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CAPÍTULO 1

Nottinghanshire, outono 1819

O cavalheiro de negro virou no corredor e Charlotte Highwood seguiu-o.


Furtivamente, é claro. Não deixaria que ninguém a visse.
Seus ouvidos capturaram o som de um sutil click na trava da porta _
pela passagem à esquerda. A porta que levaria à biblioteca de Sir. Vernon
Parkhurst, se sua memória estivesse correta.
Ela hesitou em frente ao cômodo envolvendo-se em um debate silencioso
consigo mesma.
No grande esquema da sociedade Inglesa, Charlotte era uma jovem
dama totalmente sem importância. Ser uma intrusa na solidão de um
Marquês_ ao qual ela não havia sido nem mesmo apresentada _ seria o pior
tipo de impertinência possível. Mas a impertinência era preferível do que a
alternativa de mais um ano de escândalo e miséria.
Uma música distante podia ser ouvida do salão de baile, os primeiros
acordes de uma quadrilha. Se ela pretendia agir, teria que ser naquele
momento. Antes que ela pudesse convencer a si mesma a sair dali. Charlotte
seguiu o corredor na ponta dos pés e pôs sua mão sobre a maçaneta da porta.
Mães desesperadas pedem por medidas desesperadas.
Quando ela abriu a porta, o marquês levantou os olhos. Ele estava
sozinho, parado atrás da mesa da biblioteca.
E ele era perfeito.
E por dizer perfeito, ela não quis dizer bonito _ apesar de que ele era
bonito. As maçãs do rosto eram altas, a mandíbula quadrada e o nariz muito
reto, Deus devia tê-lo desenhado com uma régua, porque tudo sobre ele
declarava perfeição. Sua postura, seu semblante, seu cabelo escuro anelado.
Um ar de comando e segurança pairava sobre ele, preenchendo o ambiente.
Apesar do seu nervosismo, ela sentiu uma pitada de curiosidade. Nenhum
homem poderia ser perfeito. Todo mundo tinha defeitos. Se as imperfeições
não estivessem de forma aparente, na superfície, elas provavelmente
estariam escondidas bem lá no fundo. Mistérios sempre a intrigaram. “Não
se assuste.” Ela disse, fechando a porta por detrás dela. “Eu vim aqui para
te salvar.”
“Me salvar.” Sua voz baixa e rouca deslizou sobre ela com um toque
refinado e uma autoconfiança acima do comum. “Me salvar de...?”
“Oh! Todos os tipos de coisas. Inconveniência e mortificação
principalmente. Mas ossos quebrados também não estão de fora das
possibilidades.”
Ele empurrou uma das gavetas da mesa, fechando-a. “Nós fomos
apresentados?”
“Não, milorde”. Tardiamente ela se lembrou de fazer uma reverência.
“Isso é.... eu sei quem o senhor é. Todos sabem quem é. O senhor é Piers
Brandon, o marquês de Granville.”
“Da última vez que eu verifiquei sim, eu era.”
“E eu sou Charlotte Highwood, da família Highwood, que o senhor não
tem razão nenhuma para conhecer. A menos que o senhor tenha lido o
periódico Prattler*, o que provavelmente não o fez.”
Bom Deus, eu espero que não.
“Uma das minhas irmãs é a Viscondessa de Payne,” ela prosseguiu. “O
senhor deve ter ouvido falar dela; ela gosta de rochas. E minha mãe é...
Impossível!”
Depois de uma pausa, ele inclinou sua cabeça e disse “Encantado.”
Ela quase gargalhou. Nenhuma resposta que ele desse poderia soar
menos sincera. Encantado, ele disse, mas sem dúvida ‘chocado’ seria uma
resposta muito mais sincera, mas ele era muito cortês para dizer isso.
Em um outro exemplo de refinadas boas maneiras, ele fez um gesto para
a cadeira, convidando-a se sentar.
“Obrigada, mas não. Eu preciso voltar para o baile antes que minha
ausência seja notada, e eu não me atreveria a ficar toda amarrotada.” Ela
disse, passando as palmas das mãos sobre seu vestido rosa, alisando as
saias. “Eu não quero me impor, tem uma única coisa que vim para dizer.”
Ela engoliu com dificuldade. “Eu não estou nem um pouquinho interessada
em me casar com o senhor.”
Ele lhe transpassou um olhar frio e sem pressa da cabeça aos pés. “A
senhorita parece esperar que eu lhe transmita um senso de alívio.”
“Bem...sim. Como faria qualquer cavalheiro em sua posição. Veja bem,
minha mãe é reprovável em suas tentativas de me jogar no caminho de um
cavalheiro que tenha um título. Já virou um ridículo tópico público, talvez o
senhor já tenha ouvido a frase ‘Debutante Desesperada’ ?”
Oh, como ela odiava somente ter que pronunciar essas palavras. Elas a
perseguiram durante toda a temporada como uma nuvem amarga e
sufocante.
Durante sua primeira semana em Londres, na última primavera, sua
mãe e ela estavam dando um passeio pelo Hyde Park, aproveitando a tarde
agradável, então sua mãe observou o Conde de Astin cavalgando pela Rotten
Row. Ansiosa em fazer com que o cavalheiro em questão notasse sua filha,
a Sra. Highwood a empurrou no caminho do lorde, fazendo com que uma
desavisada Charlotte rolasse, se esparramando na poeira, fazendo com que
a montaria do conde retrocedesse, e causasse nada menos que a colisão de
três carruagens.
Na publicação seguinte do PRATTLER*, estava em destaque uma
caricatura retratando uma jovem dama com uma notável semelhança com
Charlotte mostrando seus seios e pernas enquanto lançava-se na estrada no
meio do tráfego. O artigo vinha intitulado ‘A PRAGA DE LONDRES NA
PRIMAVERA: A DEBUTANTE DESESPERADA’.
Então era isso. Ela tinha sido declarada um escândalo. Pior que um
escândalo: um perigo à saúde pública. Pelo resto da temporada nenhum
homem se atreveria a chegar perto dela.
“Ah”, disse ele, parecendo entender a situação. “Então a senhorita é a
razão de Astin caminhar agora mancando.”

_ *PRATTLER: O Fofoqueiro (tradução livre). _


“Foi um acidente.” Ela se encolheu. “Mas, por mais que me doa admitir,
é provável que minha mãe me empurre para o senhor. Eu quero dizer que
não se preocupe. Ninguém espera que suas maquinações funcionem. Pelo
menos não eu. Quer dizer, seria um absurdo. O senhor é um marquês. Um
rico, importante e lindo marquês.”
Lindo, Charlotte? Sério?
Por que, por que, por que ela tinha que dizer aquilo em voz alta?
“Eu não estou colocando meus olhos em nada mais elevado do que um
terceiro filho ovelha negra da família.” Ela se apressou em explicar. “Sem
mencionar, a diferença de idade, suponho que o senhor não esteja
procurando por uma combinação ‘maio-dezembro’.”
Os olhos de lorde Granville se estreitaram.
“Não que o senhor seja velho.” Ela se apressou em acrescentar. “E não
que eu seja impensadamente jovem. Não seria uma combinação ‘maio-
dezembro’, seria mais como ‘junho-outubro’. Não, nem mesmo outubro.
‘junho-setembro’, talvez, com nenhum dia a mais depois da festa de São
Miguel.” Ela brevemente ocultou seu rosto com as mãos. “Eu estou fazendo
uma confusão com tudo isso, não estou? ”
“Um pouco.”
Charlotte caminhou até o sofá e afundou-se nele. Ela concluiu que
deveria estar sentada afinal de contas.
Ele saiu detrás da mesa e se sentou na lateral, mantendo a bota
plantada firmemente no chão.
Você precisa sair dessa, ela disse a si mesma.
“Eu sou uma amiga próxima de Delia Parkhurst. O senhor é conhecido
de Sir Vernon. Nós estamos os dois aqui nesta casa como convidados, pelos
próximos quinze dias. Minha mãe fará tudo que ela puder para encorajar
uma aproximação. Isso significa que o senhor e eu devemos planejar algo
para evitar um ao outro.” Ela sorriu, tentando demonstrar casualidade. “É
uma verdade reconhecida universalmente que um homem com título e em
posse de uma grande fortuna, deveria se dirigir o mais distante de mim
possível.”
Ele não riu, nem mesmo um pequeno sorriso.
“A última parte...era uma piada milorde. É uma frase de um livro.”
“Orgulho e preconceito. Sim, eu já li.”
Mas é claro. É claro que ele tinha lido. Ele serviu por anos em
compromissos diplomáticos no exterior. Depois da rendição de Napoleão, ele
ajudou a negociar o Tratado de Viena. Ele era mundano e educado e
provavelmente devia falar uma dúzia de línguas diferentes.
Charlotte não tinha tantos talentos quanto julgava importante a
sociedade _ mas ela tinha boas qualidades. Ela era amável, era direta e podia
rir de si mesma. E em uma conversação ela sempre deixava as pessoas a
vontade.
Esses talentos, modestos como eram, estavam todos falhando com ela
naquele instante. Com aquela pose e um olhar azul penetrante, falar com o
marquês de Granville era o mesmo que estar conversando com uma
escultura de gelo e ela não conseguia ver uma maneira de aquecê-lo. Tinha
que haver um homem de carne e osso ali, em algum lugar.
Ela lhe deu um olhar de soslaio, tentando imaginá-lo em um momento
de repouso. Descansando naquela poltrona de couro decorada, com suas
botas apoiadas em cima da mesa. Seu casaco e seu colete descartados; as
mangas da camisa enroladas em seus cotovelos. Lendo um jornal, talvez,
enquanto bebia goles ocasionais de um brandy. A luz de uma leve sombra de
barba crescendo em sua mandíbula, seu cabelo escuro, ondulado e espesso...
“Senhorita Highwood.”
Ela se assustou. “Sim?”
Ele se inclinou para ela baixando a voz. “Em minha experiência,
quadrilhas, mesmo que as vezes pareçam intermináveis, elas eventualmente
terminam. É melhor que a senhorita retorne ao salão de baile. E também eu
devo ir.”
“Sim, o senhor está certo. Eu irei primeiro. O senhor espere dez minutos
ou algo assim para me seguir. Isso me dará algum tempo para criar alguma
desculpa por ter deixado o baile inteiramente. Uma dor de cabeça, talvez. Oh,
mas então nós temos toda uma quinzena pela frente. Cafés da manhã são
fáceis, os cavalheiros sempre comem mais cedo, e eu nunca me levanto antes
das dez. Durante o dia, o senhor terá esportes para praticar com Sir Vernon,
e nós, as damas, sem dúvida teremos cartas para escrever ou os jardins para
caminhar. Isso será o bastante para passarmos os dias. Mas amanhã no
jantar, entretanto...eu temo que será sua vez.”
“Minha vez?”
“Terá que simular uma indisposição, ou planejar outra coisa. Eu não
posso reclamar de dor de cabeça todas as noites da minha estadia, posso?”
Ele estendeu a mão para ajudá-la a se levantar, trazendo-a mais
próxima dele.
“A senhorita tem certeza de que não tem nenhum projeto matrimonial
comigo? Porque me parece já ter toda a minha agenda organizada, como uma
esposa.”
Ela riu nervosamente. “Não, nada disso, acredite em mim. Não importa
o que minha mãe sugira, eu não compartilho de suas esperanças. Nós
seríamos um casal terrível. Eu sou muito jovem para o senhor.”
“Sim, a senhorita já deixou isso claro.”
“O senhor é um modelo do decoro.”
“E a senhorita está...aqui. Sozinha.”
“Exatamente. Eu sempre mantenho meu coração aberto, e o senhor
mantem o seu claramente...”
“Guardado no lugar de sempre.”
Charlotte podia até imaginar onde: enterrado em algum lugar no Círculo
Polar Ártico. “O fato é, milorde, que nós não temos nada em comum, nós
seríamos pouco mais que dois estranhos habitando na mesma casa.”
“Eu sou um marquês. Tenho cinco casas.”
“Mas o senhor sabe o que eu quero dizer, seria um desastre atrás do
outro.”
“Uma existência marcada pelo tédio e pontuada pela miséria.”
“Sem dúvida.”
“Nós seriamos forçados a basear nosso relacionamento inteiramente a
conferências sexuais.”
“Er...como?”
“Eu estou falando sobre o que se pode fazer na cama senhorita
Highwood, o bastante seria ao menos tolerado.”
Um calor subiu do seu peito até a raiz dos cabelos. “Eu...o senhor...”
Enquanto ela tentava desesperadamente desfazer o nó em sua língua, a
súbita insinuação de um sorriso brincou nos lábios dele.
Poderia ser? Uma rachadura no gelo?
O alívio tomou conta dela. “Acredito que o senhor esteja me provocando
milorde.”
Ele encolheu os ombros admitindo. “Você começou.”
“Certamente que não.”
“Você me chamou de velho e desinteressante.”
Ela lhe devolveu um pequeno sorriso. “O senhor sabe que eu não queria
dizer dessa maneira.”
Oh Deus! Se ela soubesse que ele poderia gracejar dessa forma e ser
provocado de volta, ela o acharia muito atraente.
“Senhorita Highwood, eu não sou um homem a ser forçado a nada,
menos ainda ao matrimônio. Em meus anos como diplomata, eu já lidei com
reis e generais, déspotas e homens loucos. Qual parte desta história faz a
senhorita acreditar que eu poderia ser derrubado por uma mãe
casamenteira?”
“A parte que o senhor não conhece a minha!”
Como ela conseguiria fazê-lo ver a gravidade da situação? Pouco poderia
Lorde Granville saber_ provavelmente também ele não se importaria em
saber_ mas tinha algo mais em jogo para Charlotte do que simplesmente
fofocas e páginas de escândalos. Ela e a senhorita Delia Parkhurst nutriam
a esperança de trocar toda a próxima temporada por uma viagem ao
Continente. Elas já tinham tudo planejado: seis países, quatro meses, duas
melhores amigas e uma acompanhante excessivamente permissiva e
absolutamente, sem pais sufocantes.
Contudo, antes delas começarem a fazer suas malas, precisavam de
uma permissão segura. Essa festa de outono significava para Charlotte a
chance de mostrar para Sir Vernon e Lady Parkhurst que os rumores a
respeito dela não eram verdadeiros. Que ela não era uma caçadora de
fortunas descarada, mas sim, uma bem-comportada dama e uma amiga leal
e confiável para acompanhar a filha no Grand Tour.
Charlotte não podia estragar isso. Delia estava contando com ela, e ela
não suportaria ver os seus sonhos arruinados.
“Por favor, milorde. Se o senhor somente concordasse em...”
“Rápido.”
Em um instante seu comportamento mudou. Ele foi de gentil e
aristocrático a bruscamente alerta, girando sua cabeça em direção à porta.
Ela também ouviu. Passos no corredor. Se aproximando. Vozes
sussurradas, bem do lado de fora.
“Oh não!” Disse ela entrando em pânico. “Não podemos ser encontrados
juntos aqui.”
Ao mesmo tempo que ela pronunciou essas palavras a biblioteca se
transformou em um redemoinho. Charlotte não estava bem certa sobre como
tinha acontecido.
Ela havia fugido em pânico? De que maneira ela havia deslizado para os
braços dele?
Em um momento ela estava encarando a maçaneta da porta girar em
um mudo terror e no outro ela já estava montada no parapeito da janela
escondida por pesadas cortinas de veludo. Pressionada corpo a corpo com o
Marquês de Granville. O homem que ela queria evitar a qualquer custo.
Oh, Senhor!
Suas mãos estavam agarradas às lapelas do casaco dele. Seus braços
estavam ao redor dela, firmes. Suas mãos repousavam espalmadas contra
suas costas_ uma em sua cintura, outra entre os seus ombros. Ela encarava
diretamente sua imaculada gravata branca.
Apesar do constrangimento de sua posição, Charlotte prometeu não
fazer nenhum movimento ou som. Se eles fossem descobertos assim, ela
nunca se recuperaria. Sua mãe iria enfiar suas garras em Lorde Granville e
iria se recusar a deixá-lo em paz. Isso se Charlotte não morresse de vergonha
antes.
Contudo, enquanto o tempo passava arrastado, parecia cada vez mais
improvável que ela e Granville fossem descobertos.
Duas pessoas entraram na sala e não perderam tempo.
Os sons eram baixos e sutis. Risadinhas e farfalhar de tecidos.
O perfume filtrou-se através das cortinas em uma onda pungente,
densa. Ela deslizou seu olhar para cima procurando na escuridão a reação
de Granville. Ele tinha o olhar voltado diretamente a frente, impassível como
uma escultura de gelo novamente.
“Você acha que ele notou?” A voz masculina murmurou.
Em resposta uma voz feminina roucamente sussurrou:“Shhh...Seja
rápido.”
Um sentimento de terror subiu pelo peito de Charlotte.
O pavor foi agravado por movimentos de sons macios e dolorosamente
molhados.
Por favor, ela orou fechando os olhos bem apertados. Por favor, não deixe
que isso seja aquilo que estou suspeitando.
A oração dela permaneceu sem resposta.
Barulhos ritmados começaram. Um rangido cadenciado que ela só
poderia imaginar vindo da mesa da biblioteca_ algo se balançando
violentamente entre pernas. E justamente quando ela se forçou a suportar
aquilo_ foi quando os gemidos começaram.
O corpo humano é uma coisa estranha, ela meditou, pessoas tem
pálpebras para fechar quando querem descansar as vistas. Podem fechar os
lábios para evitar sabores desagradáveis. Mas não há nenhuma técnica para
bloquear sons.
Ouvidos não podem ser fechados. Não sem o uso de uma das mãos, e
ela não atreveria a se mover. O parapeito estava muito apertado. O menor
gesto poderia mover a cortina e delatá-los.
Ela não tinha escolha, a não ser ouvir tudo o que se passava. E o que
era pior, saber que Lorde Granville também ouvia. Ele também devia estar
ouvindo cada ranger da mesa, cada grunhido animal.
E, dentro de alguns momentos cada lamento agudo.
“Ah!”
Grunhido.
“Oh!”
Grunhido.
“Ihhhhhhh!”
Deus do céu. Esta mulher está realmente tendo prazer ou está recitando
as vogais de gramática?
Uma gargalhada maliciosa começou a subir na garganta de Charlotte.
Ela tentou reprimir ou mandar a sensação para longe, mas não obteve
nenhum sucesso. Talvez fossem seus nervos, ou o constrangimento da
situação. Quanto mais ela dizia a si mesma para não rir_ lembrando-se de
sua reputação, sua viagem com Delia, e como seu futuro como um todo
dependia de não rir_ mas o impulso se intensificava.
Ela mordeu sua bochecha por dentro. Pressionou os lábios
desesperadamente tentando se conter, mas apesar de todo o seu empenho,
seus ombros começaram a convulsionar em espasmos.
Os amantes aceleraram o ritmo, até que o rangido da mesa começou a
ficar mais agudo como o lamento de um cão. O homem soltou um rosnado
gutural.
“Grrrrrrrrrraaaaaaagh.”
E Charlotte perdeu a batalha. A gargalhada irrompeu de seu peito. Tudo
estaria perdido se lorde Granville não tivesse deslizado a mão por trás de sua
cabeça. Flexionando o braço, ele puxou a face dela até o seu peito, enterrando
sua risada em seu casaco.
Ele a segurou firmemente enquanto seus ombros chacoalhavam e
lágrimas desciam por suas bochechas, contendo sua explosão da mesma
maneira que um soldado pularia em uma granada.
Era o abraço mais estranho que ela já havia experimentado em sua vida,
mas também era o que ela mais desesperadamente necessitava.
E então, misericordiosamente, toda a cena tinha acabado.
Os amantes permaneceram alguns minutos compartilhando beijos e
sussurros. Qualquer roupa que havia sido jogada de lado, estava
reorganizada em seu devido lugar. A porta abriu e então se fechou. Somente
um ligeiro aroma de perfume permaneceu.
Não havia mais sons, exceto por um feroz batimento cardíaco.
O coração de lorde Granville, ela percebeu.
Aparentemente o coração dele não estava enterrado no Círculo Polar
Ártico, como imaginou.
Soltando um profundo e repentino suspiro, ele a soltou.
Charlotte não estava segura para onde olhar, ou menos ainda o que
dizer. Ela enxugou seus olhos com seus punhos, então deslizou as mãos pela
saia de seu vestido, se certificando de que estava inteira. O cabelo dela
provavelmente foi o que levou a pior.
Ele limpou a garganta. Seus olhos se encontraram.
“Ouso crer que você é muito inocente para entender o que acabou de se
passar aqui?”
Ela lhe deu uma olhada.
“Existe inocente, e existe ignorante, eu posso ser a primeira, mas com
certeza não sou a segunda.”
“Era isso que eu temia.”
“Temor não é a palavra para isso.” Ela disse estremecendo. “Aquilo foi...
horrível. Marcante.”
Ele puxou o punho de seu casaco. “Nós não precisamos falar mais
disso.”
“Mas nós iremos pensar sobre isso. Seremos assombrados por isso. Isto
ficará queimando em nossa memória. Daqui a dez anos, nós poderemos estar
ambos casados com outras pessoas tendo uma vida plena e feliz, então um
dia nós iremos nos encontrar por acaso indo às compras ou em um parque,
e...” Ela estalou seus dedos. “...nossos pensamentos viajarão imediatamente
para esse parapeito.”
“Eu sinceramente tenho a intenção de banir esse incidente dos meus
pensamentos para sempre. Eu sugiro que você faça o mesmo.” Ele retirou
uma dobra da cortina. “Deve ser seguro sair agora.”
Ele saiu primeiro, dando um enorme passo pelo piso. Ela se viu
maravilhada novamente em como ele conseguiu escondê-los tão rápido. Os
reflexos dele deviam ser extraordinários.
Ele encontrou o cordão para amarrar as cortinas e prendeu um dos
lados no lugar.
Charlotte segurou suas saias se preparando para fazer sua própria
descida do parapeito.
“Espere um momento.” Ele disse. “Eu a ajudarei.”
Mas ela já havia começado a descer e aquilo que deveria ser um passo
gracioso se tornou em um desajeitado tombo. Ele pulou para aparar sua
queda. No momento em que ela conseguiu se firmar em pé, ela estava de
volta em seus braços. Seus fortes e protetores braços.
“Obrigada.” Ela disse, se sentindo subjugada. “Novamente.”
Ele olhou para ela, e novamente ela conseguiu apanhar a sombra de um
atraente e astuto sorriso. “Para uma mulher que não quer ter nada a ver
comigo, você se joga em minha direção com uma frequência alarmante.”
Ela se libertou dele, corando.
“Eu gostaria de ver o modo como você trataria um homem que você
admira.” Ele disse.
“Até hoje, eu nunca tive a chance de admirar ninguém.”
“Não seja absurda!” Ele recuperou a cortina caída anteriormente. “A
senhorita é jovem, linda, e possui vivacidade e inteligência. Se
algumas poucas complicações na Rotten Row convenceram
cavalheiros a evitar você, eu temo pelo futuro desse país. A Inglaterra
está condenada.”
Charlote se sentiu amolecer por dentro. “Milorde, isso é gentileza
sua em dizer.”
“Não é gentileza de maneira alguma. É uma simples observação.”
“Mesmo assim, eu...” Ela congelou. “Oh bom Deus.”
Eles foram descobertos. A porta da biblioteca estava
escancarada.
Edmund Parkhurst, o herdeiro do baronato de oito anos de idade
estava parado na entrada, lívido e com os olhos arregalados.
“Oh, é você.” Ela pressionou a mão contra o peito em alívio.
“Edmund, querido, eu acredito que você deveria estar na cama.”
“Eu ouvi barulhos.” O menino respondeu.
“Não era nada.” Charlotte assegurou-lhe, se aproximando do
rapaz e abaixando-se para olhar em seus olhos. “Foi somente sua
imaginação.”
“Eu escutei barulhos,” ele repetiu. “Barulhos maus.”
“Não, não. Nada de mau estava acontecendo. Nós só
estávamos...brincando de um jogo.”
“Então porque a senhorita andou chorando?” O menino acenou
com a cabeça para lorde Granville, que ainda estava apertando o
cordão da cortina. “E porque esse homem desconhecido está
segurando uma corda?”
“Oh, aquilo? Aquilo não é uma corda. E lorde Granville não é um
homem desconhecido. Ele é um convidado do seu pai que chegou esta
tarde.”
“Aqui, eu mostro a você.” O marquês se moveu para frente
segurando o veludo trançado com certeza tentando acalmar os
temores do menino, mas ele não parecia perceber quão improvável
seria, que um homem imponente e grande como ele pudesse
conseguir tranquilizar uma criança assustada, que nunca o tinha
visto na vida.
O menino se moveu para trás, gritando o mais alto que podia.
“Socorro! Socorro! Assassino!”
“Edmund, não. Não tem nenhum...”
“ASSASSINO!” Ele gritou, correndo pelo corredor. “ASSASSINO!”
Ela olhou para Granville. “Não fique aí parado! Nós temos que
pará-lo.”
“Eu poderia atacá-lo no corredor, mas algo me diz que isso não
ajudaria.”
No espaço de um minuto Sir Vernon, seu preocupado anfitrião,
estava junto deles na biblioteca. Seguido pela pior possibilidade: sua
mãe!
“Charlotte,” ela repreendeu. “Eu a estava procurando por toda
parte. Era aqui que você estava?”
Sir Vernon acalmou seu filho histérico. “O que aconteceu meu
garoto?”
“Eu ouvi barulhos. Barulhos de assassinato.” O garoto levantou
os braços e apontou. “Deles.”
“Não eram barulhos de assassinato.” Charlotte disse.
“O menino está confuso.” Lorde Granville adicionou.
Sir Vernon pôs a mão no ombro de Edmund. “Me fale exatamente
o que você ouviu.”
“Eu estava no andar de cima.” O garoto disse. “Começou com um
rangido, como: eek, eek, eek, eek.”
Charlotte morria por dentro enquanto o garoto encenava todos
os apaixonados barulhos dos últimos quinze minutos. Cada suspiro,
lamentar e gemido. Não havia dúvidas sobre qual atividade o garoto
tinha ouvido. E a partir daquele momento, todos concluiriam que
Charlotte e o marquês eram aqueles que estavam engajados na
atividade particular, enquanto gemiam e usavam cordas. Nem em
seus piores pesadelos ela poderia imaginar essa cena.
“Houve esse terrível rugido, e eu ouvi uma dama gritando. Então
eu corri aqui para baixo, para ver o que estava acontecendo.” Ele
apontou seu dedo acusador para o parapeito da janela. “Era ali que
eles estavam juntos.”
Sir Vernon olhou para eles visivelmente perturbado.
“Bem,” disse sua mãe. “Eu certamente espero que lorde Granville
tenha a intenção de se explicar.”
“Perdão madame, mas como poderemos saber se não é a sua
filha que precisa se explicar?” Sir Vernon olhou para lorde Granville.
“Estou dizendo isso porque houve algumas histórias na cidade.”
Charlotte se encolheu.
“Sir Vernon, o senhor e eu temos que falar em particular.” Lorde
Granville disse.
Não, não. Uma conversa privada iria arruiná-la. Todos
precisavam ouvir a verdade aqui e agora.
“Não é verdade,” ela declarou. “Nada do que foi dito.”
“Está chamando o meu filho de mentiroso, senhorita Highwood?”
“Não, é só que...” Charlotte apertou a ponta do nariz. “Isso foi
tudo um mal-entendido. Nada aconteceu. Ninguém foi assassinado
ou atacado de nenhuma forma. Não tem nenhuma corda. Lorde
Granville estava amarrando a cortina de volta.”
“Porque a cortina estava solta em primeiro lugar?” Sir Vernon
perguntou.
“Tem alguma coisa no chão aqui.” Edmund disse.
Quando ele levantou o objeto para inspeção, o coração de
Charlotte parou.
Era uma liga.
Uma liga vermelha.
“Não é minha,” Charlotte insistiu. “Eu nunca vi essa liga em
minha vida, eu juro.”
“E isto aqui?” Edmund virou a liga expondo o bordado de uma
simples letra.
A letra C.
Charlotte trocou olhares frenéticos com lorde Granville.
E agora?
Sua mãe falou em alta voz. “Eu não posso acreditar que um
homem como lorde Granville, um cavalheiro, se comportaria de
maneira vergonhosa e chocante com minha filha.”
Oh mamãe não...
“Eu só posso concluir que ele foi superado pela paixão!” Declarou
sua mãe quase gritando. Mas para Charlotte ela cochichou: “Eu
nunca estive tão orgulhosa de você.”
“Mamãe, por favor, a senhora está fazendo uma cena.”
Mas é claro que uma cena era exatamente o que sua mãe queria
criar. Ela pularia em qualquer oportunidade para causar um
escândalo se isso assegurasse para sua filha um marquês.
Oh Senhor! Charlotte tentou avisá-lo e agora seus piores temores
se tornaram realidade.
“Estou dizendo a verdade mamãe, nada aconteceu.”
“Isso não importa.” Sua mãe sussurrou de volta. “O que importa
é que as pessoas vão acreditar que aconteceu.”
Charlotte precisava agir e rápido.
“Essa não é minha liga! Eu estou usando as minhas duas e eu
posso provar.” Ela se abaixou para levantar a barra da saia.
Sua mãe bateu com o leque dobrado em suas mãos. “Em
companhia masculina? Você jamais faria uma coisa dessa!”
O que poderia ser pior: provar que ela estava usando as duas
ligas ou deixar que Sir Vernon pensasse que ela estava usando
somente uma?
Mais uma vez ela calmamente tentou declarar a verdade. “Lorde
Granville e eu só estávamos conversando. “
“Conversando?” Sua mãe se abanava com o leque
freneticamente. “Falando sobre o quê? Eu gostaria de saber.”
“Assassinato.” Edmund gritou. Ele começou a entoar um
cântico, batendo os pés no piso. “As-sas-si-na-to, as- sas-si-na-to, as-
sas-si-na-to.”
“Nada de assassinato!” Charlotte choramingou. “Nada sobre
nenhuma atividade inconveniente. Nós estávamos falando de ...”
“De quê?” Sir Vernon exigiu.
Lorde Granville interveio. Ele silenciou Charlotte com um toque
em seu braço. Então ele limpou a garganta e replicou a completa
verdade.
“Nós estávamos falando sobre casamento.”

CAPÍTULO 2

Na manhã seguinte, Piers estava sentado na mesa de sua suíte,


balançando uma caneca de café e massageando suas têmporas. Sua
cabeça estava latejando.
“Como exatamente isto aconteceu?” No canto do quarto, Ridley
escovava o sobretudo azul de Piers. “Me explique novamente.”
“Eu não estou certo se eu posso explicar. E você realmente não
precisa fazer isso e você sabe.”
Ridley deu de ombros e continuou escovando o casaco. “Eu não
me importo, isso me acalma.”
“Como você preferir, então.”
Para o restante da casa, Ridley era seu valete, mas para Piers ele
era um colega de trabalho a serviço da Coroa. Um parceiro confiável
e um profissional sem igual. Como sempre, o propósito de Ridley na
mansão Parkhurst era ouvir embaixo das escadas, enquanto Piers se
movia no meio da elite. Piers não gostava de pedir ao parceiro para
executar tarefas domésticas.
“Quando a quadrilha começou eu fui para a biblioteca.” Disse
ele, tentando refazer seus passos da noite anterior e fazendo com que
as coisas fizessem sentido. “Eu estava planejando começar a
investigação.”
A investigação era a verdadeira razão para sua visita. Sir Vernon
ainda não sabia, mas ele estava sendo cogitado para uma importante
missão. A Coroa precisava enviar alguém de confiança, para resolver
questões políticas, ligadas a corrupção, que estavam se passando na
Austrália. O processo de escolha tinha sido bastante simples...exceto
por um obstáculo.
Nos últimos meses o homem estava perdendo dinheiro. Valores
moderados, com intervalos regulares. Cem libras aqui, duzentas ali.
Ele também estava desaparecendo da cidade por alguns dias de cada
vez. Nada muito sério, mas o padrão apontava para encrenca. Um
hábito de jogar ou uma amante, provavelmente. Chantagem também
não podia ser descartada.
Se Sir Vernon tivesse qualquer segredo que ele pagaria para
manter oculto, era tarefa de Piers descobrir quais.
“A minha intenção era fazer uma rápida busca em sua
escrivaninha, procurar por correspondências ou comprovantes. Ela
me interrompeu. Sem se apresentar ou mesmo bater na porta
primeiro. Eu a achei...provocante.”
“E bonita.”
“Suponho que sim.” Não havia porque negar.
Ridley não era cego. A senhorita Highwood era bem bonita, de
fato, com olhos vivos e um largo e ousado sorriso. Uma figura
tentadora.
“Encantadora também, eu presumo.”
“Talvez.”
“E ela era um pouco de ‘ar fresco’.” Ridley continuou falando com
entusiasmo e agitando sua mão em um floreio. “Um lampejo de
inocência, um raio de sol para aquecer o coração negro e gelado de
um exausto espião.”
Piers fez um desconsiderado ruído, e tomou um gole de seu café
para acabar com aquela conversa.
O inferno era que Ridley conhecia ele muito bem, e ele estava até
certo ponto, correto.
Piers tinha gasto muito tempo se mudando de palácios a
parlamentos enquanto fazia parte de cenas em um jogo interminável.
Todos com quem ele conviveu, de reis a cortesãs estavam
desempenhando um papel. A mansão Parkhurst era somente mais
um cenário_ um entediante cenário até agora.
De repente, em uma explosão aquela mulher, aquela coisa linda
e jovem em um vestido rosa que era a pior atriz que ele tinha
conhecido. Ela errava suas falas, derrubava os cenários. Não
importava o quanto ela tentasse, Charlotte Highwood não era apta a
fazer o papel de ninguém a não ser ela mesma.
Era uma qualidade rara e refrescante e Piers se sentiu como um
maldito clichê por estar tão encantado, mas ele tinha aprendido a
desfrutar de um prazer fugaz quando encontrava um.
Ele iria pagar por aquele lapso em sua concentração.
E ela também.
“Eu deixei que ela se demorasse muito tempo.” Disse ele. “Nós
fomos descobertos e foi impossível dar explicações sem levantar
suspeitas ou perguntas.”
Perguntas, como por exemplo, qual a razão dele estar na
biblioteca de Sir Vernon? Era melhor deixar que seu anfitrião
acreditasse que ele estava apenas procurando um lugar tranquilo
para sedução, do que admitir a verdade.
“Você não costuma falhar milorde.” Ridley disse.
Não, ele não costumava. Piers esfregou o rosto com as duas
mãos. Não adiantava lidar com isso agora. A única coisa a ser feita
naquele instante era seguir em frente, encarar seus erros e corrigi-los
se possível. Diminuir o dano.
Em algum momento do desastre da noite passada, suas
alternativas ficaram claras. Ele poderia fugir da cena do
“assassinato”, abandonando sua missão e jogando uma inocente
jovem dama aos dragões.
Ou ele poderia cumprir com seus deveres.
“Naturalmente que você fez o que é honrado”, Ridley disse, “você
sempre faz.”
Piers lhe deu uma olhada irônica. Os dois sabiam que honra era
algo ilusório em sua linha de trabalho. Oh, é claro que eles buscavam
aquele sentimento de heroísmo patriótico_ esse era o motivo deles
terem escolhido essa profissão_ mas eles nunca compreenderam
muito bem, porque vergonha e culpa era o que ‘beliscava’ seus
calcanhares.
O melhor caminho, ele aprendeu, era não examinar isso de forma
profunda. Nestes dias ele evitava olhar dentro de si mesmo. A pouca
honra que lhe restava estava eclipsada por decepção e escuridão.
Esse assunto com a senhorita Highwood não seria diferente, o
que ele sentia era pena por ela. Ela merecia algo melhor do que ele
intencionava fazer hoje.
Ele tocou o envelope que estava em cima da mesa, que continha
informações sobre cada residente, visitante e criado na Mansão
Parkhurst, incluindo Charlotte Highwood.
“Você já leu isso...resuma para mim.”
Ridley deu de ombros. “Poderia ser pior, ela vem da nobreza.
Várias gerações de escudeiros, uma propriedade com renda modesta,
mas estável. Seu pai morreu tendo gerado três filhas, mas nenhum
filho. Sua propriedade passou para um primo distante, e as damas
foram deixadas com dotes medianos. Charlotte é a mais nova. A mais
velha, Diana sofria de asma em sua juventude, então a família se
mudou para beira-mar pela sua saúde. É aqui que começa a ficar
interessante.”
Piers esvaziou seu copo de café. “Hum?”
“Elas foram para Spindle Cove.”
“Spindle Cove. Porque isso me soa familiar?”
“Antes do casamento, Lady Christian Pierce, passou algum
tempo por lá também.”
“Violet? Sim, você está certo, isso é interessante.” Piers se
lembrava que o casal estava agora morando no sul da França.
“Bem pequena, a vila de Spindle Cove. Estabelecida pela filha de
Sir Lewis Finch, como um paraíso para mulheres não convencionais.
As jovens damas seguem uma agenda restrita, segundas: caminhada
no campo, terças: banho de mar, quartas: jardinagem, quin...”
“Realmente, eu não preciso de todos os detalhes.” Falou Piers
impaciente. “Vamos retornar às Highwoods. Ela tem boas conexões?”
“Boas notícias, más notícias.”
“As más primeiro, por favor.”
“A irmã mais velha é casada com o ferreiro da vila.”
Piers balançou a cabeça. “Não acredito que a mãe tenha
permitido isso. Ela possivelmente não deve ter tido escolha.”
“A boa notícia é que a irmã do meio, fugiu com um visconde.”
“Sim, Charlotte mencionou isso. Quem é o visconde mesmo?”
Alguém bateu a porta. Quando Ridley abriu, o mordomo estava
parado no corredor e anunciou: “O visconde Payne está aqui para vê-
lo milorde.”
Ridley fechou a porta e então sorriu ironicamente para Piers.
“Esse visconde!”

“Colin? É você mesmo?”


“Aí está minha irmã mais nova favorita.”
Charlotte atravessou a sala de estar e lançou seus braços em
volta de seu cunhado, abraçando-o bem forte. “Como você conseguiu
chegar tão rápido?”
“Sua mãe enviou um expresso. E eu tenho um talento pré-
estabelecido para viagens rápidas para o norte.”
“Estou tão feliz que você esteja aqui.”
Colin iria consertar tudo aquilo, ou mais precisamente, ele iria
fazer um caos, e iria rir daquela maneira desconcertante. Colocaria
aquele escândalo de lado e então todos eles poderiam se sentar para
o almoço.
Almoço soava como algo maravilhoso. Ela não conseguiu comer
nada naquela manhã e estava com uma fome crescente.
“Por favor, não me diga que você esteja considerando algo
estúpido, como duelar, por exemplo.” Disse ela. “Eu sei que sou
melhor atiradora que você. Minerva jamais me perdoaria.”
“Nós não iremos duelar, não há nenhuma necessidade.”
Ela suspirou em alívio. “Ah! Que bom!”
“Granville tem a intenção de pedir sua mão esta manhã e eu
concordei e permiti.”
“Pedir minha mão? Isso é absurdo! Nós dois ... só estávamos
conversando.”
“Sozinhos.” Ele assinalou.
“Sim, mas foi só quando os outros entraram que nos
escondemos.”
“No parapeito da janela.” Ele olhou para ela significantemente.
“De onde você ouviu o encontro apaixonado.”
Charlotte suspirou de frustração. “Nós não fizemos nada!”
As sobrancelhas de Colin se arquearam em dúvida. “Eu sou uma
pessoa que fugiu causando grandes danos. Eu não acredito que vocês
não fizeram nada.”
“Mas, não foi nada, eu estou te dizendo. Não entre nós dois. Você
não acredita em mim?”
“Sim, eu acredito em você favorita! Mas até que esses amantes
misteriosos se entreguem para levar a culpa, ninguém mais vai
acreditar. E para ser honesto, o simples fato, de que você foi pega
sozinha com ele em uma situação comprometedora, pode ser o
bastante para prejudicar suas perspectivas. Você não foi muito
prudente Charlotte.”
“E desde quando você se importa com prudência? Você é um
patife incorrigível.”
Ele apontou um dedo a contradizendo. “Eu fui um patife
incorrigível. Agora sou um pai. E deixa eu te dizer uma coisa, mesmo
que Minerva as vezes conteste a velha máxima de que libertinos
regenerados são os melhores maridos, ela seria a primeira a
concordar que nós nos transformamos nos pais mais superprotetores
do mundo. Eu costumava entrar em um salão de baile e ver um
jardim de flores prontas para serem colhidas. Agora eu vejo minha
filha, dúzias dela.”
“Isso soa perturbador.”
“Nem me diga.” Ele deu de ombros. “Meu ponto é, eu sei muito
bem os pensamentos inconvenientes que se escondem na mente dos
homens.”
“Não tem nada de inconveniente na mente de lorde Granville, ele
tem a mente mais conveniente que já conheci.”
Mesmo falando aquelas palavras, contudo, ela se questionou,
porque se lembrava dos batimentos do coração dele quando estavam
no parapeito da janela. A maneira como ele a segurou em seus braços.
E acima de tudo, sua provocação maliciosa.
Eu estou falando sobre o que se pode fazer na cama, senhorita
Highwood, o bastante seria ao menos tolerado.
Um calor transpassou por sua pele.
“Eu ainda não estou pronta para me estabelecer.” Disse ela.
“Sim, eu queria ter a diversão de uma temporada em Londres, mas
não tenho planos sobre casamento assim tão cedo.”
“Bem, existe um ditado que diz, que mesmo os melhores planos
podem dar errado. Eu estou quase certo que essa frase vem das
Escrituras.”
“Isso vem de um poema de Robert Burns.”
“Sério?” Ele deu de ombros. “Eu raramente leio qualquer um dos
dois. E quando eu digo raramente, eu quero dizer nunca. Porém eu
sei algo sobre amor, e como ele pode rir de suas intenções.”
“Não tem amor envolvido aqui! Nós mal nos conhecemos, ele não
quer esse compromisso, assim como eu.”
“Oh, eu duvido disso.”
“Por que?”
Ele virou a cabeça no sentido em que lorde Granville estava
sentado em uma poltrona do outro lado do estreito, mas longo
cômodo. Ela não tinha percebido que ele havia entrado. Será que ele
estava ali todo esse tempo?
“Por causa da maneira como ele está olhando para você, me faz
querer bater em coisas.”
“Colin, você não faz o estilo violento”.
“Eu sei! Acredite-me, só estou perturbado com todas essas
mudanças, assim como você.”
“Que hora terrível para tudo isso acontecer!”
Colin pôs as mãos sobre os ombros dela. “Escute o que ele tem
a dizer, favorita. Considere o que está na balança, você deve isso a si
mesma. Eu a apoiarei em qualquer coisa que decida. Mas você será a
única a decidir.”
Ela concordou com um aceno de cabeça.
Quando ele se casou com Minerva, Colin se tornou o homem da
família, mas ele nunca impunha sua autoridade. E por mais que
Charlotte estimasse sua independência, ela estava quase
desapontada.
Ela nunca conheceu seu pai. Durante sua juventude, ela ansiou
pela segurança de uma presença masculina em sua vida, um irmão
mais velho, um tio, mesmo um primo serviria. Um homem que
pudesse entrar na sala, com sabedoria e comando e tendo as
melhores intenções do coração dissesse: ‘Suba para o quarto e
descanse Charlotte. Eu cuidarei de tudo.’
“Suba para o quarto e descanse Charlotte.” Lorde Granville havia
se levantado e cruzado a sala. “Eu cuidarei de tudo.”
Não, não, não.
Ele era o homem errado.
E por que ele estava se dirigindo a ela como Charlotte?
Cavalheiro como era, ele deveria saber que aquele grau de intimidade
era reservado somente a familiares. Ou a casais que estavam noivos.
Ela paralisou sobre o carpete.
“Não estamos noivos, milorde.”
“Eu suponho que não. Mas isso não demorará.”
Colin a beijou na bochecha. “Vou deixar vocês dois sozinhos.”
“Não.” Ela sibilou para ele, tentando alcançar as mangas de seu
casaco. “Colin, não. Você não pode me deixar.”
Mas seus esforços foram em vão. Seu cunhado a abandonou,
escapando de suas garras e desertando.
Sendo deixada sem escolha, ela se virou e olhou para o marquês.
A julgar pelas manchas escuras de cansaço ao redor dos olhos dele,
ele não havia dormido muito mais do que ela na última noite. Mas ele
tinha, porém, conseguido achar algum tempo para se banhar e se
barbear, e trocar sua roupa para um casaco azul escuro, combinando
com calças bege e botas polidas.
Charlote nunca confiava em pessoas que já aparentavam estar
tão bem logo de manhã.
Ela escondeu um fio solto de seu cabelo atrás da orelha. “Você
não pode estar pensando na possibilidade de me propor casamento.”
“Não só posso, como vou. Eu dei minha palavra à sua mãe, à Sir
Vernon e há pouco também ao seu cunhado.”
Ela balançou a cabeça sem acreditar. “Essa situação é
intolerável.”
Ele não respondeu.
“Me desculpe,” ela disse. “Eu não pretendia soar tão insensível.
Não é aquele tipo de pensamento, que nem que o senhor fosse o
último homem da face da terra eu me casaria com o senhor. Não sou
tão estúpida a ponto de afirmar qualquer coisa desse tipo. Eu sempre
acho ridículo quando as damas dizem uma coisa como essa. O último
homem? Sério? Quer dizer, o mundo está realmente cheio de
criminosos e cretinos, mas mesmo eliminando esses, ainda existe
milhões de homens que ao menos se banham.”
“Então a senhorita está dizendo que eu estou acima da média?”
“Na verdade, o senhor está no topo dessa média. E precisamente
esse é o motivo de merecer mais, do que se casar com a primeira
garota impertinente, que literalmente se jogou em cima do senhor.”
Os lábios dele se curvaram em um sorriso sutil. “O que faz a
senhorita acreditar que foi a primeira?”
Oh céus! Lá estava ele, sendo amável novamente. Era muito cedo
para aquele seu humor astuto. Ela não tinha suas defesas preparadas
ainda.
“O senhor é um marquês e um diplomata.”
“Mas não sofro de amnésia. Eu me lembro quem eu sou.”
“Então o senhor deveria se lembrar disso: o senhor precisa de
uma esposa que seja elegante e talentosa. Uma anfitriã perfeita.”
Ele fixou o olhar nela de uma maneira desconcertante. “Tudo
que eu realmente preciso de um casamento senhorita Highwood, é
um herdeiro.”
Ela engoliu em seco de forma audível.
“Eu não tenho necessidade de me casar por dinheiro ou
conexões,” ele continuou. “A senhorita, porém, poderia se beneficiar.
De minha parte, eu necessito de uma esposa saudável e jovem _
preferencialmente que seja inteligente e agradável _ que me gere filhos
e garanta a sucessão da minha linhagem. Essa situação em que nos
encontramos, ainda que inesperada, pode funcionar para nós como
uma mútua vantagem.”
“Então é um casamento de conveniência que o senhor está
propondo,” disse ela. “Uma simples transação, sua fortuna pelo meu
útero.”
“Essa é uma descrição bastante grosseira.”
“Mas é uma honesta?”
Talvez ele realmente não precisasse de uma parceira viajada e
elegante. Talvez ele suprisse suas necessidades de companhia
feminina em outros lugares, porque tudo que ele queria era uma noiva
fértil, mas sem a inconveniência de ter que fazer a corte. Mais uma
razão para que se resolvesse toda essa questão.
Ele a conduziu para um par de poltronas e acenou para que ela
se sentasse. Charlotte sentia o corpo entorpecido.
“Apesar de que esse não é o casamento que talvez a senhorita
tenha imaginado,” disse ele, “eu suponho que lhe será satisfatório.
Como Lady Granville, a senhorita terá uma boa casa. Várias delas,
na verdade.”
“Sim,” disse ela em um fio de voz, “cinco, se eu me recordo
corretamente.”
“A senhorita também terá dinheiro sobrando, um legado e
entrada garantida nos maiores escalões da sociedade. Quando os
filhos vierem, você não precisará se preocupar com a educação deles.
Em pouco tempo, você terá tudo que possivelmente poderia desejar.”
“Com uma única notável exceção.” Ela disse.
“Me diga e você terá.”
Como não poderia ser tão óbvio? “Eu gostaria de me apaixonar.”
Ele fez uma pausa considerando. “Suponho que isso pode ser
aberto a negociações. Depois que você me der um herdeiro, é claro, e
somente se puder prometer que será discreta.”
Ela não conseguiu acreditar. “O senhor está enganado milorde.
Eu gostaria de me apaixonar pelo homem com quem vou me casar. E
ainda mais, eu quero ser amada por ele de volta. O senhor não
gostaria de ter o mesmo quando se casar?”
“Não, honestamente não quero.”
“Não me diga que o senhor é um daqueles homens cabeça dura
que não acredita em amor.”
“Oh não, eu acredito sim que o amor existe. Mas eu nunca o
desejei para mim.”
“Porque não?
Ele olhou para os lados, como se estivesse escolhendo suas
palavras com cuidado.
“O amor tem uma maneira de reordenar as prioridades de um
homem.”
“Eu tenho esperança que sim,” Charlotte disse, dando uma
risadinha. “Se for feito da forma correta.”.
“Esse é precisamente o motivo pelo qual eu não posso me dar ao
luxo de pensar em amor. Eu tenho deveres e responsabilidades. Um
número grande de pessoas depende do meu julgamento de forma
clara. Existe uma razão para que os poetas digam ‘cair de amores’, e
não ‘subir de amores’. Não se tem controle, não há escolha em quem
irá aterrissar.”
Ela supôs que ele estivesse certo, de certa forma. Mas mesmo
que ela pudesse desapontar Delia, suportar a fofoca, e abrir mão de
tudo o que ela pensou que quisesse...ela não poderia se imaginar
casando-se sem amor.
Você não pode comer amor, ela ouviu a voz persistente de sua
mãe. Mas ela não poderia manter uma boa conversa com uma pilha
de moedas. Ela não poderia encontrar ternura ou paixão em uma
enorme, casa vazia. Ou até mesmo cinco casas.
Ela conhecia a si mesmo muito bem. Um casamento cortês não
poderia permanecer cortês por muito tempo. Ela iria tentar fazer seu
marido se apaixonar por ela, mas se essa tentativa falhasse, ela se
tornaria ressentida. Eles iriam acabar se desprezando.
Essa era a razão _ não importava o quanto sua mãe maquinasse
ou planejasse_ Charlotte prometeu a si mesma que ela seguiria
somente seu coração.
“Eu não posso concordar com um casamento por conveniência
milorde. Sua devoção ao dever é admirável, mas ‘descanse e pense na
Inglaterra’ simplesmente não funciona para mim.”
Sua voz se tornou rouca e baixa. “Eu não posso te prometer tudo
que você deseja, mas eu te prometo isso: quando eu te levar para
cama, a última coisa em que você pensará será a Inglaterra.”
“Oh!”
Quando ele falou sobre cama na noite passada, ele a deixou sem
fala. Dessa vez, ele a deixou sem ar.
Ela não era a mais bela das irmãs Highwood_ aquela honra
pertencia a Diana _ apesar disso Charlotte sabia que era bonita o
bastante, pelo menos para os padrões ingleses. Ela já recebera
admiração vinda do sexo oposto, já havia até mesmo sido beijada uma
ou duas vezes. Mas seus admiradores eram todos garotos, ela
descobriu.
Lorde Granville era um homem.
Embaixo daquele casaco requintado feito sob medida, ele poderia
ser todo esculpido em músculos com tendões desenhados e fortes. O
corpo dele deveria ser firme em todos os lugares em que o dela era
macio. Ele deveria ter pelos negros em lugares intrigantes.
“Charlotte.”
Ela estremeceu e voltou a atenção para ele. “Sim?”
Bom Deus. Ela estava imaginando ele sem roupas novamente. A
sala estava ficando insuportavelmente quente.
“Isso simplesmente não é justo.” Disse ela, lamentando
internamente o quanto infantil isso soava. “Nós não cometemos
nenhum pecado, por que o senhor não conta a verdade a Sir Vernon?
Que o senhor foi até a biblioteca para...” ela levantou sua cabeça
intrigada. “Aliás, o que o senhor estava fazendo na biblioteca dele?”
“Isso não importa.”
“Eu suponho que não. O que realmente importa é que um outro
casal teve um encontro escandaloso naquela mesa, nós não
deveríamos ser punidos por isso.”
O olhar dele capturou o dela.
“Se não nos casarmos, somente um de nós será punido. E não
será a mim que punirão.”
“Eu sei.”
O mundo parabenizava os homens pelas suas proezas sexuais,
mas era realmente cruel com as mulheres que ousavam se comportar
da mesma maneira. Ele poderia sair dessa situação ileso. Ela estaria
arruinada. Sem amigos. Sem amor. Sem Grand Tour.
Miserável.
Lorde Granville deveria ser verdadeiramente decente, se ele
estava disposto a fazer isso por ela.
Um perfeito cavalheiro.
Ele avançou e tomou as mãos dela nas suas. “Aqui é o momento
onde eu faço o pedido.”
Por favor, não faça. Não agora, quando minha determinação está
tão fraca.
“Um entendimento.” Disse ele.
Ela olhou para ele. “Qual será o nosso entendimento? Ou qual
será o seu entendimento, eu deveria dizer, porque eu estou perdida.”
“Nós iremos assegurar à sua mãe e a Sir Vernon que nós
chegamos a um entendimento. Um entendimento privado, que será
mantido entre nós até o fim da minha estadia. Anunciar um noivado
após uma única noite iria somente atrair mais fofocas. Depois de uma
quinzena, entretanto...ninguém questionará.”
Ela riu alto. “Todos irão questionar. O senhor se esqueceu da
minha reputação? Ninguém acreditará que o senhor fez o pedido
voluntariamente. Irão considerá-lo um afortunado por ter conseguido
preservar todos os seus membros.”
Apesar de suas objeções, Charlotte sabia que esse seria o melhor
resultado que ela tiraria dessa conversa. Esse ‘entendimento’ que ele
sugeriu... não era uma solução real, mas pelo menos lhe daria um
pouco mais de tempo. Ela teria quinze dias para achar outra saída
para a situação. E ela teria que achar outra saída, de alguma forma.
Para o bem deles dois.
As palavras de Colin voltaram a sua mente. Eu acredito em você,
favorita. Mas até que esses amantes misteriosos se entreguem para
levar a culpa, ninguém mais vai acreditar.
Não era provável que os amantes misteriosos se apresentassem.
Mas não significava que eles não poderiam ser encontrados. Eles
estavam no campo e não em Londres. As possibilidades eram
limitadas. Se Charlotte conseguisse descobrir a identidade deles e
forçá-los a confessar...
Então lorde Granville e ela estariam livres.
Duas semanas. Com certeza seria tempo suficiente. Teria que
ser.
“Muito bem, um entendimento, então será isso.” Ela se levantou
e deu a ele um animado aperto de mãos
Enquanto ela se virava para sair, ele manteve sua mão segura
na dele.
Ela olhou para suas mãos e depois olhou para ele. “Milorde?”
“Eles estão esperando por nós, sua mãe, seu cunhado e Sir
Vernon. Eu não posso deixá-la sair da sala assim.”
Constrangida, ela deslizou a mão pelos cabelos. “Assim como?”
Ele a puxou para seus braços. “Sem ter sido beijada.”

CAPÍTULO 3

Charlotte olhou para ele, em choque. Com certeza ela não ouviu
ele dizer ‘sem ter sido beijada’. Mas o que mais poderia ter sido? Sem
ter sido alvejada, sem ter sido invejada, sem ter sido viajada...nada
disso fazia sentido.
Ela perguntou. “O senhor pretende me beijar?”
“Acredito que foi o que eu acabei de dizer, sim.”
“Aqui. Agora...”
Ele acenou com a cabeça. “Essa é a ideia.”
“Mas...por que?”
Ele pareceu surpreso com a pergunta. “Pelas razões habituais.”
“Suponho que a palavra seria persuasão. O senhor pensa que
me fará ficar facilmente balançada. Uma dose do seu masculino elixir
labial, e eu estarei curada de qualquer dúvida, é isso?”
Ele olhou fixamente um ponto distante, antes de encontrar seu
olhar novamente. “Eu vou beijá-la Charlotte porque espero gostar. E
porque eu espero que você desfrute também.”
A voz baixa dele fez coisas estranhas com ela.
“O senhor parece muito seguro de si mesmo, milorde.”
“E você senhorita Highwood, parece estar tentando ganhar
algum tempo.”
“Ganhar tempo? De todas as coisas para se dizer, o senhor diz
isso? Eu não estou tentando ganhar...”
Ele levantou uma sobrancelha em acusação.
“Certo.” Ela não tinha desculpas convincentes. Ela levantou o
queixo, resignada. “Muito bem. Faça o seu pior.”
O pior beijo; era isso que ela estava esperando. Essa foi a única
razão para Charlotte concordar, ela disse a si mesma. Um abraço frio
e sem paixão iria confirmar a verdade, que não havia nada entre eles.
Se não houvesse calor suficiente para ‘abastecer’ um beijo, como um
casamento poderia funcionar?
Talvez ele abandonasse a ideia, ali mesmo.
Mas tudo deu errado, antes mesmo de seus lábios tocarem os
dela.
O simples poder de seus braços quando ele a puxou para mais
perto, enviou uma emoção vertiginosa e totalmente feminina por todo
o seu corpo.
Ela olhou para ele, relutando em demonstrar medo. Contudo,
aquela emoção expondo o batimento selvagem do seu pulso, fazia com
que se sentisse mais vulnerável.
Então ela desceu o olhar para a boca dele. Outro erro. A
mandíbula que parecia severa de longe, emoldurava uma boca que
era larga e generosa vista de perto.
Muito perto.
Então, enquanto ela tentava lembrar a si mesma que essa
deveria ser uma experiência sem emoção ou excitamento, ela entrou
em pânico, e fez o pior.
Ela passou a língua pelos lábios.
Charlotte, sua tola!
Talvez ele não tenha notado?
Oh, ele notou. Ele poderia notar tudo naquele momento. Sua
disposição. Sua curiosidade. Os pequenos arrepios de antecipação
correndo por sua espinha. Era como se estivesse nua na frente dele.
“Feche os seus olhos,” disse ele.
“Você primeiro.”
Ela vislumbrou aquela curva sutil de um sorriso. Então os lábios
dele estavam nos dela.
O beijo...oh! Não era nada como ele. Ou não era nada do que ela
conhecia dele até o momento. Pelas aparências, ele era comedido e
apropriado. Mas quando seus lábios encontraram os dela, eles eram
mornos, ardentes. Provocantes.
E as mãos dele estavam em todos os lugares onde as mãos de
um perfeito cavalheiro não deveriam estar.
Elas desceram lentamente por suas costas, não de forma
experimental, mas de forma possessiva. Como se ele estivesse
determinado a explorar cada parte que poderia ser dele. Seu toque
despertou sensações que se agitaram no corpo dela. Então sua mão
agarrou o seu traseiro e apertou, puxando-a para seu calor e força.
Ela ofegou, em choque pelo atrevimento dele.
A língua dele deslizou por seus lábios. Gentil, mas insistente.
Explorando cada vez mais profundamente. Incitando-a beijá-lo de
volta.
Então ela fez.
Que Deus a ajudasse, mas ela fez. Ela deslizou seus braços em
volta do pescoço dele e correspondeu ao beijo. Tentando agir como se
ela tivesse uma vaga ideia do que estava fazendo.
Seja o que for que ela estivesse fazendo, parecia que ele estava
gostando, porque um gemido suave veio do fundo do peito dele. Era
uma emoção inebriante saber que ela poderia provocar tal resposta
em um homem como ele. Ela apertou seus ombros com mais força.
Algo havia despertado nela. Uma consciência, um anseio... um
lampejo de uma Charlotte, que ela não estava certa se estava pronta
para ser.
Mais tarde, quando ela teve um momento a sós, ela precisou
reviver cada segundo desse encontro. Quando foi exatamente que
seus joelhos fraquejaram? Como foi que ele fez para que ela quisesse
aquelas coisas? E o mais preocupante de tudo, quando ela começou
a querer ele?

O querer não pegou Piers de surpresa.


