve decidir , que pena ferá mais capaz
de preencher efie fim , fe a pena de morte for a mais pro-
cua , ella fica fendo juíta, para fe obter o fim da focie-
dade.

§. CLIIII.

Antigamente , diz Thucydides referido por Grot.7«r.


W IÍV 1
: " * cap' 2> §• 5> Por ma's grave, que foffe
o c. e.ic.o , era moderada a pena mas logo , que eftas fe
dcfprefaraõ, fe paffou á de morte. E na verdade quantos
homens nao vemos nós pedir inceflantemente a commu-
taçaõ da pena de morte para outra qualquer ? Quem po-
de duvidar, que a pena de morte he a mais capaz de
conter eítes homens i

5. CLV.
176 Direito Publico Portuguez
§. CLV.

Nós convimos, que a pena de morte fcrá inútil a re-


fpeito daquelles , que preferem o fuicidio a qualquer in-
commod idade externa, e affliçaÕ de efpirito; mas naõ fuc-
cede ,o mefmo a refpeito daquelles , que expõem a vida
por alcancarem honras , e riquezas ; porque huns , e ou-
tros nada fentiráõ tanto, como perderem com a morte
a poíTe daquelles bens , por cuja acquifiçaõ expuzeraõ a
vida.
§. CLVI.

Nem a pena de morte repugna á confervaçaõ da fo-


ciedade , e de cada hum dos feus membros; porque para
que os homens na5 pratiquem acções, que arruinem a lo-
ciedade , he que fe lhes cÕminaS as penas, e que ellas
fe executaõ , e delle modo fe vem a confervar a focieda-
de , poílo que alguns membros fe diflipem ; aflim como
fuccede no corpo fifico, a quem a diílipaçaõ de hum
membro ferve de confervaçaõ a todo o mais corpo. Nós
ja vimos , que S. Agoftinho , quando intercedia pelos
reos, íempre era fem offenfa da Juftiça : e na Ep. 47 diz
o mefmo Santo, que o Magiftrado podecaftigar com pe-
na de morte ao aggreflor da vida dos outros homens.

§. CLVII.

Pofto iílo convimos, que o fim fecundario, ou o efFeí-


to da pena , he a emenda do delinquente, a fatisfaçaõ do
offendido, o exemplo para os mais. Convimos igualmen-
te,

1
Parte II. Titulo VII. 177

te, que no fentido ftriíto a pena de morte naõ tem lu-


gar para a emenda do morto; mas naõ convimos, que ci-
la nao feja neceflaria para evitar os delidos, pelo mal
que delia refulta ao delinquente, e para exemplo dos
mais , fegundo o génio , e caraéter da Naçaõ ; e para fe-
gurar a Republica ,ea cada hum dos feus membros, da-
quelle malfeitor: motivo efte baftante por fi ío para legi-
timar o ufo de íemelhante pena y porque os homens uni-
rão-fe em fociedade para terem maior fegurança, do que
tinhaõ noeftado natural («).

§. CLVI1I.

Nem as penas de cárcere , nem as de degredo podem


fer fempre juftas ,• nem as de trabalhar nas obras publicas
podem íer fempre úteis.O cárcere fe por huma parte fer-
ve de caftigo, por outra conferva huma immenfidade de
homens inúteis, e ociofos, que em caftigo do feu deli Ao faõ
fuftentados ácufta dos Concidadãos, que offenderaõ, e con-
flituem hum pefo ao Eftado. O degredo de hum aíTacino,
de hum ladrao , repugna ás leis da Juftica , e da caridade
para com os povos, em cujos eftados fe relegaÕ. A de tra-
balhar nas obras publicas fe tornaria inútil, huma vezper-
fuadidos os homens, que naõ podem fer caftigados com a
Z pena

(«) No eftado natural os homens podiaô ufar fomente do


v\oderamtn inculpa!a tutela , direito , que os PP. na6 conteílaô ,
e fó propõem a diflkuldade de fe praticar , fem exceder as re-
gras da moderaçaó , e perfeiçaó Chrifta ; mas direito , que naô
bailava para os homens viverem feguros.
178 Direito Publico Portuguez
pena de morte; porque fe negariaõ ao trabalho fem o re-
ceio de maior pena. E fehe licito conftrange-Ios com vio-
lências , até o ponto dc tirar-lhes a vida, he neceflario
confidera-los fujeitos ao direito vita & necis.

§. CLIX.

E que cffeito produzirá femelhante pena a refpeito


daquelles , cuja vida he o mcfmo trabalho das obras pu-
blicas , ou particulares? Elles nao experimentao outra
diferença , que o trabalhar coaíta , ou voluntariamente;
e ferá efte motivo baílante para os obrigar a adverfarem
o deliéto, de que fe lhes propõe alguma utilidade , ain-
da penfando, que podem fer defcubertos ?

§. CLX.

Nao duvidamos , que a nofTa alma fe toca mais fenfi-


velmente pelos adtos externos , que pela íimples cogita-
çaò, e que hum fado permanente defperta mais os ho-
mens , que o tranfitorio. Mas por ventura a execução da
pena de morte nao he hum acto externo, e fcníivel ? Naõ
he cila permanente nas Leis , em que fe commina , e fe
promulgai O eftreito vinculo da nofla alma com o corpo
terá tanto que fentir com outra qualquer pena, como com
a de morte, que o desfaz ? Quantas peiToas na5 vem os
cárceres, as galés , e as obras publicas , para ferem toca-
dos com eftes exemplos externos ? E naõ ferá mais efficaZ
a lembrança dos que tem fido caftigados com a privação
da vida, do que daquelles, que faõ caftigados com o tra-
balho das obras publicas i C A-
P A R T E II. Titulo VII. 179

CAPITULO IV.

Do Direito de Aggraciur.

§. CLXI.

D Ireito dc Aggraciar he aquella auctoridade , que o


Imperante tem dc modificar , commutar, e perdoar as
penas , em que os íubditos tiverem incorrido (x). Dcfte
Z2 prin-
-
[x) Da mefma natureza , e fim das penas ( §. CXXXVII )
fe moftra cila au&oridade. O fim das penas he evitar os deliâos,
o que fe coníegue ou pelo exemplo , que nafee da execuçaâ
das mefmas penas , 011 pelo eftado a que fe reduz o delinquente
de nao poder offender mais a Republica , e os feus confocios: lo-
go, todas as vezes que fe naô verifique algum deites motivos, pô-
de o Princepe declarar livre da pena , ou perdoa-la áquelle , que
pela Lei eftiver comprchendida ricllá. Os Imperadores Valenti-
niano , Theodofio , e Arcádio na fua Conílituiçaó de 21 dc
Maio de 383, referida na Lei 3 Cod. dc Epifc. audient., man-
davaõ por occafiaõ da folemnidade da Pafcoa lançar dos cárceres
a todos os delinquentes, dc cuja graça naõ refultafle prejuizo ao
publico. A mefma Policia pede, que os Princepes fe firvaõ de-
ites, e outros motivos públicos , para utilifarem muitos vaffal-
,os
» fem violarem as fuas Leis , nem infringirem a fua auto-
ridade por falta de exçcuçaõ. Os Bifpos dos primeiros fecnlos
tinhaó como por obrigaçaó do feu Minifterio interceder pelos
Reos de pena de morte , Wan-Efp. de afth Templ. cap. 1 ,
§. 1, & feq.; e he notável a Epiíl 153 de S. Agoítinho , efçripta
em refpofta a Macedonio: Ideo compellimur humani geniris carita-
te
intervenire pro reis, ne ijlarn vitam Jic finianl per Juppliciutn ,
ttt ea finita non pojjint Jinire fupplicia. Eftc he o fentido comtnum
dc
i8o Direito Publico Portuguez
principio fe auéloriza o ufo , que os nofios Monarchas
fazem defte fuprémo poder, expedido pelo Régio Tribu-
nal do Defernbargo do Paço ; Ord. liv. i, tit. 3 , §. 8, e
Nov. Regimento §. 18.

§. CLXII.

Para firmarmos igualmente efte Direito Mageftatiço,


proporemos os mais foiidos argumentos em contrario.
Nós temos vi fio, que os Princepes governaõ, como dele-
gados de Deos, e feus Lugar-Tenentes ; logo por efte
motivo particular elles devem ncceiíariamente executar
aquellas Leis , que Deos eftabeleceo para caftigo tempo-
ral dos delinquentes , e que fazem o objeéto do Governo
Politico, que o mefmo Deos, naõ como Senhor abfolu-
to,

de todas as gentes , e a doutrina dc todos os Filofofos ; dc forte


que os mefmos Stoicos, cujos princípios eraõ : Sapiens non igno•
feit, Senec. de ciem. 8, 7, elles mefmos diziaÔ: Parcit fapiens. O
mefmo loc. cit. Ifto he , como interpreta Coe. ad Grot. liv. 1»
cap. 20, §. 21, os fabios naõ approvaõ o deliflo; mas por ju-
lla caufa remittem a pena ; porque como diz Seneca : Clementinnl
liberum babel arbitrium. Comprova-fe com os exemplos das Di-
vinas Letras liv. 2 dos Reis cap. 13, em que foi perdoada a
Amon a violência , que fez a Thamar; e do cap. 14 , em quC
David perdoou a Abfalaõ a morte d'Amon. Porem ifto naó
obftante Bened. Par. in Difput. de immut. Jur. Nat. tom. * »
P* 93^» §• *3 < e r4> Wanderm. For. confc. Jeu poli q- 6»
e outros faÕ rigidos impugnadores defte Direito Mageftati-
co, principalmente a refpeito das penas impoftas aos homi-
cidas.
Parte II. Titulo VII. i Sr
to, mas como hum perfeito Legislador prefcrcveo ao
feu Povo efeolhido. Deos prefereveo a pena de morte
contra os homicidas , incefluofos , adúlteros, idolatras, e
outros malfeitores : íegue-fe , que os Princepes naõ po-
dem deixar de caftigar nos feus Eftados íemelhantes de-
lidos com pena de morte, principalmente os homicidas ;
porque nenhuma outra proporção fe pode achar entre o
homicídio , e a pena, que naõ feja de morte.

§. CLXI1I,

As mefmas Divinas Letras Num. 35 , 31, e 33


affirmaõ , que femelhante deliiflo , ea mefma terra , em
que elle fe commette, fó pode expiar-fe com a morte do
homicida. Por iílo Cain , que vivia no eftado natural,
conhecco fó pelas luzes da razaõ, que elle merecia feme-
lhante pena pela morte de feu Irmão Abel: Omnis igilur,
<]ui iwvenerit me, occidet me, Genes. 4, ^.14. O mefmo De-
os entre os preceitos naturais, que revelou ao Patriarca
Noé para todo o genero humano , foi efte: Qui/quis ejju-
derit fanguinem hominis favguis ejus effundetur: e dá a
razaõ, que he geral, e obriga lempre : A d imaginem quippe
Dei fa ff tis eji homo, Genes. 9, ^.6.Eo mefmo Chrifto en-
finou, naõ como hum novo preceito, mas como huma de-
claraçaõ da Lei Natural: §)ui acceperint gladium , gladio pe-
ribunl ,S. Matth. cap. 14, ^.52; reprehendendo a Pedro
por cortar a orelha a Malco. Logo a pena de morte,
principalmente para caftigo dos homicidas, naõ podem
os Princepes remeti-la, ou aggracia-la.

$. CLX1III.
182 Direito Publico Portucuez
§. CLXIIII.

Depois difto , a pena de morte , como deftruiíliva do


homem , a mais cruel, e a ultima , naõ pode executar-fe
fenaõ quando eila for necefíaria para o fim da fociedade ,•
c fendo neceflaria he cftabelecida por Direito Natural ,
em que os 1'rincepes naõ podem difpenfar ; e deixando
de o fer em algum cafo particular , he inútil a aggracia-
çaõ, e ceifa ipfo jure a execução da pena ; porque a re-
gra „ Que as Leis fempre obrigaõ em quanto exifte a
fua razaÕ „ pofio que cefie em algum cafo particular,
fó fe verifica a refpeito das Leis mere pofitivas , quais
naõ faõ as capitais , pelo que pertence á fua faneçaõ.

§. CLXV.

Mo porem naõ obftante , naõ podemos negar a au-


tfondade defte Direito. Todo o Direito , que os Prince-
pes exercem , como Lugar-Tenentes de Deos, he diri-
gido pela Lei Natural, firmada no fim da íociedade , e
no objetfo da delegação. Deos naõ prefereveo aos Impe-
rantes certa norma pofitiva para o governo dos povos,
que lhes confiou. A única norma , que lhes propos, foi
a mefma Lei Natural hypothetica , deduzida do fim da
fociedade. Os povos naõ faõ todos da mefma condição,
c natureza. Os feus coftumes differem fegundo os diverfos
climas , educações, e condições ; por iffo os meios de
fe governarem neceflariamente haõ de fer differentes.

§. CLXVI.
PARTE II. Titulo VII. 183
§. CLXVI.

A diverfidade de legislaçao , que vemos em todas as


Nações , he huma prova defta verdade , e todas fatisfa-
Zem ao fim dofeu inftituto. Nações houve, que por mui-
to tempo caftigaraõo homicídio fó com a pena pecuniá-
ria: tais foraõ os Francos, os Alemães , os Saxonios, os
Bajavaros, os Friíios , e os Lombardos. Gron. not. ad
Grot. Jur. bel. & pac. liv. 1 , cap. 2 , §. 5, n. 4.

§. CLXVII.

Deos por efTencia Prudentiífimo, Sapientifllmo, e Ju-


ftiíTimo naõ podia deixar de íeguir efte mefmo plano. A
dureza do coraçaõ do Povo Hebreo, Matth. 19 ^.8, o obri-
gou a prefere ver-lhe huma legislaçao mais forte, pofto que
cheia de equidade, Deuleron. 4, 7. Eílas Leis penais,
conforme o génio, e caradrerdaquelles Povos, eraõ mera-
mente pofitivas, pelo que pertence á fua faneçaõ, e por
ifíò obrigavaõ fó aos Ifraelitas, a quem foraõ prefcriptas,
Deut. 4 , f. *]-,cPf. 147 , f. ig.

§. CLXVIII.

Por tanto a obrigaçaõ de cafligar os delidos naõ de-


pende das Leis do Teftamento Velho , mas da meíma
Lei Natural : he por iffo do arbítrio dos Princepes, regu-
lado pelas regras da prudência7, e da juftiça. Elles devem
proporcionar as penas com os fins da fociedade , e na5
c
°m a moralidade da acçaõ em fi mcfma , fem attender
ao
184 Direito Publico Português
ao prejuizo , que delia rèfulta á fociedade; porque d'outra
forte feria o fim das penas a fatisfaçaõ da offenfa divina,
e a expiaçaõ da culpa, e pena eterna, o que excede os po-
deres do Império , c a toda a pena temporal.

§. CLXIX.

Se os homicídios forem taõ raros, ou para clles fe cohi-


biicm, quanto a natureza humana pode permittir, naÕ for
neceílaria a pena de morte , e baftar outra mais branda ,
quem pode duvidar , que os Princepes obraS mais con-
formes com as regras da Juftiça , e da Prudência , naõ
caltigando femelhantes delidos com pena taõ grave ?

§. CLXX.

Nem obftao os exemplos, e lugares allegados da Efcri-


- ptura. Naõ obíta o lugar Num. 35, porque naÕ podia
expiar-fe o Povo Hebreo , fem caftigar o homicídio ,
com a morte do aggrelfor , por fer efta a pena determi-
nada pela Lei contra o homicida. Os outros povos , a
quem naÕ obriga a Lei de Moifés , bafta para expiarem
a fua culpa, cartigarem os delicias com as penas pro-
porcionadas , e congruentes ao fim da fociedade.

§. CLXXI.

Da mefma forte naõ obfta o exemplo de Cain ; por-


que o remorfo da fua confciencia arguida pelo primeiro
principio do Direito Natural: Quod, tibifieri non vis, alleri
710)1
Parte II. Titulo VII. 185
nonfarias: he que lhe fazia recear, que qualquer o mataf-
fe , a.Tim como elle matou a íeu irmaÕ , e naõ em caíti-
go, ou pena impofta pelo fuperior.

§. CLXXII.

Mais notável heo argumento do Gen. cap.9, 3? .3 e feg.,


fe acalo efte preceito na5 he comento dos Rabinos ; Sa-
muel de Coe. Dif. Proem. 3, Sedt. 2. Porem a mefma
diveriidade de interpretações, que fe daõ acfte lugar, he
liuma conteftaçaõ da fua força. Delle fe auétorifaõ os
Anabaptiftas, e outros , para condemnarem as penas de
morre , eo direito da guerra. Nós para intelligencia delle
devemos ajuntar os lugares , que lhe precedem : Et omne,
qnod movei ur, & vivit , crit vobis in cibum : quafi olera vi-
rentia. Excepto quod carnem euvi fanguine non comedetis. San-
guinem enirn animaram vejlrarum requiram de manu cuncia-
ram bejliarum : Í5 de mana bominis, de manu viri, de manu
fratris ejus requiram animam hominis. Quicumque rffuderit
humanam fanguinem , fundetur Janguis ejus : ad imaginem
1u''ppe DeifaEIus ejl homo.

§. CLXXIIL

A idolatria , em que os homens fe precipitarão antes


do dilúvio, he que deo occafiaõ a efte preceito ; efta
conlittia em fe otferecerem aos falfos Deofes os facrifi-
cios, que fe deviaÕ dedicará Divindade. Eftes facrifici-
os fe faziaõ pela morte de animais , que offereciaÕ fobre
os altares dos Ídolos.
Aa §. CLXX1I1I.
iS6 Direito Pubiico Portuguez

§. CLXXIIII. -

_ Noé , íahindo da Arca, ofFereceo a Dcos os holocau-


ftos dos animais puros , que nella tinha confcrvado , c
com tal acceitaçaõ, e agrado de Deos,que lhe prometteo
nunca mais amaldiçoar a terra , Gen. 8 , 20, e 21 ; e o
abehçoou, ea Teus filhos, Gen. 9, y. 1, e 2;e lhe concedeo
a faculdade de comer os animais , mas nao o fangue dos
faciificados, para que naõ imitaílem os idolatras, Deu/. 12,
#.6, 7, 11, e feg., Seld. Jur. Nat. pag. 824.Enao fó lhe pre-
ítreveo Deos efte preceito, mas declarou, que elle toma-
íia vingança contra os tranfgreífores, de que feriaõ inftru-
mento todos os. viventes: San guinem animaram vejirarum re-
qutram de manu ctmãarum befiiarum , de mam hominis , de
tnattu virt t'Sc.: o que declarou mais compendiofamente
no veifo : Çhticumgue ejfuderit humanum Jangumem , fanguis
ejus effundetur.
§. CLXXV.

CJue o fangue , de que fe falia nefte lugar, feja o da


facrificio fe prova , porque eítc , como alma do animal
facrificado , fervia para expiaçaõ da acçaÕ da noíTa alma,
Deut. cap. r 2, f. 23, e Levilic. cap. 17, ,, : Ne fangui-
nem comedes quia anima carnis in fanguine eft: & ego de-
di illum vobis, ut fuper altere in eo expietis pro anutebús ve~
Jirts, (sf fanguis pro anima piaculo fit.

§. CLXXVI.

Deftes princípios íc moílra : 1.° que efte lugar do Ge-


ne/is tem por objedio a idolatria , e naõ o homicídio: 2.0

que
PARTE TI. Titulo VII. 187
que Deos fó lhescommina os caftigos, que elle dará a fe-
melhantes reos, Eftes caftigos declara Deos ferem os da
morte do idolatra: Sanguis ejus effundetur. Mas por quem ?
Manu cunclarum bejiiarum, manu bominis, manu fratris-, ifto
he, fegundoos Interpretes Hebraicos , manu otnnium vi-
'ventium. Coe. Dif. Proem. 3, Sedt. 2, §. 29.

§. CLXXVII.

Ora he claro , que nem os animais , nem todos os ho-


mens indiftin&amente podem ter , jure proprio , efta
auétoridade ; porque ella he privativa do Summo Impé-
rio. Logo efta pena fó pode verificar-fe por efpecial
mandado , ou por efpecial permiflaõ de Deos, e por con-
fequencia nefte lugar do Genefis nao fc eflabelece pro-
priamente a pena de morte para os idolatras, como dedu-
zida do Direito Natural; mas huma comminaçao depen-
dente do expreflò mandado , e vontade pofitiva de Deos,
que nao obriga fenao áquelles , a quem Deos aílim o
mandar , como feu efpecial inftrumento.

§. CLXXVIII.

A Doutrina de Chrifto Senhor Noflò: §>ui acceperínt


gladium, gladio peribunt: ornmitindo outras re("podas, dire-
mos fó : Pedro vivia fujeito á Lei de Moifés , a qual pre-
ícrevia a pena de Taliaõ : Pedro nao tinha auétoridadc
para ufar da efpada,- por iflo juftamente Chrifto declarou
a pena , em que incorria ferindo com ella.

J. CLXXIX.
188 Direito Publico Portucuez

§. CLXXIX.

Quando a pena de morte he neceífaria para fe alcan-


çar o Hm da fociedade, ella fica fendo devida por Direi-
to Natural; e nefie cafo feria injuíta a aggraciaçaõ mas
nem por ido ella ficaria fendo inútilquando a execução
da pena naõ he neceíTaria y porque efie mefmo conheci-
mento depende do Imperante , e da fua privativa autfo-
ndade he declarar o reo livre inteiramente da pena de
morte, e conhecer fe efla fe lhe deve commutar , fecun-
do as circunftancias o exigirem.

§. CLXXX.

Depois difto cfta neceffidade pode confiderar-fc â*


dous modos; ou no fentido ftrido, quando a cxecuçaS
no de mquente mmer* he neceííaria , e nefie cafo naã
pode deixar dc executar-fe. ou no fentido lato , quando a
pena he necefiaria por modo ordinário , e por fer por via
de regra a mais capaz de conter os homensmas coma
c a excepção na5 fica fendo dc neceffidade firida ncfta
peflba «umero eataõ o Pnnccpc p„dc perdoar-lha, por-

perda5 na5 rcfulta


. h 7 para a aggraciaçaB
eido baila " até
fer jufta , p„rque aifc
„em
Wacia9ao perturba o fim exemplar das penas • por-
que huma graça, dependente do arbítrio, e prudência
dos Pmicepe., naõ pode fervir de exemplo aos mais de-
linquentes»

f. CLXXXÍ.
PARTE II. Titulo "VII. 189

§. CLXXXI.
-ifí r>owqerino.-fadl/W' nfii j^pDsn , íoiibdul eob íi.lUZ-)
Ultimamente o exercício do Império naõ admitíe re-
gras particulares , c inalteráveis. A faude dos Povos he a
única norma, que deve regular o poder fupremo; fegun-
do efta he , que deve dirigi rufe o direito da aggraciaçao :
affim como fe dirigem todos os mais Dirciíos Magefta-
ticos; e por iflo efta quefta5, aíHm como a das penas de
morte , ferve unicamente de excitar o difeurfo , e de en-
cher o exercício polemico das Aulas.

CAPITULO V.
Do Direi lo dejulgar, e crear Magijlrados , e da fita
divifaÕ.

§• clxxxii.

X Or Direito Judiciário entendemos aquella audtori-


dade de conhecer da juftiça, ou injtiftiça dos faétos, e
acções dos outros homens ; a qual, porque exige fuperio-
«idade.e depende do Direito Infpedivo ( §. ZXVTTI ),
he privativa do Summo Imperante (sj; como porem os
Impeiantes, jufta e louvavelmente occupados cm todos
os

, Os homens depois de unidos em fociedade naõ podem


por fua própria autoridade vindicar os feus direitos , naó fó
porque iffo daria occaíiaõ a maiores tumultos,como diz o Jurif-
t0
. ^au'° na
L. 136 de Rcg. Jitr. , e porque fe conHitui-
IZ CS nas
• f _ ^"as pf0prias caufas , mas principalmente pela
"fe ^r')a^a° c^a Jipclicçaõ fuprema , e injuria, e violência , que
acpielie , íbbre quem fe exerce a Jurisdicçaõ de o julgar ,
COH-
190 Direito Publico Portuguez
os negocios do Eftado, naõ podem julgar por fi todas as
caufas dos fubditos , necefíar ia mente lhes compete o di-
reito de delegar o exercício da fua jurisdicçao em al-
guns dosfeus vaíTallos; iftohe o direito de conftituir Ma-
gi [Irados (y): direito, de que tem ufado os Monarchas
Portuguezes para o Governo Civil, Economico, e Politi-
co do Reino. Daqui vem a creaçaõ de vários Magiftra-
dos , a inftituiçaõ de differentes Tribunais, e Relações
do Reino.
§. CLXXXIIL

Da natureza , c origem dos Magi tirados fe podem


eíles definir: Aqueliaspeffoas encarregadas pelo Princepe do
exercido do Jummo Império. Efte exercício ou fe encarrega
a cada hum em particular de per fi , tinjolidum-, ou a
muitos cm commum, reprefentando huma peíToa moral.
No primeiro cafo fe chamaõ Magiftrados na accepçaS
ftridha, em que fe comprehendem os Magiftrados terri-
toriais, e locais. No fegundo cafo fe chamaõ Magiftrados
na

conforme o Refccipto de Divo Marco, referido pelo Jurisconf.


Caliítr. in L. 13 ff. Quod tnetus cauja ; principios adoptadoí
na Ord. liv. 3, tit. 57 , e 58.
0) Deita origem de Magiftrados fe deduz : 1.0 que os Ma-
giftrados de qualquer qualidade , ou confiderados em particular,
ou em commum , affim como as Relações, e Tribunais , riaá
tem alguma Jurisdicçao própria , mas toda he do Summo Impe-
rante, e em confequencia fujeita á fuprema Jurisdicçao do mef-
mo Imperante: 2.° que a pezar das alçadas dos Magiftrados,
fempre fica falvo o recurfo ao Princepe ordinaria , e extraordina-
riamente , como diilemos no Cap. Do Recurfo a Coroa.
P A R T E II. Titulo VII. I Í91
na accepçaõ lata , e íe comprehendem aquelles , que for-
mão os Tribunais , e Relações.
t.1- ; ' •» , ?n!jrnf/K>3 1 : T ;
sO"
§. CLXXXIIII.
«< - w I at*«mímÍ*> 1 o-} .LiO veaiab^ú
Os Magi (irados no fentido ftriiflo fe dividem em
Magíftrados da Fazenda , Económicos , e Políticos. Os
Tribunais fe dividem em Tribunais de Graça, de Juítiça,
de Fazenda, de Economia, c Commercio.

§. CLXXXV.
.... v -t . :.I
Os Magiflrados da Juftiça íe dividem em Civiz , e
Criminais. Civiz faõ os que conhecem de todas as cau-i
ias, que nafeem de contratos, d'ultimas vontades, de
poíTe , e dominio &c. Criminais fao oã que conhecem de
todas as caufas , que nafeem de delidos. Os Magiftrados
da 1'azendá laõ os que tem a feu cuidado a arrecadaçao,
e adminiftraçaõ da Real Fazenda. Magiftrados Políticos,
e Economicos faõ os que particularmente (a) eftaõ encar-
regados da infpecçaõ fobre a educaçaõ civil, e feguran-
ça publica.

§. CLXXXVI.

(a) He certo , que todos os Magiftrados faó Politicos , e


conomieos ; porque toda a adminiftraçaõ da Juftiça fe dirige
e^onomiíar , e civilifar os povos , e promover a fegurança pu-
blica , porem como a Policia no fentido exafto he hum ramo dd
Governo, que tem por objeâo proprio a fegurança publica , edu-
^'Haó , c economia civil ; p(,r i(To aquelles Magiflrados , a queta
e ramoieita particularmente encarregado, fe chamaó Políticos*
c
t-conoroicos.
içj2 Direito Publico Portucuez
§. CLXXXVI.

Os Magiftrados da Jufliça communs, e ordinários do


Reino (b) Cao os Corregedores, O rd, hv. i , tit. 58 (c) ;
Ouvidores, Ord. tit.59, (d); os Juizes de Fora, Ord. liv.i,
tit.

(/•) O governo das Juftiças de Portugal ,alem das Relações,


e Tribunais , eftá dividido em vinte e tres Comarcas , e defoi-
to Ouvidorias. Eftas Comarcas , e Ouvidorias , comprehendem
em fi muitas Cidades, e Villas , em que ha Juiz de Fora, e
Ordinários. Nos princípios da Monar-chia as Comarcas eraô
tantas , como as Provindas.
{c) A Nobiíiarchia' Portuguesa pag^ 142 diz, que òs Corre-
gedores fuccederaó aos Meirinhos. Nas Cortes de Santarém,Era
de 1369 , Art.6 , 10 , 13 e 53, fe faz mençaõ de Corregedores , e
juntamente de Meirinhos , allim como nas Cortes de Lisboa
<Ja Era de 139o» Art. 7, e 8. O Senhor D. Fernando na Era dç
j.405 nomeou Joaó Lourenço Boval Meirinho Mor Dentre-
Douro e Minho , com a faculdade de nomear Ouvidor, por
Carta de 16 de Março , que fe acha no Cartorio da Camara do
Porto , de cuja Carta confta também fucceder elle ao Correge-
dor da mefma Comarca Gonçalo Pires. Porem do mefmo Car-
torio confta , que a 6 de Novembro de 1407 era Corregedor
na mefina Comarca Domingos Pires. As Correições ja dilfemos
eraõ tantas, quantas hoje as Provindas do Reino. Das Leis anti-*
gas tit. 1 confta, que Pedro Efteves era Meirinho de D. Dinis
alem do Douro , Fernando Efteves á quem do Douro.
{d) Dos Ouvidores dos Donatarios ja fe fez mençaó "aS
Cortes de Lisboa de 1427 , Art.159. Nas Cortes de Coimbra ds
1472, cap. 128 dos Mifticos, fe queixaõ os Povos de ferem os
Ouvidores perpetuos. Neílas Cortes cap. 16 da Nobreza f®
yê, que c.Ktinótos os Regedores das Comarcas ceiTaraó os Ouvi*
dor
P A R T E II. Titulo VII. 191
tit. 65 (V),e Ordinários, Ord. liv. 1, tit. 65, (f) das
Bb Cida-

dores ^ que por fi punliaó. Os Corregedores , como conda das


niefmas Cortes cap. 26, e 27, e das Cortes de Évora de 1481 ,
cap. 41, podiaó nomear Ouvidor por hum mez , quando fahiaó
das Comarcas , como ainda hoje podem , Ord. liv. 1 • tit. 58,
§. 51. Os Ouvidores dos Donatarios deviaó fer Letrados , com»
confia das Cortes de Évora de 1481 , cap. 27 , como a inda ho-
je o íaõ, Ord. tit. 45 , §. 42.
{<•) O eílabelecimento de Juiz de Fora he muito antigo : ja
no tempo do Senhor D. Affònfo IV os Povos nas Cortes de
Lisboa na Era de 1390, Art. 7, fequeixavaõ, de que elle punha
Juiz em algumas terras , e as mefmas queixas fizeraõ nas Cor-
tes dElvas da Era de 1399 , Art. 9. Nas de Lisboa Era de 1409,
Art. 29. Nas do Porto de 1410, Art. 7. E ainda nas Cortes de
Évora do anno de 1481 , cap. 36. Do liv. 1 , Ord. Affonf.
tit. 25 , confia ter poflo o Senhor D. Joaõ I Juizes em diverias
terras da Provincia da Beira. Damiaõ de Goes Chron. do Senhor
D. Manuel part. 4, cap. 12, parece eílar perfuadido , qneefle
Senhor inflituio Juizes de Fora , porem o certo he , que elle
augmentou o numero deíles Magiflrados , e fez o feu eílabeleci-
mento ordinário , quando até o feu tempo parece, que craó To
mandados extraordinariamente , como íc collige das Cortes do
Senhor D. Joaõ I , cap. 37, em que requererão os povos a ex-
tinçaõ dos Juizes de Fora, e reflituiçaó dos Ordinários.
, (/) Os Juizes Ordinários faó, os que governai) as terras por
eleição dos homens da governança ; naõ exigem outra qualidade,
que a de homens bons. Efles eraó os Magiflrados , que ordina-
riamente havia no principio da Monarchia , porem a má admi-
mflraçaõ da Juíliça, que alguns faziaó ou por efpirito de affeiçaô»
ou por ignorancia, obrigou os Princepes a mandar algumas vezes
extraordinariamente Juizes de Fora da terra, como ja referi»
*n«s; e daqui vem a origem de Juizes Ordinários, c da
Fora.
192 Direito Pubíico' Portúcuez
Cidades, c Villas, porque todos tem Jurisdieçaõ conten-
ciofa nas caufas eiveis , c criminais nos feus refpedivos
diftriílòs; com differença na Alçada (g),c Infiancias [b).

$. CLXXXVII.

Magi Arados Ordinários da Fazenda íaG os Provedo-


res , e Contadores das Comarcas (/;, Ord. liv. i, tit. 62,
§. 67, & feq.j Os Corregedores, a quem pertence o lan-
çamento, e arrecadaçao das Sifas , Extrav. de 22 de Se-
tembro de 1761 , §. 15 , e feg.; Os Almoxarifes, Ord.
]iv. 1, tit. 68; e juizes das Alfandegas (/).

* - §
(g) Alçada he o mefmo , que Jurisdicçaó de julgar fem ap-
pellaçaõ , nem aggravo. A Extrav. de 26.de Junho de 1696,
Col. 1 á Ord. liv. 1 , tit. 6, num. i, angmentou as Alçadas ,
(que pelos refpc£livos Regimentos competiaõ até efle tempo 20S
Magi (Irados.
(b) Os Juizes de Fora , e Ordinários conhecem fó em pri-
meira Inftancia. A Côrte de Lisboa tem a adminiftraçaõ da Ju-
iliça para os cafos da primeira Inftamcia , devidida pelos Cor-
regedores do Civel da Cidade , e Juizes do Crime dos Bairros,
alem dos Magiftrados privativos.
(') Eí1e Magi (Irado he muito antigo , aífim como os Juizes
dos Refiduos , e os Contadores, que hoje fe achaÓ unidos aos
Provedores , como fe prova dos Artigos das Cortes do Reino. O
Senhor D. Manuel lhe deo Regimento a 27 de Setembro de
1514 , que a Ord. Manuel, mandou obfervar nos pontos, q»e
«aó eílaõ derrogados pelo tit. 35 do liv. 2 da meíma Ord.
Manuel.
(/} Nas Comarcas ha huma Junta eflábelecida para o lança-
mento , e arrecadaçao das Decimas , pela Lei de 18 de Agofto
de 20 de Setembro de 1762.
P a R T E II. TITULO VII. 1.93
§. CLXXXVIII.

O primeiro, e maior Magiftrado Politico do Reino ,


hc o Intendente geral da Policia, crcado pelo Senhor D.
Jofé I , pela Lei de 25 de Junho de 1760 (m). Todos
os Magiltrados Ordinários do Reino exefeem algum ra-
mo de Policia, e Economia, me imo confidcrada na par-
ticular accepçaõ (n). Os Almotacés das Cidades, e Vil—
las faõ propriamente Magiftrados Políticos , e Economi-
cos [o). Bb 2 §.

(m) A JurisdicçaÔ do Intendente Geral da Policia da Còrtc,


e Reino , fe acha regulada pela Lei da ftia creaçaõ. O leu obje-
'clo principal lie promover a fegurança publica , fazendo que os
deliâos naô fiquem impunes , obrigando para ifto a todos os
Magiltrados Criminais do Reino a formalizarem fumarilílma ,"e
-verbalmente os proceffos para lhes ferem remetidos, e para que,
achando-os em termos , os faça fentenciar pelos competentes
Magiítrados Criminais.
- («) Os Corregedores faó propriamente Magiftrados Politico?
las reípectivas Comarcas pela jinisdicçao, que lhe compete de de-
vaífarcm, e procederem contra os culpados ,e delinquentes ; pe-
la infpecçaõ fobre os Juizes Ordinários , e Officiais de Jufliça;
fobreaconfervaçaõ dos Direitos da Coroa; epela obrigaçaó, que
em geral lhe compete de promoverem a fegurança publica das
fuas Comarcas. Os Juizes de Fora nos feus refpe&ivos ter-
mos tem a mefma JurisdicçaÔ politica, que os Corregedores em
toda a Comarca. Os Provedores e Juizes dos Órfãos faó Magi-
ftrados verdadeiramente Economicos , pela infpecçaõ fobre a
educaçaô civil dos Órfãos, arrecadaçaó dos feus bens , e dos
aufentes.
(0) Os Almotacés tem a feu cargo a limpeza das ruas , repa-
ros de fontes , cuidado dos alimentos, a obfervancia das taixas, e
afal-
194 Direito Publico Portuguez
§. CLXXXIX.

Temos dado huma íuccinda idea dos Magi Arados do


Reino na accepçaG flriâa : paliemos a dar a mefma doa
Tribunais , c Relações. O Tribunal de Graça hç o Def-
embargo do Paço [p)t cuja Jurisdicçaõ tem por objecto
a expedição das graças, privilégios , e liberdades , que íe
impetraõ dos Soberanos , na fornia do feu Regimento;
Okí. liv.. i, tit. 3, e Novo Regimento no fim da mef-
nw.
§. CXC. ,

Os Tribunais de Juftiça fao a Cafa da Supplicaçaõ de


Lisboa (q) , e a Relaçaõ do Porto (r). As Províncias do
Nor-
a falfidade dos pezos , e medidas &c., Ord. liv. i, tit. 68. Ella
IVI agi [Irado he muito antigo. Nas Leis antigas-fe acha huma do
Senhor D. Affonfo IV fobre a Almotaçaria , pela qual fe vê ,
que ja no feu tempo haviaÕ Almotacés de cada mez nos Conce-
lhos. E nas mefmas Leis fe acha huma do mcfmo Senhor da
l
3&3 • 11,e prefereve a forma da fua eleição para cada mez , e
prefereve as fuas obrigações e dos Almotacés pequenos portos
por elles.
(/>) Antes do reinado do Senhor D. JoaÕ II ja havia eíle
Tribunal , mas o mefmo Senhor lhe deo nova forma , que hoje
ainda conferva , donde fe diz commummente , que elle foi o feu
Inílituidor. Lim. Geogr. Hijloric. tom. i , cap. 5.
(?) Eíle Tribunal foi eftabelecidò pelo Senhor D. JoaÓ I»
pela mudança que fez da Relaçaõ , que até o feu tempo exiftia
na Villa de Santarém. Jofé Soares da Silva, Memor. de D. Jo-
#5 I, tom. 2 , cap.. 105 §. 604»
(rj Efta Relaçaó foi fundada por Filippe II. em 1583 , por
fup-
P A R T E II. Titulo VII. 195

Norte , Beira , Minho , e Tras-los Montes pertencem ao


diftri&o da Relaçaõ do Porto , porque para cila íe ag-
grava , e fe appella de todas as fentenças dos Juizes delia
repartiçaõ, que excedem luas Alçadas. As outras Pro-
víncias pertencem á Cafa da SupplicaçaÕ , para onde
igualmente fe aggrava , ou appella das íentenças dos
Magiflrados da fua repartiçaõ; he porem fuperíor á Rel-
laçáõ do Porto , porque conhece por aggravos das fen-
tenças eiveis da mefma Relaçaõ , que excedem a fua
Alçada (j).
§. CXCI.

Os Tribunais da Fazenda faõ tres. Primeiro o Con-


felho da Fazenda , cuja Jurisdicçaõ he privativa , e ex-
cluliva de todos os outros Tribunais, e Magiítrados , fo-
bre todas as caufas , e dependências pertencentes a arre-
cadaçao das Rendas , e Bens da Real Coroa de qualquer
natureza que fejàõ, confirmada, e regulada pela Lei de
de Setembro de 1761 (/). f.

fupplicas das Cortes de Tomar , para o que mudou para o Por-


to huina das Relações de Lisboa, ( Duarte Nunes de Leaó , Ge-
neal. dos Reis de Portugal ) e foi o primeiro , que mandou ve-
fiir Becas aos Delembargadores: Soufa de Caftelbranco, Aditam,
vos Elementos da HiJ}. de Fcil/emonf, tit. I , liv. 2 , pag. 325.
(j) As caufas crimes do diftriéto da Relaçaõ do Porto ter-
ttiinaõ na mefma Relaçaõ; porem as eiveis, que excedem a
fua alçada, vaõ por aggravo para a Cafa da Supplicãçaõ, a qual
fufpende a exccuçaõ da fentença unicamente por fcis mezes;
Ord. liv. 3, tit. 84 , 14. A alçada deíla Relaçaõ he até o
valor de 250(^)000 r.
W File lribunal foi primeiramente ordenado pelo Senlior D.
Fep-
196 Direito Publico Porti/guez

$. CXCII.

O fegundo Tribunal da Fazenda he o Confelho do


Ultramar, cuja jurisdicça5 he a mcfma , a refpeito dos
Direitos , e Fazenda Real dos Domínios Ultramarinos ,
que a que compete ao Confelho da Fazenda no Conti-
nente do Reino , como declarou o Senhor D. Jofé pela
Lei de 16 de Junho de ,763 («j. O terceiro he a Jun-
tado Tabaco , que tem por objetfo a coniervaçaõ , e àd-
mmiílraçaõ do importantiífimo género do Tabaco, que
he privativo da Coroa (x).

§. ÇXCIIL

O Tribunal da Mefa da Confciertcia , e Ordens, teifi


a fou cargo o governo das tres Ordens Militares: o provi-

mento
Fernando, cuja prefidencia era deltributiva por
«anno de ,632 , em que Filippe IV a reduz.o a hum fó. O Se-
nhor D. Joaol V lhedeo nova forma, repondo-lhe os trez Ve-
dores com jurifdicções feparadas, cuja fórma durou até o tempo
da referida Lei de 1761. A Jurifdicçaó"deíte Tribunal até o anno
de 1761 era fó roluntaria, devendo dicidir-fo os cafos contendo-
jos na Cafa da SupphcaçaÓ, porém o Senhor D. Jofé na referida
Extravagante lhe concedeo a privativa, e executiva Jurifdicçaá
contenciofa.
(«) O Confelho Ultramarino foi erigido pelo Senhor D.
JoaÓ IV no anno de 1641 , até cujo tempo a JurifdicçaÓ Civel
pertencia ao Defembargo do Paço, e a da Fazenda ao Confe-
lho da Fazenda , e toda era fó voluntaria.
(*) Eftc Tribunal foi eftabelecido pelo Senhor D. Pedro II
em 1Ò95 - e o Senhor D. Jofé lhe deo novo Regimento cm ià
*le Janeiro de 1751.
P A R T E II. Titulo VII. 197
mento dos benefícios delias : a adminiftraçaõ , c arreca-
dação das Comendas, refgate dos cativos &c.; e fobre tu-
do a auctoridade de confultar a EIRei nos cafos , que en-
tender tocaõ i confcíencia do mefmo Rei, por hum De-
creto , de que faz menção Soufa de Caftel-branco no lu-
gar citado pag. 329 (z).

§. CXCIIII.

O Tribunal da Junta do Commercio efiabelecido pe-


lo Senhor D. Jofé, pela Lei de 16 de Dezembro de 1756,
tem por objecto a confervaçaõ , e augtr.ento de todo o
Commercio interno , e externo do Reino , e feus Domí-
nios , como fe acha efiabelecido pelos Efiatutos da mef-
ma Junta , confirmados pela referida Lei. Ella tem obri-
gaçao de vigiar fobre os contrabandiftas , e também co-
nhece dos Negociantes fallidos por audtoridade da Lei
cie 13 de Novembro de 1756.

§. CXCV.

Os Tribunais Economicos, c Políticos, fe podem di-


zer os Senados das Camaras das Cidades , e Villas , cuja
Jurisdicçaõ tem por objeíto a Policia , e Economia par-
ticular dos Teus refpedivos diftriítos , e fe acha regulada
pela Qid. liv. 1 , tit. 66. Nefte numero devemos contar
o Se-

(2) A Mcfa da Confciencia foi eftabekeida pelo Senhor D.


João II1 em 1532 , c no anno de ) tempo em que annexou
os Mágiftrados das tres Ordens á Coroa, iinio o governo das
u.c.mas Ordens a eítc Tribunal, donde fe denomina Da Confci-
tftna, e Ordens.
198 Direito Publico Portuguez
o Senado da Camara da Cidade de Lisboa , que ío diffe-
re dos outros no numero , qualidade, e tempo dos Vere-
adores ; os quais pela Lei de 2 de Janeiro de 1765 fo-
rno reduzidos a quatro Dcfembargadores Extravagantes
da Cafa da Supplicaçaõ , para fervirem por tres annos.

§. CXCVI.

Alem dos referidos Tribunais, que fazem mais par-


ticular objedto da nollà divifaõ , ha outros muitos naõ fó
particulares , affim como a Junta da Caía da Rainha , de
Bragança, do Infantado &c.; mas alguns outros, cuja de-
fcripçaõ pertence ao ramo da hiftoria do Governo Politi-
co. Naõ podemos deixar de lembrar o Tribunal da Jun-
ta dos tres Eítados, e Confelho de Guerra.

§. CXCVII.

A Junta dos tres Eítados, eftabelecida pelo Senhor D,


João IV no anno de 1641 a infiancias das Cortes , tem
a feu cuidado o fornecimento das Tropas , e Praças do
Reino, e infpecçao fobre as Caudelarias &c. CompSe-
fe efte Tribunal de fete Miniftros Ecclefiafticos , c Secu-
lares : dous pelo Eftado Ecclefiaítico, dous pela Nobre-
fa, dous pelo Povo, e hum por EIRei, com hum Offici-
al, e hum Secretario.
§. CXCVIII.

O Confelho de Guerra, cftabelecido pelo mefmo Se-


nho D.Joaõ IV. cm 11 de Dezembro de 1640, tem a
feu cargo a regência dos Exércitos, o provimento dos
Portos Militares , e os negocios pertencentes á expedição
das tropas, e da guerra. C A-
Parte II. Titulo VII. T
99

CAPITULO VI.

Do Direito coaftivo.

§. CXCIX.

Os Direitos do Summo Império náo podem confide-


rar-fe fem o Direito Executivo ( §. CXXV ). Eíte Direi-
to naõ pode igualmente confiderar-fc fem o Direito dc
coacçaõ , ifto he , fem o Direito de huma effèctiva ex-
ecução, ou como fc explicaÕ os DD. Jine armorum jure.

§. CC.

Por Direito das Armas entendemos aquella faculda-


de dc ter prompto tudo aquillo, que pode repellir, e re-
fiílir á força, e violência; commetter a mefma força, e
ufar das mefmas armas , quando for neceífario para inter-
na , ou externa fegurança da Sociedade. Daqui vem o di-
reito de crear certos Officiais de Juftiça, afíim como
Meirinhos , Alcaides , e Jurados dos Concelhos &c. Da-
qui vem a faculdade de erigir Fortalezas, e Praças nos
feus Eílados, de apromptar Armadas Navais, de crear
Capitães, aliftar Soldados, e fazer a guerra, e a paz (y).
Ce T I-

{>') Todos fabem , que poílo que até o tempo do Senhor D.


Joaõ I. os homens, que ferviaó na guerra , craõ efcolhidos, e pa-
gos pelos Senhores das terras , e Donatarios da Coroa , e pelos
Concelhos das Cidades , e Vil las , era em recompenfa das terras
conquilladas , ejue fe lhes deltribuiaó: Introduc. ao Nov. Cod.
cap.
200 Direito Público Portuguez.

TITULO OITAVO.

CAPITULO ÚNICO.
Do Direito de nu pôr Tributos, e lanhar Çolleãas.

§. CCI.
P Ara hum Soberano fatisfazer a todos 09 fins, de que
A.
temos traítado , he necelTario , que haja hum fundo fuf-
ficiente para a confervaçaõ das Armas no tempo da paz
e da guerra , para pagamento da Milícia , para os falari-
os dos Miniítros, e Oíficiais de Juftiça, para confervaçao*
das Eícollas publicas, e para o fuílento particular dos
Soberanos , que applicaõ todas as fuás fadigas , e negoci-
ações em beneficio do Eflado. NaÕ podendo cfte fundo
confiftir cm bens patrimoniais públicos', he neceflario,
que ellc fe conflitua pelo mutuo, c reciproco concurfo
de todos os Cidadãos, em cuja utilidade eiie redunda.

§. CCIL
Eíte mutuo concurfo deve fer regulado, fegundo as
ne-
cap. 2, § 3 , e como divida, e rigorofa obrigaçaô ; de forte»'
que os Noflos Monarchas fempre reconhecerão, que o direito de
fazer Soldados, e de crear Capitães era proprio da Monar-
chia , como fe vê da Ord- Affbnf. liv. 2. tit. 23 , que veio a for-
mar na nolía Ord. o tit. 26 , do liv. 2. Defde efte tempo foi »
Milicia tomando nova fórma , até que toda veio a fer eleita ,
e paga do Real Erário , a cujo pagamento fe deo nova forma pe-
las Extrav. de 21 dc Setembro de 1761, e de 24 de Fevereiro-
de 1764.
P A R T E II. Titulo IX. 201
neceílidades do Eítado ; e fe faz fegundc as difFcrentes
impoliçôes chamadas tributos ; c como a neceffidade do
Eilado fó pode conhecer-fe pelo Soberano , que a rege,
c governa, e os mofinos Tributos fe derigem para a necef-
furia execução dos Direitos do Império , he evidente,
que o I>ireito de impor Tributos , e lançar colleílas , he
próprio do Summo Império (a). Delle tem ulado fempre
os nolfos Monarchas (b).

TITULO NONO.

CAPITULO ÚNICO.
Dos Officios dos vajfallos para com o Summo Imperante.

«2^.Vifta dos Direitos } que competem aos Soberanos,


facilmente fe conhece por hum effeito neeeíTario da obri-
gaçaõ
(a) Eíle Direito reconhecei) o noíTo Divino Ridemptor na dra-
china, que mandou pagar a Filippe Rei de Capharnau, Matth.
Ca
P- I7 • 23 , e na Doutrina , que enfinou aos Hypocritas,
quando o confultaraõ fe deviaó pagar a Cefar o Tributo, Matth.
c-p. 71, 18 , & feq., e reconhecerão todos os SS. PP. com
Santo AmbroGo referido na Cauf. n , q. 1 , Can. 27.
{/>) O noífos Soberanos fempre reputaraô eftes Direitos , co-
mo proprios da Monarchia , 011 como Direitos Reais , como ve-
mos da Ord. Affcnf. liv. 2 , tit. 23 , Man. tit- 15 , e Filip. 26,
'-> e 13 , e fempre effe&ivamente ufaraó do mefmo Direito,
como vemos da Ord. Manuel. liv. t, tit. 13, §. iilt.; e Filip.
v
- i » tit. 20 , §. 3, cm que fe tracla da Impofiçaó , ou Tribu-
to
202 D i a E i t o Publico Portuguez.
gaçaõ correlativa, quais devem fer os noflòs Officios,
e a no (Ta obediencia ás Leis dos noffos Soberanos , e que
ja mais as podemos tranfgredir, fem nos conftituirmos
reos, e merecedores de caítigo na prefença de Deos,
que expreffamente nos manda obedecer ás Leis dos Prin-
cepes feus Lugar-Tenentes , ou fejaõ bons , ou máos.;
naõ fó pelo temor das penas externas , mas pelo vinculo
da confciencia (c).

to dos Dízimos da Chancellaria , a que deo novo Regimento D.


Filippe em ió de Janeiro de 1589, que fe acha na Col. 2, n. 5 ,
ao tit. 2 do livro do Regimento dos Novos Direitos , que fe pa-
gaó de todos os Officios da Juftiça , e fazenda , e de quaifqiier
mercês, dado pelo Senhor D. Joaõ IV em 24 de Janeiro de 1643,
reiormado a 11 de Abril de 1661 , que vem na Collec. 1 , n. 7,
ao tit. 1 , e 2 da Ord. Iiv. 2 , tit. 28 , em que fe tra£a dos Tri-
butos das Cizas das Alfandegas , e Terças , da impofiçaõ da
Decima , conforme o Regimento feito nas Cortes de 1645 , re-
formado pelo Regimento de 9 de Maio de 1654, fufeitado pe-
lo Decreto de 18 de Outubro de 1762 , em obfervancia da Ex-
trav. de 26 de Setembro do mefmo anno ; a qual para as def-
pefasda guerra deite anno fubrogou a quatro e meio por cento
na Decima. O mefmo finalmente fe moftra pelo lançamento do
Subfidio Literário , e Real d'Agoa , para fatisfaçaÓ dos Medres
Públicos do Reino, Lei de 10 de Defembro de 1772.
(e) Paul. ad Roman. cap. 13 , 4, & fCq. . petr> £p. j,
cap. 9 , f. 13, & feq.

FIM.

^ 4?
PRELECCÕES
5
D E

Direito pátrio

PARTICULAR.
'ZRÕ.30Zã-3;-Sl&

i
o i a í A i ò t i:; íí i d

, I .: 3 i T ÍI A 'I
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'

.
PRELECCOES
ò
D E
DIREITO PÁTRIO PARTICULAR,
0FFEREC1DAS
AO SERENÍSSIMO SENHOR

D. J O A Õ

PRÍNCIPE DO BRASIL,
E COMPOSTAS
POR
FRANCISCO COELHO DE SOUZA E S. PAIO
Cavalleiro Profeffo na Ordem de Chrifto, Dcfembargador
da Relaçao do Porto , e Lente Proprietário de Hijio-
ria de Direito Romano e Pátrio em a Univerfi-
dade de Coimbra.

TERCEIRA PARTE.
Em que fe tradta do Livro fegundo das Ord. Filippinas
pelo methodo fynthetico compendiofo demonftrativo.

COIMBRA:
* A REAL IMPRENSA DA UNIVERSIDADE.

ANNO DE CID. IOCC. LXXXXIV.


Com licença da Real Meza da CommiJfaÓ Geral Jobre t> Exame ,
e Coifara dos Livros.
Foi faixado eftc Livro em papel a 650 reis.
<i • Or3 ) r ir<j .

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Senhor.

A BONDADE c Magnanimidade de

V.A. R., que fe dignou honrar-me com a acceitc-

çao das minhas Prelecções das Noções Preli-

minares do Direito Pátrio , e do Direito Pá-

trio Publico , me animao a ojferecer a V* A. R.

e/las Prelecções de Direito Pátrio Particu-

lar , na bem fundada efperança, que ellas acha-

rão na Real Benevolencia de V. A. R. o mef-

m
° benéfico recebimento; porque a Augujla Be-
«< . - .
* nevo-
iioftVLã?j

nevokncia de F. A. R., fempre confiante no

•Auguflo e Magnanimo Coração de F. A. R.,

foi o único motivo, a que deverão aquellas Pre-

lecções tao honorifica e benevola acceitaçaô.

Permittau os Ce os, que efias mereçao a F.A.R'

<i me fina graça, e os mefmos profiperem apre-

ctofijfima vida de F. A. R., e ouçao os meus jt*-

fios e fervorojos votos , e de toda a NaçaÕ.

fc *^0 . • 'te Ott*

Francijca Coelha de Souza e S- Paio»


u
t

PROLOGO.
fc rv - •.. r''-' 1 r-ii'' t"") ph r
f <rf»

N O mefmo anno de 1789 , em que re-


citei as minhas Prelecções da Cadeira de Di-
reito Pátrio defla Univerfidade , que com-
prehendem as duas primeiras partes do obje-
61o da mefma Cadeira , ou as Noções Preli-
minares do Direito Pátrio, e o Direito Pátrio

Publico, que acabao de fahir do prelo , con-

tinuei a Terceira Parte do meímo obje&o


da referida Cadeira , ou o Direito Pátrio

Particular, obfervando quanto me foi polli-


vel o methodo fynthetico compendioío de-

monftrativo , determinado pelos Eílatutos


deita Univerfidade.

Esta Terceira Parte principiou no Liv. 2.0


das a&uaes Ordenações , porque deixei re.

fervado o primeiro Livro delias , para quan-


do tra&afle da Quarta Parte 3 ou da Pratica,

* 11 e
PROLOGO.

e Modo Forenfe. Como porem no mefmo


armo Ie£tivo fui defpachado para a proprie-
dade da Cadeira de Hiftoria de Direito Civil

Romano e Pátrio , naõ pude paliar alem do

1 it.35 do mefmo Liv.2.0. Empreguei-me, co-


mo era neceílàrio , na regencia da nova Ca-
deira ; porém no meio deite trabalho , e de

outras occupações literarias, eu me lembrava

continuar a Synthetica das ditas Ordenações,


movido e inftado pelo fubfidio , cjue muitas

vezes achava naquelles trinta e cinco Títulos-

A difficuídade da obra , como a experiencia


me tinha moftrado , me demorou até ha pou-
cos tempos tornar voluntariamente a íimi-

Ihante trabalho.

Estas Ordenações pois fao propriamente


huma Compilaçaõ dos anteriores Direitos, ou

coníuetudinanos, ou eícriptos nos anteriores


Codigos, e nas Leis Extravagantes , que íe-

gundo a intelligencia dos Compiladores po-

diaó acõmodar-fe ás a&uaes circunftanciasdo

tem-
PROLOGO. v

tempo j em que a mefma Compilaçaõ fe for-


mou , e na quál fe prefuppõem fabidos aquel-

les princípios. Eftes faõ o Direito Comum, ou


Civil dos Romanos, fegundo as Compilações

Juftinianeas, e entendido principalmente pe-


los Glofãdores; o Direito Canonico confor-
me as Decretaes compiladas por Gregorio
IX , e interpretadas ao íyftema ultramontano;
o Codigo Gothico, ou os ufos praticados fe-
gundo efte Codigo; as Leis das íete partidas;

as Cortes do Reino ; as Concordatas com os

Eccleíiaíticos delle , e com a Sé Apoítolica ;


as Leis antigas; os Codigos Affonfino , e

Manoelino ; o Epitome de Duarte Nunes de


LeaÕ ; as Leis Extravagantes e ultimamente
as interpretações , e opiniões dos Doutores.

Por efte motivo he de toda a neceífidade


beber naquellas Fontes os princípios remo-
tos das noíTas a&uaes Ordenações , nao fo

para o conhecimento hiftorico, ou dos moti-

ns que derao occaíiaõ ás mefmas Ordena-


ções ,
VI PROLOGO.

çoes, e naó ío para traétar {cientificamente a


íua parte legislativa, e juridica; mas para en-

trar no verdadeiro eipiritodaquellas, cuja in-

telligencia he obfcura, e duvidofa, e que naó


pode comprehender-fe fem a combinaçaõ das

fuas Fontes , apefar de ficarem fem autori-

dade depois das pofteriores Compilaçoes pe-

las Leis confirmativas das mefmas Ord., bem

como os fragmentos, eJurisconfultos Ro-


manos, que ferviraÕ de Fonte ás compilaçoes
de Juftiniano, que igualmente ficarao fem

auclorldade pelas Leis De concept. Digeftor. e


De Jure vet. enucl.

Estes conhecimentos, que em outros


tempos fe tornavao impoíliveis pelo efque-

cimento em que fe achavao as Leis an-


tigas , o Codigo Aftòníino, as Cortes do

Reino , e outros monumentos patricios , en-

volvidos no efpeilo e profundo pó dos Ar-


chivos do Reino , aílim públicos como par-

ticulares, fe tornaó lioje baílantemente vulga-

res
PROLOGO. VJI

res tanto por fe terem defenvolvido os refe-

ridos monumentos , dos quaes huns íe aehaõ


prefentemente impreííos na Typogrâphia de-
ita Univeríidade , e outros fe achuõ copiados

por algumas pelToas particulares , principal-


mente pelo muito erudito Doutor Joaõ Pedro
Ribeiro , Oppofitor ás Cadeiras de Cânones
defta Univeríidade, de que eu me fervi com a
fortuna e grande vantagem de achar nelles

judiciofiífimamente combinadas pelo mefmo


Doutoras a&uaes Ord. com os monumentos

que lhe ferviraó de Fonte ; digo, tanto por

eftes monumentos, como pelos manufcriptos,

que os Alumnos defta Univerfidade tem colli-

gido das Preleccões de feus Sábios e 111 li—

ftres Meftres : e muito mais pelas eruditiífi-

mas, e judiciofiífimas Inftituiçòes de Hiftoria


^e Direito Pátrio, e de Direito Pátrio Publi-
co e Particular, de meu Meftre o Hluftriflimo

Pafchoal Jofé de Mello, a quem com muita


gloria minha confeílo ter devido a direcção
dos
VIII PROLOGO.

dos meus eíludos no principio da carreira


\
académica.

Naò he portanto efta difficuldade, a que


me tem devido o maior trabalho das prefen-

tes Preleccôes:
3 a combinacaò
D do determina-

do em cada huma das Ord. com íeus princí-


pios jurídicos , ou a reducçao das mefmas de-

terminações ao methodo demonílrativo , tem

fido fem duvida a maior difficuldade , e o


maior emprego das minhas meditações. Con-
feílo pois ter confumido muitas horas do
meu defeanço para formar as regras, a que

melhor pudelle apropriar o determinado nas


ditas Ord.; e comtudo naõ pollo gloríar-

me de ter confeguido fru&o dos meus traba-

lhos , ou íeja pela fraqueza do meu engenho?


ou pela qualidade das matérias, ou, permitta-

íe-me dizello , por falta de exacçaõ dos Com-


piladores na deducçaõ das fuás doutrinas. D°

modo porém que pude continuei a Syntheti-


ca do Liv. 2.0 das a&uais Ordenações , e que

faz o obje&o defte Compendio. Se


PROLOGO. IX

Se agradar aos meus Leitores , terei efta

fatisfaçaõ, único fru&o dos meus trabalhos:


e do contrario terei o fruéto de conhecer os

meus erros; porque devo eíperar que o amor

da Patria inflame aquelles, que forem capazes


a inftruirem melhor os íeus Concidadãos, e

advertirem os meus erros á Mocidade Porttr


gueza , para quem unicamente efcrevo.

I N-
í? .0 ... o i •> & H

• • ^ t riu ,dí.

r • J-

'

i
INDEX

DOS TÍTULOS

Q^U E SE CONTEM

NESTA III. PARTE

• '*" . - • > • •- -

T IT. I. Em que cafos os Clérigos, e Rcligiofos hao de


rejponder perante as JuJiiças Seculares. - pag. 2
TIT. II. Como os Donatos de S. João , e os da Terceira Or-
dem de S. Fraircifco-, e os Irmãos de algumas Ordens ref~
ponderou perante as JuJiiças d' El Rei. - - - 15
IIT. III. Da maneira em que El Rei pode tirar as coujas,
que delle tiverem os que fe livrarem pelas Ordens, que «aã
forem pelo Ecclejiajlico direitamente punidos. - 16
TIT. IV. Quando os moradores da Ca/a d'El Rei de Ordens
Menores, ou Sacras, refponderaZ perante as JuJiiças Se-
culares. 18
I"IT. V. Da Immunidade da Igreja. - - - - 20
VI. Como fe cumpriráq os mandados dos Inquisido-
res. 30
TIT. VII. Que fe faça penhora nos bens dos Clérigos conde-
ninados pelos Juizes Seculares. ----- 31
TIT. VIII. Da ajuda do braço fecular. - - - 32
Til. VIIII. Dos cafos mjliforu ----- 36
TIT. X. Dos excomungados appellantes. - - - 41
TIT. XI. De que coujas as Igrejas , Mo/leiros , c Peffoas
Eeclefiajitcas nao pagarao tributos a El Rei. - 45
**2 TIT.
xir INDEX.

TIT. XII. Dos CommènâadorcSy e Cdvalteiros das Ordens de


N. S. Jefus Cbrijto , <?. Tiago , e Aviz. - - 50
TIT. XIII. Dos qiie citao para Romae dos que impetrai
Beneficias de homens vivos, ou os acceitao de Estrangeiros>
ou Proruraçoes. - -- -- -- -- 53
TIT. XIV. Dos que publicas inhibitorias /em licença d' El
Rei. - 5s

TIT. XV. Dos que impetrao Provisões de Roma contra as


Graças concedidas a El Rei , ou ã Rainha. - - 60
TI T. XVI. Que os Clérigos , e Ordens , e Pejfoas Ecclefia-
Jlicas nao poffao haver bens nos Reguengos. - _ 62
HT. XVII. Em que Reguengos os Fidalgos , e Cavalie iros
naÕ podem haver bens. - -- -- -- 63
TIT. XVIII. Que as Igrejas , e Ordens nao comprem bens
de raiz fem licença d' El Rei. ----- 64
TI I. XIX. Que ninguém tome poffe dos Beneficias , quando
vagarem, fem licença do Ordinário. - - - 73
Til. XX. Das efcripturas , que os Escrivães dos Vigários ,
Mojletros , e Notarios Apojlolicos podem fazer; e dos fal-
tarios que podem levar. - -- -- -- 7^
TIT. XXI. Que os Fidalgos , e feus Mordomos , naÕpoufent
tias Igrejas , e Mojieiros ; nem lhes tomem fuas coufas cott-
ira vontade dos Abbades, e feus Religiofos. - - 77
TIT. XXII. Que as Igrejas naafejaÕ tributarias por eflo-
rem nos Reguengos. - -- -- -- - 78
TIT. XXIII. Que os Prelados , e Fidalgos nao façao defe-
zas em fuas terras em prejuízo das Igrejas. - -
TIT. XXIV. Qiie fe nài) poffa comprar , nem receber ?,!i
penhor prata, e ornamentos das Igrejas , ou Mofteiros yfe,n
licença d'El Rei. - -- -- -- - 81
tit.
INDEX. xiri

TIT. XXV. Como fe entenderão os privilégios dados ás Igre-


jas, e Mofteiros , para Jeus Lavradores , e Cafeiros. 82
TIT. XXV L Dos Direitos Reaes. - - - - 83
TIT. XXVII. Dos Foraes, e determinação que Jobre elles
Je tomou. --------- - 93
TIT. XXVIII. Que as Alfandegas , Si/as, Terças, Minas,
nao fe entenda ferem dadas em algumas doações. 96
TIT. XXIX. Dos Relegos. ------ 97
TIT. XXX. Que as herdades novamente adquiridas por El
Rei nao fejao havidas por Reguengos.. - - - 98
TIT. XXXI. Que os que ternherdades nos Reguengos , nao
gozem do privilegio de Reguengueirns, fe nau morarem
ncl Ins. - -- -- -- -- -- 99
TIT. XXXII. Que os Almoxarifes d'El Rei, ou d' outrem,
nao-tomem coifa alguma do Navio que fe perder. 100
TIT. XXXIII. Das Jugadas. ----- icia
TIT. XXXIV. Das Minas, e Metaes. - - - 109
'IIT. XXXV. Da maneira que fe lerá na fueeeffao das ter-
ras e bem da Coroa. - -- -- -- - 111
TIT. XXXVI. Como pela verbal incorporação fe unem á
Corôa do Reino os bens confiscados. - - 120
TIT. XXXVII. Das mulheres que tem coifas da Corôa do
Reino , e fe cafao fem licença d' El Rei. - - 121
TIT. XXXVIII. Em que tempo as Cartas de doações , e
mercês devem paffar pela Cbancellaria. - - - 122
TIT. XXXIX. Quefe nao faça obra por Carta, ou Alvará
d' El Rei, nem de algum feu official, fem fer paffada pela
Cbancellaria. -------- - 124
TIT. XXXX. Que as coufas , cujo effeito ha de durar viais
de hum anno, pajfem por Cartas, e nao por Alvar az. 126
TIT.,
XIV
I N D E X.

1 n - XXXXI. Qiiefe não faça obra por Portaria, que da


parle d' El Rei Je der. _______ J2^
TI 1. XXXXII. Como Je devem regijlar as Mercês , que
El Rei faz. __________ I2?

xX
TIT; XXIIL Das cartas impetradas d' El Rei por
falfa ifformação, ou catada a verdade. - - _ 128
TH. XX XXIV. Qiiefe nao entenda derrogada por El Rei
Oidehacao,fe da fubjlanciã delia fe nau fizer exprejfa
rnen
^- ----------- 130
3 I T. X X X X V. Em que maneira os Senhores de terras uja-

, ff dã'lurisdi^» que por El Rei lhe for dada. - 130


TH. XXXXVI. êhie as peffoas que tem poder de dar os
Ofícios os nao vendao, nem levem dinheiro pelos dar. 137
TI i. XXXXVII. Da Jurisdição dos Capitães dos lurares
d'Africa ----- n8
I IT. XXXXVIII. Que os Prelados, <• os Fidalgos naofa-
çao novamente Coutos , nem Honras em feus herdamentos ;
e como nellas ufaraó de fuás jurisdições. - - _ i-?q
III. XXX XIX. Que os Prelados, <? Fidalgos, e outras
peffoas mõ lancem pedidos em fuás terras , nem levem fer-
ventias , nem apojentadorias , nem recebao coufa algu-
via. - - - ^ s
146
TIT. L. Que os Senhores de terras, nem outras poffoas, nao
tomem mantimentos , carretas , nem bejlas, fem autori-
dade de Jufiiça , contra vontade dejeus donos. - H9
TH . LI. Dos Thejoureins, e Almoxarifes , que emprefao
fazenda d' El Rei, ou pagão contra feu Regimento , ou dao
dinheiro a ganbo. ________ {-2
m.. LIÍ. Da òrdem que as Sacadores de El Rei terao nas
execuyks ,5 ó
TIT.
I N D E X. XV

TIT. LIII. Das execuçm que fe fazem nos que devem


d Fazenda d' El Rei. ------- 163
TIT. LIV. De como a El Rei fomente pertence apofentar
alguém por ter idade de fetenta amos. - - - 170
TIT. LV. Das pejfoas que devem fer havidas por naturaes
djles Reinos. J72
TlT. LVI. Em que modo , e tempo fe faz alguém vifrnho
para gozar dos privilégios dos vifwbos. - - - 176
TIT. LVII. Que o privilegio da exempçaí d (ido ao morador
da terra nao prejudique ao fenhor delia. - - 1 SI
TlT. LVIII. Dos privilégios concedidos aos Fidalgos para
J,tus lavradores, moradores , cafeiros, e creados. 185
TlT. LIX. Dos Privilégios dos Defembargadores. 188
TlT. LX. Que os Cava/leiras nao gozem dos privilégios da
Cavallaria fem ferem confirmados , e terem cavallos , e
i95
TIT. LXI. Que os privilegiados tenha/j lanças. 197
*^T- LXII. Do privilegio dos Moedeiros da Cidade de
Usboa
- _____ 198
TIT- LXIII. Dos Privilégios dos Rendeiros d'El Rei., iç/q

Erra-
Erratas.

Pag. 51 lin- 2 Commendadores CavaMerros, lla-fc Com-


mendadores , e Cavalleiros
Pag. 60 not. lin. 3 alumnos; lia-fe alumnos eccleíiafticos ;
lbid. lin. 11 valTallos de Portugal, Ira-fe vaflalos cc-
clefiafticos de Portugal
Pag. 146 not.(a) lin. 4 quitas , lêa-fe peitas
Pag. 153 not. lin. 4 executiva .cumulativa lèa-Je executiva»
e cumulativa
Pag. 158 nót. lin. 5 ou mandados lêa-fe dos mandados
lbid. not. lin. 6 pelos lia-fe pelas
i3 - - • ' v 1 • *"•"< * V>
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PRELECCÕES
ó
D E

direito pátrio particular.

*$,— $ &—^^— &

PARTE TERCEIRA.

D O
DIREITO PARTICULAR FORTUGUEZ.
• {

INTRODUCCAÔ.

P
JlL ASSAMOS a traélar do terceiro objeiíto das nof-
las lições, cujas prelecções regularemos pela ferie e
ordem dos Títulos das Ordenações Philippinas , como
lie determinado pelos Efiatutos deita Univeríidadc.
Omittimos porém o primeiro Livro, porque delle teremos
occafiaõ de t radar na quarta parte da nofla divifaõ , e
principiamos no Livro 2.°, em que fe tratfla princi-
palmente dos privilégios dos Eccleíiafticos, dos Grandes,
e outras peíToas do Reino , das Jurisdicções, dos Direi-
tos Reaes , da fucceflaõ dos bens da Coroa, e da Jurisdi—
Çaõ dos Donatarios delia.
A TI-
o. Direito Particular Portuguez

cr ^

T I T U L O I.

Em que cafos os Clérigos, e Religiofos hao de responder


perante as JuJiiças Seculares, (a)

§. I.
c
O Egundo os Prmcipios de Dircico Publico, de que
traetamos na fegunda parte deitas prelecções ( Tit. V ,
Cap. XI e XII.;, he certo que os CIcrigos, Religiofos, e
mais pefíòas ecclefiafticas de qualquer hierarchia , e os
bens, ou coufas da Igreja, faõ igualmente fujeitos ao Im-
pério Civil, como as mais peíToas , e coufas feculares ; e
que as ífençoes reaes, e pefToaes , e o privilegio do Foro
F-ccleíiaitico, he hum mero beneficio dos Supremos Im-
perantes.
§. II.

