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DIDÁTICA E CURRÍCULO

IMPACTOS DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NA ESCOLA


E NO TRABALHO DOCENTE
Prof. Ms. Gil Barreto Ribeiro (PUC GO)
Diretor Editorial
Presidente do Conselho Editorial

Prof. Ms. Cristiano S. Araujo


Assessor

Engenheira Larissa Rodrigues Ribeiro Pereira


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JOSÉ CARLOS LIBÂNEO
MARILZA VANESSA ROSA SUANNO
SANDRA VALÉRIA LIMONTA ROSA
ORGANIZADORES

DIDÁTICA E CURRÍCULO
IMPACTOS DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NA
ESCOLA E NO TRABALHO DOCENTE

Goiânia-GO
Editora Espaço Acadêmico, 2016
Copyright © 2016 by José Carlos Libâneo, Marilza Vanessa Rosa Suanno e Sandra Valéria Limonta Rosa

Editora Espaço Acadêmico


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Contatos:
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Programação Visual: Marcos Digues
Arte da Capa: Jhon Maykel Fernandes (jhonmaykel@hotmail.com)

CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM DIDÁTICA (CEPED)

Presidente
Sandra Valéria Limonta Rosa (UFG) 2ª tesoureira
Suely Miranda Cavalcante Bastos (UEG)
Vice-presidente
José Carlos Libâneo (PUC Goiás) Conselho Fiscal
Titulares: Renato Barros de Almeida (PUC
1ª secretária Goiás), Eliane Gonçalves Costa Anderi (UEG),
Denise Silva Araújo (UFG) Mirza Seabra Toschi (UEG)

2ª secretaria Conselho Fiscal


Simonia Peres da Silva (IFGoiano) Suplentes: Carime Rossi Elias (UFG),
Marcilene Pelegrine Gomes (PUC Goiás),
1ª tesoureira Adriana dos Reis Ferreira (IFGoiás).
Marilza Vanessa Rosa Suanno (UFG)

Dados Internacionais de Catalogação da Publicação (CIP)


DDD5 Didática e Currículo: Impactos dos organismos internacionais
na escola e no trabalho docente. - José Carlos Libâneo, Marilza
Vanessa Rosa Suanno, Sandra Valéria Limonta Rosa (organizadores)
- Goiânia: / Editora Espaço Acadêmico; CEPED Publicações, 2016

384 p.; 16x22cm

ISBN: 978-85-69818-35-9

1. Didática. 2. Currículos. I. Libâneo, José Carlos, 1945 -


(org.). II. Suanno, Marilza Vanessa Rosa, 1970 - (org.). III. Rosa,
Sandra Valéria Limonta (org.). IV. Título.

CDU:37.016

DIREITOS RESERVADOS

Os autores são responsáveis pelo conteúdo de seus respectivos capítulos.


É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem a
autorização prévia e por escrito do autor. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime
estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
2016
APRESENTAÇÃO

O Encontro Estadual de Didática e Prática de Ensino (EDIPE) é


um evento acadêmico-científico consolidado no estado de Goiás e na
Região Centro-Oeste, tendo completado, em 2015, seis edições nos últi-
mos doze anos. Este livro reúne os textos de palestrantes em conferên-
cias e mesas redondas e de pesquisadores convidados, preparados para
o VI ENDIPE, realizado entre 10 e 14 de novembro de 2015. O título do
livro corresponde ao tema desse evento: “Didática e currículo: impactos
dos organismos internacionais na escola e no trabalho docente”.
O EDIPE, ao longo desses doze anos, tem sido organizado por um
grupo de estudiosos e pesquisadores da Didática que compõe o Cen-
tro de Estudos e Pesquisas em Didática (CEPED), com a participação
de professores formadores, professores da Educação Básica e alunos de
graduação e pós-graduação. O CEPED tem como objetivos: a) promo-
ver estudos e pesquisas sobre questões teóricas e práticas relacionadas
ao ensino e à pesquisa em didática e disciplinas conexas, formação de
professores e organização do trabalho escolar e docente, visando à me-
lhoria da qualidade do ensino básico; b) analisar a problemática do en-
sino da didática em função do papel que desempenha nos cursos de
formação de professores, propondo perspectivas de ação conjugando
ensino e pesquisa; c) produzir textos e relatórios sobre os resultados das
investigações e fazer sua difusão entre os docentes e pesquisadores; d)
realizar congressos, seminários, encontros ou outra modalidade de reu-
nião, visando à discussão de temas, propostas e experiências inovadoras
e difusão do conhecimento na área. A realização dos EDIPEs vem con-
tando, nas últimas edições, com a colaboração das seguintes instituições
de ensino superior do estado de Goiás: Universidade Estadual de Goiás
(UEG), Universidade Federal de Goiás (UFG), Instituto Federal de Goi-
ás (IFG), Instituto Federal Goiano (IFGoiano) e Pontifícia Universidade
Católica de Goiás (PUC GO).
No VI EDIPE, a Comissão Organizadora continuou investindo
arduamente na concretização de um importante propósito na formação
continuada de professores: a promoção da tão necessária e difícil rela-
ção entre a universidade e as escolas de Educação Básica, principalmen-
te entre os resultados da pesquisa acadêmica e o trabalho docente reali-
zado nas escolas. Deste modo, as atividades que constituíram o evento
(conferências, mesas redondas, comunicações orais, relatos de experi-
ência e pôsteres) foram organizadas a partir desse objetivo maior. Neste
livro, em sequência às publicações já consolidadas pelo CEPED Publica-
ções, os textos foram organizados em duas partes. Na Parte I, reuniram-
se títulos em torno do tema geral “Análise do impacto das orientações
dos organismos internacionais nas políticas educacionais, na formação
docente e no trabalho dos professores” – um precioso e inédito conjunto
de reflexões sobre o impacto dos organismos internacionais na didática
e no currículo, a formação de professores e a avaliação. Na Parte II, tí-
tulos em torno do tema “Compartilhando conhecimentos e esperanças:
doze anos de pesquisa e formação nos Encontros Estaduais de Didáti-
ca e Práticas de Ensino”, compondo um valioso conjunto de textos de
professores formadores que têm acompanhado os encontros estaduais e
disseminado a pesquisa e a formação no campo da didática e das práti-
cas de ensino nas diferentes áreas do conhecimento.
José Augusto Pacheco abre a Parte I com o texto “Impacto de po-
líticas transnacionais na escola e no trabalho docente”, analisando, cri-
ticamente, processos e práticas para o ensino e o professor a partir de
reformas educativas e curriculares. Para o autor, se a globalização impõe
padrões de reformas, as mudanças nas políticas e práticas de formação
de professores refletem diversas perspectivas, não sendo possível com-
preender a realidade das escolas somente a partir de formas de governa-
mentalidade curricular e também didática, que incidem em resultados
e standards. Ao longo do texto, são evidenciadas diversas perspectivas
que poderão contribuir para possíveis respostas em torno da formação
de professores.
No texto “Organismos internacionais e políticas para a educa-
ção: repercussões na escola e no processo de ensino-aprendizagem”,
José Carlos Libâneo e Simônia Peres da Silva analisam a influência das
orientações internacionais por meio das políticas educacionais oficiais
no funcionamento interno das escolas, nas práticas pedagógicas e na
aprendizagem dos alunos, utilizando dados de pesquisa sobre a implan-
tação do programa “Pacto pela Educação: a Reforma Educativa em Goi-
ás”.
Marilza Vanessa Rosa Suanno nos apresenta uma análise muito
interessante do atual estágio do capitalismo em “Mudar o atual cami-
nho do capitalismo é cada vez mais improvável, porém não é impossí-
vel”. Para a autora, a conjuntura atual foi gerada pela conjunção entre o
projeto da modernidade, a globalização neoliberal, a ocidentalização e
o reordenamento no desenvolvimento do capitalismo. Tal conjugação
produziu a realidade atual e, com esta, o contexto de “policrises”, desi-
gualdades extremas, degradação ambiental, reconfiguração da vida co-
tidiana dos sujeitos, do mundo do trabalho, da ciência, da universidade
e dos processos de ensino e de aprendizagem. As policrises se caracte-
rizam por serem multidimensionais e interdependentes, o que deman-
da problematização, pesquisa e superação. Deste modo, compreender o
que gerou a realidade atual pode auxiliar para ressignificar, reorganizar
e transformá-la, assim como para se rever as percepções construídas
sobre a mesma.
Sandra Valéria Limonta Rosa e Willian Batista dos Santos, no
texto “Orientações do Banco Mundial para a formação de professores
do Brasil: análise crítica e insurgência”, apresentam uma análise crítica
de um dos estudos empreendidos pelo Banco Mundial (BM) em nos-
so país e publicado em 2010, sob o título “Atingindo uma educação de
nível mundial no Brasil: próximos passos”. Esse documento, cujo eixo
norteador é uma avaliação comparativa entre o desempenho dos estu-
dantes brasileiros e o desempenho dos estudantes dos países membros
da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
(OCDE), analisa as políticas e reformas implementadas no campo edu-
cacional brasileiro nos últimos quinze anos.
Em “Os professores na agenda do Banco Mundial para a próxima
década”, Eneida Oto Shiroma e Thais Marcelino Cunha nos convidam a
pensar a escola e a sala de aula numa perspectiva que considere os pro-
blemas que afetam os professores articulados ao contexto político-eco-
nômico nacional e internacional, levando os leitores a compreenderem
as articulações entre macro e micro, economia e política, educação e de-
senvolvimento global. Para as autoras, o reconhecimento de que muitos
programas implementados nas escolas brasileiras derivam de recomen-
dações do BM não é uma explicação, nem o fim da linha, mas apenas
o começo da problematização, uma hipótese de trabalho com a qual
podemos lidar para pensar a educação no Brasil de hoje.
No texto “A centralidade do professor na agenda educacional
internacional: estratégias de consenso e terceirização”, Fabiano Santos
analisa as recomendações dos organismos multilaterais (OM) no sen-
tido de a sociedade civil organizada assumir ações de responsabilidade
do Estado que, segundo as orientações internacionais, precisa ser mo-
dernizado e, assim, entregar o provimento de alguns serviços a setores
privados.
Em “Diretrizes curriculares para a formação de professores: im-
plicações na Educação Básica”, Alda Junqueira Marin inicia seu texto
considerando que não é possível tratar esse tema sem referências aos
condicionantes macro-políticos ligados ao contexto mundial tanto eu-
ropeu quanto latino-americano e à matriz econômica neoliberal. A par-
tir desta premissa, o texto focaliza as diretrizes curriculares gerais para
formar os professores e suas implicações para a Educação Básica, dedi-
cando algumas considerações específicas ao curso de Pedagogia.
Denise Silva Araújo, no texto intitulado “Diretrizes Curriculares
Nacionais para a formação inicial e continuada dos profissionais do
magistério da Educação Básica: conquistas e desafios”, faz uma análi-
se histórico-política das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da
Educação Básica, considerando que a política de formação e de desen-
volvimento profissional docente no Brasil tem incorporado, em vários
aspectos, as lutas políticas, os debates e o aprofundamento teórico da
área de formação de professores que, em nosso país, já tem uma história
relativamente longa.
Finalmente, no texto “Avaliação de larga escala em educação no
Brasil”, Cipriano Carlos Luckesi inicia sua discussão considerando que o
objetivo final da atividade educativa escolar, em todos os seus níveis, da
pré-escola à pós-graduação, é garantir qualidade satisfatória para obter
resultados de aprendizagem de todos os educandos. Para isso, todo o
sistema de ensino precisa subsidiar condições para que os educandos se
apropriem do currículo estabelecido e, ao aprenderem, se desenvolvam.
Suely Miranda Cavalcante Bastos e Andresa Kuczkowski abrem a
Parte II do livro com o texto “A Geometria nos Anos Iniciais do Ensi-
no Fundamental nas escolas públicas da cidade de Anápolis-GO”, tra-
zendo contribuições interessantes para pensarmos o ensino desse co-
nhecimento escolar tão importante. Por estar presente no dia a dia das
pessoas, o estudo da Geometria é importante na vida do aluno e serve
de contextualização para o estudo de outros campos da Matemática e
de outras disciplinas. Entretanto, se for trabalhado de forma abstrata,
sem relações com a realidade, o conteúdo geral da Geometria pode não
ser bem compreendido. Por suas características próprias, a aprendiza-
gem da Geometria é uma das melhores oportunidades para relacionar a
Matemática ao cotidiano e proporcionar aos alunos condições de fazer
descobertas surpreendentes e convincentes pelos próprios olhos e mãos.
Em “Reforma educacional goiana: o Pacto pela Educação”, Simô-
nia Peres da Silva e Romilson Martins Siqueira afirmam que o Pacto
pela Educação propõe uma série de mudanças ambiciosas na educa-
ção goiana por meio da implementação das diretrizes, metas e ações de
grande repercussão, organizadas em torno de cinco eixos, dez metas ge-
rais e vinte e cinco iniciativas. No texto, os autores objetivam apresentar
os princípios e as diretrizes principais do Pacto pela Educação, buscan-
do demonstrar os vínculos desse projeto de reforma educacional com as
orientações internacionais e, em especial, analisar possíveis implicações
das diretrizes desse documento no comprometimento da qualidade do
ensino público, ao contrário do que apregoa o governo. Inicialmente são
apresentadas as diretrizes do Pacto pela Educação com apoio no docu-
mento oficial de divulgação desse Pacto e com respaldo do Relatório da
Controladoria Geral do Estado de Goiás referente ao exercício de 2012,
que foi elaborado em conjunto com a Secretaria Estadual de Educação
(SEE). Recorreu-se, também, a outras fontes de informação, como jor-
nais, revistas eletrônicas, entre outras.
Sérgio de Almeida Moura, em “Produções do GT 6 – Educação
Física e reflexões sobre o processo de formação de professores no está-
gio supervisionado: políticas de estágio realçadas pela permanente re-
estruturação produtiva do sistema do capital”, analisa um conjunto da
produção de trabalhos apresentados no GT Educação Física no VI En-
contro Estadual de Didática e Prática de Ensino (EDIPE). A partir dessa
análise, o autor apresenta um conjunto de reflexões sobre as dinâmicas
das políticas de Estágio dos cursos de formação docente em nível de
graduação, seus diálogos com a escola básica e alguns dos impactos do
processo de reestruturação produtiva do sistema do capital desdobrados
na realidade da formação de professores de educação física e algumas
particularidades desse processo.
No texto “Ensino de Artes e formação de professores na Dança e
na Pedagogia”, Márcio Penna Corte Real e Rousejanny da Silva Ferreira
apresentam algumas reflexões sobre o ensino de artes na formação de
professores, em nível superior – partir da atuação dos autores em cursos
de Licenciatura em Dança e Licenciatura em Pedagogia. Ao explicitar as
concepções de arte e de educação, isto é, princípios teórico-metodoló-
gicos, que têm suportado o trabalho de formar professores, os autores
buscam contribuir para a reflexão e o ensino das artes nas escolas. As
reflexões apresentadas no texto sintetizam as discussões da equipe de
professoras e professores de artes, todas e todos atuantes na formação
de professores, que integraram o grupo responsável pela organização
e condução das sessões de apresentação de comunicações orais do GT
3 – Artes, do VI Encontro Estadual de Didática e Prática de Ensino.
Os debates e questionamentos levantados durante a organização prévia
do GT, que envolveu a seleção de trabalhos propostos ao evento, bem
como as discussões suscitadas pelas comunicações orais apresentadas,
reforçaram a emergência e a centralidade da questão da formação de
professores para o ensino de artes no estado de Goiás.
Priscila Rodrigues do Nascimento e Neuda Alves do Lago, no ca-
pítulo intitulado “O estágio supervisionado e os desafios na formação de
professores de línguas estrangeiras”, tecem algumas considerações sobre
o estágio supervisionado no curso de formação de professores de lín-
guas estrangeiras, com ênfase nos desafios enfrentados pela disciplina.
Iniciamos com uma reflexão acerca da relevância do estágio nas licen-
ciaturas em línguas estrangeiras. As autoras apresentam uma excelente
discussão bibliográfica de alguns dos desafios enfrentados no estágio
supervisionado, quais sejam: o engajar político e social das instituições
formadoras; a conscientização do alunato sobre a essencialidade do de-
senvolvimento de saberes pedagógicos, de língua e de cultura; a apre-
sentação aos alunos/professores do ambiente escolar real; o propiciar,
aos estagiários, da capacidade de aliar teoria e prática, considerando-se
suas teorias pessoais; a implementação do aprender fazendo, ressaltan-
do a necessidade de ações reflexivas visando às transformações sociais,
e a habilitação dos alunos/professores para o trabalho colaborativo. En-
cerramos o texto conclamando a união de todas as forças e os agentes
envolvidos no processo de estágio, com o fim de viabilizar a experiência
de formação de um professor de línguas estrangeiras eficiente, bem pre-
parado e crítico.
Em “Diretrizes para a inserção de tecnologias nas escolas: forma-
ção para o consumo e alívio da pobreza”, Natalia Carvalhaes de Oliveira,
Eude de Sousa Campos e Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar afir-
mam que o atual cenário da educação no Brasil pode ser descrito como,
entre tantos adjetivos, heterogêneo. A heterogeneidade de sujeitos, de
contextos sociais, de condições materiais das instituições de ensino, da
forma de compreensão e percepção das políticas educacionais e de seus
referenciais para a sociedade, entre tantos pontos pertinentes de discus-
são, para as autoras, é fundamental. As políticas educacionais colocam-
se no bojo das discussões por duas razões principais: por subsidiarem
os objetivos de uma sociedade a serem alcançados e, para isso, norteiam
as ações dos sujeitos nela envolvidos, e por serem um instrumento de
dominação e demonstração de poder.
Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira, Najah Gonçalves de Melo,
Uyara Soares Cavalcanti Teixeira, Nelson Filice de Barros, Cleomar de
Sousa Rocha e Ellen Synthia Fernandes de Oliveira, no capítulo que fe-
cha o livro, cujo título é “O atendimento educacional especializado na
Rede Estadual de Educação de Goiás”, intentam levar o leitor a com-
preender como é realizado o Atendimento Educacional Especializado
(AEE) na Secretaria de Estado da Educação, Cultura e Esporte de Goiás
(Seduce/GO), bem como sua estrutura, organização, seu funcionamen-
to e suas políticas utilizadas para a execução deste atendimento. Ques-
tões como o perfil de formação demandada pelos docentes atuantes no
AEE, formação continuada pela rede estadual e os recursos utilizados
nos ambientes de AEE são discutidas ao longo do trabalho.
Os textos aqui reunidos nos desafiam à reflexão e, ao mesmo tem-
po, nos ajudam a compreender melhor as questões cruciais que atingem
a educação brasileira, contribuindo para o revigoramento de nossos es-
forços na construção de uma Educação Básica verdadeiramente pública
e de qualidade para todo o povo brasileiro.

José Carlos Libâneo


Marilza Vanessa Rosa Suanno
Sandra Valéria Limonta Rosa
DIDÁTICA E CURRÍCULO
IMPACTOS DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NA
ESCOLA E NO TRABALHO DOCENTE

José Carlos Libâneo, Marilza Vanessa Rosa Suanno e Sandra Valéria


Limonta Rosa (Organizadores)

SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES

ADDA DANIELA LIMA FIGUEIREDO ECHALAR


Licenciada e bacharel em Biologia. Mestre em Biologia pela UFG.
Doutora em Educação pela PUC Goiás. Professora do Programa de Pós-
Graduação em Educação em Ciências e Matemática e do Instituto de
Ciências Biológicas da UFG. Integrante dos grupos de pesquisa: Kadjót
(Grupo de estudos e pesquisas sobre as relações entre as tecnologias e a
educação) e Colligat [(Re)pensando a formação de professores de Ciên-
cias e Biologia].

ALDA JUNQUEIRA MARIN


Doutora em Ciências (Educação) pela Faculdade de Filosofia, Ci-
ências e Letras de Rio Claro, atual UNESP. Professora adjunta aposen-
tada da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e pro-
fessora livre docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). Publicou vários artigos em periódicos e anais de eventos.
Possui vários capítulos de livros e livros publicados. Participa intensa-
mente de atividades técnicas em educação em eventos internacionais e
nacionais. Tem orientado dissertações de mestrado, teses de doutorado,
trabalhos de iniciação científica, trabalhos de conclusão de curso, pro-
jetos de pesquisa e pós- doutorandos. Atua na área da Educação, com
ênfase em Didática, Ensino e Aprendizagem.
ANDRESA KUCZKOWSKI
Licenciada em Pedagogia pela UEG. Pós-graduanda no curso de
Especialização em Psicopedagogia da Faculdade Católica de Anápolis e
professora da Educação Básica.

CIPRIANO CARLOS LUCKESI


Licenciado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Hu-
manas da Universidade Católica de Salvador, Bahia (1970). Bacharel
em Teologia pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção
da PUC-SP (1968). Mestre em Ciências Sociais pela Faculdade de Fi-
losofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (1976) e
Doutor em Educação: História, Política e Sociedade pelo Programa de
Pós-Graduação da PUC-SP (1992). Atualmente é Professor aposentado
da Universidade Federal da Bahia e se vinculou ao Departamento de
Filosofia de 1971 a 2002. Na mesma Universidade, atuou no Programa
de Pós-Graduação em Educação (Mestrado e Doutorado) da Faculdade
de Educação/UFBA, 1985-2010, ministrando aulas, orientando mes-
trandos e doutorandos em suas atividades de pesquisa e elaboração de
dissertações e teses. Foi também professor na Universidade Estadual de
Feira de Santana, Bahia, vinculado ao Departamento de Ciências Hu-
manas e Filosofia (1976-1994). Tem 14 livros publicados, além de arti-
gos em revistas especializadas. Estuda e pesquisa os seguintes temas: Fi-
losofia da Educação, Teoria do Ensino, Didática, Educação e Ludicidade
e Avaliação da Aprendizagem Escolar.

CLEOMAR DE SOUSA ROCHA


Graduado em Letras pela Faculdade de Educação Ciências e
Letras de Iporá (1991). Mestre em Arte e Tecnologia da Imagem pela
UnB (1997). Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela
UFBA (2004). Pós-doutor em Tecnologias da Inteligência e Design Di-
gital pela PUC-SP (2009). Pós-doutor em Estudos Culturais pela UFRJ
(2011). Pós-doutor em Poéticas Interdisciplinares pela UFRJ (2016).
Atualmente é professor adjunto da UFG, onde coordena o Media Lab/
UFG, o Observatório de Economia Criativa de Goiás, o Núcleo de Tec-
nologias Assistivas da UFG e o curso de especialização em Inovação em
Mídias Interativas. Tem projetos financiados pela FINEP, MDIC, MCTI,
CAPES, CNPq, MinC e FAPEG. É coordenador executivo do Arranjo
Produtivo Local em Audiovisual e Games de Goiânia. Tem experiência
nas áreas de Artes, Comunicação e Design, atuando principalmente nos
seguintes temas: Arte Tecnológica, Design de Interfaces e Mídias Inte-
rativas. 

DENISE SILVA ARAÚJO


Graduada em Pedagogia pela PUC Goiás (1985). Mestre em Edu-
cação pela UFG (1996) e Doutora em Educação pela UFG (2006). Atu-
almente é professora adjunta da UFG e professora aposentada da PUC
Goiás. Atuou no Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado)
em Educação da PUC Goiás, na linha " Estado, Instituições Políti-
cas Educacionais " Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa e Educa-
ção (NUPPE) do Departamento de Educação/PUC Goiás e do Núcleo
de Estudos, Pesquisa e Documentação: Educação, Sociedade e Cultura
(NEDESC) da Faculdade de Educação/UFG. Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em Políticas Educacionais. Professora colabo-
radora do Programa de Mestrado Profissional em Ensino na Educação
Básica do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação (CEPAE/
UFG). Atua principalmente nos seguintes temas: Trabalho e Formação
Docente, Políticas Educacionais, Gestão Educacional, Currículo, Edu-
cação Profissional, Educação Infantil e Infância. Coordena a Rede Goia-
na de Pesquisa Estado, Instituições e Políticas Educacionais, vinculada à
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG).

ELLEN SYNTHIA FERNANDES DE OLIVEIRA


Graduada em Ciências Biológicas, modalidade médica, pela UFG.
Mestre em Biologia pela UFG. Doutora em Patologia Molecular e Saúde
pela Faculdade de Medicina da UnB. Cursa pós-doutorado em Saúde
Coletiva pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp), São Paulo. Atualmente é professora associada
do Instituto de Ciências Biológicas da UFG, docente do Programa de
Pós-Graduação, Mestrado Profissional em Saúde Coletiva da Pró-Rei-
toria de Pós-graduação da UFG. Líder do Grupo Integrado de Ações
contra dengue e outras endemias do CNPq. Tem experiência em ensino
e extensão nos cursos de graduação da área da Saúde e na disciplina
Metodologia e Pesquisa Qualitativa em Saúde da pós-graduação. Atua
em projetos de pesquisa nas linhas de Gestão e Processos Gerenciais de
Saúde, Promoção e Educação em Saúde e Vigilância em Saúde.

ENEIDA OTO SHIROMA


Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da Uni-
versidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Coordenadora do Grupo
de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho (GEPETO). Bolsista
produtividade em pesquisa do CNPq.

EUDE DE SOUSA CAMPOS


Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Católica de
Goiás (UCG, 1999). Mestre em Ciências Ambientais pelo Centro Uni-
versitário de Anápolis - UniEVANGÉLICA (2013). Doutorando em
Educação pela PUC Goiás. Docente efetivo da UEG no Curso de Ciên-
cias Biológicas, lotado no Centro de Ensino e Aprendizagem em Rede
(CEAR), e Coordenador de Ensino da Pró-Reitoria de Graduação.

FABIANO DOS SANTOS


Doutor em Educação pela UFSC. Professor do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul (UFMS), Câmpus do Pantanal. Líder do Grupo de Estudos e Pesqui-
sas em Políticas Educacionais, Formação Docente e Educação (GEPE-
FE).

JOSÉ CARLOS LIBÂNEO (ORGANIZADOR)


Graduado em Filosofia pela PUC-SP (1966). Mestre em Filosofia
da Educação (1984) e doutor em Filosofia e História da Educação pela
PUC-SP (1990). Pós-doutor pela Universidade de Valladolid, Espanha
(2005). Professor Titular aposentado da Universidade Federal de Goiás.
Atualmente é Professor Titular da Universidade Católica de Goiás, atu-
ando no Programa de Pós-Graduação em Educação, na Linha de Pes-
quisa Teorias da Educação e Processos Pedagógicos. Coordena o Grupo
de Pesquisa do CNPq: Teorias e Processos educacionais. É membro do
Conselho Editorial das seguintes revistas: Olhar de Professor (UEPG),
Revista de Estudos Universitárias (Sorocaba), Educativa (UCG), Espaço
Pedagógico (UPF) e Interface- Comunicação, Saúde e Educação (UNESP,
Botucatu). Parecerista da Revista Brasileira de Educação e Revista Brasi-
leira de Estudos Pedagógicos. Membro do Conselho Editorial da Editora
Unijuí. Pesquisa e escreve sobre os seguintes temas: Teoria da Educação,
Didática, Formação de Professores, Ensino e Aprendizagem, Organi-
zação e Gestão da Escola. Atualmente desenvolve pesquisas dentro da
teoria histórico-cultural, com ênfase na aprendizagem, no ensino e na
organização da escola. É membro do GT Didática da Associação Nacio-
nal de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd).

MÁRCIO PENNA CORTE REAL


É professor de Arte e Educação/Música na Faculdade de Educa-
ção e no Programa de Pós-Graduação em Performances Culturais da
Universidade Federal de Goiás. Licenciado em Música. Mestre em Edu-
cação pela Universidade Federal de Santa Maria e doutor em Educação
pela Universidade Federal de Santa Catariana.

MARILZA VANESSA ROSA SUANNO (ORGANIZADORA)


Doutora em Educação pela Universidade Católica de Brasília -
UCB/DF (2015), tendo realizado Doutorado Sanduíche na Universidade
de Barcelona – UB (2011/2012) via Programa de Doutorado Sanduíche
no Exterior - PSDE/Capes. Mestre em Educação pela Pontifícia Univer-
sidade Católica de Goiás - PUC Goiás (2006). Graduada em Pedagogia
pela Universidade Federal de Goiás - UFG (1994). Professora da Facul-
dade de Educação da UFG. Encontra-se vinculada: a) ao Grupo de Pes-
quisa Ecologia dos Saberes e Transdisciplinaridade – ECOTRANSD/
UCB; b) à Rede Internacional de Escolas Criativas - RIEC/UB; c) ao
Núcleo de Formação de Professores - FE/UFG; d) e é membro do Ob-
servatório Internacional de la Profesión Docente - OBIPD/UB. Compõe a
equipe gestora do Centro de Estudos e Pesquisas em Didática - CEPED
e do Encontro Estadual de Didática e Práticas de Ensino - EDIPE.

NAJAH GONÇALVES DE MELO


Licenciada em Pedagogia pela UFG. Especialista na área de Edu-
cação Especial e Inclusão Escolar e professora da Educação Básica. De-
senvolve estudos na área de Educação Especial e Inclusão Escolar em
parceria com o Núcleo de Educação Inclusiva da UFG.

NATALIA CARVALHAES DE OLIVEIRA


Licenciada em Ciências Biológicas. Especialista em Docência
Universitária pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). Mestre em
Microbiologia pela UFG. Doutoranda em Educação pela PUC Goiás.
Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goia-
no - Câmpus Trindade. Coordenadora institucional de projeto vincula-
do ao programa Prodocência/CAPES. Integrante do Kadjót (Grupo de
estudos e pesquisas sobre as relações entre as tecnologias e a educação)

NELSON FILICE DE BARROS


Graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Ca-
tólica de Campinas (1993). Mestre em Saúde Coletiva pela Unicamp
(1997). Doutor em Saúde Coletiva pela Unicamp (2002) e Pós-Douto-
rado pela Universidade de Leeds/UK. Atualmente é professor da Área
de Concentração de Ciências Sociais Aplicadas á Saúde e coordenador
do Laboratório de Práticas Alternativas, Complementares e Integrativas
em Saúde (LAPACIS), do Departamento de Saúde Coletiva, da Facul-
dade de Ciências Médicas, Unicamp. Líder do grupo de Metodologia
Qualitativa e Sociologia das Medicinas Alternativas, Complementares e
Integrativas do CNPq e vice-líder do grupo Racionalidades em Saúde:
Sistemas Médicos e Práticas Complementares e Integrativas do CNPq.
Tem experiência na área de Sociologia da Saúde; Sociologia das Práticas
Alternativas, Complementares e Integrativas em Saúde; Métodos e Téc-
nicas de Pesquisa Qualitativa em Saúde; Ensino das Ciências Sociais na
Área da Saúde e Saúde Coletiva.

NEUDA ALVES DO LAGO


Licenciada em Letras - Português e Inglês (1997). Mestre em Le-
tras (2002), com dissertação defendida na área de Linguística aplicada
ao ensino de inglês como Língua Estrangeira. Doutora em Letras pela
UFG (2007), com tese defendida na área de Linguística aplicada ao ensi-
no de Literaturas de Língua Inglesa. Atualmente é Professora Associada
na Faculdade de Letras, docente regular no Mestrado em Educação do
Câmpus de Jataí da UFG e docente colaboradora no Mestrado em Agro-
nomia da UFG. Tem experiência na área de Educação Superior, com
ênfase em Ensino e Aprendizagem de Literaturas em Língua Inglesa.

PRISCILA RODRIGUES DO NASCIMENTO 


Graduada em Letras pela UFG e atua principalmente nos seguin-
tes temas: Identidade, Interculturalidade, Leitura, Literatura, Ensino de
Espanhol e Ensino-Aprendizagem da Leitura.

RICARDO ANTONIO GONÇALVES TEIXEIRA


Licenciado em Matemática e Pedagogia. Bacharel em Administra-
ção. Mestre e Doutor na área de Educação. Pós-doutor em Tecnologias
de Investigação pelo Departamento de Educação da Universidade de
Aveiro (Portugal). Pós-doutor em Tecnologias Assistivas pela Faculdade
de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Uberlândia (UFMG,
MG). Pós-doutor pelo Programa Avançado em Cultura Contemporânea
da UFRJ. Pós-doutorando em saúde coletiva pela Faculdade de Ciências
Médicas da Unicamp. É professor da Faculdade de Educação da UFG.
ROMILSON MARTINS SIQUEIRA
Graduado em Pedagogia pela PUC Goiás. Mestre e Doutor em
Educação pela Faculdade de Educação da UFG. Professor do Programa
de Pós Graduação em Educação da PUC Goiás. Diretor da Escola de
Formação de Professores e Humanidades da PUC Goiás. Coordenador
do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Cultura e Educação na Infância.
Atua na linha de Pesquisa Educação, Sociedade e Cultura e tem como
objeto de estudo os processos educativos e culturais na infância e da
criança em contextos da Educação Infantil e em outros espaços institu-
cionais. 

ROUSEJANNY DA SILVA FERREIRA


Professora do Curso de Licenciatura em Dança do Instituto Fe-
deral de Goiás. Licenciada em Educação Física pela Escola Superior de
Educação Física e Fisioterapia do Estado de Goiás, da Universidade Es-
tadual de Goiás. Mestre em Performances Culturais pela UFG.

SANDRA VALÉRIA LIMONTA ROSA (ORGANIZADORA)


Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS). Mestre em Educação pela Universidade Es-
tadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP - Marília). Doutora
em Educação pela UFG e pós-doutora em Educação (Ensino Desen-
volvimental) pela PUC Goiás, sob a supervisão do Prof. Dr. José Car-
los Libâneo. Professora adjunta da Faculdade de Educação da UFG
no curso de Pedagogia, na área de Fundamentos e Metodologia do
Ensino de Ciências Naturais na Educação Infantil e Anos Iniciais do
Ensino Fundamental e no Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção na Linha de Pesquisa Formação, Profissionalização Docente e
Trabalho Educativo. Coordena, na Faculdade de Educação da UFG,
o Núcleo de Estudos Marxista e o Grupo de Estudos e Pesquisas Tra-
balho Docente e Educação Escolar. Temas de pesquisa: Trabalho Do-
cente e Didática.
SÉRGIO DE ALMEIDA MOURA
Licenciado em Educação Física pela UFG (1995) e Mestre em
Educação também pela UFG (2001). Doutorando em Educação no
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFG, sob
orientação da Profa. Dra. Marília Gouvea de Miranda. Foi professor
na Rede Municipal de Educação de Goiânia (1998-2010), professor
no ensino superior da UCG (2001), nas Faculdades Objetivo (SOES
2003-2004) e ESEFFEGO/UEG (2001-2010). Atualmente é Professor
Assistente na FEFD/UFG, no curso Presencial e na Educação a Dis-
tância (EaD). Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa Exten-
sa Forma cujos trabalhos se orientaram pelas temáticas: Formação
de Professores e Mundo do Trabalho, Prática Pedagógica, Educação
Física Escolar, Cultura e Processos Educativos, e os desdobramen-
tos possíveis. Membro do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte
(CBCE).

SIMÔNIA PERES DA SILVA


Graduada em Pedagogia e Administração pela PUC Goiás. Espe-
cialista em Docência Universitária (2002) pela PUC Goiás. Mestre em
Educação (2006). Doutora em Educação (2014). Atua como professora
no ensino superior (graduação e pós-graduação) nas áreas de Educação
e Administração, ministra as disciplinas Teorias de Administração da
Educação e Práticas de Administração Escolar e orienta Trabalhos de
Conclusão de Curso. Atualmente é servidora efetiva do IFGoiano.

SUELY MIRANDA CAVALCANTE BASTOS


Licenciada em Ciências – habilitação Matemática pela Associação
Educativa Evangélica de Anápolis. Bacharel em Ciências Econômicas
pela Faculdade de Ciências Econômicas de Anápolis. Mestre em Enge-
nharia Agrícola pela UEG. É professora titular da UEG e tem experiên-
cia de ensino e pesquisa na área de ensino e formação de professores de
Matemática.
THAIS MARCELINO CUNHA
Graduanda do Curso de Pedagogia do CED/UFSC. Pesquisadora
do Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho (GEPETO).
Bolsista PIBIC/UFSC.

UYARA SOARES CAVALCANTI TEIXEIRA


Graduado em Engenharia Civil pela UEG (1996) e em Matemáti-
ca pela UEG (1999). Especialista em Engenharia de Segurança do Tra-
balho pela UFG (1997). Atualmente é Professor do Colégio Estadual
Jardim América. Tem experiência na área de Matemática. 

WILLIAN BATISTA DOS SANTOS


Licenciado em Educação Física pela UFG. Especialista em Ati-
vidade Física, Saúde e Educação pela Faculdade de Educação Física da
UFG e especialista em Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fun-
damental pela Faculdade Ávila. Mestre em Educação Física pela UnB. É
professor de Educação Física do Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia de Goiás (IFG Goiás) − Câmpus de Águas Lindas. Desen-
volve estudos e pesquisas na área de Estudos Sociais e Pedagógicos da
Educação Física, Esporte e Lazer, localizando sua pesquisa especifica-
mente na temática Formação e Políticas de Esporte e Lazer e também
na área de formação continuada de professores de Educação Física e no
campo de jogos populares, com ênfase no estudo dos jogos cooperativos
e em sua relação com a educação formal.
SUMÁRIO

PARTE I
Análise do impacto das orientações dos organismos internacionais
nas políticas educacionais, na formação docente e no trabalho dos
professores

29 IMPACTO DE POLÍTICAS TRANSNACIONAIS NA ESCOLA E


NO TRABALHO DOCENTE
José Augusto Pacheco

49 ORGANISMOS INTERNACIONAIS E POLÍTICAS PARA A


EDUCAÇÃO: REPERCUSSÕES NA ESCOLA E NO PROCESSO
DE ENSINO-APRENDIZAGEM
José Carlos Libâneo
Simônia Peres da Silva

75 ORIENTAÇÕES DO BANCO MUNDIAL PARA A FORMA-


ÇÃO DOS PROFESSORES DO BRASIL: ANÁLISE CRÍTICA E
INSURGÊNCIA
Sandra Valéria Limonta Rosa
Willian Batista dos Santos
95 MUDAR O ATUAL CAMINHO DO CAPITALISMO É CADA
VEZ MAIS IMPROVÁVEL, PORÉM NÃO É IMPOSSÍVEL
Marilza Vanessa Rosa Suanno

131 OS PROFESSORES NA AGENDA DO BANCO MUNDIAL


PARA A PRÓXIMA DÉCADA
Eneida Oto Shiroma
Thais Marcelino Cunha

151 A CENTRALIDADE DO PROFESSOR NA AGENDA EDUCA-


CIONAL INTERNACIONAL: ESTRATÉGIAS DE CONSENSO
E TERCEIRIZAÇÃO
Fabiano Santos

175 DIRETRIZES CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE


PROFESSORES: implicações na educação básica
Alda Junqueira Marin

191 DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMA-


ÇÃO INICIAL E CONTINUADA DOS PROFISSIONAIS DO
MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DE-
SAFIOS
Denise Silva Araújo (UFG)

227 AVALIAÇÃO DE LARGA ESCALA EM EDUCAÇÃO NO BRA-


SIL
Cipriano Carlos Luckesi
PARTE II
Compartilhando conhecimentos e esperanças: Doze anos de pesquisa e
formação nos Edipes

243 A GEOMETRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDA-


MENTAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS DA CIDADE DE ANÁPO-
LIS-GO
Suely Miranda Cavalcante Bastos
Andresa Kuczkowski

261 REFORMA EDUCACIONAL GOIANA: O PACTO PELA EDU-


CAÇÃO
Simônia Peres da Silva
Romilson Martins Siqueira

289 PRODUÇÕES DO GT 6 – EDUCAÇÃO FÍSICA E REFLEXÕES


SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO
ESTÁGIO SUPERVISIONADO: POLÍTICAS DE ESTÁGIO RE-
ALÇADAS PELA PERMANENTE REESTRUTURAÇÃO PRO-
DUTIVA DO SISTEMA DO CAPITAL
Sérgio de Almeida Moura

311 ENSINO DE ARTES E FORMAÇÃO DE EDUCADORES NA


DANÇA E NA PEDAGOGIA
Márcio Penna Corte Real
Rousejanny da Silva Ferreira

323 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E OS DESAFIOS NA FORMA-


ÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS
Priscila Rodrigues do Nascimento
Neuda Alves do Lago
341 DIRETRIZES PARA A INSERÇÃO DE TECNOLOGIAS NAS
ESCOLAS: FORMAÇÃO PARA O CONSUMO E ALÍVIO DA
POBREZA
Natalia Carvalhaes de Oliveira
Eude de Sousa Campos
Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar

361 O ATENDIMENTO EDUCACONAL ESPECIALIZADO NA


REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE GOIÁS
Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira
Najah Gonçalves de Melo
Uyara Soares Cavalcanti Teixeira
Nelson Filice de Barros
Cleomar de Sousa Rocha
Ellen Synthia Fernandes de Oliveira
PARTE I

Análise do impacto das orientações dos


organismos internacionais nas políticas
educacionais, na formação docente e no
trabalho dos professores
29

IMPACTO DE POLÍTICAS TRANSNACIONAIS


NA ESCOLA E NO TRABALHO DOCENTE1

José Augusto Pacheco

Introdução

N o seguimento de outros escritos (PACHECO, 2014a; 2014b; 2013a;


2013b; 2009; PACHECO e PESTANA, 2014; PACHECO e MAR-
QUES, 2014; MARQUES e PACHECO, 2013), a formação inicial e con-
tínua de professores é abordada em contextos de regulação transnacio-
nal e nacional, com o propósito de analisar criticamente os processos
e as práticas de olhar para o ensino e o professor, a partir de reformas
educativas e curriculares. Se a globalização impõe padrões de reformas,
as mudanças nas políticas e as práticas de formação de professores re-
fletem diversas perspectivas, não sendo possível compreender a reali-
dade das escolas somente por meio de formas de governamentalidade
curricular e didática, que incidem em resultados e standards. Ao longo
do texto, são evidenciadas diversas perspectivas que poderão contribuir
para possíveis respostas em torno da formação de professores, partin-
do-se da constatação de Žižek (2015, p. 18): “O capitalismo não é global
no plano do significado. O que se retira como lição da globalização é
precisamente que o capitalismo consegue se acomodar a todas as ci-
1 Texto da conferência inaugural apresentado no VI ENCONTRO ESTADUAL DE DIDÁTICA E
PRÁTICAS DE ENSINO - EDIPE,, Universidade Federal de Goiás, em Goiânia, 10 de novembro de 2015.
30 José Augusto Pacheco

vilizações”, ou seja, a sua dimensão global “só pode ser formulada no


plano da verdade-sem-significado”, tal como o mercado global. Apesar
de políticas transnacionais e supranacionais que regulam o espaço na-
cional da educação, a similaridade curricular presente nas governamen-
talidades centradas em resultados e em standards impõe diversos e pro-
fundos desafios aos professores, sobretudo quando se discute a sua for-
mação, e traduz uma globalização de significados que expressam uma
nova racionalidade tyleriana. A este respeito, Veiga-Neto (2015, p. 21),
num registro crítico sobre o prolongamento da modernidade que fez
do currículo uma máquina de formatar indivíduos disciplinares, afirma
que “internacionalização e globalização são moedas-fortes nos discur-
sos neoliberais”, embora Moreira e Ramos (2015, p. 26) sustentem que
“internacionalização não é um termo intercambiável com globalização”,
com sentidos diferentes no campo dos Estudos Curriculares, aliás, na
esteira de ideias perfilhadas por Pinar (2015).

Currículo, didática e formação de professores

Qualquer discussão sobre Currículo e Didática está inscrita numa


rede complexa de tradições teóricas (OLIVEIRA, 2014a; 2014b; OLI-
VEIRA e PACHECO, 2013; LIBÂNEO e ALVES, 2012), que revelam
a existência de dois territórios disciplinares contíguos (LÜDKE, 2015).
No entanto é necessário sublinhar que o debate teórico – e histórico –
entre Currículo e Didática se integra na formação de professores como
parte de um patrimônio múltiplo e rico de tradições que os professores,
como conhecimento profissional, “deverão apropriar e ressignificar no
seu tempo e contexto, constituindo-se como produtores das suas pró-
prias tradições teóricas, necessariamente inclusivas de visões não coin-
cidentes” (ROLDÃO, 2015, p. 338).
Se currículo é conhecimento e didática é aprendizagem, e se am-
bos são ao mesmo tempo conhecimento e aprendizagem, como faces
duma moeda, no contexto de uma identidade plural das ciências da
IMPACTO DE POLÍTICAS TRANSNACIONAIS NA ESCOLA E NO TRABALHO DOCENTE 31

educação e das ciências sociais e humanas, o debate teórico − não se


esquecendo da questão epistemológica em torno da pedagogia − situa-
se muito para lá da sala de aula, da escola e da formação. Desta forma,
traduz, inquestionável e obrigatoriamente, o impacto das políticas como
processo de regulação complexo e profundo, no seguimento do quadro
teórico de Ball (1990) e na relação existente entre Currículo, Didática e
Formação de Professores (LIBÂNEO, 2014; ROLDÃO, 2014).
Defendendo uma perspectiva de aproximação entre os dois terri-
tórios disciplinares, Libâneo (2014) é peremptório:

Da minha parte, entendo que não cabe desconhecer que o ca-


pital de conhecimento acumulado pelo campo do currículo
[…] levou efetivamente à autonomização dos dois campos.
No caso do currículo, o expressivo desenvolvimento teórico
da sociologia crítica do currículo, que o distinguiu de sua tra-
dição anglo-saxónica, levou-o a constituir autonomia episte-
mológica distinta do campo da Didática […] penso que não se
trata de subsumir um campo no outro ou disputar hegemonia
entre si, nem dos seus especialistas renunciarem a um pelo
outro (LIBÂNEO, 2014, p. 152-153).

O autor corrobora essa perspectiva abordando os estudos do cur-


rículo no âmbito das formas de distribuição, seleção e organização do
conhecimento instituído e das investigações em torno das relações de
poder, da cultura e da linguagem. Propõe, ainda, a didática básica como
teoria e prática do processo de ensino-aprendizagem e as didáticas espe-
cíficas (disciplinares), já que “elas abordam o processo de ensino-apren-
dizagem na sua relação imediata com os conteúdos das disciplinas” (LI-
BÂNEO, 2014, p. 153).
No contexto de interessantes subsídios teóricos, Oliveira (2014b)
destaca a centralidade da formação de professores no Currículo e na
Didática, revelando uma relação virtuosa entre estes três campos do co-
nhecimento, bem como a perspectiva de que, na docência, “os sujeitos
32 José Augusto Pacheco

dos campos da Didática e do Currículo devem procurar aproximar-se


da sala de aula e fortalecer o diálogo entre si” (p. 30).

Globalização e similaridade curricular

Em tempos em que uma globalização se transforma diretamen-


te em uma panaceia universal para resolver os problemas dos sistemas
educativos, mais do que nunca a utilização de certas palavras-chave tor-
nou-se uma retórica do controle docente, sobretudo quando a escola e
os seus resultados das aprendizagens são associados a padrões de de-
sempenho. Deste modo, qualidade, eficiência e prestação de contas são
termos que alteram por completo as políticas e práticas de formação de
professores, apesar de parecerem palavras simples. Contudo, como diz
Horkheimer (2014, p. 95), “a preferência por palavras e frases simples,
que podem ser agregadas de um só golpe, é uma das tendências anti-in-
telectuais, anti-humanistas, manifestas no desenvolvimento da lingua-
gem moderna, bem como da vida cultural em geral”.
Estando em uma encruzilhada em direção única para o topo da
hierarquia, por evidente influência do programa norte-americano Race
to Top, o ensino e o professor são condicionados pelo movimento de
reforma de educação global, ou seja, são direcionados para a estandar-
dização, a prestação de contas externa, os testes à larga escala e a com-
petição centrada na lógica de mercado, como reconhecem Hargreaves e
Fullan (2012). As mudanças que se observam na teoria curricular “são
claramente influenciadas pelas mudanças colossais que estão ocorren-
do atualmente na economia global” (GOODSON, 2008, p. 26), com o
reposicionamento do papel do professor e de seu questionamento na
construção de um presente em que a escola pública é criticada como um
legado histórico e um bem social. Esse presente, marcado pelas políti-
cas de prestação de contas e responsabilização que reforçam a ideologia
neoliberal, associada à ideologia do conservadorismo2, consiste, como

2 Entre tantos autores favoráveis a essa associação ideológica, ver: SCRUTON, Roger. O que é o
conservadorismo. São Paulo: Realizações Editora, 2015.
IMPACTO DE POLÍTICAS TRANSNACIONAIS NA ESCOLA E NO TRABALHO DOCENTE 33

argumenta Boff (2013), na passagem de uma economia de mercado para


uma sociedade de mercado e só de mercado, com todas as consequ-
ências para a educação, em geral, e para o currículo e a didática, em
particular.
Nesse caso, a escola como negócio3 surge na realidade educacio-
nal quase indistintamente em todos os países ligados por uma globali-
zação econômica, com entrega de serviços públicos ao setor privado, em
nome da eficiência do mercado, tendendo a “ser tutelada de acordo com
o modelo da linha de montagem fabril” (PINAR, 2007, p. 53). Assim,
institui no professor a identidade de gestor empresarial, assim definido
por Hargreaves e Fullan (2015, p. XIII): “limita o currículo, volta-se para
a tecnologia, prescreve e segmenta a instrução, ensina para os testes,
reduz a literacia a pequenos trechos de compreensão em vez de envolvi-
mentos mais significativos através de textos absorventes”.
Quer dizer, assim, que o professor será alguém mais preocupado
com a implementação das políticas governamentais do que com as res-
postas a serem dadas aos alunos, segundo suas necessidades, apesar de
as políticas nacionais, como é o caso do Português (SEABRA, 2015, p.
76), imporem a racionalização do currículo, retirando-lhe, entre outras
áreas, a educação cívica e “a criação de agrupamentos escolares sem por
em causa o acesso à educação”, para reduzir as despesas em educação.
Desta forma, reconhecer-se-á que “foram objetivamente reduzidas as
margens de participação das escolas e dos professores na concepção e na
gestão do currículo” (ESTEVES, 2015, p. 327).
Efetivamente, nas políticas nacionais traçadas por organismos
transnacionais e supranacionais, nas quais são geradas as chamadas
políticas de partilha de conhecimento (STEINER-KHAMSI, 2012)
instituintes de reformas viajantes e de um modelo pós-burocrático
(MAROY, 2012), são bem visíveis as formas de controle do currículo −
mais diretrizes, mais currículo prescrito, mais instrumentos de avalia-
ção à larga escala e mais procedimentos de monitorização (THIESEN,
3 O negócio na escola consagra a lógica de mercado, declarando a gestão privada como a mais eficiente e
eficaz, sendo exemplo disso as vouchers schools, nos Estados Unidos, o cheque-ensino, em muitos países,
e os organismos sociais, no Brasil.
34 José Augusto Pacheco

2015) −, com tendência para o reforço da gestão do currículo baseada


numa cultura de avaliação orientada para a mensuração das aprendi-
zagens. Neste sentido, Santos (2015, p. 237) escreve que “é importante
considerar que as matrizes de referência dos testes terminam reduzin-
do o currículo escolar àquilo que é mensurável, enquanto outros as-
pectos fundamentais do processo educacional são secundarizados ou
até descartados”, sublinhando Esteban (2015, p. 252), que afirma que
“a mensuração pressupõe processos hegemônicos e uniformidade de
conteúdos”, bem como a generalização de padrões de aprendizagem e
o estímulo à competição que veicula uma ideologia do mérito, ou seja,
uma pedagogia dos resultados e dos testes. Tais efeitos, pela análise
de Esteves (2015), resultam das “políticas de mundialização que têm
incluído, de forma flagrante e crescentemente visível, a educação”, na
medida em que se afirma o seu valor enquanto “mercadoria que se
vende e compra no mercado global e em que se presume que os seus
resultados, os seus produtos, são essenciais para o crescimento da eco-
nomia, para o triunfo sobre a concorrência e para a competitividade”
(ESTEVES, 2015, p. 324).
Essa situação está presente na forma de fazer a gestão do currícu-
lo em função das políticas educativas transnacionais orientadas para a
prestação de contas. Assim, a abordagem centrada nos testes é essencial-
mente definida pela abordagem centrada em resultados e pela aborda-
gem centrada em standards, ou seja,

duas governamentalidades curriculares expressas nas práticas


quotidianas curriculares, cada vez mais inseridas numa lógica
empresarial para a educação, em normas concretas para a pri-
vatização das escolas, em dispositivos de avaliação externa e
em práticas de mercadorização curricular (PACHECO; MAR-
QUES, 2014, p. 108).

Tais formas de governação curricular que destacam, entre outros


aspectos, o desempenho ao nível dos resultados, os testes à larga escala
IMPACTO DE POLÍTICAS TRANSNACIONAIS NA ESCOLA E NO TRABALHO DOCENTE 35

− com incidência nos testes transnacionais − de que o PISA é o padrão,


o ranking de escolas e a linguagem das competências4 − outra forma de
apresentar objetivos de aprendizagem e metas curriculares − originam
não só uma escolarização restrita, que inclui o core curriculum e provoca
o mimetismo curricular5, como também a coerção avaliativa, em que
a avaliação é marcada pelos resultados entendidos como scores numa
prática de competição. Desta forma, o perfilhamento dessas formas de
governamentalidade curricular confronta o professor em relação ao que
pode ser denominado “recontextualização performativa”, isto é, uma co-
erção avaliativa em nível de produção de discursos e do plano das prá-
ticas, que sobrepõe as questões técnicas às pedagógicas, nomeadamente
questões sobre a eficiência e eficácia do processo educacional (BIESTA,
2013a, p. 41). Esse processo de recontextualização se inscreve, segundo
Morgado (2014, p. 87), numa cultura de performatividade, originária
de uma nova gramática e semântica que “veicula um profissionalismo
controlado e relega os professores para a posição de meros executantes
das orientações gerais das políticas educativas”.
Como se tratasse de um pêndulo que oscila entre o transnacional
e o nacional, a globalização define as políticas educativas por meio de
conceitos-chave e impõe padrões para a sua implementação, não pelos
processos, mas pelos resultados. Esta é, de fato, uma mudança substan-
tiva com reflexos no modo de perspectivar o profissionalismo docente,
como analisou Estrela em muitos dos seus escritos (CAETANO; RO-
DRIGUES; ESTEVES, 2015). Neste caso, “o professor ganhou uma auto-
nomia profissional mais ampla, mas agora é responsabilizado pelos re-
sultados, em particular pelo fracasso dos alunos” (CHARLOT, 2013, p.
99), trabalhando numa escola que é produtora de injustiças. Afirma-se,
assim, que a injustiça é uma característica estrutural da escola, aceitável
no plano coletivo (FELOUZIS; MAROY; ZANTEN, 2013), pelo que a
4 Sobre os discursos e linguagens de competência, ver: PACHECO, José Augusto Pacheco, 2011. Numa
crítica à linguagem das competências, Ilmi Nillbergh (2015) sustenta que a competência deve ser
abandonada como conceito educacional, repondo-se à noção de Bildung.
5 Por mimetismo curricular entende-se a tendência para que as disciplinas nucleares do currículo, por
exemplo, Matemática e Português, com formas predominantes de avaliação externa, sirvam de exemplo
às restantes disciplinas.
36 José Augusto Pacheco

tendência é para que se fale mais na linguagem da aprendizagem do que


na linguagem da educação (BIESTA, 2013a).
De mãos dadas com a globalização caminha a cultura de presta-
ção de contas, que não para de crescer e parece não ter fim, situando os
professores “num movimento de pinça entre os pais e os burocratas”
(HARGREAVES; FULLAN, 2012, p. 35), pois as políticas são cada vez
mais “iniciativas administrativas fragmentadas, incoerentes e modistas”
(p. 36).
Recorrendo-se aos mesmos autores, o currículo é estandardizado
e por vezes prescrito em detalhes excruciantes. As escolas têm menos
recursos, há turmas com mais alunos e falta de tempo para o desenvolvi-
mento profissional docente. Exalta-se a importância dos testes, valoriza-
se o ranking de escolas, e as intervenções da inspeção escolar são mais
rápidas e punitivas, para além de cultivar-se uma colaboração formal,
burocrática e baseada em procedimentos administrativos. Como decla-
ra Arendt (2006, p. 154), “dá-se maior importância ao conhecimento
prescrito pelo currículo do que às atividades extracurriculares”.
Isso significa que o currículo, pela sua intensa estandardização,
tende para uma similaridade construída globalmente, que configura as
políticas nacionais educativas e de formação de professores.

Perguntas em torno da formação de professores

Se são muitas as questões colocadas a partir das mais diversas


perspectivas disciplinares no campo da Educação, do Currículo e da
Didática, cabe ainda perguntar: De que modo são procuradas alternati-
vas que passam pela formação de professores? Uma primeira resposta é
sugerida por Labaree (2012), ao colocar a seguinte questão: O que pre-
tendemos realmente a partir das escolas?
Mais do que uma resposta social, a escola é uma ação conjunta,
com a participação direta de pais, alunos e professores, além de tantos
e tantos intervenientes, com expectativas diferentes do que se espera.
Clarificar os propósitos da educação e compreender que as políticas ad-
IMPACTO DE POLÍTICAS TRANSNACIONAIS NA ESCOLA E NO TRABALHO DOCENTE 37

ministrativamente controladas tornam as reformas inconsequentes são


alternativas válidas, reconhecendo-se que a centralidade dos resultados
em detrimento dos processos de aprendizagem é um instrumento de
racionalidade técnica e pragmática das funções da escola, no seguimen-
to da racionalidade funcional weberiana6. A excessiva valorização dos
resultados tende a secundarizar a educação como um processo de cons-
cientização (FREIRE, 2006), emancipação (ADORNO, 2011) e constru-
ção cívica, pois “a educação não pode desempenhar nenhum papel na
política porque na política se lida sempre com pessoas já instruídas”
(ARENDT, 2006, p. 187). Os professores têm de ter uma “consciência
sociocultural de sujeitos globais” (CHARLOT, 2013, p. 180), papel que é
atribuído por Giddens (2014, p. 136) ao imperativo cosmopolita: “Com
a expressão imperativo cosmopolita estou a referir-me à exigência de
aprender a viver num mundo globalizado, onde a interseção de cren-
ças e modos de vida divergentes passa a fazer parte da vida quotidiana”,
num quadro de superdiversidade”.
Moreira e Ramos (2015, p. 31) utilizam o termo cosmopolitismo
crítico como “um processo aberto pelo qual o mundo social se torna
inteligível: deve ser visto como a expressão de novas ideias, com aber-
tura de espaços de discurso, como identificação de possibilidades para
tradução e construção do mundo social”, exigindo que:

o ensinar sobre as relações culturais e interculturais deve de-


salinhar-se dos preconceitos nacionais, deve tornar-se cosmo-
polita, com base na tentativa de desenvolver nos estudantes
um conjunto de virtudes epistêmicas com as quais se faz pos-
sível entender a dinâmica das transformações globais (MO-
REIRA; RAMOS, 2015, p. 31).

A proposta de um currículo cosmopolita tornar-se-á, assim, uma


nova centralidade da formação de professores, pois, olhando a partir
da escola, “a aprendizagem cosmopolita não se preocupa tanto com a
6 É pertinente a análise de Aaron Stoller (2015) sobre a relação que existe entre taylorismo, ou gestão
científica, e os resultados de aprendizagem, sendo que estes são o prolongamento de uma tarefa.
38 José Augusto Pacheco

transmissão de conhecimentos e o desenvolvimento de atitudes e habi-


lidades para a compreensão de outras culturas em si” (MOREIRA; RA-
MOS, 2015, p. 32), mas exige uma forma de aprendizagem que respeite
outras culturas e promova a interculturalidade no contexto de outras
dinâmicas (MACEDO, 2015).
Uma segunda resposta tem de ser dada em torno do campo da
formação de professores, tanto na condição de alunos como nos ciclos
profissionais deles. Geralmente, a formação é um apêndice de reformas
educativas e curriculares. Lawes (2014) argumenta que novas orienta-
ções são necessárias na formação de professores, tornando-se funda-
mental integrar acadêmicos que abordam as práticas escolares e profes-
sores que integram, nas suas práticas, as abordagens teóricas, ou seja,
um saber teorizador de uma prática (ROLDÃO, 2015). Deste modo,
justifica-se uma ampla discussão internacional com o mapeamento dos
problemas que existem na formação de professores em função das po-
líticas transnacionais, do seu impacto e de seus efeitos na escola e no
trabalho docente.
Essa discussão sobre a formação de professores torna legítima
essa questão formulada por Esteves (2015): O que pode justificar a bus-
ca de uma nova profissionalidade docente? As respostas da autora cami-
nham no sentido de os professores tomarem consciência das condições
em que trabalham, dos constrangimentos e das possibilidades que estão
presentes na sua ação profissional, bem como de saberem e quererem
agir com pertinência pela defesa e afirmação de uma escola pública de
qualidade para todos, pois “a formação, não sendo o único, pode e deve
ser um esteio fundamental para a construção de uma nova ou de novas
possibilidades docentes” (ESTEVES, 2015, p. 323).
A esse respeito é crucial repensar o conhecimento (MORGAN,
2014; MARSHALL, 2014; YOUNG, 2013) e os saberes docentes (HOR-
DEN, 2014), num contexto de regulação transnacional e nacional, pois
a educação, e muito menos o ensino, não é uma receita de aplicação
universal. Neste caso,
IMPACTO DE POLÍTICAS TRANSNACIONAIS NA ESCOLA E NO TRABALHO DOCENTE 39

o ensino não tem uma única dimensão. É muito menos sim-


ples do que a maioria das pessoas pensa. Além disso, não é só
arte, mestria, ciência e vocação, ou mesmo uma combinação
de tudo isto. O ensino é também uma profissão e um modo de
trabalhar (HARGREAVES; FULLAN, 2012, p. 29).

Não existindo um único modo de ensinar, “a formação inicial e


contínua de professores tem de reconhecer que o ensino ocorre, geral-
mente, em condições imperfeitas, face às expectativas e demandas con-
flitantes” (HARGREAVES; FULLAN, 2013, p. 31), devendo a tendên-
cia se referir à mercadorização da educação, “já que a lógica neoliberal
transforma a educação de um bem público em um item do consumidor
privado” (ZEICHNER, 2013, p. 121).
Sempre que o conhecimento adquire centralidade no debate sobre
a educação e a formação de professores, surge a polêmica em torno da
universalidade e do relativismo. Não retirando a pertinência da argu-
mentação pós-estruturalista e pós-moderna, “a escola é universalista,
pelo menos nas sociedades democráticas, e não pode deixar de sê-lo”
(CHARLOT, 2013, p. 117), porque está centrada na educabilidade do
sujeito e veicula um conhecimento acerca do mundo. Desta maneira,
“a educação é um triplo processo: um processo de humanização, de so-
cialização, de subjetivação/singularização” (CHARLOT, 2013, p. 167),
não existindo “universal fora da diversidade, mas sim através da diver-
sidade” (p. 174), pelo que “o universal é definido em relação à condição
humana” (p. 175).
Sobre o conceito de universalidade e seguindo as ideias de Hegel
e Kant, Žižek (2009) utiliza as noções de “universalidade concreta”, na
qual se processa a individualização primária do sujeito, pela pertença
à família e à comunidade local, e de “universalidade abstrata”, na qual
ocorre a individualização secundária do sujeito, a partir do momento
em que se sai do particular e faz-se parte do que é mais abstrato. Sendo
que o universal nega o conteúdo particular, Žižek (2009, p. 103) inter-
preta que “o primeiro passo para a universalidade concreta é negação
40 José Augusto Pacheco

radical da totalidade do seu conteúdo particular”, a partir de dois argu-


mentos principais. O primeiro corresponde à aceitação da universalida-
de neutra do cogito cartesiano: “o cogito cartesiano é a substância pen-
sante neutra, comum a todos os seres humanos, indiferente ao gênero e,
como tal, constitui o fundamento filosófico da igualdade política dos se-
xos” (p. 111); o segundo, enunciado por Laclau, diz respeito ao universal
vazio, contingente e particular: “o Universal é vazio […] e está sempre
já preenchido, ou seja, hegemonizado por algum conteúdo contingente
e particular, que age como seu substituto- em suma, cada Universal é
o campo de batalha onde a multiplicidade dos conteúdos particulares
luta pela hegemonia”, pelo que “o Universal afirma-se sempre na forma
de um conteúdo particular, que pretende encarná-lo diretamente, ex-
cluindo assim qualquer outro conteúdo como meramente particular”
(p. 111-112). Tal posição é também proposta por Sartre (2015) por meio
da noção de singularização do universal ou do universal singularizado.
Uma terceira resposta – dentro de tantas respostas possíveis –
pode ser dada com a noção de capital profissional, proposta por Hargre-
aves e Fullan (2012, p. XV), inserida nos contextos de formação inicial
e contínua de professores que definem o “sistemático desenvolvimento
e integração de três formas de capital – humano, social e decisional −
na profissão docente”, reconhecendo que o seu poder se expressa pela
“transformação da escola pública efetivada por todos os professores em
cada escola” (p. XI), pelo que os professores devem ser tratados com
dignidade, como pessoas que vivem e têm uma carreira, e não como
“performers”, a quem se exige a produção de resultados (p. XI).
Desse modo, e considerando o capital profissional em termos de
prática docente, os professores devem ter competência, julgamento, in-
tuição, inspiração e capacidade de improvisação, assumindo uma res-
ponsabilidade coletiva, de abertura ao feedback e demonstrando trans-
parência, devendo, ainda, serem considerados os contextos ou condi-
ções de ensino. Porém, o capital profissional pode vir a se tornar um
conceito-chave que facilmente esteja associado a perspectivas de racio-
nalidade técnica da educação e formação de professores, acentuando as
IMPACTO DE POLÍTICAS TRANSNACIONAIS NA ESCOLA E NO TRABALHO DOCENTE 41

competências docentes em detrimento da subjetividade7. Esta é a razão


de ser do modo como o professor se autoavalia e se motiva na busca de
respostas para os problemas que enfrenta quotidianamente. Convém,
por isso, refutar o neoprofissionalismo docente, descrito criticamente
por Morgado (2014, p. 85), como se estivesse “ancorado nas ideias de
eficácia e eficiência dos professores, da autoformação, de construção da
autonomia profissional e de prestação de contas”. E, concordando com
Esteves (2007), o futuro não se compadecerá com visões estreitas da
educação, da escola, da docência, nem da ausência da profissionalidade
docente.

Considerações finais

Não há dúvida de que o professor é um profissional que detém um


capital profissional (HARGREAVES; FULLAN, 2012), que inclui não só
o domínio de capacidades, mas também de crenças e atitudes que estão
presentes no momento em que tem de decidir. Analisar, por isso, a for-
mação de professores pelo lado da abordagem deliberativa do currículo
(BIESTA, 2013b), num constante reconhecimento de que o professor
decide em contexto, com barreiras que lhe são impostas pelas políti-
cas centralizadas e ancoradas em padrões e em resultados (PACHECO;
MARQUES, 2013), é reconhecer uma problemática de conflito, com
discussões presentes em muitos países. Essas discussões se transformam
em um pêndulo que oscila entre o que é considerado o “conhecimento
poderoso”, tal como é definido por Young (2010), e o que significa a co-
munidade em que o professor trabalha, numa forte ligação ao que pres-
supõe a consideração da agência e da subjetividade, como é explorado
por Pinar (2015).
Assim, a formação inicial e contínua de professores é um processo
de enorme complexidade, que não pode ser dissociado dos mecanis-
mos formais e informais de regulação transnacional e nacional, tam-
pouco de reformas educativas e curriculares cada vez mais circunscritas
7 Entre outros, ver o texto inédito, publicado em 2015, de Jean Paul Sartre: O que é a subjetividade?
42 José Augusto Pacheco

a conceitos-chave que marcam o ritmo da competição escolar em busca


da excelência individual. Além disso, é necessário repensar o papel do
professor, sempre confrontado com o tradicional. Se a educação, por
meio da escola, para Arendt (2006), é a porta de entrada da criança no
mundo, este mundo é sempre passado e está em permanente conflito
com quem aprende, apesar do conflito hierárquico que ainda existe no
interior das escolas. Mas, a este respeito, Žižek (2015, p. 216) afirma que
na “era das ordens hierárquicas dominadas pela figura de um Mestre
terminou: estamos a entrar num novo universo de multiplicidade, de
ligações dinâmicas laterais, de auto-organizações [sic] moleculares que
não precisam de ser totalizadas.”
Por último, a obsessão em torno dos resultados e a consequen-
te valorização dos testes não se inscrevem apenas em uma concep-
ção pragmática de olhar para a educação e formação de professores,
como igualmente provocam na educação e na formação de professo-
res uma disfuncionalidade curricular, lançando uma neblina sobre
as escolas e os professores que tornam o presente mais sombrio8,
com o reforço de uma perspectiva pragmática, ou seja, utilitária.
Esta pretende substituir o aprender pelo fazer, que se torna, na fun-
damentação de uma similaridade curricular, o alfa e o ômega de uma
nova racionalidade tyleriana, já que o pensamento de Tyler (1949)
não só está de volta pelo peso dos quatro princípios curriculares (ob-
jetivos, conteúdos, atividades e avaliação), como também se amplia e
se difunde pelas políticas de prestação de contas e responsabilização,
mesmo que seja:

ilusório acreditar-se na viabilidade das políticas curriculares


uniformemente definidas a nível de mega e macroestruturas
(internacionais ou nacionais) sem ter em consideração os
contextos regionais e locais, que se apresentam como garantes
da prossecução e realização de políticas, através de dinâmicas
de significação, interpretação e recriação, que acabam por in-
8 Falando assim, o poeta cabo-verdiano: “Entre o que é o passado/e o que ainda não é tempo/nossos
momentos júbilos/acaso um persistente inferno” (VIEIRA, Arménio. Sequelas do Brumário, 2014, p. 69).
IMPACTO DE POLÍTICAS TRANSNACIONAIS NA ESCOLA E NO TRABALHO DOCENTE 43

fluenciar a sua implementação ao nível das instâncias escola-


res (VARELA, 2015, p. 46).

Todavia, mais do que respostas, são necessárias perguntas, pois,


“nós, professores, somos exageradamente professores de respostas e
pouco professores de questionamentos” (CHARLOT, 2013, p. 178). Tor-
na-se, então, urgente discutir a Educação, o Currículo, a Didática e a
Formação de Professores na interseção da esfera pública com a esfera
privada, ou seja, do social com o pessoal, reconhecendo-se que a escola
é formadora de identidades de sujeitos que têm uma consciência de si
e se relacionam com os outros (SOUSA, 2015), situando-se num “lugar
cultural de proliferação de sentidos” (FAVACHO, 2015, p. 178).
Para Goodson (2008, p. 17), “devemos entender o pessoal e o bio-
gráfico, se quisermos entender o social e o político”. Ao compreender-
mos estes significados, estaremos valorizando a ação subjetiva do su-
jeito na construção do currículo e na formação dos professores, que se
transformam nos seus agentes principais, não sendo necessário escrever
com letra maiúscula, como o fez Schwab (1969), quando defendeu que
o professor, juntamente com o aluno, o conhecimento e contexto, é um
dos elementos principais na construção de um projeto curricular.
Para terminar com palavras de contestação e esperança, pois de
modo algum se poderá considerar que chegamos ao tempo de um pen-
samento único e global, em que cada escola reproduz os interesses de
mercado e o docente está envolvido numa teia de profissionalismo téc-
nico, cito estas palavras poéticas de Álvaro de Campos, um dos heteró-
nimos de Fernando Pessoa9:

Não: não quero nada


Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!


A única conclusão é morrer.
9 Cf. PESSOA, Fernando. Poemas, 1923.
44 José Augusto Pacheco

Não me tragam estéticas!


Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!)
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?


Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho a técnica só dentro da técnica.


Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus! (…)

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49

ORGANISMOS INTERNACIONAIS E POLÍTICAS


PARA A EDUCAÇÃO: REPERCUSSÕES NA
ESCOLA E NO PROCESSO DE ENSINO-
APRENDIZAGEM

José Carlos Libâneo


Simônia Peres da Silva

N este capítulo será analisado o papel dos organismos internacionais,


principalmente do Banco Mundial, na determinação de políticas
para a escola e na implementação de sistemas de governabilidade curri-
cular por meio das avaliações em larga escala e da adoção do currículo
de resultados. Como exemplo, é apresentado e discutido o processo de
aplicação dessas políticas no Estado de Goiás e sua repercussão no fun-
cionamento das escolas, a partir das diretrizes definidas no documento
Pacto pela Educação – Reforma Educacional Goiana e em outros docu-
mentos operacionais

A internacionalização das políticas educacionais e repercussões nos


sistemas escolares

O impacto da internacionalização das políticas educacionais na


formulação de finalidades educativas escolares e no funcionamento
dos sistemas de ensino, no contexto do neoliberalismo, tem sido am-
plamente investigado em nível internacional (LENOIR, 2016; PACHE-
50 José Carlos Libâneo, Simônia Peres da Silva

CO e MARQUES, 2014; YOUNG, 2007; LESSARD e MIEIRIEU, 2005;


DALE, 2004; BOOM, 2004; TORRES, 1996; BALL, 1994) e em nível
nacional (EVANGELISTA, 2013, 2014; SILVA e CUNHA, 2014; LIBÂ-
NEO, 2012, 2014; FREITAS, 2011, 2012; EVANGELISTA e SHIROMA,
2006; NEVES, 2005; FRIGOTTO e CIAVATTA, 2003; LEHER, 1996; DE
TOMMASI, WARDE e HADDAD, 1998), mostrando a determinação
crescente em nível mundial da prevalência de interesses econômicos
sobre as políticas educacionais. A expansão do neoliberalismo está as-
sociada a dois fenômenos interligados, a globalização e a internaciona-
lização. Entende-se, aqui, por globalização:

[...] um projeto ideológico impulsionado pelo neoliberalismo


econômico que tem por efeito submeter a população às leis
do mercado [...] uma opção do capitalismo a serviço apenas
de seus interesses financeiros, sustentado pela ideologia ne-
oliberal, entre outros possíveis que oferece a mundialização
(LENOIR, 2016).

Seus efeitos, tornados mais ágeis em razão das tecnologias da


informação e comunicação, implicam aumento da interdependência
entre os países, convergência das economias, liberação das trocas e
dos mercados e reestruturação dos Estados-nações envolvidos. A in-
ternacionalização, por vez, refere-se a processos e ações movidos por
organismos internacionais, na forma de planos, programas, diretrizes
e procedimentos de execução ligados a políticas econômicas, financei-
ras, sociais e educacionais, para viabilizar a agenda global das grandes
potências mundiais, especialmente nos países emergentes. No campo
da educação, o efeito da internacionalização é a uniformização das
políticas educacionais em escala mundial, a partir, inclusive, de mo-
delos de governabilidade curricular. Trata-se da modelação dos siste-
mas e instituições educacionais conforme expectativas supranacionais
definidas pelos organismos internacionais, com base em uma agen-
da globalmente estruturada para a educação, as quais se reproduzem
ORGANISMOS INTERNACIONAIS E POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO: REPERCUSSÕES NA 51
ESCOLA E NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

em documentos de políticas educacionais nacionais como programas,


projetos de lei etc.
Dale (2004, p. 436) reforça esse entendimento ao afirmar que “a
globalização é um conjunto de dispositivos político-econômicos para a
organização da economia global, conduzido pela necessidade de manter
o sistema capitalista mais do que qualquer outro conjunto de valores”. O
mesmo autor menciona, na constituição da globalização, três conjuntos
de atividades relacionadas entre si: de natureza econômica (hiperlibera-
lismo), de natureza política (governação sem governo) e cultural (mer-
cadorização e consumismo). Ele comenta, ainda:

[...] todos os quadros regulatórios nacionais são, agora, em


maior ou menor medida, moldados e delimitados por forças
supranacionais, assim como por forças político-econômicas
nacionais. É por essas vias indiretas, através da influência so-
bre o Estado e sobre o modo de regulação, que a globalização
tem os seus mais óbvios e importantes efeitos sobre os siste-
mas educativos nacionais (DALE, 2004, p. 441).

Entre os organismos internacionais multilaterais, podem ser cita-


dos: o Fundo Monetário Internacional (FMI); o Banco Mundial (BM);
a Organização das Nações Unidas (ONU); a Organização das Nações
Unidas para a educação, a ciência e a cultura (UNESCO); a Organiza-
ção Mundial do Comércio (OMC); a Organização para a Cooperação e
o Desenvolvimento Econômico (OCDE); o Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF), e o Programa das Nações Unidas para o De-
senvolvimento (PNUD). Há também organismos regionais, como: a Or-
ganização dos Estados Americanos (OEA); o Tratado Norte-americano
de Livre comércio (NAFTA); o MERCOSUL; a Comissão Econômica
para a América Latina e o Caribe (CEPAL), bem como uma variedade
de organizações não governamentais internacionais e nacionais.
As reformas educativas nos marcos do neoliberalismo se inicia-
ram nos anos 1980 em países da Europa expandindo-se, em seguida,
52 José Carlos Libâneo, Simônia Peres da Silva

para as Américas, girando, geralmente, em torno de quatro estratégias:


novos padrões de gestão dos sistemas de ensino e das escolas, reformu-
lação dos currículos, priorização de aspectos financeiros e administra-
tivos, profissionalização e formação de professores e sistemas de avalia-
ção em larga escala, tendo como eixo um novo conceito de qualidade
educacional. Tais reformas surgiram acopladas às reformas econômicas,
prevalecendo a lógica financeira e a lógica do mercado, desconsideran-
do-se as implicações sociais e humanas no desenvolvimento econômico.
Com efeito, as ideias neoliberais incidem nas politicas educacionais pelo
fato de a educação constituir-se em importante componente do sistema
econômico. Para os países em desenvolvimento, foi considerada crucial
a melhoria da qualidade do ensino em função da competitividade inter-
nacional.
É consensual entre analistas das políticas do neoliberalismo para
a educação a presença de determinadas características como: redução
das responsabilidades do Estado com privatização da oferta de servi-
ços educacionais; instituição da meritocracia em várias instâncias do
sistema educacional para assegurar a competividade; lógica da concor-
rência para assegurar rentabilidade e competitividade; ações visando à
competição entre as escolas; descentralização do ensino, definindo res-
ponsabilidades aos estados e municípios, e critérios de competição. Ou
seja, introduz-se no sistema educacional o modelo do funcionamento
do mercado, em que a instituição escolar é uma empresa, o aluno e os
pais os clientes e o professor, um prestador de serviços.
A partir de 1990, no campo da educação, políticas, diretrizes e nor-
mas em relação às políticas educacionais de países em desenvolvimen-
to ou emergentes passaram a ser formuladas em boa parte pelo Banco
Mundial no contexto da globalização das relações econômicas, sociais
e culturais que caracterizam as formas de manutenção e expansão do
capitalismo contemporâneo. Pacheco e Marques (2014) declaram que
as reformas educacionais decorrentes são caracterizadas pela cultura da
avaliação, da prestação de contas e da responsabilização, tendo como
sustentáculo “a estandardização dos resultados de aprendizagem, o que
ORGANISMOS INTERNACIONAIS E POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO: REPERCUSSÕES NA 53
ESCOLA E NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

origina uma mudança no trabalho docente e no modo como a apren-


dizagem é valorizada no âmbito das decisões curriculares, sobretudo
quando impera a lógica dos testes” (p. 108). Deste modo, a imposição
cognitiva decorrente do currículo prescritivo leva à mecanização das
aprendizagens e à desvalorização e intensificação do trabalho dos pro-
fessores, praticamente anulando o papel da pedagogia e da didática.
Em síntese, a internacionalização das políticas e diretrizes para a
educação e os processos globais de governabilidade com base no mo-
delo da racionalidade econômica intervêm, direta ou indiretamente,
no planejamento das políticas educacionais, incidindo nas finalidades
de objetivos da educação, na legislação educacional, no currículo e nos
procedimentos pedagógico-didáticos. Deste modo, as escolas e os pro-
fessores encontram-se envolvidos nessas políticas de controle, concre-
tizadas por procedimentos sólidos: a organização do conhecimento es-
colar em função de metas; a pressão sobre os professores para acatarem
conteúdos pré-definidos externamente e prepararem os alunos para os
testes padronizados; a simplificação dos conteúdos; a retirada da auto-
nomia dos professores; a aprendizagem apressada e a memorização de
curto prazo; o alargamento do hiato na aprendizagem entre as escolas
de elite e as outras; o encorajamento de estratégias dissimuladas e calcu-
listas para subir os resultados nos testes; a alteração da confiança e com-
petência dos professores, entre outros (PACHECO; MARQUES, 2014).
Estudar as políticas educacionais e as formas como são implemen-
tadas numa determinada rede de ensino implica, portanto, inseri-las no
contexto global da economia e da política, envolvendo relações bastante
complexas. Por um lado, são atribuídas demandas sociais para a escola
decorrentes de transformações na economia, no mundo do trabalho,
nas relações sociais, nos meios de comunicação e informação, afetando
os objetivos escolares, os currículos e as formas de aprender dos alu-
nos. Por outro lado, são colocadas às escolas diferentes sentidos para
suas funções sociais, consolidados em determinados modos de pensar e
planejar a educação escolar, provocando dissensos sobre essas funções
entre pesquisadores, técnicos da educação, gestores públicos, sindicalis-
54 José Carlos Libâneo, Simônia Peres da Silva

tas e professores. No campo acadêmico, por exemplo, alguns pesquisa-


dores têm apontado a tendência de atribuir às escolas um acúmulo de
objetivos, levando-as a assumir atribuições que são de responsabilida-
de de outras instâncias sociais (SACRISTÁN, 2000; LIBÂNEO, 2011;
NÓVOA, 2009). Como explica Nóvoa (2009, p. 20), a escola moderna
se desenvolveu pelo “transbordamento” de missões e conteúdos, com
um forte apelo à cidadania, e pela responsabilização das redes de ensi-
no. Com isso, os objetivos assistenciais se sobrepõem aos objetivos de
aprendizagem.
É possível identificar tais tendências nas orientações dos organis-
mos internacionais para os países da periferia do capitalismo, princi-
palmente do Banco Mundial, cuja concepção de educação limita a es-
cola a um papel dentro de políticas de alívio da pobreza para assegurar
condições para o desenvolvimento econômico capitalista. Assim como
aparece nos documentos do Banco, a educação básica tem como prio-
ridade “satisfazer as necessidades mínimas de aprendizagem das mas-
sas de modo que todos os indivíduos possam participar eficazmente no
processo de desenvolvimento” e, ao mesmo tempo, “pode ser útil para
incrementar a produtividade e, também, melhorar as oportunidades
dos grupos menos desfavorecidos” (BANCO MUNDIAL, 1974, p. 60).
Essa função da educação é explicitada por Leher (1998):

[...] longe de ser uma questão marginal, a educação encon-


tra-se no cerne das proposições do Banco Mundial, como um
requisito para a inexorável globalização, cumprindo a impor-
tante função ideológica de operar as contradições advindas
da exclusão estrutural dos países periféricos que se aprofun-
da de modo inédito. O Banco Mundial inscreve a educação
nas políticas de aliviamento da pobreza como ideologia capaz
de evitar a “explosão” dos países e das regiões periféricas e de
prover o neoliberalismo de um porvir em que exista a possi-
bilidade de algum tipo de inclusão social (“todo aquele que se
qualificar poderá disputar, com chance, um emprego”), para
ORGANISMOS INTERNACIONAIS E POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO: REPERCUSSÕES NA 55
ESCOLA E NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

isto, a coloca no topo de seu programa de tutela nas regiões


periféricas (LEHER, 1998, p 9).