Ele a achou atraente desde o primeiro olhar, e tentadora desde
os primeiros minutos que a havia conhecido. Ele havia sentido os
contornos delicados de seu corpo feminino pressionados contra ele
no parapeito da janela. Todos aqueles exercícios mentais que ele foi
treinado para usar caso fosse capturado e torturado? Ele executou
cada um deles atrás daquelas cortinas, tudo para evitar ficar
excitado.
Ali, contudo, foi diferente. Ali ele não precisou se segurar. E uma
vez que as comportas foram abertas, um verdadeiro dilúvio de
necessidade se derramou.
Não, o querer não o surpreendeu.
Mas a necessidade? Isto o abalou até a planta dos pés.
Ela estava correta, era para ser somente um enlace persuasivo.
Ele precisava convencer Charlotte Highwood a aceitar sua mão, tanto
para preservar seu caráter de fachada, quanto para afastar perguntas
inconvenientes sobre seu verdadeiro propósito ali.
Beijá-la fazia parte de seu trabalho, tudo pelo dever. Mas o
trabalho nunca havia tido tanto sabor de prazer assim.
A musselina do vestido dela era tão macia, sedutoramente frágil.
E ela se encaixou perfeitamente nele, madura em suas mãos.
E ela tinha um gosto tão bom!
Ele nunca tomava chá com açúcar, não se importava com calda
de chocolate. Mas ela tinha sabor de algo doce. Seria melado? Ou
mel? Talvez era somente sua essência natural. O que quer que fosse
ele não teve o bastante. Ele estava faminto por ela.
“Charlotte.” Ele murmurou, pausando o momento para olhar
para o rosto dela virado para cima, antes de beijar sua bochecha. E
depois seu pescoço pálido e macio.
E ainda que não fosse necessário, ou mesmo aconselhável, ele a
puxou com força para ficar ainda mais perto dele e renovou o beijo.
Já havia sido há muito, muito tempo que ele não fazia algo pura
e simplesmente porque queria. Ele merecia tudo isso, não merecia?
Uma mulher doce e sedutora em seus braços.
Não era justo com ela, mas a vida não era justa. Todos
aprendiam aquela lição mais cedo ou mais tarde, ela sairia daquela
situação melhor que a maioria, como uma marquesa, com posição e
fortuna à sua disposição, se deixada por conta própria ela poderia
provavelmente fazer bem pior.
Ele deixou a culpa de lado. E mergulhou mais fundo nela.
Aquele não era o primeiro beijo dela. Ele podia afirmar isso, mas
duvidava que qualquer um dos jovens rapazes que a tenha beijado
antes, tinham ideia do que diabos estavam fazendo.
Ele sentiu uma vaga, estúpida raiva tomar conta dele. Isso fez
com que se tornasse mais resoluto em fazer desse beijo algo sublime.
Suficientemente longo, lento, doce e profundo para eliminar de sua
memória as experiências anteriores.
Daquele dia em diante, quando ela pensasse em beijos, ela
pensaria somente nele.
Ele pôde sentir o momento em que ela se lembrou do mundo a
volta deles. Ela se enrijeceu em seus braços.
Não, não.
Ele a apertou mais forte. Ela não iria fugir dele. Não ainda.
Ele mudou para beijos leves e provocativos. Roçando seus lábios
na doce e suculenta boca dela, de novo e de novo. Só mais uma vez...
e então mais uma.
Quando ele se afastou, os lábios dela estavam rosados e
inchados. Sinal de que foi satisfatório de uma forma primitiva e
profunda.
Ela piscou para ele, parecendo atordoada. “Eu... eu
repentinamente não estou bem certa que esse ‘entendimento’ seja
uma ideia sábia.”
“Eu falarei com sua família e Sir Vernon. Você não precisa se
preocupar. Eles irão concordar.”
“Milorde...”
“Piers.” Ele corrigiu. “De agora em diante você me chama de
Piers.”
“Piers, então.” Ela buscou sua face. “Que tipo de diplomata você
é?”
Querida, se você soubesse...você fugiria o mais depressa que
essas suas sapatilhas permitissem.
“Um com uma especialidade.” Ele respondeu honestamente.
“Que negocia rendições.”

“Um entendimento?” A mãe de Charlotte a seguiu até o seu


quarto.
“Você o tinha na palma de sua mão, e deixou que ele
determinasse um entendimento?”
Charlotte desabou na cama. “O entendimento foi minha escolha,
mamãe.”
“O que é ainda pior. Eu não te ensinei nada? Selasse o contrato
quando você teve a chance!”
Charlotte colocou um travesseiro por cima de sua cabeça. Ela
não queria discutir com sua mãe agora. Ela queria ficar sozinha,
então poderia reviver cada momento daquele beijo e organizar
claramente todas as sensações que estavam girando através dela.
Então dividiria suas reações em duas categorias: emocional e física.
A categoria emocional seria a menor das duas, sem dúvida. O
tumulto selvagem que ele despertou nela era somente uma questão
de corpos e desejo. Corações não tinham nada a ver com isso. Pelo
menos era isso que esperava. Mas ela se sentiria bem melhor se
confirmasse.
Ela podia ouvir os passos de sua mãe no quarto. “Sua garota
imprudente. Uma quinzena! Você sabe que isso são duas semanas
inteiras?”
Sim mamãe. Estou familiarizada com a definição de quinzena.
“E se ele mudar de ideia?” Sua mãe lamentou. “Você deu a ele
todas as oportunidades de sair da situação. Ele pode fazer suas malas
no meio da noite e escapar.”
Charlotte jogou o travesseiro para o lado. “Sua confiança em mim
é tão inspiradora, mamãe.”
“Esse não é o momento para esse tipo de insolência que você
chama de humor. O marquês já esteve noivo uma vez, você sabe. Ele
adiou o casamento por oito anos, e então a moça se casou com seu
irmão como alternativa.”
Sim, ela se lembrava de ter ouvido fofocas sobre isso. “Aquele
noivado, foi um arranjo da família. Eles eram muito jovens, mudaram
de ideia.”
“É melhor você esperar que sua mente não tenha mais mudança.
Se ele cancelar esse ‘entendimento’ você estará arruinada. Isto é a
sua vida Charlotte.”
“Oh, eu sei que é.” Ela se sentou na cama. “E é inteiramente sua
culpa eu estar em perigo.”
“Minha culpa?”
“Você encorajou o escândalo e forçou lorde Granville. Toda
aquela conversa de a paixão ter tomado conta dele.”
“Eu talvez tenha encorajado, mas foi você que começou. Era você
que estava aconchegada a ele atrás da cortina.” Ela afundou em uma
poltrona, abriu seu leque. “Pela primeira vez, uma das minhas filhas
me deu motivo para estar orgulhosa. Eu tinha esperança que você
laçasse um duque nesse feriado. Eu pensei que essa área era
chamada de Duqueiro, mas eu estava enganada.”
“É chamada de Duqueiro. Mas não funciona como laranjas. A
senhora imagina que duques crescem em árvores?”
Sua mãe teve um arroubo. “De qualquer maneira, um marquês
é a segunda melhor coisa. Você foi muita esperta em laçá-lo.”
“Eu não estava tentando laçá-lo de forma alguma!”
“Agora que você o tem, é melhor que você o mantenha. Então se
comporte da melhor maneira pelo resto da quinzena. Um modelo de
etiqueta. Vigie sua postura. Nada de palavras inconvenientes ou
inteligência. Fale menos, sorria mais.”
Charlotte revirou os olhos. Nenhuma quantidade de sorrisos iria
fazer com que ela fosse a noiva ideal para Piers.
“Encontre qualquer ocasião para estar sozinha com ele. Sente-
se perto dele nos jantares e na sala de desenho. Peça a ele para virar
as páginas de sua partitura quando tocar piano. Não, espere, não
toque piano. Isso irá afugentá-lo.” Ela bateu com o leque em sua coxa.
“Eu sempre disse a você para ser mais diligente com suas aulas de
música.”
“Mamãe, pare com isso! Se esse ‘entendimento’ se tornar um
noivado,” eu farei com certeza com que não se torne, “não terá nada a
ver com minhas habilidades ou conduta, mas tudo a ver com o caráter
de Lorde Granville. Não foram os meus encantos que o enlaçou, mas
sim o seu próprio senso de decência.”
Sua mãe exalou o fôlego em um só suspiro.
“Ele é um homem honrado.” Charlotte disse. Refreando a si
mesma de acrescentar, um que beija como um libertino não
arrependido.
A senhora Highwood parecia estar pensando em algo. Então ela
parou e começou a sair do quarto. “Mas só por segurança, vamos
abaixar os decotes de todos os seus vestidos. Vou falar diretamente
com a criada sobre isso.”
“Não.” Charlotte pulou da cama e bloqueou o caminho de sua
mãe. “Mamãe, a senhora não pode, não pode dizer a ninguém nada
sobre isso.”
“Mas...”
“A senhora não deve dizer uma só palavra. Nem aos criados, nem
a Lady Parkhurst. Nada aos vizinhos, seus correspondentes ou até
mesmo para as paredes.”
“Eu não falo com as paredes,” sua mãe protestou,
“frequentemente...”
Ela conhecia sua mãe muito bem. Se não a controlasse ela
soltaria pequenas dicas durante o almoço. Insinuações na hora do
chá. E no momento em que todos se reunissem para o pós jantar em
que iriam tomar um xerez, ela já estaria se vangloriando do
casamento iminente e escrevendo cartas para todas as suas amigas.
Uma vez que isso acontecesse, não haveria mais escapatória.
“Lorde Granville pediu que o entendimento fosse mantido em
segredo.” Charlotte prosseguiu, “ele é um homem importante e
valoriza a discrição. Ele ficaria muito contrariado se fosse objeto de
fofocas.” Uma ideia ocorreu a ela. “Na verdade... eu não ficaria
surpresa se isso não fosse uma espécie de teste.”
“Um teste?”
“Sim, um teste. Para ver se somos confiáveis. Se falarmos uma
palavra sobre isso com alguém, ele saberá. E provavelmente retirará
o pedido imediatamente.”
Sua mãe arquejou e mordeu os nós dos dedos. “Oh, Charlotte!
Que pereça esse pensamento!”
Charlotte pôs as mãos sobre os ombros de sua mãe. “Eu sei que
a senhora pode fazer isso mamãe. Todos os seus anos de
encorajamento e cuidados maternais, ansiando que suas filhas se
casassem bem... Tudo se resume a esse momento. A senhora deve
segurar sua língua. Morda-a, corte-a, se for necessário. Tudo depende
do seu silêncio.”
“Sim, mas é que...”
Charlotte a interrompeu com um olhar. “Silêncio.”
A senhora choramingou, mas selou seus lábios.
“Muito bom!” Charlotte disse, acariciando os ombros de sua mãe
com louvor. “Agora vá para a cama e descanse. Eu tenho cartas para
escrever.”
Ela conduziu sua mãe para fora do quarto, então trancou a porta
e desabou sobre ela.
Oh céus! Quem poderia dizer se suas advertências durariam
duas semanas inteiras? Ela precisava identificar os amantes, e
rápido.
Ela foi até a pequena escrivaninha e mergulhou sua pena na
tinta. Não estava faltando com a verdade, ela tinha sim algo a
escrever.
Uma coisa, para ser mais exata.
A letra C.
De forma bem ousada e vigorosa, escreveu a letra em um papel
e se sentou para ponderar a respeito. Ela tinha um mistério para
resolver, e essa era sua primeira, e talvez única, pista.

CAPÍTULO 4

Piers inclinou-se para a frente, fechou um olho, e alinhou sua


tacada.
Bilhar, como a maioria dos esportes, era um exercício que podia-
se aplicar geometria e física. Se o equipamento tinha qualidade e a
superfície da mesa estivesse macia, a única variação no jogo seria as
habilidades do jogador.
O sucesso dependia de concentração. Focar no que era preciso.
Embotar os sentidos, ignorar emoções, eliminar qualquer fragilidade
humana, até que restasse somente um corpo, um alvo e um intento.
Com um movimento rápido de seu braço, ele deu a tacada,
batendo a bola branca na vermelha, fazendo com que as duas
girassem pelo feltro verde em perfeita e previsível trajetória.
A maior parte da sua vida, ele conduziu as pessoas da mesma
forma. Não porque ele tivesse desdém delas, ou um senso inflado de
sua própria importância, mas porque emoção poderia facilmente
distorcer sua tacada. Distanciamento sempre foi a chave, e nunca foi
um grande esforço.
Até agora.
Até Charlotte.
Ela deixou sua mente e seu corpo girando fora de controle. Ele
não conseguia parar de pensar nela. A doçura que ele teve a chance
de experimentar. O ajuste perfeito do corpo dela no seu. A maneira
como ela ultrapassou suas defesas, e deslizou para dentro de sua
pele.
Sim, ela era jovem. Mas Piers havia aprendido a avaliar as
pessoas rapidamente, e Charlotte Highwood era mais do que
aparentava. Ela possuía um tipo de honestidade que requeria
confiança, e uma sensibilidade perspicaz sobre os outros e ela
mesma.
Maldição! Isto era perigoso, mas talvez perigo era o que ele
estivesse desejando. Sim, essa devia ser a resposta. Ela deixava seu
sangue pulsando e sua mente alerta do mesmo modo que suas tarefas
perigosas faziam durante a guerra.
Aquele beijo fez ele se sentir vivo.
“Ai!”
Alguma coisa longa e afiada o cutucou bem no traseiro. E então
no flanco.
Edmund Parkhurst estava parado entre ele e a porta, brandindo
um taco de bilhar. As sobrancelhas do garoto estavam unidas em uma
carranca, e ele espetou Piers no ponto central de sua costela inferior,
como um pequeno canibal segurando sua presa na ponta de sua
lança.
“Eu sei.” Sua voz era tão ameaçadora quanto um garoto de oito
anos poderia ser. “Eu sei o que você fez na biblioteca.”
Maldição! Isso novamente, não!
“Edmund, você está enganado. Eu sou um amigo de seu pai.
Ninguém fez nada violento. Nós já discutimos isso.”
“Assassino.” Espetada. “Assassino.” Espetada. “Assassino.”
Piers deixou seu taco bater na mesa. Onde estavam os pais dessa
criança? Ele não tinha babás? Tutores? Hobbies, brinquedos ou
animais de estimação?
“Eu não sou um assassino.” Ele disse, mais firme dessa vez.
E ele não era um assassino. Pelo menos não tecnicamente, desde
que se empregasse as mesmas manobras éticas usadas para absolver
soldados e carrascos de seus deveres sangrentos. Nenhuma corte na
Inglaterra iria condená-lo por esse crime. Em relação a escapar do
julgamento divino ele se sentia menos seguro, mas... somente a
eternidade diria.
“Eu sei o que você fez. Você vai pagar.” O garoto levantou o taco
de bilhar como se fosse uma espada.
Piers se esquivou do golpe se apoiando na mesa.
“Edmund se acalme.” Ele poderia desarmar o rapaz facilmente,
mas só de imaginar o que resultaria dessa cena, se acidentalmente
ele ferisse os pequenos dedos de Edmund no processo. O garoto sairia
correndo pelas escadas gritando não somente “ASSASSINO!” Mas
também... “ASSALTANTE!” e “TORTURADOR!” E provavelmente iria
acrescentar:
“ELE NÃO PAGA SEUS IMPOSTOS!” Só para garantir!
Edmund o perseguiu em volta da mesa de bilhar, brandindo o
taco novamente, mais firme desta vez. Quando Piers se abaixou, o
golpe acertou em um troféu de faisão empalhado na parede,
arrancando o pássaro do seu poleiro. Ele poderia jurar que ouviu a
coisa grasnando. Uma explosão de penas encheu o aposento. Girando
e flutuando até cair em seus ombros como flocos de neve.
As emoções no rosto de Edmund passaram por uma rápida
progressão, pelo arrependimento de ter destruído um dos prêmios de
seu pai, antecipação à punição, até...
Pura e concentrada fúria.
O garoto baixou o taco como se fosse uma lança, levantou seus
ombros e partiu para cima de Piers.
“ASSASSINOOOOO!”
Aquilo, Piers decidiu, já era o bastante.
Ele agarrou o taco com uma mão, segurando Edmund em seu
lugar ao mesmo tempo. E falou com uma voz baixa e severa. “Me
escute aqui, rapaz. Golpear um ao outro com um taco de bilhar não
é a forma como cavalheiros resolvem suas disputas. O seu pai ficaria
muito insatisfeito com seu comportamento. Eu estou perdendo minha
paciência. Pare com isso. De uma vez!”
Ele e o garoto se olharam cautelosamente. Piers soltou o taco de
bilhar. “Vá para o seu quarto Edmund.”
Houve um longo e tenso silêncio.
Então Edmund o golpeou com o taco na virilha e mergulhou para
debaixo da mesa, deixando Piers ofegante por ar.
“Seu pequeno miserável...” Ele se encurvou batendo com o
punho no feltro verde.
Já chega.
Naquele dia, Edmund Parkhurst iria aprender uma lição.

“Posso colocar isso aqui?” Charlotte perguntou, com a voz tensa.


“Acho que estou tendo uma câimbra.”
Delia não tirou os olhos de sua prancheta de esboços. “Só mais
alguns minutos. Eu preciso terminar as dobras da sua toga.”
Charlotte tentou ignorar as pontadas agudas em seus braços.
“De qualquer forma, qual das deusas gregas segura uma bandeja de
chá de prata?”
“Nenhuma. Isso só está aí para imitar uma lira.”
Existia pouquíssimas pessoas no mundo para quem Charlotte
ficaria parada, de pé na sala de desenhos, envolta em lençóis,
segurando uma bandeja de chá incrivelmente pesada por horas a fio,
mas Delia Parkhurst era uma dessas pessoas.
Depois do periódico PRATTLER ter feito dela uma pária na
sociedade, Charlotte já havia desistido de ter seus cartões de dança
preenchidos. Mas lamentar não estava em seu caráter. Quando se viu
desprezada pelos cavalheiros, ela procurou por novas amigas.
E encontrou Delia.
Delia era calorosa, espirituosa, e uma relutante ‘flor seca’ nos
bailes, ou seja, não tinha ninguém que a convidasse a dançar. Elas
conspiravam pelos cantos inventando jogos como: ‘Localize o dente
podre’ e ‘Libertino, Libertino, Duque’. Elas também dobravam seus
cartões de dança não usados em barquinhos para uma ‘Regata de
tigela de ponche’.
Elas faziam tudo isso, até começarem a gastar o tempo em um
novo propósito: planejar sua escapada.
“No próximo ano, nós estaremos a milhares de quilômetros de
distância daqui.” Delia disse, “livres de nossas famílias e longe de
todas as pessoas que leem jornais de escândalos em Londres. Eu terei
esculturas da Renascença para desenhar, e você explorará templos e
túmulos, e a noite nós estaremos cercadas de contes e cavalieres.
Nada de bandejas de chá.”
A culpa rastejou sobre Charlotte. Depois daquela cena na
biblioteca, o plano das duas, de fazer o tour pelo Continente estava
em um grave perigo, e Delia nem sabia nada sobre isso.
Isso mataria Charlotte, se ela tivesse que desapontar sua amiga.
Delia deixou seu pincel de lado. “Pronto. Eu terminei por hoje.”
Charlote baixou a bandeja, se desvencilhando dos lençóis e
sacudindo os nós de seus braços e pernas.
“Arriscamos a tocar no assunto de nossa viagem hoje?” Delia
pergunta.
“Ah não, não ainda.” Não enquanto seu pai acredita que eu
levantei minhas saias para um Marquês em sua biblioteca.
“Por que não?”
Charlotte tentou ser vaga. “Eu não tive tempo suficiente para
provar a mim mesma para seus pais. Muito menos para sua irmã.
Frances olha para mim como se eu a estivesse conduzindo para as
mãos do devasso mais próximo para ser arruinada.”
“Frances é protetora e ela dá muita atenção à fofocas. Pelo menos
eu não tenho nenhum irmão mais velho para fazer objeção. Somente
Edmund, mas ele pode ser facilmente persuadido.”
Eu não estaria tão certa sobre isso, Charlotte pensou.
“O que a está impedindo? É Lorde Granville?”
A pergunta pegou Charlotte de surpresa. “Como você sabe?”
Delia encolheu os ombros. “Você deixou o salão de baile assim
que ele chegou, e eu sei como sua mãe pensa. Mas eu não me
preocuparia com a disposição dela em ter a atenção do marquês. Ele
poderia muito bem morar na lua, o homem está muito longe de ser
alcançado.”
Era isso que Charlotte pensava também. Até ela se encontrar
não somente ao alcance dele, mas também apertada em seus braços.
A lembrança trouxe um arrepio na parte de trás do seu pescoço.
Ela se sentou e pegou a mão de Delia. “Tem algo que eu preciso
lhe contar e me preocupo sobre como você vai receber isso.”
“Charlotte você é minha amiga mais querida. Você sempre pode
me confidenciar coisas.”
Um caroço se formou em sua garganta, ela seria ainda a amiga
mais querida de Delia se ela lhe contasse a verdade?
O barulho de uma pequena batida no corredor atraiu a atenção
das moças.
Então uma batida maior fez com que as duas se colocassem de
pé.
Charlotte e Delia correram para fora da sala e seguiram os sons
de cerâmica se quebrando na entrada do corredor, de onde um
envergonhado Edmund surgiu ao lado dos restos de um vaso.
Acompanhado por ninguém mais a não ser Piers.
Cada um deles com um taco de bilhar nas mãos. Lady Parkhurst
correu pelas escadas para se juntar a eles, com sua touca toda
retorcida e quase sem fôlego, parecia que ela tinha sido acordada de
uma soneca aos solavancos.
“Mas o que...?” Ela se deu conta do que estava acontecendo com
apenas uma rápida olhada na cena. “Edmund! Eu já deveria saber
que era você...”
“Perdoe-me, Lady Parkhurst.” Piers se curvou. “A culpa é minha.
Eu estava dando a Edmund algumas lições na arte de esgrima.”
“Esgrima? Com tacos de bilhar?”
“Sim. Eu receio que nós estávamos muito entusiasmados.
Edmund é um rápido aprendiz. Os meus esquivos quebraram o vaso.”
Seu olhar se inclinou para outra pilha de cacos no canto. “E também
o cupido.”
“E o faisão na sala de bilhar.” Edmund sibilou. “Aquilo foi ele,
também.”
Piers limpou a garganta. “Sim. Foi tudo eu. Eu espero que a
senhora possa perdoar minha falta de jeito.”
Charlotte deu um pequeno sorriso. Falta de jeito? Como ela
soube muito bem pelo encontro deles na biblioteca, Piers possuía
reflexos rápidos e total domínio de sua força.
Ele estava simplesmente levando a culpa pelo garoto. Da mesma
forma como ele levaria a culpa por ela.
“Eu irei, com certeza, repor todos os itens quebrados.” Ele disse
à Lady Parkhurst.
“Oh! Por favor não!” Delia disse. “Eles eram terrivelmente feios.”
“Delia...” sua mãe interveio.
“Ora, mas eram mesmo.”
Lady Parkhurst deu à filha aquele olhar de aviso maternal. “Eu
mandarei a criada vir limpar. Tenha a gentileza de levar seu irmão
para cima.”
Delia obedeceu, pegando Edmund pelos ombros e o conduzindo
em direção a escada. O garoto foi arrastando os pés em protesto.
Antes de alcançar o último degrau, ele olhou por cima do ombro e
sussurrou para Piers, “Isso não acabou. Estou de olho em você.”
Charlote olhou para Piers. “O que isso significa?”
“Não pergunte.”
Charlote se ajoelhou e começou a juntar os cacos da estátua do
cupido. Não estava tão destruída como o vaso, talvez pudesse ser
remontada.
Piers se juntou a ela, se abaixando, alcançando a base de gesso
e recolocando no pedestal.
“Você não deveria ajudar.” Ela disse baixinho.
“Por que não?”
“Porque você é um marquês. E marqueses não fazem esse tipo
de coisa.”
“Por que não? Se eu causo alguma desordem, eu limpo a
bagunça. É assim que deve ser.”
Ela alcançou um pedaço do pé do cupido e empilhou sobre a
base.
“Você não acredita nisso. Porque se acreditasse, seria Edmund
que estaria aqui juntando essas peças. Obviamente foi culpa dele.”
“Não totalmente.” Ele adicionou o tornozelo a estátua. “Disputas
requerem dois participantes.”
Charlotte entregou a ele a próxima peça da estátua, um par de
joelhos brancos e as coxinhas gorduchas do cupido. Enquanto ele
pegava, a ponta dos seus dedos roçou no dorso da mão dela. Aquele
simples contato, pele sobre pele, a eletrizou.
Ela baixou o olhar, alcançando o traseiro redondo do cupido e
colocando em sua crescente reconstrução. Seus dedos deviam estar
tremendo. Não importava o quanto ela girasse a pequena peça não se
encaixava no lugar.
“Talvez tenha alguma peça faltando.” Ela disse. “Eu não consigo
fazer essa se encaixar.”
“Permita-me.” Ele retirou a peça das mãos dela e a inverteu.
“Acredito que seja desta forma.”
Oh céus! Ela estava segurando a peça de cabeça para baixo,
teimosamente tentando forçá-la a entrar no lugar. Todo o tempo, a
ponta do pequeno pênis do cupido apontava para cima como se fosse
um relógio marcando meia noite em ponto.
Ela baixou a cabeça mortificada.
“E eu acredito que a próxima peça esteja ali bem atrás de seu
joelho.”
Ela alcançou a peça apressadamente, e então deixou cair quando
uma ponta afiada a espetou e uma gota de sangue surgiu na ponta
de seu dedo.
“Você está machucada.”
“Não é nada.”
Mas ele já tinha tomado sua mão na dele. Depois de uma rápida
avaliação, levantou o dedo ferido dela e pôs em sua boca, sugando a
dor. A ação foi eficiente, não imoral, mas em sua mente era a mesma
coisa.
Então ele segurou sua mão, pressionando o polegar contra a
pequena ferida. Seus olhos, contudo, não se afastaram do rosto dela
um só minuto. O coração de Charlotte pulsava, como se estivesse
determinado a manter o dedo dela sangrando, como se desejasse que
o momento não chegasse ao fim.
Ela podia começar a se acostumar em ser cuidada.
“Sério, milorde...”
“Piers.” Ele a corrigiu.
“Piers.” Ela olhou para o corredor, buscando salvação. “A criada
está para chegar. Nós estamos amontoados aqui no chão, de mãos
dadas, cercados por uma estátua de gesso nua. Não será bom para
nós sermos vistos juntos assim.”
“Pelo contrário, seria perfeitamente apropriado. Nós vamos
anunciar um noivado em menos de duas semanas.”
“Isto é exatamente o que estou tentando dizer. Nós não iremos.”
Ele arqueou as sobrancelhas. “Você já se esqueceu dos
acontecimentos dos últimos dias?”
“Não.”
Ela não havia esquecido seus gracejos maliciosos. Ela não havia
esquecido seus braços fortes em volta dela. E definitivamente ela não
havia esquecido aquele beijo arrebatador e apaixonado.
Ela retirou sua mão da dele. “O que aconteceu na biblioteca foi
minha culpa. Eu nunca deveria tê-lo seguido até lá.”
“Eu nunca deveria ter permitido que você ficasse. Disputas
requerem dois participantes.”
Charlotte se derreteu por dentro. Ele estava tentando fazer o que
era correto por ela, e ela apreciava isso mais do que ele poderia
imaginar. Mas isso só fazia com que ela ficasse ainda mais
determinada a fazer o correto por ele de volta.
“Eu criei a bagunça e eu vou limpar.” Ela reuniu coragem
suficiente para sorrir para ele. “Eu tenho um plano.”

CAPÍTULO 5

Ela tinha um plano.


Piers notou que essas declarações exaltadas dela estavam
entrando em um padrão.
Não se assuste.
Eu estou aqui para te salvar.
Eu tenho um plano.
Ela continuava a prometer que iria protegê-lo. Mas parecia que
não ocorria a Charlotte Highwood que era ele quem estava em melhor
posição para resgatá-la e não ao contrário.
Ele não conseguia decidir se ela estava sendo propositadamente
obtusa ou docemente desorientada.
Ele abandonou a tarefa da montagem do cupido e a ajudou a se
levantar. “Você tem um plano.”
“Sim.” Depois de lançar um olhar cauteloso para o corredor, ela
baixou sua voz. “Eu encontrarei os amantes. Aqueles que realmente
tiveram um encontro aquela noite. Uma vez que eu apresente a prova
para minha mãe e Sir Vernon, nós não precisaremos nos casar.”
Essa era a grande ideia dela? Havia tantas coisas erradas com
esse plano, que Piers não sabia nem por onde começar.
Com o som da criada se aproximando, ele a conduziu para a sala
de música que estava vazia, para que eles pudessem falar com
privacidade
“Eu sou muito boa em investigações, sabe.” Ela se afastou da
porta aberta. “Quando minha irmã Diana foi acusada de estar
roubando coisas nos dormitórios femininos, eu quase solucionei o
mistério.”
“Quase.”
“Sim. Eu já havia descoberto a pessoa responsável. Foi somente
seu cúmplice que me pegou de surpresa.”
Esse registro de uma quase solução de mistério nos dormitórios
femininos não capturou a atenção de Piers. Ele estava muito ocupado
notando como as grandes janelas e os painéis espelhados a
banhavam na luz do sol. A luz dourada iluminava sua delicada
silhueta e deixava os cachos soltos de seus cabelos com um brilho
afogueado.
Bom Deus! Ouça isso. Luz dourada e cachos de cabelo! Só faltava
escrever poesia agora!
Isso não era afeição, ele disse a si mesmo. Ele tinha o costume
de prestar atenção aos mínimos detalhes, era só isso. Informações
delicadas, segredos de estado. Cachos soltos, tudo fazia sentido, de
forma perfeita e racional.
“É simples,” disse ela. “Alguém, ou melhor dois alguéns, tiveram
um tórrido encontro na biblioteca. Nós sabemos que não fomos nós
dois. Você e eu só precisamos descobrir quem eles eram e fazer com
que confessem.”
Ele olhou para ela com ceticismo. “Qualquer um que teve um
tórrido encontro na biblioteca não quer ser encontrado. Muito menos,
confessar.”
“Então nós os obrigamos, de alguma forma. Ou pegamos eles no
ato.” Ela disse fazendo um gesto de desdém. “Nós temos toda uma
quinzena para trabalhar nisso. Mas eu estou me adiantando. Primeiro
nós precisamos descobrir suas identidades.”
“Isso não é possível.”
“É, bem possível.”
“Nós estávamos atrás das cortinas. Não pegamos nem mesmo
um vislumbre deles.”
“Não, mas nós temos várias outras observações. Para começar,
nós os ouvimos. Quer dizer não ouvimos suas vozes, mas pelo menos
ouvimos seus...” Ela fez uma cara estranha. “...barulhos.”
Deus. Estava muito próximo da hora do almoço para se lembrar
daquilo. “Eu não estou certo sobre em quê grunhidos e gritinhos pode
te ajudar.”
“Bom, pelo menos temos uma certeza razoável que os amantes
eram homem e mulher. Ao invés de dois homens ou duas mulheres.”
Ele se encontrou em uma posição de não saber que resposta dar.
“Supostamente eu não deveria ter conhecimento que esse tipo de
casal existe?” Ela perguntou. “Apesar de não ter colocado a parte do
cupido de forma correta. Eu reafirmo o que eu disse na outra noite.
Eu sou inocente, mas não ignorante.”
Ele acenou com a mão, incitando-a prosseguir. “De todo jeito,
continue.”
Aquela garota era cheia de surpresas. Ele mal podia esperar pelo
que ela inventaria em seguida.
“Nós sentimos um perfume,” ela continuou. “Era um aroma
distinto. Eu sei que eu reconheceria se eu sentisse novamente.”
“Considerando que senhoras não usam esse tipo de perfume
quando estão fazendo uma visita ou frequentando a igreja, isso me
parece improvável.”
“Eu concordo. Mas agora vamos a nossa mais importante pista:
a liga.”
“É só uma liga. Não te dá muita coisa para prosseguir.”
“Você deve ter pouca experiência com ligas, então.”
“Eu não diria isso. Mas admito que não as uso.”
Ela sorriu. “Para começar, era vermelha escarlate, não é somente
uma cor sensual, mas também não muito prática. A fita é de seda, o
que é caro. Isso indica que os amantes não eram criados. Pelo menos
não os dois. Se for uma criada envolvida com um cavalheiro, pode ter
sido um presente. Percebi também que a liga é um pouquinho grande,
quando eu a experimentei. Isso me fala alguma coisa sobre a forma e
o modelo do corpo da mulher.”
“Sim.” Disse Piers distraidamente.
Ele estava momentaneamente perdido na imagem de Charlotte
levantando sua saia e envolvendo a liga vermelha em sua coxa pálida
e macia.
“Tudo isso, e nós nem ao menos discutimos a melhor parte. A
liga estava bordada com a letra C.” Com mais uma olhadela em volta
deles ela retirou um papel de seu bolso e o desdobrou. “Eu fiz uma
lista com o nome de todos que estavam na Mansão Parkhurst aquela
noite. Família, visitantes e criados.”
“Como você fez isso? De memória?”
“Não totalmente. Os criados e a família eu pude nomear eu
mesma, é claro. Sobre os visitantes, eu roubei da sala de estar de
Lady Parkhurst essa manhã a lista de convidados e fiz uma cópia.
Então eu analisei pelas mulheres que tem os nomes ou os títulos
começando com a letra C, excluindo a mim, claro.”
Ele inclinou a cabeça e olhou para ela.
“Por favor não me dê esse olhar de reprovação. Eu sei que estava
errado, mas estou tentando ajudar. Nossos futuros estão em jogo.”
Não era um olhar reprovador. Piers estava impressionado. Ele
sabia que ela era esperta, mas não esperava que suas habilidades de
dedução seriam assim tão perspicazes.
Ela continuou, “Uma vez que nós restringirmos as suspeitas,
identificar a mulher será simples. A partir daí será uma questão de
segui-la e encontrar o homem. Com alguma sorte eu descobrirei os
nomes dos amantes misteriosos em questão de dias.”
“Como você sabe que eles eram amantes misteriosos?”
Ela fez uma pausa. “O que você quer dizer?”
“Para usar a palavra ‘amantes’, sugere um grau de sentimento.
Existe fazer amor, e existe...” Ele esquadrinhou as possibilidades,
antes de optar por uma menos chocante nos termos vulgares.
“Copular.”
“Qual é a diferença?”
O quê? Realmente. “Um homem sem princípios tomaria isso
como um convite para demonstrar.”
“Afortunadamente você tem todos os princípios que se poderia
ter.”
Ela não poderia estar mais errada nesse ponto. “O suficiente
para dizer que o encontro que nós ouvimos, se encaixa na categoria
de cópula. Lhes faltava uma certa...delicadeza.”
“Talvez falte a você um pouco de imaginação.”
Piers balançou sua cabeça. Ele não tinha falta de imaginação.
Naquele exato momento ele estava se divertindo tendo uma
vívida fantasia de pressioná-la contra as paredes espelhadas.
Observando os faixas de luz dourada brincando sobre seus cílios e
lábios. Beijando-a devagar, aliviando-a em uma névoa de paixão.
Então, somente quando ela estivesse implorando por mais, levantar
as saias de seu vestido, se colocar de joelhos e provar sua doçura. E
com todo o tempo que tivesse. Dando a ela prazer, de novo e de novo.
E novamente...
Isso, ele diria a ela, é como se faz amor.
Ele deu em si mesmo uma chacoalhada mental. Basta!
Aquela ideia poderia ser guardada para depois do casamento.
Aconteceria de ter um ou dois espelhos, ou centenas, em sua
propriedade.
Em sua propriedade era exatamente onde ela precisava estar.
Depois de ter se casado e deitado com ela, ele a mandaria para o
campo, e então poderia obter o firme controle sobre si novamente.
“Você pode chamá-los como desejar.” Ela disse. “Eu escolho
acreditar que eles eram amantes. E eu vou achá-los.”
“Você não pode se arrastar por Nottinghamshire brincando de
solucionar mistérios. Não somente é impróprio, como é tarde demais.
Nós temos um entendimento.”
“Nós podemos até ter um entendimento, mas não é tarde demais.
Não é tarde demais para encontrar os amantes, e não é tarde demais
para nós dois.” Os profundos olhos azuis dela estavam cheios de
sinceridade. “Eu quero me casar por amor. E eu tenho bastante
certeza que você quer isso para si também. Você é um homem decente
e honrado.”
Doce, inocente garota. Ela não fazia ideia. Os poderes de
dedução dela podiam ser bem aguçados, mas ele nunca permitiria
que ela deduzisse a verdade sobre ele. Decente? Honrado? Não
chegava nem perto. Tente implacável, querida. Enganoso, sangue-frio,
sem coração, e o pior.
“Charlotte, eu...”
“Você não quer amor, eu sei. Você pensa que fará você fraco de
alguma maneira, mas você está errado. Amor com a pessoa certa, faz
com que as pessoas fiquem mais fortes. Bem melhores do que se eles
estivessem separados. Eu sei. Eu vi isso. E é por isso que eu vou
solucionar esse mistério. Nós dois merecemos mais do que um
arranjo improvisado baseado em meias verdades.”
“Nós não estamos nos casando baseados em meias verdades.”
Disse ele. “Nós estamos nos casando baseados no fato de que eu a
mantive em um abraço clandestino no parapeito da janela. Isso já foi
impróprio o bastante.”
“Somente na definição mais estrita da palavra.”
“Definição estrita é a definição que importa.”
Ele não gostava da ideia de Charlotte correndo pela vizinhança
cheirando perfumes e medindo o tamanho das coxas das senhoras.
Mas talvez, tivesse um benefício: se ela estivesse ocupada
questionando a população local sobre suas ligas, ela não estaria
fazendo perguntas sobre ele.
Mesmo assim, era um plano imprudente, um plano que poderia
dar errado de várias formas.
“Eu não posso apoiar esse seu plano,” ele disse. “Eu certamente
não a auxiliarei.”
“Eu nunca esperei que me ajudasse.” Ela lhe lançou um olhar
coquete. “Eu me atrevo a dizer que você sairá perdendo, eu penso que
você necessita de um pouco de intriga em sua vida.”
Oh, Charlotte. Você não faz ideia.
“Me responda uma coisa, quando você falhar em encontrar...”
Ela lhe lançou um olhar ferido.
Ele recomeçou. “Se você falhar em encontrar esses misteriosos
‘copuladores’ até o final da quinzena, e então? A sua intenção é me
recusar e optar pela ruína?”
Ela manteve seu olhar distante. “Eu não sou estúpida.”
Não, ele pensou. Ela não era estúpida. Na verdade, estava longe
de ser. Ela era esperta, teimosa, e, o que ele começou a apreciar, ela
era perigosamente perceptiva. E isso era exatamente o que o
preocupava.

Logo depois do almoço Charlotte recebeu uma mensagem de sua


mãe a chamando. Ela esperou por uma hora, depois duas para
responder. Finalmente ela resolveu que era melhor ir logo ver o que
ela queria.
No caminho para o quarto de sua mãe, porém, Frances Parkhurst
a interceptou no corredor. “Posso ter uma palavra, senhorita
Highwood?”
Charlotte não encontrou nenhuma razão para recusar.
Frances falou em voz baixa. “Eu gostaria que soubesse que eu
tenho um cuidado muito profundo por minha irmã.”
“Eu me importo com Delia também. Ela se tornou minha amiga
mais próxima.”
Frances olhou para ela com suspeita. “Sério? Porque me parece
que você estava se tornando a amiga mais próxima de Lorde Granville
mais cedo na sala de música.”
“Você estava nos espionando?”
“Eu não precisei espionar. A porta estava aberta.”
“Nesse caso, você deveria saber que nós estávamos
simplesmente conversando.”
Nós estávamos simplesmente conversando.
Quantas vezes ela teve que pronunciar essa frase nos últimos
dias? Charlotte estava ficando cansada, não somente em dizer, mas
cansada também que ninguém acreditasse nela.
“Ele nunca iria querê-la.” Frances disse. “Você somente
embaraça ao marquês e a você mesma se persistir em perseguí-lo.”
Charlote ficou nervosa. Suas mãos se cerraram em punhos.
Ela pensa estar protegendo Delia. Charlotte lembrou a si mesma.
Você não pode culpá-la por isso. Ela só a conhece pelos jornais de
escândalos.
“Eu não estou perseguindo Lorde Granville,” ela disse.
“Oh, por favor! Você acha que eu não sei o que você e aquela sua
mãe gananciosa pensam? Eu vou te dizer uma coisa, suas esperanças
para um casamento vantajoso são cômicas. Você não tem talentos. A
sua linhagem não é motivo para se vangloriar. E acima de tudo, você
é completamente desavergonhada. Uma vez que o resto de Londres
tomou conhecimento de sua verdadeira índole, você se achegou a
minha irmã.”
“Você me parou no corredor somente para me insultar?”
Charlotte disse friamente. “Porque, por mais encantador que isso
seja, eu tenho outras coisas para fazer.”
“Eu a interceptei para dizer-lhe uma coisa: eu não permitirei que
você se aproveite do desespero e da natureza amável de Delia.”
“Desespero?” Agora Charlotte estava realmente irritada. “Delia
não está desesperada por nada. Com exceção, talvez, de ter alguma
distância de você.”
“Ela é vulnerável e confia facilmente.”
“Ela é uma mulher adulta, perfeitamente capaz de escolher suas
próprias amigas. E eu espero que ela nunca saiba o quão pouco
inteligente você a julga.”
Os olhos escuros de Frances se estreitaram. “Se você magoar
minha irmã, eu te prometo uma coisa, eu a arruinarei, e não somente
em Londres. Cada família da Inglaterra saberá exatamente quem você
é.”
Com isso, ela girou em seus saltos e se foi, deixando Charlotte
furiosa.
Nada mais poderia ser dito sobre Frances Parkhurst a não ser
que, após alguns minutos em sua presença, Charlotte se encontrou
ansiosa para visitar sua mãe.
Ela bateu na porta, antes de entrar. “A senhora queria me ver,
mamãe?”
“Sim, venha e se sente ao meu lado.”
O tom de sua mãe estava estranhamente gentil. Charlotte sabia
que era ilusão, mas ela não iria reclamar. Ela poderia se sentir
confortável pelo menos um pouco naquele momento.
Ela se sentou ao lado de sua mãe na cama.
“Charlotte, querida. É o momento de termos uma conversa sobre
o significado do casamento.”
“Nós já discutimos sobre o significado do casamento mamãe. Não
me lembro de um só dia desde que eu fiz treze anos que a senhora
tenha falhado em ressaltar a importância da instituição.”
“Então hoje não será diferente.” Ela disse arqueando a
sobrancelha grisalha. “Um bom casamento é o objetivo mais
importante na vida de uma mulher. A escolha de seu marido ditará
sua felicidade futura.”
Charlotte segurou sua língua. Ela não acreditava que fazer um
bom casamento era o objetivo mais importante na vida de toda
mulher. Certamente algumas mulheres poderiam se sentir realizadas
mesmo sem se casar. E entre aqueles que eram casados, felicidade
era uma joia multifacetada. Casamento podia trazer alegria para a
vida de alguém, mas amizade, aventura, atividades intelectuais
também poderiam.
Sua mãe havia se casado aos dezessete anos e se tornado viúva
aos vinte e quatro, não teve experiência nenhuma do mundo. Toda a
segurança e calor da casa deles morreu com o pai dela, e sua mãe se
tornou ansiosa e dispersa como resultado. Agora ela era objeto de
ridículo.
Charlotte estava decidida a não ser a mesma coisa. Não
importava o quanto sua mãe a exortava sobre casamento, ela não iria
se estabelecer antes de estar pronta, e só seguiria seu coração.
“Um marido e uma esposa devem combinar entre si,” sua mãe
continuou.
“Mamãe, eu estou convencida sobre esse ponto. Você deveria
poupar o seu fôlego para esfriar seu mingau de aveia, e então use o
resto para reclamar que está frio.”
“Eu não estou falando de forma abstrata, menina! Eu estou
falando de casamento, e do que significa os seus fundamentos. Uma
união, não somente de corações e mentes, mas...” a boca de sua mãe
se retorceu “...de corpos.”
“Oh!” Charlotte suspirou.
Oh, céus! Então era esse tipo de conversa. E ela pensou que não
haveria nada pior que o discurso de Frances.
“Você deve ter observado,” sua mãe disse, olhando para todos os
lados menos para Charlotte. “Que no reino animal, os gêneros
masculino e feminino são distinguidos pelas diferenças em seus
órgãos reprodutores.”
Não, não, não!
Isso não podia estar acontecendo. Charlotte olhou
freneticamente pelo quarto, procurando por um escape.
“Mamãe, não precisamos ter essa conversa.”
“É meu dever como sua mãe.”
“Sim, mas não precisamos ter agora.”
“Talvez não tenha um melhor momento.”
“Eu já li livros. Eu tenho irmãs casadas. Eu já sei sobre relaç...”
“Charlotte!” Sua mãe ergueu a palma da mão. “Somente segure
sua língua e me deixe terminar.”
Derrotada, Charlotte dobrou as mãos em seu colo e esperou até
que acabasse.
“Veja bem, o ... aham do homem é moldado de forma diferente
da... coisa da mulher...” a senhora agitou sua mão e continuou,
“...isso significa que no leito conjugal, ele vai querer colocar o seu...”
Mais agitação de mãos. “...dentro de você.”
“O aham dele vai dentro da minha coisa...” Charlotte completou.
“Entre outras palavras. Sim. E então...”
“E então os deveres conjugais são somente como um beliscão, se
deitar e pensar na Inglaterra. Acho que já entendi. Obrigada, mamãe.”
Ela tentou se levantar da cama e fugir, mas sua mãe a puxou de
volta.
“Fique quieta.”
Charlote estava quieta, miserável, mas quieta.
“Eu pensei em como seria difícil conversar sobre esse assunto, e
foi por isso que reuni alguns objetos comuns para servir de
ilustração.” Sua mãe alcançou uma cesta coberta com um
guardanapo de linho. “Você deve ter notado, de vez em quando,
enquanto toma banho, que existe uma espécie de fenda entre suas
pernas.”
Charlotte segurou sua língua.
Sério? Será que ela notou seu próprio corpo em algum momento
de seus vinte anos de existência?
Ela supôs que, poderia haver, em algum lugar, uma jovem que
nunca tenha analisado sua própria anatomia abaixo do umbigo. Mas
quem quer que fosse essa pobre alma, Charlotte nunca saberia como
ser sua amiga.
“É mais ou menos assim.” Sua mãe retirou um objeto
arredondado da cesta.
Charlote olhou para aquilo. “Isso é um pêssego?”
“Sim. As partes íntimas das damas serão representadas por esse
pêssego.”
“Por que um pêssego? Por que não uma orquídea, ou uma rosa,
ou qualquer outra flor?”
Sua mãe ficou estranhamente na defensiva. “O pêssego tem uma
fenda. Tem a cor apropriada. É...aveludado.”
“Mas isso não é totalmente correto, não é mesmo? Quero dizer,
nada é tão poético quanto um pêssego, mas a metade de um repolho
seria pelo menos mais adequa...”
“Charlotte, por favor, permita-me continuar.”
Permitir sua mãe a continuar era a última coisa que Charlotte
queria. No mundo. Ela preferia, sem dúvida, estar sendo chicoteada
no Vilarejo ao invés de terminar essa conversa.
Ela talvez preferisse a morte.
Ela se preparou enquanto sua mãe alcançava mais alguma coisa
dentro da cesta.
“Agora, em relação aos cavalheiros. É importante que quando o
momento chegar, você não se assuste. No estado de repouso, o...”
“Aham,” Charlotte completou.
“...é uma visão sem destaque.” Sua mãe continuou. “Contudo,
quando despertado, ele parecerá com algo como isto.”
De debaixo do guardanapo de linho, a senhora retirou um
legume magro e curvo coberto por uma pele roxa escura totalmente
esticada.
Charlotte engasgou com o horror que sentiu.
Não. Não poderia ser.
Mas era.
“Uma berinjela?”
“Um pepino serviria melhor, mas a cozinha estava sem.”
“Entendo.” Ela respondeu entorpecida.
“Bom.” A mãe colocou os objetos de ilustração em cima da
colcha. “Agora você pode começar as perguntas.”
Perguntas? Ela teria que fazer perguntas? Somente uma, vinha
a sua mente:
O que ela poderia ter feito para merecer isso, e será que era muito
tarde para se arrepender?
Charlotte enterrou o rosto nas mãos. Ela sentiu como se
estivesse presa em um pesadelo ou em um jogo muito ruim. O
Pêssego e a Berinjela, uma trágica comédia em um capítulo sem fim.
Felizmente, ela tinha acumulado amigas o bastante, livros e bom
senso para completar seu entendimento sobre relações sexuais anos
atrás. Porque se ela fosse forçada a ir além nesta conversa...
Ela decidiu fazer um acordo consigo mesma. Se sua mãe iria
sujeitá-la a isso, ela iria ter de pagar. E havia somente uma forma de
se vingar desse tipo de lição.
Levando a sério.
Ela levantou sua cabeça e manteve uma expressão solene, e
inocentes olhos arregalados. Com somente um dedo ela tocou a
berinjela.
“Esse é o tamanho original?”
“Nem todo cavalheiro é deste tamanho. Alguns são menores, mas
alguns, na verdade, são até maiores.”
“Mas a maioria não é tão roxo assim, eu espero.” Ela pegou os
dois itens e começou a empurrar um contra o outro, franzindo a testa
confusa. “Como é que a berinjela cabe dentro do pêssego?”
O rosto de sua mãe se contorceu. “O pêssego produz um tipo de
néctar para facilitar a passagem.”
“Néctar? Que fascinante.”
“Se o cavalheiro for habilidoso com sua berinjela, não será muito
doloroso.”
“E sobre as habilidades da dama? A esposa não tem que saber
como satisfazer a berinjela?”
Sua mãe ficou quieta por um momento. “Ela pode... Existe
alguns cavalheiros que talvez desejem...hum...ser acariciados.”
“Acariciados... Como se acaricia uma berinjela? É como acariciar
um gatinho?” Charlotte deitou a berinjela na palma da mão e roçou o
vegetal com a ponta do dedo. “Ou seria como escovar os cabelos?” Ela
aumentou os movimentos com vigor.
Sua mãe deu uma espécie de gritinho abafado.
“Aqui.” Charlotte disse, entregando o legume na mão de sua mãe.
“Por que a senhora não me demonstra?”
Ao sinal de que sua mãe entrava em pânico, com o rosto
arroxeando de vergonha, Charlotte perdeu a batalha para o riso. Ela
desabou em gargalhadas. Então mergulhou para o chão para evitar
ser acertada na cabeça pela berinjela.
“Charlotte!” Sua mãe arremessou o pêssego em sua direção no
momento que ela conseguiu alcançar a porta. “O que farei com você?”
“Nunca, nunca mais fale sobre berinjelas ou pêssegos
novamente.”