Porem nós vimos no mefmo lugar , que os Summos


Pontífices, enganados pelas falfas Decretaes de Ifidoro, fe
perfuaJirao , que eftas ifençoes, e cite privilegio era de
Tradiçaõ Apoítolica , e da privativa jurisdição da Igreja ;
c nelta perfuafaõ palTaraõ a determinar pelas fuas Decre-
taes

(a) Os Compiladores naó formaraõ hnma Rubrica adequada


a matéria do I itulo , porque nelle naó fó fe tradla de algumas
limitações do Foro , e ifençaõ das peífoas ecclefiafticas, mas tam-
bém do I' oro das peffoas leigas , determinando os cafos, era que
Citai devem refponder no Foro Ecclefiaftico.
PARTE III. Titulo 1. 3

tacs (b), que o Foro Eccleíiaftico fofie o privativo das


pefiòas , e coulas (c) ecclefiafticas; e paflaraõ a decidir ,
que as meíinas peíloas c coufas eraõ ilentas da jurisdiçaõ
fecular.
§. III.

Efla determinação tem fido limitada parte pelo mef-


mo Direito Canonico, parte pelos coftumes da Naçao ,
e parte pelas Concordatas : fcgundo cftas limitações fe
veio a formar o tit. 15 do liv. 3 da Ord. Afl. , e o tit. I
do liv. 2 da Ord. Man., fonte deite titulo.

§. IV.

Contem portanto efle Titulo duas partes: huma, quan-


do as peflbas eccleíiafticas devem refponder no Foro Se-
cular ; outra quando as pefTòas fcculares devem refponder
no Foro Ecclefiafiico (d). A 2 §. V.

( b) De que veio a formar-fe o Titulo de foro competenti das


Decretaes , do Sexto , e das Clementina?.
(c) Por Direito Canonico as coufas da Igreja gofaó de immu-
nidade , e ifençaõ ecclefiaftica ; Wan-Efpen. Jus EccI. tom. 3 ,
part. 2, fefl. 4,tit. 4,cap.2; por cuja rafaó participai» igualmen-
te do privilegio do Foro , aífim como as peffoas eccleliaíticas ,
Id. Wan-Efpen tom. 4, part. 3 , tit. 2 , cap. 3 , n. 2: o fe re-
puta facrilegio toda a força , ou roubo nellas feito , Peieir. de
Munu Rcg. ad Ordinat. liv. 2 , tit. 9 , n. 33. De cujos princi-
pios fe eftabeleceo a regra , que as mefmas pefloas leigas podem
fcr demandadas no Foro Eccleíiaftico por coufas da Igreja.
(.d) fóra dos cafos especificados nas noflas Leis, he de tal
forte prohibido aos feculares refponder no Foro Ecclefiaftico,
que
4 Direito Particular Portuguez

§. V.

Principiando pelas peíToas ecclefiafticas , eftas ou fao


as que fçgundo as Decretaes nao tem fuperior ordiná-
rio no Reino , affim como Bifpos , Arcebifpos, &c.; ou
faõ aquellas que tem fuperior ordinário. Eftas fe dividem
em Clérigos de Ordens Sacras , e de Menores; os de Me-
nores fe dividem em íòlreiros, e cafados ; os folteiros fc
dividem em fimplices Minoriftas , e Beneficiados ; e os
cafados fe dividem em Bigamos ( e ), e Monogamos (/]•

§. VI.

Em quanto ás pefloas ecclefiafticas que nao tem


fuperior ordinário , a regra he , que naó gofaõ do privile-
gio do Foro (g). Donde fe fegue i.° que devem refpon-
der

que alem da nullidade da fentença íaõ condemnados A. e R.


cm trinta cruzados , §. 14. defta Ord.
(.e) Bígamos fe entendera naõ fó os cafados com duas mu-
lheres fimultaneamente , cliamados bigamos reacs; mas tam-
bém os cafados mais de huma vez , ou huma fó com mulher
viuva, ou corrupta , chamados bigamos interpretativos ; Cap. 1
de Bigam . non ordinand. , Cap. Altercationis , de Bigam. in Ví >
§. 27 defta Ord. , verfo E a que vier.
(/) Monogamos fc dizem os cafados huma fó vez com mu-
lher virgem.
(S ) A razaó defta regra fe acha exprefla no principio deftc
1 itulo , ifto he , que gofando do privilegio do foro feria ne-
ceflario hir demandallos a Roma, por naó haver no Reino, quem
fobre elles fizeile Juftiça.
Parte III. Titulo I 5

der no Foro Secular ( h ) em todas as caufas cíveis (/') , e


crimes feculares ( l) civelmente intentadas , pr. do tit.
( m ) : 2.° que o leigo que demandar alguma deftas pef-
foas para a renovaçaõ de algum prazo , o deve ía^er 110
Foro Secular , §. 6 verf. uit.

§. VII.

Em quanto ás peíToas ecclcíiafticas que tem fiipe-


rior ordinário , principiando pelas de Ordens Sacras , ou
de Menores Beneficiados, as regras do privilegio do Foro
em todas as fuas caufas eiveis , e crimes , e de immuni-
dade, e ifençaõ real e peiloal ( §. 2 ) , le limitaõ pelas
noífas Leis. §. VIII.

( b ) Os Juizes fau os Ordinários do terrilorio , os Corregedo-


res da Corte , e o Juiz das Acções novas do Porto na fua repar-
tição , o mefmo pr. do tit. , e Ord. 1. 3, tit. 6, §. 5 , quaes os
AA. efeolherem , como fe moílra da raefina disjHndiva ou , c
como determinados em feu beneficio ; argumento da Ord. 1. 3 ,
tit. 5 , §. 6 , c tit. 6 , §. 5.
(») Sobre coufas , que naõ pertençaõ á Igreja : o mefmo pr..
da Ord.
(/) Sendo o crime meramente ecclefiaftico pertence o conhe-
cimento ao Concilio da Provincia pela Difciplina antiga ; e pela
aflual pertence a Sé Apoílolica.
(»i) O principio defle Titulo fe explica pela palavra damni-
ficamento , c a Ord. Man. pela mal feitorias , de cuja finonomia,
e por argumento da Ord- 1. 2, tit. 4 , diffemos que em o numero
das caufas , porque devem refponder no Foro Secular, fe com-
prehendem as crimes civelmente intentadas ; e para os profegui-
mentos criminaes fe deve dar parte ao Rei > Ord. 1. I, tit. 58
S* 18 , e tit. 65 , §. 66.
C Direito Particular Portuguez

§. VIII.

Limita-fe a regra do Foro nas caufas crimes civel-


rrtente intentadas , x.° fendo moradores da Caía Real ,
Ord. 1. 2, tit. 4: a.° naõ Tendo notoriamente Beneficiados,
ou de Ordens Sacras , em quanto naõ provarem eltas
qualidades perante o Juiz Secular, §.21 ,e 22 defta Ord.
( a ) : 3.0 nos cafos de refiftencia feita á Juftiça, Extrav.
de 24 de Outubro de 1764 , §. 4 : 4.o nos fcltos de coi_
mas pertencentes a Almotaçaria em quanto á pena civil,
§. 2 defta Orden.
§. IX.

Nas caufas eiveis limita-fe a mefma regra do Foro


i.° nos cafos de reconvençaõ ( o), quando o Clérigo for
recon-

(n) Os Clérigos, que naõ faô notariamente Beneficiados, ou


notoriamente de Ordens Sacras , podem fer açcufados , e prefos
perante as Juítiças Seculares , porque o privilegio fe funda em
qualidades de fa£lo , que fe naÓ prefumem , e por iíTo em quanto
fe naÓ provaÓ faÕ da jurisdição fecular : donde fe fegue , que efla
prova fe deve fazer perante o Juiz Secular , aonde o Clérigo for
acctifado. Vid.Concoid. i.*> do Senhor D.Affonfo, Art.i^Con-
cord. 2.% Art. 4 , e Concord. 4.» do Senhor D. Diniz , Art. 8.
( o ) Reconvençaõ fe diz aquella acçaõ eivei propofta pelo Reo
contra o Auctor perante o mefmo Juiz cm que he demandado ,
Lei 11.ff. de jurisdia., Ord. I.3, tit.33: efta reconvençaõ perante
o Juiz , aliás imçompetente em razaõ da peíToa , dita Ord. §. 5 »
tem o feu fundamento no confentimento do A., dito §. 5 , e na
prorogaçaõ da Lei. A Lei pois fundada no publico interelle
de fe diminuírem os pleitos, e na equidade, que naõ peimittc
que
PARTE III. T i t U L O I. 7

rcconvido pelo leigo , §. 1 defta Ord.: 2.0 nas caufas de


força nova , feita nas coufas feculares , ou ecclefnfticas ,
para o iimples effeito de ler reftituido o esbulhado §. 2
(/>): 3.0 quando depois de citado perante o Juiz Secular fe
fizer Clérigo de Ordens Sacras , ou Beneficiado §.3(7 ):
4.0 nas caufas pertencentes ao patrimonio do Principe ,
ou da Coroa, §.17,18,619: 5.0 nas caufas pertencen-
tes aos tributos, e Direitos Reaes §. 19 ( r) : 6.° nas cau-
fas fobre os Direitos do Padroado Real entre a Coroa,
e os Padroeiros delia , ou fó entre os mefmos Padroeiros
(j), ou fobre os bens annexos ao Padroado §. 7 : 7.0 fendo
o

que o A. feja demandado pelo R. em outro Juízo durante a


primeira califa , dita Ord. §. 2 , faculta ao Juiz , perante quem
o R. he demandado , a autoridade de conhecer das acções
que o mefmo R. propuzer contra o A. nas caufas de ie-
convençaó , dita Ord. (j. 4 ; donde fe fegue que a autori-
dade que o Juiz fecular tem para fer Juiz do Clérigo reconvido ,
naõ he por effeito da renuncia que o Clérigo faça do feu privi-
legio, mas por autoridade da Lei. Vid. André de Valença, Pa-
rati!. Jur. Canon, , tit. I. de mui. pelilion.
(p ) Concord. do Senhor D. Joaó I-, Art. 84.
(q) Pela citaçaõ fica o Juiz , perante quem cila fe faz, com
jurisdição preventa para conhecer da caufa, L.19- ff. de jurisdift.,
L. 7, §. 13 , ff. de Judie., Cap.19. defiro compelenti , cujos prin-
cípios foraô adoptados pelos coflumes do Reino , arefpeito das
pefloas ecclefiallicas. Vid.Concord. do Senhor D.Affonfo, Art.4.
( r) De que he Juiz privativo o da Corôa, e da Fazenda ,
Ord. 1.1 , tit. 9 , e 10.
( í ) Sendo porem a demanda entre outras peffoas pertence
0
conhecimento ao Juiz Ecclefiaílico (o mefmo §. 7 in pr. ).
Ainda-
'8 Direito Particular Portuguez

o Clérigo herdeiro de algum leigo, que antes do feu fa-


lecimento fotíe citado ,§. 8 (t): 8.° iendo o Clérigo cha-
mado para auctoriá perante o Juizo Secular («),$. 11 :
9.0 fendo demandado por alguns bens adquiridos contra
a prohibiçaõ da Lei, §. 16 (x).

§. X.

Pelo que rcfpeita ás ifenções , e immunidades pef-


foaes , liinita-fe a regra i.° fendo achados em fragante
delicto , 23 e 29, ou fendo logo bulcados , e achados
depois do delido , fem interrupção de tempo, Alvará dc
•—« • — „ 11

Aindaque pois os Padroados nadatenhao de cfpiritualidade, Eyb.


Jus hccl. tom. 2, liv. 2, càp. 4, §. 119 (ní/. , comtudo pelo
Direito das Decretaes. fe reputao annexos á cfpiritualidade , de
que he pelo mefmo Direito Juiz privativo o Juiz F.cclefialtico:
doutrina que parece fer a das nolTas Leis, a qual pelocortume
do Reino fe acha limitada no Padroado Real , quando a deman-
da (obre os direitos delle lie com a Corôa , e os Padroeiros
delia, 011 entre os meímos Padroeiros , vid. Concord. do Senhor
D. Sabaíhaõ, Art. 3 , e de que hc Juiz privativo o da Corôa,
Ord. 1. z, tit. 9 , §. 13.
(/) Concord. do Senhor D. Affbnfo, Art. 7 , o que procede
por effeito da prevenção da jurisdiçaÓ ( fupra not. q. )
( u ) Aufloría he aquella vocaçaG judicial que o R. faz á pef-
foa de quem houve a coufa , porque he demandado , para que
Venha a Juizo defendella, que deve fer o do R. , Ord. 1. 3 , tit.
45 , §. ult. , pela prevenção da fua jurisdiçaó.
(x) Arazaó he, porque fimilhantes bens naô faó ecclefia-
ílicos , nem proprios dos Clérigos , por ferem adquiridos fem
titulo ,.c contra a prohibiçaõ da Lei, Ord. 1. 2 , tit. 18.
Parte III. T i T U L O I. 9

xi de Novembro de 1603 > cm cujos cafos devem fer


prefos para ferem remettidos aos Teus Juizes: 2.0 trazen-
do armas prohibidas, que lhes podem fer tomadas pelas
Juftiças feculares , na5 hindo de jornada, ou para Ma-
tinas nocturnas , Ord. 1. 5, tit. 80, §. 11 (z): 3.0 fendo os
Religiofos achados com alguma mulher, Ord.l. 5, tit.31,
ou fem companheiro, ainda mefmode dia , ou pelas ruas,
Extrav. de 13 de Agofto de 1691 , e 10 de Setembro dc
1692, que podem fer prefos, para ferem remettidos para
o feu Convento.
§. XI.

Em quanto aos Clérigos dc Ordens Menores fimplices,


e monogamos ai.» regra he , que clles nat> tem immuni-
dade , ou ifençaõ alguma como Clérigos : 2.a que elles fó
tem o privilegio declinatorio (y) nas caufas crimes (a)
B §.

(z ) O Senhor D. Joaõ, na reporta aos Artigos 11 c 15 da fua


Concordata , declarou que os Clérigos eftavaô fujeitos ás Leis
geraes , e lhe prohibio o ufo das armas defefas , ainda mefmo
quando foflfem para Matinas ; porem os Compiladores naó fó
ingeriraS nas Ordenações , que pudeffem ufar delias nefte cafo ,
mas que naõ pudeffem fer prefos pelas Juftiças feculares , nem
impor-fe-lhes pena de fangue , ainda que com ellas firaõ ; e que
fomente nefte cafo lhe fejao tomadas.
(y) Nas caufas crimes civelmente intentadas limita-íe eíle
privilegio nos moradores da Cafa Real , que naó podem decli-
nar , Ord. 1, 2 , tit. 4.
( a) Pelas Concordatas do Senhor D. Affonfo Art. 5,04.»
do Senhor D. Diniz Art. 16 , golavaó os Minoriflas do privile-
gio do foro nas caufas crimes , criminalmente intentadas. Poy
Di-
io Direito Particuiak Portuguez

§. 4 , e 27 (b) , andando em habito , e tonfura ; o cafado


ao tempo do crime, e da priíáõ , e o íolteiro ao tempo
da priíaõ ao menos §. 27 (c).

§. xir.

Da primeira regra fe fegue 1.° que podem fer obri-


gados pela Jurtiça fecular a apagar o fogo no lugar aon-
de forem moradores , e a defender a terra da invafaõ dos
inimigos , acudir aos arruidos em favor da Jultiça para
os extremar, e ajudar a prender os culpados, §. 12.
§. XIII.
Direito Canonico tinhaõ o mefmo privilegio, naõ fó fendo cri-
minal , mas civelmente intentadas, Cap. unic, de Cleric. conjug.
in V I. O Senhor D. Joaõ I. determinou , que podiao fer prefos,
e julgados pelas Juftiças Seculares , em quanto naó provalfem >
que tinhaõ circumdancias , que requeria o privilegio, porque
eraó muitos mais , os que as naó tinhaõ.
( b ) Efte §. parece oppofto ao §. 21, verf. 1 , nas palavras co-
mo he Clérigo de ordens Jacras , e como he verdadeiramente Bene-
ficiado , moitrando-fe pela Conjunííiva e , que naõ balia fer Mi-
noriíla , mas que he também nece.Tario fer Beneficiado ; porem
nelle 27 traòía fe daquelle, que depois de fer Mmorifla coni-
metteo o delido, e no §. 21 trafta-fe do MinorHía, que toma
eflas Ordens , depois de commettido o deliao , o qual fó pode
declinar fendo Beneficiado.
( C ) Por Direito Canonico fe requer indiftin&amente , que os
Minoriílas andem em habito , e tonfura , Cap. unic. de Cleric..
eonjug. in VI. O Cone. de Trento Seffjõ 23 de Reform. Cap.
6.° ordena , que também fejaõ addidos ao ferviço da Igreja por
audloridade do Eifpo. A noíla Ordenaçaõ porem fó requer que o
Cafado ande eai habito, e tonfura ao tempo do crime , e da pr'~
fàõ
PARTE III. Titulo I. li

§. XIII.

Da fegunda regra fegue-fc i.° que em todas as cau-


fas eiveis devem refponder perante as Juftiças feculares
§. 4 : 2.® que podem fer accufados , prefos , e demanda-
dos perante as Jufiiças feculares por qualquer malefício
[d) §. i-j in princ. : 3.0 que para declinarem devem pro-
por a excepção declinatoria antes de conteftada a caufa
(f) , que devem provar com audiência das partes perante
as Juftiças Seculares (f) §. 27, verfo E o que vier.

B a §. XIV.

faô , e o folteiro bafla ao tcrnpo da prifaõ. A razaõ de differença


parece' fer , porque o Clérigo cafado , como mais feparado do
eílado ecclefiaftico inculca maior fraude em abrir a corôa , e
ufar do habito depois do crime commettido , do que o fimples
Minoriíta.
(d) Como o privilegio lie fó declinatorio , fegue-fc que em
quanto naÕ declinarem faõ da Jurisdição fécular.
(í) A natureza das excepções declinatorias, Ord. I. 3 , tit. 2r,
§. 1, e tit. 49, f. 3, pede, que efta dos Clérigos fe ponha antes
da conteftaçaõ, porque alias fe prefume renunciado o privilegio,
e o Juiz com direito adquirido para conhecer (fupra §. 10 *
not. q)
(/) Como efta excepção fe funda na qualidade de Minorifla
folteiro , ou cafado monogamo , deve primeiro provar-fe , c em
quanto fe naõ prova fe prefumem da Jurisdiçaó Secular , e em
confequencia devem fazer-fe eílas provas perante os Juizes Se-
culares. Das fentenças , que eftes proferirem fobre a declina-
ria , fe deve appellar para as refpeílivas RelaçCes , pofto que o
calo caiba na alçada do Juiz , §. 28 delia Ordcnaçaõ.
ia Direito Particular Portuguez

§. XIV.

•Padamos á outra parte do Titulo , que tem por obje-


<Tto os caíos em que as peíToas feculares devem refponder
perante as Juftiças Ecclefiafticas , ou a limitaçaõ do Foro
Secular. Como efta limitaçaõ fe funda na ifençaõ das
coufas ecclefiafticas (fupra §. 3 , not. <r ) a regra he , que
os leigos podem fer demandados perante as Juftiças Ec-
clefiafticas pelas coufas pertencentes á Igreja ( g) §.5,
veif. 1 , c §. 6 in pr. [h), donde fe fegue , que o leigo
pode fer demandado no Juizo Ecclefiaftico : 1.° pelo do-
mínio útil de algum prazo ecclefiaftico, confolidado com
o dominio directo da Igreja, epofiuido fem titulo pelo
If
'gQ
(g) O que procede pelas noífas Leis, quando o leigo he directa-
mente demandado pela coufa da Igreja ; porque fendo demanda-
do pela força, ou roubo, feita na coufa da Igreja he Juiz priva-
tivo o fecular , §. a deíla Ord. , excepto pondo a Igreja contra
elle a qualidade de facrilegio, §. 5 i„ pr.
{!>) Mas fe a Igreja em feu libello na5 allegar qualidade al-
guma em particular , porque a coufa lhe pertença , pode o leigo
declinar para o feu foro , negando que a coufa he da Igreja , to
menos em quanto ao dominio util , ç - lc ,r . » a • '
> so> VP». 1, ej. 6 tnpr.;
inas allegando a Igreja em feu libello , que a coufa he fua em
quanto a ambos os domínios , naó pode declinar o leigo , porto
que negue efta qualidade , dito §. 6 , v. 2 , a raza6 he, e
com efia allegaçaõ toma a Igreja fobre f, a obrigaçaÕ de provar
as allegadas c.rcunftancias ; e nos termos do §. 5 0 leigo toma
fobre fi a obrigaçaÕ de provar, que o dominio util he feu Te como
cilas diverfas circunftancias fazem que acaufa pertença a di-
verfos foros, fegue-fe que elles fe devem decidir naquelle , cm
que primeiro forem allegadas por effeito da jurisdição prevenia.
PARTE III. Titulo I. 13

leigo , §. 6 verf. 2:2.° pela renda , ou foro das coufas da


Igreja , §. 9 , (?): 3.0 por qualquer coufa movei fagrada ,
ou que eftivefle em poder da Igreja, ou de peííòa eccle-
fiaílica ainda que naõ fagrada , §. 10 (/).

§. XV.

Alem das regras , e limitações , que fazem o objeélo


proprio defte titulo, os Compiladores Filippiítas lhe inge-
riras o §. 13 , que ferve de norma aos proceííos das cau-
fas crimes , que faõ mi/lifori (m). Elie contem duas par-
tes: i.a que os concubinarios naõ podem íer prefos , ex-
comungados , ou degradados, fem precederem as tres
admoeftações canónicas com intervallo de tempo conve-
niente para a emenda («): 2.0 que nos mais delidos , em
que fegundo o Concilio Trid. (0) as Juítiças Ecclefiafticas
podem proceder contra as peífoas leigas com pi ifaõ „
penhora,

(/) Efte privilegio dura fó no tempo do contrario , e dois au-


nos depois delle findo, f. 2 defta Ord.
(/) Limita-fe fendo caftiçaes , cruzes, navetas , porque por
eftas coufas fó pode o leigo fer demandado no Juizo EccIefiaíUco
confefíando ferem da Igreja, dito §. 10 , v. 2. Vid. Concord. do
Senhor D. Joaõ I, Art. 3.
(m) A fonte deftejj. lie o Art. 12 da Concord. do Senhor D.
Sebaftiaó de 1578 , que deveria fei collocado debaixo do tit. 9
doliv. 2 defta Ord.
(") Funda-fe efta Ord. na mefma Lei Natural , que naó per-
mute , que alguém feja condemnado fem fer primeiro ouvido, C
convencido judicialmente.
(») Sef. 24 de Reform, cap. 3.
14 Direito Particular Portucuez

penhora , e degredo (p) , fó o poflkõ fazer nos cafos cm


que procedem judicialmente (q): 3.0 que as Juftiças Ec-
cleiíafticjs podem proceder a final fentença fem prifaõ
dos delinquentes (rj.
T I-
(p) Entre dia Orei. e o Cone. de Trento ha huma notável
differença, porque o Concilio permitre que as Juftiças Eccleíia-
flicas procedaó á execução deitas penas pelos feus officiaes; e por
cila O rd. fó fe lhe perraitte a cõminaçaó de fimilhantes penas
competindo a fua exocuçaõ ás Juftiças Scculares, Ord.l. 2, tit.
S, c tit. 9, §. 1 , como veremos qnando fallarmos deites titulos.
(?) Procede-fe judicialmente quando fe pronuncia a culpa
peladevaça, ou fummario das teílemunhas, Ord. 1. r)t tit. n7 ,
§. 2,etit. 119, e tit. 126, $.11, tit. 128, §. 1; Extr. de 20 de'
Outubro de 1763. §.2; L.i, ff. de cufiod. & exblbit. reorL.3,
CoJ. eoãim ; Wan-Eípcn Jus Eccl. p. 3, tit. 8, cap. x , e 2.
(r) Segundo as noffas Ord. e particularmente 1. 5 , tit. 24 ,
nao pode entrar em livramento o delinquente fem eítar prefo, ou
com carta de feguro, no cafo em que eftas fe podem paliar,
Ord, 1. 5, tit. 130, tf ibi Colha. , cujo efpirito comprehendeaté
os proceflbs ecclefiafticos conforme o §. 22 defta Ord. do liv.
2 , tit. 1 , e de cujo rigor exceptua o §. 13 deíla Ord. os mef-
mqs proceffos ecclefiaílicos , porque o Cone. de Trento na re-
ferida Sef. 25 de Reformai. cap. 3 , quc ]he fervio de fonte re-
mota , naõ manda, mas fó permitte prender antes , ou depois da
fentença final.
PARTE III. Titulo II. *5

TITULO II.
Como os Donat os de S. Joau , e os da Terceira Ordem de
S. Francifco, e os Irmãos de algumas Ordens refponderaa
perante as JuJliças d' El Rei. (a)

§. XVI.

'j.1 Endo-fe tra&ado no Titulo antecedente dos cafos ,


em que os Religiofos devem rcfpondcr 110 Juizo Secular ,
juftamente fe tracta nefte Titulo das peíToas , que perten-
diaõ gofar dos privilégios de Religiofos , e que faõ obri-
gados a reíponder no Juizo Secular.
§. XVII.
(a) Jadefde o tempo do Senhor D. Diniz , como moftra o
Art. 17 da íua primeira Concord. , os Religiofos, e Prelados
das Ordens lançavaó os hábitos delias ás pellbas leigas para fe
eximirem da jurisdiçaó fecular , e dos encargos da Republica.
O certo he que no tempo do Senhor D. Joaó I. as povos fe lhe
lueixaraõ nas Cortes de Coimbra da era de 1433 , dc que mui-
tos leigos, fora de confciencia , e de razaó , entravaõ por Frades
da Terceira Ordem de S. Francifco , fendo caiados, e tendo fu as
mulheres , filhos, e bens , e ido fó a fim de fahirem da Jurisdi-
ção Real , e fe livrarem dos encargos da Republica , pedindo a
El Rei , que naõ houveiTe taes homens por privilegiados , naó
refidindo , nem vivendo nos Morteiros da dita Ordem. No tempo
«lo Senhor D. Manoel , como confia da Ord. liv. 2, tit. 3, §• 1,
alguns Commendadorcs , e Priores da Ordem do Hofpital de S»
Joaó de Jerufalem , ou de Malta , lar.çavaõ muitos hábitos da
niefma Ordem a homens leigos , affim cafados , como folteiros ,
® quem chamavaõ Donatos , para fe ifentarem da Jurisdição do
ei
pelo privilegio da Ordem ; abufos cites que derao occaiiaó
a e
"e Tituo.
16 Direito Particular Portuguez

§. XVII.

Como a immunidade, c privilegio do foro concedido


aos Religiofos lhe reíulta pela qualidade de Religiofos,
cuja qualidade naõ tem os Donatos por falia dos votos ,
que conflituem o efTencial da Religião, he certo, que naõ
podem gofar da immumdade , e privilegio do foro con-
cedido aos Religiofos.
§. XVIII.

Donde fe fegue: ique elles devem fer julgados pelas


Juítiças feculares , como fe taes hábitos naõ tiveflem ,
princ. defte Titulo : 2.0 que naõ faÕ efeufos de fervirem
os cargos da Republica , §. 1. Exceptuaõ-fe no mefmo §.
verí. ult. os da Terceira Ordem , que viverem em Com-
munidadc em algum Oratorio com auéloridade do Papa,
ou Prelado.
, —
TITULO III.
Da maneira em que El Rei pode tirar as coufas , que delle
tiverem os que Je livrarem pelas Ordens, que nao forem
pelo Ecclefiajlico direBamente punidos, (a)

§. XIX.

T Endo-íe no Titulo I. eftabelecido que os Clérigos


criminlofos devem fer remettidos para o Juizo Ecclefiaíti-
co,

(a) Efta rubrica hc defeituofa , porque naó comprehende a de-


terminação do §. 1. do Titulo. Os Compiladores fe fer vira 5 da
parti?
Parte III. Titulo III. 17

co, para ahi ferem caftigadoscomo merecerem; collocaraõ


os Compiladores nefte lugar efte Titulo, em que fe trada
de como caftigará El Rei as pefloas da Jurisdiça5 Ec-
clefiaftiça , que dellc tiverem alguma mercê , naõ fendo
juftamente cafiigados no Juizo Eccleiiaftico , e em que
accrefcentaraõ o §. 1 , que refpeita aos Officiaes de jufti-
Ça , que fe chamaõ ás Ordens , ou á Jurisdição Ecclefia-
ftica.
§. XX.

Determina-fe pois nefte Titulo, que as peíToas da Ju-


risdição Ecclefiaftiça , que naõ forem juftamente puni-
das pelos Juizes Eccleliaííicos, poderão fer privados por
C El

particular determinação do Senhor D, Affonço V. , que elle or-


denou com os do feu Coníelho , e Defembargo , naõ como
Lei, mas para ufar delia em quanto a achaffe boa , princip. defte
I itulo. Jano tempo do Senhor D. Affotifo IV. fe lhe queixa-
rão os Povos da indulgência , que os Ecclefiafticos tinhaó com
os delinquentes da fua jurisdição , o que obrigou ao mefmo
Senhor a eferever aos Bifpos do Reino huma carta datada 11a
era de 1391, que pairou para o Regimento dos Corregedores das
Comarcas, Ord. Affonf. liv. 1 , tit. 23 , §. 3 , em que determi-
nava , que fe os Bifpos , e feus Vigários, naõ caftigaíTem os Clé-
rigos com as penas dc Direito , os Corregedores delTem diflo
parte a El Rei , para lhe dar as juflas providencias ; legislaçaó
que adoptaraõ os Man. 1. 1, tit. 39, §. 36, e Philipp. 1. 5, tit. 8,
5. 18. O Senhor D. Affonf. V. tomou a providencia , que fe re-
fere no principio defie Titulo , particularmente para as peffoas

(j •J"r'sc%a® EccleHaftica , que tem mercês , ou privilégios da


na
acíTfl" ' ° ^3ra U^r dC"a PcrFctuameiUe ' mas cm
1uanto a
18 D I REI TO PA RT ICU 1 AR PoRTUG U EZ

El Rei, como tal (b), das terras, jurisdicçoes, moradias , e


privilégios que delle tiverem por mercê , em quanto for
vontade d' El Rei ( ifto he pelo titulo deprecario ) princ.
deite Titulo, poftoque nas Cartas de mercês naõ feja
ifto declarado.
§. xxi.

Pelo que pertence aos que fe chamarem a Ordens, ou


a jurisdição Eccleíiafiica , fe determina no §. i defte Ti-
tulo, que, tendo algum officio da Corôa, feja privado dellc
pelo fim pies faélo de fe ifentar da Jurisdiçcaõ Real (c).

TITULO IV.
adiando os moradores da Cafa d' El Rei de Ordens Meno-
res , ou Sacras, refponderao perante as Jufliças Jeculares.

§. XXII.

JNÍ O Titulo I. §. 8 obfervamos fegundo o§. 4 do mef-


mo Titulo , que os Clérigos de Ordens Sacras , e Meno-
res

(b) Nafegunda parte deftas Prelecções, Tit.5, Cap.i 1, §.1 i8,n.j,


obíervamos , quaes eraõ as doulrinas daquelles feculos a refpeito
da ifençaõ das peflbas ecdefiaíficas , cujos principias chegaraó
até o prefente feculo ; e por ifio naõ lie de admirar, que o Senhor
D. Affonfo V. fe perfuadiíre , que naõ tinha jurisdição ordinária
fobre as pefloas eccleíiaílicas para ais taíligar como Juiz: mas
fempre he de notar, que elle ao menos conheceo , que lhes eraõ
fujeitos como feu Rei, e Senhor. Os pofteriores Compilado-
ics naõ tinhaõ maiores luzes de Direito Publico Univerfal, e EC-
clefiaftico;
(c) Pela Ord. 1. 1 , tit. 80, §. 4, naó podem os Tabelliáes de
notas»
Parte III. T i T U L O IV.

res Beneficiados naõ podem fer demandados perante os


Jui?.es feculares, por caufas crimes aílim eiveis, como
criminalmente intentadas. Nefte Titulo puzeraõ os Com-
pilladores huma excepção da referida regra, tirada do Art-
51 da Concordado Senhor D. JoaÕ I.

§. XXIII.

Verifica-fe efla excepção nos Clérigos, que forem mo-


radores, ou crcados da Cafa Real, e nos que forem afien-
tes nos livros da mefma Cafa , os quaes devem fer de-
mandados perante as Jufiiças feculares pelos crimes ci-
vilmente intentados {a). Naõ querendo porem rcfponder
no Juizo fecular , e refpondendo , naõ querendo fatisfa,.
•zer ás fentenças , incorrem na privaçao das moradias , c
tenças {!>).
C 2 T I-

notas , 011 tio judicial, andar tonfurados; e do contrario perdem


ipfo faflo os Officios , e ficaõ inhabilitados para nunca mais os
fervirem.
(a) O Juiz fecular neíles cafos he o Corregedor do Crime d»
Corte , conforme a Ord. 1. 1 , tit. 7, §. 35.
(b) He notável a razaó , que a efle refpeito deo o Senhor D.
Diniz em huma Lei , que fe acha no liv. Régis Alphonf. II,
que be Senhor, e ha jurisdição Jobre ledos os dejja Caja , como pa-
dre Jobre os filhos , razaó que adoptou o Senhor D. Joaõ I. no re-
ferido artigo.
20 Diretto Particular Portuguez

TITULO V.
Da Immunidade da Igreja [a).

§. XXIV.

D Epoís de fc ter traélado nos Titulos antecedentes


da immunidade das peííòas , e coufas ecclefiafticas , paf-
faraõ os Compiladores a tradar neíte Titulo da immu-
nidade local, ou da Igreja.

§. XXV.

A immunidade local da Igreja confiftc no direito»


de afilio. Afilio ecclefiaftico efi locas faccr, vel religio-
fus , fecuritaíem prajians iis , quiius ob Uefam rempublicam

>-

(a) Na Ord. Affonf. liv. 2, tit. 15 ,e Manuel, tit. 4, era a ru-


brica do Titulo : Dcs que fe acoutaõ ás Igrejas, em que cafos gafa-
roo da immunidade delia, e em que cafos naÕ: nos Cod. Romano ,
e Gothicoa rubrica he: De bis, qui ad Ecchfxam etnfugiunt ; po-
rém os Compiladores Philippiftas abraçaraõ a rubrica das De-
cretaes de Immunit. Eeclef , de cujos capítulos 6 c 9 , cauf.
17, can. 6 , q. 4 , e cauf. 36 , can. 3 , q. 1 , e interpretaçaó dos
Doutores , he extrahido efte titulo. Gregorio XIV. na fua Bul-
la datada em 1591 augmentou muito os afillos ,e imnninidades
das Igrejas ; porem alem de na5 confiar , que ella fofTe acceiís
em Portugal , aftim como o naó foi nas Hefpanhas , como re-
fere Salgado de fupplicat. ad S anti ff. , part. 1, cap. 2, fell. 3, n.
141 , nem em França, como refere Wan-Efp. Diflcrt. de Aj]:U-
templ. cap. 9 , §. r r , el!a foi muito pofterior á compilaçaó do
Cod. Affonf. e Man., que ferviraó de fonte ao Cod. Philippino-
PARTE III. Titulo V. 21

jujla coercitio imminet (b). Defta fegurança goíaõ todos os


Chriftãos reosde pena de morte , ou de fangue ( c ) , que
fugirem para a Igreja para impetrarem a lua protecção ,
c que naõ forem exceptuados ( d).

§. XXVI.

Defta definição da immunidade local da Igreja fe


moftra , que ella fó pode fer concedida pelos Príncipes
( e ) ; comtudo os Summos Pontifices enganados com os
prin-

(b) Rieg. Jurifprud. Ecclef. part. 3, tit. 49, §.873.


(c) Cap. 6. de Immunit. Ecclef. , & ibi Gonzal.
(d) Rieg. loc. cit. §. 895.
(í) Na íegunda parte deftas Prelecções (tit. 7 , cap. 2 ) já
moftramos que o direito de impor penas, e de as fazer execu-
tar he humadas partes integrantes do Império ; e no cap. 4 do
mefmo tit. moftramos , que o direito de nggraciar he privativo
dos Principes. Ora fendo os afillos hum privilegio , que exime
osdelinquentes das penas importas pelas leis do Príncipe , e fendo
como he hnma efpecie dc aggraciaçaõ ; fegue-fe , que fó o Frin-
cipe pode conceder femelhante privilegio. Vid» Rieg.loc. cit. Os
Santos Bifpos dos primeiros feculos reconhecerão tanto fer efle
privilegio privativo dos Principes, que a elles unicamente recor-
riaõ para naõ ferem caftigados com pena de fangue aquelles , que
fugiaõ para os Templos , e bufeavaó o auxilio dos Bifpos , e do
Clero ; aflim nos confta do Can. 7 do Concilio de Sardique , fc-
gnndo os Gregos, e 8 , fegundo Dionyfio Exíguo; e da Carta de
S. Ago (linho em refpoíla a Macedonio , e da 115 a Fortunato ,
Bilpo Creter.fe , e de outros SS. PP. Wan-Efp. DiíTert. Can.
de Âjill, tcrnpl, cap. 1. Theodofio Magno na L. 1 , Cod. 7hro-
dof*.
ii DíreitoParticuiar Portuguez

princípios das falfas Decretaes ( fup. §. r.) julgaraõ,


que

df. de bis , qui ad Ecclef. confug. determinava , que os devedo-


res ptiblicos , que fugiflem para as Igrejas , foliem delias ti-
rados , naÔ pagando por elles os Bifpos , e os Clérigos , que
os protcgellem , e occultafiem. Arcádio , e Honorio na fua
•Conliitiiiçaó de 397 , referida na L. 1 , Cod. de his , qui ad Ec-
clef. confug. , naõ permittia , que gofallem da immunidade os
Judeos , ainda mcfmo querendo fazer-fe Chriftaós , fem pur-
garem o deliflo commettido , ou pagarem as dividas contra-
hidas ante» de adoptarem o Chriflianifmo. O mefmo Arcádio
aconfclhado por Eutropio Eunucho , como refere Sócrates liv.
6 , cap. 5 , e Sozomeno liv. 8 Hifiir, cap. 5 , abrogou abfolu-
tamente os afillos , e immunidade por huma Confiituiçaô , que
fçgnndo Gothofredo fe acha diítribuida pelas Leis 3. Cid. Thco-
doj. de las, qui ad Ecclef, confug., 32 de Epifcop. & Cleric. ,
17 de nppellal. , c 16 de peen.
O Imperador ] heodofio Moço extendeo os afillos aos adros
das Igrejas por evitar a indecencia , e defacatos , que fe com-
mettiaÔ dentro dos Templos, por ferem reflridos os alillos
aos Altares , e ao interior do Templo ; L. 3 , Cod. de his, qui
ed Ecclef. confug. O irefmo Imperador determinou , que os
fervos , que fugiflem para as Igrejas com medo de feus fe-
nhores , fem armas , naó fe demoraífem nellas mais do que
hum dia , paífado o qual feriaó entregues pelos Clérigos a feus
fenliores ; fugindo porém com armas , e querendo-fe defen-
der com ellas , que feus fenhores os pudeífem tirar violenta-
mente , até ao ponto de os poderem matar junto dos Altares , L.
4, Cod. eod. tit. O Imperador Leaó reftituio novamente os
afillos aos devedores públicos , exhortando aos Bifpos , e Clero
a obrigaçaõ de pagarem por elles ; c deixando aos crédores o
direito de cobrarem as fuas dividas pelos bens dos devedo-
res j
Parte III. T i T U L O V. 23

que os afillos ecclefiafticos eraõ da fua competencia (f),


e paíláraõ a decretar largamente fobre efta matéria ( ç-).
r
§. xxvir.

res , depois de citados por edi&os públicos , L. 6 , Cod. eod.


Ultimamente o Imperador Juftiniano pela Novel, 17»cap. 7»
determinou , que nem os adúlteros , nem os homicidas , nem
os roubadores das virgens gofaffem da immunidade , porque as
leis naó permittem os afillos das Igrejas para os maléficos ,
mas fomente para os offendidos ; e que naó he poflivel que
o agreflor , e o offendido fe defendaó igualmente pela Igreja ;
de cujas razões Cujacio no Coinmentario a efta Novella , e
Dionyfio Gothofredo nas notas ás mefmas, affirmao , que por
ellas foraõ abolidos todos os afillos a refpcito dos agrellores.
Vid. Rieg. p. 3 , tit. 49, §. 887 , & feqq. Do referido fe mo-
ftra , que a immunidade das Igrejas foi eltabelecida pelos Im-
peradores Chriftaõs. He verdade , que antes das Conftituiçóes
do Imperador Theodofio haviâõ afillos ecclefiafticos , co-
mo confia dos fados, que refere Ammiano , Marceliino, e
Zofimo , referidos por Wan-Efp. Differt. de aftU. Timpl. cap.
2 , que fioreceraõ no tempo de Conftantino Magno ; mas de-
vemos crer , que Conftantino Magno foi , quem os eílabe-
leceo , como primeiro Imperador Chriftaó.
(/) Vid. Rieg. loc. cit. Os mefrr.os Imperadores fe perfua-
diaõ defta doutrina ; por iiTò Alexandre Rei de Efcocia conful-
tou ao Santo P. Innocencio III. fobre os cafos , em que devia
ter lugar a immunidade , como obfèrva Gonzales cap. 6 ,
de immunit. Ecclef. , deduzido da refpofta do mefmo Inno-
cencio ao referido Rei. Os Decretaliftas fe perfuadiaô , que
efta immunidade era de Tradiçaó Apoftolica , e de Direito
Divino Natural , e Pofit vo; ( Vid. Per. de Mim. Reg. cap. 50.)
como fe as leis judiciaes do Teftamento Velho tratafícm dos
afillos dos malfeitores , ou obrigalfem aos Chriftaõs.
($) Como fe vè. dos títulos do Cod. Ecclefiaftico , c da Bul-
la
24 Direito Particular Portuguez

§. XXVII.

Os noíTos Principes, talvez perfuadidos , que a ím-


munidade das Igrejas dependia da lua audtoridade ( b ) ,
c

la de Gregorio XIV. de 1591. Contra a moralidade deites


afiilos tem difcorrido muitos DD. , naó fó dos antigos ,
que refere Gonz. no cap. 6 , de immunit. Ecckf. ; mas dos
modernos Bencdiaus Parens indijfutatione de immutaliUtate júris
natura , pag. 998, §. 13, e 14 ; Henrique de Cocc. Comment. ad
Grot. liv. 2, cap. 21, §. 5 ; Vandermuel. ir, for. etnfcient. fea
poli, q. 6. Sendo fentença dos Philofoplios , que fó podem
fer judos os alillos concedidos pro infortunatis , & non pro fort-
tibus-, porém a juítiça dos afiilos em thefe fe juftifica pelos mef-
mos princípios do direito da aggraciaçaó , para o que he ba-
ífonte motivo a veneraçaõ , e refpeito , que eíla immunidade ati-
gmenta em os Povos para com a mefma Igreja, e feus Miniitros,
e por confequencia ás fuas doutrinas , que auxiliaÕ a obediên-
cia devida aos Soberanos , e ás fuas leis ; principalmente con-
fidcrando , que os alillos naó favorecem os deliftos mais atro-
zes , nem ligaó as maõs aos Príncipes para os abolirem , fen-
do necellario ; como entre nós praticou o Senhor D. Joaó I. , e
confia do artigo 3.0 da fua Concord. Vid. Wan-Efp. , e Riêg.
nos lugares citados.
(b) Aflim fe prova, 1.0 pelo faflo de auflorifarem os Juizes fe-
culares para decidirem a duvida de competencia da immunida-
de, §. 8 defia Ord.: 2.0 pela refiricçaõ da immunidade local con-
cedida fó aos Templos edificados pela audoridadc ecclefiaftica
para nelles fe celebrarem os Officios Divinos , e aos Adros ,
c Morteiros , quando por Direito Canonico compete a todos os
lugares rejigiofos ; 3.0 pela raza6 que a mcfma ]ej dá _ pr hoH.
rar a Santa Madre Igreja.
Parte III. Titulo V. 25

cquerendo honrar a Igreja Católica, e obedecer aos feus


mandamentos (/), como fe explicaõ no principio deite nof-
io titulo (/), também concederão ás Igrejas edificadas por
aucloridade eccleliaflica, caos feus Adros , 11. defte tit.
( m) , e aos Morteiros («) , o privilegio do aíillo , ou im-
punidade em beneficio dos Chriftãos, que fem propo-
fuo de olíenderem a outrem (o) commetterem algum
D crime

(/) A Santa Madre Igreja , de que falia o principio defte Titu-


lo , he fem duvida a Igreja Catholica , e os feus mandamentos
faõ as Decretaes a que fe atribuc o eftabelecimento da immu-
nidade das Igrejas. Vid.Wan-Efp. Dijjert. de Aftl.Templ. cap.3.
(/) Efta expreífaõ/nr obedecer combinada coma antecedente por
honrar moftra , que a obediencia aos mandamentos , ou Confti-
tuições dos Summos Pontífices, para os nolíos Príncipes autori-
zarem os afillos ecclcfiaiticos , naô he mais , que buma expref-
faô de condefcendencia , relpcito , e veneraçaô , e naó de depen-
dencia , e fujeiçaô.
(m) Adro he certo efpaço em circuito das Igrejas , que nad
pôde exceder nas Calliedraes a quarenta paíloS , e nas outras
trinta , Rieg. loc. cif. §. 873 ; mas podem fer mais reftriótos ; c
havendo duvida na fua extenfao , para o cafo da immunidade, fc
deve decidir do mefmo modo , que fe decide fe o reo goza de
immunidade, 11defte tit.
{n) Extr. dc 12 de Março dc 1603 , §. 8 , Col. 1.» ao tit. 73
da Ord. liv. 1.
(0) Segundo o §. 4 defte nolTo Titulo devemos entender o pro-
pofito com o fim de offender a outrem , naó fó quando o delin-
quente naó tirar alguma utilidade do deli£to, mas quando o deli-
do for circunftanciado, ou qualificado com a qualidade de força,
ou
violência deliberada , como fe vê dos exemplos que o mef-
mo
26 Direito Particular Portuguez

crime (/>), que os faz reos de pena de morre natural, ou


civil , ou de outra qualquer de fangue, princ. deite tit.

§. XXVIII.

Sendo a immunidade concedida a favor dos reos de


pena de morte natural , ou civil, ou de outra qualquer
pena de fangue ( §. 27 ) , fegue-fe i.° que nao gozaõ da
immunidade das Igrejas os outros malfeitores , que nao
merecerem algumas das referidas penas , §. 1 defte tit. in
fin. (</) : 2.° que o fervo, que fugir para a Igreja para fe
livrar do captiveiro , pode fer delia tirado para fer en-
tregue a feu fenhor §.6 ( r').

§. XXIX.

mo §. propõe , c da mefina única exccpçaô do eftupro com-


mettido por força , pela unica razaÕ de fer aflim determinado
por Direito Canonico, Cauf.-.ò, 1, Cap.3.
(p) Por Direito Canonico naõ gofa de immunidade aquelle, que
na Igreja commette algum malefício, Rieg. loc. cit. §. 897; mas
pelas mefmas leis he necelfario antecedente propofito , e delibe-
ração, §. 2 defte tit.
(q) Em confequcncia diflo podem fer tirados pelas Juftiças fe-
culares , para ferem caftigados com as outras penas que merece-
rem , o mefnio §. 1 in fia.
(rj O fervo , íegundo efte mefmo §. 6 , refíílindo para naõ fer
entregue a feu fenhor , pôde (er morto na mefina Igreja pelo
mefmo fenhor , ou pelas pelToas por quem o mandou tirar ; po-
rém como efia morte naó he cm caftigo da fugida , mas pela
injufta defeza que elle faz , he certo , que fe naõ violaõ os di-
reitos da immunidade.
PARTE III. T x T U L O V, 27

§. XXIX.

Como o favor da Igreja fc eftende fó aos ChriftSos


(§. 27) , fegue-feque o Mouro, ou Judeo, ou qualquer
outro infiel, que fugir para os Templos, na» goza da im-
munidade delles , excepto fe antes de fer tirado elle íe fi-
zer Cliriftaõ, §. 1 deíle tit. (í) ; e como o mefmo privile-
gio fe extende íó aos Adros §. 27 , fegue-fe que as cafas
epifeopaes, e dos DD. Abbades e Priores dos Morteiros,
e em geral das peifoas eccleiíafticas , naõ gozao da im-
munidade delia , Ord. 1. 1, tit. 73 , §. 7 ; 1. 5 , tit. 104,
§. 3 ; e Extr. de 12 de Março dc 1603 , §. 7 (/).

§. XXX.

E como fe nau efteridc a favor dos que commettem


os malefícios de propoíito para offender a outrem , ifto
he por força , ou violência deliberada ( §. 27 not. o ) ,
D 2 íegue-fe

(j) O que fe deve entender , quando nellc fe naíi prefumir do-


lo , ou fimulaçaô ; c quando der provas de huma fincera con-
•verfaõ.
(/) Exceptuaõ-fe pela Ord. 1. j, tit. 73, §. 8, e Ord. 1. 5» tit.
104 , §. 3. in fin. as cazas, que por direito ou coflume gozarem
de immunidade, cuja excepção fe acha revogada pela Extr. de 12
de Março de 1603, naó fó pela generalidade do §. 7 , mas prin-
cipalmente pela excepção do §. 8-, que firma a regra , que fó
nas Igrejas , e Mofteiros , tem lugar o afilo. No foro porem
fe eílende o afilo, ou imunidade , ás cazas dos Bifpos , fitas nos
Adros das Igrejas ; Pereira de Man. Rfg. ad Ord. 1. 2 ,.tit. 5,
Ca
P- 50 , 11. 3.
28 Direito Particular Portuguez

feguc-fe que naõ gozaõ da iinmunidade, r.° o ladraõ pu-


blico, ou por tal notoriamente conhecido: 2.0 o falteador
das eftradas , que nellas coítuma ferir , ou roubar, §. 3 :
3.0 o marido que deliberadamente mata fua mulher por
dizer lhe fizera.adultério, §. 5 (u): 4.0 o que forçofa, e de-
liberadamente rouba a mulher a feu marido , para com
dia commetter adultério, §. 4 : 5.» 0 quc reflfte á Juftiç3)
Extrav. de 24 de Outubro de 1764, §. 11: 6.» o que de
propolito põe fogo aos pães legados , ou por fegar, ou
a outros quaesquer fruétos , §. 3.

§. XXXI.

Mas como os factos, de que refultao as excepções de


immunidade, fe naõ prefumem, he claro que devem pri-
meiro provar-fe (* ) . e como por efta prova fe pôde in-

frin-
(u) Suppóe-fe nefte §. que o adultério fe naõ prova , aliás ha-
veria contradição com a Ord. !. 5, tit. 38, na qual fe permute ,
ou tolera ao marido matar fua mulher , e o adultero , naõ fó
achandb-os em adultério , mas confhndo-lhe que o commette-
raõ, §. 1 do mefmo tit. ; e ainda chamar para erte effeito outras
peifoas , §. ult. dito tit. 38 , irto he com propofito , e delibe-
raçaÕ , fem por iíTò incorrer em pena alguma , e muito menos
da pnvaçaõ da immunidadc da Igreja ; donde a morte da mulher
neíte §. fe fuppõe feita com propofito de fazer mal á mulher,
e naÕ por vingar o adultério , que fe naõ prefume.
(-v) Como fe trata da captura dos delinquentes , bafta que efta
prova fe faça fummariíiimamente , conforme o fyftema dás nof-
las Lcs, Ord. I. 5, tit. 117, §.j2, e tit. 119, e tit. 126, §.11, •
12
» - • 1, e Ex.trav. de 20 de Outubro de 1763 , §. 2..
PARTE III. Titulo V. 29

fringir o privilegio concedido d Igreja , he igualmente


claro, que ella deve fer ouvida pelos feus Miniflros , §. 7.

§. XXXII.

Donde fe fegue , i.° que naõ pôde fer tirado o delin-


quente da Igreja , fem que primeiro feja moftrada ao Vi-
gário Geral do Bifpado (z) a devaíTa, que antes deita fu-
ga fe tiver tirado (a) : 2.0 fem que na falta deita devafia
fe proceda a hum fummario conhecimento na prefença
do dito Vigário Geral, ou Parocho, §. 7 (Z>).
XXXIII.

(2) O Vigário Geral hc o Juiz Ecclcfiaflico , a quem perten-


ce a jurifdiçáô contenciofa da Igreja ; e por ilTo elle deve fer a
quem a devalfa fe moítre , mas na falta delle , iíto he , naõ citan-
do ria terra , deve fer ouvido o Parocho da Igreja , §. 7.
(a) Devendo-fe guardar honeflamente na Igreja de modo que
naõ fuja , o mefmo §. 7 , verf. ult.
(i) Naõ apparecendo o Vigário Geral, ou o-Parocho , o Juiz
fecular procede na inquirição de teftemunhas , que pôde ver o
Vigário , ou Parocho , vindo antes de fer tirado o reo , o mefmo
§ 7 , verf. a qual. O Juiz fecular naõ tem obrigaçaõ de efperar
pelo Vigário , ou Reitor, mais tempo , que até fe fazerem as re-
feridas diligencias , pelas quaes achando-fe que o malfeitor naô
goza da immunidade, deve logo fer tirado da Igreja, o inefmo §.
1. verf. e tanto. . . No §.. 8 fe determina , que , concordando o
Juiz fecular com o Ecclcfiaflico , fc guarde o que aílim concor-
darem , fem mais appellaçaõ , ou aggravo ; mas difconcordan-
do , deve fazer-fe auto difio , e remetter-fe pelo Juiz fecular ao
Corregedor da Corte , ou Relaçaõ do Porto, do refpedivo deítri-
> ou a algum Defembargador, que andar com alçada em alr
guri*
30 Direito Particular Portuguez

§. XXXIIL

E porque o privilegio da immunidade hc em beneficio


do delinquente ( §. 28 ) que foge para a Igreja , he certo
que delia naõ pôde ler tirado fem fer ouvido §. 9 (c).

TITULO VI.
Como fe cumprirão os mandados dos Inqui/idores.

§. XXXIV.

E Ste Titulo nao tem connexaõ com os antecedentes :


elie contém duas partes; na 1/ fe ordena a todos os Mini-
niííros do Reino a obrigaçaõ de cumprir os mandados
dos Inquilidores, cada hum nos refpeétivos lugares da fua

Juris-

gum lugar perto donde eftiver a Igreja , cuja decifaÓ deve obfer-
var-fe. E porque feria grande opprelTaÔ eftar a juíliça guardan-
do o réo , em quanto fe decide cita duvida , o Juiz fecular pô-
de tirar o delinquente da Igreja para a cadêa , naõ como pre-
lo, mas para nella fer guardado.
(f) Mas Por,íue a brevidade, com que deve fer tirado, nao per-
mitte eíla audiência, e as noíTas leis emeafo de captura procedem
fem elIa , deferio-fe pelo §. 9 deíle titulo efta audiência para
depois que o delinquente for tirado da Igreja , e prefo na cadêa;
-em cujo tempo pode vir com os artigos de immunidade ; e da
fentença , que fobre elles fe proferir , pôde a parte appellar ; c
quando efta naõ appelle deve appellar o Juiz por parte da Ju^'"
ça, naõ cabendo a fentença em fua alçada , fegundo o crime
de que fe accufar , §. 9 In fin.
PA RT E III. T I TU L o VII. 31

jurisdição (a). Na 2.a fe manda aos mefmos Miniftros ,


e Officiaes de ju(liça , que recebao , e façaõ receber com
refpeito , benignidade , e acatamento o Inquiíidor mor ,
e mais Inquifidores, e Officiaes da Inquiíiçaõ.e fuas pcf-
foas, e familias.

TITULO VII.
Sfyie fe faça penhora nos bem dos Clérigos condemnados pelos
Juizes feculares.

$. XXXV.

Pl Ste Titulo fó tem connexao com o Tit. I. deite Liv.


cm que fe traíta dos cafos , em que os Ecclefiafticos de-
vem reíponder perante as Juíliças feculares.

§. XXXVI.

NaÕ obílante poderem os Clérigos fer julgados em


certas caufas no Juizo fecular, contudo quando fe traéiava
da execuçaò da fentença , e das curtas , queriaÕ que efta
fe remetteíTe ao Juizo ecclcfiaftico , como coníta do prin-
cipio deite tit. (a). Iíto deo caula a detérminar-fe, que a
execu-

(<j) Na II . Parte deitas prelecções (Tit.5, Cap. 4, §-&9, not.)


referimos a origem deite Tribunal ; e como nelle fe unem as
duas jurifdiçôes , Ecclefiaflica e Civil, por au&oridade dos dons
poderes; daqui vem , que os Miniftros feculares devem executar
as
luas fentenças fem algum exame.
(") Ord. Aff. liv. 2 , tit. ti , e Man. tit. 6.

\
32 Di r eito Pa r ti cu t a r Port u g u ez

execução tanto no principal, como nas cuílas fe faça pe-


lo Juízo fecular, por quem forem julgados os pleitos , c
em todos os bens que fe lhe acharem , naÕ fendo verda-
deiramente da Igreja (b)> porque eftes naõ faõ do Clérigo.

TITULO VIII.
Da ajuda do braço fecular.

§. XXXVII.

^ 8 ^Endo-fc ordenado no Titulo antecedente, que os


Juizes Seculares executem as fentenças, que proferirem
contra as peíToas ecclefiafticas , paíTaraõ os compiladores
a tractar nefte Titulo da ajuda do braço fecular, que os
Juizes Ecclefiaflicos neceflitaõ para execução das fenten-
ças, que proferirem contra as peflòas leigas.

§. XXXVIII.

Ajuda do braço fecular he huma efpecie de execu-


ção fubíidiaria (a), que os Juizes Eccleíiaíticos, por falta
de

(_!>) Alguns dos nofios Interpretes entendem cfta excepçaó


dos fruftos dos Benefícios , e querem que a cxecuçaô delles fe
faça pelo Juiz Ecclefiaftico ; porém cites fru&os , logo que
pailáó ao poder <lo Clérigo , fe naó reputaõ da Igreja ; porque»
ou por coflume legitimo , ou por tolerancia ( Vid. Wan-Efpen
Jus EccL Un. p. 2. (eã. 4, tir. 1, cap. 7 ) o Clérigo pôde difpor
delles livremente, Ord. I. 2, tit. 18, §.5 ; e naõ difpondo pafíaó
por fua morte para feus herdeiros ab inteftado , dit. Ord. 1. 2 »
tit. 18 , §. 7.
(a) Vid. Rieg. Juri/p. Ecclef. p. 2 , tit. 27 , § 1183 , e 1185.
Parte III. Ti TU LO VIII. 33

de jurisdicçaõ executiva (£) contra as peíloas leigas, im-


ploraõ dos Juizes Seculares (c).
E §. XXXIX.

(£) Na II. Parte delias prelecções (tit. 5 , cap. 7 ) moftramos


que a J.iirisdicçaô contenciofa, concedida aos Juizes Eccleíiafti-
cos fobre as pefloas leigas , fe naG extetidia á jurisdicçaõ execu-
tiva ; contra o que naó obftao §. 13 da Ord. 1. 2, tit. 1 , porque
fuppofto nelle fe diga que os Juizes Ecclefiafticos podem proce-
der com prifaõ , penhora, ou degredo, naó fe diz, que eftes pro-
cedimentos fe executem por autoridade própria do Juiz liccle-
fiaftico ; e por iíTo fe deve entender fimplesmente do direito
de impor femelhantes penas , para fe executarem fublidiaria-
mente pelos Juizes Seculares ; de outra forte haveria contradic-
çaó entre o dito §. 13 , e o §. 1 do tit. 9, que fó permitte aos
Ecclefiafticos executar fuas fentenças contra os leigos naquelles
efpecificos cafos , em que moftrarem eftar de pofle immemo-
rial , que nunca folie contraditada pelos Miniftros Régios , e
<jue lhe folie confentida pelos Reis de Portugal.
(f) Ajuda do braço fecular parece que fempre foi neceíTària
em Portugal. Vid. Concord. do Senhor D. Diniz, art. 20. No
tempo do Senhor D. Manoel ainda fe fuppunha etta neceífida-
de , como fe vê da fua Ord. liv. 1 , tit. 4., §- 7 , e liv. 5 , tit.
45 » e 4.6. O Cone. de Trento , felT. 25 de Reforma!., cap. 3, pa-
rece quiz conceder aos Juizes Ecclefiafticos a autoridade de
executar as fuas fentenças contra os leigos ; porém o Senhor
D. Sebaftiaõ pela Lei de 2 de Março de 1568 , que paffou pa-
a Ord. Philip, liv. 2 , tit. 9 , §. i , fó lhe permittio efta au-
toridade nas referidas cireunftancias ( not. fup.). He verdade
que o mefmo Senhor pela Lei de 19 de Março de 1569 , que re-
feie Per. de Man. Reg. cap. 54 , num. 7 , lhe concedeo aquclla
au
&°ridade , mas ella ficou derogada pelai compilação Philip. ,
Cln
1ue & compilou , ou adoptou o difpeíto na Lei de 6H.
34 DireítoParticularPortuguiíz

§. XXXIX.

Sendo a ajuda do braço fecular huma execução fubfi-


diaria, fegue-fe i.° que deve fer impetrada dos Juizes Se-
culares competentes do executado, §. i deite tit. (d) ; 2.0
que deve conceder-fe com citaçáõ da parte, Ord. 1. 1, tit.
6, §. 19 (e) : 3.0 fendo o proceíTo ordenadamente feito, §.
1
> -> e 7 deite titulo (/J : 4.0 naõ fendo pedida pelos Jui—
1 zes
(rtlj Vid: Rieg. loc. citat. §. 1184, Per. de Man. Reg. cap. 52 ,
num. 10. Os Juizes competentes pela Ord. Man. liv. 1 , tit. 4,
§. 7 , eraó cs Defembargadores dos Aggravos da Cafa da Sup-
plicaçaÕ ; porém o Senhor D. Seballiaó , para que as fentenças
eccleíiaíticas fe executaflem com mais brevidade , extendeo pe-
la referida Lei de 1568 eíta Jurifdiçaõ aos Miniflros de vara
branca , naõ palTando o valor da caufa de trinta mil reis. Os
Juizes faó os Defembargadorc s dos Aggravos da Relaçaõ do
Porto , e Lisboa , cinco legoas no deftridto das refpeílivas Re-
lações ; fóra deite deftriáto faõ os Corregedores eftando prefen-
tes no lugar da execuçaõ , e na falta delles os Juizes de Fora ,
e na falta defles os Provedores , fendo parte aonde naõ entrem
os Corregederes por Correição ; paliando a caufa de trinta mil
reis faó Juizes privativos ós referidos Defembargadores.
{<) NaÓ fó nas caufas eiveis na forma da Ord.I.3., tit.76, §. 2,
c tit. 86 no pr., e §. 15, mas também nas criminaeSj porque no
juízo fecular fe principia o novo juizo executivo , naõ ex offi-
cio , mas a requerimento de parte , em que o executado pode
allegar as nullidades da fentença , e as excepções que tiver , pa-
ra fe naõ conceder a ajuda do braço fecular , Per. de Man. Reg-
d. cap. 52, n. 18, 21, 25, e 34 ; Mend. a Caít./Vatf. Crim. liv-
2. cap. 12 , § 2, n. 10.
\!) NaÔ lendo obfervadaa ordem do proceíTo- he illegal, e nul-
la
Parte III. Tr tu i.o VIII. &

zes Apoflolicos de fóra do Reino , §. 6 deite tit. junto ao


§.7 da Ord. 1. 2 , tit. 13 (£•).

§. XXXX.

Como a ajuda do braço fecular he por falta de jurisdi-


ção executiva do Juiz Ecclefiaítico ( §.39 ) , fegue-fe que
ella he ncceíTaria em todas as caufas, ou fejaõ ordinarias
§. 2; civis §. 3 infin. e §.6 ; criminaes §. 2 e 3 ; mere cccle-
íiafticas , ou miftas (h) ; ou tenhaõ precedido ceniuras p
ou naõ ( ; ).
£ a §. XXXXI.

la a fentença , e como tal naõ produz obrigaçaõ ; por cuja ca ufa


o Juiz Secular como fubfkiiario, e que procede por via dc juris-
dição , e naõ de mero faflo , naó deve cumpri-la, nem executa-
la. Vid. o mefmo Per. no lugar cit. n. 14, 25 e 30.
(g j A execução fubíidiaria exige , e íuppÕe antecedente jul-
gado , o qual naó pôde confiderar-fe , fendo feito por Juizes
Apoflolicos de fóra do Reino , vifto que elles fao prohibidos em
Portugal, Ord. 1. 2, tit. 13, §. 1.
(h) Vid. Per. lugar citado , num. 25 e feg.
( i ) Antes do Cone. de Trento parece que os Juizes Ecclefia-
fticos naõ podiaõ recorrer ao auxilio publico, ou á ajuda do bra-
ço fecular , fenaó depois de efgotadas as penas Canónicas , cm
cuja hypothefe pôde ter lugar a doutrina de Mend. a Caíh-.Pr<itr7.
Crim., liv. 5, cap. 4,dejur!fd. EccleJ., §. 2, num. 19; mas de-
pois que c. referido Concilio , fefT. 25 de Reforrn., cap. 3 , para
evitar as ccnfuras determinou que os Juizes Ecclefiaflicos po-
derem proceder com prizaõ, pinhora , e degredo , permittio o
Senhor D. Sebaftiaõ na referida Lei de 1568, que a ajuda do bra-
fecular fe concedefle ainda mefmo naó tendo procedido com1
Cci'íuras , nem poílo interdicto , como era necefíario fegundo •
Sftilo , ecoftume do Reino , §. 7 deite tit.
36 Direito Particular Portucuez

§. XLr.

Como a ajuda do braço fecular fó pôde conceder-íé


fendo o proceHò ordenadamente feito (§. 39 num. 3) fe-
gue-fe , 1.0 que pedindo-fe das fentenças refuJtadas das
devaflas geraes , ou por inquirição particular, no cafo de
publicas mancebias , fó deve conceder-fe fendo proferida
a fentença depois das tres canónicas admoeftações com
intervallo de tempo conveniente,§. 2 defte tit. (/): 2° que
pedindo-íe contra os excommungados, fó deve conceder-fc
viftos os procelfos das cenfuras §. i, 5 e 7 defte tit. (m),

TITULO VIIII.
Dos ca/os mis li fori.

§. XXXXII.

TEndo-fe traclado no Titulo antecedente da cxccuçac?


das fentenças cccleiiafticas contra as pefloas leigas , palia-
ra o

(1) Cujas circunftancias requer a Ord. liv. 2, tit. 1, §. 13 in pr.


para validade das fentenças. Ncíte cafo he Juiz na Corte , c cin-
co- legoas ao redor , eftando a Corte apartada da Caza da Sup-
plicaçaó, o Corregedor do Crime da Corte , §. 3 in fin.
(m) Os públicos excomungados fe dcixavaó eftar nas excómu-
uhoens , naõ obílante a pena de feílènta foldos , ou cento e oito
reis por cada nove dias , que além do tempo determinado pelos
Juizes Ecclefiafticos fe deixaffem eftar na excommunhaó : o Se-
nhor D. Pedro no artigo 28 de fua Concordata mandou , que
«lies foliem prefos , e paga (Tem a referida pena , o que foi ad-
optado na Ord. Man. liv. 5, tit 46, e na Philipp, no §. 5 deite
útuk>
PARTE III. Titulo IX. yj

raõ os Compiladores a tracífor nefte Titulo dos cafos, de


que os Juizes Eccleíiafíicos podem conhecer contendo-
ra e temporalmente, naõ fendo preventa a jurisdição
pelos Juizes leigos, feguindo nefta ordem inverfa a mef-
ma da lei do Senhor D. Sebaftiaõ de i de Março dc
'568, §. 5.
§. XXXXIII.

Cafos mifli fori , propriamente fallàndo, faõ aquellès ,


Cujo conhecimento pertence a ambos os poderes , fegun-
do os refpe&ivos objeílos rcfultados da uniaõ, ou do
nexo, que os cafos , por fua natureza temporaes tem con»
as matérias eípirituaes (<?).

u xxxxiv..

Naõ faõ porem defles , de que principalmente [b) íc


tracta nefte titulo , mas fim daquelles , cujo objeeío he
meramente temporal (r), e cuja miftura naõ refulta do
nexo

titulo 8 , fendo vilto o procefío das Ceufuras até de participantes


exclufive, §. 1 defle titulo ; e poftoque o interdidlo fe naõ ponha,
§. 7 do mefmo.
{a) Rieg. Jurisp. EccI. p. 1 , cap. 4 , §. 174- Pot3e rervir <Ie
exemplo o contradlo do matrimonio depois de elevado por Chri-
Senhor noifo á dignidade de Sacramento.
{/>) Digo principalmente , por nefte út. fe traâar da injuria real
feita ao Clérigo, naõ fó pela parte criminal, que lie da juris-
dição fecular , mas pela que. refpeita á excommunhaó , que lie
^acempetencia da Igreja, §. 3 defte tit. , verf. ultim.
(<"] O obje&o defte Titulo he determinar os cafos, que os Jui-
zes-
3S Directo Par ticuiarPortuguez

nexo da efpiritualidade com a temporalidade ; mas fint


de poderem conhecer dellcs naõ fó os Juizes Seculares ,
jnas igualmente os Juizes Eccleíiafticos fegundo a pre-
venção da jurisdição, pr. deite cit., e §. 2 , verf. ult.

§. xxxxv.

zes Eccleíiafticos poetem caftigar, e de que podem conhecer igual-


mente como os Juizes le igos.Segundo as noções, que temos dado
da jurisdição da Igreja (P. II. Tit. 5, Cap.4) he claro, que o co-
nhecimento , e imputaçaó contra os delinquentes , ou peccado-
res , todo fe dirige ao fim da reconciliação , ou ao Sacramento
da Penitencia, Wan-Efp. p. 3, tit. 4, cap. 1 ; porem depois da
inflituiçaõ dos Tribunaes contenciofos cccleliafticos, e depois
que os Juizes Ecclefiafticos fe perfuadiraõ que todas as caufas,
em que havia peccado, eraó da competencia do feu foro , cap. 13
de Judiciis , principiaraõ a arrogar-fe a autoridade de levar aos
feus Tribunaes contenciofos os crimes dos mefmos leigos, e
de os julgar criminalmente , iílo he , ad meram vindiSiam pecu-
tilarem , vel corporalem, Rieg. p. 4, §. 239 iãJeq. , e 279 tffeq. ;
donde nafeia muitas vezes ferem julgados os leigos temporal-
mente no Foro Secular, e Eccleíiaftico, idem Rieg. §. 270. Para
evitar eftas defordens , e opprelfôes , fe eftabeleceo nefte titulo ,
que de fimilhantes cafos podelTem conhecer os Juizes Eccleíia-
fticos , naõ eftando a jurisdiçaõ preventa pelos Jui7.es Seculares,
por cuja razaó fe chamaraõ limiihantes cafos tnijti fori ; mas pela
mefma razaó fe moftra que o conhecimento, que delles fe concede
aos Juizes Eccleíiafticos, he fimilhante ao que compete aos Juizes
Seculares , e em confequencia meramente temporal ; e que naô
Juccede nelles o mefmo que nos cafos propriamente mistifori >
cm que os Juizes Seculares , e Ecclefiafticos , podem fimulta-
nea, ou fuccedivamente conhecer do mcfmo caio , fegundo os
íciis diverfos objeílos.
PARTE III. Titulo IX»

§. XXXXV.

Os cafos, que neíte titulo fe eípecificaõ , faõ os de pú-


blicos adultérios , mancebias, concubinatos (d), alcovitei-
los , e os que publicamente confentem em fua cafa pro-
flituições , os incestuofos , prejuros , onzeneiros , benze-
deiros , facrilegos, blasfemos , e os que daõ em fua cafa
publicas tabolagens de jogo , pr. dcfte tit. (e). Também
fe numera entre os cafos viijii fori , o complemento das
obras pias conteudas nas inftituições das capellas , al-
bergarias , confrarias , e lugares pios, §. 2 deite tit., e na-
quelles lugares, em que, naõ tendo tomado conta os Pro-
vedores , a podem tomar os Bifpos a e feus Viíitadores»
Ord. 1. 1, tit. 62 , §. 11.

§. XXXXVI.