Desse modo, o projeto neoliberal, viabilizado pelas organizações


internacionais, afeta os governos e outras organizações sociais (OS) em
todo o mundo, especialmente em países considerados subdesenvolvi-
dos, voltando-se para a estabilidade dos sistemas econômicos globais e
incorporando, nesse processo, os países emergentes. Por sua vez, os Es-
tados voluntariamente cedem às organizações internacionais “espaços”
importantes nas atividades estatais, por exemplo, nas redes públicas de
educação, que passam a ser direcionados a partir de interesses de uma
oligarquia financeira globalizada.
Essas considerações mostram como propostas de organização
da educação, anunciadas como portadoras de requisitos de qualidade
de ensino, podem resultar em prejuízos para as atividades de ensino
-aprendizagem, pois comprometem os objetivos da escola e das redes de
ensino em propiciar aos estudantes o acesso à cultura, à ciência e à arte,
a apropriação de capacidades intelectuais e, em consequência, o desen-
volvimento cognitivo, afetivo e moral dos alunos. Conforme defende
Libâneo (2003, p. 421), “as políticas educacionais precisam assegurar
práticas de organização e gestão das escolas públicas que atuem eficaz-
mente na qualidade dos processos de ensino-aprendizagem, com vistas
à formação e ao desenvolvimento integral dos alunos”. Portanto, escola e
redes de ensino estabelecem relações dialéticas, ou seja, uma inter-rela-
ção entre a sociedade, a rede de ensino, a escola e os sujeitos, de maneira
que as decisões tomadas pelos órgãos centrais afetam o funcionamento
da escola e os comportamentos, valores, crenças e modos de agir, pensar
e sentir dos sujeitos.
Para compreender essas inter-relações e identificar repercussões
da política educacional influenciada por organismos internacionais no
sistema de ensino, foi realizada pesquisa para analisar a implementação
do Programa de governo denominado Pacto pela Educação na rede de
ensino estadual do Estado de Goiás, formulado no governo Marconi
56 José Carlos Libâneo, Simônia Peres da Silva

Perillo, em 2011 (SILVA, 2014). A pesquisa teve por objetivo apreender


as repercussões desse Programa no sistema de ensino, na gestão da es-
cola e no processo de ensino-aprendizagem, utilizando-se de pesquisa
documental, observando três escolas públicas de Educação Básica vin-
culadas à Secretaria Estadual de Educação e realizando entrevistas com
dirigentes escolares e professores.

Pacto pela Educação: o currículo de resultados em Goiás

As orientações de organismos internacionais, principalmente


do Banco Mundial, lastreadas em orientações neoliberais e econo-
micistas, incidem em políticas educacionais para os países perifé-
ricos. Um exemplo bastante expressivo foi a reforma educacional
implantada pela SEE do Estado de Goiás goiana, consubstanciada
do documento Diretrizes do Pacto pela Educação – Reforma Edu-
cacional Goiana. Esse documento, lançado em 05 de setembro de
2011 e elaborado em parceria com uma das maiores consultorias de
gestão empresarial no mundo, a Bain & Company, apresenta cinco
pilares estratégicos, metas gerais e 25 iniciativas referentes a cada
pilar. Conforme consta no documento, a reforma educacional teve
como objetivo “fazer com que o Estado de Goiás torne-se referên-
cia em educação para todo o país”, assumindo o compromisso pú-
blico governamental em “promover um grande salto e qualidade na
educação em Goiás”. As medidas foram anunciadas e divulgadas aos
profissionais da educação e à sociedade, ignorando-se totalmente
décadas de debate e produção científica dos pesquisadores e edu-
cadores da área, evidenciando os parâmetros privatistas que estão
sendo implantados na rede estadual de ensino, viabilizados por meio
das diretrizes do Pacto pela Educação.
Antes do lançamento do Pacto, em agosto de 2011, para preparar
o cenário político e justificar a reforma que viria logo em seguida, a
Secretaria da Educação deu início à instalação de placas na porta das
escolas estaduais com a nota obtida no Índice de Desenvolvimento da
ORGANISMOS INTERNACIONAIS E POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO: REPERCUSSÕES NA 57
ESCOLA E NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Educação Básica (IDEB). Segundo declaração do secretário de educa-


ção, Goiás seria o primeiro estado a adotar a iniciativa que visava:

promover o engajamento da comunidade escolar em prol da


melhoria da qualidade do ensino, por isso a necessidade de
dar maior publicidade a este importante índice que afere a
qualidade da Educação em todo país e que não é plenamente
conhecido pela população, principalmente por pais e alunos
(Notícias da Educação,17/08/2011).

O Pacto propõe uma série de mudanças ambiciosas na educação


goiana por meio da implementação das diretrizes, metas e ações de gran-
de repercussão, organizadas em torno de cinco eixos: valorizar e fortale-
cer o profissional da educação; adotar práticas de ensino de alto impac-
to no aprendizado do aluno; reduzir significativamente a desigualdade
educacional; estruturar o sistema de reconhecimento e remuneração
por mérito, e realizar profunda reforma na gestão e na infraestrutura da
rede estadual de ensino. Como será demonstrado, essas metas e ações
estão em perfeita sintonia com as políticas educacionais definidas pelo
Banco Mundial e pelos demais organismos internacionais para os países
periféricos. O projeto representa, na educação, a concepção economi-
cista na qual se estabelece a correspondência entre escola e empresa,
equipara os fatores do processo de ensino-aprendizagem com insumos
e enquadra as especificidades da atividade escolar dentro de critérios
econômicos. Mais que isso, nas escolas investigadas, foi possível per-
ceber os desdobramentos e as repercussões, muitas vezes negativos, do
Pacto no funcionamento das escolas pesquisadas e na atuação de seus
profissionais.

Repercussões na gestão do sistema escolar

O Pacto pela Educação tem como base a responsabilização e me-


ritocracia, articuladas a três elementos: avaliações externas em larga
58 José Carlos Libâneo, Simônia Peres da Silva

escala, divulgação dos resultados da escola e atribuição de bônus, pre-


miações e punições. Este sistema de controle, expresso nas avaliações
externas (Prova Brasil, Sistema de Avaliação Educacional do Estado
de Goiás (SAEGO), Avaliação Diagnóstica, Prova Goiás, entre outras),
na associação do desempenho dos alunos a benefícios pecuniários aos
professores (prêmios, bônus, reconhecimento social etc.), num sistema
de punições (sanções por faltas justificadas) e na exposição pública da
escola e de seus profissionais, tem produzido repercussões negativas na
rede estadual de ensino, dentre elas, o uso de estratégias de controle para
assegurar melhores indicadores de desempenho.
No âmbito macro da reforma, notou-se, no processo de im-
plantação do Pacto, a priorização de medidas em relação a materiais
didáticos, formação de professores e apoio pedagógico, entre outras:
a) Elaboração do Currículo Referência, do Caderno Educacional e de
outros materiais didático-pedagógicos com base nas matrizes de refe-
rência da Prova Brasil, do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)
e PISA; b) orientação prescritiva e instrumental da formação conti-
nuada dos professores, direcionada para a implementação das metas
quantitativas do Pacto pela Educação; c) metas curriculares voltadas
às avaliações externas, efetivadas por meio da bimestralização do cur-
rículo; d) adoção de programas de recuperação de alunos evadidos e
reprovados como forma de não reprovação e melhoramento do fluxo
do aluno na rede; e) provimento de apoio pedagógico aos professores
pelos tutores, privilegiando as disciplinas-alvo das avaliações nacio-
nais; f) utilização das avaliações em âmbito regional (SAEGO e Ava-
liação Diagnóstica) para preparar os alunos a participarem dos exames
nacionais; g) contratos com organizações não governamentais, funda-
ções e empresas prestadoras de serviços educacionais para implemen-
tar modelos pedagógicos e de gestão prontos e alheios à realidade da
escola; h) produção e divulgação de informações quantitativas sobre o
desempenho dos alunos como instrumento de regulação do trabalho
docente pela administração central.
ORGANISMOS INTERNACIONAIS E POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO: REPERCUSSÕES NA 59
ESCOLA E NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Repercussões nas escolas

As escolas, pressionadas pelas políticas de resultado, criam, tam-


bém, estratégias para melhorar os indicadores de desempenho, que aca-
bam modificando o seu funcionamento e repercutindo, quase sempre,
de forma negativa, na sala de aula. Assim, no contexto das escolas pes-
quisadas, observou-se: a submissão de projetos à lógica das políticas de
resultado, em que ocorre o cancelamento de matrícula de alunos fal-
tosos e evadidos; substituição das avaliações da escola pelas avaliações
externas; direcionamento dos melhores professores para os anos em que
são aplicadas as avaliações externas (6º, 9º e 3º anos do Ensino Médio);
convencimento dos alunos por parte dos coordenadores, visando in-
fluenciá-los a realizarem com dedicação a prova; busca pela escola de
um perfil de aluno e de família que ajude a melhorar os indicadores, e
utilização dos descritores da Prova Brasil em Matemática, Português e
Ciências, como critérios para avaliar o trabalho dos professores nessas
disciplinas.
Observou-se no dia a dia das escolas que as avaliações em larga
escala servem como modelo para a construção de instrumento de ava-
liação, direcionam o olhar dos professores para aqueles conteúdos que,
em tese, não foram assimilados pelos alunos (apontados como insufi-
cientes nos descritores) e passam a substituir os testes internos da escola
em determinado período letivo. Nem mesmo os projetos elaborados por
professores no contexto escolar escapam do direcionamento promovido
pelas avaliações externas e passam a ser vistos como uma estratégia para
“incentivar” o aluno a estudar para os exames.
A promoção automática é outra medida implícita no Pacto pela
Educação. Ela gera um grave problema: a promoção do aluno sem os co-
nhecimentos necessários para avançar. Com efeito, os alunos com níveis
muito diferenciados de aprendizagem são agrupados em uma mesma
turma, como se o professor trabalhasse em uma sala multisseriada, re-
sultando em dificuldades para o trabalho docente. Como adverte Freitas
(2013), as políticas de responsabilização promovem um afunilamento
60 José Carlos Libâneo, Simônia Peres da Silva

do sistema em direção ao centro, ou seja, a imposição desmedida da SEE


por altos indicadores educacionais direciona as escolas a priorizarem
aqueles alunos que estão próximos da média ou do nível de proficiên-
cia estabelecido. Isso implica que os alunos com níveis muito abaixo ou
muito acima da média acabam ficando fora das prioridades da escola e
da rede de ensino.
Da mesma forma, gestores interessados em cuidar dos indicado-
res da escola e garantir uma boa imagem da instituição à comunidade
e aos órgãos centrais da rede de ensino acabam reproduzindo práticas
que tenderão a afastar da escola alunos com dificuldades para a apren-
dizagem (FREITAS, 2012). Foi possível evidenciar indícios dessa prática
quando os gestores, na intenção de melhorar os indicadores, cancelam a
matrícula de aluno faltoso, especialmente do período noturno, ou favo-
recem a matrícula de alunos de pais economicamente mais favorecidos.
Tais indícios aparecem nas explicações da diretora de um dos colégios
pesquisados por ocasião de uma reunião de professores:

A secretária-geral vai fazer um levantamento, a L. (aluna) teve


5 faltas, o fluxo é evasão e reprovação, nós estamos vendo o
aluno faltar e não estamos fazendo nada. Dia 4 os alunos do
noturno que não estão evadidos vão ser transferidos, a tutora
informou que conta como reprovado, o único aluno que não
conta como reprovado é o transferido. Faltou orientação dos
tutores, 101 alunos evadidos, o aluno evadido conta como re-
provado. Fomos orientados que o fluxo é fácil de corrigir, é só
transferir (Nota de campo, realizada em 01/03/2013).

Observa-se que, pressionada a melhorar os indicadores educacio-


nais, a diretora, orientada pelos órgãos centrais da SEE, decide trans-
ferir os alunos não frequentes para outra escola e cancelar a matrícula
dos evadidos, pois a transferência não prejudica o IDEB. Nota-se que a
escola busca remover os estudantes que “atrapalham” seu desempenho
médio, ou seja, repassam seus problemas visando amenizar o grande
ORGANISMOS INTERNACIONAIS E POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO: REPERCUSSÕES NA 61
ESCOLA E NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

fluxo de evasão e reprovação e, com isso, manter ou aumentar os indica-


dores, sabendo que a rede de ensino garante a matrícula desses alunos.
Seria necessária investigação mais apurada para comprovar suspeitas de
professores de que algumas escolas da rede estadual estariam se espe-
cializando em certas funções ou em determinada clientela, como por
exemplo, acolher os estudantes com baixo desempenho, não frequentes,
evadidos e reprovados, considerados como problema no cômputo de
dados para a composição do IDEB das escolas. Contudo, há indicativos
de que a lógica produtivista das políticas de resultado tem encorajado
os diretores e professores a adotarem estratégias dissimuladas e calculis-
tas para melhorar os indicadores educacionais, o que evidencia a pouca
confiabilidade dos dados estatísticos divulgados para a sociedade.
Os indícios apontados decorrem do modelo de avaliação externa
adotado. Com efeito, os testes estandardizados e a obrigação de resul-
tados têm sido um princípio adotado pelos organismos internacionais
do capitalismo globalizado para regular o setor educacional, com o ob-
jetivo de inserir nas redes públicas de ensino um modelo de mercado,
ou quase mercado, transferindo para a escola e seus professores a res-
ponsabilidade máxima dos resultados dos seus estudantes, promovendo
um ambiente escolar como um local de competitividade. Disso resulta a
produção de informações quantitativas sobre o desempenho dos alunos
por meio de avaliações externas, o que leva à comparação do desem-
penho entre escolas e seus profissionais, constituindo um instrumento
de regulação da rede de ensino estadual, cuja lógica não considera os
vários fatores que interferem no processo educacional. Desta maneira,
os resultados imediatos e os objetivos dos processos avaliativos são uti-
lizados para forçar a escola, os diretores, coordenadores e professores
a cumprirem as metas estipuladas pelos órgãos centrais. Estas, por sua
vez, são direcionadas para um ensino instrumental de conteúdos bási-
cos.
Um aspecto especialmente relevante constatado nas escolas pes-
quisadas foi a presença de organizações não governamentais, fundações e
empresas prestadoras de serviços educacionais. Essa inserção não se limi-
62 José Carlos Libâneo, Simônia Peres da Silva

ta à formulação de políticas e diretrizes para a rede estadual, mas intervém


na gestão das escolas e no cotidiano da sala de aula, atuando por meio da
implementação de inúmeros projetos e programas. Tal influência, além de
abranger amplamente as esferas de poder da rede estadual de educação de
Goiás, dissemina uma intervenção que afeta o funcionamento da escola
e os modos de pensar, agir e sentir dos professores, coordenadores, dire-
tores e demais integrantes, evidenciando um consenso de acolhimento
e adesão aos programas e projetos e modelos a serem implementados.
Nas escolas pesquisadas, destacam-se: o Projeto Professor Colaborador;
o Projeto Tutoria por Área; o Programa de Correção de Fluxo e Se Liga;
o Caderno Educacional, dentre outros. É dessa forma que organizações
empresariais atuam em áreas estratégicas da educação e de interesse da
classe dirigente do país, articuladas às orientações dos organismos in-
ternacionais, no sentido de monitorar as redes educacionais públicas no
país. Por trás da aparência de gratuidade e filantropia, grande parte dos
serviços educacionais prestados pelas organizações empresariais é paga
com recursos públicos, conforme dados do relatório da CGE (GOIÁS,
2012). Em outro colégio pesquisado, essas políticas educacionais são per-
cebidas como um modelo a ser seguido, tal como declara a diretora:

Tem uma coisa [sic] que eu acho forte nisso, porque são mo-
delos prontos. Tudo o que está acontecendo aqui em Goiás, já
aconteceu fora do país, principalmente em Nova York, acon-
teceu lá, em São Paulo e no Espírito Santo também. Eu vejo
isso de forma positiva, eu acho que a mudança incomoda,
eu concordo com a postura da Secretaria, com a forma dessa
implantação [...]. A ideia é boa, ele (Secretário da Educação)
está trabalhando naquilo que ele prometeu e já funcionou, o
modelo está pronto, a receitinha do bolo, e só você ir lá bater
tudo e colocar no forno, porque se deu certo em outros luga-
res vai dar certo aqui (Entrevista 01: Colégio A, realizada em
08/04/2013).
ORGANISMOS INTERNACIONAIS E POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO: REPERCUSSÕES NA 63
ESCOLA E NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

As ideias privatistas das Escolas Charter americanas, algumas em


processo de implementação nas escolas estaduais por meio do Pacto
pela Educação, são defendidas pela Fundação Itaú Social no documen-
to A Reforma Educacional de Nova York: Possibilidades para o Brasil,
visando disseminar as experiências de sucesso que podem ser aplicadas
nas escolas brasileiras. Além de generalizar modelos prontos de gestão
– kit de gestão escolar – para todas as escolas da rede, pautados em prin-
cípios empresariais, a proposta defende a transferência da gestão das
escolas públicas para a iniciativa privada. O senso comum difundido
e apropriado pela diretora é de que, se a proposta deu certo nas esco-
las americanas, pode dar certo também nas escolas públicas estaduais.
No entanto, conhece-se a entrevista dada pela ex-secretária adjunta do
Ministério da Educação para implantar a educação nos Estados Uni-
dos, por meio dos resultados dos governos Clinton e Bush, membro
do sistema nacional de avaliação da educação no período de 1997 a
2004, em que ela declara o insucesso da reforma educativa nos Estados
Unidos. Na entrevista, publicada no jornal O Estado de São Paulo, em
02/08/2010, ela declara:

Eu apoiei as avaliações, o sistema de accountability [...], mas as


evidências acumuladas nesse período sobre os efeitos de todas
essas políticas me fizeram repensar. Não podia mais continuar
apoiando essas abordagens. O ensino não melhorou e identi-
ficamos apenas muitas fraudes no processo [...], alguns tipos
de trapaças, manobras para driblar o sistema e outros tipos de
esforços duvidosos para alcançar um objetivo que jamais seria
atingido. [...] Muitos educadores vão passar horas preparando
seus alunos para responderem a esses testes, e os alunos não
vão aprender os conteúdos exigidos nas disciplinas, eles vão
apenas aprender a fazer essas avaliações. [...] Educação é mui-
to mais que saber fazer uma prova. [...] Precisamos de jovens
que estudaram história, ciência, geografia, matemática, leitu-
ra, mas o que estamos formando é uma geração que aprendeu
a responder testes de múltipla escolha.
64 José Carlos Libâneo, Simônia Peres da Silva

Verificam-se, assim, nos depoimentos, indícios das constantes


investidas do Estado no sentido de consolidar o processo de privatiza-
ção das escolas públicas, justificados ainda pela aplicação eficiente dos
recursos públicos e por permitir aos “consumidores” (alunos e pais) a
escolha como princípio regulador do mercado educacional. Assim, gra-
dativamente, estão sendo inseridos no cotidiano das escolas princípios
administrativos e estratégias de gestão baseados na lógica do mercado,
por meio de inúmeros projetos e programas, muitos em parceria com
organizações não governamentais e fundações.
Não se trata de desconhecer a importância e a necessidade de o
professor ter uma ajuda profissional no seu trabalho em sala de aula que,
aliás, o deveriam fazer os coordenadores pedagógicos da própria escola.
A questão é que, no conjunto dos dados coletados, observou-se pouco
comprometimento dos educadores com a proposta, o que parece rela-
cionar a subordinação do trabalho docente a modelos prontos e alheios
ao contexto real da escola. Com base em Coraggio (1996), reafirmamos
que a aceitação de tais propostas pelos governos nacionais e locais acri-
ticamente ou sem considerar os contextos escolares específicos podem
provocar erros catastróficos e irreparáveis. A partir disto conclui-se que
a internacionalização das políticas educacionais adentrou a sala de aula
e estrategicamente está modelando as práticas dos professores, confor-
me as diretivas dos organismos internacionais inspirados nas supostas
experiências de sucesso dos países centrais.

Consequências do currículo de resultados na sala de aula e na apren-


dizagem dos alunos

Os princípios meritocráticos e de responsabilização que norteiam


as diretrizes do Pacto pela Educação requerem que as atividades edu-
cacionais sejam padronizadas. No âmbito da escola, a efetivação de tais
políticas ocorre por meio de várias formas: cumprimento de metas cur-
riculares mensuráveis e conjugadas ao desempenho de alunos, professo-
ORGANISMOS INTERNACIONAIS E POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO: REPERCUSSÕES NA 65
ESCOLA E NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

res e escolas; avaliações da aprendizagem elaboradas pelos professores,


que aos poucos estão sendo substituídas pelas avaliações externas; di-
recionamento dos conteúdos e das práticas para atender às matrizes de
referência e preparar os alunos para os testes; estreitamento curricular
na medida em que os professores, pressionados pela SEE a melhorar os
resultados, passam a priorizar os conteúdos abordados nas avaliações
externas, relegando para segundo plano uma parte importante do cur-
rículo; tendência a valorizar mais os resultados do que o processo de
ensino-aprendizagem e burocratização das atividades pedagógicas.
Na sala de aula, as avaliações externas e as metas educacionais, as
quais sustentam as estratégias reformistas, têm direcionado os docentes
a valorizar mais os resultados do que o processo de ensino-aprendiza-
gem, tornando seu trabalho algo mecânico e burocrático. Ao mesmo
tempo, acentuam as relações de mercado no espaço escolar quando os
professores se transformam em meros executores e provedores das ne-
cessidades de seus clientes/alunos, e estes se tornam consumidores de
aprendizagem cada vez mais padronizados e memorísticos. Ao contrário
do que prevê uma das metas do Pacto pela Educação de “reduzir signifi-
cativamente a desigualdade educacional” (GOIÁS, 2011), ao que parece
tal reforma reforça ainda mais a ineficiência, má qualidade e exclusão da
rede de ensino, sobretudo porque promove o estreitamento curricular,
ao subordinar as atividades pedagógicas às expectativas de aprendiza-
gem das avaliações externas. Sobre esse processo, vários coordenadores
pedagógicos relataram que os descritores e os conteúdos cobrados nas
avaliações funcionam como reguladores das práticas curriculares e ati-
vidades pedagógicas das escolas. Um deles assim se expressou:

A cada avaliação diagnóstica nós fazemos levantamento dos


descritores que possuem maior déficit na sala, onde a sala tem
mais problema. Porque, os descritores que vêm nessa avalia-
ção, eles contemplam tudo que o aluno deve saber naquela
série [...]. Nós fazemos o levantamento de dados dos descri-
tores, onde os meninos têm maior facilidade, onde tem maior
66 José Carlos Libâneo, Simônia Peres da Silva

dificuldade, onde a turma necessita mais, e os professores tra-


balham em cima dessa deficiência, eles passam a planejar em
cima dos descritores em que os meninos mais falharam (En-
trevista 03: Coordenadora Pedagógica - vespertino do Colégio
A. E., em 19/03/2013).

As orientações dos tutores da Secretaria Estadual da Educação, re-


passadas pelos coordenadores pedagógicos, são de que as atividades dos
professores em sala de aula devem contemplar as “deficiências” aponta-
das nas avaliações externas, sobretudo aquelas relacionadas aos descri-
tores. Entretanto, a organização do conhecimento escolar em função de
metas, bem como a adoção de determinados modelos de avaliação, tem
resultado na padronização do processo de ensino-aprendizagem, regu-
lado pelos descritores, que se transformam em padrões definidores dos
conteúdos curriculares e das decisões pedagógicas, além de direcionar
a gestão e organização da escola. Essa padronização relaciona-se com as
matrizes de referência que fornecem as bases das avaliações nacionais
(Prova Brasil, Enem etc.) e regionais (Saego, Avaliação Diagnóstica e
Prova Goiás), que incluem determinadas disciplinas e conteúdos (Lín-
gua Portuguesa – foco na leitura; Matemática – foco na resolução de
problemas; Ciências), deixando de fora grande parte dos conhecimen-
tos do currículo escolar. Assim, a redução curricular inicia-se quando
os testes incluem alguns conteúdos de determinadas disciplinas, en-
quanto grande parte do currículo não é contemplada. Conforme afirma
Freitas (2012), na lógica capitalista o argumento para limitar o currículo
ao básico é postergar para o futuro a real formação dos alunos, retiran-
do deles elementos de análise crítica da realidade e substituindo por
um corpo de habilidades básicas de vida que atendem aos interesses das
corporações.
Essa tendência foi confirmada na implementação do Currícu-
lo Referência, uma das metas do Pacto pela Educação. A construção
de um currículo mínimo pela rede estadual de ensino de Goiás teve
como base as matrizes de referências e expectativas de aprendizagem
ORGANISMOS INTERNACIONAIS E POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO: REPERCUSSÕES NA 67
ESCOLA E NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

dos exames nacionais e estaduais, a partir do material elaborado na Re-


orientação Curricular, especialmente o Caderno 5, com o propósito de
definir os “conteúdos mínimos necessários a serem trabalhados em cada
bimestre”. Entretanto, no documento, a Secretaria reconhece os limites
do Currículo Referência. Por isso mesmo, repassa aos professores a res-
ponsabilidade de:

introduzir novos conteúdos e expectativas de aprendizagem,


selecionando outros gêneros (na disciplina de Língua Portu-
guesa) a fim de ampliar os conhecimentos dos estudantes no
decorrer dos bimestres, em cada ano/série, durante o ano le-
tivo (GOIÁS, CURRÍCULO REFERÊNCIA DA REDE ESTA-
DUAL DE EDUCAÇÃO DE GOIÁS, 2012, p. 13).

As considerações a seguir sinalizam nesta direção:

O currículo mínimo (Currículo Referência) é ridículo, eu dou


ele em um semestre. Limitou demais e tem pessoa que achou
ótimo, eu vou ter que cumprir isso aqui, eu cumpro, ninguém
reclama e tá ótimo pra mim. Estão mandando até uma apos-
tilinha agora e um caderninho, como se o conhecimento fosse
limitado, uma coisa que você não pudesse abrir, como se fos-
se uma coisa fechada (Entrevista 08: Professor de Ciências do
Colégio B, realizada em 06/03/2013).

Esse Pacto pela Educação está voltado para quê? Para que o
aluno tenha maior aprendizado? Era pra ser assim, eu estou
observando que no decorrer do tempo nós estamos fazendo
o que Skinner fazia com os cachorros (sic), treinando esses
alunos a sair bem no IDEB, a fazer a prova do IDEB. O que
eu vi até agora em reuniões, não estamos preparando o aluno
para o aprendizado, mas para ele sair bem na prova não só do
IDEB, como do Enem. Eu estou preparando o aluno para o
IDEB, é um cursinho entre aspas, voltado para o IDEB (En-
68 José Carlos Libâneo, Simônia Peres da Silva

trevista 08: Professor de Ciências do Colégio A, realizada em


08/02/2013).

Embora os professores estejam conscientes de que o Pacto pela


Educação tem promovido o estreitamento curricular, eles reconhecem
que estão implementando tal proposta, seja por imposição da SEE ou
por conveniência de alguns professores. Certamente, a delimitação do
currículo aos conteúdos básicos e o apostilamento por meio dos Ca-
dernos Educacionais simplificam e esvaziam não só o trabalho dos pro-
fessores, mas também os conteúdos, retirando-lhes a possibilidade de
ajudar os alunos num processo interno de elaboração conceitual. Tal
padronização do trabalho docente retira do professor a autonomia para
planejar, organizar e ministrar suas aulas, reforçando seu papel de exe-
cutor e tarefeiro.
É assim que algumas características elementares do trabalho do-
cente e de sua identidade profissional vão se perdendo. Aliás, várias
atividades antes realizadas pelos professores são repassadas para outras
instâncias da escola e da rede de ensino. Por exemplo, a frequência e
grande parte da seleção e organização dos conteúdos foram automatiza-
das, esvaziando a função do professor e subjugando seu trabalho à apli-
cação de métodos e receitas, elaboradas de forma artificial pelos órgãos
centrais da secretaria e distantes das situações concretas que dão sentido
às atividades de ensino.
A cultura de avaliação instalada na rede de ensino de Goiás pro-
duz, também, desdobramentos na forma como os órgãos centrais fazem
a gestão do currículo, sobretudo na organização do conhecimento esco-
lar e dos materiais pedagógico-didáticos em função das metas do IDEB.
Nesta perspectiva, a aprendizagem é entendida como rendimento esco-
lar, em que os resultados das avaliações externas se transformam não só
no principal indicador de qualidade da escola, mas também no instru-
mento de responsabilização direta dos professores, além de fornecer a
engrenagem que sustenta os programas de remuneração e bonificação.
O currículo escolar passou a ser interpretado como um “kit de
ORGANISMOS INTERNACIONAIS E POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO: REPERCUSSÕES NA 69
ESCOLA E NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

aprendizagem”, contendo um conjunto de habilidades (leitura, escrita,


cálculo etc.) necessárias à sobrevivência dos alunos das escolas públi-
cas. Da mesma maneira, para que a formação dos docentes atenda às
necessidades básicas de aprendizagem dos alunos pobres, é suficien-
te fornecer ao professor um kit de “sobrevivência docente” (TORRES,
2001, p. 40-43), contendo o “passo-a-passo” (guia aula a aula; manuais,
banco de aula; sugestões de exercícios; sequências didáticas; Caderno
educacional, entre outros). Além disso, a divulgação dos resultados de
avaliações e sua vinculação às políticas de responsabilização e merito-
cracia acabam forçando os professores a melhorarem constantemente
os indicadores educacionais. Com efeito, eles passam a dar prioridade
aos conteúdos “cobrados” nas avaliações, como pode ser apreendido nos
depoimentos de alguns docentes quando foram questionados como são
organizados e selecionados os conteúdos de suas disciplinas:

Acaba que a gente prioriza os conteúdos que estão mais em


evidência nessas provas, pra trabalhar com eles, porque re-
almente tem conteúdos que não caem, esses conteúdos você
acaba deixando de lado, se der tempo você trabalha ele, caso
não dê, você não atrapalhou o aluno (Entrevista 05: Professor
de Matemática do Colégio A, realizada em 19/11/2012).

Conforme sugerem os depoimentos, as políticas de resultado têm


direcionado o trabalho dos professores especialmente para atender os con-
teúdos definidos nas matrizes de referência das avaliações nacionais e re-
gionais, que passam a ser vistos e implementados como o próprio currículo
da rede estadual. Para Torres (1996), essa visão estreita de currículo está
coerente com as orientações do Banco Mundial, nas quais está implícito
o conceito de currículo como conteúdos e estes, reduzidos a disciplinas.
Neste entendimento, o ensino passa a ser a informação a ser transmitida,
e a aprendizagem a informação a ser assimilada, restringindo a qualidade
da educação ao “rendimento escolar”. Essa qualidade é medida por meio de
testes e indicadores de desempenho educacional, uma concepção instru-
70 José Carlos Libâneo, Simônia Peres da Silva

mental de currículo que não só separa os elementos essenciais do processo


de ensino-aprendizagem (conteúdos; as relações, os métodos, procedimen-
tos e práticas; os objetivos e avaliação) como também desconsidera o papel
central do professor na definição e efetivação do currículo.
Assim, o processo de ensino-aprendizagem torna-se cada vez
mais mecânico, pensado e prescrito com o objetivo de garantir que as
práticas educativas estejam subordinadas às avaliações externas. Ao que
parece, tais avaliações produzem o estreitamento do currículo escolar
de duas formas: priorização de disciplinas testadas (português, mate-
mática e ciências) e seleção nestas disciplinas de determinados conte-
údos cobrados nos testes. Esse direcionamento implica que as demais
disciplinas passam a ser acessórias, e parte do conteúdo das disciplinas
testadas é deixada para segundo plano, ou seja, como afirmaram alguns
professores, são trabalhadas “se der tempo”.
Em consonância com as políticas de acolhimento social, tal como as-
sinalou Libâneo em outro trabalho (2012), constatou-se a adoção, no inte-
rior da rede de ensino, de projetos que visam flexibilizar os mecanismos de
retenção, na qual se adia a reprovação do aluno e garante sua permanência
no sistema, adotada como uma estratégia dissimulada para melhorar o flu-
xo do aluno na rede e subir os indicadores educacionais. Essa constatação
evidencia que os índices de desempenho dos estudantes são frágeis e não
expressam necessariamente a qualidade da educação, sobretudo porque o
aprendizado escolar não se limita às habilidades e competências previstas
nos descritores. Por isso mesmo, o aumento dos indicadores de desempe-
nho dos alunos pode indicar que a escola está empenhada em melhorar os
resultados nas avaliações externas, mas isso não significa uma sólida prepa-
ração escolar dos alunos, principalmente porque a pressão por resultados e
a responsabilização empurram a rede de ensino, a escola e seus profissionais
a distorcerem e corromperem o processo de avaliação. Ao contrário, a edu-
cação assentada apenas em resultados mensuráveis condiciona o processo
de ensino-aprendizagem a uma memorização de conteúdo em curto prazo,
visando à realização dos testes.
ORGANISMOS INTERNACIONAIS E POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO: REPERCUSSÕES NA 71
ESCOLA E NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Considerações finais

Nossas análises mostraram como as políticas educacionais do país


vêm sendo influenciadas pelas mudanças sociais, políticas e econômicas
que caracterizam o contexto histórico atual, especialmente as implica-
das nos processos de globalização econômica. Fica evidenciado o papel
desempenhado por organismos internacionais multilaterais, principal-
mente o Banco Mundial, na definição das políticas educacionais brasi-
leiras, as quais incidem no planejamento e na organização curricular
e pedagógica dos sistemas estaduais e municipais de ensino. Assim, as
políticas educacionais implementadas na rede estadual de ensino do
estado de Goiás refletem a influência das orientações dos organismos
internacionais, como as do próprio Ministério da Educação. Essas po-
líticas também representam mecanismos de intervenção estatal que ex-
pressam interesses de classes e grupos sociais, no que se refere ao papel
que pretendem designar à escola pública, sabidamente o lugar que a so-
ciedade brasileira vem destinando a educação e instrução das camadas
pobres, no contexto dos objetivos do capitalismo globalizado.

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75

ORIENTAÇÕES DO BANCO MUNDIAL PARA A


FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DO BRASIL:
ANÁLISE CRÍTICA E INSURGÊNCIA

Sandra Valéria Limonta Rosa


Willian Batista dos Santos

Introdução

N este texto, o principal objetivo é apresentar uma análise crítica de


um dos mais recentes estudos empreendidos pelo BM em nosso
país e publicado em 2010 sob o título “Atingindo uma educação de nível
mundial no Brasil: próximos passos”. Este documento analisa as polí-
ticas e reformas implementadas no campo educacional brasileiro nos
quinze anos que antecederam o documento em análise, cujo eixo nor-
teador é uma avaliação comparativa entre o desempenho dos estudan-
tes brasileiros e o desempenho dos estudantes dos países membros da
OCDE. Destaca-se, neste documento − e este é o foco de nossa análise
−, a questão da formação docente que, segundo o BM (2010), se faz ne-
cessária para minimizar as diferenças entre desempenhos captados pelo
estudo comparativo.
Limonta e Silva (2013) observam que os problemas e as fragilidades
da formação docente no Brasil − objeto de muitas décadas de pesquisas
sérias realizadas pelos pesquisadores brasileiros, que são sistemáticas e
ofensivamente ignoradas tanto pelo BM quanto pelos governos brasi-
76 Sandra Valéria Limonta Rosa, Willian Batista dos Santos

leiros − ajudam a constituir um processo de exploração cada vez maior


e mais intenso do trabalho dos professores nas escolas. Os professores
e professoras do Brasil têm sido responsabilizados individualmente e
duplamente pelo “fracasso” da escola pública brasileira. Eles precisam
responder por si mesmos aos problemas enfrentados no cotidiano das
escolas – salientando que tais problemas não dizem respeito somente
aos processos de ensino e aprendizagem – e, se não conseguem resolver
todos os problemas que surgem, são responsabilizados novamente por
terem realizado uma formação inicial inadequada e buscam, sozinhos,
na maioria das vezes, uma formação continuada que os ajude a superar
tais dificuldades. As autoras utilizam-se da categoria “tecnificação do
ensino” para analisar como essa questão tem sido (mal) resolvida.

As teorias pedagógicas e psicológicas e a didática são rees-


truturadas nos programas e projetos sob a forma de técnicas
puras, e esta “tecnificação” não alcança nem os níveis mais ele-
mentares de uma formação baseada na reflexão sobre a práti-
ca, conforme a “epistemologia da prática”, concepção de for-
mação e de trabalho por meio da pesquisa e da reflexão sobre
o fazer do professor que esteve muito em evidência na década
passada nas políticas de formação e de ensino em nosso país
(LIMONTA e SILVA, 2013, p. 174-175).

Concordando com as autoras e entendendo que tal processo de


“tecnificação do ensino” tem como essência a incorporação das orien-
tações do BM à concepção e às políticas de educação pública que foram
se constituindo nas últimas três décadas, é concretamente observável,
sem margem para dúvida, que os inúmeros documentos produzidos
pelo banco têm impactado consideravelmente. Estes, por várias vezes,
orientam explicitamente as políticas e estratégias educacionais brasi-
leiras (BM 1986, 1990a, 1990b, 1990c, 1991, 1992, 1994, 1995, 1999a,
1999b, 1990c, 2003, 2010, 2011).
Mencionamos acima que as análises e pesquisas sobre a formação
ORIENTAÇÕES DO BANCO MUNDIAL PARA A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DO 77
BRASIL: ANÁLISE CRÍTICA E INSURGÊNCIA

de professores produzidas por estudiosos brasileiros são desconsidera-


das, e o mesmo podemos afirmar sobre os vários estudos a respeito dos
impactos dos documentos do BM sobre a educação mundial e brasileira
(FONSECA, 1995 e 1998; VIANNA JUNIOR, 1998; CHOSSUDOVSKY,
1999; NOGUEIRA, 1999; SILVA, 2002; BORGES, 2003; TOMMA-
SI, WARD e HADDAD, 2009; ROBERTSON, 2012; PEREIRA, 2014;
MOTA JUNIOR e MAUÉS, 2014, para citar apenas alguns dos estudos
mais conhecidos entre nós).
Ao analisarmos as orientações apresentadas no documento pro-
duzido pelo BM em 2010, verificamos a urgência em instrumentalizar
os estudantes com as “habilidades do século XXI”, fundamentais para a
formação de um trabalhador bem ajustado às demandas do setor pro-
dutivo.

Os dados do mercado de trabalho no Brasil estão assinalan-


do que as “habilidades do Século 21” são importantes para
a próxima geração de trabalhadores no Brasil, e a produção
destes será um desafio crítico para o sistema educacional na
próxima década: formandos com a capacidade de pensar ana-
liticamente, fazer perguntas críticas, aprender novas habilida-
des, e operar com alto nível de habilidades interpessoais e de
comunicação, inclusive com o domínio de idiomas estrangei-
ros e a capacidade de trabalhar eficazmente em equipes. Para
o sistema de educação básica, a implicação principal é a da
urgência de aumentar a aprendizagem estudantil (BANCO
MUNDIAL, 2010).

No documento apresenta-se uma ideia chave: apesar da sig-


nificativa melhora nas habilidades da força de trabalho brasileira,
estas ainda estão num patamar considerado baixo quando compa-
radas aos países membros da OCDE. Constata-se tal fragilidade nas
tais “habilidades da força de trabalho”, a partir da comparação da
eficiência do fluxo estudantil e das taxas de conclusão do Ensino
78 Sandra Valéria Limonta Rosa, Willian Batista dos Santos

Médio apresentadas pelo Brasil, bem abaixo dos níveis alcançados


pela maioria dos países da OCDE.
Ainda de acordo com o que consta no documento, os níveis mé-
dios de aprendizagem alcançados pelos alunos brasileiros também são
considerados baixos nessas comparações, o que gera sérias implicações
para o aumento da competitividade e o crescimento econômico, já que
o importante, segundo o documento, não é o tempo que os estudantes
passam na escola, e sim o que realmente aprendem. Ressalta-se, por-
tanto, a importância da educação formal e da responsabilidade que os
sistemas educativos devem assumir nessa tarefa.
Atentemo-nos para a relação mecânica e linear explicitamente
apresentada pelo BM (2010) entre o desenvolvimento econômico e a
educação escolar, ao melhor estilo da teoria clássica do capital humano
(SCHULTZ, 1967 e 1971; HARBISON e MYERS, 1965). Entendemos
que essa relação constitui a fundamentação básica do BM, desde seus
primeiros estudos direcionados aos denominados países em desenvolvi-
mento. Mudam-se os problemas educacionais a serem diretamente ata-
cados (ora o currículo, ora a educação das mulheres, agora a formação
de professores), mas tal fundamentação permaneceu, ao longo de tantos
anos, praticamente inalterada.
Outra orientação do BM, no mínimo curiosa, é que a implemen-
tação das orientações oferecidas pelo documento de 2010 não deve im-
plicar em aumento dos gastos públicos com a educação. Ao contrário,
o documento faz uma advertência em relação ao aumento dos gastos
com a educação para os próximos anos, afirmando que o aumento dos
gastos não significou uma elevação dos níveis ou da qualidade da esco-
larização brasileira. Dito de forma mais clara (como se fosse necessário),
a elevação dos custos educacionais não tem melhorado a qualidade do
ensino, daí a recomendação de se reduzir os investimentos diretos em
educação pública, justificada no documento com os seguintes argumen-
tos: os gastos públicos com educação no Brasil são muito superiores aos
gastos de outros países da OCDE e, no entanto, os resultados brasileiros
são piores; com a redução da população brasileira, se a intensidade de
ORIENTAÇÕES DO BANCO MUNDIAL PARA A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DO 79
BRASIL: ANÁLISE CRÍTICA E INSURGÊNCIA

investimentos continuar, futuramente haverá escolas ociosas e professo-


res excedentes.
Ainda segundo consta no documento, o país tem aumentado
muito o custo com professores ao reduzir o tamanho médio das salas e
promover uma elevação generalizada de seus salários, havendo poucas
evidências de que essas ações contribuem para resultados melhores. A
repetência é elevada, e isso constitui uma alternativa ineficaz para au-
mentar a aprendizagem, além de elevar os gastos. Finalmente, a corrup-
ção desenfreada tem promovido uma má aplicação dos recursos, fator
que também impede a potencialização do rendimento educacional no
país.
Quanto ao ensino dos conteúdos escolares, as orientações conti-
das no documento do BM (2010) sinalizam que a busca pela eficiência
educacional, que elevará o patamar de produtividade e competitividade
econômica do país, deve começar primeiramente pela substituição de
um ensino baseado nos conteúdos escolares, demasiado teóricos, por
um ensino mais prático baseado na construção de competências. O fim
de todo processo educativo vivenciado na educação básica é tornar os
indivíduos aptos à empregabilidade, num sistema produtivo flexível e
incerto. A adequação e readequação a esse sistema produtivo flexível e
incerto dependem da capacidade de autodesenvolvimento e empregabi-
lidade de cada pessoa e, finalmente, tudo isso pode e deve ser alcançado
com um mínimo de investimentos. A sugestão expressa no documento
citado é que tais orientações não deixam dúvidas acerca das funções
da escola subordinadas às demandas do mercado, conforme veremos a
seguir.

A concepção de formação de professores do BM: gerenciando a qua-


lidade dos professores do Brasil

Elegemos esse documento em particular como objeto de análise


por considerá-lo fundamental para compreendermos as relações que
têm sido estabelecidas entre educação, trabalho, desenvolvimento eco-
80 Sandra Valéria Limonta Rosa, Willian Batista dos Santos

nômico e o papel do professor nessa dinâmica. O documento nos apre-


senta uma concepção de formação e de trabalho dos professores que
considera que, se o país não é competitivo o suficiente para se destacar
no cenário mundial, é porque seu sistema educacional não vai bem. Se o
sistema educacional não vai bem, se os alunos não atingem o rendimen-
to esperado e não são profissionais capacitados ao mercado de trabalho,
a responsabilidade é do professor (EVANGELISTA, 2012).
Assim, uma das prioridades apontadas pelo BM no documen-
to é a melhoria da qualidade de professores. Novamente chamamos a
atenção dos nossos leitores e leitoras para que observem a linguagem
utilizada para se referir aos professores no documento: não se trata de
melhoria da qualidade da formação, do trabalho ou mesmo do ensino.
Trata-se da melhoria da qualidade de professores, e isso não nos parece
um problema de conhecimento inadequado da língua portuguesa, mas
de um problema maior de concepção de educação e de professor, como
já dissemos, totalmente alicerçada na teoria clássica do capital humano.
No documento do BM (2010), após a apresentação dos problemas
da educação brasileira a partir de dados comparativos do desempenho
de estudantes, segue-se um conjunto de exortações a respeito dos pro-
fessores brasileiros: a carreira docente no Brasil se constitui uma pro-
fissão de baixa categoria, que não consegue atrair os candidatos de alto
rendimento acadêmico, e os professores da escola básica são estudantes
de licenciatura por sua vez recrutados do terço inferior dos estudantes
do Ensino Médio.
Dessa forma, para que o país possa desenvolver seu potencial com-
petitivo e adequar-se aos parâmetros mínimos dos membros da OCDE,
é fundamental que os profissionais da educação passem a ser recrutados
no terço superior do Ensino Médio, pois o quadro docente do país não
pode ser constituído de alunos com baixo índice de formação básica.
Os analistas do BM que construíram esse documento não fizeram a li-
ção de casa: a pesquisa “Atratividade da carreira docente”, realizada pela
Fundação Carlos Chagas/UNESCO, coordenada pela professora Berna-
dete Gatti e publicada em 2009, explicita um pouco melhor por que os
ORIENTAÇÕES DO BANCO MUNDIAL PARA A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DO 81
BRASIL: ANÁLISE CRÍTICA E INSURGÊNCIA

estudantes que estão concluindo o Ensino Médio no Brasil não querem


ser professores.
Para a efetivação desse processo de recrutamento de indivíduos
com alta capacidade, o governo brasileiro necessitará dar suporte para
que os professores melhorem continuamente suas práticas de ensino.
Apesar de nosso esforço analítico, não é possível compreender clara-
mente qual a relação entre o recrutamento de indivíduos de alta capa-
cidade e as práticas escolares pretendidas aqui. Além disso, deverão ser
constituídas políticas que incentivem a melhoria do desempenho e da
produtividade via programas de incentivo financeiro diretamente dire-
cionado aos docentes, cujos alunos tenham bom desempenho, o que
pode ser facilmente verificado por meio das avaliações em larga escala.
Observam-se quais ideias fundamentam a concepção de forma-
ção e de trabalho dos professores do BM: quanto à formação, já devem
estar “prontos”, sem necessidade de se investir nisso, pois são ex-alunos
do Ensino Médio e de cursos de licenciatura “com alta capacidade” (seja
lá o que isso quer dizer). Quanto ao trabalho, a lógica da produção de-
verá conformar a lógica do ensino, baseado na melhoria contínua das
práticas (como? quando? onde? de que forma?) e na premiação por de-
sempenho individual.
Shiroma e Evangelista (2003) já apontavam, muitos anos antes da
publicação do documento do BM (2010), que toda discussão política
em torno da melhoria da formação dos professores nas instituições de
ensino superior e do ensino nas escolas decorre da relação trabalho-e-
ducação instituída nesse momento histórico (que já apresentamos e
analisamos neste texto), visando à formação de um novo perfil de tra-
balhador, aquele da empregabilidade. O conceito bastante difundido de
profissionalização docente, de acordo com as autoras, foi a principal es-
tratégia ideológica de sustentação de reformas radicais nos currículos
das licenciaturas e nos currículos das escolas de educação básica e da
implementação de programas formativos em serviço. Para as autoras, o
projeto de profissionalização dos professores foi constituído com o claro
objetivo de materializar as saídas encontradas pelo capital para as crises
82 Sandra Valéria Limonta Rosa, Willian Batista dos Santos

das décadas de 1970, 1980 e 1990, uma vez que, dentro do projeto maior
de formação para a empregabilidade, o professor se constitui num re-
curso da mais elevada importância. É a partir dele que são transmitidas
as novas formas de compreensão do mundo adequadas aos interesses
do capital. No entanto, há uma peculiaridade no trabalho docente que
revela a contradição interna do projeto de educação do educador pro-
posto pelo capital:

[...] a contribuição para o processo de acumulação se dá com


base em uma característica muito peculiar do trabalho: a sua
natureza não material, já que não é possível separar o pro-
dutor de seu produto. Essa natureza limita, de certo modo, a
realização do trabalho segundo o modo capitalista, que pas-
sa a se dar indiretamente, por meio de diferentes mediações
que “convençam” o trabalhador, pela força ou pela persuasão,
a ser artífice da própria exploração, ao mesmo tempo em que
busca sua realização pessoal, vinculada a finalidades. Ou seja,
no trabalho não material, a subsunção do trabalho ao capital
apresenta limites, com o que se ampliam as possibilidades de
resistência e de autonomia; nesse caso, a subsunção depen-
de mais fortemente da adesão do trabalhador (KUENZER e
CALDAS, 2009, p. 24).

Embora reconheçamos que no trabalho docente há elementos que


podem servir de resistência às exigências formativas e de trabalho des-
se projeto hegemônico, observamos que os professores têm sido captu-
rados para essa concepção de educação não só por meio dos pesados
mecanismos ideológicos das políticas e dos currículos, mas também
por meio de uma força opressora de exploração do trabalho. Esta tem
tornado cada vez mais precárias as condições de formação e de ensino,
retomando aqui uma ideia já apresentada em outro texto (SANTOS e
ROSA, 2014).
A força opressora de exploração do trabalho do professor pode
ser claramente verificada num conjunto de fatores conhecidos entre
ORIENTAÇÕES DO BANCO MUNDIAL PARA A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DO 83
BRASIL: ANÁLISE CRÍTICA E INSURGÊNCIA

nós, dentre os quais destacamos a redução do tempo livre. O professor


é pressionado a trabalhar em diferentes unidades de ensino, fator que
faz aumentar as jornadas laborais que, em vários casos, são estendidas
para fora do que é tolerado pela Legislação Trabalhista em vigor. Ob-
serva-se também: aumento dos vínculos empregatícios parciais, tem-
porários, terceirizados e comissionados nas escolas, com atividades de
alta responsabilidade e complexidade; alta carga horária; falta de apoio
pedagógico; instabilidade e insegurança de manter-se ou não naquela
atividade ou naquela unidade escolar a cada ano e as péssimas condi-
ções de infraestrutura material que têm caracterizado a grande maioria
das escolas públicas.
Oriundos das mesmas concepções de educação que precarizam as
condições de trabalho estão os mecanismos de precarização da forma-
ção, a saber: a teoria é ideologicamente colocada em segundo plano nos
processos formativos; prioriza-se um novo tipo de conhecimento pro-
fissional baseado na aquisição de competências e habilidades práticas;
priorizam-se pesquisas vinculadas aos problemas imediatos da sala de
aula; são oferecidos cursos de formação continuada em serviço a partir
de métodos e materiais estritamente técnicos, totalmente desvinculados
de conhecimentos teóricos mais aprofundados (SHIROMA e EVAN-
GELISTA, 2003; MORAES e TORRIGLIA, 2003; FREITAS, 2007).
Ressaltamos mais uma vez que essas forças opressoras que preca-
rizam a formação e o trabalho dos professores fazem parte de um ideá-
rio maior que busca responder à crise estrutural do capital via formação
para a empregabilidade, acabando por resultar num processo contínuo
de proletarização, desintelectualização e controle do trabalho do profes-
sor. Neste, o projeto de profissionalização docente é marcado pela ele-
vada competência técnica e mínima consciência política (SHIROMA,
2003). O trecho abaixo, retirado do documento do BM (2010), realça
ainda mais nossas análises:

Em vez de cursos teóricos, os programas de formação pro-


fissional projetados a partir das evidências das observações
84 Sandra Valéria Limonta Rosa, Willian Batista dos Santos

em sala de aula usam vídeos e exercícios práticos para ensinar


técnicas eficazes de uso do tempo na sala de aula, do uso de
materiais de aprendizagem e para manter os estudantes ocu-
pados na tarefa. Este treinamento voltado para a prática é a
nova direção na qual os países da OCDE estão partindo, e os
estados mencionados anteriormente (Pernambuco e Minas
Gerais) e o município do Rio de Janeiro estão na vanguarda
(BM, 2010, p. 6).

Moraes (2003) e Moraes e Torriglia (2003) já destacavam que as


políticas e os programas de formação em construção celebravam o fim
da teoria construindo uma nova utopia praticista. O recuo da teoria,
conforme as autoras, contribuiu diretamente para a ressignificação do
papel do professor, implicando em pesadas críticas, muita desconfiança
em relação à formação acadêmica dos professores e à pesquisa científica
na área da educação. Esse processo de descaracterização, desqualifica-
ção e vulgarização da teoria e da pesquisa científica no campo educa-
cional aposta na falência da razão, na supervalorização da experiência
imediata e na legitimação do desempenho via instrumentalização téc-
nica de baixa qualidade, ideologicamente travestida como se fosse um
conjunto de altas competências e habilidades cognitivas.
Somadas a essas concepções de formação acadêmica e pesquisa
científica, documentos oficiais e programas de formação destinados às
escolas públicas insistem em buscar técnicas eficientes de ensino junto
a professores considerados de sucesso em suas escolas, utilizar tecnolo-
gias da comunicação e da informação nos processos de ensino (muitas
vezes submetendo o conteúdo às tecnologias, e não o inverso) e con-
trolar rigidamente o tempo de ensino e aprendizagem. Esse conjunto
de orientações pedagógico-didáticas coroa o pacote neotecnicista de
formação em serviço oferecido aos professores. O documento aqui ana-
lisado apenas sistematiza de forma mais clara e explícita concepções,
métodos e objetivos que há muito tem sido amplamente construídos e
implementados.
ORIENTAÇÕES DO BANCO MUNDIAL PARA A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DO 85
BRASIL: ANÁLISE CRÍTICA E INSURGÊNCIA

Em Minas Gerais, Pernambuco e no município do Rio de


Janeiro, dados mostram que enquanto a norma da OCDE
para cada hora de instrução usada eficazmente com ativida-
des de aprendizagem é de 85 por cento, nenhum dos sistemas
brasileiros estudados passa de 66 por cento. Conforme está
detalhado no capítulo, os professores brasileiros usam uma
proporção substancial do tempo em sala de aula praticando
atividades rotineiras como fazendo a chamada e recolhendo
deveres de casa. Uma alta proporção de professores também
não faz uso dos materiais de aprendizagem disponíveis, e de
43-64 por cento do tempo os estudantes estão visivelmente
desocupados (em países da OCDE, o ponto de referência para
estudantes desocupados é de 6 por cento ou menos do tem-
po). [...] Com o apoio da equipe de educação do Banco Mun-
dial, esses sistemas escolares também estão usando métodos
padronizados de observação em sala de aula desenvolvidos
nos países da OCDE para olhar dentro da “caixa-preta” da sala
de aula e identificar quais são os exemplos de boas práticas de
professores que podem ancorar os seus programas de desen-
volvimento profissional (BANCO MUNDIAL, 2010, p. 6).

Como podemos observar no trecho transcrito acima, as orienta-


ções em curso retiram do professor a pouca autonomia que lhe resta,
ao invadir o espaço da sala de aula para avaliar seu trabalho didático
cotidiano. O estudo sobre “a caixa preta da sala de aula”1, a partir de mé-
todos padronizados de observação e sustentados por critérios advindos
do campo da economia e da teoria da administração, visa extrair da-
dos que atestem a incompetência dos professores e validem um pesado
programa de intervenções sistemáticas sobre o trabalho didático, bem
como ações direcionadas a baixar custos, redefinir gastos e centralizar o
1 A caixa-preta é um dispositivo utilizado em aeronaves para gravar as informações essenciais sobre o avião
e o voo. Esse instrumento tem a finalidade de registrar todos os diálogos e ações dos tripulantes da cabine,
além de dados importantes como velocidade, aceleração, altitude, ajustes de potência, entre outros. Logo,
percebe-se que faz todo sentido a analogia que o documento do BM estabelece entre a caixa-preta do
avião e a sala de aula.
86 Sandra Valéria Limonta Rosa, Willian Batista dos Santos

controle das políticas implementadas, de modo a garantir a produtivi-


dade, a eficácia e a eficiência. Em síntese, o documento, ao apresentar as
prioridades para melhorar a qualidade de professores no Brasil, assevera
que, para formar o novo trabalhador polivalente, flexível e adequado às
novas exigências do mundo produtivo, é necessário abandonar o “velho
professor” e fazer ressurgir em seu lugar um novo profissional da edu-
cação, um “novo professor”.

Considerações finais

Que fazer? Como já dissemos, há uma vasta produção acadêmico-


científica de altíssima qualidade com dados, análises, propostas e alter-
nativas a essa incomensurável precarização e aviltamento da formação
docente que tem sido realizada. A formação e o trabalho dos professores
formam, para nós, uma unidade, um único processo de desenvolvimen-
to pessoal, intelectual, técnico e político-social. Neste texto, destacamos
o polo da formação, a fim de situá-lo dentro das orientações do BM. No
entanto, para efeito da análise crítica, é preciso retomar a dialética for-
mação-trabalho em sua unidade, ressaltando que a gênese da formação
está no trabalho docente, no sentido da compreensão do processo do
trabalho educativo em suas múltiplas determinações, mas não no sen-
tido da tecnificação, tal como proposto nas orientações do documento
do BM.

A formação, seja inicial ou continuada, possui sua gênese no


trabalho, não podendo ser compreendida como resultado
de iniciativas individuais para aperfeiçoamento próprio ou
necessidade pessoal. A formação é direito que compõe jun-
to com melhores condições de trabalho nas escolas, carreira,
jornada de trabalho numa só escola e remuneração compa-
tível com as demais profissões de nível superior, os elemen-
tos mínimos e indispensáveis para o ensino de qualidade que
tanto tem sido cobrado apenas dos professores em suas salas
ORIENTAÇÕES DO BANCO MUNDIAL PARA A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DO 87
BRASIL: ANÁLISE CRÍTICA E INSURGÊNCIA

de aula. As licenciaturas têm levado a um tipo tão superficial


e frágil de formação que se assiste a uma exploração cada vez
maior e mais intensa do trabalho dos professores na escola
(LIMONTA e SILVA, 2013 p. 174).

Além de combater o recuo da teoria e a vulgarização do conheci-


mento sobre a educação na formação, precisamos fazer a crítica contí-
nua e vigilante das condições materiais de trabalho dos professores nas
escolas públicas, como esperamos ter contribuído ao clarificar como e
de onde surgem as forças opressoras de precarização da formação e do
trabalho dos professores.
As orientações propostas pelo BM para a educação dos países
considerados em desenvolvimento têm impactado diretamente (e, no
nosso entendimento, muito negativamente) as políticas e os programas
de educação em nosso país. Tais orientações se coadunam ao ideário
político e econômico neoliberal, que visa contornar a crise estrutural do
capital, não resolver. Aponta-se para a necessidade de que a educação
forme os indivíduos para a empregabilidade, e essa ideologia que res-
significa os sentidos da formação e da qualificação para o trabalho faz
parte de um processo maior de ressocialização e aculturação da classe
trabalhadora. Não temos dúvida de que toda essa engenhosa e complexa
construção tem por objetivo submeter os trabalhadores a novas formas
de exploração.
Quanto aos professores, a eles cabe a formação dos empregáveis
e, para que se adequem a essa função, também para eles é constituída
uma ideologia peculiar – a profissionalização docente em bases neotec-
nicistas, com o amparo da pedagogia das competências. A melhoria da
qualidade de professores proposta pelo BM tem, na verdade, a finali-
dade de capacitar os futuros docentes para atenderem às exigências do
campo produtivo relacionadas ao desenvolvimento de habilidades cog-
nitivas e comportamentais, bem como a instrumentalização de valores
e habilidades exigidos pelas novas e crescentes demandas do mercado,
legitimadas pelos princípios do mérito individual, da competitividade
88 Sandra Valéria Limonta Rosa, Willian Batista dos Santos

e da flexibilidade. Assegura-se a adesão dos professores a esse reorde-


namento do trabalho nas escolas não mais pelas vias ideológica e inte-
lectual, mas por meio de forças opressoras que instituem mecanismos
quase irreversíveis de precarização da formação e das condições mate-
riais de trabalho.
Nossa análise crítica do documento do BM (2010) é, ao mesmo
tempo, a defesa de outra perspectiva de formação humana e profissional
do trabalho docente e uma chamada à insurgência, pois o intenso tra-
balho de inúmeros pesquisadores brasileiros, na investigação séria e na
construção de propostas concretas alternativas ao que está posto, não
tem sido minimamente considerado pelos governantes. A pesquisa em
educação é literalmente atropelada por teses economicistas muitas vezes
sem fundamentação empírica, abraçadas com grande euforia pelo MEC
e pelas secretarias estaduais e municipais de educação. Rapidamente
essas teses são transformadas em projetos de governo que devem ser
aceitos e implementados, sem discussão, sem consulta aos professores
e professoras, como se estes não fossem capazes de pensar a educação,
mas apenas de executar tarefas, aviltados cotidianamente em seu conhe-
cimento e em suas condições de trabalho.
Esperamos que este texto tenha contribuído para o desenvolvi-
mento e o aperfeiçoamento não só da crítica e de novas propostas de
formação e ensino que valorizem o conhecimento e o trabalho dos pro-
fessores e professoras do Brasil, mas também convidamos à insurgência
nossos leitores e leitoras privilegiados, que são os professores e professo-
ras das escolas públicas de Educação Básica. Vamos nos unir e articular
formas concretas de enfrentamento e não façamos em nossas salas de
aula o que nos mandam fazer. Somos educadores e, como tais, capazes
de resistir não só no campo das ideias, mas também no campo da práti-
ca. Somos muitos, centenas de milhares de professores e professoras que
têm contato direto com o cotidiano de milhões de estudantes da escola
pública, que merecem mais respeito e uma educação escolar muito me-
lhor do que a que está sendo proposta, ou melhor, imposta, atualmente.
ORIENTAÇÕES DO BANCO MUNDIAL PARA A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES DO 89
BRASIL: ANÁLISE CRÍTICA E INSURGÊNCIA

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95

MUDAR O ATUAL CAMINHO DO


CAPITALISMO É CADA VEZ MAIS
IMPROVÁVEL, PORÉM NÃO É IMPOSSÍVEL

Marilza Vanessa Rosa Suanno

Introdução

O presente capítulo propõe uma análise do atual percurso do capi-


talismo apontando que sua mudança é cada vez mais improvável,
mas não é impossível. Argumenta-se que a situação atual foi gerada pela
conjunção entre o projeto da modernidade, a globalização neoliberal, a
ocidentalização e o reordenamento no desenvolvimento do capitalismo,
que produziu: a realidade atual e o contexto de policrises1, desigualda-
des extremas, degradação ambiental, reconfiguração da vida cotidiana
dos sujeitos, do mundo do trabalho, da ciência, da universidade e dos
processos de ensino e de aprendizagem. As policrises se caracterizam
por serem multidimensionais e interdependentes, o que demanda pro-
blematização, pesquisa e superação. Deste modo, compreender o que
gerou a realidade atual pode auxiliar tanto na sua ressignificação, reor-
ganização e transformação como na revisão das percepções construídas
sobre ela.
A história da humanidade nos mostra que os seres humanos já
1 Crises planetárias, crises da globalização, crises ecológicas, crises demográficas, crises no mundo
urbano, crises no mundo rural, crises políticas, crises de desenvolvimento, crises existenciais, crises de
humanidade, crise de unificação, crises institucionais, dentre várias outras.
96 Marilza Vanessa Rosa Suanno

mudaram de caminho várias vezes2 e, então, pode ser que sejamos ca-
pazes de criar outros caminhos para a vida coletiva. Esse capítulo está
organizado em torno dos títulos: 1) projeto da modernidade e o cami-
nho do capitalismo; 2) dinâmica histórica da desigualdade e da concen-
tração de renda e riqueza; 3) educação, sociedade e democracia; 4) crise
da modernidade e crises universitárias; 5) complexidade e reforma da
universidade.

Projeto da modernidade e o caminho do capitalismo

Morin (2011) expressa que está consciente de que a possibilidade


de mudar o caminho do capitalismo é cada vez mais improvável, porém
não é impossível. E questiona que talvez não seja tarde demais para mu-
darmos3 de via. O autor propõe que mudemos nosso caminho, nossas
apostas e estratégias para, quem sabe, construir outras possibilidades
para a vida em sociedade e para a vida no planeta. Analisa que, se um
sistema não é capaz de resolver seus problemas vitais, esse sistema se
degrada, se desintegra, se revela e/ou muda de direção, se mostrando
capaz de gerar um metassistema, uma metamorfose social, individual e
antropológica (MORIN, 2011).
No entanto, para mudar o caminho no qual estamos, é preciso
entender como ele foi construído. Assim, de acordo com Braga, Genro
e Leite (2002, p. 21), “o projeto da modernidade, gestado a partir do sé-
culo XVI, acolheu o capitalismo como modo de produção dominante”, e
o projeto sociocultural se pautou nos pilares da regulação e da emanci-
pação. Conforme as mesmas autoras, a regulação é regida pelos princí-

2 Coletores, caçadores e, agricultores organizados em sistema feudal, sistema capitalista, sistema socialista.
3 Vale recordar que, ao longo da história da humanidade, vários foram os acontecimentos não previstos
que ocorreram, e outros considerados improváveis também vieram a ocorrer. Então, não seria impossível
mudar o curso do capitalismo, ou quem sabe seja possível minimizar seus impactos e suas inter-retroações
econômicas, sociais, tecnológicas, científicas e formativas. E a educação poderia ter papel importante
neste sentido.
MUDAR O ATUAL CAMINHO DO CAPITALISMO É CADA VEZ MAIS IMPROVÁVEL, PORÉM 97
NÃO É IMPOSSÍVEL

pios do Estado4 de Hobbes, do mercado5 de Locke e da comunidade6 de


Rousseau. Para Santos (1994), o pilar da emancipação é sustentado pela
racionalidade estético-expressiva7 da arte e da literatura, pela racionali-
dade moral-prática8 do direito e da ética e pela racionalidade cognitivo
-instrumental9 da ciência e da técnica.
O capitalismo, como modo de produção, emergiu na modernida-
de e teve três fases distintas: o período do capitalismo liberal no início
do século XIX, o período do capitalismo organizado, do final do século
XIX até as primeiras décadas após a Segunda Guerra Mundial, e o perí-
odo do capitalismo desorganizado ou reorganizado, do final da década
de 1960 até os dias de hoje.
O capitalismo desordenado ou reordenado caracteriza-se pela su-
premacia do princípio de mercado, do neoliberalismo10, por colonizar
4 O princípio do Estado, no qual este é produto de um contrato entre os homens, em que o Estado é
absoluto e ilimitado, e o poder é exercido pela força, a fim de garantir a paz e a segurança, uma vez que a
natureza humana é egoísta, conduz uma vida sem organização e não é sociável. De tal modo, o homem
abre mão da liberdade, atribuindo plenos poderes ao Estado absoluto, que usa a força para proteger a vida
e o sistema de propriedade individual.
5 O princípio do mercado assume uma concepção de homem mais benevolente, pois, para Locke, na
sociedade natural, há paz, boa vontade e reciprocidade. Entretanto, há necessidade do contrato social em
detrimento de potenciais preguiçosos, pois se concebe que só não trabalha o indivíduo que não quiser,
e este só não enriquece por sua própria incompetência. O princípio do mercado é apresentado como
garantia estatal em um mercado livre, que pressupõe a existência de um Poder Judiciário independente,
um sistema de leis universais; um processo de aplicação das leis depende a constituição de uma ordem
social justa.
6 O princípio da comunidade de Rousseau defende o poder da comunidade, as mudanças radicais nas
relações entre o governo e os cidadãos e a constituição de uma nova ordem moral entre os homens, como
reação ao sistema de privilégios que dominava a França no século XVIII. Para ele, a moral e os costumes
são os fatores fundamentais para o aperfeiçoamento do homem e da sociedade. Rousseau coloca o
ideal de soberania na comunidade. A vontade geral é a manifestação da soberania da comunidade, que
se expressa pela voz e pelo voto de todos os membros da sociedade. O pacto social que dá origem à
comunidade cria uma força pessoal e coletiva, a vontade geral, que se manifesta na assembleia, e que deve
partir de todos para aplicar-se a todos. O cerne do pacto social está na participação direta dos indivíduos,
da qual emanam as leis que expressam a vontade de todos. É a combinação da democracia direta com a
democracia representativa (BRAGA, GENRO e LEITE, 1997, p. 23-24).
7 Pauta-se no princípio da comunidade.
8 Vincula-se ao princípio de Estado.
9 “liga-se ao princípio do mercado, por condensar as ideias do individualismo e da concorrência, centrais
ao desenvolvimento da ciência e da técnica e conversão da ciência em força produtiva (BRAGA, GENRO
e LEITE, 2002, p. 21)”.
10 Pensar o neoliberalismo nos remete ao Consenso de Washington, 1989, às recomendações reformistas,
aos rumos da política mundial e ao pensamento hegemônico: “o ataque ao estado regulador e a defesa
do retorno ao estado liberal idealizado pelos clássicos” (FIORI, 1998, p. 116), tendo implicado no campo
econômico, político e com reflexos na educação e na universidade pública. No campo econômico, com a
elevação ao status de valor universal de políticas como o equilíbrio fiscal, a desregulação dos mercados,
98 Marilza Vanessa Rosa Suanno

o princípio do Estado e o princípio da comunidade e por ter impulsio-


nado o amplo crescimento do mercado mundial com empresas mul-
tinacionais, transnacionais, monopólios e oligopólios. Estes regulam e
dominam a oferta de produtos e/ou serviços, comprometendo a capaci-
dade de os Estados-nações regularem suas próprias economias.
Nesse contexto, o princípio de comunidade se enfraqueceu, fra-
gilizou as práticas de classes, reduziu as conquistas dos trabalhadores,
agravou as desigualdades e as injustiças sociais, gerou concentração de
renda e riqueza, devastou ecologicamente o Planeta Terra e gerou in-
certezas. No entanto, em contexto de caos também emergiram novos
paradigmas e iniciativas marginais11.
O projeto da modernidade passou por intensas transformações,
tanto no pilar da regulação12 quanto no pilar da emancipação, e, segun-
do Santos (1994), atingiu seu ápice no século XX.
O processo de mundialização iniciado com a ocupação, ou me-
lhor, invasão das Américas, no século XV, tem hoje a globalização como
seu estado atual de mundialização, intensificado com o colapso das eco-
nomias socialistas em 1989, o apogeu do neoliberalismo, que coincide
com o declínio do kenizianismo, o império do monetarismo e a difusão
das novas tecnologias de informação e comunicação. Essa conjunção
possibilitou a unificação tecnoeconômica do planeta.
Conforme Morin (2011), a globalização tem construído a infraes-
a abertura das economias nacionais e a privatização de serviços públicos. Já no campo político, com a
crítica às democracias de massa. Nos países da América Latina, o Consenso de Washington implicou em
múltiplas reformas, dentre elas, a reforma da educação.
11 Para Morin (2011), existem iniciativas marginais, ou seja, iniciativas que emergem nas margens do sistema
e apontam para caminhos plurais e com viés reformador. Há uma efervescência criativa na atualidade,
que precisa ser pesquisada, compreendida e estimulada, pois é significativa para a mudança de via e a
criação de caminhos reformadores: “[...] existem, em todos os continentes, ou em todas as nações, uma
efervescência criativa, várias iniciativas locais que avançam no sentido da regeneração econômica, social,
política, cognitiva, educativa, étnica ou existencial. Mas todo o que deveria estar relacionado se encontra
disperso, separado, compartimentado. [...] Se trata de reconhecê-las, de compará-las, de incluí-las em
um repertório, para abrir, assim, uma pluralidade de caminhos reformadores. São vias múltiplas que,
desenvolvendo-se conjuntamente, poderiam conjugar-se para formar a nova via, que decomporá a que
estamos seguindo e nos dirigirá até a metamorfose, todavia invisível e inconcebível” (MORIN, 2011, p.
34).
12 Capitalismo Liberal (século XIX), Capitalismo Organizado (final do século XIX até as primeiras décadas
após a Segunda guerra Mundial) e Capitalismo Desorganizado ou Reordenado (do final da década de
1960 até os dias de hoje).
MUDAR O ATUAL CAMINHO DO CAPITALISMO É CADA VEZ MAIS IMPROVÁVEL, PORÉM 99
NÃO É IMPOSSÍVEL

trutura da sociedade-mundo e tornado a economia mundial. No entan-


to, uma sociedade deve controlar sua economia, e esse controle é o que
falta, assim como faltam autoridades globais legítimas dotadas de poder
de decisão, indispensáveis para que a sociedade se converta em Terra
-Pátria. Bauman (2011), ao analisar o futuro da democracia no mundo,
alerta para o perigo da separação entre poder e política, considera que
o Estado é a única instituição política que temos e que ainda não temos
uma instituição política global.
A crise econômica mundial, de 2008, explicita a ausência de dis-
positivos de regulação da economia em dimensão planetária. A concep-
ção tecnoeconômica de desenvolvimento demonstrou ser insustentável
e afetar os seres humanos, as sociedades e o planeta. “A civilização oci-
dental, que produz as crises de globalização, está, ela mesma, em crise”
(MORIN, 2011, p. 23).
Tanto Bauman (2011) quanto Morin (2011) realçam a necessida-
de de se criar instituições planetárias com políticas e poder de decisão
para fazerem a gestão das questões planetárias com autoridade e legiti-
midade. Seriam instituições supranacionais para tratar dos problemas
vitais do planeta e dos interesses da humanidade. Para ambos, a atual
versão da ONU não cumpre tais quesitos.

2 Dinâmica histórica da desigualdade e da concentração de renda e


riqueza

O economista francês Thomas Piketty, autor do elogiado, polê-


mico e contestado best-seller O Capital no século XXI, analisou dados
econômicos do recorte histórico do século XVIII ao XXI e construiu
comparativos13 entre mais de vinte países, por meio de uma pioneira
13 A partir de tais comparativos, Piketty (2013): a) elaborou análises sobre as perspectivas para a distribuição
global da riqueza nas primeiras décadas do século XXI; b) apresentou recomendações para as políticas
públicas e lições normativas; c) traçou contornos do que poderia ser um Estado social adaptado ao século
XXI; d) repensou o imposto progressivo sobre a renda à luz das experiências passadas e das tendências
recentes; e) descreveu como seria um imposto progressivo sobre o capital adaptado ao capitalismo
patrimonial do século XXI; f) comparou essa ferramenta idealizada com os outros tipos de regulação que
podem surgir dos processos políticos e g) tratou da dívida pública e do tema relacionado da acumulação
ótima do capital público, em um contexto de degradação possível do capital natural.
100 Marilza Vanessa Rosa Suanno

estratégia estatística para rastrear a concentração de renda e riqueza.


Assim, analisou a evolução da relação capital/renda, da distribuição da
riqueza e da dinâmica histórica da desigualdade. Tal publicação gerou
ampla discussão internacional e gerou controvérsias.
Piketty (2013) questionou a desigualdade no centro da análise
econômica e identificou que, no século XIX, a taxa de remuneração do
capital ultrapassava a taxa de crescimento da produção e da renda, pa-
recendo provável que isso volte a ocorrer no século XXI, o que geraria
desigualdades extremas.

De certa maneira, estamos, neste início de século XXI, na


mesma situação que os observadores do século XIX: somos
testemunhas de transformações impressionantes, e é muito
difícil saber até onde elas podem ir e qual rumo a distribui-
ção da riqueza tomará nas próximas décadas, tanto em escala
internacional quanto dentro de cada país (PIKETTY, 2013, p.
25).

Piketty (2013) construiu uma série de questionamentos, dentre


eles, se a dinâmica de acumulação do capital privado conduz a con-
centração de riqueza e do poder nas mãos de uma minoria elitizada,
como apontou Marx14 no século XIX15. Questionou, também, se as for-
14 “A análise marxista é relevante em diversos aspectos. Em primeiro lugar, Marx partiu de uma questão
essencial (o aumento inédito da concentração de riqueza durante a Revolução Industrial) e tentou
respondê-la usando os meios de que dispunha — atitude exemplar, que deveria servir de inspiração
para muitos economistas de hoje. Em segundo, e mais importante, o princípio de acumulação infinita
proposto por ele contém uma noção fundamental, tão válida para a análise do século XXI como foi
para a do século XIX, além de ser mais preocupante do que o princípio da escassez, de Ricardo [David
Ricardo]. Se as taxas de crescimento da população e da produtividade forem relativamente baixas, o
estoque acumulado de riqueza se torna, naturalmente, mais relevante com o passar do tempo, sobretudo
quando cresce de forma desmedida e se transforma numa fonte de instabilidade. Ou seja, o crescimento
fraco não permite que o princípio marxista da acumulação infinita seja contrabalançado: o equilíbrio daí
resultante não é tão apocalíptico quanto o previsto por Marx, embora não deixe de ser perturbador. A
acumulação cessa em algum nível finito, mas esse nível pode ser extremamente alto e desestabilizante. Em
particular, o patamar muito elevado da riqueza privada (medido em anos da renda nacional) observado
desde os anos 1970 e 1980 nos países ricos, sobretudo na Europa e no Japão, se inscreve com perfeição na
lógica marxista” (PIKETTY, 2013, p. 19-20).
15 No século XVIII e no início do XIX, quando da emergência da economia política clássica, a questão da
distribuição, do crescimento demográfico, do início do êxodo rural e da Revolução Industrial provocou
mudanças na distribuição da riqueza, na estrutura social e no equilíbrio político das sociedades europeias.
MUDAR O ATUAL CAMINHO DO CAPITALISMO É CADA VEZ MAIS IMPROVÁVEL, PORÉM 101
NÃO É IMPOSSÍVEL

ças equilibradoras do crescimento, da concorrência e do progresso tec-


nológico levariam a uma redução da desigualdade e a uma organização
harmoniosa das classes nas fases avançadas do desenvolvimento, como
proposto por Simon Kuznets16 no século XX e, desacreditado, no século
XXI por Piketty (2013).
O autor alerta que, desde a década de 1970, a desigualdade voltou
a aumentar nos países ricos, principalmente nos Estados Unidos, onde
a concentração de renda na primeira década do século XXI voltou a
atingir, e até excedeu, o nível recorde visto nos anos 1910-1920. Para o
autor é essencial compreender por que e como a desigualdade diminuiu
entre estes dois períodos extremos.
O forte crescimento dos países mais pobres e dos emergentes, em
especial da China, foi um impulso poderoso para a redução da desigual-
dade no mundo, como ocorreu quando do crescimento dos países ricos
entre 1945 e 1975. Piketty (2013) questionou a trajetória de crescimento
equilibrado, descrita por Solow e Kuznets, segundo a qual tudo passa,
em dado momento, a crescer no mesmo ritmo. Para o autor, não há mo-
tivo algum para acreditarmos que o crescimento tende a se equilibrar
de forma automática. Também considera que o tema da distribuição da
riqueza foi negligenciado pelos economistas nas últimas décadas, em
detrimento, em parte, das conclusões otimistas de Kuznets e dos mo-
delos matemáticos reducionistas conhecidos como modelos de agente
representativo.
A primeira conclusão de Piketty (2013) é que a distribuição da
riqueza tem sido historicamente política, não se restringindo aos me-
canismos puramente econômicos. Desta maneira, se deve sempre des-
confiar de qualquer argumento proveniente do determinismo econô-
mico quando o assunto é a distribuição da riqueza e da renda. Entre
1900-1910 e 1950-1960, nos países desenvolvidos, ocorreu a redução
da desigualdade, e isso foi resultado das guerras e das políticas públicas
adotadas para atenuar tais impactos. A reascensão da desigualdade após
16 Segundo a teoria de Kuznets, a desigualdade de renda deveria diminuir de modo automático nos estágios
mais avançados do desenvolvimento capitalista de um país, a despeito das políticas adotadas ou das
diferenças entre países, até que se estabilizasse num nível aceitável (PIKETTY, 2013).
102 Marilza Vanessa Rosa Suanno

os anos de 1970-1980 se deveu, em parte, às mudanças políticas ocorri-


das nas últimas décadas, principalmente no que tange à tributação e às
finanças.

A história da desigualdade é moldada pela forma como os ato-


res políticos, sociais e econômicos enxergam o que é justo e
o que não é, assim como pela influência relativa de cada um
desses atores e pelas escolhas coletivas que disso decorrem.
Ou seja, ela é fruto da combinação, do jogo de forças, de todos
os atores envolvidos (PIKETTY, 2013, p. 29).