CAPÍTULO 6
Depois de verificar seu reflexo no espelho, Piers enxaguou sua
lâmina na bacia e secou o restante da espuma de barbear de sua
mandíbula. Se ele pedisse, Ridley viria ajudá-lo a se vestir para o
jantar. Afinal ‘valete’ era seu cargo nominal, e ele deveria tê-lo usado
mais nessa capacidade, pelo menos para manter as aparências.
Contudo ele desenvolveu o hábito de se barbear em seus primeiros
anos de serviço. Ele não teria confiado em ninguém para segurar uma
lâmina em sua garganta.
Naquele momento, que ele era um agente experiente, ainda
preferia barbear-se ele mesmo. Não que ele não confiasse sua vida
nas mãos de Ridley. Ele simplesmente não confiava nele para fazer
sua barba de forma satisfatória.
Ele colocou sua camisa e enquanto abotoava os punhos, alguma
coisa chamou sua atenção. Ele parou encarando o vidro.
Tinha alguma coisa do lado de fora de sua janela.
Ou alguém do lado de fora da sua janela.
Provavelmente é só um galho de árvore, ele disse a si mesmo.
Talvez um pássaro canoro noturno ou um morcego madrugador.
Ele estava cauteloso em não demonstrar nenhum sinal de
alarme. Mal lançou um olhar para fora novamente, enquanto
abotoava a camisa.
Então ele ouviu um ruído.
Um ruído de algo raspando. Ele inalou firmemente. E no tempo
que levou para dar aquele suspiro, ele olhou em volta e visualizou
todas as armas em potencial naquele quarto. A navalha, que estava
no lavatório, ainda reluzia com água. O atiçador de lareira daria um
porrete formidável. Em um pequeno movimento sua gravata que
estava preparada para ser usada se tornaria em um decente
enforcador, e ele aprendeu isso da maneira mais difícil em uma
abafada noite em Roma.
Mas ele não precisaria ser criativo aquela noite. Não com uma
pistola carregada repousando na primeira gaveta do lavatório.
Inimaginável, talvez, mas eficaz.
O ruído de algo raspando, se transformou em algo arranhando,
e então um chocalho. O intruso estava forçando a entrada.
Piers manteve seu pulso calmo, tentando manter o sangue em
suas veias tão frio como um riacho no mês de fevereiro. Ele abriu a
gaveta, moveu a pilha de lenços dobrados e levantou a pequena
pistola.
Então esperou. Se ele se virasse muito rápido, poderia assustar
seu agressor e se expor a uma segunda tentativa.
Paciência. Ainda não.
Uma brisa fresca flutuava nos pelos de seu pescoço.
Agora!
Ele girou nos calcanhares, erguendo a pistola enquanto se virava
e apontava a arma para o intruso.
Ela ergueu as mãos. “Não se assuste. Sou eu.”
“Charlotte?”
Ele baixou a arma, desarmando o gatilho no mesmo instante.
A metade de uma perna esguia entrou facilmente pela sua janela,
então o restante do corpo dela passou pela abertura e aterrissou
caindo no chão com um baque. Uma pilha de musselina suja de
grama, botas enlameadas e cabelos dourados desgrenhados.
“O que diabos você está fazendo?” Ele segurou-a pela mão,
levantando-a do chão. “De onde você veio?”
“Perdão pela interrupção,” ela disse, com o olhar passeando de
seu colarinho aberto até a bainha de sua camisa.
A visão dela, olhando para ele sem fôlego, corada e sorrindo, fez
com que o sangue dele fosse de gelo frio a temperatura de lava em
erupção.
Ele estava aliviado. Ele estava bravo. Ele estava, contra todas as
possibilidades, encantado.
Tudo, menos frio e distante.
“Você precisa estar em seu quarto.”
“Não há nada que eu amaria mais, mas agora eu não posso.” Ela
baixou os olhos. “Oh! Isto é uma pistola Finch?”
Ela alcançou a arma que não havia sido disparada, na mão
direita dele. Ele deixou que ela pegasse, apontando para a janela
aberta, fechando um olho para acertar a mira.
Ele tinha que admitir, ela tinha uma maldita de uma boa postura
de disparo.
“Como você reconhece uma pistola Finch?”
Ela baixou a arma, girando-a em suas mãos para examiná-la. “A
filha de Sir Lewis Finch é uma querida amiga minha. Eu passei anos
em Spindle Cove.”
Spindle Cove.
Seu pensamento voltou ao relatório abreviado que Ridley fez do
lugar.
Às segundas caminhadas pelo campo, às terças banho de mar.
Elas passam as quartas no jardim, e nas quintas...
“Às quintas vocês atiram,” ele disse.
“Então você ouviu falar sobre isso.” Ela sorriu para ele. “Eu estive
na sala de armas do próprio Sir Lewis Finch, e eu nunca tinha visto
um exemplar tão bom. É bem leve e pequeno, não é?”
“Edição especial,” ele disse. “Somente umas poucas dúzias foram
fabricadas.”
“Notável.” Ela devolveu a pistola para ele. “Como você conseguiu
ter uma?”
“Acredito que eu faço as perguntas agora.” Piers guardou a
pistola de volta na gaveta, e se virou para ela. “Se explique. O que
diabos você estava fazendo, escalando a minha janela?”
“Certo. Isso. Veja, essa tarde o Senhor Fairchild... é o vigário, se
você se lembra.”
“Eu me lembro.”
“Ele veio para visitar Lady Parkhurst. Alguma coisa sobre o
evento do feriado na paróquia. A seleção das músicas, ou algo assim.
Pareceu-me que iriam levar horas para negociar, então eu sabia que
era a minha chance.”
“Sua chance para quê?”
“Para visitar a senhorita Caroline Fairchild. Ela está na minha
lista de suspeitas. Se lembra do meu plano? Que te contei aquela
manhã?”
Ele levantou a mão para sua têmpora. “Eu me lembro, sim.”
“Bem, uma vez que eu analisei os C’s, me sobraram cinco
suspeitas. Eu tinha que começar a eliminá-las de alguma forma. Se
Caroline Fairchild estivesse envolvida em um caso de amor secreto, e
ela soubesse que o pai iria estar ausente por horas, esse seria o
momento perfeito para que planejasse um encontro. Não seria?”
Piers não sabia como argumentar com aquele raciocínio.
Irritante o suficiente.
“Então eu aleguei uma enxaqueca e fui para o meu quarto. Eu
disse às criadas que não queria ser perturbada. Então eu tranquei a
porta e escorreguei para fora da janela.”
“Sua janela é aproximadamente vinte pés de altura acima do
chão. E a minha também.”
“Sim, é claro. Mas tem uma pequena borda bem conveniente que
corre embaixo de todas as janelas, e do canto noroeste da mansão
para o terreno plano é somente um pequeno pulo.”
Ele apertou a mandíbula e tentou dispersar de sua mente a
imagem dela dando ‘um pequeno pulo’ da janela do segundo andar
para o galho de uma árvore. “Continue.”
“Então eu peguei um atalho pelo prado e caminhei até a vila.”
Ela se sentou em um banco na ponta da cama dele e começou a
desatar os laços de suas botas, as solas mostravam uma evidência
clara de sua caminhada pelos pastos e por estradas de terra
enlameadas. “Eu fui até a casa do vigário e perguntei pela senhorita
Fairchild. E ela estava lá. Sozinha.”
“E não nos braços de um sedutor.”
“Não. Na verdade, ela perecia solitária e ficou muito agradecida
pela visita. Uma doce garota, eu tive a impressão que ela nunca
experimentou nenhum tipo de aventura. Ela certamente nunca leu
bons romances.”
Ela chutou as botas para fora de seus pés, então os colocou por
baixo de suas pernas cruzadas, se sentando no banco novamente.
Piers decidiu que deveria estar sentado também. Ele se deixou
cair em uma poltrona.
“Eu acho que é seguro cortar a senhorita Fairchild da minha lista
de suspeitas.” Charlotte disse.
“O que você planeja fazer quando alguém perguntar, como você
estava simultaneamente em seu quarto incapacitada por uma
enxaqueca e ao mesmo tempo na vila, visitando a senhorita
Fairchild?”
Ela balançou a mão. “Ninguém irá questionar isso. Os dias
passam como se fossem todos iguais durante uma visita no campo. É
impossível se lembrar se alguém foi colher maçãs na segunda ou na
terça, e foi na quarta pela manhã que tivemos aquela tempestade?
Todos pensarão que não passa de uma inocente confusão, isso, se for
mencionado. O que provavelmente não será. Você sabe como é.”
Sim, Piers sabia como era, e fazia uso disso com frequência. O
hábito de prestar atenção aos detalhes, quando ninguém mais a sua
volta fazia isso... isso dava à pessoa uma distinta vantagem.
Mas se Charlotte Highwood estava dando atenção aos detalhes,
isso significava uma vantagem a menos que ele teria sobre ela.
Isso o preocupava.
“Em todo caso, eu planejava escalar a árvore novamente e
deslizar para o meu quarto, eu deixei a janela aberta
propositadamente para isso. Mas quando voltei ela estava fechada.”
“Então, você utilizou a borda e veio para a minha janela como
alternativa.”
“Bem, o que mais eu poderia fazer? Entrar pela porta da frente
e confessar que eu menti sobre estar doente e que escapei pela
janela?”
De fato, o que mais ela poderia ter feito?
Piers dobrou seus cotovelos sobre os joelhos e esfregou o rosto
com as duas mãos.
Ela continuou. “Mais tarde, essa noite, quando toda casa
estiver adormecida, eu entrarei sorrateiramente no escritório da
governanta e pegarei emprestada suas chaves e voltarei para o meu
quarto. Ou...” Ela levantou um dedo enquanto falava. “Nós podíamos
iniciar um incêndio.”
“Você não vai iniciar um incêndio.”
“Não será um incêndio verdadeiro. Será somente um alarme
falso para tirar todos dos seus quartos e me dar a chance de voltar
para o meu.” Ela se levantou do banco e rodeou a cama, sentando-se
na beirada. “Podemos decidir mais tarde. Eu poderia tirar uma soneca
enquanto você desce para o jantar. Eu suponho que você não poderia
esconder um sanduiche no seu bolso para mim, não é? Estou
faminta.”
Ela se reclinou em seus cotovelos. Em cima da cama dele.
Parcialmente vestida. E de acordo com o ‘plano’, ela propunha passar
ali boa parte da noite.
Não. Isso não aconteceria.
Ele se levantou e começou a dobrar as mangas de sua camisa
até os cotovelos. “Eu abrirei a porta do seu quarto.”
“Eu já te disse, está trancada por dentro.”
“Deixe isso comigo.”
Ele abriu uma fresta na porta e olhou no corredor. Depois de
esperar e ouvir por alguns momentos, para ter certeza de que
ninguém estava vindo, ele se virou para dar a ela o sinal para segui-
lo.
“Você tem um pouquinho de espuma de barbear.” A ponta dos
dedos dela raspou um pedaço de pele abaixo de sua mandíbula.
“Aqui.”
A suavidade do toque permaneceu em seu corpo.
Ela inclinou a cabeça para o lado e lançou um olhar para ele
fazendo um barulho pensativo. “Estou percebendo que nunca vi você
sem casaco, você tem a constituição mais sólida do que se pode
suspeitar.” Ela espalmou as mãos desde o ombro dele até o seu
cotovelo, traçando indolentemente os contornos dos músculos de seu
braço. Apesar de tentar manter o controle, seus músculos
tencionaram.
Ela percebeu.
Uma onda de masculinidade carnal fez seu sangue pulsar nas
veias.
“Vamos indo,” ele disse. “Siga-me. E fique perto.”
Charlotte fez uma breve oração silenciosa e o seguiu pelo
corredor, carregando suas botas em uma mão. Ele segurava a outra
mão dela firmemente debaixo de seu braço. Em termos relativos, era
um caminho curto até chegar ao seu quarto, mas naquele momento,
parecia uma milha.
Ele deu uma chacoalhada no trinco da porta, encostando seu
ouvido nela para tentar escutar.
“Você disse que deixou a chave na porta?”
Ela balançou a cabeça concordando.
“Não está mais aqui.”
“Isso é estranho.”
Charlotte de repente se deu conta, de que ele sabia qual porta
era a sua sem ter perguntado. Ela imaginou como se deu isso... mas
outros assuntos mais urgentes tinham prioridade.
Como, por exemplo, os sons de passos vindo da direção da
escada de serviço.
“Alguém está vindo.” Ela sussurrou. “Nós deveríamos voltar
para o seu quarto.”
Ele não reagiu. “Só um momento de trabalho.”
Trabalhando em movimentos rápidos, ele retirou um alfinete de
ônix de seu bolso, amassou um pouco a ponta para fazer um gancho,
e inseriu na fechadura com um firme empurrão. Ele trabalhou com o
alfinete, como se fosse uma alavanca, testando os diferentes ângulos
para abrir a tranca.
Enquanto observava sem fôlego, Charlotte ficou imaginando se
ouro e ônix já haviam sido empregados em desculpável utilização. E
sem falar nas mãos aristocráticas do Marquês de Granville.
O barulho dos passos na escada de serviço se tornaram mais
próximos. A qualquer momento, uma das criadas iria aparecer no
final do corredor. Charlotte podia ouvi-la cantarolando uma música.
“Rápido!” Ela sussurrou.
Ele não tomou conhecimento da súplica dela.
A falta de urgência dele era exasperante. Eles não poderiam ser
surpreendidos dessa forma. Não haveria maneira de explicar como
Charlotte foi de uma enxaqueca em sua cama para estar toda
desgrenhada e sem fôlego no corredor, do lado de fora de seu quarto
trancado. E o pior de tudo, em companhia de Lorde Granville.
Ele nunca conseguiria escapar de se casar com ela, nesse caso.
Oh, não!
Um pensamento horrível a atingiu. Talvez fosse o que ele queria.
Talvez ele não estivesse nem tentando. Talvez todo esse absurdo do
alfinete fosse só uma brincadeira.
Os passos alcançaram o topo da escada.
Charlotte percebeu o relance de uma saia preta de lã girando
no final do corredor. Ela queria que os dois se escondessem. Mas
onde? Esse corredor sofria de uma imperdoável falta de alcovas, vasos
de plantas e estátuas de mármore.
O coração dela estava na garganta.
“Pronto.” Ele murmurou.
Com um leve click, a fechadura abriu.
Com um simples movimento ele empurrou ela para dentro do
quarto, fechando a porta atrás deles, deixando-a nada menos que
sobressaltada do outro lado.
Ele a comprimiu contra a porta, prendendo-a com o peso do
seu próprio corpo.
Eles permaneceram imóveis e silenciosos até que a criada
cantarolando passasse pelo quarto de Charlotte e seguisse em frente
pelo corredor.
“Eu disse, que faria a tempo.” Ele falou.
“Sim. Você conseguiu. Tudo isso e seu cabelo nem desarrumou.
O que o seu valete fez nele?!
“Nada. Ninguém toca no meu cabelo.”
“Ninguém?” Ela inclinou a cabeça, em respeito ao seu cabelo
negro e espesso. “Que pena!”
O coração dele ainda batia de encontro ao dela, mas sua
expressão _ mesmo sendo difícil de decifrar _ não parecia preocupada.
Ele parecia estar se divertindo.
Seria possível, que enquanto eles se escondiam pelos
corredores, e abriam trancas com alfinetes, o respeitável Marquês de
Granville estivesse se divertindo?
Que interessante!
Talvez havia alguma coisa sobre uma pitada de perigo que o
fizesse se mostrar de novas maneiras.
Charlotte sentiu também. Não somente a prolongada
empolgação da escapada, mas a proximidade que eles
compartilhavam naquele instante.
Seus braços fortes e vigorosos envolviam os lados do corpo dela
em uma promessa de proteção. Mas a intensidade sombria em seus
olhos era perigosa.
“Você deveria ir.” Ela deslizou para fora dos braços dele. “Você
deve querer terminar de se vestir para o jantar.”
“Espere.” A mão dele se fechou no braço dela, segurando-a no
lugar. “Eu vou olhar o seu quarto primeiro. Alguém esteve aqui,
enquanto você esteve fora.”
“Sério? Como você sabe?”
“Além da chave ter sido retirada?” Ele olhou por debaixo da
cama e dentro do closet. “Obviamente seu quarto foi revirado.”
Ela olhou pelo quarto. “Não, não foi. Está exatamente como eu
deixei.”
“Você deixou assim?” Ele pegou um manto do chão, segurando
por um pedaço da franja, enquanto ele movia a peça no ar, caiu de
dentro dela um emaranhado de meias e um cadarço de bota
extraviado.
“Eu não sou a mais organizada das damas.” Ela falou na
defensiva.
Com um beligerante arco em sua sobrancelha negra, ele se
virou para verificar atrás da porta do closet.
Enquanto isso, Charlotte cruzava o quarto até alcançar a
janela. “Mas alguém esteve aqui. Essa janela não está somente
fechada, está trancada. Que estranho. Eu suponho que deve ter sido
a criada.”
“A criada?” Ele emergiu de dentro do closet, arrancando
algumas penas amarelas de seu ombro demonstrando uma expressão
irritada. “Acredite em mim, nenhuma criada esteve neste quarto.”
“Não poderia ter sido minha mãe. Ela soaria um alarme tão alto
que a casa inteira poderia ouvir. Mas se não foi uma criada ou
mamãe, então quem?”
“Talvez alguém que saiba que você está planejando algo.” Ele
disse. “E essa pessoa quer que você pare.”
“Um dos amantes misteriosos, você quer dizer?”
“Me escute, Charlotte. Você não sabe em que tipo de segredo
você pode estar se intrometendo. Ou o que os amantes misteriosos
farão para protegê-lo. É hora de deixar isso para lá.”
Deixar para lá?
Ela não podia deixar para lá. Abrir mão da busca, significaria
abrir mão do resto de sua vida.
“Bem, já que estamos dando conselhos um ao outro milorde, eu
acho que você deveria ter mais consideração com o amor. Você deve
ser bom nisso.”
“Não posso imaginar o que te faz dizer isso.”
Ela deu de ombros. “Você parece ser bom em tudo mais. Mas,
talvez, você tenha se tornado bom em tudo mais porque esteja
preocupado que não seja bom em amar. Lhe falta confiança?”
Em resposta, ele se empertigou até sua completa e
impressionante estatura, e olhou para ela de forma ameaçadora.
“Não que eu pense que lhe falte. Mas eu não consigo deixar de
pensar que embora você já tenha proposto casamento a duas damas,
elas seriam obrigadas a aceitá-lo. A primeira pelo arranjo da família,
e eu fui pela ameaça do escândalo.”
Ele espiou em sua cômoda. “Guarde suas interrogações para a
filha do vigário. Minha história não tem nada a ver com nada disso.”
“Talvez não. Mas você próprio é um mistério intrigante. Eu não
consigo entendê-lo.” Ela se moveu até a cama e repousou um ombro
na coluna de dossel. “Você não me parece o tipo de homem que teme
compromisso. Você se comprometeu comigo por razões tênues. Por
que você não poderia colocar seus olhos sobre alguém de quem goste
e então cortejá-la?”
Ignorando a pergunta dela, ele abriu uma das gavetas. “Isso
está vazio. O que você guardava aqui dentro?”
“Nada. Eu ainda não a usei.”
Ele lançou um olhar significativo para as pilhas de roupas de
baixo espalhadas pelo chão. “Você entende o propósito de uma
gaveta?”
“Nem todo mundo guarda seus lenços organizados pelos dias
da semana.” Ela cruzou os braços. “Eu te disse, eu sou totalmente
errada para ser sua esposa. Considere essa somente mais uma
evidência de que não combinamos. Eu sou muito jovem para você,
muito indecorosa, uma pobre criada. Você nem mesmo gosta de mim.
Sou somente uma garota impertinente que o encurralou na
biblioteca. Você não precisa se conformar com isso.”
“Conformar...” Ele ecoou, fechando a gaveta. “Você pensa que
estarei me conformando casando-me com você?”
“Todos pensarão isso.”
“Você!” Ele disse. “É a criatura mais inquietante que eu já
encontrei em toda minha vida. Eu não me senti mais conformado
desde o momento que nos conhecemos.”
Charlote riu consigo mesma. “Eu deveria receber isso como
motivo de orgulho.”
“Você realmente não deveria.” Ele avançou para ela,
diminuindo a distância entre eles. “Não ocorreu a você, que eu tenha
uma real e urgente razão para querer me casar com você?”
A escuridão em seu olhar não deixou dúvidas sobre a razão a
qual ele se referia.
“Mas você poderia ter isso de qualquer mulher.” Ela disse.
“Mas eu quero somente de você.”
Ela engoliu em seco, ficando nervosa de repente. “Você
realmente deveria ir. O jantar será servido logo.”
“Eu sou o convidado de honra nessa casa.” Ele empurrou para
o lado um cacho de cabelo solto dela, e a leve fricção provocou um
arrepio em seu pescoço. “Eles esperarão.”
“Se minha mãe souber que você está aqui...”
“Ela ficará muito entusiasmada.”
Verdade, verdade. “Eu poderia gritar.”
“E assegurar de sermos flagrados juntos e sozinhos, em uma
circunstância ainda mais comprometedora que da última vez? Vá em
frente!”
Ela suspirou. Ele realmente a tinha encurralada.
Só havia uma maneira que ela poderia pensar para sacudi-lo:
mudando as regras do jogo dele.
Ninguém toca no meu cabelo, ele disse.
Até aquele dia.
Ela esticou uma mão para a frente, deslizando os dedos pelo
denso cabelo negro dele. Levemente, brincando, transformando os
fios em picos selvagens. Até que os cachos penteados ficaram em pé,
em um divertido contraste com seu olhar penetrante e sua expressão
séria.
Era como se ele não tivesse como responder.
Oh, céus! Esse homem precisava ser perturbado da pior forma.
Afeição lhe era tão estranha assim? Talvez estivesse sem
prática. Ele tinha se resguardado por tanto tempo. Toda aquela
rigidez era como uma gravata apertada, sufocando toda a emoção que
se escondia por dentro. Era de se admirar que ele não visse razões
para esperar por um casamento por amor? Sendo perfeito por todos
esses anos... ele esqueceu o desalinho, esqueceu a felicidade
desgovernada que a proximidade humana poderia trazer.
Se é que ele já havia conhecido proximidade em absoluto.
Tolice, ela disse ao seu coração. Pare de se contorcer e condoer.
Ele é um marquês rico e poderoso, não um filhotinho na chuva.
Ela adicionou sua outra mão a primeira, brincando de forma
mais livre ainda. Dando um sorriso malicioso, ela o provocou com os
dedos em seu cabelo, criando tufos que se levantavam em ângulos
enlouquecidos, como o pelo de um urso zangado. Então ela puxou
todo o cabelo dele para o centro, dando a ele um penteado Moicano.
“Você está se divertindo?” Ele perguntou secamente.
“Mais do que você possa imaginar.”
Seu pomo de Adão subia e descia em sua garganta. Mas ele não
a pediu que parasse.
Ela teve um pouco de pena dele, alisando o cabelo desordenado,
com as palmas das mãos, então deu leves arranhões com suas unhas
pelo couro cabeludo da testa até a nuca.
Ele fechou os olhos e suspirou grosseiramente.
“Pronto.” Ela sussurrou, brincando com o cabelo curto e macio
na nuca dele. “É somente um pouco de ternura. Não há vergonha em
se render.”
Ela sabia que estava jogando um jogo perigoso. A cada carícia
ela ficava mais próxima de obter uma resposta dele, e de também
colocar suas emoções e virtude em risco. Não machucaria permitir a
ele algumas poucas liberdades, certo? Mostrar a ele um pouco de
afeto. Somente o bastante para despertá-lo sobre como poderia ser,
se ele se abrisse para a possibilidade de amar.
Em algum ponto, ela parou de brincar com os cabelos dele. O
que não seria um problema, se ela tivesse se lembrado de retirar as
mãos de sua cabeça, mas ela não fez isso. Os dedos dela
permaneceram enroscados no denso, e naquele momento,
desalinhado cabelo negro. As mãos dele estavam na cintura dela.
Ela estava segurando-o agora, e ele a segurava de volta.
O seu olhar deslizou pelos lábios dela.
Ela sabia que ele a beijaria.
Ela sabia que permitiria.
Tudo parecia ser inevitável, completamente previsível, e ainda
assim nada a excitou mais.
Respire, ela disse a si mesma. Respire agora, profundamente.
Em um momento será tarde demais.
Piers se segurou firme, não por escolha, mas por necessidade.
Ela o desarmou completamente. Todos os seus disfarces e defesas
estavam esmigalhados como poeira em seus pés.
O que tinha nela? Os dedos dela não poderiam ser tão
diferentes dos de outra mulher. Ela era bonita, mas não a mais linda
criatura que ele já havia visto. Enquanto ela se mantinha
relembrando-o que era jovem demais e mal-educada e impertinente,
e nenhum homem como ele iria querê-la.
Ainda assim ele queria.
Ela o provocou. Tocou em seu cabelo. E acreditava que ele
merecia isso e mais. Ele não podia deixá-la descobrir o efeito que
causava nele. Ele não podia deixar ninguém ver. Ele queria reclamá-
la para si, possuí-la, e mantê-la em algum lugar onde ela não poderia
causar tantos estragos em seu autocontrole.
Mas seduzi-la nem era o que ele mais queria agora. Ele queria
deitar a cabeça em seu colo e deixá-la acariciar seu cabelo por toda a
noite.
“O que você está fazendo comigo?” Ele murmurou.
Ele fez com que cada parte de seus corpos se encontrassem, a
proeminência dos ossos das costelas, a maciez das barrigas, a
resistência dos seios contra músculos. Os batimentos dos corações e
as respirações se misturando.
Ele pressionou toda a extensão de seu corpo contra o dela, cada
esguia, firme, vigorosa e masculina parte dele. Desejando que ela o
sentisse, soubesse seu tamanho, sua forma e a força de seu corpo.
Para se sentir intimidada pelo que ela fazia com ele, e pelo o que ele
intentava fazer com ela. Ele queria ouvi-la arfar, fazê-la estremecer.
Que Deus o ajudasse, mas ele queria que ela sentisse um pouco
de medo.
Porque ela estava abalando-o em seu âmago.
Ele pressionou sua testa na dela, e pressionou ainda mais os
dedos em sua cintura.
Retroceda, ele disse a si mesmo. Você não pode permitir que isso
aconteça.
Então, seus lábios se encontraram, preenchendo o último
pequeno espaço entre eles. Como se não importasse o quão distante
estavam suas vidas uma da outra, se eles pudessem se harmonizar
nessa única parte, essa era a resposta, a razão para tudo aquilo.
A boca dela se suavizou para ele, como um presente
desembrulhado. Ele a beijou profundamente, com uma urgência
crescente, e ela se equiparou a ele, movimento a movimento. Ela
pressionou as mãos ao redor do pescoço dele, fazendo com que partes
do corpo masculino se enrijecessem em resposta.
Ele deslizou uma mão espalmada sobre um seio redondo. Ela
arfou de encontro a boca dele e interrompeu o beijo, ainda o
segurando próximo. A respiração dela se tornou irregular, enquanto
ele erguia e massageava sua maciez. A ponta do mamilo endurecida
pressionava na palma da mão dele.
Ele fechou os olhos, apertando-os, tentando manter a calma.
Ele tinha que parar. Se ele não a soltasse naquele instante, ele não a
soltaria até que ela estivesse nua, deitada embaixo dele e apertada
entre seus braços.
Se distanciar dela naquele momento foi como várias outras
coisas que ele já passou em sua vida: frio, impiedade. Necessidade.
“Jantar.” Ele disse. “Eu sou aguardado lá embaixo.”
Ela acenou com a cabeça concordando.
Ele tocou sua bochecha com as costas da mão. A pele dela
estava corada e macia. Então ele saiu do quarto sem olhar para trás.
Finalmente ela pôde ter um vislumbre do que ele
verdadeiramente era. Aquela aparência lustrosa de honra que a tinha
enganado havia se desgastado um pouco, revelando uma obscuridade
abaixo da superfície.
Mas ele não estava pronto. Ainda não. Ele gostou bastante da
maneira doce e piedosa que ela olhou para ele, mesmo que ele
soubesse que não merecia. Talvez, nunca mereceria.
Eu vim para salvá-lo, ela havia dito.
Ela era uma doce garota. Mas estava metade de uma vida
atrasada.

CAPÍTULO SETE

“E então,” Charlotte disse, indignada, “ela me bateu na cabeça


com a berinjela!”
“Oh, céus!” Delia gargalhou.
“Não é engraçado.”
“É tremendamente engraçado,” Delia contra-atacou, sorrindo.
“E você sabe disso.”
Sim, Charlotte sabia.
Circunstâncias colocaram ela e Delia juntas, mas honestidade
e humor as fizeram amigas.
“Eu desejaria ter estado lá. Eu adoraria ver seu...”
Delia recuou, desacelerando o passo no meio do arborizado
caminho.
Charlotte recuou um pouco também. “Vamos descansar por um
momento?” Ela arriscou alguns passos para fora da estrada, em uma
pequena e ensolarada clareira. “Estou vendo algumas amoras ali.”
“Bem, não as coma.” Delia se recostou contra uma árvore.
Charlotte arrancou algumas frutas do arbusto, ajuntando-as
na palma da mão. “Por que não?”
“Você sabe o que as pessoas dizem sobre comer amoras depois
do dia de São Miguel. Elas foram contaminadas pelo Diabo.”
“Contaminadas como?”
“Ele cospe nelas.”
“Cospe nelas?” Charlotte fez uma careta... “Ora, que detestáveis
contos folclóricos. Crianças holandesas acreditam que São Nicolah
vai de casa em casa deixando presentes em seus sapatos. Nós
ingleses, decidimos que o Diabo passa o dia de São Miguel cuspindo
nas amoras.”
“Provavelmente tem uma raiz verdadeira. Alguma boa esposa,
durante a Idade Média teve uma estomatite depois de comer amoras,
e decidiram que o Diabo foi o causador de tudo.”
Charlotte não estava tão certa sobre aquilo. “Acho mais
provável que algum marido tenha bebido cerveja demais e culpou as
amoras pelo mal estar do dia seguinte.”
“Eu suponho que não faça diferença quem foi. Eles arruinaram
as amoras para nós.”
“Somente se nós permitirmos.” Charlotte selecionou um fruto
em sua mão. “Você me desafia a comer uma?”
Delia somente balançou a cabeça.
“É sério, eu o farei. E o Diabo cuspiu em tudo.” Ela inclinou sua
cabeça para trás e balançou uma amora acima da boca. “Última
chance de me parar.”
“Eu nunca tentaria pará-la.” Disse Delia. “Tentar pará-la é ter
a certeza que a estou encorajando.”
Verdade. Delia a conhecia muito bem.
Charlotte jogou a amora na boca e mastigou pensativa. “Está
bastante seca.” Ela disse, engolindo e jogando o restante pelo chão.
“Talvez as esposas da Idade Média estivessem certas.”
“Deveríamos ir andando.”
“Espere.” Charlotte pressionou a mão em seu estômago e
arqueou o corpo. “Eu... de repente me sinto estranha.”
“Você está bem?” Delia perguntou.
“Está doendo. Como se algo estivesse me queimando por
dentro. Sinto gosto de enxofre.” Ela agarrou sua garganta e fez um
som engasgado. “Eu...eu acho que é... o cuspe do Diabo!”
Charlotte se enrolou em posição fetal e desabou atrás dos
arbustos, mole e sem vida. Ela esperou até que Delia risse.
Mas ao invés de rir Delia sussurrou, “Charlotte, levante-se.
Lorde Granville está vindo.”
“Não, ele não está.” Charlotte disse. Delia só estava tentando
lhe devolver a brincadeira.
“Sim.” Delia sibilou. “Sim, ele está.”
“Sério, eu não serei tão facilmente enganada.” Charlotte se
ajoelhou e espreitou pelo arbusto. “Oh, não!”
Piers estava se aproximando. Devorando a distância entre eles,
em passos longos e intencionais.
Ela se levantou, limpando a grama de suas saias. “O que ele
poderia querer?”
“O que quer que seja, ele está determinado a ter.”
Sim. Ele estava.
Por Deus, ele estava tão belo. Sua beleza não era uma revelação
nova, é claro, mas começou a afetá-la de novas maneiras. Ela sentiu
um estranho sentimento de possessividade brotando de seu peito.
Como se ele _ em toda a sua força e desejo sensual _ pertencesse a
ela.
A sensação a deixou desnorteada. E ela tentou
desesperadamente extingui-la.
Mas suas tentativas foram em vão.
Ele se curvou para as duas. “Senhorita Delia. Senhorita
Highwood.”
Charlotte e Delia fizeram uma reverência em resposta.
Aparentemente, tudo estava muito apropriado, apesar dos
pensamentos impróprios que fervilhavam dentro dela.
“Está a caminho da vila, lorde Granville?” Delia perguntou.
“Não, eu vim a sua procura.” E sobre Charlotte recaiu seu olhar
negro e intenso. Faminto. E com todo aquele cenário de floresta, ela
se sentiu a própria Chapeuzinho Vermelho confrontando o Lobo Mau.
Era muita conversa sobre folclore para um só dia.
“Eu espero que esteja passando bem esta manhã, senhorita
Highwood.”
“Eu...eu...” Ele era capaz de perceber sua agitação interior?
Seria assim tão óbvio? “Por que não estaria?”
“Além da agitação prendendo sua fala? A senhorita esteve
doente na última noite.”
“Ah, sim! Aquilo.”
À menção dele sobre a noite passada, o vento pareceu parar. O
ar em volta dela se tornou lento e quente.
“E já que mencionou, o senhor também deixou o evento cedo,
na noite passada.” Delia questionou.
“É um comportamento padrão.” Ele disse. “Já pensou em
consultar um médico sobre esses episódios, senhorita Highwood?”
“Não são episódios.” Charlotte falou, sorrindo sem humor. “E
eu não preciso de um médico.”
“Eu não permitirei que me contradiga, se sua condição
permanecer, fazendo a senhorita perder mais algum passeio ou
jantar, eu irei mandar chamar meu médico pessoal. Ele é
notavelmente habilidoso com sanguessugas e purgantes.”
Delia sufocou uma risada. “Que bondade sua oferecer, lorde
Granville.”
Ah, sim. Que bondade a dele, realmente. Obrigando-a a
comparecer na mesa de jantar, ameaçando-a com sanguessugas.
Se Piers achava que podia inibir suas investigações, Charlotte
iria provar a ele que estava errado.
Não era como se ela tivesse apreciado fingir estar doente,
mentindo para Delia e seus anfitriões. Ela fez aquilo pelo bem dele, e
também pelo dela.
“Os cavalheiros não deveriam estar atirando, ou caçando, ou
alguma outra coisa?” Ela perguntou. “Eu pensei que seria um feriado
esportivo.”
“Nós pescamos um pouco mais cedo esta manhã, mas agora Sir
Vernon está com seu administrador. Eu tenho negócios na cidade. E
foi sugerido que as damas talvez quisessem visitar as lojas.”
Charlotte poderia apostar soberanos por centavos, que a mãe
dela era a fonte daquela sugestão. Sua mãe provavelmente estaria
amarrando as fitas de seu chapéu e pegando sua bolsa de mão,
enquanto eles falavam. Ela inventaria qualquer desculpa para colocar
Charlotte e Piers no mesmo lugar.
“Você e Frances deveriam ir Delia. Eu ficarei. Será muitas de
nós, e não queremos que a carruagem do lorde fique tão apertada.”
“Não se preocupe com essa conta.” Ele disse. “Minha carruagem
é grande o bastante para acomodar nosso grupo.”
É claro que era.
Eles seguiram até o caminho próximo aos estábulos. Em frente
a Mansão Parkhurst estava a maior e mais elegante carruagem que
Charlotte já havia visto. O vagão de transporte era de um negro
lustroso, com o desenho de um penacho dourado na porta. Um grupo
de quatro cavalos negros puro-sangue, combinavam perfeitamente
como se tivessem sido feitos em um molde.
Frances e Delia entraram primeiro, ajudadas pelo próprio lorde
Granville. Charlote se apertou próximo a elas no banco virado para a
frente.
Então foi a vez da senhora Highwood. “Charlotte, você precisa
se mover. Você sabe muito bem que eu não posso me sentar de
costas.”
“Na verdade, mamãe, eu não me lembro de você ter dito isso
nenhuma vez antes.”
“Interfere na minha digestão. Vamos, mova para o outro lado.”
Ela era terrivelmente, dolorosamente, óbvia.
Para não causar uma cena ainda maior. Charlotte se moveu
para o assento que ficava de costas para o condutor. O que
significava, é claro, que Piers sentaria ao seu lado.
Como esperado, Frances a olhou de modo ameaçador. Pelo
menos Delia, teve a bondade de lhe dar um sorriso simpático. Era
bom ter uma amiga que não acreditava que ela era uma atrevida
audaciosa.
Então, ela voltou atrás, talvez ela fosse uma atrevida audaciosa.
Com Piers ao seu lado, ela não conseguia parar de pensar na
última noite. Em como o cabelo dele deslizou por seus dedos. Como
ele se inclinou para o toque dela e murmurou palavras arrebatadoras
e indecentes.
O coche pulou sobre um buraco, e Charlotte ficou
momentaneamente no ar.
Piers a pegou, atraindo-a para seu lado. O interior dela se
revirou em resposta.
O que fazer com aquele homem? Ele era apropriado. Ele era
apaixonado. Em público, ele tinha o comportamento de um iceberg,
mas ele a beijou como se ela fosse o seu oásis em um vasto, árido
deserto.
O que você está fazendo comigo? Ele sussurrou.
Charlotte não tinha ideia. Mas o que quer que fosse, ele fazia
com ela também.
Na loja de roupas, a senhora Highwood foi direto para a vitrine
com terríveis toucas com laços. “Charlotte, venha até aqui. Me diga,
qual você acha que é o melhor?”
Charlotte fez uma careta. A moda das damas casadas usarem
chapéus com laços horrorosos como aqueles, constituía pelo menos
um terço de sua determinação em não se casar tão cedo..
“Nenhum deles.” Charlotte respondeu.
“Vamos perguntar ao marquês.”
“Mamãe, não.” Ela baixou a voz em um sussurro. “Lembra-se?
Silêncio...”
“Shhh...nós estamos somente discutindo sobre chapéus.”
Então sua mãe levantou o braço e acenou, chamando pela loja. “Lorde
Granville! Lorde Granville! Venha ao nosso socorro, aqui! Nos laços!”
Piers levantou sua cabeça, devagar, como se estivesse sendo
chamado de alguma remota ilha da fantasia. Porque com certeza,
ninguém nesse reino mortal teria a indizível falta de polidez de gritar
por um marquês como se estivesse chamando por um carro de
aluguel na rua.
Ninguém, a não ser sua mãe.
Charlotte queria esconder-se atrás das plumas de avestruz,
mas era inútil. Bem, se Piers estava realmente considerando se casar
com ela, ele devia saber onde estava se metendo.
A terrível realidade pareceu cair sobre ele enquanto se aproximava.
“Agora, Lorde Granville...” disse a senhora Highwood. “Uma
certa jovem dama que eu conheço, ficou noiva recentemente, e
estamos debatendo qual seria o melhor estilo de chapéu que ela
deveria usar após o casamento. Qual o senhor escolheria?”
Piers considerou o conjunto de chapéus e laços a sua frente. “Eu acho
que nenhum deles me serviria.”
A senhora riu, um pouco entusiasmada demais para se dar crédito.
“Não para si, milorde. O que o senhor escolheria para sua noiva?”
“Eu ainda não teria opinião.”
A impaciência da senhora começou a aparecer. “Com certeza o senhor
gostaria que a futura Lady Granville fosse admirada.”
“Eu espero com certeza que ela seja. Contudo, eu já terei confiado a
ela a administração da minha casa, o conforto dos meus visitantes e
a educação dos meus filhos. Eu não vou me atrever a escolher seus
chapéus.”
Mas ela persistiu. “Alguns talvez digam que é função do marido
aconselhar as esposas em todos os assuntos.”
“Alguns talvez digam isso.” Ele replicou calmamente. “Eu os
ignoraria.” Com uma leve reverência, ele se virou e saiu.
A senhora Highwood foi deixada sozinha com seu leque e sua
sensibilidade perturbada.
Charlotte, por outro lado, quis comemorar.
Bem, mamãe. A senhora ainda quer que eu me case com um marquês?
Piers Brandon não era um cavalheiro a ser cutucado, persuadido, ou
contrariado. Um homem em sua posição estava totalmente fora do
alcance do controle de sua mãe.
Fora do controle de Charlotte também.
Sem dúvida, ele começou a perceber a magnitude do precipício entre
os dois. Mesmo que ele tivesse estômago para tolerar uma sogra como
aquela... imagine, confiar em Charlotte para administrar cinco casas,
depois de ter visto o estado em que ela deixava seu quarto. Loucura.
Delia apertou a mão de Charlotte. “Vamos para a sala ao lado. Eles
tem carretéis e mais carretéis de fitas.”
“Vá na frente.” Charlotte respondeu. “Eu irei em seguida.”
Ela perambulou até a janela e espreitou a rua, olhando a fileira de
lojas. Ela não precisava de fitas, laços ou luvas hoje.
Ela precisava encontrar respostas. Pistas. Qualquer coisa que poderia
levá-la aos amantes misteriosos.
O olhar dela se prendeu em uma pequena e escura vitrine com um
cartaz. Ela precisou se esforçar para ler o anúncio impresso que dizia:
‘MELHOR PERFUME FRANCÊS.’
Perfumes!
Sim.
Seu pulso acelerou de empolgação. Ela esperou por um momento,
quando ninguém estava prestando atenção, e então deslizou para fora
da loja de tecidos e correu precipitadamente pela rua.
A loja de perfumes estava vazia, com exceção de um vendedor, com
cabelo ralos e com um casaco marrom que pertencia ao século
passado.
Ele a olhou por cima dos óculos. “Posso ajudá-la senhorita?”
“Sim, por favor, eu estou procurando por uma nova fragrância.”
“Excelente.” O vendedor esfregou as mãos, então montou uma
bandeja com artigos que tirou debaixo do balcão. A bandeja estava
alinhada com minúsculos frascos, cada vidrinho confeccionado em
diferentes cores e formatos.
“Os que estão na frente são florais, a maioria.” O vendedor tocou os
frascos da primeira fileira. “Então, temos os almiscarados. Movendo
mais para trás, a senhorita encontrará as fragrâncias mais naturais.
Florestais.
Charlotte não tinha nenhuma pista sobre qual perfume ela estava
procurando, se o aroma poderia ser descrito como floral, florestal,
almiscarado ou alguma coisa diferente. Ela só podia esperar que
pudesse descobrir, quando cheirasse.
“Eu quero algo único.” Ela disse. “Algo luxuoso. Não aquela água de
laranja ou lavanda comuns.”
“Você veio a loja certa.” O velho homem disse orgulhoso. “Meu primo
trouxe novas mercadorias de Paris. Eu tenho fragrâncias aqui que
você não encontra nem em Londres.”
Isso soava promissor. “O que o senhor recomenda?”
“Se a senhorita busca algo verdadeiramente especial, eu sugiro
começar por aqui.” O vendedor destampou um frasco do centro da
bandeja e a entregou.
Charlotte segurou o frasco delicadamente e moveu de um lado para o
outro debaixo do nariz. Um aroma intenso, misterioso e exótico
penetrou seus sentidos.
“Espalhe um pouco no seu pulso, minha cara. Você não pode saber o
verdadeiro aroma, sentindo através do frasco.” Ele pegou o frasco e
acenou para sua mão enluvada. “Posso?”
Ela desabotoou o punho de sua luva e estendeu o braço. O vendedor
passou a tampa do frasco levemente pelo pulso dela, deixando uma
tênue película de perfume refrescar sua pele.
“Agora.” Ele disse, “tente isso.”
Charlotte cheirou seu pulso. Uma vez, e então novamente. Ele estava
certo, o perfume se misturou ao calor de sua pele, revelando camadas
e nuances. A diferença era como cheirar um botão de uma flor e
cheirar uma flor de estufa totalmente desabrochada.
“O que tem aqui?” Ela perguntou.
“É uma rara combinação, senhorita. Lírios e âmbar cinzento, com
pitadas de cedro.”
“Âmbar cinzento? O que é âmbar cinzento?”
Ele olhou chocado, pela ignorância dela. “Somente uma das mais
raras e valiosas substâncias no mundo da perfumaria. Fica escondida
dentro das barrigas de baleias.”
“Baleias?” Charlotte olhou para o seu pulso e enrugou o nariz. “Eles
abrem a barriga das baleias para se fazer isso?”
“Não, não. As baleias vomitam em uma massa uniforme. Então isso
navega pelo oceano por vários anos, maturando.” Ele faz um gesto
com as mãos imitando uma onda. “Eventualmente, algumas vão para
a praia, como uma pedra de calcário acinzentado. Âmbar cinzento.
Um tesouro que vale seu peso em ouro.”
“Fascinante.” Ela disse.
Nauseante. Ela pensou.
Ela estava usando vômito seco e estagnado de baleia em seu pulso. E
se quisesse continuar usando o perfume em casa, teria que pagar _
ela olhou discretamente para a etiqueta _ uma libra e oito xelins pelo
privilégio.
Extraordinário.
“Talvez, o senhor poderia me mostrar algo mais? Algo com menos...
toque marinho.”
“Eu tenho a coisa certa. Esse é ideal para jovens damas de bom
gosto.”
Ele pescou um elegante frasco de vidro azul da bandeja e impeliu
Charlotte a estender o outro pulso para uma pincelada de perfume.
“Aqui. Veja o que acha desse.”
Ela levantou o pulso até o nariz, de forma mais cuidadosa desta vez.
Enquanto ela inalava, era como se o cheiro de um dia claro de sol
entrasse em sua imaginação.
“ Oh, eu gosto desse.”
“Eu imaginei que gostaria. Todas as jovens damas gostam. É fresco e
viçoso, não é? Limão, verbena e gardênias. Mas o segredo é o fixador.
Um toque de castorium, é o que mantêm o aroma de verão por mais
tempo, ao invés de desvanecer rapidamente.
“Castorium. Isso não vem de baleias, não é?”
“Com certeza não.” Ele riu.
Charlotte riu também. “Ah, que bom. Isso é um alívio.”
“Vem de castores.”
Ela parou de rir. “Com certeza, você não disse...”
“Castores canadenses.” Os olhos dele se arregalaram de empolgação
novamente. “Eles produzem a substância em uma glândula especial
escondida debaixo de suas caudas.” Ele levantou as mãos como se
estivesse se preparando para uma nova demonstração. “Quando os
caçadores retiram o intestino...”
A sineta acima da porta de entrada tocou, sinalizando a chegada de
um novo cliente.
Charlotte nunca ficou tão grata por uma interrupção.
Com um sorriso de desculpas e bênçãos entusiasmadas de Charlotte,
o vendedor se virou para ajudar duas senhoras a reabastecer seu kit
de água de banho.
Enquanto ele fazia isso, ela teve a oportunidade de cheirar todas as
amostras da bandeja. Só Deus poderia saber que tipo de secreções e
glândulas inferiores talvez estivessem representadas ali, mas ela não
tinha estômago para perguntar.
Em poucos minutos, ela já havia feito seu trabalho por toda a bandeja.
Sem sorte. Nenhum deles era o característico perfume que ela sentiu
na biblioteca da Mansão Parkhurst.
“Aqui está você. Eu estava te procurando.”
Estas palavras, ditas em voz suave, profunda _ e familiar_ a assustou.
Ela se virou para o som, quase derrubando as amostras de perfume.
“Lorde Granville. Eu não o ouvi chegando.”
“Eu não vi você saindo.”
“Todas pareciam ocupadas. Eu decidi entrar aqui para algumas
compras.”
“Parece-me mais como bisbilhotar.”
Charlotte decidiu mudar o assunto.” Você jamais acreditará no que
vai nessas coisas.” Ela ofereceu seus pulsos perfumados. “Aqui, me
diga qual dos dois odores você prefere. Lírios e vômito de baleia ou
bálsamo de limão com traseiro de castor?”
O canto da boca dele se curvou. Ele pegou sua mão direita na dele,
levantou seu pulso, abaixou a cabeça e inalou profundamente.
Então repetiu o mesmo com o pulso esquerdo dela.
Durante todo o processo, o olhar penetrante dele permaneceu nos
olhos dela. A troca foi íntima, sensual. Apesar da conversa próxima
das senhoras com o vendedor, parecia quase indecente.
“Então?” Ela o incitou, com a boca ficando seca de repente.
Ele baixou as mãos dela, mas não as soltou. Os polegares enluvados
dele acariciavam seu pulso pelo punho aberto de sua luva, deslizando
para frente e para trás sobre a pele exposta, couro deslizando sobre
sua pele macia. O pulso dela se acelerou debaixo do toque dele,
pulsando em suas têmporas.
Ela ficou quente em toda parte.
Ele deu um passo à frente, diminuindo a distância entre eles, e
inclinou a cabeça pairando a centímetros do pescoço dela. E então ele
inalou.
Charlotte sentiu como se sua respiração também houvesse sido
sugada.
“Eu acho,” ele murmurou, “que prefiro este.”
Ela engoliu com dificuldade. “Eu não estou usando nenhum perfume
aí.”
“Você está certa disso?” Ele levantou uma mão até o cabelo dela,
empurrando cuidadosamente os cachos para trás da orelha,
inclinando sua cabeça para expor a curva do pescoço. E então
respirou profundamente de novo.
Dessa vez, um pequeno som surgiu na garganta dele.
Um som masculino.
Um som sensual.
Um som de satisfação.
Ela quase choramingou em resposta.
“Linho seco pelo sol,” ele murmurou, “um engomado suave. Lavanda
e uma mistura de pétalas de rosas. Um pouco de chocolate no café
da manhã. Sob tudo isso, pele quente, lavada com sabonete de
jasmim.” Ele se endireitou. “Sim. Esse é meu perfume preferido.”
Os músculos internos das coxas dela estremeceram.
Como ele fazia isso com ela? A pele dele mal encostou na dela. A
menos de seis passos de distância, um par de senhoras estava
discutindo sobre os altos preços da água de banho. E apesar de tudo,
Charlotte estava...
Em chamas. Ela estava preocupada que suas roupas pudessem se
incendiar. Desaparecendo em fumaça, deixando-a nua e trêmula.
Exposta ao mundo. Nenhum flerte jamais afetou-a com um centésimo
daquele poder. Ela sentia como se ele estivesse fazendo amor com ela,
a vista de todos, era o que parecia. Ilícito, excitante, perigoso.
Tudo, menos apropriado.
“A senhorita se decidiu?”
Os olhos dela se abriram. Ela nem se lembrava que os havia fechado.
Quanto tempo ficou parada ali, em transe? Piers havia se afastado.
Ele estava de costas para ela, inspecionando uma fileira de colônias.
Homem tortuoso. Ela sabia que ele não aprovava sua investigação.
Então estava deliberadamente tentando confundi-la.
Por um minuto, ele obteve sucesso.
Ela limpou a garganta e focou a visão nos frascos de amostras. “Temo
que nenhum desses é o que eu estou procurando. Eu estava
esperando encontrar um aroma singular, se você me entende. De um
tipo, que poucas mulheres tenham comprado. Com certeza, o senhor
não tem nada mais?”
“Eu tenho sim, algo novo de Paris. Eu recebi somente dois vidros, e
já vendi um.” Ele entrou rapidamente na despensa, retornando com
um frasco de vidro escuro esfumaçado com uma rolha dourada.
Antes de cheirar. Charlotte o olhou cautelosamente.
“O que tem nesse?”
“Em uma palavra?” Ele levantou uma sobrancelha em um estilo
dramático. “Paixão.”
“Mas, para ser mais exato...? Ela solicitou.
“Papoulas, baunilha e âmbar negro.”
“Âmbar negro.” Charlotte mordeu o lábio. “Que é...?”
“É uma resina, senhorita. Um produto retirado dos arbustos das
rosas.”
“Oh,” ela disse, aliviada. “Isso não soa tão mal.” Pelo menos não havia
traseiros de animais envolvidos.
“É um processo excepcional.” O vendedor começou a mímica
novamente. “Pastores nômades das Terras Sagradas fazem a coleta,
combinando barbas e flancos de cabras pastoreias.”
“Sério?”
Ela se deteve, debatendo consigo mesma, o quanto ela queria inalar
água de flanco de cabra, mas não havia como voltar atrás agora.
Talvez fosse aquela, a pista que poderia levá-la aos amantes
misteriosos.
Ela levantou o frasco até o nariz e inalou.
Reconhecimento atingiu-a como um raio. Ela foi transportada
novamente, para atrás daquelas cortinas de veludo. A biblioteca, os
sussurros e o farfalhar de tecidos. Ela podia ouvir até os gemidos e
grunhidos.
Ela podia sentir os braços de Piers em volta dela. Fortes e protetores.
“É esse!” Ela disse, sacudindo a memória de volta. “O senhor se
lembra quem comprou o outro frasco? Se vai ser meu aroma singular,
eu gostaria de saber o nome da outra dama. Talvez façamos parte do
mesmo círculo social.”
“Bem, eu suponho que posso olhar nos meus...” A voz do mercador
se interrompeu.
Piers se juntou a ela no balcão. Ele acenou levemente com a cabeça,
um movimento que o vendedor instantaneamente entendeu o que
significava.
Feche a boca, e rápido. Custos não são problema.
Piers nem mesmo precisou de palavras para ter a complacência
imediata do homem.
O tom do vendedor se tornou animado, enquanto ele alcançava o
dinheiro que Piers colocou sobre o balcão. “Eu não me lembro o nome
da dama, senhorita.”
“Espere.” Charlotte colocou a mão sobre as moedas. “O senhor pode
conferir o seu livro de registros?”
Ela pagou com dinheiro vivo, não a crédito. O nome dela não estaria
nos registros.”
Ela suspirou, soltando o dinheiro. Era inútil insistir. Graças ao rápido
pagamento de Piers, o vendedor era um beco sem saída. Mesmo que
ele se lembrasse do nome da dama, não iria mais divulgar, não se isso
significasse perder uma venda garantida.
Enquanto os homens concluíam a transação, ela sentia suas
esperanças serem drenadas. Ela não podia deixar a loja sem uma
informação nova. Isso significaria que ela inalou glândulas de castor
e bílis de baleia por nada. Inconcebível.
“O senhor não se lembra de nada a respeito dela?” Ela perguntou.
“Ela era velha ou jovem? Alta ou baixa? Ela estava acompanhada por
alguém?”
“Vamos, vamos. Não há necessidade de interrogar o homem,
senhorita Highwood.” Piers pegou o pacote com uma mão, e a outra
ele pôs nas costas de Charlotte, impelindo-a para a porta.
“Eu não o estou interrogando, estou simplesmente lhe fazendo
algumas perguntas.”
“Essa é a definição para interrogatório.”
“Você,” ela sussurrou, “é a definição de interferência.”
“Cabelos negros.” O vendedor gritou, como um peixeiro que balança
um osso na frente de um gato de rua. “Ela tinha cabelos negros, eu
acho. Mais do que isso, não posso afirmar, não estou bem certo sobre
os detalhes.”
Cabelos negros.
Isso era alguma coisa. Não era muito. Mas era alguma coisa.
“Obrigada.” Ela deu ao mercador um sorriso. “Muito obrigada mesmo,
pelo seu tempo.”
“Você me agradecerá pelo perfume?” Piers perguntou quando eles
deixaram a loja.
“Eu lhe agradecerei quando parar de frustrar meus esforços para
encontrar os amantes misteriosos.”
“Copuladores misteriosos.” Ele corrigiu.
“Sabe, eu tenho certeza que ele sabia o nome da outra cliente. Ele só
não queria correr o risco de perder a venda, uma vez que você e seu
dinheiro apareceram. E então você começou a me censurar por fazer
perguntas.”
“Eu estava preocupado com o tempo.”
“Você estava me obstruindo. Não pense que eu não entendi o seu
propósito com tudo aquilo de cheirar meu pescoço e acariciar meus
pulsos. Tentando quebrar minha concentração.”
“Me parece justo.” Ele replicou calmamente. “Já que você quebrou a
minha primeiro.”
Ela se virou para ele. “Você poderia _ somente por um momento _
parar de ser tão enlouquecedoramente perfeito? Por um minuto ou
dois, tente aparentar algo mais além de honra, fidelidade e exatidão.
Talvez então, você apreciará o fato de que estou tentando salvá-lo.”
“Você não pode me salvar.”
“Sim, eu posso. Salvar a nós dois, de décadas de frustração e brigas.
Até mesmo você, com suas crenças restritas sobre o amor, não pode
estar vendo isso como algo ideal.”
Ela parou na rua. “Onde está sua carruagem?” Ela girou,
procurando, detendo-se para olhar para a janela da loja de tecidos.
“Onde está Delia, Frances e minha mãe?”
“Se foram.” O olhar frio e sombrio dele encontrou o dela.
“Essa é a razão pela qual eu estava a sua procura. Houve um
incidente.”
CAPÍTULO 8

“Um incidente? O que você quer dizer com incidente?”


Piers observou, o rubor de raiva desaparecer do rosto dela. Ele
ofereceu seu braço, e desta vez ela não discutiu.
“Eu explicarei tudo.” Ele disse.
Ele a conduziu para o outro lado da rua e pararam em uma praça.
Lá, com calma, ele relatou os eventos da última meia hora. A senhora
Highwood, a certa altura, após perceber que sua filha havia se
separado do grupo, sofreu um ataque repentino de tonturas na loja
de tecidos, do tipo que nenhuma quantidade de leques ou solícitos
confortos pôde amenizar.
“Sua mãe,” ele disse, “sugeriu que as irmãs Parkhurst retornassem
com ela para a mansão de uma vez, e então mandariam a carruagem
de volta para nos buscar.”
Charlotte balançou a cabeça. “É claro! Mas é claro que ela sugeriu
isto!”
“Você não parece muito preocupada com a saúde dela.”
“Porque não há razão para se preocupar. Se houvesse alguma causa
real para preocupação, você teria me interrompido na loja e me
deixado saber de uma vez.”
Ela era bastante rápida com aquelas coisas.
Piers ficara impressionado com suas técnicas de questionamento na
loja de perfumes. Lhe faltava sutileza, mas ela tinha instintos
aguçados.
Quando ela revelou seu pequeno plano pela primeira vez, ele não era
a favor, mas disse a si mesmo que não causaria danos.
Então ela irrompeu em sua janela na noite passada, e agora ele estava
reconsiderando. Talvez pudesse, sim, causar danos.
De fato, se ele não fosse cuidadoso, alguém poderia se machucar
seriamente.
Ela cerrou os punhos. “Agora, nós estaremos desacompanhados e
juntos por pelo menos uma hora. Frances estará salivando sobre a
fofoca.” Ela se distanciou dele e sentou-se em um banco da praça.
“Nós não podemos ter nenhuma aparência de um casal em corte.”
Ele sentou-se ao lado dela no banco. “Bom, eu não posso deixá-la só.
Não pode estar desacompanhada em uma cidade estranha.”
“Somente não sente-se tão próximo a mim.” Ela deslizou para o mais
longe possível no banco. “E também não olhe para mim. E
principalmente, não me cheire.”
“Eu poderia...”
“Não.” Ela tamborilou com os dedos no braço do banco. “Um ataque
de nervos... realmente, minha mãe é muito descarada. Pior que
descarada.”
“Me parece que ela só está ansiosa para assegurar seu futuro.”
Charlotte balançou a cabeça. “Ela precisa ir para uma instituição,
está ficando louca.”
“Não, ela não está.”
“Estou lhe dizendo, ela está maluca. Comportando-se como uma
maluca.
“Não,” ele repetiu mais veementemente. “Ela não está.”
“Eu devo saber. Ela é minha mãe.”
“Sim, mas ela não está nada como minha mãe, que realmente ficou
insana. Então, de fato, esse é um assunto onde eu estou bem
equipado para julgar.”
“Oh, Piers.” Ela deslizou de volta até o centro do banco. “Isso é
horrível.”
“Ficou no passado. Foi a anos atrás.”
“Ainda assim é horrível.”
“Outras pessoas tiveram um destino pior.”
Ela lhe deu uma olhada significativa. “Ainda assim é terrível. Não
importa quem você seja, ou quanto tempo tenha. Não aja como se
você fosse impenetrável. Você não teria mencionado se não lhe
causasse mais dor. O que aconteceu?”
Ele se ateve aos fatos mais simples. “Ela estava doente, desde que eu
me lembro. Surtos violentos de empolgação, seguidos por semanas de
melancolia. Depois de anos de sofrimento, ela morreu durante o
sono.”
Charlotte enfiou seu braço na curva do cotovelo dele e fez um som de
lamento.
“Como as mortes são, foi uma pacífica.” Ele disse.
Uma morte pacífica, talvez, mas somente depois de anos de tormento.
As palavras dela continuavam o assombrando até hoje.
Eu não posso, eu não posso suportar.
“Deve ter sido um choque terrível.” Charlotte falou.
Seu maxilar se tencionou. “Não para todos. Meu irmão era muito novo
para perceber, e... famílias como a nossa não falam sobre esse tipo de
coisa. Eu não estou certo do porquê estou falando disso agora.”
Ele nunca havia falado sobre isso. Com ninguém.
“Eu sei por quê. Você tinha intenção de me repreender, e funcionou.
Aqui estou eu reclamando e reclamando sobre minha mãe, totalmente
desatenta aos seus sentimentos. Como se fosse o maior fardo do
mundo ter uma mãe que se importa comigo. Você deve pensar que
não tenho coração.” Ela apertou o braço dele. “Eu sinto muito.”
“Você não poderia saber.”
“Mas agora eu sei, eu sinto muito. Verdadeiramente.”
E ela sentia. Ele ouviu em sua voz. Ela sentia pela perda dele, e sentia
por sua ofensa não intencional. Não de um jeito que ficava dando
desculpas e nem com melodrama e sentimentalismo excessivo.
Ele ficou imaginando se ela sabia, quão raro aquilo era _ talento para
se desculpar de forma sincera _ era uma técnica diplomática que ele
nunca dominou.
Ela era tão aberta sobre tudo, e ele sabia o suficiente sobre decepções
para durar uma vida inteira.
Adicione ainda, aqueles lábios de pétala de rosa e cabelos brilhantes
como o sol...
Ele nunca conheceu uma tentação tão intensa.
Enquanto eles estavam sentados em silêncio, os dedos dela
gentilmente acariciavam as mangas de seu casaco, acabando com o
que restava de seu autocontrole. Cada carícia indolente chegando
mais perto de seu cerne. O contato era cada vez mais natural.
Nada poderia distraí-lo do suave som da respiração dela. Da pulsação
suave contra seu braço. O calor dela. O seu cheiro.
Ele bateu a ponta de sua bota no cascalho. Quanto tempo levaria até
que a carruagem retornasse da mansão? Uma hora pelo menos, senão
duas.
Piers podia suportar tortura de várias formas, mas uma hora de tudo
isso poderia acabar com ele.
A qualquer momento ele poderia se perder. Ali mesmo naquele banco,
ele a pegaria nos braços e a puxaria para mais perto. Entrelaçaria as
mãos naquele raio de sol que era o cabelo dela, emaranhando-o em
um aperto febril, o melhor que desse para segurar.
Segurar firme e não soltar.
Bom Deus. O que estava acontecendo com ele? Ele estava
desmoronando.
Se controle, homem.
Ele limpou a garganta. “Nós devíamos estar fazendo compras. O que
eu deveria comprar para você? Um chapéu ou algum tipo de
recordação?”
“Almoço, se você puder. Estou faminta.”

Charlotte o seguiu, agradecida, até uma estalagem, onde eles


compartilharam uma torta de rim e bife. Cerveja para Piers, limonada
para ela. Por um tempo, eles fizeram um acordo silencioso, de
substituir conversar por comer.
Uma vez que a fome havia sido saciada, Charlotte alcançou seu bolso
e retirou de lá a lista de suspeitas. Depois daquela conversa dolorosa,
sobre a mãe dele, ele sem dúvida ficaria agradecido por uma mudança
de assunto. E ela estava mais do que convencida, que apesar dos
protestos dele, Piers necessitava de amor em sua vida. Ela começou
com cinco nomes, então foi riscando-os por processo de eliminação.
Agora era somente uma questão de combinar as possibilidades
restantes com o perfil.
 Estava presente na noite do baile.
 Inicial C.
 Um manequim amplo.
Então ela adicionou à sua lista:
 Cabelos negros.

Ela encarou o papel. “Oh, droga!”


“Ainda resta mais de uma suspeita?”
“Pior. Nenhuma delas se encaixa. Lady Camby é magra como um
corrimão. Cathy não teve oportunidade, e eu já descartei Caroline
Fairchild. Cross _ que é a criada _ e a senhora Charlesbridge são as
duas restantes. Nenhuma delas tem cabelos negros.” Ela massageou
a ponta do nariz. “Talvez o mercador de perfumes nos informou
errado.”
“O mais certo é que você deixou alguém _ ou vários alguéns _ de fora
da sua lista.”
“Talvez.”
Charlotte estava abatida. Mas não derrotada.
“Eu terei que pensar mais sobre isso. A resposta virá até mim.” Ela
enfiou seu garfo em uma torta de limão. “Mudando de assunto, por
que você não me conta sobre seu cão?”
“Eu não tenho um cão.”
“Bom, eu sei que você não tem um aqui. Mas você deve ter um em
algum lugar. Todo cavalheiro tem.”
“Um buldogue, chamado Ellingworth. Eu o adquiri ainda filhote na
universidade. Durante os anos que passei fora, ele viveu com meu pai
ou meu irmão. Quando eu voltei de Viena, ele estava nitidamente
velho, mas ainda me reconhecia. Tivemos uma boa jornada, mas ele
morreu ano passado.”
Havia alguma coisa escondida em seu olhar, mas a intuição de
Charlotte falou com ela para não incitá-lo.
Ele limpou a garganta. “Sua vez.”
“Eu? Eu nunca tive um cão.”
“Me conte sobre sua família, então.”
“Não há muito o que contar. Você já conheceu minha mãe.” Ela
espetou a crosta da torta. “Eu não tenho nenhuma lembrança do meu
pai. Ele morreu quando eu ainda era uma criança. A propriedade
passou para um primo. Minha mãe se casou jovem, e ficou viúva
jovem. Com três filhas para cuidar e estabelecer, eu suponho que a
preocupação cobrou seu preço.”
“Por que os seus cunhados não intercedem por você? Pelo menos
oferecerem que você fique com eles por um tempo.”
“Colin e Aaron?” Ela deu de ombros. “Eu os adoro, mas eles são novos
pais vivendo a felicidade conjugal. Não quero infiltrar minha mãe no
casamento deles.”
“Eles sabem como você tem sido tratada nesta temporada?”
“Você quer dizer sobre o absurdo ‘debutante desesperada’?” Ela
balançou a cabeça. “Eu acho que não.”
“E você não contou a eles?”
“Eu não quero que eles se sintam responsáveis.”
“Mas eles são responsáveis por você. Eles são seus irmãos pelo
casamento.”
“Não é esse tipo de responsabilidade a qual me refiro.” Ela mordeu o
lábio, hesitando. “Não quero que eles se sintam responsáveis, por
minha humilhação.”
“Ah. Porque o próprio casamento deles aconteceu sob circunstâncias
não convencionais.”
“Minerva é uma criatura estranha. Estudiosa, esquisita. Ela era a
última mulher que qualquer um esperava que fugiria com um
charmoso libertino. Sempre houve fofocas sobre o casamento deles.
E Aaron é o melhor tipo de homem, mas ele é um ferreiro. Ele sabe
que afetou minhas perspectivas quando se casou com Diana. Por isso
ele pediu minha permissão antes.”
“Ele pediu sua permissão? Quando você tinha, o que? Quinze anos?”
“Dezesseis, acho.”
“E você permitiu.”
“É claro que eu permiti, alegremente. Sou muito feliz por Diana e ele.
Eu sou feliz por Colin e Minerva também.”
“Mas a felicidade deles dificultou que você buscasse a sua própria.”
Ela repousou um cotovelo na mesa, então segurou o queixo na mão.
“Pelo contrário, vê-los se casar por amor foi a melhor coisa que
poderia ter acontecido. Me ensinou a crer que eu posso encontrar
amor também. E se as circunstâncias dos casamentos deles
representam um obstáculo para possíveis pretendentes...estarão me
fazendo um favor. Eu não preciso perder meu tempo com cavalheiros
que são facilmente desencorajados.”
Ele a observou atentamente.
Havia algo novo nos olhos dele, atrás da avaliação desapaixonada.
Uma pitada de perversidade.
“O que foi?” Ela questionou.
“Eu estou tentando decidir se você realmente acredita nesse pequeno
discurso que fez. Ou se é somente um pensamento que a conforta
quando você está assistindo a mais uma quadrilha atrás dos vasos
de palmeiras.”
Ela ficou surpresa. Sim, em alguns poucos momentos de fraqueza,
ela havia ficado desamparada no meio da multidão, entregando-se ao
pior tipo de autopiedade possível. Uma vergonha.
“Quando você se tornar marquesa,”_ ele ergueu sua cerveja para
tomar um gole casual _ “você terá sua vingança. Você mostrará a
todos eles.”
Talvez esse fosse o segredo dele. Como ele convencia reis e déspotas
à sua vontade. Olhando-os por dentro e usando seus próprios sonhos
despedaçados como uma alavanca. A arma mais perigosa é aquela
que te acerta o mais próximo do coração.
“Você está errado.” Ela disse.
Ele baixou seu copo. “Hum?”
“Existe uma falha no seu plano, milorde. Me tornar uma marquesa
somente convenceria as pessoas que eu sou tudo aquilo que eles
acreditam que sou. Uma desavergonhada trapaceira, disposta a me
rebaixar para agarrar um rico, e bem colocado marido. A não ser
que...”
“A não ser que...”
“A não ser que o marquês em questão se sinta loucamente,
irreparavelmente e publicamente apaixonado por mim.”
Ele pareceu engasgar com a cerveja.
Charlotte levantou sua sobrancelha. Ela podia ser perversa, também.
Ela não precisava ser resgatada por sua família, ou Piers. Uma vez
que ela descobrisse a identidade dos amantes misteriosos, ela
convenceria sua mãe e Sir Vernon que Piers não tinha
responsabilidades para com ela. Na próxima temporada, ela estaria
explorando o Continente com Delia, e Londres teria que encontrar um
novo objeto de riso. Quando retornasse, haveria expandido sua
experiência e sua mente, ela estaria livre para casar _ ou esperar_ se
assim escolhesse.
Triunfo.
A maior mão que ela já havia visto pousou no ombro de Piers,
alarmando-a.
A enorme mão estava conectada a um enorme corpo. Um com ombros
largos e cabelos negros ondulados. “Piers. Eu pensei mesmo que fosse
você.”
Piers se afastou da mesa e colocou-se de pé. “Rafe.”
Os dois homens apertaram as mãos de forma calorosa antes de
virarem para Charlotte ser apresentada.
Como se ela precisasse de apresentações. Toda a Inglaterra conhecia
este homem por nome e reputação.
“Senhorita Charlotte Highwood, permita-me apresentar-lhe lorde
Rafe Brandon. Meu irmão.”
“Você deixou de fora ‘Campeão de Pesos Pesados Britânico’ e
‘Proprietário da Melhor Cervejaria da Inglaterra’.’’ Charlotte provocou.
Para lorde Rafe, ela disse: “Que prazer inesperado, milorde.”
Ela estendeu a mão e o gigante de ombros largos se curvou, antes de
puxar uma cadeira e sentar-se com eles.
Suas maneiras eram tão simples e informais, quanto as de Piers eram
apropriadas e comedidas. Charlotte gostou dele de imediato.
“Eu espero que seja cerveja Champion.” Rafe acenou para o copo de
seu irmão.
“Sempre.” Piers pareceu ofendido por ter sua lealdade questionada.
“Você está por aqui garimpando novas contas?”
“Estou contabilizando novas localidades para uma cervejaria
regional. Clio gostaria de expandir as operações ao norte.” Ele fez
sinal para a criada trazer uma nova rodada de drinks.
“Ela está bem, eu espero.”
“Oh, sim. Penso que ela trabalha mais duro do que eu gostaria.”
Charlotte se surpreendeu em quão facilmente os dois homens
discutiam sobre ela, considerando que lorde Rafe se casou com a
noiva de Piers. Ele não aparentava nenhum tipo de má vontade para
com eles.
“Que coincidência encontrá-lo aqui.” Lorde Rafe se recostou na
cadeira. “Engraçado não é? Com frequência os negócios tem nos
colocado no mesmo lugar.”
“Oh, Lorde Granville não está aqui a negócios.” Charlotte interveio.
Lorde Rafe olhou dela para Piers, divertido. “Seria prazer, então.”
As faces dela se aqueceram. “Eu não quis dizer isso, também. Nós
somos convidados de Sir Vernon Parkhurst para a quinzena festiva.
Lorde Granville foi gentil o bastante para trazer as damas até a cidade
para algumas compras, mas houve um incidente e tivemos que nos
separar em dois grupos para retornar da viagem.”
“Um incidente, você disse.” Rafe aceitou sua bebida e baixou pela
metade o copo em um único gole. “Eu sei o quão frequente ‘incidentes’
acontecem ao redor do meu irmão.”
“Qualquer frequência que seja,” Charlotte disse, “eles ocorrem o dobro
de vezes ao redor da minha mãe. Lorde Granville pode confirmar esse
fato.”
Piers deu de ombros. “A senhora Highwood acredita que sua filha
merece a admiração de cavalheiros altamente bem posicionados. E eu
da mesma forma.”
Charlotte baixou seu garfo e sorriu. “Agora, sério. Por que você está
ficando do lado dela?”
“Eu peço que me perdoe. Eu acredito que estava ficando do seu.”
Charlotte corou um pouco e teve que olhar para outro lado.
Lorde Rafe limpou a garganta. “Bem.”
“Volte conosco para o jantar,” Piers disse. “Sir Vernon ficaria feliz em
conhecê-lo, e ele tem um filho que poderia ser uma distração.”
Charlotte duvidava que o convite fosse para o benefício de Sir Vernon
ou Edmund. Piers talvez pudesse ser comedido, mas até mesmo ele
não conseguia esconder a verdadeira afeição de irmãos. Ela estava
aliviada em saber que ele tinha esse tipo de amor em sua vida, pelo
menos. Depois de perder os pais, sua noiva _ até mesmo seu cachorro
_ ele precisava disso.
“Temo que não poderei.” Rafe respondeu. “Eu prometi voltar esta
tarde.”
Os irmãos conversaram por mais alguns minutos, trocando
novidades sobre seus lares e acordos de negócios. Piers se ausentou
por um momento para pagar a conta.
Enquanto eles estavam a sós, Rafe se virou para Charlotte e baixou
sua voz em confidência. “Perdoe-me por sair tão rápido, mas não é só
minha cervejaria que está expandindo. Minha esposa está crescendo
um pouco também. Para se falar delicadamente.”
“Que maravilhoso! Por favor, transmita minhas felicitações.”
“Você terá a chance de oferecê-las em pessoa, logo, eu espero.”
“Oh, eu duvido que terei esse prazer.”
Ele sorriu, olhando para sua cerveja. “Eu não.”
Oh, céus! Isso era uma complicação inesperada. Charlotte nutria
esperança de colocar um rápido fim ao misterioso caso e cortar
qualquer fofoca pela raiz. A última coisa de que ela precisava era o
próprio irmão de Piers espalhando histórias sobre um iminente
noivado.
“O Piers...” Droga! “Lorde Granville falou algo para você? Com certeza
ele não lhe deu nenhuma indicação de...”
“Outra, além do fato dele estar almoçando sozinho com você, em uma
estalagem, em Nottingham, no mesmo dia que eu estou passando por
aqui? Acho que era desejo dele que nós dois nos conhecêssemos.”
De um jeito frenético, ela sussurrou, “lorde Rafe, por favor. Não
entenda mal. Houve um...”
“Um incidente.”
“Sim. Isso tudo é uma simples coincidência.”
“Se você conhecesse meu irmão, e parece que o conhece, entenderia
isso melhor.” Ele levantou uma sobrancelha. “Com Piers, não tem
essa coisa de coincidência.”
“Eu não sei o que quer dizer.”
“Eu vi a maneira como ele olhou para você. Pelo amor de Deus, ele
provocou você. Piers não provoca ninguém.”
Estranho ele dizer isso, já que Piers a tem provocado desde o primeiro
encontro deles, e o que ele quer dizer com: não tem essa coisa de
coincidência?
“Ele gosta de você.”
“Então é amor?”
“Não.”
Charlotte não teve tempo de argumentar mais. Piers retornou, após
pagar a conta.
Ele não se sentou novamente, ao contrário, ofereceu assistência para
Charlotte se levantar. “Senhorita Highwood, eu acredito que a
carruagem tenha retornado para nos levar.”
“E a minha diligência deve estar saindo também.” Lorde Rafe deu uma
batidinha no ombro de seu irmão e deslizou um olhar para Charlotte.
“Leve-a para o castelo, quando sua agenda permitir. Prepararemos
um quarto.”

