Nossa avaliação é de que o Ministério Público antes de qualquer outra coisa
deveria agir como sujeito de "advocacy", a saber, agente vocalizador de uma pauta de discussão política sobre a natureza da estrutura administrativa do governo, enquanto aliado da sociedade civil e dos cidadãos na luta pela democratização do poder público no Estado. Nas palavras do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, o Ministério Público como "novíssimo movimento social", atua lutando pela ampliação do alcance do conceito de democracia, para "democratizar a democracia". Nesta hipótese, dadas as condições legalmente vigentes no país em favor do Ministério Público, contaria a sociedade civil e a cidadania com um poderoso aliado, tanto pelas potestade institucional adquirida após a redemocratização quanto pela qualidade e profundidade da formação dos quadros do Ministério Público, aptos a aportarem à luta democrática conteúdo, estratégia, capacidade negocial e discernimento.
Mas, ao Ministério Público compete também a atribuição constitucional de
fiscalização e investigação para efetuar a acusação dos ilícitos e das ilegalidades, apontando responsáveis e propugnando, se meramente administrativos, termos de ajustamento de conduta, ou, se necessário, ante a evasão dos espaços da legalidade, de ações instauradas junto ao Poder 1 Gestor Governamental na SEPLAG - Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão do Estado de Mato Grosso Judiciário para requerer a reversão dos ilícitos e a responsabilizações daqueles que da lei tenham se afastado.
É importante que se resgate uma dimensão radicalmente revolucionária das
democracias constitucionais comparativamente aos governos ditatoriais, oligárquicos, monárquicos ou imperiais: enquanto nestes impera o controle dos governantes sobre os súditos, por vezes, com a permissão de deliberar sobre sua vida ou morte, nos regimes de democracia constitucional, impera o controle da sociedade sobre os governantes. Trata-se da chamada "accountability". Naqueles, o governante controla; nestes, o governante é submisso a formas legais, institucionais e políticas de controle. Naqueles, o governante é soberano, exercendo, por vezes mediante tirania, sua dominação; nestes, o povo é soberano, detém o controle, e emprega servidores públicos para exercitarem o controle das autoridades governantes cotidianamente. Dentre tais, servidores da soberania dos cidadãos para o controle dos governantes, a democracia constitucional emprega o Ministério Público, que não pode olvidar os motivos de sua instituição e a quem deve subserviência.
Além disso, por vezes, o processo de concorrência eleitoral nas democracias
representativas, obnubila a perspectiva dos eleitos, que consideram a hipótese de concentrarem maior poder do que aquele que o sistema constitucional lhes concede, de modo que passam a atuar como se pudessem subordinar a sociedade a seu controle ou tangenciar alternativas para erodir os limites do controle. As práticas assim denominadas de "coalizão política" prestam-se na maioria das vezes para sufocar as divergências parlamentares independentemente do conteúdo das matérias apresentados à discussão dos parlamentos; as tentativas de cooptação mediante oferta de cargos de confiança; estes são dois dos muitos exemplos possíveis de ardis empregados pelos governantes para minimizar os controles políticos e institucionais impostos a eles pelos regimes de democracia constitucional, sem precisar recorrer àqueles em que valores monetários pactuam tais objetivos. Neste contexto, o Ministério Público reveste-se da relevante tarefa de primeiro objetor ao desatino dos governantes quando descontentes por sua obrigação de subordinação ao regime de controle do poder regrado nas democracias constitucionais.
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