A segunda conclusão de Piketty (2013) é que a dinâmica da dis-


tribuição da riqueza revela uma engrenagem poderosa que tende ora
para a convergência, ora para a divergência. O autor aponta para um
movimento dialógico, no qual os opostos convivem.
As forças de convergência reduzem e comprimem a desigualdade
por meio de processos de difusão do conhecimento, de investimento na
formação humana e de qualificação da mão de obra. Este fato justifica o
discurso em torno da valorização da educação. Já a divergência é gerada
por forças desestabilizadoras, que promovem a desigualdade e não são
frutos de processos naturais ou espontâneos.
Para Piketty (2013), a difusão do conhecimento e a qualificação
profissional operam a favor da convergência e são compreendidas como
os principais instrumentos para aumentar a produtividade e, simulta-
neamente, diminuir a desigualdade, como ilustra a recuperação atual
das nações ricas e de boa parte das pobres e emergentes, a começar pela
China.

Ao adotar os métodos de produção e alcançar os níveis de qua-


lificação de mão de obra dos países mais ricos, as economias
emergentes conseguiram promover saltos na produtividade,
aumentando a renda nacional. Esse processo de convergência
tecnológica pode ser favorecido pela abertura comercial, mas
MUDAR O ATUAL CAMINHO DO CAPITALISMO É CADA VEZ MAIS IMPROVÁVEL, PORÉM 103
NÃO É IMPOSSÍVEL

trata-se, em essência, de um processo de difusão e partilha


do conhecimento — o bem público por excelência —, e não
de um mecanismo de mercado. De um ponto de vista estrita-
mente teórico, pode haver outras forças que aumentem o grau
de igualdade. É possível, por exemplo, supor que as tecnolo-
gias de produção tendem a exigir uma capacitação crescente
do trabalhador, de tal modo que a participação do trabalho
na renda deveria aumentar (enquanto a do capital deveria di-
minuir), algo que poderíamos chamar de “hipótese do capital
humano crescente” (PIKETTY, 2013, p. 30).

No entanto, mesmo que a difusão do conhecimento seja poten-


te, especialmente para promover a convergência entre países, às vezes
pode ser contrabalançada e dominada por outras forças que operem no
sentido contrário, ou seja, por forças de divergência, na direção do au-
mento da desigualdade. Piketty (2013) alerta que é preciso investir em
forças de convergência e investir em políticas públicas de educação. De
tal modo, a formação inicial, formação continuada, formação profissio-
nal, formação de pesquisadores e inovação são áreas que demandam
intencionalidades, projetos e investimentos.

É evidente que a falta de investimento adequado na capaci-


tação da mão de obra pode excluir grupos sociais inteiros,
impedindo-os de desfrutar dos benefícios do crescimento
econômico, ou até mesmo rebaixá-los em benefício de novos
grupos sociais: vejam, por exemplo, a substituição de operá-
rios americanos e franceses por operários chineses. Ou seja, a
principal força de convergência — a difusão do conhecimento
— só é natural e espontânea em parte. Ela também depende
muito das políticas de educação e do acesso ao treinamento e
à capacitação técnica, e de instituições que os promovam (PI-
KETTY, 2013, p. 31).

O autor menciona que existem duas forças de divergência pre-


104 Marilza Vanessa Rosa Suanno

ocupantes. A primeira força é a disparidade que separa os maiores e


menores salários, e esta é a principal ameaça para a distribuição igua-
litária da riqueza em longo prazo. A segunda força de divergência, po-
tencialmente mais desestabilizadora, atrela um conjunto de processos
de acumulação e concentração de riqueza, agravado pela característica
atual de crescimento baixo e alta remuneração do capital quando a taxa
de remuneração do capital pode vir a ultrapassar a taxa de crescimento
da produção e da renda. Os bilionários têm mais capacidade de poupar
e, assim, concentrar, acumular e rentabilizar. Deste modo, o capitalismo
geraria níveis extremos de desigualdade.

Não é fora de propósito acreditar que essas duas forças de di-


vergência venham a se juntar ao longo do século XXI — na
verdade, isso já é, em parte, realidade em alguns países — e
ainda se generalizar para o mundo todo. Nesse caso, alcan-
çaríamos níveis de desigualdade jamais vistos, além de nos
defrontarmos com uma estrutura de desigualdade inédita
(PIKETTY, 2013, p. 31, grifos nossos).

O autor aponta outras forças que poderiam aumentar o grau de


igualdade e critica o discurso amplamente difundido na atualidade, de
que a racionalidade econômica levaria à racionalidade democrática.
Critica, também, o discurso de que o progresso da racionalida-
de tecnológica conduziria automaticamente ao triunfo do capital hu-
mano sobre o capital financeiro e imobiliário, ou seja, dos executivos
mais habilidosos sobre os grandes acionistas, da competência sobre o
nepotismo. Se assim o fosse, a desigualdade se tornaria, por natureza,
mais meritocrática e menos estática (embora não necessariamente mais
baixa) ao longo da história.
Outra ideia ilusória contestada por Piketty (2013) é da substitui-
ção da luta de classes pela luta das gerações, ou seja, que o aumento da
expectativa de vida, dado ao progresso da medicina e às melhorias da
qualidade de vida, geraria um tipo de conflito que substituiria a luta de
MUDAR O ATUAL CAMINHO DO CAPITALISMO É CADA VEZ MAIS IMPROVÁVEL, PORÉM 105
NÃO É IMPOSSÍVEL

classes e seria muito menos polarizado e aguerrido do que os confli-


tos de classe. Destarte, o progresso da medicina teria transformado por
completo a própria natureza do capital, ou seja:

a acumulação e a distribuição da riqueza não mais conduzi-


riam a um confronto implacável entre as dinastias de herdei-
ros e as dinastias dos que nada possuem além da sua força
de trabalho, mas sim a uma lógica de poupança do ciclo da
vida: as pessoas constroem seu patrimônio durante a juven-
tude para que possam manter determinado padrão de vida na
velhice (PIKETTY, 2013, p. 30).

O autor analisa que o capital (não humano) é quase tão indispen-


sável no século XXI quanto foi nos séculos XVIII e XIX, e que possivel-
mente se torne ainda mais indispensável no futuro. Aponta, ainda, que
“No longo prazo, a força que de fato impulsiona o aumento da igualdade
é a difusão do conhecimento e a disseminação da educação de qualida-
de” (PIKETTY, 2013, p. 31).
O autor mostra a educação, o processo de difusão e partilha do
conhecimento como um bem público por excelência, e não como um
mecanismo de mercado. Destaca que a educação e a formação humana
têm o potencial de ampliar a igualdade e também gerar crescimento
econômico de longo prazo.

Em suma, a experiência histórica sugere que o principal me-


canismo que permite a convergência entre países é a difusão
do conhecimento, tanto no âmbito internacional quanto no
doméstico. Ou seja, as economias mais pobres diminuem o
atraso em relação às mais ricas na medida em que conseguem
alcançar o mesmo nível de conhecimento tecnológico, de qua-
lificação da mão de obra, de educação, e não ao se tornarem
propriedade dos mais ricos (PIKETTY, 2013, p. 86-87).

A pesquisa de Piketty (2013) aponta que a:


106 Marilza Vanessa Rosa Suanno

evolução dinâmica de uma economia de mercado e de pro-


priedade privada, deixada à sua própria sorte, contém forças
de convergência importantes, ligadas sobretudo à difusão do
conhecimento e das qualificações, mas também forças de di-
vergências17 vigorosas e potencialmente ameaçadoras para
nossas sociedades democráticas e para os valores de justiça
social sobre os quais elas se fundam (PIKETTY, 2013, p. 692).

O crescimento pode ser estimulado ao se investir em educação,


conhecimento e tecnologias não poluentes, e a pesquisa de Piketty
(2013) aponta como caminho para tais alcances o imposto progres-
sivo anual sobre o capital. Deste modo, se evitaria a desigualdade de
riquezas, que não apresenta nenhuma utilidade para o crescimento e
nenhuma utilidade comum e, ao mesmo tempo, preservaria as forças da
concorrência e os incentivos para que novas acumulações primitivas se
produzam sem cessar.
O imposto progressivo sobre o capital exigiria um alto grau de
cooperação internacional e integração política regional. Demandaria,
também, desenvolver novas formas de governança e propriedade par-
tilhada, uma opção intermediária entre propriedade pública e privada,
o que é um dos grandes desafios do futuro. Piketty (2013) aponta que
existem riscos,

mas não me parece haver outra escolha para retomar o con-


trole do capitalismo a não ser apostar todas as fichas na demo-
cracia, sobretudo no cenário europeu. Outras comunidades
políticas de maior tamanho, nos Estados Unidos ou na Chi-
17 “A principal força desestabilizadora está relacionada ao fato de que a taxa de rendimento privado do
capital r pode ser forte e continuamente mais elevada do que a taxa de crescimento da renda e da produção
g. A desigualdade r > g faz com que os patrimônios originados no passado se recapitalizem mais rápido
do que a progressão da produção e dos salários. Essa desigualdade exprime uma contradição lógica
fundamental. O empresário tende inevitavelmente a se transformar em rentista e a dominar cada vez
mais aqueles que só possuem sua força de trabalho. Uma vez constituído, o capital se reproduz sozinho,
mais rápido do que cresce a produção. O passado devora o futuro. As consequências podem ser terríveis
para a dinâmica de longo prazo da divisão da riqueza, sobretudo se adicionarmos a isso a desigualdade do
rendimento em função do tamanho do capital inicial e se esse processo de divergência das desigualdades
dos patrimônios se estender para uma escala mundial. O problema não admite uma solução simples”
(PIKETTY, 2013, p. 692).
MUDAR O ATUAL CAMINHO DO CAPITALISMO É CADA VEZ MAIS IMPROVÁVEL, PORÉM 107
NÃO É IMPOSSÍVEL

na, possuem opções um pouco mais diversificadas (PIKETTI,


2013, p. 694).

A aposta de Piketty (2013) está em criar mecanismos para contro-


lar a concentração de renda e riqueza via controle da taxa de remune-
ração do capital, que não gera utilidade comum para o crescimento, e
controlar a política deliberada de concentração, pois: “As distinções so-
ciais só podem se fundamentar na utilidade comum” (Art. I, Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789 apud PIKETTY, 2013, p. 11).
Assim, contém o retrocesso em curso na distribuição de renda.
Piketty (2013) propõe que se ampliem os impostos sobre os ricos
e os impostos sobre as grandes heranças para ter mais recursos para
investir em educação pública, possibilitando avançar no combate à desi-
gualdade, pois a redução da pobreza pode gerar crescimento da econo-
mia, caso se reduza a desigualdade. O autor propõe um Estado eficiente
como maior intervenção, e o Prêmio Nobel de Economia, Paul Krug-
man, no artigo “Livro O Capital no século XXI – revoluciona ideias so-
bre desigualdade”, publicado no Jornal New York Times e traduzido no
Jornal Folha de São Paulo, analisa que “Esse é um livro que mudará a
maneira pela qual pensamos sobre a sociedade e pela qual concebemos
economia” (KRUGMAN, 2014, p. 2).
A compreensão histórica sobre o capital tem potencial para nor-
tear decisões no presente e no futuro, redimensionando as percepções
dos sujeitos sobre a realidade, impactando nas orientações e nos enca-
minhamentos das instituições e das políticas públicas. O autor apontou
as potencialidades e os limites do seu olhar, bem como as incertezas que
permeiam o fenômeno investigado, as decisões políticas e o futuro:

Estou bem consciente da minha incapacidade de antever a


forma que tomará o capital em 2063 ou em 2113 [...] a his-
tória da renda e da riqueza é sempre profundamente po-
lítica, caótica e imprevisível. O modo como ela se desenro-
lará depende de como as diferentes sociedades encaram a
108 Marilza Vanessa Rosa Suanno

desigualdade e que tipo de instituições e políticas públicas


essas sociedades decidem adotar para remodelá-la e trans-
formá-la. Ninguém pode saber como isso tudo há de evoluir
nas próximas décadas. As lições do passado são, ainda assim,
muito úteis, uma vez que nos ajudam a enxergar com mais
clareza as escolhas com as quais talvez nos confrontemos no
próximo século e o tipo de dinâmica que prevalecerá (PIKET-
TY, 2013, p. 45, grifos nossos).

Para o autor, o capitalismo produz desigualdades, mas existem


meios pelos quais a democracia pode retomar o controle do capitalismo
e assegurar o interesse geral da população, tendo precedência sobre os
interesses privados, preservando o grau de abertura econômica e repe-
lindo retrocessos protecionistas e nacionalistas.
Nesse intuito, Piketty (2013) resgata o homem autônomo capaz
de decidir o seu próprio futuro, como pudemos verificar no plebiscito
ocorrido na Grécia, em meados de julho de 2015. O tempo histórico nos
permitirá analisar a ecologia da ação, seus desmembramentos e reper-
cussões. Mas, para a democracia retomar o controle do capitalismo, é
preciso outra consciência, outra percepção, nutrida por uma razão sen-
sível, empática e comprometida com o bem comum. Neste sentido, as
práticas educativas precisarão ser revistas.

Educação, sociedade, democracia

A formação universitária reproduz a sociedade, mas também


pode projetá-la por meio de processos civilizatórios e humanizadores. A
instituição universitária, por meio da articulação entre ensino, pesquisa
e extensão, pode mobilizar sujeitos conscientes para desejarem produzir
transformações sociais, individuais e antropológicas. A didática, na gra-
duação e na pós-graduação stricto sensu, pode criar, organizar e mediar
processos de ensino e aprendizagem que possibilitem pensar complexo
e transdisciplinar, a fim de sentir-pensar-agir comprometido na produ-
MUDAR O ATUAL CAMINHO DO CAPITALISMO É CADA VEZ MAIS IMPROVÁVEL, PORÉM 109
NÃO É IMPOSSÍVEL

ção de transformações pertinentes e imbricadas, ou seja, metamorfoses


sociais, individuais e antropológicas (MORIN, 2011).
As controversas discussões em torno da obra de Piketty (2013)
oportunizam dialogar sobre a conjuntura atual, os indícios de várias
transições em curso e os indícios de novos caminhos para pensar a eco-
nomia, a sociedade, a política, a educação e a vida no planeta Terra.
Sobre a sociedade, nessa conjuntura, vivemos “tempos líquidos”
marcados pela “libertação da economia de seus embaraços políticos,
éticos e culturais” (BAUMAN, 2001, p. 10), ou seja, o capitalismo re-
ordenado impregnado pela lógica de mercado globalizada e neoliberal
asfixiou e reduziu o papel do Estado e, com isso, sua competência de
definir minimamente a ética na produção e distribuição do direito.
O termo líquido para Bauman (2001) simboliza, metaforicamen-
te, a dinâmica das modificações substanciais em andamento na passa-
gem da modernidade sólida para a modernidade líquida. Os líquidos
não têm forma, são fluídos, amoldam-se conforme o recipiente no qual
estejam inseridos e podem vazar, transbordar, escorrer, serem absorvi-
dos, diferentemente dos sólidos que têm forma, são rígidos e precisam
sofrer uma tensão de forças para modificar e moldar-se a novas formas.
A liquidez modificou, alterou e fragilizou os referenciais que guiam a
vida cotidiana e as relações humanas, sociais, econômicas, políticas, tra-
balhistas e antropológicas por ser fugaz, efêmero e valorizar o imediato,
o instantâneo18.

Líquidos mudam de forma muito rapidamente, sob a menor


pressão. Na verdade, são incapazes de manter a mesma forma
por muito tempo. No atual estágio “líquido” da modernidade,
os líquidos são deliberadamente impedidos de se solidifica-
rem. A temperatura elevada — ou seja, o impulso de trans-
gredir, de substituir, de acelerar a circulação de mercadorias
rentáveis — não dá ao fluxo uma oportunidade de abrandar,
18 Governos criam soluções para o imediato, mas não modificam o que gera o problema, então não buscam
resolver a questão, apenas normalizam a situação ao existente. A felicidade vem sendo alcançada por
meio do consumo e da satisfação, que é fugaz. O contato humano preferencialmente online vem sendo
considerado mais fácil e menos arriscado, podendo conectar e desconectar as pessoas.
110 Marilza Vanessa Rosa Suanno

nem o tempo necessário para condensar e solidificar-se em


formas estáveis, com uma maior expectativa de vida (BAU-
MAN, 2011, p. 2).

Os tempos líquidos trouxeram desafios de diferentes ordens que


afetam a vida dos indivíduos. O primeiro desafio diz respeito às estru-
turas, às instituições e às OS, que agora são dissolvidas antes mesmo de
se moldarem e virem a se estabelecer. Na modernidade sólida, as OS
restringiam e limitavam as ações do indivíduo, fazendo com que suas
escolhas estivessem dentro de padrões pré-determinados pelas referidas
organizações. A ausência ou fragilidade das OS afetam os projetos de
vida dos indivíduos, pois eles terão grandes chances de se desmorona-
rem por falta de um alicerce firme o suficiente para se sustentarem por
tempo suficiente à sua concretização.
Para Bauman (2001), outro desafio a ser enfrentado no presente
é que poder e política se encontram separados, o que pode compro-
meter o futuro da democracia no mundo. O poder vem tomando di-
mensões globais, já a política permanece em âmbito local, sendo cada
vez menos dedicada a efetivar ações relevantes no intuito de resolver
problemas existenciais dos indivíduos. O Estado reduziu e abandonou
funções, repassando-as para a iniciativa privada ou para o indivíduo.
Bauman (2011, p. 3) analisa que: “[...] talvez, talvez nos inventemos uma
democracia global, em algum momento, pois teremos de inventar um
equivalente global das invenções dos nossos antepassados (democracia,
parlamento, jurisdição, código de direito)”.
Para o autor, a democracia é uma noção que adquire com o tem-
po, na história, diferentes formas, diferentes instrumentos, diferentes
estratégias, e nos desafia a pensar sobre a necessidade de inventar equi-
valentes globais para a democracia do Estado-Nação. Também alerta
que não serão as instituições que temos hoje em versão global, porém
outras, a serem criadas e adaptadas às necessidades globais e históricas.
O que impede a formação de uma sociedade-mundo não são apenas as
soberanias absolutas dos Estados-nações, mas o movimento tecnoeco-
MUDAR O ATUAL CAMINHO DO CAPITALISMO É CADA VEZ MAIS IMPROVÁVEL, PORÉM 111
NÃO É IMPOSSÍVEL

nômico da globalização, bem como as resistências de diferentes ordens,


como étnicas, culturais, religiosas, nacionais e ideológicas.
A separação entre poder e política tem impactado também uni-
versidades públicas, que têm tido sua autonomia universitária atrope-
lada pela lógica das políticas indutoras atreladas a temas estratégicos
definidos em outras esferas, bem como a concepção de educação e a
perspectiva de formação rápida e acrítica para atender ao mercado.
A retração ou a redução gradual, embora consistente da segurança,
é outro desafio, uma vez que os laços de comunidade e a solidariedade
social têm enfraquecido, dada a redução do Estado e as leis de mercado.
Sigmund Freud (1996) analisa no ensaio “O Mal-Estar na Civilização”
que as sociedades civilizadas negociam um pouco de liberdade em tro-
ca de segurança, ou segurança em troca de liberdade, e Bauman (2011)
identifica tal dinâmica na sociedade contemporânea.
O desaparecimento ou enfraquecimento das estruturas sociais é
outro desafio que surgiu devido ao desmembramento da história po-
lítica e das vidas individuais. É também desafio aos indivíduos buscar
resolver seus próprios dilemas, sem poder contar com estruturas e OS,
tendo que arcar sozinhos com os rumos de sua sobrevivência por meio
de oportunidades disponíveis.
Para Bauman (2011), estamos em um mundo interdependente,
em que duas coisas aconteceram e são irreversíveis. A primeira é que
multiplicamos as conexões, relações, interdependências e comunica-
ções em todo o planeta. É a primeira vez na história que o planeta Terra
é realmente um único país, em certo sentido. O ser humano explorou a
natureza, produziu riquezas, desenvolvimento e também pobreza e de-
sigualdades.
A segunda coisa é que chegamos a um momento histórico no qual
nos encontramos nos limites da suportabilidade do planeta. Vivemos na
sociedade do esgarçamento das condições humanas (PIMENTA, 2013),
em contextos de violência, concentração de renda, desigualdades e des-
truição da vida (drogas, destruição do meio ambiente, das relações in-
terpessoais, choque de culturas, preconceitos, conflitos).
112 Marilza Vanessa Rosa Suanno

A sociedade do século XXI vive tempos de sociedade líquida, vida


líquida, felicidade líquida, amor líquido (BAUMAN, 2011). Nada é para
durar, nada é para fixar, e a vida coletiva se esvai. Os processos de en-
sino na universidade não têm tomado tal realidade como fenômeno a
ser estudado, problematizado, pesquisado, compreendido e superado.
Limita-se, ainda, em muitas instituições, ao ensino disciplinar, à expo-
sição de conteúdos fragmentados, de conceitos a serem aprendidos. A
didática, ao se complexificar, precisará rever seu papel e os seus temas
clássicos. A formação, em nível de graduação e pós-graduação, também
precisa ser revista. A sociedade brasileira demanda por reorganizações
educacionais amplas e profundas, visto que “os níveis de desigualdade
no Brasil estão entre os maiores do mundo” (PIKETTY, em entrevista
concedida a Ruth Costas da BBC Brasil, no dia 27 novembro 2014).
Nas últimas décadas, temos assistido ao desmonte da educação
superior como direito e compromisso social coletivo. Na Reforma do
Estado, na década de 1990, a educação deixou de ser concebida como
um direito e passou a ser classificada no setor de serviços não exclusivos
do Estado, podendo ser privada ou privatizada. A universidade passou
a ser compreendida como uma organização social, e não como uma ins-
tituição social (CHAUÍ, 2003), o que reduz a universidade a uma orga-
nização prestadora de serviços.
Nesse bojo, a reforma estrutural nas universidades, em governos
neoliberais, sob orientação de OM, tem provocado intenso processo de
desinvestimento do Estado na educação superior pública, bem como
tem implantado processos de privatização, terceirização e massificação,
que afetam a organização institucional e a cultura do trabalho docen-
te. A educação superior tem sido impregnada pelo modelo gerencial,
pela lógica de mercado, racionalização de recursos, pelos processos pe-
riódicos de avaliação, pela flexibilização de gestão, descentralização ge-
rencial, pelas concepções instrumentais e funcionais de autonomia e de
participação. Tais reformas implantadas também provocam mudanças
nos sistemas de ensino, na profissionalização e formação de professores
e na organização curricular. Essas mudanças afetam diretamente o cam-
MUDAR O ATUAL CAMINHO DO CAPITALISMO É CADA VEZ MAIS IMPROVÁVEL, PORÉM 113
NÃO É IMPOSSÍVEL

po conceitual e investigativo da didática, do currículo e da formação


de professores e reconfiguram a identidade profissional, as formas de
trabalho e a profissão docente.
Pimenta (2013) analisa que as novas configurações do trabalho,
do processo produtivo e da sociedade do não emprego têm exigido no-
vas competências (criar, pensar, propor soluções, conviver em equipe)
na preparação dos jovens para o mundo do trabalho. As novas exigên-
cias do mundo do trabalho, guiadas pela lógica neoliberal, têm feito
fortes incursões, exigências e interferências nas questões educativas e
formativas.

Estas novas exigências estariam modificando significativa-


mente a identidade do trabalhador que passou, da noite para
o dia, a ser valorizado como alguém que deve pensar e pro-
por. Mas pensar soluções para maior produtividade que gere
maior lucro. No entanto, não está colocando em pauta o de-
senvolvimento da capacidade de pensar soluções para uma
melhor distribuição do que se gera com o lucro (PIMENTA,
2013, p. 95, grifos nossos).

A educação a serviço do mercado tem comprometido a qualidade


social da educação no sentido de formação humana, crítica, consciente,
a serviço do bem comum, da democracia, da emancipação e do bem
viver. Para se reverter esse caminho, seria necessário considerar a edu-
cação como direito e investimento social e político, fundamental para
um Estado republicano e democrático.
A educação e a formação continuada têm papel fundamental na
ampliação da igualdade e na redução da desigualdade, como apresenta
Piketty (2013). No entanto, para Morin (2011), o futuro da humanida-
de não deve pautar unicamente pelo desenvolvimento econômico, mas
é preciso uma política de humanidade simbiótica que reconheça cada
nação e cada cultura. Argumenta, ainda, que a educação, a ciência, a
sociedade e a política deveriam ser reformadas, modificar o modo de
114 Marilza Vanessa Rosa Suanno

pensar e se complexificar para provocar metamorfoses sociais, indivi-


duais e antropológicas. Além disso, modificar o estilo de pensamento
em prol de um pensamento capaz de mudar os níveis de percepção e
de realidade e possibilitar a ampliação multidimensional da consciência
humana (consciência de si mesmo, consciência do outro, consciência
planetária, consciência social, consciência política, consciência históri-
ca) como potencialidade para a cidadania local, nacional e planetária,
como possibilidade para se criar uma democracia global (BAUMAN,
2011) com política e poder religados.
Os processos de ensino na graduação e pós-graduação são espa-
ços e ambientes potenciais para dialogar e pesquisar tais perspectivas,
concordando com Pimenta e Almeida (2009, p. 15 e 17) sobre “a impor-
tância do trabalho dos docentes na graduação, no percurso formativo
dos estudantes de graduação” e ao destacar que “há que se criar uma
nova cultura acadêmica nos cursos de graduação”. A qualidade da for-
mação na graduação repercute na formação dos cidadãos e na formação
dos profissionais, potencializando-se a qualidade formativa dos ingres-
santes nos Programas de Pós-Graduação stricto sensu.
A graduação deve garantir acesso, permanência e conclusão com
êxito aos acadêmicos, bem como o desenvolvimento do pensamento
autônomo, criativo e complexo, capaz de problematizar a informação
e construir conhecimentos pertinentes. E, ainda, desenvolver uma pos-
tura aberta frente aos saberes e à ecologia dos saberes (SANTOS, 2000;
MORAES, 2008), por meio de processos imbricados de auto-hetero-e-
co-formação cidadã, crítica, consciente e comprometida com o bem co-
mum e o bem-viver. Estimula-se, assim, o pensamento complexo articu-
lador de saberes, no intuito de buscar problematizar, perceber, compre-
ender e resolver a multidimensionalidade dos problemas do presente.
Nesse sentido é preciso criar processos de ensino, pesquisa e ex-
tensão, novos cenários de aprendizagem na graduação e pós-graduação,
comunidades de convivência dialógica e aprendizagem ampliada, que in-
cluam autoconhecimento19, metacognição e sensibilidade perceptiva. Di-
19 Nesta pesquisa, utilizo a palavra autoconhecimento no sentido de autopoiése (MATURANA; VARELA,
MUDAR O ATUAL CAMINHO DO CAPITALISMO É CADA VEZ MAIS IMPROVÁVEL, PORÉM 115
NÃO É IMPOSSÍVEL

daticamente, demandará aos professores, com seus alunos, desenvolver:

metodologias de busca e de construção de conhecimentos


(ensinar com pesquisa); que confronte os conhecimentos ela-
borados e as pesquisas com a realidade; mobilize visões inter
e transdisciplinares sobre os fenômenos e aponte e possibilite
a solução de problemas sociais (ensinar com extensão) (PI-
MENTA; ALMEIDA, 2009, p. 17).

No entanto, não é nada simples construir rupturas e inovações na


universidade, visto que “a universidade que conhecemos é uma insti-
tuição que acompanhou os paradigmas da modernidade. Acostumada
a pensar sem pressa e aceitar com dificuldade as mudanças” (BRAGA;
GENRO; LEITE, 2002, p. 21). Talvez o horizonte de incertezas e as pers-
pectivas de transição paradigmática contêm em si o germe para a rup-
tura, a motivação para a crítica e autocrítica da universidade e para a
crítica e autocrítica do trabalho acadêmico.

Em contexto de supercomplexidade a instituição universitária


necessita desenvolver investigações que dialoguem também
com outros paradigmas, com outras epistemologias e méto-
dos para além dos instituídos, procurando construir outros
olhares sobre a realidade, as instituições, os sujeitos e a vida
na Terra Pátria (BARNETT, 2005, p. 179, grifos nossos).

A universidade está triplamente implicada nesse mundo de super-


complexidade20. A primeira implicação é por ser uma das instituições
1995), de autonomia, de auto-organização da corporeidade viva (ASSMANN, 1998), de processo
articulado de auto-organização, autorreflexão e autodesenvolvimento.
20 Supercomplexidade é um período em que “as estruturas pelas quais interrogamos o mundo e encontramos
o nosso caminho estão se multiplicando” (BARNETT, 2005, p. 94). Na modernidade criou-se o método,
um modo único de fazer ciência e produzir conhecimento, e, na atualidade, há uma diversidade de
métodos, positivismo, materialismo histórico dialético, fenomenologia, bem como posicionamentos
de método antimétodo, como analisarei em páginas seguintes, ao apresentar minha compreensão sobre
as obras e os volumes de “O Método”, de Edgar Morin. Convive-se, também, na atualidade, com a
simultaneidade de paradigmas dominantes e paradigmas emergentes, assim os caminhos se multiplicam
e os conceitos de verdade científica são questionados.
116 Marilza Vanessa Rosa Suanno

responsáveis pela produção de conhecimento, pela pesquisa e pelas es-


tratégias para compreender a realidade. Em segundo lugar, uma grande
proporção das estruturas para entendermos o mundo recebeu algum
tipo de exame crítico na universidade. E, em terceiro, as dúvidas e a
dificuldade que muitos vivenciam por estarem em meio à complexidade
são expressões das estruturas psicológicas de tolerância, abertura e re-
fletividade dessas novas ideias que a universidade desenvolveu. Nossas
estruturas para compreender o mundo foram questionadas, assim: “[...]
Exigimos que nossas universidades tragam novas maneiras de enten-
dermos o mundo; a tal ponto que, se falharem em fazê-lo, elas não al-
cançam o objetivo de suas responsabilidades” (BARNETT, 2005, p. 95).
Para Morin, a noção contemporânea de bem-estar tem sido muito
associada à aquisição e distribuição material e deveria então ser modifi-
cada pela noção de bem viver, pautada em uma mudança na educação,
na qual o educador ensina a enfrentar os problemas da vida e incertezas.
No atual contexto de policrises, resgata-se o conceito de:

Bem Viver [que] emerge das sociedades historicamente mar-


ginalizadas e se projeta como plataforma para discutir alter-
nativas conceituais, assim como respostas concretas urgentes
para os problemas que o desenvolvimentismo atual não con-
segue resolver. É tanto uma crítica ao desenvolvimentismo,
como um ensaio de alternativas. É um questionamento que
abandona a ideia convencional de desenvolvimento e não pro-
cura reformá-la. Pelo contrário, quer transcendê-la (GUDY-
NAS e  ACOSTA21, 2012, p. 1).

O conceito de bem viver põe em pauta o redimensionamento da


concepção de desenvolvimento e apresenta uma nova relação entre o
ser humano, a sociedade e a natureza, uma via mais harmônica e sus-
tentável, como parecem apontar alguns esforços de economia verde e de
desenvolvimento sustentável.
21 Eduardo Gudynas e Alberto Acosta, em artigo publicado no sítio Journal of Substainability Education, em
19/03/2012.
MUDAR O ATUAL CAMINHO DO CAPITALISMO É CADA VEZ MAIS IMPROVÁVEL, PORÉM 117
NÃO É IMPOSSÍVEL

A Constituição do Equador (2008) e a Constituição da Bolívia


(2009) foram reformuladas e se ancoraram em saberes e sensibilidades
de alguns povos indígenas. A Constituição do Equador integra os di-
reitos do bem viver e reconhece a natureza como sujeito de direitos,
assumindo uma postura biocêntrica, uma ética que reconhece valores
intrínsecos ao ambiente. Emerge-se, assim, outra relação com a nature-
za, de convivência harmoniosa, o que irá requerer mudanças substan-
ciais nas estratégias de desenvolvimento. A Constituição boliviana não
oferece uma postura biocêntrica e mantém-se pautada na apropriação
da Natureza.
A complexidade e a transdisciplinaridade têm buscado dialogar
com os conceitos de bem viver, bem comum, transgressão e mudança
(HERNÀNDEZ, 1998), transcendência e superação da atual relação en-
tre o ser humano, a sociedade e a natureza, criando outras vias formati-
vas e investigativas.

A crise da modernidade e as crises universitárias

Boaventura de Sousa Santos (2010) afirma que a crise da moder-


nidade resultou em três outras crises para a universidade, sendo elas: a
crise de hegemonia, a crise de legitimidade e a crise institucional. Estas
são crises que se interpenetram e têm uma pluralidade de fatores impli-
cados.
A universidade vive, na sociedade atual, uma crise de legitimi-
dade, uma vez que não há consenso social da necessidade da institui-
ção “universidade” e da necessidade de formação universitária. Santos
(2010) atribui a essa crise de legitimidade os seguintes fatores: a crescen-
te segmentação e hierarquização dos saberes especializados; a crescente
desvalorização dos diplomas universitários; os problemas inerentes a
restrições do acesso; as competências; as exigências sociais e políticas
de democratização da universidade e da reinvindicação de igualdade de
oportunidades para os filhos das classes populares.
A universidade deve lutar pela sua legitimidade com responsa-
118 Marilza Vanessa Rosa Suanno

bilidade social e pela sua razão de ser, impactando o contexto local e


planetário. Essa luta, via reforma universitária, deve centrar-se em cinco
áreas de ação, conforme Santos (2010): acesso, extensão, pesquisa-ação,
ecologia dos saberes, universidade e escola pública. Estas cinco áreas de
ação demandam a construção de rupturas e a criação de processos de
inovação.
A crise de hegemonia resulta das contradições entre as funções
tradicionais da universidade (produção de conhecimento, alta cultura
e pensamento crítico para a formação das elites) e a função emergente
no século XX (produção de padrões culturais médios e conhecimentos
instrumentais úteis para a formação de mão de obra qualificada exigi-
da pelo desenvolvimento capitalista). A crise da hegemonia se instaura
quando são reconhecidos “outros lugares/espaços de produção de co-
nhecimentos especializados que não a universidade, decorrente das exi-
gências das camadas sociais mais amplas e heterogêneas e com vista a
promover a sua ascensão social” (SANTOS, 1998, p. 183).
Santos (1998) analisa que a incapacidade da universidade em de-
sempenhar satisfatoriamente funções contraditórias levará o Estado e
os agentes econômicos a procurarem fora da universidade meios alter-
nativos de atingir esses objetivos. Assim, a universidade deixa de ser a
única instituição de ensino superior, pesquisa e formação, entrando em
crise de hegemonia. Esta crise coloca em diálogo a questão da autono-
mia universitária, relevância e responsabilidade social da universidade,
convivência, contestação e acomodação com a contradição e rigidez ins-
titucional.
A dialógica, um dos operadores cognitivos do pensamento com-
plexo, deixa viva a contradição para possibilitar sucessivas sínteses pro-
visórias, o que parece ser fundamental para a universidade enquanto
espaço público, democrático e dialógico.
A crise institucional da universidade resulta da contradição entre
a autonomia universitária e a pressão da lógica de mercado, da raciona-
lidade técnica, pautada por critérios de eficácia, eficiência e produtivi-
dade. De acordo com Santos (1998, p. 186), “A crise institucional decor-
MUDAR O ATUAL CAMINHO DO CAPITALISMO É CADA VEZ MAIS IMPROVÁVEL, PORÉM 119
NÃO É IMPOSSÍVEL

re das outras duas e atinge a concepção de autonomia universitária e os


fatores que têm tornado cada vez mais problemática a sua afirmação”.
Outro fator da crise, no que se refere às universidades públicas, se assen-
ta na relação entre autonomia científica e pedagógica e, em contraponto,
na dependência financeira do Estado, que define e libera o financiamen-
to via editais, metas e áreas de interesse preestabelecidas.

Complexidade e reforma da universidade

A universidade do século XXI necessita enfrentar os desafios que


o presente e o futuro lhe apresentam, abrindo-se para novos e múltiplos
processos formativos. Segundo Morin (2009), a reforma universitária
deve ser uma reforma paradigmática, do pensamento, e neste sentido há
de construir outras vias para a educação (MORAES, 2008) que possibi-
litem romper com a ciência moderna e suas características: a) fragmen-
tação do conhecimento; b) linearidade do pensamento; c) separação
entre cultura humanista e científica; d) separação entre razão e emoção.
Para Morin (2009), a universidade deve ser compreendida como
uma instituição social que conserva, preserva, mas também analisa e
prepara o futuro, salvaguardando o passado. No entanto, a conservação
não pode ser cega às novas demandas sociais e institucionais, nem mes-
mo dogmática, burocratizada, petrificada. Compreende-se que é funda-
mental na formação universitária educar os sujeitos para serem capazes
de interferir no presente para assim construir outro futuro possível.
No século XIX, a reestruturação da universidade promovida por
Humboldt (1809) teve a laicidade como base da reforma que estabe-
leceu a autonomia da universidade, valorização da problematização,
liberdade interior, criação de departamentos, dentre outros. A universi-
dade, para Humboldt, não poderia ter como vocação direta a formação
profissional, mas deveria estar comprometida com a formação de uma
atitude para a investigação. Entretanto, o dilema da função da univer-
sidade se vê historicamente entre a formação técnica para atendimento
das necessidades formativas fundamentais para o exercício profissional
120 Marilza Vanessa Rosa Suanno

ou a formação metaprofissional, que valoriza o conhecimento e a cultu-


ra universitária, para além da utilidade e da aplicabilidade operacional
do conhecimento e da formação.
Concordando com os princípios de Humboldt, destaco que nos
dias de hoje a universidade e a pós-graduação são constantemente pres-
sionadas pela lógica de mercado e por OM que insistem em que a uni-
versidade faça uma formação técnica, instrumentalizadora, e reduza a
formação geral e a cultura humanística. A universidade não pode servir
ao mercado, pois esta precisa ser uma instituição social a serviço da
sociedade e do bem comum. A universidade precisa enfrentar a discus-
são interna sobre sua estrutura, suas relações, sua cultura institucional,
assim como a formação que promovem, e rever o sentido e o impacto
da disjunção entre a cultura humanista, a cultura científica e a compar-
timentação das diferentes ciências e disciplinas.
A pouca ênfase na formação humanística apresenta-se como te-
merária, uma vez que a cultura humanista, na formação universitária,
possibilita o exercício da reflexão, da ampliação da cultura geral e da
reflexão acerca dos problemas humanos fundamentais. Segundo Morin
(2009), a cultura científica suscita um pensamento consagrado à teoria,
mas não uma reflexão sobre o destino humano e o futuro da própria
ciência. Para o autor é preciso promover a articulação entre cultura hu-
manística e cultura científica.
Pensar a reforma da universidade a partir do pensamento comple-
xo de Morin (2009, 2011) implica promover a reforma do pensamento,
a reorganização do conhecimento e a reforma da vida por meio da re-
organização do estilo de vida e da relação entre corpo-mente-cognição.
Há, em curso, iniciativas marginais, ou seja, iniciativas transdis-
ciplinares que emergem às margens da cultura institucional da univer-
sidade, da sociedade e dos holofotes midiáticos. Tais iniciativas se ma-
nifestam por meio de: reorganizações na relação com o conhecimento;
reorganizações do saber; reorganizações didáticas na graduação e na
pós-graduação e mudança no estilo de pensamento em prol de um pen-
sar complexo. Estas iniciativas necessitam ser identificadas, estimuladas
MUDAR O ATUAL CAMINHO DO CAPITALISMO É CADA VEZ MAIS IMPROVÁVEL, PORÉM 121
NÃO É IMPOSSÍVEL

e ter visibilidade. Especificamente sobre a emergência de processos de


reorganização do saber, Morin (2009) argumenta que:

Uma reorganização do saber já está em curso. A ecologia


científica, as ciências da terra, a cosmologia são ciências poli-
disciplinares que têm como objeto, não um território ou um
setor, senão um sistema complexo: o ecossistema, e mais am-
plamente a biosfera, para a ecologia; o sistema terra para as
ciências da terra; e a estranha propensão do universo a for-
mar e destruir sistemas galácticos e solares para a cosmologia
(MORIN, 2009, p. 3).

Somente uma reforma do pensamento poderá possibilitar a trans-


disciplinaridade, conforme nos explica Moraes (2008). Pensar transdis-
ciplinarmente é pensar de forma articulada, religando conhecimentos
por meio de uma causalidade em espiral, multirreferencial, multidi-
mensional, dialética e dialógica, que integre o todo e a parte, a unidade
e a diversidade. O pensamento transdisciplinar pauta-se em uma razão
sensível, com atitude, emoção e intuição.
Na universidade do século XXI, o pensamento disjuntivo preci-
sa ser complementado por um pensamento complexo que religue co-
nhecimentos, hoje fragmentados e organizados em disciplinas, possi-
bilitando: substituir a causalidade linear por uma causalidade circular
e multirreferencial; substituir a lógica clássica pela dialógica, capaz de
conceber noções complementares e antagônicas, e estabelecer uma rela-
ção entre o todo e as partes nos quais ambos tenham importância.
Nesse sentido, a reforma universitária proposta por Morin (2009)
é profunda, uma vez que só se pode reformar a universidade mediante
a reforma do pensamento, da atitude, da consciência, da ação dos su-
jeitos que compõem a comunidade universitária e, principalmente, dos
professores universitários; mas só podemos reformar as mentes se refor-
marmos a instituição. Segundo Morin (2009) é preciso retomar o ques-
tionamento presente na terceira tese de Feuerbach (MARX; ENGELS,
122 Marilza Vanessa Rosa Suanno

1965, p. 88): “Quem educará os educadores?” E destaca que é necessário


que os professores se autoeduquem atendendo às necessidades que o
século XXI apresenta, bem como as necessidades apresentadas por seus
acadêmicos. Para a construção de uma nova via, a educação tem um
importante papel.
Morin (2011) apresenta algumas iniciativas marginais, frutos de
uma efervescência criativa na atualidade, que são significativas para o
movimento de reforma do pensamento, da educação, dentre várias ou-
tras. O autor assim se manifesta:

Já existem, em todos os continentes ou em todas nações, uma


efervescência criativa, várias iniciativas locais que avançam no
sentido da regeneração econômica, social, política, cognitiva,
educativa, étnica ou existencial. Mas todo o que deveria estar
relacionado se encontra disperso, separado, compartimenta-
do. [...] Se trata de reconhecê-las, de compará-las, de incluí-las
em um repertório, para abrir, assim, uma pluralidade de cami-
nhos reformadores. São vias múltiplas que, desenvolvendo-se
conjuntamente, poderiam conjugar-se para formar a nova via,
que decomporá a que estamos seguindo e nos dirigirá até a
metamorfose, todavia invisível e inconcebível (MORIN, 2011,
p. 34).

Suanno (2015) aponta para uma efervescência criativa, diver-


sas iniciativas marginais em contexto universitário, mais especifica-
mente na docência dos programas de pós-graduação stricto sensu.
O que parece ser muito pertinente, visto que a universidade precisa
transcender-se para reencontrar a si mesma (MORIN, 2009), ne-
cessita articular a conservação de sua função, mas também assumir
mais efetivamente o papel de ser um espaço de transformação dos
sujeitos, social, da relação do homem com a natureza, o conheci-
mento e a acultura. A universidade deveria construir o espaço para
que os professores e os alunos pudessem assumir o protagonismo na
MUDAR O ATUAL CAMINHO DO CAPITALISMO É CADA VEZ MAIS IMPROVÁVEL, PORÉM 123
NÃO É IMPOSSÍVEL

busca pela superação dos problemas da sociedade atual em dimen-


são local, nacional e planetária.
A pós-graduação stricto sensu e seus pesquisadores podem e de-
vem contribuir para isso, pois produzem conhecimentos que podem ser
inspiradores para a criação de outras possibilidades de vida na Terra
-Pátria. A universidade é um espaço legítimo para a problematização e a
reflexão da relação entre teoria e prática e da formação sólida e transdis-
ciplinar dos acadêmicos e pós-graduandos, de forma articulada, a fim
de promover a ampliação do comprometimento destes com o destino
da humanidade, a superação das crises e dos problemas da atualidade.
Para promover mudanças, reorganizações e inovações, Hessel
(2011) convoca os sujeitos planetários: “Indignai-vos! Comprometei-
vos!”. Já Morin (2011), por meio da epistemologia da complexidade,
conclama: “Reformai-vos! Reorganizai-vos!”, para pensarmos a era pla-
netária e construirmos outros caminhos para a humanidade. Bauman
(2011), preocupado com os caminhos da democracia, alerta para a ne-
cessidade de articulação entre poder e política em dimensão nacional,
mas também global.
Conforme declara Hessel (2011), da indignação nasce a vontade
de compromisso e de um pensamento comprometido, preocupado com
o bem comum, nasce a vontade de comprometer-se com o humano, as
sociedades e o planeta Terra. Hessel (2011) convoca-nos para que te-
nhamos motivos para a indignação, pois esse é um valor precioso. Para
o autor, os cidadãos deveriam ser educados para serem capazes de reco-
nhecer injustiças, desigualdades, violências ou irregularidades e, frente
a tais mazelas, indignar-se é um valor humano e social precioso, que
nasce em sujeitos éticos, cidadãos, com espírito solidário e tocados pe-
los direitos humanos e princípios democráticos. O autor destaca que,
quando se tem algo com que se indignar, deve-se converter essa indig-
nação em comprometimento e luta.
Morin (2011) alerta-nos que necessitamos formar pessoas que te-
nham consciência de que fazemos parte de uma comunidade de destino
da espécie humana e, para isso, necessitamos de uma política de huma-
124 Marilza Vanessa Rosa Suanno

nidade pautada nos conceitos de Terra-Pátria e de cidadania planetária.


O autor propõe que façamos uma metamorfose, uma política de civili-
zação pautada na qualidade de vida, na solidariedade, nas necessidades
poéticas e estéticas do ser humano e no bem-estar em sentido existen-
cial, que permita que “floresça o mais que humano em nós (Caetano
Veloso – Música: Tá combinado)”. Neste sentido, para promover a re-
forma da universidade, outras reformas são fundamentais, dentre elas a
reforma do pensamento, da política, da educação e da vida, uma vez que
vivemos na atualidade em contexto de crises múltiplas.
A universidade e a pós-graduação stricto sensu reformadas trans-
disciplinarmente têm potencial humano e institucional para buscar
construir oportunidades para o pensar complexo e promover a amplia-
ção da consciência dos sujeitos, da capacidade de percepção, da capaci-
dade de indignação, da capacidade de agir e da capacidade de compro-
metimento com a luta por outro mundo possível.
Morin (2011), Bauman (2011) e Hessel (2011) fazem chamadas
que podem contribuir para a construção de uma ecologia dos saberes
na educação superior, com vistas a novos fundamentos para iluminar
novas práticas educacionais, como apresenta Moraes (2008).
A partir da leitura das obras de Morin, compreendo que há um
potencial papel da complexidade na reorganização da instituição uni-
versitária em seu papel formativo, produtor de conhecimento, e na rela-
ção com a sociedade, a natureza e a existência humana.
A complexidade, em contraposição à ciência moderna e ao po-
sitivismo, é uma corrente que emerge e busca pensar em situação de
supercomplexidade. Os princípios e práticas científicas estão vinculados
aos contextos históricos, aos paradigmas vigentes, às epistemologias e
aos pesquisadores. Assim, a ciência não é isenta das contradições e das
incertezas humanas, pelo contrário, é o produto da razão humana, limi-
tada e condicionada por muitos fatores, sujeita, portanto, ao erro.
Morin (1996), ao apresentar a complexidade, não rejeita o pro-
cesso de simplificação, no entanto, alerta para seus limites e o relativiza,
apontando que é necessário que se aceite a redução, mas de forma cons-
MUDAR O ATUAL CAMINHO DO CAPITALISMO É CADA VEZ MAIS IMPROVÁVEL, PORÉM 125
NÃO É IMPOSSÍVEL

ciente, sabendo ser uma redução. A complexidade não traz uma solu-
ção, mas um novo problema, e se destaca, junto com a simplificação,
como relações simultaneamente antagônicas e complementares.
A pós-graduação stricto sensu e seus pesquisadores potencialmen-
te podem contribuir neste sentido, pois produzem conhecimentos que
podem ser inspiradores para a criação de outras possibilidades de vida
na Terra-Pátria, de organização institucional, de relações entre univer-
sidade, sociedade e natureza.

Considerações finais

Talvez sejamos capazes de mudar o atual caminho do capitalis-


mo, que, conforme Morin (2011), é cada vez mais improvável, porém
não é impossível. A realidade atual, com suas conquistas e policrises, foi
gerada pela conjunção entre o projeto da modernidade, a globalização
neoliberal, a ocidentalização e o reordenamento no desenvolvimento do
capitalismo que, guiado pela supremacia do princípio de mercado, colo-
nizou o princípio do Estado e o princípio da comunidade.
Morin (2011) analisa que a globalização tem construído a infraes-
trutura da sociedade-mundo ao mundializar a economia, porém alerta
para a necessidade da sociedade, da Terra-Pátria, controlar a economia.
Bauman (2011) e Morin (2011) apontam para a ausência de institui-
ção global, com poder e política que assegurem democracia mundial e,
desta forma, mostram a necessidade de se criar instituições planetárias
para fazerem a gestão das questões planetárias com autoridade e legiti-
midade.
A questão da desigualdade foi recolocada no centro da análise
econômica por Piketty (2013), que identificou parecer provável que a
taxa de remuneração do capital ultrapassará a taxa de crescimento da
produção e da renda, o que poderá gerar desigualdades extremas. Con-
clui, ainda, que a distribuição da riqueza tem sido historicamente polí-
tica, não se restringindo aos mecanismos puramente econômicos. As-
sim, deve-se sempre desconfiar de qualquer argumento proveniente do
126 Marilza Vanessa Rosa Suanno

determinismo econômico quando o assunto é a distribuição da riqueza


e da renda. O autor conclui que a dinâmica da distribuição da riqueza
revela uma engrenagem poderosa que tende ora para a convergência,
ora para a divergência.
Piketty (2013) aponta outras forças que poderiam aumentar o grau
de igualdade e critica o discurso amplamente difundido na atualidade
de que a racionalidade econômica levaria à racionalidade democrática.
Revela também discursos que o progresso da racionalidade tecnológica
conduziria automaticamente ao triunfo do capital humano sobre o capi-
tal financeiro e imobiliário. O autor assinala a educação e o processo de
difusão e partilha do conhecimento como um bem público por excelên-
cia, e não um mecanismo de mercado, destacando que a educação e a
formação humana têm potencialidade de ampliar a igualdade e também
de gerar crescimento econômico de longo prazo.
Vivemos um contexto de policrises, no qual a crise da modernida-
de impactou em crise da universidade e, neste contexto, se questiona a
necessidade e o papel da universidade e da formação universitária. Isso
revela uma crescente necessidade de redimensionar o ensino, a pesqui-
sa, a extensão e a gestão universitária, especialmente o ensino. Parece
ser fundamental rever os processos, a didática e a formação universitá-
ria, bem como oportuno buscar compreender as inovações didático-pe-
dagógicas e formativas que emergem as práxis inventivas (LUCARELLI,
2009) no trabalho docente, as práxis complexas e transdisciplinares
(SUANNO, 2015).
O contexto de policrises apresenta-se como possibilidade para se
revisitar as concepções, as práticas e os compromissos sociais e institu-
cionais da universidade para, assim, construir novas possibilidades para
a vida em sociedade, fruto de novas relações entre ser humano, nature-
za e sociedade (D’AMBROSIO, 2016), que contribuem para reformar a
universidade (MORIN, 2009).
Momentos de crise sinalizam oportunidades para transformações
e a construção de práticas emancipatórias alternativas, conforme Su-
anno (2015). A autora identificou inovações no trabalho docente, or-
MUDAR O ATUAL CAMINHO DO CAPITALISMO É CADA VEZ MAIS IMPROVÁVEL, PORÉM 127
NÃO É IMPOSSÍVEL

ganizadas a partir da reforma do pensamento, guiada pelos operadores


do pensamento complexo, pelos princípios da transdisciplinaridade e
pela articulação religadora entre razão, emoção e corporeidade. Estes
contribuem para a ampliação dos níveis de percepção sobre os níveis de
realidade e para a ampliação da consciência dos sujeitos envolvidos nos
processos formativos.
Inovações didático-pedagógicas e formativas (SUANNO, 2015)
emergem, como: processos complexos, transdisciplinares, multidimen-
sionais, multirreferenciais e autopoiéticos, ou seja, processos de au-
to-eco-organização dos sujeitos protagonistas da inovação, processos
auto-hetero-ecoformativos contextualizados (ESPINOSA-MARTÍNEZ,
2014) e processos de ecologização de conhecimentos, saberes e culturas
(SANTOS, 2010; MORAES, 2008).
Nesse ínterim, a inovação docente surge como inédita, viável
(FREIRE, 2005; ARAÚJO FREIRE, 2008) e de experiência ótima (CSI-
KSZENTMIHALYI, 1999), alcançada por histórias de vida em: processo
complexo e transdisciplinar de ensino, pesquisa e formação; processos
de reconfiguração e reorganização no trabalho docente, geradores de
novas relações com o conhecimento; novas relações dos sujeitos com
a vida; novas relações entre sujeito, objeto, fenômeno e vida; novas re-
lações entre teoria, prática e experiências dos sujeitos de ação transfor-
madora. Esses sujeitos foram impulsionados por processos de ruptura
(CUNHA, 2005; LUCARELLI, 2009), transição paradigmática (SAN-
TOS, 2000; MORAES, 1997), emancipação e de crise (BRAGA, GENRO
e LEITE, 1997; SANTOS, 2000), práxis inventiva (LUCARELLI, 2009)
e metamorfoses individuais, sociais e antropológicas (MORIN, 2011).
As inovações didático-pedagógicas e formativas visam construir ou-
tro mundo possível, mais humano, solidário, igualitário, justo e democrá-
tico, capaz de assegurar amorosidade, cultura de paz, dignidade humana,
diversidade cultural, cidadania planetária e sustentabilidade do planeta,
bem como fomentar políticas de convivência, ecológicas, de solidariedade
e de qualidade de vida. Essas inovações são pautadas na complexidade, na
transdisciplinaridade, no humanismo planetário, na governança global e
128 Marilza Vanessa Rosa Suanno

em processos econômicos capazes de promover, simultaneamente: pro-


cessos de globalização e desglobalização; crescimento e decrescimento;
desenvolvimento e involução; transformação e conservação.
A epistemologia da complexidade e a reforma do pensamento se
articulam com a reforma do pensamento político, política de humani-
dade, política de civilização, reforma da educação, reforma da universi-
dade e reforma de vida. A didática emergente valoriza a educação inte-
gral do ser humano e a compreensão de que a finalidade da educação,
no século XXI, passa a ser pensar complexo e transdisciplinar, a fim
de promover metamorfose social, individual e antropológica (MORIN,
2011) e, portanto, salvaguardar a humanidade, a Terra-Pátria e dar pros-
seguimento ao processo de hominização (MORIN, 2003).

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131

OS PROFESSORES NA AGENDA DO BANCO


MUNDIAL PARA A PRÓXIMA DÉCADA

Eneida Oto Shiroma


Thais Marcelino Cunha

Introdução

O tema proposto é desafiador porque nos convida a pensar a escola


e a sala de aula numa perspectiva que considere os problemas que
afetam os professores articulados ao contexto político-econômico na-
cional e internacional1. Demanda, ainda, uma análise contextualizada
do trabalho docente de modo a perquirir elementos para se compreen-
der as articulações entre macro e micro, economia e política, educação
e desenvolvimento global.
Essa abordagem, distante do voluntarismo, lembra que entre
a educação que temos e a que queremos existem muitos percalços,
dentre eles, as orientações e atuações de organizações multilaterais
(OM). Reconhecer que medidas implantadas nas escolas brasileiras
derivam de recomendações do BM não é uma explicação, nem o fim
da linha, mas apenas o começo da problematização, uma hipótese de
1 Trabalho preparado para a Mesa redonda “O Banco Mundial e a formação de professores: repercussões
na escola e na sala de aula”, realizada em 11/11/2015 durante o VI EDIPE, em Goiânia, e elaborado
no âmbito do projeto Redes de políticas públicas e governança da educação: pesquisando a convergência
das políticas para docentes nas agendas para a próxima década, coordenado por Eneida Oto Shiroma,
desenvolvido com o apoio do CNPq. Agradecemos as contribuições de Aníbal Brito Neto e de Olinda
Evangelista à versão preliminar deste texto.
132 Eneida Oto Shiroma, Thais Marcelino Cunha

trabalho com a qual podemos lidar para pensar a educação no Brasil


de hoje.
Nessa exposição, procuraremos desenvolver o argumento de que,
para compreender as propostas do BM para a educação e, mais especi-
ficamente, para os professores, não podemos ficar focados nelas. É pre-
ciso dar um passo atrás para ampliar nosso ângulo de visão de modo a
abarcar questões anteriores e posteriores à sua formulação, tais como: A
quem interessam essas medidas? Como são disseminadas pelo globo?
Como interferem nas políticas nacionais de modo a se conformarem a
uma conjecturada “educação de classe mundial”?
Nosso recorte privilegiará os interesses do BM pelas políticas do-
centes. O volume de publicações sobre o tema é enorme. Selecionamos
para análise alguns documentos que explicitam as estratégias do BM
para a Educação nesta década: “Aprendizagem para todos: investir nos
conhecimentos e competências das pessoas para promover o desenvol-
vimento – Estratégia de educação 2020 do Banco Mundial” (BANCO
MUNDIAL, 2011); “Atingindo uma educação de nível mundial no Bra-
sil: próximos passos” (BRUNS; EVANS; LUQUE, 2012); “Brazil: Tea-
chers Development and Incentives, A Strategic Framework” (WORLD
BANK, 2001); “Making schools work: new evidence on accountability
reforms” (BRUNS; PATRIÑOS, 2011) e “Como melhorar a aprendiza-
gem dos estudantes na América Latina e no Caribe” (BRUNS; LUQUE,
2014).
O fio condutor dessa reflexão foi tecido com base em quatro
questões norteadoras: 1) Como entender as ações do BM na educação
e quais interesses o BM representa quando traça políticas, financia e
oferece cooperação técnica para reformar a educação nas várias regiões
do mundo; 2) que estratégias o BM utiliza para convencer governantes,
autoridades e gestores de que essas medidas são necessárias; 3) o que o
BM propõe para a área da educação e, em especial, para a formação de
professores, e 4) se implantadas, quais as repercussões dessas medidas
sobre os professores da Educação Básica.
OS PROFESSORES NA AGENDA DO BANCO MUNDIAL PARA A PRÓXIMA DÉCADA 133

Um banco porta voz do capital

O BM foi criado na Conferência de Bretton Woods, em 1944, para


articular propostas de estruturação de uma nova arquitetura econômica
internacional que deveria ser iniciada após a Segunda Guerra Mundial.
Segundo Pronko (2014), ao longo de 70 anos, o BM, inicialmente deno-
minado Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento, foi
ampliando e diversificando suas áreas de influência. Além do setor de
infraestrutura, como energia e transporte, passou a abranger as políti-
cas econômicas, de habitação, saúde e educação dos países, entre outras
áreas. A instituição usa o dinheiro do financiamento para difundir e
institucionalizar suas ideias econômicas e prescrições políticas.
A análise de sua estratégia de educação para a década 2011-2020
(BM, 2010) permite entender que o interesse em reformar as políticas
para os professores se deve à preocupação em monitorar a formação
da próxima geração de trabalhadores, considerando: o processo de glo-
balização e inter-relação de mercados; as demandas de educação para
adequar a força de trabalho; habilitação dos consumidores para utili-
zação de tecnologias e fomentação da inovação, que extrapola as fron-
teiras nacionais. Assim, os consultores do BM enfatizam a necessidade
de se melhorar a educação e as formas de aferir os avanços por meio
de avaliações padronizadas para que se alcance uma “educação de nível
mundial”. Mas, como explicar tanto empenho para desenvolver custosas
estratégias de disseminação mundial de uma proposta de educação? Ao
fazê-lo, o BM representa os interesses de quem?
Bernard Charlot (2007) contribui com a construção de respostas,
lembrando que:

para abordar os efeitos da própria globalização sobre a edu-


cação, é preciso falar das organizações internacionais: OCDE,
FMI, Banco Mundial e OMC. Mas cuidado: uma organização
internacional, na verdade, só tem o poder que lhe conferem os
Estados que a sustentam. Às vezes, acha-se que é a organiza-
134 Eneida Oto Shiroma, Thais Marcelino Cunha

ção internacional que decide. Ela toma decisões, claro, mas na


lógica e, muitas vezes, conforme os interesses dos países que
a mantêm, isto é, que a financiam. Atrás das organizações in-
ternacionais, é o poder do capital internacional que funciona
(CHARLOT, 2007, p. 133).

Apreender o sentido das propostas do BM para a educação requer,


portanto, compreendê-las como parte do projeto do capital numa socie-
dade de classes.
O discurso ideológico do BM resgata pressupostos da teoria do
capital humano para relacionar educação e desenvolvimento global.
Numa inversão ideológica, afirma que a ampla brecha entre os países
no que tange ao seu desenvolvimento decorre da diferença nos níveis
educacionais e de outra brecha, entre habilidades propiciadas pela edu-
cação e as demandas do mercado de trabalho. Prossegue aconselhando
que, para superar tais brechas, seria preciso ofertar aos estudantes de
todos os níveis as destrezas necessárias para promoverem a produtivi-
dade e o crescimento do país. Oculta, obviamente, que no capitalismo o
aumento de produtividade não corresponde à elevação de salários nem
a melhores condições de vida para os trabalhadores, ao contrário, vi-
vem um processo de concentração de renda aguçado nos últimos anos,
evidenciando que a riqueza mundial cresce na razão direta da miséria.
Os interesses de capital e trabalho sobre a formação humana são
distintos. Do ponto de vista dos trabalhadores, a educação escolar, como
parte da educação, tem a formação humana e a emancipação como fina-
lidade. Em contraposição, na ótica dos capitalistas, a formação humana
não é fim, é meio para assegurar condições de acumulação e reprodução
do capital. Por esta razão, envolve projetos de médio e longo prazos,
mediados por OM para atingi-los. A observação de Mészáros (2006) é
fundamental:

Nenhuma sociedade pode perdurar sem seu sistema próprio


de educação. As sociedades existem por intermédio dos atos
OS PROFESSORES NA AGENDA DO BANCO MUNDIAL PARA A PRÓXIMA DÉCADA 135

dos indivíduos particulares que buscam realizar seus próprios


fins. Em consequência, a questão crucial para qualquer socie-
dade estabelecida é a reprodução bem-sucedida de tais indiví-
duos cujos fins próprios não negam as potencialidades do sis-
tema de produção dominante. Essa é a verdadeira dimensão
do problema educacional: a educação formal não é mais do
que um pequeno segmento dele (MÉSZÁROS, 2006, p. 263).

Os interesses espúrios do capital sobre a educação, supostamente,


não aparecem claramente nos documentos do BM, que incumbe os con-
sultores contratados de produzirem estudos, diagnósticos, avaliações e
relatórios para disseminarem as propostas, de modo a convencer a so-
ciedade de que são medidas necessárias para solucionar os problemas
enfrentados.
Assim, as OM disseminam propostas, influenciam a formulação
de políticas na arena internacional e interferem nas agendas nacionais
(JAKOBI, 2009). Atuam, então, não só direta e imediatamente na eco-
nomia, mas indireta e mediatamente na difusão de um projeto político
e cultural para transformar valores, crenças e incutir novas expectativas
e modos de ser, delineando mais que um projeto econômico, um proje-
to civilizatório. Por essa razão, as OM propõem e monitoram reformas
educacionais nos vários países, atuando como representantes das gran-
des corporações, adidos de defesa dos interesses do capital mundializa-
do, educadores do Estado educador.

Alinhavando a educação mundial: estratégias de disseminação das


recomendações

A tendência à globalização de reformas educativas não se deve


apenas aos processos de imposição externa. Pesquisas sobre o fenômeno
de globalização, migração ou empréstimo de políticas entre países es-
clarecem que o processo de difusão de políticas globais se complemen-
ta com os processos locais de recepção ativa dos modelos educacionais
136 Eneida Oto Shiroma, Thais Marcelino Cunha

(SCHRIEWER, 2000; 2003; DALE, 1999). Essa abordagem do contexto


local de acolhimento de políticas internacionais contrapõe-se à ideia
de imposição das agências multilaterais para ressaltar a continuidade
de interesses de frações da burguesia brasileira com os do grande capi-
tal internacional, levando a observar processos de mimese, adaptação,
aprendizagem e harmonização das políticas locais, nacionais e globais.
De modo geral, as publicações do BM apresentam uma leitura
para a crise educacional e um diagnóstico sobre a educação focado nos
problemas, com vistas a justificar a adoção de suas propostas. Organi-
zam os dados e sua interpretação de modo que suas recomendações
sejam lidas não como ingerência, mas como a solução almejada pelos
governos locais.
O diagnóstico do BM sobre a educação brasileira aponta falhas
na infraestrutura das escolas e enfatiza o limitado uso de tecnologias de
informação e comunicação e de tempo dedicado à instrução. As críticas
estendem-se à gestão acusada de ineficiente e avançam para o ataque
aos professores. Desqualificam também os professores e o trabalho do-
cente − responsabilizando-os exclusivamente pelos resultados dos alu-
nos nos testes padronizados −, sua formação, as instituições formadoras
e os currículos das licenciaturas – taxados de inadequados por conte-
rem teoria em excesso e carecerem de prática. Ressaltam, ainda, a débil
qualidade dos cursos de formação docente e a insuficiente regulação
sobre eles. Como solução, as OM oferecem um catálogo de experiências
exitosas e um conjunto de orientações para a elaboração de políticas
docentes (SHIROMA; BRITO NETO, 2015).
Diagnósticos e recomendações são divulgados em conferências
para um público restrito, como nas Cúpulas das Américas, Conferências
da OEA para Chefes de Estado e Ministros de Educação, Reunião de
Ministros da economia entre outros (COX; BECA; CERRI, 2011), mas
também divulgados amplamente em websites e na grande mídia.
Outra forma de disseminação de propostas internacionais para
a educação bastante recomendada pela UNESCO é a criação de redes
sociais que envolvem experts de OM, autoridades educacionais, assesso-
OS PROFESSORES NA AGENDA DO BANCO MUNDIAL PARA A PRÓXIMA DÉCADA 137

res de legisladores, representante de fundações empresariais, OS, entre


outros. Redes regionais exercem uma função crucial na circulação de
informações e um conhecimento no fluxo de mão dupla, difundem as
recomendações de OM nos países e transmitem informações nacionais
para as agências internacionais (SHIROMA, 2012; 2013; 2014). O papel
dos experts nas redes de políticas públicas merece destaque. Consideran-
do sua atuação simultânea como professores universitários, consultores
de OM são conferencistas em eventos acadêmicos e reuniões políticas,
autores de livro e artigos, palestrantes em cursos e webinars, formadores
de opinião, disseminadores de interpretações e visões de mundo.
Complementando o estudo sobre as formas de difusão das pro-
postas pelo globo, cabe ressaltar a natureza e o tom dos discursos utili-
zados nos documentos para convencer os leitores e produzir consensos.
Ora são prescritivos, apontando o imperativo das reformas educacio-
nais para o desenvolvimento econômico e a competitividade, ora trági-
cos e ameaçadores, ao alertarem a sociedade para o perigo de sucumbir
ao atraso e à pobreza, caso não reformem a educação. Assumindo um
papel de auditor justiceiro, o BM afirma que “as falhas de governação e
responsabilização têm geralmente os seus efeitos mais nefastos nas es-
colas que servem os grupos mais desfavorecidos, este sistema de ges-
tão promove equidade educacional para além da eficiência” (BANCO
MUNDIAL, 2011, p. 6). Com base em um léxico humanitário, tecem-se
discursos repleto de slogans – inclusão, equidade, democracia, alívio da
pobreza, justiça social, entre outros – e de pressupostos gerencialistas,
reproduzidos em campanhas em prol da educação.
Nossa pesquisa sobre as agendas de OM para a educação nessa dé-
cada constatou que ela é considerada um “instrumento poderoso para
aliviar a pobreza e promover a prosperidade através da Aprendizagem
para Todos” (BANCO MUNDIAL, 2011). Deve garantir aprendizagem
a todas as crianças e jovens para que tenham acesso à escola e possam
adquirir o conhecimento e as habilidades de que necessitam para terem
vidas saudáveis, produtivas e também obterem um emprego. Os consul-
tores do BM argumentam que os níveis elevados de desemprego entre os
138 Eneida Oto Shiroma, Thais Marcelino Cunha

jovens se devem à incapacidade de os sistemas de educação formarem


jovens com as “competências corretas’’ para o mercado de trabalho e
indicam que a aprendizagem deve ser encorajada desde cedo e continu-
amente, tanto dentro como fora do sistema escolar (CUNHA, 2015, p.
14). Alegam que o “motor’’ que impulsiona esse movimento são as pes-
soas que aprendem, dentro e fora da escola, desde a Educação Infantil
até o mercado de trabalho. Afirmam também que, mesmo em ambien-
tes de “aprendizagem fraca”, a maioria dos estudantes consegue adquirir
competências na escola e que será com investimento em avaliações de
sistemas de aferição de impactos e verificação da aprendizagem e de
competências que o Banco poderá ajudar a responder questões como:

Quais são os pontos fortes do nosso sistema? E as suas fraque-


zas? Que intervenções se têm mostrado mais eficazes para a
sua solução? Está a alcançar os grupos mais desfavorecidos?
Quais são os papéis essenciais a serem desempenhados pelos
sectores público e privado na prestação dos serviços? Estão as
crianças e os jovens a adquirir os conhecimentos e competên-
cias de que necessitam? (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 6)

A forma de colocar as questões induz às respostas. Anunciam im-


plicitamente tratar-se de um projeto de munir os filhos da classe traba-
lhadora com as competências adequadas ao mercado de trabalho que,
para ser bem sucedido, requer o engajamento do setor privado na edu-
cação.

Orientações do BM para reformar a educação

A estratégia do BM para 2020 estabelece a meta da “Aprendizagem


para Todos”. Para atingi-la, seus consultores canalizarão esforços para a
educação em duas vias estratégicas: 1) reformar os sistemas de educação
no nível dos países e 2) construir uma base de conhecimento de alta
qualidade para reformas educacionais em nível mundial. Declaram que
OS PROFESSORES NA AGENDA DO BANCO MUNDIAL PARA A PRÓXIMA DÉCADA 139

se concentrarão em ajudar os países parceiros, a fim de consolidar a ca-


pacidade nacional para reger e gerir sistemas educacionais, implemen-
tar padrões de qualidade e equidade, medir o sistema de desempenho
com relação aos objetivos nacionais para a educação e apoiar a definição
de políticas e inovação com base comprovada. Propõem ainda que: a) os
sistemas de avaliação sejam reforçados com a ajuda de ferramentas de
comparação, juntamente com dados que permitam avaliar a capacidade
de um sistema educacional e melhorar os resultados de aprendizagem;
b) avaliações de impacto possam informar políticas e intervenções, jun-
tamente com c) o intercâmbio de conhecimentos que facilite a aprendi-
zagem entre os países parceiros e organizações interessadas.
Com esse propósito, o Grupo Banco Mundial trabalhará em con-
junto para aumentar o conhecimento sobre o papel do setor privado na
educação e ajudar os países a criarem ambientes de política e estruturas
normativas que alinhem os esforços do setor privado por meio de parce-
rias estratégicas tanto no nível interno dos países quanto internacional.
O BM recomenda maior utilização de tecnologias que poderão
mudar perfis dos empregos requeridos pelos mercados de trabalho e
ao mesmo tempo oferece possibilidades de “aprendizagem acelerada” e
melhoria na gestão dos sistemas de educação. Essa preocupação com a
aceleração dos processos formativos se expressa nas orientações do BM
de que será necessário fortalecer a Educação Infantil, aumentando os in-
vestimentos para a área com vistas a garantir o desenvolvimento infantil
das crianças mais vulneráveis e facilitar a aprendizagem durante a vida,
aumentando, assim, sua produtividade futura.
Em 2006, o BM atualizou sua estratégia para o setor de educa-
ção recomendou que os governos promovam a avaliação, melhorem os
resultados e incutam a responsabilização [accountability] na educação
(WORLD BANK, 2006). Enfatizou também a importância de se divul-
gar as diferenças de desempenho dos alunos, a fim de avaliar escolas e
redes de ensino, aplicando recompensas ou sanções conforme os resul-
tados. Complementou, ainda, o pacote de medidas, defendendo que a
ampla divulgação dos resultados permitirá aos legisladores e às organi-
140 Eneida Oto Shiroma, Thais Marcelino Cunha

zações da sociedade civil tomarem decisões mais bem informadas sobre


reformas e intervenções necessárias na educação, identificando onde há
falhas na cadeia de resultados.

O BM justifica que inculcar essa nova cultura de resultados é


necessário para dar respostas mais imediatas aos países doa-
dores (stakeholdings) sobre os retornos de seus investimentos
e também que os países da região possam efetuar os ajustes
necessários para que resultados e metas sejam mais rápida e
eficazmente atingidos (SHIROMA et al., 2008, p. 3).

Como estratégia para 2020, os consultores do BM recomendam a


adoção de novos instrumentos de avaliação, necessários para fornecer
mais análises detalhadas das capacidades dos países em várias áreas da
educação, desde o desenvolvimento na primeira infância, a avaliação
dos estudantes e política de professores, equidade e inclusão, educação
terciária e o desenvolvimento de competências. Sua agenda destaca a
necessidade de avaliação e prestação de contas, de modo a responsabi-
lizar as escolas, seus diretores e professores pelos resultados de aprendi-
zagem dos alunos.
Na América Latina, o Projeto Estratégico Regional sobre Docentes
explicita suas orientações para a reelaboração das políticas docentes na
região, recomendando, explicitamente, a definición consensuada y vali-
dación de marcos de la buena enseñanza y estándares para el desempeño
profesional de los docentes, que sirvan como referentes para su desarrollo
profesional al mismo tiempo que para la evaluación de su desempeño.
(UNESCO, OREALC, 2011, p. 15).
Os marcos do bom ensino, padrões de desempenho e incentivos
aos docentes são parte do sistema de promoção e suposto melhoramento
das políticas educacionais no mundo. Com estas, o BM pretende atingir
oito objetivos: estabelecer expectativas claras para os professores; atrair
os melhores professores para o ensino; preparar os professores com for-
mação útil e experiência; relacionar as habilidades dos docentes com as
OS PROFESSORES NA AGENDA DO BANCO MUNDIAL PARA A PRÓXIMA DÉCADA 141

necessidades dos estudantes; liderar os docentes e monitorar o ensino e


a aprendizagem; apoiar os docentes para melhorar sua instrução; mo-
tivar os docentes para o desempenho; avançar para uma maior descen-
tralização e autonomia das escolas e fornecimento de informações para
distintos atores. Essas metas estão desenvolvidas no programa SABER
- Teachers (System Approach for Better Education Results), voltado aos
professores (WORLD BANK, 2013). O crescente volume de documen-
tos, projetos e publicações do BM sobre professores ressalta o quão im-
portante são para atingir a educação que interessa ao projeto do capital.

Tendências da implantação dessas medidas

Na agenda para a educação 2011-2020, o BM (2011) elogia os


avanços alcançados, os programas inovadores implantados no Brasil, as
iniciativas do engajamento do setor privado na educação e os investi-
mentos em novas tecnologias, mas identifica carência de pesquisas sobre
custo-efetividade para orientar os investimentos e as políticas na área.
Anuncia que, para a concretização da “Aprendizagem para Todos’’ (BM,
2011), será necessária uma aprendizagem acelerada que se inicie mais
cedo e, para tanto, propõe que se utilizem os recursos de forma eficaz.
Está claro que a preocupação com o uso eficiente dos recursos, na ótica
do capital, sobrepõe-se aos princípios pedagógicos de formação e res-
peito aos direitos da criança. Nas entrelinhas dos documentos, há uma
aparente preocupação com o público ao qual se destinam essas medidas.
Trata-se de reduzir os obstáculos para que as crianças de comunidades
desfavorecidas – ou em situação de vulnerabilidade – possam ter acesso
à escola, aprender as destrezas básicas e, às mais bem sucedidas, acessar
o Ensino Médio que, por sua vez, precisará ser reformado para atingir
o nível mundial. Para esta etapa do ensino, o Banco propõe maior equi-
líbrio entre o conteúdo acadêmico e o profissional, fomentando-se as
parcerias público-privadas no ensino técnico e vocacional com o intuito
de facilitar a transição para o mercado de trabalho dos formandos do
Ensino Médio que não continuarão os estudos. Espera-se que o conte-
142 Eneida Oto Shiroma, Thais Marcelino Cunha

údo vocacional do currículo dessa etapa de ensino seja voltado ao pro-


vimento das habilidades demandadas localmente, o que aponta para o
término dos estudos nesse nível da escolarização.
As recomendações sobre financiamento e governança da educa-
ção destacam que a qualidade tem que ser a essência dos investimentos
na educação, e os ganhos da aprendizagem, a medida-chave da qualida-
de. Entende-se que reforçar os sistemas educacionais significa alinhar a
sua governação à gestão de escolas e professores, às regras de financia-
mento e mecanismos de incentivo, com o objetivo de promover a apren-
dizagem para todos. Significa, ademais, estabelecer um ciclo claro de
retorno entre o financiamento e os resultados. Propõe-se que se deem
mais recursos para os sistemas escolares estaduais e se destine menos
incentivo federal direto para pequenos sistemas escolares municipais,
buscando maximizar o impacto do governo federal nas ações em edu-
cação, em especial na Educação Básica.
Como discutimos, os diagnósticos apresentam dados, avaliações
comparativas e análises com fins de subsidiar a formulação de políticas
baseadas em evidências. Ao fazê-lo, concluem que a má qualidade da
educação é causada por práticas ineficazes dos professores.
Delanoy e Sedlaceck (2001, p. 23) alegam que, com abordagens
distintas, estaria emergindo um consenso mundial sobre a necessidade
de se “formar um novo tipo de professor, equipado não só de conheci-
mento flexível mas com um amplo repertório de estratégias de ensino,
um profundo conhecimento de conteúdo e um novo conjunto de valo-
res”. Na tentativa de justificar a necessidade de reconverter o docente,
os consultores do BM apelam para estratégias de atemorização social
ao enfatizarem que a formação dos professores em nível superior, caso
não correspondam às expectativas esperadas, causarão enormes danos
à educação.
Para efetuar a reconversão docente (EVANGELISTA, 2010), re-
comenda-se empenho dos governos para aumentar a atratividade da
carreira, a fim de se: recrutar jovens talentosos para a docência; ampliar
o recrutamento, permitindo atuação de outros profissionais no magis-
OS PROFESSORES NA AGENDA DO BANCO MUNDIAL PARA A PRÓXIMA DÉCADA 143

tério; melhorar a seleção com aumento de exigências nos exames de in-


gresso; reformar os currículos da formação inicial e aprimorar a avalia-
ção das instituições formadoras. A reforma se pautaria pelos marcos do
bom ensino, sistematizados em estândares que tendem a nortear a for-
mação inicial e continuada e balizaria as avaliações, bem como a criação
de um sistema de acreditação das instituições formadoras (SHIROMA;
BRITO NETO, 2015).
Evangelista (2010) articula a tese da reconversão docente como
a necessidade de o capital formar um novo profissional da educação
e reinventar a docência. Para Shiroma (2003), as reformas da forma-
ção docente que anunciam preocupação em qualificar os professores,
ao se concentrarem na pesquisa da prática, no saber construído “na” e
“pela” experiência, a despeito do eufemismo da profissionalização, têm
em vista a desintelectualização docente. Paradoxalmente, a ampliação
do espectro das funções docentes vem acompanhada da rarefação da
formação. Esses processos tendem a conformar uma nova cultura or-
ganizacional na escola e a reinvenção da docência. Esse processo seria
facilitado com a implantação da avaliação de desempenho e certificação
de professores que tendem a produzir, em médio e longo prazos, um
contingente de docentes tecnicamente competentes e devidamente seg-
mentados e despolitizados (SHIROMA; SCHNEIDER, 2008)2.
Articulando essas três teses – reconversão, desintelectualização e
certificação de professores – desenvolvidas no GEPETO3 sobre política
de formação de professores, Michels et al. (2011) assinalam que a gene-
ralização dessas medidas tende a reforçar o individualismo, a competi-
ção e a classificação como bases da estratégia de gestão dos professores.
Ressaltam que a meritocracia e a responsabilização pelos resultados en-
dereçam aos professores uma pressão que, se para alguns, poderá trazer
reconhecimento e valorização em formas de bônus, para a maioria po-
2 É interessante registrar a notícia publicada na Folha de S. Paulo, em 28 de outubro de 2015, acerca
dessa questão. Volta à baila o problema da formação excessivamente teórica do professor e a solução do
problema educacional pelo aumento da prática na sua formação, exemplo da relação mecanicamente
estabelecida entre resultados indesejados e responsabilização docente (TAKAHASHI, 2015).
3 Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho (GEPETO) do Centro de Ciências da Educação,
da UFSC <gepeto.ced.ufsc.br>.
144 Eneida Oto Shiroma, Thais Marcelino Cunha

derá se expressar em sofrimento, adoecimento e mal-estar, decorrentes


da intensificação do trabalho docente.
Atentos a isso, educadores e sindicatos reagem, mobilizam-se,
protestam e resistem, tanto que Bruns e Luque (2014) afirmam que o
grande desafio para a implantação das reformas pretendidas na América
Latina são os sindicatos de professores, porque são grandes e politica-
mente ativos.

Nenhum outro ator educacional é tão altamente organizado,


visível e politicamente influente e que devido à sua autono-
mia em sala de aula, os professores também têm muito po-
der quanto a quais novas políticas podem ser implementadas
com sucesso. Eles têm um histórico de uso efetivo de influ-
ência eleitoral direta e movimentos de protesto nas ruas para
impedir reformas consideradas uma ameaça a seus interesses.
Como todos os trabalhadores organizados, os sindicatos dos
professores existem para defender os direitos que eles legi-
timamente conquistam por meio de negociação e opor-se a
mudanças políticas que ameacem esses direitos. Mas também
é verdade que as metas das organizações dos professores não
estão em harmonia com as metas dos formula- dores de políti-
cas de educação ou dos interesses dos beneficiários do sistema
educacional — incluindo estudantes, pais e empregadores que
precisam de trabalhadores qualificados (BRUNS; LUQUE,
2014, p. 47).