Sendo o facrilegio inijlifori, fegue-fe, r.° que o Clé-


rigo de Ordens Sacras, ou Religiofo ferido , efpancado ,
ou

(d) Todos eftes cafos , depois da F.xtrav. de 26 dc Setembro de


1769, devem fer naõ fó públicos com notorio eícandalo , como
requer efta mefma Ord., mas devem ter a circuoflancia de teu-
dos e manteúdos.
(í) Para que eítes deliflos feja6 mijli fori he neceflario ,
e
lles fejaõ públicos , naõ fó attendendo ás palavras defta Ord.
públicos adúlteros, públicos deliâlos, publicas tabolagens, mas porque
»aÓ fendo públicos ceifa o efcandalo dos fieis , e em concequencia
c
e!I"a o pretexto , porque os Clérigos ufurparaõ a jurisdiçaõ de
c
°nhecer temporalmente dcílcs dcliílos.
4-0 Direjto Particular Portucuez

ou injuriado ainda verbalmente por algum leigo (/), po-


de querelar perante o Juiz Secular, ou Ecclefiaftico, §. 3:
que depois de ter requerido em hum Juizo naõ pode
variar para outro, o mefmo §. 3 verf. 1 ; 3.0 quetendo-fe
tirado devaíTa pelo Juizo fecular, naõ le pode requerer
contra os culpados em outro Juizo, o mefmo §. 3, verf. r,
verfic. porem, porque neftes dous últimos cafos eílá pre-
venta a jurisdição, o mefmo §. 3, verf. 1. injin.

•§. XXXXVII.

E como a qualidade mifli fori hc ío pelo que refpeita


a poderem conhecer do mefmo cafo, os Juízes Secula-
res , e Ecclefiafticos , fegundo a prevenção da jurisdiçaÕ
( §• 45 ) • fegue-fe que para a declaraçaõ da excom-
munhaõ, cm que fe incorre por fimilhante facrilegio [g)t
ou para o conhecimento delia íe deve recorrer privativa-
mente ao Juiz Ecclefiaftico, §. 3 infi„. (h).

3. xxxxvm.

Naõ tem comtudo au&oridade os Juizes Ecclefiafti-


cos para executarem as fuas fentenças contra os leigos ne-
lles mefmos cafos , em que lhes he permittido o conhe-
cimento , excepto citando na poffe immemorial, qtre
nunca
(f) Por Direito Canonico fe reputa facrilegio toda a offenfa
feita ás pefloas fagradas , e ecclefiaílicas. Vid. Gracian. ao Ca".
29 > Cuuf. 17, 4.
{g) Vid. Cauf. 17, 4., Can. 29.
(^'J Porque nefte cafo naõ pode ter prevençaô o Juiz Secular.
PARTE III. TITULO X.

nunca foíTe contraditada pelos Miniftros Régios , e lhe


folie confentida pelos Reis antigos de Portugal, §. i deite
tit.; em cujos cafos quem reíiítir aos Officiaes dos Prela-
dos incorre nas mefmas penas , que fe refiíliile aos Offi-
ciaes do Rei (/'), §. ult.

TITULO X.
Dos excomungados appellantes.

§. XXXXIX.

ÍL Ste titulo he propriamente huma excepção da ajuda


do braço fccular, de que fe traélou no titulo VIII, motivo
porque devia fer collocado immediatamente ao dito titu-
lo , afíim como íe acha na fua fonte próxima , qual a
Ord. Man. liv. 5 , tit. 47 (a).
F §. L.

(/') As penas faó morte natural , e confifeaçaõ dc bens , fendo


feita a reliftcncia com armas de modo que fe impida a diligencia,
pofto que naõ haja ferimento , ou ainda que a diligencia fe faça
havendo ferimento, Extrav. de 24. de Outubro de 1764, §.2: fen-
do fem armas , mas de palavras injuriofas , a pena he de hum
mezdeprifaõ até hum anno , fegundo a qualidade da refiften-
cia , e do Miniftro , 011 Official offendido , a mefma Extrar.
S- 3-
[a) Os Compiladores Man. tendo traflado no liv. 5, tit. 46 ,
«los excomungados , e das penas que haó de pagar: e tendo de-
terminado no mefmo titulo, que os Defembargadores dos Aggra-
vos daCafa da Supplicaçaõ (fup. §. 40. n. d. ) lhe conccdellem
a ajuda do braço feculàr , no tit. 47 dos excomungados appel~
lanles limitaraõ eíta obrigaçaõ , tendo as partes cartas tuitivaS
a
PPcllatorias. Os Philippillas defmembraraó eftes títulos , e col-
focaraõ o iit.46 na Ord.liv.2, tit. 8 , §-5; e o tit. 47 neíle

\
42 Díretto Particular Portuguez

§. L.

Na fegunda parte deitas Prelecções (tit. 5 , cap. 7 )


moftramos, que os Senhores Reis de Portugal, para cohi-
birem os abufos dos Juizes Ecclefiaíticás, que naõ rece-
biaõ as appellações , fendo de receber , e que apeíar das
partes as feguirem , humas vezes pediao a execução da
fentença appellada, outras excõmungavao primeiro os
appellantes , e depois requeriaõ contra elles , tanto em
razaõ da excommunhaõ , como para execução das íen-
tenças (£>), tinhaÕ eftabelecido o recurfo ao Defembargo
do Paço, e delegado nelle a auctoridade de conceder car-
tas tuitivas appellàtòrias, para fe naõ proceder contra
iaes appellantes , em quanto fe naõ decidirem as appella-
ções, Ord. 1. 1, tit. 3, §. 6, e Novo Regimento, §. 116 (c).

§. LI.

De cujos princípios fe íegue i.° que as peíToas íecu-


lares,
(b) Jadilfemos ( fúpra §. 41, not. /) que os Juizes Ecclelia-
flicos podem proferir as fuas fentenças, 011 os feus julgados con-
tcnciofos, (em comminarem cenfuras contra as partet, que as
naó cumprirem , e pedir delles execução fubfidiaria ; aíJim como
podem muni-las com cenfuras , e depois delias publicadas pedir
a meima execução fubfidiaria da fentença , e contra os excomun-
gados que fe naó levantarem da excomunhão.
• (c) As cartas tuitivas fao liuma efpecie de recurfo ao Principe,
ou hum refultado dos officios de protecção , que os Príncipes
devem a todos os valTallos fejaõ feculares , fejaõ ecclefiafticos
(Pan. II. tit. 5 , cap. 5, §. 95, not. b) ; poriíTo que eflabelecidas
para reprimir os abufos, e violências dos Eccleiiafticos. Vid«
Concord. do Senhor D. JoaÓ I. are. 83.
PARTE III. Titulo X. 43

lares , ou ecclefiafticas que appcllaÕ para Roma [d) nos


cafos competentes, e que apelar de lhe naõ fer recebida
a appellaçaõ , íendo de receber , a feguem, podem pedir
cartas tuitivas appellatorias , pr. defle tit.: 2.0 que fendo--
Ihe concedidas , naõ podem as Juftiças feculares executar
á fentença appellada (e) , nem prenderas ditas pcfiòas ,
nem evita-las , nem levar-lhe penas de excomunhão , o
mefmo pr.: 3.0 que os impetrantes devem provar , que
F2 appel-
(d) Nellc titulo traíla-fe fomente no calo de tefem as partes
appellado para Roma ; mas naõ fe legue , que as cartas tuiiivas
naõ tenhaô lugar em todos os outros cafos de appellaçaõ , em
que os Juizes appcllados quizerem proceder com abufos de ju-
risdição ; o que fe prova naõ lo pela identidade da razaõ , e pela
natureza das mefmas cartas, e do xecurlo aos Principes, mas
pela tnefma indiftinóta audoridade , concedida ao Defembargo
do Paço, e pela indiítin&a refpoíia do Senhor D. Joaó I. na re-
ferida Concord. art. 83.
(f) Pode haver duvida fe na Ord. Man. liv. 5, tit. 47, fe
contemplaria» as cartas tuitivas , para único fim de fe naõ pro-
ceder contra os excomungados, em razaõ da excommunhaó fim-
plesmente , combinada a rubrica do tit. 47 com a do tit. 46,
\ iíia a feparaçaõ dos periodos: fe naó proceda contra tiles por noffat
JuJiiças , nem fejaõ prejos , nem evitados , nem lhes levem penas de
excomunhão: podendo referir-fe o primeiro período fe nao proceda
contra elles por mjjas jujiiças á execução da fentença appellada,
c os outros periodos , á execução , ou procedimento em razaô
da excomunhão. Porem na Ord. Philipp, he certo , que as car-
tas tuitivas fe contemplaõ para hum , e outro fim, como fe pro-
va do §. 2 deíle mefmo tit., tanto pelas fuas palavras para naá
Je' tirado da pojje , e fer manutcmdo nelia , como porque elle hc
Anualmente o mefmo , que fe acha compilado em o novo Regi-
mento do Defembargo do Paço, §. 116.
44 D r R EX T O P ART I C U L A R Po R T U G U EZ

apellarao, que a appellaçao era de receber , que lhe na6


foi recebida , e que procedem nella , o mefmo pr.,
e §. i (/;.
$. LII.

Naõ tem lugar efte recurfo ordinário , ou a conceflaÕ


deitas cartas pelo Defembargo do Paço (g), quando os
impetrantes forem excomungados por dividas, que deve-
rem

(/) O modo de fazer e(ta prova foi determinado pelo Senhor


D. Joaó III. na Extravag. de 30 de Maio de 1553 , que os
Philippiflas compilaraõ em o Novo Regimento do Defembargo
do Paço, §. 116 , e que tornaraó a compilar debaixo deite titulo,
para fervir de norma ás mefmas cartas tuitivas , de que nelle fe
irada. O modo confiíte em fe aprefentar com a petição da impe-
tra hum inltrumento publico, porque coníte o referido, com ref-
poíta da parte, e do julgador, que lhe denegou a appellaçaõ, §.I,
NaÕ podendo porem moltrar logo o referido inftrumento , epe-
dindo tempo , fe lhe deve conceder até tres mezes; e fe dentro do
tempo concedido naf> aprefentar o inftrumento, ou aprefentando-
o naõ for fufficieníe , fe lhe nega a carta por defpacho nos au*-
tos , de que a parte pode tirar certidão para executar a fentenç»'
e ainda durando o tempo concedido para aprefentaçaõ do inftru-
mento , §. 2 in fin. , porque pella aprefentaçaõ delle termina o
tempo , que alias fe lhe tinha concedido.
(g) A refpeito dos excõmungados por dividas , que devaó a0*
Prelados, Cabidos , e peífoas ecclefiaílicas , naô delegaraó c>s
Senhores Reis de Portugal a auétoridade do recurfo no Defem-
bargo do Paço ; elles o refervaraô a fi , como fe vê do §. ult»
deite tit. combinado com o §. 6 do tit. 8. in fin. nas palavra?
Je.m paffe nojjo,.
PARTE III. Titulo XI. 45

fem aos Prelados , Cabidos, e pefloas cccleliaíticas, 2


deíle tit. (h) , e §. 6, verf. ult., do tit. 8.

TITULO XI.

De que coujas as Igrejas , Mojleiros, e pe[foas ecclefiajli-


tas nao pagarao tributos a El Rei.

§. LII.

T Endo-fe tra&ado nos primeiros Titulos das immu-


nidades Ecclefiafticas, paíraraõ os Compiladores a tra&ar
ncfte titulo de outra efpecie de immunidade , qual he a;
ifençaõ dc certos tributos.

§. LIV.

Na II. Parte deftas Prelecções (tit. 5,cap. ri, §. ir8)


tnoftramos, que as immunidades ecclefiafticas eraõ hum
privilegio concedido pelos Principes. Em Portugal fem-
pre

(h) Nao advirtimos a falfidade da Doutrina , que fc fuppóe


liefte §. Todos fabem , que cila he fundada nos principios das
falfas Decretaes , para o que bafta ver a petição do recurfo do
Procurador da Coroa, a que fervio de bafe a Deducçaó Chronolo-
gica; c he digna dc ver-fe a Lei de io de Março de 1764. O que
devemos advirtir he, que efla determinai,aó parece deve proceder
a refpeito dos rendeiros das Igrejas , conforme a Extr. do Senhor
^ Joaõlll. de 15 de Janeiro de 1528 , §. 4 , fonte próxima;
de
fte §. Lcaõ p. 2, tit. 2, L. 1,
46 Dl R E I TO P A R TI C 1/L A R Po R T U G U EZ

prc foraó obrigados a pagarem íiías {a) , e dizimas [b)} e


portagem (/). O Senhor D. Manoel ifentou deftes tribu-
tos aos Mofieiros , aos Religiofos , aos Clérigos de Or-
dens Sacras , ou Beneficiados , pela Lei do i.° de Agofio
de 1497 (d) , cujo privilegio extendeo aos Cavalleiros da
Ordem de Chrifto, que tem cõmenda , ou tenfa, pela Lei
de 21 de Janeiro de 1504 (», cujas Leis os Compiladores
PhilipiíhiS tranfereveraõ nelte tit.
§. LV.
(a) Sifa he aquclle tributo , que fc paga das compras , c ven-
das , metade pelo comprador, eoutra pelo vendedor. Eíle tributo
lie muito antigo em Portugal ; delle fe faz ja menção nas Leis
antigas. O Senhor D. Affònfo V. o reduzio a artigos. O Senhor
D. Sebaíliaó lhe deo novo regimento , de que ainda hoje fe
ufa.e que o Senhor D. Pedro II. declarou arefpeito dos arren-
damentos eccleíiafticos pelaL. de 3 de Novembro de 1688, Col-
leçaó i.aao §. 1 delle tit.
{b) Dizima, de que fe falia nefle titulo, he aquelle tributo que
fe paga do pefeado , e de que fe trafta na Ord. 1. 2 , tit. 26 ,
§. 14, e 15,0 nas Extrav. na Collcçaõaos mefmos §§. Ha tam-
bém outra cfpecie de dizima , 011 redizima , que he aquelle tri-
buto que as partes, contra quem fe proferio afentença, pagaô
na Chanceliaria, Ord. 1. 1 , tit. 20 , do qual fao unicamente
jfentas as viuvas , e pelfoas miferaveis , Extrav. de 8 de Maio
de 1754 , e os or/aõs fendo auftores, Extrav. de 18 de Maio
«!e 1653 , Coll. i.aao tit. 2, n. 2,63.
(c) Portagem he aquelle tributo, que fe paga da exportaçaô ou
imporlaçaõ de certas mercadorias, Ord. 1. 2, lit. 26, §. 9 , e 13-
(d) Leaó 5-a p. tit. 3 , L. 12. Defta mefma L. fe prova , ql'e
cfta ifençaõ teve feu principio 110 Senhor D. Manoel ; c que an-
tes ie pagavaõ , fe prova da Concord. do Senhor D. Pedro , art.
19; da Ord. Affbnf. liv. 2, tit. 20 ; e dos art. das Sifas, cap. U«
(O Leaõ 5.3 p. tit. ^ , L. 13.
PARTE III. Titulo XI. 47

§. LV.

Naõ foi porem efta ifençaõ indiftincta, e íímplefmen-


te concedida á qualidade eccleiiaftica das referidas pef-
foas ; mas também com attençaõ á qualidade das coufas,
e ao feu uío. Pela qualidade das coufas fao ifentos os fru-
ftos dos benefícios, as coufas patrimoniaes moveis, e de
raiz das referidas peffoas (/). Pela qualidade do ufo iaõ
ifentas as coufas neceffarias para ufo, eíuftentaçaõ das re-
feridas peffoas , e dos feus contínuos familiares (g).

§. LVI.

Sendo ifentas as coufas patrimoniaes, e os frucflos dos


benefícios ( §. 55), fcgue-fe , que as referidas peíloas
naõ devem pagar os referidos direitos , i.° das vendas , e
exportações dos fruâos dos benefícios : 2.0 das vendas , e
exportações dos bens patrimoniaes moveis, ou de raiz (h),
pr. e §. 1 deite tit.
§. LVII.

Sendo ifentas as coufas neceflarias para o ufo , e


fuftento das referidas peíToas ( §. 55 ), fegue-fe, que
naõ devem pagar os referidos direitos, i.° das compras
das

Cf) Exceptuaó-fe fendo vendidas , c exportadas por traiSlo de


mercadoria , ou por maneira de negociaçaõ , §. 1.
(a) Todos eíles requifitos fe provaô das referidas Extrav. e
dcfte mefmo tit. , como melhor fe conhece pela deducçaõ dos
c
°nfectarios.
(^') E em confequencia dos fruflos dos bens patrimoniaes , como:
ac
«flurios , e confeclarios dos mefinos bens.
43 Direito Particular Portuguez

das cafas para fua morada , ou outro ufo : 2.° das com-
pras dos outros bens de raiz (/) , ou moveis neceflarios
para a fua fuftentaçaõ , e dos feus contínuos familiares,
§.1:3.° das coufas que para feu ufo c neceíTidade vierem
ás Alfandegas , §. 2 (IJ: 4.0 das compras que para feu ufo ,
e dos feus familiares fizerem dos pannos de laa de fóra do
Reino, §. 3 [w).
§. LVIII.

Como a fiía fe paga metade pelo comprador, e metade:


pelo

(i) Como a fuftentaçaõ que refulta dos bens de raiz , fó pode


verificar-fe pelo meio dps feus fru&os, e confeítarios, he eviden-
te , que a necefíidade do ufo deftes bens fe deve entender com
relaçaõ aos feus fru&os. E como as coufas fungíveis , quaes os
fruétos, faó em Direito commenfurados, e fubftituidos pelo pre-
ço vulgar , ou eminente , parece , que no efpirito da referida
ifençaó fe compreliendem as cafas , c mais fazendas , cujos re-
ditos civiz , ou naturaes fejaó neceffarios p'ara fuftentaçaõ , ou
por fj mefmo , 011 para permutaçaó, e compra de outros generòs
neceffarios; alias feguir-fe hiaÕ mil abfurdos , que faó evidentes.
(/) Devem porem levar as fazendas ás Alfandegas para evita-
rem os fubornos, e conloios , que fe podem fazer ; mas naó fa£>
obrigados alealdar, iíto lie, a declarar por todo o mez de Janeiro
nas Alfandegas as coufas que mandaó vir de fóra , §. 2. in fin»
(1m) A especificaçaó defta ifençaó , que alias parece dcfnecelía-
ria, he porque os vendedores dos pannos de laã , que vem de fór3
do Reino , naó faó obrigados a pagar fifa, dando em certo temp°
comprador á fazenda: neíles termos poderia entrar em duvida, f°
nelte cafo as peífoas ifentas deviaó pagar a fifa como comprado-
res ; motivo porque o Senhor D. Manoel na Extrav. de 14+^ '
§. 2 , determinou, que nefte cafo pagalfe o vendedor a fua nie'a
fifa , e naó aspeífoas ifentas.
PA R T E III. Titulo XI. 49
pelo vendedor (§. 53, not. a), c como a ifençaõ deite tri-
buto he hum privilegio concedido privativamente á qua-
lidade das peííoas (§. 54 ), fcgue-fc que as pefioas leigas
devem pagar a fua metade de fifa, princ. do tit. (n).

§. LIX.

E como o privilegio fe funda também na neceílidade,


e qualidade das coufas ( §. 54) , as quaes , por conliftirem
em fado, fe naõ preíumem , he certo que devem provar-
fe. O meio he pelo juramento das meimas peflòas , que-
rendo o Rendeiro dos referidos tributos deixar a prova
no juramento das partes ; alias deve elie provar o contra-
rio , §. 5 in princ. E porque contra o juramento deferido
a arbítrio das partes íe naõ dá regreífo , Ord.l. 3 , tit. 52,
§. 3 , fegue-fe que jurando a parte deve fer acreditada ,
§. 5, verf. x. Exceptua-fe eíta regra nefle especifico cafo ,
quando o juramento da parte naõ for veroíimel pela qua-
lidade da fua pelíoa , ou das coufas, o mefmo §. 5.
G TI-

(«) Naõ apparecendo porem o vendedor, deve a fua parte da


fiTa cobrar-fe pela mefma coufa vendida , §. 2 in fin ; porque íi-
milhante tributo he mais real, do que pelToal.
5o Direito Partícula r Portu guez

TITULO XII.
Dos Commendíiãores, e Cavalleiros da Ordem de N. S.
Jefits Chrijio , S. Tiago, e Aviz (a).

§. LX.

TEendo-fe tradado das ifcnçues das peflòas ccclefia-


fiicas, e do privilegio do foro, propuzeraõos Compiladores
nefte
(a) Elias tres Ordens faõ muito antigas em Portugal. O Se-
nhor D. Affonio Henriques eítabeleceo a Ordem de Cavallaria
de S. Bento, chamada de Aviz pelo Gallello deíla Villa , que
ultimamente lhe foi dado para fua conventual reíidencia , cuja
Ordem foi approvada pelo S. P. Innocencio III. em 1204.
Ella he a mais antiga de Portugal, e talvez de toda a Hefpanha;
porque a de Calatrava , que fe diz a mais antiga de Hefpanha ,
foi inftituida por Sancho II. Rei de Hefpanha em 1150 ;econ-
fta das nollás Hiftorias , que os Cavalleiros de Aviz ja fe acharaó
na batalha de Ourique em 1139 , e na tomada de Lisboa de
IX47. Manoel Severim , Noticia de Portugal , Difcurf. 12 , f. 77,
Souza de Caílel-branco , 110 tom. 1 dos Elementos da Hijloria
Univerfal do Ahbadc de Valmont O mefmo Senhor D. Affonfo
recebeo em Portugal a ordem de S. Tiago, chamada de Pal-
meila pela \ illa de fua refidencia conventual , cujos Cavallei-
ros pallaraó de Callella para foccorrerem ao dito Senhor , a tempo
que eítava cercado em Santarém por El Rei de Sevilha com hum
poderofo exercito de Mouros ; por efta occafiao erigio o mefmo
Senhor em Portugal efta Ordem , que confervou unida á de Hef-
panha na obediencia do Gran-Meítre Vellés até o tempo do
Senhor D. Diniz , que a feparou no anno de 1390 por EuHí"1°
Papa Nicoláo I\'., CathaL i/as Rainhas de Portugal, f. 56, Ma-
noel Sever. loc. cit. f. 80. O Senhor D. Diniz erigio a Ordem
de
PARTE III. Titulo XII. 51

nefte tit. certas limitações da quelles privilégios a refpeito


dos Commendadores Cavalleiros, reputados também pef-
íoas eccleliaílicas (b).
§. LXI.

Os Cavalleiros deitas trcs Ordens forao na fua origem


ifentos da Jurisdição fecular , affim como as peffoas ec-
clefiafticas , e fujcitos privativamente a feus Gran-Me-
ftres (c).
G 2 §. LXII.

de Chrifto por Bulla do Papa Joaó XXII. cm 1319 , depois


de extindla a dos Templários , como confta dos Definitorios da
mefma Ordem.
(A) A vida militar contra os inimigos da Fé de Chrifto tam-
bém veio a fer huma profiffaõ religiofa , que fe fazia nas maós
dos Papas , dos Patriarchas , ou dos Bifpos, com alguns votos dc
Religiaõ. As Ordens de Aviz , e Chrifto continhaÓ na fua ori-
gem os tres votos da Religião ; obediencia , pobreza , e cafti-
dade abfoluta: deftes dois últimos foraó difpcnfados por Alexan-
dre VI. em 14.96 ainftancias do Senhor D.Manoel , ficando
unicamente fujcitos ao voto de caftidade conjugal , e ao dc obe-
diência, como confta dos Definitorios e Eftatutos das mefmas
Ordens. Os Cavalleiros de S. Tiago naô tiveraó na fua origem
outros votos , que o da obediencia ; mas huns, e outros foraó
fempre contemplados como pelToas ecclefiafticas.
(<") Os Gran-Meftres eraó eleitos pelos Cavalleiros , e den-
tre os mefmos das refpeólivas Ordens ; coftume , que durou até
o tempo do Senhor D. Joaó III., em queo Meftrado fe unio per-
petuamente á Coroa por Bulla do S. ,P. Pio JII. de 4 de Janei-
ro dc 1551. O Senhor D. Sebaftiaõ , como Medre, impetrou da
Sé Apoítolica a Bulla das tres inftancias ; em virtude da qual in-
'tui° 0
Ju'z Geral das Ordens Militares para conhecer das
caufas
52 Direito Particular Portucu kz

§. LXII.

O Senhor D. Manoel, como.Meftre , e Governador


das tres Ordens , determinou pela Lei de 6 de Novem-
bro de 1515 , que naõ gozaífem do privilegio do foro os
Cavalleiros , que com os hábitos naõ tiveflem tença , ou
mantença , por fer aíjim concedido pelo Santo P. E pelo
Alvará de 4 de Setembro de 1517 permittio , que os Ca-
valleiros pode liem fer obrigados a jurar perante as Jufti-
ças feculares nas caufas eiveis ,• o que o Senhor D. João
III. eftendeo ás crimes pelo Alvará de 21 de Outubro de
1526 : e por outra Lei tomada em Relaçaõ na Cidade de
Évora aos 11 de Fevereiro de 1536 determinou , que nos
feitos eiveis refpondeflem os Commendadores perante as
Juííiças feculares , Leaõ p. 2 , iiv. 2 , e feg.

§. LXIII.

Segundo eílas Extravagantes formarao os Compila-


dores Philippiflas efte titulo , em que fe determina , i.°
que todos os Cavalleiros podem fer conftrangidos pela
Juftiça fecular , para jurarem perante ellas, cm todas as
cauías eiveis,, ou crimes, pr. defte tit. [d): 2° que
nas

caufas eiveis , e crimes dos Cavalleiros; e o Juiz dos Cavalleiros


para conhecer dos feitos crimes dos Cavalloros da Corte , Eftat.
dos Cavalleiros p. 3, tit. 1, e 2 ; cujo officio era annexoao Cor-
regedor da Coroa , que D. Philippe feparou pelo Alvará de 9 de
Dezembro de 1611.
[d) F-xceptuaõ-fe os Cavalleiros, que forem de Ordens Sacras
pr. defte tit.; porque eftes, alem da qualidade de Cavalleiros, tem
Pa rtf. III. TrruLo XIII. 53
nas caufas eiveis refpondaS perante as Juftiças fecula-
res , §. i : 3.0 que naõ gozem dos privilégios da Ordem
aquellcs Cavalleiros , que naõ tiverem commenda , ou
tença , que com clles lhes feja dada , ou mantença cem
que poiTaõ governar-fe (e).

TITULO XIII.
Dos que citao para Roma ; e dos que impetrai Benefícios de
homens vivos, ou os acceilao de Ejhangeiros , ou Procura-
ções (a).
§. LXIV.

c Inco faG os objeítos, que fc comprehendcm nefte ti-


tulo : i.° dos que impetraõ Benefícios de homens vi-
vos ,

a i!c Ordens Sacras. Os Cavalleiros, que naó quizerem jurar, ir>-


correm na pena de perderem o que tiverem da Ordem ; e naó
tendo coufa alguma , de pagarem cem cruzados para o Hofpital
de todos os Santos.
(<•) Tendo quafquer deites requifitos para gozarem do privile-
gio do foro , baila faze-lo certo por fuas Provifóes , para ferem
remettidos para o Juizo dos Cavalleiros fem outra excepção de-
clinatoria , Allent. da Mez. Grand, de 31 de Julho de 1711 .
Coll. 3." ao §. i.° de lie tit.A tença, e man cnça diíferem, em que
efia he necetlario que feja tal, que com elia fe poiTa fuilentar o
Cavalleiro , Per. de Man„ Reg. liv. 2, tit. 12 , cap. 55, n. 27 ;
a
quella he baftante que fe cobre , ou polida aftualmente , Silv.
Reprrt. n. 6 , pag. 114.
(«) Elta rubrica he defeituofa, e viciofa : he viciofa, porque nas
palavras dos que citao para Roma parece que nella fe tra£la de 1 i—
Diitar , e prohibir as appellaçóes., e outros recurfos para Roma.
em
54 Direito Particular Portuguez

vos {bj : 2.0 dos que citaõ para Roma em virtude deita
impetra : 3.0 dos que acceitaõ Benefícios a efirangeiros :
4.0 dos que acceitaõ procurações para requererem pelos
meímos eftrangciros , que obtiverem os Benefícios neftes
Reinos (f): 5.0 dos que impetraõ Juizes Apoftolicos
fora
em geral , quando as citações, de que nelle fc trada , faÕ unica-
mente as que fe fazem por occafiaÕ das impetras dos benefícios :
he defeituoía; porque nella fe nao compiehende a impetra de Jui-
zes Apoftolicos de fóra do Reino , de que também fe trada nefie
titulo.
(b) Os Fcclefiaflicos do Reino , principalmente os que efta-
vaõ em Roma, fabondo que , fegundo a regra da Chancellaria, os
Benefícios de jure vagos, pofto que de fado naÕ ertejaÓ , podiaÓ
impetrar-fe , Gonzal. á regra 8 da Chancellaria, Glof. 14, e 15;
clles humas vezes denunciavaõ qualquer Beneficiado do Reino ,
como pofluidor unicamente de fado ; outras vezes impetravaÓ
os mcfmos Benefícios para nelles fucceder, no cafo de vagar por
certo modo em particular,. ou em geral por qualquer manei-
ra. Obtendo a graça do Beneficio faziaÓ citar para Roma os
Beneficiados , com o pretexto de ferem intrufos nos Benefícios ,
e por fe acharem de jure vagos.- e fendo alguns dos Beneficia-
dos muito velhos , ou morriaô no caminho , ou em Roma ; e os
que viviaó eraõ affadigados pelos impetrantes , e lhes convinha
fazer quaefquer partidos para remirem fua vexaçaÕ ; e fe o naÓ
faziaõ , morrendo andando a demanda , ficavaÓ os Benefícios aos
que por malicia os faziaÓ citar ; por cujo motivo o Senhor D-
Manoel prohibio frmilhantes impetras , e as citações por vir-
tude delias, pela Lei de 10 de Dezembro de 1515. Leaõ part. 4»
tit. 12.
(cj 1'clos coft umes das Hcfpanhas, e de Portugal, naõ podia^
os eftrangeiros impetrar Benefícios nellas, Covarruv. cap. 35*
11.
PARTE III. Titulo XIII. 55

fóra do Reino para o conhecimento de quaefquer cau-


fas (V).
§. LXV.

A refpeito do primeiro objedlo fe determina , que ne-


nhum vaílallo do Reino poíTa impetrar Beneficio de ho-
mem vivo , por qualquer maneira que feja vago , ou ve-
nha a vagar, pr. deite tit. (r), naõ fendo o Beneficio liti-
giofo
n. 5 ; Cevall. part. 4, q. 1, n. 308; Per. de Man. Rcg. cap. 59,
n. 8 , e 16 ; Extrav. de 18 de Fevereiro de 1512 , referida por
Cabed. de Paironat. cap. 29 : ifto naó obrante elles os impetra-
vaó muitas vezes , e mandavaõ inveltir-fe na potfe , 011 cobra-
rem os feus rendimentos por Procuradores do Reino : e para il-
ludirem a referida prohibiçaõ pertendiaõ renuncia-los cm natu-
raes do Reino, o que foi prohibido pelo Senhor D. Manoel, dito
Alvará de 512.
[d] Naõ obftante a determinaçaó do Concilio Geral de Bafi-
Ita, SclT. 31, que ordena, que ainda nos cafos, em que he permit-
ida a appellaçaó para a Sé Apoítolica, fe remetta o feu conheci-
mento aos Juizes circumvifinhos das partes , c naó obftante o
coftume do Reino , que prohibia as impetras de Juizes Apoílo-
Hcos de fóra do Reino ; elles eraõ frequentemente impetrados, o
que exprelTamente prohibio o Senhor D. Maneei pelo Alvará
de 3 de Novembro de i5i2,Leaõ4. part. tit. 12, L. x;eultima-
mente o S. P. Julio III. por hum Breve de 1554 a inílancias do
Senhor D. Joaõ III. , Per. de Mon. Rig. liv. 2, cap.63, n. 15.
(<0 A pena contra os impetrantes he a defnaturalizaçaó , e de
lhe ferem fequeflrador; os fruítos dos Beneficios, que alias tive-
rem nelle Reino , pr. do tit. Para os impetrantes incorrerem nas
Ppnas da Ord. bafla a fimples impetra , ou , pelo menos , que a
Sraça feja expedida , poíto que naó fe faça citaçaó , como fe pro-
va
56 DIR E I T 0 PARTICULAR PoRTUGUEZ

giofo Alvará , de 2 de Outubro dc 1603 (f), Coll. i.»


deilc tic.
$. LXVI.

A refpeito do fegundo fe determina , que, fendo lei-


gos os que fizerem citações, fejaõ prefos, e naõ fejaõ fol-
tos fem efpecial mandado d' El Rei , pr. defle tit. verf.
Efendo. E fe forem Clérigos, que fejaõ prefos pelas Juíti-
ças feculares, e entregues a feus Prelados, o mefmo
princ. do tit. verf. penulc.

§. LXVII.

va i.° pelas palavras por efle mefmo feito ; 2.0 pela mefma rubrica
do titulo , na qual naõ fó fe fepara diftinâamente a impetra da
citaçaó , mas até eíla fe propõe em i.° lugar do que aquella , fe-
parando-a na pontuaçaõ ; 3.0 porque a citaçaó , de que fe traíla
neíle titulo, naõ he a refpeito do impetrante , mas a refpeito de
terceiro, que a fizer para Roma : comfirma-fe 1.= pela Ord. 1. r.
tit. 12, §.3. verf. E afjimfobrc fe haverem de guardar , e dar à ex-
ecuçao as nojfas Ord. que fallaõ dos que impelraõ em Roma Benefícios
dos noffos vuffallos, em cuja Ord. fe naõ acha veftigios de cita-
çaó para Roma ; 2.° pela razaó de paridade da Ord. 1. 2, tit. 43»
infn. ibi : A parte , que impetrar eflas Provifôes , ou que a s apre
fentar : prohibindo pois efta Ord. impetrar cartas d' El Rei p°f
falfa inforinaçaõ , pelo prejuizo que pode feguir-fe das mefmas
cartas , naõ obftante que eíle prejuizo fó pode feguir-fe depois
da aprefentaçaõ para a execução ; com tudo baila a impetra
para fe incorrer nas penas da Ord.
(/) I'er- dt Man. Rcg. cap. 61, n. 34 ; porque efte cafo naó
he expreflo neíla Ord. como lie neceífario para fer nella comprC*
liendido (princ. deite tit.verf.ultimo), fundamento que fc adoptou
no referido Alvará dc 1603.
PARTE III. Titulo XIII. 57

§. LXV1I.

A refpeito do terceiro fe determina, que nenhuma


pcíToa acceite Beneficio de eftrangeiro , por qualquer
modo, ou maneira que feja , pena de perderem todas as
honras, e liberdades, que perdem os que faõ máos vaf-
fallos, §. i, pr.
§. LXVIII.

A refpeito do quarto obje£to fe prohibe acceitar pro-


curação de algum eftrangeiro, que nelle tenha acceitado
Beneficio, para requerer a refpeito do mefmo Beneficio
em Juízo , ou fóra delle , debaixo das referidas penas , o
mefmo §. i.
§. LXIX.

A refpeito do quinto fe prohibe impetrar Juizes


Apoftolicos de fóra do Reino, e Senhorios ; ou requerer
perante elles debaixo das meímas penas, o mefmo §. i.

§. LXX.

Ultimamente no mefmo§. i, verf. ultimo, fe decIaraS


incurfos nas referidas penas todos os que derem favor ,
ajuda , ou acolhimento aos referidos impetrantes.

H TI-
58 D I R E I TO P A R T I C U L A R Po R T U G U EZ

TITULO XIV.
Dos que publieào inhibitorias fem licença d' El Rei.

§. LXXI.
f
J-' Endo-fc tradlado nos primeiros titulos das limita-
ções do foro das peíToas fecularcs, e eccleíiafticas , fe tra-
ria nefle titulo de obftar astergivcrfações, com que os Ec-
clefiaíticos pertendiaõ levar ao feu foro todas as caufas (a).

§. LXXII.

Na fegunda Parte deftas prelecções ( tir. 5, cap. 9 )


moftramos a razaõ, e juítiça , com que os Senhores Reis
de Portugal tem prohibido, que fe publiquem inhibito-
rias contra os íeus Míniftros, íem o feu Placito. O aflen-
to defta prohibiçaÕ he efte titulo, em que fe determina ,
j.° que le naÕ publiquem inhibitorias, para que algum
Juiz

(a) O meio tergiveríivo , e indire&o , porque os Ecclefiafticos


queriaõ levar ao feu foro todas as caufas , ou impedir o conhe-
cimento delias aos Juizes feculares , eraó as inhibitorias muni-
das com cenfuras contra os Juizes Leigos , meio de que ufavaá
naõ fó os.Summos Pontífices, e os Prelados do Reino, e os Jui-
zes Apoftolicos , mas até o Gran-Meftre de Rhodes , os Reito-
res , e Meftres Efcollas das Univerfidades de fora do Reino. Da
Ord. Affonf. liv. 2, tit. 12 ; da Concord. do Senhor D. Joaõ I-
art. 85 ; da Lei do Senhor D. Manoel de 18 de Dezembro de
1516 ; Leaõ 4 , p. tit. 12 L. 2; da Bulla do S. P. Lcaó X. de 12
de Junho de 1518 ; Per. de Man. Reg. cap. 65 verf. 15 , e pe'a
Ord. liv. 1, tit. 9, §. 11, verf. 1, fe prova ifto mcfmo.
PARTE III. Titulo XIV. 59

Juiz fecular naõ conheça de certas coufas , fem primeiro


fe aprefentarem a El Rei (b) , §. 1 deite tic. (f).

§. LXXIII.

2.0 Que fe naõ publiquem as inhibitorias , nem fejaG


citados os Clérigos , e peíToas ecclefiafticas por cartas ci-
tatorias paíTadas pelos Meítres Efcollas , e Reitores das
Univerfidades de fóra do Reino, fem primeiro fe fazerem
faber a El Rei §. 1 (d).
H 2 §. LXXIV.

W A razaô defta aprefentaçaõ lie para El Rei ver a razaó .


e fórina da inhibiçaõ, e em que caufa , para que fendo jufta ,
mandar paflar Alvará; e do contrario a parte, a favor de quem fc
fizer a inhibiçaõ , he condemnada em 500 cruzados , c perde
qualquer officio , ou renda , que tiver da Corôa , fem que pofla
have-la por reftituiçaõ , 1 deite tit.
(c) Por Direito do Reino , naÓ fó fe prohibe a publicaçaó
das inhibitorias fem licença Regia ; mas também fe annullaó as
inhibições por cilas feitas, como fe prova da Ord. 1. 1, tit. 9, §.
XI, verf. 4, em que fe dá ao Juiz da Corôa a jurifdiçaó de co-
nhecer dos aggravos , que fe interpuzerem contra os Juizes fe-
culares , que fe derem por inhibidos pelas inhibitorias Ecclefia-
fticas , fem preceder o referido Alvará (fup. not. b), as quaes fein
duvida naó fariaó aggravo fe a inhibiçaõ naó foffe nulla. Vid. II.
Part. deltas Prelecções tit. 5, cap. 9, §. 112, not./. He verdade
que o Senhor D. Manoel impetrou do S.P. Leaó X. huma Bulla
12 de Janeiro de 1518 para o que feu Capellaó Mór conhe-
c
efle das cenfuraS dos Juizes feculares , que fe naõ defiem por
inhibidas ; porem ella ficou caiTada , e fem effeito pe'a poílerior
c
ompilaça6 da Ord. Philipp.
(d) Como as Univerfidades , e as Aulas Theologicas prin-
Cl
Palmcnte , vieraõ a fer inftituidas , o.u confirmadas por auto-
ridade
6o Direito Particular Portuguez

§. LXXIV.

3.0 Que fendo as cartas citatorias dos referidos Me-


ftres Efcollas , e Reitores , paliadas contra os leigos, fe
naÕ cumpraõ , nem fe guardem as cenfuras , ou fenten-
ças por elles proferidas contra os leigos , §. 1, in pr. (e).

TITULO XV.
Dos que impetrao Provijoes contra as graças concedidas a El-
Rei , ou ã Rainha.

§. LXXV.

D Epois de fe ter traâado das inhibitorias contra os


Miniílros Seculares , com que fe pertende impedir o ex-
ercício da fua jurisdição, palfaraõ os Compiladores a tra-
gar nefte titulo das penas em que incorrem aquelles ,que
impe-

ridade Apoítolica, os Reitores , e Medres Efcollas , tinhaõ-pda


jncfma autoridade jurifdicçaó privativa para conhecerem das
caufas dos feus alumnos ; e em confequencia queriaõ chamar a o
feu foro as partes , que os alumnos queriaõ demandar , ainda
fora dos feus refpe&ivos Reinos.
(e) Ninguém duvida , que a Igreja tem jurisdição para impôr
cenfuras , e outras penas efpirituaes ; mas todos fabem , que
cilas naõ ligaõ , e faõ nullas , quando ellas faó fulminadas por
Juiz incompetente ; e como nos termos do principio do §• *
deíle tit. os Reitores , e Meftres Efcolas de fóra do Reino , naõ
tem jurisdição fobre os valfallos de Portugal , fegue-fe que as
cenfuras por elles proferidas ficaõ fendo nullas , e como taes de-
claradas por eíle mcfmo §. , fem neceílidadc de fe aprefentare»
a El-Rei,
Par te III. Ti tdlo XV.

impetrarem da Sé Apoftolica Provifões contra as graças


concedidas a El Rei, ou á Rainha (a).

§. LXXVI.

Determina-fe pois neftè titulo ,que todo o vaflallo.quc


impetrar Provifaõ de Roma contra alguma graça conce-
dida pelos Summos Pontífices a El Rei, ou á Rainha ,
fejaõ por eíTe mefmo fadto defnaturalizados, illo he, pri-
vados do domicilio, e habitaçaõ (6), e de todos os officios,
honras

(a) Temos obfervado as muitas , c difFerentes graças , que os


nofios Principes tem obtido da Sé Apoftolica , as quacs eraõ
muitas vezes revogadas por outras em contrario , que os SS.
PP. faziaó aos vaflallos do Reino , principalmente a refpeito do
Padroado Real , ou da Rainha. O Senhor D. Manoel pelo Al-
vará de 27 de Maio de 1516 ( Leaó r, part. tit. 12, liv. 13 ) ad-
optou hum meio politico para embaraçar eftas novas graças ,
fem infringir directamente a autoridade Apoftolica para as con-
ceder. O meio foi prohibir aos vaíTallos , que as podefíem im-
petrar, debaixo das penas de defnaturalizaçaõ , e perda de todos
os oíhcios , e bens , e de nunca mais os poderem haver. A
razaõ defta prohibiçaõ he porque fe prefume , que o Summo
Pontífice foi enganado pelos impetrantes , ou porque fe efqtic-
ceo de ter concedido as graças impetradas. Efta razaõ he mera-
mente politica ; mas como fe funda em huma prefumpçaó geral,
de que por via de regra femelhantes graças faõ obrepticias , vem
a
comprehender ainda aquellas mefmas graças, em que fe naõ
Vc
rifique a referida razaõ.
(^) A defnaturalizaçaõ pofto naó comprehenda precifamente a
ex
pulfaó do Reino, erudito Meli. Jur. Civ. Luf. liv. 2 , tit. 2 ,
l
3 , naõ he pelo menos nefte cafo , como fe prova de fc maa-
darcm
prender fendo achados no Reino.
62 DlREIToPARTrcULAR PoRTUGUtZ

honras, dignidades, e bens que tiverem no Reino , e in-


habeis para haverem outros de novo , aíTim como Benefí-
cios ("c), o que foi renovado pelo Decreto de 20 de Janeiro
de 1615 , Coll. 2.a num. x.

TITULO XVI.
£>ue os Clérigos , e Ordens, e PeJJoas Ecclefiajiicas nao pojjáí
haver bens nos Reguengos.

§. LXXVII.

R Eguengo fe chamaõ aquelles bens da Coroa adqui-


ridos até o tempo do Senhor D. Pedro I, os quaes goza o
de certos privilégios , e liberdades, nao ío communs aos
outros bens pofteriormente adquiridos , chamados bens
da Coroa , mas proprios e particulares, Ord. 1. 2, tit. 30.

§. LXXVIII.

Hum dos feus privilégios , e liberdades communs hc


naÕ poderem fer adquiridos nem pofTuidos pelas Ordens,
Morteiros , Igrejas, e pefloas eccleíiafticas , ou religiofas
(a), pr. defte tit. Exçeptua-fe a refpeito dos Reguengos

Ccj Os desnaturalizados parece r.aõ perdem ipfo fadto os Be-
nefícios cccleftafticos, que tiverem no Reino , poriíTo que fe lhes
mandaÕ fequeflrar os feus fru£los, Ord.!. 2, tit. 13 in pr.; limi-
ta-fe por tanto nefte tit. a pena, a nao os poderem haver de novo»
pois que faó eílrangeiros.
(a) A difikuldade de cobrar dos Clérigos , e pefloas ecclclia-
ílicas os foros , rendas , e tributos , por declinarem para o f<-'u
foro , quando eraó por elles obrigados , moveo ao Senhor P*
AfFonfo III, e ao Senhor D. Diniz, Ord. Affonf. liv. 2, tit. í 3'
PARTE III. Titulo XVII. 63

ou forciros i.° a acquiíiçaõ pelo tit. de legitima fuccef-


fe5 , o mcfmo pr. do tit., verf. Porem (l>) : 2.° a poífeífaõ
dos adquiridos até os 20 de Setembro de 1447, o mcfmo
pr., verf. ult., e tit. 18, §. 3.

TITULO XVII.
E'u que Reguengos os Fidalgos ,e Cavalleiros podem haver bens.

§. LXXIX.

O tit. antecedente fe tradloudo privilegio commum


aos bens da Coroa , e Reguengos ,• nefte fe tradla de hum
dos privativos dos Reguengos. Hum dos privilégios , e
liberdades privativas dos Reguengos C §- 77 ) he naõ po-
derem os fidalgos, e Cavalleiros haver bens de raiz den-
tro das fuas demarcações. Nefte titulo íe declara, que efta
prohibiçaõ ló fe entende naquelles Reguengos , em que
ha obrigaçao de morar peífoalmente , e naõ naquelles, em
que
a
prohibir-lhes que podeifem comprar , ou pofíuir bens alguns
los Reguengos, o que igualmente foi eftabelecido pela Concord.
'lo Senhor D. João I, art. 30 , e 89. O Senhor D. Manoel ad-
optou efta legislaçaõ na fua Ord. liv. 2 , tit. 7, e permittio-lhes
que os pudeíTem adquirir por legitima lucceflaõ , mas com acon-
diçaó de os alienarem até hum anno em peífoas feculares , pena
"<e fe perderem por efie mefmo feito para a Coroa, naó fendo ali-
enados antes da citaçaõ, dita Ord. §. ult. , de que os Compilado-
res
Philippiftas formaraõ efte tit.
(^) Efta faculdade concedida pelo Senhor D. Manoel e
a<
loptada pelos Philippiftas (not. fupr.) fe acha revogada pelo que
Pcrtence as Ordens ..Mofteiros.e pedoas religiofas , em qu anto
ç
^as , por cujo tit. fuccedem aquellas , faó declaradas fem direi-
lo
de fuccefaõ , Extr. dc 9 de Setembro de 1769 , §. 10.
64 Direito Particular Portuguez

que naõ ha eíla obrigaçaõ, e que podem livremente ven-


der-fc, c alienar-íe. Permitte-fe comtudo ainda naquelles
a acquifiçaõ por titulo de íucceífaõ ab intejiado ; mas com
obrigaçaõ dc ferem alienados dentro d' anno e dia a peí-
foas, que naõ lejaõ da meíma Hierarchia.

TITULO XVIII.
£hie as Igrejas, e Ordens nao comprem bens de raiz /em
licença d' El Rei.

§. LXXX.

N A fegunda parte deftas Prelecções (tit. 5, cap. 12)


rnoftrámos, que as Igrejas tinhaÕ as mefmas faculdades
de adquirir , e poífuir bens de raiz, que as mais focieda-
des , e pelfoas fectilares. Porem igualmente obfervamos a
auétoridade , e juftiça , com que eftas faculdades lhes ti-
nhaÕ fido reítriítas, e limitadas pelos primeiros Impera-
dores Chriílãos , e pelos noíTos Monarchas. Eftas reílric-
ções fazem o objeélo da Legislaçaõ defte titulo , e da*
Leis pofteriores, que lhe faõ analogas ; apefar das revolu-
ções, e conteflações ecclefiafticas , que hoje caufaõ admi-
raçaõ , e efpanto (a). §. LXXXI-

(a) O celebre Soeiro Gomes, Prior da Ordem dos Pregadores»


naõ fó declamou contra a Lei do Senhor D. Affonfo II. , mas
teve o arrojo de publicar huma proclamaçaó contra a mefma Lei»
Erand. Monarc. Lufit. liv. 13 , cap. 22, e Append. Eftevaó Soa*
res, Arcebifpode Braga, excommungou os Miniftros do Rei p°r
obfervarem a referida Lei , e foi a caufa de Honoiio III. no an-
no de 1321 eferever com menos refpeito fobre eíla matéria a o
Senhor D. Affonfo , e ameaça-lo de abfolver os vailallos do ju-
ra-
PARTE III. TITULO XVIII. 65

§. LXXXI.

A faculdade de adquirir fe lhe reftringe pela quali-


dade da coufa, e do titulo. Pela qualidade da coufa nao
podem i.° adquirir por titulo algum bens da Corôa , §. 2
defte tit. e tit. 35, §. 10 (§. 78); 2° nem por outro titulo
que naõ feja o delegitima fucceffaÕ podem adquirir bens
nos Reguengos, tributários , ou foreiros a Corôa (§. 78) ,
nem bens que fejaõ de peíToas eccleíiafticas (b), e que naõ
I per-
ramcnto de fidelidade , e de conceder as fuás terras , c domí-
nios , como coufa nullius , a quem as occupafle. Pafch. Jofeph
Meli. Hiftor. Jur. Civil. Lujit. cap. 6 , $. 45 , not. O Collei-
tor Apoftolico Alexandre Bifpo de Nicaftro 110 tempo de Phi-
lippe IV. aos 16 de Março de 1636 fe arrojou a dogmatizar con-
tra a Ord. do Reino liv. 2, tit. 18 , declarando-a feita em odio
de Deos ; excommungando todos os Miniftros do Rei , e to-
das as mais petíbas , que exigilTem a fua obfervancia : e fendo
obrigado a revogar efte Edifto por Carta de El-Rei Philippe de
*^37 » e Por fentença do Juizo da Corôa de 26 de Março do
ttefmo anno ; novamente publicou outro igual Edi&o a refpei-
to das Capellas em 24 de Junho de 1639 , au&orifado por Bul-
ias do S. P. Urbano VIII. Deduc. Chronol. Divif. 7 , §. 2to ,
c feg. D. Philippe IV. cartou femelhantes Edictaes , e fez ex-
pulfar do Reino efte Colleitor ; Vid. Cartas do dito Rei , jun-
tas na Colleçao 2.3 a efte titulo. Mas quanto naõ he digno de ad-
Hiiraçaó , que o Senhor D. JoaÕ IV. fizeíTe fufpender a au£to-
T
.'dadc defta Ord. pelo que pertence ás Capellas , ate fe concor-
dar com a Sé Apoftolica 1 Decreto de 2 de Janeiro de 1051,
Collec. 2.a a efte tit. num. 4.
W As peíToas eccleliafticas nao podem por titulo algum traf-
PalTar os feus bens de raiz ás Igrejas , Ordens , ou peíToas eccle-
**afticas , §. 5. defte tit. ; por confequencia as Igrejas, e Ordens
naõ
66 Di rei to Particular Portuguez

pcrtençaõ por direito á Igreja (c). Pela qualidade do titulo


naõ podem adquirir bens alguns de raiz por compra , ou
em pagamento de dividas , pr. defte tit. (d) , fem licença
Rtgia (e). §. LXXXII.

não podem por titulo algum , que dependa do faão do homem ,


adquirir os bens de raiz de peílòas ecclefiafticas ; podem porem
adquiri-los por fucceflaó legilima dos feus confrades , §. 7 deite
tit. ( §. 85 infr. not. I).
(c) Sendo pois os bens taes, que por dereito pertençaó á Igreja,
v. g. os adquiridos intuiu. Ecclefia: , podem fer adquiridos pela
Igreja , e Ordens , por qualquer titulo gratuito , §. 5 , Verf. ult.
dcílc tit. Vid. Lei do Senhor D. Joaõ III. de 6 dc Setembro de
1553, Leaõ 2. parte, tit. 2, L. 9.
(dj O Senhor D. AfFonfo II. nas Cortes de Coimbra de 121 r»
prohibio cxprelfamente , que as Igrejas pudefkm comprar bens
de raiz , Brand. Monarc. Luftt. parte 1 , liv. 17 , cap. 8 , cuja
Lei foi confirmada pelo Senhor D.Diniz no art. 2 da fua 2.a Con-
cordata. Na era de 1324 mandou o mcfmo Senhor , que as Igre-
jas vendeflem defde o dia de S. Maria dc Agofto a hum anno to-
dos os bens, que tiveflem comprado, Ord. AfFonf. liv. 2, tit. 14-
Neíle mcfmo titulo da Ord. Affonf. fc accreícentou , que ni.6
podeíTem haver bens de raiz em pagamento de dividas.
(*) A licença Regia deve fer paliada com a declaraçaó , que a
quantia dos bens , que fe lhe permitte comprar , naõ feja ein
bens foreiros , ou tributários á Coroa , pena dc nullidade das
Cartas, e de as naô fellar o Chanceller Mór. Nem baítaõ as
Cartas de licença com a referida claufula para poderem com-
prar , fem a pena de confifco ; he alem diílo neceíTario , que os
Almoxarifes as façaó regiftar nos livros proprios ; que eítes fe-
ja6 prefentes ás compras que fe fizerem ; e que eftas compra®
fejaõ regilladas nos mefmos livros , para a todo o tempo fc fa-
ber , que naô excederão o valor da fomma concedida , como tu-
do
PARTE III. Titulo XVIII. 67

§. LXXXII.

Sendo eftas as reftricções das faculdades naturaes,


«íue as Igrejas , e Ordens tem para adquirirem bens de
raiz ; fegue-fe que ellas podem adquirir quaefquer outros
bens por quaefquer outros títulos (/).
I 2 §. LXXXIII.

do confta do §. 2 defte titulo. Limita-fe porém tudo ifto nas


compras feitas até 20 de Setembro de 1447 , §. 3 deite tit. , fi-
cando fomente com a obrigaçao de pagarem os foros , e tribu-
tos , que até clTe tempo pagalTem , o mefmo §. 3 , verf. final.
(/) Ella faculdade parece repugnar ao principio defte tit. nas
palavras : Ç)uc nenhumas Igrejas , nem Ordens pudeffem comprar ,
tum haver em pagamento de dividas bens alguns de raiz , nem por
outro titulo algum os adquirir , nem poffuir fem efptcial licença dos
ditos Reis . ... a qual Lei fempre até agora fe ufou .... e nós
affim mandamos fe guarde. Porém primeiramente fegundo as refe-
ridas palavras parece , que o efpirito defta Ord. he confervar a
^eftna difpofiçaó das Leis amigas ; ora pelo referido ( §. 81
c
not. d. ) confta que as Igrejas , e Ordens fó lhes era reftri-
a faculdade de adquirirem por titulo de compra , ou em
Pagamento de dividas , e naó por outro titulo , excepto fendo
os bens da Corôa , ou de Ecclefiafticos , logo naõ pôde fer ou-
tro o efpirito defta Ord. Depois difto D. Philippe na Lei de 30
<lc
Ju"1(> dc 1611 parece entender affim mefmo efta Ord. nas
Palavras : Que fendo Eu informado , que os Mofleiros , e outras
imunidades do Reino , naõ podendo conforme as Leis delle com-
^r"r bens de raiz fem licença minha, e fendo obrigados quando her-
Um alguns , ou os houvjfem por qualquer titulo, ais venderem
e
"tro d'anno , e dia a pe(foas leigas : de cujas palavras claramen-
e
fe moftra fer-lhe prohibida a acquiíiçaõ por titulo de com-
ra
^ » em cujo efpirito fe comprehende o pagamento de dividas ;
6
68 Dirjito Particular Portuguez

§. LXXXIII.

A faculdade dc pofluir os bens legitimamente adqui-


ridos fe reftringe ao tempo de hum anno, e dia (_§ ), den-
tro do qual deve alienar todo o dominio adquirido , pe-
na de coníifco, §. i. deite tit. (b).

§. LXXXIV.

Na5 podendo adquirir por titulo de compra, e dc pa-


gamento dc dividas (§. 81 J; fegue-fe, i.° que nao podem
optar
e pelo contrario fer-lhe permittida a faculdade de adquirirem por
outro titulo, poftoque com obrigaçaó de alienarem dentro d'anno
e dia. Donde para fupprir-mos a falta dos Compiladores po-
demos dizer , que as palavras , nem adquirir , nem poffiiir, tem
eíte fentido ; nem adquirir com os altribulos de dominio abfolutò ,
que hefer perpetuo ; nem poffuir por mais d?anno , e dia.
(?) Della obrigaçaó quizeraõ as Igrejas eximir-fe no tempo
do Senhor D. Joaô I., como conda do artigo 87 da fua Concor-
data-. pedindo-lhe pois , que ao menos lhes permittifle poliu i-
rem os bens das Capellas ; o mefmo Senhor lho naõ permittio >
por fer contra o antigo coftume , c Lei dos feus maiores ; e fó
lhe permittio que pudeflem eftabelecer Capellas em bens de raiz,
fendo os Adminiílradores pefloas leigas , e naõ excedendo o en-
cargo o valor de cem coroas de ouro, cuja moeda valia 216 reis,
Caftr. Map. de Portug., que inadvertidamente attribue efla moeda
ao Senhor D. Duarte. Vid. Cl. de Meli. Injl, Jur. Civ. Luf.
lib. 3 , /'"/• 10, §. 8.
(b) Eda pena ceifa em quaesquer bens adquiridos , ou poíluidos
por qualquer titulo até 2o de Setembro de 1447, §. 3 deite tit. >
e naquelles que, antes das Igrejas , ou feus Vigários ferem cita-
dos , tiverem alienado todo o dominio em pellbas leigas , §• ®
deite tit. , e a permillaó do dia depois do anno naó fe extende a
todos os bens , Ord. 1. 2, tit 16, e §. 7 deite tit.
PARTE III. Titulo XVIII. 69

optar os /prazos que os emphyteutas quizerem vender ,


Lei de 4 de julho de 1768, §. Permillo o poder (/) : 2.0
que naõ podem arrematar os bens , que forem vendidos
aos emphyteutas para pagamento dos foros , dita Lei ,
§• Permitto mais.
§. LXXXV.

Podendo adquirir por outro qualquer titulo ( §.82 ),


fegue-fe, i.° que podem adquirir o domínio util dos bens
legitimamente aforados no cafo de devolução , ou de
commiíTo, Lei dc 12 de Maio de 1769, §. Finalmente :
2.0 que podem adquirir por doaçaõ, e anniverfarios,
§. 1 deíté tit. ( / ): 3.0 que podem adquirir por permu-
tação
(/} Hum dos direitos dominicaes he poder o fenhor direfto
optar , ou comprar com preferencia os bens que o emphyteuta
quizer vender, Ord. liv. 4, tit. 38 , cujo direito fó he permittido
a cada hum dos indivíduos dos corpos do Clero fecular , dito §,
ficando poriíio mefmo e pela generalidade da referida Lei de 4 de
Julho de 1768, privadas deite direito as Corporações , e Igrejas.
(0 O Senhor D. Diniz por huma Lei de 21 de Maio de 1221,
°rd. AíF. liv. 2, tit. 15 , prohibio que as Ordens pudefiem fuc-
Ce
der nas heranças dos feus Religiofos , e ordenou , que eftes
pudeífem deixar por fua morte o importe , ou valor da ter-
Ça parte dos feus bens , e que tendo-lhe dado em fua vida al-
Suns bens para fua mantença , que as Ordens foflem obriga-
das a vende-los a pelfoa leiga dentro de hum anno depois da fua
•norte. Pela Ord. Man. liv. 2, tit. 8 , 1 , fonte do §. 1 defie
ttolTb iit., fe lhe permittia a acquifiçaõ por fucceflaõ; porém como
efta permiUaõ fe funda na falfa hypothefe , de que os Frades , c
Religiofos tem heranças , 011 confervaó o direito da fuccedaó ab
'n,cftado , juntamente foi revogada pela Lei dc 9 de Setembro
* *7*9» §•
70 Direito Particuiar Portugubz

taçaõ de outros bens de igual valor, §. 4. deíle tit. ( m ).

§. LXXXVI.

Nau tendo faculdade para poíTuirem por mais dc


hum anno o dominio adquirido ( §. 83 ) ; femie-fe, i.*
que 110 cafo de devolução ( §. 85) nao pode confolidar-
fe o dominio util com o diredto , Lei de 4 dc Julho de
1768, §. Declaro, e Lei de 12 de Maio de 1769, §. Os
prazos (n): 2.°que deve alienar-fe o dominio util pelo
mef-

("') No 4. deite tit. fe permittc a troca , e efcambo com a


declaraçao , que a melhoria dos que a Igreja receber em troca
naõ pareça mais doaçaõ, do que troca , ou efcambo ; porém
por efla declaraçaõ naõ fe deve julgar prohibida a acquifiçaô do
excedo por titulo de doaçaõ, mas fó a retençaõ defta acquifiçaô,
porque nefte §. tra£ta-fe da acquifiçaô perpetua dos bens troca-
dos , que vem a fobrogar-fe, e fubftituir-fe em lugar dos outros,
que a Igreja dá em permutaçaó; os quais o mefmo §. fuppõe
legitimamente poíluidos ; e por iílb faz a referida declaraçaõ ,
i(lo lie , que o exceílo dos bens trocados naõ feja mais doaçaõ
do que troca; mas fe o for deve alienarfe o excedo dentro danno,
e dia , como bens adquiridos por doaçaõ ( §. 83 ).
(*) A confolidaçaó propriamente de tal fórte une os dous do-
mínios , que ficaõ os bens emphyteuticados reduzidos á pri-
mordial natureza do dominio pleno ; mas como effeaivamente
fe adqu ire o dominio util na refpeaiva confolidaçaÕ , verifica-
da efia , vem o fenhor diredo a adquirir por meio delia hum
novo domínio , que pela unidade com o direfto fica aquelle ex-
tinflo , e em confequencia confervado pelo fenhor dire&o , ei*
razaõ do dominio maior. Porém como as Igrejas , e Ordens
naõ podem poiTuir por mais danno e dia as acquifiçóes (§.82),
vem em confequencia a fcr-lhes prohibidas as confolidações.
PARTE III. Titulo XVIII. 7r

mefmo foro , e laudemio anterior, Lei de r 2 de Maio de


1769,$. Os prazos, e §. Finalmente (o): 3.0 que nocafode
acquifiçaõ do dominio pleno, deve alienar-fe todo eite do-
minio, e naõ baila a alienaçaõ do dominio útil , ou os
emprazamentos , Lei de 30 de Julho de 1611 , e de 4
de Junho de 1768 , §. liem 2.0.

§. LXXXVII.

Naõ podendo as Igrejas coníolidar , e devendo ali-


enar pelo mefmo foro, e laudemio , o dominio util ad-
quirido por devolução , ou commiffò (§.86, n. 2) s fegue-
fe que os afloramentos devem fer perpétuos , e devem
continuar fem mudança, ou alteraçaõ da fua primordi-
al natureza, Lei de 12 de Maio de 1769 , §. Os prafos , e
Item i.° (/>).
§. LXXXVIII.

Faz também objeâo defte titulo a reftricçaõ da


faculdade, que os Clérigos de Ordens Sacras, ou Be-'
neíkiados, tem para adquirirem, e pofluirem bens de
raiz
; cuja faculdade também fe-lhe reftringe pela quali-
dade das coufas. Nao podem pois adquirir i.°por titulo
algum
("J Como o fim da prohibiçaõ para adquirir bens de raiz he
Pela locupletaçaó das Igrejas , e Ordens, com prejuízo dos po-
v s
° . c das pelToas feculares , Lei do Senhor D. AfFonfo II. de
l2
'i 1 o que realmente fe verifica podendoemprazar por maior
ro
^° » e laudemio, o dominio adquirido por devolucaó, ou com-
1 juftamente fe determina , que os novos afForamentos fe
^Çaô pelo mefmo foro , e laudemio , já eitipulado nos anterio-
res
titulos.
^•P) Por efte mefmo Item fe mandaõ reformar as Efcripturas
s
Prazos feitos em vidas, para a natureza de perpétuos.
72 Diíeito Particular Portuguez

algum bens da Coroa, Ord. 1.2, tíc. 35 , §. 10. nem 2.0 por
tit. que naõ feja o delegitima fucceíTaõ podem adquirir
bens nos Reguengos , ou que fejaõ tributários a Corôa
(§ 78) »§• 6 e 7 deite tit. , nem bens que fejaõ de peílòas
eccleííafticas , §. 5 deite tit. (q) ,os quaes podem pofíuir
fó por hum anno, contado do dia da morte do fenhor dei-
les,§. 7. inpr. (r), porto que fejaõ bens adquiridos/«-
tuitu Ecclefite, o mefmo §. 7, verf. ult. (s).
T I-

(q) Permittindo-fe por cite §. aos Clérigos a acquifiçaÔ dos


bens dc raiz com obrigaçaõ de os alienarem em pefloas leigas ,
fegue-fe que as referidas pelToas naõ podem adquirir bens de
outras peíToas ecclefiaíticas (§. 8r, not. c jpor outro tit. , que naó
feja o delegitima fucceíTaõ , §. 7 deite tit.
(>-) Neila mefma faculdade fe contemplaó no referido §. 7 aí
peiloas Religiofas, em cuja parte fe acha revogado pelos princí-
pios propofios , §. 85 , not. 1. in fin.
(í) Pela Ord. Man. liv. 2, tit. 8, §. penult. , fe permittia in-
diftinâamente a fucceffaÕ ab inteílado nos bens dos Clérigos.
Porém o Senhor D. JoaÓ III. pela ProvifaÕ de 3 de Setembro
de 1553, LeaÔ 2. parte, tit. 2, Lei 10, declarou que aquella per-
miífaó fe naõ eítendia aos bens adquiridos inluitu Ecclefit. 0«
Philippiílas , attendendo fimplesmente ao coítume geral dc feme-
Ihantes fuccefsões, declararaõ , que verificando-fe cila em her-
deiros ecclefiaíticos , naõ podeflem eltcs reter os bens por mais
de hum anno , da mefma fórte que naõ podiaÕ reter os outros
bens patrimoniaes , em que fuccedem ao defunto ecclefialtico , c
que os herdeiros proximos ao defunto , depois do clérigo que lhe
fuccedeo , pudeflem demandallos até feis mezes depois do anno
em que o herdeiro ecclefialtico he obrigado a aiienallos, §• 7
deite tit.
Parte III. Titulo XIX. 73

TITULO XIX.
^ue ninguém tome pojje dos Benefícios, qimido vagarem , [em
licença do Ordinário.

f. LXXXIX,

T Em por objeiíto efte tit. prohibir a poíle dos Be-


nefícios , Igrejas , c Morteiros , e dos feus Padroados, fem
auétoridade do Ordinário do Bifpado. As violências , e
ufurpações, que dos Padroados , e dos Benefícios , e Mo-
rteiros faziaõ os fenhores de terras nos feus íenhorios,
e outras peíToas, he que derao occaíiaõ a efte titulo (a).

§. LXXXX.

Determina-fe por tanto nefte titulo, i.° que nenhu-


ma peíToa , de qualquer qualidade que feja , tome poíle
das Igrejas, Morteiros, ou Benefícios, fem au&oridade
do Ordinário do Bifpado : i.° que a pelloa que tiver Pro-
K vifaõ

( a ) Os fenhores de terras , logo que nos feus domínios va-


cava algum Beneficio , ou Reitoria , fe metiaõ violentamente de
pofTe delles como Padroeiro? , e muitas vezes elles , e outras pei-
das ufurpavaõ os feus bens, Ord. AfFonf. liv. 2, tit. 7, do que fe
Slleixaraõ os Ecclefiafticos ao Senhor D.Joaò I., como conda da
arl
'g° 77 , e 78 da fua Concord. , e particularmente fe queixou
D
- Lourenço Arcebifpo de Braga, cuja queixa deo occàfiaôá
^ei de 14. de Fevereiro de 1421, que fe refere na Ord. Affonf.liv.
a l
* 't- 16, debaixo da rubrica: Dos leiga, que tomaõpoffe dos lene-
fc'os, quando vagaõ. Delles títulos formaraó os Compiladores
^an- o titulo 9 do liv. 2 , fonts próxima deite nolTo titulo.
74 Dl R E X TO P A RTIC U L A R Po R T U G UEZ

vifaõ do Ordinário para tomar a polTe, a pode por fi


mefmo tomar, achando o Beneficio defimpedido, e dc
modo que naõ faça afiliada : 3.° que achando o Beneficio
impedido , deve recorrer ao Corregedor da Comarca
com a Provifao do Ordinário , para o meter dc poiíe : 4.0
que a pefloa, que tomar a pofie fem as referidas circun-
ítancias por fi , ou por procurador, feja degradada qua-
tio annos para Africa, e condemnada em cincoenta cru-
zados ; e o procurador, fendo nobre , feja degradado dous
annos para Africa , e condemnado em outra igual quan-
tia para as Juítiças , e para a parte , e o dobro de toda a
damnificaçao , que lhe caufar; e fendo piaÕ, condemna-
do em açoutes, alem da referida pena pecuniaria , e do
dobro (l>) : 5.° que o que tomar pofie fem algum titulo,
porque o Beneficio lhe pertença, e fem Provifao do Or-
dinário , e tomar alguma coufa ao Mofteiro, ou Igreja ,
incorre nas penas dos que forçófa, e furtivamente tomaõ
o alheio (c).

§. LXXXXI.
( b) Nefte titulo fe figuraõ duas peffoas, que podem tomar pof-
fc : huma mais principal nas palavras : E o que for principal nt>
tomar dapoffe : e outra a contrario menos principal, efia fe coin-
prehende nas palavras: O que fizer o contrario feja degradado dous
annos pura a Africa , tfendo piaÕ feja açoutado : porque a mais
principal fe comprehcnde nas palavras feguintes : E o que for prin-
cipal: cuja duplicidade de pefíoas fe confirma pela differença das
, Penas i e Por confequencia no tomar da pofie fe podem confide-
rar duas peíToas : huma a que toma pofie para fi , mediata , ou
immediatamente ; e a outra a que toma pofie como Procurador.
[c) A pena do que forçofamente toma o alheio hc dc inorte»
paíTando de dez mil reis, Oíd. liv.5, tit. 61.
Paute III. Título XX. 75

$. LXXXXI.

Os nofíos interpretes tem entendido efte titulo a ref-


peito dos Beneficiados, para fe naÕ inveftirem na polTe
dos Benefícios fem auótoridade do Bifpo (d) ; fegundo a
qual parece que , ainda no cafo de ferem providos os Be-
neficiados pela Sé Apoítolica, naõ poderiaõ eítes tomar
poiTe fem Provifaõ do Ordinário , nem as Juftiças Secu-
lares dar-lhes auxilio fem a referida Provifaõ ; mas o
coílume eítá em contrario, porque o Juiz Executor he o
que manda dar a poíTe.

TITULO XX.
Das efcripturas, que os Eferivães dos Vigários , Mofteiros ,
e Notarios Apojlolicos podem fazer-, e dos Jallarios que po-
dem levar.
§. LXXXXII.

N A fegunda parte deftas Prelecções (tit. 5 , cap. xr


§• 1x8, not.j) moltramos, que a jurifdiçaõ contenciofa.de
que ufaõ os Juizes Ecclefiafticos , he hum privilegio dos
Príncipes •, e no tit. 7, cap. 5, moftramos que o Direito de
c
rear Officiaes de Juftiça era privativo dos mefmos Prín-
cipes (a) ; cm confequencia os Eferivães do foro ecclefi-
K 2 aftico

(d) Vid. Ver. de Man. Reg. a elletit.


(a ) Os Eferivães ecclefiafticos naõ tinhaõ fé publica , nem
formavaõ os proceilbs do foro ate o tempo do Senhor D.Joaô II.
^Cr- de Man. Reg. ao artigo 57 da Concord. do Senhor D.
J°aõ I. No tempo do Senhor I). Diniz pertendeo o Bifpo de
Lisboa
76 Direito Particular Portuguez

aftico nao podem ter outra aucloridade , que aquella


que lhes for concedida pelos Príncipes.