CAPÍTULO 9

Enquanto ele acenava um ‘até logo’ para seu irmão, e eles deixavam
a estalagem, Piers esperava que Charlotte perdesse o interesse em
lançar-lhe perguntas.
“Vamos lá!” Ela disse. “Qual é o seu grande segredo?”
Ele franziu o cenho para a calçada, para tentar disfarçar a falha em
seu passo. “Segredo? O que a faz acreditar que existe um segredo?”
“Conhecer Lorde Rafe nesse instante.”
Ele amaldiçoou silenciosamente. Rafe era uma das poucas pessoas
que sabia o verdadeiro cargo de Piers no Ministério de Relações
Exteriores _ e mesmo assim, eles evitavam discutir os detalhes. Se
seu irmão tiver deixado algo escapar...
“Rafe falou alguma coisa para você?”
“Nada específico, se essa é sua preocupação. Foi a maneira como ele
me tratou, como se eu fosse o mais novo membro de um clube
exclusivo de pessoas que compreendem o verdadeiro Piers Brandon.
E sobre aquele aperto de mãos secreto? O que está acontecendo que
você não está me contando?”
Bom Deus. O que ele foi fazer se envolvendo com essa mulher? Tudo
era um quebra cabeça para ela. Um nó que precisava ser desatado.
Naquele meio tempo, sempre que ele estava perto dela, seu poder de
discernimento e disfarce iam diretamente para o inferno. Ele contou
segredos de família, ele a deixou acariciar seu cabelo. Ele a escondeu
atrás de cortinas e a segurou próxima a ele.
Se ela fosse uma agente inimiga, esse problema seria muito mais fácil
de resolver. Ele não teria necessidade de se casar com ela. Ele poderia
capturá-la, ou matá-la ou ainda a mandar para um exílio em Córsega.
Pensando sobre isso, talvez essa última ainda fosse uma opção.
Somente se Nottinghamshire tivesse litoral.
“Deve ter algo a ver com o tempo que você passou no exterior.” Ela
falou devagar.
“Eu trabalhei como diplomata para o Ministério de Relações
Exteriores. Você já sabe disso.”
“E eu tenho pensado sobre isso desde quando soube. Eu sabia que
havia mais a seu respeito. Que tipo de diplomata abre fechaduras e
beija como um libertino?”
“Este diplomata aqui, aparentemente.”
Ela deu um suspiro teatral. “Se você não me contar, eu serei forçada
a adivinhar.”
Ele permaneceu em um silêncio firme. Que ela interpretou como um
convite. Porque é claro, ela continuou.
“Vamos ver. Você dirigia um jogo ilícito como o inferno,
clandestinamente na reluzente Viena. Metade da Casa de Habsburgo
deve a você suas fortunas.”
“Não estou interessado em coletar fortuna. Eu tenho a minha
própria.”
“Roubo, então.”
Ele se encolheu com a sugestão. “Estou ainda menos interessado em
roubos insignificantes.”
“Não seria roubos insignificantes, poderiam ser bem significativos,
executados por uma boa razão. Vamos ver... você resgatou
inestimáveis peças de arte das casas de aristocratas franceses,
salvando-as da destruição nas mãos dos revolucionários.”
“Errado novamente.”
“Se não é arte, então... segredos? Ah, já sei! Você é um espião
internacional, cumprindo missões arriscadas e frustrando planos de
assassinatos, sob o disfarce de uma carreira de diplomata.”
“Não seja absurda.”
Ela parou mortalmente na rua. “Oh , meu Deus! Oh céus! É isso!”
“Isso é...”
“É isso! Essa é a verdade! Você é um espião.” As sobrancelhas dela
arquearam-se, ela juntou as duas mãos sobre a boca, abafando um
grito sob elas.
Maldição!
Ele a pegou pelo cotovelo, guiando-a para fora da rua e a empurrando
para um beco escuro e apertado.
“Eu já disse que não sou...”
“Não se incomode em mentir para mim. Eu já sei como descobrir
quando você o faz.” Ela ergueu a mão para o rosto dele. “Sua
sobrancelha esquerda enruga todas vezes que você mente.”
“Eu,” ele disse, ignorando o toque dela, com uma força de vontade
absoluta. “Eu não era um espião internacional. Pronto, a sobrancelha
enrugou?”
“Não.” Ela disse desapontada.
Piers relaxou. “Bom, então.”
“Então você não era um espião internacional.” Depois de uma rápida
pausa, ela engasgou. “Você é um espião!”
Jesus Cristo.
Ela lhe deu um leve soco no ombro.
“Oh, muito bem! E o mundo todo acreditando que você é somente um
tedioso e apropriado lorde? Não admira que seu irmão pareça com
um gato que acabou de engolir o peixe dourado. Isso é tremendo
Piers!”
Tremendo?
Isso era decididamente o oposto de tremendo. Isso era um problema
grave. E possivelmente o fim de sua carreira.
Ele já foi bom nisso uma vez, não foi?
Ela tinha essa ingênua e fantástica ideia de espionagem, que envolvia
beber drinks viscosos e andar despreocupadamente por jogos
infernais. Se ela soubesse a fria e brutal realidade, ela se arrependeria
por ter adivinhado.
Ele a segurou pelos ombros e deu uma leve sacudida. “Você precisa
esquecer essa ideia tola. A verdade é que eu sou um tedioso e
apropriado lorde. Não existe missões impetuosas ou escapadas
eletrizantes. E eu enfaticamente não sou um esp... abaixe-se.”
Ele empurrou Charlotte para o lado.
Um ladrão emergiu das sombras, tentando alcançar a bolsa dela com
uma mão, e com a outra ele brandia uma faca enferrujada.
Anos de treinamento assumiram o controle.
Com sua mão esquerda, Piers agarrou o pulso do batedor de carteiras,
imobilizando a mão com a faca. Então ele baixou seu cotovelo direito
em uma pancada violenta, não forte o bastante para quebrar o braço
do patife, apesar de que ele merecia.
Uma vez que a faca foi jogada para as sombras, ele lidou com o ladrão
com um rápido chute no estômago e o arremessou na sarjeta.
Isso tudo aconteceu em menos de cinco segundos.
Enquanto o criminoso caía dobrado e gemendo, Piers endireitou suas
luvas.
Os olhos de Charlotte se arregalaram. Ela olhou para o batedor de
carteiras, depois de volta para Piers. “Você estava dizendo...”

Charlotte deveria ter adivinhado como Piers reagiria, quando ela


revelasse o seu segredo. Que era não tão bem.
Ele abandonou qualquer discussão, arrastando-a de propósito para a
esquina, onde sua carruagem estava esperando, e a empurrou para
dentro.
“Está tudo bem.” Ela assegurou a ele, uma vez que a carruagem
começou a se mover e eles estavam sozinhos. “Eu prometo, não
contarei a ninguém.”
Ele olhou diretamente para a frente. “Não há nada para contar.”
“Eu realmente não acredito que não adivinhei antes. Eu deveria ter
sabido pela sua pistola Finch especial. Ou pelo alfinete que abre
fechaduras.”
“Qualquer grampo teria aberto a fechadura.”
“Você tem outras ferramentas de espião?” Ela começou a olhar nos
compartimentos da carruagem. “Espelhos falsos? Portas a prova de
balas? Oh, eu aposto que tem um compartimento secreto debaixo do
assento.”
“Toda carruagem tem um compartimento secreto debaixo do
assento.”
“Códigos secretos escondidos na faixa do seu chapéu, talvez? Ohhh,
e sobre essa bengala?” Ela alcançou o objeto que ele mantinha atrás
do assento. “Um homem em sua melhor forma não necessita de uma
bengala. Eu aposto que é uma espada ou um rifle, é só descobrir como
se abre.” Ela virou de um lado e do outro, chicoteando
experimentalmente pelo ar.
Ele arrancou o objeto da mão dela e pôs de lado. “É uma bengala.
Nada mais.”
“Mas você é um agente da Coroa. Você deve ter algum tipo de arma
empolgante e letal em sua pessoa.”
“Já que você mencionou...” Ele a pegou pela cintura, arrastando-a
para seu colo. Ele disse com um rosnado sensual: “Isso não é a pistola
em meu bolso.”
Ela riu. Onde ele estava escondendo esse perverso, perigoso charme?
Era muita ironia. Ela não deveria ter sido tão perspicaz para descobrir
seus segredos. Essa revelação o fez desesperadamente atrativo. Ela
talvez estivesse gostando dele ainda mais naquele momento. Não
somente por alguns instantes ou raros momentos, mas com
intervalos regulares.
Daí para a amizade era somente um curto passo. Então um simples
pulo para a afeição...ou pior.
Oh, droga! Por que ela tinha que ser tão curiosa?
Mas não tinha como desfazer agora.
Ela não havia chegado nem perto de decifrá-lo, mas ela havia juntado
peças suficientes para entender uma coisa: O quadro completo de
Piers Brandon era mais amplo e muito mais complexo do que ela
sonhava que pudesse ser. Ele era enlouquecedoramente perfeito.
Ele era perfeitamente eletrizante.
“Você está em missão aqui em Nottinghamshire? Por isso estava
escondido na biblioteca?” Ela bateu com a palma da mão na testa. “É
claro. Tudo faz muito mais sentido agora. Você não podia deixar sua
tarefa ser descoberta. Por isso que você insistiu em fazer o pedido.
Ninguém é tão honrado, e eu sabia que não poderia ser simplesmente
porque você teve simpatia por mim.”
“Me escute.” Ele segurou o queixo dela com a mão, proibindo-a de
olhar para outro lado. “Você está mortalmente errada sobre mim em
quase todos os detalhes, mas você está certa sobre o último. Eu não
tive simplesmente simpatia por você.”
“Não?”
Ele balançou a cabeça vagarosamente. Seu polegar traçou o formato
dos lábios dela. “Simpatia não é nem o começo para descrever. Está
mais próximo de... uma obsessão. Um encantamento, ou talvez uma
maldição. Você é como uma pequena bruxa de cabelos louros que
jogou um feitiço em mim, e eu não consigo me concentrar. Não
consigo dormir. Eu não consigo pensar em mais nada, além de ouvir
sua risada, e segurá-la próxima a mim, e imaginar como você ficaria
nua na minha cama. Você entende isso, Charlotte?”
Ela concordou com a cabeça, sem fôlego. A sobrancelha esquerda dele
não se moveu nenhuma vez.
Quanto mais ele a encarava, mais excitada ela ficava. Aquele era um
jogo que eles poderiam jogar o dia todo... a mão dele na sua cintura
na estalagem, a respiração dele na sua orelha na loja de perfumes.
“Qual é o seu plano, Agente Brandon?” Ela sussurrou. “Você pretende
me beijar tão longamente e tão fortemente que eu esquecerei sua
identidade?”
“Não.” A mão dele deslizou para as costas da cabeça dela,
entrelaçando em seus cabelos, tão firme que ela engasgou. “Eu
pretendo beijá-la tão longamente e tão fortemente que você esquecerá
a sua identidade.”
Os lábios dele desceram sobre os dela, e dessa vez ele não lhe ofereceu
beijos leves e pacientes como preliminares. Ele reivindicou sua boca
empurrando a língua profundamente para brincar com a dela.
Ela agarrou o pescoço dele tentando seu melhor para manter o ritmo.
Ele se inclinou para beijar o pescoço dela, a orelha, a bochecha. Ela
amou a urgência no beijo dele, no quanto ele parecia querê-la.
Talvez até necessitá-la.
Excitação pulsou por seu corpo, fazendo-a inchar, apertar e ansiar.
Era como se quanto mais atrevidamente ele tentava possuí-la, mais
independente ela se sentia.
Ele a deu poder e ela queria usá-lo. Ela queria escolher paixão ao
invés de propriedade, conhecimento ao invés de inocência.
Ele acariciou seus seios por cima do tecido do vestido, e da capa,
deixando-a louca de necessidade. Não era o bastante. Ela precisava
de mais. As mãos dele em sua pele nua. Os dedos dele apertando,
puxando. Qualquer coisa para aliviar a tensão em seus mamilos. A
necessidade era tão intensa, tão urgente, que a fez imaginar como ela
pôde ter vivido por tanto tempo sem o toque dele.
A timidez havia ido embora, mas ainda assim ela não sabia como
pedir por esse tipo de coisa.
“Por favor.” Ela sussurrou, arqueando sua espinha para empurrar
seu seio para a palma da mão dele, esperando que fosse o suficiente.
“Por favor.”
Por favor, toque-me. Você sabe o que eu preciso.
Enquanto se beijavam, os dedos dele foram para os botões da capa,
abrindo-os um por um. Ao mesmo tempo, a outra mão dele deslizou
por sua espinha, encontrando os colchetes que fechavam as costas
de seu vestido. Ela estava sendo despida pelos dois lados de uma vez.
Aquele homem tinha grandes habilidades, realmente.
O corpo dela cantou de alegria em antecipação do que estava por vir.
Uma vez que ele tinha as pontas do casaco dela abertos, ele deslizou
a mão para dentro. As pontas dos dedos encontraram a borda do
decote do vestido. Empurrando para o lado sua combinação
transparente que ela usava por recato, ele colocou dois dedos por
baixo do decote e passou levemente por seu ombro, abrindo o corpete
e então facilmente baixando toda a roupa até revelar os seios.
Ele interrompeu o beijo, com os olhos fixos nos seios desnudos dela.
Uma pontada de recato a fez estremecer, mas se perdeu com o pulsar
rápido do seu coração.
O contato com o ar fresco do final de tarde, fez com que seus mamilos
enrijecessem. Ela sentia como se todo o anseio do seu corpo estivesse
concentrado naquele único ponto dolorido.
Por favor.
Por favor, por favor, por favor.
A primeira carícia do polegar dele na pele dela foi tão leve, tão
provocante. Quase como se fosse o roçar de uma pena. Ele desenhou
círculos enlouquecedores ao redor da auréola, inclinando sua cabeça
para examiná-la de diferentes ângulos. Como se ela fosse o
mecanismo de um relógio e ele estivesse curioso para ver como
funciona.
E então, finalmente ele cobriu o mamilo com o polegar e apertou
levemente. O sobressalto de prazer a trespassou. Ela arfou... Era
melhor, era pior. Era maravilhoso.
Ele a beijou novamente, e a língua dele lhe mostrou coisas novas,
uma dança sensual. Ele rolou os dedos e beliscou segurando a
protuberância do mamilo entre o polegar e o indicador.
Ela se agarrou a ele, mergulhando as unhas na parte de trás do
pescoço dele.
Uma pulsação começou a latejar entre suas coxas. Ela se deslocou no
colo dele, unindo e pressionando as coxas em uma tentativa de se
aliviar. No meio do processo, ela se esfregou contra algo sólido, o cume
da ereção dele.
Ele gemeu suavemente dentro do beijo.
Saborear, ouvir e sentir aquela confissão gutural...fez algo selvagem
com ela. Foi honesto, aquele lamento. Foi cru. Primitivo. Era uma
emoção inegável, saber que ela tinha tanto poder sobre um homem
tão poderoso.
Ela se levantou e sentou-se novamente em seu colo, provocando-o
com um arrastar lento do quadril contra a rigidez dele. Ela deslizou
as mãos pelos cabelos dele, entrelaçando os dedos pelos densos
cachos negros, separando-os em ondas selvagens. Ela segurou o lábio
inferior dele entre os dentes e deu um leve puxão, como um filhotinho
brincando.
Eles encararam um ao outro, respirando com dificuldade.
“Eu ainda não esqueci sua identidade.” Ela sussurrou, ainda
mergulhando os dedos no cabelo dele. “Nem a minha.”
Ele engoliu com dificuldade, as mãos fixas nos quadris dela.
“Você é Piers Brandon, o marquês de Granville, diplomata e agente
secreto a serviço da Coroa.” Ela passou um dedo pela curva do nariz
aristocrático dele. “E eu sou Char...”
As palavras ficaram perdidas em um suspiro.
Com a velocidade e a força de um chicote, ele a deitou de costas,
pressionando-a entre ele e o adornado assento da carruagem.
“Você será Lady Charlotte Brandon, A Marquesa de Granville, esposa
de um diplomata e mãe dos meus herdeiros.”
Ela começou a argumentar de volta. Então a boca dele se fechou sobre
um mamilo, e Charlotte perdeu todo o poder da fala, e toda tentativa
de pensamento.
Junto com isso, se foi toda a urgência de resistir.
“Você será minha.” Ele murmurou. “Eu juro, Charlotte. Eu a farei
minha.”

Minha.
Minha, minha, minha.
A palavra tombou sobre a mente dele em círculos infinitos.
Piers circulou com a língua, o tenso mamilo cor de rosa.
Ela se moveu e suspirou debaixo dele. Todos os argumentos e
perguntas esquecidos. Ele revelou no som.
Ele pretendia mostrá-la quem estava no controle. Apenas de quem os
segredos estavam descobertos.
Ele deu um puxão nas roupas dela, desesperado para revelar mais do
corpo para o seu toque e sua boca. Enquanto tentava arrancar seu
vestido, ele ouviu um barulho de tecido se rasgando. Ele congelou,
pensando que talvez o som pudesse assustá-la, ou pelo menos trazê-
la de volta a consciência.
Em vez disso, ela rolou para o lado para ajudá-lo.
Ela o ajudou.
E uma vez que o vestido dela foi empurrado para baixo, revelando
suas roupas íntimas transparentes, ela o impeliu para seu abraço,
envolvendo os ombros dele em seus macios e perfumados braços,
arqueando as costas para oferecer os seios a ele.
Os lábios dela tocaram seu pescoço nu.
Quando foi que ele perdeu a gravata?
Bom Deus. Bom Deus.
Ele orgulhava-se de seu controle. Sua autodisciplina, sua
administração cuidadosa das emoções internas e reações externas,
vidas dependiam disso, e Piers nunca os decepcionou.
E então veio a senhorita Charlotte Highwood, anunciando sua própria
entrada na vida dele com a mais absurda das declarações.
Eu estou aqui para salvá-lo.
Impossível. Ela era a pessoa mais perigosa que ele havia encontrado.
Seu equilíbrio estava em uma constante agitação sempre que ela
estava por perto.
Ela decodificou a linguagem secreta de sua sobrancelha esquerda.
Se ele não fosse cuidadoso, poderia se perder com ela.
Dentro dela.
Deus, o simples pensamento de estar dentro dela. Mergulhado em
todo aquele calor, na maciez solícita...
A imagem mental fez com que seu membro ficasse duro como
mármore italiano, latejando em vão, contra os botões de suas calças.
Piers se forçou a ir mais devagar, empurrando para o lado a frágil
musselina e explorando cada centímetro de seus voluptuosos seios
nus, com seus lábios e língua. Ocasionalmente adicionando leves
mordidas.
Não importava o quanto ele tomava, ela oferecia mais. E por sua vida,
ele não conseguia entender o porquê.
Ele deslizou uma mão por sua cintura e encaixou seu quadril entre
as coxas dela, empurrando contra a maciez das anáguas que ela
usava.
Breve, ele prometeu a si mesmo. Não naquele dia. Ele não iria deflorar
Charlotte em uma carruagem em movimento. Essa não era a forma
como ele tratava nenhuma mulher e mais ainda, não a mulher com
quem ele pretendia se casar. Ele não havia perdido toda a aparência
de homem contido, pelo jeito.
Além do mais, a jornada até a Mansão Parkhurst não era longa o
bastante.
Quando ele se deitasse com ela pela primeira vez, ele pretendia levar
horas satisfazendo-a apropriadamente. Meticulosamente. Até que ela
soluçasse seu nome e implorasse por mais.
“Nós estamos quase chegando.”
Ela lhe deu um sonolento e entorpecido olhar. “Como você sabe?”
“A estrada sob nós, mudou de lama para cascalho.”
“Sempre tão atento aos detalhes.” Ela sorriu, com aquela adorável
presunção, que ele começou a reconhecer, e ele sabia que havia se
entregado, mais uma vez.
Houve um momento de ternura entre eles, e por um instante ele
experimentou a mais rara, e ridícula emoção _ esperança.
Seria possível?
Ela o viu desarmar aquele batedor de carteira no beco. Ela sabia que
ele estava enganando, não somente ela, mas a todos. Ela não saiu
correndo e gritando, ou deu as costas para ele em desgosto.
Talvez... talvez ele pudesse fazê-la feliz.
Não com o dinheiro, ou o prestígio social Granville, mas somente
sendo o homem que ele era, no seu cerne. Às vezes, quando ele olhava
naqueles profundos olhos azuis, ele sentia como se tudo fosse
possível.
Mas havia ainda, tanto que ela não sabia, sobre o que ele era e o que
ele já havia feito. Havia uma escuridão verdadeira dentro dele, e se
ela encontrasse todos os caminhos para passar por suas defesas, se
aventurar dentro do seu ser negro e frio... ele duvidava que ela poderia
sorrir para isso.
Além do mais, ela queria amor em retorno. Não somente afeição ou
ternura, mas um público caso de amor, para convencer até mesmo o
mais incrédulo dos fofoqueiros. Isso era uma coisa que Piers não
podia oferecer a ela. Nem mesmo se ele quisesse.
Era inútil pensar em ganhar o coração de Charlotte.
Ele deveria manter seu plano: assegurar o casamento com ela e
completar sua missão ali, por qualquer meio necessário.
Ele beijou a testa dela uma última vez, então se endireitando a
ajudou.

CAPÍTULO 10

Já estava passando da hora de Piers cuidar do seu trabalho.


Quando Ridley veio naquela noite, ostensivamente, prepará-lo para a
cama, Piers decidiu que era hora de conferir como estava indo a
investigação até aquele momento.
“Então.” Piers disse, desatando o nó de sua gravata. “O que você
descobriu sobre os criados?”
“Nada de importante.” Ridley recostou-se em uma cadeira. “Eles não
tem nada de mau para falar sobre o homem. Nem sobre Lady
Parkhurst. Sir Vernon permanece na residência somente alguns
meses ao ano, e quando ele está aqui, fica a maior parte do tempo do
lado de fora, vivendo uma vida de esportes masculinos. Ele paga os
salários em dia, dá aumentos anuais para todos, e separa pensões
aos mais devotados. De acordo com o mordomo, ele não interfere
muito na administração rotineira, mas exige relatórios regulares e
questiona as discrepâncias.”
“Não há rumores de jogos? Amantes? Crianças na vizinhança com
semelhança notável?”
“Não que eu tenha ouvido. Se ele tem qualquer segredo, ele está
escondendo muito bem dos funcionários.”
“Isso é incomum.”
Criados típicos sabiam de tudo que acontecia em uma casa como
aquela. Eles traziam a correspondência, removiam os restos das
lareiras, cuidavam das roupas sujas. Nada escapava de suas
observações.
“Eu manterei olhos e ouvidos abertos, abaixo das escadas, é claro. Eu
também consegui espaço para participar do jogo de cartas dos
valetes, duas vezes por semana. E acho que a governanta tem
simpatia por mim. Algo mais que você gostaria que eu fizesse?”
“Nada.”
Piers não podia acusar Ridley de não estar atento aos detalhes. Ele
era quem vinha se esquivando de fazer sua parte. Ele pretendia
ganhar a confiança de Sir Vernon. Esse era o exato tipo de trabalho
que o Ministério precisava que um homem como Piers realizasse. Não
havia muitos aristocratas a serviço da Coroa, menos ainda os que
recebiam convites para uma festa de caça outonal, somente por
expressar um interesse passageiro em conhaque, no clube.
Sua classe e posição eram a chave para ganhar acesso e confiança.
Em quase uma década de serviço, ele nunca comprometera sua
honrada reputação. Então, na primeira noite em que chegou, ele deu
ao seu anfitrião razões para acreditar que ele deflorava virgens na
escrivaninha, e o herdeiro da mansão estava convencido que ele
pretendia assassinar alguém.
E o pior de tudo, Charlotte tropeçou na verdade.
“Pensando melhor, Ridley, tem algo que você pode fazer. Venha e fique
de frente para mim.”
Ridley se aproximou no mesmo instante. “Aqui?”
“Um pouco mais perto. Não, não assim. Olhe para mim. Só isso.”
Eles se olharam nos olhos.
“Eu vou te contar um monte de mentiras. Enquanto eu faço, eu quero
que você preste bastante atenção na minha sobrancelha esquerda.
Me diga se move, nem que seja o mínimo.”
Se Ridley ficou perplexo pelo pedido, ele não demonstrou. “Sim,
milorde.”
“O céu,” Piers disse cuidadosamente, “é rosa. Meu café da manhã foi
arenque com torradas. Eu estou usando um colete elegante.” Ele
pausou. “E então? Algum movimento?”
“Nenhum movimento.”
“Nenhuma ruga. Você está certo?”
“Nada.”
Com uma imprecação, Piers se virou de lado, acertando o ar com um
taco imaginário de críquete. Isso não podia estar acontecendo com
ele. Ele havia aperfeiçoado a arte do engano desde sua infância. Como
diabos era possível que Charlotte Highwood podia lê-lo, quando o
resto do mundo não conseguia?
Após uma pausa, Ridley perguntou. “O que há de errado com o
colete?”
“Nada. Mas também não tem nada de especial.”
“O alfaiate me disse que é a cor do momento na temporada. Se chama
curry.”
Piers deu de ombros.
O homem mais jovem deu um suspiro de lamento. “Quando é que
você vai me falar? Aqui estou eu, pretendendo ser o valete de um
marquês, e você permitiu que o vestisse com um colete desagradável.”
“Chega de falar sobre o colete.” Piers disse.
De alguma forma ele tinha que recuperar o controle da situação. Pôr
sua cabeça no lugar. Controlar sua sobrancelha à submissão. Fazer
sua missão sangrenta.
Ele não podia arriscar perder sua carreira. Ele não saberia quem ele
seria mais.
No dia seguinte, qualquer que fosse o esporte que Sir Vernon
propusesse, Piers iria encontrar uma desculpa para sair mais cedo.
Ele retornaria para a mansão sozinho, marcharia para a biblioteca,
abriria aquela gaveta trancada e retiraria toda a informação que ele
foi enviado para coletar.
A partir dali tudo se encaixaria.
Ele poderia anunciar seu noivado com Charlotte antes de deixar
Nottinghamshire. Seus advogados e a senhora Highwood, sem
dúvida, requereriam alguns meses para acertar todos os arranjos do
contrato e do casamento. Eles poderiam ter um casamento de natal.
Então passar o inverno em Oakhaven, para começarem a
providenciar um herdeiro. Depois ele deveria estar de volta a Londres
para a Câmara dos Lordes, ele poderia deixar Charlotte grávida e
emotiva em sua propriedade, onde ela estaria fora da vista de sua
sobrancelha esquerda e incapaz de perturbar sua concentração.
Pronto. Ele tinha um plano.
Bastava executá-lo.
“Foi mencionado algo sobre o esporte de amanhã?” Ele perguntou a
Ridley. “Pesca? Caça? Tiro?”
“Eu ouvi algo do guarda de caça, sobre planos para uma apropriada
caça à raposa. Mas eu duvido que qualquer esporte aconteça por dois
ou três dias. Talvez quatro.”
“Maldição!” Ele não podia passar dois ou quatro dias confinado
naquela casa com a festa no caminho, e Charlotte o provocando, de
todas as maneiras, a erros desastrosos. “Por que?”
Um trovão ribombou a distância.
Ridley levantou uma sobrancelha. “Por causa disto.”
Piers estava um pouco irritado.
“Onde foi que você adquiriu esse talento irritante de anunciar as
coisas no tempo perfeito?”
“Talvez você tenha perdido esse dia de treinamento, milorde”
“Sim, bem. Pelo menos não sou um desastre completo com coletes.”
Piers mandou Ridley para os quartos dos criados e esperou uma hora
ou mais antes de pegar uma vela e deixar o quarto silenciosamente.
Se fosse chover, ele não teria chance de fazer nenhuma busca durante
o dia. Isso o deixaria com as noites, menos que o ideal. Se ele fosse
pego, bisbilhotando quartos privados na escuridão, explicações se
tornariam bem mais difíceis. Mas sua estadia estava quase na metade
e a droga do clima britânico não deixou muita escolha.
Movendo-se em suaves e silenciosos passos, Piers entrou no corredor
e se virou no sentido das escadas principais.
Ele não havia feito muito progresso, antes de parar e apertar com
força a vela em sua mão.
Uma sombria figura imóvel encurvada no meio do carpete, dez passos
à frente.
Piers deu alguns passos para a frente e levantou a vela para iluminar
o espaço. Ele apertou os olhos na escuridão, levou alguns momentos,
mas afinal, ele conseguiu ver quem era...
Edmund.
O garoto estava sentado com as pernas cruzadas no início da escada,
uma coberta enrolada sobre os ombros. Ele segurava uma espada de
madeira com uma mão, gesticulando com a outra, ele levantou um
dedo para o seu próprio olho e depois apontou para Piers.
“Eu estou de olho em você.” Ele sussurrou com uma voz grossa
enervante. “Eu sei o que você fez.”
Certo. Piers passou uma mão pelo rosto. Seria impossível uma busca
pela casa aquela noite.
Ele alcançou um livro em uma mesa próxima, ergueu e o balançou
para que Edmund visse, como se isso fosse inteiramente a razão para
sair de sua cama. Então ele se virou e voltou pelo mesmo lugar de
onde veio.
Depois de fechar a porta, ele inclinou a vela para ler a lombada do
livro que pegou.
A coleção de sermões do Reverendo Calvin Marsters.
Bem, aquilo o colocaria para dormir.
Ele arremessou o livro para o lado, irritado por ter sido impedido por
uma criança agindo como um sentinela. Sentou-se no banco para
retirar suas botas. Ele deveria ir para a cama.
Então algo na escuridão do lado de fora chamou sua atenção. Ele se
moveu para mais perto da janela, apagando sua vela para visualizar
melhor.
Uma pequena e calorosa luz tremeluzia no jardim cercado abaixo.
Piscando daqui e dali. Se ele fosse um homem místico, ele teria
pensado se tratar de uma fada. Mas Piers não tinha essas ilusões.
Alguém estava se movendo no jardim de uma maneira estranha, sem
direção, carregando uma pequena lâmpada ou uma simples vela na
mão.
A visão era estranha. Suspeita. Ele precisava investigar.
Mas com Edmund de pé _ ou melhor sentado _ no corredor, ele
não poderia ir naquela direção. Teria que sair pela janela. Como foi
que Charlotte disse? Uma pequena borda bem conveniente que corre
embaixo de todas as janelas, e do canto noroeste da mansão para um
sicômoro era somente um pequeno salto.
Ele jogou o casaco de lado, então abriu a janela o máximo que
pôde. Os ombros dele tiveram que se apertar muito mais do que os de
Charlotte. Depois de alguns giros e contorções, ele conseguiu se
colocar do lado de fora e atingir uma base sólida na borda.
Com a aproximação da chuva, o vento estava forte. Ele precisava
ser cuidadoso. Se voltando para fora e esticando os braços para os
dois lados, ele deslocou-se pela orla de pedra. Quando sentiu que
tocava em uma janela, ele primeiro girou o pescoço, para verificou se
não havia sinal de nenhum movimento. Depois de ter certeza que
ninguém o observava, ele atravessou.
Pouco depois, ele conseguiu estabelecer-se e estava fazendo um
rápido progresso. Ele alcançou o canto noroeste e localizou o
sicômoro. Como Charlotte havia mencionado, um arbusto grande e
cheio de folhas se esticava por toda a borda, como um braço
acenando.
Ele avaliou a distância e fez um cálculo mental. Mas quando ele
se preparava para pular, uma rajada de vento o atingiu tirando-lhe o
equilíbrio.
Já era tarde para desistir do salto. Ele teve que pular assim
mesmo e rezar pelo melhor. O pulo foi desagradável e muito curto.
Ele conseguiu parcamente segurar um galho com uma mão. Se
pendurou ali por um momento, com o coração aos pulos, e então
conseguiu alcançar a superfície nodosa com a outra mão.
Usando o peso do seu corpo como pêndulo, ele se balançou para
frente e para trás, até encaixar uma bota no arbusto. Dali ele se
balançou erguendo-se e subindo no galho.
Ele se viu olhando diretamente para a janela da governanta. Ele
sabia que era a janela da governanta, porque ela o estava encarando
de volta.
Brilhante!
Totalmente brilhante!
Permitir que Sir Vernon acreditasse que ele deflorava virgens na
escrivaninha já era ruim o bastante. Agora ser pego espiando uma
governanta de cabelos grisalhos com sua camisola de dormir? Ele
deixaria a Mansão Parkhurst com a reputação de pura depravação.
Piers congelou cada músculo do seu corpo e prendeu a
respiração. A vesga senhora levantou um par de óculos
vagarosamente até o rosto.
Antes que o objeto alcançasse a ponte do nariz dela, Piers caiu.
Sua queda foi interceptada por um galho, depois outro, até que ele
colidiu com o chão soltando um gemido abafado. Ele se esticou na
base da árvore, esperando que a governanta interpretasse tudo como
um truque de sua vista e do vento.
E também porque ele estava todo dolorido.
Após alguns minutos se passarem e nenhum alarme ter sido
soado, Piers decidiu que estava livre. Ele levantou-se e limpou a
poeira de suas calças, tentando não pensar nos magníficos
hematomas que ele teria no dia seguinte.
Ao invés disso, ele circundou a lateral da casa e seguiu para o
jardim fechado.
Por causa dos altos muros, ele não conseguia ver mais a
tremulante luz. Na verdade, provavelmente seria visível somente por
alguns quartos da mansão, além de seu próprio.
Será que o portador da luz estaria esperando para um encontro
no meio da noite? Escondendo ou enterrando alguma coisa no
jardim?
Piers encontrou o portão de ferro entreaberto, enquanto ele
empurrava, as dobradiças rangeram.
A pequena luz amarela se balançou no silencioso jardim escuro.
E então, um sussurro feminino: “Quem está aí?”
Piers soltou o ar rapidamente. “Charlotte?”
“Piers.”
Eles caminharam em direção um ao outro, até que pararam dos
lados opostos à lâmpada que ela segurava. Ela usava seu traje de
dormir e uma capa escura, parcamente amarrada. Uma olhada em
seu rosto fez ele perceber que algo estava gravemente errado.
“O que você está fazendo aqui embaixo a essa hora?”
Ela fungou e sua voz travou. “Eu...”
“Você andou chorando.” Ele pôs a mão no ombro dela. Ela
estremeceu sob o toque dele. “Charlotte, o que foi? O que há de
errado?”
“Eu perdi! Se foi! Eu procurei por todos os lugares da casa em
que eu pudesse pensar, então eu me lembrei que estive aqui mais
cedo. Mas eu já procurei por uma hora, debaixo de cada banco e cada
arbusto. Não está aqui também. Se foi.”
Ela pressionou os lábios e inclinou sua cabeça, tentando não
chorar. Sua bochecha tremia.
“Vem aqui.” Ele retirou a lâmpada das mãos dela e pendurou em
uma treliça que estava próxima a eles. Então ele a guiou para sentar-
se em um banco. “Deixe-me ajudá-la. Diga-me o que você está
procurando.”
“Vai soar tão tolo. Você rirá de mim.”
“Nunca.”
Na última semana, a jovem foi acusada de perder sua virtude,
foi abordada por um batedor de carteiras, e ameaçada brevemente
por uma arma, e ela enfrentou tudo com um relativo bom humor.
Ele nunca a viu assim.
O que quer que fosse que ela havia perdido, devia significar o
mundo para ela.
“É pequeno.” Ela formou um retângulo com os dedos. “Somente
um pedaço de flanela com uma fita na ponta e um pequeno bordado.
Eu uso como marcador para meus livros. Eu sei o quão
inconsequente pode soar, mas é muito importante para mim.”
Piers sabia que a maioria dos objetos pequenos e de aparência
humilde poderiam ser de grande importância. “Você tem certeza de
que não está em seu quarto de dormir?”
Ele odiava soar como um reprovador, mas considerando o estado
em que ela deixava suas coisas...
Ela balançou a cabeça. “Isso não é como meias ou xales. Eu sou
desorganizada, mas eu nunca sou descuidada com ele. Ou está em
meus livros ou debaixo do meu travesseiro o tempo todo. Mas essa
noite, quando me sentei para ler, não estava lá. Eu procurei por toda
parte, no meu quarto, na sala de desenhos. Então me lembrei que eu
estive aqui lendo essa tarde.”
“Onde você se sentou?”
“Ali.” Ela indicou um toco debaixo de um pouco de hera.
“Então, provavelmente ainda está no jardim. Ou talvez você
tenha perdido no caminho de volta para a casa.”
“Oh, Senhor!” Ela bateu as mãos no colo. “Se o vento tiver
levado...”
“Charlotte. Não se aflija.” Ele pôs um braço em volta dela e a
moveu para seu peito, segurando-a perto. Tanto para consolá-la,
quanto para se acalmar. Seu coração doeu por vê-la tão perturbada.
Ele deu um beijo no topo da cabeça dela. “Nós encontraremos.”
“Mas eu procurei em todos os lugares.”
“Nós encontraremos.”
“Você não pode prometer isso.”
Ele levantou o queixo dela, para que ela pudesse olhá-lo. “Eu
posso e eu vou. Provavelmente ainda está nesse jardim. Se não
estiver, está em algum lugar dessa propriedade. Mas se é importante
para você, eu procurarei em toda a Nottinghamshire, em toda a
Inglaterra _ até no mundo todo _ se for necessário. Você o terá de
volta. Você acredita em mim?”
Ela concordou com a cabeça.
“Isso é o que faremos.” Ele disse. “Começaremos pelo portão e
nos moveremos no sentido horário por todo o jardim juntos. Um de
nós irá procurar, enquanto o outro segurará a lâmpada. Se não
encontrarmos até o momento que retornarmos ao portão, então
ampliaremos nossa busca. Concorda?”
Ele esticou a mão e ela a segurou. “Concordo.”
Eles procuraram por horas. Piers tentou manter um padrão
reconfortante em um passo estável, assim ela não ficaria triste ou
ansiosa. Ele não gostava da quantidade de plantas, arbustos e flores
que podia ter em um jardim. Juntos eles inspecionavam cada ramo e
moita de uma área, antes de passar para a próxima.
Eles haviam alcançado a hora oito em seu relógio improvisado, e
estava perto das cinco da manhã na hora verdadeira. O céu começou
a mudar de escuro para cinza. A pequena luz estava deixando a busca
mais fácil, mas o vento se intensificou e já dava para sentir algumas
ocasionais gotas de chuva. Piers teve esperança de que eles pudessem
localizar o objeto antes da chuva cair.
Ele se virou para inspecionar uma parede coberta por hera,
separando cada aglomerado de flores e folhas para olhar por dentro.
Ele começou pela base de tijolos e foi trabalhando até chegar em cima.
“Eu não acho que há a possibilidade de estar aí.” Ela disse,
enquanto ele esticava os braços para empurrar um amontoado de
hera para cima. “Nenhuma rajada de vento, o teria soprado para tão
alto.”
“Vento não é a única força que brinca na natureza.”
“Não, você está certo. Há chuva, também. Talvez nós devíamos
nos pôr a caminho. Ou acabará todo molhado e enterrado na lama.”
“Me dê um momento.”
Piers tinha um pressentimento, e ele não estava pronto para
abandoná-lo ainda. Paciência recompensava cuidado.
Finalmente, no canto onde parede se encontrava com parede, ele
separou um montante de folhagens para encontrar o que estava
procurando.
Um ninho de passarinho, escondido nos arbustos, da altura de
seu ombro. Alguma ave esperta havia criado uma cavidade profunda
de galhos e pedaços de ramo.
“Você encontrou algo?” Charlotte se aproximou.
“Talvez.” Ele alcançou o ninho de forma gentil, relutante em
perturbar qualquer ovo ou ocupante de penas que podia estar ali.
Seus dedos tocaram de leve uma grande variedade de texturas. Essas
aves podem montar seus ninhos com qualquer material suave que
eles possam encontrar. Penas macias, musgo...
Isso!
“Ahá!” Ele agarrou a ponta da flanela e puxou-a, virando-se para
oferecê-la para que Charlotte examinasse. “É isto?”
Ela encarou o pequeno pedaço de tecido e fita por um momento.
Então colocou uma mão sobre a boca e soluçou, se movendo para
frente para enterrar o rosto no peito dele.
Ele encarou aquilo como um sim.
Ele pôs os braços em volta dela e acariciou suas costas e cabelos.
A noite de buscas, sem dormir a pegou de uma vez. Não era surpresa
que ela estivesse sobrecarregada.
Contudo, suas próprias emoções eram um quebra cabeça para
ele. Ele se doeu por ela quando o objeto estava perdido, mas ele não
podia compartilhar seu alívio. Totalmente o contrário. Ele sentia como
se o pequeno punho dela havia entrado em seu peito agarrado seu
coração e torcido. Ele deveria ter se sentido triunfante por ter
encontrado o tesouro dela.
Em vez disso, ele se sentia perdido.
Após um momento, ela se acalmou o bastante para se afastar e
secar os olhos. “Eu não sei como lhe agradecer.”
“Talvez você possa me contar o que é que nós encontramos.”
Ela alisou o retângulo de flanela marfim. “Eu tenho isso a minha
vida inteira. Começou como uma manta no meu berço. Quando
deixamos nossa casa, veio conosco. Desde que eu me lembro, eu
nunca fiquei longe disso. Quando eu completei... sete, ou oito anos ...
Mamãe ameaçou queimar, estava tão sujo e puído. Eu chorei, ela se
queixou. Fizemos um acordo. Ela ajudou-me a cortar em pedaços e
atar as pontas com fitas. Eu usei para praticar meu primeiro bordado.
Está vendo?”
Ela mostrou a ele algumas figuras deformadas bordadas na
flanela. Uma casa inclinada, uma rosa torta.
“Isso é um cachorro?” Ele perguntou.
“Uma vaca, eu acho...” Ela lhe lançou um olhar pesaroso. “Eu
gostaria de dizer que meu trabalho com agulhas foi aperfeiçoado com
o tempo, mas a realidade é que não melhorou.”
“O que eu posso dizer? Eu mal posso esperar por toalhas de mesa
e lenços bordados com flores deformadas e vacas de três pernas.”
Ela sorriu, e a doce curva de seus lábios desatou o aperto no
peito dele.
“Eu contei que não tenho nenhuma lembrança do meu pai.” Ela
passou o polegar pela flanela, acariciando em um ritmo preguiçoso,
que provavelmente havia se tornado um hábito. “Mas quando eu
seguro isso eu consigo me lembrar de sua presença, pelo menos. O
conforto de saber que eu estou segura, cercada por amor.” Ela olhou
para ele. “Isso faz algum sentido? Você entende o que eu quero dizer?”
“Eu não sei como eu poderia.”
Ele não conseguia nem imaginar isso. Desde que ele conseguia
se lembrar, sua casa havia sido um lugar cheio de tensão e medo.
Charlotte carregava um pedaço de flanela. Ele carregava
mentiras, vergonha e um eco assustador de desespero.
Eu não consigo, ela choramingava. Eu não consigo suportar.
“Então você terá que acreditar em minha palavra quanto a isso.”
Ela disse. “Eu somente sei que esse sentimento existe, e não somente
no passado. Eu preciso acreditar que pode ser meu futuro também.
Toda a minha vida eu tenho tentado voltar para um lar que eu nem
mesmo me lembro.”
Gotas de chuva salpicaram os ombros dele e o chão de ardósia
debaixo de seus pés.
“Está chovendo.” Ele disse.
O olhar dela não hesitou. “Você pode ter isso Piers. Com a pessoa
certa. Uma que você ame. Esse é o motivo que tem me feito tentar
tanto desembaraçar esse mal-entendido em que nos metemos. Esse é
o porquê de eu não desistir da solução. Não é somente por mim.
Quanto mais eu o conheço, mais eu acredito que você merece amor
também.”
Deus. Ela o estava matando.
“Nós deveríamos entrar.” Ele esfregou as mãos e abaixou os
braços dela para aquecê-la. “A casa acordará logo.”
Ela concordou com a cabeça.
“Vá na frente.” Ele disse a ela. “Eu a seguirei em alguns minutos.
Eu sei que você não quer que nos vejam juntos. Não assim.”
“Sim, mas eu não sabia que você se importava.”
Ele deu de ombros. “Estou muito fatigado para enfrentar
desculpas essa manhã.”
Ela beijou-lhe a bochecha antes de sair. “Obrigada novamente.”
Depois que ela se foi. Piers caminhou pelo jardim sozinho,
deixando a chuva cair sobre suas costas, enquanto ele revirava três
fatos simples em sua mente:
Charlotte queria amor.
Ele queria que ela tivesse amor.
Ele não poderia oferecer amor.
Um cavalheiro honrado e decente, encontraria alguma saída
para isso. Uma forma de deixar Charlotte seguir seu coração.
Mas então havia o quarto fato que fazia todo o resto inútil.
Piers não era esse tipo de homem.

CAPÍTULO 11

Choveu por dois dias sem parar.


Na segunda noite, Charlotte estava deitada em sua cama,
ouvindo o tamborilar dos pingos de chuva e encarando o papel
enrugado em que ela havia escrito sua lista de suspeitas.
Cathy, a copeira _ eliminada por falta de oportunidade, _ ela
havia trabalhado duro preparando o jantar e não era provável que ela
estivesse usando aquele perfume tão caro. Isso teria chamado a
atenção.
Lady Camby, muito magra. A liga teria escorregado de sua perna
como uma faixa de barril em um poste.
Senhorita Caroline Fairchild, a filha do vigário _ altamente
improvável dada a sua escassez de imaginação romântica.
Aquilo a deixava com somente duas: senhora Charlesbridge, a
esposa do médico; e Cross, a criada das damas. Mas as duas haviam
sido descartadas pelo vendedor de perfume. Nenhuma delas tinha
cabelos negros.
Charlotte suspirou. Havia somente duas razões possíveis para
esse impasse. Ou suas deduções haviam dado errado em algum
ponto, ou ela tinha deixado passar uma suspeita.
Talvez houvesse alguma outra convidada na festa... alguém com
C, que ela não tivesse notado. Ou talvez alguma dama que tivesse um
nome do meio, ou um nome cristão que não apareceu na lista de
convidados de Lady Parkhurst.
Parecia um pouco exagerado, mas pelo menos dava a ela outro
caminho para investigar. Para seguir nesse rumo com a investigação,
ela precisava de um livro. Um livro que sua mãe na verdade a incitou
a ler, e que Charlotte por teimosia havia recusado ao menos folhear.
A Aristocracia de Debrett: Baronato, Cavalheiros e afins.
A lista de todas as pessoas que eram alguém na Grã Bretanha.
Uma vez que a ideia a capturou, não havia chance de conseguir
dormir mais. Ela levantou da cama e vestiu um roupão, antes de
pegar uma vela. Então silenciosamente se aventurou para o corredor.
No fim da escada ela parou. A biblioteca ficava à direita, mas ela
estava certa que havia visto uma cópia do livro de Debrett na sala de
desenho. Era o tipo de livro que certas famílias gostavam de ter por
perto, sempre à mão. Afinal de que outra forma Frances manteria
aqueles rumores venenosos em ordem?
Ela virou à esquerda, então parou.
As portas da sala de desenho estavam abertas, um débil jorro de
uma luz amarela se derramava para o corredor. Junto a isso ela ouviu
um leve ruído de papel e um rabiscar de uma pena.
Talvez ela devesse recuar e deixar a tarefa para a manhã
seguinte.
Contudo, _ a péssima investigadora que ela provou ser até aquele
instante _ deduziu que só existia uma alma nessa casa que ainda
estaria acordada e trabalhando até aquela hora.
Uma espiada pela fresta da porta confirmou.
É claro que era Piers.
Ele estava sentado na escrivaninha, de costas para ela. E que
belas costas eram, seus fortes ombros definidos por uma camisa de
linho puro, um colete estreitando seu torso e descendo para uma
elegante cintura. Suas mangas estavam enroladas até seus cotovelos,
e uma pilha de correspondências abertas até metade se avolumava
no canto da mesa. Enquanto ele abria uma carta selada, seu físico
era palpável. Ele parecia um construtor se preparando para construir
um império com tijolos de papel e argamassa de tinta.
Primeiro, ela deslizou pela janela dele. Depois ele a surpreendeu
no jardim, algumas noites atrás. Então era a vez dela novamente.
Charlotte deixou a vela de lado. E caminhou na ponta dos pés,
atravessando o carpete como se o bordado fosse uma passarela de
pedras incandescidas por lava, prendendo sua respiração e parando
exatamente atrás da poltrona de couro em que ele estava assentado.
Ela levemente colocou os dedos sobre os olhos dele, como uma
venda. “Adivinha quem é?”
Com a exceção de que soou mais como um “Adiv... ahhh!”
Em um movimento rápido, ele empurrou a cadeira de perto da
mesa e a agarrou pelos antebraços. Ela se viu de cabeça para baixo,
puxada para cima do ombro de Piers. Então aterrissou no colo dele,
sem fôlego, com os dois braços presos por um braço dele.
Com o coração aos galopes, ela sentiu algo frio e metálico
latejando contra sua garganta.
“Charlotte.” Ele lançou a arma improvisada para o lado,
soltando-a. Enquanto ela começava a respirar novamente, ele
esfregou seu próprio rosto com as mãos. “Jesus.”
Ela estava tonta, ainda um pouco sem fôlego por causa da
cambalhota. O salto havia embaraçado suas pernas e seus cabelos
estavam em toda parte. Ela riu um pouco, como era seu hábito em
momentos estranhos.
“Não é engraçado.” Ele disse
“Eu sei.”
“Eu poderia ter te ferido. Eu poderia...”
Ter te matado.
Ela percebeu pela primeira vez, o que deveria ser óbvio desde que
ele desarmou aquele ladrão no beco.
Com toda a probabilidade, dada a escolha de sua profissão, Piers
já havia tirado vidas.
Era um pensamento decepcionante. Mas refletindo, não o fazia
diferente da maioria dos homens de sua geração, graças a infindável
guerra da Inglaterra contra múltiplos continentes. Ela duvidava que
ele sentisse prazer naquilo. Poucos deles sentiam.
Ele correu as mãos pelos braços dela, procurando por
ferimentos. Quando o clamor de seu próprio pulso se acalmou, ela
conseguiu sentir as rápidas batidas do coração dele. A tensão em seus
braços e ombros.
“Eu não estou ferida.” Ela disse. “E não estou assustada. Estou
bem.”
“Você tem que parar de me assustar dessa maneira.”
“Mas é a única maneira de você me deixar estar perto.”
Ele cheirava a conhaque e linho e o almíscar de sua própria pele.
A gola de sua camisa estava aberta, e ela podia ver os músculos do
seu pescoço e os pelos negros em seu peito.
Ela deslizou os dedos por baixo da camisa dele, tocando com
dedos exploratórios sua clavícula. “O que você está fazendo acordado
até tão tarde?”
“Somente cuidando da correspondência.”
“Correspondência?” Ela levantou uma sobrancelha. “E que tipo
de correspondência seria? Assuntos diplomáticos? Negócios
parlamentares? Ou cartas espiãs codificadas com tinta invisível?”
Ele abriu um portfólio de couro e mostrou o conteúdo com uma
mão. “Veja por você mesma.”
Charlotte olhou para os papéis enfileirados. Eles eram planos de
arquitetura e esquemas de decoração. Diagramas de um prédio, piso
por piso. Os interiores pintados e amostras de tecido adicionadas. E
tudo de muito bom gosto e com certeza, muito caro. Ela esquadrinhou
os esboços, até que localizou o panorama exterior: uma grande
fachada com colunas em estilo grego, modernas e enormes janelas.
Só o custo dessas janelas...
“Isto é Oakhaven?”
Apesar de ser quem era, ela estava um pouco deslumbrada com
a ideia de ser a senhora de um lugar como aquele.
“Não, não. Esta é a casa do dote.”
“Casa do dote?”
“Fica a uma milha mais ou menos de distância. Perto o bastante
para visitar, mas fora do alcance dos ouvidos. Com certeza, você não
pensou que eu iria permitir que sua mãe morasse conosco? Deus
não!”
Ele riu. Era provável que depois de uma boa parte da semana ter
se passado, aquela era a primeira vez que ela ouvia sua risada?
Ele tinha uma risada adorável, também. Profunda e calorosa. Ele
realmente deveria usá-la mais vezes. Ela teria que trabalhar nisso.
Ele pescou um papel de debaixo dos outros e colocou sobre o
topo. “Isto é Oakhaven.”
Ela olhou para o desenho, alarmada.
“Deus! É enorme! O que faz com tudo isso?”
“Não muita coisa, ultimamente. É mais como um lugar solitário
para mim.”
Enquanto ele remexia nos desenhos e diagramas com uma mão,
a outra acariciava as costas dela. Seus dedos corriam para cima e
para baixo na espinha dela, marcando cada uma de suas vertebras
como se fossem pérolas em um cordão.
“Os móveis estão em boas condições, é claro, mas você os achará
antiquados em estilo. Mas verá potencial para muitas modernizações
e melhorias, eu espero.”
Eu espero.
As batidas do coração dela foram pegas por aquelas duas
pequenas palavras. Ele esperava, verdadeiramente? Ele poderia
querer uma vida inteira com ela, ou até mesmo vê-la como uma
companheira para fazer sua vasta, imponente e importante vida um
pouco menos fria e vazia?
A ideia a tocou.
E então ela o tocou, mais audaciosamente daquela vez, puxando
sua camisa para o lado e ajustando a posição em seu colo até que
estivesse montada sobre os quadris dele.
O calor abrasador da boca dele encontrou a sua, e ela se derreteu
doando-se a maestria do beijo dele e ao calor de seu abraço.
Oh, aquele homem. Ele construiu uma fortaleza glacial ao redor
de si mesmo _ talvez por vontade própria, necessidade, ou os dois, ela
ainda não sabia _ mas por dentro, ele era tudo, menos frio.
Ele interrompeu o beijo. Seus olhos estavam acesos como
chamas azuis. Possessivo, desejoso.
Até mesmo seu olhar a despertava.
“Vá para a cama Charlotte.” Ele falou.
Ela estabilizou-se onde estava, para lembrá-lo que ordená-la a
fazer uma coisa, era a certeza de vê-la fazendo o contrário _ e
realmente _ ele já devia conhecê-la melhor.
Mas algo a pegou de surpresa. Ele não era um tolo. Ele a
conhecia melhor, sim.
Ele entendia que a ordenando a ir era o equivalente a desafiá-la
a ficar, e ele intencionava precisamente aquela resposta rebelde.
Ele a queria ali. Com ele.
Ela queria o mesmo.
Ela ergueu a mão dele e pôs em concha sobre seu seio. O polegar
esfregou no mamilo por cima do tecido de sua roupa, enviando ondas
de prazer pelo corpo dela.
Inclinando a cabeça ela beijou o pescoço dele. A parte inferior de
sua mandíbula era deliciosamente áspera. Ela deslocou-se no colo
dele e aconchegou-se ainda mais perto.
O cume da excitação dele pressionava contra as coxas dela.
Ela o provocou, levantando os joelhos alguns centímetros...e
descendo novamente.
O movimento foi como soltar uma faísca em material inflamável.
Em um instante, as mãos dele estavam nela, em todo o corpo dela,
reivindicando de forma possessiva. Agarrando e retorcendo o roupão
dela, envolvendo o traseiro e puxando seus quadris para que ficassem
nivelados com o dele.
Ele a beijou profundamente, gemendo em sua boca, enquanto
guiava os quadris dela para cima e para baixo, balançando-a contra
a ereção firme dele. A pressão rítmica enviou uma felicidade que
rodopiava pelo corpo dela.
“Está bom?”
Ela concordou com a cabeça, sem fôlego. “Sim.”
“Quando nos casarmos.” Ele disse roucamente, escorregando a
mão por baixo da roupa dela. “Será ainda melhor. Eu estarei dentro
de você. Aqui.”
A ponta dos seus dedos deslizou pelas coxas dela, até
encontrarem o seu cerne. Ele a tocou provocando seu sexo para cima
e para baixo até que ela pensou que fosse enlouquecer. Ela podia até
não saber como pedir o que precisava, mas seu corpo sabia. E ele
pediu.
Ela desejava ser preenchida.
Finalmente, ele escorregou um dedo para dentro dela. Ela
soluçou de alívio, envolvendo os braços no pescoço dele e se
agarrando firme.
“Desse jeito.” Ele sussurrou contra a orelha dela, movendo a mão
em um ritmo firme. “Fundo. E forte. De novo e de novo.”
“Por favor...” Ela arfou. “Não pare.”
“Nunca. Eu não pararei até que você goze.” O polegar circulava
a crista inchada do sexo dela. “Você entende o que isso significa? Você
já se tocou aqui?”
Charlotte balançou a cabeça para cima e para baixo, quase sem
respirar. “Inocente, mas não ignorante.”
“Bom.”
A aprovação dele encorajou-a. Ela começou a se mover junto,
buscando mais daquele prazer intenso que ele a estava dando. Ela
entendia a convulsão de prazer que o corpo da mulher foi criado para
sentir, e ela havia aprendido como fazer isso por si mesma. Mas
nunca havia sido assim.
O corpo dela estava em chamas, vivo de necessidade. Parecia
injusto, a habilidade dele de a levar a loucura, enquanto permanecia
tão calmo e controlado...
Implacável.
Ela mordeu o lábio.
“Isso mesmo. Eu preciso sentir você gozar pra mim.”
Toda a rebelião foi minada dela, lavada pela invasão da onda do
desejo. Ela cavalgou a mão dele sem timidez, escalando um pico tão
devastador, que ela estava certa de que choraria.
Ele capturou sua boca em um beijo, e ela soluçou, agradecida,
agarrando forte o pescoço dele, enquanto o clímax a dissolvia como
gelatina, do umbigo para baixo.
Quando as ondas do prazer retrocederam, ele a enlaçou nos
braços, desenhando suaves círculos nas costas dela, enquanto sua
respiração se acalmava e seu pulso voltava ao normal.
Enquanto ela voltava a si, um pequeno senso de mortificação
sussurrou das sombras de seu íntimo. Os dedos dele estiveram
dentro dela, escorregando na umidade que o corpo dela criou. Ela
havia agarrado a camisa dele e suor escorria de sua testa.
Era muito vulgar para uma dama. Mas não era esperado que ela
fosse uma dama em um momento como aquele, somente uma mulher.
Ela queria ver Piers daquela maneira. Desnudado como homem,
cru, primitivo, animal. Ofegante e úmido de suor. Ela queria vê-lo se
perder. Ela queria quebrar suas defesas como um meteoro em
chamas e deixar nada além de fumaça e ruína.
Ela queria ele. Mais do que ela já quis qualquer coisa.
O coração dela se inflou com uma súbita e espantosa onda de
afeição.
“Piers?”
Ele deve ter ouvido a confusão em sua voz.
“Shh....” Ele acariciou as costas dela naquele mesmo ritmo
calmo, ignorando sua excitação insatisfeita. Negando suas próprias
necessidades, enquanto atendia às dela.” É natural sentir uma
agitação sentimental depois. Mulheres frequentemente sentem. Irá
passar.”
Iria passar?
Ou se aprofundaria, como um buraco sem fundo na terra? Um
passo em falso, e ela cairia de amor por ele, para sempre?
Ela já não se sentia mais atrevida e inteligente. Sentia-se frágil e
muito confusa.
“Suponho que não seja para isso que você veio até aqui embaixo.”
Ele removeu o cabelo da testa dela.
“Não.”
“Há algo de que você precisa?”
Ela acenou com a cabeça, tentando clarear os pensamentos
embaralhados. “Um livro. A Aristocracia. Eu preciso analisar
novamente os C’s.”
“Charlotte.” Ele virou o rosto dela para o seu. “Você não precisa
fazer nada disso.”
O significado no olhar dele era claro. Ele tinha espalhado na
mesa, em preto e branco, a prova de que pretendia prover
maravilhosamente para ela, e para sua família também. Ele daria a
ela tanto seu prazer abrasador, quanto sua terna proteção. Ele havia
sussurrado aquelas palavras intrigantes: Eu espero.
E talvez _ somente talvez _ ele tivesse começado a fazê-la
esperançosa também.
Charlotte não podia deixar de ouvir a voz de sua mãe: Garota
tola, o que mais você pode querer?
Amor.
Amor era o que ela queria. O que ela sempre quis. Mais do que
casas refinadas ou o título de marquesa. Até mais do que orgasmos
de tirar o fôlego, mesmo sendo maravilhoso.
Ela poderia vir a sentir amor por Piers? Ele poderia sentir o
mesmo em relação a ela? Ele mantinha o coração tão fechado, tão
afastado. Se ele a cortejasse intencionalmente, isso talvez desse a ela
uma fundação para construir sonhos, mas não haveria garantias em
um noivado forçado.
Ela poderia ter esperança em alcançar tudo o que desejava, mas
antes de render sua vida a um homem, Charlotte precisava saber.
“Eu...” Ela saiu do colo dele, arrumando sua camisola e roupão
de noite, enquanto cambaleava até a mesa ao lado e pegava o livro.
“Eu só queria ter certeza. De que não tinha deixado passar nada. Boa
noite.”
Ela grudou o livro em seu peito e saiu correndo da sala.
Ela precisava daquele livro. Ela precisava encontrar os amantes
misteriosos.
Ela precisava estar certa, naquele momento mais do que antes.