Os autores difundem, desse modo, uma imagem do professor


corporativo que resiste às avaliações, à prestação de contas, às tecno-
logias, às inovações, transmitindo uma imagem negativa da resistência
e do professor, este apresentado como conservador, obsoleto e inimigo
dos interesses da nação. Essa artimanha serve para dividir e contrapor
professores, orientadores, supervisores, diretores e gestores, tentando
incitar a caça aos responsáveis pela má qualidade da educação, que de-
veriam responder por esta. Tal visão parcial, por certo, oculta outros
OS PROFESSORES NA AGENDA DO BANCO MUNDIAL PARA A PRÓXIMA DÉCADA 145

aspectos desse processo, que indicam serem os atos de resistência uma


expressão da luta em defesa da educação pública, na medida em que se
opõem à heteronomia e à ingerência das medidas indutoras e sedutoras,
que tentam estabelecer prioridades que não foram definidas pela co-
munidade escolar, impõem metas e uma lógica que não foram por esta
construída e compartilhada.

Resistir, verbo intransitivo

Acompanhando o discurso do Estado eficaz, assistimos o movi-


mento reviver em prol das escolas eficazes (SANTOS, 2012) e à incul-
cação no imaginário social do que seja o professor eficaz na acepção
do capital. O Estado eficaz é aquele que faz mais com menos, otimiza
recursos, barateia a formação, aumenta a cobertura sem aumentos subs-
tanciais de gastos públicos, implanta a gestão de resultados e avaliação
de desempenho e reforma a carreira, quebrando a isonomia salarial,
adotando incentivos e gratificações individualizadas. Essas ações repre-
sentam um verdadeiro ataque ao sindicalismo docente, que organiza as
lutas em prol dos benefícios coletivos para a categoria.
O arsenal de documentos, projetos e ações do BM na área da edu-
cação é expressão clara do interesse do capital pela formação da próxi-
ma geração de trabalhadores. Essa formação, sabemos, ocorre em vários
espaços, mas na escola é mediada pelo professor, por isso a formação e o
trabalho docente tornaram-se alvos prioritários das políticas educacio-
nais no contexto de mundialização do capital.
É evidente que a intenção inspiradora da “noção de classe mun-
dial” não é igualar a educação no globo, mas estabelecer estândares e
produzir indicadores que possibilitem enquadramentos, comparações,
competições, ranqueamentos e construção de justificativas para as de-
fasagens entre os países desenvolvidos, numa atualização da teoria do
capital humano. Com a régua construída pelos peritos internacionais
e governos nacionais, pode-se balizar a docência e o trabalho do pro-
fessor, que será aferido por avaliações de desempenho de toda ordem,
146 Eneida Oto Shiroma, Thais Marcelino Cunha

dos alunos, dos docentes, das instituições, dos gestores e dos sistemas
escolares (SHIROMA; BRITO NETO, 2015).
A formação de professores, uma questão de Estado, foi assim
transmutada em relevante questão supranacional, discutida em fóruns
internacionais promovidos por OM, agentes de uma governança trans-
nacional. O grande ausente nos debates é o professor. Embora deno-
minado “protagonista da reforma”, o professor e seu trabalho são, ao
inverso, os alvos das políticas concebidas e geridas sem consulta ou
participação. Professores resistem, e os reformadores referem-se a eles
como obstáculos (EVANGELISTA, SHIROMA, 2007), inimigos da pá-
tria. Não podemos cair nessa armadilha que separa os professores dos
alunos, dos pais, deixando ao seu lado os empresários e o governo a
cobrar responsabilidade sobre os resultados.
A perspectiva dialética nos possibilita ver, contraditoriamente, a
outra face da resistência, reconhecendo a positividade que lhe é ineren-
te. Resgatemos, pois, a sua positividade. Resistência denota capacidade
para suportar a fadiga e defender a educação pública contra os ataques
contínuos. Lembramos que resistir também é verbo intransitivo e sig-
nifica conservar-se firme, não sucumbir, não ceder. Concluímos e re-
tomamos o argumento inicial de que reconhecer que esse conjunto de
políticas tem origem no BM não é o fim da linha, assim como não está
decretado o fim do projeto coletivo de educação orientado por e para a
construção de outro projeto de sociedade que supere a barbárie, posto
que, quando se fala de educação e trabalho docente, é disso que se trata.

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A CENTRALIDADE DO PROFESSOR NA
AGENDA EDUCACIONAL INTERNACIONAL:
ESTRATÉGIAS DE CONSENSO E
TERCEIRIZAÇÃO

Fabiano Santos

Introdução

O pano de fundo com o qual pretendo trabalhar neste texto é a rela-


ção entre qualidade da educação, a centralidade que a nova agen-
da educacional mundial tem dado ao professor e o crescimento da ter-
ceirização de algumas das atividades fundamentais da escola. Está em
evidência um projeto bastante complexo, que envolve a participação
da chamada sociedade civil, organizada como esfera atomizada, com-
posta por sujeitos que realizam as ações de responsabilidade do Estado.
Segundo reformadores, esse projeto precisa ser modernizado e, assim,
deixar de prover alguns serviços ou, pelo menos, de ter exclusividade.
Vê-se, assim, a crescente participação de organizações não gover-
namentais, fundações empresariais, pais e responsáveis na definição de
ações envolvendo atividades que antes eram de responsabilidade ex-
clusiva do Estado, conformando um importante consenso. As políticas
educacionais, por meio das recomendações dos OM, indicam a neces-
sidade da participação destes aparelhos privados de hegemonia1 para
1 De acordo com Coutinho (1994), os aparelhos privados de hegemonia formam organismos sociais com
152 Fabiano Santos

consolidar uma nova forma de governança, que não seja estabelecida de


cima para baixo, mas, ao contrário, conte com a participação ativa dos
sujeitos envolvidos diretamente com as atividades escolares.
Ainda sobre as recomendações dos OM, cabe destacar a mudan-
ça de estratégia de disseminação das políticas a partir dos anos 2000.
Se nos anos de 1990 visava-se a ampliação do acesso à escolaridade na
América Latina e no Caribe, nos anos 2000 inaugurou-se a estratégia de
políticas focalizadas. Na área da assistência social, por exemplo, criam-
se políticas que atacam problemas pontuais, sendo o combate à fome
um exemplo dessa focalização. Na área educacional, com a conclusão
de que o acesso à educação básica havia atingido índices próximos a
90%, o foco passou a ser outro: qualidade do ensino e, principalmente,
da aprendizagem.
É exatamente a partir dessa constatação que as recomendações
passam a constituir estratégias de convencimento bastante eficazes, já
que dificilmente encontraremos alguém contrário à ideia de que é pre-
ciso instituir um ensino de qualidade, ou que tal ensino depende dire-
tamente da qualidade do trabalho realizado pelo docente. Na pesquisa
que atualmente desenvolvemos2, denominada: “As políticas de melhoria
da qualidade da educação: a formação de consensos,” é possível perce-
ber como a focalização das ações para a área da educação tem contado
com a produção e conservação da hegemonia.
Na sequência do texto se notará como a construção do consenso
ativo (consenso produzido de baixo para cima) por meio da indução da
participação das organizações não governamentais, fundações empre-
sariais, pais e responsáveis oferece nova roupagem às políticas e, princi-
palmente, a uma espécie de terceirização atomizada, sob o discurso da
melhoria da qualidade da educação via aprendizagem. Esta responsabi-
liza o professor e, por consequência, procura estabelecer novos parâme-
tros para sua atuação, a começar por sua contratação via OS.
certa autonomia em relação ao Estado. A adesão a tais aparelhos é voluntária e não coercitiva. Coutinho
alerta, ainda, que embora tais aparelhos tenham certa autonomia em relação ao estado, é preciso
compreender que Gramsci sempre teve em mente sua articulação com a vida política de dada sociedade.
2 Essa pesquisa conta com o financiamento do CNPq.
A CENTRALIDADE DO PROFESSOR NA AGENDA EDUCACIONAL INTERNACIONAL: 153
ESTRATÉGIAS DE CONSENSO E TERCEIRIZAÇÃO

Na primeira parte do capítulo, está o contexto político e econô-


mico para o surgimento de uma nova concertação social, apoiada na
substituição do Estado pela sociedade civil, naquelas ações enquadra-
das como serviço público não estatal. Na sequência, essa concertação é
apresentada, destacando-se o fortalecimento da Terceira Via por meio
a sociedade civil organizada. O fortalecimento da sociedade civil como
espaço harmonioso se contrapõe tanto à perspectiva apontada por Marx
e Engels (2007) quanto àquela desenvolvida por Gramsci (2011), para
quem a sociedade civil é uma arena em disputa por projetos societários
distintos.
Essa nova concepção de sociedade civil, articulada aos pressupos-
tos da Terceira Via, é responsável por reorientar as políticas educacio-
nais a partir dos anos 2000, destacando o professor como seu protago-
nista. A terceira parte do capítulo ressalta a atividade docente pela nova
agenda educacional. Apresentando documentos da UNESCO e do BM,
destacam-se como fundamentos de racionalidade produtivista e mer-
cadológico, se aliando à educação para traçar o novo perfil profissional
docente. É exatamente deste novo perfil que o próximo item do capítulo
trata, ao desvelar as estratégias dispostas nos documentos da UNES-
CO e do BM (documentos responsáveis por apresentar a nova agenda
pós-2015), conformadoras do consenso em torno da responsabilização
docente e da necessidade de reestruturar sua carreira, o que garantiria a
atração de novos professores, talentosos, eficientes e eficazes.

Uma nova sociedade civil para um novo Estado: estratégias para a


concertação social

A luta para que o Brasil superasse o estado de exceção, ex-


perimentado na ditadura civil-militar, foi intenso, principalmente
quando as manifestações começaram a tomar lugar da repressão. Ao
mesmo tempo em que se adensavam as manifestações dos movimen-
tos sociais, era inaugurada uma experiência já há muito tempo de-
fendida por Hayek (1990), o neoliberalismo. Como estratégia para
154 Fabiano Santos

superar mais uma das crises cíclicas do capital (MÉSZÁROS, 2002),


o neoliberalismo surgiu com a defesa de minimização do Estado e
a ampliação do mercado como instituição reguladora das políticas
econômicas e sociais. A constatação era de que não se poderia mais
manter os gastos com políticas sociais e que o principal regulador
deveria ser o mercado.
Segundo Peroni e Caetano (2012), no plano da produção, o capi-
talismo visava substituir trabalho vivo por trabalho morto, o que gerou
um importante processo de desemprego estrutural. A alternativa, neste
caso, foi conclamar os trabalhadores desempregados a uma nova quali-
ficação, como se o problema do desemprego fosse sua responsabilidade.
A crise estrutural do capital, que se refere à crise do modelo fordista/
taylorista, e a consequente queda da taxa de lucro são creditadas ao
Estado. Segundo analistas do capital, era preciso uma nova ordenação
de sua funcionalidade, deixando de gastar com políticas sociais, fator
considerado um dos principais para o crescimento do capitalismo. “O
papel do Estado em relação às políticas sociais é alterado, pois, com esse
diagnóstico, duas são as prescrições: racionalizar recursos e esvaziar o
poder das instituições, consideradas improdutivas pela lógica de merca-
do” (PERONI e CAETANO, 2012, p. 59).
No Brasil, a principal solução para reconfigurar o papel do Estado
foi reformá-lo por meio de medidas gerenciais. A constatação de que o
problema da crise estava no papel que o Estado vinha exercendo e que
os elevados gastos considerados desnecessários deveriam ser revertidos
gerou um sentimento de insatisfação com a “coisa pública”. Segundo os
reformadores, era preciso disseminar o pressuposto de que o Estado era
burocrático e deveria passar para uma nova forma de gestão, a gerencial.
A responsabilidade pela execução das políticas sociais não deveria ser
mais do Estado, mas da sociedade.
Se observarmos a Reforma do Estado em curso desde 1995, com a
criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE),
é possível perceber como aqueles preceitos ganharam espaço na política
nacional ao longo desses 20 anos. Não foram medidas adotadas pron-
A CENTRALIDADE DO PROFESSOR NA AGENDA EDUCACIONAL INTERNACIONAL: 155
ESTRATÉGIAS DE CONSENSO E TERCEIRIZAÇÃO

tamente, pelo menos não em sua maioria, mas princípios que passaram
a incorporar o discurso político, capazes de produzir consensos sobre a
ineficiência do Estado e a participação da sociedade em atividades antes
de sua exclusividade, causando a falsa impressão de distanciamento en-
tre sociedade civil e sociedade política.
Essa nova concertação econômica e, principalmente, política ga-
nhou espaço a partir dos anos 2000, sob a defesa de um novo mode-
lo de desenvolvimento para o país. Segundo Mattei (2011), a proposta
novo-desenvolvimentista brasileira expressa a tentativa de fortalecer o
Estado e, ao mesmo tempo, o mercado. Seria, segundo ele, uma terceira
proposta de desenvolvimento econômico: nem ortodoxa, nem populis-
ta (nacional-desenvolvimentismo, pautada na industrialização do país
para fortalecer o mercado interno e superar a dependência aos merca-
dos externos).

Em linhas gerais, pode-se dizer que o “Novo Desenvolvimen-


tismo” até aqui discutido pretende ser a construção de um
“terceiro discurso” entre a ortodoxia neoliberal e o populismo,
com o objetivo de implementar um conjunto de reformas das
políticas macroeconômicas e das instituições, visando fortale-
cer tanto o Estado como o mercado e, com isso, tornar o país
mais competitivo no cenário internacional. Trata-se, portanto,
de um novo projeto que busca transformar o Brasil em um
país desenvolvido no longo prazo (MATTEI, 2011, p. 07-08).

Apresenta ainda, essa concertação, importantes mudanças no pa-


pel do Estado, que passa a realizar função reguladora e gerenciadora das
políticas econômicas e sociais e, especialmente sobre as políticas sociais,
conta com a participação da chamada sociedade civil organizada, talvez
o mais importante parceiro do estado brasileiro a partir dos anos 2000
(cumpre destacar que esse processo tem suas origens na reforma do Es-
tado brasileiro, iniciada nos anos 1990) quando o assunto representa
as atividades não exclusivas do Estado (educação, saúde e cultura, por
156 Fabiano Santos

exemplo). É preciso, portanto, a adequação (concertação) do novo mo-


delo de Estado a uma nova concepção de sociedade civil.
Ao longo da história liberal, o conceito de sociedade civil sofreu
modificações importantes, quase sempre relacionadas ao papel que de-
veria ocupar o Estado. O primeiro a defender a existência de um Estado
como instituição representativa dos interesses comuns foi Hobbes (visão
contratualista). Para ele, o Estado representaria o equilíbrio das forças
naturais do ser humano em estabelecer a desordem e a violência. Ainda
sobre a concepção de suposta neutralidade do Estado, Locke insere a ló-
gica da propriedade privada como direito individual e responsabilidade
do Estado por sua garantia. Nessas visões, há uma cisão entre sociedade
política e sociedade civil e uma visão naturalista da vontade social, isto
é: tanto na visão hobbesiana quanto na visão lockiana, a relação entre
sociedade civil e Estado é estabelecida por meio de um contrato social.
Marx e Engels (2007), influenciados pela perspectiva anticontra-
tualista hegeliana e pelo materialismo de Feurbach, passam a analisar a
relação entre Estado e sociedade civil de forma completamente oposta.
Os autores não concordam com as visões contratualistas de uma natu-
reza humana, muito menos subordinadas ao controle do Estado. Para
eles, a relação ontológica entre Estado e sociedade é invertida, já que o
primeiro surge a partir da segunda. Isso elimina a neutralidade que o
Estado teria na condição de representante inalienável da sociedade civil.
Exatamente por ser criado a partir dos interesses individuais e burgue-
ses, o Estado seria seu representante institucionalizado.
A visão de sociedade civil em Marx e Engels é, portanto, negativa
justamente por encerrar os interesses burgueses. Quase um século de-
pois, Gramsci (2011) retoma o conceito de sociedade civil e lhe dá um
novo significado, articulando-o à sociedade política. A partir de uma
concepção de Estado ampliado, o autor sardo vincula sociedade civil a
um espaço em disputa por hegemonia e contra-hegemonia. Nessa visão,
os aparelhos privados de hegemonia, representantes tanto dos interesses
burgueses quanto dos interesses dos trabalhadores, materializariam os
esforços de uma arena em disputa.
A CENTRALIDADE DO PROFESSOR NA AGENDA EDUCACIONAL INTERNACIONAL: 157
ESTRATÉGIAS DE CONSENSO E TERCEIRIZAÇÃO

Essa visão, no campo crítico, foi incorporada no cenário brasileiro


a partir dos anos 1980, ao se iniciar o processo de democratização do
país, ressignificada, entretanto, a partir dos anos 1990, com o avanço do
neoliberalismo em território nacional. Nessa nova perspectiva, a socie-
dade civil organizada se vincula a interesses individualistas, que nada
condizem com os pressupostos coletivos de disputas por hegemonia.

A sociedade civil é reatualizada como expressão dos interesses


particulares que têm no mercado a sua racionalidade. E essa
racionalidade do mercado clarifica também o campo de toda
racionalidade política. Ou seja, condições de governabilida-
de só tendem a ser alcançadas com a reconstituição do mer-
cado e dos valores que lhe são inerentes, como a competição
e o individualismo. É com uma sociabilidade competitiva e
individualista e suas implicações na desagregação de grupos
organizados, desativando mecanismos de negociação de inte-
resses coletivos e eliminando direitos adquiridos, que teremos
uma sociedade civil que colabora para a governabilidade polí-
tica. Ou seja, a esfera da sociedade civil - entendida, segundo
o conceito liberal, como o que está fora da órbita do Estado
- é tomada como o espaço para se buscarem soluções para
as questões econômicas, políticas e sociais (DURIGUETTO,
2008, p. 90).

Também nessa visão de sociedade civil ocorre a dissolução com o


Estado. Assim, a sociedade civil ocuparia o papel de um agente de bem
-estar social, representante de uma nova concertação política que não
inclui, muito menos exclui, as interferências do mercado e do Estado.
A sociedade civil seria uma espécie de representante de uma terceira
via, a materialização da vontade comum. O terceiro setor passa a ter
amplo consenso entre a sociedade, já que não estaria impregnado dos
vícios burocráticos do Estado, nem das estratégias minimizadoras do
mercado.
A digressão realizada nesse momento é importante para a com-
158 Fabiano Santos

preensão do sentido histórico tomado pela sociedade civil e sua atual


configuração, que se vincula à perspectiva elaborada por Neves (2010),
denominada de Nova Pedagogia da Hegemonia. Trata-se, portanto, de
uma nova concertação política e social sobre a relação entre Estado e
sociedade civil, que estabelece estratégias inovadoras do ponto de vista
da disputa por hegemonia. Como será possível acompanhar mais adian-
te, essa compreensão de sociedade civil tem sido responsável pela rees-
truturação dos serviços do Estado, pela reestruturação dos objetivos e
determinações das políticas sociais.
Passam, portanto, a ocupar centralidade, ao lado do neoliberalis-
mo, as perspectivas intervencionistas da Terceira Via. A crise, portanto,
não é estrutural, mas por causa da forma de organização do Estado, de-
cretando-o como principal responsável pela crise econômica. Essa cons-
tatação conduz à adoção de medidas voltadas aos ajustes de sua atuação
frente à questão social.

Os teóricos da Terceira Via concordam com os neoliberais,


que a crise está no Estado, que gastou mais do que podia em
políticas sociais e provocou a crise fiscal, só que a estratégia de
superação da crise para os neoliberais é a privatização e para a
Terceira Via é o Terceiro Setor (PERONI, 2008, s/p).

Enquanto o neoliberalismo oferece soluções que visam minimizar


o papel do Estado sobre a questão social, principalmente por meio da
privatização, a Terceira Via visa seu fortalecimento (no campo político,
regulatório e administrativo). Ambas as propostas se adequam ao de-
senvolvimento do capital, já que se constituem a partir da mesma cons-
tatação de insuficiência do Estado.
A pergunta que se apresenta no atual desenvolvimento do capita-
lismo é: Como se configura essa correlação de forças entre projetos apa-
rentemente distintos? A resposta que me parece fulcral é dada por Lúcia
Neves (2010), ao apresentar a perspectiva do Neoliberalismo de Terceira
Via. Para a autora, o misto entre as propostas de minimização do Estado
A CENTRALIDADE DO PROFESSOR NA AGENDA EDUCACIONAL INTERNACIONAL: 159
ESTRATÉGIAS DE CONSENSO E TERCEIRIZAÇÃO

e de maximização de uma via alternativa se articulam na conjuntura


política atual. Se antes as proposições de privatização eram evidentes,
o que gerava importantes lutas reivindicatórias em favor da “coisa pú-
blica”, o que se observa atualmente é um conjunto muito complexo de
ações, com a participação mais ativa dos sujeitos, de forma atomizada
(como pregou desde o início Hayek em favor do atendimento da pro-
priedade privada como direito individual e inalienável).
É justamente a partir dessa nova conjuntura, complexa porque en-
volve a participação não somente de aparelhos privados de hegemonia
(materializados principalmente pelas organizações não governamen-
tais), mas dos sujeitos atomizados e representativos de uma sociedade
civil organizada, que é possível pensar a questão da terceirização, via
criação de OS. Sabemos que o conceito clássico de terceirização é aque-
le que aponta para a contratação de uma empresa que fará o serviço de
outra, obtendo lucro com essa relação. No Plano Diretor da Reforma do
Estado, a terceirização apresenta-se vinculada a outro movimento: a pu-
blicização. Neste último, a proposta é contar com a participação da so-
ciedade civil organizada na execução das tarefas do Estado. O fortaleci-
mento da sociedade civil como espaço livre de conflitos confere à escola
uma nova maneira de organização. Os sujeitos escolares passam a fazer
o papel do Estado, terceirizando suas funções, mas de forma distinta às
terceirizações no campo empresarial. Aqui os aspectos da Terceira Via
inauguram o que acreditamos ser uma terceirização atomizada.
Essa forma de terceirização é complexa porque conta com o con-
sentimento ativo dos sujeitos. São pais que passam a controlar a gestão
escolar e a cobrar os resultados alcançados pelas escolas nas avaliações
estandardizadas. Os professores começam a assumir a responsabilidade
pela suposta melhoria da qualidade da educação, como se esta depen-
desse exclusivamente da melhoria de seu rendimento em sala de aula.

Portanto, o diagnóstico é o mesmo, mas com estratégias dife-


rentes: o neoliberalismo propõe o Estado mínimo, privatiza
e passa tudo pelo mercado; a Terceira Via propõe reformar o
160 Fabiano Santos

Estado, argumentando que é ele o ineficiente e, portanto, sua


reforma terá como parâmetro de qualidade o mercado, através
da administração gerencial, fortalecendo sua lógica de merca-
do dentro da administração pública. E, também, repassando
para a sociedade tarefas que então eram do mercado (PERO-
NI, 2010, p. 219).

O professor, neste sentido, ocupa então um lugar central nas re-


formas educacionais a partir dos anos 2000. É ele quem deve oferecer
respostas à qualidade da educação, por meio da melhoria de sua prática
profissional. Associada a tal melhoria está a aceitação de que deve se
profissionalizar, adequando-se aos novos conceitos que passam a regu-
lar as relações de trabalho. Como acompanharemos a seguir, associar
o professor ao protagonismo da agenda educacional cumpre duas fun-
ções: a primeira é produzir o consentimento ativo e, de quebra, instituir
nova forma de contratação destes docentes, agora por meio da terceiri-
zação materializada pelas OS.

Um novo professor para uma nova educação a partir da agenda Pós-


2015

A agenda educacional dos últimos 25 anos (1990-2015) tem sido


marcada pelo movimento de reestruturação do Estado, apresentado no
item anterior, respondendo a uma agenda globalmente estruturada:

os quadros regulatórios nacionais são agora, em maior ou me-


nor medida, moldados e delimitados por forças supranacio-
nais, assim como por forças político-econômicas nacionais. E
é por estas vias indiretas, através da influência sobre o estado
e sobre o modo de regulação, que a globalização tem os seus
mais óbvios e importantes efeitos sobre os sistemas educativos
nacionais (DALE, 2004, p. 441).

Em 1990, na cidade de Jontiem, Tailândia, ocorreu a Conferên-


A CENTRALIDADE DO PROFESSOR NA AGENDA EDUCACIONAL INTERNACIONAL: 161
ESTRATÉGIAS DE CONSENSO E TERCEIRIZAÇÃO

cia Mundial sobre Educação para Todos, cujo objetivo era satisfazer
as necessidades básicas de aprendizagem, por meio da universalização
da educação fundamental, considerada um entrave para o desenvolvi-
mento do capitalismo (desenvolvimento de capital humano). Dez anos
depois, em 2000, ocorreu o Fórum Mundial de Educação para Todos,
consolidando o movimento Educação para Todos (EPT) como principal
estratégia de articulação entre a mundialização do capital (CHESNAI,
1996) e o desenvolvimento da educação como área estratégica. A prin-
cipal constatação a que se chegou é que, decorridos dez anos desde a
realização da conferência de Jontiem, houve progressos significativos,
especialmente no acesso à educação fundamental. Por outro lado, des-
taca-se que o desafio para os próximos anos é, dentre outros, a aprendi-
zagem e sua qualidade.

Aumentar o capital humano — o principal ingrediente de


uma produtividade maior e inovação mais rápida — é, por-
tanto, um desafio central para a região. Embora a cobertura da
educação na América Latina e no Caribe se tenha expandido
rapidamente, é a aprendizagem dos estudantes — não os anos
de escolaridade concluídos — que produz a maior parte dos
benefícios econômicos dos investimentos na educação (BAN-
CO MUNDIAL, 2014, p. xi).

Associada a essas constatações está a valorização conferida à parti-


cipação da sociedade civil. Um dos comprometimentos assumidos pelos
países participantes era “[...] assegurar o engajamento e a participação
da sociedade civil na formulação, implementação e monitoramento de
estratégias para o desenvolvimento da educação” (DAKAR, 2000, p. 09).
Fica evidenciada a estreita relação entre os pressupostos da Terceira Via
e a manutenção da educação como área estratégica de desenvolvimento
econômico e social, além da perspectiva individualista e neoliberal de
sociedade civil como esfera do consenso.
Transcorridos 15 anos desde 2000, estamos presenciando a conti-
162 Fabiano Santos

nuidade de uma agenda global para a educação, porque aquela mantém


o compromisso com o capital, ainda que novas e importantes estratégias
tenham surgido. Liderada pela UNESCO, mas com importante partici-
pação do BM, a criação da agenda pós-2015 pretende mostrar os avan-
ços e desafios da educação desde 2000.
É uma agenda composta por vários documentos, resultantes de
pesquisas que visavam levantar dados da educação em todo o mundo,
principalmente dos países periféricos. Com o principal objetivo de ga-
rantir a qualidade da educação (inclusiva e equitativa) ao longo da vida
para todos até 2030, a agenda põe em evidência: maior equidade de gê-
nero, em especial o atendimento às meninas; atenção para a educação
de jovens e adultos; educação baseada na aprendizagem de competên-
cias e habilidades; foco sobre a relação entre qualidade da educação e
qualidade do professor (responsabilização docente) e a necessidade de
basear os futuros resultados educacionais em dados que possam ser
mensurados. Para atender ao objetivo deste capítulo, vamos tratar parti-
cularmente da ênfase dada, nesta agenda, ao professor, peça fundamen-
tal para seu desenvolvimento.

A qualidade do sistema educativo de um país não pode ser


superior à qualidade de seus docentes e de seu ensino. Por
conseguinte, reafirmamos o papel essencial dos docentes para
o sucesso dos objetivos da EPT. A escassez, a nível mundial, de
docentes qualificados deve ser sanada energicamente (UNES-
CO, 2012, p. 4, tradução nossa).

Considerado, ao mesmo tempo, solução e problema para o de-


senvolvimento da agenda, o professor parece ter se tornado uma figura
paradoxal, responsabilizado, na maioria das vezes, como o único pelo
fracasso escolar. Como observaremos, a solução é atrair novos talentos,
o que significa deixar a carreira docente mais atraente, moderna (leia-se
acabar com sua estabilidade), inserindo uma lógica de salários diferen-
ciados, com base na produtividade e meritocracia.
A CENTRALIDADE DO PROFESSOR NA AGENDA EDUCACIONAL INTERNACIONAL: 163
ESTRATÉGIAS DE CONSENSO E TERCEIRIZAÇÃO

Os docentes da região trabalham, principalmente, em centros


escolares públicos, são funcionários públicos e, portanto, go-
zam de estabilidade em seu cargo, característica deste setor.
Por outro lado, a modificação dos estatutos, ou marcos regula-
tório do trabalho docente têm acarretado situações de conflito
e negociações em distintos países da Região nos últimos anos.
Nos países de maior desenvolvimento relativo, os planos de
carreira surgiram na fase de expansão dos sistemas educati-
vos, entre as décadas de 1940 e 1960. Estes planos seguiram
o modelo de regulação estatal das relações laborais, e estru-
turaram carreiras burocráticas de acesso, níveis e pautas de
remuneração. [...] Nos processos de reforma e modernização
dos sistemas educativos que tiveram lugar na década de 1990,
estes marcos regulatórios foram vistos por muitos analistas e
reformadores como uma das principais travas estruturais para
a reformulação da organização escolar e a melhoria do ensi-
no (UNESCO/OREALC, 2013, p. 76-77, tradução nossa, sem
grifos no original).

O problema é, nesse sentido, os professores pertencentes ao fun-


cionalismo público, que estariam acomodados e representariam o prin-
cipal desafio para as propostas da agenda nos países da América latina e
do Caribe (ALC). Logo na apresentação do livro sobre professores exce-
lentes, elaborado pelo BM, é possível observar tais intenções:

Com simplicidade elegante, este livro argumenta que a qua-


lidade da educação está condicionada à qualidade de nossos
professores. Propõe um novo enfoque com o recrutamento
dos jovens mais talentosos para o magistério, o aumento da
eficácia dos professores em serviço e o provimento de incenti-
vos que motivem os professores ao máximo esforço em todas
as salas de aula, todos os dias, com todos os alunos (BANCO
MUNDIAL, 2014, p. xi).
164 Fabiano Santos


Considerando-se que o principal slogan da agenda educacional
para os próximos 15 anos é a qualidade da aprendizagem, o BM declara
o domínio de conteúdo do professor e sua inabilidade em conduzir as
atividades de classe como um entrave. Apresentando como sinônimo de
aprendizagem o conceito de instrução, revelando seu sentido pragmá-
tico, mostra-se que bons professores são aqueles hábeis em não desper-
diçar tempo com atividades desvinculadas à instrução. Nessa constata-
ção, eles excluem qualquer tipo de ação que não seja a instrução, como
correção de tarefas, considerada perda de tempo. Não ponderam, neste
caso, que o feedback proporcionado durante a correção de uma tarefa é
fundamental para a consolidação de conceitos já apreendidos.

A maior parte do tempo de instrução perdido é utilizada em


atividades de organização da sala de aula, tais como chamada,
limpeza do quadro negro, correção de dever de casa ou distri-
buição de trabalhos, que absorvem entre 24% e 39% do tempo
total da aula: muito acima do padrão de 15%. Os programas de
capacitação de professores de muitos países da OCDE trans-
mitem técnicas para administrar as transições em sala de aula
e os processos administrativos com o máximo de eficiência
possível, com o mantra que “o tempo de instrução é o recurso
mais caro de uma escola.” Os professores da América Latina
que atuam em sala de aula parecem operar com pouca pressão
nesse aspecto (BANCO MUNDIAL, 2014, p. 12).

O trecho acima demonstra a racionalidade com que a atividade


docente é tratada na nova agenda. As semelhanças com a reestrutu-
ração da organização do trabalho são grandes. Assim como na fábri-
ca, primeiro por meio das técnicas fordistas/tayloristas e depois pelas
toyotistas, o objetivo é o mesmo: diminuir o tempo gasto na produção.
Não me parece exagerada a comparação com o trabalho do profes-
sor, especialmente quando a métrica para eficiência e eficácia repousa
A CENTRALIDADE DO PROFESSOR NA AGENDA EDUCACIONAL INTERNACIONAL: 165
ESTRATÉGIAS DE CONSENSO E TERCEIRIZAÇÃO

sobre a racionalidade temporal. Não há preocupação quanto aos im-


pactos que as práticas geram na aprendizagem do aluno, mas como a
economia do tempo pode contribuir para esse processo, supondo que
tal economia garantiria, de per si, uma aprendizagem efetivamente de
qualidade. O resultado da adoção de políticas que visam reestruturar o
trabalho docente é, assim como na esfera da produção, a padronização
de práticas.

O que na verdade distingue as melhores escolas é a consis-


tência: boas escolas têm menos variação de uma sala de aula
para outra em um parâmetro bem básico de desempenho dos
professores: a parcela do tempo de aula usada para instrução.
Independentemente de o país ter uma variação relativamente
elevada entre as escolas (como Honduras, Jamaica ou Brasil)
ou baixa (México e Colômbia), o quintil superior da distri-
buição é caracterizado por um desempenho mais consistente
por parte dos professores nas diferentes salas de aula (BANCO
MUNDIAL, 2014, p. 22).

Até esse momento é possível perceber a tentativa de atribuir ao


professor uma nova racionalidade em seu trabalho, reduzindo o tempo
gasto em atividades que não conduziriam à aprendizagem dos alunos.
Partindo do pressuposto de que essa racionalidade temporal conduz à
aprendizagem, a relação mais evidente é a preocupação com a produti-
vidade. O objetivo é reduzir gastos com a educação, impondo racionali-
dade produtivista e mercadológica.

A mágica da educação — a transformação dos insumos edu-


cacionais em resultados da aprendizagem — acontece na sala
de aula. Todo elemento de despesa de um sistema educacio-
nal, desde a concepção do currículo até a construção da esco-
la, aquisição de livros, e salários dos professores, reúne-se no
momento em que um professor interage com os alunos em
sala de aula. A intensidade com que esse tempo de instrução é
166 Fabiano Santos

utilizado é um importante determinante da produtividade do


gasto com educação (BANCO MUNDIAL, 2014, p. 11).

O direcionamento para uma nova racionalidade do trabalho do-
cente, pragmática, produtivista e mercadológica, se alia a outra reco-
mendação da agenda educacional para os próximos 15 anos: a carreira
do professor e sua profissionalização:

Os desafios de qualidade e equidade que enfrentam os siste-


mas educativos da região fazem necessário focar nas políticas
docentes que permitam avançar até a disponibilidade de edu-
cadores altamente competentes e motivados para dos os alu-
nos, em um processo de crescente profissionalização. Os de-
safios para as políticas docentes nos países da América Latina
e Caribe podem ser agrupadas em três dimensões: formação
inicial, formação continuada, carreira profissional e condições
de trabalho (UNESCO/OREALC, 2013, p. 97).

Como poderemos acompanhar, na sequência, a lógica de “aumen-


tar os padrões de contratação” aliada à proposta de “profissionalizar” a
profissão docente são pedras angulares da proposta, ocultando os obje-
tivos de instituir novas estratégias para: desmantelar a estabilidade da
carreira docente; proporcionar espaço para a terceirização das ativida-
des fins da escola, via contratação de professores por meio de OS, e ins-
tituir salários diferenciados cuja base se estabeleça pela produtividade e
meritocracia.

A terceirização do trabalho docente: novas formas de concertação

Destacamos que o pleno cumprimento da agenda da educa-


ção para depois de 2015 exigirá um firme compromisso tanto
dos governos como dos colaboradores para destinar à educa-
ção um financiamento suficiente, equitativo e eficaz. Ele deve
vir acompanhado de mecanismos reforçados de governança
A CENTRALIDADE DO PROFESSOR NA AGENDA EDUCACIONAL INTERNACIONAL: 167
ESTRATÉGIAS DE CONSENSO E TERCEIRIZAÇÃO

participativa, participação da sociedade civil e responsabi-


lização em escala mundial, nacional e local, assim como de
mecanismos e processos melhorados de planificação, supervi-
são e apresentação de informes. Também será necessário es-
tabelecer alianças coordenadas no plano nacional. (UNESCO,
2014a, p. 03, tradução nossa).

Nos tópicos anteriores, apresentamos as transformações sofridas


pelas políticas educacionais em resposta à mundialização do capital.
Nesse cenário, uma nova concertação social e política foi instituída,
com participação decisiva do terceiro setor, que resultou na reforma do
estado brasileiro nos anos 1990. Naquele momento, a prioridade para
as políticas educacionais era a universalização do Ensino Fundamental.
Nos anos 2000, como consequência do reordenamento econômico, ga-
nhou força a perspectiva educacional que Neves (2010) denominou de
Nova Pedagogia da Hegemonia, cujo objetivo era inserir na educação a
lógica, já fortalecida na economia, da participação do terceiro setor.
Tanto nos anos 1990 quanto nos anos 2000, a proposta era o for-
talecimento do público não estatal. Nos anos 2000, as políticas educa-
cionais, então, priorizaram a gestão escolar e seus sujeitos. A conclusão
a que chegaram os reformadores é que a universalização pretendida al-
cançou índices aceitáveis, mas a qualidade da aprendizagem ainda era
um desafio (SCHWARTZMAN; COX, 2009).
Ainda nessa constatação, demonstramos como a qualidade da
aprendizagem foi relacionada à qualidade do professor, imputando-o
a protagonista da agenda educacional pós-2015. Neste tópico, acompa-
nharemos as recomendações para o professor em relação à sua carreira,
o que resolveria, segundo os OM, um dos grandes desafios para a imple-
mentação das políticas contemporâneas: a forma de atrair professores
eficazes em sistemas fechados (ou seja, com carreira sólida, pautada no
tempo de contribuição e na formação docente).
A criação do público não estatal possibilitou, na educação, a trans-
ferência de uma série de atividades antes de responsabilidade exclusiva
168 Fabiano Santos

da escola (aqui estamos nos referindo às escolas públicas). Quando não


eram transferidas diretamente, sofriam mudanças em sua racionalidade
(como, por exemplo, a grande interferência que a racionalidade geren-
cial passou a exercer sobre a gestão escolar).
No caso da transferência de atividades, percebemos uma comple-
xa rede de ações que visam, inicialmente, a formação de consenso. Em
pesquisa realizada, identificamos como slogans amplamente aceitos são
transformados em benefício da reforma (SANTOS, 2012). Assim, par-
ticipação, descentralização e gestão compartilhada passam a fazer parte
do discurso e da prática recomendados pelas políticas e defendidos por
ampla parcela da sociedade (sejam aqueles vinculados ao campo pro-
gressista ou não). Desde o financiamento até a gestão, passam a ser rea-
lizados em cooperação com a sociedade civil organizada. Esta sociedade
civil, como vimos, não expressa a esfera de lutas, mas o apaziguamento
de classes sociais.
O slogan “Todos pela Educação”, princípio fundamental da agenda
pós-2015, gera o sentimento de que é preciso participar ativamente das
ações educacionais, que são parte de uma suposta cidadania, a partici-
pação ativa na educação. Assim, tanto sujeitos isolados como aparelhos
privados de hegemonia, em sua maioria pertencente à classe dominante
(em particular a classe empresarial), participam ativamente da gestão
escolar, inclusive recomendando práticas, orientando mecanismos ava-
liativos e estabelecendo metas e objetivos.
No segundo caso, de mudança na racionalidade em que se pauta
a educação, a lógica empresarial passa a dominar. Definição de metas
e estratégias, vinculadas à avaliação em larga escala, passa a definir pa-
râmetros do que se considera a qualidade da educação de um sistema
de ensino. No Brasil, o crescimento das avaliações de desempenho de-
monstra como esse mecanismo tem sido amplamente aceito pelos sis-
temas de educação (quase todos os sistemas, estaduais e municipais,
adotam avaliações de desempenho dos alunos como preparativos para
as avaliações nacionais).
O professor passa a ser a principal figura na agenda porque é res-
A CENTRALIDADE DO PROFESSOR NA AGENDA EDUCACIONAL INTERNACIONAL: 169
ESTRATÉGIAS DE CONSENSO E TERCEIRIZAÇÃO

ponsabilizado pela aprendizagem dos alunos (mensurada por meio de


avaliações de desempenho). A tentativa de responsabilizar o professor
pelos resultados das avaliações é a porta de entrada para a formação
do consenso em torno da reestruturação de sua carreira, inclusive seu
regime de contratação.

Deve-se impulsionar políticas nacionais a todos os docentes


avaliados periodicamente por todos os Estados Membros, em
colaboração com outras partes interessadas como as comu-
nidades locais e as organizações de docentes. Estas políticas
devem incluir estratégias de contratação, formação inicial
e aperfeiçoamento profissional permanentes, melhoramento
das condições de trabalho, propícias à aprendizagem e me-
lhoria da condição dos docentes (UNESCO, 2012, p. 04, sem
grifos no original, tradução nossa).

Sob o discurso da profissionalização docente, busca-se forma-
tar um novo professor que se adapte às novas demandas econômicas
e sociais, sendo capaz de preparar seus alunos para tais demandas. A
“modernização” das relações de trabalho constitui importante estratégia
para incutir nos professores a visão de que o século XXI exigirá deles
uma nova postura. Nessa nova postura, deve-se: abandonar os antigos
sindicatos, considerados entraves para a implementação das políticas,
passando a participar de associações de professores; aceitar a nova con-
figuração econômica, não sendo mais possível adequar estabilidade na
carreira com percepção salarial baseada no mérito, e que os problemas
escolares estão muito mais vinculados a seus insumos que às questões
extraescolares (perspectiva que potencializa a responsabilização docen-
te sobre os problemas das escolas).
Essa nova concertação envolvendo o professor tem implicações
sobre toda sua vida profissional. Desde sua prática pedagógica até as
relações de trabalho, tem sofrido mudanças consideráveis. Para que
os entraves da estabilidade no emprego deem lugar à prometida li-
170 Fabiano Santos

berdade, criticam-se as formas de contratação via concurso público,


ora por não atenderem à transparência e ora por não possibilitarem a
atração de talentos promissores. Ainda que em alguns países a contra-
tação de professores já ocorra sem a realização do concurso público,
os OM reconhecem que se trata de um assunto delicado e que merece
ser consensuado.
O Brasil é reconhecidamente um desafio para os reformadores,
seja por seu histórico de organização sindical docente ou por suas
dimensões continentais. A estratégia é, então, realizar “pequenos en-
saios” em sistemas de ensino isolados. Tem sido assim nos estados
de Minas Gerais, Goiás, Pernambuco e do Pará, e nos municípios
de São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, que adotaram políticas
de contratação docente flexíveis, instituíram avaliações de desempe-
nho e adotaram o modelo de charter school 3. Deliberadamente essa
estratégia visa testar a reação da sociedade e construir o consenso.
Quando os casos apresentam os resultados esperados, estes são uti-
lizados como exemplos de boas práticas (UNESCO, 2014b) para os
demais países.
Os mais recentes casos de “pequenos ensaios” atacam a estabilida-
de da carreira do professor. No ensino superior já está em curso a cria-
ção de OS que se responsabilizarão pela contratação de pesquisadores
que atuarão nas universidades públicas. Difícil é acreditar que tais or-
ganizações se limitarão a contratar pesquisadores e não ampliarão seus
serviços para a contratação de professores, sendo isso feito por meio de
concursos públicos. As OS são privadas e criadas pelo poder público
para administrar serviços não exclusivos do estado, como a saúde e a
educação.

3 O modelo de charter school faz parte de um projeto comandado pela Fundação Itaú Social no estado
de Pernambuco e está em estudo para implementação nos estados de Goiás e do Pará. A experiência
visa fortalecer as parcerias público-privadas, já que o estado cede a administração de suas escolas para
a iniciativa privada. Estudos mostram que essa experiência não tem apresentado os efeitos esperados
nos Estados Unidos, onde foi inicialmente criada (KRAWKZYK, 2005). As avaliações de desempenho
indicam que as escolas não conveniadas apresentam resultados tão bons quanto as escolas charters,
desafiando os prognósticos que apontavam a melhoria da qualidade do ensino quando houvesse a
participação da iniciativa privada.
A CENTRALIDADE DO PROFESSOR NA AGENDA EDUCACIONAL INTERNACIONAL: 171
ESTRATÉGIAS DE CONSENSO E TERCEIRIZAÇÃO

Na condição de entidades de direito privado, as Organizações


Sociais tenderão a assimilar características de gestão cada vez
mais próximas das praticadas no setor privado, o que deverá
representar, entre outras vantagens: a contratação de pessoal
nas condições de mercado; a adoção de normas próprias para
compras e contratos; e ampla flexibilidade na execução do seu
orçamento (BRASIL, 1997, p.14).

A retomada das OS no setor educacional demonstra como o mo-


delo de gestão da reforma do Estado continua presente no estado brasi-
leiro. Acompanha, ainda, as recomendações internacionais para a car-
reira docente e resolve seu principal entrave. A forma de contratação
dos professores deixará de ser exclusivamente por concurso e passará a
dividir espaço com técnicas consideradas mais modernas (na reforma
do Estado brasileiro de 1995, essa técnica foi denominada publiciza-
ção4).
Vale ressaltar que essa estratégia de terceirizar a contratação do
professor apresenta sérios riscos à sua autonomia e à qualidade de sua
prática pedagógica. Com a iminência da instabilidade da carreira, tam-
bém é resolvido o problema da filiação a sindicatos, como expressão da
organização da categoria. Na América Latina, cresce o número de asso-
ciações de professores em detrimento da redução de sindicatos de base,
vinculadas à representação dos interesses dos trabalhadores.
Contratar professores por meio de OS é instituir a lógica de mer-
cado no espaço que ainda resistia às investidas gerenciais. É evidente
que se uma medida mais radical fosse tomada, como a extinção imedia-
ta de concursos públicos, o estranhamento e a mobilização dos profes-
sores causariam a insustentabilidade das proposições de terceirização.
Por outro lado, apresentadas em estados e municípios isolados, em áreas
estratégias e em situações de excepcionalidade, o consentimento ativo
vai se construindo.

4 A publicização envolve o fortalecimento dos serviços não estatais, gerenciados por entidades situadas no
Terceiro Setor (BRASIL, 1997).
172 Fabiano Santos

Considerações finais

Compreender as políticas sociais associadas ao desenvolvimento


do capitalismo é fundamental para avançar sobre uma compreensão do
atual estágio das políticas públicas educacionais. Analisar os desdobra-
mentos das recomendações dos OM, expressos em diversos documen-
tos que compõem as agendas para a educação em todo o mundo, só é
possível se articularmos tal análise aos interesses do capital. Formação
de capital humano, produção ativa de consenso sobre a adaptabilidade
às novas exigências do capitalismo, participação como estratégia de res-
ponsabilização dos indivíduos, criação do Terceiro Setor como forma
de falsear a possibilidade de separação entre sociedade civil e sociedade
política são alguns dos exemplos da urgência em analisarmos os desdo-
bramentos das recomendações sobre a prática escolar.
Este texto procurou apresentar as novas estratégias de concertação
da política educacional, a partir das recomendações presentes na agen-
da pós-2015, cujas influências recaem principalmente sobre o professor,
que passa a ser protagonista das reformas a partir dos anos 2000. Para
compreender essas recomendações, apresentamos como tal concerta-
ção vem sendo difundida ao longo dos 25 anos, desde a realização da
Conferência Mundial de Educação Para Todos, em Jontiem – Tailândia.
O Brasil tem se empenhado, desde então, para subjulgar suas políticas
àquelas recomendações, o que expressa complacência com a política
econômica capitalista (não sem as contradições próprias da realidade
concreta, evidentemente).
Como evidenciamos, as políticas educacionais elegem o professor
como o grande responsável pela qualidade da educação, passando a avali-
á-lo e, como consequência dessas avaliações, buscam estratégias para re-
verter sua suposta ineficiência, incutindo na gestão escolar a perspectiva
gerencial. Seguindo a lógica de separar sociedade civil e sociedade políti-
ca, as proposições de responsabilizar o professor visam, essencialmente,
eximir a responsabilidade do Estado para com a educação de qualidade
socialmente referenciada. A contratação de professores por meio de OS,
A CENTRALIDADE DO PROFESSOR NA AGENDA EDUCACIONAL INTERNACIONAL: 173
ESTRATÉGIAS DE CONSENSO E TERCEIRIZAÇÃO

ou o estabelecimento de administração de escolas públicas pelo setor pri-


vado, é a forma mais atual que o Brasil vem desenvolvendo para levar
a cabo as recomendações internacionais. Como resultado, a carreira do-
cente está ameaçada pela perspectiva gerencial que visa implementar a
meritocracia como principio norteador da atividade docente, causando
desmobilização, precarização e desintelectualização do professor.

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175

DIRETRIZES CURRICULARES PARA A


FORMAÇÃO DE PROFESSORES: IMPLICAÇÕES
NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Alda Junqueira Marin

Introdução

C onsideramos que não é possível tratar esse tema sem que se façam
referências aos condicionantes macropolíticos apresentados e de-
fendidos por organismos internacionais, quer os originários dos países
europeus, quer os relativos às constantes novas agendas para a América
Latina, inclusive porque está ao abrigo do tema geral do evento. Para
tanto, nos valhamos de alguns escritos de colegas brasileiros e latino
-americanos e alguns autores europeus. Dentre eles, podem ser cita-
dos: Soares (1995); De Tommasi (1995); Torres (1995, 1998); Coraggio
(1995); Warde (1995); Apple (1996); Bourdieu (1998); Vaillant (2008);
Shiroma, Moraes e Evangelista (2011) e Evangelista (2014). Estão em
foco, nesses trabalhos, diversas questões das políticas educacionais bra-
sileiras, dentre as quais a que é aqui tratada: a formação de professores
e as implicações para a educação básica. A retomada de tais autores se
justifica por estarmos tratando de tema mais específico, porém, sob a
mesma matriz econômica neoliberal que se transformou em política
internacional, incluindo as várias políticas educacionais mundiais. No
Brasil, em várias áreas além da educação, desde a década de 1940, foram
176 Alda Junqueira Marin

reforçadas, a partir da década de 1980 (DE TOMMASI, 1995), as me-


didas de empréstimos e várias reformas de cunho neoliberal (SOARES,
1995; DE TOMMASI, 1995).
Na sequência, focalizamos as diretrizes curriculares gerais atuais
para formar os professores em suas implicações para a educação básica.
Por último dedicamos algumas considerações específicas ao curso de
Pedagogia, nas relações com o que foi enunciado acima.

Antecedentes à atual legislação: condicionantes macropolíticos

As intervenções de organismos internacionais sobre a área educa-


cional, no Brasil, estão presentes pelo menos desde a década de 1940 por
meio de financiamentos, inicialmente na área de energia e transportes
(SOARES, 1995) e, a partir das décadas seguintes, pelos crescentes em-
préstimos do BM, tanto numérica quanto qualitativamente. As relações
com o país sofrem gradativas alterações nos discursos do Banco, ao in-
cluírem acompanhamentos e controles, bem como garantia de progra-
mas que dessem suporte ao liberalismo econômico. Para tanto foram
propostas medidas de reformas nos sistemas educacionais como fatores
de formação de capital humano, visando: a ampliação da qualidade e a
eficiência do ensino; o plano de investimento em material didático; a
avaliação docente; várias medidas na direção da privatização dos ser-
viços públicos, além de outras áreas de atuação social brasileira e sua
“naturalização”, como aponta Warde (1995, p. 11) na apresentação de
coletânea, além dos demais autores (SOARES, 1995; DE TOMMASI,
1995).
Vale lembrar que essa interferência com tantas recomendações
de muitas décadas implica tentativas de reformas em vários âmbitos da
educação brasileira, sobretudo nos aspectos relativos ao tema em deba-
te: transformação do ensino de 2º grau em profissionalizante, a partir de
1971, e o desmonte de tal decisão após 11 anos, com a Lei nº 7.044, de
1982. Essa lei não tornou totalmente sem efeito a anterior, porém trans-
formou-a em opcional, e não mais compulsória, retornando a algumas
DIRETRIZES CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: IMPLICAÇÕES NA 177
EDUCAÇÃO BÁSICA

características anteriores, mas mantendo outras de 1971. Tal retomada


tem, aqui, o sentido de apontar também que foi neste período que se
inaugurou a onda de reformas para a formação de professores para sé-
ries iniciais da escolarização, desmontando a rede de escolas normais e
transferindo essa formação para tais cursos no âmbito das habilitações
profissionalizantes (MARIN; GIOVANNI, 2006). Na década de 1980,
iniciaram-se experiências para a implantação de ciclos básicos para re-
organizar as duas primeiras séries da escolarização, sobretudo em Mi-
nas Gerais e em São Paulo. Estas eram medidas para supostamente me-
lhorar a qualidade do ensino nessas séries e, menos divulgado, superar
os problemas de rendimento das redes públicas, possibilitando, assim, a
obtenção de novos financiamentos (DE TOMMASI, 1995). Essa situa-
ção favoreceu a inclusão de previsão dessa medida na Lei de Diretrizes
e Bases (LDB), que foi aprovada na década de 1990. O objetivo era pos-
sibilitar a reorganização de todas as escolas das redes por ciclos em regi-
me de progressão continuada, medida que se transformou rapidamente
em um dos principais fatores de deterioração ainda maior do ensino no
país pelas interpretações feitas por tais redes e não implantadas pelas
redes privadas. Estava concretizada a flexibilização – um dos princípios
básicos das novas políticas – no coração da escola, ou seja, a avaliação e
o auxílio ao percurso escolar do alunado.
No âmbito da formação de professores, a orientação crescente
de ampliar o patamar da formação dos professores das séries iniciais
foi acompanhada de outras medidas, como a expansão da rede privada
de ensino superior na área, posteriormente reformulada pelo BM. Este
passou a recomendar a formação continuada, mais rápida e eficiente
do que a insistência em cursos longos, sobretudo a distância (TORRES,
1995). No entanto, já estava implantada a disputa por alunos com a bus-
ca da competitividade – outro princípio básico de tais políticas – que, de
certo modo, levou de roldão as iniciativas públicas. Passaram, pois, essas
iniciativas, a também serem regidas pelo princípio da produtividade,
sobretudo no que tange ao número de alunos. Essa era a condição para
manter os cursos de formação de professores para a esfera das séries ini-
178 Alda Junqueira Marin

ciais pelos cursos de Pedagogia, que sofriam mudanças experimentais


em vários locais. Além de tais aspectos, as questões de privatização fo-
ram se ampliando com inúmeras medidas, que se focalizam nas seguin-
tes necessidades: na década de 1990, havia um total necessário de for-
mação para “117 mil docentes para atuar de 1ª a 4ª séries [...] e 830 mil
da educação infantil” (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2011, p.
90); no que se refere às implicações para a escola básica, verifica-se que,
daí por diante, há um efeito sobre a educação das crianças, consideran-
do que muitos cursos, que ainda vieram nessa esteira, forneceram for-
mações precarizadas. Isso ocorreu devido, sobretudo, às condições de
formação desses futuros professores, que já são egressos dos cursos da
década de 1980, e também às condições de trabalho do corpo docente
que operou esse ensino superior.
A partir da década de 1990, sempre mais lembradas, as propostas
de reformas na área educacional decorrem de decisões de diferentes or-
ganismos internacionais. Shiroma, Moraes e Evangelista (2011), a meu
ver, fazem excelente varredura da síntese informativa e analítica sobre
tais medidas, trazendo os aspectos fundamentais com as decorrências
para o Brasil. Destacamos aspectos das implicações para a educação bá-
sica por esta ser o foco relacionado à formação dos professores e pre-
cursor de muitas mudanças nas prescrições desses cursos sobre o tema
em pauta.
Essas propostas, em particular no que tange às implicações sobre
a educação básica, foram várias, com regulamentações oficiais, como a
LDB da Educação Nacional, em 1996 (SAVIANI, 1997). Esta foi a pri-
meira tentativa de forte inserção de alterações em todos os níveis da
escolaridade, a partir dos princípios da nova ordem mundial. Assim,
para a educação básica, abriu-se a oportunidade para, de fato, implantar
parâmetros de currículo nacional (vide art. 26 e § 1º do art. 87). É clara
a referência à base comum nacional e à criação de um Plano Nacional
de Educação (PNE) a ser definido para os dez anos seguintes, com “di-
retrizes e metas em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação
para Todos” (SAVIANI, 1997, p. 187), realizada em Jomtien, Tailândia,
DIRETRIZES CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: IMPLICAÇÕES NA 179
EDUCAÇÃO BÁSICA

em 1990, subscrita pelo Brasil, ao lado de outras medidas sugeridas para


e na América Latina. Durante as discussões que deram base para essa lei
de 1996, outros movimentos ocorriam também, focalizando a necessi-
dade de reformas direcionadas ao preparo da população para o sistema
produtivo, como os documentos da CEPAL, com forte ênfase na edu-
cação (SHIROMA; MORAES;e EVANGELISTA, 2011). Com a implan-
tação da legislação nos anos finais da década de 1990 e início dos anos
2000, as escolas básicas sofreram fortes impactos na sua reorganização,
conforme já apontado em estudo divulgado: organização geral do traba-
lho nas escolas e nos aspectos pedagógicos; implicações da adoção dos
PCN para o trabalho dos professores; criação de órgãos para gestão das
escolas e decorrências para os professores e necessidades de apoios no-
vos inexistentes entre outros pontos de menor tensão (MARIN, 2012).
Já nos anos 2000, outras atividades continuaram a ser realiza-
das nessa mesma direção. Em 2000, o Brasil apresentou, na reunião de
Dakar, o Relatório EFA 2000 − Educação para Todos − quando os países
prestaram contas do desenrolar dos planos acertados em 1990 em Jom-
tien (BRASIL, 2000), reafirmando os compromissos junto aos demais
países. Em 2008, foi desenvolvido, no Brasil e no Chile, o projeto deno-
minado Nueva Agenda Económica y Social para America Latina, reali-
zado pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso e pela Corporación de
Estudios para Latinoamérica – CIEPLAN −, com debates sobre questões
sociais, dentre as quais as da educação, em particular com estudos so-
bre a profissão docente (VAILLANT, 2008). Recentemente, Evangelista
(2014) apresentou trabalho por ela organizado com inúmeras análises
sobre as políticas educacionais, por meio de foco nos slogans dos gover-
nos para suas propostas.

As diretrizes e as implicações na educação básica

O documento sobre as diretrizes iniciou-se com a reafirmação


de tudo o que consta sobre formação de professores em sete leis desde
1995, em um decreto de 2009, em sete resoluções desde 2002 e em um
180 Alda Junqueira Marin

parecer de 2015. Portanto, não é por falta de regulamentação sobre o


assunto que se criou mais este documento. De fato é um documento que
unifica vários outros sem, no entanto, revogar toda a legislação anterior,
no qual são revogadas seis resoluções anteriores, todas versando sobre
a formação docente, a saber: programas especiais de formação pedagó-
gica de docentes para disciplinas do currículo do Ensino Fundamental,
do Ensino Médio e da educação profissional de Ensino Médio; institutos
superiores de educação e suas atribuições para formar professores; di-
retrizes nacionais para formar professores da educação básica em nível
superior, cursos de licenciatura de graduação plena e suas alterações de
2002, 2009 e 2012.
Segundo esse documento, trata-se de uma Resolução, a nº 02,
de 1º de julho de 2015, emitida pelo Conselho Nacional de Educação
(CNE), homologada pelo Ministro da Educação e publicada no Diário
Oficial da União, em 25 de junho de 2015 (BRASIL, 2015), composto de
várias partes: uma inicial, em que constam 13 considerações traçando
o referencial político de base; capítulo I, com as disposições gerais em
quatro subcapítulos que desdobram detalhadamente os princípios, fun-
damentos, a dinâmica, os procedimentos nas políticas específicas, na
gestão e nos tipos de programas de formação, e concepções de vários
aspectos, tanto para o ensino superior quanto sua relação com a edu-
cação básica; capítulo II, que retoma as definições sobre a formação do
magistério para a educação básica, focalizando, sobretudo, a Base Co-
mum Nacional em dois capítulos, com vários detalhes; terceiro capítulo,
abrangendo os requisitos do egresso de tal formação, acompanhados
das exigências para os projetos e 13 tipos de habilidades; capítulos IV,
V e VI, que enunciam, respectivamente, inúmeros núcleos de estudos,
estruturas de várias naturezas, com cargas horárias, conteúdos e ativi-
dades para licenciatura inicial e segunda licenciatura, além da formação
continuada; e, por último, o sétimo capítulo, que abrange os aspectos re-
lativos aos profissionais do magistério e sua valorização, nos quais estão
diferentes explicitações sobre carreira, condições de trabalho, remune-
ração e aspectos de gestão.
DIRETRIZES CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: IMPLICAÇÕES NA 181
EDUCAÇÃO BÁSICA

Toda essa regulamentação abrange um total de 2012 itens, com-


putando-se os artigos, incisos, alíneas e parágrafos, além dos treze con-
siderandos iniciais. É, indubitavelmente, um extenso documento, que
revela um esforço de racionalização que extrapola a própria ideia de
economia neoliberal, tornando-a projeto político mundial. Conforme
Bourdieu (1998), marcam-se essas diretrizes como um trabalho de im-
posição tanto quanto todas as outras medidas tomadas ao longo das úl-
timas décadas do século passado sobre as demais decisões na esfera da
educação mundial. Os itens serão detalhados adiante, demonstrando,
acima de tudo, a necessidade dos controles e da homogeneização.

Sobre os considerandos

A educação básica é citada, diretamente, quatro vezes nos con-


siderandos. A primeira vez se refere à indispensável necessidade de se
consolidar as normas com o intuito de formar os profissionais do magis-
tério para a educação básica e o projeto nacional da educação brasileira,
que não fora explicitado. Na sequência, consideram-se as instituições de
educação básica como cumpridoras de papeis em várias etapas e moda-
lidades e a necessidade de se articular as diretrizes desse atendimento
à de formação dos professores. A partir de então, estão presentes sete
considerandos sobre os demais princípios que regulamentam todos os
cursos de licenciatura. Apesar de aparência similar a todas as outras
resoluções e a todos os pareceres, esse primeiro bloco de informações
apresenta uma mudança na linguagem da legislação, como detectou
Bourdieu (1998), na França, pois o número de qualificadores que busca
convencimento é grande tanto no sentido positivo quanto no negativo.

Sobre o capítulo I

Desde o primeiro artigo temos uma delimitação ampla e deta-


lhada dos princípios anteriormente expostos nas considerações, com-
pondo todo o sistema de crenças e valores norteadores do conjunto do
182 Alda Junqueira Marin

processo educativo. É, sobretudo, por esse conjunto e algumas con-


siderações anteriores, que se pode perceber o “projeto” de educação
alegado para os próximos anos. Daí surge-se a questão: De que modo
a educação básica aparece neste capítulo? São sete os pontos de inci-
dência da atenção:

• Preconiza-se que as escolas dos sistemas de ensino deverão es-


tar articuladas com as instituições formadoras para viabilizar o
atendimento às especificidades dessa escolarização;
• define-se uma concepção para a docência do profissional da
educação básica com dimensões técnicas, políticas, éticas e es-
téticas, constituindo a formação a ser ministrada;
• estipula-se o regime de colaboração nos sistemas de ensino,
envolvendo os profissionais do magistério (docência e demais
atividades pedagógicas, incluindo gestão de sistemas e unida-
des escolares);
• afirma-se que as instituições de educação básica são espaços
necessários à formação dos profissionais do magistério;
• considera-se que o projeto pedagógico da instituição é parte do
cotidiano articulado ao projeto de formação;
• reitera-se a necessidade de recepção de estudantes das licencia-
turas;
• propõe-se articulação entre ensino e pesquisa quando desen-
volverem atividades de formação continuada dos profissionais.

Sobre o capítulo II

É o capítulo que abrange a regulamentação da formação em rela-


ção à base comum nacional. Nesse capítulo estão as seguintes exigências
para a educação básica na formação dos professores:

• Que seja levada em conta a realidade dos ambientes das insti-


tuições de educação básica;
DIRETRIZES CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: IMPLICAÇÕES NA 183
EDUCAÇÃO BÁSICA

• que se considere a educação básica como base de fomento à


pesquisa a ser realizada na formação.

Capítulo III

É um capítulo com várias exigências e implicações para a educa-


ção básica, envolvendo todos os agentes das escolas, sobretudo pelo fato
de explicitar que é por meio desse envolvimento que será oportunizado
o repertório de informações e habilidades ao futuro egresso da forma-
ção inicial. Vejamos essas exigências:

• Constituir lócus para o conhecimento geral do contexto em


seus diferentes espaços, incluindo os de secretarias;
• participar do planejamento e da execução de atividades a se-
rem realizadas nos espaços formativos;
• contar com formandos em todas as instâncias e atividades das
escolas;
• disponibilizar oportunidades para análises do processo peda-
gógico e de ensino-aprendizagem, além das diretrizes e dos
currículos da escola.

No capítulo IV são retomados, com outras palavras e outros deta-


lhes, os projetos dos cursos nos quais a educação básica aparece, nova-
mente, compartilhando interações e articulações para o âmbito teórico
-prático, incluindo alguns destaques:

• Constitui lócus para que estudantes possam planejar, desenvol-


ver, coordenar, acompanhar e avaliar projetos, ensino, dinâmi-
cas pedagógicas e experiências educativas;
• interagir sistematicamente com as instituições de ensino
superior para desenvolver projetos compartilhados, in-
cluindo a ideia de residência docente e constituindo per-
manente sintonia para inúmeras atividades envolvendo os
184 Alda Junqueira Marin

vários núcleos formativos a serem implementados nos cur-


sos.

Essas atividades deverão permitir auxílio ao futuro professor para


que ele adquira 13 diferentes habilidades listadas. Assim, tais incisos
deverão atender os professores iniciantes, considerados aqui não mais
como alunos, mas em processo de formação continuada, como apontam
diversos autores da área (GIOVANNI; MARIN, 2014).

Capítulo V

É o capítulo em que parte dessas incumbências está quantificada


em horas de trabalho, pois são detalhados os conteúdos do currículo
e sua estrutura. Assim é possível identificar que há várias implicações
para a educação básica:

• São 400 horas de prática, 400 horas de estágio supervisionado


e 200 horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento
que também envolvem iniciação à docência, sempre vincula-
das à educação básica para os estudantes de licenciatura inicial;
• são 300 horas de estágio curricular para estudantes de segun-
das licenciaturas.

Capítulo VI

As diretrizes também regulamentam as atividades de formação


docente continuada em que há decorrências e implicações específicas
para as escolas de educação básica. A primeira delas se refere ao prin-
cípio político-acadêmico. Este concebe tal formação como desenvolvi-
mento profissional, explicitando-o por meio de quatro incisos: levar em
consideração a realidade da escola, com seus desafios e problemas: a
necessidade de inovação e evolução do conhecimento, ciência e tecno-
logia; o protagonismo do professor para a reflexão crítica e melhoria de
DIRETRIZES CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: IMPLICAÇÕES NA 185
EDUCAÇÃO BÁSICA

suas práticas e as parcerias para obtenção de novos patamares de quali-


dade na gestão e no ensino.
Nas decorrências, há diversas prescrições em parágrafos e in-
cisos sob o caput do artigo que dão o tom político: várias atividades
para novos saberes e práticas, “articulados às políticas e gestão da edu-
cação, à área de atuação do profissional e às instituições de educação
básica” (art. 17). Além dessas condições limitadoras, há outra no § 1º:
“em consonância com a legislação [...]” e seus incisos, que remetem a
várias atividades possíveis de formação continuada dos profissionais
da educação, porém ligadas a projetos pedagógicos das instituições
de ensino superior ou de acordo com o programa de pós-graduação
da instituição e articulação com as políticas de valorização do sistema
educacional correspondente. Verifica-se certa maleabilidade, prin-
cípio das reformas pretendidas, mas nem tanto, pois o esperado é a
competência para o que estiver definido pela regulamentação cons-
tantemente renovada e submetida aos interesses de outros, incluindo
aí os do ensino superior.
O último capítulo, que abrange questões relativas à carreira e à
valorização do magistério, é estranhamente omisso em relação a todas
as circunstâncias, incumbências e implicações apontadas até aqui sobre
os demais capítulos. Contudo, deixa o preparo dos profissionais a cargo
dos sistemas, para efetivarem a referida colaboração e o compartilha-
mento das tarefas. Isso significa que as administrações das redes é que
precisam assumir todo o preparo para o desempenho de todos os que
estão dentro delas nas direções apontadas pelas diretrizes.

Sobre o curso de Pedagogia

A Resolução é bastante clara a respeito das incumbências do curso


de Pedagogia na medida em que inclui a formação dos professores para
a educação infantil e o Ensino Fundamental no conjunto das demais
licenciaturas. Resta, entretanto, uma ambiguidade não resolvida: o des-
tino dos atuais cursos de Pedagogia, pois a Resolução CNE/CP nº 1 de
186 Alda Junqueira Marin

15 de maio de 2006, que institui as diretrizes curriculares para o curso


de Graduação em Pedagogia, licenciatura, não foi revogada.
Já tivemos a oportunidade de criticar a omissão da academia em
relação à discussão de várias reformas sobre o curso, desde a década de
1960, e a sugestão consequente de que temos a necessidade urgente de
separar essas duas modalidades de formação: dos professores e da in-
fância de nosso país para os anos vindouros (MARIN, 2014). Não é mais
possível mantê-las juntas e ainda mais com outras possibilidades de for-
mação no mesmo curso. Estamos, com essa atitude, assinando embaixo
das providências tomadas até agora para a manutenção de milhões de
crianças, que são mal formadas. Provemos, assim, uma formação pau-
pérrima para as crianças de baixa renda das creches, cujas mães pre-
cisam trabalhar, e para as maiores, que são submetidas a muitas horas
de aprendizagem para memorizar alguns parcos conhecimentos, como
responder os questionários de avaliação padronizada.
A nosso ver, estamos em condição de ousar e organizar cursos
separados que focalizem todos os conhecimentos que podem ser ensi-
nados às crianças do Ensino Fundamental com profundidade, porque é
para isso que a escola existe. Quando essas crianças aprenderem e apre-
enderem parcelas ampliadas da cultura, poderão entender o mundo em
que vivem, contribuir para sua melhoria e para todos os que precisarem,
com professores bem preparados.
Outro curso pode ser criado para as crianças pequenas, sem pre-
cisar ensiná-las a responder adequadamente questionamentos que per-
mitam ao professor avaliar se são “emocionalmente” desenvolvidas. Se-
ria para que elas aprendam brincadeiras, respeitem os outros colegas,
convivam com os colegas sem agressões, em locais onde seus professo-
res tenham todas as condições de trabalho salutares e agradáveis.
Tais considerações são viabilizadas sobretudo pelo inciso V do art.
11, quando este propõe que, na formação inicial, haja projetos formati-
vos que assegurem aos estudantes o domínio dos conteúdos específicos
da área de atuação, fundamentos e metodologias, bem como tecnolo-
gia e focos que não têm ocorrido hoje. Estes, quando são abordados,
DIRETRIZES CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: IMPLICAÇÕES NA 187
EDUCAÇÃO BÁSICA

são superficiais e rápidos, com implicações negativas para a educação


básica, propiciando resultados, habilidades e competências bem ao gos-
to do capital. Trata-se de lucros apenas para as instituições em que os
professores lecionam inúmeras disciplinas, resultando, posteriormente,
em professores que cuidam de crianças e jovens mal preparados, ape-
nas aptos para trabalhos futuros de baixa qualificação. Basta, para isso,
analisar, ligeiramente, os dados apresentados por Evangelista e Triches
(2014), sobre o slogan oficial federal: “Seja um professor”. Em profunda
e extensa análise sobre esse tema, as autoras trazem dados quantitativos
sobre formandos de graduação em Pedagogia, aqui sumariados: rela-
tivos ao ano de 2010: 127.455 em instituições públicas e 443.374 em
instituições privadas. Destes, na modalidade presencial foram 93.886
na esfera pública e 203.695 na rede privada; e, ainda: 33.569 no ensino
público e 239.679 no ensino privado a distância.
Analisando-se o documento com o auxílio do texto de Coraggio
(1995), percebem-se, ainda, outros pontos. Há clara referência da reto-
mada da ideia central de política formativa, tanto para a educação supe-
rior quanto para a básica, pautada no princípio de formação do capital
humano, já muito veiculado nos anos finais do século XX: habilidades e
competências para todos. Além desse ponto, está bem mais caracterizada,
agora, a tendência da descentralização no campo educacional do que nos
anos de 1970 e 1908, pois, com a municipalização expandida do Ensino
Fundamental, atinge-se, com facilidade, a capilaridade de implantação de
várias medidas já em vigor. O autor aponta várias fragilidades nos fun-
damentos empíricos em relação às propostas feitas com tais princípios
neoliberais. Focalizadas sobre as escolas, salas de aula e, eventualmente,
sobre os insumos técnico-pedagógicos, deixam de encarar, integralmente,
os problemas do contexto mais geral das redes de ensino e social de onde
estão as escolas. Do mesmo modo, nas fragilidades, está a formação de
professores para atuarem na educação básica, como já apontada acima. A
pretensa melhora nos resultados dos alunos não está acontecendo, como
temos visto nas avaliações sequenciais no país.
188 Alda Junqueira Marin

Considerações finais

No que tange às implicações para a escola básica, pensamos que


as diretrizes, de um lado, trazem um ganho em relação às anteriores
pela ênfase na articulação da legislação − que se encontrava disper-
sa − entre as instituições que formam professores, tanto em estágio
inicial quanto continuado, e as redes escolares. Porém, a ausência de
referência sobre as especificações e exigências desse trabalho em rela-
ção à sua valorização na carreira produz uma enorme tensão aparente.
As condições de trabalho, que atualmente já são muito precárias, se
ampliam, pois são muitas e nem um pouco simples as novas atividades
a serem desenvolvidas. Essas recomendações, entre várias outras, vêm
carregadas de efeito simbólico, um efeito encantatório e sedutor para
os desavisados da área da educação que julgarão apenas o seu lado
positivo: finalmente uma ação política na área ouviu os resultados de
pesquisa e os considerou. No entanto, o conjunto das implicações que
serão depositadas aos ombros, cabeças e mãos dos professores da edu-
cação básica é bem pesado e não parece nada encantador. Trata-se da
aplicação do princípio da responsabilização, que já existe em gran-
de quantidade por causa dos resultados do rendimento escolar, com
as consequências dos processos avaliativos, pagamentos extras pelos
“bem sucedidos” e valorização das escolas. Assim, estimula-se a com-
petitividade da classificação interna e externa das redes, influenciando
a população a escolher as escolas e as ações políticas que estão des-
truindo as escolas americanas (RAVITCH, 2011) e brasileiras. O que
importa, na verdade, é a medição e o resultado da avaliação externa à
escola, de larga escala. Esse é outro lado das inúmeras articulações, ou
seja, os professores da escola básica podem sempre “fazer mais” e bus-
car incessantemente a produtividade, pois: A soma dos sofrimentos
detectados pelas pesquisas já não são suficientes?
DIRETRIZES CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: IMPLICAÇÕES NA 189
EDUCAÇÃO BÁSICA

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SAVIANI, D. A nova lei da educação – trajetória, limites e perspectivas. Campinas:


Autores Associados, 1997.
190 Alda Junqueira Marin

SHIROMA, E. O.; MORAES, M. C. M.; EVANGELISTA, E. Política educacional. 4. ed.


1ª reimpressão. Rio de Janeiro: Lamparina, 2011.

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(Orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez/ PUCSP/Ação
Educativa, 1995, p. 09-14.
191

DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS


PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

Denise Silva Araújo (UFG)


Introdução

A s Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Con-


tinuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica (DC-
NFICPM), consubstanciadas no Parecer CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL,
2015a) e na Resolução CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL, 2015b), apontam
para uma nova compreensão da formação e do desenvolvimento profis-
sional docente, incorporando, em vários aspectos, as lutas políticas, os
debates e o aprofundamento teórico da área de formação de professores
que, no Brasil, já tem uma história relativamente longa.
É importante compreender que grande parte do arcabouço legal
que sustenta as DCNFICPM/2015 foi produzido nos anos 1980 e 1990.
Na década de 1980, no âmbito das lutas pela democratização da escola e
da sociedade, buscava-se romper com o pensamento tecnicista que pre-
dominava na área da educação até então. Nas produções teóricas acerca
da escola e do trabalho pedagógico da época, predominava uma estreita
vinculação entre educação e sociedade. A Constituição Federal de 1988
(BRASIL, 1988) foi, então, promulgada, nesse contexto.
192 Denise Silva Araújo (UFG)

Por sua vez, a LDB/1996 (BRASIL, 1996) foi aprovada na década


de 1990, marcada pelo retorno ao pensamento tecnicista das décadas de
1960 e 1970, caracterizada pela ênfase nos processos internos à escola.
Esse pensamento assumiu, nessa época, porém, uma roupagem neoli-
beral que enfatizou a qualidade dos processos de aprendizagem, sob a
orientação da Pedagogia das Competências (RAMOS, 2002). Assistiu-
se, então, à substituição da categoria “trabalho” pelas categorias “práti-
ca” e “prática reflexiva”, conferindo centralidade à figura do professor
e à sua formação como solução para os problemas educacionais, sem
considerá-los na concretude das relações sociais e econômicas (FREI-
TAS, 2002).
Essas diferentes visões de educação e sociedade orientam as con-
cepções e os conceitos que fundamentam as políticas e as orientações
legais para a formação de professores, que resultam de diferentes inter-
pretações e disputas político-pedagógicas. As concepções, grosso modo,
podem ser resumidas, de acordo com Brzezinski (2008), em dois gran-
des grupos. De um lado, encontra-se o projeto da sociedade política,
defendido pelos tecnocratas que, em seus discursos, enfatizam a quali-
dade social da formação do professor. Entretanto, colocam em prática
os princípios da qualidade total, apoiados em políticas de regulação e
controle. Esse grupo pretende reduzir a educação ao status de mercado-
ria e sua finalidade à formação de produtores e consumidores, que con-
tribuam para a reprodução mais eficaz e eficiente do capital. De outro
lado, encontra-se o projeto da sociedade civil, organizada em entidades
educacionais reunidas no movimento nacional de educadores. Sua luta
tem por princípio a qualidade social para formar docentes que atuarão
na educação básica, compreendida como direito social, cujo objetivo
maior é a formação para a emancipação e a cidadania.
Os movimentos da sociedade civil articulada em defesa da quali-
dade social da educação vêm desenvolvendo ações conjuntas e têm se
organizado sob a forma de uma rede, que elegeu, como tarefa funda-
mental, a luta em defesa da formação e da valorização dos profissionais
da educação básica. Neste sentido é importante destacarmos o papel das
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 193
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

seguintes entidades: Associação Nacional pela Formação dos Profissio-


nais da Educação (ANFOPE), ANPEd, Associação Nacional de Política
e Administração da Educação (ANPAE), Centro de Estudos Educação e
Sociedade (CEDES) e Fórum de Diretores das Faculdades de Educação
das Universidades Públicas Brasileiras (FORUNDIR).
Essas entidades se orientam por um projeto de sociedade, edu-
cação, formação de professores e escola, fundamentado na concepção
histórico-social, cujas transformações das forças produtivas e do mun-
do do trabalho, dialeticamente, promovem mudanças no papel social
atribuído ao professor. Diante disso, a formação docente para atuar na
educação básica é compreendida como:

um processo marcado pela complexidade do conhecimento,


pela crítica, pela reflexão-ação, pela criatividade, pelo reco-
nhecimento da identidade cultural dos envolvidos nos proces-
sos formativos e pelas relações estabelecidas na mediação en-
tre formadores e aprendentes (BRZEZINSKI, 2008, p. 1141).

Essas entidades de caráter político-acadêmico lutam pela garantia


da escola pública, laica, gratuita em todos os níveis, socialmente referen-
ciada e em defesa da formação inicial e continuada de qualidade para
todos os profissionais da educação, da valorização desses profissionais
e de condições dignas de trabalho. Para tanto, procuram desenvolver
e disseminar uma concepção emancipadora de educação e de forma-
ção de profissionais que contribua para o avanço da democratização da
escola e das relações de poder em seu interior, sempre em articulação
com o movimento dos trabalhadores pela construção de uma sociedade
justa, democrática e igualitária (BRZEZINSKI, 2011; FREITAS, 2002).
Será em consonância com os princípios das entidades supracitadas que
pretendemos neste texto analisar algumas das implicações das novas
DCNFICPM.
Em 2004, o CNE designou uma Comissão Bicameral1, formada

1 Essa Comissão foi recomposta várias vezes (2007, 20080, 2009, 2010, 2012, 2014).
194 Denise Silva Araújo (UFG)

por conselheiros da Câmara de Educação Superior (CES) e da Câmara


de Educação Básica (CEB), com a finalidade de desenvolver estudos e
proposições sobre a temática. A Comissão recomposta em 2012 procu-
rou aprofundar os estudos e debates desenvolvidos pelas comissões an-
teriores, ampliando as discussões acerca das normas gerais e as práticas
curriculares vigentes nos cursos de licenciaturas, bem como acerca da
situação dos profissionais do magistério face às questões de profissiona-
lização, com destaque para a formação inicial e continuada (BRASIL,
2015a; DOURADO, 2015).
Em 2013, a Comissão aprovou documento preliminar ratificando
a decisão de propor DCNs para a Formação Inicial e Continuada dos
Profissionais do Magistério da Educação Básica e o submeteu ao crivo
de especialistas, entidades da área, secretarias do Ministério da Educa-
ção (Sase, SEB, SESu, Setec, Secadi), Capes, Inep, instituições de edu-
cação superior, Fórum Ampliado de Conselhos, entidades acadêmicas
e sindicais, especialistas e estudantes, fóruns de educação, inclusive a
discussão específica no âmbito do Fórum Nacional de Educação.
Esse processo foi intensificado a partir de junho de 2014, pela
aprovação do PNE (Lei nº 13.005/2014) e, após ampla discussão, foi
disponibilizada pela Comissão, para audiência pública, a proposta de
DCNs que vinha sendo consolidada. Nesta ocasião, novamente, dife-
rentes interlocutores apresentaram sugestões de alterações e, após essa
etapa, foi apresentada e discutida outra versão das DCNs, na qual foram
incorporadas contribuições da audiência pública e também de outros
documentos e sugestões recebidas (BRASIL, 2015a; DOURADO, 2015).
Vale destacar que as diferentes concepções de educação e sociedade, que
orientam os projetos de formação de professores em disputa, referidas
anteriormente, puderam ser evidenciadas nos diversos momentos em
que as propostas de DCNFICPM/2015 foram apresentadas pelo CNE
para discussão com a sociedade civil.
A trajetória de elaboração e discussão das DCNFICPM/2015
possibilitou diversos debates e embates entre vários segmentos da so-
ciedade civil e política, o que permitiu que nelas se incorporassem
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 195
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

significativos avanços. Apesar disso, mantiveram-se vários aspectos


muito criticados pelos profissionais da educação e pela comunidade
acadêmica que compunham as antigas DCNs para Formação de Pro-
fessores da Educação Básica, consubstanciadas no Parecer CNE/CP
n. 09/2001 (BRASIL, 2001) e nas Resoluções CNE/CP n. 01 e 02/2002
(BRASIL, 2002a; 2002b). Diante disso, permanecem vários desafios
que necessitam ser enfrentados com coragem e determinação no sen-
tido de possibilitar a implantação de uma política de formação de
professores que articule a formação inicial, continuada e valorização
profissional.
Neste texto, procura-se analisar alguns desses aspectos, a fim de
compreender possíveis implicações das novas DCNs para o trabalho
docente na educação básica. Para tanto, inicialmente, discute-se o con-
texto legal de sua aprovação e homologação, levantam-se conceitos e
concepções presentes nos documentos emanados do CNE e as princi-
pais orientações para organização dos cursos de formação inicial. Em
seguida, reflete-se acerca da necessária articulação entre formação ini-
cial e continuada e da valorização dos profissionais do magistério da
Educação Básica, a partir do conceito de desenvolvimento profissional
para debater possíveis implicações das DCNFICPM para o trabalho do
professor na escola pública de educação básica em seus diferentes níveis,
etapas e modalidades.