§. LXXXXIII.

Vejamos por tanto o que a refpeito delles íe deter-


mina neíte tit. Elie contem duas partes, i.° a refpeito
das eferipturas, que os referidos Efcriváes podem fazer:
2.0 dos fallarios, que devem levar. As eferipturas , que
podem fazer, fendo alguma das partes leiga, faõ única-,
mente as de intimaçaõ de appellações d'ante os Juizes
Ecclefiafticos, e notificações delias, e de inftituições,
c confirmações de Benefícios, e da tomada dapoífe del-

les,
Lisboa , que os feus Efcriváes afíiftiifem ás audiências , e for-
maíTem os pioceflòs delias ; porém o Senhor D. Diniz obteve
fentença contra elle , fundada , em que a creaçaõ de femelhantes
oíficioshe de direito Mageftatico;e efte foi o parecer dos Letrados
<!e Belonha, aquém o Senhor D. Diniz confultou. No tempo
do Senhor D.Joaõ I. pertenderaÕ todos o Ecclefiafticos efte mef-
mo ilireito , e que os Tabelliães feculares foffem excluidos das
fuás audiências ; porém o dito Senhor determinou , que fe ob-
fervafle o que fe tinha refolvido 110 tempo do Senhor D. Di-
niz ; permittindo-Ihe unicamente , que os Efcriváes ecclefiafti-
cos fizeilem os procefibs das audiências nos lugares onde hou-
refíe efte coftume, artig. 57 da Concord. do Senhor D. JoaC !•
Depois determinou o mefmo Senhor por huma Lei, que fe refere
na Ord. AlTonf. liv. 2, tit. 18 , que Tabelliães feculares , ou do
Rei foftem os que efcreveOem nas Audiências dos Prelados , ou
«le feus Vigários , todos os feitos , que nellas fe traftalTem , pai"3
informarem a El Rei , fe os Ecclefiafticos ufurpavaõ a fua j»r's'
diçaõ , ou faziaõ o que nao deviaò. O Senhor D. Joaó II. final"
mente concedeo a faculdade que elles pertendiaó.
Parte III. TITU LO XXI. 77

ks, e de outras coufas femelhantemente ecclefiafticas ; fi-


cando todas as mais nullas (b), pr. defte tit. Felo que per-
tence aos í aliar ias, elles devem obfervar o Regimento dos
Efcrivães da Corte, §. 1 defte tit. (c) ; o que igualmente
foi determinado aos Officiaes da Legacia pelo Avifo de
14 de Junho de 1444.

TITULO XXI.
Que os Fidalgos, e /eus Mordomos, nao poufem nas Igrejas, e
Mojleiros ; nem lhes tomem fuás coufas contra vontade
dos Abbades , e Jeus Religiofos..

§. LXXXXIV.

O S abufos , e uííirpaçoes, que fe faziáo dos Direitos


do Padroado , parece fer os motivos da legislaçaõ, que
fe comprehende nefte titulo (a). Determina-fe pois nel-

> 1c,
(l>) Além da nullidade das efcripturas , hc obrigado o Eícri-
Vaô , fendo leigo , a pagar dez cruzados ; e a parte leiga, que o
íonfentir , cinco-
\c) Os Philippiftas perverterão a ordem da Ord. Man. liv. 2 ,
,ir
' 10, fonte próxima defte titulo, fazendo do §. 1 daquella Ord.
0
principio defte titulo , e do principio do tit. daquella Ord. o
1. defte tit. ; e defta transpoíiça6 procede a obfcuridade, fc
a
taxa dos fallarios fe deve entender fó nas efcripturas , em que
a
° menos alguma das partes for leiga , ou em todas , ainda que
ar
nbas as partes fejaõ ecclefiaíticas ; quando pela Ord. Man. hc
c
Wo que procede ein todas,
W Hum dos direitos annexos ao Padroado he o de exigirem os
Padroeiros pobres alimentos da Igreja , de que faó Padroeiros ,
além
•7S Direito Particular Portuguez

lc, que nenhum Fidalgo , ou outra peíToa de qualquer


qualidade que feja, poíTa poufar nas Igrejas , ou Mortei-
ros , contra a vontade dos Abbades, ou de feus Clérigos ,
ou dos feus mordomos, nem haverem outras comedorias,
ou tomadias , que aquellas que tiverem direito para ha-
verem.

TITULO XXII.
§>ite as Igrejas naofejaõ tributarias por efiarem nos Reguengos.

§. LXXXXV.

O titulo 18 ( §. 8o , not. e ) didemos, que as Igre-


jas , nos cafos em que lhes he permittido pofTuirem bens
fo-
além de outras utilidades refervadas , e eftipuladas na fundaçaó
das Igrejas , ou Morteiros, Eyb. Jus Ecclefiaji. liv. 2 , cap. 4,
de rebus eccleftajl. in gen., §. 119 , not. 6. Eftas utilidades con-
íirtiaò nas comedorias , e apofentadorias , iíto he , no direito de
poufarem nas Igrejas, c Morteiros com fuas famílias , e de ex-
igirem delles certos tributos de aves , e outros mantimentos r
principalmente quando cafavaõ feus filhos , e os armavaÓ Caval-
leiros. O Senhor D. AfFonfo III., como conrta da Ord. Affonf
liv. 2, tit. 19, talvez por cohibir os abufos , e violências, que a«
Igrejas fofFriaó por occafiaG deftes Direitos, prohibio que fe p«"
delfe ufar delles contra a vontade das Igrejas, e Morteiros. O Se-
nhor D. Diniz taxou as comedorias a razaõ de hum homem or*
dinario fomente ; e prohibio as apofentadorias , que fe pagavao
para o cafamento dos filhos dos Padroeiros , e quando fe arma-
vaõ Cavalleiros. O Senhor D. AfFonfo IV . renovou a mefina de-
terminação do Senhor D. Diniz; e o Senhor D. Joaô II. aboli"
intei-
Parte III. Titulo XXII. 79

foreiros , ou tributários á Corôa, tem obrigaçao dc pa-


gar os refpcctivos tributos , ou fóros. Limita-fe por eíte
titulo efta obrigaçao, 1.° nos aflentos das Igrejas, ou
Templos do Padroado Real, enos paflaesjuntos ás Igre-
jas , e taes que hum Lavrador lavre commummente no
tempo da lavoura com huma junta de bois : 2.0 nos af-
lentos das outras Igrejas, ou Templos, em que o con-
trario naõ for determinado pelo foral do lugar, ou por
outro jufto titulo (a).

T I-
íntciramcnte as comedorias ; porém os Compiladores Man. no
liv. a, tit. ix, falvaraô daquella prohibiçaõ os direitos de come-
dorias , c apofentadorias , que cada hum tivefle ; o que paflTou
para o noffo tit. verf. ult.
(«) O Senhor D. Affonf. III. Ord. AíFonf. liv. 2, tit. 19, §. r,
ifentou da obrigaçao dos tributos, ou foros, as Igrejas, ou Tem-
plos, pelo que pertence ao aderno, em que eftaõ edificados , fe o
contrario naõ for determinado pelo fora! , ou por outro jufto ti-
l
ulo. Efla Lei paliou para a Ord. Man. liv. 2 , tit. 11, §, 1. O
Penhor D. JoaõlII. pela Lei de 8 de Junho de 1553, Leão
parte tit. 2 , L. 4 , declarou , que a excepção do foral fe naõ
er
>tendeffe nos aflentos das Igrejas , que foflem do feu Padroado ,
"em nos paflaes conjundos a elias , que hum lavrador lavraíTo
c
°mmuminentc em hum anno no tempo da lavoura com huma
Jl,nta de bois.
Ho Direito Particular P o r t b g i e z

TITULO XXIII.
Que os Prelados, e Fidalgos nao façaõ defezas em /nas ter-
ras em prejuízo das Igrejas (a).

§. LXXXXVI.

c
Ontem cite titulo tres partes ; na r.« (e prohibe póc
defezas (é) em fuas terras a quaefquer fenhores delias,
que feja em prejuízo das rendas, e bens das Igrejas, ou
Mofhuros, que nellas houver. Na 2.* parte , que forma o
§. i , fe determina que os Prelados naõ gravem as Igre-
jas , Morteiros, e homens delias, nem lhes demandem
mais do que por Direito devem haver. Na 3.3 parte fe
pro-

(«) Os Senhores de terras , Fidalgos , e Prelados cofhimavaó


onerar as terras da fua jurisdiçaõ , e Prelafia , exigindo maiores
«lecimas , ou encargos , do que coílumava pagar-fe ; c outras
vezes coutavaõ as terras para nellas fe naõ caçar, nem cortar
inatas. A luins c outros abufos occorreo o Senhor D. Afionfo
III. pela Lei, que fe refere na Ord. Affonf.liv. 2, tit. 20, prohi-
bindo , r.° que os Fidalgos , e Cavalieiros , e outros quaesqi'er
Senhores de terras fizefiem defeza nellas , porque as terras das
igrejas , e Morteiros fe fizeíTem ermas, e deixafTem de fe lavrar:
2.° que os Prelados demandaflem das Igrejas e Moíleiros
mais fubfidios , que os que antigamente levavaó. Os Compila'
dores Man. naõ fó confervaraõ o determinado na Ord. Affonf- <
mas accrefcentaraó , que peííoa nenhuma obrigaíTe aos Reitores
das Igrejas a arrendarem as fuas rendas , e terras , a efta , °"
áquclla pcíToa , debaixo das penas determinadas nefte titulo.
(/>) Por defezas naõ fe entendem fó as coutadas , Ord. 1. 5» ,'t'
çi ; mas toda , e qualquer prohibiçaõ , que íc faça do ufo d3S
faculdades de cada hum.
PARTE III. Titulo XXIV.

prohibe toda a coaçaõ nos arrendamentos dos bens, e


rendas das Igrejas , para que os Reitores delias os poííàõ
colher, ou arrendar, aquém for íua vontade (c).

TITULO XXIV.
%<f fe mo pojja comprar, nem receber em penhor prata, e or-
namentos das Igrejas, ou Mofleiros ,/cm licença de EIRei.

§. LXXXXVII.

D Os officios de protecça5 , que os Príncipes devem


á Igreja ( P. II. deitas Prel ecções tit. 5, cap. 4 ) , e da in-
fpccçaõ, que os melYnos Príncipes tem nos bens das Igre-
jas ( P. II. tit. 5 , cap. 12) , procede a au&oridade deita
Ord,, cm que prohibe, que os ornamentos , prata, ouro ,
ejóias das Igrejas, eMofteiros, fe alienem por qual-
quer titulo, ou fe recebaõ cm penhor, ainda mcfmo
nos cafos permittidos por Direito (a), fem primeiro ob-
terem licença Regia (b). L T I-

(c) Elias determinações faõ munidas com a pena de fer nullo


0
contrafto . e de pagar o rendeiro , que pelo meio da coacçaó
'Omar a renda, o dobro que por cila der, applicada para a mefma
Igreja.
(") As caufas, porque he licito por Direito vender, ou alienar os
kens das Igrejas, faó: r.° para a redempçaó dos eaptivos, Lei 22,
^-od. de Sacros. Etclef.\ Nov. 120, cap. 10; Can. 14,c 15, Cai:!.
l2
> q- 2: 2.0 para alimento dos pobres , e fepultura dos Cliri-
^aõs : 3.0 para utilidade dos Mofleiros , Priorados , ou Igrejas {
^VanEfpen. Jus Ecclef. Vn. , p. 2, fef. 4- tit. 5>caP"
(i) Efta deferminaçaõ he munida com a pena de pagar o novea-
» ou nove vezes o valor da coufa , o que a comprar, ou rece»
bei
§2 Dirsito Particuiar Portuguez

TITULO XXV.
Como fe entenderão os privilégios dados às Igrejas > e Moflei-
r°s, parafeus Lavradores, e Cafeiros.

§. LXXXXVIII.
o S Senhores
. Reis de Portugal, pela fua muita pie-
c ade, concederão as Igrejas certos privilégios para os feus
-ivradores, cafeiros, mancebos, e fervidores. A exten-
a
<" ,que as Igrejas, e Morteiros pertendiaõ fazer deites
privilégios, obrigou aos mefmos Senhores a declararem ,
que peffoas fe devem nelles entender comprehendidas j
cuja declaraçaõ faz o único objecto derte tit. (a).

§. LXXXXIX.

Declara-fe portanto nefte titulo, que as palavras: feus


lavradores , que fuás herdades lavrarem, e aproveitarem : fe
entendem aquelles, que fe governarem , c mantiverem a
maior parte da vida dos frudtos das herdades, e Morteiros,
poíto que naõ rtja encabeçado em algumas delias , ou em
algum cafal (b), e porto que também lavre, e aproveite
outro
ber em penhor, 011 por outra qualquer maneira ; metade para
quem o accufar , e outra para os Captivos , e de tornar a cou-
fa para a Igreja , ou Morteiro, fem por iffo reítituir o preço de
compra , ou penhor.
(a) Ord. AfFonf. liv. 2, tit. 23.
(b) O cafeiro encabeçado fe entende aquelle , que naó he fím-
ples colono, ou foreiro; mas que vive nas cafas das herdades, dit»
Ord. AfFonf.
PARTE III. Titulo XXVI. 83

outro cafal, que naõ feja da Igreja , com tanto que dcllc
tire menor utilidade, que do caiai da Igreja : 2.°fe:is cafei-
ros íe entendem , os que continuadamente vivem nas fuas
quintas, e pelas lavouras delles faõ governados a maior
parte da fua vida, §. 1 deite tit. (c) : 3 ° feus mancebos , e
Servidores fe entendem os que fervem continuadamente ,
c a maior parte do anno os Moíleiros, e Igrejas, e faõ
por elles mantidos, e vertidos , §. 3 defte tit. (d) ; cuja
declaraçao foi extendida á Religião de Malta , pelo Alva-
rá de 9 de Julho de 1642, Colleçaõ i.a a efte titulo.

TITULO XXVI.
Dos Direitos Rcaes.

§. C.

Or Direitos Reaes entendemos todos os direitos,


faculdades, ou pofíefíòens , que pertencem ao Summo Im-
perante , como tal, e como Reprefentante da fociedade
("). Os Direitos , que como Summo Imperante lhe com-
L 2 petem,

( c ) Entre os cafeiros , e lavradores naó ha outra differençà


Hais , do que ferem aquelles encabeçados , c eftes naó.
W Eftes privilégios afllm mefmo interpretados fe naõ exten-
^ein aos lavradores , e cafeiros dos bens adquiridos , ou poíTui-
d
°s contra a Ord. , §. 3 defte tit.
(a) Aos Imperantes naó fó competem aquelles direitos fupe-
r
'°res aos dos focios unidos , e que recebem em confequencil
<
'° «ftado de Imperantes, ou immediatamente de Deos (1!. Pari.
ll
eftas Prelecções tit. 7 , cap. 3 , §. 145 ) mas também aquelles ,
que
84 Direito Particular Portuguez

petcm , ou faõ eíTcnciaes, e refultadosda noçaõ do Summo


Império ; ou faõ adventícios , e refultados dos padtos,
e convenções cfpeciaes ,ou do coííume do Reino (c). Os
que lhes competem como Reprefentantes da íociedade,
faõ os que relultaõ da natureza da mefma reprefentaçaõ.

§. cr.

Na II. P. deftas Prelecções ( tit. 4, e ícg. ) tradamos


dos Direitos efíenciaes do Summo Imperante, alguns dos
quaes ie referem nefte tit. (d) , affim como o.s Direitos
accidentaes, ou Mageftaticos menores ; e os que lhe com-
petem como Reprefentantes da fociedade.
§. CII.
que aliás laõ próprios da mefma fociedade , de que elles tam-
bém fao Reprefentantes , como chefes delia ; e aquelles que por
coítume, ou por convenção dos membros da fociedade lhe per-
tencem.
(b) Os Interpretes dividem os Direitos Reaes em maiores , e
menores : chamaô maiores aos Mageftaticos tflenciaes, e meno-
res aos adventícios , quaes faõ principalmente os bens da Coroa.
Sextino de Regalib. liv. 2; Montano de Regalib. queft. 4.
(c) Os Egypcios, e os povos da Germania aífignaraõ varias
terras dos feus domínios para aconfervaçaÕ , e efplendor da di-
gnidade dos feus Imperantes , como refere Grot. Dejur. bell
t/cpac. , lib. 2, cap. 8, §. 5. Germânia aulem populi, curn Prirtci'
f'bus , ac Regibus qutdam ejjent ajjignanda , unde dignitatem fu<
JuJimerent , fapienter exijlimarmt ub illis rebus incipiendum , q"a
fine damno cujufquam tribui pojjint ; cujujmodi Junt res omites , qu&
in dominium nulhus pervenerunt. Quo jure u/os & Egyptios vídeo-
(d) O Senhor D. Duarte querendo confervar os Direitos , q"e
pertenceífcm á Coroa , ordenou ao Doutor Rui Fernandes , do
fe u
PARTE III. Titulo XXVI. 85

§. CU.

Pcflo ifio, vejamos quaes lao os Direitos Reaes , que


fc referem nefte titulo. E principiando pelos Direitos
Reaes Mageftaticos maiores, ou eficnciaes, faõ 1.° o Di-
reito de crcar Capitães na terra , e no mar, pr. deite tit.;
2.0 o Direito de crear Officiaes de Jufliça , §. 1 (d-) : 3.° o
Direito dc permittir fazer armas de jogo, ou de fanha
entre os requeftados (/) : 4.° o Direito de obrigar os Po-
vos
leu Confelho , que , confultando as Leis Imperiaes , e o Direito
Canónico , lhe declaralle quais eraõ os Direitos , que pertenciaó
a Coroa , Ord. AfFonf. liv. 2, tit. 24. Rui Fernandes confultou
principalmente as Leis Imperiaes do liv. 2.0 Ftudo rum, tit. 56,
guafmt regalia , em que fe deferevem quafi todos os Direitos ,
que os Italianos concederão ao Imperador Friderico I. nas Cida-
des Feudatarias ; Cujacio liv. 5. defeudis ; Sextino de Rcgalib.
'nprocem. n. 5. Os Compradores do Codigo Affonf.no , e dos
polleriores , conhecendo por huma parte , que em Portugal naõ
''avia feudos, Ord. 1. 2 , tit. 35, §. 3, e por outra parte naó ad-
V(
-rtindo , que naquella declaraçaõ fe naó comprehendiaó todos
0s
Direitos Magellaticos , formaraõ eíle tit. fegundo aquella de.
c
'araçaõ.
(fJ Poftoqueos Monarchas concedaó a alguns dos feus vaíTallos
0
oireito dc fazer officiaes de jufliça , elles naó abdiçaõ por ilfo
® Suixuno Império ; e os Donatários obraó como fimplices de-
e a
c dosfecom dependencia da approvaçaó Regia das mefmas,
®°nieações , Ord liv. 2 , tit. 45 , §. 13 , c feg.
(/) A palav ra Sanka fignifica ira , ou raiva , Barros De-
Ca
d- 2. Nefte §. combinado coin o §. 32 , verf. porém fe fe
^tar cem fanha , parece confirmar-fe a mefma fignificaçaõ. A
P^avra requejlaãos , fegundo o mefmo Barros Decad. 4 , tam-
bém
86 Direito Particular Portuguez

vos a fervir peííbalmente na guerra, e levar o neceíB.rio


aos arraiaes, §. 5 : 5.0 o Direito de lançar pedidos, ou
tributos, §. 6: 6.° o Direito de tomar carros, e bcftas
dos fubditos , e naturaes (g) para feu ferviço , e obriga-
los

bem (igniíica contenda, ou peleja; donde fe poderia entender, que


neíle §. fe trada dos defafios , ou ducllos feitos com autorida-
de publica. Porém cita intelligencia prefuppóe lícitos fimilhan-
tes duellos, e defafios, diametralmente oppoftos aos principios de
Direito Natural , como contrários á própria confervaçaó , e
prohibidos pelo Concilio Trid. , fe(T. 25 , cap. 19, de refor-
viut. ; pelas Leis Romarias , L. única Cod. d> gl/.dia/or. pemt.
tollend. , e Nov. 69 in pr.; pelas Leis das fete partidas, Lei 8 ,
tit. 14. Partid. 7 ; e particularmente pelas noíTas, Ord. Aftonf.
liv. 5 , tit. 53 , Man. tit. 93 , e Philipp, tit. 43 , Extrav. de
II dc Março de 1590 , e de 7 de Setembro de 1599 , como in-
trinfecamente máos , principalmente pela referida Extrav. de 7
dc Setembio. Por tanto eíle §. deve entender-fe das judas , e
torneios, cujos jogos ,e divertimentos públicos faõ antiqui(limos
nas Iíefpanhas ; e como elles faõ huma apparencia de duellos , e
defafios , as armas , que nelles fe ufaó , affim como os mefmos
jogos, fe expreílaõ pelo nome allegorico , e figurativo dos def-
afios verdadeiros, o que fe confirma pelas palavras : armas dejog"•
que fe equiparao ás de fanha , pela disjuntiva, ou defanha-, don-
de o efpirito defte §. parece, que lie direito proprio dos Reis dar
lugar a fe fazerem as armas , de que fe há de ufar nas juftas, e'
torneios; a razaõ he, porque eftes jogos faõ prohibidos pelos Câ-
nones , cap. 1 de lorncament. , pelo perigo que muitas vezes dél-
les refulta; cuja prohibiçaó foi adoptada nas Hefpanhas : he
por tanto neceiíario que o Príncipe conceda eftes jogos , e per-
muta fazer armas para elles.
(£•) Efte §. 7 especifica a qualidade «le naturaes fiibditos »
para
PARTE III. Titulo XXVI. 87

los a fazer-lhe pontçs para paliarem , e levar Aías coufas,


§•7 (b) : 7.0 a audloridadc de fazer moeda (/), §. 3.

§. cm.

Os Direitos Reaes menores, ou adventícios, que


Pertencem ao Imperante como tal (§. iooj, faõ princi-
palmente os bens da Corôa ( /) ( §. 100, not. b ). Eftes
bens ou lhe pertencem pelo titulo da primeira divi-
fao
Para differença dos fubditos naõ naturaes , e dos lubditos natu-
íaes. Vid. tit. 55, in fw.
( h) Elie direito compete ao Príncipe , como fonte de toda a
jurisdição, e juftiça. A boa ordem , e vinculo da fociedade obri-
ga , que os focios firvaõ huns aos outros com os feus miíteres ,
e ferviços ordinários , principalmente fendo-lhes recompenfa-
dos ; porém eíla coacçaô deve fer feita por auSoridade publica ,
as noífas Leis em certos cafos concedem aos Miniflros da
Jultiça, Ord. 1. 2, tit. 50 , §. 2, cujo direito he mais forte a ref-
P^ito do Príncipe ; e fendo elle a fonte da juítiça , juítamente
pode ufar de coacçaó para haver os miíteres , c coufas dos feus
Va
*lallos , quando lhe forem necelfarios.
('') O valor da moeda, que he privativo do Príncipe, fe decla-
ra
• e au£torifa pelo cunho , em que confilte a faíhira da moe-
a
^ ; donde fe fegue que a fa£tura delia he hum Direito Real ,
P'lvativo do Summo Império , Ord. 1. 5, tit. 12 , in pr.
C') Bens da Coroa faõ aquelles , que pertencem ao Imperan-
'e como tal , ou pelToa publica para confervaçaó da fua pef-
0a
» dignidade , e aula ; taes faó os fifcais, reguengos, jngadei-
r )s
' • e em geral todos os domaniais; e differem dos bens do Era-
*u> liais os tributos, terças do Confelho &c. , cuja appliençaó
e
P®ia defeza , e utilidade publica (11. Parte deitas Prelecções
H
* S . cap. 1, §. 74 ). Vid. Portug. de Donat. liv. 2, cap. 4.
8'i Direito Particular Portvguez

faõ (m), v. g. os regucngueiros, Ord.J. 2,tit. r6,os juga-


dciros. Ord. 1. i, tit. 33; cu pelo de efpecía!, c pofterior
appiicaçaõ ( §. 100); affim como, i.° os bens dos
condemnados na perda devida, efiado, ou liberdade,
naõ deixando algum afcendente , ou defcendente até
o terceiro gráo, §. 28 : 2.° os bens dos condemnados
em perda dellcs por Direito Commum , §. 29, ou Pátrio
( n ), f. 30 ( o ) : 3.0 os bens de que alguns fao pri-
vados como indignos de os poderem haver por Di-
reito Commum (p ), ou por Direito Pátrio , §. 19 (?):
4.0 as coufas que cahem em commiííb por dcfencami-
nhadas (r), e as penas em que por ilTo fe encorre 20:
5.0 os bens dos que commettem crime de herefia , ou de
leia Mageftade ,§. 21 , Ord. liv. 5 ,tit. 1. in pr. e tit. 6,
§. 1 r :

(m) Pelo titulo da divifaó lhe pertencem aqtielles bens , que os


Imperantes refervaraó para a Corôa na divifaó , que fizeraó das
terras conquiftadas pelos Fidalgos , Cavallciros , e Concelhos
das Villas, e Cidades, Br. Mon. Luf. , liv. 8, cap. 20.
( n ) Differem porém huns dos outros bens , em que os dos
condemnados por Direito Commum fó pertencem á Corôa, naô
deixando algum afcendente legitimo , §. 29.
( o ) Eíte §. 30 fó pôde bem entender-fe confrontado com &
Ord. Affonf. porque os Philippiftas pelas palavras: Por dejobtdé-
ctr ao
Príncipe , e Irafpaffar feus mandamentos : fubrogaraf»
as que fe achao nefle § Por affim tranfpaffarem noffos mandados.
(P) Tit. de iis, qute ut indignis aufer., que hc no Dig. o tit- 9
do liv. 34 , e no Cod. o tit. 35 do liv. 6.
(?) Ord. liv. 4, tit. 84.
( r ) fcftas coufas faó as que chamamos de contrabando , ql,e
feó prohibidas importar-fe , ou exportar-fe do Reino, Ord.l. 5»
tit. 109, §. 3, c tit. 113.
PARTE III. TITUIO XXVI. 89

§• 11 : 6.° os bens dos que cafaõ, ou commettem ince-


ito com alceadentcs em qualquer gráo , c com tranf-
vcrfaes até o 20. incluíive ,§. 22, Ord. 1. 5 , til. 17 , §.3
in fin. : -j.°o preço de coufa litigiofa , que he vendida, ou
alleada, §. 25, Ord. 1. 4, tit. 10 : 8.° os bens de raiz , que
compra algum official de juftiça temporal nos limites da
fua jurifdiçaõ, Ord. I.4. tit. 15: 9.0 todas as coufas deixa-
das indirectamente por ultima vontade em fraude da Lei
a alguma peiloa incapaz, §. 23 : io.° os bens do Procura-
dor d'El Rei, que faliificar o feito, por cujo motivo El Rei
perder a caufa , §. 24 : 11.° o preço duplo das cafas com-
pradas para fe desfazerem, e venderem os feus materiaes,
fe eom effeito fe desfizerem (j) , pago metade pelo com-
prador, e metade pelo vendedor, §. 27 : 12.0 os bens dos
que por caufa de crime fe aufentaraõ, c em fua aufencia
faõ annotados , e por nao virem dentro de hum anno a
livrarem-fe do crime fe adjudicaõ á Corôa, §.31, Ord. I.5,
tit. 128 (/}: 13.0 os bens do que fe matar por evitar acon-
M de-

(f) O §. 27 defta Ord. parece caftigara intenção do vende-


l
'°r » e comprador ; porém com effeito para fe verificar a pena
neceíTario , que fe desfaçaõ as cafas , bailando neftes termos
a
intençaõ de vender os materiaes, como fe vê da Ord. Affonf.
ki: Se alguém comprar algumas cafas para desfazer , e as derru-
^"r com tenção de vender a pedra.
0) Bens annotados fe entendem aquelles , que faõ eferiptos por
^•1-Rei, ifto he , pelos feus Officiaes , diante os Corregedores do
Cl
"irne das Relações, e poftos em fidelidade, Ord.l.5, tit.128; mas
fiaõ ficaõ por iffo proprios da Corôa : differem dos bens incorpo-
í:
>dos á Corôa verbal ou realmente , Ord. 1. 2 , tit. 36 , porque
e
^es faõ cfcriptos nos livros proprios , como bens proprios da
Co-
90 Direito Particular Portucuez

demnaçaõ dc perda de vida , ou de confiícaçaõ de bens ,


§. 32 : 14.° os bens em que os malfeitores faõ conde-
mnados fem ferem applicados a pefloa alguma em parti-
cular, §. 16 : 15.0 o direito de lançar pedidos para os feus
caíamentos, e de fuas filhas , §. 4 («) : 16.0 os direitos, e
rendas , que por Direito antigo fe pagaõ nas Alfandegas
dos Portos fecos , §. 13 :17.° as rendas, que por coítume
antigo fe pagaÕ das marinhas ,§.15:1 8.° os PafTos dos
Concelhos deftinados para fazer juftiça, §. 11 : 19.0 e fi-
nalmente todo o encargo aflim real, como pefToal im-
pofto por Lei, ou coftume, §. 33.

§. CIV.

Os Direitos, que pertencem ao Imperante, como Re-


prefentante da fociedade , faõ aquelles , que refultaÕ da
natureza da meíma reprefentaçaõ ( §. 100); taes faõ, i.°
as coufas , que naõ foraõ applicadas , ou divididas ( §.

102,
Coroa ; e os annotados fó paíTaõ a fer deferiptos nos livros pio*
prios, quando verdadeiramente feadjudicaó á Coroa , como fuc-
cede nao vindo o rco defenderfe , Ord. 1. 5 , tit. 128 , in pr. >
verf. Certo.
( u ) Os povos muitas vezes offcreccraõ aos nolTos MonarchaS
donativos para os cafamentos dc feus filhos. Nas Cortes de Évo-
ra de 1490 offereceraó cem mil cruzados ao Senhor D. Joaó H«
para o cafamento do Príncipe com a Infanta de Caftella, Refeiid-
Chron. do dito Senhor , cap. 109. Nas Cortes de Torres NovaS
de 1525 offereceraó ao Senhor D. João III. cento e cincoents*
mil cruzados para o cafamento da Imperatriz, Cartorio da Ca-»
maia do Porto , liv. 1 das Chap. fl. 314. Porém eítes offereci-
roantos naõ encontrão o direito , que El-Rci tem para lançar pe-
didos , fendo-lhe nccelfarios.
PARTE III. Titulo XXVI. 9*

102. not. /.): 2.0 as que, depois de o terem fido, fe fazem


vagas, §. 17, todas as quaes pertencem á fociedade , pelo
titulo da occupaçao per univerfalilatem (#). As que naõ
foraÕ applicadas faõ, r.° as eftradas, e ruas, que pelo diu-
turno ufo fe fazem publicas, §. 8(3): 2.0 os rios navega-
veis , e os que fazem eítes, fefaõ plenos, ou caudaes „
que corrao em todo o tempo, §. 8 ; e em confequencia os
direitos que pagaõ os que por elles palíaõ , §. 12, e as ren-
das que fe pagaõ das pefcarias ,que nelles fe fazem ,
14 : 3.0 os portos do mar aonde os navios coftumaõ an-
corar , e em confequencia as rendas, e direitos, que fe pa-
gaõ pelas mercadorias , que ahi fe trazem , §. x 9 , e das
pefcarias que fe fazem no mar , §.14:4.° as Ilhas adja-
centes, mais chegadas ao Reino, §. 10 (y) : 5.0 os vieiros ,
c minas de qualquer metal, §. 16. (vid. tit. 34.)
M 2 §• CV.

(x) No recinílo de hum Eftado naó ha coufa alguma nullius ,


"em mefmo aquellas coufas, que naó eftaó naturalmente occupa-
òas , porque todas ellas, como accelTorias do territorio em que Te
contém , pertencem ao mefmo povo , como pelToa moral domi-
nante , e occupante pelo titulo de occupaçaó per umverfalitatem,
Grot. Jur.Bcll. Pac., liv. 2, cap.2, §.4 ; e como o Imperante
também reprefenta o feu povo (§. 100 not. a) he claro , que fe-
re
elhantes bens pertencem á Coroa , ou ao Imperante , como
Reprefentante da fociedade.
(z ) Efte parece fer o fentido das palavras antigamente ufa-
d"s , aliás as novas eftradas naó feriaõ publicas.
{y ) O dominio do mar , fegundo a mais provável opinião, fc
cftende aos confins , e fronteiras do Eftado , Peres Apparat. jur.
íublic. Hlfpan., liv. 1, cap.18 ; e como elles faõ públicos, ou do
Eftado, faô em confequencia da Corôa também as Ilhas adja-
centes como accelTorias.
92 Diretto Particular Portucuez

$. CV.

As que depois de applicadas fe fazem vagas , faõ i.°


todas aquellas, a que nao he achado fenhor certo , §. 17
(a): 2.0 as heranças vagas por falta de herdeiros , ou por
eftes

(a) Na cenfura de Direito he o mefmo naó ter fenhor a cou-


fa.que nao lhe apparecer, Heioec. Ad Grot. liv. 2, tit. 10, §. 1.
Sendo porém o fundamento deite direito a incerteza , e inap-
pariçaõ do fenhor da coufa, he certo, que a todo o tempo que el-
Je apparecer lhe deve fer reftituida, Ord. 1. 5, tit.62, §. 4.Limi-
ta-fe efta Ord. i.° nas aves , as quais , paliados 30 dias da anda-
rem em pregão nos lugares coftumados , ficaó próprias do acha-
tlor, Ord. 1. 5, tit. 62, §. 3 : 2.0 nos gados , e beftas, que palia-
dos quatro mezes , em que devem fer trazidps ás feiras das Vil-
las, ou Cidades , em cujos limites forem achados , ficaó pró-
prias da Coroa, ou dos feus rendeiros do vento, dita Ord.l.3, tit.
94, §. 1. As aves , os gados , e as beftas faõ os exemplos, que fe
achaÓ especificados nas nolTas Leis daquellas coufas , a que naó
lie achado fenhor certo. Pode excitar-fe , fe na generalidade dos
bens vagos, a que naõ he achado fenhor certo, fe comprehendem
os thefouros ? Por naó fer efte lugar proprio de difcuçóes pole-
micas , me remetto á eruditiffima nota do Illuftre de Mello nas
fuas inftituiçóes Jur. Civil. Lufxt. liv. 3 de jur. rerum , tit. 3 ,
§. 6. Thefaurus inter bona vacantia refic adnumeratur, velhas
tantum de caujfa ad JiJcum pertinet, Ord. liv. 2 , tit. 26 , §. 17 i
veque praterea novum ejl, quod emitia hero carentia fifeo cedant ,
tí hoc veluti gentiumjus ejl, Grot. de jur. lell. ac pac. liv. 2, cap-
8. §. 7, Jacob. Gothofred. ad l. t. Cod. Theod. de thejuur. ; «-
que "fi femper futrunt Germani, Grot. ihid. & IVifigothi, Caffio-
dor Mb. 4, cap.34, & //^.6, cap. 8; in Cajlella idem jus ejl ex L. l,
ho, 6 , tit, Nov. Recopil, Htec autem quamvis itaJint, vojler
Po/-
PARTE III. Titulo XXVII. 93

eílcs as nao quererem, Ord. I. i, tit. 90, §. r. (b): 3.= os


bens dos inimigos da Igreja, ou do Eftado, achados no
mar , Extravag. de 20 de Dezembro de 1713 ( infr.
tit. 32 ).

TITULO XXVII.
Dos foraes , e determinação que fobre elies fe tomou.

§. CVI.

F Oraes laõ aquellas Leis Municipaes , que os Monar-


chas , e fenhores de terras , como donatarios da Coroa ,
davaõ a cada huma das Villas , ou Cidades cm particu-
lar ;

Portug. in traftatu de donat. , lib. 3, cap. 13 , ». 91, ait : In hoc


Regno Lufilarhe cu/n nihil circa thefaurum conjiitutum fit, in illis
tanium cajilus thejaurus erit de Regalibus, in quibut vel totus , vel
dimidia perlinct ad Principem fecundam jus commune. Georg. Ca-
becl. 2. p. decif. 56, in eadem opinione efje videtur: fed vero in hanc
fententiam 'cos coegit príjudicium auíloritatis júris Romani, cui
Pro fiCculi génio multum tribuebant.. Príncipes atilem nojlri nalura-
£qu\tatem Je/juuti, ut loquitur JuJltnlanus in §. 39. Inji. de
rer
- divis. , thefaurum inventori plerumque concedei e folent , eurm-
lue Jlbi fervant tantum , quando pretiofus is efi , & vel fornia ,
Ve
^ vetuflate fua Régis affeãione dignus : Cif hoc e/iam cafu iliius
v
"/orem , & verum pratium folvunt, vel alio modo compenfant>
aquilatem armo proxime anleafio fequuta fuit Augufla , narrt
^'Svrluenfi Regno cafu inventa Jibi vindicavit , illorum vulore
^Us juflo inventori f/Auto. Multa habet Lauterbach. Differt. ju~
r
'd. £)e tJ}cfaur- wlunu [ _
W Os noflos Monarchas applicaraó eftes bens para a redem-
PÇao dos captivos, dita Ord. I. t, tit. 90 , §. 1, Regimento dqs
Ca
pt'vos , L. de4 de Dezembro de 1775, §• 7-
94 Direito Particular Portuguez

lar; cujo objeéto principal era o cenfo, tributo, ou foro ,


que os feus moradores deviaõ pagar (a). No tempo do
Senhor D. Manoel íe moverão algumas duvidas fobre eito
matéria , as quaes o mefmo Senhor mandou refolver por
vinte e dous Defembargadores da Cafa Civil de Lisboa ,
pr. deite tit. (i>); e fegundo a refpofta que elles deraõ , fe
veio a formar na Ord. Man. o tit. 45 do liv. 2 , que pal-
iou para efte nolTo tit.

§. evir.

O refultado das referidas refpoftas forma a regra, que


fe naõ podem levar Direitos Reaes por outro titulo , que
o foral, e poífe immemorial , §. x in pr., e §. 5 in pr.
§. CVIII.

(a) Hifl. Jur, Civ. LuJ. Pafch. Jofeph. Meli. cap. 5 , §. 39*
Todos fabem , que as terras conquiftadas eraõ pela maior parte
divididas pelos Fidalgos, Cavalleiros, e Concelhos das Cida-
des , e Villas , que ajudavaó a conquifta-las , ficando outras re*
fervadas para a Coroa , Brand. Mon. Luf. liv. 8, cap. ao: a al-
guns deftes pofTuidores davaõ , ou delegavaõ os Monarchns cer-
ta jurisdição com os títulos de Senhorios de terras ; eftes pe'°
dominio particular , e pela jurifdiçaó como Senhores , davao aos
moradores de fuas terras Foraes, ou Leis Municipaes, cujo prin-
cipal objeílo eraõ tributos , ou foros , que os moradores delias
.deviaõ pagar , além das penas que impunhaõ contra certos de-
lidos.
( b ) Depois deitas refpoítas mandou o dito Senhor a Fernan-
do de Pina , que fegundo a mcfma refpofta reformaflè , e or-
denafle os foraes do Reino , o que ellc fez compilando-os efl1
cinco liyros, conforme cada huma das cinco Províncias do Reino»
Parte III. Titulo XXVII.

§. CVIII.

A poíTe immemorial ou fe verifica em parte aonde ha


foral, ou naõ : fendo cm parte aonde naõ ha foral, he ne-
ceífario, que os direitos , que por ella fe levaõ, fejaõ aqucl-
les, que os Reis coítumaõ dar , ou arrecadar para fi, §. i
in pr. (c) ; fendo cm parte aonde ha foral, hc necefíario,
que foíle anterior á refpofta dos Deíembargadores , §. r,
verf. penult., e que os direitos , que le levaõ por efla pofle,
alem dos efpecificados no foral, iejaõ limilhantes , c da
mcfma natureza dos efpecificados, §. i, verf. i {d), e naõ
de diverfa qualidade , e natureza , §. 3. (e).

§. CIX.

NaÕ podendo levar-fe os Direitos Reaes por outros


titulos, que os foraes, e a pofle immcmorial ( $. 108 ),
determinou o mefmo Senhor D. Manoel (/) ,que fe naõ
pofla vir com embargos aos foraes, ou á pofle immemo-
rial ,

(f) Ncftas circunftancias fe mandaraõ dar foraes aos poliui-


l
'°res , conforme aos foraes dos lugares vifinhos , o mcfmo §. 1.
(d) V.g. fe no foral fc diflefie , que fe pagafie dc trigo , e pe—
a
' PoíTe fe pagalTe também de cevada , 011 milho.
(e) Se no foral fe dilíefTe , que pagafle certa quantia de por-
,a
gem os que ahi comprafiem , e vendeíTem , e a poíTe foíTe de
Ovarem portagem dos paíTageiros, que naô compraÕ , nem ven-
porque á vifta de taó notoria diverfidade de direitos , naó
Pode deixar de haver má fé nos poíTuidores , com a qual naô po-
de
haver jufta poíTe , o mefmo §. 7.
(/) Extravag. de 21 de Maio de 1520, Leaõ, 5. pait. tit. 7»
un,
96 Direito Particular Portuguez

rial, fenaÕ por outros iguaes , c fimilhantcs ticulos de fo-


ral , ou de pofle immcmorial em contrario, §. 1.

TITULO XXVIIÍ.
ghie as Alfandegas, Si/as, Terças, Minas, nao fe entenda
lerem dadas em algumas Doações.

§. CX.

T* Endo-fe dito no titulo antecedente, que os Direitos


Reaes, que fe podiaõ levar por poíTe immemorial, eraõ os
que El Rei coflumava dar, paflaraõ a traiflar nefte titulo
(a) dos Direitos , que fe naC podem levar por pofíe im-
memorial , ou íem ferem exprellamente dados ; c os que
fc nao podem levar, ainda que expreflàmente ícjaõ dados.

§. CXI.

Os que fe naõ podem levar por pofíè immemorial,


ou nao fendo exprellamente dados, fao as dizimas novas
dos pefeados, os viveiros, e minas de qualquer forte que
fejaõ, princ. deite tit.

§. CXII.

Os que fe naÕ podem levar, poftoque expreflàmente fe


dem , e tenhaõ fido dados , §. 3 , faõ 1° as Sifas , (§• 66
not. a )
( a ) Os Philippitlas (lefmembraraõ eftc tit. do tit. 45 &
Oiti. Man. , no qual formava os j§. 6, c 7.
PARTE III. Titulo XXIX. 97

not. a) e Alfandegas, por ferem fimilhantes doações obre-


pticias , §. 1. [b) : 2.0 as terças dos Concelhos ; §. 2 (c).

TITULO XXIX.
Daí Relegos.

*. CXIII.

Elego he aquclla prohibiçaõ de fe venderem dentro


de certos mezes outros vinhos atavernados , que naõ fe-
Ja5 os do Rei, havidos dos Reguengos , c Jugadas , pr.
defte tit. (a).
§. CXIV.

He por tanto o Relego hum privilegio concedido a


beneficio da extraçao dos vinhos dos Reguengos , e Ju-
gadas ; donde fe fegue, i.° que os feitores , e relegueiros
N naõ

d>) A razaó he porque faõ muito prejudiciaes ao Reino fimi-


^antes doações , e naõ he de crer que os Reis vilTem fimilhantes
doações quando as aílignáraõ, o mefmo §. 1. Devem por tanto
Prefumirem-fe obrepticias por Direito , cuja prefumpçaó naõ
a(
lmitte prova em contrario.
(f) A terça de que fe falia nefte tit. he a terça parte dos ren-
dimentos dos Concelhos , ou feja dos feus proprios , ou das pe-
nas
» e coimas importas pelas fuas poíhiras, Ord. 1. 1, tit. 69, c
7°; cujas terças naõ faõ propriamente dos Reis , ou do patrimo-
n
'° da Coroa (§.106 not. a) , mas do Erário , Ord. 1. 2. tit. 7,
§"2. ou dos povos, que as deraõ para reparos das fortalezas, §. 2.
í°) Relego.vem do verbo relegar , que he o mefmo que Ian»
fora do Commercio os outros vinhos no tempo do relego.
9§ Direito Particular Portuguez

naõ podem vender no tempo do relego outros vinhos ata-


vernados, que os privilegiados, §. r i,t pr. : 2.0 que findo
o tempo do relego ( pr. deíle tit. ) , ou acabados os vi-
nhos privilegiados durante o relego, §. 5, fe pódem li-
vremente vender os outros vinhos,dit. pr. ,.e §. 5:3.° que
naõ havendo abíolutamente vinho dos Reguengos, c Ju-
gadas, naõ ha também relego, §. 4.

§. CXV.

Para Te evitarem as fraudes , e enganos , que os Offi-


ciaes , ou Mordomos encarregados da venda .dos vinhos
íelegueiros pódem fazer, introduzindo outros para vende-
rem como relegueiros, fe ordena , que as referidas peílo-
as os moltrem aos Officiaes da Camara, e o Efcrivaõ dei-
la os alTente, §. 2, e que os quefobejarem do tempo do
relego fe naõ vendaõ na Cidade, ou Villa, ou Lugar,
nem termo relegueiro, §. 3.

TITULO XXX.
Que as herdades novamente adquiridas por El Rei nao fejat
havidas por Reguengos.

§. CXVI.

R Eguengo faõ aquelles bens , que pertenciaõ á Coroâ


aré o tempo do Senhor D. Pedro I., aos quaes faõ con-
cedidos muitos privilégios , affim como ás pelToas, que
nelles moraõ. O Senhor D. Pedro I. determinou , que os
bens novamente adquiridos para a Coroa por qualquer ti-
tulo que feja , naõ gozaíTein dos privilégios, e liberda-
des
Parte III. Titulo XXXÍ. 99

des-concedidos aos Reguengos , nem também ás pefToas


nelles moradores , ficando poriílo conftrangidos a fervi-
am os encargos do Concelho, e avizinharem com o meí-
T10 Concelho (a) , aflim como fuccedia no tempo, em
que eftes bens naõ eraõ da Coroa ,• excepto ie-lhe for
concedido expreflamente outro privilegio.

TITULO XXXI.
%/e os que tem herdades nos Reguengos , naõ gozem do pri-
vilegio de Reguengueiros, fe nao morarem nellas.
^ §. CXVII.
V^/ S privilégios dos bens Reguengueiros , 011 adqui-
ridos até o tempo do Senhor D. Pedro I. (b), coníiítiaõ
principalmente na ifençaõ que os fenhores, e pofiui-
dores dellcs gozava5 dos encargos, e da vizinhança
( §. 116 ). Para gozarem deftes privilégios hc neceílario
que os lavradores morem nos Reguengos (c).
N 2 ° TI-

(") Vizinhos fe dizem os moradores de hum Concelho, Villa


Cidade, e feu termo, Ord. liv. 2, tit. 56. Vizinhar lie gozar dos
toeftnos privilégios, e foftrer os mefmos encargos c fervidóes, que
0s
mais moradores do mcfmo Concelho. Vid. Ord. Aff. liv. 2 ,
46, JVfel. Injl. Jur. Civ. liv. 2, tit. 2, §. 5, not.
(fy O Senhor D. Pedro nao abolio os Reguengos anteriores ,
e
ío ordenou , que as he.dades novamente adquiridas nao fe me-
com as dos Reguengos , ifto he , nao gozaffem do privile-
gio dos Reguengos,e que os feus moradores vizinhaffem comos
Concelhos (§. 116).
(f) O Senhor D. Affonfo IV. determinou , que nao gozaíil-m
privilegio dos Reguengos os Lavradores , que naõ moratíem
n s
° Reguengos , e que foliem conftrangidos a fervirem os cargos
dos
Concelhos , e a vizinharem , Ord. Aff. 1. 2, tit. 56.
ioo Direito Particular Portuguez

TITULO XXXII.
Qhc os Almoxarifes u' El Rei, ou outros-, na o tomem coufa
alguma do IS avio que fe perder.

§. CXVIII.

T'Odos fabem, que a occupaçaõ he hum modo originá-


rio dc adquirir o domínio, que fó tem lugar na coufa nul-
lius, ou dos inimigos [a)-, fabem igualmente todos, que as
coufas fa6 nuliuis , ou por fua natureza, ou por derelic-
çaõ [b) : ora as coufas lançadas ao mar, ou perdidas por
naufragio, naõ faõ por fua natureza nullius, nem dere-
liclas , ou abdicadas (c) pelo fenhor delias ; logo as cou-
fas
(a] Grot. Jur. Bell. & Pac. liv. 2 , cap. 6 , §. 4 , n. i , e 2 ;
Cc c. 'd Hein. ao mefmo Grot. ; Puí". Jur. Nat. & Geni•
liv. 2 , cap. 16 , §. 13.
[I) O mefmo Grot. cap. 4 , e Hein. ao mefmo.
(f) A derelicçao he aqueila abdicaçaÕ , que o fenhor faz da foi
coufa com animo de a naô querer mais. Eíla ou he verdadeira >
ou he prefumida : verdadeira he aqueila , que fe faz com animo '
declarado; a prefumida he a que fe deduz de certos fignaes , ou
de certos íaélos , que indiquem a mefma abdicaçaõ, Grot. Jur.
Bill. jj P. liv. 2 , cap. 4 ; Hein. ao mefmo Grot. No cafo de
naufragio naõ íe verifica nenhuma deltas abdicações , porq"e
como diz Jul. na Lei 8 ,ff. ad Leg. Rod. dc Ja£l. , o fenhor
que lança as coulas 110 mar para evitar o naufragio he bem co-
mo aquelle, que opprimido com o pefo larga parle delle no ca-
minho publico com animo dc o vir bufear. Nem baila , que a
coufa fe reduza a hum eflado , em que moralmente naó pode
efperar-fc tornar havê-la , porque ncílas mefmas circumftancias
Jerapre há algumas efperanças , e por confequencia retenção da
Coufa no animo. Vid. Hein. ad Grot. liv. 2 , cap. 4, §. 6.
Parte III. Titulo XXXII. 101

fas perdidas pelo naufragio , naõ fendo de inimigos , fe


naõ podem occupar.
§. CXIX.

Naõ fe podendo occupar as coufas perdidas por nau-


fragio , que naõ faõ dos inimigos (§. 117), fegue-fe que
as coufas, que por naufragio, ou por outro qualquer mo-
do fe perdem no mar, devem fer entregues a feus fenho-
res , pr. defte tit. E como ninguém deve locupletar-fe
com o damno alheio, fegue-fe que o fenhor da coufa per-
dida deve pagar ao achador as defpezas , e o trabalho
que tiverem feito com as coufas achadas , o mefmo pr,
da. tit. (4)-
§. CXX.

Podendo, pelo contrario, occupar-fe as coufas dos ini-


migos ( §. 117), fegue-fe que as coufas dos inimigos per-
didas por naufragio fe fazem daquelle, que as occupar,
§. 1 deite tit. Como porem por Direito da guerra as cou-
fas

(«0 Naõ vindo porém o fenhor da coufa dentro em feis mezes


manda entregar ao Mampoíleiro dos captivos do lugar , em'
1Ue fe acharem , o mefmo pr. defte tit. verf. 1 ; e hoje aos
Provedores das Comarcas , ou Juizes dosreGduos , pela Lei de
4 dc Dezembro de 1775 , que aboho o officio dos Mampollei-
r s
° , e fe carregaó em receita para delias fe aproveitarem os
Ca
ptivos , com a obrigaçaõ de ferem reftituidas a todo o tempo
apparecer o fenhor, ou o feu valor pelo rendimento dos ca-
Ptivos , pr. defte tit. , verf. 1 , cujas fontes faõ as Cortes do
S
enhor D. Affonfo II. feitas cm Coimbra em izu, e as do Se-
C
''°r D. Fernando feitas em Atòguia em x375.
102 Diréito Particular Portuguez

íàs tomadas aos inimigos pertencem á Coroa (e), affim


como tudo o que nos recintos de hum Eflado fe acha va-
go ($. 104) , juftamcnte o Senhor D. JoaÕ V. pela Lei de
20 de Dezembro de 1713 revogou o §. 1 deita Ord., e
determinou que foíTem para a Coroa (/).

TITULO XXXIII.
Das Jugadas.

§. CXXI.

„ JUgada he hum Direito Real, que os Senhores.Reis


„ deite Reino ordenaraõ lhe fofle pago de trigo , milho,
„ vinho, e linho nas terras, em que efpecialmente para
„ íi o refervaraõ, no tempo que deraõ foraes aos morado-
„ res, e povoadores delias (a), pr. deite tit.
§. CXXIL

(e) V id. Grot. J. B. c2° P. liv. 3 , cap. 6 , §. 8 e feg. Samuel


Henrique de Coe. , c Ilein. ao mefmo Grot.
(/) A Senhora D. Catharina, governando em nome dc feU
Irmaõ o Senhor D. Pedro II., obrigava os achadores a pagarem
o quinto para a Coroa por huma Lei dc 28 de Julho de 1704 »
que refere Phebo , decif. 195.
(a) Já vimos ( §. 106 not. a) que conquiitadas as terras í"e
dividiaõ parte pelos Fidalgos , Cavalleiros , e Concelhos da»
V ílias , e Cidades , e parte refervavaó para fi os Reis. Aos po-
voadores deitas terras davaó Leis , cujo principal objecto era o
foro , ou tributo , que deviaõ pagar das terras , que cultivai—
fem : entre os diverfos tributos o mais ordinário era o da Jugâ"
da , i(to he a quantia de trigo , e milho , que deviaõ pagar da
lavoura que deitas fementes fizctfem com huma junta de bois ;
e de vinho, e linho, que colhelfeiu na terra jugadeira, pr. deite tit»
Parte III. Titulo XXXIII.

§. CXXII.

Defta deícripçao da Jugada fc formão dois axiomas.


i.° Jugada he hum direito, ou hum tributo cftabelecido
pelos foraes: 2.0 e fobre os fundos, ou terras, de que ellc
íc paga.
§. CXXIII.

Do x.° axioma fegue-fe x.° que os foraes, ou outro


titulo , que tenha força de foral , affim como poffe im-
memorial, §. 2, verf. 3, defte tit. (§. 107), e compofiçaõ
(b) §. 1 , verf. ult., faõ a principal norma que regula as
Jugadas §.2, verf. ult.: 2.0 que as Jugadas podem fernaS
fó de fcíTenta alqueires (c) , pr. defte tit. , mas de oitavo
de trigo , ou milho, §. 6.

§. CXXIV.

Do 2.0axioma ( §. 122 ) legue-fe, que devem pagar


Jugada todas as pefloas , que em terras jugadeiras lavra-
rem trigo , ou milho, e colherem vinho, e linho, ou fe-
jaõ Cavalleiros (d) §. 29 , Extravag. de 24 de Janeiro de
•lOSfi
1742,

( & ) A compofiçaõ feita com au&oridade , ou approvnçaõ do


^uftor do foral tem a mefma força , e aufloridade , que o fo-
ra
' ; motivo porque deve fervirde norma como fe fofíe foral.
( c ) A quantidade da Jugada de paó he hum moio de trigo , ou
milho , ou de ambas as fomentes pro raia , ou foldo a libra ,
'^0 he á proporçaó do que fe fcmear de cada huma deftas fe-
^entes, pr. do tit.; o moio confifte em 56 alqueires pela medida
Ve
"'a , §. 1, que fazem pela nova 60 alqueires.
W) A milícia Portugueza era nos primeiros tempos forma-
a
dc corpos particulares, que os Donatarios da Corôa apre-
fenta-
104 Direito Particular Portuguez

1742, Coll. 2.4 ao§. 29 dcfte tit., cu fejaõ Igrejas, c Mo-


rteiros,
fentavaõ , e com que ferviaó na guerra por huma obrigaçaó re-
fuhada das terras , que lhes eraõ diftribuidas (§. 121 n .a), co-
mo fe prova da doaçaõ que o Senhor D. Sancho II. fez da Ida-
uha aos Templários na era de 1242: Quit totum ãireSlum ,
quod habeo , Õ? habui in JEgitania veleri, & in Salvaterra or-
dini Templi . . . exceptis juribus Regalibus, videlicet, quod reci-
piant maneiam meam , & quod dent indt mibi colleôas , & quod
eam in -exercitum , & in meam anaduvam , (J alia jura fecun'
dum quod habeo , & illa halere debeo in aliis Cajlellis , & Vil-
lis , quit px<cdi£lus ord» Templi in Regno me» habet. E da doaçaó
que o Concelho da Guarda fez aos mefmos Templários da ca-
beça de Touro em 1221 : Offerimits , & damus , concedimus
Deo , Ííf Ordini Templi , Í3* vobis D. Petri Alviti , Magiftro tjuf-
dem ordinis , bf vejiris fuccefforibus caput Tauri ... £3" in ex-
erci tu Domini Régis , ubi fuerit n Jlrum CmciUum da Guarda,
tat vejlra Concilium cum njlro : Oiferecemos , damos , e con-
cedemos a Deos , e á Ordem do Templo , e a vós D. Pedro
de Alvito a cabeça do Touro com eíla condição , que no exer-
cito d'El-Rei Nolfo Senhor onde eftiver o noíTo Concelho da
Guarda vá o votTb Concebo com o noíTo , e a volTa Bandeira
com a nofla. O foldo deita milícia era a ifençaõ dos tribu-
tos , que elles pagavaõ aos refpe&ivos Donatarios , como fe vê
do foral do Soure dado em 1080 : Si quis militum emerit vinia<n
tributarii ftt libera , & ft acceperit in conjugium uxorem tribu'
tarii omnem hereditatem , quam habuerit ,Jit libera , íy tributa-
rius ft putuerit ejfc miles habeat morem militum Si qu"
militum venerit in feneílutem , ut non pojjit mil 1 tare quamdiu vi-
xrrit, Jit in honore militum. Depois do Senhor D. Diniz já ap"
parecem Soldados , ou Cavalleiros feitos por ajudes com os Do-
natários por certo foldo , que ordinariamente eraõ trinta libras,
.ifto hc 54 reis. Porém no tempo do Senhor D. AfFonfo V. ain-
da
PARTE III. Titulo XXXIII.

fteiros , c peíToas ecclefiaíticas, §. 8, e 25 deite tit., c Ord.


1. 2, tit. 16 (e) , e tit. 1 8 , §. 6 ; ou fejaõ Juizes , e Verea-
dores , e Oííiciaes dos Concelhos , ou Hofpitaes , Confra-
rias , §. 18; ou íejaõ Beíteiros do Monte. §, 16 (/).

§. cxxv.

Como porem a obrigaçaõ de pagar Jugada he nal-


O cida
'"•—ii- 11 - 1 .» • .
da havia Cavalleiros de certa quantia de cavallos , chamados Ca-
valleiros acontcados , os quais eraó efeufos de pagar jugada ten-
do a devida quantia de cavallos bons , eque naõ anda (Tem a paf-
cer. O Senhor D. Affonfo os devaçou , ou prohibio , que em ter-
ras jugadeiras houveflem femelhantes Cavalleiros obrigados , e
que os que voluntariamente quizetfem ter cavallos naõ folfem ef-
eufos da jugada , Ord. Man, liv. 2 , tit. 16, §.17. O mcfmo foi
eítabelecido pelo Senhor D. Manoel a refpeito dos Cavalleiros
feitos pelos Capitães da índia , e da Africa, qiie naô tiveflem
fobre Alvará para naõ pagarem jugada , §. ult. do mefmo tit. c
Pelo Senhor D. JoaóIII. a refpeito dos que foffein feitos por
El-Rei , que naô tiveífem Provifaô de efeufa , Extrav. de 29 de
Janeiro de 1539. Leão 5 parte , tit. a , L. 2 , fontes do §. 29
defte tit.; de fórte que fendo hwma das tres claiTes do povo Portu-
6uez a de Cavalleiros : Vid. Mel. hjí. Jur. Civ. Luf. liv. 2,
§ 3> ou realmente , ou por privilegio ; e huns , e outros obri-
gados a ter cavallos de citado para gozarem dos privilégios de
Cavalleiros , Ord. liv. 2 , tit. 60 ; naó faõ com ludo ifentos da
jurada , §. 29 deite tit.
(') A mcfma razaõ , que cfta Ord. dá para que as Igrejas , e
Pcfloas ecclefiaíticas naô comprem bens nos reguengos , prova ,
4ue ellas naõ eraõ ifentas de pagarem jugada.
(/) Befleiros do Monte correfpondiaó aos Couteiros de hoje ;
c
liamavaÕ-fe Befleiros da Befla de que ufavaó , que era arco ,
c
flexa : Bluteau verbo Brjla.
ic6 D I R E I TO P A R T I C U L A R P O R T U G U E Z

rida dos foraes ( §. 122), he certo , que delia pôde haver


ifençaõ : efta ifençaõ , ou privilegio , ou he incorporado
em Direito, ifto he, geral para certa fclaffe de pefloas; ou
he concedido cm particular para certas peíToas de huma
claíle (g). Por privilegio geral faõ ifentos, i.° os Defem-
bargadores, Ord. 1. 2, tit. 59, §. 4 : 2.0 os Clérigos de Or-
dens Sacras, ou Beneficiados, que por lua conta lavrarem
terras das Igrejas, ou Morteiros, de parceria,ou que tra-
gaõ por foro em certos annos, §.25 in pr.: 3.0 os Searei-
ros pobres, a quem for a feara feita pelo amor de Deos :
4.0 os creados, que vivem por foldada, a quem feus amos
fizerem feara, o mefmo §. 30 : 5.0 os Monteiros (h) da
feara , que fizerêm com íingel de bois (/), §. 17 : 6.° Os
Lavradores que lavrarem terras , de que paguem o terço,
ou quarto , §. 23 : j.° os Lavradores do Rabaçal, ou An-
cião, em que o Rei tem huma dizima, c teiga de Abra-
haõ, §. 22 (/).
cxxvr.

(g) O privilegio concedido a certa clalie de peíToas fe cham*


direito fingular , ou privilegio incorporado em Direito.
( h ) Os Monieiros para gozarem do privilegio devem ter con-
tinuadamente hum fabujo , ifto he , hum caó , que bufque caça
grolla : a eíics mefmos pôde fer dado o privilegio por Alvará de
naõ pagarem jugada; mas deve entender-fe fó da feara , quC
naõ levar de femente mais de 30 alqueires de trigo , o mefm"
§ 17-
( ' ) Singel he huma junta, Bloteau vebo Singel.
( I) Teiga de Abrahaó he huma medida , que leva hum a'"
queire , feita de palha , ou tabúa , tecida á maneira de roletes »
e de que ufava hum homem chamado Abrahaó ; Bluteau verb"
Teiga.
Parte III. Titulo XXXIII. 107

§. CXXVI.
x
Por privilegio particular faõ ifentos, i.° algumas Igrejas,
e Mofteiros , §. 8 in pr. : 2.° aquelles Clérigos de Ordens
Sacras , ou Beneficiados, aquém efta ifençaõ for concedida
§ 25, verí. ult. (m): 3.0 os Cavalleiros que tiverem Provifaõ
para ferem efeufos.
§. CXXVII.

O Privilegio, ou ifençaõ da Jugada fó tem lugar nas


terras próprias dos privilegiados (»), que elles lavrarem por
fua conta, §. 8 in fin., ou por cafeiros encabeçados , que
morarem nas cafas , que o privilegiado tem no cafal (o) ,
O 2 que

(m) Efte §.15 parece indicar que os Clérigos de Ordens Sacras,


ou Beneficiados, faõ ifentos da jugada por privilegio çeral , con»
fedido a toda a clalTe , ou ordem de femelhantes pefloas ; mas
combinado com as Ord. referidas ( §. 123 ) , e fazendo argu-
mento das Igrejas , e Morteiros, que naô faõ ifentos por privile-
gio geral, §. 8 in pr. Epor quanto algumas Igrejas &c. , naõ fe
Pôde entender a ultima parte defte §. 15, fenaÕ a refpeito daquel-
lcs
Clérigos , a quem por foral , ou outro titulo for concedi-
da a ifençaõ, bem como ás Igrejas , e Mofleiros ; de fórte
4ue na i.a parte contém efte §. hum privilegio geral para todos
os
Clérigos , que lavrarem de parceria , ou troucerem aTora-
as terras de Igrejas ; na ultima parte contempla aquelles , a
1>iem em particular for concedida a ifençaõ.
^ " ) Limita-fe nos feareiros pobres , e nos mancebos , a quem
feus
amos fizerem a feara ( §. 125, n. 3 ).
( 0 ) Limita-fe efta regra, i.° nos lugares privilegiados , e de-
marcados, dentro dos quaes gozaó do mefmo privilegio os lavra-
, que lavrarem as terras dentro da demarcaçaõ , poftoque
na ó
ioS Direito Particular Portuguez

que lavrarem as terras de parceria , e que naõ fahirem


fóra a lavrar outras (p).

§. CXXVIII.

Por terras próprias fe entendem aquellas , em que os


privilegiados tem ao menos o dominio util , adquirido
por emprazamento perpetuo, ou pelo menos em hum»
vida, §. 9. in jin., e verf. ult., e §. 13 (q).

§. CXXIX.

Donde fe fegue , que os privilegiados, que lavrarem


terras , em que ao menos naõ tenhaõ o dominio util na
forma referida)' §. 128), poftoque as tragaõ arrendadas
por mais de dez annos, devem pagar Jugada , §. 29, verf.
1, e §. 12 , e 13 , c §. 25 (r).
§. cxxx.

naõ fejaó encabeçados nclles, §. 15 : 2.° fendo cafeiros dos Des-


embargadores, naõ lavrando outras terras , Ord. 1. 2 , tit. 59»
§. 4 , In jin.
( p) Limita-fe também nos cafeiros dos Defembargadores , °s
quaes faó ifentos da Jugada , poftoque as tragaõ de renda, dita
Ord. 1. 2 , tit. 59, §. 4.
( q ) Limita-fe fendo o Clérigo de Ordens Sacras , ou Benefi-
ciado , o que trouxeras terras das Igrejas , ou Morteiros aff°"
radas , o qual para fer efeufo baila que as traga por certos annos
de parceria , lavrando-as ás fuas próprias defpezas, §. 25.
( r ) Limita-fe fendo as terras de outros privilegiados , e tra-
zendo-as arrendadas , ou afForadas por dez , ou mais annos »
por certa quota , e naõ por coufa fabida , 13 ; ou fendo Cléri-
gos , que tragaõ terras das ditas Igrejas affoiadas por certos an»°s
( §• 125, n. 2).
PARTE III. Titulo XXXIV. 109

§. CXXX.

Como a ifençao da Jugada fe extendc aos cafeiros


encabeçados, que as troucerem de parceria , e que mora-
rem nas cafas , que o privilegiado tem no cafal , e que
naõ lavrarem outras de fóra ( §.127 ); fegue-fe , i.° que
o cafeiro, que lavrar outras terras de fóra do cafal , perde
o encabeçamento (j) §. 11, poíto que ella terra feja do
mefrno privilegiado , mas de outro cafal, §. 21 : 2.0 que
fendo o cafal de muitos fenhores, c as cafas, em que mo-
ra o lavrador , de hum fó, deve pagar Jugada da parte
refpe<£Hva aos mais fenhores do cafal, §. 26 : 3.0 que la-
vrando alguma terra pertencente ao mefmo cafal , e que
feja infolidum de outra peffoa , deve pagar Jugada deíTa
terra, §.19 (/) : 4.0 que aquelle cafeiro, em quem o en-
cabeçado paliar o encabeçamento, goza do meimo privi-
legio, que o traspaflante §. 14.

TITULO XXXIV.
/ Das Minas, e Metaes.

§. CXXXI.

J A' vimos ( §. XO4, n. 5 ) que os viciros de Minas, e


Metaes pertencem á Corôa , como Direito Real; donde

( j) Lin-.ita-fe fendo a rena de fóra do cafal alguma cou-


íella dentro das terras do cafal , §. 27.
( 1 ) Naõ percle porém o privilegio do encabeçamento , por-
femelhantes terras na& fa& de fóra do cafal , poftoque pe-
la
divifaó das propriedades do cafal cilas pertençaÔ a outro pof-
ftúdor , que naõ feja o fenhor das cafas dclle.
no Direito Particular Portuguez

fe fegue, que ellas fe nao podem abrir , nem tirar, fem


licença, e audioridade Regia : efta he a que faz o objeélo
deite titulo.
§. CXXXII.

Permitte-fe pois nefte titulo a toda a pefloa a facul-


dade de bufcar vêas do ouro , prata , e outros metaes em
quaesquer terras , de quaesquer peíToas, ainda que eccle-
liafticas , fem percifaõ de outra autoridade , fendo as
terras incultas, pr. do tit. (a), c fendo cultivadas, bafta a
autoridade do Provedor dos metaes (b).

$. CXXXIII.

Alem da faculdade de as bufcar, fe faz mercê dei-


las ao defcobridor, para elle, e para feus herdeiros, §. 10,
depois de demarcadas pelo dito Provedor, §. 2 (c), de
maneira que nenhuma outra peífoa pode cavar dentro da
demarcaçao, §. 3 , fendo unicamente permittido aos Offi-
ciaes da Fazenda Real tomar para ella em cada vêa até
a 4.3 parte , §. 6.

§• cxxxiv.
(a ) Exceptua-fe a Província de Tras
nao podem bufcar fem efpecial mandado do Rei , pr. do tit.
verf. ult.
(b ) Para o Provedor dos metaes conceder efta licença he ne-
celTano , que o achador lhe faça certo por moftras ter defcuber-
to vieiros ; e obtida ella , deve o achador pagar ao dono da terra
o damno , que lhe caufar na fua terra , além de efperar que co-
lha os fru&os pendentes , §. 1.
( c ) Sem efta demarcaçao nao podem tirar-fe as minas apefar
de poíTe ímmcmorial cm contrario , poftoque as terras fejaó pró-
prias , falvo fendo-lhe feita mercê efpecial , §. 10.
PARTE III. Titulo XXXV. m

§. CXXXIV.

Sendo os achadorcs fenhores das Minas , fegue-fe ,


i.° que fazem feus os metaes que tirarem, §. 4 (d): 2.0 que
podem vender os mefmos metaes, §. 5 (e): 3.° as mefmas
vêas , ou minas , §. 7 (/).

TITULO XXXV.
ZXz maneira qtie Je lerá na fucceffao dos bens da Coroa.

§. CXXXV.

I X E dos officios dos Supremos Imperantes remune-


rar , e compenfar aos fubditos aquelles diftinftos , e naõ
vulgares ferviços feitos em beneficio commum da iocie-
dade (a). Os noiTos Soberanos em todos os tempos tem
fatis-

(d ) Dos quais depois de apurados devem pagar o 5.0 , tiradas


as defpezas , §. 4.
( ' ) Naõ fendo para fóra do Reino , e fendo primeiro marca-
dos
. §• 5-
(/) Tem porém a Fazenda Real o direito dc preferencia , c
P°r iflo naó podem fer vendidas, nem fazer-fe com ellas outro
Partido , fem primeiro fe fazer faber a El-Rei , o mefmo §. 7.
( « ) Todos os membros da fociedade eftaó obrigados por hum
Preceito natural , refultado do pa£lo focial , a cooperarem para
0
bem comum da fociedade ; he porém certo , que nem lodos
Podem fatisfazer a eftes officios pelas diverfas circumftancias fi-
flCa
s , e moraes dc cada hum , e fegundo a organifaçsõ politica
Eftado : he por tanto de neccílidade , que huns focios foffraõ
<°do o pefo da confervaçaõ da fociedade. Para animar eftes fo-
Clos
a cooperarem mais que os outros cm beneficio comum , he
ne-
ii2 Direito Particuiar Portuguiz

fatisfeito a eftes officios (t>) por vários modos, c entre el-


les por doações , e mercês dos bens da Coroa (c).