CAPÍTULO 12

Charlotte estava ficando vesga. A Aristocracia de Debrett era um


livro de aproximadamente novecentas páginas, todas impressas em
letra minúscula. Apesar do tempo livre oferecido por outro dia de
chuva, ela ainda tinha mais de duzentas delas para procurar.
As damas se ajuntaram na sala de desenhos, do mesmo modo
que fizeram nos últimos dois dias por causa do mal tempo. Sua mãe
estava mordiscando pequenos cubos de bolo e folheando uma revista
feminina. Delia fazia esboços, Frances fazia um pouco de bordado, e
Lady Parkhurst jogava paciência na mesa de cartas.
Charlotte sentou-se sozinha próxima a janela.
“Estou tão feliz que você finalmente tomou interesse por esse
livro.” Sua mãe comentou.
“Esse é um novo interesse?” Frances perguntou. “Eu poderia
apostar que você tinha sua própria cópia memorizada. Senão
anotada.”
Charlotte não mordeu a isca. Frances não a distrairia da tarefa
que ela tinha em mãos.
Seria muito mais fácil se ela soubesse o C correspondente a um
sobrenome ou título. Mas era como quando achava um nome cristão
correspondente, ela necessitava explorar cada página, quando ela
localizava um C, retrocedendo a página para saber com qual nobre a
dama em questão estava associada e conferindo a localização para
ver se ela residia em qualquer localidade próxima.
E é claro, se a mulher no livro não estava relacionada de alguma
maneira a um lorde, um barão, ou um cavalheiro, todo o exercício era
perda de tempo.
Weaver, Lady Catherine...
Lincolnshire.
Westwood, Hon. Cora... Devon.
E então...
Ali!
White, Hon. Cornelia... Nottinghamshire.
O nome White era familiar para ela. Ela achava que se lembrava
de ter visto na lista de convidados de Lady Parkhurst _ mas esse era
um nome tão comum, talvez ela tenha imaginado.
“Lady Parkhurst, havia uma senhora White no baile da semana
passada?”
“Nellie White?” Lady Parkhurst levantou os olhos de suas cartas.
“Oh, sim!”
Nellie. Apelido para Cornelia. Deveria ser ela.
Charlotte tentou conter sua animação. Poderia dar em nada,
depois de tudo.
Mas todos os sinais estavam lá. Senhora Cornelia White esteve
na Mansão Parkhurst. Ela tinha a inicial correta. Ela tinha cabelos
negros?
“Estou tentando visualizá-la em minha mente. Ela era aquela
com...” Charlotte fez um gesto para a sua cabeça.
“Terrível turbante amarelo?” Lady Parkhurst suspirou. “Sim. Eu
tentei falar com ela para tirar aquela coisa da cabeça, mas ela não foi
demovida.”
Droga.
Mas, Charlotte sentiu-se encorajada pela indicação que a dama
gostava de cores vivas.
“Suponho que não podemos lhe fazer uma visita.” Ela disse a
Delia.
Delia fez cara de espanto. “Por que faríamos isso?”
“Bem... nós tivemos uma breve discussão sobre livros. Ela
mencionou uma novela que soou muito interessante, mas eu esqueci
o título. Eu gostaria de perguntá-la.”
“Ela mora do outro lado de Yorkshire.” Delia respondeu. “Eu
temo que seja muito longe para uma visita matutina. Talvez você
poderia lhe escrever.”
Oh, sim. Charlotte podia escrever para uma mulher que ela, na
verdade, nunca havia conhecido, perguntar sobre um livro que não
existia, e pedi-la gentilmente para enviar um cacho do seu cabelo na
resposta.
Isso seria muito bem recebido.
“Não há necessidade de escrever.” Lady Parkhurst virou uma
carta. “Você pode perguntá-la durante a caçada.”
“A caçada?”
“Papai promove uma caçada à raposa todos os outonos e convida
todos os cavalheiros da área.” Delia explicou.
“Será depois de amanhã, se o tempo limpar.” Frances disse. “As
damas não participam, é claro. Nós subimos até o Monte Robin Hood
e observamos o espetáculo.”
Delia estremeceu. “O sangrento e violento espetáculo. Eu
desprezo caçadas.”
“Talvez você possa levar suas aquarelas e pinte o campo.”
Charlotte sugeriu.
“Eu já pintei a vista daquele monte centenas de vezes, em cada
luz e cada temporada. Eu prefiro ficar em casa.”
Em qualquer outra situação, Charlotte ficaria muito feliz por
ficar em casa com ela. Mas aquela poderia ser sua única chance de
ver a senhora White novamente.
“E você senhorita Highwood?” Lady Parkhurst perguntou. “Você
ficará em casa também?”
Charlotte ofereceu um olhar pedindo desculpas à Delia. “Eu...
eu acho que gostaria de ir. Eu nunca vi uma caçada antes, e adoraria
caminhar pelos lugares que Robin Hood passou. Somente... eu não
tenho meu próprio cavalo.”
“Nós lhe emprestaremos um.” Frances disse. “Você prefere um
castrado, um garanhão ou uma égua?”
Oh, céus. Charlotte poderia contar nos dedos de uma mão
quantas vezes ela havia cavalgado. Não era uma atividade que elas
tinham dinheiro para financiar. Castrado, garanhão, uma égua? Ela
não estava certa nem se sabia a diferença.
“Oh!” Ela disse. “Qualquer cavalo que você acredite me servir.”
O sorriso lento e presunçoso de Frances foi um pouco
assustador.
Naquela manhã, Charlotte entendeu o porquê.
Eles mal tinham saído dos estábulos, quando o cavalo cinzento
embaixo dela começou a relinchar e se balançar para os lados.
Charlotte apertou suas mãos enluvadas na proteção da sela.
Frances exclamou para ela: “Espero que Lady não seja demais
para você!”
“De jeito nenhum.” Charlotte gritou de volta, tentando soar
tranquila e confiante. “Eu gosto de um cavalo com espírito.”
Infelizmente, o espírito da égua em particular parecia possuído
de um temperamento malévolo de um demônio alimentado com leite
azedo. Charlotte desejou ter levado maçãs ou torrões de açúcar. Ou
talvez água benta.
Frances guiou seu cavalo em um galope, e Lady seguiu o
exemplo.
Charlotte sentiu seus dentes rangendo e seu traseiro saltando
na cela. Sob a respiração ela murmurou uma blasfêmia.
Ela manejou para conseguir se manter firme através de vários
campos e sobre uma ponte estreita.
Felizmente, quando elas se aproximaram do morro, os cavalos
foram forçados a ir mais devagar.
Quando alcançaram o lugar do piquenique no topo do Monte,
Charlotte deslizou da sela agradecida, e deu a Lady um carinho no
pescoço. “Boa garota. Guardarei um sanduiche para você.”
Em troca a égua tentou mordê-la, quase arrancando dois de seus
dedos.
Talvez ela devesse voltar para casa caminhando.
Charlotte deixou a égua mal-humorada e desviou sua atenção
para a razão pela qual ela foi até ali.
Dar uma boa olhada na senhora White e no seu cabelo.
“Oh, Nellie.” Lady Parkhurst chamou. “Você poderia nos ajudar
na organização das cestas?”
Charlotte observou atentamente, enquanto a dama se adiantava
para ajudar.
A boa notícia era, a senhora White não usava um turbante
amarelo hoje. Contudo, ela usava uma touca. Uma touca enorme, que
não somente cobria todo o seu cabelo, como também boa parte de seu
rosto, e estava segura por um firme nó de fita azul em seu queixo.
Droga!
No negócio de solucionar mistérios, uma pessoa encontrava todo
tipo de obstáculo vexatório e mundano. Incluindo uma touca.
Uma trombeta soou a distância.
“Oh, olhem! Eles começaram!”
Charlotte se virou para assistir, protegendo os olhos com uma
mão.
Os cães apareceram primeiro. Dezenas deles, correndo pela
floresta, uma matilha agitada latindo com toda a força. Então vieram
os homens, cavalgando rapidamente atrás _ eram mais de uma dúzia
ao todo _ cavalheiros locais, e proeminentes fazendeiros foram
convidados a participar.
Ela podia reconhecer alguns a distância. A corpulenta figura de
Sir Vernon em seu casaco verde de caça, se distinguia como o líder
do bando.
E então, seguindo a uma distância educada atrás de seu
anfitrião, veio Piers.
Ele usava um casaco negro, indistinguível dos outros
cavalheiros, mas Charlotte o reconheceu imediatamente. Ela
reconheceria sua figura em qualquer lugar. Ele guiava sua montaria
pelas cercas e aclives tão facilmente. Suave e poderoso, movendo-se
como se fosse um só com seu baio castrado.
Ou seria um garanhão?
Ela moveu seu olhar do espetáculo.
A senhora White estava vagueando com as outras damas,
organizando as cestas de piquenique. Seu enorme e frustrante
chapéu balançava até o outro lado do Monte.
Charlotte correu para alcançá-la. “Oh, senhora White.”
A mulher seguiu mais lentamente.
“Senhora White, se lembra de mim da outra noite? Eu sou a
senhorita Highwood.”
“Oh.” A viúva olhou para ela de cima a baixo. “Sim, é claro.”
Charlotte fez uma reverência. “Não é uma boa manhã para a
caçada?”
“Eu suponho que sim.”
A senhora White olhou para Charlotte um pouco desconcertada
com suas maneiras amigáveis.
Talvez ela fosse tímida.
Ou...talvez ela estivesse se escondendo por culpa, pelo seu
tórrido e ilícito encontro na biblioteca de Sir Vernon Parkhurst.
“Acho que vou remover meu chapéu.” Charlotte disse,
desamarrando as fitas de sua touca e fazendo uma amostra do que
seria o banho de sol. “Oh, a luz do sol, está divina. Você gostaria de
remover o seu chapéu?”
A senhora White sorriu. “As minhas sardas aparecem muito
rápido.”
“Somente mova um pouco para trás por um momento.” Charlotte
insistiu. “Verdadeiramente, o sol está delicioso. As sardas não
aparecerão assim de repente.”
A viúva pareceu considerar, inclinando sua cabeça em direção
ao céu.
O sol imediatamente se escondeu atrás de uma nuvem.
“Talvez mais tarde.” Ela falou.
Charlotte suspirou. Ela começou a ter esperança que uma forte
rajada de vento, pousasse sobre aquela touca como em uma vela de
barco e a puxasse para trás. Pelo menos uma leve brisa, seria
suficiente, se soltasse pelo menos um pequeno cacho de cabelo. Ela
não estava pedindo demais.
“Vamos dar uma volta pelo Monte.” Charlotte enganchou o braço
no da mulher. “Eu ficaria muito grata se você me mostrasse os pontos
de referência.”
A viúva não parecia especialmente ansiosa, mas Charlotte não a
deixou com nenhuma desculpa educada o bastante para recusar.
“Eu desejava ter tido mais oportunidade para conversarmos
naquela noite.” Charlotte inventou, assim que elas saíram das vistas
das outras. “Eu poderia dizer de uma vez, que nós temos tanto em
comum.”
“Verdade?”
A senhora White soou incrédula, e Charlotte não podia culpá-la.
A mulher era pelo menos dez anos mais velha, e estava ficando
terrivelmente menos vivaz. Era difícil imaginar o que elas teriam em
comum.
Era difícil também imaginar a senhora White usando uma liga
escarlate, banhada em perfume, e gritando seus prazeres carnais em
cima de uma mesa.
Mas tinha que ter sido ela. As deduções de Charlotte não lhe
davam outra opção.
“Aparências...” Charlotte disse, tentando uma nova abordagem,
“...podem ser frequentemente enganosas. Você não concorda? O
coração guarda muitos segredos.”
A viúva apontou. “Ali está Oxton, e ao norte, toda aquela parte
verde é a Floresta de Sherwood.”
Elas completaram a volta pelo Monte. Logo iriam estar voltando,
para estar com as outras damas.
Charlotte olhou de soslaio para sua acompanhante, ela tentava
em vão espionar algum cacho de cabelo disperso na nuca ou em sua
fronte. Que tipo de produto aquela mulher usava no cabelo?
Argamassa vinda de Paris?
Ela tinha que fazer alguma coisa. Alguma coisa arrojada. Ela
poderia não ter outra chance.
Charlotte deu uma arfada dramática. “Senhora White, fique
parada! Tem uma aranha!”
“Uma aranha?”
“Uma aranha enorme. Em sua touca. Não se sobressalte, ou vai
fazê-la descer para o seu pescoço.” Charlotte se moveu lentamente,
próximo o bastante para alcançar as fitas amarradas no queixo da
mulher. “Eu irei somente desamarrar isso aqui cuidadosamente e
então eu balançarei sobre a grama.”
“Não há necessidade.”
“Ah, tem sim! Acredite-me senhora White, é uma aranha muito
nojenta. É cabeluda... E tem tentáculos...”
A senhora White pôs as mãos sobre as de Charlotte impedindo-
a. “Minha querida garota, vamos deixar de lado a farsa.”
“Farsa?”
“Não há aranha nenhuma, eu sei.”
Os ombros de Charlotte baixaram. “A senhora sabe?”
A senhora White sorriu. “Minha cara, você estava certa. Nós
temos sim, algo em comum. Eu também sei o que é ser jovem e
confusa. Imaginando se algum dia encontrará alguma alma que
entenda os desejos do seu coração.”
“Sério?”
Charlotte prendeu a respiração. Esqueça o chapéu ou o cabelo.
Talvez aquela mulher fosse confessar. Isso estava indo melhor do que
ela ousava esperar.
“Existem muitas como nós.” A senhora White continuou. “Muito
mais do que você pensa. Não precisa sentir-se sozinha. Não posso
dizer que será fácil, mas existe formas de seguir seu próprio coração.”
“Quais formas?”
“Você pode seguir meu exemplo, casando-se com um homem
velho. Restando somente alguns anos para submeter-se a ele,”_ ela
limpou a garganta _ “esse cuidado deu-me uma vida inteira de
segurança e liberdade. Minha amada Emmeline, por outro lado...
Bem, ela não conseguiu contemplar a perspectiva de um casamento.
Ela foi para o exército, servir como enfermeira. Nós tomamos
caminhos diferentes, mas de alguma forma, encontramos uma à
outra.”
Charlotte franziu o rosto confusa. “Mas, senhora White...”
“Oh, é claro que não podemos ir juntas aos bailes e piqueniques.
Mas na nossa própria casa, ninguém nos atrapalha. Nós estamos
felizes. Você encontrará essa felicidade também.” A viúva pressionou
um dedo nos lábios de Charlotte.
Você é uma jovenzinha adorável. Muito bonita e alegre. Chegará
um dia, que você não precisará recorrer a aranhas imaginárias.
Guarde os seus beijos para outra pessoa.”
Guardar seus beijos?
Seus beijos.
“Oh, céus!” Ela forçou uma pequena risada. “Senhora White, eu
imploro que me perdoe. Acho que fui mal interpretada.”
“Está tudo bem. Eu estou verdadeiramente lisonjeada. E jamais
contarei a ninguém.”
Com um genuíno e simpático sorriso, Nellie White se virou e
caminhou de volta para o piquenique.
Bem.
Charlotte foi deixada lá, parada, piscando para a paisagem de
Nottinghamshire e absorvendo a enormidade de sua tolice.
Ela não havia descoberto a cor dos cabelos da senhora White,
mas aparentemente, não importava. A viúva não estava interessada
em companhia masculina.
Sua investigação alcançou outro beco sem saída.
Ela havia perdido mais alguém na lista de convidados? Será que
o vendedor de perfumes mentiu sobre o cabelo negro? Suas deduções
foram erradas em algum ponto.
Não havia palavras para descrever a frustração.
Tudo estava pesando na balança. Sua reputação, o Grand Tour
com Delia...todo o seu futuro. E ainda, Charlotte estava desapontada
simplesmente porque havia se enganado.
Seus talentos não faziam exibições impressionantes. Ela não era
artista como Delia, ou uma estudante científica como sua irmã
Minerva. Mesmo soando tolo para os outros, como ela imaginava _
especialmente, Piers _ solucionar esse mistério tomou um significado
mais profundo para ela. Era sua chance de levar crédito por um feito.
A cada suspeita que ela riscava da lista, ela sentia-se próxima do
momento que ela olharia para trás e diria: ‘eu fiz aquilo.’
E então, era como se ela não tivesse feito nada. Com a exceção
de ter perdido uma grande quantidade de tempo e esforço, além disso
correndo o risco de prejudicar uma valiosa amizade. Sua visita em
Nottinghamshire tinha sido um erro após outro.
Pela primeira vez em toda a quinzena, um senso de verdadeiro
desespero caiu sobre ela. Lágrimas pinicaram o canto de seus olhos.
Em uma semana, todos os seus erros tolos seriam expostos ao
mundo. Ela tinha somente alguns dias restantes.
O que ela estava fazendo ali? Ela deveria retornar para passar a
tarde com Delia, antes que a amiga parasse de falar com ela de uma
vez.

CAPÍTULO 13

Depois de completar _ o que pareceu durar uma hora _ de um


doloroso e audível caso de urina, Sir Vernon abotoou suas calças e
saiu detrás da árvore arrastando seu casaco de tweed.
“Nada como uma boa cavalgada com os cães para fazer os fluidos
do corpo funcionarem bem. Hein Granville?”
Piers completou sua desnecessária inspeção na sela e na guia de
seu cavalo. “Uma pena que a caçada foi inútil.”
“Oh, nunca é inútil. Não, não. Não são as raposas que estamos
buscando, é a perseguição. A emoção. Nós, os esportistas não
conseguimos viver sem isso, não é mesmo? Saciar um apetite, com
certeza abre o paladar para outros.” Ele deu uma cotovelada nas
costelas de Piers. “Agora, vamos mudar nossa visão para presas mais
belas? As damas nos esperam no Monte. Tem uma raposa que você
deveria estar perseguindo. Eu percebi que a senhorita Highwood veio
para o passeio, ainda que Delia não fez o mesmo. Ela deve estar
querendo compartilhar o piquenique com um certo cavalheiro.”
Piers pensou em Charlotte esperando com as outras damas no
Monte. Seus cabelos dourados soltos, suas bochechas rosadas pelo
exercício, e seus olhos com o mesmo brilho claro do céu. Ele pensou
em se sentar próximo a ela, recebendo pedaços de queijo e carne dos
dedos dela, observá-la sugar o líquido de uma framboesa madura.
Ele pensou em deitá-la de costas naquela toalha de piquenique
para provar aqueles lábios tingidos de vermelho.
Então ele pensou melhor em todo aquele plano.
Mesmo Sir Vernon vendo-o como um cavalheiro, companheiro
para o ócio, Piers tinha uma tarefa a cumprir. Ele não podia deixar
passar a oportunidade de ter a Mansão Parkhurst somente para ele,
por um período de algumas horas. Finalmente, ele poderia abrir
aquelas gavetas trancadas na biblioteca.
No grande esquema que era sua carreira, esse era um projeto
insignificante. Mas para Piers, se tornou vital. Ele precisava provar a
si mesmo, que ainda podia desempenhar seu papel. Porque, e se ele
não pudesse...? Toda a vergonha e culpa que ele deixou para trás,
vinte anos atrás, o alcançaria novamente.
Ele morreria por dentro.
“Obrigado.” Ele disse, “mas vou cavalgar de volta à mansão.
Preciso cuidar da minha correspondência. Se eu pretendo anunciar o
noivado antes do fim da minha visita, os contratos nupciais precisam
estar prontos.”
Sir Vernon deu uma gargalhada. “Eu nunca encontrei uma
mente feminina que foi persuadida em casamento através de
contratos. Você tem que passar um tempo com a garota, Granville.
Nossa raposa fugiu hoje, mas você não pode deixar a senhorita
Highwood fazer o mesmo.”
Piers começou a responder, mas o homem mais velho
interrompeu.
“Agora, agora...” Ele disse em um tom confidencial. “Você é um
homem com realizações tremendas. Ninguém pode disputar isso. Mas
se a senhorita Highwood mudar sua mente em relação ao casamento,
nós dois sabemos que não seria sem precedentes. Sua noiva anterior
escapuliu.”
Piers arrepiou-se com a insinuação de Sir Vernon. Clio não
‘escapuliu’. Piers havia ficado longe dela, e por boas razões. A
segurança dela dependia dele manter distância, e quem poderia
prever que a guerra duraria tanto tempo? De toda maneira, o noivado
deles havia sido um arranjo amigável entre as famílias, não por uma
compatibilidade amorosa. Ele não a culpava por buscar a felicidade
com Rafe.
Para ter certeza. Piers não se preocupou em correr para
encontrar uma noiva na sua primeira temporada de volta a Londres.
Nem na segunda, ele estava ocupado. Muito ocupado para fazer a
corte, ou até mesmo para um romance casual. Contudo, se ele
houvesse desejado se casar, não lhe faltaria opções.
“A senhorita Highwood.” Ele disse. “Não vai escapulir.”
“Bom. Bom. Eu espero que você não me culpe por perguntar,
Granville. Merecendo ou não, a garota tem pouca reputação. Você fez
uma coisa honrada, propondo-a casamento. Eu simplesmente
gostaria de assegurar que você tenha isso acertado até o final da
quinzena. Eu tenho minhas próprias filhas para pensar a respeito, eu
não quero nem uma alusão a escândalos pairando sobre elas.”
Isso pareceu a Piers como uma estranha preocupação, vinda de
um homem, que por todas as evidências, estava enredado em um
escândalo que ele mesmo fabricou.
“Eu te dou minha palavra.” Piers disse firmemente. “O noivado
estará seguro.”
“Somente não a negligencie. As damas gostam de um pouco de
perseguição.” Sir Vernon deu um tapa amigável nas costas de Piers.
“É um esporte.”
Enquanto voltava para a Mansão Parkhurst, Piers encontrou
algo que lhe prendeu a vista.
Charlotte, cavalgando, indo em direção a ele, montada em seu
cavalo. Do mesmo jeito que ele a havia imaginado em sua fantasia _
seu cabelo dourado, descendo por suas costas, sua pele brilhante,
seus olhos azuis...
Fechados?
Quando ele olhou melhor, ele reparou que ela estava agarrada a
sela do cavalo de modo desesperado. Com uma expressão
aterrorizada. E sem dúvida era com razão.
A égua estava indo direto para o riacho. Um riacho que mais
parecia um rio, naquela época do ano, com margens altas e cheias de
musgo dos dois lados.
Era um salto que desafiaria até mesmo o mais experiente dos
cavaleiros. Os nós dos dedos brancos, os olhos fechados e a
aproximação tão rápida para o obstáculo, não dizia nada sobre
‘experiência’.
Dizia ‘inexperiência’ e ‘idiotice’ e ‘perigoso como o inferno’.
“Senhorita Highwood!” Ele gritou, guiando seu cavalo em um
trote _ e depois em um galope em alta velocidade.
Mas era inútil.
Simplesmente não havia chão o bastante entre ela e o riacho.
Ele não a alcançaria a tempo. Ele não podia.
Não havia nada que ele poderia fazer.
O coração dele pulava dentro do peito, batendo mais alto que os
cascos do cavalo no chão.
“Charlotte!” Até mesmo o grito morreu em sua garganta, sem
efeito algum.
Era raro para ele experimentar a sensação de total desamparo.
Na verdade, ele não conseguia se lembrar de ter se sentido assim,
desde quando era um garoto de sete anos de idade.
E mesmo naquela época, ele não gostava de sentir-se assim.
Ele havia decidido nunca, nunca se sentir daquele jeito
novamente.
E ali estava ele, assistindo Charlotte Highwood disparar em
direção ao desastre, sem poder fazer nada, a não ser observar.
A égua, tentou virar, não queria fazer o salto, tanto quanto
Charlotte. Então, ela derrapou, até parar na margem do riacho,
Charlotte, no entanto, continuou se movendo. O movimento a
impulsionou por sobre a cabeça da égua, em um giro de veludo escuro
e cabelos dourados. Ela aterrissou de cabeça no riacho, fazendo um
prodigioso ‘splash’.
Piers parou seu cavalo e prendeu a respiração, esperando para
que ela emergisse na margem.
Uma eternidade passou em cada batida do seu coração. Emoções
explodiam dentro dele como granadas enterradas na terra. Raiva,
confusão, medo, desespero. Tudo que ele jurou a si mesmo nunca
sentir novamente.
Sua mente se quebrava em fragmentos sombrios, e cada um
deles era envolto em sangue.
Ela bateu a cabeça em uma pedra.
Ela quebrou o pescoço.
Ela se afogou.
Ela se foi, ela se foi.
Você não pode fazer nada.
Ela se foi.

Alguns momentos atrás, Charlotte diria que ela preferia estar em


qualquer lugar, menos nas costas daquela maldita égua.
Ela estava errada...
Estar na maldita égua era melhor _ pelo menos um pouco _ do
que se lançar pelo ar como uma bola de canhão.
E ambas, eram melhores _ consideravelmente _ do que cair de
cabeça em um veloz e congelante riacho.
A água ajudou amortecer sua queda, e ela teve sorte o bastante
de não bater a cabeça, mas ela bateu seu ombro fortemente em uma
pedra. O traje de montar de veludo verde esmeralda, que a encantou
tanto na costureira em Londres, agora agia como uma esponja,
sugando toda a água de Nottinghamshire, ao que parecia.
No pequeno espaço de um segundo, ela estava desorientada,
gelada, inchada ao dobro de seu tamanho e sentindo-se como uma
baleia bêbada, de um modo geral.
Às vezes, ela conseguia firmar um pé contra uma rocha e
flexionar os músculos de sua perna forte o bastante para tentar ficar
de pé.
Ela respirava ofegante.
Então o musgo a fez escorregar, perdendo todo o terreno que ela
conseguiu ganhar, encontrando-se submersa até as orelhas
novamente.
A correnteza da água, a levou rio abaixo, fazendo seu corpo
encontrar uma pedra arredondada, com um baque agudo.
Ai.
Em contrapartida, ela se agarrou a rocha com as duas mãos,
usando-a para recuperar o fôlego. Ela parou de afundar, mas também
não avançou. A água a estava congelando em segundos. Seus dedos
começaram a adormecer e suas pernas ficaram pesadas.
Ela teria que conseguir escapar logo, ou terminaria flutuando,
todo o curso do riacho, até o mar.
Ela firmou os pés, flexionou os braços e tentou se impulsionar
até a margem.
Seus dedos rasparam e escorregaram pelas pedras soltas e
amontoados de turfa. A força da água arrastou a saia de seu vestido,
enrolando-a como um nó entre suas pernas. Ela chutou, mas sem
sucesso, lutando contra a correnteza que a puxava.
Ela mergulhou as unhas na lama.
Vamos lá, Charlotte.
Uma grande mão enluvada agarrou seu pulso.
O dono da mão a puxou para fora.
Ela emergiu da água, lentamente. Não por escolha, mas por
necessidade.
O reluzente veludo verde se transformou em um chocante tapete
de algas marinhas. O cabelo dela estava emplastrado em seu rosto
como um aglomerado viscoso, obscurecendo a sua visão.
Fez um perfeito e trágico sentido, quando ela desabou de
maneira desagradável na margem, repartindo a cortina pegajosa de
seus cabelos, para poder piscar e retirar o restante de água de seus
olhos, e em seguida para poder olhar para seu salvador, para
encontrar, Piers.
“É claro.” Ela murmurou entre arfadas laboriosas. “É claro que
é você.”
“Você não parece muito feliz com isso.”
Ela olhou para si mesma. Não havia uma sereia atraente ou uma
linda criatura marinha naquela cena. Nem uma pintura de Ophelia,
espalmando os seios com as mãos, enquanto a água cai sobre ela em
uma dignidade poética. Charlotte aparentava como se tivesse sido
amarrada a um barco, e tivesse sido arrastada pelo Tâmisa para cima
e para baixo algumas vezes, e depois foi deixada com parasitas e
enguias por um ano ou dois.
E ele estava esplêndido, naturalmente. Não um cavaleiro em
armadura brilhante, mas o mais próximo disso que uma garota
moderna poderia querer. Ele praticamente brilhava em seu casaco
negro de montaria, sua calça de camurça, e suas botas Hessian
polidas e a gravata estalando de branco.
O cabelo dele estava perfeito.
Isso a fez irracionalmente aborrecida, de repente.
“Você está ferida?”
“Estou bem.”
Ele ofereceu-lhe a mão. “Deixe-me ajudá-la a se levantar.”
“Eu não preciso de ajuda. Me deixe.”
“Eu não vou deixá-la. Você foi jogada de um cavalo e quase se
afogou. Você está congelando, sozinha e possivelmente ferida, e sua
montaria está do outro lado do riacho.”
“Obrigada, milorde, por recontar cada faceta da minha
mortificação de forma tão eficiente.”
Ela se levantou, arrancando montes de musgo e algas de seu
traje de montar.
Ele agiu gentilmente e pôs a mão na cintura dela. “Charlotte,
permita-me a...”
Ela se eriçou e saiu de perto dele. “Eu não posso. É o que ela
espera, você não vê?”
“Quem espera o quê?”
“Frances. Ela me odeia. Ela deu-me esse cavalo demoníaco.”
Charlotte balançou um braço em direção a Lady. A égua cinzenta
estava mastigando trevos, em uma cena rústica de tranquilidade.
“Bem, ela parece inofensiva agora. Mas eu vou te dizer, ela está
possuída.”
“Sim, eu vi.” Ele disse.
“Eu sei que você viu.” Ela desembaraçou uma folha morta do
cabelo.
Charlotte sabia que estava sendo grosseira, mas ela não
conseguia evitar. Tudo deu tão errado. Ela abandonou Delia,
descobriu um erro crítico em sua investigação, fez indesejados
avanços românticos em relação a uma viúva local. Naquele momento
ela tinha pouquíssima esperança de encontrar os amantes
misteriosos _ e mesmo se ela conseguisse _ não faria diferença o
quanto de tempo ela passasse fora viajando pelo mundo. Mulheres
como Frances nunca a permitiriam deixar de lado o título de
Debutante Desesperada. Elas continuariam criticando-a,
continuariam sussurrando sobre ela, mesmo se _ não, especialmente
se _ ela aparecesse em Londres casada com Piers. Charlotte disse a
si mesma para não se importar com as fofocas, mas era tão
desmoralizante.
“Vamos retornar a mansão. Nós dois podemos cavalgar em meu
cavalo.”
“Eu vou andando.” Ela começou a espremer o excesso de água
de suas saias. “Eu posso até imaginar a ira de Frances, se ela pensar
que eu aterrissei gritando a seus pés e o forcei a vir em meu socorro.”
“Ninguém me força a nada.”
“Eles não precisam. Você faz isso por si próprio.” Ela deu um
suspiro exasperado. “Piers, eu não sou talentosa. Meu dote é
pequeno. Minhas conexões sociais são muito abaixo das suas. Você
nunca precisava me tratar como uma dama respeitável. Olhe a sua
volta. Ninguém o faz.”
“Você.” Ele falou, segurando-a pelos ombros. “Será uma dama.
Minha dama. Eu a tratarei com o respeito que o título merece. Assim
como a senhorita Frances Parkhurst, suas amigas, a Corte Real, e
qualquer um que desejar evitar meu extremo desagrado.”
Pela insinuação de violência oculta em sua voz, Charlotte se
perguntou se o ‘extremo desagrado’ dele, envolvia pontas afiadas ou
objetos cortantes.
“Por que?” Ela buscou a face dele. “E não me venha com a
resposta sem sentido sobre querer e desejo. Nesse momento, eu devo
estar tão desejável quanto uma pilha de panos molhados.”
Ele desceu o olhar pelo corpo dela e levantou uma sobrancelha.
“Você ficaria surpresa.”
Ela deu-lhe um úmido e ineficiente chute na canela e tentou
afastar-se.
Ele agarrou fortemente os braços dela.
“Deixe-me ir.” Ela insistiu, quase gritando.
A resposta dele veio com um pouco de raiva. “Eu não posso.”
Ela olhou para ele respirando com dificuldade.
“Eu não posso te deixar ir Charlotte. Eu não pude naquela
primeira noite na biblioteca. E eu te asseguro que inferno nenhum
me fará permitir que você se afaste de mim agora.”
Suas mãos seguraram o rosto dela. Não com ternura, mas com
uma força impaciente. Ela não conseguiria se virar, mesmo se
quisesse.
Ele buscou a face dela com um olhar penetrante. “Não foi o
bastante para você invadir meus pensamentos, não é mesmo? Oh,
não. Você teve que entrar na minha pele também. Às vezes eu penso
que você encontrou um caminho até o meu sangue.”
O tom sombrio de raiva na voz dele a intrigou e estimulou. Seus
polegares enluvados pressionou as bochechas dela.
“E agora você tem a temeridade de exigir que eu a deixe. É muito
tarde para isso, querida. Está feito.” Ele soltou o rosto dela.
“E eu terminei essa discussão.”
Sem mais uma palavra, ele a levantou _ pesada, veludo
encharcado e tudo _ e colocou-a em seu cavalo. Então montou atrás
dela, posicionando um braço em volta de sua cintura, e incitando sua
montaria em um galope brando, levando-a do campo. Como se eles
fossem personagens de um louco conto de fadas.
O Príncipe e o Monstro do Mar.

CAPÍTULO 14

Charlotte se segurou nele resignada.


Ela não tinha mais calor em seu corpo para lutar, nem
inteligência o suficiente para encontrar o caminho.
Se Piers Brandon, o Marquês de Granville, com todo o seu
orgulho decisivo e beleza masculina, tinha decidido ser seu herói...
Muito bem, então, que fosse.
Teria que ser uma mulher mais forte que Charlotte, para
recusar.
Ela reclinou-se contra ele, mergulhando naquele momento
romântico. Tudo se abateu sobre ela de uma vez, principalmente o
esforço que a consumiu resistindo a essa sensação. Como um
nadador que levou horas se debatendo contra a corrente, para depois
se render a fadiga.
Ela estava, em todos os sentidos, devastada.
Ele a segurou, em um possessivo e apertado abraço contra seu
peito, enquanto eles seguiam seu curso pelo bosque. A presença dele
atrás dela era tão forte, tão calorosa, tão segura.
E ele cheirava como um sonho. O tipo de sonho que deixava uma
mulher com a respiração curta, e úmida entre as coxas. Cheiro de
floresta, picante, inteiramente masculino.
Ela fechou os olhos e pressionou a bochecha no colete dele,
respirando-o.
Ele foi mais devagar, à medida que eles entraram na floresta,
guiando o cavalo para uma isolada e ensolarada clareira.
Ali, eles pararam.
Piers desmontou, então a pegou pela cintura e ajudou-a descer.
“Por que estamos parando?”
“Eu quero ver por mim mesmo, se você está bem e se não foi
ferida. Eu não poderei fazer isso, quando retornarmos a mansão.”
Ele colocou-a em um tronco de árvore cortado recentemente.
Primeiro, se livrou de seu casaco e das luvas de montar, pendurando-
os em um galho. Então, trabalhando em movimentos rápidos, ele
desabotoou o casaco do traje de montar dela, abaixando as mangas
pelos seus braços. Ela estremeceu um pouco, e pôs os braços em volta
do próprio corpo. Seu chemise branco e fino, encharcado com água
do riacho estava quase translúcido.
Se Piers notou, seu olhar não demonstrou. Depois de deixar o
casaco em uma parte ensolarada de grama, ele se ajoelhou diante de
Charlotte, pegou o pé direito dela e posicionou sobre seu joelho.
Depois de lutar por alguns momentos, com os nós molhados das
botas que ela usava, ele alcançou em sua própria bota uma faca e
cortou os nós pelo meio. Deslizou a bota do pé dela e colocou ao lado
do tronco, antes de colocar as mãos embaixo de suas anáguas,
desprender sua liga e retirar a úmida e apertada meia de sua perna.
A mão dele passou do tornozelo a coxa dela, não apalpando ou
acariciando, simplesmente avaliando. Ele ficou satisfeito que os
dedos dela se moviam perfeitamente e que o tornozelo ainda
flexionava em todas as direções apropriadas, confirmou que ela não
gemia de dor enquanto ele pressionava ali..., ou ali..., ou ali.
Então ele colocou o pé dela gentilmente na grama, posicionou
o pé esquerdo sobre seu joelho direito, e repetiu o mesmo processo.
Enquanto ela o observava de sua posição elevada no tronco,
Charlotte sentiu-se aquecida interiormente. O sol da tarde que
começou a secar seu cabelo deu uma reavivada em seu espírito. Ela
não se sentia mais tão monstruosa.
Quando Piers passeou com seu toque do tornozelo a coxa, ela
mordeu o lábio.
“Isso machucou?” Ele perguntou, com um olhar sério.
“Não. Só me pegou de surpresa.”
Ela olhou para o chão, onde ele havia deixado suas botas, uma
ao lado da outra, e até mesmo dobrado suas meias em um pequeno
pacote. Tão organizado. Tão Piers. O mesmo hábito que poderia tê-la
irritado uma semana atrás, agora ela via de uma forma
completamente diferente. Isso a atingiu de forma cativante. Doce.
Possivelmente a melhor coisa que alguém já havia feito por ela.
Deus do céu. Pela fonte de ternura e bem-estar, brotando no
coração dela, alguém poderia pensar que aquelas duas meias sujas
dobradas eram cestas de flores, ou colares de diamantes. Elas eram
um amontoado de lã velha. Nem mesmo perto de ser seu melhor par.
Ainda assim, quando ela olhou para as meias... ela quis chorar.
O que havia de errado com ela? Alguma coisa deveria haver. As
possibilidades em sua mente eram uma pior que a outra:
Ela estava próxima de suas regras mensais.
Ela havia lesionado seu crânio.
Ela havia herdado as queixas nervosas de sua mãe, ou talvez...
Ou talvez ela estivesse se apaixonando.
Oh não! Oh Senhor! Devia ser!
Charlotte estava apaixonada.
Por instinto, ela enrolou os dedos nas bordas do tronco de
árvore cortado. Como se caso ela não se segurasse forte, acabaria
escorregando. Ou flutuaria.
Piers retornou o pé dela para o chão e inclinou-se para a frente.
Ela se agarrou ao tronco como se sua vida dependesse daquilo.
Oh Deus! Oh Deus! Oh Deus!
Ele estava tão próximo. Tão próximo e tão belo.
Bem, ele sempre foi belo, mas nesse momento... olhar para ele
machucava. Aquela pequena, perfeita covinha em seu queixo
alcançou seu interior de alguma forma e a apertou. A cabeça dela
girou. E seu coração batia tão depressa que parecia que explodiria.
Ninguém a avisou que seria assim. Presumia-se que o amor a
faria sentir-se bem, certo? Não aterrorizada.
Talvez aquilo não fosse amor, afinal de contas, talvez fosse
malária.
As mãos dele circundaram sua cintura. “Suas costelas estão
intactas.”
Estão? Um pequeno milagre, considerando o quanto seu
coração batia contra elas por dentro.
Ele tocou em sua cabeça em busca de inchaços e moveu os
cabelos dela para trás de seu rosto. “Sem dor de cabeça?”
“Nenhum problema para respirar?” Ele perguntou. “Você se
sente tonta ou enfraquecida?”
“Um pouco.” Ela respondeu, honestamente.
E quem a culparia? Ela caiu em um riacho. E estava caída de
amores por aquele homem. De cabeça, nas duas situações, sem aviso.
Era demais para ela.
“Quando estivermos de volta a mansão, eu mandarei chamar
um médico loc...”
Charlotte o beijou.
Ela não conseguiu resistir. Ela precisava tocá-lo,
desesperadamente, e as mãos dela não iriam cooperar. Seus dedos
estavam tão mergulhados no tronco naquele ponto, era como se eles
tivessem criado raízes.
Ela pressionou os lábios contra os dele, hesitante. Uma vez, e
então novamente. Silenciosamente implorando para que ele a beijasse
de volta.
Por favor.
Por um momento horrível, ela duvidou. Não ele, ele nunca.
Somente ela.
Então ele baniu toda a dúvida que ela pudesse ter _ qualquer
frio e solitário questionamento _ reclamando a boca dela em um beijo
apaixonado.
Sim. Sim.
Ali estava o Piers que ela desejava. Aquele homem que surgia
no lugar do diplomata sempre que ele enfrentava o perigo. O homem
que era possessivo, impaciente, um pouco selvagem, até.
E que não deveria ser rejeitado.
Eles se beijaram com as bocas abertas, com lábios, línguas e
dentes. Lutando, não um contra o outro, mas contra o espaço entre
eles.
Beijar não era o bastante. Não dessa vez. Ela queria _ não, ela
precisava _ de mais.
Ela precisava tocá-lo, segurá-lo, estar o mais próximo dele,
quanto era possível à duas pessoas.
Ela trabalhou com as mãos entre eles e tentou abrir os botões
de seu chemise, sem sucesso, então os abandonou e com a mesma
loucura tentou abrir os botões do colete dele. Mas eles resistiram a
ela também.
Frustrada, ela finalmente retirou a bainha da camisa dele de
dentro dos calções, e mergulhou as mãos em sua pele.
Ele inspirou. O toque frio dos dedos dela contra seu abdômen
fez com que o choque o despertasse.
Intrépida, Charlotte deslizou suas mãos pelos músculos tensos
do tronco dele, acariciando, acalmando. Tentando-o a tocá-la
também.
Enquanto o olhar dele vagava pelo rosto dela, um debate
explodia atrás de seus frios olhos azuis. O apropriado cavalheiro
dentro dele estava lutando uma última batalha. Ela podia senti-lo se
balançando na borda fina como navalha, entre o dever e o desejo.
“Eu estou com frio.” Ela sussurrou.
E aquilo foi tudo o que precisou.

Eu estou com frio.


Essas simples palavras eram tudo que Piers precisava ouvir.
Para ela, elas eram um pedido. Talvez um convite.
Para ele, era um chamado a ação.
Ela estava com frio. O sangue dele estava fervendo.
O resto era lógica.
Ele a desnudaria, a seguraria, pele contra pele. A aqueceria de
todas as formas, com cada parte dele que Deus havia designado para
aquele propósito.
Não simplesmente porque ele queria _ e maldito seja, ele queria
_ mas porque ela era sua, para que ele cuidasse, naquele momento e
para sempre.
E ela estava com frio.
Ele partiu para a ação de forma implacável, liquidando cada
botão que ousou desobedecer aos dedos gelados dela. As saias e
anáguas saíram facilmente. Ele retirou o chemise molhado da parte
de cima do corpo dela, então alcançou suas costas para desamarrar
o primeiro laço de seu espartilho com um puxão rápido.
Ela arfou, quando o ar correu livremente por seus pulmões. O
som o inflamou.
Ele contou mentalmente, enquanto desatava cada laço de seu
espartilho.
Um, dois, três...
O doce e rosado lábio dela se dobrou debaixo do dente.
Quatro, cinco...
Ainda não é muito tarde. Vire as costas. Diga-me para parar.
Seis.
Estava feito. Perséfone era dele.
Ele a pegou pelos braços e puxou-a para ele, beijando-a
profundamente, sem nenhuma reserva. Como se ele nunca tivesse
beijado nenhuma mulher, sem refrear a si mesmo. Nem segurando
seu desejo, nem seu anseio...
Nem seu coração.
Seu coração?
Maldição. Ele não podia se agarrar a essa ideia naquele
instante. Não quando suas mãos estavam cheias de Charlotte. Seu
cabelo cacheado, seu chemise molhado, seu corpo frio e trêmulo.
Ele a levantou, tirando seus pés do chão, e ela deu uma
gargalhada assustada. O som dançou sobre a pele dele, como uma
cascata de faíscas douradas, provocando-o. Fazendo-o se sentir vivo.
Ele fez uma cama com seu próprio casaco para ela, estendendo-
o em um pedaço de grama ensolarado, ela se deitou, sustentando-se
apenas em seus cotovelos, observando atentamente, enquanto ele
retirava o colete e se movia para puxar a camisa por cima da cabeça.
“Espere.” Ela disse. “Vá mais devagar. Eu gostaria de assistir.”
Como ela desejava...
Ele cruzou as mãos na frente do corpo, segurando a bainha da
camisa, vagarosamente ele levantou a roupa, passando-a por sua
cabeça e sacudindo-a de seus braços.
Ele ficou ajoelhado em frente a ela, com o tronco despido ao sol
do meio dia.
Ela olhou para ele, extasiada. “Eu mudei de ideia. Seja rápido.”
Foi a vez dele gargalhar. Ele removeu as botas e as calças o
mais rápido que pôde, juntando-se a ela na grama, antes que os olhos
arregalados de curiosidade no rosto dela se transformassem em olhos
assustados.
Ela era virgem, e ele estava excessivamente... pronto. Duro,
latejante, restrito por uma semana de luxúria frustrada. Ele queria
fazer com que aquilo fosse bom para ela, mas não sabia se
conseguiria.
“Charlotte.” Ele correu as mãos dos seios dela até os quadris.
“Eu quero você. Eu quero você mais do que eu já quis qualquer coisa.
Estou dolorido de vontade de estar dentro de você. Não desejo
machucá-la, mas suspeito que vou. Eu temo que vou.”
“Deus do céu, não seja tão sério.” Ela acariciou a testa dele. “Eu
sei que será um pouco doloroso. Não estou com medo. Você não
precisa ter medo também.”
Medo.
Ele queria não se importar com a palavra, fazendo uma
demonstração de bravura viril. Mas ele não conseguiria, não de forma
convincente. Sua respiração estava instável, e sua mão tremia
enquanto ele acariciava a parte de baixo da coxa dela. Ao contrário
de Charlotte, ele não podia culpar o frio.
Ele precisava terminar de tirar o chemise dela. O tecido era tão
fino, que já estava começando a secar, mas ele a queria
completamente nua. Ele deslizou as mãos pela bainha da roupa,
retirando o fino tecido do corpo dela, revelando tudo que ela era por
baixo.
Ela não se escondeu do olhar dele. Ele a absorveu, a visão do
corpo dela banhado pela luz do sol. Tão linda, que ele ficou sem
palavras. A julgar pelo tímido sorriso adornando os lábios dela, ela
compreendeu sua admiração bem o bastante, mesmo sem palavras.
Suas unhas provocaram os pelos do peito dele e arranharam
levemente sobre os mamilos lisos. Ele deslizou a palma da mão sobre
a pele macia e sedosa das costas dela e se aconchegou na suavidade
dos seus seios.
Aninhados na grama, fazendo-lhes cócegas, respirando os
aromas do verde e laranja queimados de outono.... Eles pareciam o
primeiro homem e mulher da criação, descobrindo um ao outro no
Jardim do Éden. Explorando todas as partes que os faziam diferentes
um do outro. Compartilhando todos os desejos que os faziam ser os
mesmos.
Ele beijou todos os caminhos do corpo dela, venerando cada
pedacinho. Ela curvou-se e arfou, quando ele separou suas coxas e
passou a língua por sua fenda.
“Deixe-me fazer isso por você.” Ele murmurou, entre as leves
lambidas. “Eu farei ser melhor. Eu farei ser muito bom.”
Ele a segurou pela cintura e alcançou o cerne dela com o
polegar, alargando-a. Depois de explorar cada pétala secreta e rosada
do sexo dela, ele concentrou seus esforços no cume do botão inchado.
A mão dela emaranhou-se nos cabelos dele, e tudo que ele
ouviu foi a respiração superficial dela. Ela começou a se contorcer
embaixo dele, movendo os quadris em busca de mais contato, mais
prazer.
Ele a segurou no lugar, sem cessar com as gentis pinceladas de
sua língua. Uma vez que ela se resignou ao prazer, ele moveu a mão
entre suas coxas e introduziu dois dedos dentro dela, empurrando
para dentro e para fora, enquanto continuava com beijos e leves
chupadas.
“Piers.” Ela arfou.
Ele não parou por nem um momento para responder, somente
permaneceu em sua tarefa com renovada dedicação.
Ele sentiu o tremor de suas coxas contra as bochechas dele,
aquilo o encorajou a ir com os dedos mais fundo, mais rápido. O corpo
dela se tencionou.
Sim. É isso. Renda-se. Deixe acontecer.
Ele a teria lambido e beijado o dia todo, se ela precisasse que
ele o fizesse, mas ela desmoronou debaixo dele de uma maneira
deslumbrante, arquejando ofegante no chão.
Ele a puxou de volta para a Terra aconchegando-a gentilmente
e acariciando até que sua respiração se abrandasse.
Ele a beijou todo o caminho de volta, subindo por sua barriga,
rastejando sobre as mãos e joelhos até estar em cima dela. Ele
envolveu o corpo dela entre seus braços, oferecendo-se como um
abrigo. Mas o que ela deu a ele em retorno era muito mais. Conforto.
Auxílio. Um lugar macio para ele descansar seu coração pesado.
As coxas dela se abriram, acomodando as pernas dele. A curva
dura e ansiosa do seu pau pressionou entre as barrigas dos dois,
tencionando contra o umbigo dela.
Ele levantou o tronco, deixando os braços retos, sustentando
seu corpo. Então balançou os quadris, para que a cabeça de seu pau
começasse a invadi-la e se encaixasse justamente onde ele queria.
Ela olhou para ele com olhos límpidos e expressando
absolutamente nenhuma dúvida. Ela estava tão confiante, que aquilo
fez seu peito doer. Ele lutou contra o impulso de possuí-la de maneira
firme e rápida. Fazendo-a sua, antes que ela mudasse de ideia.
“Se nós fizermos isso.” Ele disse. “Você terá que se casar
comigo. Você entende isso?”
Ela concordou com a cabeça, mas não era suficiente. Ele
precisava de palavras.
“Uma vez que nos unirmos, você estará ligada a mim.
Irrevogavelmente. Para sempre. Me diga que você entende isso. Diga-
me que você quer isso. Eu preciso ouvir dos seus lábios Charlotte.
Diga que você...” Ele perdeu o fôlego. “Diga que você será minha
esposa.”

Charlotte olhou para ele e o coração dela falhou uma batida


com a emoção. Parecia que ela havia finalmente ouvido uma proposta
de casamento verdadeira. Ou o mais próximo disso que ela iria
conseguir.
“Sim, Piers. Eu me casarei com você.”
Eu me casarei com você, e eu amarei você. E de algum jeito, de
alguma maneira, eu farei você me amar de volta.
Ela estava decidida em uma coisa: Ela não seria uma daquelas
virgens que soluça e choraminga em seu defloramento. Ela podia
suportar um pouco de dor. De qualquer forma, os dedos dele já
estiveram dentro dela. Quão maior aquela parte dele poderia ser?
Muito maior, ela descobriu, quando somente uma pequena
ponta dele cutucou sua entrada. Maior, mais grosso, mais duro, mais
quente.
Somente.... mais. De todas as maneiras.
Apesar disso, ela pensou que lidaria com tudo aquilo de forma
admirável.
Então ele empurrou para dentro.
Oh Senhor! Oh Senhor! Oh Senhor!
Ela não conseguia se conter. Todas as suas resoluções foram
abandonadas. Ela choramingou, e ficou tensa, mergulhando as
unhas nos ombros dele como garras.
Ele praguejou. “Perdão.”
Está tudo certo, ela queria dizer-lhe. Tudo bem,
verdadeiramente. Vá em frente. Não precisa se preocupar comigo.
Mas não estava tudo certo, e ela não estava bem e se ele fosse
em frente agora, ela provavelmente iria acertá-lo com um involuntário
soco no olho.
“Eu irei o quão devagar você precise que eu vá. Eu não me
moverei novamente, até você me dizer que está pronta. Eu prometo.”
Charlotte moveu a cabeça concordando. Ela inspirou e expirou,
dispondo seu corpo a relaxar.
Quando a dor finalmente começou a declinar, ela relaxou o
aperto nos ombros dele. Ele deslizou para dentro um pouco mais, e
um pouco mais, e _ o milagre dos milagres _ não fez com que ela
quisesse gritar.
“Melhor agora?” Ele perguntou.
“Sim.”
Ele se importava com o conforto dela. Ele estava trabalhando
duro para que não fosse somente suportável, mas maravilhoso para
ela. E isso fez com que tudo fosse melhor.
Com todo o cuidado dele, cada avanço se tornava mais fácil que
o último. O corpo dela esticava e doía, mas de forma tolerável. Talvez
até de forma prazerosa.
Quando finalmente ele estava por completo dentro dela, deu um
gemido baixo. O último resquício de tensão nos braços e pescoço dela
derreteram.
Então ela fez a coisa mais ridícula:
Ela deitou e pensou na Inglaterra.
Veio para ela tudo de uma vez: festas e caça à raposa, caça às
perdizes e brigas pelo prêmio. Encontros de amantes em bibliotecas,
carruagens, os vales no outono.
Todas essas estranhas e bobas peculiaridades e manias, que
são tão inglesas e o mistério que se formou em volta deles e os forçou
a um compromisso.
Ele notou o sorriso dela. “O que é tão engraçado?”
“Somente tudo.”
Ele inclinou-se e a beijou. “Eu relativamente adoro isso em
você.”
Eu relativamente adoro isso em você.
O coração dela deu uma pontada agridoce.
Não seja tão gananciosa, ela disse a si mesma. Com um pouco
de estratégia em sua memória, com a redução de uma palavra ou
duas, ela poderia se lembrar daquilo como: eu adoro você, ou o mais
próximo disso possível.
Ele a possuiu em estocadas gentis a princípio. Então seus
impulsos ficaram mais rudes, mais urgentes. Era doloroso, mas era
por isso que ela estava esperando. Ela queria observá-lo, ver o rosto
dele se contorcer com o prazer carnal sem restrições. Mas no último
momento, ele retirou-se dela e se virou para o lado, se derramando
em sua camisa descartada.
Prevenir a concepção, foi um gesto de consideração, ela disse a
si mesma, mesmo sentindo-se vazia e um pouco desapontada. Mesmo
em um último momento de abandono como aquele, ele conseguiu
manter seu autocontrole.
Um pouco depois, ele acariciava o corpo nu dela sob a luz do
sol, tocando, explorando e olhando onde lhe dava prazer.
“Você parece um garoto com um brinquedo novo.” Ela falou.
“Eu não sou um garoto Charlotte, eu sou um homem. Um
homem ao qual foi confiado segredos Reais, planos de batalha,
tratados internacionais. E nesse momento percebo... eu fui capturado
pela noção de que você é a coisa mais preciosa que eu já tive em
minhas mãos.” Os olhos dele queimavam, quando olhou nos dela.
“Você é minha agora.”
Uma parte dela queria rebelar-se contra o tom possessivo dele,
mas parte dela se sentiu arrebatada, também. De todo jeito, não havia
como negar. Ele tinha seu coração, ele tinha seu corpo.
Ela era dele.
Tão logo ela aceitasse isso, mais cedo o verdadeiro desafio
começaria.
Fazer ele ser dela.

CAPÍTULO 15

Charlotte sonhou que estava em um barco, balançando de um


lado para outro. Então o mar ficou violento, jogando-a por toda parte.
Onde estava Piers? Ele faria isso parar. Mesmo as ondas do mar, não
ousariam desobedecê-lo.
“Charlotte. Charlotte.”
Os olhos dela se abriram. “Piers?”
Ela olhou para a mão dele segurando o braço dela. Ele não era
seu porto seguro na tempestade. Era ele quem a estava sacudindo.
“O que foi?” Ela perguntou. As palavras saíram em uma
sonolenta pronúncia indistinta: qufoi?
Grama fria se enroscou em seus dedos do pé. A caçada. O
riacho. A clareira. A união deles.
Ela levantou um pouco o corpo, firmando-se em seus cotovelos,
retirando um cacho de cabelo de sua bochecha.
Oh, Senhor! Ela esteve babando? Ele havia visto?
Enquanto a visão dela entrava em foco, ela podia ver que a
expressão dele era séria.
Agora ela estava completamente acordada.
Ela agarrou o ombro dele. “Há algo errado?”
Ele balançou a cabeça. “Não.”
“Então, o que foi?”
“Nada.” Ele se virou para vestir suas calças.
“Você tem certeza?” Ela o abraçou pela cintura e pôs o queixo
no ombro dele. Gotas de suor frio apareceram em sua testa, e o
coração dele saltava no peito. Ela podia sentir contra suas costelas.
“Piers. O que foi?”
“Foi difícil acordá-la, só isso.”
Ela pressionou a testa nas costas dele. “Me desculpe. Eu durmo
como se estivesse morta. Todos em minha família sabem disso _ e os
criados, também. Mas eu não pensei em avisá-lo.”
O sol estava começando a baixar, e as sombras encobriam a
clareira.
“Deus do céu.” Charlotte sentou-se e alcançou seu chemise,
enfiando-o pela cabeça e empurrando seus braços pelas mangas.
“Eles estarão procurando por nós neste momento. Eu não acredito
que tenha escapado a notícia de que nós dois desaparecemos juntos.”
Ela pegou uma de suas meias e enfiou o pé nela, então parou,
lembrando de algo pior. “Oh, não! Aquela égua dos demônios. Ela
provavelmente está na metade do caminho para a Escócia numa hora
dessas.”
“Ela sabe onde é alimentada e recebe água. Ela vai ter retornado
para o estábulo.”
“Eu espero que você esteja certo. De outro modo, eu não sei
como eu vou explicar que...”
“Charlotte.” Ele interrompeu. “Se houver explicações
requeridas, eu me encarregarei delas.” Ele inclinou o rosto dela para
ele, então fez uma leve carícia em sua bochecha. “Eu cuidarei de tudo.
Desse momento em diante. Você entende isso?”
“Eu... Sim, eu suponho que sim.”
Eu cuidarei de tudo.
Era a promessa que ela esperava ouvir desde quando era uma
garotinha, mas ela não era uma pequena garota mais. Especialmente
não naquele instante, depois do que havia acabado de acontecer
naquele bosque.
Todas as questões que ela havia submergido a uma hora ou
duas atrás... vieram à tona em sua consciência.
Como aquilo iria funcionar? Não somente naquele momento,
mas pelo resto da vida deles? Ele havia jurado cuidar dela. Ele
permitiria que ela cuidasse dele? Confiaria a ela, seus medos e
segredos? Algum dia ele deixaria que ela chegasse em algum lugar
próximo o bastante daquele coração fortemente guardado?
Desejo e prazer, havia sido muito bom, mas não eram
suficientes para sustentar uma vida em comum.
Somente uma coisa havia ficado clara para Charlotte, enquanto
eles deixavam o bosque. Daquele ponto em diante, não tinha como
voltar atrás. Esqueça os amantes misteriosos na biblioteca. Ela
passou a ter um mistério muito maior para resolver, esse mistério era
Piers.
“Eu não posso esperar mais. Nós devemos fazer agora.” Delia
se moveu para mais perto de Charlotte no divã da sala de desenho.
Charlotte levantou os olhos do livro que estava lendo. “Fazer o
quê?”
“Perguntar-lhes.” Delia sussurrou. “O Continente? O Grand
Tour? Nossa escapada de parentes sufocantes e da sociedade
inglesa...? Alguma dessas coisas lhe soa familiar?”
“Oh, é claro!”
Charlotte sentiu uma pontada de culpa. Ela não estava
pensando em Delia e nos planos que tinham, quando fez amor com
Piers.
Ela não havia pensado em nada. Só sentido.
Sentindo-se gloriosa e adorada e impetuosa e apaixonada.
Mas aparentemente, ela teria que adicionar egoísta, em sua
imprudente lista. Em todo aquele tempo Delia havia contado com ela
como amiga.
“É claro que me lembro, de tudo isso. Mas não podemos
perguntar para eles agora.”
“Não haverá um melhor momento. Papai está satisfeito com o
veado que ele acertou essa tarde, e ele já tomou pelo menos duas
taças de vinho do Porto. Minha mãe está orgulhosa pelo jantar, e ela
tem o baile de despedida de Lorde Granville para planejar. Eles estão
em um humor indulgente. Não teremos um momento mais vantajoso
do que esse.”
“Mas...”
“Mas o quê?”
Mas o seu pai ainda pensa que sou uma sem vergonha, caça
fortunas. Seu irmão acredita que eu seja o alvo de um assassinato e
sua irmã decidiu arruinar minha vida.
“É a sua mãe?”
“Sim.” Charlotte disse apressadamente. “Sim, o problema é
minha mãe.”
Aquela era uma boa coisa que ela podia falar de sua mãe. Ela
sempre era uma boa desculpa para tudo. Naquele momento, ela tinha
seus pés apropriadamente em cima de um banquinho, enquanto
folheava uma revista feminina.
“Ela nunca concordará.” Charlotte disse. “Não agora.”
“Você não acredita que ela ainda está tentando juntar você com
Lorde Granville, não é?”
“É provável.”
Altamente, definitivamente, certamente provável.
“Mas você deixou claro o quanto desgosta desse homem.” Delia
murmurou para seu desenho. “E nos últimos dias, ele não tomou
nenhum conhecimento de você.”
“Eu sei que ele não tomou.” Charlotte disse, mais desanimada
do que ela se permitia soar.
De alguma forma, Piers e ela conseguiram evitar que alguém
notasse o retorno de seu encontro no bosque. Todos estavam
descansando ou se preparando para o jantar, e todos assumiram que
Charlotte já estivesse em seu quarto. Piers não precisou apresentar
nenhum tipo de explicação.
E depois, por dois dias, eles mal haviam se falado.
Ele a estava evitando, tardiamente, da maneira como ela havia
implorado a ele quando se conheceram, contudo, não havia nada que
ela quisesse mais do que vê-lo, falar com ele. Ser abraçada por ele e
sentir o perfume de sua pele.
Ou pelo menos dar uma volta pelo jardim uma tarde.
Ela não conseguia entender por que de repente ele ficou tão
distante. A não ser que...
A não ser que tudo o que ela estava sentindo tenha-o deixado
frio.
“Você ainda quer ir? Não quer?” A voz de Delia baixou, hesitante.
“Eu não a culparia se você mudasse de ideia. Eu sei que não serei a
parceira de viagem mais conveniente. Eu caminho devagar, e eu...”
“Nunca pense isso. Eu não consigo imaginar uma companhia
melhor.”
“Oh, que bom!” Sua amiga a olhou, parecendo aliviada. “Porque
se eu tiver que passar mais uma temporada sentada nos cantos dos
salões de baile...”
“Nós iremos nos libertar, nós duas.” Ela alcançou e apertou a
mão de Delia. “A essa hora, no ano que vem, você estará pintando
paisagens do Mediterrâneo. Eu prometo.”
De algum jeito, Charlotte faria acontecer.
Ela olhou para o outro lado do salão, para Piers. Ele sim, poderia
fazer acontecer. Eles não precisavam se casar imediatamente. Ele
poderia até mesmo pagar pela viagem, arranjando para que elas
ficassem com seus conhecidos diplomatas no exterior. A chance de
suas filhas socializarem com princesas e filhos de imperadores? Sir
Vernon e Lady Parkhurst _ e sua mãe _ não poderiam negar isso, não
importava o quão protetores eles eram.
Charlotte ousava acreditar que ela podia convencê-lo. Ele era um
homem que entendia sobre lealdade. Ele sabia a importância de se
cumprir uma promessa.
Mas ela precisava falar com ele primeiro, e pela última meia
hora, ele teimosamente manteve seu nariz enfiado em um jornal.
Olhe para cima, ela desejou. Olhe para mim.
Ao invés disso, ele virou uma página do Times. Deveria ser uma
edição particularmente fascinante.
Delia pôs seu bloco de desenhos de lado. “Vamos perguntá-los
agora. Se eles recusarem, que seja. Eu não aguento mais esse
suspense.”
Charlotte segurou a mão dela. “Não, espere.”
“Vegetais.” Lady Parkhurst colocou seus óculos de lado e
levantou o olhar de sua lista de receitas. “Eu não consigo decidir
sobre os vegetais para o nosso jantar no baile.”
Aleluia! Salva pelos vegetais. Deixando de fora as lições sobre
alimentação, Charlotte nunca pensou nessas palavras.
“Eu estava pensando em algo no estilo francês.” Lady Parkhurst
continuou, “e a plantação na estufa produziu berinjelas adoráveis.”
“Berinjelas?” Sir Vernon perguntou. “O que em nome de Deus é
isso?”
Charlotte agarrou o braço de Delia, firmemente. Ela não podia
ousar olhar para ela. Se ela o fizesse, elas iriam explodir em
gargalhadas.
“Se você tivesse interesse nas minhas plantas, você saberia. É a
última variedade do Continente. Produz um longo e arroxeado fruto.”
Ela desenhou o formato com suas mãos. “Alguns deles tem de sete,
até oito polegadas de comprimento.”
Charlotte encarou o carpete e respirou pelo nariz. Ao lado dela,
Delia começou a arquejar silenciosamente.
“Um vegetal roxo?” Sir Vernon bufou. “O que é que se faz com
essa coisa?”
“Bem, essa é a pergunta, não é? Eu não tenho nenhuma receita.
Acho que ouvi dizer que os franceses fazem coisas assombrosas com
suas berinjelas.”
Piers levantou os olhos de seu jornal, lançando uma olhada
preocupada na direção de Charlotte. Evidente que ele estava
prestando atenção nela, depois de tudo que aconteceu. Ele
provavelmente estava pensando se precisaria chamar um médico
para diagnosticar suas convulsões.
“Lorde Granville, o senhor já passou um tempo no Continente.”
Lady Parkhurst disse seriamente. “Como o senhor gosta da sua
berinjela?”
Não havia mais como segurar. O guincho de uma gargalhada
escapou de Delia e Charlotte, que tentavam _ com modesto sucesso _
encobri-las com tossidas.
A senhora Highwood fechou sua revista. “Meninas,
sinceramente. O que é tão engraçado?”
“Nada, mãe. Eu estava somente mostrando a Delia uma
passagem engraçada em meu livro.”
“Que tipo de livro?” Frances perguntou, pondo de lado seu
bordado.
Delia tentou o seu melhor para ajudar com o subterfúgio,
apontando para o livro.
“Veja você, tem uma garota, e ela se encontra com um... um...”
“Um pombo.” Charlotte completou.
“Um pombo?” Frances perguntou.
Um pombo. Delia fez um trejeito.
Charlotte deu a sua amiga um olhar que dizia: sim-eu-sei-mas-
eu-entrei-em-pânico. “Não era um pombo comum. Era um pombo
maldoso, com sede de sangue.” Ela continuou, “uma revoada inteira
deles.”
Frances piscou. “Eu nunca ouvi nada tão absurdo.”
“Precisamente!” Delia declarou. “Então você pode ver o porquê
de acharmos tão hilário.”
Charlotte, finalmente conseguiu controlar sua gargalhada.
Então ela cometeu o erro de olhar para Delia e elas começaram a rir
novamente.
“As vezes eu fico pensando se vocês duas não estão passando
muito tempo juntas.” Sir Vernon as estudou sobre sua taça de Porto.
“Eu não vou dizer que criei uma filha tola.”
Uma vez que todos se acalmaram em suas leituras ou bordados,
Delia sussurrou. “Eu suponho que esse não seja o momento para
perguntarmos sobre nosso Grand Tour, depois disso.”
“Não.” Charlotte concordou, e mesmo que ela nunca fosse dizer
isso em voz alta, ela mentalmente acrescentou: Graças aos céus. “Nós
deveríamos ir para nossas camas.”
Havia uma outra confissão sobre essa noite, que ela guardaria
somente para si e levaria para o tumulo: as lições sobre ‘os deveres
conjugais’ que sua mãe lhe deu, foram úteis no fim das contas.