Novas DCNs para a formação de professores da educação básica no
contexto da legislação educacional

Assegurar direitos no âmbito da legislação não garante sua con-


cretização na realidade educacional. Todavia, essa deve ser considerada
uma etapa importante na luta pela conquista da educação de qualidade
como direito social de todos os cidadãos, visto que fornece instrumentos
concretos para a cobrança dos demais direitos e, deste modo, fortalece e
empodera a população. Daí a importância de buscarmos compreender
o arcabouço legal em que se assentam as diretrizes em questão, a fim de
196 Denise Silva Araújo (UFG)

apreendermos o que elas apresentam como conquistas e como desafios


a serem enfrentados.
As novas DCNFICPM/2015 devem ser analisadas no contexto
pós-promulgação, em 1988, da Constituição da República Federativa
do Brasil, de 1988 (CF/1988, BRASIL, 1988), e aprovação, em 1996, da
LDB 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), em que se con-
solidou a concepção da educação como direito.
A CF/1988 (BRASIL, 1988) apresenta um capítulo específico so-
bre educação. São dez artigos sobre o tema (art. 205 a 214), que também
aparece em outros artigos no corpo da Lei (art. 22, XXIV; art. 23, V;
art. 60 e 61 das Disposições Transitórias, dentre outros). Como avanços
significativos na Carta Magna, podem ser destacados, dentre outros: a
consagração da educação como direito público subjetivo (art. 208, IV);
a oferta de ensino noturno regular; o Ensino Fundamental obrigatório e
gratuito, inclusive para os que não tiveram acesso a ele em idade própria
(art. 208, I, BRASIL, 1988). Vale enfatizar que as conquistas no âmbito
dos direitos sociais, em geral, e na educação, especificamente, foram re-
sultado de ampla mobilização dos movimentos sociais.
A Constituição sofreu, porém, no período de 1988 a 2015, várias
mudanças no âmbito da educação. Novos preceitos constitucionais e di-
reitos fundamentais foram nela inscritos, como resultado de lutas em-
preendidas por parte de diferentes segmentos sociais, na tentativa de as-
segurar políticas e práticas que vinham sendo implementadas, de modo
mais duradouro e permanente, a partir de sua inscrição na lei maior do
País (SILVA, 2011). Interessa, neste item do texto, analisar algumas des-
sas mudanças promovidas na CF/1988 (BRASIL, 1988) que se referem à
formação e à valorização dos profissionais da educação.
Nas alterações sofridas pela CF/1988 (BRASIL, 1988), destacamos
aquelas advindas da EC nº 53, de 19 de dezembro de 2006, que se refe-
rem, principalmente, ao campo do financiamento da educação básica,
com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educa-
ção Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em
substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 197
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), instituído pela


EC nº 14, de 12 de setembro de 1996, que tinha uma vigência de dez
anos.
O Fundeb trouxe inovações importantes, como: unificação em um
mesmo fundo de toda a educação básica; alargamento da sua vigência
para quatorze anos; ampliação das fontes de recursos; uma especificação
mais clara dos valores a serem complementados pela União aos estados,
Distrito Federal e municípios e ampliação das diferenciações do valor
mínimo nacional por aluno/ano, que passou a contemplar 13 realida-
des educacionais2. Essa Emenda Constitucional assegurou conquistas
relevantes no que se refere à valorização dos profissionais da educação,
principalmente ao contemplar, dentro de uma política de valorização
profissional, além dos professores, os trabalhadores não docentes. Com
isso, a nova formulação legitima e fortalece as lutas e políticas que re-
conhecem que, na escola, atuam não apenas profissionais ligados ao en-
sino em seu sentido restrito (SILVA, 2011). Além disso, a EC nº 53, de
2006, traz importantes alterações também nas disposições permanentes
do texto constitucional na redação no art. 206, em seus incisos V e VIII,
sendo, este último, incluído pela EC em análise:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes


princípios:
[...]
V – valorização dos profissionais da educação escolar, garan-
tidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso ex-
clusivamente por concurso público de provas e título, aos das
redes públicas;
[...]
VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais
da educação escolar pública, nos termos de lei federal.
Parágrafo único. A lei disporá sobre a categoria de trabalha-
2 São elas: educação infantil de zero a três anos, educação infantil (pré-escola), séries iniciais urbanas,
séries iniciais rurais, quatro séries finais urbanas, quatro séries finais rurais, Ensino Médio urbano,
Ensino Médio rural, Ensino Médio profissionalizante, educação de jovens e adultos, educação de jovens
e adultos integrada à educação profissional, educação especial e educação indígena e de quilombolas.
198 Denise Silva Araújo (UFG)

dores considerados profissionais da educação básica e sobre a


fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus pla-
nos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios (BRASIL, 2006a).

Observa-se que o texto constitucional, a partir da nova redação,


instituiu, no inciso V, a perspectiva de valorização e implantação de pla-
nos de carreira para todos os profissionais da educação escolar. Além
disso, o inciso VIII, incluído pela EC nº 53, de 2006, reposicionou o
tema “piso salarial” para os trabalhadores em educação escolar pública.
Desta forma, fica explicito seu caráter nacional, o que implica a necessi-
dade de sua regulamentação em lei federal. Essa regulamentação efeti-
vou-se, no que se refere aos profissionais do magistério, por meio da Lei
nº 11.738, de 16 de julho de 2008.
Ao analisar as conquistas advindas dessas mudanças no texto
constitucional, Silva (2011) considera − apesar de ainda serem longos
os caminhos a percorrer e muitos os embates a serem travados pela con-
solidação do piso salarial nacional − ser forçoso reconhecer que o fato
deste piso estar inscrito na CF e regulamentado em lei federal faz com
que os trabalhadores da educação possam avançar em sua mobilização
e organização, no sentido de exigir o cumprimento do que está expresso
na letra da lei3.
Vale destacar, também, que permanecem como desafios a serem
enfrentados a regulamentação e a definição de orientações para a valo-
rização e formação dos profissionais da educação. Estes proporcionam
apoio técnico e administrativo ao ensino, como é o caso dos chamados
“funcionários de escola”, bem como dos “auxiliares” ou “educadores” na
educação infantil4.
3 É importante resgatar esses dispositivos constitucionais em um momento histórico em que Goiás e outras
unidades da Federação são ameaçados de entregar a gestão das escolas públicas a OS, com a prerrogativa
de contratar profissionais para atuarem na educação pública sem concurso público, sem a exigência do
pagamento do piso salarial e cumprimento de planos de carreira que promovam o desenvolvimento
profissional desses trabalhadores, o que fere de forma flagrante a Constituição Federal e a LDB/1996
(BRASIL/1996).
4 Este é um problema que deve ser enfrentado pelos movimentos que defendem o direito à educação
pública de qualidade desde o nascimento do cidadão e a valorização dos profissionais da educação. Os
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 199
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

No que se refere às bases legais das diretrizes curriculares em dis-


cussão, é preciso que se reporte também a LDB/1996 (BRASIL/1996),
considerada a Carta Magna da Educação. Ela foi resultado de amplo
processo de disputas que culminou na sua aprovação, no estilo já consa-
grado no Brasil, em que o Executivo comanda o processo de elaboração
e aprovação, em detrimento do Legislativo. De acordo com Pino (2008),
a LDB/1996, aprovada no Congresso, tomou uma forma genérica, pois
foram eliminadas várias matérias que passaram a ser objetos de leis
específicas, portarias ou resoluções do Executivo, como por exemplos
a formação e a carreira do profissional da educação, as atribuições do
CNE, a EAD, a educação profissional, dentre outros temas polêmicos,
mas fundamentais para definirem as bases da educação nacional.
Apesar disso, várias conquistas foram asseguradas, como o con-
ceito de educação básica, que envolve as etapas da Educação Infantil,
do Ensino Fundamental e Médio, nas suas distintas modalidades e “tem
por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação co-
mum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios
para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL, 1996, p.
?).
Em relação à formação de professores exigida para atuar na edu-
cação básica, o art. 62 da LDB/1996 estabelece que se deve realizar “em
nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em uni-
versidades e institutos superiores de educação”. Admite-se, entretanto,
“como formação mínima para o exercício do magistério na educação
infantil e nos cinco primeiros anos do Ensino Fundamental, a oferecida
em nível médio, na modalidade Normal” (BRASIL, 1996, p ?).
Assim, permanece aberta a possibilidade da formação de profes-
sores para a educação infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental
professores auxiliares que atuam na educação infantil recebem inúmeras denominações, como assistentes
educativos, de apoio educativo, dentre outros. Tudo, menos professores. Entretanto, eles atuam como
docentes, pois sua função é promover o desenvolvimento da criança de zero a cinco anos, integrando
cuidado e educação, mesmo que não sejam reconhecidos como tal. São contratados, geralmente, em
carreiras paralelas (administrativas) para que não possam ter acesso aos benefícios conquistados nos
planos de carreira dos profissionais do magistério, apesar de muitos deles possuírem qualificação
necessária (nível médio ou superior e até pós-graduação).
200 Denise Silva Araújo (UFG)

em escolas de nível médio na modalidade Normal. Estas foram, inclu-


sive, as primeiras diretrizes curriculares para os cursos de formação de
professores a serem regulamentadas pelo governo, por meio da Resolu-
ção CEB/CNE no 02 de abril de 1999 (BRASIL, 1999). As diretrizes para
a formação de professores em nível superior só foram homologadas pelo
MEC em fevereiro de 2002, pela Resolução CP/CNE no 01 de fevereiro
de 2002 (BRASIL, 2002a) e Resolução CP/CNE no 02 de fevereiro de
2002 (BRASIL, 2002b). Essas DCNs sofreram severas críticas devido ao
seu espírito pragmatista e a sua tendência de aligeiramento da formação
docente (FREITAS, 2002).
As DCNs para o Curso de Pedagogia, por sua vez, só tiveram sua
aprovação, mais recentemente, por meio do Parecer CNE/CP no 05/2005
(BRASIL, 2005) e da Resolução CNE/CP no 01 de maio de 2006 (BRA-
SIL, 2006). Podemos considerar a aprovação das diretrizes curriculares
para o curso de Pedagogia como uma conquista para os docentes da
educação infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, na medida
em que define esse curso como lócus da sua formação, avançando muito
em relação à LDB.
A respeito da formação e valorização docente, vale a pena des-
tacar o art. 67 da referida LDB/1996, que estabelece o dever dos siste-
mas de ensino de promover a valorização dos profissionais da educação,
assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de
carreira do magistério público: o ingresso exclusivamente por concurso
público de provas e títulos; o aperfeiçoamento profissional continua-
do, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim;
o piso salarial profissional; a progressão funcional baseada na titulação,
habilitação e avaliação do desempenho; período reservado a estudos,
planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho, e condições
adequadas de trabalho (BRASIL, 1996).
No tocante às alterações na LDB/1996, sobre a formação e valori-
zação dos profissionais da educação, destacamos aqui aquelas promovi-
das pela seguinte legislação: Lei nº 12.014/2009 (BRASIL, 2009a); Lei nº
12.056/2009 (BRASIL, 2009b) e Lei nº 12.796, de 2013 (BRASIL, 2013).
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 201
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

A Lei nº 12.014/2009 (BRASIL, 2009a) alterou o art. 61 para re-


gulamentar a nova concepção de profissionais da educação, instituída
pela EC 53/2006. A partir daí, consideram-se profissionais da educação
escolar básica os que estão em efetivo exercício e que se formaram em
cursos reconhecidos, como: professores habilitados em nível médio ou
superior para a docência na Educação Infantil e nos Ensinos Funda-
mental e Médio; trabalhadores em educação portadores de diploma de
Pedagogia, com habilitação em administração, planejamento, supervi-
são, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mes-
trado ou doutorado nas mesmas áreas; trabalhadores em educação, por-
tadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou
afim (BRASIL, 1996).
Treze anos depois de aprovada a LDB, essa alteração legal, que
avançou com relação ao reconhecimento dos profissionais não docen-
tes, reafirma, porém, a possibilidade de a formação dos professores da
educação infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental ser realiza-
da em cursos normais de nível médio. Esta foi uma questão bastante po-
lêmica nas Conferências Nacionais de Educação (CONAE/2010 e CO-
NAE/2014). Os movimentos em defesa da formação dos profissionais
da educação defendem que a formação do professor da educação infan-
til e dos anos iniciais do Ensino Fundamental seja feita apenas em curso
superior, licenciatura em Pedagogia. Gestores municipais e estaduais,
porém, defendem a permanência da formação no nível médio, alegan-
do a carência de profissionais de nível superior para suprir a demanda,
especialmente nas regiões Norte e Nordeste do país. Além disso, ainda
existe uma série de escolas normais espalhadas pelo país cujos alunos e
professores saíram em sua defesa como nível inicial da formação docen-
te. Esta é uma questão sobre a qual as novas diretrizes em discussão não
se pronunciam.
A Lei nº 12.056/2009 (BRASIL, 2009b) insere no art. 62 da LDB
novos parágrafos que regulamentam a obrigação do Estado (nas suas
três esferas: União, Distrito Federal, estados e municípios) de promover,
em regime de colaboração, a formação inicial, a continuada e a capaci-
202 Denise Silva Araújo (UFG)

tação dos profissionais de magistério. O § 3º (acrescentado no art. 62)


estabelece que a formação inicial de profissionais de magistério deve ser
realizada de preferência no ensino presencial, subsidiariamente fazendo
uso de recursos e tecnologias de EAD. Essa é uma conquista importante
no âmbito legal, que precisa de muita articulação dos movimentos em
defesa da formação dos profissionais da educação, a fim de assegurar
sua concretização na realidade educacional (BRASIL, 1996). As políti-
cas públicas têm priorizado a oferta de cursos de primeira ou segunda
licenciatura a distância, principalmente como medida emergencial para
professores em exercício.
A Lei nº 12.796/2013 (BRASIL, 2013), por sua vez, introduz na
LDB/1996 dispositivos legais que obrigam a União, o Distrito Federal,
os estados e os municípios a adotarem mecanismos facilitadores de
acesso e permanência dos docentes em cursos de formação em nível
superior para atuarem na educação básica pública. Dentre eles, cita es-
pecificamente a necessidade de manutenção do Programa Institucional
de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid)5 oferecido a estudantes matri-
culados em cursos de licenciatura, de graduação plena, nas instituições
de educação superior (BRASIL, 1996). 
É relevante ressaltar que o Parecer CNE/CP n. 02/2015 e a Reso-
lução CNE/CP n. 02/2015, que instituem as DCNFICPM/2015, foram
aprovados num contexto em que, além desses instrumentos legais que
alteraram a CF/1988 (BRASIL, 1988) e a LDB (BRASIL, 1996) aqui ci-
tados, existe uma profusão de aparatos legais pertinentes à temática da
formação e valorização dos profissionais da educação, criados nas duas
últimas décadas, que devem ser obedecidos e implementados, como a:
Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, que regulamenta o Fundeb; Lei
nº 11.502, de 11 de julho de 2007, que modifica as competências e a es-
5 A meta 15 do PNE (2014-2024), na estratégia 15.3, prevê a ampliação do Pibid. Esta pode ser considerada
uma importante conquista no que se refere ao incentivo à permanência dos estudantes nos cursos de
licenciatura e na melhoria da sua qualidade devido à promoção da relação entre teoria e prática e da
aproximação entre as instituições formadoras e os sistemas de ensino, princípios defendidos pelos
movimentos em defesa da formação e valorização dos profissionais da educação. Entretanto, nos últimos
meses, o corte de gastos do governo com a educação tem comprometido a permanência e o sucesso deste
programa.
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 203
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

trutura organizacional da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento


de Pessoal de Nível Superior (CAPES); Lei nº 11.738, de 16 de julho
de 2008, que regulamenta o piso salarial profissional nacional para os
profissionais do magistério público da educação básica; Lei nº 13.005,
de 25 de junho de 2014, que aprova o PNE, especialmente as metas (15
a 18) e suas estratégias direcionadas aos profissionais do magistério da
educação básica; Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009, que institui
a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Edu-
cação Básica e disciplina a atuação da Capes no fomento a programas de
formação inicial e continuada (BRASIL, 2015a).
Todo esse arcabouço legal construído nas últimas décadas foi re-
sultado das lutas empreendidas por diversos atores sociais que, juntos,
têm conquistado, gradualmente, maior valorização dos profissionais da
educação, bem como tentado assegurar maior organicidade nas políti-
cas de formação inicial e continuada nas quais se inserem as diretrizes
em questão.
Dessa legislação, desataca-se, por sua relevância na definição das
políticas educacionais para o próximo decênio, a Lei nº 13.005/2014
(BRASIL, 2014a), que institui o PNE (2014-2024), aprovada pelo Con-
gresso Nacional e sancionada sem vetos pela presidenta Dilma Rousseff,
em junho de 2014. No que se refere à formação e valorização dos profis-
sionais da educação, o PNE (2014-2024) ousou determinar, na Meta 15,
que no final da década todos os professores da educação básica deverão
possuir formação específica de nível superior, obtida em curso na área
de conhecimento em que atua. A Meta 16 do PNE (2014-2024)6 ousou
ainda mais ao estabelecer que, no final da década, 50% dos professo-
res da educação básica deverão ter conquistado a formação em nível de
pós-graduação.
Entretanto, embora se ampliem as metas referentes à formação
de professores, as condições de trabalho e a desvalorização da profissão
docente têm afastado os jovens da carreira do magistério. Estatísticas

6 Essa meta também se refere à formação continuada dos profissionais não docentes que atuam na educação
básica, assegurada pela nova redação da LDB/1996.
204 Denise Silva Araújo (UFG)

demonstram a diminuição da procura por cursos de licenciatura nas


instituições formadoras públicas ou particulares (OLIVEIRA; MORI-
CONI; LOUZANO; PIMENTA, 1997; ROCHA, 2010).
No intuito de superar a desvalorização da profissão docente, a
Meta 17 do PNE (2014-2024) estabelece que, até o final de 2020, de-
vem ser equiparados os rendimentos dos profissionais do magistério
das redes públicas de educação básica aos dos demais profissionais com
escolaridade equivalente. Hoje, a defasagem entre o salário do profes-
sor e demais profissionais com ensino superior é de aproximadamente
54%, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra a Domicílios
(Pnad). Essa diferença é inaceitável, porém, em seis anos, os estados e
municípios não terão condições de assumir esse reajuste de forma ace-
lerada, sem a devida ampliação dos recursos aplicados na educação e da
assistência financeira da União aos entes federados mais frágeis econo-
micamente.
Vale destacar que a Meta 18, a fim de impulsionar a valorização
dos professores da educação básica, estabelece o prazo de dois anos para
que os profissionais da educação básica tenham assegurados seus planos
de carreira, tomando como base o piso salarial profissional. Contudo,
não há, atualmente, nenhum tipo de punição para o município que ale-
ga não possuir condições de pagar esse valor e nem parâmetros claros
para orientar os planos de carreira.
Pinto (2010) pondera que, para haver uma real ampliação dos gas-
tos públicos com a educação no país, é imprescindível o aumento da
participação da União no financiamento da educação básica, visto que,
embora o governo federal fique com cerca de 60% da receita tributária
líquida (já incluídas as transferências constitucionais para estados e mu-
nicípios), sua participação nos gastos com a educação básica no período
de 2000 a 2005 foi em média de 6%. Apenas a ampliação da partici-
pação da União no financiamento da educação básica não é suficiente
para atender às necessidades dos diferentes níveis, etapas e modalidades
da educação básica em todo o território nacional. É preciso ampliar o
montante do dinheiro investido na educação. Nesse sentido, a Meta 20
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 205
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

do PNE determina a ampliação do investimento público em educação


pública, de forma a atingir no mínimo 7% do Produto Interno Bruto
(PIB) do país até 2019 e 10% até 2024. Essa meta que não será cumprida
sem muita luta e pressão da sociedade civil sobre o conjunto das forças
políticas que comandam o país.
A articulação entre formação inicial e continuada com condi-
ções de trabalho e planos de carreira atrativos e aumento salarial tem
sido enfatizada pelos teóricos da área e pelos movimentos em defe-
sa da formação e valorização docente, como um tripé sobre o qual
se assenta o desenvolvimento profissional dos professores, requisito
para a qualidade social da educação. As novas DCNFICPM/2015 in-
corporam várias das proposições e discussões desses movimentos e
estudos teóricos. No próximo item, discutiremos alguns conceitos e
concepções que foram construídos no bojo dos movimentos sociais
e da produção teórica da área, incorporados no texto das DCNFI-
CPM/2015, que podem ser considerados importantes balizadores
para a formação inicial e continuada dos docentes da educação bá-
sica.

Conceitos e concepções presentes nos documentos definidores das


DCNs para a formação de professores da educação básica

Na análise do Parecer CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL, 2015a) e


na Resolução CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL, 2015b), aprovados pelo
CNE, que instituem as novas DCNs para a formação inicial e continua-
da de professores da educação básica, percebemos que são inegáveis os
avanços alcançados, apesar de muito ainda haver por conquistar. Para
compreender esses avanços e os desafios a enfrentar, é importante com-
preendermos os princípios, conceitos e concepções adotados nas novas
DCNFICPM/2015.
A Resolução CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL, 2015b) inicia-se com
uma série de “considerandos”, que evocam os aportes e as concepções
apontados no Parecer CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL, 2015a), como fun-
206 Denise Silva Araújo (UFG)

damentais para a melhoria da formação inicial e continuada e suas dinâ-


micas formativas. Dos diversos aportes, destacamos dois:
a) o reconhecimento de que a valorização do profissional do ma-
gistério só pode ser assegurada pela garantia de formação inicial e con-
tinuada, plano de carreira, salário e condições dignas de trabalho. Como
dito anteriormente, o entendimento de que esses são aspectos indisso-
ciáveis tem sido insistentemente defendido pelos movimentos sociais e
é uma conquista importante sua incorporação em um documento que
tem a tarefa de orientar todos os cursos e programas de formação inicial
e continuada de professores do país.
b) a adoção dos seguintes princípios norteadores da base comum
nacional para a formação inicial e continuada: sólida formação teórica
e interdisciplinar; unidade teoria-prática; trabalho coletivo e interdisci-
plinar; compromisso social e valorização do profissional da educação;
gestão democrática; avaliação e regulação dos cursos de formação pelo
poder público. Esses princípios estão presentes nos diversos documen-
tos produzidos pelos movimentos em defesa da formação e valorização
dos profissionais da educação (ANFOPE, 2012) e é valioso o fato de
terem sido adotados pelas diretrizes em questão.
Nessa direção, Dourado (2015) afirma que as novas DCNFI-
CPM/2015 estabelecem que o(a) egresso(a) da formação inicial e conti-
nuada deve ter acesso a uma série de informações e desenvolver habili-
dades. Estas resultam do domínio de uma pluralidade de conhecimen-
tos teóricos e práticos, estruturados em um projeto pedagógico, e um
percurso formativo fundamentado em princípios de interdisciplinari-
dade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social,
ética e sensibilidade afetiva e estética. Essa formação, que deverá ser
consolidada no decorrer de seu exercício profissional, deve permitir ao
egresso o acesso: “ao conhecimento da instituição educativa; a pesquisa;
atuação profissional no ensino, na gestão de processos educativos e na
organização e gestão de instituições de educação básica” (DOURADO,
2015, p. 307).
Nas novas DCNFICPM (BRASIL, 2018a; 2015b), se reconhece,
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 207
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

portanto, o que os movimentos sociais vêm defendendo historicamente:


para a melhoria da formação de profissio­nais do magistério, é funda-
mental a garantia de base comum nacional, sem prejuízo de base diver-
sificada, pautada pela concepção de educação como processo emancipa­
tório e permanente, bem como pelo reconhecimento da especificidade
do trabalho docente. Este conduz à práxis como expressão da articula-
ção entre teoria e prática e à exigência de que se leve em conta a reali-
dade das instituições edu­cativas da educação básica e da profissão (AN-
FOPE, 2012). É uma importante conquista ter essa compreensão de base
comum, orientando a formação de docente no Brasil, em um tempo de
disputa de concepções acerca do currículo nacional que parecem retro-
ceder aos modelos de currículo mínimo que vigoravam no período da
ditadura militar.
Vale registrar que, na parte inicial da Resolução CNE/CP n.
02/2015 (BRASIL, 2015b), são apresentados os conceitos de educação,
docência, currículo, formação inicial e continuada. Esses conceitos de-
verão ser considerados na elaboração de toda proposta de curso, pro-
grama ou ação de formação inicial e continuada de professores, no Bra-
sil, a partir da data de sua homologação. Neste texto, vamos nos ater aos
conceitos de formação inicial e continuada que, de acordo com o art. 3o
da Resolução CNE/CP n. 02/2015:

Destinam-se, respectivamente, à preparação e ao desenvolvi-


mento de profissionais para funções de magistério na educa-
ção básica em suas etapas – educação infantil, ensino funda-
mental, ensino médio – e modalidades – educação de jovens
e adultos, educação especial, educação profissional e técnica
de nível médio, educação escolar indígena, educação do cam-
po, educação escolar quilombola e educação a distância – a
partir de compreensão ampla e contextualizada de educação
e educação escolar, visando assegurar a produção e difusão
de conhecimentos de determinada área e a participação na
elaboração e implementação do projeto político-pedagógico
208 Denise Silva Araújo (UFG)

da instituição, na perspectiva de garantir, com qualidade, os


direitos e objetivos de aprendizagem e o seu desenvolvimen-
to, a gestão democrática e a avaliação institucional (BRASIL,
2015b).

Da leitura desse trecho das DCNFICPM/2015, depreende-se que


a formação inicial se destina àqueles que almejam atuar na docência
da educação básica em suas diferentes etapas e modalidades e/ou em
outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagó­gicos. Já
a formação continuada visa o desenvolvimento profissional dos docen-
tes, que já atuam nesse nível de ensino. Nos dois momentos formativos,
devem ser assegurados, de maneira articulada: estudos teórico-práticos,
investigação e reflexão crítica, bem como aproveitamento da formação
e experiências anteriores em institui­ções de ensino.
Pimenta (1997) enfatiza que a formação inicial confere uma ha-
bilitação legal ao exercício profissional da docência. A autora pondera
que, devido à natureza do trabalho docente, que é o ensino como for-
ma de contribuir para o processo de humanização de sujeitos histori-
camente situados, os cursos de licenciatura devem promover o desen-
volvimento de atitudes, conhecimentos e valores que possibilitem aos
futuros professores construir seus saberes e fazeres docentes, a partir
das necessidades e dos desafios que a educação como prática social lhes
apresenta na realidade concreta.
Imbernón (2011) destaca a importância da formação inicial como
início da profissionalização. Assim, constitui-se em um período em que
as virtudes, os vícios e as rotinas são assumidos como processos usu-
ais da profissão. O autor afirma que a formação inicial deve possibilitar
uma análise integral das situações educativas. Em função disso, as ins-
tituições de formação inicial deveriam assumir a decisão de promover
não apenas o conhecimento profissional, mas todos os aspectos intrín-
secos à profissão docente, comprometendo-se com o contexto e a cul-
tura na qual se desenvolve. As instituições devem, portanto, ser vivas e
promotoras de mudança.
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 209
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

Com esse espírito, em consonância com o que vem defendendo


os movimentos sociais, na Resolução CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL,
2015b), a docência é conceituada como:

ação educativa e como processo pedagógico intencional e


metódico, envolvendo conhecimentos específicos, interdis-
ciplinares e peda­gógicos, conceitos, princípios e objetivos da
formação que se desenvolvem na socialização e construção de
conhecimentos, no diálogo constante entre diferentes visões
de mundo (BRASIL, 2015b).

Assim, aproxima-se do conceito de práxis, visto que é revestida de


intencionalidade, característica do trabalho como fundamento ontoló-
gico do processo de humanização (KOSIK, 1976).
Nessa concepção ampliada de docência, o Parecer CNE/CP n.
02/2015 (BRASIL, 2015a) e a Resolução CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL,
2015b) deixam claro que:

as atividades do magistério também compreendem a atuação


e participação na organização e gestão de sistemas de educa-
ção básica e suas insti­tuições de ensino, englobando o plane-
jamento, desenvolvimento, coordenação, acompanhamento e
avaliação de projetos, do ensino, das dinâmicas pedagógicas
(DOURADO, 2015, p. 308).

Diante da compreensão de que “a formação docente inicial e con-


tinuada para a educação básica constitui processo dinâmico e complexo,
direcionado à melhoria permanente da qualidade social da educação e
à valorização profissional”, o art. 3o da Resolução CNE/CP n. 02/2015
(BRASIL, 2015b), em seu parágrafo 3o, determina que essa tarefa deve
ser assumida, em regime de colaboração, pelos entes federados nos res-
pectivos sistemas de ensino e desenvolvida pelas instituições de educa-
ção credenciadas. A dimensão dessa tarefa só pode ser compreendida
210 Denise Silva Araújo (UFG)

ao se delimitar quem são os profissionais do magistério da educação


básica, o que é feito no mesmo art. 3o da Resolução CNE/CP n. 02/2015
(BRASIL, 2015b), em seu parágrafo 4º. Ali, explicita-se que são consi-
derados pertencentes a essa categoria aqueles que exercem atividades de
docência e demais atividades pedagógicas, incluindo a gestão educacio-
nal dos sistemas de ensino e das unidades escolares de educação básica
nas diversas etapas e modalidades de educação (educação infantil, En-
sino Fundamental, Ensino Médio, educação de jovens e adultos, educa-
ção especial, educação profissional e técnica de nível médio, educação
escolar indígena, educação do campo, educação escolar quilombola e
EAD), e possuem a formação mínima exigida pela legislação federal das
diretrizes e bases da educação nacional.
Ao atribuir aos entes federados em regime de colaboração a tarefa
de oferecer, nos moldes que orienta as DCNs em análise, formação ini-
cial e continuada aos docentes de seus sistemas de ensino, por meio de
instituições de educação credenciadas, a Resolução CNE/CP n. 02/2015
(BRASIL, 2015b) nos remete à necessidade de reflexão acerca do federa-
lismo brasileiro. Cury (2010) aponta, como um dos principais entraves
da garantia do comprimento do direito a uma educação de qualidade, a
ausência de definição do que vem a ser o regime de colaboração deter-
minado pela Constituição Federal e as questões federativas pendentes.
De acordo com a CF/1988 (BRASIL, 1988) e a LDB/1996 (BRA-
SIL, 1996), a União deveria assumir uma presença articuladora suple-
tiva, técnica e redistributiva diante do conjunto da educação nacional.
Entretanto, esse dever tem sido sistematicamente descumprido, man-
tendo, assim, as disparidades regionais. Como a Lei não definiu clara-
mente como deveria ser o regime de colaboração entre os entes federa-
dos, a forma de efetivá-lo ficou sujeita à diversidade de interpretação e
às incoerências políticas. Para superar essa situação, é necessária a re-
gulamentação do art. 23 da Constituição Federal de 1988, que define
competências comuns à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos
municípios.
O novo PNE, por força da Emenda Constitucional nº 59/2009
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 211
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

(BRASIL, 2009b), foi elevado à condição de articulador do Sistema Na-


cional de Educação (SNE), e a Lei nº 13.005/2014 (BRASIL, 2014a), que
aprovou o PNE (2014-2024), no seu art. 13, determina o prazo de dois
anos, a partir de sua publicação para a elaboração da lei específica, que
irá instituir o SNE. O desafio atual para a sociedade civil consiste, por-
tanto, em construir os consensos possíveis em torno de temas estrutu-
rantes de um modelo de federalismo educacional que atenda as reais
necessidades do nosso país.
Araújo (2010) avalia que o desafio maior para as relações intergo-
vernamentais no Brasil e para a constituição de um SNE é a definição do
regime de colaboração por meio de uma regulamentação que promova
uma justa distribuição de poder, autoridade e recursos entre os entes fe-
derados. Nessa regulamentação, é necessário assegurar a independência
e interpenetração dos governos nacional e subnacionais, a fim de possi-
bilitar um projeto de desenvolvimento nacional que promova a supera-
ção das históricas desigualdades regionais e intraestaduais.
Para que a arrecadação e a distribuição de recursos financeiros
permaneçam como estão, a formação inicial e continuada de profes-
sores para a educação básica de cada sistema de ensino será delegada
como mais uma tarefa dos entes federados, sem alocação de recursos
suficientes para tal. Desta maneira, torna-se mais uma forma de res-
ponsabilização dos estados e municípios e de desobrigação da União,
consequentemente reproduzindo as desigualdades regionais.

lgumas implicações para a organização dos cursos de formação ini-


cial

Visando garantir diretrizes nacionais articuladas à trajetória das


insti­tuições formadoras, as novas DCNs definem que os cursos de for-
mação inicial devem ter uma base comum nacional, mas respeitando as
diversidades regional e local, bem como a autonomia pedagógica das
instituições. Para tanto, devem-se constituir dos seguintes núcleos:
212 Denise Silva Araújo (UFG)

I. Núcleo de estudos de formação geral, das áreas específicas e


interdisciplinares, e do campo educacional, seus fundamentos
e metodologias, e das diversas realidades educacionais;
II. Núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos das áre-
as de atuação profissional, incluindo os conteúdos específicos
e pedagógicos e a pesquisa priorizada pelo projeto pedagógico
das instituições, em sintonia com os siste­mas de ensino; e
III. Núcleo de estudos integradores para enriquecimento curricu-
lar (BRASIL, 2015b).

A Resolução CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL, 2015b), no art. 12, es-


tabelece, no interior desses núcleos, princípios e valores, conhecimentos
que são fundantes na formação inicial e continuada dos docentes da
educação básica e que devem ser observados na elaboração de qualquer
projeto, programa ou curso na área.
Vale destacar que a novas diretrizes têm como característica a
flexibilidade para que as instituições formadoras optem pela oferta de
cursos de formação inicial de professores para a educação básica em
nível superior (cursos de licenciatura). Estes são organizados em áreas
especializadas, por componente curricular ou por campo de conheci-
mento e/ou interdisciplinar, considerando-se a complexidade e multir-
referencialidade dos estudos que os englobam. Essa mesma flexibilida-
de, porém, não pode ser observada no que se refere à distribuição dos
componentes curriculares. Neste aspecto, as novas DCNs praticamente
copiam e colam as prescrições da Resolução CNE/CP n. 02/2002 (BRA-
SIL, 2002 b), ao enfatizar que os cursos de licenciatura devem se estru-
turar por meio da:

[...] garantia de base comum nacional das orientações curri-


culares, constituindo-se de, no mínimo, 3.200 (três mil e du-
zentas) horas de efetivo trabalho acadêmico, em cursos com
duração de, no mínimo, 8 (oito) semestres ou 4 (quatro) anos,
compreendendo:
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 213
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

I 400 (quatrocentas) horas de prática como componente cur-


ricular, distribuídas ao longo do processo formativo;
II 400 (quatrocentas) horas dedicadas ao estágio supervi-
sionado, na área de formação e atuação na educação básica,
contemplando também outras áreas específicas, se for o caso,
conforme o projeto de curso da instituição;
III pelo menos 2.200 (duas mil e duzentas) horas dedicadas às
atividades formati­vas estruturadas pelos núcleos I e II, confor-
me o projeto de curso da instituição;
IV 200 (duzentas) horas de atividades teórico-práticas de
aprofundamento em áreas específicas de interesse dos estu-
dantes, como definido no núcleo III, por meio da iniciação
científica, da iniciação à docência, da extensão e da monito­
ria, entre outras, conforme o projeto de curso da instituição
(BRASIL, 2015b).

Ao compararmos as Resoluções do CNE (Resolução CNE/CP n.


02/2002 e Resolução CNE/CP n. 02/2015), que têm entre elas um inter-
valo de trezes anos, mas ironicamente têm o mesmo número, veremos
que a carga horária e a estrutura curricular dos cursos de licenciatura
mantiveram-se praticamente intactas. A única modificação foi a am-
pliação da carga horária total dos cursos de licenciatura em 400 horas,
saindo de 2800 para 3200 horas7.
Apesar do avanço em relação à ampliação da carga horária, em
resposta às críticas no tocante ao aligeiramento da formação docente
presente nas diretrizes anteriores, o novo documento mantém a rigidez
da estrutura curricular e a concepção pragmatista tão criticada de seu
antecessor.

7 Carga horária já aprovada pela Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006 (BRASIL, 2006), que
institui as DCNs para o curso de graduação em Pedagogia, para os cursos dessa área. Este aumento
da carga horária tem gerado inúmeras polêmicas nas instituições que oferecem cursos noturnos de
licenciatura, devido à dificuldade de cumpri-las com a qualidade necessária.
214 Denise Silva Araújo (UFG)

Segunda licenciatura e curso de complementação pedagógica

As novas DCNs definem que os cursos de formação inicial para


os profissionais do magistério para a educação básica, em nível superior,
compreendem, além dos cursos de graduação de licenciatura, os cursos
de formação pedagógica para graduados não licenciados e os cursos de
segunda licenciatura.
Os cursos de formação pedagógica para graduados não licen-
ciados, de caráter emergencial e provisório, ofertados a portadores de
diplomas de curso superior formados em cursos relacionados à habi-
litação pretendida, devem ter carga horária mínima variável de 1.000
a 1.400 horas de efetivo trabalho acadêmico. Esses cursos dependem,
contudo, da equivalência entre o curso de origem e a formação peda-
gógica pretendida e devem assegurar sólida base de conhecimentos na
área estudada. A definição da carga horária deve respeitar os seguintes
princípios:

I. quando o curso de formação pedagógica pertencer à mesma


área do curso de origem, a carga horária deverá ter, no mínimo,
1.000 (mil) horas;
II. quando o curso de formação pedagógica pertencer a uma área
diferente da do curso de origem, a carga horária deverá ter, no
mínimo, 1.400 (mil e quatro­centas) horas;
III. a carga horária do estágio curricular supervisionado é de 300
(trezentas) horas;
IV. deverá haver 500 (quinhentas) horas dedicadas às atividades
formativas referentes ao inciso I, estruturadas pelos núcleos I e
II, conforme o projeto de curso da instituição;
V. deverá haver 900 (novecentas) horas dedicadas às atividades
formativas referen­tes ao inciso II, estruturadas pelos núcleos I
e II, conforme o projeto de curso da instituição;
VI. deverá haver 200 (duzentas) horas de atividades teórico-prá-
ticas de aprofunda­mento em áreas específicas de interesse dos
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 215
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

alunos, como definido no núcleo III, conforme o projeto de


curso da instituição (BRASIL, 2015b).

Por se tratar de cursos de formação pedagógica para graduados


não licenciados, de caráter emergencial e provisório, define-se o prazo
máximo de cinco anos para que o Ministério da Educação, em articula-
ção com os sistemas de ensino e com os fóruns estaduais permanentes
de apoio à formação, proceda à avaliação do desenvolvimento desses
cursos de formação, definindo o prazo para sua extinção em cada estado
da federação.
Esses cursos não surgiram com as novas DCNFICPM/2015. Em
1971, criaram-se os cursos denominados “Esquema I e II”, que forne-
ciam credenciais de licenciatura de curta duração aos seus concluintes
para professores de disciplinas especializadas. Esses cursos foram regu-
lamentados pela Portaria Ministerial 432/1971. Para substituí-los, em
1997, o CNE aprovou a Resolução CNE/CP 02/97 que regulamentou os
cursos de complementação pedagógica. Esse Parecer nasceu de uma so-
licitação ministerial ao CNE, para que interpretasse o inciso II do art. 63
da LDB e elaborasse uma proposta de resolução referente ao programa
especial de formação de professores para a educação básica. Tal deman-
da se devia à necessidade de regulamentar um programa especial para
portadores de diploma de curso superior, não licenciados, visto que ba-
charéis sem licenciatura não podem exercer o magistério. A carga horá-
ria desses cursos deveria ser de no mínimo 540 horas, incluindo partes
teórica e prática, tendo esta última a duração mínima de 300 horas.
Desse modo, podemos perceber que, embora tenhamos sérias
críticas a esse programa de complementação pedagógica, que preten-
de transformar profissionais de outras áreas em professores em exíguo
tempo, as novas diretrizes avançaram em relação ao que existia ante-
riormente. Elas ampliaram a carga horária mínima desses cursos de 540
para 1000/1400 horas e reforçaram seu caráter emergencial e provisório,
limitando sua existência nos próximos cinco anos, a contar de 2015.
Já os cursos de segunda licenciatura, direcionados a profissionais
216 Denise Silva Araújo (UFG)

já licen­ciados, terão carga horária mínima variável de 800 a 1.200 horas,


dependendo da equivalência entre a formação original e a nova licencia-
tura. A definição da carga horária deve respeitar os seguintes princípios:

I. quando o curso de segunda licenciatura pertencer à mesma área


do curso de origem, a carga horária deverá ter, no mínimo, 800
(oitocentas) horas;
II. quando o curso de segunda licenciatura pertencer a uma área
diferente da do curso de origem, a carga horária deverá ter, no
mínimo, 1.200 (mil e duzentas) horas;
III. a carga horária do estágio curricular supervisionado é de 300
(trezentas) horas (BRASIL, 2015b).

Durante o processo formativo, deverá ser assegurada a relação


entre teoria e prática, de maneira efetiva e concomi­tante, ambas forne-
cendo elementos básicos para o desenvolvimento dos conhecimentos e
habilidades necessários à docência.
Vale reafirmar que os cursos de segunda licenciatura poderão ser
ofertados a portadores de diploma de cursos de graduação em licen-
ciatura, independentemente da área de formação. É condição para a
oferta dos cursos de segunda licenciatura que a instituição de educação
superior já mantenha o curso de licenciatura na habilitação pretendi-
da, reconhecido, com avaliação satisfatória pelo MEC. Atendidas essas
prerrogativas é dispensada a emissão de novos atos autorizativos.
Esses cursos visam regularizar a situação de inúmeros docentes
que atuam fora de sua área de formação. Eles eram anteriormente regu-
lamentados pela Resolução CNE/CP n. 01/2009 (BRASIL, 2009d), que
estabelecia as diretrizes operacionais para a implantação do Programa
Emergencial de Segunda Licenciatura para Professores em exercício na
Educação Básica Pública, coordenado pelo MEC em regime de colabo-
ração com os sistemas de ensino e realizado por instituições públicas de
educação superior. Esta Resolução foi revogada com a aprovação das
novas DCNFICPM/2015, entretanto, teve o seu teor mantido quase in-
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 217
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

tegralmente, inclusive no que se refere à carga horária obrigatória destes


cursos.
Tanto os cursos de complementação pedagógica como os cursos
de segunda licenciatura são considerados cursos de formação inicial de
profissionais do magistério da educação básica, assim como dos cursos
de graduação de licenciatura. O fato de serem tratados todos nas mes-
mas DCNs foi um avanço importante, visto que isso os obriga a cum-
prir todas as exigências e serem orientados pelos conceitos e princípios
orientadores das DCNFICPM/2015. Entretanto, com a carga horária
mínima prescrita, dificilmente realizarão o que está determinado nessas
diretrizes, com a qualidade necessária para formar professores para a
educação básica, com fundamentação teórica para ressignificar sua prá-
tica de maneira crítica e coerente.

Articulação necessária entre formação inicial e continuada e valori-


zação docente na perspectiva do desenvolvimento profissional

A formação continuada compreende dimen­sões coletivas, orga-


nizacionais e profissionais, que visam repensar o processo pedagógico,
os saberes e valores que a orientam. Ela envolve atividades de extensão,
grupos de estudos, reuniões pedagógicas, cursos, programas e ações
para além da formação mínima exigida ao exercício do magistério na
educação básica. Segundo a Resolução CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL,
2015b), ela é constituída por:

I. atividades formativas organizadas pelos sistemas, redes e insti-


tuições de edu­cação básica incluindo desenvolvimento de pro-
jetos, inovações pedagógicas, entre outros;
II. atividades e/ou cursos de atualização, com carga horária mí-
nima de 20 (vinte) horas e máxima de 80 (oitenta) horas, por
atividades formativas diversas, dire­cionadas à melhoria do
exercício do docente;
III. atividades e/ou cursos de extensão, oferecidas por atividades
218 Denise Silva Araújo (UFG)

formativas diver­sas, em consonância com o projeto de exten-


são aprovado pela instituição de educação superior formadora;
IV. cursos de aperfeiçoamento, com carga horária mínima de 180
(cento e oitenta) horas, por atividades formativas diversas, em
consonância com o projeto pedagógico da instituição de edu-
cação superior;
V. cursos de especialização lato sensu por atividades formativas
diversas, em con­sonância com o projeto pedagógico da insti-
tuição de educação superior e de acordo com as normas e re-
soluções do CNE;
VI. cursos ou programas de mestrado acadêmico ou profissional,
por atividades formativas diversas, de acordo com o projeto
pedagógico do curso/programa da instituição de educação su-
perior, respeitadas as normas e resoluções do CNE e da Co-
ordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
– Capes;
VII. cursos ou programas de doutorado, por atividades formati-
vas diversas, de acor­do com o projeto pedagógico do curso/
programa da instituição de educação superior, respeitadas as
normas e resoluções do CNE e da Capes (BRASIL, 2015b).

A prin­cipal finalidade da formação continuada consiste na refle-


xão sobre a prática educacional e na busca por aperfeiçoamento técni-
co, pedagógico, ético e político do profissional docente. Neste sentido,
Nóvoa (1995) defende que a formação continuada não se constrói pela
somatória de cursos, conhecimentos ou técnicas, mas sobretudo por
meio de um trabalho reflexivo e crítico sobre as práticas desenvolvidas e
de (re) construção contínua de uma identidade pessoal. Para ele [...] “a
formação está indissociavelmente ligada à produção de sentidos sobre
as vivências e sobre as experiências de vida” (NÓVOA, 1995, p. 26).
Nas novas DCNFICPM/2015, a formação continuada decorre de
uma concepção de desenvolvimento profissional dos docentes, que é
um conceito que se contrapõe à justaposição entre formação inicial e
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 219
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

continuada e implica em continuidade, integração e interlocução, re-


lacionando-se a outros termos, como: formação contínua, formação
permanente, formação em serviço, capacitação e outros (GARCÍA;
VAILLANT, 2012).
O desenvolvimento profissional abrange todas as experiências de
aprendizagem informais e aquelas planejadas e sistematizadas, que obje-
tivam direta ou indiretamente beneficiar os sujeitos ou grupos e contri-
buir para a melhoria da qualidade da educação nas instituições e redes
de ensino. É o processo mediante o qual os docentes, individual ou co-
letivamente, revisam, renovam e desenvolvem seu compromisso como
promotores de mudança, com compromissos éticos. Deste modo, ad-
quirem e desenvolvem conhecimentos, habilidades e valores essenciais
para o trabalho como profissionais do magistério, ao longo de cada uma
das etapas de sua vida como docentes (GARCÍA; VAILLANT, 2012).
O desenvolvimento profissional, portanto, relaciona-se a aspectos ine-
rentes a um único processo de formação dos docentes, compreendendo
também a práxis docente como dimensão que integra a aprendizagem
da profissão enquanto elemento de reflexão.
García e Vaillant (2012, p. 168) concluem que o desenvolvimento
profissional dos docentes “é um processo individual ou coletivo e que
opera através de experiências de diversos tipos, tanto formais como in-
formais, contextualizadas na escola”, e acrescentam ainda que [...] “tem
a ver com aprendizagem; remete ao trabalho; trata de um trajeto; inclui
oportunidades ilimitadas para melhorar a prática; relaciona-se com a
formação dos docentes; e opera sobre as pessoas, não sobre os progra-
mas”. Deste ponto de vista, entende-se que desenvolvimento profissio-
nal tem como eixo o trabalho docente e é um percurso de aprendiza-
gem que implica em reflexão crítica, fundamentada teoricamente. Nesta
perspectiva, os professores são sujeitos, no processo de mudança de prá-
ticas cristalizadas das instituições educacionais, que contribuem com a
promoção de uma educação de qualidade social.
Assumindo essa perspectiva de formação continuada como ele-
mento do desenvolvimento profissional dos docentes, a Resolução
220 Denise Silva Araújo (UFG)

CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL, 2015b), estabelece que essa formação


deve considerar:

I. os sistemas e redes de ensino, o projeto pedagógico das institui-


ções de educação básica, bem como os problemas e os desafios
da escola e do contexto onde ela está inserida;
II. a necessidade de acompanhar a inovação e o desenvolvimento
associados ao conhecimento, à ciência e à tecnologia;
III. o respeito ao protagonismo do professor e a um espaço-tempo
que lhe permita refletir criticamente e aperfeiçoar sua prática;
VI. o diálogo e a parceria com atores e instituições competentes,
capazes de con­tribuir para alavancar novos patamares de qua-
lidade ao complexo trabalho de gestão da sala de aula e da ins-
tituição educativa (BRASIL, 2015b).

Como o eixo do desenvolvimento profissional é o trabalho do-


cente, as políticas, os programas, cursos e as demais ações formativas
devem ser desenvolvidos considerando-se que o lócus privilegiado para
a formação continuada é o espaço escolar, por apresentar, no cotidiano,
elementos que precisam ser problematizados pelos professores e gesto-
res. Isso ocorre a partir da análise e reflexão da práxis, com a intenção de
redimensioná-la, tornando-os pesquisadores da sua profissão. Assim, a
Resolução CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL, 2015b) determina que as insti-
tuições formadoras devem definir no seu projeto institucional as formas
de desenvolvimento da formação continuada dos profissionais do ma-
gistério da educação básica, em efetiva articulação com: o planejamento
estratégico do Fórum Estadual Permanente de Apoio à Formação Do-
cente; os sistemas e redes de ensino, e as instituições de educação bási-
ca, sempre articulando-as às políticas de valorização a serem efetivadas
pelos sistemas de ensino.
Considerando a importância da formação continuada oferecida
pelos centros de formação de estados e municípios, bem como pelas
instituições educativas de educação básica, as novas DCNs reconhecem
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 221
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

esse lócus de formação continuada como parte constitutiva da nova


política que se quer consolidar no país. Ainda nessa direção, as DCNs
sinalizam que compete aos sistemas de ensino e às instituições a respon-
sabilidade pela garantia de políticas de valorização dos profissionais do
magistério da edu­cação básica. Estas devem assegurar a sua formação,
além do seu plano de carreira de acordo com a legislação vigente e uma
preparação para atuarem nas etapas, modalidades da educação básica e
em seus projetos de gestão. Isso está definido na base comum nacional
e nas diretrizes de formação, segundo o PDI, PPI e PPC da instituição
de educação superior, em articulação com os sistemas e redes de ensino
de educação básica.
As referidas DCNs direcionam a formação inicial e continuada
dos profissionais do magistério da educação bá­sica, a partir da definição
de base comum nacional articulada a essas dinâmicas formativas. Nes-
ta direção, defende-se a institucionalização de um projeto de formação
pelas Instituições de Educação Superior (IES), priorizando-se as univer-
sidades. As IFES se articulam com os entes federados, seus sistemas e
redes, e com as instituições de educação básica, sem descurar da efetiva
participação dos fóruns permanentes de formação e demais instâncias,
como conselhos nacional, distrital, estaduais e municipais e respectivos
fóruns (DOURADO, 2015).
Entendemos que essa perspectiva articulada e a centralidade con-
ferida à formação dos profissionais do magistério da educação básica
podem contribuir para a supe­ração da dicotomia entre teoria e prática,
bacharelado e licenciatura, bem como propiciar uma efetiva articulação
entre políticas e dinâmicas de organização, gestão e financiamento da
educação, suas instituições e seus atores. Vale destacar, porém, que essa
formação não pode representar maior responsabilização dos docentes
e das instituições de educação básica. Com as novas DCNs, tanto os
profissionais quanto as instituições assumem um importante papel no
processo de desenvolvimento profissional dos docentes desse nível de
ensino na formação inicial e continuada. Essas atribuições devem ser
planejadas com as instituições formadoras, preferencialmente as públi-
222 Denise Silva Araújo (UFG)

cas, e com os sistemas de ensino, que deverão criar e manter as condi-


ções institucionais para sua concretização.

Considerações finais

A decisão de elaborar um único documento que articulasse as di-


retrizes curriculares para a formação inicial e para a formação continua-
da pode ser considerada uma importante conquista na direção de políti-
cas mais orgânicas. As novas diretrizes curriculares ratificam princípios
e buscam contribuir para a melhoria da formação inicial e continuada
dos profissionais do magistério, ao definir a base comum nacional, de-
manda histórica de entidades do campo educacional, como referência
para a valorização dos profissionais da educação. Isso é fundamental
para possibilitar a instituição de um subsistema de valorização dos pro-
fissionais da educação envolvendo, de modo articulado, questões e po-
líticas atinentes à formação inicial e continuada, carreira, aos salários e
às condições de trabalho.
Outro aspecto relevante que deve ser destacado nas diretrizes
aprovadas em 2015 é a estruturação entre educação básica e superior,
bem como a institucionalização de projeto pró­prio de formação inicial e
continuada dos profissionais do magistério da educação básica por par-
te das instituições formadoras. Esse planejamento deve ter como eixo a
concepção formativa e indutora de desenvolvimento profissional e ins-
titucional que redimensiona a formação dos professores da educação
básica, a partir da concepção de docência, que inclui o exercício dos
processos de ensino e aprendizagem e a organização e gestão de institui-
ções e sistemas educativos.
É importante destacar, ainda, que novos desafios se colocam no
campo da formação, envolvendo: os entes federados; os sistemas e as
instituições de ensino; os fóruns permanentes de apoio; a formação dos
profissionais da educação; as entidades cientifico-acadêmicas e sindicais
e, em especial, as instituições que se encarregam da formação na pers-
pectiva de propostas e projetos mais orgânicos para a formação inicial e
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 223
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

continuada, como delineado nas novas DCNs, objeto de discussão neste


artigo.
Para sua efetivação, como previsto no PNE, é imprescindível a ins-
tituição do SNE para consolidar uma política nacional para a formação
dos profissionais do magistério, que rompa com as ações fragmentadas e
focadas em políticas de governo emergenciais e viabilize a existência de
processos articulados com maior organicidade para as políticas e gestão
da educação nacional. Além disso, é preciso estabelecer diretrizes cur-
riculares nacionais para a carreira, bem como garantir novos recursos
que visem cumprir a meta de 10% do PIB para a educação, sem os quais
as belas intenções se esvairão por falta de condições objetivas de efeti-
vação.

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224 Denise Silva Araújo (UFG)

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Leis nos 8.405, de 9 de janeiro de 1992, e 11.273, de 6 de fevereiro de 2006, que autoriza
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para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação
das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desen-
volvimento do ensino, de que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação
aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro
a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as
etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212
e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI. Diário Oficial da
União, Brasília, 11 nov. 2009a.
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA 225
DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONQUISTAS E DESAFIOS

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227

AVALIAÇÃO DE LARGA ESCALA EM


EDUCAÇÃO NO BRASIL

Cipriano Carlos Luckesi

Relação entre avaliação da aprendizagem e avaliação de larga escala1

O objetivo final da atividade educativa escolar, em todos os seus ní-


veis, da pré-escola à pós-graduação, é garantir uma qualidade sa-
tisfatória dos resultados da aprendizagem dos educandos. A escola foi
instituída, histórica e socialmente, com a finalidade de transmitir às
novas gerações os conteúdos socioculturais estabelecidos pela huma-
nidade ao longo do tempo. Transmitir implica que as novas gerações
efetivamente aprendam esses determinados conteúdos, como recursos
para viver de forma mais saudável e adequada no presente, garantindo,
em consequência, a possibilidade da sua transmissão para as gerações
vindouras.
Dessa forma, a escola almeja garantir a aprendizagem de todos
que tem acesso às suas atividades. Uma instituição escolar − da pré-es-
cola à pós-graduação − terá cumprido sua finalidade se garantir a todos
os seus educandos a aprendizagem necessária, segundo os currículos
estabelecidos, e com qualidade. Isso implica que todo o sistema de en-
sino (estudantes, escolas, secretarias de educação municipal e estadual,

1 Sobre a relação entre avaliação da aprendizagem e de larga escala, ver: blog luckesi.blogspot.com, artigos
03, 81.
228 Cipriano Carlos Luckesi

Ministério da Educação) deve oferecer condições para que os educan-


dos aprendam o necessário, curricularmente estabelecido, e, ao apren-
derem, se desenvolvam.
Desse modo, a prática avaliativa, que tem por objetivo determinar
a efetividade do sistema de ensino (avaliação de larga escala ou avalia-
ção de sistema de ensino), deve, por ser uma investigação, revelar a qua-
lidade dessa realidade, tendo por base seu resultado último que, neste
caso, é a aprendizagem de todos os educandos.
A avaliação da aprendizagem incide sobre quem aprende, e a
avaliação de larga escala incide sobre quantos aprendem. A primeira
aborda o estudante individualmente, e a segunda aborda um coletivo de
estudantes. Existe, pois, uma relação entre esses dois objetos de investi-
gação da avaliação, sendo que o primeiro subsidia o segundo.
O sistema de ensino poderá prover a mais complexa estrutura
institucional, somando-se a isso o mais completo e satisfatório apare-
lhamento das instituições escolares, tanto no que se refere aos profissio-
nais como aos recursos materiais de ensino. Mas, caso a aprendizagem
não se apresente com qualidade satisfatória, ele não terá cumprido sua
finalidade. É o resultado final que permite a apreciação do sistema de
ensino.
Nesse contexto, importa ter presente que a avaliação de larga esca-
la do sistema de ensino, que aborda a qualidade do ensino do ponto de
vista estatístico, não tem outra possibilidade a não ser se assentar sobre a
realidade do desempenho dos estudantes em sua aprendizagem. Em vis-
ta disso, os instrumentos de coleta de dados para as práticas avaliativas,
denominadas de larga escala, no país, em primeiro lugar, coletam dados
sobre o desempenho individual dos estudantes em suas aprendizagens,
desde que suas aprendizagens configurem a finalidade da escola. Caso a
escola produza muitos outros resultados positivos, mas não produza a
aprendizagem satisfatória, ela não estará atendendo as suas finalidades.
Assim, por várias vezes gestores administrativos de instituições
escolares de todos os níveis de escolaridade atingiram estados de es-
tupefação frente a escores inferiores obtidos por suas instituições em
AVALIAÇÃO DE LARGA ESCALA EM EDUCAÇÃO NO BRASIL 229

avaliações de larga escala, visto que suas instituições possuíam boas,


e até excelentes, condições físicas para o ensino. As excelentes con-
dições físicas das instituições escolares não garantem, portanto, uma
aprendizagem satisfatória aos currículos nacionais e, quiçá, interna-
cionais.
Diante dessas circunstâncias, os dados que servem de base para
a avaliação de larga escala são construídos em nossas instituições esco-
lares, onde os estudantes são ensinados e, por isso, devem aprender o
necessário.
Dessa maneira, a avaliação da aprendizagem, que ocorre dentro
da sala de aula e subsidia o educador (gestor da sala de aula) em sua
tomada de decisões frente à busca da produção de resultados satisfató-
rios na aprendizagem individual dos educandos, antecede a avaliação
de larga escala. A avaliação da aprendizagem está voltada para subsidiar
o efetivo ensino e a efetiva aprendizagem dos estudantes. Já a avaliação
de larga escala tem por objetivo saber se o sistema, como sistema, está
produzindo os resultados aos quais se destina.
A avaliação da aprendizagem individual auxilia o educador de sala
de aula a tomar suas decisões pedagógicas na busca por resultados sa-
tisfatórios da aprendizagem de todos os educandos. A avaliação de larga
escala deseja saber da qualidade do atendimento do sistema, visando
garantir condições para que todos os matriculados em nossas institui-
ções educativas aprendam o necessário e o estabelecido nos currículos.
A relação entre avaliação da aprendizagem e avaliação de larga
escala tem a ver com a dimensão individual e a dimensão do sistema.
Contudo, importa ter presente que a base de dados para ambas as práti-
cas avaliativas é a mesma − a qualidade da aprendizagem dos educandos
−, sendo que a primeira aborda a realidade do ponto de vista da apren-
dizagem individual, e a segunda do ponto de vista estatístico.
Nesse entendimento, no presente texto, trataremos dos dois tipos
de avaliação, caminhando pelos seguintes passos: o que é o ato de ava-
liar; avaliação da aprendizagem; avaliação de larga escala em educação.
230 Cipriano Carlos Luckesi

O que é o ato de avaliar em educação2

O ato de avaliar, em qualquer circunstância, é um ato de inves-


tigar a qualidade da realidade, o que significa aquilatar a qualidade da
realidade. Isso ajuda o gestor, se este o desejar, a tomar novas decisões,
tendo em vista atingir as metas de sua atividade. O gestor, seja ele qual
for, administra uma ação planejada, pautada em determinados objetivos
a serem alcançados, definidos em termos de resultados satisfatórios.
Considerando-se o ato de avaliar e seu serviço na busca dos re-
sultados satisfatórios desejados pela ação, a avaliação da aprendizagem
incide sobre a aprendizagem individual dos estudantes, tendo por ob-
jetivo revelar seus ganhos intermediários e finais, decorrentes da ação
do educador em sala de aula (gestor da sala de aula). Na avaliação da
aprendizagem, deseja-se saber se o estudante aprendeu o que deveria
ter aprendido e com que qualidade ocorreu, ou não, essa aprendizagem.
Há um currículo que define os conteúdos (aquilo que os educan-
dos necessariamente deveriam aprender), um plano de ensino que defi-
ne o que o educador vai realizar em sala de aula para que os resultados
necessários sejam alcançados e uma prática pedagógica que executa o
plano de ensino em busca dos resultados necessários. Desta forma, a
avaliação revela se os resultados intermediários e finais da ação planeja-
da atingiram a qualidade necessária.
Em caso positivo, ótimo; em caso negativo, o gestor da sala de aula
tem duas possibilidades à sua frente: tomar novas decisões pedagógicas
para promover os resultados necessários e tomar a decisão de “deixar as
coisas como estão”, sem propor ou realizar qualquer intervenção.
A segunda opção não é nada construtiva, contudo, importa saber
que ela existe e que, muitas vezes, de forma quase inconsciente, educa-
dores em sala de aula seguem o seu caminho.
Portanto, deve haver uma proposta e um investimento na busca
dos resultados necessários da ação pedagógica planejada. Neste caso,

2 Sobre avaliação em educação, ver: blog luckesi.blogspot.com, artigos 22, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 31, 50,
69, 87.
AVALIAÇÃO DE LARGA ESCALA EM EDUCAÇÃO NO BRASIL 231

como em qualquer outra situação, a avaliação é uma auxiliar do gestor


que revela a qualidade dos resultados de sua ação. Caberá exclusiva-
mente a esse gestor, como líder na execução da ação planejada, tomar
novas decisões, podendo se servir da relação coletiva com seus pares,
caso esteja atuando em equipe, mas a decisão final sempre estará sob
sua responsabilidade. Se estiver atuando como único profissional numa
atividade, como usualmente ocorre em sala de aula, sem sombra de dú-
vidas a responsabilidade pelas novas decisões lhe pertence, ainda que
possa ter o apoio de outros profissionais do estafe pedagógico-adminis-
trativo da escola onde trabalhe.
Tendo por base o mesmo conceito de avaliação, ou seja, a investi-
gação da qualidade da realidade, a avaliação de larga escala em educa-
ção incide sobre o sistema de ensino em seus diversos níveis. O sistema
de ensino, em sua estrutura e funcionamento, que está constituído para
garantir que escolas, professores e estudantes, em suas ações, atinjam os
resultados necessários e estabelecidos nos currículos, nos projetos das
escolas e nos planos de ensino, tem efetivamente produzido esse resul-
tado desejado? A resposta agora já não será mais individual (estudante
por estudante), mas estatística: Quantos estudantes efetivamente apren-
deram? Novamente, se a resposta for positiva, ótimo; caso seja negativa,
há que se tomar novas decisões, embasadas nos dados dessa investiga-
ção avaliativa, se houver desejo de que o sistema apresente resultados
satisfatórios frente aos objetivos pelos quais ele foi e está estruturado e
colocado em funcionamento.
Desse modo, a diferença de leitura da qualidade da realidade no
nível da aprendizagem individual e no nível coletivo está no fato de que,
no âmbito da avaliação da aprendizagem, o avaliador está fazendo a lei-
tura dos resultados da aprendizagem sob a ótica individual do estudante
(quem aprendeu). Todavia, no âmbito da avaliação de larga escala, o
avaliador estará abordando a qualidade da realidade sob a ótica do sis-
tema de ensino (quantos aprenderam). Num caso, o foco é individual e,
no outro, o que interessa é o sistema como um todo, ainda que a base de
dados seja a mesma − a aprendizagem dos educandos.
232 Cipriano Carlos Luckesi

Assim, tanto na avaliação da aprendizagem quanto na avaliação


de larga escala, são utilizados instrumentos de coleta de dados que in-
cidem sobre a aprendizagem dos estudantes. A diferença se encontra na
ótica de leitura dos resultados: uma leitura sob a ótica do individual ou
uma leitura sob a ótica coletiva. Individualmente, o estudante aprendeu
ou não? Essa é a pergunta que cabe fazer na sala de aula. Coletivamente,
os dados devem revelar se o sistema tem sido eficiente, e isso só pode ser
efetuado pela quantidade dos que aprenderam, desde que o sistema pro-
ponha ensinar a todos. A base de dados é a mesma: a aprendizagem dos
estudantes, pois as leituras são diferenciadas por suas respectivas óticas.

Avaliação da aprendizagem3

A avaliação da aprendizagem ocorre na sala de aula e ela é da res-


ponsabilidade do educador, que administra o ato pedagógico nesse es-
paço.
O educador, em sala de aula, exerce a função, ao mesmo tempo,
de gestor e avaliador. Nas instituições complexas, o gestor usualmente
exerce a função de gestor, e o avaliador exerce a função de avaliador.
Ainda que sejam funções integradas, tendo em vista o sucesso do em-
preendimento, são distintas e exercidas por profissionais diferentes. No
caso da sala de aula, as funções de gerir a atividade pedagógica e avaliar
seus resultados são realizadas pelo mesmo profissional, fato que, por
vezes, traz um pouco de confusão no entendimento e nos usos das habi-
lidades necessárias a cada uma dessas funções.
Dessa forma, importa que o educador tenha clareza de que o ato
de avaliar não tem por objetivo resolver qualquer coisa sobre a prática
pedagógica em sala de aula, como em qualquer ação humana. O ato de
avaliar simplesmente subsidia o gestor, revelando-lhe a qualidade dos
resultados da ação em curso. Será ele, o gestor, a tomar decisões para
solucionar impasses, sejam eles relativos à administração do dia a dia ou

3 Sobre avaliação da aprendizagem, ver: blog luckesi.blospot.com, artigos 03, 16, 18, 19, 20, 46, 48, 49,
54, 57, 58, 59, 71.
AVALIAÇÃO DE LARGA ESCALA EM EDUCAÇÃO NO BRASIL 233

a novos investimentos, caso tenha como objetivo resultados mais satis-


fatórios do que os já obtidos.
A fim de que a avaliação da aprendizagem, efetivamente, cumpra
seu papel de subsidiária do educador em sala de aula (gestor da sala de
aula), é preciso que ela seja realizada verdadeiramente como uma inves-
tigação da qualidade da aprendizagem individual dos educandos, por
meio de adequados e rigorosos recursos metodológicos.
Infelizmente, no geral de nossas escolas, as práticas avaliativas
estão mais comprometidas com o senso comum do cotidiano escolar,
decorrente de anos e anos de atividades pedagógicas comprometidas
mais com distorções históricas sobre o ato de avaliar do que com o rigor
epistemológico (compreensão do que é o ato de avaliar) e técnico (cole-
tar dados e atribuir uma qualidade à realidade com base neles).
Como investigação da qualidade da aprendizagem dos educandos,
o ato de avaliar necessita, em primeiro lugar, descrever o desempenho
do educando em sua aprendizagem, o que implica coletar dados da rea-
lidade por meio de instrumentos elaborados para esse fim. Em segundo
lugar, assentando-se sobre essa descritiva da realidade, atribuir-lhe uma
qualidade, comparando-a com o padrão necessário para desempenhar
o critério de qualidade. Os dados da realidade serão obtidos com o es-
tudante por meio de instrumentos de coleta de dados (testes, redações,
monografias, exposição oral, entrevistas, desempenho em laboratórios),
como se ele aprendeu o que deveria ter aprendido, solicitando, ao mes-
mo tempo, que demonstre o que efetivamente aprendeu.
Para saber se um estudante aprendeu a redigir uma carta, não
bastará dirigir-se a ele e dizer-lhe: “Eu ensinei você a redigir uma car-
ta, você aprendeu?” Não bastará a resposta simples e direta: “Aprendi”.
Haverá, pois, que acrescentar o pedido de outra parte de resposta a essa
pergunta − o desempenho −, a fim de que o estudante possa demonstrar
se efetivamente aprendeu. Neste exemplo, no referido diálogo, poderá
ser: “Então demonstre-me que aprendeu a redigir uma carta. Escreva
uma”.
Ao escrever a carta, o estudante demonstrará se aprendeu ou não
234 Cipriano Carlos Luckesi

esse determinado conteúdo e com que qualidade o aprendeu, pois o re-


sultado de sua ação demonstrativa será comparado ao padrão de quali-
dade desejado para o resultado dessa tarefa (usualmente definido como
currículo). Se compatível com o padrão de qualidade necessário, estará
bem; se não compatível, haverá necessidade de novas intervenções para
se atingir a qualidade necessária (sendo este efetivamente o desejo e o
investimento do educador).
A atribuição de qualidade a determinado desempenho do edu-
cando não decorre de uma opinião emocional do avaliador, mas da
comparação objetiva dos dados obtidos sobre o seu desempenho com
a qualidade definida como necessária. Para que isso ocorra, entretanto,
são necessários cuidados tanto com a coleta de dados quanto com a
comparação entre a descritiva da realidade e o padrão de qualidade.
Quanto à coleta de dados, importa ter cuidados com os instru-
mentos que fazem a mediação entre o investigador e a realidade inves-
tigada que, no caso, é o professor (investigador do desempenho do edu-
cando) e o educando (que manifesta o seu desempenho por meio dos
recursos de investigação).
Geralmente, nossos instrumentos de coleta de dados para a ava-
liação não apresentam a qualidade necessária relativa a um instrumen-
to desse porte, desde que sejam utilizados para finalidades diversas da
coleta de dados sobre o desempenho do educando. Por vezes estes são
utilizados para discipliná-lo, outras vezes para ameaçá-lo. São introdu-
zidos, ainda, elementos para tornar as tarefas mais difíceis e exigir dos
educandos mais do que lhes fora ensinado.
Existe uma frase que, como estudante, ouvi e, certamente, já repe-
ti, assim como os leitores deste texto já ouviram e também certamente já
repetiram: “Vocês estão brincando..., vocês verão como vai ser no dia da
prova!”. Essa fala é ameaçadora e conduz o educador em salda de aula,
no seu papel de avaliador, a exigir um desempenho diferente do que fora
ensinado, sempre com níveis de dificuldade mais altos.
Em qualquer lugar deste país, se perguntarmos a um estudante
do Ensino Fundamental ou Médio, como também do Ensino Superior,
AVALIAÇÃO DE LARGA ESCALA EM EDUCAÇÃO NO BRASIL 235

após ter passado pela experiência de um teste escolar, “Como foi o tes-
te no dia de hoje?”, a resposta invariável será: “Professor ensinou uma
coisa e perguntou outra”; “Ensinou fácil e perguntou difícil”; “Ensinou
simples e perguntou complexo”.
Frequentemente não nos servimos dos instrumentos de coleta
de dados para, exclusivamente, coletar dados sobre o desempenho do
nosso educando. Sempre temos objetivos diversos: disciplinar, demons-
trando que somos muito exigentes, treinar nossos educandos para as
futuras provas em concursos etc. O uso desses instrumentos com objeti-
vos externos à coleta de dados para a avaliação conduz a distorções seja
na elaboração, na aplicação, assim como na correção dos instrumentos
de coleta de dados para a avaliação.
Então, na prática da avaliação da aprendizagem, importa alguns
cuidados. O primeiro deles é ter claro o conteúdo curricular a ser ensi-
nado e que, efetivamente, fora ensinado, à medida que ele deverá servir
de parâmetro de qualidade para ajuizar a aprendizagem dos educandos
como satisfatória ou insatisfatória.
O segundo ponto fundamental tem a ver com o planejamento do
ensino. O plano de aula, ou os planos de aula relativos a um determina-
do conteúdo, deverá ou deverão, conforme for o caso, traduzir o currí-
culo. O currículo é o parâmetro geral para a qualificação dos resultados
da aprendizagem, por isso está na base de todo processo de avaliação,
incluindo a coleta de dados sobre o desempenho do educando.
Em terceiro lugar, importa saber se os determinados conteúdos
foram ensinados e a forma como foram ensinados e aprendidos pelos
estudantes. Com esses parâmetros em mãos e tendo realizado uma prá-
tica pedagógica efetiva e adequada, o educador, no papel de avaliador,
vai elaborar os instrumentos de coleta de dados4.
Esses dados devem ser elaborados, tendo por base, minimamente,
as seguintes características metodológicas: sistematicidade − cobrir to-
dos os conteúdos essenciais ensinados, nem mais nem menos que isso;

4 Sobre coleta de dados para a avaliação da aprendizagem, ver: blog luckesi.blogspot.com, artigos 11,12, 13,
14, 15, 53, 72.
236 Cipriano Carlos Luckesi

linguagem compreensível − não se pode e não se deve usar linguagem


ou estrutura frasal que torne a atividade solicitada incompreensível,
usando a mesma linguagem ou linguagem equivalente à utilizada na
prática do ensino; compatibilidade entre ensinado e aprendido, em ter-
mos de conteúdos, dificuldade, complexidade e metodologia − as solici-
tações no instrumento de coleta de dados para a avaliação devem ter os
mesmos conteúdos (informações, procedimentos e habilidades) que os
ensinados, assim como devem manter nível equivalente de dificuldade
e de complexidade, como também devem servir-se da mesma metodo-
logia utilizada no ensino; precisão − significa que educador e educando
compreendem de forma equivalente uma determinada pergunta, não se
admitindo equivocidade.
Sem esses requisitos mínimos, qualquer instrumento de coleta de
dados para a avaliação conduzirá ao engano. Como o ato de avaliar é
um ato de investigar a qualidade da realidade, ele não pode e não deve
conduzir a enganos, o que implica que, para tanto, importa ter instru-
mentos de coleta de dados que se mantenham nos contornos do objeto
de investigação, nem mais nem menos que ele. Os instrumentos de co-
leta de dados para avaliação da aprendizagem devem estar pautados no
ensino, da forma como fora proposto e praticado.
Elaborado um instrumento de coleta de dados com as caracterís-
ticas acima, ele será multiplicado e aplicado aos estudantes. Os resul-
tados obtidos por cada estudante deverão ser comparados com o que
deveriam ter aprendido (definido no currículo, traduzido no planeja-
mento e mediado pela execução didática em sala de aula).
Caso os resultados sejam compatíveis com o padrão necessário,
ótimo; caso não sejam e o educador tenha o desejo de que efetivamente
seu educando aprenda o que deveria ter aprendido, ensinará de novo até
que o estudante aprenda, à medida que sua produtividade profissional
esteja comprometida com esse fato. Um profissional que não produz os
resultados estabelecidos e necessários não poderá ser considerado um
profissional eficiente, desde que aja, mas não produza o que deveria ter
produzido.
AVALIAÇÃO DE LARGA ESCALA EM EDUCAÇÃO NO BRASIL 237

Avaliação de larga escala5

Até os anos 1980, no mundo e no Brasil, se considerava que o


responsável pelo fracasso escolar era o educando individual. Muitos de
nós, educadores, ainda repetimos as afirmações que revelam esse en-
tendimento e essa postura, tais como: “os estudantes, hoje, não querem
mais nada”; “não estudam”; “só desejam os games”; “só querem brincar”;
“são indisciplinados”.
Nessa década, entendeu-se que o sistema de ensino falha e que
também produz esse fracasso escolar. Investir na avaliação de larga es-
cala em educação significa reconhecer que não só o estudante individu-
al fracassa, mas o sistema como um todo também.
O estudante pode ter dificuldades em sua aprendizagem, mas, en-
tão, cabe a pergunta: O que o sistema de ensino faz para que ele supere
sua dificuldade? Ora, sistema de ensino informa “que ensina”, mas, se os
estudantes não aprendem, “como o sistema ensina”?
Se se ensina, mas não se aprende, não há ensino. O ato de ensi-
nar tem sua contrapartida na aprendizagem. Se se ensina, sem que haja
aprendizagem, de fato não houve ensino. Ao ensino decorre uma apren-
dizagem e, se não há aprendizagem, como houve ensino?
Então, a avaliação de larga escala nasceu para aquilatar a quali-
dade dos resultados da educação do ponto de vista do todo, estatístico,
que inclui desde a turma de estudantes, com a qual trabalhamos em sala
de aula, até a escola, o município, o estado e o país. A pergunta básica
é: Dos ensinados, quantos aprenderam? O sistema se propõe a ensinar
a todos. Todos aprenderam? Se não, quantos aprenderam e quantos não
aprenderam?
O olhar da avaliação de larga escala retira do estudante indivi-
dual a exclusividade da responsabilidade a respeito do fracasso escolar,
admitindo que o sistema pode não estar sendo eficiente por múltiplas

5 Sobre avaliação de larga escala, ver, no blog luckesi.blospot.com, os artigos com os seguintes números
--- 23, 32, 33, 35, 38, 39, 40, 74.
238 Cipriano Carlos Luckesi

razões. Se ele não está sendo eficiente, cabe investigar que condições e
que práticas do sistema estão presentes e/ou mediadas pelas instâncias
que realizam a tarefa de ensinar e não estão sendo eficientes.
Então, a avaliação de larga escala em educação − que, no Brasil, se
expressa pelo Saeb, Ana, Prova Brasil, Enem, Enade, Ideb e outras prá-
ticas − oferece base ao sistema de ensino para que este tome decisões de
como atuar de forma mais adequada para que a educação no país atinja
seus objetivos; isto é, que os educandos aprendam e se formem como
sujeitos e como cidadãos.
Já existem estados, municípios, instituições e mesmo professores
individuais que se servem dos resultados das avaliações de larga escala
como subsidiários de novas decisões em busca de atingir objetivos de-
sejados. Infelizmente, por vezes os resultados dessas avaliações têm sido
utilizados para premiar ou castigar, seja instituições ou profissionais. No
entanto, essa é uma decisão que não pertence à avaliação e ao avaliador,
mas ao gestor. Quem decide usar os resultados da avaliação para essas
finalidades é gestor, como ele também decidirá sobre utilizar seus re-
sultados para promover melhorias que, a meu ver, seria a única função
verdadeira das práticas avaliativas.
Premiar ou castigar não é função do ato de avaliar, desde que a
avaliação não decida nada; ela revela a qualidade da realidade e, a partir
dessa revelação, o gestor deve decidir o que fazer. A ação pertence ao
gestor, não ao avaliador. O avaliador é um investigador da qualidade da
realidade, e o gestor, com base nos resultados dessa investigação, decide
o que fazer.
Em síntese, como na aprendizagem, a avaliação de larga escala é
um dos recursos fundamentais para tornar o sistema de ensino eficiente.
Vale a pena sinalizar que, aqui e acolá, temos uma distorção no que se
refere à avaliação de larga escala. As instituições − por variadas razões
sociais, financeiras ou de mercado − desejam alcançar boas notas nas
classificações decorrentes das avaliações de larga escala relativas ao seu
desempenho; então, passam a realizar atividades de treinamento dos es-
tudantes “para fazerem boas provas”.
AVALIAÇÃO DE LARGA ESCALA EM EDUCAÇÃO NO BRASIL 239

O que efetivamente importa é a aprendizagem. Para tanto, haverá


necessidade de investir na eficiência do ensino, e não no treinamento
para responder provas. Com a aprendizagem satisfatória, os estudantes
farão muitas coisas, inclusive apresentarão desempenho satisfatório nos
testes. A aprendizagem satisfatória antecede o desempenho nos testes, e
não o contrário.
Dessa maneira, em síntese, a avaliação de larga escala olha o siste-
ma de ensino e a qualidade, em termos de formação satisfatória de todos
os estudantes. Para apreciar seu desempenho, o dado fundamental é sua
aprendizagem, revelada sob a ótica do coletivo, estatisticamente. Daí,
um dos instrumentos de avaliação da educação em larga escala é um
teste da aprendizagem dos estudantes.