§. CXXXVL

Vendo porem o Senhor D. João I. que muitas doâ-


çoes eraõ inofficiofas pela abfoluta , e inreveríivel alie-
naçaõ

neceflario o eftimulo da recompenfa , e do premio ; aífim como


faó necefTarias as penas para a cohibiçaõ dos deliâos. Eftes mo-
tivos políticos , e taó conformes á razaõ , e á equidade , tem
formado hum artigo de Direito Publico Univerfal , e Particular
de cada Naça5 , e faz hum dos objectos da juftiça deftributiva >
c dos officios do Imperante em relaçaó ao mérito de cada huni
dos fubditos.
( b ) Os noílos Principes naó fó tem remunerado os ferviços mi-
litares , e civiz de feus vaflàllos , mas até permittido a faculda-
de de pedirem a remuneraçaõ delles , e de os transmittirem cm
pclloas "benemeritas , e de fucceder nelles os afeendentes , e def-
cendentes em qualquer gráo , c os transverfaes ate o fegundo'
Vid. Erudito de Mello, InJi.Jur.Civ. Luf., 1. 2, tit.2,,§. 8 , not.
( c) Do referido ( not. a ) fe moftra a juftiça das doações dos
bens da Coroa , de que os Imperantes , como taes, e como dil~
penfeiros dos bens públicos do Eftado, podem difporem beneficio
do mefmo; ditode Mel. loc. cit.- §. 20, not. Nem ifto fe limita *
refpeito dos bens deftinados expreflamente para femelhantes remu-
nerações, tacs como as Comendas das Ordehs Militares , princi-
palmente depois da uniaÕ do Graõ Meftrado a Coroa pela Bulla de
Julio III. no anno de 1555 , mas fe eftende aos mefmos bens do-
maniaes , ou propriamente da Coroa ( §. 101 ); porque , ainda
que eftes bens tenhaó na fua origem huma particular appl>ca*
çaõ , que fegundo a commum doutrina invalida as doações , e
alhea-
PARTE III. Titulo XXXV.

naçaõ (d), e pela independencia cm que os Donatarios a


efte refpeito ficavaõ da Coroa (e), c querendo por huma
.parte remediar eftes males ; mas por outra conhecendo ,
que as circunftancias do tempo o naõ permittia (f) faze-
P ' lo

alheaçoens delles , Hcnr. de Cocc. Comment. de Grot. liv. 2 ,


cap. 6, §. ii , a benignidade , e gencrofidade dos noíios Princi-
pes , e o zelo do bem do Eftado, os tem feito applicaveis em be-
neficio dos feus vaflallos por hum coílume taõ antigo como %
niefma Monarchia , como todos fabem.
(d) As doações abfolutas , e por modo inreverfivel efgotariao
os bens da Coroa em beneficio de huns , e ficariaó os outros
de iguaes , ou maiores ferviços fem recompenfa ; he por iíTo
neceflario , que as doações fe naõ perpetuem abfolutamentc , e
que os bens doados fe poffaó de algum modo, e em algumas cir-
cumftancias reunir á Coroa : eíte foi talvez o principal objefto ,
que o Senhor D.Joaó I. teve em vifta na fua mente; dito Erudi-
to de Meli. liv. 2, tit. 3, §. 51.
( t) A dependencia dos Donatarios da Coroa a refpeito dos
mefmos bens doados para naõ difporem delles de outro modo, que
lhes he expreffamente concedido pela doaçaô , he hum novo , c
continuado motivo para fe empregarem no ferviço da mefma , e
fazerem benemeritos das graças, e difpenfas Regias fobre o
«ro , e difpofiçaõ dos mefmos bens , que o Senhor D. Joaõ
r
efervou á fua au£toridade.
(/) Todos fabem qual foi o eftado do Reino no tempo do
Senhor D. JoaÕ I. Meftre de Avis , pelo interregno precedido á
eleiçaõ do mefmo Senhor pela morte de El-Rei D. Fernando,
que D. Joaõ I. de Caftella pertendia ufurpar efte Reino;
quaes foraõ as muitas doações que o dito Senhor foi obrigado a
f
azer aos Portuguezes , que felizmemente no meio das armas o
Collocaraó no Throno, entre osquaes fe diftrnguio em ferviços, c
^ercÊs o Grande Conde-Eftavel D. Nuno Alveres Pereira.
1X4 Direito Particular Portuguez

lo abertamente , como podemos conjedurar; formou na


fua mente huma certa norma , fegundo a qual regulava
intelledual, e intencionalmente os direitos dos Donataríos
íòbre os bens doados, e fobre a fórma , c modo das íuc-
celíoes, como fe prova defte tit.

$. CXXXVII.

O Senhor D. Duarte, feu filho, pois , querendo con-


formar-fe com as intenções, e mente do Senhor D.Joaõ I.
fez patente , e publica , em huma Lei de 8 de Abril de
1434 , a mcfma norma intelledual, e mental praticada
pelo inefmo íeu pai, pr. defte tit., a qual faz o objedo
do princ. defte tit. até o §. 7 incluíive (g).

§. CXXXVIII.

Nefta Lei fe determina „ Que todas as terras, bens,


,, c herdamentos (h) da Coroa doadas a quaesquer peí-
,, foas para elles , e para feus defeendentes , ou feus her-

„ deiros,
(g) O Senhor D. Duarte aos 8 de Abril dc 1434. fez hutiia
Lei chamada mental, §.17 defte tit., em que publicou, e defcrc-
veo a norma formada pelo Senhor D. Joaó I. na fua mente , c
por elle effedivamente praticada. Aos 30 do mefino mez fez ou-
tra Lei , ou variaá deciiões fobre varias duvidas , que fe move-
rão fobre a intelligencia da primeira Lei. Os Compiladores Man-
formaraõ da primeira Lei os primeiros dois £§. do tit. 17 d"
liv. 2, e o refto do tit. da fegunda Lei. Os Philippiftas copearaó
a Ord. Man. , accrefcentando ao §. 1 o verf. enaôatne!t ate
o fim do mefmo §. , aflim como todo o §. 2.
{b) Ord. 1. 2 , tit. 26 , §. 24.
Parte III. Titulo XXXV. 115

» deiros , e fucceíTorcs (/), i.° ficaífcm fempre inteira-


>» mente por morte do poíTuidor de taes bens, e terras, a
» feu filho legitimo (l) varao maior, que delle ficafle,
» §. 1 (m): 2.0 que naõ foíTcm partidas, nem em alguma
j, maneira alheadas, §. 3. P2 §. CXXXIX.

(/) Os fucceflores , ou herdeiros cios Donatarios naõ fuccedem


nos bens da Coroa pelo titulo de herdeiros , ou por arbítrio , ou
v
'ocaçaõ dos Donatarios ; mas por vocaçaõ , e arbítrio dos Reis ;
* maneira que os fucceflores dos Morgados fuccedem por vocaçaõ
dos Inftituidores, d. Mello loc. cit. §. 21 , n. 2,, e 3.
(/) Naõ fendo Clérigo de Ord ens Sacras , ou Beneficiado ,
porque no fyftema da nofla Legislaçaõ daquelle tempo eraõ ifen-
tos da jurisdição do Rei , §. 1.
(m) Os Philippiftas entenderaõ a vocaçaõ de filho literalmen-
te , e exclufiva dos direitos de reprefentaçaõ , e allim o declaraõ
nas palavras e naÕ ao neto , filho de filho mais velho jafalecido, cuja
declaraçaõ limitaraó tendo o pai morrido na guerra, §. x. infin.,
ifto he na batalha , ou das feridas nella recebidas , §. 2. Porem
n
° efpirito da Lei mental tinha fem duvida lugar a reprefenta-
Çaõ , como fe prova do §. 4, e das decifóes do Senhor D. Duar-
1e
i porque contemplando os netos na vocaçaõ dos fucceífores
fios bens da Coroa, §. 18 , 19 , e 20 ; no §. 14 moftra que elles
r,|
ccedem por reprefentaçaõ do pai cm quanto exclue o neto va-
ra
^ filho de femea , porque a terra naõ pode fazer falto ao feu def-
c
'ndcnte varaÓ. Defta inadvertência dos Compiladores fe fegu io
a
°utra dos Interpretes, que excluem os netos da fucceíTaõ dos
'Jcns da Coroa, e fó contemplavaõ na vocaçaõ dos defcendentes
0s
filhos, como fe prova da reprefentaçaõ que a Nobreza fez ao
^et|hor D. Joaó IV. nas Cortes de Coimbra de 28 de Janeiro dc
,(
Hi , de que eraõ excluidas as filhas , e os netos , e da Lei do
^'to Senhor de 2 de Maio de 1647. O mefmo Senhor D.Joaõ IV.
P°rem determinou claramente pela referida Lei , que os netos
Cc
edeiTem por reprefentaçaõ de feus pais.
116 D I R EI T0 PA R TI C U L A R PoRT U G U EZ

§. CXXXIX.

Por herdamentos , bens , c terras da Coroa fe enten-


dem naõ fó as terras , foros , cenfos , jurifdfçSes , e direi-
tos (tit. 26) ; mas também títulos («), officios (0), padroa-
dos ( §. 5 defte tit. ), c tudo o que o Rei, como tal, dôa,
concede , delega, ou transfere (/>). Naõ faõ porem todos
eftes comprehendidos na Lei mental, mas íó os incorpo-
rados [q), naõ fendo moveis, §. 22. defte tit.

§. cxxxx.

Sendo o objetíto da Lei mental as doações dos bens


incorporados á Coroa (§. 139 ), fegue-fe que fe naõ com-
prehendem nella , i.° os prazos feitos pelos Reis nos
bens da Corôa, §. 7, ( r) : 2." as vendas, e efeambos,
§. 33
(n) Extrav. c!e 4 Julho de 1789.
(o) Extrav. de 29 de Novembro de 1770 ,Jegundt abfurdf-
(p) Vid. Pafch. Jof. Meli. Jur. Civ. Luf. tit. 3 , §. 20, not<
e §. 22, e 28 , not.
(ç) Os bens públicos do Ertado , ou da Corôa, (§. 104) o°
íãô meramente fifcaes; ou apropriados, e incorporados á Corôa »
como proprios delia , fem confideraçaó ao tit. da fua acquifiç3" >
c que propriamente fe chamaõ Domaniaes, Peres in Cid. de ]">'•
fifei , n. 9. Eíies últimos he que fazem o objeílo da Lei menta'»
§. 22. deíie tit.; Pereira de Caftro Decif. 71, n. 9. A incorpora-
ção , ou he real , qnando os bens fe deferevem nos livros doS
proprios, §. 22, verf. e nos bens-, ou verbal, quando nas cartas das
doações expreilamente fe apropria incorporaçaõ, o mcfmo § 22'
e tit. 36.
(r) Pelo titulo emphyteutico fe transfere o dominio útil no ern
phyteuta por certo cânon , ou foro annual, em reconhecimento'
PARTE III. Titulo XXXV. 117

§. 23 (.?): 3.° as doações dos bçns confifcados antes dc in-


corporados á Corôa , §. 22.

§. CXXXXI.

Limitando-fe a fucceíTaõ dos bens da Corôa ao filho


legitimo mais velho , que fe achar ao tempo da morte do
JDonatario ( §. 138, regra x ); fegue-fe que fem exprefía
auctoridade Regia (§. 136, not. e ) naõ podem fucceder
nelles , i.°os filhos illegitimos, aíndaque ligitimados pelo
pai, ou pelo Príncipe (/), nem os adoptivos,§. 12: 2.0 nem
as

do domínio direélo , §. 3. Inft. de Locat. & conduft. ; e fe defen-


corpora efte dominio da Corôa , em cujo lugar fuccede o cânon,
que fica fendo Direito Real, ou bens da Corôa. Eíte contiaâo lie
inteiramente diilindo da doaçaó , e naõ fe pode comprchender
debaixo do feu nome muito principalmente naó participando as
doações dos bens da Corôa da natureza de feudo , §. 3. defle tit.
( s) Elles bens , alem de naõ ferem doados , he também certo
que fe defeticorporaraõ da Corôa pela alienaçaõ irrevogável da
venda , e da permutaçaó , cujos effeitos naó fe achaó reftri£tos
Pela Lei mental , como fe achaó os da doaçaó ( §. 136 , nota d )
a
lem da difterença eífencial de ferem aquelles contratos onoro-
fos , e de receber por elles a Corôa o equivalente aos bens , que
transfere, e a doaçaó fer gratuita , ainda mefmo quando lie feita
c
m remuneraçaô , ou por |obrigaçaó imperfeita ; Heinec. Recit*
liv
- 2, tit. 7, §. 455.
(/) Naó fendo exprefTamente declarado no perfilhamento do
Príncipe , que polfa haver as terras da Corôa , fem embargo da
Lei mental , §. 12 ; em cujos termos pode fucceder ne las , naó
tendo o Donatario filho legitimo , poftoque nalcido depois da
Perfilhaçaõ , §. 13.

I
n8 Direito Particular Portuguez

as filhas , poftoque legitimas, §. 4 («) ; 3.° e em confe-


0
quencia nem os filhos varões deftas', §. 14 : 4. nem os af-
cendentes , §. 16 (x) : 5.0 nem os irmãos, poftoque fan-
guincos ,§.12 (z) : 6.° nem o filho fegundo , morrendo
o filho primogénito depois do pai, §. 13 (_y); 7.0 fegUc-
fe, que fuccedem os filhos legitimados pelo ícguinte ma-
trimonio , 12. (a).
§. CXXXXII.

Tendo lugar o direito da reprefentaçaS ( §. jyj ,


( not.

(u) Salvo por efpecial mercê , o mcfmo §. 4.


(*) Exceptua-fe deita prohibiçaó quando os afeendentes tivef-
fem fido Donatarios, e tivefíem dado as terras a feu filho, ou ne-
to, que morrefTe fem afeendente varaô, o mefmo §. 16
(z) Como praticou o Senhor D. Joaõ I. por morte dc D.
Martinho Vás de Mello , Senhor da Caílanhei ra , e Cheleiros ;
e de Alvaro Rodrigues de Lima , Senhor de Val de Vez , a quem
ficaraó irmãos fanguineos legítimos , a cujo pai tinhaô (ido da-
das as terras dc juro e herdade , e das quaes fez nova mercê aoS
mefmos irmãos Pedro Vás , e Leonel de Lima, Ord. Man.§.l2.
(y) O que ainda aflim procede , poftoque o filho primogénito
naó tenha tomado pofle dos bens da Coroa ; porque por morte
do pai efles fe-lhes transferem ipfo jure 12 defte tit., c Ex-
trav. de 9 de Novembro de 1754 , em cujos termos paliando os
bens ao filho fegundo , viria efte a fucceder a feu irmão mais
velho contra a Lei mental.
(a) Os filhos legitimados pelo feguinte matrimonio faó repu-
tados em Direito , como legítimos , Nov. 12 , 18 , e 74. Na6
baila porem contrahir-fe o matrimonio entre o pai , e a mai ; hc
nerefíario que o filho poda legitimar-fe por efta conjunção, o q»c
naõ fucccde principalmente ao filho adulterino , Lei 5, e 6. Cod.
de natur. liber.
Parte III. Titulo XXXV. 119

(not. m); fegue-fe i.° que na falta de filho pôde fucccder


o neto defeendente do filho, §. 18, 19, 20: 2.0 que o neto,
filho do filho primogénito, deve preferir ao filho fegundo
do ultimo pofiuidor, Extrav. de 2 de Maio de 1647.

§. CXXXXIII.

Nao íuccedendo os filhos, ou nt*os por vocaçao , ou


arbitrio dos Donatários, mas do Príncipe (§. 138, not. i),
nem podendo os Donatarios partir, ou alhear as terras da
Coroa ( §. 136, reg. 2.a), fegue-fe que fern exprefia auóto-
ridade regia ( §. 136 , not. e ) nao pôde o Donatario dei-
xar os bens da Coroa ao filho fegundo, preterido o pri-
meiro , 11 , nem doar-lhos em vida , ainda mefmo para
cafamento, §. 18 (í), nem empenha-los para íegurança de
dote , ou por arras, §. 20 (c), nem parti-los entre os mef-
mos filhos, §. 3 , e 17 (d), nem vende-los , ou efeamba-
los , §. 19 (e), nem aflora-los alem da fua vida , §. 25 (/).
§. CXXXXIV.

(i) Naó tendo o Donatario , mais que huma terra da Corôa


Para a poder dar ao filho fegundo , he neceífario alem da audto-
r
'dade regia o confentimento do filho primogénito, §. 19.
c) As terras doadas com auâoridade do Rei para fegurança
dote, ou por arras, diflolvido o matrimonio por morte do Do-
natário , devem defeontar-fe os fruétos líquidos , que a viuva re-
ceber para fatisfaçaó do dote, ou das arras , §. 20.
{d) O que fe entende , poftoque nas doações lhe feja expref-
fárnente concedido que as poffa vender , o mefmo §. 19.
(e) Tendo au£toridade regia para as eícambar por outras ter-
ra
s da Corôa , valle o efeambo , naÕ valendo humas menos que
a
'erça parte das outras, o mefmo §. 19.
(/) Naõ faõ porem nullos os afforamentos, porque dependem
do
120 D r R E I TO P A R TI C U L A R Po R T U G U EZ

§. CXXXXIV.

Sendo as doações da Coroa dependentes do arbicrio


dos Reis em certos cafos , e fendo o fim da Lei mental
reunir á Coroa os bens doados (§. 136, not. d), e naõ fuc-
cedendo os filhos jure hereditário , mas por vocaçaS do
Príncipe (§.138, not.-/); fegue-fe que os Donatarios, pofio
" que tenhaõ filhos, aquém as terras fe devaõdevolver, po-
dem vende-las ao Rei, e troca-las com elle , §. 21.

TITULO XXXVI.
Como pela verbal incorporação Je unem ã Coroa do Rein0
os bens confiscados.

$. cxxxxv.

N O titulo antecedente ( §. 139) vimos, que na fórma


do §. 22 do tit. 35 os bens confifcados naõ fe julgavao
comprehendidos na Lei mental , antes de íerem incor-
porados real, ou verbalmente : os Compiladores forma-
rão efte titulo particular (a), em que declaraõ o modo àc
fazer-fe a incorporaçaõ verbal, e o feu effeito.

§. CXXXXVL

O modo he quando nas cartas de doaçaõ fe prefere-


vem

do fa£to dos Reis o revoga-los , ou approva-los , quando os ben-


tornarem para a Coroa , §. 25
( a ) Efte tit. foi defmembrado do tit. 17, IIv. 2, da Ord. Man-*
na qual fórma o §. penult. , e he propriamente huena declaraÇ
do §. 22 do tit. antecedente.
PARTE III. Titulo XXXVII.

vem as palavras confiscamos , apropriamos, unimos, ou i.ncor~


paramos á Cor6a dos nojjbs Reinos; e ajfim confiscados, e incor-
porados os damos. O effeito defta incorporação he o mcf-
nio que o da incorporaçaõ real.

TITULO XXXVII.
Das mulheres que tem cou/as da Corâa do Reino , e fe cajao
/em licença d' El Rei.

§. CXXXXVII.

N O titulo antecedente (§. 142. not. u ) vimos, que as


mulheres podem fucceder, e fcr donatarias da Coroa por
eípecial mercênefte titulo traéta-fe dos motivos geraes ,
porque ellas podem fer excluídas da fuccefíaõ , e perder
o direito de Donatarias.

§. CXXXXVIII.

Eftes motivos faõ , 1.° cafando fem licença regia (a) :


0
2. vivendo dcshoneílamcnte (6).
§. CXXXXIX.

( ") Eíla licença he abfolutamente neceflaria todas as vezes, que


as
mulheres tiverem , ou efperarem ter algumas jurisdições da
C°rôa , ou algumas rendas , ou tenças , que paliem de cincoen-
ta
mil reis.
( ) A confervaçaó da nobreza adquirida pelos ferviços fei-
tos
á Coroa , que fervem de único titulo para as doações dos
bcns
delia , e a decadencia que a mefma nobreza fofire pelos ca-
samentos indignos , e pe!a proílituiçaó dos propagadores da fa-
, foraõ os juítos motivos , porque as noflas Leis naó fó ex-
igem
122 Direito Particular Portuguez

§. CXXXXIX.

Para fe obter efta licença devem requerer ao Tribu-


nal do Defembargo do Paço (c), e aprefentar o confenti-
mento de feus pais ( d ), e na falta delles de feus tutores ,
ou curadores , naõ fendo intereíTados no cafamento, Ex-
trav. de 23 dc Novembro de 1616, e de 29 de Novem-
bro de 1775.

TITULO XXXVIII.
Em que tempo as Cartas de doafoes, e mercês devem pajfar
pela Chancellaria.

§. CL.

'j.'Endo-fe traiílado das doações dos bens da Coroa (tít.

~ . 35 ) _
igem para os cafamentos dos fuccellores nos bens da Coroa a
licença regia, precedida pelos confentimentos dos pais ma®
hum comportamento honrado, e honefto das filhas , que nelles
podem fuccedcr , como exprella D. Filippe IV. na Extrav. dc
23 de Novembro de 1616-
( c) O Defembargo do Paço he o Tribunal , a quem fe acha
delegada a audoridade de conceder eftas licenças ; com a diífe-
rença , que ajuntando-fe o confentimento dos pais, ou tuto-
res , concede o Tribunal a licença fem confulta ; negando pO"
rém os pais , -ou tutores , os feus confentimentos , deve 0
Tribunal confultar o Rei , depois de ouvidas as razões da denc-
gaçaô , Extrav. de 23 de Novembro de 1616.
( d) Sendo menores de vinte e cinco annos ; aliás bailai
aprefentarem certidaâ de a terem pedido, Extrav. de 4 dc °utu~
bro de 1784, §. 6.
PARTE III. Titulo XXXVIII. 123

35), fe trafta nefte titulo do tempo, em que as Cartas de


doaçaõ devem paílar pela Chancellaria. (a)

§. CLI.

As Cartas, ou faÕ as originaes, e as da primitiva mer-


cê j ou faõ fecundarias , c fucceflivas , que os fucccííbres
tiraÕ para confirmaçaõ das doações (b) feitas a feus maio-
res. No primeiro cafo devem aprefentar na Chancellaria
as Cartas dentro em quatro mezes, depois da datados
Alvarás , ou Cartas , pena de ficarem fem effeito, pr. do
tit. No fegundo cafo devem fer aprefentadas dentro cm
feis mezes, depois da morte do Donatario , ultimo poflui-
dor, pena de pagarem metade de mais dos novos direi-
tos, ou para El Rei ,ou para o Rendeiro da Chancellaria,
do anno da morte do Donatario , ou dentro de hum anno
debaixo da mefma pena, e de perder o Donatario, ou
o fuccelfor, a mercê em fua vida , §. x.
Qji §• CLII.

( a ) As Cartas de mercê devem paliar pela Chancellaria para


ferem viftas, e examinadas pelo Chanceller Mór do Reino, para
fe emendarem, fendo neceflario, antes de fc darem á execuçaô, a
<]ue accrefceo depois o motivo de pagarem ahi novos direitos ,
Ord. Man. liv. 2, tit. 18, Reg. de 10 de Abril de 1661. Porém
°s Donatarios , para fe livrarem delia obrigaçaõ , naõ as levavaô
a
Chancellaria ; e os Officiaes, a quem o feu cumprimento per-
tencia , lhas cumpriaõ: para evitar eílas fraudes fe lhe taxou
Te
mpo , dentro do qual devem paflar as Cartas na Chancellaria ,
Pena de ficarem fem effeito as mefmas mercês.
I b ) As mercês , poftoque de juro e herdade , femprc os fuc-
ç
efTores devem impetrar d'El-Rei ferem confirmadas por fuccef-
i §. 1 defte tit. Das efpecies de confirmaçaõ vid. Pafch. Jof.
^e11- JnJI. Jur. Civ. LuJ. tit. 3 , 22 , Jeqq.
124 Diríito Particular Portuguez

§. CLII.

Da pena de pagarem metade de mais do devido pela


mercê naõ faõ ifentos os Donatarios, poftoque paffado
o anno lhe permitia El Rei, que palTem cartas na Chancel-
laria, §. 2; cujos direitos pertencem á Chancellaria do an-
no , em que as Cartas fe tiverem paflado, o mefmo §. 2.

TITULO XXXIX.
£>uefe mo faça obra por Carta, ou Alvará d' El Rei, nem de
algum/eu ojjicial, fem fer pajjada pela Chancellaria (a).

$. CLIII.
TX Endo-fe traílado no titulo antecedente do tempo,
em que os Donatarios da Corôa devem aprefentar na
Chancellaria as cartas de doações ; nefte titulo fe deter-
mina em geral, que nenhuma Carta, e Alvará, ou Deíem-
bargo d' El Rei (b) y ou dos feus officiaes (e) , fe cumpra
fem

( a ) Ord. Man. liv. 2, tit. 2o


(b) Defembargo he o mefmo que tenfa , aflentamento , ajuda
de cufto , e geralmente toda a mercê pecuniaria , que El Re'
manda pagar , Vid. Ord. liv. 4, tit. 14 , e tit. 97 §. 10 , e Reg-
das Ord. da Fazenda cap. 219, e 231.
( c ) As fentenças finaes dos Magiftrados devem igualmente
pa(Tar pela Chancellaria , §. 3; fendo da Cafa da Supplicaçaó, pe-
la Chancellaria da mefma Cafa, Ord. liv. 1, tit. 4; e fendo dou-
tros Magiftrados d a Corte, pela do Reino, Ord. 1. 1, tit. 2, §> 2*
Aflim como as fentenças dos Magiftrados do Porto devem pa'~
far pela Chancellaria da Relaçaó, Ord. liv. 1 , tit. 36, e as d°s
Corregedores das Comarcas, pelas refpeílivas Chancellarias daS
mefmas Comarcas, Ord. liv., 1, tit. 61.
P A R TE III. Tl TU tO XXXIX. 125

fem fer pafíada pela Chancellaria, pr. do tit. e §.ult. (d)-, e


que devem fer declaradas nullas, §. 4.

§. CLIV.

Alem da pena de nullidade, fe eftabelecem varias pe-


nas contra os officiaes, que cumprirem, e derem á execu-
Çaô íímilhantes Cartas, fegundo oobjedo, e qualidade
delias , e dos Officiaes.
§. CLV.

Sendo as Cartas lobre pode de jurisdições , incorre


nas penas de cem cruzados, §. i; fendo fobre terras,
rendas, 011 direitos da Corôa , incorre nas de cincoenta
cruzados, §. 2 in fin.; e fendo fobre outros objectos, incor-
re nas penas de dez cruzados, §. 1 in pr.; cujas penas fao
applicadas metade para quem accufar, e metade para a
Chancellaria do anno , em que as Cartas fe palfaraõ.

§. CLVL

Se o Official for Thefoureiro, ou Recebedor, ou ou-


tro qualquer, que tenha em feu poder direitos da Coroa ,
e
pagar, der quitas, ou efperas por algum Dcfembargo,ou
Mandado , que nao tiver paliado pela Chancellaria , he
obrigado a pagar o anoveado dos direitos da Chancella-
ria , que íe devem pagar pelos Defembargos , ou Carta , e
c nao fe-lhe leva em conta o que pagar a parte , §. 3 (e).
T 1-

(d) Exceptuaó-fc os mandados dos Officiaes da Corte , que


Pearem para dentro das 5 legoas, §. 5.
( ' ) Na mefina pena incorrem os Contadores , que no tomar
^as contas lhe levarem era conta o que affim tiverem pago, §. 3.
126 Di R E ÍTO PA R Tr cu L A R PORT U G U K Z

TITULO XXXX.
ue as
\. coufas, cujo effeito ha de durar mais de hum anno »
pajfem por Carias, nao por Alvará.

§. CLVII.

N A II. Parte deftas Prelecções ( tit. i , cap. 2 ) vi-


mos os differentes objeftos das Cartas de Lei, e dos Alva-
rás íimplices , que fazem também o objecto defte tit.

§. CLVIII.

Alvará he huma efpecie de refcripto, cujo effeito


naõ dura mais de hum anno, fendo o objeáto delle tal,
que poífa cumprir-fe dentro do anno ; pelo contrario, as
Cartas de Lei faõ Conftituições, ou Edidtos de hum eíFeito
perpetuo ( II. Parte deftas Prelecções , §. 67 ), ou que ao
menos haja de durar mais de hum anno, de maneira que
fendo eftas coufas determinadas por Alvarás, laõ eftes
nullos , e fem effeito

TITULO XXXXI.
$uefe mo faça obra por Portaria, que da parte d' El Rei
íe der [a).

§. CLIX.

ÍL Ste tituIo he huma confequencia do titulo 39 : fen-


do pois prohibido executar-fe, ou fazer-fe obra por Carta>
ou Alvará, fem palfar pela Chancellaria, pelas razoes pon-
deradas

C « ) Ord. AfFonf. liv. 2, tit. 25 , c Man. tit. 29.


PARTE III. Titulo XXXXII. 127

deradas (§. 150 not. a), e na fegunda parte deftas Pre-


lecções ( §. 66 not. r ), juftamente fe prohibe nefte titulo
fazer obra alguma por Portaria , que da parte d' El Rei
fe der {b).

TITULO XXXXII.
Como fe devem regifiar as Mercês, que El Rei faz.

§. CLX.

O Senhor D. João III. pelo Alvará de 31 de Dezem-


bro de 1 547, referido e confirmado na Lei do Senhor D.
Sebafihõ de 24 de Março de 1560 (a), determinava ,que
todas as Mercês Regias foíTem regiftadas dentro em dous
mezes [b).
§. CLXI.

O Senhor D. Sebaftiaõ , por outra Extravag. de 17


Julho de 1567 , limitou as ditas Leis fó aos cafos ex-
prelTòs , e extendeo o tempo de dous mezes ao de quatro ;
>fto mefmo fez D. Filippe em 20 de Julho de 1584, de
Cu
jas Leis os Compiladores formaraõ efte tit.

§. CLXII.

Porém D. Filippe III. pelo Alvará de 16 de Abril


de
( b ) Portaria he o mefmo , que ordem verbal dada por Ei-Rei
0s
feus Officiaes. Vid. Lei de ig de Dezembro de 1604.
( " ) Leaõ 5. p. tit. 9, L. r.
) Parafe fazerem cíles Reffirtos mandou o Senhor D. Toa5
TTT
fazer certos livros , como refere o Alvará de 16 de Abril de
*^*6 , Collcc. 2.' a eíle tit. num. 2.
123 Direito Particular PortucTõez

de 1616 , co Senhor D. Joaõ IV. pelo Alvará de 20 de


Novembro de 1654 , e o Senhor D. Pedro II. pelo Alva-
rá de 28 de Agofto de 1714, determinarão , que a obri-
gaçaõ dos Regiftos fc eftendefie a codas as Mercês , Col-
lec. 2.3 a efte tit.

TITULO XXXXIII.
Das cartas impetradas d' El Rei por falfa informação,
ou calada a verdade.

§. CLXIII.

N A II. Parte deftas Preleções ( tit. 4, cap. 1 ) mo-


rramos a difterença entre Cartas de Lei feitas de motu
proprio , e Alvarás , Provifôes, e Decretos , padados a re-
querimento de partes. EUes he que fazem o objeíto deite
tit. , porque íó elles podem íer fundados em falfa caufr
( ditas Prelecções , §. 63 ).

§. CLXIV.

Eíta caufa impulíiva das referidas cartas pode fer de


dous modos , ou allegando os impetrantes huma tal, que
mova, e impelia a vontade do Rei , ou occultando a que
impelliria o Rei ao contrario, pr. do tit. Em cada hum
deites cafos he evidente, que naõ ha vontade , nem con-
fentimento do Rei, e por confequencia fimilhantes Cartas
nao obrigaõ, nem devem cumprir-fe , o meímo princ-
do tit.
§. clxv.
Parte III. T i T U l O XXXXIII. 129

§. CLXV.

Como a audtoridade, e obrigaçaõ (a) de fc nao cum-


prirem hc a obrepçaõ (b), e fubrepçao (r), fegue-fe que o
Juiz , a quem for aprefentada , a deve declarar ob, e fub-
repticia, pr. do tit. [d).
§. CLXVI.

Sendoefta a obrigaçaõ do Juiz, e merecendo fer puni-


do o que aílim impetra as Cartas de El Rei, e ufa delias ;
juftamente fe eftabelecem nefte titulo as penas contra os
Juizes , que as na5 declararem ob, e fiibrcplicias e con-
R tra

(a) Os Juizes como Miniftros da juíliça adim como devem ,


e faÓ obrigados a executar as Leis dos Principes , igualmente ,
e pelos mefmos princípios, faó obrigados a naó cumprirem aquel-
as Refcriptos, e falfas Leis, que procedem de falia caufa ,
°u falfa informaçaÕ.
( b ) Obrepticia lie quando fc allega caufa falfa , que impelle o
a conceder a Provifaó , Alvará , &c.
( c ) Subrepticia he quando fc occulta a verdade, que fabida ,
fe na6 concederia a ProVifaõ.
(«O O Juiz por feu oflicio , e decencia deve declarar a ra-
Za< )
" «'as fuas fentenças , principalmente quando éllas fe oppóetn
a
Pparentemente á vontade do Príncipe. O Senhor D. Jofé I.
Atendendo á indecencia , que refultava aos Tribunaes fuperiores
conhecerem os Juizes inferiores das fuas fentenças , determi-
*0u pelo Alvará de 30 de Outubro de 175x , que os Juizes rc-
ni
etteirem os embargos de obrepçaõ para os Tribunaes compe-
htes , e pela mefma razaõ devem praticar o mefmo quando ex
"fficio tiver lugar o conhecimento da obrepçaõ, e fubrepçao.
130 D I R E I T O P A R T I CU L A R Po R T U C U E Z

tra as partes que as impetrarem j c contra as que ufarem


delias (e).

TITULO XXXXIV.
Que fe nao entenda derrogada por El Rei Ordenaçao , Je da
JubJiancia delia Je nao fizer exprejfa menção.

§. CLXVII.

N A fegunda parte deftas Preleçoes (§. 65) vimos, quC


hum dos modos de ceifar a deteminaçaõ da Lei, he pela
derrogaçaõ delia ; mas fegundo a determinaçaõ defte ti-
tulo na5 bafta a pofteridade da Lei derrogante , nem
mefmo huma derrogaçaõ geral, e indiftindta,- he neceiía-.
ria huma exprefla derrogaçaõ , cm que ao menos fe faça
fumariamente mençaÕ da Lei derrogada (a).

T I T V L O XXXXV.
JLm que maneira os fenhores de terras ufaráo da jurisdiçal >
que por El Rei lhe for dada.

§. CLXVIII.

J A vimos ( §. 139 ) que entre as mercês, com que o®


Nolfos Monarchas juftamente compenfaraÕ aos feus vaf-
falíos

(e ) A exccuçaÓ deftas penas he alternativa , e ao arbitrio


da parte , contra quem o Referipto he impetrado, fica efco"
lher , contra qual dos dons ellas fe devem executar.
( a ) O efpirito defta Ord. he bem fimilhante ao da creaçaó do
Chanceller Mór , Ord. liv. 1 , tit. 2, $.2. Vid. II. Parte d»*
Prelecções §. 66 , not. r.
PARTE III. Titulo XXXXV. 131

fallos os íerviços feitos á Coroa , eraõ também os Titulos,


em cujo numero fe comprehendem os fenhorios de terras
Com certa jurisdição , como confta defte tit. (a).

f. CLX1X.

Eftas mercês , aílim como naõ transferem hum do-


mínio pleno , e irrevogável das terras doadas (§. 136 not.
d ) , muito menos transferem outra jurisdição que a dele-
gada (b) e fobordinada ao mais alto íenhorio , ou dele-
gante , por mais exuberantes que fejaõ as claufulas das
doações, pr. defte tit. Mas porque algumas claufulas per-
fuadem transferir maior jurisdição do que he mente dos
conced entes, §. u t i,tpr.; juftamentefe prefcrevem neftc

( a ) Da origem , progrelfos , alterações , e mudanças dos Tí-


tulos em Portugal , c das fuas prerogativas , e precedencias
vid. dito Meli. loc. cif. §. 1, £y feqq.
(i) Huma das partes integrantes do Summo Império he a Ju-
diciaria (P. Il^deftas Prelecções, §. 61): efta parte unida com
as
mais em huma fó pefíba fifica conflitue a fórma Monarchi-
Ca
do Império (ditas Prelecções , §. 25 ), affim como em Portu-
a
S l (ditas Prelecções , §. 26 ) , naõ pôde por confequencia fe-
Parar-fe efta parte Judiciaria da pefloa do Monarcha fem altera-
Çaõ na fórma da Monarchia , cuja fórma conftituida pelo pa-
fucial naõ pôde alterar-fe pelo mero arbitrio do Monarcha
(ditas Prel. §. 11 , not.); por cujo motivo fimilhantes doações
ll
aõ podem produzir outro efFeito, que o de mera delegaçaõ fubor-
dinadaao Imperante , pr. defte tit. in fin. , e dependente do feu
ar
bitrio, e exercida em feu nome, dito Meli. loc. cit. §.39. n. 2,
en
°t. O que já foi claramente decidido pelo Senhor D. Joaõ I.
lla
declaraçaô, que os Donatarios da Coroa naõ foffem havidos
P°r feudataiios , Ord. liv. 2, tit. 35 , §• 3.
132 Direito Particular Portuguez

titulo as regras , que devem regular a jurisdição dos íc-


nhores dc terras.
§. CLXX.

As regras, que fe prefcrevem no §. 1. defte titulo, fa5:


,, T.a As pelfoas, que d'El Rei tem terras com jurisdição,
„ ufaraõ delia , como por fuas doaçoes, por El Rei con-
„ firmadas, lhe for exprefiamente outorgado (<-). 2.a Sc
„ em fuas doações , e privilégios naõ for declarado , em
„ que maneira devem -ufar da jurisdição , ufaráõ da m»-
„ neira preferipta neíte titulo.

§. CLXXI.

A jurisdição dos fenhorcs de terras concedida ferrt


cxprelfa declaraçaõ (regra 2.3 ) fe limita ; i.° á faculdade
de conhecer por appellaçaõ dc todas as caufas eiveis (d),
e cri-

( c ) O que fe naõ deve entender das doações feitas antes da


morte do Senhor D. Fernando aos 22 de Outubro de 1383 , §. I"
defte tit.; por quanto pelo dito Senhor D.Fernando foraõ muitas
doações revogadas , e outras limitadas , e declaradas , §. 11 i"
pr- , nas Cortes de Atouguia de 13 de Setembro de 1375, Ord.
.Affonf. 1. 2, tit. 63, que os Compiladores Manuelinos Ord. 1>
tit. 26, §. 15, e os Philippiftas §. ro defte tit. , pareec limitarem
ao tempo da morte do dito Senhor ; mas fe deve entender das p0-
fleriores, §. 11 defte tit., e das confirmadas pelo Edié\o geral do
Senhor D.Affonfo IV, §.6 defte tit., fendo-lhe aprefentadas cffl
virtude do mcfmo Ediâo.
(il) Limita-fe efta faciddade, 1.0 nos feitos dos Direitos Reaes,
ou pertençaõ a El-Rei , ou a algum Donatario , §.31» fent*° a
demanda febre fer , ou naõ fer Direito Real , Ord. liv. 1 > t,c
9'
h

Pa r te III. Titulo XXXXV. 133

c crimes, que fahirem danteos Juizes das fuás terras, §.47,


eftando em terras da fua jurisdição , que naÕ diftem mais
de dez legoas do lugar donde fahir o feito , §. 41 , de que
deve dar appellaçao dos crimes para o Ouvidor da Rela-
çaõdo deftridto, §-47, e dos eiveis para a RelaçaÕ, §. 4%
Limita-fe 2.° á faculdade de crear Ouvidor para cada
tres annos, §.41 , que naõ fejaõ Clérigos, ou pefíoas ifen-
tas da jurisdição do Rei, §. 44, e que exerça mais jurisdi-
ção, do que o fenhor pode exercer , §. 43 (e).

§. CLXXII.

Limitando-fe a jurisdição á faculdade de pôr Ouvi-


dor (§. 171 ,n. 2) , íegue-fe i.° que naõ podem pôr Juiz
de Fóra, §. 13. (/): 2.° nem nomear Officiaes do Conce-
lho
9, inpr., verf. fin., naõ lhe fendo exprellamente concedido; por-
que nefte cafo pode conhecer das appellações , eftando no lugar
donde fahir a appellaçao, §. 32 : 2.° limita-fe no feito dos apera-
dos, ido he , dos Cavalleiros , ou habilitados por fua nobreza
para o ferviço do Rei. Lobo Cortes na Aldêa , Dialogo 4 , pag.
2
9^> fobre as fuas apurações , armas , e cavallos, §. 33.
( e ) O Senhor de terras, poítoque tenha Ouvidor em fuas ter-
ras, pôde conhecer das appellações , antes de julgadas pelos Ou-
vidores , 52 ; mas, tendo Ouvidor, naõ pode comertc-las a ou-
tra pelToa fem jufta caufa , §.47. Naõ podem porem julgar por
AcordaÕ, §• 4; nem o Ouvidor lavrar a fentença cm nome do fe-
n
hor da terra , mas fim em feu nome, §.4,651.
(/) A jurisdição de Juiz de Fóra he muito maior , c intei-
ra
TOente diftindla da dos fenhores de terras, vid. Ord. liv. i, lit.
^5 ; e porque os propoftos pelos fenhores de terras naô podem
u
far de maior , e difFerente jurisdiçaó, do que tem os fenhores ,
§• >7.1
134 DireitoParticuiarPojtuguez

lho, §. 2. (£): 2° ncm pôr Meirinhos, §.14. (h) : 4.0 nem


aprefentar, e menos crear Tabelliaes, §. 15, 16 (/'), Orei.
1. 1, tit. 80, §. 22, tf cg. §. CLXX1II.

§. 171 tnfin. ; he evidente que naó podem pôr Juizes de Fo-


ra , pena de fer o fenhor fufpenfo da jurisdição por hum anno »
c de pagar cincoenta cruzados , e fer degradado 4 annos para
Africa o que acceitar a nomeaçaõ, §. 13.
(g ) A eleicaõ , e nomeaçaõ dos Officiaes do Concelho deve
fer feita pelos homens bons do mefmo Concelho, Ord.liv. 1, tit.
67 , e devem fer confirmados ou pelo Dcfembargo do Paço 1
ou pelo Corregedor da Comarca , §. 2 defte tit., ou pelos fenho-
res de terras , tendo expreiTa jurisdição para os confimar, Ord.
liv. 1 , tit. 67, §. 8 , e §. 2 , defte tit.
( h ) Os Senhores de terras fó no cafo de terem Correição po-
dem fazer hum Meirinho em todas as fuas terras , que tiverem
Ouvidor , para fervir com elle continuadamente , §. 14 ; e naó
lendo Correição devem fervir-fe com os Alcaides , ou com of
Meirinhos, portos pelos Concelhos, o mefmo §. 14.
( i ) Para os fenhores de terras poderem fazer , pôr , ou no-
mear 1 abelliáes , he necefiario que efta jurisdição lhe feja eX-
prelTamente concedida , §. 19 , aífim como para lhe darem Cai"'
tas de I abelliáes , §. 20 ; mas em confequencia da jurisdiçaó de
dar as Cartas aos nomeados tem i.» a de lhe dar os Regimento»
ílmilhantes aos que fe lhes dariaõ na Chancellaria , 21 : 2-° a
de dar os Officios de Tabelliaes por erros, que nelles tenhaô co*
mettido os Officiaes por fuas Cartas de fe affim he, §. 22. He
certo que os officios fe perdem por erros nelles cómettidos, O rd-
liv. 1 , tit. 97 , §. 1 , e por confequencia podem dar-fe a outra
pelToa ; mas porque o erro naó fe prefume , em quanto fe ,
acha julgado , naõ pôde dar-fe fenaõ debaixo da condiçaõ de tef
cõmettido erro , ifto he , pela claufula fe affim he ; cujos impe*
trantes devem fazer citar os culpados dentro om feis mezes pa-
ra ceder-lhe o officio, Ord. liv. x , tit. 98.
PARTE III. Título XXXXV. 135

§. CLXXIII.

Limitando-fe a jurisdição a conhecer por appellaçaõ


( §. 171 num. 1 ), fcgue-fe x.° que naõ tem Correição ,
§• 8. (/): 2.0 que naõ podem conhecer dos aggravos, §.48
("1 ): 3.0 nem poracçaõ nova eivei, ou crime , nem por
fimples querella , ou denuncia , nem por correição , nem
ex officio, §. 50: 4.0 que naõ podem paliar. cartas de fegu-
ro,§. 45 : 5.0 nem cartas moratorias , nem de reftituiçaõ
de fama, nem de emancipaçaõ, ou de outra graça, §. 40:
6.° nem impor tributos, §. 36; 7.° nem conceder privilé-
gios de efeufa dos cargos dos Concelhos, §. 37.

§. CLXX1V.

Devendo ufar, alem da referida jurisdição, ío da que


lhe

(/ ) O Senhor D. Fernando na referida Lei de 13 de Setembro


de 1375, §. 11 , prohibio abfolutamente que os fenhores de ter-
ras pudelTem ufar de correição , pelo motivo de fer o exercício
^lla necclfario fobre os mefmos poderofos, e grandes ; e por iífo
lhe naó deve fer permittida em Tuas terras para que os Corregedo-
res do Rei poflaó conhecer dos abufos , e violências, que fe fa»
fcem nos fenhorios. Os Compiladores dos Codigos Man. e Phi-
lipp. feguiraó a mefma prohibiçaó com toda a fua generalidade
que refpeita ás doações feitas até o tempo da morte do Senhor
Fernando ( §. 170 not. c ) , e a refpeito das polleriores em
quanto exprelTamente lhe naó for concedida, Man. §. 15, e Phi-
V §. 10.
( m ) Os Aggravos interpoftos dos Juizes dèvem ir fendo de
Ca
ulas crimes ao Corregedor da Comarca , ou aos Ouvidores do
Cr
'me da Relaçaó , e fendo eiveis ao Corregedor da Comarca,
®u aos Defembargadores dos Aggravos da Relaçaó, §. 48.
136 D I R E I T 0 P A R T I C U L A R Po R TU G U E Z

lhe for expreílamcnte concedida ( §. 170, regra i.a ) fc-


gue-fe i.° que naõ podem ufar de Correição por mais
exuberantes que fejaÕ as claufulas , naõ fendo expreíla-
mente concedido , §. 8 («): 2.0 que as novas mercês feitas
com clauíulas geraes remiflivas ás antigas naõ conferem
a jurisdição das referidas , ou antigas (0): 3.0 que tendo
jurisdiçaõ íimplefmente para nomear Tabelliães, naõ os
podem crear de novo , §.15. (/>) , nem dar as cartas de
Tabelliaes aos aprefentados, §. 16, (§. 172. not.
T I-
( n) Tendo Correição naó podem levar dizimas, ou quarente-
na , ou chancellaria das fentenças, naó lhe fendo iíto exprefía-
mente concedido , §. 9.
( o ) As claufulas geraes , que aqueUe , a quem he feita a doa•
Çao , haja alguma terra, ou terras com toda a jurisdição , afjim ci'
tus a tinhao , e pojfuiaõ aquelles , que antes forno , naó expi eíTaó,
nem declaraó efpecificamente a jurisdiçaõ , de que pôde ufar o
Donatario ; e em confequencia a fua jurisdição fe deve regular
por efla Ord. (§. 120, reg. 2.a), a qual fe limita aos dous cafoS
expreíTos ( §. 170 ).
(P ) A jurisdiçaõ para crear Officiaes dejufliçahe muito difFe-
rente da jurisdição de nomear pefíbas para exercerem , e fervirem
o oífício crendo , e ertabelecido ; por iflo da faculdade para no-
mear Tabelliaes , naó fe deduz a faculdade de os crear ; e com"
os Donatarios naó tem mais jurisdição que a expreflada , feguC"
fe que da faculdade de nomear naó refulta a de erigir , ou crear
de novo Tabelleado.
PARTE III. Titulo XXXXVI.

TITULO XXXXVI.
$$ue as pcjfoas que tem poder de dar os Officios os nao vendao,
nem levem dinheiro pelos dar.

§. CLXXV.

T,Endo-fe tradtado no titulo antecedente ( §.171, not.i")


da faculdade concedida por efpecial mercê a alguns Se-
nhores de terras , para darem os Officios da fua jurisdi-
ção ; íe prohibe nefte titulo , que eftas pefloas , e outras
quaefquer , que tenhaõ fimilhantc poder , os vendaõ, ou
levem dinheiro pelos dar (a). .

§. CLXXVI.

Eda prohibiçaõ he munida com a perda de todos os


bens do comprador , ou do que der o dinheiro , metade
para o accufador, e metade para a Camara d' El Rei, c
perda do Officio para o mefmo accufador (&), por cuja
morte íe devolve a data do Officio para a Coroa.
S T I-
(a) A razaõ delta prohibiçaõ he para evitar, que pelo interef-
fe anteponhaõ no provimento dos Officios pefloas menos ido-
sas a outras mais capazes. Efte eia o mefmo efpirito das Leis
^°rnanas de Ambitu ; e he também da Extrav. de 9 de Abril
*'e 1647 » que piohibe aos Prefideutes , e Miniftros, dar os Of-
ficios aos fetis creados ; da de 23 de Maio do mefmo anno , que
Pfohibe , e annulla as nomeações , que os Miniftros fizerem dos
°fficios em pefToas, que tenhaó cafado com creada fua , Coll. I.»
a e
ftetit., e dos Decretos fobre efta matéria, infertos na Coll. 2.*
n
' '«e 2, ao dito tit
( ^ ) Efta pena naõ admitte prefcripçaó ; e podem as partes fer
^eiiandadas por ella a toda o tempo.
133 Direito Particular. Portuguez

TITULO XXXXV1I.
Da Jurisdição dos Capitães dos lugares d' Africa.

§. CLXXVII.

A Jurisdição dos Capitães dos lugares d'Africa he to-


da criminal (a). A primeira regra, que devem obfcrvar no
exercício da fua jurisdição , faõ os Regimentos , e Cartas
dc inílrucçoes, que lhes forem dadas , §. 2. Na falta do
Regimento, elles tem alçada em todos os crimes ,que naõ
forem de pena de morte , ou dc cortamento de membro,
pr. do tit. Nos que forem defta qualidade devem dar ap-
pel!aça5, e aggravo para El Rei, ou feus competentes Mi-
nilhos , §. 1,
§. CLXXVIII.

Exceptuao-fe os crimes de traição , fodomia , furto,


roubo de navio , que levem , ou queiraõ levar os ladrões
dos refpe&ivos lugares; qucbradella de fegurança dada por
El Rei (b)\ faltadella por cima dos muros com propofito»
e

í a ) I ambem podem dar licença aos homiziados para virem a°


Reino, §.. 3 , por tempo de tres mczes em cada hum anno, Ord*
íiv. 3 , tit. 123 , §. 11 ; mas nao aos degradados , durando o lein-
po do degredo, §. 4, e Ord. liv. 5 , tit. 144 , §. 1.
( b ) Seguranças Reaes dadas por El-Rei faõ aquellas , que
Rei dá em pelfoa , mandando chamar perante elle as partes mo-
tu proprio , e dizendo-lhe que as fegnraó, Ord. liv. 5, tit- l29»
§§ 5 , e 6 ; e differem por ilfo das cartas de feguro dadas pelo®
competentes Juizes aos criminofos, a mefma Ord.
PARTE III. Titulo XXXXVIII. 139

c tenção dc fazer mal, em que podem proceder fem ap-


pellaçaõ , nem aggravo, §. 10.

TITULO XXXXVIIÍ.
Que os Prelados, c os Fidalgos nao foçai) novamente Coutos ,
nem Honras em feus herdamentos ; e como ncllas ufarao de
fitas jurisdições.
%. CLXXIX.
TSJ O titulo 45 fe traéta da jurisdição dos Senhores dc
terras ; nefte titulo íe traòta principalmente da jurisdição
dos Senhores das Honras , e Coutos (a).
S 2 §. CLXXX.

( a ) Pollo que os Coutos , e as Honras fejaõ bens da Coroa ,


attendendo ás jurisdições, e direitos reaes feus conftitutivos ,
e como taes fujeitosa Lei mental, Valafc. de Jur. emph. q. 4.0,
§• 26 , da mefma fórma que os fenhorios de terras ; difrerem
cotntudo huns dos outros Donatarios. Os fenhorios de terras
faõ Títulos ( §. 139 ), que formão huiria diftin&a hierarchia en-
tre os
vaífallos ; as terras que lhe fervem de objeíto, faó Villas ,
°u fejaõ chans , ou acaftelladas ; e fua jurisdição he appellatoria,
(§• 171 ). Os Coutos , e as Honras naõ faõ Titulos ; as terras ,
^Ue lhe fervem dc o.bje&o , faõ as próprias , ou os herdamentos
Particulares dos fenhores delias ; a fua jurisdição naõ he appella-
,0r
ia , mas tal como logo veremos. He porém muito difficil efta-
kelecer a differença entre os Coutos , e as Honras. Honras eraõ
a< ll
l ellas terras , em que os fenhores delias tinhaõ fuas caías , ou
folares com certa jurisdição , e certas ifenções , Bluteau verb.
t~t°nra , Monarch. Luf. liv. 16 cap.69. Coutos eraõ aquellas ter-
ras
• em que os fenhores delias tinhaõ a mefma jurisdição , e as
"teimas ifenções , que nas Honras ; e trazem a fua etymologia
da
140 Direito Particular Portuguex

§. CLXXX.

Contem pois efte titulo duas partes. Na primeira Ce


prohi-

da palavra Canto , ido lie , da multa e pena pecuniaria , em qu®


incorria aquelle, que viollava os direitos , e liberdades do Couto.
Maior domus , & Saioti , tf JuJlitia , & Portior de Alcaide
cauti in 8 fold. Foral de Pombal de 1176. Na doaçaó, que o Se-
nhor D. AfFoníò Henriques fez ao Mofleiro de S. Salvador de
Caftro de Aveláes em 1182 fe explica aflim : Et cauto illud Mo~
vajiern vel Ji aliquis ei malificerit, plcSlet mihi tnille áureos 1
Brand. Append. tom. 3. pag. 128. Como porem os Coutos era#
hum dos modos de conftituir as Honras, Brand. Monarch. Luf-
liv. 16, cap. 69 , e fe prova de hum dos itens das inquirições do
Senhor D. AfFonfo de 1252 , Interrogatus fi ejl honoratu per pen-
dontm per cautum , vel per cartam Domini Régis ; he claro q»e
a differença do Couto á Honra naõ procede da etymologia do
nome do Couto. Alguns Auélores põem a differença, em que a5
Honras tinhaó jurisdiçaõ , e naõ os Coutos, que o fim deites era
livrar , e fegurar os criminofos da vingança dos parentes, que
dizem lhes era licito por direito , e coftume au£lorizado pelas
leis, tomar da morte dos parentes , attribuindo a efta origem o
coftume das cartas de inimizade , mandadas paflar pelo Defem-
bargo do Paço, Ord.liv. 1, tit.3, §. 5. Outros eflabelecem adif"
ferença em que os Coutos eraõ proprios dos Ecclefiafticos , e as
Honras dos Seculares. Porem primeiramente os fenhores dos
Coutos também tinhaó jurisdiçaõ , como fe prova defte noífo n"
«1I0 , e das fuas fontes , e do artigo 15 da Concord. do Senhor
D. Pedro I Outro que elles , e Jeus Cabidos , e outra clcrefia ha'
viao coutos e lugares , em que haõ fuas jurisdições : em fegundo
gar os Coutos, de que fe traála nefte titulo , e que faó analog0®
com as Konras , naõ eraõ deftinados para rçfugio , ou feguranç*
dot
PARTE III. Titulo XXXXVIIT. 141

prohibe fazer novamente Coutos, ou Honras , ou zc-


creícen-

dos delinquentes ; porque as mefmas Leis , e Ord. que appro-


vaõ eftes Coutos, Ord.Aff. liv. 2, tit. 63, e lív. 5, tit. 50, Man.
liv. 2. tit. 40 , nem auâorifaõ , antes reprovaó como abufivo o
eoítume de vingarem , ou acoimarem os parentes as mortes de
feus parentes, Ord. Aff. liv. 5, tit. 53, nem mefmo auctorifavaó
eíles Coutos para refugio dos criminofos perfeguidos pelas Ju-
fliças, Ord. Aff. liv. 1, tit. 50, §. 1 , Man. tit. 9 , e Filip. tit,
104 ; concedendo alias certos Coutos, ou afillospara ede fim em
certas terras dos confins , Ord. Aff. liv. 5 , tit. 61 , Man. tit.
52, Filip. tit. 123, e que forao derogadas pelo Alvará de 1692.
Nem as cartas de inimizade fe concediaõ por ede motivo , mas
íim para ferem havidos por fufpeitos como inimigos capitaes na
quelles cafos.em que eftes naó devem fer ouvidos, v.g. nas quere-
las , Ord. liv.; 5 , tit. 117 , §. 2 , nas teílemunhas Ord. liv. 3,
tit. 65, §. 7 ; o que fe prova pelo Alvará de 10 de Março de
1608 , que revoga o dito §. 5 da Ord. liv. 1 , tit. 3 , pela razaô
de terem as partes os meios das fuspeições , e contradirias. Pelo
que pertence á differença de ferem os Coutos proprios das pelfoas
Ecclefiaílicas, e as Honras dos Seculares, da Ord. Affonf. liv. 2
tit. 65 , §. 4 , confta , que o Arcebispo , os Bispos , as Sés , os
Priores , e os Abbades tinhaõ Honras. Por tanto parece que
a
razaó de differença confifte, em que as Honras faõ as terras em,
lue os fenhores delias tem as fuas cafas , ou folares ; e os Cou-
tos faõ certos povos didantes das Villas , e Cidades, concedidos
por mercê regia , Vafconcellos Difcripçaõ de Portugal, pag^SS',
e|
n que os fenhores naô tinhaõ folares ; donde parece que as quin-
as , ou terras coutadas , em que os fenhores tinhaõ fuas cafas ,
e
folares, fe faziaõ Honras pelo titulo do Couto , podo que com-
prehendeffem muitos cafaes; e aquelles, em que naó tinhaõ cafas,
chamavaõ Coutos fimplesmente.
142 Direito Particular Portuguez

crcfcentar as antigas (t). Na fegunda fe declara a juris-


dição,

(/') Sendo os Coutos , e as Honras bens da Coroa (not. fupra),


he certo , que fó podem fer conflituidos pelos Imperantes ; e
com efteito em Portugal o modo legitimo de conftituir, ou erigir
as Honras , era por carta d' El-Rei, ou por balizas , ou pendaÕ f
que por autoridade regia fe levantavaó, quando fe tomava pofTe
delias, Monarch.Luf. liv. 16 cap. 69. Os Fidalgos porem defde
o principio da Monarchia fe arrogavaõ a autoridade de confti-
tuirem Honras aquelles lugares , em que elles entravaÕ , c aquel-
les em que fe creava algum feu filho, chamados pori (Io Amadi-
gos , ou Paramos , Ord. AfFonf. liv. 2 , tit. 2 , tit. 65 , §. 10 ,
Monarch. Luf. loc. cit. Mas como as Honras, e os Coutos faó
prejudiciaes aos direitos da Coroa , e á adminiftraçaÔ da juftiça
pelos abufos dos fenhores delias , fempre os nolíbs Monarchas
tiverao em vifta cohibir, edevaílar fimilhantes Honras, e Cou-
tos , illegitimamerite feitos. O Senhor D. ArFonfo II. foi o pri-
meiro que mandou tirar inquirições fobre eíla matéria na era
de 1256 , ou no anno de 1218 , que repetio no anno de 1252 ,
Monarch. Luf. liv. 16 , cap. 70. O Senhor D. Diniz mandou,
a requerimento dos Povos, fazer huma inquirição na era de 1 328,
ou no anno de 1290 , peIa qual foraõ abolidas muitas Honras,
ou deitados em devalTo muitos lugares , Ord. AfF. liv. 2, tit. 65,
in pr. O mefmo Senhor porém a rogo dos Fidalgos permittio. cm
quanto folie fua mercê , a confervaçaÕ das Honras até aquelle
tempo conílituidas ; mas apefar difto elles naõ deixaraõ de fa-
zer Honras novas , e accrefcentar as antigas, dita Ord. AfFonf-
V- 1 ; motivo porque mandou fazer novas inquirições no anno
de 1301 por Joaõ Cefar , que depois deíle continuou Domingos
dos Coutos no anno de 1304, Monarch. Luf. liv. 16 , cap. 7o'
que devaífuraõ as que fe achavaõ cretas, ou accrefccntadas def<ie
311110 cla
° I,ri'neira inquirição de 1290, dita Ord. AíF. §. 2. Irt°
naó
PARTE III. Titulo XXXXVIII. 143

dição, que compete aos Senhores das Honras, e dos Cou-


tos.
§. CLXXXI.

As Honras, e Coutos contemplados por efta


Ordenaçaõ , faõ unicamente aquellas, que fe acharem
aftabelecidas até a era de Cefar (r) de 1353, que
cor-
naõ obilante continuátaõ os Fidalgos com os mefmos abafos ;
motivo porque o Senhor D. Diniz por confelho da fua Corte ,
® dos Fidalgos , e Prelados do Reino, mandou fazer novas in-
quirições por Apparicio Gonçalves no anno de 1308, pelas quaes
fc puzeraô em dévaíTo as Honras novas , ou acerefcentadas defde
o anno de 1290 , cuja inquiriçaõ foi approvada por El-Rci o
Senhor D. Diniz em Coimbra por huma carta datada a 20 da
Outubro do dito anno, dita Ord. Aff. §. 2 ; e no anno de 1311 ,
aos 13 de Junho, foraÓ confirmados em Coimbra pelo mefmo
Senhor os novos artigos, que lhe aprefentou o mefmo Apparicio
Gonçalves, dita Ord. §. 23, e feq. O Senhor D. Affonfo IV.
2 requerimento dos Fidalgos permittio a confervaçaõ das Honras
íenas , e accrefcentadas até 20 annos antes da morte do Senhor
Diniz , que vem a fer ate 1305 , com as jurisdições que lhe
,|v
elfem fido concedidas ás Honras pela primeira inquirição do
Senhor D. Diniz, declarando juntamente ajurisdiçaó , de que
taviaô ufar o Juiz , e o Vigário , nos cafos que naó conftaife ex-
Preflamente da jurisdiçaõ , que lhe competia , Ord. Aff. íiv. 3 ,
*»*• 50.
(f) Era de Cefar começa no anno do Mundo 3966 , e 38
a
nnos antes da era vulgar. A conquifta das Hefpanhas pelo Con-
^U1 Dionyfio Calvino, e fujeita a Julio Cefar Octaviano, fez epo-
Ca
nas Hefpanhas , e defta época , ou era, feprincipiaraõ a contar
0s
annos nas Hefpanhas ; e delia fe ufa nos Concilios , e nos mo-
""Hentos públicos. Eulogio Arcebifpo de Toledo in MemoriaU)
Sa
"&orum.
144 D I R E I T O P A R T I C U L A R Po R T U G V EZ

correfponde ao anno (d) de Chriílo dc 1315 (e).

$. CLXXXII.

Vejamos que direitos, e jurisdições competem aos


fenhores em feus Coutos, e Honras. Competem-lhe aquel-
les, que moftrarem competir-lhes até o anno de 1315 (/)»
§. 1, e 8 Pelas inquirições pode confiar , que os Se-
nhores tinhaõ jurisdição para terem Juiz fomente, §. 2 ,
ou

{(.I) Em Portugal fe ufou da era de Cezar até o tempo do Se-


nhor D.Ioaõ. I. , o qual no anno de 1422 aos 22 de Agolto or-
denou , que dahi em diante fe contaflem os annos pela era vulgar
do Nafcimento de Chrifto, Ord. AfF. liv. 4, tit. 66 , e Man. tit.
51 , que principia em 4004 do Mundo , Valemont. Elem. Hi-
Jtor. liv. 1 , cap. 1. §. 7.
(e) Os Compiladores Man. no liv. 2 , tit. 40 In pr. , fixaraó
efie mefmo anno, que naó pôde combinar-fe com algum das in-
quirições , ou confirmações antigas ( §. 177 , not. b ).
(/) Entre os privilégios , que faô concedidos ás Honras , »
Coutos. lie naõ poderem nellas entrar os Mordomos do Rei .
nem o Porteiro da Villa, ou Lugar, em que as Honras eítiverem,
pr. deite tit. , e Ord. AfF. liv. 3 , tit. 50 , §. 2. Monarch. Luf.
L, 16, cap. 69 , excepto quando fe acolherem a ellas pefloas,
que nellas naõ foliem moradores ; em cujo cafo podem entrar os
Porteiros dos Concelhos para os citar , ou de El-Rei , §. 7 defte
tit., e Ord. AfF. §. 7; e igualmente podem entrar os Officiaes do
Rei para a arrecadaçao das dividas reaes , que lhe pertencerem»
e fazer para iífo todas as diligencias neceíTarias , cap. 207 da
Collec. dos Regimentos Reaes.
te) Ufando de maior jurisdição, que a que lhe competir, ficaó
ip.o faílo devaíTas as Honras , e fujeitos os fenhores delias a*
penas, que demais merecerem , §, g.
PARTE III. Titulo XXXXVIII. 145

ou fomente Vigário , §. 4, ou Juiz , e Vigário juntamente,


§. 5 , c pode na5 confiar que lhe feja permittido ter Juiz,
ou Vigário, §. 6.
§. CLXXXIII.

Tendo fo Juiz a regra he , que eíle pode ufar da ju-


risdição ,que fe moftrar pelas inquirições , que uíavaõ os
feus anteceifores, §. 2; e naõ fe mortrando, podem conhe-
cer dos feitos eiveis fomente, §.3 (b). Tendo fomente Vi-
gário , ifto he, peíToa que faça as vezes do fenhor , eite
íómente pode conhecer dos damnos , que os gados fize-
rem , e das coimas , em que os moradores incorrem pelo
britamento , ou defvio das aguas dos feus aquedutos, §. 4;
e podem também citar os moradores perante os Juizes
Ordinários da Villa, em cujo termo eftiver a Honra, dito
§. 4 (/). Tendo Juiz, e Vigário juntamente, pode aquelle
ufar da jurisdição civil, como fica dito ; e o Vigário fo-
mente pode citar os moradores para que appareçao per-
ante os Juizes das Honras , §. 5 (/). Naõ tendo Juiz, nem
Vigário , pode o Senhor ufar da mefma jurisdição , dc
que ja diíTemos pode ufar o Vigário, quando naõ ha Juiz
T jun-

(b) Dos feitos crimes conhecem os Juizes Ordinários das


Villas , ou Cidades , §. 2.
(') Naõ podem conhecer nem da pofTe , nem da propriedade
das aguas , e pertence ao Juiz da Villa eíle conhecimento , dito
§ 4.
{') Ncftc cafo naõ pode o Vigário conhecer das •coimas, nem
^°s damnos ; porque fendo civilmente intentadas pertence o co-
nhecimento ao Juiz , §. 3.
146 Direito Particular Portuguez

juntamente, §. 6 ; e podem pelo feu porteiro (m) mandar


citar os moradores perante os Juizes Ordinários da Vil-
la , f. 6.

TITULO XXXXIX.
Que os Prelados, e Fidalgos , e outras peffoas nao lancem pe-
didos em fuas terras , nem levem ferventias , nem apo-
Jentadorias , nem recebàõ coufa alguma.

§. CLXXXIV.

X.J Ançar pedidos ( diz eíte Tit. in pr. ) c empreítimos,


pertence fomente ao Rei e Supremo Senhor , como Di-
reito Real Mageftatico maior (a).
§. CLXXXV.
(m) Porteiro he hum Official de Jtiftiça , feito por Portoria »
que tem o officio fimilhante ao do Mordomo. O Senhor D. Di-
n,
z , por huma Lei dada em Eítremoz aos 28 de Janeiro da era
de 1321 , fó permittio que ufalfem de Porteiros os Prelados »
e Fidalgos , que coftumavaó te-los em fuas Honras , e Coutos
até o tempo do Senhor D. AfF. III. Ord. A ff. liv. 3, tit. 94. Os
Compiladores defta Ord. declaraõ no §. 2 defte tit. , que aonde
hauveífe Mordomo para fazer as execuções naó fe fizeffem ou-
tros Porteiros, excepto aquelles que forem dados por El-Rei.
(a) Na 2.a parte deftas Prel. (tit. 8)moftramos, que o direito
de impor tributos , e lançar colletas, he proprio do Summo Im-
perante, e o mefmo vimos 110 tit. 26 defta 3." parte (§. 102):
em a claífe de tributos entraó os pedidos , empreftimos , quitas,
e ferventias, ifto he, tudo o que os vaffallos fao obrigados a pr£-
ílar das fuas faculdades para beneficio comum , ou : §>uantitaS
quis a fubditis Imperanti pro tutela folvitur : Werffel JurUf'
definitiva, §. 776.
PARTE III. Titulo XXXXIX. 147

§. CLXXXV.

Eftes Direitos na hypothefe de poderem delegar-fe


fó podem competir, além do Supremo Imperante, aquel-
las peíToas , a quem elles os delegarem [b). Como porem
elles naõ fe cornprehendem nas jurisdições concedidas ,
ou delegadas aos Senhores de terras ( tit. 45 ), e aos Se-
nhores das Honras, e dos Coutos (tit. 43 ) he certo, que
delias naõ podem ufar (c).
§. CLXXXVI.
Deites princípios fe fegue, i.° que os Prelados , os
Senhores de terras , os Capitães das Ilhas , e qualquer
outras peíToas na5 podem lançar pedidos em fuás terras ,
pr. deite tit. (d): 2.0 que naõ podem conítranger os La-
vradores , e moradores de fuas terras , que lhes levem os
T 2 manti-
1
— ' ' «
(b) Todos os membros fubalternos da fociedade faó natural-
mente iguacs"-, c toda a fuperioridade refultada do Império , 011
da âuftoridade fobre as acções, e bens de cada hum , fc acha
radicada no Supremo Imperante , a quem os povos unicamente
fe fujeitaó pelo vinculo do pa£lo facial ; em confequencia todo
o direito , e toda a jurisdição fobre os bens , peíToas , e acções
dos vaflallos he privativo do Supremo Imperante , e fó por
clle, ou pelos feus legados fe pode exercer.
(0 Ifto naõ obftanteos Senhores de terras , Honras, e Coutos
parece comettiaõ fimilhantes abufos ; demaneira que o Senhor
D. Joaõ I. por huma Lei, que fe refere na Ord. Aft. liv. 5 , tit.
95 • prohibio que pudelfein lançar fintas , talhas , impofiçôes ,
Pedidos de vinlio , ou de outra qualquer coufa.
(<S) Os transgrelTores deíla determinação perdem pela primeira
Vez
a jurisdiçaó , que tem na terra ; c pela fegunda a proprie-
dade da mefma terra.
148 Direito Particular Portdguez

mantimentos aonde elles eftiverem , nem coufa alguma


aos portos, 2 (e) : J.° que naõ podem tomar mercado-
Jrias algumas aos moradores de fuas tetras , nem ás pef-
ioas, que a ellas vierem ; nem prohibir-lhes que as ven-
daõ a ositrem , §. 3 : 4.0 que na5 podem confl ranger a
feus vaflallos, que os recebaõ em fuas cafas; nem que lhes
aprontem as fuas roupas, §. 6(f) ; nem que lhes Vendao
paõ , §. 1 (g): 5.0 nau podem lançar por conftrangimen-
to (h) o feu paõ pelas cafas dos Lavradores , §. 1 (/).
§. CLXXXVII.
(e) Exceptua-fe lendo ilio permittido por foral , ou privile-
gio , o mefmo §. 2 in fin. ; alias devem requerer ao Juiz d»
terra para lhos apromptar, pagandolhes os ferviços pelo preço da
terra , o mefmo §. 2, e tit. 50 , §.2.
(/) E. do contrario incorrem na pena de dous annjos de de-
gredo para Africa ; de forte que nem os OlBciaes da Camara lhe
podem fazer apofentadorias , naó lhe fendo eftas permittidas pof
fuas doações, pena de ferem degradados os mefmos Officiaes dous
annos para Caftro Marim , e de pagar cada hum delles vinte cru-
zados , metade para o accufador , e outra para os captivos, §. 5>
(g) Km quanto os Senhores tiverem paÓ nos celeiros naó
podem obrigar aos moradores das fuas terras , que lhes vendaó
o feu; porém, naó o tendo, podem requerer ás Juítiças, paraqu®
conftranjaõ os Lavradores a vende-lo , pagando-lho logo; e nefte
fentido parece fe devem entender as palavras do §. 1: Naõ tome»1
for conjlrangimento : naó pode pois efta coacçaó julgar-fe permit-
ida aos Senhores , na forma do §. 2 , e do tit. 50 , §. 2.
[b) A Ord. Man. liv-5 , t't- 69 , §. 1 , depois de dizer q"e
naõ tomem por conftrangimento o paõ, continua: IJfo nitf"10
naõ lancem o fcu paÓ, que tiverem, pelas cafas dos Lavradores.
(') Eííe lançamento parece fe deve entender para os lavradores
lho pagarem , ou comprarem , vifta a antecedente prohibiçaõ pa'a
obrigarem os lavradores a lhe venderem o. feu.
PARTE III. Titulo L. 149

§. CLXXXVIL

Para fe evitarem as fraudes , que fe podem fazer contra


cila Ord. , fe prohibe igualmente i.° requererem em par-
ticular a cada hum dos moradores pedidos , empreftimos ,
&c., fendo tantas as pefioas a quem ailim fe pedir , que
venha a comprehender quali todos os moradores , pr. do
tit. infin.: 2.0 receberem alguma coufados feus vaflailos,
que pafle do valor de duzentos reis (l) , naÕ fendo crea-
do , ou peiToa que tenha recebido alguma ferisfaçao do
Senhor da terra &c., ou feu amo (m) , collaço (») > cafei-
fo , ou parente dentro do quarto gráo. §. 6.