CAPÍTULO 16

Quando Piers abriu a porta de seu quarto, mais tarde naquela


mesma noite, ele mal tinha retirado seu casaco, quando notou um
pequeno pedaço de papel dobrado que havia sido empurrado debaixo
de sua porta.
Ele pendurou o casaco em um cabide com uma mão, enquanto
com a outra ele desdobrava o papel, e leu a mensagem de linha única:
Eu preciso falar com você.
Não estava assinado, mas ele sabia, que só poderia ser Charlotte.
E se ela arriscou aquele método de comunicação, o assunto devia ser
urgente.
Vendo que o corredor estava vazio, ele não perdeu mais tempo.
Bateu levemente na porta do quarto dela.
Sem resposta.
Ele bateu novamente. “Charlotte.”
Nada.
Ele tentou a maçaneta.
Trancada.
Ele retirou o alfinete de sua gravata e inseriu a ponta no buraco
da fechadura. Ele era perfeitamente capaz de manter a impaciência e
frustração de lado, mas daquela vez, elas ultrapassaram suas
defesas. Seus dedos se atrapalharam com o alfinete e o maldito objeto
bateu contra a porta e caiu, rolando para dentro de uma fissura entre
as tábuas do assoalho. Maldição.
Piers se moveu um pouco da frente da porta. Ele não iria se
ajoelhar para procurar o alfinete, e também não iria perder a cabeça
em busca de outro. Ela provavelmente já o teria ouvido e abriria a
porta, a não ser que...
A não ser que houvesse algo errado.
Ele transferiu seu peso para a perna esquerda e deu um rápido
chute com a perna direita, quebrando a fechadura e lançando a porta
para dentro, balançando em suas dobradiças. Não foi a maneira mais
furtiva de invadir um quarto, mas inegavelmente foi a mais efetiva.
Como de costume, o quarto dela parecia ter sido saqueado. A
mente dele lhe disse que a razão para a desordem era somente a
desorganização dela e não uma luta de vida ou morte, mas seu
coração não era convencido tão facilmente. Seu pulso se acelerou, à
medida que ele procurava pelo quarto.
“Charlotte?”
O carpete estava coberto com pilhas de roupas descartadas. Um
chapéu de pelica estava jogado sobre um dos suportes da cama e dava
a impressão de um espantalho. Uma confusão de escovas de cabelo,
fitas e latas de pó para a pele cobriam a penteadeira.
Em seu caminho para analisar a janela, ele tropeçou em uma
bota e estatelou-se no chão. Por sorte, um amontoado de chemises e
anáguas amorteceu sua queda. Ele lutou para se levantar, uma tarefa
que requeria desembaraçar-se de metros de linho que cheiravam tão
docemente.
“Pelo amor de Deus, filho da...”
“Piers?”
Charlotte estava parada na porta que levava ao quarto de vestir
de sua suíte. Ela olhou primeiro para a porta quebrada. Depois para
o extravagante laço de anáguas no punho dele.
E então, finalmente, o olhar dela encontrou o dele.
“Piers, o que você pensa que está fazendo?”
Excelente pergunta.
Ficando louco, talvez. Perdendo sua fria indiferença e seus mais
afiados instintos, que ele acumulou por todos os anos, certamente.
Ele não podia nem mesmo, desfrutar do alívio de vê-la em nada
além de um fino e desabotoado chemise, o cabelo solto caindo pelos
ombros em espessos cachos.
“O que eu estou fazendo?” Ele jogou a anágua para o lado. “O
que diabos você está fazendo? Você não atendeu a porta.”
“Eu não o ouvi batendo.” Ela gesticulou em direção ao quarto de
vestir. “As criadas me prepararam um banho.”
“Um banho.”
“Sim. Um banho. Água, sabão, banheira”
Bem, aquilo... era uma explicação perfeitamente razoável.
Maldição.
Ele passou as duas mãos pelos cabelos, retirando deles uma
meia errante no processo. O acessório escorregou para o chão e o
último resquício de sua dignidade foi junto.
Charlotte pressionou os lábios, segurando uma gargalhada.
“Isso não é engraçado.” Ele disse de forma cortante.
“Não.” Ela respondeu com afetada seriedade. “Não é. Para
começar, eu não sei como vou trancar minha porta agora.”
Ele pegou a cadeira de sua penteadeira com apenas uma mão,
carregou até a porta, e posicionou-a embaixo da fechadura quebrada.
“Desse jeito.”
“Porque você estava revistando minhas roupas de baixo?
“Eu não estava revistando suas roupas de baixo. Eu estava
sendo atacado por elas.”
Ela deu de ombros. “Você sabe que organização não é uma das
minhas virtudes.”
“Existe desorganização, e então existe...” Ele gesticulou para o
quarto. “...uma armadilha mortal de linho.”
“Isso é um pouco melodramático, você não acha?”
“Não.”
Ela pressionou a palma da mão contra sua boca e sorriu atrás
dela.
Pelo amor de Deus. Aquilo tudo era muito engraçado para ela.
Piers tentou lembrar-se a si mesmo que ela não entendia. Que
ele não queria que ela entendesse. Se ele levasse a sério suas
responsabilidades, ela _ e todos que estivessem sob sua proteção _
nunca compreenderiam a vigilância que era requerida para garantir
a segurança deles.
Se proteção não fosse uma tarefa ingrata, isso significava que ele
não estava fazendo corretamente.
Apesar disso, ele não conseguia evitar de exortá-la. “Eu gosto das
coisas em seus devidos lugares. Dessa forma, eu estou pronto a
reagir. Em um momento. No escuro. Em qualquer ocasião.
Especialmente em uma ocasião que você declara que precisa falar
comigo.”
“Eu não tinha intenção de assustá-lo. Eu esperava que
pudéssemos falar amanhã. Eu não tinha ideia de que você viria
imediatamente.”
“É claro que eu viria imediatamente.” Ele capturou o olhar dela
e a encarou. “Se você me diz que precisa de mim, eu nunca me
demoraria.”
“Mas você tem me ignorado por dias. Desde quando nós...” Ela
não completou a frase. Ela não precisava. “Você mal toma
conhecimento da minha presença.”
“Acredite em mim, eu tenho estado atento a sua presença.”
Constantemente, estranhamente, dolorosamente atento.
Ele não conseguiria escapar. Ela começou a alterar os sentidos
dele desde o momento que entrou pela porta daquela biblioteca. Sua
visão periférica estava agora treinada, em busca de lampejos de
cabelos dourados; seus ouvidos, treinados para ouvir sua gargalhada
melódica. Ele se encontrava seguindo o perfume do sabonete e do pó
facial dela, como um cachorro farejando atrás da mulher do
açougueiro. Ele tinha anos de experiência e treinamento. Ela
desvendou todos eles em uma semana, e ele foi deixado sem saída.
Aquela distração, aquela loucura por desejo e anseio, era tudo que
um homem em sua posição precisava evitar.
Por outro lado, talvez seus sentidos não estivessem confusos.
Depois de Charlotte, eles estavam meticulosamente atentos a
qualquer sinal de perigo.
Aquela mulher _ linda, desobediente, e totalmente perceptiva _
era a encarnação pessoal de perigo para ele. Ela poderia arruiná-lo.
Destruir tudo que ele trabalhou para se tornar.
E ela faria tudo aquilo com um sorriso.

Charlotte não sabia o que fazer com o homem parado em seu


quarto. Ele se parecia com Piers, e falava como Piers. Mas uma
escuridão pairava sobre ele. Era como se a sombra de Piers tivesse
tomado vida, tivesse se desprendido da pessoa de Lorde Granville, e
viajado pelo corredor para lhe fazer uma visita.
“Posso te perguntar uma coisa?”
Ele espalmou as mãos convidando-a a prosseguir.
“Você está reconsiderando sobre o noivado?”
Ele fez uma pausa, um pouco longa demais na opinião dela.
“Não.”
“Então, por que você tem me ignorado completamente?”
“Você não quer uma resposta verdadeira para essa pergunta.”
“Sim, eu quero. Eu realmente quero.”
Ela precisava saber o que estava acontecendo na mente dele.
Mesmo se magoasse o seu orgulho.
Ele começou a cruzar o quarto em passadas lentas e deliberadas.
“Porque, Charlotte, simplesmente não funciona. Todas as vezes que
compartilhamos o mesmo cômodo, eu não penso em mais nada a não
ser tocar em você. Abraçar você. Provar você.”
Ele continuou a se mover em direção a ela.
Charlotte começou a se afastar.
Ela não estava intimidada. Ela estava excitada além da medida,
ansiando pela dureza do corpo dele pressionado contra o dela. Ainda
assim, algum instinto fez com que ela desse alguns passos para trás.
Quando ela viu o brilho selvagem nos olhos dele, seu corpo
pulsou em resposta e ela entendeu o porquê. Ela queria a caçada. Ela
queria ser perseguida.
“Então eu tive que ignorá-la, entende?” Ele continuou naquele
tom devastadoramente baixo de comando aristocrático. “Se eu
olhasse para você, eu iria querer despi-la. Se nós conversássemos, eu
iria querer ouvi-la arfar e gemer. Esse não é um comportamento
apropriado para a sala de desenhos.”
Ele tinha imprensado as costas dela contra a parede. O que foi
algo favorável, já que suas pernas haviam enfraquecido.
“Na verdade, se eu ficar em qualquer lugar próximo a você.” Ele
pegou os pulsos dela e os levantou, unindo seus braços na parede.
“Eu levantaria suas saias até as orelhas e enterraria meu pau dentro
de você, antes que o restante das pessoas sequer levantassem os
olhos de suas xícaras de chá.”
Excitamento pulsava pelas veias dela. Ele a tinha sobre seu
domínio, mas ela não sentia nem a mais leve insinuação de medo.
“E isso,” ele disse, encarando a boca dela. “Seria uma conduta
muito ruim.”
“Bem...” Charlotte umedeceu os lábios, ousando olhar para ele.
“Eu nunca me preocupei muito com etiqueta.”
A resposta dele foi como um relâmpago. Em um instante, Piers
a pressionou contra a parede, usando toda a extensão de seu corpo.
Desejo provocava suas terminações nervosas, enquanto ele a beijava,
fazendo-a arder dos pés à cabeça.
Ele a subjugou. Totalmente. A língua dele explorava sua boca. O
peito esfregava contra os seios dela, fazendo com que seus mamilos
endurecessem em doloridos picos. A excitação dele fazia exigências
firmes contra a barriga de Charlotte.
Ele libertou os braços dela. E suas mãos escorregaram para os
quadris, agarrando a bainha da roupa dela com mãos impacientes,
levantando-a até sua cintura. Então ele atacou os botões de suas
calças, abrindo-os um a um.
Charlotte alcançou o espaço entre seus corpos. Ela não foi
corajosa o bastante para tocá-lo naquele outro dia, e ela intencionava
compensar isso dessa vez. Ela mergulhou as mãos dentro das calças
dele, liberando sua ereção do confinamento do tecido.
Encorajada pela respiração instável dele e pelo manto de
escuridão que recaía sobre o quarto, Charlotte gastou tempo
explorando. Acariciando para cima e para baixo, toda aquela
espessura quente, parecendo aço inoxidável, preenchendo a mão
dela, roçando o polegar da base até a cabeça sedosa. Uma gota de
umidade brotou debaixo de seu toque, e ela espalhou em círculos
amplos.
Com uma imprecação muda, ele agarrou o traseiro nu dela e a
levantou.
Assustada, ela deu um gritinho de prazer. Sua espinha
encontrou a parede coberta de seda adamascada. Ela envolveu as
pernas nos quadris dele, e não estava certa se era isso que ele tinha
em mente, mas parecia ser a coisa certa a fazer.
Ele pareceu gostar.
A ereção dele se avolumou ainda mais em sua mão, e ele
começou a impulsionar contra ela. Vagarosamente. Provocante.
Sim. Oh! Sim!
Ela estava tonta, surpresa com a velocidade com que o corpo
dela respondeu. Em questão de alguns segundos, ela ficou
desesperada por ele. Ela entrelaçou a mão que estava livre no cabelo
dele, atraindo sua boca para a dela em um beijo profundo.
Ele balançou os quadris em um ritmo, roçando a cabeça de seu
pau para baixo e para cima na junção do sexo dela. Abrindo-a com
golpes firmes e insistentes. A suave pressão provocou seus lugares
mais sensíveis, levando-a rapidamente a uma íngreme montanha de
êxtase.
Quando ele encontrou a molhada e quente evidência do
excitamento dela, ele grunhiu contra sua boca.
Ela ansiava por ser preenchida.
Ele interrompeu o beijo, ofegante. “Agora?”
A palavra fez sua espinha saltar. “Agora.”
“Guie-me.”
Ela inclinou os quadris e posicionou a dura e impaciente
extensão, onde se encaixava em seu corpo. Onde ela precisava que
estivesse. Então ela retirou a mão de entre eles e agarrou seus
ombros.
Ele a penetrou em um forte e inclemente impulso. “Deus.” Ele
gemeu. “Você é tão apertada.”
Ela não estava certa, se ele mencionou isso como uma coisa boa
ou ruim, mas era inegavelmente a verdade. Apesar de sua excitação
febril, o corpo dela ainda era dolorosamente novo para o ato. A união
dos dois era torturante, enlouquecedoramente lenta, e então _
quando ela começou a vibrar com a necessidade, como se a tensão
fosse quebrá-la ao meio _ ele acelerou o ritmo.
Piers nem mesmo havia colocado todo o seu membro dentro dela,
quando a intensa crise começou a avolumar-se em seu interior. Não
conseguiria se segurar por muito mais tempo. Ela empurrou seu
próprio quadril à frente, frenética por mais dele, tudo dele. Mais
fundo, mais forte, mais rápido.
Ali.
Quando, finalmente sua pélvis encontrou com a dela, o primeiro
roçar da doce fricção, levou-a ao limite. Ela estremeceu e gritou,
agarrando o pescoço dele, enquanto ele golpeava implacavelmente,
lavando-a através e além do cume do prazer.
Ele a beijou, enquanto ela flutuava de volta do pico. Ela cruzou
os tornozelos na parte de baixo das costas dele. Eles se moveram
juntos em ritmo agradável.
Ela puxou a gravata do pescoço dele, deixando-a cair no chão,
antes de espalmar suas mãos por baixo da gola aberta de sua camisa.
Correu as mãos sobre os músculos tensos dos ombros dele e explorou
o peito salpicado com pelos negros. Ela beijou seu pescoço, passeou
com a língua sobre seu pomo de Adão, aconchegando-se nos leves
pelos da mandíbula que já começavam a crescer. Amando seu sabor,
e toda aquela textura masculina de músculos e suor.
Ele estancou, ancorando-a na parede, dentro dela o mais
profundo que teria a possibilidade de ir. O peito dele estava tremendo.
Charlotte levantou sua cabeça, segurando o rosto dele com as
duas mãos, para que ela pudesse buscar seu olhar. “O que foi?”
“Eu não consigo...”
Ela levantou os quadris uma fração, e ele gemeu a medida que
se aprofundava ainda mais dentro dela.
“Eu não...Eu acho que não consigo...”
Ela não tinha certeza sobre como ele tencionava completar
aquela frase, mas independentemente sua resposta seria a mesma:
“Então não...” Ela disse a ele.
A mandíbula dele ficou tensa sob as mãos dela.
De repente, com uma firme flexão de seus braços, ele a mudou
de posição, e inclinou sua cabeça, aconchegando sua testa suada
contra o ombro dela, puxando os quadris de Charlotte da parede. As
estocadas dobraram em velocidade e intensidade, e a respiração dele
ficou curta, irregular e sobressaltada.
Não havia finesse naquele instante, nada remotamente parecido
com ternura. Ele não estava mais paciente ou gentil, somente existia
querer, tomar. Usar o corpo dela rudemente e grosseiramente como
ele precisava, implacável em perseguir seu próprio prazer.
E ela adorou.
Charlotte estava desesperada para ver esse lado dele, cru e não-
refinado. Os tendões de seu pescoço e ombros estavam rígidos e
retesados. As coxas dele batiam contra o traseiro dela. Ele puxou as
mangas do chemise dela, rasgando a gola, e os dentes dele rasparam
contra seu ombro nu.
O ritmo dele se precipitou, e depois acelerou novamente. Ele
estocava mais rápido, mais forte.
Ela estaria dolorida amanhã, talvez até ferida. E ela não poderia
estar mais animada com a ideia.
Com um grunhido violento, ele saiu de dentro do corpo dela. A
semente dele espalhou-se pela barriga de Charlotte, colando o corpo
dele ao dela, enquanto eles se beijavam e respiravam e se beijavam
novamente.
“Isso,” ele disse alguns momentos depois, “foi copular.”
Ela abraçou o pescoço dele e gargalhou um pouco, balançando-
o de um lado para outro. Ele havia prometido a ela uma
demonstração, e ele era um homem de palavra.
Ela escorregou para baixo, até que seus pés tocaram o chão,
então ela pegou a mão dele. “Venha comigo. Se nós formos rápidos, o
banho ainda estará morno.”

CAPÍTULO 17

A banheira era pequena para dois. Eles foram forçados a sentar


muito perto um do outro.
Piers não reclamaria.
Charlotte aninhou-se atrás dele, os seios macios pressionados
contra suas costas enquanto ela colocava espuma perfumada nos
cabelos dele.
Era glorioso.
“Só agora me ocorreu que eu esqueci completamente seu recado.
Você queria falar comigo.”
“Sim. Eu preciso te pedir um favor.” As pontas dos dedos dela,
massageavam seu couro cabeludo e têmporas, embalando-o em um
lânguido estado de felicidade. “Eu temo que na verdade seja um
grande favor.”
Qualquer coisa. Tudo. Somente nunca pare de me tocar.
“Você se importaria com um noivado longo?”
Qualquer coisa, menos isso.
“Sim, eu me importaria.”
Em parte, porque ele teve um noivado longo, e não foi uma
experiência que ele gostaria de repetir. E também tinha a questão de
começar a pensar em um herdeiro. Mas, o mais importante, ele queria
estar com Charlotte. Tê-la toda para ele, em sua própria casa, o mais
rápido possível e por várias semanas depois disso. Não era uma
questão de afeição, somente um cálculo sério sobre os benefícios.
Ele preferia um longo inverno, com noites solitárias em sua mesa
de escritório? Ou meses de boas cópulas contra a parede seguidas de
banhos sensuais?
Ele iria ficar com as cópulas e os banhos, por favor.
“Eu não estaria pedindo se fosse somente por minha causa.” Ela
disse. “Eu fiz uma promessa para Delia. Nós queremos fazer o Grand
Tour juntas no próximo ano. Por esse motivo eu vim para visitá-los.
Supostamente, nós iríamos convencer os pais dela a concordarem
com esse esquema.”
Ele raspou a água do rosto de forma brusca. “Vocês duas,
viajando sozinha pelo Continente? Os pais dela jamais permitirão. Eu
também não permitirei.”
“Nós contrataríamos uma acompanhante, é claro.”
“Uma velha trêmula, inútil, com catarata. Conhecendo você, esse
seria o tipo.”
“Piers, você sabe que não sou estúpida. Eu não me arriscaria.
Delia precisa disso. Ela depende de mim, e isso devastaria a nós duas
se eu a decepcionasse.” Ela esfregou a esponja nas costas dele. “Ela
tem um dom notável, e ela merece a chance de explorá-lo. E quanto
a mim... Eu não tenho um talento natural para arte. Ou música, ou
poesia, ou matemática, ou nada, na verdade. E certamente não sirvo
para administrar uma casa também.”
Ele riu para si mesmo.
“Eu achei que solucionar o mistério, talvez fosse a minha chance
de finalmente reivindicar uma verdadeira realização. Mas isso não
funcionou também. Eu preciso ter a chance de experimentar um
pouco mais do mundo, antes de me acomodar. Expandir minha
mente e ver novos horizontes. Eu não quero me tornar uma
enfadonha cabeça oca como minha mãe.”
Ele suspirou. O que ela pedia para ele era impossível. Mesmo se
ele quisesse, não poderia concordar. Sir Vernon poderia ser mandado
para a Austrália até o final do ano. Ele não deixaria sua filha meio
mundo para trás.
“Eu não posso negar que tem outra razão.” Ela disse. “Isso iria
diminuir pelo menos um pouco da fofoca.”
“Você será uma marquesa. Por que você deveria se importar com
o que pessoas desprezíveis dizem, ou pensam?”
“Talvez eu seja fraca, eu não sei. As insinuações do ano passado
abateram meu orgulho. Eu gostaria que os fofoqueiros soubessem
que você está se casando comigo porque quer e não porque é o seu
dever. Na verdade eu também gostaria que fosse assim.”
Bom Deus. Aquela era a mulher que tinha adivinhado os
segredos que Piers nunca havia divulgado a ninguém. Ela podia ler
sua sobrancelha esquerda claramente como uma folha de papel.
Como ela podia ainda questionar seus motivos?
Ela escorregou os braços em volta da cintura dele, descansando
o queixo em seu ombro. “Você poderia planejar a viajem, então seria
seguro. Eu sei que você faria. Você consegue estar em uma estalagem
em Nottinghamshire, no exato dia e hora em que seu irmão vai
passar, somente para ver como ele está.”
Ali estava. Outro ponto. Ela era perceptiva demais.
“Eu não sei do que você está falando.” Ele disse.
“Sim, você sabe. Eu não ficaria surpresa, se você tivesse
organizado toda a sua quinzena, em relação aquele almoço. Rafe
suspeitou disso também.” Ela deu um beijo no ombro dele. “Eu
somente tenho irmãs. Porque homens não podem simplesmente dizer
certas coisas, eu nunca entenderei. Mas eu espero que você saiba,
que o seu irmão entende o quanto você o ama.”
A garganta dele ficou presa.
Ele acariciou o pulso dela, deixando que o toque falasse, o que
ele não conseguia.
Ele não saberia como admitir, mas as palavras dela lhe deram
um profundo alívio. Ele sempre amou seu irmão, mesmo quando eles
não eram amigos. E mesmo que Rafe fosse um campeão premiado _
e o homem que roubou sua noiva _ Piers era ferozmente protetor em
relação a ele.
Seu irmão mais novo era a única família que lhe restava.
Ele deslizou do abraço dela, através de um desajeitado processo
de girar e reajustar os membros, para finalmente ficar de frente para
ela.
Ele a puxou para mais perto, ajeitando-a para que ela ficasse
sobre seu colo, e sentasse em suas pernas inclinadas. Deus, ela era
adorável. A pele tão clara que parecia reluzir. Os seios balançavam no
nível da espuma, na água morna. O vapor encaracolou seus cabelos
em atraentes anéis. Um pouco de espuma cobria sua bochecha.
Ele limpou com o polegar. “Então, você acredita que eu me
importo com meu irmão.”
“Oh, sim. Inquestionavelmente.”
“E ainda assim, você continua a duvidar da sinceridade da
minha oferta de me casar com você.”
“Bem, isso é diferente. Nós fomos forçados a um noivado. Nós
mal conhecíamos um ao outro. Decoro foi a única razão.”
Ele levantou uma sobrancelha. “Não a única razão.”
“Você sabe o que quero dizer. Claramente nós sempre tivemos
atração física um pelo outro, e você é inegavelmente um excelente
partido.”
“Sim, eu me lembro de estar no topo dos quatro melhores.”
Ela lhe deu um olhar perverso. “E eu me lembro que nossas
conferências sexuais seriam toleráveis.”
‘Touché!”
“Mas tudo isso pode ser posto de lado. Não é exigido de você, pela
história ou pelo sangue, se importar comigo.”
Ele encostou o cotovelo na lateral da banheira e a observou,
pensativo. “Você está certa, Charlotte. Eu não sou obrigado a me
importar com você, mesmo.”
Charlotte começou a se arrepender daquela conversa.
A água do banho estava esfriando muito. Ela tremeu e pensou
em alcançar uma toalha, mas o olhar azul dele a fez cativa.
“Você tem ideia de quanta influência eu tenho?” As pontas dos
dedos dele batiam na beirada da banheira. “Quanto de dinheiro e
poder eu tenho a minha disposição?”
Ela deu de ombros. “Eu tenho alguma noção.”
“Você não sabe um décimo.”
Ele não estava sendo soberbo, somente constatando um fato.
Ela acreditava nele.
“Quando nós fomos descobertos juntos, foi dificilmente, uma
crise. Eu poderia ter lidado com aquela situação de várias maneiras
diferentes. Eu poderia ter achado para você um outro pretendente
elegível. Ou uma dúzia deles, para você escolher. Eu poderia ter
extinguido toda a cena, removido qualquer possibilidade de
escândalo.”
“Você poderia me deixar parecer a Debutante Desesperada e me
jogar aos lobos.”
“Ou.” Ele disse, calmamente. “Eu poderia ter caçado o
desenhista do PRATTLER que te deu esse apelido vil... e fazer
qualquer vestígio dele desaparecer.”
Charlotte começou a rir, então rapidamente ela percebeu que ele
não estava brincando.
Não, os olhos dele estavam mortalmente sérios.
Ele a estava contando algo importante, algo próximo da essência
do homem que ele acreditava ser. Era vital que ela escutasse sem
risadas ou julgamentos.
“Mas, você não fez nenhuma dessas coisas.” Ela disse
cuidadosamente. “Você escolheu o caminho da honra.”
“Eu escolhi você.” Ele a segurou, atraindo-a para mais perto dele,
jogando uma onda de água com sabão no chão. “Eu escolhi você,
porque eu quero você.”
“Na sua cama.”
“Na minha vida.”
Ela engoliu em seco.
“Existe uma pequena parte, que é realmente honrada no meu
trabalho. Você será minha esposa. Você merece conhecer essa
pequena parte, embora eu reze para que você nunca compreenda
totalmente. É suficiente dizer, que eu passei os últimos dez anos
tomando frias decisões. Sem olhar para trás.”
A curiosidade dela era intensa, mas ela resistiu a urgência de
pressionar por detalhes.
Ela tinha boas amigas que eram casadas com oficiais que vieram
para casa da batalha. E isso era o que Piers era, o coração da batalha
– um homem que carregava uma terrível responsabilidade em tempos
de guerra. Homens como ele não precisavam de perguntas
intrometidas. Eles precisavam de tempo _ as vezes anos, até _ e
banhos mornos, e proximidade, pele com pele.
E amigos. Para ouvir, aceitar, entender.
Ela buscou a face dele. Poderia ser isso, que ele encontrava nela,
alguém para ajudá-lo a lidar com suas emoções autocráticas
reprimidas? Era o que ele parecia estar dizendo, se ela estava lendo
sua expressão corretamente.
Sim, ela pensou. Essa devia ser a explicação.
Um marquês poderia encontrar um sem número de mulheres,
ansiosas para ter o seu nome ou compartilhar sua cama.
Mas aquele marquês, em questão, precisava de uma amiga.
Oh, Piers!
O coração dela se inflou de ternura.
“Me escute.” Os braços e pernas masculinos a envolveram. Ela
conseguia sentir as batidas do coração dele, contra o seu peito. “Eu
escolho você, Charlotte. Não vou olhar para trás.”
Ele beijou-a suavemente, deixando os lábios descerem dos
cantos da boca dela para sua bochecha, seu pescoço. Então, mais
abaixo, para os escorregadios seios nus. Embaixo da água, o pênis
dele começava a crescer contra as coxas dela.
Ela remexeu os quadris, ajustando a dura extensão dele contra
sua fenda. O contato repentino fez com que os dois suspirassem.
Ele deslizou a língua pelo mamilo endurecido dela, antes de
enfiá-lo todo na boca. Enquanto ele a sugava, um arrepio ondulou
pelo seu pescoço e desceu pelos braços.
Ela se balançou contra a ponta da excitação dele, esfregando o
corpo em toda a dureza de seu membro, despertando aquele tenso e
pulsante nervo, que era o cume de seu sexo. Ele emaranhou uma mão
nos cabelos úmidos dela, inclinando-a para cobrir seu pescoço de
beijos.
“Você é adorável. Simplesmente adorável.”
Ele a levantou pela cintura e posicionou-se em sua entrada, sua
testa enrugou-se em dúvida. “Você não está muito sensível?”
Ela balançou a cabeça.
Ele rangeu os dentes, enquanto entrava nas profundezas dela.
“Você está certa disso?”
“Sim.”
Era uma mentira inofensiva. Ela estava sensível, e frágil e
vulnerável. Não somente entre as pernas, mas em seu coração.
Se ele a ferisse, então que assim fosse.
Ela havia escolhido aquilo também.
Eles se moveram juntos, lentamente, tentando não derramar
toda a água da banheira no chão.
A testa dele pressionou a dela. Ela podia senti-lo crescer ainda
mais em seu interior. Os braços a enlaçaram como um torno,
enquanto ele estocava.
Com um gemido, ele a ergueu e atraiu sua mão entre os corpos,
envolvendo o punho dela em seu membro enrijecido, fechando sua
própria mão em volta da dela. Ele a guiou em rápidos movimentos,
derramando sua semente em suas mãos.
Ele desmoronou, enquanto ela acariciava as costas dele.
“Charlotte, querida?”
Querida. Mais um pedaço de demonstração de afeto para
adicionar em sua coleção.
O coração dela flutuou estupidamente. “Sim?”
“Eu acho que você errou gravemente a soma dos seus talentos
naturais.”
Ela deu um sorriso no topo da cabeça dele. Talvez existisse algo
único nela. “Bem, isso é reconfortante. Eu abriria mão de ser uma
mulher perfeita, muito menos uma excepcional.”
“Você é excepcional.”
“Você não precisa me bajular.”
“Estou falando sério. Quantas horas você gastou fazendo as
vontades de sua mãe? Ou ouvindo sua irmã louca por pedras, ou
fazendo companhia dentro de casa para a outra que era doente?
Pense sobre os anos que você passou em Spindle Cove, enquanto
poderia estar em Londres. Muitas pessoas achariam isso tedioso. É aí
que você é excepcional. Na arte com pessoas.”
“Você verdadeiramente acredita nisso?”
“Eu sei disso. Porque lidar com essa pessoa em particular.” _ ele
apontou para si mesmo. _ “Requer muita virtude.”
Ela riu.
“Eu não estou brincando. Eu não havia encontrado nenhuma
mulher que conseguisse fazer isso.”
“Você tem sorte, por eu tê-lo encontrado, então.”
O elogio dele a envolveu como um banho, suave e caloroso.
Completamente diferente de elogios rígidos e fabricados.
Não era à toa que, de repente, ela começou a acreditar em si
mesma. Era por causa de Piers declarando seu valor. Mas ele
fundamentou bem a conjectura, e ela acreditou no poder de
observação dele, especialmente quando ela concordava com ele.
Ela não a fez se sentir excepcional. Eles chegaram aquela
conclusão juntos. E aquilo era algo inteiramente diferente.
Aquilo era, ela decidiu, exatamente o que buscava em um
parceiro _ algo que ela nunca conseguiu pôr em palavras _ mas estava
disposta a esperar anos e anos para encontrar.
O que significava que ela tinha sorte, de tê-lo encontrado
também.
Talvez, ela era até mesmo afortunada, por ter uma mãe
intrometida e calculista.
Não.
Não, aquilo era ir longe demais.
Então uma ideia _ uma espetacular e perfeita ideia _
resplandeceu sobre sua mente como um cometa e ateou fogo em seu
peito.
Ela se sentou e olhou para ele. “Deixe-me ser sua parceira.”
“Eu pensei que isso já estivesse acertado.”
“Não, não somente sua esposa. Sua parceira em...”_ ela fez um
gesto vago _ “...seu trabalho. Nós nos divertiríamos tanto juntos.”
Ele esfregou a mão sobre o rosto, então alisou o cabelo para trás.
“Não. Fora de questão.”
“Eu poderia ser uma espiã brilhante. Pense a respeito. Eu amo
um bom quebra cabeça. Eu posso ganhar a confiança das pessoas.
Eu sei como usar uma arma. Eu sou esperta, ousada. Eu...eu posso
esgueirar-me pelas janelas.”
Ele riu um pouco. “Não é como você imagina. Você acharia
enfadonho. Espionagem é na maior parte do tempo, ler papéis,
escrever relatórios e ouvir conversas aborrecidas em festas. É noventa
por cento puro tédio.”
“Tudo que se valha a pena fazer é noventa por cento entediante.
Pense sobre seu irmão, um campeão de luta. Eu aposto que ele gasta
semanas, até meses de preparação, por apenas uma hora no ringue.
Ou minha irmã, a geóloga. Ela examinaria minuciosamente
montanhas de poeira para encontrar um pequeno e horroroso fóssil.
Delia faz dezenas de esboços de seus desenhos, antes de começar a
pintar.” Ela fez uma pausa. “Nenhuma busca me chamou a atenção
dessa maneira antes. Mas esse pode ser meu verdadeiro talento.
Minha paixão.”
Ele somente balançou a cabeça negando.
“Você não consegue ver que parceiros ideais nós seríamos? Nós
completamos as falhas um do outro de forma perfeita.” Ela alcançou
as mãos dele e as apertou. “Mande-me para o Continente com Delia.
Enquanto ela pinta, eu posso trabalhar em aprender novas línguas.
Praticar etiqueta. Eu ...eu posso até aprender a pendurar coisas em
cabides.”
“Charlotte... seria muito perigoso.”
“Pendurar coisas em cabides?”
“Trabalhar comigo.”
“Mas você acabou de me dizer que é tudo papéis e festas
tediosas.”
“E é. Exceto pelos momentos, que não é.” Ele se levantou, saiu
da banheira e alcançou uma toalha.
Ela tirou um momento para admirar o firme corpo masculino,
brilhando como bronze, na cintilante luz das velas. Os músculos
esguios de seus ombros e costas. Os pelos negros em seus antebraços
e pernas. Seu órgão masculino em repouso em seu ninho obscuro.
Ele balançou os cabelos, respingando água no quarto, então esfregou
a toalha sobre o rosto e secou atrás das orelhas.
Todo o ritual foi normal e íntimo. Mas também foi cativante.
Ele era somente um homem, afinal de contas. Um homem forte,
poderoso e complicado _ mas humano, como todos _ feito de pele e
osso, músculos e coração.
Havia amor nele, em algum lugar, firmemente armazenado e
esperando, como um raro vinho antigo. Poderia levar meses, ou talvez
anos, mas Charlotte estava determinada a buscar esse homem na
mais profunda ‘adega’ de sua alma e retirar a rolha.
Ele pendurou a toalha sobre seus ombros e ofereceu a mão a ela.
“Tome cuidado. O chão está escorregadio.”
Uma vez que ela estava fora da banheira, ele abriu outra toalha
e a embrulhou como se fosse a folha de um repolho, dobrando as
pontas de forma segura. Ele a estava tratando como um frágil bebê.
“Você não acredita que eu possa fazer.” Ela disse.
“Eu não disse isso.”
Você não precisa.
Ela estava ferida pela falta de confiança dele, mas ela não podia
culpá-lo por duvidar. O que ela tinha de recomendação sobre si
mesma? O hábito de rir em momentos inapropriados e alguns
pequenos casos não solucionados em seu currículo?
“Por favor.” Disse ela, olhando por cima de seus cílios molhados.
“Dê-me a chance de provar a mim mesma. Somente não tome
nenhuma decisão esta noite.”
Ele exalou pesadamente. “Tarde demais. Eu já tomei uma
decisão.”
“Oh?” Ela curvou-se. “Qual é?”
“Esta.”
Ele a levantou no ar, pendurando-a sobre o ombro, como um
feixe de trigo empacotado, e carregou-a para a cama.

CAPÍTULO 18

Charlotte acordou sozinha em sua cama, a luz do sol atravessava


a janela. Deveria estar no meio da manhã, pelo menos.
Ela não se lembrava de ter vestido uma camisola de dormir,
muito menos de estar segura embaixo dos cobertores. Mas, então,
como sempre, ela havia dormido como pedra. Piers provavelmente
ficou relutante em acordá-la.
Piers.
Piers, Piers, Piers.
Ela endireitou a postura, e caiu contra o travesseiro,
pressionando as duas mãos no coração.
A noite passada não fora somente um momento de fraqueza em
uma clareira. Fora uma revelação. Ela vislumbrou novas facetas de
Piers e de si mesma também. Um mundo inteiro de possibilidades se
abriu.
Aquilo era real.
Ela estava amando. Ela tinha um amante.
Um bom amante.
O corpo dela estava todo dolorido. Ela estava sensível nas partes
íntimas, mas havia outras partes doloridas também. Os mamilos
estavam latejantes de tanto serem sugados. A pele de suas coxas
estava levemente irritada por causa dos pelos da barba dele.
Pequenos ecos de prazer pulsaram entre as pernas dela.
Ela apertou as coxas bem juntas.
“Charlotte.” Ela disse em voz alta. “O que sua mãe diria?”
Enquanto estava deitada imóvel, um largo sorriso espalhou-se
em sua face de uma orelha a outra. Incapaz de se conter, ela rolou de
barriga para baixo e abafou seu grito de deleite no travesseiro,
chutando os cobertores.
Então, ela parou abruptamente quando a porta se abriu, ficando
mole como se estivesse dormindo. Bem na hora! Ou assim Charlotte
esperava que fosse.
“Peço que me perdoe, senhorita Highwood. Trouxe sua bandeja
de café da manhã.”
Charlotte murmurou um obrigada soando bem sonolento e abriu
os olhos, somente pelo tempo necessário para ver a criada deixando
o quarto.
Então, ela jogou de lado suas roupas de dormir e alcançou um
roupão.
O cheiro de torrada amanteigada e chocolate quente era
irresistível, tanto quanto os beijos de um certo homem. Ela estava
faminta.
Piers era quem devia ter mandado aquilo para ela. Charlotte
normalmente tomava o café junto com as damas Parkhurst. Mas ele
devia saber que ela estaria exausta aquela manhã, e com fome
também.
Tão carinhoso. Tão atencioso aos detalhes.
Enquanto ela passava um braço por dentro de seu roupão, ela
notou um objeto verde e violeta repousando no canto da bandeja.
Uma flor?
Talvez o homem tivesse romance dentro dele, afinal de contas.
Rindo para si mesma, ela pegou a flor violeta e girou entre seus
dedos. Ela olhou para a planta. À uma primeira olhada, ela pensou
que era uma dessas margaridas de São Miguel, que crescem em
qualquer lugar naquela época do ano. Mas não era uma flor comum.
Algum tipo de íris, ou uma orquídea talvez. Charlotte não era
jardineira.
Ela deixou a flor de lado com um encolher de ombros.
O que quer que fosse, era linda e muito tocante. Mas, com
certeza o caminho para seu coração era seu estômago, e uma pilha
de torradas perfeitamente douradas em um prato era como se fosse
ouro.
Ela amarrou as tiras de seu roupão em um nó, preparando-se
para sentar-se e se deleitar. Mas seus dedos se enrolaram no nó do
roupão. Que estranho. Sua mão direita não queria funcionar
corretamente. Um comichão começou a se espalhar de seus dedos
para seu pulso.
Ela balançou a mão, acreditando que poderia ter dormido por
cima do braço.
Mas a ‘balançada’ não ajudou. Ao invés de diminuir, a sensação
de dormência aumentou. Espalhando de seu pulso para o cotovelo.
E o que era muito estranho, ela não conseguia sentir os dedos
de jeito nenhum.
Seu coração começou a se comportar de uma maneira estranha.
Uma enxurrada de batimentos rápidos, e depois nenhum. Então
voltou a galopar dentro do peito, e parando novamente em seguida.
Que vexatório. Ela herdou as agitações de sua mãe, afinal de
contas.
Deveria se deitar, assim ela supôs.
Mas enquanto se virava em direção a cama, sua visão se tornou
acinzentada e obscura. Como se a vida, de repente, fosse o esboço em
uma folha de jornal.
Aquilo era mais do que uma ‘agitação’. Alguma coisa estava
errada.
Piers saberia o que estava errado.
“Piers.”
A palavra ficou presa em seus lábios secos. Ela tentou
novamente. “Piers?”
Não saiu alto o bastante. Droga!
Seus joelhos fraquejaram. Ela agarrou a cadeira com a mão
esquerda, apertando forte. O braço direito dela era nada mais que um
peso morto pendendo de seu ombro.
Ela precisava sair do quarto.
Charlotte sabia que entraria em colapso, e ela não poderia estar
sozinha quando acontecesse.
Seu coração trovejava em seus ouvidos, enquanto ela
cambaleava em direção a porta do quarto. Ela observou sua própria
mão esquerda agarrar a maçaneta quebrada da porta, como se
pertencesse a outra pessoa.
Charlotte, concentre-se.
Finalmente, seus dedos obedeceram. Eles se fecharam em volta
da maçaneta e puxaram a porta, abrindo-a por uns trinta
centímetros, sessenta no máximo.
Somente o espaço suficiente para Charlotte desmoronar,
transpassando-a, e desmaiando no corredor.
Baque.

Convidado por Sir Vernon, Piers acomodou-se para o chá e


refrescos leves na biblioteca.
“Eu aprecio o tempo dedicado a mim, Sir Vernon. Essa manhã
foi muito instrutiva.”
Eles haviam acabado de completar uma visita às terras
agrícolas, com o intuito de discutir sobre métodos de irrigação. Até
aquele momento, como Piers pôde ver, nada parecia impróprio.
Nenhum sinal de que o homem estivesse economizando, ou vendendo
suas propriedades, ou fazendo qualquer tipo de compra estranha. No
geral, a Mansão Parkhurst parecia estar em uma extraordinária
condição financeira, quase como se prosperasse por conta própria.
Em mais de uma semana, Sir Vernon não havia sugerido jogos
de cartas ou dados, nem nada mais arriscado do que ‘comprar doses
de cidra de qualidade inferior na taverna’. Parecia improvável que ele
cultivasse o hábito de jogar.
Então, para onde o dinheiro estava indo?
Para uma amante de muitos anos, ou um filho bastardo. Não
havia muitas alternativas plausíveis a se considerar.
Mas ele precisava ter acesso a correspondência privada e as
contas do homem, para confirmar a verdade. Com todas as
distrações, ele não havia conseguido uma oportunidade para
procurar.
Seja honesto consigo mesmo, Piers.
A verdade era, ele podia ter encontrado oportunidades para
procurar. Mas ao invés disso, o que ele fez foi procurar oportunidades
para estar com Charlotte.
Então, ele fez Charlotte, sua.
“Você não acha”?
Piers levantou sua sobrancelha e sua xícara de chá em um
diplomático e prudente gesto, que esperançosamente seria tomado
como... qualquer tipo de resposta que ele deveria ter dado, se
estivesse prestando atenção.
Ele pensou em Charlotte, em como ele a deixou, dormindo em
sua cama, quando os primeiros raios de sol tocavam o horizonte.
Roncando suavemente, de uma maneira adorável e imperturbável.
Não era surpresa alguma ele não conseguir se concentrar aquela
manhã.
Todo o tempo que se arrastou _ lentamente _ desde que se
separaram, ele quis estar com ela. Segurando-a. Dentro dela,
levando-a em direção a outro doce colapso de prazer. Conversando e
rindo com ela depois.
“Aham”. O mordomo apareceu na porta. “Perdoe-me a
interrupção, Sir. Mas Lady Parkhurst tem uma questão que requer
sua atenção”.
“Ela precisa”? Sir Vernon de ombros. “Você não se importa não
é Granville? Uma questão de menus ou gerenciamento da casa,
provavelmente, mas devemos manter as damas felizes”.
“Com certeza”.
Aquela era a oportunidade que Piers estava esperando.
Uma vez sozinho, ele poderia fazer uma busca na escrivaninha
do homem, terminar a tarefa que ele havia ido cumprir. Então ele
poderia anunciar seu noivado com Charlotte e ir embora.
Ele se moveu em direção a mesa.
Baque.
O barulho o fez parar.
Provavelmente nada. Definitivamente nada. Um criado deixando
algo cair no andar de cima, era isso.
Ainda assim, enquanto ele fechava a primeira gaveta e sem ruído
algum, procurava na segunda, sua mente não conseguia repousar.
Ele não gostou do silêncio que se seguiu aquele baque.
Se um objeto é derrubado, deve ser recolhido. A não ser que fosse
Charlotte quem houvesse derrubado tal objeto, naquele caso o objeto
ficaria no chão por um ano ou mais.
E com aquilo, sua mente estava com Charlotte novamente.
Ele sorriu um pouco consigo mesmo, e antes mesmo que
soubesse o que estava fazendo, seus olhos voaram para o parapeito
da janela.
Isso era inútil. Ele não conseguia tirá-la da mente. E não
conseguia se acalmar sobre esse silêncio, após a queda de um objeto,
que aparentemente não fora recolhido. E se ele não estava se
concentrando na tarefa que tinha em mãos, ele deveria esperar por
outra oportunidade. Em um momento de distração, ele poderia
cometer algum erro.
Ele fechou a gaveta e deixou a biblioteca, se virando para subir
as escadas.
O que ele encontrou no corredor o apavorou. Ali estava a fonte
do baque.
Charlotte.
Ele correu para o lado dela.
“Charlotte”. Ele balançou gentilmente o braço dela. “Charlotte.
Você está bem”?
Sem réplica.
Sem resposta alguma. Ela estava imóvel.
Enquanto ele se virava e a levantava, a cabeça dela caiu para
trás. Seus lábios tinham uma coloração azulada.
Um sentimento doentio elevou-se do interior de Piers.
“Não”. Ele a sacudiu bruscamente, inutilmente. “Não, não, não”.
Aquilo não podia estar acontecendo. Não. Ela não podia ser
tirada dele.
Ele abriu o supercílio dela, para averiguar suas pupilas, então
encostou sua bochecha nos lábios pálidos.
Ela estava respirando, afinal. E quando ele pressionou a mão em
sua garganta, ele encontrou o coração dela batendo _ rapidamente.
Talvez não fosse tarde demais.
Charlotte, Charlotte. Quem fez isso com você?
“Ridley”! Ele gritou, de repente rouco. “A senhorita Highwood
está doente.”
Ridley se juntou a ele no chão. “Eu devo ajudá-lo a movê-la para
a cama”?
“Não toque nela. Ninguém mais toca nela”.
Ele seria o único a movê-la, a segurá-la. Para erguê-la em seus
braços e carregá-la para a cama. Da maciez do cabelo, até sua
bochecha febril.
“Encontre Sir Vernon”. Piers disse, mal contendo a rispidez em
sua voz. “Diga a ele para mandar buscar um médico”.
Ridley balançou a cabeça. “Imediatamente, milorde”.
Piers arrancou a gravata de seu pescoço e mergulhou na água
do lavatório. Então retornou para o lado dela na cama e esfregou o
pano frio por sobre sua testa e pescoço.
Ela se mexeu, e o coração dele deu um salto de esperança.
“Fique comigo, Charlotte”.
Ele podia quase ouvi-la provocando-o em resposta: Eu não gosto
que me digam o que fazer.
Desperte, então. Desperte e me diga isso.
Se ele tivesse que irritá-la até ela voltar a vida, então ele faria.
“Charlotte, fique comigo. Você está ouvindo? Você não pode me
deixar. Eu proíbo-a”.
Ele a segurou, contando cada uma das superficiais, preciosas
respirações dela. Quando ele ousou olhar em volta, ele observou o
quarto. A bandeja de café da manhã estava na mesa. Parecia
intocada, com a xícara de chocolate ainda fumegando e o prato
decorado com....
Uma flor com uma folhagem sinistra.
Ele soube imediatamente. Erva-moura. Uma das mais mortais.
Não precisava nem mesmo ser ingerida. Um simples contato com a
pele poderia ser fatal.
Charlotte não havia simplesmente caído doente.
Ela havia sido envenenada.
“Qual mão”? Ele ordenou. “Charlotte, você tem que acordar.
Diga-me com qual mão você tocou isso”?
Os cílios dela tremeram e ela olhou para o braço direito.
Piers virou sua mão com a palma para cima. Cristo! A pele dela
ainda estava com alguns fracos arranhões de quando ela havia
agarrado as rédeas em sua cavalgada selvagem do outro dia. Era
como uma porta aberta, e o veneno entrou por ali.
Ele alcançou o jarro de água no lavatório e lentamente derramou
o restante do conteúdo no antebraço dela, deixando a água escorrer
pela palma da mão e por todo caminho até os dedos, antes de cair no
chão.
“Ridley!” Ele gritou novamente.
Ridley apareceu na porta, sem fôlego pela corrida para cima e
para baixo pelas escadas. “Foram buscar o médico.”
“Não podemos esperar tanto tempo. É erva-moura. Traga a
navalha e a bacia do meu lavatório. Eu terei que sangrá-la para retirar
o veneno.”
“Sim, milorde.”
Piers amarrou a gravata no alto do braço direito dela, prendendo
firme, para funcionar como um torniquete. Ela deu um fraco gemido
de dor, enquanto ele dava um nó apertado. Ele ignorou. Daquele
ponto em diante, não havia tempo para emoções, nenhum espaço
para dúvida.
Seu primeiro objetivo era assegurar que Charlotte sobreviveria.
Seu segundo era descobrir quem havia feito aquilo, e fazer essa
pessoa pagar.

CAPÍTULO 19

Ela ficou à deriva, entre a consciência e inconsciência por dias,


ou pelo menos foi o que pareceu.
Não importava quando ela acordava, se em plena luz do dia, ou
tarde da noite, sua mãe estava ao lado da cama, sem falhar.
Pressionando panos úmidos em sua testa ou lhe dando colheradas de
caldo de carne.
Quando ela se sentiu bem o bastante para sentar-se, sua mãe
ajudou-lhe a se lavar e vestir um chemise limpo. Posicionou-se atrás
dela na cama e escovou e trançou seus cabelos.
“Obrigada, mãe. A senhora não precisava fazer todas essas
coisas por mim. Eu poderia chamar uma criada.”
“Shh.” Ela disse. “Eu ainda sou sua mãe, mesmo que você tenha
crescido. E as mães nunca perdem a prática.”
“Eu tenho uma vaga lembrança de estar doente, quando era
criança. Eu deveria ter dois anos. Ou talvez três...?”
“Três. Você teve escarlatina. Minerva, também.”
“Sério? Eu não me lembro da febre. Tudo o que me lembro é de
estar irritada por ser mantida dentro de casa por tanto tempo, e que
você me fazia sorver limão com mel de um lenço. Acredito que você
deveria estar realmente muito preocupada.”
A senhora limpou a garganta. “Meus nervos nunca mais foram
os mesmos. Imagine. Eu era viúva recentemente. Nós tínhamos sido
expulsas de nossa casa, quando o primo do seu pai herdou a
propriedade, nos deixando com apenas uma renda insignificante. Eu
estava sozinha pela primeira vez na minha vida, com três filhas
pequenas para criar, e duas de vocês queimando de febre.”
“E Diana?”
“Eu tive que mandá-la para a casa da esposa do vigário. Nós
ficamos sem vê-la por um mês.” Ela fez uma pausa. “Ou foram dois
meses? Eu me lembro que ela ainda estava fora no meu aniversário
de vinte e cinco anos.”
“Senhor!” Charlotte sabia que sua mãe havia enviuvado jovem,
mas nunca parou para pensar o que isso significava em termos
práticos.
Sua mãe deu um puxão em seu cabelo. “Olha a língua.”
“Desculpe, eu somente não consigo imaginar, como a senhora
conseguiu passar por isso.”
“Da mesma forma que todas as mulheres fazem, Charlotte. Não
nos foi dado o poder ou a força física que os homens têm. Nós temos
que nos redesenhar e descobri-las dentro de cada uma de nós.”
Ela dividiu o cabelo de Charlotte em várias mechas e começou a
trançá-las em uma trança apertada. “Uma vez que todas vocês
estavam saudáveis e tínhamos um teto, eu fiz um voto, de que vocês
nunca se encontrariam nessas dificuldades. Vocês se casariam bem,
com homens que pudessem oferecer verdadeira segurança a vocês.
Eu nunca quis que vocês enfrentassem uma noite insone pelas contas
com o açougueiro.”
Charlotte sentiu-se pequena por reclamar tanto das tentativas
de sua mãe em bancar a casamenteira. Com certeza, as tentativas
eram ridículas e mortificantes, mas as dificuldades têm a sua maneira
de moldar as pessoas, assim como pedras e ventania fazem crescer
uma árvore.
Além do mais, ela era afortunada por ter uma mãe, no fim das
contas. Muitas crianças cresceram sem as suas. Piers foi uma delas,
e a experiência contribuiu em muito para moldar quem ele se tornou,
cercado do mundo, um estranho para suas próprias emoções. Pelo
menos Charlotte sempre soube que era amada.
Ela alcançou sua pequena flanela bordada, embaixo do
travesseiro, e esfregou a maciez entre seus dedos.
“Porque a senhora não se casou novamente?”
“Eu pensei sobre isso. E até mesmo recebi propostas. Mas eu
não consegui conciliar a mim mesma com aquela ideia por muitos
anos, e aí o tempo passou e já era muito tarde. Eu havia perdido
minha juventude.”
“A senhora deve ter amado muito o meu pai.”
A senhora Highwood não respondeu. Ela amarrou a trança com
uma fita e deu a volta na cama para sentar-se ao lado de Charlotte.
Seus olhos ficaram úmidos enquanto ela olhava para o rosto da filha.
“Oh, Charlotte!” Ela suspirou.
Um caroço se formou em sua garganta. “Sim, mamãe?”
“Você parece uma morta. Pelo amor de Deus! Ponha alguma cor
em seu aspecto.” Ela prendeu as bochechas de Charlotte entre os
dedos e apertou-as fortemente.
“Mamãe!” Charlotte tentou esquivar-se de seus beliscões. “Ai.”
“Oh, fique quieta! Quando lorde Granville olhar para você, nós
não queremos que ele veja o horror desgrenhado de agora. Talvez ele
até rompa o noivado.”
A menção a Piers fez o coração dela sofrer uma pontada. Ela
poderia suportar milhares de beliscões, se isso significasse que ela
poderia vê-lo e ser abraçada por ele novamente.
“Lorde Granville, não romperá com o noivado.” Ela deu a ele
amplas oportunidades e ele recusou.
Eu escolho você, Charlotte. Eu não vou olhar para trás.
“Você diz que ele não irá, mas não se torne complacente. Você é
uma garota animada e toleravelmente esperta, mas a aparência é a
sua maior vantagem.”
Charlotte caiu para trás nos travesseiros. Sem esperança.
“Mamãe, eu amo você.” Ela disse em voz alta, para lembrar a si
mesma, mais do que a qualquer um. “Mesmo quando a senhora é
absurda e embaraçosa, e me deixa completamente maluca.”
“E eu a você. Apesar do fato de você ser ingrata e obstinada, e
não ter nenhum respeito pelos meus nervos. Eu suponho que você
quer que Delia suba e leia para você.”
“Não. Agora não. Eu quero ver Piers.”
“Lorde Granville não está aqui.”
Charlotte se sentou novamente. “Ele não está aqui? Para onde
ele foi? E se ele não está na casa, por que a senhora sujeitou minhas
bochechas à tortura medieval?”
A mãe deu de ombros. “Ele tinha negócios a tratar. Grandes
homens normalmente têm, Charlotte. Eu sei que ele não é um duque,
mas você tem que se acostumar com a ideia de que seu noivo é um
homem importante.”
Charlotte orou em silêncio, por paciência. “A senhora saberia
dizer, quando meu importante noivo retornará?”
“Eu ouvi por alto ele dizendo a Sir Vernon que tinha expectativas
de retornar hoje à noite, mas que seria bem tarde. O que será ótimo.
Amanhã você estará recuperada o bastante para sair da cama.”
Aquilo não podia esperar até amanhã. Precisava ver Piers. Ela
tinha uma lembrança dos braços dele sobre ela no corredor, e seu
rosto sombrio, enquanto ele tentava descobrir a causa.
Ela tocou o curativo sobre a incisão em seu braço. A última vez
que ele a viu, ela estava inconsciente e fraca. Aquela, dificilmente, era
a impressão que ela esperava criar, quando se comprometeu a
convencê-lo de que poderia ser uma parceira competente.
Ela implorou por uma chance de provar a si mesma, e então não
durou até o café da manhã. Naquele ponto, ela teria sorte se ele
confiasse nela, para servir uma xicara de chá.