Considerações finais

Retomando o início deste texto, a avaliação da aprendizagem e a


avaliação em larga escala têm sua base de dados na aprendizagem do es-
tudante, por esta ter a finalidade de toda instituição escolar − do Ensino
Fundamental à pós-graduação −, sendo que a avaliação da aprendiza-
gem pergunta “quem aprendeu” (ou deixou de aprender o necessário) e
a avaliação de larga escala pergunta “quantos aprenderam” (ou deixaram
de aprender). A primeira serve ao indivíduo, a segunda à instituição, e
ambas servem a qualidade da educação.
PARTE II

Compartilhando conhecimentos e
esperanças: Doze anos de pesquisa e
formação nos Edipes
243

A GEOMETRIA NOS ANOS INICIAIS DO


ENSINO FUNDAMENTAL NAS ESCOLAS
PÚBLICAS DA CIDADE DE ANÁPOLIS-GO

Suely Miranda Cavalcante Bastos


Andresa Kuczkowski

Introdução

P or estar presente em praticamente tudo no dia a dia das pessoas, o


estudo da Geometria é importante na vida do aluno e serve de con-
textualização para o estudo de outros campos da própria matemática e
de outras disciplinas. Entretanto, ficará distante do aluno se for traba-
lhada de forma abstrata, sem relações com a realidade. Assim, o aluno,
algumas vezes, não consegue entender alguns conceitos por não saber
associar o conteúdo abordado em sala de aula com uma situação que
possa surgir na sua vida.
Pelas suas características, a Geometria é uma das melhores opor-
tunidades que existe para relacionar a matemática ao cotidiano e pro-
porcionar aos alunos condições de fazerem descobertas surpreendentes
e convincentes pelos próprios olhos e mãos. O seu estudo possibilita
uma abordagem crítica da realidade, permitindo que o aluno parta do
concreto para mais tarde chegar a situações abstratas (FONSECA et al.,
2009).
Segundo Pavanello (1993), o ensino de Geometria estava em des-
244 Suely Miranda Cavalcante Bastos, Andresa Kuczkowski

caso desde o final do século XIX no Brasil e após a promulgação da Lei


nº 5692/71, que concedeu maior liberdade às escolas para escolherem os
programas a serem incluídos nas diferentes disciplinas. Desta forma, o
abandono da Geometria agravou-se ainda mais. A autora aponta ainda
que a atual desvalorização do ensino da Geometria está bastante asso-
ciada à má formação do professor, o qual tem receio de ensinar por não
dominar bem o conteúdo.
Essas questões trazem inquietações que podem ser percebidas nos
PCN, que consideram que a ausência desse conteúdo poderá acarre-
tar prejuízos na formação dos alunos devido à convicção acerca da im-
portância das diferentes habilidades que esse conhecimento desenvolve
nas crianças (BRASIL, 1998). Os PCN de Matemática, que agrupam o
conteúdo de Geometria em um campo denominado espaço e forma,
envolvem as crianças, primeiramente, ao espaço em que estão inseridas,
explorando seu espaço físico, possibilitando a representação, interpre-
tação e descrição desse espaço. Deste modo, as prepara para um estudo
mais formal/aprofundado da Geometria na continuação dos seus estu-
dos, permitindo-lhes estabelecer conexões entre a matemática e outras
áreas do conhecimento.
A preocupação em garantir que a Geometria não deixe de ser en-
sinada, ou que sua abordagem não fique relegada ao final do ano le-
tivo, pode ser percebida na matriz curricular proposta pela Secretaria
de Educação do Município de Anápolis, que propõe, a cada mês, que
tópicos de Geometria sejam abordados. Essa forma de distribuição dos
conteúdos induz o professor a integrar este campo a outros campos da
matemática ou a outras disciplinas.
A escolha do livro didático também interfere na abordagem da
Geometria, pois às vezes o professor segue fielmente o roteiro do livro
com medo de errar, abordando, assim, o conteúdo de forma analítica e
mecânica (BITTAR; FREITAS, 2005). Talvez, se contextualizado pelo
próprio professor, seria mais interessante e proveitoso para os alunos.
A diversificação das aulas faz com que o aluno se interesse e queira
aprender o conteúdo e, para que isso aconteça, se faz necessário que o
A GEOMETRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS 245
DA CIDADE DE ANÁPOLIS-GO

professor domine o conteúdo, bem como os procedimentos de ensino.


Portanto, é preciso analisar a prática da docência nos anos iniciais do
Ensino Fundamental no que se refere ao trabalho com a área de Geo-
metria, bem como a frequência de sua abordagem para que, a partir dos
resultados encontrados, possam ser sugeridas propostas para contribuir
na mudança do ensino e da aprendizagem nessa área importante da vida
das crianças e dos adultos.
Fonseca et al. (2002) afirmam que a maioria dos jovens sai da es-
cola sem saber Geometria e encontra grandes dificuldades ao se deparar
com questões simples sobre o assunto, devido ao ensino ou à falta dele
no período escolar. Os autores discutem três questões julgadas como
mais importantes e ligadas a esse assunto: “O que se ensina de Geome-
tria”; “Os conhecimentos de Geometria dos professores (e dos alunos)”
e “ Por que ensinar Geometria”, afirmando que:

o tratamento dessas questões se reveste de fundamental im-


portância em virtude do desespero e da insegurança de-
monstrada por um grande número de professores quando o
assunto é o ensino de Geometria no primeiro segmento do
ensino fundamental, onde, tradicionalmente, toda ênfase tem
sido colocada na aprendizagem dos números e das operações
(FONSECA et al., 2002, p. 09).

Aliado a isso, pode-se considerar ainda que o escasso ou inexis-


tente uso de materiais de apoio, em alguns casos, a falta de tempo para
estudar e preparar as aulas e a grande quantidade de conteúdo que com-
põe as matrizes curriculares contribuem para os professores abordarem
os conteúdos deste campo de maneira superficial e muitas vezes inade-
quada.
As inquietações apresentadas culminaram em uma pesquisa so-
bre o ensino da Geometria nas escolas públicas da cidade de Anápolis
desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. Os resultados parciais
aqui apresentados tratam dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
246 Suely Miranda Cavalcante Bastos, Andresa Kuczkowski

Nessa fase, a pesquisa foi realizada em três escolas da rede pública


municipal da cidade de Anápolis que atendem alunos do 1° ao 5° ano do
Ensino Fundamental nos períodos matutino, com dez professores que
trabalham no turno matutino. Utilizou-se, para a coleta de dados, um
questionário composto por 11 questões abertas e, para complementar
os dados obtidos por meio deste instrumento, observaram-se as aulas e
analisaram-se os cadernos dos alunos em uma abordagem qualitativa.

A Geometria nos anos iniciais do Ensino Fundamental

De acordo com o art. 2º da LDB (BRASIL, 1996), a educação tem


a finalidade de promover o pleno desenvolvimento do educando e seu
desenvolvimento por completo em todos os aspectos, para tornar-se um
cidadão digno de exercer sua cidadania e assim ser preparado para o
mercado de trabalho.
Nesse contexto, um dos objetivos gerais do ensino de matemática
para o Ensino Fundamental proposto nos PCN é “identificar os conhe-
cimentos matemáticos como meios para compreender e transformar o
mundo à sua volta” (BRASIL, 1998, p. 47). A Geometria, que é um ramo
da Matemática, é tratada em vários livros didáticos e no PCN, em um
campo chamado “Espaço e forma”.
Sua origem vem de épocas muito antigas e historicamente ocupou
um lugar de destaque desde as primeiras fases do desenvolvimento do
saber matemático.

Sabe-se hoje que as grandes civilizações antigas – chinesa,


hindu, mesopotâmica, egípcia – possuíam muitas informa-
ções de natureza geométrica e as aplicavam: sabiam construir
figuras planas e espaciais, conheciam relações entre as grande-
zas geométricas, calculavam comprimentos áreas e volumes.
Esses conhecimentos atendiam a necessidades socioeconô-
micas e culturais, tais como medição de propriedades rurais,
construção de edificações, desenho de ornamentos etc. Não
A GEOMETRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS 247
DA CIDADE DE ANÁPOLIS-GO

há registros históricos, no entanto, de que esses conhecimen-


tos fossem sistematizados. Assim, eles permaneceram como
um repertório de fatos e procedimentos pouco articulados. A
civilização grega dos séculos 7 a.C. a 3 a.C. é tida, hoje, como
a responsável pela organização da geometria como ciência de-
dutiva (FIGUEIREDO; PITOMBEIRAS, 2010, p. 135).

Os PCN (BRASIL, 1998, p. 51) apontam que “os conceitos geo-


métricos são parte importante do currículo de Matemática no ensino
fundamental”, pois possibilitam aos educandos desenvolverem um pen-
samento coerente que lhes permita fazer uma análise do mundo em que
vivem. A orientação é que os estudos com a Geometria sejam iniciados
ainda na educação infantil a partir de objetos do mundo físico.
É importante que seja dada ao estudante a oportunidade de ex-
plorar e conhecer conceitos geométricos e, por meio deles, desenvolver
um pensamento que o permita compreender, descrever e representar
de forma organizada o mundo em que vive. O intuito é contribuir para
que o aluno se situe no espaço em que está inserido, identificando as di-
ferentes formas geométricas para que possa se posicionar e se localizar
melhor no espaço (BRASIL, 1998).
Por estar presente em praticamente tudo no dia a dia das pessoas,
a Geometria serve de contexto para o estudo de outros campos da pró-
pria matemática e de outras disciplinas, como afirma Lorenzato:

Sem estudar Geometria as pessoas não poderão se utilizar dela


como fator altamente facilitador para a compreensão e reso-
lução de questões de outras áreas de conhecimento humano.
Sem conhecer a Geometria a leitura interpretativa do mundo
torna-se incompleta, a comunicação das ideias fica reduzida
e a visão da Matemática torna-se distorcida (LORENZATO,
1995, p. 5).

Salienta-se que a carência no ensino da Geometria tem sido per-


cebida desde a década de 1970 e, segundo Pavanello (1993), a cada ano
248 Suely Miranda Cavalcante Bastos, Andresa Kuczkowski

o conhecimento de conceitos elementares tem se restringido mais e, a


despeito de sua relevância, a Geometria encontra-se relegada ao segun-
do plano no Ensino Fundamental, em especial nos anos iniciais.
Devido ao longo período de desvalorização da Geometria no
currículo escolar, os atuais professores, quando alunos, não tive-
ram uma boa formação nessa área, e isso os torna inseguros para
ensiná-la nas salas de aula. Assim, eles optam por não aplicá-la
ou deixar a abordagem para o final do ano letivo, podendo, deste
modo, culpar o não aprendizado pela falta de tempo. Alguns pro-
fessores preferem apresentá-la superficialmente, restringindo seu
estudo ao cálculo de perímetros e áreas de algumas figuras geomé-
tricas, como o triângulo, retângulo, círculo e quadrado, numa tími-
da tentativa de vincular a Geometria com os números, as grandezas
e medidas (PAVANELLO, 1993; FONSECA et al. 2002; BITTAR e
FREITAS, 2005).
Por outro lado, Smole, Diniz e Cândido (2003) afirmam que, nos
últimos tempos, tem havido, por parte dos professores, da comunidade
científica (que pesquisa o assunto) e de modo geral, interesse em resga-
tar o ensino da Geometria nas escolas. Isso acontece, entre outros moti-
vos, devido à convicção que muitos professores possuem acerca da im-
portância das diferentes habilidades que esse conhecimento desenvolve
nas crianças, necessárias à formação geral do indivíduo.
Num primeiro momento, o espaço se apresenta para a criança de
forma essencialmente prática, visto que ela constrói suas primeiras no-
ções espaciais por meio dos sentidos e dos movimentos, o que favorece
o desenvolvimento do pensamento geométrico. As figuras geométricas,
por sua vez, são reconhecidas por suas formas, por sua aparência físi-
ca, em sua totalidade, e não por suas partes ou propriedades (BRASIL,
1998).
Dessa forma, considera-se que, ao iniciar seus estudos geométri-
cos a partir dos sólidos, a criança conseguirá, por meio do aspecto ex-
perimental: fazer a ponte entre o espaço sensível e o geométrico (abstra-
to), reconhecer e identificar cada sólido para conseguir criar a imagem
A GEOMETRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS 249
DA CIDADE DE ANÁPOLIS-GO

mental do objeto estudado, o que será de muita utilidade para a conti-


nuidade dos seus estudos em Geometria.
Figueiredo e Pitombeiras (2010) consideram que “a passagem do
físico, perceptível e palpável para o abstrato, é um dos objetivos centrais
do ensino e aprendizagem da geometria” (p. 138). Orientam, ainda, que
desde a educação infantil

[...] os deslocamentos no espaço, as impressões visuais e tá-


teis ocorridas na presença dos objetos do mundo físico vão
constituindo progressivamente, em nós, as ideias de objetos
tridimensionais, que ocupam posições em um espaço ambien-
te também tridimensional (FIGUEIREDO; PITOMBEIRAS,
2010, p. 140).

Esses mesmos autores sugerem, para os anos iniciais do Ensino


Fundamental, uma abordagem integrada de figuras geométricas de
várias dimensões a partir da utilização de jogos, materiais concretos e
montagem de modelos concretos, utilizando garrafas pet e canudos, por
exemplo, recortes e colagens para planificação e montagem de figuras
espaciais, mas sempre tendo o desenho como um lugar de destaque. As-
sim, “[...] o conhecimento geométrico seja construído, gradativamente,
com o auxílio de representações dos objetos do mundo físico oferecidas
pelos modelos materiais ou por imagens gráficas” (FIGUEIREDO; PI-
TOMBEIRAS, 2010, p. 143). Destarte, para o ensino geométrico, serão
feitas as primeiras experiências para passar do concreto para o abstrato.
É preciso lidar com os conceitos abstratos de ponto, reta, plano,
semirreta, paralelismo, triângulo, polígono, semelhança, simetria e tan-
tos outros. Tais conceitos e as relações entre eles fornecem modelos abs-
tratos de objetos do mundo físico ou de representações gráficas de obje-
tos físicos. Esses modelos – que são objetos matemáticos – fazem parte
do conhecimento matemático sistematizado, que deve ser adquirido ao
longo das várias fases da escolaridade (FIGUEIREDO; PITOMBEIRAS,
2010).
250 Suely Miranda Cavalcante Bastos, Andresa Kuczkowski

Para esses autores,

O desenvolvimento motor e cognitivo posterior das pessoas


vai permitir que elas exercitem competências geométricas
cada vez mais elaboradas de localização, de reconhecimento
de deslocamentos, de representação de objetos do mundo físi-
co, de classificação das figuras geométricas e de sistematização
do conhecimento nesse campo da Matemática (FIGUEIRE-
DO; PITOMBEIRAS, 2010, p. 135).

Durante muito tempo, comprimento, área, volume e abertura de


ângulo foram incluídos nas grandezas geométricas, porém, seguindo re-
comendações mais recentes, tanto do Brasil quanto de outros países, de
que as grandezas geométricas passaram a ser incluídas nas grandezas e
medidas, e não mais no campo da Geometria. É necessário, portanto,
uma maior atenção na hora do ensino geométrico para que não haja
confusão, já que existe a Geometria propriamente dita (paralelas, per-
pendiculares, simetrias etc.), as grandezas geométricas (comprimento,
área e volume, por exemplo) e, por último, as grandezas que não fazem
parte da Geometria, como o valor monetário (FIGUEIREDO; PITOM-
BEIRAS, 2010).
Vale destacar ainda que a Geometria não pode ser considerada
um campo de conhecimento que deve ser ensinado/aprendido separa-
damente dos outros campos da matemática. Um exemplo é o da reta
numérica, que constitui um modelo representativo do número. Outro é
o das figuras geométricas, que podem auxiliar na compreensão de fra-
ções. E, ainda, o cálculo de áreas e perímetros, que são conteúdos do
campo de grandezas e medidas associadas aos conhecimentos geomé-
tricos. Para conseguir essa articulação, devem ser criados em sala de
aula momentos de troca de ideias, construindo conhecimento, redes-
cobrindo saberes, propiciando ao aluno prazer em aprender. “O ensino
da Geometria não pode ser reduzido à mera aplicação de fórmulas e
de resultados estabelecidos por alguns teoremas, sem a preocupação da
A GEOMETRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS 251
DA CIDADE DE ANÁPOLIS-GO

descoberta de caminhos para sua demonstração, como também para


dedução de suas fórmulas” (FAINGUELERNT, 1995, p. 46).
A contextualização com o dia a dia do aluno passou a ser eviden-
ciada a partir da LDB (BRASIL, 1996), que orienta a compreensão dos
conhecimentos para o uso cotidiano, indicada também nos PCN (BRA-
SIL, 1998). Estes orientam que todo conhecimento tenha como ponto
de partida a experiência do estudante, o contexto onde está inserido e
onde esse estudante vai atuar como trabalhador ou como cidadão.
O conhecimento matemático e sua contextualização contribuem
bastante para que o aluno amplie o leque de seus conhecimentos e os
próprios campos da Matemática escolar: números e operações; Geome-
tria; grandezas e medidas, e tratamento da informação – constituem-se
em um vasto campo para a contextualização dos conceitos e procedi-
mentos matemáticos.
No entanto, contextualizar o conhecimento nem sempre é tarefa
fácil. Segundo Bittar e Feitas (2005), a própria didatização do contexto o
transforma, naturalmente, em um contexto artificial.

As contextualizações não precisam envolver apenas atividades


do dia a dia dos alunos. Pode fazer mais sentido buscar uma
contextualização histórica ou Matemática ou, ainda, lançar
mão de temas relacionados à saúde, meio ambiente, proble-
mas sociais ou econômicos, entre outros. O importante é que
elas não sejam artificiais ou forçadas e que procurem mostrar
as contribuições que a Matemática pode trazer para a compre-
ensão de várias situações. Além disso, é extremamente impor-
tante escolher contextualizações adequadas à idade do aluno
(FIGUEIREDO; PITOMBEIRAS, 2010, p. 11).

A formação do aluno envolve o estudo de várias áreas do conhe-


cimento, e a importância da articulação entre essas áreas também tem
sido apontada nas pesquisas sobre o ensino e a aprendizagem da Ma-
temática. Em várias profissões os conhecimentos matemáticos são uti-
252 Suely Miranda Cavalcante Bastos, Andresa Kuczkowski

lizados, mesmo se seus usuários não têm consciência da atividade da


dimensão Matemática e o aluno, muitas vezes, já tem contato social com
essas ações. Um pedreiro, por exemplo, utiliza-se da Matemática, em
especial da Geometria, para desenvolver o seu trabalho: comprimentos,
larguras, áreas, formas etc.
As ruas paralelas e transversais também podem ser utilizadas para
se apresentar ao aluno a noção de retas paralelas ou transversais. Entre-
tanto, é necessário que se discutam os limites dessa correspondência e
a diferença entre o significado matemático do termo “paralela” e o seu
significado no contexto do cotidiano.
Assim, como o entendimento de diversos conceitos de outros
contextos auxilia a compreensão da Matemática, no sentido oposto, os
conceitos matemáticos ajudam o aluno a também compreender melhor
conceitos, procedimentos e instrumentos em outras áreas da atividade
humana.
Na construção de um mapa ou de uma planta-baixa da arquitetu-
ra ou engenharia, utiliza-se a razão entre os comprimentos no desenho e
os comprimentos reais, chamada, neste contexto, de escala. Neste caso, a
noção de semelhança entre figuras, tão importante na Geometria, ajuda
a entender por que os mapas e as plantas feitas e utilizadas pelos arqui-
tetos e engenheiros guardam a mesma forma daquilo que eles represen-
tam. A explicação vem do fato de mantermos constante a escala.
O professor precisa compreender que muitos conceitos matemá-
ticos, em especial os geométricos, podem ser abordados a partir da dis-
cussão de temas interdisciplinares, como plantas de casas e maquetes,
ou no estudo de mapas, que é “uma situação em que a Matemática se
liga a outras disciplinas escolares permitindo que os conceitos adquiram
sentido para as crianças” (BITTAR; FREITAS, 2005, p. 98).
Entretanto, apesar de a Geometria estar presente nos currículos
dos anos iniciais do Ensino Fundamental, o que as pesquisas apontam é
uma maior ênfase ao campo dos números e de suas operações (PAVA-
NELLO, 1993; FONSECA et al. 2002; BITTAR e FREITAS, 2005).
Com o objetivo de capacitar os professores dos anos iniciais do
A GEOMETRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS 253
DA CIDADE DE ANÁPOLIS-GO

Ensino Fundamental Fonseca et al. (2002) sugerem metodologias para


aperfeiçoar o ensino e a aprendizagem de Geometria. Orientam, tam-
bém, que sejam oferecidos inicialmente cursos e oficinas aos professo-
res para que conheçam melhor o conteúdo a ser ministrado e, assim,
possam adquirir segurança para abordá-lo em suas aulas. O professor,
então, sairia com seus alunos pela escola, medindo e anotando situa-
ções, explorando as formas do ambiente, exibindo-lhes a Geometria que
os rodeia cotidianamente e que, às vezes, passa despercebida por quem
não conhece.
Diante do exposto, considera-se pertinente conhecer e entender
o modo como a Geometria vem sendo abordada em sala de aula, bem
como a frequência da abordagem, seja de forma específica ou articulada
a outros campos matemáticos ou a outras disciplinas, para que se pos-
sam propor mediações em seu ensino e em sua aprendizagem.

A Geometria nos anos iniciais nas escolas municipais de Anápolis

A Secretaria de Educação do Município de Anápolis (SEMED),


por meio da Assessoria Pedagógica – Anos Iniciais, fornece a matriz
curricular a ser desenvolvida a cada ano em todas as escolas da rede
municipal.
Essa matriz distribui em cada mês os conteúdos de Matemática,
nos quatro campos propostos pelos PCN: Números e Operações; Espa-
ço e Forma; Grandezas e Medidas e Tratamento da Informação. Desta
forma, se orienta que, a cada mês, sejam abordados os quatro campos
em uma tentativa de garantir a abordagem de todos eles, em todos os
meses e, assim, não deixar a possibilidade de algum campo ficar de fora.
Embora a Geometria esteja contemplada de forma evidente na
matriz curricular proposta pela SEMED e nos planos de ensino dos pro-
fessores da rede, essa orientação não garante que esse campo esteja sen-
do ensinado de maneira satisfatória, visto que os professores de séries
iniciais são habilitados em cursos de pedagogia e magistério. Segundo
Lima (2006), tais cursos deixam a desejar quanto à formação do pro-
254 Suely Miranda Cavalcante Bastos, Andresa Kuczkowski

fessor em relação ao conhecimento específico de cada disciplina, preo-


cupando-se em geral com a parte pedagógica. Deste modo, professores
dos primeiros anos do Ensino Fundamental se deparam com a dificul-
dade de desenvolver conceitos específicos, principalmente ao tratar da
Matemática.
Para ajudar a sanar as deficiências de formação, muitas vezes o
professor tem como principal apoio o livro didático.
Lorenzato (1995) acredita que o alto grau da importância conce-
dida pelos professores dos anos iniciais ao livro didático também seja
um fator que agrava o ensino e a aprendizagem da Geometria. Fonseca
et al. (2002, p. 19) alegam que: “O professor, em geral, toma como refe-
rência para suas aulas um único livro didático, sem ter oportunidade de
conhecer e analisar a proposta do autor, suas concepções de matemática
e de ensino”. Por outro lado, a utilização de mais de um livro didático
pode ser uma alternativa para suprir a deficiência de formação do en-
sino de Geometria na graduação dos professores pedagogos, que não
têm a oportunidade de participar de cursos de formação específica para
ensinar os conteúdos deste campo.
Em cada escola do município de Anápolis os professores das mes-
mas séries se reúnem para avaliar os livros cujas amostras foram envia-
das para as escolas. Para isto, deverá ser preenchida uma ficha que é en-
caminhada ao coordenador. Após essa etapa é a vez dos coordenadores
de todas as escolas se reunirem e saber o resultado das análises feitas.
Em geral, os livros mais bem votados são os que as escolas ganham para
uso. Os livros analisados e escolhidos pelos professores são apenas os
indicados pelo Guia do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD).
Buscando compreender como a Geometria é desenvolvida nos
anos iniciais do Ensino Fundamental nas escolas públicas de Anápolis,
desenvolveu-se, durante o ano de 2015, uma pesquisa qualitativa em
três escolas envolvendo dez professores do 1º ao 5º ano do Ensino Fun-
damental.
Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram o ques-
tionário, a observação de aulas e a análise dos cadernos dos alunos. O
A GEOMETRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS 255
DA CIDADE DE ANÁPOLIS-GO

questionário contém 11 questões abertas, sendo que duas delas tratam


da formação e atuação profissional dos professores, e a última sugere
que sejam feitas manifestações livres a respeito da Geometria e do seu
ensino. Esta última foi respondida por apenas um dos professores pes-
quisados.
Todos os professores pesquisados são pedagogos, possuem bas-
tante experiência de sala de aula e trabalham na mesma escola há no
mínimo quatro e no máximo 23 anos. Nenhum deles fez curso de ca-
pacitação ou de formação continuada, que poderia contribuir para me-
lhorar sua formação relativa à Matemática ou à Geometria. Lecionar
Matemática não é a preferência da maioria dos professores pesquisados,
sendo que apenas dois dos 10 professores pesquisados preferem lecio-
nar Matemática.
Os professores pesquisados acham importante a presença da Ge-
ometria desde os anos iniciais, e cada um, à sua maneira, afirmou que
esse campo matemático possibilita aos alunos desenvolverem um pen-
samento coerente que lhes permita fazer uma análise do mundo em que
vivem. Destarte, podem contribuir para que eles identifiquem as dife-
rentes formas geométricas, se posicionem e se localizem melhor no es-
paço. Esta resposta pode representar um conhecimento do conceito ou
ainda poderia significar que os professores se apropriaram do senso co-
mum de que “aprender Geometria auxilia o aluno a compreender o es-
paço a sua volta”, o que só um estudo mais aprofundado poderia revelar.
Ainda que todos os professores afirmem que dominam o conteú-
do de Geometria indicado para a série em que estão atuando nas aulas
observadas, foi possível perceber que todos cometeram erros conceitu-
ais ou induções ao erro. Um exemplo de erro foi afirmar que o fundo
das pirâmides pode ter o formato de um círculo, além de formas de
polígonos como o quadrado e o triângulo.
As respostas dadas sobre o uso do livro didático não confirmam as
afirmações de Lorenzato (1995), Fonseca et al. (2002) de que os profes-
sores dos anos iniciais dão ao livro didático um alto grau de importân-
cia. Desta maneira, o emprego de materiais concretos para o desenvolvi-
256 Suely Miranda Cavalcante Bastos, Andresa Kuczkowski

mento de conteúdos contribui bastante para que o aluno amplie o leque


de seus conhecimentos. Isto está evidenciado nas respostas dadas pelos
professores, visto que todos afirmaram que a escola tem materiais de
apoio necessários às aulas de Geometria e que utilizam materiais con-
cretos nas suas aulas.
O recurso às contextualizações pode dar oportunidade à criança
para identificar, mais facilmente, diferentes significados dos conceitos
matemáticos em diversas situações. Um vasto campo para a contextuali-
zação dos conceitos e procedimentos matemáticos são os próprios cam-
pos da Matemática escolar: números e operações; Geometria; grandezas
e medidas e tratamento da informação. Apenas os professores A e G
fazem esta articulação e, como esta é uma exigência do PNLD, a maioria
dos livros didáticos aprovados procura fazer a articulação entre os cam-
pos, o que poderá auxiliar o professor. Porém, salienta-se que é preciso
haver um domínio mais aprofundado dos conteúdos matemáticos para
viabilizar essa forma de articulação. Os minicursos e as oficinas pode-
riam contribuir para os professores aprimorarem seus conhecimentos
geométricos, interagirem mais com a Geometria e, assim, terem mais
liberdade na hora de trabalhar com seus alunos.
Todos os professores pesquisados estão atentos às orientações dos
pesquisadores em educação Matemática sobre as associações com obje-
tos que fazem parte do cotidiano dos alunos e com outros campos do
conhecimento – artes e arquitetura, buscando contextos variados para
aproximar o significado de um procedimento matemático normalmente
já realizado pelo aluno. Desta forma, a contextualização serve de pa-
ralelo para que o aluno compreenda a Matemática, mas nenhum dos
professores afirmou fazer articulações com outras disciplinas, como por
exemplo, a Geografia, no estudo de mapas, por exemplo. Entretanto,
nessa função, é importante adaptar os contextos à realidade e aos conhe-
cimentos dos alunos.
Com o objetivo de acrescentar mais dados à pesquisa, analisaram-
se os cadernos de alguns alunos do 4º e 5° anos para identificar, entre
outras coisas, a frequência com que a Geometria foi trabalhada, quais
A GEOMETRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS 257
DA CIDADE DE ANÁPOLIS-GO

conteúdos e como estes foram desenvolvidos pelos professores. Perce-


beu-se que a Geometria foi abordada em apenas três momentos ao lon-
go do ano de 2015, revelando uma contradição com as respostas dadas.

Considerações finais

Neste texto, apresentou-se parte do resultado da pesquisa, que


buscou compreender como é feita a abordagem da Geometria nas es-
colas públicas da cidade de Anápolis nos anos iniciais do Ensino Fun-
damental. A pesquisa foi realizada em três escolas que atendem alunos
do 1° ao 5° anos do Ensino Fundamental e funcionam nos períodos
matutino e vespertino, sendo, os participantes, dez professores que nelas
atuam.
A pesquisa aponta que a visão sobre a Matemática, em particular
sobre a Geometria, vem tomando um novo rumo: são buscadas me-
todologias que levem os alunos a sentir, perceber, compreender, con-
ceituar, raciocinar e discutir, ao invés de memorizar os conhecimentos
expostos. Os professores demonstraram estar conscientes de que a Geo-
metria deve ser abordada desde os anos iniciais e é necessário ser cons-
tantemente contextualizada com a realidade dos alunos para deixar de
ser considerada como indecifrável. Não obstante a pesquisa evidencia
que, mesmo conscientes da mudança, eles encontram dificuldades em
desenvolver os conceitos geométricos.
A análise dos dados revelou, entre outras coisas, que os professo-
res concordam com a importância da Geometria na vida das pessoas,
mas a ênfase dada nesta fase é para o campo de números e operações.
As respostas dadas pelos professores confirmam que eles con-
sideram inegável a relevância da contextualização, o uso de materiais
concretos e os jogos na apresentação dos conceitos e procedimentos
matemáticos. Os jogos, além de valorizarem o aspecto lúdico da apren-
dizagem, têm papel importante na integração da criança ao contexto
escolar, promovendo maior envolvimento e participação dos alunos. Os
sólidos, aos quais um dos professores se referiu como o material con-
258 Suely Miranda Cavalcante Bastos, Andresa Kuczkowski

creto utilizado por eles, em muito contribuem para auxiliar o aluno a,


além de reconhecer e identificar cada um, criar a imagem mental do
objeto estudado, sendo de muita utilidade para a continuidade dos seus
estudos em Geometria.
As crianças aprendem e compreendem melhor quando os con-
teúdos são associados a contextos de seu interesse – o que também fa-
vorece o objetivo de levá-las a aplicar o conhecimento matemático a
sua realidade. Estas articulações e contextualizações entre a Matemática
fazem com que o professor não se prenda apenas ao livro didático e
nem apenas à teoria. Ensinar Geometria por meio da contextualização
é proporcionar ao aluno algo prático, que esteja relacionado à vivência
do seu dia a dia. Os professores responderam que são feitas articulações
e contextualizações, mas, nas aulas observadas, não foram constatadas.
Pode-se pressupor que a fragilidade conceitual seja um empecilho a essa
forma de abordagem.
A baixa frequência da Geometria identificada nas aulas observa-
das e nos cadernos dos alunos pode significar, entre outras coisas, que
o professor opta por ensinar números e operações, campo preferido da
Matemática por causa do pouco domínio dos conhecimentos geométri-
cos, como afirma Pavanello (1993).
Segundo Souza (2011), a busca de solução para essa problemáti-
ca passa, necessariamente, por uma renovação da escola, para que ela
se torne um espaço motivador de trabalho e de crescimento pessoal e
social. Para isso é necessária uma mudança nos mais diversos níveis,
incluindo nas práticas pedagógicas, e o conjunto dos dados coletados
indica que os professores refletem sobre as suas práticas e estão buscan-
do novas maneiras de se trabalhar a Geometria.
A superficialidade nos conhecimentos geométricos, detectada na
pesquisa, impede o sucesso das metodologias planejadas. Diante disto,
a própria SEMED pode promover mudança nessa realidade, oferecendo
minicursos, oficinas e atividades práticas, visando à autonomia destes
profissionais frente ao trabalho com conceitos geométricos.
A GEOMETRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS 259
DA CIDADE DE ANÁPOLIS-GO

REFERÊNCIAS

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VALHO, João Bosco P. F. de. Matemática: ensino fundamental (Org.). Brasília: Minis-
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mental – três questões para a formação do professor dos ciclos iniciais. 2. ed. Belo
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LORENZATO, S. Por que não ensinar Geometria? Revista da Sociedade Brasileira de


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PAVANELLO, Maria Regina. O abandono do ensino da geometria no Brasil: causas e


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SOUZA, Gleyce Rodrigues. Os pedagogos e a matemática – possíveis aproximações.


Revista Pandora Brasil, nº 27, fev. 2011.
261

REFORMA EDUCACIONAL GOIANA: O PACTO


PELA EDUCAÇÃO1

Simônia Peres da Silva


Romilson Martins Siqueira

Introdução

O Pacto pela Educação propõe uma série de mudanças ambiciosas na


educação goiana, por meio da implementação das diretrizes, me-
tas e ações de grande repercussão, organizadas em torno de cinco eixos,
10 metas gerais e 25 iniciativas. Os objetivos deste artigo são: apresentar
os princípios e as diretrizes principais do Pacto pela Educação, buscan-
do demonstrar os vínculos desse projeto de reforma educacional com as
orientações internacionais, e, em especial, analisar possíveis implicações
das diretrizes desse documento no comprometimento da qualidade do
ensino público, ao contrário do que apregoa o governo. Inicialmente são
apresentadas as diretrizes do Pacto pela Educação com apoio no docu-
mento oficial de divulgação desse Pacto e com respaldo do Relatório da
Controladoria Geral do Estado de Goiás, referente ao exercício de 2012,
que foi elaborado em conjunto com a SEE. Recorreu-se, também, a outras
fontes de informação, como jornais e revistas eletrônicas, entre outras.
1 O texto está estreitamente relacionado aos estudos realizados no Doutorado em Educação, realizado
pela autora Simônia Peres da Silva, no PPGE/PUC Goiás, com bolsa da CAPES/PROSUP Cursos Novos,
intitulado “O processo de implementação das políticas educacionais e repercussões nas formas de gestão
da escola e no processo de ensino-aprendizagem: o Pacto pela Educação em Goiás”, com contribuições do
coautor Romilson Martins Siqueira.
262 Simônia Peres da Silva, Romilson Martins Siqueira

Reforma educacional goiana: o Pacto pela Educação

No contexto histórico das políticas educacionais públicas em que


estão presentes continuidades e rupturas, o governo do estado de Goiás,
por meio da SEE e em parceria com uma das maiores consultorias de
gestão empresarial no mundo, a Bain & Company, lançou, no dia 05
de setembro de 2011, um programa de reforma educacional, intitulado
Pacto pela Educação – um futuro melhor exige mudança. Uma matéria
veiculada na página da Secretaria da Educação, na internet, noticiou
esse fato sob o seguinte título: “Governo de Goiás anuncia o Pacto Pela
Educação nesta segunda-feira, dia 5. O secretário Thiago Peixoto irá di-
vulgar (as) diretrizes da reforma educacional”. Conforme consta na ma-
téria, a reforma educacional tem o objetivo de “fazer com que o Estado
de Goiás torne-se referência em educação para todo o país”, além do
compromisso público governamental em “promover um grande salto e
qualidade na educação em Goiás” e também “reforça a necessidade de
toda a população trabalhar em prol deste grande projeto, por isso, repre-
sentantes de diversos setores da sociedade civil organizada participarão
deste importante anúncio” (Notícias da Educação/04-09-2011).
Conforme as manchetes mencionadas, as medidas foram anun-
ciadas e divulgadas aos profissionais e à sociedade, a despeito do dis-
curso oficial que busca transmitir à população a ideia de construção co-
letiva do plano de reforma, o que, de fato, não ocorreu. Na verdade, foi
comunicado a todos os interessados (alunos, pais, professores, coorde-
nadores, diretores, subsecretários, servidores da secretaria, comunidade
e sociedade civil organizada) um programa reformista elaborado por
uma empresa multinacional especializada em consultoria empresarial,
ignorando-se totalmente décadas de debate e produção científica dos
pesquisadores e educadores da área. Evidenciaram-se, desta forma, os
parâmetros privatistas que estão sendo implantados na rede estadual de
ensino de Goiás, viabilizados por meio do Pacto pela Educação.
Antes do lançamento do Pacto, em agosto de 2011, para preparar
REFORMA EDUCACIONAL GOIANA: O PACTO PELA EDUCAÇÃO 263

o cenário político e justificar a reforma que viria logo em seguida, a


Secretaria deu início à instalação de placas na porta das escolas esta-
duais, com a nota alcançada por cada unidade de ensino no Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Segundo uma declaração
do Secretário de Educação, Goiás seria o primeiro estado a adotar a ini-
ciativa que visava:

promover o engajamento da comunidade escolar em prol da


melhoria da qualidade do ensino, por isso a necessidade de
dar maior publicidade a este importante índice que afere a
qualidade da Educação em todo país e que não é plenamente
conhecido pela população, principalmente por pais e alunos
(Notícias da Educação/17-08-2011).

Os cinco eixos do Pacto pela Educação

Os cinco pilares que constituem a espinha dorsal do Pacto pela


Educação apresentados a seguir são: a) Valorizar e fortalecer o profis-
sional da educação; b) Adotar práticas de ensino de alto impacto no
aprendizado do aluno; c) reduzir significativamente a desigualdade edu-
cacional; d) estruturar o sistema de reconhecimento e a remuneração
por mérito; e) realizar profunda reforma na gestão e na infraestrutura
da rede estadual de ensino.

Valorizar e fortalecer o profissional da educação

O propósito desse pilar é promover a valorização dos profissio-


nais da educação, na medida em que propõe duas metas fundamentais
para a carreira docente: remuneração compatível com profissões mais
valorizadas no mercado de trabalho e oportunidade de capacitação de
alto nível a todos os servidores. As iniciativas previstas para este eixo a
serem implantadas são: a) valorização do plano de carreira do docente:
b) escola de formação de professores; c) academia de lideranças: ma-
264 Simônia Peres da Silva, Romilson Martins Siqueira

peamento das competências necessárias para os cargos de liderança; d)


residência educacional.
Em uma análise minuciosa do Pacto pela Educação, divulgada
no Jornal O Popular, Libâneo (2011a) considera como positivos os se-
guintes pontos desse eixo: garantia de salários mais atrativos/justos; ca-
pacitação de professores quanto aos conteúdos que ensinam nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, especialmente da rede estadual; está-
gio probatório e escola de formação; disponibilização de suportes tec-
nológicos e materiais de apoio para o trabalho dos professores (portal
pedagógico, encontro para troca de experiências, banco de sugestão de
aulas); acompanhamento do trabalho pedagógico por coordenadores;
disponibilização de materiais de apoio pedagógico-didático e suporte às
escolas vulneráveis.
Para esse mesmo autor, os pontos considerados como negativos
referem-se aos mecanismos de reconhecimento e remuneração dos pro-
fessores por mérito (bônus, prêmios etc.), previstos na reforma, pois são
formas de motivação artificiais, e brevemente eles tomarão consciência
de que não estão sendo valorizados. Somam-se a isso as medidas de
capacitação em serviço decorrentes da “avaliação rígida de performan-
ce e empenho” ou da “formação prática”, que acabam transformando
o professor num simples executor de tarefas, para o qual é elaborado
um kit de sobrevivência com habilidades e competências necessárias à
execução de sua função. Certamente, apoiar o trabalho docente é algo
necessário, mas, como alerta Libâneo (2011b), se for retirado do profes-
sor seu papel protagonista de elaborador do plano de ensino, de criação
e uso do livro e de outros materiais didáticos, acabará por reforçar uma
atitude mecânica de professor-tarefeiro e escravo do material didático
apostilado.
Outro ponto do Pacto que merece atenção é a proposição em tor-
nar a carreira de professor uma das mais atrativas do estado, por meio
do pagamento do piso nacional, e aumentar o salário de entrada (PAC-
TO PELA EDUCAÇÃO, 2011). Primeiramente, porque o governo do
estado de Goiás, em conjunto com os governadores de Mato Grosso do
REFORMA EDUCACIONAL GOIANA: O PACTO PELA EDUCAÇÃO 265

Sul, do Piauí, Rio Grande do Sul, de Roraima e Santa Catarina, entraram


com recurso no STF pedindo a revisão do critério de reajuste do piso
nacional do magistério, posição que por si só contraria as intenções da
reforma goiana de pagar o piso nacional. Mas, além disso, o governo do
estado de Goiás conseguiu aprovar na Assembleia Legislativa a Lei nº
17.508/2011, que alterou o Estatuto e o Plano de Cargos e Vencimentos
do Pessoal do Magistério Público Estadual, retirando direitos dos pro-
fessores que foram conquistados com lutas históricas.
Para cumprir o piso salarial determinado pelo MEC, o governo
de Goiás incorporou as gratificações dos professores por titularidade
ao salário base, ou seja, por meio de um mecanismo contábil redirecio-
nou a verba destinada ao pagamento das gratificações para o pagamento
do piso que, naquela época, era de R$1.395,00 para a categoria PI (ní-
vel médio) e de R$2.026,03 para PIII (Licenciatura Plena) (SINTEGO,
2014). Para completar o conjunto de perdas no Plano de Carreira, a pós-
graduação lato sensu deixou de ser gratificada, o mestrado, que era de
40%, caiu para 10% e o doutorado, de 50%, para 20%.
Para o público em geral, a mensagem que foi veiculada nos meios
de comunicação era que o “governo de Goiás paga, desde janeiro de
2012, o piso salarial do Magistério, cumprindo o compromisso assumi-
do em 2011 com os professores da rede pública estadual” (TRIBUNA
DO PLANALTO, 02 de Março de 2012). Tais perdas desencadearam em
2011 várias mobilizações, que culminaram na greve dos trabalhadores
da educação em 06 de fevereiro de 2012.
A Academia de Liderança é um programa nos mesmos moldes da
Reforma Educacional de Nova York, que na versão original consiste em
treinar o professor intensivamente durante um ano, nas áreas de “avalia-
ção, currículo, relações institucionais, trabalho cooperativo e orientação
prática sobre como dar e receber feedback, conduzir reuniões eficazes,
administrar recursos financeiros e humanos, supervisionar e orientar
professores”, para assumir a função de diretor (GALL; GUEDES, 2009,
p. 78). As recomendações para a implantação da Academia de Lideran-
ça no Brasil, segundo o documento da Fundação Itaú Social, é que essa
266 Simônia Peres da Silva, Romilson Martins Siqueira

medida utilizada pela Reforma de Nova York “poderia ser discutida para
o enfrentamento da escassez de docentes na rede pública do País, tais
como as vias alternativas de contratação de professores” (p. 78). A Fun-
dação enumera algumas dessas vias alternativas: contratação de profis-
sionais liberais como docentes; aproveitamento emergencial de alunos
de licenciatura e recém-graduados, sem licenciatura, como docentes, e
contratação de professores estrangeiros em disciplinas determinadas. O
documento esclarece que seria outra versão da experiência bem-sucedi-
da de alguns estados na contratação de profissionais estrangeiros da área
de saúde para atendimento direto à população.
Percebe-se que a ideia é aumentar o contingente de diretores com
formação rápida, aligeirada e com foco nas competências práticas, re-
crutando-os entre os professores recém-formados, com pouca experi-
ência, por meio de contratos precários e que fogem aos critérios acorda-
dos com os sindicatos, nas escolas consideradas as mais problemáticas
da rede e em bairros mais carentes. Dentre as ações de implementação,
destaca-se o Ciclo de Debates: Gestão Educacional, realizado em 2012
pela Superintendência de Programas Educacionais Especiais em parce-
ria com a Fundação Itaú Social, que contou com a presença de Irma
Zardoya, presidente da Academia de Lideranças de Nova York.
De acordo com o relatório da Controladoria Geral do Estado de
Goiás (CGE-GO), referente ao exercício de 2012, a ação da Secretaria
de Educação de Criação e Implementação da Academia de Liderança
teve duas realizações: seminário sobre liderança (Ciclo de Debates Ges-
tão Educacional − Formação de Lideranças para a Gestão Escolar) e
consultoria para definição de competências e mapeamento de talentos
(em execução). As duas ações foram em parceria com a Fundação Itaú
Social.

Adotar práticas de ensino de alto impacto no aprendizado

As metas gerais desse pilar são garantir que toda criança seja ple-
namente alfabetizada até os 7 anos e atingir a proficiência adequada dos
REFORMA EDUCACIONAL GOIANA: O PACTO PELA EDUCAÇÃO 267

alunos nas provas padronizadas. Em relação às ações de implementa-


ção, esse pilar prevê: a) Currículo referência: construção de um currí-
culo mínimo, organizado numa proposta de conteúdos bimestrais pela
rede; b) tutoria pedagógica: estruturar o coaching pedagógico (ou trei-
namento pedagógico) para as equipes de tutores nas regionais (cerca de
300 tutores), em parceria com a Fundação Itaú Social; c) educação em
tempo integral: investimento nas 120 escolas de tempo integral, tanto
no pedagógico quanto em gestão e infraestrutura, em parcerias com a
Fundação Itaú Social e Fundação Jaime Câmara; d) novo Ensino Médio:
seminários com a rede e a sociedade para se discutir o papel do Ensino
Médio e propor um novo modelo adequado à realidade goiana, em par-
cerias com o Instituto Unibanco; e) Educação de Jovens e Adultos Pro-
fissionalizante; f) rede de colaboração: criar um portal pedagógico para
troca de experiências; g) investimento em tecnologia da informação
para reforçar a aprendizagem: adquirir e oferecer aos alunos e profes-
sores laptops, computadores com sistemas integrados ao novo currículo
para os alunos, entre outros.
Segundo os documentos oficiais, o Currículo Referência resulta
de uma ampla discussão em toda a rede estadual por meio de encontros
e debates. Em relação à participação das escolas e de seus profissionais,
embora alguns professores tenham participado de reuniões promovi-
das pela reunião centralizada para discutir os conteúdos do currículo,
não houve verdadeiramente um processo de diálogo entre professores,
coordenadores e diretores com a Secretaria Estadual. Segundo pesquisa
de Silva (2014), vários professores declararam não ter participado da
elaboração do Currículo Referência, percebendo-o como mais uma im-
posição da Secretaria.
Ao mesmo tempo, a Secretaria declarou que o Currículo Referên-
cia foi construído tendo como base as legislações vigentes, as Diretri-
zes e os PCN, as matrizes de referências dos exames nacionais (SAEB e
Enem) e estaduais (Saego e Prova Goiás) e a reorientação curricular do
estado de Goiás (Caderno 5) (CURRÍCULO REFERÊNCIA DA REDE
ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE GOIÁS, 2012).
268 Simônia Peres da Silva, Romilson Martins Siqueira

A ideia de se ter uma base curricular comum para todos os es-


tudantes tem sido defendida por pesquisadores e educadores. Gimeno
Sacristán (2000 apud LIBÂNEO, 2011b, p. 58) propõe “uma escolariza-
ção igual, para sujeitos diferentes, por meio de um currículo comum”.
Corroborando essa afirmação, Libâneo (2011b, p. 58a) escreve que a
igualdade da escola consiste em proporcionar aos alunos o acesso aos
conhecimentos científicos, à cultura e à arte, ao desenvolvimento de
suas capacidades mentais e à formação para a cidadania, ou seja, “esco-
laridade igual, escola comum, ensino comum”.
No entanto, não é essa concepção de currículo que permeia a
proposta da Seduce/GO. A abordagem centrada em resultado de apren-
dizagem fica evidenciada no documento de implantação do Currículo
Referência, como, por exemplo, neste trecho:

Assim, busca-se referenciar uma base comum essencial a to-


dos estudantes, em consonância com as atuais necessidades de
ensino identificadas não somente nas legislações vigentes, Di-
retrizes e PCN, mas também nas matrizes de referências dos
exames nacionais e estaduais, bem como a matriz curricular
do Estado de Goiás (Caderno 5) (CURRÍCULO REFERÊN-
CIA DA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE GOIÁS,
2012).

A análise documental evidenciou uma concepção instrumental


de currículo voltada para os resultados das avaliações externas de larga
escala. Na verdade, as matrizes de referência adotadas no Saego estão
metodologicamente alinhadas às avaliações nacionais (Provinha Brasil,
Prova Brasil e Enem), utilizando-se das mesmas escalas de proficiência
(descritores) para a produção dos testes, com base na Teoria da Respos-
ta ao Item (TRI).
Nota-se uma redução dos conteúdos, que pode ser percebida
pela simples comparação entre os conteúdos do Currículo Referência
e do Caderno 5, da Reorientação Curricular, embora as expectativas
REFORMA EDUCACIONAL GOIANA: O PACTO PELA EDUCAÇÃO 269

de aprendizagem nos dois documentos sejam muito semelhantes, com


pequenas alterações (algumas foram destacadas e outras suprimidas) e
uma forte tendência à padronização e ao apostilamento dos conteúdos.
Isso ocorre, sobretudo, por meio dos materiais didáticos, que buscam
fornecer aos professores o passo a passo (guia aula a aula; banco de aula;
sugestões de exercícios; sequências didáticas, entre outros). Estas me-
didas produzem desdobramentos importantes para o trabalho docente,
conforme aponta a pesquisa de Silva (2014).
Outra repercussão dessas políticas educacionais de resultado é o
direcionamento da rede de ensino estadual e das escolas às avaliações
externas. Em certa medida, percebe-se, na formação de professores, a
priorização dos docentes que atuam naquelas disciplinas e turmas que
serão avaliadas nos testes de larga escala. Como mostra o relatório da
CGE, dentro das ações do Pacto pela Educação, foram realizados em
2012 encontros de formação continuada sobre a Avaliação Diagnósti-
ca com os professores de Língua Portuguesa, Matemática e Ciências da
Natureza, especialmente no 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e no
3º ano do Ensino Médio, visando à análise dos dados das avaliações
diagnósticas, o planejamento e a realização de ações de intervenção. Re-
alizaram-se 90 encontros, com a participação de 4.451 professores (45
encontros atenderam 2.399 professores de Língua Portuguesa e 45 en-
contros atenderam 2.052 professores de Matemática).
Para esses mesmos professores, cursos foram dados para discutir
e planejar as ações de implementação da matriz curricular do estado de
Goiás, em parceria com o Núcleo de Tecnologias Educacional (NTE).
Notadamente, o enfoque dado no curso coincide com os conteúdos
abordados nas matrizes de referência da Prova Brasil e do Enem: o gê-
nero carta de leitor na sala de aula; como escrever e o que avaliar; o en-
sino de Matemática via resolução de problemas; Geometria: do tangível
ao ideal.
Na formação de professores, modalidade a distância, realizou-se o
curso de formação para professores de Língua Portuguesa e Matemática,
na plataforma e-Proinfo, sendo 40 horas com atividades presenciais e 40
270 Simônia Peres da Silva, Romilson Martins Siqueira

horas a distância. De acordo com o relatório, a etapa na modalidade a


distância atende aos professores efetivos de Língua Portuguesa e de Ma-
temática que atuam no 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e 3º ano do
Ensino Médio por unidade escolar, totalizando 2.166 professores aten-
didos no ambiente virtual de aprendizagem, na plataforma e-Proinfo.
Na etapa presencial, houve encontros nas subsecretarias regionais
de educação, com os formadores das equipes de Língua Portuguesa e
Matemática da Gerência de Desenvolvimento Curricular. Todas essas
ações indicam que as políticas educacionais implementadas nas escolas
públicas estaduais, por meio do Pacto pela Educação, servem, ao mes-
mo tempo, tanto à conveniência política do governo estadual de produ-
zir resultados educacionais rápidos quanto aos interesses das grandes
empresas.
As ações do Pacto contemplaram, ainda, grupos de trabalho e
estudo em Ciências da Natureza, Língua Portuguesa e Matemática, na
modalidade semipresencial, sendo 12 horas presenciais e 28 horas a dis-
tância, realizados no 2º semestre de 2012. Participaram do curso pro-
fessores formadores da Escola de Formação, vinculados à Gerência de
Desenvolvimento Curricular (GEDEC) e ao Centro de Referência no
Ensino de Ciências e Matemática (CRECIEN).
Em relação às tutorias pedagógicas, foram realizados diversos
cursos e treinamentos aos professores que integram o Programa de
Acompanhamento e Suporte Pedagógico (PASP), que tem a função
de desenvolver atividades de coach (treinamento) com a gestão esco-
lar, diagnosticando e propondo soluções para os problemas de gestão
que interfiram no resultado dos alunos. Para tanto, o tutor pedagógi-
co desenvolverá “atividades de melhoria da gestão escolar com foco
nos resultados da unidade educacional nas avaliações externas”, além
de oferecer suporte às práticas pedagógicas e formação continuada aos
professores das áreas de conhecimento de Língua Portuguesa, Matemá-
tica e Ciências (Seduce/GO/CONVOCAÇÃO 001/2013, p. 2-4). Assim,
foram realizados 26 encontros para a formação dos tutores que aten-
dem as Unidades Educacionais do Projeto do PASP, “com o objetivo de
REFORMA EDUCACIONAL GOIANA: O PACTO PELA EDUCAÇÃO 271

realizar estudo e reflexão das matrizes curriculares do estado de Goiás,


de referência-SAEB e matriz do PISA, visando à melhoria significativa
do processo ensino aprendizagem” (CONTROLADORIA GERAL DO
ESTADO DE GOIÁS, 2012, p. 159).
A consequência dessa visão estreita de educação e ensino, segun-
do Libâneo (2011b), está ressaltada: no negligenciamento dos proble-
mas de aprendizagem dos alunos; na ausência de preocupação com mé-
todos e procedimentos de ensino, com as práticas docentes e atividades
em sala de aula; na falta de articulação entre conteúdo, métodos e for-
mas de avaliação. Assim, alguns pontos positivos do Pacto (construção
de um currículo mínimo pela rede de ensino; fornecimento de material
de apoio pedagógico; acompanhamento pedagógico em situação de tra-
balho das atividades desenvolvidas pelos coordenadores pedagógicos e
professores) ficam com sua eficácia comprometida devido ao conjun-
to de pontos negativos, quais sejam: ênfase nas ações que garantem o
acesso à escola, com pouca atenção nas condições pedagógico-didáticas
necessárias para o desenvolvimento das atividades cotidianas nas aulas;
fornecimento das condições pedagógico-didáticas, que aparece no Pac-
to como simples disponibilização de materiais e apoio (ou insumos);
trata-se de, geralmente, material apostilado e formulado pelas empresas
“parceiras”, mas sem preocupar com a qualidade dos conteúdos e da
metodologia, com o acompanhamento e os procedimentos de avalia-
ção do aluno em sala de aula; acentuação das atividades “práticas” que
evidenciam a lógica do professor-tarefeiro (ou o saber fazer), em detri-
mento da função criativa de elaboração dos conteúdos e práticas; uso
dos projetos de escola de referência e escola de tempo integral como
instrumento político ou para acolhimento social de alunos pobres; dire-
cionamento da educação de jovens e adultos às necessidades imediatas
dos alunos e formação para o trabalho, sem articulação com uma pro-
posta de formação integral.
De fato, os problemas de aprendizagem dos alunos estão sendo
delegados às várias organizações não governamentais que prestam ser-
viço à Seduce/GO. Por exemplo, para a correção da distorção da idade e
272 Simônia Peres da Silva, Romilson Martins Siqueira

do ano escolar, a Secretaria firmou parceria com o Instituto Ayrton Sen-


na, para desenvolver programas de correção do fluxo escolar Se Liga,
de alfabetização, e Acelera Brasil, de aceleração de aprendizagem. De
acordo com o relatório da CGE, em 2012, o Programa Se Liga atendeu
30 turmas com 617 alunos, e o Acelera atendeu 27 turmas com 473 alu-
nos, em 18 subsecretarias regionais de educação. Para a implementação
do Programa, a Seduce/GO comprou do Instituto Ayrton Senna kits de
livros do Programa Se Liga (600 kits) e do Programa Acelera (não consta
a quantidade), além de mais de 70 caixas de livros literários. Realizou-
se a formação inicial e continuada dos professores e supervisores para
atuarem nesses programas pelo Instituto Ayrton Senna.
Em relação aos baixos rendimentos que os alunos da rede estadual
de ensino vinham apresentando, o relatório informa que foi necessária
a adoção de novas metodologias de ensino capazes de reverter essa situ-
ação. Para tanto, a Seduce/GO contratou uma empresa especializada na
prestação de serviços educacionais para aplicar um método de apren-
dizagem que alie a capacidade cognitiva à emocional e um programa
de Matemática que promova a apreensão dos conteúdos da disciplina
a partir das atividades lúdicas e sistematizadas. As informações sobre a
metodologia dos programas contratados é bastante frágil:

Método de Aprendizagem: metodologia que inove a práxis


educacional, na busca de novos caminhos para o processo de
ensino. Programa de Matemática: método que encontre no-
vos espaços para incrementar o rendimento escolar na área
de matemática. Buscamos resultados consubstanciados em ín-
dices nacionais (CONTROLADORIA GERAL DO ESTADO
DE GOIÁS, 2012, p. 139-140).

Esses programas são aplicados pelo professor colaborador, que


é um profissional sem vínculo empregatício com a Seduce/GO, geral-
mente jovem, recém-graduado e formado em outras áreas, bem próxi-
mo do modelo utilizado na Reforma de Nova York de contratação de
REFORMA EDUCACIONAL GOIANA: O PACTO PELA EDUCAÇÃO 273

professores por vias alternativas. Ao contrário do que apresentam, esses


programas oferecidos pelas empresas e fundações prestadoras de servi-
ços educacionais, contratados pela Secretaria Estadual, são pagos com
as verbas da educação pública. O relatório da CGE mostra que só no
Ensino Médio foi aplicado o montante de R$ 6.943.989,35 para atender
aproximadamente 23.000 alunos.
Outra prioridade do Pacto pela Educação é o projeto Escolas Es-
taduais de Tempo Integral (EETIs). Em 2012, eram 120 escolas, com
aproximadamente 17.500 estudantes matriculados, sendo 486 turmas
de 1º ao 5º anos e 232 turmas de 6º ao 9º anos do Ensino Fundamental.
A Secretaria promoveu uma reestruturação do projeto em parceria com
a Fundação Itaú Social e o Cenpec. Dentre as mudanças, destacam-se
a redução do tempo escolar do aluno de 10 para oito horas diárias e a
implementação de programas de acompanhamento dos alunos, visando
melhorar o desempenho nas disciplinas básicas.
Contudo, a contratação de serviços educacionais não para por aí.
A Fundação Itaú Social e o Cenpec são parceiros da Seduce/GO na for-
mação de professores das EETIs, oferecendo treinamento para os pro-
fessores dessas escolas. Para construir um consenso em torno de seus
projetos, a Fundação Itaú Social apresentou em um desses treinamentos
a “experiência de sucesso” em escolas da prefeitura de Belo Horizonte,
que são assessoradas pela fundação. É importante aqui destacar a afir-
mação de Tommasi (1996), de que o BM recomenda a implementação
das “inovações” educativas primeiro nos estados mais desenvolvidos
da federação e depois a disseminação pelo resto do país. Para acompa-
nhar toda a implementação, mensalmente os técnicos da Fundação e do
Cenpec visitam as escolas que fazem parte do programa para monitorar
sistematicamente as ações pedagógicas e a gestão da escola.
No Ensino Médio, o Projeto Jovem de Futuro, em parceria com o
Instituto Unibanco, realizou, no ano de 2012, em Goiânia, um seminá-
rio para capacitar a equipe gestora do programa (coordenador, super-
visores, diretores, coordenadores pedagógicos das UEs e professores),
totalizando 220 profissionais, com objetivo de subsidiar a implantação
274 Simônia Peres da Silva, Romilson Martins Siqueira

e execução do referido projeto. Durante este mesmo ano, foram realiza-


das na cidade de Pirenópolis, em Goiás, várias oficinas para capacitação
de gestores, professores coordenadores, tutores e equipe executora do
programa. Foram dois encontros, que ocorreram nos períodos de abril,
21 a 24 de agosto e 17 a 19 de setembro, com a participação de 1.490
profissionais, o que indica a importância e dimensão do projeto para a
Secretaria. Cabe ressaltar, com base no relatório da CGE, que o Instituto
Unibanco arcou com as despesas de hospedagem e alimentação, e a Se-
duce/GO pagou as despesas de transporte.

Reduzir significativamente a desigualdade educacional

Dessa forma, as três metas gerais são as mesmas estabelecidas pelo


Movimento Todos pela Educação: todo aluno com aprendizado adequa-
do à sua série; todo jovem com Ensino Médio concluído até os 19 anos;
toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola. Aqui a preocupação é ba-
sicamente em duas frentes. A primeira está relacionada ao acolhimento
dos alunos das escolas consideradas vulneráveis e com baixo desempe-
nho no IDEB (novamente a prioridade é atender as escolas que apre-
sentam indicadores baixos), por meio de programas de proteção social.
Muitos desses programas têm parceria com empresas, fundações, ONGs
e também com órgão públicos que utilizam da estrutura da Secretaria
para viabilizar seus projetos, muito próximos da proposta educacional
recomendada pelos organismos internacionais. A segunda refere-se ao
fluxo dos alunos na rede de ensino (evasão, reprovação e distorção ida-
de-ano escolar), que tem um grande peso no IDEB das escolas.
Para solucionar esses problemas, a reforma propõe: a) Suporte às
escolas vulneráveis, com baixo desempenho nas avaliações; b) correção
da distorção idade-série (ano); c) redução da evasão e reprovação: estru-
turar um sistema de monitoramento da rede em tempo real; prevenir as
reprovações através de ações de nivelamento de conteúdo; d) apoio às
diversidades: ensino especial cada vez mais inserido em todas as escolas
do estado.
REFORMA EDUCACIONAL GOIANA: O PACTO PELA EDUCAÇÃO 275

Como é possível verificar, alguns aspectos são positivos, como


oferecer assessoria pedagógica às escolas vulneráveis, apoiar as escolas
por meio de equipes especializadas e capacitadas, corrigir a distorção
idade-ano escolar e erradicar o analfabetismo. Mas, como aponta Li-
bâneo (2011a), baseado numa pedagogia comportamental-tecnicista,
propõe-se a remuneração diferenciada dos professores por mérito e ni-
velamento de conteúdo, assim como a manutenção da política de inser-
ção em turmas comuns de alunos com diferentes deficiências (físicas,
neurológicas, cognitivas, entre outras).
Nota-se que o conjunto de projetos é apontado como importante
para a redução das desigualdades educacionais, uma total desconexão
entre o proposto e o que foi efetivamente realizado. Isso é possível per-
ceber no relatório da CGE, especialmente no programa de redução da
desigualdade educacional, no fortalecimento da inclusão e na diversida-
de na rede estadual de ensino, que integra o terceiro pilar do Pacto pela
Educação: a) Amigos da escola: é um projeto criado pela Rede Globo
(TV Globo e emissoras afiliadas), que visa estimular o envolvimento da
comunidade por meio do voluntariado; b) educação fiscal: este progra-
ma está vinculado à Secretaria de Estado da Fazenda, Receita Federal
e ao Ministério Público, envolvendo palestras sobre a temática; c) Pro-
grama Saúde na Escola: visa promover ações de prevenção de doenças
e atenção à saúde dos alunos; d) Movimento Cidadania e Paz na Escola:
tem o objetivo de sensibilizar a comunidade escolar para a necessidade
de se cultivar a cultura da paz, a convivência harmoniosa na escola e os
projetos de cidadania; e) Programa Educacional de Resistência às Dro-
gas: é uma parceria com a Polícia Militar e consiste em discutir o conte-
údo de cartilhas em sala de aula, a fim de prevenir ou reduzir o uso de
drogas e a violência entre as crianças e os adolescentes; f) Goiás contra
a dengue: visa promover orientações e intervenções educativas que aju-
dem no controle e nas ações de combate efetivo da dengue.
Ainda nesse mesmo pilar do Pacto pela Educação, aparecem no
relatório da CGE os seguintes projetos: Prevenção e Enfrentamento
ao Bullying; Escola sem Drogas (Polícia Civil) e Energia mais Limpa,
276 Simônia Peres da Silva, Romilson Martins Siqueira

em parceria com a Editora Horizonte Geográfico; Comemoração dos


25 anos do Acidente Césio 137, em parceria com diversas instituições
(UFG, OVG, Associação das Vítimas do Césio 137, PUC GO, UEG, Fun-
dação Jaime Câmara, entre outras); Inquérito Nacional de Prevalência
da Esquistossomose e Geo-helmintoses; Programa Bombeiro Mirim;
Projeto “Saúde em Educação”; Jogos Estudantis 2012; Programa AABB
Comunidade (Fundação Banco do Brasil e Federação das AABBs).
Certamente todos esses projetos são justificados para dar supor-
te às escolas consideradas vulneráveis, reduzir as desigualdades sociais,
contribuir para o exercício pleno da cidadania, entre outras proposições
de caráter compensatório, que buscam diminuir a pobreza, amenizar
os conflitos e tensões sociais e sociabilizar os alunos, mas sem alterar as
desigualdades educacionais no interior da escola.

Estruturar sistema de reconhecimento e remuneração por mérito

Este pilar está estruturado nas políticas de responsabilização (ac-


countability) e de meritocracia e é complementar aos demais instrumen-
tos de controle na gestão das escolas públicas, pautada em resultados
educacionais e articulados aos mecanismos de avaliação, incentivo fi-
nanceiro (bônus, prêmios etc.) para alunos, professores, gestores e tuto-
res. Este sistema meritocrático visa ainda gerar uma disseminação dos
bons exemplos e das boas práticas, no sentido de criar um consenso e
socializar para toda a rede um determinado modelo de escola e de com-
portamento para educadores e alunos (PACTO PELA EDUCAÇÃO,
2011). Esse modelo deve estar em convergência com as orientações dos
organismos internacionais, de adotar nos países em desenvolvimento
as experiências de sucesso dos países centrais, apoiadas pelos governos
locais e pelos empresários da educação. O relatório do CGE evidencia
esta opção:

O reconhecimento ao mérito é uma estratégia que vem sendo


utilizada por inúmeros países que promoveram reformas nos
REFORMA EDUCACIONAL GOIANA: O PACTO PELA EDUCAÇÃO 277

seus sistemas educacionais, mostrando-se altamente eficaz.


No Pacto pela Educação de Goiás, ela está no Reconhecer e
também em outros programas, como o Prêmio Escola, que
premia as unidades com até R$ 20 mil por etapa do ensino
conforme metas estabelecidas de acordo com o IDEB. O Prê-
mio Aluno, que a partir de 2012 beneficiou os estudantes com
melhor desempenho (CONTROLADORIA GERAL DO ES-
TADO DE GOIÁS, 2012, p. 162).

A eficácia de tais estratégias é questionada por Freitas (2012),


sobre a experiência norte-americana na implementação de políticas
educacionais baseadas na responsabilização, na meritocracia e na pri-
vatização. As medidas implantadas nas escolas americanas e que estão
sendo adotadas no Brasil – especialmente nesta pesquisa no Estado de
Goiás, expressas no Pacto pela Educação – produzem desdobramentos
importantes na rede de ensino estadual. A produção de informações
quantitativas sobre o desempenho dos alunos por meio de avaliações
externas permite comparar o desempenho da escola e de seus profis-
sionais, constituindo um instrumento de regulação da rede de ensino
estadual, cuja lógica não considera os vários fatores que interferem no
processo educacional. Deste modo, os resultados imediatos e objetivos
dos processos avaliativos são utilizados para forçar a escola, os diretores,
coordenadores e professores a cumprirem as metas estipuladas pelos ór-
gãos centrais. Estas, por sua vez, são direcionadas para um ensino ins-
trumental de conteúdos básicos. Os testes estandardizados e a obrigação
de resultados têm sido princípios adotados pelos organismos interna-
cionais do capitalismo globalizado para regular o setor educacional. O
objetivo é inserir nas redes públicas de ensino um modelo de mercado
ou quase-mercado, transferindo para a escola e seus professores a res-
ponsabilidade máxima dos resultados dos seus estudantes, promovendo
um ambiente escolar como um local de competitividade (SILVA, 2014).
Assim, esse pilar do Pacto está sistematizado, tendo como base o
Índice do desempenho educacional de Goiás (IDEGO), que foi criado
278 Simônia Peres da Silva, Romilson Martins Siqueira

com a mesma fundamentação e os mesmos critérios do IDEB, compos-


to por três elementos principais: proficiência média, equidade de pro-
ficiência e fluxo escolar do aluno. Para produzir o indicador goiano, foi
necessário implantar o Saego, que é uma avaliação aplicada anualmente
em toda a rede para verificar o desempenho dos estudantes em língua
portuguesa e matemática e, ao mesmo tempo, o desempenho dos pro-
fessores, gestores e demais profissionais da escola.
Além disso, foi estabelecido o bônus por desempenho dos servi-
dores, que concede um incentivo financeiro aos profissionais da educa-
ção (professores, coordenadores pedagógicos, diretores, vice-diretores,
secretários-gerais e tutores), atrelados a processos de responsabilização
e meritocracia. Para aprimorar o processo, existe uma previsão de vin-
cular o pagamento do bônus ao desempenho dos alunos e estender aos
demais servidores da escola. Nesta mesma direção, foram criados o Prê-
mio Escola, a poupança para alunos e o programa Educadores do ano.
Para viabilizar essa estrutura meritocrática, o governo do es-
tado de Goiás conseguiu aprovar na Assembleia Legislativa a Lei nº
17.735/2012, que instituiu o bônus de incentivo educacional aos profis-
sionais da educação pública estadual. Nos termos da referida Lei, farão
jus ao bônus de incentivo educacional os professores titulares de cargo
efetivos, os coordenadores pedagógicos, o grupo gestor da unidade es-
colar (diretor, vice-diretor e secretário-geral) e os tutores pedagógicos,
que cumprirem alguns critérios estabelecidos no dispositivo legal.
O professor regente deve cumprir os critérios de assiduidade –
presença em sala de aula, conforme quadro de horário definido pela
Seduce/GO e escola –, apresentar o planejamento de aula a cada duas
semanas e ministrá-las –, entregar o plano de aulas ao coordenador pe-
dagógico no mesmo intervalo de tempo, até o 1º dia útil do período
em que as aulas planejadas ocorrerão, de acordo com o modelo padrão
divulgado por órgãos centrais da Seduce/GO.
Para calcular o valor do bônus, criou-se uma tabela com percen-
tuais inversamente proporcionais ao número de faltas semestrais, que
não podem ultrapassar 5 %. Na prática, para receber o total da premia-
REFORMA EDUCACIONAL GOIANA: O PACTO PELA EDUCAÇÃO 279

ção, os professores não podem ultrapassar 1% de faltas. Por exemplo,


um professor com carga horária de 40 horas semanais, corresponderia
a 40 minutos de aulas semanais, ou seja, ele não poderá faltar nenhuma
aula. Se atingir até 5% faltas, receberá proporcionalmente 40% do valor
do prêmio. Para efeito de bonificação, se o professor ministrar sua aula,
mas não entregar o plano ao coordenador pedagógico, será considerado
infrequente. Em 2012, o valor do bônus era de R$ 2.000,00 para os servi-
dores com carga horária de 40 horas semanais e R$ 3.000,00 para os pro-
fissionais com carga horária de 60 horas semanais, sendo pago em duas
parcelas, a primeira no mês de julho e a segunda no mês de dezembro.
Em 2011, foram premiados 12.500 professores regentes, ou seja,
somente a metade dos professores efetivos da rede estadual recebeu a
bonificação, considerando que atualmente o total é de 24.860 professo-
res efetivos2. O valor empregado em 2012 foi de R$18.069.283,00, des-
pesas que incidem na dotação orçamentária da Secretaria (CONTRO-
LADORIA GERAL DO ESTADO DE GOIÁS, 2012).
Em relação ao coordenador pedagógico, o critério para receber o
bônus é a frequência (os mesmos percentuais dos professores), de acor-
do com a carga horária definida na modulação, além da participação
nas formações oferecidas pela Seduce/GO e pelas subsecretarias, que
deverão ser frequentadas pelo coordenador no período de suas horas
-atividades. Para o tutor pedagógico, exige-se sua presença nas escolas
que acompanha e/ou na sede da Subsecretaria Regional de Educação
na qual é lotado. A carga horária é dividida em 10 períodos/turnos se-
manais, sendo oito turnos nas unidades educacionais e dois na sede da
subsecretaria.
O grupo gestor (diretor, vice-diretor e secretário-geral) terá direi-
to ao bônus se cumprir o calendário escolar (funcionamento da escola
em todos os dias letivos) e executar um conjunto de tarefas dentro do
prazo, rigorosamente estabelecidos pela Seduce/GO: a) lançamento se-
manal, no SIGE, da frequência de professores regentes e coordenadores
pedagógicos da escola (até o segundo dia útil da semana subsequente),
2 Disponível em:< http://portal.seduc.go.gov.br>. Acesso em: 03 abr. 2014.
280 Simônia Peres da Silva, Romilson Martins Siqueira

além do lançamento, a cada duas semanas, também no SIGE, da entrega


dos planos de aula dos professores regentes (até o segundo dia útil do
período em que as aulas planejadas ocorrerão); b) lançamento diário,
no SIGE, da frequência de alunos (até às 23h 59min de cada dia); c)
lançamento bimestral, no SIGE, da nota e frequência de alunos por dis-
ciplina, e d) acessar diariamente o e-mail institucional da escola.
Para monitoramento desse processo, organizou-se uma estrutura
hierárquica de controle e fiscalização que envolve os integrantes da es-
cola, tutores das subsecretarias e órgãos centrais da secretaria. No âm-
bito da escola, é do grupo gestor a responsabilidade de acompanhar a
assiduidade dos professores e coordenadores pedagógicos, monitorar se
os planos de aula foram entregues no prazo e lançar essas informações
no quadro de frequência afixado no mural e no sistema de informações
da Secretaria.
Cabe assinalar que o monitoramento dos planos de aula se limita
à entrega no prazo determinado, sem mencionar qualquer preocupação
com os conteúdos, as metodologias, os recursos didáticos etc. Indubi-
tavelmente, a qualidade das práticas de ensino dos professores depen-
de dos planos e projetos de ação. No entanto, nota-se que as diretrizes
do Programa Reconhecer tendem a valorizar mais os aspectos formais
(plano de aula) do processo educativo do que efetivamente o trabalho
do professor em sala de aula.
Complementar a isso, como previsto na Lei nº 17.735/2012, se im-
plementaram alguns “instrumentos de controle social” dos funcionários
da escola, que são afixados em locais de acesso ao público, como: o qua-
dro de frequência do período – diariamente atualizado com o número
de aulas programadas e ministradas de cada professor e a presença ou
ausência de cada coordenador pedagógico –, exposto no mural da es-
cola, e o cronograma semanal de aulas, colocado na entrada de cada
sala de aula com os horários das disciplinas e os nomes dos respectivos
professores.
Após o término do prazo de lançamento no sistema de informa-
ção da Seduce/GO, somente as subsecretarias podem fazer a inserção
REFORMA EDUCACIONAL GOIANA: O PACTO PELA EDUCAÇÃO 281

de dados, mediante a formalização, por meio de registro de ocorrência,


realizada pelo grupo gestor e atestada pelo técnico escolar. Assim, o mo-
nitoramento para verificar se a escola e seus profissionais estão execu-
tando as tarefas (lançamento do plano de aula, frequência) dentro do
prazo estipulado e cumprindo o calendário escolar é realizado direta-
mente pelos subsecretários e tutores, por meio de relatórios extraídos do
próprio sistema e visitas semanais, além da auditoria permanente dos
órgãos centrais da Seduce/GO.
No discurso oficial, com a implantação do Programa Reconhecer,
ocorreu um aumento significativo da frequência dos professores em sala
de aula, influenciando a qualidade do ensino e aprendizagem dos alu-
nos, comprovadas por meio do resultado do IDEB, no qual Goiás saltou
no ranking nacional da 16ª posição em 2009 para a 5ª em 2011, colo-
cando o estado em destaque no cenário nacional da educação pública
(CONTROLADORIA GERAL DO ESTADO DE GOIÁS, 2012).
Nessa lógica, que reforça a competição e o individualismo, criou-
se, no âmbito do Pacto pela Educação, o “Prêmio Poupança-Aluno”, com
a finalidade de premiar anualmente os alunos do 5º e 9º anos do Ensino
Fundamental e 3º ano do Ensino Médio, com melhor desempenho nas
avaliações nacionais e regionais. O prêmio, instituído no estado pela Lei
nº 17.745/2012, é uma poupança aberta em nome do aluno premiado
no valor de R$ 1.100,00, sendo que R$ 300 poderão ser imediatamente
retirados pelo aluno, ficando o restante condicionado à conclusão do
Ensino Médio. O dispositivo legal prevê que anualmente poderão ser
oferecidos até 10.000 prêmios, totalizando um possível montante de R$
11.000.000,00 em premiações, um valor expressivo para o orçamento
da Seduce/GO que, via de regra, é considerado como insuficiente para
cobrir todas as despesas. Consta no relatório da CGE que, em 2012,
foram premiados 3.906 alunos, com o empenho orçamentário de R$
3.906.000, 00. Cada aluno recebeu R$1.000,00, valor vigente na época.
Foi criado ainda o Prêmio Escola, que visa “estimular” as escolas
a alcançarem as metas definidas pelo Estado na Prova Brasil e no Saego.
Se cumprirem as metas, as unidades que oferecem o Ensino Fundamen-
282 Simônia Peres da Silva, Romilson Martins Siqueira

tal poderão receber R$20.000,00. O mesmo valor será concedido a 30%


das escolas de cada subsecretaria regional, com os maiores resultados
no IDEGO para o 3º ano do Ensino Médio. Em 2013, das 1.114 escolas
da rede estadual, apenas 217 unidades receberam o prêmio.
Observa-se que as premiações são cotejadas entre as escolas da
rede que oferecem o Ensino Médio, ou seja, das escolas que atingirem
as metas estabelecidas, somente algumas receberão a premiação. Essa
lógica pode ser notada também no Prêmio Poupança-Aluno, no qual
foi estipulado o máximo de 10.000 prêmios, que poderão ser pagos. No
caso do prêmio para os professores, cabe questionar por que apenas a
metade (12.500) dos professores da rede recebeu a bonificação em 2011.
Além disso, Silva (2014) constatou, em duas escolas premiadas,
que os recursos são utilizados para cobrir as responsabilidades do pró-
prio Estado, como por exemplo, em reformas emergenciais e na compra
de ar condicionado para amenizar o calor nas salas de aula, sobretudo
naquelas que foram construídas por placa. Em síntese, os programas de
premiação tiram o foco das responsabilidades do Estado de promover
as condições necessárias para o funcionamento das escolas e a atuação
de seus profissionais.