TITULO L.
£>ue os Senhores de terras y nem outras peffoas, tiao tomem
mantimentos , carretas, nem bejlus ,/em autoridade de
JuJliça, contra vontade de feus donos.

§. CLXXXVIIK

O tit. antecedente íè determinou, que os Prelados.,


Fi-
{•) Pena de ler cultivado ao arbítrio-do Rei , lendo, o que o
te
ceber , Alcaide Mor; e fendo pelfoa, que tiver jurisdiçaõ , naõ
pode julgar coufa alguma do doante, e fica nullo tudo o que dan-
te
s tiver julgado ; e o doante , fendo pefloa particular , incorre
pena de degredo por hum anno para fóra de Villa , e termo ;
e
lendo Oíliciaes do. Concelho , e que dôem em nome do CoDce-
^o, incorrem na pena de quatro annos de degredo para a Africa.
("') Amo he o maiido da mulher , que creou de leite 3 qual
1"er pelTba ; Bluteau verbo Amo.
(") Collaço he aquelle , que a mcfma ama Cria juntamente ;.
0
Qiefino Bluteau verbo Collaço,
150 DrR EITO PaRT ICUIAR PORTUGUEZ

Fidalgos, e Alcaides Móres, e outras peíToas naõ poíTaõ


tomar alguma coufa contra vontade aos moradores da Tua
jurisdição. Nefte titulo fe trata da meíma prohibiçaõ em
geral para todas as peíToas, e mefmo para os Senhores de
terras fóra da fua jurisdição (a).

§. CLXXXIX.

Eíta prohibiça5 , fundada naõ fó nos prejuízos que


refultavaõ da faculdade em contrario ( not. fup. ), e na
falta de jurisdição, ou na igualdade dos direitos dos Con-
cida-

(ij) O Senhor D. Affonfo III. nas Cortes de 1251 ordenou »


que os viandantes pndelTem tomar o que lhe folTe necelTario para
a lua pafíagem , ainda mefmo contra a vontade de feus donos «
quando eftes lhas naõ quizerem vender , mas que feria pago pelo
prudente arbítrio de ieus donos ; e quando eltes naó quizeiTem
arbitralos , feriaó arbitrados pelos vifinhos de probidade. Vid*
Mtnarch. Luf. liv. 15 , cap. 19. O Senhor D. Diniz attendeii-
do aos males , e damnos , que nafeiaó da faculdade de fe tom»'
rem as beftas contra a vontade de feus donos, prohibio por hum»
Lei, que fe refere na Ord. A ff. liv. 2 , tit. 62 , que pefToa ne-
nhuma de qualquer ordem, e hierarchia , as podefle tomar por f«a
audtoridade ; mas que , íenio-lhe neceíTarias , as requerelTem &
Juftiças . que lhas fariao dar de aluguer. O Senhor D. Fernando
por huma Lei tranferipta na Ord. Affonf. liv. 2 , tit. 60 , cuj»
rubrica he : Das malfeitorias que os Fidalgas , e pejfoas poderoft*
fazem pelas terras hu andam : prohibio que fe pudeíTcm tornár
mantimentos , ou outras coufas contra vontade de feus donos 1
mas que fendo-lhe neceíTarias requerelTem ás Jufliças , ou ao jl!'
rado do lugar para lhas apromptarera por feu dinheiro, § 5* ^|ta
Ord. ; cujas Ord. vieraõ a formar na Ord. Man. o tit. 36
liv. 2, que pafloa paraeíle nolfo tit.
Parte III. Titulo L. i£i

cidadãos entre íi ( §. 184 not. b.) , mas igualmente em a


natureza do domínio, que audtoriza o ícnhor da coufa
para difpor delia a feu abritrio (b), fe limita a refpeito~dos
Miniftros da juftiça ( §. 102 ). Donde íe fegue, que qual-
quer peiTòa, que tiver neceffidadc de mantimentos , nao
achando quem lhos venda, os naõ pode tomar por fua
aufloridade, mas deve requerer ás Jufliças , que lhos fa-
Çaõ dar pelo preço commum da terra , pr. do tit. (c). Da
inefma forte, nao achando quem lhe alugue beftas, naõ as
pode tomar por fua audoridade; mas deve requerer ás
Juftiças para lhas apromptarem (d) pelo preço da terra
(e) , que logo devem pagar ,§. 2. T I-

(6) Dominium ejljus in re corporal! , ex quo facultas de ca dif-


ponendi nafeitur. Hein. Elern. Jur. lib. 2 , tit. 1 , §. 333 . Vid.
Ord. liv. 4 , tit. 36, §. 1. in fin. , e tit. 43 , §. n , e liv. 5 ,
tit. 68 , §. 8.
(c) Os Transgrefíbres defta prohibiçaó pela primeira vez de-
vem pagar a vallia dacoufa tomada em dobro ; pela fegunda cm
'resdobro ; pela terceira o auoveado : e fendo Senhores de terras,
a
lem deftas penas, perdem á jurisdição, e pagaõ cincoenta cruza-
dos ; e nas mefmas incorrem os que houverem as coufas por
v
°ntade de feus donos , e as naó pagarem , pr. do tit. ; de cujas
Penas he executor o Corregedor da Comarca ; e fujeitos na falta
*'e execução a pagarem aos fenliores , a quem a coufa for toma-
> o feu valor, e as perdas , e damnos, §. 1.
'('O Sendo taes que fe coltumaõ alugar , porto que fejaõ de
Privilegiados, §. 2.
(') O Senhor D. JoaÓ III. pela Lei de 15 de Abril de 1564
'a,Xou o aluguer das bertas do primeiro de Abril' até o fim de
Setembro , levando carga de dez arrobas , ou quinze alqueires
paó , ou dcfafete de fevada, em vinte reis por legoa ; e o mef-
nio
152 Direito Particular Portuguez

TITULO LI.
Dos *Thefoureiros, e Almoxarifes , que emprejlao fazenda d'Fl
Rei, ou a pagao contra feu Regimento , ou dão dinheiro o,
ganho (a).
§. CLXXXX.

j^\.SpeíToas encarregadas da arrecadaçao , eadminiftra-


çaõ da Fazenda Real, na5 adqirem o domínio, nem o
ufo delia , nem podem exceder os poderes que lhe faõ
concedidos {!'). Taes faõ os Thefoureiros (r), e os Ai-
ra oxa-

mo fendo <le cavallaria; mas craó obrigados a levar dous moços#


ou hum , e htima mala de arroba e meia : e de Outubro para
diante vinte e cinco reis por kgoa , ou cento e cincoenta reis
por dia. Leaõ 4. p. tit. 17.
(a) O Senhor D. AíFonfo II., por huma Lei incorporada na
Ord. Aff. liv. 2, tit. 43 , prohibio igualmente , que os Almo-
xarifes , Recebedores , e Thefoureiros d' El Rei , cmpreílalfefrt
alguma das íuas coufas fem fer mandado , ou deffem dinheiro f
onzena , ou efpaço aos devedores.
(Ir) Eílas peffoas fe reduzem ú claffe de depofitarios , e man-
datários , ou procuradores : o depofitario naó adquire domi"10
algum na coufa depofitada ; todo o feu officio coníiíle na guarda
do depofito com a obrigaçaô de o reflituir ao deponente, quando
lhe for pedido ; deforte que nem pode ufar da coufa depofitadar
L. 1. pr. ff. depnjit., §.3 Inft. J%uib. mo d. re contr. obligtt., Ord-
liv. 4, tit. 76, §. 5, e pode fer querelado por bolraõ, e enliciador»
dita Ord. §. 5, in fin. : o mandatario lie hum mero adminillradof
da coufa alheia adílri&o á forma do mandato que naó p°
exceder , L. 5 , ff. Mandai! , §. 8 Inft. de Mandato.
(r) Thcfoureiro lve propriamente depslitario , ou o que £uaj^
PARTE III. Titulo LI. 153

iwoxarifes (d), c outras peíloas, dcquc fc traóta neíte titulo.

§. CLXXXXI.

Deites princípios fc fegue, i.° que íimilhantes pcfloas


nao podem empreitar coufa alguma da Fazenda Real (e):
2.° nem pagar antes dc vencido o tempo do pagamento ,
U pr.

da o depofito, Ord. liv. I , tit. 28, §. i.Mas nefte lugar ho


o rncfino que Recebedor, o qual ferve de arrecadar os Direitas
Reaes dos Almoxarifados , e de outras rendas , com jurisdição
executiva, cumulativa com os Almoxaiifes , cap. 112 do Rcg,
dos Almoxarifes e Recebedores, cap. 173 , e 174 das Ord. da
Fazenda.
(d) Almoxarife lie hum Official do Rei , encarregado da co-
brança dos Direitos Reacs com jurisdiçaõ executiva , Reg. dos
Almoxarifos e Recebedores, cap. 112, e cap. 173 , e 174,
das Ord. da Real Fazenda; e de conhecer das caufas eiveis , c
crimes dos rendeiros, naó havendo no lugar Contador, Ord. 1. 2,
63 , §. 6. Vid. Ord. da Real Fazenda , cap. 149, e 150.
Efte ofRcio de Almoxarife foi abolido pella Extravag. de 5 de
Junho de 1752 , e toda a fua jurisdição paliou para os Provedo-
*cs como Contadores das Comarcas , que ao depois paliou para
°s Corregedores pela Extrav. dc 22 de Dezembro de 1761, $.15
*eípeito ás fifas.
(') Naó tendo dominio , nem ufo da Fazenda Real f 190 ), lie
certo que a naó podem empreitar, pr. Inji. Çjhiib. mod. re contr.
"bligat., e §. 2 ccd. In/i. Eda prohibiçaÔ, deduzida da mefina na-
tureza da coufa , he munida com a pena de quatro annos de de-
gredo para Africa contra os tranfgrelTores, c de pagarem o ano-
jado de tmpreftimo , pr. do tit.
j 54 Direito Particular Portuguez
pr. (lo titulo (f): 3.°nem dar ^ ganho o dinheiro d* EU
Rei, §. i (g): 4.0 nem efperar aos devedores §. 2 (h).

§. CLXXXXII.

Para fe evitarem as fraudes, que fe podem fazer con-


tra ella Ord. , fe prohibe i.° que as referidas pelfoas pof-
fao levar couía alguma das partes , que perante elles tive-
rem
(/) Naõ podendo cxcedcr o mandato (§.190 ) nao podem fa-'
zer os pagamentos dc que fa5 encarregados , antes do tempo em
que faô mandados pagar ; e fazendo-o incorrem pelas noffas Leis
nas penas referidas ( not. fupr. ).
(g) As nolTas Ord. ale m de reprovarem em geral a ufura , Ord.
tit. 67, íeguindo a doutrina daquelles tempos com muita
mais razaõ a prohibiraó aos Theloureiros , e Almoxarifes , e a
outros quaefquer depolitarios pela razaõ dc naó poderem ufar
da coufa depof.tada ( §. 190 , not. «); de forte que hoje mei-
mo, lendo permittidas as uluras módicas , ou os juros de cinco
por cento cada anno , Extrav. de 17 de Janeiro , e de 6 dc Ago-
ílo de 1737, Apend. das Extrav. num. 10 , c fupr. n. 13 , vid.
Alv. de 22 de Julho dc 1768 , e de ó de Junho de 1776, poda»
digo, efta permiílaó , ainda fica fubfiftindo a prohibiçaÓ dos de-
politarios &c. ; porque as ufuras fao licitas em fatisfaçaõ do ufo
do dinheiro, vid. Mart. de Leg. Natur. liv. 1 , cap. 19 , §. 505 »•
cujo ufo naõ he do Thefoureiro , e Almoxarife &c. , como fica
dito. Os tranfgrellbres faõ. privados do officio que tiverem , c os
fetis bens confrfíados para a Coroa , o mefmo §. 1.
(b) Pela mefnw razaõ que naó podem pagar antes de venci-
do o pagamento (not. c fupr. ), naõ podem dar efperas aos deve-
dores ; tudo he exceder os officios do mandatado , e incorrerem
na pena de pagarem o quádruplo do valor da coufa efperada , e
dc ferem degradados para Africa ate mercê d' El Rei , o mef-
«10 §. 2.
PARTE III. Titulo LI. *55

rem defpachado algum dinheiro , pofto que voluntaria-


mente lhoqueiraõ dar, §. 3 (?) : 2.0 que na5 paííèm eícri-
ptos rafos do dinheiro que recebellem dos outros Olliciaes,
nem façaõ com clles pagamentos , §. 4 (/): 3.0 que naõ fa-
zendo pagamento inteiro ás partes do que íe-íhe dever
por íuas Provifões, devem receber delias conhecimento
da quantia que receberem , paliado pelo Efcrivaõ do feu
cargo, e naõ de toda a quantia devida para lhe darem
eferiptos da demafia do que fe lhe fica devendo , pena dc
fufpenfao do officio, §. 5 (m) : 4.0 que os Officiaes, que
U 2 acaba-

(») Pena de pagar vinte cruzados , e de perder o officio fendo


proprio , e fendo alheio a eftimaçaõ delle , o mefmo §. 3. O Se-
nhor D. Manoel prohibio levar quatro e meio por cento , poílo-
que as partes lho quizeíTem dar , Extrav. de 17 de Dezembro dc
1558. Vid. cap. 191 das Ord. da Fazenda Real.
(/) Os Officiaes, que paliarem eftes eferiptos, incorrem na pena
de perdimento do officio, fendo feu ; e naó o fendo , da fua efli-
«naçaó, e de pagarem a quantia que fe moltrar no eferipto ; e os
que os receberem, fendo official, tem a mefma pena; e fendo mer-
cador , paga o dobro da quantia do eferipto , alem do que ficar
devendo aos Officiaes, que lho pairarem , o mefmo §. 4. O Se-
nhor D. AíFonfo IV. como fe refere na Ord. Affonf. liv. 2 , tit.
+4> ja tinha determinado, que em todos os conftratos, e pagamen-
*°s da Real Fazenda , fe fizeflem eferipturas pelos Efcriváes dos
íeus Thefoureiros , e Almoxarifes , ou Recebedores , o melino
determina por efta Ord. §. 5.
H O Senhor D. JoaÓ IV. pela Extrav. de 4 de Outubro de
*646, Coll. i.aaeíte liv. n. 7, determinou, qiífc os Almoxarifes,
Thefoureiros , e outras pelicas encarregadas de pagarem juros ,
ten
Ças , e ordenados, a que a Fazenda Real he obrigada, naõ de-
corem os pagamentos , nem fe aproveitem delles.
156 D I RIITO PARTICULAR PoRTUGUEZ

acabarem , nao entreguem dinheiro algum aos que lhe


fuccederem , mas fim a outro Oíficial para ilfo ordena-
do , §. 6.

TITULO LII.
Da ordem, que os Sacadores de El Rei terão nas execuções.

§. clxxxxiii.

O Senhor D. Affonfo IV. querendo obviar os dam nos,


e a bufos , que os Sacadores (a) , ou Porteiros (4) faziaó
nas execuções pela Fazenda Real , lhes deo Regimento
por huma Lei incorporada na Ord. AfFonf. Iiv. 2
que com alguma alteraçaõ paíTou para a Man. Iiv. 2. tir.

3' '
(a) Sacadores faõ huns Officiaes de Juítiça , que fervem perante
os Almoxarifes, c outros Executores, cap. 117 do Regimento do»
Almoxarifes, deítinados para a cobrança das dividas reaes , oU
das que faõ privilegiadas como taes , quando lhe for mandado pe-
los Juizes Executores. Saó liuns executores do feito feni jurifdi-
çao, Ord. 1. 3, tit. 76 in pr. , e tit. 90 , e íimilhantes aos Execu-
tores , c Exaétores dos Romanos , vid. Per. in Cod. Iiv. 12 , tit.
59, 60 , e 61 ; e podem com adoridade do Juiz Executor , 01»
do Executor de direito , fazer penhoras , e arrematações , como
fe vê deite tit. Vid. Eílat. antigos da Univerf.dade, liv. 4, tit. 1*
Hoje porem , e principalmente depois da Lei de 25 de Agofto
de
'774. fe manda privativamente aífiftir ás arrematações o
Juiz Executor , §. 32 , 33.
(í) Os Porteiros, de que aqui fe tra£ta , fa6 Officiaes fimilhan-
tes aos Sacadores, pr. deite tit., c podem igualmente penho^
rar, e executar.
PARTE III. T itulo LII. 157

31 , e defta tambcm paliou com alguma alteraçao para


eftc ti:. 52 (f).
§. CLXXXXIV.

Execução hc aquelle adio judicial coaftivo, c vio-


lento , (d) pelo qual fc reduz a elfeito a fentença (e) , a
que

(c) Pela Ord. Ailonf. $. 3 , c pela Man. inpr. era prohibido


aos Sacadores, e Porteiros, levar alguma coufa das penhoras ,
arrematações , e entregas. O Senhor D. Manoel attendendo ao
pouco falario , ou mantimento , que elles tinlíaÓ , ordenou pela
Lei de 6 de Julho de 1521 ( LeaÕ 5. p. tit. 3 , L. 13 ) que
levaífem os mefmos falarios que os outros Officiaes, que naó tem
mantimento , e fazem penhoras. Della Lei formarão os Filip-
piflas o §. 11 deíle titulo , e já tinhaÔ taixado na Ord. 1. 1 , tit.
«7 • 'n pr. , e §. 1 , o falario que devia* levar , que deve fer pago
pelos executados, Ord. liv. 3 , tit. 86 , §. ult.
(d) Vid. Stryk.uf.mod. ad tit. ãe re judicat. A execuçaÔ
comprehende dous atfos, hum moral, outro filico ; o morat
confvfte na autoridade , e jurisdição coafliva ; e o fifico no
fimples fado coadivo , e violento : aquelle fe pratica pelas
Juftiças, ou Executores de Direito, Ord. liv. 3, tit. 76,
§ I ; e efte pelos Executores do feito , dita Ord. in pr.
I §• 193 not. a )
(<•) A fentença he fempre neceíTaria para fe proceder 5 execu-
?aõ, p0rque ninguém pode fer obrigado a pagar fem fer pronun-
ciado devedor pelo Juiz ( II. P. deftas Prel. tit. 7 , cap. 5,
182 not. z ). As nolías Leis , por obviarem em alguns cafos
a
'onga demora dos proce^os ordinários , tem ordenado , que
!!C'|CS proceda fummariamente, e de plano pela verdade
a
"'a por fentença de preceito ou mandado de folvendo , v. g.
aC 3
laa» Ord. ^unc
^ "1. 3, *acla
tit.
cm
eferiptura
25; e nas acções dapublica, ou com
Real Fazenda, força ellas-
quando del-

fa6.
15 3 Direito Particular Portuci/ez

que o condemnado nao quer (/) fatisfazer (g) ; efta íc


efFe£tua pelo meio da penhora, e diftraçaõ dos bens pen-
horados.
§. CLXXXXV.

Penhora he a captura , ou aprehenfaõ , que os Exe-


cutores do feito fazem nos bens (h) dos devedores (i) pa-
ra

faõ fundadas em contas correntes dos Almoxarifes ou Contado-


rias , cap. 173 , e 176 , das O rd. da Real Fazenda , Extiav. de
22 de Setembro de 1761, §. 4, e 5 ; ou em fimples aílignados dos
devedores, cap. 176 das ditas Ord. em cujos cafos fe procede
extrahidas cartas executórias , dita Extravag. §. 7, ou mandados
de ftlvendo, pelos quaes faó requeridos os devedores para paga-
rem , e naõ pagando a certo tempo , fe procede a penhora , e
arremataçaõ, dito cap. das Ord. da Fazenda, Ord. liv. 2. tit. 53'
(f) Pelas noflas Oxd. fe procedia a execuçaõ contra os deve-
dores , e naõ pagando eraó indiílindlamente prezos , Ord. liv. 4»
tit. 76, e Ord. liv. 2 , tit. 52 in pr.; porém hoje naõ tendo bens»
ou naõ pagando por naõ poderem , fe dá a execuçaõ por extinga»
Extrav. de 20 de Junho de 1774, §. 19, Aifento dc 18 dc Agofl0
do mefmo anno.
(g) Vid. Rieg. Jurifpr. Eccl. p. 2, g. 11 , 79.
(h) Os bens fe dividem em moveis, e femoventes, e de raiz » c
acções, liv. 15, §.2, ff. de re judicuia, Extrav. de2ode Agoflo ('s
1774. Todos eftes bens eflaõ tacitamente hypothecados pela Lel
ás dividas a&ivas da Fazenda Real , §. 5 defte tit. Vid. Heincc.
Pand. p. 4. §. 7 , 21 , e p. 6 , §. 263.
(!) Os devedores fe dividem em principais , e fubfidiarios.
aquelles faÕ os que fe obrigaõ por fi , e efies os que fe obrig3U
por aquelles ; tais os fiadores , e abonadores, Ord. liv. 4'
tit. 59.
PARTE III. Título LIT. 159
r
a pagamento da divida do penhorado , §. 7 defia Ord., e
Ord. liv. 3, tit. 86, §. 8 , por au&oridade do Juiz (/). Ve-
jamos por tanto a ordem que os Sacadores, ou Porteiros
d1 El Rei (m) executores do feito ( §. 193 nol. a ) devem
obfervar nas penhoras, e arrematações.

§. CLXXXXVI.

Como efta penhora fe faz nos bens dos devedores, e efies


*aõ tacitamente hypothecados á Fazenda Real ( §. 194
•iot. h), fegue-fe que ella fe pode fazer em qualquer bens
dos devedores , cm qualquer parte em que elles fe acha-
rem (n), ou feja em poder dos mefmos de vedores, §. 4 (o),
ou

(/) Ord. liv. 3, tit. 76 , §. 12, e liv. 3. tit. 86 inpr. , e


Ord. liv. 4, tit. 57 , §. x.
\m) A mefma ordem devem obfervar os Porteiros , Sacadores,
c
iMordomos das pelfoas particulares, a quem El Rei os conce-
^er , §. 9 deite tit.
(") Pela hypotheca adquire o credor huma efpecie de direito
^al na coufa hypothecada , que lhe dá fuCuldade de a vindicar
**0 qualquer parte que ella efteja, L.30 de a£i. noxal. Vid.Hein.
^and. p. 1 , 196.
(°) Ainda que todos os bens , è de toda a efpecie ( §. 194
n
°t. h) eftaõ tacitamente hypothecados ; comtudo as nofías Leis,
^cguindo a equidade dos Romanos in L. 15 , §. 2, fF. de re judt-
. determinao que apenhora, e execução principie pelos bens
Moveis do executado , como de mais fácil diilraçaõ , e menos
Prejudicial aos executados, Ord. liv. 3 , tit. 86 , §. 7 , cap. 174
^as Ord. da Fazenda Real, e Extravag. de 20 de Junho de 1774,
22
; excepto fe o devedor occulrar, ou os naó declarar no
tCm
Po prefixo , dito §. 7 da Ord. liv. 3 , tit. 86 ; em cujo cafo.
fica
16o Direito Particular Portuguez

ou de feus herdeiros ,§.4,0 5 (p ), 011 de outro juflo


poiíuidor, §. 5 {q). E como os devedores faõ ou princi-
pais,

fica a arbitrio do credor nomear huns , ou outros a penhora.


Extinétos os moveis , 011 naõ chegando para pagamento da di-
vida , e das cuitas, fe palia aos de raiz ; e na falta deites aos da
terceira , ou quarta efpecie ( §. 194, not. h ) , iflo he as acçóeí
aftivas §. 6 deite tit. , Extrav. de 20 de Junho de 1774, §• 19»
e 27 , como de mais difficil , e morofa cobrança ; porque pri-
meiro devem fer demandados os devedores , bem como fe o cre-
dor originário exigido a foluçaó, dito §. 6 deite tit.; vifto pois quc
a hypotheca he fundamento deita execução ( §. 194 not. h)
fe verifica na acçaô , ou direito do credor contra os feus devedo-
res , e naõ nos bens deites : o que procede naõ fendo a divida
deites devedores particulares , refultada da Fazenda Real, cujo®
bens faõ tacitamente hypothecados ao mefmo credor ; motivo
porque neite cafo fe procede contra eíles devedores também exe*
cutivamente , dito §. 6 deite tit.
(p) Por morte do devedor fe principia a penhora , e execuç»1*
pelos bens, que delle fe acharem na fua herança, ou em poder àe
feus herdeiros , dito §. 4; e poito que fejaõ muitos os herdeiros •
pode fazer-fe a execuçaó nos bens , que fe acharem em poder àc
hum fó pela dificuldade da liquidaçaó, e rateaçao da divida , a"
qual fica falvo o direito contra os outros coherdeiros , dito § 5'
cuja eleição fica ao arbitrio do Contador mór , o mefmo $ 5'
Eite officio, a (fim como a dos contos, foi abolido pela creaçaõd0
Real Erário , Extrav. de 22 de Dezembro de 1761. _
(q) He certo que cites bens cítaó fujeitos igualmente á divi-
da , e execução; porém as noifas Leis confiderando talvez a u"
lidade , que refulta da confervaçaó dos contractos celebrados
boa fé , e a que os poifuidores por titulo juito , e particular n3"
reprefeiitaó a peiToa do devedor , como os feus herdeiros > llCl1
Parte III. Titulo LII. x6r

pais , ou fubfidiarios (§.194 not. /), fcgue-fe que extindloa


os bens daquelles fe pode fazer penhora nos bens de
ieus fiadores §. 4 (r).

§. CLXXXXVII.

Sendo a penhora, a captura, ou apprehenfao dos bens


("§. 194), fegue-fe i.° que o penhorado he tirado dapofle
natural dos bens, §. 7 defte tit., Ord. J. 3, tit. 86 , §. 1 (j) :
2.0 que os bens penhorados íe devem por em depofito,
dito §. 7, e Ord. (/} : 3.0 que fe deve fazer defcripçaõ.ou
X car-

fe obrigaõ immediatamente como os fiadores , oídenaó que fe


na6 proceda contra os terceiros poffuidores , fenaó depois de ef-
gotados os bens, que fe acharem dos devedores em feu poder, ou
dc feus herdeiros , e os de feus fiadores , §. 4 deftc tit.
(r) Efgotados os bens dos devedores , que fe acharem em feu
poder, ou de feus herdeiros , ou na fua herança ( fupra not. p )
fe procede contra os fiadores pela mefma fentença proferida con-
tra o devedor (194 not. e ) cap. 173 das Ord. da Fazenda >
c
om preferencia aos que fe acharem em poder de terceiro poffui-
dor particular ( fupr. not. q).
( í ) Como a penhora fe faz para diftraçaó , c venda dos bens
penhorados pelo Juiz Executor, ou com fua autoridade (§. * 95)
§• 7, e 8 defte tit. , e Ord. liv. 3 , tit. 86 , §. 27 , he neceíTa-
rio que ao tempo da venda , ou arremataçaõ eflejaó os fenhores
Telles defapoflados, para fe entregarem ao arrematante fem algum
e
nibaraço , e fem deterioraçaõ , ou damnificamento , que lhe
Pofla fazer o executado.
(/) O depofito he huma confequencia da penhora , vi fio o feu
c
ffVuo do defapolTamento para guarda, e fegurança da coufa ti-
r
wla da guarda de feu fenhor.
162 Direito Particular Portuguez

carrcgaçaõ delles, pr. deite tit. (u)\ e fendo para pagamen-


to da divida ( §. 195 ) pede a mefma juftiça e equidade ,
1.° que lc naõ penhorem mais bens , que os que baila-
rem para pagamento, Ord. liv. 3, tit. 86 , §. 8 (x): 2.0 que
fendo os bens penhorados alguma propriedade, que valha
o dobro da divida ( z), devem adjudicar-fe os fru-
étos
(a) A defcripçaõ he outra confequencia da penhora, para o fe-
nhor poder exigir conta dos bens que lhe faó tirados ; e he tam-
bém neceílaria para fe formarem os autos da penhora , e os pro-
ceífos das arrematações. No principio defte titulo fe determina >
que os Sacadores, ou Porteiros, façaõ deferever os bens por hum
Tabelliaõ, ou Efcrivaõ, diante de duas teftemunhas, ou logo no
no mefmo a£lo fendo elles prefentes , ou depois , tendo feito 3
penhora perante duas teftemunhas fem Efcrivaõ , ou Tabelliaõ.
(x) Para efte fim , e para fe evitarem as fraudes , e fobornos»
que fe podem fazer nas arrematações, ordenaõ as nofTas Leis ,
í.° que os bens penhorados fejaõ avaliados logo , e antes de fe
meterem a pregaõ, por louvados do Juizo» Extrav. de 20 de Ju-
nho de 1774, §. 5 , cap. 173 das Ord. da Fazenda : 2.° que fe
naõ devem arrematar por menos da avaliaçaó, dita Extravag. §.7»
mas a quem mais der da avaliaçaõ para cima , dita Extravag. §*
16, e de 25 de Agofto de 1774, §. 33; Ord. 1. 3 , tit. 86, §. 27 J
3.0 que depois de avaliados fe deve fazer publica na Praça a ava-
liaçaó, dita Extrav. de 20 de Junho, §.5: 4.0 que fe devem fixaf
Editaes públicos , em que fc declare o primeiro dia , em que fe
haõdepôr na Praça, dita Extrav. §.4: 5.0 que devem andar a
pregaõ na Cidade de Lisboa, e feu termo , e cinco legoas de re-
dor, os moveis tres dias , e os de raiz nove , §. 7 defte tit. , e t't-
53> §• 9: fora deíles lugares andaráõ os moveis oito dias, e os de
raiz vinte , Ord. liv. 2, tit. 53 , §. 2 ; naõ contando os dias fal-
tos, Ord. liv. 3 , tit. 86 , (J. 25.
(z) O dobro fe entende valendo a fazenda v.g. quinze, e a
Parte III. Titulo LIII. 163

(fios para pagamento , Extrav. de 20 Junho de 1774.

§. CLXXXXVIII.

Penhorados os bens fe continuaõ os pregões neceíTa-


rios até arremataçaõ exclufive , poíto que os devedores
obtenhaõ efpaço, ou moratoria do Rei; e findo o tempo
da moratoria fe paíla a arremataçaõ , fem mais pregões ,
que os do dia , em que ella fe fizer, e fem o executado
mais fer citado, pofto que o efpaço tenha fido grande,
§. 10 deite tit.

TITULO LIII.
Das execuções, que fe fazem nos que devem á Fazenda
d'El Rei.

$. CLXXXXIX.

N O titulo antecedente fe tragou da ordem , que os


Sacadores, ou Porteiros, como Executores do feito , de-
vem obfervar nas execuções da Fazenda Real. Neíte fe
tra&a da ordem , que devem obfervar os Executores de
Direito (a), entre os quaes fe enumeraõ os Almoxarifes ,
princ. do tit. X 2 §. CC.
V|
da dez. Nefte cafo fe devem avaliar os rendimeneos annuaes
Pelos louvados do Juizo, eo Juiz Executor deve adjudicar a
£*?enda ao credor pelos annos , que forem baflantes para o pa-
gamento da divida pelo rendimento liquido , dita Extravag.
(a) As nolTas Ord. liv. 3 , tit. 76 , numeraó duas efpecies
executores de Direito : na fegunda , (iflo he , quando fe co-
^ictte a execução de coufa, que nao he julgada , mas que em vir-
tude
164 Direito Particuiar Portuguez

§. CC.

Ja vimos (§. 190 not. d) que os Almoxarifes, e Rece-


bedores tinhaõ cumulativamente jurisdição executiva
contra os devedores da Fazenda Real : efta jurisdifçaõ fe
efFe&uá pela penhora , e arremataçaõ dos bens dos de-
vedores , e de feus fiadores , e abonadores (§. 195) , man-
dada fazer pelos Executores do feito ( §. 193 not. a ) por
fentença de preceito , ou mandado de folvendo, extrahidas
paraeíle fim cartas executórias , ou fentenças contra os
devedores ( dito §. 194 not. e). Vejamos por tanto como
fe deve proceder na execução (b).

§. CCI.

A primeira regra , que fe prcícrevc ncfte titulo , he>


que naõ pagando os devedores ao tempo , que faõ obriga-
dos pelos contradtos (c), devem fer requeridos, ou citados
para pagamento , penhora, arremataçaõ , e execução (d)
( §. 194 not. e ) em fua peíToa, e efiando aufentes, e naõ
confiando do lugar aonde, devem fer citados por Editítos
de nove dias , §. 1 defte titulo. §. CCII.

lude deita commilfaó fe comette o conhecimento do negocio prin-


cipal , e de que fe tradta no §. 3 , fe comprehendem os Almoxa-
rifes , os quaes para a execução das dividas á Fazenda Real co-
nhecem da verdade delias pelas contaj « e aííentos dos feus Al-
moxarifes , cap. 112, 173 , e 176 das Ord. da Fazenda.
(í) Vid. erud. Meli. Jus Civ. Luf. lib. 4, tit. 22 , §. 19.
(c) O que fe deve entender , depois de liquidada a divida para
ajufte de contas na forma do cap. 173 , e 176 , das Ord. da Fa-
zenda.
[d) E fendo a execuçaC em bens de raiz, deve fer citada a mu-
lher, §. i defte tit. j Ord. liv. 3 , tit. 86, §. 27.
PARTE III. Titulo LIII. 165

§. CCII.

Feita a ciíaçaõ, tem o devedor o efpaço dc dez dias


fuccedivos (e) para pagar, ou embargar (/ ) , dando pe-
nhores de ouro, ou prata, que valhaõ a divida, pr. do tit,;
c naõ dando os ditos penhores, paliados os dez dias he
prefo
— - 1 1
(f) O tempo da obrigaçaó, de que fc falia no principio deftc ti-
tulo , parece fer o que refulta da diftinçaó , ou intimaçaÕ do
mandado tle Jolvendo , attendendo ao efpaço dos dias fucceílivos ,
que pelas Ord. de Fazenda , cap. 173 , fe concedfem aos que
íaó requeridos , ou citados.
íf) Como os Almoxarifes faõ Juizes executores com conhe-
cimento do principal , ou da caufa ( §. 190 not. a ) , e como a
cxecuçaÔ fe hz em virtude da fentença ( §. 194 ) , he certo que
os condemnados, ou executados podem oppor fufpeições ao jul-
gado do Almoxarife, argumento a contrario da Ord. 1. 3, tit. 21,
28, e 29, c que podem embargar Ord. ]iv. 3, tit. 87; mas para
fe opporem cites embargos, ou fufpciçCes dentro dos dez dias , he
neccffario, que o executado tenha poflo penhores de ouro, e pra-
ta ; e fendo depois dos dez dias, he ncceflario que efteja prefo ,
pr. do tit. As fufpeições oppoflas dentro de dez dias parece fufpen-
der a execução, como perfuade o depofito do penhor para feguran-
Va dojuizo, 011 da divida , e porque as fufpeições ftifpendem
P°r fua natureza a jurifdiçaô do Juiz, Ord. 1. 3 , tit. 87, §.4. Pe-
contrario os embargos , portos depois dos dez dias, e nos feis
ft>ccefivos, Ord.l. 3, tit. 87 , in pr. , e §. 3, na5 fufpendem, tan-
to porque a mefma Ord. in pr. manda indilíindnmente fazer
e
Xecuçaó ; como porque paffados os dez dias eílá a fentença pro-
priamente na execuça6, a qual fc naó fufpende por embargos, Ord.
3> tit. 86, §.3.Os executados do Real Erário podem embargar
dentro dos primeiros 5 dias depois de requeridos , fem fegurança
juizo , Extrav. de 22 de Dezembro de 1761 , cap. 3 , £. 7;
ncítc juizo naó tem demora a decifaõ dos embargos.
166 DrREr TO PARTTCUtAR PoaTUGUEZ

prefo (g) , e da prifaS fc procede a execução na fua fa-


zenda , e de feus fiadores, e abonadores (b).

§. CCIII.

A execução contem duas partes ; penhora, de que já


traélamos no titulo antecedente ( §. 194) , c arremataçaõ,
de que fe tra&a nefte titulo. Arremataçaõ he huma venda
folemne, necefiaria, e publica , que fe faz por auítorida-
de da juftiça , a quem mais der pela coufa arrematada
( §. 197 n. x).
§. CCIV.

Entre as folemnidades defta venda ( §. 197 n. x.)


huma he , que os bens penhorados , e que fe haõ de ar-
rematar , andem em praça a pregão, os moveis tres dias ,
e os de raiz oito no termo de Lisboa, e cinco legoas dc
redor, §. 9 deite tit.; e em outro lugar os moveis oito t

c os de raiz vinte dias, §. 2 defte tit.

§. ccv.

Para evitar, que os refpeitos dos executados emba-


racem

(j) Pelas Ord. da Fazenda, cap. 159, eraõ prcfos aquelles, ql,e
naó tinhaó bens, nem fiadores, para que a fazenda eítiveíTe fegu"
ra; mas depois da providentifiima Lei de 20 de Junho de 177+'
(j. 19 , e AíTento de 18 de Agoflo do mefmo anno , parece q11®
igualmente naó devem fer prefos aquelles , que fem dolo , °u
malicia naó tem por onde poflaó pagar.
(h) Pela referida Lei , e AíTento de 1774. he fem duvida , q,,c
o devedor , depois de extindios , e efgotados os feus cabedaes »
deve fer folto , porto que tenha de continuar a execuçaÓ conira
os íiudjres , e abonadores, ou focios.
PARTE III. Titulo LIII. 16-j

racem a arremataçaõ , ou venda dos bens , c os conloios,


e íòbornos , que os executados podem fazer com os arre-
matantes , para tornarem a haver as fazendas arremata-
das por menor preço do que fe poderiaõ vender, e dcfte
modo naõ fe pagar á Real Fazenda pelo preço das arre-
matações (/), fe determina i.° que os devedores fejaõ
obrigados até os quinze dias dos pregões a dar lançadores
aos bens, §. 3 ; e naõ os dando, ou pofto que os dem ha-
vendo quem mais do que elles queira lançar, fejaõ tirados
da poffe civil (/) dos mefmos bens, dito §. 3 : 2.° que naõ
poíTaõ mais haver fimiihantes bens por qualquer titulo,
que feja, nem mefmo de renda , §. 4 , e 8 (>«).
i. CCVI.
f/j Prova-fe efta conje&ura da mefma limitaçaõ do §. 4, vcrf.
Salvo.
, (/) PolTe civil he a detenção da coufa no animo com tenção de
a confervar, Lei 4 , Cod. de acq. vel amit. poffef. : efta poífe naõ fc
'ira pela penhora , mas fó a natural , ou anua detenção, em que
dia confiíle, L. 25, §. ult. ,ff. de acq. poffif. , L. 4, §. ult. depi-
gfrat. a£i.
(n>) Pena de nullidadedos contraílos , e de fe perderem as fa-
zendas , metade para o Fifco , e outra para os accufadores ; e
contempla-fe de tal modo efta prohibiçaõ , que fe deve declarar
n
as cartas de arrema'açaõ , pena de pagar a quantia ,1a arremata-
Çaõ ao Official que fizer a Efcriptura, e o Executor, e Almoxari-
fe de lhe naõ fer levada em conta , o mefmo §. 4. Como porem-
e
fa prohibiçaõ , e fuas penas fe dirigem a embaraçar , que a l'a-
Zenda Real deixe de fer paga ( $.192) , he claro, que eftando el-
'a paga realmente , e naõ por quita, ou perdaO , naõ tem lugar
prohibiçaõ , dito §„ 4.
i6S Direito Particular Portuguez

§. CCVI.

Da mefma forte, para obviar os conloios dos officiaes


executores, fe prohibc que elles poífaõ lançar nos bens,
que fe venderem por dividas Reaes , pofto que naõ hajaõ
lançadores ; de maneira que em todo o tempo lhe podem
fer tirados com os fruítos do tempo da polTe, íem pode-
rem allegar prefcripçaõ, como conílituidoa em má fé ,
§. 3, Ord. 1. 4, tit. 79.
§. CCVII.

Naõ havendo em todo o tempo dos pregões quem


Iançe na fazenda, ou chegue ao preço da avaliaçaõ
( §. 197 not. *•) , findos elles , podem lançar por parte da
Real Fazenda os mefmos executores o que lhes parecer,
para fe adjudicarem aos proprios , §. 6, c 9 defte tit. («)•
S. CCVHÍ:

(n) Ja vimos ( §. 197 nota x) que penhorados os bens para fc


arrematarem, devem fer avaliados para que fe metaõ cm pregaõ .
c naõ podem fer arrematados por menos da avaliaçaõ ; naõ ha-
vendo porem quem chegue a avaliaçaõ , podem lançar nelles °s
Officiaes da execução por parte da Fazenda , fem fe ligarem *
avaliaçaõ , e neftas circnnllancias parece faó admittidos mais lan-
çadores , por ilTo que ellas fe naõ adjudicaõ á Fazenda por certo
preço, e fe mandaó por a lanço , e como fe moftra defta Ord.
nas palavras : naõ fe fazendo nellas outro maior lanço : palavras
que fe naõ podem applicar ao paliado , antes de findos os dias
dos pregões. Pelas Ord. porem da Fazenda, cap. 177 ; naS
circunftancias de naõ haver quem lance no tempo dos pregoes »
devem fer novamente avaliados pelos Juizes , aonde os bens eft'-
verem , com alguns abonadores , cap. 177 das Ord. da Fazenda >
hoje pelos louvados do Concelho ( Extrav. de 20 de Junho de
1774). para fe adjudicarem aos proprios, ifto he , fe deferevere^
Parte III. Titulo LIII. *69

§. CCVIII.

Feita a arremataça5 para os próprios, deve fer citado o


executado para dentro em oito dias pagar a quantia , por-
que foraÕ tomados (n) ; e naõ pagando, naõ pode já mais
em tempo algum oppôr embargos de nullidade , ou de
IcfaÕ , §. 6 (o).
Y TI-

no livro do tombo dos bens da Corôa, dito cap. 177, e Ord. 1. 2,


tit. 35 , 22, por menos a terça parte da avaliaçaõ , v. g. por
doze mil reis , fendo avaliados em defafers , o mefmo cap. 177.
Naõ pode porem fazer o alfentamento no livro fem ordem do
Concelho da Fazenda, a quem os executores devem dar parte de-
pois de feita a avaliaçaõ , dito cap. 177. Nas execuções das di-
vidas particulares fe determina pela Lei de 22 de Junho de 1774,
§. 2o e feguintes , que, naõ havendo quem chegue ao preço das
avaliações , fe adjudiquem os bens penhorados aos credores exe-
rçuentes com alguma comodidade , em razaõ da coacçaõ que fe-
lhes faz : e confiíle em que os moveis , fendo de qualidade que fe
deteriorem pelo ufo, fe-lhe adjudiquem por menos a quarta parte;
fendo de qualidade que tenhaÔ valor intrinfeco, como ouro , pra-
ta . diamantes , pelo feu valor fem feitio ; e. fendo de qualidade
que naõ tenhaõ feitio , ou guarnecidos de pedras preciofas , fe
'djudicaõ com o abatimento de dez por cento, 21. Os de
r
aiz porem fendo taçp.que , cheguem ao pagamento, e naõ tendo
0
executado outros , fe adjudicaõ pelo preço das avaliações ; e
te
ndo mais , fe adjudicaõ por menos a quinta parte , §. 23.
(") Pelas Ord. da Fazenda , cap. 177, osexecu'ados podem
haver os bens tomados para os proprios , em quanto naõ eftive-,
re
m deferiptos nos livros delles , pagando o preço porque forem
'ornados.
{") Pelas nolTas Leis he permittido dilTolver todos os contractos,
lefaõ de mais de metade do jufto preço, no efpaço de quinze
annos
170 Direito Particular Portuguez

TITULO LIV.
De como a El Rei fomente pertence apofentar alguém por ter
idade de fetenta. annos.

§. CCIX.

A Pofentar , ou defobrigar, c efeufar os vaíTalos de


fervirem os cargos da Republica, he hum Direito Mage-
ftatico (a), e em confequencia fó aos Supremos Imperan-
tes pertence excufar os feus vaflallos , e determinar as
caufas das cxcufaçoes. Os noíTos Monarchas , entre ou-
tras caufas , adoptaraõ dos Romanos a da idade de feten-
ta annos completos (í); como porem elTa caufa confifte
ern

annos, Ord. 1. 4, tit. 13, §.5; porém eíla regra fe limita nas vendas,
ou arrematações feitas por autoridade de juftiça , quando, depois
da arremataçaõ, faõ requeridos os executados para pagarem a divi-
da dentro de oito dias , paliados os quacs ficaõ privados do benefi-
cio, ou acçaõ de lefaó, §. 7 dita Ord. ; nem de outra forte teriaó
effeito as execuções, pela incerteza em que ficavaõ os arrema-
tantes do feu domínio conferido publicamente pela juftiça.
(a) Ainda que todos os vaílallcs eftaõ obrigados a fervir i>s
encargos da Republica por huma obrigaçaó natural , refultada da
meíma Lei da aflbciaçaõ ; he certo, que a diftribuiçaô delias per-
tence ao Supremo Imperante ; porque nem todos podem , nem
devem fervir todos os encargos por motivos naturaes, epolíticos;
cujo conhecimento he do privativo direito Mageftatico , Infpe"
£tivo , e Politico ( II. P. deitas Preleções, §. 60). Vid. Per.
Cid. lib. 10, tit. 44, e 45.
(£) Os Romanos eftabeleceraó a idade de fetenta annos como
jufta excufaçaõ dos encargos públicos, como fe moftra da L. i°*
Cod»
PARTE III. T itulo LIV. 171

em fadto, que neceílita rcalifar-fe , c julgar-fe , compete


igualmente aos Impetrantes conhecer da verdade, e exi-
ltencia delia (<r).
§. CCX.

Daqui vem determinar-fe neílc titulo , que nem


os Concelhos {d) , nem os Fidalgos polTaõ apofentar al-
guém , nem mefmo pela idade de fetenta annos ; e que
os que quizerem fer apofentados, fe aprefentem peíToal-
Y a mente
Co d. de Dccurionib. ; L. 3. Cod. qui irtate, -vil profeff. ; L. 3. §.6
de Munerib.-, L.3,de Jure immunit. ; §.13. Ir]}., e L.
2 , ff- de excufat. , e L. unic. Cod. §>ui ítate fe excufant. Nefta
Ord. fe fuppóc eftabelecida por jufta caufa para a excufaçaó.a
idade de fetenta annos ; e como as nofías Leis o naõ tem deter-
minando expreiíamente , he de crer que foi adoptada dos Roma-
nos, como Leis fubfidiarias ( II. P. delias Prel. cap. 8, §. 20 ) ,
aflim como para a excufaçaó das tutorias, Ord. 1.4, tit. 104, $.3.
(c) Para fe realifar a exillencia , e verdade dos fados , he ne-
ceflario inquirir, e tomar conhecimento delles, o que he privati-
vo do officio de julgador, e por confequencia do Imperante ( II.
1'. deflas Preleções , tit. 7 , cap. 5 , §. 182 ).
{d) Concelhos entre nós fe chama o a uniaó de varias terras ,
c
lugares diverfos, debaixo das mefmas Jufliças , Monarch. Luf.
tom. 4 , pag. 49. Mas Concelhos , de que aqui fe tra£la ,faõ Ca-
maras das Villas, ou Cidades , as quaes tem jurifdiçaó ; e de cuja
Jurifdiçaó fe tracla 11a Ord. liv. 1, tit. 66. Elias pertendiaó , aflim
Como os Senhores das terras, apofentar , oudefobrigar dos encar-
gos públicos dos Concelhos aos moradores delles, como lie liei—
'° conjecturar da prohibiçaó em contrario do Senhor D. Fernan-
do . pela Lei incorporada na Ord. Aff. liv. 2, tit, 48, que paífou
Para a Man. tit. 2 , e para elle noffo titulo.
172 Direito Particular Portuguez

mente a El Rei , ou aos feus Miniftros competentes (e),


naõ fendo impedidos por enfermidade (/), a fim de que
parecendo-lhe pelo afpedio , que podem ter a idade de
fetenta annos, lhe paífem carta de inquirição de teftemu-
nhas fobre a idade com citaçaõ do Juiz , e Procurador do
Concelho , para as contrariarem (g) , e á vifta da inquiri-
ção fe-lhe mandar paífar carta de apofentados.

TITULO LV.
Das pejfoas que devem Jer havidas por naturaes dejles Reinos.

§. CCXI.

N Ao fó os Romanos tiveraõ feus direitos , e fuas li-


berda-

(?) Os Juizes competentes parece fer o Defembargo do Paço,


tanto por fer Tribunal de graça , ( II. Part. deltas Prel. tit. 7»
ca -
P 5» § '82) como pela iníendencia , que tem na confirma-
ção dos pelouros dos Concelhos , e porque a elle compete co-
nhecer dos aggravos , que as partes interpõem das injuftas no-
meações , que delias fazem para os encargos dos Concelhos,
Ord. liv. 1, tit. 3 , §. 14.
if) Eflia mel"ma limitaçaõ da obrigaçaó de comparecerem pef-*
ioalmente perfuade, que naõ podendo comparecer por enfermi-
dade podem requerer por petição , o que he conforme ás regras
da equidade , que naõ permitte affligir ao affii&o, nem prejudicar
nos feus direitos áquelles , que naõ podem defendellos.
(g) Como pela apofentadoria fe priva o Concelho do ferviço
dos apofentados , a que tem direito , pede a razaõ que feja ouVl"
do por feu Procurador, e Juiz.
PARTE III. Titulo LV.

bcrdades próprias, e privativas dos feus Cidadãos (<-;) ;


mas igualmente todas as Gentes, como vemos dos feu«
coftumes , dos feus Codigos , e das íuas Leis. Os Portu-
guezes mefmos tem feus direitos , e fuas liberdades pró-
prias, e privativas dos feus naturaes (l) ; por cuja razaõ os
Compiladores Pilippiftas (c) querendo prevenir as duvi-
das , que podem fufeitar-fe lobre que pciToas faõ naturaes
do Reino, formáraõ efte titulo, princ. do meímo.

§. CCXII.

A regra , que para eftc fim íe propue nefte tir., he


que faõ unicamente naturaes do Reino as pelToas , que
nefle

(a) Todos fabem , que os Romanos tinhaõ feus direitos pú-


blicos, ou civitatis , e direitos particulares, ou Quiritarios ,
privativos dos Cidadãos Romanos , em quanto o Imperador An-
tonino Caracalla, como conlta do fragmento de UlpianO, referido
ia Lei 17 de S/a/u hominum , os naó extendeo a todos os in-
génuos , que lhes eraó fujeitos , Hein. Arit. Rom. lib. 1. Apend.
(t) As Leis de Portugal tem feito privativo dos feus natuhies
Os officios públicos de Efcrivães , Ord. liv. I, tit. 81 : os Benefi»
cios Ecclefiafticos , Ord. liv. 2, tit. 13, §. 1 : as mercês dos bens
da Coroa, Ord. liv. 2, tit. 35 in pr.: a faculdade de pedirem aos
Soberanos as honras , e os ofícios militares , e civis •• a remu-
"eraçaó dos ferviços , e de feus afeendentes , e defeendentes , e
tr
anfverfaes até o 2.° gráo : c a faculdade de os poderem renun-
ca
' r em peífoas benemeritas. Vid. Eruditif. de Meli. Iují. Jur<
Civ. Luf. lib. 2 , tit. 2 , §. 8.
(f) Digo os Filippiftas, porque naõ acho fonte patricia , e pa-
re
ce foi adoptada das Leis de Hefpanha; por que no liv. 1, tit. 3»
19 de las Ordenanças Reales , fe acha exprelfamente o mef»
que nefte tit.
174 Direi to Particular Portuguez

nelle, e feus domínios nafcercm de pai natural delle, ou


que nelle efteja eftabelecido , e com domicilio de dez
annos contínuos , pr. e §. i , fendo os filhos legítimos , ou
naturaes , 4 ; e fendo elpurios , faõ igualmente naturaes
do Reino , fe a mui tiver as mefmas qualidades , que fc
requerem no pai, §. 4 (</).
§. CCXIII.

(d) Ninguém ignora a divifaÕ, que os Romanos fáziaô, de fi-


lhos em legítimos , naturaes, efpivios, e de coito prohibido. Le-
gítimos faõ os que nafeem de legitimo matrimonio , L. 5 , de in
jus vocand. ; L. 6. ff. dehis, qui fui, vel alien. jur.; §.ult. Injl. de
nupt.; Nov. 74, cap. 5. Naturaes, os que nafeem de coito certo
entre homem , e mulher, que naó tem impedimento conubia!,
L.5, Cod. de natur. líber. Efpurios, os que nafeem de mulher pu-
blica, proftituta, chamados aílim das palavras Gregas tív nr^«»
§. 12 hijl. de nupt. Dc coito probibido faô os que nafeem de pai St
que entre fi naõ podem contrahir matrimonio por impedimento
natural, ou civil , que impida o mefmo concubinato , dito §. Ia
Injl.de nupt.-, Nov. 74, cap. 6; Nov. 89, cap. 12, §. 15, e cap. 15»
Hein.Ant. Rom. lib. 1. Apend. ^.39; Francifcus Hotoman. defpW-
Í5* legilirti. Os mefmos Romanos, apefar dos feus princípios: pat'r
vero efl, quem nuptia demonflrant: L. 5 ff. de in jus vocand. , feni-
pre contemplaraó o pai natural como certo , por ifio que as f»aS
Leis chamaó os filhos naturaes para a fuccelTaó de feus pais, A'ov-
89 , cap. 12 , in pr. , e §. 1 , e 1, e 3; e por iflTo que participa-
vaó dos direitos, e honras paternas; Thomaf. de u/u praSl. doflri'
ihz\ InJ}. de ligitimat. ; Hein. Ani. Rom. Hl. i, tit. 10, §. 21 As
noilas Leis fó cfpecificaó três efpecies de filhos,legítimos , natu-
raes , e efpurios , aílim como nefte tit. §. 4: E tudi o que c/ia I-Cl
diz J'e entenderá nos f.lkos legítimos , ou naturaes , por quanto os
efpurios: na Ord.liv. 4, tit, 36, §.4: E naÓ tendo defeendente legit'<#'
• • • haverá effe foro o filho natural. ... e naõ o filho efpurio- e na
Parte III. TITU LO LV. 17$

§. CCXIII.

Donde fe fegue que naõ he havido por natural do


Reino, i.° o Eftangeiro , poílo que ncllc viva mais de dez
annos,
Ord. liv.2, tit. 33, §. 12: Filho, ou neto nalurcil, ou efpurio, Por le-
gitimo declaro que fe entendem os filhos de legitimo matrimonio
verdadeiro , ou putativo , Rieg. Jurisprud. Eccl. p. 4, tit. 17, §.
193, e 194, Rein. objer. 64, e 226 , dit. de Meli. §. 13 not.
Vid. Ord. 1. 5 . tit. 26. Por naturaes fe entendem os que nafeem
de pelfoas, que podiaó contrahir matrimonio, Ord. 1. 4 , tit. 92 ,
in pr. Por eípuiios fe entendem em confequencia todos os ou-
tros. O pai natural , he pelas nofias Leis contemplado como
certo , mefmo antes de legitimado o filho , naõ fó para o filho
lhe fucceder nos bens livres , fendo o pai peaó , Ord. liv. 4 ,
tit. 92, ia pr., e nos prazos, poítoque o pai feja Cavalleiro, Ord.
1. 4, tit. 36, §. 4, e na fua nobreza, nó ufo das fuas Armas , po-
floque com quebra, Ord. 1. 5, tit. 92 , §. 4 , in fin. , e no ufo de
Dom, fendo femeas , e também os varões, fendo filhos de Fidal-
gos, dita Ord. §. 7, e Extr. de 3 de Janeiro de 161 r, Coll. 1.»
a Ord. 1. 5, tit. 92, n. 1; mas também na naturalidade do Reino,
§. 4 defte tit. Pelo contrario os filhos efpurios , aindaque compre-
hendidos na generalidade dos illegitimos , vulgo baítardos , Ord.
Man. L 2 tit. 37, §. 11, e dita Extr. de 5 de Janeiro de 1611, he
certo jque as noiías Leis os confideraô fem pai, §. 4 defte tit.; de
forte que nem fuccedem nos bens alodiaes de fetis pais , Ord. L
4, tít. 92, nem nos fóros , Ord. 1. 4, tit. 36 , §. 4, nem nos do-
mínios , ou bens da Coroa , polloque legitimados, Ord. 1. 2, tit»
35 » §• 12, nem no Dom , dita Ord. Man. 1. 2 , tit. 37 , §. li :
e
'fio fe naõ entenderá nos baflardos, que forem filhos dos Prelados, ou
de outras quaefquer pejfoas ecelefinjlicas-. c dita Extr. de 1611. Aref-
Pc'to da nobreza, e ufo ,que eltes podem fazer das Armas, nada
®fpecificaó as nolfas Leis. Vid. dito Illuftr. de Meli. tit. 6, §. 6 ,
Si
1^6 D I R E I T O P A R TI C U L A R Po R T U C V EZ

annos , e nelle tenha cafado com natural delle, pr. do tit.:


2.° o filho legitimo , ou natural dc eftrangeiro, e de mal
natural do Reino, fe o pai naõ for eftabelecido , e domi-
ciliário nclle por dez annos contínuos, §. i. inpr. : 3.0 o
filho de pai natural, que nafcer fora do Reino , ou de feus
domínios, §. 3 (e) : 4.0 fegue-le que he natural do Reino
o filho legitimo, e natural de pai natural, e dc mai
eftrangeira, §. 1. tnfiti. : 5.0 o filho efpurio de mãi natural
do Reino, §. 4.

TITULO LVI.
Em que modo , e tempo Je faz alguém vifinho para gozar do!
privilégios dos vifnibos.

§. CCXIV.

T Endo-fe tra&ado no tit. antecedente do modo de


adquirir

& ibi not. Donde naõ he de admirar , que também naô fuccedaó
na naturalidade do pai , dito §. 4 , feguem porém a naturalidade
da mãi ; porque he certa , e como tal reconhecida por Direito ,
Lei 4 in fin. , e L. 5 ff. de in jus vocand. , e dito §. 4 deíle tit-
e L. 24 de S/atu homin.
(e) O que procede fe o pai fahir do Reino, ou feus Domiru°s
por feu arbítrio , ou fem licença , pois o pai fe aufen/ou por f"a
vontade , §.3 , ou for delle defnaturalifado ; porque fendo man-
dado pelo Rei naó como defnaturalifado , ou indo , ou eftando
fóra do Reino , occupado no ferviço do Reino , naó deixa de cr
natural do Reino, o mefnio §. 3. Afiim como fe o pai for degra
dado para os Domínios do Reino , e o filho nafcer no lugar '
degredo, ou indo para elle, porque pelo degredo naô perde o pa
a naturalidade, dito dc Meli. tit. 2 , 12.
PARTE III. Titulo LVI. 177

adquirir a naturalidade do Reino para gozar dos direitos,


e liberdades commus , c privativos dos feus naturaes fe
traiíta nelle tit. do modo de adquirir a vifinhança (a) de
qualquer lugar, para gofar dos privilégios (/>) concedidos
aos feus moradores , cu vifinhos.

§. CCXV.

Defde os princípios da Monarcliia que os nofios


Príncipes fe digr.araS conceder pelos Foraes , c Privile-
Z gios

(«) Os Romanos dividiaõ os moradores das terras , ou Muni-


cipos, em fimplices habitadores, ou advenas ; e em Cidadãos, ou
propriamente moradores : eíles os fubdividmõ cm naturaes , ou
originários ; e em voluntários, ou domiciliários : áquelles cha-
mavaõ por excellencia Civis, e a efles íncola , como fe prova do
tit. r, liv. 50 do Dig., e dos tit. 38, c 39 do liv. 10 do Co/l. Em
Portugal fe obferva a mefma divifaó dc fimplices habitadores, ou
cílrangeiros , de moradores naturaes , ou originários , e volun-
tários , ou domiciliários. Huns e outros moradores fe chamaó
vifinhos , princ. defle tit. , Blut. verb. vifinhar , Monarch. Luf.
tom. 5, pag.158; dirivando-fe efla palavra do ajufte, e conformi-
dade , que devem ter huns moradores com outros para fe fervirem
commúmente, e fofFrerem os ónus dos Concelhos , e fe utili-
zarem dos feus commodos. Nos Artigos das fifas fe acha repe-
tidas vezes efle termo vifinhos , denotando o mefmo que mora-
dores da Villa , ou Termo.
[l>) As circunflancias , que nefte tit. fe requerem para fer vifi-
nho, he fomente com refpeito á exempça6 dos tributos , e direi-
tos Reais; como fe vê do Preambulo da Lei do Senhor D. Duar-
te, incorporada na Ord. AfF. liv.2, tit. 30, fonte dcfte tit.; ficando
"ri quanto ao mais em fua obfervancia os ufos , e coítumes , dita
Qrd. AfF. §. 5 , c §. ult. deite tit.
178 Direito Particular Portugueu

gios , que davaõ a alguns lugares, a ifcnçao das dizimas ,


portagens, ede outros Direitos Reaes para feus moradores,
e vifinhos (c). Algumas peííòas .tendo de pagar alguns
deites direitos , fe tranfmudavaõ enganofamente dos feus
lugares para os privilegiados, moílrando quererem fer mo-
radores , e vifinhos nelles, e fazendo-fe eferever por vi-
finhos ; mas pa!Tada a obrigaçaõ de pagar os direitos , de
que queriaõ ifentar-fe, fe tornavau para os lugares donde
antes moravaõ, e deite modo vinhaõ a fraudar os Direitos
Reaes, Ord. Aff. liv. 2 , tit. 30. §. 1.

§. CCXVI.

Para obviar fimilhantes fraudes determinou, e eítabele-


ceo o Senhor D. Duarte, por huma Lei de 20 de Janeiro
da Era de 1437 , o modo, e tempo , de fe adquirirem
os privilégios, e efeufas dos Direitos Reaes, concedidos a
alguns lugares para feus moradores. Cs Compiladores
Affonfinos incorporarão formalmente eíta Lei no Cod.
Aff. liv. 2. tit. 30, fonte da Ord. Manoelina , liv. 2»
tit. 31 , e deite noíTo tit. 56 ; veremos por tanto omodo»
c tempo de fe adquirir o direito de vifinho para o re-
ferido efieito.
§. CCXVII.

Por vários modos fe adquirem os referidos privilé-


gios de vifinho: i.°peIo foral, §.3 : 2.0 pelo nafeimento:
3.0 pela dignidade : 4.0 pelo officio: 5.0 pelo domicilio»
Pelo foral, tendo o morador as qualidades nelte efpecifi-
cadas

(c) Ord. Affonf. liv. 2 , tit. 30 , §. IO , c Regimento dos en°


çabeiTamentos das íifas cap. 42.
PART E III. Ti tu LO LVI. 179

cadas, §.3 deite tit. Pelo nafcimcnto , ou fcja natu-


ral , ou civil. Pelo natural, nafcendo naturalmente na
terra {d) ; pelo civil, fendo livre da fervidaÕ (e) , ou
fendo adoptado por algum morador do lugar (f) , e
Z 2 cfta

(d) Para fe entender algum natural do lugar onde nafee , para


adquirir os direitos, e privilégios de vifinhos, naó he necelíario
que o pai feja natural , ou ncllc tenha dez annos contínuos , co-
mo vimos he necelíario para adquirir os direitos , e liberdades
próprias dos naturaes do Reino ( §. 212): tanto por que nelle tit.
le naõ tradta dos direitos coramuns dos Portuguczes, mas dos
particulares de cada Lugar, ou Villa, ou Cidade ( §. 214); como
porque os mefmos naó naturaes do Reino fe fazem domiciliári-
os , e adquirem o direito de vifinhos pelo cafamento, e mora-
da no lugar , o que naó fuccede a refpeito dos direitos com-
«lUns da naturalidade do Reino ( §. 212 ).
(e) Todos fabem que os fervos entre Romanos naó eraG con-
fiderados como peíToas , §. 4 Jnj?. de cap. diminui. , Tcophilus pr.
Jnfl. de S/ipui. fervor. , L. 32, e 209, de Reg.jur. ; e como pela
manumiflaó adquiriaòa liberdade, ea cidade, L. un. Cod. de lat.
lib.toll. , e L. un. Cod. de dedil. lil. toll. , Dionyf. Halicarnaf*
liv. 4 , pag. 216. Vid. Cicero pro Cornélio Balbo cap. 24 , Hein.
Atit. Rom. liv. 2. tit. 4, e 5.
(/) Perfilhamento , e legitimaçaó differem entre nós , afíim co-
mo entre os Romanos , como fe vê da Ord. 1.1, tit. 3, §. 1 :Item
frias de legitimações, confirmações de perfilbamentos. Perfilhamen-
to por tanto faó o mefmo que adopções entre os Romanos, c ad-
opçaó he hum modo folemne, pelo qual o que naó lie filho , nem
Keto , palia civilmente ao eílado de filho , ou neto do adoptante ,
pr. InJ}. de adoption. , como fe fofle natural, §.4 l"P• eod.\ moti-
Vo
porque o referido Imperador Adriano, e os Jurifconfultos Ro-
manos confidcravaÓ a adopçaó entre os modos originário? de
adquirir
18o Dr reito Particular Portuguez

efta adopçaõ confirmada pelo Príncipe, pr. do tit. (g)-

§. ccxviii.

Pela dignidade , fe o que vive no lugar he nelle Ma-


gi Pirado, Senador, Alcaide mor, ou Senhor delle (h). Pelo
oífieio, fe aquclle , a quem he dado o olTicio de juíliça, ou
de fazenda, vive no lugar , e do officio effectivamente fe
fuftenta (/), pr. do tit. Pelo domicilio, i.° quando algum,
ou feja natural do Reino , ou eftrangeiro , cafa com mu-
lher natural, ou domiciliaria do lugar , em quanto ahi
morar, §. i. delle tit. (/): 2.0 o que morar quatro annos no
lu-

quirir os direitos dos Municípios, L. 7, eod. dc incolis , c L. I»


ff. ad municipal.
(g) Elias confirmações fe fazem pelo Tribunal do Defembar-
go do Paço, Ord. liv. r. tit. 3, §. 1.
(b ) A Ord. Aff. fe explica também pela palavra dignidade fim*
plesmente , e como a palavra dignitas fignifica Magillratura; Le-
xicon Forcellini verbo Dignitas , os Imperadores Romano*
confideravaõ os Senadores domiciliários de Roma , em razaó
Dignidade Senatoria, L. 8. Cod. de incolis : Senatorcsin SacratiJ
Jtma Urbe domtiihum dignilatis habere dicitur ; parece que o Se-
nhor D. Duarte na referida Lei fe quiz conformar com as Lei*
Imperiaes, dita Ord. AíF. §. 2 , adoptando a palavra dignidad*
no mefmo fentido de Magillratura.
(í) As nolfas Leis dillinguem Ollicio, de Miíler: por officio en-
tendemos munus públicos , v. g. Tabelliados &c. Mifteres en-
tendem officios , ou artes fabriz : os ofíicios dc que fe tratf*
faó ne.íle titulo os públicos ; porque fó cites podem fer dados
pelo Rei , ou pelos Senhores de terras.
(J) Dita Oíd. Affonf- §.4. Julga-fe ahi morar, em quanto fc
naô
Parte III. T ITUIO LVII. IBI

lugar , para onde fe mudar com fua família , e a maior


parte dos bens , §. 2 defie tit. (?«)•

TITULO LVII.
§hie o privilegio da exempçáo , dado ao morador da Iara t

tiao prejudique ao Jenhor delia.

§. CCXIX.

T Endo-fe tradlado no titulo antecedente do modo dc


adquirir o direito de vifinho, para gorar da exempçaõ dos
Direitos Reaes concedido aos moradores do lugar : ncftc
fe trada do effeito do privilegio da exempçaõ dado a al-
gum morador da terra, cujos Direitos Reaes tenhaõ Do-
natario.
§. CCXX.

O privilegio da exempçaõ fe pode confiderar na própria


accepçaÕ de privilegio, concedido pelo Imperante a cer-
ta , e determinada peflòa; ou na accepçaõ lata dc direito
íin-

laó muda para outra terra com fua mulher , e família , e maior
Parte dos bens , com animo de nella morar , e com effeito nella
*ive quatro annos continuos.
(m) He alem da mudança necefíario, que cila fe faça com ani-
de ahi morar , ou contrahir domicilio , §. 1 ; o que fe pre-
sume fazendo-fe deferever por morador do lugar. E em confe-
rencia deíía mudança perde cs privilégios do lugar de donde fe
lr
>udar ; de forte que paliados quatro annos, tornando para elle,
*>aÓ he confiderado vifinho, fem neile morar quatro annos conti-
rl
' 'os , bem como fe nunca nelle tiveffe morado, dito §. 1.
182 Direito Particular Portuguez

fingular, concedido pela Lei a certa claíTe de pefToas (tf).


Na primeira accepç.íõ fe pôde coníiderar o privilegio nao
fó como fimplefmente tal, mas como hunia doaçaõ dos
refpeítivos Direitos Rcaes , de que he exempto o privi-
legiado (b). Na fegunda fe pôde confiderar como hum»
limitação , ou derogaçaõ da Lei tributaria, pofto certo ci-
tado de peíToas (<-).
§. ccxxi.

(a) Vid. Cujac. Olf. lib. 15 , cap. 18. Eyb. Jus Eccl. tom.4-
Vib. 1, cap. 1, §. 246. Figuremos hum foral dado a huma Ter-
ra , ou Lugar , que obriga aos moradores delle a pagar jugada»
outava , portagem &c. ; e figuremos exemptos delia obrigaçaÓ
certa claífe de moradores , v. g. os Clérigos , Cavalleiros , e ex-
emptos em particular certos moradores por merecimentos , e ra-
zfies particulares : no primeiro cafo temos hum direito fingular »
011 hum privilegio , na accepçaó lata ; no fegundo hum rigorofa
privilegio na fua própria accepçaõ.
[b) O privilegio da exempçaõ dos tributos , ou de outros D»-
reitos Reaes , confere ao privilegiado , naó fó a liberdade dos
direitos , que era obrigado a pagar; mas como por efta liberdade
o privilegiado fe utilifa realmente dos reditos , que aliás devi»
pagar, pode fem duvida confiderar-fe também efle privilegio co-
mo huma doaçaô dos refpetivos reditos, cujo contraélo fe figur»
na impetra , e acceitaçaó do privilegio , e conceífaó do Impe-
rante.
(r) O direito fingular faz dependente a obrigaçaó da Lei ge-
ral do eftado hypoteiico das peíToas, v. g. do eftado de Clerig<"
ou Cavalleiro ( fupr. not. a); donde, porto erte citado, ceifa a Lel
a refpeito do privilegiado , bem como fe a obrigaçaõ dos direi-
tos lhe folie importa debaixo da condição , em quanto naó f°:'c
Clérigo ,011 Cavalleiro.
PARTE III. Titulo LV1I. 183

§. CCXXI.

Na primeira accepçaõ de fimples privilegio , ou de


doaçaõ dos Direitos Reaes refpeétivos , nem pôde con-
ceder-fe depois de doados a terceira pefiòa os Direitos Re-
aes do lugar,• nem , depois delle concedido, fe pódc pre-
judicar o privilegiado pela poilericr doaçaõ dos referidos
direitos (d). Donde fe fegue, t.° que o privilegio da ex-
empçaÕ, concedido ao morador do lugar, naÕ prejudica
ao donatario anterior, pr. do tit.: 2.0 que a pofterior doa-
çaõ dos direitos do lugar, feita a terceira peíToa, naõ pre-
judica o anterior privilegio , concedido ao morador do
mefmo lugar, o mefmo pr. do tit., verf. x (e).

§. CCXXII.