Piers sacudiu a poeira da estrada, como se o diabo estivesse


respirando em seu pescoço.
Em momentos como aquele, ele invejava seu irmão. Campeão de
lutas parecia ser a carreira ideal para abater alguns demônios.
Quando Rafe queria bater em alguma coisa _ ou em alguém _ ele não
precisava de uma desculpa.
Piers não podia se dar a esse luxo. A violência em sua linha de
trabalho era esporádica, na melhor das hipóteses.
Aquela noite, o melhor que ele poderia fazer era impelir seu
cavalo em um galope, enquanto avançava pela estrada, e ter
esperança de que o forte e gelado vento diminuísse um pouco de sua
ira.
Ele estava zangado com Sir Vernon e essa distinta casa maluca,
que ele parecia administrar. Furioso por quem quer que tenha
envenenado Charlotte. Mas, o principal de tudo, ele estava irado
consigo mesmo.
Ele desmontou de seu cavalo e entregou as rédeas para um
cavalariço, antes de passar pelas portas da Mansão Parkhurst. Ele
não procurou por seu anfitrião, e tampouco se empenhou em
cumprimentos cordiais, alardeou seu caminho diretamente para o
andar de cima.
Ele estava tentado a seguir reto pelo corredor para ver Charlotte,
mas resistiu a urgência. Ele falhou em protegê-la de ser envenenada.
O mínimo que poderia fazer era deixá-la descansar.
Uma vez que consultou Ridley e assegurou-se de que ela
continuava a se recuperar, Piers se retirou para seu quarto de dormir
e girou a chave na fechadura. Ele se livrou de seu colete e retirou suas
botas. Jogou para o lado sua gravata desamarrada, antes de puxar a
bainha de sua camisa de dentro das calças e levantá-la, retirando-a
pela cabeça. Então foi até o lavatório e encheu a bacia, esfregando-se
para se limpar e lavando o rosto.
“Você vai deixar isso no chão?”
Ele levantou sua cabeça e se virou.
Charlotte estava inclinada do lado de dentro de sua porta
trancada, balançando a gravata dele em uma mão. Um sorriso astuto
curvava seus lábios. Ela parecia uma linda assistente, em um show
de mágicas, preparada para uma chuva de aplausos.
Voilá!
Ele enxugou o rosto com uma toalha e a encarou incrédulo.
“Como você...?
Detrás de suas próprias costas, ela mostrou um grampo de
cabelo. “Eu venho praticando. Você estava certo, não é tão difícil, uma
vez que se descobre o truque.”
“Você deveria estar descansando.”
“Eu venho descansando há dois dias. Me sinto bem.” Ela deixou
a gravata cair pelo chão e se aproximou, passando as mãos pelo peito
nu dele. “E estou ainda melhor nesse momento.”
Ele fechou os olhos, tentando se proteger da tentação do corpo
dela envolto em um vestido de dormir insinuante, com aquele denso
cabelo cacheado e dourado, roçando em seus seios.
Mas sua tentativa de manter distância falhou. Com os olhos
fechados, a intimidade do momento somente multiplicou. Ele se viu
alcançando-a, perdido no prazer do suave toque dela. As pontas dos
dedos vagavam pela pele nua dele, traçando os contornos de sua
clavícula e roçando nos pelos de seu peito.
E então, quando ele não poderia mais sobreviver um momento
sem eles, os lábios dela, tocaram os seus.
Deus, o que aquela mulher fazia com ele? Seus pulmões estavam
vazios de ar. Seu coração batia como um louco.
Maldição, os joelhos dele quase se curvaram.
Joelhos curvados, era ficção de livros e dramas insignificantes.
Não era para acontecer na vida real, mas lá estava ele, fraquejando
de anseio.
As mãos dele encontraram a cintura dela. Ou talvez foi a cintura
dela que encontrou as mãos dele. Não importava. Ela não estava
fugindo. Ele fez manobras no sedoso e escorregadio tecido, puxando-
a para mais perto, como se dependesse do beijo.
Quão fácil seria, carregá-la para sua cama e perder-se na doçura
dela.
Ela estava frágil. Mas ele poderia ser gentil.
Talvez. Um pouco.
Então ela enlaçou os braços no pescoço dele, e ele sentiu um leve
arranhão. O curativo, que circulava o antebraço dela.
Aquilo o sacudiu para voltar a consciência.
Os olhos dele se abriram e ele retirou os braços dela de seu
pescoço.
Ele não podia permitir que isso acontecesse. Novamente, não.
Ele não podia permitir que desejos e emoções obscurecessem seu
pensamento. Não, quando a segurança dela dependia que seus
instintos permanecessem em alerta.
“Quem trouxe aquela bandeja de café da manhã para o seu
quarto?” Ele perguntou.
Ela piscou, parecendo desorientada pela repentina mudança de
assunto. “O quê?”
“A bandeja de café da manhã com a erva-moura.” Ele a guiou até
uma cadeira, para que pudesse se sentar, então sentou-se em um
banquinho de frente para ela. Ele apoiou os cotovelos nos joelhos e
enlaçou seus dedos uns nos outros. “Quem trouxe aquilo para o seu
quarto?”
“Uma criada.”
“Qual criada?”
Ela balançou a cabeça. “Eu não sei. Eu mal a vi. Ela tem cabelos
ruivos.”
“Nenhuma das criadas tem cabelo ruivo.”
“Talvez eu esteja errada então.”
Piers duvidava. Memórias não eram coisas perfeitas. Elas
sempre tinham alguns furos. Mas, cabelo ruivo não era o tipo de
detalhe que a imaginação guardava para cobrir essas falhas.
“Porque você simplesmente não pergunta?” Ela falou.
“Nós já perguntamos. Cada membro da criadagem negou saber
de qualquer coisa a respeito.”
“Bem, naturalmente eles iriam negar. Eles provavelmente estão
com medo de serem despedidos. Lady Parkhurst coleciona plantas
incomuns. Eu estou certa de que foi somente um erro irrefletido.”
“Uma mortal erva-moura não termina em uma bandeja de café
da manhã por engano.”
Ela sorriu um pouco. “Não em sua linha de trabalho, talvez. Mas
essa não é a cena de uma intriga internacional. É uma festa em uma
casa de campo.”
“Não seja ingênua.” Ele disse, e seu tom estava um pouco mais
irônico do que ele gostaria que fosse. “Você tem feito perguntas,
perseguindo sua pequena investigação. Talvez, tenha tropeçado perto
demais de algum segredo, que alguém faria de tudo para esconder.”
“Piers, realmente. Você deve parar de ver conspirações onde não
há nada para encontrar.” Ela tocou a testa dele, tentando alisar as
rugas de preocupação. “Essa é, somente, outra ilustração das
diferenças entre nós. Eu sou uma otimista. Você, sempre pensa o
pior. Eu mantenho tudo misturado e jogado pelos cantos; você
arquiva tudo de modo perfeitamente ordenado. Eu vejo o copo meio
cheio. Você vê cheio de veneno.”
“Você seria assim também, se estivesse na minha linha de
trabalho. E é precisamente por isso, que eu nunca permitirei que você
faça parte do meu tipo de trabalho.”
“Você disse que iria considerar.”
Ele havia considerado.
Apesar de seu melhor julgamento, ele ficou intrigado pela ideia
de trazê-la para o Serviço. Ela não se livraria de documentos de
contrabando, é claro. Mas Charlotte era perceptiva e rapidamente
ganhava a confiança das pessoas. Ele podia ver os dois retornando
para casa, ao final de um baile ou jantar, para classificar suas
observações, compartilhar qualquer pedaço de fofoca ou palavras
ouvidas.
E então fariam amor apaixonadamente.
Mas quando ela desmoronou no corredor todos os planos dele
mudaram. Tudo mudou.
“Eu consigo fazer isso, Piers. Eu já tenho a disposição. Quando
eu retornar da viagem, eu serei mais mundana, mais polida. Uma
parceira capaz para você, e hábil para defender a mim mesma.”
“Eu farei a defesa. E você não viajará para lugar algum.”
O olhar dela demonstrava que estava ferida. “Você prometeu-me
dar uma chance para eu provar a mim mesma.”
“Aquilo foi antes de você quase morrer em meus braços. Quando
eu a encontrei, naquele chão...”
Ele blasfemou, mais do que ele já havia feito, em qualquer outro
momento, em companhia de uma dama.
“Eu sei.” Ela se moveu para a borda da cadeira, enrolando as
mãos sobre os dedos trêmulos dele e apertando fortemente. “Eu sei
que você ficou assustado.”
Não, ela não sabia.
Ela não poderia ter ideia o quão profundo aquela visão mexeu
com ele, e ela jamais saberia. O segredo _ aquele peso esmagador da
vergonha _ era somente seu, para ele carregar. Ele poderia suportar
isso por décadas, e ele iria suportar isso por décadas.
“Eu preciso dizer uma coisa.” Ela segurou as mãos dele, mas o
seu olhar foi para o carpete. “Eu venho querendo lhe dizer. Não que
isso será uma surpresa. Você certamente é inteligente o bastante para
já ter descoberto. Quero dizer... a clareira... você provavelmente
concluiu por si só.”
Ele a fitava perplexo.
“Eu temo que não é algo, que você ficará feliz em ouvir. Você vai
querer argumentar contra, mas isso não mudará nada. Você não é o
único que pode tomar uma decisão irreversível, e você sabe quanto
mais tentam me dissuadir, mais eu sou teimosa.”
Deus do céu! Ela queria deixá-lo. Ele havia sido um presunçoso
na outra noite, tagarelando sobre todas as alternativas que ele teria
para resolver o pequeno dilema deles. Agora ela iria pedir-lhe isso,
pedir para ser liberada do noivado.
E o que era pior, ele sabia, que resposta deveria dar. Ele deveria
ser decente o bastante para deixá-la ir.
Mas Piers estaria condenado se fizesse isso.
“Eutemo.” Ela proferiu abruptamente.
Ele piscou para ela. “O quê?”
O que diabos era Eutemo? Uma vila? Uma pessoa? Uma
propriedade? Algum lugar que ela gostaria de ir no próximo feriado?
“Oh, céus!” Ela disse, depois de alguns momentos de silêncio.
“Eu sabia que você se opunha ao conceito, mas eu esperava um pouco
mais de reação, do que isso.”
“Charlotte, você terá que explicar isso para mim. Eu estou
completamente perdido. Onde _ ou o que _ é Eutemo?”
Ela olhou para o teto e suspirou. “Não, ‘Eutemo’, homem tolo!
Eu disse que eu te amo.”

CAPÍTULO 20

Charlotte foi ficando mais e mais ansiosa, enquanto esperava


pela reação dele.
Por longos e insuportáveis minutos, ele somente a encarou.
Talvez ela precisasse falar novamente.
Ela deslizou da borda da cadeira, inclinando-se para frente, até
que seus joelhos tocassem os dele. “Piers.” Ela sussurrou. “Eu disse
que eu, Charlotte... com esse órgão que bate em meu peito,
usualmente chamado de coração... amo você. Muito, mesmo. Isso faz
mais sentido?”
“Não.” Ele balançou a cabeça chocado. “Não realmente.”
Senhor, aquilo estava indo pior do que ela imaginava. Ela sabia
que ele não era familiarizado com a emoção _ não quando se falava
em termos de romance. Mas com certeza ele compreendia o conceito
geral.
Então, ela o olhou, talvez ele tivesse sim, entendido.
A expressão dele era algo diferente de confusa. Ele parecia
resistente. Desafiante. Ameaçador.
“Você não pode dizer isso, Charlotte.”
“Por que não? Você acha que está muito cedo?”
“Daqui a cem anos, seria muito cedo. Existem muitas coisas que
você não sabe. Coisas que você jamais saberá.”
“Você não acha...” ela fez uma pausa, ajuntando a coragem
necessária para fazer a pergunta. “Certamente, você não acredita que
o envenenamento tenha sido culpa sua?”
“É claro que foi minha culpa. Eu deveria ter sido mais cauteloso.
Poderia não ter acontecido se eu não tivesse...”
“Não, não. Não eu. Não somente eu, de qualquer forma. Eu estou
falando de sua mãe também.”
Os olhos dele semicerraram na defensiva. “O que a minha mãe
tem a ver com essa discussão?”
“Tudo, eu acho. Como poderia não influenciar sua reação? Você
me encontrou caída no corredor. Isso deve ter provocado memórias
dolorosas em você. Foi o láudano que a levou, não foi? Ou foi outra
coisa?”
“Quem te contou isso?”
Ela olhou para ele. “Você contou.”
“Não.” Ele soltou as mãos dela e se inclinou para trás. “Eu te
disse que ela pereceu, depois de uma longa doença. Eu nunca disse
nada sobre como foi.”
“Não em palavras, mas é o que faz sentido. É de conhecimento
comum que mulheres com variações de humor são medicadas com
essas coisas, para serem subjugadas. Você pode não estar irritado
por nada, e mesmo assim, sua frio quando eu demoro a acordar de
uma soneca. Quando eu fui envenenada, você ergueu todas as
paredes novamente.”
“Paredes. Que paredes?”
“As paredes em volta do seu coração, Piers. Você perdeu muito
quando era criança. Como homem, você comprometeu-se a uma
profissão perigosa e as vezes até brutal. Eu posso somente imaginar,
como isso pode mudar uma pessoa. Endurecendo-o para emoções.
Tornando-o relutante em permitir que alguém se aproxime.”
“Você está sendo absurda.” Ele se levantou, afastando-se.
“Existem pulgas que pulam de um cachorro para outro com maior
dificuldade, do que a sua mente pula de uma conclusão para a
próxima.”
“Oh, não. Não pense que você pode me deixar de fora agora.” Ela
o seguiu, deslizando em sua frente para bloquear o caminho. “Eu sei
quanto tempo levou para que você permitisse que alguém se
aproximasse assim. Pelo amor de Deus, faz mais de um ano desde
que Ellingworth morreu, e você nem ao menos, arranjou um novo
cachorro.”
Ele olhou para longe, e exalou um lento e raivoso suspiro. “Sei o
que você quer. Eu te disse desde o começo, eu não sou o homem para
dar-lhe estas coisas.”
“Então somos iguais. Porque Deus sabe, que existem damas
muito mais adequadas para amarem você. Mas parece que eu sou a
mulher que o fez.” Ela tocou o peito dele. “Você mesmo me disse, que
era tarde demais. Que eu estou em sua mente, debaixo da sua pele,
em seu sangue. Eu não vou me manter fora do seu coração.”
“Você precisa entender isso. Minha vida não tem espaço para
incerteza, ou margem de erro. Eu tenho que manter minha mente
limpa, ou pessoas podem se machucar. Você poderá se machucar.”
As mãos dele envolveram o braço enfaixado dela. “Maldição, você já
se machucou.”
“E se eu dissesse a você que eu sei os riscos, e que estou disposta
a tentar a sorte?”
“Não mudaria nada. Aquelas paredes, como você as chamou...
Elas são parte de mim agora, e elas são fortes como ferro.” Ele ergueu
a mão para o rosto dela, tocando levemente seu lábio inferior, com o
polegar. “Mesmo que eu quisesse, eu não saberia como destruí-las.”
“Eu sei.” Ela disse baixinho. “Eu sei.” Ela envolveu os braços no
pescoço dele. “É por isso que você precisa de mim. Eu vou derrubá-
las ao chão.”
Ele começou a retrucar.
Ela não esperou para ouvir.
Ao invés disso, ela agarrou-se em seu pescoço, puxando-o, para
diminuir a distância, e capturando a boca dele na sua.
Ele resistiu no início, mas ela não lhe deu espaço. Não era justo
talvez usar o desejo contra ele. Mas era a única arma que ela tinha.
E essa seria a estratégia que ela usaria para conquistar seu coração.
Charlotte usaria qualquer vantagem de que ela dispunha.
Ela provou dos lábios dele, um de cada vez, amaciando aquela
rigidez. Então ela deslizou a língua para dentro de sua boca,
explorando profundamente.
Assumir a liderança era uma experiência nova. Ela gostou. Ela
gostou demais, na verdade.
Com um suspiro desamparado, ela desceu as mãos pelas costas
dele, então o tocou de forma mais ousada sobre seus ombros e peito
nu.
“Você é tão perfeito. Todo lindo.” Ela beijou seu peito do lado
esquerdo. “Lindo por dentro, também.”
Ele rosnou advertindo-a. “Charlotte.”
“Sim?” Ela perguntou, fazendo uma voz doce e inocente. Dando
um passo para trás, olhou para ele, deixando seu robe de cetim
deslizar para o chão. “O que você estava dizendo?”
Pelo olhar faminto, com que ele varreu a nudez do corpo dela,
ela sabia que havia ganhado, ele estava completamente rendido.
Ela deu um passo para trás, então outro.
Ele se moveu em direção a ela, como se fosse puxado por linhas
invisíveis, dos mamilos dela para os olhos dele.
Quando a parte de trás das coxas dela bateram no colchão, ela
reclinou-se na cama. O olhar dele ainda estava grudado nos seios
nus, e ele a seguiu, inclinando-se sobre ela, prendendo-a com as
mãos e os joelhos.
“Não desse jeito. Não dessa vez.” Ela enrolou uma perna na
cintura dele, e rolou os dois, deixando Piers deitado de costas. “É a
minha vez.”
Enquanto ela se dobrava sobre ele, para beijar-lhe o pescoço não
barbeado, ele engoliu uma súplica. Ela arrastou a língua por sua
clavícula e desceu pelo centro do peito masculino. Dando leves
mordidas nos mamilos dele.
Então, se sentou, montando sobre as coxas dele. Ela ergueu os
seios com as mãos, moldando-os e apertando para que ele pudesse
ver. Circulou os mamilos com a ponta dos dedos, provocando-os até
estarem como picos rosados e rijos.
Ele fez um som estrangulado saindo de sua garganta. “Você vai
me matar.”
Charlotte somente sorriu.
Ela baixou somente um dedo para os lábios dele, então passou
pelo queixo, então o pescoço, então seu peito. Abaixo, mais abaixo...
até que ela encontrou a protuberância em suas calças e pôs a mão
por cima como se fosse uma concha.
Ela alcançou os botões e seus dedos não hesitaram.
Ele respirou fundo, enquanto ela colocava as mãos para dentro
de suas calças e libertava seu mastro intumescido da camurça. Ela
acariciou a rigidez para cima e para baixo, então foi até a base e
acariciou o macio e vulnerável saco embaixo.
Agarrando sua extensão com apenas uma mão, ela inclinou a
cabeça e passou a língua pela ponta do pênis.
O quadril dele estremeceu, e ele murmurou algo em uma língua
que ela não reconhecia.
Quando ela ergueu a cabeça, ele a estava encarando. Mantendo
o contato dos olhos, ela se abaixou e o lambeu novamente, desta vez,
girando a língua em volta da ponta inchada.
“Cristo.”
A blasfêmia dele não a deteve nem por um instante. Pelo
contrário, ela sentiu um poder que beirava ao Divino.
Charlotte sentou-se ereta sobre ele. Ele tentou alcançá-la, mas
ela pegou as mãos dele, atando seus dedos juntos.
Então empurrou os braços dele para trás, contra a cama,
prendendo-os no colchão. Enquanto ela se movia para frente, para
prendê-lo com o peso do seu corpo, seu cabelo se soltou da trança e
caiu sobre os dois.
Ela se moveu alguns centímetros, sentindo a dureza dele
escorregar deliciosamente contra suas partes mais sensíveis. Então
desceu sobre ele, uma pequena parte por vez, até que ela o tomou
todo, toda a extensão, até a base.
Estabelecendo um ritmo lento e suave, ela mexeu os quadris,
tomando-o por inteiro dentro dela, de novo e de novo. Ela manteve os
braços dele presos na cama e o olhava no fundo dos olhos.
“É tão bom sentir você dentro de mim.” Ela sussurrou. “Tão duro
e tão fundo.”
Ela adorava quando ele falava coisas sensuais para ela. Talvez
as ouvir dos seus lábios, pudesse excitá-lo também.
E parecia que ela havia presumido corretamente. Ele começou a
arquear as costas, empurrando, para encontrá-la em cada estocada.
Instigando-a a ir mais rápido. Enquanto eles moviam juntos, o cabelo
solto dela roçava em seus seios e nas bochechas dele.
“Não consigo segurar muito mais.” Ele rangeu os dentes. “Goze.”
Ela sorriu para ele. “Você primeiro.”
Ela soltou os braços dele, segurando o peso de seu corpo nos
cotovelos e entrelaçando os dedos nos cabelos de Piers. As mãos dele
foram para os quadris dela, apertando a carne com desespero. Ele a
guiava para cima e para baixo, impelindo-a cavalgá-lo mais rápido e
mais forte. A testa dele se enrugou com o esforço e ele abriu a boca.
Durante todo o tempo, eles permaneceram olhando um para o
outro. Os olhos azuis dele a penetravam mais fundo que seu membro.
Buscando, implorando.
“Eu amo você.” Ela arfou, sentindo-o crescer mais e mais dentro
dela. “Amo você, amo você, amo...”
Ele a beijou. Ele podia ter roubado as palavras dela, mas não
sua emoção. Nenhuma força no universo poderia fazer retroceder a
onda que brotava em seu coração, ou a felicidade em seu interior.
Finalmente, ele deixou vir. Com um áspero e gutural som, ele
penetrou fundo, segurando os quadris dela no lugar. Ela sentiu uma
série de espasmos frenéticos, enquanto ele encontrou seu alívio.
A explosão dele, liberou a dela.
Ela fechou os olhos. Não conseguia deter a alegria, o desejo, o
alívio, o amor... tudo girava e colidiu contra ela. Luzes brancas
brilharam por detrás de suas pálpebras.
Ela viu estrelas.
Quando sua respiração se acalmou, ela olhou para baixo, para
ele novamente, e sentiu-se animada por encontrá-lo olhando-a. Ela
tocou no cabelo molhado da testa dele, alisando-o para trás.
“Isso.” Ela pressionou um beijo nos lábios dele. “É fazer amor.”
Ele fechou os olhos. “Charlotte...”
Ela o calou. “Está tudo bem. Eu sei que isso é novo para você, e
provavelmente um pouco esmagador. É novo e esmagador para mim
também. Mas eu amo você, e é importante que você saiba disso.
Porque não importa como você controla suas emoções, você não pode
controlar as minhas. Eu sei o que tem dentro de você, atrás de todas
essas paredes. E continuarei quebrando-as, até chegar lá. Mesmo que
leve anos. Décadas. Eu sei que você vale o esforço.” Ela descansou no
peito dele, enterrando o rosto na curva do pescoço dele. “Eu nunca
desistirei de você.”
Os braços dele a envolveram, apertando tão próxima e tão forte,
que ela quase não teve espaço suficiente para respirar. Porém, ela
sentiu-se segura em seu abraço. O coração dele batia em sua orelha,
estável e forte, embalando-a em um estado de transe.
Algum dia, Charlotte disse a si mesma, ela aprenderia como fazer
amor, sem dormir logo depois.
Mas não seria naquele dia, aparentemente.

“Charlotte, acorde.”
Os olhos dela se abriram. Ela sentou-se rapidamente na cama.
As últimas duas vezes que ele tentou acordá-la havia sido desastroso.
No entanto, ela não daria a ele, motivo para se preocupar-se outra
vez.
“Tem fumaça.” Ele disse. “Nós devemos correr.”
Mal ele a havia puxado da cama, quando passos foram ouvidos
pelo corredor. Alguém estava correndo pela casa, passando de porta
em porta. “Fogo! Fogo!”
Enquanto Piers conferia o corredor, para ter certeza de que era
seguro, ela localizou seu roupão de dormir e amarrou-o na cintura.
Eles emergiram do quarto, para encontrar a casa em um grande
tumulto. Pessoas em trajes de dormir, passavam correndo por eles
em todas as direções. Ela não conseguia ver nenhum fogo. Contudo,
uma nuvem de fumaça pungente obscurecia o corredor a direita,
bloqueando o caminho para as escadas principais.
“Por aqui.” Ele disse, pegando-a pelo pulso e guiando-a para a
esquerda. “Pela escada de serviços. Você vai na frente, e seja rápida.
Eu irei em seguida com sua mãe.”
Oh, não. Mamãe!
Ela olhou na direção da fumaça negra. O quarto de sua mãe era
mais à frente no corredor, exatamente para aquele lado. Exatamente
do outro lado do quarto de Charlotte.
Entre a idade de sua mãe, as vistas comprometidas, as condições
de seus nervos, ela jamais sairia sem assistência.
Ela puxou o braço do aperto dele e começou a seguir em direção
a direita.
Piers a segurou. “Não. Você desce para o primeiro andar.”
“Não posso. Não, sem ela.”
“Vá agora. Eu posso carregá-la, se for necessário, mas eu não
posso carregar as duas. Você ficará no caminho.”
“Mas...”
Mas quem o carregará se você for subjugado?
Antes que ela pudesse responder, ele desapareceu no corredor
enfumaçado. Ela parou, dormente, por um momento, encarando o
caminho que ele tomou. Então uma onda de fumaça começou a se
enroscar em seus ombros, pinicando seus olhos.
A necessidade de sobrevivência fez com que seu corpo a puxasse
em uma direção, mas seu coração puxava para o outro lado.
“Charlotte?”
Ela girou no mesmo lugar, virando-se em direção a voz.
Delia estava parada na porta de seu próprio quarto, tossindo.
Charlotte correu para a amiga, passando um braço por seu
ombro. “Apoie-se em mim. Vamos pelas escadas dos criados.”
Juntas, elas seguiram pela escura e estreita escada, tateando
seu caminho para baixo. Delia vacilou em um degrau deformado, mas
Charlotte a estabilizou. Uma vez que elas alcançaram a base da
escada, elas se viraram e tropeçaram em um corredor estreito.
Tentando manter pelo menos dois passos à frente da fumaça, que as
perseguiam como um demônio malévolo, elas seguiram em frente.
Quando finalmente alcançaram o lado de fora, elas sorveram o
ar fresco e gelado como água no deserto, então correram para se
juntarem a um amontoado de criados e familiares atrás do jardim.
“Delia!” Lady Parkhurst correu para abraçar a filha, levando-a
para longe de Charlotte e guiando-a para um banco, onde Frances
estava sentada, tremendo.
Sir Vernon segurava uma tocha para o alto, enquanto gritava
com os lacaios e cavalariços, organizando uma brigada de baldes para
enviar água do poço até a origem do fogo. Até mesmo, o jovem
Edmund foi pressionado ao serviço, trazendo baldes de couro dos
estábulos.
Charlotte se virou para olhar a casa. Estava tão escuro, e os
lacaios corriam de um lado para outro, dificultando ainda mais a
visão. A cada momento, sua espera aumentava, seu coração quase
chegando a garganta.
As duas pessoas mais importantes em seu mundo estavam
presas em um inferno de fumaça e calor.
Se ela os perdesse...
A tensão era insuportável. Ela não conseguia ficar ali mais nem
um minuto. Ela correu de volta para a entrada dos criados, tecendo
seu caminho pelos lacaios. Se sua mãe e Piers estivessem em perigo,
ela os ajudaria, ou morreria, tentando.
Assim que Charlotte chegou até a porta, sua mãe surgiu em uma
flutuante camisola de renda branca, sua touca estava torta.

Charlotte correu para ela, atirando os braços em seu pescoço,


inundada pelo alívio. “Mamãe! Graças aos céus!” Uma vez que ela
afastou sua mãe da casa, ela perguntou. “Onde está o Piers?”
“Ele voltou, para ajudar os homens a extinguirem o fogo.”
É claro que ele voltou. Sempre o herói.
Oh, Senhor! Charlotte pressionou as mãos em sua boca,
segurando um soluço.
“Venha.” Sua mãe pôs um braço em volta do ombro de Charlotte.
Sua voz era estável. “Venha sentar-se comigo.”
“Eu não posso. Eu preciso ajudá-lo.”
“Ele é forte, e mais do que capaz. Você o ajudará mais,
mantendo-se fora de perigo. Nesse meio tempo, nós vamos rezar.”
Rezar? Os pensamentos de Charlotte não conseguiam se
acalmar o bastante para nada, a não ser desesperadas, inarticuladas
petições. Elas eram mais ou menos assim:
Por favor, por favor, por favor, por favor, por favor.
Depois de alguns minutos, ela percebeu que os passos dos
lacaios carregando os baldes ficaram mais lentos. Um homem surgiu
da casa e conversou com Sir Vernon, e então se juntou ao grupo.
Charlotte levantou-se do banco. Sua mãe levantou-se com ela,
segurando sua mão.
“O fogo foi extinguido.” Ele anunciou, fazendo um gesto calmo.
“Os homens estão um pouco chamuscados, mas ninguém ficou
gravemente ferido.”
O balbucio interno de Charlotte, mudou imediatamente:
Obrigada, obrigada, obrigada, obrigada.
“As chamas foram contidas em apenas um cômodo, felizmente.
A ala inteira necessitará de uma boa ventilada, para clarear a fumaça,
mas nenhum dano maior aconteceu.”
“O que causou o fogo?” Charlotte perguntou.
“Eu estava planejando perguntá-la isso, senhorita Highwood. O
fogo estava em seu quarto.”
“O quê?”
“Pelo jeito, o fogo começou no piso, em uma pilha de roupas
próximas a lareira. Então se espalhou pelo carpete, para as cortinas
e então tapeçarias.”
Oh, não. Ele estava dizendo, então, que tudo isso era culpa de
Charlotte?
Lady Parkhurst se virou para ela. “Você não deixou uma vela
tombar, Charlotte? Ou não se lembrou de apagar o fogo?”
“Eu... não, eu acredito que não.”
Contudo, ela havia empilhado um monte de coisas, em sua
busca para encontrar seu robe mais sedutor. Talvez uma meia ou
uma peça de roupa tenha caído muito próxima a grelha.
Sir Vernon franziu as sobrancelhas. “Você tem que ter alguma
ideia. Certamente você notou as chamas, ou você não estaria lá.”
“Deixe-a em paz.” Delia disse. “Ela sofreu um choque.
Obviamente, ela teve sorte por escapar com vida.”
“Não foi nada a ver com sorte.” Frances enviou dardos com os
olhos para Charlotte. “E ela não pode lhe contar como o fogo começou,
papai. Ela não estava em seu quarto, afinal de contas. Ela estava no
quarto de Lorde Granville.”
Todos a encararam ao mesmo tempo. Charlotte não sabia para
onde olhar. Ela puxou o robe mais apertado em volta do seu corpo,
segurando bem perto do pescoço. Pela primeira vez, desde que
escapou da casa, ela sentiu frio.
Delia, como a boa amiga que era, pulou em sua defesa. “Você
deve estar enganada, Frances. A casa toda está uma algazarra.”
“Eu os vi claramente.” Frances disse. “Deixando o quarto dele,
juntos. Eu não estou enganada. Ou estou, senhorita Highwood?”
Charlotte engoliu em seco. Era inútil negar. “Não.”
O silêncio que se seguiu foi doloroso.
“Charlotte?” Delia exibia uma expressão ferida. “Eu pensei que
nós tivéssemos planos. Você disse que não queria nada com ele.”
“Nós temos planos, sim. Isso não mudou.”
“Então, porque você estaria...”
“Assassinato!” Edmund gritou. “É assassinato! Ele vem tentando
matá-la por todo esse tempo. Eu mesmo ouvi. Eek, eek, eek. E então
haaaaaaa...”
Lady Parkhurst colocou a mão sobre a boca do filho.
“Assassin...” Ele insistia, mesmo com a voz abafada.
“Eu tentei te avisar” Frances disse para a irmã. “Fofocas, sempre
são pelo menos em parte, verdadeiras. Você viu no Prattler como ela
é, mas você não acreditou. Agora você sabe a verdade, ela está usando
você.”
Charlotte se virou para Delia. “Isso não é verdade. Não acredite
nela. Nós somos amigas. O melhor tipo de amigas.”
“Amigas são honestas umas com as outras. Você mentiu para
mim.”
“Eu nunca tive a intenção. Isso tudo começou com um mal-
entendido. Eu estava tentando consertar, eu mesma, mas então, de
alguma forma...”
“Eu tenho sido tão estúpida.” Delia virou seu olhar a distância.
“Eu deveria ter visto. A excursão para as compras. Suas ausências
misteriosas. Eu fui até o seu quarto, na noite em que declarou que
estava com enxaqueca, mas você não estava lá. Você deve ter fingido
aquele tolo episódio do envenenamento, também. Exatamente como
o caso das amoras e do cuspe de Satanás.”
“Não, Delia, por favor. Eu sei como está parecendo, mas dê-me
uma chance de explicar.”
Era inútil. Delia não baixou a guarda. Talvez, com o tempo ela
estivesse disposta a perdoá-la, mas não seria naquela noite.
“Não se preocupe, Delia.” Frances disse presunçosamente. “As
pessoas irão puni-la bem o bastante. Eu suponho, que nós já
sabemos que nome O Prattler dará a ela, agora. É muito fácil, achar
um que rime com Charlotte.”
“Scarlete?” Lady Parkhurst perguntou.
“Não, o outro.” Sir Vernon, interrompeu. “Ela quer dizer varlete.”
“Varlete?” A senhora Highwood repetiu. “O que diabos é uma
varlete?”
“É um termo medieval para canalha, ou trapaceira.”
Frances suspirou. “Realmente, papai. Ninguém vai chamá-la de
varlete, também.
“Bem, então, o que você está sugerindo?” Lady Parkhurst disse.
“Poderia ser marmota, eu acho. Mas, isso na verdade nem rima.”
Charlotte não podia mais suportar essa insensatez. E gritou,
“HARLOT!”**
A palavra reprimiu toda a conversa.
“É isso que Frances está dizendo. Eles me chamarão de
Charlotte, a HARLOT.”**
Uma mão grande, fixou-se nas costas dela. Seu proprietário
disse em uma voz profunda e autoritária. “Eles irão se dirigir a ela,
pelo seu título, Marquesa de Granville, minha esposa.”
Piers.
Charlotte girou o corpo. Ali estava ele, ainda com o peito nu. Seu
torço estava coberto com fuligem, e cinzas empoeiravam seu cabelo
selvagem. Ele cheirava como uma fogueira.

**HARLOT> prostituta
Aos seus olhos, ele nunca pareceu mais perfeito.
Ela não se importava com o que ninguém pensava dela, naquele
momento. Que Frances a chamasse de qualquer nome vil que
desejasse.

Ela jogou os braços em volta da cintura dele e o abraçou bem


apertado, prendendo a respiração, até que pudesse escutar a
reconfortante batida estável do coração dele.
“Eu estava com tanto medo.” Ela sussurrou.
Ele correu a mão para cima e para baixo na espinha dela,
tranquilizando-a em um murmúrio baixo. “Está tudo acabado,
querida. Tudo está bem agora.”
Frances não se conteve. “Certamente, o senhor não se casará
com ela, verdadeiramente, milorde. Não seja enganado, em tentar
preservar a virtude de uma mulher que não tem nenhuma. Ela e sua
mãe são duas miseráveis conspiradoras, com...”
“Com, licença, senhorita Parkhurst.” A senhora Highwood a
interrompeu. “Eu posso ser conspiradora, mas Charlotte? Nunca. Não
importa o quanto eu tentei encorajá-la, a garota teimosa nunca
cooperou.”
Sir Vernon deu a filha mais velha um olhar severo. “Frances,
acalme-se.”
“Me acalmar? Você não consegue ver o que está acontecendo
aqui?” Frances gesticulou para Charlotte. “Ela fez uma armadilha
para ele, desde o início. Agora ele está indo embora, e ela ficou
desesperada. Ela mesmo iniciou aquele incêndio. Então, escapuliu
para o quarto de Lorde Granville, esperando causar um escândalo,
quando começasse o alarde sobre o fogo. Eu te disse, pai. Ela poderia
ter destruído nossa casa.”
“Isso é o bastante.” Piers ordenou. “Eu a lembro, senhorita
Parkhurst, que você está falando de minha futura esposa. Eu não
ouvirei você a acusando de truques ou falta de moral, muito menos
calúnias em relação a um incêndio. Nosso noivado foi firmado muito
antes dessa noite. A licença já está sendo adquirida e os contratos
assinados, e o anúncio aparecerá na edição do The Times, amanhã.”
Charlotte olhou para ele. “Você publicou o anúncio de um
noivado tão cedo? Sem me consultar?”
Ele nem mesmo a olhou. “Ela irá partir comigo, e nós nos
casaremos em minha propriedade.”
Charlotte não conseguia nem mesmo começar a entender como
aquilo aconteceu. Ele devia estar muito ocupado, enquanto ela
dormia.
“Bem.” Lady Parkhurst falou, fazendo um óbvio esforço para
trazer as coisas para um tom mais leve. “Que afortunado momento.
Nós teremos o baile amanhã. Podemos celebrar suas boas notícias.”
Delia olhou para Charlotte, com olhos cheios de dor. “Perdoe-me,
se eu não puder comparecer. Eu desejo felicidades aos dois.” Ela se
virou e começou a caminhar em direção à casa.
Charlotte deixou o abraço de Piers para correr atrás dela.
“Espere! Delia, espere. Por favor, deixe-me explicar. As coisas que
Frances disse, elas não são verdadeiras. Eu te juro. Eu não queria
nada mais, do que viajar o Continente com você. Eu... eu sinto muito.”
“Eu também.” Delia disse. “Eu vou andando, agora. Não me
siga.”
“Mas...”
“Não, Charlotte. Não é justo. Eu sou muito fácil de alcançar. Pelo
menos me dê a dignidade de uma saída dramática. Você me deve
isso.”
Charlotte queria argumentar, mas ela sabia que não iria ajudar.
Então, ela balançou a cabeça, concordando, relutante.
E observou sua melhor amiga se distanciar.

CAPÍTULO 21

Pela manhã, Charlotte, subiu para o seu quarto, para ajuntar


qualquer coisa que pudesse ter sido salva. Ela parou no centro do
cômodo, olhando em volta, para a fuligem e as cinzas, e deu um
pequeno e triste choramingo.
Poderia ter sido pior, ela disse a si mesma.
Graças a rápida resposta dos homens, as chamas foram contidas
à pilha de coisas em frente a lareira e a tapeçaria aos pés da cama.
Contudo, a fuligem e a fumaça jamais seriam retiradas de seus
vestidos ou xales.
“Eu lhe comprarei tudo novo.”
Ela se virou para ver que Piers havia se juntado a ela,
silenciosamente.
“Nós podemos visitar as lojas hoje.” Ele disse.
“Algumas das minhas roupas haviam sido recolhidas, para
serem lavadas ontem. Meu melhor vestido foi levado para engomar,
também. Eu não ficarei completamente sem nada.”
Ela colocou sua valise na penteadeira carbonizada e abriu-a.
indo de gaveta em gaveta, guardando qualquer coisa que pudesse ser
salva.
“Mesmo assim, eu tenho certeza que você está triste.”
“Por que eu estaria triste?” Ela girou um bracelete chamuscado
nas mãos. “Não é como se minha vida tivesse sido decidida enquanto
eu estava dormindo, minha melhor amiga não estivesse falando mais
comigo, e eu quase tivesse colocado uma casa abaixo em um
incêndio.” Ela olhou para uma peliça queimada, mas encharcada no
chão. “Mais ainda, me dói admitir que você estava certo, talvez eu
tenha criado uma armadilha mortal. Eu suponho que aprendi minha
lição agora.”
“Nós anunciaremos nosso noivado essa noite, e partiremos
imediatamente após. Eu já fiz todos os arranjos.”
“Sim, eu me lembro. A licença, o anúncio e tudo mais.” Ela olhou
para ele. “O que você quis dizer com os contratos assinados? Eu não
assinei nenhum contrato.”
“Sua mãe os assinou.”
“Minha mãe?”
“Você ainda não tem vinte e um anos. Ela ainda é sua guardiã.”
Ela deixou o bracelete cair. “Eu não acredito que você fez isso.
Eu preciso aparecer na igreja e recitar meus votos, ou você já resolveu
isso, também?”
Ele deu um passo em direção a ela. “Charlotte, você deve
entender.”
“Estou tentando. Talvez você possa me explicar, por que tem
intenção de confiar a mim suas propriedades e seus filhos, mas, não
pode confiar em mim para assinar meu próprio contrato de
casamento.”
Ele esticou os braços, gesticulando para a destruição em volta
deles. “Olhe para isso. Eu estou lhe tirando dessa casa maluca e
levando-a para a minha casa. Onde eu saberei que estará a salvo.”
“Você é tão inconstante quanto Edmund.” Ela balançou a
cabeça. “Esse incêndio foi minha culpa. A erva-moura foi um
acidente. Delia fechou minha janela naquela noite. Ninguém está
tentando ME MATAR.”
“Talvez queiram, talvez não. Considerando que a realização
desse caso, poderia envolver a chance de você terminar morta, eu não
estou interessado em nenhuma tentativa de experimento.” Os olhos
dele flamejavam. “Eu não vou correr o risco de encontrar o seu corpo
sem vida no corredor.”
Charlotte estremeceu de remorso. Ela deveria ser mais
compreensiva, menos grosseira. Não era como se ele tivesse planejado
que fosse daquela maneira. Ela havia ido para o quarto dele. Se não
fosse pelo fogo, eles não teriam sido pegos juntos. Ele não precisaria
ter feito o anúncio de forma dramática no jardim.
Mais uma vez, ela não tinha ninguém para culpar, a não ser ela
mesma.
“Perdoe-me.” Ela disse. “Eu sei que você, quis fazer o melhor, e
eu não desejo argumentar. O mais importante, é que estamos todos
a salvo, e não houve nenhum dano irreparável.” Ela somente ansiava
que pudesse dizer o mesmo sobre sua amizade e sua reputação.
“Tudo nesse quarto pode ser substituído.”
Tudo, exceto...
“Oh, não. Meu pedaço de flanela.” Ela correu para a cabeceira
da cama, puxou para o lado as tapeçarias queimadas e começou a
jogar para trás os travesseiros, e as cobertas chamuscadas. “Deve
estar por aqui ainda em algum lugar. Eu guardei debaixo do meu
travesseiro, à noite.”
Mas não estava lá. Ela procurou por toda a cama, no entanto
não conseguiu encontrar.
“Onde poderia estar? Se os travesseiros não foram tocados pelo
fogo, como poderia ter sido queimado?”
Piers foi para o seu lado e pôs as mãos nos braços dela. “Não se
preocupe. Você está fatigada e exausta. Vá para o andar de baixo e
descanse, eu procuro.”
“Eu não vou descansar. Eu não consigo descansar, até que eu
encontre.”
Ela foi até a cômoda e começou a abrir as gavetas, procurando
entre elas. Ela teria colocado em algum outro lugar? Quando a busca
não deu resultado nenhum, ela disparou para o closet e colocou as
mãos nos bolsos de suas capas e mantos.
Nada.
A fadiga e o temor da noite passada começaram a cobrar seu
preço. Ela sentiu o peso do desânimo em seus ombros.
Ela não iria chorar, disse a si mesma. Considerando o que
poderia ter acontecido na noite passada, ela era afortunada por ter
escapado com sua saúde, com sua mãe, com os Parkhurst’s e Piers.
Aquilo era só um pedaço de pano e fita.
“Está aqui.”
Ela se virou. Piers estava em frente a lareira, retirando a peça de
flanela, da grelha de ferro forjado.
“Você é um anjo.” Charlotte correu para pegar a peça, passando
os dedos pela maciez confortável e familiar. Ela ergueu o tecido até
seu nariz. Nem mesmo cheirava a fumaça. “Como foi parar na grelha,
ao invés de qualquer outro lugar?”
“Isso importa?”
“Acredito que não.” Ela pressionou a flanela em seu peito. “Eu
estou feliz que não esteja danificado. Muito estranho, na verdade. Sei
que eu não a colocaria ali, e ainda assim, foi o lugar mais seguro para
estar. Quase, como se alguém soubesse aquilo...”
A voz dela travou. Um nó se retorceu em seu peito.
Havia somente uma pessoa que possuía as duas habilidades, a
de iniciar um incêndio no quarto de Charlotte e de ter o conhecimento
de proteger seu objeto mais importante.
Ela olhou para Piers. “Você foi quem começou o incêndio. Você
fez isso.”

Piers não tinha intenção de negar. Ela sabia disso.


“Você veio aqui, enquanto eu dormia em sua cama.” Ela disse,
piscando, enquanto olhava ao redor do quarto. “Você empilhou
minhas coisas no chão e pôs fogo nelas.”
“Eu fui cauteloso para conter. Foi um fogo lento, uma pequena
chama. Nunca se espalharia além desse quarto.”
“Por que você faria uma coisa dessas?”
“Você é uma mulher inteligente. Não precisa que eu te diga.”
Ela o encarou. “Você queria que fôssemos descobertos. Sabia que
eu queria um noivado longo. E decidiu me forçar ao casamento.”
O silêncio dele foi como uma confissão.
“Seu bastardo!” Ela gesticulou os braços em direção a janela. “Eu
fiquei naquele jardim, na noite passada, aterrorizada. Sem saber, se
eu o veria vivo novamente. Eu orei a Deus por você.”
“Então você perdeu seu tempo. No futuro, você fará melhor, se
guardar suas orações para outra pessoa.”
“Por que você faria isso? Por que mentiria para mim?”
“Ora, vamos Charlotte. Eu tenho mentido para você desde a noite
em que nos conhecemos.”
“Se você está se referindo à sua carreira...”
“Há muito mais que isso.” Ele caminhou para o lado oposto do
quarto, dando aos dois um pouco de espaço. “Os amantes
misteriosos, para começar. Era Parkhurst, aquela noite na
biblioteca.”
Ela franziu o cenho. “Lady Parkhurst? Mas... mas eu tinha
pistas. Ela não se encaixa.”
“Não Lady Parkhurst. Sir Vernon. Ele era o amante. Eu ainda
não estou certo sobre a amante.”
“Sir Vernon? Mas ele não passa essa impressão. Ele é tão
tradicional, e sua única paixão é o esporte. Ele não parece, de
maneira alguma, com o tipo de homem que atira uma amante na
mesa e... grunhi com ela.”
“Ele é a razão para eu estar aqui. Ele vem perdendo dinheiro.
Fazendo misteriosas e não programadas viagens à cidade. Uma
amante ou um filho bastardo, é a explicação mais plausível, mas eu
precisava ter certeza se não era chantagem.”
“Então, você sabe disso desde o começo. Mesmo antes de se
oferecer para casar comigo.”
“Eu suspeito que sim.”
“E Sir Vernon sabia também. O tempo todo. Ele deixou que nós
levássemos a culpa pela indiscrição dele.”
“É assim que segredos funcionam. Pessoas fazem qualquer coisa
para esconder a verdade. Eu nunca deveria ter permitido suas
tentativas de investigação. Mas eu nunca imaginei que você...”
“Seria boa nisso?”
Ele deu de ombros. “Eu a subestimei. Eu admito isso,
livremente”.
Ela se virou. “Eu não acredito nisso. Eu venho me esquivando
por aí, esgueirando-me por parapeitos de janelas, cavalgando animais
do inferno, arriscando tudo para reparar minha reputação aos olhos
de Sir Vernon, para que eu possa viajar pelo Continente com Delia. E
você me diz que ele era o culpado, e eu fiz tudo aquilo por nada?” A
voz dela estava afiada de raiva. “Isso não é um jogo para mim, Piers.”
“Não é um jogo para mim, também. Procurar pelas indiscrições
de Sir Vernon, era minha tarefa para a Coroa. O homem irá receber
um cargo delicado no exterior.”
“No exterior, onde?”
“Austrália.”
Ela pôs uma mão sobre a testa. “Austrália?”
“Se houver qualquer chance de um homem em sua posição ser
chantageado, os interesses da Inglaterra podem estar correndo risco.
Vidas podem estar na balança.”
“E então você decidiu sacrificar a minha.”
“Isso é um pouco dramático, Charlotte.”
“Não tanto. A noite passada me custou uma amizade e qualquer
resquício de respeito que eu talvez, ainda conservasse. Você me traiu.
Eu não consigo acreditar que você fez uma coisa assim.”
“Você não consegue? Como você acha que um diplomata
convence déspotas a entregar territórios? Como ele força exércitos
inimigos a baterem em retirada?”
Ela baixou os olhos para o carpete queimado. “Deixando-os sem
escolha.”
“Resposta correta.” Ele disse. “Eu fiz o que foi necessário para
protegê-la.”
“Oh, por favor! Você estava protegendo a si mesmo. Você não
pode me dizer que o que nós compartilhamos” _ ela gesticulou em
direção à parede, a cama e a banheira _ “era tudo parte do trabalho.
Se tornou real para você, tão intenso. Tão próximo ao seu coração.
Eu disse que amo você, e isso o matou de susto.”
“Você não me ama. Você não me conhece. Se você pensa que isso
chega perto do que eu já fiz de pior, você não tem a menor ideia. Você
tem contado a si mesma uma pequena e bela história. De que, no
fundo, eu sou um homem honrado. Eu tenho tentado te alertar, abra-
me, e você só encontrará escuridão no meu interior.”
“Eu me recuso a acreditar nisso. Eu sei que há amor em você.”
Ele se moveu em direção a ela. “Eu já invadi lugares e roubei. Eu
já barganhei segredos e negociei trocas que causou a morte de
pessoas inocentes. Eu já derramei sangue com as minhas próprias
mãos, e já deixei homens feridos para morrerem sozinhos.”
“A Inglaterra estava em guerra.” Ela disse. “Bons homens
tiveram que fazer coisas indizíveis.”
Pelo amor de Deus. Piers esfregou o rosto. “Não era a guerra,
Charlotte. Isso é quem eu sou. Eu tenho enganado cada pessoa em
minha vida desde que eu tinha sete anos de idade.”
“Bem, essa não é uma evidência. Quem não conta mentiras aos
sete anos de idade?”
“Não esse tipo de mentira. Eu ocultei a verdade sobre a morte da
minha mãe. De todos. Por décadas.”
Ela enrugou a testa. “Então não foi excesso de láudano.”
“Oh, sim, foi excesso de láudano. E não foi um acidente. Ela tirou
sua própria vida.”
“Mas... você era uma criança. Como poderia saber isso?”
“Porque eu estava lá. Eu a encontrei na cama, justamente antes
dela dar seu último suspiro. Eu ouvi as palavras finais.”
“Piers.” Ela caminhou em direção a ele.
Ele a interrompeu com um braço esticado. Esse não era um
pedido por piedade. Justamente o contrário.
“Eu não poderia deixar ninguém saber que foi um suicídio.
Especialmente meu pai. Eu era pequeno, mas eu já entendia isso. Ele
veria isso como uma mancha no legado da família.” Ele parou,
olhando a distância. “Então eu escondi a verdade. O frasco havia
escorregado da mão dela, e caído no chão. Eu limpei as gotas
derramadas e juntei cada pedacinho de vidro quebrado. Eu fiz um
pacote e carreguei tudo para o lago, amarrei em uma pedra e afundei
tudo.”
Ele ainda podia ver, os juncos agrupados na borda do lago, senti-
los em suas botas, enquanto ele caminhava. Ele ouviu o som de
pássaros cantando. E o sapo que saltou de seu caminho, quando ele
jogou a pedra na água verde profunda.
“Eu nunca falei uma palavra sobre isso com ninguém.” Ele disse.
“Eu pretendia fingir surpresa quando ela fosse encontrada. Seria
questão de horas, eu pensei. O que eu não considerei foi que talvez,
meu pai se demorasse em me dar a noticia.”
“Demorou quanto tempo?”
Ele suspirou vagarosamente.
“Meses.”
“Oh, não!”
“Eu suponho que ele pensou que seria um choque muito grande.
Rafe era muito novo para entender. Ele me disse que ela tinha ido
para um retiro, buscando cura. A cada semana, ou quinzena, ele me
contava que ela havia escrito uma carta. Ela sentia falta de seus
garotos, mas não estava se curando. Finalmente, ele me contou que
ela havia sucumbido. Eu a encontrei morta em maio. E não pude
visitar o túmulo dela até o inverno, no fim do ano. Até lá, eu escondi
meu luto por tanto tempo... eu não podia demonstrar, mesmo se eu
tentasse.”
Não era somente o luto que ele estava escondendo. Era a
vergonha. Vergonha por ter mentido para seu pai, de ter negado a sua
mãe um luto legítimo.
A vergonha de não ter sido o suficiente, para fazer com que ela
ficasse.
Era esperado que uma mãe, quisesse viver por seus filhos, não
era? Mas Piers, não deu a ela suficientes razões para continuar.
Eu não posso. Eu não posso suportar.
Ele afastou as memórias dolorosas. “Isso que acabei de dizer é o
suficiente para você perceber que engano é algo que eu faço
facilmente desde essa época.”
Ela olhou para ele com aqueles límpidos olhos azuis. “Eu
realmente sinto muito pelo que aconteceu, Piers. Eu estou feliz que
você me contou a verdade. Eu espero que você fale mais sobre isso.
Comigo, com Rafe, ou com outra pessoa. Mas eu não vejo isso como
um pretexto para o que você fez a noite passada.”
“Eu não estou oferecendo pretextos. Ou desculpas. Eu não
desejo perdão. Eu fiz o que foi preciso ser feito.”
“O que foi preciso ser feito?” Os olhos dela se arregalaram de
descrença. “Você fez aquele discurso para mim, sobre ser um homem
poderoso, com todas as opções na ponta de seus dedos. Eu tenho que
acreditar que você não poderia ter nenhuma outra ideia, que não
fosse colocar fogo nas minhas roupas de baixo no meio da noite?
Ele gesticulou para o piso queimado. “Aquelas roupas de baixo
que começaram. Elas me atacaram primeiro.”
“Bom Deus!” Ela recuou um passo. “Eu não consigo decidir, se
você se tornou completamente estúpido, ou se está tentando se fazer
detestável.”
“Você é que me diz.” Ele fez um gesto para o lado esquerdo de
seu rosto. “Eu pensei que o oráculo da sobrancelha revelasse tudo.”
“Sim, bem. É difícil olhar para sua sobrancelha, quando sua
cabeça está tão distante do seu traseiro.”
Ele firmou sua mandíbula. “Está feito agora. Não há como
desfazer. Nós iremos esta noite, e nos casaremos logo depois. Não há
escolha.”
“Oh, eu ainda tenho uma escolha. Mesmo que as consequências
tenham mudado, eu sempre tenho uma escolha. Se as minhas
alternativas são a ruína social ou um casamento sem amor, eu fico
com a ruína. Pelo menos isso, me deixará com a chance de encontrar
felicidade em algum outro lugar.”
Ele espalmou as mãos. “Eu não sei o que você quer que eu diga.”
“Eu quero que você me diga, em termos simples, o que eu ganho,
me casando com você. Você está me oferecendo amor e
companheirismo? Ou uma fria e elegante prisão?”
Ele respirou fundo. “Charlotte...”
“Não me dê esse suspiro exasperado. Você sabe que isso é
importante para mim. Eu quero ouvir de seus lábios, que nós teremos
um casamento construído em respeito, alegria e devoção permanente.
Ou você me faz acreditar nisso, aqui e agora, ou eu vou deixar esta
casa, sozinha. Ou deixarei você sair sozinho. Nós não sairemos
juntos, essa é a minha questão.”
Aparentemente, ele não era o único que podia ser um negociador
implacável.
Ela cruzou os braços. “Eu estou esperando.”
“Eu deixei claro desde o início, que eu não posso te oferecer isso.”

“Amor, Piers. É isso que estamos discutindo. E eu sei que você


não está acostumado com isso. Você não consegue, nem mesmo,
pronunciar a palavra.”
“Palavras. Palavras não significam nada.”
“Ahh!” Ela fez um movimento, como se fosse estrangular o ar. “O
grande propósito das palavras é significar algo! Existem livros
inteiros, dedicados a nada além de listar as palavras, e seus
significados. Eles são chamados dicionários, talvez você já tenha visto
um.”
Ele lhe lançou um olhar seco.
“Talvez seja somente palavras.” Ela disse, calmamente. “Mas
ouvi-las significariam muito para mim.”
“Eu não aceito ultimatos, de ninguém. E eu não vou me permitir
distrações secundárias. Eu não faço esse tipo de declaração desde
quando era criança.”
“Talvez, você precise praticar.”
“Talvez, você precise crescer.”
As palavras eram cortantes, e foram ditas para ferir, e Piers
soube que elas alcançaram o objetivo.
“Eu não farei isso.” Ela disse baixinho. “Eu já perdi minha amiga.
Não haverá recuperação para minha reputação. Graças a Frances, a
fofoca alcançará Londres antes de chegarmos lá. Eu serei chamada
de todo tipo de nome vil que existe, seja rimando com Charlotte, ou
não.”
“Ninguém ousará.” Se ele não pudesse prometê-la nada mais,
pelo menos isso, ele garantiria. “Não se eles quiserem evitar o cano
da minha pistola, ou a ponta da minha espada.”
“Os homens podem desafiar uns aos outros. Essa hostilidade é
entre as damas, Piers. Você não poderá me defender disso, e acredite
em mim, a língua de uma mulher pode ser uma espada afiada. As
mulheres irão me cortar o rosto. Elas irão me fatiar em tiras, quando
eu virar minhas costas.” Ela pressionou uma mão contra o peito. “Eu
poderia suportar tudo isso, se eu soubesse que você me ama. Se nós
compartilhássemos uma vida juntos, que fosse além das festas,
jantares e procriação. Mas sem isso...”
O coração dele se retorceu. “Charlotte.”
“Eu não posso.” Ela disse. “Eu não posso suportar.”
Ela correu do quarto.
E assim foi.
Todas as suas doces palavras da noite passada... prometendo
derrubar todas as suas defesas. De trabalhar por anos, mesmo
décadas, se fosse necessário. Porque, ela disse, que ele valeria o
esforço.
Eu nunca desistirei de você.
E ainda assim, ela o fez. E só levou uma noite. Um vislumbre do
que ele realmente era _ e do que ele era capaz de fazer _ e suas
ingênuas promessas se desfizeram como fumaça.
Justamente como ele sabia que aconteceria.
Pois, naquele momento, ela finalmente sabia a verdade. Se ela
quebrasse as paredes e conseguisse entrar, tinha muito pouco dentro
dele, além de escuridão e vazio.
Não valia a pena o esforço. Não valia mesmo.