Realizar profunda reforma na gestão e na infraestrutura da rede estadu-


al de ensino

Esse pilar visa uma suposta melhoria da gestão e da infraestrutura


(física e pedagógica) da rede estadual de ensino e engloba várias ações:
construção, ampliação, reforma, aquisição de equipamentos, repasse de
recursos financeiros, transporte escolar, distribuição da merenda esco-
lar, apoio técnico, administrativo e logístico ao desenvolvimento de ati-
vidades de ensino. Foram definidas as seguintes ações: a) Excelência em
infraestrutura: fortalecimento do Programa Edificar, tendo como meta
a reforma de todas as unidades escolares em estado precário; b) escola
modelo e comunidade: foco pedagógico nas escolas com definição clara
de processos e atribuições na estrutura; c) integração educacional com
REFORMA EDUCACIONAL GOIANA: O PACTO PELA EDUCAÇÃO 283

os municípios: incentivar a municipalização, dando suporte necessário


para que as redes municipais incorporem o Ensino Fundamental; d) ex-
celência em gestão: revisão e simplificação dos principais processos, e e)
otimização dos gastos: com o apoio de consultoria especializada.
Dada a situação precária de muitas escolas da rede, lançou-se o
Programa Nossa Escola, que prevê repasses diretos aos conselhos esco-
lares para reformas e outras intervenções emergenciais na estrutura físi-
ca das unidades de ensino. Embora a desburocratização do processo de
contratação de obras e de transferência de recursos seja algo importan-
te, o problema de infraestrutura das escolas requer grandes investimen-
tos. Portanto, os valores previstos no programa de até R$ 150.000, 00
para cada unidade de ensino são insuficientes para promover melhorias
substantivas na infraestrutura da rede estadual e não atendem às pro-
posições de se promover a “excelência em infraestrutura”, de construir
“escola modelo” e de atingir a “excelência em gestão”.
No programa Escola Modelo, segundo a Seduce/GO, foi realizado
um diagnóstico da gestão e da infraestrutura da rede estadual em 2011,
a partir do qual se percebeu a “urgência de estabelecer um foco peda-
gógico na Secretaria, pois a maior parte das atividades era predominan-
temente burocrática e não era voltada ao aluno” (PACTO PELA EDU-
CAÇÃO, 2011, p. 10). Entretanto, a burocracia gerada pelo controle
rígido dos processos internos das escolas (preenchimento de planilhas,
relatórios etc.) aumenta ainda mais o trabalho dos professores, coorde-
nadores pedagógicos e gestores, comprometendo o foco pedagógico das
atividades escolares. Assim, os desdobramentos das diretrizes do Pacto
pela Educação, no contexto das escolas, revelam que a implementação
fica comprometida devido a vários fatores, sendo um deles a falta de
condições (objetivas e subjetivas) de execução (SILVA, 2014).
Segundo o relatório da CGE, foram repassados recursos financei-
ros a mais de 700 escolas da rede estadual para reformas, sendo priori-
zadas aquelas em situação de maior vulnerabilidade, escolas de tempo
integral, escolas localizadas em Goiânia e Aparecida de Goiânia. Poste-
riormente, o programa foi estendido às outras regiões do Estado. Além
284 Simônia Peres da Silva, Romilson Martins Siqueira

das reformas, foram inauguradas cinco unidades escolares padrão sécu-


lo XXI, nos municípios de Aparecida de Goiânia, Nova Iguaçu, Minei-
ros, Goianira e Montes Claros.
Ainda nesse pilar do Pacto, distribuíram-se kits de materiais es-
colares para alunos do Ensino Fundamental. Para a entrega dos kits
escolares, organizou-se um evento no Ginásio Rio Vermelho, em Goi-
ânia, que contou com a participação do governador, do secretário da
educação e de outros políticos goianos. Em entrevista, o secretário
afirmou: “com estes kits, eles (alunos) aprenderão muito mais nas es-
colas”, e antecipou à impressa que em breve os alunos receberiam uni-
formes e tênis, além da poupança que os alunos com melhor desem-
penho poderiam ganhar. Como sempre, as justificativas apresentadas
no relatório da CGE, para a compra dos kits escolares, são louváveis:
facilitar o acesso e a permanência dos alunos na escola; diminuir a
evasão e o absenteísmo originados pela dificuldade financeira das fa-
mílias para suportar a aquisição de material escolar; coibir situações
constrangedoras no ambiente escolar, resultantes da coexistência de
alunos com rendas desiguais; entre outras.
Dentro da ação Excelência em Gestão, foi implementado o proje-
to Coordenadores de Pais. O projeto é coordenado pela Fundação Itaú
Social e conta com o apoio do Ministério Público de Goiás, mas a meto-
dologia é copiada da reforma educacional das escolas de Nova York. Al-
guns estados brasileiros vêm implementando tal projeto (Espírito Santo,
Rio de Janeiro e São Paulo) em Goiás, e a Seduce realizou um processo
seletivo simplificado para a contratação dos coordenadores de pais em
todas as escolas da rede. De acordo com o Edital n. 001/2013- Seduce/
GO, os pais que forem selecionados serão contratados como servidores
de apoio administrativo de nível elementar, por tempo determinado de
um ano, com carga horária de 40 e com remuneração de um salário
mínimo. As atribuições dos coordenadores de pais descritas no edital
são: desenvolver atividades no âmbito da organização escolar, no senti-
do de estabelecer o elo escola - família, a partir de ações que propiciem
e facilitem a entrada e o envolvimento das famílias no cotidiano esco-
REFORMA EDUCACIONAL GOIANA: O PACTO PELA EDUCAÇÃO 285

lar e auxiliem os pais de alunos a melhor acompanharem e apoiarem o


aprendizado dos filhos.
O projeto prioriza o atendimento das famílias consideradas em
situação de vulnerabilidade social, dentro da perspectiva das políticas
educacionais compensatórias de alívio à pobreza, defendidas pelos or-
ganismos internacionais. As condições de trabalho e formas de contra-
tação presentes no edital da secretaria revelam a exploração de traba-
lhadores, geralmente pessoas simples que precisam complementar suas
rendas e se submetem a estes trabalhos precários. Como recomenda a
Fundação Itaú Social, “nas escolas públicas do País, os pais representam
um potencial ainda pouco aproveitado”, porque “muitas vezes ex-inspe-
toras, merendeiras, mães e avós de ex-alunos, são um recurso humano
precioso e pouco aproveitado para apoiar o trabalho de professores e
diretores, atuando como intermediários entre os pais e a escola”.
Desse modo, o Pacto da Educação tem, em sua origem, uma con-
cepção economicista na qual se estabelece a correspondência entre es-
cola e empresa, equipara os fatores do processo de ensino-aprendiza-
gem com insumos e enquadra as especificidades da atividade escolar
dentro de critérios econômicos.

Considerações finais

Nossas análises mostraram que o Pacto pela Educação, instru-


mento de reforma educativa implantado na rede de ensino do Estado de
Goiás, no Governo Marconi Perillo (2011-2014), representa, no âmbito
local, as políticas em curso no contexto nacional que, por sua vez, resso-
am o processo de internacionalização das políticas educacionais. Essas
políticas deixam como marca o processo de padronização e uniformi-
zação da educação escolar, voltado para a formação de um trabalhador
com determinadas habilidades, competências e atitudes, com base em
um conjunto de conhecimentos básicos (leitura, matemática, ciências
e tecnologia) para atender aos padrões do mercado de trabalho. Tal
programa de governo, consubstanciado em leis, diretrizes, documentos
286 Simônia Peres da Silva, Romilson Martins Siqueira

escolares, dados estatísticos, materiais didáticos e outros correlatos, ca-


racteriza-se como resposta aos anseios das elites regionais e nacionais,
principalmente em relação à reestruturação do papel do Estado nas po-
líticas educacionais públicas.

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289

PRODUÇÕES DO GT 6 – EDUCAÇÃO
FÍSICA E REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO
DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO
ESTÁGIO SUPERVISIONADO: POLÍTICAS DE
ESTÁGIO REALÇADAS PELA PERMANENTE
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO SISTEMA
DO CAPITAL

Sérgio de Almeida Moura

Introdução

A reflexão sobre a formação de professores no Brasil é latente e per-


manecerá assim como num processo de luta histórica, por adequa-
das condições concretas, materiais e objetivas do processo, de se fazer
professor em tempos em que essa profissão não recebe tantos incentivos
ou reconhecimentos no projeto de nação em curso.
Causa-nos uma permanente estranheza a percepção cada vez
mais latente de que o avanço das mudanças advindas do processo mais
recente de reestruturação produtiva do sistema do capital, da reforma
do estado pela ampliação do neoliberalismo a partir de 1990, traz a
reboque outros eventos sociais e históricos, que precisam ser analisa-
dos à luz de uma teoria capaz de desvelar as contradições do processo.
Além daqueles, ainda se percebe os revezes no campo das políticas
educacionais, com revisão e redução de orçamentos e uma crescente
290 Sérgio de Almeida Moura

reformulação das políticas trabalhistas no que tange à perda de di-


reitos históricos, flexibilização das relações capital-trabalho e o pa-
pel dos Aparelhos de Estado (repressivos) no controle das liberdades
individuais e coletivas de classe. Obviamente, a complexidade dessas
questões não terá tratamento neste texto por impossibilidade de sua
proposta, bem como pelo grau de aprofundamento e pelos estudos
necessários para tamanha empreitada.
Esse texto tem como objetivo plantar sementes que brotem em
outros tempos − não muito distantes −, que levem professores e for-
madores de professores a refletir sobre seu trabalho, suas finalidades e
possibilidades. Como finalidade, objetiva analisar parte da produção de
trabalhos apresentada no GT-06/Educação Física do VI Encontro Esta-
dual de Didática e Prática de Ensino (EDIPE), sediado em Goiânia, em
novembro de 2015. A partir da parte dessa produção, produzir-se-ão
um conjunto de reflexões sobre as políticas de estágio no processo de
reestruturação produtiva do sistema do capital e os desdobramentos na
realidade da formação de professores de educação física e algumas par-
ticularidades desse processo.
Este texto está estruturado em duas partes, na qual, na primeira,
realizamos uma breve exposição analítica de algumas das comunicações
orais que nos auxiliarão na reflexão que propomos na segunda parte do
texto. E, nesta, procuraremos expor alguns elementos próprios da dinâ-
mica do campo e da experiência da disciplina Estágio Supervisionado,
que todos os cursos de formação de professores desenvolvem com suas
peculiaridades. Há que se enfatizar a importância e a relevância dessa
disciplina na formação dos futuros professores como também o papel,
não único, mas singular, de retroalimentar os saberes dos professores
formadores acerca da escola, suas realidades e contextos, seus conflitos
e projetos. Esperamos que este texto possa estimular outras reflexões
que não foram contempladas aqui, porque, se fizermos isso, teremos
contribuído para a ampliação dos debates tão necessários nos cursos de
formação e, em especial, no Estágio Supervisionado.
PRODUÇÕES DO GT 6 – EDUCAÇÃO FÍSICA E REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE 291
PROFESSORES NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO: POLÍTICAS DE ESTÁGIO REALÇADAS PELA PERMANENTE
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO SISTEMA DO CAPITAL

1ª parte
Breve análise de alguns trabalhos no GT-06 Educação Física:
do que tratam e o que apontam como limites, desafios e possibilida-
des de avanços

A tarefa que temos nessa primeira parte do texto refere-se à ela-


boração de uma breve, mas substancial, análise de alguns dos trabalhos
aprovados e apresentados no GT-06/ Educação Física, deste VI EDIPE
(Encontro Estadual de Didática e Prática de Ensino), em novembro de
2015, em Goiânia. Desta maneira, conseguiremos identificar aspectos
e indicativos que nos permitam construir uma reflexão como segunda
parte deste capítulo.
Mas, antes disso, cabe-nos destacar a importância que o referido
GT vem trazendo para a área da Educação Física em Goiás, tanto para
o campo profissional da prática pedagógica dos professores e profes-
soras licenciados em Educação Física − que na escola se utilizam das
pedagogias mais diversificadas, realizando reflexões e pesquisas e que,
ao longo desses 13 anos, participam do GT, apresentam e compartilham
resultados, expectativas e projeções, promovendo importantes discus-
sões − quanto para o campo acadêmico. Neste, situamos, especialmente,
as atividades e experiências formativas provenientes dos Estágios Su-
pervisionados dos cursos de formação em Goiânia e nas demais cidades
do interior de Goiás.
As discussões desenvolvidas no GT-06 desse VI EDIPE (2015),
tanto dos trabalhos encomendados quanto das comunicações orais, si-
nalizam, para a área, a urgência no reconhecimento e tratamento cur-
ricular de algumas questões, que podem ser suscitadas a partir das te-
máticas presentes em tais comunicações. Dentre estas, destacamos os
temas que tratam sobre: a avaliação da prática pedagógica do professor
e a avaliação como prática do processo de ensino e aprendizagem; a in-
clusão do autista e das deficiências diversas na escola especial, como na
escola regular/comum; a dança nos meandros da religiosidade, da arte e
da estética; o conceito de diferença; a natureza do Processo de Bolonha
292 Sérgio de Almeida Moura

e suas consequências nas ciências do esporte na Universidade de Coim-


bra (Portugal); a reestruturação produtiva do sistema do capital e o es-
tágio supervisionado; a Educação Física e suas interfaces com diversas
questões emergentes nessa sociedade, como a escola de tempo integral,
a literatura, a educação indígena, a educação infantil, os jogos e os con-
teúdos da cultura afro-brasileira; além, também, e de forma bastante
significativa, das reflexões sobre o papel do Estágio Supervisionado na
formação dos professores de Educação Física que perpassaram o inte-
rior de diversos destes trabalhos supracitados.
Faremos um destaque pontual, dentro do conjunto dos trabalhos,
como forma de chamar a atenção, primeiramente para o próprio texto
do trabalho − no sentido de despertar em vós leitores uma determina-
da curiosidade por conhecê-los – e, em segundo lugar, pelos aspectos
que julgamos relevantes serem destacados. Entre as comunicações orais
apresentadas no GT, destacamos algumas reflexões que reforçam deter-
minados compromissos que se traduzem por contextos éticos, huma-
nizadores, pedagógicos e científicos. Destes, ressaltamos seus vínculos
com a prática pedagógica e, sobretudo, dentro e a partir desta, seus vín-
culos com a realidade e a realidade das pessoas, sujeitos dos processos
educacionais.
Nesses destaques, tomamos inicialmente dois trabalhos que ele-
gem o conceito e a prática da inclusão de pessoas com deficiências e dos
conteúdos de trabalho do professor de Educação Física.
No primeiro trabalho, realizado por professores e acadêmicos de
Educação Física, temos o conteúdo das artes circenses, que mediam o
aprendizado, por meio de diversas descobertas corporais e motoras, de
pessoas/alunos com necessidades especiais de uma instituição educa-
cional especial, bem como dos estagiários envolvidos no planejamento,
na elaboração e avaliação da experiência. Como apontado pelos autores,

Ao longo de nossas intervenções um dos pressupostos meto-


dológicos do nosso trabalho foi a adaptação dos objetos e das
atividades propostas (CRUZ; SORIANO, 2010) para que os
PRODUÇÕES DO GT 6 – EDUCAÇÃO FÍSICA E REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE 293
PROFESSORES NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO: POLÍTICAS DE ESTÁGIO REALÇADAS PELA PERMANENTE
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO SISTEMA DO CAPITAL

alunos pudessem realizá-las a seu modo, apreendendo esses


saberes a partir de sua singularidade. Através de caracteriza-
ções criamos um mundo novo do circo: usamos narizes de
palhaços diariamente e fizemos pinturas faciais; manipulamos
objetos de diversas naturezas e possibilitamos que todos crias-
sem outras formas de manipulá-los. A cada dia era propos-
to um novo objeto, uma nova música, uma nova expressão
(BARBOSA JR.; BORGES; PINHEIRO, 2015, p. 02).

Reforçamos que aprender a ser professor “exige reconhecimento


do inacabamento” tanto dos alunos quanto dos professores na universi-
dade, bem como do professor e dos alunos na escola, mas, mais ainda,
do inacabamento do conhecimento e de sua provisoriedade (FREIRE,
1996). A natureza da prática educativa do professor/professora de con-
tornos inclusivos nada mais é ou nada mais tem que um ar de humani-
zação e reconhecimento do humano nos processos educativos.
O segundo trabalho é resultado de uma pesquisa e se destaca
por seus autores explicitarem a necessidade de conhecimento, for-
mação continuada e valorização das práticas pedagógicas dos profes-
sores de Educação Física, que lidam cotidianamente no contexto de
inclusão e, neste caso, inclusão de alunos com autismo. Os resulta-
dos desse trabalho, a nosso ver, também nos remetem aos currículos
de formação atuais, não no sentido de inflacioná-los com inúmeras
disciplinas ou outros dispositivos acadêmicos que burocratizem a
formação, mas, especialmente, no sentido de proporcionar aspec-
tos próprios da formação nesse nível, de reflexão teórico-prática e
também objetivação das questões que circundam o universo das di-
ferenças, no qual uma infinidade de pessoas vive dentro e fora dos
ambientes educacionais.
De igual forma, outros dois trabalhos apresentados trouxeram a
dança para o campo da reflexão, tendo, um deles, uma variável bastante
inusitada no cenário educacional. Trata-se de uma tentativa de ampliar
a compreensão das relações que a dança estabelece e pode vir a estabe-
294 Sérgio de Almeida Moura

lecer com a religiosidade dos indivíduos, podendo constituir para além


do movimento corporal (marcado e decorado), identificando a dimen-
são cultural que perpassa o corpo e seus nexos sócio-históricos.

Este elemento da cultura corporal, como forma de expressão


do humano e espaço de reconstrução de objetividades e sub-
jetividades, mostra-se como importante elemento de ressigni-
ficação do existente, possibilitando ao que dança questionar,
papéis sociais, dogmas religiosos, e também fruir e construir
novas sínteses no e pelo dançar. Assim a dança é potência,
alternativa e fruição ao mesmo tempo em que possibilita a
subversão aos valores socialmente e moralmente aceitos como
assépticos (ALMEIDA, 2015, p. 02).

O texto desse trabalho instiga-nos, ainda, a querer entender um


pouco mais das razões objetivas da autora/pesquisadora, pois, para ela,

O grupo de dança em questão reúne pessoas que começaram


a dançar por uma proposta de sociabilização, mas que com o
passar do tempo e das experiências puderam perceber que ou-
tros fatores as motivam aos encontros semanais para a prática
de dança. Essa motivação se dá pela necessidade de se expres-
sar, ser alguém dentro de uma igreja e poder com as liberda-
des e limites que lhe são permitidos, adorar (ALMEIDA, 2015,
p.12).

No outro trabalho, a dança se apresenta pensada, dentro das ex-


periências de um grupo de bailarinos, e é situada pelas autoras/pesqui-
sadoras como lócus de possibilidades de estudos e pesquisas para en-
tendê-la, enviezadamente, com a educação e a performance, como polos
que interagem e produzem sínteses. Segundo as autoras, para “[...] en-
tender se a dialética se esses polos estão ocorrendo e se estão auxiliando
o grupo em suas vivências artísticas, motoras e cognitivas” (MACEDO
E REZENDE, 2015, p. 01).
PRODUÇÕES DO GT 6 – EDUCAÇÃO FÍSICA E REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE 295
PROFESSORES NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO: POLÍTICAS DE ESTÁGIO REALÇADAS PELA PERMANENTE
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO SISTEMA DO CAPITAL

Na escola ou na universidade, o lugar ocupado pela dança en-


quanto conteúdo de ensino, experimentação ou produto artístico mere-
ce uma constante revisão pedagógica, metodológica, técnica e científica.
Porém, percebe-se, pelo conteúdo deste texto analisado, que a dimensão
estética, afetiva e artística necessita ser incorporada de maneira orgâni-
ca.

Nesse sentido, acreditamos de forma essencial na grande re-


levância da dança em educação estética para a constituição
cognitiva, motora e afetiva individual e social do homem. Ao
fazer menção à dança como arte/cultura, objetivamos refletir
sobre as produções artístico-culturais humanas relacionadas
às suas necessidades expressivas e criativas, enfatizando as-
sim, as possíveis potencialidades do ser humano em adquirir,
assimilar e desenvolver conhecimentos/habilidades a partir
de suas experiências teórico-práticas na arte/cultura rítmica
(MACEDO; REZENDE, 2015, p. 02).

Das comunicações orais que trouxeram direta ou indiretamente


o tema do Estágio Supervisionado, obtivemos variadas abordagens que
advêm tanto das intervenções mediadas pelos estagiários e seus orienta-
dores na escola-campo quanto do que estes apreendem das diversifica-
das experiências educativas para seu processo formativo na graduação.
Entre os temas relacionados com as práticas dos estagiários estão
questões importantes relacionadas: à inclusão de pessoas com deficiên-
cias diversas; às contribuições da prática pedagógica na educação dos
alunos, formação dos acadêmicos e do projeto pedagógico da escola;
aos meandros e desdobramentos das novas configurações das políticas
educacionais, fomentadas e influenciadas pelos ditames do grande ca-
pital internacional, personificados pelos organismos financeiros, como
BM, FMI e BID, e aos impactos nas estruturas das escolas, cujos gover-
nos são susceptíveis a tais influências e, nestas, as mudanças na estrutu-
ra e no desenvolvimento das experiências do estágio na formação dos
296 Sérgio de Almeida Moura

professores de educação física, com a utilização de conteúdos próprios


do campo de reflexão e prática educativa dos professores e professoras
de Educação Física, como os jogos e as brincadeiras. A finalidade destes,
segundo os autores de um dos trabalhos,

[...] foi buscar através dos jogos e brincadeiras populares, de


cantigas de roda e música produzida no e com o corpo, am-
pliar o trabalho com o ritmo, a criatividade, a interatividade
com o brinquedo, com os corpos dos colegas e com seus pró-
prios corpos (PEREIRA; MONTEIRO; PINHEIRO, 2015, p.
01).

Os destaques que fizemos das comunicações desse grupo nos con-


tam contextos muitíssimos complexos e que merecem, tanto no campo
da formação inicial quanto no ambiente do exercício profissional esco-
lar, uma leitura com mais profundidade, mais criticidade e reflexão pelo
peso que exercem no estágio e na vida dos estudantes da escola básica.
Um destes trabalhos situa-nos sobre elementos que podem impactar ne-
gativamente o campo formativo nas licenciaturas, pois,

A educação básica vem sofrendo constantes mudanças nos


últimos anos, acarretando novas exigências e impactos con-
dicionados pelos processos de reestruturação produtiva (acu-
mulação flexível), política (neoliberalismo) e econômica (glo-
balização), balizadores da nova ordem social. Por um lado,
há um outro perfil de sujeito a ser formado, constituindo um
trabalhador de novo tipo, voltado para as atuais formas de or-
ganização do mundo do trabalho e para o exercício de um
outro tipo de cidadania. De outro, ainda fruto da reestrutura-
ção produtiva, a própria escola se reorganiza, exigindo novas
posturas e habilidades para os profissionais que nela atuam.
(PELLEGRIN; CAUPER; ONOFRE, 2015, p. 02).

Destarte, as mudanças exigidas para esse novo tipo de homem e


PRODUÇÕES DO GT 6 – EDUCAÇÃO FÍSICA E REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE 297
PROFESSORES NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO: POLÍTICAS DE ESTÁGIO REALÇADAS PELA PERMANENTE
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO SISTEMA DO CAPITAL

trabalhador resvalam justamente no ambiente escolar, pois é lá na esco-


la1 que, substancialmente, reúne-se parte significativa das formas com-
portamentais e metodológicas e projetos de formação humana que de-
terminarão alienação ou emancipação nas práticas sociais desse “novo”
homem.

As mudanças repercutem no mundo do trabalho por meio


da desregulamentação dos direitos trabalhistas, fragmenta-
ção, precarização e terceirização da força de trabalho. Há a
redução de postos de trabalho e do vínculo empregatício, acir-
rando ainda mais a disputa pela empregabilidade e o número
de contratos temporários, casuais. Neste cenário, exige-se um
novo tipo de trabalhador que se adéque e sobreviva às novas
exigências (PELLEGRIN; CAUPER; ONOFRE, 2015, p. 05).

Além disso, quando a escola deixa de lado a tarefa de transmitir


o conhecimento historicamente produzido e socialmente desenvolvido,
o que substitui sutilmente essa tarefa são os contextos de sociabiliza-
ção2 em nome do que deve ser importante para a vida. Como Miranda
(2005) afirma, que:

O importante é que os alunos permaneçam na escola, dispo-


nham de tempo e de espaço para que possam desfrutar o que
ela possa lhes oferecer, inclusive a oportunidade de adquirir
conhecimentos, mas não apenas isso ou não fundamental-
mente isso: que eles possam viver ali e naquele momento uma
experiência de cidadania, de convivência, de formação de va-
lores sociais (MIRANDA, 2005, p. 642).

Para fugir das ciladas do fenômeno que Miranda (2005 e 2009) re-
vela, mostra-se como urgente a construção de frentes de compreensão,
1 Ressaltamos que a escola é apenas um dos espaços sociais que forma o indivíduo nessa sociedade, mas
enfatizamo-la no texto em função da condição estrutural e das formalidades existentes na transmissão do
conhecimento, que interfere tanto para a reprodução social quanto para a emancipação.
2 Relativo à disposição para convívio em sociedade (MIRANDA, 2009).
298 Sérgio de Almeida Moura

capazes de compor os conhecimentos que formam os professores. Desta


maneira, esses conhecimentos lhes instrumentalizarão teórica, prática,
política e pedagogicamente para enfrentarem o mundo do trabalho em
geral e as instituições educacionais, especialmente.
No contexto desse entendimento − de que as práticas educati-
vas dos estagiários merecem atenção, (pre)ocupação no sentido ético e
compromisso por um planejamento das experiências, dos textos estu-
dados, bem como da compreensão sobre quem são esses e a quem irão
ensinar/atuar − que destacamos outro trabalho que reflete sobre o lugar
e o papel que o Estágio devidamente Supervisionado poderá ocupar, no
sentido de resguardar reflexões, práticas formativas e lúdicas.

A infância é um tema desafiador, mormente para aquelas (es)


estudantes que optam pela realização da disciplina Estágio II
no DEI, sem a clareza da complexidade desse espaço. Desco-
brem no decorrer das reuniões de estudo uma literatura so-
bre a área que inaugura diversas e importantes compreensões
acerca do universo da infância ou das infâncias pelas quais a
educação tem em mãos. Mas não é um movimento simples
ou sem esforços, pelo contrário. Há uma dificuldade em des-
colarem-se das concepções de escola e da educação física na
escola de ensino fundamental, pois essa é a experiência que
vivenciam na disciplina Estágio I. Devem compreender que
no DEI ou em outro espaço de Educação Infantil não deve
existir a fragmentação do conhecimento em disciplinas ou em
tempos e espaços específicos como a grade curricular da esco-
la (MARTINS et al., 2015, p. 08).

Para que o processo formativo possa com êxito cumprir seu obje-
tivo sociopolítico e pedagógico, o entendimento que os autores/pesqui-
sadores do trabalho em questão apresentam é bastante elucidativo, pois:

Entendemos a Educação Física, não apenas como uma disci-


plina, mas como área que constrói uma reflexão pedagógica
PRODUÇÕES DO GT 6 – EDUCAÇÃO FÍSICA E REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE 299
PROFESSORES NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO: POLÍTICAS DE ESTÁGIO REALÇADAS PELA PERMANENTE
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO SISTEMA DO CAPITAL

sobre as práticas corporais historicamente construídas e, am-


parados no Coletivo de Autores (1992), referenda-se nos con-
teúdos tradicionais da cultura corporal (jogos, danças, lutas,
exercícios ginásticos, esporte, malabarismo, contorcionismo,
mímica e outros). Tais conteúdos são compreendidos como
os pertinentes a serem trabalhados na Educação Infantil ten-
do a brincadeira e o jogo como eixos articuladores, e buscan-
do adequá-los metodologicamente à faixa etária das crianças
(MARTINS et al., 2015, p. 10).

Destacamos que o objetivo da primeira parte deste texto é instigar


em você, leitor, uma curiosidade3 muitas vezes epistêmica, mas, acima
de tudo, política pelo mundo da produção das ideias e das práticas so-
ciais, que são engendradas a partir das realidades escolares, sejam no
ambiente municipal e estadual, onde os professores de Educação Física
lidam com crianças, adolescentes e jovens, sejam no ambiente acadêmi-
co/universitário. Neste ambiente, os professores formam professores, e
tal dimensão revela-nos um conjunto de responsabilidades, mas tam-
bém preocupações com o campo político e ideológico, explicitamente
percebido, como dimensão demarcada por interesses e preferências, ra-
zões e emoções, ciência e senso comum.
Buscaremos, nessa segunda porção de nossas reflexões, apontar
alguns elementos significativos, e muitas vezes necessários, a serem re-
fletidos no processo do Estágio, no momento historicamente mediato.
É quando objetivamos uma formação de professores de Educação Físi-
ca em Goiás que revele seu compromisso com a escola pública, o tra-
balhador da educação, os processos educativos e a garantia pelo poder
público das condições concretas, materiais e objetivas. O alvo é que a
educação de efetiva qualidade social e pedagógica possa se materializar
na vida das crianças e de suas famílias.

3 Sugerimos visita aos anais do VI EDIPE. Disponível em:<http://www2.unucseh.ueg.br/ceped/edipe/


anais/index.htm>.
300 Sérgio de Almeida Moura

2ª parte
A formação de professores de Educação Física, o estágio e os
impactos das políticas marcadas pelos desdobramentos da reestrutu-
ração produtiva do capital financeiro

No âmbito do debate das políticas públicas, estas subsidiam, in-


terferem ou até mesmo prejudicam as instituições formadoras na estru-
turação de suas práticas de ensino, no estágio dos cursos de formação
dos professores. Na constatação da lacuna/vácuo, o Estado deixa quan-
do ignora que não existem as condições reais e objetivas da escola e os
profissionais da educação (que não se restringem aos professores, mas
contemplam também os funcionários administrativos) realizam edu-
cação de efetiva qualidade social. Isso ocorre porque, em se tratando
de Goiás e de outros estados, há uma explícita noção de que o Estado
neoliberal age intencionalmente para o desmonte e a precarização das
escolas, das carreiras e do trabalho pedagógico, tendo como finalidade
maior a privatização do ensino e da administração das escolas por meio
de empresas privadas, como o caso das OS.
Esse contexto particular de Goiás, mas presente em outros esta-
dos brasileiros, está produzindo determinados limites e nos colocando
penosos desafios sobre como fazer educação de qualidade num terreno
tão desfavorável.
No cenário mais recente, no campo técnico-político da legislação,
destacamos o papel da sociedade organizada (professores, acadêmicos
e instituições) e do CNE. Estamos vivendo a construção das novas di-
retrizes curriculares para a formação de professores de Educação Físi-
ca, certos de que há muito para ser feito, pois o contexto da formação
de professores pelo Brasil afora é tenso, denso de visões e desigual pe-
las realidades que os estados e municípios enfrentam. Exemplo disso é
quando seus governos estão mais ou menos susceptíveis aos discursos
de cooptação do público pelo privado. De Pellegrin (2007) é muito as-
sertiva quando afirma que:
PRODUÇÕES DO GT 6 – EDUCAÇÃO FÍSICA E REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE 301
PROFESSORES NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO: POLÍTICAS DE ESTÁGIO REALÇADAS PELA PERMANENTE
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO SISTEMA DO CAPITAL

As privatizações, a flexibilização dos direitos sociais, a desre-


gulamentação do mundo do trabalho, o enquadramento do
país na subserviência financeira de organismos como o Banco
Mundial e o Fundo Monetário Internacional foram as formas
pelas quais diferentes governos mantiveram a rota de um ex-
propriador projeto neoliberal (DE PELLEGRIN, 2007, p. 46).

As determinações, como as que Coraggio (1998) descreve, desde


os anos da década de 1990, vêm sendo pautadas por governos tanto da
esfera federal quanto estadual e municipal, este último, menos percep-
tível, mas não ausente.
Segundo Coraggio (1998),

[...] Em recente documento, o Banco “reconhece que as po-


líticas devem ser diferentes para cada país, de acordo com a
etapa de desenvolvimento educacional e econômico e com
o seu contexto histórico e político” (Banco Mundial, 1995).
Entretanto, depreende-se deste e de outros documentos que
– oficialmente – o Banco detém um saber certo sobre o que
todos os governos devem fazer um pacote pronto para aplicar,
como medidas associadas à reforma educativa universal (CO-
RAGGIO, 1998, p. 100).

Não somos ingênuos de acreditar que, durante a última década


pelo menos, dos governos populares que governaram o Brasil, tais reco-
mendações não foram feitas e, se foram, não foram acatadas. Destaca-
mos isso porque, nas esferas estaduais e municipais, os entes detêm uma
autonomia e liberdade para organizar e propor suas políticas educacio-
nais, atreladas aos empréstimos que os governos contraem com orga-
nismos financeiros nacionais e internacionais, a título de justificar seus
projetos de infraestrutura, entre outros.
Aqui, inferimos que os acordos econômicos em macroescala,
realizados pelo Estado/governo e pelas Instituições Financeiras Inter-
nacionais e OM, trazem consequências nefastas às instâncias menores
302 Sérgio de Almeida Moura

da sociedade, sobretudo, quando tais acordos são acompanhados de


exigências e/ou orientações no campo dos serviços públicos e sociais,
os quais são prioritariamente dependentes, às camadas mais pobres da
sociedade. Deste modo, acreditamos que todas as políticas educacio-
nais que passam a ser influenciadas (violentadas pelo poder do grande
capital) trazem ou podem trazer consequências negativas para os pro-
cessos de organização do trabalho pedagógico. Isso advém dos cursos
de formação nas universidades − haja vista que começam a perceber
que, ano após ano, semestre após semestre, novas demandas e novos
conflitos vão se estabelecendo entre os acadêmicos – e das redes públi-
cas de educação básica, em que, visivelmente, as políticas pauperizam e
precarizam as estruturas físicas e pedagógicas, como a vida laboral e os
direitos e conquistas trabalhistas dos professores.
Até aqui estávamos tratando de questões mais amplas e, por isso,
para pensar ou falar sobre as consequências no âmbito do ensino su-
perior e da formação de professores, nem consideramos imediatamen-
te os conflitos próprios de uma licenciatura, na qual há sempre muitos
acadêmicos desinteressados do campo de trabalho escolar. Segundo De
Pellegrin (et al., 2011),

O que se observa com as mudanças no campo do estágio das


licenciaturas é o mesmo que se passa com a universidade. [...]
A autoridade de construir suas próprias regras e de definir
seus rumos tem se tornado bem mais difícil com a vinculação
do ensino à necessidade de profissionalização, da ciência e da
pesquisa aos interesses e às leis de mercado, com o controle
tecnológico das informações por parte do Estado, das multi-
nacionais, dos organismos transnacionais e com as políticas
neoliberais que estabeleceram para a educação as mesmas
condições da concorrência, da produção de mercadorias, do
gerenciamento empresarial, do rendimento, da eficácia e da
flexibilização (DE PELLEGRIN et al., 2011, p.111-112).
PRODUÇÕES DO GT 6 – EDUCAÇÃO FÍSICA E REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE 303
PROFESSORES NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO: POLÍTICAS DE ESTÁGIO REALÇADAS PELA PERMANENTE
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO SISTEMA DO CAPITAL

Um dos cenários mais desafiadores no campo da formação de


professores em Educação Física destaca-se ano após ano, em especial,
no início de cada disciplina de Estágio de qualquer curso de gradua-
ção. Neste sentido, há dois grandes desafios. O primeiro compreende
a educação como um campo de confrontos, frente aos projetos de so-
ciedade em disputa, que cada vez mais se tornam claros a quem quiser
compreendê-los. Diz respeito, ainda, a entender a escola publica como
lugar histórico de formação da classe trabalhadora, mas que, ao mesmo
tempo, é precária e dificilmente cumpre esse papel. O desafio, que diz
respeito a um campo de atuação profissional que, década após década,
colhe mais prejuízos do que conquistas, é que estas vêm sendo retiradas
com as mãos dos governos neoliberais. Esse primeiro desafio, portanto,
nos imprensa contra um movimento contraditório: de um lado, lutamos
pela inserção dos nossos acadêmicos no campo escolar e os prepara-
mos política, pedagógica e tecnicamente para o fazer-se4 docente; de
outro, não negamos a realidade do desmantelamento, da precarização
e da avolumada quantidade de problemas “novos” que a escola passa a
receber, porque, até há pouco tempo, muitos dos que hoje adentraram
na escola estavam em outros lugares, porque antes a escola não era um
lugar de direitos.
O segundo grande desafio reside na especificidade da área de co-
nhecimento. A história da Educação Física contada por colegas como
Castellani Filho (1988, 2002), Soares (1994), Melo (1996), entre outros,
é suficiente para nos legar um conhecimento significativo. A partir dis-
so, interpretaremos o fato de o estudante não optar pela escola como
campo de trabalho, como projeto de profissão, mas sim pelo modismo
da indústria cultural sobre a construção do “estético”, do “belo”, do “per-
feito”.
A prática cotidiana da sala de aula se tornou tema de crítica, de in-
satisfação e, muitas das vezes, de indisponibilidade para o aprendizado.
As críticas inclusive desqualificam alguns teóricos (mas de forma seleti-
4 “Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro horas da tarde. Ninguém nasce
educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma, como educador,
permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática” (FREIRE, 1991, p. 58).
304 Sérgio de Almeida Moura

va) que, às vezes ofendidos, instalam uma momentânea impossibilidade


de ampliar a compreensão sobre a realidade. Paulo Freire, Dermeval, Sa-
viani e Karl Marx são alguns dos mais citados nessa sessão “comunista”
de exorcismo fantasmagórico, sem precedentes na história mais recente
de alguns cursos de formação de professores. Recusam-se a ler os textos
e ignoram a trivialidade dentro de um curso público de formação de
professores, num país marcado e remarcado por: desigualdade social e
econômica; ódio de uma classe em relação à outra; analfabetismo políti-
co de parcelas da classe média; domínio dos meios de comunicação por
um grupo de seis ou sete famílias; inoperância política daqueles que,
eleitos com a promessa de melhorar a vida dos mais pobres, ignoram
cotidianamente seus eleitores.
O que esse desafio nos revela é o fenômeno mais esdrúxulo num
lugar que, em tese, tem como prerrogativa formar professores com ca-
pacidade crítica suficiente para construir, para si, uma referência teóri-
co-filosófica sobre um projeto de educação para esse país discriminado
acima. De acordo com Zotovici et al. (2013, p. 569), “[...] é necessário
significar a experiência do estágio no campo da educação física para
favorecer a formação discente, numa dimensão ético-moral para com a
área de atuação”.
Diante desse cenário, o segundo desafio dialoga com o primeiro,
pois permanece o sentido de compreender os referenciais necessários
para pensar: a escola; a Educação Física; a prática pedagógica; a inter-
venção qualitativa e a aprendizagem com efetivo sentido e significado
do conhecimento historicamente acumulado, desenvolvido e comparti-
lhado socialmente pela Educação Física.
Nas experiências recentes, de onde me localizo institucionalmen-
te, os estagiários são conduzidos e provocados a ler e refletir sobre o
que significa pensar e o que a Educação Física tem para ser ensinada
na escola (CASTELLANI FILHO, 1998). Espera-se um aprofundamen-
to de conhecimentos para entender os fundamentos teóricos, políticos
e pedagógicos que sustentam as diretrizes curriculares das escolas que
nos sediam como campos de estágio. Tal compreensão e consequente
PRODUÇÕES DO GT 6 – EDUCAÇÃO FÍSICA E REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE 305
PROFESSORES NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO: POLÍTICAS DE ESTÁGIO REALÇADAS PELA PERMANENTE
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO SISTEMA DO CAPITAL

análise sobre a realidade e a organização do trabalho pedagógico da es-


cola e da Educação Física levam-nos a constituir a pesquisa como prin-
cípio formativo e orientar sobre a construção e sistematização de uma
proposta de intervenção na escola, tendo a cultura corporal como con-
cepção que aqui é:

Entendida e configurada como um acervo de conhecimen-


tos socialmente construídos e historicamente determinados,
a partir de práticas corporais que as relações múltiplas entre
experiências ideológicas, políticas, filosóficas mantenham, so-
ciais e os sentidos lúdicos, estéticos, agonistas, artísticos, com-
petitivos e outros, relacionados à realidade, às necessidades e
às motivações do ser humano (TAFFAREL apud VENTURA,
2011, p. 2).

Entendemos ainda que tais conhecimentos estão em processo


permanente de elaboração, porque são concebidos como provisórios e
inacabados e podem ser ressignificados nos processos de reflexão sobre
a prática pedagógica ou nos momentos de planejamento da prática.
Quando propomos e orientamos a elaboração de uma proposta
de intervenção na escola, não se trata de sobrepor um “conteúdo novo”
ao que existia na prática pedagógica do professor da escola campo, mas
de articulá-lo pedagógica e metodologicamente com as características
dos alunos e com a proposta pedagógica da instituição, num diálogo
permanente e sistemático com os professores e professoras. Zotovici et
al. (2013) expõem um elemento bastante relevante quando chamamos
à responsabilidade do processo formativo capacitar os acadêmicos no
quesito conhecimento específico. Vale lembrar que somente o conflito
de identidade da área de conhecimento já nos traz muitas dificuldades.

Ao pensarmos em conhecimentos específicos da Educação Fí-


sica no âmbito escolar e em sua aplicabilidade apostamos no
professor com capacidade crítica e interativa - o qual assume
306 Sérgio de Almeida Moura

a sua identidade pedagógica - em contraposição àquele que


se porta como técnico ou professor que não contribui para
o reconhecimento pedagógico da área, considerando-a sinô-
nimo de esporte e determinando a participação dos sujeitos
que apresentem melhor habilidade e performance para o de-
senvolvimento de tais práticas escolares. Dessa forma, atentar
para o que se refere às práticas docentes a ser adotadas no cur-
so de formação torna-se uma ação necessária, pois partimos
do pressuposto de que a técnica faz parte das incitações da
prática pedagógica no âmbito escolar, embora não por si só
(ZOTOVICI et al., 2013, p. 572).

Porém, anteriormente ao processo de planejar a intervenção é


preciso destacar a dimensão da pesquisa que mencionamos há pouco.
A atividade de observação participante se torna uma exigência para o
trabalho dos discentes, somada à realização de uma pesquisa de natu-
reza diagnóstica acerca da realidade cotidiana da escola-campo, no que
tange às relações de poder entre: os profissionais e os estudantes; os pro-
cessos didáticos; a avaliação; o planejamento; o papel das famílias; a for-
mação continuada dos professores; o projeto pedagógico em ação, entre
muitos outros temas. Para isso, devem ser elaborados instrumentos para
coletar informações (roteiro de observação e entrevistas) e identificar
os pontos que articulam com as teorias pedagógicas embasadoras do
projeto pedagógico e das práticas educativas.
Como parte da realidade das instituições que sediam as experi-
ências de estágio em Goiânia e Goiás, a relação da universidade pelo
estágio com essas escolas nos dá sinais do processo histórico de precari-
zação do ensino, da carreira docente e administrativa, da estrutura física
dos prédios, assim como do projeto de educação dessa ou daquela rede
pública de ensino.

Neste cenário de perversidade instaurado nas escolas campo


cabe destacar a preocupação apontada anteriormente com a
formação de crianças, jovens e adultos (as), e também com a
PRODUÇÕES DO GT 6 – EDUCAÇÃO FÍSICA E REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE 307
PROFESSORES NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO: POLÍTICAS DE ESTÁGIO REALÇADAS PELA PERMANENTE
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO SISTEMA DO CAPITAL

formação dos (as) professores (as), que necessitam do diálogo


sistemático com seus (suas) supervisores (as) (representados
na relação de estágio pela figura do (a) professor (a) da escola
campo) que, diante da precarização do trabalho a que é sub-
metido (a) diariamente, não encontra fôlego suficiente para
contribuir de forma vigorosa com a formação dos (as) acadê-
micos (as) (DE PELLEGRIN; CAUPER; ONOFRE, 2015, p.
12-13).

Compreendemos e temos a expectativa de que todas as etapas de


observação, pesquisa por meio de questionários, entrevistas e anota-
ções informais sirvam de motivo e razão para contribuir no processo
formativo dos acadêmicos. Entendemos que o respeito aos saberes dos
alunos e a consideração que a realidade nos informa, muito mais do
que os olhos e ouvidos conseguem captar, são por meio de permanentes
diálogos após o tempo de estadia na escola-campo, onde se podem afi-
nar ideias e perspectivas e evitar a construção de preconceitos acerca de
comportamentos observados.
Esse é um processo intencional de formação de professores de
Educação Física, e isso precisa ficar sempre claro para todos. Todas as
ações e orientações da supervisão e do acompanhamento dos estagiá-
rios se fundamentam na perspectiva de reconhecer essa escola, apesar
de precária e abandonada pelo poder público, como espaço de direitos,
de ética, de ciência e de educação do ser humano para torná-lo um ser
humano melhor.
Vale lembrar que as reflexões realizadas nesse texto vêm sendo
apresentadas nos EDIPEs ao longo dessas seis edições, portanto, desde
2003, presentes não somente no GT-06 da Educação Física, mas nos
diversos outros GTs. Fica nosso convite para que o leitor visite os anais
do EDIPE no link em rodapé5.

5 Anais do EDIPE. Disponível em:< http://www2.unucseh.ueg.br/ceped/edipe/anais/>.


308 Sérgio de Almeida Moura

Considerações finais

Primeiramente, reconhecemos a evolução da qualidade dos tra-


balhos apresentados no GT-06/Educação Física do EDIPE. Isso já tem
sido registrado no texto de Rodrigues et al. (2014), que apresentam um
interessante Estado da Arte do GT em 10 anos. Importa-nos que o GT
permaneça evoluindo e tematizando as grandes questões da didática, do
estágio, da prática de ensino, do currículo e da formação de professores,
tendo em vista encontrar mais possibilidades e avanços do que limites
e retrocessos.
Sabemos que a educação como campo de discussão, reflexão e
prática é dinâmica e dialógica e responde por um conjunto diverso de
visões de mundo, assim como, se sustenta por distintas epistemologias
no campo científico. As reflexões do campo da formação de professores
nos ajuda sistematicamente a avaliar a organização do trabalho peda-
gógico e a corrigir os rumos em direção a uma pedagogia crítica que
se autocritique e que nos ajude a pensar certo6, como no pensamento
freireano.
Devemos nos manter em permanente estado de vigília frente às
investidas do sistema do capital na sua também permanente busca de
reestruturação para manter-se na hegemonia e ditando hegemonia. Na
educação, todos os educadores devem acompanhar as ações (explícitas)
do Estado, assim como no episódio da privatização por OS em Goiás,
porque outro tipo de escola, outro tipo de educação é possível, mas não
sem luta.

6 “Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar
certo.” (FREIRE, 2007, p. 27).
PRODUÇÕES DO GT 6 – EDUCAÇÃO FÍSICA E REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE 309
PROFESSORES NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO: POLÍTICAS DE ESTÁGIO REALÇADAS PELA PERMANENTE
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO SISTEMA DO CAPITAL

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311

ENSINO DE ARTES E FORMAÇÃO DE


EDUCADORES NA DANÇA E NA PEDAGOGIA

Márcio Penna Corte Real


Rousejanny da Silva Ferreira

Introdução

E ste texto apresenta algumas reflexões sobre o ensino de artes na for-


mação de professores em nível superior, partindo da atuação dos
autores em cursos de licenciatura em dança e em pedagogia. Ao explici-
tarmos as concepções de arte e de educação, isto é, os princípios teóri-
co-metodológicos que têm suportado o trabalho de formar professores,
pretendemos também contribuir para a reflexão e o ensino das artes nas
escolas.
Essa discussão foi desenvolvida, inicialmente, a partir de uma
equipe de professoras e professores de artes, todas e todos atuantes na
formação de professores. Eles foram responsáveis pela organização e
condução das sessões de apresentação de comunicações orais do Grupo
de Trabalho Artes/GT03 do VI Encontro Estadual de Didática e Prática
de Ensino, Didática e currículo: impactos de organismos internacionais
na escola e no trabalho docente, realizado de 10 a 13 de novembro de
2015, em Goiânia. Os debates e questionamentos levantados durante a
organização prévia do GT03, que envolveu, por exemplo, a seleção de
trabalhos propostos ao evento, bem como as discussões suscitadas pelas
312 Márcio Penna Corte Real, Rousejanny da Silva Ferreira

comunicações orais apresentadas, reforçaram a emergência e a centra-


lidade da questão da formação de professores para o ensino de artes no
Estado de Goiás.
Nesse sentido, os espaços privilegiados a partir dos quais de-
senvolvemos as presentes análises e reflexões são cursos de formação
de professores que visam ao ensino de artes nas escolas. Isto é, dis-
cutimos o trabalho em um curso de licenciatura em dança, focan-
do na formação de profissionais da educação que, especificamente,
contribuem para a ampliação da cultura artística dos educandos nas
escolas. Nesse mesmo sentido, tomamos como fonte de reflexão as
práticas de educação musical, desenvolvidas na formação de profes-
sores unidocentes (BELLOCHIO, 2001) em um curso de pedagogia.
Isto é, embora esses profissionais da educação não tenham a mesma
especificidade dos licenciados em dança, o objetivo de contribuir
para a formação integral dos educandos, nas escolas, acarreta a ne-
cessidade do trabalho com a educação musical, uma vez que esta
área do conhecimento integra o conjunto dos valores constituintes
da cultura humana (BEYER, 2001).
Na primeira parte deste trabalho, apresenta-se uma reflexão
sobre o processo de implementação da dança no ensino superior do
Estado de Goiás. Tratamos a dança como linguagem, isto é, como
área de conhecimento necessária de ser trabalhada na formação dos
futuros licenciados. Neste sentido, discutimos, preliminarmente, al-
guns desafios presentes no processo formativo em dança, a partir
da atuação no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia
de Goiás, Câmpus Aparecida de Goiânia. Entre os desafios que vêm
sendo problematizados nessas práticas educativas, estão: a reflexão
sobre o papel do licenciado no ensino de dança, o possível espaço a
ser ocupado por este na escola e o seu reconhecimento. Assim, os
princípios e guias teórico-metodológicos privilegiados na formação
passam pela relação dialógica com a cena cultural e artística da ci-
dade de Aparecida de Goiânia e região, pela ênfase na relação en-
tre as práticas pedagógicas e artísticas, bem como pelo destaque na
ENSINO DE ARTES E FORMAÇÃO DE EDUCADORES NA DANÇA E NA PEDAGOGIA 313

investigação dos saberes da dança a partir de diferentes contextos,


abordagens estéticas e sua articulação com os campos da educação e
da produção face ao cenário de mercado.
Em seguida, discutimos o trabalho de formação de pedagogos(as)
em educação musical, desenvolvido no curso de pedagogia da Univer-
sidade Federal de Goiás. Neste cenário, temos privilegiado como eixos
articuladores desta formação: a contribuição da concepção educacional
freireana para o ensino e a pesquisa; as histórias musicais das discentes
e dos discentes como ponto de partida para as reflexões e práticas de
educação musical realizadas em sala de aula, e a sistematização de refe-
rencias teórico-metodológicos para o trabalho de iniciação musical, que
futuros(as) profissionais da educação licenciados em pedagogia pode-
rão realizar nas escolas.
Portanto, ao longo deste texto, nossas reflexões nos levam a argu-
mentar que a formação de professores, vista e pensada especialmente a
partir dos cursos de licenciatura em que atuamos, revela algumas ques-
tões e desafios, tanto quanto possibilidades para o ensino de artes nas
escolas.

Formação de professores de dança em Goiás: um cenário em transi-


ção

A dança é uma linguagem muito presente, direta ou indiretamen-


te, no contexto da educação básica brasileira, seja na hora do recreio, na
porta da escola ou nas coreografias preparadas para as datas festivas da
escola. O corpo como potência criativa, gestual e cultural sempre está ali
posto a se remodelar, se reproduzir e, por que não, reinventar os modos
de dança construídos socialmente. Desta forma, lutar pela inserção da
dança no ensino básico é apenas mais uma importante ferramenta entre
o conhecimento e os fazeres culturais dos sujeitos em suas diversas fases
da vida.
Pensar a dança como disciplina obrigatória na escola e, principal-
mente, como formação superior voltada para licenciados na área é algo
314 Márcio Penna Corte Real, Rousejanny da Silva Ferreira

muito recente no Brasil. A primeira graduação em dança na Universi-


dade Federal da Bahia, em 1956, e somete na década de 1980 tivemos a
criação de mais dois outros cursos: um na Faculdade de Artes do Para-
ná, em 1984, e o outro na Unicamp, em 1985. A expansão dos cursos de
graduação e suas licenciaturas ocorreram, de fato, na primeira década
dos anos 2000. De acordo com Marcelo Pereira (2014), a implantação
da Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), a
partir de 2007, aumentou o número de licenciaturas em dança para 26
e quatro bacharelados espalhados pelo Brasil em universidades e insti-
tutos federais.
Diante dessa significativa expansão dos cursos de licenciatura
em dança, tornou-se urgente discutir as competências do professor no
espaço escolar e como a dança pretendia dialogar com um projeto de
educação no ensino básico. Com isso, é possível que estejamos na pon-
ta de um problema: conseguimos a democratização e o acesso ao ensi-
no superior em dança em grande parte do país. Contudo, ainda temos
um caminho muito grande a percorrer no que diz respeito às questões
pertinentes ao espaço escolar, como: currículo, metodologias de ensino,
avaliação e assim por diante.
No Estado de Goiás, a emergência do ensino da dança na escola
ocorreu antes mesmo da criação dos dois cursos superiores em ativida-
de atualmente no Estado. Mudanças significativas no âmbito do ensino
formal começaram no ano de 2005 com a abertura de concurso público
de esfera estadual para professor efetivo de dança, com vagas para Goiâ-
nia e região metropolitana. Neste cenário regional, somente em 2010 foi
instaurado o curso de licenciatura em dança da Universidade Federal de
Goiás, na cidade de Goiânia. O campo de trabalho, no entanto, já estava
aberto para uma discussão sobre formação de professores para o ensino
escolar e não escolar, o que implicava a ocupação de cada um destes
espaços. A partir de uma discussão mais amadurecida e com o apoio de
pesquisadores da dança e de produtores de cultura, foi possível estender
essa demanda ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Goiás. Esta instituição, posteriormente, encabeçou a abertura de uma li-
ENSINO DE ARTES E FORMAÇÃO DE EDUCADORES NA DANÇA E NA PEDAGOGIA 315

cenciatura em dança no ano de 2013, no câmpus Aparecida de Goiânia,


turno noturno.
De acordo com o Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura
em Dança do IFG (2013), o curso apresenta três pilares. O primeiro
busca uma relação próxima e dialógica com a cena cultural, artística
e educativa dos fazedores de cultura da cidade de Aparecida de Goiâ-
nia e região e como isso se constrói diante das manifestações da dança
num âmbito nacional e internacional. O segundo pilar é a proposição de
práticas pedagógicas e ações artísticas fomentadoras de reflexões e pro-
postas contemporâneas que superem o entendimento da dança como
prática puramente técnica, restrita ou acadêmica. E, para finalizar, a in-
vestigação dos saberes e acervos constituídos pela dança em seus diver-
sos contextos e estéticas e como tais questões negociam no campo da
educação, na produção artística e no mercado na contemporaneidade.
Orientado por esses pilares, o objetivo do curso é a formação de
um professor investigador. Ou seja, um profissional interessado em
aprofundar-se em metodologias de ensino, processos criativos e outras
pesquisas relacionadas à produção em dança. Para isso de fato se con-
cretizar, há uma inter-relação contínua em prol de discussões que abor-
dem a dança como lugar político e investigativo em quaisquer lugares
em que esta se dê. No entanto, a construção dos caminhos investigativos
da dança direcionada ao espaço escolar ainda é longa, já que grande
parte dos profissionais formados e formadores da graduação ainda está
começando a mapear o que pode ser e quais os papéis da dança neste
espaço. Entendemos que isso ocorre devido ao hiato na formação su-
perior em dança, como dito anteriormente, que fez com que muitos li-
cenciados buscassem preferencialmente as academias de dança, escolas
livres ou grupos de dança como espaços de trabalho. Além disso, a não
obrigatoriedade do ensino de dança como componente curricular na
educação básica não garantiu a este espaço ser um lócus de investigação
por parte das licenciaturas.
Diante do cenário exposto, estamos em meio a várias inquieta-
ções que permeiam a formação de professores de dança para o ensino
316 Márcio Penna Corte Real, Rousejanny da Silva Ferreira

básico e os outros espaços de ensino. Os cursos de graduação preci-


sam encarar profundamente os problemas da formação docente para
que as dicotomias – tidas, muitas vezes, como superadas nos discursos
afoitos de artistas e arte-educadores –­ também se cumpram no chão
da escola e haja compreensão pedagógica e política sobre o que este
lugar representa. Nesta esfera de atuação arte-educativa, são premen-
tes as questões: O que os licenciados em dança trazem de diferente dos
professores de dança educados, majoritariamente, por meio de for-
mação técnica em dança e/ou experiência artística? O trato da dança
na escola básica deve percorrer os mesmos formatos das academias
e cursos livres de dança? Se não, o que as licenciaturas têm propos-
to e produzido para a escola como campo de pesquisa? Agora que a
arte vem conquistando espaço no ensino básico, o que abordar e como
abordar a dança? Para concluir a reflexão, esperamos que as transições
sinalizadas neste texto nos apontem alguns caminhos que possam ser
usados sabiamente.

Formação e atuação de pedagogas(os) em educação musical

A formação de professores em cursos de pedagogia tem aberto es-


paço para a reflexão sobre a relevância das artes na formação humana. A
Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM) tem contemplado
este tema em seus encontros nacionais e regionais. Isso tem impactado,
particularmente, a pesquisa na área, a exemplo dos trabalhos de Bello-
chio (2000; 2001) e, na esteira disso, cursos de pedagogia no Brasil têm
contemplado, em seus currículos, a inclusão de disciplinas que visem à
formação dos pedagogos e das pedagogas em artes.
O foco dessa breve reflexão é o trabalho realizado na disciplina de
Arte e Educação I do curso de pedagogia da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Goiás. A ênfase desta disciplina é a educação
musical. Entendemos que a reflexão sobre o seu processo organizativo
talvez possa suscitar algumas referências e contribuições para as práti-
cas escolares de educação musical. Neste caminho, o trabalho possuiu
ENSINO DE ARTES E FORMAÇÃO DE EDUCADORES NA DANÇA E NA PEDAGOGIA 317

os seguintes eixos articuladores: a concepção educacional freireana; as


histórias musicais dos discentes; o trabalho didático de sistematização
de referenciais pedagógicos para a educação musical e as vivências, nas
quais são trabalhados, na prática, conceitos e elementos básicos da mú-
sica (CORTE REAL, 2015)1.
Aqui temos como referência o trabalho realizado na disciplina de
Arte e Educação I2, do curso de pedagogia da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Goiás, a partir de 20083. Atualmente, o curso
possui duas disciplinas, intituladas Arte e Educação I e Arte e Educação
II. A primeira privilegia conteúdos da educação musical e dança e, a
segunda, das artes visuais e do teatro (CORTE REAL, 2015).
Os princípios adotados na disciplina visam a propiciar subsídios
para a formação inicial de professores licenciados em pedagogia para a
sua consequente atuação na iniciação musical dos educandos, princi-
palmente, nas etapas iniciais da escolarização. Estas são consideradas a
perspectiva da formação integral que sugere a viabilidade e a necessida-
de de sua contribuição para este trabalho. Portanto, entendemos que a
educação musical integra o corpus de conhecimentos trabalhados nestas
etapas pelos(as) pedagogos(as).
A disciplina de Arte e Educação I, como componente curricular
do Projeto Político Pedagógico do Curso de Pedagogia da FE/UFG, pos-
sui 72 horas aula, com conteúdos programáticos recortados a partir da
ementa:

Conceito de arte. Apreciação estética. Potencial criador. A du-


pla faceta da arte na educação: como fator integrante e integra-
dor das demais áreas do saber. Música na educação. Percepção
e expressão em música. Apreciação musical. Repertório para
Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental.
1 Para uma discussão mais ampla sobre a temática em foco, ver Corte Real (2015): Prática educacional
dialógica na formação de pedagogas e pedagogos em educação musical. Fizemos referência direta ao
referido trabalho, sendo que algumas de suas partes são aqui citadas ou retomadas.
2 A ementa desta disciplina aborda conteúdos de arte e educação, dando maior ênfase à educação musical.
Mas, a ementa também sugere, em menor proporção, conteúdos da dança (CORTE REAL, 2015).
3 O ano faz referência ao ingresso de Márcio Penna Corte Real no corpo de docentes da FE/UFG, em 17 de
junho de 2008, como professor da disciplina de Arte e Educação I.
318 Márcio Penna Corte Real, Rousejanny da Silva Ferreira

Música e movimento. Dança como expressão corporal. Cultu-


ra lúdica (FE/UFG, 2008).

Nesse percurso, os objetivos do trabalho que vimos desenvolven-


do visam a consolidar a formação em arte educação, particularmente à
educação musical, procurando: explicitar subsídios teórico-metodoló-
gicos e práticos para a atuação de futuros(as) profissionais da educação
licenciados em pedagogia no campo do ensino de artes; analisar cri-
ticamente as dimensões socioculturais pertinentes ao ensino de artes;
possibilitar vivências práticas, envolvendo leitura, contextualização e
produção em artes e exercitar o planejamento e a ação no ensino de
artes (CORTE REAL, 2015).
O trabalho contempla, então, temas como os aspectos pedagógi-
cos da educação musical, tais quais: os desafios e possibilidades para a
formação de pedagogos em educação musical – tendo como referência
Bellochio (2001); as crenças e papéis em geral atribuídos à educação
musical nas escolas (BEYR, 2001) e propostas contemporâneas da edu-
cação musical, especialmente aquelas que procuram articular os sabe-
res e experiências prévios dos educandos com a educação proposta pela
escola (BRITO, 2001). Por exemplo, temos partido das músicas repre-
sentativas das histórias de vida dos discentes do curso de pedagogia,
as quais servem como referência e ponto de partida para as vivências
musicais desenvolvidas em sala.
Temos nos pautado no entendimento de que concepção educa-
cional freireana, conforme evidenciada em pesquisas anteriores (MO-
RALES, 1999; BELLOCHIO, 2000; CORTE REAL, 2001, 2006, 2015),
permite a organização e o desenvolvimento de programas de educação
musical, tanto na formação de professores como nas práticas educativas
escolares. Conforme vimos destacando (CORTE REAL, 2015), a obra
freireana, principalmente os textos Educação como prática da liberda-
de, Pedagogia do oprimido, Ação cultural para a liberdade e Pedagogia
da autonomia (FREIRE, 1999; 1987; 1982; 1996), apresenta princípios
organizativos e bases epistemológicas para a organização de programas
ENSINO DE ARTES E FORMAÇÃO DE EDUCADORES NA DANÇA E NA PEDAGOGIA 319

de ensino. Tal perspectiva parte de uma abordagem de investigação e


tematização dos desafios emergentes nas práticas educativas.
Em decorrência dessa ênfase, a concepção de educação musical
que se abre aponta para o lugar que, historicamente, a música ocupa
como: patrimônio cultural da humanidade; forma de narrativa que res-
ponde a ânsia do ser humano por conhecer e representar, mas, particu-
larmente, pelo fato de veicular experiências estéticas e possibilidades
de conhecimento das diversas culturas musicais (CORTE REAL, 2015).
Entre essas propostas pedagógicas, enfatiza-se especialmente a di-
mensão das dinâmicas de trabalho de grupo (BRITO, 2003). Para tanto,
tem sido fundamental a articulação entre os saberes advindos das expe-
riências e histórias de vida dos(as) discentes e os conteúdos culturais da
educação musical, trabalhados em sala de aula.
Essas práticas de ensino têm sido guiadas pela proposição apre-
sentada por Bellochio (2001), que toma como ponto de partida as pró-
prias histórias de vida dos discentes. No trabalho em sala de aula, tem
sido aberto espaço para que as(os) discentes, durante o desenvolvimen-
to da programação ao longo do semestre, apresentem músicas conside-
radas significativas das suas histórias de vida – as quais são analisadas,
debatidas e trabalhadas, com exercícios coletivos e vivências musicais,
que dão ênfase aos sentidos e significados que as discentes e os discentes
lhes atribuem.
Assim, a concepção de educação musical que se descortina a par-
tir desse trabalho pretende redimensionar a visão e o papel da música
na educação, aqui entendida como área de conhecimento que, a partir
da sua especificidade, pode contribuir para a formação dos educandos
nas escolas. Qual seria, então, o papel da música e da educação musical
em tal concepção a não ser promover experiência de contato entre as
crianças e a música? Isto é, ampliar as experiências das crianças de tal
forma que possam pensar sobre as práticas musicais presentes no seu
próprio contexto cultural, bem como as músicas das diferentes culturas
(CORTE REAL, 2015).
320 Márcio Penna Corte Real, Rousejanny da Silva Ferreira

Considerações finais

Ao longo deste texto, procuramos explicitar parte do percurso


teórico-metodológico e prático que desenvolvemos na formação de
professores em cursos de licenciatura em dança e em pedagogia. A
partir das nossas experiências docentes nesses espaços e tendo presen-
te os debates realizados durante o VI Encontro Estadual de Didática
e Prática de Ensino, podemos delinear algumas considerações sobre a
formação de professores e suas implicações para o ensino de artes nas
escolas.
Em primeiro lugar, podemos destacar que, em ambos os cenários,
tem nos desafiado partilhar e dialogar com a comunidade acadêmica
sobre uma concepção de arte, como linguagem e conhecimento, que
possui especificidades, vistas em suas dimensões estéticas, poéticas,
narrativas e simbólicas. Essa concepção, portanto, deveria ser tratada a
partir dessa compreensão nos processos de formação de educadores(as)
e no seu ensino, especialmente nas escolas.
Nessa esteira, o trabalho que vimos realizando nesses cursos pre-
tende subsidiar os futuros professores de dança e de pedagogia para que
possam desenvolver um trato mais apurado das artes, sob os pontos de
vista estético, conceitual e político-pedagógico.
Isso significa dizer que advogamos a contribuição das artes para
a formação humana, na medida em que entendemos que professores
capazes de compreender as linguagens artísticas e como dinamizar seus
processos educacionais contribuem para ampliar as experiências cultu-
rais dos educandos nas escolas.
ENSINO DE ARTES E FORMAÇÃO DE EDUCADORES NA DANÇA E NA PEDAGOGIA 321

REFERÊNCIAS

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Educação) − Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2000.

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educador. In: Associação Brasileira de Educação Musical/ABEM SUL. IV Encontro
regional da ABEM Sul. Educação Musical hoje: múltiplos espaços, novas demandas
profissionais. Anais. UFSM: Santa Maria, 2001, p. 13-25.

BEYER, E. O formal e o informal na educação musical: o caso da educação infantil.


In: Associação Brasileira de Educação Musical/ABEM SUL. IV Encontro regional da
ABEM Sul. Educação Musical hoje: múltiplos espaços, novas demandas profissionais.
Anais. UFSM: Santa Maria, 2001, p. 45-52.

BRITO, T. A. de. Música na educação infantil: propostas para a formação integral da


criança. São Paulo: Peirópolis, 2003.

CORTE REAL, M. P. Círculos de cultura na investigação temática de músicas negras:


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Educação, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, 2001.

______. As musicalidades das Rodas de capoeira(s): diálogos interculturais, campo e


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______. Prática educacional dialógica na formação de pedagogas e pedagogos em


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FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e
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______. Pedagogia do oprimido. 17. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987.

______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 12. ed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

______. Educação como prática da liberdade. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
322 Márcio Penna Corte Real, Rousejanny da Silva Ferreira

MORALES, O. Tema gerador e a dialogicidade na educação musical. In: Atas da V Es-


cola de Verão de Investigação-ação Educacional. Santa Maria: CE/PPGE/UFSM, 1999.

PEREIRA, Marcelo de Andrade. SOUZA. João Batista Lima. Formação superior em


dança no Brasil: panorama histórico-crítico da constituição de um campo de saber,
2014. Disponível em: <http://revistas.ufg.emnuvens.com.br/interacao/article/viewFi-
le/26443/16366>. Acesso em: 30 mar. 2016.

PPC Dança. Projeto Pedagógico do Curso e Licenciatura em Dança do IFG – Campus


Aparecida de Goiânia, setembro de 2013.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS. Faculdade de Educação. Projeto Político Pe-


dagógico do Curso de Pedagogia. Goiânia: FE/UFG, 2008.
323

O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E OS DESAFIOS


NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS
ESTRANGEIRAS

Priscila Rodrigues do Nascimento


Neuda Alves do Lago

[...] aprender a usar a linguagem implica apren-


der a participar destes papéis sociais, que estão
no microcosmo da sala de aula evidenciados
como reflexo do mundo fora da sala de aula
(MOITA LOPES, 1996, p. 182).

Introdução

O s princípios que norteiam os procedimentos relacionados à edu-


cação no Brasil estão inseridos na Lei nº 9.394, que diz respeito
às Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), promulgada em de-
zembro de 1996. Essa lei regulamenta os princípios e objetivos do siste-
ma educacional brasileiro, em suas esferas estadual, municipal e federal,
desde a educação básica até o ensino superior. Em seu parágrafo único,
dispõe que a formação dos profissionais da educação deve atender às
particularidades e aos objetivos das diferentes etapas e modalidades de
ensino (BRASIL, 1996). No que tange à preparação do profissional para
o mercado de trabalho, essa mesma lei traz, no inciso II, a necessidade
324 Priscila Rodrigues do Nascimento, Neuda Alves do Lago

de se realizar “uma associação entre teorias e práticas, mediante estágios


supervisionados e capacitação em serviço” (BRASIL, 1996), sob a super-
visão de um professor1. Na perspectiva legal, o estágio é visto como um
instrumento cujo objetivo é aplicar/associar os conteúdos próprios da
atividade profissional no ambiente de trabalho e na vida.
Do ponto de vista legal, o que a lei dispõe sobre o estágio é comum
a todos os cursos, entretanto, se difere quanto à organização, às compe-
tências e habilidades desenvolvidas ao longo do processo de formação
do professor de línguas. Deste modo, a organização da prática do está-
gio supervisionado no curso de Letras deve seguir a proposta do Projeto
Político Pedagógico (PPP) da escola, conforme exigência do CNE. Essa
proposta de trabalho pode ser entendida como uma:

ação intencional, com um sentido explícito, com um com-


promisso definido coletivamente. Por isso, todo projeto pe-
dagógico da escola é, também, um projeto político por estar
intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com os
interesses reais e coletivos da população majoritária. É políti-
co no sentido de compromisso com a formação do cidadão
para um tipo de sociedade (VEIGA, 1998, p. 13).

Para Veiga (1998), o PPP dever ser visto como uma ação coletiva
e, portanto, elaborado como um documento norteador para as ações das
pessoas que estão envolvidas no fazer pedagógico. No entanto, as ações
previstas no documento deveriam servir também como uma estratégia
de apresentação de propostas pedagógicas, com o intuito de apoderar
e empoderar os professores para um posicionamento político, a fim de
exercer práticas sociais. Ao assumir essa postura, o aluno/professor pas-
saria a se observar como um cidadão no espaço escolar e na vida. Essa
percepção vai ao encontro da proposta de aliar teoria à prática, prevista
pela LDB, e seu desdobramento nos documentos oficiais, como os PCN.
1 Nós autoras somos conscientes do movimento de valorização dos direitos das mulheres e nos
posicionamos favoravelmente ao reconhecimento e à explicitação das identidades e dos valores da
feminilidade na escrita. Utilizaremos, porém, neste capítulo, o padrão tradicional da Língua Portuguesa
de uso do coletivo masculino, como forma de tornar o texto mais fluido.
O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E OS DESAFIOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE 325
LÍNGUAS ESTRANGEIRAS

Vista por essa ótica, a LDB (1996) e os PCN (1999) de línguas


estrangeiras (LE), segundo Paiva (2004), consideram que, durante a for-
mação do professor de LE, é necessário oferecer um curso que tenha o
objetivo de integrar conteúdos pedagógicos às teorias acadêmicas re-
lacionadas à formação do professor. Desta forma, a proposta de Paiva
(2004) é oferecer uma formação interdisciplinar, na qual o objetivo seja
diminuir a distância entre os conteúdos técnicos do curso de Letras e as
disciplinas de cunho pedagógico, com a finalidade de criar organizações
didáticas particulares para cada matéria. Essa ação é uma exigência das
diretrizes curriculares do curso de Letras.
Um exemplo da junção das teorias acadêmicas e das teorias pe-
dagógicas são os PCN (1999). Esse documento considera que o ensi-
no de línguas estrangeiras é uma ferramenta importante tanto para o
mundo profissional como para o ambiente acadêmico e pessoal. Além
disso, o documento orienta os professores a apresentarem os conteúdos
de língua estrangeira de modo a explorar aspectos linguísticos para que
a língua seja vista como fenômeno social. Deste modo, seria possível
observar a linguagem em todo seu potencial identitário e perceber os
traços políticos, históricos, sociais e culturais. Percebe-se a relação da
necessidade de fazer uma releitura das teorias acadêmicas, a fim de pra-
ticá-las em sala de aula.
Essa importância de se propor formação, na qual as teorias acadê-
micas sejam adaptadas à realidade escolar, é discutida por Celani (2009),
ao apresentar o estudo levantado por Souza (2006), em um processo de
formar professores com viés prático, exigindo que esse profissional as-
suma sete posturas:

1. empenhar-se em afetar a vida de seus alunos (objetivo moral);


2. aprofundar o conhecimento pedagógico (conhecimento mais
sofisticado sobre ensinar e aprender);
3. conscientizar-se sobre os amplos problemas da política educa-
cional e desenvolvimento social;
4. trabalhar de modo interativo e colaborativo;
326 Priscila Rodrigues do Nascimento, Neuda Alves do Lago

5. aprender a trabalhar em novas estruturas – redes de aprendi-


zagem;
6. desenvolver o hábito e as habilidades de indagação e aprendi-
zagem;
7. mergulhar nos mistérios, nos altos e baixos da complexidade di-
nâmica do processo de transformação (SOUZA, 2006, p. 164).

A primeira postura dispõe sobre um ensino significativo, de forma


que o conteúdo seja importante para a vida extracurricular do aluno. A
segunda está relacionada à importância da formação continuada e ao
aprimoramento das técnicas de ensino, o que dialoga com a visão schö-
niana do professor reflexivo. A terceira sugere que o professor assuma
uma postura politizada em relação à vida profissional e às ações gover-
namentais que interferem no fazer pedagógico. A quarta e quinta postu-
ras valorizam a aprendizagem sob a ótica dialógica em que os processos
de interação entre os estudantes ocorram como uma forma de trocas de
experiências. A essas posturas, insere-se também a importância de prá-
ticas pedagógicas voltadas para o campo das novas tecnologias. A sexta
nos remete a uma aprendizagem orientada para as teorias de ensino em
uma linha crítica, posto que esta é pesada para questionar a eficácia e os
métodos de aprendizagem. A sétima e última tratam-se de um convite
ao professor, para que este possa se envolver na dinâmica dos erros e
acertos do fazer pedagógico, com o propósito de ter consciência da ne-
cessidade de (re)pensar a sua prática cotidianamente.
O percurso legal previsto na LDB, as diretrizes curriculares do
curso de Letras e as posturas do professor defendidas por Celani e Sou-
za confirmam os princípios de que, durante o processo de formação do
professor, é necessário adaptar os conhecimentos técnico-científicos à
realidade escolar. E, ainda, como pensar um currículo de formação em
que a teoria e a prática sejam elementos norteadores do curso de Letras,
voltados para a formação de professores de línguas estrangeiras. Diante
do exposto, passa-se a discutir a importância do estágio para o professor
de línguas.
O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E OS DESAFIOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE 327
LÍNGUAS ESTRANGEIRAS

Desenvolvemos o conteúdo deste capítulo em dois eixos. No pri-


meiro, tratamos da importância do estágio supervisionado na formação
dos professores de língua estrangeira. No segundo, discutimos alguns
desafios para o estágio supervisionado, a fim de formar professores ca-
pazes de exercer sua profissão, com domínio dos saberes necessários e
da criticidade.

O estágio na formação dos professores de língua estrangeira

O estágio supervisionado é uma ação prevista na LDB, pensada


para que o aluno/professor possa estar em contato com as vivências de
cunho prático-pedagógico, cujo objetivo é desenvolver habilidades e
competências relacionadas aos conteúdos estudados ao longo do curso.
Para Pimenta e Lima (2004), a importância do estágio centra-se no fato
de oportunizar o futuro professor a conhecer as realidades da sua área
de atuação e, com isso, realizar o rito de passagem entre o estado de
aluno para o profissional professor. Desta forma, o estágio é visto como
uma etapa do processo de formação e se torna indispensável para cola-
borar com a construção da identidade profissional. Neste sentido, à me-
dida que o aluno/professor vai reconhecendo a realidade do seu campo
de trabalho, começa a tomar consciência da responsabilidade social do
que é ser professor.
Para Gimenez (2012), o estágio é um processo importante porque
se trata de uma proposta voltada para a formação do aluno/professor e,
quando bem articulada, é uma vivência que tende a colaborar para me-
lhorar o espaço escolar. Essa experiência também é relevante para a re-
tomada de concepções teóricas estudadas durante a qualificação, com o
objetivo de (re) avaliar a eficácia de conteúdos e as atividades realizadas
nos cursos de graduação. Não diferentes de Gimenez (2012), Scalabrin
e Molinari (2013) consideram o estágio:

importante porque ali o futuro professor compreende que os


professores e alunos devem estar num mesmo mundo, falar a
328 Priscila Rodrigues do Nascimento, Neuda Alves do Lago

mesma linguagem, utilizar como ponto de partida o meio em


que o aluno encontra-se inserido, assim consegue fazer uma
analogia, pois é conhecedor de sua realidade e a partir dali
aprofundar os conhecimentos (MOLINARI, 2013, p. 4).

Nessa perspectiva, o estágio contribui para que o professor se in-


sira na realidade de trabalho e se adapte às exigências pedagógicas ne-
cessárias para melhorar o processo de ensino e aprendizagem. Sob essa
ótica, é indispensável que a realização do estágio ocorra durante o curso
de Letras, e não somente nos períodos finais. Ainda sobre a relevância
do estágio, Scalabrin e Molinari (2013) ponderam que:

os estágios são importantes porque objetivam a efetivação da


aprendizagem como processo pedagógico de construção de
conhecimentos, desenvolvimento de competências e habili-
dades através da supervisão de professores atuantes, sendo a
relação direta da teoria com a prática cotidiana (SCALABRIN;
MOLINARI, 2013, p. 4).

Seguindo essa linha de raciocínio, para os referidos autores o es-


tágio é uma etapa do curso de graduação em que o aluno/professor tem
a oportunidade de refletir sobre as leituras de cunho pedagógico, com
o objetivo de inseri-los dentro da realidade escolar. Para tanto, conta
com a colaboração de um professor supervisor para realizar um plano
de ação, em que as teorias acadêmicas e a realidade caminhem juntas.
Neste percurso, faz-se necessário que o aluno professor tenha como fru-
to dessa experiência o desenvolvimento de competências e habilidades
inerentes ao professor de línguas estrangeiras.
Segundo Marques (2007), considerando as palavras de Perrenoud
(2000), o processo de formação de professores deve ser pensado para
ir além do desenvolvimento de competências técnicas (planejar, moni-
torar, avaliar, selecionar), com o propósito de diversificar as atividades
que capacitem o futuro professor a obter êxito no processo de ensino e
O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E OS DESAFIOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE 329
LÍNGUAS ESTRANGEIRAS

aprendizagem. Para esse fim, a formação do professor de línguas estran-


geiras exige o desenvolvimento de competências e habilidades. Essa é
uma tarefa que compreende o saber estratégico do professor que, segun-
do Almeida Filho (2006, p. 11), se trata da “capacidade de ação e delibe-
ração sobre como agir na sala de aula” para atingir o objetivo esperado,
aplicando conhecimentos relacionados às competências (conhecimento
técnico).
Em se tratando da formação do professor de línguas estrangeiras,
Almeida Filho (2001) destaca que o professor deve tomar consciência
do desenvolvimento de cinco competências:

competência implícita (conhecer e aprender línguas); compe-


tência linguística comunicativa (saber linguístico para se co-
municar); competência teórica (capacidade de explicar como
ensina e por que ensina); competência aplicada (subcompe-
tência teórica) (ensino consciente dos princípios didáticos);
competência profissional (capacidade de se posicionar como
professor refletindo a prática pedagógica) na formação de
seus alunos (ALMEIDA FILHO, 2001, p. 20).

É possível observar que algumas competências discutidas então


inseridas dentro de um campo de conhecimento pessoal, e não cole-
tivo, ou seja, as competências comunicativa e implícita fazem parte do
conhecimento individual do professor. Por outro lado, as competências
teórica, aplicada e profissional entram no campo da coletividade, por-
que necessitam de um processo colaborativo em um contexto prático
para serem desenvolvidas.
Nesse sentido, as competências teórica e aplicada são importantes
para que o aluno/professor se torne apto a planejar, selecionar, relacio-
nar, adaptar e organizar os construtos teóricos sobre aprender e ensinar
línguas, com a finalidade de atingir os objetivos esperados durante a
aula. Por sua vez, a competência profissional é importante para que o
professor seja um educador autônomo, capaz de realizar suas escolhas
330 Priscila Rodrigues do Nascimento, Neuda Alves do Lago

pedagógicas, criar novas propostas de conhecimento e ter noção da sua


responsabilidade social. Por conseguinte, são capacidades propensas a
serem desenvolvidas quando o aluno/professor inicia seu caminho pro-
fissional. Daí a importância da realização do estágio supervisionado na
formação de professores de línguas estrangeiras.
Buscando responder à pergunta sobre a importância e contribui-
ção do estágio no curso de formação de professores de língua estran-
geira (inglês), Carmo (2015) verificou que “a realidade da sala de aula
é muito maior que aquela vivida por um período restrito vivido duran-
te o estágio supervisionado” (CARMO, 2015, p. 91). A autora afirma,
também, que “a teoria nos dá alunos ‘perfeitos’”, mas que esta noção
não se concretiza, na realidade. Daí a extrema relevância do estágio su-
pervisionado, visto que se configura como a oportunidade para que os
licenciandos conheçam “a dinâmica de uma escola e sala de aula. […]
ou que é extremamente importante para o professor entender a rotina
de sala de aula, preparação de aula e a importância do seu papel em sala
de aula” (CARMO, 2015, p. 91).
O estágio supervisionado é uma prática de suma importância,
uma vez que se trata das primeiras vivências no ambiente de trabalho
do futuro profissional e, em muitos casos, constitui-se como a primeira
apresentação formal, para os discentes, das habilidades necessárias aos
professores de línguas estrangeiras. Desenvolver todas essas habilidades
não é uma tarefa fácil e se configura como um desafio para os atores
envolvidos nesse processo. Deste modo, passaremos a discutir, a seguir,
os percalços no caminho de tornar-se professor.

2 Desafios para o estágio na formação de professores de língua es-


trangeira

O estágio supervisionado envolve tantos desafios quantos são os


estagiários, os cursos de graduação, as escolas-campo, os professores e
alunos dessas escolas, para citar apenas alguns fatores que influem no
processo de formação dos professores de línguas estrangeiras. Refleti-
O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E OS DESAFIOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE 331
LÍNGUAS ESTRANGEIRAS

mos, a seguir, sobre alguns desafios gerais do estágio supervisionado


na formação desses professores, relativos a: o engajar político e social
das instituições formadoras; a conscientização do alunato sobre a essen-
cialidade do desenvolvimento de saberes pedagógicos, de língua e de
cultura; a apresentação aos alunos/professores do ambiente escolar real;
o propiciar, aos estagiários, a capacidade de aliar teoria e prática, con-
siderando suas teorias pessoais; a implementação do aprender fazendo,
ressaltando a necessidade de ações reflexivas, visando às transformações
sociais; a habilitação dos alunos/professores para o trabalho colabora-
tivo.
Para Pimenta (2004), o estágio supervisionado é considerado uma
atividade que possibilita ao futuro professor o contato com a práxis pe-
dagógica. Esse fazer prático, segundo Moita Lopes (1996), é o início do
processo de uma formação que ocorrerá ao longo do tempo. Não dife-
rentemente, Leffa (2008) afirma que se tornar professor implica engaja-
mento político responsivo, por parte das instituições que se predispõem
a realizar esse papel, orientadas a oferecer uma formação reflexiva vol-
tada para a participação crítica. Silvestre, Figueiredo e Pessoa (2015, p.
2) defendem que “o papel da formação universitária e continuada de
professores/as de línguas seja, dentre outros, de instigar nesses/as pro-
fissionais uma postura crítica frente ao seu fazer docente”.
No campo da formação de professores de línguas estrangeiras
(LE), a ação reflexiva implica, dentre outros fatores, no desenvolvimento
de uma consciência de que ensinar essas línguas é apresentar aos alunos
o acesso a outras formas de representação cultural. Para tanto, segundo
Leffa (2008), o processo de tornar-se professor de LE exige do indivíduo
o desenvolvimento de saberes tanto pedagógicos como da língua a qual
pretende ensinar, e, acrescentamos, da cultura dos povos que a utili-
zam. Embora essas demandas pareçam óbvias, não tem sido assim des-
de o início da história dos cursos de Letras no Brasil. Segundo Daher e
Sant’anna (2009), ao longo dos 80 anos iniciais de existência dos cursos
de Letras, estes não apresentavam um perfil de formadores de professo-
res, colocando sua ênfase na formação de bacharéis, valorizando apenas
332 Priscila Rodrigues do Nascimento, Neuda Alves do Lago

saberes acadêmicos linguísticos e literários, alheios à prática docente.