Na íegunda accepçaõ, como o privilegio limita a obri-


gaçaÕ da Lei, e a faz dependente do citado hypotetico
da
(d) A doaçaõ dos bens da Coroa , he hum judo titulo dc ad-
quirir or bens do.dos ( $. 135 not. c), e em confequencia, pela
doaçaõ dos Direitos Reaes , naiTa para o donatario o direito ,
que a Coroa nelles tinha so tempo da doaçaõ, pr. defie tit. Do.
direito legitimamente adquirido naõ pôde cada hum fer priva-
do , nem por privilegio pofterior em contrario , L. 7. Cod.. De
Precibus Imperanli offerent., L.4. Cod. De emancipa!tonib.. líber.,.
ttem por outro titulo, que naõ feja a pena do delidlo, ou a publi-
c
a utilidade , Henric. de Coccei. Commtnt. ad Hug. Grei. 'Jur.
tiel. Í5f Pac. liv. 2. cap. 14 , §. 8.
(f) Aflim o determinou também o Senhor D.JoaÕ I. como
refere na Ord. Affonf. liv. 2 , tit. 45 , in pr. , que padou.
Para a Ord. Man. liv. 2 , tit. 25 , in pr. , e para eíte nollò tit,.
inpr.
184 Direito Particular Portuguez

da pcíToa (_ §.220 not. c ), he certo, que o Direito da Co-


roa eftá dependente do eftado hypotetico das peífoas,co-
nio de cetta condição ( §. 120 not. c ), e que , verificado
clle, naõ tem a Coroa direito paraN exigir os tributos da
pefloa privilegiada. E como o Imperante naõ transfere
pela doaçaõ mais direito, que o que tem a Coroa nos bens
doados (§.221 not. d ) , fegue-fe que pafiando o mora-
dor do lugar ao eftado hypotetico, que limita a obrigaçaô
dos tributos, fica delles exempto, apefar da anterior
doaçaõ dos Direitos Rcaes do lugar, feita a terceira peí-
foa, §. 1 defte til. (/). T I-

( /') Os Compiladores Affbnfinos , confiderando a duvida q»ie


podia mover-fe , fe depois dc dados os Direitos Reacs de algum
lugar o morador delie fe fizelíe Clérigo , ou Cavai lei ro, cuja
clafle era exempta pelo foral, gozaria da exempçaõ, decidirão q"c
fim ; porque nefte cafo o privilegio naó fó era dado pelo Rei 1
mas pela Lei , ou foral da terra, §. 1 da dita Ord. AfFonf. Iiv.2»
tit. 45, que paliou para a Man. liv. 2, tit. 25, e para efte noíTo tit-
Pode porém duvidar-fe fe eíla declaraçaó, ou decifaó, que fe fa
refpcito da exempçaõ concedida pelos foraes, antes de doados <>«
Direitos Reaes , poderá ter lugar fendo concedida depois delle5
doados. He certo , que pela doaçaõ dos Direitos Reaes do l"gar
adquire o Donatario o direito de os receber de todos os morado-
res , que ao tempo da doaçaõ faõ obrigados ; de cujo direito na"
pôde fer privado em contemplaçaõ de outra peífoa partícula1
( §. 221 ) ; porém por huma parte he igualmente certo , q|ie aS
doações dos bens da Corôa , os privilégios , as mefmas conft'"
tuiçóes geraes, e em huma palavra , todos os a£tos do Impera"'®
como tal , incluem a tacita condição da compatibilidade com a
utilidade publica , cujos limites naó pódc paliar o Imperante*
for outra parte , que o Direito fingular he fundado na publica
PAUTE III. Titulo LVIII. 185

TITULO LVIII.
Dos privilégios concedidos aos Fidalgos para /eus lavradores ,
tnoradores, cafeiros, e arados.

§. CCXXIII.

Ara que os Fidalgos , c alguns Miniftros de Juftiça,


e outras pciroas achadem com mais facilidade quem lhe
cultivaífe , e arrendafle as íuas fazendas, e osferviíTe com
feus milteres, lhes concederão os noflos Príncipes vários
privilégios para os feus lavradores , cafeiros , creados , e
mordomos (a) , como vimos a refpeito das Igrejas, e Mo-
fteiros ( tit. 25 ). Porém a extenfaõ que abufivamente
fe fazia deftes privilégios , e as fraudes que íecommettiaõ
para fe gozar delles, obrigou o Senhor D. Joaõ I. a pre-
ferever as qualidades , que os referidos lavradores &c. de-
viaõ ter para gozarem dos privilégios, e revogou todos
os outros concedidos a outras péflbas alem das cfpecifi-
Aa cadas

Utilidade , como eílabelecido dc motu proprio do Imperante , e


fem contemplaçaõ a peflba individualmente particular; parece
por tanto, que a peiToa do lugar compreliendida no beneficio íin-
gnlar deve gozar dellc , apefar do direito antecedentemente ad-
quirido pelo Donatario.
(a) Lavrador , e cafeiro nefte tit. differem, em que aquelle la-
vra por fua conta a fazenda do fenliorio ; e efte ferve por or-
denado , e lavra por conta do fenliorio : mordomo lie hum offi-
c
ial , que ferve de cobrar as rendas , e dc executar os devedores,
Monarch. Luf. liv. 16, cap. 69, pag. 158 verf. , e fimilhantc a
Porteiro ( §. 195 ).
í85 Direito Parti cular Portuguez

cadas [b). Os Compiladores Manoelinos, Ord. liv. 2, tit.


39, efpecificárao os privilégios , que os referidos podiao
gozar, e as qualidades que para efte fim deviaõ ter. O»
Filippiítas copiaraõ nefte tit. quali per formalia a Ord.
Manoel.
§. CCXXIV.

Os privilégios fe podem reduzir a huma exempçaÕ


de todos cs encargos dos Concelhos reaes , e pefíoaes ,
que naõ forem exceptuados. Exceptuaõ-fe i.° as tutorias
legitimas : 2.0 os officiosde Juiz, Vereador, Procurador
dos Concelhos, Almotacés, e Depofitario do cofre dos
Órfãos : 3.0 a defenfa do lugar em que faõ moradores , c

feu termo : 4.0 os reparos das pontes, fontes , e calçadas


dos refpcítivos lugares, e feus termos : 5.0 o pagamento
para a bolça (r) : 6.° os ferviços com as beftas, e carros,
que coítumarem trazer aganho, pr. do tit. e§. 4.
§. CCXXV.

(b) O Senhor D. Joaõ I. fendo-lhe reprefentailo pelos Con-


celhos das Cidades , Villas, e Lugares do Reino , a vexaçaÕ q"e
foffriaô alguns moradores dos refpe&ivos termos com os on»®
reaes , e peílbaes dos Concelhos , por ferem a maior parre dos
moradores exemptos delles por feus privilégios , revogou todos»
refervando fomente os dos ferviçaes , e mordomos dos Fidalgos »
011 vaflallos , e das pefloas do feu Confelho , e do feu Defem*
bargo , dos Chancelleres , e dos Efcrivães das Chancellarias , dos
Corregedores da Corte, e dos Juizes, e Procuradores dos feus fei-
tos , dos Sobrejuizes , dos Ouvidores , e dos cafeiros , lavrado-
res, e creados de todos cftes, dita Ord. AfFonf. §.4, liv. 1, tit.64.
(f) Bolça fe chama aquella finta , que fe paga para a condu-
ça6 dos prefos , Ord. liv. 1, tit. 66, §. 44.
PARTE III. T ituio LVIII. 187

§. CCXXV.

Para gozarem do privilegio as referidas pefíoas de-


vem ter as feguintes qualidades. O lavrador ha de fer
encabeçado (d); ifto he, viver nas cafas da herdade ( §. 99
not. b ), e lavrar unicamente as terras do feu encabeça-
mento ,• de outro modo perde pro rata o privilegio, pr.
do tit. infin. (e). O cafeiro deve íuftentar-fe a maior parte
do anno dos fallarios do íenhor da quinta , ou cafal (f),
e naõ de outros mifteres, nem meímo da fua própria
fazenda, §. 1. O creado fó goza do privilegio em quanto
vive com feu amo, §. 3 (g). O mordomo fó hum em cada
Aa 2 cafa

(d) Differem eftes lavradores dos lavradores dos Morteiros ,


c Igrejas , que para gozarem do privilegio , naõ he neceffario
ferem encabeçados ( §. 99 nota b ).
(e) Para fe evitarem as fraudes dos lavradores fem prejuízo
des Fidalgos fe eítabeleco , que o lavador, que lavrar outras
terras fora do cafal, deve fervir os encargos dos Concelhos por
tanto tempo e quantidade, quanto correfponder a parte das terras,
que lavrarem fóra do cafal , pr. do tit. in fin. Também nifto dif-
ferem dos cafeiros das Igrejas , e Morteiros , que pofto lavrem
outras terras , que naõ fejaõ da Igreja , naõ tirando delias maior
proveito , que das da Igreja, gozaõ inteiramente dos privilégios ,
( §• 99 )
(/) O cafeiro naõ fó lie o que vive em alguma quinta ; mas
o que vive em cafas, de cujo fenhor adminiítra , e cultiva as fa-
zendas.
(^) Defle modo fe evitaõ as fraudes de muitos cafeiros » que
fó para o fim de gozarem dos privilégios fe faziaõ cafeiros dos
Fidalgos , vivendo aliás das fuas fazendas próprias ; e igual-
mente
*88 Direito Particular Portuguez

cafa , ou quinta , goza dos privilégios , poílo que haja


outros mais , §. 2.
M
- -
TITULO LIX.
Dos privilégios dos Defembargadores%

§. CCXXVI.

Ja* vimos no tit. antecedente (§. 223 not. b ), que en-


tre os privilégios , que o lenhor D. Joaõ I. tinha con-
fervado.foraõ os das peflbas do feu Confelho, do feu Deí-
embargo (<z), dos Chancelleres ( b) , dos Eícrivães da
Chancellaria (c) de ambas as Cafas (d), dos Corregedo-
res

mente a daquelles , que naõ fendo verdadeiramente creados , e


fem fervirem os Fidalgos , qucriaõ gozar dos privilégios , como
fe o foliem.
(a) Do Defembargo faó todos os Magi Orados , que podem
conhecer por appellaçaó, ou aggravodas fentenças dos Juizes in-
feriores ; nefte lugar porem parece fe entendem os Defembar-
gadores , como fe vê da mefma Ord. Aff. liv. 1 , tit. x , §. 4, e
liv. 3, tit. 72 , e 109.
(b) Do officio deíle Magiftrado, e das fuas qualidades traflaa
Ord. Affonf.l. 1, tit. 2, (vid. lí. P. delias Prel. §. 66, nota r )
(c) Defte tra6la a Ord. Aff. liv. 1 , tit. 10 , ea Man. tit. 13»
e Filip. tit. 20.
(d) Pelo Regimento do Regedor da Cafa da Supplicaçaô , ou
da Jufliça , e Corte de El Rei, Ord. Affonf. liv. 1 , tit. 1 , '«
pr., fe mandavaõ diftribuir os Defembargadores em duas mefas,
cada huma cm cafa feparada, nas quaes fe decidiaó diverfos fei-
tos , fegundo as differentes repartições das caufas , cujas fenten-
ças deviaõ paflàrpela Chancellaria , e regiítadas pelos Efcriváes
delia.
PARTE III. Titulo LIX. 189

res de fua Corte (e) , dos Procuradores de ícus feitos f/),


c dos Juizes dos mefmos feitos (g) , dos Sobrejuizçs (h),
dos Ouvidores (/) , e dos lavradores, cafeiros , homens,
e mancebos , ou creados das referidas peíToas, de que os
Manoelinos formaraõ o tir. 39 do liv. 2 , e os Filippifias ,
o tit. antecedente.
§. CCXXVII.

Do mefmQ tit. Affonf. formárao os CompiIadores~Ma-


noelinoshum novo tit. fobre efte objeíto,que he o tit. 43
do liv. 2 , que extendcraÕ a outras pefloas , e a feus ca-
feiros. Os Filippinos formárao efte tit. da Ord. Man. , e
da Excrav. do Senhor D. Manoel, que refere Leaõ 2. p.
tit. 6 , L, 4, a que accrefcentáraõ o Governador , e Def-
embargadores da Cafa do Porto, eftabelecida por Filip-
pe II. em 1583 (/) : vejamos por tanto, quaes fao eftes
privilégios. §. CCXXVI1I.

(í) Defte Magiftrado traíla a Ord. Affonf. liv. 1 , tit. 5, Man.


tit. 5 , e 6 , e Filip. tit. 7 , e 8.
(/) Defte tra&a a Ord. Affonf. liv. 1 , tit. 9, Man. tit. 12 ,
Filip. tit. 12.
(?) Ord. Affonf. liv. 1, tit. 6. Man. tit. 7, e Filip. tit. 9, cio.
(h) Sobrejuizes eraõ aqueles Juizes , 011 Defembargadores da
Cafa do Civel , para quem fe appellava, ou aggravava dasfen-
tenças dos Julgadores, Ord. Aff. liv. 3, tit. 72, §. 10, e dos quaes
fe aggravava ou para os Defembargadores dos Aggravos da mef-
Ria Cafa , fendo a quantia da caufa até cem mil libras , ou para
os Defembargadores do Paço excedendo , dita Ord. liv. 3 , tif.
l0
9 t §• 4 > e liv. 1. tit. 1. in pr. , e tit. 4 , inpr.
(«') Ord. Affonf. liv. 1 , tit. 7, Man. tit. 9, Filip. tit. ir.
(/) As pcffoas que fazem o obje&o defte tit. naõ faÕ unica-
mente os Deícmbargadores; mas igualmente o Regedor da Cala
da
190 Direito Particular Portucuez

§. CCXXVIII.

Eíles privilégios ou dizem refpeito diredta e imme-


diatamente aos Defembargadores , e mais peflòas no-
meadas (/«), ou a feus cafeiros , lavradores, mancebos ,
e paniguados («). Principiando pelos que dizem refpei-
to ás peíToas dos Defembargadores &c. , elles confiftem ,
i.° na exempçaõ de todas as fintas , e encargos dos Con-
celhos , ainda mefmo dos neceííarios para obras pias,
para a guerra, e para a peíToa do Rei, pr. do tit. (c) : 2°
11a inviolabilidade das fuas pefioas, de feus homens, e
mu-

da Supplicaçaõ, Governador da Cafa do Porto, Efcrivaõ da pu-


ridade, Prefidente do Defembargo do Paço, Chanceller Mór >
Vedores da Fazenda , Secretários d'El Rei, Prc fidente da Meí"3
da Confciencia , Deputados delia , Almotace Mór , Efcrivaõ d3
Chancellaria , e Efcriváes da Fazenda , pr. do tif.
(m) Pela Extrav. de 13 de Agoíto de 1615 fe extenderaó efles
privilégios aos Confelheiros, e Secretários de Guerra , Coll. 2-">
n. 1. a elte tit. Devemos advertir, que nelte tit. fe naó falia nos
Defembargadores do Concelho do Ultramar, porque foi infti*
tuido depois da Compilaçaõ das Ord. Filip. pelo Senhor V-
Joaò IV. em 1642 ; mas nem por ilfo deixaõ de gozar dos mef-
mos privilégios como Defembargadores.
(n) Paniguados faó os domefticos, que recebem annualmente
alguma coufa do fenhor da cafa para feu fuftento, porto q"e
naÔ vivaó com elles , e fó os firvaó quando fao ncceflarios»
e dilferem dos creadoí a bem fazer, §. 3.
(0) Exceptua-fe unicamente o refazimento, e abertura ^aS
valias feitas naõ em beneficio commum , e geral , mas de certas
peUoas.em particular,em cujo numero fe contemplados Dcfeffl
tlt
bargadores , e as pelfoas que tem igual privilegio , pr. *
PARTE III. Titulo LIX. j9r

mulheres (/>) , e de feus bens moveis , íemoventes , e de


raiz , §. 7 (q) : 3.0 no privilegio do fôro em todas as fuás
cauías eiveis , ou crimes , fejaÕ Reos, ou Auctores , §. 10
11^ 12 , e 13 (r), Ord. liv. 3. tit. 5 , (s) : 4.° na exem-
pçaõ

(/>) Parece fe deve entender os fervidores , e mancebos , que


tom elles vivem , dita Ord. AfF. liv. 2 , tit. 64, §. 4, in fin. ;
o que fe confirma porque as mulheres nefte lugar fe tomaó em
igual accepçaô que os homens , que fe naõ pódern lomar em ou-
tra accepçaó que a de creados.
('/) Digo invioláveis, porque toda , e qualquer violência , ou
força , e qualquer mal , ou defaguifo he punido com a pena dos
encoitos. E(ta coníiííe cm ft is mil reis , dois para o accufador ,
dois para El Rei , e dois para o Defembargador , 7 , de que
faó Juizes os Almoxarifes , ou Recebedores , e na falta dclles
os Juizes Ordinários do lugar, fendo o accufador alguma peifoa
par;icí.lar ; porque fendo os mefmos privilegiados pôde deman-
da-la parante o feu Juiz privativo , §. 8 , qual o Corregedor do
Civel da Corte , Ord. liv. 1 , tit. 8 , §. 7 , ou do Porto , Ord.
liv. 1 , tit. 39 ; e dai fentenças dos Almoxarifes , Recebedores ,
e
Juizes Ordinários, fe appella para os Juizes dos feitos da Co-
lôa , dito §. 8 deíle tit. , e dos quaes trafla a Ord. liv. 1, tit. 10.
(r) Os Juizes faó os Corregedores da Corte da Cafa da Sup-
plicaçaó , e do Porto , Ord. liv. 3. tit. 5. Limita-fe cite privile-
gio , 1.0 nas caufas fobre Direitos Rcaes , de que faó Juizes os
dos Feitos da Fazenda , §. 8 defte tit. : 2.° nas caufas das al-
Hotaçarias dita Ord. liv. 3. tit. 5. §. 9, L. de 23 de Outubro de
*60.4., e de 9 de Março de 1678, Coll. 1 .a a elte tit. n. 4, e 5.
(í) Delle privilegio , affim como detodos os efpecificados neílc
,lt
- , gozaó igualmente os Defembargadores Honorários de cada
hurna das referidas Cafas , e Tribunais , porto que naõ tem nel-
Us exercício , nem recebem ordenado, pois que naõ deixaó por-
ilfo
xçi Direito Particular Portuguez

pçaõ da jugada, §. 4 : 5.0 na faculdade de andarem em


beiras muares, §. 9. (/): 6.° na faculdade de poderem ci-
tar os Juizes, que lhes na5 cumprirem osfeus privilégios,
por fimplcs carta citatoria do Corregedor da Corte, §. 14
(a): 7.0 na extençaõ dos mefmos privilégios a fuás mu-
lheres ,

iíTo dc fer Defembargadores por fuas cartas , a cuja claffe fat»


concedidos os referidos privilégios , fem ja mais fe lhes difputar
elta qualidade nas repetidas controverfias entre elles , e os Def-
embargadores aftuaes , e effeítivos das referidas cafas , fobre as
preferencias, e antiguidades, que tem dado occaliaó a vários
AITentos ; antes pelo contrario em todas ellas faõ os Honorários
confiderados fem outra differença , que a deterem ou naõ exercí-
cio , dando efte em igual gráo preferencia e antiguidade ; e pre
lerindo em diverfo gráo o Honorário ao Ordinário , iflo he 0
Honorário Aggravifta ao Ordinário Extravagante , Alfento de
22 de Outubro de 1778 , Coll. num. 276. Nem obfta o §. 2 d*
Ord. li v. 3 : E o Governador, Chanceller , Defembargadores dt
íafn do Porto , e os F.fcriviies delia , que tem de Nós mantimento '•
porque efta circunftancia fe refere unicamente aos EfcrivãeS »
1.0 porque no principio do mcfmo tit. fó a elles fe pode referi'
fegundo a letra do mefmo pr. : 2.0 porque naõ fe podendo refe-
rir cila claufula ao Governador , e Chanceller , também fenaá_
pode referir aos Defembargadores comprehendidos no dito §•
do mefmo modo.
(/) Do §. 12 da Ord. Man., lir. 2, conda, que era defefo an-
dar a cavallo em beflas muares ; porém o Senhor D. Manoel
mefmo §. permitíio , que os Defembargadores &c. o pudeílên1
fazer.
(.«} Pela Ord. I.3, tit. 8, nenhum Julgador temporal pôde fer
citado fem licença, ou Provifaõ Regia , durante a judicatura, ex-
cepto por delidos : he por tanto hum privilegio a faculdade q»c
os
PARTE III. Titulo LIX. 193

lhercs, ainda depois de viuvas , e fe confervarem ncfte


eftado, e nelle viverem honeftamente, §. 1 5 (*) : 8.° na
obrigaçaõ que as JufViças tem de lhes darem os ferven-
tuarios precitos para cultura, e aproveitamento das fuas
fazendas, 2.
§. CCXXIX.

Do privilegio da exempçaõ ( §. 128 , n. r ) fe fegue,


que naõ faõ obrigados a pagar ferviços, pedidos, empre-
ítimos, fintas .talhas, aduas , nem outros quaefquer en-
cargos lançados aos moradores do lugar, em que os Defem-
bargadores &c. tiverem feus bens ; nem para os refazi-
xnentos de pontes, fontes, muros, calçadas , caminhos ,
guardas, ou outras quafquer couias, que pertençaõ aos
Concelhos, o mefmo princ. do tit.

§. CCXXX.

Do privilegio da inviolabilidade (§.228, n. 2) fegue-fe


i.° que naõ fe-lhe pódem tomar gados, beftas, roupas ,
palha , galinhas, ou outras aves, §. 7 ; nem lhe pódem ca-
çar coelhos , nem outras alimárias, nem cortar-lhe le-
nhas , nem madeiras , em fuas defezas, nem fazer cami-
Bb nhes,

Os Defembargadores tem , para fazerem citar os Juizes fem eita


licença. O efFeito defta citaçaó lie para comparecerem pefloal-
mente perante os ditos Corregedores , e emendarem , e peria-
ierem o damno , que por fúa negligencia tiverem caufado as re-
feridas peiTbas.
(*) Exceptua-fe r.° o privilegio do foro fendo Au&oras, porque
f6 lhes compete nefle cafo o de viuva , dito 15 : 2.° a refpei-
*0 dos paniguados das viuvas , que naó goz,ao do privilegio , o
ir,efn.c §. 15.
y

194 D IREITO PaRTICULAR PoRTUGUEZ

nhos, nem atraveíTadoiros, nem paliar em fuas herdades,


quintas , e cerras, o mefmo §. 7 : 2.0 que ninguém pôde
poufar em fuas cafas de morada, nem tomar-lhe adegas,
c efircbarias , o mefmo §. 7.

§. CCXXXI.

Como o privilegio do foro fe limita fó nas fuas cau-


fas pertencentes aos Direitos Reaes , ás Almotaçarias , e
entre iguaes privilegiados ( §. 228 not. r ) , feguc-fe que
clle lhe compete contra as viuvas , e peíToas miferaveis»
e contra os eftudantes, e moedeiros, §. 13.

§. CCXXXII.

PaíTando aos privilégios , que dizem refpeíto aos feus


cafeiros, lavradores, creados, mordomos , e paniguados:
os lavradores, e cafeiros encabeçados, e por encabeçar
(z), dc qualquer modo que lavrem as terras das referidas
peíToas, fe pela lavoura, que nellas tiverem , fe mantive-
rem a maior parte do anno, faõ efeufos , 1.0 de todos os
encargos dos Concelhos, e de todos os officios (y), excepto
de Juiz, Vereador, Procurador do Concelho, Almotacé,
Depofitario do cofre dos Orfaos ; porque deites oflícios
naó

(z) A única diferença entre cites , e aquelles , he que áqucllcs


naõ fe podem tomar roupas , palhas &c. §. 7.
(>•) O que fe entende para entrar a fervi-los depois de privile-
giados ; mas naó para deixar de fervir os que a clTe tempo cfti-
ver fervindo , 1 , verf. Salvo.
Parte III. Titulo LX. 195

nao excufa privilegio algum , §. 1 : 2.0 de pagarem jo-


gada, §.4 (a).
§. CCXXXIII.

Dos mefmos privilégios gozaõ os Mordomos, e pani-


guados (£) , §. r. infin., que fervirem continuadamente
as ditas pefíoas,§. 3. Servindo porém quando os haõ de
mifter , gozaõ dos privilégios , honras , e liberdades con-
cedidas aos dos Fidalgos , e do Confelho d' El Rei, §. 3.
dos quaes fe tracla no tit. 58 íupr.

TITULO LX.
§>ue os Càvalleiros nao gozem dos privilégios da Cavallaria
Jem ferem confirmados , c terem cavallos, e armas.

§. CCXXX1V.

J A' no tit. 33 (§.124 nota d ) falíamos de pafíagem


deites Càvalleiros feitos pelos Senhores de terras do Rei-
no , e pelos Capitães , ou Senhores de terras na índia , e
Africa [a). Eftes Cavalleiros, poftoque na5 eftejaõ em
Bb 2 ufo,

(a) Também eraõ efeufos de terem egoa , 011 cavallos dc lan-


çamento , 5 ; cujo privilegio fe acha revogado pelo Decteto
de 18 de Junho de 1681 , e de 24 de Abril de 1741 , Coll. 2." ,
11. 3 , e 4, ao §. 5 , defte tit.
(I) Entre os privilégios era o de ferem efeufos de fervir na
guerra com o Concelho , ou fem elle , §. 1. inpr., do qual ain-
da gozaõ os creados domelticos , que fervirem continuadamen-
te com raçaò , e fallario, Extrav. de 15 de Fevereiro de 1754.,
%• 20.
(a) Eítes Cavalleiros ou eraõ íimplefaiente feitos pelos Do-
nata-
196 Direito Particular PoRtucuez

ufo, como affirina o noíTo EruditiíTlmo Meli. biJl.Jur.Civ.


Luf. liv. 2 , tic. 3 , §. 11 {l>) , com tudo fubfiite a claífè
das privilegiados, que gozau dos privilégios dos Caval-
leiros , ou que faõ Cavalleiros por privilegio, como íup-
poe efta Ord. inpr. : Por tanto mandamos , que ajfim elles >
(orno as pejjoas, a que dermos os 'ditos privilégios, e liberda-
des.
$. ccxxxv.
'

Para gozarem deites privilégios he necelTario que , cm


quanto naõ paliarem de 60 annos, tenhaõ armas, e Ca-
vallo de eftado, e que naõ andem a paliar. Tendo po-
rém morrido o Cavallo, e confervando as armas, gozaí>
do mefmo privilegio por 6 mezes , dentro dos quaes de-
vem comprar outro cavallo , pr. do tit. Exceptuaõ-fe da
obrigaçao de ter armas , e cavallos , os moradores do Al-
garve pela razaõ de fervirem por mar, dit. pr. infin.
T I-
natanos , e Capitães , ou confirmados por El Rei : para goza-
rem dos privilégios da Cavallaria deviaõ fer confirmados por
El Rei , §. 1 , e Ord. liv. 3 , tit. 59 , §. 15 , cujas folemnidades _
ncceíTarias para a confirmaçaó fe declaraó no §. 3 deíle tit.
(/>) Elles Cavalleiros ditferem , 1.° dos Cavalleiros Fidalgo*
feitos por El Rei , e.aíTentados em feus livros , que formaÕ hu-
ma claíTc entre a ordem dos Patricios ; dito de Mello §. 10, Joaá
Pinto Ribeiro , Tractado dos fóros; e de que fe traâa no tit. 58
dçlta Ord. , e no tit. 59 da Ord. I. 3 , §. 15 : 2.°dos Cavalleiros
d?s tres Ordens Militares , de que fe tracta no tit. 12 deita Ord-
PARTE III. Titulo LXI. 197

TITULO LXI.
Que os privilegiados tenbao lanças.

§. CCXXXVI.

T Endo-fe trafrado 110 tit. antecedente da obrigaçao ,


que os Cavalleiros , e os que gozaõ de iimilhantcs privi-
légios, fejaõ obrigados a ter armás , e cavallos para go-
zarem do privilegio de Cavallaria ; nefte tit. le determi-
na geralmente , que todo o privilegiado feja obrigado a
ter em cafa lança de 20 palmos , ou dahi para cima.
Pela Ord. Man. liv. 1, tit. 54, §. 4 , fe determinava , que
os moradores dos termos das Villas , e Cidades, e os das
mefmas chans , ifto he , naõ acaftelladas, foliem obriga-
dos a trazer continuadamente lança para acudirem aos
arruidos, 011 ao chamado dos quadrilheiros ; porém o Se-
nhor D. João III. pela Lei de 20 feita em confequencia
das Cortes geraes de Torres Novas de 1525 , e de Évora
de 1535 , e publicadas em 1538 (a) , revogou efta Ord. ,
e mandou que fó foliem obrigados a ter em cafa lança,
Ou meia lança , Leaõ 6. p. tit. 1, L. 4.
T I-

(«) Memorias fobre as fontes do Codigo Filipp, por Joaó Pe~.


dro Ribeiro , tom. II. da Literatura Portugucza, pag. 99.
198 Direito Particular Portugu tz'

TITULO LXII.
Do privilegio dos Moedeiros da Cidade de Lisboa.

§. CCXXXVII.

O Senhor D. Manoel tendo determinado pela fua Ord.


liv. 1 , tit. 6 , que o Corregedor da Côrte conhecelíe das
caufas dos privilegiados, ordenou pela Lei de 2 de Ja-
neiro de 1514 , que foíTe Juiz privativo dos Moedeiros
da Cidade de Lisboa o Alcaide da Moeda. Deita Lei,
e de outras do Senhor D. Joaõ III, que compilou no
feu Epitome Duarte Nunes de Leão, 2. p. tit. 5, formá-
rao os Filippiltas eíte noífo tit. , no qual fe tra&a do pri-
vilegio do fôro dos Moedeiros de Lisboa em todas as íuas
caufas eiveis , ou crimes.

§. CCXXXV1II,

O Confervador da moeda hc o único Juiz de todas


as caulas eiveis, e crimes dos Moedeiros, pr. do tit., com
jurisdição privativa , e excluí!va , e inhibitiva de outro
qualquer Juiz , e nullidade das fentenças proferidas ain-
da mefmo a confentimento dos Moedeiros , fejaõ AA. ou
RR., Extrav. de 22 de Maio de 1733 , Coll. i.a a efte
tit. Exceptua-fe , i.° fendo as partes Defembargadores,
ou raes que goza5 dos feus privilégios , Ord. liv. 2 ,
59 , §• 15 , in fin. : 2.° e quando as viuvas, e peflbas
miferaveis forem Reos, §. 1. deite tit. : 3.0 nas caufas
das Almotaçarias , Extrav. de 23 d'Outubro de 1604 {&)'
§. CCXXXlX.

(a) Pelo Direito eflabelícido no §. 2 deite tit. gozav20


Moedei-
PARTE III. Titulo LXIII. 199

§. CCXXXIX.

Donde fe fegue, que fendo prezo, ou demandado em outro


juizo, deve Ter remettido para o da fua Confervatoria (<£),
pena de vinte cruzados de encoitos, §. 3, infin. (c).

TITULO LXIII.
Dos Privilégios dos Rendeiros d' El Rei.

§. CCXXXX.

O S Rendeiros, de que fe traria, faõ aquelles que tra-


zem

Moedeiros do privilegio do foro nas caufas das Almotaçarias, o


que foi revogado pela referida Extrav.
[b) Segundo o §. 3 defte tit. para ferem remettidos os Moe-
deiros era neceíTario , que em tempo competente , Ord. liv. 3 ,
tit. 49 , 2 , declinafíem para o feu fôro; porém como pela re-
ferida Extrav. de 22 de Maio de 1733 , todos os outros Juizes
íaõ inhibidos para conhecerem das caufas dos Moedeiros ; como
clles naó podem renunciar o feu privilegio , e como as fenten-
ças faó nullas , he claro que , apefar de que elles naó requeiraÓ a
declinatoria , devem fer remettidos , confiando que faõ Moedei-
ros. Da mcfma forte que fendo prezos de dia , ou de noite, alle-
gando fimplefmente , que faõ Moedeiros do numero, devem fer
Ovados directamente ao feu Juiz, para que achando-os no rol dos
Moedeiros os mandar para a Cadêa delles ; aliás os remetter ás
Juftiças ordinarias , aonde pódem legalmente provar o feu privi-
legio, §. 4 defte tit., á vifta do qual devem fer remettidos por fim-
P'es defpacho do Juiz , porto que feja tal, que fó defpache ein
ftelaçaõ, §. 5.
(í) Os Juizes deftes encoitos faõ os mefmos Confervadores;
e
200 Direito Particular Portuguez

zem rendas da Coroa, que pelo menos chegue o feu em-


porte a vinte mil reis , §. 7. Os privilégios, que lhe com-
petem, fc dividem em reacs , pelToaes, e do foro.

§. CCXXXXI.

Os privilégios reaes coníiftem , i.° na immunidacte


das fuas coulas para lhes naõ ferem tomadas contra ília
vontade, pr. do tit. (a) : 2.0 na faculdade de incamparem
as rendas ás pelloas, que injuriofamente lhe embaraçarem
a cobrança , §. 11 (b). O privilegio pefloal confiíle , x-°
na

e das fentenças a eíle refpeito proferidas naS ha appellaçaó, neifl


aggravo, íenaó para a Corôa , 6.
(a) Eíle privilegio he munido com a pena de dez mil reis, mc"
tade para os Captivos , e a outra para o Meirinho, e Alcaide , àe
que faó Juizes os Vedores no lugar onde a Corte cftiver, e cinc°
Jegoas ao redor ; e fora defte deítricio, faô Juizes os Contadores
da Comarca. Alem detla pena pccuniaria tem os tranfgreffore*
as penas de prizaó , e degredo , que os mefmos Juizes lhe p°"
dem impor , que devem fer executadas pelos Corregedores 1 0
mefmo pr. do tit.
(b) Os Rendeiros eraó muitas \-ezcs embaraçados na cobranÇ9
das fifas , e outras rendas , com ameaças , e injurias , q»e a®
partes lhes faziaó , como fe refere no cap. 158 das Ord. da Fa»
zenda. Para ifto fe cohibir , determináraó as mefmas Ord. , <l"e
os mefmos Rendeiros pudeíTem incampar a renda ao que H"5
cómetteífe a injuria por e(fe mefmo anno, em que ella lhe fo^e
cómettida, para efte a pagar á Corôa , e mais trinta mil reis par3
o Rendeiro pelo ganho que podia ter na renda, cuja quantia»
fendo menor de quarenra mil reis o preço da renda , he appl|C3'
da parte , 011 toda para o Rendeiro a arbítrio do Juiz dos feito5
da Corôa , §. 11 , ficando alem defta pena falvo ao Rendeiro
direito para demandar a injuria , o mefmo §. 11 •
PARTE III. Titulo LXIII. 201
na exempçaõ de fcrvirem na guerra , §. 2 (r) : 2° na fa-
culdade de trazerem quaefquer armas, naõ ufando mal
delias , §. r. O privilegio do fôroconfifte na competên-
cia de Juiz privativo, fendo Reos , i.° nas caufas crimes,
comettido o crime depois de ferem Rendeiros : 2.0 nas
caufas eiveis entre partes , poflo que tenhaÕ fua origem
antes de Rendeiros, naõ eftando já citados perante outros
Juizes, §. 3. Sendo Auâores nas caufas de injuria , que
lhes forem feitas fobre a arrecadaçaõ da fazenda , §. 11.
Sendo Audtores, e Reos nas caufas fobre as mefmas ren-
das, §.3.
§. CCXXXXlI.

Os Juizes privativos para as caufas crimes, e eiveis,


(§. 231 n. 1 e 2) fendo Reos, faõ os Contadores da Co-
marca citando no lugar do malefício , c na fua falta o
Almoxarife,- e naõ eftando nenhum deftes , o que eftiver
em lugar mais viíinho, §. 6 , e 9 (d). Para as c aufas das
injurias (§.231; faõ os Juizes da Fazenda, §. 11'(<?), fendo
^ Cc feita
(c) Pela Evtrav. de 15 de Fevereiro de 1764, §. 29, gozaõ do
^cfmo privilegio os Feitores, creados, domeilicos, e mais peiroas
e
"carregadas da cobrança dentro de certo numero declarado nas
c
°ndições das arrematações..
{d) Efta qualidade de vifinhança he taõ attendivel, que toman-
0
conhecimento o que eftiver mais diftante , incorre na pena dc
3°oo reis , e ficaõ nullas as fentenças e os proceflos, $.10 verf.
Ca
P- 149 mfin. das Ord. da Fazenda. Deftas fentenças dos Con-
tadores , e Almoxarifes fe appella , e aggrava para os Juizes que
6
appellaria, fe a caufa folie tra&ada perante o Juiz ordinário da
terr
a, §. 6. in fin.
W Ord. liv. i , tit. 10. §. 12. Pelas Ord. da Fazenda , cap.
158
202 Direito Particular Portuguez

feita no lugar onde a Corte eftiver , e cinco legoas ao re-


dor ; e fora defte lugar, faÕ os Contadores, e na falta del-
les os Almoxarifes, §. n (/) , na fórma dita ( §. 19o
not. d). Para as caufas da Fazenda Real (§. 231) faõ Jui-
zes os da Fazenda , §. 9 (g).

§. CCXXXXI1I.

A execução das fentenças contra os Rendeiros íe


por autoridade do Juiz, que a proferio, ou feja proferiJ*
por Juiz ordinário , antes de fer Rendeiro, §. 4 (h) , °a
pelos Juizes privativos dos Rendeiros, e ao tempo &
execução já o nao feja, §. 5.

158 , eraó Juizes na Corte , e 5 legoas ao redor os Vedores


Fazenda , allim como da applicaçaõ da parte , ou do todo d"s
30000 reis para o Rendeiro ( fupr. not. í).
(/) Dos quaes nefte cafo fe aggrava , ou appclla para o J1"^
dos feitos da Fazenda da Cafa da Supplicaçaó , §. 11, c Cr
liv. 1. tit. 10 , §. 12.
Qr) Cs Jl"zes da Fazenda Real faó os Juizes dos Feitos
que falia a Ord. liv. 1 , tit. 10 , e os Contadores das CoxnatCÍ,í
( §. 242 ) , e de que tra&a a Ord. liv. 1 , tit. 62. ^
(/;) Deve porem o Juiz executor intimar ao Contador da ^
marca os defpachos, que der para a execução, a fim que pof L ^
naó tenha prejuizo a Fazenda Real, e que poffaó os Conta o
requerer o que for juftiça , o mefirto §. 4.

FIM.
OBSERVAÇÕES

A' S

PRELECÇÕES
t
D B
DIREITO PÁTRIO, PUBLICO, E PARTICULAR
OFKERECIDAS

AO SENHOR

, D. JOÃO
príncipe reagente,
E COMPOSTAS
POR

FRANCISCO COELHO DE SOUSA E SAMPAIO,


'Desembargador dos Aggravos, Capai/eira pro fesso na Ordem ds
Chrisio, e Lente Jubilado na Faculdade de Leis
em a Universidade de Coimbra.

LISBOA

NA IMPRESSÃO REGIA.
A ti N O M. DCCC.V.
Com licença do Dcsembaigo io Faço.
2 3 O 3 AY £ H 8 a O
2 'À

í d.ODHJOÍ
na
,JUUJOIT^A^ 3 ,031 fl-jq ^OlflTAq OTB^IQ
2i q i o a n s í ío
I OH M 38 O A

o a o r .a

^TM.aiyS.^ avipmji*
z a a' i o • . '. o ^ :í
: •. O <1
;
tOW f.hZ • AZU02 sã 05 • JJIOD ODEIOVJAfl'!
A - •'. I) • .t :í.j .•»-*. lA tt.V.:.V1»".'"~V.'
:. •' • > J -
Attov...Vi »VbVaw:MJ s> w»

A o a Í J

.. . I D a Ji O A 2 2-1 ;i £I M I A 7
.v onoc . o vt a
- A »- ^ÍV,vU"jU -li wtfi
SENHOR

1 Endo-me V. A R. muito benigna,

e grandemente honrado com a acceitaçao


dos dous Opusculos das minhas Prelecv
çoes de Direito Pátrio, Público, e Par-

ticular , be do meu dever que eu suppli*

que novamente a K. A. R. a honra de

acceitar estas Observações ás mesmas

Prelecções y que servem nao só de depura-

£«0, e illustraçao das mesmas-, mas igual-

mente contém huma particular demonstra-

A ii çao
31 O H H 3 3

ção da Fonte Divina do Poder daPrin-

cifrado, que segura os Sagrados Direitos'?

que' firma, a Superioridade independente


de V. A: R. sobre todos os Vassalios , ?

mostra a necessária r e absoluta obediên-

cia dos mesmos,, còntra as falsas doutrinas


da ímpia libertinagem. t -rJ

Digne'se por tanto Q Per'

mittir-me esta nova Graça para credito

meu, para estímulo de outros maistap^


zef
zes do desempenho deste assumpto, e pa-

ra gloria de hum Vassallo, que tanto es-


tima a segurança do Império de V A. R.

Erancisco Coelho de Sousa e Sampaio.


í íCt^O. •-:\\VVti bS 'i.V%

--<* c -t s»a$ to\\smv\ ;m\ & t>m\^ $a

.>1 V... ^ pv\wml'^ je^tyra^á ^ tt&sg


a ; ,» ...

.-^v\'. ..' - • .. ^ : > uàW) •;


P REFAÇÂa
f f \" ' •• •

JNÍo anno de 1793 dei ao prélo 11a Typo-


grafia da Universidade de Coimbra humas
Prelecções das Noções Preliminares de Direi-
to Pátrio, Público ; e no anno de 1794 dei
ahi mesmo outras de Direito Pátrio Particu-
lar , que comprehendem o segundo livro das
Ordenações do Reino.
Já nos Prologos de cada huma delias dei
a mais sincera , e ingénua satisfação dos de-
feitos, que preveni se poderião nellas encon-
trar , a cujos motivos ahi ponderados, accres-
ce o de ter-me servido de amanuense tanto
nos originaes, como nas cópias: e quem tem
o costume de assim escrever , conhecerá pela
própria experiencia , que nos originaes appa-
recém defeitos , e faltas , que não forao di-
ctados j assim como nas cópias erros, que se
não achao nos originaes ; e que huns, e ou-
tros facilmente escapao na revisão da escrita.
Eu pelo menos assim o tenho experi-
mentado , nas repetidas vezes que algum tem-

po,

A
it
*

f R. E FAAJ Ç & O.

po , depois de publicadas as mesmas Prelec-


ções , as tenho lido; e por occasião de emen-
dar estes defeitos , tomo a de explicar mais
claramente a doutrina da Fonte immediata do
Poder Público, expendida nos §§. 144, e 14J
da segunda Parte das mesmas Prelecções.
Neste objecto me tenho extendido mais »
do que he de esperar de humas observações i
porém o interesse da matéria , e a frcnetica
animosidade , com que esta doutrina a mais
antiga, a mais commum, e a mais orthodoxa
se tem pertendido destruir por toda a parte
( menos em Portugal ) pelos fautotes do Ja-
cobinismo , ou do antigo Monarcomaquismo >
inimigos da verdadeira liberdade dos homens»
e da tranquillidade Pública, e Particular,
obrigárao a desenvolver mais largamente esta
.matéria por huma demonstração mais clara da
fonte immediata do Supremo Império , e p°r
Jiuma convincente refutação de todos os argu-
mentos , de que costumao servir-se os Liber-
tinos. Não espero convencer os que o sao
por capricho , e por desordenada paixão d3
sua
PREFAÇÃO.

sua desenfreada liberdade ; mas ao menos es-


pero embaraçar, que estes venhao a illudir os
fieis Portuguezes , que com boa fé desejão
instruir-se nos seus deveres para com os seus
Concidadãos, com a Sociedade, e com o seu
Monarca ; e quando assim naó succeda , terei
ao menos a satisfação de dizer huma verdade,
de que estou convencido, sem receio de me-
recer a indignação , e desprezo dos contrários.
Nestas Observações me regularei pelas
paginas, e §§. das ditas Prelecções.

B PRI-
PRIMEIRA PARTE.

§. i.

Í^Ag. 3. not. linh. 18 í=: fez compilar por


Anianno t=: deve ler-se 5=: por Guarico. nq
Ibi linha 20 tn Instituições de Caio {=s
deve accrescentar-se que foi referendado,
e publicado por Anianno Commonit." Breviar.
junto por Gothofredo Proleg. Cod. Theodos.
cap. 5. ;=J
§• if-

Pag. 17. not. (z) As Leis, que se achao


nesta nota, são do século de 500, e devem
referir-se ás seguintes s Os Alvarás de 24
de Janeiro, de 9, e de 15 de Maio , e de
10 de Outubro. As Provisões de 20 de Ju-
nho , de 18 de Dezembro de 1603. Os Al-
varás de 7 , e de 20 de Fevereiro, de iG de
Junho, de 18 de Novembro, de 13 , e de 23
B ii de
33 Observações

de Dezembro. Cs Regimentos de 18 , e 23
de Fevereiro cie i £04. Os Alvarás de 4 , de
5 , e de 15 de Janeiro, de 10 de Fevereiro,
de 18 de Aarço , de 3 , de 5- , e de n de
Jur.ho , de 26, c de 27 de Agosto, de 20
de Outubro, "de 18 de Novembro, de iz de
Rezembro. Os Regimentos de 1 2 de Dezem-
bro. As Leis de 23 de Abril , de 14, e 27
de Agosto de ióoj.

SEGUNDA PARTE.

§ Si-

e
Ag. 48. § 35". deve acerescentar-se tr
pela Ord. Affons. Liv. 3. Tit. 78. §. 1. , c11
que expressamente se dix , que os Monarcas
Portuguezes tem o Direito de legislar, ibi:
» Salvo se a MRei confirma de certi»
>» scieneia, porque elle he Lei animada
» sobre a terra , e póJe fazer Lei , c
3) re-
d Parte segunda das Prelecções. 3

» revogalla, quando vir que hc cumpri-


douro. >>

§ 37-
„') .}«.:•.' - -
Pag. 49. not. ( t) Iinh. 5-. :=: e indepen-
dente ou só depois da morte de D. Af-
fonso VI. de Castella , em virtude do pacto
feito entre o Senhor Conde D. Henrique, e
seu Cunhado L>. Raymundo, em vida do dito
Senhor D. Affonso no anno de 1094. D. Air-
chery Specil. Tom. 3. pag. 4:8. da edição
de Paris de 1723.

§• 49-
•« O -cioq::-. oi i sul 107 . ir 3
Pag. 61. §. 49. Iinh. 10. t=: mulher he-
reditária tr deve ler-se :=: herdeira. =3
> • •" - - <" M . ÍZZ\ 1
§• 67.

Pag. 77. not. ( u ) Iinh. 3. í= a posteri-


dade. Vide erratas.
Pag.
4 Observações

Pag. 78. not. (x) linh, 8. Vide erratas.

§• 74-

Pag. 82. not. (b) Neste lugar faltou a


nota seguinte jzr Bens da Coroa , são todos
os bens Públicos do Estado. Dividem-se em
proprios da Coroa, Fiscaes, e do Erário. Pro-
prios da Coroa são os incorporados á Coroa
verbalmente , ou descriptos nos livros proprios»
Ord. Liv. a. Tit. 3 6. Fiscaes são não só aquel-
les que os Vassallos perdem em castigo dos
seus delictos , e se applicao para a Coroa»
Ord. Liv. 2. Tit. 2 6. §. 18. ;mas todos os
/
outros , que por qualquer titulo pertencem a
Coroa , porém não lhe são incorporados , Ord-
Liv. 2. Tit. 35-. §. 22. Huns, e outros cons-
tituem o Patrimonio Público do Principe, Pa"
ra conservação da sua Pessoa, Aula, e Dignl~
dade. Difterem os Fiscaes dos proprios da Co-
roa , em que estes são incorporados ao Patri-
monio da Coroa, e aquelles não; nos da Co-
roa tem lugar a Lei mental, nos Fiscaes nao.
Bens
d Parte segunda das Prelecções. 5-

Bens do Erário são propriamente os destina-


dos para a Conservação Pública , e consistem
nos Tributos, Terços dos Conselhos, etc., e
fórmão o Patrimonio da Republica.

§. 79.

Pag. 86. linh. 2. f=: Imperante. =1 Vide


erratas.

i §• 86.

Pag. 92. not. (p) linh. 7. ~ porque o


Imperante, deve ler-se £= porque o Imperan-
te não usa de jurisdicçao propriamente tal,
mas dos Direitos de Protector da Igreja , e
de Defensor de seus Vassallos.
Pag. 93. not (q) linh. 10. de o pro-
mover como membro delia, e pelo bem, etc.

§• 96.
t . ' * . ^
Pag. 102. not. (I) linh. 6. em lugar de

í=: abu-
(, Observações

abusão do seu direito c=: deve ler-se !=í usão


da jurisdicção que lhes não compete- s

§. 103.

Pag. 113. §. 103. linh. 3. i=: Direitos. P*


Vide erratas,
§. 104.
Pag. 1x5-. not. (n) linh. 3. ts virem. !=*
Vide erratas.
§• 122.

Pag. 137. linh. 1. 1= para adquirir de-


via declarar-se e= bens de raiz. s=! t
Ibi not (g) Desd'o principio da Mo-
narquia , parece que as Igrejas, e os Mostei-
ros não podião comprar bens de raiz , por isso
que foi necessaria a Real Permissão do Se-
nhor D.^Aííboso Henriques para os Cavailet"'
ros dé Malta , e o Abbade de S. Salvador de
Crato os poderem comprar, Brandão Monarq-
Lusit. Part. 1. liv. 17. cap. 77- ^as ^-olt^s
de Coimbra dê 121,1 firmou esra prphibiç^0
o
-u x SI

1
d Parte segunda das Prelecções. "f-

o Senhor D, Affonso II. ; e no Tit. dc Com-


pra , se declara comprehendida a acquisiçao
em pagamento de dividas , Ord. Affons. Liv
2. Tit. 14. > prohibição que conservarão as
Leis posteriores, Ord. Manuelin. Liv. 2. Tit.
8-, Filip. Liv. 2. Tit. 18., Extravag. de 30
de Julho de 1611. Não parece porém que
lhes era prohibido adquirirem por outros'títu-
los mas os que assim adquirissem , deviaò
ser alienados inteiramente em pessoa leiga
dentro de anno , ou de anno , e dia , ditas
Ord. O Senhor D. Diniz em 21 de Março
de 1291 lhes prohibio a faculdade de succe-
derem aos seus Religiosos, Ord. Aííòns. Liv.
1. Tit. 15-. ; mas no 1 de Julho do mesmos
anno lhes concedeo esta faculdade , não dis-
pondo os Religiosos dos seus bens, a mesma
Ord. §. 7. Ultimamente pela Extravag. de 9
de Setembro de 1769 10, forao os Reli-
giosos declarados inhabeis, e privados do Di-
reito de successao legitima , ainda mesmo a
seus Pais.
*)i> ' Jp.lltov Ji 9QÍÍ9\ln i?YÍi rsMéflCO ' ''i -í
~ :'"J C §. 13 3.
3r. Obfervãfoes

§• 133.
< jj.jiupas n slíibnoíijiítjhicí) v t -lf/
Pag. i?$. not. (( ) linh. 25-. t? Alfan-
degas S3 faltou c=: pelas cousas.
jíT .i .vivi .aiiaunud .biO. t ó^.v. ií oq ato
§. 143.
òup .'i'V'oc f> •. " •. x : ( Mu1 .
•-iijt Pag. 165--not. (n) linh. 14. ^ que cons-
titua os Direitos Magestaticos faltou p*
sobre os Direitos facultativos dos súbditos.
2C)ib < x;ib a , ortriG vi' íjo 0/ . 01; »f>
o ' ;i) §. 144.
-s^DUd : - íii... .. .í.i , na. • • • •* - , \ " '
Ibi not. (o) Os Direitos do homem»
cm ultima arialyse , se reduzem: a precepti-'
TOS, e permissivos , em quanto as Leis , de
que elles se derivão, ou obrigão precisamen-
te os homens , ou lhes facultao obrar , ou
deixar de obrar certas acções, porque nos de-
testamos ó impio Epicurismo. Entre os Di-
reitos preceptivos; he sem dúvida aquelle de
erxl
se unirem cm sociedade Civil , isto he,
porção considerável sujeitos á vontade de hum
„, com-
d Parte segunda das Prelecções. y

commum summo Imperante , e que a seu ar-


bítrio regule as acções dos súbditos , e os
obrigue a satisfazerem aos seus officios , paia
obterem a sua segurança , e a sua felicidade
temporal.
N. i. Esta obrigação provém da mesma
Lei natural da conservação do homem ou'
dos Officios, que elle deve a si, aos outros,
e ao mesmo Deos, como seu Creador-, e Se-
nhor ; por quanto sem esta união subjectiva,
não poderiao os homens preencher os seus"
Officios , e as suas obrigações. Conservados
pois os homens no estado da sociedade natu-
ral , seria cada hum deli es ( exceptuando os
naturalmente dependentes e sujeitos) o arbi-s
tro dos seus Officios ; donde resultaria neces-
sariamente hum contínuo choque de oppostos
sentimentos , que poria em convulsão todo o
genero humano e que destruiria todo o sys-
tema do Universo estabelecido por Deos;
porque , por huma parte , se julgaria cada
hum com certos direitos a respeito dos; ou-:
tros, qae cada haafoieítes usando- taijibimi do
C ii seu
to Observações

seu particular arbítrio r julgaria não competi-


rem áquelles , prescindindo mesmo do falso
princípio ; Júris amniwn in atonia-. Por outra
parte , seria a força de huns , a única regra
da justiça contra os mais fracos ; e a sagaci-
dade, e dolo dos máos , o único direito con-
tra a virtude, e sinceridade dos bons.
N. 2. Isto mesmo nos ensina continua-
mente a própria experiencia: ella nos mostra
a necessidade » que nós teríamos hoje de nos
uniimos em sociedade Civil , quando ainda
nos conservássemos na sociedade natural. As
contínuas oppressôes violências , e fraudes,
que vemos praticar todos os dias \ as immen-
sas causas Civis , e Criminaes , que se agi-
tão no foro y os frequentes recursos á protec-
ção dos Imperantes ; das suas Leis , e dos
seus Ministros ; e ultimamente as amiudadas
pertençóes das outras Gentes ; e as guerras >
com que nos atacao, e opprimém y tudo mos-
tra a necessidade , que os homens tiverao de
se unirem em sociedade Civil ; e a que nos
teriamos » sq> ainda nos conservássemos na so-
cie-
d Parte segunda das Prelecções. ir

ciedade natural. Toda a Historia Sagrada , e


Profana nos ensina , que os filhos vivião su-
jeitos a seus Pais.; os Órfãos a seus Tutores \
os membros das Familias a seus Chefes ; e
que multiplicadas estas, se unirão em peque-
nas Aldêas , até que progressivamente multi-
plicadas as Aldêas > se unirão os homens em
sociedades maiores, ou Republicas, para pro-
moverem a sua segurança.
N. 3. Alas dir-se-ha, esta necessidade não
argúe de imperfeição ao mesmo Deos? O es-
tado da sociedade Civil he opposto ao estado
primitivo do homem. O estado primitivo he
de igualdade, e de independencia subjectiva.'
Este he o estado , em que o homem sahio da
mão do Creador; e a igualdade deste estado
he o fundamento dos Officios do homem en-
tre si ; he a base da Lei Evangélica , e do
amor fraternal. Como pois será possivel, que
entre os direitos ohrigatorios do homem, seja
o de se unir em sociedade Civil , e de su-
jei tar-se ao arbítrio alheio? Não encontra es-
ta necessidade a Sabedoria Divina, que creou
11 Observações

o homem no estado de igualdade , e de inde-


pendencia subjectiva ? Logo o estabelecimento
da sociedade Civil não pode ser hum dos di-
reitos obrigatorios , ou de necessidade moral
do homem; mas do seu livre arbitrio , ou da
sua faculdade natural ; e por consequência
hum effeito do pacto social.
N. 4. Porém esta reflexão labora cm dous
equivocos ( a). O primeiro consiste em sup-
pôr , que o homem se conservou no estado
primitivo, em que sahio da mão do Creador >
e que os seus descendentes nascerão no mes-
mo estado : Mas a Historia do Mundo nos
ensina, a Razão nos persuade, e a Religião
nos obriga a crer, que Adão > o primeiro Ho-
mem , Pai commum do Genero Humano, per-
deo pelo peccado a natureza do primeiro es-
tado ; e que por este peccado original nasce-
rão seus filhos em diverso estado , isto he>
no estado de corrupção. Neste estado, posto
que

Çà) Náo cocamos na questão da possibilidade do estado


de pura Natureza.
d Parte segunda das Prelecções. 13

que os homens nasçao iguaes , pelo que per-


tence ao essencial da sua constituição, da sua
origem , e do seu fim , motivos , que são a
base fundamental dos Officios do homem, da
Moral Evangélica, e do amor fraternal, nas-
cem quasi infinitamente desiguaes em forças,
proporções , e talentos , como nos mostra a
mesma experiencia (comparando infinidade de
homens de igual educação infinitamente des-
iguaes em Sciencias , em Artes , em Morali-
dades , em actividades) . Neste estado as
Leis da Carne tem diversos gráos de força,
e de actividade contra as Leis do Espirito,
segundo a diversidade de temperamentos fy-
sicos de cada hum dos homens. Desta quasi
infinita modificação nascem as quasi infinitas
modificações de sentimentos fysicos , e mo-
raes ; e os diversos gráos de fraqueza, e in-
suficiência da razão , para cada hum dos ho-
mens conhecer, e satisfazer aos seus Oíficios,
e ás suas obrigações, (differença , a que são
proporcionados os auxilios Divinos ) . Desta
fonte nasce a necessidade , que os homens
L
tem
!4 Observações

tem de se unirem cm sociedade Civil , para


segurar-se das violências dos outros , e para
supprir a fraqueza da sua razão no regula-
mento dos seus Officios, sem que esta neces-
sidade possa arguir imperfeição no Creadorj
porque ella não resulta do primitivo estado
do primeiro homem , e do especial facto do
Creador, mas da vontade livre do mesmo ho-
mem , que pela voluntaria transgressão da Lei
se constituio no estado de corrupção , que
veio a ser o estado absoluto do homem.
N. y. O segundo equivoco consiste cm
suppôr-se , que a sociedade Civil , ou a de-
pendencia subjectiva offende a liberdade , e
igualdade natural dos homens ; quando pelo
contrario a authoridade Civil lie que promo-
ve , e conserva a mesma liberdade , e igual-
dade. Em que consiste pois a liberdade ? Não
he na perfeita observancia das Leis naturaes -
E qual he o fim da sociedade Civil? Não he
dirigir, e obrigar os homens á mesma obsei-
vancia ? Este he o fim proximo da união sub-
jectiva , e da authoridade Civil. Todas as
d Parte segunda das. Prelecções. 15

Leis Cíveis, mesmo as Criminaes, tendem a


este fim- As Leis, que não tem este cunho.,
são iníquas , e injustas : logo a djepcndencia
subjectiva , ou sociedade Civil , longe de of-
fender a liberdade natural dos homens, a pro-
move, conserva, e defende. ,,
N. 6. Mas será esta sujeição contra a
igualdade natural ? Em que consiste esta igual-
dade ? Será nas forças fysicas, ou moraes de
cada hum ? Certamente não, porque a mesma
natureza he, que forma- esta desigualdade ( §X)'
Logo esta igualdade deve ser aquella , que
resulta de iguaes obrigações, e de iguaes di-
reitos de huns para com outros. Mas a su-
jeição Civil , longe igualmente de offender
esta igualdade, cila pelo contrario a firma, e
regula.
N. 7. Todos os homens em razão.mesmo
do seu direito de igualdade , :tem, obrigação
de prestarem iguaes Officios á sociedade na-
tural, e a cada hum de seus.semelhantes, e
tem iguaes direitos • para exigirem da, mesma
sociedade, e de cada hum de seus semelhan-
D tes
i6 Observações

tes iguaes recompensas. Porem os diversos


talentos , e diversas actividades iVáicas, e mo-1
fítifi de cada hum dos homens ( §. 4.) , e o»
divefsos , e necessários Officios, não permit-
têm hum a igualdade realmente tal, ou Arith-
metica mas sim huma igualdade proporcio-
nal, ou Geométrica.
N. 8 E não lie a authoridade Civil' a
t[ue promove , e regula esta igualdade ?• Qual
he o eífcito da justiça distributiva ? A que se
feduaem os diversos prémios, privilégios, e
fecompensas , que se observão em todas as
Republicas bem ordenadas ? Não tem ellas
por objecto conservar os homens em huma
possivel igualdade ? Será igualdade , que o
estúpido , o ignorante , o fraco , o ímpio , e
o inerte Cidadão recebao da sociedade as
mesmas utilidades, os mesmos commodos que
aquelle, que justa , louvável, e efficazinènte
Serve á Patria ?
N. y. E entre estes- mesmos será igualda-
de huma igtral distribuição Arithmetica p°r
serviços de desigual merecimento ! Seiá des-
igual-
d Parte s&gnnda das- Prelecções. 17

igualdade pagar maior jornal ao Ofticjal, que


trabalha q dia inteiro, do qup áquçíle que no
mesmo serviço apenas trabalha imnja hora do
mesmo dia ? E a não ser isto desigualdade,,
se-lo-ha remunerar a sociedade com'preemi-
nências , privilégios, e dadivas áquelles , que
em defeza da Patria , era utilidade de seus
Concidadãos tem arruinado a sua saúde, gas-
tado os seus cabedaçs , e consumido a sua
vida ; em huma palavra , que tem cumprido
com os deveres de hum bom Cidadão ? Que
hum homem seja hum grande General , hum
vigilante Ministro , hum sábio Mestre, terá
o mesmo merecimento público, que o algibe-
be, remendão , etc.
N. 10. Os mesmos Jacobinos contem nes-
ta verdade ; mas dizem , que esta remunera-
ção deve ser pessoalíssima, e não pasçar alem
da vida do merecedor. Porém deixão por isso
de confessar o equívoco da sua reflexão ( §• ' )
E se esta remuneração he necessaria , içaria
pela maior parte inútil , terminando com a
vida do merecedor , porque as remunerações
D ii se
i'3 Observações

se fazem quando se merecem , e de ordinário


se1 merecem'até o fim da vida , e muitas ve-
zcfc este niesmo fim lhe dá todo o mereci-
mento.
N. ii. Confesso que estas remunerações
não devem servir de estímulo aos bons Cida-
dãos , porque estes devem trabalhar só por
effeito da sua obrigação , e esperar na outra
vida a sua recompensa ; mas he certo , que
no presente estado de corrupção os interesses
temporaes são a móla geral > que regula os
serviços de. cada hum dos homens.
N. 12. Mas não são todos os homens
igualmente hábeis por natureza para fazerem
iguaes serviços á sociedade? E são elles cul-
páveis na falta de educação , e occasião para
os fazerem ? Porém prescindindo- deste erro
Helveciano , nem os serviços podem ser
iguaes , nem todos os homens se devem em-
pregar nos mesmos Ofikios, nem a sociedade
remunera os talentos naturaes.
1
sí-i-ra o , - 4

% Hf-
4 Parte segunda das Prelecções. 19

1
§. 4;

Pao;.
O 16".' not. (r)
v
' Os direitos Maoes-
o
taticos consistem na atithoridade , que o Im-
perante tem de regular a seu arbítrio as acções
dos súbditos , e os negocios da sociedade em
beneficio , e utilidade da mesma sociedade,
e dos mesmos súbditos ( 144). Esta aufho-
ridadc vem necessariamente de Deos , fonte
de todo o Poder , e Dominaçao ; como Se-
nhor, Creador , e Conservador dos homens ,
e do Universo ( §. 144 ) ; e por isso diz, o
Apostolo das Gentes na Epistola aos- Roman,
cap. 13- : Non est potestm , nisi a Deo. Hé
porém questão, se os Imperante*? recebem eS-
ta authoridade immediatamente de Deos , ou
do Povo, mediante o pacto social ? Nós di-
zemos com a universalidade dos Catholicos,
que os Imperantes recebem esta authoridade
directa, e immediatamente de Deos.
N. 1. Demonstra-se a verdade desta pro-
posição. Recebe o poder immediatamente de
Deos aquella pessoa , a quem Deos directa-
men-
io Observações

mente o concede. A pessoa , a quem Deos


directamente o concede , He o Imperante:
segue-se , que o Imperante recebe o Poder
supremo directa , e immediatamente de Deos.
Que o Imperante seja a pessoa, aquém Deos
concede directamente o Poder supremo , se
mostra a priori, e a posteriori.
N. 2. Mostra-se a priori ; O único moti-
yo , que a razão nos mostra , por que Deos
estabeleceo o Poder supremo , lie a necessi-
dade , que os homens tem deste poder para
a sua conservação , e seu governo ( §. 144 ) •
Para se obterem estes fins, he necessário que
o mesmo poder estabelecido se possa exercer'•
logo a razão nos mostra, que o Poder supre-
mo necessariamente ha-de ser concedido a
quem o exerça; a pessoa, que o ha-de exer-
cer , he necessariamente o Imperante: logo a
razao nos mostra, que o Imperante he a pes-
0
soa , a quem Deos directamente concede
Poder supremo.
N. 3. Conlirma-se esta demonstração pe~
los lugares sabidíssimos da Escritura , referi-
dos
á Parta segunda das Prelecções. 21

dos no §. 145- das minhas Prelecções, c pela


authoridade dos Padres, >» O Rei (diz Tcr-
»i túl. Ápoíogetí parr. jd;' edit. Riqalt. ) he
« Rei por aquelle mesmo, por quem he ho-
» mem ; dea-Hie o poder , quem lhe deo o
>5 ser. Só quem tem o poder para crear o
» homem (diz Santo Irineo , liv. 5-cap. 24.),
" he que o tem para o fazer Rei. >> Santo
Agostinho de Civitute Dei, liv. 5-. se explica
assim : » Não attribuimos se não ao verda-
» d eiró Deo s o poder dar os Reinos , e os
jr Impérios .... aquelle que deo o Império
» a Augusto esse o deo a Nero. Aquelle
» que o deo a Vespasiano, e a Tito, Impe-
li radores Clementíssimos, esse o deo a Do-
» miciano Crudelissimo. Aquelle que o deo
» a Constantino Christao , esse o deo a Ju-
» liano Apóstata. Sobre o Imperador (diz
Santo Optato Milevitano , liv. 3. contr. Par-
tnenian. ) >» não ha se não Deos , que fez o
»» Imperador. » E o grande Osio, escrevendo
ao Imperad-or Constantino r lhe dizia : » Deos
» vos entregou o Império, a
N- 4-
' -Observações

N. 4. Mostra-se a posteriori : Nao senda


0 Imperante a pessoa , que primaria , dire-
cta , e iinmedianamente receba de Deos os
Direitos Magestaticos, he de necessidade que
outra pessoa os tenha recebido primeiro , pa-
ra lhos transferir. Mas esta pessoa he que
nao pôde determinar-se , e esta necessidade
repugna aos attributos perfeitíssimos do mes-
mo Deos.
N. 5-. Nao pôde determinar-se pessoa nem
fysica , porque isto repugna ao estado de
igualdade , liberdade , e independencia de ca-
da hum dos homens , considerados no estado
natural ; nem Moral, porque s,endo esta for-
mada da união de pessoas fysicas, iguaes, li-
vres , e independentes , não pôde a simples
união das mesmas produzir mais do que hu-
ma pessoa moral , também independente »
igual, mas sem Império , ou authoridade co-
activa sobre cada huma das pessoas fysicas»
porque cada huma delias o nao tem sobre as
outras. Çada huma fica independente , nao
obstante a união moral. Bem como succede
v na
d Parte segunda das Prelecções. 23

na união, e liga dc muitas Cidades indepen-


dentes , entre as quaes não ha Imperante com-
mum. A coalição de muitas pessoas do mes-
mo genero não produz direitos heterogeneos ,
ou differentes, do ,que cada huma delias tem.
N. 6. Pvepugna a necessidade desta pessoa
aos attributos perfeitíssimos do mesmo Deos;
porque não sendo como suppomos , esta pri-
meira pessoa o Imperante ; e tendo ella ne-
cessidade , como também, suppomos , de trans-
ferir na pessoa eleita para Imperante os Di-
reitos Magestaticos, seguir-se-hia de duas hu-
ma i ou que Deos não podia conferir estes
D irei tos, immediatamente ao mesmo Imperan-
te ; ou que podendo, queria usar, e praticar
huma acção supérflua, e vã, em os conceder
a quem os não podia exercer; e tinha neces-
sidade de transferir no Imperante. E não re-
pugna cada hum dos membros deste dilema
aos attributos perfeitissimos da Omnipotên-
cia , c da perfeição do mesmo Deos ?
N. 7. Mas porque não será cada hum dos
homens em particular, ou todos em communv
E a
a4 Observações

a Pessoa , a quem Deos delegasse ó Poder


Supremo ? Se esta delegação he rtecessaria,
por isso que Deos não quer exercer por si
inufiediaramente- o Poder Supremo , e se não
se pôde assinar pessoa , ou pessoas, em quem
particularmente Deos fizesse está delegação,
be de necessidade que ella se julgasse feita
ou a cada hum dos homens em particular,
otr a todos em éommtirti, os quaes exerção o
irí^smo Podef ou por si mesmos irnmediata-
mdnté , óu por seus delegados , e represen-
tantes.
N. 8. Assim tem discorrido alguns Filó-
sofos , para deduzirem a Soberania da renun-
cia dos Póvós nos Imperantes (como se *
jfeâèoíi rtomeadít pelos Póvós para Imperante'»
rifo frossa cohsiderar-se ã pessoa , a queni
Dtíoà delegue a suprema authoridadé) ! B
a§'siiti mesmo discorrem hoje os libertinos*
com o firrt de fazerem os Imperantes delega-
dos dos Póvds,> sujeitÓS ao fcêtt arbitrió.
N. t). NeSté systeína absurdo , em <fiie p01
hum erro de pfinclpios se authoriza a sobde-
le-
d Parte segunda das Prelecções.

legação da delegação , em que por huma in-


coherencia da razão se fazem os súbditos su-
periores do seu Superior , e em que por hu-
ma repugnancia com a perfeição Divina (n. 3.)
se julga necessaria a mesma sobdelegaçao.
Neste systema , digo, se figura o mundo in-
teiro , formando huma Republica de meros
Imperantes, na hypothese de ser delegado o
poder a cada hum em particular. Que absur-
do ! Ou huma Republica de súbditos em par-
ticular , sendo o Império conferido a todos
em commum , para ser exercido pela plurali-
dade de suffragios, ou por seus delegados, e
representantes : de cuja hypothese se segue,
que os Commicios, as Assembleias, os Dire-
ctórios , os Senados, etc. de cada Nação, são
representantes da maxima Republica do Ge-
nero Humano. Mas a tanto não chega o de-
lírio , ou extravagancia dos Senhores Jacobi-
nos , Atithores daquelle raciocínio. Segura-
mente os atormentao as terríveis consequên-
cias de semelhante paradoxo, isto he, que os
Imperantes de cada Nação não podião ser jul-
E ii ga-
26 Observações

gados por ella ( a cujo fim se dirige aquelle


raciocínio) , mas sómente pela maxima Re-
publica y e que a unanimidade dos suílragios
de todos os homens ou pelo menos a von-
tade dos Chinas , e dos Turcos deve ser a
norma, e a Lei de todas as Nações , porque
elles contém o maior numero dos homens do
mundo conhecido.
N. io. He verdade, que aquelles- chama-
dos- Filosofos , conhecendo a incompatibilida-
de deste systema com a divisão das Nações,
limitarão , a seu arbítrio, a generalidade dos
homeás aos de cada Nação. Mas concedamos-
lhe esta. limitação, de que resulta r segundo
elles, que o Poder Supremo he conferido po?
Deos ao Povo de cada Republica , porque
assim mesmo esta proposição nunca poderá
provar-se , e nunca deixará de ser hum erro
grosseiro, e hum pueril paradoxo.
N. i r. Esta Proposição suppõe que o Po~
a
vo de cada Nação he o único Imperante ,
quem Deos necessariamente confere o Poder
Supremo ; e que as Assembléas, os Comnn-
cios,
á Parte segunda das Prelecções. 27

cios , e os Monarcas íião são propriamente


summos Imperantes , mas sim meros repre-
sentantes Delegados do mesmo Povo , que
exercem os Direitos Magestaticos como Mi-
nistros do Povo. Mas esta suppOsiçao repugna
á idea de summo Imperante , e aos attributos
perfeitiásimos de Deós:
• N. 12. A idéa do Imperante nos repre-
senta huina pessoa revestida necessariamente
do Poder Supremo , para o exercer eirí bene-
ficio dos súbditos, pois que a necessidade do
-mesmo Poder , e a do seu exercício he que
nos most.ia a necessidade de summo Impe-
rante ( Dem. N. 1.). Ora o Povo de cada
Nação não pôde exercer por si mesmo o Po-
der Supremo : logo o Povo não pôde ser o
supremo Imperante. Quem he pois o Povo
da Nação ? Será por ventura aquelle ajuntâ>-
mento dos Commicios , assim como os dos
Romanos,, ou das Assembléas , como as dos
?
I rancezes ? O immenso resto do P(ívo de *
1
hum , e outro sexo que fórfnão a Nação ,
não será Povo da Nação ? E que Nação se
ajun-
28 Observações

ajunta jamais , ou se pôde ajuntar para exer-


cer o Poder Supremo?
N. 13. Mas não se ajunta ella para a
eleição dos Imperantes ? Sem duvida : aliás
não haveria Imperante legitimamente nomea-
do. Mas de que modo ? Pelos Representan-
tes de cada Cidade particular , ou Departa-
mento , que decretão , e especifícao, ou po-
dem especificar aos seus Representantes a
Pessoa, oy Pessoas, que por seu voto hao de
ser eleitos para Imperante. E poderá decre-
tar-se o mesmo para o exercício do Poder Su-
premo ? Pode o Povo de cada Cidade , ou
Departamento prevenir todos os casos occur-
rentes, para decretar aos seus Representantes
O modo, a fórma, a regra, que deve estabe-
lecer, e executar ? Será por ventura a facul-
dade de eleger os Imperantes da mesma na-
- tureza, que a authoridade de governar ? He
taò livre a obrigação de governar , como a
faculdade de eleger a pessoa para Imperante,
para: que possa delegar-se igualmente ?
N. 14. Consideremos porém, como possi*
vel,
d Parte sdgtmàa àas Prelecções. zcj

vel , O ajuntamento de toda a Nação para o


exercicio do Poder Supremo. Como será pos-
sível , que Deos conceda esse poder á multi-
dão ? Quanto he pequeno o numero dos Sá-
bios f dos Justos, e dos Prudentes ? E deven-
do ser este o caracter dos Imperantes, como
persuade a razão , e declarao as Divinas Le-
tras j como he possível, digo, que Deos con-
cedesse o Poder Supremo á multidão de hum
Povo ?
N. 15-. He verdade, que alguns Imperan-
tes tem sido ímpios , ignorantes, injustos, e
tyrannos; mas estas terríveis qualidades, que
algumas vezes fórmão o caracter dos Impe-
rantes , para castigo de hum povo mão, (pois
como se lê no livro de Job , cap. 34. n. 30.,
Deos faz reinar o homem hypocrita, por cau-
sa dos peccâdos do P0V0 ) , seria o caracter
natural, e ordinário dos Imperantes , se estes
fossem a multidão do PóVo de cada Nação.
E será compatível com a bondade de Deos,
3 Com o estabelecimento do Poder Supremo,
pára beneficio dos homens , que ellcs vivão
sem-
3o ' Observações

sempre sujeitos ao impio, ao injusto , ao igno-


rante , e ao tyranno ?
. N. h6. Se o Povo não pôde ser revestido
do Poder Supremo ( n. 12.), como podem as
pessoas por elle nomeadas para exercerem es-
te poder , considerar-se Delegados, ou Re-
presentantes da Naçao ? Quem pôde transfe-
rir o que não tem ? Porque não serão estas
pessoas nomeadas para Imperantes , aquellas,
a quem Deos confira o Poder Supremo ? ( p-
1.) Como pôde combinar-se com a infinita
perfeição de Deos , que elle desse á multi-
dão do Povo hunta autoridade , que o mes-
mo Deos tinha previsto ella não podia exer-
cer , ç que devia necessariamente: transferir
em quem a exercesse? Não repugna isto aos
at tributos de Deos ? ( n. 4, )
e
N. 17.. Mas nao tem os, 4Monarcas ,
quaesquer outros Imperantes , nomeados pelo
Povo, precisa© de nomear Ministros, ou pes-
soas, que em.seu nome, e como seus Dele-
gados , qu R epresentantes hajão de « exerci
parte do mesmo Poder Supremo ? Porém °s
d Parte segunda 4as Prelecções. 31

Imperantes não transferem nestas pessoas o


Poder Supremo , porque ellas exercem a suJt
Delegação a arbítrio dos mesmos Imperantesh
a vontade destes, ou as Leis, que elles for-
mão , he a regra do Officio dos Magistrados.
Os Ministros são propriamente huns execu-
tores do arbitrio , da vontade-, e das Leis dos
Imperantes. As pessoas porém nomeadas pelo
Povo para Imperantes1 , não exercem o Poder
Supremo , nem fazem as Leis a arbitrio do
Povo , mas a seu'proprio arbitrio 1 ( §. 145".)••
Elles formão real, e verdadeiramente as Leis,
e julgao o mesmo Povo. Elles nomêão os
Ministros , e Magistrados , para que como
seus Delegados exerção o Poder • Supremo,
executem as suas Leis , e julguem os seus
Concidadãos. E nestes termos repugnará igual-
mente a precisão dos Magistrados , com a
necessidade de supremos? Imperantes , como
repugna a necessidade destes , com a consi-
deração de que o Povo he a pessoa revestida
por Deos do Poder Supremo ? Seria necessá-
rio , que os Magistrados governassem a seu
F ar-
iç .VK>V '.v/?, OfrstrMf&f-

arbítrio, e não do Impçraofie» assim coeio £?*


te governa a seu &rbxpi&>i, e mo tk» Póm
Í^e^ttes^t^-^yeríianôooià- istií artyirio ,í'J&>
•zem a& l/sh da Republica,. a sm Yi>»ta<J<e -he
regi® dos Magistrados da ítne^aa Republica >
que «m íxrine * e como, Ministros ckqueilas
Pessoas eaeÉroeip-.m sua, aWfthprMade, e a ;sua
Magistratura, t rn-rio'? •;-: r."'. '. .:••
;N. í-8. Sc os Mouaacas. i(o mesmo -digo
«fos Aristocratas » é Repu&Licaijtos J fossem Mi-
jiistros do Povo:'»;íCíb»s&3 Seu&or Nosso pd*
.boca dos seus ApostoJos jrão cfaasaaria aos
Reis seus Miaiaíros ; Dei Mmster &si , mas
(MinistBoçj d© $!pvp< E. esm iúgar da expressão
Aposfiolo. »ií Epist. aíi jReíáafl. ea$>. J.3-»
£tédità esfote.y srve,Regi ífhrsi p-tecfllentí' y sJVt
•ãnvAus touquem ak eo vúsm., diria: Subditi cs-
4o te çapitjo-, qttxm$vtíçeUtMi , sive Regibns t0~
qwm ab ca missis. A Sabedoria Diviua , cap*
6. tces. 2. e 4. em Íugar de advertir a.o«
Reis , cohso :advcríe , ,q.ue clfes rçcehêrao o
Ptwier de Dcos, nas. paiavras Judite Rege*'*
:tt htiettigt-tf j ijuoviam data est <i JDonmw poLcs-
tas
1 *
d Parte segmâa ââs Prelecções.