CAPÍTULO 22

Charlotte passou o dia em transe, sem conseguir dormir ou


tomar nada além de uns poucos goles de chá.
Quando as criadas vieram para o seu novo quarto, ela permitiu
que elas a vestissem em frescas e limpas roupas de baixo, atando-as
bem apertado, e ajudando-a a vestir seu vestido de seda azul. Ela
sentou-se perfeitamente ereta, enquanto penteavam seus cabelos em
montes de cachos, no topo de sua cabeça, amarrando-os com uma
fita prateada.
Ela encarou o espelho.
Oh, Charlotte. Você foi uma completa tola.
Desde o começo, ela insistiu que o casamento deles desafiava
toda a lógica. Ninguém deixaria de notar o vasto abismo que existia
entre as classes, educação e experiência deles, sem mencionar, a
enorme diferença de personalidades.
Mas, em algum lugar, ao longo do caminho, o casamento entre
eles começou a fazer perfeito sentido _ para Charlotte, pelo menos _
não importando o quão improvável parecia para o resto do mundo.
Ela o transtornava, ele a ancorava. Juntos, eles poderiam ser muito
mais do que eram separados.
Ela ainda ousava esperar que ele sentisse o mesmo. De que ele
estivesse apaixonado por ela também. Mesmo dizendo que aquilo não
vinha de forma natural para ele, sua disposição em acreditar nos
sonhos dela, esperar por ela, tratá-la como igual, poderia provar que
era verdade.
Mas, ao invés de apoiá-la, ele a jogou debaixo das rodas da
carruagem.
Ela não sabia o que fazer. Delia não falava com ela. E mesmo
que sua mãe tivesse sido sua força, na noite passada, ela não podia
pedi-la um conselho hoje. Charlotte já sabia qual seria a resposta.
É claro que você se casará com ele. Ele é um marquês! Você não
tem consideração pelos meus nervos?
Justamente quando a criada terminou de amarrar um lenço em
seu pescoço, alguém bateu levemente na porta.
“Charlotte?” A porta se abriu um pouco. “Somos nós.”
Ela conhecia aquelas vozes. O coração dela deu um salto, e ela
correu para a porta aberta.
Suas irmãs, estavam paradas na entrada da porta, empoeiradas
e amarrotadas da viagem.
Para Charlotte, elas pareciam com anjos.
“Oh, isso é maravilhoso! Estou tão feliz, por vocês estarem aqui.”
Ela abraçou sua irmã mais velha, então se virou para Minerva e
apertou-a fortemente.
“É claro que estamos aqui.” Minerva ajustou seus óculos . “Colin
foi convidado para uma festa. Ele não vai deixar de aparecer.”
Colin foi convidado? Isso devia ser coisa de Piers. Ele devia ter
pedido aos Parkhurst’s para convidar sua família. Para que eles
pudessem estar presentes no anúncio do noivado. Pensamento dele.
“Nós decidimos fazer uma viagem em família.” Diana lançou um
olhar significativo para Minerva. “Nós pensamos que talvez você
precisasse de nós.”
“Sim. Eu preciso desesperadamente.” Charlotte empurrou-as
para dentro do quarto. Todas elas sentaram-se na cama. “Parece que
me encontrei noiva de um rico, lindo e insensível marquês.”
Diana sorriu. “E o que há de errado com ele, precisamente?”
“Fora o fato de ele ser tudo que mamãe sempre quis, é claro.”
Minerva brincou.
Charlotte fungou. “Eu não sei nem por onde começar.”
Minerva pescou um biscoito da bandeja de chá intocada. “Tente
do começo, então.”
E ela fez isso. Ela contou tudo a elas. Ou melhor, quase tudo.
Ela não fez nenhuma alusão ao trabalho secreto de Piers, é claro, e
ficou propositadamente vaga sobre os episódios que envolviam
remoção de roupas. Quando relatou os episódios do seu quarto
trancado e de Lady, a égua demoníaca, suas irmãs riram.
Quatro biscoitos e um lenço encharcado de lágrimas depois,
Charlotte finalmente chegou ao final. “E então, ele me disse que eu
preciso crescer.”
“Ele não fez isso.” Diana disse. Ela arfou, em choque, e
desânimo, e isso deu a Charlotte uma fria satisfação.
“Ele é tão restrito, tão teimoso. O homem não sabe a mínima
coisa sobre amor.”
Minerva sorriu. “O oposto de... você?”
Suas irmãs mais velhas trocaram olhares. Um olhar de ‘quão
doce nossa irmãzinha está soando.’
Charlotte enfureceu-se. “Eu sei que soa ridículo. Ele é um
homem conhecedor do mundo, tem a educação de um nobre, e eu sou
jovem e inexperiente. Mas, quando se trata de emoções, eu estou
léguas a frente.”
“Homens podem ser instruídos.” Minerva falou. “Até mesmo os
mais malcomportados, como Colin.”
“E se você me perdoa, por dizer isso.” Diana acrescentou. “Você
tem algumas coisas a aprender, também. Eu sei, porque aconteceu
comigo.” Ela apertou a mão de Charlotte. “Você o ama?”
“Sim.” Ela suspirou. “Mas eu disse isso para ele, e ainda assim
ele me traiu para forçar o casamento.”
“Bem, tem um problema.” Minerva falou. “Você disse a ele que o
ama. Isso não significa que ele acreditou. Provavelmente, com uma
desesperada falta de criatividade, incendiando o quarto, ele pretendia
testá-la. É assim que os homens são.”
“Talvez.”
Se foi um teste, Charlotte falhou. Ele havia revelado seu mais
profundo e vergonhoso segredo, e ela recebeu com fria indiferença.
Apesar de todas as suas promessas, de esperá-lo, de pôr abaixo as
paredes... ela se afastou.
“Eu acredito que ele se importa comigo. Quando ele consegue se
desviar do seu próprio caminho, ele é tão afetuoso e apaixonado. Mas
talvez, eu seja muito jovem. Talvez, seja rápido demais. Se nos
casarmos dessa maneira, será pelas razões erradas.”
“Eu gostaria de saber quem é que se casa, pelas razões corretas.”
Minerva disse. “Eu tive que sequestrar Colin, e nós já estávamos
chegando a Escócia, antes dele ceder.”
“E tem uma razão, para os gêmeos terem nascido com menos de
oito meses, depois que me casei com Aaron.” Diana acrescentou. “As
vezes, o amor se manifesta gradativamente. Porém, mais
frequentemente, a vida o apressa.”
Charlotte sorriu minimamente, e isso suavizou um pouco o nó
que estava apertando seu coração. Suas irmãs eram o melhor
remédio.
Ainda assim, ela pegou a ponta do lenço... “Eu estou com medo.”
“De quê, minha querida?”
“De me tornar nossa mãe.”
Ali estava, finalmente, falado em voz alta.
“Eu não sou uma estudiosa como você, Min. Ou paciente como
você, Diana. Se eu me casar sem amor, com pouca experiência do
mundo, e nada para ocupar meu tempo... o que irá prevenir-me de
me tornar uma mulher ridícula, com ataques de nervos?”
Minerva olhou para Diana, e elas compartilharam mais um
daqueles olhares de irmãs mais velhas. “Deveríamos contar para ela?”
“Eu acho que devemos.” Diana replicou.
“Me contar o quê?”
“Você irá se tornar a mamãe.” Minerva disse, sem rodeios. “É
inevitável. Quando os bebês chegarem, você não terá a mínima
chance.”
“É verdade.” Diana suspirou. “Todas as coisas que eu jurei
jamais fazer, jamais dizer...” Ela escondeu o rosto entre as mãos.
“Outro dia, eu disse a Aaron para considerar os meus nervos.”
Minerva levantou-se da cama e foi até sua mala de viagem. “Você
quer saber o pior?” Ela alcançou a bolsa e retirou uma prova. “Eu
comecei a carregar um leque.”
“Oh, céus!” Charlotte gargalhou.
Diana sorriu para ela. “A verdade é que somente agora nós
entendemos completamente. Mamãe nos ama, e à sua própria, e
equivocada maneira, ela tentou nos assegurar a melhor possibilidade
de futuro que ela podia imaginar.”
“Eu sei.” Charlotte disse. “E nós não facilitamos as coisas para
ela, também.”
“Pelo menos, nós não teremos uma ideia tão limitada sobre como
o futuro de nossas filhas serão.” Minerva disse, retornando para a
cama. “Colin e eu já começamos a reservar dinheiro para a formação
universitária de Ada.”
“Universitária? Mas nenhuma universidade admite mulheres.”
“Ainda não. Mas nós temos algum tempo para tentar mudar isso,
não temos? Se isso não acontecer, nós construiremos a nossa própria
universidade.”
“E se Ada não quiser ir para a universidade?”
Minerva olhou para ela por cima dos óculos. “Não seja absurda.
É claro que ela irá querer ir para a universidade.”
Charlotte teve uma imagem mental de Min, invadindo os portões
de Oxford, exigindo faculdade para mulheres, com Ada há vários
passos de distância, chorando por trás das mãos.
Talvez, cada geração das mulheres Highwood, estivesse
destinada a ser um constrangimento para suas filhas. Se isso
acontecesse com Charlotte, pelo menos, ela não estaria sozinha.
“Se você não quiser se casar com esse marquês, você não
precisa.” Minerva garantiu-a. “Você sempre terá um lar conosco. Uma
vez que as coisas estejam suavizadas e as fofocas esquecidas, você
pode recomeçar, buscar o futuro que você quer para si.”
“Escândalos são como fogo.” Diana ajuntou. “Só queima
enquanto você adiciona combustível.”
“Amor também não precisa de combustível?”
Será que ela e Piers conseguiriam manter a chama acesa por
toda a vida? Depois dos eventos da noite passada a discussão que
tiveram naquela manhã, Charlotte não tinha certeza. Ela não era forte
o bastante para ser a única a carregar o carvão. Ele teria que suprir
pelo menos, um pouco.
Mas ele recusou a dar lhe até mesmo um bocado.
Diana deu uma palmadinha em seu joelho. “Minerva e eu vamos
nos lavar e vestir para a noite. Deixaremos você para pensar.”

Sir Vernon convidou Piers para acompanhá-lo em um brandy,


na biblioteca, antes do baile.
Piers aceitou, naturalmente. A ironia era irresistível. Eles
estavam retornando para a cena do crime.
“Que pena sobre o aborrecimento no jardim, na noite passada.
Mas tudo funcionou bem, no final, hein, Granville?”
Ele entregou o brandy para Piers, antes de sentar-se atrás da
inesquecível mesa barulhenta.
“Você não precisa se preocupar sobre nenhum escândalo.” Ele
disse. “Minhas filhas compreendem que para o seu próprio interesse
não devem manchar a virtude de uma amiga próxima.”
Piers ficou nervoso.
Ele tinha toda a responsabilidade por ter magoado Charlotte.
Mas ele nunca a teria ferido, se Sir Vernon Parkhurst fosse o homem
honesto e justo, que ele fingia ser.
Em cima daquela mesma mesa, ele cometeu adultério. Teve duas
semanas para confessar sua indiscrição, mas até aquele dia, ele
permitiria que a amiga de sua filha, pagasse o preço por isso. O que
era uma perda para Delia, também.
Piers tomou um gole do escaldante brandy. Ele tinha sido
enviado para encontrar respostas. Estava cansado de ficar se
escondendo em volta das perguntas.
Esqueça discrição e buscas. Ele iria perguntar de modo franco.
“Sir Vernon, há quanto tempo o senhor está casado?”
O homem enrugou a testa em reflexão. “Vinte e três anos, no
próximo agosto, eu acho.” Ele contou os dedos. “Não, vinte e quatro.”
Ele sorriu. “Se minha dama perguntar, diga que eu respondi
corretamente da primeira vez. Sem hesitação.”
“É claro.”
“Eu não sou muito bom com números, mas eu me lembro de
tudo sobre a noite em que nos conhecemos. Era um baile de
máscaras. Ela estava vestida de gata. Uma cauda atada em seu
vestido, pequenas orelhas pontudas. Pelos nas pontas de seu
corpete.” Ele levantou uma sobrancelha e inclinou-se para trás em
sua cadeira, colocando suas botas em cima da mesa. “Eu sou um
caçador, Granville. Um esportista, por completo. Eu sabia, na mesma
hora, que Helena seria uma linda _ e difícil caçada _ mas no fim, ela
seria minha.”
Que história encantadora.
Piers sentou-se em uma cadeira. “Nós somos amigos, não
somos?”
“Eu certamente espero que sim.”
“Então, eu espero que você me permita fazer uma pergunta
pessoal. A resposta será mantida em estrito segredo, evidentemente.”
Sir Vernon balançou seu copo de brandy, como se fosse um
convite.
“Como disse, você é um esportista. Em vinte e três anos, o seu
olhar nunca foi capturado por outra presa? Não foi tentado à uma
nova caçada?”
O sorriso largo de seu anfitrião se desvaneceu. Ele deixou as
botas caírem ao chão, e colocou seu brandy em cima da mesa. “Eu
sei a respeito de quê, trata-se isso tudo, Granville. Sei o que
verdadeiramente você está perguntando.”
“Bom.” Assim seria bem mais fácil.
“Nós somos homens, entendemos um ao outro.”
“Sim, eu acredito que sim.”
“Então, vamos chegar ao centro dessa questão.” Sir Vernon
olhou para Piers de forma séria. “Você está se acovardando.”
Chocado, Piers ficou sem palavras. “Eu...você...”
“Não precisa ter vergonha disso, Granville. Você não precisa
inventar desculpas para mim. Eu senti o mesmo na véspera do meu
casamento. Passei a noite inteira acordado, convencendo-me que
estava cometendo um erro. Pela manhã, eu pensei que iria vomitar
em cima das vestes do vigário.” Ele tamborilou os dedos no mata
borrão da mesa, pensativo. “Mas, por Deus, vou te dizer a mais pura
verdade. Uma vez que meu olhar capturou a minha Helena, andando
pela nave da igreja, todas as minhas dúvidas desapareceram.”
“Desapareceram?”
“Sim, acabaram.” Os olhos do homem estavam gravemente
solenes. “Nunca olhei para outra mulher depois daquele dia. Bem,
vou ser honesto. Eu sou homem. Eu olhei. Mas nunca me senti
inquieto, nunca me senti tentado a me perder. Eu não gastei um só
pensamento com isso.”
Piers olhou gravemente para aquele homem.
A maioria das pessoas eram extremamente péssimas
mentirosas. Há muito tempo atrás, ele aprendeu a desmascarar um
farsante, a não ser que o mentiroso em questão, fosse muito, muito
bom.
E ele estaria arruinado, se não acreditasse, até a raiz dos
cabelos, que Sir Vernon Parkhurst estava falando a verdade. O
homem era devotado à sua esposa.
O que significava que Piers sabia ainda menos do que imaginava.
Não fazia nenhum sentido. O dinheiro perdido. As estranhas
viagens para casas secundárias no campo? O que diabos poderia
estar por trás disso, senão uma amante, ou um filho ilegítimo?
Algum outro agente teria que descobrir, aparentemente. Porque
Piers estava perdido.
Sir Vernon se levantou de sua cadeira e deu a volta na mesa,
para dar-lhe um afetuoso tapa nas costas. “Você ficará bem Granville.
Um pouco de dúvida, por parte do noivo, é natural, mas não seja tolo.
Você não está verdadeiramente preocupado se ela será o bastante
para você. A sua preocupação é se você será bom o bastante para ela.”
Piers alcançou sua bebida e finalizou o restante em um único
gole.
“Você nunca será bom o bastante, sabe.” Sir Vernon continuou,
sorrindo. “Mas, por alguma razão inexplicável, as damas insistem em
nos amar de qualquer jeito. Às vezes, eu acredito que essa seja
justamente a causa.”
Com outra ressoante pancada nas costas de Piers, Sir Vernon
saiu da biblioteca, deixando um marquês sozinho, com um copo
vazio, uma mente com um turbilhão de pensamentos e um coração
cheio de arrependimento.
Ele encarou o parapeito da janela, e se lembrou de apertar
Charlotte contra seu peito, enquanto ela ria até as lágrimas,
molhando sua camisa. Ele se lembrou do sorriso dela, enquanto
conversava com o irmão dele. Ele pensou nos dois fazendo amor em
um prado ensolarado. Ele pensou sobre Eutemo, e de estar no topo
da lista, dos melhores quatro partidos, para ela.
Ele provavelmente estaria na parte mais inferior dessa lista
naquele momento, pairando em algum lugar, próximo daqueles
cretinos que raramente se banham.
A quem ele estava tentando enganar? Ele certamente estava
abaixo deles também.
Maldição! Ele foi tão estúpido! Muito mais que estúpido! Ele
tinha uma mulher adorável, de natureza doce, nua em sua cama,
prometendo amá-lo eternamente. E no minuto que ela caiu no sono,
ele decidiu ir brincar com fogo. Tudo em uma tentativa idiota de
provar que ela estava errada.
Agora _ graças a Sir Vernon Parkhurst, a pessoa mais improvável
_ estava claro que ele não havia sido somente um idiota, mas um
burro também.
É claro que Charlotte estava errada.
Toda mulher estava errada. Elas tinham que estar, se não, toda
a humanidade já teria perecido, há muito tempo. Se elas pudessem
ouvir os pensamentos perversos da cabeça de um homem, verem a
escuridão covarde que se esconde em seu interior...elas nunca
permitiriam que os homens se aproximassem delas.
E as chances, eram, de acontecer o mesmo com as mulheres.
Charlotte, sem dúvida tinha imperfeiçoes e algumas inseguranças,
que ela preferiria engolir pregos a deixá-lo perceber. Isso não faria
nenhuma maldita diferença na maneira como ele se sentia. Ele não a
amava por ser perfeita, ele a amava por ser Charlotte.
Bom Deus!
Ele a amava.
Ele a amava.
É claro que ele amava. Ela o compreendia. Ela buscava por ele,
não importando quantas vezes ele a afastava. Ela encontrou um
caminho para dentro de seu coração, e se ela o deixasse, ele estaria
mais vazio do que nunca.
Naturalmente, que ele só se deu conta disso, depois que
incendiou o quarto dela. E que a humilhou em frente a um monte de
pessoas, e então foi o responsável por sua melhor amiga rejeitá-la. E
teve também o momento em que ele quebrou os sonhos dela em mil
pedaços.
Que inferno!
Piers espalmou as mãos sobre a mesa e empurrou a cadeira para
trás, levantando-se em seguida. Ele era um homem de ação. Não
podia simplesmente ficar sentado sem fazer nada.
Ele, merecidamente, estava se afundando no mesmo nível da
escória. Mas de alguma forma, ele iria se agarrar na borda e encontrar
seu caminho de volta. Implorando pelo perdão de Charlotte,
confessando suas verdadeiras emoções.
Não, não. Ele estava colocando os passos fora de ordem.
Primeiro, admitir que tinha emoções.
E então confessar como elas eram.
Convencê-la de que ele poderia fazer todos os sonhos dela se
tornarem realidade, implorar para que ela se tornasse sua esposa...
flores também não poderiam faltar. Tudo isso em, ele olhou para o
relógio.
Cinco horas. Pegar ou largar. Uma tarefa pequena, mas que seria
sua maior aposta. Ainda que ele obtivesse sucesso em preparar o
cenário para um grande pedido de perdão, não havia garantias que
Charlotte iria aceitar. Ele corria o risco de perdê-la para sempre.
Piers puxou os punhos da camisa, ajeitando-os. Bem, ele não era
o melhor agente da Coroa?
Correr riscos era sua vida.

CAPÍTULO 23

Para Charlotte, era uma cena muito familiar.


A orquestra afinava os instrumentos, a quadrilha começou... e
ela se sentiu excluída, mais uma vez. Delia se sentou no canto oposto
do salão, recusando-se a olhar em sua direção.
Pelo menos, aquela noite, ela tinha a família ao seu redor. Sua
mãe ficou de pé, conversando _ ou mais precisamente, se
vangloriando _ com Lady Parkhurst, e suas amigas. Mas, Diana e
Aaron, Minerva e Colin... eles permaneceram ao lado de Charlotte.
“Vocês não precisam ficar aqui parados, ao meu lado.” Charlotte
disse. “Vocês deveriam dançar.”
“Eu não sou muito de dançar.” Aaron falou.
“Nem eu.” Minerva completou.
Charlotte se virou para Colin, que raramente encontrava uma
parceira de dança que ele não apreciasse.
“Eu vou guardar minha força para a valsa.” Ele disse. “Estou
começando a ficar um homem velho e grisalho, você sabe. Talvez até
com um pouco de gota.”
Os lábios dela se curvaram em um sorriso amargo. Eles eram tão
transparentes em tentar consolá-la _ e ela os amava por isso.
Diana deslizou para perto de Charlotte e pegou seu braço,
apertando levemente, em um gesto tranquilizador. “Em que momento
o noivado será anunciado?”
“Lady Parkhurst pediu para esperarmos até o final da ceia de
meia noite. Todos estarão reunidos em um só lugar. Sir Vernon fará
um brinde.”
Minerva balançou a cabeça. “Você já decidiu o que vai ...”
“Não, não ainda.” Charlotte disse.
Ela estava esperando para ver Piers. Desesperada para falar com
ele. Mas, o marquês ainda não havia aparecido no salão de baile.
Desta vez, ela não iria atrás dele.
Colin firmou a mandíbula. “Se ele não aparecer, Dawes e eu o
chamaremos para resolver o assunto lá fora. Certo Aaron?”
Aaron cruzou os enormes braços de ferreiro em seu peito.
“Absolutamente.”
“Vocês não vão querer fazer isso.” Charlotte avisou. “Lorde
Granville controla muito bem uma pistola. E seu irmão viria logo em
seguida.”
Colin considerou isso. “É aquele irmão, campeão de pesos
pesados que luta com mãos nuas?”
“Sim.”
“Só para confirmar, se ele não tem outro irmão, menor e menos
violento.” Colin tomou um gole de sua bebida. “Ainda agiremos da
mesma forma, é claro.”
“Absolutamente.” Aaron disse, soando um pouco menos
absoluto do que no momento anterior.
“Nós daríamos conta. Dawes aqui é muito forte, e eu já estive em
uma ou duas brigas. Nós somos os melhores militares de Spindle
Cove, não somos? Quer dizer, sem contar Bram. Ou Thorne.”
“Susanna.” Minerva adicionou. “Eu acredito que Susanna está
em posição superior a vocês dois.”
A boca de Colin repuxou-se um pouco para o lado. “Sim, não
posso negar isso. Mas não somos molengas.”
“Sim, vocês estão solidamente no topo dos quatro melhores.”
Charlotte disse.
O coração dela se comprimiu no peito. Onde diabos poderia estar
Piers? Ela sondou o salão, esquadrinhando os dois lados, olhando
para cada par de dança. O vislumbre de um homem alto, com cabelos
escuros, impeliu-a se mover alguns passos para a esquerda.
Não era Piers.
Mas, algo mais capturou sua atenção.
A alusão de um perfume, flutuando atrás dela.
Aquele perfume.
Papoulas, baunilha e âmbar negro. Nenhuma dúvida em sua
mente. O aroma a levou diretamente de volta ao parapeito da janela,
onde ela gargalhou nos braços de Piers, enquanto a mesa rangia e os
amantes gemiam.
Ela girou no lugar, esforçando-se para parecer desinteressada,
enquanto procurava pela fonte do perfume. O caminho estava
obstruído por um par de cavalheiros, que se separavam de maneira
cordial _ mas enlouquecidamente lenta, em sua opinião _ fazendo com
que ela perdesse segundos preciosos. Ela começou a se mover em
direção a lateral do salão, fungando o mais profundo e frequente que
conseguia, sem causar perguntas estranhas a respeito de seu estado
de saúde.
Então, o salto de seu sapato tocou em algo liso, fazendo com que
ela quase escorregasse. Ela baixou os olhos para o piso. Um pedaço
de papel dobrado, nas sombras, onde a seda adamascada da parede
encontrava com o assoalho.
Charlotte discretamente se abaixou para pegar. Assim que ela
teve o papel em suas mãos, ela pode sentir o cheiro. Não foi uma
pessoa perfumada que ela detectou, mas sim uma mensagem
perfumada.
Seu pulso latejava em suas orelhas, e ela escondeu o papel em
sua mão enluvada.
Ela não ousaria abrir a mensagem ali.
Sem parar para dar qualquer tipo de explicação, ela escapuliu
do salão direto para seu quarto, no andar de cima. Ela trancou a porta
atrás de si e acendeu uma pequena lâmpada, antes de desdobrar o
papel com dedos trêmulos.
A mensagem continha um simples poema de quatro linhas, em
uma escrita floreada. Ela segurou bem próximo a lâmpada para ver
do que se tratava.

Onde o verdadeiro Amor queima,


desejo é pura chama
Isso é o reflexo do nosso impossível...

Um poema bonito o bastante, mas completamente inútil. Sem


saudação, sem assinatura. O coração dela murchou em
desapontamento. Ela virou o papel, pelo lado inverso, avaliando com
cuidado. Nada ali, também.
Então ela retornou ao poema. Decidindo ler em voz alta,
lentamente. Talvez tivesse algum tipo de mensagem oculta.

Onde o verdadeiro amor...

Ela parou e piscou. Estava vendo as coisas. Ela poderia jurar


que aquelas palavras estavam dançando entre as letras do verso.
Ela segurou o papel mais perto da lâmpada, diretamente sobre
a chama. Enquanto ela observava, uma palavra se materializou no
espaço em branco, aparecendo em marrom escuro, uma palavra de
cada vez.
a-t-r-a-s-o
Atraso.
Tinta invisível!
Havia uma mensagem escondida, entre as linhas do poema.
Animada, Charlotte procurou em meio a bagunça de escovas de
cabelo e fitas, até localizar as pinças para cachos. Ela usou-as para
segurar o papel sobre a chama, deixando o calor tocar cada canto,
como se ela estivesse tostando uma fatia de pão. O exercício
entediante testou sua paciência até o limite, mas ela não iria correr o
risco de deixar o papel pegar fogo.
Quando finalmente havia aquecido cada milímetro do papel, ela
abriu a mensagem na superfície plana da mesa. A mensagem invisível
era:

As damas se reunirão na próxima terça.


Por favor, traga as conservas e os bolos.
Os dois são obrigatórios para o almoço do meio dia.
Noites úmidas de atraso.

Bolos?
Bolos e umidade?
Essa era a mensagem misteriosa. Dentre todas as
inconsequentes e sem sentido linhas para se escrever em tinta
invisível, com um perfume de rico aroma, aquelas foram as palavras
escolhidas?
Quem quer que aqueles amantes misteriosos fossem, Charlotte
estava aborrecida com os dois. De fato, almoço do meio dia...
Ela esfregou os olhos e leu novamente. Então ela passou o papel
pela chama de fogo mais uma vez. Nada novo apareceu.
Talvez, aquele fosse um tipo de código. Ela tentou ler de trás para
frente, ler cada segunda palavra na linha, cada terceira, ou quarta
letra... nenhum desses métodos forneceu qualquer mensagem
compreensível.
Estava a ponto de amassar o papel e jogá-lo no fogo de desgosto,
quando notou um fino traço em tinta marrom, onde ela não esperava
que estivesse. Ela desconsiderou da primeira vez que viu, porque
pensou que fosse apenas uma gota de tinta invisível caída no lugar
errado, mas naquele instante notou perfeitamente que o traço estava
centralizando uma palavra do poema: ‘quadro’.
Com a ponta dos dedos, ela esquadrinhou o papel, procurando
por qualquer outra marca pequena e despercebida. Ela encontrou
outro traço; esse estava diretamente embaixo da palavra ‘coração.’
Quadro e coração.
Coração e quadro.
Com um pressentimento, ela encontrou um pedaço de papel,
cortou para que ficasse do mesmo tamanho da mensagem, então
dobrou os dois juntos ao meio, fazendo um corte com um canivete,
removendo um pedaço do centro do papel no formato de um coração.
Então ela pegou seu improvisado cartão romântico e colocou sobre o
bilhete, deslizando-o, até que estivesse centralizado.
O quadro bloqueou quase toda a mensagem escondida. As partes
ainda visíveis, diziam:

nos encon
traremos no conser
rvatorio a meia
noite

“Oh, Senhor!” Ela se levantou da cadeira, pulando para trás,


sem acreditar. “Eu... eu consegui. É isso. ‘ Nos encontraremos no
conservatório a meia noite.’” Ela gargalhou alto. “Eu, Charlotte
Highwood, decodifiquei uma mensagem secreta, e eu fiz tudo
sozinha. Tome isso Agente Brandon.”
Ela sentia que queria dançar. Mas não havia tempo para
aquilo. Alguém estava esperando um amante clandestino chegar no
conservatório, a meia noite, e Charlotte havia trabalhado naquilo
durante muito tempo. Já devia estar próximo da hora.
Ela conferiu o relógio na cornija.
Oh, não! Já havia se passado cinco minutos!
Charlotte correu pelas escadas abaixo.
Ela se arrastou para a porta do conservatório e abriu
silenciosamente, antes de deslizar para dentro. O espaço estava
denso pela fragrância de milhares de flores. O vidro da janela estava
embaçado.
Uma luz fraca e vacilante se derramava de um canto distante
do jardim interno.
Um caminho de pétalas de rosas no piso a conduziu até o
conservatório, então desapareceu em uma curva, alguns metros a
frente. Perfume, poesia, pétalas de rosas...? Quem quer que esse
amante fosse, ele ou ela, era verdadeiramente romântico.
Ela parou, de repente, hesitante.
Faria alguma diferença quem estaria esperando no fim desse
caminho? Era tarde demais para recuperar sua reputação, e aquilo
não mudaria seu dilema com Piers. Mas significaria muito se ela
conseguisse reconquistar a amizade de Delia. Encontrar os amantes
significaria algo grandioso para seu orgulho, também. Pelos padrões
da sociedade, ela não era talentosa. Aquela era sua chance de
provar que estavam todos errados.
Em todo caso, ela já tinha chegado até ali. O mistério iria
assombrá-la eternamente se ela não desse aqueles últimos poucos
passos.
Ela prendeu a respiração, enquanto seguia pelo caminho de
pétalas vermelhas e aveludadas. Quando virou em uma curva, seu
coração galopou dentro do peito.
A névoa perfumada da estufa se abriu para revelar uma figura
escura e alta.
Ali, parado em uma alcova, frondosa e iluminada por velas
estava...
“Piers?”
Ele fez uma reverência elegante. “Boa noite, Charlotte.”
“O que você está fazendo aqui? Você também achou um
bilhete?” Ela olhou em volta. “Eles já estiveram aqui? Você os viu?”
“Eu vi quem?”
“Os amantes misteriosos! Ou copuladores, ou qualquer coisa
que eles são. Eu encontrei um bilhete perfumado no salão de baile,
era um código. Me tomou anos para decifrar, até que quase foi tarde
demais, e então eu corri aqui para...”
Enquanto falava, ela prestou mais atenção aos detalhes do
cenário. O castiçal de bronze estava equipado com uma vela de cera
de abelhas. A garrafa de champanhe estava em um balde de prata
com gelo. Uma cesta de piquenique.
O sorriso astuto no rosto de Piers.
“Foi você!” Ela bateu a mão na testa. “Você deixou o bilhete.
Para mim.”
“As pétalas de rosas foram ideia de Ridley.” Ele pegou a garrafa
de champanhe e retirou a rolha. “Você apreciou seu trabalho
investigativo?”
“Você me enganou.”
“Não, eu não enganei. Você está aqui, não está? Isso significa
que você não foi enganada de nenhuma maneira.” Ele lhe entregou
uma taça de champanhe e acenou com a cabeça para o papel na
mão dela. “Essa mensagem usou, mais ou menos, os mesmos
métodos que o General Benedict Arnold aplicou para enviar o
Serviço de Inteligência, durante a rebelião dos colonos Americanos.
E você decifrou. Muito bem!” Ele ergueu sua taça em direção a ela, e
bebeu.
Sim. Ela havia decifrado, não havia?
Ela bebeu um gole de champanhe em um cumprimento a si
mesma. “Viu? Eu disse que poderia ser uma espiã.”
“Talvez. Mas você precisa trabalhar melhor para ser uma espiã
de sucesso. Arnold foi pego, sabe.” Ele pegou um sanduíche da
cesta de piquenique, comido pela metade e gesticulou em direção a
ela. “Eu trouxe o jantar. Tem tortas de limão.”
Ela olhou para a cesta, com doces e sanduiches. “Você me
enganou, e começou o piquenique sem mim. Eu não sei qual é a
maior ofensa.”
“Eu não estava certo sobre quanto tempo você levaria para
decifrar.”
Ela roubou o meio sanduiche da mão dele. “Está resolvido. Eu
estou definitivamente mais brava com você por duvidar de mim.” Ela
deu uma grande mordida.
“Na próxima vez, eu farei ainda mais desafiador.”
Próxima vez?
Apesar das provocações, os olhos dele aparentavam orgulho.
Ele estava satisfeito consigo mesmo, e com Charlotte.
Além do mais, ele estava se divertindo.
E ela também.
Ela teve um vislumbre dos dois, liderando um ao outro, em
misteriosas caça ao tesouro, pela sua mansão escura, tarde da
noite, e um isolado cenário romântico esperando no final.
Poderiam eles ter uma vida assim? Uma vida construída com
brincadeiras, com sedução e uma pitada de mistério? O coração
dela se aqueceu com o pensamento. Mas tudo dependia se ele sentia
esse calor também.
“Eu amo você, Charlotte.”
Ela quase sufocou com o pedaço de sanduiche.
“Agora?” ela protestou, com a boca cheia de pão e fatias de
pepino. Ela engoliu. “Você me diz isso agora? Você não podia
esperar até que eu terminasse meu sanduiche?”
“Não. Eu planejei, mas eu não consegui aguentar.”
“Bem, eu espero que você pretenda dizer pelo menos mais uma
vez.”
“É claro que pretendo, querida.”
Querida. Ela adorava quando ele a chamava assim. Em sua voz
profunda e aristocrática, soava em partes iguais de suavidade e
afeição, com um pouco de perigo correndo sob a superfície.
Depois de colocar seu champanhe de lado, ele encurtou a
distância entre eles, com passadas lentas e determinadas. Oh, ele
estava magnífico aquela noite. Suavemente barbeado e vestido em
um casaco negro, com camisa e gravata brancas. Perfeito.
Ele pôs as mãos em seus braços, brindando-a com um carinho
gentil. “Você está maravilhosamente linda hoje. Eu já mencionei
isso?”
Ela balançou a cabeça, tentando conter suas emoções. “Eu
gostaria de poder dizer honestamente, que essas lisonjas não te
levarão a lugar algum.”
“Não me levarão longe o bastante, eu sei. Eu devo a você muito
mais do que elogios. Eu devo a você muitos e grandes pedidos de
perdão.”
Bem. Ela não faria nenhum argumento contra aquilo.
“Depois que você foi envenenada, eu disse a mim mesmo que
tomando o controle de tudo, eu estaria protegendo você. Mas você
estava certa. A única pessoa que eu estava protegendo era a mim
mesmo. O sentimento de perder você me destruiu. Não havia um só
pensamento em minha mente, a não ser manter você comigo, fazê-la
irrevogavelmente, minha. Não importando o que qualquer vilão
tramasse.”
“Como você pôde temer que eu o deixasse? Depois de tudo que
compartilhamos. Eu disse que te amava, Piers.”
“Como explicar?” Ele se deteve. “Eu pensei que isso não fosse o
suficiente. Eu pensei que eu não fosse o suficiente.”
O quê?
Aquele homem lindo, forte e leal, tinha medo que talvez não
pudesse ser o suficiente? Charlotte poderia ter rido de um absurdo
daqueles, mas perversamente, ao invés disso, uma lágrima queimou
no canto de seu olho.
Ela piscou para espantá-la.
“Por que você pensaria algo assim?”
“Experiências passadas. Mães se deleitam com seus filhos, é o
que dizem. A minha não encontrou deleite suficiente para ficar. Meu
primeiro noivado terminou quando minha noiva se cansou de
esperar.” Ele deu de ombros. “Eu não tenho tido muito sucesso em
convencer as mulheres de que eu sou digno de uma vida inteira
comigo.”
Ela deslizou os braços pelo pescoço dele. “Você é mais do que o
bastante para mim.”
“Você não tem que me alimentar com trivialidades. Eu sou
difícil de conhecer, e ainda mais difícil de amar.”
“Mas, você provavelmente já conhece como minha mente
funciona. Tudo isso só faz com que você se torne mais tentador. Eu
amo saber que tem muito mais de você do que aparece na
superfície. E enquanto uma boa parte é puro brilhantismo, existe
algumas partes sombrias e retorcidas, também. Você é um quebra
cabeças. Um que levará anos para resolver, e você sabe o quão
teimosa eu sou. Eu não sou de desistir.”
Ele deslizou os braços em volta de sua cintura e pressionou a
testa na dela. “Prometa-me.”
“Eu prometo a você.” Ela fechou os olhos. “Me desculpe por ter
lhe dado razões para duvidar. Eu nunca farei isso novamente.”
“Eu nunca lhe darei motivos.”
Ela ergueu a cabeça.
“Você sabe, você ainda não falou novamente.”
Ele a beijou de forma doce e lenta, com gosto de champanhe.
“Eutemo.”
Ela grunhiu, em um protesto brincalhão.
“Provocação, provocação.” Ele olhou fundo nos olhos dela. “Eu
te amo Charlotte. De alguma maneira você atingiu meu coração
quebrado, e detonou algo ali, deixando uma grande desordem. Eu
não sei se eu consigo consertar de um jeito bom o bastante para
amá-la como você merece. Mas eu juro a você, que enquanto eu
viver, eu nunca vou parar de tentar.”
“Bem melhor, obrigada.” Ela balançou nos braços dele,
encarando aquele homem que pertencia a ela. “Nós teremos o
melhor momento. Saltando pelo Continente, roubando segredos...”
Ele balançou a cabeça, negando. “Isso é uma coisa que eu não
posso dar a você. Eu posso enviar você e Delia para viajar pelo
Continente. Eu esperarei por você, pelo tempo que desejar. Mas meu
trabalho exige pelo menos a aparência de indiferença. É muito
perigoso de outra maneira. Qualquer um que quisesse me
machucar, saberia que o caminho mais curto seria através de você.”
“Eu entendo.” Ela disse, tentando esconder o desapontamento.
“Eu não reclamarei se você parecer distante ou insensível quando
estivermos em público. Eu... eu pensarei em mim, como se estivesse
trabalhando disfarçada.”
“Não, querida. Eu não posso arriscar. Por esse motivo, eu
pretendo me demitir de uma vez.”

CAPÍTULO 24

“Demitir-se?” O rosto de Charlotte baixou. Ela se afastou do


abraço dele, deixando-o desolado.
“Sim. Eu devo fazer isso o mais rápido possível.” Ele disse.
“Piers, você não pode fazer isso. Você não pode desistir. A
Coroa precisa de você, e você precisa do seu trabalho. Eu já o vi em
momentos de ação. É quando você realmente se sente vivo.”
Ele tocou a bochecha dela. “Eu me sinto vivo, com você.”
“Mas o desafio? O perigo? Eu sei como você aprecia.”
“Oh, eu não estou desistindo de nenhum dos dois.” Ele sorriu.
“Amor é, de longe, a coisa mais perigosa que eu já senti. Casar com
você será como pular de um precipício. Eu me sinto seguro em
minha habilidade de merecer você tanto quanto eu me sinto em
minha habilidade de voar.”
“Eu acredito que você pode fazer qualquer coisa. Incluindo
voar.”
“A verdade é que... desde quando você entrou em minha vida,
minhas habilidades têm falhado. Permanecer em meu cargo seria
irresponsabilidade, meus instintos estão entorpecidos. Eu tenho
perdido sinais claros de perigo. Eu não estou mais próximo de
completar minha missão agora, do que no dia que eu cheguei, e eu
perdi todo o meu talento para prevaricação.” Ele buscou o adorável
rosto dela. “Por que eu não consigo guardar nada de você?”
“Porque você não quer fazer isso.”
Ele franziu as sobrancelhas. O que ela estava dizendo não fazia
o menor sentido.
Charlotte já havia destruído sua compostura e suas defesas.
Talvez ela tenha danificado o seu cérebro também.
“Você não quer mentir para mim.” Ela repetiu. “Eu acredito que
você tem quase morrido de vontade de contar a alguém todos os
seus segredos. Por qualquer razão, você me escolheu.”
Ele olhou para a janela embaçada por um momento,
considerando aquilo.
Ela poderia estar certa?
Talvez, bem lá no fundo, uma parte visceral dele tenha
reconhecido a afinidade que eles compartilhavam. Talvez ele tenha
tido a intuição de que podia se abrir com ela. Se alguma rachadura
nas paredes em volta do coração dele trasbordasse de culpa ou
melancolia... Charlotte seria alegre demais para abater-se, e teimosa
demais para afundar-se.
Se era realmente assim, era malditamente irônico.
Ele passou a última quinzena beirando ao pânico, aterrorizado,
de que ele estivesse perdendo seu jeito. Talvez, ele estivesse
preocupado por nada, e seus instintos estivessem funcionando
melhor do que nunca.
Talvez ele estivesse no topo de sua carreira.
“Mas eu ainda não tenho a menor ideia do que tem incomodado
Sir Vernon.” Ele disse. “Eu estava certo de que ele estava tendo um
caso e que a amante tentou lhe assustar com o incidente da erva-
moura. Mas depois dessa tarde eu estou convencido de que o
homem é devotado à sua esposa.”
“E nenhuma das mulheres em minha lista se encaixa com as
pistas. Elas não são nem mesmo consistentes. Ela tem o cabelo
ruivo ou escuro? Ela é a criada que me trouxe o café da manhã, ou
a dama que comprou o perfume caro?” Ela franziu as sobrancelhas
em concentração. “É quase como se não pudesse ter sido a mesma
pessoa.”
Piers permanecia parado.
Mas alguma coisa brilhou no canto de sua mente. Uma teoria.
Então, uma lembrança. E no espaço de uma batida do coração, a
conjectura se transformou em conclusão.
“Charlotte.” Ele a segurou pelos ombros e a beijou. “Você é
brilhante.”
“O que você quer dizer? Tudo que eu disse, foi que não poderia
ser a mesma...”
Ele observou, enquanto a mesma compreensão despontou nos
olhos dela.
“Não.” Ela disse. “Você não acredita que possa ser...”
“Deve ter sido. Tudo se encaixa, não é verdade? O dinheiro, as
viagens, as pistas que não combinam... a razão do porquê ele não
falou a verdade.”
“Sim, é verdade.” Ela deu um leve soco no peito dele. “Eu te
disse que eram amantes misteriosos e não copuladores. Admita, eu
estava certa.”
“Muito bem, você estava certa.”
Ela sorriu ironicamente. “Eu nunca vou deixá-lo esquecer-se
disso.”
Piers não queria que fosse de outra forma. Ela sempre seria
otimismo para seu cinismo, risada para o seu silêncio, caos para a
sua ordem, o calor para sua frieza. Seus corações se encontrariam
de alguma forma.
“Devemos contar a eles que nós sabemos?” Ela perguntou.
“E qual seria o propósito?” Ele olhou em direção a porta. “Nós
estamos a ponto de anunciar o nosso noivado, a qualquer momento.
Isso é...se nós estivermos noivos. Eu não pretendo... se você...”
“Oh, céus!” Ela uniu suas mãos na dele e o puxou em direção a
porta. “É claro que estamos. Não vamos começar com isso
novamente.”
Piers estava excessivamente feliz por deixar esse assunto para
trás, para sempre.
Eles deixaram o conservatório e correram pelo corredor de
mãos dadas, seguindo em direção a sala de jantar. Piers foi na
frente, passando pelas portas e controlando suas curvas.
Eles estavam na metade do caminho, quando o tornozelo de
Piers ficou preso em algo. Uma linha fina, esticada através do
cômodo.
Ele teve presença de espirito, o bastante, para soltar a mão de
Charlotte imediatamente, para assim não a levar ao chão junto com
ele. Ele caiu, os ombros batendo no piso primeiro, esperando
transformar sua queda infeliz em um movimento jovial de
recuperação. Mas no momento em que ele atingiu o chão, ele foi
surpreendido por alguma coisa que caiu de cima.
Uma rede. Uma pesada rede, feita de cordas amarradas.
“Uhuuu! Agora eu o peguei!”
Piers grunhiu suavemente. Ele reconhecia aquela voz.
Edmund.
Inferno! Aquela era uma nova baixa. Ele foi pego por um garoto
de oito anos.
Piers tentou uma manobra com suas costas, para tentar sair de
dentro da rede. “Então, Edmund. Vamos discutir isso como
cavalheir... aiii!”
Edmund cruzou os braços e desabou sentado, sobre o
estômago de Piers, mantendo-o no chão.
“Seu garoto desagradável.” Charlotte agarrou os braços de
Edmund. “Saia de cima dele!”
“Não o machuque muito.” Piers falou. “O escritório da Polícia
Forense talvez o ofereça um cargo daqui a dez anos.”
“ASSAS-SINO! ASSAS-SINO! ASSAS-SINO!”
Delia correu em direção ao corredor. “Edmund! O que você está
fazendo? Liberte lorde Granville, agora!”
“Não, até que o magistrado chegue. Ele vai ser levado para a
cadeia. Por assassinato.”
Convidados começaram a vir da sala de jantar, atraídos pelo
tumulto. Os criados também.
Maravilha.
“Isso não é nem possível.” Charlotte falou. “Para ter ocorrido
um assassinato, tem que haver uma vítima. Ninguém morreu.”
“Bem, ele tentou um assassinato.” Edmund replicou
fortemente. “Tentou estrangular a senhorita Highwood com uma
corda, em sua primeira noite aqui, na biblioteca.”
Um murmúrio se formou na plateia.
“Edmund, não seja absurdo.” Delia disse. “Você deve estar
enganado.”
“Não, eu não estou. Eu ouvi tudo.”
“Delia, por favor, escute.” Charlotte sussurrou. “Eu venho
tentando te contar. A noite do outro baile, houve um mal
entendido.”
“Primeiro.” Edmund declarou, satisfeito por ter a atenção dos
expectadores. “Eu ouvi um ruído estridente. Eek, eek, eek, eek.
Então...” Ele fez uma pausa para um efeito dramático. “...gritinhos.”
O silêncio no corredor era unânime. O grupo de pessoas ficou
em suspense, por cada sórdida palavra do garoto.
“E por último, houve um barulho, como se fosse o próprio
diabo grunhido. Assim: Grrrrrrrrrraaaaaaagh!”
“Foi isso!” Edmund se balançou sobre o peito de Piers. “Viu?
Foi ele.”
“Edmund aquilo não era Lorde Granville”. Delia disse. “Aquele
barulho veio do closet.”
“Do closet?”
Todos permaneceram em silêncio.
Uma série de barulhos familiares podiam ser ouvidos de detrás
da porta do closet.
Tum. Tum. Tum.
Piers tentou olhar pelo lado bom da coisa. A julgar pelo ritmo
frenético, pelo menos daquela vez, os amantes estavam bem
encaminhados.
Tum.
“Oh!”
Tum.
“Ahhh..”
Tum. Tum. Tum. Tum.
E um último barulho.
“Grrrrrrrrrraaaaaaagh!”
Depois que os barulhos, misericordiamente, terminaram,
Edmund se levantou em um salto, deixando Piers livre para
desembaraçar-se da rede.
Com punhos erguidos, o garoto começou a ir em direção a
porta do closet.
Piers o pegou pela gola do casaco. “Você não quer fazer isso.”
“Me deixe ir!” Ele disse, socando o ar.
“Senhorita Delia.” Piers disse em voz baixa. “Por favor, leve o
seu irmão para o andar de cima, para a babá. Agora.”
“Sim.” Charlotte concordou, agarrando a mão livre de Delia.
“Na realidade, vamos todos deixar o corredor. E rápido”
“Mas, o assassino!” Edmund choramingou.
Era tarde demais.
A porta do closet se abriu, e saiu de lá um casal de amantes,
com rostos avermelhados e ofegantes, com os cabelos bagunçados e
as roupas amarrotadas.
Charlotte tentou cobrir os olhos de Edmund, mas ele se
esquivou das mãos dela. Seus olhos se arregalaram em seu rosto
redondo de criança.
“Papai?” Ele perguntou em uma voz fraca. “O qu-quê você
estava fazendo com mamãe?”

Minutos mais tarde, Charlotte estava sentada no salão vazio,


encarando, sem expressão, suas mãos dobradas sobre o colo,
enquanto eles esperavam por Sir Vernon e Lady Parkhurst se
tornarem apresentáveis.
“Só agora eu percebi uma coisa.” Ela falou para Piers. “Nós
nunca, jamais, poderemos contar aos nossos filhos como nos
conhecemos.”
“Nós podemos inventar uma história convincente.” Ele replicou.
“Eu tenho alguma experiência com isso.”
“Eu suponho que tenha.” Ela olhou para o teto. “Pelo menos,
agora, Delia acredita que eu não a traí. Ela falará comigo
novamente.”
Ela mal podia esperar para ter um bom tempo de longas
risadas com sua melhor amiga. Com generosas taças de xerez,
preferencialmente. Havia muito para contar.
“Coitada dela.” Charlotte disse. “Ela provavelmente está lá em
cima, falando com Edmund sobre pêssegos e berinjelas.”
Piers balançou a cabeça. “O que é tudo isso a respeito de
berinjelas afinal?”
Antes que Charlotte conseguisse explicar, Sir Vernon e Lady
Parkhurst adentraram o salão, fechando a porta por trás deles.
Piers levantou-se da cadeira, esperando a dama sentar-se
primeiro, antes de retomar seu próprio assento. Sempre um
cavalheiro, mesmo em uma situação tão bizarra quanto aquela.
“Nós nos conhecemos em um baile de máscaras.” Lady
Parkhurst começou. “Eu suponho que foi aí que começou.”
Sir Vernon interrompeu, sociável, como sempre. “Eu sou um
esportista. Não posso me conter. Eu vivo pela caça, uma boa
perseguição...”
“E eu aprecio muito ser perseguida.”
“Acelera a pulsação.”
Lady Parkhurst fechou os olhos brevemente. “Então nós...
desempenhamos papéis. Com o passar dos anos começamos a ficar
mais elaborados. Vernon me dá uma bolsa cheia de dinheiro, e eu
uso para criar uma nova identidade. Novo nome. Novos vestidos.
Perucas, joias, até mesmo criados. Eu escrevo uma mensagem para
ele, como se fosse o personagem, falando onde e quando ele deve me
encontrar, e então...”
“E então vocês apreciam a companhia um do outro.” Piers
finalizou.
Obrigada. Charlotte replicou em pensamento. A partir dali ela
não tinha nenhuma curiosidade pelos detalhes.
Lady Parkhurst continuou. “Às vezes é um cavalheiro e uma
prostituta, ou viajantes se hospedando em uma estalagem. Amantes
tendo um caso secreto...”
“Mordomo e criada.” Charlotte acrescentou.
“Isso, também.”
“Então, foi você que trouxe a bandeja de café para o meu
quarto naquela manhã?” Charlotte disse. “Você estava usando
roupa de criada e uma peruca.”
“Sim.” A dama confessou. “E eu sinto muito pelo acidente, não
foi minha culpa.” Ela deu um olhar cortante para o marido. “O
‘mordomo’ que fez isso. Ele confundiu a erva-moura com uma íris.”
“O que eu sei sobre flores? Era roxa e bonita.”
“Poderia tê-la matado, Vernon.”
“Mas não matou, não é mesmo?” Sir Vernon gesticulou em
direção a Charlotte. “Olhe para ela! Ela está muito bem.”
Charlotte apertou a mão de Piers. Ela podia sentir como ele
estava lutando para não iniciar um longo discurso.
“É verdade. Eu estou completamente recuperada. E eu sempre
acreditei que foi um erro.”
“Por que você não me contou a verdade naquela noite?” Piers
perguntou diretamente para Sir Vernon.
“Eu tranquilamente faria isso, Granville, de maneira privada,
longe dos ouvidos de Edmund. Mas você foi tão rápido em oferecer
casamento para a garota, eu nem mesmo tive a chance. Eu pensei,
que talvez, houvesse algo entre vocês dois. Afinal de contas, vocês
estavam escondidos atrás das cortinas juntos.”
Charlotte trocou olhares com Piers. “É verdade, nós
estávamos.”
“E você não estava enganado, Sir Vernon.” Piers manteve o
olhar nos olhos de Charlotte. “Existiu algo entre nós desde o
começo.”
Lady Parkhurst deu um suspiro aliviado. “Estou tão feliz que
tudo funcionou perfeitamente. Podemos esperar pelo seu perdão?”
“Sim, é claro.” Charlotte se levantou e foi até a senhora,
beijando-lhe a bochecha. “Você tem até meus agradecimentos.”
E, ela admitiu para si mesma, uma grande admiração.
Era encorajador ver um casal, claramente apaixonados _ e
lascivos _ após tantos anos de casamento. Ela achou adorável que
eles ainda encontrassem maneiras de surpreender um ao outro.
Deu a ela esperança, em relação ao seu próprio casamento com
Piers.
Mesmo se eles se casassem no próximo dia _ ou dali a anos _
estabelecer-se não precisava significar imutabilidade.
Quanto ao choque de Edmund...
Bem, existia coisas piores para uma criança, do que enfrentar a
evidência de que seus pais eram apaixonados.
“Todos retornaram para a sala de jantar. Eles provavelmente
perderam seu apetite, mas de uma forma ou de outra, a refeição já
deve estar perto do fim.” Lady Parkhurst alisou seus cabelos e suas
saias. “Considerando os eventos dessa noite, talvez devêssemos
pular o brinde de Vernon e ir direto para o seu anúncio?”
Piers se levantou. “Isso provavelmente seria o melhor.”
Eles seguiram seus anfitriões pelo corredor, mas Piers parou-a
em frente a porta da sala.
“Como posso ver, tem duas formas de nós lidarmos com isso.”
“Oh?”
“Eu posso fazer um sensato e apropriado anúncio, de nossa
intenção nupcial, beijo o ar sobre a sua luva e a convido para o
próximo minueto.”
“Humm. Muito nobre. Qual é a segunda?”
A sobrancelha esquerda dele se curvou em uma intenção
perversa. “Envolve declarações de amor loucas e apaixonadas.
Beijos amplos. Múltiplas valsas, onde eu a seguro de modo
indecente. Seus irmãos ficarão levemente descontentes, um possível
desmaio de sua mãe...e fofocas o bastante para encher os próximos
três periódicos do Prattler.”
“O que vai ser, meu amor?” Ele a ofereceu o braço. “Deveríamos
fazer alguns remendos em sua esfarrapada reputação? Ou você quer
começar um escândalo?”
Ela introduziu seu braço no dele. “Com você? Eu opto pelo
escândalo, em qualquer dia.”

EPÍLOGO

Três meses depois.

Eles rolaram na cama, distanciando-se um do outro,


desabando sobre travesseiros e lençóis, escorregando de suor e
lutando por fôlego.
Por hora, eles estavam mutualmente saciados, mas somente
por aquele momento.
Três meses de abstinência não poderiam ser satisfeitas em uma
só vez.
Charlotte aninhou a cabeça no peito nu de seu marido. Os
braços fortes dele envolveram-na, puxando-a para mais perto.
Fazendo uma carícia gentil no braço dela, para cima e para baixo,
ele enviava ondas mornas de conforto para o seu lânguido corpo.
Não havia nenhum outro lugar no mundo que ela desejasse
estar.
Ele olhou para o lustre. “Como diabos minha luva foi parar lá
em cima?”
“Não faço a menor ideia.”
Ela olhou em volta, no quarto. Roupas haviam sido descartadas
por toda parte. A camisa e o colete dele, estavam jogados em cima
da penteadeira. As meias dela estavam penduradas nos pilares da
cama. Pilhas de roupas de baixo estavam estendidas no chão,
entrelaçadas com um par de calças cinza. O vestido de seda de
casamento dela, com um delicado laço e pérolas, foi reduzido a um
amontoado esquisito no carpete.
“Eu prometo que farei um esforço para ser organizada, mas
somente depois que nós passarmos nossa lua de mel estremecendo
cada cômodo de sua casa.”
“Primeiro _ querida _ agora é nossa casa. Segundo, eu me sinto
obrigado a te avisar que Oakhaven tem quarenta e seis cômodos.”
“Eu estou pronta para o desafio, se você estiver.”
Ele se ajeitou na cama, para encará-la, e varreu seu corpo nu,
com um olhar lento e desejoso. “Não tenha dúvida. Essa será a
razão para eu acordar todas as manhãs.”
Ela riu. Eles haviam se visto regularmente, nos meses
anteriores ao seu casamento de natal. Houve flores para escolher,
cardápios para experimentar e o gosto esbanjador da senhora
Highwood para apaziguar. Eles até conseguiram comparecer a
alguns bailes, e fizeram duas aparições na ópera. Contudo, eles
nunca estiveram sem uma acompanhante. A não ser por um ou
outro beijo roubado, eles se reduziram a mãos dadas e olhares de
saudade.
Como ela sentiu falta disso, não somente do prazer carnal que
ele dava a ela, mas simplesmente ficar abraçados e conversar com
ele, na cama.
“Podemos tentar o quarto de banho na próxima.” Ele se sentou
e aplicou um beijo nos lábios dela. “Mas primeiro, nós poderíamos
nos alimentar um pouco.”
Enquanto ele se levantava da cama, Charlotte desmoronou de
volta nos cobertores.
Quarenta e seis cômodos. Senhor!
A extensão somente desse quarto já era a de um palácio.
Logo, ela teria que conciliar-se a essa grande casa e a
intimidante tarefa de ser uma senhora.
Porém, aquela noite, ela só precisava dar atenção a Piers. Seu
marido, seu amigo, seu grande amor.
Seu copulador profissional, na ocasião certa.
Ela se virou. Aprumando-se em um cotovelo, para observá-lo.
Ela não perderia aquela vista. O esguio e masculino corpo era um
objeto de beleza.
Ela o olhou de forma possessiva, sem pudor, enquanto ele se
afastava da cama _ adorando a forma como os músculos de suas
coxas e costas se juntavam e flexionavam _ encarando-o com ainda
maior interesse, quando ele fez o trajeto de volta, segurando uma
bandeja de prata contendo champanhe e petiscos.
Um suspiro escapou dela. Ela era de fato, uma mulher de sorte.
E subitamente, uma mulher faminta também.
Ela sentou-se com as pernas dobradas, e eles apreciaram uma
espécie de piquenique no meio da cama. Sanduíches, bolos e
bolinhos recheados com groselha, uma série de queijos e frutas.
Como a cozinheira dele encontrou damascos maduros e doces em
dezembro? Que maravilha!
“Eu quase esqueci.” Ele pôs de lado um pão recheado com
manteiga e fatias de presunto. “Eu tenho presentes para você.”
Charlotte bebeu o último gole de seu champanhe. “Presentes de
casamento?”
“Presentes de casamento, presentes de natal. Qualquer
maneira que você queira pensar sobre eles.”
“Você tem meu interesse capturado.”
Ele se esticou para abrir a gaveta de um criado mudo e
remexeu lá dentro. “Bem, primeiro, o presente esperado.” Com um
ar entediado e descuidado, ele pegou um colar reluzente de ouro e
pedras da gaveta, e segurou em frente a ela.
Charlotte quase tinha medo de tocar.
Quase.
Seus dedos tremeram, enquanto ela pegava o colar, com suas
próprias mãos, girando-o para ver sob a luz. Um conjunto de
safiras, cada uma do tamanho de suas unhas dos dedos, seguras
por uma corrente de diamantes.
“Meu Deus, Piers!”
Ela segurou acima do seu busto e ele a ajudou a fechar atrás.
Ela esticou o pescoço para ver seu reflexo no espelho, do outro lado
do quarto. Mesmo à distância, o colar reluzia e brilhava, como uma
noite cheia de estrelas.
“Eu não sei o que dizer. É lindo!”
“Está lindo, com você usando. Mas como eu disse, esse é o
esperado.”
“Eu certamente não esperava por isso.”
“Tem alguns outros presentes, menos tradicionais.”
Charlotte relutantemente retirou seus olhos de seu próprio
reflexo no espelho. “Mais?”
“Está vendo aquela cômoda?” Ele gesticulou em direção a um
imenso móvel feito de madeira ornado com flores, ocupando todo o
canto do quarto.
“É difícil não notar.”
“Ela tem quatorze gavetas escondidas. Sem dicas, eu suspeito
que levará anos para você encontrar todas elas.”
“Há! Eu suspeito que você quer que eu aprenda a utilidade das
gavetas.”
“Talvez. E por último. O melhor, eu espero. Feche os olhos e
mantenha suas mãos abertas.”
Ela obedeceu, sentando-se ereta e fazendo uma concha com as
mãos em sua frente.
“Abra.”
Charlotte abriu os olhos e encontrou uma pequena peça de
bronze, pendurada em uma corrente. “Uma chave? Para quê?”
“Para uma passagem secreta, localizada em algum lugar dessa
casa.”
Ela arfou de deleite. “Essa casa tem uma passagem secreta?”
“Agora, tem. Uma passagem que termina em um quarto
secreto. Eu contratei uma equipe de arquitetos para construí-lo. E
nem mesmo eu sei aonde está, portanto, não pense que você vai
arrancar a resposta de mim.”
Ele a conhecia tão bem.
E ele estava certo, isso era o melhor presente de todos.
Ela apertou a chave em sua mão. “Esse é o presente mais
perfeito que eu já recebi. Obrigada! E agora é o momento, onde eu
confesso que eu só tenho um único presente para você, e não está
em nenhum lugar maravilhoso.”
“Charlotte.” Ele foi até ela, espalmando as mãos em seu rosto.
“Algumas horas atrás, você prometeu, diante de Deus, se tornar
minha esposa. Eu amo você completamente, você preencheu cada
cômodo escondido do meu coração e cada segredo sombrio do meu
ser. Você nunca precisa se preocupar com presentes. Eu me
considero presenteado, pelo resto dos meus dias.”
Oh, aquele homem! Como ela pôde acreditar que ele era frio e
antirromântico?
Ela sorriu e piscou para afastar uma lágrima. “Bem, então.
Talvez o meu presente seja apropriado, afinal de contas.”
Ela pulou da cama, e remexeu na bagagem que os lacaios
haviam carregado para o quarto, até que encontrou a caixa de
chapéu correta, e correu de volta com seu pequeno presente.
“Aqui.” Antes de seus nervos atacarem, ela colocou o objeto nas
mãos dele. “É somente um retrato. Meu.”
Excelente Charlotte. Como se ele não pudesse ver isso por si
mesmo!
“Delia pintou, antes que partisse com sua família.” Ela
explicou.
“Ela capturou você muito bem.”
“Você achou?”
Em resposta, ele deixou o retrato de lado e tomou sua boca em
um beijo apaixonado. “Eu adorei.” Ele sussurrou através dos lábios
dela. “Eu adoro você.”
Ele inclinou a cabeça para beijar o pescoço e a orelha dela,
fechando a mão em concha sobre um seio e gentilmente acariciando
o mamilo com seu polegar.
“Delia escreveu que ela pintou para nós uma paisagem.”
Charlotte sugou o ar, quando as mãos dele mergulharam entre suas
coxas. “Uma vista das colinas e dos bosques. Ela disse que o interior
da Itália é quase tão inspirador quanto os afrescos.”
“Fico feliz de ouvir isso.”
Ela emaranhou a mão no cabelo dele, enquanto ele a deitava de
costas. “Eu te agradeci por usar sua influência na entrevista de Sir
Vernon?”
“Humrum...” Ele murmurou, lambendo o mamilo .
“E por prometer que nós visitaríamos os Parkhurst’s esse verão,
parando em Paris e Viena no caminho?”
“Somente uma dúzia de vezes.”
“É porque significa muito para...oh...”
Ele enfiou o mamilo em sua boca, provocando o pico sensível
com sua língua e dentes. No momento em que ele o soltou, ela já
havia perdido o pensamento inteiramente.
Em um movimento rápido, ele estava por cima dela, abrindo
suas coxas e pendurando seus joelhos por cima dos ombros dele.
Então ele lhe agarrou pelos quadris e puxou-a em sua direção,
flexionando os braços, abrindo os lugares mais íntimos dela para
seu beijo.
O movimento foi brusco, dominante.
Tudo, menos apropriado.
E a forma como ele usou sua língua, era de fato, diabólica.
“Piers.” Muitos momentos se contorcendo sem fôlego, depois,
ela agarrou os cabelos dele, até que ele a olhasse. “Você realmente
não se demitiu, não é mesmo?”
“A verdade?”
“Sempre.”
Ele olhou-a de forma lenta, com um sorriso perverso nos lábios.
“Espiões nunca se aposentam verdadeiramente querida, eles só se
disfarçam de forma profunda.”
Com isso, ele puxou a colcha por cima da cintura dela e
desapareceu lá dentro.
Na manhã seguinte, Charlotte dormiu como uma pedra.

AGRADECIMENTOS

Como Charlotte Highwood, eu sempre fui atraída por mistérios.


Obrigada à minha mãe, por me passar todos os seus velhos
livros de Nancy Drew.
Obrigada aos meus amigos e minha família, de perto e de longe,
pelo seu apoio e compreensão, quando eu não tinha a menor do que
fazer. Muita gratidão ao meu marido, que concorda que nosso amor
é um mistério que não precisa ser solucionado. Simplesmente é.
Um outro mistério persistente na minha vida é o porquê minha
editora, Tessa Woodward, continua junto de mim _ mas eu sou tão
grata que ela permaneça. Meu obrigada para todos aqueles que
fazem parte da equipe Avon. E todo o meu apreço, pelo meu agente,
Steve Axelrod, e Lori e Elsie, que têm todas as respostas.
Finalmente, meus agradecimentos (e pedidos de perdão) para
Jane Austen e Stephen King por abrirem duas icônicas linhas na
ficção, as quais eu sem nenhuma timidez distorci, para meu próprio
uso, desde que seja uma particular e escura, ou chuvosa noite.

FIM

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