Conforme as autoras, apesar de, atualmente, algumas faculdades de Le-
tras ainda se manterem apegadas ao velho modelo, assistiu-se a uma
recente mudança de paradigma, nos últimos 20 anos, buscando uma
formação mais ampla do professor de línguas, desfazendo as tradicio-
nais dicotomias entre educação e trabalho, teoria e prática, e inserindo
o componente crítico na formação.
O reconhecimento da complexa atmosfera que envolve o ambien-
te escolar implica uma série de ações desafiadoras, tanto por parte de
quem realiza o estágio de forma prática, os alunos, como pelos profes-
sores orientadores. Felício e Oliveira (2008) sugerem que a dinâmica do
estágio, inicialmente, perpasse pela apresentação do ambiente escolar e
pelo reconhecimento das situações problemas que fazem parte da esco-
la. Acrescentamos que, além das situações problemas, é necessário que
o estágio apresente os professores em pré-exercício a situações bem-su-
cedidas, para que tenham modelos positivos e construam sua própria
prática. A partir desta análise, os problemas identificados, assim como
as experiências positivas, passam a ser objetos de reflexão, cuja finalida-
de é motivar as pessoas envolvidas na vivência do estágio a planejá-lo
pautado em três pilares: realidade, teorias e prática.
Esse tripé constitui um grande desafio, essencialmente relevante,
uma vez que o reconhecimento da realidade do campo de trabalho con-
tribui para que o futuro professor tome consciência dos desafios da car-
reira profissional. Além disso, esse reconhecimento, segundo Pimenta e
Lima (2004), favorece o caminho da ação reflexiva, cuja finalidade é re-
pensar, em grupo, formas de ensinar e aprender, a fim de proporcionar à
escola, que abre as portas para o estágio, intervenções que contribuirão
tanto para os alunos quanto para a formação profissional. Neste sentido,
a escola é vista como um laboratório de ensino.
O reconhecimento da realidade e a relação entre teoria e práti-
ca são elementos desafiadores, visto que o processo de aquisição desses
dois últimos elementos envolvem experiências de aprendizagem ante-
riores ao início do estágio. Essas vivências são discutidas por Almeida
O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E OS DESAFIOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE 333
LÍNGUAS ESTRANGEIRAS

Filho (1993), ao afirmar que a experiência de ensino que antecipa o his-


tórico escolar dos alunos tem grande influência na atuação desses pro-
fissionais, já que esses tendem a reproduzir o mesmo comportamento
ou prática de seus antigos professores. Na mesma linha da origem das
crenças discutidas por Almeida Filho (1993), Vieira-Abrahão (2004, p.
126) denomina essa aprendizagem de observação como “teorias pesso-
ais” e as define como hábitos culturais e conceitos que as pessoas adqui-
rem com base na experiência de educação as quais viveram, sejam elas
formais ou informais.
Aliada às teorias pessoais, Vieira-Abrahão (2004) discute que o
futuro professor, no seu processo de formação, desenvolve conhecimen-
tos relacionados às teorias acadêmicas, informações construídas com
base em experiências técnico-científicas e que têm como foco preferen-
cial o desenvolvimento de conteúdos formais. As junções desses dois
tipos de teorias, pessoais e formais, caminham, inevitavelmente, juntas
durante a experiência do estágio e tornam-se mais um desafio para o
futuro professor.
Moita Lopes (1996) ressalta a importância da relação entre teo-
ria e prática, ao afirmar que o processo de formação de professores de
línguas envolve dois tipos de conhecimentos: “um conhecimento sobre
a natureza da linguagem em sala de aula e fora dela” e “um conheci-
mento sobre como atuar sobre os processos de ensinar e aprender lín-
guas” (LOPES, 1996, p. 181). As considerações desse estudioso somadas
às afirmações das teorias pessoais e acadêmicas discutidas por Vieira
-Abrahão (2004) refletem que o processo de formação dos professores
exige dos alunos/professores uma postura crítica e ao mesmo tempo re-
flexiva, cuja finalidade é quebrar paradigmas sobre as formas de ensinar.
Dada a ênfase colocada na reflexão, na área de ensino e aprendi-
zagem de línguas estrangeiras, consideramos, aqui, o que significa se
tornar um professor reflexivo. Tomamos, para tal, os princípios defendi-
dos por Dewey (1959) por meio da escola democrática, teoria na qual se
defende que o processo de aprendizagem se baseará no aprender fazen-
do. Para esse estudioso, o saber é um processo dinâmico e construído
334 Priscila Rodrigues do Nascimento, Neuda Alves do Lago

por meio da junção entre experiências de vida/aprendizagem, teoria e


prática.
Nessa perspectiva do aprender fazendo, a proposta do estágio su-
pervisionado no campo das línguas estrangeiras não foge às teorias que
norteiam a formação de professores de outras áreas. Assim, uma ação
organizada de forma clara e coerente, voltada para os passos didáticos
do professor/aluno, quando “bem fundamentada, estruturada e orienta-
da, configura-se como um momento de relevante importância no pro-
cesso de formação dos futuros professores” (FELICIANO; OLIVEIRA,
2008, p. 217). Durante o estado de preparação profissional, a relação en-
tre teoria e prática necessita de ações reflexivas para compartilhar expe-
riências educacionais e (re)pensar o papel do estagiário e da instituição
que o apresentou a aquele espaço. O tempo de reflexão realizada entre
os atores envolvidos no estágio, segundo Lima (2001), deve ser guiado
como uma ação que envolve teoria e prática voltada para a transforma-
ção da realidade.
O momento de reflexão segue uma concepção schöniana no que
se refere à formação do professor (SCHÖN, 2000). Para o estudioso, o
ensino é uma construção dialogada e baseada em três pilares: análise,
problematização e plano de ação. Esses três eixos são realizados quando
se propõe um currículo que prevê três atitudes em relação ao processo
de ensino aprendizagem: a reflexão na ação, a reflexão sobre a ação e a
reflexão sobre a reflexão na ação. No campo do estágio, cada um desses
passos leva o professor em formação a tomar consciência do trabalho
desempenhado pelo profissional regente (na observação das aulas), a
avaliar a sua própria atuação (quando ministra as aulas) e a (re)pensar
o próprio desempenho em momentos posteriores. Nessa perspectiva,
a formação do professor é uma prática constante e um desafio diário
quando ele se propõe a se tornar agente de transformações sociais.
Segundo Pennycook (2001), as principais características de uma
práxis crítica são, de forma geral: a problematização daquilo que já está
naturalizado; a consciência de suas limitações; a extensão além da sim-
ples dicotomia entre teoria e prática; a simultaneidade entre prática lo-
O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E OS DESAFIOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE 335
LÍNGUAS ESTRANGEIRAS

calizada e em movimento; e, finalmente, sua condução pela ética. O au-


tor afirma, mais recentemente, que o propósito central, como formador
de professores de línguas, é prover o auxílio necessário para que esses
professores desenvolvam uma prática docente crítica (PENNYCOOK,
2012). Desta maneira, esta é um dos maiores desafios do estágio super-
visionado: conduzir os estagiários por esse processo formativo crítico.
Ainda seguindo os preceitos schönianos e deweyanos, tornar-se
professor é uma ação que se aprende fazendo, pois cada escola ou cada
sala de aula é uma realidade com necessidades diferentes, daí a impor-
tância da práxis. Não diferente dos estudiosos citados, Libâneo (2002)
defende que, na prática pedagógica, quando o professor “é ajudado a
compreender seu próprio pensamento, refletir de modo crítico sobre
sua prática e, também, a aprimorar seu modo de agir, seu saber-fazer,
internalizando se transforma em novos instrumentos de ação” (LIBÂ-
NEO, 2002, p. 70). Essa consciência de refletir a prática diária é outro
desafio no processo de formação de professor e deve estar previsto no
cronograma de organização do estágio. Esse desafio, segundo Dewey
(1959), contribui para que o futuro professor veja e perceba a sua atua-
ção como um papel de importância social, política e profissional. Ade-
mais, Cristóvão e Beato-Canato (2016), ao considerarem o ensino de
línguas estrangeiras para fins específicos, afirmam que é necessário que
os professores de língua “tomem a língua e os discursos em contexto e
se apropriem e usem todas as ferramentas disponíveis para avaliar sis-
tematicamente as necessidades, identidades e questões encaradas por
aprendizes” (CRISTÓVÃO E BEATO-CANATO, 2016, p. 70).
Outro grande desafio para o estágio supervisionado é ajustá-lo
às mais recentes teorias de ensino e aprendizagem de línguas estran-
geiras, assentadas na teoria sociocultural de Vygotsky e de seus cola-
boradores, especialmente no que tange ao aspecto colaborativo, tanto
da aprendizagem quanto do processo de formação. O desenvolvimento
colaborativo de professores tem sido visto como uma maneira de for-
mação que propicia aos alunos/professores a oportunidade de ir além
das suas opiniões individuais, ao trabalhar com seus pares e diminuir
336 Priscila Rodrigues do Nascimento, Neuda Alves do Lago

sua dependência de especialistas externos. As bases do trabalho colabo-


rativo na formação de professores são o diálogo, o questionamento e a
discussão com os pares, de forma a promover a mudança educacional.
Barfield (2016) argumenta que, no contexto educacional, a colabora-
ção se transveste de formas distintas, todas elas profícuas: “colaboração
entre professores na sala de aula (ensino em pares; ensino em grupos),
aprendizagem colaborativa entre aprendizes, pesquisa colaborativa,
desenvolvimento colaborativo de currículo” (BARFIELD, 2016, p. 222
e 223, tradução nossa), dentre outras. O autor defende que, qualquer
que seja a forma assumida, a colaboração engloba o estabelecimento
conjunto de objetivos, a partilha de responsabilidades e o trabalho em
equipe, de forma a se obter muito mais do que seria obtido com um tra-
balho individual isolado. Habilitar os professores em pré-exercício para
essa colaboração enriquecedora na sua atuação como profissionais do
ensino de línguas estrangeiras se constitui, também, num dos grandes
desafios do estágio supervisionado.
A reflexão teórica que aqui fizemos sobre o estágio faz dessa ação
um elemento desafiador e ao mesmo tempo complexo em diversos pon-
tos. Nesta busca, o aluno/professor depara-se com: o rompimento e/ou
a consolidação de suas experiências de aprendizagem, ao relacionar co-
nhecimentos práticos e teóricos; a importância de ver-se como profes-
sor durante o processo de reflexão da própria prática; a necessidade de
saber lidar, se adaptar e reconhecer a realidade escolar, a fim de observar
as necessidades de aprendizagem dos alunos e de melhoria da escola.
Como exposto por Felice (2013), os alunos/professores de línguas es-
trangeiras em formação podem conhecer o mercado de trabalho, inves-
tigando os interesses e as necessidades do alunato. Do outro lado está o
papel, não menos desafiador, do professor orientador, que é responsável
por apresentar ao aluno/professor a dinâmica do fazer pedagógico de
forma criativa e organizada. O alvo é exercer de forma séria o trabalho
de professor e empoderá-lo como agente capaz de proporcionar à socie-
dade transformações sociais.
O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E OS DESAFIOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE 337
LÍNGUAS ESTRANGEIRAS

Considerações finais

Neste trabalho, fizemos uma reflexão acerca do estágio supervi-


sionado e de alguns desafios no processo de formação dos professores
de línguas estrangeiras. Iniciamos a discussão com a exposição do prin-
cípio de que se faz mister a adaptação dos conhecimentos técnico-cien-
tíficos à realidade da escola no processo de formação do professor. Esse
princípio é corroborado pela LDF, pelas diretrizes curriculares do curso
de Letras e pelos autores que utilizamos na nossa base teórica.
Em seguida, discutimos a relevância do estágio na formação dos
professores de língua estrangeira e enfatizamos a importância dele para
o desenvolvimento e aprimoramento das competências necessárias para
o futuro educador. Mencionamos, dentre essas competências implícitas,
como a linguística comunicativa, a aplicada (subcompetência teórica) e
a profissional, que requerem um esforço árduo, mas que são condição
sine qua non para que o bom profissional exerça seu papel de forma
consciente e crítica, contribuindo para um ensino significativo de seus
alunos.
Arrolamos, consecutivamente, alguns desafios do estágio supervi-
sionado para a formação eficiente do professor de línguas estrangeiras:
o engajar político e social das instituições formadoras, a fim de prover
uma formação reflexiva que gere participação crítica dos professores em
pré-exercício; a conscientização, por parte do alunato, da essencialidade
do desenvolvimento de saberes pedagógicos, da língua a qual pretende
ensinar e da cultura dos povos que a utilizam; a apresentação aos alunos/
professores do ambiente escolar real, para a identificação das situações
problemas e daquelas bem sucedidas, e posterior reflexão sobre estas,
de forma a pautar o estágio no tripé realidade, teorias e prática; o propi-
ciar, aos estagiários, a capacidade de aliar teoria e prática, considerando
suas teorias pessoais, obtidas a partir da aprendizagem de observação,
mas juntando-as com as teorias formais da academia; a implementação
do aprender fazendo, ressaltando a necessidade de ações reflexivas no
estabelecimento da relação entre teoria e prática, visando ao comparti-
338 Priscila Rodrigues do Nascimento, Neuda Alves do Lago

lhamento de experiências educacionais, (re)pensando o papel do estagi-


ário e da instituição, rumo às transformações sociais; a habilitação dos
alunos/professores para o trabalho colaborativo, em que podem somar
forças entre si e com os outros envolvidos no processo de formação em
que se encontram inseridos.
Os desafios aqui apresentados se constituem numa corrente contí-
nua, que deve ser enfrentada cotidianamente pelo professor supervisor
do estágio, pelas instituições envolvidas, pelos estagiários e pelos outros
atores envolvidos no processo, incluindo o aluno da escola. Tendo em
vista que o ensino de línguas estrangeiras enfatiza o desenvolvimento
da capacidade comunicativa e crítica dos alunos na língua-alvo, é ne-
cessária a união de todas as forças e agentes, com o fim de viabilizar a
experiência de formação de um professor de línguas estrangeiras que
domine os saberes necessários, seja engajado socialmente, tenha capaci-
dade crítica e empodere seus alunos para o melhoramento social.

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341

DIRETRIZES PARA A INSERÇÃO DE


TECNOLOGIAS NAS ESCOLAS: FORMAÇÃO
PARA O CONSUMO E ALÍVIO DA POBREZA

Natalia Carvalhaes de Oliveira


Eude de Sousa Campos
Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar

Introdução

O atual cenário da educação no Brasil pode ser descrito como, en-


tre tantos adjetivos, heterogêneo. Heterogeneidade de sujeitos, de
contextos sociais, de condições materiais das instituições de ensino, da
forma de compreensão e percepção das políticas educacionais e de seus
referenciais para a sociedade. Entre tantos pontos pertinentes de dis-
cussão, as políticas educacionais colocam-se no bojo das discussões por
duas razões principais: por subsidiarem os objetivos de uma sociedade
a serem alcançados, e, para isso, norteiam as ações dos sujeitos nela en-
volvidos; e por serem um instrumento de dominação e demonstração
de poder.
Pensar nos objetivos das políticas educacionais nos remete a uma
análise de seus contextos, visto que estão associadas a uma demanda
social, política e econômica de um povo em um determinado tempo
histórico. Como nos alerta Evangelista (2013), ao longo do século XX e
início do XXI, as concepções que balizaram a educação no Brasil sofre-
342 Natalia Carvalhaes de Oliveira, Eude de Sousa Campos, Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar

ram mudanças significativas, mas sempre prevaleceu a demanda econô-


mica para direcionar as ações, colocando a educação a serviço do capital
e com a função primordial de produção de mão de obra qualificada ao
mercado de trabalho.
Tendo em vista o mundo contemporâneo em que estamos, há de
se compreender a trama de influências que compõem as políticas in-
ternas, que não se configuram como neutras e atendem restritamente
aos anseios dos que lideram os OM. Entre estes, o BM é descrito como
um de seus principais direcionadores (LIBÂNEO, 2012, 2013; EVAN-
GELISTA, 2013; ROSA; SANTOS, 2014, 2015), juntamente com a ONU
para a UNESCO, o FMI e a OCDE.
Compreender como as políticas educacionais se configuram em
instrumentos de dominação é um grande desafio aos interessados, visto
que em diversas situações as interposições do capital são apresentadas
como ações benevolentes aos mais carentes. Programas de alívio à po-
breza e redução de desigualdades, como uma forma de integrar o indi-
víduo à sociedade, são vistos pela ótica neoliberal como condições para
aumento de produtividade. A escola, neste contexto, deve ser instituição
formadora de mão de obra, estando subordinada às exigências do mer-
cado (LIBÂNEO, 2013).
Os programas educacionais que devem atender a “todos” chegam
às escolas aliados à aquisição de aparatos tecnológicos para a inclusão
digital, com o objetivo de resultar em inclusão social. O acesso universal
ou equitativo às redes tecnológicas digitais, também chamado de infoin-
clusão, apresenta a necessidade de se promover o maior número possí-
vel de pessoas de uma sociedade com igual oportunidade de utilizar as
tecnologias da informação e comunicação (TIC) (AFONSO, 2001). Para
o mesmo autor, há pelo menos quatro componentes interdependentes
que precisam ser levados em conta em qualquer estratégia de dissemi-
nação das TIC: infraestrutura e acesso, capacitação para o uso do recur-
so digital, sustentabilidade e conteúdo.
O campo do ensino das ciências da natureza (Biologia, Física
e Química) discute a relação entre ciência, tecnologia e sociedade
DIRETRIZES PARA A INSERÇÃO DE TECNOLOGIAS NAS ESCOLAS: FORMAÇÃO PARA O 343
CONSUMO E ALÍVIO DA POBREZA

(CTS) desde meados dos anos de 1960, em que se apresentava um


descontentamento dos países desenvolvidos e das instituições acadê-
micas com os problemas políticos e econômicos do desenvolvimento
científico-tecnológico (BAZZO, 1988). Para Diniz-Pereira (2014),
essa área da ciência é historicamente pautada na racionalidade téc-
nica e na busca por aplicação prática do conhecimento. Suscitar
perguntas para o ensino de Ciências, aliado às TIC, como sendo o
campo das ciências da natureza um forte aliado ao desenvolvimen-
to de fármacos, estudos ambientais e aparatos para compreensão do
mundo, cujo desenvolvimento das pesquisas depende diretamente
de tecnologias cada vez mais sofisticadas, como pensar esta área para
além do seu viés marcadamente vinculado à racionalidade técnica?
Por que as TIC são apresentadas como forma de resolução dos pro-
blemas ao processo de ensino-aprendizagem, em especial para essas
áreas?
Diante da necessidade de se compreender as possíveis relações en-
tre as políticas internacionais, nacionais e regionais para o uso de TIC
na área de ensino de ciências da natureza, emergiu o seguinte problema
de pesquisa para este trabalho: Para que fins as TIC são apresentadas em
documentos norteadores oficiais voltados para o ensino, em especial, o
de ciências da natureza?
Na busca por respostas ao problema de pesquisa apresentado,
pautamos nosso trabalho em uma pesquisa do tipo documental, por
meio da busca e seleção de documentos oficiais que dissertem sobre os
fins do uso de TIC voltados ao ensino de ciências da natureza. De acor-
do com Bardin (2010), a análise documental é:

Uma operação ou um conjunto de operações visando repre-


sentar o conteúdo de um documento sob uma forma diferente
da original, a fim de facilitar, num estalo ulterior, a sua con-
sulta e referenciação. Enquanto tratamento da informação
contida nos documentos acumulados, a análise documental
tem por objetivo dar forma conveniente e representar de outro
344 Natalia Carvalhaes de Oliveira, Eude de Sousa Campos, Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar

modo essa informação, por intermédio de procedimentos de


transformação (BARDIN, 2010, p. 47).

Para compreender a inserção das políticas educacionais relaciona-


das ao uso de tecnologias, fez-se pertinente analisar as diretrizes a elas
relacionadas em três níveis:

1. Internacional - documentos do BM e UNESCO;


2. nacional – PNE 2014-2024;
3. estadual - diretrizes da Seduce e do Centro de Referência em
Ensino de Ciências e Matemática (CRECIEM).

Uma vez selecionados esses documentos, estes foram analisados


de acordo com a análise de conteúdo proposta por Bardin (2010), ao
considerarmos a pré-análise do material, exploração e o tratamento do
material e da análise dos dados em unidades de análise. Este método de
análise visa auxiliar no processo de categorização das principais ideias
apresentadas sobre a temática.

Relações entre documentos internacionais e as políticas educacio-


nais brasileiras: convergências e implicações

As políticas educacionais em um país são elaboradas com o obje-


tivo primordial de organizar e direcionar o desenvolvimento das ativi-
dades de forma a atender a uma demanda econômica, social e política,
em especial, a econômica (LIBÂNEO, 2013). Em se tratando dessas in-
fluências em âmbito internacional, as diretrizes do BM e da UNESCO
são influências recorrentes nas políticas educacionais brasileiras.
Em 1974, o BM criticou veementemente o modelo educacional
teórico, abstrato e em menor proporção prático, predominante no sis-
tema educacional dos países subdesenvolvidos. Como consequência,
ele recomendou a reformulação curricular, de forma a garantir que os
alunos formados tivessem maiores possibilidades de empregabilidade
DIRETRIZES PARA A INSERÇÃO DE TECNOLOGIAS NAS ESCOLAS: FORMAÇÃO PARA O 345
CONSUMO E ALÍVIO DA POBREZA

(BANCO MUNDIAL, 1974). Tais diretrizes viriam nortear a dimensão


pragmática do sistema educacional e questionar, inclusive, a necessida-
de de laboratórios para o ensino de Ciências no nível secundário, de
forma a propiciar “pequenos cientistas” (HEYNEMAN, 2003).
No contexto da crítica do BM a uma educação chamada por eles
de teórica, percebe-se, ao analisar os documentos dos OM e os nacio-
nais, que eles inserem as TIC em seus relatórios, fundamentalmente,
com duas grandes finalidades, com suas nuances internas: melhoria da
qualidade da educação (acesso ao conhecimento historicamente pro-
duzido, inovação do modelo educacional teórico, controle e gestão do
processo educativo) e redução da pobreza (inserção no mercado de tra-
balho, acessibilidade, incentivo à cadeia produtiva interna).
Vale ressaltar que a melhoria na qualidade da educação é apre-
sentada como caminho essencial para a redução da pobreza. Todavia, a
nosso ver, é objetivamente direcionada à ampliação do mercado consu-
midor e, consequentemente, ampliação da desigualdade social. Assim,
o texto a seguir está organizado no intuito de apresentar uma discussão
sobre as finalidades supracitadas de forma a apresentar as possíveis es-
pecificidades destes documentos para o ensino de ciências da natureza,
a partir do que foi encontrado nos documentos da rede pública estadual
goiana.

O tecnocentrismo e a “melhoria” da qualidade da educação: a forma-


ção de consumidores

No que concerne à melhoria da qualidade da educação, os do-


cumentos analisados abordam três aspectos: acesso ao conhecimento
historicamente produzido, inovação do modelo educacional teórico,
controle e gestão do processo educativo.
O primeiro está explicitado em documentos da UNESCO:

a) divulgação das TIC e seu uso como uma forma de reflexo so-
bre o acesso ao conhecimento; b) desenvolvimento adequado
346 Natalia Carvalhaes de Oliveira, Eude de Sousa Campos, Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar

das TIC a serviço de uma educação de qualidade; c) o papel das


tecnologias de última geração deve contribuir para a relação
entre o docente e o discente; d) a diversificação e aprimora-
mento do ensino a distância; e) a crescente utilização das tec-
nologias no âmbito da educação de adultos, em particular, para
a formação contínua de professores; f) o fortalecimento das
infraestruturas e capacidades dos países em desenvolvimento,
assim como a divulgação das tecnologias por toda a sociedade
(DELORS et al., 1998, p. 193-205, grifos nossos).

O documento ainda salienta que as TIC devem suscitar uma refle-


xão geral sobre o acesso ao conhecimento produzido pelo mundo. Outro
documento da UNESCO (2009b) versa sobre os padrões de competên-
cia para o uso das TIC por professores. Neste, se observa a solicitação ao
aprofundamento do conhecimento prático para o manuseio dos docen-
tes, de forma a criar e monitorar os planos de projeto individuais e de
grupos de estudantes, assim como para ter acesso a sites especializados
e colaborar com outros professores que utilizam a rede para acessar in-
formações, em apoio a seu próprio desenvolvimento profissional. Neste
caso, há uma tímida referência quanto ao uso de TIC voltadas ao ensino
de Ciências, sendo destinado à ilustração de conteúdos: “Para entender
os principais conceitos, os alunos empregam ferramentas abertas de tec-
nologia que são específicas para sua disciplina – tais como visualizações
em ciências, ferramentas de análise de dados em matemática e simula-
ções em estudos sociais” (UNESCO, 2008, p. 8).
O mesmo documento fala sobre criar conhecimento, em que os
professores poderão elaborar recursos e ambientes de aprendizagem ba-
seados nas TIC, apoiar o desenvolvimento, a criação de conhecimento,
as habilidades de pensamento crítico dos alunos, seu aprendizado con-
tínuo e reflexivo, além de criarem comunidades de conhecimento para
os alunos e colegas (UNESCO, 2009b).
É possível identificar que há uma visão tecnocentrada para o uso
das tecnologias no que tange ao uso das TIC no processo educativo, vis-
DIRETRIZES PARA A INSERÇÃO DE TECNOLOGIAS NAS ESCOLAS: FORMAÇÃO PARA O 347
CONSUMO E ALÍVIO DA POBREZA

to que sua simples inserção no ambiente escolar basta para sanar a pro-
ximidade entre o conhecimento e o sujeito. É necessário, sobretudo, re-
fletir sobre os elementos que interferem na qualidade do processo edu-
cativo. Tardif e Lessard (2005) destacam que o primordial da atividade
do professor consiste nas interações estabelecidas com os alunos e, nesta
direção, ressaltam que ensinar implica a ação para o fazer significativo
e que seja compartilhado por meio das interações pedagógicas. Neste
sentido, o saber construído e reconstruído pelo sujeito encontra nas TIC
uma possibilidade de fomentar o interesse em aprender e desenvolver
a curiosidade epistemológica. Para Echalar, Peixoto e Carvalho (2015):

Os discursos e as políticas educativas para uso de tecnologias


se fundamentam numa racionalidade técnica que prioriza os
resultados e a eficiência com um mínimo de investimentos. O
objetivo principal das reformas educativas nos últimos anos
tem sido o de responder aos imperativos do desenvolvimento
econômico e à demanda crescente – quantitativa – por nú-
meros, “inovação”, compra de aparatos, ranqueamento e não
formação. As tecnologias foram assumidas como recurso ine-
lutável para responder a tais demandas (p. 119).

As autoras ainda acrescentam que é necessário avançar para o


olhar determinista tecnológico, possibilitando uma compreensão dialé-
tica entre o homem e o meio histórico-cultural, porque as tecnologias
são versáteis e podem atender às distintas concepções de ensino e apren-
dizagem.
O segundo aspecto dos documentos internacionais trata exata-
mente sobre o critério da inovação no modelo educacional. Esse con-
texto internacional tem uma influência significativa no PNE 2014-2024,
um documento que compõe o SNE e que é base para a elaboração dos
planos estaduais, distrital e municipais, que devem prever recursos or-
çamentários para a sua execução. Esse alinhamento de propostas em
níveis federal, estadual e municipal tem como objetivo diminuir as lacu-
348 Natalia Carvalhaes de Oliveira, Eude de Sousa Campos, Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar

nas de articulação federativa no campo da política pública educacional


(BRASIL, 2014).
Nessa ótica de discussão, a meta 7 do PNE estimula as “práticas
pedagógicas inovadoras” na busca pela melhoria do fluxo escolar e da
aprendizagem (BRASIL, 2014). As mudanças na prática pedagógica en-
volvem o uso de diversas tecnologias, ferramentas e conteúdo eletrônico
em grupo e/ou individuais e o papel do professor de liderança no treina-
mento dos colegas (UNESCO, 2009b).
A meta 12 do PNE registra que deve ser assegurada a qualidade da
oferta e expansão ao menos de 40% das novas matrículas no segmento
público. Em uma das estratégias propostas, destaca-se a formação nas
áreas de Ciências e Matemática, considerando-se as necessidades do
desenvolvimento do país, a inovação tecnológica e a melhoria da qua-
lidade da educação básica. Uma reflexão crítica permite inferir que tal
caminho leva ao aligeiramento da formação de professores, à sua grada-
tiva perda de controle sobre seu exercício profissional e à transformação
das salas em laboratórios de reprodução dos ideários pedagógicos, afi-
nados com o neoliberalismo e o pós-modernismo (ARCE, 2001).
É preciso entender que os discursos estabelecidos, por mais con-
vincentes que pareçam ser, devem ser interpretados com cuidado e
atenção. A cada proposta de inovação há uma opção teórica, uma ten-
dência pedagógica explicitada, uma concepção de educação e sociedade
que se associa a argumentos pedagogicamente duvidosos, mas que se
revela ideologicamente convincente. A tecnologia digital e a internet são
propostas pelo governo e pelas empresas. Estas são aceitas pelos profes-
sores como uma fatalidade, como algo inevitável, porque são apresen-
tadas como sinais de modernidade e progresso aos quais devemos nos
submeter. Além disso, as tecnologias são consideradas, equivocadamen-
te, facilitadoras do trabalho do professor e da aprendizagem dos alunos,
tendo como justificativa a motivação e, atribuindo, assim, à tecnologia o
poder de motivar o aluno em seu processo de aprendizagem.
Da mesma maneira, essas características influenciam a formação
docente, que se baseia na dissociação entre as dimensões técnica e pe-
DIRETRIZES PARA A INSERÇÃO DE TECNOLOGIAS NAS ESCOLAS: FORMAÇÃO PARA O 349
CONSUMO E ALÍVIO DA POBREZA

dagógica das tecnologias, além de tomá-las como meio técnico comple-


mentar – quando se trata de um uso instrumental ou como desencadea-
doras de uma prática pedagógica coadunada com as demandas de nosso
tempo – quando o determinismo tecnológico prevalece.
Ainda vinculado à Seduce, o Núcleo de Tecnologia Educacional
(NTE) é responsável pelo desenvolvimento e pela disseminação de ações
que possibilitam o uso pedagógico e integrado das TIC e a formação de
professores na modalidade presencial e a distância (SEDUCE, 2016).
Na busca por uma referência mais específica à área das ciências
da natureza em Goiás, foram analisados alguns documentos do CRE-
CIEM, vinculado ao Núcleo de Orientação Pedagógica da Superinten-
dência de Acompanhamento dos Programas Institucionais da Seduce
− que se configura como espaço de disseminação de práticas pedagógi-
cas inovadoras nas áreas de Ciências e Matemática para experimenta-
ção, discussão, sistematização, divulgação, implantação e consolidação
de experiências exitosas, desenvolvidas pelos docentes da rede pública
estadual (SEDUCE, 2010). Dentre os projetos desenvolvidos pelo CRE-
CIEM, destaca-se o Projeto Robótica Educacional, em parceria com a
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a secretaria. En-
tre os anos de 2010 a 2012, foram realizadas oficinas sobre o desenvolvi-
mento e a troca de kits de robótica (kit da LEGO - Mindstorms1) para o
desenvolvimento de futuros projetos de robótica.
Para Menezes e Santos (2015), a robótica educacional ou robó-
tica pedagógica compreende ambientes de aprendizagem que reúnem
materiais de sucata ou kits de montagem, constituída por diversas pe-
ças, motores e sensores controláveis por computadores e softwares que
permitem programar o funcionamento dos modelos montados. A par-
tir disso, o professor pode criar ambientes de aprendizagem multifun-
cionais, capazes de contribuir para o desenvolvimento do pensamento
científico, com imaginação e criatividade.
A crítica a ser feita quanto à implementação de projetos, como os
kits de robótica, refere-se ao fato de, certamente, configurarem como
1 Disponível em: < http://www.wskits.com.br/lego-robo-mindstorms-kit> Acesso em: 03 mar. 2016.
350 Natalia Carvalhaes de Oliveira, Eude de Sousa Campos, Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar

projetos isolados e desarticulados de um projeto maior de educação es-


tadual. Isso significa que começam e morrem pouco tempo após o nas-
cimento. Além disso, destacam-se, também, a falta de qualificação pro-
fissional (robótica pedagógica) para tal fim e a inexistência de políticas
públicas eficazes de incentivo ao uso de novas tecnologias aplicadas à
educação, assim como o problema do viés mercadológico que a robótica
poderia assumir em prol do capital.
Um terceiro aspecto relacionado à qualidade envolve o controle e
a gestão do processo educativo. Deste modo, Melo (2006) ressalta que
os planos e metas se prestam a atender muito mais aos interesses de um
sistema e do capital do que às necessidades da escola. Dentre as diversas
metas do PNE, algumas delas estão relacionadas ao uso de tecnologias
com vistas ao processo de gestão, como a meta 2, que versa sobre a uni-
versalização do Ensino Fundamental e descreve as TIC como estratégias
de gestão ao trabalho pedagógico, visando à organização do tempo e das
atividades didáticas (BRASIL, 2014).
A prática docente e o uso das tecnologias, de acordo com alguns
documentos, podem incluir o uso de computadores junto com um pro-
grama de produtividade, exercício e prática tutorial e conteúdo da web,
além do uso de redes para fins de gestão (UNESCO, 2009a). Neste cami-
nho, também foi possível identificar que, dentre as estratégias propostas
pelo BM para a educação até 2020, está contemplada a “melhor gestão
dos sistemas de educação” (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 5-6).

[...] reforçar os sistemas educacionais significa alinhar a sua


governação, a gestão de escolas e professores, regras de fi-
nanciamento e mecanismos de incentivo, com o objetivo da
aprendizagem para todos. E porque as falhas de governação e
responsabilização têm geralmente os seus efeitos mais nefas-
tos nas escolas que servem os grupos mais desfavorecidos, este
sistema de gestão promove equidade educacional para além
da eficiência (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 5-6).
DIRETRIZES PARA A INSERÇÃO DE TECNOLOGIAS NAS ESCOLAS: FORMAÇÃO PARA O 351
CONSUMO E ALÍVIO DA POBREZA

A decorrência à visão a-histórica das tecnologias no processo de


ensino-aprendizagem se reflete na dissociação marcante entre as di-
mensões técnica e pedagógica de seu uso. Verifica-se a predominância
de uma visão tecnocêntrica, seja em uma abordagem instrumental e/ou
determinista. Na primeira perspectiva, as tecnologias são vistas como
inteiramente neutras, e as funcionalidades técnicas dependem das for-
mas de uso, sendo boas ou más. Já na perspectiva determinista, propa-
ga-se que o uso das ferramentas de caráter tecnicamente colaborativo
vai redundar necessariamente em práticas educativas colaborativas (FE-
ENBERG, 2010; PEIXOTO, 2015).
Echalar e Bueno (2015), ao retomarem o percurso histórico das
políticas públicas brasileiras para uso de tecnologias na educação e suas
repercussões em Goiás, afirmam que há lacunas políticas relacionadas
às mudanças de governo, acarretando uma descontinuidade das políti-
cas públicas no processo de informatização das escolas goianas.
O Núcleo de Educação a Distância (NUED), sob a responsabi-
lidade da Superintendência de Inteligência Pedagógica e Formação, é
responsável pela coordenação e gestão dos programas federais: Proges-
tão e Formação pela Escola, desenvolvidos por meio de tutoria junto à
rede estadual e em parceria com alguns municípios goianos. O Núcleo
desenvolve, basicamente, dois conjuntos de ações que consistem em:
proporcionar formas alternativas e infraestrutura básica para o desen-
volvimento de projetos de EAD e formação continuada; e, subsidiar a
formulação de políticas relativas à EAD, em suas diversas alternativas,
compreendendo especificamente o uso pedagógico das tecnologias da
informação e comunicação e os processos de formação decorrentes des-
sas abordagens, em consonância com as normas e diretrizes estabeleci-
das pelos órgãos competentes (SEDUCE, 2016).

A inserção das TIC para a redução da pobreza: os contextos de au-
mento da desigualdade social

A justificativa e os fortes argumentos apresentados nos documen-


352 Natalia Carvalhaes de Oliveira, Eude de Sousa Campos, Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar

tos dos OM analisados quanto à inserção das TIC centram-se na ne-


cessidade de redução da pobreza, uma vez que os pobres precisam ter
direitos garantidos para melhorarem sua condição social. Para isso, três
vertentes devem ser seguidas: inserção no mercado de trabalho, acessi-
bilidade e incentivo à cadeia produtiva.
No início de 1960, o BM incluiu o tema educação em seu pla-
nejamento de empréstimos, justificado pela necessidade de formação
de mão de obra necessária a impulsionar o desenvolvimento econômi-
co dos países mais pobres − tema recorrente até a atualidade (BANCO
MUNDIAL, 2002; 2003; 2010; 2011). Já em 2003, a mesma instituição
destaca a desigualdade de gênero no acesso às tecnologias da informa-
ção e da comunicação e a necessidade da aprendizagem para todos, para
além da escolarização em três aspectos norteadores, sejam eles: a qua-
lificação das pessoas para crescimento, desenvolvimento e redução da
pobreza; qualificação das competências do trabalhador às novas tecno-
logias e aumento na taxa de crescimento econômico mais elevado que as
médias de escolaridade (BANCO MUNDIAL, 2003).
Nessa sequência de entendimento, em documento publicado so-
bre os padrões de competência em TIC para professores, a UNESCO
(2009b) enfatiza três aspectos básicos para tal fim: a alfabetização em
tecnologia, o aprofundamento do conhecimento e a criação do conheci-
mento. Alfabetização em tecnologia estabelece a preparação de alunos-
cidadãos e uma força de trabalho, capaz de utilizar novas tecnologias
para apoiar o desenvolvimento social e melhorar a produtividade eco-
nômica. O processo envolve reestruturação nos currículos tradicionais
para a incorporação de diversas ferramentas relevantes de produtivida-
de e recursos tecnológicos. As mudanças na prática pedagógica envol-
vem o uso de diversas tecnologias, ferramentas e conteúdo eletrônico
em grupo e/ou individuais.
Cabe aqui uma severa crítica ao direcionamento para a constitui-
ção de uma força de trabalho, visto que “imprime ao processo formativo
a lógica de acumulação e produtividade. Esta, no sistema de formação,
traveste-se em uma falsa acumulação do saber” (ECHALAR, 2015, p.
DIRETRIZES PARA A INSERÇÃO DE TECNOLOGIAS NAS ESCOLAS: FORMAÇÃO PARA O 353
CONSUMO E ALÍVIO DA POBREZA

41). A autora ainda aponta que uma formação no viés neotecnicista


constitui um processo de alienação do sujeito de capacidade intelectual.
Lima (2004) ainda pode nos acrescentar que:

[...] com o advento do trabalho alienado (sobretudo na fase


taylorista-fordista), buscou-se estreitar o campo de saberes,
vinculando-os ao posto de trabalho e à formação profissio-
nal ligada ao modelo taylorista-fordista e estreitando-o, nessa
mesma perspectiva, tanto para diminuir o tempo/custo da re-
produção da força de trabalho quanto para manter o controle
do trabalho, cada vez mais alienado (LIMA, 2004, p. 226).

Nesse contexto, percebemos que os documentos da UNESCO e


do BM se apoiam nas concepções de sociedade vinculadas a uma políti-
ca neoliberal, em que “não considera a educação como um direito do ci-
dadão, mas como um produto para o mercado, um espaço de ‘compra e
venda’, de produtividade, de meritocracia e de resultados” (ECHALAR,
2015, p. 37). Para Libâneo (2013), a escola assume a contradição de ter
que oferecer uma educação para a formação do cidadão ativo e atuante,
em nossa sociedade, com o mínimo de conteúdo e estrutura.
Todo o exposto é ratificado nos documentos posteriores ao ano
de 2011 nos OM, em que se propõe, até 2020, ser necessário garantir
o acesso às TIC e outras tecnologias à população de modo a mudar o
perfil dos empregos requeridos pelos mercados de trabalho (BANCO
MUNDIAL, 2011).
Para refletirmos sobre a vertente acessibilidade, o enfoque inicial
será o PNE e a meta 4, que propõe universalizar o acesso ao ensino
para as pessoas com deficiência. Para que isso seja possível, pretende-se
garantir o acesso e a permanência dos (as) alunos (as) com deficiência
por meio da adequação arquitetônica, da oferta de transporte acessível,
da disponibilização de material didático próprio e de recursos de tec-
nologia assistiva. Assim, asseguram-se, no contexto escolar, em todas as
etapas, todos os níveis e todas as modalidades de ensino, a identificação
354 Natalia Carvalhaes de Oliveira, Eude de Sousa Campos, Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar

dos(as) alunos(as) com altas habilidades ou superdotação e o fomento a


pesquisas voltadas para o desenvolvimento de metodologias, materiais
didáticos, equipamentos e recursos de tecnologia assistiva. O objetivo é
promover o ensino e a aprendizagem, bem como as condições de aces-
sibilidade dos (as) estudantes com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.
Permitir o acesso não garante a inclusão, nem tampouco a per-
manência. Nos documentos propostos pelos OM, propõe-se uma abor-
dagem de educação inclusiva que vá além da matrícula, do acesso e da
permanência escolar, que perpasse a prática e a vivência, minimize as
angústias, as incertezas e os anseios dos verdadeiros atores da educação:
o professor e o aluno. Para Sarian (2012), a inclusão e a exclusão são
apresentadas nos documentos oficiais como oposição conceitual, em
que há a necessidade:

[...] de desmoronar as barreiras supostamente visíveis en-


tre os dois mundos: o mundo do incluído digital, aquele
que mobiliza a Internet para suas ações cotidianas e que,
portanto, pertence à lógica da informatização da sociedade
capitalista, significada como a Sociedade da Informação e
do Conhecimento, e o mundo do excluído digital, aquele
que, para o sujeito nele pertencer, deve fazer parte da es-
fera do digital, que se apresenta externa a ele: disjunções
visíveis, trabalhadas na oposição, na qual se projeta um
sentido para esse sujeito: o excluído se constitui pela falta
(SARIAN, 2012, p. 134).

A falsa dicotomia entre a inclusão e a exclusão, enquanto oposição


e não como contradição, promove a ilusão do incluir pela oportunidade
do acesso, e não pela discussão e superação efetiva das condições sociais
impostas pelo sistema econômico vigente, sendo, portanto, uma inclu-
são excludente. Os documentos, ao polarizarem os conceitos e não con-
ceberem sua real contradição, tratam a questão de forma que o mundo
DIRETRIZES PARA A INSERÇÃO DE TECNOLOGIAS NAS ESCOLAS: FORMAÇÃO PARA O 355
CONSUMO E ALÍVIO DA POBREZA

incluído digitalmente “pertence à lógica da informatização da sociedade


capitalista” (SARIAN, 2012, p. 134), e o mundo digitalmente excluído é
aquele que projeta o sentido dessa lógica oposta e externa para o indiví-
duo excluído digital.
A polarização desses conceitos nega o processo histórico de
constituição do processo educativo e de formação do sujeito na con-
temporaneidade. Essa oposição suscita uma nova desigualdade so-
cial, a dos parcialmente excluídos ou dos recém-marginalizados. A
igualdade jurídica em um contexto político de desigualdade social
cria, continuamente, novos meios de exclusão e, por conseguinte,
novos meios de incluir e de reintegrar os excluídos de forma degra-
dante (MARTINS, 2012).
No escopo de uma política neoliberal, verifica-se a manutenção
da desigualdade social, sendo que a miséria e a servidão são fatores his-
toricamente essenciais para a sobrevivência desse sistema. Nesta con-
cepção, a exclusão se configura como uma das estratégias históricas de
manutenção da ordem social, ou seja, de manutenção de distintas for-
mas de desigualdade.
Os processos educativos aparecem nas políticas públicas como es-
paços de excelência para os processos de inclusão digital e, consequen-
temente, de democratização social. Isso porque as tecnologias digitais
são capitalizadas pelos organismos internacionais como recursos para
impor condicionalidades aos projetos socioeducacionais dos chamados
países em desenvolvimento. A operacionalização da estratégia de inser-
ção das TIC no ambiente escolar é possível em razão das relações de
dependência econômica, mas também em função da maneira como as
tecnologias têm sido apropriadas simbolicamente, visto que são apre-
sentadas como dispositivo funcional direcionado para a eficiência do
processo de ensino e aprendizagem.
Para uma reflexão sobre o aspecto do incentivo à cadeia pro-
dutiva, se faz necessário referenciar a meta 7 do PNE, que trata do
fomento à qualidade mensurada pelo IDEB. As estratégias propostas
para a aquisição de TIC acontecem por meio do desenvolvimento de
356 Natalia Carvalhaes de Oliveira, Eude de Sousa Campos, Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar

tecnologias educacionais para a educação, bem como do acesso à rede


mundial de computadores em banda larga de alta velocidade, tripli-
cando, até o final da década, a relação computador/aluno(a) nas esco-
las da rede pública de educação básica (BRASIL, 2014). Assim, uma
política nacional cria justificativa para a comercialização de objetos
tecnológicos para as escolas, como notebooks e tablets, constituindo o
elo com a educação para interesses econômicos, e não uma concepção
de sociedade e mundo.
Observamos que a aquisição de TIC é frequentemente apresen-
tada como capaz de suavizar certas desigualdades, ou seja, de incluir,
em face de permitir novos modos de comunicação, acesso à informação
e organização da vida moderna. Todavia, não se discute que apenas o
acesso ou a tímida inclusão não oferece aos sujeitos meios para lidarem
com a realidade concreta da vida em sociedade, visto que não se busca
discutir suas contradições, dilemas e incertezas, mas inserir diretamente
os aparatos técnicos com imposição de regras e métodos.
A compra de maquinários conectados à internet seria essencial
para o desenvolvimento nacional, devido à lógica do capitalismo para
gerir o mundo do trabalho e a vida na sociedade. Todavia, as desigual-
dades de acesso e de uso dessas tecnologias são, antes, o prolongamento
de desigualdades econômicas e sociais pré-existentes (PEIXOTO; FI-
GUEIREDO, 2013).
Portanto, é perceptível que as tecnologias foram assumidas como
recursos inelutáveis para responder a tais demandas educacionais. Por
vezes recomendações, outrora imposições, as tecnologias estão na agen-
da obrigatória dos organismos nacionais e internacionais e se traduzem
nas de disponibilização de equipamentos e tecnologias em que escolas e
professores são simples condicionalidades para investimento financeiro
em nosso país. Verificamos a consolidação de um modelo consumidor
desses artefatos caros e sofisticados, ou seja, os meios tecnológicos digi-
tais se colocam mais como aparatos a serem consumidos do que como
objetos da intencionalidade docente.
DIRETRIZES PARA A INSERÇÃO DE TECNOLOGIAS NAS ESCOLAS: FORMAÇÃO PARA O 357
CONSUMO E ALÍVIO DA POBREZA

Considerações finais

Em um contexto global, é imperativo reconhecer que as políticas


de educação no Brasil resultam de transformações decorrentes dos pro-
cessos de reestruturação e manutenção do capitalismo mundial, tendo
como consequência a internacionalização, globalização das economias
e utilização de ações de ajustamento econômico e político de cunho
neoliberal, influenciadas por relatórios propostos por organismos in-
ternacionais, como o BM e a UNESCO. Neste sentido, priorizam-se as
relações de mercado em detrimento da vida social e da satisfação das
necessidades básicas da população pobre, sendo que a educação está no
centro desse contexto. O Estado mostra-se, cada vez mais, incapaz de
planejar e executar políticas públicas que minimizem a desigualdade e
garantam a equidade social.
A análise documental realizada mostra com clareza a ausência de
planejamento e política pública que garantam o acesso e a utilização de
TIC. No que tange ao ensino de ciências da natureza, a ausência de di-
recionamentos pontuais à melhoria do trabalho pedagógico com o uso
desses dispositivos nos faz questionar a real necessidade de gastos pú-
blicos para tal fim.
De modo geral, as diretrizes apresentadas em documentos oficiais
norteadores da política educacional para os países em desenvolvimento
enfatizam a utilização de tecnologias que possam preparar as pessoas
apenas para o mundo do mercado de trabalho. As discussões não devem
se esgotar a partir da pesquisa e propõem que o foco central da discus-
são seja posto em amplas discussões que possam subsidiar propostas ao
poder público, garantindo adequações com a criação de diretrizes espe-
cíficas que norteiem a utilização de TIC voltadas ao ensino de Ciências
no estado de Goiás.
358 Natalia Carvalhaes de Oliveira, Eude de Sousa Campos, Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar

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361

O ATENDIMENTO EDUCACONAL
ESPECIALIZADO NA REDE ESTADUAL DE
EDUCAÇÃO DE GOIÁS

Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira


Najah Gonçalves de Melo
Uyara Soares Cavalcanti Teixeira
Nelson Filice de Barros
Cleomar de Sousa Rocha
Ellen Synthia Fernandes de Oliveira

Introdução

A diversidade, tema bastante recorrente nas atuais políticas de edu-


cação inclusiva no Brasil, vem sendo discutida, defendida e reivin-
dicada por diversos segmentos sociais, principalmente pelos órgãos re-
presentativos de minorias historicamente excluídas, dentre elas pessoas
com necessidades especiais. Na escola, espaço síntese da sociedade, a
exclusão dos ditos “diferentes” tem se constituído em uma marca his-
tórica e recorrente do isolamento, da discriminação e dos preconceitos,
quando não são privados de tal processo educacional.
Os reflexos das lutas e os anseios sociais se consolidam na cons-
tituição de políticas públicas que, embora quase sempre não atendam a
plenitude da problemática, se apresentam como marca de conquistas e
avanços.
362 Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira, Najah Gonçalves de Melo, Uyara Soares Cavalcanti Teixeira, Nelson
Filice de Barros, Cleomar de Sousa Rocha, Ellen Synthia Fernandes de Oliveira

Como resultado desse importante ciclo de pressão popular, con-


solidado em políticas inclusivas, encontra-se a educação especial, cen-
trada, historicamente, na escolarização de pessoas com deficiência.
A partir da década de 1980, não só no Brasil, mas em todo o mun-
do, o modelo de educação segregada da pessoa com deficiência com
pressupostos clínico-hospitalares, promovida por instituições filantró-
picas, passou a ser questionado por diversos movimentos sociais. A
participação de pessoas com deficiência nas atividades pedagógicas em
escolas da rede regular de ensino torna-se uma reivindicação social que
ganha força e se torna bandeira de luta.
Como reflexo desse movimento no Brasil, tais reinvindicações são
contempladas pela Constituição Federal de 1988. Contrariando o mo-
vimento histórico da educação da pessoa com deficiência em escolas
especializadas, o art. 208, inciso III, contempla, de forma preferencial,
a garantia do atendimento escolar da pessoa com deficiência na rede
regular de ensino (BRASIL, 1988).
Em termos de políticas internacionais que contribuíram direta
e indiretamente com o movimento de direitos humanos e a esco-
larização da pessoa com deficiência em escolas da rede regular de
ensino, destacam-se: a Conferência Mundial sobre a Educação para
todos (Unicef), realizada em Jomtien, Tailândia, em 1990, em que se
estabeleceram objetivos no âmbito individual e coletivo para assegu-
rar uma educação para todos; o Congresso Internacional “Sociedade
Inclusiva”, em Montreal, Canadá, em 1994, que reforçou e convocou
a participação da sociedade civil a se comprometer e desenvolver
propostas, produtos e serviços para se criar políticas e práticas inclu-
sivas; a Conferência Mundial de Educação Especial em Salamanca,
Espanha, também em 1994, em que se buscou orientar a criação de
políticas e ações com foco na educação inclusiva, dando ênfase à es-
colarização da pessoa com deficiência em escolas comuns do ensino
regular.
As políticas públicas no Brasil, embora passíveis de aprofunda-
mentos e questionamentos, têm buscado contemplar os direitos de pes-
O ATENDIMENTO EDUCACONAL ESPECIALIZADO NA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO 363
DE GOIÁS

soas com deficiência, bem como aprofundar posicionamentos acerca de


conceitos e concepções.
O Ministério da Educação, por meio das secretarias de educação
especial, em conjunto com alguns segmentos representativos de pessoas
com deficiência, tem buscado aprofundamentos teórico-práticos com
tais conceitos e concepções, bem como encaminhamentos por meio de
políticas nacionais de educação especial, como: Política Nacional de
Educação Especial, 1994 (BRASIL, 1994a); Política Nacional para a in-
tegração da Pessoa Portadora de Deficiência (por meio do Decreto n.
3.298/1999), 1999 (BRASIL, 1999); Política Nacional de Educação Espe-
cial na Perspectiva da Educação Inclusiva, 2008 (BRASIL, 2008a).
A Política Nacional de Educação Especial de 2008 apresenta como
essência o Atendimento Educacional Especializado (AEE) (BRASIL,
2008a), tema proposto para aprofundamento neste texto. Enquanto ob-
jetivo, busca compreender como é realizado o atendimento educacional
especializado na Seduce, elencando a estrutura, a organização e as prin-
cipais políticas públicas de base.
Questões como perfil de formação demandado aos docentes atu-
antes no AEE, formação continuada e recursos utilizados nos ambientes
de AEE são discutidas ao longo do trabalho.
Enquanto metodologia, o estudo se caracteriza como explorató-
rio, transversal, de natureza qualitativa. A análise documental parte de
referendos oficiais nacionais e locais que subsidiam o AEE nas escolas
da rede pública estadual de Goiás. Para aprofundamento acerca do AEE
na Seduce, foi realizada uma entrevista semiestruturada com a respon-
sável pela Gerência de Ensino Especial, órgão encarregado pelas políti-
cas e ações inclusivas da Seduce.

Políticas de educação especial no Brasil

A publicação da Política Nacional de Educação Especial, em 1994,


buscou contribuir com a integração instrucional de sujeitos com algum
tipo de déficit de desenvolvimento dentro do ambiente de ensino re-
364 Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira, Najah Gonçalves de Melo, Uyara Soares Cavalcanti Teixeira, Nelson
Filice de Barros, Cleomar de Sousa Rocha, Ellen Synthia Fernandes de Oliveira

gular, mas com “condições de acompanhar e desenvolver as atividades


curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os
alunos ditos normais” (BRASIL, 1994a). Na avaliação do próprio MEC,
essa política não provocou “[...] uma reformulação das práticas educa-
cionais de maneira que sejam valorizados os diferentes potenciais de
aprendizagem no ensino comum, mantendo a responsabilidade da edu-
cação desses alunos exclusivamente no âmbito da educação especial”
(BRASIL, 2008a, p. ?).
De forma a contemplar os movimentos internacionais de inclu-
são, a política de 1999, denominada “Política Nacional para a Integração
da Pessoa Portadora de Deficiência”, instituída pelo Decreto nº 3.298
(BRASIL, 1999), trouxe para o seio do documento as bases da Declara-
ção de Salamanca (BRASIL, 1994b). Essa política nacional, em essência,
apresenta a educação especial como modalidade de ensino transversal
às demais modalidades e prevê a necessidade de as instituições educa-
cionais se organizarem para atender os educandos com necessidades
educacionais especiais, a fim de que sejam asseguradas as condições de
um ensino de qualidade na rede regular.
O PNE de 2001, em conformidade com a política de inclusão de
1999, estabeleceu metas e objetivos para que o sistema de ensino regular
pudesse efetivar o atendimento aos educandos com necessidades edu-
cacionais especiais (terminologia adotada na Declaração de Salamanca
de 1994, fazendo menção a um público mais abrangente da educação
especial). Como reflexo, a matrícula de alunos com deficiência na rede
regular de ensino passou a ser uma realidade mais efetiva. A partir des-
te direcionamento, necessidades mais emergentes de estruturação físi-
ca/arquitetônica, adequações de acesso e formação do corpo docente
atuante passaram a ser demandados. Destaca-se, nesse ínterim, que a
menção da política ao campo das “necessidades educacionais especiais”
pressupõe a ampliação de atendimento a outros alunos com alguma de-
manda especial no processo educacional.
A presença de alunos com deficiência nas escolas comuns da rede
regular de ensino, bem como a ampliação do atendimento a outros pú-
O ATENDIMENTO EDUCACONAL ESPECIALIZADO NA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO 365
DE GOIÁS

blicos, passou a demandar formação continuada aos docentes atuantes


na educação e aos futuros professores nos cursos de licenciatura das ins-
tituições de ensino superior. Ressalta-se que, até então, o atendimento a
esse público era realizado por professores especialistas em deficiência e
profissionais da saúde.
A Resolução CNE/CP nº 1/2002 (BRASIL, 2002a) foi instituída
prevendo a reestruturação nos currículos dos cursos superiores quanto
ao conhecimento específico para a educação especial, incluindo tam-
bém a produção e distribuição para o sistema braile, portaria nº 2678/02
do MEC (BRASIL, 2002b), e o reconhecimento legal da Língua Brasi-
leira de Sinais (LIBRAS) por meio da Lei nº 10436/02 (BRASIL, 2002c),
como meios e método para a concretização da prática pedagógica na e
para a educação especial.
O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), 2007, contem-
plou, como eixo, a acessibilidade arquitetônica de pessoa com defici-
ência nas escolas, salas de recursos e na formação continuada dos pro-
fessores. Para contemplar o PDE, a Lei nº 6.094/2007 implementou o
Plano de Metas Todos Pela Educação, contemplando programas e ações
visando à garantia do acesso e permanência de alunos com necessidades
educacionais especiais em escolas regulares de ensino.
Em 2008, o MEC instituiu a nova política de educação especial,
denominada “Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”.
Essa nova política trouxe como marco o reconhecimento do não alcance
dos objetivos propostos pelas outras políticas e expôs a incapacidade de
abrangência da educação especial ao público de educando com necessi-
dades educacionais especiais:

[...] mesmo com uma perspectiva conceitual que aponte para a


organização de sistemas educacionais inclusivos, que garanta
o acesso de todos os alunos e os apoios necessários para sua
participação e aprendizagem, as políticas implementadas pe-
los sistemas de ensino não alcançaram esse objetivo (BRASIL,
2008a, p. 9).
366 Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira, Najah Gonçalves de Melo, Uyara Soares Cavalcanti Teixeira, Nelson
Filice de Barros, Cleomar de Sousa Rocha, Ellen Synthia Fernandes de Oliveira

Assim sendo, a partir do reconhecimento de incapacidade e limi-


tação de recursos, meios e vontade política para abrangência das ações
inclusivas, a nova política de inclusão de 2008 passou a ser constituída a
um público mais restrito (pessoas com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação) e, como essência,
as ações inclusivas foram direcionadas ao Atendimento Educacional Es-
pecializado (AEE) (BRASIL, 2008a).
Como reforço da política nacional de educação especial de 2008,
mais especificamente sobre o atendimento educacional especializado, o
governo federal, em 2008, instituiu o Decreto nº 6.571. Em termos de
operacionalização do AEE, o MEC, em 2009, estabeleceu políticas espe-
cíficas do AEE por meio da Resolução nº 4/2009.
Em 2011, o governo federal apresentou o Decreto nº 7.611/2011,
que revogou o Decreto nº 6571/2008. Para além do AEE, esse novo do-
cumento dispõe sobre modificações sobre destinações de recursos do
Fundeb, formação continuada de professores, adequações estruturais,
provisão de recursos de materiais didáticos e paradidáticos em braile
e LIBRAS, salas de recursos multifuncionais, núcleos de acessibilidade
para instituições de ensino superior.

Um olhar acerca das políticas de atendimento educacional especia-


lizado

O AEE, fruto da política de educação especial de 2008, é caracteri-


zado como serviço de apoio especializado, voltado a minimizar as pos-
síveis barreiras de escolarização de estudantes com deficiências, trans-
tornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação,
contando com um conjunto de recursos e meios de acessibilidade dire-
cionados ao apoio pedagógico. Com cômputo de dupla matrícula, para
auxílio técnico-financeiro ao AEE, o AEE é de caráter não substitutivo
ao processo de escolarização (BRASIL, 2008a).
Para fins de esclarecimento, a Resolução nº 4/2009 considera
O ATENDIMENTO EDUCACONAL ESPECIALIZADO NA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO 367
DE GOIÁS

alunos com deficiência os estudantes com: impedimento, em caráter


de longo prazo, no âmbito físico, intelectual ou sensorial; transtornos
globais do desenvolvimento; quadro alterado de desenvolvimento neu-
ropsicomotor; comprometimento nas relações sociocomunicacionais
ou estereotipias no campo motor; altas habilidades ou superdotação,
com grande potencial e envolvimento com áreas do saber isoladas ou
combinadas, principalmente no campo do conhecimento, da liderança,
psicomotora, das artes e da criatividade.
O AEE objetiva prover o acesso, a participação e a aprendizagem
dos alunos da educação especial com vista à transversalidade das ações
(por meio de fomento de recursos didático-pedagógico), possibilitando
a continuidade dos estudos nos diferentes níveis, etapas e modalidades
do ensino (BRASIL, 2011).
Nessa perspectiva, o atendimento deve ser extensivo a todas as eta-
pas e modalidades da educação básica, de oferta obrigatória, em turno di-
ferente ao que o aluno estuda, sempre articulando com o ensino comum,
apoiando o desenvolvimento do aluno dentro da educação básica.
O AEE, prioritariamente, deve ocorrer: nas salas de recursos mul-
tifuncionais (SEM); na escola em que o aluno estuda ou em outra escola
comum da rede regular de ensino; em centros de atendimento educa-
cional especializado da rede pública ou mesmo em instituições comu-
nitárias, confessionais ou filantrópicas, sem fins lucrativos, conveniadas
com convênio firmado com as secretarias de educação ou órgão equiva-
lente (BRASIL, 2009).
O Decreto nº 7.611/2011 compreende AEE como um “conjunto
de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados ins-
titucional e continuamente”, que deve ser prestado de forma comple-
mentar ou suplementar, a partir do seguinte entendimento (§ 1º, incisos
I e II): I  -  complementar à formação dos estudantes com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento, como apoio permanente e li-
mitado no tempo e na frequência dos estudantes às salas de recursos
multifuncionais; ou II - suplementar à formação de estudantes com altas
habilidades ou superdotação.
368 Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira, Najah Gonçalves de Melo, Uyara Soares Cavalcanti Teixeira, Nelson
Filice de Barros, Cleomar de Sousa Rocha, Ellen Synthia Fernandes de Oliveira

As atividades realizadas no AEE, complementares ou suplementa-


res às atividades realizadas na escola regular, podem ser ofertadas dentro
da própria instituição de ensino, em salas de recursos multifuncionais
(SRM) ou em outro ambiente, como os centros de AEE da própria rede
pública ou em instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas
sem fins lucrativos.
A elaboração e execução do plano de AEE são de competência
do professor atuante na SRM ou em centros de AEE, sempre articulado
com os demais professores da sala de aula comum.
Considerando a etapa da avaliação pedagógica, a política nacional
de inclusão de 2008 apresenta que esta deve ocorrer dentro do contex-
to do aluno, levando em conta o conhecimento prévio adquirido pelas
experiências internas e externas à escola e novos conhecimentos, respei-
tando o tempo e ritmo de cada aluno.
Em termos de formação, a política preconiza que o professor que atua
no AEE tenha em sua base de formação inicial e continuada conhecimen-
tos de docência e específicos da área. A capacitação profissional, como se
refere o documento, deve agregar competência para o trabalho docente em
salas comuns do ensino regular, sala de recursos, centros de AEE, núcleos
de acessibilidade (previstos para a educação superior), classes hospitalares
e em ambientes domiciliares (contemplado em uma política própria) que
solicitem os serviços de atendimento de educação especial.
Os deveres do Estado para com os alunos da educação especial,
em conformidade com a política nacional de inclusão de 2008, são fir-
mados, em síntese, visando a um sistema educacional inclusivo, que
possibilite um aprendizado ao longo de toda a vida, sem exclusão e ale-
gação de deficiência.
Embora os diferentes referendos expostos apresentem definições,
objetivos, garantias de estrutura e recursos para a efetivação do AEE,
fica evidente a convergência de todas as ações inclusivas para uma única
vertente. Assim, faz-se necessário questionar se seria o AEE uma pro-
posta sólida e suficiente para que a histórica e almejada educação inclu-
siva ocorra.
O ATENDIMENTO EDUCACONAL ESPECIALIZADO NA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO 369
DE GOIÁS

O AEE na rede estadual de educação de Goiás

Para apresentar a estrutura e organização do AEE na Seduce, uti-


lizaram-se como apoio: as Diretrizes Operacionais referentes ao Plano
Estadual de Educação (GOIÁS, 2008); Orientações Operacionais refe-
rentes à Rede de Apoio à Inclusão (GOIÁS, 2014) e entrevista semiestru-
turada com a responsável pela Gerência de Ensino Especial da Seduce.
O AEE na Seduce, em conformidade com a Política Nacional
da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL,
2008a), almeja proporcionar ações pedagógicas a serem realizadas den-
tro da sala de aula comum da rede regular de ensino, respeitando-se
os níveis de desenvolvimento e ritmos de aprendizagem de cada aluno
− preferencialmente os alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação −, com atividades,
mediadas por professores, em salas de recursos multifuncionais (SRM),
dotadas de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos ou em Cen-
tros de Atendimento Educacional Especializado (CAEE). Durante a sua
trajetória, é previsto que o trabalho realizado pela Seduce apoie os de-
mais setores da educação (Ensino Fundamental e Ensino Médio) (GOI-
ÁS, 2008; 2014).
Com a abrangência de apoio à educação especial de todo o Es-
tado de Goiás, a Seduce conta com a Rede de Apoio à Inclusão (Reai),
composta por uma equipe multiprofissional que auxilia o atendimento
prestado nas diferentes escolas da rede no estado de Goiás. Diferentes
profissionais, como assistentes sociais, fonoaudiólogos, pedagogos, psi-
cólogos, professores de AEE, professor de apoio à inclusão, intérprete
de Libras, instrutor de Libras, instrutor de braile e profissional de apoio
administrativo de higienização integram essa rede e são responsáveis
pelo desenvolvimento de ações que buscam favorecer o desenvolvimen-
to dos alunos que carecem de um atendimento educacional especializa-
do (GOIÁS, 2014).
As orientações operacionais da gerência de ensino especial (GOI-
370 Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira, Najah Gonçalves de Melo, Uyara Soares Cavalcanti Teixeira, Nelson
Filice de Barros, Cleomar de Sousa Rocha, Ellen Synthia Fernandes de Oliveira

ÁS, 2014) preconizam que os profissionais que atuam com o AEE tra-
balhem de maneira interdisciplinar e itinerante, atuando nas escolas da
rede estadual e nos CAEE. A meta é contribuir com o processo de en-
sino-aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento, altas habilidades/superdotação, além de necessidades
educacionais especiais1. É também de responsabilidade da equipe rea-
lizar palestras e formação continuada para os profissionais que atuam
com os sujeitos-alvo da política de inclusão, bem como acompanhar e
orientar os familiares, e encaminhar, quando necessário, para atendi-
mentos específicos na área da saúde, assistência social, dentre outros.
O atendimento realizado pela Seduce, referente ao AEE, se desta-
ca em cinco áreas diferentes:

• Comunicação/códigos – Destinada para estudantes com defi-


ciência auditiva, deficiência visual ou outros casos que neces-
sitarem de mediações referentes à linguagem oral e/ou gráfica
(Libras, sistema braile/Soroban, Português para surdos, leitu-
ra/escrita);
• Desenvolvimento cognitivo – Visa ao atendimento relacionado
ao desenvolvimento das seguintes funções mentais superiores:
atenção, criatividade, raciocínio-logico, linguagem e outras;
• Enriquecimento curricular – Visa suplementar o currículo dos
estudantes com altas habilidades/superdotação;
• Tecnologias assistivas – Objetiva promover o desenvolvimento
funcional dos estudantes do AEE (orientação e mobilidade, ór-
teses e próteses, informativa acessível, atividades da vida diária
e outras);
• Arte – Destina-se a quaisquer estudantes atendidos no AEE
que necessitam de uma complementação ou suplementação
em termos de criatividade, imaginação, interação, linguagem,
1 Embora não contemplado pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva, de 2008, a Seduce, conforme apresenta a responsável pela Gerência de Ensino Especial,
proporciona atendimento, a partir de indicação da escola, a alunos com necessidades educacionais
especiais como TDAH, dificuldades de aprendizagem e outros.
O ATENDIMENTO EDUCACONAL ESPECIALIZADO NA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO 371
DE GOIÁS

planejamento, senso estético, ético, dentre outras funções e as-


pectos do desenvolvimento (GOIÁS, 2014a).

Esses atendimentos são ofertados dentro das unidades que a ge-


rência dispõe para a realização do AEE.
A responsável pela gerência de ensino especial da Seduce afirma
que o trabalho realizado se encontra em conformidade com a políti-
ca nacional de educação especial numa perspectiva inclusiva (BRASIL,
2008a) e se norteia pelo Decreto nº 7.611/2011 para orientar as uni-
dades/CAEE. Deste modo, os CAEE podem proporcionar recursos em
prol da eliminação de barreiras existentes para que a inclusão aos edu-
candos com necessidades especiais seja efetiva.
Com essa expectativa, os CAEE ofertam atividades que comple-
mentam e suplementam o desenvolvimento do educando, matriculado
na rede regular de ensino. O intuito é a aprendizagem do educando e
seu desenvolvimento de forma ativa, colaborando para a construção de
sua autonomia.
As ações nos CAEE são orientadas por projetos que visam a au-
xiliar o desenvolvimento de necessidades específicas: Projeto Re-fazer –
destina-se a estudantes com autismo; Projeto Autonomia, Socialização
e Interação – direciona-se aos estudantes com deficiência intelectual de
nível de apoio generalizado ou difusivo (pessoas com deficiência inte-
lectual que necessitam de apoio constante em todas as áreas de sua vida)
ou com paralisia cerebral associada à deficiência intelectual de caráter
acentuado; Projeto Formação Inicial do Trabalhador – para estudantes
com deficiência intelectual e/ou com transtornos globais do desenvol-
vimento com idade avançada; Projeto Atendimento Educacional Espe-
cializado, como dito, destinado aos alunos com deficiência, transtorno
geral do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
Para além do atendimento realizado nos CAEE, a Seduce conta
com o: Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Aten-
dimento às Pessoas com Surdez (CAS); Centro de Apoio Pedagógico
para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual (CAP); Núcleo de
372 Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira, Najah Gonçalves de Melo, Uyara Soares Cavalcanti Teixeira, Nelson
Filice de Barros, Cleomar de Sousa Rocha, Ellen Synthia Fernandes de Oliveira

Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S), e Núcleo de


Atendimento Educacional Hospitalar (NAEH), que oferecem atendi-
mento para os educandos que estejam em situação de internação ou
impossibilitados de iniciar ou continuar a sua escolaridade por motivo
de doença ou convalescença.

Estrutura e atendimento do AEE

Dentro dos processos educacionais, a gerência de ensino especial


atende todos os 246 municípios do estado de Goiás. Para abrangência
do atendimento às demandas da educação especial, conta a estrutura
com 40 subsecretarias regionais de educação e com uma Reai, que é for-
mada por profissionais que auxiliam no atendimento prestado às sub-
secretarias.
A gerência de ensino especial, localizada em Goiânia, além de via-
bilizar os AEE ofertados pelas instituições da rede e demais convenia-
das, é responsável pela estrutura de recursos e materiais, pela organiza-
ção e distribuição de toda equipe de apoio, pela promoção da formação
continuada de professores e demais profissionais que compõem toda
rede de apoio.
A modulação dos profissionais que compõem a Reai leva em con-
sideração o perfil e a demanda de atendimento. A gerência, de acordo
com a responsável pela área, oferta periodicamente formação aos do-
centes atuantes na Reai.
Para que o aluno seja atendido pelo AEE, a Seduce solicita aos
alunos ou familiares a apresentação de um laudo médico que comprove
seu enquadramento com deficiência e/ou transtorno global do desen-
volvimento. No caso de altas habilidades/superdotação ou dificuldade
de aprendizagem, a escola faz o encaminhamento à gerência de ensino
especial. Somente a partir do cumprimento de tais protocolos é que os
processos são analisados, e a estrutura de apoio é acionada. De acordo
com a responsável pela gerência de ensino especial da Seduce, embora
seja um entrave, há interesses a serem administrados e limitações de
O ATENDIMENTO EDUCACONAL ESPECIALIZADO NA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO 373
DE GOIÁS

destinação de recursos por parte da Seduce que necessitam ser compro-


vados. Sobre a questão de interesses, apresenta a seguinte justificativa:

Infelizmente, a forma que a Gerência vem atuando para ana-


lisar a necessidade de se ter um profissional de apoio em sala
de aula, é através do laudo. Porque existe a seguinte situação:
profissionais que almejam a função de apoio no AEE, por
entenderem que é um cargo mais fácil; por estarem perto de
aposentar; por estarem cansados, ou por um problema de saú-
de, solicitam a alteração de modulação.

Como suporte ao trabalho realizado nas diferentes instituições


educacionais distribuídas em todo o estado de Goiás, a gerência de en-
sino especial conta com uma equipe pedagógica responsável pelo mo-
nitoramento das ações que são realizadas dentro das instituições de en-
sino, pela frequência dos alunos dentro do AEE e pela formação dos
profissionais que ali atuam. Esse monitoramento se faz necessário, se-
gundo a entrevistada, para observar se o aluno está frequentando, se o
apoio está desenvolvendo o trabalho esperado e como o AEE está sendo
executado.
O atendimento realizado aos alunos com necessidades especiais
pode ser feito na própria instituição de ensino que o aluno frequenta,
nas salas de recurso multifuncionais (SRM) ou nos CAEE. Segundo a
entrevistada, “Atualmente temos 34 CAEE, entre conveniados e estadu-
ais, e são vários professores, pois o número de salas ali é maior, tendo de
3 a 4 salas de AEE”.
Segundo apresenta, os CAEE podem ofertar atividades que abran-
gem todas as áreas de ensino, tendo, para isso, SEM.. As SRM, de acordo
com as diretrizes orientadoras, são ambientes que possuem equipamen-
tos, mobiliários e recursos pedagógicos para que ocorra o AEE (GOI-
ÁS, 2014). A utilização desses recursos tem a finalidade de promover
condições de acesso, participação e aprendizagem aos educandos com
necessidades educacionais especiais. Essas atividades desenvolvidas nas
374 Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira, Najah Gonçalves de Melo, Uyara Soares Cavalcanti Teixeira, Nelson
Filice de Barros, Cleomar de Sousa Rocha, Ellen Synthia Fernandes de Oliveira

salas de recursos objetivam completar ou suplementar as atividades já


realizadas na sala de aula regular, na qual o aluno deve estar matricula-
do e frequentando. De acordo com a entrevistada,

Quase todas as escolas, mais de 800, já receberam as SRM.


Aconteceu de aluno precisar de sala de AEE e a escola não
ter a Sala de Recursos Multifuncionais. Pedimos para que a
escola se organizasse, porque existem muitas matérias, recur-
sos pedagógicos que possibilitam que seja feito um trabalho
pedagógico.

O professor de AEE que atua nas SRM instaladas dentro das esco-
las regulares tem como orientação o trabalho com todas as áreas de co-
nhecimento, prestando suporte ao professor da sala regular e assistindo
os alunos que necessitem de apoio.
Para auxiliar aos alunos, as SRM contam com o imobiliário
próprio para a realização dos atendimentos dentro dos CAEE. As
salas são classificadas em dois tipos: Tipo I e Tipo II. As salas com a
classificação Tipo II (Quadro 2) possuem todo o equipamento ofer-
tado para as salas Tipo I (Quadro 1), acrescentadas de recursos para
a alunos com deficiência visual (pessoas com cegueira ou baixa vi-
são).
O ATENDIMENTO EDUCACONAL ESPECIALIZADO NA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO 375
DE GOIÁS

QUADRO 1
Sala de recursos multifuncionais Tipo 1

Fonte: Manual de Orientação: Programa de Implantação de Sala de Recursos Multifuncionais –


MEC/SEEP (BRASIL, 2010, p.11).

QUADRO 2
Sala de recursos multifuncionais Tipo 2

Fonte: Manual de Orientação: Programa de Implantação de Sala de Recursos Multifuncionais –


MEC/SEEP (BRASIL, 2010, p.12).

Uma das atividades desenvolvidas pela gerência de ensino espe-


376 Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira, Najah Gonçalves de Melo, Uyara Soares Cavalcanti Teixeira, Nelson
Filice de Barros, Cleomar de Sousa Rocha, Ellen Synthia Fernandes de Oliveira

cial é o monitoramento do AEE, seja na escola regular ou no CAEE. O


monitoramento busca verificar a estrutura e o atendimento ofertado,
bem como a demanda de formação de professores para tal atendimento.
De acordo com a responsável pela gerência,

Há situação em que há “alunos de menos” para “carga horária


de mais” por professor, e situações inversas em que, de fato,
precisa ampliar a carga horária, ou que, de fato, precisa do
profissional de apoio para o acompanhamento individualiza-
do. Com este monitoramento pode-se verificar a real necessi-
dade de cada escola, se está ocorrendo o atendimento ou se é
preciso realocar.

Com o monitoramento, conforme apresentado pela gerência, a


equipe de multiprofissionais é dividida para realização dos acompa-
nhamentos. São visitadas, em média, cinco escolas durante aproxima-
damente um mês, onde se observa o emprego aos recursos didáticos
e humanos e como são enfrentadas as dificuldades ali apresentadas no
cotidiano do atendimento. Caso seja necessária a intervenção da equipe
de monitoramento, o período de acompanhamento pode ser estendido
para fins de auxiliar na resolução do problema.
A filosofia de trabalho da gerência de ensino especial da Seduce
é orientada a partir da concepção sócio-interacionista de Vygotsky, que
concebe o desenvolvimento humano a partir das relações sociais que
o sujeito estabelece ao longo da vida. Na perspectiva dos documentos
orientadores, a ideia é que o educador atue não como o detentor de
conhecimento, mas como mediador do processo de aprendizagem, pro-
porcionando situações que levem o aluno a questionar as suas próprias
ações, trabalho sempre buscando o diálogo e as trocas de experiências.
Em termos de amplitude e cobertura, a gerência de ensino espe-
cial realiza o atendimento a mais de 8.400 alunos da educação especial
matriculados na rede estadual de educação de Goiás. De acordo com a
responsável pela gerência, esse valor diz respeito aos alunos da educação
O ATENDIMENTO EDUCACONAL ESPECIALIZADO NA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO 377
DE GOIÁS

especial, porém, se levar em consideração as outras demandas atendi-


das, esse número ultrapassa o número de 11.000 atendimentos.
Para a realização de tais atividades do âmbito estadual, a Seduce
conta com 504 professores no AEE, atuando tanto nas escolas da rede
como nos AEE dos CAEE. O grande desafio, segundo a entrevistada,
é atender os alunos surdos, pois, segundo aponta, existe um déficit de
cerca de 300 intérpretes para as diferentes regiões de Goiás. Uma das ex-
plicações, para além do déficit de profissionais, é o baixo valor do profis-
sional que é contratado como profissional de nível educacional médio,
conforme preconiza legislação.
Os alunos que se deslocam para receber o AEE fora de suas insti-
tuições regulares recebem o atendimento duas vezes por semana, com
duração de uma a duas horas, de acordo com a organização realizada
pelo professor, partindo da necessidade de cada aluno ou grupo de edu-
candos. A gerência de ensino especial orienta que o atendimento reali-
zado no AEE se limite a um número máximo de seis alunos por sala, de
forma a ser efetuado de maneira mais efetiva.

Considerações finais

Este estudo buscou apresentar um aprofundamento acerca das


políticas de educação especial no Brasil, bem como compreender a es-
trutura, organização e oferta do AEE disponibilizado pela Seduce.
Embora haja muito a avançar na concepção, amplitude e nos di-
recionamentos das políticas públicas voltadas a pessoas com deficiência
em nossa sociedade, não se pode negar avanços e algumas importan-
tes conquistas alcançadas e incorporadas, principalmente no campo da
educação. A questão é que, como apresentam Teixeira e Almeida (2011),
embora importantes, a inclusão não se faz com leis, mas com atitudes
sociais.
O trabalho de campo na gerência de ensino especial da Seduce
possibilitou compreender melhor: a aproximação das políticas, dos do-
cumentos orientadores e das ações práticas do AEE; como se dá a Reai;
378 Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira, Najah Gonçalves de Melo, Uyara Soares Cavalcanti Teixeira, Nelson
Filice de Barros, Cleomar de Sousa Rocha, Ellen Synthia Fernandes de Oliveira

a composição da equipe de trabalho; a modulação, distribuição e forma-


ção continuada dos professores que compõem a equipe de trabalho; os
tipos de atendimento disponibilizados, e os protocolos de registro para
condução do atendimento pedagógico do aluno. As contradições entre
o idealizado e o preconizado se constituíram em contribuições sensíveis
da pesquisa na área de educação inclusiva.

Agradecimentos

Agradecemos: à gerência de ensino especial da Seduce, na pessoa


da gerente responsável pela área, pela disponibilização dos documentos,
pela concessão da entrevista e abertura para a pesquisa; à Universidade
Federal de Goiás e às instituições parceiras pelas contribuições e dispo-
nibilização de estruturas de apoio.

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