Tas vobis, et w&tm ab JJtissimo, diria: Audite


populi:, etos{ «tifigíB? s3 .zslbb tetifôB
N. 19. Por tanto os Gommicios y as As-
sembleias , 'os Monarcas eleitos pelo Povo, sao
as pessoas, designadas para serem - revestidos
do Poder Supremo por Deos(í Dtán.rav). 'São
os proprios, únicos, e verdadeiros Imperaa-*
tes. A diíferente qualidade destas pessoas fa®.
a differeiíte fórma de, Governos em Monar->
qtncòs, Aristocráticos ,- e Democráticos , o»
Republicanos ; mas cm todos elles o Poder
Supremo está nestas pessoas, e nao no Povoj.
À differença está- só na: qualidade da» péssoiis 7
porque o Monarca licthuma. única .Pessoa-£y*
sica, e os Aristocráticos, e Republicanos -sao
huma Pessoa- moral composta - de muitas lysi-
Casi com a diífcrençay oque na Aristocrasiif
sao ordinariamente as-ipessoas éfbitas da prii
meira classe do povo , e 11a I>emocrasiá > sao
eleitas de todos os. Gidadãoè. ;• c ri \
• 'N. 20. • Qualquer destas-ifórhias de gover-
nos simpliccsy oú oúxtKp ,i: he -cápaz 4enpr©H
mover o íim da associação v como nos énsina
b • F ii a
34 Observações

a Historia das Nações, e como nos mostra o


systema actual delias. Se alguma por ordiná-
rios acontecimentos he menos capaz , he a
Republicana propriamente tal. As facções, e
parcialidades y os interesses particulares de
cada hum dos' membros do Governo , as di-
versidades de sentimentos , que retardão as
necessarias providencias, tudo natural em hum
Governo Republicano , e cujos defeitos cres-
cem á proporção da grandeza da Republica»
tudo mostra que esta forma de Governo he a
menos capaz de promover o fim da associa-
ção. Todos sabem as repetidas vezes que os
Romanos , no tempo mais florecente da Re-
publica , procurdrao na Dictadura o governo
de hum só; e na authoridade do Senado ex-
tremo , e ultimo o governo dos Óptimates-
Os mesmos Monarcomacos de Inglaterra co-
nhecerão a necessidade do Governo de hum
só na sujeição a Coromuel.
N. 2i. A-' vista destas Demonstrações,
quem pôde duvidar, que os Principes recebem
o Poder immediatamentc de Deos ; e que a
dou-
á Parte segunda das Prelecções. 35

doutrina contraria nunca passara da classe de


opinião , senão para entrar na do erro ? E
para confirmação do que fica dito , proporei
os argumentos mais especiosos , de que cos-
tumao , e se podem servir os Patronos da
opinião contraria; .e mostrarei a sua falsidade,
e equívocos, de que elles procedem. E dei-
xando de parte o delirio daquelles que di-
zem , que o Poder do Principado só vem de
Deos , como causa geral , etc. , da mesma
sorte que a peste , a fome, e todos os males
ordinários, por parecer indigno de considera-
ção , c que fica bem refutado pelo que fica
dito ( §. 144. ) , e pela energia, com que as
Divinas Letras, e a Tradição inculcao o Prin-
cipado , como dimanação, e instituição Divi-
na , exporei só os outros argumentos.

Argumento Primeiro.

N. 22. A Sociedade Civil he formada, e


instituida por vontade dos homens, por meio
dos pactos , e convenções. O Summo Impc-
ran-
3á Observações

rante hc eleito ao arbitvio r e por vontade dos'


mesrnoá Socios-. ' Os Sócios-podem restringir ,
a limitar os poderes do Imperante ; podem
prescrever-fhc Condições, cie cuja observância
dependa o vínculo da obcdicncia , e a con-
servação do Suifirfto Podei». E sendo isto as-
sim, como se apodera dizer, que os Imperan-
tes recebem o poder ímniediatamente de Deos,
^ não dos membros da SociedHde r isto hc,
<do Povo, que foram a Sociedade, que elege
o Imperante, "que lhe limita as Direitos Ma-
gestaticos, e que lhe prescrevo condições re-
solutrva^i' " -- <> '
- Resposta. .
.rife i i os^ibui' is s . • I •- vKi
N. 23. Jíi fica mostrado (§.144.) i que
o estabelecimento da Sociedade Civil , e dá
Summo Imperante, nao depende do mero ar-
bítrio dos homens , ou do livre uso dos seus
direitos facultativos , mas de huma vontade>
ou de hum livre arbítrio obrigado , Ott regu-
lado pelos preceitbs da Lei Naturâl'y donde
se segittí , q«e: os paetos , e convenções n^°
d Parte sfgandfi Prelecções. 3y

for&> «ísn«.iÍ9tí 4$ e$ta^teç»#£$£o-


4» Sociedade , e da Q^stj§i#ç4p 4<*§ Í91PQ-
rantes „ mas iinicswçnjtf ç> meio 4e
a von>ad«-ilc Dçoç ., -qy^ pw jj^ma geçgssi-
lajOE^l obfigf»jj çs hogjgijs a'.u?)]r-se ^
Sociedade Civil a çy mi porçjgp ©apsjderavel
-sujeis, a Jityji çemmynj Imperante.
N. 24. Divide ,. a vontade de Deos ;he a
causa immediais da ábraiaçío da. Sociedade y

e da designação de imperante logo os ho-


mej}$ na •eJeiç.ão de Operante fowlo h.uns me-
ios- ijastrumeíitps cia -yoafiade .tfe Deos. Por
tanto 9 que unicarnerate tdepemde 4os ho-
mens Ke a fórma á Cidade , e 4 designação,
py eiciçao da pessoa ,, çup ha-de ser Jtnpç-
iiante .» segundo 3 j&iw da Cidade j ms& «ata
-eleição- pão be a qjje dií-ectarnejjíe faz 0 Jtni-
peranfe , ou que lhe confere os Direitos Ma-
gosíaticos. A pessoa eleita os recebe era ra-
zao do-seu Estaco èè Imperasse. Qs bispos,
os Sacerdotes , os Ministrais <da Igreja , .são
eleitos pelos Fieis,, e sagrados por outros Bis-r
p.os , mas nem es £tòor<es.? .nem qs Cousa-
gran-
38 Observações -

grantes lhes conferem o Poder sagrado; elles


o recebem immediatamente de Deos , por
meio do Sacramento da Ordem.
N. 25-. Aclaremos mais este ponto. He
necessário que haja hum Imperante: este seja
elle que pessoa for Fysica, ou Moral, ha-de
ter necessariamente os direitos Magestaticos i
até aqui nada depende dos Direitos facultati-
vos do homem, tudo he necessário, tudo he
Direito Maturai , porque a razão nos mostra
ser necessariamente assim da vontade de DeoS
( §. 144.): o que he unicamente facultativo»
ou depende da vontade do hòmem ( induzida >
ou disposta por Deos ) , he a eleição da pes-
soa para Imperante: por tanto a pessoa eleita
para Imperante deve ao facto immediato àô
homem ser elle eleito Imperante ; mas como
os. Direitos Magestaticos são huma qualidade
a
essencial do estado do Imperante , não he
arbitraria eleição quem lhos confere, mas sim
.0 mesmo estado de Imperante , para que f°l
eleito.
N. 26. Qualquer que seja a pessoa• eleita ,
ha-de
d Parte segunda das Prelecções. 39

ha-de ter necessariamente os Direitos Mâges-


taticos , como cousa essencial do estado de
Imperante. Donde se segue : Primeiro: Que
o Imperante não pôde ser eleito debaixo de
condições, que lhe limitem , ou restrinjao o
Summo Império : Segundo ; Que se o Povo
eleger para Imperante huma Pessoa Fysica,
com a modificação de alguns Direitos Mages-
taticos, de não poder y. g. legislar sem voto
decisivo do mesmo Povo, ou de certos Mag-
nates , neste caso não he a Pessoa Fysica só
a designada para Imperante , ella o he junta-
:
mente com o Povo , ou com os Magnates
estas Pessoas são as que formão o Imperante:
ellas constituem huma Pessoa Moral, em que
reside o Império. Neste caso a fórma da So-
ciedade não he Monárquica simples, mas mix-
ta . Monarquico-Democratica, ou Monarqui-
co-Aristocrática: Terceiro: Que as condições
resolutivas não podem comprehender o essen-
cial do Summo Império, ou o livre exercicio
dos Direitos Magestaticos.
N. 27, Pôde sim o Imperante ser eleito
G de-
40- Observações

debaixo da condição v. g. de não casar com


Pessoa Estrangeira, e outras , que respeitem
ao accidental do Summo Império ; mas não
debaixo da condição de ser deposto, não go-
vernando bem, porque esta condição respeita
ao essencial. O essencial do Império consiste
em governar bem o Imperante, mas a seu ar-
bítrio , como único Juiz Supremo da Socieda-
de , a que repugna esta condição. Para ella
pois ter lugar, era necessário que os súbditos
tivessem authoridade para julgar sobre as
acções, e governo do Imperante , e em con-
sequência , que o Imperante não julgasse a
seu arbítrio, e nSo fosse o único Juiz da So-
ciedade. Era necessário que o Imperante nao
tivesse poder coactivo , e authoridade execu-
c
tiva para obrigar os súbditos a cumprir ,
obedecer aos seus mandados , cuja falta des-
truiria o vínculo da Sociedade , e união sub-
jectiva. Por isso a Divina Sabedoria no £c'
clesiastico , cap. 18. vers. 20. e seguintes»
e
diz : » Toma sentido na palavra do Rei >
» no juramento que déste a Deos de lhe obe-
» de-
d Parte segunda das Prelecções. 41

» dccer : e não te precipites, rctirando-te da


> sua presença ; nem formes contra elle al-
» gum máo intento , porque o Rei faz tudo
» quanto bem lhe parece : aonde está a sua
» palavra , ahi está o seu poder ; e ninguém
j> lhe pôde perguntar: Quid facis. >»
N. 28. Mas que razão obrigou os homens
a unir-se em Sociedade Civil, e a sujeitarem
a sua vontade ao arbitrio do Imperante por
elles designado ? Não foi para o fim de ob-
terem a sua segurança , e a sua felicidade
temporal pelos Officios do Imperante ? E po-
derá considerar-se a eleição do Imperante sem
a tacita condição resolutiva , de maneira que
não cumprindo da sua parte com os Officios
de Imperante , cesse da parte dos súbditos a
obrigação de obedecer-lhe ? E poderá nestas
circumstancias considerar-se o Poder dos Im-
perantes huma dimanaçao immediata de Deos,
e inteiramente independente do Povo?
N. 29. Assim discorrerão talvez de boa
fé os Calvinistas , e Molinista contra os Ty-
rannos \ e assim discorrem hoje alguns cha-.
G ii ma-

1
4i Observações

mados Filosofos por erro de vontade , movida


pelo rancor contra os Monarcas , pelo odio
contra a subordinação, pela soberba contra a
superioridade, e pela bravura contra a huma-
nidade. No systema destes Revolucionários
se figura a felicidade temporal dos homens,
o ultimo fim que elles tiverao na união em
Sociedade Civil ; se suppoe esta Sociedade
estabelecida por huma arbitraria convenção,
ou arbitrario contrato social ; e se finge na
eleição do Imperante , virtualmente incluido
o Contrato : Do ut des; porque huns adoptão
por principio dos seus discursos o Epicuris-
mo , ou a inexistência do Direito Natural >
outros considerão 0 Poder Supremo conferido
por Deos a todos os homens em particular
(n. 8.)
N. 30. Mas do que fica dito (n. 28.)»
se mostra a falsidade do arbitrario contrato
social ; e do que fica demonstrado ( n. 5*. ),
que o Povo não tem o Poder Supremo ; e no
( n. 16. ) , que os Imperantes o não recebem
áo Povo, fica destruído aquelle raciocínio > e
de-
d Parte segunda das Prelecções. 43

decahe inteiramente aquelle decantado pacto


tácito : Do ut des. E que segurança, que uti-
lidade de hum contrato entre homens ; que
não conhecem , e negao a existencia do Di-
reito Natural!
N. 31. Não he menos falso o outro prin-
cipio , de que o fim ultimo, por que os ho-
mens se unirão em Sociedade , e designarão
Imperante, he a felicidade temporal ( n. 2 9,),
porque o fim ultimo he satisfazerem á von-
tade de Deos , que desejando, pelo facto da
creação , a felicidade temporal dos homens,
quiz que elles se unissem em Sociedade Ci-
vil , e se sujeitassem ao arbítrio de hum Com-
mum Imperante (§. 144. ) _ Donde, o fim da
Sociedade he a felicidade temporal dos ho-
mens ; mas o fim por que os homens se uni-
rão em Sociedade Civil para promoverem es-
ta felicidade , he satisfazerem á vontade de
Deos : logo este ultimo fim, ou vontade de
Deos, e não a felicidade temporal, ou o fim
da Sociedade Civil , he que deve regular os
Officios dos súbditos para com os Imperanc
tes.
44 Observações

tes. O fim ultimo pois he quem dirige as


acções dos entes racionaes, e por consequên-
cia não basta que os Imperantes não satisfa-
ção ao fim da Sociedade , para que os súbdi-
tos se considerem dissolvidos do vínculo da
obediencia, e sujeição.
N. 32. Pôde confirmar-se a verdade desta
Proposição com o argumento de analogia de-
duzido do Contrato Conjugal , por isso que
o fim deste contrato he analogo com o fim
do Contrato Social. O fim do Contrato Con-
jugal he a procreação do genero humano,
Genes. 1. vers. 28., e o commum adjuditorio
dos Cônjuges, Genes. 2. vers. 18 , e o fim
do Contrato Social he a conservação da mes-
ma procreação , c o commum adjutorio dos
Concidadãos : hum, e outro Contrato, hu-
e
ma , e outra Sociedade he determinada ,
prescrita pela Lei Natural do estabelecimen-
to , e conservação do genero humano, e por
consequência immediatamente por Deos ( n. i-) •
Da mesma sorte pois que os homens em ge"
ral são obrigados a unir-se em Sociedade ^1-
d Parte segunda das Prelecções. 45-

vil pela Lei Natural da sua conservação ( §.


144. ) , são igualmente obrigados a vmir-se
em Sociedade Conjugal pela Lei Natural da
procreação, e propagação , Lei demonstrada
pelo facto da creação dos dous diversos se-
xos , e declarada pelo mesmo Deos no acto
da formação dos nossos primeiros pais , Ge-
nes. cap. 1. vers. 28. , e cap. 2. vers. 18.
N. 33. Posta esta analogia, se a Socieda-
de Conjugal não pôde por caso algum dissol-
ver-se, nem mesmo por falta do complemen-
to dos seus primários, e proximos fins , isto
he , pela esterilidade , e falta de adjutorio,
também se não pôde dissolver o Contrato So-
cial por falta do complemento do seu fim pri-
mário da parte do Imperante, isto he, pelo
máo governo.
N. 34. O motivo natural da indessolubi-
lidade cm hum, e outro contrato , he intei-
ramente o mesmo. O motivo , que a razão
nos mostra , por que os Cônjuges , depois
de consummado o Matrimonio , não podem
dissolver o vínculo do Contrato Conjugal,
he
4Ó Observações

he porque este vínculo não resulta do mero


arbitrio dos Cônjuges , mas da observância,
e execução da Lei geral da associação conju-
gal , isto he , da authoridade de Deos , a
qual obriga todos aquelles que a natureza, c
a occasiao chama para a sua observancia. Ora
aquelles que se unem em Sociedade Conju-
gal , mostrao por esse mesmo facto , que a
seu respeito se verifica aquelle preceito geral
da Lei da associação conjugal , he evidente
que elles se vinculao em Sociedade Conju-
gal , obrigados pela Lei Natural , e conse-
quentemente por authoridade de Deos. Em
cujos termos a mesma razão nos mostra , que
os homens não podem por sua authoridade
dissolver aquelle vínculo , ainda mesmo que
se não verifiquem os fins da conjugação, que
pôde ser por culpa dos mesmos Cônjuges >
c
ou por motivos que elles não conheçao ,
de que não podem ser Juizes , para se des-
obrigarem da Lei, que os vincula.
N. 3£. Esta pelo menos parece ser aquel-
la razão, que Christo Senhor Nosso nos de-
cia-
d Parte segunda das Prelecções. 47

clara da indessolubilidade do Matrimonio, re-


ferida por S. Mattheus , cap. 19. vers. 3. •
Quod Deus conjwxit homo non separai,- E que
isto não foi novo Preceito, mas hum Decreto
de toda a eternidade , declarado pela razão
aos homens, e revelado aos mesmos por Jesu
Cliristo , se mostra do contexto do referido
lugar de S. Mattheus , e de outros Evange-
listas. Sendo pois Jesu Christo tentado pelos
Fariseos, para lhes .dar a razão por que Moy-
sés permittio aos Judeos o repudio , Christo
Senhor Nosso lhes respondeo, que Moysés o
tinha tolerado, attendendo á dureza dos seus
corações; mas que no principio não era assim.
N. 3 6. Por tanto sendo igualmente certo ,
que a sujeição ao Imperante , ou o vínculo
da Sociedade Civil , he hum effeito da Lei
Natural da conservação dos homens , conse-
quentemente por authoridade de Deos (. §•
144. ) he evidente , que o vínculo da Socie-
dade Civilj) ou a sujeição aos Imperantes, he
indissolúvel por. authoridade dos súbditos > a
pezar da falta do complemento do fim da as-,
H so-
4? Observações

sòciaçilo da parte do Imperante , por argu-


mento de analogia do vínculo conjugal.
N. 37. Não quero nisto afirmar , que o
vínculo da sujeição ao Imperante he absolu-
tamente indissolúvel , assim como o Conju-
gal ; porque sendo dogma da nossa Religião,
que o vínculo do Matrimonio consummado,
em caso nenhum absolutamente se pôde dis-
solver , talvez que o vínculo da sujeição ao
Imperante se possa dissolver ao menos por
mutuo consentimento , e vontade do Impe-
rante , e dos súbditos. No contrato pois con-
jugal procedem ambos os Cônjuges obrigados
igual , e perfeitamente pela Lei Natural da
conjugação. No Contrato social não será as-
sim ; porque a Lei da conservação, que obri-
ga os súbditos a sujeitarem-se ao Imperante
por elles designado ( n. 1. Demonstr. 1. ) >
não obriga igual , e precisamente aos Impe-
rantes a acceitarem a designação, e por con-
sequência os Imperantes ficao ligados mera-
mente em razão da sua acceitaçaò voluntária,
cujo vínculo poderá talvez dissolver-se da
par-
d Parte segunda das Prelecções. 49

parte do Imperante , mas nunca pela única


vontade dos súbditos. Conheço as dúvidas, a
que he sujeita esta razão de differença ; mas
basta para o nosso assumpto , que seja certo
que os súbditos não podem por sua authori-
dade dissolver ó vínculo da sujeição.
N. 38. Não basta, torno a dizer, que os
Imperantes não satisfação ao fim da Socieda-
de , para que os súbditos se considerem dis-
solvidos da obediencia , e sujeição , he por
tanto necessário mostrar, que posta a falta de
cumprimento da parte dos Imperantes, he da
necessaria vontade de Deos, que os súbditos
possão detronizallo.
N. 39. Porém esta vontade não só encon-
traria os mesmos motivos, que repugnao con-
siderar no Povo o Poder Supremo, como fica
demonstrado ( n. 8. ) ; porém faria o mesmo
Deos inconsequente, porque esta authoridade
faria os súbditos Juizes do mesmo Imperan-
te , e por consequência o Imperante não go-
vernaria a seu arbitrio, mas a arbitrio do Po-
vo. As mesmas armas , que Deos poz nas
H li mãos
5"o • Observações

mãos dos Imperantes p^ra . c.astigo dos máoS


vassallos, as poria nas mãos: dos mesmos vas-
sallos contra o seu mesmo Soberano. E que
absurdo!
Mi 40-, Eu convenho na neçfetísidade de
hum Juiz , que julgue que castigue o Impe-
rante , que offende os direitos dos súbditos»
e que viola a Lei da Sociedade (a); mas es-
ta nceessidadp nos obriga a buscar esse Juiz,
no melmp Deos. Este Juiz deve ser necessa-
riamente huma terceira Pessoa entre o, Povo»
e o Imperante, que julgue o facto do mesmo
Imperante:, e da.justa queixa dos súbditos.
Não podem os súbditos merecer a parecida-
tyrannia ? Não podem ser injustas as suas
queixas ? Quem será o Juiz, a não ser o mes-
mo Deos Huma yez admittido^ .que o pro-
cedimento , e arbitrio dos Imperantes r pc'a
possibilidade de injusto , está sujeito ao co-
nhecimento , e ao arbitrio de, terceiro, he de
necessidade considerarmos esse arbitrio de

(</) Porque nós detestamos o ímpio Hobesianismo.


d Parte segunda das Prelecções. 5-1

terceiro sujeito ao outro Juiz , porque não


pôde eónsiderar-se impossível injusto. Esta
necessidade de progressos infinitos nos leva
necessariamente a descubrir em Dcos o único
Juiz do arbítrio , e das injustiças dos Impe-
rantes. ,
N. 41. Esta, sem dúvida, he a doutrina
da Igreja Catholica nossa Mai , Mestra , e
Rainha. Esta he a doutrina revelada nas sa-
gradas Letras , concebidas mesmo 110 seu li-
teral sentido, no cap. 8. vers. 4. do Ecclesi-
ast.- se nega aos súbditos a authoridade de
perguntarem ao seu Rei pelos procedimentos
do seu governo : » Toma sentido na palavra
» do Rei , e no Preceito , que tu juraste a
» Deos de observar : não te precipites, reti-
13 rando-te delle , e não tomes parte em al-
» gum máo intento , porque o Rei faz tudo
» o que bem lhe parece : onde está a pala-
» vra do Rei , ahi está a sua Dominação :
» e quem lhe perguntará : Que fazes tu? »
No lugar sabidíssimo do Liv. 1. dos Reis,
cap. 8. vers. 11. , aonde se nos representa
hum
Observações

hum Rei tyranno , ahi mesmo se declara,


que Deos não ha de ouvir as declamações
dos súbditos contra o seu Rei : >» E chama-
»> rieis nesse tempo a respeito do Rei , que
» houvereis pedido , mas Deos não vos ha-
>> de ouvir. ?> E no cap. 6. da Sabedoria se
mostra, que Deos he o Juiz, que ha-de jul-
gar os Imperantes : » Ouvi pois, ó Reis, e
» attendei : tomai instrucção , ó Juizes da
»> terra. Applicai as orelhas , vós que gover-
» nais os Póvos , e que vos gloriais de ter-
»» des debaixo de vós muitas Nações. Consi-
»> derai , que recebestes este poder do Se-
» nhor, e este domínio do Altíssimo, o qual
>» vos perguntará pelas vossas obras, e esqua-
» drinhará os vossos pensamentos : porque
sendo Ministros do seu Reino , não jul-
» gastes com equidade , nem guardastes aã
Leis da justiça , nem mandastes conforme
» a vontade de Deos. Elie se vos porá dian*
» te de hum modo temeroso , e dentro de
» pouco tempo ; porque os que julgão os
>» outros , serão julgados com o ultimo ri-
» g°r-
a Parte segunda das Prelecções. 5-3

> > gor... A vós pois, ó Reis, he que eu di-


» rijo meus discursos , para que vós apren-
» dais a Sabedoria , e não cahais. » Os pri-
meiros Christaos, que virão nascer, para as-
sim me explicar, a Lei da Graça , a Religião
de Christo, assim entenderão, e provarão es-
ta Doutrina com o exemplo da sua fiel obe-
diência aos cruéis Ncros , Maximianos , e
Dioclecianos , etc. Porque elles conhecerão
sempre os Reis como constituidos immedia-
tamente por Deos: » Nós somos os que po-
j> voamos as vossas Cidades , dizia Tertullia-
jj no aos Pagãos (ad Scapul. et Apologet.
>> cap. 30. e 37. }, as vossas Praças publicas,
» o Senado, o Palacio, e os vossos Exerci-
» tos, com muita facilidade podiamos defen-
» der-nos contra os que nos perseguem , e
» seriamos mais temidos que os mesmos Par-
thos , se a nossa Religião não nos orde-
nasse , que perdessemos antes a vida , e
>» não matassemos. Entre tantos rebeldes, que
» se tem conspirado contra os Imperadores,
» achou-se por ventura algum Christão? Nas
» vos-
5" 4 Observações

•>•> vossas prizoes não se vêem se não facino-


rosos ; e vê-se por ventura nel-las hum só
Christão , que tenha outro crime, que não
» seja o da Religião ? Accusão-nos a respeito
5? da Magestade do Imperador ; porém nunca
» hum só Christão se achou no partido de
» Albino , de Niger , ou de Cássio. ... O
» Christão de ninguém he inimigo, e muito
menos do Imperador. Persuadido de que o
>5 mesmo Deos he quem o estâbeleceo , elle
>5 se obriga ao amar, ao respeitar, e a fazer
55 votos pela sua conservação. Nós pois vene-
>5 ramos o Imperador , como aquelle que na
5> terra tem o primeiro lugar depois de Deos,
55 e que só a Deos he inferior.... Nós offe-
55 recemos as nossas Orações pela saúde dos
5j Imperadores ao Deos vivo, ao Deos Eter-
55 no , e verdadeiro , que só he superior a
55 elles , e depois do qual elles são os pn-
55 meiros. 55 S. Gregorio Magno na exposi-
;
ção ao cap. 34. do liv- de Job , diz assim
55 Nenhum dos que vive debaixo do governo
55 de hum Rei hypocrita , se atreva a accu-
55 sar
d Parte segunda das Prelecções. jy

» sar a quem he seu Rei. Porque deve ad-


» vertir, que o estar sujeito a este Rei, he
» pena que Deos lhe quiz dar pelos seus
» peccados. Pois está escrito: Dar-te-hei Rei
>» do meu furor. Porque razão logo levamos
» a mal o governo daquelles , que a ira de
» Deos quiz que nos governassem ? . . . .
Huma vez que os Governadores não tem por
»» Juiz senão a Deos , devem guardar-se muito
» os súbditos de julgarem com temeridade das
» acções dos Governadores.
N. 42. Mas não são os Imperadores su-
jeitos ás Leis fundamentaes da Republica?
Não podem estas comminar aos Imperantes a
pena da privação do Império , e até a de
morte, no caso de violação das mesmas Leis,
como observamos nas Leis fundamentaes de
Portugal ? E quem ha-de ser o Juiz, que co-
nheça da transgressão da Lei , e que a faça
executar, a não ser a Nação, ou o Povo del-
ia ? He logo de necessidade considerar o Po-
vo Juiz do Imperante , e por consequência
com authoridade de o dethronizar.
I N.
$6 Observações

N. 45. Porém este raciocínio funda-se na


falsa supposição , que o Povo hefwiz da vio*
laçS© dos pactos fundamentacs. As Leis fun-
damentaes, vulgarmente assim chamadas, mo
sslo mais do que huns pactos entre os súbdi-
tos, e'Imperantes, considerados como iguaes,
sem quis entre êlles haja Império commum,
ou vínculo Cívica Estes pactos pois he que
dão fórma á Republica , sem a qual não ha
sociedade Civil , ou Republica propriamente
tal , e por conscquencia nem poder Legisla-
tivo, nem Judiciário. Donde a força-, e obri-
gação destes pactos não liga os Imperantes
por authoridade dos súbditos ; nem dá a este»
direito para julgar aquelles : a Lei natural dos
Contratos lie que unicamente liga os Impe-
rantes-, bem como succede em outros quaes-_
quer contratos celebradas entre pessoas iguaes,
independentes1 de Império- commum. Não es-
tão ligados os contraftentes a cumprir as
convenções ? Mas terá por ventura aígum às^
lés a aut-horidáde. de julgai- , como- superior ?
da violação do contrato ? Nestas circumstafl'
d Parte segunda das Prelecções. 5-7

cias não havendo Imperante commum , a que


os contrahentes recorrão, que Judicial, e Im-
perativamente os obrigue a cumprir o contra-
to ; só resta o vínculo da consciência, princi-
palmente quando o contrato por sua natureza
se não pôde dissolver, como no presente ca-
so ( n. 32. ) ..
N. 44. Por tanto , sendo como he verda-
de , que os Imperantes estão em consciência
obrigados aos pactos íxmdamentaes da Repu-
blica , nem por isso podem os súbditos arro-
gar-se á authoridade de julgar da violação
dos mesmos pactos , nem faltar-lhes á obedi-
ência (n. 31. ); e muito menos exigir delles
a satisfação daquellas penas , que elles não
podião prometter , como v. g- a de morte.
Por isso o morietur das Cortes dd Lamego se
deve attribuir á obscuridade daquelles tempos.
N. 451. Mas concedamos por hum pouco,
que o Povo he Juiz da violação dos pactos
fundamentaes ; ou que estes se resolvem pela
falta de observancia dos Imperantes ; e será
objecto destes pactos a faculdade de conhecer
I ii o
58 Observações

o Povo do governo dos Imperantes ? ( n. 19.)


E poderá o Povo julgar da injustiça do mes-
mo governo ? Quanto he difficil conhecer da
justiça dos procedimentos dos Imperantes ?
Como pôde hum Povo y que não entra no sa-
grado dos Gabinetes, que não maneja os ne-
gocios Políticos; e que não tem inspecção na
Economia do Estado, conhecer da justiça, e
da razão dos factos dos Imperantes ? Quantos
Digníssimos Imperantes nos refere a Historia
sacrificados á ambição, ao fanatismo, á super-
stição , e ao zelo indiscreto de hum Povo
seduzido , e arrastado pela cobiça dos sedu-
ctores ! Quem pôde justificar a decapitação
de Carlos I. Rei de Inglaterra de Luiz XVI.
Rei de França; a dethronização de Henrique
IV. Rei de Germania i e de Augusto I. Rei
de Polonia ?
N. 46. Hum Povo, que pela sua condu-
cta , pela dureza do seu coração merece , e
experimenta hum governo mais forte ; qt*e
pelas circumstancias Politicas , que elle nao
pôde conhecer, he onerado com alguns tribii-
tos
d Parte segunda das Prelecções. 5-9

tos hum pouco maiores; com quanta facilida-


de capitúla, e increpa de tyranno, e de usur-
pador o seu Príncipe ? Com que justo, mas.
apparentemente demasiado rigor não foi gover-
nado pelo mesmo Deos o seu Povo escolhi-
do ? Quão raros são os homens, que recebem
cOm tranquillidade, com boa fé , com a de-
vida submissão as Sentenças dos Juizes? Huns
clamao contra a supposta venalidade ; outros
se queixao de imaginarios respeitos , e quasi
todos lamentão a ignorancia dos Magistrados !
Elites se protestão , que bem depréssa depo-
riao aquelles- Juizes, se a sua conservaqao de-
pendesse da sua vontade. E que seria a res-
peito dos Imperantes ?
N. 47. A morte, a que os Romanos con-
demnárão o Imperador Vitelio; a deposição,
a que os Alemães sentenceárao o Imperador
Vencesláo , serião talvez bem merecidos cas-
tigos dos seus desacertos , e das suas iniqui-
dades, e livrarião aquelles Póvos de huns Ty-
rannos. Mas este bem muito casual, e parti-
cular de huma, ou outra Nação, jamais pô-
de
6o Observações

de justificar tão sacrílegos attentados. O pe-


rigo geral, a que ficarião expostos os melho-
res Imperantes, e todas as Nações pelos mo-
tivos ponderados ( n. 45-. ) , se fosse permit-
tida ao Povo a authoridade de julgar os seus
Imperantes sempre porá em collisao o bem
particular.de huma , ou outra Nação , com o
bem geral de todo o genero humano. Os
mesmos Romanos , que por falta das luzes da
Revelação, não conhecião a natural indessolu-
bilidade do vínculo conjugal , permittírao o
divorcio por certas causas , vierao a experi-
mentar o perigo geral , a que ficavão expos-
tas todas as núpcias , pela permissão em al-
guns casos particulares. Os divorcios vierão
a ser tão geraes , e tao frequentes sem algu-
ma causa , que as Matronas Romanas não
contavão os annos pelos Cônsules, mas pelos
maridos; e os maridos se divorciavão de suas
mulheres , pelo único motivo de quererem
passar a novas núpcias. E com quanta maio1
razão seria geral a revolta, se ella fosse per"
mittida em algum caso particular , e mesin°
pe-
d Parte segunda das Prelecções. 6r

pela tyrannia ? Quanto he desordenada o amor


conjugal, comparado com o do bem público ?
E por isso com quanta mais facilidade ,, e
ainda sem justa causa se divo* ciar ião os Pó vos
dos seus Imperantes^
N. 4&. Mas supponhamos de facto certa
a tyrannia. Nesta hypothese mesmo não pôde
ter lugar a revolta, porque sempre será mais
prejudicial que a tyrannia. O Imperante sem-
pre achará Vassallos , que o defendãoe Na-
ções , que o pcotejao. Quem pôde duvidar,
que tomariao as armas a favor do crudelissimo
Nero', não só os''Partos r que por sua morte
mandarão Embaixadores aos- Romanos , para
lhe levantarem tiknates de honra, e que vin-
te annos depois qoxzexão restituir ao tlwoiao o-
Peseudo Nero -r mas aquelles. mesmos súbdi-
tos , que em todas as estações do anno< orna-
vao com flores o seu tumulo ? Sueton. in Vit.
Claudii Ner. cap. ult. ? e nestas circumstan-
cias a guerra Civil he inevitável. E que ma-
les podem comparar-se com os que resultao
de huma. cal situação.? Sem. resolvermos os
- - fa-
61 Observações

factos da antiga Historia, basta olharmos pa-


ra o quadro miserável da florentissima Fran-
ça , e de outros Estados, que a seu exemplo
se tem revoltado contra os seus Imperantes.
Quanto he melhor soffrer em paz os males
de hum Tyranno ? Os males da tyrannia ter-
minao ordinariamente com a vida do Tyran-
no ; mas os da Anarchia, os da guerra Civil,
tardão séculos a reparar-se. A mesma efferves-
cencia , e Anarchia pôde exceder muito em
duração á vida do Rei dethronizado , e ter-
mina muitas vezes com a sujeição a outro
Tyranno, o qual olhará os seus parciaes como
rebeldes , e os outros como inimigos. Ora
sendo isto assim , e posto o estado de colli-
são dos dous males, que Filosofia poderá au-
thorizar os Póvos para elegerem o maior»
qual o da revolta, para a dethronização ?
• fíiiJj XI92 (T 12'XfO»; ÍhOJ v'» '
Argumento Segundo.
-síí: sr. o í JDvfiJÍ73Cti 'jd IhiO risfósía n '8*i0
N. 49. O homem em quanto se conser-
vou no estado da sociedade natural , era de
ne-
d Parte segunda das Prelecções. 63

necessidade o arbítrio das suas acções ; e a


renúncia , ou cessão deste arbítrio no Impe-
rante , ou a somma de todos estes direitos,
depositados como em commum , lie que for-
mão os Direitos Magestaticos ; e em conse-
quência o Imperante ou os recebe em virtu-
de da referida renúncia , ou os exerce como
administrador do deposito , ou das porções
dos direitos depositados.
.-> *imi* eo . fcW
Resposta.

N. 5-0. Esta reflexão contem o resumo das


duas opiniões, que ha pouco vimos se agita-
vão por toda a parte: huma, que os Direitos
Magestaticos não são outra cousa mais do que
o complexo dos Direitos renunciados pelos
súbditos : outra , que estes Direitos não são
renunciados , mas depositados em commum,
para serem exercidos pelo Representante da
Sociedade; mas ambas estas se fundão em fal-
sas , e absurdas hypotheses. Em quanto á pri-
meira , suppõe : primeiro, que os homens ti-
K nhao
64 Observações

nhao aquelles Direitos , que formão os Ma-


gestaticos : segundo , que os podiao renunciar;
terceiro, que a cessão destes Direitos he que
sujeita os súbditos ao Imperante.
N. .5-1. Mas que os homens não tem os
Direitos , que formão os Magestaticos , se
mostra: primeiro, porque os Direitos Mages-
taticos não são sómente directivos , mas co-
activos , e imperativos sobre todos, e a cada
hum dos membros da Sociedade, os quaes se
não podem considerar em cada hum dos ho-
mens no estado natural , nem a respeito dos
outros , nem a respeito de si : dos outros,
porque são iguaes, e independentes : de si»
porque a idéa de authoridade coactiva , e im-
perativa , suppõe necessariamente pessoa, que
mande, que execute , e que impere differente
da que he mandada, e obrigada, porque nin-
guém pôde imperar coactivamente a si mes-
mo. Mostra-se : segundo , da necessidade , que
os homens tiverão de se unirem em Socieda-
de Civil , e sujeitarem o seu arbítrio ao ar-
bítrio do Imperante ( §. 144. ) , porque esta
ne-
d Parte segunda das Prelecções. 6$

necessidade mostra que os homens não po-


dião, nem tinhão faculdade, nem direito pa-
ra regular a seu arbítrio as suas acções ; por-
que repugna á razão , considerar nos homens
hum Direito , de que conforme a mesma ra-
zão não podem usar , ou que são obrigados
a renunciar.
• N. 5-2. Que na hypothese de os terem,
Os não podião renunciar , se mostra , porque
os Direitos Magestaticos são obligatorios a
respeito do Imperante ; e sendo estes hum
complexo dos Direitos renunciados , he evi-
dente que esses mesmos erao obligatorios a
respeito mesmo dos Renunciantes. Mas os
Direitos obligatorios , ou preceptivos não se
podem renunciar , porque não são introduzi-
dos a favor dos Renunciantes. Donde, ou os
homens tinhão os Direitos obligatorios , que
formão os Magestaticos , ou nao : se os ti-
nhão , não os podião renunciar ; e se não os
tinhão, muito menos.

5*3- Qye a cessão dos Direitos do ho-


mem não he quem sujeita os súbditos ao Im-
K ii pe-
66 Observações

perante , se mostra não só porque os homens


não tinhão aquelles Direitos , que fórmao os
Magestaticos , e porque nem tendo-os, os po-
diao ceder como fica dito , mas também por-
que a authoridade do Imperante não provém
da cessão dos Direitos dos súbditos , mas da
sujeição dos mesmos súbditos , a que são obri-
gados pela Lei da sua conservação ( §. 144.) •
O homem não céde os seus Direitos , a Lei
he que os sujeita á authoridade do Imperante.
N. 5-4. Os Direitos , que o homem pôde
talvez renunciar , são os primissivos , ou fa-
cultativos ; mas esta renúncia não pôde confe-
rir ao Imperante outros Direitos, que faculta-
tivos a respeito do mesmo Imperante; e obli-
gatorios a respeito dos súbditos : quero dizer y
que por esta renúncia não seria .0 Imperantfc
obrigado a usar desses Direitos renunciadosu
e pelo contrario os Renunciant-es serião obri-
gados a obedecer ao Imperante , quando del-
les usasse. Porém nem ainda assim os Direi-
tos Magestaticos, ou de coacção, e de obe-
diência ao Soberano > resultados desta renún-
cia >
d Parte segunda das Prelecções. 67

cia, são directamente-conferidos pelos súbdi-


tos ; porque, como fica dito , nenhum delles
os tinha sobre si mesmo, ou sobre os outros,
para os conferir ao Imperante ; mas elle os
recebe necessariamente , posto o facto da re-
núncia , como effeito necessário da mesma re-
núncia , e por consequência immediatamente
de Deos : logo he falsa a opinião que sup-
põe , que os Direitos Magestaticos he hum
complexo dos Direitos renunciados pelos súb-
ditos.
N. 5-5. He não só falsa , mas absurda
também a segunda opinião , que suppõe o
Imperante exercendo os Direitos Magestati-
•cos não como renunciados mas como resi-
dente cm cada hum do Povo, ou depositados
em commum. A extravagancia desta doutrina
dedirz a soberania doo deposito , do poder dá
força, e da .vontade de cada.hum dos indiví-
duos , que fórmao a Sociedade... Mas contra
esta hypothese procedem as mesmas razões,
que ficão ponderadas contra a hypothese da
primeira opinião > porque se os homens não
tem
68 Observações

tem Direitos que renunciar , igualmente os


não tem para depositar. Mas concedamos este
deposito , que não pôde deixar de ser neces-
sário (§.144.). Sendo necessário , não de-
pende a sua administração da vontade dos de-
ponentes ( como querem os seus Patronos ) ,
q Depositário , qual o Imperante , os admi-
nistra a seu arbítrio por authoridade de Deos,
que obrigou os homens áquelle deposito.
N. 5-6. Sc elle fosse voluntário, a autho-
ridade do Imperante seria precaria, em quan-
to cada hum não reasumisse do deposito a
sua porção de Direitos depositados. E que
absurdos se não seguem de tão extravagante
hypothese ? As Leis do Imperante não obri-
garião cada hum dos súbditos , se não eitt
quanto cada hum quizesse submetter-se a el-
las vòluntariamente; e então aonde o vínculo
e a
«ia Sociedade, o ©ffeito do pacto social,
obediencia ao commum Imperante ? A rebe-
lião , a Anarchia seria o estado ordinário da
Sociedade. Se o deposito do poder da força
da vontade de cada hum formasse o Lnpe*
raflr
d Parte segunda das Prelecções. 69

rante, a vontade, a força, e a mente do Im-


perante seria a vontade, a força , e a mente
de cada hum dos súbditos; e como se poderá
esta sem aquella combinar com a idéa de So-
berano ?
N.5*7. A idéa de hum Soberano compre-
hende a idéa de hum Ente Poderoso, Sabio,
e Benefico. Como pôde este Ente ser o re-
sultado das pequenas partículas do Poder da
Sabedoria, e da Beneficencia, que tem todos
os indivíduos de huma Nação, para fazer hum
aggregado, que fórma a Soberania? Que por-
ção de Poder de Sabedoria , e de Beneficen-
cia se pôde extrahir dos fracos, dos ignoran-
tes , e dos malévolos, que fôrmão grande par-
te do genero humano ?
N. 5"8- Como se poderá imaginar, que a
vontade do Soberano seja a de todos os in-
divíduos , e que o Soberano julgue, queira, e
obre com a mente, com a vontade, e com a
acção de todos os membros do Povo ? Quem
dirá que o estúpido, o ignorante, o enfermo,
o fraco , o iniquo julguem com a mente,

obrem.
7o Observações

obrem com a força, e queirato com a vontade


do Soberano ? Que Soberano se poderia con-
siderar, se elle não fosse mais, que a expres-
são da vontade , da força , e das acções de
cada hum dos súbditos, ou ao menos da maior
parte.
N. 5-9. A boa razão, a Filosofia, a expe-
riencia, tudo concorre para fazer crer, que o
Soberano he destinado a fazer barreira ás for-
ças , ás acções, e á vontade de huma grande
parte do Povo ; acções , forças, e vontades,
que por aquelle fundo de corrupção , que se
«cha no homem, estão cm collisão com o bem
público, e o poriao em perigo , se não hou-
vesse huma força , c huma vontade pública,
que sendo superior a todas as vontades parti-
culares dos súbditos, os contivesse, e os sou-
besse voltar para a pública segurança , e pú-
blica tranquillidade.
N. 60. E queremos nós dizer , que esta
força pública, destinada a conter as forças, e
as vontades privadas dos súbditos , seja hum
aggregado das forças , e das vontades dos
mes-
d Parte segunda ãas Prelecções. 71

mesmos súbditos ? Não involve está conside-


ração líuma manifesta repugnancia de termos ,
e de Direitos? Não< são manifestamente con-
trarias ás idéas do Soberano , e de súbditos ?
Neste systema extravagante se fabrica hum
Soberano ( como diz o Author das Cartas
Theologico-Politicas,, Garta 8. ) , a quem se
dá hum supremo poder , ao mesmo tempo
que o fazem dependente do Povo ; a quem
se assina© súbditos , que são o Soberano do
seu Soberano ; que se diz. ter hum poder
summo na Nação , tendo na mesma á frente
hum poder maior que o seu ; que pôde man-
dar aos súbditos, não a todos juntos , mas :a
alguns em particulare aindg a estes , em
quanto lhes não vier na vontade . 0 revogar
aqttella porção de Direitos, que tinha anteci-
padametite cedido ; hum Soberano , que tem
Direito de fazQr as Leis , e as deve receber
do Povo ; . que nos seus Juízos he inappella-
yel, e he responsável á Nação; que tem Di-
reitos inalienáveis , mas que a Nação pôde
3 ' :• . :• , -r-, •.•/. ' .1 0. . •' 15 - n-il
suppnniir quando quizer , que a sua ressoa
L ' V
72 Observações

he inviolável, ao mesmo tempo sujeita a per-


der a cabeça em hum cadafalso por Decreto
da Nação, ou de seus Representantes ; hum
Soberano finalmente , que não tem súbditos,
porque os súbditos são o Soberano ; que he
Pai, e ao mesmo tempo filho do Povo; Pas-
tor, e ovelha; Principe, e Ministro. Nada se
pôde dizer com mais energia , para mostrar a
falsidade , e extravagancia da doutrina, que
suppõe o Imperante como Delegado dos súb-
ditos, e exercendo os Direitos Magestaticos,
depositados por elles em commum.
N. 61. Para illustraçao do que até aqui
temos ditoreferiremos algumas passagens de
alguns Sábios , escolhidos entre os innumera-
veis da Republica Literaria , que tem segui-
do a doutrina do Poder immediato. Seja a
primeira a de Pedro Nicole (a), n. 2. Tomo
dos seus Ensaios de Moral , Tratado 6. da
Gran-

(<0 A suspeita de Jancenismo de Pedro Nicole, e de Pe-


dro Quesmel augmema a sua aúthoridade contra os Jacobi-
nos, e Libertinos.
d Parte segunda das Prelecções. 73

Grandeza , ibi : » O que S. Paulo nos ensi-


> na, que todo o poder vem de Deos : • Nan
' est potes tas nisi a Deo , nos mostra que a
> grandeza he huma participação do poder de
» Deos sobre os homens , que elle commu-
> nica a huns para bem de outros ; que éste
> he hum Ministério confiado por Deos aos
» homens; e não havendo cousa mais real, e
> mais justa, <que a authoridade, e poder de
5 Deos, íambem a não ha mais justa, e mais
> real , que a Grandeza naquelles , a quem
> Deos verdadeiramente ,a communiçasse , e
» que não são usurpadores delia. Deste prin-
> cipio facilmente se comprehende , que ain-
> da que a Monarquia, e as outras formas de
> governo, originalmente venhão da escolha,
> e consenso do Povo , com tudo a authori-
> dade dos Reis vem só dc Deos, e não do
> Povo. Porque Deos deo ao Povo o poder
> de escolher o governo; mas assim como a
> escolha daquelles , que elegem o Bispo,
s não xonstitue propriamente o Bispo , mas
» he preciso que a authoridade Pastoral, de
- - L ii Je-
74 Observações
3» Jesu Christo lhe seja communicada por meio
»> da sagrada Ordem ; assim nao he o con-
»> senso do Povo o que faz o Rei , mas sim
a participação , que Deos lhe faz da sua
» Monarquia , e Poder , he quem os consti-
tue legitimamente Soberanos , e que lhes
>' dá hum verdadeiro direito sobre os subdi-
» tos. Por isso o Apostolo nao chama aos
» Príncipes Ministros do Povo, mas sim Mi-
» nistros de Deos , porque elles nao tem o
" seu poder, senão immediatamente de Deos.
» Daqui se segue , que não he permittido a
« quem-quer que seja o soblevar-se contra o
seu Soberano , ou empenhar-se em huma
:» guerra Civil. Porque a guerra não se pôde
•" fazer sem a soberana authoridade , tratan-
» do-se de fazer morrer homens, o que sup-
" põe hum Direito de vida, e. de morte, Bs-
te Direito em hum Estado Monárquico nao
" pertence senão ao Rei ; e aquelles que o
» exerci tão em seu Nome, com a sua autho-
>» ridade. E não - tendo hum tal Direito aquel-
les que se revoltao contra o Soberano , com-
» met-
d Parte segunda das Prelecções. 75-

55 mettem tantos homicídios , quantos são os


55 homens , que se fazem morrer em huma
» guerra Civil, porque os fazem, morrer sem
» Direito , e contra a ordem de Dcos. Em
» vão se pertenderá justificar a revolta com
>.» as desordens do Estado , que se querem
j> remediar , porque nuo ha desordem , que
» possa dar aos súbditos o Direito de tirar a
» espada contra o Príncipe ; e não tendo os
jj súbditos o Direito da espada, he certo que
>5 se não podem servir delia senão por ordem
» daquelle, a quem a poz na mão a Ordem
» estabelecida por Deos. j> Do mesmo senti-
mento he o famoso Padre Quesnel , nas suas
Reflexões Moraes sobre o Testamento Novo,
commentando as palavras de S. Paulo aos Ro-
man. cap. 13. : Omnis anima potestatibus subli-
mioribus súbdita sit, escreve assim : » Doutri-
» na Apostolica, e Divina do legitimo poder
» dos Reis , e dos Soberanos contra os Ec-
» elesiasticos rebeldes , que debaixo do pre-
»> texto de Religião , quebrantao a mssma
» Religião , sacudindo o jugo da authorida-
» de,
76 Observações

>» de, que vem immediatamente de Deos. O


» primeiro dever dos súbditos he reconhecer
» a Soberania dos Príncipes , a sua authori-
>j dade nos seus Ministros , e nos Magistra-
dos , e a obediencia . que se lhes deve.
» Huma , e outra cousa he de Direito Divi-
» no, o que se extende, como diz S. Paulo,
j> a todo o mundo, sem excepção , isto he ,
» segundo S. João Chrysostomo , aos Apos-
tolos , aos Evangelistas, aos Profetas, aos
» Bispos, aos Sacerdotes, aos Monjes , aos
» Religiosos , os quaes devem ser sujeitos
» não por obediencia simplesmente exterior,
» mas voluntaria, e do fundo do coração
» O Apostolo accrescenta á qualidade de Su-
» perior a de Potencia , porque os Reis não
» tem quem no temporal lhe seja superior,
» nem reconhecem senão a Deos ; Omnibns
> > maior, solo Deo minar ; Deos he a primeira
„ Magestade , o Rei a segunda , a sua Co-
„ roa he independente de todo o poder crea-
„ do; N. vers. 2. ehama-se hum quarto dever
„ dos súbditos o não se revoltarem contra os
* Parte segunda das Prelecções. 77

„ Soberanos, sejão clles como forem, porque


isso será revoltar contra o mesmo Deos. O
„ querer isentar da obediencia devida ao So-
„ berano , lie querer dispensar a observancia
„ da Lei eterna , a qual consiste na ordem
„ de Deos. li.lle he quem vinga aos Reis da
„ revolta dos súbditos , porque são imagens
„ suas , e Deos reservou só para si o Direito
„ de julgallos. Não podem os súbditos pegar
„ em outras armas contra elles senão os ge-
„ midos , a paciência , e as súpplicas , N.
„ vers. 6. O oitavo dever he de pagar os
„ tributos , ou os outros Direitos equivalen-
„ tes , porque S. Paulo o manda em Nome
„ de Deos. Isto he devido aos Principes por
„ Direito Divino , como Ministros de Deos.
„ Só a Religião he que sujeita verdadeira-
„ mente o coração aos Reis, porque ella só
„ he que os reconhece como Ministros de
„ Deos. O pagar aos Reis os tributos ordi-
„ narios, e os subsidios extraordinários , he
„ divida , e não dadiva. „ O mesmo Ques-
mel no Livro intitulado ; A Sabedoria dos
Reis
78 Observações

Reis defendida contra Melchior Leydecher,


Calvinista, diz : „ He preciso distinguir na
,, instituição -do mesmo Rei, que se faz por
„ eleição, ò que he do Povo, o que he de
„ Deos,, e o que se deve ao Rei eleito. Na
„ instituição do Rei electivo , os Póvos es-
„ colhem, e presentao o Súbdito, que deve
„ ser revestido da Soberania ; mas não são
„ elles que lhe dão a authoridade , e o po-
„ der, segundo a Doutrina dos Apostolos, e
„ da Igreja Christã. Deos he quem reveste o
„ Súbdito , que lhe apresentao , e que elle
„ mesmo tinha escolhido antes que o Povo,
„ na ordem da sua Providencia, permittindo,
„ ou induzindo os Póvos a escolha que fize-
„ rao; e o Rei assim estabelecido, promette
„ a Deos, cao seu Povo governar com jus-
„ tiça, e procurar quanto lhe for possivel ó
„ bem do Estado. Mas assim como os Reis
„ só de Deos he qiie dependem , a elle só
„ he que sao responsáveis das suas acções, e
„ a sua cíusa não reconhece outro Tribunal
„ senão o de Deos. O caracter de R.ei , e de
„ So-
d Parte segunda das Prelecções. 79

„ Soberano o isenta da sujeição ás Leis pe-


„ naes; sujeita-lhe os súbditos , sem que elle
„ seja sujeito a algum dos súbditos em parti-
„ eular , nem a todos em geral. Finalmente
„ os Reis não tem mais superior , que a Deos,
„ e tudo o mais lhe he sujeito. Se as eousas
„ são deste modo a respeito dos Reis electi-
„ vos , com quanta maior razão se deve dizer
„ o mesmo daquelles que sobem ao Throno
„ por Direito do Nascimento, e por Lei de
„ huma legitima Successão ? Longe de nós
„ aqucllas vans distinções de Reis verdadei-
„ ramente Soberanos, e Reis Convencionaes ,
„ forjadas nas cabeças dos Protestantes, para
„ defender as doutrinas homicidas dos subdi-
„ tos rebeldes, e dos matadores dos seus Reis
„ verdadeiramente Soberanos. Tapem a boca
„ a estes impios as palavras de David, e en-
„ torpeção o braço aos inimigos da Monar-
„ quia, contendo-os no seu dever: Quem po-
„ dera sem grave delicio pôr as mãos no ungido
„ do Senhor ? Imprimão-se em todos com letras
j, de ouro as outras palavras dictadas a S. Pau-

M „ lo
8o Observações

„ lo pelo Espirito SantoQuem resiste ás Por


„ teiicias, resiste ás Ordens de Deos; e aqiielles
>, que lhe resistem , chamão sobre si huma justa
„ condemnaçao. Tão longe estão o poder, e o
„ zelo da Religião Christã em inspirar nos
,, Catholicos sentimentos diversos, que antes
„ pelo contrario a Religião Christã he quem
„ une mais inviolavelmente os súbditos aos
„ Soberanos , porque ella estabelece a sua
„ piedade, ou huma parte delia em respeitar
„ os Reis, e os outros Soberanos como Ima-
„ gens vivas da Magestade de Deos , como
# revestidos de hum poder , que vem imme-
„ diatamente delle, e no qual os súbditos de-^
„ vem estar sujeitos por amor de Deos. Não
„ se pôde offender mais descaradamente a li?
„ berdade dos Reis , nem dar aos súbditos
„ mais forte impulso para se rebelarem con-
„ tra os Soberanos , do que lembrar-lhes o
pretexto de que elles abusão da sua autho-
,) ridade , e mudão as Leis fundamentaes do
,t Estado. Isto he propriamente pôr as armas
» na mão do Povo, excitallo a fazer-se justi-
» 9a
d Parte segunda das Prelecções. 81

„ ça da violação , que lhe lembra faz o So-


,, berano dos seus Privilégios , e da sua li-
„ berdade. Calumniar os Príncipes de Tyran-
„ nos, he dizer abertamente aos súbditos in-
„ clinados ordinariamente á novidade por si
„ mesmos , que elles já os não devem reco-
„ nhecer por legítimosque elles tem o Di-
„ reito de repelir a força ; e que elles po-
„ dem eximir-se sem escrupulo daquelle jugo
„ tyrannico, com que se achavão opprimidos.
„ Maximas horríveis , que não tendem senão
„ a precipitar aos Póvos em misérias muito
„ maiores , do que as de que elles se quei-
„ xão , e a arruinar o Estado com subvela-
„ çoes , e guerras intestinas , das quaes os
„ Póvos se vêem sempre a arrepender ; mas
„ sempre muito tarde , porque pondo-se de-
„ baixo do jugo dos Cabeças do partido , e
„ da ambição, não se lembrão da sua desgra-
„ ça senão depois de huma triste , e funesta
„ experiencía , que com o pretexto de atalhar
„ algumas injustiças ou falsas , ou verdadei-
n ras, se vêem reduzidos a aífogar-se em rios
M ii „ de
8z Observações

„ de sangue dos seus Concidadãos , e a ver


„ morrer milhões de homens , e que para se
„ remirem de algumas contribuições pouco
„ maiores que o ordinário , a que a necessi-
„ dade dos tempos , e dos negocios obrigao
„ algumas vezes os melhores Príncipes a pe-
„ dillas aos seus súbditos , dão occasiao á
„ ruína total do Público , e dos Particulares.
,, He huma verdadeira loucura dos Póvos o
„ dar ouvidos a esta especic de Seductores,
„ que lhes fazem deixar hum-verdadeiro des-
„ canço, e as doçuras de huma verdadeira li-
„ herdade , allucinando-os com huma sombra
„ de liberdade, e de descanço: se he neces-
„ sario soíFrer , he muito melhor na Ordem
„ de Deos , e ficando na obediencia aos So-
„ beranos, que elles receberão das suas mãos,
„ como são obrigados os Christaos pela LC1
„ Evangélica, do que deixar-se arrastar á re-
„ bcliao , para soffrer muito mais debaixo tie
„ hum novo, e estrangeiro domínio, do que
„ soffreriao debaixo do seu legitimo Príncipe*
j, Esta he huma conducta tão conforme á ra-
„ zão,
d Parte segunda das Prelecções. 83

,, zão , que os Sábios do Paganismo só com


„ o soccorro delia se prevenirão com as ma-
„ ximas , que a fé nos ensinou depois. He
„ huma falsa sabedoria , hum louco amor da
„ liberdade , huma magnanimidade muito mal
„ entendida o querer antes transtornar tudo,
„ do que soffrer alguma cousa , pela tranquil-
„ lidade pública, e pela satisfação do proprio
„ dever. Huma vez que os homens destemi-
„ dos deixem livre o curso á sua ambição,
„ para sacudir o jugo da obediencia, e se pô-
„ rcm no lugar de seus Soberanos legítimos,
„ ordinariamente se servem das falsas idéas
„ de magnanimidade , de valor , e de hum
falso amor de liberdade para enganar os
„ súbditos , distrahindo-os dos seus deveres.,
„ e enganando-os com as promessas de liber-
„ tallos da escravidão, os fazem escravos das
„ suas paixões , e entretanto seduzidos os
„ Povos pelo amor da novidade, não se lem-
„ brao que debaixo do pretexto de salvar os
„ seus bens , e as suas pessoas das vexações
„ do legitimo Soberano, se lhe faz sacrificar
„ tu-
»

84 Observações

„ tudo á ambição de hum usurpador. E a isto


„ he que chamão valor, grandeza d'alma, co-
„ mo se o verdadeiro valor poddsse ser sepa-
„ rado da justiça , e da submissão d Lei de
„ Deos, a qual nos ata com huma inviolável
„ fidelidade ás Potencias, que Deos poz aci-
,, ma de nós. So a Theologia Calvinista he
„ que tem por maxirna capital não soffrer in-
„ justiça, nem ainda nos Soberanos, sujeital-
„ los ao juizo dos súbditos ; c quando se jul-
„ gue que os Príncipes obrão mal, que elles
,, quebrão o Privilegio do Paiz , e os Direi-
„ tos dos Concidadãos, que não attendem is
„ representações , nem ás súpplicas , então
„ acha que he permittido fazer-lhe a guerra,
,, repelir a força, com a força sacudir o jugo
„ da obediencia , escolher hum novo Sobera-
„ no , ou governarem-se por si mesmo. Se-
„ gundo as maximas da Religião Christã, as-
„ sim como não pôde haver motivos justos
,, para romper a unidade da Igreja , e sahir
,, do seu grémio, assim também os súbditos
nunca podem ter legitimo fundamento para
d Parte segunda das Prelecções. 8?

„ se revoltarem contra os seus Soberanos ,


„ nem de sacudir o jugo da obedicncia, que
„ lhe devem. Os Príncipes podem commetter
„ injustiças , podem faltar aos seus deveres ,
» podem tratar asperamente os súbditos. Es-
„ tes tem o caminho das representações, das
„ súpplicas, da mediação; e quando com es-
,, tes não podem conseguir melhoramento ,
„ não lhe restao outros meios senão o das
„ orações , dos gemidos , das lagrimas , as
„ quaes intercederão por elles na presença de
„ Deos, Protector dos Póvos opprimidos, e
„ único Juiz dos excessos , e das injustiças
„ dos Príncipes. „
N. 62. Deixando de referir outras muitas
authoridades , referirei ultimamente a do Con-
cilio Provincial de Utreque do anão de 1763 ,
a qual recommendando com toda a energia a
obedicncia devida aos Soberanos, entre os ar-
tigos formados a este respeito, diz em o 6. :
„ Príncipes auctoritatem suam immediate
>, a Deo solo acceptam referre , nullaque alia
„ potestate in terris etiam spirituali, sive di-

„ re-
86 Observações

» recte, sive indirecte, aut Principem desti-


» tui, aut súbditos fidelitatis Sacramento qua-
» cumque de causa solvi posse. »
E continua em o 7.: » Omni execratio-
» ne dignos esse quicumque leges tum Divi-
» nas, tum humanas , ac sanctissima secunda
„ Majcstatis jura conculcantes , non timent
„ mi tire manum suam , ut occidant Cbristos
„ Domini, quorum sanguis super caput eorum,
„ et non tantum eos, qui hoc nefandissimum
,, scelus admittunt, sed et, qui jubent, vel
„ suadent, vel certis casibus licitum docent. >»

§. 161.

Pag. 9. linh. 11. t=i Bened. t=: faltou ps


Epitheto, que Samuel de Cocc. dá a seu Pai
Henrique de Cocc.

§. 180.

Pag. 188. linh. 7. í=: Excepção ^ deve


ler-se c Execução. =5
TER-
rw.'V"m'JO
o

TERCEIRA PARTE.:
t í\tl o':, oaiiM -jL is pb iaJ tAnuii -ioq
DIREITO PARTICULAR.

§. í'ò.
• - • -!> -^ZZuekt.q
P Ag. 9. linh. 7. t= Ou pelas ruas !=s deve
accrescentar-se cc> de Lisboa. =4 -k
zh «noa '8U3?. 3b _m - Í: :ov ;fa ioíjsv o énom
§ 14-
' i:'!'- r; efloèi:() ,
Pag. 11. not. (h) linh. 10. t= que o do-
mínio util he seu, e estas diversas circumstan-
cias fazem que a causa pertença a diversos
foros. — Nesta nota deve omittir-se a con-
clusão tz segue-se que. =5
cr! f nbiy huí irera , - ^
§. 31.
• > í;ic- .«D t c:. *, > (, ; lí-ij /nã-ií.n 'de . 1,
Pag. 26. not. ( p ) linh. 3. (=; pelas mes-
mas ;= lea-se pelas nossas, a
N §. 8#
Observações

———— ",l" ——

Pag. 6jj>. not. (.í ) o Senhor D. Diniz


por huma Lei de 21 de Março de 1291 , §.
3. Ord."Áff. Liv. 1. tit. lyj prohibio, que as
Ordens podessem succeder nas heranças , e
possessões de seus Religiosos ; e permittio,
que estes podessem dispôr delias em sua vida
a favor de pessoas leigas, ou deixar por sua
morte o valor da terça parte de seus bens ás
mesmas Ordens; e ordenou, que tendo dado
ás Ordens em sua vida para sua mantença,
que ellas fossem obrigadas a vendellas á pes-
soas leigas dentro de hum anno , depois da
morte do Religioso. No primeiro de Junho
do-dito anno , dita Ord. §. 7. declarou o
mesmo Senhor , que não dispondo os Reli-
giosos dos bens em sua vida , lhe succedes-
sem as mesmas Ordens , com a obrigação dc
os alienarem dentro de hum anno, depois da
morte do Religioso. -
K .zs&tm sub" sÁ 'sz rA =i 8gíí-
. .1 K §• *9'
/

d Parte terceira das "Prelecções. 89

• §. 89.

Pag. 73. not. (a) linh. 8. tí Lei de 14


de Fevereiro de 1321.
«'tfti *>' '}> • -vjjoíí
§. 91.
a i.
Pag. 75». linh. 4. t= a qual £= interpre-
tação. =3
r,<>:> ; c r
' • ' . : ' I; , r1
§• 9-9,
< '' 'Z ' ' « ' :'
Pag. 82. not. (b) O Caseiro enca-
beçado se entende aquelle , de quem o Se-
nhor recebe a pensão, ou foro de todo o ca-
sal , posto que não viva nas casas da herdade.
Privileg. da Religião de Malta.
Pag. 83. not. (b) í=: Entre os Casei-
ros , e Lavradores não ha outra differenqa
mais, que morarem aquelles nas herdades, e
estes não.
• -:'í

N ii §. 102.
Observações

, Pag. 86. not. (f) in fin. ps He porém


mais provável que nesta Ord. se trate dos
Retos , que falia a Ord. Aff. Liv. x. tit. 64.,
cujos desafios são •> exceptuados da prohibiçao
geral dos desafios , pela mesma Ord. Aff.
Liv. $ tit. 5-3. §. 4. Reto he a accusação,
que hum Fidalgo faz de outro perante El-
Rei, de ser traidor contra o Rei, ou contra
o Estado , cujo delicto se obriga a provar
perante o Rei , ou em campo armado , cuja
eleição depende do accusado , e a EIRei
compete determinar o campo , e as armas da
peleja , como tudo se prova da citada Ord.
Liv. 1. tit, 64.
ah ij* .Soíivrtf
-hzz'3 90 o-ijnil •,
1 'f * * • o/j-r
?ÍI v iiliJJO hrí '.** i)- • '> ç .
Pag. 8.7. not. (1) vid. observações 4 dota
(b) da pag. 82. das Prelecções de; Direito
Pátrio Público.
ii /
d Parte terceira das Prelecções. 91

§• 22J.

Pag. 187. linh. 2. t=: O Lavrador ha-de


ser encabeçado, e lavrar unicamente as terras
do encabeçamento. s=s Neste §. devem-se ti-
rar as palavras isto he viver nas casas da
herdade. :=!

F I M.
\
-

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,-i; oc- -v:ò >: «>'*1 J f ..óirtoiíísyàdiffltí^r.-b V-Mj
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